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Ao tratarmos de cultura devemos entender, primeiramente, de qual conceito tratamos, uma vez
que tal tema é extremamente amplo. O termo cultura passa por diversas transformações de
significados ao longo do tempo, passando a ter a significância atual e maior relevância dentro
da política no pós-modernismo. Segundo Stuart Hall “a conotação do termo cultura com o
domínio das ‘ideias’, a segunda ênfase é mais deliberadamente antropológica e enfatiza o
aspecto de ‘cultura’ que se refere às práticas sociais” (2009, p.136). Tal afirmação estabeleceu
dentro de sua literatura diversas questões críticas sobre a formação da cultura, identidade
cultural e representatividade.
Abordamos aqui a cultura como uma cultura de identidade, pois essa tipologia questiona
os padrões sociais existentes e busca a diferenciação dentro do ideal de igualdade,
universalidade e individualidade, uma vez que a “Cultura como identidade é avessa tanto à
universalidade como à individualidade; em vez disso ela valoriza a particularidade coletiva”
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Direito, cidadania e cultura.
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Acadêmica do curso de Ciência Política da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA).
Kellenc.vieira@gmail.com.
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Professora Doutora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA).
Jaquelinequadrado@unipampa.edu.br.
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(Eagleton, 2005). Deste modo, pode-se afirmar que a cultura está presente na vida cotidiana e
política dos indivíduos nos mais diversos âmbitos, criando, a identidade cultural.
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sociais e sim pelo seu individualismo. Dentro do contexto atual, onde temos a chamada pós
modernidade, observa-se a existência das sociedades multiculturais e o multiculturalismo.
No caso de comunidades diásporas, essas podem tornar as pessoas com identidade não
muito definida. Considerando que a manutenção da identidade é relevante à auto compreensão
de um determinado grupo étnico-racial, surgem então as questões civis sobre a multiplicidade
cultural, como a questão da igualdade que tange o direito do cidadão. Sendo a identificação
dentro da sociedade civil uma “comunidade imaginada” onde a cultura, a representatividade e
a identidade são construídas (HALL, 2003. p78).
A cultura se constitui num padrão e no meio social, tendo uma clara associação com
termos como “civilizadora” e “idealista”, sendo constituída por identidades representadas,
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sendo que “é somente pelo modo no qual representamos e imaginamos a nós mesmos que
chegamos a saber como nos constituímos e quem somos” (HALL, 2003. p 346).
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ele está inserido. Segundo o autor Franz Fanon (2008) na construção social “há o “descolado”,
a corte do “descolado”, os insignificantes (os que esperam) e os humilhados. Estes últimos são
impiedosamente massacrados” (FANON, 2008. p.177)
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A cultura popular tende à hegemonia cultural que, através das relações de poder
cultural, se constituem pelo senso comum. Este, ao se tratar da cultura negra, induz a
estereótipos. Portanto, a introdução da cultura negra dentro do âmbito da cultura popular, se
torna um objeto de luta contra preconceitos, sendo usadas a autoconfiança, disciplina e
perseverança necessárias para a aceitação e aprovação no mainstream.
Porém a cultura negra não pode mais se constituir como unificada, isso “Significa
insistir que na cultura popular negra, estritamente falando, em termos etnográficos, não existem
formas puras” (HALL, 2003. p 343) uma vez que parte de sua população está presente em
diáspora que determinam diferentes resultados juntamente com a herança cultural.
No contexto diásporo, a constituição da diferença é importante no sentido de determinar
espaços, porém elas teriam de ser dialógicas ou até mesmo hibridas, isso “significa a lógica do
acoplamento em lugar da lógica da oposição binária” (HALL, 2003. p 345), pois a
diferenciação é comumente tratada como um espaço em que cada cultura tem sua
“autossuficiência” o que as tornam excludentes, uma vez que se entendem como opostas.
O autor Cornel West em seu artigo “the new cultural politics of difference” (1990)
demonstra como as culturas politicas produzem e constituem a diferença dentro da
representação, com a articulação que contribui com culturas “a fim de capacitar e habilitar a
ação social e, se possível, para alistar- insurgência coletiva para a expansão da liberdade , da
democracia, e individualidade.”* (WEST, 2008) Essa nova política cultural se baseia na
mudança intelectual, existencial e política do povos através das práticas de representação
histórica, cultural e social.
Ao considerarmos a democracia como meio para a constituição da cidadania, deve-
se compreender que a formação do cidadão deve respeitar as diferenças e todos devem ter
direito a à sua identidade e reconhecimento de seu povo e sua história.
A diversificação deve ser o cenário dos estudos da cultura negra, pois ela se constitui em vários
espaços e cria novas experiências, por isso o autor Cornel West diz que não é surpreendente as
constituições de diferentes formações da cultura negra. E, considerando a engenharia social
atual que faz com que negros tenham dificuldade de acesso ao poder e, consequentemente,
dificuldade de disseminar imagens positivas, contrariando, desse modo, os estereótipos
racistas. Usando uma comparação judicial, “no tribunal da vida, as pessoas de cor são culpadas
até que comprovada a inocência” (WEST,2008)
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2.1 O AFROFUTURISMO.
Ao fazer uso dos termos África e afro, não podemos cair no habitual, nem nos utilizar
de estereótipos, pois a África é um continente, com diversos países, tribos, etnias, ou seja,
existem diferenças. Além disso, a cultura negra vive em diáspora em continentes fora do
africano e em realidades distintas.
Durante a década de 1960, o poeta e compositor de jazz Sun Rá, após vivenciar uma
experiência extraterrestre, incluiu em suas composições elementos que remetiam ao espaço,
futuro e ao mesmo tempo à ancestralidade africana. Artistas como a Octavia Butler, Ytasha
Womack, Basquiat e Spike Lee também fizeram produções no mesmo sentido (BRASIL,
2015).
A noção do termo Afrofuturismo surgiu somente em 1994 com o cineasta Mark Dery.
Ele dirigiu o filme “Black to the future”, que questionava os padrões de estereótipos sobre os
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negros, comumente usados nas produções de Hollywood, e buscava a consolidação da
comunidade imaginária e da identidade negra. Tal consolidação também teve apelo, após o fim
da guerra civil no continente africano, através de artistas como Kia Henda e Nástio Mosquito
que acrescentaram ao debate a extinção da imagem do negro pejorativamente exotizado
(FRANK,2016).
Essa influência na vida real pode ser concebida com a criação da The African Future
Institute (AFI) que foi estabelecida em 2004 com o intuito de promover o projeto African
Futures. Tal projeto, que é apoiado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas
(UNDP), pretende assistir, estudar e desenvolver as diversas comunidades africanas.
Apesar do apoio da UNDP, a African Futures Institute mantém sua autonomia e suas
atividades focadas nos programas do instituto, que por sua vez pretende ter maior visibilidade
e independência enquanto entidade. O objetivo principal do AFI é promover atitudes que criem
condições suficientes para melhorar a realidade dos países africanos. Para tanto, são elaboradas
estratégias de iniciativas para que a África possa estrategicamente, através de estudos,
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desenvolver uma nova alternativa e consequentemente uma nova expectativa para o futuro
considerando as políticas continentais, regionais e dos países.
O afrofuturismo vem traçando perspectivas para um novo futuro costurando os assuntos que a
Ama Mazama (2009) identificou como cruciais para os estudos africanistas: visão de mundo,
cosmologia, axiologia, estética e epistemologia. Desse modo, não podemos desconsiderar que
a expressão presente no movimento Afrofuturista não vem com intuito de afirmar e sim de ser,
pois a comunidade negra quer e tem direito de existir.
3. CONCLUSÃO
As pessoas negras sempre tiveram sua própria história dentro de seu continente, porém
o processo de dominação do eurocentrismo silenciou uma grande parte da diversidade cultural,
principalmente porque as comunidades africanas que foram objetificadas, exotizadas e
marginalizadas. Esse processo tentou negar as diferenças étnicas, ao mesmo tempo que as
destruiu, utilizando a lógica racista. “Concluímos então que, geneticamente, não há raças; ainda
assim, a noção sociocultural e fenotípica de raças ainda define de forma decisiva a maioria das
relações humanas até hoje” (KABRAL, 2016)
O afrofuturismo vem para quebrar esse estigma racial, com ênfase no africanismo e na
afrocentridade, ele recria o passado, tenta transformar o presente e projetar um futuro,
considerando toda a realidade do povo negro. Sendo assim, no afrofuturismo “O que há são
pessoas pretas, mulheres e homens, pisando firme no mundo pelo simples direito de viver como
bem entendem, e de se expressarem para o universo da forma que bem desejam. ” (KABRAL,
2016).
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Ao tratarmos de identificação e representação, a existência da African Futures Institute
se torna um ponto crucial para o desenvolvimento dessa perspectiva que ultrapassa as barreiras
artísticas, adentrando o meio social e político, e influenciando na prática o anseio afrofuturista.
A existência do instituto Geledés que vem se constituindo desde 1988 e tem ganhado
bastante visibilidade, isso demonstra que a cultura brasileira, apesar de ter uma grande
acentuação eurocêntrica por conta da colonização, tem um grande apreço pelo africanismo, o
que podemos ver na história do movimento negro brasileiro presente na Bahia e com a recente
“geração tombamento” denominada assim pelo Geledés. Que trata de uma possível vertente
afrofuturista brasileira.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Luiza. Dossiê afrofuturismo: Saiba mais sobre o movimento cultural. Geledés,
2015. Disponível em: <http://www.geledes.org.br/dossie-afrofuturismo-saiba-mais-sobre-o-
movimento-cultural/#ixzz4F6h0H69J>. Acesso em: 25 jul. 2016.
EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
WEST, Cornel. The new cultural politics of difference. In: Ferguson, Russell (Org.). Out
there: Marginalization and comtemporary cultures. Cambridge: MT Press/New museum of
comtemporary arts, 1988.
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