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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANS E NATURAIS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

Disciplina de Antropologia Contemporânea: Identidade, diversidades e


desigualdades no mundo contemporâneo.
Professora Dr.ª Andréa Bayerl Mongim

A construção das Identidades na contemporaneidade

Claudia Botelho
Mestranda no PPGA/UFES

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz


Tadeu da Silva e Guaracira Lopes Louro. 11. Ed., 1. Reimp. Rio de Janeiro: DP&A,
2011.

O Livro “A identidade cultural da pós-modernidade” trata da crise das identidades


pós-modernas, e aponta para novas possibilidades de construção das identidades
na contemporaneidade.

Stuart Hall é professor da Open University, na Inglaterra, e desempenha papel de


destaque na área de estudos sociais, tendo sido um dos fundadores e diretores do
Centre For Contemporary Cultural Studies (CCCS), da Universidade de Birmingham,
instituição de extrema importância para a consolidação dos Estudos Culturais.
Considerado um dos pioneiros dos Estudos Culturais, de origem jamaicana, Hall
teve a luta pela independência do seu país de origem como parte de sua vida, ao
mesmo tempo em que a Segunda Guerra Mundial lhe incitou a preocupação
anticolonial e a reflexão sobre a contradição da cultura colonial.

O esforço dessa obra é para mostrar as transformações ocorridas com as “velhas


identidades”, entre o declínio do sujeito unificado do período moderno e a
fragmentação do indivíduo pós-moderno, que resultou em identidades descentradas
e deslocadas. Para explicar como ocorreu essa crise da identidade, Stuart Hall
aponta para alguns acontecimentos do mundo moderno que influenciaram o
desdobramento de novas identidades.

No estudo da questão da identidade cultural o autor apresenta nos capítulos 1 e 2


alguns conceitos que giram em torno das definições de sujeito e da identidade ao
longo do período moderno. Se no passado alguns conceitos de paisagens culturais
de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidades tinham fornecido
sólidas localizações como indivíduos sociais, agora no mundo pós-moderno o sujeito
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perde sua concepção essencialista, ou fixa de identidade. De acordo com Hall
(2011), o sujeito pós-moderno tem sua identidade formada e transformada
continuamente, ela é definida historicamente. Pode possuir identidades diferentes
em um mesmo momento, ou em diferentes momentos, conforme os sistemas
culturais que os rodeiam. No entanto, nem sempre essas identidades estão em
concordância entre si, muitas vezes elas são contraditórias ou constituem
identidades deslocadas. Isso dar forma ao que o autor apresenta como o “jogo das
identidades” e suas implicações políticas.

Ainda no primeiro capítulo, o autor chama a atenção para como alguns processos de
mudanças, como a “globalização” podem gerar impacto sobre as identidades
culturais. As sociedades modernas realizaram mudanças constantes, rápidas e
permanentes. Essas sociedades tiveram uma transformação do tempo e do espaço,
um desalojamento do sistema social, evidenciaram a extração das relações sociais
dos contextos locais e sua reestruturação ao longo do tempo-espaço.

No capítulo 3, Stuart Hall se preocupa em apresentar as modificações do indivíduo


em três etapas: o sujeito do Iluminismo (entre o séc. XVII e séc. XVIII); o sujeito
social (séc. XIX); e por fim, o sujeito pós-moderno (séc. XX). É esse sujeito pós-
moderno que interessa a tese central desses estudos. Aqui Hall focaliza em mostrar
como foi ocorrendo o descentramento do sujeito contemporâneo. Uma série de
rupturas nos discursos das teorias modernas impactou o descentramento final do
sujeito cartesiano.

Stuart Hall apresenta as principais ideias que contribuíram para essa mudança das
identidades. Essas ideias são compreendidas entre a tradição do pensamento
marxista, o seu ressurgimento nos anos de 1960, traz o sujeito para dentro das
relações sociais, tirando-o do afastamento que vinha habitando como um ser único e
centrado. A teoria do inconsciente de Freud, que mostra nossas identidades
formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente, que
funciona com uma lógica muito diferente com aquela da razão, isso prejudica o
conceito de sujeito racional provido de uma identidade fixa e unificada. Já linguística
estrutural de Fernando Saussure aponta para a língua como um sistema social e
não um sistema individual. A fala não significa expressar pensamentos interiores e
originais, ela ativa significados que estão embutidos na língua e nos sistemas
culturais. Os significados das palavras surgem nas relações de similaridades e
diferenças que existem entre elas.
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Outra teoria moderna que teria influenciado o descentramento do sujeito foi a
Filosofia de Foucault. O poder da disciplina, a regulação, a vigilância, o governo da
espécie humana, os lugares que policiam e disciplinam individualizam ainda mais o
sujeito, tornam maior o isolamento e a vigilância. Também o surgimento de novos
movimentos sociais, nos anos de 1960, tiveram impactos diretos no fortalecimento
de identidades fragmentadas. Cada movimento apelava para a identidade social de
seus sustentadores, uma política de identidades. O feminismo esteve ligado ao
descentramento do sujeito ao contribuir para a expansão da formação das
identidades sexuais e de gênero.

Toda essa questão da formação das novas identidades na contemporaneidade


passa por uma serie de discussões que não poderiam ser supridas pelo autor.
Durante todo o texto Stuat Hall cita diferentes autores e teóricos que também se
preocupam com algumas dessas questões. O autor deixa claro que na maioria das
vezes ele não está criando argumentos para comprovar as transformações do
sujeito pós-moderno, no entanto, ele trata de buscar referências teóricas para
mostrar que essas mudanças já haviam ocorrido. Tratasse mais de uma constatação
de situações reais, do que a criação de novos modos de compreensão dessa
realidade.

No capítulo 4, ele nos chama a atenção para a criação nas Culturas nacionais como
comunidades imaginadas. A transformação do sujeito pós-moderno não tem suas
responsabilidades apenas naquilo que lhe foi ocorrendo individualmente, as
identidades culturais também foram se modificando, e assim, agindo sobre o
individuo.

De acordo com Hall, as Culturas nacionais são um discurso, um modo de produzir


sentidos que influência e organiza nossas ações, e até nossas concepções de nós
mesmos. Ao produzir sentidos sobre as nações, as culturas nacionais, produzem
sentidos com os quais nos podemos nos identificar e construir nossas identidades. O
que vem sendo modificado nas culturas nacionais atuais é o fato de não existirem
mais como uma nação unificada, seja pela relação de uma mesma língua, raça ou
etnia. Hoje diferentes povos podem viver em uma mesma nação, tentar unifica-los a
uma nacionalização hegemônica poderia causar uma anulação de suas diferenças.
O nacionalismo se esforça para unificar as classes ao longo de divisões sociais, ele
tenta suprimir as diferenças de classes sociais, grupos étnicos e gêneros. Porém,
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essa unificação compreende um jogo de poder, que serve apenas para beneficiar
uma identidade nacional soberana inventada, ou ainda pior, gera o racismo cultural.

O autor se preocupa em deixar claro que, “... As nações modernas são, todas,
híbridos culturais.” (2011, p. 63), não são compostas apenas de um único povo, uma
única cultura ou etnia.

Para nos mostrar como esse conceito de nação fechada e pura não serviria mais
para explicar o sujeito pós-moderno, Stuart Hall dedica o capítulo 4 ao fenômeno da
Globalização.

A Globalização implica no distanciamento da ideia sociológica clássica da


sociedade como um sistema bem delimitado, é substituído por uma perspectiva da
vida social ordenada ao longo do tempo e do espaço. As consequências dos
aspectos da globalização sobre as identidades culturais constam da desintegração
das identidades nacionais, como resultado do crescimento da homogeneização
cultural e do pós-moderno global, do reforçamento de identidades nacionais e outras
identidades locais e o surgimento de identidades hibridas.

Os processos globais no mundo pós-moderno tem tido o efeito de enfraquecer as


formas nacionais de identidade cultural. Elas continuam fortes com respeito aos
direitos legais e de cidadania, porém as identidades locais, regionais e comunitárias
têm se tornado mais importante. E assim, explica Stuart Hall, a tendência em direção
a uma maior interdependência global está levando ao colapso de todas as
identidades culturais fortes, produzindo a multiplicidade de estilos, com ênfase no
inconstante, na diferença e no pluralismo cultural.

Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos,
lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e
pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mas as
identidades se tornam desvinculadas- desalojadas- de tempos, lugares,
histórias e tradições especificas e parecem “flutuar livremente”. Somos
confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual fazendo
apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as
quais parece possível fazer uma escolha... (HALL, 2011, p.75).
Assim, tornasse irreversível o processo de descentralização do sujeito diante das
novas identidades culturais. Em meio a globalização, um mesmo sujeito pode
identificasse com culturas diferentes não importando o local que habita, e não se
trata de uma identidade deslocada apenas, mas na maioria das vezes, isso resulta
em uma identidade hibrida.
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Stuart Hall também analisa que em decorrência da globalização se gerou uma
tensão entre o “global” e o “local”. Assunto que se dedicou no capítulo 5 do livro. De
acordo com o autor, ainda, não é possível determinar que a globalização vá destruir
as identidades das culturas nacionais. No entanto, ele apresenta como diferentes
autores possuem divergentes pontos de vista a esse respeito.

Hall utiliza-se de Kevin Robin para defender que ao lado da tendência em direção a
homogeneização global, há também a fascinação com a diferença e com a
mercantilização da etnia e da “alteridade”. Ou seja, juntamente com o impacto do
global existe um novo interesse pelo local. Já para Doreen Massey, a globalização é
desigualmente distribuída ao redor do globo, é desigualmente distribuída entre as
regiões e entre diferentes estratos da população dentro das regiões. O que Massey
chama de “geometria do poder” da globalização. E ainda de acordo com Robin,
existe uma desigualdade do poder que afeta de forma diferente as partes do globo.
Existem relações desiguais de poder cultural entre o “Ocidente” e o “Resto”, que
apesar de ser por definição algo que afeta o globo inteiro, ela é essencialmente um
fenômeno ocidental.

Diante dessas ideias Stuart Hall analisa que a globalização caminha em paralelo
com um reforçamento das identidades locais, embora isso ainda esteja dentro da
lógica da compressão espaço-tempo. É um processo desigual e tem sua própria
“geometria”, ou dir-se-ia, “geografia” de poder. Por fim, a globalização retém alguns
aspectos da dominação global ocidental, mas as identidades culturais estão em toda
parte, sendo relativizadas pelo impacto da compressão espaço-tempo. Esses fatos
geram um novo movimento contraditório entre Tradição e Tradução.

... Em toda parte, estão emergindo identidades culturais que não são fixas,
mas que estão suspensas, em transição, entre diferentes posições; que
retiram seus recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e
que são o produto desses complicados cruzamentos e misturas culturais
que são cada vez mais comuns num mundo globalizado... (HALL, 2011, p.
88).
O conceito de Tradução é utilizado para definir a formação de identidades que
atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram
dispersas para sempre de sua terra natal. Essas pessoas retêm fortes vínculos com
seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao
passado. Vivem sem serem assimiladas pelas novas culturas e sem perder
completamente suas identidades. Elas carregam traços culturais, das tradições, das
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linguagens de sua cultura original, porém não são unificadas, estão entre varias
histórias e culturas diferentes, marcadas por todas ao mesmo tempo.

Para tratar desse assunto Stuart Hall dedicou o último capítulo (capítulo 6) as
questões do Fundamentalismo, da Diáspora e do Hibridismo.

O Hibridismo, ou sincretismo, trata da fusão entre diferentes fontes culturais, e


tornou-se uma fonte criativa de produzir novas formas de culturas, mais apropriada à
modernidade tardia que às velhas identidades. Já o Nacionalismo e o
Fundamentalismo hoje se encontram em maiores dificuldades devido o contexto de
integração regional nos campos econômicos e políticos e a dissolução da soberania
nacional. Todavia, existem algumas nações que ainda lutam em prol de um
ressurgimento forte do nacionalismo étnico, de pureza racial e ortodoxia religiosa.
Tentam criar novos e unificados estados- nação. Essas tentativas encontram reais
barreiras em minorias que se identificam com culturas diferentes.

O que parece ser preocupante nesse contexto é o fato desse movimento em direção
à homogeneização global ter influencia direta no retorno da valorização da etnia
pura e soberana, e que pode gerar identidades exclusivas ou essencialistas.

Stuart Hall finaliza seu texto apontando para as implicações que a globalização pode
gerar sobre o nacionalismo. Segundo o autor, o nacionalismo ocorre ao lado da
globalização e estar intimamente ligado a ela, constitui uma reversão.

... a globalização não parece estar produzindo nem o triunfo do “global” nem
a persistência, em sua velha forma nacionalista, do “local”. Os
deslocamentos ou os desvios da globalização mostram-se, afinal, mais
variados e mais contraditórios do que sugerem seus protagonistas ou seus
oponentes (HALL, 2011, p. 97 e 98).
E assim conclui, a globalização tende a torna-se um processo lento, desigual e
contínuo do deslocamento do Ocidente.

Em um breve estudo do livro “A identidade cultural na pós- modernidade” de Stuart


Hall perceber-se que a compreensão do sujeito na contemporaneidade vai muito
além dos estudos em torno do indivíduo. O sujeito contemporâneo é constituído por
identificações que o torna hibrido, em algumas vezes, até mesmo deslocado. É
importante identificar essas diferenças de forma que elas não sejam minimizadas
pelas categorias dominantes, ao mesmo tempo, não se pode deixar que as
identidades particulares tornam-se formas de exclusão.

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