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PESQ!

JISAS E EXPERIÊNCIAS
EM ENSINO DE HISTÓRIA

EDUA
lOITôll,A()AU),,l\11U-LOA0t.
UOII.AlOOA\l.,/0!'-AS
UFRR
Carla Monteiro de Souza
Marcella Albaine Farias da Costa
Organizadoras

PESQUISAS E EXPERIÊNCIAS EM
ENSINO DE HISTÓRIA

Realização

Embu das Artes - SP


2024
CONSELHO EDITORIAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
Presidente
Henrique dos Santos Pereira
Membros
Antônio Carlos Witkoski
Domingos Sávio Nunes de Lima
Edleno Silva de Moura
Elizabeth Ferreira Cartaxo
Spartaco Astolfi Filho
Valeria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel
Louis Marmoz - Université de Versailles
Antônio Cattani - UFRGS
Alfredo Bosi - USP
Arminda Mourão Botelho - Ufam
Spartacus Astolfi - Ufam
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Bernard Emery - Université Stendhal-Grenoble 3
Cesar Barreira - UFC
Conceição Almeira - UFRN
Edgard de Assis Carvalho - PUC/SP
Gabriel Conh - USP
Gerusa Ferreira - PUC/SP
José Vicente Tavares - UFRGS
José Paulo Netto - UFRJ
Paulo Emílio - FGV/RJ
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Renan Freitas Pinto - Ufam
Renato Ortiz - Unicamp
Rosa Ester Rossini - USP
Renato Tribuzy - Ufam
Diretor da Edua
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Vice-Reitora
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Reitor
Sylvio Puga

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Fernando Leocino da Silva (UFSC)
Flávia Eloisa Caimi (UPF)
Giovani José da Silva (UNIFAP)
Marcus Leonardo Bonfim Martins (UFJF)
Maria do Socorro de Sousa Araújo (UNEMAT)
Mariana de Oliveira Amorim (UNIRIO),
Renilson Rosa Ribeiro (UFMT)
Thiago Nunes Soares (UFPE)
Comitê Científico - Alexa Cultural

Presidente
Yvone Dias Avelino (PUC/SP)

Vice-presidente
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Membros
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Aldair Oliveira de Andrade (UFAM – Manaus/AM)
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Arlete Assumpção Monteiro (PUC/SP - São Paulo/SP)
Barbara M. Arisi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Benedicto Anselmo Domingos Vitoriano (Anhanguera – Osasco/SP)
Carmen Sylvia de Alvarenga Junqueira (PUC/SP – São Paulo/SP)
Claudio Carlan (UNIFAL – Alfenas/MG)
Débora Cristina Goulart (UNIFESP – Guarulhos/SP)
Denia Roman Solano (Universidade da Costa Rica)
Diana Sandra Tamburini (UNR – Rosário/Santa Fé – Argentina)
Edgard de Assis Carvalho (PUC/SP – São Paulo/SP)
Estevão Rafael Fernandes (UNIR – Porto Velho/RO)
Fábia Barbosa Ribeiro (UNILAB – São Francisco do Conde/BA)
Gilse Elisa Rodrigues (UFAM – Benjamin Constant/AM)
Fabiano de Souza Gontijo (UFPA – Belém/PA)
Gilson Rambelli (UFS – São Cristóvão/SE)
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Karel Henricus Langermans (Anhanguera – Campo Limpo - São Paulo/SP)
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Leandro Colling (UFBA – Salvador/BA)
Lilian Marta Grisólio (UFG – Catalão/GO)
Lucia Helena Vitalli Rangel (PUC/SP – São Paulo/SP)
Luciane Soares da Silva (UENF – Campos de Goitacazes/RJ)
Mabel M. Fernández (UNLPam – Santa Rosa/La Pampa – Argentina)
Marilene Corrêa da Silva Freitas (UFAM – Manaus/AM)
María Teresa Boschín (UNLu – Luján/Buenos Aires – Argentina)
Marlon Borges Pestana (FURG – Universidade Federal do Rio Grande/RS)
Michel Justamand (UFAM – Benjamin Constant/AM)
Patricia Sposito Mechi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
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Raquel dos Santos Funari (UNICAMP – Campinas/SP)
Renata Senna Garrafoni (UFPR – Curitiba/PR)
Rita de Cassia Andrade Martins (UFG – Jataí/GO)
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Tharcisio Santiago Cruz (UFAM – Benjamin Constant/AM)
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© by Alexa Cultural

Direção
Gladys Corcione Amaro Langermans
Nathasha Amaro Langermans
Editor
Karel Langermans
Capa
Makdones Santos de Almeida
Revisão Técnica
Carla Monteiro de Souza e Marcella Albaine Farias da Costa
Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica
George Brendom Pereira dos Santos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P474 Pesquisas e experiências em ensino de história [livro eletrônico] / Organizadoras Carla


Monteiro de Souza, Marcella Albaine Farias da Costa. – Embu das Artes, SP: Alexa
CulturaL, Manaus/AM: EDUA. 2024.

203 p. : il.
Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-5467-387-1

1. História – Pesquisa – Brasil. 2. Professores de história – Formação. 3. Prática de


ensino. I. Souza, Carla Monteiro de. II. Costa, Marcella Albaine Farias da.
CDD 900.7

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

Índices para catálogo sistemático:


1. História
2. Formação de Professores
3. Prática de Ensino

Todos os direitos reservados e amparados pela Lei 5.988/73 e Lei 9.610

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Alexa Cultural Ltda Editora da Universidade Federal do Amazonas


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SUMÁRIO

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Carla Monteiro de Souza
Marcella Albaine Farias da Costa

PREFÁCIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Erinaldo Cavalcanti

PARTE I: PESQUISAS EM ENSINO DE HISTÓRIA

UM OLHAR PARA O ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA NA


EDUCAÇÃO RORAIMENSE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Hstéffany Pereira Muniz Araújo
Monalisa Pavonne Oliveira

APROXIMAÇÕES ENTRE A HISTÓRIA ORAL E A MEMÓRIA A


PARTIR DE EXPERIÊNCIAS COM A PESQUISA E O ENSINO
DE HISTÓRIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
Anna Carolina de Abreu Coelho
Alessandra Rufino Santos

PATRIMÔNIO E ENSINO DE HISTÓRIA: O USO DA


FAZENDA SÃO MARCOS COMO FONTE NAS AULAS DE
HISTÓRIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49
Cleicimar Aniceto de Souza
Marcella Albaine Farias da Costa

A PRESENÇA DA HISTÓRIA EM NOSSO LUGAR: HISTÓRIA


REGIONAL A PARTIR DOS RELATOS DE VIAJANTES. . . . . . . 68
André Augusto da Fonseca
Maria Luiza Fernandes

A RELEVÂNCIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NO COMBATE


AO FENÔMENO ANTI-INDÍGENA EM RORAIMA. . . . . . . . . . 88
Marcos Antônio de Oliveira
DESLOCANDO OLHARES SUL/SUDESTE CENTRADOS: O
SENTIR ANCESTRAL NO ENSINO DE HISTÓRIA. . . . . . . . . 105
Marcella Albaine Farias da Costa
Mariana Cunha Pereira
Tiago Nicolau da Silva

HISTÓRIA INDÍGENA CANTADA: A MÚSICA DE ELIAKIN


RUFINO COMO MATERIAL DIDÁTICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Alfredo Clodomir Rolins de Souza
Raimunda Gomes da Silva

HISTÓRIA E GAMES: O ENSINO-APRENDIZAGEM NA


PERSPECTIVA DE JOGADORES EM RORAIMA. . . . . . . . . . . . 137
Ronison do Nascimento Sousa
Carla Monteiro de Souza

PARTE II: EXPERIÊNCIAS EM ENSINO DE HISTÓRIA

HISTÓRIA DAS MULHERES, PRÁTICA DE PESQUISA E A


HISTÓRIA LOCAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA. . . . . . . . . . . . . . . 155
Rutemara Florencio

ME HISLUDI - UM JEITO DIFERENTE DE APRENDER


HISTÓRIA: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM
NAS AULAS DE HISTÓRIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
Herika Souza do Valle
Suelen Mayane Galvão

HISTÓRIAS, MEMÓRIAS E TRABALHO EM EQUIPE: UM


PASSEIO HISTÓRICO COM ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
EM 2022. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184
José Victor Dornelles Mattioni
Letícia Barbosa Aquino Silva
Rafaela Pinheiro Souza

SOBRE OS/AS AUTORES/AS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195


Carla Monteiro de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

APRESENTAÇÃO

É com muita satisfação que apresentamos a primeira publicação organizada


pelo Programa Profissional em Ensino de História da Universidade Federal de
Roraima – PROFHISTÓRIA/UFRR, e que representa mais uma conquista para
os profissionais de História do estado de Roraima.
Iniciamos nossas atividades em março de 2020, juntamente com a pandemia
da COVID19. Nos dois primeiros anos do curso de mestrado tivemos que nos
reinventar, como os demais docentes e estudantes do mundo, diante do imperativo
do distanciamento social e da necessidade da adoção do ensino remoto. Ainda
assim, não desanimamos, ao contrário, buscamos superar as dificuldades juntos
e, ao olharmos em retrospecto, sabemos que saímos mais fortes, apesar de toda
aflição, sofrimento e perdas.
Em nosso estado, dividido em 15 municípios, nos quais reside uma população
de 636.707 pessoas, contamos com uma rede escolar majoritariamente pública,
sendo 630 de Ensino Fundamental e 168 de Ensino Médio1. Temos dois cursos
de licenciatura em História, um na Universidade Federal de Roraima e outro na
Universidade Estadual de Roraima, que já formaram dezenas de historiadores/
professores. Hoje, estamos com a nossa terceira turma de mestrado e já estamos
nos preparando para implantar o Doutorado em Rede em Ensino de História, em
2024. Neste contexto, a implantação do Programa foi e é uma grande conquista!
Assim, esta publicação é uma espécie de comemoração, à nossa resiliência,
compromisso, profissionalismo e dedicação à educação histórica, do nosso corpo
docente e discente e demais colegas da Educação Básica, e sua composição
expressa isso. Na primeira seção, apresentamos pesquisas e reflexões oriundas
do nosso mestrado; na segunda, experiências de professores/as da rede estadual
de ensino de Roraima. As duas seções, intituladas respectivamente Pesquisas
em Ensino de História e Experiências em Ensino de História, representam
a parceria que alicerça a existência do PROFHISTÓRIA em todo o Brasil e em
Roraima, em especial.
Agradecemos aos autores/as, pareceristas ad hoc e ao colega Erinaldo
Cavalcanti pelo belíssimo prefácio.

Boas leituras!

Carla Monteiro de Souza


Marcella Albaine Farias da Costa
1 https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rr/panorama

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


7
Erinaldo Cavalcanti

PREFÁCIO

Aprendemos com Michel de Certeau que os relatos têm poder. Eles


nomeiam, representam, inventariam e criam os espaços. Eles transformam os
lugares em espaços praticados. O livro que chega a público, organizado pelas
professoras da Carla Monteiro e Marcella Albaine da Universidade Federal
de Roraima (UFRR), poderia também se avizinhar dessa acepção poderosa e
potente de “relato”. Ele apresenta um conjunto amplo e variado de
pesquisas, desenvolvido no âmbito do mestrado profissional em ensino de
História (ProfHistória) do polo da UFRR.
Como relato criador, o livro oferece um panorama inicial (das
pesquisas desenvolvidas no estado de Roraima) situadas no âmbito da pós-
graduação, especialmente no campo do Ensino de História. Essa dimensão
ganha relevância e o livro contribui para inventariar – assim como o relato –
um campo de saber e um objeto polissêmico em temas e abordagens.
Também como poder de criação, o livro tensiona o pêndulo das
relações de poder que historicamente permaneceu centrado no eixo sudeste-
sul, porque ele oferece ao público um conjunto de reflexão situado na
Amazônia brasileira, especialmente através das pesquisas produzidas no estado
de Roraima.
Como relato criador de espaço, o livro também tem outra dimensão
contributiva: como lugar praticado – como defende Certeau – ele é constituído
por capítulos assinados por professoras e professores que atuam na
Educação Básica. Que essa dimensão não seja naturalizada. A ciência histórica
– mas não apenas ela – tem reservado um espaço anêmico para quem não
ocupa o espaço da academia, e o mestrado profissional em ensino de História –
do qual o livro é resultante – vem tensionando esse lugar.
O livro também se constitui como registro da diversidade e crescimento
do campo do Ensino de História. Em seus capítulos as professoras e
professores problematizam diferentes reflexões, abordam distintas temáticas
conectadas às experiências vivenciadas no cotidiano de trabalho que também o
é de pesquisa. Essa perspectiva se conecta a outra importante dimensão que
diz respeito a como algumas professoras e professores lidaram com os
desafios impostos pela pandemia, uma vez que o livro apresenta capítulos com
relatos que historiam as estratégias docentes durante a experiência atravessada
pela Covid-19.
O livro está composto por duas partes: Pesquisas em ensino de História
(parte I) e Experiências em Ensino de História (parte II). O capítulo que

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


8
Erinaldo Cavalcanti

abre a primeira parte é intitulado Um olhar para o ensino de história indígena na


educação roraimense e assinado pelas professoras Hstéffany Pereira Muniz Araújo
e Monalisa Pavonne Oliveira. As autoras realizam um importante
mapeamento sobre a produção acerca do tema no estado, analisando as
matrizes curriculares da UFRR e UERR e suas disciplinas sobre Amazônia e
ensino de história e povos indígenas. O movimento analítico também foi feito
no âmbito da pós-graduação, sendo identificadas 11 dissertações no
Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Fronteira (PPGSOF) e 11
no programa de pós-graduação em Antropologia, mas nenhuma
estabelecendo relação em ensino na educação básica. No Documento
Curricular de Roraima (DCR), também analisado pelas autoras, as questões
indígenas aparecem de forma superficial.
Na sequência, temos o capítulo Aproximações entre a história oral e a memória a
partir de experiências com a pesquisa e o ensino de história, de autoria das
professoras Anna Carolina de Abreu Coelho e Alessandra Rufino Santos.
Neste capítulo as autoras fazem uma análise de revisão bibliográfica sobre a
temática em tela dialogando com importantes autores situados no debate
sobre história oral e a memória. Na sequência, fazem referência às pesquisas
desenvolvidas por uma das autoras com idosos residentes no Centro de
Convivência na cidade Xinguara (PA), mostrando as potencialidades que as
pesquisas envolvendo a história oral e memoria podem oferecer para o ensino e
a pesquisa em história.
O capítulo 3, intitulado Patrimônio e ensino de história: o uso da fazenda São
Marcos como fonte nas aulas de história, é assinado pelas professoras Cleicimar
Aniceto de Souza e Marcella Albaine Farias da Costa. Nele, as autoras
apresentam uma discussão mostrando a complexidade que envolve o
tratamento do tema proposto, por meio do diálogo com autores/as de
referência na temática. Na sequência, após refletirem sobre a definição do
conceito de patrimônio, sinalizam importantes diálogos que podem ser tecidos
entre a temática e o a sala de aula da Educação Básica. As autoras também
apresentam a complexidade do tema, desde a definição do conceito de
patrimônio mostrando inclusive os múltiplos usos que esteve envolvida a
fazenda tema de estudo e suas implicações no que tange aos usos na pesquisa
e no ensino na sala de aula. Também merece menção o conjunto de imagens
da fazenda foco de análise como possibilidade de trabalho em sala de aula
envolvendo a história local, detalhando caminhos possíveis e potentes a
serem trilhados.
A presença da história em nosso lugar: história regional a partir dos relatos de viajantes é
o capítulo 4, escrito pelo professor André Augusto da Fonseca e pela professora

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


9
Erinaldo Cavalcanti

Maria Luiza Fernandes. Neste capítulo os autores destacam a importância


em estudar história regional, sua aproximação com a orientação temporal
(inspirada no diálogo com a didática da história) e sua estreita vinculação com
os espaços onde estão inseridos professores e alunos. Em Roraima essa
demanda parece ser ainda mais urgente, pois segundo os autores há um forte
apagamento das histórias regionais, sobretudo aquelas ligadas aos povos
indígenas. Mas, como mostram os autores, é importante também questionar
“com que se pode ensinar história regional”, mostrando como essa demanda se
relaciona com os materiais didáticos necessários para o ensino de história,
indicando que uma saída possível são os arquivos digitais disponíveis com
variados acervos sobre as histórias de Roraima.
O capítulo 5, intitulado A relevância do ensino de história no combate ao fenômeno
anti-indígena em Roraima é assinado pelo professor Marcos Antônio de
Oliveira e analisa o que denomina de “sentimento anti-indígena” presente no
estado de Roraima – inclusive por órgãos estatais – que segundo o autor, se
desdobra em distintas formas de preconceitos contra os povos indígenas.
Aquele sentimento promovido e impulsionado pelas elites tem produzido um
discurso pelo qual os povos indígenas são representados como sinônimo de
atraso a um certo modelo de desenvolvimento, em virtude de possuírem grande
quantidade de terras. Como estratégia possível de resistência ao discurso
preconceituoso, o autor defende a presença e manutenção do componente
curricular História, valorizando o ensino da história escolar, tomando a
escola como espaço de produção de saber libertador, inspirado na concepção
freireana de educação.
Na sequência, o capítulo 6, Deslocando olhares sul/sudeste centrados: o
sentir ancestral no ensino de história, de autoria das professoras Marcella
Albaine Farias da Costa, Mariana Cunha Pereira e do professor Tiago
Nicolau da Silva, analisa algumas questões envolvendo o ensino de história
no que tange a construção de materiais didáticos resultantes da experiência
de escuta de saberes de sujeitos muitas vezes invisibilizadas nas
pesquisas históricas. Focalizando a Amazônia roraimense e fronteiriça,
o ângulo de percepção é direcionado para o diálogo com as dimensões
socio-afetivas construídas pela escuta com saberes ancestrais, entendidos
como dimensões constituintes de um ensino e história sensíveis a
outros olhares. Por meio do material pedagógico produzido pelos
discentes da disciplina Prática de Ensino I, as autoras e o autor,
mostram a potência (e necessidade) em problematizar a(s) Amazônia(s)
nos percursos de formação inicial, bem como nos currículos da Educação
Básica. Se a história da humanidade (em certa medida) vai depender
de como a sociedade irá se relacionar com a Amazônia (como nos

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


10
Erinaldo Cavalcanti

alerta a escritora Eliane Brum), essa questão não deveria ser uma preocupação
apenas daqueles sujeitos e sujeitas que vivem na Amazônia e atuam na docência.
A temática indígena também é tema de reflexão no capítulo 7 intitulado
História indígena cantada: a música de Eliakin Rufino como material didático de autoria
do professor Alfredo Clodomir Rolins de Souza e professora Raimunda Gomes
da Silva. A partir dos diálogos com a Lei 11.645/2008 os professores mostram
a importância da temática como desdobramento de uma política pública e como
a música pode ser uma ferramenta importante nesse espaço de experiência e
produção de saber. Para tanto selecionam a obra musical do poeta roraimense
Eliakin Rufino, que além de poeta também é filósofo, cantor, promotor cultural
e professor cuja produção é destacada pela presença dos temas relacionados
à cultura indígena. Nesse sentido os autores sinalizam a potencialidade da
música como ferramenta de trabalho para a aula de história e, por conseguinte,
a produção musical de Eliakin Rufino, como recurso potente para estudar e
ensinar a temática indígena na sala de aula de história.
O capítulo 8 fecha a primeira parte do livro. Intitulado História e games: o
ensino-aprendizagem na perspectiva de jogadores em Roraima, é assinado pelo professor
Ronison do Nascimento Sousa e pela professora Carla Monteiro de Souza sendo
fruto da pesquisa desenvolvida no ProfHistória focalizando os jogos digitais.
Tendo o estado de Roraima como campo de estudo, os autores contextualizam
o debate acerca da temática, focalizando o “engajamento histórico” que o jogo
Assassin’s Creed – Oddyssey pode gerar entre jovens entre 16 e 20 anos. A pesquisa
mostrou, segundo os autores, que o interesse pelos jogos, demonstrados pelo
público participante, pode ser uma força mobilizadora para ampliar as reflexões
no âmbito do ensino de história, uma vez que os jogos têm força capaz de engajar
os estudantes potencializando o aprendizado histórico.
Na segunda parte do livro denominada de Experiências em Ensino de
História, contamos com três capítulos. O primeiro intitulado História das mulheres,
prática de pesquisa e a história local na Educação Básica é assinado pela professora
Rutemara Florencio. Nele, a autora apresenta uma discussão situada no campo
do ensino de História sobre os principais temas que configuraram durante muito
tempo a história escolar, e mostra como ela enfrenta essa questão a partir de sua
prática pedagógica se desdobrando daí o projeto Alguns Pressupostos sobre o Projeto
Histórias das Mulheres em Roraima, por ela coordenado. Nesse sentido apresenta ao
mesmo tempo a importância do saber docente construído na experiência da sala
de aula por meio das estratégias e escolhas desenvolvidas para lidar com temas

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Erinaldo Cavalcanti

politicamente necessários e que, muitas vezes permanecem silenciados sejam nos


materiais didáticos, sejam nos currículos formais.
Na sequência temos o capítulo das professoras Herika Souza do Valle e
Suelen Mayane Galvão intitulado “Me hisludi” - um jeito diferente de aprender história:
estratégias de ensino e aprendizagem nas aulas de história. Trata-se de um projeto
desenvolvido pelas autoras para lidar com os desafios impostos pela pandemia de
modo a possibilitar o ensino de história na experiência remota. Contou com uso
de aplicativos pelos quais foram experienciadas sequencias didáticas permitindo
trabalhar os conteúdos através dos personagens criados pelos aplicativos.
Por fim, temos o capítulo Histórias, memórias e trabalho em equipe: um
passeio histórico com alunos da Educação Básica em 2.022, de autoria dos
professores José Victor Dornelles Mattioni, Letícia Barbosa Aquino Silva e
Rafaela Pinheiro Souza. O capítulo apresenta um relato de experiência
acerca das atividades de ensino e pesquisa (nomeadas de passeio)
desenvolvidas com a visitação aos patrimônios materiais pelo Centro
Histórico de Boa Vista, a fim de promover o estudo sobre a Educação
Patrimonial e a História do município. No final do capítulo, os autores
mostram os dados catalogados pelo levantamento que realizaram
junto aos estudantes sobre como eles avaliavam a experiência
desenvolvida, sinalizando como os alunos se apropriaram das atividades
de forma propositiva, indicando o potencial da iniciativa.
O conjunto dos relatos apresentado no livro sinaliza a diversidade de
práticas, pesquisas e experiências vivenciadas no âmbito do ProfHistória que
contribui como força constitutiva do campo do Ensino de História. O livro
mostra uma parte da diversidade que configura o percurso processual do ser,
fazer e viver o Ensino de História como campo de saber-fazer, espaço de
produção de saber-poder e lugar de atuação profissional.

Bogotá, Colômbia, maio de 2023


Professor Erinaldo Cavalcanti

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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PARTE I: PESQUISAS EM ENSINO DE HISTÓRIA
Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

UM OLHAR PARA O ENSINO DE HISTÓRIA INDÍGENA NA


EDUCAÇÃO RORAIMENSE

Hstéffany Pereira Muniz Araújo


Monalisa Pavonne Oliveira

Na presente pesquisa apresentamos como a temática indígena vem sendo


discutida na Academia e sua interface na Educação Básica. Para tanto, fizemos um
levantamento em duas etapas: em primeiro lugar, verificamos os repositórios das
universidades federal e estadual de Roraima; e, num segundo momento, buscamos
entre os componentes curriculares dos cursos de Licenciatura em História da
UERR e UFRR, que discutiam tal temática. No que concerne à Educação Básica,
apuramos pormenorizadamente como tal tema é trabalhado na DCR na parte de
História, nomeadamente na seção destinada aos temas regionais.
No que se refere ao mapeamento das fontes que subsidiaram nossa análise,
nos dedicamos aos repositórios das universidades públicas de Roraima, verificamos
Trabalhos de Conclusão de Curso, dissertações e teses. No caso das teses, não foi muito
frutífero, pois no Estado ainda não há trabalhos defendidos na área das Humanas
ou Ciências Sociais. Nesse sentido, vale a pena sublinhar que a UFRR está sediando
(com primeira turma em 2023), um polo do doutorado em rede EDUCANORTE1,
um importante espaço de discussão se inaugura no nosso Estado.
Desse modo, utilizamos como termos de busca “indígenas”; “Lei nº
11.645/2008”, “índios”, verificamos tais termos sobretudo nos títulos dos
trabalhos. Cabe mencionar que nossa pesquisa foi extremamente dificultada
por um ataque hacker sofrido pela UFRR em julho de 2021. Até o presente
momento a página da universidade e suas informações não foram integralmente
recuperadas. Tal ataque comprometeu sobremaneira nossa pesquisa. As ementas,
assim como algumas informações e documentos2, não foram restabelecidas. No
1 Educanorte: O Programa de Pós-Graduação em Educação na Amazônia (PGEDA) foi aprovado
pela Capes em 05/04/2019, com a característica de ser o primeiro Doutorado em Educação em
Rede do País, que articula 39 pesquisadores de nove Universidades Federais e uma Universidade
Estadual da Região Norte: UFPA, UFAM, UFOPA, UFT, UFAC, UNIFAP, UFRR, UNIR e
UEA, para a formação de novos doutores para investigar, prioritariamente, a educação na Região,
assumindo o desafio de pensar estratégias de integração intrarregional, capazes de consolidar os
grupos de pesquisas existentes na Amazônia e formar novos pesquisadores em nível de Doutorado
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, 2022).
2 No site, por exemplo, não é possível acessar quem faz parte do corpo docente do curso de História,
bem como obter informações de contato do departamento. Oficialmente, na procura pela página do
curso de História no site da UFRR, encontra-se um link desativado. No link www.ufrr.br, quando se

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


14
Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

entanto, o curso de licenciatura em História da UFRR, implantou no primeiro


semestre de 2023 o novo Projeto Pedagógico do Curso, o qual tivemos acesso, e
nele constam as novas ementas3.
Sobre o curso de graduação em licenciatura em História da UFRR, verificamos
nas ementas do curso, alguns pontos que merecem nossa atenção. Em várias
disciplinas percebemos uma preocupação, algumas de modo muito sutil, de
inserir os povos indígenas. A começar pela disciplina de História da Amazônia,
cuja ementa cita “Panorama histórico sobre os povos pré-colombianos”. Em
Prática de ensino I: História do Ensino de História no Brasil, observamos a
temática no conteúdo programático: o tópico 8 menciona “Demandas atuais para
o ensino de História”. Acreditamos que uma das demandas atuais para o ensino
de História seja a Lei nº 11.645/2008, então esse seria um exemplo de como
o professor que ministrará essa disciplina pode inserir o tema nas suas aulas,
contemplando assim a temática indígena. Em História do Brasil I, o conteúdo
programático indica na unidade I: Povos indígenas e diversidade; na unidade II:
mão de obra indígena, entretanto a disciplina conta apenas com uma indicação
de livro que contempla os povos indígenas no seu título, na seção bibliografia
complementar, de Ronaldo Vainfas, “A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia
no Brasil colonial” (2005). No entanto, tal tópico é abordado em outras obras,
sobretudo nas coleções e coletâneas indicadas como bibliografia obrigatória. Em
História historiografia do Brasil III, o conteúdo programático é dividido em
tópicos. No tópico II: Movimentos Sociais no mundo rural no Brasil Republicano:
temas para seminários. Os povos indígenas são relacionados no segundo item:
A questão indígena na primeira República (Fundação do SPI). Já na disciplina
América I, podemos ver um extenso conteúdo programático voltado para a
compreensão de uma América antes da chegada dos europeus, bem como o
processo de colonização, assim como os processos de resistências indígenas e
negros no contexto colonial.
Outras três disciplinas do curso de História da UFRR mencionam a temática
indígena. A primeira é a disciplina História de Roraima cujo conteúdo
programático conta com quatro unidades, mas registra o estudo dos povos
indígenas apenas na unidade I: O Rio Branco e os povos indígenas no contexto
da Amazônia Caribenha. O Marquês de Pombal e a expansão da Amazônia
clica em graduação, onde deveria aparecer os links para os departamentos de graduação, direciona-
se para https://ufrr.br/manutencao Acesso em: 28 de fev de 2023.
3 As ementas foram disponibilizadas via e-mail pela orientadora da pesquisa em tela, a qual é
professora efetiva do referido curso.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

Portuguesa para o Rio Branco. Missionários e Aldeamentos, Forte e Militares,


Fazendas de Gado e colonizadores com trabalho indígenas. Esse conteúdo
exemplifica a crítica que fazemos a alguns livros didáticos4: apresentarem os
povos indígenas como pertencentes ao passado. Isso não quer dizer que, nas
outras unidades do conteúdo programático da disciplina, não possa ser trabalhada
a temática, mas, da forma como foi exposto, não deixou clara essa intenção.
A segunda disciplina é recente no currículo, chama-se História, Cultura e
Diversidade. Apesar de recente, tem uma enorme potência, uma vez que sua
ementa diz o seguinte: “Discutir a diversidade e cultura nos seus mais amplos e
múltiplos aspectos: étnico-racial, gênero, nacional, econômico etc. Diversidade
como constitutiva da sociedade brasileira. Formas de percepção da diferença
como construção sociocultural e histórica. Refletir sobre preconceito e tolerância
como características fundamentais para a formação docente e do cidadão crítico
e autônomo”. Mesmo que as palavras POVOS INDÍGENAS não estejam
escritas de maneira explícita, podemos compreender nas entrelinhas da ementa,
e ainda no conteúdo programático, que toda a unidade 3 é dedicada ao estudo
das relações étnico-raciais: Lei nº 11.645/2008. Na bibliografia complementar
da disciplina, temos o trabalho de Luiza Toimbini Wittmann, “Ensino (d)e
História Indígena” (2015) e de Maria Regina Celestino de Almeida,“A atuação
dos indígenas na História do Brasil: revisões historiográficas” (2017).
A terceira disciplina que merece um destaque especial é a de Prática de
Ensino IV: Teorias do Currículo, porque o conteúdo programático, que
contém quatro unidades, direciona à UNIDADE 4: Currículo de História. Livro
Didático como a materialização do currículo da Educação Básica. No subtópico,
é mencionada a Lei nº 11.645/2008, além de uma bibliografia complementar com
Mauro Cezar Coelho, com o texto A História Indígena no Ensino de História:
Princípios, Desafios e Perspectivas (2019). É válido mencionar que todas as
disciplinas aqui citadas são obrigatórias.
Uma das mudanças significativas com certeza é a disponibilidade de
uma disciplina obrigatória com o título “História dos povos indígenas no
Brasil”. Os tópicos mencionados no conteúdo programático são: Territórios

4 Nossa crítica se faz especialmente ao livro didático (coleção da rede Pitágoras) utilizado em 2017,
na escola particular na qual foi desenvolvido o projeto escolar Entre idas e vindas: Cartas que
entrelaçam, atividade escolar descrita na dissertação Ensino de História Indígena - uma proposta de
sequência didática a partir do projeto escolar Entre Idas e Vindas: cartas que entrelaçam da qual esse
texto é um recorte. Disponível em: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/717739 Acesso em
28 de fev de 2023.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

de ocupação no Brasil e estranhamentos do contato, Os povos indígenas na


historiografia brasileira e fontes para estudo, A Presença Indígena na Amazônia,
Políticas indigenistas: Diretório Pombalino, Lei de 1840, SPI e FUNAI e Os
povos indígenas e sua luta pela homologação das suas terras.Percebemos o quão
abrangente é a disciplina, que tem na bibliografia, autores como Maria Regina
Celestino Almeida, Manuela Carneiro Cunha, John Monteiro e Darcy Ribeiro,
assim como o autor local e também professor da UFRR, Jaci Guilherme Vieira.
A ementa da disciplina afirma que o estudo das populações indígenas no Brasil
será feito dando maior ênfase à região amazônica. Nas bibliografias básica e
complementar, sentimos falta de autores indígenas. Conforme citado na ementa,
o objetivo é repensar e reconhecer a história dos povos indígenas no Brasil,
então por que não fazer isso a partir da ótica dos próprios indígenas? Em uma
disciplina como essa, dentro de uma universidade em Roraima, como não abordar
as questões indígenas pertinentes ao nosso estado? Sabemos que, a partir das
ementas e bibliografias básica e complementar, o professor tem autonomia para
criar seu plano de aula e inserir uma abordagem mais voltada para a temática
indígena regional, mas, a depender do professor, que sabemos ter autonomia,
a ementa poderá ser seguida à risca e os materiais de estudo recomendados ali
serão os únicos explorados em sala de aula.
No curso de graduação em licenciatura em História da Universidade Estadual
de Roraima (UERR), encontramos na grade curricular a disciplina História
da Amazônia e de Roraima I, ministrada no 1º semestre, cuja bibliografia
complementar inclui o livro História dos índios no Brasil, de Manuela Carneiro
da Cunha. Em História da Amazônia e de Roraima II, disciplina ministrada
no 2º semestre,não encontramos referências à história indígena. Apenas em
História da Amazônia e de Roraima III, disciplina ministrada no 3º semestre,
encontramos, na bibliografia básica, o livro do professor autor Jaci Guilherme
Vieira com o título Missionários, Fazendeiros e Índios: a disputa pela terra
1777-1980 (2007). As três disciplinas seguem uma ordem cronológica, partindo
das Origens e transformações nas sociedades amazônicas e do vale do rio Branco,
perpassando pela Amazônia e o Vale do Rio Branco no contexto da formação
do Estado Nacional e chegando nas Transformações econômicas, políticas e
culturais na Amazônia e em Roraima da era Vargas ao momento presente.
No 8º semestre do curso de graduação em licenciatura em História da
UERR, encontramos a disciplina História e cultura indígena no Brasil. De
acordo com a ementa, a disciplina tem como objetivo estudar:

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

O processo dinâmico de construção de identidades: cultura, etnicidade, alteridade no


processo histórico brasileiro. Conflitos territoriais entre índios e não índios. O índio na
historiografia e as contribuições da Antropologia. O ensino da história e das culturas
indígenas: propostas de trabalho em espaços educativos formais e não-formais.
(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE RORAIMA, 2018, p. 59).

A bibliografia básica e complementar contempla autores nacionais, como


Maria Regina Celestino de Almeida, João Pacheco de Oliveira, e autores como
Maxim Repetto, professor da UFRR. Assim como ocorreu nas disciplinas da
UFRR, sentimos falta da presença nas bibliografias básica e complementar, de
autores indígenas. Vale ressaltar que o curso de História da Universidade Estadual
de Roraima, conforme o Projeto Pedagógico de 2018 foi implantado em 2006 no
Campus Boa Vista.
Quando acessamos, por exemplo, a produção acadêmica do Curso
de Licenciatura em História da UERR, verificamos que, das monografias
disponibilizadas na página eletrônica5, nenhuma faz referência, no título, ao
ensino de história indígena. As cinco produções que discorrem sobre questões
indígenas são relacionadas à Evangelização, Exploração de Mão de Obra, Povos
Indígenas e Europeus no Vale do Rio Branco, Genocídio dos Wamiri-Atroari e
Os Aldeamentos dos Indígenas no Vale do Rio Branco. Ou seja, as publicações
sobre as questões indígenas existem, porém não são voltadas para o ensino. Por
sua vez, no curso de Licenciatura da Universidade Federal de Roraima (UFRR),
foram encontrados 21 trabalhos de conclusão de curso com a temática indígena;
destes, porém, apenas dois são sobre ensino de história indígena: um de 2016,
que trata da efetividade da Lei nº 11.645/2008, e o outro, de 2018, é um relato
sobre a experiência com a disciplina de Estágio Supervisionado6.
Outro levantamento interessante são as dissertações de mestrado defendidas
no Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Fronteira – PPGSOF/UFRR:
de 2014 a 20207, foram encontradas 21 dissertações com a temática indígena.
O ano de 2017 foi o que constatamos maior número de dissertações sobre o
tema. Coincidência ou não, nesse ano em que encontramos duas dissertações
voltadas especificamente sobre o ensino de história indígena: Rachel Pinheiro de

5 Página eletrônica do curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Roraima.


Disponível em: http://ufrr.br/historia/. Acesso em: 29 ago. 2020.
6 Página eletrônica do curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Roraima.
Disponível em: http://ufrr.br/historia/ Acesso em: 29 ago. 2020.
7 Página eletrônica do curso de Pós-Graduação em Sociedade e Fronteira da Universidade Federal de
Roraima.Disponível em: https://ufrr.br/ppgsof/. Acesso em: 08 fev. 2021.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

Matos autora da dissertação intitulada “História e cultura dos povos indígenas


na educação: implicações da Lei nº 11.645/08 no referencial curricular da rede
pública estadual de Roraima para o ensino médio” (2017), e Fabiano Darlindo
Veloso, com o título “A (des)construção do ensino da história em Boa Vista: um
estudo acerca da história e cultura indígena apresentada aos alunos do ensino
médio da Escola Professora Maria das Dores Brasil” (2017).
Ao fazer o levantamento no programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social/UFRR, criado em 2015, verificamos que estão disponíveis no site
dissertações defendidas entre os anos de 2018 e 20198. Em 2018, foram cinco
dissertações defendidas e todas relacionadas à temática indígena; em 2019, foram
11 dissertações e, destas, seis são relacionadas ao assunto, porém nenhuma
voltada especificamente para questões relacionadas ao ensino ou educação.
Frisamos que os mestrados supramencionados não têm como foco o ensino ou
educação. Sendo esta uma questão urgente no nosso estado, tais problemáticas
poderiam ser abordadas por diferentes perspectivas e áreas.
Em Roraima, temos dois programas de Pós-Graduação em Educação. O da
Universidade Federal de Roraima é um programa que foi aprovado pela CAPES
em dezembro de 20189, e ainda não existem dissertações cadastradas no respectivo
site. Por sua vez, o programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Roraima em parceria com o Instituto Federal de Roraima possui
dissertações cadastradas de 2016 a 202110. Nesse ínterim, encontramos pelo
menos um trabalho por ano sobre os povos indígenas, mas apenas em 2016
encontramos a primeira dissertação que problematizava diretamente a Lei nº
11.645/2008, trabalho defendido por Milena Silva de Souza, com o título “A
efetivação da Lei nº 11.645/2008 na escola municipal de educação infantil
Cantinho do Céu em Boa Vista-RR: uma etnografia”.No ano de 2020, duas
dissertações contemplam diretamente a temática, a primeira de Marquiza Castro
de Almeida intitulada “Atendimento de alunos indígenas em escolas localizadas
em áreas rurais: uma análise da implementação da lei 11.645/2008 na escola
municipal Cristóvão Colombo”, e a segunda com o título “A cultura indígena
no currículo das escolas de Pacaraima – RR: atendendo a lei 11.645/08”, de

8 Página eletrônica do curso de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de


Roraima. Disponível em:https://ufrr.br/ppgants/. Acesso em: 08 fev. 2021.
9 Página eletrônica do curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Roraima.
Disponível em:http://ufrr.br/ppgeduc/.Acesso em: 08 fev. 2021.
10 Página eletrônica do curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Roraima.
Disponível em:https://www.uerr.edu.br/ppge/. Acesso em: 20 jul. 2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

Missiane Moreira Silva. Ainda que não esteja disponibilizado no site da UERR,
no ano de 2022, o professor Alfredo Clodomir Rolins de Souza defendeu sua
dissertação intitulada “Ensino de História e Diferença Cultural: o/a professor/a
de História do Ensino Médio de Boa Vista/RR entre desafios e possibilidades de
uma educação intercultural”.
A partir do levantamento das temáticas dos TCCs e das dissertações das
universidades públicas do estado de Roraima, unidade da federação que conta
com a maior proporção de indígenas do país, pretendemos mostrar que existe
a necessidade de mais pesquisas e produções acadêmicas que tragam a cultura,
a ancestralidade, os saberes e as formas de resistência, e que assim ocorra uma
efetiva inclusão desses povos, dando visibilidade não apenas na academia mas
que esses saberes cheguem ao ensino básico. Essa preocupação, em um estado
que conta com uma população indígena expressiva, parece ser ainda mais
eminente, pois pode não apenas contribuir para corrigir o lapso histórico quanto
à contribuição indígena ao país, como dar espaço às etnias que tradicionalmente
habitam o estado, as quais, certamente, têm muito a ensinar.
Sobre a mudança na legislação que tornou obrigatório, nas aulas de História,
Literatura e Artes, o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena, Alves
(2015) afirma ainda que:

Ao propor essa mudança, aprofundando as discussões referentes às questões raciais


na escola, o poder público reconhece a necessidade de inserir, no currículo escolar, as
contribuições desses grupos, fruto das lutas sociais por eles desencadeadas ao longo
da história do Brasil. (ALVES, 2015, p. 44).

É indiscutível a relevância da Lei nº 11.645/2008, que prevê a obrigatoriedade,


nos estabelecimentos públicos e privados de ensino, de inserir no currículo escolar
as contribuições dos povos indígenas à história do Brasil. Circe Bittencourt em
“História das Populações Indígenas na Escola: memórias e esquecimento” (2013),
afirma que Tupis e Tapuias são duas denominações recorrentes nas aulas de História
quando se referem aos indígenas brasileiros. De acordo com a autora, os programas
escolares e os livros didáticos abordam sobre os povos indígenas apenas em
tópicos da denominada Colonização; nos períodos históricos posteriores, esses
povos simplesmente desaparecem de cena (BITTENCOURT, 2013, p. 101).
Atualmente a busca por conhecer a história dos índios no contexto da
história nacional, e mesmo no ensino de História, tem crescido, e aqueles que
buscam se debruçar sobre o tema terão à disposição desde autores considerados

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


20
Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

clássicos até reflexões mais atuais sobre a representatividade indígena. Ou seja,


nos últimos anos, vemos um significativo crescimento de estudos não apenas
sobre a trajetória histórica, mas também sobre a situação atual dos indígenas.
Aqueles que desejam trabalhar com a temática indígena em sala de aula devem,
antes de qualquer coisa, se dispor a conhecer a trajetória histórica que culminou
na obrigatoriedade do ensino nas aulas de História, uma vez que os indígenas
nem sempre foram vistos como protagonistas de sua própria história. Os
movimentos sociais, por exemplo, foram de suma importância para as conquistas
na Constituinte.

No Brasil, desde a restauração das liberdades civis em 1985, foram adotadas diversas
medidas para garantir o direito dos índios às suas terras e ao ensino na sua própria
língua, entre outros.
Como resultado das lutas e mobilizações dos índios, a Constituição de 1988 conferiu
um tratamento inovador aos povos indígenas. Pela primeira vez na história do Brasil, foi
reconhecido seu direito à diferença (art. 231), rompendo com a busca da assimilação,
que havia prevalecido até então. Foi lhes garantido o usufruto exclusivo de seus
territórios ocupados por uso consuetudinário, definidos a partir de seus usos, costumes
e tradições (art. 231). A União foi instituída como instância privilegiada das relações
entre os índios e a sociedade nacional. Por meio do artigo 232, os indígenas e suas
organizações foram reconhecidos como partes legítimas para ingressar em juízo em
defesa de seus direitos, o que incentivou a expansão e a consolidação de suas associações.
Para isso, foram definidos canais de comunicação direta entre os índios, o Ministério
Público e o Congresso Nacional. Com tais medidas, o conceito de “capacidade relativa
dos silvícolas” (Código Civil, 1917), e a consequente necessidade do “poder de tutela”,
perdeu a validade e a atualidade. (FUNARI; PIÑÓN, 2020, p. 62-63).

Para parte da população brasileira, é necessário esclarecer que quando


falamos em ser indígena, especialmente no Brasil, estamos falando de diversidade
étnica, de diversidade de práticas, costumes, organização sociopolítica e crenças.
Ou seja, quando abordamos os povos indígenas é preciso lembrar que não
estamos debatendo como algo singular, reduzidos a um único povo, mas sim que
a pluralidade se faz presente, comprovadamente os dados do último censo do
IBGE podem nos mostrar11.
Mais do que tratar sobre uma temática que a lei nos obriga a inserir em nossas
aulas, os povos indígenas tem uma relação direta com o estado de Roraima.
11 O Censo 2010 investigou pela primeira vez o número de etnias indígenas (comunidades definidas por
afinidades linguísticas, culturais e sociais), encontrando 305 etnias, das quais a maior é a Tikúna, com
6,8% da população indígena. Também foram identificadas 274 línguas indígenas. Disponível em: https://
censo2010.ibge.gov.br/noticias.Acesso em: 13 jul. 2021.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


21
Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

Os dados mais recentes demonstram um crescimento populacional indígena,


conforme Adriana Aguiar da Silva (2020), que chama a atenção ao analisar os
números do censo IBGE de 2010:

A população total do estado é de cerca de 450.479 pessoas e a capital cerca de 284.


313. Constatamos que vem crescendo a população indígena, no Censo de 1991,
eram 23.426; em 2000, esse número subiu para 28.128 e, em 2010, houve um salto
gigantesco para 49.637. O município do estado e do Brasil com a maior proporção de
população indígena por situação de domicílio é o Uiramutã: de 8.375 habitantes, 7.382
são indígenas, ou seja, 88,4%. (SILVA, 2020, p. 31).

A autora informa ainda que, na capital de Roraima, Boa Vista, existem


aproximadamente 8.550 indígenas na zona urbana. Além dessa quantidade
populacional global na capital, local em que se insere esta pesquisa, destacamos
alguns dados sobre a presença indígena nas salas de aula, com base no Quadro 1.

Quadro 1 – Matrículas de alunos declarados indígenas nos municípios de Roraima 2018

FONTE: BRASIL, INEP, 2018.

Observamos, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais


Anísio Teixeira (INEP), que dados divulgados da estatística da educação básica
de 2018 demonstram o número de indígenas matriculados por município. Nesse
quesito, o município de Uiramutã se destaca com o maior número de alunos que
se declaram indígenas, seguido por Normandia; Boa Vista, que aparece como o
terceiro município com o maior número de alunos indígenas.
O plano estadual de educação, aprovado em 2015, reconhece que os
indígenas dividem espaço com os não índios na escola. O documento enfatiza

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


22
Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

ainda a distribuição dos povos indígenas no estado e chama atenção para o


grande desafio de ofertar uma educação de qualidade, com respeito aos povos
indígenas, sem deixar de lado as exigências legais, conforme observamos no
trecho seguinte:

Os povos indígenas no Estado encontram-se distribuídos: Macuxi, Wapichana, Taurepang,


Ingarikó, Wai-wai, Waimiri-Atroari, Yanomami, Ye’kuana, Patamona e Sapará. No entanto,
essa população não se restringe às pessoas aldeadas que vivem em comunidades localizadas
em terras indígenas. As políticas educacionais devem considerar o contingente que vive
nas cidades, vilas e povoados dividindo espaços com os não-índios e frequentando escolas
que ofertam o ensino regular não-diferenciado [sic], especialmente nas escolas situadas nas
sedes dos municípios. (RORAIMA, 2015, p. 22).

Além da quantidade de alunos indígenas presente nas escolas de Roraima,


devemos atentar para a diversidade étnica aqui presente. O conhecimento desses
dados deveria ser motivo suficiente para um ensino que proporcionasse uma
abordagem que promovesse o conhecimento e o respeito a esses povos. O
ensino de história possibilita aos discentes o acesso a várias construções sociais,
culturais e históricas, logo, as temáticas trabalhadas podem reforçar ou não, de
acordo com a metodologia e prática utilizada na sala de aula, os estereótipos
a que são expostos no senso comum, seja pela mídia, a família e a sociedade,
especialmente no que se refere aos indígenas, que é o interesse deste trabalho.
Nesse sentido, consideramos fulcral o papel das universidades na formação
de professores de História, apresentando as possibilidades para os seus discentes
de trabalhar com uma temática urgente no Estado, mas, especialmente, na
conscientização dos futuros professores que atuarão nas salas de aula da
Educação Básica.

DOCUMENTO CURRICULAR DE RORAIMA E A TEMÁTICA


INDÍGENA

O Documento Curricular de Roraima (DCR), assim como os demais


documentos curriculares dos estados, iniciaram seus processos a partir da
homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em dezembro
de 2017,para a educação infantil e ensino fundamental. Assim sendo, a ordem
cronológica do processo de construção do DCR seguiu da seguinte maneira:

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

[...] iniciamos o processo de construção do Documento Curricular de Roraima


– DCR, com a composição da estrutura de governança, publicado na Portaria
Nº. 2812/17/SEED/GAB/RR, que institui a Comissão Estadual e Comitê
Executivo da BNCC.
Em abril de 2018, foi constituída a equipe de gestão e de redatores do currículo
estadual sob Portaria Nº. 1040/18/SEED/GAB/RR, sendo que a equipe foi
responsável pelo processo de elaboração, análise, escrita e monitoramento do DCR.
Em maio de 2018, formalizou-se a assinatura do Termo de Adesão e Compromisso
ao Currículo único e termo de Cooperação Técnica entre o estado e 14 municípios do
território roraimense, normatizando o regime de colaboração para a implementação
da BNCC e elaboração do DCR, alinhados às diretrizes do Programa de Apoio à
Implementação da Base Nacional Comum Curricular – ProBNCC.
O processo de planejamento das ações propostas conforme Termo de Referência
e Plano de Trabalho, foram organizados a partir de um cronograma de atividades
mensais, alinhado às macro ações do ProBNCC/MEC, CONSED e UNDIME,
em sete etapas: a) Indicação de bolsistas em abril/2018, b) Mobilizações e
encontros presenciais, de maio a novembro, c) Consolidação da 1ª versão do
currículo em 30 junho, Plataforma de consulta pública de 23 de julho a 17 de
setembro, d) 2ª versão do Documento Curricular, a luz das contribuições da
Consulta pública em 31 de outubro, e) realização dos seminários regionais para
discussão e consolidação do DCR de 06 a 09 de novembro, f) sistematizações
das contribuições pós seminários em novembro, g) Entrega da versão final ao
Conselho Estadual de Educação em 13 de novembro.
Diante do exposto, o processo de análise e reescrita das contribuições quantitativas
e qualitativas advindas das etapas de Consultas públicas do DCR consolidaram
textos introdutórios, organizador curricular e orientações didáticas pedagógicas
dos componentes curriculares da Educação Infantil e Ensino Fundamental.
Destacamos ainda, que, para se chegar à versão final do DCR, houve ainda, análise
e discussão do documento, por membros do Conselho Estadual e Municipal de
Educação, Grupos de trabalho – GTs, professores especialistas da rede estadual,
municipal e privada de ensino e leitores críticos das instituições de Ensino
Superior – IES, considerando os fundamentos e princípios didáticos pedagógicos
proposto no DCR para as etapas da Educação Infantil e Ensino Fundamental da
Educação Básica.(RORAIMA, 2018, p. 8).

No DCR, percebemos semelhanças na elaboração do documento com


as praticadas na elaboração da BNCC, semelhanças que também podemos
identificar no documento em si. O currículo estadual, em grande parte, apenas
reproduz o documento nacional, os 40% que se referem à parte diversificada
do currículo da educação básica deixam bastante lacunas sobre o que deve ser
ensinado no contexto regional. Ao longo de todo documento, identificamos que,
nas habilidades, são acrescidas de maneira superficial e corriqueira o emprego

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

da frase “Amazônia e especialmente Roraima” e suas variações. No quadro


organizador do 7º ano, por exemplo, a frase ou sua variação aparecem em pelo
menos cinco habilidades diferentes. A professora da Universidade Federal de
Roraima (UFRR), Monalisa Pavonne Oliveira (2021) fez uma análise sobre as
relações étnico raciais no DCR e afirma que:

Reconhecemos a tentativa de parte dos profissionais locais, sobretudo de docentes,


na construção de um ensino mais amplo e de qualidade, especificamente no que
tange à disciplina de História no estado de Roraima. Contudo, cumpre fundamental
importância apresentar e analisar o documento roraimense criticamente que, se alinha
em forma, conteúdo e propósito ao documento nacional. (OLIVEIRA, 2021, p. 418)

A autora faz críticas quanto ao DCR e, para além de considerações referentes


à construção do documento nacional e estadual, a análise crítica de Oliveira
(2021) tem uma abordagem em especial na coluna “orientações Didático-
-Metodológicas”, que integra os quadros “Organizadores Curriculares” para
cada um dos anos, sendo os exemplos da autora voltados para 8º e 9º ano. O
Organizador Curricular aqui mencionado trata-se de tabelas que possuem os
conteúdos a serem trabalhados ao longo de toda a educação básica. No caso
do DCR, a tabela é dividida por colunas compostas por Unidade Temática,
Objetos do Conhecimento, Habilidades e, por fim, as orientações Didático/
Metodológicas. Para nossa discussão, voltaremos a atenção para os quadros
organizadores do 6º e 7º anos.
No ano de 2022, foi realizado o “Encontro Formativo para Implementação
do Documento Curricular de Roraima”, o evento ocorreu nos municípios e na
capital, Boa Vista, e foi dividido em duas etapas: a primeira, realizada nos dias 10
a 11 de março, e a segunda, nos dias 18 e 19 de maio. O encontro foi voltado para
os docentes da rede estadual, do Ensino Fundamental de 6º a 9º ano. A proposta
era a de que, após uma breve palestra ministrada pelo docente Giovani José da
Silva, sobre “O papel do professor na concretização do Currículo Escolar”, os
professores fossem divididos por componente curricular, para assim, conforme
divulgado, “ampliar os conhecimentos profissionais e aperfeiçoar a prática
docente”. Foram divididos em dois locais diferentes: um grupo ficou na Escola
Estadual Monteiro Lobato, no centro da cidade de Boa Vista-RR, e o outro
grupo, no Colégio Militarizado Dr. Luiz Rittler Brito de Lucena, localizado no
bairro Nova Cidade, zona oeste de Boa Vista-RR. Essa divisão ocorreu porque a
Secretaria de Educação divide as escolas por territórios. Dessa maneira, no que

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


25
Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

se refere ao componente curricular de História, foram formados dois grupos,


um em cada escola.
Os professores que compunham os grupos, em sua grande maioria, tinham
muitos anos em sala de aula. Por outro lado, os recém-empossados no concurso
público de 2021 tinham experiências diversas, nem sempre no ensino público ou
mesmo em sala de aula. Esse dado é importante salientar, visto que a proposta da
formação, pelo menos de História, era de oficinas, isto é, durante um dia e meio
que os dois grupos estiveram reunidos, não foi explorada a parte teórica, mas, sim,
a prática. A formação teria sido mais bem aproveitada se não fosse o problema do
próprio documento curricular, que é basicamente uma transcrição do documento
nacional, acrescida de pouquíssimas informações da parte diversificada.
Outrossim, no que concerne à formação específica sobre o DCR do
componente curricular de História, contou com a presença de formadores
do Centro Estadual de Formação dos Profissionais da Educação de Roraima
(CEFORR). Dentre esses formadores estava uma das pessoas responsáveis
pela elaboração do currículo de História. Os docentes foram incentivados a se
apresentar e, após essa dinâmica, foi feita uma breve atividade sobre a região de
origem de cada um dos presentes, uma ilustração sobre a diversidade do estado
de Roraima, formado por muitos migrantes. A atividade seguinte foi sobre os
termos “competências e habilidades”. Os professores foram incentivados a
refletir sobre os significados e, após isso, receberam vários pedaços de papel
que continham competências e códigos de habilidades com a respectiva
descrição e foram provocados a preencher uma tabela que estava no quadro da
sala. Basicamente precisava ler a competência e colocar na ordem como estava
descrita no DCR e a habilidade correspondente, além de terem de identificar a
qual ano pertencia.
Por fim, na última parte da formação, os docentes foram reunidos em
grupos e encorajados, em um curto espaço de tempo, a pensar, fazer e apresentar
um plano de aula dentro dos parâmetros exigidos pela Secretaria de Educação,
conforme o modelo apresentado na Figura 1.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

Figura 1 – Modelo de plano de aula

FONTE: Arquivo pessoal, 2022.

Durante a formação, foi esclarecido que o preenchimento do plano em


questão se dava inicialmente pelo preenchimento da habilidade. Com certeza, a
maior dificuldade encontrada foi desenvolver a aula a partir da habilidade e não
do conteúdo, um processo ao qual normalmente os professores da educação
básica não estão acostumados, inclusive no que se refere a pensar a aula a partir
do contexto local/regional, algo sobre o que o documento pouco ou nada oferece
de suporte ao professor. Quanto à nossa análise do documento, o enfoque se
volta para a temática indígena; em especial para o que envolve o 6º e 7º ano.
Vejamos alguns exemplos no Quadro 2.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


27
Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

Quadro 2 – Organizador Curricular 7º ano – História.


Organizador Curricular 7º ano – História
Unidade Objeto do Orientações Didático-
Habilidades
Temática Conhecimento Metodológicas
(EF07H103) Identificar
aspectos e processos O ensino de História
específicos das sociedades realizado através
africanas e americanas da investigação dos
O MUNDO
antes da chegada dos registros da memória
MODERNO E Saberes dos
europeus, com destaque e dos patrimônios
A CONEXÃO povos africanos e
para as formas de pode ser considerado
ENTRE pré-colombianos
organização social e muito interessante, pois
SOCIEDADES expressos na
o desenvolvimento possibilita conduzir
AFRICANAS, cultura material e
de saberes e técnicas o estudante do
AMERINDIAS imaterial
observando formas de concretamente vivido
E EUROPEIAS.
organização social, de à dinâmica histórica
saberes e técnicas dos da sociedade em que o
grupos indígenas de mesmo está inserido.
Roraima.
FONTE: Roraima, 2018 (Grifo nosso).

Quadro 3 – Organizador Curricular 7º ano – História


Organizador Curricular 7º ano – História
Unidade Objeto do Orientações
Habilidades
Temática Conhecimento Didático-Metodológicas
Como orientação didática,
(EF07H109)
sugerimos considerar o
Analisar os
contexto atual para fazer
diferentes impactos
contraponto ao tempo
da conquista
A conquista histórico e seu contexto.
europeia da América
da América e Ao utilizar textos que
A para populações
as formas de contemplem os assuntos
ORGANIZAÇÃO ameríndias e
organização mencionados, organizar
DO PODER E identificar as formas
política dos a leitura e discussão dos
AS DINÂMICAS de resistência que
indígenas e pontos fundamentais.
DO MUNDO os indígenas da
europeus: Também se pode
COLONIAL região Amazônica,
conflito, usar documentários e
AMERICANO especialmente
dominação e filmes que abordem os
da região onde
conciliação. assuntos sem esquecer
atualmente é o
que, no caso de usar filmes,
Estado de Roraima,
discutir o processo de
desenvolveram
produção do mesmo e sua
contra o colonizador.
intencionalidade.
FONTE: Roraima, 2018 (Grifo nosso).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


28
Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

Os professores que forem pensar e planejar suas aulas a partir das habilidades
EF07H103 e EF07H109, por exemplo, encontrarão muitas dificuldades, uma
vez que as orientações metodológicas pouco esclarecem ou sugerem sobre o
desenvolvimento das habilidades. Como ser mais generalista que “Ao utilizar
textos que contemplem os assuntos mencionados” ou “Também se pode
usar documentários e filmes que abordem os assuntos”?Professores ou
pesquisadores que quiserem utilizar o DCR como um ponto de partida para
conhecer a História de Roraima se depararão com um documento raso, que
não contribui com as potências da História local. Como sugestão de reescrita
dessas orientações didático-pedagógicas, incluiríamos na habilidade EF07H109a
abordagem da Revolta da Praia de Sangue, ocorrida em 1790, entre o povo
Macuxi e os soldados instalados no Forte São Joaquim, ocasião em que os
indígenas revoltaram-se contra as decisões portuguesas de viver em povoados
por eles criados. O resultado foi uma matança que chegou a tingir as águas do rio
Branco de sangue12. Na habilidade EF07H103, sugeriríamos abordar os saberes
e técnicas das Panelas de barro13, cultura milenar do povo Macuxi, que é passada
de geração em geração, valorizando a cultura desse povo.
Por outro lado, não são todos os quadros organizadores que deixam a
desejar no quesito habilidades e orientações didático-metodológicas. O quadro
organizador do 6º ano passa uma leve ideia de que cada orientação pedagógica e
a escrita das habilidades foram pensadas e planejadas, porém notamos lacunas ao
longo do documento. Vejamos os exemplos apresentados no Quadro 4.

12 Para mais informação sobre a Revolta sugerimos a leitura da dissertação de Gregório Ferreira
Gomes Filho intitulada: O Forte São Joaquime a construção da fronteira no Extremo Norte: a
ocupação portuguesa do Vale Do Rio Branco (1775-1800). Disponível em: https://www.ufsm.br/
app/uploads/sites/510/2019/01/Dissertacao-Gregorio-Ferreira-2012.pdf; o artigo de Reinaldo
Imbrozio Barbosa com o título ocupação humana em Roraima. I. Do histórico colonial ao
assentamento dirigido. (1993). Disponível em: http://agroeco.inpa.gov.br/reinaldo/RIBarbosa_
ProdCient_Usu_Visitantes/1993Ocup%20Humana_I_BMPEG.pdf.;e ainda o subtítulo 1.6 “A
reação indígena contra o Estado português e a denominada “Praia do Sangue” da tese de doutorado
do professor Reginaldo Gomes de Oliveira intitulada “A herança dos descaminhos para a formação
do Estado de Roraima”.
13 O processo de transmissão da arte de fazer a panela e parte dos componentes cosmogônicos da
oralidade, são citados na dissertação de mestrado de Éder Rodrigues dos Santos, com o título
Etnogeografia Macuxi: o lugar na memória da comunidade indígenaRaposa I.,estado de Roraima.
Disponível em:http://repositorio.ufrr.br:8080/jspui/handle/prefix/743.Acesso em: 04 jul. 2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


29
Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

Quadro 4 – Organizador Curricular 6º ano – História


Organizador Curricular 6º ano – História
Objeto do Orientações
Unidade Temática Habilidades
Conhecimento Didático-Metodológicas
Em relação ao trabalho
(EF06HI20)
com as comunidades
Identificar as
A questão do indígenas locais, caso
HISTÓRIA: comunidades
tempo, sincronias e possível, os alunos
TEMPO, ESPAÇO indígenas locais
diacronias: reflexões podem ser levados a uma
E FORMAS DE enfatizando suas
sobre o sentido das das comunidades para
REGISTRO tradições, práticas
cronologias. observarem in loco os
culturais e lutas por
rituais, festas, e histórias
reconhecimento.
das comunidades.
FONTE: Roraima, 2018.

Ao fazermos a leitura da habilidade EF06HI20 e de suas orientações didático-


-pedagógicas,podemos notar que as duas estão interligadas, em complemento.
Mesmo que as orientações citem de maneira geral comunidades indígenas, não
sugerem que, não existindo a possibilidade de visitas in loco, o professor proponha
outra atividade que envolva o conhecimento dos rituais, festas e histórias das
comunidades, convidando um indígena, por exemplo.
Ao longo do DCR, a impressão que temos ao lê-lo é a de que o documento
começou a ser feito em um ritmo e preocupação, mas que, por de falta de tempo,
algo similar ou qualquer outro motivo, as orientações se transformam basicamente
em encaminhamentos genéricos, que podem ser usados em qualquer habilidade.
Em se tratando das versões da BNCC, Caimi (2016, p. 90) nos lembra que,
na primeira versão, “a proposta apresentada mostrava avanços ao romper com
modelos explicativos pautados num código disciplinar centenário, que já não
corresponde às demandas e desafios que se apresentam à sociedade brasileira na
contemporaneidade”, mas que também apresentava lacunas e inconsistências,
fato que foi reconhecido pelos seus autores. Após seis meses de consulta pública,
a autora assevera que não houve a produção de um documento “mais rico,
aprofundado e diversificado”, mas trata-se de “uma segunda versão [que] não
guarda relações de continuidade com a primeira versão, razão pela qual nos faz
reconhecer nele um outro documento, com pressupostos e proposições bastante
distintos daqueles que orientam a produção inicial da BNCC História” (CAIMI,
2016, p. 90). A autora nos lembra ainda que a comissão da primeira versão foi

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


30
Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

dissolvida e, em seu lugar,foi colocado um novo grupo de 12 profissionais de


uma única instituição e não vinculada diretamente ao ensino de História.
Sobre essas problemáticas de falta de continuidade e lacunas em tais
documentos oficiais, concordamos com Oliveira (2021, p. 433) quando afirma que:

Cabe a nós, professoras e professores, encarar o currículo como algo em movimento,


e que as escolas são produtoras de conhecimento e uma cultura própria, para inserir
e discutir qualificadamente temas e possibilidades de ensino/aprendizagem ocultados
ou silenciados nas brechas deixadas pelo documento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa intenção neste trabalho foi apresentar o panorama formal sobre o


ensino da temática indígena nos cursos de Licenciatura em História da UFRR e
UERR, no qual pudemos constatar que no curso de História da UFRR, apesar
de sutil, há uma preocupação em de inserir a temática indígena, a exemplo vimos
às disciplinas História de Roraima; História, Cultura e Diversidade; Prática de
Ensino IV: Teorias do Currículo e História dos povos indígenas no Brasil, que
trazem em suas ementas a temática, o que não impede que os professores em seus
planos de ensino insiram a problemática. O mesmo acontece quando analisamos
que no curso de História da UERR, as disciplinas História da Amazônia e de
Roraima I, História da Amazônia e de Roraima II, História da Amazônia e de
Roraima III, História e Cultura Indígena no Brasil são as que possuem em suas
ementas referências direta a temática indígena, o que, como dito anteriormente,
não interfere que apareça nos planos de ensino, se essa for uma vontade e/
ou preocupação do (a) professor (a) que esteja a ministrar a disciplina, ou seja,
o professor / a professora consciente que para além das ementas dispostas
nos cursos, esse é um ato político poderá inserir esse tema nas mais diversas
disciplinas dos cursos de graduação.
Descrevemos ainda como a temática indígena se insere no DCR,
especialmente no que se refere aos quadros didáticos dos 6º e 7º anos.
Esperamos que este panorama enseje novas questões e problematizações sobre
a temática indígena no Estado de Roraima, e que surjam outras possibilidades
de se trabalhar a temática indígena na educação básica, que como sabemos são
infinitas e que ficaram superficiais no DCR, sabemos que o caminho é árduo,
mas que não são impossíveis. A título de exemplo, podemos citar que, com a

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


31
Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

implantação do Mestrado Profissional em Ensino de História na UFRR, teremos


professores pesquisadores da educação básica produzindo materiais didáticos, e
quem sabe em um futuro muito próximo teremos disponíveis vários materiais
produzidos sobre os povos indígenas de Roraima para serem usados nas salas
de aula da educação básica. A primeira dissertação defendida no programa do
PROFHISTÓRIA da UFRR, da qual esse texto faz parte, colabora com uma
sequência didática para 6º e 7º ano sobre a temática indígena, mas que pode ser
adaptada a outros anos da educação básica.
Na nossa perspectiva, um importante caminho foi percorrido, em larga
medida, em razão da obrigatoriedade imposta pela Lei nº 11.645/2008. Contudo,
o percurso a ser trilhado ainda é bastante longo, no sentido da inclusão da temática
e, sobretudo, do reconhecimento dos povos indígenas enquanto sujeitos, e não
números, estatísticas ou seres congelados no tempo e no espaço.
Finalmente, apontamos como caminho, para além, das bibliografias e
perspectivas consagradas com relação à concepção de temáticas e periodização
da História do Brasil, vislumbremos a inclusão dos sentidos, entendimentos e do
prisma indígena para o ensino e a aprendizagem da História, viabilizando uma
proposta educacional mais equânime, inclusiva e representativa.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. A atuação dos indígenas na
História do Brasil: revisões historiográficas. Rev. Bras. Hist., Dossiê:
O protagonismo indígena na história, v. 37, n. 75, maio/ago. 2017. DOI
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trabalhando com conceitos, desconstruindo estereótipos. Revista Espaço
Acadêmico, n. 18, maio 2015.

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memórias e esquecimento. In: PEREIRA, Amilcar Araújo; MONTEIRO,
Ana Maria (org.). Ensino de história e cultura afro-brasileiras e
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BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de


20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de
2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e


Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Disponível em: https://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 10 dez. 2022.

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COELHO, Mauro Cezar. A História Indígena no Ensino de História: princípios,


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Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA. Projeto Pedagógico
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das Dores Brasil. 2017. 103 p. Dissertação (Mestrado em Sociedade e
Fronteiras) - Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Fronteiras,
Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, RR, 2017.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


34
Hstéffany Pereira Muniz Araújo - Monalisa Pavonne Oliveira

VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, Fazendeiros e Índios: a


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Pesquisas e Experiências em Ensino de História


35
Anna Carolina de Abreu Coelho - Alessandra Rufino Santos

APROXIMAÇÕES ENTRE A HISTÓRIA ORAL E A MEMÓRIA A


PARTIR DE EXPERIÊNCIAS COM A PESQUISA E O ENSINO DE
HISTÓRIA

Anna Carolina de Abreu Coelho


Alessandra Rufino Santos

INTRODUÇÃO

O artigo propõe analisar as aproximações existentes entre a história oral,


a memória e o ensino de História a partir de uma revisão bibliográfica e de
experiências com a pesquisa e o ensino de História. Diante disso, a justificativa do
presente estudo surgiu de inquietações suscitadas pela discussão sobre a história
oral na disciplina “Ensino de História: história oral e narrativa”, ministrada por
Alessandra Rufino Santos, uma das autoras deste texto, em 2022, no Mestrado
Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA) da Universidade Federal
de Roraima (UFRR).
Neste trabalho, serão destacadas as contribuições de outra autora deste
texto, Anna Carolina de Abreu Coelho, que no 20/10/2022 proferiu a palestra
intitulada “Memória, cidade e história oral: experiências e possibilidades no
ensino de História”, na disciplina citada anteriormente. Essas contribuições
estarão presentes nas seções deste texto intituladas “História oral e memória;
“Metodologia da história oral” e “Narrativas com experiências com pesquisa e
ensino envolvendo a história oral”.
Durante o texto, a história oral será tratada como uma metodologia de
investigação histórica e como metodologia de ensino, responsável por expor a
história de vida de interlocutores de uma pesquisa e por contribuir para que
os estudantes sejam protagonistas do processo de produção do conhecimento
histórico em sala de aula quando a construção de memórias é potencializada.
Dessa forma, pretendemos mostrar com este trabalho um olhar reflexivo para
o entendimento de que a história oral “tem valor como ferramenta de diálogo
entre pessoas, gerações, grupos; como instrumento decisivamente ligado ao
respeito à alteridade, à cidadania, à igualdade” (SANTHIAGO; MAGALHÃES,
2015, p. 11). Ao tomarmos como base essa definição acerca da história oral,
levantamos os seguintes questionamentos: a história oral se configura como
fonte de pesquisa histórica? A história oral é uma estratégia pedagógica?

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


36
Anna Carolina de Abreu Coelho - Alessandra Rufino Santos

A partir dessas indagações, recorremos a Meihy e Holanda (2007, p.15) para


expor que no contexto da pesquisa histórica a história oral se configura como um
conjunto de procedimentos que se inicia com a elaboração de um projeto e que
continua com o estabelecimento de um grupo de pessoas a serem entrevistadas.
Enquanto fonte de pesquisa histórica, a história oral possibilita ao pesquisador
recorrer além de documentos escritos, aos documentos orais como elementos
significativos no processo de se chegar ao conhecimento de fatos, vivenciados
em um determinado momento histórico em que somente as fontes escritas não
revelariam por si só todos os sentidos circulantes em um determinado meio
social (MENEGOLO et al., 2006).
Na verdade, o contexto apresentado faz Meihy (1996, p.10) caracterizar a
história oral como uma “percepção do passado que tem continuidade hoje e
cujo processo histórico não está acabado”. À vista disso, o mesmo autor destaca
que a história oral proporciona “sentido social à vida de depoentes e leitores que
possam entender a sequência histórica e a sentir-se parte do contexto em que
vivem” (MEIHY, 1996, p.13).
Nessa perspectiva, especificamente nesse texto, intencionamos apresentar
alguns aspectos da questão da história oral enquanto uma estratégia pedagógica.
Primeiramente, podemos tratar a história oral como uma estratégia em potencial
para formar professores de História, que atuam na educação básica do estado de
Roraima, no Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA),
no âmbito da disciplina “Ensino de História: história oral e narrativa”. É evidente
que a história oral contribuiu para que o trabalho nessa disciplina fosse conduzido
com muitos questionamentos. Os estudantes, que já tiveram contato com a história
oral na graduação em História e em algumas práticas de ensino em suas atuações
na educação básica, demonstram, com essa metodologia, a aprender a estimular o
debate e a prática de pesquisa, tão necessários na sala de aula.
Diante disso, certamente este artigo serve para chamar a atenção para o uso
da história oral na pesquisa e no ensino de História. Entendemos que a história
oral consiste em método de pesquisa que se configura como procedimento
demarcado pela dinamicidade e com abordagem didático-pedagógica, que
possibilita a ampliação de habilidades de leitura e escrita, justamente por estimular
a criatividade dos estudantes (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015).
É nesse contexto que a história oral, ao se aproximar da memória, na
contemporaneidade, tem como orientação o desenvolvimento das práticas de
pesquisa e de ensino e os usos desses meios para a história do tempo presente. Sob

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


37
Anna Carolina de Abreu Coelho - Alessandra Rufino Santos

esse entendimento, a seção intitulada “História oral e memória” apresenta a história


oral como meio sistêmico de pesquisa. A memória, por sua vez, é tratada como um
objeto de estudo que aproxima o historiador da sua temática histórica de estudo.
“Metodologia da história oral” é uma seção, deste texto, que demonstra as
vantagens da utilização da história oral do ponto de vista metodológico. Um
fator importante é que o pesquisador e o professor que se propõe a utilizar a
história oral como metodologia, precisa se preparar para o jogo entre a memória
e a identidade (CANDAU, 2011).
“Narrativas de experiências com pesquisa e ensino envolvendo a história
oral” intitula a penúltima seção deste artigo. Nela, é abordado um exemplo de
pesquisa voltada para a metodologia da história oral, desenvolvida na cidade
de Xinguara-PA, desde o ano de 2018. A seção também faz reflexões sobre as
possibilidades de trabalho com a história oral na sala de aula.
Na seção que finaliza este texto, buscamos fazer as “considerações finais”
para expor as características da prática da história oral enquanto metodologia
que pode ser utilizada na pesquisa como método e no ensino como recurso
pedagógico na História (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015).

HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA

Para a historiadora Sônia Maria de Freitas (2006, p.18), a história oral é “um
método de pesquisa que utiliza a técnica da entrevista e outros procedimentos
articulados entre si no registro de narrativas de experiências humanas”. Na
utilização da metodologia da história oral, é preciso buscar apoio em aporte
teórico no campo da memória.
Entendendo a importância das conceituações, podemos encontrar na
leitura em Paolo Rossi (2010, p.15-38), filósofo e estudioso da memória,
em especial do poder evocativo das imagens no medievo e no renascimento,
uma base para entendermos conceitos como os de: 1) reminiscência,
anamnese ou reevocação (que significa recuperar algo que se possuía e foi
esquecido); 2) lembrar (um esforço voluntário da mente humana), assim
como ser lembrado é uma preocupação da existência estando relacionada à
memória, à formação de identidade e ao tempo futuro, surgindo assim
demandas pelo passado; 3) esquecimento/olvido, sobre esse conceito o
autor considera duas noções: primeira noção (psicologia, psicanálise,
psicopatologia, neurofisiologia, antropologia, sociologia e narrativa)

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


38
Anna Carolina de Abreu Coelho - Alessandra Rufino Santos

entende o esquecimento como algo ligado a perda definitiva e provisória de


ideias, imagens, noções, emoções ou sentimentos que um dia estiveram presentes
na consciência individual ou coletiva; segunda noção (metafísica e filosofias da
história), o esquecimento está relacionado a totalidade da história humana. A
verdade do ser é esquecida na metafísica e por causa dela. História como jogo
de revelação e encobrimento, o olvido é a essência do ser. Rossi (2010), nesse
sentido, vê pontos em comum entre a tradição hermética e o Heideggerismo;
4) Apagamentos (esconder, despistar, ocultar, confundir os vestígios, calar e
direcionar para o esquecimento); 5) memória (afetiva, individual, seletiva), sendo
seletiva se esquece o que se considera insignificante e as próprias ocultações,
muitas vezes o passado seria “embelezado” em função do presente; 5) história,
onde a ligação com o passado não é espontânea, mesmo que tenha a ver com
sua própria história, e requer algum distanciamento, investigação e combate aos
esquecimentos, não negligencia fatos importantes mesmo ao hierarquizar e/ou
classificar as fontes.
Ampliando as possibilidades teóricas, é importante a leitura do trabalho da
filósofa e pesquisadora do campo da memória Aleida Assman no livro “Espaços
da Recordação”, fruto de uma longa pesquisa e do processo de modificações e
acréscimos em sua tese de livre-docência defendida, em 1992, na Universidade
de Heidelberg. Nele, a autora discute as funções da memória (acumular e
recordar), explorando além da função mnemônica as variedades das funções
relacionadas aos contextos de lembranças e identidade. Na segunda parte do
livro, Assman (2011, p.15-27) analisa os suportes materiais da memória como as
diferentes linguagens (escritas, fotografia, filmes, computador, entre outros), o
corpo como uma mídia em si, como estabilizador de lembranças na medida em
que os processos psíquicos e mentais de recordação são ancorados no corpo;
e os lugares como paisagens, monumentos e ruínas que reativam memórias e
também passam por fases de esquecimentos e “reativações” da memória. A
terceira parte do texto de Assman (2011, p.25) se refere aos arquivos. Segundo a
autora, “o arquivo não é somente um repositório para documentos do passado,
mas também um lugar onde o passado é construído e produzido”. Nessa parte,
a autora trata do lixo, símbolo de descarte e esquecimento.
Após essas considerações a respeito da memória, podemos pensar
na especificidade de se trabalhar com as memórias e lembranças colhidas
através da metodologia da história oral, sendo esta uma metodologia bastante
importante para tratar da abordagem histórica de temas específicos, podendo os

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


39
Anna Carolina de Abreu Coelho - Alessandra Rufino Santos

documentos serem utilizados como única fonte em trabalhos historiográficos ou


como uma das diversas possibilidades de aporte documental para a análise de
uma problemática. As questões entre história e memória estiveram fortemente
relacionadas aos debates estabelecidos entre os historiadores orais nas décadas
de 1960 e 1970.
Conforme o artigo dos historiadores Alistair Thomson, Michael Frisch e
Paula Hamilton intitulado “Os debates sobre memória e história: algum aspecto
internacional” presente na coletânea “Usos e Abusos de História Oral”, houve uma
tendência inicial de defender e utilizar a história oral como forma de “descobrir o
que realmente aconteceu”, o que negligenciava a exploração dos significados da
experiência vivida, abandonando as memórias individuais e a pluralidade de versões
do passado. A partir dos anos 1980, as discussões do Grupo de Memória Popular,
que fazia parte do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos de Birminghan
na Inglaterra, influenciaram diversos estudiosos ao abordar os sentidos públicos
e privados do passado, além da relação entre memória e identidade pessoal. Os
autores ligados a esse grupo ressaltaram em seus textos a importância tanto dos
registros dos conteúdos das memórias, quanto nos processos de rememoração
(THOMSON; FRISCH; HAMILTON, 2006, p.68-70).
Pensamos ser extremamente importante retomar essas leituras sobre memória
e história oral no âmbito dos mestrados profissionais em História, através de
disciplinas optativas ou nas relacionadas a feitura do projeto de dissertação,
devido às possibilidades que essas abordagens oferecem para projetos de ensino
e pesquisa sobre o tempo presente, a tradição oral e lugares da memória. Além
dos autores citados, destacamos a importância da leitura dos trabalhos de Maurice
Halbwachs (2011) a respeito da memória coletiva; de Pierre Nora (1984) sobre
os lugares da memória; de Michael Pollak (1989) que discute o esquecimento;
de Alessandro Portelli (2010) a respeito da história Oral; de Bresciani e Naxara
(2004) a respeito da memória e do ressentimento; de Pierre Vidal-Naquet (1988)
sobre memória e revisionismos; de Regine Robin (2016), que trata da saturação
da memória e dos esquecimentos; de Ulpiano Meneses (1992), que aborda a
memória no campo das ciências sociais; e de Paul Thompson (1992), que discute
a definição de história oral. Como o tema é alvo de inúmeras abordagens e
publicações, certamente diversos trabalhos não foram citados. Porém, o intuito
deste texto é refletir sobre a importância de um aporte teórico e metodológico
para atividades de pesquisa e ensino de história envolvendo o uso da história oral.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Anna Carolina de Abreu Coelho - Alessandra Rufino Santos

METODOLOGIA DA HISTÓRIA ORAL

Feitas algumas considerações sobre a memória, podemos partir para


a metodologia da história oral, ou seja, apontarmos seus procedimentos;
lembramos que todo o processo de escolha e tratamento das fontes orais devem
ser explicitados na apresentação de projetos, monografias, artigos, dissertações
e teses. Um primeiro ponto, que se deve pensar antes de iniciar as entrevistas é
a escolha de uma das especialidades da história oral que melhor se relacione aos
objetivos e as problemáticas do projeto ao qual se dedica, sendo quatro tipologias
mais usuais: 1) história oral de vida – nessa abordagem a narrativa parte do
que o entrevistado considera mais significativo em sua experiência; 2) história
oral temática - gira em torno do problema investigado, por exemplo: cidade e
migrações, lugares da memória, etc..; 3) tradição oral – envolve narrativas que
estão calcadas na repetição e, ao mesmo tempo, são atualizados no tempo da
narrativa como canções, práticas, rezas, narrativas míticas, ditos populares entre
outros; 4) história oral testemunhal - trata-se de algum fato vivido, muitas vezes
envolve memória e trauma. (MEIHY; HOLANDA, 2007; ALBERTI, 2021).
De acordo com Tourtier-Bonazzi (2006, p. 233-237), antes de se explorar
analiticamente o testemunho, há que se fazer um trabalho acurado na coleta dos
testemunhos, considerando a seleção da testemunha, o lugar das entrevistas e o
roteiro das entrevistas. A respeito da seleção das testemunhas o autor indica que
se deve priorizar as mais velhas. No entanto, é preciso levar em conta o cansaço da
testemunha e evitar perguntas muito meticulosas em relação à cronologia, pois, ao
não saber responder, a testemunha pode abreviar a entrevista. Em outras palavras, é
importante saber ouvir e não insistir diante de uma recordação dolorosa, buscando
uma relação de respeito e confiança entre a testemunha e o entrevistador.
No que tange ao lugar escolhido, não há uma recomendação específica.
Porém, deve-se levar em conta que o local pode influenciar a coleta, seja por ser
no local de trabalho, seja pela interferência de familiares, no caso da entrevista
realizada na casa da testemunha. Antes de iniciar a entrevista, deve- se fazer uma
pesquisa prévia sobre o tema, sobre o entrevistado e, se for o caso, consultar os
textos que este tenha produzido sobre o tema. A entrevista poderá ser dirigida,
não-dirigida ou semi-dirigida (TOURTIER-BONAZZI, 2006, p. 233-237).
Uma importante questão abordada por Tourtier-Bonazzi (2006, p.239-240), tange
à transcrição das entrevistas, na qual se devem observar algumas regras: 1) o próprio
entrevistador deverá cuidar dessa tarefa o mais rápido o possível; 2) passagens pouco

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Anna Carolina de Abreu Coelho - Alessandra Rufino Santos

audíveis devem ser colocadas em colchetes; 3) se necessário, designar as pessoas


citadas pelas iniciais; 4) negritar palavras com forte entonação; 5) inserir subtítulos
para facilitar a leitura; 6) corrigir erros flagrantes de datas ou nomes próprios.
Além desses pontos, o entrevistador deve pensar no equipamento a ser
utilizado para a gravação de vídeo e áudio ou somente áudio, na mídia utilizada
para arquivamento das entrevistas, imprimir a ficha técnica a ser preenchida com
os dados do entrevistado e a Carta de Cessão ou o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido; além de levar roteiros ou cadernos para anotações
(RODEGHERO, 2020, p. 9-10).
Como foi exposto na introdução deste texto, a história oral enquanto
método de pesquisa se configura como uma abordagem didático-pedagógica
(SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015). Vimos também que a sua utilização
se relaciona a uma série de procedimentos técnicos e de pressupostos teóricos
e conceituais que fazem toda a diferença em cada etapa do trabalho, seja na
pesquisa ou no ensino.
Santhiago e Magalhães (2015, p.35) reforçam que professores precisam ter
“conhecimento dos princípios que embasam a prática da história oral antes de
implementá-la em suas aulas”. Levando em consideração essa necessidade, a
história oral permite, entre outras coisas, a proposta de “ouvir o outro” como
possibilidade de trabalho com narrativas para compreender as experiências e
criar estratégias de ação para futuros professores (GARNICA, 2012). Nesse
sentido, o trabalho com narrativas pode ser uma possibilidade de contato com
a história oral durante o curso de formação de professores, como é o caso dos
mestrados profissionais voltados para a área de História.
Tizzo (2014) chama atenção para uma característica importante da história oral,
que é permitir a produção de narrativas orais, narrativas de memória que não buscam
apreender a totalidade de uma experiência e nem provar uma verdade absoluta. A
partir do que diz Bruner (1991), percebemos que as narrativas são concebidas como
uma forma de saber, uma maneira de compor e compreender as realidades, sendo
também um exemplo de reflexão centrado no significado da experiência.
Quanto ao uso da história oral em sala de aula, Schwarzstein (2001) explica
que esta prática é um modo de requerer e promover, entre os alunos, capacidades
e atitudes, tais como habilidades de indagação e análise, características essenciais
para o desenvolvimento de um pensamento crítico. Consequentemente, a história
oral torna-se uma abordagem que possibilita a produção de novos conhecimentos,
“isso porque compreendemos que a narrativa, estruturada a partir de uma

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Anna Carolina de Abreu Coelho - Alessandra Rufino Santos

entrevista, é resultado de uma interação entre o entrevistado e o entrevistador, é


essa estruturação que guiará o que será recordado” (TIZZO, 2016, p.15).

NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIAS COM PESQUISA E ENSINO


ENVOLVENDO A HISTÓRIA ORAL

Um exemplo de pesquisa envolvendo a metodologia da história oral ocorrida na


cidade de Xinguara-PA, entre (2018-Atual), no âmbito do Mestrado Profissional em
Ensino de História (PROFHISTÓRIA) da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
(UNIFESSPA), envolveu uma demanda do Serviço de Assistência Social da Cidade de
Xinguara, localizada no sul do Pará. Demandava-se uma pesquisa que pudesse auscultar
os idosos do Centro de Convivência, um local destinado ao lazer e as práticas culturais e
desportivas para os idosos da cidade; para que, posteriormente, se pudesse produzir um
livro a respeito desses testemunhos que tratasse do passado da cidade e das narrativas dos
migrantes que chegaram ao sul do Pará entre as décadas de 1960 e 1980.
A pesquisa buscou o aporte teórico dos autores Ecléa Bosi (1994) e Alisteir
Thomson (1999; 1997; 2002) por se tratar de pesquisas que abordaram com muita
sensibilidade testemunhas idosas, visando compreender seus trajetos e ouvir suas
vozes. Utilizamos a abordagem da história oral de vida e o método da entrevista
semi-dirigida. Apenas pedíamos que relatassem o que gostariam que fosse
registrado da sua experiência de vida, e fazíamos perguntas específicas, conforme a
narrativa. Como se tratava de uma demanda de uma instituição ligada à prefeitura
de Xinguara, os entrevistados e o local das entrevistas foram elencados pela
administradora do Centro de Convivência. As entrevistas ocorreram no próprio
Centro. A equipe dos pesquisadores (dois professores e um aluno da UNIFESSPA,
atuando como pesquisador voluntário) providenciou a ficha técnica, o documento
de cessão das entrevistas, o material de gravação e a mídia de armazenamento das
entrevistas e das fotografias (SILVA; COELHO, 2021).
Um aspecto presente perceptível no discurso dos entrevistados é sua
expectativa de ascensão social ao migrar para a Amazônia (Pará e Tocantins),
em uma visão da Amazônia como terra da possibilidade ou do futuro. Isso foi
percebido em análises anteriores sobre a cidade, como o trabalho da socióloga
Arlete Marques (2015) que, em sua análise sobre a cidade de Xinguara, notou
que uma marca da fala dos “Pioneiros” era a percepção desta cidade como uma
alternativa de vida, de crescimento de investimento pessoal e social.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Anna Carolina de Abreu Coelho - Alessandra Rufino Santos

De acordo com a pesquisadora chilena Ana Pizarro (2012), a busca de


riquezas é parte de uma construção discursiva da Amazônia transmitidas pelo
ideário ocidental nos relatos de viajantes, crônicas de missionários, relatórios
científicos entre outros textos que criaram imagens relacionadas com a dualidade
inferno/paraíso a respeito da natureza amazônica. Um dos aspectos da imagética
do paraíso é o discurso do Eldorado. Demonstrando uma teia discursiva de longa
duração sobre o eldorado amazônico, com peculiaridades de correspondência
aos desejos de cada sujeito fosse a expectativa de encontrar trabalho, alimentos,
amor ou outras coisas.
A partir dessa pesquisa, o Centro de Convivência dos Idosos, para além de
um lugar recreativo dos idosos da cidade, tornou-se, de certa forma, um lugar de
memória, ao qual os estudantes do curso de História buscam contactar testemunhas
para seus projetos de monografia ou projetos relacionados ao ensino. Foram
realizadas também atividades extensionistas, no âmbito da disciplina curricular
“História do Sul e Sudeste do Pará”, que pertence a grade curricular do curso de
Licenciatura em História da UNIFESSPA. Os pesquisadores envolvidos estão
pensando na organização e publicação dos textos e em possíveis projetos com a
utilização das entrevistas para desenvolver projetos de extensão no ensino básico
nas temáticas memória, imigração, identidade e cidade (SILVA; COELHO, 2021).
Vale destacar que, é sempre necessário considerar as especificidades da
relação entre o professor, a universidade e os alunos na implementação de
um projeto direcionado para a história oral. No caso específico do ensino
de História, a utilização da história oral a partir do trabalho com entrevistas
contribui com a discussão sobre os conceitos de fonte histórica e conhecimento
histórico (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015). Para os estudantes do
PROFHISTÓRIA da UFRR, que cursaram a disciplina “Ensino de História:
história oral e narrativa”, em 2022, o debate sobre a história oral contribuiu
para problematizar o que dizem Santhiago e Magalhães (2015, p.56) sobre o
entendimento de que “a fonte histórica pode ser criada, que os registros dos
fatos históricos não estão necessariamente disponíveis em documentos oficiais,
ou apenas neles”. Com isso, foi bastante discutida a questão em torno da forma
de consolidação do conhecimento histórico, ficando claro que nem todos os
pesquisadores e nem todos os professores estão em condições de usar a história
oral em seu modelo de trabalho, mas é possível moldá-la (SANTHIAGO;
MAGALHÃES, 2015).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Anna Carolina de Abreu Coelho - Alessandra Rufino Santos

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em linhas gerais, podemos afirmar que este artigo mostrou algumas


possibilidades de uso da história oral na pesquisa e na sala de aula, especialmente
na área da História. Devemos enfatizar também que a história oral tem muitas
dimensões, permitindo um trabalho específico com a memória, a narrativa, a
subjetividade, a oralidade, entre outras dimensões que se aproximam do que é
narrado e do que é ouvido (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015).
Considerando essas reflexões, entendemos que um trabalho de pesquisa ou
de ensino sob a abordagem da história oral é uma possibilidade de trabalho no
processo de formação inicial docente e de formação continuada de professores
quando pensamos a realidade dos temas trabalhados na disciplina “Ensino
de História: história oral e narrativa”, ministrada no PROFHISTÓRIA da
UFRR, bem como na realidade apresentada pela licenciatura em História e pelo
PROFHISTÓRIA da UNIFESSPA. Em outras palavras, a história oral além
de contribuir com as práticas de pesquisa científica, colabora no processo de
formação inicial docente e no processo de formação continuada de professores,
que já atuam na educação básica.
Devemos ressaltar que não há uma normatização específica sobre o modo
de desenvolver trabalhos com a história oral na pesquisa e no ensino de História.
Mas há formas diferentes de se pensar sobre as temáticas a ela subjacentes
(BOSI, 1994), sendo necessário discutir sobre a importância da memória para a
construção da história oral.
Por fim, outra questão importante é que o uso da história oral na pesquisa
e no ensino de história pode despertar a curiosidade na medida em que são
realizadas entrevistas e, posteriormente, a análise dos resultados. No entanto,
não podemos esquecer que todo o trabalho com a história oral ou com o
registro da memória de uma pessoa ou grupo exige planejamento, através do
projeto de pesquisa ou do projeto pedagógico. Neste caso, independente da sua
especificidade, “um projeto consiste em uma previsão sistemática das etapas de
um trabalho” (SANTHIAGO; MAGALHÃES, 2015, p.80).

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Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

PATRIMÔNIO E ENSINO DE HISTÓRIA: O USO DA FAZENDA SÃO


MARCOS COMO FONTE NAS AULAS DE HISTÓRIA

Cleicimar Aniceto de Souza


Marcella Albaine Farias da Costa

INTRODUÇÃO

As sociedades, em diversos momentos da sua existência, empenharam-se em


construir a sua identidade por meio da definição de características próprias e,
muitas vezes, recorrendo ao passado. Mas, o que se pode dizer é que a história de
nossas vidas possui relação direta entre passado e presente e, para se compreender
os sentidos dados a elas, são necessárias intervenções, sejam elas intencionais ou
não, muitas vezes, utilizando elementos que foram guardados e/ou preservados
por alguém e, a partir de então, escrever ou reescrever a história.
Abordar sobre a temática de patrimônio dentro do contexto da História
Local demonstra que o conhecimento é uma busca incessante de compreensão
dos fatos que já existiram, ocorrendo a sincronização entre os acontecimentos
do passado com o presente de modo a compreendê-lo e, assim, entender o modo
de vivência dos povos que nos precederam.
Discutir a temática do patrimônio é complexo, uma vez que essa discussão
vem carregada de relações de poder e que, de certa forma, influenciam na
compreensão histórica de fatos que ocorreram na sociedade. Ou seja, estudar
patrimônio vai além de compreender os monumentos e a arquitetura que são
tombados1 pelo Estado, pois “todo patrimônio possui uma metanarrativa que
procura justificar sua própria existência, e, a partir da qual – com variações em
um ou outro aspecto – narrativas mais “conjunturais vão sendo construídas”
(VIANA; MELLO, 2013, p. 51).
Trazer a discussão de patrimônio associado ao Ensino de História é uma
forma não só de dinamizar as aulas, mas de promover a reflexão e conscientizar
os professores para que desenvolvam o hábito de incluir em seus planejamentos

1 O tombamento é o instrumento de reconhecimento e proteção do patrimônio cultural mais


conhecido, e pode ser feito pela administração federal, estadual e municipal. Em âmbito federal,
o tombamento foi instituído pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, o primeiro
instrumento legal de proteção do Patrimônio Cultural Brasileiro e o primeiro das Américas, e cujos
preceitos fundamentais se mantêm atuais e em uso até os nossos dias. Disponível em: http://portal.
iphan.gov.br/pagina/detalhes/126. Acessado em: 01/08/2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


49
Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

o tema de patrimônio cultural como forma de ampliação do entendimento das


relações que a sociedade atual faz com o passado.
Silva (2017, p. 101), ao provocar uma reflexão sobre a relação dialógica entre
presente e passado, cita que “Voluntária ou involuntariamente o tempo presente
tem sempre algo a dizer a historiadores, pesquisadores das humanidades,
professores de história ou a qualquer estudioso que inclua a história como tema
de reflexão”. Isso se dá pelo fato de o tempo presente, de certa forma, colocar
demandas para a história que é ensinada na escola.
Muitos autores discutem a temática de patrimônio e Ensino de História,
dentre eles temos: Circe M. F. Bittencourt (2008) e (2009), Daniel Pinha da
Silva (2017), Vera Lúcia M. Barroso (2010), Katani Maria N. Machado e Maria
Beatriz P. Monteiro (2010), Tais Cristine F. Batista (2018), Carmem Z. de V. Gil
e Caroline Pacievitch (2019) e Carmem Z. de V. Gil (2020).
Essas autoras e esses autores trazem em seus estudos a questão do patrimônio
relacionado ao Ensino de História, mas não aquele que é voltado somente para
a valorização dos bens patrimoniais tombados pelo Estado. Em suas pesquisas,
preocupam-se principalmente em difundir a reflexão, promover o debate
relacionado às memórias e as relações de poder que existem por trás de cada
patrimônio, assim como demonstrar e entrever como se deram as atribuições de
valores a esses bens patrimoniais e os silenciamentos existentes em cada um deles.
Antes de prosseguir a discussão relacionada ao patrimônio nas aulas de
história, é necessário definir patrimônio material, uma vez que a Fazenda São
Marcos, objeto deste trabalho, classifica-se como patrimônio material. De
acordo com informações obtidas no site do IPHAN, o patrimônio material que
é protegido pelo Instituto é composto por um conjunto de bens culturais que
recebem a classificação conforme a sua natureza, além de ter suas especificidades
definidas pelos Livros de Tombo, sendo classificados como: arqueológicos,
paisagísticos, etnográfico, histórico, belas artes e das artes aplicadas2.
A Constituição Federal de 1988, ao tratar sobre essa temática, traz em seus
artigos 215 e 216 a ampliação de patrimônio cultural ao inserir no rol a existência
dos bens culturais de natureza material e imaterial, além de definir outras formas
de preservação, mais do que as previstas pelo IPHAN. A CF de 1988 define
também como forma de preservação o Registro e o Inventário.
Discutir sobre patrimônio cultural é algo que desperta memórias e, associando
este a um determinado povo indígena, faz com que as memórias das pessoas que
2 Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/126. Acessado em: 01/08/2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

possuem relação direta com esse patrimônio sejam estimuladas; este é o caso de
uma das autoras do presente trabalho e dos demais indígenas que residem na
Comunidade Indígena de São Marcos, sede da Fazenda com mesmo nome.
Quando se trata de patrimônio é impossível não falar de memória, uma vez que
na memória residem diversas informações que podem contribuir para a compreensão
de determinado fato. A memória nos remete à ancestralidade, elemento presente em
discussões como a deste escrito. O fato é que a memória é algo que nos demonstra a
necessidade de trazer situações tão importantes quanto estas aqui propostas.
Le Goff (2003), ao discutir memória, cita que esta constitui uma importante
função social, tendo em vista que é capaz de reproduzir diversas informações,
mesmo quando estas não possuem dados escritos, mas a partir de objetos que
assinalaram seu acontecimento. Ou seja, a maior parte dos acontecimentos que
ocorreram na História estão presentes na memória ativa das pessoas.
Então, pode-se dizer que os documentos e as lembranças formam a composição
do patrimônio histórico, sendo que dentro deste encontram-se várias informações
de um povo, desde a cultura, os modos de agir e pensar, a língua, entre outros que
podem ser classificados como patrimônio material e imaterial.

Ao falarmos de patrimônio, estamos lidando com história, memória e identidade,


conceitos inter-relacionados cujos conteúdos são definidos e modificados ao
longo do tempo. A noção de patrimônio confunde-se assim com a de propriedade
herdada. O processo pelo qual se forma um patrimônio é o de colecionar objetos,
mantendo-os fora do circuito das atividades econômicas, sujeitos a uma proteção
especial (OLIVEIRA, 2002, p. 114).

Rocha e Silva (2012), ao discutir sobre patrimônio, trazem uma colocação


pontual no que tange ao tema, afirmando que “o patrimônio possui a capacidade
de estimular a memória das pessoas historicamente vinculados a ele (...)”. E ao
trazer essa discussão para a sala de aula é possível promover não só uma narrativa
de determinado bem, mas a reflexão sobre os diferentes aspectos que o envolve.
Trabalhar a temática do patrimônio acaba sendo uma exigência prevista
na Base Nacional Comum Curricular e no Documento Curricular de Roraima,
além de ir ao encontro do que preconiza a Lei nº 11.645/2008, que traz a
obrigatoriedade do ensino da temática “História e Cultura Afro-Brasileira
e Indígena” na educação básica. A Fazenda São Marcos é um patrimônio
cultural que está dentro da Comunidade Indígena de São Marcos. Todas essas
prerrogativas, unidas à tentativa de despertar os alunos para os interesses aos

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


51
Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

conteúdos mobilizados nas aulas de História, principalmente no que se refere a


Patrimônio, justificam a escolha da temática deste trabalho.

A FAZENDA SÃO MARCOS

Roraima é o estado que se localiza mais ao norte do Brasil, na região Amazônica.


Tem um total de 32 terras indígenas demarcadas e uma vasta população indígena
de diversas etnias, sendo que para a elaboração deste trabalho foi eleita a Fazenda
São Marcos, que se encontra inserida na Comunidade Indígena de mesmo nome,
na Terra Indígena São Marcos; a etnia predominante nessa comunidade é a Macuxi.
O estado de Roraima possui uma gama de possibilidades a serem exploradas
em aulas de História, podendo ser trabalhadas várias temáticas, dentre elas o
patrimônio, que terá a Fazenda São Marcos como objeto de pesquisa. A referida
fazenda se encontra inserida dentro da Terra Indígena de São Marcos, e foi
fundada em 1789 pelos portugueses; a mesma se localiza na confluência dos rios
Tacutu e Uraricoera e fica ao lado das outras duas fazendas reais, a Fazenda São
Bento e a Fazenda São José (BARBOSA, 1993).
A Terra Indígena São Marcos possui grande extensão, sendo que suas terras
envolvem dois municípios: Boa Vista e Pacaraima, tanto que possui uma divisão
em seu território, classificado de Alto São Marcos, Médio São Marcos e Baixo São
Marcos, sendo que a Fazenda encontra-se localizada na região que compreende
o baixo São Marcos. Além do mais, possui grande quantidade de comunidades
indígenas em seu território, dentre elas as que fazem parte da região do baixo São
Marcos: Campo Alegre, Darôra, Milho, Ilha, Mauixi, Vista Nova, Vista Alegre,
Bom Jesus, Lago Grande, Akam, Três Irmãos e São Marcos.
A Fazenda São Marcos foi criada como forma de subsidiar o plano do Estado
em assegurar o domínio da região contra a invasão de inimigos estrangeiros que
almejavam aquela região (CIRINO, 2015). A Fazenda encontra-se localizada
dentro da comunidade que recebeu o mesmo nome, passou por diversas
administrações, incluindo o Serviço de Proteção ao Índio – SPI, que geriu a
Fazenda até 1969, após esse período a Fundação Nacional do Índio – FUNAI
assume a administração da mesma. Em 1972 foi criada a Ajudância Autônoma
de Boa Vista que garantiu aos índios a posse permanente e o usufruto das terras.
A região da Fazenda São Marcos foi demarcada em 1976, mas só foi
homologada em 1991, no governo de Fernando Collor (SANTILLI, 2001).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


52
Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

Observa-se que o surgimento da Fazenda São Marcos vai ao encontro do


programa de Governo que visava proteger a região de invasores. Isto, de certa
forma, ocorreu principalmente pelo fato da região da Fazenda fazer fronteira com
outros países, Venezuela e Guiana, além de fomentar a pecuária na região para
abastecer a Capitania de São José do Rio Negro (OLIVEIRA; BETHONICO,
2019). Atualmente a Fazenda encontra-se em processo de tombamento pelo
IPHAN e está com sua estrutura comprometida pela ação do tempo e sem as
devidas manutenções de preservação patrimonial.
Monteiro (1991) traz um relatório detalhado sobre a região da Fazenda
São Marcos desde o período que a mesma foi criada, falando sobre a presença
indígena no Rio Branco, sobre o processo de ocupação daquela região, assim
como a instituição das Fazendas Reais que serviram para a promoção da atividade
pecuária, até a instituição efetiva da Fazenda São Marcos.

A Fazenda São Marcos é peça fundamental para a história das relações entre índios
e brancos de Roraima. Criada em 1789 pelo militar português Manoel da Gama
Lobo d’Almada, juntamente pelo com mais outras duas fazendas do mesmo tipo,
é a única que ainda existe e onde se concentra grande número de aldeias indígenas
Macuxi, Uapixana e Taurepang, com uma população superior a 1.000 pessoas. Hoje,
encontra-se invadida, devido a um processo de avanço sobre seu território, iniciado
na segunda metade do século passado e que se intensificou com os arrendamentos
concedidos pela União e pelo Estado do Amazonas (MONTEIRO, 1991, p, 1).

Compreender como se deu o surgimento da Fazenda São Marcos lá em 1789


e saber como ela se encontra nos dias atuais poderá servir de base para nortear o
professor na condução da aula, além de promover a relação entre a teoria e a prática
por meio das aulas de história com a temática do patrimônio. Dentro dessa discussão
e da possibilidade de apresentar elementos que os alunos possam ter contato direto,
ou pelo menos que faça parte da realidade deles, é que se nomeou a Fazenda São
Marcos como fonte para as discussões em sala de aula sobre a temática.
Observa-se que a Fazenda São Marcos serviu a inúmeros propósitos, uma
vez que foi sede da Fazenda Real São Marcos na época da colonização pelos
portugueses no século XVIII, depois serviu de base para o Serviço de Proteção ao
Índio – SPI, 1915 a 1969, e em dado momento serviu como moradia para a família
Aniceto, indígenas que residem até a presente data na Comunidade Indígena de
São Marcos e que, após a saída do SPI e ainda sob a administração da Fundação
Nacional do Índio – FUNAI, tomaram posse do prédio da sede da Fazenda.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

Os indígenas foram retirados da sede, em meados dos anos 1990, devido


ao estado precário que se encontrava o mesmo, sendo que logo após a sua
retirada uma parte desabou e, após isso, foi necessária a intervenção do poder
Público. Atualmente a sede encontra-se protegida por cerca de arame farpado,
impedindo o acesso ao seu interior. O complexo de bens materiais, composto
pelo prédio, a caixa d’água, a igreja, a casa do vaqueiro e a casa de radiofonia/
casa do administrador da Fazenda que se encontram localizados na Comunidade
Indígena São Marcos estão em processo de tombamento pelo IPHAN.
Inserir o estudo da Fazenda São Marcos nas aulas de História poderá
oportunizar o conhecimento em relação ao processo de povoamento de Roraima
e ainda trazer elementos previstos na Lei nº 11.645/2008, que trata sobre a
obrigatoriedade da temática indígena em sala de aula.

HISTÓRIA LOCAL E ENSINO DE HISTÓRIA

O uso de História Local no ensino de História está previsto na legislação


educacional, tais como nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s e na
Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Logo, é necessário que o professor
de História faça a inserção nas suas aulas, possibilitando aos alunos que tenham
a anexação da sua realidade nas aulas e, assim, possa associar a mesma ao ensino,
buscando facilitar sua aprendizagem.
Promover a aprendizagem do discente pautado na História Local abre
oportunidades para que ele acesse e participe de discussões que tenha conhecimento,
além de possibilitar que faça parte ativa do processo de ensino. Trazendo a
discussão para a temática apresentada neste trabalho, observa-se que esta é uma
oportunidade para se estudar, além do patrimônio e fontes históricas, a temática
indígena, que deve ser inserida na sala de aula, conforme já citado anteriormente.
A Fazenda São Marcos hoje encontra-se inserida dentro de uma das maiores
reservas indígenas no estado de Roraima, logo, apresentá-la dentro do contexto
da aula é fundamental para compreensão e abordagem da História Local. Além
de ser uma forma de apropriação desse aluno em relação à sua realidade. Em
se tratando da inserção da História Local nas aulas de História, Costa (2019, p.
136) afirma que “a proposta de história local para o ensino de história também
enseja alguns cuidados. A história local por si só, assim como a “história geral,
“não consegue dar conta de tudo”. Por isso a importância de contextualização,

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

relacionando história geral com realidade local, fazendo o aluno perceber onde
elas se aproximam e onde se distanciam, pois desta forma é possível construir
uma aprendizagem significativa.

PROPOSTA DE ATIVIDADE E FONTES/ RECURSOS DIDÁTICOS

O ensino de História nos dias atuais traz a possibilidade de se trabalhar


inúmeras fontes históricas em sala de aula, dentre as que podem ser trabalhadas
encontram-se: textos disponíveis nas plataformas digitais, imagens que podem
ser bastantes exploradas pelos educadores e que possuem grande contribuição
no processo de ensino aprendizagem, entre outros recursos que devem ser
explorados para tornar a aula satisfatória no que se refere à aprendizagem.
Logo, observa-se que a utilização de fontes históricas em sala de aula é
algo que está em pauta nas discussões acadêmicas em que os educadores visam
chegar a um consenso sobre as possibilidades de criação de elementos que
sejam utilizados como instrumentos de produção de conhecimento histórico da
educação básica.
A primeira fonte desta proposta de aula é o jornal e refere-se à reportagem
publicada no site do Jornal Folha de Boa Vista em 12 de novembro de 2016,
na categoria de CIDADES, onde é possível encontrar a seguinte matéria
“PATRIMÔNIO HISTÓRICO: Histórica Fazenda São Marcos está em
condições precárias, sem manutenção”. Em forma de texto é possível verificar
a explanação sobre as condições de abandono em que se encontra a sede da
Fazenda São Marcos, assim como os posicionamentos do Governo do Estado
de Roraima e da FUNAI.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

JORNAL FOLHA DE BOA VISTA


PATRIMÔNIO HISTÓRICO

HISTÓRICA FAZENDA SÃO MARCOS ESTÁ EM CONDIÇÕES PRECÁRIAS,


SEM MANUTENÇÃO
Figura 1 - Estrutura centenária resiste às ações do tempo na Terra Indígena São Marcos

FONTE: Arquivo pessoal.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

Enquanto aguarda processo de tombamento para tornar-se patrimônio


histórico do Brasil, o Conjunto Arquitetônico da Fazenda São Marcos, na Terra
Indígena São Marcos, localizada na região Norte de Roraima, está em condições
precárias. Tombada pelo Estado, a estrutura centenária resiste às ações do tempo.
Turistas que visitam a Fazenda relataram à Folha sobre a situação de
abandono do local. “A estrutura está toda abandonada, nem parece o paraíso
que foi um dia. É uma região que foi demarcada, são fazendas centenárias que
deveriam fazer parte do patrimônio histórico, pelo menos para os prédios serem
conservados”, disse um dos visitantes, que preferiu não se identificar.
O Conjunto Arquitetônico da Fazenda São Marcos é um dos patrimônios que está
em processo de tombamento na Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio
Histórico Artístico Nacional (Iphan) e em fase de construção de seu inventário,
obedecendo às diretrizes do Decreto-Lei número 25, de 30 de novembro de 1937.
Segundo a superintendente interina do órgão, Lady Amorim, o processo
de tombamento está em fase de avaliação. “Está sendo feito um estudo e
levantamento, que são submetidos ao Conselho para saber se o local tem valor
histórico a nível federal ou não”, disse.
A superintendente lembrou que, em 2014, o Iphan realizou uma obra
de escoramento emergencial, pois a Fazenda já se encontrava em estado de
arruinamento. “Naquela época gastamos R$ 90 mil para fazer a consolidação da
estrutura, porque os telhados e as paredes estavam caindo”, frisou.
Conforme ela, como não está sob a proteção do Iphan, não há como investir
na restauração da estrutura. “Não podemos mais investir recursos num bem que
não é nosso. Hoje está nessa situação de abandono, mas não temos condições de
fazer nada. O Estado é quem deveria ser responsável por fazer a manutenção e
limpeza do local”, afirmou.
FAZENDA - A Fazenda Nacional São Marcos foi criada logo após a
fundação do Forte São Joaquim, em 1775, com a finalidade de prover
de produtos alimentícios à cidade de Manaus. A fazenda se insere ainda
no contexto de colonização do Rio Branco e de disputa por fronteiras
nacionais.
GOVERNO - A Secretaria Estadual de Cultura (Secult) esclarece que a
Fazenda São Marcos é Patrimônio Nacional. Antes era Fazenda Nacional
do Rei, depois passou para responsabilidade do Serviço de Proteção
ao Índio (SPI) e hoje pertence à Fundação Nacional do Índio (Funai).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

Esclareceu ainda que embora o local seja também tombado pelo Estado
de Roraima, a responsabilidade pelo local não é do Governo de Roraima.
FUNAI - A Folha tentou entrar em contato com a Funai, para saber de quem
é a responsabilidade pela manutenção da Fazenda São Marcos, mas até o
fechamento desta matéria, às 15h de ontem, não obteve retorno. (L.G.C)
A reportagem foi escrita por Luan Guilherme Correia. Juntamente com o texto
apresentado, é possível verificar a imagem do prédio da Fazenda São Marcos em
ruína; não é possível verificar os créditos da imagem, consta somente como “foto
divulgação”. É importante que o professor explique para os alunos que a História é
construída no cotidiano e que, dentro desse contexto, podem ser inseridos elementos
que fazem parte da história local para demonstrar ao aluno que o conteúdo mobilizado
em sala de aula tem relação com a sociedade e vivência ao qual ele se encontra.
Os jornais constituem importante fonte de pesquisa, utilizá-los pode servir
de base para estimular a ação do professor/pesquisador, proporcionando
a investigação em sala de aula da educação básica. Fonseca (2009, p. 215), ao
abordar sobre o uso de jornais na escola, cita que “o professor de história, ao
incorporar em sua prática pedagógica a releitura da imprensa periódica, articula
saberes e possibilita a formação da e para a cidadania”.
Ao se fazer uso dessa fonte é possível estimular o pensamento crítico do
aluno, assim como levá-lo a refletir sobre a construção da mesma, ou seja, a quem
atende essa fonte? Quem escreveu conseguiu passar a mensagem sem manipular
o seu sentido real? Para quem foi criada? Todas essas perguntas são passíveis de
serem trabalhadas em sala de aula com os alunos, provocando os mesmos para
uma percepção mais crítica em relação aos documentos.

A utilização de documentos numa perspectiva metodológica dialógica propicia o


desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem que tem como pressupostos
a pesquisa, o debate, a formação do espírito crítico e inventivo. Isso implica dizer que
professores e alunos podem estabelecer uma outra relação com as fontes de saber
histórico. (FONSECA, 2009, p. 217)

É importante que o professor tenha em mente que ao se trabalhar uma


fonte como o jornal é importante chamar a atenção do aluno para o propósito
da aula, uma vez que a utilização de jornais ou mesmo qualquer outra fonte
requer preparação e planejamento para não parecer que está sendo apresentada
somente uma ilustração na qual o aluno não sabe o que fazer e, assim, perder
o interesse na aula. Ressaltando que a matéria jornalística sempre está a serviço

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

de alguém ou algo, Bittencourt (2008, p. 337) cita que “o importante no uso


de textos jornalísticos é considerar a notícia como um discurso que jamais é
neutro ou imparcial”. É sobre isso que o professor precisa se debruçar, em levar
para os alunos além do jornal, informações que possibilitem o trabalho a ser
desenvolvido em sala de aula de forma crítica.
A segunda fonte está relacionada a trabalhar com imagens de fotografias que
fazem parte de arquivo pessoal, onde constam imagens da Fazenda São Marcos
que foram registradas no ano de 2020, conforme é possível verificar a seguir:

Figura 2 - Ruínas do prédio da Fazenda São Marcos.

FONTE: Arquivo pessoal.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

Figura 3 - Igreja de São Marcos

FONTE: Arquivo pessoal.

Figura 4 - Casa do Administrador/casa de radiofonia, Fazenda São Marcos

FONTE: Arquivo pessoal.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Figura 5 - Caixa d’água que abastecia a sede da Fazenda

FONTE: Arquivo pessoal.

Figura 6 - Casa de uma das moradoras mais antigas da Comunidade Indígena São Marcos.

FONTE: Arquivo pessoal.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

As questões norteadoras para direcionar essa aula podem ser: de que forma
a fotografia poderá ser utilizada nas aulas de História da Educação Básica?
Fotografia é uma fonte? Existe a possibilidade de análise crítica à imagem
representada? Quais significados podem ser atribuídos à fotografia pelos alunos?
São indagações que são necessárias para se pensar a prática de sala de aula e,
assim, trabalhar com imagens de forma satisfatória e facilitadora do processo de
ensino-aprendizagem.
Acredita-se que uma das formas mais significativas de produzir
conhecimento com os alunos é indagando os mesmos durante o processo de
aprendizagem, fazendo-os refletir sobre as imagens que lhes são apresentadas.
Quais significados podem ser encontrados nas imagens? Quais apropriações e
simbologias elas suscitam? Inúmeras são as conversas que pode-se ter com a
fonte; cabe ao professor direcionar esses questionamentos e estimular o olhar
crítico do aluno. Alberti (2019, p. 108), ao discorrer sobre as perguntas às fontes,
cita que “para cada tipo há formas específicas de abordagens, mas determinadas
perguntas devem ser feitas a todos os documentos”.
O uso de fotografias pode ser explorado em sala de aula, mas deve-se atentar
a alguns pontos que devem conter para bom uso dessa fonte, conforme cita
Bittencourt (2008, p. 368):

Para os historiadores, é fundamental selecionar as fotografias, e elas precisam ser


datadas e reproduzir cenas e personagens que possam ser reconhecidos, para que
se transformem em fonte histórica confiável e tragam informações que possam ser
articuladas a outras fontes.

É importante frisar que a fotografia é uma fonte para se entender o passado,


mas não é a única verdade, ou seja, não pode ser apresentada sem contextualização,
pois uma fotografia não apresenta todas as versões de uma história, mas, sim,
uma pequena parte que se não for contextualizada perde o sentido, pois não traz
uma informação completa:

Para ensinar com ajuda de imagens o professor deve ter em mente que a fotografia
funciona como um mediador cultural, ou seja, atua na interação entre conhecimentos
prévios e novos conhecimentos. Esta interação ocorre de forma dialógica, onde
está presente a ideia de múltiplas vozes, o contato com várias linguagens. (GEJÃO;
MOLINA, 2008, p. 01)

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

Ressalta-se que que toda fonte histórica carrega consigo as intencionalidades


e ao se levar a mesma para a sala de aula é necessário estar atento a essas questões,
para que não ocorra somente a repetição da imagem mostrada, é necessário
analisar de forma crítica, apresentar o contexto da imagem para os alunos, citar
o período que foi criada, entre outras situações que são indispensáveis para os
educandos compreenderem a fonte apresentada na aula.

DESENVOLVIMENTO DAS AULAS

Segue a proposta de aulas a serem trabalhadas acerca da temática patrimônio,


conforme descrita no decorrer deste trabalho. Na primeira e segunda aulas será
realizada uma sondagem por meio do uso do site www.mentimeter.com, que
nos dá a possibilidade de trabalhar de forma coletiva por meio de chuvas de
palavras, no qual é possível captar as representações sociais dos alunos, assim
como compreender de forma sucinta sobre o entendimento deles em relação
ao patrimônio e a Fazenda São Marcos. Trata-se de um recurso simples e que
pode ser utilizado de diversas formas para dinamizar as aulas de História. Este
site dá a possibilidade de os alunos interagirem de forma instantânea, todos ao
mesmo tempo, promovendo a interação entre os mesmos. O acesso poderá se
dar também por meio do QR Code, o que de certa forma facilita o acesso dos
discentes, mas para isso é necessário ter acesso à internet e que os alunos tenham
pelo menos celulares para acessar o QR Code.
Caso o professor ou os educandos não disponham de acesso à internet esse
momento poderá ser realizado com uso do quadro branco, no qual o professor
poderá transcrever as palavras citadas pelos alunos. É importante ressaltar que
caberá ao docente observar a dinâmica da sua turma para realizar tal atividade,
onde este estabelecerá o uso de uma só palavra para definir patrimônio e outra
para definir a Fazenda São Marcos. No término desse momento o mesmo terá
a chuva de palavras que servirão de base para dar prosseguimento à aula, pois, a
partir dessa dinâmica, o professor poderá saber quais direções dar à aula.
A continuidade da atividade ocorrerá por meio da apresentação de conceitos
relacionados a patrimônio e fontes históricas; dentro do contexto de fonte material
será abordado os tipos de fontes que são considerados materiais, de acordo com
o IPHAN e, posteriormente, sobre patrimônios de Boa Vista – RR, sempre
provocando os alunos para que estes participem expressando seus conhecimentos

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

prévios. É sugerido que o professor capte se os alunos já visitaram algum patrimônio


na sua cidade ou em outros locais e como foi a experiência. Eles se reconhecem
nesses patrimônios? E que outros patrimônios conhecem que não tenham sido
citados no decorrer da aula? Será deixado como dever de casa: pesquisar sobre a
Fazenda São Marcos e dizer em que tipo de patrimônio a mesma se enquadra.
Na segunda e terceira aulas serão coletadas as informações trazidas
pelos discentes, cabendo ao professor, após essa troca de informações, fazer
apontamentos sobre a Fazenda agregando informações pertinentes à discussão
e, logo em seguida, serão apresentadas as fontes a serem trabalhadas. De início
pode-se dividir a turma em grupos em que cada um, baseado na pesquisa realizada
e nas contribuições do professor, possam fazer análise das fontes apresentadas.
É interessante pontuar que essa análise deverá ser direcionada pelo docente,
seja através de perguntas ou mesmo de ponderações que possam auxiliar os alunos
na análise da fonte. Se faz necessário que haja contextualização do conteúdo a ser
desenvolvido para que se tenha êxito na aplicação desta sugestão de aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término desta sugestão de aula apresentaremos os possíveis resultados


que pretendemos alcançar após as aulas ministradas. No que se refere aos
resultados, espera-se que estes sejam compatíveis com os objetivos propostos
e que os alunos possam compreender mais sobre a temática do patrimônio,
dialogando com as fontes locais, de forma a perceber que a História tem mais do
presente do que somente do passado.
Após a problematização do patrimônio relacionado à temática indígena,
espera-se que despertem o interesse pela História local e que esta possa ser
difundida sob diversos prismas, e não falada e aceita sob a perspectiva de quem
está no poder. Trabalhar História Local com os alunos na Educação Básica é
necessário não só para cumprimento do que a lei determina, mas para fazer com
que esse aluno se sinta parte do processo de ensino-aprendizagem, que ele se
reconheça como sujeito histórico.
Fazer com que se reconheçam nesse processo não é simples, mas podemos ir
construindo isso aos poucos e, sempre que possível, adentrarmos com História
Local no contexto da aula, possibilitando que se percebam como sujeitos e,
acima de tudo, tenham uma percepção crítica do que vivenciam.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

Além do mais, possibilitar que os povos indígenas sejam enxergados como


seres que contribuíram para a formação da sociedade e que não seja perpetuado
o estereótipo de seres preguiçosos, que não gostam de trabalhar ou mesmo
como selvagens; que possam ser desmistificados e que seja dado o devido
reconhecimento ao indígena dentro do contexto das aulas sobre História Local.
Enfim, que essa proposta de aula sirva para que possamos conhecer e explicar a
história sob a perspectiva local e utilizando as fontes e os recursos locais.

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Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

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66
Cleicimar Aniceto de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

SITES

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FONTES

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Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

A PRESENÇA DA HISTÓRIA EM NOSSO LUGAR: HISTÓRIA


REGIONAL A PARTIR DOS RELATOS DE VIAJANTES

André Augusto da Fonseca


Maria Luiza Fernandes

INTRODUÇÃO

À pergunta sobre por que ensinar história regional (ou qualquer outro tema
na disciplina escolar de história), pode-se responder a partir de uma concepção
de didática da história que serve às demandas sociais de orientação no presente
(CERRI, 2010, p. 13; RÜSEN, 2001, p. 57), o que exige a participação ativa
de docentes e discentes. Isso não é mera retórica pois, longe de ser um mero
simplificador de conteúdos, o(a) professor(a) deve ser um intelectual que ajuda a
comunidade a avaliar criticamente os quadros de consciência histórica existentes (as
representações sobre o passado, ou ideias prévias dos estudantes, tão influenciadas
por ideias de fora da escola, como os meios de comunicação de massa, famílias,
amigos etc.) e contribui para a sociedade elaborar uma compreensão mais crítica
sobre as identidades e ações humanas no tempo (CERRI, 2010, p. 18). Sem essa
perspectiva, de que serviria a disciplina de História na escola?
Particularmente, estudar a história dos espaços mais próximos fisicamente
de professores(as) e estudantes sempre evidencia o quanto as ações humanas
ao longo do tempo moldaram suas vidas atuais. Em Roraima, essa necessidade
parece ser ainda mais premente, dado o grau de apagamento do passado
regional (principalmente sobre os povos indígenas presentes no estado).
Em suma, estuda-se história na escola para a formação cidadã, para que as
pessoas se orientem no presente. Ignorar a história local e regional produz um
distanciamento artificial entre o universo dos alunos e o conhecimento histórico.
À compreensão do “por que” ensinar, seguem-se as dúvidas sobre “com
que” ensinar história regional. Um lugar-comum entre educadores(as) é a falta de
material sobre a região e a localidade para utilizar didaticamente na escola, dado
que os livros didáticos do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) são
geralmente produzidos no Sudeste e no Sul do país. Sabemos que as condições
objetivas de trabalho docente na educação básica realmente dificultam o estudo
sistemático dos recursos existentes, refletindo a extrema desvalorização do ofício
de mestre na sociedade brasileira (remuneração baixa, excesso de trabalho, descaso

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


68
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

dos gestores com a formação continuada, inexistência de acesso adequado à


internet e de recursos de impressão de material nas escolas sucateadas etc.). Por
outro lado, a produção historiográfica, antropológica e etnográfica e a publicação
de fontes em meio digital oferecem hoje oportunidades impensáveis até poucos
anos atrás.
Não apenas a hemeroteca1 e a seção de manuscritos2 da Biblioteca Nacional
permitem o acesso a jornais de Roraima desde 1916 e relatos de viajantes e
mapas desde o século XVIII, como também o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro digitalizou toda a coleção de sua notável revista3. Os sites archive.org
e books.google.com.br oferecem versões digitais de livros de naturalistas que
visitaram nossa região ao longo dos séculos XIX4 e XX (neste caso, a barreira do
idioma pode ser um problema). É importante destacar também as produções da
UFRR e da UERR disponíveis em formato digital5.
Se até agora se falou sobre “com que” ensinar história regional, pode-se
passar ao “como” ensiná-la. Entre inúmeras possibilidades (história temática,
história do bairro, história oral, conexão de temas de história geral e nacional com
temas regionais6), o escopo deste artigo limitar-se-á ao uso do gênero literatura
1 Graças ao trabalho coordenado pelo professor Maurício Zouein (UFRR), pode-se hoje consultar
diversos periódicos inestimáveis para a história regional, como o jornal Rio Branco de 1914 a
1918: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=851272&pagfis=1. O Jornal do
Rio Branco, de 1916 a 1917: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib= 850632.
Encontram-se também o jornal Boa Vista, de 1954 (http://memoria.bn.br/DocReader/
DocReader.aspx?bib= 892971) e O Átomo, de 1951 a 1956 (http://memoria.bn.br/DocReader/
DocReader.aspx?bib= 719525&PagFis= 1&Pesq) , assim como a Folha de Boa Vista no período
de 1983 a 1998 (http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=892378&Pasta=ano%20
198&Pesq=). Cobrem-se, assim, os períodos da Primeira República, o período democrático com
o segundo governo Vargas e início do governo JK, final da ditadura empresarial militar e início da
chamada “Nova República” e criação do estado de Roraima. O site permite busca por palavras e é
um recurso excelente para os alunos realizarem pesquisas, sob a coordenação do(a) professor(a).
2 Um dos materiais disponíveis é o conjunto de manuscritos e aquarelas produzidas pela Viagem
Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira na Amazônia no final do século XVIII, como o
“Prospecto da Fortaleza de S.Joaquim, situada na margem oriental da foz do Rio Tacutú”, em
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mss1095055.htm
3 Consulte-se, por exemplo, em https://www.ihgb.org.br/publicacoes/revista-ihgb.html o número
325 da Revista, que contém o valioso “Relatório do Estado de Decadência em que se acha o Alto
Amazonas”, do militar João Henrique de Matos, descrevendo o rio Branco em 1843. O próprio
relato setecentista do porta-bandeira Barata (BARATA, 1846), analisado neste capítulo, também
pode ser encontrado nesse site.
4 Como alguns inestimáveis relatos de viagem no rio Branco no período imperial (COUDREAU,
1886; STRADELLI, 1889).
5 Em https://ufrr.br/editora/ebook-menu e https://edicoes.uerr.edu.br/index.php/inicio/catalog/
category/e-books
6 Por exemplo, ao tratar de civilizações antigas da Europa, Ásia, África ou América, tratar das
civilizações da Amazônia Antiga, da arqueologia de Roraima; relacionar as Reformas religiosas ao

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


69
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

de viagem como fonte para o ensino. Professores(as) que se esforçam em ensinar


história de Roraima e história local parecem sentir uma certa pressão em ensinar
a “história dos municípios”. A nosso ver, essa abordagem é muito limitadora
e mesmo empobrecedora, tanto pelo fato dos limites municipais em Roraima
serem particularmente recentes e arbitrários quanto por recair em uma crônica
sem vida e sem cor, de decretos e nomes de primeiros prefeitos, inviabilizando
tanto uma problematização da história quanto uma investigação do papel de
grupos sociais como as mulheres, os indígenas, os trabalhadores7. Vejamos como
se apresenta um dos materiais mais conhecidos e acessíveis para docentes que
procuram explorar a história local:

O município do Cantá foi criado pela Lei Estadual No. 99 de 17 de outubro de 1995,
com terras desmembradas do município de Bonfim.
Recebeu esse nome por estar muito próximo da serra do mesmo nome. Sua população
de acordo com o censo realizado pelo IBGE, em 2010 era de 13.903 habitantes. Com
uma área territorial de 7.691 km2 e uma densidade demográfica de 1,80hab./km2. O
município tem os seguintes limites: ao Norte com os municípios de Bonfim e Boa
Vista; ao Sul com o município de Caracaraí; a Leste com o município de Bonfim; a
Oeste com os municípios de Boa Vista, Iracema e Mucajaí através do rio Branco.
A rede pública de educação do Cantá possibilita que 741 estudantes frequentem o
ensino Pré-Escolar, 3.303 o ensino fundamental e 604 o ensino médio. Na área da
saúde, o município dispõe de postos médicos na sede e nas localidades do interior. Na
sede, há rede de distribuição de água potável, assim como fornecimento de energia
elétrica que se expande por todas as vilas do interior.
É o município cuja sede é a mais próxima da capital: apenas 38 km de distância.
As principais vilas pertencentes ao Cantá são: Serra Grande I, Serra Grande II, Vila
Central, Félix Pinto, Vila União e Santa Cecília. A economia municipal está baseada na
produção da agricultura de subsistência, pecuária de leite e agroindústria caseira para
o abastecimento de Boa Vista.
O primeiro prefeito do Cantá foi o senhor Paulo de Souza Peixoto, empossado em
1997 e reeleito em 2000, seguido do senhor Zacarias Assunção Ribeiro Araújo e
Josemar do Carmo. Em 2012 foi eleita Roseny Cruz Araújo. Em 2016 foi eleito Carlos
José da Silva com 1.918 votos (FREITAS, 2017, p. 91-92).

empreendimento missionário no Grão-Pará ou, a partir da temática do Iluminismo, explorar as


reformas pombalinas na Amazônia e seus efeitos no rio Branco; relacionar a ditadura do Estado
Novo à criação dos territórios federais; ao estudar a ditadura empresarial-militar de 1964-1985, levar
os alunos a analisar seus desdobramentos em Roraima e no norte do país.
7 Além do Atlas Escolar Geográfico de Roraima produzido pelo curso de Geografia da UERR (https://
edicoes.uerr.edu.br/index.php/inicio/catalog/book/21), com farto material cartográfico para ser
usado em sala de aula, o livro Diversidade Socioambiental de Roraima (CAMPOS, 2012), elaborado
pelo ISA, é também um verdadeiro Atlas do estado, com informações riquíssimas sobre cada
município, incluindo dados sobre desmatamento, populações indígenas, assentamentos agrícolas,
população etc.: https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/publications/23L00010.pdf

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


70
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

Embora esse trecho se encontre na parte de Geografia da obra, o(a) leitor(a)


não tem como estabelecer conexão alguma entre a parte histórica e essas
informações sobre o Cantá, por exemplo. Pode-se questionar como esse material
ajudaria as pessoas a se orientarem no presente. É precisamente essa abordagem
que precisamos superar.

História local não precisa ser somente a história da cidade ou do Estado, muitas
vezes feita nos mesmos moldes de uma história nacional – ou seja, uma listagem
de prefeitos/governadores ou de pessoas tidas como importantes, muitas das vezes
pela sua condição social privilegiada. Para um melhor aproveitamento dos recortes
possíveis, o trabalho com história local precisa da mobilização de conceitos comuns
também à geografia, como os de paisagem, região, território. Eles servem como
guias para a delimitação dos objetos de estudo, conferindo inteligibilidade ao tema/
espaço/recorte selecionado (COSTA, 2019).

As paisagens se referem aos aspectos visuais das formas do relevo, vegetação,


hidrografia e os territórios aos resultados das ações humanas, dos processos
históricos. Pode ser muito mais rico e produtivo, portanto, investigar com os
alunos as contradições dos processos históricos em cada região do estado: 1) o
baixo rio Branco e o sudeste de Roraima, onde se encontram os grandes eixos
de comunicação com a bacia Amazônica e o Brasil – o rio Branco e a BR 174,
com a frente de colonização no final do século XX; 2|) a região do lavrado ou
campos do alto rio Branco; 3) o nordeste de Roraima, com a tríplice fronteira
e a área do antigo Contestado com a Inglaterra; 4) a região das serras ao norte.
Essa divisão permite estudar a história dos municípios, reunidos em regiões que
possuem características comuns quanto à paisagem e aos processos históricos.
Neste capítulo, exploram-se as possibilidades de alguns relatos de viagem
e o ensino de história regional. Trata-se de reverter o esvaziamento da história
e memória de nossa terra e mostrar o quanto cada canto dela está repleto de
humanidade, lutas, culturas, enfim, de historicidade.

O BAIXO RIO BRANCO E AS CACHOEIRAS DO BEM-QUERER


(HISTÓRIA DA REGIÃO DE CARACARAÍ, RORAINÓPOLIS, SÃO LUIZ
DO ANAUÁ, SÃO JOÃO DA BALIZA E CAROEBE)

A paisagem da região, com a maior pluviosidade de Roraima, clima tropical


úmido e equatorial, predominância de floresta tropical (FERREIRA, 2007, p.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


71
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

39-49), a individualiza em relação ao norte do estado, mas a conecta fortemente


com a bacia do rio Negro, inclusive com presença de populações ribeirinhas
(COSTA-ALVES et al., 2016) e uma reserva extrativista no rio Jauaperi. O
material arqueológico encontrado na região a caracteriza como uma região de
contato milenar entre as culturas do norte do continente e as da bacia amazônica
(VALLE, 2012). O rio Branco, que era mais conhecido como rio Parimé, é
um eixo de ligação antiquíssimo para as trocas materiais e culturais, tanto na
história antiga da região quanto no período colonial, imperial e republicano, o
que significa que relatos de viagem sobre a área são abundantes nos séculos
XVIII ao XX. O período da abertura da rodovia BR 174 deve ser estudado tanto
com fontes do período quanto com a documentação da comissão da verdade
sobre o genocídio Waimiri-Atroari (COMITÊ DA VERDADE, MEMÓRIA E
JUSTIÇA DO AMAZONAS, 2012).
Obviamente, como ocorre com qualquer fonte, faz-se necessário compreender
a sua produção, o seu contexto, a sua autoria. Para João Pacheco de Oliveira,
há que se ter o cuidado de não utilizar relatos de viagem “de forma ingênua
e perigosa”. Para tanto, “qualquer consideração de dados etnográficos obtidos
através do relato de viajantes precisa ser rigorosamente conduzida às múltiplas
instâncias que o determinaram” (OLIVEIRA FILHO, 1987). Que preparação
(formação científica, experiências anteriores) permitiu a um determinado
viajante enxergar certos fenômenos e não outros, “a falar deles de certa forma
e a propor certos tipos de explicação” (p. 91)? Quais as finalidades atribuídas
às viagens, como elas foram financiadas e organizadas, que recompensas esses
viajantes poderiam esperar (cargos, posições acadêmicas, prestígio social)? Todas
essas condições ajudam a perceber a heterogeneidade da categoria “viajantes”,
bem como o fato de que toda fonte histórica é resultado de determinadas visões
de mundo, ideologias, intenções e tradições culturais.
Podemos começar por um viajante português que, apesar de nunca ter estado
no rio Branco, é sempre relacionado, de forma equivocada, à “descoberta”
europeia do principal rio de Roraima. Pedro Teixeira (1587-1641), militar
português experimentado no combate aos franceses no Maranhão (1614) e aos
competidores ingleses e holandeses pelo controle da foz do rio Amazonas, foi
designado para comandar uma grande expedição que subiria o rio Amazonas
até Quito, nos Andes, de 1637 a 1639 (VAINFAS, 2001). No entanto, nos
quatro relatos produzidos sobre essa viagem que se tem conhecimento não há
menção ao rio Branco, muito menos se aponta que estiveram próximos a ele.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


72
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

Essa expedição não sobe sequer o rio Negro – apenas o piloto-mor, como era
de costume, adiantou-se às demais embarcações para fazer o reconhecimento
da área, atestando que subiu o dito rio “por duas ou três jornadas” (dias). Ora,
isso não era necessariamente suficiente para chegar ao Branco e muito menos
para “conquistá-lo” para Portugal (FERNANDES; FILHO, 2014). O relato
mais completo, escrito pelo padre espanhol Cristóbal de Acuña, menciona um
“braço” do rio Negro que teria ligação com o “rio grande” (possivelmente o
Essequibo) que desembocaria no mar do Norte (mar do Caribe), “onde estavam
os holandeses”. Também menciona que em algumas partes havia “campinas
cobertas de pastos que poderiam servir para inumeráveis cabeças de gado”
(ACUÑA, 1641, parte LXV)8. O “braço” do rio Negro que oferecia essa
comunicação com o litoral da Guiana poderia ser o rio Branco, mas fica claro
que a expedição de Pedro Teixeira só tinha uma confusa ideia dessa hidrografia,
obtida de forma indireta pelos informantes indígenas. Na parte LXVI, Acuña
explicitamente registrou que, descendo o rio Amazonas de volta a Belém, os
portugueses estavam na boca do Rio Negro em doze de outubro de 1639 e,
convencidos de que não seriam recompensados do rei pela façanha da expedição,
tentaram convencer o comandante a “encontrar remédio para sua pobreza”
subindo o rio Negro para fazer muitos escravos. Pedro Teixeira hesitou e chegou
a tomar providências para esse empreendimento, mas os padres Acuña e Artieda
fizeram um requerimento escrito para demovê-lo da ideia, lembrando-lhe que já
demoravam 8 meses de Quito até ali, e ainda faltavam 600 léguas para chegar a
Belém (quanto tinham previsto levar apenas 2 meses para chegar àquela cidade)
e que a legalidade de se escravizar os povos daquela região era muito duvidosa,
além de expor a expedição e a própria cidade de Belém a riscos desnecessários.
Segundo Acuña, esse requerimento convenceu Pedro Teixeira a abandonar a
ideia de subir o rio Negro, seguindo viagem para Belém.
No século XVII, missionários e militares portugueses já disputavam com os
espanhóis o alto Solimões e começavam a se estabelecer na barra do rio Negro
(1669), instalando aldeamentos missionários como Santo Elias do Jaú9 (1694) e
Itarendaua ou Pedreira10, de onde os padres enviavam seus prepostos ou aliados
8 O livro de Acuña sobre a viagem de retorno de Pedro Teixeira, digitalizado pelo Google Books,
pode ser obtido em https://books.google.com/books/download/Nuevo_descubrimiento_del_
gran_rio_de_las.pdf ?id=R28BAAAAQAAJ&output=pdf
9 Posteriormente renomeada como Lugar de Airão, no contexto das reformas pombalinas e do
Diretório dos Índios.
10 Depois rebatizada como Vila de Moura, núcleo rionegrino importante na colônia e no império para
o baixo rio Branco.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


73
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

sertanistas para fazer descimentos, comércio e coleta de drogas do sertão no rio


Branco. Após a “guerra justa” contra a confederação liderada pelos Manaos de
Ajuricaba, os portugueses estabeleceram definitivamente seu domínio no baixo
e médio rio Negro e, nas décadas de 1730 e 1740, Tropas de Resgate autorizadas
pela Coroa passam a atuar no rio Branco, como as de Christóvão Ayres, Lourenço
Belfort e José Miguel Ayres (FARAGE, 1991, p. 68-69).
A partir de 1755, com as “leis de liberdade dos índios”, a implementação
do regime do Diretório e a criação da capitania do Rio Negro, uma nova ordem
colonial era estabelecida na Amazônia Ocidental portuguesa (FONSECA, 2016;
SANTOS; SAMPAIO, 2008). Ouvidores estabelecidos na nova capitania eram
incumbidos de fazer valer a justiça do rei e estimular a agricultura, o comércio
e as manufaturas. Foi nesse novo contexto – que incluía as tensões fronteiriças
provocadas pela anulação do Tratado de Madri em 1761 – que o ouvidor Francisco
Xavier Ribeiro de Sampaio (1741-1814)11 se incumbiu de justificar a posse do
rio Branco pelos portugueses. Enquanto o engenheiro militar Felipe Sturm
se encarregava da operação militar de aprisionar os espanhóis que fundaram
povoações na região do rio Uraricoera (FONSECA, 2020; HEMMING, 1990),
Ribeiro de Sampaio se ocupava da ofensiva jurídica, tomando depoimentos de
vários indígenas e ex-traficantes de escravos das antigas Tropas de Resgate para
comprovar a antiguidade da navegação portuguesa no rio Branco.
Bem recompensado, tornar-se-ia Cavaleiro da Ordem de Cristo e chegaria
ao alto posto de desembargador na Casa de Suplicação de Lisboa (SILVA, 1862,
t. III, p. 95). Correspondia-se com cientistas europeus, lia Voltaire e Raynal e era
reputado pela Coroa como grande conhecedor da Amazônia. Em sua Relação
geographica histórica do rio Branco da América Portugueza (SAMPAIO, 1850), apresentou
as povoações existentes no rio Branco, com sua localização: São Fillipe, na
margem oriental do Tacutu; Nossa Senhora da Conceição, “a mais populosa”,
na margem austral do Uraricuera; Santa Bárbara e Santa Izabel, “a primeira
a três horas de viagem, e a segunda a seis, pelo rio [Branco] abaixo, partindo
da fortaleza” (p. 251); Nossa Senhora do Carmo, na margem oriental do Rio
Branco, e defronte da foz do rio Uanuaú” (p. 252).12 Tratou, ainda, dos indígenas
que habitam o rio Branco, “seus usos e costumes”, citando os aldeamentos
e proferindo a emblemática frase que não se mostraria acertada: “parece que
suspiravam aqueles índios pela nossa sujeição, deram logo a conhecer como
11 Formado na Universidade de Coimbra, foi nomeado Juiz de Fora do Pará em 1767; depois foi
ouvidor do Rio Negro de 1772 a 1779.
12 Em outro escrito, chegaria inclusive a informar a população de cada povoação (SAMPAIO, 1856).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


74
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

dependiam de nós” (p. 251). Ofereceu uma primeira descrição dos indígenas da
região, apontando algumas questões de seus costumes, apresentando as etnias:
“As nações pois que habitam aquelas povoações são as seguintes: Paraviana,
Uapixana, Sapará, Aturaiu, Tapicari, Uaiumará, Amaripá, Pauxiana” (p. 253). Na
sequência apresentou as etnias que ainda não “se acham reduzidas”, questão
muito importante para o projeto colonizador português: “Cariponá, Macuxi,
Uaicá, Securi, Carapi, Sepurú, Umaiana” (p. 253). A essas acrescentou, ainda, os
Tipiti e os Guariba Tapuya. Embora não revele muitas informações sobre esses
povos, ainda assim anotou algumas informações importantes para a compreensão
da configuração dos povos que habitam/habitam a região, os descimentos,
alguns costumes e o desaparecimento de etnias ao longo desse primeiro período
de colonização da região.
Finalizando a narrativa, relacionou animais, plantas e minerais do rio Branco,
para informar “as utilidades que podem resultar a Portugal dos estabelecimentos
do Rio Branco”. Nesse sentido, é de grande importância a primeira utilidade
apontada por Ribeiro Sampaio: “formar uma barreira para opor aos holandeses
e espanhóis, e cobrir com ela as nossas províncias interiores” (p. 267). Ou seja,
naquele momento, a principal importância em “conquistar” a região era de servir
como obstáculo à passagem dos “invasores” aos principais rios amazônicos.
Outra questão interessante, anotada pelo autor, está relacionada ao
comércio: a necessidade de estabelecer entre os povos o gosto pelo “supérfluo e
comodidade”, de modo que “o meio mais natural de comerciar com estes povos,
que não tinham necessidade alguma (no seu modo de viver) dos nossos gêneros
e mercadorias, era o fazer-lhes a gostar” (p. 268), torná-los “industriosos”,
entrando, assim, na economia pretendida pelos colonizadores. Ponderava
Sampaio, “porém, o fruto principal, que será resultado utilíssimo de uma colônia
de brancos ou europeus no Rio Branco, é o estabelecimento de fazendas de gado
vacum nos dilatadíssimos campos que o rodeiam” (p. 269).
Outro erudito que visitou o rio Branco foi Alexandre Rodrigues Ferreira,
naturalista formado na universidade de Coimbra após a modernização acadêmica
empreendida pelo Marquês de Pombal. Já no reinado de Dona Maria I, foram
organizadas Viagens Filosóficas, as primeiras expedições científicas organizadas
de forma científica por Portugal. Uma delas foi destinada à Amazônia e Mato
Grosso. A expedição fez parte de uma tentativa de Portugal conhecer melhor
seus domínios, de modo que

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


75
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

ficariam sobre os ombros de Alexandre R. Ferreira e uns poucos auxiliares as tarefas


de coleta de espécimes, classificação e preparação para o embarque rumo a Lisboa;
sem contar com os estudos sobre agricultura, confecção de mapas populacionais e de
produção agrícola (...) condições materiais das vilas e fortalezas destinadas a suportar
as possíveis invasões estrangeiras (RAMINELLI, 1997).

Com todas essas tarefas, Rodrigues ficaria na então região norte da


América Portuguesa entre 1783 e 1792. Foi em 1786 que entrou na região do rio
Branco, deixando dois textos, o Diário do Rio Branco e o Tratado Histórico do
Rio Branco (AMOROSO; FARAGE, 1994). Além de uma relação atualizada das
povoações do rio Branco, estabelecidas ou reestabelecidas depois de uma primeira
revolta indígena, Ferreira descreveu os Pesqueiros reais, estabelecimentos de
processamento e beneficiamento de pescado, farinha de peixe, tartarugas e
azeite (a gordura obtida de milhões de ovos de tartaruga, usada na culinária e
até na iluminação) no baixo rio Branco. Naquele ano de 1786, registrou que
foram enviados para Barcelos tartarugas e peixes secos, como Pirauiba, Pirarara,
Pirarucu, Tambaqui, Surubim, Piranha-uassu, Jundiá, Jundiá-uassu, Pacamon-
uassu e peixes boi. Subindo o Branco a partir do rio Negro, Ferreira passou
pela Povoação de Nossa Senhora do Carmo, Pesqueiro da Capitania, Povoação
de Santa Maria, Povoação de São Philippe, Povoação de Nossa Senhora da
Conceição. Ao mencionar o rio Cauamé, anotou que não existia mais a povoação
de Santa Bárbara. Descreveu os rios e lagos por onde passou e, também, os
indígenas que habitavam/habitam a região do Branco, citando as etnias e
relatando os descimentos, vitais para o projeto colonizador. Informou, por
exemplo, que “O nome verdadeiro do Tacutu é Arauru, antigamente o habitavam
os Peralvilhanos; hoje são os Uapexanas. Os Peralvilhanos retiraram-se para os
holandeses, mediante a camaradagem que fazem com os Caripunas” (p. 90).
Manoel da Gama Lobo d’Almada (1745-1799)13 nos legou uma importante
narrativa sobre a região do rio Branco, onde esteve no ano de 1787, por ocasião da
Comissão de Limites, onde, segundo Ferreira Reis, “pôs fim a certas insolências
dos demarcadores espanhóis” (REIS, 2008, p. 37). Na sequência, d’Almada
assumiu o governo da Capitania do Rio Negro, de 1788 a 1799. Na sua Descrição
Relativa ao rio Branco, chamou a atenção para vários “produtos naturais”, com
destaque para o cacau e a salsa, peixe e caça. Refere-se, ainda, aos minerais sem,
contudo, relacionar/imaginar ao destaque que teria para o estado. Nesse quesito
13 Ingressou na Marinha aos 17 anos e serviu em Mazagão, na África. Em 1769 já era o comandante
da importante praça de Macapá.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


76
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

chama a atenção a menção ao gado, como vimos uma constante nas narrativas
de viagens e elemento importante para a economia da região. Assim, destaca
a introdução do gado, “para a produção do qual tem todas as propriedades e
comodidades, os imensos e férteis campos do rio Branco” (ALMADA, 1861,
p. 663). Descreveu a população da região, “que constam de cinco povoações,
denominadas Carmo, Santa Maria, São Filippe, Conceição e São Martinho; são
povoadas de índios” (p. 669). Depois de estabelecer o quantitativo de pessoas
para cada povoação, passou a enumerar 22 etnias indígenas que habitavam a
região, apresentando basicamente sua localização e, algo de suma importância,
se contavam com indivíduos aldeados ou não. Assim, apareciam os Paraviana,
Caripuna, Macuxi, Wapichana e Sapará.
No final do século XVIII, um outro militar português registraria a
decadência e o abandono dos aldeamentos no baixo rio Branco. Um porta-
bandeira realizou uma imensa viagem de Belém até Paramaribo, via rios
Amazonas, Negro, Branco, Tacutu, Rupununi e Essequibo, para entregar “uma
carta dirigida pelo real ministério ao doutor David Nassí, residente na colonia
hollandeza de Surinam”. Fez diligências, inspecionou e conheceu parte das
divisas com o Suriname...” (BARBOSA; FERREIRA, 1997, p. 199).
O porta-bandeira Francisco José Rodrigues Barata (1770-1838) nascera
em Portugal e viera para o Pará em companhia de seu irmão, que se estabeleceu
como fazendeiro na ilha de Marajó. Seguiu carreira militar, desempenhando
funções em várias partes da capitania. Obteria o hábito de cavaleiro da Ordem
de Cristo em 1810 e o hábito da ordem de Aviz em 1813. Chegaria a coronel da
infantaria de linha do Pará e aderiu à Revolução do Porto em 1820, integrando a
junta provisória que governou a capitania. Foi eleito deputado às Cortes de Lisboa
em 1823, retornando ao Pará e exercendo a advocacia (PIRES, 2013; RICCI,
2013). Tanto ele quanto os demais viajantes descreveram em maior ou menor
detalhe as dificuldades e as técnicas de navegação no rio Branco, principalmente
a desafiadora corredeira hoje chamada de Bem-Querer, a montante de Caracaraí.
Era necessário descarregar as canoas e passá-las puxando por cordas, ou as
carregando pela margem do rio. Tarefa que cabia aos remadores indígenas, nesse
quesito sempre elogiados pela destreza, força e coragem.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


77
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

OS CAMPOS DO ALTO RIO BRANCO (HISTÓRIA DA REGIÃO DE


BOA VISTA, IRACEMA, MUCAJAÍ, ALTO ALEGRE)

O já mencionado Porta-Bandeira Barata, ao passar pela região em 1798,


sublinhou que o rio Branco era “abundante de peixe e de tartarugas, de que
fazem seus habitantes o seu ordinário sustento, e dos ovos fabricam manteiga”
(BARATA, 1846, p. 15-16). Também destacava a criação de gado: “tem vastas
campinas, que dizem ser próprias para o gado vacum e cavalar, pela propriedade
e bondade dos seus pastos; e com efeito já nelas tem três pequenas fazendas, das
quais uma pertence a Sua Majestade, e todas juntas poderão ter novecentas a mil
cabeças de gado” (p. 16). No entanto, alertava para os problemas:

Dizem que as campinas são vastíssimas e capazes de se estabelecerem nelas grandes


fazendas; porém eu o duvido, porque elas não têm lugares sombrios onde possam
descansar os gados, e alguns que tem são nas faldas das serras, que ficam a grande
distância dos rios (...) Não nego contudo que se lhes possa introduzir muito mais
gado do que tem; mas não concedo que se exagerem tanto estas campinas, quanto o
pretendem fazer algumas pessoas (p. 20).

No século seguinte, viajantes ingleses como Robert e Richard Schomburgk


circulariam na região entre o forte São Joaquim e o Monte Roraima,
deixando valiosas descrições da natureza e da etnografia (RIVIÈRE, 2006;
SCHOMBURGK; ROTH, 1922). Os artistas que acompanharam as expedições,
adicionalmente, eternizaram paisagens como o monte Roraima, cachoeiras da
região e dezenas de homens e mulheres Atorai, Wapishana, Macuxi e de outras
etnias (BENTLEY, 1841; GOODALL, 1977).
No início do século XX, Ricardo Gondim, médico, deixou um interessante
registro (inclusive com fotografias) da vila de Boa Vista, da Fazenda São Marcos
e sua escola profissionalizante para indígenas, mantida pelo SPI (GONDIM,
2001), na perspectiva positivista do fundador do órgão, o Marechal Rondon.

O NORDESTE DE RORAIMA – A TRÍPLICE FRONTEIRA (HISTÓRIA


DA REGIÃO DE CANTÁ, BONFIM, UIRAMUTÃ E NORMANDIA)

A paisagem de altitude ao norte, com o Monte Roraima, o Monte Caburaí, a


Serra do Sol e, ao sul, com o vale do Tacutu, estendendo-se entre Brasil e Guiana,

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


78
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

e as formações graníticas da Serra da Lua e da Serra Grande de Caraumã14, são


o território tradicional de povos como os Wapishana e Macuxi. Historicamente,
também foi uma área em que atuaram os agentes ligados ao comércio com os
holandeses, nos séculos XVII e XVIII, posteriormente objeto da disputa entre
o império do Brasil e o Reino Unido da Grã-Bretanha, o Contestado que seria
arbitrado em 1904.
Ao contrário da fronteira montanhosa ao norte e oeste, a nossa fronteira
leste é de fácil acesso. Por esse caminho, há milênios os homens e mulheres
realizavam suas trocas e comunicações entre o Atlântico e a bacia amazônica.
No período colonial, já no século XVII, os holandeses começaram a explorar
tal conexão, interessados no comércio com seus aliados Caribes mas também
na possível extração de ouro (neste caso, sem sucesso). Desde o século anterior,
espanhóis e ingleses testemunharam o uso de pequenos adornos de ouro entre
as populações das Guianas, o que os levou a fantasias sobre o El Dorado. Já em
1718, Gerrit Jacobsz, um habitante da colônia holandesa chegou ao rio Branco
via Tacutu, sendo informado pelos indígenas que os portugueses circulavam por
ali (HULSMAN, 2012).
Mas foi um outro explorador dessa rota que se tornaria mundialmente famoso,
ao ser entrevistado pelo naturalista francês Charles de la Condamine e mudar
a cartografia europeia sobre a região. Esse informante, um desertor holandês,
permitiu a Condamine refutar a existência do lago Parimé e compreender a
verdadeira configuração da hidrografia entre a Guiana e Roraima. A pedido do
sábio francês, Horstmann desenhou um mapa (figura 1) e escreveu um relato da
viagem, mencionando as tentativas de encontrar ouro e prata, o encontro com
indígenas que fugiam de uma missão portuguesa, a Serra Grande de Carauman,
alguns animais (GRAVESANDE, 1911, p. 167-171).
Deve-se destacar, ainda, as obras do explorador francês Henri Anatole
Coudreau (COUDREAU, 1886, 1887), que deixou descrições muito interessantes
da jovem vila de Boa Vista, do rio Branco e de comunidades Wapishana.

14 Um artigo recente, com bastante material sobre a história da Serra Grande de Caraumã no Cantá,
pode ser obtido facilmente na internet (FONSECA, 2022).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

Figura 1: Mapa desenhado por Nicolau Horstman para Charles de La Condamine, 1740
(GRAVESANDE, 1911).

Figura 2 : Mapa de H. Coudreau (1887) situando Boa Vista, Canauanim e Malacacheta, no atual
município do Cantá (detalhe)

FONTE: Henry Codreau. Voyage au Rio Branco aux Montagnes de la Lune au haut Trombetta (Mai
1884-avril 1885)

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


80
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

Um dos mapas produzidos por ele, aliás, destaca a localização das


comunidades de Canauanin e Malacacheta em 1884, como se vê na figura 2. Esta
última comunidade, aliás, produzia farinha em tal quantidade e qualidade que
abastecia Boa Vista.

A REGIÃO DAS SERRAS – A CORDILHEIRA DE PACARAIMA


(HISTÓRIA DA REGIÃO DE PACARAIMA E AMAJARI)

Foi cruzando a cordilheira de Pacaraima que os missionários espanhóis


desceram o rio Amajari, vindo da bacia do Orenoco, nas terras onde hoje fica
a Venezuela. Foram repelidos pelos Paraviana e etnias aliadas rapidamente em
1770. Pouco tempo depois, um destacamento militar espanhol repetiu a façanha,
descendo o rio Uraricapará e fundando uma povoação perto da ilha de Maracá,
sendo capturado pelos portugueses em 1775-1776. Lobo D´Almada explorou o
curso do rio Uraricoera até encontrar cachoeiras que não conseguiu ultrapassar,
quase perdendo a vida.
No século XX, Theodor Koch-Grünberg deixou uma rica descrição
da região, inclusive mencionando os conflitos entre fazendeiros e indígenas
(KOCH-GRÜNBERG, 2006). As expedições de Hamilton Rice (RICE, 1978) e
da comissão demarcadora de limites sob o comando de Brás de Aguiar também
passaram por essa área, deixando valiosos registros fotográficos (AGUIAR, 1943).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As narrativas citadas neste capítulo fazem parte de contextos específicos,


interesses e objetivos intrínsecos, produzidas por pessoas que não podem deixar
de serem vistas como pertencentes às suas épocas. Elas produziram efeitos
importantes, pois eram lidas por um público que incluía cientistas, governantes,
líderes religiosos, que se apoiavam nessa produção de conhecimento sobre estas
vastas regiões para tomar decisões sobre a criação de missões, fortalezas, vilas,
empreendimentos comerciais, disputas fronteiriças. Seus autores podem não ser
tão conhecidos das pessoas em geral, mas seus nomes estão em ruas e escolas
do nosso estado, como Pedro Teixeira, Nicolau Horstmann, Xavier de Sampaio,
Lobo D´Almada ou Brás de Aguiar.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


81
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

As narrativas desses viajantes não podem ser lidas de forma ingênua. Elas
informam tanto sobre nossa região quanto sobre as ideias dos próprios autores
e das pessoas e instituições que os financiavam. Usar essas fontes em sala de
aula deve ser uma oportunidade também de ajudar os estudantes a exercitar a
criticidade. É possível encontrar a todo tempo nos textos (e em suas entrelinhas)
ideias de sua época a respeito das relações de gênero, étnicas e econômicas.
Embora fosse notável alguma empatia e mesmo benevolência paternalista ou
condescendente de Ribeiro de Sampaio, Lobo D´Almada ou Alexandre Rodrigues
Ferreira em relação aos povos indígenas, o lugar reservado a estes na visão de
mundo dos três agentes régios era claramente de subordinação. Seus escritos,
que não foram publicados em vida, tinham uma circulação restrita e, destinados
à administração central portuguesa, procuravam enfatizar as potencialidades
econômicas e os riscos geopolíticos na região.
Mesmo nas aparentemente inocentes e desinteressadas narrativas científicas
de viagem, de que são paradigmáticas as obras de Charles de La Condamine
(LA CONDAMINE, 1992) e Alexander Humboldt, as populações locais são
frequentemente instrumentalizadas pelos europeus (são informantes, guias,
carregadores, remadores), tidas como disponíveis, assim como os recursos
naturais descritos pelos viajantes. A relação dos viajantes com esses povos é uma
relação colonial (PRATT, 1999).
Mesmo observadores cultos e experientes como Theodor Koch-Grünberg
ou os irmãos Schomburgk estavam aprisionados a esquemas interpretativos,
tradições culturais e preconceitos que os levavam, por exemplo, a atribuir mais
“asseio”, “honestidade” e “beleza” aos povos que iam encontrando mais e
mais longe do porto colonial de Georgetown (por exemplo, os Macuxi e os
Wapishana) e, inversamente, enxergavam outros povos como menos confiáveis,
preguiçosos e descuidados, em relação direta com a proximidade ao litoral e aos
colonos europeus. Ora, os Schomburgk não se davam conta de que a forma
como eles próprios se relacionavam com cada um desses povos era diferente:
nas aldeias mais próximas do poder colonial, os naturalistas impunham suas
reuniões, condições e regras, não aceitavam negociar pagamentos dos serviços
– sentiam-se, assim, em área de domínio europeu. No interior mais distante do
poder colonial e de possibilidade de serem socorridos pelos europeus, os irmãos
Schomburgk sujeitaram-se às regras, ritos e condições dos indígenas (FRANK,
2007). Era compreensível que os indígenas do litoral tivessem menos ânimo a
colaborar do que os do interior, portanto. Da mesma forma, a descrição elogiosa

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


82
André Augusto da Fonseca - Maria Luiza Fernandes

e mesmo respeitosa dos povos indígenas feita por esses etnógrafos alemães tinha
uma explicação em sua formação e em seus objetivos científicos, assim como
Rondon (RONDON; VIVEIROS, 2010), no século XX, criticaria os maus tratos
dos fazendeiros brasileiros contra os povos ameríndios do rio Branco em função
de sua visão de mundo positivista e de sua compreensão sobre como garantir a
soberania brasileira nessas fronteiras.

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Pesquisas e Experiências em Ensino de História


87
Marcos Antônio de Oliveira

A RELEVÂNCIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NO COMBATE AO


FENÔMENO ANTI-INDÍGENA EM RORAIMA

Marcos Antônio de Oliveira

INTRODUÇÃO

O presente capítulo apresentará uma das características do Estado de Roraima:


o forte sentimento anti-indígena. Este sentimento se espalha pela sociedade
roraimense, fazendo com que os dez povos indígenas presentes no estado sejam
alvo de diferentes formas de preconceitos, incluindo o racismo institucional,
promovido em órgãos estaduais e federais (REPETTO, 2008; ALONSO, 2013;
MELLO, 2018). Tal sentimento é oriundo da formação desse estado bem como
de suas elites e, consequentemente, da construção de uma visão equivocada,
a saber, que os indígenas locais dificultariam o desenvolvimento econômico
por possuírem grande quantidade de terras1, detentoras por sua vez de riquezas
naturais que, certamente, não deveriam ser exploradas por empreendimentos
mineradores, madeireiros ou por parte do agronegócio.
Nossa hipótese para contribuir com a ruptura dessa visão preconceituosa
sobre os povos indígenas propõe uma maior importância atribuída aos
componentes curriculares da área de Humanidades, em especial ao ensino de
História nas escolas públicas e privadas (Grupioni, 1994; Bittencourt, 1994;
Mota Rodrigues, 1999; Silva, 2019; Gandra & Nobre 2014). Aludimos para tal
ruptura à educação escolar na concepção freireana (FREIRE, 1987; 2001), a
partir da qual a escola pode ser interpretada como libertadora.
Há, por um lado, um sentimento racista na sociedade roraimense, estimulado pelas
elites locais mas, por outro lado, é importante pensar que há na escola professores/
as, estudantes e outros/as profissionais comprometidos/as com a transformação da
sociedade. Considera-se, portanto, que há possibilidades de resistências, através de
pessoas que se opõem a essas concepções pré-estabelecidas e que fazem da educação
uma ferramenta de transformação da realidade em que vivemos. É neste sentido que
se constrói o pensamento crítico por meio da educação.
Para propor a superação das visões preconceituosas supracitadas faremos
uma digressão acerca dos conflitos em torno da sociedade envolvente roraimense
1 46% do total do estado de Roraima são unidades de preservação ou terras indígenas, de acordo com
nota técnica do Instituo Socioambiental (ISA). Disponível em: https://especiais.socioambiental.
org/inst/esp/raposa/indexa763.html?q=node/78 Acesso: 19 de maio de 21.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


88
Marcos Antônio de Oliveira

e dos povos indígenas, acompanhada de uma reflexão sobre a importância do


componente curricular História no currículo da educação básica, em especial no
ensino médio.
A partir da lei 11.645/08, que estabelece a obrigatoriedade da inclusão de
conteúdos referentes à história e à cultura dos povos indígenas brasileiros, no
ensino fundamental e médio a História, aliada aos demais componentes, pode
auxiliar neste processo de empoderamento das populações indígenas e de um
maior respeito às diferenças culturais e étnicas existentes na região.

INDÍGENAS NA SOCIEDADE RORAIMENSE

Segundo o Censo IBGE de 2010, no Brasil as populações indígenas atingem


um total aproximado de 896.917 pessoas em um contingente de 255 povos
listados, sendo que 324.824 vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais (ISA,
2019). O estado de Roraima possui 55.922 indígenas, sendo 28.763 homens
(51,4%) e 27.159 mulheres (48,6%). Deste total, 46.505 residiam em Terras
Indígenas (TIs) (83,16%) e 9.417 residiam fora de TIs2 (16,84%). Em 2010,
quando o último censo do IBGE foi realizado, Roraima era o estado com o maior
número de pessoas que se autodeclararam indígenas: 11% de uma população
total de 450.479 pessoas (FOLHA DE BOA VISTA, 2021).
Segundo o Conselho Indígena de Roraima (CIR), há 470 comunidades
indígenas distribuídas em 10 etnias (Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona,
Sapará, Yanomami, Ye’kuwana, Ingarikó, Wai-Wai e Waimirim-Atroari), que
vivem conflitos com os regionais3, em sua maior parte vinculados às disputas pela
posse de suas terras originárias. São 32 Tis regularizadas, divididas entre terras
contínuas (Yanomami, São Marcos e Raposa Serra do Sol) que, grosso modo,
são demarcações que não permitem a presença de não indígenas, exceto aos
autorizados pelos próprios indígenas, acarretando em sentimentos contraditórios
na população do estado.
A TI Yanomami, por exemplo, é cobiçada por garimpeiros e empresas
mineradoras. Aliás, essa terra indígena tem sofrido invasões de garimpeiros
ocorridas em plena pandemia de Covid-19. Entre janeiro e dezembro de 2020,
essa região teve 2.400 hectares desmatados de suas áreas de floresta, ou seja, o

2 Esta sigla será usada para identificar Terras Indígenas


3 Habitantes do estado de Roraima não-indígenas.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


89
Marcos Antônio de Oliveira

equivalente a 500 campos de futebol, caracterizando um aumento de 30% no


desmatamento, somente no ano de 2020, conforme o relatório “Cicatrizes na
floresta: evolução do garimpo ilegal na TI Yanomami em 2020”4 (ISA, 2021)5.
Nas Terras Indígenas Raposa Serra do Sol e São Marcos, os indígenas têm
sofrido ameaças de grandes fazendeiros e garimpeiros. Somente na TI Raposa Serra
do Sol, por exemplo, foram assassinadas 21 lideranças indígenas durante o processo
de demarcação, que durou 10 anos, somente concluído em 2005 (ISA, 2019).
As TIs restantes foram demarcadas em blocos, ou ilhas. Durante o governo
Bolsonaro (2018-2022) ficou evidente suas intenções de rever demarcações,
para que assim pudesse permitir a mineradoras, madeireiras, agricultores e
garimpeiros, o acesso às TIs, gerando uma sensação de insegurança aos povos
da região, colocando em risco os habitantes das TIs e abrindo precedentes para
sérias ameaças à manutenção dos direitos humanos nestas áreas (ISA, 2019).
Tais situações são possíveis na sociedade brasileira em virtude de uma visão
estereotipada sobre os povos indígenas, reproduzida de diferentes maneiras
(Andrade, 2012, p. 10) e de uma ignorância acerca da atual situação dessas
populações, retroalimentando uma percepção preconceituosa, na qual os indígenas
são vistos como um empecilho ao desenvolvimento e, por isso, necessitariam ser
incorporados à sociedade para conseguirem viver com dignidade. Ocorre que tal
desejo por desenvolvimento econômico está associado a uma ideia de consumismo
e urbanismo que, no caso de Roraima, desencadeia visões contraditórias do
desenvolvimento, tanto entre indígenas quanto não indígenas.
Um estudo do antropólogo Maxim Repetto (2008), professor do Núcleo
Insikiran6 da UFRR, sobre os movimentos indígenas em Roraima aponta tal confusão.
No período no qual a sociedade roraimense discutia a regulamentação da TI
Raposa Serra do Sol7, os não indígenas interpretaram a demarcação da TI como
4 Relatório disponível para download em: https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/
cicatrizes-na-floresta-evolucao-do-garimpo-ilegal-na-ti-yanomami-em-2020.
5 Mais detalhes estão disponíveis na reportagem completa publicada por Biasetto (2021): https://
oglobo.globo.com/sociedade/um-so-planeta/garimpo-ignora-pandemia-avanca-30-na-terra-
indigena-yanomami-em-2020-24939963 Acesso em: 26/06/2021.
6 O Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena é vinculado à Universidade Federal de
Roraima, foi criado para atender as demandas das comunidades indígenas de Roraima representado
por suas organizações, com o objetivo de viabilizar a formação profissional, de modo específico,
diferenciado e intercultural. Disponível em: http://ufrr.br/insikiran/index.php?option=com_cont
ent&view=article&id=60&Itemid=268. Aceso em: 23/07/2018.
7 A TI Raposa Serra do Sol teve sua área formalmente identificada pela FUNAI em 1993, com a
publicação no Diário Oficial da União do seu memorial descritivo com as coordenadas geográficas
do perímetro proposto para demarcação. Esta privilegiou limites naturais e excluiu a cidade de
Normandia e as terras no seu entorno. Todo o processo durou 12 anos, período em que ocorreram

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


90
Marcos Antônio de Oliveira

um empecilho para o desenvolvimento econômico do estado, pois impediria


o crescimento promovido pela rizicultura e pela mineração, que ocorriam
nas terras a serem demarcadas. Esta TI está localizada ao norte do estado de
Roraima, na fronteira com a Venezuela a noroeste e, a nordeste, com a República
Federativa da Guiana, ocupando aproximadamente 7,5% do estado roraimense.
A vegetação de seu território é conhecida como Lavrado, favorável à criação de
gado e ao cultivo de arroz, milho e feijão, por possuir grandes várzeas. A área
causa a cobiça de fazendeiros e políticos locais e, sendo rica em minérios como
ouro e diamantes, atrai garimpeiros, que já realizaram exploração nas décadas de
1980 e 1990 nessa TI (ALONSO, 2013, pp. 30-31).
Os conflitos em torno da demarcação da TI Raposa Serra do Sol opuseram
grupos desfavoráveis à demarcação, defensores da ideia segundo a qual os recursos
naturais não deveriam ser geridos pelos povos indígenas, pois impediriam o
crescimento econômico roraimense. Tais grupos incluíam rizicultores, migrantes
garimpeiros, políticos locais e o Exército, que interpretava a demarcação em
área fronteiriça como um perigo à segurança nacional. Os favoráveis a ela eram
os indígenas, representados por suas organizações, principalmente o Conselho
Indígena de Roraima (CIR), missionários católicos vinculados ao Conselho
Indigenista Missionário (CIMI) e organizações indigenistas, defensores do
direito constitucional dos povos indígenas.
A discussão gerou em algumas lideranças indígenas da região o apoio à
demarcação em ilhas estimuladas por uma prática dos agentes da FUNAI
(Fundação Nacional do Índio), influenciadas pelo discurso do desenvolvimento
econômico, ou por serem trabalhadores das fazendas, garimpeiros ou
proprietários de terras. Essas lideranças afirmavam que a demarcação em ilhas
permitiria a presença dos não indígenas e manteria os empregos, indústrias,
escolas e melhorias materiais na sociedade roraimense e na região demarcada.
Todavia outras lideranças defendiam a demarcação em terras contínuas, o que
implicaria a saída dos não indígenas, pois acreditavam ser capazes de administrar
seu próprio desenvolvimento8. Esta segunda proposta prevaleceu e foi difundida
invasões por arrozeiros, a criação do município de Uiramutã e o assassinato de 21 lideranças
indígenas com o intuito de impedir a homologação da TI, que finalmente veio a ocorrer em 2005.
Disponível em: https://especiais.socioambiental.org/inst/esp/raposa/. Acesso em: 11 set. 2019.
8 Reportagem da Folha de S. Paulo (11/02/2019) tratando dos 10 anos de comemoração da demarcação
da TI Raposa Terra do Sol mostrava a situação de aumento da população indígena em 32% depois
da saída dos não índios e da manutenção do rebanho de bovinos da região, representando, junto
com a TI São Marcos, 50.437 cabeças de gado, o equivalente a 6,2% do total do rebanho do
estado. A matéria demonstrava o sucesso da demarcação para os indígenas residentes na TI. Em

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcos Antônio de Oliveira

pela mídia e grupos econômicos do estado como sendo um erro. Nas palavras
de Repetto (2008, p. 91):

Desse modo, o significado do termo “desenvolvimento” oscila entre campos


semânticos que ora privilegiam os aspectos econômicos e culturais e ora todo o campo
social e simbólico. É importante chamar a atenção para o fato de que essas diferenças
de sentido nos usos do termo decorrem de cada grupo interpretar a questão a partir
de seus próprios moldes culturais e ideológicos. Neste contexto, as incertezas sobre
o impacto do desenvolvimento na vida das comunidades são inquietantes e, o que é
pior, elas impedem a própria compreensão da questão.

Concordamos com os argumentos de Ferreira (2015), segundo o qual as


realidades indígenas requerem uma variedade de soluções que não se restringem
a reproduções de nossas realidades sociais, mas de opções próprias, que escapam
de definições fechadas ou imperativas:

As comunidades indígenas têm o direito de pensar o desenvolvimento de modo


diferente do padrão, pois é indispensável reconhecer que esse desenvolvimento seja
visto a partir de outros paradigmas que professem a qualidade de vida, bem estar
e felicidade. Trata-se, assim, de garantir a liberdade dos grupos étnicos indígenas
de viver e buscar o seu bem estar e a sua felicidade segundo seus próprios padrões
de necessidades básicas e suas respectivas escalas de valores. Somente por meio da
liberdade dos grupos étnicos, de acordo com seus próprios padrões de necessidades
básicas e seus respectivos valores. (FERREIRA, 2015, p. 68).

Tal ponto de vista se expressa ainda nas palavras dos/as indígenas de Roraima
que vivem na TI Raposa Serra do Sol, constantes em seus documentos sobre os
resultados e ações naquele período de demarcação:

A demarcação integral da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é um exemplo


importante de reconhecimento pleno dos direitos dos povos indígenas no Brasil. Não
há argumentos antropológicos e jurídicos que vinculem o direito pleno à terra indígena
a um certo desenvolvimento sócio-cultural e econômico entre os povos envolvidos.
O direito pleno à nossa terra ancestral é justamente para permitir que possamos viver
do nosso jeito e construir um futuro baseado nas nossas visões de progresso e bem
estar. A homologação da T.I. Raposa Serra do Sol resultou na diminuição visível dos
conflitos diretos e indiretos sobre terra em Roraima. A tranquilidade de não sermos
contrapartida, aquele que se tornaria presidente da República em 2019 expressava seu desejo de
retomar a região para os rizicultores para trazer “desenvolvimento” tanto para os indígenas como
para o estado de Roraima. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/02/dez-
anos-apos-vitoria-no-stf-indigenas-se-preparam-para-enfrentar-bolsonaro-em-rr.shtml. Acesso em:
11 fev. 2019.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcos Antônio de Oliveira

atacados em nossas próprias casas e roças tem um valor e um efeito incalculável para
as nossas comunidades. (DOSSIÊ, 2017, p. 11)

Sendo assim, o desenvolvimento econômico e social é produzido e


interpretado de acordo com cada povo ou nação indígena, que devem, por sua
vez, conduzir seus processos próprios de desenvolvimento. Entretanto, segundo
Repetto (2008), a realidade de Roraima proporciona o estímulo ao preconceito
contra os indígenas:

Estes discursos se fazem presentes em diferentes âmbitos da sociedade roraimense: uma


vez que deputados e governadores defendem essas ideias, as pessoas comuns, acabam por
aceitar estes pareceres. Isto se dá, primeiramente, pelo controle que os grupos de poder
exercem sobre os meios de comunicação de massas e, em segundo, pelo desconhecimento
da realidade mais ampla que envolve os indígenas. Como já comentei, boa parte da
crescente migração para Boa Vista nas décadas de 1980 e 90, se deveu ao auge do garimpo,
assim na periferia da cidade moram muitos ex-garimpeiros, que ficaram afastados desta
atividade por causa dos conflitos. Isto acaba por levar uma grossa parte da opinião pública
a acatar e reproduzir estes discursos. (REPETTO, 2008, p. 54).

Podemos afirmar que grande parte da sociedade roraimense ignora a


realidade dos povos indígenas e, para compreendê-los como parceiros e não
como inimigos do estado, necessita de subsídios para obter mais conhecimentos.
Nessa perspectiva, Cunha (2017) assinala que “a posição dos índios no Brasil
de hoje e de amanhã se desenhará na confluência de várias opções estratégicas,
tanto do Estado brasileiro e da comunidade internacional quanto das diferentes
etnias. Trata-se de parceria” (Cunha, 2017, n. p). Consequentemente, a escola
passa a ser um instrumento fundamental para o entendimento dessa situação
pois possibilita a convivência e estimula um ambiente de interação cultural entre
indígenas e não indígenas. Evidentemente não ocorre a eliminação de conflitos
étnicos, mas produz o caminho para a melhorar essa situação.
Vale salientar que, no estado de Roraima, o preconceito institucional é
verificado em pesquisa antropológica realizada por Mello (2018), o qual a autora
identifica em instituições como a FUNAI, a FUNASA (Fundação Nacional de
Saúde), entre outras (Mello, 2018, pp. 8-10). No caso específico dos indígenas
que vivem em Roraima, a luta para garantir seus direitos constitucionais está
associada à luta por uma escolarização indígena diversificada, diferenciada e
multilíngue (Lima, 2017, pp. 62-63).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcos Antônio de Oliveira

Seguindo o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH),


concordamos que a escola não é o único local onde o conhecimento é produzido
e se reproduz. Porém, é a escola o “local de estruturação de concepções de
mundo e de consciência social, de circulação e de consolidação de valores, de
promoção da diversidade cultural, da formação para a cidadania, de constituição
de sujeitos sociais e de desenvolvimento de práticas pedagógicas” (BRASIL/
CNEDH, 2007, p. 31). Para que isso efetivamente ocorra, é necessário romper
com o modelo estruturado de currículo, atrelado à ideia de mero rol de disciplinas
e conteúdos, compreendendo-o de maneira mais ampla, como o fazem Neto &
Lourenço (2017):

Como é do conhecimento daqueles que lidam com educação escolar, temas como
conflitos relacionais, relações de gênero, inclusão, racismo, deficiência física, cidadania,
diversidade, violência, questão étnico-racial, trabalho infantil, religião/laicidade
e culturas juvenis referem-se a questões candentes com as quais os professores,
alunos, pais e outros sujeitos escolares se deparam cotidianamente, da Educação
Infantil ao Ensino Médio, e que, no entanto, não constam nas propostas curriculares
convencionais. Racismo, violência sexual e de gênero, intolerância religiosa e
discriminação existem na sociedade e na escola, todos sabem, mas frequentemente
não são vistos como questões a serem tratadas no currículo, ainda que apareçam
frequentemente nos discursos educacionais. (NETO & LOURENÇO, 2017, p. 17).

Assim, os/as docentes teriam liberdade para criar e utilizar temas


significativos e emergentes no universo das unidades escolares, de maneira
que as realidades dos/as discentes componham as reflexões das aulas, abrindo
espaço para os direitos humanos serem discutidos e apreendidos como metas a
serem alcançadas pelos/as estudantes. Todavia, isso não ocorre com frequência,
porque esses temas haviam sido naturalizados pela cultura escolar, de modo a
invisibilizar essas ações de desrespeito aos direitos humanos, tornando-os ora
assuntos não relacionados à escola, ora temas que não fazem parte do currículo,
ou são abordados apenas em datas comemorativas, como o “Dia do Índio” ou o
“Dia da Consciência Negra”.
A recorrência de ações discriminatórias contra estudantes indígenas por
parte da sociedade roraimense deve ser objeto de ação por parte da instituição,
com o intuito de visibilizar e impedir essas práticas no ambiente escolar e,
posteriormente, engajar a sociedade como um todo. Os componentes curriculares
escolares têm obrigação de questionar esses preconceitos9 e em particular, a
9 Produzi uma cartilha antirracista que apresenta uma série de situações de racismo contra os

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcos Antônio de Oliveira

História pode ter uma função muito importante nesse combate, pois junto com
os componentes curriculares de Literatura e Artes, devem discutir a história dos
povos e da cultura indígena, desde a implantação da lei federal 11.465/08.
Sendo assim, a próxima seção discutirá as reflexões suscitadas pela questão
indígena a partir do componente curricular História e sua importância no
currículo da educação básica, especialmente no ensino médio, como uma aliada
na luta contra o preconceito étnico.

A HISTÓRIA E OS POVOS INDÍGENAS

A temática indígena sempre fez parte do componente curricular de História.


No século XIX, por exemplo, após a fundação do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB), se instaurou um debate envolvendo Francisco Adolfo de
Varnhagen, Domingos José Gonçalves de Magalhães, Carl Friedrich Philippe
Von Martius e Joaquim Norberto de Souza e Silva10, implicados em uma discussão
sobre qual lugar os indígenas deveriam ocupar na história do Brasil (Moreira,
2010, p. 54). Infelizmente, esse lugar foi o da invisibilidade até décadas atrás. Von
Martius, o vencedor do concurso que buscava produzir uma concepção “Como
se deve escrever a história do Brazil”, interpretava os indígenas brasileiros como
ruínas de povos, que outrora foram similares às nações indígenas da América
Pré-colombiana, mas que naquele momento atrapalhavam o desenvolvimento
do Império, ocupando terras valiosas para o país (Alves, 2015, pp. 45-46).
Para as elites intelectuais brasileiras, os indígenas se dividiam em dois grupos:
os “bons selvagens” e os “bravos”. Estes últimos deveriam ser enfrentados e
exterminados do caminho do suposto progresso. A visão que se construiu sobre
os povos indígenas é atravessada pelo romantismo indianista de autores como
José de Alencar, que buscava isolar os indígenas em um passado idílico e perdido
(Idem, p. 46). Esta construção de indígenas vivendo em aldeias circunscritas em
florestas prevaleceu como um ideal do que se esperava desses povos, ainda que
não se reconhecessem as diferenças existentes entre as variadas etnias presentes
no nosso país.

povos indígenas em Roraima. Para maior entendimento dessa situação acesse o link https://
boavistazonaoeste.ifrr.edu.br/mini-cartilha-do-ifrr-para-combate-ao-racismo-indigena-e-
disponibilizada-ao-publico
10 Historiadores, geógrafos e intelectuais importantes do século XIX.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


95
Marcos Antônio de Oliveira

O século XX viveu o momento do indigenismo estatal, levando em


consideração que organizações como o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado
em 1910 e a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) fundada posteriormente
em 1967, executaram em muitos momentos a política de tutela, que definia os
indígenas como sujeitos incapazes juridicamente, servindo como instrumentos
para a integração dos povos indígenas na sociedade, ora com as propostas de
transformá-los/as em camponeses, ora declarando a necessidade de serem
integrados à nossa sociedade para terem melhores condições de vida.
No âmbito educacional, os livros didáticos passaram a ser interpretados
nas últimas décadas por inúmeros autores como instrumentos de invisibilização
dos povos indígenas (Grupioni, 1994; Bittencourt, 1994; Mota Rodrigues, 1999;
Silva, 2019; Gandra, Nobre, 2014, entre outros). Independentemente do período,
os conteúdos didáticos tendem a reproduzir um sentimento preconceituoso na
nossa sociedade em relação aos povos indígenas:

Dentro das escolas, nas ruas, nas mídias modernas e antigas, nas universidades, o
problema da invisibilidade das sociedades indígenas se impõe como um obstáculo
para se compreender a riqueza da diversidade dessas culturas. Essa invisibilidade ainda
está nos livros didáticos e nos currículos de história e reflete o saber oficial, a visão
das elites, sejam elas políticas, culturais ou econômicas (BITTENCOURT, 2013)11.
Esse discurso que generaliza e naturaliza a história, tomando a visão de mundo de
determinado setor da sociedade, tornando-o amplo e cristalizando a visão etnocêntrica,
decerto gera o preconceito contra as sociedades indígenas. Atualmente, o Governo
Federal vem insistentemente mantendo esse discurso, colocando o indígena em uma
condição “primitiva” quase animalesca, pregando a necessidade de uma “integração”
à sociedade nacional, alcançando o invejável status de cidadão brasileiro. (SILVA,2019,
pp. 126-127).

Felizmente, a Constituição de 1988 trouxe algumas mudanças para os


direitos dos povos indígenas, que começaram a ganhar força política nos anos de
1970, quando se iniciaram as organizações indígenas apoiadas por organizações
não governamentais vinculadas à igreja católica e vindas de outros países, e se
instrumentalizaram para conseguirem desenvolver seu protagonismo nos anos
seguintes. Especificamente em relação à Constituição de 1988, Luciano (2019,
pp. 38-42) enumera os benefícios que a Carta Magna trouxe aos povos indígenas,
a serem comentados a seguir.

11 BITTENCOURT, C. M. F. História das populações indígenas na escola: memórias e esquecimentos.


In: Ensino de histórias afro-brasileiras e indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013. pp. 101 – 132.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcos Antônio de Oliveira

Primeiramente, a superação do fantasma do desaparecimento dos povos


originários, representada pelo aumento dos índices de crescimento populacional;
o reconhecimento da capacidade civil dos povos indígenas, eliminando a relação
de tutela estatal. Além disso, vale elencar “o reconhecimento do Direito à
Diferença, que garante aos povos indígenas o direito de permanecerem como
tais indefinidamente, ao reconhecer suas organizações sociais, costumes, línguas,
crenças e tradições (Art. 231)” (2019, p. 40); a retomada da noção de direitos
originários, especialmente na questão territorial e, por fim, “assegurar aos povos
indígenas a utilização de suas línguas e processos próprios de aprendizagem no
ensino básico (artigo 210, §2º), por meio da educação escolar indígena específica
e diferenciada” (idem, p. 41).
Tais avanços representaram, ainda segundo Luciano (2019), um protagonismo
indígena12 nessas conquistas e a possibilidade de novos tempos para esses povos
(2019, p. 42), levando-lhes a impor sua existência diante da nossa sociedade. No
entanto, eles ainda têm dificuldade para serem reconhecidos fora dos ambientes
imaginados pelo senso comum da sociedade envolvente. Assim, grande parte desse
preconceito surge dessa confusão que, muitas vezes, alguns de nós fazemos por
acharmos que as/os indígenas estariam perdendo suas características originárias,
ao se valerem de ambientes aparentemente estranhos à presença deles/as, como
as cidades, universidades, parlamentos ou escolas não indígenas. Trata-se, ao
nosso ver, de uma necessidade para conseguirem sobreviver no mundo atual que
lhes foi ofertado.
Muitos/as acreditam que um verdadeiro indígena seria o que mantém
determinados elementos de sua “cultura” e, quando deixam suas comunidades,
podem “perdê-la” por estarem convivendo com não indígenas e tendo hábitos
considerados, pelo senso comum, como não pertencentes ao universo indígena.
Todavia, nas palavras de Cunha (2009):
12 Segundo Bicalho (2010), a noção de protagonismo indígena no Brasil, portanto, não se afasta do
significado inicial da palavra protagonista. Assim, a partir da década de 1970, tem início o processo
de sistematização da consciência de luta que se fortalece gradualmente, alcançando o aspecto do
que se entende por protagonismo indígena nos dias atuais. Diferentes formas de resistência indígena
às diversas iniciativas colonizadoras – escravidão, evangelização, imposição de outras culturas,
integração, assimilação, entre outras – foram implantadas, com ou sem êxito ao longo dos 509 anos
de História do Brasil.(2010, p. 25). Pode-se afirmar, então, que o protagonismo indígena se traduz
na participação social ativa de indígenas de diferentes povos na luta pelos direitos originários na
Constituição Federal de 1988 e pela efetiva implementação, especialmente após a suposta celebração
dos 500 anos do Brasil, que culminou na organização de ações cada vez mais organizadas para
superar a ideia de “descobrimento”, que tende a neutralizar os efeitos da colonização, como o
apagamento da diversidade dos povos indígenas, por exemplo (Bicalho, 2010, p. 160).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


97
Marcos Antônio de Oliveira

Para atingir os seus objetivos, porém, os povos indígenas precisam se conformar


às expectativas dominantes em vez de contestá-las. Necessitam operar com os
conhecimentos e com a cultura tais como são entendidos por outros povos, e enfrentar
as contradições que isso possa gerar”. Contradições que, porventura, possam aparecer
em seu comportamento na comunidade e/ou na cidade, na relação com elementos de
sua cultura, que o preconceito tende a obrigar a esconder, entretanto, não dirimindo
sua cultura ou identidade. (Cunha, 2009, p. 330).

A disciplina de História, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional de 1996 (LDB) assevera em seu artigo 26, no Parágrafo quarto: - “O ensino
de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias
para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana
e europeia”. Em 1997, após o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) para o ensino fundamental, há uma tentativa de apontar o que exatamente
da nossa cultura e memória deveria ser valorizado no currículo do componente
curricular de História frente a essa realidade de diversidade sociocultural brasileira.
Nos objetivos gerais para o ensino de História surge a assertiva:
Os alunos deverão ser capazes de:
• Conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos sociais, em
diversos tempos e espaços, em suas manifestações culturais, econômicas
e políticas reconhecendo as diferenças e semelhanças entre eles;
• Reconhecer mudanças e permanências nas vivências humanas presentes
em sua realidade e em suas comunidades, próximas ou distantes no
tempo e no espaço;
• Valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a diversidade,
reconhecendo-a como um direito dos povos e indivíduos e como
elemento de fortalecimento da democracia. (PCN, 1997, p. 33).
Essas diretrizes apontam para uma preocupação com a inclusão da
diversidade cultural no currículo de história, que foi reforçada pela lei 11.645/08.
Essas mudanças na legislação sugerem a importância do componente curricular,
como uma grande aliada para ajudar a estimular a manter o respeito a uma
sociedade mais igualitária e livre de preconceitos em relação ao diferente.
Segundo Guimarães (2011), o/a professor/a de história pode fazer “emergir
o plural, a memória daqueles que tradicionalmente não têm direito à história,
unindo os fios do presente e do passado, num processo ativo de desalienação”
(Guimarães, 2011, p. 35).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcos Antônio de Oliveira

A História, ainda conforme Guimarães (2011) “(...) comprometido com a


análise crítica da diversidade da experiência humana pode contribuir para a luta
permanente e fundamental, da sociedade: direitos do homem, democracia e paz”
(Guimarães, 2011, p. 96). Levando em consideração a realidade roraimense, a
presença desse componente curricular torna-se fundamental para a resistência
e superação da realidade racista e colonizadora dessa região. Em seguida,
passaremos a refletir sobre um contraponto a esta realidade através de uma
unidade escolar, que caminha para possibilitar uma valorização maior desses
grupos étnicos, com a finalidade de superar o sentimento anti-indígena reinante
no estado de Roraima e valorizar a diversidade cultural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto percebeu-se o quanto a História ignorou o protagonismo


indígena, tendo sido usada por projetos de construção de uma nação que
invisibilizava grupos étnicos, como os indígenas e as populações afrodescendentes,
para construir uma identidade vinculada a modelos europeus de branquitude
e progresso capitalista. As populações indígenas, após um longo período de
exploração e escravização, conseguiram algumas políticas de proteção, que só
se fortaleceram a partir do momento em que elas começaram a se organizar e a
lutar para garantir a posse de seus territórios.
Entre o final dos anos de 1970 e da década de 1980, culminando com a
Constituição de 1988, elas adquiriram um protagonismo e, consequentemente,
a garantia de alguns direitos nunca antes obtidos. Essas conquistas afetaram
a maneira com que esses povos deveriam ser vistos pela sociedade civil.
Consequentemente, o componente curricular de História sofreu forte influência
da Antropologia, Sociologia e Filosofia e passou a retratar os indígenas com mais
cuidado, respeitando as diferenças culturais e a diversidade dos povos indígenas.
Devido aos preconceitos e à invisibilidade proposital, ainda vigentes em
muitos recursos didáticos escolares, o Estado, pressionado por movimentos
sociais, possibilitou a criação de uma legislação, determinando o ensino de
culturas afro-brasileiras e indígenas nas escolas. A necessidade da existência das
leis federais 10.639/2003 e 11.645/2008 evidencia “o quão pouco das culturas
africana, afro-brasileira e indígena os escolares brasileiros aprendem e o quanto

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


99
Marcos Antônio de Oliveira

tal desconhecimento dificulta a prática de uma cultura de alteridade em nossa


sociedade” (Oliveira, 2017, p. 137).
Porém, diante de uma sociedade com um forte sentimento anti-indígena, tal
como a roraimense, o fato de existir a UFRR, que possui o Instituto Insikiran
voltado para formação de estudantes indígenas e um curso de mestrado
profissional em História com vagas para estudantes indígenas é muito importante
para auxiliar na luta contra essa realidade roraimense.

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Pesquisas e Experiências em Ensino de História


103
Marcos Antônio de Oliveira

DEMAIS PUBLICAÇÕES

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Yanomami em 2020. O GLOBO. 25 de março de 2021. Disponível em:
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pandemia-avanca-30-na-terra-indigena-yanomami-em-2020-24939963
Acesso: 26/06/2021

ASCOM-CIR. Lideranças indígenas da Raposa Serra do Sol entregam dossiê


dos avanços e conquistas após homologação aos ministros do Supremo
Tribunal Federal. 5 de outubro de 2017. APIB. Disponível em: https://
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sol-entregam-dossie-dos-avancos-e-conquistas-apos-homologacao-aos-
ministros-do-supremo-tribunal-federal/ Acesso em: 4 mar. 2018.

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Capital/Roraima-possui-a-maior-populacao-indigena-do-pais/75168
Acesso: 26/06/2021

Cicatrizes na floresta: garimpo avançou 30% na Terra Indígena Yanomami


em 2020. ISA. 25 de março de 2021. Disponível em: https://www.
socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/cicatrizes-na-floresta-
garimpo-avancou-30-na-terra-indigena-yanomami-em-2020 Acesso em
25/05/2021.

WAPICHANA, J. Sustentabilidade: Famílias da Comunidade Malacacheta,


no Município do Cantá, receberam o projeto de alevinos para garantia de
segurança alimentar na comunidade, mas também fonte de renda para essas
famílias. 29 de maio de 2021. Facebook. Disponível em https://www.
facebook.com/Dep.Joeniawapichana/posts/844654082798950 Acesso:
30/05/2021.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


104
Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

DESLOCANDO OLHARES SUL/SUDESTE CENTRADOS: O SENTIR


ANCESTRAL NO ENSINO DE HISTÓRIA

Marcella Albaine Farias da Costa


Mariana Cunha Pereira
Tiago Nicolau da Silva

INTRODUÇÃO

“E me senti mais conectada ainda. Senti como um presente


da ancestralidade, como se as mais velhas mostrassem que
seguem cuidando de mim” (RIBEIRO, 2021, p. 195).

Nosso texto, construído pela perspectiva dialógica de três posições de


sujeitos distintas1, tem por objetivo partilhar uma experiência com a formação
de professores desenvolvida na disciplina de Prática de Ensino de História I
(2022.01) da Universidade Federal de Roraima (UFRR), cujo foco consistiu em
produzir materiais didáticos a partir da escuta de saberes de sujeitos comuns que
nem sempre aparecem representados nos estudos históricos.
Interessa-nos, nesta ocasião, além de apresentar os materiais criados pelas/
os licenciandas/os, problematizar o contexto amazônico roraimense de fronteiras
como fonte de inspiração para propostas que dialoguem com o afeto e a
ancestralidade como dimensões constituintes do ensino de História preocupado em
tocar pelo sensível os atores envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem.
Afinal, como defendido por Amorim & Monteiro (2019, p. 24), “somos corpos,
que afetam e são afetados”, em uma poética do movimento marcada por lutas,
resistências e apostas políticas de mudança em prol da coletividade, da visão de
respeito à vida humana e da sabedoria ancestral da Mãe Terra.
Para o embasamento teórico da proposta, além das nossas próprias vivências
no coração da Amazônia, cujas marcas mobilizamos como conteúdo em sala
de aula em um processo contínuo de desconstrução de uma lógica sul/sudeste
centrada, foram utilizados os livros “O corpo encantado das ruas”, de Luiz
Antonio Simas (2021), “Tudo sobre o amor: novas perspectivas”, de Bell Hooks
(2020), “Mestre das Periferias”, de Jailson de Souza Silva (2020), “Ideias para
1 Professora de Prática de Ensino de História I durante o primeiro semestre de 2022, docente que já
ministrou a referida disciplina em outro momento e com outro foco e monitor da matéria durante
o primeiro semestre de 2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

adiar o fim do mundo”, de Ailton Krenak (2020), “Cartas para minha avó”, de
Djamila Ribeiro (2021), entre outros artigos, vídeos e podcasts sobre a temática
do afeto, da ancestralidade e do ensino de História2.
Nosso texto, em síntese, é uma expressão cardiográfica (RIBEIRO, 2019)
do que pretendemos defender na formação de professores de História, ou seja,
é um traçar gradativo que se dá considerando o sentir como potência criadora
e criativa, tendo o coração como mestre. Acreditamos que ao partilhar nossas
impressões poderemos contribuir para romper possíveis barreiras que insistem
em manter a narrativa da História do Ensino de Ensino em um viés unilateral e,
portanto, excludente. Essa história única (ADICHIE, 2009) não cabe mais em
nosso campo; é preciso tensionar-lá e deslocá-la para a escuta ativa de vozes por
tanto tempo silenciadas. É preciso conhecer o Norte, problematizar as relações
sociais e os saberes que são produzidos na fronteira. Eis, portanto, um convite
epistemológico para que no rio de palavras que se mostra a seguir mergulhemos
nas águas dos igarapés desses saberes ancestrais e na força dos rios que trazem o
vento da renovação desta região transfronteiriça que é a região amazônica.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM UM CONTEXTO DE


FRONTEIRAS

A fronteira no campo da Geografia remete às espacialidades demarcadas


por meio de referenciais que podem ser piquetes, rios, estradas, picos e, até
mesmo, uma rua. No campo epistemológico das Ciências Sociais, as fronteiras
remetem aos limites entre os conhecimentos os quais os sentidos são disputados.
No entanto, há aí uma relação dialética que nos faz perceber a fronteira como
rupturas em ambos os campos do saber, e estes produzem um movimento
de ideias e de interpretações sobre a realidade social. Uma ação/negação do
movimento que produz e carece daquilo que o outro representa ou lhe traz.
É nesse deslocamento de sentidos que vamos escrever sobre a formação de
professores nas fronteiras, pensando tanto naquela do espaço geopolítico do
extremo norte do Brasil, quanto nas fronteiras epistemológicas da História.
Em estudos anteriores, Pereira (2012, p.06), ao discutir as relações sociais na
realidade da fronteira geopolítica do Brasil e da Guiana, explica que nas regiões de
2 Ver ANDRÉ, Thiago; SOUZA, Juliana. Ancestralidade: transformando o presente, inspirando
o futuro. Mamilos, nov. 2021. 76 min. Podcast. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=_grluVyShHc Acesso em 19 jan. 2023.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

fronteira vivem diferentes grupos étnicos e que a “história sociopolítica desses grupos
às vezes se traduz em conflitos (...) que produzem demarcações outras que não as
originalmente criadas pelas redes de relações sociais e pelos sistemas simbólicos ali
presentes”. Denomina esses grupos étnicos de povos da fronteira. É, desses grupos
étnicos que provém professores e alunos de quem queremos tratar neste texto.
Assim sendo, é bom que se diga que estamos discutindo a realidade dos
povos fronteiriços, no extremo norte do Brasil, com recorte para a formação
de professores no estado de Roraima. Problematizamos a Amazônia de modo
a discutir e interpretar os sistemas simbólicos na/da vida desses povos, pois
formar professores implica discutir: quem formar? Para qual realidade? A partir
de quais processos históricos?
Em Roraima forma-se professor para trabalhar com povos ribeirinhos,
caboclos, indígenas, seringueiros, migrantes nacionais, migrantes internacionais
e os moradores locais, enfim - os amazônidas, pessoas que a partir da segunda
geração daqueles que para essa região migraram ou são fruto dos casamentos
interétnicos que aqui ocorrem. Eles são definidos por diferentes autores como:
“ser da Amazônia”; “povos da Amazônia”; “homem da Amazônia” e aqui
acrescentamos “povos da fronteira”. Há, portanto, uma discussão de identidade
que articula o ser ao lugar, o modo de viver, e as relações sociais e culturais que
ali se desenvolvem (grifo nosso).
Portanto, ser professor amazônida ou na Amazônia requer corresponder/
discutir as três questões anteriormente apontadas e que aqui vamos frisar: quem
formar? Para qual realidade? A partir de quais processos históricos? E, por fim,
conhecer e se reconhecer no dilema da identidade amazônida em sua pluralidade.
Se na história do tempo presente há que se problematizar sobre o ensino de
História no contexto de Roraima e da Amazônia, o que queremos com essa
discussão é estabelecer relações entre a formação de nossos alunos em futuros
professores e o passado mais recente dessa região. Situamos a história do tempo
presente desde os grandes projetos na Amazônia; a exploração dessa região para
servir às outras regiões na produção de energia; fonte aurífera explorada até
os dias de hoje, ou mesmo quando surgiu no cenário mundial como a última
fronteira econômica.
Como parte desse contexto nos interessa apresentar o estado de Roraima,
no qual atuamos como professores de professores, e onde existem duas
universidades públicas que formam docentes de História para a rede de educação
básica pública e privada das escolas nas áreas urbanas e rurais, sendo a maioria

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

dessas instituições situadas na área urbana, uma vez que Boa Vista, a capital,
concentra a maioria da população: 419 mil habitantes ou seja (66,04%), segundo
o IBGE3. Nesse estado também existem as escolas indígenas para as quais
nossos alunos não-indígenas ainda atuam como docentes, ainda que se saiba de
um crescente número de professores indígenas a se formarem a cada ano e que
são integrados a essas instituições de ensino em suas áreas indígenas. Essa é,
portanto, a realidade que compõe o recorte de Roraima e da Amazônia do qual
estamos tratando aqui.
São os pesquisadores dessa região e outros que nos levam a conhecer os
estudos que problematizam a presença e ausência das narrativas dos sujeitos
sociais da Amazônia. Violeta Loureiro da UFPA (2002), por exemplo,
problematiza que a história da Amazônia tem sido uma trajetória de perdas e
danos: “E nela, a Amazônia tem sido, e isso paradoxalmente, vítima daquilo que
ela tem de mais especial – sua magia, sua exuberância e sua riqueza”. Benedito
Barbosa da UFRR/RR (2014, p.04) chama a atenção para a escravidão negra na
Amazônia em artigo que faz levantamento em livros publicados sobre esse tema,
mostrando que a “a presença africana é anterior ao período pombalino e que já
constituía uma das vertentes da política portuguesa no estado do Maranhão e
Grão-Pará, fato que ainda é pouco abordado pela historiografia quando se trata
de escravidão negra”. Fraxe, Witkoski e Miguez, da UFAM (2009) discutem o
“ser da Amazônia” problematizando a identidade e a invisibilidade deste diante
do conceito de modernidade e pós-modernidade, para então, discutir relações
desiguais. Jaci Guilherme Vieira da UFRR (2014 e 2019) tem nos seus estudos
uma extensa pesquisa sobre os povos indígenas de Roraima e da região amazônica
na confluência das relações com os movimentos sociais dessa região e a luta por
se manterem vivos em seus territórios.
Citamos esses estudos para referendar que o trabalho pedagógico de formação
docente tem no esteio dessas produções acadêmicas e outras tantas o contexto
da realidade e os processos históricos dos quais se faz necessário para o ensino
de História dessa região. Entretanto, muitos desses estudos enriquecedores
das Ciências Humanas do extremo norte se constituem inexoravelmente das
narrativas dos sujeitos sociais – os amazônidas (caboclos, seringueiros, indígenas,
negros, ribeirinhos e migrantes) que endossaram esses estudos em narrativas,
memórias e expressões plásticas de suas vivências, ainda que por meio da
pesquisa em fontes secundárias, traduzindo a memória do que foram, fizeram e
3 Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rr/panorama Acesso: 10 dez. 2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

viveram nessas terras. É por meio dessas narrativas e expressividades carregadas


de significados que queremos forjar uma formação de professores em terras de
trânsitos interétnicos, como assim são as fronteiras do norte do Brasil, em síntese
nos estados do Amazonas, Roraima, Acre, Pará, Amapá, Tocantins e Rondônia,
lugares onde vivem professores e alunos em processo de intensas aprendizagens
criativas e pulsantes.
Dito isto, seguimos para interpretar nossa prática docente com alunos do
curso de História (2022.01) em um esforço singular por ser repleto de afetividades
que nos constituem no fazer pedagógico, da escuta de quem quer aprender e do
incentivo a quem pode criar, lembrando Paulo Freire (1996) para quem aprender
é sempre um ato de amorosidade:

Não é difícil perceber como há tantas qualidades que a escuta legítima demanda do
seu sujeito. Qualidades que vão sendo constituídas na prática democrática de escutar.
Deve fazer parte de nossa formação discutir quais são estas qualidades indispensáveis,
mesmo sabendo que elas precisam de ser criadas por nós, em nossa prática, se nossa
opção político-pedagógica é democrática ou progressista e se somos coerentes com
ela. É preciso que saibamos que, sem certas qualidades ou virtudes como amorosidade,
respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida, abertura
ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa aos fatalismos,
identificação com a esperança, abertura à justiça, não é possível a prática pedagógico-
-progressista, que não se faz apenas com ciência e técnica (FREIRE, 1996, p.45).

Passemos à escuta do que nos dizem os alunos de Prática de Ensino de


História I e seus interlocutores na experiência construída com/por eles, em uma
das universidades do extremo norte do Brasil, a UFRR.

A PRÁTICA DE ENSINO NA UFRR: AFETO E ANCESTRALIDADE NO


ENSINO DE HISTÓRIA

Contribuir na formação de educadores é um processo que requer muita


seriedade e reflexão sobre o exercício do ser professor em toda a sua complexidade.
A discussão sobre o afeto e a ancestralidade na Amazônia se mostra cada vez
necessária; Elisangela Martins em seu artigo “Risos covardes e coragem racista: o
discurso sobre o outro e a diversidade étnica na escola em Roraima” (2006), faz
uma discussão sobre um fato que aconteceu em sua sala de aula. Martins relata
uma experiência que fez no começo de uma de suas aulas sobre História do

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

Brasil, perguntando aos discentes o que eles pensam quando ela falava naqueles
que já estavam aqui antes da chegada dos europeus. Várias foram as respostas
dos alunos: “folgados”, “preguiçosos”, “ladrões de terras” ...
O estado de Roraima é majoritariamente indígena, as falas apresentadas
pela professora de História demonstram como é visto a população que em sua
maioria forma esse lugar. Na graduação é imprescindível o trabalho científico-
-pedagógico que considere os povos originários, suas riquezas de saberes e o
afeto na formação de professores. Afinal, como nos ensinou Caimi (2009, p.71),
“para ensinar história a João é preciso entender de ensinar, de história e de João”;
com isso a autora mostra quão complexo é o processo de ensinar.
Dessa forma, defendemos que o afeto e a ancestralidade são caminhos potentes
para que a educação possa trilhar processo de ensino mais empático e atento ao outro.
O fato dos alunos da educação básica se referirem aos primeiros habitantes como
“preguiçosos”, “ladrões” e “folgados” faz com que os educadores da disciplina de
História fiquem em alerta visto que, como dissemos, a população é majoritariamente
composta por povos indígenas de diferentes etnias. Desse contexto de desconfiança
vamos redefinindo em quais direções o conhecimento deve ser pautado, desde a
bibliografia a ser escolhida para o ensino até as formas de abordar os diferentes
sentidos da história local ou do processo histórico até aqui vivenciado.
O debate sobre a ancestralidade na formação de professores em uma
universidade no norte do país é fundamental ao lermos essa situação que ocorreu
em sala de aula da nossa cidade, pois os sujeitos históricos precisam reconhecer
a omissão de debater demandas locais como as relações racializadas que aqui em
Roraima envolvem: não-indígenas e indígenas, negros e não-negros e migrantes
de diferentes nacionalidades. E, por conseguinte, a interculturalidade na educação.
A ancestralidade e o afeto são categorias importantes para a formação
de professores de História, pois uma formação que pensa a realidade e a
historicidade dos antepassados daqueles sujeitos históricos que formam essa
região vai contribuir no desenvolvimento dos discentes das escolas públicas a se
pensarem também como sujeitos produtores de conhecimento. A Amazônia é
vista pelo senso comum como um grande vazio, como um lugar em que animais
silvestres andam pelas ruas ou como uma localidade onde apenas vivem “índios”
desconhecidos. Portanto, visando combater esses estereótipos, é significativo e
necessário trabalhar em uma disciplina que forme professores para as escolas
públicas/privadas, urbanas/rurais com a escuta das pessoas que compõem e
fazem cotidianamente o estado de Roraima.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

O cantor e compositor Eliakin Rufino em sua música “Neto do nordeste”,


diz que “quem é filho do norte, é neto do Nordeste”, demonstrando a grande
presença de migrantes nordestinos na formação da região norte e, sobretudo, do
estado de Roraima. Investimos em exercitar a escuta dos migrantes que trazem
suas experiências de mudanças, dos povos originários e suas constantes lutas para
manter vivo seu território e suas culturas, dos afro-brasileiros e suas manifestações
culturais que ocupam esse espaço há tempos a partir de uma ótica afetiva nos
caminhos iniciais da docência em História (AMORIM & MONTEIRO, 2019). É
fundamental para construirmos dentro das salas de aulas de Roraima, juntamente
com os alunos, uma visão mais compreensiva do outro e de nós mesmos como
sujeitos históricos que estamos em fronteiras vivenciando a relação de contato
com a pluralidade cultural.
O ato de conhecer a história e a historicidade do outro implica a, nós
mesmos, a desconstrução de pré-conceitos estabelecidos em nosso imaginário,
chancelado, muitas vezes, pela nossa própria formação institucional profissional.
O combate ao processo de desumanização daqueles que já são historicamente
marginalizados, como os indígenas, negros, pobres e ribeirinhos é essencial e
ganha força a partir das vozes do norte brasileiro. Visamos discutir e propor
a partir daquilo que nos afeta para que possamos construir no chão da sala
um constante diálogo freiriano cheio de amorosidade, respeito ao diferente e
compreensão pelas diversidades.

ANÁLISE DE MATERIAIS DIDÁTICOS: A CONTRIBUIÇÃO DE


RORAIMA PARA NOVOS OLHARES NO ENSINO DE HISTÓRIA

Como defendemos anteriormente, a Amazônia como espaço de produção


de ciência na área educacional tem um grande potencial. Paulo Freire (1996)
afirma que ensinar exige saber escutar, e a escuta é um exercício extremamente
importante no processo de aprendizagem e nas relações dentro do ambiente
escolar. Freire (1996), ao falar sobre o processo de aprendizagem dentro de sala,
faz uma observação aos educadores: o respeito que temos que ter à “leitura de
mundo” daqueles que chegam à escola. Os trabalhos desenvolvidos na disciplina
Prática de Ensino I (2022.01), como falamos, tiveram como objetivo ouvir
pessoas que muitas vezes não são ouvidas nos espaços acadêmicos.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

Acreditamos que os materiais didáticos4 produzidos a partir da existência/


experiência daqueles que vivem na Amazônia roraimense nas fronteiras do país
podem dialogar com os conteúdos trabalhados nas salas de aulas e com a própria
realidade dos alunos. Mas, afinal, quais foram os materiais construídos5? Neste
momento iremos nos debruçar na partilha dos mesmos, valorizando a autoria
dos discentes do primeiro período do curso de História da UFRR.
Tivemos um podcast intitulado “Desmistificando a umbanda: falando
sobre religiões de matrizes africana e afro-brasileira nas escolas”6 cuja ação
foi precedida de uma visita à Casa de Oração Cabocla Jacira em Boa Vista/RR
e de entrevistas com a coordenadora da referida Casa, com um professor de
História da educação básica, Hudson Araujo, e com um licenciando de História,
Tiago Silva, um dos autores do presente texto, cujo tema de monografia foi o
tema do podcast. Foi abordado pelo grupo aspectos relacionados ao preconceito
religioso, à importância da cultura afro no Brasil e do ensino antirracista.
Destaca-se, na análise do material, a mistura entre falas e músicas relacionadas
à temática para transição entre ‘blocos’, a espontaneidade dos integrantes, o
profissionalismo na edição, o mergulho profundo em temas socialmente vivos
como cultura, diversidade, identidade e resistência, além da riqueza da fala/escuta
horizontal. Portanto, as falas apresentadas no material didático demonstram
como as pessoas da própria cidade vêem essa religião e como o diálogo sobre
as manifestações religiosas local ajudam no processo de conhecer a cultura do
outro e na luta contra as intolerâncias na Amazônia (SILVA, 2022).
Já o vídeo “Histórias de uma escola e memórias de um estudante”7
teve como ação prévia a visita a duas escolas de Boa Vista/RR (Escola Estadual
4 Por materiais didáticos compreendemos toda e qualquer produção que possa ser mobilizada para
fins de ensino-aprendizagem a partir do objetivo pedagógico definido pelo docente.
5 A criação dos materiais se deu em cinco diferentes etapas, quais sejam: etapa 1 (1,0 ponto):
mapeamento de espaços de sociabilidade e levantamento de nomes de sujeitos do município de
Boa Vista e arredores que produzam saberes a partir das ruas; etapa 2 (1,0 ponto): organização
das vivências e perguntas a serem feitas para os sujeitos escolhidos cujo objetivo é funcionar de
insumo para a produção dos materiais didáticos a partir de interesses temáticos; etapa 3 (1,0 ponto):
construção/seleção de imagens a serem utilizadas na proposta do material didático considerando
a faixa etária para a qual o mesmo será direcionado; etapa 4 (1,0 ponto): definição dos objetivos
pedagógicos do material didático; etapa 5 (1,0 ponto): apresentação dos materiais didáticos
mobilizando, pelo menos, dois recursos e técnicas diferentes trabalhados no curso + entrega de
texto escrito (obrigatoriamente nas normas da ABNT) de 3 a 5 páginas explicando a proposta e
dialogando com autores/as estudados na disciplina (4,0 pontos).
6 Autoria: Alexandra Mamed, Melvin Amorim e Rayane Silva. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=LO2yp5xPprA&list=PLreg6XgLgowTSBxOMVvuhqrsZCOwtKSJv&index=1
Acesso em: 19 jan. 2023.
7 Autoria: Clissiane Feitoza, Izadora Azevedo, Juan dos Santos e Monik Pereira. Disponível em:

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

Euclides da Cunha e Escola Estadual Ana Libória) e a realização de entrevistas


com a avó de uma aluna do grupo que estudou na Escola Euclides da Cunha e
com a sobrinha de Ana Libória8.
O material apresenta, por meio da oralidade, a experiência dos primeiros passos
da educação na cidade e as memórias de como foi o desenvolvimento educacional
no estado. O vídeo contém imagens das escolas e seus personagens, relatos pessoais
associados à história das duas instituições e um conteúdo, a nosso ver, talvez mais
direcionado à educação superior na formação de professores. Os afetos vão ficando
evidentes durante a condução da entrevista, pois a sobrinha conta com muita emoção
a dificuldade que era o acesso à educação na cidade no período em que sua tia chegou
em Boa Vista. Além de trabalhar a história local, os alunos tiveram a oportunidade de
aprofundar nos estudos sobre história oral (ALBERTI, 2005).
Por sua vez, o documentário “Diário de uma paixão pela arte e pela
cultura: Dircinha Ferreira e os Cangaceiros do Thianguá”9 foi precedido
pela entrevista com a própria artista homenageada, figura de referência nas
quadrilhas de festa junina na cidade, focando, portanto, na cultura pulsante da
cidade de Boa Vista/RR por meio da valorização da música e da dança.
O documentário contém falas de Dircinha, fotos e vídeos com explicações
sobre a origem do xaxado no cangaço nordestino e sua chegada na Amazônia pelos
processos migratórios e, em Roraima, pela família Ferreira da Rocha em meados
da década de 90, abordando também a formação da ciranda e das quadrilhas.
Percebemos o pleno profissionalismo na edição do material, que pode ser usado em
sala de aula para debater migração, interculturalidade e arte na Amazônia. Assim,
vemos quão rica pode ser a história dos movimentos culturais contados no chão
da sala de aula, visto que a dança tem uma grande importância na vida da artista
homenageada, lutando para manter viva as vivências culturais dos seus antepassados.
O vídeo produzido no Tik Tok, intitulado “Igreja de São Sebastião”10, teve
como elaboração prévia a visita à referida Igreja situada também em Boa Vista/
https://www.youtube.com/watch?v=XbOa0_jJQhI&list=PLreg6XgLgowTSBxOMVvuhqrsZCO
wtKSJv&index=4&t=11s Acesso em: 19 jan. 2023.
8 Ana Libória Thury de Macedo nasceu em Codajás/AM chegando ao território de Roraima em 1932.
Tornou-se professora municipal, o que a fez uma profunda conhecedora dos problemas educacionais
do, então, estado de Roraima. Falecida em 1980, a professora prestou relevantes serviços educacionais
ao estado sendo homenageada com seu nome em uma das escolas públicas da capital.
9 Autoria: Arthur Araújo, Danilo de Paula, Isabelle Ramos, Karen
Richil e Matheus Souza. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v= 5mJIcmuuBHM&list= PLreg6XgLgowTSBxOMVvuhqrsZCOwtKSJv&index= 3 Acesso
em: 19 jan. 2023.
10 Autoria: Adriel Moreira, Antonio Ferreira, Eduardo Freitas e

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

RR com entrevista ao pároco/ vigário e tesoureiro da instituição. O material


possui imagens de época, legenda explicativa do processo de fundação da
instituição, seu estilo arquitetônico, a menção ao fato de São Sebastião se tornar
padroeiro do município boavistense e a presença de pinturas produzidas por
Augusto Cardoso, artista local falecido em 2021 durante a pandemia da Covid-19.
Analisamos que a rápida transição entre uma imagem e outra impossibilita
a leitura da legenda e acaba por fragilizar o material, o que não invalida a sua
utilização na educação básica para trabalhar a questão religiosa do estado e a
educação patrimonial. É relevante levar o debate sobre os patrimônios para as
crianças/adolescentes na escola, além disso o reconhecimento dos tombamentos
na cidade pode despertar a valorização e a cobrança do poder público na
preservação e manutenção dos bens (CARVALHO & MENEGUELLO, 2020).
O vídeo “Processo de urbanização da Cidade de Boa Vista”11 teve como
operação prévia uma entrevista com um ex-funcionário da Companhia de Águas e
Esgotos de Roraima (CAER), familiar de um dos membros do grupo, e com um
docente de História da própria UFRR, Prof. Jaci Guilherme. Como o nome do material
sinaliza, o trabalho teve como foco compreender o processo de urbanização da cidade,
contendo fotos e mapas e a narração explicativa de um dos componentes do grupo.
Menciona-se o período da Ditadura Civil-militar, as ondas de fluxo
migratório, a quantidade de apagões na cidade/desafios ao sistema elétrico e de
esgoto, o processo de formação dos bairros por doações políticas e grilagem.
Apontamos que o vídeo interrompe antes do fim da narração e o fato do volume
ter ficado baixo prejudica a compreensão do conteúdo, mas todo trabalho de
pesquisa histórica aprofundada pelo grupo demonstra a potência para o estudo
da história local nos currículos de educação básica e para se trabalhar com os
discentes das escolas a compreensão da dinâmica de mudanças e permanências
que caracterizam o estudo da História (SEFFNER, 2019).
Por último, e não menos importante, para o protótipo de um álbum de
figurinhas chamado “Apoena: cultura indígena”12, houve a tentativa de visita
Sérgio Teixeira. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v= JKUMf8aygf8&list= PLreg6XgLgowTSBxOMVvuhqrsZCOwtKSJv&index= 6 Acesso
em: 19 jan. 2023.
11 Autoria: Carlos Cavalcante e Luiz Fogaça. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v= xbDG6VuJRes&list= PLreg6XgLgowTSBxOMVvuhqrsZCOwtKSJv&index= 5 Acesso
em: 19 jan. 2023.
12 Autoria: Annie Melo, Criley Correa, Damylle Macedo, Gabrielly Neves,
João Frota e Michael Borges. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v= jMU61NUcgdY&list= PLreg6XgLgowTSBxOMVvuhqrsZCOwtKSJv&index= 2 Acesso
em: 19 jan. 2023.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


114
Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

à Terra Indígena Tabalascada no Cantá/RR e a execução de uma entrevista com


um artista indígena morador da cidade de Boa Vista/RR, aluno do Insikiran/
UFRR. Procurando valorizar a cultura indígena do estado, destacamos o cuidado
com o aspecto gráfico do álbum, o caráter informativo e formativo do mesmo,
a preocupação do diálogo com o leitor por meio da indagação “você sabia?”, a
menção aos aspectos históricos relacionados da região como à Ponte dos Macuxis,
à Terra Indígena Tabalascada e à arte indígena, não deixando plenamente claro,
porém, a conexão entre as partes.
O material apresenta imagens dos momentos históricos trabalhados e das
produções do artista indígena entrevistado, além da representação do mapa
referente à terra indígena citada. Dessa forma, é um exemplo de atividade
pedagógica lúdica que atende às demandas da Lei 11.645/2008 que institui a
obrigatoriedade da abordagem sobre a história e cultura africana, afro-brasileira
e indígena nas escolas. Acreditamos que o olhar artístico, materializado nos
conteúdos, cores e estética do álbum, é um caminho potente para que corações
sejam tocados. E, mais ainda, trata-se do diálogo intercultural com ou entre as
etnias presentes em Roraima no formato de escolhas de conteúdos e ferramentas
didáticas fundamentais para o que se defende aqui neste texto. Eis mais uma
porta de entrada para a abordagem da ancestralidade em sala de aula e, assim,
levar às crianças/adolescentes a saber de sua própria origem e daqueles que os
precederam pelas vias do afeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto realizamos um exercício de refletir sobre o ensino de História


a partir do material pedagógico que os alunos de Prática de Ensino I da UFRR
produziram nesse proponente curricular. Conseguimos revisitar nossas leituras
sobre a Amazônia, onde o estado de Roraima está inserido, assim como adentramos
nos estudos sobre ancestralidade e afeto no exercício de ensinar História.
Portanto, o texto traz a pesquisa e a escrita sobre e na região norte do Brasil
onde vivemos. Desse modo, queremos acentuar que as características principais
da Amazônia impregnam ou, pelo menos, deveriam nortear os conteúdos
programáticos dos currículos escolares, tanto na educação básica quanto no ensino
superior. As características dessa região comumente destacadas são: ser uma das
regiões mais pobres no setor econômico, mais rica em diversidade étnico-racial

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


115
Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

considerando as diferentes etnias que habitam a região norte e os outros povos que
vivem na fronteira, bem como os idiomas e dialetos que aqui são falados. Estamos,
portanto, trabalhando com a cultura da região amazônica e ao sentido geopolítico
que se dá a esse lugar para além da fronteira em terras brasileiras.
O esforço pedagógico no qual se envolveu professora, monitor e alunos do
curso de História foi para mencionar, dar visibilidade e se autoconhecer na história
do outro, contribuindo para a quebra das narrativas históricas centradas no eixo
sul e sudeste do país. Trata-se aqui de refletir por meio do material audiovisual,
imagens e entrevistas situações e partes significativas da História Social de Roraima
que não foram narradas em livros e artigos, mas que compõem as letras de músicas,
as narrativas de lendas e causos, que aparecem nos saberes dos mais velhos e que
estão tatuado no corpo daqueles que ainda resistem ao apagamento da história.
Portanto, destacamos a riqueza das imagens de São Sebastião em esculturas
ou pinturas na igrejinha; das fotografias resgatadas de tempos distintos da Escola
Ana Libória que nos levaram a conhecer e dar visibilidade a uma personagem
importante da história educacional do estado de Roraima; do aprendizado sobre
uma das religiões de matriz africana realizado no podcast sobre a Umbanda, que
teve como propósito explicitar alguns aspectos dessa religião em uma linguagem
adequada à sala de aula da educação básica; da entrevista de Dircinha que reforça
que a cultura popular está na dança, na musicalidade; da leveza em forma de cores
e ludicidade da junção de figurinhas de um grande quebra-cabeça em apoena; do
vídeo que explica a origem do estado e a relação deste com a ditadura civil-militar
em tempos de ainda Território Federal. Tudo isso com um toque de criatividade e
autoria discente na contextualização sobre os processos migratórios e os arranjos
políticos que desenham as narrativas sobre Roraima.
Todo esse material, sem sombra de dúvida, constitui demonstração de que
a História é propulsora da dinâmica cultural pela qual os povos criam e recriam
suas identidades e processos históricos. Conheçam e compreendam a potência
que é a região amazônica na produção de conhecimentos para o campo do
Ensino de História. Urge como presente da nossa ancestralidade.

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Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Marcella Albaine Farias da Costa - Mariana Cunha Pereira - Tiago Nicolau da Silva

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Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

HISTÓRIA INDÍGENA CANTADA: A MÚSICA DE ELIAKIN RUFINO


COMO MATERIAL DIDÁTICO

Alfredo Clodomir Rolins de Souza


Raimunda Gomes da Silva

INTRODUÇÃO

Pretendemos neste texto apontar as possibilidades do uso da música popular


como material didático nas aulas de História de Roraima, a partir da obra musical
do poeta, cantor e compositor roraimense, Eliakin Rufino, tomando como
pressupostos o que diz a Lei 11.645/2008 (BRASIL, 2008) sobre os estudos da
temática indígena nas escolas de educação básica.
A partir da referida Lei, passou a ser obrigatória a inserção das histórias e
culturas dos povos indígenas nos currículos escolares da educação básica com
o objetivo de reverter o quadro de exclusão do espaço escolar, da história, além
de superação do preconceito, do desrespeito e do desconhecimento sobre estes
povos originários. Esta mudança tem afetado a cultura escolar, o currículo e,
sobretudo a prática do/a professor/a de História que tem buscado alternativas
pedagógicas que possam atender aos pressupostos da Lei.
Uma questão que tem sido discutida neste processo diz respeito à escolha
e à disponibilidade do material didático a ser utilizado nas salas de aula. Mesmo
após quatorze anos da promulgação da Lei, ainda são escassos os materiais que
contemplam a temática indígena. Esta ausência de material adequado é alegada
por muitos/as professores/as como empecilho para efetivação da Lei.
Diante desta dificuldade, os docentes buscam outras linguagens e outras
fontes que possam servir de subsídios nas aulas de História, em especial no
que diz respeito às histórias e culturas dos povos indígenas. Recorrem às novas
tecnologias da informação como sites e as novas mídias e outras linguagens
que fazem parte do cotidiano e da vida de todos, como filmes, literatura,
imagens, objetos que possibilitem fazer da sala de aula um espaço interessante
de aprendizagem das histórias e das culturas indígenas. É neste contexto que
propomos, como uma das alternativas, o uso da música popular, principalmente
por ser uma arte de grande receptividade e acesso.
Além de ser uma linguagem alternativa para o ensino, a música é um produto
cultural e expressão de um povo, é um relato do cotidiano e fonte documental

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


119
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

da História. Daí nosso interesse em pensá-la nesta relação com o ensino de


História, como material didático.
Este texto está dividido em quatro sessões. Na primeira, nosso objetivo é fazer
uma reflexão sobre a Escola e o ensino de História, como espaços de luta por
significados e representações. O caráter homogeneizador e etnocêntrico da Escola
moderna, sua desestabilização com ingresso das camadas populares, que irão exigir
mudanças a partir das políticas afirmativas e de inclusão, valorização e representação
cultural, resultando, entre outras, na Lei Nº 11.645/2008 (BRASIL, 2008).
Na segunda sessão buscamos justificar a escolha da obra do poeta, cantor
e compositor Eliakin Rufino, com destaque para a presença de elementos da
cultura indígena e o seu protagonismo no movimento Roraimeira, como
expressão cultural local. Em seguida, na terceira parte do texto, argumentamos
sobre os fundamentos de uso da música popular como material didático, ou seja,
como linguagem e fonte para o ensino de História.
Por fim, apontamos algumas considerações e as possibilidades de uso da
música de Eliakin Rufino nas aulas de história de Roraima, com destaque para
os elementos culturais e históricos dos povos indígenas presentes nestas obras.
Sugerimos ainda, possíveis debates em sala de aula. Em seguida apresentamos
as nossas considerações.

A ESCOLA E O ENSINO DE HISTÓRIA COMO ESPAÇOS DE LUTA


POR SIGNIFICADOS E REPRESENTAÇÕES

A trajetória da Escola em nosso país, marcada pela exclusão social e cultural,


tem passado por mudanças significativas desde o ingresso das camadas populares
nas décadas de 1970 e de 1980 do século XX. Pensada para atender aos anseios
da elite, com uma formação à medida do mundo “civilizado” europeu moderno,
a Escola, em especial a secundária, passa a ter os bancos de suas salas de aula
ocupados por negros, indígenas e mestiços pobres, tornando o espaço escolar
colorido culturalmente, desestabilizando a homogeneidade cultural imaginada
no projeto de Escola moderna.
Bittencourt (2004) analisa os impactos deste fenômeno na escola:

A entrada de alunos de diversas idades e experiências, portadores de diferentes


culturas e vivências, em crise de identidades, pela chegada improvisada e forçada a
centros urbanos, dentro do intenso processo migratório do campo para a cidade e

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


120
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

entre estados - principalmente do Nordeste para o sul - colocou em xeque a estrutura


escolar e o conhecimento que ela tradicionalmente vinha produzindo e transmitindo
(BITTENCOURT, 2004, p. 13-14).

Isto significa que a Escola, pensada para as elites, tendo a Europa como
modelo, como padrão, não atenderia às demandas do “povo em geral”, das
pessoas comuns, originárias de um universo culturalmente distante daquele. O
que deveria ser ensinado ao povo? Qual o significado do que era ensinado? A
Escola permitida ao povo servia para quê? Especialmente na sociedade brasileira,
diversa culturalmente, qual cultura ou quais culturas, estavam representadas no
currículo e na cultura escolar? Estas questões deram o tom desse debate.
Para Candau (2012) o caráter homogeneizador, padronizador, acaba
transformando a diferença cultural em desigualdade social. Mas como isso
acontece? A Autora nos esclarece:

Está presente quando o fracasso escolar é atribuído a características sociais ou étnicas


dos/as alunos/as; quando diferenciamos os tipos de escolas segundo a origem dos
alunos e alunas considerando que uns/umas são melhores que outros/as; têm maior
potencial e para se desenvolver uma educação de qualidade não podem se misturar
com sujeitos de menor potencial; quando como professores/as nos situamos diante
dos/as alunos/as a partir de estereótipos e expectativas diferenciadas segundo
a origem social e as características culturais dos grupos de referência; quando
valorizamos exclusivamente o racional e desvalorizamos os aspectos emocionais
presentes nos processos educacionais; quando privilegiamos somente a comunicação
verbal, desconsiderando as outras formas de comunicação humana como a corporal,
a arte, etc. (CANDAU, 2012, p. 31).

Portanto, negou-se primeiro, ao povo, o direito de estudar. Depois do acesso


conquistado, impôs-se uma cultura exógena e etnocêntrica, praticada através do
currículo, que não reconhecia as representações simbólicas e culturais das camadas
populares, como as dos negros e indígenas, negando-se o reconhecimento da
pluralidade cultural que caracteriza o país. Esta histórica exclusão tem suas raízes
no racismo, na escravidão e na intolerância à diferença cultural. É neste campo
de luta que nasce a Lei Nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003) tornando obrigatório
o estudo da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, considerando
a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, com o
intuito de resgatar a contribuição do povo negro nas áreas sociais, econômica e
políticas pertinentes à História do nosso país.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


121
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

São políticas públicas que têm como objetivo corrigir injustiças, discriminações
e promover a inclusão social e cidadania para todos no sistema educacional
brasileiro, tendo como meta o direito dos negros (e indígenas) de se reconhecerem
na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias, manifestarem de
maneira individual e coletiva, seus pensamentos (BRASIL, 2004).
Em 2008, a Lei Nº 10.639/2003 foi ampliada pela de Nº 11.645/2008, que
inclui no âmbito de todo o Currículo, a História e a cultura dos povos indígenas e
da África, dos africanos e afro-brasileiros. Vão colocar em xeque a cultura escolar
(SILVA; COSTA, 2018). São fundamentais na potencialização daqueles grupos
historicamente excluídos deste processo.
A Lei afeta, sobretudo, o Ensino de História, o que nos leva a pensar em
que medida a História ensinada contribuiu e/ou contribui na construção da
concepção de indígena que guardamos na memória, os conhecimentos que
temos destes povos e suas implicações para eles e para não indígenas.
Houve na trajetória da História ensinada uma tentativa de se criar
uma imagem da nação como se fosse um todo homogêneo, a partir de uma
perspectiva eurocêntrica, uma sociedade herdeira da civilização europeia, com
o claro objetivo de negar a real e complexa heterogeneidade que caracteriza a
sociedade brasileira. O que se vê é uma tentativa de silenciar a herança escravista,
negar a história dos índios e dos negros, visando construir um passado único,
uma Histórica única. Contribuiu para isto a difusão de que somos uma sociedade
caracterizada pela democracia racial. Nas palavras de Bittencourt (2008):

A teoria da democracia racial, é preciso salientar, foi criada para fundamentar uma
homogeneização cultural e omitir as diferenças e desigualdades sociais [...] um
povo mestiço, que carrega os males de uma fusão de grupos selvagens indolentes
(índios que não queriam ser escravos e se rebelavam contra esse trabalho não digno
para a grandeza da pátria) e de negros africanos submissos e sem vontade própria,
sem desejo de vencer na vida! A preguiça e a indolência, frutos dessa mestiçagem
democrática, eram, ou ainda são, responsáveis pela pobreza da maioria da população
(BITTENCOURT, 2008, p. 199).

Esta compreensão da sociedade passou a ser contestada e no final da década


de 1990, com a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, a partir dos
temas transversais, passou a se falar com mais frequência de pluralidade cultural
na educação brasileira.
A tão propalada pluralidade cultural, às vezes não é enxergada, noutras, é
negada. No caso do Ensino de História, há uma predominância de uma abordagem

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

eurocêntrica dos conteúdos na maior parte dos currículos praticados atualmente


(ARAÚJO, 2014). É com o propósito de superação desse quadro que a Lei
11.645/08 emerge, obrigando a inclusão da temática indígena no currículo escolar.
Para além das questões raciais e da intolerância, há necessidade de superar
a compreensão do indígena que ainda mora no imaginário de muitos, como
uma imagem ainda muito ligada ao século XVI. Os ritos escolares, os livros e a
imprensa têm responsabilidade sobre estes estereótipos, romantizando e fazendo
sempre analogias com a imagem descrita pelo escrivão Caminha. A História do
indígena quando é trabalhada, acaba ficando como um anexo, um apêndice da
História Ocidental, permanecendo o caráter eurocêntrico (PIMENTEL, 2012;
BITTENCOURT, 2018).
É nesse contexto que se abre a discussão sobre o material didático a ser
usado nas aulas de História. Quais os caminhos possíveis, considerando os
pressupostos da Lei, de combate ao preconceito e a estereótipos que durante
muito tempo foram reforçados no currículo escolar? A falta de material didático
adequado tem sido uma das principais barreiras encontradas atualmente por
professores/as para a inclusão da temática indígena na sala de aula.
Pesquisadores deste campo apontam que ainda persiste a imagem e
representação dos indígenas como povos relativos ao passado colonial nestes
materiais didáticos. Continuam sendo tratados como agentes secundários,
descritos como elementos estáticos e objetos da ação europeia (COELHO,
2019). Não há espaço para a fala do indígena, falam de limitações, silenciamento
e negação do protagonismo destes povos nos livros didáticos, (PEREIRA;
MIOTO; NODA, 2018; RAMOS; CAINELLI; OLIVEIRA, 2018).
Munanga (2005, p.19) ressalta que essa concepção de educação para as
relações étnico-raciais, para superação do racismo “não modificarão sozinhas o
imaginário e as representações coletivas negativas do negro e dos indígenas na
nossa sociedade”. Há de se considerar dimensões afetivas e emocionais de onde
brotam e são cultivadas as crenças, estereótipos e valores que codificam as atitudes.
Para isso, segundo o autor, é necessário descobrir e inventar técnicas e linguagens
que superem os limites da razão, para tocar no imaginário e suas representações.
É com este propósito, ancorados nos pressupostos da Lei Nº 11.645/2008,
que apontamos o uso da música popular como alternativa possível e buscamos
neste texto, trazer uma reflexão sobre as possibilidades de seu uso como material
didático no ensino de história e cultura indígena em Roraima, a partir da obra do
compositor Eliakin Rufino.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


123
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

POR QUE A ESCOLHA DESTE AUTOR E SUA OBRA?

Eliakin Rufino, nascido em Boa Vista/RR, é poeta, cantor, compositor,


filósofo, professor e promotor cultural. Tem dez livros de poemas publicados
e cinco álbuns com músicas de sua autoria. É um dos mentores e protagonista
do movimento Roraimeira, principal expressão artística e cultural de Roraima,
cuja obra se caracteriza pela presença de elementos das culturas indígenas e
da natureza do lugar como tema principal. Vai buscar nos elementos locais a
afirmação da identidade da gente de Roraima, afirmando-se Roraimeira.
Em entrevista publicada por Oliveira; Wankler; Souza (2009) o poeta Eliakin
fala sobre este movimento cultural e suas características, o compositor afirma:

Aqui em Roraima vivem brasileiros de todas as partes do país e mais os estrangeiros


da Venezuela e da Guiana. A proximidade com o Caribe, a influência nordestina em
Roraima, a marcante presença dos povos indígenas e a distância do resto do Brasil, tudo
foi configurando um movimento cultural (música, literatura, fotografia, artes plásticas,
dança) que reconhecia e acomodava todas as diferenças e apontava para a diversidade
e a pluralidade como marca da nossa identidade (OLIVEIRA; WANKLER; SOUZA,
2009, p. 29).

Portanto, tradução e expressão da pluralidade do extremo norte, o Roraimeira,


na década de 1990, vai se consolidar como principal movimento cultural, com
forte intervenção na música, mas que se estende para outros ramos da arte
como a dança ou Zoodança – caracterizada por coreografias que lembram os
movimentos dos animais da região amazônica. Nas artes plásticas e na fotografia,
além dos aspectos das culturas indígenas, os buritizais são destaques.
Na produção musical de Eliakin Rufino há referência, portanto, aos
elementos das culturas indígenas e do universo cultural desta região, marcada
pelo encontro de gente vinda de muitos lugares. Retrata as condições de vida
e o universo imaginário dos povos indígenas de Roraima, da Amazônia e suas
relações no processo colonizador. Entre os poemas seus, Cavalo Selvagem é o
mais conhecido do público.
É autor da letra do hino da cidade de Boa Vista e também de Cidade do
Campo, música bastante executada nas rádios, nos corais de escolas, nos shows
e nos bares da capital. Sua obra é, portanto, densa, carregada de significados e
representações, ótima pra pensar.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


124
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

A MÚSICA COMO MATERIAL DIDÁTICO: FUNDAMENTOS

Para Bittencourt (2018, p. 243) o material didático é pensado como um


instrumento que o professor utiliza para se comunicar com seu aluno na sala de
aula, “[...] são mediadores do processo de aquisição de conhecimento, bem como
facilitadores da apreensão de conceitos, do domínio de informações e de uma
linguagem específica da área de cada disciplina”.
Mas há os materiais didáticos que são produzidos intencionalmente para
serem utilizados nas escolas e há outro tipo de material que não foi produzido
necessariamente para o uso didático, mas que acaba sendo usado com esta
finalidade. São os “documentos”. Como afirma Bittencourt (2018):

Contos, lendas, filmes de ficção ou documentários televisivos, músicas, poemas,


pinturas, artigos de jornal ou revista, leis cartas, romances são documentos produzidos
para um público bastante amplo que, por intermédio do professor e seu método, se
transformam em materiais didáticos (BITTENCOURT, 2018, p. 243 – 244).

Como pudemos constatar no fragmento anterior o/a professor/a no


compromisso de fazer com que a aprendizagem aconteça, descobre ou inventa
técnicas e linguagens, transformando em materiais didáticos os “documentos”.
É considerado documento, toda a produção humana (HERMETO, 2012) tudo
que é humano possui historicidade (LE GOFF, 2008). Neste caso, de se utilizar
o documento histórico para o ensino, há que se considerar que:

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas
pode fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a
habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores
habituais. Logo, com palavras, signos, paisagens e telhas (LE GOFF, 2008, p.530).

Portanto, é o/a professor/a e o seu objetivo a ser atingido que irão dar
sentido ao uso de determinado documento como material didático. No que se
refere à utilização dos novos documentos como fontes no ensino de História,
Marcos Napolitano (2008) ressalta que:

As fontes audiovisuais, sonoras e orais, vêm ganhando, desde os anos 60 e 70, um


reconhecimento cada vez mais forte para o estudo do passado e, dada a necessidade
de uma abordagem específica da sua linguagem e conteúdo, têm se constituído em
grande foco de debates (NAPOLITANO, 2008, p. 170).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


125
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

É neste contexto que encontramos a música popular como fonte de estudo


e de ensino, vista como um documento histórico. Além de ser veículo para uma
boa ideia, a canção (e a música popular como um todo) também ajuda a pensar
a sociedade e a História. A música não é apenas “boa de ouvir”, mas também
é “boa para pensar” (NAPOLITANO, 2016). Portanto, a música contribui no
processo de ensino de História nas escolas de educação básica.
Caberá então ao/à professor/a, ao planejar seu trabalho, definir seu material
didático, construir possibilidades acessando outros meios, fontes e linguagens, como
o documento histórico fonográfico, e transformar a aula de História no espaço de
construção de conhecimento de maneira mais significativa para todos os alunos.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES NECESSÁRIAS AO PLANEJAMENTO

Ao preparar a aula sobre este tema, é importante que o/a professor/a de


História observe algumas considerações: Primeiro, que assuma sua condição de
sujeito social e culturalmente produzido; ter compreensão da pluralidade cultural
da sua sala de aula; pensar sua concepção de sujeito, de fato e de tempo histórico;
que tenha consciência do que diz a Lei 11.645/2008 e qual a sua natureza e,
sobretudo, que a História e o ensino de História têm um “importante papel a
exercer neste mundo onde a alteridade, a multiplicidade e a diversidade social
e cultural exigem um preparo subjetivo para a convivência com o diferente”
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2019, p. 257).
É importante também, que o/a professor/a ao valer-se da música como
linguagem e/ou fonte, como material didático, tenha consciência dos seus
objetivos, mais precisamente, dos objetivos da sua aula e, sobretudo, clareza do
que quer da música. A quais funções pedagógicas ela responde? Qual o problema
a ser respondido?
Dito isso, partimos do princípio de que o que move este debate é o
necessário cumprimento dos pressupostos da Lei Nº 11.645/2008 que obriga
a inclusão, em todo o currículo escolar da educação básica, das histórias e
culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas. A referida lei tem como meta,
sobretudo, a educação do “não indígena”. Superar o desconhecimento que
tem resultado em preconceito, discriminação e exclusão dos povos indígenas,
para Silva e Costa (2018, p. 90-91) também deve “ir além da mera exposição
ou menção da participação do indígena em episódios isolados da história do

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


126
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

país”. Proporcionando a revisão de paradigmas de fazer e ensinar história numa


perspectiva da educação intercultural.
Neste sentido, as músicas escolhidas devem levar para a sala de aula algo a
mais, uma alternativa pedagógica sobre a temática indígena, para “ir além da mera
exposição” do indígena. Possibilitar ao aluno uma imersão no universo da história
e da cultura indígena, e conforme Albuquerque Júnior (2019, p. 218) “brincar de
sair de nosso tempo e dar um passeio por paisagens e tempos, por cenários e
cenas, com personagens e pessoas que construíram e habitaram outros tempos”,
e com isso problematizar o presente, afinal, o discurso histórico é um discurso do
presente, sobre o presente, sobre permanências e mudanças (HERMETO, 2012).
Ouvir música para se divertir é diferente de usá-la como ferramenta didática.
Ao se utilizar a música em sala de aula, há que se considerar a “dupla natureza”
da canção: musical e verbal (NAPOLITANO, 2016) por isso é importante que
o/a professor/a, mesmo que tenha interesse pelo que está escrito na letra da
canção, promova um momento de audição destas músicas, contextualize a sua
produção, apresente uma breve biografia do/a cantor/a, do/a compositor/a,
enfim, que a apresente por completo. Uma análise da letra isolada da totalidade
- sem a melodia, os arranjos, e interpretação do cantor- pode comprometer todo
o conteúdo da obra.

A MÚSICA DE ELIAKIN RUFINO E A TEMÁTICA INDÍGENA NA


SALA DE AULA DE HISTÓRIA

Nossa primeira música sugerida será Parixara. Nesta canção, gravada no


CD Roraimeira: o canto de Roraima, em 2009, o autor e intérprete, fala de
abandonar sua vida (possivelmente na cidade) e ir “embora pra maloca1”, onde
supostamente poderia viver desfrutando das coisas que são próprias do modo
de vida dos povos indígenas. É um bolero, que dá um ar de nostalgia à canção.
Como um relato de alguém que tem um profundo sentimento com aquele lugar
que tanto deseja encontrar ou reencontrar: a maloca. Vejamos a letra da canção:

Vou me embora pra maloca/ Sou amigo do pajé/Carne seca pra poçoca/Cuia cheia
de xibé/Vou me embora pra maloca/Peixe, paca, buriti/Farinha de mandioca/
Damorida, caxiri/Vou pintar a minha cara/Pra dançar o Parixara/Noite alta Lua
clara/Pra dançar o Parixara/Cocar de pena de arara/Pra dançar o Parixara/Noite
1 Habitação dos povos indígenas de Roraima. Também se refere à comunidade.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


127
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

alta Lua clara/Pra dançar o Parixara (PARIXARA, 2009, In: Roraimeira: o canto de
Roraima, CD, faixa 4).

Ao primeiro contato com a letra desta canção, outro texto vem de imediato à
nossa memória. Vou-me embora pra Pasárgada, do poeta Manoel Bandeira, que traz
a ideia da existência de um lugar maravilhoso para viver, uma intertextualidade que
pode ser aproveitada para uma interessante parceria com professor/a de Literatura.
Ao ouvir a canção, acompanhando a letra, temos a impressão que o autor
tem intenção mesmo de deslocar a representação do lugar onde o indígena vive
(a maloca) que ainda predomina no imaginário do não indígena. À medida que
vai apresentando aspectos da cultura e iguarias da culinária, vai criando um clima
e a sensação de que se trata de um lugar bom para se viver, de muita fartura de
alimentos, de festas nas noites de lua, onde se bebe caxiri2 e se dança o parixara3.
Esse quadro do lugar traz um contraste com a ideia muito difundida na
História e nos livros didáticos de que o indígena é um “selvagem”, que mora
na floresta em casas de palhas (MEDEIROS, 2012; SILVA; COSTA, 2018) e,
pensando este cenário pela lógica colonial etnocêntrica, civilizatória, ocidental,
isto seria sinônimo de atraso, um lugar menos importante em relação à “cidade”,
tida como espaço de pessoas civilizadas do homem moderno, civilizado.
O professor pode iniciar as discussões partindo do próprio título da canção,
Parixara e a partir daí, refletir sobre o que é e o que esta dança representa para os
povos indígenas, principalmente os povos das etnias Macuxi4 e os Wapichana5,
e em que ocasião se dança. Em seguida ir explorando as possibilidades de
refletir sobre o pajé, o xibé6, o caxiri, os hábitos alimentares e suas iguarias,
como a damurida7. Quais desses alimentos fazem parte da culinária da população
brasileira em geral? Enfim, esta é uma ferramenta que exige muita sensibilidade
e conhecimento do/a professor/a sobre as questões em debate. Ele/Ela pode
inclusive, convidar um/uma indígena para falar da vida cotidiana nas comunidades
ou mesmo programar uma visita com os/as alunos/as.

2 Bebida fermentada feita de batata ou de mandioca. Comum entre as etnias Macuxi e Wapichana.
3 Dança dos povos indígenas de Roraima. Mais comum entre os Macuxi e Wapichana.
4 Etnia de filiação Karib que habita um território de fronteira entre o Brasil e a Guyana.
5 Etnia de filiação Aruak, hoje ocupa o vale dos rios Uraricoera e Tacutu a Leste de Roraima.
6 Bebida feita com farinha e água açúcar ou sal. Consumida entre os povos indígenas e não indígenas
de Roraima e da Amazônia.
7 Iguaria da culinária indígena de Roraima. Consiste de um caldo bastante apimentado que pode ser
de peixe ou de carne.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


128
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

Um dos bons debates que pode se abrir durante as aulas com o tema
em questão é em relação ao lugar do indígena na sociedade brasileira? É nas
comunidades, nas malocas? A cidade não é lugar para o indígena? Como vivem
os indígenas nas cidades? No caso de um estudo da História de Roraima, este
tema é de suma importância, dado o grande número de indígenas que vivem
na cidade de Boa Vista, capital do estado. Neste caso, outra música do referido
compositor, intitulada Tudo índio, tem elementos históricos que podem auxiliar
o/a professor/a.
A música “Tudo Índio”, gravada no CD Mestiço em 2005, é cantada em
forma de RAP. O autor faz alusão aos indígenas que moram na cidade de Boa
Vista. Identificando os bairros da periferia onde há grande incidência destes
povos. Faz uma espécie de denúncia às condições de vida destas etnias.
Denuncia ainda o trabalho e as ocupações desta gente como sorveteiros,
desempregadas domésticas e biscateiros. Ironicamente chama atenção para a
participação dos meninos e meninas nas festividades juninas, (atividade folclórica
da cultura brasileira) onde “fazem papel de índio”. “Tudo índio, tudo parente”.
O termo “parente8” se refere à maneira como os indígenas se tratam entre si.
Vejamos o que diz a letra:

Eu conheço um Wapixana que mora no Treze9/E ele sabe de outros cem/ Que
também moram lá/ Muita gente índia, muita gente/ No conselho indigenista/Macuxi
do São Vicente/Tudo índio, tudo parente/ Em cada bairro da cidade/ Cada tribo tem
o seu representante/ Os tuxauas se reúnem/ Toda semana/ Na associação do Asa
Branca/ Tudo índio, tudo parente/ Eu conheço Yanomami que vende sorvete/ E um
pedreiro Taurepang10 que vive de biscate/ As mulheres índias/ Longe da maloca e da
floresta/ Sobrevivem como desempregadas domésticas/ E os milhares de meninos e
meninas/ Fazem papel de /índio no boi /Durante as festas juninas/Tudo índio, tudo
parente (TUDO ÍNDIO, 2005. In: Mestiço, CD, faixa 10).

Esta música pode ser uma ótima ferramenta para problematizar a condição
de vida do indígena na cidade de Boa Vista, uma tentativa de levar os alunos
para a realidade que está ao seu redor. A sala de aula, a escola, a rua, a cidade. Há
indígenas por toda parte, e a partir daí levantar questões. A começar pela origem
do termo “índio”. Por que há tantos indígenas na cidade? De onde vieram?
8 Este termo passou a ser usado entre indígenas para se referir a outro indivíduo, que pode ser de sua
etnia ou de outra.
9 Se refere ao bairro Treze de setembro da capital Boa Vista, assim como Asa Branca e São Vicente.
São bairros com expressiva população indígena.
10 Etnia que se auto designa Pemon e vive na tríplice fronteira Brasil, Guyana e Venezuela.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


129
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

Desde quando vivem neste espaço? Por que vivem quase sempre na periferia
da cidade? Por que ocupam aqueles postos de trabalho? Devido a significativa
presença indígena Boa Vista/RR passou a ser conhecida como Maloca Grande
(LIMA; CIRINO, 2016), este ponto pode ser debatido a partir desta música.
Esta visão múltipla de indígena favorece ao/à aluno/a perceber a diversidade
de indígenas e experiências na cidade. Desestabiliza a visão congelada de ser
índio/a, compreender que assim como nós mudamos eles(as) também mudam.
Dependendo da época, a cidade também pode ser um espaço para morar,
trabalhar, se qualificar e lutar pelos seus direitos, a exemplo das lideranças
indígenas que se deslocam para cidade para atuar junto às suas organizações.
O/A professor/a tem ainda a oportunidade de discutir, no caso de Boa
Vista, sobre o limite entre estes dois universos culturais, a maloca e a cidade.
Afinal, esses povos habitam estes espaços há muito tempo, foram na verdade,
os primeiros habitantes deste território, cada povo com suas origens, culturas e
histórias e que tiveram suas terras invadidas pelos colonizadores e que lutaram e
lutam até os dias de hoje contra um processo de colonização.
Outra perspectiva de leitura trata da diversidade de etnias e experiências
na cidade, que também pode provocar reflexões de gênero ao indagar como as
mulheres e homens indígenas são representados/as nas músicas e como os/as
alunos/as concebem. Conforme Carla Bassanezi Pinsky (2009, p. 34) um olhar
de gênero “não só procura o que há de cultural nas percepções das diferenças
sexuais como também a influência das ideias criadas a partir destas percepções
na constituição das relações sociais em geral”.
Essas discussões vão encaminhando outras reflexões. É o caso de se discutir
sobre o índio que habita em cada brasileiro e roraimense. O referido compositor
traz essa problemática num poema cantado quando afirma: “Todo brasileiro é
índio!” Afirma isso nos versos de “Nós somos da mesma aldeia”, do CD Mestiço,
gravada em 2005. Vejamos a letra:

Todo brasileiro é índio/ Índios já foram milhões/ Este Brasil mestiço/ É a soma
de muitas nações/ E cada dia que nasce/ Nasce uma nova nação/ Os mesmo
traços na face/ As mesmas linhas na mão/ Sem borduna / Sem tacapes/ Só o som
dos atabaques/ E a roda de se dançar / Sem flechas/Sem canhões/ Só o som dos
corações/ E a vontade de abraçar/ Sem feitor/ Sem capataz/ Só o som dos maracás/
E o canto da lua cheia/ Sem medo / sem violência/ Só o som da consciência /Nós
somos da mesma aldeia (NÓS SOMOS..., 2005. In: Mestiço, CD, faixa 2).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


130
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

Abre-se a possibilidade de se discutir a miscigenação da população brasileira


e roraimense. Se um dos objetivos da lei 11.645/2008 é superar o racismo e a
discriminação, esta música pode sensibilizar o aluno neste sentido, na medida em
que nos convoca a pensar e problematizar nossas identidades culturais quando
deixa claro que a sociedade e a cultura brasileira foram construídas a partir de
muitos matizes: “este Brasil mestiço, é a soma de muitas nações”. Fala da forte
influência da cultura indígena quando afirma que “todo brasileiro é índio”.
Morando na maloca ou na cidade, “nós somos da mesma aldeia”.
Esta leitura é bem atual na sociedade roraimense, muitas famílias têm origem
indígena, são filhos, netos e mesmo indígenas na cidade, como já comentado
anteriormente. Estas reflexões podem contribuir tanto para o conhecimento das
raízes dos (as) alunos/as, quanto para aprender a ver as diferenças de forma afirmativa.
A próxima música sugerida para uso em sala de aula é O sonho do xamã,
também parceria com o cantor paraense Nilson Chaves, gravada em seu CD
Gaia, no ano de 2000. É uma canção ternária, com cantos incidentais indígenas.
O seu tema tem relação com o livro do xamã Yanomami Davi Kopenawa e
Bruce Albert, intitulado “A queda do céu”. Vejamos a letra:

Um xamâ Yanomami sonhou/ Que a fumaça da civilização/ Abriria um buraco no céu/ e


o céu cairia no chão/ O xamã resolveu avisar/ o que o sonho queria dizer/ Mas ninguém
parou pra escutar/ Pouca gente tentou entender/ Muito tempo depois desse sonho/ A
ciência pode então descobrir/ Que o buraco da camada de ozônio/ É por onde o céu
pode cair/ O meu sonho é que nada aconteça/ Que a vida não tenha final/ Que o xamã
desapareça/ Que o sonho não seja real (O SONHO…, 2000. In: Gaia CD, faixa 2).

Uma das questões bastante discutidas entre os defensores da Lei 11.645/2008


e críticos do currículo eurocêntrico é a necessária inclusão de outras epistemologias
na Escola, como por exemplo, os saberes indígenas. Nesta canção o autor deixa
claro esse confronto. A ciência tomada como instância máxima da racionalidade
humana no mundo ocidental “civilizado”, nascida na/com a modernidade, é tida
como única via de construção do conhecimento.
Por outro lado, o sonho, na concepção dos povos indígenas é visto também
como um meio de acesso ao conhecimento, e o xamã é o intermediário entre o
mundo dos espíritos e o humano, que recebe os saberes por meio dos sonhos, e
que tem a missão de repassar o conhecimento recebido para o seu povo.
Outro ponto que pode ser destacado na canção diz respeito à própria denúncia
feita pelo pajé, ou seja, a possibilidade do “céu cair” e a relação que o autor faz

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


131
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

deste fato com o buraco da camada de ozônio, comprovado cientificamente, como


resultado do avanço da produção industrial e da poluição, problema que afeta a todos.
O/A professor/a pode, neste caso, tentar uma parceria com os/as
professores/as de Geografia e de Biologia para discutir o tema e destacando
aí a relação que os povos indígenas têm com a natureza. Buscar possibilidades
de discutir a crise ambiental como efeito trágico de um modelo de civilização,
“fruto de um modo de pensar que permite que os homens intervenham no meio
ambiente de maneira deletéria super explorando a natureza e discriminando
modos de vida alternativos” (CAROLA, 2009, p. 175).
Como vimos, há muito de História em cada canção. É o/a professor/a e
a sua sensibilidade, somados aos temas em questão e seus objetivos que irão
conduzir a maneira mais apropriada de explorar o potencial histórico em cada
documento fonográfico utilizado. Aqui nosso objetivo foi apenas apontar as
canções e algumas possibilidades de seu uso. Uma pequena compilação da obra
de Eliakin Rufino, para auxiliar o professor, já que se encontram dispersas na sua
discografia e de seus parceiros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Defendemos, em conformidade com a Lei 11.645/2008, que a Escola tem uma


função importante na luta por uma sociedade mais justa, onde as diferenças não
sejam motivos para justificar desigualdades. Deve servir também como mediadora no
processo do banimento do racismo, das desigualdades de gênero, da discriminação
étnico-racial, do preconceito e das injustiças sociais. Entendendo que a educação
numa perspectiva intercultural pode ser um caminho para uma transformação social
e cultural , para a construção de um mundo cada vez melhor para todos e todas.
Para isso é fundamental que nas aulas de História, e em todo o currículo
escolar, se incluam as temáticas indígenas, dos africanos e afro-brasileiros
contributos da cultura e da sociedade brasileira. Caberá então, ao/à professor/a,
planejar sua ação pedagógica buscando atender a estas prerrogativas. Buscar
novas fontes e novas ferramentas para que possa transformar a aula de História
num espaço de construção do conhecimento de maneira mais significativa,
aproximando os estudantes de suas realidades para que a partir delas, possam
formar suas opiniões, tomar decisões, escolher caminhos, cientes do seu papel
enquanto cidadãos(ãs) e sujeitos da História.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


132
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

Nesse texto, resultado de nossas reflexões, estudos, pesquisas e debates nos


grupos de estudos sobre o ensino de História “Compartilhando Saberes” e “Estudos
Pós Coloniais” vinculados ao PROFHISTÓRIA/ UFRR e “Estudos de Gênero,
Cultura e Deslocamentos” ligado ao PPGE- UERR/IFRR apontamos o potencial
de uma ferramenta que tem se mostrado muito poderosa: a Música Popular Brasileira.
Exploramos e demonstramos basicamente seu potencial enquanto linguagem e fonte.
Caberia em outras oportunidades de aprofundamento quanto ao seu uso enquanto
objeto e abordagem. Diante de desafios de diferentes leituras fica a provocação
para outras possibilidades de exploração da música popular enquanto uma rica
fonte histórica de uma determinada sociedade, de práticas, representações sociais e
culturais envolvendo diferentes temporalidades e sujeitos.

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Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

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dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena. Brasília, 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
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Pesquisas e Experiências em Ensino de História


135
Alfredo Clodomir Rolins de Souza - Raimunda Gomes da Silva

RAMOS, Márcia Elisa Teté.; CAINELLI, Marlene Rosa.; OLIVEIRA,


Sandra Regina Ferreira de. As sociedades indígenas nos livros didáticos de
história: entre avanços, lacunas e desafios. Revista História Hoje, v. 7, nº
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Boa Vista/RR, 2005. 1 disco sonoro (30 min). Faixa 10.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


136
Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

HISTÓRIA E GAMES: O ENSINO-APRENDIZAGEM NA


PERSPECTIVA DE JOGADORES EM RORAIMA

Ronison do Nascimento Sousa


Carla Monteiro de Souza

INTRODUÇÃO

Atualmente, o uso de mídias digitais, em especial, os jogos digitais, estão


presentes na vida de quase todos nós, e não apenas na vida daqueles sujeitos
interessados em um mundo de fantasia na qual seus objetivos e desejos podem ser
alcançados com o uso da repetição ou simplesmente com a habilidade. Para além
da diversão e do lazer, existem campeonatos regionais, nacionais e internacionais
que premiam os jogadores, e muitos tornam-se profissionais.
Nos últimos anos é comum crianças, adolescentes, jovens e adultos possuírem
um celular com pelo menos um jogo instalado. Dessa forma, é observável que
o mundo dos jogos digitais e de seus jogadores, conhecidos como gamers, vem
crescendo, inclusive ampliando seu espectro como negócio lucrativo.
É dentro desse contexto que abordamos os jogos digitais na pesquisa
realizada junto ao Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade
Federal de Roraima – PROFHISTÓRIA/UFRR, que resultou na dissertação
intitulada “Os jogos digitais no ensino de História: uma visão crítica a partir da
franquia Assassin’s creed”, da qual este texto é um excerto.
Cabe ressaltar que, no Brasil, as pesquisas sobre o uso de games já são
realizadas há mais de uma década. Além do crescimento exponencial de
pesquisa nesse campo, essa temática vem sendo destaque em oficinas e cursos
de aperfeiçoamento e extensão por todo o país, sendo, portanto, um campo
de estudos vasto. Junto a isso, a pesquisa sobre Ensino de História vem se
incrementando no país, destacando-se aí a área que trata sobre a utilização e a
diversificação de recursos didáticos na sala de aula.
No PROFHISTÓRIA/UFRR a pesquisa busca ser uma contribuição
para melhorar metodologicamente as aulas de História, pensando o quanto é
importante, pensando como professores de História que somos, utilizar aquilo
que o aluno já possui, o chamado conhecimento prévio e as suas experiências,
podendo ser o jogo um desses recursos a serem usados na dinâmica da sala de
aula. Portanto, na dissertação nos propusemos investigar se os jogos digitais são

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

capazes de auxiliar no desenvolvimento do ensino-aprendizagem de História, a


partir da realização de uma pesquisa empírica, com a aplicação de questionários
apresentados a alunos cursantes e egressos do Ensino Médio regular.
Estabelecemos o estado de Roraima como nosso espaço de estudo. Neste
sentido, aplicamos dois questionários a estudantes e egressos do Ensino Médio
cujas idades variaram entre 16 e 20 anos, ou seja, aqueles que colaram grau do
Ensino Básico no máximo há dois anos, se levarmos em consideração a idade de
18 anos como prazo estimado de conclusão do Ensino Médio1. O Questionário 1
(Q1) tratou sobre informações e dados socioeconômicos sobre os participantes,
buscando traçar perfil dos jogadores. Utilizando a técnica da “bola de neve”2,
alcançamos 49 entrevistas por meio da plataforma Google Forms. Isso nos
possibilitou realizar uma ampla pesquisa sobre aspectos gerais, tais como: acesso
a equipamentos e a internet, demografia e elementos socioeconômicos.
Para o Questionário 2 (Q2), de cunho qualitativo, selecionamos um grupo de
10 sujeitos dentre os que responderam o Q1, tendo como critérios: ser jogador
de jogos virtuais ativo; estar dentro da faixa etária; e ter jogado Assassin’s Creed –
Odyssey. Para tanto, entramos em contato via redes sociais e e-mail e solicitando
permissão para adicionarmos os sujeitos a um grupo que foi criado na plataforma
de mensagens instantâneas WhatsApp, no qual foram passadas as informações
sobre o segundo questionário de forma simultânea a todos e, após aceitação de
todos os participantes, o questionário foi lançado no grupo, com um prazo de sete
dias para realizar o preenchimento. O Q2 tinha como objetivo principal oferecer
suporte para os questionamentos levantados por essa pesquisa, direcionando-se
mais para o jogo Assassin’s Creed - Odyssey. Além disso, foi o momento em que
estabelecemos uma conexão entre o ensino de História e os jogos digitais.

1 O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRR. Os participantes
foram esclarecidos sobre do que se tratava o questionário e deram consentimento, por meio da
assinatura dos documentos: TALE – Termo de Assentimento Livre e Esclarecido e TCLE - Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, com o consentimento dos pais, no caso dos menores de 18 anos.
2 Conforme Bárbara Regina Lopes Costa (2018), na técnica de amostragem Bola de Neve “o
pesquisador especifica as características que os membros da amostra deverão ter, depois identifica
uma pessoa ou um grupo de pessoas congruentes aos dados necessários, na sequência, apresenta a
proposta do estudo e, após obter/registrar tais dados, solicita que o(s) participante(s) da pesquisa
indique(m) outra(s) pessoa(s) pertencente(s) à mesma população-alvo”. Quando utilizamos as redes
sociais, a autora renomeia a técnica para “Bola de Neve Virtual”, que por meio da “estratégia viral
[...] apoia-se no fato da mensagem ser enviada por um emissor do círculo social do receptor, dando
a chance de a mensagem ser encarada de forma amistosa”, estratégia usada nesta pesquisa por conta
das limitações impostas pela pandemia de COVID19.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA E AS MÍDIAS DIGITAIS

Na atualidade, o desenvolvimento do campo científico e tecnológico,


buscando inovações é uma realidade global. Neste aspecto, não é incomum
que esse debate recaia sobre o ambiente escolar, pois, não muito distante dos
nossos dias, estávamos acostumados com uma sala de aula em que as mídias
digitais não eram uma realidade e/ou não seguiam o padrão de desenvolvimento
tecnológicos de países que são pioneiros no desenvolvimento de ferramentas
eletrônicas. Era possível falar há 20 anos atrás sobre computador, mas nunca ter
visto um pessoalmente, pois ferramentas como estas tinham um preço alto para
o padrão de vida da maior parte da população brasileira.
Mauro Sá Martino, em seu livro Teoria das Mídias Digitais – Linguagens,
Ambientes e Redes (2014), elucida de maneira reflexiva o papel das mídias digitais
hoje, fundamentando-se em autores consagrados como Pierre Lévy, Henry
Jenkins, dentre outros. Investigando termos como mídias digitais, informação,
cibercultura, explica que “A circulação de informações encontra nas redes o
melhor tipo de arquitetura”, argumentando que “a velocidade da circulação de
informações significa também que novidades estão presentes o tempo todo,
gerando como padrão uma instabilidade constante” (2014, p. 95).
Martino explica ainda, que os avanços tecnológicos neste campo possibilitam
acesso “cada vez maior às redes de computadores”, afirmando que “quanto mais
o ciberespaço se expande, maior o número de indivíduos e grupos conectados
gerando e trocando informações, saberes e conhecimentos”, ou seja, se
ampliam também “as condições, na cibercultura, para que novos saberes sejam
desenvolvidos — aplicativos, sites, programas, e assim por diante”. (2014, p. 25)
Nesse sentido, encontramos essas mudanças em diversos ambientes, inclusive
na escola, no uso de mídias digitais na sala de aula, no acesso às informações ou
no debate sobre elas. Sabemos que o ambiente escolar é cercado por discussões
que envolvem o uso de tecnologias, privilegiando alguns equipamentos em
detrimento de outros, como no caso do celular e mídias digitais. É comum
ouvirmos a atribuição de conceitos e preconceitos a essas novas práticas sociais
que envolvem computadores, videogames, uso e imersão na web/internet.
No entanto, espaços e nomenclaturas como “mundo gamer”, ciberespaço ou
cibercultura fazem parte da nossa vida, como salienta o filósofo e sociólogo
Pierre Lévy (1999). E pensar o mundo atual sem esse “ciberespaço” é e fechar
os olhos para algo evidente e negar que estamos envolvidos com novas e

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

aceleradas informações. Vejamos o exemplo da sala de aula, um ambiente onde


se desenvolvem práticas sociais e se estabelecem variadas relações. São espaços
em que o uso de uso de computadores, tablets, celulares vem se tornando um
movimento inevitável, como ficou explícito para os educadores nesses tempos de
pandemia, iniciada no mundo no início de 2020, em que tivemos que desenvolver
atividades de forma remota, nos mergulhando no uso intenso dessas novas
mídias, nos empurrando para enfrentar nossas dificuldades e recusas. Fato é que
os usos dessas tecnologias acabaram por possibilitar novas formas de interação
humana, tendo em vista que muitos alunos não apareciam nas câmeras, mas
expôs também seus limites já que muitos estudantes não tinham condições de
participar das aulas por falta de equipamento e acesso à internet.
A utilidade didática que propomos para essas mídias digitais com o devido
acompanhamento pedagógico pode facilitar o ensino-aprendizagem e criar um
engajamento, na medida em que fazem parte da vida cotidiana de parte expressiva
dos jovens atualmente. Porém, não cabe aqui posicionamentos idealizados, pois
sabemos que a prática pedagógica possui várias dificuldades para o uso de mídias
digitais, inclusive em alguns casos pode tornar-se um “tormento” para o educador.
Não obstante, percebe-se que as mudanças no pensamento de como a
História deve ser ensinada, pensando a disciplina e seus sujeitos de uma forma
mais ampla e aberta ao diálogo, vem fazendo com que muitos de nós repensem
as suas práticas e vençam suas resistências. Além disso, propostas de ensino e,
nos anos 1990, com a ampliação da influência da chamada “Nova História”
na pesquisa historiográfica, novos debates surgiram, como Fonseca salienta,
“contribuiu para maior ousadia na produção de programas e de conteúdos para
o ensino de História (2004, p. 66). Com o tempo, esses debates foram associados
a outras discussões, principalmente com a criação do Programa Nacional do
Livro Didático e a instituição dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s,
acabaram por pautar e direciona a ampliação do campo de investigação científico-
-acadêmica do ensino de História.
Portanto, compreendemos que a formação e construção da disciplina de
História vem passando por mudanças substanciais em relação às práticas desde
sua instituição no século XIX, sendo importante considerar que ao longo desse
processo eventos contribuíram para acelerar de maneira significativa o modo
como os professores e a gestão da educação brasileira veem a História e o seu
ensino. Ao pensar a História e o seu ensino a partir de várias perspectivas,
torna-se relevante compreender sua temporalidade, suas variantes, agentes e

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

estudantes, para que o professor possa ter múltiplas opções dentro do processo
ensino-aprendizagem.
Professores de História já ouviram ou estão acostumados a ouvir que a sua
disciplina é apenas memorização, “decoreba”, ou que só precisa saber de datas
e eventos, como se isso fosse suficiente para a compreensão de determinado
processo, questão ou aspecto histórico ou do passado, seja ele distante ou recente.
Questionando esta visão estereotipada, os currículos, assim como as metodologias
no ensino de História também vêm se modificando ao longo do tempo. Circe
Bittencourt ressalta que “os métodos de ensino baseados na memorização
correspondiam a um entendimento de que ‘saber história’ era dominar muitas
informações”, ou seja, o desejável era “saber de cor a maior quantidade possível
de acontecimentos de uma história nacional” (2011, p. 69). Com a ampliação das
pesquisas na área do Ensino de História, se passou a compreender esse processo
como insuficiente para a compreensão dos processos históricos, levando ao
remodelamento do ensino da História, nas últimas décadas. A discussão sobre o
uso de variados recursos didáticos tem ganhado cada vez mais importância não
apenas na academia, mas principalmente no dia a dia do professor, como cada
vez mais colegas preocupados em aproximar o conteúdo histórico às realidades,
vidas e trajetórias dos seus alunos.
Assim, o “pensar historicamente” tem fundamentado a prática de muitos de
nós, no sentido do que nos diz Cerri, de que não existe apenas um sentido para
essa expressão, mas que é algo indubitavelmente ligado à ideia de questionar
sempre o que está sendo repassadas de maneira simplista, muito subjetiva ou de
forma desconexa. Portanto, devemos sempre levar em conta o contexto em que
estes conteúdos foram produzidos, observando “seu tempo, suas peculiaridades
culturais, suas vinculações com posicionamentos políticos e classes sociais, as
possibilidades e limitações do conhecimento que se tinha quando se produziu o
que é posto em análise” (2011, p. 59).
Segue o autor, explicando que o pensar historicamente é ato dinâmico, é
pensar “padrões de entendimento típicos de uma forma de geração de sentido
histórico correspondente a uma configuração moderna, científica e dialogante de
consciência histórica, complementando que a geração de sentido histórico também
é histórica!”. Liga-se, portanto, “a capacidade de beneficiar-se das características do
raciocínio da ciência histórica para pensar a vida prática” (2011, p. 61).
Isso nos leva a refletir sobre um ponto crucial desta pesquisa, que perpassa
pela concepção de como os sujeitos observam os jogos digitais. No jogo, existe

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

uma imersão em um ambiente desenvolvido para que o jogador possa desfrutar


dos mais variados elementos, desde um mundo virtual e gráfico até a maneira
de se jogar que envolve a habilidade motora. Mas será que ao jogar, os sujeitos
buscam questionar aquilo que é colocado diante deles no decorrer do processo?
É um questionamento pertinente, tendo em vista que os jogos não podem ser
vistos essencialmente como únicos recursos no processo da aprendizagem
histórica, portanto, imputar aos jogos o desafio de lidar com questões complexas
como essas torna-se um desafio.
Nesse aspecto, ser chamado de “nativo digital” ou jogar um título com
pano de fundo ambientado em um evento histórico, não me dá a certeza de que
isto possibilitará pensar historicamente. Porém, alguns pesquisadores ressaltam
elementos positivos no uso dos jogos digitais, mesmo que haja resistência,
principalmente a nível familiar e na prática educacional. Sobre isso, Azevedo
Junior (2015), compreende que quando o Gamer (jogador) entra em contato
com as diversas manifestações temporais presentes nos jogos digitais, há um
favorecimento do exercício da consciência histórica. Para isso, precisa estar claro
que o jogo se constitui como mais um elemento agregador à aprendizagem
histórica, explicando que esse processo possibilita estabelecer relações com o
mundo real, ressaltando que essa relação pode ser tanto no sentido de estabelecer
uma ação crítico-social do mundo em que vive, como no sentido de reforçar o
senso comum e a posturas não críticas.
Por isso, quando relacionamos a noção de “pensar historicamente” e o
conceito de aprendizagem histórica, percebemos que ambos guardam uma
relação estreita, levando em conta o que explica Rüsen, que a aprendizagem
histórica é “um processo de digestão de experiências do tempo” sendo absorvido
sob a forma de “competências” (2011, p. 74). Inferimos, portanto, que o sujeito
(gamer) ao entrar em contato com o jogo estabelece um vínculo em que lhe é
imposto desafios, pela qual o sujeito para avançar as etapas, precisa superar esses
entraves, entender o jogo e seu contexto e mobilizar habilidades.
Mas apenas isso não é suficiente para determinar a existência de aprendizagem
histórica, cabendo alinhar aspectos como a parte prática do jogo, o conhecimento
histórico do sujeito (os conceitos, as fontes históricas que utiliza ou utilizou na
aprendizagem escolar) e a relação estabelecida pela experiência com aquilo que é
oferecido na construção do próprio jogo. Por exemplo, se o jogador está em uma
fase em que ele deve conquistar “a Bastilha” durante a Revolução Francesa, essa
prática (embora fictícia, pois estamos falando de algo não concreto e atemporal,

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

tendo em vista que o jogador é levado a imaginar que está inserido no ambiente
revolucionário e que este deve tomar uma decisão para avançar de “fase”) torna
isso uma tomada de decisão, pensada, refletida mesmo que por um tempo curto.
Este e outros aspectos nos inquietam ao pensar a relação entre o pensar
historicamente e os jogos digitais, e claro, como o sujeito (gamer) está inserido
nisso e como ele se enxerga nesse processo, pois um ponto fundamental da
aprendizagem histórica é, sem dúvida, essa consciência quanto a competência
narrativa (experiência, interpretação e orientação). Como aponta Brougère (2002,
p. 16), “o jogo pode ser um espaço de aprendizagem em relação a esses mesmos
conteúdos, mesmo se isso não é visado pelo jogador”. Como um produto
comercial voltado para o entretenimento e o lazer, o game não se caracteriza por
“uma vocação particular para a educação”, mas, sim, por “uma riqueza potencial
de conteúdos culturais e de processos de construção, de transformação desses
mesmos conteúdos”, acrescentando que, neste aspecto “pode aparecer como
uma situação complexa do ponto de vista cultural [e educacional], porque instaura
um espaço fictício ou mimético rico de significações culturais”. Ainda assim, o
autor defende que jogar um game pode acompanhar “aprendizagens informais ou
implicar aprendizagens anteriores para dominar esses conteúdos”. Isso nos faz
pensar que o jogo pode ser muito mais do que algo lúdico, mas um instrumento
para ensinar e aprender História.

OS JOGADORES DO ENSINO DE HISTÓRIA

Antes de tudo, apresentamos brevemente o lugar onde vivem os jogadores


pesquisados. O Estado de Roraima possui limites com a República Bolivariana
da Venezuela, ao Norte, à Leste, com a República Cooperativista da Guiana, no
Sul tem uma fronteira nacional com o estado do Amazonas e a Leste, com o
Estado do Pará. O estado é mais setentrional do Brasil, possui 223.644,530 km²,
sendo o 14° em extensão no país3.
De acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, feito em 2010, a população total do Estado era de
450.479 pessoas, com uma densidade demográfica de 2,01 hab/km². O Índice
de Desenvolvimento Humano de Roraima é de 0,707, ocupando a 13ª posição

3 Ver: IBGE (2021). Acesso em: 20/11/2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

do ranking nacional. Segundo estimativa do órgão o estado contaria, em 2021,


com uma população de 652.713 habitantes4.
Sua capital, Boa Vista, contava no Censo 2010 com 284.313 habitantes, com
uma densidade demográfica de 49,9%, concentrando algo em torno de 60% da
população de Roraima. Segundo as estimativas do IBGE, o município sede do
estado contaria hoje com cerca de 436.591, permitindo afirmar que se mantém a
histórica concentração populacional na capital, em grande parte por ser o núcleo
populacional mais bem estruturado da região5.
Boa Vista é o maior e mais bem estruturado centro urbano de Roraima, a
cidade mais populosa e urbanizada do estado, e dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística apontam que a cidade é a que possui a maior renda per capita.
A cidade tornou-se, ao longo do tempo, o centro de propagação de tecnologias
e consumo do estado, além de possuir uma maior e melhor infraestrutura,
principalmente em termos de oferta de equipamentos de informática e conexão,
com internet móvel, rádio e fibra acessíveis.
A capital, possui a rede escolar mais antiga e consolidada do estado, no ensino
público e privado, contando com uma rede escolar composta por 156 escolas
de Ensino Fundamental, representando cerca de 25% dos 630 estabelecimentos
em funcionamento em Roraima, e 56 de Ensino Médio, cerca 34% dos 168
estabelecimentos do estado, apresentando uma taxa de escolarização de 96,6% dos
06 aos 14 anos. Junto ao IBGE, observamos que a população da cidade é jovem,
com a base da sua pirâmide etária entre zero e 34 anos, ou seja, uma população que
já cresceu em potencial contato com novas tecnologias e ligada ao mundo virtual6.
Nesse contexto, o Q1, composto por 27 perguntas foi respondido por 49
jogadores com as seguintes idades: 15 participantes com 17 anos; 13 sujeitos com
16 anos; 03 entrevistados mais novos tinham 14 anos; e 01 entrevistado com 24
anos. Obtivemos 77,6% de respostas de sujeitos do sexo masculino e 22,4% do
sexo feminino. Ressaltamos que a utilização da técnica da bola de neve foi eficiente,
pois permitiu acessar a faixa etária da maioria dos estudantes do Ensino Médio.
Apresentamos a seguir alguns aspectos que consideramos mais relevantes.
Para observarmos aspectos como nível de renda, padrão de vida e acesso à
internet, perguntamos sobre os bairros em que residem os sujeitos. Boa parte
dos bairros mencionados pelos participantes estão localizados nas chamadas
áreas “nobres”.
4 Ver: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/rr.html. Acessado em: 20/11/2022.
5 Ver: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rr/boa-vista/panorama. Acessado em: 20/11/2022.
6 Ver: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rr/panorama. Acessado em: 20/11/2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Quanto ao tipo de escola que frequentam, 44,9 estudam ou estudaram em


escolas públicas, enquanto 55,1 em escolas privadas. Essas informações, junto a
informação sobre local de residência, mostram que os sujeitos participantes da
pesquisa se configuram como um grupo de renda acima da média boavistense,
que de acordo com o IBGE é de 3,3 salários-mínimos para os trabalhadores
formais, dados estimados no ano de 2020. Por outro lado, os dados acima
mostram um certo equilíbrio nas respostas quando a origem escolar dos sujeitos,
o que foi interessante para a pesquisa.
Sobre o orçamento de suas famílias, 14,3% responderam que sua renda
familiar corresponde de 6 a 9 salários-mínimos, 10,2% a 1 a 3 salários-mínimos
e apenas 2% com cerca de 1 salário-mínimo mensal. Neste sentido, Boa Vista se
apresenta então como o centro onde há um número expressivo de membros do
funcionalismo público, junto a isso, a capital concentra as atividades econômicas
mais rentáveis e de maior vulto, o que contribui para que haja melhores salários
e, por conseguinte, rendas familiares mais altas.
Neste perfil dos gamers pesquisados, importou avaliar a acessibilidade
e seu potencial de jogabilidade. Sobre o acesso a conexão de internet, todos
respondendo positivamente, sendo que 87,8% utilizam internet banda larga,
10,2% rede móvel e 2% via rádio, observando-se uma diferença significativa
entre os que acessam a rede via wifi e via dados móveis, que certamente limita o
seu acesso, tendo em vista o custo dos planos e o uso de pacotes pré-pagos.
Sobre a plataforma utilizada pelos sujeitos, apuramos que há prevalência do
uso dos consoles, liderando com uma porcentagem de 53% (consoles Playstation,
Xbox e Nintendo), 34% usam computador e os demais utilizam o celular. Neste
sentido, a plataforma Newzoo, dedicada ao mercado de games, afirma que os preços
de consoles e PC’s são muito altos no Brasil, sendo esse um fator para que a maioria
dos jogadores utilize o celular, “onde a barreira de entrada é muito menor”7.
Quanto ao tempo dedicado ao uso dos jogos digitais, 53,1% de jogadores
utilizam entre 1h e 2h por dia; 10,2% se enquadraram em dois critérios, os que
jogam de 2 a 3 horas e os que jogam de 3 a 4 horas; 12,2% jogam entre 4 e 5
horas; e 14,3% mais de 5h diariamente. Neste aspecto, o tempo dispendido com
o jogo, muitas vezes é alvo de críticas, seja por educadores ou pela família, e de
controle por parte dos responsáveis. Sabemos que os limites são importantes e
necessários, mas ressaltamos a importância de não transformar o ato de jogar em

7 Ver: https://newzoo.com/insights/articles/brazilian-games-market-consumer-insights-brazils-
mobile-players-are-likelier-to-play-competitive-midcore-games. Acessado em: 18/11/2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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algo negativo a priori, pensando que ir na contramão de um mundo cada vez mais
digital e virtual pode não ser a melhor estratégia quando lidamos com jovens.
O jogo pesquisado, Assassin’s Creed – Oddyssey,8 integra a série de jogos
Assassin’s Creed de conteúdo histórico, sendo um game de estratégia que não
privilegia a violência no seu enredo, mas as sociedades humanas e suas práticas
como cenários dos jogos. Se passa na Guerra do Peloponeso, confronto entre
Atenas e Esparta, que durou cerca de 30 anos, entre 431 e 404 a. C. O game
envolve as fictícias Ordem dos Assassinos e o Culto de Cosmos, em um enredo
e cenário baseado na Grécia Antiga, que é explorado por um mercenário, um
neto fictício de Leônidas de Esparta. Um dos pontos interessantes do jogo é a
possibilidade de interagir com figuras como Hipócrates, Pitágoras e Sócrates e
cenários como a Acrópole ou o Teatro de Dionísio.
Segundo o site Showtec, os desenvolvedores e artistas realizaram “uma densa
pesquisa histórica e arqueológica para recriar o mundo grego com o maior nível
de exatidão e fidelidade possível”. O mapa do jogo, assim como o visual das
personagens e dos animais, “que interagem com o ambiente de forma dinâmica e
mais viva do que nunca antes na série”, produzem que “o resultado é surpreendente,
para dizer o mínimo”. Tendo como base o RPG (Role Playing Game), pontuado
por tarefas diversificadas e arriscadas, o próprio subtítulo do jogo já nos remete à
Antiguidade Grega, ao referenciar-se na icônica Odisseia de Homero.
Nossa experiência com esse game, mostra que principalmente as grandes
franquias como Assassin’s Creed, recebem grandes investimentos aplicação de
tecnologias de alto porte na sua elaboração, acaba por proporcionar melhor
jogabilidade e imersão, temáticas complexas e verossímeis. Jenkins afirma que
jogos desse tipo são “verdadeiras obras”, configurando-as como “narrativas
transmidiáticas” (2015, p. 150), ou seja, que incorporam recursos do cinema, da
animação, da fotografia e da literatura, e, neste caso, conhecimentos históricos e
arqueológicos, dentre outras áreas.
Neste sentido, consideramos que a identificação de elementos históricos
pelos sujeitos se aproxima do que nos diz Chartier (2009) acerca da literatura,
quando enfatiza que esta pode exercer influência e significar elementos relevantes
para as sociedades, talvez até maiores que os textos históricos, tendo em vista
que o plano real direciona o texto histórico, enquanto a ficção pode conter
elementos e fundamentos do real, ainda que não haja garantia disso. Considerar
8 Sobre as informações sobre o jogo, ver: https://tecnoblog.net/responde/assassins-creed-a-ordem-
cronologica-da-serie-completa/ e https://www.showmetech.com.br/review-assassins-creed-
odyssey-e-uma-aventura-digna-dos-deuses-gregos/. Acessado em: 15/08/2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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as narrativas ficcionais dos games, pelo arrazoado que aproxima do estudo e a


produção do conhecimento histórico da literatura, afastando-a do simplismo da
fábula ou da mera invenção, como elementos criados sem um propósito de se
aproximar da realidade, é contexto no qual se insere o docente, o de História em
especial, ao considerar que os jogos digitais como recurso didático no processo
ensino-aprendizagem.
Com o Questionário 2 (Q2), investigamos o grau de engajamento histórico
que o jogo Assassin’s Creed – Oddyssey pode gerar. Primeiro aspecto a destacar
é com que finalidade o utilizam, sendo apresentadas sete opções de resposta,
podendo ser marcadas mais de uma. Assim, obtivemos que 100% jogam para se
divertir; 80% para fugir da realidade; 70% para aprender mais sobre o período;
70% para interagir socialmente; e 30% para aprender, o que pode nos levar a
inferir uma predisposição para acessar conhecimentos por meio do jogo.
Como podemos observar no gráfico acima, o grande interesse nos jogos é a
diversão, seguido de os que o fazem para fugir da realidade, o que como explicam
Pedroso Forte, é encarado “como algo pejorativo”, ressaltando que a fuga, o
escapismo não é associado ao ato de imaginar. Argumentam os autores que “ao
imaginar, podemos nos transmitir para outras realidades e viver nelas por alguns
instantes”, sendo que “o ato de escapar”, propicia ao sujeito gamer, criando ou
entrando em um “mundo” possibilidades de aprender. Os autores explicam que
“os videogames, por meio de sua interatividade, oferecem algo novo em termos
de conforto - eles oferecem a sensação de controle” e, dessa forma, os jogadores
passam a vivenciar uma vida in game na qual compartilham situações profundas
de si, a partir, muitas vezes, de um personagem completamente fictício. (2021,
p. 2-3), havendo no jogo um certo controle sobre as situações, ainda que haja a
interação com outros jogadores e as regras e limites do jogo, mas que propiciam
o uso de mecanismos e ações que mobilizam a criatividade e a imaginação, tendo
em vista a discussão proposta por Nilton Mullet Pereira (2020) que “considera
a imaginação como elemento vital na criação conceitual e na constituição de
relações com o passado”9.
Chama a atenção também, o índice alcançado pela alternativa “para interagir
socialmente”, o que reforça a tendência crescente de virtualização das relações
9 Neste sentido, o autor argumenta que “enquanto a História disciplinada nos dá uma linha que
encadeia um momento a outro, como o futuro no presente, criando o limite como força mestra
de toda narrativa (ou seja, o futuro considerado um desdobramento do presente que ele foi), a
imaginação, ao contrário, ao liberar e se exteriorizar da materialidade do que se imagina, possibilita
a novidade como elemento estranho ao presente que ela criou como representação”, algo que pode
ser fomentado pelos jogos virtuais. (PEREIRA, 2020, p. 50-51)

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

na contemporaneidade. Essa tendência se intensificou com os momentos que


vivenciamos recentemente, desde o início de 2020, na qual as relações físicas
sociais passaram, por conta da pandemia, a se dar, em grande parte, no âmbito
virtual. Neste sentido, Pedroso e Forte salientam que os “jogos sempre fornecerão
uma pausa e escapismo através do conflito, especialmente em tempos complexos
como os quais se vivencia durante uma pandemia mundial” (2021, p. 3-4).
Por outro lado, o bom índice de escolha da opção “aprender sobre o período”
indica que há uma relação entre a escolha do jogo e um conhecimento prévio
sobre seu conteúdo, tendo em vista que muitos jogadores frequentam fóruns e
buscam informações sobre o game antes de decidir jogá-lo. Inferimos que há uma
associação a conhecimentos históricos obtidos por meio da escolarização, junto
a um certo “fascínio” pela Antiguidade, relacionado tanto aos chamados fatos
históricos estudados como suas representações, notadamente as midiáticas.
Elementos relacionados ao ambiente gráfico, estrutura do jogo e narrativas
apresentadas, são aspectos geralmente discutidos por gamers e apresentadas pelos
fabricantes e por vários sites, por isso, perguntamos no Q2 o que os sujeitos
costumam observar nos jogos, sendo que 90% responderam que observam os
elementos gráficos, isto é, o quão próximo da realidade está o jogo, entendendo
“realidade” como aquilo que os sujeitos conhecem sobre a Grécia Antiga, ou
seja, narrativas históricas e representações. Ainda nessa questão, chamou atenção
a falta de interesse pela jogabilidade, narrativa e personagens, pontos que estavam
disponíveis para serem marcados no Q2.
Não obstante, todos os dez entrevistados responderam assistir todos os
vídeos que passam durante o desenvolvimento dos jogos, denominados Cutscenes
– que são sequências cinemáticas em um jogo eletrônico sobre a qual o jogador
tem nenhum ou pouco controle, interrompendo a jogabilidade e sendo usada
para avançar no jogo e relevantes da construção do enredo –, embora a maioria
dissesse não ter interesse na narrativa do jogo. Do mesmo modo, perguntado
sobre a narrativa, aplicada uma escala de 0 a 10, na qual 0 significa nenhuma
relevância e 10 significa total relevância, foram apontados apenas três níveis de
relevância 8, 9 e 10, demonstrando que os jogadores reconhecem a importância
das narrativas, seja porque elas fundamentam a jogabilidade, seja porque elas
aguçam a curiosidade sobre o tema mote do jogo10.
Os jogadores, portanto, compreendem que são justamente nas narrativas e
na construção das cenas que se assenta todo o enredo, ou seja, sua “história” e a
10 Lembremos que a Antiguidade Grega foi e é objeto de vários produtos midiáticos, como, por
exemplo, os quadrinhos que deram origem ao filme Trezentos ou às origens da Mulher Maravilha.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


148
Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

possibilidade de interagir com ela, para o diálogo entre os personagens, a interação


com o ambiente gráfico, a participação ativa nos cenários onde se desenvolve a
narrativa e toda ação. Tudo isso, torna-se importante para a concretização do ato
de jogar e de imergir no jogo, aspectos importantes quando pensamos na relação
dos jogos com a cognição.
No Q2 avançamos em questões acerca da compreensão do contexto histórico
envolvido no jogo Assassin’s Creed – Odyssey. Todos reconheceram o contexto do
mundo grego antigo como base do enredo. Lembremos que este conteúdo está
inserido nos currículos do Ensino Básico e do Ensino Médio Regular, o que
oferece aos jogadores conhecimentos básicos para compreender o processo de
origem, formação, declínio da Sociedade Helênica, bem como questões sociais,
culturais, políticas e econômicas, bem como a elementos imagéticos geralmente
apresentados em livros e outros materiais didáticos.
Perguntados sobre a associação das primeiras cenas do jogo com um conteúdo
de História, 90% dos sujeitos responderam ser uma cena de uma batalha entre
Gregos e Persas. Na questão seguinte perguntamos sobre a que período histórico –
utilizando a terminologia tradicional – se refere ao jogo: 90% também responderam
Idade Antiga e apenas um disse tratar-se da Idade Média. Sobre o período alguns
se mostraram confusos, mas 60% disseram tratar do Período Clássico e 20%
responderam ser o Período Homérico e outros 20% o Arcaico. Ainda que esta
nomenclatura seja bastante difundida nos materiais didáticos sobre a Grécia Antiga,
esse conhecimento exige um aprofundamento maior dos sujeitos.
Para verificar se os jogadores realizam relações cartográficas, apresentamos um
mapa da atual Grécia e entorno (Google Maps) e o mapa do jogo Assassin’s Creed – Odyssey.
Todos reconheceram a semelhança entre os mapas, sendo que 70% responderam
que há muita semelhança e 30% responderam que há semelhança, observando que
as texturas e relevos apresentados no mapa do jogo se aproximam o máximo possível
do mapa atual, sendo possível identificar mares e oceanos, montanhas, picos, rios.
Neste quesito, os jogadores entrevistados demonstraram uma habilidade
importante no ensino de História, que é a leitura de mapas e o domínio de
conhecimentos sobre pontos geográficos. O jogo requisita o exercício da
memória para localizar-se nos lugares e no mundo aberto do jogo, que no caso
de Odyssey, abrange uma formação de território bem extensa, sendo dentro desse
mapa que o jogador se aventura na concretização dos objetivos propostos.
O jogo também propõe que para concretizar os desafios propostos os
jogadores se deparem com personagens fictícios que buscam representar

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


149
Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

personalidades históricas. Neste campo, apuramos que 80% identificavam alguns


destes personagens e 20% não souberam responder. Pedindo que citassem
alguns personagens que conheciam, boa parte respondeu: Péricles, Pitágoras,
Hipócrates, Leônidas, Heródoto e Sócrates. Ainda que não haja necessariamente
relação entre essas figuras históricas no jogo Odyssey, isso demonstra a capacidade
de articular o conhecimento formal à dimensão ficcional e virtual do jogo.
Visando investigar os conhecimentos sobre estrutura social da Grécia Antiga
mobilizados pelo jogo, 90% responderam que era possível identificar a existência
da escravidão através do jogo identificar, enquanto 10% responderam não saber
dizer. Ao lado da “invenção da democracia”, a escravidão clássica é um dos
temas que vem adquirindo relevância no Ensino Básico, algo que também vem
sendo explorado em produtos midiáticos.
As perguntas finais do Q2 visavam aspectos de observação dos sujeitos em
relação ao jogo, tais como cenário, templos e outras edificações, vestimentas,
armas, caracterização das personagens etc.11. A maioria dos entrevistados
conseguiu estabelecer relação entre estes aspectos e imagens e representações
conhecidas acerca de Grécia Clássica.
Para terminar, perguntamos se os sujeitos acreditavam ser relevante jogar Assassin’s
Creed – Odyssey, como um caminho para o aprendizado histórico, obtendo um resultado
em que 50% sujeitos acreditam que podem aprender História através Odyssey, enquanto
os outros 50% ainda não estão convencidos disso. Estes dados nos animam a afirmar
que a História está em muitos lugares, não apenas nas aulas de História, nos livros
didáticos e nos materiais educativos e, hoje, podemos encontrá-la com facilidade nas
várias mídias que fazem parte do nosso cotidiano. Sendo assim, podemos ensinar e
aprender História por meio das relações que estabelecemos com variadas informações
e formas de conhecimento sobre o passado e o presente, incluindo aí os games.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observamos nos questionários que os alunos normalmente não buscam um


jogo pensando na história curricular, aquela que é trabalhada na escola, porém, o
interesse no jogo faz com que os alunos possam articular elementos assimilados
11 Sobre isso, Oliveira salienta que “as produtoras investem muitos esforços no sentido de criar
representações de personagens, cenários, vestimentas e monumentos relacionados a determinado
período histórico” (2020, p. 51), isto é, investem em um projeto gráfico que empreste o máximo de
verossimilhança, a partir de imagens e representações históricas

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


150
Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

nos jogos com os discutidos em sala. Nossos dados, abriram um caminho fértil
para investigarmos esse tema em profundidade, somando-nos a outros estudos
sobre a aprendizagem histórica e o uso de metodologias ativas, ou seja, aquelas
que promovem a participação ativa e reflexiva do estudante e a uma postura de
engajamento em relação ao seu próprio processo de aprender.
Diante do que foi abordado anteriormente, podemos afirmar que os jogos
conseguem engajar os estudantes para o aprendizado histórico, não apenas pelo
seu grau lúdico, mas pela proposta desafiadora de vencer e alcançar determinados
objetivos ou superar aquilo que é proposto. Assim, é interessante pensar o jogo
como algo que pode contribuir e pode auxiliar no desenvolvimento cognitivo,
social e educacional.
No caso dos jogos com temática histórica, há inúmeras possibilidades de
fomentar o trabalho crítico necessário ao estudo da História, enfatizando noções
como tempo histórico, sujeito histórico, estruturas sociais e culturais, correlação
entre passado e presente. Possibilita mobilizar várias formas de conhecimento
e estabelecer vínculos com as várias fontes e informações que os estudantes
adquirem ao longo da vida.
É certo que essa discussão sobre os jogos digitais, pode oferecer um auxílio
em sala, como acontece com outros materiais, como fotografias e audiovisuais
(documentário, filmes, desenhos). Essa não é uma discussão recente, muito
menos a é “salvação da lavoura”, mas fortalece, cada vez mais, as discussões
sobre a necessidade de um processo ensino-aprendizagem dinâmico, que deve
estar em constante mutação e atento às demandas sociais e culturais emergentes.
Para viabilizar de fato a “velha” premissa de que é preciso aproximar os
estudantes do conteúdo a ser aprendido, incorporando ao processo de ensino
aprendizagem seus saberes e experiências, temos que encarar seriamente a
questão dos recursos didáticos e do uso de novas tecnologias e mídias. A
polêmica envolvendo os jogos sempre foi um fator para que professores
evitassem o seu uso, em grande parte porque nós, educadores, por vezes somos
repreendidos quando saímos da “bolha” educacional na qual somos obrigados a
atuar, na qual um ritmo rígido e rigoroso pautado na transmissão de conteúdos,
no cumprimento do programa, leva a um ensino apático que muitos alunos estão
fadados a ter e a ver.
Mas acima de tudo, como professores, precisamos nos reinventar. Nossos
alunos estão em constante mudança, caminhando juntos com as mudanças
vivenciadas na atualidade, e nós, professores, também estamos vivenciando essas

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


151
Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

transformações. Por isso, precisamos nos informar sobre o mundo imersivo e


interativo em que vivemos, já que cada vez mais convivemos com os chamados
“nativos digitais”.
Por outro lado, ainda que o lúdico há muito tempo já faça parte das discussões
sobre ensino e aprendizagem, precisamos vencer resistências e pré-conceitos e
incorporar os jogos digitais como uma opção didática. Nossos dados mostraram que
se por um lado ainda há muita descrença quanto a isso, inclusive entre os estudantes,
por outro, há boa recepção e um caminho aberto a explorar, embora estejamos
conscientes que o acesso à internet e equipamentos de informática ainda não seja
amplo o suficiente, o que demonstra que ainda temos um longo caminho a percorrer.
Por tudo isso, os jogos digitais se apresentam como elementos relevantes para
o dia a dia em sala de aula, levando em conta o que nos diz Rüsen, que a didática
da História está associada não apenas ao ambiente escolar, mas também a vida
privada, coletiva e social dos sujeitos agentes no processo de ensino-aprendizagem.

REFERÊNCIAS
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experiência narrativa das ficções históricas em Bioshock. IN: XXVIII
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Ronison do Nascimento Sousa - Carla Monteiro de Souza

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Editora UFPR, p. 23-40, 2010.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


153
PARTE II: EXPERIÊNCIAS EM ENSINO DE HISTÓRIA
Rutemara Florencio

HISTÓRIA DAS MULHERES, PRÁTICA DE PESQUISA E A HISTÓRIA


LOCAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Rutemara Florencio

O ENSINO DE HISTÓRIA E O MATERIAL DIDÁTICO

Há algumas décadas, quando se falava do ensino de história e seus objetos


temáticos, sobressaiam os aspectos políticos/econômicos como pontos principais
a serem curricularmente tratados na disciplina. Tanto os materiais didáticos quanto
a perspectiva do componente curricular apontavam para essa direção e, de certa
forma, ainda apontam, mesmo que outros temas tenham se tornado objetos
de aprendizagem da disciplina. Bittencourt (2012) analisou essa característica
ao discutir a seleção de conteúdos históricos e tendências historiográficas que
organizam o conhecimento histórico escolar ao longo do século XX e início do
século XXI. A autora observa que o PCN de História publicado após 1996 para
o Ensino Médio “procurou articular a formação para a cidadania com o domínio
de informações e conceitos históricos básicos” (p.117). Nessa proposta, existe a
focalização de métodos mais ativos de aprendizagem, que é o da prática da pesquisa
histórica escolar e o uso de uma diversidade de fontes como também a inserção de
tendências históricas que privilegiam a história social e cultural.
Novos temas e opções metodológicas difundidas pela historiografia acadêmica,
assim como documentos curriculares sugestivos a novas temáticas, não significam
que as mudanças sejam perceptíveis nas salas de aula da educação básica. Por mais
que a história social, expoente da Escola dos Annales, tenha modificado a tendência
hegemônica de uma história focada em personagens políticos e suas realizações,
podemos observar que nos materiais didáticos que são distribuídos pelas escolas
públicas, os aspectos políticos e econômicos ainda se constituem como base para
a abordagem da história escolar. Fonseca (2011, p.73), ao analisar a função dos
livros didáticos de história, observa que, nos últimos anos, eles foram responsáveis
“pela permanência de discursos fundadores da nacionalidade”. Tal característica se
relacionaria aos assuntos e abordagens que focalizam a escrita do livro, geralmente
associados a construção de uma identidade nacional embasada nos fatos ligados à
política e personagens políticos.
A inserção de temas que fogem do foco político/econômico em materiais,
principalmente o livro didático, muitas vezes se tornam periféricos e ficam quase

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


155
Rutemara Florencio

invisíveis nas páginas, deixando a critério dos professores se vão fazer referência
ou não ao tema. Além do mais, a construção didática do material disponibilizado
para as escolas se ampara também naquilo que as avaliações nacionais pedem,
como por exemplo, o Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM.
A superexposição de conteúdos centrados na política e economia foi
observada em uma pesquisa de mestrado realizada entre 2009/2010 com alunos
do Ensino Médio os quais destacaram que tais aspectos eram predominantes
tanto nos materiais didáticos quanto como assunto nas aulas de história ao longo
da escolarização (FLORENCIO, 2011).
Os alunos pesquisados observaram que o material didático disponibilizado
tanto pelo sistema público de ensino quanto pelo sistema privado tinha
como foco as relações de poder no âmbito político, assim como os aspectos
econômicos da vida social e eram, nas aulas de história, os principais pontos
do ensino e aprendizagem. Os jovens da pesquisa também deixaram evidente
que estavam interessados ‘também’ em outros assuntos a serem discutidos nas
aulas de história tais como a vida de personagens históricos diversos (homens
e mulheres), os programas com teor histórico que são veiculados pela televisão,
assim como o uso de outros materiais que não apenas os livros didáticos usuais.
Se para os alunos que cursaram o ensino médio há quase dez anos atrás as
aulas de história deveriam mostrar uma maior diversidade de temas e materiais
didáticos, o que os alunos de hoje dessa mesma modalidade de ensino pensam a
respeito das aulas de história e suas temáticas? Uma hipótese é a de que assim como
os estudantes pesquisados em 2010, os discentes de hoje gostam de uma maior
diversidade de temas que a historiografia oferece sem que a questão política seja
negligenciada, pois, como os alunos de 2010 disseram, a política faz parte da vida.
Assim, acreditamos que os aspectos políticos da vida cotidiana que envolvem as
relações de poder no âmbito do Estado, nos relacionamentos pessoais, econômicos
e sociais devem estar conectados a personagens e a fontes de pesquisa diversas que
deem uma perspectiva ampla de participação de todos na construção da história
local e nacional, envolvendo não apenas homens, mas, mulheres.
Rüsen (2011, p.116), ao abordar sobre o livro didático, observa que esse deve
considerar “experiências e expectativas dos alunos e alunas, sobretudo com seu
apego geral, específico de cada de cada geração, de suas próprias oportunidades
na vida, bem com as experiências cotidianas”. Concordamos com o autor e
entendemos que o livro deve traduzir, também, a participação das mulheres

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Rutemara Florencio

nos processos históricos de forma mais visível, amparando uma percepção de


cidadania que dê às mulheres o devido destaque social.
O contexto histórico que faz da política e economia expoentes centrais
de materiais didáticos distribuídos tanto na rede pública de ensino quanto na
rede privada está relacionado à perspectiva da disciplina de História ter sido
definida como uma disciplina para formação da cidadania a partir do processo
de redemocratização no final da década de 1980. Porém, não devemos entender
que a formação para cidadania se resuma única e exclusivamente ao destaque das
relações políticas condicionadas ao exercício do poder no âmbito do Estado: ela
também está vinculada ao conhecimento de direitos e deveres, das desigualdades
econômicas e sociais, das atribuições de papéis nas relações entre homens e
mulheres, entre outras características. Nesse caso, o conceito de cidadania pode
ser trabalhado de forma global, envolvendo diversos temas, como é o caso da
história das mulheres.
Ao abordarmos a perspectiva de se tratar em sala de aula sobre uma história
das mulheres, estamos buscando diversificar as temáticas da disciplina de História,
assim como mostrar que as mulheres também participam ativamente da política,
da economia e cultura exercendo os mais variados papéis sociais. A questão aqui
é que o livro didático ainda não ampliou o espaço para tratar da participação
das mulheres na sociedade, mesmo que a historiografia disponibilize material a
respeito do assunto.

ALGUNS PRESSUPOSTOS SOBRE O PROJETO HISTÓRIAS DAS


MULHERES EM RORAIMA

Como professora de História do Ensino Fundamental e Médio, procuro trazer


para as aulas dessa disciplina temas que vão além daqueles que, tradicionalmente,
já fazem parte das propostas curriculares e estão presentes nos livros didáticos
dos diferentes níveis da educação básica. Como já foi abordado nesse trabalho,
os temas mais usuais nos livros didáticos que chegam às escolas públicas são
relacionados à questão política/econômica, tendo como personagens principais
os homens. Considerando que a reflexão sobre essas questões leva a uma análise
mais real sobre as desigualdades sociais, assim como as relações de produção
condicionadas às relações políticas e domínios de poder, o ensino de história não
pode simplesmente deixar de lado essa temática. Porém, a inserção de outros

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


157
Rutemara Florencio

temas se faz necessário, uma vez que o mundo social é uma teia onde a política,
economia e cultura são oriundos da sociedade como um todo, ou seja, construído
por homens e mulheres de diferentes etnias, idades e classes sociais.
Sendo a política e a economia, a cultura e as relações sociais exercícios de
homens e mulheres, vemos como necessária e atual a inserção nas aulas de história
da educação básica da temática História das mulheres. Historicamente as mulheres
ocuparam e ocupam espaços determinantes na sociedade, sendo tão importantes
quanto os homens na condução de reinos, tais como as rainhas que governaram
a Grã-Bretanha, por exemplo. Existem outros exemplos históricos de presença
das mulheres em espaços de poder, em ações de lutas por direitos, exercendo
resistências a um mundo onde os homens tinham prioridade em determinadas
profissões e até mesmo de decisão sobre a vida delas e dos filhos, etc.
Jane Austen, ícone da literatura inglesa e mundial, usou seus romances para
questionar a sociedade inglesa do século XVIII que limitava tanto a liberdade
da mulher quanto sua autonomia econômica. Exemplos estão nos romances
Orgulho e Preconceito, Razão e Sensibilidade que trazem personagens femininas
sem direitos de participar da herança do pai e sempre correndo o risco de se
verem arruinadas com a morte deste, já que a propriedade da família, pela lei,
pertenceria ao parente do sexo masculino mais próximo sem que nada fosse
dado às filhas ou à esposa. A autora também questionou, através da literatura,
a necessidade que as mulheres daquele período social tinham em arrumar
casamentos que lhes proporcionasse sustento e segurança, pois, a elas não restava
outra opção de sobrevivência.
Em todas as épocas, mulheres atuaram contra o status quo que lhes impunha
um lugar e um papel social específico. Não podemos afirmar que tais atuações
foram pensadas e organizadas tendo como objetivo atingir mudança de paradigma
nas estruturas que embasam os significados do ser homem ou mulher, porém, as
ações em si demonstram a não conformação com a condição social relegada às
mulheres em todas as épocas. Aqui e ali, há séculos ou mesmo hoje, as mulheres
agem, saem de suas casas e vão à luta por seus interesses. Mary Del Priore (2017)
no livro que organizou sobre História das Mulheres no Brasil tece aspectos
do mundo feminino que valoriza a ação, a busca por direitos e resistência às
imposições culturais ou sociais que elas exerceram ao longo da história.
Se por um lado as mulheres são personagens importantes historicamente,
por outro não possuem a devida visibilidade nas salas de aula como objeto de
estudo e nem ocupam espaço mais amplo nos livros didáticos. Tal circunstância,

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


158
Rutemara Florencio

levou-me a trazer o tema para sala de aula no Ensino Médio, objetivando, com
isso, que os alunos pudessem observar as mulheres como sujeitos históricos e
construtoras também da história da humanidade.
Para se trabalhar com História das Mulheres em sala de aula da educação
básica, obter um material didático de acordo com esse tema se constitui como
questão primordial. Sabemos que a leitura é um hábito não muito praticado pelos
estudantes e, sem material que traga referências a respeito do tema que se quer
abordar, o trabalho se torna mais difícil, pois História é leitura e através dela,
ajuda a construir bases para reflexão e debate. Nesse ponto, era fundamental
obter materiais impressos ou de mídia que trouxessem a história das mulheres
para dentro da sala no sentido de familiarizar o assunto junto aos alunos.
Na pesquisa virtual por material acessível aos discentes que priorizasse uma
linguagem mais adequada à modalidade do ensino médio, observamos que a
maioria dos trabalhos que trazem as mulheres como tema de pesquisa e estudo,
e que estão disponíveis na internet, são destinados à academia, tais como artigos
científicos, dissertações e teses. Além dessa limitação, os temas abordados nesses
trabalhos não se relacionam com o ensino de história na escola, mas sim com
pesquisa histórica como, por exemplo, a história da educação das mulheres. Dessa
forma, não encontrando material didático adequado, optou-se por três textos
da coletânea organizada por Priore (2017): Eva Tupinambá (Ronald Raminelli),
Mulheres pobres e violência no Brasil urbano (Rachel Soihet) e De Colona a
Boia-Fria (Maria Aparecida Moraes Silva).
A coletânea, composta de 20 textos, oferece um panorama das mulheres
como sujeitos da história, assim como as mudanças culturais e sociais que se
operaram ao longo dos séculos nesse grupo específico. Por abrangerem vários
períodos históricos, a escolha pelos três textos foi devido a cada um trazer aspectos
da mulher exercendo papéis sociais diversos em determinados grupos, assim
como comportamentos relacionados a classes sociais e mudanças no exercício
do trabalho. Com os textos os alunos poderiam não dar conta de uma ampla
história das mulheres, mas se familiarizar com o assunto observando as mudanças
e permanências nas estruturas de poder que envolvem também a mulher, assim
como a cultura exercida por elas e as resistências ao status quo dominante.
Os textos analisados apresentam, além das narrativas sobre as mulheres
em diferentes épocas, informações a respeito das fontes consultadas para a
organização da narrativa. Tal característica se mostrou relevante, pois, além de
estudar a temática, os alunos tiveram contato com os tipos e usos de fontes sobre

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Rutemara Florencio

pesquisa histórica empreendida pelos historiadores e demais pesquisadores. A


partir das leituras puderam compreender um pouco mais sobre a construção do
conhecimento histórico através de pesquisa acadêmico/científica, como também
refletir sobre a forma como os pesquisadores interpretam essas fontes.

OS ESTUDANTES E SUAS PERCEPÇÕES SOBRE A TEMÁTICA DAS


MULHERES E A PRÁTICA DE PESQUISA EM HISTÓRIA

No 4º bimestre do ano letivo de 2017, junto a duas turmas do 2º ano do


Ensino Médio e dentro do tema geral História de Roraima, trabalhamos o
tema mulheres, porém, no aspecto que mais aparece na mídia local: violência
doméstica. Os alunos daquele ano fizeram uma pesquisa na internet sobre os
tipos de violência mais corriqueiros, dados sobre as vítimas e os autores da
violência, além das motivações (segundo os envolvidos) e formas de prevenção.
Antes, porém, de terem estudado os aspectos envolvidos nas ocorrências de
violência os alunos foram visitados por uma professora da Universidade Estadual
de Roraima (UERR) que é pesquisadora sobre história das mulheres do campo. A
palestra teve como objetivo mostrar o processo de pesquisa sobre o tema, além
de difundir os dados coletados, as falas das mulheres pesquisadas e os resultados
obtidos, mostrando a importância da mulher no contexto social local. Ao final
do bimestre os alunos apresentaram textos e organizaram um pequeno teatro à
comunidade escolar para alertar sobre os aspectos da violência doméstica, assim
como sobre a valorização da mulher como indivíduo atuante na sociedade.
Ao iniciar o ano letivo de 2018 os alunos do 3º ano foram chamados a
responder uma pesquisa escrita sem a necessidade de identificação. A pesquisa
diagnóstica, composta por sete questões abertas, pedia aos discentes para
responderem se já haviam estudado temas que tivessem as mulheres como
personagens centrais dos fatos históricos, se achavam importante tratar da
temática História das Mulheres em sala de aula como também da História de
Roraima, entre outras questões a respeito do componente curricular História e
sua importância como parte do conhecimento escolar.
Dos 97 alunos matriculados e frequentando as aulas de História, 85
responderam às questões. Nas respostas, 75% afirmaram não terem estudado
sobre a participação das mulheres como personagens importantes dos fatos
históricos ou mesmo não lembravam se já haviam estudado e os que haviam

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Rutemara Florencio

estudado, tinham feito no ano anterior quando estavam no 2º ano: “Não estudei.
Creio eu que essa história não foi abordada porque os professores davam aula de
acordo com o livro. Porém, no técnico em enfermagem estudei a história de duas
mulheres que foram importantes na área da saúde” (Aluna, 17 anos). A mesma
aluna concorda que é importante tratar de uma história das mulheres na sala de
aula onde elas sejam personagens visíveis dos fatos e acontecimentos históricos:
“Porque nós mulheres também somos capazes de ser e fazer. Poderíamos saber
que fomos ‘principais’ em algum acontecimento histórico e isso pra sermos
reconhecidas pelos cidadãos assim como são os homens”.
As duas respostas revelam que a aluna gostaria de ser representada em uma
temática que privilegia as mulheres, porém não teve, ao longo da escolarização, o
enfoque visível dessa representação. Observando todas as respostas da pesquisa
diagnóstica, nenhum dos pesquisados discorda da inserção das mulheres como
tema central na disciplina escolar e acham importante estudar sobre elas inseridas
no processo histórico em geral e dentro da história local.
A pesquisa diagnóstica também revelou que os alunos não desenvolveram
pesquisa de campo ao longo de sua escolarização. Apenas dois responderam de
forma afirmativa sobre terem feito pesquisa, porém, foi em outras disciplinas
escolares. Essa particularidade demonstra que há uma preferência nas aulas de
história, pelo conhecimento mediado pelo livro didático.
Severino & Severino (2013, p. 30) destacam que “as estratégias didáticas
mais fecundas são aquelas que envolvem uma atividade operacional contínua.
É assim que os estudantes construirão, paulatinamente, os seus conceitos”. Os
autores defendem que o aluno deve ter oportunizado, por parte dos professores,
situações onde “possam vivenciar experiências ou realizar investigações de
campo, igualmente com o objetivo de iniciar o trabalho científico”. O processo
de investigação científica, nesse caso, propicia uma aprendizagem significativa a
respeito não apenas do objeto de investigação em si (que é uma fonte) como de
todo contexto que o inclui.
A pouca opção pela pesquisa de campo no contexto da escolarização
básica é surpreendente numa época onde a discussão sobre a qualidade da
aprendizagem e o protagonismo do aluno na construção do conhecimento são
defendidas por pesquisadores da educação, professores e outros agentes ligados
à escola. Schmidt e Cainelli (2010, p. 54), observam que o ensino de História
tem como objetivo provocar a reflexão do aluno sobre a realidade em que vive.
As autoras destacam que “do ponto de vista didático-pedagógico, só é relevante

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


161
Rutemara Florencio

a aprendizagem que seja significativa para o próprio aluno”. Nesse sentido,


aprendizagem significativa diz respeito ao que o aluno vê como importante na
vida dele e também na vida dos outros, o que faz diferença em suas práticas
cotidianas relacionados também com o não lhe é familiar. Tal aprendizagem
significativa, acreditamos, está essencialmente relacionada à ação do aluno como
construtor de conhecimento e, nesse sentido, a prática da pesquisa de campo se
constitui como um método adequado.
Após a pesquisa diagnóstica sobre o conhecimento dos alunos em relação
a inserção das mulheres na disciplina de História no Ensino Médio, no 3º e 4º
bimestre do ano de 2018 foi realizada a programação referente à prática docente
e discente que trouxe as mulheres para o centro dos estudos em História,
vinculando esse tema com a história local e fechando com a realização da pesquisa
de campo. Os alunos estudaram os textos já citados, organizaram discussões
e reflexões em grupo e escreveram um texto argumentativo considerando as
fontes lidas e discutidas.
Desde o início do ano letivo de 2018 havia no planejamento o uso da pesquisa
de campo tanto como método de ensino e aprendizagem no 3º ano do Ensino
Médio como para conhecimento da atuação das mulheres no estado de Roraima.
A pesquisa de campo se justificaria pela necessidade de se conhecer a história
recente do Estado através da voz das mulheres locais que têm importância social
nas mais diversas profissões e atuações, mas que não são objeto de estudo e
análise da escola.
Quando vamos empreender uma pesquisa de campo, não o vamos sem leituras
a respeito do tema, pois a leitura embasa o pesquisador a ter uma visão mais
global e importante na construção da problemática. Sendo os alunos iniciantes
na prática de pesquisa, conforme mostrou o diagnóstico feito na primeira
semana de aula, a falta de material que trouxesse mulheres como protagonistas
ou personagens da história de Roraima dificultou aos estudantes saírem em
campo com uma aprendizagem teórica mais aprofundada da temática, apesar
de terem estudado os três textos da coletânea História das Mulheres no Brasil
(PRIORE, 2017). No entanto, o projeto foi formalizado com a participação das
4 salas de 3º ano seguindo a estrutura de tema, problema, objetivos, justificativa,
metodologia, etc.
Na metodologia de coleta de dados (visando tanto a percepção da mulher como
agente histórico quanto a construção de fontes orais) optou-se pela entrevista com
perguntas construídas pelos próprios alunos a partir de temáticas como memórias

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


162
Rutemara Florencio

da infância, processo de escolarização, profissão e conciliação entre a vida pessoal e


profissional, dificuldades ou preconceitos sofridos enquanto mulher, entre outros
assuntos. Ao todo foram entrevistadas, em áudio e vídeo, 41 mulheres das mais
diversas profissões, etnias, idades e classes sociais que vivem em Roraima.
Ao coletarem os dados por meio das entrevistas, os alunos foram orientados
a construir uma narrativa sobre a entrevistada de seu grupo. Tais textos,
disponibilizados pelos grupos, serviram para que comparassem as situações
vividas pelas mulheres analisando as aproximações e distanciamentos contidos
nas trajetórias, assim como observar as transformações e permanências ocorridas
nos modos de viver na cidade, os personagens históricos lembrados nas
entrevistas e os desafios de inserção da mulher nos espaços ao longo do tempo.
Cada sala produziu um tipo de documentário amador, assim como um site onde
foram disponibilizadas as narrativas escritas, o documentário e as entrevistas em
estado bruto. Tal produção visa atender a necessidade de fontes de pesquisa,
assim como a reflexão sobre o papel da mulher na sociedade e, especialmente,
no estado de Roraima1.

APRENDIZAGENS SOBRE HISTÓRIA E MULHERES A PARTIR DA


PESQUISA DE CAMPO

Ao fim das entrevistas, os alunos fizeram uma avaliação e registro de


suas aprendizagens. No total, 97 alunos estiveram envolvidos na realização
do trabalho, uma vez que 2 novos alunos foram incorporados às turmas no
4º bimestre. Dessa forma, finalizaram o projeto, 89 estudantes, pois alguns
pediram transferência antes do término do ano letivo. Novamente os discentes
responderam a seis questões abertas sobre: motivações para realização do
trabalho sobre as mulheres, se haviam considerando-o importante no contexto
escolar, quais foram suas aprendizagens ao realizarem o trabalho, se consideram
importante realizar pesquisa de campo na educação básica e quais os momentos
que acharam mais importante durante a realização da pesquisa.
Sobre as motivações para a realização do trabalho: “mostrar que as mulheres
são importantes e fazem parte da história de Roraima” (Aluna 1, 18). “Que as
escolas públicas têm capacidade e conhecimento para chegarem longe com projetos

1 Disponível em: https://sites.google.com/view/mulheres-roraimenses/p%C3%A1gina-inicial


Acesso em: 28 fev. 2023.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


163
Rutemara Florencio

de pesquisa” (Aluna 1, 18). “Trazer informações para professores e alunos que vão
estudar sobre o assunto no futuro” (Aluno 1, 17). “Tornar visível a participação
das mulheres na sociedade em geral, principalmente na de Roraima” (Aluno 2,
18). “Porque há falta de informações sobre a história das mulheres de Roraima e
também a ensinar os alunos a fazer pesquisa de campo” (Aluna 2, 17).
As respostas dos estudantes mostram que eles compreenderam as motivações
de realizar um trabalho com a temática História das Mulheres porque evidenciam
uma problemática: não há fontes de pesquisa disponíveis sobre um assunto que é
necessário abordar na sala de aula. Além disso, associaram o tema à importância
da mulher na sociedade, porém, sem que elas tenham visibilidade, tanto nas salas
de aula quanto nessa sociedade que é construída por elas no cotidiano. Também é
interessante chamar atenção para o fato de estarem aprendendo a fazer pesquisa,
coisa que não aprenderam de forma sistemática durante o processo de escolarização.
Sobre isso, Severino e Severino (2014, p. 10-11) observam que “é tarefa pedagógica
prévia, de responsabilidade do processo educativo, sensibilizar o aluno para o
significado e para a importância do trabalho organizado e sistemático”.
Todos os alunos consideraram a temática importante para sua vida uma vez
que “as histórias dessas mulheres [entrevistadas] dão uma lição a cada um de
nós já que vemos como é grande a participação delas na sociedade” (Aluna 3,
18). Aqui observamos a importância do contato dos alunos pesquisadores com
as mulheres que entrevistaram, pois ressaltam que aprenderam nessa relação.
Existe, na ação da pesquisa, a necessidade de identificação do pesquisador com
o objeto de sua pesquisa, fazendo com que haja uma aprendizagem significativa.
Concordamos com Severino e Severino (2014, p. 08) quando dizem que
a aprendizagem significativa só acontece quando existe um “processo de
construção do conhecimento, o que, por sua vez, exige do aprendiz uma postura
de maior autonomia na condução do estudo, com maior grau de iniciativa de sua
parte”. Essa questão ressaltada pelos autores vem ao encontro ao que uma aluna
(Aluna 4, 18) observou: “o momento mais importante de todo trabalho foi na
entrevista onde me dei conta de que as mulheres são de tudo um pouco: mães,
trabalhadoras, guerreiras. Eu aprendi muito nesse trabalho”. A estudante mostra
que o contato com a entrevistada foi momento de aprendizagem significativa
para vida dela. Bittencourt (2012, p. 138) faz uma relação entre a seleção de
conteúdos significativos e a impossibilidade de o professor tratar de uma “história
da humanidade”. Segundo a autora, também existe “a necessidade de atender os
interesses das novas gerações, além de estar atento às condições de ensino”.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


164
Rutemara Florencio

Desse modo, trabalhar com a temática da mulher na história é dar visibilidade


a um interesse crescente de meninos e meninas que desejam sair do tradicional
escopo da disciplina, que é tratar das questões político/econômicas apenas com
personagens homens.
A pesquisa de campo promove para os alunos situações de aprendizagem
diferentes ao permitir que eles tenham contato direto com outras pessoas, lugares e
temas potencializando aprendizagens, pois, como avalia o estudante 5: “o momento
mais importante do trabalho foi ter saído da sala de aula para realizar a entrevista”.
Essa resposta mostra o quanto os estudantes valorizam atividades que se mostram
diferentes do contexto de sala de aula e uso do livro didático. Aluna 6, 17 ressalta
que “o mais importante é deixar um trabalho para que as pessoas tenham acesso e
passem a dar mais importância ao tema História das Mulheres”. Vemos nesta fala
a importância atribuída ao trabalho realizado que fez uma construção de fontes as
quais poderão ser consultadas e estudadas atualmente como daqui a 50 anos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino de história na escola pública possui muitos desafios. Desafios


relacionados a material didático disponível para ser consultado nas aulas, lido e
debatido. Também há o conteúdo desses materiais, quase sempre relacionados a
temáticas que não se aprofundam em questões relacionadas à cultura, patrimônio
e mentalidades da história local e, no caso, de Roraima. A estrutura das escolas
é outra limitação, sendo que muitas sequer possuem acesso à internet ou
computadores em boas condições de uso.
Apesar das limitações estruturais ou de ordem teórica/pedagógica, trazer
temas que mobilizam os estudantes a perceberem que estão construindo
conhecimentos importantes tanto para si mesmos quanto para outros é um
dos modos de conferir melhor qualidade à experiência escolar, assim como à
aprendizagem condicionada aos objetivos da disciplina de história.
Para Rüsen (2011, p. 36), “História como uma matéria a ser ensinada e aprendida
tem de passar por um exame didático referente à sua aplicabilidade de orientar
para vida”. As palavras de Rüsen vão ao encontro da perspectiva que norteou o
nosso trabalho junto aos alunos da disciplina: tornar o ensino de história relevante
para vida prática, não servindo somente como conhecimento a ser avaliado
formalmente, mas como referência para orientação nas relações cotidianas.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


165
Rutemara Florencio

REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História
Fundamentos e Métodos. 4ª edição. São Paulo: Cortez, 2012.

FLORENCIO, Rutemara. Recepção e Representações Sociais: as


minisséries históricas e a produção de significados para disciplina
de história por alunos do Ensino Médio. Dissertação de Mestrado em
Educação. UNESA, Rio de Janeiro, 2011.

FONSECA, Thais Nívia de Lima e. História e Ensino de História. 3ª


edição. Belo Horizonte: Autentica, 2011.

PRIORE, Mary Del (org.) História das Mulheres no Brasil. 10ª edição.
São Paulo: Contexto, 2017.

RÜSEN, Jörn. O livro Didático Ideal. In: Jörn Rüsen e o Ensino de


História. 1ª edição. Curitiba: Editora UFPR, 2011, p. 109-127 - SCHMIDT,
Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (org.).

SCHMIDT, Maria A.; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. 1ª edição.


São Paulo, Scipione, 2010.

SEVERINO, Antônio Joaquim; SEVERINO, Estevão Santos. Ensinar e


Aprender Com Pesquisa No Ensino Médio. 1ª edição. São Paulo: Cortez, 2014.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

ME HISLUDI - UM JEITO DIFERENTE DE APRENDER HISTÓRIA:


ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM NAS AULAS DE
HISTÓRIA

Herika Souza do Valle


Suelen Mayane Galvão

INTRODUÇÃO

A pandemia da Covid-19 levou à uma série de transformações em proporções


globais e imensuráveis, sem exceção de áreas ou setores, o qual compeliu o sistema
educacional por dois anos consecutivos, 2020 e 2021 respectivamente, a oferecer
ensino com aulas remotas, podendo ser essas de maneiras analógicas ou digitais, bem
como demandou o uso de novas maneiras de se ensinar e aprender remotamente.
Eram várias questões e situações que causavam angústias nas pessoas, neste
caso, com ênfase na classe estudantil, a qual vivia e sentia tudo isso, sem ter a clareza
do quanto isso estava sendo um marco temporal na história do tempo presente, e
eles estavam sendo sujeitos participantes de tudo, independente de quaisquer que
fosse credo, classe social, concepção ideológica, localização, formação etc.
Todavia, mesmo diante das circunstâncias adversas, mas sem descartar as exigências
legais, foi pensado e planejado um material que propiciasse algo de maneira qualitativa,
demonstrando empatia e responsabilidade no tocante ao processo educacional, quer
para nós enquanto professoras da Educação Básica, quer para os/as estudantes, pois os
relatos nos grupos de whatsapp eram diariamente fortes, permeados de notícias nada
agradáveis, fazendo paulatinamente aumentar o desestímulo.
A partir de todo esse cenário, suscitou o projeto de aprendizagem denominado Me
Hisludi - um jeito diferente de aprender História, o qual se propôs num formato ímpar levar
aos estudantes experienciar um processo de se ensinar e aprender História de maneira lúdica,
divertida e menos maçante possível, uma vez o ano de 2020 havia sido muito complexo e
turbulento, bem como despertar para a efetivação do protagonismo e o desenvolvimento da
consciência histórica, conforme proposto por Jörn Rüsen, na Teoria da Didática da História.

ENSINO E APRENDIZAGEM EM HISTÓRIA

O ensino de História como nas demais áreas do conhecimento, há tempos


que se utilizam de várias estratégias e recursos metodológicos, o que são quase

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


167
Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

incontáveis, principalmente após a popularização e acessibilidade à internet o


que é um dos meios para obter informações e nos dá acesso à lugares antes tão
distantes de acontecer, mas que atualmente a distância está em um clique. Por
exemplo: visitas virtuais ao museu do Louvre, na França. Também adentrar os
sarcófagos nas pirâmides egípcias, tentando desvendar os mistérios envoltos dos
grandes faraós, bem como tantos outros exemplos. Tudo isso como possibilidade
advinda com o uso da internet, especialmente quando associadas às estratégias
metodológicas no processo de aprendizagem.
É importante destacar, conforme Bitencourt (2009) que essas e outras são
apenas possibilidades que o mundo digital oportuniza, porém, jamais deverá ser
o recurso pelo recurso, sem que haja uma finalidade clara e objetiva, tão pouco
desprezar as atividades analógicas, as quais também são importantes e necessárias
no processo de ensinar e aprender.
Os desafios e possibilidades no tempo presente no ensino de História
evidenciam-se chegando a ser consenso entre pesquisadores e professores, a
necessidade de aulas atrativas, instigantes, criativas e, até mesmo, críticas. Aulas
maçantes com enorme volume de conteúdo sem conexão ou reflexão do passado
no presente, precisam ser repaginadas, reconfiguradas, repensadas.
Essa necessidade de mudança pôs-se à Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) trazer em seu bojo, as orientações que levam às disposições pedagógicas
visando os estudantes no processo e, tentado ao máximo, se distanciar do
conteudismo infelizmente ainda vigente:

Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar
orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que
os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades,
atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização
desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas
da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação
das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as
aprendizagens essenciais definidas na BNCC (BRASIL, 2018, p.13).

Este novo cenário traçado, em si, traz uma necessidade de apropriação de


saberes por parte do aluno. E, essa apropriação somente acontece quando o
interesse é gerado, e este por sua vez ocorre quando o aluno se faz protagonista
de sua própria aprendizagem.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

O LÚDICO NO ENSINO DE HISTÓRIA

Certa vez alguém indagou quando e porque se deixa de usar estratégias


lúdicas no processo de ensino e aprendizagem uma vez que é tão comum e
indispensável na educação infantil. Porém, conforme os ciclos vão mudando, os
anos avançando, isso gradativamente se torna quase sempre obsoleto, causando
uma dicotomia, onde o ato de estudar não poder estar aliado ao de se divertir.
Sobre o lúdico, Santos (2001) assinala a importância da utilização do dele
como mediador no processo de ensino e aprendizagem, haja vista que os/as
estudantes aprendam com prazer, alegria e entretenimento.

O lúdico é uma estratégia insubstituível para ser usada como estímulo na construção
do conhecimento humano e na progressão das diferentes habilidades operatórias,
além disso, é uma importante ferramenta de progresso social e alcance de objetivos
institucionais (SANTOS, 2001, p.2).

Ao utilizar o lúdico no ensino de história, a linguagem usada tende a motivar


os/as estudantes, levando-os a pesquisar para leitura, compreensão de um fato
e o despertamento à curiosidade. Todavia, esta nova linguagem não deverá ser
utilizada para substituir os conteúdos e atividades considerados tradicionais,
muito menos como fórmula mágica e perfeita para e no ensino de história.
Desta forma, os/as estudantes se tornam sujeitos ativos no processo, deixando
de ser meros espectadores, e este protagonismo é basilar na Base Nacional Comum
Curricular – BNCC (2018), sendo bastante explícito e intensificado em todo o
corpo do documento a necessidade de romper com as estruturas passadas, as quais
não devem ter mais espaço na dinâmica do tempo atual.
Ainda nesta perspectiva de protagonismo estudantil, aponta-se como
uma possibilidade teórica e concomitantemente didática, a educação histórica,
defendida vorazmente por Maria Auxiliadora Schmidt (2020), em especial
quando oferece uma forma de apropriação de saberes que se relaciona à nova
proposta curricular brasileira. Pois é do e para o/a estudante o conhecimento,
partindo dos conhecimentos prévios que trazem consigo. Observe o que ela fala
sobre a relação entre teoria e prática no ensino em história:

Destaca-se, assim, que a reconstrução do conhecimento histórico possui uma relação


orgânica com a práxis. O modo científico específico de reconstruir o conhecimento
histórico parte da vida prática e a ela regressa, de modo tal que passa a interferir na
vida dos que o realizam (individualmente e coletivamente) (SCHMIDT, 2020, p. 12).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


169
Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

Muitos profissionais de educação já buscam se atualizar e lançam mão


de métodos diferenciados em sala de aula, principalmente ressaltando o
protagonismo estudantil, como previsto na BNCC. E, a relação com a prática
citada por Schmidt (2020), se perspectiva perfeitamente neste cenário.
Este protagonismo buscado através da ludicidade associada à sala de aula, onde
o lúdico seja compreendido como uma definição não explicitada ou confirmada
que seja meramente jogo ou brincadeira, mas que seja uma ação ou intervenção
que provoque no sujeito divertimento, prazer, e, principalmente, interesse.
Partindo desta visão, o lúdico seria um mecanismo provocador de divertimento.
Mas como buscar um mecanismo que estimule tanto este divertimento, quanto a
aprendizagem? E mais, como fazê-lo em um ambiente tão conturbado como foi
o processo pandêmico vivido entre o final de 2019 e 2021?
Estas questões apontaram para o ambiente os interesses e cotidiano dos
jovens atuais, que se utilizam bastante de apps e recursos digitais. Neste sentido,

Em sua definição técnica, o aplicativo é um software que geralmente envolve o processamento


de dados. Esse tipo de programa deve cumprir alguns requisitos, como desempenhar uma
função, independente da complexidade, processar dados em informações, organizar tarefas,
facilitar atividades, entre outras. O APP também é conhecido como aplicação, aplicativo para
celular, aplicativo móvel, aplicativo mobile (SILVA, 2020).

A utilização destes apps foi o elemento utilizado para impulsionar esta


ludicidade e estimular o protagonismo estudantil, que como citados, são de
extrema importância para uma apropriação mais significativa de saberes no
componente curricular História. Entretanto, no percurso de implantação desta
metodologia, se fez necessário oferecer algumas fontes, para servir de base inicial
para discussões e introduções conceituais com os alunos.
Neste cenário, toma-se o conceito de estações de trabalho, que segundo
Sassaki (2016), preconiza que estudantes divididos em grupos, façam um rodízio
por diversos pontos. No caso da abordagem utilizada durante a pandemia da
Escola Estadual Euclides da Cunha, foram enfocadas diversas estruturas de
fontes sobre uma mesma temática, tais como leituras dirigidas, vídeos e áudios
em formato de podcasts, partindo do conceito de rotação não de estudantes,
como geralmente acontece em aulas presenciais, mas de abordagens de um
mesmo tema.
Todos estes conjuntos metodológicos possibilitaram uma abordagem diferenciada
no curso da pandemia, visando manter e estimular o interesse dos estudantes.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


170
Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

A EXPERIÊNCIA DO PROJETO ME HISLUDI NO CONTEXTO DAS


AULAS REMOTAS

Nos anos de 2020 e 2021, a Escola Estadual Euclides da Cunha, em Boa


Vista, Roraima, contou com turmas de 6º a 9º anos do Ensino Fundamental II,
ofertadas nos turnos matutino (8º e 9º anos) e vespertino (6º e 7º anos).
Em anos letivos anteriores à pandemia, estes anos/séries, já apresentavam
alguns desafios, especialmente referentes ao desinteresse pelo componente
curricular História, com ênfase carências históricas, o qual ficavam evidentes
na atividade de sondagem realizadas na entrada dos estudantes na nova
etapa/ciclo e na escola, geralmente ocorrida no 6° ano. Era o estudo do
passado pelo passado, sem muitas vezes uma conexão com o tempo presente
ou com coisas do cotidiano
É importante destacar que uma abordagem mais lúdica já se fazia presente
no contexto das salas de aulas de História, inclusive com desenvolvimento
de outros projetos1 realizados pelas mesmas professoras objetivando
promover interesse e participação ativa dos estudantes.
As dificuldades referentes ao se estimular a interação e protagonismo dos/
as estudantes, se apresentaram ainda maiores durante o processo pandêmico
vivido no nos anos letivos de 2020 e 20212. Nesta perspectiva, o desafio de
organizar aulas mais atrativas, a qual já era um desafio que batia à porta há
tempos, foi aumentada na complexidade.
Neste sentido, as mídias digitais e aplicativos (APPS) foram as ferramentas
buscadas para estabelecer um vínculo com os alunos da Escola Euclides da
Cunha. Dentre as primeiras dificuldades encontradas, pode ser ressaltada a falta
de acesso de qualidade à internet, o que inviabilizou a utilização à contento das
ferramentas de sala de aula Google, sendo estas, apenas usadas ocasionalmente
nas turmas de 6º e 7º anos do turno vespertino.
Sem essa interação direta no processo de levantamento de discussões,
o Whatsapp foi a principal ferramenta escolhida pelo corpo escolar para este
contato com os discentes. Mas como manter o interesse e gerar a curiosidade
sem a interação direta?

1 VALLE, Herika Souza. GALVÃO, Suelen. Produção e utilização de jogos nas salas de aulas
de história: uma possibilidade lúdica para aprendizagem significativa numa escola pública
de educação básica. In. Ensino de História: histórias, memórias, perspectivas e interfaces. Editora
cientifica, Guarujá, 2021.
2 Suspensão das aulas presenciais na rede estadual roraimense - Decreto Nº 28.587-E de 16 de
março de 2021. Disponível em <http://www.imprensaoficial.rr.gov.br/app/_visualizar-
mes/?ano=2020&mes=03>. Acesso em 2 de dezembro de 2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


171
Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

Este questionamento abriu portas para outras ferramentas e uso de


aplicativos, o qual um deles foi utilizado para dar ‘vida’ e voz à personagem Suhe3
(Suelen e Herika), uma viajante intergaláctica que está há cem anos no futuro.

Imagem 1 – Avatar Suhe

Suhe era a âncora das aulas, fazendo uma chamada para as propostas de trabalho
daquele dia estabelecido no cronograma escolar, sendo uma conexão direta com
os/as estudantes, aproximando-os virtualmente. Assim eles eram questionados
sobre a realidade vivida naquele momento, como se fosse os entrevistados por
um expectador do futuro, têm-se como exemplo, a primeira missão intergaláctica
intitulada ‘Semana 1- Cartas para o futuro’, conforme imagem a seguir.

3 Este é o endereço de acesso a um dos episódios do projeto de aprendizagem Me Hisludi e a avatar


Suhe fazendo a chamada inicial para aula do dia https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pf
bid0zjSbpg6oXA3t9bsdSScwoKPsgQRB23ztMoSfgcB8aWzQPypfuitnMsAG73hLb3jul&id=1000
02978652717&mibextid=qC1gEa

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

Imagem 2 – Cartas para o Futuro.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

Esta perspectiva de abordagem permitiu uma reflexão interessante do


tempo e espaço prevista na BNCC, visto que os alunos se colocaram no lugar
de pesquisadores, sendo indagados pelo avatar do futuro, bem como buscaram
analisar sua própria realidade. Neste sentido, foi possível trabalhar de forma mais
interativa, o que despertou a curiosidade e interesse dos alunos para essa forma de
construção própria da História, fazendo-os refletir sobre o olhar do espectador e
até mesmo a comparação de visões e outros olhares dos colegas de turma.
Os/as estudantes, nomeados intergalácticos, escreviam para a personagem
fictícia Suhe contando suas experiências (protonarrativas, a princípio) positivas
e/ou negativas no período de aulas remotas no período da pandemia e de
aulas remotas iniciado em março de 2020 em decorrência dos primeiros casos
confirmados de Covid-19 no estado de Roraima, ajudando o avatar a obter
informações sobre outros períodos e povos estudados.
Imagem 3 – Cartas para Suhe.

EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGENS COM 6° E 7° ANOS

Algumas atividades apontaram para dificuldades por parte dos alunos,


principalmente relacionadas à busca de materiais e fontes, inviabilizando,
parcialmente, o protagonismo deles.
Cabe ressaltar que isso não é de maneira alguma algo negativo, pelo
contrário, para Rüsen (2012), isso ocorre pelas carências históricas existentes, as
quais demandam tempo para se entender o que, como e por que de tais eventos.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


174
Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

E, ainda, levando a se fazer um exercício de pesquisa, onde o/a estudante está


se construindo como investigador/a social e requer uma preparação e uso
metodológico de estratégias que eles ainda não estavam acostumados.
Contudo o debate e a visualização, principalmente de conceitos referentes
à construção da História e as relações tempo e espaço, foram facilitadas pela
intercessão do avatar no processo de apropriação de saberes.
Partindo desta construção de conceitos, os povos antigos foram apresentados
aos 6º anos como algo a ser investigado criando uma sequência que parte do
presente para a compreensão de situações passadas em tempos remotos.
Quanto aos sétimos anos, a temática da pandemia foi o alvo recorrente, pois
ao passar dos processos de transição da Idade Média para a Idade Moderna,
temos algumas pandemias a serem tratadas. Desta forma o olhar sobre estas
outras situações sanitárias e as ocorrências que as cercaram, possibilitou um
comparativo com a realidade atual, ressaltando a cientificidade renascentista e o
conjunto de mudanças e rupturas produzidas por elas.
Essa inter-relação entre passado e presente é imprescindível, enfocando
as questões sanitárias e seus desdobramentos da Idade Média aos dias atuais,
fizeram com que os/as estudantes compreendessem a dimensão da própria
história. Começou as aprendizagens prévias (denominadas de carências históricas),
produzindo protonarrativas, as quais no decorrer do projeto de aprendizagem Me
Hisludi foram se desenvolvendo, evoluindo, tomando consciência da complexidade.
A familiaridade das professoras com as ferramentas tecnológicas digitais
foi primordial nesse contexto de aulas remotas, desde a interação com os/as
estudantes pelos grupos de WhatsApp à criação e edição de vídeos, principalmente
no que tange ao avatar Suhe, o qual aparecia em cenários diferentes no curso de
suas interações com os intergalácticos (estudante aula após aula).
Foram usados três aplicativos: Zepeto4, My Talking Pet5 e Kinemaster6. O
primeiro foi para construir o avatar Suhe, suas características físicas e imagéticas
que mesclavam as fisionomias das professoras Herika e Suelen. Com a imagem
definida, precisava dar vida às mensagens direcionadas aos estudantes a cada aula
e a cada novo tema proposto semanalmente. Para adicionar a voz, usou-se My
Talking Pet. E, por fim, o aplicativo KineMaster para colocar cenário (com imagens
previamente salvas), e prosseguir com a montagem do vídeo.
Este último é particularmente um aplicativo interessante de edição de
imagens, pois disponibiliza alguns recursos interessantes os quais permitem usar
camadas. Contudo, é necessário que o avatar seja salvo com um fundo verde, para

4 Tutorial para uso do aplicativo Zepeto: https://youtu.be/lJUEQFjaKL4


5 Tutorial para uso do aplicativo My Talking Pet https://www.youtube.com/watch?v=NPh6vG9Z1FM
6 Tutorial para uso do aplicativo Kine Master https://www.youtube.com/watch?v=BIzbQ2iihXk

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

facilitar o processo de edição. Ao final, o avatar do futuro (Suhe), se comunica


com os alunos, abrindo as orientações iniciais de cada aula.
Um ponto negativo a ser apontado nestas ferramentas, é o fato do tempo de
fala disponível do app usado. Contudo, a introdução dela como chamado para as
novas ‘investigações’ (denominadas de missões intergalácticas) propostas eram
aguardadas com ansiedade pelos estudantes, bem como foram muito ricas as
cartas escritas para ela como relatos de investigações.
Outra ferramenta digital utilizada para enfatizar este lúdico junto às turmas de sextos
e sétimos anos foi o Padlet (mural virtual), utilizado como diário de registros de Suhe. Este
era visitado pelos/as estudantes como sugestão de leitura, dentre outros materiais.
No aplicativo Padlet, foi utilizado o conceito de estações de trabalho,
englobando leituras, áudios (podcasts), vídeos e exercícios. Buscando dinamizar
o processo de apropriação de saberes. Esta estrutura foi organizada em forma
de estações de trabalho, sendo alternados textos, vídeos e podcasts referentes às
temáticas abordadas com os alunos.
Este aplicativo é um expositor virtual, permitindo que sejam anexados links
que direcionam à outras páginas. Se o professor encontrar alguma página de
internet com uma leitura interessante, poderá disponibilizar o link dentro de
seu padlet, e ao clicar, o/a estudante será direcionado para a referida leitura
sugerida. Ainda tem a possibilidade de direcionar um vídeo aula específica, como
alternativa de fonte, ou até mesmo um áudio ou podcast.
No caso deste último recurso digital, foram utilizados alguns disponíveis no
aplicativo Anchor, onde pode-se gravar áudios sobre diversos temas, inclusive, ainda
destaca-se que alguns dos áudios-aula se expandiram para além do projeto Me Hisludi
e foram utilizados no programa Ondas do Saber, veiculado na Rádio Roraima em
parceria com a Secretaria Estadual de Educação, conforme os cards a seguir.
Imagens 4 e 5 – Podcast Herika e Suelen em Ondas do Saber.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

Retornando para o Padlet, a página deste aplicativo é montada para possibilitar


aos estudantes, a visitação de várias abordagens diferentes sobre o mesmo tema
(leituras, áudios, vídeos etc.). Foram organizadas algumas páginas de acordo
com a temática trabalhada. A estrutura rotativa, por sua vez, é observada das
diferentes leituras que são possibilitadas (áudios, vídeos, escritos).
Esta ferramenta agrega muito ao processo de aprendizagem, visto que
os alunos apresentam formas diferentes de leitura de mundo, alguns são mais
visuais, outros auditivos.

Imagem 4 – Mural virtual Padlet7

FONTE: As autoras .
Imagem 5 – Mural Virtual Padlet.

FONTE: As autoras.

7 Link do padlet https://padlet.com/sulaclio/9jzafucqxtraud6x

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

Para atender a uma demanda dos estudantes, também foram produzidos vídeos
curtos trabalhando alguns conceitos, pois a inviabilidade de uso das plataformas
de interação direta, fez com que sentissem falta do falar de sua professora, já que
alguns se habituaram à sua forma de contextualizar os temas propostos.
Assim sendo, foi possibilitado aos alunos um arsenal de fontes interativas
e lúdicas, visando o despertar de seu interesse e autonomia na pesquisa e
investigação histórica, reforçando o protagonismo proposto na BNCC e
estimulando a apropriação de saberes através da investigação e pesquisa.

EXPERIÊNCIAS DO PROJETO COM 8° E 9° ANOS

Semelhante à organização vespertina em relação ao número de turmas,


sendo cinco para cada ano/série, o mesmo ocorria no turno matutino, isto é,
cinco turmas de 8° anos e cinco de 9° ano, totalizando dez turmas.
O avatar Suhe fazia a chamada para a atividade do dia e após a pílula do
conhecimento, tinha uma missão a ser dada aos intergalácticos, partindo das
protonarrativas históricas (as quais foram utilizadas cartas, áudios, vídeos, memes,
cordéis, entrevistas etc.), onde ainda não haviam refletido ou investigado sobre
algo, mas que após algumas perguntas de intervenção (neste caso as missões
intergalácticas) colocando-os numa situação de pesquisa e reflexão sobre a
temática, ou seja, exercendo o protagonismo.
É interessante perceber que a cada semana tinha uma atividade nova,
sem a existência de linearidade e/ou cronologia como contumaz em materiais
didáticos, quer sejam em formatos físicos ou virtuais. Contudo, a lógica era o
aprofundamento sobre os fatos propostos, denominados de carências históricas,
De acordo com a concepção de Rüsen objetivando sair das protonarrativas para
narrativas mais reflexivas ou bem mais argumentadas, uma vez que as narrativas
históricas produzidas pelos estudantes são feitas de várias maneiras, podendo ser
desenhos, textos, cartas, poesias, canções, teatros etc., pois a consciência histórica
não se limita à ideia de conhecer extensamente as experiências vivenciadas no
passado, mas valorizar os aspectos qualitativos, conforme o quadro a seguir:

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


178
Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

1° SEM. – 8° e 9° anos 2° SEM. - 8° anos 2º SEM. - 9° anos


S1N1 – Apresentação do S1N2- História das
S1N2-História das Olimpíadas
projeto e Carta Intergalática Olimpíadas
S2N1 – Carta Pero Vaz
de Caminha (Chegada dos S2N2- Brasil Colonial S2N2 – Império brasileiro
portugueses ao Brasil)

S3N1 – Viajando na maionese S3N2- Dom João e o retorno S3N2 – Império e Dia do
(negacionismo, terraplanismo) à Portugal Estudante

S4N2 – Semana do coração


S4N1 - Quinhentismo S4N2- Semana do Coração
(Geração Coca-cola)

S5N2 – Brasil Império e S5N2 – Brasil Império e


S5N1 – Literatura de cordel Escravidão (Consciência Escravidão (Consciência
Negra) Negra)
S6N1 – Festa Junina –
Tradições e culturas que se
interligam

METODOLOGIA

Me Hisludi é um projeto de aprendizagem constituído numa espécie de


sequência didática de dez atividades, divididas em dois blocos, o primeiro com
seis e o segundo quatro, mas sem a intencionalidade de se estabelecer uma
linearidade ou cronologia histórica, tais e quais já existentes nos livros didáticos.
Para a elaboração das atividades foi usada a técnica de pílulas do conhecimento,
onde os estudantes foram estimulados ao protagonismo e buscando extrair deles algo
que fosse aparentemente trivial, mas que possuíssem histórias interessantes e instigantes.
Pílulas do Conhecimento ou Pílulas do Aprendizado são pequenos conteúdos
de forma independente, por isso não existe obrigatoriamente uma linearidade entre
os assuntos ou como pré-requisito, que passam em uma única vez todo o assunto
e informação necessária para o/a estudante. Nesta estratégia de aprendizagem,
divide o ensino em pequenas sessões, como se ele fosse fatiado. O repasse dessas
atividades acontece de forma mais rápida, porém não menos relevante ou eficaz.
Embora os conteúdos sejam menores e mais frequentes, não quer dizer que eles
têm menos valor ou que estão deixando algo de lado.  Por serem conteúdos pontuais

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


179
Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

e rápidos, é comum que sejam usados suportes mais interativos para o consumo.
Assim, normalmente elas chegam nos formatos de: vídeos com apresentador
ou animação, jogos, textos complementares, podcasts. Indubitavelmente, estes
formatos interativos mencionados, propulsionaram a estação por rotação como
estratégia para que ocorresse a aprendizagem (SASSAKI, 2016).
Ainda é importante ressaltar que a base teórica se deu a partir da perspectiva
da Consciência histórica, Teoria da Didática da História proposta por Jörn Rüsen.
Na concepção de Rüsen (2012), a Teoria da Didática da História está sintetizada
em cinco pontos relevantes, sendo eles: recuperação do enraizamento da história
no cotidiano; compatibilização método e sentido por meio da narrativa histórica;
consideração das informações históricas presentes na sociedade como influência
ao pensamento histórico; ser uma porta de entrada para as contribuições alemãs
acerca da Didática da História; e possibilidade de uma pesquisa no ensino da
história que considere as ideias dos estudantes.
Aqui se aponta que esses pontos chamaram atenção e forneceram subsídios
para elaboração das atividades. Pois, cada missão intergaláctica solicitada aos
estudantes, estava apontando o lugar da história na sociedade, sua íntima relação
com o cotidiano da vida prática (práxis da vida) e o papel que desempenha como
orientação ao retornar como produto.
Os produtos feitos pelos estudantes, usando as diferentes protonarrativas até
ao prelúdio de uma narrativa propriamente dita, era um diálogo entre os tempos
históricos distintos, passado e presente, numa perspectiva de futuro.
E ainda, na concepção de Rüsen (2012), o/a historiador/a (que também é
professor/a e vice versa, pois para ele são indissociáveis essa classificação) deve ter ousadia
e sensibilidade de se perguntar sobre a necessidade daquilo que faz, devendo contribuir
para o alargamento dos horizontes intelectuais e práticos da vida humana, se atentando
constantemente para a lembrança da especificidade da História, qual seja, perceber que
tipo de perguntas (e respostas) somente a historiografia poderá trazer à tona.

DADOS COLETADOS E RESULTADOS ALCANÇADOS

Os dados coletados se deram por meio de autoavaliação usando o Google


Forms8, composta de onze perguntas entre questões abertas e outras fechadas.
A amostra se deu com 293 estudantes que responderam o instrumento (ICD).
8 A autoavaliação está disponível no link https://docs.google.com/forms/d/14pCr8yB10s-

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


180
Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

As questões contidas no Google Forms eram para saber como os estudantes


se auto avaliavam no decorrer do processo educacional e avaliavam o projeto
Me Hisludi, sendo que a proposta macro era ter que desenvolver autonomia e
protagonismo. As perguntas estiveram assim elencadas:

1. Tinham um plano de estudos diário/semanal;


2. Gostavam ou não de estudar História;
3. Ser pontual, responsável, realizar as atividades de maneira satisfatória, ir em busca
de mais informações sobre o assunto ou tema, ser ativo e criativo são algumas
características marcantes para o protagonismo estudantil. Se valesse uma nota
quantitativa (em números), qual valor/nota atribuiria para si mesmo de acordo
como atuou nesse bimestre?
4. O projeto Me Hisludi era interessante e estavam conseguindo cumprir as missões
intergalácticas;
5. O tempo disponibilizado para cumprir as missões estavam sendo suficientes;
6. Estavam sentido falta ou a necessidade de se ter livro didático para estudar
História ao estudar pelo projeto Me Hisludi, onde conecta várias histórias em um
assunto ou tema;
7. Dos assuntos que estudamos até aquele momento, qual tinha chamado mais a
atenção e por quê?
8. Quais assuntos ou temas vocês gostariam de estudar no próximo trimestre? Cite
até três em ordem de interesse.
9. Ainda estamos em aulas remotas em razão da pandemia causada pela Covid-19.
Mas quando voltarmos às aulas presenciais ou de maneira híbrida (mistura/
mescla de remota com uso da internet e presencial), você tem interesse que
continue o projeto Me Hisludi? O que tem como sugestão?
10. Em relação ao projeto de aprendizagem “ME HISLUDI - um jeito diferente de
estudar e aprender História”, planejado, elaborado e praticado nesse primeiro
bimestre de 2021. Qual sua opinião?

A técnica utilizada foi a de Análise de Conteúdos, proposta por Bardin (2011,


p.47), a qual consiste em três fases imprescindíveis: pré-análise, exploração do
material e tratamento dos resultados - a inferência e a interpretação.
Para Bardin (2011), essa técnica metodológica poderá ser aplicada em
discursos diversos e a todas as formas de comunicação, seja qual for à natureza do
seu suporte. Nessa análise, o pesquisador busca compreender as características,
estruturas ou modelos que estão por trás dos fragmentos de mensagens tornados
em consideração. O esforço do analista é, então, duplo: entender o sentido da
comunicação, como se fosse o receptor normal, e, principalmente, desviar o

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Pesquisas e Experiências em Ensino de História


181
Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

olhar, buscando outra significação, outra mensagem, passível de se enxergar por


meio ou ao lado da primeira.
Portanto, a Técnica de análise de Conteúdos foi escolhida para o agrupamento
e categorização das respostas subjetivas que os/as estudantes foram colocando
sobre o projeto Me Hisludi e aprendizagem em História.

Imagem 6 - Gráfico de respostas à autoavaliação.

Os/as estudantes dos 8° e 9° anos assinalaram positivamente sobre as


atividades, citando, por exemplo, como pontos mais relevantes a serem destacados:
inovação metodológica, deixaram de ver o livro didático como único recurso a
ser usado numa sala de aula, aulas diferentes, mas que aprenderam muitas coisas
interessantes, alguns inclusive não tinham conta de e-mail e criaram uma.
Os estudantes dos 6° e 7° anos gostaram, mas demonstraram algumas
dificuldades em realizar as atividades, uma vez que eles precisam de autonomia
para pesquisar as respostas, diferente do que outrora ocorria antes da pandemia.
As respostas estão estritamente ligadas à concepção de Rüsen (2012, p.94)
sobre a didática da história em relação à consciência histórica como um lugar de
aprendizagem ao afirmar que:

A questão da didática da história com relação à consciência histórica como um lugar de


aprendizagem histórica abre perspectivas de novas pesquisas. Elas começam no nível
de conceituação e da elaboração teórica. Trata-se de definir a consciência histórica,
de a tematizar como um processo de aprendizagem, de desenvolver suas estruturas e
funções, e de abordar suas condições, forças motrizes e resultados.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


182
Herika Souza do Valle - Suelen Mayane Galvão

Em síntese, é a abertura à empiria e a práxis, bem como aquilo que está no


interdito, nas entrelinhas, requerendo que haja uma intensidade no que se ensina,
objetivando saber por que e para quê. A história tem várias nuances, cabe a
cada professor ser dotado de espírito pesquisador e conclamar aos estudantes
também para tal.

REFERÊNCIAS
ALÉSSIO, Simone Cristina; SABADIN, Neli Miglioli; ZANCHETT, Pedro
Sidnei. Processos de software. UNIASSELVI, 2017.

BARDIN, Lawrence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.


Brasília, 2018.

BITTENCOURT, Circe (org.) O saber histórico na sala de aula. 7 ed. São


Paulo: Contexto, 2002

_______. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo,


Cortez, 2009.

SASSAKI, Cláudio. Para uma aula diferente, aposte na Rotação por


Estações de Aprendizagem. 21/10/2016. Disponível em <https://
novaescola.org.br/conteudo/3352/blog-aula-diferente-rotacao-estacoes-
de-aprendizagem> Acesso em 27/11/2022.

CORDOVIL, Ronara Viana. SOUZA, José Camilo Ramos de.


NASCIMENTO FILHO, Virgilio Bandeira do. Lúdico: entre o conceito
e a realidade educativa. Disponível em <http://www.editorarealize.
com.br/editora/anais/fiped/2016/TRABALHO_EV057_MD1_SA8_
ID2490_08092016203305.pdf> Acesso em: 27/11/2022.

RÜSEN, Jörn. Aprendizagem histórica: Fundamentos e paradigmas. 2012

SANTOS, Santa Marli Pires dos. A ludicidade como ciência. Petrópolis:


Vozes, 2001.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Didática reconstrutivista da história.


Curitiba, Editora CRV, 2020.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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José Victor Dornelles Mattioni - Letícia Barbosa Aquino Silva - Rafaela Pinheiro Souza

HISTÓRIAS, MEMÓRIAS E TRABALHO EM EQUIPE: UM PASSEIO


HISTÓRICO COM ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM 2.022

José Victor Dornelles Mattioni


Letícia Barbosa Aquino Silva
Rafaela Pinheiro Souza

INTRODUÇÃO

As transformações devido ao advento da pandemia da Covid-19 afetaram


as relações sociais, educacionais e empáticas na sociedade brasileira. No
âmbito educacional o distanciamento físico do espaço formal de aprendizagem
provocaram dificuldades e exigiram reflexões para a criação de estratégias de
ensino à distância e/ou remoto, impedindo a realização de atividades de campo,
como por exemplo, visitas a patrimônios1 culturais. Após 2 anos e o retorno
às aulas presenciais, as instituições de ensino públicas e privadas retomaram as
atividades de campo, conforme exposto neste artigo.
O presente texto irá apresentar os resultados da atividade inédita realizada
com a escola estadual Oswaldo Cruz à convite do Tribunal de Justiça do Estado de
Roraima, com a parceria da Universidade Estadual de Roraima, da Universidade
Federal de Roraima e a ANPUH2-RR, que juntos promoveram a visitação aos
patrimônios materiais pelo Centro Histórico de Boa Vista, a fim de promover a
Educação Patrimonial3 e da História do município.
Na primeira seção expomos como surgiu a iniciativa para a execução da
atividade inédita no estado. Em seguida, será apresentada a execução da
atividade de visitação ao Centro Histórico de Boa Vista com os estudantes da
escola Oswaldo Cruz e a importância da valorização dos patrimônios materiais
presentes na região. Nas considerações finais será destacado como o passeio
foi avaliado pelos discentes, através de uma pesquisa promovida via formulário
online e aqui apresentada em forma de dados quantitativos.
1 No Documento Curricular do estado de Roraima (DCRR), a palavra patrimônio é citada 32 vezes
(RORAIMA, 2018).
2 Associação Nacional de História
3 Constitui-se de todos os processos educativos formais e não formais que têm como foco o
patrimônio cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das
referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento,
sua valorização e preservação. Considera-se, ainda, que os processos educativos devem primar
pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio da participação efetiva das
comunidades detentoras e produtoras das referências culturais, onde convivem diversas noções de
patrimônio cultural (IPHAN, s/d).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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José Victor Dornelles Mattioni - Letícia Barbosa Aquino Silva - Rafaela Pinheiro Souza

A ORIGEM DO PROJETO E A IMPORTÂNCIA DAS REDES


PROFISSIONAIS

No início do ano de 2022, docentes do curso de ensino superior da Universidade


Estadual de Roraima4 foram convidados pelo Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR)
para colaborar com a construção de seu Centro de Memória e Cultura5. Soma-se a
isto que o respectivo tribunal aparelhou a seleção de acadêmicos de História para
trabalhar nas ações de levantamento e digitalização de seu acervo histórico.
Com os primeiros encontros, surgiram sugestões, como o envolvimento da
comunidade escolar estadual onde, dentro deste projeto, seriam promovidas por
meio de passeios pelo Centro Histórico da cidade de Boa Vista, capital do estado
de Roraima, uma vez que o poder Judiciário possui construções de destaque
na cidade, como o Fórum Advogado Sobral Pinto, projetado pelo arquiteto
Severiano Mário Porto, conhecido como “o arquiteto da Amazônia”. Além
disso, destacamos que o mesmo arquiteto assinou a reforma realizada na escola
Oswaldo Cruz durante a década de 1970 (MELO; NASCIMENTO; ROCHA,
2019) fato exposto aos alunos como “ponta pé” inicial da aula em campo.

Imagem 1 - Estudantes e professores em frente ao Tribunal de Justiça do Estado de Roraima.

FONTE: Antônio Diniz.


4 Destacamos as ações dos docentes André Augusto da Fonseca e Giseli Deprá.
5 Acervo - História do judiciário roraimense é resgatada em Espaço da Memória https://npi.tjrr.
jus.br/index.php/noticias/64-acervo-historia-do-judiciario-roraimense-e-resgatada-em-espaco-da-
memoria. Acesso em 06/12/2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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José Victor Dornelles Mattioni - Letícia Barbosa Aquino Silva - Rafaela Pinheiro Souza

A soma destes fatos históricos nos motivou a expor aos estudantes como a
escola em que estudam pode ser incluída e destacada como um local de memórias
e fazer parte do patrimônio histórico material do estado e município, prática esta
incentivada pelo Documento Curricular de Roraima (DCRR).

Identificar os patrimônios históricos e culturais de sua cidade ou região e discutir


as razões culturais, sociais e políticas para que assim sejam considerados (...) Propor
diferentes atividades de releitura dos monumentos históricos a partir de visitas
e narrativas ouvidas para identificar os significados sociais constituídos para a
comunidade atual e a do tempo da própria construção (RORAIMA, 2018, p.477).

Diante destas ideias, graças às redes de trabalhos profissionais e em equipe


construídas através de amizades no campo da História em Roraima, houve o
convite à gestão da escola estadual Oswaldo Cruz e de seus alunos do 9º ano para
participarem de uma aula em campo. Após a aprovação da parceria, os estudantes
passaram a receber durante as aulas do componente curricular História, fatos que
ocorreram no estado, como o surgimento do município de Boa Vista, as primeiras
construções, o motivo da cidade ter sido fundada às margens do Rio Branco, a
criação do Território, os fluxos migratórios, entre outras questões históricas.
Em todas as conversas com os alunos houve o incentivo à redes entre os
componentes curriculares, em especial, expor ao estudante que ele tem o papel
de agente da história no local em que reside, não sendo assim um sujeito passivo,
mas responsável e importante para o contexto histórico, social, econômico e
cultural. Por isso, buscamos provocar nos alunos questionamentos sobre como ele
ou os seus antepassados chegaram a Roraima, o que estava acontecendo naquele
momento do ponto de vista da História e das memórias. Dos assuntos abordados,
enfatizamos as migrações para a região, uma vez que o estado é destaque a respeito
disso, em especial, nos últimos anos, devido a migração venezuelana.
De acordo com Olane Matos, ​​em matéria divulgada no site da Associação Nacional
de História, ANPUH (2022), a participação das redes básica e superior de ensino pode
potencializar a divulgação das ações do poder judiciário para os estudantes.

Analisamos que seria possível criar uma parceria com o Poder Judiciário Estadual,
inserindo no roteiro alguns de seus edifícios mais representativos. Isso nos permitirá
colaborar na preservação e apresentação da História do Poder Judiciário no estado. Ao
longo dos últimos anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem estimulado os tribunais
a desenvolverem uma política de gestão da memória efetiva e sistematizada, voltados à
construção e à preservação de sua Memória institucional”, destaca Matos (ANPUH, 2022).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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José Victor Dornelles Mattioni - Letícia Barbosa Aquino Silva - Rafaela Pinheiro Souza

Por este motivo, percebemos que o projeto permitiu a construção de diferentes teias de
conhecimento. Para o TJRR a atividade representa uma oportunidade de tornar as ações do
poder Judiciário reconhecidas por estudantes da rede pública, localizada no bairro Centro,
mas que na sua maioria reside em bairros periféricos. Aos docentes do ensino básico e
superior, ajuda na realização de saídas de campo e na aproximação da comunidade discente
escolar dos cursos de licenciatura das universidades presentes no estado.

O DIA DO PASSEIO

Realizada na segunda semana do mês de agosto, o passeio coincidiu com


o período de comemorações do aniversário da escola Oswaldo Cruz, fundada
no ano de 1949, apenas 6 anos depois da criação do Território Federal do Rio
Branco. Para isto, foi mobilizado uma força tarefa inédita para uma escola da rede
estadual envolvelvendo membros do TJRR, docentes das universidades Estadual
e Federal de Roraima, professores, assistentes e como cobertura midiática a turma
do Jornal Notícias Quentes da escola Oswaldo Cruz e imprensa da Assembleia
Legislativa do estado de Roraima6

A atividade foi coordenada pelo Tribunal de Justiça, sob a liderança de Olane Matos,
e sua equipe de apoio composta pelos historiadores Hugo Mendes, Deborah Sousa,
Letícia Silva e Rafaela Pinheiro; pela equipe de comunicação formada por Adriã
Galvão, Érica Figueiredo e Antônio Diniz. A professora Paulina Onofre Ramalho
(UFRR) esteve presente e contribuiu com informações sobre a Arquitetura das obras
dos prédios históricos. O professor André Augusto da Fonseca (UERR/ANPUH-RR)
elaborou o arquivo digital apresentando a História do município de Boa Vista, que os
alunos puderam acompanhar durante o passeio. A equipe da escola Oswaldo Cruz
foi composta pelos professores Aucirene Figueiredo, Djane Lima, Talita Lira, Suênia
Jimenez e Victor Mattioni; e pela equipe do Jornal Notícias Quentes, representadas
pelos estudantes Aline, Izabel, Eloá, Hugo, Karol e Nadine (ANPUH, 2022).

O roteiro do passeio previu situações táticas, como o fato de parte dos alunos
transitarem pelo centro histórico durante a semana para chegar à escola, uma vez
que a principal parada de ônibus está localizada no bairro Centro. Logo, embora
os alunos tenham contato visual com parte restante dos patrimônios materiais
do bairro, faltava a eles uma leitura histórica, cultural e social destes espaços.

6 Passeio pelo Centro Histórico de Boa Vista com alunos da escola Oswaldo Cruz. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=qFtr5hgTXTo. Acesso em 08/12/2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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José Victor Dornelles Mattioni - Letícia Barbosa Aquino Silva - Rafaela Pinheiro Souza

O roteiro teve quatro locais de visitação. O ponto de partida foi a praça


da Bandeira, fundada em 1939, e localizada em frente a escola Oswaldo Cruz.
Nela é possível encontrar um canhão do Forte São Joaquim, considerado um
marco da colonização portuguesa em Roraima. Em seguida, nos dirigimos à rua
Floriano Peixoto, a mais antiga da cidade, onde estão localizados a antiga sede da
fazenda Boa Vista, a Igreja Matriz, a escola S. José, a ex-sede da representação
de J.G de Araújo, o muro do mercado, Orla Taumanã, os dois monumentos aos
pioneiros, intendência, e residências de famílias tradicionais.

Imagem 2 - Professores conversam, na rua Floriano Peixoto, a mais antiga da cidade, com os
alunos sobre a importância da preservação dos patrimônios culturais.

FONTE: Antônio Diniz.

O motivo desta parte da cidade possuir as construções mais antigas do


município decorre do fato dela estar à margem direita do Rio Branco (8), o que
foi fundamental para a gênese da capital do estado.

A localização de Boa Vista nesta margem direita do Rio Branco deu-se por um aspecto
topográfico local, pois é uma área alta que não inunda, assim como o canal do Rio
é mais profundo e favorece a navegação, diferentemente da margem esquerda que é
inundada no período chuvoso de abril a setembro. (VERAS, p. 55, 2019)

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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José Victor Dornelles Mattioni - Letícia Barbosa Aquino Silva - Rafaela Pinheiro Souza

A penúltima parte foi no Fórum Advogado Sobral Pinto, localizado em um


ponto estratégico da cidade conhecido como Centro Cívico, onde concentra as
esferas dos poderes Executivo, Judiciário, Legislativo e outros símbolos, como
religioso, cultural, financeiro e educacional. Na ocasião, os estudantes foram
apresentados as ações que exercem o poder judiciário no estado. Finalizando
o passeio, os estudantes participaram de um registro em frente das futuras
instalações do centro de memória e cultura do TJRR.

Imagem 6 - Professores, estudantes e a equipe do Centro de Memória do TJRR com o juiz


auxiliar da Presidência do TJRR, Bruno Costa, em visita ao Fórum Advogado Sobral Pinto

FONTE: Antônio Diniz.

Como um paradoxo, o crescente interesse das instituições em preservar


a memória e o patrimônio se expressa num momento caracterizado pela
desmemória, a destruição do comum ou comunitário (MARQUES; MATOS,
2021, p.13). A preservação das referências físicas na cidade, permite o
reavivamento da memória dos indivíduos e grupos sociais que vivem no local.
De acordo com o órgão público responsável pelo reconhecimento de patrimônio
histórico no Brasil (IPHAN7), as políticas de preservação devem ser construídas
de forma a considerar o coletivo.
7 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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José Victor Dornelles Mattioni - Letícia Barbosa Aquino Silva - Rafaela Pinheiro Souza

As políticas de preservação devem priorizar a construção coletiva e democrática do


conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes institucionais e
sociais e pela participação das comunidades detentoras e produtoras das referências
culturais. Nesse processo, as iniciativas educativas devem ser encaradas como um
recurso fundamental para a valorização da diversidade cultural e para o fortalecimento
da identidade local, fazendo uso de múltiplas estratégias e situações de aprendizagem
construídas coletivamente. (BRASIL, 2014, p.20).

Segundo Horta (1999), a Educação Patrimonial se dá como um processo


permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no patrimônio
cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual
e coletivo. Nesse sentido, a conciliação do ensino da história local em sala de aula
e visita de campo ao Centro Histórico de Boa Vista, proporciona aos alunos a
apropriação de sua própria cultura, da historicidade do local onde vive, assim
como o sentimento de pertencimento.
Por este motivo, embora o passeio não deva ser visto com um fim em si,
desejamos, como docentes, que os alunos possam executar as potencialidades de
observação diante do meio em que residem, fazendo-os perceber que todos são
agentes importantes da História.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: O SALDO POSITIVO DO PASSEIO E


OUTRAS AÇÕES

Diante de uma situação em que o estado de Roraima carece de um arquivo


público digital e com fontes primárias devidamente preservadas, fazendo com
que profissionais do ensino e interessados pela história local construam redes e
ações de resistências para guardar registros e patrimônios culturais importantes,
a iniciativa do TJRR em construir um Centro de Memória e Cultura do Poder
Judiciário em Roraima poderá vir a estimular uma ação efetiva para construções de
centros de estudos, arquivos e políticas de valorização de patrimônios em Roraima.
A realização de uma atividade para além da sala de aula e muros da escola
exige atenções especiais para com todos os estudantes envolvidos, como uma
logística que seja segura e proporcione um momento ímpar durante a passagem
pelo ensino fundamental.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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José Victor Dornelles Mattioni - Letícia Barbosa Aquino Silva - Rafaela Pinheiro Souza

Soma-se a isto a intenção de auxiliar o aluno a trabalhar a observação da


região em que vive, e identificar as diferenças no tocante às infraestruturas,
aspectos sociais, culturais e entre outros. Habilidades desenvolvidas através da
Educação Patrimonial

Como forma de descobrir se os alunos aprovaram o passeio, foi elaborado


um formulário digital e anônimo com o propósito de apontar elogios, críticas e
sugestões de melhorias para os próximos passeios de campo.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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José Victor Dornelles Mattioni - Letícia Barbosa Aquino Silva - Rafaela Pinheiro Souza

Entre os motivos que podemos destacar como motivação da maioria dos


discentes participantes não terem realizado anteriormente um passeio pelo
Centro Histórico da cidade de Boa Vista, para além da interrupção das aulas
presenciais em virtude da pandemia da COVID-19, é o fato de parte dos alunos
serem migrantes, seja de outros países, como Venezuela ou China, e de outros
estados da federação, a exemplo da estudante Milena, natural do estado do
Maranhão: “Eu achei legal (...) estamos conhecendo alguns pontos turísticos que
a gente não conhecia (...) Eu não sou daqui, então acho bem legal conhecer; vim
do Maranhão há 7 anos (...) e estou feliz por estar aqui” (MATTIONI, 2022).
A resposta da aluna exemplifica os resultados positivos para toda comunidade
escolar, seja pública ou privada, dos quais percebe-se uma mobilização de outras
instituições de ensino, com a criação de projetos reconstruindo a cidade de
Boa Vista seja por maquetes8 ou envolvendo jogos digitais, como o Minecraft,
realizado pela escola General Penha Brasil9, onde ambos foram apresentados na
29ª Feira Estadual de Ciências de Roraima, o maior do estado nesta categoria
(MENEZES, 2002), o que demonstra um interesse pela história do estado.
Destacamos que estas iniciativas ocorrem mediante ao incentivo das respectivas
gestões escolares.

8 Projeto Inovação e tecnologia: um recorte histórico sobre a cidade de Boa Vista, liderado pela
professora Hilvany Araújo. Disponível em https://www.instagram.com/p/ClkH5kVuYZs/?igshid
=YmMyMTA2M2Y=. Acesso em 08/12/2022.
9 Projeto da professora Lita Araújo. Disponível em https://www.facebook.com/
escolapenhabrasiloficial. Acesso em 08/12/2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


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José Victor Dornelles Mattioni - Letícia Barbosa Aquino Silva - Rafaela Pinheiro Souza

Conclui-se que o projeto piloto obteve êxito, conforme foi destacado pelos professores:
A atividade precisa estar presente nas programações anuais da escola, pois ela
proporciona, por meio da curiosidade e de ações práticas, conhecer fragmentos da
História e curiosidades do poder Judiciário e de Roraima. Com isso, dá-se início a
uma política de preservação de patrimônios históricos materiais ou imateriais que
estão presentes no estado, cientes de que estes atos estimulam vários campos do
conhecimento, como Memória, Educação Histórica e Patrimonial, Sociologia e
Turismo, por exemplo (ANPUH, 2022).

Logo, existe um anseio para que a prática se torne um projeto permanente


da escola, englobando a rede entre os componentes curriculares, a exemplo
da educação histórica10 e patrimonial unida a Sociologia, Turismo, Economia,
Geografia e outros campos do conhecimento.

REFERÊNCIAS

ANPUH. PROFESSORES DA ANPUH-RR PARTICIPAM DE


ATIVIDADE INÉDITA EM RORAIMA. Disponível em https://anpuh.
org.br/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/diversas/item/6973-
anpuh-rr-atividade-inedita. Acesso em 06/12/2022.

BRASIL. IPHAN. Educação Patrimonial: Histórico, conceitos e


processos. 2014 Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/
ckfinder/arquivos/Educacao_Patrimonial.pdf

GERMINARI, Geyso Dongley; URBAN, Ana Cláudia. Educação histórica


e a contribuição para a formação de professores: experiências de pesquisa.
IN Roteiro vol.45  Joaçaba jan./dez 2020 Epub 16-Jun-2020.

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO,


Adriane Queiroz. Guia básico de Educação Patrimonial. Brasília:
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial,
1999. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/temp/guia_
educacao_patrimonial.pdf.pdf

10 O campo de pesquisa em Educação Histórica vem se definindo com suas especificidades próprias,
em diferentes países e também no Brasil. Pesquisadores enfatizam a importância dessas pesquisas para
uma teoria da aprendizagem histórica, na medida em que busca o conhecimento das ideias históricas
de jovens, crianças e professores, definindo a sua especificidade em relação a outras pesquisas que
tomam como objeto o ensino e aprendizagem da História (GERMINARI; URBAN, 2020).

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


193
José Victor Dornelles Mattioni - Letícia Barbosa Aquino Silva - Rafaela Pinheiro Souza

IPHAN. Educação Patrimonial. Disponível em http://portal.iphan.gov.


br/pagina/detalhes/343. Acesso em 05/01/2023.

MARQUES, Janote Pires; MATOS, Emanuelle Oliveira da Fonseca;


Patrimônio, Educação e Cultura. Fortaleza: UniAteneu, 2021. Disponível
em: https://uniateneu.edu.br/wp-content/uploads/2021/10/Livro-
Patrimonio-Educacao-e-Cultura.pdf

MATTIONI, Victor. 2022. Passeio pelo Centro Histórico de Boa Vista


com alunos da escola Oswaldo Cruz. Disponível em https://www.
youtube.com/watch?v=qFtr5hgTXTo. Acesso em 08/12/2022.

MELO, Neiliany Beatriz Neubert de; NASCIMENTO, Claudia Helena


Campos; ROCHA, Rayele Silva da. Arquitetura Moderna em Roraima:
Obras de Severiano Mário Porto. IN Revista Amazônia Moderna, Palmas,
v.4, n.1, p.78-101, abr.-set. 2019. Disponível em https://sistemas.uft.edu.br/
periodicos/index.php/amazoniamoderna/article/download/8513/16474/.
Acesso em 06/12/2022.

MENEZES, Layse. 29ª FECIRR | Feira de Ciências Estadual de


Roraima ocorre nos dias 29 e 30 de novembro. Disponível em https://
portal.rr.gov.br/noticias/item/7088-29-fecirr-feira-de-ciencias-estadual-de-
roraima-ocorre-nos-dias-29-e-30-de-novembro. Acesso em 08/12/2022.

RORAIMA. DOCUMENTO CURRICULAR DE RORAIMA.


Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/
implementacao/curriculos_estados/documento_curricular_rr.pdf. Acesso
em 07/12/2022.

VERAS, Antonio Tolrino de Rezende. Sítio Urbano de Boa Vista


Percursos do Patrimônio Cultural. IN Coletânea de artigos patrimônio
cultural de Roraima / Carolina Viana Albuquerque, organização. – Dados
eletrônicos - Boa Vista: ANPHU, 2019. Disponível em http://portal.iphan.
gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/COLET%C3%82NEA%20DE%20
ARTIGOS%20PATRIM%C3%94NIO%20CULTURAL%20DE%20
RORAIMA.pdf. Acesso em 09/12/2022.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


194
Carla Monteiro de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

SOBRE OS/AS AUTORES/AS

ALESSANDRA RUFINO SANTOS


Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), onde também realizou o pós-doutorado no Programa de Pós-graduação
em Sociologia (PPGS). Professora de História na Universidade Federal de Roraima
(UFRR), vinculada ao curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEDUCARR)
e ao Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA). Tem
experiência na área de História, Sociologia, Educação Indígena, Educação do
Campo, Antropologia e com metodologias de pesquisa em Ciências Sociais. Pesquisa,
principalmente, os seguintes temas: Migração Internacional, Fronteira, Educação e
Gênero. É vice-líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar Natureza, Educação e
Cultura (GPINEC). Organizou, em parceria com os professores da Licenciatura em
Educação do Campo (LEDUCAR/UFRR), o livro intitulado “Práticas educativas
em Educação do Campo: experiências e reflexões em tempo de incertezas”.

ALFREDO CLODOMIR ROLINS DE SOUZA


Licenciado em História pela Universidade Federal de Roraima, Mestre em Educação
pela Universidade Estadual de Roraima/ Instituto Federal de Roraima. Professor
de História da Rede Pública de Educação Básica do Estado de Roraima. Atua nas
temáticas Ensino de História, Educação intercultural. Membro do grupo de pesquisa
Compartilhando Saberes e Estudos Pós- coloniais vinculado ao Profhistoria/UFRR e
Estudos de Gênero, Cultura e Deslocamentos ligado ao PPGE- UERR/IFRR. Autor
do livro Ensino de história e diferença cultural: o/a professor/a de história do ensino
médio de Boa Vista/RR entre desafios e possibilidades de uma educação intercultural.

ANDRÉ AUGUSTO DA FONSECA


Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
e Licenciado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor
Associado da Universidade Estadual de Roraima (UERR). Atuou no PIBID e no
programa de Residência Pedagógica de História da UERR. Suas linhas de pesquisa
concentram-se na Amazônia Colonial, História Moderna e Ensino de História.

ANNA CAROLINA DE ABREU COELHO


Doutora em História pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora de
História na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), vinculada

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


195
Carla Monteiro de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

a Faculdade de História (IETU), ao Programa de Pós-Graduação em História


(PROFHIST) e ao Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA).
Atua nas seguintes temáticas: Biografia, Memória, Cidades e Política. Coordenadora
do Grupo de Pesquisa História, Memória e Natureza na Amazônia. Organizou, em
parceria com o professor Bruno Silva, a coletânea intitulada “Saberes Compartilhados:
reflexões sobre a Educação e o Ensino de História”.

CARLA MONTEIRO DE SOUZA


Mestre e Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora da Universidade Federal de Roraima
(UFRR), no Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHISTÓRIA)
e no Programa de Pós-graduação em Sociedade e Fronteiras (PPGSOF). Atua
na área de Ensino de História; Teorias e Metodologias da História; Estudos
Migratórios; Memórias, Identidades e História Oral.

CLEICIMAR ANICETO DE SOUZA


Mestranda do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História
(ProfHistória), pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Especialização em
História, Cultura Africana e Afro-brasileira pelo Instituto Federal do Amazonas
(IFAM). Especialista em Educação Especial com Ênfase no Transtorno do
Espectro Autista – TEA, pela Faculdade São Luís. Bacharel e Licenciada em
História pela Universidade Federal de Roraima (UFRR). Licenciatura em
Pedagogia pela Faculdade da Lapa. Atua nas seguintes temáticas: Patrimônio e
Ancestralidade. Professora Efetiva de História na Educação Básica, no Governo
do Estado de Roraima, vinculado à Secretaria de Estado da Educação de
Roraima (SEED/RR). Professora Efetiva na Educação Básica, no município de
Boa Vista, vinculado à Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC/
RR). Membro do projeto de pesquisa “Ensino de História e Humanidades
Digitais” (2022-2024). Professora supervisora no Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência PIBID/História/UFRR (2022-2024). Associada
à Associação Brasileira de Pesquisa de Ensino de História (ABEH).

HERIKA FABIOLA BARROS DE SOUZA


Doutora em Ciências da Educação pela Universidade Evangélica do
Paraguai (UEP). Mestranda no programa de Mestrado Profissional em Ensino
de História (PROFHISTÓRIA). Professora Efetiva de História na Educação

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


196 I
Carla Monteiro de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

Básica, no Governo do Estado de Roraima, vinculado à Secretaria de Estado


da Educação de Roraima (SEED/RR). Atua nas seguintes temáticas: Ensino de
História, História do Brasil,História Pública. Coordenadora da Rede Conectando
Saberes, núcleo Boa Vista. Organizadora do livro: “Novo olhar para o Ensino de
História” (2022). Professora autora, componente História, no projeto Simplifica
(2020). Professora orientadora medalhista na Olimpíada Nacional em História
do Brasil - ONHB (2020). Membro no grupo de pesquisa História, Educação e
Interculturalidade no contexto migratório de Roraima (CNPq/UFRR).

HSTÉFFANY PEREIRA MUNIZ ARAÚJO


Mestre em Ensino de História (PROFHISTÓRIA) pela Universidade Federal
de Roraima. Especialização em História, Cultura Africana e Afro-brasileira pelo
Instituto Federal do Amazonas – IFAM. Bacharel e Licenciada em História pela
Universidade Federal de Roraima. Professora Efetiva de História na Educação
Básica, no Governo do Estado de Roraima, vinculado à Secretaria de Estado
da Educação de Roraima (SEED/RR). Atua nas seguintes temáticas: Ensino
de História, metodologias de ensino, ensino de história indígena. Professora
supervisora no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
PIBID/História/UFRR (2022-2024).

JOSÉ VICTOR DORNELLES MATTIONI


Mestre pelo programa de Pós-Graduação em Sociedade e Fronteiras da
UFRR. Licenciado em História pela Universidade Federal de Roraima (UFRR).
Professor Efetivo de História na Educação Básica, no Governo do Estado de
Roraima, vinculado à Secretaria de Estado da Educação de Roraima (SEED/
RR). Atua nas seguintes temáticas: História e audiovisual, História da Amazônia
e ensino de História. Membro da Associação Roraimense de Fotografia e da
ANPUH-RR. Professor supervisor no Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência PIBID/UERR (2022-2024).

LETÍCIA BARBOSA AQUINO DA SILVA


Graduanda de Licenciatura em História pela Universidade Federal de Roraima
(UFRR). Atua no Movimento Estudantil Universitário pelo Centro Acadêmico
de História - UFRR, o Diretório Central de Estudantes - UFRR, e Federação do
Movimento Estudantil de História (FEMEH). Pesquisa, principalmente, os seguintes
temas: Cotas e Questões Raciais no Brasil, Educação Antirracista, Feminismo Negro.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


197
Carla Monteiro de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

MARCELLA ALBAINE FARIAS DA COSTA


Doutora em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO). Professora de História na Universidade Federal de Roraima (UFRR),
vinculada ao curso de Licenciatura e ao Mestrado Profissional em Ensino de História
(PROFHISTÓRIA). Atua nas seguintes temáticas: Ensino de História, História
Digital e Humanidades Digitais. Coordenadora do projeto de pesquisa “Ensino
de História e Humanidades Digitais” (2022-2024) e do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência PIBID/História/UFRR (2022-2024). Autora dos
livros “Ensino de História e games: dimensões práticas em sala de aula” (2017) e
“Ensino de História e historiografia escolar digital” (2021). Membro do Conselho
Consultivo da Associação Brasileira de Pesquisa de Ensino de História (ABEH).

MARCOS ANTONIO DE OLIVEIRA


Doutor em educação pela Faculdade de Educação da USP. Professor EBT
do IFRR, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação Profissional
e Tecnológica (Profept) do IFRR e ao Mestrado Profissional em Ensino de
História (PROFHISTÓRIA) da UFRR. Coordenador de extensão do Campus
Boa Vista Zona Oeste do IFRR e autor do livro “O ensino médio dos macuxi no
IFRR: narrativas analíticas de um professor” (2022). Coordenador da pesquisa
“Racismo e os povos indígenas” (2022-2023). Atua nas temáticas do ensino
profissional e tecnológico, povos indígenas, racismo e História e cidade.

MARIANA CUNHA PEREIRA


Doutora em Antropologia Social - Centro de Estudos da América Latina e
Caribe da Universidade de Brasília/UnB; Mestre em Educação: Antropologia da
Educação -FE/UnB; Graduada em Licenciatura em Ciências Sociais - Universidade
Federal do Ceará. Atualmente é professora efetiva no curso de História do
Centro de Ciências Humanas/CCH na Universidade Federal de Roraima/UFRR.
É professora nos Mestrados de Sociedade e Fronteiras; Mestrado Profissional
de História / UFRR. Realiza pesquisas na área de Antropologia, Educação e
Movimentos Sociais com recortes para as discussões de relações étnico-raciais,
gênero, corporeidade, fronteiras nacionais e transnacionais e políticas públicas.
Presidiu a primeira Comissão de Heteroidentificação da PRPG/UFRR.

MARIA LUIZA FERNANDES


Licenciada e Mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina
e Doutora em História pela Universidade de São Paulo. Professora do curso de

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


198 I
Carla Monteiro de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

Licenciatura em História e do Mestrado Profissional em Ensino de História,


ambos da Universidade Federal de Roraima. Atua nas seguintes temáticas:
Ensino de História, História Indígena, Educação Escolar Indígena, Narrativas
de Viagens. Coordenadora do grupo de pesquisa História, educação e intercul-
turalidade no contexto migratório de Roraima e do projeto de pesquisa Ensino
de História Indígena nas escolas públicas de Boa Vista/RR.

MONALISA PAVONNE OLIVEIRA


Professora na Universidade Federal de Roraima (UFRR). Docente permanente
do Mestrado Profissional em História (ProfHistória)/ UFRR e Programa de
Pós-Graduação em Educação/ UFRR. Doutora em História na Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF), em 2016. Pesquisadora Visitante na Universidade
de Lisboa (Lisboa/ Portugal), pelo Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior
(PDSE), entre 2014 e 2015. Mestre em História pela Universidade Federal de Ouro
Preto (UFOP), em 2010. Bacharel e Licenciada em História pela Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), em 2005. Organizou com Maria
Clara Ferreira, o livro Associações religiosas leigas de negros, pardos e brancos nas
Minas do Ouro, em 2015. Colaboradora/ Colunista na Revista Contemporartes
Revista Semanal de Difusão Cultural (2018-2020). Organizadora da Coleção
História do Tempo Presente em conjunto com Tiago Siqueira Reis, Carla
Monteiro de Souza e América de Lyra Jr. Coordenadora do projeto “Capacitação
e identificação de bens culturais, junto às comunidades de religiosidade de matriz
africana e afro-brasileira mapeadas pelo IPHAN/RR entre os anos de 2016 e 2018,
em Boa Vista/RR” (2018-2021). Líder do Grupo de Pesquisa História Colonial
e Ensino de História. Dedica-se a temas relacionados ao Ensino de História,
Relações Étnico-Raciais, História do Tempo Presente e História do Brasil Colonial.

RAFAELA PINHEIRO SOUZA


Graduanda em História pela Universidade Federal de Roraima, membro do Núcleo
de Estudos Afro Brasileiro e Indígena (UFRR) e do Grupo de Pesquisa História Colonial
e Ensino de História. Possui interesse de pesquisa nas áreas de relações Étnicos-Raciais,
Racismo Estrutural, História Cultural e Movimento Hip-Hop.

RAIMUNDA GOMES DA SILVA


Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


199
Carla Monteiro de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

Licenciada em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora


do Curso de Licenciatura em História na Universidade Estadual de Roraima,
vinculada ao Mestrado Acadêmico em Educação da mesma Instituição em
associação com o Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Estado
de Roraima e colaboradora no Mestrado Profissional em Ensino de História
na Universidade Federal de Roraima. Atua nas temáticas Gênero, História
das Mulheres, Deslocamentos, Ensino de História, História Oral, Identidade,
Educação e Interculturalidade. Coordenadora do Grupo de Estudos de
Gênero, Cultura e Deslocamentos (GCD), o projeto de pesquisa Experiência de
professoras nos programas de pós-graduação em educação: formação e relações
de gênero (região norte: 2010 - 2020) e autora do livro “Deslocamentos,sonhos,
desafios e identidades: mulheres nordestinas em Boa Vista (1985 - 2000)”, 2020.

RONISON DO NASCIMENTO DE SOUSA


Mestre em Ensino de História (PROFHISTÓRIA) pela Universidade
Federal de Roraima (UFRR). Licenciado em História pela Universidade Federal
de Roraima. Professor Efetivo de História na Educação Básica, no Governo do
Estado de Roraima, vinculado à Secretaria de Estado da Educação de Roraima
(SEED/RR). Atua nas seguintes temáticas: Ensino de História, Jogos Digitais,
Games e Gamificação; Metodologias de Ensino de História e Aprendizagem
significativa; História Oral e Migração.

RUTEMARA FLORENCIO
Mestre em Educação pela UNESA/RJ. Doutoranda em Educação pela TUIUTI/
PR. Professora de História no Ensino Fundamental e Médio da Rede Estadual de
Roraima desde 2002 e do Ensino Superior. Educadora Nota 10 de 2019.

SUELEN MAYANE DE MATOS GALVÃO


Especialista em Metodologias de Ensino de História e Geografia pela UNINTER.
Professora efetiva de História da Educação Básica, no Governo do Estado de
Roraima, vinculado à Secretaria de Estado da Educação de Roraima (SEED/RR).
Atua nas seguintes temáticas: Ensino de História, Metodologias diferenciadas na Sala
de aula/ jogos e ludicidade. Foi professora supervisora no Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência PIBID/UFRR (2011-2014).

TIAGO NICOLAU DA SILVA


Graduado em História pela Universidade Federal de Roraima (UFRR).
Participou no período de 2021 a 2022 na qualidade de bolsista do Programa de

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


200 I
Carla Monteiro de Souza - Marcella Albaine Farias da Costa

Iniciação Científica na UFRR desenvolvendo o projeto “Ensino de História e


Educação Antirracista: o enfrentaamento ao racismo religioso a partir do estudo
das religiões de matriz afro-brasileira em Boa Vista/RR”. Possui interesse de
pesquisa nas áreas de ensino de História; cultura negra; religiosidade de matriz
africana e afro-brasileira e racismo religioso.

Pesquisas e Experiências em Ensino de História


201
Esta publicação é a primeira de muitas que o
Programa de Pós-Graduação Profissional em Ensino de
História da UFRR pretende realizar, fruto da parceria entre
o nosso corpo docente e discente e demais colegas da
Educação Básica, fortalecendo a relação que alicerça e
define o PROFHISTÓRIA. Está dividida em duas seções,
nas quais apresentamos pesquisas e reflexões oriundas
do curso de mestrado e experiências de professores/as
da rede estadual de ensino de Roraima.

Para marcar este grande começo, contamos,


ainda, com o "auxílio luxuoso" do artista plástico
Makdones Santos de Almeida, o Danes, indígena
profundo conhecedor da cultura e das gentes de
R o r a im a , q u e c r i o u a o b r a q u e está na c a p a
especialmente para este livro. Segundo o autor, a
mandala simboliza união, solidariedade, colaboração, um
círculo virtuoso em que muitos se ligam e interagem.
Repleta de referências à cultura indígena local, a obra
nos remete ao ciclo sem fim do ensinar e aprender, de
construir conhecimentos e compartilhá-los por meio de
parcerias, sempre de mão dadas. Danes, fica aqui nosso
agradecimento!

C U L T U R A L
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C] PROFHISTÓRIA
MESTRADO PROFISSIONAL
EM ENSINO DE HISTÓRIA
UFRR

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