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Eduardo CalBUCCI
JUCENIR Rocha

S OCIOLOGIA

anglo
SISTEMA DE ENSINO
Sociologia
Prof.:

Índice-controle de Estudo
Módulo 2

Aula 7 Trabalho e produção

Aula 8 Modos de produção e formações sociais – I

Aula 9 Modos de produção e formações sociais – II

Aula 10 Crescimento econômico e desenvolvimento – I

Aula 11 Crescimento econômico e desenvolvimento – II

Aula 12 Sociedade contemporânea e alienação


Código: 82707228
anglo
SISTEMA DE ENSINO

CONSELHO EDITORIAL
Guilherme Faiguenboim
Nicolau Marmo

COORDENAÇÃO EDITORIAL
Assaf Faiguenboim

EDIÇÃO
Maria Ilda Trigo

ASSISTÊNCIA EDITORIAL
Creonice de Jesus S. Figueiredo
Kátia A. Rugel Vaz
Maria A. Augusta de Barros
Paula P. O. C. Kusznir
Silene Neres Teixeira Paes

ARTE E EDITORAÇÃO
Gráfica e Editora Anglo Ltda.

IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Gráfica e Editora Anglo Ltda.

Gráfica e Editora Anglo Ltda.


MATRIZ
Rua Gibraltar, 368 - Santo Amaro
CEP 04755-000 - São Paulo - SP
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Código: 82703228
2008
Módulo 2

ECONOMIA – O TRABALHO DOS HOMENS


(TRABALHO E GLOBALIZAÇÃO)
Aula
7
Trabalho e produção
Para debater
Observe a imagem e leia o texto que segue:

Operários ao lado das máquinas no interior de uma tecelagem paulistana, no início do século XX.

Quando vemos uma jarra de argila produzida há 5 mil O texto associa o trabalho – entendido, num sen-
anos por algum artesão anônimo, algum homem cujas tido amplo, como todo o fazer humano – a um “pro-
contingências de vida desconhecemos e cujas valorizações cesso dinâmico” em que o homem recriaria “suas
dificilmente podemos imaginar, percebemos o quanto es- potencialidades essenciais”. Essa é uma concepção
se homem, com um propósito bem definido de atender com a qual não estamos muito acostumados: geral-
certa finalidade prática, talvez a de guardar água ou óleo, mente, associamos trabalho a sacrifício e luta pela
em moldando a terra moldou a si próprio. Seguindo a ma- sobrevivência.
téria e sondando-a quanto à “essência de ser”, o homem Em sua opinião, qual a noção de trabalho pre-
impregnou-a com a presença de sua vida, com a carga de dominante em nossa sociedade? Existem, atualmen-
suas emoções e de seus conhecimentos. Dando forma à te, condições para que o trabalho nos fortaleça no
argila, ele deu forma à fluidez fugidia de seu próprio exis- que temos de mais humano?
tir, captou-o e configurou-o. Estruturando a matéria,
Um pouco de teoria
também dentro de si ele se estruturou. Criando, ele se re-
criou. (...) O que é trabalho?
Formando a matéria, ordenando-a, configurando-a, do- Em português e em muitas outras línguas româ-
minando-a, também o homem vem a se ordenar interior- nicas, a palavra trabalho é polissêmica, ou seja,
mente e a dominar-se. Vem a se conhecer um pouco me- adquire significados diferentes, dependendo do con-
lhor e a ampliar sua consciência nesse processo dinâmico texto. Sua origem está no vocábulo latino tripalium,
em que recria suas potencialidades essenciais. que designava um antigo instrumento de tortura, o
(Fayga Ostrower. Criatividade e processos de criação. que mostra como, muitas vezes, trabalho pode pres-
Petrópolis, Vozes, 1987, p. 51 – 53.) supor esforço, fadiga ou sacrifício. No início do sécu-

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lo XX, o filósofo Max Scheler, reforçando o caráter pelo domínio dos recursos naturais. No chamado
polissêmico da palavra, distinguiu três empregos Período Paleolítico (Idade da Pedra Lascada), os
para ela: o de atividade animal ou mecânica (o trator primeiros grupos humanos eram nômades e peram-
trabalha melhor o campo que o burro), o de produto bulavam à procura de alimentos. Assim, criaram ins-
pronto (aquele edifício é um belo trabalho) e o de meta trumentos com pedras lascadas para coletar alimen-
futura a ser alcançada (há muito trabalho a fazer pela tos e caçar. A partir de 10.000 a.C. aproximadamen-
paz e igualdade entre os homens). te, a pedra lascada deu lugar a instrumentos de pe-
Mas o que precisamente seria o trabalho? E em dra polida e os grupos aprenderam a cultivar vege-
que sentido esse termo costuma ser empregado na tais e a domesticar animais, o que lhes permitiu a fi-
Sociologia? xação em territórios delimitados. Começava, então,
Esta questão já foi discutida por inúmeros pensa- o Período Neolítico. A Revolução Neolítica foi a pri-
dores. Para ficar com uma definição clássica, os ale- meira grande transformação que o homem viveu no
mães Karl Marx e Friedrich Engels entendiam o tra- processo de hominização, isto é, na aquisição de ca-
balho como: racterísticas que distinguem a espécie humana das
espécies ancestrais. Esse processo começou desde
um processo entre o homem e a natureza, durante que o primeiro hominídeo se pôs de pé e liberou as
o qual o homem, mediante sua própria atividade, mãos para o trabalho. Com isso ele pôde começar a
medeia, regula e controla o intercâmbio de subs- produzir – entenda-se produção como criação de tu-
tâncias entre ele e a natureza. do o que é necessário para suprir as necessidades do
ser humano.
Nesse sentido, o trabalho apresenta-se como ati- A sedentarização permitiu o desenvolvimento da
vidade racional que, num processo contínuo, trans- agricultura e, posteriormente, o domínio do fogo,
forma o meio natural em que vivem os homens. com que o homem ingressaria na idade dos metais.
Difere, por exemplo, do “trabalho” executado pelas Além disso, a vida sedentária foi responsável pela
formigas no armazenamento de alimentos, pelas primeira divisão do trabalho: os homens cuidavam
abelhas na fabricação dos favos de mel e pelas ara- da caça e as mulheres, da casa (principalmente, das
nhas na confecção de suas teias, uma vez que, no crianças e dos velhos). Esta divisão sexual do tra-
caso dos animais, essas atividades não seriam plane- balho nas tribos gerou a noção de propriedade so-
jadas, mas uma herança genética. O trabalho do ho- bre os objetos necessários para cada atividade: os
mem é, antes de tudo, um ato de criação, mesmo homens tinham suas armas e as mulheres possuíam
quando repetido infinitamente. Para realizá-lo, cada seus utensílios artesanais. Já o uso da terra, das ca-
indivíduo precisa aprendê-lo, já que não nasce com noas e, por vezes, das cavernas ou cabanas era co-
as informações necessárias para sua execução. mum. Foi exatamente nesse estágio que o homem
aprendeu a cultivar plantas como o milho, o feijão e
Trabalho e evolução – breve histórico o trigo, além de ter inventado a cerâmica, com que
pôde armazenar melhor os alimentos. Em seguida,
passou a domesticar animais, constituindo os pri-
meiros rebanhos, que eram mais do que suficientes
para a alimentação do grupo. O consumo de carne e
leite em abundância fortaleceu a espécie. Nesse mo-
mento, nasceu a idéia de que a terra em que os
homens plantavam e criavam seus animais também
lhes pertencia. E com a noção de propriedade, a di-
visão sexual do trabalho evoluiu para a primeira
grande divisão social do trabalho, em que uns cui-
davam das plantações e dos animais e outros co-
mandavam. Do desenvolvimento da agricultura para
a fundição do ferro e para a escrita foi apenas um
passo rumo à civilização.
Utensílios de pedra lascada encontrados na França. Data: Curioso chamar de “civilização” a era que trou-
700.000 — 110.000 anos. Musée d'Aquitaine, França.
xe as guerras. O domínio das fontes alimentares
Toda a evolução do homem foi marcada pelo tra- gerou a propriedade e, em pouco tempo, o exce-
balho, seja na luta pela sobrevivência, seja na luta dente de produtos, para além das necessidades dos

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indivíduos. Desse modo, nasceu uma camada de ho-
Toda pessoa está continuamente empenhada em
mens que podia se dar ao luxo do ócio permanente
encontrar o emprego mais vantajoso para o capital
e acumulava riquezas. Além disso, com as disputas
de que dispõe. É sua vantagem pessoal na realidade,
por territórios, essa “elite” que surgia passou a es-
e não a da sociedade, o que tem em vista. Mas o es-
cravizar seus semelhantes, fazendo-os trabalhar
tudo de sua vantagem pessoal, naturalmente, ou
para si. As civilizações da Antigüidade conheceram
melhor, necessariamente o leva a preferir o empre-
assim os primeiros impérios, consolidando-se a
go mais vantajoso para a sociedade.
noção de poder.
As transformações posteriores mais importantes
que o trabalho permitiu e vivenciou se deveram ao A esta concepção de trabalho coletivo, transfor-
relacionamento entre classes sociais, até o advento mador da natureza, exterior ao homem e também da
da burguesia e do capitalismo. A Revolução Comer- natureza do próprio homem, Marx chamou práxis.
cial gerou as Grandes Navegações dos séculos XV e Para os sociólogos marxistas, o ser humano é antes de
XVI; no século XVIII, a Revolução Industrial criou a tudo um ser de necessidades. Essas necessidades –
máquina a vapor; no XIX, a eletricidade, as ferrovias, não somente individuais, mas também sociais (sejam
o telefone e o telégrafo marcaram a chamada Se- elas políticas ou não, imediatas ou cultivadas, naturais
gunda Revolução Industrial; no XX, com o avião e a ou artificiais, reais ou alienadas) – só podem ser satis-
Terceira Onda da Revolução Tecnológica, a informa- feitas de forma racional e consciente.
tização da produção e das comunicações acelerou as No plano da práxis, distinguem-se níveis, como a
transformações sociais. base (que compreende as forças produtivas, técnicas
e os sistemas de produção), as estruturas (dentre as
Marx e a práxis humana quais se destacam as relações de propriedade entre
classes sociais) e as superestruturas (como as re-
ligiões, as ideologias, as artes, etc.). Permeando todos
os níveis, estariam os conhecimentos científicos, a
linguagem e o direito, por exemplo.
A práxis humana ainda pode ser definida como
repetitiva, mimética ou inovadora. O trabalho repeti-
tivo está presente em todas as manifestações das so-
ciedades humanas e não cria o novo. A prática mimé-
tica pode até proporcionar eventuais criações novas,
mas tende a copiar modelos sem a preocupação de
entendê-los. A práxis inovadora é a atividade revolu-
cionária. Sem esta, o homem não teria dado os saltos
técnicos, políticos e culturais que deu em sua história.

Produção e produtividade
Um modelo exemplar do fenômeno revolucio-
nário da práxis coletiva inovadora está no processo
gerador da maquinofatura durante a Revolução In-
dustrial. Desde os séculos XV e XVI, um problema
para empresários ávidos por lucro era como aumen-
tar a produção de bens, até então manufaturados
Ao lado de Durkheim e Weber, Karl Marx (1818 – 1883) é conside- nos limites do trabalho artesanal. A angústia dos
rado um dos fundadores da moderna Sociologia.
capitalistas diante do mercado expandido em níveis
Marx – estudioso da sociedade capitalista do sé- globais os movia a pensar no aumento da produção
culo XIX – considerava o trabalho como elemento em proporções geométricas. O primeiro passo foi
que transforma a natureza e estabelece necessaria- criar novas formas de organização do trabalho nas
mente uma relação entre homens, num processo manufaturas, de modo a aumentar a produtividade
constante de satisfação das sempre crescentes neces- do trabalho. Mas qual a diferença entre produção e
sidades humanas. Essa concepção remonta a Adam produtividade? Ora, a produção, como dissemos, é o
Smith, que, em sua obra mais importante, A riqueza resultado concreto do trabalho, palpável sobretudo
das nações, escreveu: quando se trata, por exemplo, de uma tecelagem.

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São os fardos de tecido ou as roupas fabricadas pe-
Taylorismo e fordismo
los trabalhadores. A produtividade é a relação entre
No fim do século XIX e no início do século XX, a divisão
a produção e o tempo. Aumenta-se a produtividade
social do trabalho aceleradamente ampliada acabou por
quando se produz mais em menos tempo.
originar uma divisão mundial do trabalho, já esboçada no
Os patrões ingleses do século XVIII perceberam
processo de expansão colonial iniciado no século XV pelos
que podiam usar o conhecimento que os artesãos
portugueses. A especialização de nações inteiras como for-
tinham de todo o processo de produção e dividir as
necedoras de matérias-primas e de produtos primários,
tarefas em partes. Se todos sabiam fazer tudo, cada
além de consumidoras dos produtos industrializados pro-
um podia se encarregar de uma etapa da produção.
duzidos nos centros capitalistas mais avançados, tornou
Essa experiência, por si só, já revelou um considerá-
necessária uma produção em massa para o consumo de
vel aumento na produtividade. Mas ainda não era
massa.
suficiente para a ambicionada modernização do sis-
Foi assim que o capitalismo ascendente criou, então, o
tema produtivo. A divisão técnica do trabalho, pre-
sistema Taylor de produção. Coube ao taylorismo a im-
cioso segredo revolucionário da burguesia, possibili-
plantação das linhas de montagem nas fábricas: os ope-
tou a observação meticulosa dos movimentos de ca-
rários foram “encaixados” como se fossem também peças
da etapa da produção. Daí à invenção dos engenhos
de uma imensa engrenagem fabril. A alienação do traba-
mecânicos que pudessem substituir os movimentos
lhador em relação à sua função e ao produto do seu tra-
da mão humana foi um passo. Dos primeiros teares
balho estendeu-se à alienação de cada operário também
à máquina a vapor, a Revolução Industrial gerou a
em relação aos demais seres humanos com que interage.
fábrica na acepção moderna do termo e a maquino-
Seu ritmo de trabalho passou a ser determinado pela es-
fatura substituiu a manufatura. Cada máquina podia
teira da linha de montagem. Tal sistema viria a ser ainda
fazer o trabalho de vários trabalhadores. E mais ra-
mais aprimorado por Henry Ford, na sua fábrica de au-
pidamente. O artesão detentor dos segredos de toda
tomóveis nos EUA. Como bem disse Ford: “não pago meus
a produção desapareceu para dar lugar ao operário
empregados para pensar; eles são pagos para produzir”.
que era responsável por apenas uma fase do proces-
E o mundo pôde, então, conhecer o grande sucesso
so produtivo e que competia com uma grande massa
do Ford Modelo T de 1908. Um símbolo de modernidade
de desempregados substituídos pelas máquinas. A
e da pujança do capitalismo no princípio do século XX. O
nascente sociedade industrial multiplicou a produ-
fordismo desdobrou-se no século XX em outras versões
ção de bens, mas gerou também um imenso exérci-
de organização do trabalho nas fábricas, tema que, ao
to industrial de reserva, como Marx denominou o
lado da alienação, será nosso assunto mais adiante.
contingente de operários sem trabalho que as cida-
des passaram a abrigar, não sem o agravamento dos
problemas sociais. exercícios

O trecho seguinte pertence ao livro de Gênesis,


que narra, entre outros, aquele que pode ser conside-
rado o mito fundador da cultura ocidental: o da ex-
pulsão do homem do paraíso. Leia-o com atenção.
17
A Adão [Deus] porém disse: Pois que tu deste ouvi-
dos à voz de tua mulher, e comeste do fruto da árvore,
de que eu tinha te ordenado que não comesses; a terra
será maldita por causa da tua obra: tu tirarás dela o teu
sustento à força de trabalho. 18Ela te produzirá espinhos
e abrolhos*: e tu terás por sustento as ervas da terra.
19
Tu comerás o teu pão no suor do teu rosto, até que te
tornes na terra, de que foste formado. Porque tu és pó,
e em pó te hás de tornar.
(Gênesis, capítulo 3, versículos de 17 a 19. In: Bíblia Sagrada –
edição ecumênica. Rio de Janeiro, Enciclopédia Britânica,
1977, p. 3.)
* abrolho: recife ou baixio perigoso para as embarcações; por
Em 1765 James Watt aperfeiçoa a máquina a vapor, marco de
derivação, espinho de qualquer planta; sentido figurado: o
uma nova era, que relegou a produção artesanal ao estigma do
que dificulta, contraria ou esgota.
subdesenvolvimento.

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1. O trecho veicula uma certa visão de trabalho em sociedade. Não é possível satisfazer as necessida-
que marcou a História da humanidade e com a des humanas sem o trabalho, a despeito das muitas for-
qual ainda hoje nos identificamos. Qual é ela?
mas que ele possa adquirir.
O trecho associa trabalho a castigo e, conseqüentemen-
te, a sofrimento e sacrifício. O trecho pode ser visto
como um indício de que essa visão está bastante arrai-
gada em nossa cultura. 2. Que relação se pode estabelecer entre o trecho
2 e a noção marxista de “exército industrial de
reserva”?
Durante a Revolução Industrial, a mecanização da pro-
dução permitiu que uma máquina fizesse o trabalho de

Para responder às questões 2 e 3, leia o que segue: várias pessoas. Isso poderia, de fato, ter feito com que
os homens trabalhassem menos. Mas não foi o que
Em 2006, o exame de Redação da Fuvest solicitou
a produção de um texto sobre o tema do trabalho. ocorreu. Surgiu um grupo enorme de desempregados,
Como subsídio para a realização da tarefa, a Banca que formaram um exército industrial de reserva. Assim,
selecionou alguns trechos. Dois deles transcrevemos
quem tinha emprego fazia o possível – o que significa-
a seguir:
va “matar-se de tanto trabalhar” – para não passar
Trecho 1 a fazer parte desse exército. E isso vale até hoje.
O trabalho não é uma essência atemporal do homem.
Ele é uma invenção histórica e, como tal, pode ser trans-
formado e mesmo desaparecer.
Adaptado de A. Simões

Trecho 2
Tarefa mínima
Há algumas décadas, pensava-se que o progresso téc-
Um elemento fundamental das relações so-
nico e o aumento da capacidade de produção permiti-
ciais é o trabalho. Pensando nessa questão,
riam que o trabalho ficasse razoavelmente fora de moda
Marx escreveu, em 1875, sua famosa máxima:
e a humanidade tivesse mais tempo para si mesma. Na
verdade, o que se passa hoje é que uma parte da huma- “Quando o trabalho se tornar necessidade pri-
nidade está se matando de tanto trabalhar, enquanto a meira da vida, quando as fontes da riqueza coletiva
outra parte está morrendo por falta de emprego. jorrarem plenamente, então o estreito horizonte ju-
M. A. Marques rídico burguês poderá ser superado e a sociedade
escreverá sobre uma bandeira: de cada um, segun-
Com base nesses trechos e nas demais infor- do sua capacidade, a cada um, segundo suas neces-
mações que você tem sobre a questão do trabalho, sidades.”
responda:
Levando em conta a maneira como você vê as
1. Considerando a definição que Marx e Engels relações de trabalho no mundo contemporâneo,
apresentam de trabalho (“um processo entre o analise se estamos próximos ou não do estágio,
homem e a natureza, durante o qual o homem, previsto por Marx, de superação do “estreito ho-
mediante sua própria atividade, medeia, regula e rizonte jurídico burguês”.
controla o intercâmbio de substâncias entre ele e
a natureza”), será que ele pode desaparecer, co- O estágio ideal, imaginado por Marx, em que cada pes-
mo propõe o trecho 1? Explique sua resposta. soa produziria segundo suas capacidades e receberia
Não. A definição de trabalho como atividade que organi- segundo suas necessidades está distante. Atualmente,
za o intercâmbio de substâncias entre o homem e a na- as pessoas trabalham cada vez mais para conseguir
tureza, com o objetivo de suprir as necessidades do ser manter seus empregos, o que não garante, necessaria-
humano, mostra que ele é elemento fundamental da vida mente, melhores salários. A informatização dos proces-

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sos produtivos dificulta ainda mais que todas as pes- Amou daquela vez como se fosse máquina
soas encontrem postos de trabalho. A concorrência é Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
muito grande. Assim, “as fontes da riqueza coletiva”
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
jorrando “plenamente” remetem a uma situação incom- E flutuou no ar como se fosse um príncipe
patível com o mundo do trabalho no século XXI. E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado…
(Chico Buarque de Hollanda, in: Construção, 1971.)

A canção de Chico Buarque nos permite fazer


várias reflexões sobre o trabalho, principalmente so-
bre as relações de poder que ele envolve e sobre o
Tarefa complementar fato de existirem ocupações mais ou menos valo-
rizadas em nossa sociedade. Pensando nisso, res-
Segue a letra da conhecida canção “Construção”,
ponda:
de Chico Buarque de Hollanda. Leia-a (e de prefe-
rência ouça-a) e depois responda:
1. Que indícios, na letra da canção, permitem-
Construção -nos concluir que o trabalhador ocupava uma
posição de pouco destaque social?
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última Há vários indícios: pode-se entender a canção como um
E cada filho seu como se fosse o único exercício do eu-lírico para caracterizar uma pessoa/per-
E atravessou a rua com seu passo tímido sonagem que parece ser refém de sua condição. Mesmo
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas quando a compara a elementos positivos (“como se
Tijolo com tijolo num desenho mágico fosse um pássaro”, “como se fosse um príncipe”), ape-
Seus olhos embotados de cimento e lágrima nas consegue reforçar essa condição, já que nosso co-
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe nhecimento de mundo não nos permite imaginar que ela
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago realmente conseguisse se sentir livre como um pássaro
Dançou e gargalhou como se ouvisse música ou importante como um príncipe.
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
Mas há alguns indícios mais “óbvios”, que podem ser
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido citados pelos alunos, como as expressões: “seu passo
Agonizou no meio do passeio público tímido”; “como se fosse máquina”; “como se fosse um
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego…
náufrago”; “como se fosse um bêbado”; etc.
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico 2. Dentre esses indícios, destaca-se um verso,
Seus olhos embotados de cimento e tráfego que se repete, com pequenas variações, e pode
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe ser considerado prova incontestável da pouca
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo importância do trabalhador em questão. Qual
Bebeu e soluçou como se fosse máquina é? É possível estabelecer alguma relação entre
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo a situação descrita pelo verso e a noção mar-
E tropeçou no céu como se ouvisse música xista de “exército de reserva”?
E flutuou no ar como se fosse sábado O verso é “Morreu na contramão atrapalhando o trá-
E se acabou no chão feito um pacote tímido
fego”. O trabalhador é tão pouco importante, que sua
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público… morte é vista como algo que vem a atrapalhar o anda-

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mento “normal” das coisas. Nesse sentido, pode-se es-
tabelecer uma relação com a idéia de “exército de reser-
va”: já que há um enorme contingente de desemprega-
dos, a morte de um não significa muita coisa, uma vez
que ele pode ser prontamente substituído. O traba-
lhador é visto apenas como peça de uma engrenagem.

Manifestação operária na cidade de São Paulo, ocorrida em 1917,


durante a Greve Geral.

3. Agora, procure pensar em sua realidade: quais Tanto a aquarela de Debret quanto a foto dos ope-
os trabalhos mais e menos valorizados em nos- rários em greve são emblemáticas de dois momen-
sa sociedade? Os trabalhos mais desvalorizados tos importantes da história do trabalho no Brasil.
são, necessariamente, os menos importantes? Ambas representam etapas de um longo percurso. O
Os alunos poderão citar vários tipos de trabalhos. O im- texto a seguir é um breve histórico desse percurso.
portante é que eles consigam perceber que os trabalhos Leia-o com atenção, procurando identificar os prin-
cipais eventos referentes à evolução do trabalho no
menos valorizados não são menos importantes que os Brasil.
mais valorizados. Vários exemplos podem ser lembrados.
Fiquemos com um deles: a coleta de lixo. Seria impen- O trabalho no Brasil

sável a vida, principalmente nas grandes cidades, se A colonização portuguesa na América provocou
um choque nas relações de produção, que se con-
não houvesse quem recolha o lixo. Mas a importância
funde com a formação da sociedade e do povo bra-
dessa atividade não é compatível com o status de seus sileiro. Das relações de trabalho típicas das comu-
trabalhadores. nidades indígenas aqui existentes, o colonizador fez
saltar para a escravidão, tanto dos índios nativos
quanto dos nativos africanos, trazidos à força para a
produção colonial. A primeira grande estrutura de
produção foi montada no Nordeste com a economia
canavieira financiada pelos mercantilistas flamengos
no século XVI. A opção lusitana pela escravidão ne-
gra deveu-se a vários fatores. A inexistência de um
contingente suficiente de trabalhadores livres que
pudessem ser deslocados de Portugal para a colônia,
LEITURA COMPLEMENTAR a inadequação por desconhecimento da agricultura
ou pela resistência mais eficaz dos índios à escravi-
zação, as pressões dos missionários jesuítas contra a
escravidão indígena e, principalmente, os interesses
dos traficantes de escravos no lucro que aquele co-
mércio proporcionava determinaram a imposição
do trabalho escravo negro nos principais pólos eco-
nômicos montados na colônia.
A presença africana no Nordeste açucareiro no
século XVII, nas regiões mineradoras do Sudeste e
do Centro-Oeste no século XVIII, na economia algo-
doeira do Maranhão e na lavoura do café durante o
Império, deixou profundas marcas nos costumes e
Jean Baptiste Debret. Vendedores de capim e leite. Aquarela, iní- tradições da cultura brasileira. A relação de produ-
cio do século XIX. ção fundamental entre escravos e senhores de terras

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de uma aristocracia rural conservadora e autoritária debateu-se contra a exploração do trabalho sem li-
moveu uma estrutura social patriarcal e elitista, do- mites estabelecidos em leis até o início do século XX.
minante na sociedade por quase quatro séculos. As influências sobretudo do pensamento anarquista
Ao lado da relação básica de cunho escravista, europeu acionaram o movimento operário nas lutas
desenvolveram-se relações de semi-servidão, como que culminaram na fundação do Partido Comunista
a que movimentou a pecuária pelos campos do ser- do Brasil, em 1922. Mas foi somente a partir da Re-
tão, parte das fazendas de café e outros setores da volução de 1930, que derrubou o regime oligárquico
economia até o século XX. O trabalho assalariado, vigente na chamada República Velha, que os traba-
presente em setores restritos da economia, sobretu- lhadores tiveram seus direitos ampliados, com o tra-
do urbana, tomou impulso com a expansão da eco- balhismo implantado por Getúlio Vargas. Direitos
nomia exportadora de café no Sudeste a partir do esses – ressalte-se – restritos aos trabalhadores urba-
século XIX. Nesse processo, desempenhou papel nos mobilizados pela estrutura sindical atrelada ao
preponderante o imenso contingente de trabalhado- Estado. Florescia uma era de regimes populistas pe-
res imigrantes que deixaram principalmente a Eu- las Américas e o atendimento de antigas reivindica-
ropa para construir vida nova na América. ções operárias era moeda de troca com que os go-
A transição do trabalho escravo para o assalaria- vernantes se mantinham no poder, manipulando as
do na virada dos séculos XIX e XX tornou-se um massas populares das cidades em processo de in-
capítulo particularmente marcante da evolução da dustrialização.
sociedade brasileira. A mentalidade escravista e Em 1934, o Brasil teve promulgada sua primeira
conservadora das elites agrárias foi o fator respon- Constituição, que incluía um capítulo sobre os direi-
sável pelos conflitos sociais que acompanharam as tos trabalhistas. Em 1943, Getúlio Vargas outorgou
relações de produção durante a modernização pro- ao país a Consolidação das Leis do Trabalho, a
movida pelo café no país. Foi naquele meio social CLT. Esse primeiro código trabalhista nacional regu-
ainda imperial e envolvido nas agitações da campa- lamentou as relações entre capital e trabalho no Bra-
nha abolicionista dos anos de 1870 a 1888 que nas- sil, mas só atingiu o meio rural nos anos 1950. Refor-
ceu a classe operária brasileira. mada nas décadas seguintes, a CLT se constituiu no
Pequeno e limitado aos setores gráfico, ferro- mais importante instrumento jurídico para regular as
viário, portuário, têxtil e alimentício, o operariado relações de trabalho na sociedade brasileira.

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Aula
8
Modos de produção e formações sociais – I
Para debater

Manifestantes em frente ao Portão de Brandenburgo, nos dias da queda do Muro de Berlim,


novembro de 1989.

A queda do Muro de Berlim – que separava a Ale- Essa provocativa frase alude a uma declaração do
manha Oriental (socialista) da Alemanha Ocidental ex-chanceler da Alemanha Ocidental Willy Brandt
(capitalista) – foi um evento muito significativo para (1913 – 1992), que teria dito:
a História da humanidade. Vista com euforia não só
pelos países capitalistas, mas também pela popula- Quem aos 20 anos não é comunista não tem coração; e
ção dos países comunistas, a queda do Muro deu iní- quem assim permanece aos 40 anos, não tem inteligência.
cio a uma era marcada por aquilo que se convencio- Você concorda com os autores das frases? Você
nou chamar fim das utopias (fim na crença de se es- acha que defender o estabelecimento de um novo
tabelecer uma organização social alternativa ao capi- sistema, com o desejo de diminuir as desigualdades
talismo). do mundo capitalista, pode ser considerado falta de
Dentre essas formas alternativas de organização, imaginação ou de inteligência?
destaca-se o socialismo, que estudaremos em algumas
de nossas aulas. Por enquanto, podemos entendê-lo, Um pouco de teoria
simplificadamente e de acordo com o dicionário O que é Economia?
Houaiss, como o “conjunto de doutrinas de fundo hu-
manitário que visam reformar a sociedade capitalista Nosso interesse agora se voltará para a análise
para diminuir um pouco de suas desigualdades”. das várias formas de organização social criadas pelos
Tendo em vista essa definição, leia a frase que o homens até que se chegasse ao capitalismo ou, como
economista Roberto Campos (1917 – 2001) escreveu alguns sociólogos preferem classificar, à sociedade
em sua biografia intelectual A lanterna na popa: industrial contemporânea.
Como vimos na aula anterior, os homens sempre
Quem não é socialista aos 20 anos não tem coração, e desenvolveram atividades voltadas para o suprimen-
quem assim permanece aos 40 anos, não tem imaginação. to das necessidades básicas do grupo. Eis a gênese

ensino médio – sociologia 14 sistema anglo de ensino


do trabalho e da produção de bens que garantem a ção e capital. Um dos mais importantes é o de meio
sobrevivência coletiva. É verdade que, no caso das de produção, que deve ser entendido como todo e
sociedades modernas, o interesse não é apenas so- qualquer utensílio ou recurso natural, como a terra,
breviver, mas também obter lucros financeiros e que seja usado na produção. A posse dos meios de
acumular riquezas. Talvez daí tenha surgido a ex- produção pode ser coletiva ou privada e, em certos
pressão “fazer economia” com o sentido de poupar, casos, como no da escravidão, o próprio homem foi
gastar pouco e guardar para o futuro. um meio de produção, podendo até mesmo ser co-
Convenciona-se chamar de econômicas as ativi- mercializado.
dades por meio das quais os indivíduos trabalham O ser humano se relaciona com o meio natural e
para produzir alimentos, roupas, armas ou ferra- o transforma de acordo com seus interesses. Isso
mentas. São essas atividades que, posteriormente, ocorre através dos meios de produção, aproveitados
permitem-nos praticar ações militares, religiosas, ar- da natureza ou criados pelo homem. Ao transformar
tísticas ou políticas. O estudo sistematizado dessas a natureza por meio do trabalho, o homem emprega
questões gerou a Economia Política, ramo das ciên- sua energia pessoal e coletiva (a força de trabalho)
cias humanas voltado à análise das ações destinadas e gera o resultado (o produto).
à produção, distribuição e consumo dos bens que Os grupos sociais empregam sua força de traba-
propiciam o desenvolvimento das sociedades. lho no manuseio dos meios de produção e estabele-
Aliás, a Política e a Economia – que, assim como cem, assim, relações sociais de produção. Esse pro-
a Sociologia, são filhas da História – viriam a com- cesso define o que chamamos de forças produtivas
por, ao lado da Geografia e da Antropologia, o con- da sociedade. As forças produtivas nascem da com-
junto das ciências sociais atualmente à disposição binação dos vários elementos que estão envolvidos
dos homens. no processo do trabalho (energia humana, terra, fer-
Mas, afinal de contas, o que é economia? ramentas, máquinas, etc.) e que são empregados em
determinadas relações de produção (propriedade co-
Se tomarmos economia como o conjunto de prá- letiva ou privada da terra) estabelecidas pelos indiví-
ticas que satisfazem nossas necessidades, po- duos (divididos em classes sociais ou não).
deríamos incluir nesse grupo atividades de lazer, que Na análise sobre o “fazer a história” dos homens,
não são exatamente econômicas. Max Weber enten- presente em A ideologia alemã, Marx e Engels apre-
de economia como a “administração de recursos ra- goam:
ros ou dos meios destinados a atingir determinados
fins”. Essa definição parece adequada, sobretudo, às
sociedades desenvolvidas, nas quais o dinheiro é um (...) para viver, é necessário, antes de mais nada,
meio para a satisfação de desejos e necessidades. Já beber, comer, ter um teto onde se abrigar, vestir-se,
nas sociedades primitivas, fica difícil identificar as etc. O primeiro fato histórico é, pois, a produção dos
escolhas racionais para a administração dos recur- meios que permitem satisfazer essas necessidades, a
sos econômicos. Porém, mesmo nessas comunida- produção da própria vida material; trata-se de um
des, as esferas da produção, circulação e consumo fato histórico; de uma condição fundamental de
dos bens estão presentes. E tudo isso sempre me- toda a história, que é necessário, tanto hoje como
diado pelo trabalho. há milhares de anos, executar, dia a dia, hora a
hora, a fim de manter os homens vivos.
Meios de produção e forças produtivas
A evolução das trocas, do escambo direto, ao Os homens já se organizaram de várias maneiras
comércio mediado pela moeda, desempenhou papel diferentes para permitir a sobrevivência coletiva e
preponderante nesse processo de transformação dos desenvolver-se. O escravismo na Antigüidade, o feu-
sistemas de produção e circulação de bens. Mas foi dalismo na Europa medieval e o capitalismo em mar-
com a Revolução Comercial, na transição do feuda- cha nas eras moderna e contemporânea são apon-
lismo medieval para o capitalismo mercantil, que da tados como os principais tipos de organização da so-
prática da economia começou a surgir a ciência da ciedade, pelo menos no mundo ocidental. Esses
Economia. Posteriormente, a Revolução Industrial tipos de organização da sociedade se associam ao
deu grande impulso à evolução do pensamento eco- que Marx e Engels denominaram modos de pro-
nômico, que viria a culminar, já no século XX, no de- dução. Hoje, porém, o conceito é corrente mesmo
safio de planejar o desenvolvimento. entre teóricos não-marxistas.
Foram propostos, então, conceitos como forças Considerando a enorme variedade de formas co-
produtivas, estrutura econômica, sistemas de produ- mo as sociedades se organizaram pelo mundo afora,

ensino médio – sociologia 15 sistema anglo de ensino


Marx referiu-se ainda a outros modos de produção, Para a análise dos processos de transformação his-
como o asiático, que esteve presente, por exemplo, tórica das sociedades, esta teoria aponta a economia
nas civilizações existentes na América pré-colom- como determinante em última instância dos gran-
biana. des fenômenos sociais, uma vez que é por meio dela
O conceito marxista de modo de produção é uma que se definem as classes sociais e as formas de do-
construção teórica, construída a partir de obser- minação de classe. Diante das críticas, já em sua
vações históricas e útil para analisar tanto o tipo de época, ao que seria uma visão economicista da histó-
civilização em que vivia Marx, no século XIX, quanto ria, Marx explicou o que significava a economia ser
o mundo de hoje. Ele se aproxima do ideal-tipo de determinante em última instância da realidade social.
Max Weber, ou seja, um conceito que procura reunir A luta de classes não está restrita à infra-estrutu-
as características sempre presentes numa sociedade, ra do modo de produção, mas se dá também em
ainda que com variantes possíveis, conforme a todos os níveis da superestrutura. As lutas políticas
região e a época. no âmbito do Estado seriam reflexos da luta de
Quando dizemos produção, a primeira idéia que classes, assim como as expressões artísticas, as po-
vem à cabeça é a de bens materiais. Mas, além dos líticas de ensino ou de esportes, as ideologias nor-
bens que lhes permitem sobreviver, os homens pro- teadoras do direito e até as atividades religiosas.
duzem também obras de arte, religiões, política e Tudo isso definiria os campos de confronto das vi-
leis. Sobretudo, produzem idéias e, por meio delas, sões antagônicas das classes dominantes e oprimi-
interpretam toda a realidade a sua volta. É essa das. A luta de classes, cuja origem primeira está na
ampla produção que diferencia o ser humano dos base econômica, projeta-se permanentemente em
demais seres vivos. Conclui-se, portanto, que o con- toda a sociedade. Assim, nenhum nível da infra ou
ceito de modo de produção é bastante amplo e in- da superestrutura teriam, necessariamente, maior
clui até mesmo as relações sociais, em todos os ní- ou menor importância.
veis que compõem a organização da vida em socie- A atuação da Igreja e a supremacia do catolicis-
dade. mo se constituíram na alma da coesão interna do
modo de produção feudal durante séculos, bem co-
Infra-estrutura e superestrutura mo a intervenção dos Estados absolutistas europeus
foi fator fundamental no avanço do capitalismo co-
Marx identifica nos modos de produção de todas
mercial. É a superestrutura garantindo a manuten-
as sociedades uma infra-estrutura de base eco-
ção dos pilares de uma certa estrutura social. Mas
nômica. E chama de superestrutura o “espaço” so-
isso tudo se definiu a partir das transformações eco-
cial onde se dão as relações não-econômicas, mas
nômicas que desmantelaram um modo de produção
também muito importantes para a máquina social
e geraram as novas classes sociais que construíram
funcionar. Nesse “espaço” são produzidos os sis-
outro.
temas educacionais ou jurídicos, as concepções reli-
Se os homens é que fazem sua história, mas não
giosas, filosóficas e políticas, os códigos morais, as
como querem e sim dentro das condições herdadas
tendências artísticas e os conhecimentos científicos,
das gerações precedentes, a produção intelectual e
ou seja, toda a produção humana que não tem forma
as expressões da cultura desempenham aí um papel
material e é imprescindível ao funcionamento da so-
importantíssimo. A visão de mundo ou a ideologia
ciedade.
predominante num dado modo de produção tende a
Defendendo uma concepção materialista da his-
ser, em situações normais, a ideologia das classes
tória, a teoria marxista afirma:
dominantes. Estas estão continuamente preocupa-
das em gerar as explicações úteis na manutenção
São os homens que produzem as suas representa- das características da sociedade. A reprodução das
ções, as suas idéias etc., mas os homens reais, atu- relações de produção inclui a reprodução contínua
antes, e tais como foram condicionados por um da visão de mundo predominante. Todos nós passa-
determinado desenvolvimento das suas forças pro- mos, desde os primeiros momentos de vida, pelo
dutivas e do modo de relações que lhe corres- aprendizado sobre “como é o mundo lá fora”. A essa
ponde, incluindo até as formas mais amplas que absorção de idéias que influenciam nosso modo de
estas possam tomar. (...) Não é a consciência que pensar a vida social e os fenômenos políticos cha-
determina a vida, mas sim a vida que determina a mamos de socialização. E a família é, normalmente,
consciência. a instituição responsável pela nossa socialização pri-
mária, ou seja, aqueles valores e princípios adquiri-

ensino médio – sociologia 16 sistema anglo de ensino


dos desde a infância e que serão a base para outras da máquina social. Porém, na medida em que essa de-
socializações. Vivem-se socializações secundárias na núncia se dirige às injustiças sociais (e, nesse caso,
escola, no trabalho, nas igrejas, nos quartéis militares,
econômicas também), o poema discute a base econômi-
nos clubes esportivos, etc. Veremos, mais à frente, a
importância das socializações para estudar o proces- ca da sociedade, ou seja, sua infra-estrutura.
so de alienação, tão comum no mundo de hoje.

exercícios

Para responder às questões, leia o poema a Tarefa mínima


seguir. Quando se fala em marxismo, é preciso distin-
O bicho guir duas grandes acepções em que essa palavra é
Vi ontem um bicho empregada. Existe uma parte do pensamento mar-
Na imundície do pátio xista que procura compreender – sobretudo a partir
Catando comida entre os detritos. da análise de fundo econômico – os mecanismos de
funcionamento da sociedade capitalista. Mas não é
Quando achava alguma coisa, só isso. Devido à amplitude das idéias de Marx e de
Não examinava nem cheirava: seus seguidores, o marxismo também é visto como
Engolia com voracidade. uma proposta de intervenção. Para alguns marxis-
O bicho não era um cão, tas, as contradições internas do capitalismo apon-
Não era um gato, tariam para sua superação histórica e substituição
Não era um rato. gradativa por um modo de produção comunista. Ou-
tras tendências consideram a possibilidade do surgi-
O bicho, meu Deus, era um homem.
mento de outro, denominado socialismo.
(Manuel Bandeira, Belo belo.) Para nós – já que não cabe à ciência construir
profecias –, interessa discutir a parte da obra de
1. É possível encontrar, nos versos de Bandeira,
Marx que nos auxilia a compreender melhor a reali-
alguma referência, ainda que sutil, ao proble-
dade concreta do nosso tempo.
ma da luta de classes no mundo contemporâ-
Vejamos, então, o que ele diz no seu Prefácio à
neo? Justifique sua resposta.
contribuição à crítica da Economia Política, de 1859:
Sim. No poema, um homem – completamente animaliza-
(...) na produção social de sua existência, os homens es-
do pela pobreza – procura comida no lixo. Não é preciso
tabelecem relações determinadas, necessárias, indepen-
ir longe para notar que ele faz parte de uma classe so- dentes da sua vontade, relações de produção que corres-
cial excluída das relações de trabalho presentes no mo- pondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de
do de produção capitalista. Essa exclusão é uma con-
produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a
firmação do confronto que há entre as classes domi- base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura
nantes e as oprimidas, o que gera a luta de classes. jurídica e política e à qual correspondem determinadas
formas de consciência social. O modo de produção da vida
material condiciona o desenvolvimento da vida social, po-
lítica e intelectual em geral. Não é a consciência dos ho-
mens que determina o seu ser; é o seu ser social que,
inversamente, determina a sua consciência.
2. Por meio da arte, Bandeira faz em “O bicho”
uma denúncia social. Isso se aproxima mais do 1. Para o pensamento marxista, a economia funda-
universo da infra-estrutura ou da superestru- menta a vida social ou o contrário? Justifique
tura? Por quê? com uma passagem do texto.
Da superestrutura, uma vez que a arte se localiza no Para Marx, a “estrutura econômica da sociedade” com-
“espaço” em que ocorrem as relações não-econômicas e põe o alicerce do modo de produção e é “a base concre-
que também são fundamentais para o funcionamento ta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e

ensino médio – sociologia 17 sistema anglo de ensino


política e à qual correspondem determinadas formas de O repórter-fotográfico Antônio Gaudério, 49,
consciência social”. Assim, “o modo de produção da vida foi à Bolívia munido de celular com câmera para
descobrir como funciona o tráfico de mão-de-
material” – isto é, a economia – “condiciona o desenvolvi-
-obra ilegal que alimenta a cadeia têxtil em São
mento da vida social, política e intelectual em geral”. Paulo. Como um dos milhares de bolivianos que
buscam emprego no Brasil para fugir da miséria
em seu país, trabalhou no Brás (SP) até 17 horas
por dia produzindo peças de roupas que abaste-
cem grandes lojas do comércio brasileiro. Os bo-
livianos trabalham em troca de comida e moradia
2. Considerando a citação anterior e as citações ou, no máximo, alguns centavos por hora.
que aparecem no texto de aula, responda: na
teoria marxista, a consciência que temos da so- A partir desse trecho, discuta se, no século XXI,
ciedade em que vivemos é completamente em países como o Brasil e a Bolívia, o modo de
autônoma? Por quê? produção capitalista está se mostrando compatível
com a idéia de justiça social?
Não. Para Marx, “os homens reais, atuantes” são aque-
A resposta não está fechada e pode resultar tanto de
les que “foram condicionados por um determinado de-
uma reflexão individual quanto de um amplo debate com
senvolvimento das suas forças produtivas e do modo de
a turma. No Manual do Professor há sugestões para o
relações que lhe corresponde”. Não existe, assim, cons-
encaminhamento da Tarefa.
ciência autônoma. A consciência social é produto do
nosso “ser social”. E este não depende da “vontade”,
mas sim da “estrutura econômica da sociedade”.

LEITURA COMPLEMENTAR

Tarefa complementar
Estrutura econômica e sistemas de produção
A chamada a seguir é o início de uma longa re-
Se a prática econômica gerou o pensamento eco-
portagem publicada na Folha de S. Paulo, em 16 de
nômico, esse, por sua vez, passou a influenciar a or-
dezembro de 2007:
ganização da própria economia. Coube aos econo-
17 horas de trabalho por casa e comida mistas o estudo do que pode ser chamado estrutura
Repórter-fotográfico trabalha com bolivianos econômica. Os diversos tipos de trabalhos se articu-
e revela exploração de mão-de-obra lam numa estrutura tanto mais complexa quanto
clandestina em SP mais desenvolvida for a sociedade. É comum, por
exemplo, a referência na imprensa ao “setor primá-
rio” da economia. Isso se deve a alguns conceitos
clássicos desenvolvidos pela corrente estruturalista
dos economistas, que foram se tornando comuns até
mesmo na linguagem cotidiana. Vejamos alguns
deles:
• O setor primário é aquele voltado para as ativi-
dades básicas da produção associada aos recur-
sos naturais. Inclui a agricultura, a pecuária e a
extração ou coleta, em suas mais variadas formas.
• O setor secundário engloba as atividades indus-
triais, também em suas múltiplas formas, o que
inclui a transformação dos bens e matérias-pri-
Jovem boliviano faz curso de corte e costura em La Paz, onde os mas, acrescentando aos produtos características
imigrantes se preparam para trabalhar no Brasil. resultantes do emprego das forças produtivas

ensino médio – sociologia 18 sistema anglo de ensino


(ferramentas, máquinas, energia humana, etc.). mesmo de sistema escravista. Podemos usar sistema
Embora hoje em dia o termo indústria esteja vin- de produção quando nos referimos às caracterís-
culado, sobretudo, à idéia de fábrica, a rigor, os ticas presentes num determinado setor da economia,
indivíduos começaram a exercer atividades in- durante um certo período e em uma região definida,
dustriais desde o momento em que nossos ances- que estão subordinadas às relações de produção pre-
trais lascaram pedras para “fabricar” instrumen- dominantes naquela sociedade.
tos com o qual pudessem rasgar o couro dos ani- O importante é não confundirmos sistema de
mais caçados para comer. Do artesanato primiti- produção com modo de produção. São conceitos
vo à manufatura e, depois, à maquinofatura, che- diferentes e complementares. As estruturas econô-
gamos ao estágio dos grandes conglomerados micas geram sistemas de produção seguindo a orien-
fabris. tação de políticas econômicas variadas ditadas pelos
interesses das classes dominantes e dos governos.
• O setor terciário engloba trabalhos em áreas co-
Por política econômica, aliás, entendemos a ar-
mo educação, lazer e entretenimento, justiça e
ticulação de medidas voltadas para objetivos deter-
saúde, transportes, comércio, etc. Ou seja, ativi-
minados, explicitamente adotadas por empresas ou
dades que atendem a certas necessidades, mas
governos nacionais, durante o predomínio de uma
cujo produto não se mostra materializado. São os
classe ou facção de classe sobre os demais grupos
chamados serviços. Este é, desde que as socieda-
sociais. A evolução do capitalismo conheceu o mer-
des passaram a ser fortemente urbanizadas, um
cantilismo dos séculos XV ao XVIII, o liberalismo e o
dos setores mais amplos e importantes.
imperialismo dos séculos XIX e XX, e o neoliberalis-
Vivemos um tempo em que a interdependência mo “pós-moderno”. São políticas econômicas mar-
entre os setores da estrutura econômica faz de todos cantes nas várias etapas do desenvolvimento capi-
igualmente importantes, embora com pesos diferen- talista.
tes, conforme as regiões do planeta. Foi a divisão O mercantilismo, por exemplo, era a prática dos
mundial do trabalho o fenômeno responsável por es- monopólios mercantis coordenados pelo Estado
ta vinculação estreita entre os setores econômicos. É absolutista. Este, de caráter intervencionista, admi-
o trabalho do agricultor que fornece os alimentos às nistrava a balança comercial superavitária no inte-
cidades e o do engenheiro que permite produzir o resse da burguesia comercial aliada à Coroa. Com a
trator usado na terra. O trabalho de qualquer ope- expansão colonizadora pelos continentes, os mono-
rário ou gari varredor de ruas é tão indispensável pólios eram estabelecidos nos chamados pactos co-
quanto o de policiais e médicos no setor dos ser- loniais, a forma de dominação e exploração das co-
viços. lônias pelas metrópoles da Europa. Os séculos mer-
Outro conceito muito usado pelos economistas e cantilistas viabilizaram a acumulação de capitais
sociólogos se refere aos sistemas de produção. Fa- que impulsionaram a Revolução Industrial no sécu-
la-se de pecuária extensiva ou de agricultura intensi- lo XVIII. E a nova burguesia emergente promoveu o
va, de sistema agrário de plantation, de taylorismo e pensamento liberal que desmantelou as políticas
fordismo nas linhas de montagem industriais ou mercantilistas predominantes.

ensino médio – sociologia 19 sistema anglo de ensino


Aula
9
Modos de produção e formações sociais – II
Para debater
Observe a imagem e leia o trecho que segue:

Hélio Campos Mello. Bóias-frias. São Paulo, 1982.

Usina condenada em R$ 500 mil por Agora, leia o Artigo XXIII da Declaração Uni-
condições degradantes no MT versal dos Direitos Humanos, adotada e procla-
Justiça condena Destilaria Gameleira, localizada em mada pela Assembléia Geral das Nações Unidas
Confresa (MT), por más condições de trabalho de seus em- em 10 de dezembro de 1948.
pregados. Empresa já foi palco da maior libertação de es- Artigo XXIII
cravos realizada, quando 1.003 pessoas foram resgatadas.
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre es-
SÃO PAULO – A Vara do Trabalho de São Félix do Ara- colha de emprego, a condições justas e favoráveis
guaia (MT) condenou a Destilaria Gameleira, localizada em de trabalho e à proteção contra o desemprego.
Confresa, também no Mato Grosso, a pagar R$ 500 mil ao 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem
Fundo de Amparo ao Trabalhador a título de danos morais direito a igual remuneração por igual trabalho.
coletivos pelas más condições de trabalho em que se en- 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma
contravam 348 de seus empregados. A decisão é de pri- remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure,
meira instância e foi tomada em 19 de outubro pelo juiz assim como à sua família, uma existência compatí-
do trabalho João Humberto Cesário. vel com a dignidade humana, e a que se acrescenta-
(...) rão, se necessário, outros meios de proteção social.
Em sua decisão, o juiz afirma que as situações encon- 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos
tradas na propriedade são “fato denunciador do seu des- e a neles ingressar para proteção de seus interesses.
prezo para com os fundamentos republicanos da dignidade
Ninguém duvida de que essa Declaração está re-
da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho”.
cheada de boas intenções. Porém, mais de meio sé-
(Iberê Thenório, especial para a Carta Maior, 11/11/2006,
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm? culo depois de sua proclamação, será que esses direi-
materia_id=12806, acesso em 19/02/2008.) tos universais estão, de fato, sendo respeitados?

ensino médio – sociologia 20 sistema anglo de ensino


Um pouco de teoria palavra, empregada no sentido econômico e como
lugar-comum, designa normalmente um bem possuí-
Modos de produção e formação social
do por um indivíduo, como seu patrimônio. Pode ser
Já dissemos que o conceito de modo de produ- uma quantia em dinheiro, uma aplicação em banco
ção é um modelo teórico construído para auxiliar a sob a forma de ações ou, ainda, um meio físico de pro-
análise das diversas formas de civilização. Quando dução, como a terra, por exemplo. Do ponto de vista
Marx o pensou, visava decifrar o capitalismo de seu dos empresários capitalistas, capital é qualquer tipo
tempo, sobretudo na Europa, e tomou a Inglaterra de bem que possa se tornar fonte de renda. Uma ca-
como expressão mais evoluída do modo capitalista sa, por exemplo, ou mesmo um conhecimento espe-
de produção. Ao comparar suas conclusões com o cializado pode ser capital porque são bens que podem
estágio capitalista de outras nações, como a França, gerar renda ao proprietário.
a Rússia e o futuro império alemão, notou a necessi- Daí podem-se concluir duas coisas:
dade de adaptar o modelo teórico à realidade econô- 1) que o capital existe em toda e qualquer sociedade,
mica, política e social com que deparou. em qualquer tempo ou lugar;
Na tentativa de explicar as particularidades que o 2) que objetos inanimados podem ser produtivos e
modo de produção capitalista assumia em cada can- gerar renda por si próprios.
to do planeta, os marxistas desenvolveram o concei- A teoria marxista discorda dessas conclusões. O
to de formação social, que pode ser definido como argumento é o seguinte: embora o capital tenha sur-
uma totalidade social concreta, histórica e geografi- gido antes das relações capitalistas de produção, ele
camente determinada, isto é, uma organização social é inerente ao modo de produção capitalista, porque
que pode abranger um só país ou vários (como é o jamais uma coisa seria capaz de gerar renda. Na ver-
caso dos países latino-americanos, que apresenta- dade, o capital seria uma relação social que toma a
ram características semelhantes em certos períodos forma de coisa. Se são os homens com seu trabalho
históricos). que geram riquezas, o capital é, antes de mais nada,
O modo de produção capitalista que Marx enxer- a relação entre seres humanos que se transforma em
gou na Inglaterra, sob orientação liberal, é bem dife- bens materiais. Nas palavras de Marx:
rente da versão nazista que a Alemanha conheceu
no século seguinte. Hoje também observamos que as (...) o capital não é uma coisa, mas uma relação de
formações sociais capitalistas mais evoluídas são produção definida, pertencente a uma formação his-
bastante diferentes das menos desenvolvidas. tórica particular da sociedade, que se configura em
Um fenômeno recorrente na realidade das forma- uma coisa e lhe empresta um caráter social específico.
ções sociais é o fato de características de outros mo-
dos de produção coexistirem com o modo predomi- Ou seja, o capital não é simplesmente um conjun-
nante. Onde quer que o capitalismo se implante, sua to de meios de produção; esses é que foram trans-
expansão tenderia a eliminar todas as relações pré- formados em capital ao serem apropriados por uma
-capitalistas existentes. A realidade, entretanto, teima classe social (a burguesia) e empregados com a fi-
em contrariar a teoria. É muito difícil aceitar a exis- nalidade de gerar rendas. Não por acaso, o Houaiss
tência de um modo de produção em estado puro. O também dá a seguinte acepção de capitalismo: “sis-
Brasil imperial, por exemplo, conheceu a transição tema social em que o capital está em mãos de em-
da escravidão para o trabalho assalariado como for- presas privadas ou indivíduos que contratam mão-
ça motriz da economia, num longo processo de con- -de-obra em troca de salário”.
vivência conflituosa de características pré-capitalis- Para os marxistas, o capitalismo se apresenta co-
tas com outras já tipicamente capitalistas. Ainda ho- mo um modo de produção baseado fundamental-
je encontramos pelo país relações de produção pró- mente na propriedade privada dos meios de produ-
ximas da semi-servidão ou a sobrevivência do traba- ção. Assim, de um lado, há uma burguesia capitalis-
lho artesanal autônomo. ta, na condição de classe dominante e detentora dos
meios de produção; de outro, o proletariado, como
Capitalismo e capital
classe dominada, a quem resta o trabalho assalaria-
Afinal, o que é capitalismo? Uma definição de di- do. Sobre essa infra-estrutura econômica, ergue-se a
cionário seria: “modo de produção em que o capital, superestrutura do Estado nacional, que detém o po-
sob suas diferentes formas, é o principal meio de pro- der de governo sobre a sociedade e que encarna a
dução”. Meio de produção e modo de produção já ideologia da igualdade jurídica (ou seja, igualdade
sabemos o que é. Mas capital o que seria? Essa perante as leis) entre os indivíduos.

ensino médio – sociologia 21 sistema anglo de ensino


A mais-valia des, pode significar nada em outras. Chamamos
aqui de valor, então, o valor de troca das mer-
Numa de suas obras mais importantes, O capital –
cadorias. E mercadorias diferentes são trocadas
crítica da Economia Política, Marx expõe o que para
como equivalentes. Basta reconhecer o dinheiro
ele é o mecanismo de funcionamento do modo capi-
como equivalente universal, a moeda que se troca
talista de produção. Assim, decifra a fonte da acu-
por qualquer outra coisa. Se coisas diferentes se
mulação do capital que permitiu ao capitalismo ex-
apresentam no mercado como equivalentes, é
pandir-se por todo o planeta e promover uma revo-
porque todas têm em comum o tempo que se
lução tecnológica sem precedentes na história da
gasta para produzi-las. E o tempo, diferente para
humanidade. É a denominada teoria da mais-valia.
a produção de um automóvel e de um submarino,
Os trabalhadores produzem utilizando os meios
por exemplo, pode ser medido e comparado.
de produção pertencentes ao patrão; este, em troca,
Quer dizer, então, que a camisa produzida por
paga-lhes um salário em dinheiro, depois de vender
um alfaiate experiente “vale” menos que a de um
as mercadorias produzidas. Essa venda é necessá-
alfaiate novato, pois leva mais tempo para ser
ria para que ele reponha as matérias-primas e as
feita? Claro que não. Por isso, a teoria usa a ex-
ferramentas e possa reiniciar o processo. Com seu
pressão tempo socialmente necessário, ou se-
salário, os empregados compram os bens necessá-
ja, no estágio de desenvolvimento em que se en-
rios para sua sobrevivência e de sua família. Apa-
contra a sociedade, é possível saber qual o tem-
rentemente estamos diante de uma troca justa.
po médio que se leva para a confecção de cami-
Mas, se nenhum dos lados está sendo privilegiado,
sas, para a fabricação de pneus, etc. É esse tem-
de onde vem a riqueza dos capitalistas e a pobreza
po social de trabalho que deve ser tomado como
dos proletários?
medida do valor. O tempo gasto para produzir
Os capitalistas respondem que enriquecem devi-
um automóvel não é exclusivamente o da monta-
do aos lucros obtidos com as vendas, uma vez que o
gem final das peças, mas todo o tempo necessá-
mercado necessita de bens (que possuem preços va-
rio para a extração de metais, o desenvolvimen-
riáveis). No entanto, se o patrão pagasse os empre-
to de projetos de engenharia, a fabricação das
gados por todas as mercadorias produzidas por eles
peças e a montagem final. Ora, se a força de tra-
numa jornada de trabalho, ele teria que abrir mão
balho na sociedade capitalista também é merca-
dos lucros para poder adquirir novas matérias-pri-
doria, mede-se seu valor pelo tempo de trabalho
mas, repor as máquinas e pagar os impostos e as de-
social necessário para a sua produção e repro-
mais despesas da empresa. E o capitalismo simples-
dução.
mente não existiria.
Onde se esconde, então, a origem do capital acu- 2. O valor da força de trabalho é, assim como o de
mulado? O lucro de mercado existe, é verdade; mas qualquer outra mercadoria, determinado pelo
não é ele que gera o capital. Os preços variam con- tempo de trabalho social despendido para a sua
forme as necessidades das pessoas e a oferta das produção e reprodução, isto é, para a manutenção
mercadorias. Mas o que determina o valor de uma do trabalhador em condições de produzir e de
mercadoria? Sempre lembrando que a força de tra- manter os filhos que vão substituí-lo um dia no
balho vendida ao patrão pelo trabalhador também é mercado de trabalho. Na massa de salários pagos
uma mercadoria, acompanhemos com atenção o pelo patrão, está incorporado o valor social da
raciocínio de Marx: produção de alimentos, vestimentas, moradias,
transportes, etc. necessários aos trabalhadores. É
1. O valor de uma mercadoria é determinado pelo
por este valor que os patrões pagam os salários e
tempo de trabalho socialmente necessário para
compram as jornadas de trabalho (horas traba-
produzi-la. O que isso significa? Que podemos
lhadas no dia) dos seus empregados. Lembrando
medir os valores de objetos diferentes trocados
que, para os marxistas, como o capital é uma re-
entre os indivíduos comparando o tempo neces-
lação social e não uma soma de riquezas, a finali-
sário para produzi-los. Para isso, há que diferen-
dade última da produção capitalista é o valor de
ciar o valor de uso e o valor de troca das coi-
troca, e não a satisfação do consumo.
sas. O valor de uso de um objeto é de interesse
pessoal e não é levado em conta para a análise 3. A mais-valia é o valor a mais produzido pelos tra-
econômica, pois ele pode valer muito para uma balhadores, além daquele pago pelo patrão no sa-
pessoa e não valer coisa alguma para outra. O lário trocado pela jornada de trabalho. Explica-se:
ouro mesmo, tão valorizado em certas socieda- quando o capitalista contrata um empregado, ele

ensino médio – sociologia 22 sistema anglo de ensino


compra a jornada de trabalho pelo valor determi- 1. A tirinha alude a uma situação bastante atual.
nado no mercado. Acontece que os homens não Que situação é essa?
precisam trabalhar todos os dias, o dia todo, para A sobrecarga de trabalho. Vivemos numa sociedade em
produzir sua sobrevivência. O avanço tecnológi-
que há, de um lado, um grande contingente de desem-
co permite que se trabalhe umas tantas horas
diárias conforme a sociedade. Mas o patrão com- pregados e, de outro, profissionais que acumulam mais
prou toda a jornada de trabalho. Ela se compõe de uma função, fazem horas extras em excesso (mui-
de um tempo de trabalho necessário, que é
tas vezes além do permitido por lei) ou, ainda, abrem mão
pago, e de um tempo de sobretrabalho, que não
é pago e gera a mais-valia. Por exemplo, con- das férias por receio de perder sua colocação.
sidere que o valor da força de trabalho de um ope-
rário de certa fábrica corresponda hoje a quatro
horas diárias. E que a sua jornada na fábrica seja
de dez horas. Isto quer dizer que o trabalhador
produziu o correspondente ao seu salário nas pri-
meiras quatro horas; e que nas seis horas restan- 2. Você acha que essa situação é interessante para
tes ele produziu de graça para a empresa. Neste os capitalistas? Explique.
caso, a mais-valia foi produzida durante o tempo Para os capitalistas essa situação é muito conveniente,
de sobretrabalho de seis horas. Observe este ou- já que, quanto maior o tempo total da jornada, maior o
tro exemplo: imagine que o salário de um traba-
tempo de exploração da mais-valia (ou seja, maiores
lhador seja o correspondente a 16 horas de tra-
balho por mês. E que, em 30 dias ele tenha traba- seus lucros).
lhado rigorosamente 8 horas por dia. São 240 ho-
ras de produção. A empresa precisa de 88 horas
de produção – o que equivale a 11 dias de traba-
lho – para repor matérias-primas e pagar as de-
mais despesas. Neste caso, em um mês, o traba-
lhador produziu o necessário para o patrão pagar 3. Que conceito marxista pode ser utilizado para
o seu salário em dois dias (ou 16 horas) e produ- se entender esse panorama?
ziu a mais-valia de que a empresa se apropriou O conceito de mais-valia, que consiste no valor a mais
gratuitamente em 17 dias (ou 136 horas). Se essa produzido pelos trabalhadores, além daquele pago pelo
empresa fosse uma fábrica de computadores que
patrão no salário.
produz um computador por hora, em 30 dias se-
riam 240 computadores. O empresário precisou
vender 16 deles para pagar os empregados, ou-
tros 88 para cobrir as despesas de produção; 136
foram produzidos de graça pelo sobretrabalho.

Tarefa mínima
Leia o fragmento a seguir e responda às duas
questões propostas:
exercícios
A acumulação primitiva desempenha na economia
política relativamente o mesmo papel que o pecado origi-
Leia a tirinha de Bob Thaves e, a seguir, responda
nal na teologia. Adão mordeu a maçã, e o pecado surgiu
às questões:
no mundo. A origem do pecado explica-se por uma aven-
tura que se teria passado alguns dias depois da criação do
mundo.
Da mesma maneira, teria havido outrora, faz muito
tempo isso, uma época em que a sociedade se dividia em
dois campos: acolá pessoas de elite, laboriosas, inteligen-
tes e, sobretudo, dotadas de aptidões administrativas; aqui
uma porção de folgazões, divertindo-se de manhã à noite
(O Estado de S. Paulo, 30/12/2007.) e da noite ao dia seguinte. Naturalmente, aqueles acumu-

ensino médio – sociologia 23 sistema anglo de ensino


laram tesouros sobre tesouros, enquanto estes encontra- II. No contexto, a referência provocativa à pas-
ram-se em breve desprovidos de tudo. sagem bíblica extraída do Gênesis funciona
Daí a pobreza dos componentes da grande massa que, a como uma espécie de crítica ao discurso reli-
despeito de um trabalho ininterrupto, devem sempre pagar gioso.
com o sacrifício de sua própria pessoa, e, por outro lado, a III. A expressão “pecado econômico” explicita a
riqueza de um pequeno número que, sem mover um dedo, comparação entre a acumulação capitalista e
recolhe todos os frutos e benefícios do trabalho alheio. o pecado original, ressaltando como a distin-
A história do pecado original faz-nos ver, é verdade, ção entre ricos e pobres é fruto do castigo do
como e por que o homem foi condenado pelo Senhor a ga- Senhor de exigir que o homem ganhasse o
nhar seu pão com o suor de seu rosto; mas a do pecado pão com o suor do seu rosto.
econômico preenche uma lamentável lacuna revelando- Está correto o que se afirma em:
-nos como e por que há homens que escapam a esta
ordem do Senhor. a) apenas I.
(Karl Marx, A origem do capital.)
➜ b) apenas II.
c) apenas III.
1. Considerando a relação entre o segundo e o ter- d) apenas II e III.
ceiro parágrafos, assinale a alternativa correta: e) I, II e III.
a) A relação entre esses dois parágrafos é de
complementaridade, pois os mesmos valores Tarefa complementar
que surgiram no segundo parágrafo são reto- O fragmento a seguir pertence a um texto lido
mados termo a termo no terceiro. por Marx nas reuniões do Conselho Geral da Primei-
b) Há uma clara oposição de idéias entre os pa- ra Internacional Socialista, em junho de 1865:
rágrafos: enquanto o segundo defende que a
O que o operário vende não é diretamente o seu tra-
acumulação capitalista nasceu de habilidades
balho, mas a sua força de trabalho, transferindo para o ca-
administrativas, o terceiro apregoa que ela
pitalista a disposição temporária dela. É tanto assim o caso
surgiu de um “trabalho ininterrupto”.
que não sei de acordo com as leis inglesas, mas certamente
➜ c) O segundo parágrafo, ironicamente, propõe
de acordo com algumas leis continentais, está fixado o
que as diferenças entre ricos e pobres tradu-
tempo máximo pelo qual um homem está autorizado a
zem as diferenças entre “pessoas de elite” e
vender a sua força de trabalho. Se autorizado a fazê-lo por
“folgazões”. O terceiro parágrafo confirma a
qualquer período indefinido, a escravatura seria imedia-
ironia, afirmando que algumas pessoas en-
tamente restaurada. Uma tal venda, se compreendesse, por
riqueceram “sem mover um dedo” e outras
exemplo, a duração da sua vida, fá-lo-ia imediatamente
permaneceram pobres “a despeito de um tra-
escravo do seu patrão por toda a vida.
balho ininterrupto”.
d) No segundo parágrafo, defende-se que pes- Nessa passagem, Marx fala sobre a necessidade
soas “dotadas de aptidões administrativas” de leis que, ao disciplinarem as relações de trabalho,
foram capazes de enriquecer. No terceiro, es- evitem a restauração da escravidão. Sabendo disso,
sa idéia é reforçada pela expressão “trabalho leia o longo Artigo 7º- da Constituição brasileira
ininterrupto”. (adaptado para fins didáticos):
e) Os pobres de hoje são os “folgazões” do pas- Art.7º-. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
sado, como se diz no segundo parágrafo. além de outros que visem à melhoria de sua con-
Essa “pobreza dos componentes da grande dição social:
massa” é justificada, no terceiro parágrafo,
pela idéia de que essa grande massa “reco-
I. relação de emprego protegida contra despedida
lhe todos os frutos e benefícios do trabalho
arbitrária ou sem justa causa (...);
alheio”. II. seguro-desemprego (...);
III. fundo de garantia do tempo de serviço;
2. A partir das idéias do fragmento de Marx, anali- IV. salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente uni-
se as seguintes afirmações: ficado, capaz de atender às suas necessidades vitais
I. A idéia de que alguns homens escapam da básicas e às de sua família com moradia, alimen-
condenação divina de ganhar o pão com o tação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
suor do próprio rosto é considerada normal transporte e previdência social, com reajustes pe-
pelo pensamento marxista. riódicos que lhe preservem o poder aquisitivo (...)

ensino médio – sociologia 24 sistema anglo de ensino


V. piso salarial proporcional à extensão e à com- XXX. proibição de diferença de salários, de exercício
plexidade do trabalho; de funções e de critério de admissão por moti-
VI. irredutibilidade do salário (...); vo de sexo, idade, cor ou estado civil;
VII. garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, XXXI. proibição de qualquer discriminação no tocante
para os que recebem remuneração variável; a salário e critérios de admissão do trabalhador
VIII. décimo terceiro salário (...); portador de deficiência;
XXXII. proibição de distinção entre trabalho manual,
IX. remuneração do trabalho noturno superior à do
técnico e intelectual ou entre os profissionais
diurno;
respectivos;
X. proteção do salário na forma da lei, constituin-
XXXIII. proibição de trabalho noturno, perigoso ou insa-
do crime sua retenção dolosa;
lubre a menores de dezoito e de qualquer traba-
XI. participação nos lucros, ou resultados, (...), e, ex- lho a menores de dezesseis anos, salvo na condi-
cepcionalmente, participação na gestão da em- ção de aprendiz, a partir de quatorze anos;
presa (...);
XXXIV. igualdade de direitos entre o trabalhador com
XII. salário-família (...); vínculo empregatício permanente e o trabalhador
XIII. duração do trabalho normal não superior a oito avulso.
horas diárias e quarenta e quatro semanais (...);
XIV. jornada de seis horas para o trabalho realizado em É verdade que os 34 incisos do Artigo 7º- de
turnos ininterruptos (...); nossa Constituição impedem, ao menos do ponto
de vista legal, a existência da escravidão e procu-
XV. repouso semanal remunerado, preferencialmente
ram assegurar vários direitos aos trabalhadores.
aos domingos;
Mas, em sua opinião, considerando a formação
XVI. remuneração do serviço extraordinário superior, social capitalista no Brasil, eles têm sido suficien-
no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; tes para garantir uma sociedade mais justa?
XVII. gozo de férias anuais remuneradas com, pelo me-
A resposta não está fechada e pode resultar tanto de
nos, um terço a mais do que o salário normal;
uma reflexão pessoal quanto de um amplo debate com a
XVIII. licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do
salário, com a duração de cento e vinte dias; turma. No Manual do Professor há propostas de encami-
XIX. licença-paternidade (...); nhamento da discussão.
XX. proteção do mercado de trabalho da mulher (...);
XXI. aviso prévio proporcional ao tempo de serviço,
sendo no mínimo de trinta dias (...);
XXII. redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio
de normas de saúde, higiene e segurança;
XXIII. adicional de remuneração para as atividades pe-
nosas, insalubres ou perigosas (...);
XXIV. aposentadoria;
XXV. assistência gratuita aos filhos e dependentes des-
de o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em LEITURA COMPLEMENTAR
creches e pré-escolas;
XXVI. reconhecimento das convenções e acordos cole- Na década de 1990 – marcada por uma grande
tivos de trabalho; “onda neoliberal” – houve uma revalorização da
XXVII. proteção em face da automação (...); idéia de que “primeiro deve-se fazer o bolo crescer
XXVIII. seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do para depois reparti-lo”. Em outras palavras, acre-
empregador (...); ditava-se que, antes de se acabar com as desigual-
XXIX. ação, quanto aos créditos resultantes das relações dades, era preciso fazer o país crescer economica-
de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos mente. Esse tipo de visão orientou a política econô-
para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limi- mica de várias nações, muitas delas com sérios pro-
te de dois anos após a extinção do contrato de tra- blemas de desigualdade social.
balho; Pensando nisso, leia o texto que segue:

ensino médio – sociologia 25 sistema anglo de ensino


Crescimento econômico não diminui para a inserção no mercado de trabalho. Prova disso
a desigualdade social é que os salários de indígenas e negros são entre 35 e
65% menores do que os salários pagos aos brancos.
Mas essa realidade não está circunscrita à Améri-
ca Latina. Na China e na Índia, assim como nos paí-
ses altamente industrializados, as diferenças salariais
entre os trabalhadores aumentaram nos últimos dez
anos. Entre os desenvolvidos, Estados Unidos, Reino
Unido e Canadá apresentam as maiores diferenças
salariais entre a mão-de-obra qualificada e a não-qua-
lificada.
Por fim, o documento conclui: “Ainda que um país
experimente um crescimento econômico, a redução
da pobreza acontecerá mais facilmente em países
cujos governos já desenvolvam políticas e programas
que promovam a igualdade, incluindo iniciativas para
melhorar o acesso aos recursos, os salários, a educa-
ção e o emprego”.
(Adaptado de http://www.parceria.nl/atualidade/organizacao/
O crescimento econômico não é solução para a
onu/on050825economia_social, acesso em 19/02/2008.)
pobreza e a desigualdade no mundo. Esta é a con-
clusão do documento Situação social mundial 2005, Com base no conteúdo desenvolvido em aula
divulgado pela ONU. Segundo as Nações Unidas, a (mais especificamente na visão marxista de capi-
diferença entre ricos e pobres tornou-se ainda maior talismo), nas informações apresentadas pelo
no mundo nos últimos 10 anos. texto e em seu conhecimento de mundo, respon-
Segundo o estudo, uma das causas do problema é da: por que a idéia de se priorizar o crescimento
o abismo existente entre a economia formal e a in- econômico, alegando que isso ajudaria a dimi-
formal: enquanto os trabalhadores qualificados re- nuir as desigualdades, pode ser considerada “in-
cebem salários cada dia mais altos, os trabalhadores gênua” (ou até mesmo falsa)?
sem qualificação são obrigados a entrar no mercado
Porque vivemos numa sociedade capitalista, cujo fim
informal, sujeitando-se à baixa remuneração e à falta
de participação social, política e econômica. único – pelo menos segundo a visão marxista – é a acu-
A globalização da economia e a concorrência no mulação de capital por uma elite, por meio da exploração
mercado mundial fizeram com que as leis trabalhistas
da força de trabalho dos excluídos. Assim, seria inge-
se flexibilizassem de tal forma, que o desemprego au-
mentou. Além disso, um quarto da população mundi- nuidade – ou, em última instância, má-fé – achar que os
al que tem trabalho não pode manter a família com lucros gerados pelo crescimento econômico seriam divi-
o que recebe – apenas um dólar por dia. didos entre os mais carentes. Prova disso é que países
Na América do Sul e no Caribe, as reformas estru-
turais implantadas nas duas últimas décadas com a que registraram crescimento econômico nas últimas dé-
intenção de favorecer o crescimento econômico só cadas não viram a desigualdade diminuir. Muito pelo
aumentaram a desigualdade. Segundo o informe, o contrário, em alguns deles ela aumentou.
desemprego na região estava em 6,9% em 1993. Em
2002, 9% da população estava desempregada. Res-
salte-se, ainda, que os altos níveis de gasto social pú-
blico da região não beneficiaram aos mais pobres. Os
setores da população que recebem as piores remu-
nerações continuam excluídos de muitas áreas da as-
sistência pública. Por sua vez, uma elite minoritária,
em cujas mãos se concentram as propriedades, con-
tinua sendo privilegiada.
Em países como o Brasil, a Guatemala e a Bolívia,
a questão racial continua sendo um fator decisivo

ensino médio – sociologia 26 sistema anglo de ensino


Aula
10
Crescimento econômico e desenvolvimento — I
Para debater
Observe a imagem e leia o trecho que segue:

Crianças brincam no Rio Guaíba durante a realização do Fórum Mundial de Porto Alegre de 2005,
em que militantes promoveram protestos antiglobalização.

A glorificação da sociedade de consumo impõe a cul- lução Industrial. Os primeiros economistas pro-
tura de massas no lugar da cultura popular. E constrói o curavam explicar a questão do desenvolvimento a
individualismo feroz, que detona a noção de individua- partir das “leis naturais” da chamada Economia
lidade, a qual tem tudo a ver com tomada de consciência, Clássica, que eram fixas e eternas, nem boas nem
fundamental para o homem se entender como cidadão e más. Adam Smith, David Ricardo, James Mill, John
reivindicar direitos e mudanças. Stuart Mill e outros entendiam que:
(Francisco Quinteiro Pires. “Um demolidor elegante
e otimista”. O Estado de S. Paulo, “Cultura”, 2/12/2007.) o bem-estar da sociedade está ligado ao do indivíduo.
Com liberdade a todos para ganharem o mais que pude-
Costuma-se afirmar que a globalização tem con-
rem, no interesse pessoal, toda a sociedade melhorará.
tribuído para um processo de padronização cultural
Trabalhe para si mesmo e estará servindo ao bem geral.
bastante perigoso, que acaba por transformar cida-
dãos em meros consumidores, ou – para utilizar um
Era a doutrina do “laissez-faire, laissez-passer”
termo em voga atualmente – em usuários. Será que
(que, ao pé da letra, significa: “deixai fazer, deixai
é possível reverter esse processo, ou pelo menos ten-
passar”), que combatia todos os pontos de vista eco-
tar amenizá-lo? De que recursos a sociedade dispõe
nômicos do chamado Antigo Regime. Enquanto a já
para enfrentar esse fenômeno que parece “atro-
envelhecida burguesia mercantil, aliada aos regimes
pelar” indivíduos e comunidades, mediante a im-
absolutistas europeus, defendia os princípios do mer-
posição da ideologia dominante?
cantilismo monopolista, uma nova facção industrial
Um pouco de teoria de capitalistas se fortalecia. Para eles, os monopólios
comerciais, o pacto colonial, o intervencionismo do
Liberalismo econômico
Estado e o metalismo haviam sido impulsionadores
Assim como a Sociologia, a Economia Política do crescimento econômico no passado; mas passado
surgiu durante o século XVIII, em meio às trans- é passado. Era chegada a hora do grande salto e o
formações socioeconômicas geradas pela Revo- que havia acelerado a economia, agora era um freio

ensino médio – sociologia 27 sistema anglo de ensino


e devia ser superado. Abaixo o mercantilismo! Abai- 3) a união dos capitais industrial e financeiro pro-
xo os monopólios! Essas eram as palavras de ordem. movida pelos grandes bancos interessados nos
O novo papel do governo de cada nação seria o monopólios;
de preservar a paz e proteger a propriedade. Manter 4) os conglomerados gigantes do capital industrial-
os mercados abertos e a livre concorrência entre as -financeiro, que substituíram as grandes empre-
empresas. Nada de regulamentar os horários de tra- sas mercantilistas e passaram a exportar capitais
balho ou os salários dos trabalhadores. Nada de ad- para suas respectivas esferas de influência.
mitir os monopólios dos capitalistas para elevar Os países já não precisavam tornar-se colônias
preços ou as pressões dos sindicatos para elevar sa- para serem “governados e explorados”. Eram esfe-
lários. Tudo isso seriam graves violações das leis na- ras de influência, como é o caso do Brasil, em rela-
turais do mercado. Com graves conseqüências para ção à Inglaterra no século XIX, e de nações de todos
a sociedade. O Estado não deve intervir na economia os continentes, em relação aos Estados Unidos da
em qualquer hipótese. Mesmo em casos de crise, o América atualmente.
mecanismo da oferta e da procura (demanda) de
mercadorias agiria como se fosse uma “mão invisí- Hegemonia neoliberal: a formação do
vel”, regulando as relações econômicas, regendo o “pensamento único”
mercado e restabelecendo a normalidade. Em 1990, uma ampla discussão sobre a conjuntu-
Do liberalismo ao imperialismo ra econômica, realizada entre as “celebridades” do
mundo capitalista, dentra elas os economistas das
As últimas décadas dos anos 1800 acompanharam
principais instituições financeiras do mundo capita-
a explosão tecnológica no segundo tempo da Revolu-
lista, produziu o chamado Consenso de Washing-
ção Industrial e gozaram o esplendor cultural da cha-
ton. Nele, o economista John Williamsom sintetizou o
mada Belle Époque. Era o mundo das siderúrgicas, das
que seria a estratégia de ajustamento econômico
ferrovias, do petróleo, dos motores a combustão, dos
para a “nova ordem” que se anunciava. Seus princí-
telégrafos e dos telefones. A partir de 1870, houve ain-
pios mais importantes são:
da uma mudança no modo capitalista de produção: a
livre concorrência deu lugar aos grandes monopólios. • a estabilização financeira, conseguida às custas
A grande indústria monopolista permitiu um de um rígido controle da inflação, da austeri-
grande desenvolvimento das forças produtivas. O dade fiscal e da restrição de gastos públicos;
problema eram os mercados. As nações ricas ado- • a privatização de empresas estatais;
tavam tarifas protetoras. Dentro das indústrias, a ca- • a flexibilização de direitos trabalhistas, com a re-
pacidade de produzir superava a capacidade de o vogação de leis e a negociação direta entre capi-
mercado consumir. Onde encontrar novos merca- tal e trabalho.
dos? A resposta: nas colônias. E uma expansão neo- • a desregulamentação de mercados, com o in-
colonialista voltou-se para a África, a Ásia, a Oceania centivo ao livre fluxo de capitais e a liberaliza-
e a América Latina. A diferença fundamental dessa ção do comércio.
nova partilha do planeta, se comparada com a ex- Em síntese, o neoliberalismo era uma nova versão
pansão ultramarina dos séculos XV e XVI, é que os do pensamento liberal, rotulada Estado mínimo.
capitais excedentes eram investidos nas colônias e A formação do Estado neoliberal deve ser entendida
nos países de fora da Europa, que precisavam de fer- como um produto das transformações na sociedade
rovias, eletricidade, telefones, telégrafos, gás. Era um capitalista, iniciadas na década de 1960 e efetivadas
negócio altamente lucrativo, nascido da aliança entre nos anos 1980. A necessidade de as empresas pro-
industriais e banqueiros. O mundo entrava na idade moverem uma “reestruturação produtiva” implicou
do capital financeiro. E do imperialismo. a substituição do fordismo pelo toyotismo e outros
Os analistas concordam em identificar quatro sistemas, como o volvoismo. Seu objetivo claro era
manifestações do imperialismo, ou capitalismo mo- aumentar a taxa de lucro com subsídios ao capital
nopolista: monopolista. Dentre os efeitos colaterais dessa rees-
1) o monopólio, produto da concentração da pro- truturação, destacam-se a corrosão dos direitos tra-
dução num grau elevado, que deu origem aos balhistas e a flexibilidade na esfera de produção. En-
primeiros grandes trustes, hoje chamados de saiavam-se, então, práticas para a reorganização do
multinacionais, e cartéis de empresas; processo de trabalho, como a terceirização de ser-
2) a luta pela conquista das fontes de matérias-primas, viços – subcontratação de empregados que, normal-
sobretudo carvão e minérios para a siderurgia; mente, exige a renúncia a direitos trabalhistas.

ensino médio – sociologia 28 sistema anglo de ensino


No mundo globalizado, o que vale para “uns” (os ri-
Toyotismo e volvoismo
cos ou desenvolvidos) costuma não valer para “outros”
O toyotismo surgiu no Japão, nas fábricas da empre- (os pobres ou subdesenvolvidos). Exemplo disso é a
sa Toyota, e tem como principal característica a flexibi- política protecionista adotada pelos EUA (e por outras
lização. Baseia-se numa dinâmica oposta à automação nações desenvolvidas): impõem-se barreiras a impor-
fordista, com a multifuncionalização da mão-de-obra tações de produtos de certos setores e à realização de
por meio da educação e qualificação dos operários. Se- atividades econômicas estrangeiras em seu território.
guindo as tradições japonesas, procura criar fortes víncu- Ao mesmo tempo, defende-se o não-protecionismo pa-
los entre a empresa e os trabalhadores oferecendo o em- ra “os outros”, como ocorre na tentativa de implanta-
prego vitalício, promoções por antigüidade e partici- ção da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
pação nos lucros. Quem comanda não é um chefe, mas a Já em países de capitalismo subordinado, antes cha-
organização como um todo. A revolução tecnológica mados de Terceiro Mundo, os neoliberais se batem por
com os avanços da robótica e da informática facilitaram mercados abertos e pelo comércio mais livre possível.
em muito este projeto. Diante das posturas do Estado nesta conjuntura,
O volvoismo ou volvismo é o modelo sueco, seme- o ideólogo italiano Norberto Bobbio chamou-o de
lhante ao toyotismo, também com alto grau de infor- Estado mínimo e forte: propõe-se a interferir o
matização e automação, mão-de-obra altamente quali- menos possível nos mercados e nas políticas sociais,
ficada e forte presença dos sindicatos nos planejamen- mas assume a política repressiva diante das reações
tos. Ali é o operário que dita o ritmo das máquinas; ele contra o aumento do desemprego, da pobreza, das
conhece todas as etapas do processo de produção e par- desigualdades, da criminalidade, da violência, entre
ticipa, via sindicato, das decisões na montagem das outros. É o que o sociólogo francês Löic Wacquant
fábricas. São oferecidas boas condições de trabalho com chamou de Estado penal. O programa “tolerância
baixo ruído, iluminação natural e ventilação despoluída. zero” (contra o crime) em Nova Iorque, o aumento
As estruturas são simplificadas na forma de grupos de da população carcerária e a xenofobia em alta nos
trabalho com menos níveis hierárquicos e alta flexibi- países europeus seriam algumas de suas faces.
lização de funções. Dentre os muitos problemas vividos pela socie-
dade globalizada, certamente o desemprego é um
dos mais preocupantes. Em seu livro O horror eco-
Neoliberalismo, globalização e desemprego nômico, Viviane Forrester denuncia o desemprego
programado — disfarçado, por exemplo, em “pro-
Desse sistema emerge, entretanto, uma pergunta gramas de demissões voluntárias” —, que, em suas
essencial, jamais formulada: “É preciso ‘merecer’ viver para palavras, “desestruturam vidas e famílias inteiras, e
ter esse direito?". Uma ínfima minoria, já excepcional- relega grande parte da população mundial ao
mente munida de poderes, de propriedades e de privilé- subemprego e à marginalização”.
gios considerados implícitos, detém de ofício esse direito.
Quanto ao resto da humanidade, para “merecer” viver, de-
Contra o “pensamento único”
ve mostrar-se “útil” à sociedade, pelo menos àquela parte
que a administra e a domina: a economia, mais do que No centro da civilização globalizada, caminhos al-
nunca confundida com o comércio, ou seja, a economia de ternativos ao “pensamento único” têm sido discutidos.
mercado. “Útil”, aqui, significa quase sempre “rentável”, O economista indiano Amartya Sen, por exemplo, no li-
isto é, lucrativo ao lucro. Numa palavra, “empregável” vro Desenvolvimento como liberdade, defende a im-
(“explorável” seria de mau gosto!). portância da democracia política, mas também social
e econômica, na superação da pobreza e da marginali-
No trecho citado, a autora francesa Viviane For-
zação cultural. Sua proposta contempla, numa visão
rester expõe um ponto de vista crítico sobre a socie-
prática, cinco liberdades instrumentais indispensá-
dade contemporânea. De fato, as mudanças nas re-
veis para as mudanças que se fazem necessárias:
lações internacionais a que se tem rotulado globali-
zação, mundialização ou neo-imperialismo – alar- 1) liberdades políticas, das quais são exemplos a li-
deadas inicialmente como uma real possibilidade de berdade de expressão política e de escolher entre
efetivação de um sistema mais justo, principalmente diferentes partidos, além da existência de uma im-
devido à “livre” circulação de riquezas – tem se apre- prensa sem censura.
sentado como um fenômeno mundial excludente, 2) facilidades econômicas, entendidas como “as
que acentuou de forma dramática as desigualdades oportunidades que os indivíduos têm para utilizar
econômicas e sociais.

ensino médio – sociologia 29 sistema anglo de ensino


to de poucas empresas ditarem os rumos da econo-
recursos econômicos com propósitos de consumo,
produção ou troca". mia globalizada. A instalação, por sua vez, mostra as
3) oportunidades sociais, dentre as quais se destacam o fronteiras de um país fictício, que alarga seus domínios
acesso à saúde e à educação, que, segundo o autor, (a sombra poderia sugerir um desejo imperialista, uma
“influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo
viver melhor” e que têm reflexos tanto em sua vida tentativa de expandir as fronteiras).
privada quanto em sua participação política e social.
4) garantias de transparência, instrumento importan-
te para inibir a corrupção, a irresponsabilidade fi-
nanceira e as transações ilícitas. 2. É possível estabelecer uma relação entre a ima-
5) segurança protetora, que “inclui disposições insti- gem e o conceito de esferas de influência?
tucionais fixas, como benefícios aos desemprega-
Sim. Os conglomerados gigantes do capital industrial-
dos e suplementos de renda regulamentares para
os indigentes, bem como medidas ad hoc, como -financeiro, sediados nos países ricos, mantêm uma re-
distribuição de alimentos em crise de fome coleti- lação de dominação com todos aqueles que estão em
va ou empregos públicos de emergência para gerar
suas esferas de influência. Dessa forma, a imagem
renda para os necessitados".
sugere como um só país pode exercer sua influência em
espaços que vão além de suas fronteiras.
exercícios

A declaração a seguir é de Maria Laura Silveira


e foi citada por Francisco Quinteiro Pires em arti- Tarefa mínima
go publicado no Estadão, em 2/12/2007: O fragmento a seguir foi escrito em 1902 pelo
O ambiente globalizado onde se realizam as trocas economista inglês John A. Hobson:
mercantis é apropriado por poucas empresas, que pro-
O fator econômico mais importante, a grande distância
duzem o convencimento de que os seus negócios são
dos demais, do imperialismo é a influência que tem nos in-
bons para todas as nações.
vestimentos. O crescente cosmopolitismo do capital cons-
Tendo em vista essa declaração, observe foto da
tituiu-se na mudança econômica mais notável que se regis-
instalação de Reginaldo Pereira, exposta na mostra
trou nas últimas gerações. Todas as nações industrialmente
Homens trabalhando (realizada em São Paulo, em
desenvolvidas trataram de colocar uma grande parte de seu
agosto de 2007).
capital fora dos limites de sua própria área política, em paí-
ses estrangeiros ou em colônias, e de receber uma renda
cada vez mais alta por este investimento. (...) A riqueza des-
tes grupos financeiros, a magnitude de suas operações e
suas ramificações organizativas espalhadas por todo o mun-
do convertem-nos em elementos decisivos e fundamentais
na marcha da política imperial. Têm mais interesses do que
ninguém nas atividades imperialistas e os maiores meios de
impor sua vontade às decisões políticas das nações.
1. Esse fragmento foi escrito muito antes de se ini-
ciar o processo de globalização a que assistimos
hoje. Mas existe nele uma passagem que cairia
bem para explicar a sociedade globalizada. Que
passagem é essa?

1. O que há em comum entre a declaração e a ins- “Todas as nações industrialmente desenvolvidas trata-
talação? ram de colocar uma grande parte de seu capital fora
Ambas aludem às relações de dominação presentes na dos limites de sua própria área política”.
sociedade contemporânea. A declaração denuncia o fa-

ensino médio – sociologia 30 sistema anglo de ensino


2. Em sua opinião, a globalização de hoje é muito um deles empurra discretamente a ovelha negra para fora
diferente do imperialismo de que trata Hobson? com um coice.
Resposta pessoal. É importante o aluno perceber que a Com o lema “por mais segurança”, o cartaz não é tra-
balho de uma organização marginal de neonazistas: foi
globalização dos fluxos econômicos, a exportação cul-
concebido e divulgado pelo Partido do Povo Suíço
tural, a velocidade da informação não garantiram uma (Schweizerische Volkspartei, ou SVP), dono do maior nú-
sociedade mais justa, uma vez que os grandes “grupos mero de cadeiras no Legislativo e membro da coalizão go-
vernista. Para a ONU, que chegou a pedir explicações a
financeiros” internacionais, devido à “magnitude de
Berna, trata-se de um símbolo sinistro da ascensão de no-
suas operações” e a “suas ramificações organizativas vas formas de racismo e xenofobia no coração de uma das
espalhadas por todo o mundo”, continuam tendo “os mais antigas democracias do mundo.
Dono de um histórico que inclui uma campanha (fra-
maiores meios de impor sua vontade às decisões políti-
cassada) por um referendo para proibir a construção de
cas das nações”. minaretes em mesquitas e outra (bem-sucedida) por leis
de imigração mais severas, usando a imagem de mãos ne-
gras afundando em uma vasilha de passaportes suíços, o
Tarefa complementar SVP agora está em dupla campanha antes das eleições
gerais de outubro.
Leia os textos a seguir:
O partido busca as 100 mil assinaturas necessárias para
Texto 1 promover um referendo sobre o retorno ao código penal
Se a ideologia do capitalismo globalizado dos mercados de uma cláusula que permite aos juízes deportar estran-
livres obteve sucesso nas áreas do capital e do comércio, geiros responsáveis por crimes graves quando eles tiverem
fracassou redondamente no estabelecimento da livre mo- terminado de servir suas sentenças de prisão.
vimentação internacional da força de trabalho. O avanço Anunciou também que proporá uma medida que per-
da xenofobia deve conduzir a movimentos cada vez mais mitiria que toda a família de um criminoso menor de
explosivos, sobretudo em países culturalmente homogê- idade fosse deportada tão logo ele fosse sentenciado por
neos e desacostumados a grandes influxos de estrangeiros. um delito grave – a primeira lei do tipo na Europa desde
(Elias Tomé Saliba. “ Novas lutas, com armas obsoletas”.
a prática nazista do Sippenhaft (responsabilidade fami-
O Estado de S. Paulo, 2/12/2007.) liar), sob a qual os parentes dos criminosos eram conside-
Texto 2 rados responsáveis por seus crimes e estavam sujeitos às
mesmas punições que eles. (...)
Cartaz antiimigrante expõe Suíça xenófoba
(Paul Vallely, The Independent. Tradução de Paulo Migliacci.)
Pôster integra campanha de partido com
maior bancada no país, onde 25% dos A Suíça é um país rico, que fica no centro do
trabalhadores são estrangeiros continente mais desenvolvido do mundo. Em
tese, seria um país beneficiado pela globalização.
No entanto essas manifestações de xenofobia
mostram que há dificuldade dos países ricos em
aceitar a “livre movimentação internacional da
força de trabalho”. Não se nota a mesma dificul-
dade em admitir a existência de mercados livres
“nas áreas do capital e do comércio”.
De posse dessas informações, discuta até
que ponto a globalização está criando uma so-
ciedade mais livre e dinâmica?
A resposta não está fechada e pode resultar tanto de
O pôster, que menciona
segurança; xenofobia uma reflexão pessoal quanto de um amplo debate com a
cresce na Europa.
turma. No Manual do Professor, há maiores informações
À primeira vista, o pôster parece um desenho infantil sobre o encaminhamento da tarefa.
inocente em que três ovelhas brancas aparecem ao lado
de uma ovelha negra. Mas logo você percebe que os três
animais brancos estão em pé sobre uma bandeira suíça, e

ensino médio – sociologia 31 sistema anglo de ensino


LEITURA COMPLEMENTAR ram a ser utilizados como equivalente universal nas
trocas. As primeiras moedas cunhadas conhecidas
foram descobertas na Lídia e datam de 630 a.C. Um
general chamado Xenofonte, observando essas novi-
dades, escreveu um livro intitulado Oikonomikós: so-
bre a habilidade em administrar uma casa ou um Es-
tado. Esta obra nos legou o termo “economia”.
Na Itália medieval, por causa das Cruzadas, sur-
giram feiras em cujas bancas os mercadores em-
prestavam dinheiro. Como a Igreja condenava a prá-
tica da usura – ou seja, era arriscado cobrar juros
pelo empréstimo –, os primeiros “banqueiros” tiveram
Andy Warhol. Nota de um dólar com a efígie de Washington.
Lápis sobre papel, 1962. uma idéia para driblar a Inquisição. Emprestavam
dinheiro por cambium per litteras. A quantia tomada
O dinheiro como instituição social emprestada devia ser paga a outra pessoa em outra
Além da família, da linguagem e da propriedade, moeda e em data estipulada. Eram papéis práticos,
uma das mais antigas e sólidas instituições sociais cria- seguros e, principalmente, limpos do pecado. Assim
das pelo homem é o dinheiro. Quantas vezes se ouve nasceram as letras de câmbio. E os bancos.
dizer que o dinheiro move o mundo? Criou-se uma Por volta de 1540, foram cunhadas moedas de
poderosa ideologia (em certos casos, verdadeira idola- prata no Vale Joachimsthal, região da Boêmia, que
tria) em torno da moeda, elevada à condição de enti- foram chamadas joachimsthalergroschen. Nome
dade viva e superior. É como se o dinheiro tivesse grande demais para uma moeda, ainda que valiosa.
valor em si próprio, em vez de ser uma criação huma- Logo ficaram conhecidas como thaler ou, para os in-
na. Ou como se fosse a própria mola da produção, no gleses, dólar. E foi em Londres, já no século XIX, que
lugar do trabalho dos homens. Uma espécie de coisa o Banco da Inglaterra imprimiu as primeiras moedas
viva e pensante, e não de mera convenção social. em papel, cuja garantia eram as reservas em ouro da
A origem das primeiras trocas de coisas entre os Coroa britânica.
nossos ancestrais é bastante remota. Quando os pri- O papel como forma do dinheiro veio para ficar;
meiros portugueses desembarcaram nas praias da mas a garantia em ouro não demorou muito para de-
“Ilha de Vera Cruz” e praticaram o escambo do pau- saparecer. No fim do XIX, várias nações já impri-
-brasil com os habitantes nativos, nada de novo, em miam mais papel-moeda do que as reservas podiam
termos das relações humanas, estava acontecendo. garantir. E os efeitos da quebra da bolsa de Nova Ior-
A troca direta, de coisa por coisa, já era praticada que, em 1929, fizeram o Presidente americano
pelo mundo afora havia milênios. Só que nem sem- Franklin Roosevelt nacionalizar as reservas de ouro
pre quem quer o que você tem possui o que você dos Estados Unidos e colocar o país também fora do
gostaria de obter. E quem tem o que você quer pode padrão-ouro.
não querer o que você tem. Assim, as comunidades Em 1950, para facilitar a vida dos empresários e
antigas descobriram que seria conveniente estabele- seus agentes pelo país, o Diners Club inventou um
cer alguma coisa que todos aceitassem como equi- cartão de papelão que era aceito numa rede de hotéis
valente a todos os outros objetos. Os astecas, por e restaurantes finos conveniados. Não era preciso
exemplo, faziam trocas usando sementes de cacau carregar pacotes de dinheiro. Deu certo e depois, em
como complemento de valor, no caso de uma das par- 1958, foi lançado o American Express. Os cartões de
tes trocar algo mais valorizado que a outra. Já os po- crédito se sofisticaram e se expandiram. Em 1967, o
vos do Saara usavam placas de sal – hábito que che- Citibank americano lançou o Everything Card, aceito
gou até os antigos romanos, cujos soldados chegaram em todos os setores do comércio. Dez anos depois, o
a receber os soldos em sal, o que teria originado a Bank of America criou o cartão VISA.
expressão “salário”. Na Grécia antiga até peças de Mas o velho dinheirinho persistia e parecia ter
gado viraram moeda de troca. Desse dinheiro pecuá- vida eterna. Até que, em 1972, o Federal Reserv fez,
rio, aliás, teria surgido a expressão “pecuniário” (segun- na cidade de São Francisco, os primeiros pagamen-
do o Dicionário eletrônico Houaiss, relativo a dinheiro). tos eletrônicos, que hoje são tão comuns na internet.
O problema é que essas primeiras moedas eram Hoje, segundo a Secretaria do Tesouro dos EUA, so-
comidas pelas pessoas. Então, na Mesopotâmia, por mente perto de 8% dos dólares que circulam pela
volta de 3000 a.C., pedaços de ouro e prata começa- economia mundial são efetivamente moeda.

ensino médio – sociologia 32 sistema anglo de ensino


Aula
11
Crescimento econômico e desenvolvimento – II
Para debater

Vista aérea da Baía de Guanabara, com o Cristo Redentor em primeiro plano. Rio de Janeiro, Brasil.

Os textos que seguem veiculam diferentes visões Como podemos perceber pelos textos, as opi-
sobre o Brasil. Leia-os com atenção: niões sobre as potencialidades do Brasil não são pa-
E uma luz vasta brilhou no cérebro dele. Se ergueu na cíficas. De um lado, há os que vêem o país como “na-
jangada e com os braços oscilando por cima da pátria de- ção do futuro”, por sua beleza idílica, por sua riqueza
cretou solene: natural, pela diversidade cultural e étnica e pela cor-
— POUCA SAÚDE E MUITA SAÚVA, OS MALES DO dialidade de seu povo. De outro, há os que acreditam
BRASIL SÃO! que nosso país é “inviável”, pois, apesar de suas mui-
(Mário de Andrade. Macunaíma. Belo Horizonte, tas qualidades, ele parece viver em crise e estar fada-
Itatiaia, 1984, p. 56.) do ao subdesenvolvimento.
Na verdade das coisas, o que somos é a nova Roma. Em sua opinião, apesar dos muitos problemas, o
Uma Roma tardia e tropical. O Brasil é já a maior das na- Brasil ainda pode ser considerado um país “viável”,
ções neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a isto é, um país que pode dar certo?
sê-lo também por sua criatividade artística e cultural. Pre- Um pouco de teoria
cisa agora sê-lo no domínio da tecnologia da futura civi-
Capitalismo monopolista de Estado e
lização, para se fazer uma potência econômica, de pro-
subdesenvolvimento
gresso auto-sustentado. Estamos nos construindo na luta
para florescer amanhã como uma nova civilização, mes- O sonho de Adam Smith, para quem a livre con-
tiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque corrência traria o progresso econômico e o Estado
mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais huma- seria o guardião da paz e da propriedade para garan-
nidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com tir a prosperidade de todos, deu lugar ao capitalismo
todas as raças e todas as culturas e porque assentada na monopolista de Estado. Nesta fase, o Estado ascen-
mais bela e luminosa província da terra. deu como força econômica significativa e diretamen-
(Darcy Ribeiro. O povo brasileiro – a formação e o sentido do te envolvida na acumulação do capital. O mundo tor-
Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2003, p. 454-455.) nou-se o palco da atuação do Estado alinhado com o

ensino médio – sociologia 33 sistema anglo de ensino


capital monopolista, com as empresas gigantes e dinâmicos, transferindo capitais para o exterior.
com os grandes grupos financeiros em oposição a Gunder Frank (1929 – 2005) chamou de economias
todas as outras classes. O Estado voltou a intervir na metropolitanas as desenvolvidas nesse processo e de
economia levando em conta não o interesse geral, economias satélites as subdesenvolvidas. Para uns,
mas o interesse do capital monopolista. isto se deve ao desenvolvimento capitalista tardio na
Novas análises, nessa época, detectaram outra África, Ásia e América Latina. Outros preferem re-
característica importante do modo de produção ca- tomar o conceito de desenvolvimento desigual e
pitalista em evolução: os processos de concentração combinado proposto por Leon Trotsky (1879 – 1940),
e centralização do capital. De acordo com o senso outro teórico e líder da Revolução Russa. As so-
comum, pode parecer que concentração e centrali- ciedades ou nações se desenvolvem em ritmos dife-
zação significam a mesma coisa. Os sociólogos e rentes, podendo algumas obter vantagens disso; ou-
economistas, no entanto, fazem uma leve distinção tras, que se atrasaram, podem alcançar e ultrapassar
entre essas duas idéias. A concentração do capital as que tinham vantagem inicial. Inglaterra e França,
implica a produção e a acumulação de capital em es- por exemplo, atrasaram-se em relação a Portugal e
calas cada vez mais ampliadas. Isso vai destruindo a Espanha durante a formação dos Estados Nacionais
livre concorrência ou, quando menos, restringindo-a e tiveram que se dedicar à manufatura, dada a im-
aos grandes trustes multinacionais. As médias em- possibilidade de disputar mercados com os pio-
presas tendem a absorver as pequenas, e as grandes neiros. EUA e Alemanha também largaram atrás na
empresas tendem a incorporar as médias. Quem corrida pela industrialização em relação à Inglaterra
pode mais, concorre menos e monopoliza mais. Si- e França e, no final do século XIX, já podiam quase
multaneamente, dá-se a centralização do capital equiparar-se às duas potências. Nos velhos tempos
quando cada vez mais capital se concentra nas mãos do laissez-faire assim foi. Nos tempos do imperialis-
de cada vez menos capitalistas. A concorrência de- mo era mais difícil; daí o conceito de Trotsky, que se
sequilibrada entre gigantes, médios e pequenos e as estruturava na idéia de que desenvolvimento e sub-
facilidades do crédito, que beneficiam quem mais desenvolvimento são um só processo contraditório.
tem, facilitam a crescente centralização da pro- As economias pós-coloniais analisadas apresen-
priedade dos capitais. Daí a importância do Estado tavam um “setor moderno”, normalmente controla-
como regulador desse processo, apesar da apa- do pelo capital estrangeiro ou sob intervenção dire-
rência de neutralidade que possa apresentar. ta do Estado (quando não ambos) e um “setor tradi-
Os teóricos do capitalismo monopolista, dentre cional”, usualmente ocupado por classes dominantes
os quais se destacaram Paul Baran (1910 – 1964) e pré-capitalistas nos setores agrícolas ou mercantis.
Paul Sweezy (1910 – 2004), debruçaram-se sobre as Enquanto o setor moderno avança, o tradicional se
questões decorrentes dos processos de colonização coloca como freio à industrialização e ao crescimen-
mercantilista e de divisão mundial do trabalho, en- to nacional.
tre metrópoles e colônias, desde o século XV. Anali- Não faltam críticas à teoria do subdesenvolvi-
saram os prós e os contras da concentração de mento. As principais são:
renda, não só em termos das economias internas • exagero no papel atribuído aos países subde-
nas formações sociais específicas, como o Brasil co- senvolvidos no que diz respeito ao crescimento
lonial, mas também na formidável acumulação de industrial global;
capital nas metrópoles. E chegaram à teoria do • inexistência de uma fórmula geral de desen-
subdesenvolvimento. volvimento, aplicável, por exemplo, à Ásia, à
África e à América Latina;
O desenvolvimento do subdesenvolvimento • criação de uma falsa barreira entre os setores
Em 1957, Paul Baran, seguido depois por outros interno e exportador nos países subdesen-
pensadores, defendeu a tese de que nas sociedades volvidos;
pós-coloniais, como as latino-americanas, o desen- • visão simplista dos processos históricos con-
volvimento ficou limitado aos setores que produzem temporâneos.
mercadorias para as economias industrializadas e De qualquer modo, o debate está lançado.
para as elites locais, enquanto os demais setores, que
produzem mercadorias básicas para o consumo in- Da Estrada Real ao Plano Real:
terno, permaneceram estagnados. Os excedentes de o (sub)desenvolvimento brasileiro
capital, ao invés de serem investidos nos mercados O dramaturgo e jornalista brasileiro Nelson Rodri-
internos nacionais, eram aplicados nos setores mais gues disse, certa vez, que “o subdesenvolvimento é um

ensino médio – sociologia 34 sistema anglo de ensino


trabalho de séculos”. Não se constrói da noite para o cipacionista era predominantemente antipopular.
dia. Se, numa análise panorâmica da evolução da so- Poucos eram os defensores, por exemplo, do modelo
ciedade brasileira, da colonização aos nossos dias, republicano ou da abolição da escravatura. E os que
buscarmos as raízes do subdesenvolvimento, certa- defendiam essas propostas eram perseguidos como
mente ganhariam destaque a seqüência de ciclos eco- radicais. Eis a razão primordial de a Independência
nômicos seguidos de longas crises, a freqüência das do Brasil ter assumido um caráter conservador e
chamadas “modernizações conservadoras” e a tra- aristocrático. O Brasil livre de Portugal, em 1822,
dição das conciliações “por cima”, entre elites, margi- preservou a monarquia como forma de Estado e
nalizando as maiorias populares. Os longos séculos de manteve a escravidão, além de estabelecer uma
escravidão e o coronelismo também contribuíram pa- aliança com a Inglaterra que logo se transmudou em
ra a formação de uma sociedade civil desarticulada e domínio econômico inglês sobre a jovem nação. Fo-
despolitizada, à mercê de um Estado dominado por ram 67 anos de Império no Brasil inserido na “esfera
classes conservadoras e, muitas vezes, autoritárias. de influência” britânica.
No período colonial, quando os artigos manufatu- Se a independência pode ser considerada uma
rados vinham de Portugal, a montagem de uma es- primeira modernização conservadora no país, pois
trutura econômica agroexportadora, voltada para o deixávamos de ser colônia, mas não mudávamos em
exterior, não gerou mercados internos. A mão-de- nada nossa estrutura social e econômica, outra ainda
obra escrava adotada serviu de base a uma sociedade mais radical viria em seguida. Na metade final do sé-
patriarcal violenta e conservadora. E a concorrência culo XIX, o café se tornou a mola mestra da econo-
do açúcar das Antilhas, na metade final do século mia imperial. Trouxe ferrovias, o telégrafo e o tele-
XVII, mergulhou a colônia em décadas de crise fone, equipou os portos e bancos e fez de cidades co-
econômica, só superada com a descoberta do ouro mo São Paulo grandes centros de negócios. O café
nas regiões de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. era gerido por uma nova elite agrária que adotou o
Mas o grande beneficiado com a mineração no eldo- trabalho assalariado nas fazendas e fez crescer a
rado português na América não foi o povo brasileiro, classe média urbana ligada ao comércio e aos servi-
e sim a corte perdulária de Lisboa e, principalmente, ços. Mas o Brasil continuava subdesenvolvido. Quem
a burguesia britânica, pois o ouro do Brasil financiou mandava eram os grandes latifundiários exporta-
também a Revolução Industrial na Inglaterra. dores e seus sócios do capital anglo-americano. A
A mineração provocou, entretanto, importantes modernização não admitiu, por exemplo, a indus-
transformações socioeconômicas no Brasil da épo- trialização sonhada por Irineu Evangelista de Souza,
ca. Do mercado interno praticamente inexistente du- o Visconde de Mauá. Era preciso conservar o Brasil
rante os séculos anteriores, a colônia viu crescer o como bom comprador dos produtos ingleses. Mes-
comércio inter-regional. As estâncias dos pampas, mo a campanha abolicionista encontrou ferozes ad-
por exemplo, produziam as mulas de carga que os versários até as vésperas da Proclamação da Repú-
mineradores compravam para escoar o ouro até os blica, em 1889.
portos de Parati, Angra dos Reis e do Rio de Janei- O café e o Exército derrubaram a monarquia de D.
ro. Do nordeste vinha o gado de corte e os escravos Pedro II. O povo apenas assistiu à modernização que
para a mineração. E do litoral vinham os manufatu- conservou as elites agrárias no poder. O Partido Re-
rados que os navios desovavam nos portos para as publicano Paulista (PRP) representava os poderosos
cidades (outra novidade importante) mineiras. As Barões do Café, e a classe média emergente fez-se
vilas existentes até então eram poucas, pequeninas e representar pelos militares. Então, quando no gover-
sem grande importância econômica. Com a minera- no os militares procuraram incentivar a industriali-
ção surgiram muitas cidades, algumas grandes e, zação, novos boicotes e pressões dos latifundiários
principalmente, com um papel econômico de peso. impediram o avanço e mergulharam o país em grave
Esse mercado interno gerou a Estrada Real, que crise financeira. O predomínio do setor cafeeiro e o
ligava regiões desde a cidade de Diamantina, no nor- coronelismo autoritário restringiam a participação
te de Minas Gerais, ao Rio de Janeiro, Parati e Angra política efetiva nas esferas de poder às elites agrárias.
dos Reis, com suas várias ramificações. A febre do Veio a crise do café e a Primeira Guerra Mundial. O
ouro fez surgir um tímido nativismo, que, alimenta- latifúndio não conseguiu deter os levantes militares e
do pelas idéias liberais da época, trazidas para cá o enfraquecimento do regime coronelista. Em 1930,
pelos filhos das elites que estudavam na Europa, com o golpe de Estado que colocou Getúlio Vargas
originou os primeiros movimentos pela Independên- no poder, teria início outra importante modernização
cia nacional. Mas a mentalidade da vanguarda eman- (conservadora, é claro) no país. Mais uma vez, as

ensino médio – sociologia 35 sistema anglo de ensino


classes dominantes se conciliavam, à revelia do po- Tô vendo tudo, tô vendo tudo,
vo, para gerir uma mudança sem que houvesse Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo.
quebra da estrutura do subdesenvolvimento. Um país que crianças elimina,
Finalmente, o Brasil iniciou sua industrializa- Que não ouve o clamor dos esquecidos,
ção. Sob a direção de um regime nacionalista au- Onde nunca os humildes são ouvidos
toritário, os trabalhadores urbanos puderam erigir E uma elite sem Deus é quem domina,
sindicatos, desde que atrelados ao Estado, e gozar Que permite um estupro em cada esquina
de direitos trabalhistas, desde que nos limites dos E a certeza da dúvida infeliz,
interesses capitalistas. Quanto aos trabalhadores Onde quem tem razão baixa a cerviz,
do campo, continuavam sob o “tacão” dos coro- E massacram-se o negro e a mulher.
néis. O trabalhismo getulista era um avanço, se Pode ser o país de quem quiser,
comparado às relações de produção na República Mas não é, com certeza, o meu país.
Velha, e era, ao mesmo tempo, um freio à livre or-
ganização das massas populares. O regime era Um país onde as leis são descartáveis
progressista e conservador. Mas o campo de parti- Por ausência de códigos corretos,
cipação política foi ampliado: agora, além dos lati- Com quarenta milhões de analfabetos
fundiários, a burguesia nacional, as classes médias E maior multidão de miseráveis;
e os trabalhadores urbanos tinham seus canais de Um país onde os homens confiáveis
defesa. Não têm voz, não têm vez, nem diretriz,
Sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, pe- Mas corruptos têm voz e vez e bis
ríodo de um regime populista liberal em que o E o respaldo de estímulo incomum.
grande debate nacional girou em torno do desen- Pode ser o país de qualquer um,
volvimentismo. Sindicatos, partidos, imprensa, in- Mas não é, com certeza, o meu país.
telectuais, militares e empresários defendiam os
caminhos do desenvolvimento brasileiro entre o 1. Aponte versos da canção que façam referência:
nacionalismo radical, de base varguista, e o desen- a) à injustiça social: “Que não ouve o clamor dos es-
volvimento associado aos capitais estrangeiros,
quecidos, / Onde nunca os humildes são ouvidos”,
que ganhava adeptos entre elites e setores po-
pulares na conjuntura da Guerra Fria que abalava “E maior multidão de miseráveis”.
o planeta. A radicalização política culminou com o
golpe militar de 1964, que encerrou a experiência
populista e impôs uma ditadura por mais de vinte
anos.
b) aos problemas educacionais: “Com quarenta
Nova modernização conservadora ganhou o
apelido de milagre brasileiro na década de 1970. milhões de analfabetos”.
Um acelerado crescimento econômico aconteceu
às custas de um também acelerado endividamento c) ao preconceito contra as minorias: “E massa-
externo e de um impulso inflacionário. Pressões cram-se o negro e a mulher”.
externas e mobilizações populares derrubaram a
ditadura militar em 1985. Mas o predomínio das
elites industriais financeiras atreladas aos grandes
capitais estrangeiros permaneceu. A instabilidade
econômica só foi superada, após vários fracassos d) à corrupção e à falta de ética: “Um país on-
em dois governos, já nos anos 90, com a bem-suce- de as leis são descartáveis / Por ausência de códi-
dida implantação do chamado Plano Real do pre-
gos corretos,” “Mas corruptos têm voz e vez e bis / E
sidente Itamar Franco.
o respaldo de estímulo incomum”.

exercícios

e) ao elitismo: “E uma elite sem Deus é quem do-


Para responder às questões 1 e 2, leia o trecho da
canção “O meu país”, gravada por Zé Ramalho. mina”.

ensino médio – sociologia 36 sistema anglo de ensino


2. A canção apresenta o Brasil como um país “viável” ou o subdesenvolvimento estaria completamente
arraigado às nossas formações sociais?
A canção “O meu país” apresenta o Brasil como um país que “Quer ficar sempre no terceiro mundo”. Assim, ela se aproxi-
ma daqueles que crêem no subdesenvolvimento – o que inclui corrupção, injustiça social, discriminação das minorias,
problemas nas áreas de educação e saúde, além de uma espécie de política do “pão e circo” com o futebol e o carnaval –
como característica inerente à sociedade brasileira.

3. Agora, observe o gráfico, veiculado por reportagem publicada no jornal Folha de S.Paulo, em 16/12/2008.
Crescimento tira milhões das classes D e E
Cerca de 20 milhões entram na classe C em 5 anos, aponta Datafolha;
movimento intensifica-se nos últimos 17 meses

de brasileiros com mais de brasileiros


DESDE NOS ÚLTIMOS
OUT. 2002 20 milhões
de 16 anos migraram
para a classe C 17 MESES 14 milhões
passaram da classe
D/E para a classe C

Fonte: Datafolha Obs.: No gráfico, o que falta para atingir 100% corresponde a “não respondeu”

Em sua opinião, os dados veiculados pelo gráfico contrariam a visão pessimista sobre o desenvolvi-
mento do país?
Apesar de os analistas econômicos alertarem para o fato de que ainda não é hora para comemorar – pois a melhoria dos
índices econômicos não foi acompanhada por melhoras em outras áreas fundamentais, como saúde e educação –, os
dados contrariam a idéia de que “nada vai mudar nunca” e reavivam as esperanças em políticas públicas que possam vir
a melhorar a qualidade de vida da população excluída.

ensino médio – sociologia 37 sistema anglo de ensino


Tarefa mínima ser mais bem explorada e “para se nela cumprir e fazer
Leia o texto a seguir: o que” a Coroa portuguesa “tanto deseja”. Assim, já fica
Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que clara a relação de dominação entre Portugal e Brasil,
mais contra o sul vimos, até à outra ponta que con- desde o remoto ano de 1500.
tra o norte vem, de que nós deste porto houvemos
vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou
vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar
em algumas partes grandes barreiras, umas verme-
lhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e
muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta
é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão
nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a es-
tender olhos, não podíamos ver senão terra e arvore-
dos – terra que nos parecia muito extensa. Tarefa complementar
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata Para responder à pergunta, observe a ima-
nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vi- gem e leia os textos que seguem:
mos. Contudo a terra em si é de muito bons ares fres-
cos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho,
porque neste tempo d'agora assim os achávamos co-
mo os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal ma-
neira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á
nela tudo; por causa das águas que tem!
Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar
parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser
a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lan-
çar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza
aqui esta pousada para essa navegação de Calicute
bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir
e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acres-
centamento da nossa fé! Crianças nas ruas de São Paulo são 1.842 e a maioria está a
trabalho, diz Fipe.
(Pero Vaz de Caminha. Carta a El Rei D. Manuel.
São Paulo, Dominus, 1963.) (O Estado de S. Paulo, “Metrópole”, 10/07/2007.)

Texto 1
A conhecida “Carta de Caminha” é o primei-
ro documento brasileiro. Foi escrito muito antes A educação é o ponto no qual definimos se
de Portugal colonizar, de fato, o Brasil. No en- amamos o mundo o bastante para assumir a respon-
tanto esse texto é importantíssimo para enten- sabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína
der as origens das formações sociais brasileiras. que seria inevitável. A educação é, também, onde de-
Explique como a “Carta” já mostra característi- cidimos se amamos nossas crianças o bastante para não
cas da relação de dominação em relação à Eu- expulsá-las de nossos mundos, não abandoná-las a
ropa que o Brasil iria experimentar durante boa seus próprios recursos, tampouco arrancar de suas mãos
parte de sua história. a oportunidade de empreender alguma coisa nova e im-
prevista para nós.
De um modo quase profético, Caminha mostra que o
(Hanna Arendt. Citada em: vários autores. Realidade ou
Brasil é um lugar de uma exuberância natural incrível, utopia – questões de educação. São Paulo, Lazuli e
SESC, 2005, p. 65.)
com inesgotáveis recursos hídricos e, portanto, com
grande potencial econômico. Trata-se de uma terra Texto 2
“graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela Um em cada 5 jovens não completou
o ensino fundamental.
tudo”. Porém, seria preciso “salvar” os índios por meio
Alagoas é o Estado líder da exclusão, com 46%
da “fé” católica e “saber se há ouro ou prata nela, ou
dos jovens com o curso incompleto ou analfabetos;
outra coisa de metal, ou ferro”, para que a terra possa São Paulo tem menor taxa.

ensino médio – sociologia 38 sistema anglo de ensino


Para educadores, faltam políticas públicas efi- LEITURA COMPLEMENTAR
cientes que alfabetizem os alunos de verdade e
atuem na formação de professores.
Um em cada cinco jovens entre 18 e 29 anos e Planejamento capitalista: desenvolvimento
que vivem na zona urbana abandonou a escola e qualidade de vida
antes de completar o ensino fundamental, segundo O “crash” da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em
trabalho feito pela Secretaria Geral da Presidência 1929, sepultou o projeto do liberalismo clássico, que
da República com base na Pnad 2006 (Pesquisa Na- defendia a não-intervenção do Estado na economia.
cional por Amostra de Domicílios), do IBGE. O temor do naufrágio do capitalismo, a experiência
Segundo o documento, dos 34 milhões dos cha- revolucionária do Estado soviético e a ascensão do
mados jovens urbanos do país, 7,4 milhões tiveram nazifascismo na Europa levaram o Presidente dos
de um a sete anos de estudo — período insuficiente EUA, Franklin D. Roosevelt, a adotar o New Deal
para concluir o ensino fundamental. Entre os jovens (Nova Negociação) como política intervencionista e
“excluídos”, há ainda um montante de 813,2 mil protecionista, pensada pelo economista John May-
analfabetos. nard Keynes. Elaborar mecanismos de combate à
No topo dessa lista de exclusão urbana, que leva inflação e ao desemprego, de controle de preços e de
em conta tanto os que não completaram o ensino impostos, além de programas estatais de obras de
fundamental como os analfabetos, estão cinco Es- infra-estrutura (estradas, pontes, etc.), tornaram-se a
tados do Nordeste. nova orientação do Estado, em socorro ao capitalis-
O líder da exclusão é Alagoas, com 46% dos mo ameaçado. Mas a grande novidade se constituía
jovens em uma dessas duas situações. Lá, de 432,2 na elaboração do planejamento econômico. Segun-
mil jovens, 28,6 mil são analfabetos e 171,6 mil não do as perspectivas desdobradas do keynesianismo
tiveram sete anos de estudo. nascente, cabia ao Estado um novo papel: o de plane-
Já na outra ponta do ranking, com o menor jador do desenvolvimento econômico.
índice, está São Paulo (15%). No Estado, entre os Superada a grande crise, os países ricos puderam
8,3 milhões de jovens, há 99,3 mil analfabetos e 1,1 usufruir de políticas de bem-estar social, tanto as
milhão sem o ensino fundamental (...). praticadas por governos de linha social-democrática,
(Eduardo Scolese. Folha de S. Paulo,
“Cotidiano”, 21/01/2008.)
sobretudo na Europa, quanto as do regime norte-
-americano do welfare state (estado de bem-estar so-
Com base nas informações veiculadas pelos
cial). Reformas de peso implantaram a tributação
textos e em seu conhecimento de mundo, res-
progressiva, a nacionalização de ramos da economia,
ponda: em sua opinião, quais são as relações
programas de participação nos lucros, a medicina so-
entre desenvolvimento e educação?
cializada, a educação gratuita e a humanização dos
A resposta não está fechada e pode resultar tanto de sistemas de trabalho. O modelo de país desenvolvido
uma reflexão pessoal quanto de um amplo debate com a não poderia mais ser desenhado a partir de critérios
estritamente econômicos. Era preciso pensar na qua-
turma. No Manual do Professor há algumas sugestões
lidade de vida das pessoas, e não somente no tama-
para o encaminhamento da tarefa. nho do Produto Interno Bruto (PIB) de cada nação.
Assim nasceu, em 1990, o conceito de desenvolvi-
mento humano em que se baseia o cálculo do Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH), feito pela ONU.
Idealizado pelo economista paquistanês Mahbub ul
Haq (1934 – 1998), com a colaboração do indiano
Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Econo-
mia em 1998, o IDH varia de zero a um e é calculado
a partir do PIB per capita corrigido pelo poder de
compra na moeda de cada país e mais a expectativa
de vida da população e o acesso à educação, consi-
derando-se o analfabetismo e as taxas de matrículas
em todos os níveis de ensino. Tornou-se o índice mais
usado nos projetos de planejamento econômico.

ensino médio – sociologia 39 sistema anglo de ensino


O desenvolvimentismo no Brasil

O Congresso Nacional, em Brasília. Cidade tornou-se símbolo do desenvolvimentismo brasileiro.

No Brasil, o desenvolvimentismo marcou o pós-guerra com especial atuação do governo Juscelino Kubitschek, entre
1956 e 1961. Sob o lema “desenvolveremos 50 anos em 5”, JK pôs em andamento o seu Plano de Metas. Com trinta metas
distribuídas entre os setores de educação, alimentação, transportes, energia e indústrias de base, o planejamento elabo-
rado pelo governo conseguiu alcançar um acelerado crescimento econômico, com todas as metas cumpridas ou até
mesmo ultrapassadas. O lado cruel esteve ligado ao também acelerado endividamento externo, ao processo inflacionário
desencadeado e à desnacionalização de setores da economia, tomados pelos investidores estrangeiros. A experiência de
planejamento do crescimento gerou novos planos mesmo depois de encerrado o ciclo nacional-populista em 1964. Em
todos os planos executados, no entanto, um aspecto ficou claro: não há desenvolvimento sem crescimento econômico,
mas nem todo crescimento se traduz mecanicamente em desenvolvimento.
Se entendemos que o desenvolvimento significa necessariamente a extensão dos benefícios à maioria da popu-
lação, o que vivemos no Brasil foi o crescimento acompanhado da concentração de renda. Com a maioria ficaram
os custos, e não os ganhos do crescimento.

ensino médio – sociologia 40 sistema anglo de ensino


Aula
12
Sociedade contemporânea e alienação
Para debater
Observe a imagem e leia o trecho que segue:

Charles Chaplin em cena de Tempos modernos, filme de 1936.

Pensar é algo que certamente não se aprende; é a coisa o indivíduo se entrega às pressões sociais, sem perce-
mais compartilhada do mundo, a mais espontânea, a mais ber que a consciência coletiva acaba por delimitar
orgânica. Mas aquela também da qual se é mais afastado. suas visões de mundo, estamos diante de um caso de
Pode-se desaprender a pensar. Tudo concorre para isso. En- alienação. Agora, vamos analisar mais profunda-
tregar-se ao pensamento demanda até mesmo audácia mente esse conceito, tão importante para a Sociolo-
quando tudo se opõe, e, em primeiro lugar, com muita fre- gia moderna.
qüência, a própria pessoa! Engajar-se no pensamento re- Podemos chamar de alienado o elemento afasta-
clama algum exercício, como esquecer os adjetivos que o do do grupo, e de alienação, a transferência de pro-
apresentam como austero, árduo, repugnante, inerte, eli- priedade de um bem (como automóveis e jóias), ou
tista, paralisante e de um tédio sem limites. Frustrar as ar- até mesmo a insanidade mental. Mas há outros sen-
timanhas que fazem crer na separação entre o intelectual tidos para a palavra: no século XVIII, Jean-Jacques
e o visceral, entre o pensamento e a emoção. Quando se Rousseau definiu alienação como o fenômeno por
consegue isso, é como se fosse a eterna salvação! meio do qual os indivíduos perdem sua consciência
(Viviane Forrester, O Horror Econômico.) da vida concreta, deixando-se influenciar por ter-
ceiros e a eles transferindo seus direitos. Já para
Você concorda que vivemos numa sociedade em
Norberto Bobbio, ela seria a aculturação dos coloni-
que “tudo concorre” para que desaprendamos a
zados pelos colonizadores e a manipulação de mas-
pensar? Quais seriam as evidências disso? Quais as
sas pela mídia. Por isso, de maneira geral, a idéia de
conseqüências?
alienação ficou relacionada à perda de identidade, a
Um pouco de teoria uma situação de dependência, como se se tratasse de
uma característica exclusiva das classes subalternas.
Alienação e reificação
Isso é um erro: são passíveis de se alienar tanto do-
Já tratamos, em aulas anteriores, do conceito so- minados como dominantes. A alienação, na acepção
ciológico de fato social. Dissemos então que, quando marxista, é:

ensino médio – sociologia 41 sistema anglo de ensino


Tudo se resume a um só fato: “um par de sapatos
o estado no qual um indivíduo, grupo, instituição ou
custa cinco mil reais”. O preço parece exprimir uma
sociedade se tornam ou permanecem estranhos aos
qualidade natural da coisa. E este não é um fato iso-
resultados ou produtos de sua própria atividade, à
lado. A alienação ocorre em todas as demais esferas
natureza, a outros seres humanos e, por tudo isso,
da consciência.
também a si mesmos.
Hoje vivemos numa sociedade caracterizada pela
globalização produtiva, que é, para alguns, também
É certo que mecanismos de manipulação já exis- cultural. Com a internacionalização da produção, as
tiam nas primeiras comunidades, quando as pessoas multinacionais instaladas nos países periféricos e a
seguiam um líder, com o compromisso de garantir a expansão do capital financeiro, entramos numa Ter-
organização do grupo. Mas não se pode negar que a ceira Revolução Industrial. Novos ramos da técnica
divisão do trabalho – que transformou o artesão em se desenvolvem hoje, como a informática, a mi-
operário, ou seja, num produtor que não precisa croeletrônica, a robótica e a biotecnologia. Nesse
conhecer todo o processo produtivo, nem utilizar processo, desenvolvem-se duas contradições:
sua capacidade criativa – acentuou esse processo.
• Enquanto avançam a ciência e a tecnologia, as
Despersonalizado, o operário tornou-se uma máqui-
possibilidades de criação de empregos esgotam-
na ou uma coisa.
-se. Com o desemprego, cai a renda dos consumi-
Daí se origina o conceito de reificação, que seria o
dores.
ato (ou resultado) de transformação das proprie-
dades, relações e ações produzidas pelo homem em • A reorganização das formas de gerenciamento que-
propriedades, relações e ações de coisas que passam bra a solidariedade “no chão da fábrica”, pois acir-
a ser vistas como independentes dele. Trata-se de um ra o individualismo e a desagregação dos traba-
processo em que os seres humanos são transforma- lhadores, que passam a ser responsáveis pelo con-
dos em objetos fixos, automatizados e passivos, como trole de qualidade do grupo e são remunerados em
se fossem coisas. Este é um tipo especial de alienação, função das metas de produção a serem atingidas.
característico da sociedade capitalista. É uma ver- O “fim da História”
dadeira “coisificação”: Marx a chamou de fetichismo;
o filósofo Georg Lukács usa o termo reificação.
E o que seria a reificação das relações sociais?
No Tomo I de O Capital, Marx afirma:

Em qualquer estágio social o produto do trabalho é


valor de uso ou objeto de utilidade, mas há uma época
determinada, no desenvolvimento histórico da socie-
dade, que geralmente transforma o produto do traba-
lho em mercadoria: é aquela em que o trabalho des-
pendido na produção dos objetos úteis toma o caráter
de uma qualidade inerente a estas coisas, de valor delas.

Isso não quer dizer que o valor se torna uma qua-


lidade da coisa, como sua cor ou seu cheiro. O valor
se apresenta à consciência dos homens como se Atentado de 11 de setembro: marco de uma nova era?
fosse uma qualidade objetiva da mercadoria. Isso não
acontece nas trocas diretas entre os clãs da co- Após o colapso da URSS, o filósofo norte-ameri-
munidade tribal ou com o trabalho do servo na cor- cano Francis Fukuyama proclamou o “fim da Histó-
véia do senhor, em que a produção não era mercan- ria”. Encerrada a Guerra Fria, a vitória do capitalis-
tilizada e o trabalho não era comprado como coisa. mo sobre o socialismo instaurava a ordem final e de-
Vejamos um exemplo: “um par de sapatos custa cinco finitiva de organização da sociedade. Uma sociedade
mil reais”. Eis a expressão de uma relação social reifi- de classes médias inchadas, em que a luta de classes
cada. A maioria ignora a relação mútua entre o cria- daria lugar a lutas pela inclusão social e pela amplia-
dor de gado, o curtidor de couro, seus empregados, ção da cidadania, contra o desemprego e a fome.
seus operários, o revendedor, o comerciante de cal- Uma vez resolvidos esses problemas, à humanidade
çados e, enfim, o consumidor. Nada disso é visível. só restaria gozar o eterno presente da civilização sem

ensino médio – sociologia 42 sistema anglo de ensino


ideologias políticas. Nada mais adequado para iniciar ao homem do século XXI, que precisou encontrar no-
um próspero milênio com o século XXI. vas formas de atuação social. Dentre elas, destacam-
De repente, na manhã de 11 de setembro de 2001, -se as Organizações Não-Governamentais (ONGs).
dois jatos lotados de passageiros se chocam contra Elas surgiram nos anos 1970 como “assessorias” aos
as torres do World Trade Center, em Nova Iorque. O movimentos populares e se perpetuaram como “gru-
símbolo do poder financeiro norte-americano desa- pos que dão às pessoas uma forma de reconquistar
ba, matando milhares de pessoas no maior atentado um direito que lhes foi omitido”. Ocuparam o vazio
terrorista da história. E a maior potência militar do deixado pelo enfraquecimento dos partidos políticos
planeta reage apontando suas armas contra os fun- e dos sindicatos. Acompanharam a ascensão de
damentalistas. movimentos sociais apartidários, que retomaram
O mundo vê novas contradições aflorando. Ou problemas adormecidos, como a questão étnica na
não seriam tão novas assim? O aparente choque en- Bolívia ou o desrespeito aos direitos das minorias.
tre Ocidente e Oriente não opõe mais visões antagô- Apresentam-se como organizações “puras” e ínte-
nicas de mundo, como na época da Guerra Fria, gras, como legítimos representantes dos desconten-
mas se dá no interior do mundo capitalista. Contra- tes e destituídas de vícios como a corrupção. Pro-
põe, no entanto, divergentes concepções políticas põem-se a “mudar o mundo sem tomar o Poder”.
de organização da cultura, além de interesses eco- Participam, normalmente, de mobilizações que po-
nômicos definidos por classes sociais. Os funda- dem ser classificadas em dois blocos:
mentalismos religiosos servem de munição explosi- 1. A “multidão” com gestão própria, que se propõe a
va para os confrontos não apenas internacionais, substituir o proletariado ou o campesinato, no
mas agora interinstitucionais. O que é a organiza- combate a um só “Império”, e não a Estados impe-
ção al-Qaeda? A Autoridade Nacional Palestina se- rialistas diversos (ver leitura complementar da au-
ria um Estado? Uma verdade salta aos olhos: a vio- la 1).
lência não é fruto da simples falta de educação. Ao
2. Movimentos sociais orgânicos, como os indíge-
contrário, pessoas bastante cultas podem ser extre-
nas na Bolívia e no Equador ou o Movimento dos
mamente violentas. Assim como também nem sem-
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil.
pre a pobreza é fonte de violência ou a riqueza o
berço da civilidade e harmonia. Se assim fosse, ci- As ONGs absorveram os conceitos de democra-
dades como São Paulo e Rio de Janeiro seriam re- cia e de cidadania. Tornaram-se funcionais para o
cantos de paz e alguns municípios do Piauí estariam capitalismo. Diante do Estado aparentemente inerte,
no ventre da violência. assumiram um papel de neoassistencialismo.
O século XXI se abre como estágio final da civi-
lização, um aparente “fim da História”, sob a orien- exercício
tação do pensamento único ditado pelo Ocidente
capitalista neoliberal. Não vivenciamos mais o fu- Segue um fragmento do poema “Eu, etique-
turo como “aberto” ou, pelo menos, acessível aos ta”, publicado no livro Corpo, de Carlos Drum-
nossos prognósticos, como as gerações passadas. mond de Andrade:
Nos últimos séculos, a possibilidade de revoluções,
utópicas ou não, desejadas ou temidas, criava uma Em minha calça está grudado um nome
expectativa de futuro diversa do presente em curso. que não é meu de batismo ou de cartório,
Hoje o presente parece perpetuado. um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Movimentos sociais contemporâneos que jamais pus na boca, nesta vida.
O meio ambiente precisa ser defendido da agres- (...)
são humana. Para tanto, líderes de todo o mundo Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
assinaram, em 1997, o Protocolo de Kyoto. Seu ob- minha gravata e cinto e escova e pente,
jetivo fundamental é fazer com que os governos das meu copo, minha xícara,
nações mais poluidoras adotem medidas para a di- minha toalha de banho e sabonete,
minuição gradativa das práticas que ameaçam o meu isso, meu aquilo,
meio ambiente e a própria sobrevivência da vida na desde a cabeça ao bico dos sapatos,
Terra. são mensagens,
Minimizar os efeitos de um progresso desordena- letras falantes,
do é apenas um dos muitos desafios que se colocam gritos visuais,

ensino médio – sociologia 43 sistema anglo de ensino


ordens de uso, abuso, reincidência, a) reificação: a “coisificação” talvez seja o principal
costume, hábito, premência, assunto desse texto. Os versos finais, em que o nar-
indispensabilidade,
rador do poema pede para ser chamado de coisa, e
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada. não de homem, aponta para o processo em que as
Estou, estou na moda. relações sociais e as ações humanas são transfor-
É doce estar na moda, ainda que a moda
madas em “coisas”, em objetos inanimados.
seja negar minha identidade (...).
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim-mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição. b) fetichismo: o poema denuncia uma admiração
Agora sou anúncio,
doentia pela mercadoria: “Meu lenço, meu relógio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua meu chaveiro, / minha gravata e cinto e escova e
(qualquer, principalmente). pente, / meu copo, minha xícara, / minha toalha de
E nisto me comprazo, tiro glória banho e sabonete”. O sujeito vê tudo isso como in-
de minha anulação.
(...) dispensável, num delírio fetichista que o faz “escravo

Hoje sou costurado, sou tecido, da matéria anunciada”.


sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrina me tiram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados. c) alienação: se a alienação leva à despersonalização,
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
pois as pessoas não têm consciência das próprias
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem. atividades, que lhes saem do controle, o narrador do
Já não me convém o título de homem. poema é um alienado, pois ele se orgulha da própria
Meu nome novo é coisa.
“anulação”.
Eu sou a coisa, coisamente.
Esse poema apresenta, literariamente, alguns
dos conceitos apresentados nessa aula. Releia-o
e procure explicar como Drummond apresenta
as noções de:

Tarefa mínima
Já virou senso comum dizer que o antídoto contra a alienação seria o acesso à informação. Sobre isso,
leia a tira e o texto que segue:

(Charles M. Schulz. O Estado de S. Paulo, 02/02/2008.)

ensino médio – sociologia 44 sistema anglo de ensino


Lidar com a grande quantidade de informação que re- mações e até mesmo resultar num fenômeno conhecido
cebemos em um curto espaço de tempo é um dos maiores por “síndrome da fadiga de informação”, que pode mes-
desafios criados pela era da informação. Mesmo supondo
mo vir a causar danos à saúde psicológica do indivíduo
que estejamos interessados em todas as informações
transmitidas, seu imenso volume impossibilita-nos de ab- (principalmente no que diz respeito à memória).
sorver todo o conteúdo apropriadamente.
Muitas vezes, conseguimos apenas memorizar alguma
expressão, palavra ou imagem, sem considerar a mensa-
gem que elas trazem. Isso costuma acontecer com os jin-
gles constantemente repetidos em programas de rádio e
televisão: é comum encontrar pessoas que sabem certas 3. Segundo o texto, “torna-se essencial (...) fazer
músicas publicitárias de cor, mas não fazem idéia de qual uma seleção das informações recebidas”, a fim
é o produto ao qual a propaganda em questão se refere. E, de se evitar a manipulação. Em sua opinião,
se soubessem, provavelmente não se interessariam. essa é uma tarefa simples? Por quê?
Outras vezes, as informações são superficiais ou estão Selecionar as informações não é tarefa simples, pois os
muito fragmentadas, por exemplo, quando noticiários
anunciam que “a bolsa caiu” ou “os juros baixaram”. Geral- veículos de comunicação e a publicidade em geral utili-
mente, sem maiores detalhes, ou mesmo o conhecimento zam muitos recursos com o objetivo de reduzir nossa
necessário, a pessoa que ouve a notícia é incapaz de anali- capacidade de discernimento, dentre eles a manipula-
sá-la por conta própria, limitando-se a associá-la a adje-
tivos, seguindo a opinião dos outros: a queda da bolsa é ção de informações e a repetição.
“ruim” e a baixa dos juros é “boa”. (...)
Torna-se essencial, então, fazer uma seleção das infor-
mações recebidas, de forma a captar apenas aquelas que te-
nham alguma relevância ou utilidade e pareçam confiáveis.
(Adaptado de http://conhecimento.incubadora.fapesp.br/
portal/trabalhos/2004/ExcessoDeInformacao# Tarefa complementar
introdu-o-a-era-da-informa-o)
Observe a imagem e leia a matéria a seguir:
1. Da leitura da tira e do texto, o que se pode infe-
rir sobre as relações entre informação e aliena-
ção?
Pode-se inferir que o simples acesso à informação não é
garantia de autonomia do pensamento. Ironicamente
vivemos num mundo em que justamente o excesso de in-
formação pode contribuir para que sejamos alienados.

2. Além de contribuir para que continuemos aliena-


dos, o excesso de informação pode acarretar ou-
tros problemas, de várias ordens. Cite alguns.
A desinformação talvez seja o principal deles (e o que
mais diretamente se liga à alienação) e se agrava na
medida em que a ela se soma a sensação de estar in-
formado – o que impediria uma ação efetiva do indivíduo
para chegar ao conhecimento. O excesso de informação Vitrine de loja de manequins na saída do túnel Anhangabaú, em
São Paulo. Foto de Eduardo Nicolau publicada em O Estado de
pode gerar ainda uma ansiedade exagerada por infor- S. Paulo, 17/11/2007.

ensino médio – sociologia 45 sistema anglo de ensino


VALE-TUDO PUBLICITÁRIO dentes cerebrais, como, por exemplo, imagens por res-
Neurociências a serviço do mercado sonância magnética (IRM). Monitorando a atividade
cerebral de seus pacientes, Montague observou que a
A investigação da atividade cerebral mostrou
região precisa do cérebro requisitada quando a pessoa
as áreas que devem ser estimuladas para tornar
via uma marca, o córtex pré-frontal médio, apelava pa-
um produto altamente desejável. E, lançando
ra a memória e tinha um papel importante nos pro-
mão do neuromarketing, uma centena de
cessos cognitivos. Por outro lado, o blind test gustativo
empresas já utilizam esses conhecimentos para
envolvia a área cerebral denominada “putâmen ven-
vender sempre mais.
tral”, ligada à idéia de recompensa. A partir de abril de
Reza a lenda que, em outubro de 1919, Lênin teria 2004, a Faculdade de Medicina de Baylor organizou em
visitado o fisiologista Ivan Pavlov para ver como os Houston o primeiro simpósio internacional consagrado
trabalhos desse sobre os reflexos condicionados do cé- às aplicações das imagens cerebrais ao marketing.
rebro podiam contribuir para a concepção do “novo Três anos antes, em Atlanta, cidade onde fica a
homem” que os bolcheviques tentavam moldar na sede da Coca-Cola Company, o instituto Brighthouse,
época. O cientista talvez servisse à propaganda do re- fundado pelo publicitário Joe Reyman, criava um
gime, associando, por meio de estímulos externos, grupo de especialistas encarregado de comercializar
pulsões instintivas a automatismos de transformação os ensinamentos de marketing extraídos das neuro-
coletiva. Na verdade, Pavlov não foi de nenhuma valia ciências. O diretor científico do instituto, Clint Kilts,
para os bolcheviques, mas esse caso, verdadeiro ou chegou às mesmas conclusões de seu colega de
falso, ilustra um fantasma que rondou o século 20: o Houston, localizando no córtex pré-frontal médio a
da possessão de espíritos pela manipulação do incons- zona cerebral que reage às imagens publicitárias.
ciente. Tal coisa permitiria vencer todas as resistências Mas ele observou que essa reação é ainda mais sig-
que podem acompanhar o uso da razão crítica. Desde nificativa pelo fato de o sujeito se identificar com a
então, uma propaganda é considerada eficaz quando imagem do produto, sendo tentado a dizer “isso é exa-
percebe que sua assimilação será melhor se o receptor tamente eu”. A famosa região-chave do neuromar-
for psicologicamente condicionado a engoli-la – e a keting é efetivamente associada à auto-imagem da
torná-la como sua. pessoa e ao seu conhecimento íntimo de si mesma
As sociedades democráticas baniram de sua língua (assim, por exemplo, os pacientes que têm o córtex
comum a palavra “propaganda”, que ficou associada pré-frontal médio lesado depois de um acidente
apenas aos governos totalitários. No entanto, a explo- sofrem freqüentemente perturbações da personali-
ração do cérebro com fins mercantis e a conseqüente dade). Como explica Annette Schäfer na revista
manipulação das massas mostram que a sociedade de Cerveau et Psycho, “eis aqui o motor do comércio. O
consumo não está longe disso. Ainda nos lembramos córtex pré-frontal médio nos faz gostar do que os
da famosa frase de Patrick Le Lay, presidente do canal outros gostam. Assim, conseguir estimulá-lo poderia
francês TF1, que admitiu, em 2004, que sua rede ten- ser um objetivo importante de uma campanha publi-
tava vender à Coca-Cola o “tempo de cérebro humano citária perfeita”. Por isso, o córtex pré-frontal médio
disponível”. O exemplo dessa marca – parceira privile- é para os neuromarqueteiros a pedra filosofal de uma
giada do TF1 – não se deve absolutamente ao acaso. alquimia perfeita: a operação que consiste em trans-
No verão de 2003, Read Montague, neurologista do formar todo o amor por si mesmo enquanto si
Baylor College of Medicine de Houston, mostrou que, mesmo (o narcisismo) em amor por si mesmo en-
se num blind test gustativo a concorrente Pepsi era a quanto outro (o objeto publicitário). (...)
preferida, o inverso ocorria assim que se identificava
(Marie Bénilde. Le monde diplomatique,
claramente a bebida como sendo Coca-Cola. Os par- novembro de 2007.)
ticipantes da experiência declaravam então preferir o
refrigerante das cores vermelha e branca. Essa matéria mostra que, muitas vezes, o
Desse modo ficou demonstrada a superioridade da conhecimento científico é empregado para au-
marca considerada como ás do branding, essa técnica mentar as vendas de produtos na sociedade ca-
que visa expor um logotipo no máximo de suportes, pitalista. Será que é ético valer-se desses conheci-
levando-o, até mesmo, a se imiscuir nos conteúdos mentos para valorizar marcas, num processo que
(filmes, séries). Para estabelecer a conexão entre a apenas intensifica a alienação dos seres humanos?
imagem da marca e a estimulação do cérebro, a ciên-
A resposta não está fechada e poderá resultar tanto
cia recorreu a técnicas até então utilizadas com finali-
dades médicas para a detecção de tumores ou de aci- de uma reflexão individual como de um amplo debate

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com a turma. No Manual do Professor, há observações xou seguidores, como Darcy Ribeiro, também autor
para o encaminhamento da tarefa. de valiosa obra, encabeçada pelo seu livro O Povo
brasileiro.
Em Casa-grande e senzala podemos começar a
decifrar as origens do povo brasileiro. Lembrando
que os lusitanos também têm suas origens na misci-
genação de visigodos, latinos, árabes e judeus, a
análise prossegue mostrando que o clima tropical e
as formas agressivas de vida animal e vegetal impe-
diam a implantação aqui de uma cultura nos moldes
europeus. Os portugueses não traziam separatismos
LEITURA COMPLEMENTAR políticos, divergências religiosas e não se preocupa-
vam com a pureza de raça. Puderam, então, criar
uma forma de colonização com características pró-
Do homem cordial ao neoliberal prias e inéditas, de que a casa-grande dos engenhos
“O Brasil não tem povo; tem público”. Com essa do Nordeste eram um símbolo. Ela não foi uma
afirmação, Lima Barreto expunha, em fins do sécu- transposição dos solares das quintas de Portugal: “A
lo XIX, um ponto de vista afiado sobre a postura da casa-grande é brasileirinha da silva”.
sociedade diante dos desmandos das elites do Impé- Naqueles anos de 1930 e 40, em que o Brasil co-
rio e do começo da República. Uma sociedade que, meçava a ser visto por dentro, Sérgio Buarque de
marginalizando a maioria da população, transforma- Holanda encarnou a idéia de buscar definir o que é
va-a em assistentes da atuação do Estado conduzido o Brasil e o que é o brasileiro. Havia que construir a
pelos poderosos coronéis dos latifúndios. Um povo, identidade nacional. Assim, o historiador metamor-
em suma, que não se via como agente de sua própria foseou-se no sociólogo que se pôs a pensar as raízes
história, mas – sebastianista – eternamente à espera do Brasil. E, inspirado no conceito de ideal-tipo de
do salvador que viria redimi-lo de suas fraquezas. Weber, acabou por construir o homem cordial, con-
Como, entretanto, a Sociologia nascente no Brasil ceito que propôs como traço singular do povo bra-
viria a analisar este mesmo povo (ou público) brasi- sileiro. Sua preocupação inicial na procura dessa
leiro? identidade brasileira centrou-se nas estruturas do
Em 1933, Gilberto Freyre publicou seu livro mais nosso modo de ser e nas possibilidades de moderni-
famoso: Casa-grande e senzala. Em 1936, surgiu Raí- zação incrustadas na nossa formação.
zes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. E, em Escreve Sérgio Buarque em Raízes do Brasil:
1942, foi a vez de Caio Prado Júnior nos dar o seu
Formação do Brasil contemporâneo. Essas três obras Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição
revolucionaram o pensamento brasileiro acerca de brasileira para a civilização será de cordialidade – dare-
nossas origens e características comuns. A Sociolo- mos ao mundo o “homem cordial”. A lhaneza no trato, a
gia brasileira nasceu com elas. Como expressão de hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por
seu tempo, representaram a inauguração do nacio- estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito,
nal-progressismo como ideologia dominante das eli- um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao
tes intelectuais. E também a independência das ciên- menos, em que permanece ativa e fecunda a influência
cias sociais brasileiras em relação às fontes tradicio- ancestral dos padrões de convívio humanos, informados
nais oitocentistas. no meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas
Ocorria, na década de 1930, uma espécie de “re- virtudes possam significar “boas maneiras”, civilidade.
descoberta” do Brasil. Surgia uma ânsia por definir São antes de tudo expressões legítimas de um fundo
e realçar a personalidade da nação brasileira. Nessa emotivo extremamente rico e transbordante.
direção, Caio Prado Júnior elaborava a primeira
análise marxista consistente da nossa história. Sérgio Buarque quer dizer aqui que o brasileiro
Já Gilberto Freyre promoveu a entusiástica defe- cordial é o indivíduo que vive dominado pelos im-
sa da miscigenação étnica. Era a expressão da ideo- pulsos do coração (do latim cor, daí cordial) e se dei-
logia nacionalista afinada com o discurso nacional- xa levar pelas paixões de todo tipo. Tendo sido cria-
-trabalhista de Getúlio Vargas, a cujo regime Freyre do na família patriarcal, só se sente à vontade em ca-
relegou todo o seu apoio. A volumosa obra de Gil- sa, na esfera privada. No mundo impessoal da esfera
berto Freyre, a partir de Casa-grande e senzala, dei- pública, tende a se perder. Isso afeta diretamente a

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condução da coisa pública. Confunde, assim, os A desvalorização das ideologias, incluindo o pró-
espaços do que é público e do que é privado. Prefere prio neoliberalismo, segue a trilha do discurso pelo
constantemente colocar os interesses dos círculos de “fim da História” e preconiza o pensamento único.
amizade à frente do interesse público. Observe-se como os políticos procuram posturas dis-
Neste Brasil em que o Estado já nasceu privatiza- tantes de quaisquer radicalismos. Assumem-se como
do, a notória incapacidade de nossas elites políticas pragmáticos militantes entre a centro-direita e uma
em romper o entrelaçamento dos espaços familiar e heterogênea centro-esquerda. E as decisões econô-
estatal parece continuar mesmo com o processo de micas parecem ser tomadas não por convicções ide-
urbanização e modernização em andamento. O con- ológicas, mas por conveniências clientelistas.
trole privado dos negócios públicos contaminou a A supervalorização das influências externas se-
política a ponto de manter atual a célebre frase de gue uma tradição secular com ênfase particular-
Sérgio Buarque: “A democracia no Brasil foi sempre mente relevante para o modelo norte-americano.
um lamentável mal-entendido”. Em que pesem tais influências, contudo, vale dizer
A sociedade brasileira contemporânea caiu nas es- que, em termos das elites, o Brasil parece subser-
feras de influência do predomínio neoliberal logo viente mais por convicção própria que por pressões
após o fim do regime militar de 1964-85. Conduzido o do exterior.
processo de “abertura lenta, gradual e segura”, como A rejeição ao intervencionismo estatal carrega
preconizava o Presidente Ernesto Geisel (1974 – 79), os talvez a maior carga do pensamento neoliberal entre
governos civis debateram-se em meio à grave crise nós. Após o fim da ditadura militar, em 1985, enten-
econômica herdada do “milagre brasileiro” dos anos diam os líderes políticos conservadores que era hora
1970. Várias tentativas, como o Plano Cruzado do de “democratizar” – privatizando – também as em-
governo Sarney (1985-89) e o Plano Collor, fracassa- presas estatais. Daí a ofensiva privatista a partir do
ram na busca da estabilização econômica. Os neolibe- governo Fernando Collor, justificada por intensa
rais finalmente a atingiram com a aplicação do Plano propaganda antinacionalista.
Real de 1994. No século XXI, pode-se afirmar que o E, por fim, o rígido controle da inflação pode
Brasil é uma sociedade capitalista pronta. Tem todos parecer estranho a quem não tenha vivido, nos anos
os aparatos necessários nos vários setores da econo- 1980-90, processos inflacionários com aproximada-
mia e da administração pública para o desenvolvi- mente 2000% de desvalorização da moeda e deterio-
mento. Apresenta desníveis regionais e problemas ração das perspectivas de crescimento. Daí a im-
decorrentes das desigualdades e da concentração de portância do Plano Real, engendrado pelo governo
renda, que, além de serem inerentes ao capitalismo, Itamar Franco (1992-95), sob a orientação do Minis-
ainda têm raízes nas características específicas da tro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso. Anco-
nossa sociedade. rado no dólar e nos salários achatados, o Real esta-
O neoliberalismo em sua versão brasileira evolui bilizou-se sobre amplas reservas de moeda es-
conduzido por uma burguesia perfeitamente afinada trangeira comprada com fundos das privatizações e
com o grande capital monopolista internacional e garantiu o controle dos preços, com a abertura às
sob a hegemonia da oligarquia financeira. São mar- importações e juros altos que inibem o consumo. O
cas desse predomínio: a desvalorização das ideolo- desemprego, para as camadas “de baixo”, e o cresci-
gias; a supervalorização das influências externas; a mento econômico limitado a taxas mínimas, para os
rejeição ao intervencionismo estatal; o rígido contro- “de cima”, foram as conseqüências negativas dessa
le da inflação. política dos tempos modernos.

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