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ANÁLISE

INSTITUCIONAL E
SERVIÇO SOCIAL

Laís Vila Verde Teixeira


O Serviço Social na divisão
sociotécnica do trabalho
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a divisão sociotécnica do trabalho.


 Descrever o Serviço Social inserido na divisão sociotécnica do trabalho.
 Analisar o Serviço Social como uma especialização do trabalho coletivo.

Introdução
Neste capítulo, você vai refletir sobre a inserção do Serviço Social na
divisão sociotécnica do trabalho. Como você sabe, a profissão surgiu do
embate entre capital e trabalho, como uma forma de amenizar as expres-
sões da Questão Social no período de industrialização no Brasil. Naquele
momento histórico, o assistente social direcionava a sua intervenção para
o ajustamento do indivíduo à ordem societária. Foi esse trabalho que
legitimou a profissão na divisão sociotécnica no Brasil.
Primeiramente, você vai conhecer a definição da divisão sociotécnica
do trabalho a partir de conceitos filosóficos e ontológicos. Depois, vai veri-
ficar como o Serviço Social se insere na divisão sociotécnica do trabalho e
conhecer o processo pelo qual a profissão se legitimou perante o Estado
e a sociedade. Por fim, vai estudar o Serviço Social como especialização
do trabalho coletivo.

A divisão sociotécnica do trabalho


O trabalho é uma categoria central e fundante na vida do ser social. É por meio
dele que o homem transforma a natureza e a si mesmo. Para compreender o
trabalho e a sua configuração atual na sociedade capitalista, é necessário retomar
o conceito ontológico de trabalho a fim de perceber as suas transformações,
decorrentes de determinantes históricos, econômicos, filosóficos e políticos. Veja:
2 O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho

O único pressuposto de Marx é que os homens devem constantemente transfor-


mar a natureza para produzir os bens indispensáveis à sua reprodução. Neste
sentido preciso, a natureza é a base ineliminável do mundo dos homens. E,
também nesse preciso sentido, o trabalho é o intercâmbio orgânico do homem
com a natureza (LESSA, 2012, p. 31).

O trabalho, como uma categoria eminentemente humana, que diferencia


o homem dos animais, acontece por meio de um processo reflexivo que se
chama teleologia ou prévia ideação. Tal processo consiste em antecipar na
mente a ação que se deseja realizar. A escolha das alternativas é denominada
objetivação, isto é, a realização da escolha. Esse movimento de transformar
a natureza a partir de uma prévia ideação é denominado por Lukács, depois
de Marx, de trabalho (LESSA, 2006).
Por meio do trabalho, o homem altera a natureza e também se trans-
forma. O resultado do trabalho é sempre alguma modificação da realidade:
a natureza não é mais a mesma por ter sido exercida uma ação sobre ela, e
o homem não é mais o mesmo por ter aprendido algo com a sua ação. Ou
seja, há uma aquisição de experiências e habilidades de forma dinâmica
por meio do trabalho.
Para compreender melhor, considere que dado objeto é construído pelo
homem por meio do trabalho. Tal objeto apenas existe como resultado
do trabalho; portanto, não há o desaparecimento da natureza, mas a sua
transformação. A prévia ideação se constitui como uma resposta, entre
outras possibilidades, a uma necessidade concreta determinada pela histó-
ria humana. Como a realidade está sempre se transformando, a história e
a necessidade nunca serão as mesmas. Assim, o homem, transformando a
natureza, também se transforma.
Na transformação da natureza pelo trabalho, há o desenvolvimento das
capacidades que levam à produção dos bens necessários à humanidade. Dessa
forma, os conhecimentos e habilidades (científicos, artísticos, filosóficos)
vão sendo construídos historicamente, tornando-se cada vez mais complexos
e sofisticados. Ao longo do história, com o desenvolvimento das técnicas de
trabalho, as relações sociais também se complexificaram. Logo, foi necessário
criar novos elementos para compor a sociabilidade emergente: a capitalista.
O ideal capitalista foi o precursor do surgimento do trabalho explorado,
do exército industrial de reserva, da propriedade privada, do Estado (para
gerenciar essa sociedade dividida em classes — a burguesa e a proletária) e
de uma ideologia que orienta as regras para a exploração do trabalho. Com
relação ao surgimento do Estado como instituição gerenciadora, Marx e Engels
(2007, p. 75) consideram o seguinte:
O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho 3

Por meio da emancipação da propriedade privada em relação à comunidade,


o Estado se tornou uma existência particular ao lado de fora da sociedade
civil; mas esse Estado não é nada mais do que a forma de organização que os
burgueses se dão necessariamente, tanto no exterior como no interior, para a
garantia recíproca de sua propriedade e de seus interesses.

Assim, é por meio do trabalho que há o estabelecimento da reprodução


material e da reprodução das relações de poder entre os homens. As diversas
partes que compõem a sociedade se mantêm em funcionamento de forma
orgânica, como o Estado, o Direito, a política, entre outros elementos que se
relacionam com a totalidade da reprodução social. Veja o que afirma Grane-
mann (2009, p. 15):

É ao trabalho produtor de mercadoria que se imputa a reprodução do capital


como força capaz de continuamente submeter a força de trabalho para que
ela reproduza a totalidade da forma social de produção de mercadorias. Essa
é a sociabilidade possível no modo capitalista.

Nesse sentido, surgem novas relações sociais para atender às novas neces-
sidades postas pelo trabalho. Tais necessidades se organizam em partes, como
complexos sociais (o Direito, a fala, o Estado, a ideologia — que condensa
arte, política, religião, filosofia), para o desenvolvimento da humanidade.
As diversas partes que compõem a sociedade exercem uma função social na
esfera do processo produtivo, e “O conjunto total das relações e complexos
sociais que compõem as sociedades em cada momento histórico é denominado
de totalidade social” (LESSA, 2006, p. 8).
Nas sociedades em que o trabalho se baseia nas relações de exploração
e dominação, ele passa a atender não apenas às necessidades humanas, mas
às necessidades da ideologia, no caso, a capitalista. O trabalho passa a ser
subalterno ao capital, ou seja, às necessidades de acumulação de riquezas
pela classe dominante. Como dizem Marx e Engels (2007, p. 47), “As ideias
da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe
é a força material dominante da sociedade e, ao mesmo tempo, sua força
espiritual dominante”.
Aqui, trata-se do trabalho assalariado e alienado. A força de trabalho é
submetida à reprodução do capital para a manutenção da ordem vigente e
para a obtenção do lucro por meio da mais-valia, do excedente de trabalho.
A sociedade capitalista é permeada pela contradição entre as classes fun-
damentais (burguesia e proletariado), de modo que o trabalhador se torna
mero instrumento nas mãos de seu patrão, convertendo-se em “coisa”. A
4 O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho

“coisificação” do trabalhador se dá pelo fato de que ele não mais se reconhece


no produto do seu trabalho, já que não participa do processo completo da
produção, mas apenas da parte a que foi designado.
O processo de trabalho produz riqueza para a classe dominante e miséria
para a classe dos trabalhadores. Isso se deve ao fato de que o capital não
pode deixar de se expandir, pois ele é uma forma de propriedade privada, ou
seja, se alimenta de sua própria acumulação. Assim, ele existe para manter a
lucratividade e a rentabilidade dos negócios, a fim de garantir a sua expansão.
Considere o seguinte:

Por meio da divisão do trabalho, já está dada desde o princípio a divisão das
condições de trabalho, das ferramentas e dos materiais, o que gera a fragmenta-
ção do capital acumulado em diversos proprietários e, com isso, a fragmentação
entre capital e trabalho, assim como as diferentes formas de propriedade. Quanto
mais se desenvolve a divisão do trabalho e a acumulação aumenta, tanto mais
aguda se torna essa fragmentação. O próprio trabalho só pode subsistir sob o
pressuposto dessa fragmentação (MARX; ENGELS, 2007, p. 72).

No capitalismo, a produção de mercadorias pressupõe uma divisão social


do trabalho. Nesse sentido, os diversos trabalhos concretos são realizados por
seus diversos produtores individuais, sendo essa a condição que impulsiona
as trocas entre os produtos. No modo de produção capitalista, a relação de
troca entre mercadorias intensifica a divisão social do trabalho que já se
desenvolvia nas antigas corporações de ofício. A troca entre mercadorias
provoca o desenvolvimento necessário da divisão social do trabalho diante
da diversidade do trabalho humano.

Na totalidade dos vários tipos de valores de uso ou corpos de mercadorias


aparece uma totalidade igualmente diversificada, de acordo com gênero,
espécie, família, subespécie, variedade, de diferentes trabalhos úteis — uma
divisão social do trabalho. Ela [a divisão social do trabalho] é condição de
existência para a produção de mercadorias, embora, inversamente, a produção
de mercadorias não seja a condição de existência para a divisão social do
trabalho (MARX, 1983, p. 50 apud BARRADAS, 2012, documento on-line).

Dessa forma, “[...] o trabalho continua a ser o eixo fundamental da so-


ciabilidade humana” (GRANEMANN, 2009, p. 3). Além de ser o sustento
das relações sociais, é nele que se assenta a reprodução social. A divisão
social do trabalho é o pressuposto histórico da produção de mercadorias, e
não o contrário. Tal produção engloba as atribuições individuais ou coletivas
produtivas nas estruturas econômicas. Cada sujeito possui uma função na
O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho 5

estrutura social, fundamento do seu status frente à sociedade. A divisão


social do trabalho permite ampliar a capacidade de produtividade por meio
da especialização, aumentando a eficiência produtiva e permitindo a comer-
cialização de produtos. Permite distinguir o trabalho intelectual do trabalho
físico, gerando o surgimento de uma elite social, que utiliza a ideologia e a
competência técnico-científica para legitimar a sua posição.
Veja como Marx (apud BOTTOMORE, 2012, p. 185) define a divisão
social do trabalho:

Primeiro, há a divisão social do trabalho, entendida como o sistema complexo


de todas as formas úteis diferentes de trabalho que são levadas a cabo inde-
pendentemente umas das outras por produtores privados, ou seja, no caso do
capitalismo, uma divisão do trabalho que se dá na troca entre capitalistas indi-
viduais e independentes que competem uns com os outros. Em segundo lugar,
existe a divisão de trabalho entre trabalhadores, cada um dos quais executa
uma operação parcial de um conjunto de operações que são, todas, executadas
simultaneamente e cujo resultado é o produto social do trabalhador coletivo. Essa
é uma divisão de trabalho que se dá na produção, entre o capital e o trabalho em
seu confronto dentro do processo de produção. Embora essa divisão do trabalho
na produção e a divisão de trabalho na troca estejam mutuamente relacionadas,
suas origens e seu desenvolvimento são de todo diferentes.

Na visão materialista histórico-dialética, a divisão do trabalho em espe-


cialidades produtivas gera uma hierarquia social. Nessa hierarquia, a classe
dominante (burguesia) subjuga as classes dominadas ao estabelecer as instituições
legitimadoras e deter os meios de produção. Essa dominação é tensa e gera um
conflito chamado de luta de classes. Ademais, a especialização das atividades
produtivas nas sociedades complexas gerou uma divisão do trabalho social como
forma vital de sobrevivência. Assim, ao superar as suas necessidades básicas,
a humanidade cria outras. Deve-se considerar que a divisão do trabalho é um
meio pelo qual se dá a relação de exploração, os antagonismos e as contradições.
Nesse contexto, as relações sociais estão pautadas em interesses diversos.
A divisão do trabalho eleva o nível de aperfeiçoamento da sociedade,
visto que o trabalho proporciona progressivo bem-estar social. Certamente,
o trabalho, bem como o seu progresso pelo avanço da ciência, beneficia a
sociedade, permitindo que ela alcance altos níveis de desenvolvimento. Porém,
no capitalismo, a classe trabalhadora, embora produtora de bens e riquezas
sociais, não usufrui de suas conquistas. Isso ocorre pois “[...] a divisão do
trabalho [...] introduz, não só a concorrência de outros homens, mas também
das máquinas. Visto que o trabalhador foi reduzido à máquina, a máquina pode
com ele competir” (MARX, 1964, p. 106 apud LUZ, 2008, documento on-line).
6 O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho

O aprofundamento da divisão do trabalho, provocado pela mecanização,


indica que, para o modo capitalista de produção, o trabalhador é apenas um meio.
O trabalhador acaba se adaptando aos complexos mecanismos do sistema produ-
tor de mercadorias, que visam ao aumento constante da produção de riquezas.
Portanto, “[...] a mecanização dos processos de trabalho, que deveria auxiliar o
trabalhador nas suas tarefas e contribuir para o seu enriquecimento, se converte
num instrumento de opressão do ser humano” (LUZ, 2008, documento on-line).

A divisão do trabalho, sob o capitalismo, isola o homem nos limites de uma


atividade limitada, imprimindo ao desenvolvimento da personalidade uma
direção unilateral, que toma às vezes a forma de uma monstruosa especializa-
ção. Longe de se desenvolver universalmente, o homem apega-se à sua esfera
de ação e, preso à sua particularidade, limita e mutila o seu ser (VÁZQUEZ,
1968, p. 320 apud LUZ, 2008, documento on-line).

Na divisão social do trabalho, a maquinaria se associa ao trabalhador.


Este deixa de ter o domínio sobre os meios de produção, o produto de seu
trabalho e o processo de produção. O seu trabalho deixa de ser criativo e não
apresenta desafios que possibilitariam um desenvolvimento das suas capaci-
dades. Esse sistema acaba condenando o trabalhador à execução de uma tarefa
repetitiva, que também seria executada por uma máquina. Então, a divisão
do trabalho apenas serve aos interesses do capital, e não aos do trabalhador.
É, portanto, apenas instrumento de desumanização do trabalhador.

A seguir, veja alguns conceitos essenciais para a construção do seu conhecimento


acerca do trabalho na sociedade capitalista.
 Teleologia: diz respeito aos propósitos e finalidades das ações e comportamentos.
Segundo Santos (2011, p. 56): “Para a teleologia transformar a realidade objetiva
(uma causalidade) em uma causalidade posta, ou seja, em um produto, ela precisa
pôr o fim e buscar os meios que possibilitem esse processo”.
 Mais-valia: segundo Marx e Engels (1988), a mais-valia é o valor excedente não
pago ao trabalhador e que se origina na esfera da produção. Esse valor é apro-
priado pelo capitalista.
 Produção e reprodução social: integram o âmbito de relações que articulam a
elaboração e a criação de produtos no modo de produção capitalista. Concomi-
tantemente, também compreendem não apenas os atos relativos à vida material
e biológica do homem, mas aqueles que dão continuidade ao conjunto da vida
social, a dado estágio de sociabilidade.
O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho 7

O Serviço Social e a divisão sociotécnica


do trabalho
De forma geral, a institucionalização do Serviço Social nos países industria-
lizados está associada à progressiva intervenção do Estado nos processos de
regulação social. É importante você lembrar-se de que a racionalização da
profissão se iniciou na década de 1940, período em que o Estado começou a
estabelecer vínculos com algumas instituições sociais, principalmente aquelas
voltadas à qualificação profissional e as que trabalhavam com a assistência
social. Posteriormente, o período do desenvolvimentismo no Brasil (1950–1960)
marcou o Serviço Social, efetivando o seu reconhecimento enquanto profissão
assalariada e inserida na divisão sociotécnica do trabalho.
O Serviço Social nasce como profissão da necessidade gerada pela própria
ordem burguesa, que se viu ameaçada por fortes pressões populares da classe
trabalhadora. Ou seja, foi o próprio capitalismo que demandou uma profissão
inserida na divisão sociotécnica do trabalho que atuasse na esfera da reprodução
social e, claro, também na esfera de “controle” dos trabalhadores.

As particularidades desse processo no Brasil evidenciam que o Serviço Social


se institucionaliza e legitima profissionalmente como um dos recursos mo-
bilizados pelo Estado e pelo empresariado, com o suporte da Igreja Católica,
na perspectiva do enfrentamento e regulação da Questão Social, a partir
dos anos 30, quando a intensidade e extensão das suas manifestações no
cotidiano da vida social adquirem expressão política. A Questão Social em
suas variadas expressões, em especial quando se manifesta nas condições
objetivas de vida dos segmentos mais empobrecidos da população, é, portanto,
a “matéria-prima” e a justificativa da constituição do espaço do Serviço Social
na divisão sociotécnica do trabalho e na construção/atribuição da identidade
da profissão (YAZBEK, 2009, p. 148).

A inserção do Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho viabilizou


o movimento de reconceituação, que aconteceu nos anos 1960. O motor das
transformações ocorridas no bojo da profissão foi o cenário da instauração
da Ditadura Militar no Brasil. Nesse momento, o Serviço Social buscava uma
teoria e uma metodologia que fossem adequadas à realidade brasileira, a fim
de romper com os modelos importados dos Estados Unidos e da Europa.
O movimento de reconceituação possibilitou o questionamento do tradi-
cionalismo da profissão. O resultado foram alguns documentos que traçaram
mudanças com relação à teoria e à metodologia. A esse processo, José Paulo
Netto chama de “perspectiva modernizadora”, que representa a erosão do
8 O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho

Serviço Social tradicional. Os documentos que fundamentaram esse período


foram os de Araxá (1968), Teresópolis (1970) e Sumaré (1978). Nesse contexto,
o Serviço Social se aproxima da teoria positivista, que se apoia na análise
fragmentada da realidade social, não atentando à historicidade dos fatos, além
de ainda carregar os ranços da perspectiva neotomista. Esses documentos
são fruto da construção coletiva da categoria, que se reuniu em seminários
promovidos pelo Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços
Sociais (CBCISS).
Os documentos de Araxá (teorização do Serviço Social), Teresópolis
(metodologia do Serviço Social) e Sumaré (cientificidade do Serviço Social)
constituem parte histórica do Serviço Social e foram a base para a discussão
da teoria e da metodologia de atuação profissional. O objetivo era reformu-
lar a intervenção profissional e repensar a formação de assistentes sociais.
Como você sabe, a atuação profissional pode ser condicionada tanto para a
materialização de práticas conservadoras, a favor da ideologia dominante,
quanto para intervenções com vistas à emancipação dos indivíduos, na busca
da materialização do projeto ético-político do Serviço Social.
O Serviço Social é uma profissão inserida na divisão sociotécnica do
trabalho. Ele atravessou um período de amadurecimento teórico-metodológico
que possibilitou a construção de um arcabouço teórico que reflete a realidade
brasileira a partir da aproximação com a teoria social crítica. A instauração do
Código de Ética, em 1993, fundamentado na teoria social crítica, permitiu que
o Serviço Social pensasse um projeto profissional e societário diferente daquele
em curso, com base em valores ético-políticos vinculados a uma sociedade
mais justa e igualitária. Nesse novo projeso, as expressões da Questão Social
são o objeto de trabalho.
Nessa óptica, o assistente social é um profissional habilitado a atuar a fim
de ampliar e consolidar os direitos sociais, com vistas a reafirmar o seu com-
promisso com a classe trabalhadora no contexto das políticas sociais. Assim, o
Serviço Social é uma profissão inserida na divisão sociotécnica do trabalho que
conquistou espaço e legitimidade para se profissionalizar e institucionalizar.
É uma profissão que atua diretamente com as expressões da Questão Social e
possui um aporte teórico-metodológico e técnico-operativo capaz de contribuir
com o enfrentamento das mazelas cotidianas vivenciadas pelos sujeitos.
A inserção na divisão sociotécnica do trabalho foi legitimada tanto pelo
Estado quanto pela sociedade civil, que viu no trabalho do assistente social
uma forma de enfrentar as expressões da Questão Social, resultado dos avanços
do capitalismo. O assistente social, em seu processo de formação, desen-
volve competências e habilidades para atuar com tais expressões. Diante das
O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho 9

transformações societárias, elas têm ganhado nova roupagem e exigido que


o profissional reflita e intervenha na realidade de forma crítica, contribuindo
para mudanças na vida dos sujeitos. Veja:

As novas exigências do mercado de trabalho impõem ações e papéis profissio-


nais cada vez mais multifacetados, voltados à eficiência técnica e à resolução
imediata das problemáticas sociais. De fato, sendo o Serviço Social uma
profissão inscrita na divisão sociotécnica do trabalho, a construção de seu
fazer ocorre a partir das demandas de diferentes segmentos de classe, surgidas
na heterogeneidade da vida cotidiana. Tais demandas, constituindo-se como
objetos da ação profissional, indicam, no âmbito da aparência, necessidades
práticas essenciais à produção e à reprodução da vida material dos sujeitos
sociais (SIMIONATTO, 2009, p. 117).

O exercício da profissão envolve muito mais do que cumprir a rotina buro-


crática da instituição. Ele implica propor ações, apresentar e negociar projetos
com a instituição e defender o campo de trabalho e o Código de Ética do Serviço
Social. Além disso, o assistente social deve ter qualificação e conhecer as suas
funções profissionais. É tarefa primordial do assistente social realizar a leitura
crítica da realidade para retirar dela as possibilidades e transformá-las em alter-
nativas profissionais, projetos e frentes de trabalho. É importante compreender
que a conjuntura impõe limites e possibilidades, porém existe um espaço para
a atuação profissional que possibilita a proposição de alternativas criadoras.
Compreender essas relações impede atitudes fatalistas ou messiânicas diante
do processo histórico que se desenvolve. “Tal visão determinista e a-histórica
da realidade conduz à acomodação, à otimização do trabalho, ao burocratismo
e à mediocridade profissional” (IAMAMOTO, 2000, p. 21).
O assistente social deve sempre observar os limites e possibilidades que
permeiam o cotidiano da instituição e, assim, elaborar estratégias de ação em
consonância com o Código de Ética de 1993. Para assumir um posicionamento
ético-político, o profissional deve romper com o teoricismo sem fundamento,
bem como com o pragmatismo, que o aprisiona na necessidade de fornecer
respostas a demandas imediatas. O assistente social necessita materializar a
sua competência, mas não aquela competência da organização. Ou seja, ele
deve se imbuir de uma competência crítica para fazer a leitura da gênese dos
processos sociais e das desigualdades, refletindo sobre estratégias de ação.

Todo projeto e, logo, toda prática, numa sociedade classista, têm uma di-
mensão política [...]. Ou seja, se desenvolvem em meio às contradições
econômicas e políticas engendradas na dinâmica das classes sociais anta-
10 O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho

gônicas. Na sociedade em que vivemos (a do modo de produção capitalista),


elas são a burguesia e o proletariado. Logo, o projeto profissional (e a prática
profissional) é, também, projeto político: ou projeto político-profissional.
Detém, como dissera Iamamoto (1992) ao tratar da prática profissional,
uma dimensão política, definida pela inserção sociotécnica do Serviço
Social entre os distintos e contraditórios interesses de classes (TEIXEIRA;
BRAZ, 2009, p. 221).

Portanto, analisando o contexto histórico em que foi gestada a profissão,


entende-se o Serviço Social como uma especialização do trabalho coletivo,
inserida na divisão sociotécnica do trabalho e imersa no desenvolvimento das
relações capitalistas. A profissão surge associada às particularidades da Ques-
tão Social em um momento histórico determinado, diante da internalização
da política econômica como alvo das políticas sociais. Esse marco histórico
potencializou as contradições inerentes ao capitalismo, de forma a alterar
a dinâmica da sociedade. Além disso, ele redimensionou e refuncionalizou
o Estado, constituindo um cenário favorável para a legitimação do Serviço
Social frente às demandas que necessitavam de resposta.
É claro que o Serviço Social carrega as marcas de uma profissão que surge
e se legitima para atuar junto ao capital, resolvendo as demandas muitas vezes
de forma paliativa, para garantir o desenvolvimento econômico. Contudo, o
processo de amadurecimento da profissão indica que o surgimento de ideais
e valores que compõem o novo ethos profissional, para além de solucionar
as demandas do capital, tem o objetivo político de fortalecer as classes
subalternas como via de concretizar a transformação da sociedade. Essa
tarefa pressupõe inúmeros desafios, e o profissional, a partir do arcabouço
teórico-metodológico crítico, deve articular propostas para a superação
das demandas cotidianas dos seus usuários, trabalhando a conscientização
das classes.

Acesse o vídeo disponível no link a seguir para saber mais sobre o desenvolvimento do
Serviço Social no Brasil, em especial sobre o movimento de reconceituação da profissão.

https://qrgo.page.link/e3PBf
O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho 11

O Serviço Social como especialização


do trabalho coletivo
A inserção do Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho é um produto
histórico. Ela resultou dos embates das classes subalternas no enfrentamento
da Questão Social e de políticas do Estado que atribuem especificidades à
configuração do Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho. O assistente
social é requisitado a atuar junto às demandas sociais emergentes que são
produto do crescimento acelerado do capitalismo, podendo estar inserido em
diversos espaços socio-ocupacionais e atuando em várias políticas sociais. Veja:

A profissão é aqui compreendida como um produto histórico e, como tal,


adquire sentido e inteligibilidade na história da sociedade da qual é parte e
expressão. O Serviço Social afirma-se como uma especialização do trabalho
coletivo, inscrito na divisão sociotécnica de trabalho, ao se constituir em
expressão de necessidades históricas, derivadas da prática das classes sociais
no ato de produzir seus meios de vida e de trabalho de forma socialmente
determinada. Assim, seu significado social depende da dinâmica das relações
entre as classes e dessas com o Estado nas sociedades nacionais em quadros
conjunturais específicos, no enfrentamento da “questão social” (IAMAMO-
TO, 2000, p. 203).

O processo de amadurecimento teórico-metodológico do Serviço Social


no decorrer da história fez com que a categoria profissional se posicionasse
politicamente frente às demandas sociais. Há duas legislações principais que
embasam e protegem a atuação profissional: a Lei nº 8.662, de 7 de junho de
1993, que dispõe sobre a profissão de assistente social e dá outras providências;
e o Código de Ética do Serviço Social, criado em 1993.
O Código de Ética define como opção política da categoria um projeto
profissional que se vincula à construção de uma nova ordem societária, sem
dominação e exploração. Mesmo inserido numa sociedade contraditória, ao
assumir uma posição política, o assistente social pode estar a serviço de uma
das classes. Ou seja, pode fortalecer a classe trabalhadora por meio de uma
intervenção que vise à transformação cotidiana dos sujeitos.
Durante o processo de desenvolvimento econômico do Brasil, o Serviço
Social mostrou o seu significado. Mesmo com uma atuação de controle social
submissa aos interesses da classe dominante e respaldada pelo poder do Estado,
a profissão vivenciou um amadurecimento que levou à sua legitimação na
12 O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho

sociedade capitalista e garantiu o seu reconhecimento legal perante o Estado,


bem como a confiança da classe trabalhadora. É, portanto, uma especialização
do trabalho coletivo, e o assistente social se insere na cena contemporânea da
reprodução da vida social cotidiana. Considere o seguinte:

É na implementação de políticas sociais, e, em menor medida, na sua for-


mulação e planejamento, que ingressa o Serviço Social. Destarte, diante de
alterações sociais substantivas — tais como as que atravessaram o Estado
e a sociedade civil no país nas duas últimas décadas — a profissão viu-se
obrigada a se redefinir, pois, como a sociedade burguesa, também ela não
se conforma como um “cristal sólido, mas como um organismo capaz de
mudar e que está em constante mudança”, nos termos de Marx (IAMA-
MOTO, 2000, p. 203).

Se você analisar a categoria “trabalho” em seu conceito ontológico, vai


notar que o assistente social, em sua atuação profissional, coloca em prática
as suas capacidades teleológicas ao criar estratégias de ação para o enfren-
tamento das demandas da Questão Social. Tais estratégias são construídas
a partir do arcabouço teórico-metodológico do Serviço Social, ou seja, a
partir do conhecimento adquirido e fundamentado na teoria social crítica.
Portanto, o trabalho do assistente social se torna especializado justamente
por se realizar a partir de um conhecimento específico e que se materializa
de forma concreta na realidade, por meio da transformação social do coti-
diano dos indivíduos.

Esse processo de compra e venda da força de trabalho especializada em


troca de um salário faz com que o Serviço Social ingresse no universo da
mercantilização, no universo do valor. A profissão passa a constituir-se
como parte do trabalho social produzido pelo conjunto da sociedade, par-
ticipando da criação e prestação de serviços que atendem às necessidades
sociais. Ora o Serviço Social reproduz-se como um trabalho especializado
na sociedade por ser socialmente necessário: produz serviços que atendem
às necessidades sociais, isto é, têm um valor de uso, uma utilidade social.
Por outro lado, os assistentes sociais também participam, como traba-
lhadores assalariados, do processo de produção e/ou de redistribuição da
riqueza social. Seu trabalho não resulta apenas em serviços úteis, mas ele
tem um efeito na produção ou na redistribuição do valor e da mais-valia
(IAMAMOTO, 2000, p. 24).

Diante desse contexto, é importante considerar as transformações ocorridas


no mundo do trabalho com relação à globalização. Afinal, a profissão vem
sendo afetada por alterações no modo de produção que ocorrem nos espaços
O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho 13

em que está inserida. Segundo Iamamoto (2000, p. 262), novas estratégias para
o enfrentamento das expressões da Questão Social por parte da sociedade civil
organizada e do Estado se relacionam com “[...] a reestruturação produtiva,
a reforma do Estado segundo os parâmetros neoliberais, o agravamento da
questão social manifesta nas multifacetadas formas de expressão das desi-
gualdades sociais”.

Embora regulamentado como uma profissão liberal na sociedade, o Serviço


Social não se realiza como tal. Isso significa que o assistente social não
detém todos os meios necessários para a efetivação de seu trabalho: finan-
ceiros, técnicos e humanos necessários ao exercício profissional autônomo.
Depende de recursos previstos nos programas e projetos da instituição que
o requisita e o contrata, por meio dos quais é exercido o trabalho especiali-
zado. Em outros termos, parte dos meios ou recursos materiais, financeiros
e organizacionais necessários ao exercício desse trabalho é fornecido pelas
entidades empregadoras. Portanto, a condição de trabalhador assalariado não
só enquadra o Assistente Social na relação de compra e venda da força de
trabalho, mas molda a sua inserção socioinstitucional na sociedade brasileira
(IAMAMOTO, 2000, p. 63).

No contexto institucional em que o assistente social se insere, ele deve definir


com clareza as dimensões contempladas em seu trabalho, ou seja, o que é e o
que faz o Serviço Social. Essa definição possibilita ao profissional apresentar
propostas de trabalho para além daquilo que lhe é requisitado. Dessa forma,
ele amplia o seu campo de atuação em consonância com as suas competências
e atribuições, definidas tanto no Código de Ética de 1993 quanto na lei de
regulamentação da profissão, dando legitimidade ao seu espaço na divisão
sociotécnica do trabalho. Segundo Silva e Souza (2017, documento on-line), a
relativa autonomia é parte constitutiva da profissão, “[...] apresentando-se como
uma ferramenta que possibilita ao/a assistente social construir sua intervenção
profissional, tendo como referência a compreensão de seu papel profissional na
reprodução contraditória das relações sociais”.

Nesta direção, cabe problematizarmos que o projeto de profissão assumido


pelos profissionais constitui uma mediação para o exercício da relativa au-
tonomia. Não esqueçamos que, embora prevaleça uma direção social para
a profissão, o corpo profissional não é homogêneo, o que implica dizer que
as respostas profissionais podem vincular-se ou não ao projeto profissional
hegemônico. Portanto, devemos dar a devida importância a cada mediação
que se coloca à relativa autonomia, analisando com cautela os condicionantes
e determinantes éticos, culturais e objetivos que dinamizam o seu exercício
(SILVA; SOUZA, 2017, documento on-line).
14 O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho

Compreender o que é e o que faz o Serviço Social é o que fundamenta o


entendimento acerca da relativa autonomia do assistente social. A partir daí,
é possível ampliar o campo de autonomia, o que pode ser encarado como
uma forma de manobra e de liberdade na condução de respostas profissionais
orientadas pelos estatutos éticos e legais. Como você viu, diante da especiali-
zação do trabalho coletivo do assistente social, a profissão ganhou uma nova
roupagem em seu amadurecimento, chegando a adotar um Código de Ética.
Esse documento defende a classe trabalhadora e se aproxima de valores como
a equidade e a justiça social, visto que a profissão assume um posicionamento
político frente aos desmandos do capital.

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O Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho 15

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Leitura recomendada
MOVIMENTO de reconceituação / renovação do serviço social. [S. l.: s. n.], 2018. 1 vídeo.
Publicado pelo canal Serviço Social para Concursos. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=cOE4Ikkpfxo. Acesso em: 20 out. 2019.

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