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Comitê Científico Alexa Cultural


Presidente
Yvone Dias Avelino (PUC/SP)
Vice-presidente
Pedro Paulo Abreu Funari (UNICAMP)
Membros
Adailton da Silva (UFAM – Benjamin Constant/AM)
Aldair Oliveira de Andrade (UFAM - Manaus/AM)
Alfredo González-Ruibal (Universidade Complutense de Madrid - Espanha)
Ana Cristina Alves Balbino (UNIP – São Paulo/SP)
Ana Paula Nunes Chaves (UDESC – Florianópolis/SC)
Arlete Assumpção Monteiro (PUC/SP - São Paulo/SP)
Barbara M. Arisi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Benedicto Anselmo Domingos Vitoriano (Anhanguera – Osasco/SP)
Carmen Sylvia de Alvarenga Junqueira (PUC/SP – São Paulo/SP)
Claudio Carlan (UNIFAL – Alfenas/MG)
Denia Roman Solano (Universidade da Costa Rica - Costa Rica)
Débora Cristina Goulart (UNIFESP – Guarulhos/SP)
Diana Sandra Tamburini (UNR – Rosário/Santa Fé – Argentina)
Edgard de Assis Carvalho (PUC/SP – São Paulo/SP)
Estevão Rafael Fernandes (UNIR – Porto Velho/RO)
Evandro Luiz Guedin (UFAM – Itaquatiara/AM)
Fábia Barbosa Ribeiro (UNILAB – São Francisco do Conde/BA)
Fabiano de Souza Gontijo (UFPA – Belém/PA)
Gilson Rambelli (UFS – São Cristóvão/SE)
Graziele Acçolini (UFGD – Dourados/MS)
Iraíldes Caldas Torres (UFAM – Manaus/AM)
José Geraldo Costa Grillo (UNIFESP – Guarulhos/SP)
Juan Álvaro Echeverri Restrepo (UNAL – Letícia/Amazonas – Colômbia)
Júlio Cesar Machado de Paula (UFF – Niterói/RJ)
Kelly Ludkiewicz Alves (UFBA – Salvador/BA)
Leandro Colling (UFBA – Salvador/BA)
Lilian Marta Grisólio (UFG – Catalão/GO)
Lucia Helena Vitalli Rangel (PUC/SP – São Paulo/SP)
Luciane Soares da Silva (UENF – Campos de Goitacazes/RJ)
Mabel M. Fernández (UNLPam – Santa Rosa/La Pampa – Argentina)
Marilene Corrêa da Silva Freitas (UFAM – Manaus/AM)
María Teresa Boschín (UNLu – Luján/Buenos Aires – Argentina)
Marlon Borges Pestana (FURG – Universidade Federal do Rio Grande/RS)
Michel Justamand (UNIFESP - Guarulhos/SP)
Miguel Angelo Silva de Melo - (UPE - Recife/PE)
Odenei de Souza Ribeiro (UFAM – Manaus/AM)
Patricia Sposito Mechi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Paulo Alves Junior (FMU – São Paulo/SP)
Raquel dos Santos Funari (UNICAMP – Campinas/SP)
Renata Senna Garrafoni (UFPR – Curitiba/PR)
Renilda Aparecida Costa (UFAM – Manaus/AM)
Rita de Cassia Andrade Martins (UFG – Jataí/GO)
Roberta Ferreira Coelho de Andrade (UFAM - Manaus/AM)
Sebastião Rocha de Sousa (UEA – Tabatinga/AM)
Thereza Cristina Cardoso Menezes (UFRRJ – Rio de Janeiro/RJ)
Vanderlei Elias Neri (UNICSUL – São Paulo/SP)
Vera Lúcia Vieira (PUC – São Paulo/SP)
Wanderson Fabio Melo (UFF – Rio das Ostras/RJ)
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Aldair Oliveira de Andrade
Elrismar Auxiliadora Gomes Oliveira
Eulina Maria Leite Nogueira
Renato Abreu Lima
Valmir Flores Pinto
(Organizadores)

EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E
CULTURA
Formação e Prática Docente

A presente obra foi financiada pela

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CONSELHO EDITORIAL
Presidente
Henrique dos Santos Pereira

Membros
Antônio Carlos Witkoski
Domingos Sávio Nunes de Lima
Edleno Silva de Moura
Elizabeth Ferreira Cartaxo
Spartaco Astolfi Filho
Valeria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel

COMITÊ EDITORIAL DA EDUA


Louis Marmoz - Université de Versailles
Antônio Cattani - UFRGS
Alfredo Bosi - USP
Arminda Mourão Botelho - Ufam
Spartacus Astolfi - Ufam
Boaventura Sousa Santos - Universidade de Coimbra
Bernard Emery - Université Stendhal-Grenoble 3
Cesar Barreira - UFC
Conceição Almeira - UFRN
Edgard de Assis Carvalho - PUC/SP
Gabriel Conh - USP
Gerusa Ferreira - PUC/SP
José Vicente Tavares - UFRGS
José Paulo Netto - UFRJ
Paulo Emílio - FGV/RJ
Élide Rugai Bastos - Unicamp
Renan Freitas Pinto - Ufam
Renato Ortiz - Unicamp
Rosa Ester Rossini - USP
Renato Tribuzy - Ufam

Reitor
Sylvio Mário Puga Ferreira

Vice-Reitor
Jacob Moysés Cohen

Editor
Sérgio Augusto Freire de Souza

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Aldair Oliveira de Andrade
Elrismar Auxiliadora Gomes Oliveira
Eulina Maria Leite Nogueira
Renato Abreu Lima
Valmir Flores Pinto
(Organizadores)

EDUCAÇÃO, CULTURA
E PRÁTICA DOCENTE

Embu das Artes - SP


2021

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© by Alexa Cultural
Direção
Gladys Corcione Amaro Langermans
Nathasha Amaro Langermans
Editor
Karel Langermans
Capa
K Langer
Imagens de capa
Elrismar Auxiliadora Gomes Oliveira, Zilda Gláucia Elias Franco e Pixerview
Revisão Técnica
Aldair Oliveira de Andrade e Michel Justamand
Revisão de língua
Vânia Cristina C. de Andrade
Editoração Eletrônica
Alexa Cultural

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S428a - ANDRADE, Aldair Oliveira de


O048 - OLIVEIRA, Elrismar Auxiliadora Gomes
N778 - NOGUEIRA, Eulina Maria Leite
L458 - LIMA, Renato Abreu
P659 - PINTO, Valmir Flores

Educação, currículo e cultura: formação e prática docente. Aldair Olivei-
ra de Andrade, Elrismar Auxiliadora Gomes Oliveira, Eulina Maria Leite
Nogueira, Renato Abreu Lima, Valmir Flores Pinto (Organizadores). Ale-
xa Cultural: São Paulo, EDUA: Manaus, 2021
14x21cm -234 páginas
ISBN 978-65-89677-25-3
1. Educação - 2. Formação e Prática Docente - 3. Amazonas - 4. Cutu-
ra - 5 - Currículo - I. Índice - II Bibliografia

CDD - 370

Índices para catálogo sistemático:


Educação
Formação e Prática Docente
Todos os direitos reservados e amparados pela Lei 5.988/73 e Lei 9.610
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emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da editora e dos organizadores

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PREFÁCIO

O entrelaçamento entre educação, cultura e formação/prática


docente tem sido posto como um dos mais promissores campos de
produção de conhecimento nos últimos anos. É possível dizer que
existe certa centralidade da cultura dentro deste campo de conheci-
mento, isto é, a cultura “[...] penetra em cada recanto da vida social
contemporânea, fazendo proliferar ambientes secundários, median-
do tudo” (HALL, 2007, p.22), o que significa que a cultura articula
em seu interior, um conjunto de práticas traduzido em diversas ma-
nifestações, tais como a produção de conhecimento, arte, filosofia,
religião entre outras experiências humanas importantes ao processo
de escolarização. Na educação, as teorias tradicionais, críticas e pós-
-críticas tem permitido elaborações conceituais que demostram os
aspectos de como a cultura orienta as práticas docentes, sua forma-
ção e a intersecção com as dimensões da vida traduzidas em currí-
culos escolares.
Podemos dizer que as temáticas das identidades, das diferen-
ças em suas diversas manifestações étnicas, de gênero, geracionais
entre outas tem mobilizado o conhecimento curricular. De igual
modo, a questão dos saberes necessários a uma prática docente
coerente, conectada à ética da vida, as políticas necessárias para a
superação dos desafios do cotidiano também tem mobilizado o mo-
dus operandi de um conjunto de professores e professoras do Sul
do Amazonas que, compromissados com as injustiças sociais, com
as ausências enunciadas no currículo e na formação, orientam uma
perspectiva de produção do saber guiados pelo pensamento decolo-
nial, isto é, pela prática da interculturalidade e suas possibilidades
de respeito à vida. Nesta obra, o leitor irá se deparar com encontros
entre dois grandes campos, a saber: Educação, currículo e cultura;
Formação e prática docente.
O Manuscrito traduz o esforço coletivo para compreender
a educação amazônica, vista como necessária para a formação de
sujeitos outros. Seguindo esse horizonte, o texto “A ressignifica-
ção do ensino no Sul do Amazonas: contingências, perspectivas e
o discurso como configuração do currículo intercultural/intercivi-

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lizacional” contribui para pensarmos o processo de formação in-
dígena no Brasil e no Amazonas, não apenas expõe um panorama
desse processo, mas conclama a uma educação intercultural crítica,
decolonizadora e intercivilizacional. Corrobora com essa percepção
a discussão que propõe refletir a “Educação e diversidade cultural
numa perspectiva da pedagogia crítica e decolonial”. Essa asserti-
va, potencializa interlocuções com a pedagogia Decolonial e Crítica,
retoma o conceito de interculturalidade crítica como possibilidade
de produção de uma educação centrada nas diferenças. Contribui
para pesarmos processos de emancipação social e educacional com
vistas a ética e respeito as matrizes culturais e identitárias dos sujei-
tos escolares.
Outro destaque que intensifica a articulação entre educação,
cultura e currículo é visualizado no manuscrito “Nossas relações
com o mundo e com o outro – culturas” texto que permite dilatar
nossa percepção de escola, cultura e currículo. A partir de reflexões
e ampla pesquisa junto ao povo indígena Parintintin, demostra o pro-
cesso astronômico, cosmogônico e cultural pelos quais os céus indí-
genas são conhecidos e significados. Não menos importante, são as
pesquisas que pensam a educação das populações tradicionais ama-
zônicas, destacando, por exemplo, a “Trajetória de uma pesquisa
em uma escola ribeirinha no sudoeste do amazonas”. Tendo como
principal interlocução a perspectiva da teoria da complexidade, os
autores mostram os modos como os saberes tradicionais etnobotâni-
cos em forma de utilização e conhecimento sobre as plantas medici-
nais de uma população ribeirinha amazônica se integram e contribui
para a educação científica na escola da comunidade.
Como observado, o tema do currículo em suas múltiplas re-
lações perpassa os textos escolhidos e são intensificados em “Prin-
cípios epistemológicos das teorias do currículo”. Nesta reflexão, o
leitor encontrará densas reflexões sobre o currículo como território
de contestação, isto é, como espaço que articula o saber – poder em
suas diferentes manifestações. Ao reconstruírem a história de como
as teorias curriculares foram/são produzidas, os autores entendem
que o currículo é uma máquina de produção de sujeitos, viabiliza a
construção de modelos operatórios da sociedade, interpõe-se como
mecanismos de produção de políticas e práticas pedagógicas, sus-
tentam, fazem aparecer e desaparecer ideologias.

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Em “Ensino de ciências da natureza e interculturalidade: um
olhar para a Base Nacional Comum Curricular” tem-se a ideia de
que a educação intercultural crítica na perspectiva decolonial articu-
lada a reflexões sobre a Base Nacional Comum Curricular urge de
reflexão e atualização. Neste contexto, mostra, a partir de reflexões
interculturais, o modus como a BNCC produz avanços e também
desafios para as elaborações de aprendizagens que considera a astro-
nomia cultural como importante campo de formação.
Para pensar a “Formação continuada no âmbito das políticas
públicas: possibilidades e desafios na adesão do PNAIC no municí-
pio de Humaitá- AM”, um conjunto de pressupostos são elaborados,
entre eles, destaca-se a ideia de que a “formação é primordial para
o exercício da carreira docente, fazendo-se necessário formá-lo em
sua totalidade e não dispor apenas de momentos pontuais e fragmen-
tados para atender aspectos tecnicistas”.
Esse modo de pensar a formação é ampliado com a ideia de
que a ética constitui ponto de equilíbrio e necessidade premente em
todo processo educativo. Ampliando a noção de “Cidadania e ética:
fundamentos para uma reflexão no ensino médio técnico”, impõe-
-se a analítica de que a “Ética e justiça na escola devem sempre se
fundamentar em valores de igualdade e equidade” e que os docentes
devem estar preparados para transpor desafios de promover espaços
de convívio em sociedade.
O mundo da vida, desafiados pelas múltiplas formas de como
se organiza a sociedade, requer reflexões constantes, com esse in-
tuito, torna-se importante conhecer a “a percepção dos professores
de filosofia sobre sua prática docente no ensino técnico do IFRO”.
Os professores entendem que a “Filosofia não é restrita ao intelecto
lógico, mas, avança para as relações com o mundo da vida do aluno
valorizando sentimentos, atualidade, trabalho, profissão”. Neste con-
texto, a escola é um espaço de complexidades, isto é, espaço em que
múltiplos conhecimentos se cruzam e interconectam. A matemática
não é diferente, se constrói e se articula a prática e a formação dos
professores e professoras. Indagações sobre o conhecimento escolar
impõe refletir sobre “o lugar dos saberes na formação e prática de
professores que ensinam matemática”. Pode-se dizer que esse lugar
aparece em “disciplinas específicas relacionadas aos conhecimentos
dessa área de estudo, a disciplina Matemática na Educação Infantil

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e Séries Iniciais do Ensino Fundamental e Metodologia e Prática de
Ensino de Matemática”. Estes são lugares de práticas e aprendiza-
gens professorais.
Tomando como prática pedagógica, um conjunto de ações
voltadas a orientar a sistemática de ensino, as múltiplas modalida-
des educacionais impõem necessidades de articulação entre a forma-
ção permanente e a ação reflexiva. Em “prática pedagógica na EJA
e o desafio para a efetivação da função qualificadora”, múltiplos
desafios são evidenciados, entre os quais se destacam as “questões
relacionadas ao tempo abreviado, espaço físico inadequado e
recursos pedagógicos insuficientes não voltados para esse tipo de
clientela”. Destaca-se a ideia de que essa modalidade educacional
requer atenção, na medida em que se ponta a necessidade de efetivar
melhorias pedagógicas e institucionais que deem conta de uma
educação equitativa e com políticas educacionais fortes.
Pensando no processo de constituição de uma educação qua-
litativa, encontra-se posto nesta obra, múltiplas reflexões que consi-
dera a “Abordagem do ciclo de políticas na análise dos indicadores
da qualidade na educação infantil: delineamento metodológico de
uma pesquisa de campo”. A questão da qualidade educacional pas-
sa pela perspectiva de que são necessárias boas políticas públicas
que integre espaços públicos e privados. O estudo alude a dimensão
entre “legisladores e interpretes” (BAUNAN, 2010), ao construir
a trajetória de lutas por políticas públicas escolares em termos de
Ciclo de Políticas.
Por fim, entendemos ser esta obra, um capítulo necessário
às reflexões teóricas, práticas, éticas e políticas que entrelaçam os
temas da cultura, do currículo, da identidade, da formação de pro-
fessores e professoras, do ensino de ciências naturais, da filosofia,
da matemática, dos etnosaberes, das populações tradicionais ribeiri-
nhas, indígenas, do ensino EJA, das cosmologias, etnoastronomias,
da reflexibilidade e criatividade do aprender e ensinar na fronteira
entre Educação, Currículo e Cultura/ Formação e Prática Docente.

Prof. Dr. Genivaldo Frois Scaramuzza


Universidade Federal de Rondônia

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APRESENTAÇÃO

A educação se tornou de extrema relevância no desenvolvi-


mento do país, pois se passou a perceber que diante das desigual-
dades sociais, ela é importante divisora entre aqueles que buscam
alcançar melhores situações de vida. Mas, é necessário mudar o
modo como ensinamos e como pensamos sobre a educação.
A promoção do diálogo entre universidade e escola constitui
uma ação fundamental para subsidiar o domínio teórico e prático
do fazer científico. Assim, este livro é resultado de um conjunto
de pesquisas científicas que aporta novos conhecimentos sobre as-
pectos históricos, culturais, educacionais, sociais e ambientais no
estado do Amazonas.
Os resultados demonstram o impacto das variáveis depen-
dentes em relação às populações amazônicas com o objetivo de
contribuir com os profissionais da área de ensino e por abordar
assuntos numa linguagem simples, direta e objetiva, podendo ser
apropriado por qualquer cidadão ou cidadã que deseja ampliar seus
conhecimentos sobre a temática em questão, pois o que se pretende
é atingir o maior público para que os conhecimentos e as discussões
na área educacional sejam propagados de forma plural.
Esta obra é composta de 12 capítulos, escritos por pesqui-
sadores de diferentes universidades e institutos federais do Brasil,
sendo uma maneira de ampliarmos o debate sobre o lugar do ensino
no por meio de estratégias intelectuais voltadas para a produção de
novos conhecimentos. Esse lugar de diálogo convoca a assumir o
ensino e a pesquisa como horizontes de expectativas através dos
quais podemos estabelecer parcerias para que novos paradigmas
sejam de fato a democratizar o saber e promover, de fato, a eman-
cipação das consciências.
Os capítulos foram organizados de modo que, ao final da
leitura, seja possível desenvolver análises críticas e reflexões so-
bre o processo de ensino-aprendizagem e de que forma podemos
contribuir com o crescimento na região amazônica. Em que pese à
diversidade de abordagens apresentadas, é possível perceber que os
capítulos desenvolvem argumentos fundamentados em teorias, me-

- 11 -
todologias e perspectivas que tomam o diálogo e o direcionamento
deste livro.

Desejamos a todos uma boa leitura!

Os organizadores

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SUMÁRIO
PREFÁCIO
Prof. Dr. Genivaldo Frois Scaramuzza
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APRESENTAÇÃO
- 11 -

SEÇÃO I - EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E CULTURA

A RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO NO SUL DO AMAZONAS:


CONTINGÊNCIAS, PERSPECTIVAS E O DISCURSO COMO
CONFIGURAÇÃO DO CURRÍCULO INTERCULTURAL/
INTERCIVILIZACIONAL
Alcioni da Silva Monteiro,Suely Aparecida do Nascimento Mascarenhas,
Renato Abreu Lima e Luis Ernesto Solano Becerril
- 19 -

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL NUMA


PERPECTIVA DA PEDAGOGIA CRÍTICA E DECOLONIAL
Kellyane Lisboa Ramos e Eulina Maria Leite Nogueira
- 35 -

NOSSAS RELAÇÕES COM O MUNDO E COM O OUTRO –


CULTURAS
Márdila Alves Bueno, Elrismar Auxiliadora Gomes Oliveira e
Eulina Maria Leite Nogueira
- 49 -

TRAJETÓRIA DE UMA PESQUISA EM UMA ESCOLA


RIBEIRINHA NO SUDOESTE DO AMAZONAS
Paula Regina Humbelino de Melo e Eliane Regina Martins Batista
- 69 -

- 13 -
PRINCÍPIOS EPISTEMOLÓGICOS DAS TEORIAS DO
CURRÍCULO
Luciane Rocha Paes; Eulina Maria Leite Nogueira
- 85 -

ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA E


INTERCULTURALIDADE:
um olhar para a base nacional comum curricular
Érica de Oliveira, Marta de Souza Rodrigues e Cristina Leite
- 103 -

SEÇÃO II - FORMAÇÃO E PRÁTICA DOCENTE

FORMAÇÃO CONTINUADA NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS


PÚBLICAS: possibilidades e desafios na adesão do PNAIC no
município de Humaitá- AM
Neila Gonçalves Vinente e Eliane Regina Martins Batista
- 123 -

CIDADANIA E ÉTICA:
Fundamentos para uma reflexão no ensino médio técnico
Rodrigo Monteiro e Valmir Flores Pinto
- 141 -

A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES DE FILOSOFIA SOBRE


SUA PRÁTICA DOCENTE NO ENSINO TÉCNICO DO IFRO
Euliene da Silva Gonçalves, Carmen Tereza Velanga e Clarides Henrich de Barba
- 157 -

O LUGAR DOS SABERES NA FORMAÇÃO E PRÁTICA DE


PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA
Ilmaçara Pereira Neves e Eliane Regina Batista Martins
- 177 -

A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EJA E O DESAFIO PARA A


EFETIVAÇÃO DA FUNÇÃO QUALIFICADORA
Rogério Feitosa Barros e Rosângela de Fátima Cavalcante França
- 195 -

- 14 -
ABORDAGEM DO CICLO DE POLÍTICAS NA ANÁLISE DOS
INDICADORES DA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
delineamento metodológico de uma pesquisa de campo.
Romilson Brito de Azevedo e Valmir Flores Pinto
- 209 -

SOBRE OS(AS) AUTORES(AS)


- 225 -

- 15 -
- 16 -
SEÇÃO I

Educação, Currículo e Cultura

- 17 -
- 18 -
A RESSIGNIFICAÇÃO DO ENSINO NO SUL DO
AMAZONAS: CONTINGÊNCIAS, PERSPECTIVAS
E O DISCURSO COMO CONFIGURAÇÃO
DO CURRÍCULO INTERCULTURAL/
INTERCIVILIZACIONAL
Alcioni da Silva Monteiro
Suely Aparecida do Nascimento Mascarenhas
Renato Abreu Lima
Luis Ernesto Solano Becerril

1. Introdução
Nas últimas décadas, a nação indígena conquistou direitos
significativos e efetivados, no entanto, ainda existem lacunas nos
campos educacionais necessários de reinvindicações a fim de propi-
ciar a eficácia da ressignificação educacional indígena.
A escola deve estar de acordo com as especificidades e dife-
renças culturais e vivências de cada povo. Sobre isso, o Referencial
Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI (BRASIL,
1998), aborda as características da escola indígena, sendo elas a ser
bilíngue, intercultural-intercivilizacional, específica e diferenciada.
Sobre isso, se faz necessário e importante, a formação dos pro-
fessores indígenas já preconizada em lei. Mas, para o reconhecimen-
to total da autonomia de um ensino diferenciado, o protagonismo
dos indígenas, precisa estar pautado no asseguramento da prepara-
ção e formação do profissional a qual atua com a educação escolar
indígena (MONTEIRO & MASCARENHAS, 2019).
Com as caracterizações para uma nova escola consolidadas e
ressaltadas na Constituição de 1988, estabelecer-se-á relações de re-
vitalização e ressignificação dos princípios dos povos indígenas fren-
te à confrontação analítica crítica social. Para isso, compreender e as-
segurar o processo intercultural e o reconhecimento identitários do
professor indígena como mediador das perspectivas de apropriação
do pensamento étnico político, se torna imprescindível nos interio-
res das universidades e instituições as quais fomentas as formações
implementadas e ofertadas.

- 19 -
Os limites e as possibilidades para a compreensão e aborda-
gem no cenário educativo e formativo aos povos indígenas, ainda
traz consigo, resultados das tensões conflituosas do colonialismo, e
por isso, as condições de valorizações e promoção do pensamento de
reafirmações diante das perspectivas dos próprios professores indí-
genas, são consideradas nos discursos por muitos índios, um desafio,
não obstante de suas realidades.
Neste trabalho, os discursos e perspectivas dos professores in-
dígenas entrevistados demonstra nitidez, o quão é necessário ouvir e
compreender as reivindicações e resistências das abordagens de va-
lorização frente à própria existência indígena pautadas nas contradi-
ções da contemporaneidade.

2. Educação escolar indígena no Brasil: uma história de do-


minação e conflitos
Nos últimos anos, as conquistas dos povos indígenas vêm se
alicerçando nos campos educacionais de forma considerável diante
de muita opressão ao longo dos séculos. Todavia, falar de êxitos ad-
quiridos diante das formações de professores indígenas, sem consi-
derar suas lutas e conflitos, seria de igual pensamento, não reconhe-
cer os valores e cultura dos índios.
Esse percalço que ainda segue no presente século, se culmina
pela necessidade de se reforçar à sociedade, o amparo legal ao res-
peito e garantia para a educação diferenciada a qual os índios têm
direitos, conforme garantido na Constituição Federal (2017, p. 124)
que ressalta,
art. 210, § 2°. “O ensino fundamental regular será ministrado em
língua portuguesa, assegurada as comunidades indígenas também a
utilização de suas línguas maternas e processos próprios de apren-
dizagem”.

O resultado advindo das perspectivas predominante colonia-


lista, estabeleceu uma desconsideração persistente que evidencia o
preconceito e violência aos modos tradicionais dos povos indígenas.
Essa marginalização social ocorre como resultado da exploração,
violência e domesticação do índio com o objetivo de ‘civilizá-los’.
Gradativamente, os colonos assumiram o território, a imposição da
identidade e também a religiosidade dos originários do Brasil.

- 20 -
Para fortalecer o contexto de emancipação dos índios, os je-
suítas implantaram projetos escolares na tentativa evangelizar e es-
colarizar os povos que segundo Grupioni (2006), a escola foi imposta
para os índios com modelos representativos dos objetivos do poder
colonial e subsecutivo dos interesses das superestruturas do Estado.
Gradativamente as imposições aos índios foram tomando
proporções de exploração e violência extrema ainda mais frequente.
Documentos surgiram como alternativa a submissão dos povos indí-
genas, e assim posteriormente. Conforme Grupioni (2004), a igreja,
na época, também revelou suas contribuições para tentar minimizar
os atos de violência. Porém, de nada adiantou, as lutas e dominação
continuavam a resistir, mesmo com as ameaças de excomungação
dos religiosos.
É importante ressaltar que, as elaborações dos direitos aos ín-
dios, foram sancionadas diante de reinvindicações e lutas, conquis-
tadas no processo de redemocratização da promulgação da Consti-
tuição Federal em 1988. Foi a partir desse asseguramento em lei, que,
os indígenas iniciaram seu ingresso na perspectiva de uma possível
autonomia na escola.
Assim, a formação do professor indígena, deve estar atrelada
na capacidade de preparar o profissional educacional para exercer
o papel de um professor capaz de atuar na organização curricular
intercultural da escola bem como, mediar e articular as informações
que norteiam o desenvolvimento escolar, sequenciando habilidades,
a história de seu povo e contextos de valorização da língua e cultu-
ra indígena nos espaços escolares e concomitante em sua prática de
atuação no processo de ensino e aprendizagem.

3. A construção do Currículo indígena nas preconizações


das leis

Como já vimos anteriormente, o propósito da escola do perío-


do colonial era de catequizar e dominar o índio. E mesmo após 500
anos depois, os povos indígenas lidam com a falta de contemplação
na preparação de um currículo verdadeiramente intercultural e di-
ferenciado.
Diante de propostas e realidades atuais, o que se vê em com-
provações em meio a diversos estudos científicos, são processos de
ensino e aprendizagem norteados pelo currículo não indígena. O

- 21 -
fato é que, a pertinência das constituições curriculares das escolas
indígenas, só se destacou a partir da Constituição de 1988.
Com o ato de conquista à visibilidade para um ensino próprio,
diferenciado e bilíngue, o ensino escolar dos índios passa a exigir,
uma concepção de currículo de acordo com as necessidades e reali-
dades dos povos originários do Brasil. Contudo, essa abordagem, se-
gundo Monte (2000, p.50), já era discorrida desde 1953 pela UNES-
CO, que manifestava “a importância para o uso da língua materna”
nas formulações próprias da educação escolar indígena e “reformu-
lações nos paradigmas e fundamentos políticos e técnicos” a fim de
assegurar, um olhar de respeito e a salvaguarda dos direitos para a
sociedade indígena.
Contudo, para se conceber um currículo norteado em proje-
ções interculturais, é necessário pensar na formação dos professores
indígenas atreladas à compreensão e importância de se atuar com
base nas caracterizações dos saberes tradicionais para a revitalização
e reconstrução da significação dos conhecimentos tradicionais como
identidade da nação indígena.
Para tanto, o currículo deve estar assegurado na construção
coletiva e ocorrido ao longo prazo, como enfatiza Monte (2000). Tal
concepção, também é assegurada nos preceitos da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional de 1996, na qual discorre no Art. 26
– A, em seu §1º:
O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diver-
sos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da
população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o
estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos
povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o
negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as
suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinen-
tes à história do Brasil (2018, p. 20).

A tarefa de contemplação dos aspectos para o currículo da


educação indígena não é fácil, contudo, as secretarias de educação
devem valorizar e respeitar as atribuições necessárias para tal con-
cretização.
Entretanto, é notória por meio de relatos abordados nos di-
versos estudos científicos, a realidade contraditória aos aspectos dis-
corridos para a elaboração do currículo. Professores e comunidade

- 22 -
indígena devem contribuir e contemplar as tarefas para a construção
do currículo juntamente com as contribuições da secretaria de edu-
cação.
É um processo em conjunto e paulatino, onde se construirá
novos caminhos para novos significados e práticas escolares. O que
ainda dificulta essas ocorrências, não somente nas formulações dos
currículos, mas nas realizações e normatizações dos aspectos legais
das formações superiores e educação escolar como um todo. Segun-
do Grupioni (2006) é, a falta de interesse político, a qual dificulta a
efetivação dos direitos conquistados.
Assim, é necessário que a valorização da identidade, cultura e
os valores dos índios sejam compreendidos com novos reposiciona-
mentos contemporâneos acerca dos contextos educacionais. Fazen-
do com que seja considerado nas esferas sociais e políticas, a garantia
e efetivação de espaços e processos igualitários sem a negação da
importância da nação indígena para a construção de novos conhe-
cimentos e interações proveitosas para a sociedade como um todo.

4. A política educacional indígena em Lábrea: Limites e de-


safios para a ressignificação do Ensino

O sistema atual de educação no Sul do Amazonas, surgiu em


consequência das lutas e conquistas dos índios juntos a FUNAI e
outros movimentos, que apoiaram e lideraram ações para a sistema-
tização territorial e educacional dos povos originais do Brasil.
É notório que a formação superior dos profissionais indígenas,
ainda discorre de forma paulatina. Mesmo com a garantia de acesso
à educação, as políticas públicas implementadas nos municípios do
Amazonas, tencionam ainda, aspectos estruturais de uma sociedade
que ainda viola o respeito aos povos indígenas.
Quando se trata de Educação Indígena, veremos que, passado o sé-
culo XX, ainda não temos uma Educação Indígena estruturada com
suas especificidades e cujos educadores possuam a devida formação
que garanta um ensino de qualidade para as mais variadas culturas
e realidades existentes no Brasil. Falando nisso, ainda recentemente
muitas escolas localizadas em terras indígenas encontravam-se fora
dos sistemas de ensino dos estados, sendo, portanto, “clandestinas”.
Nessas escolas, a maioria dos professores tem formação de Magis-
tério, em nível de Ensino Médio, mas parte desses docentes não
concluiu o Ensino Fundamental. Isso dificulta o ensino e a apren-

- 23 -
dizagem dos alunos indígenas e a prática da língua materna com
a alfabetização, como está garantida na Constituição de 1988. Isso
sem contar que o professor indígena não conta com estímulos para
a sua prática pedagógica (KAINGANG, 2006, p. 201-202).

Diante de tantas realidades inconstantes, o trabalho do profes-


sor fica fragilizado e sem estabilidades na articulação dos saberes e
modos para as práticas em sala de aula, a fim de, garantir a valoriza-
ção identitária e reafirmação da cultura do índio.
Em face desses conflitos, foi implementado, em 2016, o pro-
grama Ação Saberes Indígenas na Escola no munícipio de Lábrea
(Sul do Amazonas). Mesmo sendo obrigatoriedade das esferas go-
vernamentais, promover formações ao professor indígena, houve
muitos entraves para a efetivação do curso.
Segundo informações obtidas na Secretaria Municipal de
Educação e Cultura (SEMEC, 2019), a pactuação do curso ocorreu
em 2014, porém, sua implementação e validação só ocorreu somente
em 2016, com a promoção e parceria da SEMEC com a Universidade
Federal do Amazonas (UFAM) que logo, enfrentou crises financeiras
e estendeu a parceria ao Instituto Federal do Amazonas (IFAM).
O curso de formação continuada, abordou professores indíge-
nas atuante do quadro municipal labrense. Parte do processo se efeti-
vou via edital, onde houve, a seleção dos formadores e supervisores.
Os professores cursistas, foram selecionados pela a coordenação da
educação indígena e legitimado pelo o representante legal da secre-
taria de educação do município.
Para o ingresso no curso, foram selecionados 40 (quarenta)
professores com o ensino fundamental e médio incompleto ou com-
pleto, como demonstra o gráfico abaixo do quadro de professores de
2019, fomentados por meio das informações dos estudos de Montei-
ro (2019).

- 24 -
GRÁFICO 11

Elaborado e reestruturado pela autora Monteiro (2021).

O curso não tem caráter de ensino superior, pois, sua ideali-


zação está direcionada na promoção de subsídios específicos e in-
terculturais que habilite a reorganização curricular no atendimento
aos processos de letramento e numeramento, subsidiado nos saberes
tradicionais para a construção dos conhecimentos dos anos iniciais
da educação básica.
Para Argueta Villamar e Pérez Ruiz (2019), os sistemas de co-
nhecimentos tradicionais e científicos, se entrelaçam nos povos e cul-
turas, sendo os mesmos, reconstituídos, fortalecidos e diferenciados
nas especificidades e línguas dos povos. Esta forma de abordagem
do pensamento, abre caminhos para revitalização e reconhecença da
subjugação marginalizada no processo histórico acerca das vivências
dos povos originários do Brasil.
Todavia, promover esse processo de conscientização ainda é
um trabalho complexo, pois, quando se confronta a realidade dos
professores indígenas, nos deparamos com muitos profissionais
atuando em sala de aula, somente com a formação mínima, não con-
dizendo com os preceitos do artigo 62 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional.

1 Este gráfico foi elaborado pela autora MONTEIRO, Alcioni da Silva. (2021), em conso-
nância com os dados fomentados na dissertação de Mestrado: “Programa Saberes Indíge-
nas na Escola: avaliação de possibilidades e limites na construção de uma formação do-
cente para um ensino diferenciado, intercultural e bilíngue”, Lábrea-AM. 2019 da própria
autora. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Humanidades) - Universidade
Federal do Amazonas, Humaitá, 2019.

- 25 -
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-
-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida,
como formação mínima para o exercício do magistério na educação
infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a ofere-
cida em nível médio, na modalidade normal (BRASIL, 2018, p. 41).

Esses conflitos, tornam a atuação do professor nos cotidianos


da escola, um fardo fastidioso quando não o deveria ser, pois, ao se
depar em situações problemas no interior da sala de aula, o docente
não se sentirá capacitado e preparado, para conduzir o processo de
ensino e aprendizagem em favor da comunidade ou aldeia que atua.
Dessa forma, a necessidade de reforçar as discussões sobre a
realidade e anseios dos professores indígenas e entender suas pers-
pectivas, se torna cada vez mais imprescindível. Professores in-
dígenas com a formação adequada a atuação na educação escolar,
garantirá aos estudantes indígenas, uma educação diferenciada e
verdadeiramente intercultural-intercivilizacional. Assim, consegui-
rá direcionar a emancipação dos pensamentos ideológicos frente ao
processo de dominação ocorrida na história do Brasil.
As escolas das comunidades indígenas também não ficarão
limitadas frente aos desafios, pois, a preparação do profissional per-
mitirá que o mesmo guie de forma específica e analítica as relações
dos conhecimentos tradicional e científico. Isso promoverá concep-
ções autônomas em uma sociedade mais coerente, seja considerado
entre a humanidade, formas de construção de pontes, para ampliar
os modos de convivência a fim de propiciar outras formas de conhe-
cimentos.
Esse contexto ainda é um grande desafio, pois está pautado em
esforços e ações de toda a sociedade, mas, devendo ser prioridade,
conforme Grupioni (2006, p. 07), dos “gestores e técnicos governa-
mentais, especialistas, lideranças e comunidades indígenas”.

5.Contingências, perspectivas e o discurso como configura-


ção dos currículos intercultural-intercivilizacional

A atuação dos professores indígenas do município de Lábrea,


vem tomando proporções transformadoras, pois, ao longo dos anos,
a constituição não assegurou somente o reconhecimento aos povos,
mas, garantiu o usufruto dos direitos os quais os índios conquistaram.

- 26 -
As diferenças culturais e o tratamento de alienação e violência
foram reconhecidos, e isso foi considerado na promulgação de direi-
tos especiais. Entretanto, reconhecer não é suficiente quando,
Após séculos de um processo de homogeneização destruidora,
como resultado da conquista, colonização, escravidão e dominação,
o Brasil ensaia um novo descobrimento e um novo processo: in-
corporar sua diversidade. É apenas uma tendência, mas certamente
uma vigorosa manifestação de vida e possibilidades, intimamente
associada a resistências e lutas que, nas últimas décadas, vêm ali-
mentando a própria democratização do Brasil. Dado o vigor da
ideologia civilizatória que presidiu a nossa contraditória formação
histórica, temos dificuldades de nos reconhecer como uma socie-
dade multiétnica, multicultural e multilinguística. Os povos indíge-
nas e a questão indígena têm um lugar fundamental nesse processo
(GRZYBOWSKI, 2004, p.07).

Com a segurança assegurada nas Constituição Federal, a so-


brevivência da nação indígena ficou resguardada, porém, o grande
desafio ainda é, integrar e incorporar em uma sociedade harmônica.
Dessa forma, a educação se torna cada vez mais necessária como o
norte de mediação nos processos de conscientização para a autono-
mia plena dos povos originários do Brasil.
Para atender essas demandas, se faz necessário compreender
os paradigmas que fomentam o currículo das realidades indígenas
em consonância com os discursos dos professores indígenas. En-
tender também, como esses docentes reconhecem suas representa-
tividades para subsidiar seu papel frente ao processo educativo para
produzir e reafirmar a identidade indígena.
No intuito de validar essas contextualizações, abordaremos o
discurso como configuração do sentido da linguagem (discurso) e
prática (ação). Para isso, temos que perceber a escola como produção
de sujeitos, uma vez que a relação com o currículo sempre esteve
presente nos objetivos de escolarizar o índio para descaracterizar sua
essência identitária.
À vista disso, mesmo em tempos de conquistas onde a escola
já assume papel para um processo de mobilização frente à ressig-
nificação educacional indígena, muitos professores indígenas, ainda
traz em seus pronunciamentos, a representação das influências de
práticas sociais relacionadas à violência e negação da cultura, língua
e identidade dos povos indígenas.

- 27 -
Essas condutas, são resultado da história de conflitos e lutas
ocorridos desde os primórdios da colonização do Brasil. O discurso
como produção de um momento histórico ou da realidade em que se
insere, produz sentido contraditório ao cerne da estrutura curricular
intercultural frente as conquistas em que se propaga, a educação es-
colar indígena do século atual.
Para Hall (2016, p. 80),
É importante notar que o conceito de discurso nesse uso não é
puramente um conceito “linguístico”. Tem a ver com linguagem e
prática, tenta superar a tradicional distinção entre o que uma diz
(linguagem) e o que a outra faz (prática). O discurso, argumenta
Foucalt, constrói o assunto. Ele define e produz os objetos do nosso
conhecimento, governa a forma com que o assunto pode ser signifi-
cativamente falado e debatido, e também influência como ideias são
postas em prática e usadas para regular a conduta dos outros. Assim
como o discurso “rege” certas formas de falar sobre um assunto, de-
finindo um modo de falar, escrever ou se dirigir a esse tema de for-
ma aceitável e inteligível, então também, por definição, ele “exclui”,
limita e restringe outros modos.

A ação humana é construída em consonância com a ideia que


o sujeito carrega em diferentes campos da história e contexto social
do qual está inserido. Dessa forma, abordamos algumas percepções
dos professores indígenas do quadro municipal de Lábrea, para con-
cretizar o discurso como produção da ação humana.
A este propósito, Monteiro (2019, p. 101) questionou os pro-
fessores indígenas sobre suas perspectivas sobre a estruturação do
currículo das escolas as quais atuam com a seguinte provocação “Na
sua percepção, como é pensado e estruturado o currículo para escola
indígena? ”, e, obteve como resposta: 67% dos professores entrevista-
dos, responderam que os aportes do currículo escolar são “apresen-
tado pela SEMEC” e 33% disseram que é “ construído pela SEMEC,
professores e comunidade escolar”.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996 é elu-
cidativa quando determina a promoção e desenvolvimento de pro-
gramas para o efeito de um ensino intercultural e bilíngue. Com es-
sas elucidações, a revitalização da identidade, valorização da língua
e cultura dos povos deveria ser uma contextualização concreta na
produção do currículo.
Diante dessas perspectivas apresentadas nas porcentagens de
respostas dos professores indígenas, o currículo ainda é organizado

- 28 -
pela esfera educacional do município de Lábrea, como um espaço
de transmissão do conhecimento. Pois, quando é instituído um cur-
rículo pronto e acabado, a proposta ainda é de ato de negação e im-
posição.
De acordo com Monteiro (2019, p.101 - 102), isso ocorre por-
que são resultados de conflitos contraditórios na qual advém das
[...] considerações da formação humana para as atuações no pla-
no concreto. Nesse efeito pode ocorrer que a formação do homem
ocorra como uma deformidade em seu pensamento e forma de
posicionar na sociedade. Como consequência, o processo ensino e
aprendizagem se torna um círculo vicioso e deficiente quando os
professores apenas produzem aquilo que aprenderam, sem cami-
nhar em análises e reflexões acerca do processo da educação formal
que estão promovendo. É necessário que os próprios professores
percebam sua cidadania diferenciada, mesmo que ainda em cons-
trução está sendo conquistada mesmo com diversas dificuldades e
resistências.

É preciso não somente a participação da comunidade indíge-


na e envolvidos no processo escolar, como também que o professor
compreenda que é sua essência crítica que promoverá a educação
intercultural conectada a uma formação coerente e intercultural bem
como, com a autonomia do currículo diferenciado e intercultural in-
tercivilizacional.
A esse respeito, Schmelkes (2005, p. 9) afirma,
Aunque seguramente esta característica del curriculum puede y
debe seguirse profundizando en el futuro, se trata ya de un curri-
culum que toma en cuenta la diversidad y la valora, que propone
la construcción de una infancia capaz de ver la diversidad como un
hecho de la vida, y que se propone el desarrollo de la infancia ha-
cia el aprecio de la diversidad como riqueza. Es una muestra de los
avances de un país que no sólo se ha reconocido como pluricultural,
sino que aspira a ser cada vez más intercultural.

Com o currículo intercultural - intercivilizacional considera-


do uma nova realidade para o reconhecimento e igualdade na qua-
lidade do processo de ensino e aprendizagem dos estudantes indíge-
nas, será possível promover um novo cenário contrário as práticas
tradicionais e não indígenas.
Ainda nesses pressupostos, Monteiro (2019, p. 113) provoca
os professores com a pergunta, “Na sua concepção, se não houvesse
a obrigatoriedade de um currículo diferenciado para a educação es-
- 29 -
colar indígena, como você mediaria o ensino valorizando a cultura e
identidade indígena? ”.
Como resposta, segundo Monteiro (2019), os professores dis-
cursaram em sua maioria que nunca haviam pensado no assunto e
que os mesmos, em sua maioria, não sabiam o significado de uma
educação intercultural ou currículo intercultural.
Por isso, se faz necessário abordar os conceitos nas forma-
ções e também, nas jornadas para as formações pedagógicas. Para
entender com limpidez, foi abordado ao coordenador de educação
indígena do município labrense, no ano corrente, “Como a secretaria
de educação, órgão responsável pela educação indígena no municí-
pio, percebe e promove a interculturalidade diante ao currículo e o
contexto educacional indígena como um todo? ”, o mesmo ressaltou
que:
2
Entendemos a importância de as escolas indígenas serem diferen-
ciadas, pois eu também sou indígena e almejo o melhor para meu
povo e parentes. Todavia, muitos processos educacionais se confi-
guram nas esferas políticas e isso, acaba barrando muitas ações e
concretizações para o processo da educação escolar diferenciada
e intercultural. Mas, essas ocorrências, não enfraquecerão as lutas
para as possibilidades de melhorar a educação indígena não. Todos,
da secretaria de educação, estão comprometidos com a promoção
real da ressignificação do ensino intercultural dos povos indígenas.
O currículo intercultural é um processo novo nas contextualizações
da própria educação escolar indígena. Assim, todos os envolvidos
(professores e profissionais da educação escolar indígena), ainda es-
tão tomando ciência e procurando bases para promover e proceder
o ensino e aprendizagem nas escolas das comunidades e aldeias in-
dígenas. Mas já acontece nas realidades do nosso munícipio, porém,
muito ainda, precisa ser ajustado e melhorado (2021).

Esse enfoque toma como base conforme Hall (2016, p.86) “as
relações entre conhecimento, poder e corpo na sociedade moderna”.
Dessa forma, o que difere os discursos abordados até aqui, são os
interesses e o posicionamento em que se inserem e atuam.
A verdade em sentido total, não existe sem a estatística da ver-
dade das relações sociais com poder e fora do poder. Desse modo,
as configurações da ressignificação do ensino neste novo cenário de
2 Este discurso foi desenvolvido por meio de uma entrevista com base em uma pergunta
ao coordenador indígena da educação escolar indígena da Secretaria Municipal de Edu-
cação e Cultura – SEMEC, concedida à uma das autoras deste artigo em: 01 de março
de 2021.

- 30 -
lutas e conquistas, tomaram impactos relevantes, mas que ainda de-
pendem de ordenamentos dos currículos, formação coerentes dos
professores e autonomia das escolas indígenas.

6. Considerações finais

Historicamente a educação escolar para os povos indígenas,


foi norteada em processos de dominação e escolarização da iden-
tidade, língua e cultura do índio. Essas contextualizações, geraram
conceitos equivocados e preconceituosos até os dias atuais.
Ressignificar essas situações instituídas através dos séculos,
têm se tornado a luta dos movimentos e povos indígenas do século
atual. O processo é árduo e paulatino, mas vêm apresentando con-
quistas acerca das políticas públicas e garantia dos direitos nas pre-
conizações das leis.
Para que esse cenário, continue a ganhar e incorporar novos
valores e visões críticas, se faz imprescindível reforçar novos con-
ceitos constitucionais na educação escolar indígena, garantindo as
efetivações das políticas educacionais em consonância com as reali-
dades específicas dos povos originários do Brasil.
A este propósito, a questão educacional indígena, deve ser
ponderada e aspirada de dentro para fora das vivências culturais e
relações diversificadas dos povos. Com essas inter-relações conside-
radas, a construção do currículo intercultural – Intercivilizacional,
em consonância com as organizações cabíveis dos setores educacio-
nais responsáveis junto à comunidade indígena, proporcionará co-
nexões enriquecedoras para a reorganização e revitalização da iden-
tidade étnica.
Esse processo de repensar e reconstruir o currículo, não é ta-
refa fácil. Contudo, as políticas educacionais devem ouvir e investi-
gar, para questionar com racionalidade, os sistemas distintos, a fim
de, descontruir a colonialidade genérica e ideológica ainda existentes
nos dias atuais.
Com o currículo intercultural – intercivilizacional, repensado
e reconhecido, a educação escolar se subsidiará na promoção entre
os saberes. Nestas condições, acredita-se que, a ressignificação do
ensino dos povos indígenas frente a epistemologia cognitiva e vivên-
cias humanas, estimulará a sustentabilidade étnica, reelaboração dos
discursos e compreensão das configurações reais que cercam a edu-
cação escolar indígena.

- 31 -
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2019.

- 33 -
- 34 -
EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE CULTURAL NUMA
PERPECTIVA DA PEDAGOGIA CRÍTICA E
DECOLONIAL
Kellyane Lisboa Ramos
Eulina Maria Leite Nogueira
1. Introdução
O presente artigo trata de uma pesquisa bibliográfica, que de
acordo com Silva e Menezes (2001, p. 21) nos explicam que a mesma
ocorre “Quando elaborada a partir de material já publicado, consti-
tuído principalmente de livros, artigos de periódicos e atualmente
com material disponibilizado na Internet”. O artigo faz parte de um
dos capítulos da dissertação de mestrado1, defendida no ano de 2020,
no qual teve por objetivo, refletir sobre a perspectiva da Pedagogia
Decolonial e Crítica utilizando da interculturalidade crítica como
instrumento e ou projeto de emancipação educacional e social para
uma educação critica diante da diversidade cultural.
Tal proposta partiu da seguinte inquietação: considerando
que as diferenças e diversidades culturais sempre existiram na socie-
dade, falar ou discutir sobre cultura nunca foi uma tarefa fácil, pois,
geralmente, existem tabus e representações negativas sobre tudo que
é diferente, o que acaba gerando preconceitos, discriminação e into-
lerância. Diante disso porque não utilizar a interculturalidade crítica
como instrumento de emancipação para tentar diminuir essas amar-
ras que foram criadas por um paradigma excludente e eurocêntrico?
Proveniente dos estudos de teóricos pós-coloniais, numa concepção
de decolonização do conhecimento, temos uma alternativa de cons-
trução de diálogos interculturais que possam promover a descentra-
lização da colonialidade em relação à educação.
Todavia, sem desvincular de uma perspectiva materialista,
defendemos também a relação da Pedagogia Decolonial de forma
conjunta com a Pedagogia Crítica, uma vez que, a construção de
diálogos interculturais voltados para a emancipação do ser social,
político, cultural e humano, só poderiam se dar no instante em que a
emancipação alcançasse todos os níveis, entre eles, o da consciência.
1 Dissertação Intitulada “A Representação Social dos Acadêmicos de Pedagogia do
IEAA/UFAM acerca da Questão Indígena”, defendida no início de 2020.

- 35 -
O que somente a educação, a ciência e a extensão do conhecimento,
o desenvolvimento da razão podem conseguir tal objetivo, emanci-
pando assim os indivíduos das condições opressoras (MARX; EN-
GELS, 2011).
A interculturalidade crítica como instrumento pedagógico em
consonância com a educação intercultural, na tentativa de possibili-
tar conscientização social atrelada a emancipação humana de docen-
tes e alunos, implicando em práxis que possam respeitar e valorizar
as diversidades culturais e, assim, contribuir para uma sociedade
com menos desigualdades. Apontada como uma alternativa, cami-
nho e até mesmo projeto contra-hegemônico, a interculturalidade
crítica que não reflete somente na questão indígena, mas também
na sociedade como forma de nos tornamos sujeitos críticos e eman-
cipados. O que pode acontecer a partir de uma educação que possa
construir uma conscientização crítica, proporcionando uma deco-
lonização do conhecimento como princípio de reconhecimento da
diversidade cultural.

2. Educação intercultural e interculturalidade crítica


A proposta de educação intercultural exemplifica dizer “[...]
uma reeducação para atrever-se a pensar e a sentir, de novo, à luz
de outras tradições culturais” (PINEDA,2009, p.110). Assim, des-
construir paradigmas alienantes e construir uma consciência críti-
ca e emancipada demanda certo tempo. Para isso, a educação pode
ofertar subsídios teórico-metodológicos, propor ações educativas
vinculadas à cidadania e discutir questões de diversidade que pro-
porcionem a convivência com as diferenças, não somente no sentido
de tolerância, mas numa postura que gere equidade, igualdade e li-
berdade.
A partir disso, entendemos que, nessa busca pela emancipa-
ção humana, todos os conhecimentos são importantes e, adotar uma
compreensão de mundo a partir da interculturalidade crítica, orien-
ta-nos a ressignificar paradigmas e pré-conceitos, representando,
[...] uma experiência libertadora, por meio da qual, podemos reco-
nhecer os limites inerentes às nossas culturas e nossos mundos; ao
mesmo tempo, porém, ela nos permite perceber o caráter infinito
e transcendente de nós mesmos, de nossas identidades e de nossos
respectivos mundos (COLL, 2002, p.51).

- 36 -
Com isso, a educação intercultural e interculturalidade crítica,
além de possibilitar o reconhecimento das diversas culturas, constrói
um caminho de emancipação, no qual o indivíduo pode se tornar
um sujeito social que respeite as identidades diferentes da sua, con-
seguindo estabelecer relações e diálogos interculturais, consideran-
do o seu conhecimento não mais ou menos importante do que dos
outros, ao contrário se permite problematizar e dialogar em uma
postura ética.
Contudo, a grande mudança que a interculturalidade crítica
pode promover para a educação está no fato de que ela possibili-
tar ao indivíduo sair de uma perspectiva educacional monocultural
e construir, através da Pedagogia Decolonial e Pedagogia Crítica a
perspectiva de decolonização do conhecimento, promovendo, assim,
o respeito e dialogicidade acerca da diversidade cultural e rompendo
com a reprodução de um modelo de ensino dominante e excludente.
Para a concretização da decolonização não é suficiente que as
instituições de ensino apenas,
[...] inclua os grupos sociais mais desfavorecidos do ponto de vista
social e econômico; não basta, também, para que seja intercultu-
ral, incorpore outras culturas diferentes da cultura hegemônica, em
seus preceitos pedagógicos somente nas datas comemorativas. É
necessário, isso sim, que se decolonize em todas as suas dimensões
(poder, conhecimento, estruturas de dominação, gênero, sexuali-
dade, economia, gestão) e que assuma princípios emancipatórios
promotores de uma justiça social e cognitiva (ESTERMANN, et al.
2017, p. 27).

Promover um ensino emancipatório é necessário descons-


truir paradigmas eurocêntricos que, de alguma forma, perpassam
pelo processo formativo na educação, especificamente, a partir do
currículo que orienta como e o que deve ser ofertado aos alunos. É
preciso problematizar questões de poder, ideologia, identidade e cul-
tura estabelecidas na construção curricular, o que implica uma aná-
lise crítica do currículo que busque, “[...] compreender as diferentes
tendências curriculares, unindo-se ao debate que se faz no âmbito
público e engajando-se na crítica e na autocrítica” (AUGUSTI, 2017,
p. 263).
Para que a educação intercultural se torne um caminho para
a construção da emancipação humana, o que se constrói numa pers-
pectiva também marxista, realizar contra hegemonia do status quo

- 37 -
implica a necessidade de o proletariado superar a exploração exis-
tente do homem pelo homem, o que culminaria na eliminação de
uma sociedade dividida em classes e a educação crítica nesse sentido
seria um instrumento essencial.
Deste modo, é possível compreender, a partir do que foi en-
fatizado, que existe a possibilidade de construção de uma educação
emancipadora e libertadora que poderá ofertar aos educandos uma
formação para além do mercado de trabalho, pois, pensar a emanci-
pação humana a partir da decolonialidade do conhecimento possi-
bilita a oportunidade de descontruir representações negativas acerca
da diversidade cultural e se propor a olhar e compreender o outro
em suas várias dimensões, resultando, assim, em uma representação
positiva e livre de atitudes excludentes e discriminatórias.
A emancipação, nesse sentido, é uma construção diária que
acontece também na busca pelo conhecimento, pois, não somos es-
táticos, o que faz do homem um sujeito sempre em construção. Por
isso, construir conhecimentos pautados no rompimento da aliena-
ção,
[...] focaliza a interculturalidade como um dos componentes cen-
trais dos processos de transformação das sociedades latino-ameri-
canas, assumindo um caráter ético e político, orientando a cons-
trução de democracias em que redistribuição e reconhecimento
cultural sejam assumidos como imprescindíveis pra a realização da
justiça social (CANDAU; RUSSO, 2011, p. 71).

Para isso acontecer, o processo de humanização é inevitável,


o que consiste na abertura de possibilidades que culminem numa
proposta educacional libertadora, cultivando assim uma perspectiva
dialética diante da ação e reflexão, como forma de compreender o
processo histórico, permitindo, assim, uma compreensão crítica da
realidade. O que não quer dizer que, numa sociedade emancipada,
não possam existir conflitos, ao contrário, o conflito é necessário
para se estabelecer um ambiente democrático.
Porém, essa construção pela emancipação humana, no entan-
to, não se dá de forma isolada; apesar da educação ter seu papel em
formar cidadãos críticos e emancipados, é necessário que essa po-
lítica de vida seja desejada pela coletividade, sendo compromisso e
responsabilidade de toda população. O que pode ser estimulado de
forma mais significativa através de universidades e escolas, refletin-

- 38 -
do assim em suas práticas pedagógicas, a fim de reconstruir o saber
fazer educacional numa proposta de interculturalidade crítica.
O que implica, a priori, que haja a necessidade de reconstru-
ção da própria história, para que ocorra a compreensão das relações
de poder. Como as mesmas exercem legitimidade nas ações e repre-
sentações dos indivíduos, com isso,
[...] é necessário que se faça uma discussão ampla sobre a função
social da escola para que se torne possível considerar e praticar al-
ternativas educacionais emancipatórias e, junto a tudo isso, propor-
cionar uma reflexão sobre o sistema escolar, o currículo, o material
didático e a formação de professores (ROMANI; RAJOBAC, 2011,
p.69).

A posteriori torna-se ainda importante que a educação pos-


sibilite um ensino voltado para a formação humana, no sentido de
promover consciência política, ética, e demais valores que possam
compreender e respeitar as mais diversas culturas e pessoas. Dessa
forma, na intenção de somar com esta educação emancipatória é que
a “[...] educação intercultural apresenta-se como uma proposta polí-
tico-pedagógica que visa à formação para a cidadania e a superação
de preconceitos e discriminações que expropriam de seus direitos
indivíduos e coletividades” (VIEIRA, 2001, p. 126).
Neste cenário e na busca por essa relação entre educação,
emancipação e interculturalidade crítica numa construção ontológi-
ca acerca das diversidades culturais, é que está à figura do educador,
que é o responsável por executar sua práxis no ambiente educativo,
seja no ensino superior ou educação básica. É este profissional que
exerce o papel de mediador e construtor do conhecimento, o que im-
plica que a partir de suas ações orientadas por uma base curricular
irão orientar e construir novas informações em sala de aula.
Nesse sentido, propor uma educação crítica atrelada à Pedago-
gia Decolonial, numa concepção de decolonização do conhecimento
vinculados a um projeto de emancipação, havendo por base concep-
ções de uma educação intercultural e projeto contra hegemônico,
que é a interculturalidade crítica, pode possibilitar que os agentes
do processo educacional se tornem sujeitos críticos emancipados e
possam construir uma sociedade com menos discriminações e pre-
conceitos.

- 39 -
3. A pedagogia crítica e decolonial e seus aportes teóricos

A Pedagogia Decolonial tem se tornado uma alternativa que


vai além de uma proposta de ensino voltada simplesmente para a
transmissão do saber, busca uma práxis pautada nos processos so-
ciopolíticos que emergem da realidade, subjetividade e processos
históricos de populações que vivenciaram a colonialidade (WALSH,
1991).
Considerada um projeto de emancipação que reflete em todos
os âmbitos, o que culmina numa reflexão e análise crítica da reali-
dade, “[...] que retomam a diferença em termos relacionais, com seu
vínculo histórico-político-social e de poder, para construir e afirmar
processos, práticas e condições diferentes” (WALSH, 2009, p.26),
está atrelada também a uma perspectiva da Pedagogia Crítica, sendo
que esta, emerge dos estudos de teóricos marxistas e neomarxistas,
que se envolveram em estudos relacionados às questões de poder,
dominação, opressão, justiça, igualdade, identidade, conhecimento
e cultura.
Assim, estes teóricos da Pedagogia Crítica,
[...] fornecem argumentos teóricos e enormes volumes de evidên-
cias empíricas para sugerir que as escolas são, na verdade, agências
de reprodução social, econômica e cultural. Na melhor das hipóte-
ses, o ensino escola público oferece mobilidade individual limitada
aos membros da classe trabalhadora e outros grupos oprimidos,
mas, em última análise, as escolas públicas são instrumentos po-
derosos para a reprodução de relações capitalistas de produção e de
ideologias legitimadoras da vida cotidiana (GIROUX, 1997, p. 148).

Partindo desse pressuposto, considerando a perspectiva críti-


ca de se compreender a realidade, é importante frisar que, nos anos
1960 no Brasil, Paulo Freire já enfatizava esta concepção de educação
numa perspectiva libertadora e emancipatória, o que não deixar de
fazer relação com a pedagogia decolonial, porém a mesma vai além
partindo de uma compreensão da pós-modernidade, busca estabele-
cer uma compreensão pós-crítica acerca de identidade, classe e raça.
Com isso compreende-se que Pedagogia Crítica e Decolonial
possuem semelhanças no que tange a compreensão acerca das di-
versidades culturais, ou seja, ambas contribuem para que o sujeito
possa ser capaz de identificar as contradições existentes em sua rea-

- 40 -
lidade, ou seja, serem “[...] capazes de realizar uma leitura de mundo
que lhes permita compreender e denunciar a realidade opressora e
anunciar a sua superação, com a construção de um novo projeto de
sociedade e mundo a ser efetivado pela ação política” (MOREIRA,
2010, p.98).
Nesse sentido, nos postulados de Freire ressalta-se que é preci-
so romper com as amarras de um ensino opressor e alienante, dando
vez à dialogicidade e criticidade, o que se torna possível através da
conscientização e reflexão da própria realidade. No entanto,
[...] esta tomada de consciência não é ainda a conscientização, por-
que esta consiste no desenvolvimento crítico da tomada de cons-
ciência. A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera
espontânea de apreensão da realidade para chegarmos a uma esfera
crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o
homem assume uma posição epistemológica (FREIRE, 1979, p.15).

Para haver esse desenvolvimento crítico do sujeito é necessá-


rio que seja ofertada uma educação e formação que possibilitem que
alunos e professores possam construir a decolonialidade do conhe-
cimento. Dessa forma, “[...] a obra de Paulo Freire continua a repre-
sentar uma alternativa teoricamente renovadora e politicamente viá-
vel para o atual impasse na teoria e prática educacional” (GIROUX,
1997, p.145). Nesse sentido, é preciso reconhecer as relações de do-
minação entre burguesia e proletariado, e como a mesma influen-
cia para a exclusão, discriminação e subalternização das diferentes
culturas.
É importante ressaltar que a hegemonia de uma classe sobre
a outra não está apenas relacionada à subordinação e opressão do
opressor com o oprimido, ela se dá de outras formas, numa cons-
tância dialética; deste modo, “[...] a lógica da dominação representa
uma combinação das práticas materiais e ideológicas, históricas e
contemporâneas, que nunca têm sucesso total, sempre incorporam
contradições, e estão sempre sendo disputadas dentro das relações
assimétricas de poder” (GIROUX, 1997, p. 147).
Com isso, compreendemos que o processo histórico nunca
foi neutro, pois as relações hegemônicas de poder sempre tiveram
uma relação significativa com os indivíduos, influenciado assim suas
ações e representações através das relações materialistas do trabalho.
A partir desse esclarecimento, enfatizamos que somente ocorrerá a

- 41 -
conscientização ao compreendermos as dualidades existentes, e é
justamente isso que é proposto por Paulo Freire, que é fomentar uma
educação voltada para o processo de emancipação. É, pois, a neces-
sidade de tornar “[...] as formas de conhecimento, habilidades e rela-
ções sociais que promovam as condições para a emancipação social
e, portanto, a auto emancipação” (GIROUX, 1997, p.146).
Além de possibilitar que a ação educativa esteja pautada numa
construção crítica do conhecimento que vá de encontro com todas
as formas de opressão, bem como de superação de indiferenças. Des-
se modo, o que Freire recomenda em seus escritos é,
[...] uma pedagogia planetária que propõe o surgimento de uma
consciência ético-crítica. Sua ação educadora tende, então, não só
a uma melhoria cognitiva, até das vítimas sociais, ou afetivo-pulsio-
nal, mas à produção de uma consciência ético-crítica que se origina
nas próprias vítimas, por serem os sujeitos históricos privilegiados
de sua própria libertação (Dussel, 2000, p.443).

Sendo assim, para alcançarmos esta educação libertadora e


crítica, é preciso, primeiramente, uma ação consciente que possa
transformar a própria realidade. Na perspectiva de Paulo Freire, a
construção da emancipação humana deve se dar através das práxis,
ou seja, na busca constante de uma mudança em favor das culturas
oprimidas e subalternizadas. O que implica que esse processo eman-
cipatório possa se dar a partir da conscientização humana vincu-
lada a uma intencionalidade política, que possibilite aos excluídos
a oportunidade de transformação da realidade e, assim, tornem-se
protagonistas da sua própria história.
Assim sendo, a educação torna-se uma alternativa, juntamen-
te com a perspectiva da interculturalidade crítica para possibilitar
a emancipação e romper com a alienação. Essa prática, no entanto,
precisa estar vinculada à práxis pedagógica, que “[...] deve exercitar
processos de emancipação individual e coletiva, estimulando e pos-
sibilitando a intervenção no mundo a partir de um sonho ético-po-
lítico da superação da realidade injusta” (MOREIRA, 2010, p.146).
Já no que concerne à Pedagogia Decolonial, é importante fri-
sar que o objetivo desta pedagogia está vinculado também à concep-
ção da interculturalidade crítica, numa construção de projeto epis-
têmico, o que “[...] denota práticas epistêmicas de reconhecimento
e rompimento com a colonialidade de uma formação corporal que

- 42 -
capacita os povos subalternos para uma luta de resistência contra
a lógica opressiva da modernidade/colonialidade” (PEREIRA et al,
2017, p. 20). Com isso, a proposta da interculturalidade crítica pode
e deve ser considerada como um ideal a ser concretizado, o que cul-
minará na transformação do ser social e histórico, constituindo a
possibilidade de emancipação e, assim, proporcionará que diálogos
interculturais possam ocorrer de forma significativa.
Assim, entende-se que a interculturalidade crítica pauta-
da numa perspectiva decolonial e crítica do conhecimento pode
se tornar uma proposta de emancipação no que tange os conflitos
que envolvem as diversidades culturais, implicando, dessa forma, na
construção de uma proposta curricular vinculada à diversidade, que
possa estabelecer relações importantes com a perspectiva crítica e
pós-crítica, com intuito de se construírem diálogos e ações voltadas
para a alteridade.
4. Emancipação a partir da educação intercultural e inter-
culturalidade crítica
Na busca por explanações teóricas acerca da educação inter-
cultural atreladas a Pedagogia Crítica e Decolonial, os autores men-
cionados nesses escritos como Freire (1979), Giroux (1997) e Walsh
(2001), enfatizam em suas análises que acerca da diversidade cul-
tural, não cabe apenas ou somente explicitar que haja o reconhe-
cimento das diferenças culturais ou que isso possa impedir que as
culturas sejam excluídas ou discriminadas. É necessário promover a
conscientização e também a compreensão sobre as relações de poder
que se tornaram hegemônicas, o que reflete nas constantes discri-
minações e preconceitos que são vivenciadas pelas diversas culturas
existentes na sociedade.
Nesse sentido, para romper com a alienação e representações
negativas acerca das diversidades existentes, cabe uma formação que
vá de encontro com essas divisões pautadas em uma educação inter-
cultural, que
[...] não pode ser reduzida a uma mera incorporação de alguns te-
mas no currículo e no calendário escolar. Trata-se, de modo especial
na perspectiva crítica, que consideramos ser a que melhor responde
à problemática atual do continente latino-americano, de uma abor-
dagem que abarca diferentes âmbitos, ético, epistemológico e polí-
tico, orientada à construção de democracias em que justiça social e

- 43 -
cultural sejam trabalhadas de modo articulado (CANDAU; RUSSO,
2011, p.75).

Desse modo, para promover à formação emancipatória, o


mesmo deve ocorrer, em todos os níveis de ensino. Pois essa condi-
ção de emancipação ultrapassa relações de identidade, cor, gênero e
religião, e direciona para a construção da alteridade, considerando
os direitos, a cidadania e a autonomia dos povos das diversidades
culturais no contexto da sociedade brasileira, o que, implica numa
perspectiva crítica da interculturalidade. Torna-se é necessário ainda
ampliar o debate para questões voltadas para exclusão, discrimina-
ção e desigualdades sociais, que não estão inerentes à perspectiva
social, uma vez que se manifesta nas próprias relações estabelecidas
na sala de aula, o que torna cada vez mais ser necessário problemati-
zá-las a partir de uma formação crítica e diferenciada.
Para tanto, é de suma importância que o currículo seja ques-
tionado e analisado a fim de possibilitar que questões de identidade,
poder e diversidade sejam problematizados, para que haja maiores
debates e articulações acerca destes eixos já citados, com intuito de
promover a interculturalidade crítica, e, assim, romper com a aliena-
ção, pois, entendemos que a busca por uma sociedade democrática e
justa pode se dar a partir do rompimento de representações eurocên-
tricas e colonialistas, bem como na decolonização do conhecimento.
Desse modo,
[...] discutir o modelo de currículo que desafia os processos hege-
mônicos culturais de conhecimento e de cultura, colocando-nos
mais próximos de uma posição de contracultura. O currículo pos-
suidor de características que não as dominantes, se diferenciará do
currículo tradicional e ampliará algumas características do currícu-
lo crítico. Um currículo com características não verticalizadas, não
europeias, não machistas, não brancos (RAMÃO, 2013, p.21).

Diante disso, para que haja a participação de todas as pessoas


frente a um sistema democrático é necessário possibilitar que as ca-
madas subalternizadas e marginalizadas, bem como a classe traba-
lhadora, tenham oportunidades e acesso ao conhecimento, que não
deve ser opressor, mas libertador, no que tange à construção de um
ser emancipado, de modo que as produções econômicas, científicas
e culturais sejam acessíveis, para que o cidadão tenha garantia dos
seus direitos e dignidade enquanto ser humano que é.

- 44 -
A educação tem um papel importante na busca pela emanci-
pação humana. A partir de uma construção educacional vinculada
à interculturalidade crítica, tem-se a possibilidade de construir uma
sociedade mais justa e igualitária. Ou seja, “[...] a interculturalidade
tem um significado intimamente ligado a um projeto social, cultural,
educacional, político, ético e epistêmico em direção à decoloniza-
ção e à transformação” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 27). Para
superar as contradições existentes e ressignificar a forma como se
compreende as diversidades, é importante que a educação desenvol-
va ações voltadas para o reconhecimento das diferenças, a fim de
propor a constituição emancipadora.
Considerado um desafio a vencer, a intenção da Pedagogia
Decolonial, bem como a Pedagogia Crítica junto a interculturalidade
crítica e Educação Intercultural é que se possa criar uma nova práti-
ca pedagógica, vinculada à intencionalidade ética e política que, de
alguma forma, descontrua paradigmas de exclusão e discriminação,
o que, todavia, sabemos que leva um certo tempo para se ocorrer.
Todavia, é essencial que a educação promova condições ao pensar
crítico, pois não podemos ignorar os conflitos existentes, estabele-
cidos através das relações de poder. Sendo que, no atual cenário, os
diálogos interculturais não acontecem, pois há uma imposição do
discurso que, ao invés de promover um ensino crítico e emancipa-
dor, mantém o status quo, o que deve ser repensando.
Sendo que, “se o meu compromisso é realmente com o homem
concreto, com a causa de sua humanização, de sua libertação, não posso
por isso mesmo prescindir da ciência, nem da tecnologia, com as quais
me vou instrumentando para melhor lutar por esta causa” (FREIRE,
2007, p. 22). Então, entendemos que, na busca pela emancipação hu-
mana, todos os conhecimentos são importantes, mas ressaltamos a
necessidade de decolonização do conhecimento, como forma de ala-
vancar a construção da alteridade, no sentido de compreendermos o
outro numa postura ética
Pois “permanecer numa consciência ingênua é terminar cola-
borando com a injustiça, direta ou indiretamente, fazendo-se cúm-
plice dos processos de dominação” (PINEDA, 2009, p. 109). Assim,
essa proposta de educação tem muitos desafios para poder se concre-
tizar, visto que necessita, ainda, que a sociedade possa problematizar
as questões que afligem as culturas subalternizadas, para possibilitar

- 45 -
diálogos e discussões, a fim de construir uma consciência crítica e
humanamente emancipada.

4. Considerações finais

Apontada como um caminho e alternativa epistemológica,


consideramos que apesar da emancipação parecer algo utópico, é
necessário continuarmos insistindo naquilo que acreditamos ser um
caminho pela busca da compreensão das diversidades, na tentativa
de compreender a complexidade, a fim de construir diálogos inter-
culturais significativos. Nesse sentido, entendemos que a educação
pode oportunizar situações e práxis voltadas para um ensino que
construa uma nova forma de compreender a identidade, a cultura e
as opções do outro, para que se possa ter uma sociedade com menos
desigualdades sociais.
Ligada à decolonização do conhecimento e considerada como
um projeto contra hegemônico, a perspectiva intercultural crítica
vem para “balançar” as estruturas de uma sociedade machista, sexis-
ta e preconceituosa, mostrando que conhecimentos diferentes são
importantes e precisam ser respeitados e valorizados. É um caminho
ainda novo, mas parece ser uma boa alternativa para se construir
uma sociedade emancipada e justa.
Assim, evidenciamos que, a partir de uma educação intercul-
tural e da Pedagogia Decolonial e Crítica é possível transformar os
espaços acadêmico e escolar em um lugar de discussões, que proble-
matizem as questões elencadas no currículo tradicional como forma
de não somente fazer a interculturalidade acontecer em dias espe-
cíficos do ano mais em todos os momentos que se transcendem a
prática pedagógica.

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- 48 -
NOSSAS RELAÇÕES COM O MUNDO E COM O
OUTRO – CULTURAS
Márdila Alves Bueno
Elrismar Auxiliadora Gomes Oliveira
Eulina Maria Leite Nogueira

Este trabalho é parte de uma pesquisa de mestrado realizada


na área da astronomia cultural, que buscou compreender o espaço
ocupado por saberes sobre os céus do povo indígena Parintintin em
diferentes âmbitos, envolvendo a análise de documentos escolares,
livros didáticos e a realização de entrevistas com indígenas da aldeia
Traíra, da etnia Parintintin.
Neste capítulo, a partir de uma abordagem qualitativa
(GODOY, 1995), apresentamos alguns aspectos relacionados às cul-
turas e discutimos as contribuições de currículos interculturais no
processo de fortalecimento e valorização das culturas indígenas.

1. Conceito de cultura

A primeira definição de cultura, de um modo antropológico,


foi elaborada por Tylor que sistematizou os termos Kultur e Civili-
zation, unindo os aspectos espirituais e materiais de um povo. Tylor
definiu cultura como os costumes adquiridos pelo homem ao intera-
gir socialmente (LARAIA, 2001).
Ainda hoje, não há uma definição aceita de forma unânime
para cultura. Moreira e Candau (2007) apresentam cinco significa-
dos distintos para esse termo, que sofreu modificações com o passar
do tempo, a saber: cultivo, mente humana, desenvolvimento social,
forma geral de vida e conjunto de práticas significantes. Os autores
afirmam que o primeiro significado de cultura surgiu associado ao
cultivo da terra, de plantações e de animais. Posteriormente, esse sig-
nificado foi ampliado e relacionado a questões da mente humana,
[…] passa-se a falar em mente humana cultivada, afirmando-se
mesmo que somente alguns indivíduos, grupos ou classes sociais
apresentam mentes e maneiras cultivadas e que somente algumas
nações apresentam elevado padrão de cultura ou civilização (MO-
REIRA; CANDAU, 2007, p. 26).

- 49 -
Assim, surge a divisão e a elitização da cultura, onde algumas
pessoas e sociedades acreditam ter hierarquicamente uma cultura
superior. Esse pensamento está diretamente relacionado ao conceito
de colonialidade1 e também ao terceiro significado: desenvolvimento
social. Para pesquisadores como Maldonado-Torres (2007) e Quija-
no (2005), a colonialidade é herança das relações de poder decor-
rentes do mercado capitalista mundial e da ideia de raça. Portanto,
a colonialidade emerge de um contexto sócio-histórico e é o que
sobreviveu do colonialismo, influenciando diretamente a identidade
moderna. Segundo ele, a colonialidade
[...] se mantiene viva en manuales de aprendizaje, en el criterio para
el buen trabajo académico, en la cultura, el sentido común, em la
auto-imagen del los pueblos, em las aspiraciones de los sujetos, y en
tantos otros aspectos de nuestra experiencia moderna (MALDO-
NADO-TORRES, 2007, p. 131).

Nesse significado, as sociedades ditas “desenvolvidas” consi-


deram sua cultura superior à de povos com menor força social e polí-
tica. Essas sociedades consideram as culturas das minorias “primiti-
vas”. Nesse processo, para que sociedades possuam reconhecimento
cultural, devem seguir o padrão europeu – uma cultura eurocêntrica.
No quarto significado, forma geral de vida, Moreira e Candau
(2007) associam cultura
[…] aos diversos modos de vida, valores e significados compartilha-
dos por diferentes grupos (nações, classes sociais, grupos étnicos,
culturas regionais, geracionais, de gênero etc.) e períodos históricos.
Trata-se de uma visão antropológica de cultura, em que se enfati-
zam os significados que os grupos compartilham, ou seja, os con-
teúdos culturais (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 27).

Do mesmo modo, Freitas (2012) define cultura como o modo


de vida de um povo. Para o autor, “[…] a cultura marca, identifica e
dá parâmetros de comportamentos que são interiorizados ao longo
da nossa existência, mas que também poderão ser modificados no
interior das relações sociais […]” (FREITAS, 2012, p. 22).
Moreira e Candau (2007) trazem o conjunto de práticas signi-
ficantes como a quinta definição para cultura. Relacionado à forma
geral de vida de um determinado povo, este significado se originou
1 Não nos ateremos a construir uma discussão sobre esse campo nesta pesquisa, mas
queremos trazê-la para estudos futuros.

- 50 -
na antropologia social e evidencia a “[...] dimensão simbólica, o que
a cultura faz, em vez de acentuar o que a cultura é. Nessa mudança,
efetua-se um movimento do que para o como. Concebe-se, assim, a
cultura como prática social, não como coisa (artes) ou estado de ser
(civilização)” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 27).
Na antropologia, em que o termo cultura é o principal foco de
estudo, também não há um consenso sobre esta definição. Marconi e
Presotto (2010) afirmam que
Para alguns, cultura é comportamento apreendido; para outros, não
é comportamento, mas abstração do comportamento; e para um
terceiro grupo, a cultura consiste em ideias. Há os que consideram
como cultura apenas os objetos imateriais, enquanto outros, ao con-
trário, aquilo que se refere ao material. Também se encontram estu-
diosos que entendem por cultura tanto as coisas materiais quanto as
não materiais (MARCONI; PRESOTTO, 2010, p. 22).

Hall (2016) relaciona cultura à


[…] produção e ao intercâmbio de sentidos - o ‘compartilhamen-
to de significados’ - entre os membros de um grupo ou sociedade.
Afirmar que dois indivíduos pertencem à mesma cultura equivale
dizer que eles interpretam o mundo de maneira semelhante e po-
dem expressar seus pensamentos e sentimentos de forma que um
compreenda o outro (HALL, 2016, p. 20).

De outro modo, Geertz (2008) define cultura como tudo aqui-


lo que construído socialmente, possui simbologia. De um modo se-
miótico, Geertz (2008) conceitua cultura como uma teia de significa-
dos, passíveis de interpretações, tecida pelo homem. Nessa discussão
corroboramos com o conceito de cultura de Geertz (2008) e enten-
demos cultura como algo fluido, como uma construção coletiva re-
lacionada à identidade de um povo, desenvolvida nas práticas que
possuem sentidos e valores, no convívio social e na problematização
das diferenças.
Partindo destes princípios, observamos que o conceito de cul-
tura tem natureza dinâmica e plural, não existindo um consenso en-
tre os pesquisadores da área. Cultura não se resume apenas a objetos
materiais, mas também se refere à língua, às produções artísticas, às
crenças, às normas, aos valores, aos conhecimentos, aos costumes
e aos modos de vida de um povo. Dessa pluralidade advêm várias
locuções adjetivas que buscam identificar diversas culturas como,

- 51 -
por exemplo: culturas africanas, culturas ribeirinhas e culturas in-
dígenas.
As culturas indígenas, especificamente, são muito presentes
no estado do Amazonas, visto que segundo dados do IBGE (2010)
é o estado com maior número de indígenas no país. Ainda assim,
como afirma Bessa Freire (2010), as pessoas, no Brasil e no mundo,
imaginam as sociedades indígenas congeladas no tempo.
Sabemos pouco sobre as culturas indígenas e o que pensamos
saber, na maioria das vezes, está equivocado. No ambiente escolar,
por exemplo, é comum comemorações do dia do índio. Essas ativi-
dades, em muitos casos, se resumem a se “fantasiar de índio” – co-
locar uma pena na cabeça e fazer uma dança para atrair chuva. A
escola não contextualiza que muitos indígenas se vestem com roupas
caracterizadas somente em eventos específicos e que não vivem mais
em ocas. Essas abordagens não contribuem para desconstruir essa
visão romantizada, apresentada em um modelo genérico do indí-
gena, vestido de penas, cocar e morando em ocas. As diferenças,
as lutas, o reconhecimento e a valorização dessas culturas não são
problematizadas no ambiente escolar, contribuindo para manter a
desinformação e o preconceito.

2. Contexto das culturas indígenas

Discutir sobre as culturas indígenas é retratar uma gama de di-


versidades. Apesar da vasta e valiosa cultura, o desconhecimento e a
discriminação alimentam equívocos em relação à cultura destes po-
vos. Bessa Freire (2010) traz cinco equívocos em relação aos indígenas
que vivem no Brasil.
A generalização das culturas indígenas é o primeiro deles, se-
gundo o autor, apesar das diversas etnias existentes no Brasil é comum
acreditarmos que todos os povos indígenas compartilham dos mesmos
hábitos culturais. Unificando assim, as línguas, as artes, as religiões, os
conhecimentos e os costumes desses povos. Os indígenas, segundo o
Instituto Socioambiental (ISA), são divididos em 255 etnias, que falam
mais de 150 línguas diferentes. Ainda segundo o ISA, a denominação
“índio” surgiu com a chegada dos primeiros colonizadores às Améri-
cas pois acreditaram estar na Índia. Esse erro acabou por generalizar e
uniformizar os diversos povos nativos que aqui residiam.

- 52 -
De acordo com Bessa Freire (2010) muitos brasileiros consi-
deram erroneamente as culturas indígenas como atrasadas e primi-
tivas. Esse segundo equívoco sobre as culturas indígenas, cria uma
espécie de hierarquização cultural. Das relações de poder que surgi-
ram no processo de colonização criou-se erroneamente uma suposta
divisão biológica – ideia de raça (índios, negros, mestiços, brancos,
etc.) –, colocando em situação de inferioridade os povos coloniza-
dos, e por consequência seus trejeitos, características físicas, conhe-
cimentos e culturas. Assim, segundo o autor, as culturas nativas aca-
baram taxadas de inferiores, pobres e atrasadas, relacionando o que
há de moderno e contemporâneo às culturas europeias.
Desde então, associar desenvolvimento e qualidade de vida à
ciência e à tecnologia naturalizou-se. A concepção de que o modo
de viver de uma sociedade é mais apropriado do que à dos outros é
muito comum, e está associada a ideia de etnocentrismo. Marconi
e Presotto (2010) definem como etnocentrismo a supervalorização
da própria cultura em detrimento das demais, julgando a cultura do
outro sob suas próprias referências. Esses pesquisadores apontam
consequências positivas e negativas do etnocentrismo. O indivíduo
etnocêntrico reconhece e valoriza a sua própria cultura, porém essa
supervalorização pode ser manifestada de forma agressiva “ou em
atitudes de superioridade e até hostilidade. A discriminação, o pro-
selitismo, a violência, a agressividade verbal são outras formas de
expressar o etnocentrismo” (Idem, p.32).
Em contrapartida ao etnocentrismo, ao racismo e à ideia de
sociedades que percorrem obrigatoriamente um único caminho
evolutivo, Boas (2010) desenvolveu uma concepção de cultura ba-
seada “[...] no reconhecimento de que cada ser humano vê o mundo
sob a perspectiva da cultura em que cresceu” (BOAS, 2010).
Por meio dessa concepção surgiu posteriormente o relativis-
mo cultural, que Freitas (2012) define como o movimento em que
se acredita que toda “[...] cultura possui uma lógica interna própria
e explica-se e reproduz-se a partir dos parâmetros dela mesma”
(FREITAS, 2012, p. 37). Segundo o autor, o relativismo cultural con-
tribui para rompermos com concepções equivocadas, como culturas
homogêneas, alta cultura ou baixa cultura.
A hierarquização cultural ligada ao etnocentrismo abrange a
arte, a língua, a religião e também os conhecimentos científicos e
tradicionais. Dessa forma,

- 53 -
As ciências indígenas também foram tratadas de forma preconcei-
tuosa pela sociedade brasileira. Os conhecimentos indígenas foram
desprezados e ridicularizados, como se fossem a negação da ciência
e da objetividade [...]. Esses conhecimentos, no entanto, não foram
apropriados pela atual sociedade brasileira, por causa da nossa ig-
norância, do nosso despreparo e do nosso desprezo em relação aos
saberes indígenas, os quais desconhecemos. O preconceito não nos
tem permitido usufruir desse legado cultural acumulado durante
milênios (BESSA FREIRE, 2010, p. 21 - 22).

Este equívoco se apresenta também em livros educacionais em


expressões que designam povos tradicionais de “primitivos”. Trata-
-se de uma expressão colonialista que subentende, equivocadamente, que
existe o dualismo primitivo versus civilizado.
Jafelice (2011) faz uma forte crítica às narrativas presentes na
maioria dos livros de história da astronomia ao iniciar seus textos,
identificando os povos indígenas como primitivos, “um padrão de
narrativa que mistura visão etnocêntrica de mundo, com leitura his-
tórica anacrônica e linear, cumulativa” (JAFELICE, 2011, p. 3). O
autor cita ainda que
A rigor, contudo, não deveríamos mais estar tão à mercê desse tipo
de influência. Ainda mais considerando que os autores são pessoas
cultas, com formação universitária, especialistas nas suas áreas de
atuação. Eles deveriam estar minimamente informados, ao menos,
dos resultados da pesquisa em duas outras áreas, também acadêmi-
cas: a antropologia e a história. Há mais de meio século a primeira
delas nos mostra nossos erros e distorções no entendimento do ou-
tro, oriundo de cultura distinta da nossa. Ela nos forneceu, e con-
tinua a fazê-lo, abundantes exemplos da ausência de qualquer fun-
damento para preconceitos etnocêntricos. E a história, também há
igual tempo, revisou seus métodos e nos mostra os equívocos tanto
de uma abordagem anacrônica como linear do passado (JAFELICE,
2011, p. 3).

A terceira ideia equivocada, segundo Bessa Freire (2010), é o


congelamento das culturas indígenas. Muitos brasileiros ainda veem
a cultura indígena como algo romantizado, estático e congelado.
Terminam por associar os indígenas a uma imagem por vezes folclo-
rizada : nus, com pena na cabeça, vivendo em ocas, alimentando-se
exclusivamente de caça. Porém, qualquer povo tem “[...] o direito de
entrar em contato com outras culturas e de, como consequência des-
se contato, se transformar” (BESSA FREIRE, 2010, p. 25), gerando
novos códigos, regras e identidades.

- 54 -
Os indígenas que fogem à regra romantizada, falam portu-
guês, usam celulares, dentre outros, são enquadrados em uma cate-
goria que Bessa Freire (2010), por meio de uma crítica à sociedade
ocidentalizada, denomina de ex-índios. Devido a essas transforma-
ções, a sociedade acaba por não os reconhecer mais como indígenas.
Esse pensamento, que algumas culturas ficaram congeladas,
acaba desconsiderando também a interculturalidade que, para Can-
dau (2016),
[...] promove a deliberada inter-relação entre diferentes sujeitos
e grupos socioculturais de uma determinada sociedade [...]. Por
outro lado, rompe com uma visão essencialista das culturas e das
identidades culturais, concebendo-as em contínuo processo de
construção, desestabilização e reconstrução. Está constituída pela
afirmação de que, nas sociedades em que vivemos, os processos de
hibridização cultural são intensos e mobilizadores da construção de
identidades abertas, o que supõe que as culturas não são puras, nem
estáticas (CANDAU, 2016, p. 20).

Bessa Freire (2010) salienta que as trocas culturais entre colo-


nizadores e colonizados não ocorreu de forma pacífica e horizontal.
Os indígenas, por muitas vezes, não tiveram escolhas e, historica-
mente, essas relações ocorreram de forma assimétrica em termos de
poder.
Walsh (2009) afirma que a interculturalidade é utilizada em
diferentes contextos e com interesses políticos distintos. Segundo a
autora, a interculturalidade não tem apenas a função de promover a
tolerância e diminuir as tensões e conflitos causados pela interação
de diferentes culturas em um mesmo ambiente. A pesquisadora divi-
de a interculturalidade em três perspectivas: A interculturalidade re-
lacional, a interculturalidade funcional e a interculturalidade crítica.
Na interculturalidade relacional há convivência e trocas cultu-
rais, em condições de igualdade ou desigualdade, ocultando os con-
flitos e as relações de poder, não questionando as implicações sociais
e políticas dessas relações.
A segunda perspectiva, Walsh (2009) denomina de intercul-
turalidade funcional, que promove a tolerância, o diálogo e a coe-
xistência entre culturas e há o reconhecimento da diversidade e da
diferença cultural, sendo muitas vezes conveniente para o sistema
dominante (modelo neoliberal existente), pois não questiona as cau-
sas da assimetria social. Esse modo de olhar para a interculturalida-
de está muitas vezes presente em documentos educacionais.
- 55 -
Segundo Walsh (2009):
En este sentido, el reconocimiento y el respeto a la diversidad cultu-
ral se convierten en una nueva estrategia de dominación, que apun-
ta no a la creación de sociedades más equitativas e igualitarias, sino
al control del conflicto étnico y la conservación de la estabilidad
social con el fin de impulsar los imperativos económicos del modelo
(neoliberalizado) de acumulación capitalista, ahora “incluyendo” a
los grupos históricamente excluidos en su interior (WALSH, 2009,
p. 3-4).

Por fim, a interculturalidade crítica, defendida por Walsh


(2009), é concebida como um projeto político de decolonização,
transformação e criatividade. Isso porque, para a autora, as dife-
renças se constroem dentro de uma estrutura colonial de poder ra-
cionalizado e hierarquizado, colocando assim, os povos indígenas e
afrodescendentes em uma escala de subalternização em relação aos
brancos e ‘branqueados’. A interculturalidade crítica questiona as in-
justiças sociais.
Outra ideia equivocada sobre as culturas indígenas, segundo
Bessa Freire (2010), é acreditar que os índios fazem parte do passado.
É evidente que o número de habitantes indígenas no Brasil não é o
mesmo da época da colonização. Por meio do contato com a socie-
dade não indígena, vieram perdas de território, doenças, genocídios
e etnocídios, que extinguiram diversas etnias aqui residentes. Além
disto, “[...] tais índios eram usados como mão de obra descartável,
forçados a trabalhar até morrer” (QUIJANO, 2005, p. 120).
Por meio de lutas e resistência, os movimentos indígenas con-
seguiram garantir na Constituição Federal de 1988 alguns direitos
relacionados à educação, à saúde e ao território. Isso provocou, se-
gundo Baniwa (2006),
[...] um fenômeno conhecido como “etnogênese” ou “reetinização”.
Nele, povos indígenas que, por pressões políticas, econômicas e reli-
giosas ou por terem sido despojados de suas terras e estigmatizados
em função dos seus costumes tradicionais, foram forçados a escon-
der e a negar suas identidades tribais como estratégia de sobrevi-
vência – assim amenizando as agruras do preconceito e da discrimi-
nação – estão reassumindo e recriando as suas tradições indígenas
(BANIWA, 2006, p. 28).

Atualmente, distribuídos segundo o IBGE (2012) em 305 et-


nias, a população indígena é de 896.917 habitantes e estão presen-

- 56 -
tes nas cinco regiões do Brasil. Sem considerar os grupos isolados
(em torno de 77 povos), representam 0,4% da população brasileira,
enriquecendo a diversidade cultural brasileira. Dados estes que po-
dem corroborar com a correção do quarto equívoco citado por Bessa
Freire (2010), de que os índios fazem parte do passado.
Por fim, o quinto equívoco, segundo Bessa Freire (2010), é a
errônea ideia de que o brasileiro não é índio, isto é, não considerar a
cultura indígena como fundamental na formação da identidade bra-
sileira. Como já mencionamos, com o processo de colonização, o
Brasil teve sua cultura influenciada pelos indígenas, pelos africanos
e pelas matrizes europeias, com destaque para a portuguesa.
No entanto, com as imposições coloniais, a maioria dos bra-
sileiros acabou por privilegiar somente as matrizes europeias, mi-
nimizando a participação dos povos indígenas e africanos, visando
a uma hegemonia cultural baseada no eurocentrismo. “Portanto, o
eurocentrismo não é a perspectiva cognitiva somente dos europeus,
mas torna-se também do conjunto daqueles educados sob sua hege-
monia” (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p. 19).
A presença desses equívocos na sociedade contribui para o
preconceito e a discriminação contra os povos indígenas e reforça es-
tereótipos reproduzidos por aparelhos ideológicos do Estado, como,
por exemplo, a escola.
No âmbito escolar concordamos que o entendimento de cul-
tura se entrelaça no processo educacional e no cotidiano das pessoas,
como aponta Moreira e Candau (2007). Acreditamos que as institui-
ções de ensino podem atuar com ferramentas para a valorização e
luta por reconhecimento da cultura indígena, por meio de currículos
interculturais em uma perspectiva crítica.
3. Cultura escolar e currículo
Juliá (2001) define cultura escolar como
[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar
e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a
transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses compor-
tamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem
variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou
simplesmente de socialização) (JULIÁ, 2001, p. 10).

A cultura escolar impõe padronização de comportamentos


criando uma espécie de homogeneização entre os estudantes. As di-

- 57 -
ferenças são invisibilizadas, negadas e silenciadas. “As culturas ou
vozes dos grupos sociais minoritários e/ou marginalizados que não
dispõem de estruturas importantes de poder costumam ser silencia-
das, quando não estereotipadas ou deformadas […]” (SANTOMÉ,
1995, p. 161).
Entrelaçado à cultura escolar está o currículo. Forquin (1992)
explica que o currículo é construído a partir das seleções culturais
realizadas no ambiente escolar. O autor, aponta que, nem tudo aquilo
que constitui cultura é considerado importante e, por conta do tem-
po limitado dado pelas determinações oficiais, uma seleção do que
ensinar é necessária.
Para Silva (2011)
O texto curricular, entendido aqui de forma mais ampla – o livro
didático e paradidático, as lições orais, as orientações curriculares
oficiais, os rituais escolares, as datas festivas e comemorativas – está
recheado de narrativas nacionais, étnicas e raciais. Em geral, essas
narrativas celebram os mitos de origem nacional, confirmam o pri-
vilégio das identidades dominantes e tratam as identidades domi-
nadas como exóticas ou folclóricas. Em termos de representação
racial, o texto curricular conserva, de forma evidente, as marcas da
herança colonial (SILVA, 2011, p. 101-102).

O currículo, seja ele expresso na prática docente, nos livros


didáticos, na legislação ou nas disciplinas escolares, deve, além de
tratar de elementos da história e da cultura das minorias, refletir so-
bre as causas das assimetrias sociais existentes.
O movimento de construção do currículo não é algo simples,
é composto por diversos atores. Nesse movimento, Forquin (1996)
discute a convivência do currículo real (ativo), formal (escrito ou
prescrito) e oculto. Para o autor, o currículo real “[...] é aquilo real-
mente ensinado nas salas de aula, que se pode conhecer por obser-
vação ou por pesquisa direta com os professores e os alunos […]”
(FORQUIN, 1996, p. 191). Pela forte dependência que o educador
tem no livro didático, Goodson (1995) o define como currículo real
(ativo); o currículo formal ou oficial é aquele prescrito pelas autori-
dades, composto por documentos normativos e orientativos.
O currículo oculto “[…] implica a ideia de alguma coisa im-
plícita ou invisível […] a própria organização da vida escolar, a es-
truturação escolar do tempo e do espaço, a codificação e a ritualiza-
ção das atividades” (FORQUIN, 1996, p. 193).

- 58 -
O autor também apresenta outro lado do currículo oculto: a
possibilidade de existir “[...] um produto de um trabalho permanen-
te de ocultação, de dissimulação ou de mistificação, [...] contribuin-
do para a perpetuação de certas formas de alienação cultural ou de
dominação social” (FORQUIN, 1996, p. 193).
Silva (2011) apresenta teorias do currículo: tradicionais, críti-
cas e pós-críticas. Segundo o autor, as teorias tradicionais limitam-
-se às questões de conteúdo (o que ensinar), defendem uma espécie
de neutralidade pedagógica, o ensino tecnicista e a fragmentação e
reprodução dos saberes. Enquanto as teorias críticas e pós-críticas
do currículo apontam que pensar sobre seleção de conhecimentos
é também refletir sobre qual cidadão queremos formar. O autor cita
que, nas reflexões sobre essas escolhas, deve constar o que o currí-
culo faz; por que determinados conteúdos estão presentes e outros
não; quais interesses estão por trás dessas escolhas, quais grupos se
beneficiam e quais são prejudicados pela forma como o currículo
está organizado.
As teorias pós-críticas englobam nas discussões temas como:
gênero, raça, etnia, cultura, sexualidade e multiculturalismo crítico.
Porém é importante salientar que as teorias pós-críticas não são uma
evolução das teorias críticas. Ambas devem se combinar “[...] para
nos ajudar a compreender os processos pelos quais, por meio de re-
lações de poder e controle, nos tornamos aquilo que somos. Ambas
nos ensinam, de diferentes formas, que o currículo é uma questão de
saber, identidade e poder” (SILVA, 2011, p. 147).
A escola, assim como a religião, a mídia e a família, atuam
como aparelho ideológico do estado. Ela atinge grande parte da po-
pulação por um longo intervalo de tempo e transmite sua ideologia
por meio do currículo. Ideologia esta muitas vezes discriminatória
e diretamente ligada ao capitalismo. A escola, representando quase
exclusivamente as culturas dominantes, nos leva a admitir somente
essa seleção cultural como boa e aceitável (SILVA, 2011).
A escola contribui também para o aumento das desigualda-
des sociais ao colocar em seu funcionamento as relações sociais de
trabalho. Assim, é comum que nas escolas destinadas aos educandos
filhos dos operários, se aprendam à subordinação, enquanto que, na-
quelas destinadas aos filhos dos trabalhadores situados nos níveis
mais altos da escala ocupacional, atitudes de comando e autonomia
(SILVA, 2011).

- 59 -
O processo de exclusão social está diretamente ligado à re-
produção das culturas das classes dominantes, considerada ‘a cultu-
ra’. Esse processo desconsidera valores e hábitos das demais classes
e impõe uma de dominação cultural por meio da força econômica.
Silva (2011), ao tratar da teoria crítica do currículo de Bourdieu e
Passeron, afirma que:
O currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se ex-
pressa na linguagem dominante, ele é transmitido através do código
cultural dominante. […] as crianças e jovens das classes dominantes
veem seu capital cultural reconhecido e fortalecido. As crianças e
jovens das classes dominadas têm sua cultura nativa desvalorizada
[…] (Silva, 2011, p. 35).

Nessa seleção há saberes dotados de legitimidade acadêmica


e saberes com menor prestígio, ficando estes excluídos ou ocupando
um menor espaço no currículo. Aqueles que não têm contato com
o capital cultural – uma boa biblioteca em casa, frequentam cinema
e teatro, realizam viagens nacionais e internacionais, entre outros –
têm suas diferenças acentuadas, mostrando que ‘a cultura’, em uma
sociedade dividida em classes é instrumento de dominação e exclu-
são social.
Essa exclusão social se refere também à dificuldade de acesso
aos níveis mais elevados de ensino (cursos superiores e pós-gradua-
ções), uma vez que esse acesso depende de seleções reguladas por
exames externos, que também privilegiam o capital cultural – a cul-
tura.
Oliveira (2017), a partir de Juliá (2002), escreve sobre o con-
trole “atribuído às avaliações externas” e cita que
As avaliações externas substanciam o caráter propedêutico dos cur-
sos que antecedem o ensino superior, garantindo status e estabili-
dades às matérias escolares constantes nesses exames. Esses exames
ditam o que deve ser ensinado nos cursos anteriores (OLIVEIRA,
2017, p. 37).

As escolas são reféns dessas avaliações. No contexto das es-


colas indígenas, é exigido um trabalho hercúleo dos educadores:
integrar o currículo oficial (a cultura) ao currículo tradicional. O
primeiro permite que os educandos indígenas possam concorrer aos
cursos superiores. O segundo contribui para manutenção da identi-
dade desses povos.
- 60 -
A legislação educacional brasileira passa por reformas conti-
nuamente. Componentes curriculares, como português e matemá-
tica, aparecem nos currículos de todos os níveis desde a publicação
dos primeiros programas de ensino (OLIVEIRA, 2017). Hoje a pu-
blicação do mais recente documento normativo, a BNCC, mostra
que o status desses componentes se mantém. Esse documento orga-
niza os currículos em itinerários formativos, e somente português e
matemática devem ser oferecidos nos três anos da etapa final da edu-
cação básica. Além disso, em exames externos, por exemplo, como
a Provinha Brasil e a Prova Brasil, são esses componentes os temas
centrais dessas avaliações.
Paulo Freire, em suas obras, evidencia a importância do “saber
cotidiano” resultante do viver em sociedade, por meio da valoriza-
ção do sujeito e da cultura como instrumento de libertação. Essas
relações, com os saberes empíricos e socioculturais, são adquiridas
desde o nascimento e transformadas no decorrer do tempo por meio
das relações sociais vivenciadas nos grupos em que os sujeitos estão
inseridos. Desse modo, (re)conhecer o contexto cultural do educan-
do, num movimento dialógico, contribui para a aprendizagem, de
tal forma que o educador não imponha a cultura dominante, mas
integre todas as culturas em todos os contextos.
A importância de pensar no educando como sujeito do co-
nhecimento, seus interesses, curiosidades e necessidades, deve ser
ressaltada para não ocorrer o que Paulo Freire chama de “educação
bancária”. Para Freire (2016)
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à
memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narra-
ção os transforma em ‘vasilhas’, em recipientes a serem ‘enchidos’
pelo educador. Quanto mais vá ‘enchendo’ os recipientes, com seus
‘depósitos’, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem do-
cilmente encher, tanto melhores educandos serão (FREIRE, 2016,
p. 104).

Na educação bancária, o educador é tido como o detentor do


conhecimento, aquele que transfere, por meio de uma educação tra-
dicional, uma série de conteúdos desconectados da realidade cultu-
ral do educando. Freire defende uma educação problematizadora em
contrapartida à educação bancária, visto que um currículo proble-
matizador pode contribuir para a tomada de consciência das injusti-
ças sociais e para a transformação de sua realidade.

- 61 -
Outro aspecto relevante da pedagogia de Paulo Freire é o
olhar para os grupos excluídos, os oprimidos, que sofrem o que o
autor chama de “invasão cultural”, “antidialógica”, de tal maneira
que os invasores impõem a sua visão de mundo (FREIRE, 2016). A
aprendizagem é resultado de ações de um sujeito, não o resultado de
qualquer ação: ela só se constrói em uma interação entre esse sujeito
e o meio circundante, natural e social (DELIZOICOV; ANGOTTI;
PERNAMBUCO, 2016).
Nesse contexto, é importante analisar as relações entre currí-
culo e interculturalismo funcional (não crítico), também chamando
de multiculturalismo, que obriga “[...] diferentes culturas raciais, ét-
nicas e nacionais a viverem no mesmo espaço” (Silva, 2011, p. 85).
O interculturalismo funcional privilegia apenas a convivência, o res-
peito e a tolerância entre essas diferentes culturas. Porém,
[...] a ideia de tolerância, por exemplo, implica também uma certa
superioridade por parte de quem mostra tolerância. Por outro lado,
a noção de “respeito” implica um certo essencialismo cultural, pelo
qual as diferenças culturais são vistas como fixas, como já definitiva-
mente definidas, restando apenas “respeitá-las” (SILVA, 2011, p.88).

Candau e Russo (2010) atentam para perspectivas intercultu-


rais que são baseadas apenas nos princípios de tolerância, respeito e
convivência pacífica entre culturas. De acordo com os autores, currí-
culos que apenas abordam a diversidade cultural e propostas de pura
aceitação da cultura do outro
[…] deixam intactas as relações de poder que estão na base da pro-
dução da diferença […] um currículo inspirado nessa concepção
não se limitaria, pois, a ensinar a tolerância e o respeito, por mais
desejável que isso possa parecer, mas insistiria, em vez disso, numa
análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas atra-
vés de relações de assimetria e desigualdade (Silva, 2011, p. 88-89).

Na mesma direção, Silva (2011) aponta que a


[...] perspectiva intercultural no âmbito educativo não pode ser re-
duzida a uma mera incorporação de alguns temas no currículo e no
calendário escolar. Trata-se, de modo especial [...] de uma aborda-
gem que abarca diferentes âmbitos - ético, epistemológico e político
-, orientada à construção de democracias em que justiça social e
cultural sejam trabalhadas de modo articulado (CANDAU; RUSSO,
2010, p.167).

- 62 -
Para esses autores, muitos currículos se limitam a apresentar a
existência da diversidade. Silva (2011) aponta que a presença do in-
terculturalismo no currículo sofre críticas em relação à possibilidade
de fragmentar uma cultura nacional única e comum. Entretanto, o
autor salienta que essas críticas acabam por não perceber que essa
cultura nacional comum se entrelaça com a cultura dominante.
Diferentemente das teorias críticas, que relacionam as desi-
gualdades sociais e as relações de poder no currículo às diferenças
de classes sociais, as teorias pós-críticas consideram também as re-
lações de raça, etnia e gênero. Silva (2011) discute o fato de que a
identidade étnica e racial é uma questão de saber e poder, de acordo
com o autor:
O texto curricular, entendido aqui de forma ampla – o livro didático
e paradidático, as lições orais, as orientações curriculares oficiais, os
rituais escolares, as datas festivas e comemorativas – está recheado
de narrativas nacionais, étnicas e raciais. Em geral, essas narrativas
celebram os mitos da origem nacional, confirmam o privilégio das
identidades dominantes e tratam as identidades dominadas como
exóticas ou folclóricas (SILVA, 2011, p. 101 - 102).

Ainda segundo o autor, raça e etnia não devem ser tratadas


como temas transversais nos currículos, isto é, a simples inserção
de conteúdos referentes à diversidade multicultural no currículo.
Um currículo que questiona as construções sociais de raça e de etnia
“[…] deixaria de ser folclórico para se tornar profundamente polí-
tico” (SILVA, 2011, p.102). Além disso, não trataria o racismo como
algo individual, mas teria como foco suas causas institucionais, his-
tóricas e discursivas.
Confere-se, assim, o poder do currículo e a necessidade de um
olhar crítico para o conhecimento escolar no processo de transfor-
mação social. O “currículo é, por consequência, um dispositivo de
grande efeito no processo de construção da identidade do(a) estu-
dante” (MOREIRA; CANDAU, 2007, p. 28). Assim, currículo pode
atuar como uma ferramenta para a representatividade da cultura in-
dígena.
Um processo de ensino-aprendizagem contextualizado, que
valorize os conhecimentos prévios e as vivências dos educandos e
dos educadores, é uma preocupação que deve prevalecer em todas as
escolas brasileiras. No entanto, geralmente, existe um distanciamen-
to muito grande entre o que é ensinado e o cotidiano dos discentes.

- 63 -
De acordo com Jafelice (2015),
A formação que recebemos desconsidera o local e, portanto, não
nos habilita a tratá-lo com a relevância que tem; os livros que adota-
mos tratam de uma realidade que, com frequência, é muito distinta
daquela cotidiana, de nossos alunos; com isso, nossa rica e especí-
fica realidade local, ou regional, fica excluída daqueles compêndios
e das escolas. E achamos isso natural, marca de universalização e
progresso. Não é. Pode servir para fins ideológicos, mas não para
exercitarmos a valorização do que temos de próprio e autêntico
(JAFELICE, 2015, p. 60).

O estado do Amazonas possui o maior número de indígenas


no Brasil. A escola concebida pela sociedade moderna chegou às
comunidades indígenas levando com ela elementos materiais (car-
teiras, uniformes, quadro, currículo oficial) e imateriais (normas e
comportamentos - formação de fileiras, silêncio, horários) da cultura
escolar. Nesse sentido, acredita-se que a atenção às diferentes formas
de conhecimento e de culturas dos educandos, particularmente das
culturas indígenas, seja fator relevante para a promoção de um pro-
cesso de ensino-aprendizagem de qualidade e equidade para todos
os educandos.
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- 68 -
TRAJETÓRIA DE UMA PESQUISA EM UMA
ESCOLA RIBEIRINHA NO SUDOESTE DO
AMAZONAS
Paula Regina Humbelino de Melo
Eliane Regina Martins Batista

1. Introdução

Este artigo apresenta um recorte da dissertação intitulada


Saberes Tradicionais, Ensino de Ciências Naturais e Etnobotânica:
Possibilidades e Desafios para a Educação Científica desenvolvida no
âmbito das atividades no Programa de Pós Graduação em Ensino
de Ciências e Humanidades, na Universidade Federal do Amazonas
(PPGECH/UFAM), que teve como objetivo analisar em que medi-
da a integração dos saberes tradicionais e escolares contribui para a
educação científica de estudantes da escola ribeirinha de São Miguel.
A aproximação com a temática dessa pesquisa surgiu em de-
corrência de três motivos principais: ingresso no curso de Biologia e
Química (licenciatura dupla) no Instituto de Educação, Agricultura
e Ambiente (IEAA), da universidade Federal do Amazonas (UFAM),
enquanto aluna e professora; a realização dos estágios; e, as expe-
riências de infância com às plantas. Estes motivos confluíram para o
desenvolvimento de uma pesquisa de mestrado envolvendo o ensino
de Ciências Naturais, saberes tradicionais e a etnobotânica que se
concretizou no período de 2017 a 2018 na comunidade ribeirinha
de São Miguel, pertencente ao município de Humaitá, sudoeste do
Amazonas.
A etnobotânica é uma área da biologia que estuda a relação
dos saberes tradicionais da humanidade com os vegetais de uma
determinada região, permitindo conhecer e valorizar os conheci-
mentos existentes. Uma definição mais completa é apresentada por
Alexiades (1996) quando retrata a etnobotânica como a área que co-
nhece a sociedade humana e suas inter-relações ecológicas, genéti-
cas, evolutivas, simbólicas e culturais com os vegetais.

- 69 -
Desde os primórdios da civilização, a humanidade utiliza as
plantas medicinais para tratamento de prevenção de doenças, em
muitas localidades este é o único recurso disponível, tendo em vista
que muitas comunidades ficam localizadas em áreas de difícil acesso
e condições limitadas de infraestruturas.
As instituições de ensino exercem papel fundamental na pre-
servação de saberes em comunidades tradicionais, sendo uma forma
de preservação desses conhecimentos imateriais a contextualizados
nos conteúdos escolares com os saberes passados entre as gerações.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Ciências Naturais
destacam a necessidade da contextualização e interdisciplinaridade,
onde os conhecimentos precisam ser dialogados, possibilitando uma
educação científica de qualidade, assim, é “necessário considerar
o conhecimento cognitivo dos estudantes, relacionar com suas ex-
periências diárias, sua identidade cultural e social, e os diferentes
significados e valores que as Ciências Naturais podem ter para eles”
(BRASIL, 1998, p. 27).
Ao produzir à dissertação buscamos contribuir com pesquisas
na educação ribeirinha e no ensino de Ciências Naturais, entenden-
do que no espaço escolar existe a necessidade de contextualização e
interdisciplinaridade no cenário da educação; principalmente, quan-
do se trata de áreas temáticas que priorizem regiões geográficas ricas
em saberes tradicionais, como a Região Amazônica.

2. Teoria da Complexidade

Neste tópico optou-se por uma breve apresentação do con-


ceito e as características relevantes de ciência na ótica da Teoria da
Complexidade de Edgar Morin, base sólida da análise dos dados da
dissertação.
A base da teoria da complexidade configura diferentes racio-
nalidades, onde a ciência é compreendida no sentido multidimen-
sional. O que implica considerar, segundo Morin (2005) a insepa-
rabilidade da ciência, do contexto social e histórico, ou seja, uma
realidade multidimensional, em que se considera que “os efeitos da
ciência não são simples nem para o melhor, nem para o pior, eles são
profundamente ambivalentes” (p. 10).
Com base na perspectiva de Morin (2005), entendemos que a
ciência precisa ser compreendida em sua complexidade, a partir de

- 70 -
diferentes “lentes” conceituais e multidirecionais, não se pode deixar
para trás as diferentes epistemologias que deram suporte as ciências
no passado, mas é preciso compreender suas contribuições e limita-
ções para o presente e o futuro da humanidade, além de olhar o co-
nhecimento da natureza, da sociedade em suas múltiplas interações,
estas peculiaridades conceituais direcionaram nosso trabalho para a
epistemologia da complexidade.
O pensamento complexo surge quando o simples apresenta
falhas, ou seja, a complexidade apresenta sua parte integrante no
pensamento simples, mas renuncia qualquer pensamento que seja
responsável pela mutilação da mente humana, como os aspectos
unidimensionais que almeja controlar e dominar o real existente no
pensamento simples. A palavra complexidade, “[...] um tecido (com-
plexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneas insepa-
ravelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo.
Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido
dos acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações,
acasos, que constituem nosso mundo fenomênico” (MORIN, 2007,
p. 13).
No geral, a complexidade é difícil de se exprimir de forma
simples, explicando Morin que “é complexo o que não é possível re-
sumir em uma palavra-chave, o que não pode ser reduzido a uma lei
nem a uma ideia simples, a complexidade é palavra-problema e não
palavra-solução” (2007, p. 6).
Com essa breve contextualização sobre o pensamento com-
plexo, entende-se a relevância desta epistemologia na medida em
que valoriza a multidimensionalidade do conhecimento e propõem
aprofundar/diversificar os métodos para conhecer diferentes obje-
tos. Além disso, compreende-se a necessidade de aprofundar a uti-
lização do pensamento complexo como uma das possibilidades na
pesquisa em educação que possam integrar diferentes conhecimen-
tos, a cultura, os saberes das comunidades locais, a criatividade, a
inventividade e a subjetividade.
Outro ponto a considerar na epistemologia de Morin (2000),
está relacionado a educação, para o autor existem sete saberes para
almejar uma educação de qualidade para o futuro de crianças e ado-
lescentes. Os quais apresentam prioritariamente aspectos multidi-
mensionais; neste sentindo, destaca-se a essência das questões so-
ciais e culturais para a integração curricular.

- 71 -
Estes saberes foram assim descritos: as cegueiras do conheci-
mento, o erro e a ilusão; os princípios do conhecimento pertinente;
ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrena; enfrentar
as incertezas; ensinar a compreensão e a ética do gênero humano. Ao
considerar estes saberes, entendemos que na educação escolar é ne-
cessário articular vários conhecimentos e saberes que potencializem
a aprendizagem da criança de forma integrada no currículo na pers-
pectiva de entender o mundo e suas interpelações e, principalmente,
a valorização do contexto social e cultural no ambiente escolar.

3. Etnobotânica: possibilidades para o ensino de ciências na-


turais

Uma das características do ensino de botânica refere-se à


necessidade de as regiões brasileiras conhecerem a biodiversida-
de vegetal existente, principalmente as localidades que apresentam
espécies endêmicas. Os conhecimentos das espécies vegetais, e sua
importância para a humanidade, permite a utilização de forma ra-
cional, além da perpetuação desses recursos às gerações futuras
(BRASIL, 1987).
Os estudos com as plantas foram possíveis devido à relação
de dependências dos seres humanos com os vegetais, destacando-
-se a pertinência da etnobotânica como ciência, apresentando lentes
científicas voltadas para relações recíprocas dos seres humanos com
os vegetais, sejam essas relações do passado ou presente, interações
ecológicas, genéticas, evolutivas, simbólicas e culturais da humani-
dade com as plantas (ALEXIADES, 1996). Portanto, a partir do olhar
voltado para a relevância da etnobotânica para a vida humana com-
preende-se sua pertinência para educação escolar, a partir da disci-
plina de Ciências Naturais ou da Natureza.
Os conteúdos do Reino Vegetal se encontram inseridos no
currículo do ensino fundamental e médio, podem possibilitar ao
aluno o desenvolvimento de habilidades necessárias para a com-
preensão do papel do ser humano na natureza, tendo em vista que,
a relação da humanidade com as plantas é indispensável para a so-
brevivência, seja para alimentação, extração de madeira, ornamen-
tação ou para o uso medicinal (BRASIL, 2006). Para Costa e Pereira
(2016), a importância da etnobotânica no contexto científico deve-se
a aproximação do compromisso social com o conhecimento cientí-

- 72 -
fico, sendo uma forma de contextualização, o que significa que estes
conhecimentos necessitam ser integrados e valorizados na vida das
pessoas. Além disso, Guarim Neto e Pasa (2009) consideram que ao
inserir conhecimentos tradicionais nas investigações etnobotânica
é necessário compreender e respeitar que o conhecimento humano
que se manifesta é repassado de geração para geração.
Na educação escolar, a inclusão da etnobotânica é caracteri-
zada como um instrumento viável no ensino fundamental e médio,
pois permite resgatar e valorizar conhecimentos tradicionais de di-
ferentes contextos regionais. De acordo com Siqueira et al. (2011) o
conhecimento etnobotânico quando estudado em sala de aula, per-
mite valorizar os conhecimentos que os alunos trazem de casa para a
escola, refinando o conhecimento científico.
Para Silva e Marisco (2013) o tema plantas medicinais é con-
siderado uma ferramenta eficaz no processo de ensino, uma vez que
aprimora o conhecimento prévio dos alunos. Vale ressaltar que, o
papel do professor ao trabalhar com este tema gerador é indispensá-
vel, cabe a esse profissional construir um elo entre o conhecimento
popular e científico do aluno, buscando contribuir para melhoria
na qualidade de vida. Neste pressuposto, Dill (2015) destaca que as
plantas medicinais carregam conhecimentos significativos de popu-
lações, possibilitando articulações de conhecimentos e consequen-
temente possibilidade para trabalhar com a Inter e a transdiscipli-
naridade:
De acordo com Guarim Neto e Carniello (2007) existe um
triângulo ao caracterizar os estudos etnobotânicos, poia há uma re-
lação de interdependência entre a humanidade, o ambiente e a base
interdisciplinar, sendo esses essenciais para a compreensão dos co-
nhecimentos locais passados de geração para geração.

4. Locus da pesquisa e procedimentos metodológicos

O contexto da pesquisa está situado no município de Humai-


tá, que possui diversas comunidades (rurais, ribeirinhas, tradicio-
nais), dentre as quais se solucionou para a realização desta pesquisa,
a Comunidade de São Miguel, que fica localizada a 08 km da área
urbana (conforme Fig. 01).
Esta é uma comunidade ribeirinha situada às margens do Rio
Madeira, na qual residem vinte famílias tradicionais. Dentre as prin-

- 73 -
cipais atividades econômicas, estão: a pesca artesanal, a agricultura
familiar e os benefícios do governo.
Figura 1.0 – Área de estudo

Fonte: REZENDE, A., 2018.

A Escola Municipal São Miguel foi fundada pelo Decreto nº


031/96 de 25 de outubro de 1996. No ano de 2017, a escola conta
com 07 (sete) professores que ministram as disciplinas da Educação
Infantil e do Ensino Fundamental, totalizando 102 (cento e dois) alu-
nos matriculados em turmas regulares multisseriadas.
O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade Federal do
Amazonas (UFAM), sob CAAE 79982217.2.0000.5020 (Certificado
de apresentação para Apreciação Ética). 
A base epistemológica deste trabalho fundamentou-se na
perspectiva epistemológica multidimensional apresentada pelo fran-
cês Edgar Morin, principal teórico do pensamento complexo. A ca-
racterística central dessa epistemologia é a complexidade, sendo o
primeiro olhar formado por constituintes heterogêneos opondo-se
ao paradigma científico da modernidade, considerado pelo autor de
paradigma simplificador.
A pesquisa desenvolveu-se a partir de um estudo de campo,
com a finalidade de aprofundar a compreensão dos conhecimentos
tradicionais produzidos pela comunidade e no contexto escolar, ali-
nhando-se as características da abordagem qualitativa.

- 74 -
Foram realizadas visitas à comunidade para levantar dados
sobre a temática com os professores e com moradores, além de pos-
sibilitar compreender as relações que se estabelecem entre os dife-
rentes sujeitos (moradores, professore e alunos dos 7 º, 8º e 9º anos
do Ensino Fundamental da escola São Miguel). A pesquisa envolveu
dois níveis, configura-se como exploratória e descritiva (GIL, 2006;
CALIL, 2009) e para análise dos dados optou-se pela análise temática
que, além de considerar os objetivos, referenciais e achados da pes-
quisa, foram organizados tendo como base temas (MINAYO, 2001).
Para coleta de dados utilizou-se entrevista semiestruturadas
com a professora de ciências Naturais da escola e pais dos estudantes
de 7ª, 8ª e 9ª ano do ensino fundamental. Com os estudantes reali-
zaram-se atividades participativas, incluindo aulas práticas, lúdicas
e teóricas, priorizando abordagens contextualizadas e interdiscipli-
nares.

5. Saberes tradicionais e escolares no ensino de Ciências Na-


turais
Apresentamos neste tópico dois eixos desenvolvidos na pes-
quisa: a entrevista com os pais dos estudantes e com a professora
responsável pela disciplina de Ciências Naturais na escola ribeirinha
de São Miguel.

5.1. Saberes tradicionais e Etnobotânica

A entrevista semiestruturada realizada com os pais dos estu-


dantes de 7ª, 8ª e 9ª ano possibilitou levantar dados socioeconômicos
e sobre as plantas medicinais e seus usos. Este instrumento utilizan-
do considerou que as comunidades são detentoras de uma diversida-
de de conhecimentos sobre o meio ambiente, devido a relação de de-
pendência que permitem a sobrevivência das espécies (AMOROZO,
1996). Além disso, concordamos com Morin (2005) ao salientar que
esse conhecimento vivo possibilita grandes descobertas de fenôme-
nos, assim como caracteriza a história do próprio homem.
De acordo com as entrevistas, verificou-se que 84,6% dos en-
trevistados foram do sexo feminino e 15,4% do sexo masculino. O
estado civil é representado por 92,3% de casados e 7,7% de solteiros.
A faixa etária apresentada dos entrevistados com idade entre 20 a

- 75 -
30 anos foi de 8%, entre 31 a 40 anos foi de 54%, 41 a 50 represen-
taram15%, entre 51 a 60 anos foi de 15% e 8% com idade entre 71 a
81 anos.
A maioria dos informantes (84,6%), nasceram no município
de Humaitá, mais especificamente em comunidades que fazem parte
do município. Sobre o tempo de residência na comunidade, obser-
vou-se que 46% dos entrevistados residem na comunidade há mais
de trinta anos, 8% dos moradores é residente há trinta anos, 23% até
vinte anos e 23% até dez anos.
É imprescindível corroborar esses dados com o Decreto nº.
6.040 que define povos e comunidades tradicionais como sendo [...]
grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais,
que possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam
territórios e os recursos naturais como condição para sua reprodução
cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos
pela tradição (BRASIL, 2007). Nesse contexto, os moradores da
comunidade são tradicionais pelas características apresentadas e que
corroboram com o descrito no decreto.
Ao questionarmos sobre as plantas medicinais, todos afirma-
ram utilizar as plantas para esta finalidade, além de citarem a im-
portância para a saúde da comunidade na utilização desse recurso,
pois vivem em localidades com deficiência de atendimento médico
e farmacêutico.
Foram citadas 48 (quarenta e oito) espécies indicadas pelos
moradores por apresentarem propriedades medicinais. Essas espé-
cies são pertencentes a 26 (vinte e seis) famílias botânicas, assim,
se evidencia um conhecimento amplo sobre a temática proposta,
abrindo um leque de possibilidades para futuras pesquisas na área
da Etnobotânica.
A caracterização da comunidade como tradicional e os seus
saberes sobre plantas, torna-se imprescindível na ligação da temáti-
ca nas escolas, uma vez que as instituições de ensino são berços de
preservações de conhecimentos imateriais, além de permitir o de-
senvolvimento de conhecimento integrado que contribui significati-
vamente com a educação científica dos estudantes.

- 76 -
5.2. Contextualizando a escola ribeirinha de São Miguel
Algumas questões são importantes a serem levantadas para
subsidiar discussões sobre a real situação das escolas do campo, em
particular nessa comunidade localizada na comunidade de São Mi-
guel, verificamos que as principais são: a falta do Projeto Político
Pedagógico (PPP), o acesso e permanência, a formação e prática do-
cente.
A falta do PPP na escola foi um ponto que gera grandes dis-
cussões, pois se trata de um documento fundamental. Para Vas-
concelos (2002) o PPP é “uma tentativa, no âmbito da educação, de
resgatar o sentido humano, científico e libertador do planejamento”
(p.169). Este documento é fundamental para o processo educativo,
sendo participativo, de construção coletiva do conhecimento, aper-
feiçoado e concretizado com o percurso a ser realizado.
O acesso e permanência dos alunos na escola é um ponto im-
portante nessa discussão, pois muitos estudantes não concluem o
ano letivo. O transporte escolar também dificulta o processo, pois os
estudantes dependem do transporte e muitas vezes o barco apresenta
problema e acaba na ausência de aulas. Quanto a infraestrutura, a
escola não conta com espaço para secretaria, e passou a depender da
sede, ou seja, da SEMED.
Porém, o ponto que merece destaque ao apresentar a situação
da escola é a formação de professores, uma vez que existem institui-
ções públicas no município que formam profissionais para atuarem
em áreas especificas.
De acordo com quadro de lotação e área de atuação se ob-
servou que professores atuam em áreas diferentes da sua formação,
como professores formados em pedagogia lecionando disciplinas es-
pecíficas e educação física exercendo outras disciplinas. Também se
observou, um profissional exercendo a docência sem formação no
ano de 2017, estando em desacordo com a LDB 9394/96, que deter-
mina que é a obrigatoriedade de todos os professores tenham a for-
mação em nível superior, ou seja, graduação nas áreas específicas da
Educação Básica. Entretanto, observou-se apenas uma docente com
formação e atuação única trabalhando na sua área de formação, mi-
nistrando a disciplina escolar de Matemática do 6º ao 9º ano naquela
escola nos anos de 2017 e 2018. Sobre a formação, Freire (1996) a do-
cência exige dos profissionais as competências em saberes especiais
ligados a atividade docente.

- 77 -
A entrevista com a professora de Ciências Naturais permitiu
visualizar quão necessário é a formação e atuação na área especifica,
pois, a professora que participou da entrevista semiestruturada tinha
formação em Educação Física.
Nessa etapa da pesquisa buscou-se compreender e conhecer
quais os saberes tradicionais e sua integração no Ensino de Ciências,
porém observamos o desconhecimento da professora sobre saberes
tradicionais e sobre a etnobotânica, assim como a falta de contex-
tualização e interdisciplinaridade dos conteúdos com os saberes dos
estudantes.
Para Morin (2000) os conhecimentos precisam ser multidi-
mensionais, permitindo que todos os fenômenos sejam levados em
consideração para tentar compreender problemas e os fenômenos
diários, sendo o principal erro do processo educativo a separação do
conhecimento, sendo importante praticar a ligação. De acordo com
a teoria da complexidade, não se pode separar a realidade histórica,
social, cultural, econômica das ciências, tendo em vista que temos
fenômenos ambivalentes (MORIN, 2005).
Sobre a metodologia adotada, a professora deixou claro na en-
trevista que suas aulas são tradicionais, com a utilização de quadro
e do livro, pois a escola não disponibiliza outros recursos. Assim, é
imprescindível mudança no cenário da utilização apenas de méto-
dos tradicionais para ensinar Ciências Naturais, umavez que os es-
tudantes não precisam somente compreender métodos científicos.
Ademais, os estudantes de escolas do campo contam com ambien-
tes ricos em saberes historicamente construídos, tornando essencial
uma investigação do cidadão frente à natureza e as interações que
ocorrem.
No geral, pode-se dizer que não se apresenta uma metodo-
logia própria para ensinar ciências naturais, mas sim, um método
que exclui a utilização de conceitos formados e que pensa em valo-
rizar a multidimensionalidade do pensamento, tendo em vista que a
complexidade é a “junção de conceitos que lutam entre si” (MORIN,
2005, p. 192).
Após a pesquisa com a professora, foi necessário redimensionar
a coleta de dados para envolver os estudantes, buscando compreender
quão é primordial e necessário as articulações de conhecimentos. Nes-
ta etapa, utilizou-se uma metodologia participativa de intervenção.

- 78 -
Os estudantes pesquisados, em sua maioria (67%) afirmaram
nunca ter estudado o conteúdo do reino vegetal e 33% estudaram
este conteúdo. É imprescindível realçar a importância das plantas
para humanidade em processos vitais, na alimentação, uso fitoterá-
pico, produção de medicamentos farmacêuticos e moradia. Morin
(2000) discorre que a cegueira do conhecimento precisa enfrentar
problemas de erro e de ilusão, fato este também ausente em nossa
pesquisa, pois os alunos, em sua maioria, relataram desconhecer na
prática educativa formal o conhecimento dos vegetais, o que deveria
estar diretamente ligado à vida social e cultural dos alunos.
Sobre a forma de abordagem dos conteúdos sobre o reino ve-
getal para os estudantes que já estudaram o conteúdo, houve a pre-
sença significativa do livro didático, seguida da cópia do conteúdo
quadro. Para Morin (2000), o conhecimento não deve ser apenas es-
pelho do mundo, assim se destaca que existem outros conhecimen-
tos sociais e culturais que são aliados ao processo de ensino.
No ensino de botânica existe uma rica diversidade de vegetais,
entretanto o principal desafio é a falta de contextualização. Neste
sentido, Morin (2000) destaca a contextualização como um princí-
pio pertinente quando se fala em conhecimentos, pois dados isola-
dos e sem conexão são extremamente ineficientes.
Ao questionarmos sobre as plantas medicinais, todos os es-
tudantes afirmaram conhecer e que os pais fazem a utilização delas
em casa, segundo eles, são importantes para a saúde e prevenção de
doenças. Foi citado pelos estudantes um número expressivo de plan-
tas utilizadas em casa com a finalidade curativa. Assim, reforça-se a
necessidade desses conhecimentos etnobotânicos serem integrados
no currículo de Ciências Naturais, principalmente quando se trata
de estudantes de comunidades ribeirinhas, com conhecimentos ri-
cos sobre a temática, possibilitando a valorização do conhecimento.
Para Guarim Neto et al. (2012), a etnobotânica permite resgatar co-
nhecimentos entre as gerações e vislumbra compartimento de co-
nhecimento.
Com a deficiência nos conteúdos sobre os vegetais no ensino
de Ciências Naturais da escola São Miguel, se optou por uma inter-
venção. Destaca-se aqui, que os alunos apresentavam rica bagagem
de conhecimentos tradicionais sobre as plantas, relacionando as suas
características medicinais, os quais foram passados pela tradição fa-

- 79 -
miliar, tornando-se primordial e necessário que esses conhecimen-
tos seja integrado e contextualizado no Ensino de Ciências Naturais.
As atividades de intervenções iniciaram com uma aula exposi-
tiva e participativa com a finalidade de contribuir com a aprendiza-
gem dos discentes, onde se trabalhou os conhecimentos tradicionais
que apresentaram sobre plantas com base no diálogo e respeito. As
aulas práticas e de campo, que foram propostas para contribuir com
a aprendizagem dos estudantes, foram realizadas com as seguintes
atividades: coletas de materiais botânicos ao redor da escola para a
elaboração de decalque, exsicatas, aulas de microscopia, atividades
lúdicas, desenhos representativos sobre a relação desses estudantes
ribeirinhos com as plantas e atividades de degustação com a pro-
posta intitulada “ chá medicinal”. Os estudantes trouxeram plantas
medicinais trazidas de suas casas para contribuir com a discussão e
permitindo troca de saberes.
De forma geral, atividades permitem aproximação com a rea-
lidade do seu cotidiano possibilitam despertar a curiosidade nos
alunos em ampliar seus conhecimentos, norteando os processos de
ensino e de aprendizagem, e, fortalecendo a ideia de que nem sempre
é necessário recursos e materiais sofisticados para desenvolver ativi-
dades que possibilitem contribuam com a educação escolar de crian-
ças e jovens. Para Morin (2000), o processo de ensino é parte integra-
dora da educação, considera que encontramos um mundo voltado
para técnica, ou melhor, uma era planetária que dificilmente prioriza
a transformação do pensamento na perspectiva de transformação.

6. Considerações finais

Ao longo do caminho percorrido no trabalho é possível fazer


uma breve reflexão da seguinte frase de Morin, “ciência sem cons-
ciência é a ruína da alma” (2005), de fato, para que o conhecimento
seja satisfatório exige da humanidade consciência, e, para isso é es-
sencial uma reforma no pensamento, com o intuito de compreender
o real significado de conhecer o mundo, os seres vivos, não vivos e
suas inter-relações, levando em consideração todos os aspectos exis-
tentes, sejam eles sociais, culturais, relacionais e políticos.
Apesar de emergirem algumas respostas negativas quanto às
questões propostas acima, buscou-se a tessituras dos conhecimen-

- 80 -
tos para envolver os saberes tradicionais sobre plantas medicinais
e sua presença no ensino educativo dos estudantes da comunidade
São Miguel, destaca-se ainda, que as barreiras do isolamento entre
os conhecimentos e saberes podem ser quebradas, sobretudo, é per-
tinente estreitar a relação entre saberes tradicionais e escolares, fato
esse que poderá possibilitar a formação de indivíduo alfabetizado
cientificamente.
A articulação de conhecimentos tradicionais no Ensino de
Ciências Naturais torna-se essencial e necessário, visto que ensinar
conceitos científicos para crianças e adolescentes requer uma abor-
dagem integrada. A escola desempenha um papel indispensável na
preservação de saberes tradicionais e na vida dos estudantes que são
moradores de comunidades tradicionais, assim, é preciso trabalhar
na perspectiva da interação entre conhecimentos escolares e tradi-
cionais para o desenvolvimento da educação cientifica, tendo em
vista, que o ensino de Ciências Naturais nas escolas ribeirinhas seja
contextualizado, que as disciplinas não estejam em disjunções umas
com as outras, para que os estudantes compreendam os conceitos e
as aplicabilidade do conhecimento que lhes são ensinados e viven-
ciados.
A integração precisa pautada em aspectos da cultura dos es-
tudantes, do cotidiano, assim, será possível a construção de uma
educação que conduza a formação cidadã, proporcionando a apren-
dizagem do significado da ciência que os cerca, dos saberes que ne-
cessitam estar presente nas escolas.

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- 83 -
- 84 -
PRINCÍPIOS EPISTEMOLÓGICOS DAS TEORIAS
DO CURRÍCULO
Luciane Rocha Paes
Eulina Maria Leite Nogueira 

1. Breve reflexão inicial: currículo, lugar... espaço de forma-


ção de sujeitos sociais?
O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de po-
der. O currículo é trajetória, viagem precursor. O currículo é auto-
biografia, nossa Vida, currículo vitae: no currículo se forja a nossa
identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é
documento de identidade (SILVA,1999, p.150).

Para que possamos adentrar nos conceitos paradigmáticos das


teorias do currículo escolar, temos que contextualizar o espaço am-
plo que o currículo se define como acima diz Tomaz Tadeu (1999).
Dessa forma, o currículo está para além das teorias e pode ser de-
finido de várias formas. O currículo é o mecanismo que viabiliza
todo esse processo de construção social, substanciados nas políticas
públicas e práticas pedagógicas e, sobretudo, nas bases ideológicas,
que atravessa a dinâmica escolar e todo o contexto desse processo da
educação.
De maneira mais clara, o currículo é o responsável pela cons-
trução do homem em uma perspectiva ontológica social, cultural,
política e técnica. É através do currículo que o homem se constrói
homem em suas multidimensões na escola. Ou seja, é com base no
currículo e no que ele propicia que emerge no ser humano a per-
cepção filosófica, ideológica e política da sociedade. O currículo é a
forma concreta de construção da identidade do homem, nele estão
as diretrizes epistemológicas que irão subsidiar todos os eventuais
direcionamentos que o homem terá ao longo da sua trajetória.
A partir deste sentido amplo em que se dimensiona o currí-
culo, abordaremos os principais teóricos que subsidiam as correntes
curriculares e suas teorias que surgiram ao longo do século XX per-
meadas por um contexto histórico-econômico em que a industriali-
zação se expande e se fortalece nas grandes cidades. Com isso, uma
grande massa de pessoas, que morava no campo, passa a migrar para

- 85 -
trabalhar nas grandes indústrias, consequentemente, fazendo-se ne-
cessário “educar” essa massa trabalhadora, que é mão de obra para
as grandes indústrias. Neste contexto, foi institucionalizada a esco-
larização para as massas, assim surgem os primeiros estudos sobre o
currículo nos Estados Unidos.

1.1. O início da trajetória: teorias tradicionais do currículo


A teoria tradicional do currículo se estabelece a partir da
correlação com a pedagogia tradicional1, ou seja, é um modelo de
educação baseada na epistemologia positivista, tendo como carac-
terística principal a formação tecnicista voltada para o interesse de
formação condicionado ao sistema capitalista, conforme as neces-
sidades de formação de mão-de-obra para suprir às demandas da
economia.
Esta teoria se constrói com base nos moldes do modelo For-
dista-Tylorista e tem como finalidade central, condicionar à forma-
ção das pessoas da classe operária para serem boas cumpridoras de
suas tarefas dentro do sistema industrial. O teórico que irá subsidiar
este currículo para a formação escolar da classe trabalhadora, dentro
dos moldes da industrialização, foi Bobbit (1918), que escreveu o
livro The Curriculo. Surge, então, uma visão ideológica alienante que
vai conduzir à produção do currículo como teoria e prática direcio-
nada a uma classe social. Portanto,
1 O termo tradicional refere-se aqui a concepções pedagógicas formuladas e sistemati-
zadas do século XIII à segunda metade do século XIX. A pedagogia tradicional inclui
concepções de educação onde prepondera a ação de um agente externo na formação
do aluno, o primado do objeto de conhecimento, a transmissão do saber constituído
na tradição, o ensino como impressão de imagens ora propiciada pela linguagem ora
pela observação sensorial (NOT, 1981, p. 16-17). Louis Not sugere três perspectivas para
estudo dos métodos pedagógicos: de heteroestruturação, de auto-estruturação e de inte-
restruturação. Na perspectiva dos métodos de heteroestruturação, o saber é organizado
do exterior, ou seja, um educador exerce uma ação sobre um educando através de uma
matéria, o conhecimento constituído, divisível em elementos que podemos chamar de
objetos, e que são instrumentos para a formação do aluno; assim, a educação consiste
numa espécie de enxerto, no aluno, de produções externas destinadas a formá-lo. Na
perspectiva dos métodos de auto-estruturação, o próprio aluno é artesão de sua própria
construção, ou seja, existe, fundamentalmente, um indivíduo agindo e se transformando
por sua própria ação; o objeto está submetido às iniciativas do sujeito. A perspectiva su-
peradora é denominada de métodos de interestruturação em que os fatores determinan-
tes da aquisição de conhecimentos não estão só no objeto, nem só no sujeito, nem ligados
à preponderância de um sobre outro, mas numa interação entre sujeito conhecedor e o
objeto a ser conhecido (LIBÂNEO, 1990, p.01).

- 86 -
As respostas de Bobbit eram claramente conservadoras embora sua
intervenção buscasse transformer radicalmente o sistema educa-
cional, Bobbit propunha que a escola funcionasse da mesma forma
que qualquer outra empresa comercial ou industrial. Tal como uma
indústria Bobbit queria que o sistema educacional fosse capaz de
especificar precisamente que resultados pretendiam obter que pu-
dessem estabecer metódos para obtê-los de forma precisa e formas
de mensuração que permitissem saber com precisão realmente al-
cançados […] o modelo de Bobbit estava claramente voltado para
a economia. Sua palavra chave “eficiência”. O sistema educacional
deveria ser tão eficiente quanto qualquer outra empresa econômica.
Bobbit queria transferir para a escola o modelo de organização pro-
posto pelo Frederik Taylo (SILVA, 1999, p.22-23).

Diante do exposto, podemos explicitar que o paradigma con-


dicionado pela perspectiva de Bobbit, que não favorece nenhum tipo
de reflexão social e política, tem por objetivo a repetição que se en-
caixa em um papel social determinado, um pensamento alimentado
apenas pelo viés econômico e ideológico de manutenção do sistema
que está sendo implantado: o sistema capitalista. Desta forma é im-
portante salientar que,
A relação atual entre currículo e teoria curricular é algo profunda-
mente alienado. Pois o termo alienado em sua etimologia tradicio-
nal. Alienado provém do adjetivo “alien” “alheio”, que oxford dictio-
nary define como “não próprio de alguém, estranho, sob estranha
lealdade, diferente em caráter, repugnante”. A teoria curricular é o
estudo do currículo estão estritamente interligados, uma vez que
os estudo curriculares se alientam de teoria, mas também-talvez o
mais importante-porque os paradigmas teóricos orientam as ten-
dências e as aspirações do estudo sobre o currículo (GOODSON,
2008, p.47).

O currículo, na perspectiva de Bobbit, configura-se como


uma teoria que está condicionada à aplicação de uma técnica para
tornar eficiente o processo de educação das massas, uma ferramenta
que visa selecionar os conhecimentos que serão utilizados para o viés
a que este tipo de educação se propõe.
É importante salientarmos que, ao longo dos anos, esse forma-
to de escolarização convencional da pedagogia tradicional se tornou
enraizado e, dessa maneira, esse modelo de educação tradicional foi
seguido e se manteve historicamente como único e ideal modelo a
ser seguido, tanto que se tornou um modelo tradicional, uma forma
condicionada de se pensar a escolarização e a educação das massas

- 87 -
em grande parte das sociedades. A ênfase da escolarização por meio
da teoria tradicional do currículo postula inúmeros condicionantes
que neutralizam o pensamento reflexivo-crítico e mantém o status
quo2; o projeto de educação tradicional perdura a educação como
padronização nos processos pedagógicos pautados nos princípios da
administração e racionalidade técnica onde os alunos são meros re-
ceptores de informação.
Numa perspectiva de educação bancária, o currículo como
prática pedagógica apenas se sustenta como prática para manuten-
ção da escolarização das massas para o mercado de trabalho em
que o sujeito é condicionado para receber conhecimentos técnicos
e cumprir tarefas sem poder questionar ou refletir sobre nenhum
posicionamento político.
Outro autor expoente que emerge nesta perspectiva tradicio-
nal é Ralf Taylor, que traz em seus escritos, a teoria tradicional do
currículo, cujos objetivos são claros em que a educação das massas
precisa ter a constituição de um currículo com base na organiza-
ção e no desenvolvimento (SILVA, 1999). O centro da perspectiva de
Taylor e Bobbit era a manutenção do desenvolvimento da educação
como técnica, conduzir a escolarização das massas para a formação
técnica, neutra e fundamentalmente consolidada na alienação po-
lítica, uma busca num condicionamento ideológico embasada nas
relações de poder entre uma classe dominante e a classe operária
alienada, onde a classe dominante determina as condições de vida e
de conhecimento da classe operária.
O currículo tradicional se tornou epistemologicamente um
caminho a ser seguido, culturalmente aceito em grande parte do
mundo, contendo um método pedagógico que seleciona conteúdo
específico com base na formação para o trabalho, possui uma avalia-
ção para seleção natural, uma educação que dá ênfase ao professor e
aos conteúdos a serem absorvidos pelos alunos, uma educação auto-

2 Ao tornar o status quo como referência desejável, as teorias tradicionais se concentraram,


pois, das formas de organização e elaboração do currículo. Os modelos tradionais de currículo
restringiam-se à atividade técnica de como fazer o currículo. As teorias críticas, em constraste
começam por colocar em questão precisamente os pressuspostos dos presentes arranjos sociais
e educacionais. As teorias Críticas desconfiam do status quo, estabilizando-o pelas desigual-
dades e injustiças sociais.íAs teorias tradionais eram teorias de aceitação, ajuste e adptação. As
teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamento e transformação radical. Para as
teorias críticas o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desen-
volver conceitos que nos permitam compreender o que o curriculo faz (SILVA, 1999, p.288).

- 88 -
ritária com base na descontextualizarão social dos alunos. A escola-
rização por meio da produção do currículo tradicional se faz a partir
de uma luta de classes explícita sobre as relações de poder que uma
classe tem sobre a outra, o currículo como teoria constituída para
um único fim que é a manutenção do poder das classes dominantes
para manter o processo de industrialização. Prática esta que funcio-
na como controle e padrão hegemônico a ser seguido.
A ênfase desta teoria e prática do currículo tradicional, co-
mentada pelos teóricos acima citados, é desenvolvida pela avaliação
e pelos objetivos a serem atingidos, que é a formação técnica da clas-
se operária para atender ao mercado de trabalho. Em conformidade
a esta estrutura curricular, a escola acaba se tornado um espaço de
reprodução de conhecimentos, assemelhando-se a uma fábrica, e os
alunos, como matérias-primas, estão prontos para serem transfor-
mados de acordo com as exigências do mercado capitalista, confor-
me a classe dominante exige. Assim, gera uma cadeia de reprodução
e, por consequência, a alienação. Como funcionalidade deste siste-
ma, os sujeitos são manipulados para pensar apenas o desenvolvi-
mento do trabalho e aprendem especificamente sobre as técnicas
necessárias para desenvolverem este trabalho, ou seja, a força braçal
dos operários.

1.2. O grito teórico em prol da classe trabalhadora: teorias


críticas do currículo- um caminho percorrido.

Em contraste com a teoria tradicional do currículo, que pre-


valeceu como única por muitos anos no século XX, emergiu, em
meados dos anos de 1960, uma nova teoria foi consolidada como
um novo paradigma. Ergue-se uma nova perspectiva sobre como se
deviadesenvolver a educação para a classe operária, surge a teoria
crítica.
Sobre a teoria crítica do currículo, é importante salientar-
mos que este novo modelo traz como princípio novas experiências
educacionais estabelecidas pelos posicionamentos epistemológicos,
filosóficos e políticos de Karl Marx, baseados nas ideias centrais so-
bre a luta de classes, exploração da classe trabalhadora, hegemonia
política, trabalho e alienação na sociedade capitalista como fatores
que irão embasar os estudos sobre esta nova epistemologia teórica

- 89 -
marxista que é uma epistemologia substanciada pela teoria social de
Marx, conforme seu estudo sobre a burguesia e o modo de produção
capitalista.
Desse modo, muitos autores irão subsidiar esta nova forma
de pensar os paradigmas das teorias curriculares em muitos países
a partir da década de 1960. No Brasil com Paulo Freire, na Inglater-
ra com Michael Young, na França com Bourdieu e Althusser e nos
Estados Unidos com Michael Apple, que é um dos principais auto-
res da teoria crítica do currículo. A ideia central da teoria crítica do
currículo surge da inquietação sobre como a sociedade dimensiona
a formação das suas classes, tanto a classe dominante — os burgueses
—, quanto da classe trabalhadora. Essa luta de classes perpassa pelo
currículo escolar, fazendo um questionamento teórico e prático so-
bre qual é o papel central da escola e a manutenção da exploração de
uma classe sobre a outra dentro da sociedade capitalista.
Portanto, as teorias críticas do currículo visam entender teo-
ricamente como deve se desenvolver um currículo profundo e dinâ-
mico dentro da sua estrutura, com bases que desenvolvam os sujeitos
a pensar de maneira integral sobre a sociedade. O currículo passa a
ter um novo viés epistemológico e não a pensar como antes, consi-
derado e utilizado como técnica para atingir objetivos operacionais
econômicos.
É importante entender que o processo de escolarização das
massas e a construção curricular da educação perpassam exatamente
por um viés político e, por isso, torna-se tão importante para o estado,
para o sistema econômico e para a política como funcionalidade de
manutenção de uma ordem já estabelecida pela classe dominante.
Por sua vez, o espaço escolar se tornou um espaço tão discutido
politicamente pelos teóricos, assim como o currículo que se
estabeleceu neste espaço, pois dentro deste espaço são produzidas
ações que irão refletir diretamente na sociedade como um todo.
Althusser (1979), em seu livro A Ideologia e o Aparelho ideoló-
gico do Estado, construiu argumentos a partir da ideologia marxista
que versa sobre as concepções teóricas e os conhecimentos cientí-
ficos desenvolvidos por Karl Marx para entender como funciona o
sistema da sociedade capitalista e, dessa maneira, faz uma análise
sobre o sistema de exploração e de dominação. Uma das conclusões
sobre a luta de classes é que o espaço escolar é aparelho ideológico do

- 90 -
Estado, pois ele entende que há um distanciamento entre o processo
de escolarização que é oferecido para a massa trabalhadora e a escola
oferecida para os da classe dominante. Além de acrescentar que a
forma com que as práticas educacionais acontecem é totalmente dis-
tinta; dessa maneira, a escola padroniza o pensamento condiciona-
do que a classe dominante quer para a operária, mantendo a escola
como aparelho ideológico em que o Estado sustenta o status quo e
condiciona a permanência alienada de toda uma classe. Por isso,
É bom lembrar que os AIE e o próprio Estado apenas têm sentido
de um ponto de vista da luta de classes, enquanto aparelho da luta
de classes, mantenedor das condições de exploração e de sua repro-
dução. “Não há luta de classes sem classes antagônicas”. É por isso
que os AIE não são a realização da ideologia em geral, ou mesmo
a realização sem conflitos da ideologia dominante. A ideologia da
classe dominante não se torna dominante por ato ou graça divina,
ou pela simples tomada do poder de Estado. É pelo estabelecimento
dos AIE, onde esta ideologia é realizada que ela se torna dominante
(MARQUES, 2007, p.07).

A escola para Althusser é um espaço de reprodução; a educa-


ção bancária, por meio do currículo tradicional, não promove uma
educação que possibilita a classe trabalhadora a fazer uma reflexão
sobre as lutas de classes que existe na sociedade capitalista. Com base
nas relações de poder, o Estado proporciona um distanciamento po-
lítico intelectual entre os trabalhadores e a classe dominante. Sendo
assim,
Em outras palavras, a escola (mas também outras instituições do
Estado, como a Igreja e outros aparelhos como o Exército) ensina o
‘know-how’ mas sob a forma de assegurar a submissão à ideologia
dominante ou o domínio de sua ‘prática’. Todos os agentes da pro-
dução, da exploração e da repressão, sem falar dos ‘profissionais da
ideologia’ (Marx) devem de uma forma ou de outra estar ‘imbuídos’
desta ideologia para desempenhar‘conscensiosamente’ suas tarefas,
seja a de explorados (os operários), seja de exploradores (capitalis-
tas), seja de auxiliares na exploração (os quadros), seja de grandes
sacerdotes da ideologia dominante (seus ‘funcionários’) etc (AL-
THUSSER, 1985, p. 58-59).

Logo, a escola é um aparelho ideológico do Estado porque é


por meio da mesma e dos processos escolares que o Estado conduz a
formação dos sujeitos que vão viver na sociedade. Tendo como suas
principais características o autoritarismo dos professores sobre seus

- 91 -
alunos, os conteúdos selecionados e descontextualizados, a forma
bancária que se ensina, assim como a avaliação e tudo que gira em
torno desse processo político-pedagógico. Toda essa ordem educa-
cional para o único fim que é a sujeição para manutenção de ordem
político-econômica, a escola inculca em seus alunos valores que le-
vam os sujeitos a se tornarem passivos diante da reprodução social.
A ideologia, que se consolida de modo hegemônico, viabiliza
a separação das pessoas pelo desenvolvimento intelectual. É impor-
tante entendermos que há uma justificativa para todo esse processo
político acontecer; a relação de poder entre as classes é uma delas,
a manutenção da exploração pelo trabalho é outra dela. Esse ciclo
vicioso mantém uma classe livre e outra totalmente explorada. A ex-
ploração é o condicionamento político e o grande fator pelo qual
acontece todo o sistema de funcionamento da escola como aparelho
ideológico do estado, consequentemente, os aparelhos ideológicos
são mecanismos, meios formais para que este processo aconteça.
A problemática central da análise Marxista da educação e da escola
consiste como mostra o exemplo de Althusser, em buscar estabele-
cer qual é a ligação entre a escola e a economia, entre a educação e a
produção. Uma vez que, na análise Marxista a economia e a produ-
ção estão no centro da dinâmica social. Qual é o papel da educação
e da escola nesse processo? Como a escola e a educação contribuem
para que a sociedade continue sendo capitalista, para que a socie-
dade sendo dividida entre capitalistas “proprietários dos meios de
produção”, de uma lado e trabalhadores “proprietários unicamente
da sua capacidade de trabalho”, de outro? Althusser nos deu, como
vimos, um tipo de respostas; a escola contribui para a reproducação
da sociedade capitalista ao transmitir, através das matérias escola-
res, as crenças que nos fazem ver os arranjos sociais existentes como
bons e desejáveis (SILVA, 2000, p.32).

As reflexões de Althusser são um marco essencial no progresso


do desenvolvimento das teorias críticas do currículo, pois embasam
todas as ideias fundamentais para a construção de novos paradigmas
sob a perspectiva de uma nova concepção de se pensar teoricamente
o currículo e como este currículo faz parte ou não da manutenção de
uma luta e um controle entre as classes sociais.
Outro teórico importante para a fundamentação dos pressu-
postos da teoria crítica do currículo é o filósofo e sociólogo Pierre
Bourdieu, que faz algumas análises pertinentes sobre a reprodução
das desigualdades, capital cultural e a violência simbólica que acon-
tece permanentemente dentro da sociedade capitalista.

- 92 -
Bourdieu escreveu, em 1970, um livro chamado A Reprodu-
ção e faz grandes observações sobre o papel importante que a escola
tem para a manutenção do sistema de exploração social. Ele estuda o
sistema de ensino e visualiza a escola como mantenedora da repro-
dução social a partir da sua perspectiva de desenvolvimento escolar
dos sujeitos. Existem diferenças e indiferenças que se efetivam como
símbolos representativos composto no espaço social, alimentando
uma posição das classes e a desigualdade social, dentro da sociedade
capitalista.
Dentro da análise social de Bourdieu existe um ciclo que é vi-
cioso no sistema capitalista que a própria classe dominante mantém.
Eles possuem capital cultural e, neste sentido, a dominação simbóli-
ca falada por Bourdieu surge e é por este modo que há uma violên-
cia também denominada de simbólica. Logo, a violência simbólica
é representada pelas distorções e desigualdades sociais, através do
poder que a classe dominante tem sobre a classe operária, causando
um estranhamento social que perpassa o capital econômico, cultural
e social. Portanto,
Na realidade, devido ao fato de que elas correspondam aos interes-
ses materiais e simbólicos de grupo ou classes diferentemente situa-
da nas relações de força essa ações pedagógicas tendem sempre a
reproduzir a estrutura da distribuição do capital cultural entre esses
grupos ou classes contribuindo do mesmo modo para a reprodu-
ção da estrutura social; com efeito, as ações do mercado em que
se forma o valor econômico ou simbólico, isto é enquanto capital
cultural, os arbitrários culturais produzidos pelas diferenças das
ações pedagógicas e, por esse meio, dos produtos dessas ações pe-
dagógicas (indivíduos educados), constituem um dos mecanismos
mais ou menos determinantes segundo os tipos de formações so-
ciais, pelos quais se encontra assegurada a produção social definido
como reprodução da estrutura das relações de forças entre as classes
(BOURDIEU; PASSERON, 2008, p. 32).

Partimos do princípio incorporado pelo sistema capitalista


que há, reconhecidamente, dois tipos de educação altamente distin-
tas em suas epistemologias, que são a educação pública para a classe
trabalhadora e a educação privada para a classe dominante.
É por este motivo que as pessoas que vivem dentro de uma classe
social “elitizada” dominante possuem seu capital cultural reconhecido
pelos processos escolares, pois têm acesso ao conhecimento de
maneira integral como interesse do desenvolvimento do homem

- 93 -
omnilateral, que é desenvolvimento integral do homem. Este reco-
nhecimento passa pelos processos educacionais da escola privada
que este sujeito frequenta.
Existe, pois, um processo de exclusão do capital cultural do
sujeito da classe pobre, afinal, esta cultura contextualizada na clas-
se trabalhadora não é reconhecida dentro da escola que tem como
perspectiva de trabalho o currículo tradicional, cujo interesse é pro-
duzir sujeitos tecnicamente formados para o mercado de trabalho e
não para desenvolverem ações politicamente ativas e críticas dentro
do contexto social. Dessa maneira,
A violência no âmbito escolar pode ser verificada de várias manei-
ras: desde o tratamento diferenciado dispensado a determinados
alunos até ao conteúdo pragmático que faz parte do plano pedagó-
gico. Ressaltando-se que, este, não leva em consideração a amplitu-
de das variadas formas de se aprender, compreender, fixando apenas
um plano de ensino para toda a extensão dos alunos e suas singu-
laridades, o que, em grande parte das vezes favorece àqueles que já
possuem vantagem, qual sejam, os alunos de classe dominante. A
escola, neste turno, porta-se como instrumento para manipulação
desse modo de “aprender”, impulsionando os alunos a serem meros
reprodutores de conhecimento, desprezando suas peculiaridades e
especificidades. (TIRADENTES, 2015, p.38).

Para Bourdieu a escola é uma reprodutora de desigualdade,


e não somente a escola, mais como também a igreja e a família que
exercem uma influente autoridade social sobre o sujeito.
A escola,não dimensiona o capital cultural da classe operária
fazendo uma divisão entre o conhecimento que o sujeito da classe
dominada possui do conhecimento do sujeito que a classe dominan-
te tem. Por meio dessa segregação, desvaloriza e, ao mesmo, tempo
condiciona o conhecimento do sujeito da classe operária, gerando
um grande sistema de dominação e violência simbólica. Isso porque
o conhecimento adquirido pelo operário não é considerado como
capital cultural.
As estruturas sociais não distanciam as classes sociais apenas
pelo capital econômico, a segregação existente neste contexto está
além, ela ultrapassa a valorização social das riquezas culturais que
as classes sociais produzem, e assim, emerge uma hegemonia social
em todos os aspectos das estruturas socioeconômicas que se sobres-
saem. A desigualdade social, se torna, efetivamente, violência simbó-
lica produzida pelo capitalismo que tem consequências em todos os
- 94 -
aspectos da vida do trabalhador, pois impede seu desenvolvimento
humano pleno, impossibilitando que sua criatividade e seu potencial
produtivo possam atingir níveis de crescimento elevados, podendo
romper com as estruturas de desigualdades sociais estabelecidas
dentro da organização política, econômica e social de determinada
sociedade.
Faz-se necessário, então, entendermos que Marx não pensou
uma teoria voltada especificamente para a educação e nem para o
currículo escolar, porém, a educação tem destaque dentro das estru-
turas sociais e nas relações de poder entre a ideologia dominante, a
alienação e o trabalho. Desse modo, a educação se constitui, dentro
das relações sociais capitalistas, como um ato de poder.
O mesmo aconteceu com os filósofos marxistas Althusser,
Bourdieu e Passeron, mesmo não sendo estudiosos da educação. É a
partir da visão crítica que eles têm sobre a dialética que existe entre
homem versus educação versus trabalho que embasa a Nova Sociolo-
gia da Educação. Após muito estudo e com esse novo pensar sobre as
relações existentes entre o homem e a sociedade, esses teóricos dão
o subsídio para a organização e fundamentação da Teoria Crítica do
Currículo.
Apple (2016) e os outros estudiosos do currículo crítico têm
como ponto essencial a construção de um currículo escolar na edu-
cação pública que seja capaz de emancipar os proletários. Pensando
em uma educação que liberte o trabalhador da alienação social, pro-
põe que se construam mecanismos teóricos que guiarão a efetivação
desse currículo libertador.
Em vista desses pressupostos históricos, surge, nos anos de
1970, uma corrente crítica cujo principal autor é Michael Young, ex-
poente da Nova Sociologia da Educação (NSE), ou nova sociologia
do currículo. O estudo de Young é baseado em uma educação na
sociedade francesa nas décadas de 1960 e 1970. Young fez grandes
reflexões e pensou em uma possível reconstrução do currículo, agora
analisado como Ciência que emancipe as pessoas das classes pobres
levando em consideração os conteúdos curriculares que serão ofere-
cidos nas escolas, uma vez que,
Em 1971, Michael Young editou uma obra que se tornou a expressão
de uma importante mudança na forma de compreender o currículo
no contexto europeu. Intitulado Knowledge and Control: New Di-

- 95 -
rections for the Sociology of Education, o livro reuniu textos de di-
versos autores que compunham o denominado movimento da Nova
Sociologia da Educação (NSE), entre eles Pierre Bourdieu, Geoffrey
Esland, Neil Keddie, Basil Bernstein e o próprio Michael Young. A
perspectiva a que se opunham esses autores era aquela que defen-
dia uma concepção técnica do currículo, centrada em questões tais
como: quais os melhores métodos ou as melhores estratégias para
garantir que se atinjam os resultados esperados em relação ao pro-
cesso de escolarização e quais as melhores formas de organizar o
ensino e o currículo para esse mesmo fim (GALIAN; LOUZANO,
2014, p. 1111).

A investigação do estudo de Young se dá por meio de como o


conhecimento é constituído nas escolas e a forma com que esse co-
nhecimento é produzido e reproduzido no processo de escolarização
da classe trabalhadora. Abordando de que maneira o currículo esco-
lar ajuda na manutenção do status quo e na desigualdade social, pois,
na perspectiva de Young, a própria seleção deste currículo se torna
mecanismo de condicionamento, ilegalmente tido como neutro.
Em seu estudo, Young faz severas críticas sobre a epistemolo-
gia que a Sociologia da Educação e Currículo se desdobra por meio
dos processos educativos. A Nova Sociologia da Educação – NSE se
constrói a partir de uma crítica da educação e do currículo escolar
francês. Young faz duras críticas ao posicionamento escolar perante
a distinção de conhecimentos oferecidos aos alunos das classes po-
bres e a forma prática como esses conhecimentos são constituídos
como importantes, da mesma forma sobre a seleção dos conteúdos
curriculares oferecidos pela escola, levando em consideração o que
se define de estudo na sociologia da educação e o fracasso escolar
dos sujeitos de classe pobre gerando a produção das desigualdades
sociais produzidas na sociedade. Com isso,
Identifica também dois argumentos construídos na década de 1970
sobre os quais repousava essa sua primeira abordagem: o primeiro
deles é que a estrutura do conhecimento no currículo pode ser vista
como expressão da distribuição de poder na sociedade; e o segundo
é que a estruturação do conhecimento em qualquer sistema de ensi-
no determina como as oportunidades educacionais são distribuídas
e para quem. Nesse sentido, Young ressalta quatro consequências
dos argumentos anteriormente apresentados. Uma delas é que, se se
considera que o que conta como conhecimento é socialmente cons-
truído e, portanto, é expressão das relações de poder na sociedade e
na escola, o currículo é fundamentalmente um instrumento político
para manter as relações de poder existentes. (GALIAN; LOUZANO,
2014, p. 1112).

- 96 -
Para Young, a única maneira de levar o conhecimento cientí-
fico aos sujeitos da classe trabalhadora é através do currículo escolar
crítico, dentro do processo de escolarização emancipatória das mas-
sas. Dessa maneira, é indispensável fazer uma reflexão e reconstru-
ção sobre o que os conteúdos, que se fazem necessários aprender
para que esses sujeitos possam compreender o seu lugar no mundo, e
estejam disponíveis para aqueles que ficaram à margem do processo.
Vale salientar que o currículo é como se fosse uma passagem, uma
possiblidade capaz de levar o sujeito à libertação do condicionamen-
to social.
Para Young o conhecimento é visto como algo poderoso no
sentido desse conhecimento poder tirar o sujeito do status quo que
ele está condicionado, e mais poderoso no sentido de libertação da
alienação social. Portanto, se faz necessário legitimar a construção
de um currículo que leve em consideração o contexto social e as prá-
ticas curriculares a que se propõem, ou seja, o currículo como meca-
nismo de compartilhamentos de conhecimentos científicos, social e
político para a emancipação social.
O que Young, ao conceber um conhecimento poderoso, parece
não compreender é que a questão do conhecimento eleito para ser
transmitido às gerações futuras está sempre vinculada ao poder e
a circulação deste conhecimento é parte da distribuição de poder.
O próprio conhecimento selecionado, portanto, já é revelador do
empoderamento ou do apoderamento e do destaque (ou não) que
sua cultura ou seu modo de vida possui na sociedade ou na escola
(ZANARDI, 2013, p.9).

A ideia central de Young está voltada para o determinismo


que existe em torno da construção do currículo escolar, sob duas
perspectivas: a primeira, pelo viés de como é constituído esse cur-
rículo e qual é a sua finalidade, e a segunda, sobre a contextualiza-
ção do conhecimento científico e teórico com as práticas que este
currículo se sustenta. As condições práticas de uma reconstrução do
currículo para uma contraposição social existente à lógica central do
estudo da Sociologia da Educação.
A lógica do NSE é construir uma base sólida de conhecimen-
tos científicos e contextualizados dentro do currículo e, desta ma-
neira, possibilitar ao sujeito o acesso ao conhecimento. Uma inde-
pendência libertadora que o faça refletir e transformar sua condição
social, política e econômica. Uma contraposição hegemônica, o cur-
- 97 -
rículo pensado como ciência educativa, subsidiado através de uma
política contra hegemônica para a justiça social, o currículo como
mecanismo político capaz de desenvolver o sujeito de maneira inte-
gral, independentemente da sua classe social. Portanto,
A justiça curricular é o resultado da análise do currículo que é ela-
borado colocado em ação, avaliado e investigado levando em con-
sideração o grau em que tudo aquilo que é decidido, é feito em sala
de aula, respeita e atende às necessidades e urgências de todos os
graus sociais; lhe ajuda a ver, analisar, compreender e julgar a si pró-
prio como pessoas éticas, solidárias, colaborativas e corresponsáveis
por um projeto de intervenção sociopolítica mais amplo destinado
a construir um mundo mais humano, justo e democrático. Compro-
meter-se com uma educação crítica e libertadora obriga a investigar
em que medida os objetivos, os conteúdos, os matériais curricula-
res, as metodológicas, didáticas e os modelos de organização escolar
respeitam as necessidades dos distintos grupos sociais que vivem
em cada sociedade. Exige questionar se as interações pessoais nas
salas de aula e na escola (SANTOMÉ, 2013, p. 10).

A conclusão social para Young aconteceria a partir de uma


restruturação do currículo, uma nova epistemologia por meio de
uma contextualização e não estratificação geradora de desigualda-
des. Os conteúdos e as ciências devem estar dimensionados a lógica
da realidade social e não perderiam sua base formadora e empode-
radora. Um currículo construído para uma efetiva posição da justiça
social onde o homem se torne consciente. Portanto, o sujeito refle-
xivo e crítico nas respostas de todas as elaborações epistemológicas
deste currículo crítico proveniente da nova Sociologia da Educação.
Dessa forma, a nova Sociologia da Educação fortalece e am-
plia o estudo e a reflexão sobre o currículo em sua perspectiva teó-
rica e pedagógica; dessa maneira, muitos outros teóricos irão tam-
bém subsidiar esta discussão sobre a concepção crítica de se pensar
o currículo, dentre eles: Michael Apple (1989; 2016), Henry Giroux
(1997), Santomé (2013), Gimeno Sacristan (2000) e Freire (1996).
Apple (2016) faz um estudo amplo sobre como o Estado e suas
estruturas funcionam, além de articular no campo da nova Sociolo-
gia da Educação, ou Sociologia do Currículo, levando em considera-
ção as relações sociais da escola e o processo da reprodução social, o
princípio epistemológico da análise relacional.
Teoricamente, Apple promoveu profundas reflexões acerca
dos processos educativos, visto que ele possui uma profunda expe-

- 98 -
riência construída no transcorrer da sua vida pessoal e profissional,
pois, como professor, faz sua formação inicial e, logo depois, com a
migração para uma Universidade maior e mais elitizada, dá conti-
nuidade à sua formação. O estudo de Apple é separado em períodos,
no primeiro período é basicamente construída na década de 1970 e
1980 quando ele aborda em seus estudos a sistematização da cultura
e do poder. Logo em 1979 Michael Apple escreve Ideologia e Currí-
culo, onde explicitará em seu estudo uma reflexão sobre hegemonia
social e a reprodução cultural, ele traz grandes e profundas questões
sobre o porquê da educação e o currículo serem feitos de uma ma-
neira, não de outra e como as relações hegemônicas substancializam
a reprodução social. Em vista disso, Apple esclarece,
Acho que estamos começando a enxergar mais claramente coisas
que antes eram obscuras. A medida que aprendemos a entender a
maneira pela qual a educação atua no sentido econômico de uma
sociedade, reproduzindo aspectos importantes de sua desigualda-
de, também aprendemos a desvendar uma segunda esfera em que
a escolarização opera. Não há apenas a propriedade econômica; há
também a propriedade simbólica-capital cultural, que as escolas
preservam e distribuem(APPLE, 2016, p. 37).

A partir desse foco, que é elementar para a análise, o estudo


de Apple amplia a dimensão da busca de novos caminhos teóricos e
práticos que irão subsidiar novas epistemologias na área da educação
e do currículo para que se dê possibilidade de um novo caminhar no
que diz respeito a novas alternativas para as pessoas da classe ope-
rária. Como fundamento central dos seus estudos, Apple (2016) vai
à essência do mecanismo do processo de escolarização e esclarece
a clara ligação que a escola tem para a funcionalidade do sistema
capitalista.
Apple expõe de que maneira a engrenagem social se manifesta
e da relação que as estruturas sociais estão interligadas para um só
fim, que é a manutenção da hegemonia, no entanto, essa manuten-
ção causa grandes conflitos sociais, gerando um grande espaço para
as desigualdades. Deste mesmo modo, Sacristan (2000) também
possui uma reflexão pertinente sobre a construção social e política
do currículo, suas interações e relações dentro das estruturas sociais,
servindo para a manutenção de uma segregação das classes sociais
ao acesso de forma democrática, à justiça social ao conhecimento.

- 99 -
Nesse sentido, o estudo de Apple (2016) vislumbra um novo
mecanismo com fundamento central da educação que está de acor-
do com a justiça social, um currículo que seja para o interesse do
desenvolvimento do homem como ser social independentemente da
sua classe, uma educação que não seja hegemônica de acordo com
a classe dominante, ao contrário, que ela emancipe e leve o sujeito a
olhar os espaços sociais como verdadeiramente são, que leve o sujei-
to a compreender o poder que a contracultura possui para contrapor
a hegemonia social estabelecida.

2. Considerações finais

Sobre a perspectiva epistêmica da teoria crítica do currícu-


lo, salientamos que, os pensadores marxistas Althusser, Bourdieu e
Passeron subsidiaram o estudo sobre a teoria crítica do currículo e
da educação como um todo. Esses filósofos marxistas compuseram
um estudo analisando sistemicamente que a escolarização e o sis-
tema educacional são uma estrutura social subordinada ao Estado,
que condiciona esse sistema à sua ideologia política; a escola é tida,
de fato, como espaço de poder. A educação para os pensadores que
constroem a epistemologia do currículo crítico deve ser construída
para além do capital. Deve ser uma educação liberadora das amar-
ras econômicas e não serve ao capital como mercadoria. A educação
dentro da epistemologia crítica do currículo tem como base a justiça
social e o fortalecimento de práticas educativas libertadoras, onde
visam criar mecanismos que levem todas as pessoas ao seu desenvol-
vimento integral.
Na concepção dos autores da teoria crítica do currículo, to-
dos devem ter direito a uma educação que leve o sujeito ao seu de-
senvolvimento integral, tanto para o trabalho quanto para viver em
sociedade, de maneira que possa analisar e refletir sobre as relações
de poder em que o sujeito não esteja condicionado a uma hegemonia
dominante. Dessa forma, o sujeito, através da educação, seja levado
a refletir e lutar por seus direitos sociais. Uma educação onde o “ho-
mem”, como ser social, seja o centro das relações sociais e não o sis-
tema econômico e as relações capitalistas. A crítica de Apple (2016)
tem princípio fundamental na política social dentro do sistema capi-
talista, a vista disso é por meio do conhecimento que ele tem sobre

- 100 -
o abismo social entre o contexto da classe operária e a classe do-
minante que busca refletir cientificamente a construção escolar para
a manutenção do sistema que a sociedade capitalista se estabelece
naquele momento, levando consigo essas grandes reflexões sobre o
papel político que a educação possui.

3. Referências
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de janei-
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APPLE, Michael W. Educação e Poder. Artmed Editora, 1989.
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1918.
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2008.
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GALIAN, Cláudia Valentina Assumpção; LOUZANO, Paula Baptis-
ta Jorge. Michael Young e o campo do currículo: da ênfase no “co-
nhecimento dos poderosos” à defesa do “conhecimento poderoso”.
Educ. Pesqui. São Paulo, v. 40, n. 4, p. 1109-1124, out. /dez. 2014.
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Pesquisa, v. 42, n. 3, p. 651-664, 2016. Disponível em: http://www.scie-
lo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022016000300651
Acesso em: 30/06/2017
GIROUX, Henry A.; BUENO, Daniel. Os professores como intelec-
tuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre:
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GOODSON, Ivo F. Currículo teoria e história. Petrópolis: RJ: Vozes.
2008.
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1990.
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- 101 -
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nal Regional do Trabalho da Quarta Região, v. 35, p. 90, 2007.
SACRISTÁN, GIMENO, J. O currículo: uma reflexão sobre a prática.
3. ed. Porto Alegre: Artmed. 2000.
SANTOMÉ, Jurgo Torres. A educação em tempos de neoliberalismo.
Tradução de Claudia Schilling. Porto Alegre: Artmed, 2003.
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Acesso em:14/05/2017.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: Uma introdu-
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Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educa-
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Routledge, 2007.
ZANARDI, Teodoro Adriano Costa. Conhecimento poderoso e
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Programa de Pós-graduação em Educação da PUC-Minas36ª Reu-
nião Nacional da ANPEd – 29 de setembro a 02 de outubro de 2013,
Goiânia-GO. Disponível em; http://www.anped.org.br/sites/default/
files/gt12_3206_texto.pdf Acesso em 23/05/2017.

- 102 -
ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA E
INTERCULTURALIDADE: UM OLHAR PARA A
BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
Érica de Oliveira
Marta de Souza Rodrigues
Cristina Leite

1. Introdução: interculturalidade e as aproximações com o


contexto escolar

A América Latina conta com uma bagagem multicultural úni-


ca, marcada por processos histórico-sociais pautados em relações
violentas de eliminação física e moral, principalmente no que diz
respeito aos afrodescendentes e povos indígenas. De acordo com
Candau (2013, p. 17):
[...] o debate multicultural na América Latina nos coloca diante da
nossa própria formação histórica, da pergunta sobre como cons-
truímos socioculturalmente, o que negamos e silenciamos, o que
afirmamos, valorizamos e integramos na cultura hegemônica.

Apresentaremos o conceito de multiculturalismo, a partir da


construção de Vera Candau (2013), visando o aprofundamento da
noção de interculturalidade, usada como referência central para as
discussões que serão abordadas ao longo deste texto. Tal conceito
e algumas de suas vertentes, como a interculturalidade crítica e a
interculturalidade funcional, serão articulados ao contexto do cur-
rículo brasileiro, tomando como elemento central a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) na área de Ciências da Natureza. Neste
cenário, a temática da astronomia cultural na BNCC será destacada
como um importante horizonte a ser ampliado no ensino de Ciên-
cias da Natureza, considerando sua potencialidade de colocar em
foco as discussões que valorizam diferentes tradições e saberes.
De maneira geral, o multiculturalismo consiste em estratégias
e preceitos que possibilitam a existência de diferentes culturas em
uma dada sociedade, buscando-se evitar a sobreposição de um gru-
po sobre os demais (BINJA, 2015). Candau (2013) utiliza o conceito

- 103 -
de multiculturalismo para contextualizar as relações entre escola e
cultura, apresentando suas diferentes facetas. A autora aponta para a
necessidade do despertar da consciência a respeito da questão mul-
ticultural no Brasil, principalmente no que se refere aos grupos que
estão diretamente relacionados com a nossa bagagem histórica-so-
cial-cultural.
Nossa formação histórica está marcada pela eliminação física do
“outro” ou por sua escravidão, que também é uma forma violenta
de negação de sua alteridade. Os processos de negação do “outro”
também se dão no plano das representações e do imaginário social.
(CANDAU, 2013, p.17)

De início, Candau (2013) destaca duas possíveis perspectivas


fundamentais que orientam a compreensão a respeito do multicul-
turalismo: uma descritiva e outra propositiva. Em se tratando da
perspectiva descritiva, o multiculturalismo se mostra como uma das
características da sociedade contemporânea. Cada contexto particu-
lar cria uma configuração que se relaciona a aspectos socioculturais,
históricos e políticos e, por essa razão, o multiculturalismo na socie-
dade brasileira difere daquele presente no continente europeu ou em
países norte-americanos, por exemplo.
A segunda perspectiva proposta por Candau (2013), de natu-
reza propositiva, compreende o multiculturalismo como uma forma
de intervir e atuar na sociedade. Neste caso, o multiculturalismo tem
papel de projeto político-cultural, onde devem trabalhar as relações
culturais de uma sociedade, além de conceber políticas públicas que
promovam a democracia. Nesta perspectiva, Candau distingue três
abordagens multiculturais, sendo elas: o multiculturalismo assimila-
cionista, diferencialista e o multiculturalismo interativo (intercultu-
ral ou interculturalidade).
O multiculturalismo assimilacionista apresenta um caráter
descritivo da sociedade e parte da ideia de que existem desigual-
dades de oportunidades para todos. A proposta desta perspectiva
envolve a integração de grupos discriminados à cultura dominan-
te (por seus valores, conhecimentos e posição social). No viés assi-
milacionista não há questionamentos sobre a posição privilegiada
que é dada a certo grupo, legitimando-se uma cultura hegemônica
e desvalorizando os saberes, crenças e visões de mundo de grupos
menos valorizados socialmente.

- 104 -
Esta perspectiva assimilacionista pode ser aproximada do que
Peter McLaren (1997) chamou de multiculturalismo conservador,
em que os grupos étnicos são caracterizados como “acréscimos” à
cultura dominante. O autor complementa que “um pré-requisito
para ‘juntar-se à turma’ é desnudar-se, desracializar-se e despir-se de
sua própria cultura” (MCLAREN, 1997, p.115), ressaltando o quanto
a perspectiva multicultural de natureza assimilacionista é problemá-
tica.
Em se tratando da abordagem diferencialista, Candau (2013)
propõe que sejam consideradas as diferentes características de cada
grupo de acordo com sua historicidade, suas raízes e sua cultura,
defendendo a necessidade de espaços onde esses grupos possam se
manifestar de forma a manter suas matrizes culturais. O problema
desta visão é que, apesar de haver um reconhecimento das diferen-
ças, essa concepção tende à criação de um “apartheid sociocultural”,
segundo a autora.
Ambas as abordagens, a assimilacionista e a diferencialista,
encontram-se, segundo Candau (2013), fortemente presentes nas
sociedades contemporâneas. Por essa razão, busca-se uma terceira
concepção, definida como multiculturalismo interativo ou intercul-
tural. Nesta abordagem, a ideia central é a interculturalidade que
visa, por meio do diálogo, um intercâmbio cultural com o objetivo
de se construir uma sociedade mais democrática, inclusiva e plu-
ral. Desta forma, a perspectiva intercultural seria aquela capaz de
promover uma educação para o reconhecimento do “outro” e para o
diálogo entre os diferentes grupos culturais e sociais. Nas palavras de
Freire (2019, p. 216):
“É preciso reenfatizar que a multiculturalidade como fenômeno que
implica a convivência num mesmo espaço de diferentes culturas
não é algo natural e espontâneo. É uma criação histórica que implica
decisão, vontade pública, mobilização, organização de cada grupo
cultural com vistas a fins comuns. Que demanda, portanto, certa
prática educativa coerente com esses objetivos. Que demanda uma
nova ética fundada no respeito às diferenças.”

A perspectiva intercultural estabelece um confronto com as


visões assimilacionistas e diferencialistas, pois valoriza as diferenças
dos diversos grupos e tradições culturais, sem promover processos
radicais para a afirmação de identidades. No contexto intercultural

- 105 -
proposto por Candau (2013), a cultura é tomada como um processo
de construção e reconstrução contínuo, preservando sua historicida-
de e mantendo-se em constante reelaboração. Além disso, as relações
culturais são vistas, nesta perspectiva, de maneira entrelaçada com
questões de poder, de preconceitos e com relações duramente hie-
rarquizadas.
A proposta do multiculturalismo intercultural também chama
a atenção para a necessidade de se articular as políticas de identidade
e de igualdade, valorizando o diálogo e o reconhecimento do “outro”,
que possibilita a construção de uma formação mais democrática. Por
conta disso, é de grande importância que essa perspectiva de multi-
culturalismo seja levada para os mais diversos espaços de interação
social, incluindo a escola.
O multiculturalismo interativo ou intercultural apresentado
por Candau (2013) possui paralelos com a proposta de McLaren
(1997), quando o autor define sua concepção de multiculturalismo
crítico. Ambas as visões compartilham a posição de que as culturas
são construídas a partir de aspectos sociais, econômicos, históricos,
ideológicos e, além disso, ambos defendem a necessidade de atua-
ção e intervenção na sociedade a favor da democracia. Para McLa-
ren (1997, p.122): “O multiculturalismo sem uma agenda política de
transformação pode apenas ser outra forma de acomodação de uma
ordem social maior.”.
O multiculturalismo crítico ou intercultural também propor-
ciona o diálogo entre conhecimentos e saberes de diversas culturas.
Vera Candau (2011) salienta que, apesar de muitos autores usarem
ambos os termos como sinônimos, se deve diferenciá-los de modo
a incentivar o diálogo entre os diferentes conhecimentos e saberes.
O que chamamos conhecimentos estaria constituído por conceitos,
idéias e reflexões sistemáticas que guardam vínculos com as dife-
rentes ciências. Estes conhecimentos tendem a ser considerados
universais e científicos, assim como a apresentar um caráter mono-
cultural. Quanto aos saberes, são produções dos diferentes grupos
socioculturais, estão referidos às suas práticas cotidianas, tradições
e visões de mundo. São concebidos como particulares e assistemáti-
cos. Considero que o mais relevante, deixando aberta esta discussão,
é considerar a existência de diferentes saberes e conhecimentos e
descartar qualquer tentativa de hierarquizá-los. (CANDAU, 2011,
p.247)

- 106 -
O trabalho com as tensões entre os conhecimentos e saberes
oriundos de diferentes tradições é um possível caminho para a cons-
trução de um intercâmbio cultural, visando dar voz aos grupos me-
nos valorizados socialmente, discriminados muitas vezes por seus
saberes e conhecimentos.
Dialogando com Catherine Walsh (2001, apud CANDAU,
2013, p.23-24) no que a autora promove como interculturalidade,
temos:
• Um processo dinâmico e permanente de relação, comuni-
cação e aprendizagem entre culturas em condições de res-
peito, legitimidade mútua, simetria e igualdade.
• Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conheci-
mentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, bus-
cando desenvolver um novo sentido entre elas na sua di-
ferença.
• Um espaço de negociação e de tradução onde as desigual-
dades sociais, econômicas e políticas, e as relações e os
conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos
e sim reconhecidos e confrontados.
• Uma tarefa social e política que interpela ao conjunto da
sociedade, que parte de práticas e ações sociais concretas e
conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e so-
lidariedade.
• Uma meta a alcançar.

Desta forma, defendemos uma convergência entre as propos-


tas que estruturam o multiculturalismo interativo (ou intercultural)
e a interculturalidade, priorizando o uso desta última devido à maior
recorrência desta noção desde meados da década de 1990 (TUBINO,
2005; CANDAU, 2009), ao potencializar a discussão sobre a valo-
rização da identidade latino-americana e o enfrentamento das re-
lações de subalternidade decorrentes dos processos de colonização.
O desenvolvimento da noção de interculturalidade no conti-
nente latino-americano é apresentado por Candau e Russo (2010) a
partir de quatro etapas. A primeira delas trata do período colonial
até as primeiras décadas do século XX e é marcada pela violenta e

- 107 -
explícita imposição da cultura dominante europeia (hegemônica)
sobre os povos indígenas. Na segunda, há o surgimento das primei-
ras escolas estatais bilíngues para os povos indígenas. O bilinguismo,
nesta etapa, adquire o papel de “civilizar” de maneira mais rápida
esses povos. Esta concepção é mantida até meados dos anos 70 em
toda a América Latina, quando, em uma terceira etapa, por meio de
experiências alternativas lideradas por comunidades, universidades,
setores progressistas e a igreja católica, o bilinguismo deixa de ter um
caráter civilizatório e passa a ser de grande valia para se manter viva
as identidades dos povos latinos.
Neste novo período foram produzidos materiais didáticos alterna-
tivos e programas de educação bilíngue que, apesar de ainda busca-
rem uma melhor “integração” dos grupos às sociedades nacionais,
reconheciam o direito desses povos de fortalecer e manter a cultura
local. (CANDAU; RUSSO, 2010, p. 156)

No quarto estágio salienta-se que, em meados dos anos 80


e 90, alguns países da América Latina – Argentina, Bolívia, Brasil,
Colômbia, Equador, Guatemala, México, Nicarágua, Paraguai, Peru
e Venezuela - reconheceram em suas Constituições a temática da
interculturalidade, legitimando a valorização das diversas línguas,
culturas e o caráter multiétnico presentes no nosso continente. No
Brasil, por exemplo, essa mudança ocorre de modo significativo na
Constituição Federal de 1988, que reconhece a singularidade dos
povos indígenas e quilombolas em nosso país, valorizando suas res-
pectivas culturas.
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incenti-
vará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional. (BRASIL, 1988)

Ainda nesta etapa, o bilinguismo passa a ser um meio de pre-


servação da cultura indígena, devido a um crescimento da partici-
pação destes grupos nas lutas do setor educativo. Com isso, há uma
exigência de mudança dos modelos escolares tradicionais para a in-
clusão da perspectiva intercultural.
Na legislação educacional brasileira, a década de 2000 ficou
marcada por duas leis federais que provocaram mudanças na Lei de
- 108 -
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei nº 9.394/96).
Em 2003 foi sancionada a lei federal nº 10.639, instituindo o dia 20
de novembro como o “Dia da Consciência Negra” e o tornando obri-
gatório em todo o currículo escolar dos estabelecimentos de ensino
fundamental e médio (públicos e particulares), sobretudo nas áreas
de Educação Artística, Literatura e História do Brasil,
O estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertencentes à História do Brasil (BRASIL,
2003, p. 1)

Em 2008 a lei federal nº 11.645 incluiu a temática indígena


às determinações que tornaram obrigatório o ensino da História e
Cultura Afro-brasileira. Tais alterações na legislação educacional do
Brasil não ocorreram sem a mobilização e reivindicações a longo e
médio prazos de alguns grupos. Fernandes (2005) aponta o final da
década de 1970 como um momento de surgimento de novos atores
políticos no cenário nacional. O autor indica neste sentido: o “mo-
vimento indigenista”, que teve entre as suas pautas a demarcação
de terras dos povos indígenas e o direito à preservação da cultura
particular de cada grupo; os “movimentos de consciência negra”,
combativos ao preconceito e discriminação racial, pautando-se na
valorização de aspectos da cultura afro-brasileira. Este contexto de
efervescência e luta pela garantia de direitos é apontado por Fernan-
des como o início do amadurecimento da questão da valorização da
diversidade étnico-cultural brasileira e sua repercussão no sistema
educacional.
É importante atentar para a necessidade de diferenciar as
propostas relacionadas à criação de perspectivas interculturais. Fidel
Tubino (2005) denomina de “interculturalidade funcional” uma pos-
tura em que não se questiona “as regras do jogo”, buscando diálogo
com os grupos subalternizados sem o questionamento das relações
de poder vigentes, com o objetivo de incorporar esses grupos à cul-
tura hegemônica. Em contrapartida, a proposta de Catherine Walsh
(2009) indica a “interculturalidade crítica” como uma ferramenta
pedagógica que questiona o modelo social atual para dar visibilida-
de a diferentes maneiras de construir identidades, conhecimentos e
modos de viver. Outro aspecto fundamental desta proposta inclui

- 109 -
pensar as relações de poder, de mercado e capital que permeiam
todo o cenário político e social.
A compreensão mais aprofundada sobre a noção de intercul-
turalidade (crítica) envolve considerar a origem dos processos que
levaram à opressão e exploração das populações originárias de nosso
continente. A colonialidade tem sido utilizada para indicar: “uma
lógica global de desumanização e que é capaz de existir até mesmo
na ausência de colônias formais” (MALDONADO-TORRES, 2019,
p. 36). É importante diferenciá-la do conceito de colonialismo. Ví-
vian Santos (2018) indica que este último deve ser pensado como
a dominação exercida em diversos campos pelos europeus sobre os
demais continentes, destacando o aspecto político. Já a noção de co-
lonialidade está relacionada ao fato de que a independência formal
das nações colonizadas não é o suficiente para impor um fim ao do-
mínio colonial. Isto porque essas estruturas de poder se enraízam em
diversos âmbitos e mantêm a continuidade de variados mecanismos
de opressão. A colonialidade vem a ser esta permanência colonial.
Catherine Walsh (2009), entre outros autores, discute a exis-
tência de diferentes tipos ou dimensões para a colonialidade, que
perpassam as esferas do poder, do ser e do saber. Em se tratando da
“colonialidade do poder”, “o lugar central da raça, do racismo e da ra-
cialização como elementos constitutivos e fundantes das relações de
dominação” (WALSH, 2009, p.16). Outro aspecto fundamental nes-
te cenário diz respeito ao desenvolvimento do capitalismo mundial,
devido ao seu papel decisivo na constituição de processos históricos
relacionados à exploração de diversas populações em toda a América
Latina. A “colonialidade do poder” estabelece uma hierarquia fixa na
sociedade, uma classificação social pautada na desumanização dos
povos não europeus.
A “colonialidade do saber” se sustenta no eurocentrismo
como a única perspectiva válida e, por isso, hegemônica; esta visão
de mundo determina os conhecimentos tomados como científicos e
que devem ser valorizados, em detrimento dos que são considerados
inválidos. Tal dimensão tem impacto nos conhecimentos que che-
gam às escolas, seja por meio de parâmetros curriculares ou livros
didáticos, uma vez que, ambos são responsáveis por selecionar quais
saberes devem ser vinculados e ensinados para uma determinada
formação do educando. No Brasil, os livros didáticos de Ciências

- 110 -
da Natureza, por exemplo, foram um dos elementos de difusão de
racismo, por apresentar estereótipos e estigmatizar os personagens
negros e indígenas. (SANTIAGO; AKKARI; MARQUES, 2013).
A “colonialidade do ser” se estrutura na inferiorização do ou-
tro, como consequência da invisibilidade do poder e do saber. Este
conjunto de colonialidade constrói um quadro de violência colonial,
que inclui processos de genocídio, espoliação e epistemidício (morte
e apagamento dos saberes que não são oriundos da tradição euro-
peia) sobre a natureza e as populações dos territórios coloniais (OLI-
VEIRA; SALGADO; QUEIROZ, 2019).
A legislação que orienta a construção dos currículos escolares
configura-se, juntamente com os livros didáticos, como um impor-
tante elemento que pode reafirmar a colonialidade do saber ou pro-
por novos caminhos, pautados na interculturalidade crítica.

1.1. A interculturalidade e a Base Nacional Comum Curri-


cular (BNCC)
No que diz respeito aos saberes que chegam até a escola, pode-
mos dizer que o currículo é o núcleo e o espaço central estruturan-
te da função escolar (ARROYO, 2013) e, por isso, tem grande ação
em selecionar os conhecimentos “mais pertinentes” para serem le-
gitimados. No contexto brasileiro, após a implementação da Lei nº
13.415/20171, que alterou a Lei nº 9.394/1996, que estabelece as di-
retrizes e bases da educação nacional, o Conselho Nacional de Edu-
cação (CNE) junto do Conselho Pleno (CP) implementa, em 2017,
a Resolução CNE/CP Nº 2 que institui e orienta a implantação da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como documento a ser
obrigatoriamente respeitado ao longo de toda a Educação Básica.
Neste documento, no tópico que diz respeito à proposta pedagógica
da Base, encontramos no artigo sétimo as recomendações a seguir:
1 BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494,
de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das
Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e
o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto
de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio
em Tempo Integral. Diário Oficial da União, Brasília, 17 de fevereiro de 2017. Dispo-
nível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2015-2018/2017/lei/L13415.htm>.
Acesso em: 29 fev. 2019.

- 111 -
Art. 7º Os currículos escolares relativos a todas as etapas e modali-
dades da Educação Básica devem ter a BNCC como referência obri-
gatória e incluir uma parte diversificada, definida pelas instituições
ou redes escolares de acordo com a LDB, as diretrizes curriculares
nacionais e o atendimento das características regionais e locais, se-
gundo normas complementares estabelecidas pelos órgãos normati-
vos dos respectivos Sistemas de Ensino. (BRASIL, 2017, p. 6)

A BNCC, publicada em 2017, que consiste em um documento


de caráter normativo, define as aprendizagens essenciais que crian-
ças e jovens devem desenvolver ao longo das etapas e séries da edu-
cação básica. Este documento é orientado por meio de princípios
éticos e aspira por uma formação humana em busca de se construir
uma sociedade mais democrática, inclusiva e justa (BRASIL, 2017).
De maneira geral, a BNCC apresenta aprendizagens conside-
radas essenciais para guiar os educandos a desenvolver competências
ao longo da vida escolar e para além dela. A noção de competência
no documento é definida como: “a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e so-
cioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas comple-
xas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo
do trabalho” (BRASIL, 2017, p.8). Além disso, a Base prevê que a
escola exerça um papel democrático e indica a abordagem a temas
contemporâneos, que se conectam à vida dos estudantes em escala
local, regional e global. Dentre essas temáticas, é importante destacar
que a diversidade cultural é apresentada em documento que aborda
especificamente a implementação desse aspecto da BNCC (BRASIL,
2019), em uma das macroáreas denominada “Multiculturalismo’’.
Com relação à educação escolar indígena, a BNCC considera
essa modalidade de educação como uma vertente que exige a for-
mação de currículos específicos, reconhecendo as características
próprias desses grupos, pautando-se nos princípios da coletividade
e espiritualidade, por exemplo. Na perspectiva intercultural, com-
plementa:
considerar seus projetos educativos, suas cosmologias, suas lógicas,
seus valores e princípios pedagógicos próprios (em consonância
com a Constituição Federal, com as Diretrizes Internacionais da
OIT – Convenção 169 e com documentos da ONU e Unesco so-
bre os direitos indígenas) e suas referências específicas, tais como:
construir currículos interculturais, diferenciados e bilíngues, seus
sistemas próprios de ensino e aprendizagem, tanto dos conteúdos

- 112 -
universais quanto dos conhecimentos indígenas, bem como o ensi-
no da língua indígena como primeira língua. (BRASIL, 2017, p.17)

Como podemos perceber pelo recorte anterior, a BNCC apre-


senta certa preocupação com a inclusão dos saberes das populações
indígenas e outros grupos que são discriminados socialmente nos
conhecimentos que a escola vincula. Compreendemos que o docu-
mento se posiciona de forma favorável à valorização dos diferentes
saberes e vivências culturais, buscando a formação de estudantes que
exerçam de forma crítica e responsável a cidadania e o respeito às
diferenças.
Ao considerarmos os temas que favorecem a abordagem à va-
lorização dos saberes de múltiplas tradições, destacamos a temática
da astronomia e dos conhecimentos sobre o céu.

1.2. A astronomia cultural e seu potencial para a intercul-


turalidade

O termo “astronomia cultural”, cunhado na década 1990


(IWANISZEWSKI, 1990, 1991; RUGGLES; SAUNDERS, 1990 apud
LÓPEZ, 2015), pode ser compreendido como um conjunto de mani-
festações socioculturais e saberes de diversos grupos em relação aos
elementos que constituem o céu. Assim, nesta área do conhecimento
são analisados os modos pelos quais diversas sociedades constroem
seus conhecimentos e práticas sobre os corpos celestes e seus fenô-
menos. Ressaltamos que a astronomia cultural é um conhecimento
difundido por pesquisadores provenientes da academia (na tradição
ocidental), que estudam o conhecimento elaborado por determina-
dos grupos e/ou populações a partir de suas relações específicas com
o cosmos. Por conta disso, devemos evitar a ideia de que determina-
das culturas produzem “astronomia”, sendo esta última a opção es-
colhida pela cultura ocidental para estudar as coisas do céu (LÓPEZ,
2015; LIMA ET AL, 2014; JAFELICE, 2009).
Destacamos que a astronomia cultural não estabelece uma rí-
gida cisão entre seres humanos e cosmos, possuindo de forma geral
um caráter holístico e interdisciplinar, ao reunir pesquisadores com
formações bastante distintas entre si, como antropólogos, astrôno-
mos, paleontólogos, historiadores e arqueólogos. Vale ressaltar ainda
que o termo “cultural” deve ser tomado enquanto conceito antro-

- 113 -
pológico e não sob a perspectiva “das imbricações da astronomia,
enquanto área científica, com a cultura ocidental contemporânea”,
como destacou Luiz Jafelice (2011, p.11).
Em termos da produção acadêmica nesta área, sob a denomi-
nação da etnoastronomia, Lima (2004) afirma que as primeiras pu-
blicações específicas relacionadas à área surgiram a partir da década
de 1980, entretanto, os primeiros trabalhos de natureza quantitativa
são bem mais antigos, datando as últimas décadas do século XIX e
consistindo em estudos sobre alinhamentos astronômicos de sítios
arqueológicos.
Neste texto, quando nos referimos à “astronomia”, temos im-
plícita uma concepção mais ampla do que comumente é usada no
meio acadêmico. Partimos da ideia de que os saberes sobre o céu
incluem uma perspectiva mais completa, incorporando diversas ou-
tras áreas do saber, de forma a se obter uma “astronomia mais plural”,
com um “afastamento do etnocentrismo cabedal teórico-metodoló-
gico fundamental” (MELLO, SOARES, KERBER, 2011).
Hoje, se se quer abordar astronomia - ou melhor, uma relação au-
têntica com “os céus”- desde uma perspectiva antropológica, que
englobe elementos que desde sempre estiveram naturalmente con-
templados pelo que se entendia por astronomia - como conteúdos
típicos de história, filosofia, religião, etc. - então convém deixar
claro que se está interessado em astronomia cultural. (JAFELICE,
2010, p. 249).

Desta forma, a astronomia cultural possui potencial para


promover discussões que se relacionam ao contexto da intercultu-
ralidade, tendo em vista que a área resgata e valoriza a pluralidade
de concepções e de conhecimentos a respeito do céu, indo além das
construções produzidas pela tradição ocidental. Na astronomia cul-
tural, os saberes dos povos colonizados, assim como suas histórias,
culturas e sociedades, tornam-se protagonistas, configurando-se
como uma perspectiva que pode ser vista como primeiro passo em
direção ao combate a epistemicídios e a violência colonial na esfera
do saber.

- 114 -
2. A astronomia cultural na bncc e a interculturalidade

A área de ciências da natureza na BNCC, na etapa do ensino


fundamental, conta com oito competências específicas, envolvendo,
por exemplo: a compreensão do desenvolvimento do conhecimento
científico; o desenvolvimento de formas de agir que se fazem respei-
tosas, flexíveis e autônomas frente às questões que envolvem a ciên-
cia-tecnologia-sociedade; a construção de argumentos com base em
evidências; a defesa de pontos de vista que promovam o respeito a si
próprio e pelo outro, entre outros aspectos. Cada uma destas compe-
tências se desdobra em diferentes habilidades.
Além do trabalho a partir de competências específicas, a área
de ciências da natureza no ensino fundamental é estruturada em
três unidades temáticas: Matéria e Energia, Vida e Evolução e Terra
e Universo. Considerando os objetivos deste texto, o foco de nossa
análise se estabeleceu na última unidade, já que ela contempla todo o
conteúdo relacionado à astronomia, presente no documento.
Partindo do objetivo de localizar na unidade temática Terra
e Universo a indicação do trabalho com discussões próximas da as-
tronomia cultural, identificamos a relação entre astronomia e cultu-
ra no quarto ano (último ano do ensino fundamental I) e no nono
ano (último ano do ensino fundamental II). Para o 4º ano do ensino
fundamental I, encontramos essa relação quando o objeto de conhe-
cimento é: “Calendários, fenômenos cíclicos e cultura”, atrelada à ha-
bilidade: “(EF04CI11) Associar os movimentos cíclicos da Lua e da
Terra a períodos de tempo regulares e ao uso desse conhecimento
para a construção de calendários em diferentes culturas” (BRASIL,
2017, p.336). No caso do 9º ano do ensino fundamental II, o ob-
jeto de conhecimento é: “Astronomia e Cultura”, ligada a seguinte
habilidade: “(EF09CI15) Relacionar diferentes leituras do céu e ex-
plicações sobre a origem da Terra, do Sol ou do Sistema Solar às ne-
cessidades de distintas culturas (agricultura, caça, mito, orientação
espacial e temporal etc.)” (BRASIL, 2017, p.349).
Dos destaques anteriores, identificamos a temática da inter-
culturalidade na BNCC, em se tratando da unidade sobre Terra e
Universo, sendo esta uma primeira etapa para mobilizar a criação de
projetos e iniciativas que promovam ações cujas perspectivas inter-
culturais se façam cada vez mais presente no ensino de ciências da

- 115 -
natureza de forma ampla. Contudo, por ser a BNCC um documento
recentemente implementado em todo o território brasileiro, consi-
derando as dimensões de nosso país, sua diversidade regional e a
extensão da rede de ensino, é bastante complexa a estimativa ou ava-
liação acerca da abordagem às habilidades indicadas anteriormente.
Outro aspecto agravante a respeito das dificuldades atuais no traba-
lho com a interculturalidade se relaciona ao cenário político, tendo
em vista a atuação do governo federal junto à políticas neoliberais e
de compactuação da lógica hegemônica, descomprometido com as
mudanças que exigem implementação de políticas voltadas à diver-
sidade cultural.
Repensar o currículo e ter a inserção deste tipo de temática na
área é um importante avanço e uma porta aberta para que as escolas
tragam à tona as diferentes concepções e saberes sobre o céu, poden-
do ser um primeiro passo – ainda que pequeno – para a prática da
interculturalidade na educação brasileira.

3. Considerações finais

A escola, ainda que reconheça a nossa sociedade como mul-


ticultural, frequentemente atua para padronizar os conteúdos e os
sujeitos que a frequentam. É desta tentativa de padronização que
surge a importância do currículo multicultural, que converse com
a proposta intercultural de Vera Candau (2013) e que vá além do
ensino da tolerância, promovendo uma reflexão mais profunda de
questões que, socialmente, são negligenciadas na (e pela) escola –
gênero, etnia, raça.
Da análise da interculturalidade na BNCC e no ensino de
ciências da natureza, a partir da astronomia cultural, reconhecemos
o avanço que a presença de discussões desta natureza representa, ao
mesmo tempo em que indicamos suas limitações: dentre as catego-
rias apresentadas anteriormente para a interculturalidade, se apro-
xima da BNCC o viés funcional (TUBINO, 2004). Isto se dá pela
ausência de discussões sobre as relações de poder por trás da invisi-
bilidade dos saberes de diferentes tradições, para além da europeia.
Das habilidades apresentadas anteriormente, destacamos dois
aspectos: a referência comum a conteúdos que associamos à astro-
nomia e a menção a diferentes culturas, existindo uma preocupação

- 116 -
inicial em dar visibilidade à diversidade. Tal abordagem é compatí-
vel com a astronomia cultural, considerando a ênfase aos diferentes
olhares na construção de conhecimentos sobre o céu.
Ainda assim, a astronomia cultural na BNCC pode ser pensa-
da como um horizonte a ser ampliado no ensino de ciências da natu-
reza, aprofundando as discussões para que o tema não seja abordado
a partir de discursos simplificados ou genéricos, buscando valorizar
o que de mais importante esta abordagem pode nos trazer: dar voz
àqueles que não têm reconhecimento de seus saberes e fortalecer a
democracia na escola, garantindo lugar para a diferença.
Considerar as riquezas que envolvem os saberes sobre o céu
compõem uma perspectiva completa, que não se limita à astrono-
mia “convencional-ocidental”, mas se colocar de maneira holística,
incorpora diversas outras áreas do saber, de forma a se obter uma
astronomia mais plural, um “afastamento do etnocentrismo cabedal
teórico-metodológico fundamental” (MELLO, SOARES, KERBER,
2011).
É importante que o multiculturalismo permeie todo o currí-
culo e esteja presente em diversas áreas do conhecimento, inclusi-
ve o das ciências naturais, tornando a astronomia cultural um tema
importante a ser explorado no âmbito escolar, que entrelaça várias
áreas do conhecimento, enriquecendo a compreensão das diferentes
relações entre o ser humano e o cosmos (JAFELICE, 2010).

4. Referências

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Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
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retrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial
da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-brasileira” e dá outras providências. Diário Oficial da União,

- 117 -
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- 120 -
SEÇÃO 2

Formação e Prática Docente

- 121 -
- 122 -
FORMAÇÃO CONTINUADA NO ÂMBITO
DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: POSSIBILIDA-
DES E DESAFIOS NA ADESÃO DO PNAIC NO
MUNICÍPIO DE HUMAITÁ- AM
Neila Gonçalves Vinente
Eliane Regina Martins Batista

1. Introdução

Os discursos atuais do Ministério da Educação (MEC) e orga-


nizações multilaterais1 apontam que através da formação continuada
de professores é possível a melhoria da qualidade do ensino brasilei-
ro, no entanto, são muitos fatores que contribuem de forma direta
ou indireta para que possamos alcançar uma educação de qualidade
social, uma vez que produzir somente políticas e estratégias voltadas
para formação continuada não é suficiente. Faz-se necessário criar
meios para que os professores possam executar seu trabalho com
êxito, mas, precisamente,21 uma política que parta da realidade des-
ses profissionais, tornando-os atores de suas próprias histórias e não
simplesmente reprodutores de receitas educativas.
A formação é primordial para o exercício da carreira docen-
te, fazendo-se necessário formá-lo em sua totalidade e não dispor
apenas de momentos pontuais e fragmentados para atender aspectos
tecnicistas. A formação inicial ou continuada deve ter base sólida e
contextualizada para que o professor, quando adentrar a sala, possa
trabalhar de forma que não exclua seus alunos e perceba as suas dife-
renças e peculiaridades, principalmente, respeitando as diversidades
culturais e sociais de cada sujeito.
Percebe-se assim, que diante dos discursos relacionados à
educação de qualidade paira sobre os professores uma excessiva
responsabilidade, entretanto, há necessidade de compreender as
influências no contexto educacional, principalmente quando são
produzidas políticas que influenciam diretamente na prática destes
professores como é o caso no Pacto Nacional pela Alfabetização na
Idade Certa - PNAIC.
1 A exemplo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) e Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

- 123 -
O PNAIC, refere-se a uma política educacional, que tem como
finalidade a busca da melhoria da educação, promovendo a forma-
ção continuada dos professores, visando contribuir com a prática
destes. Portanto, este trabalho tem como finalidade explanar resulta-
dos parciais das possíveis limitações e desafios na adesão e desenvol-
vimento da política educacional, neste caso, o PNAIC, no município
de Humaitá-AM.
Para realização deste estudo utilizou-se como referencial teó-
rico e metodológico o Ciclo de Políticas (Ball, 2001, 2002). Onde
exploramos ao contexto de influência, em que buscamos textos pro-
duzidos em âmbito internacional e local relacionados à formação
continuada. Como, as portarias, as Leis e o documento orientador,
bem como, todo material produzido especificamente para criação do
PNAIC.
Para maior compreensão recorremos também ao contexto da
prática, cuja imersão no processo formativo via PNAIC, neste con-
texto, foi possível vivenciar a sua recontextualização no município
de Humaitá-AM e na prática das professoras alfabetizadoras (MAI-
NARDES, 2006).
O procedimento de coleta de dados, foi a entrevista semies-
truturada, realizada com a Coordenadora Local e com cinco (5) For-
madoras Locais, que para preservar o sigilo das envolvidas, os nomes
foram alterados. Onde utilizamos a letra inicial dos cargos exercido
juntamente com um numeral, vale ressaltar, que não foi o caso da
coordenadora local, visto que, só havia uma pessoa exercendo este
cargo. A partir disso, os codinomes ficaram da seguinte maneira: CL
(Coordenadora Local), PA-1; PA-2; PA-3; PA-4 e PA-5 (Professoras
Alfabetizadoras.

2. Formação continuada e sua implicação nas políticas pú-


blicas
Para traçarmos uma discussão acerca das políticas de forma-
ção continuada definimos a concepção que orienta nosso entendi-
mento sobre política educacional, a qual se aproxima do que propõe
Mouffe (2003), ao considerar que a política é uma necessidade hu-
mana e tarefa extremamente complexa em face do pluralismo das
relações sociais, portanto, é concebida como atividade e necessidade
inerente à ação humana em diferentes contextos.

- 124 -
Então, a política educacional, segundo Akkari (2011, p. 12),
configura-se em um “conjunto de decisões tomadas antecipadamen-
te, para indicar as expectativas e orientações da sociedade em rela-
ção à escola, a qual visa assegurar a adequação entre as necessidades
sociais de Educação”. Nesse contexto, as políticas educacionais são
produzidas nas ações governamentais, mas nem sempre as deman-
das são reconhecidas e validadas nos textos oficiais, que exprimem
o compromisso efetivo com a qualidade da educação e da formação
docente.
Percebemos que, embora as políticas de formação continuada
para os professores perpassem por impasses para o seu desenvolvi-
mento, ela vem ganhando espaço significativo, considerando os de-
safios, as mudanças e as realidades vivenciadas nas escolas. O que
implica que os professores necessitam estar em constante processo
de formação, conforme destacam Gatti, Barreto e André (2011, p.
25).
Cada vez mais, os professores trabalham em uma situação em que
a distância entre a idealização da profissão e a realidade de trabalho
tende a aumentar, em razão da complexidade e da multiplicidade
de tarefas que são chamados a cumprir nas escolas. A nova situação
solicita, cada vez mais, que esse (a) profissional esteja preparado (a)
para exercer uma prática contextualizada, atenta às especificidades
do momento, à cultura local, ao alunado diverso em sua trajetória
de vida e expectativas escolares.

Desse modo, a formação continuada deve contemplar em seus


objetivos a diversidade encontrada na sala de aula, seja de cunho
cultural, social e/ou econômico. E precisa ser fonte de novos conhe-
cimentos e estratégias de ensino que possibilite trabalhar a diversi-
dade e o desenvolvimento pleno dos sujeitos, capazes de atuarem
criticamente na sociedade.
É nesse sentido, que a formação continuada vem pautando os
discursos da UNESCO e de outros organismos internacionais, cujo
argumento de que é preciso oferecer aos professores novos conhe-
cimentos, com a finalidade do aprofundamento da graduação e a
atualização profissional. A partir disso, em muitos países e no Brasil,
foram criados leis e programas visando à valorização da profissão
docente por meio da formação continuada, como é ressaltado por
Gatti e Barreto (2009, p. 200):

- 125 -
Vários programas de capacitação de professores para o ensino de
ciências, matemática, língua portuguesa foram implementados no
país por setores de governo ou por grupos de professores universitá-
rios especialistas envolvidos com questões de ensino. Alguns desses
programas duraram mais de uma década, com repercussões pon-
tuais na melhoria do trabalho nas escolas. Verificou-se nesse tempo
que alguns projetos interessantes muitas vezes estavam acima da
capacidade de apropriação pelos alunos professores, exigindo dos
docentes formadores um investimento muito maior em termos de
diagnóstico, planejamento e desenvolvimento que os orçamentos,
os tempos previstos e a disponibilidade permitiam.

Estes programas propõem uma formação que engloba aquisi-


ção de diversos conhecimentos científicos, pedagógicos e experien-
ciais, fundados ainda no campo das disciplinas escolares. Entretan-
to, nem sempre os objetivos educacionais são realmente alcançados,
considerando que não estão na esfera da ação pedagógica, mas con-
figuram-se como problemáticas sociais, econômicas e políticas sérias
que merecem maior atenção do governo.
Uma dessas problemáticas que incidem justamente nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental é a dificuldade de aquisição da leitu-
ra, considerando que há estudantes que ainda não compreendem os
textos, consequentemente, tem dificuldade de interpretação e che-
gam com esta fragilidade nos demais níveis de ensino. Em virtude
desta e outras questões, foi criado o Pacto Nacional pela Alfabetiza-
ção na Idade Certa, que objetiva promover a alfabetização durante
o primeiro ciclo, ou seja, até os oito anos, que estão normalmente
matriculados entre 1.º ao 3.º ano do Ensino Fundamental (BRASIL,
2012).
O PNAIC, como afirmado na apresentação é um acordo entre
o Governo Federal, Estados e Municípios, regulamentado por lei2 e
portaria3 que pretende diminuir as lacunas que se colocam no cami-
nho do processo de alfabetização. Portanto, este programa vem pro-
pondo uma formação para os professores, em que é disponibilizado
materiais didáticos e, também, alguns jogos pedagógicos.
Este programa foi regulamentado pela Portaria nº 867, de 4 de
julho de 2012, conforme assegurado no art. 2º, ficam instituídas as
ações do Programa em parceria com instituições de ensino superior,
que apoiará os sistemas públicos de ensino dos Estados, Municípios
2 Lei nº 12.801/2013.
3 Portaria nº 867, de 4 de julho de 2012.

- 126 -
e Distrito Federal na alfabetização e no letramento dos estudantes até
o final do 3º ano do ensino fundamental, em escolas rurais e urba-
nas (BRASIL, 2012, grifos nossos). Observam-se responsabilidades
que devem ser efetivadas por meio de ações prevista pelo Pacto em
parceria com outras instituições, de modo a alfabetizar as crianças
na idade considerada ideal, até oito anos, nas comunidades rurais e
urbanas.
Para que possamos entender a dimensão e finalidade do pro-
grama é necessário conhecermos os seus objetivos, os quais definem
os caminhos para alcançar a alfabetização dos estudantes. Está deter-
minado na Portaria acima citada, especificamente no art. 5º (BRA-
SIL, 2012) que o Pacto tem como objetivos:
I - garantir que todos os estudantes dos sistemas públicos de ensino
estejam alfabetizados, em Língua Portuguesa e em Matemática, até
o final do 3º ano do ensino fundamental;
II - reduzir a distorção idade-série na Educação Básica;
III - melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB);
IV - contribuir para o aperfeiçoamento da formação dos professores
alfabetizadores;
V - construir propostas para a definição dos direitos de aprendi-
zagem e desenvolvimento das crianças nos três primeiros anos do
ensino fundamental (BRASIL, 2012).

Os objetivos descritos nos incisos de I a V, demonstram o


imenso compromisso que deve ser realizado para superar os proble-
mas educacionais, pois, se durante o desenvolvimento deste progra-
ma as metas propostas forem alcançadas, pode-se considerar que a
educação terá uma melhoria significativa tanto em relação à alfabe-
tização dos alunos quanto ao aperfeiçoamento dos profissionais que
atuam como alfabetizadores nas redes de ensino.
Para que estes objetivos sejam alcançados é necessário que se
trabalhe em conjunto, redes de ensino, professores, alunos e toda a
comunidade escolar. As responsabilidades devem ser compartilha-
das em todas as etapas para que os estudantes dos sistemas públicos
de ensino sejam alfabetizados em Língua Portuguesa e em Matemá-
tica até o final do 3.º ano do Ensino Fundamental, bem como, chegar
à redução da distorção idade-série na Educação Básica.
Em virtude disso, o PNAIC passa a compor uma política edu-
cacional voltada à perspectiva ampliada de alfabetização, enraizado

- 127 -
no tempo considerado ideal, sendo trabalhada no percurso conside-
rado para a alfabetização na idade certa, buscando assim, a melho-
ria na aprendizagem em Matemática e Língua Portuguesa no En-
sino Fundamental. Diante desse cenário, encontrou-se necessidade
também estabelecer ligação com a Educação Infantil, com intuito
de reforçar o trabalho da escrita e leitura, respeitando o tempo de
aprendizagem de cada criança (BRASIL, 2017).
Todavia, torna-se necessário visionar que somente a formação
continuada posta como essencialidade ao que se refere a melhoria
da prática alfabetizadora não é o suficiente para promover a alfa-
betização das crianças, afinal para uma aprendizagem satisfatória se
necessita de um conjunto de elementos como, materiais, acompa-
nhamento escolar e infraestrutura adequada e tantos outros. Sendo
estes fatores cooperativos (ou não) com o processo de aprendizagem,
conforme é abordado no Documento Orientador (BRASIL, 2017, p.
7):
O fortalecimento da governança, por meio das estruturas estaduais,
regionais e locais de formação e gestão, direcionadas pelo Comitê
Gestor Estadual para a Alfabetização e o Letramento, com estru-
tura paritária de decisão entre Undime e Estado, busca incentivar
o diálogo e a colaboração entre os entes públicos e garantir que as
atividades formativas cheguem à sala de aula, respeitando as neces-
sidades dos alunos de toda a rede de ensino.

Estas propostas podem ser um caminho para o processo de


desenvolvimento do programa e para sua efetivação, pois procura
alcançar resultados positivos no campo educacional, em especial, no
que se refere ao processo de alfabetização. Entretanto, existe o cuida-
do relacionado às incertezas de que estas propostas possam efetiva-
mente diminuir a distorção de idade-série.
Logo, a intenção proposta por este novo PNAIC é gerar a co-
laboração federativa e o apoio da constituição de equipes de coorde-
nadores que assegurem o acompanhamento das ações do programa
e avaliem a aprendizagem dos estudantes, além de se esponsabiliza
pela definição de metas a serem alcançadas e pelos resultados da al-
fabetização, aferido pela prova ANA (BRASIL, 2007). Nesse cenário,
o papel das instituições formadoras é fundamental para a definição
de direitos e objetivos de aprendizagem a serem alcançados a cada
ano, além de propor:

- 128 -
[...] estratégias de acompanhamento especial, com atendimentos
personalizados de recuperação e aceleração de estudos. As institui-
ções formadoras poderão mobilizar profissionais para dar respostas
concretas a desafios enfrentados pelos professores, tais como espe-
cialistas em fonoaudiologia, literatura infantil, iniciação científica,
psicologia, teatro, dança, educação física e outros que contribuam
para aprofundar e consolidar a alfabetização, em uma perspectiva
interdisciplinar que traduza a complexidade e a intencionalidade
pedagógica desse processo (BRASIL, 2017, p. 14).

As instituições formadoras precisam oferecer ao professor


muito mais do que o acesso aos estudos teóricos e didático-peda-
gógicos, ou seja, é preciso que elas disponham de materiais neces-
sários para a confecção de trabalhos pedagógicos, façam o acompa-
nhamento destes profissionais, promovam estratégias diferenciadas
para a execução da prática docente em sala de aula e que também
forneçam o suporte necessário para o desenvolvimento de seu traba-
lho. Estas instituições formadoras “devem programar as atividades
formativas preferencialmente em escolas da rede pública, de modo
que os formadores vivenciem o contexto que repercute no trabalho
dos professores e na vida das crianças” (BRASIL, 2017, p. 14).
Estas atividades formativas proporcionariam um novo olhar
para as distintas realidades vivenciadas pelos professores e seus alu-
nos, tais como, a infraestrutura, materiais didáticos e pedagógicos,
e a falta de merenda escolar, fatores que implicaram no processo de
ensino e aprendizagem das crianças. Logo, se faz necessário que as
formadoras conheçam a realidade escolar, pois embora as políticas
formativas não sejam produzidas pelos professores envolvidos, é im-
portante que as formadoras conheçam a realidade do âmbito educa-
cional e possam produzir as políticas formativas de acordo com cada
realidade.
A partir disso, a formação continuada do PNAIC, com nova
roupagem, é oferecida e realizada em serviço, devendo ser orienta-
da para o diagnóstico da realidade de cada sala de aula e a garantir
ao professor segurança e autonomia para a utilização de uma “nova
didática”, com um amplo repertório de materiais no campo da mate-
mática e da alfabetização e letramento, além de proporcionar estra-
tégias que poderão intervir no processo de ensino e aprendizagem
(BRASIL, 2017). Nota-se que esta formação está pautada em oferecer
subsídios teóricos e didático-pedagógicos aos professores alfabeti-

- 129 -
zadores, em busca da concretização do direito de aprendizagem das
crianças e a melhorar o índice de alfabetização.
A formação continuada via PNAIC pauta-se nos princípios
estabelecidos na Resolução nº. 02/2015, art. 16 do Conselho Nacio-
nal de Educação (CNE):
I. os sistemas e as redes de ensino, o projeto pedagógico das institui-
ções de educação básica, bem como os problemas e os desafios da
escola e do contexto onde ela está inserida;
II. a necessidade de acompanhar a inovação e o desenvolvimento
associados ao conhecimento, à ciência e à tecnologia;
III. o respeito ao protagonismo do professor e a um espaço-tempo
que lhe permita refletir criticamente e aperfeiçoar sua prática;
IV. o diálogo e a parceria com atores e instituições competentes, ca-
pazes de contribuir para alavancar novos patamares de qualidade ao
complexo trabalho de gestão da sala de aula e da instituição educa-
tiva (BRASIL, 2015, p. 15).

O artigo citado enfatiza a importância da interligação e intera-


ção entre a realidade escolar e o processo de formação, visto que essa
inter-relação permite as formadoras o conhecimento dos desafios e
problemas vivenciados pelos professores no interior da escola. Este
contato possibilita um olhar diferenciado, o qual pode vir a contri-
buir ainda mais com objetivo de elevar o índice de alfabetização, pois
a formação oferecida deve considerar o contexto em que a professor
alfabetizador está inserido e não sobrecarregá-lo com a responsabili-
dade do processo de alfabetização.

3. As trajetórias do PNAIC: Aspectos Legais e Locais de sua


Adesão

A adesão do PNAIC no Município de Humaitá aconteceu no


ano de 2017, estendendo-se até o ano de 2018. Consequentemente,
as formações destinadas aos professores e coordenadores (as) peda-
gógicos ocorreram também no mesmo período, em datas e locais
distintos, conforme descrito no capítulo anterior.
É importante destacar que a CL é licenciada da rede municipal
de ensino, no cargo comissionado, não é efetiva e tem pouco tempo
de experiência nesta função (dois anos e quatro meses). Além disso,
não possui formação adequada para exercer a função pedagógica,
conforme demonstra o art. 64 da LDB (2014) e sua especialização,

- 130 -
apesar de ser relevante, também não oferece o suporte necessário
para esta função, ferindo o disposto na Portaria nº 1.458, de 14 de
dezembro de 2012, que explicita os critérios de seleção dos coorde-
nadores. Para exercer essa função o profissional deve possuir forma-
ção em Pedagogia, estar atuando na sala de aula e ter especialização
(inclusive stricto sensu), em áreas afins.
Nesse processo de escolha, infelizmente, nem sempre é consi-
derado o disposto nos documentos oficiais, porque os critérios polí-
ticos clientelistas são tomados como base, ou seja, muitas atividades
da secretaria que exigem a função de especialistas em educação são
ocupadas por pessoas que pertencem ao ciclo político partidário do
chefe do executivo, neste caso do prefeito. Inclusive, algo que nos
chamou à atenção é o fato de profissionais concursados para a vaga
de professor estar exercendo a função de pedagogo e outros celetistas
ocupando essas funções de docente, o que fica evidente na seleção
das FL’s, em que apenas uma professora atende todos os critérios.
Em busca de compreendermos como ocorreu o processo de
adesão em Humaitá, indagamos à Coordenadora Local, como ocor-
reu tal procedimento. Segundo ela,

CL: Foi um processo bem logo, inclusive a gente começou em março


de 2017 essa adesão. Primeiramente, entrou só os Coordenadores
Regionais, e em seguida que veio para os Coordenadores Locais, foi
se tornando um pouco demorado. Havia uma previsão de iniciar
em maio de 2017, mas não foi possível porque o sistema ainda es-
tava se adequando, teve muitas mudanças. Era o que eles passavam
para gente, que houve muitas mudanças, uma delas, foi que acabou
as bolsas para os professores alfabetizadores, foi mandado avisar
que não haveria bolsas, por isso também a gente teve que pergun-
tar dos professores que queriam ser inseridos porque teve uns que
disseram não, eu não quero que me insira justamente porque não
vai mais ter bolsa e eu vou ter que às vezes utilizar um outro tempo
que eu teria livre para mim, e eu vou estar na formação. A gente
sabe que é um pensamento meio pequeno, porque a formação para
nós que somos professores nunca é demais, é sempre necessário.
Então o tempo foi se prologando, porque primeiro foram inseridos
professores da zona urbana, e posteriormente, o da zona rural, e
por fim as formadoras para que pudéssemos formar as turmas, isso
tudo já foi chegando no mês de outubro a novembro. Tanto que
quando fomos realizar a primeira foi em dezembro de 2017, que
foi a primeira formação das formadoras locais, a qual foi realizado
na UFAM, nessa formação vieram as duas formadoras de Manaus.
Então, praticamente o ano de 2017 foi realizado todo esse processo

- 131 -
inserção das formadoras, professores no sistema, foi o período de or-
ganização e preparação para realização da formação no final do ano.

A fala da CL demonstra não apenas o atraso no desenvolvi-


mento do PNAIC, mas também que os professores não teriam a bol-
sa de estudo para poderem participar das atividades formativas, o
que causou desinteresse por uma parcela de profissionais. O fato é
que não se preocuparam em participar de formação continuada com
objetivo apenas de ressignificar sua prática, principalmente, alguns
professores da área urbana, pois foram os primeiros a serem selecio-
nados e liberados da sala de aula, mas mesmo assim houve evasão.
Por outro lado, observamos que os professores rurais/ribeirinhos fo-
ram inseridos em segundo plano, porém, foram o que mais partici-
param, apesar de todos os desafios e dos gastos adicionais, vieram e
se dedicaram na formação.
O contexto atual nos impede de falar que apenas os professo-
res são responsáveis por sua formação continuada, as redes de ensi-
no devem ser corresponsáveis com este processo, principalmente, no
momento de desvalorização da profissão docente em que vivemos.
A adesão do programa perpassou muitos entraves com rela-
ção ao sistema e a participação de alguns professores, o que exigiu
nova reconfiguração no município. A partir disso, perguntamos a
CL como foi pensada a programação do PNAIC, se foi criado ou
anexado uma data fixa no calendário escolar destinado aos dias em
que ocorreria a formação. Ela respondeu que sim, ressaltando que,
CL: teve algumas mudanças, por isso, precisou-se mudar as datas
também. Mas em dezembro recebemos o cronograma definitivo, a
partir daí não houve mais mudanças e nem atrasos com relação as
datas. Tudo que foi previsto para determinada data era realizado.
Tudo isso com as formadoras locais. Já com os professores alfabeti-
zadores e coordenadores pedagógicos houveram mudanças devido
alguns imprevistos com relação ao local, pois na data prevista para
ocorrer a formação, a Instituição em que ocorreria não estava dispo-
nível naquele momento. Então, tivemos que procurar outras datas
para efetuar a formação. Mas todas as formações aconteceram.

Em sua fala fica notório que a formação destinada às forma-


doras locais não tivera atrasos ou mudanças de datas, desde o re-
cebimento do cronograma definitivo, até porque o Município de
Humaitá é o polo e recebe os demais Formadores dos municípios
pertencentes a ele. O que de certa forma facilitou fixar uma data em

- 132 -
que não houvesse transferência, pois, a data fixada deveria atender
a todos, sendo escolhida com base na disponibilidade de todos os
envolvidos. No entanto, já com os professores e coordenadores foi
necessário a transferência de data, devido a alguns entraves, como a
falta de local para realização à formação.
Esta situação causou alguns transtornos, principalmente, para
os professores da zona rural, devido à logística destes profissionais,
visto que algumas comunidades são distantes e de difícil comunica-
ção, fato já mencionado durante o período de observação dos módu-
los de formação. Os profissionais que atuam no campo realizam sua
locomoção via embarcações, uma vez que as escolas se localizam em
comunidades ribeirinhas, e também por ônibus, para aquelas escolas
localizadas nas BR’s. A depender da localidade, o percurso de viagem
pode demorar de um (01) até cinco (05) dias, se for pelo rio, deve-se
considerar a época de cheia e de seca. Com relação às BR’s são horas
de viagem, precisando considerar se o dia está ensolarado ou chuvoso, pois
algumas não possuem asfaltamento, dificultando ainda mais o percurso dos
professores.
Diante do exposto, indagamos da CL se houve aceitação da
proposta do PNAIC por parte da administração e dos envolvidos, a
mesma relatou que sim, acrescentando que:
CL: Por parte do prefeito e da secretária tivemos total apoio, na
questão de nos fornece tudo aquilo que nós precisávamos. Como
material didático pedagógico porque para a realização das forma-
ções era preciso comprar material. Eu fazia a lista do que a gente
ia precisar, levava para secretária e ela sempre articulando com o
prefeito para comprar todos os materiais necessários. Já por parte
dos professores, eu acredito assim como alguns relataram durante a
formação, devido ao corte de bolsa houve alguns que não quiseram
participar. A maioria que participaram da formação foram os pro-
fessores na Zona Rural.

O setor administrativo do município, conforme relatado pela


CL, apoiou a adesão do programa e ajudou financeiramente, em par-
ticular, na compra de material que foram necessários no período de
formação. Todavia, durante a realização dos módulos de formação
os materiais não foram suficientes, algumas formadoras chegaram a
ir a outras turmas para saber se havia sobrado algum material para
que pudesse utilizar com a sua turma. Assim, o investimento dado ao
programa pela administração foi escasso, não supriu as necessidades.

- 133 -
O investimento para com a educação seja no âmbito escolar
ou formação continuada de professores são mínimos, como pude-
mos perceber. Os professores são desvalorizados, não apenas no
salário, mas nos cursos, pois não são fornecidos os recursos e ma-
teriais necessários para o desenvolvimento de uma formação com
qualidade. O professor não faz “milagre”, por isso, o investimento
financeiro precisa acontecer de fato, não apenas em pequenas “miga-
lhas”, porque todos tendem a ganhar com a realização de um curso
de formação.
Diante do exposto pela CL, ocorreram diversos entraves que
foram desde a adesão e participação até o cumprimento do progra-
ma. É necessária organização e preparação por parte da Coordena-
ção, pois, quando o município adere a um programa, assume um
compromisso como ente responsável. Por isso, é preciso de uma
equipe engajada, comprometida e que, acima de tudo, acredite no
benefício deste programa para o desenvolvimento da educação no
município.
Diante do exposto pela CL, ocorreram diversos entraves que
foram desde a adesão e participação até o cumprimento do progra-
ma. É necessária organização e preparação por parte da Coordena-
ção, pois, quando o município adere a um programa, assume um
compromisso como ente responsável. Por isso, é preciso de uma
equipe engajada, comprometida e que, acima de tudo, acredite no
benefício deste programa para o desenvolvimento da educação no
município.
Desta forma, foi necessário estabelecer uma coordenação para
o PNAIC, no município de Humaitá, sendo questionado à Coorde-
nadora e às Formadoras Locais como ocorreu o processo de seleção
para tal cargo, o que resultou nas seguintes respostas.
Cl: Bom, o processo é o seguinte: é enviado para o Secretário de
Educação que ele indique alguém de sua confiança e que seja ca-
pacitada para função de Coordenador Local do PNAIC, a Senhora
Secretária me chamou e conversou comigo, perguntou se eu tinha
algum impedimento, se tinha como eu assumir esse cargo de Coor-
denador Local, aí eu plenamente aceitei, aceitei e aí já me inserir no
sistema, como ela já passou automaticamente meu nome pra lá com
os números dos meus documentos, aí eles já liberaram a página do
SIMEC para que eu começasse a inserir os professores e logo em
seguida também fazer a seleção dos formadores locais.

- 134 -
FL - 1: A seleção dos formadores foi feita assim, o professor tinha
que ter a disponibilidade e o compromisso para participar da forma-
ção do PNAIC, retendo seu tempo seu tempo apenas para formação
e como estou trabalhando no setor administrativo da Secretária de
Educação, fico com tempo livre para a preparação da formação, di-
ferente dos professores que estão atuando dentro da sala de aula.
FL - 2: A secretaria de Educação nas suas atribuições me fez o
convite. Foi uma surpresa para mim, no primeiro momento fiquei
apreensiva, mas foi de grande importância e relevância, uma expe-
riência que levarei para vida toda.

FL - 3: A seleção foi realizada para atender as necessidades do pro-


grama, visto a capacidade de cada uma e a disponibilidade de horá-
rio para a realização das atividades do PNAIC.

FL - 4: Bom, foi o seguinte eu fui chamada. Mas eu não aceitei, só


que a secretaria se recusou e disse que eu ia ficar. Eu justifiquei que
para ser formador demanda tempo e muito compromisso. Mas, ela
falou assim: Você tem capacidade e você vai ficar como formadora
local. Praticamente me botaram, porque assim, a escolha de forma-
dor é mais questão política, tanto que a maioria das pessoas que
foram formadores trabalham dentro da SEMED, não houve seleção,
o que houve foi indicação.

Nas falas das professoras fica evidente que a escolha para tal
cargo foi realizada através de indicação. Este é um problema que
recaí não somente para quem aplica a formação, mas para que as
recebe, pois, esta escolha deveria ser realizada conforme descrita
na proposta do próprio programa. Assim, para que se obtenha uma
formação de qualidade social, sólida e eficaz, é preciso de pessoas
“preparadas” para exercer tal cargo.
A forma de como o ocorreu a seleção dos Formadores difere
do que se estabeleca no art. 24 da Portaria nº. 826/2017, em que os
mesmos deveriam ser escolhidos pela Coordenadora Local de acor-
do os seguintes requisitos:
I – ser professor da rede pública de ensino que promove a seleção;
II – ter participado de programas de formação continuada de pro-
fessores nos últimos 3 anos ou ser coordenador pedagógico, profes-
sor da pré-escola ou ciclo de alfabetização com resultados reconhe-
cidos na escola e na rede de ensino onde atua; e
III – ter disponibilidade para dedicar-se ao curso e à multiplicação
junto aos coordenadores pedagógicos, professores e articuladores
da escola do PNME.

- 135 -
As profissionais indicadas para o cargo de Formadora Local
não cumprem os requisitos estabelecidos pela portaria, já mencio-
nada. Embora, as FL-1, FL-2, FL-3 possuam disponibilidade de tem-
po, nunca atuaram no contexto de sala de aula e também não par-
ticiparam do curso de formação em edições anteriores, ou seja, não
possuem experiência enquanto professora, não conhecem a rotina e
nem a vivência escolar, além de não saberem como se desenvolve um
programa de formação continuada.
Estas são experiências essenciais para exercer o cargo de For-
madora, pois permite ao profissional a segurança/propriedade ao ex-
por os conteúdos e ao realizar comentários com bases nas vivências.
Isto talvez justifique um dos motivos de muitos professores que não
reconhecem a autoridade de algumas Formadoras para ocupar esta
função no PNAIC.
Soma-se a estas questões, a necessidade de as Formadoras
compreenderem melhor os anseios dos professores e pedagogos,
visto que os profissionais ao exporem o seu ponto vista acerca das
dificuldades em trabalhar de forma lúdica ou interdisciplinar, a for-
madora além de possuir argumentos teóricos para concordar ou
contrapor tal anseio, também terá base em suas vivências, seja na
sala de aula ou no desenvolvimento de projetos, ou oficinas, ou ex-
periências de outros encontros de formação continuada.
Assim, no município de Humaitá a realidade vem mostrando
que ainda prevalece no processo de seleção de algumas pessoas para
determinados cargos é a indicação, que não permeia apenas o setor
da Educação, mas de outros também. Esclarecemos que este não é
uma prerrogativa desta cidade, mas uma tradição política que vem
se desenvolvendo em vários setores em nosso país.
Por ser município pequeno, as famílias tradicionais ainda to-
mam espaço nesses setores e quando há um evento de grande porte,
geralmente, são chamadas pessoas com algum grau de parentesco ou
que executam algo tipo de trabalho no setor responsável pela efeti-
vação. Na maioria das vezes, são sempre as mesmas pessoas que rea-
lizam eventos distintos e vale ressaltar que o município possui uma
grande parcela de professores preparados, com cursos de mestrado
e especialização lato sensu para exercer tais cargos, porém são des-
considerados porque a administração já tem “os que vão preencher
a vaga”.

- 136 -
4. Considerações finais

Ao final deste estudo verificamos que o processo de elabora-


ção das políticas educacionais necessita de um olhar atento para a
melhoria da educação, pois não basta somente criar programa para
promover cursos de formação de professores para que ocorram mu-
danças em suas práticas de ensino. É necessário, disponibilizar me-
canismo para recontextualização das políticas educacionais, no con-
texto da prática, visando assim, não somente a mera “capacitação”
dos professores.
A adesão do PNAIC, no município de Humaitá-AM, realizou-
-se conforme demostrado ao longo trabalho diante algumas limita-
ções e desafios que foram surgindo no decorrer de desenvolvimento
do processo formativo via PNAIC. Diante das falas da Coordenadora
Local e Formadora Local constata-se que foram muitos os entraves
vivenciados durante a sua execução.
Diante os discursos das entrevistadas, foram evidenciados al-
guns desafios como a falta de local adequado e a escassez de material.
O local para realização da formação sofria alteração a cada módu-
lo do curso, devido não haver local disponível naquele momento,
o que ocasionava transtorno para os envolvidos, onde deveriam se
reorganizar para que pudesse realizar a formação. A falta de local,
assim como, a carência de material não desanimou os envolvidos. As
formadoras priorizavam o trabalho em equipe, onde uma oferecia
suporte para outra, havendo assim, a troca de material.
Vale ressaltar que, mesmo perante alguns desafios e entraves
na execução do PNAIC, os idealizadores mostraram-se persistentes,
e que mesmo diante das adversidades, desempenharam um papel
importante na vida de cada educador presente. Demostrando, assim,
o seu comprometimento em busca de uma educação de qualidade
social.
No entanto, é necessário pensar na seleção dos envolvidos,
ou seja, que sejam escolhidas pessoas que conheçam a realidade dos
educadores, para que o processo formativo seja pautado com base
nas vivências, anseios e limitações dos professores, o que poderá tra-
zer benefícios significativos no campo da formação continuada
A formação continuada proposta pelo PNAIC assume a res-
ponsabilidade de propor ao profissional a autonomia e protagonismo

- 137 -
do seu trabalho docente, com suportes didático-pedagógicos para al-
cançar a alfabetização e o letramento matemático. Entendemos com
Freire (1996), que a formação deve ser um processo permanente,
em que o momento mais importante seja o da reflexão crítica sobre
a própria prática, possibilitando o professor a análise crítica da sua
docência, bem como, a compreensão dos interesses políticos e ideo-
lógicos que são legitimados na produção de políticas de formação
continuada dos professores.
Aspecto que também é reforçado por Imbernón (2009), ao es-
clarecer que a formação permanente tem como base a reflexão dos
sujeitos sobre sua prática docente, de modo a permitir que exami-
nem suas teorias implícitas, seus esquemas de funcionamento e suas
atitudes na sua trajetória de vida e formação.

5. Referências

AKKARI, Abdeljalil. Internacionalização das políticas educacionais:


transformações e desafios. Petrópolis: Vozes, 2011.
BALL, Stephen. Diretrizes políticas globais e relações políticas locais
em Educação. Currículo sem Fronteiras, v.1, n.2, pp.99-116, Jul/Dez,
2001.
BRASIL, Documento Orientador: PNAIC em Ação. 2017
BRASIL. Lei Darcy Ribeiro. LDBEN: Lei de diretrizes e bases da edu-
cação nacional (Lei 9394/1996). [recurso eletrônico] Brasília: Câma-
ra dos Deputados, Edições Câmara, 2014.
BRASIL. Pacto Nacional pela Alfabetização na idade certa: formação
do professor alfabetizador. Brasília: MEC/SEB, 2012.
_________. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educa-
ção. Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015. Disponível em: http://
pacto.mec.gov.br/. Acesso em dia 20 de outubro de 2018.
________. Ministério da Educação. Portaria nº 867, de 4 de julho
de 2012. Disponível em: http://pacto.mec.gov.br/. Acesso dia 25 de
agosto de 2017.
________. Ministério da Educação. Portaria nº 1.458, de 14 de de-
zembro de 2012. Disponível em: http://pacto.mec.gov.br/. Acesso dia
25 de agosto de 2017.

- 138 -
GATTI, Bernardete Angelina; BARRETO, Elba Siqueira de Sá; AN-
DRÉ, Marli Elizia Dalmazo de Afonso. Políticas docentes no Brasil:
um estado da arte. Brasília: UNESCO, 2011.
IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: forma-se
para a mudança e a incerteza. 7 ed. São Paulo, Cortez, 2009.
MAINARDES, Jefferson. Abordagem do ciclo de políticas: uma con-
tribuição para análise de políticas educacionais. Educ. Soc., v. 27
n.94, p. 47-69. Campinas, 2006.
MOUFFE, Chantal. Democracia, cidadania e a questão do pluralis-
mo. Política & Sociedade: Revista de Sociologia Política. v. 2. n. 3, p.
11-26, outubro de 2003.

- 139 -
- 140 -
CIDADANIA E ÉTICA: FUNDAMENTOS PARA
UMA REFLEXÃO NO ENSINO MÉDIO TÉCNICO
Rodrigo Monteiro
Valmir Flores Pinto Rodrigo

1. Introdução

A presente proposta é relacionada à pesquisa realizada na dis-


sertação de mestrado do Programa de Ensino de Ciências e Humani-
dades da Universidade Federal do Amazonas, a análise teve por ob-
jetivo avaliar os preceitos de ética no que concerne ao Ensino Médio
Técnico, realizando-se uma abordagem acerca do papel do docente,
como o interesse dos estudantes quanto ao assunto comentado.
O objetivo geral da pesquisa foi analisar sobre a existência
ou não das discussões disciplinares ou interdisciplinares sobre ética
e suas implicações na formação de estudantes do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – IFAM/campus
Humaitá e os objetivos específicos foram: identificar elementos his-
tórico-conceituais de ética no material didático ofertado pelo IFAM/
campus Humaitá; conhecer o papel do docente na abordagem de
ética, como tema transversal, nas salas de aula nos cursos de Agro-
pecuária, Informática e Administração, todos do Ensino Médio Téc-
nico sob a forma integrada; e verificar os elementos de ética nas po-
líticas educacionais para o Ensino Médio Técnico.
A pesquisa foi desenvolvida sob o enfoque da dialética e da
leitura materialista histórica, pois trouxe à tona a essência do pensa-
mento crítico estimulado por Karl Marx, que defendeu o desenvol-
vimento da pesquisa por meio da crítica interdisciplinar na qual são
encontradas problematizações filosóficas, históricas, sociológicas,
políticas, jurídicas e econômicas, e também foi adotada uma abor-
dagem qualitativa.
O presente artigo traz nuances da pesquisa mencionada tra-
tando sobre a necessidade de que há de se compreender a arte de
desenvolver o pensamento nos parâmetros voltados aos conceitos de
ética e cidadania, trazendo um recorte quanto ao nível de aprendi-
zado por parte do estudante. Será que os docentes vêm trabalhando

- 141 -
a abordagem da ética nas salas de aula em atenção aos Parâmetros
Curriculares Nacionais? Essa indagação faz-se imprescindível, prin-
cipalmente quando se consideram as peculiaridades de uma forma-
ção técnica que pressupõe a inserção do aluno na condição de cida-
dão.
Tem-se que o Ensino Médio Técnico, especialmente no que
concerne aos Institutos Federais possui uma proposta de preparar
os jovens estudantes para o mercado de trabalho, no entanto, é im-
portante que a reflexão ética seja estimulada com relação às práticas
e limites de atuação do estudante, o qual caminha para a condição
de cidadão emancipado, com isso, deve ser conhecedor de seu papel
social. Para tanto, é determinante a atuação da filosofia que possibi-
lita reflexões sobre as próprias atitudes profissionais, favorecendo a
abordagem da dimensão ética (ROTOLO, 2016).
A pesquisa proporcionou uma observação acerca do aprendi-
zado quanto aos preceitos éticos no intuito de verificar sobre a neces-
sidade de estimular os estudantes ao pensamento crítico quanto ao
tema, importando ao necessário reconhecimento do imprescindível
contato com os conceitos e fundamentação relativos à ética.
O próprio programa pressupõe como foco direto o ensino, por
isso foi possível identificar nos docentes, pedagogos e demais servi-
dores diretamente vinculados ao Ensino no IFAM/campus Humaitá,
os resultados práticos que eles podiam observar por intermédio dos
estudantes quanto ao estímulo da discussão relativa aos elementos
de ética com sua relação à condição de formação de cidadão.

2. A perspectiva do ensino da ética no Brasil

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mé-


dio (2000), vige o princípio da ética da identidade, que se baseia na
teoria de que a educação deve ser orientada a oferecer condições
isonômicas a todas as identidades presentes no contexto escolar, e
nesse caso deve-se apreço à missão de estimular o desenvolvimento
da sensibilidade do estudante que por si orientará a sua conduta com
esteio nos valores morais.
A ética da identidade difundida no sistema normativo do Bra-
sil tem por finalidade estimular a atenção à relevância da necessida-
de de conhecer não só a sua identidade, como também a do outro.

- 142 -
Assim mesmo, lembramo-nos dos ensinamentos em que Rousseau
convida-nos a enxergar o Contrato Social, de forma que cada um
põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supre-
mo comando da vontade geral, e recebe em conjunto cada membro
como parte indivisível do todo. A escola, assim como a família é uma
sociedade e por isso um local de convívio, para tanto se deve apreço
às regras vigentes. (BRASIL, 2000).
O filósofo Brito (2005) descreve a necessidade dos homens
em definirem suas leis, conforme às necessidades e peculiaridades
de suas respectivas culturas, mas resta clara em sua definição a ne-
cessidade do direito e das leis sociais, as quais devem caminhar ao
lado da significação moral. Sob esse prisma o estudo pode ser orien-
tado quanto à relação professor e aluno, com possibilidade de inferir
que na formação do caráter há sede de conceitos, de exemplos, de
envolvimento e comprometimento com a excelência na formação do
estudante.
A ética na educação, segundo apontamentos de Arroyo (2007),
identifica a existência de farta teorização no pensamento educacio-
nal no que diz respeito ao conhecimento e sobre os processos de en-
sinar-aprender, entretanto, demonstra escassez de reflexão sobre sua
própria etimologia, necessariamente sobre ética. O autor trata em
tom preocupante a carência do estímulo da utilização do senso críti-
co no que diz respeito à ética.
As escolas se defrontam no dia-a-dia com a presença cons-
tante de um conjunto de dimensões que fazem parte do campo da
formação do sujeito ético, quando relaciona a ordem, a disciplina,
as normas, a justiça, o bem, os sentimentos, os afetos, a liberdade, o
fazer escolhas, a responsabilidade, o trabalho, a assiduidade, o com-
panheirismo, a amizade, o cuidado, a sociabilidade, os valores, a ver-
dade, as condutas, a felicidade, a culpabilidade, o castigo, a reprova-
ção-aprovação, a consciência, os direitos e deveres como dimensões
que fazem parte da reflexão ética no ambiente estudantil. (ARROYO,
2007).
Embora haja diferenciação entre os conceitos de ética e mo-
ral, ambos fazem menção ao conjunto de princípios ou padrões de
conduta que regulam as relações humanas no âmbito de seu habitat.
A educação deve ser fundamentada nesses princípios, pois auxilia
na análise crítica da realidade cotidiana e das normas sócio morais
vigentes, de modo que contribua para idealizar formas mais justas e
adequadas de convivência (ARAÚJO, 2007).

- 143 -
Johann (2009) na apresentação da obra Ética e Cidadania rea-
liza considerações acerca de ética e educação:
Educação e Ética analisa e fundamenta a possibilidade de se redu-
zir as contradições em que se movimentam os seres humanos em
todo o mundo. A Educação não será o único caminho de solução
dos problemas atuais. Porém, o espaço educativo se constitui em
um espaço de excelência para que a semente de uma nova realidade
seja plantada e possa germinar. Impõe-se, assim, aos profissionais
da educação a tarefa histórica de se aperceberem da ambiguidade de
suas práticas e assumirem o seu papel transformador. Somente um
compromisso ético verdadeiramente assumido fará com que a es-
cola cumpra o seu papel na construção da esperança de um mundo
melhor para toda a humanidade. (JOHANN, 2009, p. 9).

Numa apreciação quanto aos preceitos voltados à educação a


expressão de um complexo processo de opções valorativas, dedica-se
à melhor aplicação na formação ética, dessa forma, também é impor-
tante fazer menção ao que leciona Arroyo:
Da educação se espera que contribua na formação de uma razão
transparente em si mesma, autojustificada, guia da liberdade e da
arte de fazer escolhas morais certas, racionais, em qualquer contex-
to e por todo ser humano. A função da educação de engendrar o su-
jeito moral passaria por iluminar sua mente, por torná-lo sujeito de
razoamento e decisão. Esta visão se contrapõe a todo naturalismo e
biologismo. A moralidade ou imoralidade do sujeito e dos coletivos
não vem da natureza, nem do berço, elas são construídas, formadas.
Aí cabe a articulação entre ética e educação. Na pedagogia moderna
essa relação é mediada pelo conhecimento. (ARROYO, 2007, p. 7)

Pelas considerações apresentadas é possível verificar que a


educação se encontra diante de um grande desafio, que se apresenta
hodiernamente neste contexto caracterizado por profundas e des-
concertantes incertezas, numa transição de paradigmas, assim como
insegurança política. Com isso, há de se estabelecer uma relação en-
tre as exigências da ética e os valores sobre os quais se estrutura uma
sociedade globalizada e neoliberal.

2.1 A Dimensão da ética na prática docente e a cidadania

A ética sob o conceito filosófico e normativo apresenta defini-


ções que abrangem a importância da discussão de seus fundamentos,
desde a gnosiologia, que requer uma metodologia para a verificação

- 144 -
de um objeto qualquer, a disponibilidade ou posse de uma técnica
semelhante, conforme enuncia Abbagnano (2007). Ao fazer um pa-
râmetro do ensino com a ética o desdobramento filosófico a retrata
como ciência da conduta, que deduz tanto o fim quanto os meios da
natureza do homem, traduz o conhecimento como fruto de motivos
ou causas da conduta e da força que a determina (ABBAGNANO,
2007),
A ética é imprescindível à sociedade, pois motiva o compor-
tamento razoável em meio à coletividade, é um conceito que tem a
obrigatoriedade de buscar de maneira objetiva e racional consolidar
a sua sistematização teórica, seus métodos e suas mínimas compro-
vações.
É cediço que os contextos vinculados ao comportamento éti-
co devem ser apresentados, em primeiro plano, em sentido teórico
no âmbito da educação, pois, tem por finalidade aguçar a discussão
do assunto, principalmente no que concerne ao conceito filosófico,
entretanto, a prática pressupõe que, principalmente o docente se
constitua como um exemplo. Torna-se imperioso, não só evidenciar
um conjunto de normas que regulam o comportamento da socie-
dade, mas aplicá-las, e isso depende, necessariamente, da educação.
As normas de conduta visam fundamentar o entender filosófico de
ética.
Por um lado é necessário o reconhecimento do professor de
que a evolução, especialmente tecnológica, emerge consideravel-
mente a ponto de quase impossibilitar acompanhá-la em todos os
termos. Mas, é evidente que deve haver constante aperfeiçoamento
do docente para tornar possível o implemento das mudanças neces-
sárias à melhoria do processo ensino-aprendizagem, e isso pressupõe
um reconhecimento ético. Carvalho e Ribas (2003) destacam que a
sala de aula é lugar de debater sobre a evolução do mundo e não uma
mera apresentação do conteúdo sistematizado do saber.
Ligado ao entendimento da compreensão, entendemos como
condição imprescindível elucidar acerca da necessidade em conside-
rar o protagonismo do estudante no processo ensino-aprendizagem.
Deve-se dar apreço ao meio social em que vive e as suas diferenças
culturais, assim será possibilitada a construção de conhecimentos. O
professor tem a tarefa de estimular a reflexão, pois a participação dos
estudantes no processo ensino-aprendizagem estimula a interação,

- 145 -
fortalece o ensino, e o torna mais efetivo. E essa interação possui
enfoques diferentes, como aluno – aluno e aluno – professor, quando
devem extrair os pontos factíveis, o que permite uma comparação de
valores, o favorecimento da ética de colaboração, e principalmente, o
incremento da aprendizagem, inteligência, capacidade de argumen-
tação e de análise (IMBERNÓN, 2012).
Ao longo da história do ensino, notadamente o universitário,
foi difundido o sistema baseado no pensamento newtoniano-carte-
siano, onde para conhecer o todo era necessário fragmentá-lo em
seus componentes e estudar cada um deles separadamente, entretan-
to, os avanços tecnológicos induzem a um repensar do modelo de
educação (BEHRENS, 2011). Imbernón (2012) relaciona as benesses
do modelo de construção do conhecimento quando conclui:
[...] Refletir é aprender a pensar, analisar, comparar, sintetizar, a ti-
rar conclusões, a tomar decisões, enfim, o pensamento reflexivo é
toda uma série de capacidades. [...] Essa troca de ideias através do
diálogo e da cooperação leva o sujeito a mergulhar em processos
de reflexão e de construção de seu próprio conhecimento. [...] (IM-
BERNÓN, 2012, p. 90-91).

Os educadores ao lidar com a ideia de que o conhecimento


está em constante construção, devem entender que existe uma ne-
cessidade da comunidade acadêmica absorver mais conteúdo que
outrora, principalmente perante às evoluções globais presentes em
todas as sociedades historicamente constituídas. Lopes (1996) apon-
ta o conceito de Bachelard no que tange à construção do conheci-
mento, quando enuncia que ele é intrinsecamente histórico, depende
da história das ciências para que ocorra a perfeita produção do co-
nhecimento.
Vejamos também o pensamento de Marzari que assim cor-
robora

Ser professor requer não mais uma formação pontual, técnica, ra-
cional, mas uma formação de deve acontecer ao longo da vida pro-
fissional; isso significa dizer que a formação inicial, de nível médio
e/ou superior, já não responde às necessidades econômicas, políti-
cas e sociais e passa a ser vista como apenas um dos momentos do
processo formativo do educador. O tempo limitado e pontual de
formação, 3 ou 4 anos, já não permite contemplar as demandas de
uma sociedade em constante mudança. (MARZARI, 2016, p. 66)

- 146 -
Saviani (2000), por sua vez, entende que dentre os valores afe-
tos à formação do homem a ética é parte de uma trilogia junto aos
conceitos de educação e cidadania. Compreende-se ética e cidadania
como sustentáculos à educação, e esta é entendida como conceito
central desta trilogia. Dar-se-á a plenitude do homem quando ele se
apropria da cultura, da sua produção humana historicamente acu-
mulada, isso vem por intermédio da educação.
Ética e justiça na escola devem sempre se fundamentar em
valores de igualdade e equidade. O tema Ética está presente nas rela-
ções dos agentes participantes do ambiente escolar, como os alunos,
pais, professores e demais funcionários. Ocorre que, o tema também
está inserido em algumas disciplinas componentes da matriz curri-
cular, como filosofia, sociologia e nos casos dos cursos técnicos nas
respectivas disciplinas de ética profissional.
É imponderável que, o conhecimento não é único, nem inerte
a valores de todo tipo constante nas demais disciplinas componentes
do currículo. Daí a necessidade de tratar a ética como tema transver-
sal. Em suma, a reflexão sobre as diversas faces das condutas huma-
nas deve fazer parte dos objetivos maiores da escola comprometida
com a formação para a cidadania. (BRASIL, 1997):
Partindo dessa perspectiva, o tema Ética traz a proposta de que a
escola realize um trabalho que possibilite o desenvolvimento da
autonomia moral, condição para a reflexão ética. Para isso foram
eleitos como eixos do trabalho quatro blocos de conteúdo: Respeito
Mútuo, Justiça, Diálogo e Solidariedade, valores referenciados no
princípio da dignidade do ser humano, um dos fundamentos da
Constituição brasileira. (BRASIL, 1997, p. 26).

Podemos depreender sobre a relevância da ética para a forma-


ção e/ou aperfeiçoamento da cidadania do aluno, ainda que o tema
possua complexa subjetividade, devendo ser levada em consideração
na formação crítica do jovem, o qual deverá se valer de compor-
tamentos os quais guardem apreço aos bons valores, ressaltando-se
virtudes compatíveis com o perfeito convívio social, sob o funda-
mento da própria LDBEN:
Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com dura-
ção mínima de três anos, terá como finalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adqui-
ridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de
estudos;

- 147 -
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando,
para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com
flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento
posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, in-
cluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia inte-
lectual e do pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos
processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensi-
no de cada disciplina. (BRASIL, 1996, grifo nosso).

3. Análise de resultados obtidos na pesquisa

Para estar enquadrado na natureza de cidadão faz-se neces-


sário estar revestido de determinada capacidade de reflexão e o agir
sob o fundamento ético diz respeito às condutas humanas. E como
devemos nos portar diante dos outros? Há momentos que a socie-
dade responde, por meio de políticas estatais definidas, noutros os
seres sociais que compõem o ciclo de convivência manifestam com-
portamento de aprovação ou desaprovação, mas, há de se convir que
esta pergunta não encontre resposta sem se valer da interação entre
diversos conceitos e contextos sociais, políticos e culturais.
A reflexão ética traz à luz a discussão sobre a liberdade de escolha.
A ética interroga sobre a legitimidade de práticas e valores consa-
grados pela tradição e pelo costume. Abrange tanto a crítica das
relações entre os grupos, dos grupos nas instituições e perante elas,
quanto a dimensão das ações pessoais. Trata-se, portanto, de discu-
tir o sentido ético da convivência humana nas suas relações com
várias dimensões da vida social: o ambiente, a cultura, a sexualidade
e a saúde. (BRASIL, 1997, p. 25, grifo nosso).

Neste capítulo há a apresentação da análise propriamente dita


da pesquisa, especificamente aos aspectos relacionados à ética e ci-
dadania, com isso estão sendo apresentados os recortes extraídos das
falas de alguns colaboradores, no que concerne, primeiramente, à
seguinte questão: “Qual a relevância de se abordar a ética na escola?”
É possível identificar determinada convergência das opiniões
dos participantes, conforme os pontos ressaltados a partir das
transcrições de alguns discursos.
[...] a legislação brasileira foi oscilando em incluir a disciplina de
filosofia e obviamente com ela a ética pra formação curricular dos
jovens e adolescentes, então ultimamente se colocou uma luta entre

- 148 -
uma classe que julga importante. Um grupo trabalha a questão de
que a gente tem que ser mais prático e trabalhar disciplinas ditas
práticas e úteis e descartar disciplinas que sejam de formação da
cidadania e aí temos um exemplo claro de escola sem partido que
certa forma vai trabalhando nessa linha, juntamente com outros
grupos sociais que dizem que as disciplinas humanas como filosofia
e sociologia e alguns até história, colocam elas em segundo plano e
que acham mais importante trabalhar disciplinas mais práticas que
seriam úteis de alguma forma na vida profissional [...] A impor-
tância? Bom! Eu acredito que seja fundamental você trabalhar, por
mais que todo mundo que vem já pra escola já tem uma formação
de valores e princípios que já vem da família [...] Eles já vêm como
uma base que digamos que podemos chamar de ética, de como de-
vemos nos comportar na sociedade. E aí, no Ensino Médio a gente
trabalha algumas fundamentações teóricas que podem ajuda-los a
encarar melhor o seu dia a dia e tentar conjugar, pois você pode ser
um excelente profissional, mas nem por isso você precisa ser uma
pessoa chula, baixa, né? (Professor de filosofia)

O discurso traz à tona, além da importância de se trabalhar


a ética na sala de aula, o dever de continuar lecionando a matéria,
tendo sido levado em consideração o cenário que se apresenta no
Brasil, especialmente na possibilidade de se excluir as disciplinas
voltadas ao estudo do tema, e é ressaltada a visão da ética como um
complemento voltado à formação prática de natureza profissional,
quando o real sentido do tema é solidificar valores que impliquem
no bom convívio em sociedade. E essa linha de pensamento traz ou-
tros adeptos:
Por coincidência esse primeiro semestre agora eu iniciei a disciplina
de ética e relações interpessoais e aí nós fizemos uma abordagem lá
previamente para fazer um diagnóstico para saber o que os alunos
entendem sobre o que é ética. O que consegui perceber é que eles
têm a percepção de que é uma coisa positiva para a sociedade. [...] A
relevância em si na instituição é que a ética estabelece as caracterís-
ticas de que a sociedade deva viver de uma forma humanitária em
comunidade. (Professor de ética e relações interpessoais)
É muito importante porque, apesar de nos cursos técnicos ter essa
disciplina ela é muito rasa, não é muito discutida com profundidade
no âmbito escolar, é uma disciplina de 60 horas que não dá muito
subsídio. (Professor de língua portuguesa)

Ficou evidente o entendimento acerca da relevância da abor-


dagem do tema ética no âmbito escolar, na fala dos professores aci-
ma citados, pois todos traduzem anseios em comum, uma vez que

- 149 -
deixam em aberto quanto à necessidade de se estimular a discussão
acerca do assunto, haja vista compreenderem que ainda é mínimo
o espaço para discussão deste tema na escola. Outros entrevistados
também abordam o seguinte:
Acho importante, uma vez que os nossos discentes do curso técni-
co já sairão diretamente para o mercado de trabalho e por serem
profissionais inseridos no mercado de trabalho deverão utilizar-se
da ética no seu local de trabalho, bem como seu convívio junto aos
seus colegas de trabalho, bem como seus demais colegas na vida
cotidiana, uma vez que a ética está presente em tudo. (Professor de
matemática)
Bem, eu penso que é um tema bem relevante, mediante as circuns-
tâncias que a gente está vivenciando atualmente, é um tema bastante
pertinente a ser trabalhado para tentar resgatar e até contribuir para
a formação integral do ser humano que ela está a desejar, estamos
aí num processo de formação de pessoas que já estão atuando nos
sistemas e que estão demonstrando que têm formação intelectual,
mas a formação humana, a formação social está aquém desse nível
intelectual que nós estamos hoje, penso que em virtude até dessa
ausência desse trabalho da questão ética, penso que é muito perti-
nente. E assim, a gente trabalhar com os alunos, eu penso assim que
a educação tem a importância de trabalhar essa questão ética, que
acho muito relevante. (Professor de pedagogia)

Pelas palavras dos docentes acima se denota que ambos abor-


dam acerca da importância da ética na formação dos alunos, ao
passo que enumeram aspectos, os quais possam contribuir, princi-
palmente, para a formação do cidadão, como ser social, intelectual,
aperfeiçoando a formação humana, visando se localizar no meio so-
cial. O Professor de Biologia trouxe categoricamente a vinculação do
ensino da ética para a formação do aluno cidadão:
Eu acho extremamente importante essa abordagem, interessante
você fazer esse trabalho conosco, não só comigo, mas, com os co-
legas pois esse é um tipo de assunto extremamente importante em
qualquer componente curricular, né? Na verdade, para o exercício
da cidadania é importante abordar conceitos éticos. [..] O axioma,
a ideia fundamental é de tentar passar para os meninos, os nossos
alunos, comportamentos de ideias e valores, então é importante, na
biologia o lidar com seres vivos, com animais, com plantas. [...] A
gente vê que alguns alunos tem uma visão do que é certo, do que
é ético e do que não é ético um pouco ali falha ou deturpada, en-
tão, respondendo e voltando aí para a sua pergunta é extremamente
importante para o exercício da cidadania desses alunos que vão se
tornar cidadãos produtivos para a sociedade. (Professor de biologia)

- 150 -
Podemos perceber na fala do docente que a ausência da abor-
dagem do tema ética pode ocasionar prejuízo à própria formação
humana. Reforça-se o papel do homem na história, quando enaltece
que há uma construção de modos, formas de viver que se baseia em
conceitos, valores, costumes, que possuem um fim em si mesmos, os
homens são seres em constante transformação histórica.
É nítida a relevância da abordagem técnica para estimular o
desenvolvimento da competência e habilidade dos alunos nos cursos
técnicos profissionais, entretanto, há de ser reconhecida a importância
do enfoque relativo ao incentivo quanto à aplicação de princípios e
práticas que estimulem o resgate de bons valores humanitários, pois,
o contexto atual exige sobremaneira essa reflexão.
Outros dois questionamentos voltados aos aspectos relacio-
nados à ética e cidadania também foram abordados em outras duas
perguntas, as quais mantém relação, e por conta disso foram anali-
sadas em conjunto, vejamos: “Qual a importância da ética na matriz
curricular?”; e “Existem elementos de ética no material didático do
IFAM?” Foi realizada uma análise mista quanto a essas duas pergun-
tas, sob os discursos de alguns dos respondentes, conforme dados
abaixo:
Olha, a questão da matriz curricular, aonde eu presenciei no cur-
so de administração, o que acontece, nós temos essa disciplina no
primeiro ano do curso de ADM, aqui no IFAM campus Humaitá.
A ética em si eu defendo da seguinte maneira, não somente a ética,
mas outras disciplinas são importantes, então no momento que eu
falo ou que defendo a saída da ética como disciplina eu posso estar
falando de maneira equivocada, porque eu acredito que a disciplina
direito é para estar inserida na educação desde a 5ª série só que não
é bom para a sociedade ser informada, ser atualizada, saber seus
direitos e isso serve como forma de controle. Então eu falo assim,
vou falar agora nesse contexto que falei, eu acho que hoje na nossa
grade curricular no campus Humaitá eu não concordo que a disci-
plina ética associada com relações interpessoais ela seja inserida no
primeiro ano do curso, ela poderia estar dentro de uma disciplina
fragmentada para você ressuscitar os princípios éticos da sociedade,
porque nós trabalhamos no curso técnico de administração e existe
dentre o perfil do técnico alguns requisitos e a ética não poderia
entrar, na minha concepção, como disciplina. (Professor de ética e
relações interpessoais)
É, na minha disciplina o material didático contempla um capítulo
lá sobre ética, na ética profissional eu também já vi o material que
ele segue, então tem um aparato didático que ajuda a trabalhar
obviamente, mas acredito que falta algumas coisas também, pois

- 151 -
você vai trabalhar sobre indígenas, negros e tal e você olha o livro
e não tem praticamente nada, no meu livro didático não tem nada
sobre indígena e negro e obviamente é uma questão ética nossa
trabalhar isso, pois é uma minoria discriminada que a gente acabou
pisando e que de certa forma continua pisando ainda dentro do
Estado brasileiro, pois, ainda continua cometendo injustiças com
esses grupos minoritários e não contempla indígenas, negros e
a questão dos grupos sexuais, pelo menos no meu material não
contempla que são obviamente conteúdos transversais o que é uma
questão de ética tratar. (Professor de filosofia)
[...] Seria muito relevante, pois seria um complemento a mais para
o currículo do aluno, uma vez que esse conceito de ética, a mim
parece subjetivo, não sei se estou certo, seria uma disciplina a mais,
discutir as questões éticas dentro da educação, do nosso dia a dia, do
nosso fazer pedagógico. [...] Existem bastante critérios, por exem-
plo, no núcleo onde trabalho, que desempenho o meu fazer peda-
gógico têm as questões éticas. [...] Dentro do material didático do
aluno existe e no meu fazer tem. Exemplo: eu trabalho com alunos
com deficiência, mas quando eu vou trabalhar com esses alunos,
falar desses alunos numa reunião, eu não posso citar o nome do
aluno, só cito o nome da turma e a deficiência que tem ali, não posso
citar o nome do aluno nem nos relatórios que encaminhamos para
Manaus, são várias questões éticas que temos que seguir, são rigoro-
sas. (Professor de língua portuguesa)

Os docentes acima não são unânimes quanto à questão da im-


portância da inserção do tema ética na matriz curricular, haja vista
defenderem posicionamentos e motivações que retratam aspectos
voltados ao desenvolvimento de suas disciplinas em sala. O profes-
sor de ética entende que os cursos técnicos devem dar mais apreço às
disciplinas formadoras de habilidades e competências, e na mesma
concepção temos a opinião de um técnico administrativo em educa-
ção da área de assuntos educacionais, vejamos:
Eu não acredito que seja importante como disciplina específica, a
criar uma disciplina sobre ética, mas, eu acredito que todos os pro-
fessores deveriam trabalhar a ética dentro de sua matéria, no caso é
um tema transversal e deveria estar dentro de cada disciplina, não
criar uma disciplina específica para isso não. (Técnico em assuntos
educacionais)

Pelo que se percebe, a opinião do professor de filosofia está no


sentido de que há um mínimo aporte didático no IFAM para minis-
trar os conteúdos de ética no Ensino Médio Técnico, em decorrência
disso, entende-se que há necessidade de dar maior atenção, especial-

- 152 -
mente quando se refere às minorias, pois, segundo a opinião dele, os
materiais devem ser mais aprofundados, conquanto menciona acer-
ca da transversalidade do tema. Este docente, de certa forma, acabou
se abstendo quanto a considerar a importância do tema na matriz
curricular, mas implicitamente demonstrou que considera relevante,
haja vista que a disciplina que leciona já propõe a reflexão sobre o
assunto, além da forma transversal abordada pela legislação.
Já o professor de língua portuguesa deixou cristalina a sua
opinião favorável quanto a ética constar na matriz curricular e refor-
çou quanto à importância do tema, inclusive nas atividades pedagó-
gicas planejadas pelos docentes, quando também evidenciou que os
elementos de ética estão presentes nos materiais didáticos utilizados
pelo IFAM.
Pelas análises expostas, foi possível verificar que os colabora-
dores entrevistados consideram extremamente relevante a aborda-
gem da ética para a formação e/ou aperfeiçoamento da cidadania do
aluno, embora o tema possua complexa subjetividade, deve ser leva-
do em consideração na formação crítica do jovem, o qual deverá se
valer de comportamentos os quais guardem apreço aos bons valores,
ressaltando-se virtudes compatíveis com o perfeito convívio social,
sob o fundamento da própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN):
Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com dura-
ção mínima de três anos, terá como finalidades:
[...]
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando,
para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com
flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento
posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, in-
cluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia inte-
lectual e do pensamento crítico. (BRASIL, 1996, grifo nosso).

Alcançar os objetivos propostos pela própria LDBEN no que


concerne à cidadania obriga a escola a trabalhar o currículo com
foco nas aprendizagens significativas, que consistem em novas in-
formações se hospedarem em conceitos e níveis de compreensão
pré-existentes na estrutura cognitiva do aluno, pois as habilidades
e competências são trabalhadas por meio deste modelo de apren-

- 153 -
dizagem, que denota os atributos intelectuais, os quais conduzem o
aluno a trabalhar a si mesmo por intermédio dos conhecimentos ad-
quiridos em sala de aula.

4. Considerações finais

A educação técnico-profissional tem por condão estimular o


próprio avanço tecnológico para melhor preparar o discente para o
mercado de trabalho, tudo em prol das consequências advindas do
fenômeno da globalização, é verdade que a evolução social para ser
eficaz deve apreço aos valores de humanidade, e hoje os parâmetros
estabelecidos pelo capitalismo neoliberal têm acarretado prejuízos
de grande monta ao ser social, dificultando até mesmo o exercício
de sua autonomia, uma vez que a sociedade tem sido compelida à
dominação econômica e política das camadas mais favorecidas.
Salienta-se que os professores devem substituir a retórica sim-
ples pela dialética, chamar o discente ao debate, estimulá-lo a expor
seus argumentos, pois não basta ao educador falar bem, comunicar-
-se de forma convincente, mas trazer o aluno para processo didático
como o centro das atenções, pois ao estudante deve-se encarregar,
prioritariamente, de desenvolver o seu próprio aprendizado com o
apoio do facilitador, professor mediador, pois se trata de uma rela-
ção humana, e isso trará à tona os preceitos de cidadania, a qual não
sobrevive sem a ética.
Portanto, o tema abordado reveste-se de uma necessária e
constante reflexão, especialmente no que concerne ao momento vi-
venciado pelo mundo. Com isso, o estímulo à discussão grava im-
portante papel na construção de conceitos éticos, especialmente
como resgate de seu fundamento filosófico, trazendo à tona a sua
evolução em contraponto à cidadania, ao trabalho e versando sobre
a sua natureza de transversalidade.

5. Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 5ª ed. São Paulo: Sa-


raiva, 2012.
ARAÚJO, Ulisses F. A educação e a construção da cidadania: eixos

- 154 -
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cidadania: construindo valores na escola e na sociedade. Brasília:
Ministério da Educação, 2007.
ARROYO, Miguel G. Conhecimento, Ética, Educação, Pesquisa. v. 2,
n. 2. São Paulo: Revista E-Curriculum, 2007. Disponível em http://
www.pucsp.br/ecurriculum.
BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma emergente e a prática
pedagógica. 5.ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2011.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dez. de 1996. Estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996.
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lar. Documento homologado pela Portaria n° 1.570, publicada no
D.O.U. de 21/12/2017, Seção 1, Pág. 146.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Se-
cretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e In-
clusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho
Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica. Dire-
trizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica / Ministério
da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos
e Educação Integral. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curricu-
lares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais /
Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curricu-
lares nacionais: apresentação dos temas transversais, ética / Secreta-
ria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.
BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
curriculares nacionais: Ensino Médio. – Brasília, 2000.
BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
curriculares nacionais +: Ensino Médio: orientações educacionais
complementares. Linguagens, códigos e suas tecnologias – Brasília,
2007.
BRITO, Raimundo de Farias. A verdade como regra das ações: en-
saio de filosofia moral como introdução ao estudo do direito. Brasí-
lia: Senado Federal, Conselho Editorial, 2005.

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sófica. 13ª ed. São Paulo: Autores Associados, 2000.

- 156 -
A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES DE FILOSO-
FIA SOBRE SUA PRÁTICA DOCENTE NO ENSI-
NO TÉCNICO DO IFRO
Euliene da Silva Gonçalves
Carmen Tereza Velanga
Clarides Henrich de Barba

1. Introdução

A reflexão é cientificamente relevante, pois não encontramos


orientações legais ou reflexões filosóficas e pedagógicas que nor-
teiem explicitamente a colaboração da Filosofia nessas formas, desse
nível, dessa Educação na legislação brasileira, em periódicos científi-
cos online Qualis A e B, nem na base de dados de dissertações e teses1
vinculadas a Plataforma Sucupira até o final de 2018.
Voltamos o foco da reflexão para a Filosofia na Educação Pro-
fissional Técnica Média (EPTM) nas formas concomitante e subse-
quente. Notamos a presença da atuação de Filósofos como profes-
sores de Filosofia nessa forma de educação técnica que restringe a
Filosofia a sua variante ética no eixo de formação humana.
De acordo com Gelamo (2009), via revisão de literatura, há
vários escritos, no Brasil, sobre o problema da matéria de ensino de
Filosofia, contudo, não são suficientes para sanar a questão dessa dis-
ciplina na Educação Básica e Superior.
Encontramos apenas o artigo “Ética no ensino técnico”
(MONTEIRO; PINTO, 2019) refletindo sobre a questão da Filosofia
na EPTM concomitante/subsequente. Nisso, o foco de nossa pesqui-
sa não é inusitado, mas inexplorado no âmbito educacional, ou seja,
importante cientificamente.
Dessa forma questionamos qual a finalidade da Filosofia na
EPTM nas formas concomitante e subsequente? Perante a constata-
ção da inexistência de orientações específicas para a questão, a pes-
quisa tem como questão norteadora: quais as percepções dos docen-
1 A única tese que encontramos foi “O Ensino de Filosofia no Ensino Médio Técnico: o
exercício de si como modo de vida filosófica” (VANDRESEN, 2019) em que reflete sobre
o ensino de filosofia no ensino técnico, mas priorizando a EPTM articulada integrada ao
Ensino Médio regular da Educação Básica.

- 157 -
tes de Filosofia na EPTM concomitante/subsequente do IFRO sobre
sua prática? Tendo presente a relevância da questão norteadora, o
objetivo geral da pesquisa é analisar as percepções dos docentes de
Filosofia na EPTM concomitante/subsequente do IFRO sobre sua
própria prática.
A partir das reflexões de Ramos (2008) entendemos as moda-
lidades de curso Técnico no qual se encontra a questão norteadora
e nisto a sua relevância social. Segundo a autora, os cursos técnicos
subsequentes devem ser para formação permanente dos trabalha-
dores. Os cursos concomitantes só possuem significado quando os
sistemas de ensino não têm condições de ofertar o Ensino Médio
integrado. Estas duas modalidades atendem a necessidade imediata
da população que precisa ter renda o mais rápido possível para so-
breviver.
Essas pessoas buscam a sobrevivência em uma sociedade que
possui como uma de suas características marcantes o capitalismo
tecnocrático, informacional. Esse possui como modelo a ciência, a
técnica, o utilitarismo e exclui problemas indispensáveis para a rea-
lização do ser humano. Dimensões relacionadas ao lúdico, à arte, ao
prazer nas relações humanas, a gratuidade, ao senso crítico, a felici-
dade, a mística, ao sentido da vida que são menosprezadas em detri-
mento do útil, imediato e eficiente. O atrofiamento dessas dimensões
pode levar o homem ao fracasso existencial, pois, não favorece a sua
realização de forma integral.
Os trabalhadores e seus filhos que buscam a EPTM concomi-
tante/subsequente possuem o direito de participarem de um proces-
so que não os reduzam à condição de objeto para alcançar o lucro,
cada vez maior. Devido à situação de vulnerabilidade econômica
elas, resgatando o princípio da dignidade humana, não podem ser
tratadas como meio, sempre como fim (KANT, 1980).
Ensinar Filosofia é um problema filosófico e atualmente no
Brasil há um mestrado profissional em Filosofia2 em rede nacional
voltado para esta problemática. Cientificamente o ensino de Filoso-
fia é enquadrado na Ciência da Educação em especial nas pesquisas
sobre didática e currículo.
Resumindo, no presente capítulo pressupomos o Brasil con-
temporâneo marcado pela sociedade tecnológica de economia ca-
2 Maiores informações sobre este mestrado ver http://www.humanas.ufpr.br/portal/
prof-filo/

- 158 -
pitalista. Identificamos a inexistência de literatura aprofundando o
problema do ensino da Filosofia na EPTM concomitante e subse-
quente. Objetivamos analisar as percepções dos docentes de Filo-
sofia na EPTM concomitante/subsequente do Instituo Federal de
Rondônia (IFRO) sobre sua prática. Para tal utilizamos o método
fenomenológico de abordagem qualitativa para apresentar alguns
resultados de campo por meio da coleta de dados via questionário
online e de grupo focal com os professores.
Para nossa reflexão, primeiro apresentamos uma seção de
caracterização metodológica, seguida da terceira seção nomeada de
a questão da finalidade do ensino de Filosofia; da quarta seção inti-
tulada a questão dos fatores que interferem no ensino de Filosofia; e
encerramos com nossas considerações finais.

2. Caracterização metodológica
A pesquisa tem como intencionalidade primordial analisar as
percepções dos docentes de Filosofia na EPTM concomitante/sub-
sequente do IFRO sobre sua própria prática. Ela busca sentidos de
vivências pessoais, portanto, visando a seriedade dos resultados em
harmonia com a condição humana, é caracterizada como qualitati-
va. A escolha por essa abordagem é uma exigência do objeto investi-
gado que necessita de coleta e análise de dados, de forma possibilitar
descrevê-lo o mais adequadamente possível.
O eixo teórico-metodológico da Fenomenologia transparece
como possibilidade ímpar de elucidar e compreender os complexos
processos de constituição da subjetividade, transcendendo precon-
ceitos e descrições fechadas. Para tanto “[...] parte da compreensão
de nosso viver – não de definições ou conceitos – da compreensão
que orienta a atenção para aquilo que se vai investigar. Percebermos
novas características do fenômeno [...] surge para nós uma nova in-
terpretação que levará a outra compreensão”. (MASINI, 2000, p. 63).
Sendo assim, há três etapas contínuas e dinâmicas para aplicar o
método fenomenológico: a primeira é ter consciência crítica da com-
preensão que já existe e suspender, temporariamente, para dar conti-
nuidade à pesquisa; a segunda é voltar as coisas mesmas descrevendo
reflexivamente suas manifestações; a terceira é essa outra compreen-
são a que se chega, fruto de uma nova interpretação do fenômeno.

- 159 -
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Federal de Rondônia, conforme o Protocolo da Re-
solução 196/96, registrado na Plataforma Brasil em 18 de dezembro
de 2018, sob o registro CAAE 02747318.8.0000.5300, e aprovado em
20 de dezembro de 2018.
Realizamos a etapa da pesquisa de campo no período de 16 de
abril de 2019 a 11 de julho de 2019. Realizamos grupo focal e ques-
tionário online com questões abertas e fechadas.
Inicialmente realizamos contatos informais, individuais com
todos os professores de Filosofia do IFRO, solicitamos que volun-
tariamente participassem da pesquisa via questionário online com
questões abertas e fechadas e/ou do grupo focal.
Dos 18 professores de Filosofia do IFRO em 2018 que atuaram
no ensino técnico concomitante e/ou subsequente 16 responderam o
questionário, sendo que um não respondeu aos contatos e o outro é
o pesquisador. Para realização do questionário utilizamos o software
de pesquisa e inquéritos online Survio no qual os 16 professores que
aceitaram respondê-lo tiveram acesso via link enviado por e-mail
institucional.
Dos 16 professores, convidamos, e aceitaram, 6 para parti-
cipar do grupo. O critério foi a identificação da maior quantidade
de docentes filósofos que estavam residindo em uma mesma cidade
e assim minimizar o ônus para a pesquisa e para os participantes.
O grupo focal foi realizado em duas reuniões de aproximadamente
quarenta e cinco minutos e três participantes cada. A primeira reu-
nião foi no dia 22 de maio de 2019 e a segunda reunião no dia 29 do
mesmo mês. Ambas as reuniões foram guiadas por um roteiro para
o grupo focal com os professores.
O grupo focal e o questionário online, com questões abertas
e fechadas, tiveram como finalidade norteadora identificar como os
docentes de Filosofia percebem sua prática pedagógica no ensino
técnico concomitante e subsequente no IFRO. Para o registro das
duas reuniões dos grupos focais foi utilizado gravação em áudio.
Para organizar os dados coletados foram seguidas as orien-
tações de Bardin (2002) acerca da Análise de Conteúdo. Didati-
camente, o processo de análise do conteúdo passa por três etapas:
pré-análise (organização do material), descrição analítica dos dados
(codificação, classificação, categorização), interpretação referencial
(tratamento e reflexão).

- 160 -
Desta forma identificamos o posicionamento do professor de
Filosofia da EPTM concomitante/subsequente do IFRO 2018 quanto
às finalidades do ensino de Filosofia e os fatores que facilitam e difi-
cultam sua prática pedagógica. O que possibilitaram emergir, após a
pré-análise, as categorias: concepção de ensino de Filosofia; e fatores
que interferem na prática docente.
Na análise das respostas das técnicas de questionário online e
grupo focal, substituímos os nomes dos professores pela letra grega
“φ” e “Φ”3 acompanhada de um número: de 1 a 16 no questionário.
Exemplo: φ1, φ2, φ3... A letra “Φ” quando for regra padrão da língua
portuguesa iniciar com letra maiúscula e a letra “φ” quando for re-
gra iniciar com letra minúscula; para identificar as contribuições dos
participantes do grupo focal retiramos o número e acrescentamos
após as letras gregas as seis primeiras letras do alfabeto português,
sendo: φA, φB, φC para os sujeitos participantes da primeira reunião
do grupo focal; e φD, φE, φF para os participantes da segunda reu-
nião. Dessa forma atendemos ao critério de na publicidade manter o
sigilo das identidades dos sujeitos voluntários.
Explicitamos nosso método de pesquisa e seguimos para a
finalidade do ensino de Filosofia, não a partir dos livros, mas das
percepções do próprio professor sobre sua prática.

3. A questão da finalidade do ensino de filosofia

A categoria concepção de ensino de Filosofia emerge da


questão quanto ao objetivo do ensino de qualquer disciplina com
viés filosófico no ensino técnico concomitante e/ou subsequente. O
Quadro 1 apresenta as respostas dos sujeitos:

3 “φ” e “Φ” são as letras “f ’ e “F” na língua portuguesa. Foram escolhidas, pois normal-
mente são adotadas como símbolos da Filosofia.

- 161 -
Quadro 01 - Objetivo do ensino de qualquer disciplina com viés
filosófico no ensino técnico concomitante e/ou subsequente
Objetivos
“Apresentação da teoria filosófica, relacioná-la a uma
Φ1. realidade e inseri-la na prática”
“Tornar o cidadão mais crítico e consciente de sua real
Φ2. situação no mundo atual”
“Desenvolver o potencial humano, a reflexão crítica e o
Φ3. compromisso com o desenvolvimento da potencialida-
de humana (social e moral).”
“A Filosofia deve buscar conhecer profundamente a
objetividade da técnica moderna, através da reflexão
crítica, e moderar a racionalidade calculista da vida,
Φ4. buscando compreender a técnica como algo que joga o
sujeito para fora de si, o conformando ao modelo eco-
nômico e, tentando resgatar a relação do sujeito con-
sigo mesmo, permitindo-lhe construir-se forma ética.”
“Acredito que formar um profissional ético deve ser o
foco principal, porém noções de cidadania e urbani-
Φ5. dade se dão ao entender o homem. Abordo muito em
minhas aulas temas que envolvam o sentido da vida, do
trabalho, do estudo.”
“colaborar com a capacidade de interpretar o que não
Φ6. está escrito e nas falas das “autoridades” para se posi-
cionar melhor na sua prática.”
“Criar consciência crítica no aluno e contribuir para a
Φ7. capacidade de análise;”
“Acredito que o objetivo das disciplinas que integram
a grade curricular do ensino técnico tem como base,
ou deveriam ter, uma formação integral do sujeito do
Φ8. processo de ensino-aprendizagem. Ou seja, uma for-
mação que possibilite não apenas o desenvolvimento
técnico, mas sim artístico-cultural, social, emocional,
intelectual e habilidade técnica.”
“Promover a reflexão crítica, associando-a ao mundo
Φ9. do trabalho.”
“Ensinar a pensar o mundo, a vida com/nas ações do
Φ10. trabalho e nas experiências cotidiana.”
“Ajudar o futuro profissional a ter consciência crítica e
Φ11. ética em sua atividade profissional”

- 162 -
“Estimular a análise crítica dos conteúdos abordados,
Φ12. as aplicabilidades prática e social, bem como seus im-
pactos nos indivíduos afetados.”
“Desenvolver uma atitude crítica e reflexiva frente à
Φ13. realidade.”
“Formar cidadãos com uma mentalidade crítica, capaz
Φ14. de conseguir entender a realidade que esta a sua volta e
saber se posicionar frente a elas”
“Deve ficar claro em seu objetivo que a técnica não é
um fim em si mesmo. A técnica deve ser assenhorada
Φ15. da reflexão que em seu fim conduza a felicidade hu-
mana.”
“auxiliar no pensamento crítico e ampliar os limites de
Φ16. reconhecimento dos saberes.”
Fonte: Coleta de dados 2019 segundo questionário online, O Ensino da Filosofia no Curso
Técnico do IFRO.

Constamos no Quadro 01 que a expressão crítica ocorre em


10 respostas diferentes (φ2, φ3, φ4, φ7, φ9, φ11, φ12, φ13, φ14, φ16).
Perante as construções dos φ6 (interpretar o que não está escrito e
nas falas das “autoridades” para se posicionar melhor na sua prática),
do φ8 (formação integral do sujeito) e do φ15 (“reflexão” e “técnica
não é fim em si mesmo”) é razoável entendermos que a ideia de crí-
tica está implicitamente presente. Em Filosofia buscar o sentido é in-
vestigar o fundamento, as bases, os fins, a verdade sobre algo. Dessa
maneira, entendemos que a resposta do φ5 também está vinculada
ao cultivo da consciência crítica. Pensar em Filosofia exige formar
conceitos além dos preconceitos, o que leva a aceitarmos que o ob-
jetivo manifesto pelo φ10 é uma adesão a tendência crítica. Não po-
demos afirmar o mesmo no discurso do φ1. Ele se manifesta ambí-
guo sem transparecer uma tendência crítica nos objetivos da prática
docente em Filosofia. Dessa forma compreendemos que 93,75% dos
professores do IFRO concordam que qualquer disciplina com viés
filosófico na EPTM concomitante/subsequente deve estar vinculada
diretamente ao pensamento crítico.
Para reforçar a opção dos sujeitos resgatamos Gallo (2006)
que destaca três características principais da Filosofia: o pensamento
conceitual, o caráter dialógico e a crítica radical. Essa última é a pos-
tura filosófica de não conformação, do questionamento constante.

- 163 -
Essa postura é que pode tirar do automático os estudantes que estão
numa situação acrítica com sua realidade imediata.
Repare que os φ1, φ2, φ4, φ5,φ6, φ9, φ10, φ11, φ12, φ13 e φ14
enfatizam diretamente a necessidade de vincular a crítica à realidade
social, trabalhista, cotidiana ou de vida interior do estudante. Essa
necessidade aparece indiretamente no discurso: do φ15, pois, para
refletir em relação à felicidade humana é problematizar o mundo da
técnica, específico da EPTM; e do φ8 ao destacar outras dimensões
além da técnica que precisam ser trabalhadas. Equivale sintetizar-
mos que 81,25% dos sujeitos defendem a relevância de valorização
da realidade do estudante no processo de ensino e aprendizagem de
Filosofia.
Freire (1996) ao refletir sobre os saberes necessários à prática
docente destaca a relevância de valorizar a realidade do estudante. Se
o conteúdo não estiver vinculado ao mundo do estudante será ape-
nas uma educação bancária, transmissão mecânica de informações.
Rocha (2014) observa que as aulas de Filosofia possuem vá-
rias etapas que não são separadas, mas, estão imbricadas umas nas
outras. Uma delas é a etapa de transição da cotidianidade para a di-
mensão filosófica. Não é uma sensibilização, mas o fato de levar o
estudante desde a dimensão do cotidiano para o espaço reflexivo crí-
tico da Filosofia. Os discursos dos sujeitos demonstram exatamente
essa preocupação em ajudar o estudante.
Destacamos também a ênfase no currículo centrado em temas
no desenvolvimento de habilidades e atitudes uma vez que apenas
o φ1 destaca a importância de apresentar as teorias filosóficas para
compreender a realidade. O φ11 responde que o objetivo é “ajudar o
futuro profissional a ter consciência crítica e ética em sua atividade
profissional”. Em sintonia com os demais sujeitos, demonstrando, as-
sim, estar centrando a docência num ensino preocupado mais com
a aprendizagem que na transmissão de informações pelo professor.
Ao centrarem nas habilidades e atitudes os sujeitos estão ali-
nhados com a proposta dos PCN+ (BRASIL, 2006) para desenvolver
a interdisciplinaridade, pois, a habilidade e atitude desenvolvida nas
aulas de Filosofia são necessárias para diferentes conteúdos traba-
lhados em sala por outras disciplinas. Isso demonstra que os sujeitos
em suas aulas não caem no erro denunciado por Rocha (2015), de
se posicionarem como donos da consciência crítica, mas, que estão
abertos ao trabalho em parceria com outros professores.

- 164 -
O sujeito φC na primeira reunião do grupo focal conclui uma
de suas falas mostrando o objetivo desafiador da Filosofia na EPTM
concomitante/subsequente dizendo que “[…] então veja, a Filosofia
tem o compromisso de formar cidadãos que concretamente vão para
o mercado de trabalho. Cidadãos que consigam apertar parafuso,
mas que consigam ter a possibilidade de dialogar e fazer a diferença
nesse mundo folclórico. Se nós filósofos não conseguirmos fazer isso
[suspiro] nós teremos simplesmente pessoas apertando o parafuso.”
Esse discurso reforça a importância que Severino (2002), dá para a
Filosofia ao afirmar que ela é indispensável em todos os espaços da
vida, pois, é um meio para superar os limites impostos pela realidade
tecnicista denunciada por Adorno e Horkheimer (1996).
O sujeito φF na segunda reunião do grupo focal sintetiza um
diálogo com o sujeito φD mostrando o principal objetivo da Filoso-
fia dentro da EPTM concomitante/subsequente “[…] a gente vive, o
curso técnico é elaborado para o fazer automático, se você consegue
ao menos romper o automático, sensibilizando o questionamento,
já é uma grande vitória […] isso não deixa de ser Filosofia […] pois
é a primeira grande etapa de todo o sistema filosófico […]”. Dessa
maneira a primeira grande etapa é despertar o filósofo presente em
todos os seres humanos segundo Gramsci (1999). Esse é um prin-
cípio curricular mínimo de uma educação concreta, “[…] na qual
se realiza um currículo básico igual para todos, fazendo esforços na
formação do professorado, adaptação metodológica e na organiza-
ção escolar, pra que todos os alunos possam obter um mínimo de
rendimento” (SACRISTÁN, 2000, p. 63).
Dessa maneira alicerçamos a Filosofia a uma educação real-
mente compreensiva, pois, como defende o sujeito φF, o ponto cru-
cial do objetivo da Filosofia (tirar do automático, sensibilizando o
questionamento) no ensino técnico concomitante/subsequente é o
de que os estudantes conseguirem ter a possibilidade de dialogar, e,
segundo a fala do φC, não se restringir a apertar parafusos no auto-
mático, ou seja, sem consciência crítica.
Para atingir um objetivo é mister ter consciência dos aspec-
tos que estão atrapalhando para minimizá-los ou elimina-los, e dos
aspectos que ajudam na consecução dos próprios objetivos para po-
tencializá-los. Desta forma a necessidade de pensar sobre a questão
dos fatores que interferem no ensino de Filosofia.

- 165 -
4. A questão dos fatores que interferem no ensino de filosofia

Com as respostas dos sujeitos acerca do questionamento sobre
o que, na percepção deles, mais atrapalha e o que mais colabora com
a prática docente ao lecionarem na EPTM concomitante/subsequen-
te do IFRO emergiu a categoria de análise fatores que interferem no
ensino de Filosofia.
O Gráfico 01 mostra os fatores, com maior ocorrência, se-
gundo as percepções dos sujeitos, que mais atrapalham a prática do-
cente ao lecionarem na EPTM concomitante/subsequente do IFRO.

Gráfico 01 - Os fatores que mais atrapalham a prática docente ao


lecionarem alguma disciplina com viés filosófico na EPTM conco-
mitante/subsequente do IFRO

Fonte: Coleta de dados 2019 segundo questionário online, O Ensino da Filosofia no Curso
Técnico do IFRO.

Verificamos, no Gráfico 1, que no IFRO as condições da base


material (baixo salário, ausência de recursos materiais e didáticos
para as aulas) para o trabalho docente podem melhorar, mas não
são um problema relevante para a maioria das percepções ocorridas.
Isso equivale entendermos que os sujeitos estão prontos para colabo-
rarem efetivamente no processo de busca da melhora da educação
oferecida pela instituição, uma vez que suas necessidades materiais
básicas estão sendo atendidas.
Um dos fatores que mais atrapalham à prática docente na
EPTM concomitante/subsequente, de acordo com 25% das percep-

- 166 -
ções dos sujeitos sobre sua própria prática, é a inadequação da for-
mação universitária frente aos desafios encontrados na escola.
Isso parece confrontar com o fato de 87% dos sujeitos mani-
festarem segurança frente aos conteúdos da disciplina. Se há segu-
rança é porque houve uma formação relevante, entretanto, precisa
melhorar exatamente no aspecto de trazer o chão da escola para den-
tro da academia de formação de professores (ROCHA, 2015).
O fator que mais interfere negativamente nas aulas é justa-
mente o fato dos sujeitos perceberem que possuem muitas ativida-
des além das próprias aulas, ou seja, atividades de assessoramento à
direção, coordenações de cursos, departamentos, eventos.
Quatro sujeitos complementaram por escrito a questão dos
fatores que mais atrapalham a prática docente ao lecionarem alguma
disciplina com viés filosófico na EPTM concomitante/subsequen-
te do IFRO: φ3 escreveu que é a “dificuldade de aceitabilidade de
disciplinas filosóficas como parte da formação profissional. Preciso
sempre fazer um esforço a mais para que os alunos compreendam
a importância delas para seu desenvolvimento profissional. Quase
sempre exige uma conversão a uma Filosofia mais prática do que
teórica”; φ6 destacou a “interdisciplinaridade”; φ7 enfatizou a “a falta
de base dos alunos que chegam no ensino médio ou superior sem
ter estudado Filosofia”; e o φ16 trouxe presente o “desinteresse dos
alunos e a falta de reconhecimento da instituição”. Desta forma eles
reforçaram os fatores que mais atrapalham.
Apesar de no gráfico 01 o salário e a estrutura não serem
expostos como dificuldade relevante no trabalho desenvolvido no
IFRO, os sujeitos apresentam o excesso de atividades alheias ao
acompanhamento direto do estudante como um aspecto claro de
precarização do próprio trabalho docente. Nisso, o φ16 reforça afir-
mando a “[…] falta de reconhecimento da instituição.” Pois, a preca-
rização não se dá apenas em relação aos salários, condições prediais
ou materiais didáticos disponíveis para o trabalho, também, ao não
priorizar a prática docente, ensino, pesquisa e extensão, em detri-
mento as outras atividades que sobrecarregam o professor.
Quando o sujeito φ6 expressa sinteticamente que a interdis-
ciplinaridade é uma dificuldade, isso expõe uma preocupação com
uma das características principais de ensino de Filosofia no nível
médio de ensino, segundo Gallo (2006), que reflete sobre o ensino

- 167 -
de Filosofia e suas relações com as outras disciplinas. Essa relação
com os demais conhecimentos é também enfatizado pelo sujeito φ3
quando destaca a dificuldade de aceitação da contribuição da Filoso-
fia no processo formativo do estudante de nível técnico.
A este respeito Fazenda (2008, p. 13): afirma:
O primeiro passo para a aquisição conceitual interdisciplinar seria
o abandono das posições acadêmicas prepotentes, unidirecionais e
não rigorosas que fatalmente são restritivas, primitivas e “tacanhas”,
impeditivas de aberturas novas, camisas-de-força que acabam por
restringir alguns olhares, tachando-os de menores. Necessitamos,
para isso, exercitar nossa vontade para um olhar mais comprometi-
do e atento às práticas pedagógicas rotineiras menos pretensiosas e
arrogantes em que a educação se exerce com competência.

Dessa forma, o obstáculo de reconhecimento da importân-


cia da Filosofia na formação do profissional não é um problema ex-
clusivo, mas, o primeiro passo para conseguir realizar um processo
educacional que transcenda os limites fragmentados na organização
curricular e pedagógica na prática educativa. que está sendo nor-
matizado via novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Profissional e Tecnológica – DCN/EPT (BRASIL, 2021).
O fato da ênfase na dificuldade do trabalho interdisciplinar
não deve ser entendido como um obstáculo posto pelos sujeitos e
sim como um reconhecimento de sua relevância no processo de en-
sino e de aprendizagem na EPTM. Pois, ela, também é uma exigência
das Orientações Curriculares Nacional (BRASIL, 2006) e da atual
Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) que primam pelo
caráter interdisciplinar da dimensão pedagógica das várias áreas do
conhecimento no trabalho educativo com adolescentes demonstran-
do a absurda incoerência das atuais DCN/EPT (BRASIL, 2021).
Outro fator que atrapalha o ensino de Filosofia é destacado
pelo φ7, em que os estudantes chegam ao ensino médio sem terem
visto nada de Filosofia, o que reforça o aspecto enfatizado pelo φ3 dos
estudantes não compreenderem a relevância de disciplinas filosófi-
cas para a formação profissional. Essa que segundo Ramos (2014),
Saviani (2007) e Manfredi (2016) está historicamente vinculada à
preparação de mão de obra para atender as necessidades imediatas
de sobrevivência dos filhos dos trabalhadores das classes exploradas
economicamente e as necessidades do mercado capitalista local e en-
tendemos que é reforçado pelas atuais DCN/EPT (BRASIL, 2021).
Apesar dessa realidade, o sujeito φA refletia a importância de
conseguir trabalhar Filosofia para além dos espaços consagrados ao

- 168 -
filosofar. Destacou o aspecto interdisciplinar do conhecimento: “[…]
nós temos ainda uma visão muito fragmentada, tudo dividido […]
isso dificulta até para o próprio aluno que vem com essa bagagem,
esse histórico escolar. Quando você chegar e propõe para nós trabalhar-
mos[…] com uma disciplina da área técnica. Nós ficamos sem com-
preender de fato. […] o que eu quero te explicar é essa forma que eu
vejo o princípio da Filosofia […] que em uma formação, a formação do
sujeito, não vai ser apresentar por parte não vai se apresentar em um
só momento, só matemática, só história, só geografia. Nas relações que
a gente estabelece tudo está junto […]”.
Com essa fala, o sujeito está em sintonia com Severino (2011),
que defende a interdisciplinaridade como uma dimensão da Filoso-
fia e que, por isso, não pode deixar de buscar a integração dos sabe-
res. De acordo com o sujeito φA não se pode abdicar dessa dimensão
nem na relação com as áreas de conhecimento mais técnico, mesmo
que haja dificuldade de compreender as relações.
Apesar da importância de identificarmos os fatores que mais
precisam de atenção, pois atrapalham os objetivos da filosofia no
ensino técnico, e precisamos atentar quanto ao que colabora para
atingir estes objetivos.
O Gráfico 02 apresenta os fatores que mais facilitam a práti-
ca docente ao lecionarem alguma disciplina com viés filosófico na
EPTM concomitante/subsequente do IFRO, segundo a percepção
dos sujeitos.
Gráfico 02 - Os fatores que mais facilitam a prática docente ao
lecionarem alguma disciplina com viés filosófico na EPTM conco-
mitante/subsequente do IFRO

Fonte: Coleta de dados 2019 segundo questionário online, O Ensino da Filosofia no Curso
Técnico do IFRO.

- 169 -
Identificamos no Gráfico 02 que os fatores que mais facilitam
a prática docente no IFRO foi o interesse e dinamismo profissional
para lecionar Filosofia, a boa formação acadêmica realizada na gra-
duação e o interesse e participação dos estudantes.
Os dois primeiros fatores reforçam a responsabilidade do pro-
fessor em se motivar no interesse e na sua capacidade didática e de
formação acadêmica. Dessa maneira estão em sintonia com as re-
flexões de Saviani (2008) acerca da importância da autoridade do
professor na relação pedagógica. O último mostra que a aula não
é propriedade do professor e exige envolvimento do estudante. De-
monstrando que se está em harmonia com a ideia de igualdade assi-
métrica na relação professor estudante Rocha (2015).
Demonstra também que os sujeitos desenvolveram saberes,
que segundo Freire (1996), não são indispensáveis à prática docen-
te progressista. Entre eles, a segurança e a competência profissional,
produto de uma boa formação. Outrossim, o comprometimento com
o processo educativo do estudante trazendo para si a responsabilida-
de de dinamizar e ter interesse pelo processo de ensino e aprendiza-
gem nas aulas de Filosofia. Notamos ainda mais o comprometimento
dos sujeitos ao não delegarem a responsabilidade da prática docente
a elementos externos econômicos.
A pressão sobre sua própria responsabilidade é amenizada
quando no gráfico percebemos que os sujeitos não são autoritaristas,
pois, eles reconhecem que a aula não é sua – concepção de domínio
típica de uma postura autoritária – mas que depende também dos
estudantes, ou seja, “[...] não há docência sem discência [...]” (FREI-
RE, 1996, p. 12).
A auto exigência do dinamismo profissional demonstra pro-
fissionais abertos à diversidade e devir dos estudantes. Numa educa-
ção tradicional não seria necessário ser dinâmico, basta o estudante
se adaptar. Os sujeitos da pesquisa reconhecem a necessidade de se
adaptarem, mostrando o reconhecimento da realidade inacabada e
condicionada na qual está inserido o estudante e o processo educa-
cional.

5. Considerações finais

A pesquisa adentra ao ensino de Filosofia no ensino técnico


específico para a classe trabalhadora, que é o concomitante e o sub-

- 170 -
sequente. Dessa maneira em espaços não explorados pela literatura
científica e legislação. Para realizarmos a pesquisa objetivamos anali-
sar as percepções dos docentes de Filosofia na EPTM concomitante/
subsequente do IFRO sobre sua prática, pois, eles refletem acerca
de sua realidade docente no ensino de Filosofia no ensino técnico,
mesmo que individualmente.
Alcançamos o objetivo de analisar as percepções dos docentes
de Filosofia na EPTM concomitante/subsequente do Instituo Federal
de Rondônia sobre sua prática através da postura fenomenológica de
deixar o fenômeno das percepções dos sujeitos sobre sua prática se
manifestar para serem analisados sem preconceitos. Condigno a essa
atitude ampliamos o conhecimento encontrando novas compreen-
sões oriundas do analisar as percepções dos docentes de Filosofia na
EPTM concomitante/subsequente do IFRO sobre sua prática.
Uma dessas novas compreensões e, ao mesmo tempo, respon-
dendo à questão de qual a finalidade da Filosofia na EPTM conco-
mitante/subsequente, é a de que o mínimo que a Filosofia deve pro-
porcionar é o de retirar o estudante de um emaranhado de ideias
automáticas não refletidas e simplesmente obedecidas cegamente.
Isso significa, favorecer com que ele seja capaz de compreender a
própria realidade além dos limites técnicos que lhe são impostos
para se adaptar e sobreviver. Esse mínimo pode ser realizado de
várias maneiras: favorecendo debates, auto-reflexão, construção de
textos, seminários, trabalhos em grupos, filmes, músicas... O que
não pode é a Filosofia não conseguir realizar essa façanha nobre de
humanizar mais o próprio ser humano que luta pela sobrevivência.
Logo, percebe-se que a Filosofia objetiva favorecer o início de um
processo de reflexão sobre a realidade circundante.
Perante as categorias emergidas a partir das percepções dos
sujeitos é razoável compreendermos que a concepção de ensino de
Filosofia presente em seus discursos é de um ensino crítico, pois nas
várias manifestações acerca dos objetivos da Filosofia no ensino téc-
nico há presente, implícita ou explicitamente a questão de provocar
o pensamento filosófico estagnado no cotidiano do senso comum
dos estudantes.
É um ensino de Filosofia que não é restrito ao intelecto lógico,
mas, avança para as relações com o mundo da vida do aluno valo-
rizando sentimentos, atualidade, trabalho, profissão. Dessa forma,

- 171 -
concebem a Filosofia como um ensino eminentemente interdiscipli-
nar e não isolado em um fragmento fora da realidade dos estudantes.
Ao refletirmos sobre a categoria dos fatores que interferem
na prática docente é admissível compreendermos que a interdisci-
plinaridade deve ser prioridade, pois, é característica fundante da
Filosofia e paradigma na educação contemporânea. Também, é con-
cebemos que a estrutura física e a política salarial não atrapalham as
práticas educativas, todavia, a organização do IFRO em desviar os
sujeitos para outras atividades que não sejam o cuidado direto com
a aprendizagem dos estudantes é o que mais atrapalha a prática de
ensino de Filosofia na EPTM concomitante/subsequente do IFRO.
Ao refletirmos sobre os fatores que facilitam a prática docente
é razoável afirmarmos que os professores de Filosofia do IFRO são
comprometidos com o papel de Filósofo Educador, pois, trazem para
si a responsabilidade do ensino de Filosofia atingir seus objetivos
com os estudantes. Os sujeitos assumem como fator que mais facilita
a prática docente é o próprio interesse e dinamismo ao lecionarem
Filosofia. Outro fator que demonstra esse compromisso é os sujeitos
destacarem à relevância da formação acadêmica para lecionarem.
Em sintonia com a concepção de ensino de Filosofia crítica que os
sujeitos possuem, há o reconhecimento da importância do interesse
e da participação dos estudantes como um fator que contribui para
prática docente.
Ao considerarmos a categoria dos fatores que interferem na
prática docente admitimos que a unidade de estrutura material e for-
mação profissional dos docentes é uma fórmula a ser copiada pela na-
ção, pois transforma a educação concreta da sala de aula. As estruturas
físicas organizadas para favorecerem o processo de aprendizagem, ins-
trumentos tecnológicos, subsídios didáticos, remuneração digna mul-
tiplicados pelo investimento na formação stricto sensu dos professores,
resulta em compromisso concreto com a melhoria da educação. Não
é necessário copiar modelos autoritaristas e tecnicistas que determi-
nam regras disfarçadas de disciplina e de avanço tecnológico, o medo
disfarçado de respeito. Mesmo que as aulas sejam em ambientes inex-
plorados pela produção científica, mas necessárias para o estudante
se realizar na sociedade contemporânea, o professor, devidamente va-
lorizado, se torna a solução de problemas concretos que refletem na
aprendizagem, na qualidade do processo educacional.

- 172 -
Enfatizarmos ainda que o IFRO é uma instituição nova assim
como os seus docentes de Filosofia. Esse fator abre a possibilidade
concreta de esperança numa educação profissional que possa real-
mente favorecer à adaptação dos trabalhadores a realidade circun-
dante para sobreviverem e, simultaneamente, potencializar a eman-
cipação, a autonomia do sujeito numa contramão ao que está sendo
imposto com as novas DCN/EPT.

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- 175 -
- 176 -
O LUGAR DOS SABERES NA FORMAÇÃO E
PRÁTICA DE PROFESSORES QUE ENSINAM
MATEMÁTICA
Ilmaçara Pereira Neves
Eliane Regina Batista Martins

1. Introdução

O tema formação de professores nem sempre foi objeto de es-


tudos e pesquisas, foi a partir das últimas décadas que uma gama
de pesquisadores, tanto no âmbito internacional quanto nacional,
começaram a produzir inúmeros estudos nesse campo e têm se de-
dicado para a elucidação e compreensão de diversas problemáticas
referentes à formação docente.
Um estudo da literatura educacional realizado por Curi (2004)
revela forte presença de investigações e teorias relacionadas à temá-
tica formação docente e cita alguns teóricos que se debruçam inten-
samente ao estudo dessa temática, dentre os pesquisadores atuantes
no campo internacional destacam-se Perrenoud (1999, 2002), Tardif
(2012), Nóvoa (1992), Schulman (1986, 1987, 1992) e Schön (1992,
2000) com reflexões/pesquisas direcionadas à formação inicial e
continuada.
Entendendo a relevância desta área de investigação e motiva-
das pela experiência docente há mais de 15 anos na educação básica
buscamos investigar duas temáticas que consideramos pertinentes
e necessárias: formação docente e ensino da Matemática. As quais
se configuram objetos inquietantes, e cada vez mais chama atenção
de estudiosos por se tratar de temas primordiais para a formação
de estudante e desenvolvimento educacional, social e tecnológico de
nosso país no contexto da sociedade contemporânea.
Esta pesquisa surgiu de inquietações que foram se consti-
tuindo na prática docente, das observações empíricas derivadas do
cotidiano das escolas, nas quais tivemos a oportunidade de exercer
atividade docente em uma longa caminhada profissional, pessoal e
formativa. A partir disso, chamou nossa atenção questões relacio-
nadas ao desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes, prin-

- 177 -
cipalmente, quanto ao trabalho dos conteúdos da disciplina de Ma-
temática, o que deu origem ao problema da pesquisa: Como vem se
desenvolvendo o processo de constituição dos saberes docentes do
(a) professor (a) de Matemática dos Anos Iniciais do Ensino Funda-
mental? Significa que tentamos compreender os modos pelos quais
os saberes de conteúdos e saberes pedagógicos referentes à disciplina
de Matemática são produzidos e mobilizados nas práticas dos pro-
fessores na dissertação desenvolvida no Programa de Pós-Gradua-
ção em Ensino de Ciências e Humanidades, no Instituto de Educa-
ção, Agricultura e Ambiente da Universidade Federal do Amazonas.
Neste artigo apresentamos um recorte da pesquisa em que
buscamos responder a questão: Quais os saberes matemáticos e pe-
dagógicos que estruturam a formação inicial dos professores que en-
sinam Matemática? Especificamente buscamos analisar por meio da
narrativa dos docentes que ensinam Matemática nos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental os saberes que permeiam seus conhecimen-
tos na prática da sala de aula.
Este estudo foi realizado a partir da entrevista narrativa reali-
zada com três docentes que lecionam a disciplina de matemática nos
Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Apresentamos ao longo do
texto as contribuições dos saberes docentes para a prática pedagó-
gica a partir do olhar de alguns teóricos, em seguida a metodologia,
análise e reflexões feitas a partir dos dados coletados.

2. Problemas e desafios para formação de professores que


ensinam matemática

Os educadores que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fun-


damental são os licenciados nos Cursos de Pedagogia e no extinto
Curso Normal Superior. Esses professores são considerados “poli-
valentes” por trabalharem com todas as disciplinas que compõem
a matriz curricular dos Anos Iniciais (CURI, 2004), portanto, pos-
suem saberes específicos, no caso da área de conhecimento Língua
Portuguesa, Ciências Naturais, História, Geografia e Matemática.
Dentre estas disciplinas presentes nos Anos Iniciais, desta-
camos aqui a Matemática, área do conhecimento considerada por
muitos estudiosos como responsável por diversos problemas esco-
lares como evasão e retenção que são resultados de muitos fatores,

- 178 -
aumentando com isso a responsabilidade do docente que trabalha
com essa disciplina.
A importância do professor que trabalha nos Anos Iniciais
com a Matemática vai além da transmissão de conteúdo. O ensino
e a aprendizagem da Matemática, neste período, constituem o pro-
cesso de formação do cidadão, pelo desenvolvimento de capacidades
relativas à estruturação do raciocínio lógico para apreender seu en-
torno e possibilitar uma participação social mais consciente confor-
me expresso nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática
(BRASIL, 1997).
Concebemos a função docente como essencial para a constru-
ção não somente dos saberes relativos aos conteúdos, mas também
para a formação cidadã do discente e desenvolvimento de habili-
dades e competências matemáticas necessárias para a vida na atual
sociedade da informação e da comunicação. Além disso, o compro-
misso do professor com a formação do aluno é ressaltado por D’Am-
brósio U. (2012, p.13) que:
[...] deve ter como objetivo maior a mensagem de que o conheci-
mento é importante, mas deve estar subordinado a uma profun-
da responsabilidade de humanidade, que é a verdadeira missão
do educador. Todo educador matemático deve utilizar aquilo que
aprendeu como matemático para realizar a missão do educador. Em
termos muitos claros e diretos: o aluno é mais importante que pro-
gramas e conteúdo.

Percebendo a importância da função do professor no proces-


so de ensino e aprendizagem de Matemática assim como para o de-
senvolvimento social e econômico de todo país, inúmeros estudos
começaram a ser realizados e discutidos sobre esse profissional, a
fim de elucidar diversas questões que influenciam no processo edu-
cacional.
Desde a década de 80, o tema formação de professores tem
sido discutido em diversos estudos e pesquisas, em nível internacio-
nal, pesquisadores como Schön (2000), Tardif (2012) e Nóvoa (1992)
esses e outros autores tem publicado seus estudos e pesquisas refe-
rentes à formação de professores (professor reflexivo, saberes docen-
tes e formação contínua).
Na perspectiva de Marcelo (1998, p. 26), as pesquisas sobre a
formação de professores são fundamentais, pois se trata de:

- 179 -
[...] uma área de conhecimentos, investigações e propostas teóricas
e práticas que, no âmbito da Didática e da Organização Escolar, es-
tuda os processos por meio dos quais os professores se implicam,
individualmente ou em equipe, em experiências de aprendizagem,
pelas quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos, compe-
tências e que lhes permitem intervir profissionalmente no desen-
volvimento do ensino, do currículo e da escola, com o objetivo de
melhorar a qualidade da educação que os alunos recebem.

Nos últimos anos, a pesquisa sobre formação de professores


tem crescido tanto quantitativa quanto qualitativamente. A preocu-
pação de conhecer melhor o processo de aprender a ensinar levou a
mudanças no paradigma da formação de professores.
Na visão de Ferreira (2003, p. 25) a explicação para essa ex-
pansão de estudos científicos sobre formação de professor seria a ne-
cessidade de conhecer a relação entre ensinar e aprender. De objeto
passivo de estudo e formação, ele começa a ser considerado como
sujeito do estudo com participação ativa e colaborativa em muitos
casos.
Mas, no que se refere à formação de professores que ensinam
Matemática, as investigações realizadas por Curi e Pires (2008) re-
velam que poucas pesquisas enfatizam os conhecimentos matemá-
ticos e alertam para o fato de que as maiorias das pesquisas sobre
formação de professores nessa área do conhecimento estão voltadas
para os Anos Finais do Ensino Fundamental e Médio, indicando a
urgência de ampliar pesquisas nesta área.
Dentre os estudos nessa área, Curi e Pires (2008) apresentam
um projeto que tem como tema “Formação de Professores de Mate-
mática”, que foi desenvolvido por um grupo de pesquisa da PUC-SP,
no período de 2000 a 2008. Apresentava como objetivo levantar in-
formações sobre os processos de formação inicial e continuada de
professores de Matemática e, também, de professores que ensinam
Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental, os chamados
polivalentes, geralmente formados em cursos de Pedagogia. As in-
vestigações permitiram evidenciar as características do conhecimen-
to do professor que ensina Matemática e estimular a reflexão sobre
os conhecimentos do professor.
Além dessas pesquisas evidenciarem a necessidade de ampliar
as investigações nesta área, agrega-se outro problema que segun-
do Lorenzato (2008), D’Ambrósio U. (2012), Ghedin (2008), Gatti

- 180 -
(2010) e Saviani (2009) os cursos de formação inicial não têm ofe-
recido os conhecimentos necessários à prática educativa, os quais
demonstram preocupação com as fragilidades da formação inicial.
Lorenzato (2008, p. 03) afirma que não se pode ensinar o que
não se conhece, além disso, declara que todo professor tem o dever
de conhecer o que irá ensinar a seus alunos, considerando que não é
possível ensinar o que não se sabe.
Dessa forma, reconhecemos que o aluno tem direito de rece-
ber um conteúdo de forma clara e que precisa ser entendido, para
isto é fundamental que o professor conheça a Matemática e sua di-
dática.
A respeito disso, Gaio e Duarte (2003) esclarecem que uma
falha no processo de formação do professor dos Anos Iniciais está no
fato de os conteúdos matemáticos a serem trabalhados nessa etapa
de escolarização ser considerados fáceis e simples, deixando de lado
a formação docente para a Matemática básica.
As pesquisas citadas indicam que ainda existem docentes que
não constroem em seu processo formativo o suporte necessário para
desempenhar suas atividades pedagógicas no âmbito de sua prática,
considerando que o processo formativo muitas vezes é deficiente,
pois muito do que o professor sabe ou precisa saber para desempe-
nhar sua função, termina não aprendendo nos cursos de formação.
(LORENZATO, 2008; GHEDIN, 2008).
Outro autor que se preocupa com esta problemática é D’Am-
brósio U. (2012) ao explicar que “dentre os grandes problemas que a
educação tem enfrentado o mais grave afeta particularmente a edu-
cação matemática de hoje, é a maneira deficiente como se forma o
professor”.
Diante disso, há de se repensar as condições e as demandas
para as licenciaturas tanto com relação a sua dinâmica curricular
quanto sua forma de institucionalização para que se efetivem mu-
danças significativas no processo educacional. D’Ambrósio U. (2012)
corrobora com esta questão ao alertar que já é tempo de os cursos de
licenciatura perceberem que é possível organizar um currículo ba-
seado na realidade atual e nas necessidades formativas dos docentes.
Não é difícil notar que a formação docente é vista como um
grande desafio em todos os aspectos, conforme exposto e discutidos
pelos pesquisadores citados.

- 181 -
3. Metodologia
Ao dar início à pesquisa os primeiros passos trilhados atenta-
ram para a escolha dos participantes e o local onde seria desenvolvi-
da a investigação.
Foi necessário um levantamento prévio a fim de selecionar às
escolas que atendessem as exigências desse estudo. A partir dessa
sondagem e catalogação foram definidas três escolas municipais e,
respectivamente, selecionados três participantes que tiveram como
critérios para sua escolha: a) Ser licenciado no Curso Normal Supe-
rior; b) Lecionar nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental; c) Atuar
especificamente com a disciplina de Matemática.
O nosso estudo se voltou para os aspectos subjetivos que ca-
racterizam os saberes dos professores e amparamo-nos na perspecti-
va da entrevista narrativa que valorizou a subjetividade dos conheci-
mentos dos professores, permitindo que os mesmos se expressassem
e narrassem sua trajetória pessoal e profissional. Esse tipo de pes-
quisa configura-se como uma forma de compreender a experiência
humana conforme proposto por Clandinin e Connelly (2011), sendo
entendida como uma forma de compreender a experiência do pro-
fessor por meio do estudo de suas histórias vividas e contadas, para
interpretar as falas, expressões e emoções obtidas no caminhar da
pesquisa.
As narrativas são essenciais à compreensão dos processos que
possibilitam a mobilização dos saberes dos professores, o que para
Delgado (2006, p. 44) é carregado de significações:
As narrativas são traduções dos registros das experiências retidas,
contêm a força da tradição e muitas vezes relatam o poder das trans-
formações. História e narrativa, tal qual história e memória, alimen-
tam-se. […] Narrativa, sujeitos, memórias, histórias e identidades.
É a humanidade em movimento. São olhares que permitem tempos
heterogêneos. É a história em construção. São memórias que falam.

Essa opção metodológica possibilitou identificar os conheci-


mentos utilizados pelos professores no desenvolvimento de suas prá-
ticas pedagógicas, a forma como constroem esses conhecimentos.
Além disso, nos oportunizou compreender o processo de formação
do sujeito, colocando-o em lugar de destaque, como ator principal,
nas questões relacionadas às suas aprendizagens.

- 182 -
Por fim, acreditamos que a opção metodológica adotada para
a problemática desse estudo foi adequada, tendo em vista os obje-
tivos descritos e a contextualização dessa investigação. A narração
das vivências e experiências empreendidas pelos sujeitos da pesquisa
abriu caminhos para a compreensão do seu processo de formação e
construção de seus saberes a partir de seus percursos formativos em
diferentes tempos e espaços.
4. Análise e discussão de dados
Apresentamos neste capítulo os resultados obtidos acerca do
nosso objeto de investigação: Quais são os saberes matemáticos e
pedagógicos que estruturam a formação inicial dos professores que
ensinam Matemática?
A fim de garantir o anonimato dos quatro protagonistas da
pesquisa, os denominamos com nomes de grandes educadores, per-
sonalidades que tem nome de peso nos estudos da área educacional e
deram grandes contribuições para pensar e transformar a educação,
sendo: Paulo Freire, Maria Montessori e Emília Ferreiro.
4.1. Caracterização inicial dos protagonistas da pesquisa
As informações aqui presentes fazem parte da entrevista nar-
rativa que possibilitou delinear o perfil pessoal e profissional dos
protagonistas desta investigação. Dentre os três professores dois per-
tenciam ao sexo feminino e um ao sexo masculino.
Professora Montessori 1- A professora tem 39 anos, sexo fe-
minino, leciona horário vespertino no 3º, 4º e 5º ano com a disci-
plina de Matemática. É graduada no Curso Normal Superior pela
Universidade do Estado do Amazonas - UEA, no município de Hu-
maitá, teve sua formação inicial através da oferta do Programa PRO-
FORMAR que concluiu no ano de 2005, a professora possui 16 anos
de experiência no magistério.
Professor Freire - O professor tem 55 anos, sexo masculino,
leciona no turno vespertino nas turmas de 4º e 5º anos com a disci-
plina de Matemática. Formou-se no ano de 2008 no Curso Normal
Superior pela Universidade do Estado do Amazonas em parceria
com a Secretaria de Educação através do PROFORMAR e traz con-
sigo a bagagem de 22 anos de experiência no magistério.
1 As falas dos protagonistas da pesquisa estão em itálico para diferenciar dos autores do
texto.

- 183 -
Professora Ferreiro - A professora tem 40 anos, é do sexo
feminino, nos dias atuais trabalha com 3º ano com a disciplina de
Matemática, no turno vespertino. Licenciada em Normal Superior,
formou-se pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA, pelo
PROFORMAR no ano de 2005 e atua como professora há 18 anos.
4.2. Primeiras reflexões acerca das informações iniciais
A partir da análise feita sobre as narrativas, assim como da
percepção do pesquisador diante dos gestos, expressões e sentimen-
tos que se deixaram transparecer no decorrer da entrevista narrativa,
foi possível delinear uma visão qualitativa sobre o nosso objeto de
pesquisa.
No mapeamento dos saberes matemáticos e pedagógicos que
estruturam a formação inicial dos professores de ensinar Matemá-
tica, trabalhamos com o eixo “Construção dos conhecimentos ma-
temáticos e pedagógicos na formação inicial” que ficou dividido nas
seguintes questões:
- Saberes aprendidos na formação inicial
- Saberes pedagógicos na percepção docente
As narrativas dos protagonistas da pesquisa trouxeram uma
vasta riqueza de detalhes, com a intenção de trabalhar as peculia-
ridades e os significados presentes nos discursos obtidos, além de
acentuar as experiências vividas no percurso da história de vida pes-
soal e profissional de cada um, optou-se pela análise individual dos
dados coletados.

4.2.1. Professora Montessori


Ao indagar sobre o percurso de formação de Montessori, a
professora relata sua formação inicial, por vezes, a professora dei-
xa transparecer a insatisfação com o período em que foi realizado o
curso, por se tratarem de professores atuantes e sem formação espe-
cífica. No ano de 2002, por estarem em exercício, os professores cur-
saram no período das férias por três anos e meio, o que para muitos
professores tornou-se exaustivo.
Além disso, o curso apresentou na forma presencial mediada
por TV, contando com o auxílio de um professor assistente vindo de
Manaus para colaborar com algumas atividades realizadas com os
acadêmicos.

- 184 -
O curso em si foi muito cansativo para todos e, no final acabei engra-
vidando do meu filho …, no ano de 2004, eu estava grávida quando
comecei a fazer o TCC, estava com três a quatro meses, ficava sentada
escrevendo, era na caneta naquele tempo, não tinha computador, eu
ficava até de madrugada e quando eram oito horas da manhã tinha
que estar na faculdade novamente, sentia muita dor na barriga, fi-
cava muito cansativo, de manhã e de tarde na faculdade, e às vezes
ainda no sábado até meio dia.

Os saberes aprendidos na formação inicial fundamentam o
trabalho docente, no tocante a essa questão a professora relata que
em seu processo formativo umas das disciplinas que considera ter
permitido vasta contribuição para a construção dos seus saberes
pedagógicos foi a disciplina Metodologia do Ensino da Matemáti-
ca, essa disciplina tinha como propósito a reflexão, discussão e pro-
blematização em tornos de temas fundamentais para o ensino de
Matemática, além disso, segundo seu relato trazia também opções
pedagógicas para o exercício da atividade docente.
Tivemos duas disciplinas voltadas para a área de Matemática, uma
delas era específica para o ensino dos conteúdos matemáticos das sé-
ries iniciais e educação infantil, a outra disciplina tratava de apresen-
tar ao professor opções pedagógicas, nesse sentido trazia muitos jogos
matemáticos, técnicas de ensino e reflexões sobre o ensino da matemá-
tica. Essas disciplinas trouxeram muitos conhecimentos novos, apesar
de ser corrida com relação ao tempo.

O saber construído pela professora no seu processo formativo


é denominado por Tardif (2012) como “saberes da formação profis-
sional”, pode se definir esses saberes como sendo aqueles adquiridos
nas instituições formadoras de professores.
Aprendi em minha formação que a Matemática não é somente dar o
conteúdo, eu sempre busco envolver os alunos para que eles percebam
que a Matemática está presente em seu cotidiano, mostrando a eles
tanto na adição, quanto no sistema monetário que tudo isso está en-
volvido no dia a dia deles. E ao longo do tempo aprendi que as crian-
ças principalmente na Matemática precisam estar em contato com o
concreto, eles precisam ver, pegar sentir, no ensino da Matemática se
não envolver o concreto tu não consegues desempenhar um bom tra-
balho, esse um dos conhecimentos que eu adquiri na formação e na
prática em sala de aula.

Apesar da insatisfação demonstrada por Montessori noutro


momento ao declarar que o curso de formação foi cansativo e as

- 185 -
disciplinas foram corridas, possibilitando um espaço de tempo re-
duzido para a aquisição de conhecimentos, percebemos que a pro-
fessora constituiu saberes relativos às ciências da educação e aos sa-
beres pedagógicos em sua formação inicial, e que a prática em sala
de aula seguida da reflexão permitiu que fossem produzidos em seu
reservatório de conhecimentos, como denomina Gauthier (1998), os
saberes da experiência.
Na percepção da docente os saberes que ela possui acerca dos
conteúdos matemáticos foram se delineando gradativamente em
seus diferentes níveis de escolarização e mesmo nas atividades diá-
rias que nos rodeia no dia a dia.
Os conhecimentos que possuo acerca dos conteúdos matemáticos, fo-
ram sendo construídos enquanto eu estava estudando, quando aluna
dos anos iniciais, do Ensino Fundamental II, do ensino médio, e na
faculdade, fui adquirindo ao longo do tempo e, do processo de for-
mação escolar, outra contribuição fundamental são as atividades do
cotidiano que estão repletas de situações matemáticas.

Os conhecimentos relativos aos conteúdos matemáticos, ou


seja, os saberes matemáticos da professora Montessori tiveram como
base para seu aperfeiçoamento o percurso de formação escolar. Du-
rante as diversas etapas de escolaridade foi possível construir os co-
nhecimentos que ela utiliza em sua profissão, mas não somente o
processo educacional é responsável pelo seu desenvolvimento, mas
também as práticas vivenciadas em meio às atividades matemáticas
presentes nas diversas tarefas realizadas no dia a dia.
Esses saberes são denominados por Tardif (2012) e Gauthier
(1998) como saberes disciplinares, os autores definem esse saber,
como aqueles oriundos da formação acadêmica.
Os saberes pedagógicos na percepção da docente foram se
constituindo por meio da prática e na reflexão de sua prática alia-
dos as formações nas quais Montessori esteve presente, um ponto
bastante enfatizado pela docente foi às participações nas formações
continuadas, nesse momento foi perceptível o entusiasmo da profes-
sora ao citar suas experiências relacionadas às formações realizadas
após a formação inicial.
Minha ação pedagógica foi se desenvolvendo a partir das experiências
escolares e com as formações que tive oportunidade de participar no
decorrer de minha carreira, minha prática pedagógica foi se moldan-

- 186 -
do e fui aprimorando meus conhecimentos, participei de cursos como
o Pró-letramento em Matemática e Português, do curso PNAIC, que
enfatizou o trabalho com os conteúdos matemáticos e diversas meto-
dologias de ensino, mas acredito que colocando na balança a expe-
riência foi a maior aliada, porque às vezes na formação você aprende
de uma forma e quando chega na realidade na sala é de outra.

Os saberes da professora Montessori foram gradativamente


sendo construídos ao longo de sua carreira no magistério, com o
tempo de prática pedagógica e com as formações continuadas sua
ação foi se delineando. O passar do tempo subsidia a prática dos pro-
fessores, seus conhecimentos, sua ação, pois, não se desenvolvem de
um dia para outro.
Percebemos na narrativa da professora que o saber por ela
mais citado foi o saber experiencial, esse saber parece ser o alicerce
de sua prática e de suas habilidades profissionais.

4.2.2. Professor Freire

A narrativa do Professor com relação a sua formação superior


nos remete a entender, diante de sua fala e de suas expressões, que
foi um período de grande aprendizado e poucas dificuldades. Em
nenhum momento o professor demonstra insatisfação a respeito do
curso em que é licenciado e relata que desse período muitas lem-
branças boas ficaram guardadas em sua memória.
O curso ofertado pela Universidade do Estado do Amazonas foi o
Normal Superior, além dele eu iniciei a licenciatura em geografia por
uma instituição particular, mas não concluí. Do período de formação
muita coisa ficou marcada em minha memória e, eu busquei trazer
para o meu cotidiano, tanto para a minha vida pessoal, quanto fami-
liar e, especialmente, profissional, pois a faculdade é um leque que se
abre na vida da gente, então eu tirei muita coisa proveitosa.

Nesse sentido a graduação trouxe ao professor habilidades e


competências para sua atuação no magistério e experiências mar-
cantes de superação, de crescimento pessoal e profissional, sendo
uma etapa fundamental para a qualificação docente que veio auxiliá-
-lo a enfrentar os desafios do contexto profissional.
Seguindo a narrativa mergulhamos no campo da análise pes-
soal das práticas pedagógicas, nesse momento ele retoma aos primei-
ros anos de docência, as experiências adquiridas com a prática e as

- 187 -
mudanças percebidas durante sua trajetória pessoal. Percebemos que
essa etapa da entrevista narrativa causou no professor um momento
de reflexão sobre sua prática, o protagonista navega no passado, em
sua ação dos primeiros anos de docência e adentra na realidade dos
dias atuais.
E toda essa experiência do dia a dia tem contribuído com a minha
prática, você trabalha hoje um conteúdo e pensa na forma que você
ensinou no passado, e isso faz com que você se aperfeiçoe, quando
adentrei a carreira do magistério eu não sabia como ensinar os alunos
e hoje com o passar do tempo me sinto seguro no que faço.

O saber que identificamos nesse trecho da narrativa é o sa-


ber denominado por Tardif (2012) e Pimenta (1999) como saber da
experiência. Gauthier (1998) declara que é frequente ouvir relatos
de docentes a respeito desse saber: “Ensinar se aprende na prática,
errando e acertando”.
O professor Freire, por vezes, discorre que gosta de diversi-
ficar, trazer recursos e estratégias novas para a sala de aula com o
intuito de motivar e chamar a atenção dos alunos, prática adquirida
com o passar dos tempos, pois no início suas aulas não eram assim.
Parte desse conhecimento faz parte dos saberes aprendidos
na formação inicial, embora seu processo formativo tenha sido, se-
gundo ele “acelerado”, pois ocorreu no período de férias e de forma
condensada, Freire relata ter adquirido diversos conhecimentos que
corroboraram com sua atividade profissional. Conforme discorre,
alguns procedimentos utilizados hoje em suas aulas foram adquiri-
dos em seu percurso de formação superior.
Dos métodos que aprendi na formação inicial eu utilizo bingo, tor-
neios, jogo da velha curiosa e, também um sistema de avaliação que
aprendi e adequei para a disciplina de matemática, é um tipo de ava-
liação chamada avaliação repolho, deu muito certo para trabalhar
com as turmas de 4º e 5º ano, com essa metodologia os alunos apren-
dem brincando.

Entendemos que a formação inicial trouxe várias contribui-


ções para a prática do professor, a didática é um fator extremamente
importante quando se trata do ensino, as técnicas diversificadas mo-
tivam o aluno no processo de aprendizagem.
Os saberes de conteúdos matemáticos, em especial, de acordo
com os relatos de nosso protagonista se desenvolveram nos anos de-
dicados aos estudos na educação básica, e os pedagógicos na percep-

- 188 -
ção docente foram sendo construídos paulatinamente, em meio às
dificuldades do início da carreira, a ausência de uma base de conhe-
cimentos sólidos e de didática para o ensino nos Anos Iniciais do En-
sino Fundamental, as formações presenciadas e o desejo de crescer.
Os conhecimentos que fazem parte de meus saberes hoje, se delinea-
ram a partir de minha experiência no magistério e, também após a
formação acadêmica, acredito também que continuo construindo
através da troca de experiência com colegas de trabalho no dia a dia.
As metodologias utilizadas foram se delineando a partir da minha ex-
periência de trabalho, da formação superior e dos cursos de formação
continuada, como o Pró-letramento e outros que tive a oportunidade
de participar.

O reservatório de saberes dos professores provém de diversas


fontes, sendo elas o meio social em que ele está inserido, a formação
escolar, a convivência com os pares de profissão, entre outros. Dessa
forma, não podemos conceituar esses saberes como únicos, pois se
constituem a partir da temporalidade2 e em meio às condições e
fatores do meio em que está socializado o professor.
Na percepção de Tardif (2012) um dos fatores para aquisição
de saberes em qualquer ocupação é o “tempo”, é denominado como
um fator importante para a compreensão dos seus próprios saberes,
pois é de forma gradativa que se aprende a ensinar e se adquirir os
saberes que fundamentam o trabalho docente.

4.2.3. Professora Ferreiro

Na narrativa da professora Ferreiro, evidenciamos críticas


quanto ao curso de licenciatura em que é formada (Curso Normal
Superior), segundo sua fala a carga horária destinada às disciplinas
que priorizavam os conhecimentos matemáticos não foi suficiente
para aprofundar os saberes necessários à atividade docente, além
disso, segundo a professora Ferreiro o curso de formação foi insu-
ficiente.
No Normal Superior não tivemos muito a parte pedagógica de con-
feccionar materiais, não tivemos essa oportunidade, meu irmão fez
Pedagogia pela UFAM e confeccionou muito material para trabalhar

2 Segundo Tardif (2012) a ideia de temporalidade significa dizer que ensinar supõe
aprender a ensinar, ou seja, aprender a dominar progressivamente os saberes necessários
a realização do trabalho docente.

- 189 -
em sala de aula, e isso não fizemos em nossa formação. Preciso dizer
que não gosto muito desse nome “Normal Superior”, nós deveríamos
ter a Pedagogia, a pior invenção do governo esse negócio de Normal
Superior.

Mediante a narrativa da professora Ferreiro e a expressão se-


guida de gestos exaltados observou-se o desgosto frente à licenciatu-
ra que ela possui, mas foi nítido que seu desabafo não se estendia a
profissão escolhida, mas ao curso que lhe foi ofertado pelos órgãos
competentes.
Os conhecimentos vistos no curso precisavam ser aprofundados, eu
tinha acabado de entrar no concurso, sem experiência nenhuma e es-
perava algo mais do meu processo de formação. Conhecimentos mais
voltados para a prática.

Em pesquisas realizadas por Mukamurera (1999) os profes-


sores acusam sua formação inicial considerando que não propiciou
a preparação necessária para enfrentar as dificuldades do ofício. No
caso de nossa protagonista, transparece o aborrecimento diante dos
relatos de ausência de bases mais sólidas e atividades direcionadas a
prática em sala de aula, essas críticas observadas por Ferreiro foram
destacadas na pesquisa de Kishimoto (1999) ao investigar o Curso
Normal Superior.
Mesmo após o depoimento da docente que revelou seus des-
contentamentos acerca de sua profissão, continuamos a ouvir seus re-
latos e entramos no campo da constituição dos saberes matemáticos e
pedagógicos na percepção docente, procuramos nesse momento por
meio da análise e da reflexão do próprio professor compreender como
foram se delineando os saberes presentes em sua ação pedagógica.
Ao tecer suas considerações sobre os seus conhecimentos
matemáticos, a Professora Ferreiro relata que seus conhecimentos
relativos aos conteúdos matemáticos foram paulatinamente sendo
constituídos no decorrer de sua vivência e formação escolar, mesmo
com as dificuldades de aprendizagem que teve a professora acredita
ter superado a visão negativa que tinha da disciplina de Matemática.
A respeito disso, a professora discorre que a Matemática não
é a primeira opção dos professores, ao definirem as disciplinas a ser
ministrada durante o ano letivo, e geralmente ela é sempre motivo de
embates entre os docentes.

- 190 -
No que se refere aos saberes de conteúdos identificamos que
de acordo com a Professora Ferreiro a escola não foi exclusivamente
o lócus de sua formação, a vivência e suas experiências sociais corro-
boraram para a constituição de seus conhecimentos.

Meus conhecimentos sobre Matemática foram se aprimorando aos
poucos, desde que comecei a estudar, por meio das formações e das
experiências sociais e profissionais. Posso dizer que foram se cons-
truindo desde o início de minha vida escolar e do contato com o meio
social, profissionalmente acho que quando trabalhava na educação
infantil não coloquei em prática o conhecimento que eu tinha, porque
era turma de jardim e você fica limitado aos conteúdos dessa fase, já
quando trabalhei com 5º ano foi muito bom, pude rever conteúdos
que não lembrava mais.

O conhecimento do conteúdo é de suma importância para


a atividade docente, os saberes de conteúdos são provenientes das
diversas situações onde ocorre a aprendizagem. Na percepção de
Gauthier (1998) esses saberes são conhecimentos produzidos pelos
cientistas e pelos pesquisadores a respeito do mundo.
No que se refere aos saberes pedagógicos, a docente considera
que as formações continuadas, as quais teve a oportunidade de parti-
cipar durante sua jornada profissional, possibilitaram-lhe um maior
desenvolvimento no que diz respeito às práticas pedagógicas.
A formação continuada sem dúvida veio a clarear muito mais meus
conhecimentos, até porque no Normal Superior não tivemos tanto
essa parte pedagógica de confeccionar materiais, foi muita teórica.
[...]. Quando olho o início de minha prática vejo o quanto cresci atra-
vés das formações como o Pró-Letramento, o PNAIC e outras oficinas
que trouxeram muitos conhecimentos para trabalhar com os alunos
na prática a parte.

A narrativa da professora Ferreiro revela que na sua percepção


a formação inicial trouxe conhecimentos relativos à parte teórica,
mas deixou lacunas em relação a parte prática. No tocante a isso,
Pimenta (1999) esclarece que os cursos de formação ao desenvol-
verem um currículo formal com conteúdo e atividades de estágios
distanciados da realidade pouco tem contribuído para a formação da
identidade docente e práticas pedagógicas.
Compreendemos nesse sentido que a ação do professor com
seu objeto de ensino deve ter bases sólidas em sua formação inicial e
consolidada em meio às formações continuadas, reflexões na e sobre
a prática e validada na experiência do dia a dia.

- 191 -
5. Considerações finais

A formação inicial é um desafio, imagine quando concretiza-


da em módulos, nas férias do ano escolar e em uma região continen-
tal como a amazônica. Sabemos que formar professores é uma tarefa
árdua, comprometida e séria, esse comprometimento foi percebido
no planejamento e desenvolvimento do PROFORMAR, contudo,
isto não os isentou de vivenciar dificuldades e desafios já que as con-
dições locais, humanas e contextuais são específicas e complexas.
Ao analisar a narrativa dos professores desse estudo, espe-
cialmente nas disciplinas que fazem referência ao ensino da Mate-
mática, foram encontradas duas disciplinas específicas relacionadas
aos conhecimentos dessa área de estudo, a disciplina Matemática na
Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental e Meto-
dologia e Prática de Ensino de Matemática.
Matemática na Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino
Fundamental tinha o objetivo de propiciar aos professores em for-
mação a base de conhecimentos relativos aos saberes de conteúdo.
Os quais são necessários à prática educativa docente, com conteúdos
programáticos, conceitos e noções, além de orientar o professor com
situações possíveis à prática educativa.
A outra disciplina, Metodologia e Prática de Ensino de Mate-
mática, possibilitou aos professores o encontro com novas técnicas,
jogos e confecção de materiais didáticos, por meio de ações propos-
tas e, da base reflexiva que instigava os docentes a produzir e pensar
no ato pedagógico, objetivava fortalecer os saberes pedagógicos ne-
cessários para a atividade docente, dando suporte a ação do profes-
sor em seu cotidiano e sala e aula.
Este mapeamento dos saberes matemáticos e pedagógicos que
estruturaram a formação dos professores nos permitirá compreender
que o Curso Normal Superior, contemplou a produção dos saberes
de conteúdos e saberes pedagógicos por meio das duas disciplinas
citadas, e de forma indireta por outras disciplinas que privilegiaram
a interdisciplinaridade e desenvolvimento didático e pedagógico dos
professores em formação.
Além disso, observamos também que as experiências viven-
ciadas no decorrer da sua pratica docente, são fundamentais para
a construção dos saberes pedagógicos do professor, observamos de

- 192 -
forma unanime na fala de nossos sujeitos, que as formações conti-
nuadas aliadas às experiências cotidianas são de suma importância
para fortalecer a prática pedagógica do professor.
Embora eles tenham tido acesso a duas disciplinas voltadas di-
retamente para o ensino da matemática, são enfáticos ao afirmar que
enriqueceram seus conhecimentos, mas não foram suficientes para o
domínio dos conteúdos matemáticos e para o desempenho didático
e pedagógico na sua profissão.

6. Referências

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- 194 -
A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EJA E O
DESAFIO PARA A EFETIVAÇÃO DA FUNÇÃO
QUALIFICADORA
Rogério Feitosa Barros
Rosângela de Fátima Cavalcante França

1. Introdução
O Brasil, no compasso da globalização, principalmente nos
campos econômico e de comunicação, vê a crescente necessidade de
formar trabalhadores que atendam às exigências dos avanços tecno-
lógicos e, em sua decorrência, dos meios de produção. Nesse sentido,
houve a necessidade de se pensar tanto na formação dos que futura-
mente iriam ingressar no mercado de trabalho, como na formação
dos que já estavam em plena idade produtiva, porém, não possuíam
conhecimento formal suficiente para dar conta das transformações
que vinham ocorrendo, no início dos anos 2000, em todos os cam-
pos da sociedade. No contexto dos que necessitavam de qualificação
profissional encontravam-se os jovens e adultos que fazem parte da
massa trabalhadora e, portanto, precisavam de propostas pedagó-
gicas mais aproximadas da realidade destes, pois conforme Lemos
(1999, p.19):
A LDB (Lei 9394/96), em seu artigo 1º, refere-se aos princípios
norteadores da educação e estimula a criação de propostas alternati-
vas para promover a igualdade de condições para o acesso e perma-
nência do aluno no processo educativo, a utilização de concepções
pedagógicas que valorizem a experiência extraescolar e a vinculação
da educação com o trabalho e com as práticas sociais.
A interlocução da autora com a LDB (Lei 9394/96), nos per-
mite ratificar a necessidade de desenvolvimento de práticas pedagó-
gicas articuladas com a realidade sócio cultural real dos alunos, onde
suas demandas poderão ser problematizadas e novos conhecimentos
poderão ser agregados.
É ainda Lemos (1999, p.19) que citando Libâneo ( 1994, p.35)
diz:
A inserção dos jovens e adultos no processo de desenvolvi-
mento como cidadãos produtivos demanda ações educativas

- 195 -
que considerem que a escolarização constitui instrumento
indispensável à construção da sociedade democrática, por-
que tem como função a socialização daquela parcela de saber
sistematizado que constitui o indispensável à formação e ao
exercício da cidadania.

A necessidade de ações educativas que priorizassem a esco-


larização como instrumento democrático, estava a requerer um su-
porte legal que a normatizasse, e foi pelo suporte do Parecer CNE/
CEB 11/2000, que versa sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação de Jovens de Adultos, que há disposições sobre os
fundamentos e as funções da EJA, as quais são: funções norteadora,
equalizadora e qualificadora.
A função qualificadora está assim expressa no Parecer CNE/
CEB 11/2000:
Esta tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por
toda a vida é a função permanente da EJA que pode se chamar de
qualificadora. Mais do que uma função, ela é o próprio sentido da
EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo
potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em
quadros escolares ou não escolares. Mais do que nunca, ela é um
apelo para a educação permanente e criação de uma sociedade edu-
cada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversi-
dade. (BRASIL, 2000, p.11)

Com esse entendimento, esta pesquisa, tomando como re-


ferência a função qualificadora, trabalhou com a seguinte questão/
problema: Considerando a proposta pedagógica desenvolvida para
os alunos da EJA, em que medida esta contribui para a materiali-
zação da função qualificadora, haja vista, que objetiva a formação
permanente?
Ao construirmos o desenho do estudo empírico desta inves-
tigação, optamos por uma pesquisa descritiva (GIL, 2008), visto que
esta coaduna com a descrição do fenômeno que tratamos, no caso,
os desafios para materializar a função qualificadora na prática peda-
gógica dos professores. Nossa abordagem foi qualitativa, buscando
aporte teórico em Bogdan e Biklen, (1994, p. 50), pois os autores ao
se referirem sobre os investigadores qualitativos, aludem que:
Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de
forma indutiva. Não recolhem dados ou provas com o objetivo
de confirmar ou infirmar hipóteses construídas previamente; ao

- 196 -
invés disso, as abstracções são construídas à medida que os dados
particulares que foram recolhidos se vão agrupando.

Em consonância com a definição acima citada, encontramos


pertinência para assim tratarmos os dados obtidos em nossa pesqui-
sa.
Os sujeitos respondentes dessa pesquisa foram cinco profes-
sores da Rede Pública de Ensino do município de Porto Velho- RO,
que atuam na Educação de Jovens e adultos, os quais responderam
um questionário com questões abertas.
Para organizarmos este trabalho, criamos a seguinte estrutu-
ra: Introdução, na qual contextualizamos a problemática em estudo,
destacamos a questão/problema, os aspectos metodológicos, os su-
jeitos da pesquisa e o lócus da investigação. Na sequência, tecemos
considerações a respeito do Parecer CNE/CEB 11/2000, que norma-
tiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens
e adultos.
Posteriormente, apresentamos os dados da pesquisa, interpre-
tamos a fala dos sujeitos e fundamentamos teoricamente as nossas
inferências. Por último, nas Considerações finais, comentamos sobre
os resultados obtidos e concluímos ressaltando o nosso posiciona-
mento, como forma de suscitar possíveis reflexões que visem uma
maior aproximação entre o legal e o real efetivado na educação.

2. A EJA e o parecer CNE/CEB 11/2000: Democratização de


Direitos

2.1. Parecer 11/2000: Fundamentações e Funções

No início do século XXI, mesmo havendo uma previsão legal


- inserida no texto constitucional e ratificada pela Lei 9394/96 (LDB)
- quanto ao atendimento educacional à população jovem e adulta
que não pôde estudar na idade adequada, havia uma demanda cres-
cente por força das mudanças sociais, impulsionando a exigência por
uma formação permanente e completa.
Quanto a esse fato, Haddad e Di Pierro (2000, p. 121) apre-
sentam algumas perspectivas em relação ao início do novo milênio:
O Brasil que ingressa no século XXI está integrado cultural,
tecnológica e economicamente a essas sociedades pós-industriais, e

- 197 -
comporta dentro de si realidades tão desiguais que fazem com que as
possibilidades e os desafios da educação permanente também este-
jam colocados para extensas parcelas de nossa população.
Nesse contexto, com a homologação do Parecer CNE/CEB
11/2000, a EJA ganhou uma base legal que orienta, de forma ampla,
os caminhos que devem ser considerados nas ações de formação de
jovens e adultos: “O referido parecer significou um avanço no cam-
po democrático da elaboração de políticas para a EJA [...]” (FARIA,
2009, p. 21).
Segundo o Parecer CNE/CEB 11/2000, a construção do texto
se deu de forma democrática; por esse motivo:
[...] iniciativas e encontros, intermediados por sessões regulares da
CEB, sempre com a presença de representantes do MEC, foram fun-
damentais para pensar e repensar os principais tópicos da estrutura
do parecer. As sugestões, as críticas e as propostas foram abundan-
tes e cobriram desde aspectos pontuais até os de fundamentação
teórica (BRASIL, 2000, p. 02).

Com a mediação de representantes do governo federal, as


discussões permearam os vários aspectos que envolvem a Educação
para Jovens e Adultos, culminando em um texto abrangente, que
envolve questões teóricas e práticas e prioriza as características do
público da EJA. Quanto a isso, o Parecer descreve que:
É de se notar que, segundo as estatísticas oficiais, o maior número
de analfabetos se constitui de pessoas: com mais idade, de regiões
pobres e interioranas e provenientes dos grupos afrobrasileiros.
Muitos dos indivíduos que povoam estas cifras são os candidatos
aos cursos e exames do ainda conhecido como ensino supletivo
(BRASIL, 2000, p. 05).

A redação do Parecer considerou, precipuamente, as especifi-


cidades do público atendido pela EJA, as quais se desdobram em fa-
tores como a pobreza e a discriminação. Nesse sentido, essas marcas
causam um reducionismo quando se pensa no ser social por trás dos
alunos dessa modalidade. A esse respeito, o Parecer assim observa:
Esta observação faz lembrar que a ausência da escolarização não
pode e nem deve justificar uma visão preconceituosa do analfabeto
ou iletrado como inculto ou “vocacionado” apenas para tarefas e
funções “desqualificadas” nos segmentos de mercado. Muitos des-
tes jovens e adultos dentro da pluralidade e diversidade de regiões

- 198 -
do país, dentro dos mais diferentes estratos sociais, desenvolveram
uma rica cultura baseada na oralidade da qual nos dão prova, entre
muitos outros, a literatura de cordel, o teatro popular, o cancioneiro
regional, os repentistas, as festas populares, as festas religiosas e os
registros de memória das culturas afro-brasileira e indígena (BRA-
SIL, 2000, p. 05).

Trazendo esse olhar para as características dos alunos da


EJA, o Parecer ressalta as dificuldades enfrentadas tanto pela esco-
la, quanto pelos próprios alunos e alunas dessa modalidade. Além
disso, possíveis caminhos podem ser pensados quando se destaca a
importância dos conhecimentos que esses sujeitos trazem consigo.
“Fazer a reparação desta realidade, dívida inscrita em nossa
história social e na vida de tantos indivíduos, é um imperativo e um
dos fins da EJA porque reconhece o advento para todos deste princí-
pio de igualdade” (BRASIL, 2000, p. 06). Mediante esse pensamento,
objetivando destacar e aprofundar as discussões a respeito das espe-
cificidades dos alunos e alunas jovens e adultos, o Parecer CNE/CEB
11/2000, determina as funções da EJA.

3. A EJA e suas funções: do que estamos falando?

Para além de um benefício assistencialista, a função re-


paradora da EJA abre uma reflexão sobre o quanto se foi nega-
do, historicamente, às classes populares e a forma humanizada
como isso pode ser reparado.
Nesse sentido, o Parecer 11/2000 explica que:
[...] a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada
no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado:
o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento
daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano. Desta
negação, evidente na história brasileira, resulta uma perda: o acesso
a um bem real, social e simbolicamente importante. Logo, não se
deve confundir a noção de reparação com a de suprimento (BRA-
SIL, 2000, p. 05).

Observamos que o documento nos remete a refletirmos sobre


a compensação às classes populares, por motivo de supressões his-
tóricas impostas por uma minoria detentora do poder econômico.
Nesse caminho, o centro da reparação é o ser humano e seu convívio
no mundo e com o mundo, por intermédio da educação, pois “tão

- 199 -
pesada quanto a iníqua distribuição da riqueza e da renda é a brutal
negação que o sujeito iletrado ou analfabeto pode fazer de si mesmo
no convívio social” (BRASIL, 2000, p. 08).
Para fundamentar essa reflexão nos ancoramos no pensamen-
to de Freire (1987, p. 29) o qual argumenta que:
Os oprimidos, nos vários momentos de sua libertação, precisam
reconhecer-se como homens, na sua vocação ontológica e histórica
de Ser Mais. A reflexão e a ação se impõem, quando não se pretende,
erroneamente, dicotomizar o conteúdo da forma histórica de ser do
homem.

O autor apresenta um olhar sobre o ser humano que compõe


as classes populares menos favorecidas, discriminadas e desprezadas
pelos mais diversos motivos e que, carregando essas marcas, têm,
no seu modo de enxergar e conviver com o mundo, posturas que
negam sua própria condição de um ser capaz de pensar e interferir
no seu meio, em benefício próprio ou coletivo. Dessa forma o teó-
rico aponta que, para se combater as discrepâncias sociais impostas
por um poder hegemônico, “ação e reflexão, [devem apresentar-se]
como uma unidade” (FREIRE, 1987, p. 30).
Dessa forma, a função reparadora assume o papel de abrir ca-
minhos para uma educação de qualidade, que atenda aos múltiplos
aspectos que envolvem a vida dos cidadãos jovens e adultos, possi-
bilitando aos alunos da EJA o reconhecimento sobre si mesmo e sua
relação com o mundo.
A função equalizadora da EJA, conforme o texto do Parecer
CNE/CEB 11/2000, permite o entendimento de continuidade ao
atendimento às especificidades de quem não estudou na idade ade-
quada: “Neste momento a igualdade perante a lei, ponto de chega-
da da função reparadora, se torna um novo ponto de partida para a
igualdade de oportunidades” (BRASIL, 2000, p. 09).
Tendo em vista a perspectiva do texto legal, a função equali-
zadora visa promover maior equilíbrio nas chances que os cidadãos
postulam para alcançar melhorias nas condições de vida. Nessa li-
nha, “a equidade é a forma pela qual se distribuem os bens sociais
de modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais
igualdade, consideradas as situações específicas” (BRASIL 2000, p.
09-10).
Sob esse aspecto, o Parecer 11/2000 complementa que:

- 200 -
[...] os desfavorecidos frente ao acesso e permanência na escola
devem receber proporcionalmente maiores oportunidades que os
outros. Por esta função, o indivíduo que teve sustada sua formação,
qualquer tenha sido a razão, busca restabelecer sua trajetória escolar
de modo a readquirir a oportunidade de um ponto igualitário no
jogo conflitual da sociedade (BRASIL, 2000, p.10).

Assim, a igualdade de oportunidades tratada no texto legal


é entendida, primeiramente, a partir das diferenças entre um povo,
para, em seguida, possibilitar a diminuição da distância entre essas
diferenças. A EJA, enquanto modalidade educativa e instrumento
social, é responsável por conduzir esse processo de equilíbrio e pos-
sibilitar o avanço na qualidade de vida dos alunos.
A esse respeito Freire (1992, p. 50) reflete que:

Diferentemente dos outros animais que não se tornaram capazes


de transformar a vida em existência, nós, enquanto existentes, nos
fizemos aptos a nos engajarmos na luta em busca e em defesa da
igualdade de possibilidades pelo fato mesmo de, como seres vivos,
sermos radicalmente diferentes uns das outras e umas dos outros.

O teórico ressalta a capacidade humana de pensar e interferir


no meio ambiente, transformando-o, se necessário, a seu favor. Nes-
sa linha de raciocínio, em uma conjuntura de convívio em sociedade,
essa capacidade de reflexão e ação torna-se fundamental, uma vez
que as condições de heterogeneidade existentes entre os humanos
somadas às discrepâncias entre classes sociais - outra forma de di-
ferenciação entre um povo - geram a necessidade de se pensar em
meios de promover maior igualdade de oportunidades. Isso se alinha
ao cerne da função equalizadora.
A natureza da função qualificadora de que trata o Parecer
CNE/CEB 11/2000 atende a um movimento de desenvolvimento
constante da sociedade e, com isso, a necessidade de uma formação
por toda a vida.
Nesse sentido, o Parecer 11/2000 descreve que:
A educação, como uma chave indispensável para o exercício da ci-
dadania na sociedade contemporânea, vai se impondo cada vez
mais nestes tempos de grandes mudanças e inovações nos processos
produtivos. Ela possibilita ao indivíduo jovem e adulto retomar seu
potencial, desenvolver suas habilidades, confirmar competências ad-
quiridas na educação extra-escolar e na própria vida, possibilitar um
nível técnico e profissional mais qualificado (BRASIL, 2000, p. 10).

- 201 -
Em uma perspectiva de materialização das ações discutidas
para a EJA, mudanças cada vez mais aceleradas não dão espaço para
que o cidadão atento a essas transformações possa se omitir no seu
próprio desenvolvimento, tanto no campo dos avanços tecnológicos,
quanto no modo de participação social.
Avançando no debate sobre a constante necessidade de quali-
ficação, o Parecer 11/200 ratifica que:
Esta tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por
toda a vida é a função permanente da EJA que pode se chamar de
qualificadora. Mais do que uma função, ela é o próprio sentido da
EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo
potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em
quadros escolares ou não escolares (BRASIL, 2000, p. 11).

O texto legal destaca a função qualificadora em uma perspec-


tiva de promover a capacitação não só para o mercado de trabalho;
somando-se a esse aspecto, essa função acompanha, de maneira
ininterrupta, os processos de construção de novos conhecimentos
por toda a vida. Nesse contexto, sejam jovens, adultos ou idosos, são
sempre alunos em um processo de desenvolvimento humano que
nunca para.
Valendo-nos das reflexões de Freire (2013, p. 50), podemos
nos balizar no que diz o autor quando relata que “na verdade, o ina-
cabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital.
Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o
inacabamento se tornou consciente”.
A reflexão de Freire (2013) vai ao encontro da essência da
função qualificadora, ressaltando a incompletude do ser humano e
sua capacidade de perceber a necessidade de desenvolver suas com-
petências e habilidades de forma a acompanhar as transformações
que surgem no seu meio, adaptar-se a elas, em um movimento que
acontece por toda a existência humana.
Tendo em vista o que já foi discutido sobre o Parecer CNE/CEB
11/2000, ressaltando as funções da EJA, recorremos ao pensamento de
Faria (2009, p. 22) quando esse autor afirma que:

Sem dúvida, os sistemas têm em mãos um importante instrumento,


que possibilita avançar no desenvolvimento dessa modalidade educa-
cional no país, uma vez que a nova concepção de EJA significa algo
mais do que uma norma programática ou um desejo piedoso.

- 202 -
O autor ratifica a relevância do Parecer, que é ressaltado como
um meio que poderá promover o protagonismo dos jovens e adultos
atendidos pela EJA. Nessa perspectiva, valorizar o ser humano e suas
especificidades, considerá-lo um ser social com suas experiências
de vida, interesses e objetivos, conduz às reflexões sobre a formação
ampla e integral pretendida para essa modalidade de ensino. É com
o intento de verificar o legal e o real efetivado na educação , que tra-
taremos na seção a seguir.
4. Desafios para materialização da função qualificadora
Considerando a proposta pedagógica desenvolvida para os
alunos da EJA, em que medida esta contribui para a materialização
da função Qualificadora, haja vista, que objetiva a formação perma-
nente?
Considero o tempo e o espaço físico e os recursos pedagógi-
cos incompatíveis para oferecer o complemento necessário para dar
múltiplas oportunidades de aprendizagem ao aluno (P2).
Contribui simplesmente para que o aluno aprenda o básico,
uma vez que estes estão bem atrasados e assim não permanecerem
na escuridão do conhecimento. (P3)
Os alunos da EJA com a carga horária reduzida é pouco pro-
vável que a qualificação chegue para todos, já que muitos desistem
dos estudos (P5).
Verificamos, nas respostas destacadas, que a ênfase quanto às
dificuldades para a materialização da função qualificadora recai so-
bre questões relacionadas ao tempo abreviado, espaço físico inade-
quado, recursos pedagógicos insuficientes e não voltados para esse
tipo de clientela, o que poderá implicar na desmotivação docente
frente às condições de trabalho no âmbito da EJA. Tais dificuldades
nos levam ao entendimento de uma precarização relacionada a essa
modalidade de ensino, conforme afirmam Di Pierro, Joia e Ribeiro
(2001, p. 72-73):
De um lado, a precariedade material e pedagógica em que os
programas se desenvolvem e onde as escolas funcionam sequer asse-
gura a base formativa científico-tecnológica comum; de outro, a insis-
tente referência ao ensino regular infanto-juvenil, a rigidez da seriação
e das grades curriculares obrigatórias limitam a criatividade e dificul-
tam a combinação de processos de formação geral e profissional.

- 203 -
Di Pierro, Joia e Ribeiro (2001) descrevem as condições em
que se trabalha na EJA, destacando os desafios para a superação das
barreiras enfrentadas por todos os que participam dessa modalidade,
a qual possui características próprias. Portanto, sua estrutura mate-
rial e pedagógica deve atender às especificidades de seu público alvo.
Seguindo essa reflexão, podemos dialogar com o pensamento
de Rummert (2006, p. 128) que, ao tratar de aspectos relacionados à
realidade da EJA, assevera:
O que verificamos, nos dias atuais, é o fato de que os profissionais
da categoria docente vivenciam o aviltamento de seu trabalho seja
no que diz respeito à remuneração, seja naquilo que se refere às con-
dições de trabalho, marcadas pela necessidade de alargamento cada
vez maior da jornada, pela terceirização ou precarização [...].

A desvalorização da modalidade de EJA perpassa vários cam-


pos da estrutura educacional formal, desde a não valorização finan-
ceira dos profissionais, até a necessidade de se desdobrar em outros
turnos de trabalho, passando pela estrutura pedagógica e física dos
espaços que recebem os alunos, desenhadas e edificadas para atender
a uma clientela de crianças e adolescentes.
Assim, a desmotivação frente à estrutura básica da instituição
escolar pode incorrer na baixa qualidade do trabalho docente, que
tende à dependência isolada da força de vontade dos profissionais
envolvidos no processo educativo, para que se ofereça aos alunos o
mínimo necessário à sua formação.
Dessa forma, pensando na responsabilidade da escola com
respeito à materialização da função qualificadora, precisamos com-
preender sua natureza, sobre a qual o texto do Parecer 11/2000 dis-
põe:
Dentro deste caráter ampliado, os termos “jovens e adultos” indi-
cam que, em todas as idades e em todas as épocas da vida, é possível
se formar, se desenvolver e constituir conhecimentos, habilidades,
competências e valores que transcendam os espaços formais da es-
colaridade e conduzam à realização de si e ao reconhecimento do
outro como sujeito (BRASIL, 2000, p. 12).

Nessa perspectiva, os princípios da função qualificadora, por


natureza, devem estar garantidos ao longo do processo histórico
de desenvolvimento humano. O espaço escolar constitui mais uma
oportunidade de qualificação, com uma formação sistematizada vol-

- 204 -
tada para o aprendizado do conhecimento produzido pela humani-
dade, com procedimentos pedagógicos que possibilitem ao aluno a
construção de novos saberes.
Complementando, Silva (2006, p. 206) expõe que:
A função qualificadora da EJA tem por referência o potencial
humano de se qualificar e de se requalificar, permanentemente; e o
de descobrir novos campos de atuação, como realização de si. Em
atenção a isso, vale salientar, todavia, que a realização da pessoa não
se dá fechada no indivíduo, ela se realiza num universo que inclui o
convívio com outras pessoas e com as exigências sociais postas por
determinada conjuntura cultural, social e política. Destarte, o traba-
lho da escola, em sua tarefa de qualificar a pessoa para a vida, faz-se
em sintonia ao mundo, atento à complexidade existente nele.
Ao explicar a função qualificadora da EJA, SILVA (2006) res-
salta a capacidade humana de construir e reconstruir conhecimentos
ao longo da vida. O autor destaca, ainda, a influência do meio social
e suas interações, como fatores que contribuem na formação de cada
indivíduo. Essas questões são elementos a serem considerados no
processo educativo.
Portanto, reconhecendo a necessidade humana de apren-
dizado por toda a vida, no percurso escolar formal, a escola deve
proporcionar situações de ensino e aprendizagem que fortaleçam a
autonomia, para que os alunos possam dar continuidade em sua for-
mação ao longo da vida de acordo com seus interesses e demandas
da sociedade.

5. Considerações finais

Quanto à dificuldade para materialização da função qualifica-


dora, a ênfase recai sobre questões relacionadas ao tempo abreviado,
espaço físico inadequado e recursos pedagógicos insuficientes não
voltados para esse tipo de clientela. Nesse contexto, podemos inferir
que os apontamentos culminam em reivindicações de melhoria em
toda a estrutura física e pedagógica disponibilizada a essa modalida-
de. Enfatizamos “disponibilizada” haja vista que as estruturas físicas,
humanas e materiais utilizados para o atendimento aos alunos da
EJA têm origem, especialmente no caso da estrutura física das es-
colas, em projetos arquitetônicos planejados para o atendimento de

- 205 -
crianças e adolescentes. Em relação à formação docente, reserva-se
uma carga horária insuficiente para que os professores possam dar
conta das exigências para a atuação na Educação para Jovens e Adul-
tos. Nesse sentido, evidencia-se uma precarização dessa modalida-
de e, como consequência, a desmotivação dos professores. Assim,
a função qualificadora, que estabelece como princípios a formação
por toda a vida, o desenvolvimento de múltiplas competências e ha-
bilidades e a preparação do indivíduo para as exigências do mercado
de trabalho depara com inúmeros desafios para sua materialização.

6. Referências

BRASIL, Parecer 11/2000 – Diretrizes Curriculares Nacionais para


a Educação de Jovens e Adultos. 2000. Disponível em:< http://por-
tal.mec.gov.br/cne/arquivos/ pdf/PCB11_2000.pdf>. Acesso em: 21
mar. 2018.
BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional (LDB): Lei 9.394, de 20
de dezembro de 1996. Atualizada até 19/03/2015. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1996/lei-9394-20-dezem-
bro-1996-362578-norma-pl.html>. Acesso em: 10 mar. 2018.
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dagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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de jovens e adultos: Desafios e perspectivas. In: SOARES, Leôncio
(Org.). Formação de educadores de jovens e adultos. Belo Hori-
zonte: Autêntica, SECAD/MEC/UNESCO, 2006.

- 207 -
- 208 -
ABORDAGEM DO CICLO DE POLÍTICAS NA
ANÁLISE DOS INDICADORES DA QUALIDADE
NA EDUCAÇÃO INFANTIL: DELINEAMEN-
TO METODOLÓGICO DE UMA PESQUISA DE
CAMPO.
Romilson Brito de Azevedo
Valmir Flores Pinto

1. Introdução

A formulação de políticas educacionais é um processo que


contempla esferas governamentais e não governamentais. Trata-se
de um percurso que contextualiza, respectivamente, os interesses
políticos daqueles que compõem os ambientes onde acontecem as
deliberações, e, com isso, perfaz um ciclo cronológico e/ou anacrô-
nico que vai da política proposta à política de uso.
Então, é no percurso entre a propositura e a recepção da po-
lítica educacional que se configura o ciclo de formulação de políti-
cas públicas elaborado por Stephen Ball e Richard Bowe. Segundo
os próprios autores, trata-se de um processo não linear composto
por arenas de debates que contextualizam as influências, a produção
de texto, o contexto da prática, o contexto dos resultados/efeitos e o
contexto de estratégia política.
A temática deste estudo possui interesse científico em disse-
minar a abordagem do Ciclo de Políticas como sendo o referencial
teórico-metodológico de análise em uma pesquisa de pós-graduação
stricto sensu. A referida pesquisa foi realizada em uma escola públi-
ca no contexto amazônico, mais precisamente na cidade de Humaitá,
Região Sul do Estado do Amazonas, Brasil.
O delineamento metodológico discorrido neste texto foi apli-
cado por ocasião de um projeto de pesquisa que culminou na ela-
boração de uma dissertação de mestrado. Na dissertação, o objeto
de estudo foi a Política de Avaliação na Educação Infantil, onde, a
priori, abordamos o contexto de influência, o contexto de produção
de texto e contexto da prática. A posteriori, este manuscrito é um
recorte do produto final apresentado ao Programa de Pós-graduação

- 209 -
em Ensino de Ciências e Humanidades no Instituto de Educação,
Agricultura e Ambiente (IEAA) da Universidade Federal do Ama-
zonas (UFAM).
A política pública pode ser considerada como um grupo de
ações projetadas e programadas que vai muito além do empenho go-
vernamental. Ou seja, os interesses envolvidos não recaem apenas
aos anseios de governos/governantes. Com isso, a política educacio-
nal avaliada na dissertação foi a proposta de avaliação institucional
dos Indicadores da Qualidade na Educação Infantil (IQUEI).
Os IQUEI são uma iniciativa do Ministério da Educação
(MEC), de caráter orientador, compõem uma das diversas ações para
avaliar, dente outras, a aplicabilidade de prescrições legais dispostas
em documentos como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (DCNEI) e Parâmetros Nacionais de Qualidade
da Educação Infantil (PNQEI).
A escolha de pressupostos teóricos para compor o referencial
de um trabalho acadêmico não é tarefa tão fácil. Sobretudo, daqueles
que fundamentam a coleta, tabulação e tratamentos de dados que ,
no geral, subsidiam, por exemplo, estudos descritivos. Afinal, a mo-
ral intelectual e científica, bem como a validação do corpus de dados
elencado ao longo de um trabalho acadêmico é o que de fato vai
ratificar ou não a consistência metodológica da pesquisa.
Nesse sentido, ao analisar as políticas educacionais quase sem-
pre somos levados a entender que a formulação destas acontece de
forma impositiva, e, que, o Estado é o único protagonista desse pro-
cesso. Com isso, ao fazer uso das prescrições produzidas no texto
oficial publicado, os destinatários das políticas educacionais enfati-
zam apenas os interesses levantados na dimensão macropolítica. O
mesmo acontece com professores pesquisadores que em seus cursos
de qualificação profissional destinam-se à análise de políticas edu-
cacionais.
Diante do exposto, justifica-se a socialização do escopo meto-
dológico proposto neste trabalho e a relevância desse texto para es-
tudantes e pesquisadores que majoram suas investigações na análise
de políticas públicas, incluso, as políticas educacionais.
Em suma, o Ciclo de políticas é um referencial teórico-meto-
dológico utilizado para analisar as políticas educacionais, conside-
rando que estas são formuladas e reformuladas em campos de nego-

- 210 -
ciação de interesses que compreendem a indissociabilidade entre as
dimensões macro e micropolítico. Desse modo, o Estado não é pen-
sado como protagonista na formulação das políticas públicas, bem
como que a implementação destas não acontece em um exercício
que respeite apenas a hierarquia governamental.
A ideia desta publicação surgiu da dificuldade em selecionar
um referencial de análise para compor o projeto de pesquisa de uma
dissertação. Diante do leque de teorias sobre análises de dados, e,
após algumas disciplinas específicas do curso de mestrado, optou-se
pelo Ciclo de Políticas de Stephen Ball e colaboradores.
Depois disso, percebemos que não são muitos os autores que
tratam especificamente dessa bibliografia, inclusive, poucas obras
de Ball foram traduzidas para o português. Então, com o intuito de
colaborar com a necessidade acadêmica de outros estudantes pes-
quisadores resolvemos submeter este trabalho como sendo mais um
pressuposto teórico-metodológico para ajudar na elaboração de fu-
turos projetos de pesquisas.
Este trabalho tem como objetivo apresentar a integra de uma
proposta metodológica de análise de política educacional mediante
a abordagem do Ciclo de Políticas de Stephen Ball e colaboradores.
Refere-se também a outros autores que ao rigor de uma pesquisa
científica contribuíram para a composição do percurso teórico e me-
todológicos que na ocasião foi delineado. O texto traz ideias que
podem, dentre outros, ajudar na exequibilidade de um projeto de
pesquisa de caráter stricto sensu.

2. Delineamentos metodológicos da pesquisa

A dissertação foi intitulada como “A política de avaliação dos


Indicadores da Qualidade na Educação Infantil: pressupostos legais e
estruturais de uma escola pública de Humaitá-AM”, e, a seguir, apre-
sentaremos a íntegra do capítulo que tratou dos delineamentos me-
todológicos utilizados na pesquisa. Ressalta-se que a narrativa é a
mesma utilizada para justificar á banca examinadora a abordagem
teórico-metodológica utilizada no decorrer daquela investigação.
Claro, visando a produção de vigor científico, buscamos cor-
relacionar as abordagens e os procedimentos às contribuições dos
autores elencados, bem como destacar os motivos e as justificativas

- 211 -
que nos levaram à realização desta proposta investigativa. Igualmen-
te, discorremos acerca dos elementos que antecederam a disposição
teórico-metodológica da pesquisa propriamente dita. Enfatizamos,
também, os fatores que nos levaram à escolha da temática abordada.
Posterior a isso, trazemos algumas considerações e as referências uti-
lizadas na elaboração da proposta que se segue.

3. Tema e delimitação do tema

No contexto da educação escolar o processo ensino-aprendi-


zagem, objetiva, propor na Educação Infantil melhores condições
institucionais possíveis (física, administrativa e pedagógica) para a
incrementar dos aspectos do desenvolvimento humano nas crian-
ças. Para tanto, a prática educativa deve, antes, ser contemplada com
diversidade didática, interações ambientais, espaciais e interpessoais
específicas para o desenvolvimento da criança desde a primeira in-
fância.
Antever a relevância das dimensões que estruturam as insti-
tuições de ensino que ofertam a escolarização para alunos de zero
a cinco anos é primordial para que as crianças nas fases subsequen-
tes de sua vida acadêmica não sejam penalizadas pela deficiência de
oportunidades. Na etapa da Educação Infantil as crianças devem,
considerando a intencionalidade pedagógica, descobrir e solucio-
nar situações problemas, as quais as habilitarão proporcionalmente
a realizar equilibrações e assimilações de novos conhecimentos que
naturalmente surgem no decorrer do desenvolvimento humano.
Conforme Marconi e Lakatos (2003, p. 44), “[...] o tema é o as-
sunto que se deseja provar ou desenvolver; é uma dificuldade, ainda
sem solução, que é mister determinar com precisão, para intentar,
em seguida, seu exame, avaliação crítica e solução”. Segundo as au-
toras, a escolha de uma temática deve levar em consideração fatores
internos e externos.
Assim sendo, com relação ao tema, este estudo propõe uma
abordagem qualitativa no que tange à legalidade e à realidade das
instituições de Educação Infantil sobre as políticas educacionais vol-
tadas à avaliação da qualidade da Educação formal nos primeiros
anos de escolarização.
Delimitar é um exercício de objetividade. Na pesquisa cien-
tífica, trata-se de uma etapa que deve considerar ainda mais as di-

- 212 -
mensões e os fatores internos e externos, uma vez que o propósito da
delimitação da temática deve considerar a disponibilidade de tempo
e de espaço de todos os envolvidos no universo da pesquisa, prin-
cipalmente daqueles que estarão fazendo o papel de pesquisadores.
Segundo Marconi e Lakatos (2003):
Após a escolha do assunto, o passo seguinte é a sua delimitação. É
necessário evitar a eleição de temas muito amplos que ou são como
objeto de pesquisa aprofundada ou conduzem a divagações, discus-
sões intermináveis, repetições de lugares comuns ou “descobertas”
já superadas. (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 45).

Conforme as autoras, para a delimitação do tema, faz-se ne-


cessário destacar o objeto/sujeito de pesquisa, apresentado neste
ponto como Políticas Educacionais na Educação Infantil. Para as
pesquisadoras:
O sujeito é a realidade a respeito da qual se deseja saber alguma
coisa. É o universo de referência. Pode ser constituída de objetos,
fatos, fenômenos ou pessoas a cujo respeito faz-se o estudo com dois
objetivos principais: ou de melhor apreendê-los ou com a intenção
de agir sobre eles. O objeto de um assunto é o tema propriamente
dito. Corresponde àquilo que se deseja saber ou realizar a respeito
do sujeito. É o conteúdo que se focaliza, em tomo do qual gira toda a
discussão ou indagação. (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 45).

Ao delimitarmos esta pesquisa à política de avaliação dos in-


dicadores da qualidade da Educação Infantil: pressupostos legais e
estruturais de uma escola pública de Humaitá-AM, este estudo pro-
curou, dentre outros, apontar a importância de a criança cursar a
Educação Infantil de maneira sistemática, compostas por ações com
intencionalidades pedagógicas e diversificadas.
Todavia, sendo uma das etapas da educação formal, o ensino
escolar na infância não terá efeito legal e pedagógico se não estiver
contemplado por um ambiente que propicie a todos do quadro fun-
cional da escola condições adequadas para a operacionalização das
dimensões e dos indicadores que constituem a qualidade do atendi-
mento que culmine, inclusive, com o ensino significativo.
Considerando os fatores internos que nos levaram a selecio-
nar o tema proposto, mencionamos, em primeiro lugar, eu1 já ter
1 Neste momento, peço licença para o uso da primeira pessoa do singular para descrever
as experiências pessoais que me levaram à escolha do tema desta pesquisa.

- 213 -
pesquisado sobre a temática em um estudo monográfico ao final de
minha formação inicial. Em segundo, por ser licenciado em Pedago-
gia, vejo, neste trabalho, perspectivas importantes de complementa-
ção para a minha formação inicial.
Ademais, as duas experiências citadas ajudaram-me a enten-
der a Educação Infantil como um objeto de estudo que mereça re-
correntes investigações, ao mesmo tempo que, como dito, estudar
e pesquisar sobre essa temática me fez discernir que este projeto de
pesquisa, da forma como delimitamos sua temática, possui alto grau
de exequibilidade.
Como fatores externos, cito as disponibilidades de tempo para
realizar as etapas da pesquisa, de estudos globais e locais que agre-
garam referenciais teóricos específicos sobre a temática que pude-
ram embasar minhas inferências e interpretações acerca da relação
discursiva que tive com os autores que anteciparam esta pesquisa.
Outrossim, a possibilidade de consultar in loco doutores que fazem
parte do programa de Pós-Graduação ao qual este projeto de pes-
quisa foi submetido, bem como ser orientado por um profissional de
igual formação.

4. Amostra

De acordo com a Coordenação de Educação Infantil da SE-


MED/Humaitá-AM, das 12 escolas situadas no perímetro urbano do
município, 07 instituições atendem à demanda de alunos na faixa
etária desta etapa de ensino. Das escolas que estão instaladas na sede
da cidade, 04 atendem especificamente a faixa etária que compreen-
de a Educação Infantil e, outras 03 escolas atendem a mesma faixa
etária, entretanto, dividem o espaço escolar com turmas dos anos
iniciais do Ensino Fundamental.
A escola campo desta investigação foi elencada dentre as sete
instituições de ensino que atendem a Educação Infantil no perímetro
urbano do município de Humaitá-AM. Somada à escolha intencio-
nal e não probabilística, os critérios de escolha também contempla-
ram: compor a rede municipal de ensino e ter anuência da gestão
da escola e da SEMED-Humaitá/AM para fazer parte da pesquisa;
disponibilidade da escola e profissionais participantes durante o pe-
ríodo de exequibilidade da pesquisa; o participante ter vínculo em-

- 214 -
pregatício com a SEMED-Humaitá-AM mediante concurso público,
com fins de manter a assiduidade dos participantes durante o perío-
do em que estiverem colaborando com a pesquisa.
Para entender o comportamento dos receptores da política de
avaliação dos IQUEI no contexto da prática da escola pesquisada o
recorte amostral foi de 12 profissionais inerentes ao corpo funcional
da mesma instituição de ensino, sendo: 12 graduados e 09 pós-gra-
duações (especialistas), compreendendo às áreas funcionais de ges-
tão escolar, coordenação e docência.

5. Metodologia
Pensando na dimensão stricto sensu desta pesquisa, optamos,
por seu delineamento, em tratar o objeto de estudo a partir do Ci-
clo de políticas proposto por Ball e Bowe, conforme estudos de Mai-
nardes (2006, 2007), Mainardes e Marcondes (2009) Zanetti et al.
(2014), Lima e Gandin (2012) e Lopes e Macedo (2011).
Buscamos maior profundidade do contexto da prática no qual
a instituição de ensino pesquisada e os participantes da pesquisa se
encontram. Nesse sentido, enfatizamos os embates e as disputas que
permearam os contextos macro e micropolíticos de formulação dos
IQUEI como ação da política educacional de avaliação da Educação
Infantil em caráter institucional. Contudo, consideramos os contex-
tos do processo de formulação de políticas educacionais elaborados
por Ball e colaboradores conforme as contribuições dos autores an-
teriormente citados.
A proposta metodológica desta pesquisa aborda pressupostos
teóricos considerando as contribuições de diversos estudiosos, ao
passo que os caminhos sugeridos para a realização desta investiga-
ção contemplaram elementos necessários a realização de uma pes-
quisa de cunho científico. Segundo Gerhardt e Silveira (2009):
Methodos significa organização, e logos, estudo sistemático, pesqui-
sa, investigação; ou seja, metodologia é o estudo da organização,
dos caminhos a serem percorridos, para se realizar uma pesquisa
ou um estudo, ou para se fazer ciência. Etimologicamente, significa
o estudo dos caminhos, dos instrumentos utilizados para fazer uma
pesquisa científica. (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 12)

Para elucidar os caminhos que realizamos no decorrer desta


investigação, elencamos, a seguir, os elementos que fizeram parte do

- 215 -
direcionamento deste trabalho. Marconi e Lakatos (2003), diferen-
ciando método de métodos, explicam que o método de abordagem
de uma pesquisa se caracteriza, de certa forma, pelo grau de distan-
ciamento que possui em relação ao objeto de estudo na realidade na
qual está inserido.
A princípio, o método de abordagem de uma pesquisa dire-
ciona um olhar decrescente que configura buscar os objetivos da
pesquisa partindo de uma dimensão mais extensa do problema le-
vantado para as particularidades vividas, observadas e/ou levantadas
no campo de pesquisa.
Esse movimento decrescente possibilita uma “[...] ligação
entre Estado e processo micropolíticos ou macro e microanálise”
(MAINARDES, 2006), sendo o “Método do Ciclo de políticas” um
referencial teórico que incorpora ambas as dimensões (MAINAR-
DES; MARCONDES, 2009).
De fato, o sentido restrito circunstanciado pela perspectiva
teórico-metodológica de um produto de projeção stricto sensu (dis-
sertação) certamente não vislumbra abordagens muito abrangentes
do objeto de estudo. Entretanto, não podemos desconsiderar, neste
caso, a conjuntura de acontecimentos que precederam o contexto da
prática da política educacional que estudamos.
Do mesmo modo, procuramos responder às questões nortea-
doras de maneira a sustentá-las ou não, contemplando, neste estudo,
as principais características das pesquisas que apresentam a busca de
seus dados a partir da natureza qualitativa, como se apresenta nesta
investigação, compondo, com isso, os nexos para os procedimentos
que foram utilizados.
Com efeito, utilizamos, neste estudo, argumentos do Ciclo de
políticas na análise do processo de formulação dos Indicadores da
Qualidade na Educação Infantil como política educacional de avalia-
ção dos Parâmetros Nacionais da Qualidade para a Educação Infantil
nos contextos macro e micropolíticos que decorrem as influências
e a elaboração do texto da política estudada, bem como a tradução
desta pelos participantes da pesquisa no contexto da instituição de
ensino eleita como local de análise.
Ao optarmos pelo método do Ciclo de políticas, surgiu a ne-
cessidade de esclarecermos sobre os métodos procedimentais utili-
zados para tratar dos contextos na análise dos indicadores de quali-
dade da instituição de ensino lócus da pesquisa.

- 216 -
Ressaltamos que o processo analítico considerou as dimensões
macro e micropolíticos que compõem o processo de formulação das
políticas educacionais, configurando, com isso, um movimento que
perpassa pela “[...] política proposta (intenção do governo), a polí-
ticas de fato (texto legislativos/lei) e as políticas de uso (prática ins-
titucional)” (MAINARDES, 2006, p. 49), retomando os primórdios
do pensamento de Ball e Bowe, quando da elaboração do Ciclo de
políticas. De acordo com Marconi e Lakatos (2003),
[...] os métodos de procedimento seriam etapas mais concretas da
investigação, com finalidade mais restrita em termos de explicação
geral dos fenômenos e menos abstratas. Pressupõem uma atitude
concreta em relação ao fenômeno e estão limitados a um domínio
particular. (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 106).

Os delineamentos que faremos a partir de agora se voltam,


no campo de pesquisa, aos procedimentos e às técnicas que retra-
tam em muito a qualidade dos resultados que obtivemos ao final da
investigação. Com isso, ratificamos que o Ciclo de políticas é um
referencial teórico-analítico, dinâmico e flexível, que contempla os
contextos das políticas educacionais de maneira não linear, trazendo
reflexos, inclusive, dos receptores dessas políticas, como profissio-
nais em educação que participaram da pesquisa (gestores, pedago-
gos e professores) e que estão diretamente inseridos no contexto da
prática da escola.
Nesse propósito, no que se refere à natureza dos dados, opta-
mos pela abordagem qualitativa (GIL, 2010). A opção por essa abor-
dagem aconteceu por sua afinidade com a pesquisa de campo, a qual
foi realizada com a flexibilidade que ela proporciona pela escolha
e utilização dos instrumentos de coleta de dados, alinhando-se ao
caráter analítico do Ciclo de políticas.
Em pesquisas qualitativas, é frequente que o pesquisador pro-
cure entender o fenômeno de acordo com o ponto de vista dos par-
ticipantes da situação estudada. Para Godoy (1995):
Segundo esta perspectiva, um fenômeno pode ser melhor com-
preendido no contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser
analisado numa perspectiva integrada. Para tanto, o pesquisador vai
a campo buscando captar o fenômeno em estudo a partir da pers-
pectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos
de vista relevantes. (GODOY, 1995, p. 21).

- 217 -
A partir daí, os estudos descritivos propostos colaboraram
para situar as inferências/interpretações das análises, das descrições
e das compreensões dos fatos e das variáveis levantadas pelo referen-
cial teórico e participantes envolvidos na pesquisa.
Analisar a política educacional de avaliação dos indicadores
da qualidade da Educação Infantil em seus pressupostos legais e es-
truturais, como dito, é o principal objetivo desta investigação. Para a
materialização deste objetivo, abordamos a articulação macro e mi-
cropolítica dos contextos propostos no Ciclo de políticas de Stephen
Ball e Richard Bowe na análise da política educacional de avaliação
dos Indicadores da Qualidade na Educação Infantil. Segundo Mai-
nardes (2006):
Essa abordagem destaca a natureza complexa e controversa da po-
lítica educacional, enfatiza os processos micropolíticos e a ação dos
profissionais que lidam com as políticas no nível local e indica a
necessidade de se articularem os processos macro e micro na análise
de políticas educacionais. (MAINARDES, 2006, p. 49).

Considerando o método de análise de políticas educacionais


elaborado por Ball e seus colaboradores, “[...] a política torna-se
uma categoria percebida como texto, discurso e ações produzidas
nos contextos da influência, contexto da produção de texto, contexto
da prática, que se inter-relacionam como em um ciclo” (ZANETTI
et al., 2014, p. 7).
Nesse sentido, ressaltamos que, neste estudo, atentamos aos
contextos de influência, contexto de produção de texto e contexto da
prática na tentativa de responder aos objetivos específicos da pesqui-
sa. Para Mainardes (2007):
O contexto de influência é o território onde surgem as políticas pú-
blicas de educação e seus discursos. Nesse contexto se movimentam
arenas públicas formais como comissões e grupos representativos,
organizações multilaterais, comunidades científicas, movimentos
sociais dentre outras redes sociais que atuam “dentro e em entorno
dos partidos políticos, do governo e do legislativo”. (MAINARDES,
2007, p. 29).

As informações sobre o contexto de influência foram elen-


cadas a partir de pesquisa bibliográfica em documentos que des-
crevem os embates e os interesses dos envolvidos nos argumentos
macro de formulação dos “indicadores de qualidade”, bem como a

- 218 -
realização de entrevista semiestruturada com os receptores da polí-
tica educacional (gestores, pedagogos e professores) no contexto da
prática escolar. O objetivo foi analisarmos as influências e os fatores
que ocasionaram a implementação dos indicadores da qualidade da
Educação Infantil como proposta de avaliação dos PNQEI.
Conforme aponta Mainardes (2006):
O contexto da produção de texto está normalmente articulado com
a linguagem do interesse público mais geral. Os textos políticos,
portanto, representam a política. Essas representações podem to-
mar várias formas: textos legais oficiais e textos políticos, comentá-
rios formais ou informais sobre os textos oficiais, pronunciamentos
oficiais, vídeos etc. Os textos políticos são o resultado de disputas e
acordos, pois os grupos que atuam dentro dos diferentes lugares da
produção de textos competem para controlar as representações da
política. (MAINARDES, 2006, p. 52).

A visibilidade da produção de textos foi analisada a partir da


apreciação do documento Indicadores da Qualidade na Educação
Infantil, bem como a tradução dessa política de avaliação pelos par-
ticipantes da pesquisa. Para isso, utilizamos estudos descritivos sub-
sidiados por questionários e entrevistas com os sujeitos da pesquisa.
O objetivo foi analisarmos, no contexto macropolítico, as dis-
putas e os embates dos grupos de interesses que permearam o pro-
cesso de produção textual dos indicadores de qualidade da Educação
Infantil. De acordo com Mainardes (2006), o contexto da prática
[...] é onde a política está sujeita à interpretação e recriação e onde
a política reproduz efeitos e consequências que podem representar
mudanças e transformações significativas na política original. Esta
abordagem, portanto, assume que os professores e demais profis-
sionais exercem um papel ativo no processo de interpretação e re-
interpretação das políticas educacionais e, dessa forma, o que eles
pensam e no que acreditam têm implicações para o processo de im-
plementação das políticas. (MAINARDES, 2006, p. 53).

Para compreender o contexto da prática na análise da política


educacional de avaliação da qualidade da Educação Infantil, aplica-
mos, no contexto da escola, lócus da pesquisa, a política de avaliação
dos indicadores de qualidade, instituição de ensino situada na área
urbana do município.
Para isso, procedemos com o levantamento das características
do lócus e dos participantes da pesquisa; entrevista semiestruturada

- 219 -
com o gestor escolar, professores e pedagogos, os quais compuseram
o corpus de dados de 12 profissionais; e questionário de perguntas
abertas e fechadas dos IQUEI. O objetivo foi avaliarmos as dimen-
sões e os indicadores de qualidade da Educação Infantil em uma es-
cola pública do município de Humaitá-AM.
No âmbito dos contextos abordados, analisamos as relações
de poder, de disputas e de negociações nas dimensões macro e mi-
cropolíticos, considerando, com isso, um movimento interpretativo
não linear que vai do Estado aos receptores das políticas no cotidia-
no das escolas de Educação Infantil; neste caso, profissionais da ins-
tituição de Educação Infantil investigada: gestor(a), professores(as)
e pedagogo(a).
Como vimos, as respostas aos objetivos específicos desta pes-
quisa remetem-nos à necessidade não apenas de subsídios quantita-
tivos isoladamente, mas, ao mesmo tempo, de verificarmos o quanto
a análise dos contextos de formulação de políticas educacionais pode
mostrar a interferência direta e/ou indireta da qualidade do ensino
das instituições e na condição de trabalho dos profissionais nelas in-
seridos. Isso ratifica a necessidade de um estudo de campo, o qual,
[...] possibilita uma aproximação e um entendimento da realidade
a investigar como um processo permanentemente inacabado. Ela se
processa através de aproximações sucessivas da realidade, fornecen-
do subsídios para uma intervenção no real. (GERHARDT; SILVEI-
RA, 2009, p. 36).

Confluindo com as autoras, esta investigação de fato contem-


pla, no contexto da prática, a análise da política educacional de for-
ma mais aproximada possível da realidade em que está sendo recep-
cionada.
A propósito: “O interesse da pesquisa de campo está voltado
para o estudo de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e ou-
tros campos, visando à compreensão de vários aspectos da socieda-
de” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 189). Igualmente, o trabalho
de campo desta pesquisa leva ao efeito os objetivos procedimentais
que permeiam investigações que transcorrem de estudos descritivos,
contemplando, do mesmo modo, os procedimentos de coleta de da-
dos propostos pela análise a partir do Ciclo de políticas. Sobre a co-
leta de dados, Severino (2007) afirma que:

- 220 -
[...] é a fase da pesquisa em que indaga a realidade e se obtêm dados
pela aplicação de técnicas. Em pesquisa de campo, é comum o uso
de questionário e entrevista. A escolha do instrumento de pesquisa,
porém, dependerá do tipo de informação que se deseja obter ou do
tipo de objeto de estudo. (SEVERINO, 2007, p. 105).

A aproximação à realidade do local dos participantes da inves-


tigação concretizou-se por meio da interação própria do cotidiano
pesquisado e o pesquisador quando da aplicação das técnicas e dos
instrumentos de coleta de dados que foram utilizados; neste caso,
entrevista semiestruturada e questionário com perguntas abertas e
fechadas. “Nas entrevistas semiestruturadas, o pesquisador busca
conseguir, por meio da conversação, dados que possam ser utiliza-
dos em análise qualitativa, ou seja, os aspectos considerados mais
relevantes de um problema de pesquisa” (SEVERINO, 2007, p. 108).
Para Barros e Lehfeld (2007):
O questionário é o instrumento mais usado para o levantamento de
informações. Não é restrito a uma quantidade de questões, porém
aconselha-se que não seja muito exaustivo, para que não desanime
o pesquisado. O questionário pode possuir perguntas fechadas ou
abertas e ainda a combinação dos dois tipos. (BARROS; LEHFELD,
2007, p. 106).

Na busca dos pressupostos decorridos pelos autores, realiza-


mos, antes de tudo, conversas informais com os participantes já cita-
dos para sabermos sobre a disponibilidade da realização da pesquisa.
Na ocasião, apresentamos informações a respeito do estudo
que faríamos, inclusive, pontuamos as ações referentes aos objetivos,
aos procedimentos que seriam empregados, aos aspectos éticos, ao
local da pesquisa e às informações fornecidas pela escola e partici-
pantes mediante os estudos descritivos que foram realizados. Ade-
mais, o livre arbítrio, podendo os sujeitos dessa pesquisa interrom-
per a participação, a qualquer momento, com a assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE.
Considerando Marconi e Lakatos (2003), os estudos descri-
tivos podem ser combinados nos aspectos “documentais e contato
direto”. Diante do exposto, recorremos a fontes documentais primá-
rias, pois, dentre outros, analisamos o contexto de produção de texto
dos Indicadores da Qualidade na Educação Infantil. “Os contatos di-
retos da pesquisa de campo são realizados com pessoas que podem

- 221 -
fornecer dados ou sugerir possíveis fontes de informações úteis. As
duas tarefas, pesquisa bibliográfica e de campo, podem ser execu-
tadas concomitantemente” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 159).
As entrevistas e a aplicação dos questionários aconteceram
com as visitas/encontros realizadas na instituição de ensino onde
ocorreu a pesquisa. Na tentativa de agilizar e evitar ao máximo os
contratempos entre os envolvidos no processo de investigação, cria-
mos uma rede de contato para aludir as atividades que envolveriam
a pesquisa. As transcrições das entrevistas e dos formulários foram
realizadas por meio do software Google Docs e processadas por meio
de digitação por voz.

6. Considerações finais

A priori, os resultados alcançados com a proposta aqui apre-


sentada foram muito satisfatórios. Revelaram que a análise de polí-
ticas educacionais através da abordagem do Ciclo de Políticas traz
instrumentos que analisam não somente a dimensão macropolítica
do processo de formulação, mas, além disso, busca a trajetória, que,
ao conjunto de suas deliberações contemplam variáveis que vão da
formulação da política educacional à interpretação e reinterpretação
da mesma por seus destinatários no contexto da prática escolar.
A posteriori, vislumbramos acrescentar aos alunos/pesquisa-
dores e aos destinatários das políticas educacionais, um referencial
teórico e metodológico que possa contribuir na elaboração de novas
propostas investigativas na área de políticas educacionais.
Outrossim, trazer argumentos que desafine a máxima de que
o Estado é o principal ator quando da trajetória de uma política edu-
cacional. Igualmente, confluir que a intepretação das políticas edu-
cacionais está inerente ao seu processo de formulação, e, que, este
processo acontece de maneira cíclica e/ou anacrónica e não de for-
ma linear. Enfim, os destinatários das políticas educacionais são os
atores que no contexto da prática escolar reinterpretam a política
proposta conforme sua realidade escolar.

7. Referências

BARROS, Aidil J. S.; LEHFELD, Neide A. S. Fundamentos de meto-


dologia científica. 3. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

- 222 -
BRASIL. Ministério da Educação. Indicadores da Qualidade na Edu-
cação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2009. Disponível em: <http://
portal.mec.gov.br/dmdocuments/indic_qualit_educ_infantil.pdf>.
Acesso em: 12 mar. 2018.
GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo. Métodos de
pesquisa. Porto Alegre: UAB/UFRGS, 2009.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São
Paulo: Atlas, 2010
Godoy, A. S. (1995). Introdução à pesquisa qualitativa e suas possi-
bilidades. RAE-Revista de Administração de Empresas, 35(2), 57-
63. Disponível em: < https://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/38183-
75982-10-pb.pdf >. Acesso em: 20 abr. 2019.
LIMA, Iana Gomes de; GANDIN, Luís Armando. Ciclo de políticas:
focando o contexto da prática na análise de políticas educacionais.
In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 35., 2012, Porto de Galinhas.
Anais eletrônicos [...]. Porto de Galinhas: Convention Center 2,
2012. Disponível em: http://www.anped.org.br/sites/default/files/
gt05-1943_int.pdf. Acesso em: 13 set. 2019.
LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Contribuições de Ste-
phen Ball para o estudo de políticas de currículo. In: BALL, Stephen
J.; MAINARDES, Jefferson. (org.). Políticas educacionais: questões e
dilemas. São Paulo: Cortez, 2011. p. 248-282.
MAINARDES, Jefferson. Abordagem do Ciclo de Políticas: uma
contribuição para a análise de políticas educacionais. Educação &
Sociedade, Campinas, v. 27, n. 94, pp. 47-69, jan./abr. 2006. Acesso
em: < https://www.scielo.br/pdf/es/v27n94/a03v27n94.pdf >. Acesso
em: 15 set. 2018.
MAINARDES, Jefferson. Reinterpretando os Ciclos de Aprendiza-
gem. São Paulo: Cortez, 2007.
MAINARDES, Jefferson; MARCONDES, Maria Inês. Entrevista
com Stephen J. Ball: um diálogo sobre justiça social, pesquisa e polí-
tica educacional. Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, n. 106, p.
303-318, jan./abr. 2009. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/
es/v30n106/v30n106a15.pdf >. Acesso em: 15 set. 2018.
MARCONI, Maria de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamen-

- 223 -
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SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico.
23. ed. São Paulo: Cortez, 2007.
ZANETTI, Alexsandra et al. Educação Infantil em quatro municí-
pios: um olhar a partir da abordagem do ciclo de políticas. In: SE-
MINÁRIO DE GRUPOS DE PESQUISA SOBRE CRIANÇAS E IN-
FÂNCIAS, 4., 2014, Goiânia. Anais eletrônicos [...]. Goiânia: UFG,
2014. Disponível em: https://grupeci.fe.ufg.br/up/693/o/RE08.PDF.
Acesso em: 10 set. 2018.

- 224 -
Sobre os (as) autores (as)
ALCIONI DA SILVA MONTEIRO
Possui Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ensi-
no de Ciências e Humanidades - PPGECH (2019), Pós-graduação
em Gestão Pública (2014), Licenciatura em Artes Visuais (2013) e
Pedagogia (2006), ambas pela Universidade Federal do Amazonas
(UFAM). Atualmente é Professora Municipal - SEMEC e Professora
Substituta de Artes e Metodologia do Trabalho Científico no IFAM
Campus Lábrea (2021). Tem experiência como Formadora Pesquisa-
dora no Programa Saberes Indígenas pelo IFAM (2017), Coordena-
ção pedagógica municipal com ênfase na docência do Ensino Fun-
damental e Educação Infantil e professora da Educação do Campo.

CARMEN TEREZA VELANGA


Professora titular aposentada da Universidade Federal de Ron-
dônia, área de EDUCAÇÃO. Pós-doutora em Educação pela Univer-
sidade de São Paulo FE-USP, 2014. Doutora em Educação: Currículo
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP, 2003),
Membro dos grupos de Pesquisa: Práxis (UNIR e UFOPA), EDUCA
(PPGEE/ MEPE;UNIR); Grupo de Estudos Interdisciplinares das
Fronteiras Amazônicas - GEIFA (UNIR/Guajará-Mirim) e HISTE-
DBR(UNIR). Estuda línguas e culturas na Califórnia (EUA).

CLARIDES HENRICH DE BARBA


Doutor em Educação Escolar, Professor lotado no Departa-
mento de Filosofia-UNIR e atua nos Programas de Mestrado aca-
dêmico em Educação e Mestrado e Doutorado Profissional em
Educação Escolar. É líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em
Educação Ambiental no contexto amazônico. Orienta pesquisas em
Educação Ambiental, Ambientalização Curricular, Políticas Públicas
em Educação ambiental no contexto amazônico

CRISTINA LEITE
Professora Dra do Instituto de Física da USP. Orientadora do
Programa de Pós-graduação Interunidades em Ensino de Ciências
da USP. Licenciada em Física pela USP, mestre em Ensino de Ciên-
cias pela USP e doutora em Educação pela USP (2006). Foi professo-

- 225 -
ra em Escolas Públicas (efetiva) e Privadas da Cidade de São Paulo.
Integrou a equipe de redatores da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) de Ciências da Natureza para o Ensino Fundamental e Mé-
dio. Atualmente é a coordenadora da Licenciatura em Física da USP
e vice-coordenadora da CAPEF (Comissão de Pesquisa em Ensino
de Física da SBF). Principal área de atuação: Pesquisas em Ensino de
Ciências, Física e Astronomia, com enfoque em currículo, propostas
e materiais didáticos e na abordagem multicultural.

ELIANE REGINA MARTINS BATISTA


Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Ama-
zonas – UFAM, especialista em Psicopedagogia pela Universidade
Federal de Rondônia – UNIR, Mestre em Educação pela Universida-
de Federal do Amazonas (2010), Doutora em Educação em Ciências
e Matemática na Universidade Federal do Mato Grosso – UFMT.
Professora adjunta no Instituto de Educação, Agricultura e Ambien-
te- IEAA da Universidade Federal do Amazonas, no município de
Humaitá Amazonas. Área de atuação: Formação de Professores, po-
liticas curriculares, educação em ciências. Atualmente, professora no
mestrado acadêmico Ensino de Ciências e Humanidades no IEAA/
UFAM. E-mail: anne_tista@hotmail.com

ELRISMAR AUXILIADORA GOMES OLIVEIRA


Doutora em Ensino de Ciências com ênfase em Física pela
Universidade de São Paulo – USP. Docente do Instituto de Educa-
ção, Agricultura e Ambiente e do Programa de Pós-Graduação em
Ensino de Ciências e Humanidades na Universidade Federal do
Amazonas – UFAM. Amazonas, Brasil. Realiza pesquisas na área de
Ensino de Ciências, com ênfase em Ensino de Física e Astronomia,
abordando principalmente temas relacionados com processos de en-
sino-aprendizagem de conceitos, interdisciplinaridade, diversidade,
alfabetização científica e suas implicações na qualidade dos mate-
riais didáticos e em práticas da sala de aula.

ÉRICA DE OLIVEIRA
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em
Ensino de Ciências, com área de concentração em Ensino de Físi-
ca, e licenciada em Física, ambas as titulações pela Universidade de

- 226 -
São Paulo (USP). Atuou como bolsista do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e atualmente é professora de
Física do SENAC São Paulo. Possui experiência de colaborações em
editoras na produção de materiais didáticos de Ciências. Principais
áreas de atuação: Astronomia Cultural; Material didático; Ensino de
Física.

EULINA MARIA LEITE NOGUEIRA


Licenciatura em Estudos Sociais; Licenciatura em História e
Licenciatura em Pedagogia, possui especialização em Educação Es-
pecial, Mestrado e Doutorado em Educação. Professora e Pedagoga
da rede pública do Estado do Amazonas de 1986-2005, professora
adjunta da Universidade Federal do Amazonas desde 2006. Traba-
lha na formação de professores e desenvolve atividades de pesquisa
e extensão em Educação do Campo, Educação Indígena, Políticas
Públicas e Currículo.

EULIENE DA SILVA GONÇALVES.


Filósofo Educador graduado em Filosofia e Pedagogia; espe-
cialista em Metodologia do Ensino Superior e Filosofia Clínica; mes-
tre em Educação, PPGE/MEDUC/UNIR. Profº EBTT de Filosofia,
IFRO, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Educação a Distância
(GEPD) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Ensino de Fi-
losofia (NESEF). Áreas de interesse: currículo, práticas pedagógicas,
ensino de filosofia, educação filosófica, educação profissional, traba-
lho. Projeto atual: o ensino de filosofia no IFRO. http://lattes.cnpq.
br/4941273797552731. https://orcid.org/0000-0002-9154-2926

ILMAÇARA PEREIRA NEVES


Graduada no Curso Normal Superior pela Universidade Esta-
dual do Amazonas - UEA, Mestre em Ensino de Ciências e Humani-
dade pela Universidade Federal do Amazonas (2018), professora de
Magistério Ensino Fundamental Anos Finais – Seduc/AM E-mail:
ilmacara@gmail.com.

KELLYANE LISBOA RAMOS.


Grupo ou rede de pesquisa e extensão: NEABI- Núcleo de
Estudos e Pesquisas Afro Brasileira e Indígena. Título: Mestre em

- 227 -
Ensino de Ciências e Humanidades pela UFAM-Universidade Fe-
deral do Amazonas..Licenciatura em Pedagogia; Pós Graduação em
Psicopedagogia Clínica e Institucional; Pós Graduação em Ensino de
História. Mestrado em Ensino de Ciências e Humanidades. Vínculo:
Pedagoga na rede estadual de ensino SEDUC/AM.

LUCIANE ROCHA PAES


Possui graduação em PEDAGOGIA pela Faculdade Salesiana
Dom Bosco (2010-2013) e mestrado em ENSINO DE CIÊNCIAS E
HUMANIDADES pela Universidade Federal do Amazonas (2017-
2018). Cursa Doutorado em Educação na Universidade Federal do
Amazonas. (UFAM)

LUIS ERNESTO SOLANO BECERRIL


Doutor em Estudos Socioculturais pela Universidade Autô-
noma de Aguascalientes (2017). Mestre em Pesquisa Educacional
pela Universidade Autônoma de Aguascalientes (2013) e Bacharel
em Sociologia pela Universidade Autônoma Metropolitana (2011).
Atualmente é Professor Pesquisador na Universidade La Salle Ba-
jío na Linha do Conhecimento “Educação, Contexto Sociocultural e
Humano Desenvolvimento”. Membro da Rede de Pesquisa em Edu-
cação Rural no México.

MARTA DE SOUZA RODRIGUES


Doutoranda do Programa de Pós-graduação Interunidades
em Ensino de Ciências (USP). Possui mestrado em Ensino de Ciên-
cias, licenciatura em Física, bacharel e licenciatura em História - to-
das as titulações pela Universidade de São Paulo (USP). Foi profes-
sora de Física na rede pública estadual de São Paulo e atualmente é
professora de Física da rede privada. Atuou como professora super-
visora no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID) e realizou nos últimos anos diversas colaborações para edi-
toras na produção de materiais didáticos em Ciências e Física. Reali-
za pesquisa na área de Ensino de Ciências, com ênfase em ensino de
Física e Astronomia, abordando temas como a astronomia cultural,
diversidade cultural e povos indígenas no Brasil, interculturalidade e
educação, decolonialidades.

- 228 -
MÁRDILA ALVES BUENO
Licenciada em Ciências: Matemática e Física pela Universida-
de Federal do Amazonas (2015) e possui especialização em Tradução
e Interpretação da Língua Brasileira de Sinais pela Faculdade Santo
André (2016). Cursou mestrado em Ensino de Ciências e Huma-
nidades pela Universidade Federal do Amazonas com enfoque em
Fundamentos e Metodologias para o ensino das Ciências Naturais
e Matemática (2020). É professora de Matemática pela Secretaria
de Estado de Educação e Qualidade de Ensino do Amazonas desde
2016.

NEILA GONÇALVES VINENTE.


É Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do
Amazonas, especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional
pela Faculdade Santo André (FASA), possui mestrado em Ensino de
Ciências e Humanidades - PPGECH (2019) pela Universidade Fede-
ral do Amazonas (UFAM). É professora temporária na Secretaria de
Estado de Educação e Qualidade do Ensino – SEDUC, no município
de Humaitá-Amazonas.

PAULA REGINA HUMBELINO DE MELO


Graduada em Ciências: Biologia e Química pela Universida-
de Federal do Amazonas - UFAM, Mestre em Ensino de Ciências e
Humanidade pela Universidade Federal do Amazonas (2018), Dou-
toranda em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – UFRGS. Atualmente, professora de Magistério su-
perior no Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente – IEAA.
Pesquisadora do Laboratório de Ictiologia e Ordenamento Pesqueiro
do vale do Rio Madeira (LIOP). Área de atuação: Química, Biologia
e Ensino de Ciências. E-mail: Paula_rhm@hotmail.com

RENATO ABREU LIMA


Graduado em Ciências Biológicas (Licenciatura e Bachare-
lado) pelo Centro Universitário São Lucas; Especialista em Gestão
Ambiental pela mesma instituição; Mestre em Desenvolvimento
Regional e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Rondônia
(UNIR) e Doutor em Biodiversidade e Biotecnologia pela Univer-
sidade Federal do Amazonas (UFAM). Professor do Magistério Su-

- 229 -
perior da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) atuando nas
áreas de Ciências, Ensino de Botânica e Ciências Ambientais. Mem-
bro da Sociedade Botânica do Brasil (SBB). CRBio-6 sob nº 073096/
AM-D.

RODRIGO MONTEIRO
Mestre em Ensino de Ciências e Humanidades pela Universi-
dade Federal do Amazonas (2018); graduação em Direito pela Uni-
versidade Vila Velha - UVV (2005); e graduação em Letras - Portu-
guês pela Universidade Paulista (2020). Atua na Direção Geral no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas /
Campus Humaitá. Atua principalmente nos seguintes temas: ética,
formação, ensino e gestão escolar. E-mail: monteiros.adv@hotmail.
com

ROGÉRIO FEITOSA BARROS


Mestre em Educação pela Universidade Federal de Rondô-
nia (UNIR), Licenciado em Pedagogia pela Universidade Federal de
Rondônia (UNIR), vinculado ao grupo de pesquisa PRAXIS UNIR,
Porto Velho – RO, Brasil. Orcid ID: https://orcid.org/0000-0002-
9005-6010. E-mail: educadorbarros@gmail.com

ROMILSON BRITO DE AZEVEDO


Mestre em Ensino de Ciências e Humanidades e graduado em
Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) - Ins-
tituto de Educação, Agricultura e Ambiente (IEAA-Humaitá-AM).
Pedagogo da Secretaria de Educação do Município de Humaitá-AM;
Colaborador no Grupo de Investigação Sobre Relação Educativa e
Aprendizagem (LAPESAM)-IEAA-UFAM. E-mail: romilson.azv-
do16@gmail.com

ROSÂNGELA DE FÁTIMA CAVALCANTE FRANÇA


Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP). Professora do Departamento de Educação (DECED) e no Pro-
grama de Pós-Graduação Strictu Sensu, Mestrado Acadêmico em Edu-
cação (PPGE) da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), líder do
grupo de pesquisa PRAXIS UNIR, Porto Velho - RO, Brasil. Orcid ID:
https://orcid.org/0000-0003-2301-7000. E-mail: rosangela.franca@unir.br

- 230 -
SUELY APARECIDA DO NASCIMENTO MASCARENHAS
Possui graduação em Pedagogia - Supervisão escolar e magis-
tério pela Universidade Federal de Rondônia (1987) e doutorado em
Diagnóstico e avaliação educativa-psicopedagogia pela Universida-
de da Coruña (2004, revalidado e registrado pela UNB). Concluiu
estágio de pós-doutoramento com ênfase em Psicologia Escolar
pela Universidade do Minho (2005), Universidade Autônoma Na-
cional do México-UNAM (2019), Universidade de La Salle, Bajío,
León, México (2019). É professora DE na Universidade Federal do
Amazonas- Campus do Vale do Rio Madeira - Instituto de Educação,
Agricultura e Ambiente - IEAA - Humaitá (2006). Coordena grupos
de pesquisas UFAM/CNPq (2006), dirige periódicos vinculados aos
grupos de pesquisa que lidera:Revistas Educamazônia (2008-atual)
e Revista Amazônica (2008-atual). Coordenou diversos projetos
de pesquisas apoiados pelo CNPq/CAPES e FAPEAM, colabora
com programas de pós-graduação da UFAM, núcleos de estudos e
pesquisas da UFAM, eventos científicos, projetos de extensão uni-
versitária e outras atividades acadêmicas. Ao abrigo do PROCAD/
AMAZÔNIA (PPGE-UFAM/PPGE-UFPA-PPGE-/UFMT, 2019),
exerceu atividades no exterior (México) como professora visitante
convidada, junto às Universidades De La Salle Bajío e Autonôma Na-
cional do México, onde coordena projeto internacional longitudinal
na área da educação superior com a participação de diversos países.

VALMIR FLORES PINTO


Doutor em Estudos do Ensino Superior; Docente da Uni-
versidade Federal do Amazonas (UFAM) no Mestrado Acadêmico
em Ensino de Ciências e Humanidades e de Filosofia no Instituto
de Educação Agricultura e Ambiente, ambos no campus da UFAM
em Humaitá-AM. Atua as seguintes áreas: Filosofia, Epistemologia,
Filosofia da Educação; Ética e Filosofia das Ciências. E-mail: valmir-
fp@ufam.edu.br

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