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KARL MARX E O MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO (404)

Conforme visto nas últimas aulas, para o materialismo histórico-dialético de Karl


Marx a realidade do ser humano é determinada pela existência material dos indivíduos: seu
trabalho, os meios que utilizam para produzir e distribuir os bens e as relações que
estabelecem uns com os outros. Por isso, para entender uma sociedade, seria preciso
investigar o modo como os indivíduos vivem materialmente, isto é, como as coisas são
produzidas, partilhadas ou distribuídas em cada época ou lugar. Além disso, vimos que a
dinâmica da história humana seria explicada pela luta entre as classes sociais, que exerceriam
papéis diferentes no processo de produção e possuiriam interesses inconciliáveis. O interesse
do escravo – a liberdade – seria incompatível, por exemplo, com a exploração do sistema
escravista, que interessava aos senhores. A luta entre dominadores e dominados, exploradores
e explorados e opressores e oprimidos marcaria a realidade social. Para o materialismo
histórico, a realidade está em permanente transformação, evoluindo por meio dessas
contradições. A partir deste pressuposto teórico, nesta aula discutiremos a organização do
trabalho capitalista.
O trabalho, em sua concepção geral, é visto por Marx como fonte de humanização; é
por ele que o ser humano se distingue dos outros animais, transformando conscientemente a
natureza, a fim de garantir a sobrevivência de sua espécie. Por meio dessa interação com a
natureza, o trabalho humano constrói e modifica as sociedades e faz a história. Na teoria
marxista, no entanto, o trabalho assalariado, em vez de potencializar as capacidades humanas,
degradaria os indivíduos. Apesar de ser fonte de riqueza, ele se caracteriza também como
origem do empobrecimento existencial.
Para compreender essa proposição, é necessário compreender que na sociedade
capitalista, os produtos do trabalho adquirem a forma de mercadoria. As mercadorias não têm
apenas valor de uso (valor mensurado pela utilidade da mercadoria), mas principalmente valor
de troca (valor mensurado pela relação de troca entre duas mercadorias - troca-se x pães por y
ovos ou y reais). É essa propriedade de troca que imprime a elas um padrão monetário único;
por mais diversas que as mercadorias sejam, há sempre uma quantidade de trabalho
incorporado em todas elas. O tempo de trabalho incorporado a uma mercadoria não está
explícito nela e não pode ser percebido por qualquer órgão dos sentidos. As mercadorias são
trocadas como se tivessem valor em si, independentemente do trabalho social que está
incorporado a elas. Essa característica, existente em todas as mercadorias, foi chamada de
fetichismo.
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Vimos que a mercadoria adquire valor ao incorporar o tempo de trabalho necessário


para a sua produção. Mas como se desenvolve propriamente o processo de produção no
sistema capitalista? O capitalismo baseia-se na propriedade privada dos meios de produção,
que pertencem ao capitalista. O trabalhador, para sobreviver, oferece sua força de trabalho ao
capitalista. Em troca de salário, o indivíduo permite que sua força física e mental seja
utilizada no processo de produção de mercadorias. Dessa maneira, a força de trabalho também
se transforma em mercadoria. Na empresa, porém, o trabalhador produz mais valor do que
recebe em forma de salário; em outras palavras, o valor das mercadorias produzidas por ele é
superior ao valor do seu salário e aos gastos com os meios de produção (manutenção das
máquinas, luz e água para o funcionamento da fábrica etc.). Isso significa que há trabalho
excedente não pago pelo capitalista. A esse trabalho excedente não pago Marx chamou de
mais-valia. É da mais-valia que se origina o lucro do capitalista.
O sistema capitalista se sustenta, segundo Marx, na exploração do ser humano por
meio da utilização de sua força de trabalho; isso só é possível por causa da existência da
propriedade privada dos meios de produção. Com a propriedade privada dos meios de
produção e a transformação da força de trabalho em mercadoria, o trabalho se tornou algo
alheio ao trabalhador, exterior a ele, pois o produto de sua atividade não pertence a ele; a
riqueza que ele produz é propriedade de outros. Na fábrica, o trabalhador não guia o processo
de produção. Suas ações não estão subordinadas ao seu planejamento, mas dependem de
planos e objetivos do capitalista. O trabalhador é uma peça da engrenagem produtiva. Nesse
aspecto, pode-se dizer que ele foi coisificado, ou seja, tornou-se uma coisa, um elemento do
processo de produção. Além disso, com a intensa divisão de trabalho na produção capitalista,
o trabalhador passou a realizar operações extremamente simples e repetitivas, situação que o
embruteceu e o privou de desenvolver outros conhecimentos.
Para designar esse processo, que promoveu a separação entre o trabalhador e o
produto do seu trabalho, Marx utilizou o termo alienação. O trabalhador não se realiza no
trabalho nem se identifica com ele, apenas é forçado pelas circunstâncias a realizar essa
atividade para sobreviver. Não há, no trabalho alienado, o desenvolvimento pleno das
potencialidades humanas.
Desde a origem do capitalismo, os trabalhadores resistiram e lutaram contra esse
sistema por meio de manifestações, greves, rebeliões, revoluções e outras tantas formas de
confronto. No início da Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, não existia
legislação trabalhista e muito menos direitos sociais, como férias, aposentadoria ou descanso
remunerado. Para se ter uma ideia, a jornada de trabalho variava entre 12 a 18 horas diárias
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em ambientes insalubres e sem ventilação, e o trabalho de mulheres e crianças, que recebiam


menos que os homens, era comum.
Os trabalhadores, por meio de suas constantes mobilizações, conquistaram
gradualmente muitos direitos. Um exemplo disso são as lutas pela redução da jornada de
trabalho. Em 1866, no congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores, a limitação
da jornada para 8 horas diárias era considerada condição prévia para a melhoria das condições
de vida da classe trabalhadora. Na atual Constituição brasileira, promulgada em 1988, a
jornada de trabalho estabelecida é de 8 horas diárias e 44 horas semanais. Atualmente,
procura-se implementar jornadas cada vez mais flexíveis, que levam à precarização das
condições de trabalho.
A precarização do trabalho se caracteriza pela diminuição de direitos e garantias
conquistadas pelos trabalhadores, possibilitando sua superexploração. Atividades fabris, de
call center, limpeza, comércio, fast-food, supermercados e diversas outras relacionadas à
tecnologia da informação e da comunicação são realizadas cada vez mais em regime de
trabalho intermitente, temporário, autônomo e sem uma regularização social que proteja os
trabalhadores. A precarização corresponde à fase atual do capitalismo, na qual se procura
aumentar a produtividade e a extração de mais-valia por meio de diversas formas de
exploração, tanto no processo direto de produção fabril quanto além dele. Convivem – e, às
vezes, combinam-se – relações de trabalho formais, regidas por contratos, com aquelas
caracterizadas pela informalidade. Por exemplo, na sociedade atual, é cada vez mais frequente
utilizar aplicativos para acessar serviços de transporte privado. Por um lado, esses serviços
possibilitam atividades que geram renda e certa liberdade ao motorista e comodidade ao
usuário. Por outro, o motorista não tem vínculo empregatício com a empresa prestadora desse
serviço e deve pagar a ela uma porcentagem do que é cobrado pela corrida, sem nenhum
direito em troca. O trabalhador arca com as despesas de combustível, manutenção e seguro do
veículo. Para garantir uma remuneração de acordo com suas necessidades, ele tem de se
submeter a uma extensa jornada de trabalho.

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