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A centralidade do trabalho

estranhamento e contradições na atualidade


Danilo da Silva Vargas
Universidade Estadual de Minas Gerais 1

Resumo: O artigo apresenta observações sobre como a centralidade do trabalho pode ser percebida
na atualidade, buscando embasamento na teoria marxiana e discutindo fenômenos atuais que
exemplifiquem tal condição. Buscamos desenvolver uma investigação teórica que permitisse ilustrar
como é possível interpretar a centralidade do trabalho e como as contradições do trabalho se
manifestam atualmente. Assim, o presente estudo analisa o papel do trabalho a partir de Marx e
exemplifica suas contradições à luz de problemáticas atuais como a manutenção da lucratividade
diante do drama da pandemia de Covid-19, as preocupações da OIT com o Trabalho Decente e a
frustração de trabalhadores com as funções que exercem.
Palavras-chave: Trabalho; Estranhamento; Trabalhadores.

The centrality of work


estrangement and contradictions today
Abstract: The article presents observations on how the centrality of work can be perceived today, seeking a basis in
Marxian theory and discussing current phenomena that exemplify this condition. We sought to develop a theoretical
investigation that would allow us to illustrate how it is possible to interpret the centrality of work and how the
contradictions of work are currently manifested. Thus, this study analyzes the role of work based on Marx and
exemplifies its contradictions in light of current issues such as; maintaining profitability in the face of the drama of the
Covid-19 pandemic; the ILO's concerns about Decent Work and the frustration of workers with their functions.
Keywords: Work, Strangeness, Workers.

1Mestre em Educação pela Universidade do Estado de Minas Gerais. ORCiD: https://orcid.org/0000-0001-


9161-7863. E-mail: danilo_vargas1@hotmail.com.

Cadernos GPOSSHE On-line, Fortaleza, v. 5, n. 1, 2021


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DOI: 10.33241/cadernosdogposshe.v5.i1
ISSN: 2595-7880
1 INTRODUÇÃO

O presente artigo é parte de uma pesquisa de mestrado que se propôs compreender


como os jovens estudantes do ensino médio, moradores de uma região periférica de Betim-
MG, estão percebendo e pensando as reformulações das relações de trabalho que se
evidenciam nos últimos anos. A metodologia da dissertação consistiu em um estudo de caso
de caráter qualitativo, a partir do uso de questionário e entrevista semiestruturada junto aos
jovens estudantes do bairro Jardim Teresópolis, em Betim-MG. O estudo aqui apresentado
representa o capítulo inicial da dissertação.
A intenção de investigar como trabalho e educação se articulam na vida desses jovens
periféricos nos apresenta alguns desafios. Antes de analisar a forma como jovens marcados
pelos recortes de classe, raça, gênero e território percebem a atual intensificação da
precarização do trabalho, acreditamos ser fundamental elaborar uma explicação sobre a
importância do trabalho para o desenvolvimento do gênero humano. Assim, o presente
estudo se abstém de incorporar as perspectivas dos sujeitos da pesquisa principal e se
concentra no levantamento teórico dos textos clássicos da tradição marxista e na análise de
dados e constatações que sirvam de exemplificação das contradições mais candentes do
mundo do trabalho atualmente.
Ao longo do presente artigo, a partir do referencial marxista, analisamos o caráter
central do trabalho para o gênero humano bem como o problema da alienação e do
estranhamento sob a ordem do capital. Apresentamos, assim, as contradições entre a
manutenção da lucratividade simultaneamente à necessidade de seguir os protocolos
sanitários durante a pandemia de Covid-19, problematizando os limites da proposta de
Trabalho Decente, colocada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), e
abordando brevemente o problema da falta de interesse dos trabalhadores pelas atividades
que exercem.

2 A CENTRALIDADE DO TRABALHO

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Diversas teorias ao longo da história se debruçaram sobre o papel do trabalho para
defini-lo como atividade indigna, como provação, definidor de papeis sociais e gerador de
riqueza, teorias estas que passam desde o trabalho escravo e servil até o assalariado. Nossa
proposta é partir da análise materialista histórica, que compreende o trabalho como central
na construção da vida objetiva e subjetiva do ser humano, e entender a dimensão inaugurada
por Marx como norteadora para definição do papel do trabalho.
Sem intenção de elaborar uma história do trabalho, pretendemos apontar
fundamentos históricos que vão auxiliar na compreensão da realidade em que vivemos: uma
realidade que tem por paradigma a manutenção da ordem do capital2. De acordo com Marx
(2013a), o trabalho é a categoria central para produção e reprodução da vida humana, pois é
através dele que mulheres e homens constroem seus meios materiais e espirituais de vida,
sendo ele a forma pela qual se objetiva toda a subjetividade do gênero a partir da mediação
do indivíduo com a natureza. O trabalho, então, deve ser pensado de forma histórica de
modo a compreender seus limites e suas possibilidades no interior da sociedade onde se
manifesta.

O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e natureza, processo


este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu
metabolismo com a natureza. Ele se confronta com a matéria natural como com
uma potência natural [Naturmacht]. A fim de se apropriar da matéria natural de
uma forma útil para sua própria vida, ele põe em movimento as forças naturais
pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo
sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele
modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. [...] (MARX 2013a, p. 255)

Ao compreender o trabalho como central na vida social, partimos para a constatação


de Lukács (2013) a qual aponta que o ser social é constituído por diversas categorias que se
encontram imbricadas: o trabalho, a linguagem, a cooperação, a divisão do trabalho etc. Tal

2 O sentido de capital utilizado no decorrer da pesquisa é o atribuído por David Harvey: “O capital é um
processo, e não uma coisa. É um processo de reprodução da vida social por meio da produção de mercadorias
em que todas as pessoas do mundo capitalista avançado estão profundamente implicadas. Suas regras
internalizadas de operação são concebidas de maneira a garantir que ele seja um modo dinâmico e
revolucionário de organização social que transforma incansável e incessantemente a sociedade em que está
inserido. O processo mascara e fetichiza, alcança crescimento mediante a destruição criativa, cria novos desejos
e necessidades, explora a capacidade do trabalho e do desejo humano, transforma espaços e acelera o ritmo da
vida. Ele gera problemas de superacumulação para os quais há apenas um número limitado de soluções
possíveis” (HARVEY, 2016, p.307.)

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imbricação implica na impossibilidade de uma análise isolada de cada categoria, separada do
todo ao qual pertence, sob o risco de cairmos em fetichizações. Se as análises das categorias
constituintes do ser social não podem ser feitas isoladamente, tampouco é cabível uma
explicação que não tome o trabalho como ponto de partida devido ao seu caráter central para
o desenvolvimento de todas as outras categorias que compõem o ser humano.
A centralidade do trabalho é constatada quando percebemos que as especificidades
de todas as outras categorias se desdobram no ser social já constituído, pois são
desenvolvidas em diferentes graus e contextos somente após terem se iniciado o processo de
socialização e têm sua gênese na atuação do humano sobre a natureza para garantia das
necessidades mais básicas, como a garantia da alimentação, do abrigo etc. Tal atuação do
homem sobre a natureza é mediada pelo trabalho. Se, por exemplo, pensarmos na categoria
da educação, somos forçados a reconhecer que a efetivação da educação e da transmissão
dos conhecimentos através do ensino só é possível a partir do momento que as condições
materiais de vida estejam se construindo ou já estejam garantidas. Só é possível adquirir
conhecimentos teóricos e práticos quando a apropriação dos elementos materiais da vida já
está feita. Assim, o trabalho se revela como central para a vida social, pois é a partir dele que
nos apropriamos dos elementos materiais fundamentais para a produção e reprodução da
vida, criando as condições necessárias para a transformação da realidade e a transmissão dos
saberes.
Sobre seu caráter indispensável, Marx (2013a) sustenta que o trabalho é criador de
valores de uso sendo, portanto, imprescindível para o ser humano, independentemente de
todas as formas sociais, pois é, através dele, que se dá a mediação entre homem e natureza.
Dessa forma percebemos que o trabalho, além de fator fundante da sociabilidade, é
historicamente imprescindível para o contínuo desenvolvimento social.
Lukács tem grandes méritos por alargar a compreensão de diversas categorias
marxianas. A respeito do trabalho, o autor húngaro destaca seu caráter teleológico como
qualidade específica do ser social que, ao idealizar antes de realizar, demonstra como a
objetivação precede de uma intenção que só pode ser posta em prática pelo ser humano.
Assim, está dado o meio pelo qual o ser humano atua junto à natureza e a seus semelhantes,
transformando o meio em que vive ao mesmo tempo que se transforma,

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O trabalho dá lugar a uma dupla transformação. Por um lado, o próprio ser
humano que trabalha é transformado por seu trabalho; ele atua sobre a natureza
exterior e modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza, desenvolve “as
potências que nela se encontram latentes” e sujeita as forças da natureza “a seu
próprio domínio”. Por outro lado, os objetos e as forças, da natureza são
transformados em meios de trabalho, em objetos de trabalho, em matérias-primas
etc. O homem que trabalha “usa as propriedades mecânicas, físicas e químicas das
coisas para submeter outras coisas a seu poder, atuando sobre elas de acordo com
seu propósito”. Os objetos naturais, todavia, continuam a ser em si o que eram
por natureza, na medida em que suas propriedades, relações, vínculos etc. existem
objetiva e independentemente da consciência do homem; e tão somente através
de um conhecimento correto, através do trabalho, é que podem ser postos em
movimento, podem ser convertidos em coisas úteis [...] (LUKÁCS, 2012, p. 286).

Segundo Marx, na sociedade burguesa3 - sociedade que tem por princípio a divisão
do trabalho e a propriedade privada - o trabalho se manifesta de forma alienada e estranhada.
Compreender a distinção entre alienação e estranhamento, segundo a compreensão
marxiana, nos auxilia no conhecimento das relações entre homem, trabalho e capital. A partir
da crítica à economia política e da fenomenologia hegeliana - nos Manuscritos econômicos-
filosóficos de 1844 - Marx passa a esboçar sua compreensão sobre a alienação e o
estranhamento humano. Teoria que, por se basear na análise da divisão do trabalho e da
propriedade privada, ainda se faz atual, uma vez que tais pressupostos ainda não foram
superados.
A respeito das categorias alienação e estranhamento, Ranieri (2001) afirma que a
unidade entre alienação e estranhamento no interior da teoria de Marx está associada não
exatamente a uma mesma significação, mas à determinação de um pelo outro. Ao objetivar-
se no produto de seu trabalho, o homem se aliena para que possa ser realizada a produção
de si – como ser que se constrói pelo trabalho - e dos meios que saciam suas carências. Em
virtude da acentuada divisão do trabalho, caráter imprescindível do capital, essa alienação se
apresenta de forma negativa, pois o mantém cada vez mais distante de sua realização.
A alienação que mantém o homem apartado de sua criação se exprime como
estranhamento quando o homem não se reconhece em seu próprio trabalho. Não se
reconhecer naquilo que produz, naquilo que o efetiva como ser humano, faz com que se

3Segundo Marx é a sociedade (bürgerlicheGesellschaft), na qual cada indivíduo é um todo de carências, e apenas é
para o outro, assim como o outro apenas é para ele, na medida em que se tornam reciprocamente meio.

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perca a forma de externar sua natureza plena e criativa tornando-o um ser instrumentalizado
que, na sociedade fundamentada na propriedade privada, serve como meio de acumulação
do capital.
O estranhamento diz respeito às insuficiências de realização do gênero humano
decorrentes das formas históricas de apropriação do trabalho. Então, seria uma ação maior
no tempo e no espaço em que o homem, tomado genericamente - como ser social - se torna
alheio, isolado e estranho aos resultados e produtos do seu próprio trabalho.
Marx constata, em suas análises sobre o trabalho, a grande limitação da economia
nacional (economia política). É apontado que, embora se deva reconhecer os avanços nos
estudos sobre produção e trabalho alcançados pela economia nacional, esses mantiveram-se
míopes diante de um fenômeno fundamental: a falta de compreensão do caráter estranhado
do trabalho dentro de uma realidade regida pelo capital.
Sob a aparência de um reconhecimento do homem, a economia nacional, que tem o
trabalho como princípio, renega o homem a partir de uma abordagem econômica que
podemos classificar como a-histórica. Segundo Marx (2010), a economia nacional parte da
propriedade privada como algo dado e acabado, como uma existência natural, assim, a
existência da propriedade é tomada como lei. Tal lei não é historicizada, não esboça sua
origem ou seu desenvolvimento no tempo, de forma que a concorrência e a troca aparecem
como circunstâncias casuais. Portanto, a análise da propriedade privada é tomada a partir da
perspectiva do capitalista.
As ácidas críticas de Marx aos economistas nacionais de seu tempo nos são valiosas
para pensar os pressupostos que ainda hoje regem a compreensão predominante sobre os
fenômenos econômicos. Embora o sistema capitalista tenha se reconfigurado e passado por
mudanças ao longo de toda sua história, atualmente ainda são fragrantes as teorias e práticas
que colocam a manutenção do sistema econômico como pressuposto irrevogável, dando a
ele um caráter desvinculado de laço histórico, se apresentando como natural e eterno.

3 A PRIORIDADE DO CAPITAL

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Para exemplo da apologia desmedida à ordem vigente, podemos apontar como a crise
sanitária provocada pela pandemia do novo Coronavírus em 2020 revelou a forma indelével
com que instituições, agentes públicos, empresários e uma fração da população enxergam o
atual modelo econômico.
No Brasil e em diversos países a pandemia tem provocado debates sobre os riscos
que a economia capitalista corre ao se aplicar os protocolos de segurança – isolamento social
de uma parcela considerável da população que, consequentemente, gera paralisação de
algumas esferas da produção e circulação de mercadorias - para se preservar a saúde de
milhões de pessoas. Assim, cria-se um constrangedor dilema que muitos não se intimidaram
em defender abertamente que entre a sobrevivência da economia tal como a conhecemos e
a vida de alguns grupos, não deveríamos ter dúvidas em escolher a primeira opção. Para além
das falas descabidas e negacionistas de alguns chefes de Estado e empresários honestamente
preocupados com sua lucratividade, nos chama atenção o posicionamento de algumas
organizações mundiais que gozam de todo prestígio e seriedade no tratamento da atual crise.
Em artigo conjunto publicado pelo jornal britânico The Telegraph no dia
03/04/2020 e republicado em diversos jornais pelo mundo, o diretor-geral da Organização
Mundial de Saúde (OMS) Tedros Adhanom Ghebreyesus e a diretora-gerente do Fundo
Monetário Internacional (FMI) Kristalina Georgieva, convergem na defesa dos protocolos
de segurança para resguardar vidas e afirmam que essa é a melhor maneira de se garantir a
manutenção da economia. O posicionamento comum das duas organizações é uma
mensagem endereçada aos países emergentes e em desenvolvimento que, diante do aumento
dos casos de Covid-19 no primeiro semestre de 2020, ainda lidavam com as contradições
promovidas por grupos que relutavam em reconhecer a gravidade da situação ou, até mesmo,
reconheciam, mas defendiam um enfrentamento cínico da crise. OMS e FMI afirmaram que:

O curso da crise global da saúde e o destino da economia global estão


inseparavelmente entrelaçados. Combater a pandemia é uma necessidade para a
economia se recuperar. É por isso que a OMS e o FMI estão cooperando
estreitamente entre si e com outras organizações internacionais para ajudar a

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atender às necessidades prioritárias dos países. (GEORGIEVA;
GHEBREYESUS. 2020, tradução nossa)4

Sem intenção de provocar polêmicas descabidas, percebemos que tal afirmação


revela a sutileza com que uma organização financeira e uma organização de saúde, ambas
referências mundiais, dialogam com cumplicidade na defesa de projetos comuns que visam
a proteção da vida e a manutenção da economia. Assim, fica ilustrado que a prioridade em
resguardar vidas e a defesa da saúde econômica são concomitantes, revelando a velha tese de
que a ordem regida pelo capital é um imperativo.

4 POSSIBILIDADES DE UM TRABALHO (IN)DECENTE

Ao despir a economia nacional de sua pretensa análise crítica, Marx elogia suas
posições diante da teoria fisiocrata mas pontua suas limitações e suas consequências nocivas
ao homem. Ao não perceber o estranhamento e reivindicar a propriedade privada como
essência do homem, a economia nacional anula suas próprias pretensões de uma
compreensão da natureza do trabalho.
A não percepção do estranhamento, que produz carências de todo tipo no gênero
humano, é apontada por Marx como o ponto alto da falha dos economistas nacionais. De
acordo com Marx (2010) as análises dos economistas nacionais sobre o trabalho não
percebem as contradições que engendram a atividade produtora e, dessa forma, naturalizam
a exploração do trabalho e não enxergam a perversidade do estranhamento para a
coletividade humana.
No interior da sociedade amparada pela propriedade privada o que se tem é a
constante criação de carências. Cada homem busca formas de desenvolver no outro uma
nova carência para, com isso, forçá-lo a um novo sacrifício; a fruição de um está condicionada
à ruína econômica de outro. “Cada qual procura criar uma força essencial estranha sobre o
outro, para encontrar aí a satisfação de sua própria carência egoísta [...]” (MARX, 2010, p.
139).

4The course of the global health crisis and the fate of the global economy are inseparably intertwined. Fighting
the pandemic is a necessity for the economy to rebound. That is why the WHO and IMF are cooperating
closely with one another, and with other international organisations, to help address countries’ priority needs

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A partir de sua alienação o homem produz a figura mais estranhada diante de si: o
dinheiro. O dinheiro passa, então, a ser aquilo que tem poder, que faz valer a vontade de
quem o possui, que pode trazer reconhecimento, beleza ou qualquer outra qualidade que o
homem careça. Os objetos estranhados, especialmente o dinheiro, passam a ter autonomia
diante do homem se contrapondo a ele; a criatura domina o criador, tornando-se hostil e
exercendo poder sobre ele.
Formalizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1999, o conceito
de Trabalho Decente propõe um novo paradigma na organização do trabalho. De acordo
com a OIT (2020a) o Trabalho Decente é uma forma de trabalho produtivo calcado em
condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana, sendo defendido como a
receita para superação da pobreza e da diminuição das desigualdades sociais, garantindo,
assim, a democracia e o desenvolvimento sustentável.
Tentativas de humanização das relações de trabalho - motivadas por compaixão
diante da forma como muitos trabalhadores executam suas atividades ou das consequências
que um trabalho superexplorado pode causar no trabalhador, em sua família, na sua
comunidade ou até como estratégia para dinamizar a economia – perpassam toda a história
e se tornam comuns a partir do advento da Revolução Industrial. Aqui nos interessa os
limites de tal perspectiva, tentando compreender como estratégias que focam as
consequências e não as causas do problema podem vir a se efetivar.
O conceito de Trabalho Decente, orientado por uma organização internacional que
atua em quase todos os países5, obviamente traz contribuições positivas em uma realidade
em que trabalhadores convivem cotidianamente com graus de aviltamento impressionantes.
De acordo com a OIT (2020b), em 2016 cerca de 40,3 milhões de pessoas eram vítimas de
algum tipo de escravidão moderna, desse total 71% (quase 29 milhões) eram mulheres. No
mesmo ano, a OIT estima que 152 milhões de crianças entre cinco e dezessete anos foram
submetidas ao trabalho infantil.
Números menos inquietantes, mas também preocupantes, são revelados sobre o
aumento dos salários. Segundo a OIT (2020c) o crescimento salarial no mundo passou de

5A Organização Internacional do Trabalho (OIT) mantém 40 escritórios pelo mundo e é integrada por 187
países, sendo composta por governos, representantes dos empregadores e dos trabalhadores.

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2,5% em 2012 para 1,7% em 2015. Se desconsideramos a China, nesse mesmo período
percebemos um crescimento de 1,6% para 0,9% respectivamente. Segundo os dados
apresentados pela OIT (2020d), os 20% dos trabalhadores com renda mais baixa,
correspondem a 650 milhões de pessoas e recebem o equivalente a 1% da renda global do
trabalho. A organização ainda sustenta que esse número praticamente não mudou nos
últimos treze anos.
Em uma conjuntura tão hostil com o trabalhador, compreendemos como positiva
qualquer tentativa política para reverter as condições atrozes do trabalho, porém nos atemos
às reais possibilidades de reformar uma realidade que se alimenta dos desatinos apontados
pela própria OIT. Assim, como pensar o trabalho produtivo de uma forma que se apresente
como Trabalho Decente? É possível alcançar níveis equilibrados entre remuneração e
intensidade da jornada de trabalho? É possível relacionar os pressupostos do Trabalho
Decente com os fundamentos que movem a realidade do capital?
Em artigo sobre o microtrabalho por plataformas, Rosenfiel e Mossi (2020) indicam
que a concepção de justiça que ampara o conceito de Trabalho Decente elenca quatro
princípios: a liberdade, a equidade, a segurança e a dignidade. Segundo as autoras, ao apontar
tais princípios nesta ordem, a definição de trabalho decente se furta de uma reflexão sobre a
relação e a hierarquia entre esses princípios. No atual contexto, em que as políticas neoliberais
vêm descontruindo as regulações institucionais que em cada país permitiriam relações de
trabalho mais dignas, torna-se necessário defender uma justiça que vá além do campo
socioeconômico e avance para uma dimensão moral. Portanto, diante das novas formas de
superexploração do trabalho, o respeito à dignidade humana ganha destaque, não cabendo
nenhum tipo de hierarquização que aloque a dignidade em posição que não seja de
proeminência.
Ao problematizar o papel do trabalho, somos levados a reconhecer sua importância
como formador e, simultaneamente, sobretudo no atual momento histórico, como
deformador. O trabalho não é só a atividade humana que cria o necessário para suprir as
carências humanas. No atual modo de produção, o trabalho alienado e estranhado é também
produtor de mercadorias e gerador de mais-valor. A lógica sobre a qual se organiza a divisão
do trabalho e que tem como pressuposto a propriedade privada dos meios de produção, cria

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as condições coativas que levam o indivíduo ao assalariamento. O desenvolvimento das
subjetividades e a realização pessoal no momento do trabalho são condicionadas pela
necessidade de se apresentar como sujeito produtivo dotado das capacidades necessárias para
garantir a valorização do capital. Sobre a exigência do trabalhador se apresentar como
produtivo, Marx nos lembra que tal determinação independe de qual setor do mundo do
trabalho nos referimos, uma vez que o trabalho produtivo é condição sem a qual o capital
não se valoriza

A produção capitalista não é apenas produção de mercadorias, mas


essencialmente produção de mais-valor. O trabalho produz não para si, mas para
o capital. Não basta, por isso, que ele produza em geral. Ele tem de produzir mais-
valor. Só é produtivo o trabalhador que produz mais-valor para o capitalista ou
serve à autovalorização do capital. Se nos for permitido escolher um exemplo fora
da esfera da produção material, diremos que um mestre-escola é um trabalhador
produtivo se não se limita a trabalhar a cabeça das crianças, mas exige trabalho de
si mesmo até o esgotamento, a fim de enriquecer o patrão. Que este último tenha
investido seu capital numa fábrica de ensino, em vez de uma fábrica de salsichas,
é algo que não altera em nada a relação. Assim, o conceito de trabalhador
produtivo não implica de modo algum apenas uma relação entre atividade e efeito
útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação de
produção especificamente social, surgida historicamente e que cola no trabalhador
o rótulo de meio direto de valorização do capital. Ser trabalhador produtivo não
é, portanto, uma sorte, mas um azar [...] (MARX, 2013a, p. 578)

Dessa forma percebemos como o conceito de Trabalho Decente, embora ocupe


um lugar nobre na cena mundial na luta por melhores condições aos que vivem da venda
da sua força e do seu tempo de trabalho, esbarra nos pressupostos impostos pela
realidade concreta.

5 PERCEPÇÕES SOBRE O TRABALHO

Quando compreendemos o trabalhador produtivo como aquele que garante a


reprodução e valorização do capital, indiferente de qual ramo atue, é importante não
deduzirmos que tal compreensão indica indiferença com a realidade concreta com a qual
cada trabalhador lida no seu cotidiano. Reconhecemos que nos momentos singulares em que
cada indivíduo se põe em ação para a realização de suas funções no trabalho, ele se relaciona
com o meio e com seus semelhantes de diversas formas. Tais relações podem tanto assumir

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um caráter abnegado em nome do cumprimento obediente às exigências do ambiente em
que se encontra, como também podem assumir um caráter de resistência, aberta ou velada,
onde os trabalhadores se organizam e se orientam no limite dos seus próprios interesses.
De acordo com Vázquez (2011), o homem comum e corrente é um ser social e
histórico embora sua própria cotidianidade também esteja condicionada histórica e
socialmente. O mesmo pode-se dizer da visão que tem da própria atividade prática. Portanto,
não devemos tomar acriticamente a visão que os próprios sujeitos têm de si e de suas
relações. Não negamos que subjetividades são criadas e modificadas concomitante ao ato de
trabalhar, o que apontamos é que, para além disso, em última instância, reconhecer a
centralidade do trabalho no modo de produção capitalista implica em reconhecer que no
exercício do trabalho, mesmo possa haver momentos de fruição, este é condicionado pela
necessidade de se alcançar os pressupostos do capital.
As contribuições de Vázquez (2011) sobre a práxis enriquecem a compreensão de
trabalho, pois além de entendê-lo como meio do sujeito atuar sobre a natureza, também o
percebe como meio de atuação sobre o próprio humano. A práxis, além de ser apontada
como atividade que um agente exerce sobre uma matéria-prima natural para modificá-la e
sobre produtos já modificados por uma práxis anterior, também é apontada como atividade
que permite ação sobre o ser humano, enxergando assim a sociedade como objeto da práxis
política ou revolucionária. Dessa forma, reforçamos a visão de que o trabalho não é só
mediação com a natureza, mas também mediação com outros seres humanos, permitindo a
construção dos meios materiais e espirituais da vida.
Importante destacarmos como algumas informações que revelam a visão dos
trabalhadores sobre suas próprias atividades podem chocar e criar desconforto em setores
que dependem da manutenção das atuais relações de trabalho. Em maio de 2013, em palestra6
apresentada em um evento da Associação Paulista de Supermercados, o consultor indiano e
professor de Harvard, Raj Sisodia, criou mal-estar nos presentes e repercussão midiática. O
professor apresentou dados levantados no mundo todo, pela empresa de pesquisa Gallup,
indicando que 72% das pessoas não gostam do próprio trabalho e, desse total, 18% são

6 https://valor.globo.com/carreira/recursos-humanos/noticia/2013/05/08/maioria-das-pessoas-nao-gosta-
de- seu-trabalho.ghtml acessado em 09/04/2020.

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considerados “ativamente desengajados”, definição usada para se referir aqueles que
chegaram ao ponto de serem capazes de sabotar a própria empresa. Quando uma autoridade
intelectual que é ouvida pela classe empregadora aponta que a maioria dos trabalhadores está
insatisfeita e que quase 1/5 pode ser considerada sabotadora em potencial, notamos a
expressão da contradição entre capital e trabalho tomando sua forma.
A concorrência e a competitividade, pressupostos do funcionamento do sistema
capitalista, obrigam que empresas se articulem para conseguir produzir ou entregar seus
serviços numa quantidade cada vez maior, com qualidade cada vez mais elevada, mas com
custos cada vez menores. Tal lógica é irracional do ponto de vista do bem-estar humano,
mas condição essencial para a sobrevivência de qualquer empresa que atue na economia de
mercado.
Outro exemplo sobre a preocupação que os empregadores têm com a questão do
trabalho se reflete em pesquisa7 divulgada em dezembro de 2017, pela qual o Instituto
Locomotiva apresentou os resultados de um estudo feito sob encomenda pelo Grupo LTM.
A intenção era demonstrar a forma como os trabalhadores enxergavam a reforma trabalhista
que começara a valer havia um mês. O estudo revelou que 87% dos trabalhadores com
carteira assinada temiam os efeitos da reforma, número que demonstra a preocupação com
as condições de trabalho e prova que a grande maioria não foi convencida pela massiva
campanha do Governo Federal, empenhada em persuadir os trabalhadores de que a reforma
era essencial e positiva.
Outro número trazido pelo levantamento do Instituto Locomotiva é sobre a
insatisfação dos brasileiros com seus empregos. Foi apontado que 56% dos entrevistados
estavam descontentes em suas respectivas empresas e, desse percentual, somente 8%
estariam mais descontentes com o salário do que com os tratamentos que recebem. Tal
constatação demonstra que para o empregado, além do salário, pesam outros fatores como
o reconhecimento, que pode ser efetivado através dos benefícios que a empresa concede, do
respeito nas relações do dia a dia etc.

7
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2017/12/11/trabalhador-com-carteira-assinada-teme-mudanca-
com-a-reforma-revela-pesquisa.ghtml

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Importante demonstrar que embora a insatisfação com a reforma trabalhista seja
altíssima e o descontentamento com o emprego também seja um fenômeno que afeta a
maioria dos trabalhadores, tais indicativos não revelam uma disposição dos trabalhadores
para se organizarem coletivamente em torno das associações de classe. De acordo com IBGE
(2019a) a taxa de sindicalização corresponde a 12,5% dos trabalhadores em 2018, o que
representa 11,5 milhões do total de 92,3 milhões, o menor número de sindicalizados desde
2012.
As constatações sobre a percepção de alguns trabalhadores sobre o mundo do
trabalho apontadas acima, nos autorizam a retomar mais uma observação sobre o fenômeno
do estranhamento dentro da ordem do capital. Marx aponta que o estranhamento não é
observado somente no resultado, mas também no ato da produção, dentro da atividade
produtiva, “Como poderia o trabalhador defrontar-se alheio (frend) ao produto da sua
atividade se no ato mesmo da produção ele não se estranhasse a si mesmo? [...]” (MARX,
2010, p. 82). O trabalho não é um elemento natural do ser humano, mas historicamente
desenvolvido como meio para solucionar contradições que o confrontam, portanto é o
momento de externalização do trabalhador, a mediação para sua efetivação com o mundo
externo. Ao reconhecer tal exteriorização dentro da ordem do capital, percebemos nas
palavras de Marx uma tradução do sentimento que pode ser apontado naqueles que não se
sentem realizados em seus empregos e, logo, não gostam do trabalho que exercem:

Primeiro, que o trabalho é externo (äusserlich) ao trabalhador, isto é, não pertence


ao seu ser, que ele não se afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele, que
não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia física e
espiritual livre, mas mortifica sua physis e arruína o seu espírito. O trabalhador só
se sente, por conseguinte em primeiro lugar, junto a si [quando] fora do trabalho
e fora de si [quando] no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando
trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é portanto voluntário, mas forçado,
trabalho obrigatório. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas
somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. Sua estranheza (Fremdheit)
evidencia-se aqui [de forma] tão pura que, tão logo inexista coerção física ou outra
qualquer, foge-se do trabalho como de uma peste. O trabalho externo, o trabalho
no qual o homem se exterioriza, é um de autossacrifício, de mortificação.
Finalmente, a externalidade (Äusserlichkeit) do trabalho aparece para o trabalhador
como se [o trabalho] não fosse seu próprio, mas de um outro, como se [o
trabalho] não lhe pertencesse, como se ele no trabalho não pertencesse a si
mesmo, mas a um outro [...] (MARX, 2010, p. 82-83)

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Essa interpretação do trabalho no contexto da ordem do capital evidencia a dimensão
do estranhamento e, portanto, aspectos negativos vinculados à atividade. Embora não faça
parte de nosso referencial teórico, frisamos que a abordagem proposta pela Ergologia tem
revelado que, numa ordem estranhada, o trabalho como atividade humana é também espaço
de fazer uso-de-si por si à medida que a atividade implica o sujeito com os seus valores numa
perspectiva que não se abstém da dimensão política.
A explanação de Marx vem no sentido de apontar que o estranhamento como
fenômeno histórico social no sistema capitalista cria as condições para que o trabalhador não
se reconheça no ato de produzir. Tal perspectiva nos esclarece sobre as condições gerais que
orientam o desenvolvimento e a renovação do modo de produção orientado pelo capital,
onde o trabalho é compreendido como meio e não como fim. Segundo Paro (1999), a
centralidade do trabalho se encontra na possibilidade de explicar a história e o
desenvolvimento social da sociedade, não representando, portanto, a razão de ser dela. Dessa
forma, o trabalho é compreendido como o meio de dar sentido a história, permitindo que se
perceba as possibilidades do homem poder usufruir da sua produção. Tal perspectiva nos
orienta para enxergar o papel do trabalho de uma forma que esclareça sua função histórica
sem se limitar a ver apenas virtudes no esforço dos trabalhadores.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos apontamentos feitos até aqui, consideramos que o trabalho é fator
central na vida do ser humano. Sem ele não há a possibilidade da vida social, pois somente
através dele garantimos a satisfação das carências materiais e espirituais. Fato que afasta a
hipótese de uma sociedade sem trabalho ou emancipada do trabalho, mas, ao mesmo tempo,
coloca a necessidade da superação da forma de trabalho atualmente predominante.
O modo como o trabalho se expressa na sociedade atual assume um caráter
estranhado, que afasta o sujeito da possibilidade de autorrealização no ato de produção da
vida e nos seus produtos. A contradição existente no trabalho – quando este se apresenta
como prática que simultaneamente é formadora e deformadora – nos coloca a questão de
como criar condições de plena satisfação dentro de um sistema que aliena o trabalhador dos

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meios necessários de produção da vida e, por consequência, produz atrofiamentos e
pauperismo.
Enfim, se a ordem econômica produz e reproduz as contradições indicadas, também
é correto reconhecer que a existência de tal ordem fornece as possibilidades que podem se
mostrar como saídas para sua superação, pois se o trabalho é fator ontológico do ser humano,
ou seja, desenvolvido historicamente, nada confirma que as tensões existentes atualmente,
que afastam o indivíduo singular do seu gênero, devam perdurar eternamente. Portanto, se
o atual modelo foi engendrado pelas contradições que movem os seres humanos na história,
sua infinitude, ou imortalidade, não deve ser tomada como imperativo.

Referências

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