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s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .

º 9 · m a i / a g o 0 9 issn 1646‑4990

Conferências
Escola e trabalho numa perspectiva histórica: con‑
tradições e controvérsias

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade


de Lisboa, 12 de Fevereiro de 2009
(XVII Colóquio Afirse — Secção Portuguesa, “A escola e o mundo do trabalho”)

Toda sociedade vive porque consome; e para consumir pelo trabalho. Uma nova técnica pode surgir do acúmu‑
depende da produção. Isto é, do trabalho. Toda a socieda‑ lo de experiências e fazer avançar o conhecimento. De
de vive porque cada geração nela cuida da formação da igual forma, anos de pesquisa básica podem gerar novos
geração seguinte e lhe transmite algo da sua experiência, conhecimentos, técnicas e tecnologias e modificar as
educa­‑a. Não há sociedade sem trabalho e sem educação formas de produção. No mundo humano nada é linear.
(Konder, 2000, p. 112). Tudo é histórico, mediado e contraditório.
O modo de produção social da existência humana
A idéia de Anaxágoras, de que o homem pensa porque compreende necessária e primeiramente a produção ma‑
tem mãos, expressa um processo histórico onde o ser hu‑ terial, mas envolve ao mesmo tempo e de forma unitária,
mano foi se tornando humano e as mãos representaram a também a linguagem, as idéias, os valores, as ideologias,
forma mediante a qual se apropriava dos meios de vida. as emoções, os sentimentos e as instituições que sedi‑
Por milhões de anos os seres humanos apenas eram cole‑ mentam os diferentes modos sociais de produção. Por
tores daquilo que a natureza lhes oferecia. Colhiam fru‑ isso, em toda a história humana, os diferentes modos de
tos, pescavam, caçavam. A idéia de excedente, pois, não produção (tribal, antigo, medieval, capitalista, socialista),
existia. As mãos, também, se constituíram no primeiro sempre envolvem a tríade constituída por uma base mate‑
instrumento de preparo da terra para plantar sementes. rial (econômico­‑social), por dimensões supra­‑estruturais
Pelas mãos, o ser humano foi fabricando seus instrumen‑ vinculadas a valores, ideologias, idéias, teorias, emoções
tos de trabalho e modificando sua relação com a nature‑ e por instituições que consolidam, produzem e reprodu‑
za e com os outros seres humanos e, assim, modificando zem as relações sociais¹.
suas condições de vida e sua natureza. A precedência da produção material, como reiterada‑
mente lembraram Marx e Engels, não deriva de uma su‑
Antes, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, perioridade da atividade material, mas de um constran‑
um processo em que o homem, por sua própria ação, me‑ gimento pelo fato de que os seres humanos, enquanto
deia, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele seres da natureza, não podem prescindir da produção de
mesmo se defronta com a matéria natural como uma força bens materiais para dar conta às suas necessidades bio‑
natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencen‑ lógicas e às condições de reprodução e continuidade da
tes à sua corporeidade, braços, pernas, cabeça e mãos, a fim vida. Nessa ótica, o trabalho humano vem sob o impera‑
de se apropriar da matéria natural numa forma útil à própria tivo da necessidade e não da liberdade.
vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza Ou seja, um quantum de trabalho produtor de valores
externa a ele e ao modificá­‑la, ele modifica, ao mesmo tempo, de uso será tão eterno ou histórico quanto o é a existência
sua própria natureza (Marx, 1983, p. 149). humana. Não há, portanto, neste sentido a possibilidade
do fim do trabalho. A luta dos seres humanos é por abre‑
Neste processo, o ser humano entra por inteiro, com sua viar esse tempo de trabalho constrangido pela necessidade
energia física e com seu intelecto e experiência acumula‑ para liberar, efetivamente, tempo livre — esfera onde as ca‑
da. Pensar e fazer são dimensões de uma mesma unidade pacidades humanas podem, plenamente, se desenvolver.
do diverso. Não cabe, pois, estabelecer relações lineares Nessa perspectiva, assume centralidade, na socieda‑
entre conhecimento, técnicas, tecnologias e produção de capitalista, a luta histórica da classe trabalhadora pela

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redução da jornada de trabalho. Essa luta, entretanto, é crescente, os meios e instrumentos de produção, atual‑
oposta aquilo que os homens de negócio e os intelectuais mente de modo particular a ciência e a tecnologia como
do sistema capital predicam e praticam: a defesa da re‑ forças produtivas. O escravo e o servo são juridicamen‑
dução da jornada de trabalho, com sua intensificação e te libertos de seus donos, mas submetidos a relações de
redução de salários, em nome das crises do capital. Não poder assimétricas. De escravo ou servo, transforma­‑se
é essa a proposta dos empresários e dos governantes, es‑ em trabalhador detentor de sua força (física e mental) de
pecialmente dos países ricos do mundo, face à crise que trabalho. Torna­‑se livre do proprietário, mas também li‑
eles mesmos fabricaram? vre da propriedade dos meios de vida. De escravo, como
O surgimento da exploração e da dominação de de‑ animal que fala, passa a ser concebido como um animal
terminados grupos ou classes sobre outros aparece na que pensa. Sua tarefa não requer conhecer o que faz,
história da humanidade com o surgimento do excedente mas executar o que o comando da produção lhe prescre‑
e da disputa por sua apropriação. Este é o princípio e o ve. Nessa perspectiva, o trabalhador ideal é aquele que
fundamento da escravidão, do servilismo e das formas de pensa pouco e que faz bem feito o que se lhe pede. Por
exploração das sociedades divididas em classes como o isso, para Taylor, um dos teóricos clássicos da gestão e
modo de produção capitalista gerência do trabalho da nascente sociedade capitalista,
Não cabe aqui uma análise dos diferentes modos apontava que o ideal seria que o trabalhador fosse como
históricos de produção e da especificidade das formas um macaco domesticado.
de exploração. Cabe, apenas, sublinhar que ao exami‑ No plano ideológico a burguesia rompe com a essên‑
narmos suas especificidades perceberemos, inequivo‑ cia divina da idade medieval, mas a substitui por uma
camente, que cada um deles afirma­‑se sob determinadas essência humana entendida como “natureza dos homens”
relações sociais e técnicas de produção e determinados (utilitarista, egoísta). De Locke, Hume e Hobbes, Adam
valores, teorias, símbolos e instituições cujo papel é a Smith e Frederich Hayek aos economistas, sociólogos,
reprodução das relações sociais e de poder dominantes. antropólogos, pedagogos e psicólogos da ordem do capi‑
Assim é que na sociedade antiga e medieval, a rea‑ tal, trata­‑se da projeção da natureza específica do homem
lidade era explicada e ordenada por valores, crenças e burguês, da racionalidade do proprietário privado que se
“teorias” centradas numa perspectiva metafísica e teo‑ relaciona com os outros pela mediação dos seus interes‑
cêntrica. A explicação das relações e formas de proprie‑ ses egoístas. Nos termos de Marx: A essência do homem
dade e de produção e da vida humana no seu conjunto capitalista foi elevada à essência capitalista do homem.
era prerrogativa de forças supra­‑históricas. A relação en‑ O trabalho assume centralidade, mas não na sua di‑
tre os modos de produção, o conhecimento e educação mensão ontocriativa e sim como uma mercadoria espe‑
nas sociedades antiga e medieval eram demarcados por cial, força de trabalho a ser negociada no mercado. O
um apartheid entre aqueles que eram cidadãos e os que senso comum que se instaura pelo ethos cultural capi‑
eram escravos ou servos. O poder era, supostamente, dá‑ talista faz com que a maioria das pessoas considere que
diva divina e o cultivo do conhecimento era privilégio somente é trabalho aquilo que produz mercadorias ou
das classes dirigentes. A escravidão e o servilismo eram, serviços e em troca tem uma remuneração financeira. É
assim, compreendidos como algo da ordem natural, deri‑ comum as pessoas que não têm uma atividade remune‑
vados da vontade divina, criadora desta ordem. Por isso, rada considerarem que não trabalham, mesmo que se
a escravidão, servilismo e a exploração não necessitavam ocupem 12 a 16 horas nas atividades domésticas, por
de ser dissimuladas. O escravo era concebido como um exemplo. Esta é uma forma mistificadora e economicista
animal que falava. de compreender o modo de produção da existência que
O modo de produção capitalista surge das contradi‑ expressa o cerne da ideologia capitalista.
ções, lutas e conflitos dos modos de produção feudal e A exploração no capitalismo não se manifesta por
demora, aproximadamente, sete séculos para se tornar o mecanismos de coação externos, ainda que possam exis‑
modo de produção dominante, vigente até nossos dias. tir e amiúde sejam exercidos. Sua força está em que a ex‑
Um modo de produção centrado na propriedade priva‑ ploração se institui no próprio contrato legal de trabalho
da e, contraditória e paradoxalmente, sob o ideário da ancorado no direito positivo. Direito este que expressa
igualdade, da liberdade, dos valores laicos e do desen‑ a propriedade privada, assegurando­‑a, e que, portanto,
volvimento da ciência positivista. preserva os interesses do capital. A naturalização de uma
Traz em seu bojo, portanto, uma positividade e di‑ relação estruturalmente assimétrica entre capital e traba‑
mensão civilizatória, mas por permanecer como um lho constitui o fundamento e a força ideológica da dissi‑
modo de produção classista, que mantém a humanidade mulação da exploração. O salário mínimo das diferentes
cindida, herda a negatividade da desigualdade estrutural nações expressa, neste sentido, a variação do grau de ex‑
das relações sociais, ainda que sob outras formas. Capi‑ ploração legalizado dessas sociedades. De outro modo,
tal e trabalho configuram as novas classes, não únicas, como explicar as diferenças de remuneração dos traba‑
mas as fundamentais. O capital condensa em si, de forma lhadores assalariados da Inglaterra, França e Portugal e

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desses países em relação aos países latino­‑americanos e Os homens de classe operária têm desde cedo a necessi‑
africanos? Por certo não se trata apenas e fundamental‑ dade do trabalho de seus filhos. Essas crianças precisam
mente de custos comparativos. Trata­‑se de relações de adquirir desde cedo o conhecimento e, sobretudo o hábito
força, de dominação e de poder intra e entre nações. e a tradição do trabalho penoso a que se destinam. Não
podem, portanto, perder tempo nas escolas (…) Os filhos
da classe erudita, ao contrário, podem dedicar­‑se a estu‑
A ESCOLA COMO CRIAÇÃO dar durante muito tempo; têm muitas coisas para aprender
DA MODERNIDADE BURGUESA: para alcançar o que se espera deles no futuro (Desttut de
UM LUGAR DE TEMPO LONGO PARA Tracy, 1802, citado em Frigotto, 1987, p. 15).
OS QUE NÃO TRABALHAM
Mesmo sob essa dualidade, a escola foi concebida como
Na prática tem que se dar um passo de cada vez um ambiente de reprodução e produção de conhecimentos,
— a teoria tem que conter a marcha toda valores, atitudes e símbolos. É sob a égide desta função
(Bertold Brecht) clássica, de instituição cultural e social e de profunda
aposta na ciência e na formação científica que se estrutu‑
Por milhares de anos os seres humanos se educaram de ram os mais sólidos sistemas educacionais nos países de
geração para geração, aprendendo uns com os outros, capitalismo central. Em sociedades de capitalismo de‑
dando respostas aos desafios e problemas no processo pendente², como a brasileira, porém, até hoje não se tem
de produção de suas vidas. A educação e formação hu‑ um sistema nacional de educação efetivo e chegamos ao
mana são, antes de tudo, um processo social e cultural. final do século XX sem conseguirmos a universalização
A escola, tal como a conhecemos, como a sociedade da escola elementar.
que a constitui, não são fatos naturais, mas resultantes Em que contexto começa a se construir uma relação
de processos históricos. A gênese histórica da escola se linear entre educação e trabalho ou emprego? Duas de‑
dá, especialmente, ao longo do século XVIII, dentro do terminações básicas podem ser destacadas, a partir da
mesmo processo de emergência da ciência moderna e da década de 1950, para se efetivar esta mudança. Primei‑
ascensão da burguesia como classe social hegemônica. ramente, a luta crescente da classe trabalhadora pela
Ela nasce, no plano discursivo ideológico, como uma conquista do direito de acesso à escola básica para seus
instituição pública, gratuita, universal e laica que tem, ao filhos. Por outro lado e, principalmente, pelo acirramen‑
mesmo tempo, a função de desenvolver uma nova cul‑ to da crise do sistema capitalista e o aumento da desi‑
tura, integrar as novas gerações no ideário da sociedade gualdade entre nações, regiões e entre grupos sociais e a
moderna e de socializar, de forma sistemática, o conhe‑ radicalização do desemprego estrutural.
cimento científico. Todavia, a escola, na verdade, desde Uma questão central ocupava os dirigentes e intelectu‑
sua origem, foi organizada, sobretudo, para aqueles que ais do sistema capitalista após a Segunda Guerra Mundial
não precisam vender sua força de trabalho e que têm e a ampliação geopolítica do socialismo: qual seria a chave
tempo de viver a infância e adolescência fruindo o ócio. para diminuir a desigualdade entre nações e entre indi‑
Com efeito, desde o início, fica evidente uma con‑ víduos? Foi a equipe de Theodoro Schultz, nos Estados
tradição insolúvel entre a estrutura político­‑econômica, Unidos, que, ao longo da década de 1950, buscou respon‑
as relações sociais da sociedade nascente e a possibili‑ der essa questão e construiu a noção de capital humano.
dade de uma escola igualitária e unitária. Na realidade, Este entendido como o estoque de conhecimentos, habi‑
instaura­‑se e se perpetua, de um lado, a escola clássi‑ lidades, atitudes, valores e níveis de saúde que potenciam
ca, formativa, de ampla base científica e cultural para a força de trabalho das diferentes nações. Estas pesquisas
as classes dirigentes e outra pragmática, instrumental, lhe valeram o Prêmio Nobel de Economia de 1978.
adestradora e de formação profissional restrita e na óti‑ A tese básica sustentada por Schultz (1973), e que se
ca das demandas do mercado, para os trabalhadores. tornou senso comum, foi de que aqueles países, ou fa‑
Trata­‑se de ensinar, treinar, adestrar, formar ou educar mílias e indivíduos, que investissem em educação aca‑
na função de produção adequada a um determinado bariam tendo um retorno igual ou maior que outros in‑
projeto de desenvolvimento pensado pelas classes di‑ vestimentos produtivos. Por essa via se teria a chave para
rigentes. Uma educação em doses homeopáticas, para diminuir a desigualdade entre nações, grupos sociais e
Adam Smith, ou que prepare para “o que serve” numa indivíduos. Trata­‑se de uma perspectiva integradora da
função adequada ao sistema produtivo, considerando educação escolar ao mundo do emprego e de uma estra‑
o que for a mais supérfluo e oneroso, como afirmara tégia para evitar a penetração do ideário socialista, bem
Stuart Mill. como o risco de sua expansão nos países de capitalismo
Sem nenhuma dissimulação, no início do século XIX, dependente e periférico.
Antoine Louis Claude Desttut de Tracy, em 1802, expu‑ É sob a égide da teoria do capital humano que se
nha aquilo que historicamente vem se concretizando: traçam planos, diretrizes e estratégias educacionais,

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especialmente para os países de capitalismo dependen‑ que, no plano da educação, precisa controlar os gastos
te, e se afirma a idéia de que a ascensão e mobilidade públicos e retirar dos docentes aquilo que os identifica
social têm um caminho garantido via escolaridade, me‑ — produzir, organizar e socializar conhecimentos e va‑
diante empregos bem remunerados. Essa perspectiva in‑ lores. Assumem centralidade, nesse cenário, os sistemas
tegradora da escola, paradoxalmente, caminhava numa de avaliação que provocam nos sistemas educativos uma
direção inversa das relações sociais capitalistas, com profunda alteração, tanto no plano organizativo quanto
concentração de capital e monopólio da ciência e da téc‑ no plano político­‑pedagógico. No plano organizativo
nica, aumento do desemprego estrutural e ampliação do assumem centralidade as idéias de gestão e de avaliação
trabalho precário³. Vale ressaltar, como registra Marx em e no plano pedagógico, o ideário neo­‑pragmático do
1852 numa carta ao amigo Weidemever, que são os limites aprender a aprender, das competências da empregabili‑
de uma época — de uma classe — mais que um “egoísmo” dade e do empreendedorismo.
deliberado ou uma “mentira de classe” que explicam os As reformas que se processam no âmbito educativo e,
limites das idéias. Com efeito, as pesquisas de Natália Al‑ particularmente, na formação técnico­‑profissional estão,
ves e os estudos que estamos realizando sobre a inserção pois, claramente pré­‑definidas como estratégias específi‑
de jovens e adultos no mercado de trabalho indicam — cas do denominado ajuste estrutural que implica as refor‑
em Portugal e no Brasil — que, em determinados contex‑ mas do Estado no plano político­‑institucional e no plano
tos, os jovens e adultos mais escolarizados apresentam econômico­‑administrativo. Mediante essas reformas a
maiores dificuldades em arranjar emprego⁴. educação regular e a formação técnico­‑profissional apare‑
Qual a mudança de enfoque que os gestores do sis‑ cem, uma vez mais, como sendo a galinha dos ovos de ouro
tema capital elaboram, dentro dos seus limites de clas‑ que pode nos ajustar à nova ordem mundial definida pela
se, para explicar o horror do desemprego estrutural e globalização e pela reestruturação produtiva. A novidade,
da precarização do trabalho? Como sustentar a relação diferente da perspectiva ideológica da teoria do capital
linear entre escolarização, formação profissional, mobili‑ humano dos anos 60/70, é que o objetivo não é de inte‑
dade social e diminuição da desigualdade entre nações e grar a todos, mas apenas aqueles que adquirirem “habili‑
indivíduos neste contexto? Um cenário que H. P. Martin dades básicas” que geram “competências” reconhecidas
e H. Schumann (1996) denominam de sociedade 20 por pelo mercado. Competências e habilidades não mais para
80 para designar a inclusão no acesso ao bem estar e à garantir o posto de trabalho e a ascensão numa determi‑
riqueza de apenas 20% dos seres humanos. nada carreira, mas para propiciar a empregabilidade.
Neste contexto passa­‑se a cobrar da instituição escola, O ideário das novas habilidades — de conhecimento,
e dos processos de formação profissional, novas atribui‑ de valores e de gestão, e, portanto, de novas competên‑
ções fundadas numa regressão que exacerba a concepção cias para a empregabilidade — apagam o horizonte da
do homus oeconomicus racional. O indivíduo isolado que educação e da formação técnico­‑profissional como um
luta por seu lugar a qualquer preço. Margaret Thatcher direito social e subjetivo. Tratam­‑se, agora, de serviços
traduziu este ideário sentenciando que não havia socieda‑ ou bens a serem adquiridos para competir no mercado
de, mas sim os indivíduos. Um ideário que postula, pois, produtivo, numa perspectiva educativa produtivista,
que não há lugar para todos, mas apenas para os mais mercadológica e, portanto, desintegradora.
competentes, para os que primam por uma “qualidade A educação e a formação para a “empregabilidade”
total”, que se identificam com a empresa ou são empre‑ seriam, assim, a chave mágica para superar a crise do de‑
endedores, gestores ou patrões do seu próprio negócio. semprego estrutural e do desmonte da sociedade salarial?
Transita­‑se, apesar da reiterada cantilena da inclusão, No plano da mistificação, a idéia que se difunde é a
de uma perspectiva integradora da escola para a justifica‑ de que o fim do emprego é algo positivo para a competi‑
ção da desigualdade social. Por isso é que presenciamos tividade e de que, em realidade, com isso todos ganham.
a emergência de novas noções que têm a função ideo‑ Este senso comum é partilhado não só pela literatura de
lógica de afirmar esta nova (dês)ordem mundial. Com aeroporto, mas por planos de governos neoliberais, de
efeito, as novas noções de sociedade do conhecimento, Organizações Não Governamentais e de instituições li‑
qualidade total, polivalência, policognição, multiabili‑ gadas ao sistema educacional e à formação profissional.
tação, formação abstrata, formação flexível, requalifica‑ Nos planos governamentais, as noções de flexibilização
ção, competências, empregabilidade e empreendorismo e desregulamentação mascaram o jargão mais tosco dos
cumprem essa função ideológica. receituários dos consultores de recursos humanos. O tex‑
Estas noções são formuladas, especialmente a partir to que segue sintetiza o senso comum que se tem instau‑
da década de 1980, pelos organismos internacionais — rado em relação à noção de empregabilidade e evidencia
sentinelas e intelectuais coletivos dos centros hegemôni‑ o seu elevado grau de mistificação.
cos do sistema capital mundial, que se constituem como
arautos que orientam as reformas educativas, vincula‑ A empregabilidade é um conceito mais rico do que a sim‑
das às reformas do Estado. Um Estado social mínimo, ples busca ou mesmo a certeza de emprego. Ela é o conjunto

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de competências que você comprovadamente possui ou e contestação dos jovens mediante mecanismos que
pode desenvolver — dentro ou fora da empresa. É a con‑ vão da alienação política e cultural ao extermínio, como
dição de se sentir vivo, capaz, produtivo. Ela diz respeito a ocorre nos grandes centros urbanos, especialmente dos
você como indivíduo e não mais a situação, boa ou ruim da países de capitalismo dependente.
empresa — ou do país. É o oposto ao antigo sonho da rela‑ No Brasil, existem atualmente mais de 50 programas,
ção vitalícia com a empresa. Hoje a única relação vitalícia projetos ou ações direcionadas para diferentes grupos
deve ser com o conteúdo do que você sabe e pode fazer. O de jovens, obedecendo a recortes de classe social e es‑
melhor que uma empresa pode propor é o seguinte: vamos paço geopolítico. Nesse quadro, os jovens, mormente a
fazer este trabalho juntos e que ele seja bom para os dois en‑ partir de 1980, são objeto de conferências mundiais, da
quanto dure; o rompimento pode se dar por motivos alheios comunidade européia e latino­‑americana, que têm como
à nossa vontade. (…) (empregabilidade) é como a segurança objetivo formular propostas sobre como integrá­‑los no
agora se chama (Grifos meus) (Moraes, 1998, p. 56). mundo do trabalho.

As noções de empregabilidade, trabalhabilidade ou labo‑


rabilidade, competências, empreendedorismo e capital A ESCOLA DESINTERESSADA
social, quando confrontadas com a realidade, não apenas E O TRABALHO ONTOCRIATIVO
evidenciam seu caráter mistificador, mas, sobretudo, re‑ — DISPUTA DAS ORGANIZAÇÕES
velam também um elevado grau de cinismo. Com efeito, E MOVIMENTOS DA CLASSE
para o contingente de pessoas — mais de um bilhão no TRABALHADORA
mundo — que, como nos lembra Forrester (1997), tem
como emprego ou ocupação de todos os dias da semana, O filósofo Istvan Mèszàros (2000) em sua obra de maior
de todas as semanas do mês e de todos os meses do ano, relevância, Para Além do Capital, desenvolve a tese cen‑
a procura de um emprego, essas noções não lhes apre‑ tral do esgotamento da dimensão civilizatória do capital
sentam uma realidade humanamente promissora. Pelo que se explicita, agora, apenas na sua face destrutiva.
contrário, o cinismo encobre­‑se de discurso ideológico. A síntese desta obra feita por jornalista socialista britâ‑
O que a ideologia do capital humano e seu rejuvenes‑ nico Daniel Singer nos convida a pensar os processos
cimento pelas noções de pedagogias das competências e educativos numa dimensão que caminha em sentido dia‑
capital social esconde é o ciclo vicioso da pobreza. A po‑ metralmente contrário ao das políticas sustentadas pelos
breza que se amplia pela concentração de capital e de mo‑ governos neoconservadores.
nopólio da ciência e tecnologia como forças para ampliar
o capital contra os trabalhadores e que impedem, cada Na verdade, já há algum tempo o capitalismo perdeu a sua
vez mais, que milhares de pessoas, como assinala Istvan função “civilizatória” enquanto organizador impiedoso,
Mèszàros, se eduquem e se desenvolvam plenamente. mas eficiente do trabalho (…) Simplesmente para pros‑
seguir existindo, o sistema funda­‑se cada vez mais no des‑
Nos anos 60, havia 30 pobres na base da pirâmide socio‑ perdício, na “obsolescência planejada”, na produção de
econômica para cada rico no topo dessa estrutura. Hoje, armas e no desenvolvimento do complexo militar. Ao mes‑
contamos 74 pobres para cada rico. No ano 2015, a previsão mo tempo, o seu impulso incontrolável para a expansão já
é de que essa relação alcance cem pobres para cada rico no produziu efeitos catastróficos para os recursos naturais e o
mundo. Essa é uma previsão oficial das Nações Unidas⁵. meio ambiente. Nada disso impede ao sistema de produ‑
zir “trabalho supérfluo”, vale dizer desemprego em massa.
Isso nos permite afirmar que essas noções, tão em voga Além disso, como para frisar a gravidade de sua crise atual,
hoje nas diretrizes governamentais de educação básica, nos últimos vinte anos o capitalismo vem abolindo todas
média, superior e na formação profissional, mais nos aquelas concessões que, sob o genérico nome de Estado
dificultam do que nos ajudam a enfrentar o desafio de de Bem­‑Estar, supostamente justificavam a sua existência
buscar alternativas às relações sociais capitalistas. Por (Singer, 1996, p. 6).
outro lado, especialmente a grande parte da juventude
já não acredita nas promessas dessa escola. Ela percebe Seria possível mudar a escola sem mudar as relações so‑
que a escola hoje, para a maioria, não significa garantia ciais em que ela se constitui e de que é constituinte? Para
ou passaporte para bons empregos, mas sim para o tra‑ a classe trabalhadora seria melhor não disputar o direito
balho precário. à escola pública? Num pequeno livro — A educação para
Não por acaso, na estratégia denominada de “gover‑ além do capital — Istvan Mèszàros (2005) nos oferece
nabilidade”, a partir da década de 1980, a juventude en‑ uma reflexão densa e crítica sobre os limites e equívocos
trou na agenda política dos organismos internacionais das visões liberais e utópico­‑liberais da educação. Trata­
encarregados de zelar pelo sistema capital. Trata­‑se de ‑se de visões que elidem que os processos educacionais
buscar estratégias visando anular o potencial de rebeldia e os processos sociais de reprodução estão intimamente

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ligados. Ou seja, sem rupturas nas relações sociais que o tempo livre ou tempo de efetiva escolha humana. Nesta
estão sob o controle do sistema capital não poderá ha‑ perspectiva a ciência e a tecnologia possibilitam exten‑
ver mudanças profundas no sistema educacional. Sob as sões dos sentidos e membros dos seres humanos. Uma
relações sociais capitalistas a educação funciona, domi‑ direção antagônica, portanto, à forma que ciência e tecno‑
nantemente, como sistema de internalização dos conhe‑ logia assumem como forças do metabolismo do capital na
cimentos, valores e cultura funcionais à reprodução da intensificação da exploração do trabalhador, na produção
(des)ordem do metabolismo do sistema capital. do desemprego em massa e na degradação das bases da
Mas a análise de Mèszàros não é reprodutivista. Pelo vida mediante a destruição do meio ambiente.
contrário é profundamente dialética. Tomando como A centralidade do trabalho, como práxis, que pos‑
base teórica e política o pensamento de Marx, Lênin e sibilita criar e recriar o mundo, não apenas no plano
Gramsci, e a experiência concreta da revolução cubana, material, mas no âmbito da arte e da cultura, linguagem
extrai do pensamento de José Marti a direção e as tarefas e símbolos, como resposta às múltiplas e históricas ne‑
para educadores que não querem apenas reformar o sis‑ cessidades humanas o constitui em princípio formativo
tema capital, mas superá­‑lo — “as soluções não podem ou educativo. O trabalho como princípio educativo de‑
ser apenas formais; elas devem ser essenciais” (Mèszàros, riva do fato de que todos os seres humanos são seres da
2005, p. 35). Trata­‑se de construir um pensamento edu‑ natureza e, portanto, têm a necessidade de alimentar­‑se,
cacional contra­‑hegemônico antagônico combatendo a proteger­‑se das intempéries e criar seus meios de vida.
internalização e a consciência de subordinação dos va‑ É fundamental socializar, desde a infância, o princípio
lores mercantis mediante uma teoria e práxis educativa de que a tarefa de prover a subsistência, e outras esferas
emancipadora. Isto se torna possível porque o sistema da vida pelo trabalho, é comum a todos os seres huma‑
capital não é eterno e expressa contradições insanáveis. nos. Evita­‑se, desta forma, criar indivíduos ou grupos
Como sublinha Marx em relação à ciência, só a classe que exploram e vivem do trabalho de outros. Estes, na
operária ou na república do trabalho se pode transfor‑ expressão de Gramsci, podem ser considerados mamí‑
mar a educação numa força popular: “Só a classe ope‑ feros de luxo — seres de outra espécie que acham natural
rária pode converter a ciência de dominação (cless rule) explorar outros seres humanos.
numa força popular (…) A ciência só pode desempenhar O trabalho como princípio educativo, então, não se
o seu genuíno papel na República do trabalho” (Marx, confunde com técnicas didáticas ou metodológicas no
1871, citado em Moura, 1998, p. 71). processo de aprendizagem, mas um princípio ético­
Na travessia e no terreno das contradições, a luta da ‑político⁶. Dentro desta perspectiva o trabalho é, ao mes‑
classe trabalhadora, e de suas organizações e movimen‑ mo tempo, um dever e um direito. Dever por ser justo
tos e dos intelectuais a eles vinculados, é por uma escola que todos colaborem na produção dos bens materiais,
básica, nos termos gramscianos, desinteressada dos va‑ culturais e simbólicos, fundamentais à produção da vida
lores mercantis e do adestramento para o mercado ca‑ humana. Um direito por ser o ser humano um ser da na‑
pitalista. Uma escola, portanto, que desenvolva todas as tureza que necessita estabelecer, por sua ação conscien‑
dimensões dos seres humanos, que esteja vinculada ao te, um metabolismo com o meio natural transformando­‑a
trabalho criador de valores de uso e à dilatação do tempo em bens necessários à sua produção e reprodução.
de liberdade. No Brasil, o Movimento dos Sem Terra (MST) é que
Nessa escola cabe, desde o início, a socialização no de forma explícita disputa uma escola que tem seu hori‑
trabalho — em sua concepção ontocriativa. Na mesma zonte na busca, não de reformar o capitalismo, mas de
perspectiva está implícito o sentido de propriedade — desenvolver valores e conhecimentos para sua supera‑
intercâmbio material entre o ser humano e a natureza, ção. Experiência, conhecimentos gestados na produção
para poder manter a vida humana. Propriedade, no da vida se articulam com o conhecimento e valores de‑
seu sentido ontológico, é o direito do ser humano, em senvolvidos na escola. Por isso, o vínculo escola e tra‑
relação e acordo solidário com outros seres humanos, balho se dá na perspectiva da produção de valores de
de apropriar­‑se, transformar, criar e recriar, pelo traba‑ uso, ainda que no espaço de relações sociais dominantes
lho — mediado pelo conhecimento, pela ciência e pela de produção de valores de troca. Atualmente, mais de
tecnologia — a natureza, para produzir e reproduzir a cinco mil militantes estão em formação em espaços de
existência em todas as suas dimensões. Por isso, a pro‑ universidades públicas que, na contra corrente, buscam
priedade privada de meios e instrumentos de produção acolhê­‑los para que os educadores também sejam educa‑
com a finalidade do lucro é um instrumento de mutilação dos. Não por acaso, o MST é alvo de uma sistemática de‑
de vidas humanas. monização, pela burguesia brasileira, mediante o mono‑
É, também, dentro desta compreensão que podemos pólio da mídia e o uso do aparato jurídico e político. Um
perceber a relevância da ciência e da tecnologia quando terço ou mais dos parlamentares brasileiros são latifundi‑
tomadas como produtoras de valores de uso na tarefa de ários. Neste momento, estão em curso medidas jurídicas
melhoria das condições de vida e possibilidade de dilatar para proibir as escolas itinerantes dos acampamentos do

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MST, sob a justificativa fundamental de que essas escolas seus profissionais que queiram pautar essa agenda, cobra
fazem doutrinação ideológica. dois movimentos concomitantes: estar com os movimen‑
Também não por acaso, o MST é o único movimento tos sociais e com suas lutas e exercer, no terreno que nos
social que de forma sistemática é combatido. Por certo cabe, uma crítica implacável aos governos reformistas e
porque a grande maioria de seus militantes, em sua luta aos organismos internacionais, sentinelas e intelectuais
e organização ao longo dos últimos 25 anos, foi criando do sistema capital e de sua natureza destrutiva e mutila‑
a consciência de que o capitalismo, desde sua origem, dora de direitos e de vidas humanas.
se estruturou e se desenvolveu na e pela exploração do
trabalhador. Da mesma forma, ao contrário do que o dis‑
curso dominante apregoa, rotulando­‑os como invasores, Notas
têm consciência do direito de ocupar a terra para re‑
produzirem suas vidas. Não se trata, no caso, apenas de 1. A
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metáfora “infra­‑estrutura e superestrutura” ser‑
buscar a reforma agrária dentro da lógica capitalista, mas viu, muitas vezes, para análises dicotômicas, economicis‑
de pôr em marcha novas relações sociais sem a marca da tas e deterministas. Uso, pois, bem diverso do esforço dia‑
propriedade privada dos meios e instrumentos de pro‑ lético do pensamento e obra de Marx e Engels.
dução, no campo e na cidade. A perseguição e violência, 2.���������������������������������������������������
Diferente da perspectiva da modernização, que con‑
reiteradas, que sofre o MST centra­‑se no fato que este cebe o desenvolvimento econômico e sócio­‑cultural de
movimento entendeu que, como a ciência, a educação forma linear e, mesmo, das análises da teoria da depen‑
também só na república do trabalho pode desempenhar dência, que apresentam a assimetria de poder entre paí‑
o seu verdadeiro papel. ses, o conceito de capitalismo dependente explicita a
Por isso, para o MST, os processos educativos se pro‑ compreensão da aliança, ainda que subordinada, das
duzem nas múltiplas práticas e relações sociais e a escola classes detentoras do capital dos países periféricos com
que lhes interessa é a que organiza e socializa valores, as classes detentoras do capital dos centros hegemônicos
atitudes, conhecimentos e ações e faz avançar a possibi‑ (ver, a esse respeito, Fernandes, 1975 e Oliveira, 2003).
lidade da república do trabalho. Nela, não haverá pro‑ 3. ����������������������������������������������
Para uma compreensão mais aprofundada do cará‑
priedade privada e nem patrões e todos terão o direito e ter ideológico e circular da “teoria do capital humano” ver
o dever do trabalho. É dentro destas relações sociais de Frigotto, 2006.
produção da vida que se pode dilatar o tempo efetiva‑ 4. Referimo­‑nos aqui às pesquisas sobre Jovens pouco
mente livre — tempo de fruição, criação e de escolha — e escolarizados e emprego coordenadas por Natália Alves em
construir uma rica diversidade humana. Portugal e sobre Sociabilidade do capitalismo dependente
Vê­‑se, assim, que o lema que nasce dos países ricos e no Brasil e as políticas públicas de formação, emprego e
se espalha em todo mundo — trabalhar menos horas para renda: a juventude com vida provisória e em suspenso, coor‑
que todos trabalhem — é de extremo cinismo, pois, em denadas por Gaudêncio Frigotto, cujos resultados foram
contrapartida, se pede aos trabalhadores que aceitem re‑ debatidos no III Seminário Luso­‑Brasileiro “Trabalho,
duzir seus salários, aumentem a produtividade e, conse‑ Educação e Movimentos Sociais”, realizado em Lisboa
qüentemente, ampliem a mais­‑valia do capital. O horizon‑ em dezembro de 2008 e empreendido no âmbito do Pro‑
te da república do trabalho é o de que, para produzir em jeto Trabalho e formação de jovens e adultos trabalhadores
grande escala e com tecnologias limpas que preservam a com baixa escolarização. Políticas e práticas no Brasil e em
vida do planeta, todos têm o dever de trabalhar produti‑ Portugal, apoiado pelo acordo CAPES/GRICES.
vamente. Assim o lema, paradoxalmente, é o de que todos 5. Entrevista ao Jornal Folha de São Paulo. 27 de
trabalhem, dentro de novas relações sociais cuja finalidade janeiro de 2003.
seja ampliar o tempo livre. É nesta direção que Mèszàros, 6. ����������������������������������������������
Realçamos este aspecto, pois é freqüente redu‑
realça a necessidade lutar pela universalização da educa‑ zir o trabalho como princípio educativo à idéia didá‑
ção inseparável da luta pela “universalização do trabalho tica ou pedagógica do aprender fazendo. Isto não elide
como atividade humana auto­‑realizadora” (Moura, 1998, a experiência concreta do trabalho dos jovens e adultos,
p. 65). Trata­‑se, para este autor, de uma tarefa que não ou mesmo das crianças, como uma base sobre a qual se
pode ser protelada e cujo horizonte tem que estar junto a desenvolvem processos pedagógicos ou mesmo a ativi‑
luta para ir além do sistema capital. dade prática como método pedagógico. Uma das obras
Essa possibilidade é mais real hoje do que nunca. Ou clássicas sobre o trabalho como elemento pedagógico é
seja, as condições objetivas de ampliar o tempo livre são a de Pistrak (1981). Em vários países, inclusive no Brasil,
reais e efetivas. O que cabe construir são as condições há uma rede de escolas que utiliza a “pedagogia da alter‑
subjetivas, vale dizer, políticas, de modo que grandes nância” como estratégia pedagógica. Trata­‑se de experi‑
multidões pensem como os militantes do MST e de ou‑ ências com escolas do meio rural onde os jovens passam
tros movimentos sociais que se pautam pela mesma con‑ um período na escola e outro praticando determinadas
cepção, espalhados no mundo. O olhar da escola e de atividades em suas casas.

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Referências bibliográficas Pistrak, M. M. (1981). Fundamentos da Escola do Traba‑
lho. São Paulo: Brasiliense.
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