Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
0
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
1
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
Vale ressaltar que essa construção política e social da modernidade que resultou
no “modelo de dois sexos” e, consequente, nas noções de sexo e gênero, além de
configurar uma diferença ontológica entre o masculino e feminino, também fundamentou
a imposição de um modelo de sexualidade e identitário. É nessa mesma perspectiva de
uma necessidade de ordenação social que Foucault (1988) vai pensar uma biopolítica que
exerce seu poder através do dispositivo de sexualidade determinando modelos
identitários.
Em História da Sexualidade I – A Vontade de Saber (1988), Foucault demonstra
como nos séculos XVII e XVIII surgiu um dispositivo de saber e poder, a forma científica
assumida pela sexualidade na tradição ocidental moderna que tinha como objetivo uma
busca da verdade sobre o sexo, deu origem a uma produção discursiva sobre o sexo,
estabelecendo normas e padrões de identidade. Nesse sentido, o autor argumenta que a
sexualidade não é um fenômeno natural e o sexo não é um atributo do corpo, mas sim um
produto histórico, resultado de regulações sociais que tem como consequências o
2
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
3
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
que apresentavam alguma alteração de função, se tornando o modo habitual para definir
os comportamentos sexuais singulares. Compreendido como um distúrbio que não estava
relacionado com o excesso ou com a falta, tinha em seu significado um conceito
pejorativo confundido com a depravação, que passou a ser utilizado também pelo senso
comum. Para Lanteri-Laura (2004), a conotação de disfunção qualitativa atribuída à
perversão seria uma metáfora moralista que deu a este conceito os atributos de uma
alienação mental, uma degeneração, tal como a loucura moral.
Nesse panorama, diante de uma norma heterossexual e reprodutiva a qual atribuía
ao prazer perverso um caráter patológico, organizou-se toda uma semiologia em torno da
homossexualidade e podemos verificar que este conceito foi um dos eixos primários para
as explorações da sexologia do século XIX, passando por diversas teorizações (Lanteri-
Laura, 2004).
Em princípio, as discussões sobre a homossexualidade não estavam relacionadas
à devassidão, com teorias sobre uma origem congênita da mesma, aproximando-a da
natureza; explicações psicológicas que destacavam a importância das experiências
infantis, acreditando que elas podiam explicar a aquisição do comportamento
homossexual e possibilitar seu tratamento; e a valorização dos aspectos sociais e no qual
a inversão sexual é distanciada do hermafroditismo.
Fato é que ao apropriar-se do campo das perversões a medicina tornou-se a maior
referência no assunto. Desenhando uma fronteira entre o normal e o patológico no campo
da sexualidade e possibilitando a instauração de uma normatividade sexual, a sexologia
e psiquiatria do século XIX permitiu a construção de uma psicopatologia que determinou
o caráter de anormalidade dos casos que não se adequavam à norma sexual e acabou
influenciando a organização da ideia de “identidade de gênero”, isto é, uma concepção de
identidade sexual que supõe um coerência entre sexo biológico, gênero e comportamento
sexual, que culminaram no surgimento das primeiras referências sobre as vivências trans,
na época nomeada como “transexualismo”, tendo como eixo comum de construção de
uma semiologia a incoerência entre sexo biológico e gênero, isto é, a referência na noção
de que a identidade de gênero deve ser compatível com a anatomia.
Fato é que a partir desses dispositivos de poder e saber, a homossexualidade, a
transexualidade e demais condições que não estão em conformidade com as práticas
discursivas do século XIX – que pressupõe a coerência essencial entre sexo biológico,
gênero e práticas sexuais (heterossexuais) - foram interpretadas como anormalidades e
patologias, o que teve consequências sobre as práticas médicas e jurídicas.
4
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
Nesse campo, tem destaque a teoria queer que começou a ser desenvolvida a partir
do final dos anos 80 por uma série de pesquisadores e ativistas bastante diversificados,
especialmente nos Estados Unidos. A utilização desse nome tem o propósito de positivar
o conceito pejorativo do termo “queer”, que pode ser traduzido por estranho, ridículo,
excêntrico, raro, extraordinário (Louro, 2004), para insultar homossexuais. A proposta é
dar um novo significado ao termo, de modo que queer seja entendido como uma prática
de vida que se coloca contra as normas socialmente aceitas, com destaque a crítica à
heteronormatividade homofóbica, que define o modelo heterossexual como o único
correto e saudável. Em outras palavras, os que pesquisadores e ativistas queer pretendem
é desconstruir o argumento de que sexualidade segue um curso natural e está relacionada
a reprodução defendendo que o modelo heteronormativo foi construído para normatizar
as relações sexuais.
Judith Butler, filósofa estadunidense, é uma das pioneiras dessa corrente de
pensamento e destaca-se pelo que nomeou de teoria da performatividade, segundo a qual
o gênero seria performativo, isto é, regulado por normas que se reiteram ao longo do
tempo e produzem sujeitos que vão encarnar, na maioria das vezes, os ideias de
masculinidade e feminilidade (Butler, 2002). Nessa referência, para Butler, a
inteligibilidade de um indivíduo, o corpo que importa, está relacionada a definição por
um gênero que seja reconhecido pelos padrões determinados pelas práticas reguladoras,
isto é, aquele que mantém a coerência normativa entre sexo biológico, gênero e suas
práticas sexuais.
Vale destacar que Butler (1993) parte de uma crítica aos binarismos e à hierarquia
entre corpo/natureza/sexo e discurso/cultura/gênero na tentativa de desconstruir as
concepções de que o físico é anterior ao cultural e de que há uma separação entre natureza
e cultura. Além disso, apresenta uma visão crítica ao construtivismo baseando sua
argumentação na incompatibilidade entre a materialidade do corpo e a concepção de que
tudo é construído. Tendo em vista que na abordagem da materialidade do sexo há, em
geral, um raciocínio comum de que esta é natural, biológica e valorizando a discussão
sobre a necessidade de se opor sexo e gênero, a autora se debruça sobre o assunto
pensando o sexo não como um dado corporal sobre o qual se constrói artificialmente o
gênero, mas sim como resultado de uma norma cultural. Em outras palavras, o sexo/corpo
não é pré discursivo, mas produto de uma prática reguladora, o imperativo sexual do
discurso, que produz os corpos e que os controla (o poder que regula é o que produz e
materializa através da repetição destas normas).
5
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
6
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
Embora o Art. 5 da Constituição Federal de 1988 afirme que somos todos iguais
perante a lei sem distinção de qualquer natureza e que gozamos igualmente de direitos e
deveres independentemente de nossas características ou condições, a população
LGBTQIA+ além de não exercer sua cidadania de forma plena é cotidianamente vítima
das mais diversas formas de violência em função da discriminação e do preconceito. Por
estar em desacordo com a normatividade sexual e de gênero, isto é, por não ter práticas
afetivos sexuais heterossexuais e/ou não apresentar coerência entre seu sexo identificado
ao nascimento e sua identidade, este segmento está mais vulnerável a violações de direitos
sendo necessário a formulação de estratégias e políticas para sua proteção e
enfrentamento desta condição.
7
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
8
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
seja possível repensar a significação da vivência trans como uma desordem e ampliar o
campo de discussão sobre a função prática do diagnóstico na formalização da assistência
destas pessoas e seu reconhecimento social.
Fato é que, embora as vivências trans tenham se consolidado como condição
médica no final dos anos 1970, um novo cenário vem se configurando para a compreensão
dessas experiências. Nos últimos anos, diversos autores, atores e ativistas se posicionaram
criticamente à compreensão patologizada dessas vivências, impulsionando a
problematização das implicações de se tratar as variações do gênero como anormalidade
ou doença mental e um movimento de defesa pelo direito à autodeterminação do gênero
e pela despatologização desta experiência. Segundo este movimento, a psiquiatrização
das vivências trans reflete uma confusão entre identidades e corpos não normativos com
uma condição patológica dos mesmos, sendo sua classificação médica a reprodução do
paradigma binário dos sexos que pressupõe um sofrimento mental em função do
desacordo entre sexo e gênero. Além disso, consideram que esta definição ao mesmo
tempo que patologiza a identidade de gênero de pessoas trans torna invisível a violência
social a que estão submetidos aqueles que não estão adequados às normas de gênero e,
consequentemente, vela a transfobia inerente a esse diagnóstico.
9
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
No que se refere a retificação de registro civil para nome e sexo de pessoas trans,
no Brasil até recentemente era exigido que o sujeito se submetesse a avaliações
psicológicas e procedimentos de modificação corporal para que pudesse realiza-lo.
Contudo em 2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu que esta modificação pode ser
realizada sem estes procedimentos considerando o princípio do respeito à dignidade
humana, da autodeterminação, da autoafirmação entre outros. Deste modo, atualmente
pessoas trans podem alterar seu nome e sexo no registro civil sem a necessidade de
decisão judicial ou comprovação de sua identidade psicossocial, sendo possível apenas
se dirigir a um cartório para solicitar a mudança que deverá ser atestada por
autodeclaração.
10
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
11
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
12
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
QUESTÕES
(A) a expressão de gênero refere-se à forma como cada sujeito apresenta-se a partir do
que a cultura estabelece como sendo da ordem do feminino, do masculino ou de outros
gêneros;
(C) a identidade de gênero surge desde o nascimento, com o sexo biológico, mas pode ser
modificada a qualquer momento na vida de cada sujeito, podendo gerar sofrimento para
o qual é indicado o tratamento psicológico;
(D) a estrutura das sociedades ocidentais estabelece padrões de sexualidade e gênero que
permitem preconceitos, discriminações e vulnerabilidades às pessoas transexuais,
travestis e pessoas com outras expressões e identidades de gênero não cisnormativas;
2. (FGV - SMADH Niterói – Tipo 1) A Teoria Queer surgiu nos Estados Unidos com a
proposta de mudança de foco dos estudos sobre identidade de gênero e de sexo que
caracterizavam até então a maioria dos empreendimentos no campo da sociologia e das
ciências humanas em geral. Nesse contexto de discussão, Judith Butler é uma referência
teórica importante, segundo a qual:
(A) o sexo é um dado invariável, ao passo que o gênero varia de acordo com o contexto
sociocultural;
(E) a repressão social para que o gênero esteja adequado ao sexo biológico ocorre desde
a Idade Média.
13
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
3.(DPE/SP 2015 – FCC) 58. Sobre as ações da equipe multidisciplinar nos Centros de
Atendimento Multidisciplinar, no contexto da Educação, considere o relato a seguir. “A
senhora Paula procura o CAM e pede assessoria jurídica para processar a escola em que
estuda seu filho de sete anos, dizendo que ela não está cumprindo seu papel na educação
das crianças e quer desvirtuar e desmoralizar tudo com uma conversa de que meninos e
meninas são iguais, que meninos podem brincar de boneca, pois, se continuar assim, eles
vão virar gays; diz que está até com medo que o ex-marido queira tomar a guarda do filho.
Acrescenta que está ciente de que tem direito à escola pública de qualidade e sabe bem
que a escola não pode infiltrar essas ideias na cabeça das crianças como se elas não
tivessem família.” Diante da hipotética situação relatada,
(A) a triagem deve encaminhar Paula para atendimento pela Secretaria de Educação por
não se tratar de um caso para a Defensoria Pública.
(C) é preciso que seja feita a convocação da direção da escola para realização de
mediação.
(D) conclui-se que há demanda para uma escuta psicossocial qualificada e orientação
sobre as diretrizes do Programa Nacional de Direitos Humanos acerca da diversidade,
diferenças e gênero para a Educação.
59. A respeito das áreas de atuação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e
das populações que recebem assistência jurídica integral e gratuita, é correto
asseverar:
(C) Pessoas que querem fazer mudança de nome social e de gênero podem ser
acompanhadas pelo Núcleo Especializado de Combate à Discriminação, Racismo e
Preconceito da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, para solicitação de ação
judicial.
14
ESTUDO DIRIGIDO PSI CURSO PREPARATÓRIO
(E) Pessoas discriminadas por diagnóstico de HIV positivo devem ser encaminhadas aos
setores da Saúde, por não se tratar do tipo de discriminação para a assessoria jurídica
oferecida pela Defensoria Pública e para atendimento pela equipe do CAM.
GABARITO
1C 2B 3D 59 C
15