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Nova Gestão N as últimas três décadas, o modelo desejável de


Administração Pública tem correspondido ao que
se convencionou designar por “Nova Gestão Pública”

Pública: (tradução de New Public Management; sendo também


denominado de new managerialism, entrepreneurial government,

Procura-se
post-bureaucratic administration, market-based public administration
e reinventing government). Assume-se que a máquina
administrativa não poderá continuar a estruturar-se e

Substituto a funcionar como antanho, segundo um paradigma


de burocracia que ajudou a consolidar o Estado de
Welfare, mas que já não se adequa às circunstâncias que
obrigam à revisão desse mesmo Estado: a globalização,
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ o imperativo da competitividade económica, a evolução
฀ ฀ ฀ ฀ tecnológica e as alterações demográficas, nomeadamente
o envelhecimento das populações, só para mencionar as
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mais evidentes.
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ A burocracia, concebida para garantir princípios de
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ legalidade, igualdade e a não arbitrariedade na decisão,
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ revelava-se pouco expedita na reacção ou antecipação
às mudanças e relativamente alheia às necessidades
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ dos cidadãos. Constituía-se como um entrave ao
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ desenvolvimento económico, ao desviar, para sua
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ manutenção e crescimento, recursos que poderiam ser
melhor aplicados noutros domínios. Consequentemente,
um pouco por todo o lado, encetaram-se exercícios de
inovação administrativa que tinham pontos em comum,
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mormente a exaltação da gestão como solução para a
transformação do sistema administrativo e, acima de
tudo, o pressuposto de que a privatização seria o garante
de uma melhor afectação dos recursos.
Professou-se a necessidade de maior autonomia de
decisão para os dirigentes públicos e de uma crescente
flexibilidade nos instrumentos de gestão, nomeadamente
na gestão financeira e na gestão de recursos humanos.
Esta maior autonomia só faria sentido se os próprios
organismos também gozassem de autonomia
gestionária, pelo que se advogava a “agencificação”
do aparelho administrativo, isto é, a transformação de
organismos da administração directa do Estado em
entidades com autonomia administrativa e financeira,
ou a criação ab initio dessas entidades, teoricamente mais
eficazes e libertas dos condicionalismos e pressões do
poder político. Paralelamente, ter-se-ia de assegurar uma
maior responsabilização pelos actos praticados, o que
justificou o incremento de mecanismos de controlo que
iam para além da verificação da legalidade, estendo-se
a uma avaliação do mérito. A avaliação de desempenho
das organizações, dirigentes e funcionários tornou-
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se essencial e os indicadores de gestão estendiam-se


da eficiência à eficácia, passando pela qualidade: a
necessidade de gastar com parcimónia o dinheiro dos
contribuintes, assegurando que os objectivos visados
na prossecução das actividades da Administração são
alcançados e que as referidas actividades correspondem
às expectativas dos cidadãos. O desenho organizacional
e processual da máquina administrativa poderia e
deveria ser transformado, utilizando o potencial das
tecnologias da informação e comunicação, tidas como
o motor da metamorfose do edifício burocrático
num ente mais amigável para a economia e para os
cidadãos. E, por fim, fazia-se a apologia de um Estado
que deveria tendencialmente condicionar de modo
residual a actividade económica dos agentes, limitando-
se, na medida do possível, a regular e a assegurar o
cumprimento das suas emanações legais.
Estes são os ingredientes principais de um caldo
“camaleónico” e, por vezes, paradoxal, que alastrou
o fenómeno da globalização à própria Ciência da
Administração Pública, ou seja, à ciência que tem por
objecto conhecer e explicar as organizações, processos e
actores da Administração Pública, através do seu estudo
sistemático, tendo por metas melhorar a prática vigente
e apurar a teoria.

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É difícil avaliar de modo preciso qual o impacto da ฀ ฀ ฀

Nova Gestão Pública, constatação baseada na dificuldade


em aceder a dados que permitam alcançar conclusões chegar a um entendimento acerca do impacto das
científicas sólidas: os estudos divulgados despoletam reformas sob os auspícios da Nova Gestão Pública e
dúvidas sobre a diferença entre o sucesso real da reforma concluiu que não existe uma correspondência linear
face ao sucesso politicamente construído, como lembra entre estas e aumentos de eficiência, eficácia, qualidade
um dos grandes nomes da Ciência da Administração ou flexibilidade nas organizações públicas. O autor realça
Pública, B. Guy Peters; além disso, revelam alguma que tal não implica a inexistência de casos em que esses
contenção no fornecimento de dados quantitativos que valores registaram melhorias, apenas não se poderá
fundamentem as opções tomadas; quando se recorre proceder a generalizações apressadas dos seus resultados,
à quantificação, adopta-se uma visão estreita dos sendo preferível perceber quais as condições favoráveis,
indicadores a considerar, tendente ao acolhimento de ou não, à sua introdução.
medidas de produtividade, mas esquecendo os custos da De qualquer modo, nem que seja do ponto de vista
transição ou os possíveis efeitos colaterais da mudança; simbólico, pode-se afirmar que a Nova Gestão Pública
e não se dá a devida relevância ao contexto da reforma foi um sucesso. As organizações internacionais e os
e às condições necessárias à eficácia da sua concepção e Governos abraçaram a retórica que a caracterizou e
implementação. tomaram decisões segundo os seus preceitos, e os
Recorrendo a estudos académicos, no pressuposto de académicos encontraram matéria apetecível para a
que estes ofereceriam um relato mais objectivo dos investigação e discussão inter pares.
exercícios de inovação, Christopher Pollitt, professor Na prática, também se registaram transformações, como
de Gestão Pública na Universidade de Lovaina, tentou atestam a venda de empresas públicas a privados, o
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A Nova Gestão Pública questionou muitos dos
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ axiomas em que a Ciência da Administração fundou
a sua existência. O exemplo mais flagrante reside
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ na recuperação que a Nova Gestão Pública faz da
universalidade da gestão: a boa gestão assenta em
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ princípios que poderão ser aplicados em toda e
qualquer organização, independentemente do sector
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ou país. A ser assim, qual a pertinência de existir uma
ciência dedicada ao estudo da organização e acção da
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ Administração Pública? Nada mais lhe restaria que não
a rendição aos encantos da Gestão e o reconhecimento
฀ ฀ ฀ ฀ da sua incapacidade para se impor com uma identidade
própria no panorama das Ciências Sociais. Porém,
฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ apesar do predomínio da Nova Gestão Pública e do
seu poder sedutor, muitos foram os autores da Ciência
INTER฀ da Administração que reagiram, recebendo o novo
paradigma com cepticismo e desconfiança, denunciando
aquilo que julgavam ser o seu principal erro: confundir a
gestão no sector privado com a gestão no sector público,
recurso ao outsourcing, às parcerias público-privadas, a sobretudo a gestão do sector público administrativo.
práticas de gestão semelhantes às adoptadas no sector Já em 1982, numa altura em que a Nova Gestão Pública
empresarial e a adopção de novas formas institucionais estava a dar os primeiros passos, Graham Allison,
que garantam uma maior autonomia de gestão. presidente da Kennedy School of Government (da
Ao nível da academia, os estudiosos da Ciência da Universidade de Harvard), uma das mais prestigiadas
Administração Pública começaram por analisar os escolas de Ciência da Administração e Políticas Públicas a
elementos centrais às políticas de inovação administrativa nível mundial, apresentou um artigo com um título em
seguidas em países como, para citar os que mais se forma interrogativa: “Public and Private Management: Are They
destacaram, o Reino Unido, os Estados Unidos da Fundamentally Alike in All Unimportant Respects?”. A resposta à
América, a Nova Zelândia e a Austrália, procurando questão, de acordo com Allison, é sim. E não está só. São
identificar a doutrina que lhes estava subjacente e que inúmeros os autores que aludem às diferenças entre a
poderia, de acordo com as organizações internacionais, gestão pública e privada.
constituir um mapa para a boa governação, a aplicar Entre as características específicas da gestão da
em todo e qualquer país, indiferente às especificidades Administração Pública mais apontadas, destaca-se a
político-administrativas. Em meados dos anos 90, submissão ao poder político, o que significa que a
reparou-se que este mapa não era seguido de modo gestão pública se traduz num conjunto de meios que
uniforme nos diferentes países, assistindo-se a uma visam prosseguir fins definidos formalmente no nível
selecção dos aspectos a adoptar em função da cultura, político. Há um contexto político e uma racionalidade
vontade política e tradição administrativa – triunfou a política que interferem necessariamente na gestão e
imagem de uma Nova Gestão Pública enquanto ementa que terão de ser contempladas nos modelos de gestão
global, porém com escolha local. Os primeiros anos a seguir. A Nova Gestão Pública tendeu frequentemente
do séc. XXI registaram uma outra mudança de foco, a omitir o elemento político e, quando não o fazia,
chamando a atenção para os resultados inesperados e tratava-o como um incómodo, recuperando tendências
efeitos colaterais da reforma. tecnocráticas típicas de uma concepção gestionária da
A evolução nos estudos académicos que acabei de Administração Pública, que teve grande desenvolvimento
descrever prenuncia a crise de paradigma sobre o no continente norte-americano. Incorre-se assim numa
modelo ideal de Estado e de Administração Pública a que falácia. A Administração Pública, bem como a sua gestão
actualmente se assiste. e reforma, serão sempre um assunto político, o que,
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por sua vez, suscita que a compreensão dos fenómenos veio destronar a Nova Gestão Pública reside na ideia
estudados pela Ciência da Administração Pública obrigue de que aquela foca sobretudo as novas implicações
à integração e análise do processo de decisão em de um Estado mais regulador e menos interventor,
contexto político. Emerge a urgência em se saber em que num mundo caracterizado por policy networks, em que
medida este contexto influencia os processos de decisão a eficácia governativa se mede pela capacidade do
e qual será, face ao enquadramento, a exequibilidade de aparelho administrativo incorporar o papel de mediador,
uma decisão racional, no sentido técnico. árbitro e catalisador, dentro do respeito por princípios
Além disso, a Administração Pública é um instrumento democráticos não redutíveis a valores meramente
ao serviço do Estado de Direito e, como tal, os princípios gestionários. Na corrida para o trono do paradigma
subjacentes a este deverão constituir o ponto de dominante, encontramos ainda um outro candidato, o
partida da sua análise. É discutível que valores como a New Public Service, concebido por Janet e Robert Denhardt,
legalidade, legitimidade, transparência, responsabilidade, um modelo que procura reabilitar a Administração
equidade e imparcialidade, possam ser sacrificados Pública e os funcionários públicos, colocando-os no
no altar gestionário da eficácia e eficiência, exaltado centro da relação do poder político-administrativo
pela Nova Gestão Pública. A gestão pública tem como com os cidadãos, desempenhando um papel educador
principal desafio encontrar equilíbrios em domínios e facilitador, conducente ao restaurar da confiança nas
sujeitos a uma potencial contestação e a um permanente instituições e seus actores e, consequentemente, a uma
escrutínio, pelo que não basta fazer a defesa da melhor democracia.
eficiência; há que saber conjugá-la, por exemplo, com a Quem ganhará? Em relação aos modelos não me
eficácia, a transparência e a accountability, reconhecendo a pronuncio, mas tenho a certeza de que a Administração
teia complexa de relações, interesses e valores em que se Pública e, em última análise, a comunidade, será a
desenrola a acção das organizações da Administração. vencedora, porque cada etapa percorrida na Ciência da
O progresso teórico na Ciência da Administração Pública Administração Pública é representativa de um maior
faz-se através de reacções sucessivas, e de natureza conhecimento da gestão na res pública, estimulando uma
intrinsecamente negativa, aos excessos da ortodoxia maior capacidade da máquina administrativa para agir ao
vigente, mediante uma rejeição das ideias reinantes e serviço de todos. x
da crítica às suas lacunas. A crise que actualmente
enfrentamos poderá ser o derradeiro incentivo para a ฀ ฀ ฀ ฀ ฀ ฀

substituição da Nova Gestão Pública por um paradigma


que acomode as especificidades da Administração
Pública, divulgando práticas de gestão conformes à
realidade que existe e não a defesa de modelos para a
realidade que deveria existir.
Há quem pense que esse novo paradigma já entrou
em cena e que se denomina Public Governance. A
argumentação de quem considera que a Public Governance

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