Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
HUMANOS E
DIVERSIDADE
Renan Costa
Valle Scarano
Promoção da igualdade
de gênero e de
orientação sexual
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Introdução
Discussões a respeito de gênero e sexualidade são frequentes na atuali-
dade. As opiniões são bastante divergentes, e muitos lutam com unhas e
dentes para defender o seu ponto de vista. A ciência, a religião, a filosofia, a
sociologia, etc., são algumas das áreas que disputam o direito de discorrer
sobre o tema, dando origem aos discursos essencialistas, naturalizantes,
biologizantes, sócio-histórico-críticos, etc.
Neste capítulo, você vai estudar como o conceito de gênero está
relacionado à cultura e como os discursos disputam o espaço político
de promoção da igualdade de gênero ou da manutenção do status quo.
Por fim, você vai identificar as diferenças entre os conceitos de gênero,
sexo biológico e orientação sexual.
2 Promoção da igualdade de gênero e de orientação sexual
A partir dessa visão, os autores alertam que “[...] a cultura não pode mais ser
concebida como acumulação de saberes ou processo estético, intelectual ou espiri-
tual” (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, documento on-line), concepção de
cultura vigente do século XVIII até o século XX. A partir do século XXI, houve
uma expansão de tudo o que estava associado à cultura, que passou, então, a ser
compreendida como um vasto campo, que afeta e é constituído por todos aspectos
da vida social, conforme apontam Costa, Silveira e Sommer (2003).
Hall (2014) explica que a cultura nacional atua em uma dinâmica de
inserir os indivíduos de uma mesma nacionalidade, não se importando com
as categorias de classe, gênero ou raça, a fim de unificá-los em uma mesma
identidade cultural. Contrariamente à essa ideia, o autor sugere que se deve levar
em conta a estrutura de poder cultural, não pensar que a cultura é uma esfera
leal de união e identificação simbólica. Ainda conforme Hall (2014, p. 36):
mação das identidades sexuais, para além de seu vínculo estrito à diferença
anatômica de sexo, embora Stoller não estivesse disposto a abandonar toda e
qualquer referência à biologia.
[...] meninas usam roupas “rosas”; meninos, “azuis” [...] Durante o desenvolvi-
mento cognitivo, ambos são educados a brincar de “boneca” ou de “carrinho”;
de “panelinha” ou de “futebol”, demarcando a “delimitação do espaço” de
cada um, ou seja, a “boneca” (personificação de um bebê de colo, do ato
da maternidade) e a “panelinha” (a “cozinha”) assim como o “carrinho”
(“homem” ao volante) e o “futebol” (esporte “de homem”) influenciam e
reforçam a ideologia que reproduz a “submissão” feminina e a sobreposição
masculina no status quo que designa a decodificação dos "papéis sociais" e
as atitudes “inconscientes” [...].
Zauli et al. (2013, p. 19). Isso significa afirmar que os papéis de homem e de
mulher são determinados pela cultura, não pela biologia ou por uma essência
que define os dois sexos.
Nesse viés, gênero diz respeito às características sociais, psíquicas e históri-
cas das pessoas, enquanto o sexo é revelado no nascimento e remete à distinção
biológica entre machos e fêmeas. Conforme Zauli et al. (2013, p. 19), “[...] o
gênero é aprendido durante a vida, é gerado pela socialização, pelo acesso
de homens e mulheres a diferentes experiências e remete à distinção cultural
entre os papéis sociais — as características psicológicas e as identidades de
mulheres e homens — estabelecidos nas diversas culturas”.
A partir dessa definição, a afirmação de Beauvoir (1967) de que não se
nasce mulher, mas torna-se mulher, pode ser estendida para outros gêneros
também. Trata-se de conceitos que se formam com o processo de socialização
dos indivíduos em uma determinada cultura; ou seja, são produções históri-
cas que se fazem a partir de práticas sociais. Dessa forma, percebe-se que a
filosofia de Beauvoir, que enfoca o aspecto social da formação do feminino,
influenciou diretamente a segunda onda do pensamento feminista.
Piscitelli (2002) argumenta que, na primeira onda do pensamento femi-
nista, isto é, no século XIX, o movimento feminista lutava por direitos iguais
à cidadania, pressupondo a igualdade entre os sexos; essa luta impulsionou
uma mobilização feminina importante na Europa e na América do Norte. Uma
das conquistas dessa batalha se deu entre os anos 1920 e 1930 e resultou no
direito ao voto, à propriedade e ao acesso à educação, conforme aponta Pisci-
telli (2002). Esse momento foi marcado como a primeira onda do feminismo.
Mas, “[...] se a subordinação da mulher não é justa, nem natural, como se
chegou a ela e como se mantém?”, questiona Piscitelli (2002, p. 2). A fim de
dar uma resposta a essa questão, o movimento feminista iniciou a sua segunda
onda. Piscitelli argumenta que o conceito de gênero se difundiu a partir de um
ensaio da antropóloga Gayle Rubin, em 1975. No ensaio intitulado “O tráfico de
mulheres: notas sobre a economia política do sexo”, a autora investiga as causas
da subordinação da mulher. A fim de responder tal questão, a antropóloga
estabelece o sistema sexo/gênero. Para a autora, “[...] esse sistema é o conjunto
de arranjos através dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica
em produtos da atividade humana” (PISCITELLI, 2009, p. 136). A passagem
da fêmea para a mulher domesticada se dá nas relações sociais que atravessam
a natureza e a cultura. Nesse sentido, podemos localizar a segunda onda do
feminismo no final dos anos 1960, enfatizando a construção social de gênero.
Já a terceira onda feminista se inicia entre os anos 1970 e 1980, e sua contri-
buição é livrar-se da categoria universal de gênero binário (masculino/feminino)
Promoção da igualdade de gênero e de orientação sexual 7
Entre os questionamentos que Butler (2004) traz, a fim de discutir a questão, destacamos
o seguinte: como as normas constitutivas do gênero podem fazer-nos ou desfazer-nos
como sujeitos? Nessa perspectiva, a filósofa defende que o sexo depende de configura-
ções sócio-históricas, pois ele é um conceito sociocultural, um efeito de uma concepção
que se dá dentro de um sistema social já marcado pela normativa de gênero. A ideia
de sexo como algo natural se configurou dentro da lógica do binarismo de gênero.
8 Promoção da igualdade de gênero e de orientação sexual
Butler (2004, p. 17) vai além e apresenta duas outras questões: “Existe algum
modo de vincular a questão da materialidade do corpo com a performatividade
do gênero? E, que lugar ocupa a categoria do ‘sexo’ em semelhante relação?”.
Para Butler (2004, p. 18), o sexo “[...] é uma construção ideal que se materializa
obrigatoriamente através do tempo. Não é uma realidade simples ou uma condição
estática de um corpo, mas um processo mediante o qual as normas reguladoras
materializam o ‘sexo’ e conseguem isso graças à reiteração forçada de tais normas”.
Além de dizer que as normas reguladoras materializam os corpos, Butler
também traz a ideia de performatividade de gênero, o que torna a discussão mais
ampla (BUTLER, 2004). Diante desse referencial teórico, o termo transtorno
se direciona para uma perspectiva em que o sujeito é governado, a partir do
discurso científico (médico e psiquiátrico) e por práticas sociais de assujeitar os
corpos aos padrões de comportamento aceitos. Dessa forma, há uma produção
de subjetividades que respondem, ou não, à norma estabelecida no âmbito social.
Muitos cientistas sociais, diz a autora, referem-se ao gênero como um fator
ou dimensão da análise, aplicado a pessoas reais como uma marca de dife-
rença biológica, linguística ou cultural. Nesses últimos casos, o gênero pode
ser compreendido como um significado assumido por um corpo já diferenciado
sexualmente, conforme aponta Butler (2003). Gênero, afirma Butler (2003, p. 37):
uma verdade sobre tal sujeito. É por meio dos discursos científicos, por exemplo,
que se estabelecem modelos “[...] de suposta coerência entre sexo biológico e
gênero cultural como marco de normalidade e saúde”, conforme lecionam Bento
e Pelucio (2012, documento on-line). A mesma autora afirma que a consolidação
da verdade sobre os corpos, o desejo e os gêneros são determinados por áreas
do saber, como a medicina e a psiquiatria (BENTO; PELUCIO, 2012).
Safatle (2015), ao abordar a importância dos estudos de Butler para os
estudos de gênero, assinala dois fenômenos centrais em que aparecem os
estudos da filósofa norte-americana. Um deles é a ascensão, a partir dos anos
1970, das lutas políticas de reconhecimento do que fora visto até então como
socialmente minoritário, enquanto marcado como minoridade social — gays,
mulheres, negros, travestis. Em segundo lugar, um dos impactos de tais lutas
foi a modificação das fronteiras clínicas entre normal e patológico. Essa mu-
dança de fronteiras entre o normal e o patológico trouxe consequências para
os padrões de racionalidade social, conforme aponta Safatle (2015, p. 177):
dos direitos sexuais, para O’Leary, nada mais é do que a defesa do aborto e o
reconhecimento do lesbianismo e da liberdade sexual para adolescentes e dos
bancos de esperma para lésbicas e pessoas não casadas. Os direitos humanos,
argumenta a autora, são padrões que responsabilizam a todos, e eles não podem
ser expandidos para servirem a agendas ideológicas (O’LEARY, 1997). Do ponto
de vista de O’Leary, o movimento feminista, ao promover a noção de gênero
como construção social, afirma que masculino e feminino não são naturais.
Porém, em uma matéria do site BBC, Ambrosino (2017, documento on-line)
sugere que a heterossexualidade, enquanto “[...] uma manifestação de paixão
sexual por alguém do sexo oposto”, é uma construção social. Tal concepção de
heterossexualidade só pode ser encontrada a partir de 1934. Foi a partir dessa
data que a heterossexualidade passou a ser encontrada em alguns dicionários
médicos. Em 1901, afirma Ambrosino (2017, documento on-line), o dicionário
médico Dorland, por exemplo, definia a heterossexualidade como “[...] um
apetite anormal ou pervertido em relação ao sexo oposto”.
Bento e Pelucio (2012) defendem que, na concepção biologizante das identi-
dades de gênero, a heterossexualidade natural dos corpos é interpretada como
o momento do encontro, a complementaridade essencial de duas espécies
naturalmente (e radicalmente) diferentes: homens e mulheres. Em consonância
a essa linha de raciocínio, vale lembrar que Jonathan Katz, em 1996, escreveu
um livro intitulado A invenção da heterossexualidade, em que o autor afirma
que a heterossexualidade não é um dado natural, mas uma convenção social
histórica (KATZ, 1996). Esse discurso naturalizante para os gêneros é uma
tentativa que disputa os significados para o masculino e o feminino, mas esses
significados não se dão apenas em uma esfera de descrição e conceituação
do que é e o que não é. Trata-se de disputas políticas, relações de poder que
dizem respeito a formas de governo, ou seja, como governar tais sujeitos.
Nesse sentido, Duggan (1996, p. 193-194) aponta que:
a teologia da libertação;
a ideologia do feminismo;
os desafios da enculturação.
Nos links listados a seguir, você pode conferir mais a respeito de alguns conteúdos
abordados neste capítulo que devem ter despertado seu interesse quanto à promoção
da igualdade de gênero.
https://goo.gl/zJUm74
https://goo.gl/1GDK1w
https://goo.gl/XGPfrv
Promoção da igualdade de gênero e de orientação sexual 15
Leituras recomendadas
BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
REIS, T.; EGGERT, E. Ideologia de gênero: uma falácia construída sobre os planos de
educação brasileiros. Educação Social, Campinas, v. 38, nº. 138, p. 9-26, jan./mar. 2017.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v38n138/1678-4626-es-38-138-00009.
pdf>. Acesso em: 29 jan. 2019.
TILIO, R. Teorias de gênero: principais contribuições teóricas oferecidas pelas perspecti-
vas contemporâneas. Revista Gênero, Niterói, v. 14, nº. 2, p. 125-148, 2014. Disponível em:
<http://www.revistagenero.uff.br/index.php/revistagenero/article/viewFile/626/380>.
Acesso em: 29 jan. 2019.
TORRÃO FILHO, A. Uma questão de gênero: onde o masculino e o feminino se cruzam.
Cadernos Pagu, v. 24, p. 127-152, jan./jun. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/
pdf/cpa/n24/n24a07.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2019.
Conteúdo: