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Nazaré Maria de Albuquerque Hayasida
Gisele Cristina Resende
organizadoras

Produções teórico-práticas
nos contextos de saúde

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Comitê Científico
Presidente
Yvone Dias Avelino (PUC/SP)
Vice- presidente
Pedro Paulo Abreu Funari (UNICAMP)
Membros
Alfredo González-Ruibal (Consejo Superior de Investigaciones Científicas-Spanish
National Research Council e Institute of Heritage Sciences)
Alexandre de Oliveira (IFRO - Porto Velho - RO)
Ana Paula Nunes Chaves (UDESC - Florianópolis/SC)
Barbara M. Arisi (UNILA - Foz do Iguaçu/PR)
Benedicto Anselmo Domingos Vitoriano (Anhanguera – Osasco/SP)
Carmen Sylvia de Alvarenga Junqueira (PUC/SP - São Paulo/SP)
Claudio Carlan (UNIFAL - Alfenas/MG)
Cristian Farias Martins (UFAM - Benjamin Constant/AM)
Denia Roman Solano (Universidade da Costa Rica)
Edgard de Assis Carvalho (PUC/SP - São Paulo/SP)
Estevão Rafael Fernandes (UNIR - Porto Velho/RO)
Fábia Barbosa Ribeiro (UNILAB – São Francisco do Conde/BA)
Gilson Rambelli (UFS - São Cristóvão/SE)
Graziele Acçolini (UFGD – Dourados/MS)
Heloisa Helena Corrêa (UFAM - Manaus/AM)
José Geraldo Costa Grillo (UNIFESP - Guarulhos/SP)
Júlio Cesar Machado de Paula (UFF – Niterói/RJ)
Karel Henricus Langermans (Anhanguera - Campo Limpo - São Paulo/SP)
Kelly Ludkiewicz Alves (UFBA - Salvador/BA)
Lilian Marta Grisólio (UFG - Catalão/GO)
Lucia Helena Vitalli Rangel (PUC/SP - São Paulo/SP)
Luciane Soares da Silva (UENF – Campos de Goitacazes/RJ)
Marilene Corrêa da Silva Freitas (UFAM – Manaus/AM)
Odenei de Souza Ribeiro (UFAM – Manaus/AM)
Patricia Sposito Mechi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Paulo Alves Junior (FMU - São Paulo/SP)
Raquel dos Santos Funari (UNICAMP – Campinas/SP)
Renata Senna Garrafoni (UFPR - Curitiba/PR)
Rita de Cassia Andrade Martins (UFG – Jataí/GO)
Thereza Cristina Cardoso Menezes (UFRRJ - Rio de Janeiro/RJ)
Vanderlei Elias Neri (UNICSUL - São Paulo/SP)
Vera Lúcia Vieira (PUC - São Paulo/SP)
Wanderson Fabio Melo (UFF – Rio das Ostras/RJ)

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Nazaré Maria de Albuquerque Hayasida
Gisele Cristina Resende
organizadoras

Produções teórico-práticas
nos contextos de saúde

Embu das Artes


2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CONSELHO EDITORIAL
Presidente
Henrique dos Santos Pereira

Membros
Antônio Carlos Witkoski
Domingos Sávio Nunes de Lima
Edleno Silva de Moura
Elizabeth Ferreira Cartaxo
Spartaco Astolfi Filho
Valeria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel

COMITÊ EDITORIAL DA EDUA


Louis Marmoz - Université de Versailles
Antônio Cattani - UFRGS
Alfredo Bosi- USP
Arminda Mourão Botelho - UFAM
Spartacus Astolfi - UFAM
Boaventura Sousa Santos - Universidade de Coimbra
Bernard Emery - Université Stendhal-Grenoble 3
Cesar Barreira - UFC
Conceição Almeira - UFRN
Edgard de Assis Carvalho - PUC/SP
Gabriel Conh - USP
Gerusa Ferreira - PUC/SP
José Vicente Tavares - UFRGS
José Paulo Netto - UFRJ
Paulo Emílio - FGV/RJ
Élide Rugai Bastos - UNICAMP
Renan Freitas Pinto - UFAM
Renato Ortiz - UNICAMP
Rosa Ester Rossini - USP
Renato Tribuzy – UFAM

Reitor
Sylvio Mário Puga Ferreira

Vice-Reitor
Jacob Moysés Cohen

Editor
Sérgio Augusto Freire de Souza

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© by Alexa Cultural

Direção
Gladys Corcione Amaro Langermans
Nathasha Amaro Langermans
Editor
Karel Langermans
Capa
Klanger
Editoração Eletrônica
Alexa Cultural
Revisão Técnica
Michel Justamand

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

H413n - HAYASIDA, Nazaré Maria de Albuquerque


R433g - RESENDE, Gisele Cristina

Produções teórico-práticas nos contextos de saúde, Nazaré Maria de Al-


buquerque Hayasida e Gisele Cristina Resende - organizadoras, Manaus:
EDUA; São Paulo: Alexa Cultural, 2020.

14x21cm - 290 páginas

ISBN - 978-85-5467-156-3

1. Psicologia, 2. Processos psicológicos, 3. Artigos, 4. Processo psi-


cossocial, 5. Amazônia, I-Título, II-Sumário, III-Bibliogra ‘
CDD - 151

Índices para catálogo sistemático:


1. Psicologia
2. Processos
3. Amazonas
4. Artigos

Todos os direitos reservados e amparados pela Lei 5.988/73 e Lei 9.610

Alexa Cultural Ltda Editora da Universidade Federal do


Rua Henrique Franchini, 256 Amazonas
Embú das Artes/SP - CEP: 06844-140 Avenida Gal. Rodrigo Otávio Jordão Ramos,
alexa@alexacultural.com.br n. 6200 - Coroado I, Manaus/AM
alexacultural@terra.com.br Campus Universitário Senador Arthur Virgilio
www.alexacultural.com.br Filho, Centro de Convivência – Setor Norte
www.alexaloja.com Fone: (92) 3305-4291 e 3305-4290
E-mail: ufam.editora@gmail.com

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Agradecemos à FAPEAM pelo incentivo ao
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Amazonas.

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Apresentação do PPGPSI – UFAM

O Programa de Pós-Graduação em Psicologia- PPGPSI oferece


o curso em nível de Mestrado, sendo o único mestrado em Psicologia
no Estado do Amazonas, respondendo a uma demanda de expansão da
formação em Psicologia em nível superior no estado, atendendo a uma
demanda própria da qualificação dos psicólogos no estado do Amazo-
nas, bem como visa responder à política de expansão dos programas
de pós-graduação na região Norte, face à necessidade de formação de
quadros de docentes e de pesquisadores neste contexto.
Dentre as diretrizes e metas da Universidade Federal do Amazo-
nas, consta a oferta dos cursos de pós-graduação em nível de Mestrado
e Doutorado nas diversas áreas do conhecimento, sendo o PPGPSI um
dos programas que integra a política da UFAM, com a responsabili-
dade em pensar problemáticas da região Amazônica, tendo em vista a
produção e expansão do conhecimento científico através da formação
de quadros profissionais qualificados.
Nesta perspectiva, o curso de Mestrado em Psicologia vem cor-
respondendo às demandas e políticas científicas locais e nacionais, efe-
tivamente formando pesquisadores e docentes para o ensino superior.
A formação ético-crítica reflete em uma produção local que articula os
conhecimentos teóricos e metodológicos afeitos ao conhecimento uni-
versal da Psicologia, com o estudo de temáticas vinculadas à realidade
sócio-regional.
O impacto da produção acadêmica já se faz sentir nas políticas
públicas locais relativas à promoção de saúde e desenvolvimento so-
cial e humano em diversas áreas, tais como: políticas de saúde mental,
atenção básica, saúde do trabalhador; atenção ao adolescente em con-
flito com a lei; atenção a pacientes, familiares, trabalhadores e grupos
sociais relacionados ao câncer e AIDS; identidades e diversidade so-
cial no contexto amazônico; educação e assistência social.
Sendo o único Curso de Mestrado no Amazonas, considerou-se
a amplitude das demandas identificadas, apresenta uma proposta de
programa que contempla a diversidade necessária às demandas do con-
texto amazônico e brasileiro, com duas linhas de pesquisa abrangentes
- Processos Psicossociais (1) e Processos Psicológicos e Saúde (2).

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Linha 01: Processos Psicossociais
Trata de pesquisas relacionadas à produção da subjetividade
presente no comportamento humano nas diversas dimensões psicos-
sociais, na relação entre pares ou entre grupos sociais, ou na relação
pessoa-ambiente, buscando compreender essa produção psicossocial e
cultural numa perspectiva histórica e socioambiental contextualizada
na realidade amazônica.

Linha 2: Processos Psicológicos e Saúde


Integra pesquisas voltadas para a promoção de saúde e práticas
terapêuticas em diferentes espaços (políticas públicas de saúde, promo-
ção de saúde no trabalho, na educação), partindo de diversas matrizes
teóricas e metodológicas, voltadas para a produção de conhecimento
sensível às especificidades amazônicas e implicado na transformação
social.

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PREFÁCIO

Os organizadores nos presenteiam com um livro técnico que


produzirá grande efeito na prática profissional dos leitores, além de
tornar visível a produção científica do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Amazonas – Mestrado acadê-
mico, único no estado Amazonense. O Programa de Pós-graduação
atende duas linhas de pesquisa que foram abarcadas com muita pro-
priedade nesse livro: processos Psicossociais; e Processos Psicológicos
e Saúde. O livro foi desenvolvido em três sessões: na seção I os capítu-
los centralizam na saúde física e mental no contexto universitário, uma
vez que esse será o profissional do amanhã e carece de intervenções
preventivas e de tratamento; já a seção II mostra um panorama das
intervenções clínicas em diferentes populações, e por fim, na seção III
os autores discorrem sobre teorias que vão dar base para intervenções
em saúde, dando ênfase na Terapia do Esquema (TE), abordagem atual
e inovadora
Na seção I, onde o foco são os universitários, têm-se de iní-
cio o capítulo 1 que proporciona a discussão sobre a saúde física dos
estudantes, a qual apresenta vulnerabilidades devido ao estilo de vida
característico dessa população. No capítulo 2, a saúde mental dos uni-
versitários toma mais atenção, e aponta o quanto o sofrimento psíquico
é alto entre os estudantes, fazendo com que seja cada vez mais relevan-
te investir em ações de suporte aos mesmos. No capítulo 3, os auto-
res apresentam uma alternativa de protocolo de intervenção que busca
atentar a mais uma necessidade dessa população: dificuldades em habi-
lidades sociais. Finalizando essa seção, o capítulo 4 busca oferecer um
olhar para estudantes de Pós-graduação, os quais também veem apre-
sentando sofrimento devido às demandas e exigências acadêmicas.
A seção II que traz aspectos relacionados à saúde de populações
de risco e vulnerabilidade, tem no capítulo 5, a apresentação de casos
de mulheres, mães, e o quanto as redes de apoio de fato auxiliam e
fornecem assistência na maternidade. No capítulo 6, os autores trazem
a relevância de compreender como a obesidade pode provocar conse-
quências na infância tanto clínicas como psicológicas e como avaliar
aspectos sobre o tema em pacientes. Com o capítulo 7, é apresentada
a relação próxima entre aspectos cognitivos e de personalidade na De-
pressão, apontando o quanto complexo pode ser essa compreensão de
uma das principais psicopatologias que acomete os indivíduos mun-

- 13 -
dialmente e no Brasil. No capítulo 8, novamente a população de mu-
lheres tem atenção, mas para aprofundar uma realidade que vêm cres-
cendo, a situação de violência em suas diferentes formas: psicológicos,
física, emocional, dentre outras. No capítulo 9, mais uma população
é apresentada, a qual vem sendo estudada e tendo visibilidade nos úl-
timos tempos: travestis e mulheres transexuais. O objetivo foi com-
preender como é o cuidado e atenção à sua saúde, buscando discorrer
sobre experiências de vida e políticas e diretrizes para a população. Por
fim, o capítulo 10, termina com um relato sobre a saúde mental infantil
no Amazonas e no Brasil.
Destaca-se na seção III o foco na TE, modelo em expansão
no mundo e que no Brasil se mostra uma abordagem promissora no
tratamento psicológico de problemas complexos, como os problemas
de personalidade. O capítulo 11 visa apresentar ao leitor conceitos teó-
ricos com os fundamentos da teoria, bem como os instrumentos de ava-
liação relacionados à TE recentemente adaptados para uso no Brasil. O
capítulo 12 aborda a aplicabilidade da TE focada nos comportamentos
aditivos baseado no modelo de Samuel Ball, o principal utilizado para
essa população e que vem demonstrando evidências científicas. Finali-
zando a seção, o leitor vai se deparar com o capítulo 13, o qual aborda
questões da política em saúde mental no Brasil, discutindo a possibili-
dade de transformação efetiva das práticas em saúde no sentido de sua
maior democratização e de construção da cidadania.
Dessa forma, o livro “Produções teórico-práticas nos contex-
tos de saúde” tem potencial de fornecer aos leitores interessados na área
de ciências da saúde, sendo um material acessível e de grande utilidade
para estudantes e profissionais. Além disso, compila temas, abordagens
e intervenções atuais e com embasamento técnico-científico.

Profa. Dra. Margareth da Silva Oliveira


Profa. Pesquisadora de Pesquisa Produtividade CNPq-1C
Profa. Permanente do Programa de Pós-Graduação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS
Membro da Diretiva da ALAPCCO (Laboratório de Intervenções
Cognitivas- atualmente Tesoureira 2019-2021)
Coordenadora do GT: Processos, Saúde e Investigação em uma
perspectiva cognitivo- comportamental na Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP)

- 14 -
SUMÁRIO

Apresentação do PPGPSI – UFAM


- 11 –

PREFÁCIO
- 13 –

SEÇÃO I
SAÚDE NO CONTEXTO UNIVERSITÁRIO

ESTILO DE VIDA, VULNERABILIDADES PARA DOENÇAS


CARDIOVASCULARES E TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS EM
UNIVERSITÁRIOS
Nazaré Maria de Albuquerque Hayasida, Sthefany Ramayane de Araújo Flor,
Vitória Guimarães de Souza, Bruno de Albuquerque Hayasida,
Leonardo de Albuquerque Hayasida, Raissa Lunara Rodrigues da Silva,
Bianca Nunes Régis, Natália Lenzi Nodari, William Bruno Batalha,
Iamille Lourany Sepúlvida dos Santos e Isis Gabriela dos Santos Lemos
- 21 –

FATORES INDIVIDUAL, INTERPESSOAL E INSTITUCIONAL


INFLUENCIADORES NA SAÚDE MENTAL
DOS UNIVERSITÁRIOS
Gisele Cristina Resende e Nazaré Maria de Albuquerque Hayasida
- 41 –

DESENVOLVIMENTO DE PROTOCOLO EM HABILIDADES


SOCIAIS COM ÊNFASE NO ENSAIO COMPORTAMENTAL
EM UNIVERSITÁRIOS
Rosianny Nascimento dos Santos, Eduardo Oliveira de Souza e
Nazaré Maria de Albuquerque Hayasida
- 61 –

- 15 -
O IMPACTO DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
ACADÊMICO NO SOFRIMENTO E ADOECIMENTO DE ESTU-
DANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU NO BRASIL:
UM ENSAIO TEÓRICO
Carolina Jean Pinheiro, Ronaldo Gomes Souza e Rosângela Dutra de Moraes
- 83 –

SEÇÃO II
TEMAS E CUIDADOS EM SAÚDE

A MATERNIDADE DE MULHERES EM SOFRIMENTO PSÍQUI-


CO E A REDE DE CUIDADOS EM SAÚDE MENTAL
Djuliane Maria Gil Schaeken Rosseti e Denise Machado Duran Gutierrez
- 105 –

OBESIDADE INFANTIL
E CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS
Alcielle Libório Caranha, José Humberto da Silva Filho e
Solange Muglia Wechsler
- 129 –

CARACTERÍSTICAS COGNITIVAS, DE PERSONALIDADE E


SINTOMAS DEPRESSIVOS
Samuel Reis e Silva, José Humberto da Silva Filho e Solange Muglia Wechsler
- 145 –

GRUPOS DE JOVENS CONVERSANDO SOBRE O SOFRIMEN-


TO DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
Stela Nazareth Meneghel, Montserrat Sagot e Fernanda Souza de Bairros
- 161 –

O CUIDADO COM A SAÚDE E IDENTIDADE DE GÊNERO:


A ESCUTA DE TRAVESTIS E MULHERES TRANSEXUAIS
VIVENCIANDO A PROSTITUIÇÃO
NA CIDADE DE MANAUS/AM
Hellen Yuki Costa Miwa e Ewerton Helder Bentes de Castro
- 177 –

- 16 -
A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA SAÚDE MENTAL INFANTIL
NO BRASIL E NO AMAZONAS:
O RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
Hítalla Fernandes dos Santos e Adriana Rosmaninho Caldeira de Oliveira
- 199 -

SEÇÃO III
TEORIAS EM SAÚDE

TERAPIA DO ESQUEMA: TEORIA E


AVALIAÇÃO INTERVENTIVA
Edvania Oliveira Barbosa, Nazaré Maria de Albuquerque Hayasida,
Ronaldo Braga Dantas Filho e Vitória Guimarães de Souza
- 221 –

TERAPIA DO ESQUEMA
E USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Karen P. Del Rio Szupszynski e Flávia Salomoni Mansano
- 239 –

CLÍNICAS DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO:
TERRITÓRIOS EM CONSTRUÇÃO
Rinaldo Conde Bueno, Izabel C. Friche Passos e Cláudia M. Filgueiras Penido
- 257 –

AUTORES
- 283 -

- 17 -
- 18 -
Seção I

Saúde no Contexto Universitário

- 19 -
- 20 -
ESTILO DE VIDA, VULNERABILIDADES
PARA DOENÇAS CARDIOVASCULARES
E TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS EM
UNIVERSITÁRIOS
Nazaré Maria de Albuquerque Hayasida
Sthefany Ramayane de Araújo Flor
Vitória Guimarães de Souza
Bruno de Albuquerque Hayasida
Leonardo de Albuquerque Hayasida
Raissa Lunara Rodrigues da Silva
Bianca Nunes Régis
Natália Lenzi Nodari
William Bruno Batalha
Iamille Lourany Sepúlvida dos Santos
Isis Gabriela dos Santos Lemos

Resumo: O estilo de vida (EV) relaciona-se à melhora ou à piora da saúde física


e mental da qualidade de vida dos indivíduos. Jovens adultos de hoje represen-
tam a primeira geração da história moderna a ser menos saudáveis que seus pais,
devendo-se aos comportamentos que afetam a saúde destes jovens. Este capítulo
tem como objetivo tomar em questão alguns dos achados de um estudo quanti-
tativo-descritivo, especialmente no que tange a identificar os fatores do EV que
vulnerabilizam os jovens universitários da área da saúde a desenvolverem Doenças
cardiovasculares (DCV), da Universidade Federal, no Amazonas. Nesse sentido, é
importante refletir sobre os EV não-saudáveis que podem comprometer a qualida-
de da aprendizagem, produtividade pessoal e profissional desses jovens.

Introdução
As doenças cardiovasculares (DCV), citadas pelo Ministério
da Saúde (2011-2020) e Simão et al. (2013) são as responsáveis pelas
principais causas de morte e incapacidade no Brasil (31,3%) e no mun-
do (30%), tem sido tratadas como prioridade atencional das políticas
públicas de saúde na maior parte dos países (World Health Organiza-
tion [WHO], 2013). Estratégias mundiais (WHO, 2013) e nacionais
(Brasil, 2011-2020) foram elaboradas a fim de prevenir e controlar a
incidência dessas enfermidades que, continuarão liderando as mortali-
dades no mundo até 2020 (WHO, 2013). O impacto social e econômi-
co das DCV se interrelacionam num agravo mútuo por atingir parte da

- 21 -
população em plena produtividade e gerar custos elevados com trata-
mentos e internações às instâncias governamentais (Simão et al., 2013;
Goulart, 2011).
Pellanda (2014), Lúcio (2006), Barreto, Passos e Giatti (2009)
e Moreira, Pessoa e Martins (2018) referem que, embora as DCV apa-
reçam com maior frequência na vida adulta, são em fases anteriores
(infância e adolescência) que começam a se instalar, em um processo
silencioso e assintomático, por meio da exposição contínua aos fatores
comportamentais de riscos, também chamados de “modificáveis”: ta-
bagismo, consumo excessivo de álcool, obesidade, hábitos alimentares
pouco saudáveis, sedentarismo, ansiedade, depressão, raiva, hostilida-
de, suporte social insuficiente, status socioeconômico baixo e estresse
no trabalho e na vida familiar. Referidos por WHO (2013), Hayasida
(2010) e Rozanski, Blumental, Davidson, Saab e Kubzansky (2005)
existem, também, os fatores não modificáveis ou incontroláveis que
são: idade, gênero e histórico familiar de saúde.
Os jovens adultos de hoje representam a primeira geração da
história com tendência a serem menos saudáveis que seus pais (Roll-
nick, Miller & Butler, 2009) e isto se deve à complexidade do contexto
histórico-social vivenciado por eles, juntamente com a necessidade de
adaptação a fase de transição para a vida adulta, marcada culturalmente
pelo desenvolvimento profissional, com o ingresso na universidade.
Diante das novas responsabilidades e funções que adquirem, exigência
de bons desempenhos combinadas ao afastamento de casa (desampa-
ro), tomadas de decisões individuais e falta de direcionamento, o que
se instala um período de vida potencialmente gerador de estresse e de
vulnerabilidades à saúde desses indivíduos. Joia (2010) apontou que
estes, por sua vez, acabam por ter, também, autonomia para conhecer,
experimentar e adotar novos hábitos e comportamentos, justificados e
aceitos pelo EV do universitário, que poderão produzir danos à saúde.
Compreender essas modificações e identificar os fatores mais
prejudiciais à saúde cardiovascular de jovens universitários, a fim
de prever danos e tentar, à medida do possível, controlá-los na vida
adulta, configura um amplo compromisso social e econômico com a
saúde, a curto, médio e longo prazo, sobretudo em se tratando de uni-
versitários das áreas da saúde. Estes têm sido alvo de estudos (Malta,
Andrade, Oliveira, Moura, Prado & Souza, 2019; Paixão, Dias & Pra-
do, 2010; Petribú, Cabral & Arruda, 2010; Franca & Colares, 2008)
demonstrados através de resultados alarmantes acerca de comporta-

- 22 -
mentos de riscos em relação ao cuidado com a própria saúde. Teixeira,
Dias, Wottrich e Oliveira (2008) referem que, paradoxalmente, esses
indivíduos representam a qualidade produtiva de saúde no futuro, pois
serão agentes orientadores do EV saudável, uma vez que esta medida
é exigida em todos os níveis de intervenção nesse contexto, quer seja
na promoção ou reabilitação da saúde ou prevenção e tratamento de
doenças.
Neste sentindo, o estudo identificou as vulnerabilidades para
DCVe transtornos psicológicos no EV de jovens universitários dos
cursos da área da saúde. Situamos os participantes através dos dados
sociodemográficas; os padrões comportamentais que fornecerão subsí-
dios para avaliar e classificar o EV; e os níveis de ansiedade e depres-
são para, então, estabelecer análises sobre o EV dessa população.

As vulnerabilidades para as Doenças cardiovasculares


A presente pesquisa foi desenvolvida em 20171, composta por
411 jovens universitários da área de saúde: Educação Física (111), En-
fermagem (85), Farmácia (75), Fisioterapia (80) e Medicina (60), entre
18 e 28 anos. O principal objetivo foi identificar os fatores do EV que
vulnerabilizam os universitários a desenvolverem DCV. Os dados aqui
levantados através do questionário sociodemográfico foram elabora-
dos para viabilizar a aquisição e organização destes e investigar com-
portamentos do EV dos jovens universitários das áreas da saúde que
influenciam o desenvolvimento de DCV (Rollnick, Miller, & Butler,
2009; Rodriguez-Añez et al, 2008). Neles foram consideradas as se-
guintes dimensões: sociodemográficas, clínicas, comportamentos de
risco, comportamentos de saúde, histórico de saúde e histórico familiar
de saúde. Utilizou-se também o Inventário de Ansiedade e o Depressão
de Beck (BAI e BDI) (Cunha, 2001) e a Escala de Estilo de vida (Nahas,
Barros & Francalacci, 2000).
Foram incluídos na pesquisa todos os universitários matricula-
dos e referidos acima, que residiam em Manaus e aceitaram participar
voluntariamente da pesquisa, com assinatura do termo de consentimen-
to livre e esclarecido (TCLE). A pesquisa foi autorizada pelo comitê de
Ética da Universidade Federal do Amazonas (autorização CAEE no.
56651216.0.0000.5020).

1Este estudo é parte de um projeto maior que realizou a “Análise dos fatores de risco cardiovascular em
universitários da cidade de Manaus”, financiada pelo Centro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
- CNPq (Chamada Universal - McTI/CNPq n° 14/2013).

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Para o desenvolvimento desta reflexão subdividiu-se o texto em
três tempos: o Tempo I - Variáveis sociodemográficos, clínicas e
comportamentais, para caracterizar a amostra do estudo, destacando-
-se as variáveis sociodemográficas, clínicas e comportamentais. Na se-
quência, Tempo II - Estilo de vida e as vulnerabilidades serão apre-
sentados à avaliação do EV desta população, por meio da Escala de EV
e indicadas quais são as variáveis que conferiram vulnerabilidades à
saúde geral e saúde cardiovascular. E por fim, Tempo III - Ansiedade
e Depressão ao EV, para correlacionar os níveis dos sintomas
de ansiedade e depressão ao EV, a fim de identificar o quanto o estado
psicológico pode influenciar na seleção de comportamentos de saúde.

Tempo I - Variáveis sociodemográficas, clínicas e compor-


tamentais.
As variáveis sociodemográficas, clínicas e comportamentais são
aspectos que influem diretamente no EV e demonstram as vulnerabili-
dades desta população, por isso a importância de considerá-las no estu-
do. A Tabela 1 apresenta as características da população pesquisadas.

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Tabela 1 – Características sociodemográficas dos universitários
da área de saúde (n= 411).
Variáveis Sociodemográfica N %
Curso Educação Física 111 27,01%
Enfermagem 85 20,68%
Fisioterapia 80 19,46%
Farmácia 75 18,25%
Medicina 60 14,60%
Sexo Feminino 282 68,61%
Masculino 129 31,39%
Estado civil Solteiro 373 90,75%
União Estável 29 7,06%
Casado 6 1,46%
Divorciado 3 0,73%

Atividade Remunerada Não 294 71,53%


Sim 117 28,47%

Renda Familiar* <2 42 10,22%


2a4 137 33,33%
5a8 130 31,63%
>9 66 16,06%
Não sabe referir 36 8,76%

*Considerando o valor R$880,00, salário mínimo de 2016-2017.


Fonte: elaboração dos autores.

Os dados sociodemográficos demonstraram as características


dos estudantes avaliados e percebeu-se que a predominância foi do
curso de Educação Física que a maioria foi composta pelo sexo femi-
nino (68,61%), solteiros (90,75%), com idade média de 21,42 anos
(DP=2,95) e naturalidade predominantemente da região Norte do Bra-
sil (85,07%). A maioria (96,84%) possui Superior incompleto, sem
atividade remunerada (71,53%) – não trabalha ou faz estágio remune-
rado, com renda familiar de 2 a 4 salários (33,33%), no entanto, uma
frequência aproximada foi registrada no campo de 5 a 8 salários mí-
nimos (31,63%). Do total das religiões informadas, 67,51% praticam
a religião e 32,49% não praticam, sendo o maior predomínio de cató-

- 25 -
licos (49,64%), seguidos de evangélicos (33,33%), espíritas (9,25%),
adventista (0,24%) e sem religião (7,54%).
Esses dados evidenciaram que os estudantes estão em uma fase
do desenvolvimento em que o estudo é a atividade principal acom-
panhada de outra atividade remunerada, o que pode implicar em um
desgaste maior e influenciar no EV.
O Histórico pessoal de Saúde e Histórico familiar de Saúde é
apresentado na Tabela 2, conforme apontado pelos estudantes.
Tabela 2 – Histórico pessoal e familiar de saúde (n= 411).
Variável n %
Histórico de Saúde Transtorno Psicológico 36 8,76%
Colesterol Alto 34 8,27%
Outras doenças 33 8,03%
Não sabe referir 28 6,81%
Obesidade 15 3,65%
Diabetes Mellitus 3 0,73%
Hipertensão Arterial 2 0,49%
Doença Cardiovascular 2 0,49%
Câncer 1 0,24%
Histórico Familiar Hipertensão Arterial 249 60,58%
de Saúde Colesterol Alto 206 50,12%
Diabetes Mellitus 188 45,74%
Câncer 121 29,44%
Doença Cardiovascular 113 27,49%
Obesidade 100 24,33%
Transtorno Psicológico 78 18,98%
Tabagismo 70 17,03%
Etilismo (alcoolismo) 41 9,98%
Não sabe referir (família) 24 5,84%
Outra doença 16 3,89%
Fonte: elaboração dos autores.
Em relação às variáveis clínicas e comportamentais, foram ava-
liados Histórico pessoal de Saúde e Histórico familiar de Saúde, a
partir do somatório de diagnósticos individuais e dos familiares. Neste

- 26 -
sentido, as doenças que apareceram com maior frequência foram res-
pectivamente: transtorno psicológico (8,76%), colesterol alto (8,27%)
e outras doenças (8,03%) (das quais as mais referidas foram gastrite e
doenças respiratórias). Já os diagnósticos que apareceram com maior
frequência na família foram hipertensão arterial (60,58%), colesterol
alto (50,12%), diabetes mellitus (45,74%) e câncer (29,44%).
A frequência de universitários que utilizaram cigarro de tabaco
foi de 2,92%, dos quais somente 0,49% fizeram uso diário, enquanto a
maioria não fuma (97,08%). No entanto, 11,68% foram considerados
fumantes passivos, por terem fumantes em suas casas. Mais da metade
da amostra faz uso de bebidas alcoólicas: 35,77% consome raramente,
23,36% consome ocasionalmente e 3,89% consome frequentemente,
enquanto os outros 36,98% não ingerem. Em relação ao uso de subs-
tâncias ilícitas, 97,56% relataram não consumir e 2,44% consomem,
sendo 0,73% de consumo diário. No que tange à AF, 56,69% relataram
estar ativos, sendo que a maior frequência foi de uma a duas vezes/
semana (36,48%), seguida de três a quatro vezes/semana (36,05%) e
uma parcela menor na frequência sugerida pela WHO (2013): de cinco
ou mais vezes/semana (27,47%); enquanto 43,31% estavam sedentá-
rios. Quanto à composição de massa corporal, 18,38% dos acadêmicos
apresentaram sobrepeso e 5,15% apresentaram obesidade; adicional-
mente, em relação à amostra geral, 22,44% evidenciaram risco cardio-
vascular por meio da medição de circunferência abdominal, dos quais
8,82% estavam com risco aumentado, 9,07% com risco alto e 3,92%
com risco muito alto.

Tempo II- Estilo de vida e as vulnerabilidades


As vulnerabilidades que perpassam o EV foram apontadas a
partir dos hábitos dos estudantes que influem diretamente no EV sau-
dável ou não saudável e foram descritas na Tabela 3.

- 27 -
Tabela 3 – Análise do Estilo de Vida de universitário da saúde em
distribuição por cursos e Fatores que influenciam o Estilo de Vida dos
universitários da saúde (n=411)

Cursos e os Estilos de Vida


Estilo de Vida
Não saudável Saudável Total
Curso Educação Física 34 30,63% 77 69,37% 111
Enfermagem 59 69,41% 26 30,59% 85
Farmácia 34 45,33% 41 54,67% 75
Fisioterapia 39 48,75% 41 51,25% 80
Medicina 35 58,33% 25 41,67% 60
Total 201 48,91% 210 51,09% 411

Fatores que influenciam o EV (saudável e não saudável) N %

Não saudável
Consumo de álcool 169 84,08%
Qualidade ruim de sono 144 71,64%
Sedentarismo 134 66,67%
Massa Corporal Inadequada 75 37,31%
Consumo/Exposição ao tabaco 61 30,35%
Uso de drogas 16 7,96%
Dormir durante o dia 0 0,00%
Total 201 48,91%
Saudável
Não uso de drogas 206 98,10%
Massa Corporal Adequada 193 91,90%
Dormir durante a noite 190 90,48%
Não uso/exposição ao tabaco 187 89,05%
Atividade Física 166 79,05%
Não consumo de álcool 110 52,38%
Boa qualidade de sono 85 40,48%
Total 210 51,09%

Fonte: elaboração dos autores.

- 28 -
O curso de Educação Física teve a maior proporção de alunos
classificados com o EV Saudável, com 69,37%e 18,73% do total de
alunos da amostra. Em seguida, observou-se o curso de Farmácia
com 54,67% dos alunos do curso classificados como saudáveis, sendo
9,98% do total de participantes. Por fim, o curso de Fisioterapia clas-
sificou 51,25% de seus alunos como saudáveis, equivalente a 9,98%
do geral.
Os cursos de Enfermagem e Medicina concentraram mais alu-
nos classificados como não saudáveis. Na Medicina, 58,33% foram
considerados com EV não saudável, sendo 8,52% alunos da amostra
geral. O curso com o pior desempenho de saúde foi o de Enfermagem
(utilizando-se a escala de EV), com 69,41% dos seus alunos sendo
considerados com EV não saudável,expressando-se 14,36% do total
de alunos.
Os fatores comportamentais que mais influenciaram os resul-
tados do “EV não saudável” foram, respectivamente: o consumo de
álcool (84,08%), a baixa qualidade de sono, expresso por “não se sen-
tir descansado após sono” (71,64%), seguidos de sedentarismo ou AF
insuficiente (66,67%), composição de gordura corporal inadequada
(37,31%), exposição ao tabaco – avaliando-se o uso ativo, passivo e
ex-uso – (30,35%) e exposição às drogas (uso e ex-uso) (7,96%).
Quanto aos fatores que mais contribuíram para o EV saudável
nos universitários, foram: a não utilização de drogas (98,10%), segui-
dos da composição de gordura corporal adequada (91,90%), do turno
do sono – dormir durante o período noturno – (90,48%), não exposição
ao tabaco, AF (79,05%), não consumo de álcool (52,38%) e boa quali-
dade de sono (40,48%).
Considerando os fatores de risco (FR) para DCV, as variáveis
que indicaram maior vulnerabilidade para o desenvolvimento da doen-
ça, de acordo com o EV universitário, foram: o consumo de álcool, o
sedentarismo e/ou a AF insuficiente e a composição de gordura corpo-
ral inadequada, respectivamente.
A idade média dos universitários pesquisados foi de 21,42 anos
(a princípio, fora do risco). Todavia, a faixa etária é um fator crucial
para a compreensão e avaliação de risco cardiovascular. A aterosclero-
se inicia sua formação durante a infância, mas sua manifestação – en-
quanto patologia – ocorre, frequentemente, em fases adultas. Pesquisas
indicam que o risco para o desenvolvimento de DCV é duas vezes
maior em indivíduos com mais de 55 anos e, a cada 10 anos,esse risco

- 29 -
é duplicado (Nascimento-Neto, 2005). Entretanto, as DCV têm se ma-
nifestado em indivíduos cada vez mais jovens – dadas às exposições
e acúmulos de FR em idades precoces, sendo motivo de preocupação
e alerta, uma vez que jovens acometidos pela doença tem maus prog-
nósticos (Gama, Mussi, Pires & Guimarães, 2010; Scherr & Ribeiro,
2009).
Da amostra geral, 28,47% dos estudantes que exerciam algu-
ma atividade remunerada (incluindo emprego ou estágio), sugerindo-
-se que alguns jovens buscam atividades remuneradas para aquisição
de renda, seja para se manter financeiramente ou auxiliar a família.
É importante ressaltar que os cursos da saúde possuem carga horária
alta, com muitas práticas durante o período de formação, sobrecarga de
atividades e tempo reduzido para comportamentos protetivos à saúde,
como AF, horas de sono e rotina alimentar adequadas.
Os dados clínicos foram avaliados para observar possíveis diag-
nósticos realizados nessa população, constatando-se que as doenças
que apareceram com maior prevalência foram os Transtornos Psicoló-
gicos, Colesterol Alto e Outras Doenças (Gastrite e Doença Respirató-
ria). Embora as DVC não tenham aparecido como as mais prevalentes,
os transtornos psicológicos, mesmo que não especificados neste estu-
do, já são frequentemente relacionados com eventos cardiovasculares.
Isso se deve tanto pelas alterações fisiopatológicas agudas e perma-
nentes (que afetam o organismo dos indivíduos que as desenvolvem),
quanto pela associação a comportamentos de riscos – comer em ex-
cesso, uso de substâncias psicoativas e incapacitação para atividades
– que sofrem influência direta das emoções desagradáveis(ansiedade,
medo, raiva, estresse, cansaço), como uma forma instantânea de ali-
viar o desconforto emocional e substituí-lo pelo prazer. Logo, os fa-
tores psicológicos e comportamentais estão diretamente interligados à
medida que a redução da qualidade de um afeta a qualidade do outro
(Rozanski, Blumenthal, Davidson, Saab & Kubzansky, 2015; Roest,
Martens, Jonge & Denollet, 2010; Frasure-Smith & Lespérance, 2008;
Huffman, Christopher, Scott, Shweta & James, 2013).
O presente estudo classificou 48,91% dos universitários da área
da saúde com EV não saudável, ou seja, com comportamentos propí-
cios a causar disfunção à saúde, sobretudo a cardiovascular (foco deste
estudo). A preocupação é grande, sobretudo por se tratar de estudan-
tes da saúde, os quais logo responderão pelo cuidado com a saúde de

- 30 -
terceiros. Adicionalmente, significa que quase a metade da amostra
possui potencial risco de adoecimento.
Foram encontrados tanto resultados similares quanto divergen-
tes a esses em publicações científicas, sendo importante mencionar que
os resultados semelhantes advêm de estudos que avaliaram o EV por
meio dos comportamentos de risco isolados para o desenvolvimento
de doenças consideradas “crônicas” (Paixão, Dias & Prado, 2010; Pe-
tribú, Cabral & Arruda, 2009; Araújo, Freitas, Lima, Pereira, Zanetti
& Damasceno, 2014; Silva, Quadros, Gordia & Petroski, 2011; Gas-
parotto, Moreira, Gasparotto, Silva & Campos, 2013; Gasparotto, Gas-
parotto, Rossi, Moreira, Bontorin, Campos,2013), enquanto os diver-
gentes foram encontrados em pesquisas que avaliaram o EV por meio
de instrumentos específicos, que incluem comportamentos irrelevantes
para o estudo em questão, como por exemplo cinto de segurança, sexo
seguro e etc. (Santos, Saracini, Silva, Guilherme, Costa & Silva, 2014;
Inep, 2013; Leite & Santos, 2011; Quintino, Silva & Petroski, 2014).
As variáveis comportamentais que conferiram vulnerabilida-
de à saúde cardíaca da amostra em questão foram respectivamente:
o consumo de álcool, a qualidade ruim de sono, sedentarismo ou AF
insuficiente, composição de gordura corporal inadequada e a exposição
ao tabaco. O consumo de substâncias ilícitas e dormir durante o dia
(referindo-se ao hábito de trocar o dia pela noite e não regular ade-
quadamente as fases do sono) apareceram como as variáveis menos
frequentes.
O consumo de bebidas alcoólicas – comportamento de risco
mais associado ao EV não saudável no presente estudo – está cada vez
mais prevalente entre os jovens e no meio universitário, quase insti-
tuindo-se como “cultural” a fase de transição para a vida adulta. Nes-
te sentido, 63,02% dos participantes confirmaram fazer uso de álcool.
Resultados semelhantes (e até mais graves) foram encontrados, com
alerta ao aumento do consumo do álcool e dos padrões de consumo
cada vez mais abusivos (Nunes, Campolina, Vieira & Caldeira, 2012;
Silva, Malbergier, Stempliuk & Andrade, 2006).
Em estudos internacionais, o consumo de bebidas alcoólicas foi
similarmente sinalizado como um comportamento preocupante pela
magnitude com que se apresenta no meio universitário. Uma pesquisa
com estudantes da Bolívia indicou tolerância e permissividade ao con-
sumo de álcool nos homens e, correlacionou esta constatação a perda

- 31 -
de valores e habilidades importantes no período de formação, como o
autocuidado, autorrespeito, capacidade de reflexão e responsabilida-
des(Cabello & Silva, 2011).
Os comportamentos e hábitos de vida (sobretudo o consumo de
álcool e tabaco) interferem significativamente na qualidade do sono,
conforme estudo realizado com 662 universitários que buscou a corre-
lação entre a qualidade do sono e indicadores de saúde, em que a má
qualidade do sono foi prevalente em 96,4% da amostra. Ainda, esse
estudo indicou que o período na universidade é relacionado à quanti-
dade insuficiente de sono, consumo de substâncias (álcool, energéticos
e cafeína) e padrão alimentar que alteram as funções do sono (Araújo,
Freitas, Lima, Pereira, Zanetti & Damasceno, 2014). Outro estudo so-
bre EV relacionado à saúde de universitários apontou a importância de
conhecer os alimentos que deixam o cérebro mais ativos (ovos) e os
que tendem a diminuir sua performance e qualidade do sono (sandui-
ches, salgadinhos e refrigerantes) (Santos & Alves, 2009).
O comportamento sedentário foi o terceiro fator que mais indi-
cou vulnerabilidade à saúde cardiovascular neste grupo, o que indica
necessidade de intervenção imediata para modificação. A prevalên-
cia foi de 43,31% dos participantes, índice similarmente apresentado
em muitas pesquisas realizadas com universitários (Rollnick, Miller
& Butler, 2009; Inep, 2013; Araújo, Freitas, Lima, Pereira, Zanetti &
Damasceno, 2014; Gasparotto, Gasparotto, Rossi, Moreira, Bontorin
& Campos, 2013; Gasparotto, Moreira, Gasparotto, Silva & Campos,
2013). Além de ser fator potencializador de muitas doenças – cardio-
vasculares, obesidade, DM, dislipidemias, HAS, transtornos psicoló-
gicos, demências, neuromusculares e etc., o indivíduo sedentário não
é, em nenhuma hipótese, considerado saudável, mesmo com ausência
de sinais e sintomas clínicos de doenças. Isso se deve ao fato de o
funcionamento fisiológico se encontrarem disfunção, sendo um fato
agravante do estado geral de saúde (Vitorino, Barbosa, Sousa, Jardim,
& Ferreira, 2015; Gualano & Tinucci, 2011).

Tempo III - Ansiedade e Depressão ao EV


A ansiedade e a depressão que perpassam o EV são apontadas a
partir dos comportamentos que vão incidir nas atividades da vida diá-
ria, sobretudo no processo de formação escolar e formação profissional
que serão descritas na Tabela 4.

- 32 -
Tabela 4. Fatores Psicológicos (sintomas de ansiedade e depressão)
(n= 411).
Estilo de Vida
Total Não saudável Saudável
N n (%) n (%)
BAI Mínimo 273 132 (48,35) 141 (51,65)
Leve 103 48 (46,6) 55 (53,4)
Moderado 27 16 (59,26) 11 (40,74)
Grave 8 5 (62,5) 3 (37,5)
Total 411 201 (48,91) 210 (51,09)

BDI Mínimo 293 132 (45,05) 161 (54,95)


Leve 85 47 (55,29) 38 (44,71)
Moderado 32 21 (65,63) 11 (34,38)
Grave 1 1 (100) 0 (0)
Total 411 201 (48,91) 210 (51,09)
Fonte: elaboração dos autores

Os resultados encontrados na avaliação de sintomas de ansie-


dade e depressão foram similares aos dos transtornos psicológicos
(8,76%). A frequência de universitários com níveis moderados e gra-
ves de sintomas de ansiedade foi de 8,52% e de sintomas de depressão
foi de 8,03%, indicando-se sofrimento significativo e prejuízo da qua-
lidade de vida, com necessidade de encaminhamento para avaliação e
tratamento. Contudo, tanto a universidade quanto os serviços de saúde
públicos carecem de espaço para atendimento específico desta popula-
ção, sendo esse um fator de atenção e ênfase deste estudo.
A ansiedade tem função adaptativa por preparar os indivíduos
para situações de “luta e fuga”, por meio da antecipação da ameaça, o
que pode vir a ser um problema quando o ambiente é percebido como
excessivamente ameaçador. As alterações físicas causadas pela ansie-
dade se assemelham aos sintomas de DCV e são de complexa admi-
nistração. É comum que indivíduos nesta fase de vida experimentem
sintomas de ansiedade, mesmo que leves – 25,06% dos estudantes
apresentaram nível leve de ansiedade –, mas, se não forem geridos ade-

- 33 -
quadamente, poderão se configurar como um transtorno, principalmen-
te quando comportamentos adictos e disfuncionais são selecionados
para aliviar a tensão promovida pela ansiedade (Rozanski, Blumenthal,
Davidson, Saab & Kubzansky, 2015; Frasure-Smith & Lespérance,
2008; Clark & Beck, 2012; Stallard, 2010; Chagas, Linares, Crippa,
Silva, Quevedo & Nardi, 2011; American Psychiatric Association,
2014; Fonseca, Coelho, Nicolato, Malloy-Diniz & Filho, 2009).
A depressão é três vezes mais frequente em indivíduos de 18-29
anos (período de vida de transições), e é considerada muito nociva ao
EV dos universitários por suas consequências de diminuição da qua-
lidade de vida, maior risco de desenvolver doenças crônicas (incluído
as cardiovasculares), baixa adesão a tratamentos físicos e psicológicos,
associada a comportamentos adictos e riscos de suicídio por compro-
meter a visão positiva da vida/futuro. Similarmente à ansiedade, os
comprometimentos começam em níveis leves e crescem proporcional-
mente a níveis moderados e graves, tendo atingido 20,68% dos univer-
sitários em nível leve. Pesquisas indicam que ser divorciado, separado
ou sem companheiro e com baixo status econômicos são fatores rela-
cionados à depressão (Rozanski, Blumenthal, Davidson, Saab, Kub-
zansky, 2015; American Psychiatric Association, 2014; Bromet et al.,
2011; WHO, 2015; Lépine & Briley, 2011; Celano & Huffman, 2011).

Considerações finais
De maneira geral, todos os comportamentos do EV estão cor-
relacionados, de forma que um altera a qualidade do outro simulta-
neamente, como também os fatores emocionais importantes para a
qualidade de vida, formação pessoal e formação profissional desses
indivíduos. A produção científica na área indica sempre a necessidade
de elaborar e instituir medidas de prevenção de doenças e cuidados à
saúde dos jovens universitários, o que é muito importante, pois este
estudo indica que o ambiente contribui para a seleção de comporta-
mentos de saúde, seja por dispor de espaços e condições para práticas
saudáveis de AF, alimentação e até a oferta de conhecimento, seja para
reforçar culturalmente hábitos adequados de saúde.
Programas e ações que fomentam um EV saudável configuram
um investimento público adequado, sobretudo ao nível de responsabi-
lidade social e educacional universitário, considerando-se que estilos
de vidas não saudáveis podem comprometer a qualidade da aprendiza-
gem e produtividade pessoal e profissional.

- 34 -
É importante ressaltar que parte dos comportamentos do EV que
indicam vulnerabilidade a saúde cardiovascular estão associados a uma
forma rápida de buscar regulação emocional, alívio e prazer diante das
dificuldades vivenciadas no período de formação universitária: consu-
mo de álcool, composição de gordura corporal inadequada, consumo
de tabaco e drogas. Enquanto os outros comportamentos demá qualida-
de de sono e de sedentarismo podem estar associados tanto como causa
quanto como consequência dos outros comportamentos.
Esta pesquisa reuniu dados oportunos para propor intervenções
voltadas ao cuidado da saúde dos acadêmicos. Para tanto, sugere-se,
como uma ação eficaz para reduzir os agravos à saúde desta população,
o investimento em serviços de saúde mental, para assim os acadêmicos
poderem aprender sobre como cuidar das emoções intensas e descon-
fortáveis inerentes às mudanças desta fase de vida, de forma instruída e
proficiente, entendendo como se dá a escolha de comportamentos e há-
bitos de vida sem que procurem prazer imediato, com acumulo de da-
nos e malefícios a saúde. A cultura do imediatismo prático e rápido,os
quais exigem uma formação potencializada, é a mesma que impede a
efetividade de adoção de um EV saudável. Valores como esses preci-
sam ser revistos e incluídos cuidados com a saúde mental nas diretrizes
e planos de cuidado com a saúde (Schmidt, Duncan, Silva, Menezes,
Monteiro & Barreto, 2011).

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FATORES INDIVIDUAL, INTERPESSOAL E
INSTITUCIONAL INFLUENCIADORES NA
SAÚDE MENTAL DOS UNIVERSITÁRIOS
Gisele Cristina Resende
Nazaré Maria de Albuquerque Hayasida

Resumo: A universidade é um espaço para o desenvolvimento de potencialida-


des humanas, contudo pode também ocasionar sofrimento e desencadear trans-
tornos mentais em alguns estudantes. Portanto, a saúde mental de universitários
é uma área de crescente preocupação e de pesquisas em todo o mundo, estudos
internacionais e nacionais apontam grande prevalência de transtornos mentais em
estudantes, o que afeta a saúde e a permanência na academia. O presente capítulo
objetiva apresentar pesquisas sobre a incidência de transtornos mentais nesta po-
pulação e algumas possíveis estratégias de intervenção para a promoção da saúde
e do bem-estar.

Introdução
A universidade configura-se como um espaço para o desenvol-
vimento humano dos estudantes, favorece em seus cursos o desenvol-
vimento de diversas habilidades e competências em níveis cognitivos,
emocionais e afetivos (Bardagi, 2007). É um espaço de construção de
relações, descoberta de objetivos, desejos e perspectivas de vida.
Com a entrada do jovem na universidade há a vivência de um
momento de transição na vida, significando o cumprimento de uma
tarefa iniciada, na maioria das vezes, na adolescência, que é a escolha
do curso, denominada escolha profissional, que determina a construção
da carreira a partir da tomada de consciência dos próprios interesses.
O desenvolvimento dos interesses profissionais pode ter início
na infância, assim como sua continuidade, durante a adolescência.
Erikson (1976 citado por Ribeiro, Uvaldo, Fonçatti, Audi, Agostinho
& Malki, 2016) afirma que nesta última fase os papéis sociais e ocupa-
cionais passam a ser desenhados, tais como, a exploração de interesses
profissionais, exploração de si mesmo (autoconhecimento), a explo-
ração do mundo e das possibilidades de ação (no plano educacional,
social e laboral) para a elaboração de um projeto de vida e de profissão/
carreira.
De acordo com a teoria desenvolvimentista dos interesses pro-
fissionais proposta por Donald Super (1953 citado por Lassance, Para-

- 41 -
diso & Silva, 2011) o desenvolvimento vocacional se caracteriza como
um processo ao longo do ciclo vital, no qual existem tarefas vocacio-
nais, compatíveis com cada faixa etária, ele é guiado pela maturação
de habilidades, interesses e recursos de enfrentamento da realidade em
busca do autoconceito ocupacional. O desenvolvimento vocacional
pode ser explicado em etapas, sendo: (i) crescimento (na infância), a
primeira etapa em que se espera o nascimento da consciência sobre a
importância de estabelecer um futuro, que pode ser elaborado ao longo
do crescimento e com o aprimoramento de habilidades, atitudes, nesta
fase alguns interesses são construídos e identificados; (ii) exploração
(adolescência), fase em que se inicia a ideia de campos e níveis de
trabalho, na qual interesses gerais começam a ser visualizados. Com o
avanço da adolescência as preferências vão se especificando, pois os
jovens são forçados a pensar na atividade de trabalho e finalmente há a
necessidade de que as preferências profissionais sejam concretizadas,
sendo esse o momento da implementação, em que muitos adolescentes
fazem a escolha da profissão e ingressam na universidade; (iii) o es-
tabelecimento, é a etapa que ocorre no início da fase adulta, o adulto
jovem estabiliza os interesses e pode consolidá-los em uma profissão
que o satisfaça e o faça progredir na carreira; o momento do estabele-
cimento culmina na entrada na universidade.
Ao cumprir a tarefa desenvolvimental da escolha da profissão
e ao ingressar na universidade, os estudantes podem sentir mudanças
em seu modo de vida, necessitando adaptar-se ao novo ambiente, sur-
gindo novas demandas pessoais, descobertas e frustrações. A adapta-
ção à universidade pode ser compreendida como processual e multidi-
mensional, pois envolve aspectos institucionais (normativas, horários
e cobranças), bem como as relações interpessoais construídas neste
ambiente (relações entre colegas de curso, relações com professores)
e a identificação vocacional, isto é, a identificação com o curso de for-
mação escolhido e as decisões de carreira (Bondan & Bardagi, 2008;
Ogushi & Bardagi, 2015). Novas necessidades e novos estressores
também surgem neste contexto, passam a fazer parte da vida do estu-
dante e influenciar em sua saúde, já que estes enfrentam muitas situa-
ções estressantes e provocadoras de ansiedade, não apenas em sua vida
acadêmica, mas também no campo de suas carreiras e vidas pessoais.
Em alguns indivíduos, problemas de ansiedade podem afetar
certas áreas da vida cotidiana, criando desconforto social em situa-

- 42 -
ções que, por sua vez, podem influenciar as escolhas relativas à sua
experiência na faculdade (Brandtner & Bardagi, 2009). Além disso,
a universidade é um importante ambiente para avaliar e abordar sobre
a saúde mental, isto porque a maioria dos transtornos mentais ocor-
re, na maioria das vezes, pela primeira vez, no início da idade adulta
(Kessler, Amminger, Aguilar‐Gaxiola, Alonso, Lee & Ustun, 2007), e
aproximadamente metade dos jovens adultos estão cursando o ensino
superior (U.S. Department of Education, National Center for Educa-
tion Statistics, 2007).

Transtornos mentais em estudantes universitários


Segundo a Organização Pan-America de Saúde (OPAS, 2018)
os transtornos mentais são caracterizados por uma combinação de
pensamentos, percepções, emoções e comportamento anormais, que
interferem nas relações interpessoais. Alguns exemplos são: a depres-
são, o transtorno afetivo bipolar, a esquizofrenia e outras psicoses, as
demências, deficiência intelectual e transtornos de desenvolvimento.
A sua incidência cresce a cada dia no mundo e impacta na saúde com
consequências sociais, econômicas e nos direitos humanos em todos
os países do mundo.
A OPAS (2018) aponta que os determinantes da saúde mental e
transtornos mentais incluem não apenas atributos individuais, como a
capacidade de administrar os pensamentos, as emoções, os comporta-
mentos e as interações com os outros, mas também os fatores sociais,
culturais, econômicos, políticos e ambientais, como as políticas nacio-
nais, a proteção social, padrões de vida, as condições de trabalho e o
apoio comunitário, por isso a necessidade de estudar a população em
todas as fases do desenvolvimento e em diversos contextos.
Os estudos epidemiológicos revelam que os transtornos mentais
apresentam maior probabilidade de surgimento no início da vida adul-
ta, a maioria dos problemas de saúde mental se desenvolve no início da
vida, com o aparecimento de 75% dos transtornos mentais ao longo da
vida ocorrendo aos 25 anos, incluindo problemas psicóticos, além de
depressão e ansiedade (Kessler et al., 2007; Cerchiari, 2004; Mowbray
et al., 2006 citados por Neves & Dalgalarrondo, 2007).
As demandas sobre os estudos podem substituir sua capacidade
de lidar, associado, em muitos casos, por sintomas psiquiátricos exis-
tentes ou recentemente manifestados. A saúde mental é uma preocu-
pação crítica nas universidades, segundo a American College Health

- 43 -
Association, 86% dos estudantes relatam sentir-se sobrecarregados por
suas responsabilidades; 57% experimentam ansiedade substancial; em
torno de 35% descreve sentir-se tão deprimido que fica difícil exercer
as tarefas; e aproximadamente 66% sofrem academicamente devido a
depressão, ansiedade ou estresse (American College Health Associa-
tion, 2015; Brown, 2016).
A maioria dos estudantes enfrenta desafios de saúde mental,
além do número inegavelmente crescente de acadêmicos que já in-
gressam na faculdade com comprometimentos psiquiátricos (Raue &
Lewish, 2011; Stein, 2013). A doença mental é mais alta entre jovens
de 18 a 24 anos, no entanto, nessa faixa etária é pouco provável que
procurem ajuda (Salzer, Wick & Rogers, 2008). Mesmo para estudan-
tes que tentam procurar assistência, os serviços de aconselhamento,
em geral, nas universidades possuem longas listas de espera para aten-
dimento, o que ocasiona na falta de um apoio e atenção necessários
voltados para o apoio aos estudantes no ensino superior e tampouco
na sua vida adulta (American College Health Association, 2015; Bro-
wn, 2016; Eisenberg, Downs & Golberstein, 2009; Eisenberg, Gollust,
Golberstein & Hefner, 2007; Wynaden, Wichmann & Murray, 2013).
O que se torna preocupante é o fato de 86% dos estudantes com
doença mental se retirarem da faculdade antes de concluírem um cur-
so, já que a falta da conclusão da graduação limita significativamente
as oportunidades de emprego e tem consequências a longo prazo para
renda e saúde (Collins & Mowbray, 2008; Eisenberg et al., 2009; Sal-
zer et al., 2008). Atualmente, novos fatores também estão associados
ao aumento do sofrimento dos estudantes universitários. Por exemplo,
Mishna, Regehr, Lacombe-Duncan (2018) descreveram uma alta taxa
de cyberbullying em uma universidade canadense. O compartilhamen-
to não consensual das imagens suscitou maior preocupação e quase
20% daqueles que sofreram bullying virtual relataram estresse e an-
siedade.
O estudo realizado na Servia, com 1624 estudantes, detectou
que a depressão foi o fator mais proeminente nesta população, Além
disso, foi sinalizada a incidência dos transtornos mentais na população
universitária de acordo com Pekmezovic, Popovic, Kisic e Tepavcevic
(2011), o que indicou que a necessidade de conhecimentos sobre os di-
ferentes fatores que influenciam a qualidade de vida dos universitários.
Bayram e Bilgel (2008) realizaram uma pesquisa sobre a pre-
valência e correlações sociodemográficas de depressão, ansiedade e
estresse em um grupo de 1.617 estudantes universitários turcos, usan-

- 44 -
do a Depression Anxiety and Stress Scale (DASS-42). Os resultados
demonstraram níveis de depressão, ansiedade e estresse de gravidade
moderada ou superior, sendo encontrados em 27,1, 47,1 e 27% dos
estudantes, com os escores de ansiedade e estresse maiores entre as
alunas. Os alunos do primeiro e do segundo ano apresentaram maio-
res escores de depressão, ansiedade e estresse do que os demais de
diferentes anos de curso. Os estudantes que estavam satisfeitos com
sua educação apresentaram menores escores de depressão, ansiedade
e estresse do que aqueles que não estavam satisfeitos. Concluiu-se que
a alta prevalência de sintomas de depressão, ansiedade e estresse entre
estudantes universitários é alarmante e mostra a necessidade de me-
didas de prevenção primária e secundária, com o desenvolvimento de
serviços de apoio adequados e apropriados para esse grupo.
No Brasil, um estudo sobre a incidência de transtornos mentais
em universitários, da Universidade Estadual de Campinas/São Paulo,
analisou em 1.290 estudantes, de ambos os sexos, dos cursos das áreas
de humanas, artes, profissões da saúde, ciências básicas, exatas e tec-
nológicas. Para tanto, utilizou um questionário sobre as variáveis so-
cioeconômicas e com o M.I.N.I. (Mini International Neuropsychiatric
Interview), uma entrevista diagnóstica padronizada breve, compatível
com os critérios do DSM-III-R/IV e da CID-10, destinada à utilização
na prática clínica e na pesquisa em atenção primária e em psiquiatria.
Os resultados apontaram que a prevalência de pelo menos um tipo de
transtorno mental nos estudantes foi de 58%, sendo 69% em mulheres
e 45% em homens (Neves & Dalgalarrondo, 2007).
Um estudo brasileiro, de Padovani, Neufeld, Maltoni, Barbosa,
Souza, Cavalcanti, & Lameu (2014), buscou identificar indicadores de
vulnerabilidade e bem-estar psicológicos em estudantes universitários,
a amostra foi de 3.587 estudantes, de ambos os gêneros, regularmente
matriculados em seis instituições de ensino brasileiras, constituída a
partir do banco de dados proveniente da avaliação de indicadores de
saúde mental. Aplicou-se os seguintes instrumentos: Inventário de Sin-
tomas de Stress para Adultos de Lipp, Maslach Burnout Inventory –
Student Survey, Inventário de Ansiedade Traço-Estado, Inventário de
Ansiedade de Beck, Inventário de Depressão de Beck, Self Reporting
Questionnaire e General Health Questionnaire - 12 itens. Os resulta-
dos apontaram em relação à sintomatologia de estresse, que em 783
indivíduos, a prevalência geral foi de 52,88%. Os sintomas ansiosos

- 45 -
foram avaliados em 709 estudantes, tendo uma prevalência de 13,54%.
O sofrimento psicológico foi avaliado em 1.403 graduandos, sendo que
39,97% da amostra apresentou tal sofrimento. O burnout, avaliado em
468 participantes do curso de medicina, indicou prejuízos em 5% da
amostra. Os resultados demonstram a vulnerabilidade dos estudantes
universitários e apontam para a necessidade de ampliar a discussão em
torno da saúde mental desta população.
Em Manaus/Amazonas, Borba (2018) estudou sintomas de an-
siedade social em estudantes da Universidade Federal do Amazonas.
Sua amostra foi 52 universitários de cursos de graduação das quatro
áreas do conhecimento: Humanas, Biológicas, Agrárias e Exatas. Uti-
lizou um Questionário Sociodemográfico, a Escala de Fobia Social –
Liebowitz (LSAS) e o Questionário de Ansiedade Social para Adultos
(CASO). Os resultados demonstraram o predomínio de 65,4% de es-
tudantes com sintomas suficientes para o diagnóstico de transtorno de
ansiedade social. Embora com uma pequena amostra, os achados são
significativos, pois com o predomínio de sintomas na maior parte do
grupo estudado, há o indicativo de que essa população esteja fortemen-
te sofrendo com os referidos sintomas e necessitado de intervenções
para que durante a permanência no ensino superior a saúde mental não
seja afetada.
Esses alunos estão, portanto, em um período de alto risco para o
desenvolvimento de problemas de saúde mental, por isso é vital com-
preender e oferecer apoio aceitável, eficaz e acessível a esse grupo po-
tencialmente vulnerável.
Com essas evidências é visível que as instituições educacionais
não estão fornecendo os apoios necessários para ajudar os alunos com
doenças mentais a ter sucesso. Apesar dos avanços e dos esforços para
promover a inclusão, pelas políticas públicas à saúde, os indivíduos
com manifestações psiquiátricas “permanecem amplamente desprovi-
dos no ensino superior “e enfrentam barreiras do sistema e dispari-
dades na participação” (Collins & Mowbray, 2005, p. 306; Hammel,
McDonald & Frieden, 2016; Kranke, Jackson, Taylor, Anderson-Fye
& Floersch, 2013; Murray, Lombardi & Kosty, 2014).
O atual sistema de ensino superior não foi projetado para estu-
dantes com deficiências ou doenças mentais. É comumente reconhe-
cido que esses indivíduos enfrentam barreiras à admissão, transição,
conclusão e graduação do curso (Best, Still, & Cameron, 2008). Isso é

- 46 -
evidente nas altas taxas de atrito e disparidades brutas de desempenho
acadêmico entre estudantes com deficiências psiquiátricas e estudantes
sem algum transtorno (Coduti, Hayes, Locke & Youn, 2016). A saúde
mental desafia sintomas de angústia - incluindo ansiedade aumentada,
dificuldade de concentração, desregulação emocional, insônia e estres-
se elevado - são problemas comuns para muitos estudantes universitá-
rios. Esse distanciamento emocional e psicológico tem o potencial de
impactar negativamente o desempenho, principalmente para estudan-
tes que também estão autogerenciando outros sintomas de deficiências
psiquiátricas (Burris, Brechting, Salsman & Carlson, 2009; Conley,
Durlak & Kirsch, 2015; Countryman, 2016; Kranke et al., 2013; Krei-
der, Bendixen & Lutz, 2015).
Pesquisas demonstram que a cura mental e emocional afeta
o desempenho acadêmico dos estudantes, o sofrimento da experiên-
cia tem maior probabilidade de sofrer comprometimento acadêmico
(Hunt, Eisenberg & Kilbourne, 2010; Keyes, Eisenberg, Perry, Dube,
Kroenke & Dhingra 2012). Estudantes com problemas psiquiátricos e
problemas de saúde mental, tratados e não tratados, obtiveram médias
mais notas baixas e maiores taxas de desistência do que seus pares
(Eisenberg et al., 2009). Ansiedade, depressão e estresse são prejudi-
ciais ao ajuste e ao desempenho acadêmico, social e contextos pessoais
(Conley et al., 2015; Zajacova, Lynch & Espenshade, 2005). Essa po-
pulação, os estudantes universitários, com problemas de saúde mental
estão em risco de sofrer consequências ao longo da vida, “porque suas
doenças mentais podem atrasar a obtenção de marcos de desenvolvi-
mento críticos para a vida adulta” (Kranke et al., 2013, p. 214; Ash-
wood & Tye, 2015).
Como articulado por Cleary, Walter & Jackson (2011), “a saúde
mental é uma base para o bem-estar e o sucesso acadêmico dos estu-
dantes” (p. 253). Ao não fornecer os apoios necessários que permitem
aos alunos adquirir ou manter a doença, o sistema de ensino superior
não está sustentando seu objetivo central de fornecer conhecimento
acessível e habilidades necessárias (Hunt, Eisenberg & Kilbourne,
2010).
Assim, faz-se necessário à detecção precoce da presença de fa-
tores de risco na vida do jovem adulto estudante, o planejamento e
a implementação de programas intervencionistas e preventivos, como
defendido por Lemos e Hayasida (2018).

- 47 -
Programas para a promoção de saúde mental em univer-
sitários
Para que a adaptação na universidade ocorra de forma saudável é
necessário que haja a possibilidade de um espaço de escuta e de acolhi-
mento das necessidades dos estudantes, sejam demandas identificadas
no processo de aprendizagem (questões pedagógicas e na construção
da trajetória acadêmica, dúvidas em relação ao curso ou carreira a ser
seguida) ou outras que surgirem, em que se articulam a aprendizagem e
a subjetividade (Tamashiro, Amaral, Martins, Celeri, & Bastos, 2019).
Borba e Hayasida (2015) apontam que os universitários são um
público com melhores instruções educacionais para a elaboração de
programas de educação em saúde, que podem ser estimulados a cui-
dar da saúde colaborar para a promoção de saúde pública no contexto
educacional, dessa maneira, prevenindo doenças físicas e mentais, de
modo a desenvolver melhores hábitos de vida.
Uma forma de intervenção é o aconselhamento, sendo mais con-
sistentemente oferecida gerando resultados positivos, demonstrados
em serviços que oferecem terapia psicodinâmica, terapia breve estru-
turada e terapia integrativa (Connell, Barkham, Mellor-Clark, 2008;
McKenzie, Murray, Murray & Richelieu, 2015). Mas a capacidade dos
serviços de aconselhamento de oferecer apoio a um grande número de
estudantes é limitada e, portanto, pode não ser apropriada como uma
intervenção de primeira linha. As abordagens e métodos alternativos
foram, portanto, sugeridos, em revisões recentes, e mostram evidên-
cias de intervenções eficazes usando a Terapia Cognitivo-Comporta-
mental (TCC) e suas modalidades (incluindo atenção plena) (Regehr,
Glancy & Pitts, 2013), intervenções computadorizadas (via Skype),
geralmente com a abordagem teórica TCC, oferecem o potencial, mas
sua aceitabilidade é problemática, pois a aceitação é baixa e a taxa de
abandono é alta (Musiat, Goldstone & Tarrier, 2014).
No Reino Unido (Macaskill, 2012 ) ou nos EUA (Eisenberg et
al., 2007 ), apesar da crescente demanda por serviços de aconselha-
mento, apenas cerca de um terço dos estudantes com problemas de
saúde mental buscam ajuda formal. É provável que busquem mais aju-
da de seus amigos e familiares do que de serviços formais (Rickwood,
Deane, Wilson & Ciarrochi, 2005 ). Os alunos costumam conversar
com amigos e familiares e raramente com o conselheiro quando eles
têm problemas (Oliver, Reed, Katz & Haugh, 1999).
O principal obstáculo mais comum para procurar ajuda foi as-
sumido como estigma. Por exemplo, estudantes de medicina temiam

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ser estigmatizados potencialmente por causa da atividade que exer-
cem (Chew-Graham, Rogers & Yassin, 2003), mas uma revisão so-
bre o estigma e da procura de ajuda em todas as idades mostrou que
esse era apenas o quarto maior obstáculo para buscar ajuda (Clement,
Schauman & Graham, 2015). As principais barreiras entre os estudan-
tes com problemas de saúde mental não tratados nos EUA estavam
“querendo lidar com questões por conta própria” e que “o estresse é
normal na faculdade / escola” (Eisenberg, Speer & Hunt, 2012). Da
mesma forma, Czyz, Horwitz e Eisenberg (2013) descobriram que os
estudantes suicidas consideravam o tratamento desnecessário ou não
tinham tempo ou preferiam o autogerenciamento, sendo o estigma ra-
ramente mencionado. Keyes, Eisenberg, Perry, Dube, Kroenke e Dhin-
gra (2012), evidenciou que outros fatores, como conceitos positivos
de saúde mental, podem explicar melhor as diferenças na procura de
ajuda, bem como tendências suicidas entre aqueles com problemas de
saúde mental diagnosticáveis.
Atualmente, a crescente demanda por ajuda formal não está
sendo atendida por muitos serviços. Essa demanda também é prova-
velmente subestimada, pois muitos estudantes não procuram ajuda,
acabam percebendo seus problemas relacionados ao estresse normal
da vida universitária e preferem gerenciá-lo sozinho. Se pretendemos
reduzir os problemas de saúde mental, principalmente porque eles per-
sistem ou se repetem, precisamos de intervenções eficazes e atraentes
para os alunos. Dado que o estigma não parece ser o principal obstácu-
lo, a conscientização para reduzir o estigma não seria eficaz e pode ser
potencialmente inútil (Arie, 2017; Wessely, 2005).
Segue, abaixo, outras estratégias de intervenção:

1 – Psicoeducação, apontada por Borba e Hayasida (2015),


identifica que universitários são um público com melhores instruções
educacionais para a elaboração de programas de educação em saúde
ou psicoeducação, devido ao grau de instrução escolar e a facilidade
de compreensão, pois podem ser estimulados a cuidar da saúde e co-
laborar para a promoção de saúde pública no contexto educacional,
prevenido doenças físicas e mentais para desenvolver melhores hábitos
de vida.
Essa forma de intervenção baseia-se no pressuposto de que
proporcionar aos alunos informações precisas sobre os possíveis pro-
blemas ou desafios que eles provavelmente enfrentarão durante seus

- 49 -
estudos e carreiras, os motivará a agir de maneira criteriosa e eficaz
para impedir ou resolver esses problemas à medida que surgirem. Por
exemplo, informar os alunos sobre ao se deparar com desafios e pres-
sões que provavelmente podem aparecer durante suas carreiras no en-
sino superior e identificar estratégias de enfrentamento úteis para esses
eventos, os ajudam a reduzir o nível de estresse futuro que experimen-
tarão. A situação é semelhante se o objetivo da intervenção for especi-
ficamente para prevenir outras formas de sofrimento emocional, como
depressão e ansiedade, ou problemas interpessoais, como solidão ou
conflito. Em suma, as intervenções psicoeducacionais assentam na pre-
missa de que receber informações precisas motivará os indivíduos a
agir efetivamente para evitar vários resultados negativos (Conley et
al., 2015).

2 – Grupos/debates e rodas de conversa, a discussão em grupo,


como a troca de experiências oferecem oportunidades ao relatar suas
experiências pessoais, receber apoio ou incentivo de outros, e reco-
nhecerem que suas experiências pessoais não são únicas. Além das
evidências encontradas por Conley et al. (2015), Santos (2019) tam-
bém propõe que questões relacionadas ao sofrimento psíquico sejam
trabalhadas no ambiente universitário visando a promoção de saúde
mental. Nesse sentido, “Sobreviver ao Suicídio” foi o tema de um ciclo
de debates que promoveu a construção de um diálogo sobre sofrimen-
to e o suicídio como uma questão de saúde coletiva e saúde mental
na Universidade Federal do Tocantins em 2017, após a ocorrência de
suicídio neste campus universitário. O objetivo do ciclo de debates foi
acolher e esclarecer dúvidas acerca do tema e construir estratégias de
prevenção do risco, encaminhamento aos serviços especializados, ma-
nejo e acompanhamento do tratamento dos sobreviventes às tentativas.
Essa modalidade de debates e rodas de conversa podem ser as-
sumidas sob a coordenação de um profissional de saúde lotado nas
universidades, que geralmente trabalham nos departamentos de assis-
tência estudantil.

3 – Treinamento de habilidades comportamentais, podem ser


fundamentais na prevenção de resultados negativos, como estresse,
depressão ou ansiedade. Devem ser sistematicamente ensinadas aos
estudantes, juntamente com o treinamento de habilidades a fim de apli-
ca-los na vida cotidiana como um novo aprendizado.

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A depender dos objetivos específicos, as intervenções geralmen-
te enfatizam procedimentos como reestruturação cognitiva, relaxamen-
to, atenção, resolução de conflitos, várias estratégias de enfrentamento,
comunicação eficaz. Essas intervenções de treinamento de habilidades
geralmente empregam várias técnicas comportamentais ou cognitivo-
-comportamentais para construir habilidades através de um processo
que primeiro define as habilidades e explica a sua importância e, em
seguida, prossegue usando uma repetição de série de atividades que en-
sinam as habilidades por meio de modelagem, ensaio comportamental,
feedback e mais prática até que o domínio seja alcançado.
Existem evidências extensas na literatura que intervenções de
treinamento de habilidades/competências em programas de promoção
da saúde mental têm sido eficazes em crianças, adolescentes, e estu-
dantes universitários (Conley et al., 2015).

4 – Orientação de Carreira, é uma área de atuação que pode ser


aplicada no contexto universitário para que o jovem se adapte melhor
a essa nova etapa de seu desenvolvimento e consiga elaborar um pla-
nejamento de carreira. Nesta área a questão está em ajudar os jovens
estudantes a construírem significados em sua vida, especificamente
em trajetória acadêmica correlacionando-a com a carreira que está em
construção (Lassance, 2019; Savickas, 2005).

Além de contribuir para a melhor formação do estudante, o pla-


nejamento e a gestão de carreira podem ser elementos que proporcio-
nam adaptação ao ensino superior, pois ao ingressar na universidade,
o jovem traz consigo expectativas que nem sempre serão realizadas no
curso e na carreira profissional e ao gerir ou planejar sua carreira pode
refletir e/ou clarificar seus valores e perspectivas pessoais, consolidan-
do seu autoconceito, suas expectativas de futuro, a realidade da univer-
sidade e dos cursos de formação profissional, além das perspectivas de
atuação no mercado profissional.
É um processo de autoconhecimento e de conhecimento da rea-
lidade mais ampla, que favorece o amadurecimento e a adaptação a
vida adulta (Oliveira-Silva & Miranda, 2019), envolvendo a vontade
pessoal na exploração de oportunidades e na criação de um leque de
possibilidades para o futuro; é um ensaio antecipado de ações que le-
vam ao alcance de tais metas de carreira e pode culminar na criação de
redes de apoio social aos seus projetos e objetivos.

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Exemplo desta atuação é o projeto de Gestão Pessoal de Carrei-
ra, desenvolvido na Universidade do Minho/Portugal, conduzido por
psicólogas, integram a Plataforma Projetos da Escola de Psicologia. O
programa está estruturado em seis sessões, sendo que as quatro primei-
ras sessões estão orientadas para a análise da trajetória pessoal de car-
reira, conhecimento e balanço de competências, interesses e valores,
definição de objetivos de curto, médio e longo prazo, teste de hipóte-
ses, para o despertar do empreendedorismo face à carreira e explora-
ção do compromisso com um leque de decisões e/ou projeto de vida.
A sexta sessão é focada no apoio à consolidação e generalização das
aprendizagens realizadas, à finalização do processo e à administração
do pós-teste (Taveira, Rodrigues, Barroso & Marques, 2017).
Na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) há um proje-
to semelhante desenvolvido no estágio supervisionado em Orientação
Profissional e de Carreira do curso de psicologia, estruturado em seis
sessões que são conduzidas por estagiários sob a supervisão da docente
Gisele Cristina Resende com formação na área. As sessões ocorrem
em encontros grupais com frequência semanal na própria universidade,
e as sessões são orientadas para análise da trajetória pessoal de cada
participante, autoconhecimento (competências, interesses e valores),
expectativas de carreira e definição de objetivos de curto, médio e lon-
go prazo a partir do conhecimento da realidade de cada área de atuação
e elaboração do projeto de carreira conectado ao projeto de vida.
Acredita-se que a orientação de carreiras pode favorecer aos jo-
vens o seu desenvolvimento como cidadãos e como profissionais qua-
lificados, com uma postura ativa e crítica na sociedade, com a flexibili-
dade para atuar em diversos contextos e com diversificadas demandas,
promovendo a saúde mental na universidade.
Estratégias interventivas em saúde mental, como as citadas,
corroboram para a identificação e para o autogerenciamento do sofri-
mento psicológico. Percebe-se que estas intervenções não estão sendo
ensinadas ativamente no ensino médio, o que faz com que os alunos
não tenham oportunidades de adquirir habilidades antes do processo
de transição para o ensino superior (Cleary, Walter & Jackson, 2011).
Como resultado, os estudantes universitários lutam para encon-
trar apoios que permitam a conclusão do curso e contribuam para um
funcionamento positivo. Essa trajetória projetada, que pode se desen-
rolar quando estudantes sem apoio não conseguem administrar as de-

- 52 -
mandas sociais, acadêmicas e pessoais da faculdade, é evidenciada nos
altos índices de evasão dos alunos com doença. Consequentemente,
“os estudantes que deixam universidades em situação acadêmica defi-
ciente relatam dificuldades na transição e ajuste, isolamento, solidão e
insegurança” (Kiuhara & Huefner, 2008, p.104).
Outro aspecto importante atentar para que futuras pesquisas se-
jam realizadas no direcionamento longitudinal, indicando mudanças
naturalísticas que podem contribuir para a superestimação de proble-
mas de saúde mental ou sugerir diferentes alvos para intervenção em
curto ou longo prazo.

Considerações finais
Neste capítulo pode-se concluir que o sofrimento psíquico e a
identificação de transtornos mentais em estudantes universitários são
de fundamental importância e devem receber mais atenção no âmbito
científico. O alto nível dos fatores psicossociais (estresse, depressão,
ansiedade, bournout) caracterizam-se como problemas comuns nessa
população de ensino superior, sendo apontados por pesquisas recentes
e demonstrados por terem alta incidência, resultando em baixo desem-
penho acadêmico e abandono/evasão. Quanto mais cedo à identifica-
ção, mais fácil será evitar as crises para favorecer a permanência no
ensino superior.
Além disso, a identificação de sofrimento psíquico e da preva-
lência de transtornos mentais nesta população pode direcionar a cria-
ção de programas e políticas universitárias de saúde mental, com di-
ferenciadas estratégias de intervenção. Vale ressaltar que uma atenção
especial deve ser dada à melhoria dos fatores psicológicos que influen-
ciam a qualidade de vida para a remissão de sofrimento psíquico.
Apoiar os estudantes para o aprimoramento pessoal e interpes-
soal no desenvolvimento de competências e habilidades pode favo-
recer a prevenção de sintomas de ansiedade, problemas de adaptação
e promoção do desempenho acadêmico desses jovens sendo também
uma tarefa da universidade.

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- 60 -
DESENVOLVIMENTO DE PROTOCOLO
EM HABILIDADES SOCIAIS COM ÊNFASE
NO ENSAIO COMPORTAMENTAL EM
UNIVERSITÁRIOS
Rosianny Nascimento dos Santos
Eduardo Oliveira de Souza
Nazaré Maria de Albuquerque Hayasida

Resumo: Estudos no campo das Habilidades Sociais (HS) tem se revelado bas-
tante profícuos na promoção de saúde e bem-estar psicológico. Dentre as contri-
buições está a minimização de problemas nas interações sociais, os quais podem
gerar prejuízos ao indivíduo e ao grupo social em vários contextos de atuação:
familiar, acadêmico, profissional. Assim sendo, estratégias voltadas para o en-
sino e aprimoramento de comportamentos sociais são consideradas como fator
de proteção ao indivíduo, tal como o Treinamento de Habilidades Sociais (THS).
Programas estruturados com esta finalidade, a partir de técnicas comportamentais
e cognitivo-comportamentais, tem se revelado eficazes na melhoria da qualidade
das interações sociais junto a várias populações, dentre as quais os universitários.
A este respeito, pesquisas tem apontado relação entre déficits de HS e baixo de-
sempenho acadêmico, evasão escolar, problemas de estresse, ansiedade, depressão
e dificuldades no futuro exercício profissional. Desta forma, este capítulo pretende
contribuir com a discussão sobre esta temática, apresentando os pressupostos teóri-
cos que embasam este campo de conhecimento, pesquisas empíricas realizadas no
Brasil, bem como uma proposta de THS junto à população universitária.

Introdução
Com base nos dados do Censo do Ensino Superior de 2015
(INEP/MEC), o Instituto Lobo para o Desenvolvimento da Educa-
ção, da Ciência e da Tecnologia, referência no tratamento da evasão
no ensino superior, concluiu que as taxas de evasão no Brasil vêm
se mantendo aproximadamente constantes ao longo dos últimos anos
(2000-2015), com pequenas variações de ano para ano, ficando aproxi-
madamente em 22% (2014-2015), menor para o setor público e maior
para o privado (Silva Filho, 2017). Com base nas informações do mes-
mo Instituto para o período, os cursos que, conforme classificação da
OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômi-
co) tiveram menores índices de evasão, no setor público, foram: Artes
(4%), Direito (5%), Saúde e Veterinária (6%) e Arquitetura (7%). No
setor privado o de menor evasão é Direito (18%), seguido de Agricul-
tura (19%), Serviço Social e Veterinária (21%), sendo que as maiores

- 61 -
taxas de evasão no setor privado se dão nos cursos de Matemática e
Estatística (39%), Jornalismo (34%), Serviços Pessoais (33%) e Com-
putação (31%). No setor público, Matemática (30%) e Computação
(22%) são os que apresentam maiores taxas de evasão.
Tendo este contexto em vista, diversos fatores contribuem para
esta situação, entre eles os fatores psicológicos. Estudos revelam que
o contexto universitário, dada sua caracterização como um espaço de
aprendizagem e desenvolvimento acadêmico/profissional, emocional e
social, requer do indivíduo um repertório de habilidades cognitivas e
sociais ampliado, como forma de favorecer a adaptação à universidade,
bem como o bom desempenho acadêmico, a preservação da saúde fí-
sica e psicológica e o sucesso profissional (Bandeira & Quaglia, 2005;
Bolsoni-Silva, Leme, de Lima, da Costa-Júnior, & Correia, 2009; Soa-
res & Del Prette, 2015). Especificamente no que se refere às HS reque-
ridas do universitário, alguns estudos destacam comportamentos como
falar em público, trabalhar em grupo, responder e fazer perguntas ao
professor, estabelecer e manter amizades (Bolsoni-Silva et al., 2009),
expressar opiniões, pedir mudança no comportamento do outro (Ban-
deira & Quaglia, 2005; Soares & Del Prette, 2015).
Por outro lado, déficits de HS têm sido apontados como causa
para o surgimento de problemas psicológicos, como estresse, ansieda-
de e depressão (Bolsoni-Silva et al., 2009; Borba, 2018), bem como de
baixo rendimento acadêmico, evasão escolar, redução da autoestima,
aumento da vulnerabilidade à exposição a comportamentos de risco,
como o uso de drogas. Além disso, as consequências alcançam a vida
profissional, principalmente pelo fato de que as relações interpessoais
têm sido cada vez mais valorizadas no exercício profissional. Alguns
exemplos das exigências do mercado de trabalho são a capacidade de
trabalhar em equipe, de resolução de conflitos e exercício de liderança
(Bolsoni-Silva et al., 2009; Ferreira, Oliveira, & Vandenberghe, 2014;
Lopes, Dascanio, Ferreira, Del Prette, & Del Prette, 2017; Pereira-Gui-
zzo, Del Prette, Del Prette, & Leme, 2018).
De maneira geral, como qualquer outro comportamento, as HS
são aprendidas ao longo da vida, em vivências de variadas interações
no ambiente familiar, escolar e social, sendo a infância considerada o
período crítico desta aprendizagem (Caballo, 2018). Quando tais vi-
vências não acontecem de forma satisfatória, surgem os déficits de HS,
os quais causam prejuízos às relações interpessoais, comprometem a
saúde, estando associados a problemas psicológicos como dificuldades

- 62 -
de aprendizagem, isolamento social, ansiedade, depressão, entre ou-
tros, comprometendo sobremaneira a qualidade de vida do indivíduo
(Del Prette & Del Prette, 2017).
Ante um desenvolvimento deficitário de HS, e sendo elas apren-
didas (Del Prette & Del Prette, 2006), os programas de treinamento
criados com essa finalidade tem se mostrado eficazes para o aprimo-
ramento das HS existentes e para aquisição e generalização de novas
habilidades (Del Prette & Del Prette, 2010). Os Treinamentos de HS
(THS) realizados junto a universitários têm apresentado resultados po-
sitivos no que se refere à eficácia da intervenção, contribuindo para
melhora do repertório de comportamentos socialmente competentes e
redução de níveis de ansiedade (Bolsoni-Silva et al., 2009; Ferreira
et al., 2014; Lopes et al., 2017; Pureza, Rusch, Wagner, & Oliveira,
2012; Soares & Del Prette, 2015), a um baixo custo (Borba, 2018).
As técnicas psicológicas mais empregadas no THS compreen-
dem o fornecimento de instruções, ensaio comportamental, modela-
gem, feedback verbal e em vídeo, tarefas de casa, reestruturação cog-
nitiva, solução de problemas, relaxamento (Caballo, 2018; Del Prette
& Del Prette, 1999) e, em caso de intervenções grupais, “vivências”,
segundo Del Prette (Del Prette & Del Prette, 2001a e 2001b). Estas
técnicas visam modificar componentes comportamentais, cognitivos e
fisiológicos típicos dos déficits em HS (Herbert et al., 2005; Murta,
2005). Caballo (2018)cita o “pacote básico” do THS, com os seguintes
procedimentos: instruções, modelação, ensaio comportamental, retroa-
limentação (ou feedback), reforço, tarefas para casa e procedimentos
cognitivos. Dentre as técnicas para THS, o ensaio comportamental é o
procedimento mais frequentemente empregado (Caballo, 2018).
Este capítulo tem como objetivo propor, a partir de estudos bra-
sileiros acerca de demandas interpessoais no contexto universitário,
um protocolo de THS com ênfase no ensaio comportamental.

Habilidades sociais – Origem, conceitos e contribuição


teórica
A origem dos estudos em HS remonta ao desenvolvimento de
dois movimentos contemporâneos que ocorreram a partir da década
de 1960: o Treinamento Assertivo nos EUA e o Treinamento de HS
na Inglaterra (Bolsoni-Silva, et al., 2006; Caballo, 2018). A partir da
década de 1980-90, diversos autores apontaram (Bolsoni-Silva, et al.,

- 63 -
2006; Cox & Schopler, 1995; Hargie, Saunders, & Dickson, 1994;
Trower, 1995) que o THS era mais abrangente e defenderam que a
assertividade deveria ser compreendida como uma de suas subáreas.
Bolsoni-Silva et al. (2006) argumentou que no Brasil, a partir de revi-
sões de trabalhos teóricos e relatos de intervenção, parece haver uma
aceitação de que a assertividade é realmente uma subárea das HS.
Considera-se que o campo teórico-prático das HS foi construído
de maneira eclética, com contribuição de várias abordagens psicológi-
cas, com maior influência das abordagens cognitivas e comportamen-
tais (Del Prette & Del Prette, 2010; Ferreira et al., 2014). A definição
de HS não tem se revelado algo simples de se estabelecer, em função
das múltiplas contribuições de estudiosos da área sem que haja um
consenso (Bolsoni-Silva & Carrara, 2010; Gresham, Vance, & Che-
nier, 2013), bem como pela impossibilidade de dissociar a concepção
de HS do contexto e situação específicos em que está inserida, consi-
derando-se os diversos padrões de comunicação próprios de culturas
diferentes ou mesmo dentro de uma mesma cultura e os objetivos pes-
soais dos envolvidos na situação (Caballo, 2018).
Em uma revisão de literatura, Caballo (2018) identificou uma
diversidade de conceitos de HS, os quais enfatizam apenas a questão
do conteúdo do comportamento, ou das consequências deste, ou ambos
os aspectos. Assumindo a importância de se considerar ambos os as-
pectos, o referido autor define HS como um conjunto de comportamen-
tos adotados por um indivíduo, através dos quais é possível a expres-
são de sentimentos, opiniões, desejos e direitos, de maneira adequada,
respeitando estes comportamentos no outro, ao mesmo tempo em que
resolve problemas de maneira imediata e minimiza as ocorrências de
problemas futuros.
Conforme mencionado anteriormente, o campo teórico das HS
recebeu contribuições de várias abordagens psicológicas, sendo que,
no Brasil, as maiores contribuições conceituais, empíricas e práticas
decorrem das abordagens da Análise do Comportamento e da Teoria
Cognitivo-Comportamental (Del Prette & Del Prette, 2017).
De acordo com os pressupostos da Análise do Comportamento,
o comportamento é determinado pelas consequências que produz no
ambiente, sendo importante para compreensão e intervenção conside-
rar-se a relação funcional existente entre antecedentes, comportamen-
tos e eventos consequentes (Gresham et al., 2013), visando explicar

- 64 -
os determinantes do comportamento e sobre eles direcionar o foco das
intervenções educativas ou terapêutica (Del Prette & Del Prette, 2017).
Da mesma forma, sendo as HS uma classe de respostas, um conjunto
de comportamentos mais sociais, compreende-se a importância de re-
conhecer de que maneira se estabelece o repertório de comportamentos
sociais de um indivíduo, a partir dos conceitos de contingências, refor-
çamento e punição, para fins teóricos e práticos.
Outra importante contribuição à compreensão do construto
HS é a compreensão de que, tal como outros comportamentos, as HS
também derivam de três processos de variação e seleção: filogenéti-
ca, ontogenética e cultural (Del Prette & Del Prette, 2010). Segundo
estes autores (2017), a seleção filogenética favoreceu o refinamento
de características anatômicas, fisiológicas e comportamentais, de ma-
neira a facilitar o aperfeiçoamento de comportamentos sociais impor-
tantes à sobrevivência humana. Como exemplo, temos a flexibilidade
da musculatura facial, o que auxiliou na capacidade de exibir expres-
sões faciais importantes na relação com o outro; tendência à busca de
aproximação com outros seres humanos; e ampliação da capacidade de
aprender a partir da relação com o outro.
A seleção ontogenética das HS se dá a partir de processos de
aprendizagens que ocorrem ao longo da vida, de acordo com as con-
tingências presentes no contexto do indivíduo. Diz-se que as HS são
aprendidas, de forma natural, no convívio familiar, escolar ou trabalho
e lazer, através dos processos de modelação, instrução e consequen-
ciação (Del Prette & Del Prette, 2017). Ao longo desse processo de
seleção, o indivíduo pode desenvolver um repertorio de comportamen-
tos sociais bem elaborados, como também pode apresentar déficits em
HS, seja por falhas na fluência ou na proficiência de desempenho, que
podem ser relevantes na vida do indivíduo, afetando sua saúde e qua-
lidade de vida (Pureza et al., 2012). No entanto, quando as HS não
se desenvolvem de maneira natural nas experiências e contingências
da vida do indivíduo, podem ser desenvolvidas ou aprimoradas me-
diante programas estruturados com a finalidade de suprir os déficits,
aperfeiçoar as HS já presentes no repertório comportamental, além de
promover a generalização do que foi aprendido.
Sobre o caráter cultural das HS, pode–se afirmar que o contex-
to e as práticas sociais nele valorizados irão estabelecer quais são os
comportamentos desejáveis naquele grupo social. Tais padrões são

- 65 -
disseminados e controlados pela família, escola, religião, entre outros.
Por outro lado, a dimensão ético-moral atribuída à competência social
amplia as possibilidades de uma efetiva contribuição de programas de
HS para a implementação de políticas sociais diversas (Del Prette &
Del Prette, 2010).
Em relação às contribuições da abordagem cognitiva no campo
das HS, Caballo, Irurtia e Salazar (2009)comentam, a partir de uma
adaptação ao modelo de HS proposto por McFallem (1982), acerca dos
componentes cognitivos presentes na emissão de um comportamento
social. Tais componentes estão relacionados à recepção, percepção e
interpretação de um estímulo do ambiente, baseadas em um referencial
de conhecimento já existentes. A esta fase, foi atribuída a denominação
de habilidade de decodificação. Em seguida, tem-se a fase da toma-
da de decisões, na qual ocorre uma espécie de busca pela solução ou
resposta mais adequada, dentre várias possíveis. Por fim, tem-se a fase
da codificação, que seria a expressão ou emissão do comportamento,
seguida por uma autoavaliação.
Resumidamente, pode-se afirmar que os indivíduos possuem
percepções e fazem avaliações das situações a partir de um sistema de
crenças que possuem, o qual contém elementos que nortearão as visões
de mundo e acerca de si mesmos. Desta forma, elementos cognitivos
importantes como percepção, atenção e memória são influenciados
pelo sistema de informações, afetando a emissão de comportamentos e
de HS (Caballo, et al., 2009).
As contribuições da abordagem cognitiva também estão relacio-
nadas a possíveis explicações para que o indivíduo não aja de maneira
socialmente habilidosa, sendo importante considerá-las visando a uma
intervenção mais efetiva. Tais razões podem ser avaliações incorretas
acerca de seu desempenho social, falta de motivação para agir de ma-
neira apropriada, incapacidade de discriminar e emitir respostas mais
adequadas a determinadas situações, entre outras. Caballo (2018) res-
salta que a primeira fase de uma intervenção voltada para o aprimo-
ramento das HS seria o desenvolvimento de um sistema de crenças
acerca dos direitos humanos básicos. Além disso, ele defende ensinar
o indivíduo a diferenciar comportamentos assertivos, não assertivos
e agressivos, bem como empreender uma reestruturação cognitiva de
pensamentos e crenças disfuncionais.
No que se refere à contribuição da Teoria Social-Cognitiva
(TSC), de Bandura (2008), considerada um dos sistemas mais influen-

- 66 -
tes na psicologia contemporânea, há um conceito muito importante
para o estudo das HS. Trata-se das crenças de autoeficácia, que seriam
os “julgamentos das pessoas em suas capacidades para organizar e exe-
cutar cursos de ação necessários para alcançar certos tipos de desem-
penho”(Pajares & Olaz, Teoria social cognitiva e auto-eficácia: uma
visão geral, 2008). Em outras palavras, as crenças de autoeficácia são
percepções que as pessoas têm sobre suas próprias capacidades, o que
influencia na sua motivação, bem-estar, realizações pessoais e perse-
verança frente às adversidades, além de ser um determinante crítico de
como os indivíduos regulam o seu pensamento e comportamento.
Bandura argumenta que “o nível de motivação, os estados afe-
tivos e as ações das pessoas baseiam-se mais no que elas acreditam do
que no que é objetivamente verdadeiro” (Bandura, 1997). Deste modo,
podemos prever melhor a maneira como as pessoas agirão através de
suas crenças em suas capacidades do que através do que realmente são
capazes de desempenhar. Não se deve confundir as crenças de autoefi-
cácia das pessoas com seus julgamentos com relação às consequências
que o seu comportamento produzirá. As crenças de autoeficácia aju-
dam a determinar os resultados que se esperam.
Bandura (1997) também afirma que crenças do indivíduo acerca
de sua competência pessoal afetam seu comportamento e este afeta
seu ambiente. Seu ambiente oferece um feedback acerca da adequação
do comportamento, ensejando possíveis aprendizagens ou aprimora-
mentos das respostas comportamentais. Tal concepção foi resumida
no modelo de reciprocidade triádica, o qual é composto por variáveis
pessoais (cognitivas e fisiológicas), comportamentais (HS) e ambien-
tais (Pajares & Olaz, Teoria social cognitiva e auto-eficácia: uma visão
geral, 2008).
Nesta perspectiva, as intervenções sobre as HS têm como obje-
tivo atuar sobre a modificação de fatores pessoais, ambientais e com-
portamentais, podendo ser adotados procedimentos diversos, tais como
modelação, que é uma das técnicas bastante utilizadas, principalmen-
te no formato grupal de intervenção, instrução, reforçamento, ensaio
comportamental, dentre outros (Pajares & Olaz, 2008).
Paralelamente, a TSC contribui com importantes conceitos acer-
ca do comportamento humano, como aprendizagem vicária (aprendi-
zagem por observação), autoeficácia (confiança na própria capacidade
de resolver problemas ou atingir objetivos) e autorregulação (capaci-
dade das pessoas de regularem as próprias ações), através dos quais
enfatiza formas de aprendizagem, o papel proativo e a capacidade de

- 67 -
regular o próprio comportamento e de influenciar o ambiente social,
favorecendo a competência social.

O ensaio comportamental: Origem, conceito e aplicação


no Treinamento de Habilidades Sociais
Na literatura, o ensaio comportamental, ou role-playing com-
portamental, já foi conhecido como “psicodrama comportamentalis-
ta”, visto que Joseph Wolpe (pioneiro da terapia comportamental), em
1958, emprestou o termo de Jacob Moreno para descrever cenários de
role-playing que foram utilizados para encorajar os clientes “não-as-
sertivos”2 a defenderem seus direitos (Lazarus, 1966). No entanto, os
trabalhos de Wolpe (1958) e Wolpe e Lazarus (1966), que fundamen-
taram o desenvolvimento do ensaio comportamental, sustentam que o
mesmo diferencia-se de outras formas de role-playing, como o psico-
drama, pois se centra na mudança de comportamento como um fim em
si mesmo, e não como técnica para identificar ou expressar supostos
conflitos (Wolpe, 1958).
Lazarus (2002) define o ensaio comportamental como um pro-
cedimento específico que visa substituir respostas sociais ou inter-
pessoais deficientes ou inadequadas por padrões de comportamento
eficientes e efetivos, através da prática das formas de comportamento
desejadas (dramatização), sob a direção de um terapeuta. Ele defende
que a autoeficácia, como sugerida por Albert Bandura é atualmente a
base teórica que mais apropriadamente explica o valor do ensaio com-
portamental, visto que antes de se aventurar em qualquer curso de ação,
a pessoa inicialmente precisa se sentir capaz de alcançar o sucesso.
Caballo (2018) classifica o ensaio comportamental, com base na
revisão da literatura, nos seguintes subtipos: ensaio encoberto e ensaio
manifesto. Entre os subtipos de ensaio manifesto temos: inversão de
papéis (role reversal), representação exagerada do papel, ensaio com-
portamental dirigido, prática dirigida (guided practice), colocar-se no
papel do outro (role taking), dessenssibilização por meio de ensaios
(rehearsal desensitization).
Através de exercícios de dramatização, o terapeuta é capaz de
observar os comportamentos do cliente diretamente e fornecer fee-
dback sobre pontos fortes e limitações, e reforçar o comportamento-
2 Ressalta-se que à época, a definição de comportamento assertivo era a “expressão honesta e adequada
de qualquer emoção, que não a ansiedade, nas relações interpessoais”(Del Prette & Del Prette, 2003). J.
Wolpe partiu do pressuposto de que essa exibição externa de novos comportamentos (assertivos) inibiria
reciprocamente a ansiedade (Lazarus, 2002).

- 68 -
-alvo (Davis, Fricker, Combs-Lane, & Acierno, 2002). Também é útil
para ajudar uma pessoa a prestar atenção em processos internos dos
quais ela não está ciente (pensamentos, sentimentos e estímulos aos
quais o indivíduo normalmente não presta atenção). Uma vez que a
pessoa tenha identificado os processos internos, a dramatização pode
ser usada para aprender novas maneiras de responder à situação. A
dramatização é frequentemente usada para introduzir o conceito de ge-
neralização de técnicas terapêuticas em outros contextos.
As sessões de ensaio comportamental podem ser gravadas em
áudio ou vídeo, a critério do terapeuta, para que os comportamentos
sejam classificados pelo mesmo, ou pelo cliente ou por um juiz obje-
tivo. Os comportamentos podem ser classificados em termos de sua
efetividade, frequência de ocorrência, duração, presença ou ausência
(Davis et al., 2002). Os clientes também podem fornecer classificações
de autopercepção de competência ou nível de excitação durante a exe-
cução dos comportamentos. Com base nas classificações, um terapeuta
fornece feedback ao cliente. O feedback inclui informações específicas
sobre o desempenho do indivíduo e sugestões de melhoria e prática
adicional.
Caballo (2018) aponta que as quatro etapas do THS são: desen-
volvimento de sistemas de crenças que busque respeito pelos próprios
direitos e pelos direitos dos demais; distinção entre comportamentos
assertivos, não-assertivos e agressivos; reestruturação cognitiva da for-
ma de pensar em situações concretas; ensaio comportamental de res-
postas assertivas em situações determinadas. O ensaio comportamental
tornou-se uma das técnicas mais frequentemente empregadas no THS,
pois busca aprimorar o repertório comportamental já existente ou a
instalação de novos comportamentos, com baixo custo e um relativo
sucesso (Otero, 2004). Diante deste cenário, verifica-se a importância
de utilizar o ensaio comportamental em ambientes de THS, inclusive
entre populações como os universitários.

Habilidades sociais no contexto universitário


Estudos na área de HS com a população universitária tem sido
frequentes no Brasil (Bolsoni-Silva et al., 2009; Bolsoni-Silva, Lourei-
ro, Rosa, & de Oliveira, 2010; Bolsoni-Silva & Carrara, 2010; Cunha,
Peuker, & Bizarro, 2012; Ferreira et al., 2014; Lima, Soares, & Souza,
2019; Lopes et al., 2017; Pereira, Wagner, & Oliveira, 2015; Pureza et

- 69 -
al., 2012; Soares, Poube, & Mello, 2009; Soares & Del Prette, 2015).
As contribuições de tais pesquisas referem-se a uma caracterização do
contexto universitário, evidenciando as demandas com as quais o estu-
dante se depara ao ingressar na universidade, à identificação de possí-
veis dificuldades e consequências de uma não adaptação e à indicação
de formas efetivas de favorecer a manifestação de comportamentos
sociais mais habilidosos e competentes entre universitários.
Visando uma caracterização e compreensão das variáveis pre-
sentes no contexto universitário, a literatura têm apontado que a uni-
versidade se configura como espaço onde o estudante se depara com
mudanças nos aspectos cognitivos e, sobretudo, nos relacionais, de-
mandando um processo de adaptação (Lima et al., 2019; Soares et al.,
2009; Soares & Del Prette, 2015). Ao ingressar em um curso de nível
superior, é requerido ao estudante lidar com novas formas de aprendi-
zagem, uma vez que o conhecimento é adquirido não apenas median-
te as aulas ministradas pelos professores, como também por leituras
complementares por iniciativa do próprio aluno e outras atividades. Ou
seja, ao mesmo tempo em que dispõe de mais autonomia, o estudante
precisa apresentar comportamentos mais proativos ao ter que aprender
a aprender de maneira diversa da que ocorria nos demais anos de ensi-
no cursados anteriormente.
Os aspectos relacionais são considerados como uma demanda
bastante relevante no contexto universitário, uma vez que praticamente
todas as atividades desenvolvidas compreendem tal aspecto. O univer-
sitário, inevitavelmente, se depara com situações que envolvem inte-
ração constante com os colegas, professores e funcionários, nas quais
precisa expressar opinião, sentimentos e vontades, responder e fazer
perguntas, solicitar mudança de comportamento, falar com desconhe-
cidos, fazer e receber críticas, apresentar seminários, recusar pedidos,
iniciar e finalizar conversas, fazer amizades, entre várias outras. Neste
sentido, Soares & Del Prette (2015) defendem que um bom repertório
de HS favorece um processo de adaptação ao contexto universitário,
favorecendo um bom desempenho acadêmico e social do aluno.
No entanto, dificuldades em apresentar tais comportamentos ca-
racterizam-se como déficits de HS e acarretam vários prejuízos ao alu-
no, afetando seu desempenho acadêmico-profissional, bem como sua
saúde física e psicológica (Bolsoni-Silva et al., 2010). Estudos indicam
que tais déficits podem estar relacionados a um baixo desempenho aca-

- 70 -
dêmico, identificando uma relação entre HS, ansiedade e desempenho
acadêmico (Ferreira et al., 2014), a vários problemas e transtornos
psicológicos, como estresse, ansiedade, depressão e ansiedade social
(Borba, 2018; Caballo, 2018; Souza, 2018), consumo abusivo de ál-
cool e outras drogas (Cunha et al., 2012), além de comprometer, futu-
ramente, o exercício futuro profissional (Soares & Del Prette, 2015).
De acordo com Caballo (2018) e Del Prette & Del Prette (2017),
as HS podem ser aprendidas de maneira natural, ao longo do desen-
volvimento do indivíduo em suas diversas experiências social. Quan-
do isto não ocorre, ou quando o mesmo encontra dificuldades em pôr
em prática as habilidades que possui, é possível recorrer a formas de
aprendizagem estruturadas com esta finalidade, sendo o treinamento
HS um recurso frequentemente recomendado em estudos sobre esta
temática (Borba, 2018; Pereira et al., 2015; Souza, 2018). Pesquisas
realizadas com universitários tem atestado a eficácia deste tipo de in-
tervenção na melhoria do repertório de HS desta população (Bolsoni-
-Silva et al., 2009; Ferreira et al., 2014; Lima et al., 2019; Lopes et al.,
2017; Pureza et al., 2012; Souza, 2018).
Comumente, o THS é planejado a partir de um trabalho prévio
de avaliação do repertório de HS, realizado através de vários proce-
dimentos e instrumentos, sendo que, idealmente, tal avaliação ocorre
em diferentes momentos do processo, visando assegurar que o plane-
jamento inicial atenda aos objetivos propostos, bem como viabilizar
possíveis ajustes no decorrer da intervenção e finalmente avaliar os
resultados decorrentes da mesma (Caballo, 2018; Del Prette & Del
Prette, 2017).
Nos estudos realizados com universitários é possível identificar
quais habilidades têm sido consideradas como mais relevantes para esta
população. De acordo com Bolsoni-Silva & Carrara (2010), tais habi-
lidades são falar em público, que envolve apresentação de seminários,
responder perguntas, dar recado em sala de aula, falar com autoridade,
questionar o professor acerca de avaliações, trabalhar em equipe e lidar
com relacionamentos amorosos. A pesquisa desenvolvida por Pereira
et al. (2015)junto a universitários de um curso de psicologia, utilizou
os instrumentos CASO e IHS, identificando, respectivamente, maior
dificuldade na habilidade de expressar assertivamente incômodo, desa-
grado ou tédio e maior prevalências nos fatores F2 (autoafirmação na
expressão do sentimento positivo), F1 (enfrentamento e autoafirmação
com risco) e F5 (autocontrole da agressividade).

- 71 -
Bolsoni-Silva et al. (2009) desenvolveram intervenção baseados
em queixas relacionadas ao contexto universitário, ao relacionamento
amoroso e familiar. Para tanto, elegeram temas comuns aos três con-
textos, tais como iniciar e manter conversações, fazer e responder per-
guntas, expressar sentimento positivo, elogiar, dar e receber feedback
positivo, agradecer, conhecer direitos humanos básicos, expressar e
ouvir opiniões (de concordância ou discordância), conhecer compor-
tamento habilidoso e não habilidoso, expressar sentimentos negativos,
dar e receber feedback negativo, fazer e recusar pedidos, lidar com
críticas, admitir próprios erros, pedir desculpas e resolver problemas.
Destinaram ainda algumas sessões para abordagem de temas especí-
ficos: a) contexto universitário (falar em público, interagir com auto-
ridade, liderança, trabalhar em equipe e fazer amizades); b) relacio-
namento amoroso (não-verbal); c) relacionamento familiar (dialogar
com pais). De maneira geral, observa-se a recorrência destes temas nos
estudos de Ferreira et al. (2014), Lima et al. (2019), Lopes et al. (2017)
e Pureza et al. (2012).
Comumente, o THS com universitários, em contexto de pesqui-
sa, tem sido realizado no formato grupal, com número de sessões se-
manais que varia entre 8 a 10, com duração entre 90 a 120 minutos. Em
relação às técnicas adotadas, os programas de THS acima referencia-
dos, têm se baseado nos pressupostos das abordagens comportamen-
tais e cognitivo-comportamentais, tais como ensaio comportamental,
modelação, modelagem, instrução, feedback, técnicas de relaxamento,
reestruturação cognitiva e tarefas para casa (Bolsoni-Silva et al., 2009,
Caballo, 2018).

Uma proposta de intervenção em treinamento de habilida-


des sociais com universitários
Considerando os aspectos abordados anteriormente, notadamen-
te os possíveis prejuízos decorrentes dos déficits de HS, apresenta-se
uma proposta de THS a ser aplicado junto à população universitária.
Pretende-se, a partir dos dados levantados, cujas análises estão em pro-
cesso e ainda carecem de maiores estudos em aprofundamento local,
aplicar um THS nessa população, uma vez que etapas cruciais, como
a avaliação do repertório de habilidades serão definidas futuramente.
Assim, tomando por base as indicações na literatura e os acha-
dos de pesquisas realizadas, o protocolo foi proposto a partir das de-

- 72 -
mandas mais relevantes para os universitários indicadas nas pesquisas
realizadas no Brasil. Foi estruturado no formato grupal, com número
máximo de 15 participantes, em 08 sessões semanais, com duração de
120 minutos.

Tabela 1
Protocolo piloto - THS
Sessão/ Mate-
Conteúdo Objetivos Atividades
Tema riais
1ª sessão: • Acolhimento/ • Estabelecer inte- • Breve exposição Computa-
Informações ração inicial com dialogada sobre dor, Da-
gerais sobre o o grupo; o programa; tashow,
Ansie- programa; • Obter informa- • Biografia comen- Folhas de
dade nas • Apresentação ções sobre o trei- tada (dinâmica); Exercício
Interações dos participan- namento; • Exposição dialo-
Sociais tes; • Perceber de que gada sobreansie-
• Ansiedade nas forma a ansieda- dade;
interações so- de se manifesta • Exercício “Como
ciais; nas relações in- minha ansiedade
• Manejo da an- terpessoais; se manifesta”;
siedade. • Aprender a mane- • Estratégia
jar a ansiedade. ACALME-SE e
treino de respi-
ração;
• Tarefa para casa:
realizar a estra-
tégia “ACAL-
ME-se” ante uma
situação social
(encoberta ou
manifesta).
2ª sessão: • Habilidades bá- • Praticar habilida- • Verificação da Computa-
sicas (observar, des de observar, tarefa prescrita dor, Da-
HS Bási- descrever, elo- descrever, elo- para casa; tashow.
cas giar, agradecer giar, agradecer • Exposição dia-
elogios); elogios; logada sobre o
• Compon e n t e s • Reconhecer com- conteúdo;
não-verbais das ponentes não-ver- • Modelação (ví-
HS. bais nas intera- deo);
ções sociais. • Elogio é bom e
eu gosto (dinâ-
mica);
• Ensaio Compor-
tamental;
• Tarefa para casa:
elogiar um cole-
ga da faculdade.

- 73 -
Sessão/ Mate-
Conteúdo Objetivos Atividades
Tema riais

3ª sessão: • Direitos huma- • Conhecer direitos • Verificação da Computa-


nos básicos; humanos básicos; tarefa prescrita dor, Da-
• Comportamen- • Reconhecer as para casa; tashow,
Direitos to assertivos, diferenças entre • Exposição dia- material
Humanos não-assertivos e comportamento logada sobre di- informa-
Básicos e agressivos; assertivo, não-as- reitos humanos tivo.
C o m p o r- sertivo e agres- básicos;
tamentos sivo; • Vivendo com di-
Assertivos • Identificar res- reitos;
postas não-asser- • Exibição de
tivas e agressivas; vídeo sobre
• Praticar respostas c om p o r t am en -
assertivas. tos assertivos,
não-assertivos e
agressivos;
• Discriminando
estilos de res-
postas assertivas,
não-assertivas,
agressivas;
• Tarefa para casa:
Exercer um dos
direitos humanos
que reconhece
ter dificuldade
em fazê-lo, de
maneira asser-
tiva.

- 74 -
Sessão/ Mate-
Conteúdo Objetivos Atividades
Tema riais
4ª sessão: • Habilidades de • Identificar manei- • Verificação da Computa-
defesa dos di- ras mais adequa- tarefa prescrita dor, Da-
Habilida- reitos, expres- das de expressar para casa; tashow,
des Asser- sar incômodo, habilidades asser- • Breve exposição Caixa de
tivas desagrado ou tivas; dialogada refor- Som
enfado, pedir • Praticar habilida- çando a com-
mudança de des de defesa dos preensão sobre
comportamento direitos, expres- comportamento
do outro; sar incômodo e assertivo;
pedir mudança de • Exibição de tre-
comportamento. cho de um filme
como exemplo
de comporta-
mento assertivo;
• Pedir aos parti-
cipantes que for-
neçam exemplos
de situações que
requeiram habili-
dades enfocadas
nesta sessão e
escolher algumas
para prática do
ensaio comporta-
mental, com ins-
truções, modela-
ção, modelagem
e feedback;
• Tarefa para casa:
Expressar desa-
grado em relação
a alguma situação
incômoda.

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Sessão/ Mate-
Conteúdo Objetivos Atividades
Tema riais
5ª sessão • Habilidade so- • Identificar os • Verificação da Computa-
cial de trabalhar comportamentos tarefa prescrita dor, Da-
Trabalhar em equipe (ou- relevantes para o para casa; tashow,
em Equi- vir, concordar/ trabalho em equi- • Exposição dia- Apresen-
pe discordar, lidar pe; logada apresen- tação de
com críticas, • Praticar os com- tando exemplos Slides
negociar, argu- portamentos de dos comporta-
mentar). ouvir, concordar/ mentos-alvo da
discordar, lidar sessão;
com críticas, ne- • Divisão dos par-
gociar, argumen- ticipantes em
tar. três grupos, os
quais receberão
tarefas distintas
para realização
(Planejar ação
ambiental para o
campus). Após,
cada grupo re-
latará possíveis
dificuldades na
realização e os
demais farão su-
gestões para me-
lhoria;
• Tarefa para casa:
identificar qual
comportamento,
dentre os abor-
dados na sessão,
são considerados
mais difíceis e
praticá-lo.

- 76 -
Sessão/ Mate-
Conteúdo Objetivos Atividades
Tema riais
6ª sessão• Habilidade de • Identificar manei- • Verificação da Computa-
falar em público ras adequadas de tarefa prescrita dor, Da-
(fazer e respon- falar em público para casa; tashow
der perguntas, (cumprimento • Exposição dia-
Falar em dar recado em inicial, ler o mí- logada sobre
Público sala de aula, nimo possível, elementos rele-
apresentar se- relatar experien- vantes da habili-
minário). cias, agradecer ao dade de falar em
finalizar); público;
• Discriminar e • Distribuição de
exercitar os com- situações especí-
ponentes não-ver- ficas em grupos
bais das exposi- para preparo de
ções sociais. encenação;
• Aprimorar os
co m p o r t am en -
tos apresentados
através de instru-
ções, modelação
e ensaio compor-
tamental;
• Tarefa para casa:
Fazer pergun-
tas para dirimir
dúvidas durante
uma aula.
7ª sessão • Habilidades de • Reconhecer a • Verificação da Computa-
expressar afeto importância da tarefa prescrita dor, Da-
Expressão e empatia. expressão de afe- para casa; tashow.
de Afeto e to nas interações • Exposição dia-
Empatia sociais; logada sobre ex-
• Compreender o pressão de afeto;
conceito de em- • Treino encoberto
patia; de expressão de
• Discriminar e afeto, com poste-
exercitar os com- rior discussão no
ponentes não-ver- grupo;
bais da expressão • Exibição de ví-
de afeto e da em- deo sobre empa-
patia. tia;
• Vamos nos colo-
car no lugar do
outro! (dinâmi-
ca);
• Tarefa para casa:
demonstrar em-
patia a algum fa-
miliar ou amigo.

- 77 -
Sessão/ Mate-
Conteúdo Objetivos Atividades
Tema riais
8ª sessão • Sumarizar os as- • Verificação da ta- Computa-
Finalizan- pectos mais rele- refa prescrita para dor, Da-
do o pro- vantes do progra- casa; tashow,
grama ma; • Apresentação oral Formulá-
• Avaliar sua par- sobre os princi- rios
ticipação no pro- pais conceitos
grama. abordados no pro-
grama;
• Questionário de
avaliação do pro-
grama.

Fonte: Adaptada de Bolsoni-Silva et al., 2009; Ferreira et al., 2014; Lima et


al., 2019; Lopes et al., 2017; Pureza et al., 2012; e Souza, 2018

Considerações finais
A partir do estudo realizado, pode-se afirmar que o campo teó-
rico-prático das HS, apesar do sólido e diversificado aporte teórico,
ainda admite vastas investigações empíricas. Fatores como dificuldade
em definir comportamentos hábeis adequados, conjugar fatores indi-
viduais e culturais e mais especificidades de situações, são apontados
como justificativa para realização de mais pesquisas nesta área, visan-
do efetivar uma necessária ampliação da discussão teórica e prática.
Por exemplo, neste estudo, foi possível identificar que não exis-
te pesquisa empírica sobre promoção de HS junto a universitários na
região norte do Brasil, embora exista pesquisa que aponte o THS como
estratégia relevante na redução de sintomas de ansiedade social em
universitários amazonenses. Julga-se igualmente interessante verificar
se as HS consideradas mais relevantes nas pesquisas já realizadas se-
riam as mesmas em outras regiões do país, considerando-se diferenças
culturais existentes entre as regiões.
Por fim, os estudos mencionados neste capítulo permitem rati-
ficar a importância da promoção ou aprimoramento de repertórios de
HS como estratégia protetiva ao indivíduo e promotora de saúde junto
a diversas populações, inclusive os universitários, cuja saúde e bem-
-estar psicológico remetem à formação de profissionais de qualidade e
consequente importante retorno à sociedade como um todo.

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- 82 -
O IMPACTO DA ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO ACADÊMICO NO SOFRIMENTO
E ADOECIMENTO DE ESTUDANTES DE
PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU NO
BRASIL: UM ENSAIO TEÓRICO
Carolina Jean Pinheiro
Ronaldo Gomes Souza
Rosângela Dutra de Moraes

Resumo: O presente capítulo possui como objetivo analisar a dinâmica da orga-


nização do trabalho acadêmico e a sua implicação no sofrimento de estudantes da
pós-graduação stricto sensu no Brasil. Foram analisados treze manuscritos cujas
pesquisas se desenvolveram nesse contexto, sendo tecidas contribuições teóricas
que evidenciam que a lógica produtivista está sendo empregada de forma análoga
ao sistema político-econômico capitalista. A mesma tem contribuído para a exis-
tência de práticas que preconizam quantidades elevadas de publicações ao invés
daquelas com potencial de transformação social. Tais modos de trabalho também
têm agravado o sofrimento e até mesmo desencadeado o adoecimento entre estu-
dantes. Sendo assim, é imperativo (re) pensar e (re)construir a organização do tra-
balho acadêmico, promovendo uma ciência cujo compromisso esteja intimamente
associado ao desenvolvimento uma sociedade mais saudável, justa e democrática.

Introdução
A partir da década de 1960 assistimos a uma quantidade expres-
siva e veloz de modificações na organização do trabalho acadêmico
brasileiro e internacional, tornando cada vez mais complexas as exi-
gências para professores, estudantes e demais atores envolvidos neste
contexto (Sampaio, 2016).
Tais transformações ocorrem substancialmente como reflexo da
organização do modelo econômico nacional, no qual a ciência e a tec-
nologia possuem papel estratégico para os avanços produtivos e para a
manutenção da competitividade, resultando em um salto qualitativo e
quantitativo nas táticas voltadas à universidade e, em especial, à pós-
-graduação – PG no Brasil (Silva, 2016).
Louzada (2005) destaca, dentre muitas outras, as seguintes mu-
danças na organização do trabalho acadêmico: o incentivo estatal à
formação de pesquisadores não acompanhado pelo aumento nas verbas
destinadas à Ciência e Tecnologia – C&T, a queda no padrão salarial
de docentes e pesquisadores, a criação de ganhos por produtividade, a

- 83 -
propagação de professores substitutos e de recém-doutores mantidos
nas instituições através de vínculos temporários e um crescimento ex-
pressivo do número de programas e estudantes de PG, o que enfatiza o
viés quantitativista.
Com este panorama permeado de avanços, contradições e ten-
sões, acrescido pela complexidade que envolve a heterogeneidade do
território e da cultura brasileira, é essencial tecer questionamentos a
respeito das condições de formação de pesquisadores mestres e dou-
tores (Silva & Bardagi, 2016), ressaltando que o processo de forma-
ção possui características (dedicação exclusiva, carga horária semanal,
atingimento de metas, avaliação, subordinação, entre outros) que equi-
param o estudante de PG, bolsista ou não, à condição de trabalhador,
embora muitas vezes não exista o reconhecimento social deste lugar.
Em busca de encontrar possíveis respostas à problemática le-
vantada no parágrafo anterior, o artigo de Silva & Bardagi (2016) inti-
tulado “O aluno de PG stricto sensu no Brasil: revisão da literatura dos
últimos 20 anos”, fornece importantes indicadores sobre as publica-
ções brasileiras, com notável abrangência da revisão de literatura, que
compreende o período de 1995 – 2015, e também um sólido arcabouço
teórico para apreensão do que já fora estudado, evidenciando ainda as
lacunas encontradas.
Silva & Bardagi (2016) atestam que, apesar da vasta quantidade
de estudos que versam sobre a PG brasileira, é ainda incipiente a quan-
tidade de publicações que colocam o aluno como foco, reduzindo-se à
35 documentos em vinte anos, categorizando-os em quatro principais
eixos qualitativos, conforme recorrência: a) avaliação dos programas e
do processo de ensino e aprendizagem, b) satisfação com a formação
de pós-graduação, aqui presentes as pesquisas sobre saúde, bem-estar
e satisfação de modo geral, c) razões para a escolha da pós-graduação
e d) perfil dos estudantes de pós-graduação.
Além disso, são tecidas considerações acerca da ausência de
pesquisas sistemáticas que possam acompanhar estudantes no ingres-
so, durante e após a formação e da necessidade de ampliação de pes-
quisa a respeito das atividades exercidas no período de formação, por
exemplo, o estágio em docência e como se estabelecem as relações
com os diferentes agentes envolvidos, tais como: demais estudantes,
professores, equipe de apoio administrativo, agências de fomento, gru-
pos de pesquisas, entre outros; e quais os impactos sociais e institucio-
nais dessa dinâmica (Silva & Bardagi, 2016).

- 84 -
Ademais, pesquisas recentes denunciam a precarização das con-
dições de trabalho e o enfraquecimento dos laços sociais entre profes-
sores da PG, sugerindo um ambiente potencializador para o sofrimento
e para o adoecimento (Patrus et al., 2015; Sampaio, 2016; Sarubbi Ju-
nior, 2017; Cunha & Faria, 2018). Estas conclusões implicam a neces-
sidade de aprofundar as investigações a respeito da existência do mes-
mo cenário entre os estudantes de PG, por compartilharem o universo
acadêmico e por sustentarem uma relação de proximidade, principal-
mente nos casos de orientação, co-orientação e parcerias de pesquisa.
Assim, o objetivo principal deste capítulo é desenvolver um en-
saio teórico sobre o impacto da organização do trabalho acadêmico no
sofrimento psíquico e no adoecimento de estudantes de pós-graduação
stricto sensu (mestrado e doutorado), através do estudo de pesquisas
que também possuem como eixo central de análise tal população.

A organização do trabalho acadêmico, sofrimento e adoe-


cimento de estudantes de pós-graduação no Brasil
Para o desenvolvimento deste estudo foram selecionadas 369
publicações, entre teses, dissertações e artigos. Deste total, foram ex-
cluídas as publicações que não tinham como centralidade do estudo
o aluno de PG brasileiro neste momento histórico, os resultados que
figuravam repetidos nas bases de dados e os trabalhos compostos ape-
nas por revisão bibliográfica. Resultaram, então, treze publicações di-
vididas da seguinte forma: duas teses, seis dissertações e cinco artigos.
As publicações foram lidas integralmente e buscou-se analisar em seus
conteúdos os relatos de pós-graduandos e como eles são interpretados
pelos pesquisadores, atentando-se às conclusões e perspectivas sobre
as temáticas apresentadas.
A tabela 1 demonstra, de forma sistematizada, os trabalhos en-
contrados:

- 85 -
Tabela 1
Síntese dos artigos utilizados neste ensaio
Autores Ano Título Tipo
Síndrome de Burnout e Qualidade de Vida
Galdino, M. 2015 entre estudantes de Pós-Graduação Stricto Dissertação
J. Q. sensu em Enfermagem
A motivação do enfermeiro para a realiza-
Ferreira, R. E. 2015 ção do mestrado e sua relação com o desen- Dissertação
volvimento profissional
Intervenções do orientador na escrita:
Andrade, E. 2015 Tese
efeitos na formação do pesquisador
Souza, J. A. de, Estresse no cotidiano acadêmico: um estu-
Fadel, C. B., & 2016 Artigo
do com pós-graduandos em Odontologia
Ferracioli, M. U
Eller, A. M.,
Araujo, B. F. V. Balancing work, study and home: a re-
2016 search with master’s students in a Brazilian Artigo
B. D., &Araujo,
D. A. V. B. D. university

La movilidad académica internacional


Schulz, L. A. Q. 2016 em el pós grado: um estudio comparado Dissertação
entre doctorados em educación de Brasil
y México
Estratégias de enfrentamento da ansiedade
na performance musical durante a prepara-
Coelho, I. G. 2016 Dissertação
ção e realização de recital de mestrado: três
estudos de caso
Razões para a transição graduação/pós-
Silva, T. C. 2016 -graduação: um estudo com mestrandos de Dissertação
diferentes áreas
Uma proposta de inovação curricular nos
mestrados em Direito: em busca de uma
Fávero, D. 2016 Tese
formação qualificada para o exercício do
magistério
Lemos, S. M.
A., Gioda, F. R., Pesquisadores brasileiros na pós-graduação
Martinhago, F., 2017 de antropologia médica na Espanha: relato Artigo
Bueno, R. C., & de experiência
Martínez-Her-
náez, A.
Bastos, E. M.,
Melo, C. S. M., Sofrimento e estratégias defensivas no
Machado, P. A., 2017 ambiente acadêmico: um estudo com pós- Artigo
Carvalho, M. L. -graduandos
A., & Dias, G. F
Internacionalização da educação superior:
um estudo sobre o programa doutorado
Vale, L. R. da N. 2017 Dissertação
sanduíche no exterior (PDSE) na Universi-
dade Federal da Paraíba

- 86 -
Leite, I. C. D.
M., Mourão, L.
C., De Almeida, Ser aluno de um mestrado profissional:
A. C. V., Bra- 2018 reflexões sobre suas potencialidades e Artigo
zolino, L. D., fragilidades
& Dos Santos,
R. S.

Os resultados da análise destas publicações serão discutidos


em duas categorias principais, sendo elas: a) a organização do trabalho
acadêmico e b) o sofrimento psíquico e o adoecimento de pós-graduan-
dos. Posteriormente, serão realizadas contribuições teóricas que vis-
lumbram compreender a dinâmica entre tais categorias, considerando
o panorama atual do ensino superior brasileiro.
Para que se possa compreender a organização do trabalho – OT
é importante destacar que o verbete “trabalho” abriga uma ampla gama
de significados, variando substancialmente e tomando características
singulares a depender do contexto, da perspectiva teórica ou mesmo
do período histórico adotado como parâmetro. Para a Psicodinâmica
do Trabalho – PdT, base teórica adotada neste estudo, o trabalho inclui
o emprego de “os gestos, o saber-fazer, o engajamento do corpo, a
mobilização da inteligência, a capacidade de refletir, de interpretar e
de reagir a diferentes situações, é o poder de sentir, pensar, inventar”
(Dejours, 2012a, p. 24).
A PdT define que o “ambiente físico, o ambiente químico, o
ambiente biológico, as condições de higiene, de segurança, e as carac-
terísticas antropométricas do posto de trabalho” dizem respeito às con-
dições de trabalho (Dejours, 2015, p. 29). A Organização do Trabalho,
por sua vez, engloba “a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa, o
sistema hierárquico, as modalidades de comando, as relações de poder,
as questões de responsabilidade” (idem, ibidem). Pois bem, enquanto
as condições de trabalho possuem repercussões na saúde do corpo, a
organização do trabalho tem efeitos no funcionamento psíquico dos
sujeitos, mobilizando sobretudo os investimentos afetivos, o amor e o
ódio, a amizade, a solidariedade, a confiança, entre outros (Dejours &
Abdoucheli, 2015).
Considerando, então, a influência inevitável da OT na forma
como trabalhadores e trabalhadoras vivem, é possível analisar nos arti-
gos, dissertações e teses como os autores descrevem ao leitor a organi-
zação do trabalho acadêmico. O ingresso em um programa de mestrado
ou doutorado trata-se de um processo complexo. Galdino (2015) pon-

- 87 -
dera que algumas razões podem figurar como motivadoras para tomada
de decisão: o desejo de ingressar ou de se aprimorar na carreira docen-
te, a capacitação para uma carreira de pesquisador, uma estratégia de
qualificação e diferenciação que amplie a competitividade no mercado
de trabalho, o aumento das oportunidades de trabalho e a melhoria de
renda.
O título de Mestre representa, de modo geral, uma ideia de
ascensão profissional, já que algumas empresas oferecem um salário
diferenciado para detentores desse título, além da diferenciação pro-
fissional no mercado de trabalho, melhorando a empregabilidade no
futuro. Outro dado relevante diz respeito à autonomia profissional con-
cedida pela titulação, que tem um valor ainda maior para os profissio-
nais, especialmente na área de saúde (Ferreira, 2015).
Neste sentido, os dados encontrados por Ferreira (2015) corro-
boram os achados de Silva e Bardagi (2016) que mostram um alarga-
mento no período de escolarização da população e perfis que indicam
o percentual cada vez mais jovem de mestrandos. Os estudantes de
instituições públicas, especialmente, revelaram serem incentivados à
pesquisa ainda durante a graduação, desenvolvendo competências para
que ingressassem nos programas de mestrados imediatamente após a
conclusão do curso.
Quanto aos estudantes de instituições particulares, Ferreira
(2015) relata que é perceptível que o Mestrado Profissional – MP tem
resgatado enfermeiros para retomada dos estudos com foco no exer-
cício profissional, impelindo-os a transformar a própria realidade e
prestação de serviços ao usuário. Tal panorama nos remete ao dilema,
existente na contemporaneidade, para as instituições de ensino que fi-
cam entre a instrumentalização do ensino, no qual o estudante percebe
o diploma como uma mera ponte para o mercado de trabalho, sendo
mais comum nos mestrados profissionalizantes; e o aprimoramento
acadêmico, enfatizado nos mestrados acadêmicos.
Assim como as motivações para o ingresso e o incentivo du-
rante a graduação para o contato com a pesquisa e o desenvolvimento
de habilidades ditas necessárias à PG, os processos seletivos também
fazem parte do momento preliminar ao ingresso nos programas de
pós-graduação - PPGs. De modo geral, eles são compostos de mais
de uma etapa: elaboração de um projeto ou pré-projeto de pesquisa,
prova teórica, proficiência em língua estrangeira e prova prática, nos

- 88 -
casos de áreas específicas, entre outros. Possuem, muitas vezes, crité-
rios elevados, exigindo até mesmo carta de recomendação ou aceite.
Neste ponto, é comum que estudantes já tenham realizado a escolha
do orientador e do eixo de pesquisa, os quais concedem certo grau
preditivo acerca da OT durante a PG (Ferreira, 2015; Galdino, 2015;
Coelho, 2016).
Após o êxito no processo seletivo, isto é, a aprovação nos pro-
gramas de mestrado e doutorado, os estudantes passam a ter uma série
de responsabilidades. A participação em disciplinas teóricas obrigató-
rias e optativas é uma delas. Além disso, menciona-se a participação
em grupos de estudo, laboratórios, eventos científicos, congressos e
produções científicas (Andrade, 2015).
A lista de exigências se estende e mestrandos e doutorandos ne-
cessitam se adaptar a outros elementos como: a distribuição da carga
horária dos cursos, os prazos para cumprir as atividades acadêmicas,
a forma de avaliação do corpo docente, a pressão imputada através do
recebimento da bolsa de estudos, a sobrecarga de atividades curricula-
res e de conhecimentos, as exigências externas à área de concentração
acadêmica e a incerteza sobre a contribuição do curso na vida profis-
sional (Souza, Fadel & Ferracioli, 2016).
Dante de tantas demandas, a sobrecarga de trabalho acadêmico
e o receio de fracassar são agravantes de sofrimento. Segundo a Psi-
codinâmica do Trabalho, os trabalhadores (neste caso, estudante de
PG) estruturam estratégias de mediação para lidar com o sofrimento
sem sucumbir a ele. Moraes (2013) destaca as estratégias de enfrenta-
mento, que tem por meta enfrentar o sofrimento no trabalho de forma
consciente, a partir de estratégias para lidar com o mesmo sem adoecer.
Eller, Araújo e Araújo (2016) desenvolveram um rol contendo
dezoito táticas empregadas por estudantes de pós-graduação não tra-
dicionais – que são aqueles que possuem outras atividades, além do
mestrado ou doutorado – para conciliar as diversas demandas oriundas
dos PPGs e das demais áreas de suas vidas, como o trabalho e a famí-
lia. Tais táticas estão classificadas em: comportamentais, comunicacio-
nais, físicas e temporais.
As táticas sistematizadas permitem o gerenciamento satisfatório
pelos estudantes, minimizando assim os conflitos entre as fronteiras
dos estudos, do lar e do trabalho em um nível individual, minimizando
o sofrimento oriundo da sensação de incapacidade em administrar as

- 89 -
demandas recebidas. No nível organizacional, gestores podem desen-
volver práticas integrativas que possibilitem a esses indivíduos melhor
gerenciar seus papéis, reduzindo absenteísmo, taxas de rotatividade e
baixo desempenho e aumentando o bem-estar organizacional (Eller et
al., 2016).
O tempo em sala de aula representa uma parte expressiva do
percurso de formação, sendo a modalidade seminários uma das estra-
tégias de ensino-aprendizagem mais utilizadas para o estímulo ao de-
senvolvimento de ideias e habilidades orais e de debate. Pondera-se,
entretanto, acerca do diálogo entre as disciplinas, o objeto de estudo e
a realidade, além dos já mencionados carga horária e métodos avaliati-
vos (Ferreira, 2015; Galdino, 2015; Coelho, 2016; Fávero, 2016; Silva,
2016; Bastos et al., 2017).
Outro ponto é que o estágio-docência acaba sendo uma disci-
plina de destaque. Componente obrigatório para a maioria dos cursos
de mestrado e doutorado, visa preparar os estudantes de PG para o
exercício da docência. Fávero (2016, p. 52) aponta que são competên-
cias essenciais ao professor: a propriedade de conteúdo, o exercício
ancorado em uma dimensão política e o conhecimento pedagógico que
envolve o domínio de aspectos teóricos sobre processo de aprendiza-
gem, protagonismo do aluno, relacionamento entre adultos, projeto pe-
dagógico e docência, currículo, metodologias ativas, processo de ava-
liação e planejamento, bem como o domínio de práticas pedagógicas
que coloquem em ação, no espaço aula, o aprendizado. Em resumo,
atividades que permitam ao aluno de fato aprender a partir do exercício
da atividade docente, postura que se aproxima à “formação artesanal”.
Andrade (2015) assinala que, no contexto universitário, espe-
cialmente na PG, é possível compreender o processo de construção
do espírito científico através de dois modos, os quais denomina “for-
matação em série” e “formação artesanal”. A formatação em série diz
respeito a uma pesquisa encaixada em um molde pré-definido, onde
dificilmente há espaço para a subjetividade do pesquisador, tratando-se
de um cumprimento meramente burocrático. Na contramão, a forma-
ção artesanal compreende o orientador como um indivíduo que “inves-
te ações para alterar a qualidade da relação do aluno com o saber” (p.
40)., evitando que estudantes passem pela “universidade de forma um
pouco autista” (Andrade, 2015, p. 40).
Tal compreensão vai ao encontro de achados que versam sobre
produtivismo acadêmico ou produção científica em série (Bianchetti &

- 90 -
Valle, 2014; Silva et. al, 2018). Os pós-graduandos têm que atender às
exigências relacionadas aos altos níveis de cobrança por produtivida-
de, agravada pela delimitação do tempo para o cumprimento dos pra-
zos – especialmente nos cursos de mestrado. Esse manejo tem impacto
direto no processo formativo e no processo de escrita, considerando
que o “produto” elaborado pelos trabalhadores e trabalhadoras da PG
são as publicações científicas.
Andrade (2015, p. 41) compara o processo de escrita e forma-
ção a uma peça exclusiva de tapeçaria, sugerindo que se trata de um
sistema mais complexo que requer dos atores envolvidos princípios
e ações mais éticas e imbricadas. Neste sentido, a escrita é um dos
pontos centrais no processo de formação na PG, o produto do trabalho,
o tapete, por assim dizer. Em outra metáfora apresentada pela auto-
ra, trata-se de uma transformação subjetiva radical, comparada a um
“rejuvenescimento espiritual” e impulsionador da “palavra própria”,
que o pesquisador conseguirá prosperar “quanto mais souber nutrir e
experimentar a transmissão de três afetos: a curiosidade, a coragem e o
desprendimento narcísico”.
Sobre os três afetos, defende-se que a curiosidade é como um
combustível ao professor/pesquisador, que busca continuamente testar
outros e novos modos de promover o encontro de si e do outro com
o saber. A coragem sustenta o pesquisador em seu desejo de realizar
um trabalho diferenciado, isso porque é fundamental ter coragem para
sustentar, frente ao outro, a singularidade e suportar a angústia de ser
diferente. Já o desprendimento narcísico permite que não se escreva
para agradar o outro e se afasta da concepção do erro como algo apri-
sionador, permitindo o reconhecimento das limitações, dos equívocos
e da necessidade de novas formulações (Andrade, 2015, p. 54).
Bastos, Melo, Machado, Carvalho, & Dias (2017) desenvolve-
ram esquema em que apontam características da organização do traba-
lho acadêmico que podem se relacionar com o sofrimento na PG, sen-
do eles: papel do indivíduo no PPG, realização pessoal e profissional,
feedback, conteúdo do trabalho, particularidades pessoais, sobrecarga
e ritmo de trabalho, estrutura e clima organizacional e relacionamento
interpessoal. Os itens estrutura e clima organizacional e relacionamen-
to interpessoal ainda se conectam com outras categorias específicas.
Estrutura e clima organizacional abarcam: ambiente, infraestrutura e
estrutura curricular (ausência de comunicação, estrutura gerencial/se-
leção). Já relacionamento interpessoal tem uma ampla gama de itens:

- 91 -
relação aluno-professor, relação professor-professor, compromisso e
comportamento do professor, relação com funcionários, relação entre
estudantes e competição.
Desse modo é possível notar que o relacionamento interpessoal
emerge como outro aspecto essencial no cotidiano da PG. Galdino
(2015, p. 100), por exemplo, destaca que entre os fatores predisponen-
tes ao estresse estão os relacionados a menores percepções de apoio
social e de ausência das oportunidades de lazer disponíveis.
Ainda sobre relacionamentos interpessoais, Leite, Mourão, De
Almeida, Brazolino e Dos Santos (2018) defendem que durante o per-
curso de formação na PG, ocorre o fortalecimento dos vínculos afe-
tivos, a ampliação dos debates, o compartilhamento de saberes, com
efeitos sobre as mudanças na postura e o amadurecimento profissio-
nal, permitindo que estudantes que apresentam dificuldades possam
avançar no cumprimento da agenda e das atividades obrigatórias, além
da constituição de uma rede colaborativa que possibilita a elaboração
coletiva de trabalhos científicos nacionais e internacionais. Tal cons-
tatação corrobora com a importância da cooperação para o processo
formativo, de forma análoga aos resultados e discussões apontados nos
estudos de Andrade (2015) e Ferreira (2015).
Destaca-se ainda, a relação entre orientador e orientando, como
portadora de um papel fundamental na constituição do processo de for-
mação. A forma como tal relação se configura durante o transcorrer
dos cursos poderá ser geradora de insegurança, angústia e sentimento
de solidão ou de sensação de acolhimento e apoio, motivação e incen-
tivo (Galdino, 2015; Silva, 2016).
Nos programas de doutorado, especialmente, há a possibilidade
de realização da modalidade sanduíche, em que o aluno pode vivenciar
a PG em outro país durante um período determinado. Schulz (2016)
pontua que as políticas para a internacionalização da PG estão entre-
laçadas com as diretrizes de política externa dos governos envolvidos.
Além disso, os relatos dos estudantes permitem identificar que estes re-
conhecem a importância de vivenciar uma experiência de Mobilidade
Acadêmica Internacional – MAI, já que representa uma possibilidade
diferenciada que legitima a compreensão das regras do jogo do campo
científico, contribuindo para a consolidação de um habitus científico e
permitindo o aumento de capital social do doutorando associado a uma
maior notoriedade intelectual.
Novamente, são recorrentes as manifestações acerca da criação
de laços sociais de valor dentro do campo, a criação e manutenção de

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redes de colaboração internacional com impacto positivo na produção
científica e o fortalecimento da confiança e segurança para experiên-
cias futuras (Schulz, 2016; Lemos, Gioda, Martinhago, Bueno & Mar-
tínez-Hernáez, 2017; Vale, 2017). Também foi possível perceber que
mesmo com o enfoque profissional do impacto do MAI no objetivo da
pesquisa, os respondentes relatam o impacto na vida pessoal (Schulz,
2016, p. 168), quanto a este fenômeno a autora reconhece que é um
binômio inseparável para o que hacer do pesquisador. Os estudantes
trazem em seus relatos os desafios relacionados à burocracia documen-
tal dos programas e lidar com um novo idioma e uma nova cultura.
Vale (2017) abordou também como fator positivo a descentra-
lização das bolsas da região sudeste brasileira nos últimos anos, am-
pliando a oportunidade de outros estudantes participarem da MAI, po-
rém alega que ainda são necessários esforços conjugados para melhor
organização da internacionalização dos programas e direcionar esfor-
ços para aumentar a incidência de áreas da C&T.
Considerando então a organização do trabalho, o sofrimento é
originado a partir da “discrepância entre o trabalho prescrito e o real do
trabalho” (Pereira, 2018, p. 41). O trabalho prescrito é elaborado a par-
tir de uma construção teórica sobre a atividade/tarefa a ser desenvol-
vida e mesmo diante de uma prescrição precisa, os constrangimentos
da situação real exigem ao trabalhador uma transgressão ética para a
realização efetiva do trabalho. O trabalho real, portanto, é compreen-
dido como uma forma do trabalhador lidar com os desafios reais do
trabalho. E na resistência ao fracasso, no confronto com o real que se
apresenta uma dimensão afetiva e efetiva do trabalho, o trabalho vivo
(Dejours, 2012b).
Moraes (2013) explana que o sujeito, ao se deparar com a dis-
tância irredutível entre o prescrito e o real, experimenta a sensação de
fracasso e vivencia o sofrimento do não saber fazer. O trabalhador ou
trabalhadora pode, inicialmente, adotar uma posição passiva, marcada
pela raiva e pelo desânimo. A sensação de fracasso coloca em risco
sua identidade, sua competência, seu saber fazer. Para ultrapassar a
sensação penosa, o sujeito necessita agir, o que inclui a capacidade de
tolerar o sofrimento e investir em novas tentativas, até encontrar – ou
criar – uma solução.
Ao aprofundar os estudos sobre as vivências de sofrimento no
trabalho, é importante ressaltar que a existência do sofrimento não ne-

- 93 -
cessariamente enseja patologia. Silva (2016, p. 18) aponta que o sofri-
mento pode “tornar-se patológico quando o trabalhador se vê impedido
de manifestar sua inteligência prática ou inteligência astuciosa, sua en-
genhosidade no trabalho”. Deste modo, o trabalhador possui a expec-
tativa de contribuir, mediante a organização do trabalho, indo além de
ser um mero executor.
Ferreira (2015, p. 88) explicita as vivências de estudantes da PG
através do trecho que intitula “coisas que a gente passa no mestrado”.
Os estudantes referem-se a coisas boas e ruins existentes no mestrado
acadêmico – MA e no mestrado profissional - MP e que favoreceram
o processo de metamorfose ocorrido durante o período estudado. Um
dos participantes, por exemplo, compara o mestrado com um limão, de
sabor azedo, onde é necessário adicionar outros ingredientes (outras
pessoas) para se tornar mais saboroso. Um segundo ainda diz que o
mestrado possui frutos doces e amargos, sendo indispensável ingerir
ambos para a adequada nutrição do corpo. Outros participantes ressal-
tam a importância do trabalho em equipe e cooperação para os enfren-
tamentos necessários para se tornar um mestre.
É necessário ressaltar que existem mestrandos e doutorandos
com propósitos focados na pesquisa e na docência e há estudantes com
foco na obtenção do título para melhor qualificação diante de mercado
de trabalho contemporâneo competitivo, revelando uma variabilidade
dos aspectos envolvidos na avaliação de melhor ou pior experiência
durante esse período e de maior ou menor facilidade na transição direta
da graduação para PG (Silva, 2016, p. 199).
Entretanto, Souza et al. (2016), através dos dados quantitativos,
demonstraram que a condição de estresse está presente em 59,1% dos
pós-graduandos ingressantes, e em 41,2% dos concluintes, na área de
odontologia. O cenário demonstra índices maiores que outros estudos
brasileiros realizados anteriormente e pode indicar que não se trata de
um fenômeno isolado.
Nos grupos pesquisados houve o predomínio da fase intitulada
resistência e tendência ao desenvolvimento de sintomas psicológicos,
cujos sintomas recorrentes são: dores musculares, cansaço excessivo,
cefaleias, falta de concentração, instabilidade emocional, depressão,
isolamento social, hipertensão arterial, insônia, hipersensibilidade
(Souza et al., 2016, p. 53).
Leite et al. (2018) discutem que existem lacunas entre o mun-
do do trabalho e as instituições de ensino, as quais resultam muitas

- 94 -
vezes em incompreensões e sofrimento. Por exemplo, aos estudantes
não convencionais ou trabalhadores-estudantes, é possível verificar in-
flexibilidade dos gestores quanto ao cumprimento da carga horária de
trabalho ou quanto às exigências acadêmicas; não existem incentivos
como a bolsa de estudos. Estão presentes relatos de estudantes que são
obrigados a faltar às aulas por imposição dos seus gestores, sob a justi-
ficativa de não cumprirem a carga horária por estarem estudando. Mais
ainda, relatam sofrimento psíquico provocado pelo assédio moral por
parte dos colegas de trabalho, da chefia imediata e do gestor.
Sobre os estudantes-trabalhadores, Eller et al. (2016) mencio-
nam que os conflitos existentes entre as demandas do mercado em
aperfeiçoamento constante, da família e mesmo as individuais estão
constantemente em conflito, podendo gerar impactos na autoestima,
sentimentos de incapacidade, estresse, ansiedade e até depressão.
Os estudos recentes também constataram correlação significati-
va, inversamente proporcional, entre síndrome de Burnout e qualidade
de vida, especialmente nos domínios psicológico, físico e de relações
sociais de estudantes da PG. Além disso, foram encontrados indícios
de que a formação stricto sensu impactou negativamente a qualidade
de vida, isso porque a percepção sobre o ambiente acadêmico predomi-
nou entre os fatores que influenciaram desfavoravelmente a qualidade
de vida (Galdino, 2015).
A categoria Burnout também está presente no estudo de Bas-
tos et al. (2017, p. 129), os autores identificaram problemas de ordem
física e mental dos respondentes que se assemelham ao quadro, sem,
no entanto, ser possível inferir através da pesquisa se os respondentes
apresentam ou não o distúrbio. São elencados sintomas como: esgota-
mento emocional e físico, sentimento de impotência, reações compor-
tamentais adversas, tensão, ansiedade e dificuldade de concentração.
Desse modo, para evitar o adoecimento, comumente, surgem
estratégias defensivas que são empregadas por mestrandos e douto-
randos, são elas: realização de atividades extra acadêmicas, estratégias
de mobilização coletiva, necessidade de auto tranquilizar, negação da
realidade, e conformismo (Bastos et al., 2017, p. 128).
Fávero (2016) ao discutir os processos formativos releva que a
ausência de uma formação pedagógica adequada para o exercício do-
cente pode fomentar o surgimento dos complicadores do processo de
escrita, propiciando sofrimento ao discente.

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O processo de escrita é um dos fatores de destaque quando
são discutidas as vivências de sofrimento na PG e, segundo Andrade
(2015), existem complicadores desse processo que resultam em: inér-
cia, dificuldade de se oferecer oportunidades de aprendizado, dificul-
dade de calcular o tempo necessário para executar as ações, desordem,
inconsequência, colagem, paráfrase, fuga, isolamento; e delegação de
responsabilidade.
É através da escrita também que grande parte das dúvidas, in-
quietações, inseguranças e da culpa imaginária de não corresponder
às expectativas do outro são demonstradas e acolhidas. Desta forma,
quando orientadores não realizam intervenções e feedbacks, orientan-
dos podem permanecer na inércia, com o sentimento de culpa por não
atingir as expectativas, sofrendo demasiadamente e sem conseguir dar
prosseguimento ao trabalho (Andrade, 2015).
Nesta perspectiva, é fundamental dissolver e elaborar os com-
plicadores, evitando a falência do processo de escrita. Isso porque, ser
pesquisador é um exercício que pode se tornar libertador e, ao mesmo
tempo, transformar a subjetividade do indivíduo. O pesquisador passa
do anonimato para a construção de uma identidade, daquele que estu-
da determinado objeto de pesquisa, que realiza um trabalho sobre de-
terminada área, entre outros. Tal movimento representa saúde mental
(Andrade, 2015).
Coelho (2016) traz reflexões acerca do surgimento da ansieda-
de nos momentos de preparo e apresentação de pós-graduandos em
música, especialmente em face dos processos avaliativos. Evocando a
necessidade de compreender o sofrimento diante dos processos de exa-
me de qualificação e defesa, mas também os processos avaliativos rela-
cionados à produtividade acadêmica (Penteado & Souza-Neto, 2019).
Quanto aos programas de mobilidade acadêmica, é possível ve-
rificar que existem diversos modelos, com objetivos específicos e efei-
tos diferentes para os recém-chegados ao campo, sendo necessário o
aprofundamento dos estudos sobre os impactos percebidos. Muito em-
bora existam aproximações e contrastes, os participantes reconhecem
o processo de mobilidade como uma “cicatriz positiva” para suas vidas
(Schulz, 2016, p. 162), como algo marcante que levarão para o resto
das jornadas acadêmicas e profissionais. Vale (2017) acrescenta ainda
que em relação ao MAI é unânime a percepção de um alargamento das
possibilidades de produção de conhecimento, a importância de troca
com outras culturas e outras formas de concepção de mundo.

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A maioria dos relatos de pós-graduandos narra que os momen-
tos de interação social foram bons, concedendo melhor adaptação e
oportunizando vínculos de amizades e a participação de grupos de
pesquisa estrangeiros (Schulz, 2016; Lemos et al., 2017; Vale, 2017).
Porém, existem relatos também sobre a dificuldade com os processos
burocráticos, em se adaptar a língua, a cultura, ao clima e a rotina de
estudos no país. Dentre esses últimos, despertou a atenção a ênfase
dada às situações de preconceito quando da chegada dos estudantes no
país de intercâmbio, os quais denunciam que piadas, olhares e situa-
ções de assédio no ambiente universitário eram comuns.
Leite et al. (2018) salientam que as dificuldades experienciadas
durante a PG e que surgem antes mesmo da inscrição nos processos
seletivos, acabam por afetar o desenvolvimento das atividades acadê-
micas e a prática profissional, não configurando meros obstáculos fa-
cilmente transpostos. Igualmente, os fatores e sintomas apresentados
podem afetar o desempenho acadêmico e/ou desestimular a carreira
acadêmica, ressaltando ainda que as atividades acadêmicas vivencia-
das no transcorrer da PG foram consideradas como fontes geradoras
de estresse, independentemente do momento do curso (Souza et al.,
2016).

Considerações Finais
Visitados e aprofundados os resultados obtidos por este ensaio
e ressalvados os vieses que possam ocorrer quando da seleção das pu-
blicações analisadas, os dados apresentaram muito mais aproximações
do que afastamentos, evidenciando ainda a ausência de estudos sis-
temáticos que possam acompanhar estudantes em diferentes fases da
pós-graduação, tornando ainda mais notória a íntima dinâmica exis-
tente entre a OT e o sofrimento psíquico/adoecimento de mestrandos
e doutorandos.
Portanto, ao deparar com resultados que denotam incertezas, so-
frimento e danos emocionais e psicológicos ao final da graduação para
o ingresso na PG, durante a sua execução e ao final dela, patenteia-se
a necessidade de que os PPGs institucionalizem espaços de escuta aos
estudantes, de forma a integrá-los ao processo e fazer com que se sin-
tam ouvidos e contemplados (Silva, 2016, p. 203).
É incontestável que mestrandos e doutorandos possuem trajetó-
rias únicas e distintas desde o processo decisório acerca do ingresso na

- 97 -
PG e que possuem também uma ampla variedade de estratégias para
lidar com as demandas impostas pela organização do trabalho acadê-
mico e vivenciado por todos de diferentes formas e intensidades. Po-
rém, destaca-se a inteligência prática do trabalhador, através da mobi-
lização subjetiva e em interação com o coletivo, para a transformação
da realidade no contexto do trabalho acadêmico, em consonância com
os achados de Sampaio (2016), que aborda o sofrimento/prazer na PG
no trabalho de professores.
Apesar das características individuais é notório que trata-se de
um sofrimento coletivo, sendo fundamental, portanto, o desenvolvi-
mento e a implementação de estratégias institucionais para a promoção
da saúde e bem-estar, como apoio aos mestrandos e doutorandos, com
a finalidade de auxiliá-los em suas dificuldades acadêmicas, além de
promover um ambiente saudável de aprendizagem, conforme sugere
também Galdino (2015).
A organização do trabalho acadêmico pautada no produtivismo
é patógena. Segundo Lima (2013), ela se torna em um lugar de forças
explosivas, desenvolvendo ruídos de comunicação como fofocas, di-
famações, desqualificações e assédio [grifo nosso] e implosivas: res-
sentimentos e tentativas de suicídios, “que tem o poder de corrosão
silenciosa do valor existencial das singularidades intelectuais” (p. 83).
Nesse sentido, este ensaio tem a intenção de contribuir para tornar visí-
vel um sofrimento que é silenciado – ou normalizado – nas faculdades
e universidades, enquanto estudantes chegam ao ponto mais crítico do
sofrimento, recorrendo inclusive ao suicídio (Dutra, 2012) como forma
de atenuar um sofrimento (Krug et al., 2017) que não é acolhido nos
espaços institucionais (Dias & Serafim, 2015).
Devemos nos empenhar para o rompimento da manutenção e
perpetuação de formas de gestão que fomentam sofrimento, buscando
novos recursos, instrumentos e visando a modificação dos modos de
trabalhar na pós-graduação que propulsionem mais cooperação, soli-
dariedade, acolhimento e bem-estar.
Tais estratégias devem reconhecer inclusive a importância da
preparação do docente tal como trazido por Fávero (2016), já que o
estudante ao ocupar este lugar após sua formação, é responsável tam-
bém por romper tais ciclos de violência. Uma necessidade imperiosa é
organizar matrizes curriculares dos PPGs que privilegiem os dois eixos
de formação: de docente de ensino superior e de pesquisador.
E assim como Bastos et al. (2017, p. 1117), Bourdieu (2011)
e Dias-Sobrinho (2018) tornar notórias as experiências de sofrimento

- 98 -
vivenciadas pelos estudantes. Uma vez conscientes e sensibilizados so-
bre o contexto do sofrimento dos estudantes de pós-graduação, pode-
mos mobilizar estratégias para auxiliar gestores educacionais a propor-
cionar movimentos e ações embasadas em propostas políticas e críticas
que promovam o reconhecimento da educação, a reflexão e o ato de
(re)pensar e (re)construir a organização do trabalho acadêmico. Assim,
poderemos transformar a sociedade de forma justa e democrática, e
não reduzir a academia em um espaço produtivista de ordem meramen-
te econômica e produtora de adoecimentos, como a que temos hoje no
Brasil, e que foi reforçada pela gestão do governo atual que assumiu
em 2019, com seus ataques, desmontes, cortes e contingenciamentos
de recursos da educação. E, também, proporcionar um ambiente acadê-
mico mais saudável, melhorando o relacionamento entre os estudantes
e professores, diminuindo a evasão e aumentando a qualidade da pro-
dução científica.

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- 102 -
Seção II
Temas e Cuidados em Saúde

- 103 -
- 104 -
A MATERNIDADE DE MULHERES EM
SOFRIMENTO PSÍQUICO E A REDE DE
CUIDADOS EM SAÚDE MENTAL
Djuliane Maria Gil Schaeken Rosseti
Denise Machado Duran Gutierrez

Resumo: Este capítulo objetiva demonstrar as redes de apoio estabelecidas por


mulheres em sofrimento psíquico na vivência da maternidade no município de Ma-
naus - AM. Para tal, fez-se uma pesquisa de abordagem qualitativa, com a partici-
pação de 06 (seis) mulheres em sofrimento psíquico que vivenciam a maternidade
e que utilizam os serviços de saúde do município de Manaus-AM. Os instrumentos
utilizados para a coleta de dados foram: (1) questionário fechado, visando levantar
dados sociodemográficos e de saúde das participantes; e (2) história de vida, onde
as mulheres foram convidadas a narrar livremente a sua vivência da maternidade.
A análise dos dados coletados foi feita com base na Psicologia Histórico-Cultural
e na Teoria das Redes Sociais. Observou-se que as redes sociais contribuem signi-
ficativamente com o bem-estar de pessoas em sofrimento psíquico, principalmente
quando relacionadas ao apoio recebido nas vivências da maternidade.

Introdução
A maternidade tem sido alvo de investigação nas mais diversas
áreas do conhecimento. Aquelas que se debruçam sob as narrativas
históricas acerca concepção do papel feminino na sociedade (Badinter,
1978; Correia, 1998; Moura; Araújo, 2004; Medrado & Jesus, 2018)
tendem a apontar a dualidade entre as vivências maternas, ora conside-
radas como fonte de prazer e ora de sofrimento, gerando efeitos sobre
a saúde mental das mulheres. A literatura tem mostrado que há uma
forte influência das interações complexas do gênero feminino na saúde
mental. Mas quais seriam as influências da saúde mental nas interações
complexas do gênero feminino?
Foucault (1978) retoma a historiografia da loucura para recontar
aspectos da história que construíram o conceito de loucura que cunha-
mos hoje no seu livro História da Loucura. Há, ainda, no Brasil, auto-
res que colaboraram com o tema, como Paulo Amarante (2007) através
da obra Saúde Mental e Atenção Psicossocial. No entanto, são poucos
os estudos que estudam a interseção entre a saúde mental e a materni-
dade. Pretende-se, assim, discorrer acerca dos efeitos dessa construção
no acompanhamento à saúde da população, em especial daquelas que
assumem a função materna, tendo em vista que este ainda figura como
o papel central da mulher.

- 105 -
Este estudo buscou identificar as redes de apoio estabelecidas
por mulheres em sofrimento psíquico na vivência da maternidade no
município de Manaus-AM. Utilizou-se da metodologia qualitativa des-
critiva, uma vez que o intuito principal foi relatar a realidade na forma
como a mesma se apresenta para os sujeitos participantes. A análise
dos dados coletados foi apoiada na Psicologia Histórico Cultural de
Vygotsky e na Teoria das Redes Sociais.

A saúde mental no século XXI


Desde o alienismo de Pinelaté a hegemonia dos Manuais Diag-
nósticos e Estatísticos de Transtornos Mentais (DSM), percebe-se vá-
rias conquistas da racionalidade científica. O pré-estabelecimento de
padrões normativos universais, simplistas e estáticos fez prevalecer na
psiquiatria as observações de natureza médico-biológica, aquela que
toma por base a saúde como ausência de alterações biológicas, ou no
popular, ausência de doença (Amarante, 2007; Amarante & Nunes,
2018).
A definição em negativo torna a doença o foco da ação. Desta
forma, a principal estratégia para estudo e tratamento da doença era o
isolamento social. Acreditava-se que, livre de toda influência do meio,
a doença poderia ser vista na sua forma mais pura e a intervenção mé-
dica se tornaria mais eficiente. A fim de dar suporte às ações, trans-
formaram-se as instituições hospitalares em lugares próprios para o
tratamento da loucura (Foucault, 1978).
A supremacia da doença sobre o sujeito e o sistema terapêutico
baseado na hospitalização fizeram nascer o paradigma da Psiquiatria
Tradicional. A bem da verdade, não podemos negar que este modelo
produziu um saber original sobre as doenças. No entanto, Amaran-
te (2007) chama a atenção para o fato de esse saber referir-se a uma
doença institucionalizada, ou seja, uma doença modificada pela ação
prévia da instituição. Almejava-se a doença em estado puro, mas, ao
fim, tinha-se uma doença produzida e transformada pela própria inter-
venção médica.
Ao longo do século XX, o sistema adotado pelo paradigma psi-
quiátrico sofreu duras críticas. Aqueles que eram céticos à proposta
fizeram apelo ao relativismo cultural e defenderam a posição de que
é em cada cultura que podemos, legitimamente, encontrar critérios de
normalidade.
A concepção defendida por Canguilhem (2015) em sua tese de
doutorado parte do princípio de que existe um número infinito de pos-

- 106 -
sibilidades fisiológicas e culturais no processo da vida de um sujeito e
estabelecer uma norma para que se possa afirmar a existência de saúde
ou doença transforma os conceitos de normalidade e anormalidade em
reducionismo. Nesse sentido, propõe que o patológico é uma “norma
que não tolera nenhum desvio das condições na qual é válida, pois é
incapaz de se tornar outra norma” (p.145) e a saúde é a capacidade de
estar adaptado às exigências do meio, de criar e seguir novas normas
de vida.
Em 1964, Basaglia, psiquiatra e diretor de hospital psiquiátrico
rouba a cena ao apresentar A destruição do hospital psiquiátrico como
lugar de institucionalização. A narrativa é uma denúncia da exclusão
social representada pela internação psiquiátrica e da violência que as
técnicas cientificas exercem sobre os pacientes. O interesse de Basa-
glia recai sobre a emancipação dos sujeitos e a utilização da linguagem
como instrumento de mediação para o reconhecimento do mundo vi-
vido e negociação terapêutica. Dar voz aos loucos permite o retorno à
condição de cidadania (Basaglia, 2005). Nasce, então um novo para-
digma: a reforma psiquiátrica.
Como alternativa à institucionalização, é posto em prática o
modelo de Comunidades Terapêuticas. A proposta transforma os pa-
cientes em sujeitos e reconhece que as relações humanas devem ser
democraticamente fundadas, favorecendo a aquisição da autonomia e
a autorrealização. Os procedimentos terapêuticos empregados impli-
cavam na liberdade de comunicação, na democratização dos papéis
sociais e a construção de uma comunidade de intenções e objetivos
(Basaglia, 2005).
A queda das fronteiras físicas, representada pelos muros hospi-
talares, implica na desconstrução de fronteiras simbolicamente estru-
turadas. Assim, propõe-se a criação de condições para a produção de
outras abordagens cunhadas a partir da complexidade dos fenômenos
inerentes ao ser humano e que possam colocar a doença mental entre
parentes. Colocar a doença entre parênteses não significa negar a sua
existência, mas sim romper com a característica de objeto imposta ao
sujeito e a sua experiência pelo positivismo da psiquiatria tradicional
(Amarante, 2007; Amarante & Nunes, 2018).
No Brasil, a reforma psiquiátrica caminhou de mãos dadas com
a reforma sanitária. A população brasileira presenciou, na década de
1980, um embate sociopolítico em prol do direito à saúde. No campo
da saúde mental, oficialmente, as conquistas foram duas: racionaliza-
ção, humanização e moralização das instituições psiquiátricas e cria-

- 107 -
ção de ambulatórios como alternativa ao hospital de internação. No
entanto, essas estratégias não tiveram impacto significativo sobre a
qualidade do atendimento e tampouco êxito na mudança da hegemonia
hospitalar (Tenório, 2009; Amarante & Nunes, 2018).
A reforma ganhou força com a incorporação do protagonismo
de usuários, familiares, profissionais e outros ativistas de movimentos
sociais, que se mostravam insatisfeitos com a prevalência nociva do
modelo hospitalar/asilar. Assim, assistiu-se ao surgimento de expe-
riências institucionais bem-sucedidas na construção de um novo tipo
de cuidados em saúde mental, tais como o Centro de Atenção Psicos-
social (CAPS). Somado a estas conquistas, o Ministério da Saúde pas-
sa a incentivar a criação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais e
reestrutura a assistência à saúde mental segundo o modelo de redes de
atenção (Tenório, 2009). Para Mendes (2010, p.2300):
As redes de atenção em saúde são organizações poligárquicas
de conjuntos de serviços de saúde, vinculados entre si por uma
missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa
e interdependente, que permitem ofertar uma atenção contínua
e integral a determinada população, coordenada pela atenção
primária à saúde - prestada no tempo certo, no lugar certo, com
o custo certo, com a qualidade certa e de forma humanizada
-, e com responsabilidades sanitárias e econômicas por esta
população.

A perspectiva da atuação em redes de atenção traz, portanto, a


ação segundo os princípios de integralidade, intersetorialidade e cor-
responsabilidade. Isto é, o indivíduo que procura o serviço de saúde
deve ser visto em todos os seus aspectos de vida, e não somente a doen-
ça, e, por isso, as estratégias de intervenção devem perpassar todos os
setores sociais – e não somente o setor da saúde mental – e todos os
atores envolvidos no processo devem estar efetivamente comprometi-
dos com as melhorias de saúde.
Esta nova abordagem, em conformidade com o paradigma da
reforma psiquiátrica, visa romper com a construção da doença mental
enquanto condição única do sujeito e que, por consequência, torna os
profissionais “psi” como únicos responsáveis pelo tratamento.
A questão que ainda permeia este novo campo paradigmático é:
estariam os profissionais de saúde inseridos na rede conseguindo colo-
car a doença mental entre parênteses? Helman (2009), crítica adepta da
antropologia médica, aponta que a sociedade ocidental ainda não con-

- 108 -
seguiu alcançar a sua autonomia profissional no olhar frente ao sujeito
e, por tal motivo, termina por repetir as mesmas práticas reducionistas.
A primazia por um modelo universal de saúde descontextualiza o su-
jeito e o torna incompreendido.
A utilização do termo sujeito em sofrimento psíquico não é ao
acaso. A legislação brasileira utiliza a expressão “portador de transtor-
no mental”. Todavia, Paulo Amarante (2007) defende que essa se trata
de uma expressão que atribui ao sujeito um caráter de inseparabilidade
com o transtorno mental, tornando-a um fardo da personalidade. Como
alternativa, sugere a utilização do termo sujeito em sofrimento psíqui-
co, “pois a ideia de sofrimento nos remete a pensar num sujeito que
sofre, em uma experiência vivida de um sujeito” (Idem, 2007, p.68).

Gênero e saúde mental


A saúde e a doença estão fortemente relacionadas e compõem
um processo que resulta da atuação de fatores biológicos, sociais, eco-
nômicos, culturais e históricos. Sendo assim, infere-se que o perfil de
saúde e doença varia no tempo e no espaço, de acordo com o grau de
desenvolvimento econômico, social e humano de cada região. Tendo
em vista as desigualdades de poder entre homens e mulheres construí-
das ao longo da história, as questões de gênero devem ser considera-
das como um dos determinantes da saúde na formulação das políticas
públicas, uma vez que implicam no impacto nas condições de saúde
da mulher (Araújo, 1998; Carneiro; Aquino & Jucá, 2014; Langaro &
Pretto, 2015).
Gênero se refere ao conjunto de relações, atributos, papéis,
crenças e atitudes que definem o que significa ser homem ou ser mu-
lher numa sociedade. O primeiro aspecto da mulher incorporado pelas
políticas públicas nacionais de saúde foi papel da maternidade e as de-
mandas relativas à gravidez e ao parto. Com o passar do tempo, deu-se
visibilidade à sexualidade e à reprodução, as dificuldades relacionadas
à anticoncepção e à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis
e a sobrecarga de trabalho das mulheres dentro e fora de casa enquan-
to processos produtores de sofrimento, adoecimento e até mesmo de
morte (Brasil, 2004a; Medrado & Jesus, 2018). A soma destes fatores
deu à política de atenção à saúde da mulher uma nova cara e a saúde da
mulher passou a ser prioridade para o governo.
O Ministério da Saúde elaborou, em 2004, a Política Nacional
de Atenção Integral à Saúde da Mulher. O documento reflete o com-
promisso público com a implementação de ações de saúde que contri-

- 109 -
buam para a garantia dos direitos das mulheres. Desta forma, abraça a
perspectiva de gênero e utiliza os conceitos de integralidade, equidade
e promoção da saúde como norteadores para os processos de cuidado
(Brasil, 2004a).
A política nacional aponta dados e traça considerações acerca
do diagnóstico da situação de saúde da mulher. Nele, discute-se breve-
mente as questões relacionadas à saúde mental deste público. “Traba-
lhar a saúde mental sob o enfoque de gênero nasce da compreensão de
que as mulheres sofrem duplamente com as consequências dos trans-
tornos mentais, dadas as condições sociais, culturais e econômicas
em que vivem” (Brasil, 2004a, p. 44). Assim, existem aspectos que ora
favorecem, ora limitam o desenvolvimento e comprometem a saúde
mental das mulheres.
A mulher do século XXI atravessou a barreira do ambiente do-
méstico(privado) para o social (público) e a população feminina se
faz presente em todos os setores, desempenhando os mais diferentes
papéis. Apesar do espaço conquistado, o modelo histórico-cultural de
mulher tece a sua representação simbólica enquanto esposa, mãe e do-
na-de-casa afetiva. Por tal motivo, optou-se por se debruçar sobre as
vivências da maternidade de mulheres em sofrimento psíquico.

Desenvolvimento
Ao partir da compreensão de que o processo saúde-doença está
diretamente relacionado com aspectos histórico-culturais, a abordagem
qualitativa se torna a opção mais adequada para compreender as vivên-
cias humanas. Este enfoque oferece profundidade e intencionalidade às
relações e estruturas sociais que compõem o processo, dando espaço ao
sujeito e suas construções significativas (Minayo & Minayo-Goméz,
2014). A pesquisa de campo na abordagem qualitativa permite, assim,
o encontro direto entre pesquisador e participante.
Para este estudo foram ouvidas 06 (seis) mulheres em sofrimen-
to psíquico que vivenciam a maternidade e que utilizam os serviços de
saúde do município de Manaus-AM. O local escolhido para alcançar o
público-alvo foi o Centro de Atenção Psicossocial Benjamim Matias
Fernandes (CAPS-Sul), localizado na zona centro-sul da capital, tendo
em vista que esta é a instituição de referência municipal para o trata-
mento de indivíduos adultos em sofrimento psíquico. Para preservar
a identidade das participantes, as mesmas serão identificadas com o
nome de flor, sendo elas: Alecrim, Azaleia, Jacinto, Lótus Orquídea e
Violeta.

- 110 -
Utilizou-se dois instrumentos para a coleta de dados, sendo eles
(a) questionário fechado sobre dados sociodemográficos e de saúde e
(b) história de vida. A História de Vida consiste em um método bio-
gráfico que visa acessar uma realidade que ultrapassa o narrador. Desta
forma, torna-se possível compreender as facetas do mundo subjetivo
em relação permanente e simultânea com os fatos sociais. As narrati-
vas foram limitadas pela parte da vida do sujeito que corresponde às
vivências da maternidade.
A abordagem às participantes foi feita pessoalmente, conforme
a frequência dos usuários na instituição e indicação dos terapeutas de
referência. As entrevistas foram agendadas conforme a disponibilida-
de de cada participante. Todas assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido em duas vias e se mostraram cientes dos possíveis
riscos e benefícios. É válido ressaltar que as mulheres inseridas neste
estudo foram consideradas estáveis e aptas a participar por seus tera-
peutas de referência.
Todas as narrativas foram gravadas e posteriormente transcritas.
A análise dos dados coletados pelo questionário fechado foi realizada
com o auxílio do software Word Excel e facilitou a caracterização da
amostra estudada. Para material oriundo da História de Vida foi utili-
zada a Análise de Conteúdo de Bardin (2009). Esta técnica favorece a
identificação de padrões ou regularidades nos dados e posterior orga-
nização dentro desses padrões. Fez-se uso, também, do Ecomapa, um
instrumento que auxilia na representação das interações do sujeito com
demais pessoas, instituições ou grupos sociais em dado momento da
vida. Ele cria conexões entre as circunstâncias e meio ambiente e auxi-
lia na identificação dos padrões organizacionais familiares (Chiaverini,
2001). Tem se mostrado uma ferramenta bastante útil no mapeamento
de redes e na avaliação do apoio social.
A discussão dos achados foi feita com base na Psicologia His-
tórico-Cultural e da Teoria das Redes Sociais. Oriunda da crise me-
todológica frente a dicotomia idealismo x mecanicismo, a Psicologia
Histórico-Cultural propõe o estudo do ser humano em sua totalidade,
adotando como eixo central a relação social dialética e de interdepen-
dência em sua constituição (Vygotsky, 2003). A Teoria das Redes So-
ciais vem a contribuir com esta percepção dialética do sujeito. Sluzki
(2003) entende as redes sociais como um conjunto de seres que se re-
lacionam regularmente e trocam experiências que atribuem significado
a sua própria realidade. A experiência, percebida conforme o tempo
e o espaço, é capaz de construir e reconstruir identidades constante-

- 111 -
mente ao longo da vida com base nas interações sociais. Dentro desse
universo de relações existe, ainda, a rede social pessoal. Este seria o
grupo, definido pelo autor conjunto de relações significativas, é refe-
rência para a construção do sujeito e o desenvolvimento de habilidades
físicas e emocionais para o enfrentamento de situações de estresse.
A pesquisa foi idealizada com base nas Resoluções 466/12 e
510/16 do Conselho Nacional de Saúde e obteve aprovação do Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (UFAM),
com o CAEE número 99865218.4.0000.5020. Além das normas regu-
ladoras citadas, atentou-se também para Resolução 580/18, que discor-
re acerca de pesquisas no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.
Os resultados e discussões são apresentados em seções temáticas.

A rede de assistência à saúde mental no Amazonas


A fim de melhor articular as ações em saúde mental dentro da
rede de atenção à saúde, a Política Nacional de Saúde Mental, ideali-
zada para atuar nos ideais da Reforma Psiquiátrica, optou pela conso-
lidação de um modelo aberto e de base comunitária. Assim, criou-se a
Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), visando o atendimento a pes-
soas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decor-
rentes do uso de crack, álcool e outras drogas. A RAPS é formada por 7
componentes: (I) Atenção Básica em Saúde; (II) Atenção Psicossocial
Especializada; (III) Atenção de Urgência e Emergência; (IV) Atenção
Residencial de Caráter Transitório; (V) Atenção Hospitalar; (VI) Es-
tratégias de Desinstitucionalização; e (VI) Reabilitação Psicossocial
(Brasil, 2011).
Criado pela Portaria GM 224/92 e regulamentado pela Portaria
nº 336/2002, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) integram o
SUS e constituem a principal estratégia do processo de reforma psi-
quiátrica.
Os CAPS são instituições destinadas a acolher os pacientes com
transtornos mentais, estimular sua integração social e familiar,
apoiá-los em suas iniciativas de busca da autonomia, ofere-
cer-lhes atendimento médico e psicológico. Sua característica
principal é buscar integrá-los a um ambiente social e cultural
concreto, designado como seu “território”, o espaço da cidade
onde se desenvolve a vida cotidiana de usuários e familiares
(Brasil, 2004b, p.9).

A Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas aprovou a


Lei nº 3.177/2007, que dispõe sobre a promoção, prevenção, atenção e

- 112 -
reabilitação do cidadão portador de dano e sofrimento psíquico. Corro-
borando com a lei nacional, a legislação amazonense prevê internação
psiquiátrica mediante indicação médica. No entanto, proíbe a constru-
ção e ampliação de hospitais psiquiátricos e similares, seja de caráter
público ou privado. Afirma, ainda, que o Centro Psiquiátrico Eduar-
do Ribeiro (CPER), serviço de saúde local que atende nesse modelo,
deverá ser desativado progressivamente, observada a implantação da
Rede de Atenção Psicossocial.
Em entrevista cedida à rede local de jornalismo em 2017, o di-
retor Regional Norte da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
afirmou que o Amazonas tem a política de saúde mental mais atrasada
do país. Apesar de ser um dos primeiros estados a elaborar uma lei
estadual para guiar a reforma psiquiátrica, a falta de articulação entre
os diversos atores, gestores e membros da sociedade civil se mostrou
responsável pela dificuldade da saúde mental se tornar prioridade na
sua agenda política (Navarro, 2017).
O CPER, instituição de referência para todas as questões de saú-
de mental desde a sua criação, encerrou as atividades no ano de 2014.
Está localizado no centro da capital do estado e próximo ao complexo
esportivo. Manaus foi uma das cidades que sediou os jogos da Copa do
Mundo de Futebol de 2014 e, por esse motivo, profissionais e ativistas
da causa acreditam que a ação foi impulsionada pela necessidade de
realizar uma “limpeza social” da região. Apesar do cenário controver-
so, o fechamento das suas portas foi considerado um marco para a
consolidação da Reforma Psiquiátrica no estado.
O CPER atua, hoje, no atendimento de urgência e emergência
psiquiátrica. A estrutura física de todo o complexo se encontra em si-
tuação precária e não se mostra capaz de atender as necessidades de
saúde da população com qualidade. O ambulatório que ali existia foi
desmembrado e redirecionado para quatro Policlínicas do Estado e os
internos da instituição foram realocados em Residências Terapêuticas.
O tratamento ambulatorial vai de encontro ao que é preconizado pela
política pública de saúde mental que cria a RAPS e atribui um caráter
iatrogênico e cronificador para a assistência em saúde mental. Os Ser-
viços de Residenciais Terapêuticos (SRT) foram implantados em 12 de
fevereiro de 2014, após 12 (doze) anos de negociação (Navarro, 2017).
Os SRT’s foram instalados em um bairro da zona norte de Manaus, nos
fundos de um CAPS III e próximo à barreira intermunicipal.
O primeiro CAPS do estado foi inaugurado no município de
Parintins, no ano de 2006. Segundo dados disponibilizados pelo Minis-

- 113 -
tério da Saúde, o Amazonas conta com 24 (vinte e quatro) CAPS espa-
lhados pelo seu território3. Navarro (2017), ao analisar as informações
a ela disponibilizadas pela Coordenação de Saúde Mental Estadual,
aponta que este quantitativo não é necessário para atender a população.
Estima-se que há 406.689 pessoas portadoras de transtornos men-
tais graves e leves, 271.126 pessoas que necessitam de tratamento
devido ao uso prejudicial de álcool e outras drogas e 677.815
pessoas que necessitam de tratamento no campo da saúde mental,
numa população de 3.389.072 habitantes, distribuídas nos 62
municípios o estado. Esses dados apontam para a necessidade
de formular políticas públicas intersetoriais voltadas para uma
assistência integral, considerando as especificidades regionais
para a sua efetivação no Amazonas (Navarro, 2017, p. 140).

Dentre o quantitativo assinalado, 04 (quatro) CAPS estão loca-


lizados no município de Manaus, sendo 02 (dois) CAPS’s III, 01 (um)
CAPSadIII e 01 (um) CAPSi II. Os CAPS de tipo III são um serviço
de atendimento psicossocial com capacidade operacional para uma po-
pulação acima de 200 mil habitantes. Deve oferecer serviço ambula-
torial de atenção contínua para adultos, durante 24 horas diariamente,
incluindo feriados e finais de semana (Brasil, 2002). No entanto, as
instituições funcionam de segunda à sexta-feira, em horário comer-
cial. Aqueles que precisarem dos serviços no turno noturno, feriados
ou nos finais de semana devem se dirigir para o Pronto Atendimento
do CPER. Já o CAPSi é único responsável pelo acompanhamento de
crianças e adolescentes, entre 02 e 17 anos, com transtorno metal seve-
ro e dependente de álcool e outras drogas, em todo o Amazonas. Para
melhor organizar o serviço ofertado, o CAPSi se dividiu em duas equi-
pes: a equipe atuante na manhã lida com as demandas de transtorno
mental severo e a equipe da tarde desenvolve um trabalho voltado para
o público dependente de álcool e outras drogas. Em todas as unidades,
o tempo médio para o retorno das consultas psiquiátricas é de 03 a 04
meses.
A destinação de 10% do quantitativo total de leitos dos hospi-
tais gerais para saúde mental, conforme prevista em lei, ainda não foi
instituída. Quando viabilizado, o cadastro dos leitos auxiliará na des-
centralização dos serviços de pronto atendimento e internação breve
do CPER.
A inserção da Atenção Básica no processo de cuidado de usuá-
rios em sofrimento psíquico abre espaço para a consolidação de ações
3 Fonte: SAGE. Ministério da Saúde. Último acesso em 01/02/2018. Disponível em http://sage.saude.gov.
br/paineis/planoCrack/lista_caps.php?output=html& .

- 114 -
de base comunitária. Neste cenário, as equipes multiprofissionais de
Estratégia de Saúde da Família (ESF) e do Núcleo Ampliado de Saúde
da Família e Atenção Básica (Nasf-AB) são personagens fundamen-
tais no cuidado em saúde mental. Contudo, a ESF não abrange todo o
território de Manaus. Estima-se que apenas 33,55% da população está
coberta pela ESF e 47,43% sejam beneficiadas pelas ações preconiza-
das pela Política Nacional de Atenção Básica4. Consta na mesma fonte
que, dos vinte e cinco Nasf-AB credenciados pela capital, três foram
implantados e todos estão localizados na zona leste do município.
A articulação da RAPS no Amazonas ainda se encontra em pro-
cesso de construção. O trabalho integrado com outros setores da saúde
não vem apenas para aumentar o acesso do usuário aos serviços dispo-
nibilizados pela rede, como também para possibilitar maior responsa-
bilização por parte dos profissionais, usuários e familiares, favorecer
a superação da fragmentação do conhecimento e produzir expressivos
efeitos na saúde da comunidade.

Redes de apoio de mães em sofrimento psíquico


A nova forma de pensar saúde mental preconiza a correspon-
sabilidade entre todos os atores da saúde. Assim, aqueles que fazem
parte do círculo de convivência dos sujeitos em sofrimento psíqui-
co também são convidados para participar da produção de cuidados.
Neste sentindo, as redes sociais são percebidas enquanto recurso fun-
damental no que diz respeito ao apoio recebido por este grupo. Elas
permitem o reconhecimento da condição do sujeito em dado momento
histórico e agem conforme a sua necessidade.
A constituição das redes de apoio social pode estar relacionada a
três fatores: 1) aos fenômenos oriundos do processo de desenvolvimento
pessoal e familiar; 2) aos grupos de interação espontânea, formados em
certos contextos histórico-temporais; e 3) aos grupos institucionais, onde
se tem funções e limites bem definidos (More & Crepaldi, 2012). As
narrativas sobre a vivência da maternidade apontam que as redes foram
constituídas, em sua grande maioria, por membros da família e institui-
ções de saúde, o que corresponde aos fatores 1 e 3. Segundo Helman
(2009), é na família que o cuidado em saúde começa. Com a reforma
psiquiátrica e o fechamento dos hospitais psiquiátricos, a centralidade
do cuidado passou da equipe médica para a família. Assim, a família
se torna o início e o meio para se produzir cuidados em saúde efetivos.
4 Fonte: BRASIL/MS/SAPS. E-gestor: Cobertura da Atenção Básica no município de Manaus-AM. Úl-
timo acesso: 20 de julho de 2019.Disponível em: <https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/
relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml> .

- 115 -
Além das formas de constituição, o apoio social também pode
ser visto conforme a sua estrutura e função. Para Sluzki (2003), a es-
trutura engloba características relacionadas ao tamanho, a densidade,
composição, dispersão, homogeneidade e heterogeneidade a intensi-
dade. Neste estudo, destacaremos: (i) o tamanho, onde se enumera a
quantidade de pessoas na rede; e a (ii) intensidade, indicando os atri-
butos de vínculos, compromisso, durabilidade.
As redes sociais são formadas por relações formais e informais.
As relações formais têm por base a posição e papéis profissionais de-
sempenhados na sociedade, a exemplo do médico, assistente social e
psicólogo. As relações informais, por sua vez, têm maior importância
pessoal e afetiva que as anteriores. Elas englobam família, amigos, vi-
zinhos, colegas de trabalho, comunidade ou qualquer outro indivíduo
com que se mantenha uma relação afetiva. Analisar a estrutura da rede
social permite avaliar o sujeito no seu grau de interação com aqueles
que o cercam (Pinto et al, 2012).
Para melhor observar a estrutura das redes de apoio das 06 (seis)
participantes, fez-se uso do Ecomapa (Figura 1). Nele, nota-se que o
tamanho das redes variou entre 08 (oito) e 13 (treze) membros. Perce-
be-se que, quanto maior a quantidade de membros familiares na rede,
maior foi a atenção reportada pelas participantes e, por consequência,
maior o nível de satisfação com o apoio recebido.
A intensidade dos vínculos sociais foi classificada conforme o
tempo gasto na relação e a intimidade e reciprocidade de suporte. Os
vínculos considerados fortes e muito fortes se mostraram importantes
no desenvolvimento das tarefas diárias de cuidado com a casa e com
filhos e suporte afetivo. Os vínculos moderados foram considerados
significativos, mas não despenderam suporte afetivo. O vínculo pon-
tual, geralmente firmado com instituições, representa a utilização do
serviço apenas em caso de necessidade, ou por obrigatoriedade, como
no caso da assistência pré-natal. As relações conflituosas e violentas
influenciaram negativamente a percepção sob o suporte recebido ou
mesmo impediram a sua concretização.

- 116 -
Figura 1. Ecomapa das mulheres participantes da pesquisa ao longo vivência
da maternidade Fonte: Dados das autoras (2019)
Observa-se, ainda, um predomínio das relações informais frente

- 117 -
as relações formais. Dentre as relaçõs informais, nota-se a prevalên-
cia do vínculo familiar nas vivências maternas. A presença da família
costuma agir enquanto fator de proteção e suporte tanto para pessoas
em sofrimento psíquico quanto para mulheres que viram mães (Borba,
2011; Santin & Klafke, 2011; Molina, 2014; Gaino, 2019). Todas as
narrativas trouxeram a posição da família original (pai e mãe), do com-
panheiro e dos filhos enquanto relações significativas para o cuidado
no processo de saúde-doença. Em sua grande maioria, a qualidade do
vínculo foi considerada forte e muito forte. A fala da participante Vio-
leta resume bem a relevância dos membros familiares.

Porque se não fosse o amor da minha mãe, da minha avó e do


meu marido persistir, eu não poderia falar nada, eu não poderia
dizer nada. Se não fosse o amor deles naquele momento, de
eles tarem me dado aquele apoio todinho... Eu não sei. Eu acho
que se fosse pra mim ter filho hoje, eu morria (Violeta, 30 anos,
mãe de 3 filhos).

No entanto, não foram em todos os casos que o tipo de víncu-


lo agiu de forma positiva. As participantes Alecrim e Lotus narraram
diversas situações de violência conjugal, inclusive na presença dos fi-
lhos.

A C. tava com um ano, ele pegou uma descarga de carro e bateu


na minha cabeça que eu desmaiei. E eu só me lembro, na época,
que minha filha dizia “papai, não mata a mamãe” (Alecrim, 44
anos, mãe de 5 filhos).

A AL. tinha 4 anos de idade e a AD tinha 3. Eu implorei pra ele!


Ele só não me cacetou, porque Deus não deixou. O braço dele
não alcançava no tijolo. Se ele me soltasse, eu saia. Aí a minha
sogra olhou dali e gritou: “AL, vai fechar a porta que tua mãe
deixou aberta”. A AL respondeu: “Não, vovó. É o papai que tá
matando a mamãe”. Aí ela foi pegando o tijolo e foi jogando
nele. Agora ela era desse tamaninho jogando tijolo nele (Lótus,
52 anos, mãe de 2 filhas).

Alecrim e Jacinto trazem, também, a relação conflituosa com


seus pais e irmãos, o que impossibilitou o fortalecimento de suas redes
de apoio. Para suprir esta ausência, as participantes buscaram apoio em
outras redes informais, como a igreja, a vizinhança ou mesmo cuidado-

- 118 -
ras não-profissionais (babás).

Ele não queria me ajudar. Só quem me ajudava eram as pessoas


da rua, os vizinhos. Eu passava lá por casa na ambulância. Só eu
e Deus. Mas as pessoas ajudam sim a gente. [...] E foi os meus
amigos ali da igreja foi o centro pra eu ter uma outra ajuda. Não
tinha ajuda nenhuma de ninguém da minha família (Alecrim, 44
anos, mãe de 5 filhos).

Só sei que eu não queria [cuidar da menina]. Talvez ele per-


cebendo isso, ele contratou uma pessoa pra reparar a criança.
Uma senhora da qual ela se apegou muito. [...] O menino teve
mais sorte, porque tinha uma vizinha do outro lado que gostava
muito dele. Ela tratava ele como filho (Jacinto, 52 anos, mãe
de 3 filhos).

Sluzki (2003) destacou os efeitos do apoio social na promoção


do bem-estar, no desenvolvimento da identidade e na consolidação de
potenciais mudanças. Pietromonaco e Collins (2017) e Gaino (2019)
também apontam que o apoio social oriundo de redes informais pode
auxiliar na redução dos efeitos negativos do estresse, facilitar a recu-
peração da saúde e influenciar nos processos de resiliência. Sentir-se
compreendido e aceito pelo próximo faz com que as vivências sejam
menos desafiadoras ou dolorosas.
No que diz respeito às redes formais, percebeu-se que o CAPS
é o ponto central de assistência à saúde, mesmo no período gestacional
e de puerpério. O diagnóstico em saúde mental e o uso contínuo de
remédio controlado é condição indicativa para a realização de pré-natal
de risco. Em todas as situações, o encaminhamento para o pré-natal foi
dado pelo psiquiatra do CAPS. Desta forma, além do acompanhamento
mensal junto às unidades básicas de saúde, as mulheres contaram com
o suporte dos profissionais da maternidade. Todas as participantes rea-
lizaram o pré-natal, sendo que quatro utilizaram a rede pública (Equipe
de Saúde da Família – ESF, Unidade Básica de Saúde Tradicional -
UBS e Policlínica) e as outras duas optaram por serviços particulares.
A descrição apresentada pela participante Azaleia ilustra o caminho
percorrido pelas outras quatro, com exceção da participante Jacinto.

Então a maioria dos lugares que eu ia eu já levava a carteirinha


do CAPS. Durante o pré-natal, já me encaminharam pra ma-
ternidade, porque lá que fazia o pré-natal de risco (Azaleia, 39

- 119 -
anos, mãe de 1 filha).

Para atendimento em situação de crise, as usuárias utilizaram


os Serviços de Pronto Atendimento (SPA) e o Pronto Atendimento do
CPER. A participante Alecrim relata que as vivências da maternida-
de somadas à violência conjugal desencadearam inúmeras situações
de crise de ansiedade, sendo necessária a intervenção medicamentosa
junto ao SPA. Devido a presença de sintomas psicóticos, a participante
Jacinto necessitou de intervenção psiquiátrica.
As minhas crises e elas vem assim... Ela dói muito, fecha muito
meu peito e aí eu fico assim… cansada, muito cansada e com
falta de ar, assim… O meu corpo dói todo. Uma dor incontrolá-
vel. O doutor disse que é psicológico essas dores. E é uma dor
que eu choro desesperadamente! Tenho que ir no SPA, senão
eu desmaio. A minha pressão sobe e… sobe tudo (Alecrim, 44
anos, mãe de 5 filhos).

A minha situação mais delicada foi na junta médica, que é cheia


de gente. Simplesmente apareceu um homem, do nada, sorrindo
pra mim. Ele pegava um outro homem e cortava, arrancava a
cabeça e eu via o sangue rolando. E eu pisando. Ele passando por
entre todo mundo na junta médica e eu sem saber o que fazer. Aí
vai pro Eduardo Ribeiro. Da junta médica pro Eduardo Ribeiro.
Aí eu volto de novo pra casa (Jacinto, 52 anos, mãe de 3 filhos).

A participante Azaleia utilizou os serviços do Centro de Refe-


rência em Assistência Social (CRAS) em busca de auxílio financeiro.
Obteve, primeiramente, o Bolsa Família e, em seguida, o Benefício de
Prestação Continuada. Ela, assim como Orquídea e Violeta, conta com
o suporte de uma psicóloga particular. Além de serem as únicas parti-
cipantes com nível superior, possuem melhores condições financeiras
e uma rede de apoio mais estável.
Além das instituições de saúde e assistência social, as organi-
zações de trabalho também foram utilizadas para fortalecer a vivência
da maternidade das participantes. Jacinto é técnica de enfermagem e
trabalhava em maternidade e Lotus era secretaria executiva de uma
grande empresa de supermercados na cidade.

Porque a Casa do Óleo me deu todo o suporte. De 15 em 15


dias deixavam um rancho bom pra mim aqui. [...] Aí quando eu
cheguei lá [no trabalho], eu comecei a chorar. Eu não aguentei. O

- 120 -
meu patrão perguntou o que tava acontecendo e eu respondi. Ele
mandou eu ir falar com a psicóloga. A Psicóloga foi lá comigo
e ouviu a minha história. Ela disse que teria que me levar na
Delegacia da Mulher (Lotus, 52 anos, mãe de 2 filhas).

Olha, não fiz pré-natal da M.L., que é a minha menina. Se eu


não a queria... eu não tava preocupada. Mas graças a Deus a
criança veio perfeita. Do N. eu ainda fiz na LBA. E do terceiro
foi o pré-natal mais esquisito que possa ter na vida. Porque cada
obstetra que chegava no plantão era o meu médico do pré-natal.
[...] Como eu conhecia todo mundo da maternidade, eles pediam
exame, tudo o que pede no pré-natal eles pediam. [...] Não foi
um pré-natal normal. O meu médico era o plantonista (Jacinto,
52 anos, mãe de 3 filhos).

Visando operacionalizar a definição de apoio social e encontrar


meios para qualificá-los, Sluzki (2003)propôs 06 (seis) categorias fun-
cionais de apoio social, sendo:
a) Companhia social: diz respeito ao compartilhamento das ativi-
dades diárias, onde a cultura é repassada e se constroem senti-
dos e modos de viver;
b) Apoio emocional: faz referências às atitudes positivas que fa-
vorecem a compreensão, simpatia, afeto, estímulo, autoestima e
sensação de pertencimento. Comumente atribuído às amizades
mais íntimas.
c) Guia cognitivo e conselheiro: oferece um modelo de papéis so-
ciais que favorece a troca de informações, orienta e fortalece a
identidade pessoal, grupal e institucional.
d) Regulação social: define papéis e reafirma as normas de conví-
vio social.
e) Ajuda material e de serviços: auxílio nos casos de necessidade
material.
f) Acesso a novos contatos: auxiliando na conexão com outras
pessoas ou redes.
Dentre as narrativas analisadas, a ajuda material, a companhia
social e o apoio emocional foram ofertados pelos membros da famí-
lia. Nos relatos, a ajuda material se deu enquanto auxílio em dinheiro
e em gêneros alimentícios. A companhia social e o apoio emocional
figuraram como prioritário para o equilíbrio entre reconhecimento da
mulher-mãe e da mulher em sofrimento psíquico.

Eu tava desempregada, eu não tinha um prato de comida. Ele

- 121 -
tirava o celular dele de área, ele não me respondia mais nada e
ele não queria mais saber de nada. E eu tava sofrendo. Quem
dava comida pros meus filhos era o meu irmão, o meu cunhado,
entendeu? E quando amanhecia o dia eu ficava a mercê do que a
mamãe ia almoçar (Lotus, 52 anos, mãe de 2 filhas).

Então eu vejo assim... ser mãe solteira e morar com meus pais
ainda tem um lado bom, porque eles me dão apoio. O dia que eu
não tô bem, meu pai leva na escola. Hoje meu pai que foi levar
e eu fui buscar. E aí minha mãe me ajuda. Uma ajuda a outra.
Isso é um lado muito bom (Azaleia, 39 anos, mãe de 1 filha).

Maternidade é um doar, é uma renúncia. A gente escolhe, mas


eu lhe digo: é melhor quando a gente tá bem acompanhada. Com
uma pessoa que nos ame, que esteja lá pra suportar quando a
barriga estourar de estria, né? Que depois ele diga que tá tudo
bem, mesmo quando a gente tá com a cara parecendo que passou
por um vendaval [risos] (Orquídea, 40 anos, mãe de 2 filhos).

A troca de informações e orientação foi centralizada no CAPS.


Foram demandadas tanto informações acerca da situação de saúde,
quanto orientação para auxiliar em casos de situação de conflito.

O que me ajudou muito nesse período doentio foi a terapia. A


minha terapeuta e a outra moça que que trabalhou com ela, elas
sempre falaram assim: “olha, se apareceu voz, se apareceu vultos
ou pessoas que você não conhece, põe na sua cabeça que isso
não é real e mude seu foco pra outra coisa”. [...] E eu tenho que
saber distinguir, fazer uma separação entre o que é real e o que
não é real (Jacinto, 52 anos, mãe de 3 filhos).

Os tratamentos que eu faço aqui no CAPS vai fazendo eu lidar


com essa situação. [...] O tratamento do CAPS faz com que eu
aprenda a ficar fora. Antigamente eu não sabia... Eu chorava, eu
passava mal, eu ia parar no pronto-socorro... Hoje não. Hoje eu
sou mais controlada (Alecrim, 44 anos, mãe de 5 filhos).

Um detalhe interessante é que, na maioria das narrativas, as par-


ticipantes consideraram o CAPS e a igreja como o meio de acesso a
novos contatos. Fontes e Stelzig (2004) afirmam que esta função mos-
tra a sua importância à medida que o acesso a outras redes é visto como
decisivo em situações conflito e para a formulação de novas produções
psicológicas.
Quando foi no mês de dezembro, foi a minha mãe que morreu.

- 122 -
A minha avó. Ela morreu num dia e quando foi no outro eu tinha
que ir pro CAPS. Eu cheguei lá chorando e o D. [terapeuta de
referência]disse que era pra eu ficar em casa, mas se eu ficar em
casa é pior... Porque se eu sento e vejo todo mundo no celular,
vendo televisão, e eu sinto que eu não tenho atenção, que eu não
tenho ninguém pra conversar, que eu não tenho nada. No CAPS,
não. Sempre tem alguém pra eu conversar. A gente tá interagindo
(Violeta, 30 anos, mãe de 3 filhos).

E essa depressão ela veio e eu não me cuidei. Eu tomava meus


remédios, mas aí eu disse “eu vou pra igreja. Eu vou me tratar
na igreja”. Aí eu fui pra igreja e foi quando as pessoas passaram
a me ajudar. Já comecei a fazer o tratamento pela igreja. Eu ia
participar de reunião e as pessoas da igreja me ajudavam bas-
tante. Ai tá, eu estabilizei. [...] Eles foram muito compreensíveis
comigo. Eles não me abandonaram. E foi os meus amigos ali
da igreja foi o centro pra eu ter uma outra ajuda (Alecrim, 44
anos, mãe de 5 filhos).

Desta forma, percebe-se que cada vínculo entre as participantes


e as pessoas da sua rede pode cumprir várias funções. Eles costumaram
alternar conforme as necessidades, as vivências maternas e as mudan-
ças no relacionamento. Todas as variáveis associadas a rede de apoio
costumam influenciar fortemente na saúde dos sujeitos e na produção
de cuidados. Analisar o cuidado com base nas redes sociais permite
dar maior visibilidade às contribuições do apoio social na definição da
identidade pessoal para além do adoecimento psíquico, no autocuidado
e no cuidado com os filhos.

Considerações finais
Pensar a saúde mental na perspectiva da Reforma Psiquiátrica
implica, acima de tudo, colocar a doença entre parênteses. O diagnósti-
co de saúde deve ser visto apenas como um dos componentes do sujei-
to e cabe aos que o cercam entender que uma classificação não limita o
seu potencial. Assumir esta postura nos leva a entender que o indivíduo
em sofrimento psíquico pode exercer diversos papéis sociais, inclusive
o de mãe. Estariam os serviços de saúde preparados para atender as
mulheres-mães em sofrimento psíquico na sua integralidade?
Conforme observado, a rede de assistência à saúde mental no
estado do Amazonas ainda não está estruturada para atuar conforme
preconiza a Política Nacional de Saúde Mental. Nota-se, ainda, que os
serviços oferecidos estão aquém das necessidades da população. Quan-

- 123 -
do se trata de mães em sofrimento psíquico, percebe-se que a referên-
cia entre os serviços ainda recai sobre as instituições de saúde mental.
Com a descentralização da figura do médico e a inserção de no-
vos atores enquanto corresponsáveis na produção de cuidados, os su-
jeitos em sofrimento psíquico asseguram novas formas de apoio, tan-
to para situações de crise quanto de estresse agudo. As redes sociais,
sejam elas individuais, familiares, institucionais ou comunitárias, são
vistas como um dos principais recursos de que dispõe um indivíduo,
principalmente no que diz respeito ao apoio recebido.
O apoio social figurou enquanto fator de proteção nas vivências
da maternidade. Destacaram-se as relações informais frente as relações
formais, tendo em vista que a maternidade é um fator humano e não
patológico. Dentre as relações informais, os membros familiares foram
os mais citados e com maior intensidade de vínculo. Nos casos em
que as relações familiares eram conflituosas ou violentas, as relações
comunitárias ganharam destaque. A companhia social, o apoio emo-
cional e a ajuda material e de serviços foram as funções mais significa-
tivas na percepção das mães em sofrimento psíquico.
Dentre as relações formais, o CAPS figurou como a instituição
de referência continua. Apesar de outras instituições de saúde terem
sido acionadas, tais como UBS, ESF, SPA, policlínica e maternidade, a
função de guia cognitivo para orientação e troca de informações coube
ao CAPS. Essa informação nos mostra que a saúde mental ainda não
foi totalmente posta entre parênteses. Os demais serviços aparentam
não ter as ferramentas (físicas e cognitivas) necessárias para lidar com
o sujeito em sua totalidade.
As redes sociais contribuíram positivamente na autoestima,
aceitação e na produção de cuidados em saúde para os filhos e a sua
própria, gerando a capacidade de enfrentamento e reajuste frente as
dificuldades.
O conceito de rede se mostrou fundamental para compreender
as vivências da maternidade de mulheres em sofrimento psíquico, vis-
to que permite vários enfoques, tais como a consideração da família
nuclear e extensa, de instituições de saúde e do trabalho e dos recursos
comunitários, e os considera enquanto elementos interdependentes e
indissociáveis.

- 124 -
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- 128 -
OBESIDADE INFANTIL E
CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS
Alcielle Libório Caranha
José Humberto da Silva Filho
Solange Muglia Wechsler

Resumo: Segundo a Organização Mundial da Saúde, a obesidade é uma das doen-


ças que mais tem crescido nas últimas décadas, tendo quadriplicado sua incidência
entre crianças e adolescentes. De origem multifatorial, é uma porta de entrada para
inúmeras outras doenças físicas como diabetes, dislipidemia e doenças cardiovas-
culares, afetando também a esfera emocional, com consequências para a atitude
alimentar, autoimagem e qualidade de vida, uma vez que pode desencadear trans-
tornos alimentares e depressão. Saber identificar problemas no âmbito psicológico
de crianças acometidas pela obesidade pode contribuir para o tratamento dessa
doença, auxiliando profissionais da área através de uma abordagem interdiscipli-
nar, municiando a família com informações sobre a patologia e da importância
de sua participação no tratamento, além de beneficiar a própria criança através da
promoção do autoconhecimento e do desenvolvimento de uma postura mais ativa
e consciente no seu tratamento.

Introdução
Mudanças de ordem política, econômica e social ocorridas nas
últimas décadas culminaram em importantes transformações nos com-
portamentos da humanidade, em especial àqueles relacionados aos
hábitos de saúde. O advento da tecnologia possibilitou praticidade na
execução de atividades que, somada ao crescimento da indústria de
alimentos, impactaram de modo negativo a saúde da população, abrin-
do portas para o surgimento de várias doenças, dentre elas a obesidade
(Abeso, 2016).
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), es-
tima-se que até 2030 o número anual de óbitos causados por doenças
consideradas crônicas não transmissíveis seja cerca de 52 milhões e os
gastos com doenças relacionadas à obesidade até 2025 são estimados
em US$ 556 bilhões de dólares.
Um estudo realizado pelo Imperial College London e pela Or-
ganização Mundial de Saúde (OMS) apontou ainda que o número de
crianças e adolescentes de 05 a 19 anos com obesidade aumentou cerca
de dez vezes nas últimas quatro décadas, estimando-se que, caso nada
seja feito, haverá mais crianças e adolescentes obesos do que com des-
nutrição moderada e grave até 2022 em todo o mundo.

- 129 -
De acordo com levantamento realizado pela pesquisa Vigitel
Brasil 2018, no país cerca de 50% da população está acima do peso,
sendo as regiões Norte e Centro Oeste as que apresentam maior inci-
dência de pessoas obesas em todo o território nacional. Manaus se des-
taca como a capital com o maior número de habitantes com obesidade
no Brasil, tendo 23% de sua população com esse diagnóstico.
Devido à obesidade ter alcançado níveis epidêmicos em diver-
sos países nas últimas décadas, essa enfermidade tornou-se um dos
maiores desafios para gestores e profissionais da área da saúde. Diante
desse cenário, este capítulo tem como objetivo informar ao leitor sobre
a obesidade infantil e suas repercussões, especialmente as relacionadas
à saúde psicológica de crianças, apresentando ainda, aos profissionais
que atuam na área, instrumentos que possam auxiliar na identificação
de alterações relacionadas aos aspectos emocionais desse público.

Desenvolvimento
Obesidade Infantil
A OMS define a obesidade como uma doença crônica, caracte-
rizada pelo aumento de tecido gorduroso em determinada região ou em
todo o corpo, de etiologia complexa e multifatorial, resultante da inte-
ração entre fatores genéticos, ambientais, socioeconômicos, culturais e
psicossociais (Abeso, 2016).
Straub (2014) afirma que a medida mais objetiva para se diag-
nosticar a obesidade é através da aferição do Índice de Massa Corpo-
ral (IMC), que é determinado pela divisão do peso do indivíduo (em
quilos) pelo quadrado de sua altura (em metros). Segundo a Sociedade
Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a OMS classifica como
peso normal o resultado de um IMC entre 18,5 e 24,9, sendo considera-
do com sobrepeso o indivíduo que atingir um IMC acima de 25 e obeso
um IMC acima de 30.
Na infância e adolescência a avaliação do estado nutricional
difere da avaliação na população adulta, pois analisa-se um número
maior de variáveis, como o sexo e a idade. Tabelas da OMS auxiliam
os profissionais de saúde na avaliação do IMC, apontando um percentil
de 85 como sobrepeso e percentil de 95 indicando a obesidade.
No Brasil já há registros da obesidade infantil a partir dos cinco
anos, fenômeno presente em todas as regiões e classes sociais, com
prevalência na área urbana. O surgimento dessa patologia na infância é

- 130 -
elemento de grande preocupação para a saúde pública, uma vez que é
fator preditivo de obesidade na fase adulta, abrindo portas para comor-
bidades como diabetes, doenças cardiovasculares e dislipidemia, com
consequentes impactos nos gastos com saúde individuais e para toda
a sociedade (Henriques, O’Dwyer, Dias, Barbosa & Burlandy, 2018;
Paiva, Couto, Masson, Monteiro & Freitas, 2018).
Dornelles, Anton e Pizzinato (2014) apontam que os fatores
ambientais são protagonistas no cenário da obesidade, uma vez que
populações etnicamente semelhantes apresentam diferentes índices de
prevalência quando em condições ambientais distintas. Em concordân-
cia a essa afirmativa, a OMS estima que cerca de 95% dos casos de so-
brepeso e obesidade na infância ocorrem devido a questões ambientais.
Além das implicações físicas, Paiva et al. (2018) destacam que
a obesidade afeta a saúde psíquica do indivíduo, com consequente im-
pacto em sua qualidade de vida (QV) e até mesmo aumentando o risco
de mortalidade. Os autores ressaltam ainda que o excesso de peso é um
fator que está relacionado a problemas de ordem emocional e social
em crianças, como baixa autoestima, dificuldades de relacionamento e
sintomas de depressão.

Características Psicológicas da Obesidade Infantil


Estudos realizados para a avaliação de preconceito com relação
à obesidade infantil apontaram que crianças com este diagnóstico eram
vistas como preguiçosas, sujas, burras, feias, trapaceiras e mentirosas,
situação geradora de sentimentos de inferioridade e isolamento, com
grande impacto para o desenvolvimento psicológico (Abeso, 2016).
Diversos estudos demonstram associação entre obesidade e al-
terações de ordem psicológica, como uma pesquisa realizada na Aus-
trália e citada por Cruz, Piccinini, Matijasevich e Santos (2017) com
crianças de 7 a 11 anos, sendo constatada a correlação de IMC com
autoestima. Segundo resultados deste estudo, quanto maior o IMC das
crianças, maior sua insatisfação com seu corpo e, consequentemente,
menor sua autoestima. Outro estudo de caso controle também citado
pelos autores com uma amostra de 239 crianças belgas e com faixa etá-
ria entre 9 e 12 anos, das quais 139 estavam obesas e 150 tinham peso
adequado, apontou que as crianças obesas expressaram com maior fre-
quência sentimentos negativos em relação ao autoconceito geral, isto
é, não estavam apenas insatisfeitas com sua aparência pessoal, mas
também com outros aspectos da vida.

- 131 -
De acordo com a Terapia Cognitivo Comportamental, sempre
há um pensamento que antecede o ato de comer, e que este pode se
apresentar de dois modos: se leva o indivíduo a agir de maneira mais
produtiva, é considerado um pensamento funcional, mas se induz à
atitudes disfuncionais, é denominado pensamento sabotador. Pensa-
mentos dessa ordem tendem a surgir na presença de um estímulo, nem
sempre consciente para o indivíduo (Beck, 2009).
No livro Pense Magro, a autora discorre sobre a natureza dos
estímulos, que podem ser de ordem ambiental, mental, emocional e
social. Estímulos ambientais são mais fáceis de identificar, pois eles
estimulam os sentidos, como a visão e o cheiro dos alimentos. Os es-
tímulos mentais estão relacionados ao pensamento sobre comida, que
são despertados com uma simples lembrança do alimento ou ao ler
uma receita culinária. Os estímulos emocionais, por sua vez, são aque-
les relacionados aos sentimentos, que podem ser desagradáveis como
raiva, tristeza, ansiedade, frustração, incitando a pessoa a comer para
buscar conforto ou distração, mas também relacionados a sensações
agradáveis, que podem estimular à continuidade da ingesta com vistas
à mantê-las por mais tempo. Por fim, os estímulos sociais relacionam-
-se a pessoas que incentivam os indivíduos à prática alimentar, ou si-
tuações em que se gostaria de comer com os demais, como aniversários
e confraternizações (Beck, 2009).

Atitudes Alimentares
O consumo de alimentos ricos em açúcares simples e gordu-
ras saturadas vêm crescendo na população em geral, como resultado
da falta de tempo e da praticidade da vida moderna. O fator ambien-
tal é provavelmente a variável que mais contribui para a epidemia da
obesidade infantil, uma vez que a dieta da criança sofre influências
especialmente da família, responsável direta pelo abastecimento dos
alimentos da casa, além de servir de modelo para a reprodução dos
comportamentos na infância (Straub, 2014).
Segundo Beck (2009), fatores psicossociais desempenham um
papel importante no comportamento alimentar, pois desde cedo as
crianças já são treinadas para associar a comida a festas, realizações
pessoais e eventos sociais, sendo, no entanto, também comum a busca
por alimento quando situações de perturbação e estresse aparecem.
Para Souza, Pisciolaro, Polacow, Cordás e Alvarenga (2014),
atitudes alimentares estão associadas à relação do indivíduo com o

- 132 -
alimento, o que abrange a esfera emocional, identificada como um
possível fator desencadeante de transtornos alimentares. Tais atitudes
podem ser definidas como crenças, pensamentos, sentimentos e com-
portamentos relacionados aos alimentos, sendo influenciados por fato-
res subjetivos, sociais, culturais e ambientais.
Paiva, Couto, Masson, Monteiro e Freitas (2018) ressaltam que
o fenômeno da obesidade não está relacionado apenas com a quantida-
de de alimentos ingerida, mas com a qualidade do alimento que é con-
sumido. A ingesta in natura dos alimentos como tubérculos, cereais,
frutas, hortaliças e leguminosas vem diminuindo gradativamente pela
população, apesar das recomendações nutricionais para a melhoria da
QV.
Para Linhares, Sousa, Martins e Barreto (2016), os hábitos
culturais e alimentares apresentam impacto negativo na vida de uma
criança obesa não somente pelas questões inerentes à saúde física,
mas também pelos aspectos psicossociais envolvidos. Sentimentos de
tristeza, culpa, problemas de relacionamento e dificuldade de inclusão
social estão presentes em indivíduos com essa patologia, bem como
perda da vaidade, comprometimento da autoestima e distorção da ima-
gem corporal.
A preocupação com o peso e a imagem do corpo podem levar à
prática de distúrbios alimentares, sendo estes comportamentos já ob-
servados na infância a partir dos 7 anos (Gonçalves, Moreira, Trindade
& Fiates, 2013).
Souza et al. (2014) asseveram que comportamentos alimenta-
res disfuncionais presentes nos quadros de Transtorno Alimentar são
decorrentes de pensamentos obsessivos com alimentação e calorias,
dificuldade para a escolha dos alimentos e compensação de problemas
psicológicos com a ingesta alimentar, dentre outros.

Imagem Corporal
De acordo com Tavares (2003), o termo imagem corporal cor-
responde à experiência subjetiva que um indivíduo tem com o seu pró-
prio corpo, tendo este construto um papel fundamental na compreen-
são do autoconceito e da autoestima. O autoconceito é a percepção que
o indivíduo tem de si mesmo, enquanto a autoestima está relacionada
a uma avaliação mais positiva ou negativa que o sujeito faz desse atri-
buto (Coelho, Ferreira, Corrêa & Oliveira, 2016).

- 133 -
A imagem corporal é um fenômeno complexo e multifacetado
que pode ser categorizado em duas dimensões: perceptiva e atitudi-
nal. A dimensão perceptiva define o tamanho, peso e forma do corpo
tal como ele se apresenta, enquanto a dimensão atitudinal compreende
questões subjetivas como pensamentos, sentimentos e comportamen-
tos relacionados ao corpo, incluindo as relações pessoais e sociais que
através dele o sujeito vivencia (Neves, Cipriani, Meireles, Morgado &
Ferreira, 2017).
Segundo Ferreira, Castro e Morgado (2014), a imagem corpo-
ral está em constante transformação ao longo da vida, no entanto, é
na infância que a construção desse conceito tem início. Preocupações
com o peso e com a aparência física podem desencadear na criança
insatisfação com o próprio corpo, situação esta que pode ser predito-
ra do desenvolvimento de psicopatologias em idades tardias, como os
transtornos alimentares. O modo como a criança percebe seu corpo
pode influenciar a forma como ela lida com o ambiente externo, modi-
ficando a forma como são estabelecidas as relações com a família e os
amigos, inclusive (Almeida, Zanatta & Rezende, 2012).
Estudos realizados com crianças obesas apontam uma vulnera-
bilidade deste grupo referente ao desenvolvimento de problemas psi-
cológicos, uma vez que acabam sendo isoladas em muitas ocasiões
por grupos sociais de seu convívio, pois são consideradas lentas e com
menos habilidades que crianças eutróficas. Autores acreditam que a
discriminação social sofrida por esse público faz com que ele passe a
não gostar de si mesmo, situação que tem repercussão direta na autoes-
tima e que já vem sendo observada em crianças de idade pré-escolar
(Santos, Maranhão& Batista, 2016).
Kakeshita, Silva, Zanatta e Almeida (2009) evidenciam que a
imagem corporal se configura como tema associado aos transtornos
alimentares e consequentemente à QV, uma vez que o bem-estar tem
relação com a satisfação dos indivíduos com seu próprio corpo.
Em pesquisa realizada por Castro, Figueiredo, Silva e Faria
(2016), crianças e adolescentes com idades de 08 a 18 anos acima do
peso foram comparadas com crianças eutófricas, com vistas à analisar
a relação entre o peso e a QV e se esta, por sua vez, é mediada pela
insatisfação com a imagem corporal e ainda moderada pelo gênero. Os
achados do estudo afirmaram que a satisfação com a imagem corporal
demonstrou ser um importante mecanismo explicativo da relação entre
o peso e a QV, o que pode ser alvo de intervenção relevante no trata-
mento desses pacientes.

- 134 -
Depressão
A depressão tem sido bastante pesquisada em crianças e adoles-
centes com obesidade devido à sua repercussão em vários aspectos da
vida, como o baixo rendimento escolar e prejuízo nos relacionamen-
tos sociais. Crianças com esse diagnóstico tem maior probabilidade
de sofrer discriminação e estigma social, cujo impacto se dá sobre seu
funcionamento psíquico, afetando sua QV (Luiz, Gorayeb & Júnior,
2010).
Segundo o Manual Diagnóstico e estatístico de transtornos men-
tais (DSM-5), a depressão é uma doença caracterizada por alterações
no comportamento, ânimo e especialmente nos estados de humor, sen-
do os principais sintomas apresentados o humor triste, diminuição do
prazer ou interesse, alterações no padrão do sono, lentificação psico-
motora, fadiga ou perda de energia, sentimentos de culpa e menos va-
lia, assim como alterações de peso (American Psychiatric Association,
2014).
A depressão atinge 01 em cada 20 crianças abaixo dos dez anos
de idade, afetando especialmente o rendimento escolar, o desenvolvi-
mento emocional normal e a estabilidade de toda família, podendo ser
resultante de fatores como a separação dos pais, o falecimento de um
membro da família, situações de abandono e de adoecimento, compro-
metendo o desenvolvimento da criança e resultando em prejuízos em
diversos contextos, especialmente no escolar (Loiola, 2009; cit. por
Guerra, Moura-Almeida & Afonso, 2018).
A falta de interesse e ânimo característicos do quadro depressi-
vo podem implicar na baixa adesão ao tratamento da obesidade, muito
embora alguns autores sustentem a ideia que a obesidade é uma causa e
não consequência de sofrimento psíquico (Moraes, Almeida & Souza,
2013). De acordo com essa afirmativa, a ABESO destaca que a obesi-
dade aumenta em 55% o risco de depressão, e esta, em 58% o risco de
obesidade, indicando uma porta giratória entre essas patologias.
Estudos recentes relacionados a estados de humor apontam ain-
da para uma forte interação entre o eixo intestino-cérebro. De acordo
com Carvalho-Furtado, Silva e Walfall (2018), apesar de a depressão e
a obesidade serem duas condições patológicas distintas, há associação
entre as mesmas, pois é possível que a microbiota intestinal e seus
metabólitos participem da modulação de comportamentos e processos
encefálicos, como responsividade ao estresse, conduta emocional, con-

- 135 -
sumo alimentar, modulação da dor e bioquímica cerebral, contribuindo
para um organismo saudável ou levando ao desenvolvimento de doen-
ças, inclusive transtornos de humor como ansiedade e depressão.
Para Lins, Muniz e Cardoso (2018), já aos cinco anos meninas
assumem padrões ideais de beleza ditados pela sociedade, o que são
reforçadores de crenças sobre uma identidade negativa, fatores estes
associados ao desenvolvimento de sintomas depressivos, insatisfação
com o próprio corpo, baixo autoconceito e baixa autoestima, preju-
dicando a inserção e aceitação social, impactando negativamente na
qualidade de vida dessas pessoas.

Qualidade de Vida
Crianças com excesso de peso e obesidade enfrentam problemas
em muitos aspectos que interferem na qualidade de vida, como insa-
tisfação corporal, imagem corporal negativa, baixa autoestima, depres-
são, estigmatização e marginalização social (Cunha, Sousa-Pantoja,
Portella, Furlaneto & Lima, 2018).
De acordo com a OMS, QV é a percepção consciente que o
indivíduo tem de sua inserção na vida, no contexto da cultura e sis-
temas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações. Nesta definição estão incluídos
seus principais domínios: estado físico, psicológico, relações sociais
e com o ambiente. A QV também é um conceito dinâmico, uma vez
que possui características de mudança ao longo do tempo ou entre as
pessoas de diferentes condições, cultura e geografias, inclusive mudan-
ças no mesmo indivíduo, dependendo de seu estado físico (Guimarães,
Júnior, Andrade-Fonseca, Amorim & Júnior, 2015).
O reconhecimento de que a QV relacionada à criança configu-
ra-se como um importante indicador de saúde para esta faixa etária
contribuiu para um aumento de pesquisas relacionadas ao tema, cujo
desdobramento repercute na prática clínica e nas políticas públicas.
A literatura indica que crianças e adolescentes com excesso de
peso possuem baixa QV, no entanto, estudos associados a este fenô-
meno indicam uma baixa correlação entre baixa QV e obesidade em
crianças de 02 a 05 anos, sendo mais expressiva essa relação nos anos
escolares e ainda fortalecida com o avançar da idade (Cunha, Sousa-
-Pantoja, Portella, Furlaneto & Lima, 2017).
Cunha et al. (2018) ventilam que a obesidade é uma das condi-
ções mais estigmatizantes e com menos aceitação social na infância.

- 136 -
Dentre os fatores psicológicos e sociais que são atinentes à obesidade
infantil, a presença de bullying, discriminação, aceitação diminuída pe-
los pares bem como o isolamento e afastamento de atividades sociais
repercutem diretamente na QV dessas crianças (Castro, Figueiredo,
Silva & Faria, 2016).

Instrumentos avaliativos de características psicológicas de


crianças com diagnóstico de obesidade
Não existe um instrumento específico para avaliação de cons-
trutos psicológicos em crianças com obesidade, no entanto, algumas
escalas podem auxiliar os profissionais a identificar alterações neste
âmbito. É válido ressaltar que nenhum dos instrumentos deve ter a
interpretação realizada de modo isolado, e que nenhum deles substitui
o processo de avaliação psicológica.

Children’s Eating Attitudes Test Versão Brasileira -


(ChEAT)
Este instrumento teve a tradução e validação da versão brasilei-
ra realizada por Pinheiro e Jiménez (2017), e trata-se de uma adaptação
do Eating Attitudes Test (EAT-26), sendo desenvolvido com o objetivo
de avaliar comportamentos e atitudes alimentares em crianças e ado-
lescentes menores de 15 anos. É composto por 26 itens cuja pontuação
varia de 0 a 6 (nunca a sempre). Para calcular a pontuação total é feita
uma recodificação dos resultados, reduzindo as 6 respostas a 4 pon-
tos. Respostas de 1 a 3 pontuam 0, respostas 4 pontuam 1, respostas 5
pontuam 2 e respostas 6 pontuam 3. Em seguida somam-se os pontos
e obtém-se a pontuação total. O ponto de corte adotado pelos autores
do instrumento é de 20 pontos. Os participantes que superam essa pon-
tuação apresentam atitudes e comportamentos alimentares alterados,
sinalizando risco de desenvolver um transtorno alimentar completo.

Escala de Silhuetas Brasileiras para Crianças


Trata-se de um instrumento que foi desenvolvido por Kakeshita
et al. (2009), adaptado ao contexto sócio econômico e cultural bra-
sileiro para adultos e crianças com o objetivo de avaliar a percepção
da imagem corporal através de uma escala de figuras de silhuetas que
variam desde a mais esbelta até a mais larga. A escala para crianças é
composta por 11 cartões de cada gênero. Cada participante é convida-

- 137 -
do a escolher a figura que melhor o representa, a que gostaria de ter
e a que julga ser a ideal. A satisfação ou insatisfação com a imagem
corporal é avaliada conforme as discrepâncias entre as figuras selecio-
nadas e o IMC dos participantes, pois cada figura corresponde a um
IMC específico.
A escala de figura de silhuetas possui inúmeras vantagens: cons-
titui-se como um instrumento simples, de fácil aplicação e não exige
equipamentos sofisticados. Sua imagem visual, menos abstrata, não
requer grande diversidade de vocabulário ou fluência verbal, o que a
torna especialmente indicada na avaliação da percepção da imagem
corporal, principalmente de crianças.

Questionário de Depressão Infantil


O CDI surgiu inicialmente nos Estados Unidos, compreendendo
uma adaptação do Inventário de Depressão de Beck – BDI realizado
por Kóvacks, sendo adaptado e normatizado no Brasil por Gouveia,
Barbosa, Almeida e Gaião (1995). O instrumento tem por finalidade
avaliar os sintomas depressivos em jovens de 7 a 17 anos por meio
de auto-aplicação. Nessa versão original, o instrumento consta de 27
itens distribuídos entre os sintomas afetivos, cognitivos, somáticos e
de conduta. Os participantes utilizam uma escala de resposta de três
pontos para indicar a melhor alternativa que descreve seus sentimentos
com relação às duas últimas semanas. A pontuação varia de 0 a 2 por
item, e tendo como ponto de corte 17, conforme adotado pela autora. A
soma igual ou superior a 17 é indicativa de sintomatologia depressiva.

Escala de Avaliação de Qualidade de Vida – AUQEI


O questionário foi desenvolvido por Manificat e Dazord e adap-
tado para a realidade brasileira por Assumpção-Jr, Kuczynski, Spro-
vieri e Aranha (2000). É baseado no ponto de vista da satisfação da
criança, visualizada a partir de 4 figuras que são associadas a diversos
domínios da vida. Possui 26 questões que exploram relações familia-
res, sociais, atividades, saúde, funções corporais e separação.
Trata-se de um instrumento de auto avaliação que utiliza o su-
porte de imagens que a própria criança responde, com cada questão
apresentando um domínio e as respostas sendo representadas com o
auxílio de faces que exprimem diferentes estados emocionais. Inicial-
mente solicita-se da criança que ela apresente uma experiência própria
vivida perante cada uma das alternativas, permitindo, deste modo, que

- 138 -
esta compreenda as situações que serão analisadas. Em seguida, é pe-
dido à criança que marque, sem limite de tempo, a resposta que mais
corresponde ao seu sentimento frente aos domínios propostos. A escala
permite que se obtenha um perfil de satisfação da criança diante de
diferentes situações da vida.

Considerações finais
Na terceira infância, fase do desenvolvimento que abrange dos
6 aos 12 anos, a criança passa a iniciar julgamentos sobre a própria
identidade de modo mais consciente, realista, equilibrado e abrangente
(Papália & Feldman, 2013). O processo de maturação existente nesta
fase do desenvolvimento poderá contribuir para a avaliação da percep-
ção dos construtos pela ótica das crianças, o que é de grande relevância
para a área da saúde devido à escassez de estudos envolvendo a popu-
lação infantil, especialmente na região amazônica.
A identificação de fatores que possam ser modificáveis, como
atitudes alimentares e fatores psicológicos relacionados à obesidade
infantil, poderá auxiliar profissionais, familiares e pacientes no trata-
mento dessa patologia. O presente estudo recomenda que na pesqui-
sa realizada com crianças a investigação de indicadores de alterações
psicológicas seja realizada a partir de alguns instrumentos, como os
elencados abaixo:
1. Para avaliar a atitude alimentar de crianças pode ser utili-
zado o instrumento CHILDREN’S EATING ATTITUDES
TEST (ChEAT). Recodificar os resultados (respostas de 1
a 3 atribuir 0 pontos; respostas 4 atribuir 1 ponto; respostas
5 atribuir 2 pontos; respostas 6 atribuir 3 pontos). Somar
o total. Pontuações acima de 20 denunciam alterações na
atitude alimentar;
2. Para investigar a percepção da criança relativa à sua au-
toimagem, pode ser utilizado o instrumento ESCALA DE
SILHUETAS PARA CRIANÇAS. A satisfação ou insatis-
fação com a imagem corporal é avaliada conforme as dis-
crepâncias entre as figuras selecionadas e o IMC dos parti-
cipantes, pois cada figura corresponde a um IMC específico;
3. Alterações de humor podem ser avaliadas através da Esca-
la de Depressão Infantil (CDI). Os participantes utilizam
uma escala de resposta de três pontos para indicar a melhor
alternativa que descreve seus sentimentos com relação às

- 139 -
duas últimas semanas. A pontuação varia de 0 a 2 por item,
e tendo como ponto de corte 17. A soma igual ou superior a
17 é indicativa de sintomatologia depressiva;
4. A qualidade de vida pode ser investigada através do instru-
mento QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DE QUALI-
DADE DE VIDA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES
(AUQEI). Solicita-se da criança que ela apresente uma ex-
periência própria vivida perante cada uma das alternativas,
permitindo, deste modo, que esta compreenda as situações
que serão analisadas. Em seguida, é pedido à criança que
marque, sem limite de tempo, a resposta que mais corres-
ponde ao seu sentimento frente aos domínios propostos. A
escala permite que se obtenha um perfil de satisfação da
criança diante de diferentes situações da vida.

Vale ressaltar que os instrumentos acima não são diagnósticos,


mas escalas de rastreio que auxiliarão no apontamento de alterações
dos referidos fatores, cuja investigação deverá ser aprofundada por
profissional habilitado.

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- 143 -
- 144 -
CARACTERÍSTICAS COGNITIVAS,
DE PERSONALIDADE E SINTOMAS
DEPRESSIVOS
Samuel Reis e Silva
José Humberto da Silva Filho
Solange Muglia Wechsler

Resumo: A relação entre personalidade, funções executivas e sintomas depressi-


vos é objeto de estudo de diversos trabalhos científicos. Ao longo dos anos, muitos
autores têm tentado compreender a complexa interação entre esses fatores. Esses
trabalhos têm demonstrado não somente a existência de uma relação, mas também
sua importância no que concerne uma melhor compreensão das motivações de
nossos comportamentos e influências em nossa saúde mental. Este tipo de estudo
pode abrir portas para o desenvolvimento de novas intervenções terapêuticas que
possam focar no treinamento cognitivo como base para o tratamento de transtornos
de personalidade, transtornos depressivos e outros distúrbios comportamentais.

Introdução
Em 13 de setembro de 1848, após um acidente com explosivos,
um operário americano chamado Phineas Gage teve seu crânio perfu-
rado por uma barra de ferro que entrou pela sua bochecha esquerda,
destruiu seu olho e atravessou a parte frontal de seu cérebro, saindo
pelo outro lado. Ele não só sobreviveu aos ferimentos como se recupe-
rou sem sequelas motoras. No entanto, para aqueles que o conheciam
antes do acidente, o operário não era mais o mesmo. Tornou-se num
homem grosseiro, de péssimo gênio, incapaz de aceitar conselhos e
desrespeitoso para com seus antigos colegas, passou a agir sem pensar
nas consequências e sem preocupação com o futuro. Para muitos, Gage
havia deixado de ser quem era (Macmillan, 1996).
Em um caso mais recente Bahia, Takada, Caixeta, Porto e Ni-
trini (2013), relataram o caso de um homem que, aos 9 (nove) anos,
após um acidente envolvendo uma barra de ferro, sofreu uma fratura
craniana causando exposição de massa encefálica na parte frontal. O
então garoto, antes relatado como bem-comportado e educado, além de
um ótimo estudante, passou a se distrair facilmente e desobedecer aos
pais e aos professores.
Tanto o caso de Phineas Gage, quanto o do garoto de 09 anos,
chamam à atenção não somente pela recuperação de um acidente que

- 145 -
poderia ter sido fatal, mas, principalmente, por sua abrupta mudança
comportamental. O córtex pré-frontal, parte do cérebro atingida pela
barra de ferro em ambos os relatos, é o responsável por receber infor-
mações perceptuais das áreas posteriores do encéfalo, utilizando esses
dados na elaboração de respostas, motoras ou de linguagem, aos es-
tímulos recebidos, exercendo assim, um papel determinante sobre as
funções de seleção, estabelecimento de objetivos, planejamento, mo-
nitoramento e sequenciamento de ações, também chamadas funções
executivas (Stuss & Levine, 2002). Apesar da associação da área afe-
tada com essas funções, em ambos casos mudanças óbvias foram ob-
servadas em suas personalidades, servindo assim como ponto de par-
tida para questionamentos importantes sobre a relação entre o córtex
pré-frontal, personalidade e as funções executivas (Bahia et al., 2013).
Esta interação entre traços de personalidade e funções execu-
tivas, traz implicações para a compreensão, não somente de transtor-
nos de personalidade, mas também transtornos que influenciam e são
influenciados pelos processos cognitivos, dentre eles, um que merece
destaque é o Transtorno Depressivo Maior. Considerando o quanto a
incidência de Transtorno Depressivo maior tem crescido ao longo dos
anos em todo o mundo (World Health Organization, 2017) e de como
a interação entre personalidade e funções executivas pode levar a pa-
drões de comportamento que contribuem para o aparecimento dessa
doença, novas pesquisas devem ser realizadas com o objetivo de com-
preender melhor a interação entre esses construtos, fornecendo mais
informações tanto para prevenção, quanto para possíveis tratamentos.
O objetivo desse capítulo é informar ao leitor sobre os princi-
pais conceitos dentro do estudo das personalidade, funções executivas
e sintomas depressivos, possíveis correlações entre esses construtos,
alguns dos principais resultados de pesquisas na área, e por fim, apre-
sentar aos interessados alguns instrumentos e métodos que possam au-
xiliar no desenvolvimento de pesquisas futuras que abordem o tema.

Desenvolvimento
Personalidade
A busca pela compreensão das motivações do comportamento
humano remonta à época dos filósofos gregos. Muitos dos escritos de
Platão tinham como tema central o papel da hereditariedade e do am-
biente na personalidade e inteligência humana. Enquanto Aristóteles

- 146 -
se preocupou com assuntos relacionados à personalidade e à alma e de
como isso distinguiria os homens dos animais.
Ao longo das décadas, outros grandes pensadores e pesquisa-
dores se dispuseram a tentar explicar o porquê de nossas escolhas. No
final do século XIX e início do século XX, um dos teóricos que mais se
destacou foi Sigmund Freud, trazendo explicações sobre a importância
do desenvolvimento infantil para a construção da personalidade, no en-
tanto, as dificuldades de se associar o método cientifico com as teorias
propostas por este grande pesquisador, continuam a dificultar até hoje a
produção de pesquisas que trabalhem de forma estruturada o estudo da
personalidade. O interesse nesse campo, no entanto, não desacelerou.
A riqueza de estudos resultou numa vasta gama de teorias e conceitos
que se propuseram a explicar o que chamamos de personalidade (Tren-
tini, Hutz, Bandeira, Teixeira, Gonçalves & Thomazoni, 2009).
Em 1937, com o objetivo de organizar os resultados desses di-
versos trabalhos e pesquisas, e dispondo-se ainda a uma revisão bi-
bliográfica exaustiva, Allport conseguiu encontrar quase 50 definições
diferentes de personalidade, classificando-as em grandes categorias,
sendo as principais: personalidade biossocial,considerando a persona-
lidade como sendo construída a partir da reação dos outros indivíduos
ao sujeito, chegando até mesmo a afirmar que não existe outra a não
ser esta proporcionada pela resposta das outras pessoas; personalidade
biofísica, que aponta para um lado orgânico dentro da personalidade,
assim como um lado aparente, vinculando qualidades específicas de
cada um, que podem ser descritas e até mensuradas objetivamente;
personalidade globalizante ou do tipo coletânea, que incluiria em sua
definição tudo sobre o indivíduo, fazendo uma lista daqueles que se-
riam os principais conceitos que o descrevem e sugerindo ser esta sua
personalidade; e ainda, função integrativa ou organizadora, que defi-
niria a personalidade como um padrão dado a várias respostas distintas
do indivíduo, ordenando assim, todos os diferentes comportamentos
apresentados (Hall, Lindzey & Campbell, 2000).
Enquanto por um lado essa diversidade possibilita a análise da
personalidade através de várias perspectivas diferentes, por outro, tam-
bém dificulta a produção do conhecimento, a medida em que divide
os pesquisadores interessados no tema, forçando-os a escolher esta ou
aquela abordagem, o que retarda o avanço das pesquisas na área.
Sendo assim, aos que se propõe a estudar esse fascinante e com-
plexo constructo, é necessário primeiramente decidir dentre as diversas

- 147 -
teorias disponíveis, qual terá a possibilidade de representar concreta-
mente as dimensões e variáveis do indivíduo (Hall, Lindzey & Cam-
pbell, 2000) , e a possibilidade de aplicação e avaliação através do
método científico.

Os cinco grandes fatores


Um dos modelos de estudo da personalidade que tem se desta-
cado no meio acadêmico, é o modelo dos fatores ou traços de perso-
nalidade. Segundo esse modelo, a personalidade poderia ser entendida
como uma combinação de características específicas diversas. Esse
modelo de estudo encontrou seu pioneiro ainda na década de 50, em
que Cattel (1945) construiu uma taxonomia de termos descritivos da
personalidade, chegando à conclusão que ela seria composta por 12
grandes fatores ou descritores.
Já estudos posteriores apontaram a estabilidade e consistência
de um modelo de apenas cinco grandes fatores, e após este consenso,
as pesquisas em personalidade ganharam novas forças (Nakano, 2014).
Tendo sido aplicado em diversas amostras, em diferentes culturas e
por meio de diversas fontes de informação (autoavaliação, avaliação
por pares e avaliações clínicas), o modelo se mostrou adequado nos
diferentes casos (Costa & Widiger, 1993; Urquijo, 2001).
No Brasil, evidências de validação desse modelo foram encon-
tradas através de análises fatoriais, utilizando diferentes métodos de
extração e concluíram que uma solução de cinco fatores seria apropria-
da e manteria a estrutura dos itens estáveis. O modelo referente estaria
descrito na literatura como Big Fivee se organizaria como Fator I – So-
cialização, que faz referência às interações do indivíduo se estendendo
da compaixão ao antagonismo, pessoas com alto nível de Socialização,
podem se mostrar generosas, bondosas, prestativas e altruístas; Fator
II – Extroversão, que faz referências à quantidade e intensidade das
relações interpessoais, incluindo a necessidade de estimulação e nível
de atividade; Fator III – Realização, representado pelo nível de persis-
tência, controle, organização, assim como controle e motivação para
alcançar os objetivos, sendo que pessoas com alta Realização tendem
a se apresentar como confiáveis, trabalhadoras, decididas, pontuais e
ambiciosas; o Fator IV – Neuroticismo, refere-se ao nível contínuo de
ajustamento emocional e estabilidade, o alto Neuroticismo identifica
indivíduos propensos a níveis mais elevados de ansiedade, hostilidade

- 148 -
e vulnerabilidade a sofrimentos psicológicos e depressão; por último, o
Fator V – Abertura, que está ligado ao reconhecimento da importância
de ter novas experiências e a abertura às mesmas (Nunes, 2005).
Por fornecer uma descrição objetiva, consistente e de possível
replicação das dimensões da personalidade humana, em outras pala-
vras, uma avaliação empírica, o modelo dos cinco grandes fatores tem
se mostrado um dos mais apropriados para descrever a estrutura da
personalidade, e um dos mais frutíferos quando usado nas pesquisas
investigativas sobre a interação entre personalidade e cognição (Cha-
pman Duberstein, Tindle, Sink, Robbins, Tancredi & Franks, 2012;
Nakano, 2014).

Funções executivas e personalidade


Funções executivas são processos vitais para o ajustamento às
condições de vida, uma vez que são responsáveis por tornar possível a
habilidade humana de identificar sentido em situações inesperadas e de
se adaptar quando acontecimentos incomuns ocorrem e interferem em
nossas rotinas. Assim, é possível entender o quanto essas funções são
importantes para nosso sucesso no trabalho, na escola e ao lidar com os
estresses diários (Kumar, Yadava, & Sharma, 2016).
Elas se apresentam como um construto multifacetado que abarca
diversos processos neurocognitivos como memória de trabalho, flexi-
bilidade cognitiva, seleção e inibição de respostas e iniciação da ação.
Esses processos funcionam de forma conjunta para proporcionar a ca-
pacidade de planejamento, a execução de tarefas complexas, a seleção,
o estabelecimento de objetivos, e o monitoramento e sequenciamento
de ações, possibilitando escolhas que sejam adaptativas e modificando
nosso comportamento em resposta às mudanças do ambiente. Não é
para menos que déficits nas funções executivas são fatores de risco
para o desenvolvimento de transtornos emocionais, comportamentais e
psicóticos (Goschke, 2014).
Tamanha complexidade exige trabalho conjunto de diversas
áreas do cérebro como o córtex pré-frontal, giro cingulado anterior,
gânglios basais, cerebelo, partes dos lobos parietais e outras. Conside-
rando a já estabelecida relação do córtex pré-frontal com transtornos de
personalidade (Garcia-Villamisar, Dattilo, & Garcia-Martinez, 2017),
estudos que se propusessem a explorar a relação entre personalidade e
funções executivas se tornaram etapas obrigatórias na investigação de
área das neurociências.

- 149 -
Com o uso do método científico e da tecnologia disponível, os
estudos têm encontrado não só correlações importantes, mas também
indícios de como essa relação afeta tanto transtornos de personalidade
quanto transtornos neurocognitivos. Em 2012, Gvirts, Harari, Braw,
Shefet, Shamay-Tsoory e Levkovitz., ao avaliar 27 pacientes diagnos-
ticados com transtorno de personalidade borderline, encontrou um défi-
cit em funções como atenção e memória de trabalho, quando compara-
dos com pessoas de idades similares e que não sofriam desse prejuízo.
Enquanto isso, utilizando o modelo Big Five, Chapman et al. (2012),
foi capaz de predizer o funcionamento cognitivo no decorrer de 7 anos,
em pessoas idosas. Com mais de 600 participantes com média de 79
anos, ele pôde observar que aqueles com maiores índices de Extrover-
são e Neuroticismo e baixos índices em Abertura apresentaram piores
médias de funcionamento cognitivo em relação a outros participantes,
associando o alto Neuroticismo com maior declínio em funções execu-
tivas e um fator de risco para depressão em idades avançadas. Achados
similares se repetiram na pesquisa realizada por Chardosim, Oliveira,
Lima, Farina, Gonzatti, Costa, Pereira, Paloski, Irigaray Quarti, e Ar-
gimon (2018), mostrando em seus resultados que quanto maior o Neu-
roticismo, pior é o desempenho em tarefas cognitivas, o que pode re-
fletir o impacto do estresse crônico proporcionado pelas características
desse traço de personalidade ao longo dos anos nas funções executivas.
Diferentemente do Neuroticismo, os fatores Extroversão e Abertura, se
mostraram positivamente associados às funções executivas, principal-
mente na memória verbal. Segundo os autores, o fator Abertura leva a
padrões de procura por atividades de aprendizado e prazerosas, o que
estimula as funções executivas (Booth, Schinka, Brown, Mortimer &
Borenstein, 2006; Chardosim et al., 2018).
Em 2014, Stringer, Marshall, Pester, Baker, Langenecker, An-
gers e Ryan,também apontou o fator Abertura como preditor de habi-
lidades cognitivas tanto em pacientes com transtorno Bipolar como
em pacientes saudáveis. Por outro lado, o alto Neuroticismo, somado
a baixa Realização, se mostrou forte preditor do declínio cognitivo e
até mesmo do futuro desenvolvimento do Mal de Alzheimer (Luchetti,
Terracciano, Stephan, & Sutin, 2016; Terracciano, Stephan, Luchetti,
& Sutin, 2014).
Um estudo realizado no Japão ao longo de 10 anos, encontrou
uma relação positiva entre alta Abertura e redução no risco de declí-
nio cognitivo em idosos. Uma possível explicação é que indivíduos

- 150 -
com alta Abertura tendem a ser mais criativos, imaginativos, origi-
nais e curiosos, o que os faz procurar por atividades mais estimulantes
social, física e cognitivamente, ajudando a manter um alto nível de
funcionamento das funções executivas (Nishita, Tange, Tomida, Otsu-
ka, Ando & Shimokata, 2016).
Na área da neuropsicologia, estudos de neuroimagem e ativida-
de cerebral mostraram que o córtex pré-frontal é também a base dos fa-
tores Neuroticismo e Extroversão relacionados ao Big Five. Tal achado
demonstra que essas duas dimensões se encontram ligadas às tarefas
cognitivas de planejamento, estratégia para solução de problemas, as-
sim como a avaliação e o controle do próprio comportamento (Ribeiro,
Calado, Cerveira & Oliveira, 2016).
Quando falamos de transtornos de personalidade, é possível ob-
servar que muitos dos indivíduos com esses problemas, apresentam
sintomas clássicos de déficit em funções executivas tais como: dificul-
dades em tomada de decisão, problemas de atenção seletiva, impulsivi-
dade e inflexibilidade de pensamento (Casagrande, Marotta Canepone,
Spagna, Rosa, Dimaggio & Pasini, 2017).
Alguns estudos também sugerem que muitos dos comportamen-
tos destrutivos e antissociais vistos em pessoas com transtornos de per-
sonalidade, podem em parte, ser justificados por disfunções cognitivas
que geram comportamentos exageradamente focados e insensíveis às
informações contextuais internas e externas que poderiam combater ou
interromper esses mesmos comportamentos (Casagrande et al., 2017) e
que a perda na capacidade cognitiva tem um impacto profundo nos tra-
ços de personalidade mais importantes de um indivíduo (Terracciano,
Stephan, Luchetti, & Sutin, 2017).

A sintomatologia depressiva e suas correlações


O DSM-5 (APA, 2013) descreve vários tipos de transtornos de-
pressivos que diferem uns dos outros na severidade, frequência e curso
dos sintomas. O transtorno mais facilmente reconhecido é o transtorno
depressivo maior, definido entre outros aspectos pela ausência de epi-
sódios maníacos. Caso dois ou mais episódios depressivos ocorrerem e
forem separados por um intervalo de tempo de pelo menos dois meses
sem sintomas, então resta caracterizado o transtorno depressivo maior
recorrente. Caso ao menos dois dos sintomas depressivos persistam
por longos períodos, às vezes 20, ou 30 anos, então é possível se falar

- 151 -
em um transtorno depressivo persistente ou distimia. Caso o sujeito
sofra de depressão persistente com menos sintomas e desenvolva um
episódio depressivo maior, o diagnóstico passa a ser o de depressão
dupla, a qual se caracteriza em uma patologia mais severa (Barlow &
Durand, 2017)
Sendo aquele com a sintomatologia mais reconhecida, o trans-
torno depressivo maior é também o mais comumente diagnosticado
e o mais grave. Segundo o DSM-5, os critérios para o diagnóstico de
um episódio depressivo maior, envolvem cinco ou mais dos seguintes
sintomas e que devem estar presentes durante o mesmo período de
duas semanas: humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os
dias; alta diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas
as atividades; alteração significativa no peso ou no apetite; insônia ou
hipersonia; retardo ou agitação psicomotora; perda da energia ou sen-
sação de fadiga frequente; sentimento de culpa ou inutilidade que são
excessivos ou inapropriados; dificuldades de pensar ou se concentrar e
de tomar decisões e pensamentos de morte ou possíveis ideações suici-
das. Além disso, esses sintomas devem causar prejuízos significativos
no funcionamento social, profissional ou outras áreas importantes da
vida e esse episódio não deve ser mais bem explicado por efeitos fisio-
lógicos de substâncias ou outra condição médica (Barlow & Durand,
2017).
Apesar da importância de todas os sintomas, o “desligamen-
to” comportamental e emocional, juntamente com os sintomas físi-
cos, apresentam como indicadores centrais de um episódio depressivo
maior. Complementando essas indicações, a perda da energia e a in-
capacidade de se envolver em atividades prazerosas, sintomas conhe-
cidos como anedonia, são mais representativos dos episódios depres-
sivos graves que os relatos de tristeza e/ou angústia. Essa anedonia é
reflexo não somente de altos afetos negativos, mas também de baixos
afetos positivos no sujeito. Se deixado sem tratamento, um episódio
depressivo maior pode durar em média, de quatro a nove meses (Bar-
low & Durand, 2017).
No que diz respeito a sua relação com personalidade e funções
executivas, a sintomatologia depressiva foi correlacionada positiva-
mente com o fator Neuroticismo e negativamente com o fator Abertu-
ra. Uma pesquisa realizada em idosos, demonstrou que quanto maior
o fator Neuroticismo, maior eram os sintomas depressivos. E quanto

- 152 -
menor o fator Abertura, maiores eram as tendências para uma sinto-
matologia depressiva mais expressiva. Além de estarem correlaciona-
dos com um pior desempenho cognitivo e uma menor velocidade de
processamento quando comparados com pessoas sem depressão, indi-
víduos deprimidos também apresentam uma inflexibilidade cognitiva
que os leva a ter menor abertura a novas experiências. Este traço de
personalidade, central dentro do fator Abertura do Big Five, por sua
vez, também se mostrou como uma característica protetora contra o
declínio cognitivo durante o envelhecimento (Chapman et al., 2012;
Gonzatti, Argimon, Esteves, Irigaray, Oliveira & Moret-Tatay, 2017).
Endossando esta relação, um estudo proposto por Anguera, Gunning
& Areán (2017), mostrou que 20 horas de treinamento cognitivo com-
putadorizado conseguiu melhorar o funcionamento cognitivo e reduzir
sintomas depressivos e respostas negativas em uma tarefa de catego-
rização emocional em adultos mais velhos. Esses resultados trazem
esperança para pesquisadores e profissionais de saúde, que com maior
compreensão desta relação, podem chegar a desenvolver novas tera-
pias ou combinar tratamentos já existentes no combate ao transtorno
depressivo, transtornos de personalidade e outros.

Recomendações de instrumentos e métodos para pesqui-


sas na área
Nas pesquisas que buscam investigar as possíveis correlações
entre traços de personalidade e funções executivas, é importante ter em
mente, como discutido anteriormente, que a teoria do Big Five, é uma
das que tem se mostrado mais promissoras no estudo dessa correlação.
Por isso, algumas sugestões de instrumentos voltados para este tipo de
pesquisa são:
1. Para avaliar traços de personalidade pode ser o usada a Ba-
teria Fatorial de Personalidade – BFP. Esta bateria con-
siste em 126 afirmações usadas para avaliar os 5 grandes
fatores de personalidade: Extroversão, socialização, Rea-
lização, Neuroticismo e Abertura. Para cada afirmação ou
item do teste, é apresentada uma escala Likert que varia de
1 a 7, sendo 1 “Discordo Totalmente” e 7 “Concordo To-
talmente”, possibilitando ao respondente considerar o grau
com que aquele item corresponde aos seus traços (Nunes,
2005).

- 153 -
2. Outro instrumento bastante usado para avalição dos cinco
fatores de personalidade é o NEO-PI-R. Este instrumen-
to consiste em uma bateria autoaplicável de 240 itens que
avaliam os cinco grandes fatores. Foi desenvolvido prin-
cipalmente para a população saudável, mas tem mostrado
valor também na avaliação de pessoas com doenças mentais
e transtornos de personalidade (Stringer, 2014).
3. Figura complexa de Rey. Este teste consiste numa figura
geométrica composta por um retângulo grande e diversos
detalhes geométricos internos e externos. É um teste neu-
ropsicológico usado para avaliar habilidades cognitivas de
organização visoespacial, planejamento e desenvolvimento
de estratégias, bem como memória (Jamus &Mäder, 2005).
4. O Wisconsin CardSorting Test – WCST ou Teste Wiscon-
sin de Classificação de Cartas é um instrumento referência
na testagem de funções executivas. O teste é composto por
4 cartas-estímulo e 2 baralhos iguais de 64 cartas-respostas
cada. O sujeito deve associar cada uma das cartas dos ba-
ralhos a uma das carta-estímulo, recebendo em seguida um
feedback do avaliador caso a associação tenha sido correta
ou errada, segundo padrões definidos pelo próprio instru-
mento (Heaton, Chelune, Talley, Kay & Curtiss, 2004).
5. O teste Stroop é um teste que utiliza três cartões com pa-
lavras em cores diferentes. O objetivo é dizer as cores o
mais rápido possível, enquanto inibi o estímulo da palavra.
É capaz de avaliar atenção seletiva, flexibilidade cogniti-
va, sustentabilidade a interferência, memória de trabalho,
velocidade de processamento de informação, ativação se-
mântica e habilidade para resistir a uma resposta (Strauss,
Sherman, & Spreen, 2006).
6. IOWA GamblingTask. Este teste, disponível em versão
computadorizada, pode ser usada em pesquisas no Brasil.
Neste teste, os participantes são instruídos a escolher cartas
de um dos quatro grupos de quarenta cartas disponíveis, de-
nominados deck A, B, C e D, com o objetivo de acumular
o máximo de dinheiro fictício possível até o fim das cem
tentativas. Porém, os participantes não sabem que os decks
diferem em termos de potencial de ganho e perda e dinhei-

- 154 -
ro. Sendo os decks A e B desvantajosos e os decks C e D
vantajosos, ao longo do decorrer do jogo (Brown, Ouimet,
Eldeb, Tremblay, Vingilis, Nadeau & Bechara, 2016).
7. WechslerAdultInteligenceScale – WAIS. Apesar de ser
um teste de inteligência, a bateria do WAIS é frequente-
mente usada para avaliação neuropsicológica por conta de
dos diversos processos cognitivos que podem ser avaliados
em seus subtestes (Yates, Trentini, Tosi, Corrêa, Poggere &
Valli, 2007).
8. Inventário de Depressão de Beck - II. Esta escala au-
toaplicável, é de fácil utilização e avalia os principais sin-
tomas depressivos, sendo um instrumento importante no
diagnóstico, prognóstico e evolução dessa sintomatologia
(Silva, Wendt, & Argimon, 2018).

Considerações Finais
A personalidade é um construto complexo e os transtornos de
personalidade não são fáceis de serem diagnosticados ou tratados. Es-
tima-se que 6% dos adultos do mundo podem ter pelo menos um trans-
torno de personalidade. A melhor compreensão desses prejuízos, assim
como a possibilidade do desenvolvimento de novas terapias, fomenta
as pesquisas e trabalhos na área da personalidade. Uma vez que as
funções executivas, como o controle inibitório, a flexibilidade cogni-
tiva e a tomada de decisão são aspectos cognitivos importantes para a
adaptação do ser humano em sociedade, estudar suas correlações com
personalidade e depressão ajudará no entendimento de situações do
dia a dia que são relevantes para sociedade (Barlow & Durand, 2017).
Vale lembrar ainda que o transtorno de depressão maior é uma
condição psiquiátrica que afeta mais de 300 milhões de pessoas no
mundo, sendo assim, uma condição de alta prevalência cujo número
de casos cresceu 18% entre 2005 e 2015 (World Health Organization,
2017). Por outro lado, considerando apenas a presença de sintomas de-
pressivos, o índice de incidência na população mundial varia entre 8%
e 12%. Em suma, o principal risco que o transtorno depressivo maior
traz é o suicídio, já que anualmente, as estimativas estatísticas eviden-
ciam 800 mil casos no mundo, o que já se tornou a principal causa de
morte entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos (Barlow & Durand,
2017; World Health Organization, 2017).

- 155 -
Enquanto a doença afeta em média, 4,4% da população mun-
dial, no Brasil, sua prevalência é de 5,8%, o que já levou cerca de 75,3
mil trabalhadores a serem afastados pela Previdência Social, por conta
de casos de depressão, colocando o país como campeão de casos na
América Latina (World Health Organization, 2017).
Em Manaus, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde,
em 2018, dois Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade, o
CAPS 3 Benjamim Matias Fernandes e o CAPS Infanto-juvenil Leste
foram responsáveis por atender 652 casos de depressão entre janeiro
de agosto, o que indica um número considerável de sujeitos que sofrem
da doença e buscam ajuda, ainda sem incluir os que não buscam ou
aqueles que estão no princípio da doença, ainda com poucos sintomas.
Logo, trabalhos desenvolvidos na área, irão contribuir para uma
melhor compreensão dos efeitos que nossa personalidade e nosso pa-
drão de funcionamento cognitivo podem ter em transtornos como a
depressão, assim como no desenvolvimento de terapias que busquem
o tratamento de transtornos depressivos e de personalidade através do
treino cognitivo.

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- 159 -
- 160 -
GRUPOS DE JOVENS CONVERSANDO
SOBRE O SOFRIMENTO DE MULHERES EM
SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
Stela Nazareth Meneghel
Montserrat Sagot
Fernanda Souza de Bairros

Resumo: Este texto tematiza o sofrimento emocional de mulheres em situação de


violência, especialmente a psicológica. São apresentados excertos de narrativas
sobre os efeitos dessas violências nos discursos de participantes de uma pesquisa
sobre violência contra a mulher, realizada em uma cidade do sul do Brasil. A abor-
dagem é qualitativa e os dados foram produzidos por meio de grupos de discussão
com moças e rapazes estudantes de uma escola da comunidade. A violência psi-
cológica apareceu nos depoimentos das jovens estudantes que relataram os efeitos
físicos e emocionais decorrentes não só das violências sofridas, mas também das
práticas de controle e sujeição a que as mulheres estão expostas na sociedade pa-
triarcal. Os rapazes, por sua vez, naturalizaram as violências, reforçando estereóti-
pos de gênero e o controle das mulheres.

Introdução
Este ensaio discute as violências da ordem psicológica e seus
efeitos enunciados no percurso da pesquisa “A rota crítica das mulhe-
res no enfrentamento da violência”, realizado em uma cidade de mé-
dio porte no Estado do Rio Grande do Sul/Brasil, nos anos 2000 (Me-
neghel & Hennington, 2007). Este projeto de pesquisa foi financiado
pelo CNPq por meio do Edital Gênero, Mulheres e Feminismos/2006.
A violência é uma criação sociocultural, uma transgressão éti-
ca nas relações interpessoais e uma violação dos direitos humanos
(Schraiber & d’Oliveira, 2005). A violência contra a mulher ocorre em
cenários de relações hierárquicas de poder entre homens e mulheres no
contexto do sistema patriarcal, com o objetivo de tornar o outro, um
objeto. Entender a violência como relação de poder é importante para
retirar a conotação interpessoal e patologizante associada ao agravo
(Terra, d’Oliveira, Schraiber, 2015).
No Brasil, o tema da violência contra a mulher começou a ser de-
nunciado no final dos anos 1970 e difundiu-se rapidamente em função
das mobilizações feministas contra o assassinato de mulheres, usando
a chamada “quem ama não mata”. Nos anos seguintes, ocorreu um
processo de visibilização da violência perpetrada contra as mulheres

- 161 -
no âmbito doméstico e, a partir de 1990, com o desenvolvimento dos
estudos de gênero, alguns autores passaram a utilizar o termo violência
de gênero focando o aspecto relacional do fenômeno em detrimento da
perspectiva de vitimização (Araújo, 2008).
Dentre os vários tipos de violência pautada em gênero, a vio-
lência psicológica foi conceituada a partir da formulação da lei Maria
da Penha, como qualquer conduta que cause dano emocional e dimi-
nuição da autoestima, que prejudique e perturbe o pleno desenvolvi-
mento, degrade ou controle as ações da mulher ou outro integrante da
família. Inclui comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância
constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação da in-
timidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir
ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação (Brasil, 2006).
Pesquisas (Campbell, Kub, Belknap &Templin,1997; Mendon-
ça & Ludermir, 2017; Nunes, Lima & Morais, 2017; Gibbs, Dunkle
& Jewkes; 2018; Jonker, Lako, Beijersbergen, Hemert& Wolf, 2019)
indicam que as violências trazem como consequências o sofrimento
mental, fobias, síndrome de estresse pós-traumático, insônia, trans-
tornos do humor, depressão, ansiedade, consumo abusivo de álcool e
drogas, pensamentos suicidas e suicídio. Também podem ocorrer do-
res físicas, palpitações, lombalgias, enxaquecas, distúrbios intestinais,
úlcera gástrica, síndrome do cólon irritável, alterações de peso e obe-
sidade. As violências estão associadas à maior prevalência de doenças
psicossomáticas, aos sentimentos de desvalia, insegurança e medo que
afetam a subjetividade e a autoestima das mulheres e prejudicam a
capacidade de autocuidado.
Os efeitos da agressão psicológica se traduzem em sofrimento
emocional, isolamento, culpa, medo, vergonha, tristeza e pensamentos
suicidas (WHO, 2004; Ellsberg, Jansen, Heise, Watts & Garcia-Mo-
reno, 2008; Gibbs, Dunkle & Jewkes; 2018) e em uma maior procura
de serviços de saúde (Walden & Wall, 2014). Embora as mulheres em
situação de violência procurem mais os serviços de saúde a violência
psicológica é uma das formas menos identificada, notificada, reconhe-
cida e ocorre, principalmente, pelo exercício de poder do homem sobre
a mulher. Na medida em que se manifesta de modo sutil, as próprias
mulheres muitas vezes não a reconhecem como tal (Dantas-Berger &
Giffin, 2005; Silva, Coelho & Caponi, 2007).

- 162 -
Na cultura patriarcal, os efeitos das violências são percebidos
de modo dissociado de suas causas e considerados como doenças que
ocorrem devido a características das próprias mulheres. Assim, os
efeitos decorrentes das violências são medicalizados e, as mulheres
que os sofrem catalogadas como doentes. Os sintomas secundários ao
abuso são tratados como problemas primários e o objetivo terapêutico
é a supressão do sintoma. Dessa maneira, o uso de antidepressivos para
mulheres em situação de violência configura um processo de etiquetar
a angústia e a depressão das mulheres produzidas por desigualdades
sociais como problemas psicológicos, ao invés de reações normais ao
estresse e às injustiças (Meneghel, 2015).
Ao buscar referências sobre violências psicológicas encontra-
mos muitas investigações baseadas no modelo biomédico que enfoca
as causas da violência como restritas a aspectos biológicos das pessoas
afetadas (Campbell, Kub, Belknap & Templin, 1997; Mendonca &
Ludermir, 2017; Nunes, Lima, & Morais, 2017; Gibbs, Dunkle & Je-
wkes; 2018; Jonker, Lako, Beijersbergen, Hemert & Wolf, 2019). No
campo da saúde, a violência contra a mulher foi inicialmente percebida
como uma doença que requeria uma intervenção baseada na racionali-
dade médica. Os diagnósticos psiquiátricos e psicológicos aplicados a
mulheres em situação de violência reforçam condições sociais injustas
e ignoram contextos socioculturais (Biglia & San Martin, 2007). Em
um estudo sobre o maltrato contra crianças, identificaram-se os dispo-
sitivos de individualização e familiarização da violência, colocando-a
na esfera do privado, além de moralização do poder, mecanismos que
também são observados nas condutas adotadas pelas instituições ao
atender mulheres agredidas (Toro, 2019). Essa medicalização e mora-
lização de fenômenos sociais como a violência denota a importância de
investigações de gênero no campo da psicologia social crítica.
Este texto partiu da indagação do quanto a violência psicológica
constitui, na realidade, a efetivação das práticas de controle e domi-
nação exercidas pelo patriarcado moderno. Consideramos patriarca-
do como um sistema hierárquico de poder ainda vigente na sociedade
atual (Pateman, 1993), por meio do qual se efetiva o processo de subor-
dinação/exploração das mulheres. Deste modo, na sociedade patriarcal
a violência é um dos dispositivos de regulação para manter os privilé-
gios masculinos e as mulheres assujeitadas.
O objetivo deste capítulo é problematizar as práticas de subordi-
nação e controle das mulheres que ocorrem dentro do sistema patriar-
cal e a relação de tais práticas com as violências de ordem psicológica.

- 163 -
Desenvolvimento
Este estudo é parte de uma pesquisa de metodologia qualitativa
(Denzin & Lincoln, 2006) sobre a Rota Crítica das mulheres em situa-
ção de violência de gênero (Sagot, 2000), realizada em um município
do sul do Brasil. O tema desta investigação é o sentido atribuído à vio-
lência e seus efeitos por jovens do sexo masculino e feminino inseridos
na comunidade.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade local e realizada por uma equipe de pesquisadores do
campo da saúde coletiva. Contou com a participação das instituições
governamentais que operam com a violência contra a mulher no muni-
cípio estudado. Embora tenham sido utilizadas várias fontes para obter
as informações, incluindo entrevistas em profundidade com mulheres
em situação de violência ecom operadores sociais, além de grupos de
discussão com pessoas da comunidade, neste estudo traremos apenas
material empírico produzido nos grupos de discussão.
Os grupos de discussão foram realizados com jovens do sexo
feminino e masculino em separado, ocorreram em sala de aula e neles
participaram mais de 50 estudantes. Nos grupos as perguntas se refe-
riam às percepções que os e as jovens possuíam acerca das violências e
o conhecimento sobre casos e serviços de proteção às vítimas. As nar-
rativas se referem às falas enunciadas por jovens, rapazes e moças, es-
tudantes do ensino médio noturno (EJA) de uma escola local. A maio-
ria estava na faixa etária dos 18 aos 30 anos, pertenciam aos estratos
populacionais de baixa renda e, quanto à situação marital, namoravam,
ficavam ou possuíam companheiro (a). Viviam em região urbana, al-
guns não trabalhavam e a maioria possuía empregos precários. Apesar
da colonização alemã da cidade, havia forte presença negra.
Houve preocupação em não expor os e as participantes da pes-
quisa a violências adicionais, em proteger suas identidades, em aceitar
seus relatos e respeitar os diferentes pontos de vista. Neste texto, nós
as denominamos de Maria, um dos nomes femininos mais usados no
Brasil e aos rapazes, chamamos João, também um nome popular bra-
sileiro. Esta denominação genérica visou preservar a identidade das e
dos depoentes, sem a intenção de homogeneizá-los ou banalizar suas
vidas, mas buscando metaforizar a elevada prevalência deste agravo
que atinge mulheres de diferentes estratos sociais, presente na socieda-
de nos diferentes grupos e entre muitas Marias e Joãos. Dessa maneira,
procurou-se minimizar o componente individual que é, muitas vezes,
atribuído como a principal causa da violência contra a mulher.

- 164 -
Utilizamos o referencial teórico dos estudos de gênero nos ali-
nhando às feministas marxistas (Saffiotti, 2005; Abreu, Hirata & Lom-
bardi, 2016); às psicólogas sociais críticas (Biglia & San Martin, 2007;
Cabruja, 2007) e investigadores do campo da saúde coletiva (Schraiber
& d’Oliveira 2005). Para orientar a discussão, utilizamos a caixa de
ferramentas da psicologia social crítica, especialmente a vertente in-
fluenciada por Foucault denominada análise das práticas discursivas.
As práticas discursivas possibilitam identificar as maneiras pelas quais
as pessoas, por meio da linguagem, produzem sentidos e se posicionam
nas relações sociais cotidianas (Iñiguez, 2006).
O texto resultante dos depoimentos nos grupos de discussão ser-
viu para a construção de um corpus, que foi utilizado para analisar as
práticas discursivas dos e das participantes. Neste artigo, exploramos
os discursos relacionados às violências, sobretudo a violência psico-
lógica, suas manifestações e efeitos. Atentamos para as contradições
que atravessam as falas, assim como para a situação da pesquisa como
possibilidade de escuta de jovens estudantes.
Trabalhar com o referencial das práticas discursivas possibilita
a desconstrução dos relatos para tentar identificar que dispositivos de
poder estão operando na situação de violência, já que o discurso social
da violência se reproduz em múltiplas redes discursivas de significação
sócio-simbólica. Usamos uma perspectiva de análise que procura ques-
tionar o evidente, o óbvio, o natural, o que aparece na superfície dos
relatos e indagar a violência em seus determinantes (Garcia & Cabral,
s.d.).

Violência psicológica ou ideologia de gênero?


Na análise dos discursos dos e das participantes da pesquisa
“Rotas críticas – mulheres enfrentando as violências” sobressaíram
narrativas referentes à violência psicológica e os efeitos dessa e de
outros tipos de violência na vida das pessoas atingidas. As violências
estão emaranhadas umas nas outras, configurando um quadro em que
não se pode discernir até onde operam as desigualdades geradas pelo
sistema patriarcal e, em que momento, a relação de poder se torna uma
relação explícita de violência, já que o sistema patriarcal usa a violên-
cia para cristalizar a hierarquia entre homens e mulheres. De qualquer
maneira, o sistema patriarcal por si só é violento, na medida em que
produz discriminação, dominação e exploração.
A violência simbólica (Bourdieu, 1989) é naturalizada na so-
ciedade e na cultura e deste modo passa despercebida pelas próprias

- 165 -
mulheres que sentem dificuldade em identificar suas formas mais sutis
incluindo a violência psicológica. Muitas mulheres ficam surpresas e
se espantam ao constatar que atos que consideravam naturais às rela-
ções entre homens e mulheres, na verdade constituem ações abusivas.
Feministas e psicólogas sociais críticas (Biglia & San Martin, 2007;
Toro, 2019) denunciam o processo de psicologização do mal-estar de
origem social, com o objetivo de neutralizar esse mal-estar e ocultar as
injustiças que são as suas verdadeiras causas. No caso das violências,
o objetivo é o de situá-la no terreno do individual, explicando-a como
um fracasso pessoal ou como um distúrbio, desarranjo ou doença.
Muitas mulheres não souberam dizer em que momento e de
que maneira começou a violência, principalmente a psicológica. Ou-
tras não a identificam, dizendo que não se trata de violência, mas sim,
conselhos, admoestações, sinais de proteção e afeto, misturados com
manifestações de ciúmes e de posse. Condutas aceitas e transmitidas
na sociedade por meio das normas de gênero porque as mulheres mes-
mo sabendo que certos comportamentos são machistas desculpam os
homens e se culpabilizam quando não estão correspondendo aos este-
reótipos culturalmente impostos.
A violência conjugal muitas vezes inicia de modo insidioso, em
situações que o homem não lança mão de violência física, mas busca
o cerceamento da liberdade da mulher, avançando para o constrangi-
mento, a desqualificação e a humilhação. Esse processo faz com que
a mulher fique cada vez mais isolada do convívio social com amigos
e familiares, sinta vergonha, medo e culpa, configurando um processo
de assujeitamento, em que o homem detém o controle e o comando da
relação:

Maria: Horrível a pressão psicológica que ele fazia, eu me sentia


um lixo, um lixo a gente vai ficando, achando que a gente...É uma
tortura psicológica que daqui a pouco tu vê, assim que tu não
tem força para sair daquilo (...) tu fica que nem uma morta viva.

Nos grupos de discussão, ao perguntar quais os conceitos e per-


cepções que os e as jovens possuíam em relação à violência contra
a mulher, as jovens começaram a narrar situações e casos reais, atri-
buídos no momento inicial do grupo, a amigas e conhecidas. Assim,
as nossas Marias sinalizavam: tem uma mulher que trabalha comigo,
tenho uma amiga que..., a minha vizinha, a minha irmã, assumindo o

- 166 -
papel do observador e não o da vítima. Frente à mesma pergunta os
rapazes, iniciaram um discurso de justificativas, também impessoal,
que serve para um homem genérico, responsável, provedor e pai de
família, que agride apenas quando é desrespeitado, quando a mulher
não cumpre o papel que lhe é designado pela cultura ou veiculado pela
ideologia de gênero que delimita como cada sexo deve se comportar,
poderíamos acrescentar.
As primeiras colocações se referiam a uma violência que atin-
gia outra pessoa e as Marias e os Joãos não se animaram no momento
inicial do grupo a colocar suas vivências. Porém, em seguida elas as-
sumiram a voz na primeira pessoa: eu mesma, duas semanas atrás fui
agredida pelo meu ex-marido. Nesse momento, elas passam a usar o
grupo de discussão para trazer depoimentos pessoais, como um espaço
de expressão da indignação e de denúncia. Nesse sentido, os relatos
representaram uma agudização do sofrimento, mas também a possi-
bilidade de visibilização e politização desses atos, na medida em que
ocorreu uma discussão pública de um assunto historicamente conside-
rado do âmbito privado:

Maria: Eu mesma duas semanas atrás fui agredida pelo meu


ex-marido. Fui registrar uma ocorrência, mas só vai preso se
for em flagrante. Como é que eu vou ficar apanhando e ao
mesmo tempo pegar o telefone e denunciar? Se eu registro uma
ocorrência eu estou assinando minha sentença de morte, porque
nenhum homem vai agredir uma mulher e ficar com o nome
sujo. Isso não é justo, o que adianta tu ir lá e dar uma queixa? A
gente tem mesmo que apanhar, quantas apanham e não vão dar
queixa, porque não adianta, a lei é porca, que nem ele me disse
[o agente policial] se ele te agredir de novo, ele vai preso, sim,
ele vai preso se não tiver me matado já. Daí o que adianta? Meu
filho tava junto, meu filho tem dois anos e oito meses e voltou
a usar fralda de novo, está engatinhado dentro de casa. E onde
fica a justiça pra mim?

As construções de gênero são significadas na cultura e as práti-


cas sociais patriarcais legitimam as condições de dominação masculi-
na, invisibilizando as relações de poder construídas socialmente. Iden-
tificamos nas narrativas, múltiplas referências às normas e aos códigos
de significação, por meio dos quais opera o sistema cultural de gênero,
patriarcal, racista e classista. Muitas destas normas foram sendo ques-
tionadas no grupo e as mulheres pareceram se debater entre a ação e a

- 167 -
impotência. Se eu registro uma ocorrência eu estou assinando minha
sentença de morte, porque nenhum homem vai agredir uma mulher e
ficar com o nome sujo. Isso não é justo, o que adianta tu ir lá e dar
uma queixa?
Porém, mesmo se dizendo impotentes frente às agressões, as
mulheres no grupo de discussão optaram por denunciar as violências
que elas e outras sofrem, assim como a inoperância das instituições
para efetivar as medidas de proteção e o descrédito em relação ao sis-
tema de justiça (...) quantas apanham e não vão dar queixa, porque
não adianta, a lei é porca, que nem ele me disse [o agente policial] se
ele te agredir de novo, ele vai preso, sim, ele vai preso se não tiver me
matado já. Daí o que adianta?
Maria sinaliza o medo e a tensão produzidos pelas ameaças de
morte dirigidas pelo ex-marido, contando que todas as noites a mãe
precisa buscá-la na parada de ônibus e acompanhá-la até a casa. Apare-
cem os efeitos da violência não apenas em relação a si, mas estendido
aos familiares – a mãe que precisa proteger a filha, ficando na linha de
tiro do agressor, e o filho que voltou a usar fraldas.
As participantes dos grupos expressaram sensações de insatis-
fação, angústia e um mal-estar difuso e crônico atribuído às relações
de conjugalidade, onde nem sempre ocorre violência física, mas estão
presentes o autoritarismo e os abusos verbais, manifestos na desvalo-
rização do outro, no controle coercitivo, nas humilhações: a primeira
reação deles é começar a te agredir verbalmente, buxo, bagulho, va-
dia, vagabunda...

Maria: Ele me agredia verbalmente ... E eu fiquei muito gorda,


eu pesava 59 Kg daí fui para 87, depois a vida sexual a gente
não tinha. Com os remédios da depressão eu fiquei frígida. É
claro que o homem não sabe lidar com isso, pelo machismo e a
ideia da sociedade que o homem não pode ficar sem sexo, daí
o homem começa a ficar agressivo com a mulher e a primeira
reação deles é começar a te agredir verbalmente, buxo, bagulho,
vadia, vagabunda...

Assim, elas narraram os efeitos emocionais expressos na tris-


teza, na desvalia, na impotência, na frigidez, na dificuldade para con-
trolar o peso, de cuidar de si e dos filhos. Efeitos que se fazem sentir
entre familiares que permanecem em estado de angústia e alerta frente
às ameaças de morte sofridas pelas mulheres, que precisam acompa-

- 168 -
nhá-las em pontos de ônibus ou ao trabalho. Efeitos em crianças que
voltam a usar fraldas, que apresentam dificuldades no desempenho es-
colar, hiperatividade e medo (Meneghel, Sagot & Bairros, 2009).
As narrativas das Marias e dos Joãos nos fizeram ver os efeitos
dos jogos de poder, deixando marcas nas identidades, nas subjetivida-
des e nos corpos das mulheres e de seus filhos.
A violência contra a mulher está inscrita na cultura, onde atua
o poder simbólico, esse poder invisível que, segundo Bourdieu (1989)
só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que o sofrem ou
exercem. O poder simbólico cumpre a função política de legitimação
da dominação, constituindo-se em violência simbólica. Por este moti-
vo, muitas mulheres dizem que a violência psicológica é a mais difícil
de ser rompida, a mais perversa, aquela que produz um assujeitamento
tal que a vítima é cúmplice do agressor. Esses dilemas parecem mate-
rializados em metáforas de rendição: eu fiquei como uma morta viva,
prisioneira de mim mesma, um lixo, me sentindo um pedaço de carne:

Maria: Aí começou uma coisa assim que eu fiquei, eu fiquei


prisioneira de mim mesma (...) Eu sou um lixo mesmo, eu me
sinto uma formiga, ele tem o direito de propriedade, aí perde o
respeito mesmo, você é um pedaço de carne...

Em contraponto aos discursos das mulheres, os jovens do sexo


masculino justificaram as desigualdades existentes entre homens e
mulheres como naturais e historicamente dadas, o homem sempre foi
machista e sempre vai ser, entendeu? Nos arguiu João. A violência
nas relações de conjugalidade não foi considerada um problema, mas
uma situação normal entre casais. Minimizaram o efeito das agressões
perpetradas contra as mulheres, indicando o descontrole no uso da for-
ça por parte do homem que pode estar com o psicológico abalado e
atribuíram a culpa pelas violências às mulheres que as sofreram: Ah!
tem umas que pedem (para apanhar). Na verdade, a mulher também é
culpada pela agressão (Meneghel, Sagot & Bairros, 2009).

João: ... o homem sempre foi machista e sempre vai ser, enten-
deu? Muitas vezes o homem perde o controle e bate na mulher
porque está com o psicológico abalado. (...) Ah! tem umas que
pedem (para apanhar). Na verdade, a mulher também é culpada
pela agressão.

- 169 -
Nas sociedades onde as relações de poder entre homens e mu-
lheres são assimétricas, a violência de gênero é um dos dispositivos
de regulação para manter o controle das mulheres pelos homens. Pes-
quisadores (Saffiotti, 2005; Cabruja, 2007) explicam que a violência
psicológica decorre do sistema de dominação/subordinação patriarcal
e frequentemente a relação hierárquica de poder se torna também uma
relação de violência. No grupo dos rapazes, o controle exercido pelos
homens em relação às mulheres foi justificado e aceito, percebido so-
cialmente como natural:

João: Então, eu pego minha mulher e eu procuro regular ela.


Quando ela não faz as coisas que é preciso. Eu trabalho o dia in-
teiro e ela fica em casa. Vê televisão, fala com as amigas, dorme.
Chego em casa e nem comida fez. Daí eu procuro regular ela.

Assim, moças e rapazes, Marias e Joãos, seguem vivendo con-


forme os referenciais generificados da cultura, que apontam o que é
esperado de cada sexo. Para a manutenção destas normas são ativados
mecanismos de controle e subordinação ligados às ideias dominantes
acerca dos papéis de gênero, ou aquilo que podemos chamar de ideolo-
gia de gênero, que dá o direito ao homem de regular a sua mulher em
uma situação em que gênero é usado como uma gramática que norma-
tiza/regula/controla condutas masculinas e femininas.
Ao término dos grupos, moças e rapazes voltaram a se reunir
na sala de aula. Elas retornaram muito emocionadas pela intensidade
dos casos que narraram, das situações e denúncias que verbalizaram.
Frente a esta atitude os Joãos, os mesmos que assumiram que preci-
sam regular as mulheres e que a violência se justifica quando elas não
cumprem suas obrigações,dirigiram e separaram a equipe de pesquisa
e disseram que fôssemos embora e não voltássemos mais para pertur-
bá-los. Um último João gritou na porta: Vejam o que vocês fizeram
com as nossas mulheres! Ou seja, as mulheres são propriedade dos
homens, as nossas mulheres. Essa raiva masculina mostrou também o
quanto a discussão crítica pode questionar os velhos papeis e estereó-
tipos, ameaçando as hierarquias de poder patriarcais e os decorrentes
privilégios masculinos.
Este trabalho confirmou, mais uma vez, o quanto os papeis
tradicionais de gênero continuam presentes na sociedade. E mesmo
o quanto pequenas mudanças podem ser sentidas como ameaçadoras

- 170 -
para aqueles que detêm maior poder nas hierarquias de gênero, raça e
classe social. Neste sentido na sociedade atual estão aflorando os dis-
cursos pregando um retorno ao conservadorismo e aos papeis tradicio-
nais desempenhados por homens e mulheres, discurso esse que busca
justificar a retirada de direitos, as violências e até mesmo a eliminação
física dos e das oponentes.
Observou-se que as violências psicológicas estão incrustadas
nas normas e papeis tradicionais de gênero, dificultando às mulheres a
possibilidade de identificá-las. A educação diferenciada de gênero e os
processos de subjetivação generificados na sociedade naturalizam es-
tes aspectos e condutas. Dessa maneira, durante o trajeto da pesquisa,
compreendemos que a violência psicológica é minimizada por meio
das relações de controle e subordinação mantidas pelo patriarcado mo-
derno em relação ao sexo feminino, situação que Bourdieu chamou de
violência simbólica. Embora o movimento feminista tenha identifica-
do a violência de gênero há mais de 30 anos, esse quadro se mantém
quase que sem modificações para muitas mulheres. A escuta dessas
vozes nos fez indagar em que medida o patriarcado mantém atuais os
velhos discursos com roupagens mais atrativas, que incluem o discurso
médico e psicológico. Desta forma, a ideologia patriarcal continua a
operar eficazmente para legitimar as hierarquias de poder e sancionar
as recalcitantes.

Considerações finais
Este texto baseia-se em uma pesquisa sobre as rotas críticas per-
corridas pelas mulheres para enfrentar as violências, desenvolvida nos
anos 2006-2010. Na pesquisa que realizamos, as mulheres denuncia-
ram no grupo situações de violência física e psicológicavividas por
familiares, amigas, conhecidas e por elas mesmas, além de relatar os
efeitos físicos e emocionais decorrentes destas violências. Os rapazes,
por sua vez, defenderam a prerrogativa masculina de controle e nor-
malização das mulheres, desempenhados de acordo com as normas de
gênero.
Este estudo possibilitou algumas explorações acerca dos discur-
sos sobre as violências de gênero. Os homens que ouvimos possuíam
uma visão e um posicionamento tradicional e conservador. Por outro
lado, as jovens expressaram uma visão crítica sobre a estereotipia dos
papéis socialmente impostos, da posição subordinada das mulheres nas

- 171 -
hierarquias entre os sexos, das violências e dos riscos que as ameaçam,
das instituições que ao invés de cuidado e proteçãoas revitimizam (Me-
neghel, Sagot & Bairros, 2009).
Embora os dados empíricos não tenham sido produzidos re-
centemente e,nos últimos anos a violência contra a mulher tenha sido
entendida como um grave problema social além de ter havido avan-
ços consideráveis na legislação e políticas públicas, as prevalências
do agravo seguem similares, senão piores, o que pode ser observado
pelas taxas ascendentes de feminicídios (Meneghel & Hirakata, 2011;
Meneghel & Portella, 2017).
Se considerarmos a pesquisa como um mergulho no qual o pes-
quisador vai até onde permite seu fôlego, ou ainda como um estrata-
gema na fronteira do saber, nas palavras de Gaston Bachelard (1981),
relativiza-se a obrigatoriedade de que os dados de pesquisa sejam re-
centes, valorizando a singularidade, a potência e a pertinência dos mes-
mos para compreender o mundo. A partir deste ponto de vista, os dis-
cursos formulados pelos jovens da pequena cidade do interior do Rio
Grande do Sul, ainda fazem sentido e apontam para uma organização
social generificada onde homens e mulheres continuam se comportan-
do de acordo com padrões de gênero tradicionais.
Dessa maneira, estes dados de pesquisa revisitados dez anos
depois se mostram atuais, no momento crítico em que a roda do tem-
po parece retroceder e o conservadorismo vem à tona, operando por
meio da ideologia de gênero, entendida aqui no sentido restrito, ou
seja, como um conjunto de ideias usadas para validar e manter hierar-
quias de poder pautadas no patriarcado. O machismo é uma das expres-
sões do patriarcado, constituindo um recurso ideológico, que funciona
como um amálgama para selar a subordinação das mulheres, enquanto
que a violência constitui o mecanismo de controle para ajustar as insu-
bordinadas, as refratárias e as que ousam desobedecer.

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- 175 -
- 176 -
O CUIDADO COM A SAÚDE E IDENTIDADE
DE GÊNERO:
A ESCUTA DE TRAVESTIS E MULHERES
TRANSEXUAIS VIVENCIANDO A
PROSTITUIÇÃO NA CIDADE DE
MANAUS/AM
Hellen Yuki Costa Miwa
Ewerton Helder Bentes de Castro

Resumo: Este capítulo é um recorte de uma pesquisa que teve como objetivo com-
preender a percepção do cuidado em saúde de travestis e mulheres transexuais,
vivenciando o trabalho sexual na cidade de Manaus (AM). Utilizou-se o método
fenomenológico de pesquisa, tendo como participantes três travestis e duas mulhe-
res trans profissionais do sexo. Foram realizadas entrevistas áudio-gravadas, que
tiveram duração média de 50 minutos e foram transcritas integralmente. A análise
compreensiva contou com o aporte teórico de Martin Heidegger e sua fenomeno-
logia existencial e foram sistematizadas duas categorias temáticas. A primeira trata
das experiências das participantes sobre como se identificam em relação ao gênero
e as diferenças do que entendem sobre a transexualidade e travestilidade. E a se-
gunda categoria versa sobre as experiências de preconceito, violência e a dimensão
dos locais onde desenvolvem seu trabalho. Conclui-se que esta pesquisa contribui
na compreensão do cuidado através do “poder ser” dessa população para além de
uma mera categoria identitária, bem como sua vivência de mundo no contexto da
prostituição.

Introdução
Os estudos de gênero na contemporaneidade têm avançado e
sendo difundidos nas sociedades, emergidos a partir dos diálogos dos
movimentos feministas. Em vista disso, foi através do feminismo an-
glo-saxão que se iniciou o processo de diferenciação entre gênero e
sexo (Louro, 2014).
O que se pretende a partir disso é “entender o gênero como
constituinte da identidade dos sujeitos” (Louro, 2014, p. 23). Assim, de
acordo com Ciampa (2012), a identidade não é um fenômeno acabado
e cristalizado, nem intrínseco ao ser humano, mas está em constante
processo transformação, podendo reproduzir identidades existentes ou
mesmo conceber novas identidades. Corroborando com Ciampa, Ben-
to (2014) sugere que há possibilidades variadas de identidades e, além
disso, defende que as identidades não estão cristalizadas, apresentan-
do, em seu processo de constituição, um caráter fluido.

- 177 -
Ao estabelecer identidades como se elas estivessem prontas,
endurecidas, podemos favorecer àqueles que conseguem amoldar-se
a tais identidades e excluir ou patologizar quem não o consegue fazer
(Ciampa, 2012).
Assim, trazendo o entendimento de que a partir das relações so-
cais existentes, bem como os fatores históricos e culturais há a constru-
ção de identidade, Butler (2017) expõe que o gênero não é determinado
pelo sexo biológico quando no nascimento, mas é construído social-
mente. A autora sugere ainda que não há apenas dois gêneros, a saber
masculino e feminino, o que evidencia mais uma vez seu caráter fluido.
Dentro desse contexto, emergem os estudos das identidades
trans. Portanto, neste ponto, considerando-se a especificidade do grupo
em questão, sentiu-se a necessidade de distinguir orientação sexual de
identidade de gênero, uma vez que pode ocorrer dúvida em relação a
tais terminologias.
Entende-se por orientação sexual o direcionamento do dese-
jo sexual, afetivo e/ou emocional por outra pessoa, seja para alguém
do mesmo gênero (homossexual: gays e lésbicas), seja para o gênero
oposto (heterossexual), ou mesmo para ambos os gêneros (bissexuais)
(Reis, 2018). Os estudos sobre sexualidade indicam ainda que as orien-
tações sexuais mencionadas não são as únicas – há quem desenvolva
atração por pessoas independente do gênero (pansexuais) e ainda quem
não sente qualquer desejo sexual, seja pelo mesmo gênero ou pelo gê-
nero oposto (assexuais) – o que mostra grande fluidez quando se trata
da sexualidade humana (Louro, 2018; Preciado, 2014).
Já a identidade de gênero refere-se à auto identificação com o
gênero correspondente ou não ao sexo biológico. De modo geral, mas
não categórico, mulheres transexuais nasceram e foram designadas ao
sexo masculino, mas se auto identificam com o gênero feminino (Je-
sus, 2012).
No caso particular das travestis, apesar de apresentar uma per-
formatividade de gênero feminino (Butler, 2017), estas não se reco-
nhecem no binarismo de gêneros, mas sim como um terceiro gênero
ou um não-gênero (Jesus, 2012; Reis, 2018). Nas palavras de Benedetti
(2015), “vivem a experiência do gênero como um jogo artificial e pas-
sível de recriação. Por isso, criam um feminino particular, com valores
ambíguos” (p. 132).
Assim, alguém que é cisgênero ou cis, abreviadamente, corres-
ponde às “pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi atribuí-
do quando ao nascimento” (Jesus, 2012, p. 10).

- 178 -
Tanto pessoas trans como pessoas cis fazem parte de uma so-
ciedade cisnormativa, termo utilizado para caracterizar a ordem hege-
mônica das normas de gênero impostas por meio de violências sejam
simbólicas, sejam físicas, além de ser direcionada principalmente a
quem não esteja em conformidade com tais normatizações (Miskolci,
2012; Vergueiro, 2015).

Políticas, Diretrizes e Cuidado com a saúde relacionadas à


população trans
No âmbito internacional temos a TransgenderEurope, que em
seu último relatório informou que foram reportadas 2.982 notificações
de homicídios de pessoas transgênero no mundo entre o período de
janeiro/2008 a setembro/2018. Relatou ainda que 167 das mortes noti-
ficadas foram atribuídas ao Brasil entre outubro/2017 a setembro/2018,
colocando-o como o país com mais assassinatos do mundo em núme-
ros absolutos (Transgender Europe, 2019).
Já no Brasil, há várias associações realizando esse tipo de tra-
balho, dentre elas podemos destacar a Associação Nacional de Traves-
tis e Transexuais (ANTRA), que mapeia e contabiliza os assassinatos
ocorridos pelo país. De acordo com esta associação, só no ano de 2018,
ocorreram 163 assassinatos de pessoas transgênero, sendo 158 traves-
tis e mulheres transexuais. No entanto, tais dados são subnotificados
uma vez que não há na legislação brasileira a tipificação do crime con-
tra identidade de gênero (ANTRA, 2019).
Outra forma de violência vivenciada por esta população se dá na
falta de respeito ao uso do nome social em vários espaços, por exemplo
no Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de ter garantido o seu uso
nos serviços de saúde (BRASIL, 2009), é constante a violação deste
direito, evidenciando a falta de acolhimento por parte dos técnicos e
agentes da área. Tal atitude se torna um obstáculo, dentre tantos outros,
ao acesso aos serviços de saúde, podendo ocasionar, por exemplo, em
desistência de tratamentos (Ferreira, Nascimento, Pedrosa, & Monte,
2017; Silva, Silva & Coelho, 2017).
As constantes violações de direitos apresentam fortes conse-
quências. Existe maior risco ao suicídio com esta população, uma vez
que estão presentes ideações suicidas associadas a níveis depressivos,
expulsão do núcleo familiar, violência escolar, ou seja, o não respeito
e aceitação da identidade de gênero com a qual se reconhecem tor-

- 179 -
nam-se agravos para saúde mental de pessoas transexuais e travestis
(Silva,2016).
Em meio à falta de apoio familiar, social e institucional, para
conseguir o corpo feminino, tão simbólico na construção da identida-
de, muitas mulheres transexuais e travestis recorrem a procedimentos
autônomos, como aplicação de silicone industrial nos seios e glúteos
e hormonioterapia sem prescrição médica, mesmo sabendo dos riscos
envolvidos. Apesar do Processo Transexualizador estar disponível no
SUS (Brasil, 2011, 2013), os principais motivos que as levam a tomar
tais atitudes são financeiros, além de visualmente conseguirem ter os
efeitos desejados mais rapidamente no corpo (Ferreira et al., 2017).
Assim, devido a esses agravos decorrentes da exclusão social
e dos processos discriminatórios aos quais estão expostas travestis e
mulheres transexuais, o Ministério da Saúde estabelece a identidade
de gênero como determinante e condicionante de saúde (Brasil, 2011).
Portanto, é necessário compreender as diretrizes acerca das vulnerabi-
lidades específicas dessa população, a grande necessidade de políticas
públicas que tenham por objetivo a promoção da qualidade de vida,
bem como a proteção e garantia dos direitos humanos e sociais.
É de suma importância frisar que ser mulher transexual ou tra-
vesti não acarreta necessariamente em ser profissional do sexo, no en-
tanto, as duas temáticas caminham muito próximas e diversos fatores
contribuem para que isso ocorra. Dentre esses, a reduzida escolaridade
dessa população se torna um dos grandes obstáculos na busca por tra-
balho fora do mundo da prostituição, uma vez que a dificuldade de
acesso e de permanência nas escolas fomentam para que elas desistam
e abandonem precocemente os estudos (Silva, 2016).
Miskolci (2012) expõe que situações que são ordinárias ao co-
tidiano para quem está dentro do padrão cisnormativo tornam-se vio-
lências as quais vão se acumulando, criando um sentimento de não
pertencimento àquele espaço, como por exemplo, ir ao banheiro, res-
posta na chamada, relacionamento com colegas, professores e direção.
Soma-se a isso o descaso e negligência dos gestores de escolas, que
frequentemente não procuram intervir nesse processo de exclusão e de
preconceito vividos pela população transexual nas salas de aula.
Estratégias que sejam direcionados para as discriminações con-
tra a diversidade sexual e que fomentem o respeito às diversas orien-
tações sexuais e identidades de gênero no cotidiano escolar precisam

- 180 -
ser desenvolvidas, a fim de garantir direitos que há muito são violados
sistematicamente.

A Fenomenologia e a Ontologia Hermenêutica de Martin


Heidegger
Para Martin Heidegger (2013), a fenomenologia está centrada
na questão do Ser e na busca do sentido do ser como ele aponta em
seu trabalho mais conhecido, “Ser e Tempo”. Este autor se propôs a
investigar a noção de humanidade em sua singularidade a partir do que
chamou de Dasein (Heidegger, 2013). Também conhecido como pre-
-sença ou Ser-aí, o Dasein é transcendência no sentido daquele que sai
de si próprio para estar no mundo, para se projetar no mundo e nele se
relacionar. O Dasein fala do ser que está lançado no mundo. O filósofo
assinala ainda que a pre-sença não é apenas corpo, matéria, mas cada
ser humano é um Dasein que foi entificado ao ser lançado no mundo e,
por ser lançado no mundo, “constitui-se num ente aberto às possibili-
dades” (Castro, 2017, p. 18).
Em “Ser e Tempo” Heidegger (2013) supera a ideia da metafí-
sica aristotélica onde encontram-se construções prontas, um corpo e
um espírito pronto. Supera no sentido que o Dasein não é do mundo
das ideias, desse modo nunca está pronto e acabado. A pre-sença só é
a partir do momento em que escolhe ser dentre as possibilidades apre-
sentadas, mas, logo em seguida, precisa fazer outra escolha e assim
sucessivamente. Por isso a pre-sença nunca é. A pre-sença está sempre
sendo. É sempre transformação e sendo transformação, é sempre pos-
sibilidades.
A característica maior do Dasein é que ele se faz existência.
Heidegger (2013) traz a etimologia da palavra existência, do grego ek-
-sistere: ek (fora) e sistere (lançar). Assim, sendo existência, o Ser-aí
é sempre aquele que se lança para fora de si próprio, se lança para
além daquilo que já é, estando sempre em construção. Nesse sentido,
o Ser-aí é sempre lançado em algum lugar, o mundo. Por isso “o ser-
-no-mundo deve ser entendido como uma estrutura de realização do
Ser” (Castro, 2017, p. 18). O ser-no-mundo, por ser uma expressão do
Dasein, apenas o é porque o Dasein se faz enquanto presença.
Assim o filósofo assinala que aquilo que nos diferencia das coi-
sas é o fato de existirmos. Só existimos porque estamos constantemente
nos lançando para fora (Heidegger, 2013). E o que nos lança para fora?

- 181 -
O Dasein. Por isso o Dasein é o ser-do-ente. Isso posto, a pre-sença
não tem como existir sem o corpo. No entanto, não nos enganemos em
retornar para a metafísica platônica realizando uma dicotomia Dasein/
corpo, ou seja, uma ideia de que há uma superioridade “daseística”
frente à matéria. O corpo não é meramente um receptáculo por ser
“animado” pelo Dasein, ao mesmo tempo que o Dasein não pode ser
uma questão além do aspecto físico, pois ele depende de um ente para
poder existir nesse mundo. Ele só pode se lançar para fora a partir da
relação consigo e com o mundo. Então, como num movimento cícli-
co, ao mesmo tempo que o Dasein se faz presente no corpo humano,
enquanto ser-do-ente, o corpo é ente-do-ser. É, no dizer de Forghieri
(2011), “uma estrutura originária e sempre total, não podendo ser de-
composta em elementos isolados” (p. 28).
Portanto o que marca o Ser-aí é esse existir, além de se fazer
pela existência a partir de um ente no mundo. O Dasein, que é próprio
da humanidade, não pode ser reduzido então a uma anima, mas tam-
bém questiona a si próprio, sua característica máxima. Como Castro
(2017) destaca:
O Dasein não pode ser considerado como algo ou alguma coisa,
uma vez que ele é o ente que possui o ser-das-coisas, para o qual
as coisas estão presentes. O Ser-aí é um ser de possibilidades,
é sempre aquilo que pode ser. Heidegger realizou uma filosofia
hermenêutica na qual interpreta o Dasein, debruçando-se sobre
a construção existencial da compreensão possível a partir da
existência ativa (p. 19).

Por isso o Ser-aí nunca é passividade, mas ativamente questiona


e olha a si próprio para poder fazer as suas escolhas e construções.
No entanto, alguns aceitam viver o seu cotidiano sem gran-
des inquietações, sem voltar-se sobre si mesmos. Ao passo que exis-
tir é lançar-se para fora, é sair da mesmice, viver é aceitar as coisas
como são, é estar na impessoalidade. Quando o Dasein se faz ente e
se percebe finito, enquanto ser-para-a-morte, a angústia se faz presen-
te (Heidegger, 2013). Na cotidianidade, tenta-se fugir dessa angústia
existencial causada pela finitude, realizando ações sem implicação. As
relações se tornam superficiais, ocupando-se de coisas para tentar ter
o controle desse mundo. Vive-se de maneira imprópria, automática,
inautêntica. Contudo, esforço algum consegue fazer com que a angús-
tia vá embora, “jamais conseguiremos vencê-la, definitivamente, pois
ela é inerente à nossa própria existência, na qual está contida a certeza
de que um dia morreremos” (Forghieri, 2011, p. 37).

- 182 -
Todavia, é importante salientar que a angústia e o ser-para-mor-
te não é algo ruim, pois a finitude torna-se um parâmetro. Ao ter noção
da própria finitude, o ser o humano se põe a fazer, ele não pode esperar.
Sem a morte enquanto parâmetro não haveria motivação. Apesar disso,
Heidegger (2013), em suas reflexões, não se preocupa com a morte
em si, ela é apenas um ponto, o último, por isso ser-para-a-morte. A
importância está no caminho e não na morte em si. A morte “não é
algo simplesmente ainda-não dado e nem último pendente reduzido
ao mínimo, mas, muito ao contrário, algo impendente, iminente” (Hei-
degger, 2013, p. 32), ao mesmo tempo processo e o ponto final desse
caminhar.
Logo, a todo momento que o Dasein está existindo, saindo de si
mesmo para fazer novas escolhas, ele está morrendo. Desse modo, não
há dicotomia entre a vida e a morte, falamos de algo único permeada
pelas realizações que fazemos nas relações durante a vida. “É um po-
der-ser que determina o quão pronta a pre-sença é, de modo que o ser
humano, enquanto é, já é seu ainda-não” (Castro, 2017, p. 23), ou seja,
se não fosse a morte, a pre-sença não estaria pronta. Quanto mais pró-
ximo da morte, mais se fez, mais se construiu, mais história a pre-sença
tem. Se a morte fala das escolhas que se faz durante a vida, aquilo que
eu sou já é a minha morte. “A morte – assinala Heidegger (2013, p.
245) – no sentido mais amplo, é um fenômeno da vida”.
Conforme exposto anteriormente, o ser-para-a-morte não se dá
somente na morte. Por ser um processo, o ser-para-a-morte permeia to-
das as relações do ser humano frente às possibilidades que se apresen-
tam. Dessa maneira, toda escolha é uma morte. A partir do momento
que o ser humano faz uma escolha, todas a outras “opções” findaram.
A cada escolha que o Dasein faz, ele é lembrado da sua finitude.

Desenvolvimento
A pesquisa é de caráter qualitativo, utilizando-se do método
fenomenológico de pesquisa em Psicologia (Giorgi & Souza, 2010;
Pereira & Castro, 2019). As participantes foram 03 (três) travestis e
02 (duas) mulheres trans brasileiras, de faixa etária entre 28-52 anos.
Todo o processo salvaguardou os parâmetros da pesquisa com seres
humano e o projeto teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa5.
Utilizou-se para a análise das entrevistas um método constituído
por uma componente descritiva, seguindo a mesma proposta do mé-
5 Os nomes das participantes foram alterados para resguardar a identidade e fins de sigilo ético.

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todo fenomenológico de investigação em psicologia, configurado por
quatro etapas, explicitados em Giorgi e Souza (2010) e Pereira e Castro
(2019).
São apresentadas, a seguir, as Categorias Temáticas:

Sou quem sou, sou o que sinto, sou eu mesma


Esta primeira categoria traz as experiências das participantes so-
bre como elas se identificam em relação ao gênero e as diferenças do
que entendem sobre a transexualidade e travestilidade, como ocorreu o
processo de autodescoberta e sua relação com o hormônio.
Nas falas a seguir, podemos perceber que, para Virgo e Hydra, a
diferença entre mulher trans e travesti está atrelada à existência do órgão
genital pênis, apontando que por ainda o tê-lo se autoidentificam travesti.
Ressaltam também que esse processo de autoidentificação passa pelo
uso de hormônios e conforme as transformações no corpo ocorrem, há a
epifania e o entendimento em se reconhecer “Esta sou eu!”.
No entanto, tornam-se presentes em seus discursos, dúvidas
quanto à construção de suas feminilidades, como quando Virgo é en-
fática ao declarar que, tendo como fundamento a sua religiosidade,
sempre será homem, ou quando Hydra, por ser rejeitada pela família,
não se sente confortável em seu próprio corpo.

Mas eu falo pelo fato de... de eu me sentir travesti porque eu não


sou operada. Pra mim uma mulher trans tem que ser aquela que
já tem vagina, que já é operada e eu não sou operada [...] eu me
sinto mulher na hora do prazer, na hora do sexo [...] diante da
sociedade a gente vai poder ser mulher, mas diante de Deus a
gente sempre vai ser o homem [...] Aí, tu começa no hormônio,
aí tu vê que tu vai ficando feminina. Tu vai tomando o hormônio.
Daí, tu vai ver, tu já tá uma mulher. Entendeu? Daí, que você vai
conseguir se entender. “ah, eu sou uma trans!” (Virgo)

Pra mulher trans tem que tirar logo sexo pra virar mulher, né [...]
Travesti a gente ainda tem o sexo de homem no meio das perna,
né? [...] que às vezes tem a família da gente assim, não gosta
da gente, que a gente já tem esse jeito assim, né mana. [...] Eu
fico: “será que eu nasci errada nesse mundo?”. Eu acho que não
né? Não tem como nascer errado. Eu já nasci assim. (Hydra)
Pyxis, por outro lado, apresenta entendimento diferenciado so-
bre identidade de gênero, atrelando-o ao sentimento que tem sobre si

- 184 -
mesma, ou seja, independentemente da cirurgia de redesignação geni-
tal, ela possui autonomia e autodeterminação em relação ao seu gênero.
Além disso, ressalta a confusão que existe entre elas e os ho-
mens homossexuais no tratamento que recebem, pois a eles é dispen-
sado uma abordagem no feminino – abordagem essa pela qual elas
gostariam de serem chamadas –, por mais que o tratamento conferido
a eles seja pelo viés da “humorização”, enquanto para elas, nem isso
recebem, sendo frequentemente tratadas no masculino.

Mas aí se a gente for entender a transexualidade como é algo


que a gente sente [...] Eu também me sinto como mulher mesmo
não tendo operado a vagina [...] a gente, que somos trans, com
aparência feminina completamente, por mais que não tenhamos
o órgão, o aparelho feminino, a gente é tratada como ele, “é o
senhor!”, “o que o senhor deseja?”. Seja num restaurante, numa
lanchonete, no hospital. Ainda existe muito essa confusão [...]
eu acho que a gente primeiro acaba fazendo a transição e depois
descobre a nomenclatura [...] A gente é confundido com o gay e
o gay é confundido com a gente. O gay é tratado como se fosse
pra ser tratado o transexual, que é uma mulher normal. Eles
tratam o gay normal, que é um rapaz de barba, que usa cueca de
princesa, bonitinha porque querem humorizar aquela cena do gay
chegando no lanche. E quando chega uma transexual, o próprio
atendente, a própria atendente, seja lá quem for: “oi, senhor!”.
Quando é uma mulher trans, chamam de senhor. Quando é um
homem trans, chama de senhora. É complicado! (Pyxis)

Podemos compreender mais uma componente da fluidez das


identidades trans através das falas de Cassiopéia, que outrora se iden-
tificava mulher trans quando sua aparência era mais feminina e tinha
relações sexuais sem utilizar “muito seu órgão genital” pênis. Todavia,
atualmente, por não conseguir fazer uso dos hormônios devido à saúde
debilitada e consequentemente não ter aparência feminina desejada, se
autoidentifica travesti. Nas suas palavras:

Então, eu já me considero um travesti. Mas quando eu tomava


hormônio, eu me considerava uma mulher trans, né. Porque eu
nem usava muito, assim, meu órgão genital, sabe. E tudo pra
mim era feminino ao máximo [...] quando eu saio, eu gosto de
ser tratada como mulher, entendeu? Não gosto de ser chamada
de homem né, pelo nome de batismo porque eu não troquei o
nome. Devido esses problemas todos de hormônio e tudo... eu
não troquei, preferi não trocar. Porque quando troca tudo, você

- 185 -
precisa ter seu nome de mulher ali no papel. No documento,
como muitas tão tendo hoje, tu precisa tá com uma aparência
bem feminina, né? Não adianta cê tá assim, com uma barba, um
bigode e querer ser chamada de mulher, que já fica... na minha
opinião, fica feio, né? Então... travesti é isso, eu gosto de viver
assim, sabe. E, é isso. Quando eu vou sair, eu procuro sair mais
feminina o possível, sabe. (Cassiopéia)

Enquanto para Virgo, Hydra, Pyxis e Cassiopéia existem dife-


renças entre as identidades trans, seja pela presença ou ausência do
órgão genital, seja pela intensidade do que é considerado feminilidade,
Andromeda traz um discurso de não distinção entre mulher trans e tra-
vesti apesar de se identificar travesti:

(Sobre autoidentificação) Como travesti [...]Pra mim é a mesma


coisa. Pra mim não tem diferença. Eu não tenho isso comigo não,
pra mim travesti e mulher trans é a mesma coisa. (Andrômeda).

Para compreender essas distintas vivências é preciso lembrar


que um dos aspectos mais básicos da existência é a abertura. Sempre se
lançando para fora de si próprio, o Dasein está sempre em transcendên-
cia. Se lança para além daquilo que já é (Heidegger, 2013).
Esta característica coaduna com os estudos de gênero que fa-
lam da construção do gênero a partir das relações sociais existentes,
somado a fatores históricos e culturais. Desse modo, gênero não é um
fenômeno cristalizado e acabado em si mesmo (Butler, 2017). O Ser
está aberto inclusive na questão de gênero.
É possível perceber essa relação quando as participantes descre-
vem as várias formas de existir e como o reconhecimento das diversas
transgeneridades femininas transcendem o que está posto dentro do
sistema de binarismo de gêneros. Transcendem o corpo e uma desig-
nação masculina e estão abertas para as possibilidades.
Observamos nos excertos das entrevistas aspectos de subjetiva-
ção da própria existência pela mediação da corporeidade, as diferentes
possibilidades de pensar identidade de gênero: a existência ou ausência
do órgão genital pênis, o quanto o uso dos hormônios colabora para
a construção de suas identidades, além da autoidentificação. É o que
Heidegger (2013) descreve como o movimento do ek-sistir, a abertura
necessária ao que nos vem ao encontro. As entrevistadas têm o olhar
voltados para si e fora de si mesmas e se apreendem no caminhar, in-

- 186 -
clusive reconfigurando seus Eigenwelt (mundo próprio) de acordo com
as relações históricas estabelecidas no Umwelt (mundo da circundante)
com os outros Daseins no Mitwelt (mundo compartilhado).
A cristalização das identidades de gênero, visão ainda hegemô-
nica na construção de formas institucionais de cuidado, traz prejuí-
zos, criando metas impossíveis de serem alcançadas para validar suas
identidades ligadas ao que é entendido como feminino (Bento, 2014;
Ciampa, 2012).
É necessário aceitar a fluidez do gênero para que se estabeleça
uma relação autêntica com essas Daseins e que a relação do cuidar
precisa levar em consideração o aspecto de abertura do ser, aceitando
e trabalhando a partir do respeito ao olhar dessas próprias mulheres
frente sua identidade de gênero. Mais do que isso, desconsiderar essa
mutabilidade ontológica do ser é fadar as ações de cuidado ao fracasso,
pois estarão sempre um passo atrás do mundo vivido.

No trabalho que executo, preconceito, violência e insalu-


bridade: as faces de uma vivência
Experiências de preconceito, violência e a dimensão dos locais
onde desenvolvem seu trabalho é o que irá tratar esta segunda catego-
ria. Assim, é exposto principalmente que a atividade do trabalho sexual
é permeada por situações de risco e vulnerabilidade.

a. Preconceito
Virgo relata a hipocrisia da sociedade quando esta as marginaliza
por serem quem são, invisibilizando o seu existir ao mesmo tem-
po em que são desejadas pelas mesmas pessoas que as desprezam.
Os homens que saem com a gente, travesti de rua, o que eles
mais fazem é xingar a gente: “porra, olha esse viado!”, “porra,
esse viado tem o ovão, olha aí!”. Eles falam, né? Eles que saem
com a gente, com a família dele é xoxando, mas quando é mais
tarde, ele volta. Fazendo o quê? Querendo dar o c* pra gente,
querida! (Virgo)

No discurso de Pyxis, observamos sua percepção sobre o lugar


que é reservado a elas dentro da estrutura social quando fala que estão
nas estatísticas de violência e morte, além da dificuldade de conseguir
emprego no mercado de trabalho formal, apesar de ter a escolaridade
e qualificações exigidas. Relata também que há ainda a discriminação

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das colegas de profissão, as profissionais do sexo mulheres cis, dando
mais uma camada do preconceito vivenciado por elas.
“Ah, é um homem vestido de mulher!”, “é uma mulher de p*!”,
“é um homem com b*!” [...] é como se fosse insignificante. A
gente tem documento, mas é zero. A gente conta como cidadão
zero. A gente tá na estatística, mas só de quem morre e quem é
violentado. Entendeu? De quem passa num concurso, a gente não
tá [...] a gente acaba se sujeitando a isso. Mas por uma marginali-
zação social. Não porque a gente se predispõe a se marginalizar.
A marginalização é social. É do intuito que eu não posso ter um
emprego comum. Eu vou no RH, a pessoa vê meu currículo... Eu
até tenho os cursos, Hellen, tenho os cursos... Tenho língua, tenho
informática, tenho programação de computador, tenho design,
mas quando chego lá no RH, a pessoa olha pra minha cara e
acha que aquilo é uma informação falsa [...] E nem me pergunta
outras línguas ali, pra saber se eu não sei falar, escrever, alguma
coisa assim. Entende? E me desclassifica completamente como
profissional porque ele tá vendo ali só a parte do transexual [...]
ele só vê o estereótipo. Aquilo que já tá marcado, pré-marcado.
“O que é o transsexual? É isso”. “É preto, é put*, é isso” [...]
então, as das profissionais do sexo, meio que não aceitam a gente
que é trans, não. Elas só aceitam mulheres mesmo [...] Como
se a gente não fosse profissional do sexo tanto quanto. A gente
presta o mesmo serviço, né? [...] (Pyxis)

A despeito do preconceito ainda ser presente na nossa socie-


dade, é perceptível para as participantes os resultados do avanço na
conquista de direitos em comparação com épocas anteriores como nos
diz Andrômeda:
Antigamente o preconceito era bem maior [...] Era difícil você
ver uma travesti de dia na rua andando. Eu adoro, eu amo, eu
amo andar de dia e antes, era muito difícil você... se você fosse
sair na rua, só faltava tacar pedra na gente. Andar no Centro?
Nem pensar de dia! Quem era, vai a de uma esquina a outra,
todo mundo rindo, bagunçando. Hoje em dia não, tem um ou
outro que tira uma brincadeira, mas... não passa disso. Mas como
era antes, o preconceito era muito grande aqui. (Andrômeda)

b. Violência
Experienciar a atividade do trabalho sexual significa ir de en-
contro a situações onde a violência é exacerbada por parte de outras
pessoas:
Muitas das vezes, a gente tá parada na rua, aí o boy vai e se
depara só com o ovo. Aí, “pá!” Muitas vezes usam chumbinho,
aquelas bolinhas de borracha. (Virgo)

- 188 -
No dia anterior a entrevista, Pyxis foi agredida e estava com
um corte na perna. Assim podemos perceber que estar na rua é estar
exposta a riscos de agressão e violência não apenas dos clientes, mas
também de outras pessoas que “só querem fazer maldade” de acordo
com suas palavras.

Eu fui agredida por uns rapazes que ficam na pracinha se dro-


gando, pertinho de onde a gente se prostitui. Foi simplesmente
isso. Eles chegaram agredindo uma amiga que tava do meu lado
[...] Não foi nada armado, não tentou assaltar a gente. Só queria
fazer maldade mesmo. (Pyxis)

Cassiopéia descreve a dimensão de violência a que foi exposta


em virtude de ser quem é. Percebe-se o quanto é aviltante para elas
determinadas situações, onde, inclusive, correm risco de morrer, dada
a dimensão do ato violento (agressão física) a que são submetidas.

Até mesmo agora, eu sofri, depois de não fazer mais programa.


No meu bairro, é... eu fui vítima de homofobia, né? O rapaz
me agrediu [...] eu tava descendo essa ladeira que tem aqui, fui
beber com um amigo meu, aí ele se estranhou comigo... não sei
o que falei pra ele, que não gostou. Aí, eu... ele pegou um pedaço
de pau, esperou eu ficar de costa e me agrediu. Deu a primeira
paulada aqui (aponta para a cabeça), quebrou minha cabeça,
ela é quebrada aqui. Aí depois deu outras, quebrou meu braço,
quebrou minha munheca. Foi horrível! (Cassiopéia)

c. Condições de trabalho
Pyxis e Cassiopéia trazem outro aspecto preocupante, a insa-
lubridade e os riscos contínuos da situação de rua. A primeira indica
o quanto os locais de trabalho são deletérios; a segunda, por sua vez,
revelando a dimensão dos riscos. Como inicialmente revela Pyxis e
sendo corroborado por Cassiopéia:

A gente trabalha em lugares insalubres. Insalubres são os nego-


cinhos lá, os hoteizinhos do centro, a fábrica do distrito. (Pyxis)

Me alimentava mal, né, porque a gente dormia de dia pra acordar


à noite, né... pra fazer o programa. [...] A gente entrava nos carros,
não sabia se ia voltar ou não, é... tudo foi uma experiência, né?
Devido a isso, devido essa vida, oh... muita coisa me aconteceu.
Ou seja, cortes, muitas brigas, muitas agressões [...] Eu comecei

- 189 -
muito cedo, né, 15 anos. Hoje eu to com 40. E foi muito... era
dia e noite, dia e noite, não tinha folga, era todo dia. Sábado e
domingo, sábado e domingo, todo dia. De domingo a domingo,
não tinha um feriado. Acho que o único dia que não fui pra rua,
foi natal e reveillon. Até semana santa tinha que ir, tinha que
pagar a diária. (Cassiopéia)

As participantes, ao descreverem situações vividas quando es-


tão nos pontos esperando os clientes, temporalizam suas experiências,
ou seja, resgatam suas histórias, seus percursos, suas dificuldades, do-
res e sofrimento, resgatando sentidos vivenciados e que construíram
parte do seu ser-no-mundo ali. Dentre elas, Virgo que se questiona o
porquê dos tiros que sofreu e o sentimento de injustiça por saber que
seu caso não terá qualquer consequência para seu agressor:

Eu peguei 3 tiros pelo fato de um veado ter roubado um homem


e ele não conseguiu encontrar essa bicha e descontou em mim.
Entendeu? E eu tava ali jogada no chão toda ensanguentada e eu
falar: “Meu Deus, por que aconteceu isso comigo? Por quê?”.
Entendeu? Se eu não fiz nada! Então, eu paguei por um fato que
eu não cometi [...] Foram 3 tiro e até hoje eu não sei quem foi
[...] como ele falou: “não adianta vocês irem na delegacia. Que
você não vai ter...”. (Virgo)

No trecho a seguir, verbalizado por Cassiopéia, são explanados


os vários riscos e a sensação de insegurança que permeiam o trabalho
sexual, além das medidas de segurança quando um cliente chega so-
licitando o programa. Se o cliente estiver alcoolizado e/ou agressivo,
elas ficam mais atentas que o habitual, além de recusar a atividade de
trabalho sexual quando percebem que o risco de serem agredidas é
muito grande.
Cassiopéia também descreve seu sentimento após a eleição pre-
sidencial de 2018. Ela acredita que as situações de preconceito e vio-
lência tendem a piorar, bem como a diminuição da força dos canais de
proteção.

Eu pedia pras meninas ver a placa do carro, né, quando eu ficava


achando um cliente meu muito suspeito ou tava embriagado, aí
eu dizia pra elas ver a placa do carro. E eu nunca ia pra lugar
muito longe, entendeu? Eu ia num lugar... eles tinham que me
levar num lugar que eu queria. Se ele quisesse que eu fosse
num lugar que ele queria, eu não ia. Se visse que ele tava muito
embriagado, se eu visse que era gente boa, eu ia. E também, eu

- 190 -
procurava não ir muito na casa deles [...] (Cliente) Embriagado
e falando alto, meio grosseiro, agressivo na maneira de falar, né.
Aí, eu não gostava, não. Não entrava no carro se ele tivesse muito
bêbado, né? [...] [Sobre pós eleições] Agora eles vão xingar...
agora que os direitos humanos não pode mais ajudar a gente,
vai ficar pior ainda, sabe? [...] Hoje em dia não vai ter mais,
hoje em dia vai acabar tudo, entendeu? Da eleição dele, não vai
ter mais isso [...] Da bicha passar na rua e xingar “filho de uma
puta”, né? De xingar e da bicha querer revidar e falar alguma
coisinha, quando ter uma paulada e ficar por isso mesmo [...]
Ai, mana! Vai ficar pior, amiga. Te juro. Graças à Deus, que eu
não vou mais pra rua, sabe? Hoje em dia eu sou aposentada. Eu
não preciso tá indo assim pra rua me arriscando. (Cassiopéia)

Enquanto Cassiopéia crê que o contexto de preconceito e vio-


lência irá piorar para ela e suas colegas de profissão, Hydra enxerga
por outra perspectiva. Segundo seu relato, Hydra acredita que, entre
ontem e hoje, a postura das pessoas mudou. Contudo, apesar da per-
cepção de que a violência não é mais como outrora, isso não significa
que tenha desaparecido, mantendo seus critérios de segurança para se
manter a salvo durante as atividades de trabalho sexual.
Já não tá mais violento como era antigamente. Antigamente ma-
tava as bicha. Ali no Tarumã, na Ponta Negra, Deus me livre. A
pessoa pra sair, tem que orar muito pra voltar pra casa porque na
época que vivi, Deus me livre, não podia entrar nem na feira que
jogavam até pedra, era tomate, era coisa, né. Entrou uma bicha,
uma travesti, tão jogando tomate, tão jogando cebola, alguma
coisa na costa da gente [...] agora me sinto segura, bastante.
Antigamente não. Antigamente, Deus me livre, nem pensar [...]
quando eu vou sair, né... eu oro antes de sair, quando chego eu
digo: “ainda bem que tô viva. Obrigado, meu Deus!” que já foi
várias do meu tipo, da minha época, né. Eu lembro de tantas que
já morreram [...] às vez eu fico assustada, né... que eu não sei o
que vou fazer com ele, né mana. Primeiro lugar, eu fico assim
matutando o que será que ele vai fazer comigo, sabe. Se for dois
ou três, eu não saio. Só saio se for só um mesmo. Eu não saio
com dois de jeito nenhum, não tem quem faça. (Hydra)

As várias experiências vividas nas ruas contribuem para uma


mudança na postura para encarar o que vem pela frente. Andrômeda,
ao ter o entendimento dos riscos que corre na rua, para além do com-
portamento mais agressivo que possuía, mudou o modo como lida com
as situações conflituosas.

- 191 -
A gente tá saindo com um cara, a gente tá desconfiada de tudo,
né. Ali a gente tá preparada pra tudo, né. A gente pode morrer a
qualquer momento. A gente tá na beira de uma esquina... pode
levar um tiro, uma facada, uma surra. Pode acontecer várias
coisas. Então, a gente tem que tá preparada pra tudo [...] Hoje em
dia eu evito [...] Todo tipo de confusão eu evito. Antes, quando
eu era mais nova, adolescente, jovem, eu fazia muita arruaça. Eu
era aqueles travesti barraqueiro, travesti galeroso. Eu brigava,
eu gostava de me mostrar. [...] Hoje em dia se a pessoa vem
fazer uma confusão comigo. Não, deixo pra lá, viro de costa...
se possível peço até desculpa por alguma coisa, eu evito [...]
existem muitas leis que vão a nosso favor. A gente entendeu que
não precisa mais ser desse jeito, indo pra porrada, indo furar. [...]
Antigamente, a maioria das travesti, elas andavam todas armadas.
Hoje é muito difícil. Hoje as travesti, elas não andam, não... é
muito difícil elas ter, mas antes, elas andavam bastante. Eu fui
uma que cheguei andar com faca na bolsa, e... tinham outras do
meu tempo, que elas chegavam até andar com gilete no céu da
boca que eu realmente cheguei a ver. Essas histórias que contam,
não é invenção, realmente aconteciam mesmo. (Andrômeda)

Esses relatos nos remetem a um aspecto fundamental da onto-


logia fenomenológica de Heidegger. A abertura do Dasein é condição
da liberdade humana, pois a partir dela são proporcionadas as possibi-
lidades de escolha. O Dasein é livre dadas as condições que estão em
seu mundo, lidando com as facticidades que se apresentam (Forghieri,
2011).
A balança entre liberdade e facticidade se apresenta distinta-
mente para cada Dasein de acordo com sua abertura, ou seja, a liberda-
de de escolher tem mais peso quanto mais ampla for a abertura. Assim,
para alguém que está dentro dos padrões impostos pela sociedade – a
saber, os padrões de gênero –, a liberdade de fazer escolhas se mos-
tra mais acessível, mesmo quando as facticidades se apresentam, pois
possui mecanismos para lidar com estas. Por outro lado, as pessoas
excluídas e fora dos padrões de gênero têm menor possibilidade de
manejar e exercer plenamente sua liberdade de maneira autêntica. As
possibilidades que existem para serem escolhidas limitam-se a partir
das facticidades que ocorrem no mundo, desse modo, quanto mais for-
te a facticidade, mas difícil será a escolha (Heiddeger, 2013).
Questiono se há um privilégio da liberdade humana ou factici-
dades que subjugam as diferentes formas de ser-no-mundo, uma vez
que a facticidade estrutural da sociedade se empenha em impedi-las de
ser. Mesmo quando esta mesma sociedade indica que a educação for-

- 192 -
mal é o meio pelo qual se pode adentrar no mercado formal de trabalho
(Hartmann, 2017) – e elas cumprem tal requisito, se preparando, se
qualificando como mostrado nos trechos das entrevistas –, ainda assim
não é suficiente, então lhes é negada e suprimida esta possibilidade.
Esta estrutura busca relegar a elas um lugar de marginalização e, mui-
tas vezes, encontram na prostituição um único meio de escolha que as
efetivamente sustentem.
Não obstante, a violência não se limita apenas no campo simbó-
lico e estrutural. A supressão da liberdade alcança aspectos concretos.
Quando não consegue eliminar através do campo simbólico, se dire-
ciona para a o aspecto físico, ferindo também o corpo, a carne. Assim,
podemos perceber que há uma necessidade da própria estrutura social
de, num primeiro momento limitar essa liberdade, e não conseguindo
apagá-la completamente, essa supressão se encaminha para o mundo
primeiro do Dasein – Seu corpo. Há uma repressão estrutural e simbó-
lica e há uma repressão física dessa liberdade.
Quando elas relatam os riscos e as condições da atividade do
trabalho sexual, estas situações nos remetem diretamente ao ser-pa-
ra-morte. A finitude não apenas faz parte do Dasein, como também
o define. O mundo está constantemente nos relembrando da morte e
isso nos angustia. Logo, buscamos no cotidiano, na repetição, ignorar
a angústia primordial da morte ainda que nunca consigamos fazer isso
de maneira plena (Heiddeger, 2013). Discutimos, no entanto, como
considerar as artimanhas para se afastar da finitude fora de um contex-
to dentro do padrão cisnormativo.
O peso da lembrança de ser-para-morte, e por consequência a
angústia advinda deste processo, é maior para mulheres trans e traves-
tis vivenciando a prostituição. Todavia, ao mesmo tempo em que há a
angústia, o sofrimento, os medos, há também o engajamento para agir,
para encontrar manejos de conseguir enfrentar as condições de traba-
lho tão vulneráveis. Paradoxalmente, é a própria finitude que as im-
pulsiona a encontrar novas formas, bem como reinventar mecanismo
de proteção, seja com armas, lâminas, ou mesmo mudando o próprio
comportamento.

Considerações finais
Ser cisgênero concede privilégios da liberdade de ser-no-mun-
do em uma sociedade que reconhece a cisgeneridade. Parece ser algo
trivial para quem está dentro desse padrão imposto por uma sociedade

- 193 -
cisnormativa, no entanto, para as participantes desta pesquisa, ser-no-
-mundo é um ato pautado na coragem.
Através das entrevistas com as participantes, mergulhou-se em
vários mundos: o mundo das transgeneridades femininas, o mundo do
trabalho da atividade sexual, o mundo de lutas para existir e ser. As-
sim foi possível ter um vislumbre de como estão pautadas as relações
das entrevistadas com o mundo ao seu redor, com as outras pessoas e
consigo mesmas.
Acreditamos que cabe a nós, enquanto sociedade, um engaja-
mento ético-político contra todas as formas de preconceito, injustiça,
violência e exclusão. Precisamos ser-com elas nessa luta. Nosso silên-
cio não pode ser cúmplice de uma estrutura que oprime e mata.
Compreendemos que esta temática é de extrema importância
para o acompanhamento da população trans em nosso estado, uma vez
que, possibilita um olhar mais amplo acerca das vivências e certamente
resultará na implementação de políticas e diretrizes já existentes no
que tange à saúde, aos cuidados inerentes às experiências trazidas nesta
pesquisa.
Portanto, incitamos para que outras pesquisas sejam realizadas
e, conforme a construção deste trabalho, refletirem algumas possibili-
dades de desdobramentos que não couberam nesta pesquisa, tais como:
resgate histórico das diferenças geracionais das trans e travestis pro-
fissionais do sexo; a percepção dos profissionais da saúde e segurança
quanto à diversidade de gênero; as representações sociais de travestis e
mulheres trans para população de Manaus.
Afinal, na atual circunstância social e política, pesquisar ques-
tões de gênero se torna imprescindível. É ser resistência.

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- 197 -
- 198 -
A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA SAÚDE
MENTAL INFANTIL NO BRASIL E NO
AMAZONAS:
O RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
Hítalla Fernandes dos Santos
Adriana Rosmaninho Caldeira de Oliveira

Resumo: Este capítulo propõe um ensaio sobre a trajetória histórica da saúde men-
tal infantil evidenciada no Brasil e no Amazonas com o objetivo de propagar novas
discussões e reflexões sobre as políticas públicas em saúde mental infanto-juvenil.
E ainda para maior aprofundamento no que diz respeito a trajetória da temática
no Estado do Amazonas, mais especificamente na cidade de Manaus utilizamos o
relato da gestora do CAPS i no ano de 2018 podendo trazer o relato da experiência
de implantação desse dispositivo de saúde mental para o Estado do Amazonas. As
análises desenvolvidas no decorrer do texto apontam para um avanço significativo
no atendimento à criança com transtorno mental, contudo, o cenário atual revela
uma distância do ideal quanto a funcionabilidade dos CAPSi – Centro de Atenção
Psicossocial Infanto-juvenil no Brasil e no Amazonas, tendo em vista a grande
demanda para poucos CAPSi.

Introdução
O caminho trilhado na construção do campo em saúde mental
voltado para crianças e adolescentes está vinculado aos valores sociais,
culturais e principalmente dos estudos realizados em cada período da
história. A infância por longos anos foi negligenciada pela sociedade,
não se tinha sentimento em relação a infância e, a criança era conside-
rada entretenimento aos adultos (Ariès, 1981). Com o passar do tempo
a infância despertou o interesse em pesquisadores que conseguissem
explicar o grande índice de mortalidade que acometia as crianças pe-
quenas, iniciando um processo de percepção destes pequenos, vendo-
-os de maneira diferenciada de um adulto.
Aguiar Junior (2017) e Ariès (1981) afirmam que a infância so-
mente foi consolidada como tal a partir do século XX, revelando o
quão recente é o interesse pelo cuidado à criança e adolescente, seja
no Mundo ou propriamente no Brasil. Ao buscar na história da saúde
mental observamos que o cuidado voltado para crianças e adolescen-
tes é tão recente quanto ao reconhecimento da infância. Até meados
do século XIX, conforme apontamentos históricos, a saúde mental in-
fantil no Brasil não tinha nada estruturado ou sistematizado, nem no

- 199 -
campo de intervenção, cuidado, ou mesmo estudos sobre o assunto.
Brasil (2005) denomina esse período de “omissão da saúde pública”
que perdurou por muito tempo, no que se refere ao desenvolvimento de
políticas públicas em saúde mental para crianças e adolescentes.
Para chegarmos ao que se tem hoje em políticas públicas em
saúde mental infanto-juvenil, iremos nos debruçar um pouco sobre
como este caminho foi percorrido. Iniciaremos com a trajetória histó-
rica da saúde mental no Brasil; em seguida falaremos especificamente
da saúde mental infantil no Brasil e finalizaremos nossa caminhada
literária conhecendo a saúde mental infantil no Amazonas.
Como método para a construção deste artigo utilizou-se obras
de referência sobre a saúde mental no Brasil e no Mundo, bem como
artigos de pesquisadores nacionais que têm se debruçado sobre a temá-
tica; encontrados mediante pesquisa realizada no banco de dados da
Scieloe Google Acadêmico no período de dezembro de 2016 a agosto
de 2018 com os descritores: saúde mental infantil, saúde mental, saúde
mental no Amazonas. Ainda como recurso metodológico, utilizou-se
da entrevista aberta com a Direção do Centro de Atenção Psicossocial
Infanto-juvenil – CAPSi Leste em Manaus devido à ausência de publi-
cações relacionadas à saúde mental infantil no Amazonas.

Saúde mental no Brasil: instituições, modelo hospitalocên-


trico e a reforma psiquiátrica.
Estudos revelam que até início do século XVIII, as patologias
direcionadas ao campo mental, eram determinadas e classificadas me-
diante ao que a sociedade via, entendia e, associava como “anormal”.
E era neste período da nossa história social e política brasileira, que
os hospitais foram criados, mas que não traziam consigo a função de
tratar as doenças, pois nem mesmo a medicina conhecia qual era seu
papel dentro do hospital, e muito menos existia ali a especificidade da
psiquiatria ou psicologia.
Andrade (2019) e Amarante (1998) pontua que o hospital neste
período não tinha objetivo e funções terapêuticas e de cuidado, trata-
va-se apenas de um espaço para amontoar pessoas que vagavam sem
perspectiva alguma de forma a mantê-los distante e a margem da socie-
dade. O hospital surgiu então para atender a uma necessidade da socie-
dade, como reforça Foucault (1988) ao dizer que as instituições sociais
surgem à medida que a sociedade necessita delas e não o contrário.

- 200 -
O hospital e as prisões tinham por objetivo principal garantir
à sociedade uma vida mais tranquila, segura e limpa. Inicialmente o
hospital era administrado por religiosos, e não por médicos, pois neste
período os médicos raramente iam ao hospital e quando ali iam era
por motivo acadêmico, pois o bom médico era aquele que atendia nas
residências (Benelli, 2014).
Foi somente no final do séc. XVIII que o hospital aos poucos
foi deixando de ter a função social de isolar e aprisionar, passando a
desenvolver ações que pretendiam curar (Amarante; Torre, 2001& Be-
nelli, 2014). Surge então a psiquiatria como uma área de saber próprio
e o hospital psiquiátrico como o lugar ideal para se tratar a loucura. No
entanto, Foucault (2001) e Fuck (2016) afirma que a psiquiatria surgiu
mais como um ramo especializado em higiene pública do que como
um saber-médico.
Deste modo, a psiquiatria foi sendo institucionalizada como um
ramo da medicina voltada para higiene pública, em que precisou pro-
ceder dentro de duas codificações simultâneas: de um lado a psiquiatria
patologizava os distúrbios da loucura, denominando como doença, re-
alizando prognósticos e analisando as fichas/prontuários; e, ao mesmo
tempo através destas ações citadas, a psiquiatria apresentava a loucura
como sendo algo ameaçador da ordem e que precisava ser combatido
pela própria psiquiatria.
No século XIX com o desenvolvimento da medicina por meio
das áreas da anatomopatologia, da bacteriologia e neurologia de base
biológica, surgem possibilidades para a transformação do saber médi-
co-filosófico de asilo de alienados para hospital psiquiátrico: “Assim
se estabelece a função muito curiosa do hospital psiquiátrico do século
XIX: lugar de diagnóstico e classificação, retângulo botânico onde as
espécies de doenças são divididas em compartimentos cuja disposição
lembra uma vasta horta. ” (Foucault, 1979, p. 122).
O marco da chegada da psiquiatria no Brasil, foi a chegada da
família Real Portuguesa em 1808. A comitiva vinda com a família real
era enorme, chegando a ter 15 mil membros, além dos imigrantes que
também chegaram ao Brasil. Com o crescimento populacional, a socie-
dade começou a se incomodar com a presença dos loucos, e o lugar para
onde estes iam eram a prisão ou Santa Casa de Misericórdia, que busca-
va amparar os que ali chegavam, não de compromisso com a cura, pois a
loucura naquele momento precisava ser silenciada (Picon, 2019).

- 201 -
Com a emergência em sanear a cidade e livrar-se dos loucos,
através do Decreto 82, de 18 de julho de 1841, D. Pedro cria então o
Hospício de Pedro II no Rio de Janeiro e inaugurado em 1852, sendo
este o primeiro hospital psiquiátrico brasileiro, e estando vinculado a
Santa Casa de Misericórdia e sob a tutela do Imperador, segundo Hei-
drich (2007).
Foi em 1889 com a chegada dos republicanos ao poder o Hospí-
cio D. Pedro II foi desvinculado da Santa Casa de Misericórdia e pas-
sou a ser subordinado ao poder público recebendo o nome de Hospício
Nacional de Alienados. Heidrich (2007) afirma que este período marca
a chegada das propostas de tratamento de Philippe Pinel – referência
no nascimento da psiquiatria – ao Brasil com mais de um século de
atraso, isto é, a partir deste momento o saber-médico psiquiátrico se
tornava porta-voz do Estado no que diz respeito à saúde mental. O que
seria ou não doença era função da psiquiatria atestar e tratar.
O país inicia o período hospitalocêntrico, com a criação de no-
vos hospitais psiquiátricos no país, todos visando excluir, isolar, sepa-
rar. Prado (2018) afirma que a Saúde Pública e a psiquiatria deram-se
as mãos para juntos cumprirem seu papel de saneamento. O tratamen-
to proposto e idealizado por Pinel adotado no Brasil baseava-se em:
atribuir uma origem passional ou moral para a loucura e, redefinir as
funções exercidas pelo hospital que a partir daquele momento deveria
ser um instrumento de cura.
Na psiquiatria de Pinel, o internamento se fazia necessário para
alcançar o objetivo de cura, pois para ele, era preciso isolar o louco de
qualquer interferência externa. O que na visão de Foucault simboliza
muito mais do que garantir tratamento pelo isolamento, pela aliena-
ção, significa “que pela primeira vez o homem alienado é reconhecido
como incapaz e como louco [...]” (Foucault, 1972, p. 147).
Foi no ano de 1970 que eclodiu no Brasil o movimento sanitário
que buscava mudanças nos modelos de atenção e gestão nas práticas de
saúde, o que tornou o Brasil contemporâneo a este movimento no pro-
cesso da Reforma Psiquiátrica (Brasil, 2005a). A Reforma Psiquiátrica
no Brasil traz em sua história o interesse em superar a violência asilar
cometida dentro dos hospitais psiquiátricos.
A Reforma Psiquiátrica no Brasil emergiu lado a lado com o
movimento sanitário que ocorria no ano de 1970, onde se cobravam
mudanças em prol dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde.

- 202 -
Os pacientes neste período eram maltratados, violentados, torturados, e
até mortos sem maiores explicações aos seus familiares. O objetivo era
desinstitucionalizar estes pacientes, acabar com os hospitais psiquiátri-
cos que claramente não tinham pelo paciente o cuidado que deveriam
ter (Brasil, 2005b; Cunha & Boarini, 2011, Ribeiro, 2006).
O ano de 1978 ficou marcado como sendo o início do movimen-
to social em prol dos direitos dos pacientes em hospitais psiquiátricos
no Brasil. Faziam parte desde movimento os trabalhadores que inte-
gravam também o movimento sanitário, associações dos familiares dos
pacientes, sindicalistas, profissionais que trabalhavam nos hospitais,
mas que se encontravam insatisfeitos com as condições a eles ofere-
cidas de trabalho e com as práticas psiquiátricas em vigor; tendo sido
nomeado como o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental
(MTSM); o que uma década mais a frente foi redefinido como Movi-
mento Nacional da Luta Manicomial, agregando mais grupos na luta
que passou a ser por uma sociedade sem hospício (Amarante, 1998;
Brasil, 2005a).
Em 1987 foi realizada a I Conferência Nacional em Saúde Men-
tal na cidade do Rio de Janeiro, denominada ‘Por uma sociedade sem
manicômios’ em que discutiu-se sobre a Reforma Sanitária e também
a reorganização do modelo assistencial de saúde mental, buscando re-
versão do modelo hospitalocêntrico, substituição dos leitos em hospi-
tais psiquiátricos por leitos em hospitais gerais e etc.
No mesmo período em que acontecia a I Conferência Nacional
em Saúde Mental surgia em São Paulo o primeiro CAPS no Brasil, e;
em 1989 um processo de intervenção feita pela Secretária Municipal
de Saúde de Santos – SP na Casa de Saúde Anchieta por maus tratos e
mortes de pacientes repercutia nacionalmente, demonstrando a neces-
sidade de construção de uma rede de cuidados substitutiva ao hospital
psiquiátrico, como nos mostra Amarante: “No âmbito do modelo as-
sistencial, esta trajetória é marcada pelo surgimento de novas modali-
dades de atenção, que passaram a representar uma alternativa real ao
modelo psiquiátrico tradicional (Amarante, 1998, p.82)”.
Ainda em 1989 o deputado Paulo Delgado apresenta o projeto
de Lei 3.657/89 com as propostas de regulamentar os direitos do do-
ente mental quanto ao tratamento e, a extinção progressiva dos mani-
cômios tanto públicos quanto privados no Brasil e a criação de outros
recursos assistenciais não manicomiais; marcando assim o início da

- 203 -
luta da Reforma Psiquiátrica nos campos do legislativo e normativo
(Brasil, 2005a; Pereira, 2011).
A partir de 1992, influenciados pelo projeto de Lei de Paulo
Delgado, os movimentos sociais conseguem ganhar forças e aprovar
em vários estados brasileiros leis que determinam a desinstituciona-
lização e a criação de uma rede integrada à saúde mental. Mediante a
assinatura da Declaração de Caracas e a realização da II Conferência
Nacional de Saúde Mental que aconteceram neste mesmo período, ou
seja, nos anos 90, as primeiras normas federais que regulamentavam a
implantação dos serviços oferecidos pelo primeiro CAPS, NASP e nos
Hospitais-dia (Brasil, 2005a).
Brasil (2005a) afirma que ao final do período acima mencio-
nado, o Brasil já possuía em funcionamento 208 CAPS, porém, 93%
dos recursos enviados pelo Ministério da Saúde eram ainda destinados
aos hospitais psiquiátricos, o que nos remete a uma reflexão de que a
redução dos leitos psiquiátricos aconteciam lentamente.
O projeto de Lei de Paulo Delgado demorou 12 anos para ser
aprovada, que resultou na Lei 10.216/001, de 06 Abril de 2001, por-
tanto, foi a partir da promulgação desta Lei que a Reforma Psiquiátri-
ca realmente passou a ter peso de lei, e consolidada como política de
governo a partir da III Conferência Nacional de Saúde Mental (Brasil,
2005a; Cunha & Boarini,2011)tendo sua proposta de rompimento com
as práticas asilares como uma meta governamental.
O então novo modelo de atenção à saúde mental visa desins-
titucionalizar a loucura como nos diz Cunha & Boarini (2011), tirar
a atenção recebida nos hospitais psiquiátricos para um atendimento
comunitário realizado sem prejuízo nas relações sociais e familiares do
agora usuário CAPS. Acreditamos que o termo usuário tenha sido em-
pregado para evidenciar que a partir da desinstitucionalização, não se
tem mais um louco sem direito, e sim que passou a ter uma pessoa que
faz uso de um serviço que é direito seu, passando a utilizar um serviço
e não mais ser propriedade de uma instituição asilar.
Sobre a saúde mental infantil no Brasil
Conforme Ribeiro (2006), estudos e intervenções no campo da
saúde mental infantil só começaram a serem estruturados a partir do sé-
culo XIX. Anterior a este período, os estudos, pesquisas e intervenções
restringiam-se a falar sobre a mortalidade infantil, crendices, costumes
e comportamentos, além das doenças que afligiam as crianças naquele

- 204 -
período como sarampo, catapora, verminoses e até mesmo o ato de
masturbar-se aos meninos (Ribeiro, 2006; Cunha; Boarini, 2011) como
potencial causa de muitas doenças.
Menezes (2008) menciona em sua pesquisa que até o século
XIX era certa que a loucura não fazia parte do universo infantil, pois a
loucura estaria ligado a perdas, sofrimentos e paixões que não estariam
presentes na criança, portanto, era entendido que apenas adultos en-
louqueciam, ou no máximo de adolescentes. Conforme Ribeiro (2006)
quanto mais a medicina deixava de ser exercida por “leigos”, mais
poderes esta ciência adquiria por parte da sociedade e pelos poderes
políticos. Poderes estes que autorizavam aos médicos impor normas e
medidas de saúde na busca pelo equilíbrio na sociedade.
Entretanto, a questão da mortalidade infantil continuou a ser
obstáculo para o progresso que o País almejava, chegando a ser con-
siderado um evento de “calamidade pública”, conforme Cunha & Bo-
arini (2011). As autoras relatam ainda que nas primeiras décadas do
século XX, o Brasil buscava com o movimento higienista alcançar o
patamar de grande nação, assim como os europeus.
Vale mencionar que Ulysses Pernambucano, médico psiquiatra,
foi pioneiro ao incluir serviços voltados para crianças no Brasil em
saúde mental em Pernambuco. Ele foi segundo Ribeiro (2006) quem
criou em 1925 o Instituto de Psicologia, lugar que deu origem a muitas
pesquisas sobre testes de inteligência, grafismo e até mesmo o teste do
Roscharch amplamente utilizado nos dias atuais. Pernambucano tam-
bém foi responsável por criar em 1929 uma equipe multiprofissional
para atuar diretamente com as crianças no Instituto de Psicologia.
Em 1932 a Liga Brasileira de Higiene Mental, inaugura a Clíni-
ca de Eufrenia, para atendimento de crianças na idade pré-escolar e es-
colar, como objetivo de prevenir doenças nervosas da infância, e tam-
bém de corrigir comportamentos psíquicos anormais. Naquele período
a eufrenia era tida como a ciência da boa formação psíquica (Brasil,
2005b). Podemos inferir que por muito tempo perdurou a busca pela
normatização como mecanismo para se alcançar uma saúde coletiva
adequada aos padrões.
Ribeiro (2006) relata que pesquisas que defendiam e propaga-
vam a utilização de métodos médico-higiênicas dentro do âmbito edu-
cacional tomou o lugar das pesquisas em relação a mortalidade infantil,
ou seja, a Escola começou a ser vista como o lugar ideal para preservar

- 205 -
a criança de qualquer mal e capaz de moldá-la conforme os princípios
higienistas.
Com a criação da Constituição Federal em 1988, especificamen-
te no artigo 227 que a criança e adolescente tem “o direito à vida, à
saúde, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à digni-
dade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discrimina-
ção, exploração, violência, crueldade e opressão” (BRASIL, 2005b, p.
8). Após a inclusão da criança na Constituição Federal, uma nova lei
foi promulgada voltada diretamente aos direitos das crianças e ado-
lescentes no Brasil; o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
criado em 13 de julho de 1990 através da Lei 8.069. No art. 3º, esta lei
afirma assegurar às crianças e adolescentes todas as oportunidades e
facilidades para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual e social,
conforme Brasil (2002).
Conforme mencionado anteriormente, a Lei 10.216/001 conso-
lidou o CAPS no Brasil como dispositivo central voltado para a aten-
ção em Saúde Mental, contudo foi somente a partir da Portaria
GM nº 336 sancionada em 19 de fevereiro de 2002 que o modelo
CAPS ganhou um capítulo para o cuidado à criança e adolescente, com
a criação do CAPSi – Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil.
Entretanto, conforme Sinibaldi (2013) foi somente a partir do
Fórum Nacional de Saúde Mental Infantojuvenil em 2004 que a im-
plantação do segmento infantil no modelo CAPS foi amplamente dis-
cutida e absorvida nas políticas públicas de saúde mental. Isto aconte-
ceu através da Portaria GM nº 1.608, de 3.8.2004, que visou debater e
deliberar questões a respeito da institucionalização de crianças, espe-
cialmente das portadoras de transtornos mentais (Brasil, 2005b).
Brasil (2014) aponta a uma política de saúde mental infantoju-
venil as seguintes diretrizes: 1) a criança ou adolescente a ser cuidado
é um sujeito de direitos, onde a voz e a escuta de cada criança deve ser
reconhecida; 2) o acolhimento universal que determina que as portas
estejam abertas a qualquer criança que busque atendimento; 3) enca-
minhamento implicado para aqueles cujas necessidades não possam
ser contempladas pelo serviço CAPSi; 4) construção permanente da
rede, promovendo à criança em atendimento a ampliação de ações e
intervenções; 5) território, enxergar a criança como pertencente a uma
rede de relações e afetos e não meramente como um recorte geográfico,

- 206 -
e; 6) avaliação das demandas e construção compartilhada das necessi-
dades de saúde mental, isto é, incluindo em suas ações diárias todos
os serviços possíveis de serem realizados em seu território, sejam eles
clínicos ou não.
Observa-se em pesquisas descritas por Brasil (2014) a inclusão
de mais CAPSi no Brasil desde a Portaria GM nº 336 ao revelar que
ao final de 2002 existiam em funcionamento 32 CAPSi e que no final
de 2010 o número era de 128 CAPSi em atividade, contudo, obser-
va-se que mesmo diante de do crescimento apresentado, os números
são insuficientes para a demanda de muitas cidades brasileiras, como
descreveremos em nosso próximo tópico.
Reforma psiquiátrica no Amazonas e a criação do CAPSi Leste
Uma das propostas deste artigo é abordar a saúde mental no
Amazonas, visando ampliar as pesquisas referentes a este tema no
Estado, para tanto, faz-se necessário falar brevemente como se deu o
movimento da Reforma Psiquiátrica no Estado até a criação efetiva do
primeiro e único CAPSi.
Lopes (2011) traz um pouco da história do nascimento do Esta-
do do Amazonas em sua pesquisa, a autora relembra que o Amazonas
foi fundado em 1856, tendo como capital Manaós, que atualmente cha-
ma-se Manaus; localizado no Vale do Alto Amazonas. Segundo Lopes
(2011) foi em 1870 os denominados loucos, mendigos e incapazes de
contribuir para o progresso da região começaram a ocupar os espaços
da Santa Casa de Misericórdia de Manaus.
Adentrando um pouco mais na história da Saúde Mental no
Amazonas, Lopes (2011) traz a memória a criação do Asilo dos Alie-
nados em 3 de outubro de 1894 pelo então governador Eduardo Ribei-
ro. Esta instituição funcionava e tratava aos seus internos do mesmo
modo que as demais instituições para loucos do Brasil, de forma asilar,
onde imperava o isolamento social e a vigilância punitiva. De Asilo
dos Alienados para Colônia de Alienados em 1920 conforme propostas
do médico psiquiatra Juliano Moreira.
No Amazonas, o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial
também repercutiu, no entanto, conforme Lopes (2011) o movimen-
to trazia outra preocupação como; “contra a corrupção administrativa
presente no modelo asilar, e a denúncia de situações de violência insti-
tucional” (p.50). Tal mobilização trouxe mudanças administrativas, in-
cluindo a alteração no nome da Colônia, que a partir de 1980 passou-se
a chamar de Hospital Colônia Eduardo Ribeiro.

- 207 -
Contudo, Lopes Neto et al (2009) ressaltam que apesar do mo-
vimento da luta antimanicomial, pouco avançou-se em relação ao res-
tante do Brasil, principalmente se olharmos para a criação do primeiro
CAPS no País, que aconteceu em 1987 conforme Brasil (2005a). Se-
gundo Lopes Neto et al (2009) a Reforma Psiquiátrica no Amazonas
começou a concretizar-se de fato nos anos de 2005 e 2006, com a im-
plantação de um CAPS em Parintins, Tefé e em Manaus conforme os
moldes e orientações do Ministério da Saúde.
Navarro (2015) aponta que em 2007 o então governador Edu-
ardo Braga sancionou a Lei Estadual de Saúde Mental n° 3.177 pela
Assembléia Legislativa do Estado e publicada no Diário Oficial em 11
de outubro de 2007. Segundo Lopes Neto et al (2009) esta lei dispunha
a integração social dos pacientes com transtorno mental, a partir de dis-
positivos substitutivos ao Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, como
a criação dos CAPS, emergências psiquiátricas em Hospitais-Gerais,
serviços especializados em Hospital Dia, centro de convivência, den-
tre outros. Entretanto, a autora revela que esta lei não conseguiu ser
implantada por não conseguir garantir aos pacientes os serviços subs-
titutivos propostos na lei.
Quando paramos para observar o tempo que levou para o Ama-
zonas constituir seu primeiro CAPS, visualizamos o quão ainda es-
tamos distante do ideal, conforme nos mostra Prado (2018) em sua
pesquisa. Segundo a autora a realidade da saúde na atenção aos trans-
tornos mentais severos e persistentes no Estado do Amazonas é bastan-
te grave , pois existem apenas um CAPS III, um CAPS II, um CAPS
I e um CAPSi na capital. Torna-se grave ao levarmos em considera-
ção que o CAPS III é o centro de atenção efetiva a mais de 150 mil
habitantes, revelando estar longe do padrão aceitável e proposto pelo
Ministério da Saúde.
Sobre o primeiro CAPS de Manaus, Vieira (2010) revela que
foi inaugurado em 04 de maio de 2006, quase 20 anos após o primei-
ro CAPS inaugurado no Brasil, na cidade de São Paulo. O CAPS do
tipo III inaugurado recebeu o nome do Dr. Silvério Tundis – médico
psiquiátrico que deu os primeiros passos na implantação da Reforma
Psiquiátrica em solo amazonense – como homenagem “a um homem
que soube interpretar os desafios do seu tempo” (Casado, 2013).
(2010) por sua vez afirmam que a inauguração do primeiro
CAPS em Manaus pelo governador Eduardo Braga aconteceu como

- 208 -
resultado da forte pressão recebida por parte dos movimentos sociais a
nível nacional e do Ministério Público que cobrava uma mudança em
prol das pessoas com transtorno mental e, que até aquele momento não
estava em vigência no Estado, conforme vimos anteriormente que a
Lei estadual foi sancionada apenas em 2007.
Verifica-se que a saúde mental no Amazonas não foi prioridade
no Estado, visto que em 2003 foi realizado um levantamento em saúde
mental que indicava a necessidade da implantação de pelo menos dez
CAPS em Manaus para que pudesse atender a demanda existente, no
entanto, Navarro (2015) pontua que em 2005 foi estabelecido que qua-
tro CAPS fossem implantados, o que também não se efetivou.
Considera-se que o Estado do Amazonas tem ainda por refe-
rência em saúde mental o Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, por
oferecer serviço de pronto-atendimento, atendimento de urgência e
emergência para pacientes em crise e leitos para internações breves de
até 72 horas (Prado, 2018). A autora expõe ainda que dentre os quatro
CAPS existentes em Manaus, um é do tipo III que possui gestão esta-
dual, e três, sendo um do tipo III, um CAPS AD do tipo III e um CAPSi
com gestão municipal.
E assim chegamos ao CAPSi, inaugurado em 2012 na Zona
Leste de Manaus, com o objetivo de “disponibilizar assistência quali-
ficada, em um ambiente inclusivo, acolhedor e direcionada à reinser-
ção social dos pacientes”, palavras do secretário municipal de Saúde,
Francisco Deodato em exercício no período, conforme disponibilizado
pela Prefeitura de Manaus (2012). Deodato revelou na entrevista que
o CAPSi funcionaria com as modalidades de atendimento intensivo,
semi-intensivo, não-intensivo e que inicialmente atenderia crianças en-
caminhadas pelas Unidades Básicas de Saúde e Policlínicas do Distrito
de Saúde Leste e também crianças recebidas pelo CAPS Sul.
A pesquisa realizada nos bancos de dados Scielo e Google Aca-
dêmico revelou que tão recente quanto a implantação do CAPSi em
Manaus,tem sido também a pesquisa acadêmica em relação a temática.
Não foi localizado nenhuma publicação de pesquisas voltadas para a
criação do CAPSi Leste. Para tanto, obtivemos com exclusividade uma
entrevista com a Direção do CAPSi em Manaus no dia 28 de setembro
de 2018.
A direção da unidade trouxe a memória a implantação do pri-
meiro CAPS em Manaus, o CAPS Silvério Tundis, inaugurado em

- 209 -
2006 na gestão do psiquiatra Rogelio Casado, o interessante foi desco-
brir que o local onde foi implantado o primeiro CAPS não era para ser
um CAPS e sim uma unidade básica de saúde. O primeiro CAPS do
município só aparece em 2010, o CAPS Sul e em 2012 o CAPSi Leste,
e no ano de 2015 o CAPS AD III, lembrando que em 2016 o CAPS Sul
passa a ser tipo III.
O projeto para a implantação do CAPSi ficou pronto na mesma
época da criação do CAPS, pois assim que se pensou em montar um
CAPS adulto, na sequência já tinham pensado em implantar o infanto-
juvenil. No entanto, a burocracia, os processos atravancados foram se
configurando e arrastando a implantação do CAPSi para anos depois.
Encontrar uma casa com a documentação em dia foi uma das maiores
dificuldades, ao passo que a casa onde hoje funciona o CAPSi Leste foi
uma das poucas, se não a única que estava com pouca documentação
pendente. Logo, a equipe se empenhou em regularizar o mais rápido
que pôde.
Perguntada sobre a demanda recebida no CAPSi Leste e a não
implantação dos outros 3 CAPSi, relatou que no início foi tudo novo
e bem confuso para os que ali foram convocados para trabalhar, sendo
possível observar pelos prontuários iniciais que a demanda era muito pe-
quena. Por ser um serviço novo na cidade, poucos conheciam, “ninguém
sabia o que era, como funcionava, para que servia” (Direção), mas, tão
logo o CAPSi Leste alcançou a sua capacidade de atendimento.
Segundo a Direção, a Portaria 336 orienta que o CAPSi deve
atender por turno no máximo 15 crianças e adolescentes, isto porque,
trata-se de um serviço de atenção diária intensiva. A proposta da Porta-
ria 336 contempla no ideal a permanência diária da criança/usuária no
CAPSi Leste e não que ela apenas passe pelo serviço como tem acon-
tecido em Manaus, devido a grande demanda, contudo, afirma que, “se
a gente fosse trabalhar do jeito que a portaria determina, o CAPSi teria
que fechar as portas”.
Questionada sobre o comprometimento dos serviços diante da
grande demanda recebida, afirma que “tudo fica comprometido”, atender
conforme as orientações da portaria é um desafio, e tem sido possível a
uma pequena quantidade de crianças e adolescentes, “que são aquelas
que têm acesso não só a consultas médicas, mas também aos atendimen-
tos multidisciplinares. Esses são poucos e nós sabemos disso, a grande
maioria atualmente tem ficado em regime de ambulatório” (sic Direção).

- 210 -
A Direção revelou ainda que não se tem no Amazonas atual-
mente uma rede de apoio estruturada para encaminhar as crianças:
“Nós temos hoje uma psicóloga que atende criança e adolescente na
policlínica Gilberto Mestrinho, uma”. Outro detalhe segundo ela é que
quando a equipe CAPSi Leste começa a encaminhar, os profissionais
devolvem para o CAPSi dizendo não atender crianças e adolescentes,
ou mesmo que não atendem crianças com perfil de CAPS. Nas palavras
da direção, a tão idealizada rede de atenção atualmente “está furada, e
por isso a gente se vê muito solitário na atenção psicossocial infanto-
juvenil”.
Apresentada essa realidade, surgiu o questionamento sobre a
existência de movimentos por parte da equipe e usuários do CAPSi
Leste quanto a cobrança da implantação dos outros CAPSi na cida-
de. Sobre este questionamento, a diretora confirmou existir o chamado
controle social. Relatou que a primeira manifestação mais contundente
do controle social foi em 2016, quando pais, usuários e trabalhadores
se organizaram em assembleias. Diante das muitas reclamações em
relação ao serviço, falta de profissionais, falta de materiais para traba-
lho, medicamento, dentre outras; foi realizado uma chamada para os
pais com o intuito de organizar o controle social e juntos preparem o
documento que seria entregue ao secretário.
Então em maio de 2016 fizemos um movimento dentro da SEM-
SA, levamos cartazes, faixas. O secretário nos recebeu, e depois se
comprometeu de vir aqui no serviço para conversar com todo mundo
sobre as demandas que foram apresentadas, mas ele não apareceu na
data agendada, e ai, os pais começaram a notificar a SEMSA, organi-
zaram um documento notificando a SEMSA a respeito daquilo que foi
solicitado e do compromisso do secretário de estar aqui e caso ele não
comparecesse nós iríamos para a mídia, porque até então não tínhamos
ido para a mídia. Então, ele ainda desmarcou umas duas vezes, mas
veio, ele veio, a conversa foi muito boa e ele conseguiu atender uma
parte pequena das demandas, mas conseguiu. Vieram novos colegas
para o CAPSi, foi quando entraram as pediatras (Direção do CAPSi
Leste).
A direção menciona ainda que a falta do medicamento Risperi-
dona e o afastamento da psiquiatra no CAPSi Leste levou o controle
social a retomar em 2018 as cobranças quanto ao que foi acordado em
2016 e não foram cumpridos, “retomamos o movimento, precisamos

- 211 -
nos reorganizar porque essa situação só se resolve com controle social.
(...). Hoje estamos com uma organização mais diferente, mais forte”.
A força que o controle social tem desempenhado nas lutas em prol do
CAPSi Leste e para a implantação de novos CAPSi têm sido cada vez
mais evidenciada no município.
No dia 10 de setembro de 2018, dia mundial da prevenção do
suicídio, este grupo formado por usuários, pais e trabalhadores fizeram
em frente à sede da Prefeitura de Manaus, um ato público, entretanto, o
Prefeito não os recebeu. A sub secretária juntamente com a gerente da
região de atenção psicossocial e mais a diretora das redes de atenção
conversaram e conseguiram pactuar algumas das demandas apresen-
tadas pelo controle social. Ao passo ficou acertado uma reunião para
o dia 26 de setembro de 2018, para discussão da pauta com 13 itens.
Contudo, no dia marcado todo o movimento apareceu, não apenas a
comissão que era esperado pelo secretário.
O movimento lotou o auditório da SEMSA, foi uma coisa as-
sim, linda, sabe, e o próprio secretário veio receber e conversou com as
pessoas, foi um momento assim muito bonito. Nesse tempo todo que
estou na SEMSA, 12 anos, mais de 12 anos, nunca um secretário con-
versou diretamente com as pessoas envolvidas em um movimento da
saúde mental como fez. Ali tinha usuário, familiar, os próprios traba-
lhadores; todo mundo falou, a pauta foi lida, foi um momento extrema-
mente respeitoso, não teve bagunça, não houve nenhuma manifestação
anárquica, foi tudo muito ordeiro e respeitoso de ambas as partes, mas
a gestão saiu muito impactada, vendo assim que o movimento não está
para brincadeira e que eles querem resposta (Direção do CAPSi Leste).
Observamos que a presença do controle social tem sido funda-
mental aos desafios que o CAPSi Leste enfrenta diariamente em re-
lação a demanda que chega procurando por serviço. A fim conhecer
como a psicologia tem atuado dentro do CAPSi a direção optou por
falar da evolução da equipe como um todo nesse processo. Relembrou
que os profissionais que chegam para atuar no CAPSi Leste trazem
consigo a experiência de ambulatório, onde cada um tem sua agenda
de consultas, onde cada um trabalha em sua sala; só que esta não é a
realidade e nem proposta de serviço do CAPSi. Para tanto ela diz que
foi necessário ter “paciência para ir curando essas feridas, falando so-
bre o novo jeito de atuar, o jeito da atenção psicossocial trabalhar que
é interdisciplinar, que é com trabalhos em grupo em sua maioria, que

- 212 -
é vislumbrando a criança e adolescente como sujeitos de direitos e não
só como objeto de intervenção”. Mencionou ainda a importância em
entender o campo de atuação, que em relação ao CAPSi é um campo
de intervenção aberto onde fica impossível trabalhar cada um dentro
da sua caixinha; “o atendimento em grupo se volta para a proposta,
em que a gente consegue ver a criança para além do sintoma que é a
grande questão”.
Observa-se a partir desta preciosa entrevista que o CAPSi Leste
com 6 anos de existência na cidade de Manaus tem enfrentado lutas
das mais diversas, desde a dificuldade para incluir profissionais habi-
litados e com interesses em atender crianças e adolescentes na área da
saúde mental, como a falta de medicamentos que traz inúmeras reações
negativas tanto para a criança que entra em colapso pela ausência do
remédio, como para os pais que não conseguem ajudar seus filhos. No
entanto, vê-se neste mesmo cenário, um CAPSi capaz de organizar
uma comissão de controle social, que estimula os pais e usuários a
lutar por seus direitos, que tem trabalhadores que escolheram abraçar
a infância e adolescência e que lutam junto para prover aos usuários
atendimento de qualidade.

Considerações finais
Este capítulo buscou através da revisão de literatura e entrevis-
ta aplicada percorrer o caminho trilhado desde o nascimento do mo-
vimento da Reforma Psiquiátrica até o desenvolvimento de políticas
públicas voltadas para a infância e adolescência no Brasil e também no
estado do Amazonas, especificamente na cidade de Manaus.
Portanto, incialmente buscou-se conhecer quando a infância
passou a ser incluída no cuidado em saúde mental. Percebeu-se a partir
da literatura que até o século XIX não existiam pesquisas ou mesmo
estudos voltados para a saúde mental infantil. Anterior a este período
os então denominados loucos eram colocados em grandes hospitais
asilares visando garantir para a sociedade a ordem e limpeza. No Brasil
D. Pedro inaugura o Hospício de Pedro II no Rio de Janeiro no ano de
1852, justamente para designar o local onde deveriam ficar aqueles que
incomodavam a ordem (Prado, 2018).
Em 1970 surge no Brasil um movimento sanitarista que bus-
cava melhorias no modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde,
favorecendo o surgimento de outros movimentos sociais em prol de

- 213 -
mudanças no cuidado destinado aos internos dos hospitais psiquiátri-
cos, que eram maltratados, subjugados, torturados; e no ano de 1978
marcou o início efetivo da luta em favor dos interesses e direitos dos
pacientes psiquiátricos no País.
Observamos que até este momento não existiam propostas de
inclusão da infância e adolescência no cuidado em saúde mental. Os
resultados desta investigação possibilitaram-nos constatar que assim
como as crianças demoraram a serem reconhecidas como sujeitos de
direitos, a saúde mental para crianças e adolescentes também foi mar-
cada por um longo período de insignificância. Somente a partir da Por-
taria GM nº 336 de 2002 que foi instituída a criação do CAPS tipo i, ou
seja, um CAPS voltado para o público infantojuvenil.
A portaria trouxe apontou a necessidade da implantação de
CAPSi, o Ministério da Saúde orientou como essa implantação de-
veria ocorrer e quais diretrizes seguir. Foi possível observar grandes
avanços nestes 16 anos da portaria 336 em vigor, entretanto, podemos
considerar que ainda temos grandes desafios pela frente. Desafios que
foram evidenciados a partir da entrevista concedida pela Direção do
CAPSi Leste em Manaus. No Brasil, temos 16 anos da implantação
do primeiro CAPSi, no Amazonas temos apenas um CAPSi localizado
na cidade de Manaus, que possui 6 anos de funcionamento, isto é, um
CAPSi consideravelmente novo e com uma demanda extrapolada há
muito tempo.
Ressaltamos, no entanto, que não há dúvidas de que a criação
do CAPSi no Brasil representa um avanço significativo no atendimento
à criança com transtorno mental, todavia, as informações obtidas por
meio desta investigação literária e entrevista, revelou o quão distante
ainda estamos enquanto região Amazonas do funcionamento ideal e
adequado deste dispositivo em saúde mental. Contudo, contemplamos
um cenário atual forte, que tem se movimento em prol de melhorias
internas, e por implantação de mais CAPSi na cidade de Manaus, o que
denota um compromisso com a atenção psicossocial infantojuvenil.

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- 217 -
- 218 -
Seção III

Teorias em Saúde

- 219 -
- 220 -
TERAPIA DO ESQUEMA: TEORIA E
AVALIAÇÃO INTERVENTIVA
Edvania Oliveira Barbosa
Nazaré Maria de Albuquerque Hayasida
Ronaldo Braga Dantas Filho
Vitória Guimarães de Souza

Resumo: As reflexões sobre as possibilidades de intervenção clínica em psicolo-


gia estão em constante desenvolvimento. Este capítulo tem como objetivo apresen-
tar uma das mais atuais intervenções da ‘terceira onda’, em Terapias Cognitivas, a
Terapia do Esquema (TE) e seus principais constructos teóricos: Esquemas Iniciais
Desadaptativos (EIDs) e Modos Esquemáticos (MEs). Nomeadamente, buscou-
-se desenvolver sobre os aspectos que contribuíram para o desenvolvimento desta
terapia, dentre eles a teoria do Apego desenvolvida por John Bowlby, em 1979,
e como Jeffrey Young aplicou estes conceitos à teoria e à prática. Além disso,
observou-se os constructos que o autor evidência como preponderantes ao desen-
volvimento saudável do indivíduo, como as relações familiares e os estilos paren-
tais aplicados. Explanar sobre o desenvolvimento da TE faz-se relevante para as
possibilidades de avaliação e intervenção na clínica, visando à promoção de saúde
e qualidade de vida dos pacientes. Por fim, propõe-se que haja maior investimento
de aprendizado nesta abordagem, face às possibilidades de intervenção e resulta-
dos empíricos de sua efetividade.

Introdução
Apresentamos neste capítulo uma abordagem cognitivista de
compreensão da personalidade desenvolvida por Jeffrey Young (2003),
que se utiliza de pressupostos descritos pela Terapia Cognitivo-com-
portamental (TCC) clássica para o seu embasamento. Este modelo faz
parte de uma corrente denominada “terceira onda”, ou terceira gera-
ção, das terapias cognitivo-comportamentais, sendo a primeira geração
com enfoque comportamental, a segunda cognitivo-comportamental e
a terceira constroem-se a partir de uma abordagem empírica e contex-
tual (Barbosa, Terroso & Argimon, 2014). Apresentamos, a seguir, as
possibilidades de avaliação criadas pelos teóricos que contribuem com
o desenvolvimento da abordagem psicológica.

Terapia do Esquema (TE): Base Teórica


A TE trata-se de uma abordagem terapêutica cognitivista que
se utiliza de preceitos da Terapia Cognitivo clássica, porém, de forma
integradora, amplia tais conceitos, baseando-se também na teoria do

- 221 -
apego, gestalt, construtivismo e psicanálise. É uma abordagem criada
por Jeffrey Young (2008), que apresenta novos conceitos e aborda-
gens terapêuticas para pacientes com transtornos de personalidade, ca-
racterológicos, situações graves ou mesmo refratárias. A partir de sua
teoria, Young desenvolve um modelo explicativo da personalidade,
em termos vivenciais, cognitivo e que contribuem para a manutenção
de suas características. Observou alguns pontos de fragilidade na TC
tradicional, sugeriu maior atenção aos aspectos da infância e adoles-
cência, experiências repetidas durante a infância, a relação com os cui-
dadores e o temperamento herdado para constituição e manutenção de
aspectos da personalidade. Além de apontar a relação terapêutica como
fator essencial para o tratamento desses pacientes (Wainer, 2016).
Young deu continuidade ao que Beck postulou como Esquemas
Mentais, que são estruturas onde armazenamos crenças e regras que
determinam como interpretamos nosso ambiente. No modelo teórico
criado por Jeffrey Young são propostos cinco constructos que visam
expandir o modelo cognitivo de Beck: os Esquemas Iniciais desadapta-
tivos (EIDs), os domínios dos esquemas e os conceitos de manutenção,
evitação e compensação do esquema (Callegaro, 2005). Ressalta-se
que os esquemas não são os comportamentos em si, mas sim o que
provoca a forma como o indivíduo se comporta (Young, Klosko &
Weishaar, 2008).
Os esquemas são originados a partir de necessidades emocio-
nais não satisfeitas na infância que toda pessoa apresenta: Vínculos se-
guros com outros indivíduos (segurança, estabilidade, cuidado e acei-
tação); Autonomia, competência e sentido de identidade; Liberdade de
expressão, necessidades e emoções validas; Espontaneidade e lazer;
Limites realistas e autocontrole. São formados na infância e início da
adolescência a partir de representações do ambiente da criança basea-
das na sua realidade, sendo estes dimensionais, ou seja, possui níveis
de gravidade e penetração diferentes (Young et al., 2008).
Os esquemas primitivos são um conjunto de crenças profunda-
mente enraizadas que fundamentam o autoconceito e o modelo de self.
Constituem repertórios comportamentais, cognitivos e emocionais
para lidar com determinados estímulos que surgem no decorrer da vida
do indivíduo. É importante considerar que os EIDs não são resultados
de traumas ou maus-tratos, mas a partir de experiências inadequadas
e continuadas na família (Wainer, 2016). Ademais, são formados por
memórias, emoções e sensações corporais, relacionados a si e aos ou-

- 222 -
tros, desenvolvidos na infância e adolescência, elaborado ao longo da
vida do indivíduo (Young et al., 2008); Wainer, 2016).
A manutenção destes esquemas também pode ser vista a partir
de distorções no processamento das informações: “Portanto, as dis-
torções cognitivas identificadas por A. Beck (1967) na TC são impor-
tantes mecanismos mantenedores do esquema, sendo as informações
distorcidas para mantê-lo intacto, no processo que Young denomi-
nou subordinação ao esquema” (Callegaro, 2005, p. 15).
Young et al. (2008) referem que os esquemas influenciam de
forma significativa na maneira como os indivíduos pensam, sentem,
agem e se relacionam socialmente. Os esquemas desenvolvidos são
ativados quando a pessoa se depara com estímulos que remetem aos
ambientes de sua infância que foram produtores desses esquemas.
Ocorrendo isto, o indivíduo é tomado por intensos sentimentos negati-
vos. Durante o desenvolvimento da personalidade as influências serão
repercutidas de forma diferente, conforme o momento cronológico de
vida do indivíduo. Existem momentos críticos e específicos ao longo
da infância e adolescência que predispõem à formação de determinado
esquema (Wainer, 2016).
Young (2008) denominou de Domínios esquemáticos (DEs) os
intervalos temporais em referências aos EIDs respectivos, relaciona-
dos abaixo:
O primeiro domínio de Desconexão e Rejeição refere-se às
necessidades básicas de amor, segurança, cuidado, afeto, proteção,
expressão e compartilhamento de sentimentos, pertencimento social,
espontaneidade, reconhecimento e respeito não foram satisfatoriamen-
te supridas. Os esquemas pertencentes a este domínio são: Privação
Emocional, Desconfiança/Abuso, Inibição Emocional, Defectividade/
Vergonha, Isolamento/Alienação Social.
Quanto ao domínio Autonomia e Desempenho prejudicados o
sujeito apresenta visão de si, dos outros e do ambiente com prejuízo,
que interferem sobre a capacidade de agir de forma independente, de
ser bem-sucedido no que se refere às conquistas pessoais/profissionais
e de expressar seus próprios sentimentos e necessidades livremente.
Está presente o medo de ser abandonado, ficar sozinho e acreditar que
o mundo é perigoso. Os esquemas pertencentes a este domínio são: De-
pendência/Incompetência, Abandono/Instabilidade, Vulnerabilidade
ao Dano ou Doença, Emaranhamento/Self Subdesenvolvido, Fracasso,
Subjugação/Invalidação.

- 223 -
No que se refere ao domínio de Limites Prejudicados, pode-
-se observar que os indivíduos se percebem como tendo direitos espe-
ciais ou se auto engrandecem ou comportam-se de forma impulsiva e
indisciplinada. Apresentam dificuldades em respeitar os direitos dos
outros, de cooperar e controlar suas próprias emoções. Os esquemas
pertencentes a este domínio são: Arrogo/grandiosidade, Autocontrole/
autodisciplina insuficientes.
Apresenta-se também, o domínio de Padrões e responsabilida-
des excessivas em que existe ênfase excessiva em atingir expectativas
e regras rígidas a respeito do desempenho em muitos aspectos da vida.
Assim como um foco exagerado na responsabilização pelo outro, dei-
xando de cumprir suas necessidades em prol do outro. Os esquemas
pertencentes a este domínio são: Autossacrificio, padrões inflexíveis/
hipercriticismo.
Para além destes domínios, há também outros três esquemas
que não estão em nenhum domínio devido à carência de mais estudos
culturais para inserção deles, que são: busca de aprovação/ reconhe-
cimento, negatividade/pessimismo, postura punitiva. Segundo Souza,
Damasceno e Oliveira (2018), autores que validaram alguns dos ins-
trumentos de avaliação desta teoria, sendo que não há dados suficien-
tes para o agrupamento destes esquemas nos domínios anteriormente
citados.
O suprimento das necessidades básicas, assim como o cuidado
e amor dos pais terão impacto direto nas habilidades de conexão e au-
tocuidado do indivíduo ao enfrentar fatores desencadeantes de estresse
na vida adulta (Wainer, 2016).
A literatura na área demonstra como os esquemas desadapta-
tivos podem contribuir para o desenvolvimento de psicopatologias e
situações de risco na fase adulta, sendo alguns deles: uso de substân-
cias químicas (Lima & Ferreira, 2015); violência conjugal (Behary &
Young, 2011; Paim, 2014), estresse pós-traumático (Susin, Carvalho
& Kristensen, 2014); transtornos da Personalidade Borderline e Narci-
sista (Young, 2008), entre outros.
Wainer (2016) detalha que os MEs são padrões de interações
que os indivíduos apresentam, em que se inclui sentimentos, pensa-
mentos, formas de enfrentamentos saudáveis ou não. Podem ser ati-
vados em situações na vida adulta em que as necessidades emocionais
básicas não atendidas na infância são revividas. A seguir são apresen-

- 224 -
tados os 10 MEs que se dividem em Modo criança, Modos de pais de-
sadaptativos internalizados, Modos de enfrentamento desadaptativos e
Modo Adulto, desenvolvidos por Young et al. (2008):
֍ Criança Vulnerável: Vivência sentimentos de ansiedade, medo, tris-
teza e desamparo;

֍ Criança Zangada: Apresenta raiva quando suas necessidades bási-


cas não são satisfeitas;

֍ Criança Impulsiva: Age impulsivamente, não adere a limites tanto


em suas necessidades, quanto aos outros;

֍ Criança Feliz: Sente-se amada, conectada, satisfeita;

♠ Pai/mãe punitivo/crítico: Crítico e punitivo, a si e aos outros;

♠ Pai/mãe exigente: Expectativas e responsabilidades altas em relação


a si e aos outros. Pressiona-se para cumpri-los;

♠ Capitulador complacente: Obediência e dependência.

♠ Protetor desligado: Desconexão, isolamento e evitação comporta-


mental. Utiliza principalmente para fuga de estados emocionais nega-
tivos;

♠ Hipercompensador: Contra-ataque e controle. Utiliza principalmente


para fuga de estados emocionais negativos;

♠ Adulto Saudável: Conectado com suas necessidades e vulnerabilida-


des, atento ao contexto e ao controle de impulsos.

Neste contexto, são apresentas duas formas de trabalhar com


o paciente, sendo que a mais tradicional a que focaliza nos EIDs e,
para casos mais complexos em que o paciente apresenta maior grau de
resistência, utiliza-se os MEs.
Young et al. (2008) referem que, para a formação de EIDs e,
consequentemente, Mês, é necessário que haja suficientemente o supri-
mento das necessidades básicas emocionais durante a infância, princi-
palmente nos primeiros anos, e a adolescência. Para que isto aconteça,
as interações no ambiente familiar são elementos fundamentais para o
desenvolvimento ou prevenção de EIDs e MEs.

- 225 -
Teoria do Apego e interações familiares no desenvolvi-
mento de EIDs
A Teoria do Apego (TA), formulada por John Bowlby, em
1979, de acordo com Wainer (2016), vem sendo uma das mais estuda-
das na história da psicologia. Tal abordagem teórica oferece uma base
para estudos sobre os afetos e as emoções dos seres humanos, propor-
cionando um suporte empírico para a compreensão dos processos de
desenvolvimento normal e patológico, ao integrar aspectos da biolo-
gia moderna ao embasamento de seus estudos (Dalbem &Dell’Aglio,
2005).
Bowlby (1979) descreveu uma teoria da vinculação dos seres
humanos que apresenta uma capacidade adaptativa às teorias atuais,
envolvendo psicoterapias das mais diversas abordagens clínicas (Pon-
tes, Silva, Garotti, & Magalhães, 2007).
O autor compreendeu que bebês demonstram precisar estabele-
cer um relacionamento com seu cuidador para que possam se desen-
volver. Com isso, o desejo de proximidade expressado pela criança é
chamado de apego e, inicialmente, exprime as necessidades de segu-
rança e proteção desde o momento em que o bebê nasce, constituindo
pilares para a saúde mental de infantes, já que a forma como os pais
desenvolvem vínculos iniciais está diretamente ligada aos padrões de
apego que a criança irá desenvolver (Ramires & Schneider, 2010).
O apego é considerado mecanismo básico dos seres humanos, é
um comportamento biologicamente programado, assim como o meca-
nismo de alimentação e sexualidade, e é considerado como um sistema
de controle homeostático, que funciona dentro de um contexto de ou-
tros sistemas de controles comportamentais. O papel do apego na vida
dos seres humanos envolve o conhecimento de que uma figura de ape-
go está disponível e oferece respostas, proporcionando um sentimento
de segurança que é fortificador da relação (Cassidy, 1999 como citado
em Dalbem & Dell’Aglio, 2005).
Visto isso, um dos pressupostos básicos da TA é de que as pri-
meiras relações de apego, estabelecidas na infância, afetam o estilo
de apego do indivíduo ao longo de sua vida. Além de Bowlby, outros
autores concentraram seus esforços para estudar e comprovar a teo-
ria. Para J. Crowell & D. Treboux (1995 como citado em Dalbem &
Dell’Aglio, 2005), as pesquisas sobre a TA indicam diversas direções,
por exemplo: a relação entre as experiências de apego da infância e o

- 226 -
comportamento parental; o impacto das experiências de apego da in-
fância nos relacionamentos de adolescentes e adultos; o papel do apego
entre adultos, tanto na parentalidade, como nas relações românticas e
em seus pensamentos, percepções e comportamentos; as relações entre
o apego da infância e sua continuidade na adolescência; o apego entre
o bebê e seu cuidador; e analogias com as patologias e suas evoluções.
Recentemente, pesquisas baseadas na TA estão sendo desenvolvidas
com interesse em eventos que ocorrem durante o ciclo vital e que po-
dem mudar o estilo de apego de um indivíduo (Davila, Burge & Ham-
men, 1997 como citado em Dalbem & Dell’Aglio, 2005).
Também, em 1978, Mary Ainsworth, na busca de aprimorar a
teoria, lançou um artigo relacionando os tipos de apego através de ex-
periências em que observava a forma como bebês de 12 a 18 meses
se apegavam às mães. Avaliou-se a reação de crianças ao se separar e
reencontrar suas genitoras na presença ou não de uma pessoa estranha.
O estudo teve o objetivo de formalizar a TA conhecida nos dias de hoje
(Wainer, 2016).
A partir das análises obtidas, Ainsworth (1978 como citado em
Wainer, 2016) percebeu alguns padrões de apego caracterizados atra-
vés das reações das crianças, sendo eles: seguro, a criança demonstra
desejo pelo cuidador quando julga necessário, por se sentir segura,
explora o ambiente desde que o adulto não se afaste por um longo pe-
ríodo, tolera estranhos, porém apenas tem confiança em seu cuidador;
inseguro/ansioso, desestabiliza-se na ausência do cuidador, interpreta
a separação como uma ameaça iminente, pois o cuidador é visto como
instável e imprevisível, demonstra raiva e angústia diante da separação
e não se conforta com facilidade, observa-se certa ambivalência, já que
reluta em receber o aconchego do cuidado, embora necessite dele; in-
seguro evitativo, o afastamento do cuidador é ignorado, não se esforça
em manter contato e não costuma distinguir o cuidador de um estranho.
Após Ainsworth (1978) determinar os padrões de apego, Main
e Solomon (1986 como citado em Wainer, 2016), estudaram e acres-
centaram um quarto tipo de apego à listagem: o apego desorganizado.
Quando ocorrem maus-tratos, a criança recebe uma informação am-
bígua: a mesma pessoa que a coloca em situações de angústia e sofri-
mento deveria nutri-la de conforto, carinho e segurança. Como conse-
quência, a criança fica confusa e desconfiada, deixando de confiar nas
outras pessoas e em seus próprios instintos.

- 227 -
Destaca-se que, dentre os padrões estudados, os apegos do tipo
inseguro são preditores de doenças físicas e transtornos psiquiátricos
(Goodwin & Stein, 2004). “O transtorno de apego reativo na infância
é parte da categoria dos transtornos geralmente diagnosticados pela
primeira vez na infância ou na adolescência, e seus sintomas principais
eram problemas acentuados no vínculo social (Wainer, 2016, p. 39)”.
Sendo assim, considera-se que durante todo o ciclo vital, o com-
portamento de apego está presente em variadas intensidades e formas.
Pode ter formas ativas, como procurar ou seguir o cuidador; formas
aversivas, como chorar; ou pode ainda aparecer sob forma e sinais com-
portamentais que alertam o cuidador para o interesse de interação da
criança, como sorrir e verbalizar de modos diversos. Todas essas for-
mas são observadas em crianças, adolescentes e adultos ao buscarem a
aproximação com outras pessoas. É o padrão desses comportamentos,
e não sua frequência, que revela algo acerca da força ou qualidade do
apego (Foss, 1989 como citado em Dalbem & Dell’Aglio, 2005).
Young utiliza-se na TE de entendimentos desenvolvidos, prin-
cipalmente por Bowlby, na TA: “As figuras de apoio primárias são
responsáveis por regular emocionalmente e satisfazer as necessidades
da criança” (Paim & Cardoso, 2019, p. 25). Os esquemas mentais que
são desenvolvidos dentro das relações familiares a partir das primeiras
experiências, são o que causam mais prejuízos na vida do indivíduo e
tendem a se ativar com mais força. Partindo da compreensão de que
a dificuldade de adesão e estabelecimento do vínculo pode decorrer
do tipo de apego do indivíduo quando bebê, a abordagem terapêutica
na TE aproxima paciente e terapeuta, proporcionando-lhe segurança
na relação estabelecida, consolidando-se como uma terapia eficaz para
diminuir os efeitos do apego inseguro e consequentemente melhorando
a qualidade de vida e as relações dos pacientes (Wainer, 2016).

Estilos Parentais
O estudo das relações entre pais e filhos e suas possíveis con-
sequências para o desenvolvimento posterior tem sido um recorrente
tema de investigação dentro da psicologia. Baumrind (1966), como
citado em Weber, Prado, Viezzer e Brandenburg (2004), desenvolveu
um modelo teórico dos estilos parentais que marca a época, integrando
tanto aspectos comportamentais quanto afetivos e influenciando estu-
dos posteriores.
É importante salientar a diferença entre os estilos parentais e
práticas parentais. As práticas parentais dizem respeito às estratégias

- 228 -
utilizadas pelos pais para atingir objetivos específicos em determina-
dos domínios (acadêmico, social, afetivo, etc.) sob determinadas cir-
cunstâncias. Exemplos dessas práticas são punições ou recompensas
de acordo com o comportamento apresentado pela criança ou adoles-
cente. Os estilos parentais, por outro lado, referem-se ao padrão global
de características da interação entre pais e filhos, incluindo as práticas
parentais, além de outros aspectos como afetividade, tom de voz, lin-
guagem corporal, dentre outros, gerando um clima emocional (Darling
& Steinberg, 1993 como citado em Weber, Prado, Viezzer & Bran-
denburg, 2004). Dessa maneira, entende-se que as práticas parentais
utilizadas são influenciadas diretamente pelo estilo parental adotado.
Baumrind (1966, 1971, 1997), conforme citado em Valentini e
Alchieri (2009), propôs uma caracterização dos estilos parentais ba-
seada em uma função parental: o controle. Para ela, o controle parental
referia-se às tentativas de integração e socialização da criança na socie-
dade, através de expectativas de maturidade, disciplina, confrontação
direta, dentre outras práticas. A partir da maneira como esse controle
era administrado, dividiam-se os estilos parentais em: autoritativo, au-
toritário e permissivo.
O estilo autoritativo foi associado a práticas de direcionamento
das atividades de maneira racional e orientada, incentivando o diálo-
go e compartilhando com as crianças as motivações e raciocínios por
trás de suas atitudes, solicitando feedback, porém exercendo controle
quando necessário nos pontos de divergência e reconhecendo seu pon-
to de vista, não baseando suas decisões apenas nos desejos da mesma
(Baumrind, 1966 como citado em Weber et al., 2004).
O estilo autoritário é composto de práticas e regras rígidas e ab-
solutas. Há restrição de autonomia da criança e seu ponto de vista é, em
geral, desconsiderado. A obediência é estimulada como uma virtude e
apresentam punições e reforçamento negativo quando em desacordo
(Baumrind, 1966 como citado em Weber et al., 2004).
Pais com estilo permissivo são caracterizados como aqueles que
cobram poucas responsabilidades da criança, permitindo sua autorre-
gulação. Esse estilo parental apresenta-se de maneira não-punitiva e
receptiva ante os desejos da criança, tendo como característica o re-
forçamento positivo (Baumrind, 1966 como citado em Weber et al.,
2004).
De acordo com Weber, Selig, Bernardi e Salvador (2006), Mac-
coby e Martin (1983) foram além do modelo proposto por Baumrind

- 229 -
e o reorganizaram sub-dividindo o estilo parental permissivo em dois:
pais indulgentes e pais negligentes. Os indulgentes foram caracteriza-
dos como excessivamente tolerantes, exercendo pouca autoridade e es-
tabelecendo poucos limites e regras à criança. Já os negligentes pouco
se envolvem na socialização e no monitoramento dos filhos, não sendo
exigentes ou afetivos e centrados em seus próprios interesses.
Além disso, foram propostas duas categorias de análise pelas
quais os estilos parentais poderiam ser compreendidos: exigência e
responsividade. Exigência referia-se a comportamentos de supervisão,
disciplina e demandas de maturidade, enquanto responsividade abran-
gia comportamentos como apoio, afeto, atenção, acolhimento, dentre
outros (Maccoby & Martin, 1983 como citado em Weber, Selig, Ber-
nardi & Salvador, 2006).
Dessa maneira, os estilos parentais autoritativo, autoritário, in-
dulgente e negligente puderam ser definidos a partir das dimensões de
exigência e responsividade propostas pelos autores. Pais autoritativos
resultam da combinação de exigência e responsividade em altos níveis,
o que quer dizer que há reciprocidade, os filhos devem responder às
exigências dos pais, que, por sua vez, também aceitam a responsabi-
lidade de responderem aos pontos de vista e exigências razoáveis dos
filhos. Pais autoritários, por outro lado, são muito exigentes e pouco
responsivos, ou seja, suas exigências são altas e muitas vezes estão
em desequilíbrio com a aceitação dos filhos, aos quais se espera que
inibam seus pedidos e demandas; Pais indulgentes são muito respon-
sivos e pouco exigentes, estabelecendo poucas regras ou limites para a
criança, permitindo-a monitorar o próprio comportamento; Pais negli-
gentes são não exigentes e nem responsivos, respondendo a pedidos da
criança apenas de forma a neutralizá-los, visando evitar inconveniên-
cias (Cecconelo, De Antoni & Koller, 2003; Maccoby & Martin, 1983
como citado em Weber et al., 2004; Valentini & Alchieri, 2009).
A partir dos modelos teóricos apresentados, pesquisas foram
desenvolvidas demonstrando a relação entre os estilos parentais admi-
nistrados e desempenho de crianças e adolescentes em diversas áreas.
O estilo parental autoritativo se destaca, apresentando superioridade
em marcadores como desempenho nos estudos (Cohen & Rice, 1997
como citado em Weber et al., 2004; Steinberg, Darling & Fletcher,
1995 como citado em Ceconello et al., 2003;), uso de estratégias adap-
tativas (Aunola & Nurmi, 2000 como citado em Weber et al., 2004),

- 230 -
maior grau de otimismo (Weber, Viezzer & Brandenburg, 2003), den-
tre outros. Por outro lado, os estilos autoritário, indulgente e negligente
parecem estar relacionados com uma maior incidência de resultados
negativos no desenvolvimento, como problemas de comportamento,
abuso de substâncias, fracasso escolar e baixa auto-estima (Lamborn
et al., 1991; Steinberg & cols., 1994 como citado em Ceconello et al.,
2003).
Novas concepções a respeito dos estilos parentais surgiram a
partir da TE, teoria desenvolvida com a intenção de solucionar pro-
blemas que a TCC tradicional enfrentava, tais como o tratamento de
transtornos da personalidade, que trazem consigo dificuldades como
maior rigidez nas crenças, resistência no cumprimento do protocolo
terapêutico ou no estabelecimento da relação terapêutica, entre outros
(Young et al., 2008).
A TE pressupõe que podemos desenvolver 18 esquemas, deno-
minados EIDs, que são distribuídos em cinco domínios. O desenvol-
vimento desses esquemas ocorre principalmente durante a infância e
adolescência, a partir das experiências de vida às quais o indivíduo é
exposto, incluindo as relações familiares constituídas. Dessa maneira,
crê-se que há correlação entre os EIDs e os estilos parentais adotados.
De acordo com Young et al. (2008), os esquemas são formados,
principalmente, a partir das necessidades emocionais não-satisfeitas na
infância, tais como: 1. Vínculos seguros com outros indivíduos (inclui
segurança, estabilidade, aceitação, cuidado e aceitação); 2. Autonomia,
competência e sentimento de identidade; 3. Liberdade de expressão,
necessidades e emoções válidas; 4. Espontaneidade e lazer e 5. Limites
realistas e autocontrole.
Quatro tipos ambientes podem facilitar a aquisição desses es-
quemas, sendo eles: 1. Frustração nociva de necessidades, no qual a
criança possui carência de experiências boas e excesso de frustração
de necessidades básicas; 2. Traumatização ou vitimização da criança,
no qual causa-se um dano à criança, seja físico ou psicológico; 3. No
terceiro tipo a criança tem experiências boas em excesso, a criança
pode ser tratada com indulgência demasiada e carecer de regras e limi-
tes; e, por fim 4. Internalização ou identificação seletiva com pessoas
importantes, no qual a criança identifica-se e internaliza seletivamente
pensamentos, sentimentos, experiências e comportamentos dos pais
(Wainer, 2016).

- 231 -
Além desses ambientes, Young et al., (2008) propuseram ainda
18 estilos parentais análogos aos EIDs. Um estilo parental que falha
em estimular a independência de seus membros associa-se ao EID de-
pendência/incompetência e recebe o mesmo nome, assim como um
estilo que falha em prover apoio emocional e cuidado associa-se ao
EID privação emocional, por exemplo, recebendo, novamente, a mes-
ma denominação.
As relações entre domínios, família típica de origem, esquemas
e estilos parentais associados, além de características associadas aos
esquemas podem ser visualizadas no Quadro 1, a seguir:

Domínio Família típica de Esquemas as- Características asso-


origem sociados/Estilos ciadas ao esquema
parentais
Desco- Distante, fria, rejeitado- 1. Abandono/ Expectativa de que as
nexão e ra, refreadora, solitária, instabilidade necessidades de ter
rejeição impaciente, imprevisí- 2. Desconfian- proteção, segurança,
vel e abusiva ça/abuso estabilidade, cuidado
e empatia, de compar-
3. Privação tilhar sentimentos e de
emocional ser aceito e respeitado
4. Defectivida- não serão satisfeitas
de/Vergonha de maneira previsível
5. Isolamento
social/alie-
nação
Auto- Funcionamento ema- 6. Dependência/ Expectativas, sobre si
nomia e ranhado, solapando a incompetên- mesmo e sobre o am-
desem- confiança da criança, cia biente, que interferem
penho super protegendo ou 7. Vulnerabili- na própria percepção
prejudi- não estimulando a dade ao dano da capacidade
cados criança para que tenha ou à doença de se separar, sobre-
um desempenho com- viver, funcionar de
petente extra-familiar. 8. Emaranha- forma independente
mento/self ou ter bom desem-
subdesenvol- penho.
vido
9. Fracasso

- 232 -
Limites Caracteriza-se por 10. Arrogo/gran- Deficiência em limites
prejudi- permissividade, exces- diosidade internos, responsabili-
cados so de tolerância, falta 11. Autocontrole/ dade para com outros
de orientação ou sensa- autodisciplina indivíduos ou orienta-
ção de superioridade, insuficientes ção para objetivos de
em lugar de longo prazo. Leva a
confrontação, disciplina dificuldades de respei-
e limites adequados em tar os direitos alheios,
relação a assumir res- cooperar com outros,
ponsabilidades, coope- estabelecer
rar de forma compromissos ou defi-
recíproca e definir nir e cumprir objetivos
objetivos. Em alguns pessoais realistas
casos, a criança pode
não ter sido estimulada
a tolerar níveis
normais de desconforto
e nem ter recebido
supervisão, direção ou
orientação adequadas.
Direcio- Caracteriza-se pela 12. Subjugação Caracteriza-se por
namento aceitação condicional: permissividade, ex-
(ou as crianças devem 13. Autossacri- cesso de tolerância,
Orienta- suprimir importantes fício falta de orientação ou
ção) para aspectos de si mesmas sensação de superiori-
o outro para receber amor, 14. Busca de dade, em lugar de
atenção e aprovação. aprovação/ confrontação, discipli-
Em muitas famílias busca de na e limites adequados
desse tipo, as reconheci- em relação a assumir
necessidades emocio- mento responsabilidades,
nais e os desejos dos cooperar de forma
pais - ou sua aceitação recíproca e definir
social e seu status - são objetivos. Em alguns
valorizados casos, a criança pode
mais do que as necessi- não ter sido estimula-
dades e sentimentos de da a tolerar níveis
cada filho.) normais de desconfor-
to e nem ter recebido
supervisão, direção ou
orientação adequadas.
Hipervi- Severa, exigente e, às 15. Negativismo/ Ênfase excessiva na
gilânciae vezes, punitiva: desem- punitivismo supressão dos próprios
inibição penho, dever, perfec- sentimentos, impulsos
cionismo, cumprimento 16. Inibição e escolhas espontâ-
de normas, ocultação emocional neas, ou no cumpri-
de emoções e evitação mento de regras e
de erros predominam 17. Padrões infle- expectativas internali-
sobre o prazer, sobre a xíveis/postura zadas e rígidas sobre
alegria e sobre o relaxa- crítica exage- desempenho e com-
mento. Geralmente, há rada portamento ético, à
pessimismo subjacente custa da felicidade,
e preocupação de que auto-expressão, des-
as coisas 18. Postura pu- cuido com os relacio-
desabarão se não hou- nitiva namentos íntimos ou
ver vigilância e cuidado com a saúde.
o tempo todo.

Fonte: Adaptado de Young, Klosko & Weishaar (2003).

- 233 -
Possibilidades de avaliações em TE
O processo terapêutico em TE segue duas etapas: avaliação e
mudança. Na avaliação utiliza-se instrumentos de avaliação próprios
da abordagem para levantamento de informação quanto à ativação de
esquemas relevantes no paciente. A fase de mudança consiste na mo-
dificação de estruturas disfuncionais que foram levantadas por meio
da avaliação. Abaixo são descritos os instrumentos já desenvolvidos e
aqueles que estão validados para população brasileira.

Instrumentos:
- Inventário de Modos Esquemáticos (SMI 1.1) - Composto por 124
afirmações nas quais o avaliando tem como tarefa avaliar, a partir de uma
escala likert de 1 a 6, com que frequência apresenta o comportamento
descrito. Validado para população Brasileira por Damasceno, Souza e
Oliveira (2018).
- Inventário de Compensação de Young (YCI) - Apresenta 48 afirma-
ções que o avaliando pode utilizar para descrever a si mesmo a partir
de uma escala likert de 1 a 6. Validado para população brasileira por
Damasceno et al. (2018).
- Inventário de Evitação de Young-Righ (YRAI) - Contém 40 afirma-
ções que o avaliando utiliza para descrever a si mesmo a partir de uma
avaliação em escala likert de 1 a 6. Validado para população brasileira
por Damasceno et al. (2018).
- Questionário de Esquemas de Young – Versão Longa (YSQ – L3)
- Questionário de versão longa para avaliação de EIDs. Possui 232
afirmações em que é pedido ao avaliando que descreva em escala likert
de 1 a 6 sobre o quão bem cada afirmação o descreve no último ano.
Validado para população brasileira por Damasceno et al. (2018).
- Questionário de Esquemas de Young – Versão Breve (YSQ – S3) -
Questionário de versão breve para avaliação de EIDs. Possui 90 afirma-
ções em que é pedido ao avaliando que descreva em escala likert de 1 a
6 sobre o quão bem cada afirmação o descreve no último ano. Validado
para população brasileira por Damasceno et al. (2018).
- Questionário de Estilos Parentais (IPY) - Composto por 72 afirmações
nos quais o avaliando descreverá seus pais ou cuidadores, também a
partir de uma escala likert de 1 a 6 onde para cada afirmação se faz
necessário avaliar as duas figuras parentais. Ainda não há estudos de

- 234 -
validação para população brasileira. Valentini (2009) realizou estudos
psicométricos demonstrando parâmetros adequados a está população.
A escala atualmente utilizada foi traduzida para o português (Portugal)
por Salvador, Rijo e Gouveia (2003).
- Questionário de Esquemas para Adolescentes (QEA) - Apresenta 90
afirmações utilizadas para descrever a si mesmo, a avaliação é feita a
partir de uma escala likert de 1 a 6. Ainda não há estudos de validação
para população brasileira. A escala atualmente utilizada foi traduzida
para o português (Portugal) por Salvador et al. (2009).
Atualmente, estes são os instrumentos utilizados para coleta
de informações tanto no ambiente clínico, quanto em pesquisas, no que
se refere a TE. Recomenda-se que os grupos de pesquisa em avaliação
psicológica possam criar estudos de validação para aqueles instrumen-
tos que ainda não apresentam a versão brasileira, visto a vasta poten-
cialidade de intervenção a partir destes resultados.

Considerações finais
A TE é uma abordagem teórica e técnica que abrange a com-
preensão cognitivista de intervenção a pacientes considerados refra-
tários, de difícil adesão ao tratamento e também com transtornos de
personalidade. Atualmente, há comprovação da influência dos EIDs
sobre outros transtornos psicológicos (Young, 2008).
A abordagem abrange tanto conceitos teóricos quanto de inter-
venção e delineia instrumentos baseados na própria teoria para avalia-
ção e levantamento de informações sobre o paciente, o que configura
um grande potencial na clínica psicológica.
Young (2008) chama a atenção para aspectos que a Terapia
Cognitiva tradicional, desenvolvida por Aaron Beck necessitava ser
mais explorada e por deixar de lado aspectos mais voltados para infân-
cia e interação familiar. Sendo assim, contribui com a integração de
teorias como a de Bowlby que contribuem para um olhar sistemático
e compreensivo sobre o desenvolvimento como um todo do indivíduo.
Apresentando intervenções baseadas principalmente na relação tera-
pêutica, possibilita maior aproximação entre terapeuta e paciente, uti-
lizando-se da própria relação como instrumento de mudança compor-
tamental e emocional. Sendo esta teoria uma abordagem em ascensão,
propõem-se mais estudos brasileiros, nos procedimentos de avaliação
e intervenção, bem como investimentos na capacitação de terapeutas

- 235 -
nessa abordagem terapêutica, por se tratar de uma possibilidade de in-
tervenção abrangente e efetiva.

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- 238 -
TERAPIA DO ESQUEMA E USO DE
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Karen P. Del Rio Szupszynski
Flávia Salomoni Mansano

Resumo: Este capítulo tem o objetivo de apresentar conceitos da Terapia do Es-


quema (TE) como estratégia de intervenção para Transtornos por uso de substân-
cias. O uso de substâncias é um problema de saúde pública no Brasil e em diversas
partes do mundo. Diferentes modelos de tratamento têm sido testados no intuito
de auxiliar as pessoas em relação a dependência química. A TE, estruturada nos
Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) e Modos de Enfrentamento (ME), tem
demonstrado importantes resultados no tratamento de usuários de drogas. A Te-
rapia do Esquema de Duplo Foco (TEDF) tem se destacado com um protocolo
direcionado a essa população, integrando os principais conceitos da Terapia do
esquema e da Prevenção à Recaída.

Introdução
O uso de substâncias psicoativas tem aumentado progressi-
vamente nos últimos anos, tornando-se um grave problema de saúde
pública (Pratta & Santos, 2009). O uso de substâncias psicoativas gera
prejuízos cognitivos, comportamentais e fisiológicos. Seu uso conti-
nuado pode acarretar alterações importantes nos circuitos cerebrais dos
usuários, que podem persistir mesmo após a desintoxicação (American
Psychiatric Association, 2014).
As substâncias psicoativas podem ser classificadas como lícitas
ou ilícitas. As drogas lícitas são o álcool e o tabaco e as ilícitas mais
difundidas são a maconha, a cocaína, o crack, alucinógenos e solven-
tes. Galduróz, Noto, Nappo & Carlini (2005) ressaltam que as “drogas
legais” por vezes não recebem muita atenção, pois existe uma ideia
popular de que falar em drogas é falar de substâncias ilícitas. Entre-
tanto, os autores salientam que o consumo de álcool e tabaco são os
problemas de saúde pública mais proeminente no Brasil.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais –
DSM 5 (American Psychiatric Association, 2014) alterou a classifica-
ção do uso de substâncias das versões anteriores do manual, retirando
a distinção entre abuso e dependência. No DSM 5 a pessoa pode ser
diagnosticada com “Transtorno por Uso de Substâncias” caso apresen-
te os seguintes critérios:

- 239 -
• Tolerância – quantidade cada vez maior para atingir o efeito
desejado;
• Síndrome de abstinência – consumo para aliviar sintomas
de abstinência;
• Esforços malsucedidos para reduzir ou controlar o uso de
substâncias;
• Frequência do uso maior do que o desejado;
• Muito tempo gasto para a obtenção da substância;
• Problemas legais recorrentes do uso;
• Fracasso em desempenhas tarefas laborais ou escolares;
• Problemas sociais e interpessoais persistentes;
• Uso em situações que represente algum tipo de perigo;
• Manutenção do uso mesmo frente a danos físicos ou psico-
lógicos.

Para a determinação do diagnóstico a pessoa deve apresentar


pelo menos dois desses sintomas em um período de 12 meses e será
classificada a gravidade do uso como: leve, moderado ou grave. A
partir disso o DSM 5 abrange 10 diferentes classes de drogas: álcool,
cafeína, cannabis, alucinógenos, inalantes, opioides, sedativos, hipnó-
ticos e ansiolíticos, estimulantes e tabaco (American Psychiatric Asso-
ciation, 2014).
Em um estudo relacionado aos padrões de uso de álcool, tabaco
e drogas ilícitas na população brasileira, identificou-se que em 2006
o percentual de abstinentes do álcool era 48% (na população geral)
e em 2012 passou para 50%. Em 2006, 71% das pessoas que consu-
miam álcool relatavam beber até 4 doses em uma ocasião regular e
29% bebiam 5 doses ou mais. No entanto, em 2012, o percentual de
quem bebia 5 doses ou mais passou para 39% (Laranjeira, Madruga
& Pinsky, 2014), mostrando que as pessoas têm ingerido quantidades
maiores de álcool.
O abuso de álcool já um problema de saúde antigo que ainda
hoje traz impactos econômicos e sociais nas mais variadas comuni-
dades. De acordo com o III Levantamento Nacional sobre o uso de
Drogas na População Brasileira realizado por Bastos e colaboradores
(2017), 43,1% da população avaliada (entre 12 e 65 anos) ingeriu ál-
cool nos últimos 12 meses, sendo que 16,5% tem apresentado com-
portamento de binge (ingestão de 5 ou mais doses em um período de
aproximadamente duas horas).

- 240 -
O uso de tabaco tem se mostrado mais controlado, mas com da-
dos preocupantes sobre a quantidade de uso. Em 2006 a prevalência de
fumantes era de 20,8%, diminuindo 3,9 pontos percentuais em 2012,
sendo a prevalência maior entre homens. O consumo era de aproxi-
madamente 13 de cigarros por dia e em 2012 a média passou a ser 14
cigarros. Já entre os adolescentes a prevalência, em 2006, era de 6,2%
dependentes de tabaco e em 2012 passou para 3,4% (Laranjeira, Ma-
druga & Pinsky, 2014).
De acordo com o II Levantamento Nacional de álcool e drogas,
a substância ilícita mais consumida entre a população brasileira é a
maconha, tendo sido observado que 5,8% da população adulta decla-
rou ter usado a substância alguma vez na vida (cerca de 7,8 milhões de
brasileiros). Entre a população de adolescentes, o número é de 597 mil
indivíduos (4,3%) com uso de maconha. Além disso, 2,5% dos brasi-
leiros adultos e 3,4% dos adolescentes declararam ter usado maconha
nos 12 meses anteriores a pesquisa (Laranjeira, Madruga & Pinsky,
2014).
Em relação ao uso de cocaína, a prevalência do uso na vida na
população adulta é de 3,8% (5 milhões de indivíduos), e a prevalência
nos 12 meses anteriores a pesquisa é de 1,7% (2 milhões de indiví-
duos). Entre os adolescentes, 2,3% declararam ter utilizado pelo menos
uma vez na vida e 1,6% no ano anterior a pesquisa. Já a prevalência do
uso de crack nos 12 meses anteriores a pesquisa foi de 0,7% (800 mil
brasileiros) na população adulta, e entre os adolescentes a prevalência
foi de 0,8% e no ano anterior a pesquisa foi de 0,1%. É importante lem-
brar que a população de rua não foi contemplada na amostra estudada
por estes levantamentos, refletindo a população brasileira que não vive
em situação de rua (Laranjeira, Madruga & Pinsky, 2014).
Além dos dados sobre prevalência do uso de substâncias psi-
coativas, o levantamento domiciliar enfatiza a facilidade do acesso às
drogas. Os entrevistados consideravam fácil conseguir qualquer subs-
tância, e entre as classificadas como as de mais fácil acesso encon-
tram-se: maconha (65,1%), solventes (67,9%) e cocaína (51,1%). Estes
dados comparados ao levantamento realizado no ano de 2001 mostram
que houve um aumento na facilidade de obtenção das drogas, sendo
que as substâncias apontadas como as mais fáceis de adquirir foram:
LSD-25 (com 9,8% a mais de pessoas alegando ser fácil conseguir a
droga), heroína (com mais 8,5% de entrevistados) e o aumento na faci-

- 241 -
lidade de acesso ao crack (7,8% a mais de pessoas afirmando ser fácil
conseguir o crack). Os entrevistados relataram também que tiveram
algumas complicações decorrentes do efeito de álcool ou outras dro-
gas, como por exemplo: discussões, quedas, machucados, agressões e
complicações no trânsito. As consequências negativas constituem-se
parte de inúmeras intervenções para dependência química, uma vez
que mostram como a droga pode estar prejudicando o usuário de forma
concreta e abrangente.
O abuso de álcool, assim como de tabaco ou drogas ilícitas,
pode acarretar inúmeros problemas de ordem emocional, familiar, ocu-
pacional e financeira. Esses prejuízos acometem muitos usuários, que
com o passar do tempo vão precisando de ajuda profissional. O uso de
substâncias provoca uma ativação do sistema de recompensa do cére-
bro, produzindo sensação de prazer e assim reforçando a manutenção
do uso. De acordo com Lima e Ferreira (2015) pessoas com alguns
tipos de déficit nos mecanismos centrais de inibição estariam mais pre-
dispostos a desenvolver Transtorno por Uso de Substâncias.
Além destas alterações de ordem cognitiva, o uso de substâncias
pode estar associado ao desenvolvimento de comorbidades psiquiátri-
cas. Um estudo apontado por Lima e Ferreira (2015) revelou que 50%
das pessoas com Transtorno por uso de álcool apresenta alguma co-
morbidade, tais como: transtorno de humor, transtorno de ansiedade,
transtorno de personalidade antissocial ou esquizofrenia.
Muitos estudos em relação a tratamentos eficazes para cessação
do uso de drogas têm sido realizados. Os gastos com esses tratamentos
oneram o sistema público de saúde, pois os custos são altos, há perda
de produtividade e ocorrem inúmeros acidentes devido ao uso de dro-
gas lícitas ou ilícitas (Arnt, 2001). Desta forma, é importante pensar
em tratamentos eficazes para esta população, visando alternativas para
manter o usuário em abstinência, e diminuindo desta forma, as cons-
tantes internações para desintoxicação.
Conforme o plano emergencial de ampliação do acesso ao tra-
tamento e prevenção do uso de drogas, realizado pelo Ministério da
Saúde, os investimentos previstos chegam anualmente a centenas de
milhões de reais. Sendo assim, o custo do Sistema Único de Saúde
(SUS), por um único usuário, levando-se em conta as várias ocorrên-
cias de internação e as despesas recorrentes do tratamento posterior
deste paciente, é muito alto (Ministério da Saúde, 2017). Mediante
isso, é importante pensar em tratamentos eficazes para esta população,

- 242 -
visando à motivação do usuário para manter a abstinência e diminuin-
do desta forma as reinternações e prejuízos a saúde mental e/ou física.
A literatura aponta diferentes modelos de tratamento para usuá-
rios de drogas. Um dos modelos com boa resposta para o tratamento da
dependência química é a Terapia Cognitivo-comportamental (TCC).
O Modelo Cognitivo afirma que a partir de um estímulo (gatilho) são
disparados crenças e pensamentos automáticos relacionados ao uso,
gerando a fissura. Diferentes situações (conflitos, festas, situações es-
tressoras, etc.) ou estados de humor (depressão, ansiedade, frustrações,
etc.) podem ativar esse circuito, sendo consideradas situações de risco
para o uso. A partir desta ativação, crenças antecipatórias e de alívio
podem aparecer, funcionando como uma forma de validação para o uso
de substâncias. Isso funcionaria como um consentimento para o uso,
no qual a pessoa minimiza os possíveis danos que possa ter. Quanto
mais forte são essas crenças, maior a probabilidade de recaída. Assim,
a TCC procura identificar, avaliar e modificar essas crenças através de
técnicas como regulação emocional, resolução de problemas e reestru-
turação cognitiva (Beck, Wright, Newman, & Leise, 1993).
Outro modelo bastante utilizado para tratamento da dependên-
cia química é o Modelo Transteórico de mudança de comportamento
(MTT). Um estudo realizado sobre a aplicação deste modelo em usuá-
rios de drogas encontrou uma relação positiva entre o grau de motiva-
ção e o de dependência química, ou seja, quanto maior a motivação do
paciente mais grave era sua dependência por álcool. Esse dado mos-
tra-se relevante, pois alerta os profissionais para um direcionamento
diferenciado para esse tipo de paciente (Sousa, Ribeiro, Melo, Maciel,
& Oliveira, 2013).
O Modelo Transteórico preconiza que a mudança comportamen-
tal se constitui em um processo, que evoluiu a partir de alguns peque-
nos processos. Esta evolução depende de modificações de diferentes
níveis cognitivos e comportamentais. É neste sentido que o MTT pode
tornar-se uma potente intervenção capaz de promover mudanças que
perduram em longo prazo, uma vez que tratamentos baseados no MTT
possuem taxas de aderência mais elevadas (DiClemente, Schlundt, &
Gemmell, 2004).

Transtorno por uso de substâncias e Terapia do Esquema


Além dos modelos acima comentados para o tratamento do
Transtorno por uso de substâncias (TUS), destaca-se na atualidade o

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uso da Terapia do Esquema (TE). É uma abordagem que ficou ampla-
mente conhecida por sua efetividade no tratamento dos Transtornos
de Personalidade. A TE possui um modelo teórico integrativo, unindo
conceitos da Terapia Cognitivo-comportamental, Gestalt, Teoria do
Apego e modelo das relações objetais (Wainer & Rijo, 2016). Frente
aos bons resultados, a TE começou a ser testada para outros problemas/
transtornos e vem demonstrando importantes resultados, tais como
transtorno por uso de substâncias, transtornos alimentares e problemas
de casais, entre ouros.
Para melhor compreensão da TE em intervenções para Trans-
tornos por uso de substâncias, é importante destacar alguns de seus
constructos teóricos, tais como: EIDs, Domínios de Esquemas e Estilos
de Enfrentamento.
Os EIDs são conjuntos de crenças, que organizam padrões de
informações/representações de cada pessoa. Segundo Wainer e Rijo
(2016), os EIDs estruturam-se durante o desenvolvimento emocional
do indivíduo e criam estratégias de resposta comportamental, cognitiva
e afetiva frente a vida adulta. Os EIDs formam-se na infância, ado-
lescência e idade adulta e são validados como “verdades absolutas”,
sendo por vezes generalizados para diferentes áreas da vida. Young,
Klosko e Weishaar (2008) definem 18 EIDs, divididos em 5 Domínios
de Esquemas. Os domínios seriam as 5 etapas evolutivas nas quais a
pessoa constrói regras sobre pessoas e/ou situações. O Quadro 1 des-
creve a divisão dos 18 EIDs nos 5 Domínios de Esquemas.

DOMÍNIOS DE ESQUEMAS ESQUEMAS INICIAIS


DESADAPTATIVOS
Desconexão e Rejeição 1. Abandono/Instabilidade
2. Desconfiança/Abuso
3. Privação Emocional
4. Defectividade/Vergonha
5. Isolamento Social/Alienação
Autonomia e Desempenho 6. Dependência/Incompetência
Prejudicados 7. Vulnerabilidade ao Dano ou Doença
8. Emaranhamento/Self Subdesenvolvido
9. Fracasso
Limites Prejudicados 10. Arrogo/Grandiosidade
11.Autocontrole/Autodisciplina Insuficientes

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Direcionamento para o Outro 12. Subjugação
13. Autossacrifício
14. Busca de Aprovação/Busca de Reconhe-
cimento
Supervigilância e Inibição 15. Negativismo/Pessimismo
16. Inibição Emocional
17. Padrões Inflexíveis/Postura Crítica Exa-
gerada
18. Postura Punitiva

Quadro 1 – Divisão dos 18 EIDs nos 5 domínios da TE

A identificação os EIDs possibilita ao profissional desenvolver


uma conceitualização do caso de forma mais integradora e completa,
a qual tratará questões anteriores aos possíveis problemas atuais rela-
tados como queixa (Young et al., 2008). Desta forma, a hipótese de
que EIDs possam sustentar e manter comportamentos disfuncionais e
ligados ao consumo de substâncias é defendido em diversos estudos
(Shorey, Stuart & Anderson, 2012; Maciel, Tractenberg, Habigzang
& Wainer, 2013; Shorey, Stuart, Anderson & Strong, 2013; Simons,
Sistad, Simons & Hansen, 2018).
Os EIDs podem provocar sofrimento para determinada pessoa,
uma vez que se constituem de estratégias que em algum momento da
vida demonstraram eficiência, mas que atualmente não se mostram
adaptativas ou assertivas frente às situações. A manutenção de um es-
quema desadaptativo ocorre através de estilos de enfrentamento que
vão sendo elaborados a partir de diferentes situações. De acordo com
Young et al. (2008), existem 3 estilos de enfrentamento: resignação,
evitação e hipercompensação.
Além destes importantes construtos, Young et al (2018) afirmam
que existem 10 tipos diferentes de Modos de Esquemas Disfuncionais,
agrupados em quatro categorias: modos criança (os modos criança vul-
nerável, criança zangada, criança impulsiva/indisciplinada e criança
feliz); modos enfrentamento disfuncional (capitulador complacente, o
protetor desligado e o hipercompensador); modos pais disfuncionais
(pais punitivos e o pais exigentes) e modos adulto saudável. Os Modos
seriam uma unidade de análise diferente, que é capaz de agrupar os
esquemas e os torná-los mais manejáveis durante a terapia.

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Alguns protocolos para tratamento de uso de substâncias têm
sido baseados na TE. A Terapia do Esquema com duplo foco (TEDF)
foi desenvolvida por Ball e Young, e reuniu os construtos da TE e da
Prevenção à Recaída. Na TEDF entende-se que pessoas que possuem
TUS podem utilizar o uso de substâncias como estratégia de enfrenta-
mento. Ou seja, o uso de substâncias seria uma forma de manter os es-
quemas desadaptativos, colocando a pessoa em situações que reforcem
esquemas negativos sobre si ou sobre os outros (Maciel et al., 2013).
A revisão de literatura de Maciel et al. (2013) indicou que
determinados EIDs estariam diretamente correlacionados ao Transtor-
no por Uso de Álcool (TUA). Os autores citam o “Isolamento Social/
Alienação”, “Autossacrifício”, “Autocontrole/Autodisciplina Insufi-
cientes”, “Subjugação”, “Inibição emocional” e “Vulnerabilidade ao
Dano e a Doença” como os mais frequentes entre os estudos revisados.
Shorey et al. (2012) avaliaram os EIDs de dependentes de álcool e ob-
servaram a prevalência dos EIDs tais como os de Autossacrifício, Pa-
drões inflexíveis, Postura punitiva e Autocontrole/Autodisciplina insu-
ficientes. Além disso, os autores constataram diferenças na dominância
dos esquemas entre mulheres e homens dependentes, mostrando mais
um aspecto que merece a atenção dos profissionais de saúde.
A hipótese de que EIDs podem sustentar o abuso de substân-
cias foi considerada por Shorey et al. (2012) em estudo que avaliou
os EIDs em jovens dependentes de ópio. Trata-se do primeiro estu-
do para identificação dos 18 esquemas em uma amostra de pacien-
tes dependentes de ópio, constatando forte prevalência. Em relação à
adição, mulheres obtiveram maiores escores em 11 dos 18 esquemas
quando comparadas aos escores dos homens. Tanto nas análises da
amostra geral quanto nas amostras separadas por gênero, as pontua-
ções nos esquemas foram altas ou muitas altas, indicando a presença
dos esquemas nesta população de forma a ser um problema prevalente
(Shorey et al., 2012). Os resultados mostram que houve variações nas
pontuações de todos os EIDs, sendo o esquema de Autocontrole Insu-
ficiente e Auto-sacrifício os mais pontuados entre os participantes e
os menos pontuados sendo Fracasso, Privação Emocional, Isolamento
Social e Defectividade. Entre as mulheres os esquemas de Abandono
e Desconfiança/Abuso foram os mais fortemente pontuados, enquanto
que entre os homens os esquemas mais fortes foram Postura Punitiva
e Padrões Inflexíveis como os indicadores de problemas (Shorey et
al., 2012). Tais achados corroboram com as características emocionais

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e comportamentais descritas por Young et al. (2003), quando afirma
que pacientes com esquemas como Autocontrole insuficiente podem
apresentar Modos de Enfrentamento com comportamentos de abuso,
gratificação imediata e negação da dor/sofrimento.
Em estudo recente Zamirinejad, Hojjat, Moslem, Moghad-
damHosseini e Akaberi (2018) também com amostra de usuários de-
pendentes de ópio, os autores constataram menores pontuações nos es-
quemas de Auto-sacrifício, Arrogo/grandiosidade, Padrões Inflexíveis
e Fracasso, e através de análises por regressão logística, foi possível
afirmar que os esquemas de Privação Emocional, Desconfiança/Abuso
e Padrões Inflexíveis são preditores do abuso da substância. Tais resul-
tados corroboram com o estudo de Shorey et. al. (2013) ao considerar
a hipótese de que EIDs podem sustentar e/ou manter o uso de ópio.
O estudo de Boog, Van Hest, Drescher, Verschuur e Fran-
ken (2018) comparou os Modos de Enfrentamento dos Esquemas e
sintomas dos Transtornos de Personalidades entre dependentes de ál-
cool, dependentes de cocaína e um grupo controle sem diagnóstico. De
acordo com os resultados alguns Modos podem ser específicos em pa-
cientes com Transtorno por uso de substâncias, não havendo diferença
entre as substâncias que os pacientes usavam. Foi possível observar
que pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline possuem
sintomas mais agudos relacionados ao Transtorno por uso de substân-
cias e ressaltam que compreender a relação entre os esquemas e depen-
dência em pacientes com Transtornos de Personalidade pode colaborar
para o desenvolvimento de tratamentos mais efetivos para essa amostra
(Boog et al., 2018).
Ainda sobre os resultados do mesmo estudo, os participan-
tes dependentes tiveram maiores escores nos Modos auto-aliviador,
Criança Vulnerável, Criança Zangada, Criança Impulsiva e Pais Puni-
tivos que o grupo controle, não observando diferença nas pontuações
do Modos Protetor Desligado, Hipercompensador e Passivo/Agressi-
vo. A respeito de diferença entre a dependência de substâncias, ape-
nas pacientes dependentes de cocaína mostraram maiores pontuações
no escore para o Modo Criança Zangada. Em relação aos usuários de
álcool, os dados sugerem uma tendência no que diz respeito a Mo-
dos específicos para estes pacientes, nos quais Criança Vulnerável e
Criança Zangada apresentaram correlações positivas com o abuso da
substância (Boog et al., 2018).

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Os estudos empíricos revisados, nos quais as amostras eram
de universitários, obtiveram resultados relevantes no que se refere
aos EIDs que apresentam correlação ao consumo de álcool. O estudo
realizado por Díaz et al. (2010) buscou identificar a relação entre o
consumo excessivo de álcool e os EIDs em universitários na cidade
de Bogotá-Colômbia. Os resultados obtidos mostraram alto índice de
consumo prejudicial entre os estudantes e as maiores pontuações foram
nos esquemas de Autossacrifício e Padrões Inflexíveis, sendo maior
média de consumo e presença de médias superiores nos Domínios de
Desconexão/Rejeição, Autonomia/Desempenho Prejudicados, Limi-
tes Prejudicados e Supervigilância/Inibição entre as mulheres. Hou-
ve correlação significativa entre o consumo de álcool e os EIDs de
Abandono, Autocontrole/Autodisciplina Insuficientes, Desconfiança,
Vulnerabilidade ao Dano ou Doença, Inibição Emocional e Arrogo/
Grandiosidade (Díaz et al., 2010), reforçando a importância desses te-
mas serem trabalhados com usuários de álcool.
Uma revisão sistemática sobre os Transtornos por Uso de
Substâncias Psicoativas e os EIDs realizada por Rocha, Lopes e Lopes
(2019), apontou a necessidade de pesquisas futuras aplicando as téc-
nicas da TE como intervenção a usuários de substâncias e destacou o
modelo de intervenção a dependentes químicos desenvolvida por Ball
(1998), que alia as técnicas da TE com as técnicas do modelo de Pre-
venção à Recaída em casos de dependência química (Rocha, Lopes &
Lopes, 2019).
Outro estudo realizado por Lima e Ferreira (2018) avaliou os
EIDs de quatro usuários de álcool e/ou outras drogas, maiores de 18
anos. Os resultados mostraram que todos os usuários apresentavam im-
portantes EIDs ativos. Ou seja, para os autores o uso de drogas poderia
estar sendo mantido como uma estratégia de enfrentamento diante da
presença de EIDs, perpetuando-se assim um uso continuado.
Mea, Rhoden e Coelho (2018) realizaram um estudo com
usuários de crack a fim de identificar a presença de EIDs nesta po-
pulação. A amostra foi composta por cinco homens, maiores de 18
anos. De acordo com os resultados, foi possível identificar os seguintes
EIDs: Abandono, Autosacrifício, Privação Emocional e Padrões Infle-
xíveis. Os autores apontaram para a importância da identificação de
EIDs nessa população, pois assim o tratamento poderia ser melhor es-
truturado (tendo como foco a identificação e modificação de esquemas
disfuncionais) e com mais chances de sucesso.

- 248 -
Terapia do Esquema de Duplo Foco (TEDF)
Diante do visível aumento de estudos associando TE aos
Transtornos por uso de substâncias e das comprovações de suas cor-
relações, Ball (1998) integrou a Terapia do Esquema ao protocolo de
Prevenção à Recaída, desenvolvendo a TEDF. O criador da TEDF pro-
pôs que o processo psicoterápico deveria dar maios atenção terapêutica
aos sintomas dos Transtornos de Personalidade, tendo assim uma pos-
sível melhora referente aos sintomas que contribuem para as recaídas
dos Transtornos por uso de substâncias. Diante dos pressupostos dos
EIDs postulados por Jeffrey Young no inicio da década de 90, Ball
direcionou atenção às emoções dos pacientes usuários de substâncias.
Esta forma de compreender o paciente demonstrou resultados satisfa-
tórios, pois preconizou os conceitos da TE e não apenas a aplicação de
protocolos em que o foco são os comportamentos (Ball, 1998).
A TEDF se mostrou uma opção considerável para desenvol-
ver um tratamento mais integrativo. Sendo assim, Ball (1998) partiu
da hipótese de que a adaptação da TE ao protocolo de Prevenção à
Recaídas e maior foco em processos internos (como os EIDs e Modos
de Enfrentamento) poderia ajudar na efetividade de um tratamento que
visasse diminuir os sintomas que podem ser a base do TUS.
O protocolo proposto pela TEDF tem duração de 24 semanas,
mas o autor esclarece que o objetivo final não é extinguir qualquer
sintomatologia durante este período. Está claro para o criado da TEDF
que os sintomas podem ser crônicos e presentes por toda a vida. Ball
(1998) afirma ser necessária uma visão realista dos objetivos de um
tratamento para pessoas com Transtorno por uso de substâncias. Du-
rante a aplicação desta abordagem, podem emergir os seguintes aspec-
tos: criação de objetivos reais; tratamento em longo prazo; promoção
de maior qualidade de vida; e redução dos sintomas nos períodos de
abstinência, que pode intensificar os sintomas de determinadas comor-
bidades (Ball,1998).
A forma de funcionamento de pacientes com Transtornos de
Personalidade pode ser de difícil mudança, isto por que as crenças
construídas a partir da visão e percepção de si são equivocadas e cons-
troem complexos mecanismos internos. Estes mecanismos tornam-se
a base estrutural para a formação de um esquema (Ball, 1998). Ade-
mais Young et al. (2008) afirmam não ser o objetivo último de sua
abordagem a cura dos esquemas, e sim a psicoeducação dos pacientes

- 249 -
a respeito do funcionamento de seus esquemas para que possam ter
maior controle sobre a ativação dos mesmos e assim fazer com que os
esquemas percam força e enfraqueçam crenças disfuncionais.
O terapeuta em TEDF deve ter em mente que entrar em contato
com as emoções e experiências passadas da infância destes pacientes
pode ser a base do desenvolvimento dos sintomas e comportamentos
que sustentam tanto o transtorno por uso de substâncias como sintomas
de Transtornos de Personalidade ou outras comorbidades (Ball,1998).
A partir disto, a mudança cognitiva e comportamental do paciente pas-
sa a ser resultado da (1) empatia do terapeuta em compreender seu so-
frimento e suas necessidades emocionais (base dos esquemas e modos
de enfrentamento); (2) confrontação empática sobre comportamentos
e pensamentos disfuncionais; e (3) aliança terapêutica satisfatória para
evitar rupturas no tratamento.
Segundo Ball (1998) o tratamento em TEDF tem seu foco em
dois estágios: inicialmente o terapeuta compreende empaticamente a
história do paciente e os modos de funcionamento de seus esquemas e
modos de enfrentamento; e, apenas em um segundo momento o foco
se volta ao comportamento aditivo e sintomatologia associada. Sendo
assim, compreender as questões que deram origem aos problemas do
paciente e como foram desenvolvidas as estratégias de enfrentamen-
to relacionadas aos sintomas, possibilita que o paciente se sinta com-
preendido e pode auxiliar no entendimento de como o comportamento
de abuso de substâncias psicoativas pode estar relacionado a sintomas
decorrentes de transtornos de personalidade ou outras comorbidades
psiquiátricas (Ball, 1998). Desta forma, pacientes antes classificados
como “difíceis de tratar” passam a ser vistos, sob a ótica da TEDF,
como casos desafiadores (Ball & Young, 2000).
No primeiro estudo de Ball e Young (2000) em que foram apli-
cadas as técnicas da TEDF, o método foi realizado no tratamento de
três pacientes dependentes químicos, diagnosticados com Transtorno
de Personalidade. Foi aplicado um protocolo de 24 semanas com con-
teúdo e tópicos desenvolvidos por meio da avaliação e conceitualiza-
ção individual dos EIDs e Modos de Enfrentamento de cada paciente.
Incluiu ainda técnicas tradicionais de Prevenção a Recaída, Habilida-
des Sociais de enfrentamento, emoções e craving e técnicas específicas
da Terapia do Esquema para intervenções nos EIDs e Modos de En-
frentamento identificados (Ball & Young, 2000). Foi possível observar

- 250 -
diferenças entre os pacientes no que diz respeito às psicopatologias,
personalidade/funcionamento interno, EIDs, Modos de Enfrentamento
e respostas ao tratamento, ainda que todos apresentassem dependência
química combinada a um dos Transtornos de Personalidade (Ball &
Young, 2000).
No entanto, um estudo posterior de Ball e Cecero (2001) con-
cluiu que a intensidade de cada Transtorno de Personalidade está liga-
da a um perfil específico de funcionamento interno, assim como seus
esquemas e subjacências. Os autores apontaram que um método de
múltipla avaliação dos sintomas é fundamental para conceitualizações
de casos de dependência com comorbidade de Transtornos de Perso-
nalidade, ressaltando o papel da identificação dos EIDs para diferen-
ciações entre os sintomas caracteriológicos de cada transtorno (Ball &
Cecero, 2001).
A respeito do papel da atividade do profissional na recupera-
ção dos pacientes, Ball (2007) realizou um estudo que comparou a
aplicação do Manual de TEDF e do Protocolo de 12 Passos em pa-
cientes dependentes de substâncias com Transtorno de Personalidade.
Os resultados mostraram que os participantes que foram submetidos
à TEDF obtiveram uma diminuição mais rápida que o outro grupo na
frequência do uso de substâncias depois de seis meses, associando a
TEDF a uma aliança terapêutica mais satisfatória (Ball, 2007).
Em um estudo com 105 participantes, Ball, Maccarelli, LaPa-
glia e Ostrowski (2011) encontraram resultados divergentes aos de
pesquisas anteriores e levantaram questões a respeito da efetividade
do método inovador. Tal estudo comparou dois grupos de dependentes
de substâncias com e sem Transtorno de Personalidade ao passarem
por intervenções em TEDF e Aconselhamento Individual durante seis
meses. Diante dos resultados foi possível constatar que os pacientes,
com diferentes transtornos, que estavam em tratamento pelo método de
Aconselhamento Individual mostraram melhores resultados multifato-
riais quando comparados aos pacientes do grupo de TEDF, tendo como
uma possível justificativa a familiaridade ao primeiro método por parte
dos usuários e profissionais, e considerando a ansiedade causada pelo
material do tratamento relacionado aos Esquemas e Modos de Enfren-
tamento (Ball et al., 2011).
A utilização de técnicas e instrumentos da TE faz com que pa-
cientes se sintam totalmente compreendidos em suas histórias de vida,

- 251 -
validando emoções e reações comportamentais, atuais e do passado.
Com o uso da TE é possível desenvolver programas, associados a abor-
dagem de Prevenção a Recaída, estruturados individualmente (Ball,
1998), respeitando as necessidades não atendidas de cada paciente e
focando no que em cada caso transforma-se um uma situação de risco
para retornar ao padrão anterior. Com isso é possível valorizar a apli-
cabilidade das intervenções propostas pela TEDF, no entanto não se
pode ignorar a relevância e consolidação dos tratamentos tradicionais
desenvolvidos para dependentes químicos.

Considerações Finais
Diante do exposto é possível compreender as importantes con-
tribuições da Terapia do Esquema no tratamento do TUS. Diferentes
estudos citados neste capítulo apontam para as significativas correla-
ções entre a presença de EIDs e a manutenção do uso de substâncias.
Ball (1998) integrou a TE ao protocolo de Prevenção à Recaída, de-
senvolvendo a TEDF, que vem se destacando e revelando importan-
tes resultados na intervenção para dependência química. Shorey et al.
(2012) reconhecem que a TEDF pode ser efetiva em casos em que são
constatados a existência de EIDs relacionados ao uso de substâncias
psicoativas.
O que se pode observar em diversas pesquisas baseadas em evi-
dências na área da TE, que tem como objetivo a identificação dos EIDs,
é a limitação sobre o tamanho das amostras. Inúmeros estudos apresen-
tam dados relevantes e significativos de associação entre os EIDs e a
dependência química, porém as amostras são pequenas, prejudicando
a generalização dos achados. Novos estudos, com amostras maiores,
necessitam ser feitos a fim de reforçar a importância da TE para tra-
tamento dos Transtornos por Uso de Substâncias. Além disso, os es-
quemas não têm caráter estável e podem oscilar sua força e ativação
de acordo com os acontecimentos e experiências do paciente (Young
et al., 2008), o que se torna uma limitação quanto a estudos transver-
sais. Uma vez que os esquemas podem estar mais ou menos ativados
dependendo da situação em que o paciente se encontra, estudos lon-
gitudinais poderiam trazer mais respostas relacionadas à manutenção
da dependência química associada ao enfrentamento de esquemas ou
modos disfuncionais.
Assim, a partir do que foi exposto, fica claro que é importante a
identificação de EIDs nos pacientes com TUS, ampliando a compreen-

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são de fatos relevantes na infância/adolescência e possíveis estratégias
perpetuadas e que se relacionam com o atual consumo de drogas. No
entanto, pode-se dizer que ainda é escassa a produção científica em
relação à associação entre TE e abuso de substâncias.

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- 255 -
- 256 -
CLÍNICAS DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO:
TERRITÓRIOS EM CONSTRUÇÃO
Rinaldo Conde Bueno
Izabel C. Friche Passos
Cláudia M. Filgueiras Penido

Resumo: O capítulo expõe e discute três propostas de reconfiguração da clínica no


campo da saúde mental coletiva no Brasil: a clínica antimanicomial, a clínica pe-
ripatética e a clínica ampliada. Desenvolvidas em contextos de profunda transfor-
mação da assistência em saúde pública nas últimas três décadas no país, cada uma
delas possui em comum o diálogo com a ideia-força de desinstitucionalização, de
forte influência da Psiquiatria democrática italiana, mas fundamentando-se cada
qual em perspectivas teórico-filosóficas próprias, porém não-antagônicas. Todas
elas indicam, mais que a necessidade, a possibilidade de transformação efetiva
das práticas em saúde no sentido de sua maior democratização e de construção da
cidadania.

Introdução
Este capítulo traz para discussão três propostas de reconfigura-
ção da clínica no campo da saúde mental coletiva no Brasil, são as cha-
madas: clínica antimanicomial, clínica peripatética e clínica ampliada.
As duas primeiras, intimamente relacionadas ao processo de Reforma
psiquiátrica, fazem uma interlocução estreita e fecunda com a terceira
delas, ligada à atenção básica em saúde. Cada uma delas foi desenvol-
vida em contextos de profunda transformação da assistência em saúde
pública nas últimas três décadas no país.
O contexto brasileiro de Reforma psiquiátrica delineia-se como
um campo significativo de grandes avanços permeados por retrocessos
que se entrelaçam e consolidam sua história singular (Amarante, 2015;
Onocko-Campos, 2019).
A ruptura com o modelo manicomial (dominante no país por
mais de duzentos anos), produzida pelo movimento nacional de Refor-
ma psiquiátrica, pode ser evidenciada, em termos práticos, com a mon-
tagem, em 1987, do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)
Professor Luiz da Rocha Cerqueira, na cidade de São Paulo, e com
a “tomada da Casa Anchieta”, em Santos, que substituiu o hospital
psiquiátrico privado da cidade pelos Núcleos de Atenção Psicossocial
(NAPS). Os dois processos, pautados pela tradição basagliana de cui-
dados no território e com ênfase na desinstitucionalização (Basaglia,

- 257 -
1985; Rotelli, De Leonardis, Mauri & Risio, 1990; Passos, 2009) tive-
ram enorme repercussão na sociedade brasileira como um todo.
Já em 1989 foi apresentado o Projeto de Lei 3.657/89, pelo de-
putado federal petista Paulo Delgado, que só se tornaria lei em 2001, a
Lei 10.216, após muita luta para sua aprovação que gerou alterações na
proposta original (Brasil, 2001). Na nova lei aprovada ficou garantida a
substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por outros disposi-
tivos de cuidado territoriais e comunitários. Ainda na década de 1990,
o movimento de reforma fez florescer muitas leis estaduais anteriores à
nacional, no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Ceará, Rio de Janeiro,
São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Neste período, em que
fervilham transformações no sentido da redemocratização da socieda-
de brasileira, torna-se essencial destacar a promulgação da Constitui-
ção de 1988 que impulsionou a Reforma sanitária sustentada há mais
de uma década por movimentos sociais, compostos por trabalhadores
da área da saúde, intelectuais e representantes da sociedade civil.
O Sistema Único de Saúde (SUS), criado por lei em 1990, con-
cretiza a determinação constitucional de que a saúde é um direito do ci-
dadão e um dever do Estado e assim novas perspectivas de prevenção,
promoção e cuidados com a saúde começam a se redesenhar. Os pila-
res principais desta nova política de saúde apoiam-se na valorização de
conceitos como descentralização, municipalização, território, vínculo,
responsabilização de cuidados e controle social. Ferreira Neto (2017)
indica que as políticas públicas são:
‘’resultantes de um processo de lutas, de relações de poder,
envolvendo diferentes atores sociais, que podem ter início, in-
clusive, fora do Estado, visando construir um aparato jurídico
institucional que oriente a resolução de conflitos em relação
aos bens públicos. Esse processo de lutas não se encerra com
a regulamentação legal, mas sofre inflexões ao se instituciona-
lizar, podendo inclusive ter enfraquecida parte de sua potência
inovadora (p.33).

Apesar de as leis por si sós não garantirem o melhor caminho


para uma sociedade mais justa e inclusiva, o autor chama a atenção
para uma questão de suma importância: tornar instituído o que antes
eram forças instituintes presentes, desde a década de 1970, nas lutas
sociais no âmbito da saúde coletiva e da saúde mental.
Estruturas extra-hospitalares de saúde mental, em estreita rela-
ção com a Atenção Básica em Saúde, foram paulatinamente incorpora-

- 258 -
das nesse processo. O Programa de Saúde da Família (PSF), surgido na
década de 1990 e elevado ao plano de Estratégia de Saúde da Família
(ESF), na década seguinte, de forma mais estruturada e com uma im-
portante capilaridade nas redes de saúde na maioria dos municípios
brasileiros, contribui para consolidar as diretrizes preconizadas pelo
SUS. A partir da década de 2000, mais recursos são investidos em
saúde mental pelo Ministério da Saúde (MS) visando reverter a lógica
hospitalocêntrica, com redução drástica de leitos psiquiátricos em todo
o país. São abertos muitos CAPS, para atenção à crise e aos casos de
maior gravidade e persistência de transtornos mentais; é criado o Pro-
grama de Volta pra Casa e o fomento para a estruturação de Serviços
Residenciais Terapêuticos (SRT) para pessoas com histórico de longos
períodos de internação; há ampliação dos serviços que assistem pes-
soas usuárias de drogas; são financiadas supervisões clínico-institucio-
nais, dentre muitos outros dispositivos de cuidado6.
Ferreira Neto, prosseguindo sua reflexão, aponta que a passa-
gem das reivindicações sociais para a regulamentação estatal traz ga-
nhos, por possibilitar a ampliação dos avanços sociais, com garantias
de aportes de recursos orçamentários. De outro lado, afirma que há per-
das neste processo no que toca à inventividade política e à expressão de
novas dimensões da complexidade da vida coletiva, além do esmoreci-
mento de parte da autonomia própria dos movimentos sociais (Ferreira
Neto, 2017). Segundo Merhy (2013), o trabalho em saúde mental:

“só vinga se estiver colado a “uma revolução” cultural do ima-


ginário social, dos vários sujeitos e atores sociais, ou seja, se
constituir-se, também, como gerador de novas possibilidades
anti-hegemônicas de compreender a multiplicidade e o sofri-
mento humano, dentro de um campo social de inclusividade e
cidadanização.’’ (p.216).

A luta política pela inclusão social e pela cidadania não deve


ser despotencializada no processo de Reforma, para não se incorrer no
risco de involução do percurso. Para além dos muitos desafios e preca-
riedades de toda ordem que a Reforma ainda tem de enfrentar (alguns
6 Segundo fonte do Governo Federal, em 11 anos o Brasil reduziu em 38,7% os leitos de hospitais psi-
quiátricos, substituindo-os por modelos comunitários e territoriais e pela criação de Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS). Em 2005, eram 40.942 leitos psiquiátricos e em dezembro de 2016, os registros
do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) computavam apenas 25.097 leitos e uma
redução do percentual de gastos com a rede hospitalar de 75,24% para 28,91%. Em paralelo, a quantidade
de CAPS subiu de 424, em 2005, para 2.500, em 2019. O percentual de gastos relacionadoscom a saúde
mental aumentou de 24,76% para 71,09% em investimento financeiro nos equipamentos substitutivos no
mesmo período (Brasil, 2019).

- 259 -
falam em reforma da Reforma), é preciso mais do que nunca, em um
cenário de riscos concretos de retrocesso, pensarmos a clínica como
inseparável da política. Isto implica (re)pensar a clínica em um terri-
tório de extensas desigualdades sociais, que deve se comprometer em
criar meios mais eficazes de acesso da população às diversas formas
de tratamento e de assistência, envolvendo conjuntamente trabalhado-
res, gestores e comunidade nas lutas políticas que se interessam pela
transformação de um país. Mas que clínica seria essa? Precisamos nos
perguntar continuamente: como andam nossas clínicas? Como fazê-las
de forma potente e com resultados positivos para quem ela se ende-
reça? Que tipo de clínica pode se esperar em um contexto público de
assistência? Enveredando pelo fazer clínico, é fundamental, como aler-
ta Eduardo Passos (2013), pensar que a clínica não se faz por “espe-
cialismos”, isto é, por saberes estandardizados. Ela se faz “caminhan-
do”, sendo colocada em questão e transitando entre outras disciplinas
filosóficas, humanas e sociais. Sua especialidade está na experiência
do saber-fazer, que extrapola qualquer setting pré-definido. E. Passos
(2013) infere que:

A clínica é mais um saber-fazer (knowhow) do que um saber-o-


-que-deve-ser-feito (knowwhat). Um saber-fazer que se faz na
experiência, sem distância, saber imediato ao que acontece, isto
é, um saber da experiência. Estranha afirmação que coloca para
nós o problema do agente desse saber, o problema do suposto
sujeito desse saber. O saber-fazer da experiência clínica é um
saber para o qual o “quem sabe” é sempre problemático. Um
saber da experiência, entendendo-se por essa expressão menos
um saber sobre a experiência, do que um saber realizado a partir
da experiência (p.218).

Ainda segundo E. Passos (2013), a clínica se faz entre os ato-


res que se envolvem em uma situação específica. “É nesse entre-dois,
neste interstício da relação, nesse ponto não localizável ou nesse não
lugar (um u-topos) que a experiência clínica se situa” (E. Passos, 2013,
p.219). É com esta clínica feita nesse não lugar que pensamos em um
desvio da maquinaria científica. A clínica que queremos discutir aqui
é aquela capaz de agir para transformar a vida das pessoas em uma
dimensão muito além da “boa saúde” funcional. Como diria o filósofo
Gilles Deleuze (1992), é preciso “forçar nosso pensamento”, sair do
estado estático e movimentar-nos pelos processos inovadores e criati-

- 260 -
vos no que diz respeito às novas clínicas e aos novos espaços territo-
riais, incluindo aí uma ampla ação política.
Abordamos, a seguir, alguns movimentos nacionais que de-
monstram claramente um viés não manicomial e colocam o Brasil no
rol de países com relevantes experiências no plano da Reforma psi-
quiátrica. A cartografia dessas práticas mais recentes, que aqui estamos
chamando de clínicas da desinstitucionalização, tem o intuito de fazer
bifurcar os caminhos dos interessados no tema e suscitar ou alimen-
tar outras formas de fazer e de pensar o cuidado no campo da saúde
mental, nos espaços da vida em seus territórios. Uma trajetória brasi-
leira com as marcas e influências da desinstitucionalização, em seus
caminhos traçados mais recentemente, tem características de uma prá-
xis que se pode dizer mestiça, acompanhando a definição de e Rolnik
(2005). Cada qual com desenvolvimentos próprios e peculiares, mas
tendo como ponto de partida comum e fundamental as singularidades
da loucura no fazer de clínicas alcançáveis e acessíveis ao coletivo.

A clínica antimanicomial
O Movimento Antimanicomial ou Luta Antimanicomial
(Lama), é um marco fundamental no processo de Reforma Psiquiátrica
nacional. Nesta experiência, é destacado o “envolvimento da sociedade
civil, sobretudo através da organização de técnicos, familiares e usuá-
rios no movimento da luta antimanicomial” (Minas Gerais, 2006). A
sociedade civil apresenta-se como um importante conector no cuidado
e na assistência da loucura, sendo a participação social um veículo es-
sencial para a tão ensejada conquista da cidadania. Para que isso possa
ser alcançado, os militantes (como preferem ser denominados os ato-
res, loucos ou não, da Luta Antimanicomial) preconizam que é preciso
construir um espaço social onde a loucura encontre algum cabimento
(Lobosque, 1997). Esta é uma das diretrizes principais da Lama, com
destaque para o extermínio progressivo dos hospitais psiquiátricos e
sua substituição por serviços substitutivos (ou seja, tudo que não for
manicomial, hospitalocêntrico) eficazes na assistência às pessoas com
sofrimento mental7. Em sintonia com a proposta basagliana da destrui-
ção total do manicômio pretendida ainda nos tempos da experiência
de Gorizia (Basaglia, 1985; Magalhães & Onocko-Campos, 2016), a
7 Este segmento da pesquisa apoia-se principalmente no movimento da clínica antimanicomial ocorrido e
teorizado em Minas Gerais por meio do Programa Saúde em Casa – Linha-Guia de Saúde Mental (Minas
Gerais, 2006) e da produção da psiquiatra mineira Ana Marta Lobosque, em especial.

- 261 -
clínica antimanicomial considera que a humanização, ou moderniza-
ção, dos manicômios é incompatível com a proposta de viabilização da
cidadania proposta pela Lama.
A Luta Antimanicomial ou Movimento Antimanicomial, dora-
vante designada de clínica antimanicomial, teve influência direta do
Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) e da mobi-
lização social acerca de melhores formas de tratamento para os loucos.
A cidadania foi colocada nas pautas de discussão da nossa Reforma.
Para iniciar de forma contundente a ruptura com o modelo hegemô-
nico médico-centrado, a negação da exclusão deveria ser fortemente
combatida, por meio da extinção dos hospitais psiquiátricos e da cons-
trução de redes de assistência na cidade que oferecessem às pessoas
assistidas a efetivação de seus direitos civis. Portanto, pode-se afirmar
que a clínica antimanicomial tem um viés de luta política, demons-
trando claramente sua filiação à tradição basagliana (Amarante, 1995).
Em seu livro Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiá-
trica no Brasil, Amarante (1995) desenvolve uma importante pesqui-
sa sobre o histórico da assistência psiquiátrica no Brasil, suas lutas e
transformações, desde a implantação do primeiro hospital psiquiátrico
nacional, o Hospício Pedro II, no Rio de Janeiro. Também, aborda a
sequência de encontros, acontecimentos e guinadas ocorridas no Brasil
no âmbito da Reforma Psiquiátrica e aponta as primeiras discussões
e os caminhos acerca do Movimento Antimanicomial brasileiro, des-
cendente direto do MTSM. Discute, de maneira muito interessante e
precisa, a influência que o movimento italiano – a tradição basaglia-
na, denominação que ele mesmo dá – exerceu no começo da Reforma
brasileira. Não pretendemos retomar detalhadamente as bases dessa
discussão. Percorreremos aqui as terras de Minas, em suas influências
nacionais e internacionais, considerando que neste estado importantes
mudanças e reconfigurações aconteceram relativas ao que, seguindo
Lobosque (1997), propomos estudar como clínica antimanicomial.
Em Minas Gerais pode-se identificar em sua capital e, por ex-
tensão, em alguns municípios mineiros, o contexto das mudanças em
relação à Reforma Psiquiátrica em três momentos: o de “implantação”,
nos anos de 1980; o “antimanicomial”, nos anos de 1990; e o de “apoio
matricial”, nos anos 2000 (Ferreira Neto, 2017).
O momento de “implantação” é caracterizado pela ação dispersa
dos profissionais de saúde mental, com forte inclinação para o atendi-
mento das demandas clínicas voltadas para as crianças. Havia nota-

- 262 -
da ênfase na integração da saúde mental no campo amplo da saúde,
com apoio técnico no nível primário. O momento “antimanicomial”
aborda a mudança radical da experiência belorizontina a partir de uma
ruptura com o modelo de assistência anterior, que dividia a atenção
sanitária em “primária”, “secundária” e “terciária”, sendo o hospital
psiquiátrico o ponto forte do período de “implantação”. Foram criados
os Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM), inspirados
nos Centro de Saúde Mental (CSM) italianos, que, a partir de 2001,
com a promulgação da Lei 10.216 (Brasil, 2001), tiveram, como todos
os outros serviços de saúde mental brasileiros, seus nomes e funções
atribuídas segundo normas (e financiamentos) do Ministério da Saúde
(MS) e denominados de CAPS. Aos pacientes graves, especialmente
aos psicóticos, pela primeira vez, foi destinada uma rede ampla de cui-
dados, que pretendia obscurecer o processo de internação psiquiátrica
como ponto central do tratamento dessas pessoas. A psicanálise tem
uma inserção significativa nessa nova composição de trabalho da rede
de saúde mental, permanecendo ainda hoje com algum destaque entre
os trabalhadores, gestores e supervisores de vários municípios de Mi-
nas Gerais. Entretanto, são visíveis alguns momentos de “separação”
dos militantes da clínica antimanicomial com a ortodoxia de alguns
seguidores da psicanálise, evidenciando certo afastamento do saber
freudiano com a proposta de um trabalho territorial, aberto e avesso
a técnicas e vocações terapêuticas predeterminadas (Lobosque, 2001).
A aproximação desta fase de estruturação “antimanicomial”
com movimentos sociais e grupos/associações de usuários e familia-
res constituiu também, uma característica forte desta fase. Finalizan-
do essa divisão entre os momentos citados, o “apoio matricial”é, por
força das diretrizes legais que ampliaram a rede de serviços sanitários
encabeçadas pelo PSF, uma estratégia que visa fortalecer os sistemas
municipais, possibilitando uma reorientação estrutural entre a Atenção
Básica e a Saúde Mental. Sinteticamente, as Equipes de Saúde Mental
(ESM) devem ofertar um apoio matricial às Equipes de Saúde da Fa-
mília (ESF), o qual se traduz em orientações, supervisões, ações con-
juntas e, especialmente, a corresponsabilização dos casos comuns per-
tencentes aos territórios de atuação das equipes. Ferreira Neto (2017)
afirma que a partir dessas ações relativas ao apoio matricial fica evi-
dente um “movimento de interação e diálogo” (p. 121), fundamental
para um trabalho que pretende dar conta de uma assistência territorial
em saúde. Ocorre neste ínterim o fortalecimento dos vínculos entre os

- 263 -
usuários com transtornos mentais e a unidade de saúde onde ele está
lotado, ficando os CAPS somente como uma possibilidade de acolhi-
mento em momentos de crise (Ferreira Neto, 2017). No tópico dedi-
cado à Clínica Ampliada retornaremos ao assunto do apoio matricial
relacionado ao cenário nacional.
Belo Horizonte não foi um palco solitário no processo de mu-
danças relativo às experiências com a loucura no estado. O interior
também teve importante participação neste contexto. Betim, Brumadi-
nho, Itaúna e João Monlevade, para citar alguns exemplos, desenvol-
viam um trabalho no início da década de 1990 em que a atuação dos
profissionais nos serviços de saúde mental estava voltada à construção
da cidadania junto aos tecidos sociais e tensionava os impasses gera-
dos pelo convívio do socius com a loucura no território (Minas Gerais,
2006; Lobosque, 1997). Muitos encontros com usuários, familiares,
técnicos e sociedade civil eram realizados nos âmbitos municipal e
estadual e consolidavam as bases que orientavam o Movimento An-
timanicomial no estado de Minas Gerais. Sem dúvida, a influência do
MTSM e do “Congresso de Bauru” teve papel preponderante nesse
processo. As cidades mineiras articulavam encontros com usuários, fa-
miliares e trabalhadores de saúde mental para trocar suas experiências
e dificuldades. A abrangência do trabalho em saúde no país como um
todo neste período dava-se por meio de estruturas precárias, especial-
mente no interior, com prioridade para os atendimentos emergenciais
em hospitais gerais e pronto-socorro.
Lobosque (1997) cita que três princípios são importantes para
que uma prática da clínica antimanicomial seja efetivada: o da singu-
laridade, o do limite e o da articulação. No primeiro, o ideário indivi-
dualista deve ser substituído pela produção de um coletivo de grande
expressividade, com a articulação de diversas singularidades entre si.
É preciso levar em consideração a “discordância fundamental”, sendo
a clínica uma espécie de facilitadora do sujeito. No segundo, a autora
indica a necessária conexão com o princípio anterior para dar cabo a
qualquer movimento que induza a exclusões em relação à diferença
que a loucura provoca na cultura, pelo seu excesso ou desordenamento
característico. Introduzir o louco na cidade é reinventar os próprios
limites que a sociedade impõe às diferenças, sendo necessária uma clí-
nica que faça a interlocução com outras práticas e pensamentos.
Por fim, Lobosque (1997) infere a provisão de uma clínica que
faz interlocução com outras práticas e pensamentos. Entende-se que

- 264 -
uma sociedade sem manicômios exige transformações sociais que en-
globam as áreas econômica, política e ideológica do socius. De forma
autônoma em relação aos entes governamentais, a clínica antimani-
comial deve articular-se com outros movimentos sociais com posição
política incisiva e que vise ao exercício da cidadania.
A Linha-Guia de Saúde Mental de Minas Gerais especifica e,
ao mesmo tempo, aproxima as questões centrais dos movimentos so-
ciais aos da clínica antimanicomial. Ela considera que os movimentos
sociais objetivam “propiciar que indivíduos, grupos e coletividades se
tornem protagonistas de sua história, capazes de reunir em sua ação as
questões de interesse geral às particularidades da sua identidade pes-
soal e coletiva” (Minas Gerais, 2006, p.90). Lüchmann e Rodrigues
(2007) apontam que os movimentos sociais são “ações coletivas de ca-
ráter fragmentário e heterogêneo que destinam boa parte de suas ener-
gias e recursos para o gerenciamento de sua complexidade” (p.400).
Os autores continuam a reflexão:

Além do que, os movimentos sociais, nas sociedades complexas,


são redes de ações que desenham uma estrutura submersa, um
mosaico formado por indivíduos e grupos que, em estado de
latência, gestionam, no cotidiano, as lutas, reflexões e os ques-
tionamentos acerca da realidade social. A visibilidade ocorre nas
ocasiões de mobilizações coletivas que trazem à esfera pública,
a partir de manifestações, protestos, encontros, eventos, a con-
densação, socialização, os conflitos e recriações deste mundo
latente (p.401).

Para que a clínica antimanicomial tenha êxito em suas propo-


sições, Lobosque (2001) sugere que as “experiências com a loucura”
devam ser entendidas como questão do sujeito. São considerados qua-
tro pontos fundamentais para que tal experiência aconteça: a dimensão
da subjetividade nas experiências da loucura (em particular) e na luta
política (em geral); a extinção do hospital psiquiátrico e sua substi-
tuição por um modelo assistencial radicalmente diverso; a presença e
produção das experiências da loucura no espaço da cultura; e um movi-
mento social capaz de organizar o combate sobre as diferentes formas
de exclusão da loucura. Para Lobosque (1997):

Uma clínica poderá dizer-se articulada quando levar em conta


as configurações da ordem pública em que se inscreve, preocu-

- 265 -
pando-se em modificá-las; quando, considerando a dimensão de
seu trabalho para cada paciente, ocupar-se das questões públicas
cuja abordagem se faz indispensável para garantir a possibilidade
mesma desse trabalho (p. 24).

Com uma crítica acentuada ao tecnicismo exercido em diversos


modelos reformistas, a clínica antimanicomial desconstrói os saberes
prefixados da clínica hegemônica e propõe, tal como podemos iden-
tificar na clínica de La Borde, na França, e na tradição basagliana, a
participação dos técnicos da saúde mental em ações não estritamente
clínicas ao lado dos usuários. Dessa maneira, acontecem assembleias,
passeios, festas, oficinas e atividades coletivas que favorecem “a li-
gação visceral deste trabalho com o mundo – ligação esta que marca,
justamente, sua intrínseca diferença ante o hospital psiquiátrico” (Lo-
bosque, 1997, p.65).
Os serviços devem pensar seu funcionamento distanciando-se
dos hospitais psiquiátricos e dos ambulatórios, para se reorganizarem
em serviços territorializados e em franca sintonia com a saúde pública
e outras instâncias assistenciais, como a educação, o serviço social, o
sistema jurídico e os movimentos sociais. Para a Linha-Guia de Saúde
Mental (Minas Gerais, 2006), a Reforma Psiquiátrica deve sedimentar-
-se em algumas perspectivas específicas para se consolidar de acordo
com os ditames antimanicomiais. Objetivamente, tais perspectivas se
dão: pela superação do modelo hospitalocêntrico (incluindo a supera-
ção total do hospital psiquiátrico), pelo respeito às singularidades dos
usuários, pela crítica ao tecnicismo, pela coragem do pensamento (que
conclama os militantes a tecerem suas práticas com formação teórica
e crítica no campo da saúde mental e disciplinas afins), pela implan-
tação de uma rede de serviços substitutivos (os CAPS, os centros de
convivência, as moradias protegidas ou não, os núcleos de produção
solidária, as unidades básicas de saúde, etc., priorizando o atendimen-
to aos casos mais graves), pela presença na cultura, pela interlocução
constante com os movimentos sociais, pela defesa do Sistema Único
de Saúde, pela perspectiva da intersetorialidade e pela transformação
social.
A luta política é uma característica destacada do movimento an-
timanicomial. O espaço público, que demonstra a inspiração mineira
no movimento italiano, deve ser um lugar onde as singularidades per-
petuem, caracterizando uma “subjetividade política”, feita nas ruas e

- 266 -
com muitas diferenças. É preciso executar, segundo os militantes do
Movimento Antimanicomial, “a transformação da presença da loucu-
ra no espaço social” (Lobosque, 2001, p. 146), e não permitir que os
estilos da loucura sejam uniformizados como doenças e segregados
aos ditames científicos normalizadores. Segundo Lobosque (1997), a
exclusão da subjetividade e da condição de sujeitos:

‘’nos retira o direito de ser diferentes uns dos outros, de termos


nossas próprias indagações, nossos próprios projetos, nossas
próprias escolhas. As disciplinas psi se apegam a um ideal de
normalidade: são tidos como portadores de problemas psíquicos
todos os que não se ajustam a certas regras de viver consideradas
válidas para todos’’ (p.67).

Lobosque (1997) sugere que, mesmo não sendo a rua um lugar


ordenado para a circulação pública, é sempre nela o local possível para
a errância e o extravio dos sujeitos, onde o que não cabe em cada um de
nós tem lá o seu lugar. Nesta linha de raciocínio, a rua precisa ser vista
como o próprio lugar de inserção social, de coletivos ou indivíduos
singulares que têm nela seu lugar e seu território. A cidadania toma
contornos irrefutáveis na clínica antimanicomial, pois sem o reconhe-
cimento dos direitos civis das pessoas com transtornos mentais e a
abertura de possibilidades para que elas tenham a dignidade de morar,
trabalhar e de fazer laços sociais e pertencer/conquistar seu território, o
processo de exclusão torna-se imperativo e a assistência volta-se para a
saúde, para os indivíduos enfermos (Basaglia, 1985).
A clínica antimanicomial ultrapassa a dicotomia entre clínica e
política penetrando no campo de batalha das transformações sociais e
de resistência ao poder (Minas Gerais, 2006). Lobosque (2001) infere
que a luta antimanicomial deve se posicionar no front de combate a
qualquer tipo de exclusão que “dessubjetive” a loucura. Aspira-se a
uma clínica que lute politicamente e que marque o pertencimento da
loucura na cidade e em qualquer um de nós, como fizeram os italia-
nos com a invasão de Trieste pelos loucos, trabalhadores e apoiadores
basaglianos com seu Marco Cavallo8. Enfim, uma clínica que tome
8 Marco Cavallo é o símbolo do movimento triestino de reforma psiquiátrica. Era um cavalo que fazia
o transporte interno de roupas à lavanderia, de descartes e outros materiais dentro do antigo manicômio
de Trieste. Como estava muito velho e sem condições de fazer as trações que lhe eram impostas, seria
sacrificado. Alguns usuários fizeram então uma carta, em nome de Marco, pedindo uma pensão e que ele
vivesse no próprio espaço em que trabalhou toda a vida. E também que gozasse o resto de seus dias ali,
como pensionista. O município concordou e Marco Cavallo viveu no Comprensorio San Giovanni até sua
morte natural.

- 267 -
partido e se posicione frente diante das relações de poder e que exerça
“a experiência política da democracia” (Id. Ibid p.176).

A clínica peripatética
A clínica peripatética9 é um estilo clínico inovador criado por
Antonio Lancetti, psicólogo argentino de orientação teórico-prática
deleuziana e institucionalista, que viveu no Brasil desde o final da
década de 1970 até seu falecimento em 2016. O termo peripatético
significa “conversar caminhando”, “passear”, tal como fazia Aristóte-
les com seus alunos na Grécia antiga. É também inspirado na “terapia
peripatética” de Freud, em que o psicanalista vienense, em alguns ca-
sos, passeava com seus pacientes realizando sessões analíticas. Sobre
sua inspiração em Nietzsche, Lancetti afirma que o filósofo alemão
acreditava que era por ocasião das caminhadas que as principais ideias
surgiam. Sustenta ainda, que sua grande influência foi a clínica carto-
gráfica desenvolvida por Deleuze e Guattari (Lancetti, 2016).
A clínica peripatética foi idealizada com base em um fazer prá-
tico, que procura abarcar pessoas que fogem aos protocolos clínicos
convencionais. Lancetti (2006 e 2016) pontua que os borderlines, os
violentos, os esquizofrênicos, os jovens e os abusados sexualmente pe-
los parentes são pessoas que necessitam de uma clínica em movimen-
to, “dentro-fora” dos consultórios, que demandam um corpo a corpo
situacional que dê suporte à produção de vidas e subjetividades. Essa
prática territorial, que abre caminhos, provoca aberturas e deslocamen-
tos, articula o fora das subjetividades marginalizadas a outros terri-
tórios, atualizando o real com a liberdade das ações compartilhadas,
indo “do exílio à cidadania” (Lancetti, 2016, p.17). Transitar com os
pacientes pela cidade, proporcionando uma interação com terceiros
em locais diversos, além de ser uma inovação na conduta terapêutica
com pacientes psicóticos ou “desadaptados”, é uma forma inventiva e
transformadora de clinicar, com uma potência de mudança importante.
Muitas vezes, é a única forma de possuir um comando no tratamento
de crônicos ou pessoas longamente institucionalizadas. Essa possibili-
dade pode ter um alcance bem maior no devir do tratamento do que as
clássicas sessões no setting de um consultório (Bueno, 2016).
Em sua participação na intervenção na Casa de Saúde Anchie-
ta de Santos (SP), Lancetti mostrou que houve um processo de três
etapas, caracterizado por momentos intensos em que os cenários fo-
9 Esta parte do texto está baseada, em especial, no livro Clínica peripatética de Antonio Lancetti (2016).

- 268 -
ram construídos, conturbados e demolidos. Ocorreu a apropriação do
espaço-tempo da casa, assim como o reconhecimento do território e
dos cuidados com as pessoas ali asiladas. Simultaneamente, deram-se
diversos enfrentamentos com a Justiça e com os antigos dirigentes da
instituição e muitos obstáculos no contato da loucura com a cidade.
Depois, foi preciso demolir o que restava de manicomial naquele es-
paço para a produção de novos territórios, novos coletivos, em uma
desconstrução manicomial reterritorializada em uma clínica antimani-
comial para “pôr as pessoas de pé” (Lancetti, 2016, p.22).
A experiência de Santos, com seu vivo processo de invenção e
construção, foi uma demonstração incisiva do ato de desinstituciona-
lizar, em que a experimentação peripatética teve fértil cabimento. Um
território repleto de outsiders, loucos, borderlines e doentes mentais de
toda a sorte começa a fabricar ferramentas de trabalho e modos de agir
que reinventam o universo desolado desses sujeitos. Da nulidade de
intercâmbio que acontecia dentro da Casa Anchieta, os protagonistas
da mudança inverteram as relações dobrando a instituição para fora.
Ou seja, trouxeram a cidade para dentro do hospital, por meio de inú-
meros eventos, e estenderam o hospital para fora, com outros eventos e
conexões com as diversas redes do serviço público e da comunidade. O
hospital passou a exercer a função de hospedaria para quem precisasse
de cuidados específicos, tais como procedimentos clínicos, encontros
com familiares ou acolhimento de crises agudas. Mas também passou a
figurar como uma espécie de terminal de encontros, conector de vias e
territórios para que o “terror”10 não fosse tomado como signo mais im-
portante na volta dos ex-asilados à sua comunidade (Kinoshita, 1996).
Em termos deleuzianos, pode-se inferir que houve uma pro-
dução inteiramente nova e criativa, que forjou territórios existenciais
expressivos e deslocou o pensamento coletivo para ações novas, trans-
versais e transdisciplinares. A ação dos técnicos e assistidos invadiu
a cidade e provocou o agenciamento das multiplicidades que experi-
mentaram na comunidade novos espaços de cuidado e de produção de
vida que até então eram apenas virtualidades. A cidade foi invadida
por processos e encontros de sociabilidade e cidadania que capturaram
outros coletivos em outros lugares e outras cidades brasileiras.

10 Retomamos aqui o significado que Haesbaert (2011) atribui a território, que advém de terra e terror,
para expandir a ideia de Deleuze e Guattari sobre a desterritorialização. Em sua pesquisa, o autor indica
que quem detinha um pedaço de terra (jus terrendi), também exercia o “direito de aterrorizar” quem
invadia seu espaço.

- 269 -
Uma intervenção pensada pela clínica peripatética é a “pedago-
gia da surpresa”. A estratégia consiste em se utilizar do fator surpresa
para antecipar-nos ao paciente ou à pessoa que se quer abordar. Dessa
maneira, evitam-se os desvios ou as negativas de interpelação ou de
intervenção agendada. Quando o encontro é favorecido pela surpresa,
evita-se a força do poder de polícia médica e constrói-se a “ascendên-
cia afetiva”, uma espécie de poder conquistado pelo terapeuta quando
ele se dispõe a afetar e ser afetado, colocando seu corpo no ato terapêu-
tico e provocando a continuidade do processo de mudança em âmbito
de franca liberdade.
Também a experiência de Lancetti com o Projeto Qualis, de-
senvolvido em São Paulo, em 1998, trouxe uma forma de lidar com
as populações assistidas pelo PSF bastante original e que tinha como
fundamento a promoção da cidadania e da solidariedade entre a rede
pública de saúde e as pessoas do território de referência das equipes.
As equipes volantes de saúde mental, inspiradas na experiência do Pro-
grama de Agentes de Saúde (PAS), desenvolvido em algumas regiões
do País na década de 1980, eram compostas por trabalhadores do PSF
e, em sua maioria, por agentes comunitários de Saúde (ACS). Havia
a determinação na equipe de que o saber deveria ser sempre compar-
tilhado, sendo ele no âmbito técnico, científico, cultural ou popular.
Uma grande articulação da rede sanitária com a comunidade era exer-
cida principalmente pelo fato de os ACS serem membros da comuni-
dade e integrantes do PSF (Lancetti, 2016). Certamente, esses dados da
clínica peripatética não causam surpresa, pois tal formato de trabalho
está prescrito nas diretrizes da ESF e na Política Nacional de Atenção
Básica (PNAB), lançada oficialmente pelo MS11,que amplia as ações
dos ACS (Brasil, 2012).
Na implantação do projeto, discutido no processo de formação e
treinamento das equipes, tinha-se a intenção de diferenciar o novo pro-
grama da ação normalizada das equipes, produzindo novas formas de
intervenção, com base nas próprias diretrizes que o SUS define como
fundamentais para o exercício pleno da cidadania. De forma sucinta,
elencamos as cinco propostas fundamentais do Qualis/SP: o usuário
é procurado onde está, isto é, em sua casa ou na comunidade; as pes-
soas e seus grupos familiares são conhecidos pelos nomes e histórias
11 O PSF iniciou suas atividades em 1994. Ao longo dos anos, tem expandido sua área de atuação. De
2006 em diante, já com a denominação de ESF, o MS ampliou ainda mais as ações na área da Atenção
Básica, com forte entrelaçamento com a Saúde Mental. Veremos mais acerca deste tópico na discussão
sobre clínica ampliada à frente.

- 270 -
de vida; a equipe deve resolver o máximo das demandas em sua re-
gião, evitando encaminhamentos desnecessários; deve-se coletivizar
as ações em saúde; deve-se centralizar o trabalho na equipe e não no
médico (Lancetti, 2002).
A radicalidade do projeto está no fato de que o “comum”12, exal-
tado por Lancetti (2016), vai além da extensão geográfica da comuni-
dade, “é baseado na comunicação entre singularidades e se manifesta
por meio de processos sociais de cooperação e produção. As singulari-
dades não são tolhidas no comum” (p.94). Os ACS atuam diretamente
e com conhecimento de causa no contexto existencial das pessoas da
comunidade, no comum e no comunitário. Sua potência está na produ-
ção de uma comunicação de singularidades manifestada nos processos
colaborativos e sociais que expressam uma nova soberania democráti-
ca. “Inserir o conceito de comum na clínica é fundamental para elabo-
rar projetos terapêuticos.” (Id. Ibid., p.124).
Duas definições da práxis peripatética vinculam-se aos terapeu-
tas que trabalham em movimento, são elas: a “função-bá” e o “amigo
terapêutico”. Na primeira, Lancetti considera que, por terem os peripa-
téticos saído do consultório, eles exercem uma função que é considera-
da tão subalterna quanto à das babás; ou seja, executam trabalhos “me-
nores”. Entretanto, é pontualmente a função de cuidar e nunca desistir,
de sustentar um tratamento, que diferencia esta equipe interprofissio-
nal. Mesmo com novas recaídas, problemas com o contexto familiar
e outros surtos, o “cuidado funciona abrindo e fechando o processo
terapêutico” (Lancetti, 2016, p.106). A equipe com “função-bá” supor-
ta as intempéries de um processo que, por vezes, se torna difícil e, ao
mesmo tempo, conecta-se a outros trabalhadores e parceiros com ter-
ritórios que se abrem e conduzem a novos fazeres produtores de vida.
O “amigo terapêutico”, para Lancetti (2006), carrega consigo
a afeição e oferta de confiança, colocando-se como “um igual na re-
lação”. Por meio da amizade, que é terapêutica, o autor afirma que tal
relação se transforma em um aliado para a fuga da subjetividade escra-
vizante na qual a pós-modernidade encerra as pessoas. A conjunção
amigo-terapeuta é “uma relação de aliança: especialmente nas horas
em que atravessa com o parceiro o limiar dentro-fora da instituição de
internação. É o momento de felicidade do setting móvel, quando vêm
à tona lembranças antigas, sonhos, projetos” (p.116).

12 Lancetti baseia-se na conceituação de comum de Antonio Negri e Michael Hardt, autores dos livros
Império e Multidão(2001) e Multidão: Guerra e democracia na era do Império(2005).

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Para Lancetti, a amizade é um dos grandes acontecimentos da
experiência humana. Ele cita o filósofo grego Cícero para reforçar a
função da amizade na vida das pessoas, levando em conta a questão
da afeição. Se numa relação entre parentes podemos ter acabada nossa
afeição e a relação continuar, na amizade, a relação será extinta se isso
acontecer. A afeição substanciada na amizade pode ser capaz de “furar
o cerco das separações, das cisões que sustentam o muro e justificam
o fracasso da psiquiatria, da psicanálise e da psicologia com certo tipo
de pessoa aqui em pauta” (Lancetti, 2016, p.24). A amizade pode ser
compreendida aqui como uma das funções paradoxais empreendidas
por Lancetti para contrapor a ordem clínica vigente e construir, por
meio do vínculo e da afetação recíproca, territórios potentes para o
cultivo da vida e da solidariedade entre as pessoas. Enfim, uma clínica
artesanal, como o autor propõe, com diversas maneiras de atuar e de
produzir a clínica peripatética.
A “complexidade invertida” é outro conceito paradoxal inven-
tado pela práxis peripatética de Lancetti para dar conta da burocracia
e do afastamento em que, muitas vezes, a clínica hegemônica e tecni-
cista se vê enredada. Para o autor, a hierarquização dos procedimentos
de saúde, que vai da simples à alta complexidade, tende a obscurecer
determinadas ações em saúde por categorizar os processos e não levar
em consideração o território existencial das pessoas, propondo inter-
venções no corpo, descrito em sua acepção biológica. As intervenções
convencionadas como complexas, especialmente as hospitalares, têm
para Lancetti um sentido contrário: são procedimentos simples e que
tendem à simplificação, tornando o paciente cada vez mais “simples”
e empobrecido. Percebe-se neste ponto uma aproximação com o pro-
testo firme e interminável que AntoninArtaud impunha a seus algozes
manicomiais toda vez que ele tinha uma crise psicótica aguda e era for-
çado a internar-se. Artaud insistia que o tratamento destinado aos “en-
carcerados da sensibilidade” era uma violenta intervenção contra seus
corpos imposta pela ditadura social, que impede os homens de pensar
e agir livremente. Afirma ironicamente que a sabedoria “sobrenatural”
da psiquiatria, ao exercer a coerção para curar algo legítimo como o
delírio, era algo absolutamente desproporcional. O dramaturgo francês
afirmava que era inadmissível frear uma produção delirante, tomada
por ele como algo lógico e natural, como qualquer outra sequência de
ideias e atos humanos. Para Bueno (2016) o protesto de Artaud faz
enorme sentido, também quando se pensa no sistema de cura imposto

- 272 -
pelo saber-médico científico, que confunde “a matéria com o espírito”
ou, pelo menos, considera muito mais as afecções somáticas do que as
existenciais e psíquicas. Para Lancetti (2016), as ações em saúde men-
tal no território transcendem o caráter geográfico para se imiscuírem
nos universos culturais locais e na vida das pessoas, sendo por isso, ex-
tremamente complexas. Em suas Sínteses Metodológicas(2002), Lan-
cetti infere que as pessoas não são acometidas por transtornos mentais
e físicos separadamente. Portanto, devem ser consideradas “as condi-
ções ambientais, sociais e mentais [que] formam parte de ecologias
inter-relacionadas” (p.117). As ações devem considerar o fato de que o
paciente, antes de ser um “ente” psicopatológico, é um cidadão.
A complexidade das intervenções se faz a partir da substituição
da ação de contenção pela continência, que induz a equipe a trabalhar e
suportar as crises com o “contato físico, com presença e firmeza e fun-
damentalmente sem a clausura que implica trancar alguém num quar-
to forte” (Lancetti, 2016, p.108). O autor indica que este ato provoca
o exercício da “democracia psíquica”, definida como uma estratégia
tecida pela equipe para suportar as relações dos vínculos e das trans-
ferências que uma intervenção requer e, ainda, reconhecer os signos
e representações sociais que os pacientes e suas famílias têm sobre o
mundo. É preciso, dessa maneira, fabricar coletivamente novos mun-
dos existenciais, elaborando um projeto terapêutico “ao mesmo tempo
singular e coletivo” (Id. Ibid, p.109). A “complexidade invertida” leva
em consideração a intensidade dessas novas redes que se formam e
se reterritorializam com outros interlocutores, gerando novos efeitos,
agenciamentos e paradoxos de um setting clínico em movimento, que
acontece no âmbito territorial.
Antes de morrer prematuramente, em 2016, Lancetti ainda par-
ticipou de outro projeto ambicioso e inovador, o “Programa de braços
abertos”, de cuidados em rede às pessoas usuárias de drogas, na ci-
dade de São Paulo. O projeto enfrentou a difícil tarefa de combater o
que Lancetti chamou no seu último livro Contrafissura e plasticidade
psíquica (Lancetti, 2015) de “adição punitiva e fissura repressiva da
guerra às drogas”. Convicção presente em muitos profissionais da saú-
de, na maioria dos juízes, promotores e políticos e na quase totalidade
da polícia, o punitivismo aniquila e destroça ainda mais aqueles que
deveriam receber cuidados e em quem deveríamos ajudar a despertar
o cuidado de si. Esta foi uma experiência que aliou às ideias da clínica

- 273 -
peripatética o desafio enorme de reconstruir a convivência democrática
no coração de uma megalópole. Este último livro é de leitura impres-
cindível para quem quer repensar formas de tratar o uso problemático
de drogas sem cair nos equívocos do proibicionismo, do punitivismo
ou da exigência cega de uma abstinência compulsória.

A clínica ampliada
Como exposto na introdução, as propostas clínicas tratadas nes-
se capítulo foram desenvolvidas em contextos de transformação da as-
sistência em saúde pública nas últimas três décadas no país. A clínica
ampliada, proposta mais comumente associada à Atenção Básica, foi
encampada pelo Ministério da Saúde a partir da Política Nacional de
Humanização da atenção e da gestão na saúde (PNH), conhecida como
HumanizaSUS (Curvo; Matos; Sousa & Paz, 2018). Criada em 2003
com base na sistematização de experiências do chamado “SUS que
dá certo”, as quais o MS pretende aprimorar e multiplicar (BRASIL,
2009a), a PNH propõe a valorização dos processos de mudança dos
sujeitos na produção da saúde. Nesse sentido, reforça na agenda da
saúde o debate sobre os modelos de atenção e gestão e a formação de
profissionais de saúde. A clínica ampliada foi adotada como uma das
diretrizes da PNH. Embora não se refira especificamente a um tipo de
clínica da saúde mental, ela reativa a concepção de integralidade, um
dos princípios fundadores do SUS, e ressitua a saúde mental no âmbito
do cuidado em saúde.
Pode-se dizer que a necessidade de ampliação da clínica acom-
panhou, de alguma forma, a ampliação do conceito de saúde. No mun-
do, a Organização Mundial de Saúde (OMS) oficializou esta ampliação
em 1948, passando a considerar a saúde como o estado do mais com-
pleto bem-estar físico, mental e social e não mais ausência de doença.
No Brasil, em contexto de redemocratização do país, a emblemática
VIII Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 1986, ampliou da
seguinte forma o conceito de saúde:

Em sentido amplo, a saúde é a resultante das condições de ali-


mentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho,
transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e
acesso aos serviços de saúde. Sendo assim, é principalmente
resultado das formas de organização social, de produção, as
quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.
(Brasil, 1986: 4).

- 274 -
A ampliação do conceito de saúde interroga especialmente as
práticas clínicas na Atenção Básica, devido às suas características tais
como a integralidade, a continuidade do cuidado, a atuação como porta
de entrada e a responsabilidade pela coordenação do cuidado (Almei-
da, Medina, Fausto, Giovanella, Bousquat & Mendonça, 2018).
O conceito de clínica ampliada, tal como adotado pelo Ministé-
rio da Saúde, foi originalmente formulado na Teoria/Método Paideia,
do sanitarista brasileiro Gastão Campos. Campos (2005) defende que
a reforma da clínica moderna deve se assentar sobre um deslocamento
de ênfase da doença para o Sujeito concreto, no caso, um Sujeito por-
tador de alguma enfermidade, operando-se o que denomina de “Clínica
do Sujeito”. Curiosamente, o Sujeito referido por Campos é fundamen-
tado em Basaglia, importante psiquiatra reformista italiano.
Basaglia optou pela estratégia de colocar a doença entre pa-
rênteses para evidenciar um Sujeito concreto, social e subjetivamente
constituído. Entretanto, Campos amplia a ideia de Basaglia propondo
uma nova dialética entre Sujeito e doença: nem a anti dialética po-
sitivista da Medicina – que fica com as doenças, descartando-se de
qualquer responsabilidade pela história dos Sujeitos concretos, nem a
revolta do que considera o outro extremo – a doença entre parênteses,
tal como em Basaglia. Ou seja: trata-se de uma clínica centrada nos Su-
jeitos, nas pessoas reais e na sua existência concreta, mas que também
considera a doença como parte dessa existência. (Campos, 2005). A
síntese dialética entre o sujeito e sua doença resulta, portanto, em uma
ampliação do objeto de saber e intervenção da clínica.
É preciso deixar claro que o termo ‘’ampliada’’ não remete a
uma desqualificação do conhecimento biomédico, mas à sua ressignifi-
cação em contexto diverso do hospital, mediante a constatação de que
ele “é profundamente insuficiente, para não dizer danoso, quando utili-
zado de forma excludente, principalmente na Atenção Básica” (Cunha,
2005, p.121).
Segundo Campos e Amaral (2007), são duas as ampliações fun-
damentais da clínica. A primeira diz respeito ao objeto de trabalho,
que ultrapassa a doença, responsabilizando-se pelo risco e a vulnera-
bilidade. Já a segunda compreende o objetivo do trabalho clínico, que
também buscará a autonomia do usuário. Para Campos (2005), a clíni-
ca ampliada é sobretudo pertinente em casos de enfermidades ou defi-
ciências crônicas, de longa duração e, em geral, incuráveis - como é o

- 275 -
caso dos usuários que apresentam sofrimento mental grave. Essas pes-
soas geralmente são muito dependentes de algum tipo de apoio técnico
(como medicação ou reabilitação física, por exemplo) e sujeitas a certa
inferiorização decorrente da sua enfermidade, segundo ele. Ainda, elas
tendem a se expor de forma mais acentuada às dificuldades do contexto
e se beneficiam de programas sociais específicos como cooperativas de
trabalho, apoio educacional, etc. (Campos, 2005). Ainda, em acordo
com o referido autor, o Ministério da Saúde prevê que “quanto mais
longo for o seguimento do tratamento e maior a necessidade de par-
ticipação e adesão do sujeito no seu projeto terapêutico, maior será o
desafio de lidar com o usuário enquanto sujeito, buscando sua partici-
pação e autonomia em seu projeto terapêutico” (Brasil, 2009b, p. 10).
Ao mesmo tempo em que interroga as práticas clínicas, a com-
plexidade inerente à ampliação do conceito de saúde também convoca
um necessário compartilhamento da clínica entre os profissionais. A
ampliação da clínica na Atenção Básica é um dos objetivos dos Nú-
cleos Ampliados de Saúde da Família-Atenção Básica (NASF-AB),
criados em 2008 pelo Ministério da Saúde13. Os NASF são equipes
multiprofissionais que atuam junto aos profissionais das equipes de
Saúde da Família ou Atenção Básica, apoiando-os por meio de práticas
compartilhadas em saúde, nas áreas sob sua responsabilidade. Nesse
processo, o apoio matricial é considerado uma ferramenta tecnológica
para organizar e desenvolver o processo de trabalho dos NASF (Brasil
2009a; Castro, Nigro & Campos, 2018).
De forma geral, o apoio matricial é um arranjo organizacional e
também uma metodologia. Do ponto de vista prático, tal arranjo pode
se desenvolver de três formas: troca de conhecimento e de orientações
entre Equipe de Saúde da Família/Atenção Básica – considerada equi-
pe de referência – e apoiadores; atendimentos e intervenções conjuntas
entre profissional de referência e apoiador; e atendimentos ou interven-
ções complementares especializadas por parte do próprio apoiador. Em
todas essas possibilidades, a equipe de referência é a que permanece
responsável pela condução dos casos, mesmo quando algum tipo de
apoio especializado se faz necessário. Desta forma, o apoio matricial
oferece tanto retaguarda assistencial quanto suporte técnico-pedagógi-
co às equipes de referência, considerando-se que nenhum especialista,
13 A denominação Núcleo Ampliado de Saúde da Família-Atenção Básica (NASF-AB) passou a vigorar
desde a publicação da nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) em 2017, substituindo a desig-
nação Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), utilizado na portaria de sua criação, em 2008 (Brasil,
2008). De forma geral, optamos pelo uso da sigla mais consagrada, NASF, mesmo nos referindo aos dias
de hoje.

- 276 -
isoladamente, pode assegurar uma abordagem integral (Campos & Do-
mitti, 2007; Castro & Campos, 2016).
Nessa lógica, o apoio matricial privilegia o exercício interdisci-
plinar a favor do cuidado integral em saúde e estimula a ampliação da
clínica pelo compartilhamento de saberes e responsabilidades, apos-
tando no aumento da capacidade de análise e intervenção da Atenção
Básica (Castro & Campos, 2016; Brasil, 2014; Campos, 2005).
Na portaria que criou o NASF (Brasil, 2008) há uma recomen-
dação explícita de que seja disponibilizado pelo menos um profissional
de saúde mental em cada equipe, dada a magnitude epidemiológica dos
transtornos mentais. O apoio matricial em saúde mental, “[...] como
um artifício que produz resistência à captura manicomial, em favor da
desinstitucionalização e do modelo psicossocial” (Lima & Dimenstein,
2016, p. 632) é, em si, uma oportunidade de ampliação da clínica das
equipes de referência.
Há também autores que defendem o benefício da articulação
entre Atenção Básica e Saúde Mental para a ampliação da clínica dos
próprios profissionais de saúde mental. Para Nunes, Jucá e Valentim
(2007, p. 2.381), a clínica ampliada impacta práticas conservadoras,
provocando a percepção de que, “ [...] além de um sujeito do incons-
ciente, é preciso se tratar do ser de necessidades, muitas vezes situado
em condições excludentes e de baixo poder de contratualidade” (Nunes
et al., 2007). Da mesma forma, Bezerra e Dimenstein (2008) destacam
que conhecer os usuários, famílias e território a partir da Unidade Bá-
sica de Saúde (UBS), em contrato de responsabilidade sanitária mútua
com a equipe de saúde da família, amplia o olhar dos profissionais da
saúde mental.
Entendemos que um dos efeitos desinstitucionalizadores da pro-
posta da clínica ampliada é uma certa liquefação da dicotomia saúde
coletiva-saúde mental, o que muitas vezes dificulta o acesso dos usuá-
rios em sofrimento mental aos serviços da Atenção Básica e colabora
para práticas manicomiais. O dispositivo do apoio matricial, que obje-
tiva a ampliação da clínica, é uma oportunidade para os profissionais
de saúde mental praticarem uma clínica não só voltada à assistência
direta, mas também voltada à formação de profissionais generalistas da
saúde coletiva, que também se ocupam do cuidado em saúde mental.
Esse exercício interroga a clínica da saúde mental fundada em especia-
lismos e redutos protegidos, jogando-a no mundo. Pode-se dizer, nesse
sentido, que o exercício da clínica ampliada colabora para o avanço da
Reforma Psiquiátrica.

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Comentários finais
Todas essas três clínicas, ou modos de repensar/praticar/nomear
as clínicas, escolhidas por nós para discussão, têm em comum o fato de
terem sido possíveis a partir de processos complexos de construção ou
reconstrução de redes institucionais abrangentes. As duas primeiras, a
clínica antimanicomial e a clínica peripatética, concretizadas e inven-
tadas no bojo de processos de desinstitucionalização na saúde mental,
implicaram em uma reconfiguração profunda das redes assistenciais
púbicas de duas importantes cidades brasileiras. Belo Horizonte, con-
siderada possuir uma das redes de atenção psicossocial mais comple-
xas e bem implantadas em uma capital brasileira até hoje, e a cidade
de Santos que ousou realizar a primeira grande experiência radical de
reforma psiquiátrica no país. Ambas são exemplos de um esforço de
construção de redes substitutivas ao hospital psiquiátrico e, como tal,
dependentes de um firme protagonismo de governos locais comprome-
tidos com o SUS e com a Reforma psiquiátrica.
A base de sustentação teórico-prática da clínica antimanicomial
incorpora muito de perto o ideário italiano da Psiquiatria democráti-
ca, mas, diferentemente da experiência basagliana, sem abrir mão de
uma fundamentação teórico-clínica para o atendimento aos transtornos
mentais, de envergadura psicanalítica. A clínica peripatética, também
de forte traço desinstitucionalista, para além de um saber “psi”, faz
uma importante interlocução com a esquizoanálise deleuze-guattaria-
na. A clínica ampliada, por sua vez, envolvendo a atenção básica, mas
em estreita cooperação com a saúde mental, ou mesmo inspirada na
desinstitucionalização italiana, como reconhece seu principal autor,
Gastão Wagner de Souza Campos, só pôde surgir, ser pensada e prati-
cada em um contexto de uma rede territorial e tentacular como a ESF,
que se constitui como uma das principais estratégias da política púbica
de saúde, que chamamos no Brasil de forma singular e politizada de
Saúde Coletiva. Como vimos, sua visada teórico-conceitual tem forte
embasamento na dialética marxista, ou neomarxista.
São clínicas interdependentes de todo um arranjo de políticas
públicas que lhe deem sustentação e, por isto, não são fáceis de serem
exercidas, efetivamente praticadas. Dependem de decisões políticas
e de governanças decididas a democratizar a saúde nas cidades, nos
estados e no país. Santos, por exemplo, viu todo o esforço de muitos
anos se perder com a alternância de forças políticas no governo local

- 278 -
que fizeram regredir o processo de desinstitucionalização na cidade.
São também clínicas que envolvem, por conseguinte, novos modos de
formação menos especialistas e corporativistas de profissionais para
a saúde. Mas a transformação das formações destinadas a esses pro-
fissionais, seja em nível de graduação ou de pós-graduação, já é uma
outra difícil história, a ser igualmente reinventada.

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AUTORES

Nazaré Maria de Albuquerque Hayasida. Psicóloga, Pós Doutoranda


em Psicologia (PUCRS/RS), Docente da Graduação e do Programa de
Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Amazonas, Lí-
der do Laboratório de Investigação em Ciências Cognitivas – LABICC/
UFAM. Fundadora e Coordenadora do Centro de Serviço de Psicologia
Atendimento – CSPA (1993- 1998). Terapeuta Certificada pela Federação
Brasileira de Terapias Cognitivas- FBTC. Formação em Terapia Focada
em Esquemas pelo Wainer Psicologia/ISST- NY. Membro da Diretoria
da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar- SBPH (Gestão 2017-
2019 e 2019-2021). Membro do GT Processos, Saúde e Investigação
em uma perspectiva Cognitivo-Comportamental- Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia ANPEPPE. E-mail: haya-
sidanazare@hotmail.com
Gisele Cristina Resende. Psicóloga, Doutora em Psicologia (USP/
RP, 2017), Docente da Graduação e do Programa de Pós-graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Amazonas. Membro do Labora-
tório de Avaliação Psicológica (LAP/UFAM), Membro da Associação
Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos (ASBRo) e da Associação
Brasileira de Orientação Profissional (ABOP). E-mail: giseleresende@
ufam.edu.br
Adriana Rosmaninho Caldeira de Oliveira. Possui graduação em psi-
cologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC -
RIO 1988), especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Regional de
Psicologia do Rio de Janeiro (CRPRJ 2000) mestrado em Educação em
Ciências e Saúde pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (NUTES/
UFRJ 2002) e doutorado em Educação pela Universidade de Sorocaba
(UNISO - 2015). Professora Adjunto II da Universidade Federal de
Minas Gerais, Professora Colaboradora do Programa de Mestrado em
Psicologia da UFAM. Professora Colaboradora do Programa Pós-Gra-
duação Interdisciplinar de Estudos da Condição Humana da UFSCar.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Saúde Mental e Sociedade”
(UFSCAR). Desenvolve pesquisa e extensão principalmente junto aos
seguintes temas: comunidades e contextos de vulnerabilidade; processos
psicossociais, subjetividade, cultura e processos identitários regionais,
análise de serviços de atenção a indivíduos e grupos em vulnerabilidade.
E-mail: arcaldeirao@gmail.com

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Alcielle Libório Caranha. Psicóloga. Universidade Federal do Ama-
zonas. Laboratório de Avaliação Psicológica – LAP. Programa de Pós-
-Graduação em Psicologia. Manaus, AM, Brasil. E-mail: psi.alcielle@
gmail.com
Bianca Nunes Régis. Psicóloga. Especialista em Terapia Cognitivo-
-comportamental. Integrante do Laboratório de Investigação em Ciências
Cognitivas– LABICC/UFAM. E-mail: biancanregis@hotmail.com
Bruno de Albuquerque Hayasida. Discente de graduação em Odonto-
logia (UFAM). Integrante do Laboratório de Investigação em Ciências
Cognitivas– LABICC/UFAM. E-mail: brunorohayasida@hotmail.com
Cláudia M. Filgueiras Penido. Professora adjunta do departamento
de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora do Laboratório
de Grupos, Instituições e Redes Sociais (LAGIR/UFMG). Graduação
em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(1990); mestrado em Psicologia Social (2002) e doutorado em Saúde e
Enfermagem (2012), ambos pela Universidade Federal de Minas Gerais,
tendo feito doutorado sanduíche nas Universidades de Cergy-Pontoise e
Paris VIII. Participa da Rede Internacional RECHERCHE AVEC, envol-
vendo universidades do Brasil, França e Canadá e é vice-coordenadora
do GT Políticas de subjetivação e invenção do cotidiano da Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP). Tem
trabalhado com Saúde Mental na Atenção Primária, Clínica Ampliada em
Saúde, apoio matricial, NASF, Humanização em Saúde, Construção da
autonomia, Equipe multiprofissional e Interdisciplinaridade em Saúde,
Educação permanente em Saúde e Práticas Antimanicomiais. E-mail:
claudiamfpenido@gmail.com
Carolina Jean Pinheiro. Psícóloga, Mestra em Psicologia pelo PPGPSI/
UFAM. E-mail: caroljpinheiro@gmail.com
Denise Machado Duran Gutierrez. Psicóloga, Doutora em Saúde
Coletiva, Professora Associada I da Faculdade de Psicologia da Univer-
sidade Federal do Amazonas – UFAM. E-mail: dmdgutie@uol.com.br
Djuliane Maria Gil SchaekenRosseti. Psicóloga, Mestre em Psicologia
pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Fede-
ral do Amazonas (PPGPSI / UFAM). E-mail: djuli_ro7@hotmail.com
Eduardo Oliveira de Souza. Graduando em Psicologia-UFAM.
E-mail: eduardo.oliveira.manaus@gmail.com

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Ewerton Helder Bentes de Castro. Prof. Dr. Docente do curso de
graduação e pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Psicologia
da UFAM. Líder do Grupo de Pesquisa em Psicologia Fenomenológi-
co-Existencial (CNPq). E-mail: ewertonhelder@gmail.com
Fernanda Souza de Bairros. Nutricionista e epidemiologista. Profes-
sora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coleti-
vada Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail:
fernandabairros@gmail.com
Flávia Salomoni Mansano. Psicóloga formada pela Universidade Fe-
deral da Grande Dourados e Mestranda no Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
Psicóloga clínica e pesquisadora na área da Terapia do Esquema e abuso
de substâncias psicoativas. E-mail: flaviasmansano@hotmail.com
Hellen Yuki Miwa. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal
do Amazonas (UFAM). Especialista em Sexualidade, Gênero e Direitos
Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Graduada
em Psicologia pela Faculdade de Psicologia da UFAM. E-mail: hellen-
miwa@hotmail.com
Hítalla Fernandes dos Santos. Mestre em Psicologia e Processos Psi-
cossociais pela Universidade Federal do Amazonas. Possui graduação
em Psicologia pelo Centro Universitário Luterano de Manaus. Pós-gra-
duada em Didática do Ensino Superior pela Universidade Nilton Lins.
Experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do Ensino
e da Aprendizagem. Saúde Mental Infanto-Juvenil. Pesquisadora do
Laboratório de Intervenção Social e Desenvolvimento Comunitário -
LABINS/UFAM. E-mail: hitallapsy@gmail.com
Iamille Lourany Sepúlvida dos Santos. Psicóloga (UFAM). Residente
em Terapia Intensiva Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor
Vieira Dourado (FMTDHVD). Integrante do Laboratório de Inves-
tigação em Ciências Cognitivas– LABICC/UFAM. E-mail: iamille.
sep@gmail.com
Izabel C. Friche Passos. Possui graduação em Psicologia pela Uni-
versidade Federal de Minas Gerais (1982), mestrado em Filosofia pela
Universidade Federal de Minas Gerais (1993) e doutorado em Psicologia
Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000), com
estagio no Centre de recherche médécine, maladie et sciences sociales

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da Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris/França, e nos
serviços de saúde mental de Trieste/Itália. Realizou estágio pós-doutoral,
como professora visitante, no Departamento de Antropologia Médica
da Universitat Rovira i Virgili/Tarragona-Espanha (2013-2014). É pro-
fessora titular do Departamento de Psicologia e docente permanente do
Programa de Pós-graduação em Psicologia (Mestrado e Doutorado) da
Fafich/UFMG. É membro fundadora e ex-vicepresidente da Associação
Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) e editora associada dos Cadernos
Brasileiros de Saúde Mental. Participa da Rede International Recherche
Avec, envolvendo universidades da França, Brasil, Canadá e México,
sendo membro de seu Comité científico. Tem experiência na área de
Psicologia social, com ênfase em programas de atendimento comunitário,
atuando principalmente nos seguintes temas: intervenção psicossocial,
saúde mental, saúde coletiva, loucura e sociedade, grupos, instituições
e comunidades. E-mail: izabelfrichepassos@gmail.com
Isis Gabriela dos Santos Lemos. Psicóloga. Mestre em Psicologia
(UFAM). Especialista em Terapia Cognitivo-comportamental. E-mail:
isisgabriela@hotmail.com
José Humberto da Silva Filho. Psicólogo. Doutor em Psicologia-
USP-RP.Universidade Federal do Amazonas. Laboratório de Avaliação
Psicológica – LAP. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Manaus,
AM, Brasil. E-mail: zehumberto@uol.com.br
Karen P. Del Rio Szupszynski. Psicóloga graduada pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul-PUCRS, Mestre em Psi-
cologia Clínica pela PUCRS e Doutora em Psicologia pela PUCRS.
Estágio de pesquisa na University of Maryland, Baltiomre County
(EUA), com orientação do Prof. Carlo DiClemente (2011). Pós-doutora
em Psicobiologia pela UNIFESP. Professora colaboradora do Programa
de Pós-graduação em Psicologia (Mestrado) da Universidade Federal
da Grande Dourados - UFGD. Pesquisadora pelo Programa Nacional de
Pós-doutorado na PUCRS. Autora de artigos científicos e capítulos de
livro na área da Terapia Cognitiva e do Modelo Transteórico de Mudança
de Comportamento. Pesquisadora na área de motivação para mudança,
terapia cognitivo-comportamental e abuso de substâncias psicoativas.
E-mail: karenszu@yahoo.com.br
Leonardo de Albuquerque Hayasida. Engenheiro de Controle e Auto-
mação, da Universidade Estadual do Amazonas (UEA). Pós-Graduação

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em Game Design, pela Vancouver FilmSchool- Canadá. Integrante do
Laboratório de Investigação em Ciências Cognitivas– LABICC/UFAM.
E-mail: lahayasida@gmail.com
Montserrat Sagot. Sóciológa.PhD em Sociologia. Professora e pes-
quisadora do Instituto de Estudios de la Mujer. Universidade da Costa
Rica. E-mail: msagotr@gmail.com
Natália Lenzi Nodari. Psicóloga (UFAM). Integrante do Laboratório
de Investigação em Ciências Cognitivas– LABICC/UFAM. E-mail:
nodarinatalia@gmail.com
Raissa LunaraAraújo. Psicóloga (UFAM). Especialista em Terapia
Cognitivo-comportamental. Integrante do Laboratório de Investigação
em Ciências Cognitivas– LABICC/UFAM. E-mail: lunara.rrs@gmail.
com
Rinaldo Conde Bueno. Doutorado em Psicologia Social pela UFMG
- 2016; Estágio Doutorado Sanduíche no Exterior - PDSE / CAPES no
Posgrado en Antropologia Medica Universitat Rovira i Virgili - Espanha
(fev/jun 2015) - Orientador estrangeiro Dr. Angel Martínez-Hernaez;
Mestrado em Psicologia pela PUC Minas -2011; Estágio voluntário em
saúde mental na Azienda per i Servizi Sanitari (ASS) di Trieste / Itália
(mar/out 2002); Graduação em Psicologia pela Universidade Federal
de Minas Gerais - 1996. Atuação em Serviços de Saúde Mental como
psicólogo e coordenador; psicólogo de UBS e ESF, sendo responsável
técnico em Saúde Mental nesses locais. Professor em graduação de
Psicologia: Psicopatologia Geral II, Clínica do Acompanhamento Te-
rapêutico, Seminários Interdisciplinares I, Estágio Básico I (UFMG).
História da Psicologia (Rede Doctum - João Monlevade). Clínica e Saúde
Mental, Clínica Ampliada, Promoção da Saúde (Faculdade Pitágoras).
Em Pós-graduação: Saúde Mental e Atenção Psicossocial com ênfase
em Álcool e outras drogas (FAGOC e UNIS) e Saúde Mental: Clínica
e Sociedade (Faculdade Pitágoras). E-mail: rinaldocob@yahoo.com.br
Ronaldo Braga Dantas Filho. Discente de graduação em Psicologia
(UFAM). Integrante do Laboratório de Investigação em Ciências Cog-
nitivas– LABICC/UFAM. E-mail: ronaldobragadantas@gmail.com
Ronaldo Souza Gomes. Psícólogo, Doutor em Psicologia do Trabalho
pela UnB; Professor no PPGPSI/UFAM). E-mail: ronaldopsicologo@
hotmail.com

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Rosângela Dutra de Moraes. Psicóloga, Pós-Doutorado no CNAM-
-Paris; Professora Colaboradora no PPGPSI/UFAM.E-mail: rosange-
la_dutra@terra.com.br
Rosyanne Nascimento dos Santos. Psicóloga. Administradora. Especia-
lista em Mestranda em Psicologia-UFAM. Programa de Pós Graduação
em Psicologia. Integrante do Laboratório de Investigação em Ciências
Cognitivas– LABICC/UFAM. E-mail:rosiannysantos22@gmail.com
Samuel Reis e Silva. Psicólogo. Universidade Federal do Amazonas.
Laboratório de Avaliação Psicológica –LAP. Programa de Pós-graduação
em Psicologia. E-mail: rsamu.k4@hotmail.com
Solange MugliaWechsler. Pontifícia Universidade Católica de Cam-
pinas. Laboratório de Avaliação e Medidas Psicológicas – LAMP. Pro-
grama de Pós-Graduação em Psicologia. Campinas, SP, Brasil. E-mail:
wechsler@lexxa.com.br
Stela Nazareth Meneghel. Médica sanitarista. Professora e pesquisa-
dora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva e do Mestrado
Profissional de Saúde da Família. Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). E-mail: stelameneghel@gmail.com
Sthefany Ramayane de Araújo Flor. Psicóloga (UFAM). Mestre em
Psicologia (UFAM). Especialista em Terapia Cognitivo-comportamental.
Integrante do Laboratório de Investigação em Ciências Cognitivas–
LABICC/UFAM. E-mail:sthefanyflor@hotmail.com
Vitória Guimarães de Souza. Discente de graduação em Psicologia
(UFAM). Integrante do Laboratório de Investigação em Ciências Cog-
nitivas– LABICC/UFAM. E-mail: vitoriaguimaraespsi@gmail.com
William Bruno Batalha. Psicólogo (UFAM). Integrante do Laboratório
de Investigação em Ciências Cognitivas– LABICC/UFAM. E-mail:
williannbruno@hotmail.com

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