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Eduardo CalBUCCI
JUCENIR Rocha
S OCIOLOGIA
anglo
SISTEMA DE ENSINO
Sociologia
Prof.:
Índice-controle de Estudo
Módulo 4
CONSELHO EDITORIAL
Guilherme Faiguenboim
Nicolau Marmo
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Assaf Faiguenboim
EDIÇÃO
Maria Ilda Trigo
ASSISTÊNCIA EDITORIAL
Creonice de Jesus S. Figueiredo
Kátia A. Rugel Vaz
Maria A. Augusta de Barros
Paula P. O. C. Kusznir
Silene Neres Teixeira Paes
ARTE E EDITORAÇÃO
Gráfica e Editora Anglo Ltda.
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Gráfica e Editora Anglo Ltda.
Código: 82703248
2008
Módulo 4
Leo Caldas e Alexandre Belém. Foto do Maracatu Rural Cambinda Brasileira, com sede no en-
genho Cumbe, em Nazaré da Mata (Pernambuco), conhecida como a terra dos maracatus.
A Unesco e a proteção das diversidades culturais 1. Logo no início do texto há uma palavra que po-
de ser associada à idéia de padronização cultural.
Em Paris, a 20 de outubro de 2005, a Unesco Que palavra é essa? Explique sua resposta.
adotou a Convenção sobre a proteção e promoção
Trata-se da palavra hegemonia. Ao falar da “realidade
da diversidade das expressões culturais. O docu-
mento começa da seguinte forma: das hegemonias”, em oposição à “noção de diversidade”,
Atualmente, é consenso defender a diversi- Desenho do povoado de Canudos, feito por Euclides da Cunha.
dade cultural como elemento fundamental pa-
ra garantir a pluralidade de crenças e valores Quando o Tenente Pires Ferreira deu a ordem de
pelo planeta, mas a pergunta de Antonio Mar- fogo contra a jagunçada, no povoado de Uauá, a 21
O trabalho da artista plástica brasileira Ester Neste excerto, bem como em diversas outras pas-
Grinspum coloca, de maneira muito simples, uma sagens de Vidas secas, Fabiano admite ser “bruto”.
questão muito cara à Sociologia (e que será objeto Desse modo, ele se apresenta como um inculto, que
de estudo desta aula): as relações entre conhecimen- “nunca havia aprendido”, que “não sabe falar direi-
to e poder. to” e que, por isso, pertence às camadas sociais me-
Comecemos nossa reflexão com a leitura do frag- nos privilegiadas. A pergunta que ele faz tem uma
mento a seguir, extraído do romance Vidas secas. profundidade sociológica notável: ser pobre, ser sim-
Nessa passagem, Fabiano é arbitrariamente preso, ples, não ter estudado é motivo para meter “um ho-
após um mal-entendido entre ele e um soldado. O mem na cadeia”?
vaqueiro não consegue explicar-se diante das au- A resposta óbvia é “não”. Mas ficam outras ques-
toridades policiais, toma uma surra e acaba fican- tões, que discutiremos nessa aula: quais as possíveis
do uma noite na cadeia. Eis suas reflexões sobre o relações entre poder e cultura? A quem “pertence”
caso: uma cultura? A uma classe social? Existe um mo-
nopólio da cultura? Por quê? Qual o motivo da difi-
Era um bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, culdade de acesso dos pobres a certos bens culturais?
não sabia explicar-se. Estava preso por isso? Como era?
Então mete-se um homem na cadeia porque ele não Um pouco de teoria
sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele? Vi-
Cultura e conhecimento
via trabalhando como um escravo. Desentupia o bebe-
douro, consertava as cercas, curava os animais – apro- É comum que as pessoas entendam cultura no
veitara um casco de fazenda sem valor. Tudo em ordem, seu sentido mais popular, ou seja, como a ilustra-
podiam ver. Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha cul- ção de uma pessoa: “culto” é aquele que tem conhe-
pa? cimentos sobre arte, estuda música clássica, fala
(Graciliano Ramos, Vidas secas.) mais de um idioma ou compreende o mundo da
Se, de um lado, a cultura erudita é praticamente O fato é que a ciência muitas vezes se engana.
vedada ao povo, de outro, nada impediria que Quantas vezes, mesmo após pesquisas detalhadas
A palavra “erudito” vem do latim eruditus, usada No primeiro caso, considera-se a cultura popular
para designar aquele “que obteve instrução”, que é como a negação do Saber ou, pelo menos, como a
“conhecedor, sábio”. No mundo capitalista, obtêm valorização de saberes diferentes daqueles celebra-
instrução, sobretudo, os membros das classes domi- dos pela ciência ou pelas universidades. O popular é
nantes. Daí a conclusão de que a cultura erudita é a o que está nas ruas, nos pontos de ônibus, nos ban-
cultura das elites, imposta ao restante da sociedade cos de praça, nas plantações de cana, no sertão.
como sinônimo de “bom gosto”, de “alto nível”, de “re- Nem sempre essa forma de cultura está compendia-
quinte”, de “sofisticação”. da nos livros. Muito dela é transmitida oralmente.
Não há transgressão na cultura erudita. Ao con- No segundo caso, atribui-se à cultura popular um
trário, existe uma tentativa de manutenção do status papel transformador na sociedade, como se ela pudes-
quo, do establishment. Desse modo, é fácil defender se “desmontar o senso comum social”, nas palavras
a cultura erudita, pois – como apontou Chauí – “os de Chauí. A cultura erudita precisaria ser combatida,
interlocutores já estão identificados com os conteú- da mesma forma que as classes que a produziram.
dos dessa fala”. Mesmo quem não pertence ao gru- Dessa maneira, a justiça social começaria com a cele-
po dos “eruditos” (ou seja, a maior parte da popu- bração da cultura popular, que implicaria novos para-
lação) costuma valorizar essa cultura. É como se ir a digmas, novos juízos de valor, novos gostos, diferen-
um concerto ou conhecer os grandes nomes da Fi- tes daquilo que se vê habitualmente na sociedade. A
losofia pudesse levar o sujeito a ascender socialmen- revolução social seria iniciada pela via cultural.
te. Assim, o desejo pela cultura erudita apenas es- Dentro da cultura popular, podemos ainda re-
conderia o desejo da ascensão social. conhecer a existência de uma cultura de massa, a
Os trechos que seguem foram extraídos de Por fim, ainda “declarou feriado nacional o dia do seu
O outono do patriarca, de Gabriel García Már- nascimento”. Esse tipo de imposição não deve nada à
quez. Leia-os com atenção: dominação cultural exercida habitualmente pelas classes
Convencido pela evidência, ele saiu afinal das bru- dominantes.
mas de seu luto, saiu pálido, duro, com uma banda no
braço, resolvido a utilizar todos os recursos de sua au-
toridade para conseguir a canonização de sua mãe
Bendición Alvarado com base nas provas abrumadoras
de suas virtudes de santa, mandou a Roma seus minis-
tros letrados, voltou a convidar o núncio apostólico Tarefa complementar
para tomar chocolate com bolachinhas nas poças de
luz do caramanchão de amores-perfeitos. (…) No final de 1970, início de 1971, Vinicius de
(…) apareceu no gabinete ao fim de tantos meses Moraes havia composto uma valsa e pedido
de desídia e assumiu de viva voz e de corpo presente que Chico Buarque fizesse a letra. Chico fez,
a responsabilidade solene de interpretar a vontade po- mandou-a a Vinicius, que fez a seguinte suges-
pular mediante um decreto que concebeu por inspi- tão para o título da canção:
ração própria e editou por conta e risco sem prevenir Dei-lhe o nome de “Valsa hippie”, porque pa-
as forças armadas nem consultar a seus ministros, e rece-me que tua letra tem esse elemento hippie que
em cujo artigo primeiro proclamou a santidade civil de dá um encanto todo moderno à valsa, brasileira e
Bendición Alvarado por decisão suprema do povo livre antigona. Que é que você acha? O pessoal aqui no
e soberano, nomeou-a padroeira da nação, advogada princípio estranhou um pouco, mas depois se amar-
dos enfermos e professora dos pássaros e declarou fe- rou à idéia. Escreva logo, dizendo o que você achou.
riado nacional o dia do seu nascimento. (…)
Chico responde da seguinte maneira:
1. Nesses fragmentos, há o uso de cargos políti- – “Valsa hippie” é um título forte. É bonito, mas
cos para obter vantagens pessoais? Por quê? pode parecer forçação de barra, com tudo o que há
Sim, já que a personagem mostra-se disposta “a uti- de hippie à venda por aí. “Valsa hippie”, ligado à
filosofia hippie como você o ligou, é um título per-
lizar todos os recursos de sua autoridade para con-
feito. Mas hippie, para o grande público, já deixou de
seguir a canonização de sua mãe Bendición Alvarado ser a filosofia para ser a moda pra frente de se usar
com base nas provas abrumadoras de suas virtudes de roupa e cabelo. Aí já não tem nada a ver.
santa”. Eis como ficou a letra da canção:
Valsinha
Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de
sempre chegar,
2. De acordo com sua resposta da primeira ques- Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sem-
tão, analise se, no segundo fragmento, as ati- pre costumava olhar,
tudes da personagem funcionam ou não como E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de
imposição cultural. sempre falar,
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande es-
Claro que funcionam. Além do interesse pessoal na canoni-
panto convidou-a pra rodar.
zação da mãe, que envolve dos “ministros letrados” ao
“núncio apostólico”, a personagem concebe um decreto Então ela se fez bonita como há muito tempo não
queria ousar,
“por inspiração própria”, como se se tratasse da “von-
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de
tade popular”, e “sem prevenir as forças armadas nem tanto esperar,
consultar a seus ministros”, para proclamar “a santi- Depois os dois deram-se os braços como há muito
tempo não se usava dar
dade civil de Bendición Alvarado por decisão suprema do
E, cheios de ternura e graça, foram para a praça e
povo livre e soberano” e nomeá-la “padroeira da nação, começaram a se abraçar.
Um elemento fundamental para compreender a Outras dificuldades propõe o tempo. Uma, porventu-
gênese das culturas é o tempo. São várias as manei- ra a maior, a de sincronizar o tempo individual de cada
ras de apreendê-lo. É possível, por exemplo, valo- pessoa com o tempo geral das matemáticas, tem sido
rizar o passado e adotar uma posição saudosista, ou largamente apregoada pelo recente alarme relativista, e
preferir o futuro e manter uma postura esperançosa. todos se lembram dela — ou lembram-se de a ter lem-
Além disso, nada impede que se deixem de lado pas- brado até há pouquíssimo tempo. (Eu recupero-a assim,
sado e futuro para ficar com o presente, atitude re- deformando-a: Se o tempo é um processo mental, como
sumida pela conhecida expressão carpe diem (que podem compartilhá-lo milhares de homens ou mesmo
significa “aproveite o momento”). E ainda seria ad- dois homens diferentes?)
missível, dependendo da situação, optar por cami- (Jorge Luis Borges, “História da eternidade”.
nhos híbridos, que misturassem saudade, esperan- In: Obras completas, volume I. Lisboa, Teorema.)
ça e desejo de aproveitar a vida agora.
O problema, para os estudiosos da cultura, é sa- Um pouco de teoria
ber até que ponto nossas relações com o tempo são
Um problema “de memória”
individuais ou coletivas. Se o tempo fosse captado
de modo único por cada indivíduo, não caberia es- Marilena Chauí, em sua obra Cidadania cultural:
tudá-lo, pois haveria tantas relações temporais quan- o direito à cultura, mais especificamente no capí-
tas fossem as pessoas do planeta. Mas será que o tulo “Direito à memória”, faz um breve histórico
tempo pode ser captado, de alguma maneira, cole- sobre os significados que o termo cultura foi
tivamente? adquirindo ao longo do tempo nas ciências hu-
O escritor argentino Jorge Luis Borges tem uma manas. Num dado momento, ela afirma que a
reflexão interessante a esse respeito: palavra:
exercícios
O texto a seguir é de autoria do curitibano Paulo pode ser entendida como sinônima de “meios de
Leminski, um dos mais provocativos poetas da se- comunicação”. Na verdade, o termo já existia em
gunda metade do século XX no Brasil: latim: media é o plural de medium, substantivo
entre a dívida externa neutro que significa “meio, elemento intermediá-
e a dúvida interna rio, mediador”. De acordo com o Dicionário
meu coração Houaiss:
comercial
alterna a palavra e a pronúncia inglesas (em especial, a
(Paulo Leminski, Caprichos e relaxos.)
pronúncia norte-americana) se exportaram, graças
Costuma-se chamar esse tipo de texto de poe- ao seu maciço poder de cultura, comércio e finan-
ma-pílula (ou poema-minuto), pela sua brevidade ças, manifestos em particular, no caso brasileiro,
e pelo seu poder de síntese, que lembram a con- nas agências de propaganda comerciais.
cisão do slogan publicitário. Em que sentido essa
espécie de referência aos procedimentos da publi-
cidade reforça o conteúdo do poema? Em Portugal, país que costuma ser menos influ-
enciado pelas imposições lingüísticas estrangeiras,
Um pouco de teoria emprega-se a palavra médias, com artigo masculi-
Mídia, média, media no (“os médias”), uma vez que os substantivos neu-
A palavra mídia chegou ao Brasil pelo inglês tros do latim se tornaram palavras masculinas em
media (pronuncia-se “mídia”, com som de /i/) e português.
O mundo ao mesmo tempo presente e ausente que o prender os suspeitos com câmeras de TV”, percebe-se
espetáculo faz ver é o mundo da mercadoria domi- que, no mundo de hoje, até as ações policiais se tornam
nando tudo o que é vivido. E o mundo da mercado- espetáculos midiáticos. A imprensa colaborou para o
ria é assim mostrado como ele é, pois o seu movi-
ocorrido, uma vez que, ao acompanhar as diligências
mento é idêntico ao afastamento dos homens entre
si (…). da PF, pareceu mais preocupada com a audiência que
isso poderia lhe trazer do que com a privacidade necessária
As imagens, a cultura se tornam definitivamente à operação.
mercadoria. Essa passa a funcionar como media-
dora das relações entre os homens, que se afastam
um dos outros na sociedade do espetáculo.
Olha a foto da banda Foals. 2. Ao afirmar que, “em se tratando de cultura pop”,
é uma vantagem “sacar as coisas ‘de prima’, sem
Em seguida, vinha o texto: grande esforço”, Álvaro acaba criticando ou elo-
giando a cultura pop? Explique sua resposta.
NÃO SE ASSUSTE, mas eu tenho idade para ser seu
avô. Chegar aos 45 traz algumas vantagens (a falta de Criticando. Ao dizer que é possível avaliar produtos da cul-
cabelos e o bloqueio da visão do solo pela própria tura pop sem conhecê-los, Álvaro sugere que se trata de
barriga não estão entre elas). A principal, pelo menos
algo descartável, feito para consumo imediato. Não deixa
em se tratando de cultura pop, é “figure things out”,
como dizem os gringos, ou seja, sacar as coisas “de de ser curioso o fato de ele citar a expressão em inglês
prima”, sem grande esforço. Foi o que aconteceu comi- “figure things out”, como se fosse mérito imitar a linguagem
go ao ver uma foto do novo grupo inglês Foals. Repito:
dos “gringos”. Sem querer, ele dá mostras de como o mun-
uma FOTO, nada mais. Quando escutei uma música
deles, sem saber de quem era, no segundo compasso do pop massificado sofre com a padronização cultural.
pensei: “Isso deve ser aquele Foals”. Olhei a lista das
faixas (o CD tinha sido queimado pelo amigo Paulo
Cesar Martin) e não deu outra: era.
Uma batucadinha caucasiana, aquela total falta
de groove, vocalzinho de filhinhos de papai de facul- Tarefa complementar
dade, uma sopa rala de clichês new rave… Estava tudo
O palestrante e professor do Anglo Pierluigi
naquela foto, e o som confirmou. Que pesadelo.
Piazzi, mais conhecido como Pier, em seu livro
No século passado, escrevi um texto para a Ilustra-
Aprendendo inteligência diz que, para “evitar bur-
da apontando a subserviência da crítica brasileira a
rice”, é necessário fugir da televisão. Vejam-se
Chico Buarque. Depois de muitos anos, Chico lançava
suas palavras:
um disco de inéditas, recebido com um oba-oba as-
sustador mesmo para os padrões rastejantes do jor- O mais instrutivo documentário do canal educa-
nalismo cultural de nossa terra. tivo é tão imbecilizante quanto um “teste de fideli-
Acho até que o texto estava bem argumentado, dade” ou outra baixaria qualquer.
mas o mundo caiu na minha cabeça porque eu dizia Eu sei que isso parece paradoxal, mas a explicação
que não tinha ouvido nem iria ouvir o novo do Chico – é simples. Esse efeito imbecilizante se deve, primor-
tinha certeza de que, musicalmente, ele estava para- dialmente, a dois fatores.
do havia 20 anos. Um é comportamental: como a televisão, infeliz-
“Fascista” e “autoritário” foram os xingamentos mente, está constantemente ligada nos lares e nos lo-
mais brandos que recebi. cais públicos, as pessoas se sentem no pleno direito
O texto a seguir é a letra da canção “Canta, Brasil”, Oh! Este rio turbilhão,
de David Nasser e Alcir Pires Vermelho. Ela foi Entre selvas e rojão,
gravada por Gal Costa no LP Fantasia, de 1981: Continente a caminhar:
No céu, no mar, na terra,
As selvas te deram nas noites teus ritmos bárbaros, Canta, Brasil!
E os negros trouxeram de longe reservas de pranto,
Os brancos falaram de amor em suas canções, A letra dessa canção começa fazendo referência
E dessa mistura de vozes nasceu o teu canto. aos índios (representados pelos “ritmos bárbaros”),
aos negros e aos brancos, retomando aquela velha
Brasil, minha voz enternecida idéia de que o Brasil é, como disse Olavo Bilac, a
Já dourou os teus brasões “flor amorosa de três raças tristes”. Para os com-
Na expressão mais comovida positores, a cultura brasileira – o nosso “canto” – se
Das mais ardentes canções. originaria “dessa mistura de vozes”.
Mas será que é tão fácil explicar a origem da
Também, na beleza deste céu, cultura brasileira? Aliás, será que é fácil definir, de-
Onde o azul é mais azul, limitar, precisar a cultura brasileira?
Na aquarela do Brasil, É o que começaremos a ver nesta aula.
Eu cantei de norte a sul.
Um pouco de teoria
Mas agora o teu cantar,
Meu Brasil, quero escutar “Plural, mas não caótica”
Nas preces da sertaneja, Com essa expressão, bastante feliz, o professor
Nas ondas do rio-mar. Alfredo Bosi avalia a cultura brasileira. Ele mostra
Um pouco de teoria
Cultura popular e folclore
São extremamente ricas as manifestações da cul-
Carmen Miranda (1909 – 1955), primeiro ícone da cultura de
tura popular no Brasil. Principalmente a cultura dita
massa brasileira a conquistar sucesso internacional, con-
“de raiz”, mais autêntica – pois menos influenciada tribuiu para a formação da imagem do Brasil no exterior.
pela padronização imposta pela sociedade capita-
lista –, assume muitas nuances diferentes ao longo Pensemos num prato típico brasileiro – como a
de nosso vasto território. feijoada – ou numa festa – como a de São João. É di-
Dentro do amplo universo em que se constitui a fícil imaginar que algum brasileiro – salvo em con-
cultura popular, podemos dar destaque ao que cha- dições de extrema exclusão – nunca tenha provado
mamos de folclore. Nascido da junção de duas pa- feijoada ou nunca tenha ido a uma festa junina. Nin-
lavras inglesas – folk (“povo”, “nação”, “raça”) e lore guém precisa de uma aula, de um livro ou de um pro-
(“ensinamento”, “instrução”, “lição”) –, esse termo foi grama de televisão para conhecer essas manifesta-
criado na Inglaterra para designar a “sabedoria po- ções, que podem ser consideradas símbolos de nos-
pular”, em oposição à cultura erudita. Aos poucos, sa cultura e ajudam a construir a identidade nacional.
passou-se a empregar a palavra em outros idiomas. No entanto, embora as tradições de uma cultura
Atualmente, chamamos de folclore, de acordo com existam independentemente da sociedade midiática, a
o Houaiss, o “conjunto de costumes, lendas, provér- verdade é que o establishment costuma se apropriar
bios, manifestações artísticas em geral, preservado, delas, transformando-as em produto de consumo, que,
através da tradição oral, por um povo ou grupo na maior parte das vezes, contribuem para a cons-
populacional”. Assim, toda manifestação folclórica trução de um estereótipo – daí se falar em cultura “tipo
pode ser considerada parte da cultura popular, mas exportação” ou, popularmente, em cultura “para inglês
nem toda cultura popular é folclórica. ver”. Trata-se de um fenômeno comum no mundo ca-
O folclore é a memória cultural mais remota de pitalista. Quando uma determinada manifestação cul-
um povo. Transmitidas de geração para geração, tural, ainda que não tenha se originado das classes
oralmente, por centenas e até milhares de anos, dominantes, passa a fazer parte da memória coletiva e
essas tradições – que envolvem narrativas popula- não há como desprezá-la, as elites socioeconômicas se
res, lendas, pratos típicos, danças, festas, rituais reli- apoderam dela e passam a tratá-la como mercadoria.
giosos, expressões artísticas – fazem parte de uma Isso explica a exploração que o turismo, por exem-
espécie de “inconsciente coletivo” de um país, de plo, faz da cultura popular: uma manifestação cultu-
uma região. A questão é: como fazer, principal- ral viva, alicerce de uma identidade, transforma-se
mente numa sociedade em que tudo parece estar em possibilidade de lucro. Não se pode negar o valor
fadado ao descarte, à banalização, para que essas de iniciativas para a valorização e a divulgação da
tradições não se transformem em “verbete de di- cultura nacional – das quais a atividade turística pode
cionário” e continuem a fazer parte da dinâmica cul- ser um exemplo. Entretanto, deve-se atentar para
tural da sociedade? que essas mesmas iniciativas não concorram para a
Tarefa mínima
Os dados que seguem foram coletados pelo
Datafolha e divulgados na Folha de S. Paulo, em
27/07/2008. Observe-os com atenção para respon-
der ao que se pede.
essa fusão de elementos de uma religiosidade tradi- • A Itália foi o primeiro país da Europa a exi-
bir a novela.
cional (culto a Jesus) com outros da indústria cultural
• Fez a Rússia incorporar em seu vocabulário
(o rock) foi algo espontâneo (ou seja, produzida pela a palavra “fazenda”.
vivência daqueles que participam do culto), ou se está • Foi transformada em álbum de figurinhas e
sendo usada como instrumento de manipulação das mudou a hora do racionamento de energia
em Cuba.
massas. Nesse caso, teríamos uma manifestação reli-
• Na Hungria um menino cego enfrentou horas
giosa que se enquadra nos padrões de consumo da so-
de fila só para conhecer a “Isaura/Lucélia”.
ciedade capitalista.
• Havia um cessar-fogo na guerrilha da Bós-
nia quando a novela entrava no ar.
• Lucélia ganhou os prêmios “Águia de Ouro”,
na China, e “Latino de Ouro”, na Venezuela,
por seu desempenho na novela.
• Quando Lucélia e Rubens visitaram a Polô-
nia, colocaram mais pessoas nas ruas que o
Papa; a população fez “vaquinha” para liber-
tar a escrava.
(http://www.arquivoluceliasantos.com/fichatecnica/
novela/escravaisaura.htm)