Você está na página 1de 50

História da Educação

Profa. Marisa Bittar


Professora Titular de História da Educação da Universidade Federal de São Carlos,
onde ensina e pesquisa desde 1993. Graduada em História, Mestra em Educação pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Doutora em História Social pela USP (SP).
Antes de ingressar na UFSCar foi professora do Departamento de História da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul. Atuou também como professora do ensino médio, princi-
palmente no período noturno, na cidade de Campo Grande (MS), onde iniciou a sua carrei-
ra profissional. É co-autora do livro Proletarização e sindicalismo de professores na
ditadura militar (1964-1985) e autora de diversos artigos em periódicos da área educa-
cional. Desde que ingressou na UFSCar ministra semestralmente a disciplina de História
da Educação, área de conhecimento na qual concentra as suas pesquisas.

Objetivos de A disciplina História da Educação tem como objetivo pro-


piciar aos alunos uma compreensão histórica sobre o
aprendizagem: processo de escolarização que surgiu desde as mais an-
tigas civilizações. Nascida como um privilégio de pou-
cos, ela só começou a se tornar um direito de todos no
século XIX, embora as iniciativas para isto tivessem co-
meçado no século XVI. Esse processo foi e continua sen-
do desigual, portanto, a finalidade da disciplina é forne-
cer aos alunos um panorama geral que se inicia nas civi-
lizações antigas até chegar ao século XX, destacando as
concepções e experiências mais significativas que con-
tribuíram para a expansão e democratização da escola
no mundo ocidental

Ementário: O ementário da disciplina terá como eixos: 1- O proces-


so de consolidação da escola como instituição social no
mundo ocidental; 2- As concepções de educação ao lon-
go da História; 3- A vida escolar, seus mestres, alunos e
método de aprendizagem ao longo dos séculos.

Visão geral da A disciplina tratará do processo histórico que instituiu a


escola no mundo ocidental. Começará com as experiên-
disciplina: cias educativas conhecidas desde a Antigüidade Clássi-
ca quando surgiu a primeira idéia de uma escola de Es-
tado, isto é, ministrada pelo poder público, no caso, a
cidade (polis). O eixo central será exatamente o estudo
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

do processo histórico que transformou a idéia de uma


2 escola de Estado em ações práticas, ou seja, na sua con-
solidação, processo este que só se completou no século
XX. A disciplina tratará das concepções de educação ao
longo desse período, focalizando especialmente as suas
abordagens sobre o conhecimento, o tratamento dispen-
sado à criança e ao professor.

Temas centrais:
Conteúdo da 1- A educação na Antigüidade clássica: Grécia e Roma
disciplina: 2- A educação nas sociedades medieval e moderna
3- A educação na Modernidade
4- A revolução Industrial e a educação no século XIX
5- O século XIX e as idéias pedagógicas
6- A educação no início do século XX
7- A expansão da escola pública na segunda metade do
século XX
8- A educação no final do século XX e início do XXI e o
sentido da escola hoje.

* Cada tema desses está desdobrado em sub-temas que


constam do mapa da disciplina.
Apresentando a disciplina

A disciplina de História da Educação inúmeras são as formas de se adquirir edu-


trata das primeiras formas de educação que cação, mas aqui nós nos ocuparemos da edu-
a humanidade conheceu até a atualidade. cação escolar.
Partimos do princípio de que todas as soci- Continuamos a construir a história
edades que existiram e existem, pratica- partindo daquilo que as gerações passadas
ram e praticam a educação, primeiramen- nos legaram; assim, a história da educação
te, no âmbito familiar. Entendemos por edu- prossegue em construção por aqueles que
cação todas as práticas destinadas a trans- hoje se dedicam a ela, mas que poderão
formar a pessoa, a fazê-la transitar de um melhor atuar se conhecerem o que já acon-
patamar para outro durante o seu processo teceu no passado. Conhecer o passado não
formativo. Nesse sentido, a educação deve garante que passemos a defender esta ou
visar sempre a humanização e a socializa- aquela idéia mais justa, mais generosa, ou
ção. Conforme adquiriu esse caráter de so- que nos engajemos em bandeiras políticas
cialização, a educação foi deixando de ser ou em práticas destinadas a democratizar
compreendida como um processo que ocor- a educação, mas compreender o por quê de
re exclusivamente no âmbito familiar. Foi chegarmos ao século XXI com os problemas
por essa razão que surgiu a escola. Sem es- e desafios que temos pela frente já é um
quecer que o processo educativo começa grande passo. Espero que a nossa discipli-
antes dela, toda a nossa disciplina estará na contribua para essa conquista.
centrada na compreensão de como a esco-
la, historicamente, se tornou uma institui-
ção do mundo ocidental e a educação um
direito de todos, sem distinção de classe
social. Nossa disciplina será centrada, prin-
cipalmente, na educação praticada nessa
instituição específica, que nasceu para
transmiti-la, mas sem desconsiderar que
outras práticas educativas acontecem fora
dela, e, muitas vezes, até com mais eficá-
cia. Em outras palavras: nos dias de hoje,
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

4
Reitor
Sumário
Prof. Dr. Oswaldo Baptista Duarte
Filho

Vice-Reitora Unidade 1. A Educação da Antiguidade ao Fim da Idade Média


Profa. Dra. Maria Stella Coutinho
de Alcântara Gil

Pro-Reitor de Graduação
1.1. Primeiras Palavras .................................................. 7
Prof. Dr. Roberto Tomasi 1.2. Problematizando o Tema ........................................... 7
Coordenação UAB-UFSCar 1.3. Texto Básico para Estudos ......................................... 8
Profa. Dra. Denise Abreu-e-Lima
Prof. Dr. Daniel Mill
1.4. Considerações Finais ............................................. 13
Profa. Dra. Valéria Sperduti Lima 1.5. Atividades de aplicação prática e avaliação .................. 14
Concepção e Produção Editorial
Prof. Dr. Daniel Mill
Unidade 2. Escola e pensamento pedagógico nos séculos XVII e
Profa. Dra. Valéria Sperduti Lima XVIII
Profa. Dra. Denise Abreu-e-Lima
Rodrigo Rosalis da Silva
2.1. Primeiras Palavras ................................................ 15
2.2. Problematizando o Tema ......................................... 15
2.3. Texto Básico para Estudos ....................................... 16
2.4. Considerações Finais ............................................. 22
2.5. Atividades individuais ............................................ 22
2.6. Estudos Complementares ........................................ 22

Unidade 3. O Estado burguês, as lutas sociais e a educação dos


séculos XVIII e XIX

3.1. Primeiras Palavras ................................................ 25


3.2. Problematizando o Tema ......................................... 25
3.3. Texto Básico para Estudos ....................................... 26
3.4. Considerações Finais ............................................. 36

Unidade 4. A Escola de Estado, as novas teorias e as novas práti-


cas educativas no século XX

4.1. Primeiras Palavras ................................................ 39


4.2. Problematizando o Tema ......................................... 39
4.3. Texto Básico para Estudos ....................................... 40
Todos os direitos reservados
4.4. Considerações Finais ............................................. 48
Proibida a reprodução total ou parcial
4.5. Estudos complementares ........................................ 49

UAB-UFSCar
Universidade Federal de São Carlos
Rodovia Washington Luís, km 235
13.565-905 São Carlos - São Paulo – Brasil
Tel.: (16) 3351 8420 www.uab.ufscar.br
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

6
Unidade 1
A Educação da Antiguidade ao Fim
da Idade Média

1.1. Primeiras pala- 1.2. Problematizando


vras o tema

Este texto trata das primeiras formas Você sabia que nem sempre a escola
de educação que as sociedades ocidentais utilizou a escrita como meio de aprendiza-
praticaram, especialmente gregos e roma- gem? Que a concepção que temos hoje de
nos, de quem herdamos princípios e idéias. escola é diferente do que pensavam os an-
Nas sociedades escravistas da Antigüidade, tigos e que houve um tempo no qual nem
a educação não era um direito de todos, mas mesmo havia separação dos estudantes por
sim, privilégio de poucos. Dessa forma, foi grupos etários? Bem, se isto lhe era desco-
de grande importância a primeira proposi- nhecido, certamente você sabia que nem
ção de uma escola de Estado. A partir daí, a sempre meninos e meninas puderam convi-
educação contou com defensores que a en- ver no mesmo espaço escolar, não é mes-
tendiam como um direito de todos, e aque- mo? Esta Unidade tratará de temas como
les que temiam a sua expansão por acredi- estes, procurando contribuir para que você
tarem que, ao se tornar de todos, ela seria compreenda que tudo isto foi e continua
rebaixada "ao nível das multidões", perdendo sendo um processo construído historicamen-
qualidade. Nesta Unidade percorreremos te, ou seja, que nem sempre existiu. Por
esse caminho até o século XVI quando, en- exemplo: como e quando surgiram as pri-
tão, ocorreram as primeiras iniciativas para meiras idéias sobre meninos e meninas fre-
a construção de uma escola estatal. É fun- qüentarem o mesmo espaço escolar? E a
damental compreender nesta Unidade: o expansão da escola para as camadas popu-
papel da escola; quem eram os mestres e lares, como e onde começou?
os alunos; como eram tratadas as crianças;
o que era importante aprender; e, ainda, o
processo de lenta institucionalização da es-
cola no mundo ocidental.
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

1.3. Texto básico para da como meio de aprendizagem, ela era


8 reservada para outros fins, como o registro
Estudos de acontecimentos importantes e épicos,
como as guerras, por exemplo. Por essa ra-
zão, mesmo entre os soberanos era comum
Desde que os homens passaram a vi- o não saber ler e escrever. Para suprir essa
ver em sociedade a educação esteve pre- necessidade, havia os escribas, tal como no
sente, ou seja, todos os agrupamentos hu- Egito Antigo. Ora, não sendo a escrita utili-
manos, em qualquer nível de seu desenvol- zada para fins escolares, a maneira de ad-
vimento, praticaram e praticam a educa- quirir o conhecimento ocorria por meio da
ção, primeiramente, no ambiente familiar. memorização. Nesse caso, as cantilenas ti-
Foi assim que aconteceu nas sociedades da nham um papel importante. Já a ginástica
Antigüidade, ou seja, aquelas que existem tinha função mais específica nessa socie-
há milênios antes do nascimento de Cristo. dade em que os jovens deveriam se exerci-
Dessa forma, educação não é o mesmo que tar para a guerra. Desse modo, os mestres
escola. Esta última é uma invenção da hu- mais prestigiados do início da história da
manidade no seu processo histórico para educação eram os de música e os de ginás-
difundir o conhecimento de forma sistema- tica.
tizada. A escola do alfabeto começou a ser
praticada na Grécia Antiga por volta do sé-
culo V a. C atraindo contra si a resistência
1.3.1. A educação nas socie- dos conservadores. Segundo eles, introdu-
zir a escrita na escola poderia resultar em
dades antigas: Grécia e Roma que os jovens negligenciassem a memória.
Era este o temor de Platão (427 a.C- 348
a.C). Ainda, segundo ele, a educação dos
As primeiras notícias que temos so- filhos da aristocracia não deveria conter
bre a escola nos mostram que só tinha di- qualquer aspecto prático no sentido de
reito a freqüentá-la os filhos das classes profissionalização, mas tão somente visar
sociais privilegiadas. Isto acontecia na a sua própria formação cultural. Aristóteles
Grécia Antiga, uma sociedade escravista na (384 a. C- 322 a.C), que viveu depois de
qual, para os governantes, existia um pro- Platão, não combateu a escrita com finali-
cesso educativo com objetivo de formar para dade escolar, mas herdou do mestre este
as tarefas do poder. Já para os trabalhado- outro princípio segundo o qual qualquer edu-
res, nenhuma escola, mas só o treinamen- cação com finalidade prática, isto é, que
to para o trabalho. Nessa sociedade, a con- visasse profissionalização, seria indigna de
cepção de educação que vigorou durante um cidadão. Só eram considerados cida-
milênios foi formulada pelo poeta Homero dãos: a) os homens; b) os não estrangei-
e depois incorporada pelos filósofos Platão ros; c) os proprietários. A educação com fi-
e Aristóteles principalmente. Ela previa dois nalidade prática não era digna do cidadão
momentos educativos na vida das crianças porque o trabalho numa sociedade
e jovens das classes sociais dominantes: o escravista era associado à condição de es-
fazer e o falar. O primeiro dizia respeito à cravo. Nesse sentido, para Aristóteles, no
guerra; o segundo, à política. Ou seja, os que diz respeito ao ofício dos mestres, por
indivíduos dessas classes eram guerreiros exemplo, quem ensinasse por dinheiro, isto
na juventude e governantes na velhice. Es- é, para receber um salário, era indigno, vil
ses dois momentos eram realizados apenas e mercenário. Para um homem livre, era
pelos componentes da classe dominante e a digno apenas ensinar a parentes ou a ami-
sua prática era entendida como necessária gos, mas vergonhoso ensinar por dinheiro.
para formar o homem omnilateral (comple- Interessante observarmos que o próprio
to). Portanto, poucos tinham esse privilé- Aristóteles praticou este princípio, pois ele
gio. Toda a educação deveria ter como ob- foi preceptor de Alexandre, o futuro rei da
jetivo o futuro exercício do poder. Essa Macedônia, a quem ensinou filosofia.
idéia, embora tenha sido preconizada há Nesse contexto histórico, o mestre de
mais de cinco séculos antes de Cristo, ain- bê-á-bá era o menos prestigiado, pois, na
da é muito presente na associação que se carreira educativa, tal como ensinar músi-
faz hoje entre saber e poder. ca e ginástica, ser mestre de retórica (filo-
Além da educação familiar, a forma sofia) também era importante. Vemos aqui
que primeiramente predominou na Grécia um aspecto que, na história da educação,
Antiga foi a ginástica e a música. Por que perpassou os séculos: na carreira docente
isto? Porque a escrita ainda não era utiliza- ainda hoje, pelo menos no Brasil, os pro-
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

fessores das primeiras letras, aqueles que que séculos mais tarde voltariam a influen-
exercem a importante tarefa de alfabetizar ciar toda a sociedade ocidental. 9
ainda não tiveram o seu trabalho devida- Antes de deixarmos a Antigüidade,
mente reconhecido. vale a pena observarmos como era a vida
Apesar de ser uma sociedade escra- nas escolas. Falemos um pouquinho do mé-
vista dividida em classes sociais antagôni- todo que era baseado na memorização e na
cas, foi na Grécia Antiga que surgiu a pri- repetição. A criança era tratada como um
meira idéia de uma escola de Estado e quem adulto, não existindo um método específi-
a defendeu foi o filósofo Aristóteles. Preo- co para a sua aprendizagem e quando ela
cupado com o bem comum da polis (a cida- não correspondia às expectativas do mes-
de-Estado), ele entendia que, se a finalida- tre, era comum o castigo físico, denomina-
de do Estado era única, isto é, propiciar o do por Manacorda (1989), autor do livro
bem comum, só uma educação igual para História da Educação: da Antigüidade aos
todos os cidadãos, a cargo do Estado e pú- nossos dias, de "sadismo pedagógico".
blica, seria capaz de atingir esse fim único. Mas, segundo este autor, as agres-
Assim, ele se posicionou contrário à educa- sões ocorriam também de alunos contra
ção privada, isto é, a cargo da família. Na mestres, especialmente se considerarmos
sua época, fim do século IV a. C, ele infor- que a maioria dos mestres de bê-á-bá era
ma que na maioria das cidades a educação de origem popular, escravos ou ex-escra-
era privada, mas mostra-se favorável a que vos. Nesse contexto, o pedagogo, a princí-
a educação fosse uma preocupação dos le- pio, era um escravo cujo trabalho consistia
gisladores, pois a responsabilidade de edu- em acompanhar a criança até o local de sua
car deveria ser pública e não particular como aprendizagem. A educação das crianças e
cada um fazia dando aos filhos a educação jovens seguia a seguinte trajetória a partir
que lhe agradasse. Ao defender esse princí- do século V a.C: primeiro os pais, depois
pio, Aristóteles o relaciona aos filhos dos nutriz (ama) e pedagogo; em seguida, a fi-
cidadãos, ou seja, para a classe social pro- gura do gramático (que ensinava o bê-á-bá);
prietária de terras e de escravos e que fos- o citarista (professor de música) e o
se nascida na cidade-Estado de Atenas. Além pedotriba (professor de ginástica); enfim,
disso, como sabemos, as mulheres também aos cuidados da cidade, a aprendizagem das
não tinham o direito de cidadania. Mas, leis, isto é, dos deveres e direitos do cida-
mesmo assim, foi uma concepção de enor- dão.
me valor para a história da educação, pois Você sabia que foi na Roma Antiga que
foi a partir dela que o princípio de escola surgiu a primeira iniciativa governamental
mantida pelo Estado, com finalidade cívica em favor dos mestres? No ano 6 a.C, na
(política) passou a fazer parte da preocu- ocasião de uma carestia, o imperador
pação de todos aqueles que se empenha- Augusto, ao expulsar de Roma, para poupar
ram para que o direito à educação se esten- alimentos, todos os estrangeiros e parte dos
desse a todos. escravos em serviço, excluiu dessa expul-
O modelo de educação grega, que são médicos e mestres.
depois foi incorporado pelos romanos, ti- Ainda na Roma Antiga, foi fixado o
nha como objetivo a formação do cidadão. primeiro salário estatal para uma cátedra
Por essa razão, dizemos que ela tinha um de retórica. Para termos uma idéia do grau
caráter político. Mas isto no sentido de que de prestígio das profissões, em 301 d.C,
na sociedade humana as pessoas atuam e um pedagogo recebia por cada criança, 50
vivem estabelecendo relações e, para denários mensais, o mesmo salário do mes-
Aristóteles, esse viver em sociedade deve- tre que ensinava o alfabeto; já o orador ou
ria buscar o bem comum, como já assina- sofista, 250 denários mensais por cada dis-
lei. Neste sentido é que a educação tinha cípulo; enquanto o advogado, recebia, por
caráter político. Quando Roma conquistou causa, 1000 denários.
a Grécia, acabou incorporando a sua cultu-
ra, e, com isto, o seu modelo de escola.
Isto nos mostra que, apesar de os romanos
terem sido vencedores na sua política
expansionista, a cultura do povo vencido
acabou prevalecendo. A partir de então essa
cultura passou a ser chamada de greco-ro-
mana. E foi por meio do imperialismo ro-
mano que as concepções filosóficas gregas
se tornaram comuns a todos os povos con-
quistados, permanecendo como princípios
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

1.3.2. Mosteiros e catedrais: go entre mestre e discípulo (tudo em latim),


10 mas cujas respostas deveriam ser exclusi-
as escolas cristãs da Idade vamente aquelas esperadas pelos mestres.
Média Para as transgressões e deficiências no es-
tudo, o de sempre: a correção do erro não
era realizada somente com palavras, mas
A transição da Antiguidade para a Ida- com chicotadas.
de Média se deu com a implantação do sis- O feudalismo e a cultura cristã ope-
tema feudal de produção e organização so- raram uma distinção no antigo binômio re-
cial, da consolidação do cristianismo e uma presentado pelo "dizer" e o "fazer", herda-
nova visão de mundo. Do ponto de vista da do da Antiguidade. Agora esses dois momen-
educação, passou a ser importante formar tos que haviam sido pensados para a for-
o cristão e não mais o cidadão. Por esta mação dos filhos da classe dominante es-
razão, a educação perdeu o seu caráter laico, tão separados, pois o primeiro (o saber) é
passando a ser ministrada pelos padres da exercício do clero e o segundo (governo),
Igreja Católica. Eram eles os poucos letra- dos nobres. Por essa razão surgirá, no mundo
dos em uma Europa quase toda analfabeta; medieval, uma educação cavaleiresca des-
dessa forma, todo o conhecimento ficou sob tinada a preparar para o "fazer" das classes
controle da Igreja, que determinava o que dominantes, a guerra.
podia e o que não podia ser lido, por exem- Muitos acreditam que a Idade Média
plo. O ensino da gramática tinha caráter foi o período das "trevas", mas se assim
instrumental, ou seja, era necessário co- fosse, como entender o nascimento da uni-
nhecer as letras apenas para ler as Sagra- versidade em pleno ano 1000? Pois foi numa
das Escrituras. Europa cujo comércio e vida urbana come-
O aspecto novo da pedagogia cristã çavam a se revigorar que a confluência en-
foi herdado da cultura judaica, da qual ela tre mestres (doutores) e clérigos vagantes,
descendia e consistia em não considerar a ou "goliardos" (estudantes que deixavam
educação um direito apenas dos filhos da temporariamente os mosteiros) deu origem
classe dominante. Por princípio, o cristia- à universidade. Portanto, uma das maiores
nismo não aceitou a antiga tradição que criações da história da educação ocidental
excluía as classes populares da instrução. aconteceu em plena Idade Média. As uni-
Mas isto em princípio, devemos frisar, pois, versidades, a princípio, eram simplesmen-
na prática, poucas delas chegaram à esco- te encontros entre as duas partes interes-
la. E que escola era essa? Ora, numa socie- sadas no conhecimento, uma corporação de
dade que vivia uma transição do escravismo estudantes e mestres funcionando no inte-
para o feudalismo e na qual a vida urbana rior das catedrais; portanto houve uma con-
declinava em favor das atividades no cam- tinuidade entre escolas episcopais (nas ca-
po (produção feudal), eram poucas as cida- tedrais) e universidades, que também nas-
des. Assim, dois tipos de "escola" foram ceram sob o poder da Igreja Católica. Era
predominantes: 1) nos centros urbanos, as ela que concedia, com exame prévio dos
catedrais, onde se ensinava o alfabeto e nas títulos de estudo, a autorização para ensi-
quais as crianças de classes sociais popula- nar (licença docente).
res, antes segregadas, passavam a apren- Os três primeiros campos de conhe-
der o alfabeto; 2) nos mosteiros (cenóbios), cimento que se constituíram em faculdades
longe da vida urbana e nos quais viviam as na Idade Média foram: artes liberais, me-
ordens religiosas, praticava-se a formação dicina e jurisprudência. Esta última, que ini-
para os próprios quadros da Igreja. Nesta cialmente continha apenas o direito roma-
última modalidade de educação, era fre- no ou civil, incluiu o direito canônico a par-
qüente que crianças de origem humilde, tir de 1140. Mais tarde, foi acrescentada a
escravas de ultramar, fossem resgatadas teologia. Assim, essas foram as quatro fa-
pelos mosteiros, além daquelas que lhes culdades típicas embora não exclusivas das
eram oferecidas pelos pais (chamadas universidades.
oblatos). Em ambos os casos, a educação Além das universidades, outra moda-
tinha caráter de aculturação, isto é, o seu lidade de ensino surgiu na Idade Média a
objetivo era formar o cristão. partir dos anos 1000: as corporações de ofí-
Quanto ao método, prosseguiu a en- cio. Seu nascimento está relacionado aos
fadonha didática da memorização, do novos modos de produção em que a relação
aprender de cor, acrescidos do ler baixinho, entre ciência e operação manual é mais
preferencialmente à leitura em voz alta. desenvolvida e a especialização é mais avan-
Grande parte do ensino efetuava-se de for- çada; para isto era necessário um processo
ma catequética, isto é, em forma de diálo- de formação no qual o simples observar e
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

imitar deixam de ser suficientes. Dessa for- repetidor, que morava em sua casa para
ma, tanto nos ofícios mais manuais quanto ensinar aos meninos. No final da Idade Mé- 11
naqueles mais intelectuais, é exigida uma dia, temos então uma variedade de mes-
formação que pode parecer mais próxima tres: mestres autônomos, mestres com
da escolar, embora continue a se distinguir monitores, mestres associados em coope-
dela pelo fato de não se realizar em um lu- rativas, mestres capitalistas que
gar não destinado a adolescentes, mas no assalariavam outros mestres, mestres pa-
trabalho, pela convivência de adultos e ado- gos por corporações, mestres pagos pelas
lescentes. Os adolescentes confiados por comunas. Essa variedade reflete uma esco-
seus pais a essas corporações - de sapatei- la de uma sociedade mercantil que começa
ros, joalheiros, padeiros etc - passavam a a ficar quase totalmente livre da Igreja e
ser aprendizes e ficavam sob total tutela do Império, vende a sua ciência, renova-a
dos mestres, devendo-lhes obediência ab- e revoluciona os métodos de ensino.
soluta durante os longos anos de aprendi-
zado do ofício. Surge assim um novo tipo
de aprendizagem em que trabalho e ciência 1.3.3. Humanismo e educa-
se encontram e que tende a se aproximar
da escola. Para Manacorda (1989), é o tema ção
fundamental da educação moderna que ape-
nas começa a delinear-se. Mas ele acres-
centa que, de todas as artes manuais, ape- Contemporaneamente a essa escola
nas a "cirurgia médica" e a arquitetura vie- de uma sociedade mercantil e de culturas
ram a se transformar em ciências e deram novas, originadas das relações mercantis de
origem à discussão sobre as relações entre produção, surge um movimento inovador,
ciência e produção, pois os demais campos, mas de cunho aristocrático, que dedica gran-
chamados pelos antigos de "artes sórdidas", de atenção aos problemas do homem e da
não sistematizaram a sua ciência. sua educação: o humanismo. Este movimen-
Essas duas novas modalidades de to filosófico que busca contato com os clás-
ensino surgidas na Idade Média, universi- sicos antigos, tinha aversão pela cultura
dades e corporações de ofício, lembram al- medieval e pela sua forma de transmissão,
guma distinção que ocorre hoje na educa- a escola. De suas críticas à escola medieval
ção atual entre ensino profissionalizante e ressaltamos a pedagogia contrária às pan-
aquele destinado a conquistar uma vaga na cadas, a necessidade de se ter em conta a
universidade? Pense sobre isto e procure natureza da criança no seu duplo sentido:
conhecer melhor o assunto. de considerar a sua tenra idade e de educá-
Ao lado das escolas paroquiais, la de acordo com a sua própria índole. Este
cenobiais, universidades e corporações de segundo tema, freqüentemente contra as
ofício, foram surgindo a partir do século XIII intenções de quem o invoca, se levado ao
os mestres livres, oriundos de uma socie- extremo, ou seja, o de ensinar apenas o
dade que vai se diversificando com o que a criança desejar, pode se prestar a uma
surgimento de mercadores e artesãos, que renúncia a educar, ou a uma subestimação
têm como centros de vida as cidades. Os do poder da educação. Por essa razão, me-
mestres livres são os novos protagonistas rece uma reflexão, especialmente se com-
da nova escola dessa camada social, o ter- pararmos a uma tendência atual em que
ceiro estado (burguesia). No início, com adultos abrem mão de qualquer caráter
exceção dos mestres elementares, isto é, diretivo da educação, deixando a criança
que ensinavam a ler e a escrever, o ofício submetida aos interesses da sociedade de
desses mestres era ocasional e ligado à pro- consumo.
fissão (de tabelião, por exemplo). Em se- Outros temas comuns aos tratados
guida, invadiram o campo tradicionalmen- pedagógicos humanistas são: a leitura di-
te reservado aos clérigos e alguns desses reta dos textos, inclusive os da literatura
mestres tornaram-se famosos. Essas esco- grega até então ignorada; o amor pela poe-
las eram livres nas grandes cidades, onde sia; uma vida comum entre mestre e discí-
os pais remuneravam os mestres e admi- pulo na qual os estudos são acompanhados
nistradas pelas comunas nas pequenas ci- de passeios, diversões, jogos e brincadei-
dades, onde o número limitado de alunos ras; uma disciplina baseada no respeito pe-
não permitia ao mestre viver com as cotas los adolescentes, que exclui as tradicionais
por eles pagas. Assim, a própria comuna lhes punições corporais. Em síntese: o
destinava um salário anual. Outro aspecto aristocratismo dessa corrente não exclui a
peculiar desse tipo de escola consistia em procura de uma pedagogia mais humana,
que cada mestre tinha um monitor ou que afaste o sadismo e o rigor tradicionais.
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

Mais adiante em nossos estudos sendo obrigação dos pais enviá-las, pelo
12 constataremos que algumas dessas idéias menos uma parte do dia, para aprender as
voltarão a estar presentes em outros pen- letras. Criticando enfaticamente os gover-
samentos pedagógicos, como na Escola nos, que gastavam tanto em espingardas,
Nova, por exemplo. estradas, caminhos e tantas outras coisas
desse tipo, para dar mais conforto às cida-
des, indagava por que não investir muito
1.3.4. A educação no século mais ou pelo menos o mesmo para a juven-
tude pobre? Pois, segundo ele, era necessá-
XVI: as reformas religiosas e rio que meninos e meninas fossem bem edu-
a escola cados e instruídos desde a infância. A alfa-
betização, neste caso, era importante para
que todos pudessem ler e interpretar as
No século XVI, já na transição para a Sagradas Escrituras. Mas não só.
consolidação do capitalismo, com o estabe- Criticando a escola de então, Lutero
lecimento de modos de vida mais munda- colocou acento na utilidade social da ins-
nos, no contexto do Humanismo, do trução, tentando conciliar o respeito pelo
Renascimento, e com a crise que a Igreja trabalho manual produtivo com o tradicio-
Católica vinha sofrendo internamente, nal prestígio do trabalho intelectual. Para
eclodirão movimentos reformistas que aca- tanto, evocava o exemplo do próprio Cris-
barão influenciando fortemente a educação to, que trabalhou de carpinteiro, e de Pedro,
resultando na expansão quantitativa da es- que trabalhou como pescador e era orgu-
cola. Esses movimentos, originados de uma lhoso de sua habilidade. Dessa forma, ele
profunda crise de religiosidade, resultaram toca na importante relação entre instrução
na cisão da Igreja organizada pelo cristia- e trabalho. Além disso, outro aspecto ino-
nismo, sendo que a partir de então, os cris- vador de sua pedagogia era a insistência
tãos reformados passaram a constituir as na obrigatoriedade dos pais de enviarem
suas próprias Igrejas, enquanto os demais seus filhos à escola, sem distinção entre me-
permaneceram sob a autoridade do papa, ninos e meninas. Ora, mas de que maneira
ou seja, na Igreja Católica Apostólica Ro- os pais deveriam cumprir tal obrigação se
mana, até então, a única que congregava quase não existiam escolas? A pregação de
todos os cristãos desde o fim do Império Lutero acabou forçando a autoridade impe-
Romano, no século V. Vamos conhecer ago- rial a assumir esta nova concepção de uma
ra as duas propostas de educação origina- escola pública para a formação dos cidadãos.
das dos movimentos religiosos: a da Refor- Em 1549, o imperador Carlos V decretou que
ma (também conhecida como Protestante) as escolas não deveriam ser negligenciadas,
e a da Contra-Reforma (isto é, da Igreja pois se tal acontecesse e elas se corrom-
Católica). Ambas podem ser consideradas pessem, inevitavelmente, as Igrejas e os
como as principais concepções de educação Estados estariam em perigo, portanto, era
que irão vigorar nos séculos seguintes e cuja preciso ter muito zelo em instituí-las. Esse
matriz nasceu no século XVI. decreto antecipa as iniciativas dos sobera-
nos iluminados do século XVIII defendendo
A Reforma e a escola que as escolas fossem mantidas pelo Esta-
do.
O movimento religioso mais vigoro- Desse modo, a Alemanha se adiantou
so que exerceu influência sobre a escola foi na tarefa de instituir escolas para meninos
o luteranismo no início do século XVI. De- e meninas, praticando a co-educação que,
pois de tentar uma reforma interna na Igre- em muitos países, como o Brasil, por exem-
ja Católica, à qual pertencia como monge plo, só veio a ser implantada no século XX.
agostiniano, Martim Lutero (1483-1546) foi Nas colônias de origem alemã instaladas no
duramente combatido pelo papado, acabou sul do Brasil, o princípio de Lutero foi ob-
rompendo com o catolicismo e criando a sua servado. Segundo esse princípio, quando se
própria Igreja na Alemanha. funda um agrupamento humano, duas ins-
Para ele, entre outras práticas, cada tituições devem ser imediatamente criadas:
cristão deveria ler e interpretar por si mes- a igreja e a escola.
mo a própria Bíblia. Para tanto, seria ne-
cessário traduzi-la para o alemão, mas, além A Contra-Reforma e a escola
disso, quem iria lê-la se a maioria da popu-
lação era analfabeta? Lutero passa então a Tão logo os ventos da Reforma co-
defender que todas as crianças, meninos e meçaram a agitar toda a Europa, a Igreja
meninas, deveriam freqüentar a escola, Católica tratou de tomar providências man-
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

tendo os dogmas questionados pelos refor- lonizadora de Portugal e chegaram na déca-


mistas e defendendo de forma intransigen- da de 1540. Inicialmente, eles tentaram al- 13
te a sua prerrogativa sobre a educação, que fabetizar os índios adultos com a finalidade
acabou envolvendo a condenação tanto das de catequizá-los, mas insatisfeitos com os
iniciativas alheias à extensão da instrução resultados, passaram a dirigir a sua ação
às classes populares como de toda inova- educativa para as crianças, os curumins.
ção cultural. Como alerta Manacorda, seria Observamos, assim, que enquanto a
errado subestimar todo o esforço realizado reforma luterana impulsionou a criação das
nos países católicos e, em particular, pela escolas mantidas pelo Estado, a Igreja Ca-
Igreja Católica nesse período, mas é preci- tólica, com a Companhia de Jesus, atuou
so reconhecer, porém, que os caminhos do para manter as escolas sob seu controle.
futuro são bem diferentes daqueles trilha- Podemos concluir, portanto, que o caminho
dos por eles. O que quis dizer o autor com do futuro na história da educação não foi
essa afirmação? Qual era o caminho do fu- trilhado pela Igreja Católica, pois este ca-
turo? Vamos tentar entender na medida em minho era o das escolas públicas estatais.
que conhecermos quais foram as propostas
e ações católicas para a educação, pois as-
sim teremos um parâmetro comparativo 1.4. Considerações
para concluirmos sobre qual das duas inici-
ativas estava no caminho do futuro. Finais
A orientação educativa da Igreja Ca-
tólica como resposta ao protestantismo foi
fixada pelo Concílio de Trento (1545-1564). Vimos, então, que a educação
Concílio é a reunião de bispos e doutores escolarizada nasceu com os povos antigos,
em teologia, que decidem sobre questões gregos e romanos, mas com objetivo de
de doutrina e de disciplina eclesiásticas. educar apenas as crianças e jovens da eli-
te. A primeira idéia de uma escola de Esta-
Em suas deliberações, o Concílio in- do nasceu na Grécia e foi defendida pelo
sistiu sobre os livros e a escola. Mas, na filósofo Aristóteles: para ele, a formação
verdade, a censura a livros vinha sendo pra- do cidadão não deveria ser realizada pela
ticada desde 1515, portanto antes de Lutero família, mas, sim, pela cidade (pólis) por-
começar o seu movimento. Além disso, ins- que só ela (poder público) poderia fornecer
tituiu os seminários destinados a educar uma educação igual para todos os cidadãos
religiosamente e a instruir nas disciplinas e garantir o bem comum, enquanto a cargo
eclesiásticas as novas levas de sacerdotes. da família seria realizada segundo as cren-
No programa de estudos dos jovens, as Sa- ças e valores de cada uma. Roma herdou
gradas Escrituras eram a principal aprendi- este princípio dos gregos e avançou em al-
zagem. À parte os seminários para a for- guns aspectos, como o do reconhecimento
mação do clero, o exemplo mais bem suce- dos mestres pelo Estado. Mas manteve o
dido de novas escolas para leigos foi o das mesmo método repetitivo de aprendizagem
escolas dos jesuítas, líderes na luta da Igre- e o chamado "sadismo pedagógico", ou seja,
ja católica contra o protestantismo. No fim as punições físicas. Já na Idade Média, com
do século XVI, mais precisamente em 1599, a consolidação do cristianismo, a educação
foi aprovado o plano de estudos da Compa- perdeu seu caráter político e cívico passan-
nhia de Jesus, o Ratio Studiorum, que re- do a ter função de aculturação: o importan-
gulamentou todo o sistema escolástico te passou a ser formar o cristão e não mais
jesuítico: a organização em classes, os ho- o cidadão. Embora o cristianismo, por prin-
rários, a metodologia e os programas de cípio, pregasse a não discriminação das cri-
ensino, a disciplina e até o modo de casti- anças pobres, a educação continuou sendo
gar, conforme previa a regra nº 40: "Ao pre- destinada a poucas crianças e adolescen-
feito [de estudos], deixe os castigos mais tes. Encerrando a nossa primeira Unidade,
severos ou menos costumados, sobretudo aprendemos que a expansão da escola co-
por faltas cometidas fora da aula, como a meçou na Europa com as reformas religio-
ele remeta os que se recusam a aceitar os sas, especialmente a luterana, que exigiu a
castigos físicos". Tudo foi minuciosamente freqüência de meninos e meninas nos ban-
previsto nesse plano para ser aplicado em cos escolares, sem distinção de classe. Esse
todas as escolas da Companhia, inclusive princípio forçou a iniciativa estatal a criar
nas do Brasil. e manter escolas sob sua responsabilidade,
Os primeiros mestres no Brasil foram colocando os países reformados à frente dos
os padres da Companhia de Jesus. Eles vie- católicos. O caminho do futuro (escola para
ram para cá juntamente com a missão co- todos) começava ali.
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

1.5. Atividades de tudo o mais e nos tornássemos santos per-


14 feitos, se negligenciássemos aquilo por que,
aplicação, prática e essencialmente, vivemos, a saber, cuidar
avaliação dos jovens? Em minha opinião, não há ne-
nhuma outra ofensa visível que, aos olhos
de Deus, seja um fardo tão pesado para o
Leia os textos abaixo e indique as mundo e mereça castigo tão duro quanto a
idéias pedagógicas contidas em cada um negligência na educação das crianças".
deles: (Lutero. Manifesto pela criação e manuten-
ção de escolas cristãs. In: Lutero. Educa-
A) Alexandre, o Grande (356-326 a. C), o ção e Reforma, p. 16).
heróico rei da Macedônia, que expandiu as D) "Uso do latim - Zele com diligência para
fronteiras do mundo grego do Egito à Índia, que se conserve em casa o uso do latim entre
foi educado na juventude pelo filósofo os escolásticos; desta regra de falar latim
Aristóteles. Alexandre foi instruído não só não haja dispensa, exceto nos dias feria-
nos princípios da ética e da política, mas dos e nas horas de recreio (...). Procure
também em cultos eleusinos [relativos à também que os nossos escolásticos, que
cidade grega de Elêusis] e órficos, os quais ainda não terminaram os estudos, quando
só eram transmitidos verbalmente para ga- escrevem cartas aos nossos, escrevam em
rantir-lhes o segredo. Alguns anos mais tar- latim. Além disso, duas ou três vezes ao
de, já em campanha na Ásia Menor, Alexan- ano, quando se festeja alguma solenidade,
dre soube que Aristóteles havia publicado como o começo do ano letivo ou a renova-
alguns textos que tratavam dessas matéri- ção dos votos, os nossos estudantes de fi-
as. Resolveu, então, expressar sua crítica losofia e teologia componham e exponham
ao mestre e escreveu-lhe em linguagem di- em público alguns versos" (Ratio Studiorum.
reta: "Aristóteles, saudações. Você não fez In: Leonel Franca. O método pedagógico dos
bem em colocar no papel e publicar aquelas jesuítas, p. 134).
doutrinas que me ensinou de viva voz. Que
vantagem terei eu sobre outros homens se
essas teorias nas quais fui treinado se tor- 1.5.1. Ativ idades
narem propriedade comum? Eu preferiria
exceder o resto da humanidade em meu
coletivas
conhecimento do que é melhor, do que na
extensão do meu poder". (Trecho de cor-
respondência citado por Plutarco, Vidas Pa- Assistam ao filme "O Nome da Rosa"
ralelas de Personagens Gregos e Romanos. e realizem um debate sobre a educação em
Penguin Classics, Londres, 1973, p. 259). um mosteiro medieval, observando a rela-
B) "Mas de todos os meios que já mencio- ção entre o mestre e um menino oferecido
nei, o mais eficiente para assegurar a es- (oblato) à Igreja. O que ele aprendia e como?
tabilidade da constituição, apesar de geral- Que conhecimentos eram importantes que
mente negligenciado, é a adaptação da edu- ele adquirisse? Em que medida o mosteiro
cação às formas de governo. Com efeito, era um centro de conhecimento?
não haverá utilidade alguma nas melhores
leis, ratificadas pela aprovação unânime
dos cidadãos, se estes não forem prepara- 1.5.2 Saiba mais
dos e educados dentro do espírito da cons-
tituição, ou seja, democraticamente se as
leis forem democráticas, e oligarquicamente
se forem oligárquicas, pois se um cidadão Leia mais sobre os temas desta Uni-
for discrepante, a cidade também sê-lo-á" dade consultando os livros disponíveis no
(Aristóteles. Política, p. 188) pólo. Além de História da Educação: da an-
C) "É realmente uma vergonha que tenha- tiguidade aos nossos dias (Mario Alighiero
mos de ser estimulados e incitados ao de- Manacorda), consulte História da Pedago-
ver de educar nossas crianças e de conside- gia, de Franco Cambi.
rar seus interesses mais sublimes, ao pas-
so que a própria natureza dever-nos-ia im-
pelir a isso e o exemplo dos brutos nos for-
nece variada instrução. Não há animal irra-
cional que não cuide e instrua seu filhote
no que este deve saber (...). E de que adi-
antaria se possuíssemos e realizássemos
Unidade 2
Escola e pensamento pedagógico
nos séculos XVII e XVIII

2.1. Primeiras Pala- 2.2. Problematizando


vras o tema

Nesta Unidade vamos estudar a rela- A educação ocidental durante os sé-


ção entre o desenvolvimento do capitalis- culos XVII e XVIII acompanha os traços ge-
mo e as mudanças que ocorreram na educa- rais da época, ou seja, ela está, como sem-
ção, principalmente a sua tendência à ex- pre, impregnada de elementos sociais e cul-
pansão para as camadas populares. É então turais do contexto histórico e, além disso,
que a escola começa a deixar de ser um di- determinada pelas circunstâncias da base
reito apenas da elite. Vamos perceber que econômica. Essa base econômica foi carac-
a intenção de tornar a escola uma institui- terizada pelo modo de produção capitalista
ção para todas as crianças e jovens, porém, que, desde o século XV, vinha se consoli-
não foi unânime, ou seja, houve resistên- dando na Europa. As sociedades européias
cia à extensão desse direito. Assim, é im- dessa época estavam completando a longa
portante que você perceba que o processo transição do feudalismo para o capitalismo
de construção de uma escola de Estado (para na qual se desenrolaram movimentos como
todos) foi conflituoso e tenso. Vamos co- as reformas religiosas, o renascimento cul-
nhecer esse percurso dando atenção aos se- tural, o mercantilismo, e a formação dos
guintes aspectos: as concepções pedagógi- Estados Nacionais. No âmbito de todos es-
cas da época e as primeiras iniciativas prá- ses movimentos históricos de longa dura-
ticas para a expansão da escola. ção a educação ganhou impulso para se ex-
pandir. Foi também nesse período que ocor-
reram as revoluções burguesas contra a clas-
se feudal, levando ao poder a burguesia,
classe economicamente dominante, que,
então, passa a edificar a construção do Es-
tado Nacional. Nesse contexto também ocor-
re a revolução industrial determinando uma
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

nova organização social do trabalho, con- cado por essas duas influências. Duas ex-
16 centrando os trabalhadores nas cidades, periências pedagógicas, portanto, transcor-
perto das fábricas, e, em conseqüência, reram de forma paralela e cada qual obser-
inaugurando novas formas de vida em soci- vando princípios distintos: a) as escolas
edade, com novos hábitos, nova organiza- católicas seguiram o Ratio Studiorum, isto
ção e, sobretudo, uma disciplina até então é, o método pedagógico dos jesuítas; b) as
desconhecida. O tempo passou a ter uma escolas dos países reformados adotaram
nova dimensão na vida das pessoas, pois a princípios das diversas religiões originadas
rotina do trabalho fabril, orientada por rí- a partir do início do século XVI, quando Lutero
gidas exigências, interferiu totalmente na rompeu com a Igreja Católica, mas a obra
sua forma de viver. que melhor sistematizou esses princípios foi
De que forma a educação foi influen- a Didática Magna, de Comenius.
ciada por esse processo? Por que a escola
passa a ser mais importante nesse contex-
to? Seria ela um requisito fundamental da 2.3.1. Duas experiências
sociedade urbano-industrial? Procure refle-
tir sobre essas questões estabelecendo um educativas, dois pensamen-
paralelo com a sociedade brasileira: no pas- tos pedagógicos
sado, quando o Brasil era agrário e rural, a
escola se constituía como necessidade de
todos? O Ratio Studiorum, aprovado em 1599
pela ordem dos jesuítas, previa regras ab-
solutamente compatíveis com o pensamen-
2.3. Texto Básico to escolástico, baseando-se principalmente
em Santo Tomás de Aquino e prescrevendo
para Estudos normas padronizadas de conduta em suas
escolas, aonde quer que elas se localizas-
sem. Desde o horário das aulas, a conduta
Inicialmente, lembremos que no sé- dos professores e dos alunos, a forma de
culo anterior haviam ocorrido as reformas argüir, a aplicação das sabatinas, até as
religiosas que promoveram uma fratura na questões de caráter mais filosófico, como,
Igreja Católica, até então hegemônica no por exemplo, a concepção de mundo que
campo cultural, no pensamento ocidental e deveria perpassar o ato pedagógico, esta-
na mentalidade. Este fato de extrema im- vam rigorosamente previstos nesse manu-
portância na história influenciou diretamen- al. Escrito em linguagem simples e clara,
te a educação, uma vez que ela vinha sendo foi o Ratio Studiorum que normatizou a ação
ministrada nos mosteiros e nas catedrais pedagógica jesuítica na época.
pela Igreja Católica. As reformas enfraque- A Igreja Católica de então estava fir-
ceram o catolicismo, mas, mesmo com a memente apegada ao propósito de preser-
fragmentação que aconteceu no seu interi- var a sua prerrogativa sobre a instrução,
or, a Igreja Católica continuou a ter presen- uma vez que ela era hegemônica nessa atu-
ça na educação: recordemos que a Compa- ação desde que o catolicismo se implantou
nhia de Jesus foi fundada exatamente para no Império Romano, portanto há mais de
propagar a fé católica, inclusive por meio dez séculos.
de escolas. Ao mesmo tempo, as Igrejas cri- Nos países que permaneceram cató-
adas com as reformas religiosas também licos, o Estado não interveio na educação,
passaram a desempenhar papel na educa- que foi ministrada por particulares e prin-
ção, principalmente a luterana, com a sua cipalmente pelas ordens religiosas. Entre
ênfase na obrigatoriedade da família envi- elas, continuou figurando no primeiro plano
ar seus filhos à escola. Desse modo, com- a Companhia de Jesus, ainda muito pode-
preendemos que durante este século, em- rosa no século XVII. Mas, ao lado dela, sur-
bora a tendência seja a crescente passa- gem outras ordens e instituições religiosas
gem da educação para o âmbito estatal, a dedicadas à educação, que dão caráter par-
religião ainda mantém a sua influência nela. ticular ao século e divergem, de certo modo,
A educação do século XVII, portanto, das anteriores, sobretudo da dos jesuítas.
ainda é marcada pela presença religiosa: de Nesta perspectiva, figura em primeiro
um lado, as escolas jesuíticas em toda a lugar a ordem dos Irmãos das escolas cris-
Europa e mesmo na colônia portuguesa ame- tãs, fundada em 1684 por João Batista de
ricana, o Brasil; de outro, as escolas dos La Salle (1651-1719) na França.A ela se de-
grupos religiosos reformados. O pensamen- veu a difusão da educação primária popu-
to educacional da época foi também mar-
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

lar, nos países católicos; e a idéia da for- mos".


mação de mestres com essa finalidade. Foi Mas essa seria uma obrigação ape- 17
ele também, segundo Luzuriaga (1980), o nas dos pais? O que teriam os conselheiros
criador da escola sem latim e do ensino gra- e as autoridades a ver com isso? É o próprio
tuito na França. Quando da morte de La Lutero quem responde, após cogitar sobre
Salle, a Ordem contava com quatro Escolas as razões que poderiam impedir os pais de
Normais, três escolas práticas, trinta e três cumprirem essa obrigação, dentre as quais
escolas primárias e uma de aperfeiçoamen- a falta de tempo e espaço por causa de ou-
to. As escolas da Ordem se estenderam pou- tras atividades e dos serviços domésticos:
co a pouco pela França e pela Europa e Amé-
rica nos séculos posteriores, e foram as mais "Por isso certamente caberá ao conselho e
às autoridades dedicarem o maior esforço
difundidas no campo do ensino primário,
à juventude. Sendo curadores, foram con-
como as dos jesuítas o eram no ensino se- fiados a eles os bens, a honra, o corpo e a
cundário. vida de toda a cidade. Portanto, eles não
La Salle escreveu o Guia das Escolas agiriam responsavelmente perante Deus e
o mundo se não buscassem, com todos os
cristãs no qual regulou minuciosamente o
meios, dia e noite, o progresso e a melhoria
funcionamento das escolas. Manacorda da cidade. Agora, o progresso de uma cida-
(1989) nos informa que a primeira parte de não depende apenas do ajuntamento de
desse Guia trata de "Os exercícios que se grandes tesouros, da construção de gran-
des muros, de casas bonitas, de muitos ca-
fazem nas escolas cristãs e a maneira como
nhões e da fabricação de muitas armas. (...).
se devem fazer"; a segunda é sobre "Os Muito antes, o melhor e mais rico progres-
meios para estabelecer e manter a ordem"; so para uma cidade é quando ela tem mui-
o sumário já nos diz muitas coisas: 1. a tas pessoas bem instruídas, muitos cida-
entrada na escola e o início das aulas (dis- dãos sensatos, honestos e bem educados".
ciplina e horários); 2. desjejum e almoço
(onde se fala pouco de comer e muito de Essa carta foi escrita em 1524. Anos
oração); 3. as lições; 4. a escrita; 5. a arit- depois, em 1530, também na cidade de
mética. O autor esclarece que "lições" sig- Wittenberg, Lutero escreveu Uma prédica
nifica ensino do ler. Quanto à disciplina, para que se mandem os filhos à escola, li-
segundo ele, confunde-se com o chicote. vrinho dedicado a Lázaro Spengler, um dos
Cinco golpes no traseiro nu eram previstos responsáveis pelos avanços no sistema es-
nas correções ordinárias como nas extraor- colar de Nürnberg. Assim como seis anos
dinárias. Pelo que consta, as punições eram antes, ele não teve por objetivo desenvol-
uma das principais causas das ausências e ver uma teoria educacional, mas estimular
do abandono da escola. a sociedade a empenhar-se por uma educa-
Quanto ao pensamento pedagógico ção formal para todas as crianças: meninos
dos reformados, observemos alguns e meninas.
excertos de cartas e exortações de Lutero. Observamos por esses excertos que
Em uma carta de 1524 aos conselheiros de o papel da cidade, isto é, do poder público,
todas as cidades da nação alemã, escreveu era fundamental para o sucesso da propos-
o então padre agostiniano: ta educacional de Lutero e por essa razão
dissemos anteriormente que ela estava
"Caros senhores, cada ano gasta-se tanto muito mais direcionada para o futuro do que
em espingardas, estradas, caminhos, diques a proposta da Companhia de Jesus.
e tantas outras coisas desse tipo,para dar
Já no século XVII, seguindo a tendên-
a uma cidade paz e conforto; mas por que
não se investe muito mais ou pelo menos o cia reformista, surge Jan Amos Comenius,
mesmo para a juventude pobre e necessi- em cuja obra sintetiza-se o velho e o novo
tada, de modo que possam surgir entre eles da pedagogia.
um ou dois homens capazes, que se tornem
mestres de escola?"
Anotações
Comenius (1592-1670)
Sobre a educação como dever dos
pais, Lutero escreveu: No livro História da educação e da
pedagogia, escrito por Luzuriaga (1980),
"De que adiantaria se tivéssemos e fizésse-
mos e fôssemos todos santos, mas deixásse- lemos que Comenius, nascido na Morávia,
mos de fazer aquilo que é a razão principal em 1592, foi o maior educador e pedagogo
de nossa existência: a educação da juven- do século XVII. Comenius é a forma latina
tude? Em minha opinião, nenhum pecado ex-
do nome tcheco Komensky, que significa
terior pesa tanto sobre o mundo perante
Deus. Nenhum pecado merece castigo maior habitante de Komna, localidade de onde era
do que justamente aquele que cometemos originária a sua família. Quem foi, afinal,
contra as crianças, quando não as educa- esse grande nome do pensamento pedagó-
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

gico moderno? Na universidade, foi influ- ria ser precedida por uma reforma escolar.
18 enciado pelo pensamento de Bacon e Ratke E mais: fora dessa reforma, seria verda-
(empirismo). Embora não fosse alemão nem deira perda de tempo querer reformar as
mesmo luterano, pois pertencia a uma sei- demais coisas.
ta evangélica reformada cujas origens pro- Para Luzuriaga (1980), Comenius foi
vinham da pregação de Jan Huss, absorveu o fundador da didática e, em parte, da pe-
do mais avançado luteranismo alemão a dagogia moderna. Mas foi, ainda, um pen-
consciência da necessidade de profundas sador, um místico, um reformador social.
reformas didáticas. Durante a Guerra dos Para ele, seu nome figura ao nível dos de
Trinta Anos (1618-1648), peregrinou de um Rousseau, Pestalozzi e Froebel, isto é, dos
lado para outro até encontrar asilo na maiores nomes da educação e da pedago-
Polônia. Foi ali que pôde se dedicar inteira- gia ocidental. Na mesma linha, para
mente ao ensino e escrever algumas de suas Manacorda (1989), ele foi utópico, não um
obras principais, tais como Janua revolucionário: estava pleno de saudosis-
Linguarum (Pórtico das Línguas) e Didática mos medievais. Foi um grande
Magna: Tratado da arte universal de ensi- sistematizador, que chegou um pouco atra-
nar tudo a todos. Seus trabalhos chamaram sado, quando o mundo já havia mudado
a atenção do mundo contemporâneo, espe- mais do que ele pensava (a começar pelo
cialmente do Parlamento inglês que, em latim, que estava em desuso).
1641, convidou-o para ir a Londres aplicar Já para Abbagnano (1981), o funda-
suas idéias; mas as dificuldades impediram- mento da pedagogia de Comenius é essen-
no. Esteve na Suécia, na Hungria, onde pu- cialmente religioso, de uma religiosidade
blicou outras de suas obras, e voltou à ardente e aberta, que acolhe em si e funde
Polônia. Entretanto, por força da guerra ao mesmo tempo os motivos humanístico-
entre Suécia e Polônia, finalmente dirigiu- renascentistas mais fecundos e a nova men-
se a Amsterdam, onde encontrou asilo, talidade científica baseada em Bacon. Ele
como tantos refugiados europeus. Ali publi- realça a determinação de Comenius em de-
cou, em 1657, edição completa de suas fender escolas de massa de preferência às
obras e ali faleceu aos 78 anos, em 1670. escolas de elite: de fato, Comenius se in-
daga "Como pode um só professor ser sufi-
A reelaboração de toda a enciclopé- ciente para qualquer número de alunos?" E
dia do saber e a sua sistemática adequação responde: "Não só afirmo que é possível que
às capacidades infantis são o grande tema um só professor ensine algumas centenas
da pedagogia de Comenius. Expressando de alunos, mas sustento que deve ser as-
uma concepção de educação como instru- sim, pois é muito mais vantajoso para o
mento de uma reforma de toda a condição professor e para os alunos" (Didática Mag-
humana, ele propõe uma escola para a vida na, p. 279).
toda, que, dividida em graus, ensinasse Abbagnano (1981) realça também a
tudo a todos totalmente. Seu projeto, ini- confiança no método que segue a natureza,
cialmente livresco, foi se enriquecendo de isto é, um método intuitivo baseado na vi-
temas práticos, a experimentação concreta são direta dos objetos ou das suas imagens.
das coisas, inclusive com a sugestão para Para ele, Comenius não é o precursor da es-
se freqüentar os estaleiros navais e até os cola ativa, na qual a criança experimenta
lugares de comércio e de Câmbio, visando ela própria, inventivamente, mas é o pre-
não só pensar e falar, mas também agir e cursor da escola das "lições de coisas", do
negociar. No plano da prática didática, é "método objetivo", dos materiais didáticos
mérito de Comenius a pesquisa e a valori- os mais aperfeiçoados possível. E talvez das
zação de todas as metodologias que hoje experiências executadas diretamente pelo
chamaríamos de ativas e que desde o professor. E conclui dizendo que isto não é
humanismo começaram a ser experimenta- pouco, mas chama a atenção para a discre-
das, especialmente a elaboração de um pância entre a crença no método objetivo e
manual ilustrado a fim de que junto com as nas "lições de coisas" e a sua obsessiva con-
palavras chegassem às crianças, senão as fiança na organização escolar, que o faz so-
coisas, pelo menos as imagens das coisas. nhar com uma espécie de escola-relógio e
Entre seus numerosos escritos, cons- que estaria em contraste com os louvores
tam desde a didática das línguas e das ci- que tece à capacidade de iniciativa. A con-
ências, como a organização das escolas, ou clusão do autor é a de que a justificativa
o plano ambicioso de uma reforma geral da para tal organização estava justamente na
sociedade partindo da reforma escolar. So- sua defesa da escola para todos. De todo
bre este último aspecto, postulou que uma modo, esses traços que revelam contrastes
profunda reforma de todas as coisas deve- em seu pensamento exemplificam a sínte-
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

se do velho e do novo na sua pedagogia. "As lamentações de muitos e os próprios fa-


Excertos da obra Didática Magna: Tra- tos atestam que são poucos os que trazem 19
da escola uma instrução sólida, e numero-
tado da arte universal de ensinar tudo a to- sos os que de lá saem apenas com um verniz
dos, publicada em 1657, que é composta de ou uma sombra de instrução. Se procurar-
33 pequenos capítulos escritos de forma mos as causas disso, encontramos duas: ou
porque as escolas, descurando as coisas
muito clara e precisa.
mais importantes, se ocupam de banalida-
des e de frivolidades; ou então porque os
No capítulo intitulado Nas escolas, a alunos, tendo passado a correr por cima de
formação universal Comenius defendeu a muitas matérias, mas não se tendo detido
demoradamente em nenhuma delas,voltaram
famosa tese que diz "Importa agora demons-
a desaprender aquilo que haviam aprendi-
trar que, nas escolas, se deve ensinar tudo do. (...).Mas haverá remédio para este mal?
a todos. Isto não quer dizer, todavia, que Sem dúvida, se, introduzidos de novo na
exijamos a todos o conhecimento de todas escola da natureza, investigarmos por que
vias ela produz criaturas de longa duração.
as ciências e de todas as artes (sobretudo
(...). Conseguir-se á isso: I. Se não se estu-
se se trata de um conhecimento exato e pro- dar senão assuntos que virão a ser de sóli-
fundo). Com efeito, isso, nem de sua natu- da utilidade; II. E se todos esses assuntos
reza é útil, nem, pela brevidade de nossa forem estudados sem os separar; III. E se
todos eles repousarem em fundamentos só-
vida, é possível a qualquer dos homens.
lidos; IV. E se esses fundamentos mergulha-
(...). Pretendemos apenas que se ensine a rem bem fundo; V. E se, depois, todas as
todos a conhecer os fundamentos, as razões coisas não se apoiarem senão sobre esses
e os objetivos de todas as coisas principais, fundamentos; VI. Se todas as coisas que
devem ser distinguidas forem minuciosa-
das que existem na natureza como das que
mente distinguidas; VII. Se todas as coisas
se fabricam, pois somos colocados no mun- que vêm a seguir se baseiam nas que estão
do, não somente para que nos façamos de antes; VIII. Se todas as coisas que têm en-
espectadores, mas também de atores" tre si uma relação estreita, se mantêm cons-
tantemente relacionadas; IX. Se todas as
(Comenius, Didática Magna: Tratado da arte
coisas forem ordenadas em proporção da
universal de ensinar tudo a todos, p. 145- inteligência, da memória e da língua; X. Se
146). todas as coisas forem consolidadas com
exercícios contínuos" (p. 249-250).
No capítulo As escolas podem ser re-
formadas, lemos:
2.3.2. A renovação pedagó-
"Prometemos uma organização das escolas,
através da qual: I. Toda a juventude (exceto gica no século XVII
a quem Deus negou a inteligência) seja for-
mada; II. Em todas aquelas coisas que po-
dem tornar o homem sábio, probo e santo;
III. Que essa formação, enquanto prepara- Conquanto a religião ainda exerces-
ção para a vida, esteja terminada antes da se forte influência na educação, foi preci-
idade adulta,; IV. Que essa formação se faça samente nesse século que começou a reno-
sem pancadas, sem violências e sem qual-
vação pedagógica inaugurando o que hoje
quer constrangimento, com a máxima deli-
cadeza, com máxima doçura e como que chamamos de pensamento pedagógico mo-
espontaneamente; V. Que todos se formem derno. E mesmo a pedagogia de Comenius,
com uma instrução não aparente, mas ver- fortemente inspirada na religião, como vi-
dadeira, não superficial, mas sólida; ou seja,
mos, está na base dessa renovação, uma
que o homem, enquanto animal racional, se
habitue a deixar-se guiar, não pela razão vez que também continha elementos inova-
dos outros, mas pela sua, e não apenas a ler dores, como o aprendizado pela observação
nos livros e a entender, ou ainda a reter e das "coisas".
recitar de cor as opiniões dos outros, mas
Que fatores determinaram essa re-
a penetrar por si mesmo até o âmago das
próprias coisas e a tirar delas conhecimen- novação pedagógica, afinal? Ora, nada mais
tos genuínos e utilidade; VI. Que essa for- nada menos do que os novos problemas sur-
mação não seja penosa, mas facílima, isto gidos no campo educativo, os quais, por sua
é, não consagrando senão quatro horas por
vez, tinham origem nas transformações es-
dia aos exercícios públicos e de tal maneira
que um só professor seja suficiente para truturais que já mencionamos. Esses novos
instruir, ao mesmo tempo, centenas de alu- problemas exigiram novos métodos peda-
nos, com um esforço dez vezes menor que gógicos que não deixavam de estar
aquela que atualmente costuma dispender-
embasados nos métodos novos, rigorosos e
se para ensinar cada um dos alunos" (p. 163-
165)
fecundos da própria filosofia.
Essencialmente, os novos problemas
Já em Fundamentos para ensinar e apren- do campo educativo vinham se delineando
der solidamente encontramos o seguinte: desde as reformas religiosas, que ocasio-
naram uma nova situação educativa, con-
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

forme mencionáramos anteriormente: o Depois de Morus, as utopias tiveram


20 surgimento das escolas populares, as quais grande desenvolvimento, como em Rabelais,
impulsionaram as escolas humanísticas (mé- por exemplo, e no início do século XVII ou-
dias). Escolas profissionais, propriamente, tras do gênero dispensaram grande espaço
não existiam na Europa. Lutero havia su- à educação, especialmente a Cidade do Sol,
blinhado a importância e a dignidade do tra- de Tomás Campanella (1568-1639), e a Nova
balho e considerava necessário que jovens Atlântida, de Francis Bacon. Os cidadãos da
de origem modesta aprendessem um ofício, Cidade do Sol criticam fortemente o ensino
mas acreditava que, para isto, bastava a "servil" da gramática e da lógica
iniciativa familiar. Quanto às escolas clás- aristotélicas; no lugar dessas coisas mor-
sicas, freqüentada pelos filhos da burgue- tas, ensinam as ciências, a geografia, os
sia e da pequena nobreza, faltava o ensino costumes e as histórias pintadas nas pare-
das ciências, geografia, história etc. Como des da cidade. Conforme analisou
escreveu Abbagnano (1981), o mundo das Manacorda (1989), trata-se de uma das pá-
indústrias e do comércio, sobre os quais a ginas mais profundas e inovadoras da his-
burguesia construía as suas fortunas, não tória da educação. A universalidade do con-
penetrava de fato nas suas escolas. Ora, teúdo da instrução, o seu caráter moderno
mas se os progressos técnicos nos vários e científico, a didática revolucionária, a
campos (navegação, artilharia, fortifica- articulação da instrução com o trabalho, a
ções, tecelagem, imprenssa etc) eram re- importância do trabalho agrícola, sempre
ais e estavam ligados aos progressos na marginalizado na reflexão dos filósofos e
geografia, na cosmografia, na astronomia, pedagogos, o reconhecimento da nobreza do
na mecânica, na óptica etc, acabamos con- "fazer" são motivos que revolucionam a tra-
cluindo que havia uma defasagem entre a dição pedagógica.
instrução corrente e as exigências da ciên- Outro grande protagonista, bem mais
cia e da vida econômica que não escapava moderno, foi Bacon (1561-1626), cuja crí-
às críticas "realistas", isto é, de um ensino tica sobre os erros tradicionais, a insistên-
com base empírica, menos verbalístico. cia sobre a experiência concreta e a pes-
Essas críticas, em momentos de crise como quisa sobre uma nova classificação das ci-
o século das reformas, tinham caráter utó- ências são ainda válidas. Bacon idealiza uma
pico, aém disso, a sátira também foi um "Casa de Salomão", dedicada "ao estudo e
estilo freqüente. De acordo com Manacorda à observação das obras e das criaturas de
(1989), François Rabelais (1494-1553), por Deus", para a qual evoca uma passagem da
exemplo, lançou a sua polêmica contra a Bíblia, uma academia colocada no centro da
velha escola, associando sátira e utopia. Em "cidade ideal" do filósofo inglês, uma espé-
sua obra sobre este tema, ele imagina li- cie de "grande instituto de pesquisa cientí-
vrar seu personagem do entulho das velhas fica", de acordo com Franco Cambi (1999).
noções ministrando-lhe uma grande dose de Sua imagem de uma nova sociedade é re-
purgante. Livre desse entulho, ele recebe- volucionada por três grandes invenções, -
ria uma educação humanística, voltada aos imprensa, bússola e pólvora para tiro -, que
cuidados da mente e do corpo, rica de co- condicionaram a difusão da cultura à explo-
nhecimentos teóricos e de práticas sobre ração e conquista de novas terras. É a futu-
os ofícios, as indústrias, as ciências "re- ra sociedade industrial, na qual ciência e
ais", as línguas clássicas, o direito e a mo- técnica predominam e mudam o mundo.
ral, sem excluir o trabalho manual. Este era Nesta última utopia do Renascimento, ain-
o programa de estudos proposto por da segundo Cambi (1999), o que é valoriza-
Rabelais. Já Thomas Morus (1478-1535), o do não é tanto a temática da liberdade e de
primeiro autor do gênero, quando idealizou uma harmoniosa formação espiritual, mas
a sua utopia, falava de um lugar inexistente um eficiente progresso tecnológico. Este
onde deveria haver uma instrução para o autor assinala, ainda, que foi neste século,
trabalho agrícola e artesanal: "Ocupação contraditório e cheio de tensões, marcado
comum a todos é agricultura (...) todos pela revolução cultural e educativa do
aprendem durante a meninice, parte na es- humanismo, pelas tensões da Reforma e da
cola, onde se ensinam seus preceitos, par- Contra-Reforma, pela crise da tradição
te nos campos próximos às cidades (...) escolástica, assim como pela revolução bur-
além da agricultura (...), onde cada um guesa e pela ascensão do Estado centrali-
aprende um ofício, uma arte, de acordo com zado, que "a escola também foi se renovan-
sua inclinação". Além disso, preconizou o do profundamente e assumindo a feição da
ensino das ciências na sua própria língua, escola moderna: minuciosamente organiza-
ou seja, estabelecendo uma polêmica con- da, administrada pelo Estado, capaz de for-
tra o latim. mar o homem-cidadão, o homem técnico, o
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

intelectual, e não mais o perfeito cristão ma foi se concretizando com a primeira ins-
ou o bom católico, como ocorria ainda na tituição, em 1642, de escolas de vila 21
escola do século XVI, quase toda nas mãos (Dorfschulen) no estado de Gotha. Essas
da Igreja" (Cambi, p. 305). Adiante vere- mesmas escolas de vila foram instituídas
mos que essas tendências se aprofundaram no estado da Prússia, em 1717. Depois, fo-
a partir do século XVIII, especialmente a per- ram implantadas as escolas científico-téc-
manência da escola no centro da vida dos nicas em Berlim, em 1747.
Estados modernos, processo que não foi Em síntese, essas iniciativas, espe-
totalmente realizado sem conflitos e lutas. cialmente na Alemanha, são as premissas
Que papel assumem as tradicionais políticas do sistema moderno de instrução
instituições educativas no século XVII? Ve- estatal obrigatória, orientado para os estu-
jamos: a família se torna cada vez mais o dos científico-técnicos. A Prússia de
lugar central da formação moral; a escola Frederico II e a Áustria de Maria Teresa e
se renova por meio do colégio, das classes de José II serão, nesse campo, em nome do
organizadas por idade, da socialização dos despotismo esclarecido, os pioneiros.
programas e dos métodos, da moderniza-
ção dos currículos; a Igreja se organiza cada
vez mais como espaço educativo e instruti- 2.3.3. Saiba mais
vo, desenvolvendo uma função social cada
vez mais extensa. De acordo com o mesmo
autor, "outra instituição educativa e
deseducativa" será, depois, a fábrica, que Wolfgang Ratke (1571-1635): elaborou um
veio transformar a mente do trabalhador, a ideal de formação que apóia sobre três pi-
sua ideologia, a própria consciência de lares (graça, natureza, línguas) e exprime
si,vindo a desenvolver uma função de 'for- uma coerente formação humana cristã. Na
mação'" (Cambi, História da pedagogia, sua obra Memoriale (1612) defende que deve
1999, p. 270). se ensinar seguindo o curso da natureza e
Mais à frente daremos atenção à re- procedendo do simples ao complexo, do co-
lação entre escola e fábrica. Por enquanto, nhecido ao desconhecido. Opõe-se à apren-
devemos reter os traços gerais que marca- dizagem mnemônica, passiva e estéril, em
ram a educação no século XVII: a) acentua- nome de um procedimento não-constritivo
ção do aspecto religioso tanto no caso da da aprendizagem. Como citamos anterior-
Reforma como no da Contra-Reforma; b) mente, exerceu influência sobre Comenius.
aumento da intervenção do Estado na edu-
cação dos países que realizaram a Reforma John Locke (1632-1704), "foi o fundador
(protestantes); c) introdução gradativa das do empirismo em nível gnoseológico e
novas idéias filosóficas, tanto da corrente metafísico, mas foi também o representante
idealista (Descartes, Leibiniz), como a da de um pensamento crítico que pretende sub-
empirista (Bacon, Locke); d) nascimento da meter toda afirmação à prova da experiên-
nova didática (Ratke e Comenius), e) ins- cia e, portanto, colocar no centro do pró-
trução com conteúdo "real" e "mecânico", prio trabalho os princípios da verificação
isto é, científico-técnico, em vista de ati- experimental e da interferência empirica-
vidades trabalhistas ligadas às mudanças mente provada. Também em pedagogia -
que vinham acontecendo nos modos de pro- tratada em 1693 com os Alguns pensamen-
dução. Enfim, a pedagogia desse século, tos sobre a educação - Locke desenvolve um
principalmente marcada por Ratke, empirismo explícito e radical, contrapondo-
Comenius e Locke, é uma pedagogia realis- se - também aqui - a todo inatismo e a toda
ta, na qual há superioridade do domínio do predestinação, tão caros ao pensamento tra-
mundo exterior sobre o domínio do mundo dicional" (Cambi, 1999, p. 316). Tendo como
interior. contexto histórico a sociedade inglesa na
As iniciativas mais inovadoras em qual emergiam novos grupos sociais, a co-
matéria de expansão escolar foram a dos meçar pela burguesia, que na segunda me-
reformados, onde cresceu a presença do tade do século foi assumindo papel cada vez
Estado, de modo particular, das seitas não- mais relevante até conquistar o poder, Locke
oficiais, menos ligadas ao poder político (In- coloca no centro de sua reflexão educativa
glaterra e Alemanha). Na Inglaterra, por a figura do gentleman (gentil homem), vis-
exemplo, as autoridades quase não intervi- to como modelo ideal para a nova classe di-
eram nesse assunto. Na Alemanha, além de rigente e para a qual ele elabora um plano
iniciativas de grupos religiosos, como o renovado de estudos. O jogo, a utilidade
pietismo (renovação da reforma luterana), prática, a persuasão racional, os métodos
a instrução popular auspiciada pela Refor- não-constritivos e o auto-governo são os
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

instrumentos de sua pedagogia, que obje- meiras preocupações em agrupar as crian-


22 tiva a liberdade de pensamento. Além dis- ças por faixas etárias (graus), diferente-
so, acrescente-se a educação física e o tra- mente da Idade Média, período no qual, con-
balho, que, todavia, servem especialmente forme escreveu Philippe Áries (1978), ha-
para o fortalecimento moral e como hobby, via indiferença com relação à idade das cri-
útil ao gentleman também para o controle anças.
do trabalho dos dependentes.
Descartes (1596-1650): Os temas funda-
mentais de sua filosofia são: o reconheci- 2.5. Atividades in-
mento da subjetividade humana e a neces-
sidade de a aprofundar e esclarecer, o reco- dividuais
nhecimento da relação do homem com o
mundo e a exigência de resolver essa rela-
ção em favor do homem aumentando o seu Releia neste texto didático a parte
domínio sobre o mundo. relativa ao pensamento pedagógico da Com-
panhia de Jesus e a compare com o pensa-
mento de Lutero e Comenius. Elabore um
texto de trinta linhas sobre os pontos prin-
2.4. Considerações cipais de cada uma dessas propostas.
Finais

2.6. Estudos Com-


Aprendemos, assim, que as primei-
ras iniciativas para a expansão da escola plementares
estiveram ligadas aos movimentos refor-
mistas religiosos, pois exigiram que meni-
nos e meninas a freqüentassem, forçando Conheça um pouco mais sobre o as-
a ação estatal para construir e manter es- sunto tratado nesta Unidade consultando os
colas. Desse modo, os paises que mais avan- seguintes livros cujas referências bibliográ-
çaram foram os que seguiram esse cami- ficas completas constam no final de seu tex-
nho, o qual, segundo Manacorda (1989), era to didático:
o caminho do futuro. Em contrapartida, os
países católicos se atrasaram na constru- CAMBI, Franco. História da Pedagogia.
ção da escola de Estado. Vimos, também, MANACORDA, Mario Alighiero. História da
que aconteceu uma renovação pedagógica Educação: da Antigüidade aos nossos dias.
no século XVII, especialmente por meio da
proposição de Comenius de "ensinar tudo a Além das leituras, é interessante que
todos" e de sua pedagogia inspirada na ob- você procure assistir a alguns filmes sobre
servação direta das coisas (empirismo). A o período para observar o contexto da épo-
pedagogia do século XVII sofreu a influên- ca, os aspectos sociais, econômicos e cul-
cia das duas grandes correntes filosóficas turais relacionando-os à educação, como por
desse tempo: a empírica, representada prin- exemplo, "Lutero"; "A rainha Margot";
cipalmente por Bacon e a idealista, funda- "Germinal". No primeiro, como o próprio tí-
da por Descartes. Nenhuma deles escreveu tulo indica, você poderá conhecer um pou-
diretamente sobre educação, mas suas idéi- co sobre a história religiosa do século XVI,
as repercutiram grandemente nesse cam- além do ambiente cultural no qual se de-
po. senvolveu a reforma luterana na Alemanha.
Como vimos, ao mesmo tempo em Esses aspectos lhe proporcionarão compre-
que a expansão escolar acontece, ainda pre- ender o quadro educacional da época e por
valece a influência religiosa sobre a educa- que razão Lutero propôs a obrigatoriedade
ção, pois, de um lado, as pedagogias dos escolar para todas as crianças. O segundo
países reformados seguem a inspiração das filme trata das guerras religiosas que
novas igrejas (protestantes), e, de outro, eclodiram na Europa após o movimento
a pedagogia dos países que permaneceram luterano, mostrando a disputa política en-
católicos, seguiram fortemente a pedago- tre católicos e reformados na França. Já o
gia jesuítica até o século XVIII. Mas, a des- terceiro filme, baseado na bela obra literá-
peito da influência religiosa, foi nessa épo- ria "Germinal", escrita por Emile Zolla, nos
ca, que a escola começou a adquirir as fei- mostra as condições de vida e de trabalho
ções que tem hoje: minuciosamente orga- dos mineiros franceses no século XIX. Essa
nizada e administrada pelo Estado. Quanto obra prima da literatura francesa nos pro-
à organização, vimos que surgiram as pri- porciona um panorama das contradições
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

sociais da época com a revolução industrial


avançando, enriquecendo alguns, e a misé- 23
ria na qual viviam os trabalhadores das mi-
nas. O analfabetismo fica claro e, deste
modo, o filme pode proporcionar um bom
debate sobre a ausência da educação esco-
lar para os trabalhadores e seus filhos na
França do século XIX.
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

24
Unidade 3
O Estado burguês, as lutas sociais
e a educação dos séculos XVIII e
XIX

3.1. Primeiras Pala- lucionária não esteve sozinha. Entretanto,


a burguesia não fez jus ao ideário clássico
vras que havia inspirado as suas revoluções, de
modo que as três palavras que compunham
a sua bandeira revolucionária - “igualdade,
Nesta Unidade estudaremos as lutas liberdade e fraternidade” -, ficaram restri-
sociais pela expansão das oportunidades tas aos seus frios interesses de classe, ou,
escolares nos séculos XVIII e XIX e as con- como escreveu Marx, ao “vil metal”, isto é,
cepções pedagógicas subjacentes a essa ten- ao poder do dinheiro. Portanto, interesses
dência. Inicialmente, a tendência à expan- contraditórios permearam a construção do
são da escola foi motivada pelos movimen- Estado burguês e o forçaram a atender, mes-
tos religiosos que estudamos anteriormen- mo que parcialmente, as reivindicações das
te. Depois, os Estados foram cada vez mais classes sociais que, historicamente, havi-
pressionados a tomar iniciativas práticas am sido privadas do direito à escola. São
para a construção e manutenção de escolas. desses temas que iremos tratar nesta Uni-
Como isto ocorreu? Que movimentos soci- dade.
ais elegeram a educação como uma de suas
reivindicações? Que condições favoreceram
e até impulsionaram tais movimentos?
É importante que você compreenda
3.2. Problematizan-
que essa foi a época da consolidação do ca- do o tema
pitalismo e, no plano político, da constru-
ção do Estado que representa os interesses
da classe economicamente mais poderosa Você sabia que a educação ganhou
desse sistema: a burguesia. Mas esse pro- grande impulso durante a construção do Es-
cesso não foi edificado sem conflitos e con- tado burguês? Que este Estado, baseado nos
tradições, uma vez que outras classes tam- direitos individuais, ao se contrapor aos in-
bém lutaram pelo fim do feudalismo e do teresses da nobreza parasitária, ao ser
Estado absolutista, portanto, na sua luta edificado, trouxe consigo ideais educacio-
contra a nobreza feudal, a burguesia revo- nais que ainda hoje têm validade? Por exem-
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

plo, a educação como um direito de todos ligadas ao processo de consolidação do ca-


26 (universalidade); a obrigação do Estado em pitalismo que apontamos em breves linhas
manter escolas (estatalidade); o direito à no parágrafo anterior. Neste sentido, pode-
educação pública (gratuidade); a garantia de mos afirmar que o século XVIII foi marcado
que a escola pública não esteja sob domínio por três grandes revoluções que influencia-
de nenhum credo religioso (laicidade) foram ram todo o mundo ocidental: a) a indepen-
bandeiras defendidas pela burguesia revo- dência americana; b) a burguesa e jacobina
lucionária, mas que, entretanto, não foram na França; c) a econômico-industrial ingle-
colocadas totalmente em prática depois que sa. Para Franco Cambi (1999), a nova or-
ela se tornou classe dominante. Por esta ra- dem resultante desse processo revolucioná-
zão é que as lutas pelos direitos de todas as rio criou um novo sujeito social, o homem-
classes e segmentos sociais à educação pros- indivíduo, uma nova imagem do Estado e
seguiram, pois embora proclamada como da economia que romperam definitivamen-
universal, ela não se estendeu a todos. E te com a sociedade do Ancien Régime (ab-
você, certamente, sabe um pouco sobre este solutismo), realizando pela primeira vez uma
assunto porque vive em um país no qual “sociedade moderna” no sentido próprio:
permeiam dois aspectos contraditórios en- burguesa, dinâmica, estruturada em torno
tre si: ao mesmo tempo em que a sociedade de muitos centros (econômicos, políticos,
parece dar grande valor à educação, este culturais etc). Este mesmo autor assinala:
direito ainda está longe de ser concretiza- “O século XVIII é, a justo título, o divisor de
do. águas entre o mundo moderno e o mundo
contemporâneo” (História da Pedagogia, p.
324). Foi um século “reformador”, que pôs
3.3. Texto básico em crise o Antigo Regime segundo um duplo
processo: político (por meio da afirmação
para estudos de novas classes, de novos povos, de novos
modelos de Estado e de governos) e cultural
(por meio da obra dos intelectuais que cria-
A educação no século XVIII foi marcada ram o pensamento conhecido como
pelas revoluções burguesas ocorridas na Eu- Iluminismo). Neste novo ambiente cultural,
ropa e isto porque a concepção burguesa de a educação também foi se transformando
mundo, em contraposição à visão feudal, no sentido laico, ou seja, ela se emancipa
requeria a expansão da escola. Vejamos dos modelos religiosos do passado e visa a
como isto aconteceu. formação de um homem como cidadão ca-
De um lado, a sociedade européia es- paz de ser o construtor de suas próprias vir-
tava assistindo ao nascimento da fábrica e, tudes, que não atribui a outros (castas sa-
portanto, de novas relações de trabalho que cerdotais, ordens sociais) o papel de guia
passaram a ter as cidades como palco, su- de sua formação, mas o reivindica para si
plantando o modo de vida feudal, concen- próprio.
trado no campo. A nova forma de produção, Já vimos que a idéia de formar o ci-
mecanizada, rápida, baseada na ciência, ia dadão foi um dos pontos centrais da filoso-
deixando para trás a antiga aprendizagem fia de Aristóteles, mas agora o conceito de
artesanal que vigorou desde a Idade Média cidadania ganha novos contornos: ele não
como única forma popular de instrução. O mais se restringe, como na Antiguidade Gre-
nascimento da fábrica gerou espaço para o ga, aos direitos e privilégios de quem era
surgimento da moderna instituição escolar possuidor de terras e escravos. Como en-
pública. Por esta razão, Manacorda assinala tender que esse aspecto volte a estar pre-
que “fábrica e escola nascem juntas: as leis sente na educação? De forma sintética, po-
que criam a escola de Estado vêm juntas demos dizer que a formação do cidadão,
com as leis que suprimem a aprendizagem princípio da paidéia grega, foi suplantada
corporativa” (Manacorda, História da Edu- pela concepção cristã de educação que vi-
cação, 1989, p. 249). Além disso, ocorre gorou durante toda a Idade Média e parte
também a supressão da ordem dos jesuí- da Idade Moderna, períodos nos quais, como
tas, ou seja, a influência católica na educa- vimos, o importante era formar o cristão.
ção começa a declinar. A esse conjunto de Mas, tanto o princípio de formação do cida-
mudanças inauguradas pela revolução indus- dão quanto o do papel do Estado na manu-
trial, que consolidou o modo de produção tenção das escolas, voltaram a fazer parte
capitalista, damos o nome de mudanças es- da história da educação depois que termi-
truturais, isto é, que ocorreram na base pro- nou a longa hegemonia da concepção religi-
dutiva da sociedade. osa de mundo.
Por outro lado, ocorriam também
mudanças políticas e sociais intimamente
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

3.3.1. Saiba mais blico, articulado em graus, funcionais, para


operar a reprodução da ideologia social e das 27
competências laborativas; 2. no nível dos
programas de ensino, acolhendo as novas
ciências, as línguas nacionais, os saberes
Paidéia é um termo grego que signi- úteis e afastando-se nitidamente do mode-
fica “cultura”, mas não no sentido em que lo humanístico de escola; 3. no nível da di-
ela é empregada hoje, e sim de um ideal dática, dando lugar a processos de enceno
próprio e consciente de formação humana. bastante inovadores, mais científicos
Werner Jaeger (1989), em seu monumental (Condillac), ou mais empíricos (Locke,
livro intitulado Paidéia: a formação do ho- Rousseau), ou mais práticos (Pestalozzi).
mem grego afirma: “Foi sob a forma de Seja como for, a escola contemporânea, com
Paidéia, de ‘cultura’, que os Gregos consi- suas características públicas, estatais e ci-
deraram a totalidade da sua obra criadora vis, com sua estrutura sistemática, com seu
em relação aos outros povos da Antigüidade diálogo com as ciências e os saberes em
de que foram herdeiros” (Paidéia: a forma- transformação, nasceu no século XVIII, já
ção do homem grego, p. 6). Este livro deve envolvendo também aquela confiança na al-
compor a biblioteca de todos aqueles que se fabetização e na difusão da cultura como
interessam pela história da educação, da cul- processo de crescimento democrático cole-
tura e da filosofia. Você, estudante de Pe- tivo que permaneceu durante muito tempo,
dagogia, não deixe de conhecê-lo. até ontem (ou, talvez, até hoje), como uma
crença sem incertezas da sociedade contem-
Se na Antiguidade, o conceito de ci- porânea” (Franco Cambi. 1999, História da
dadão abrangia exclusivamente homens da Pedagogia, p. 328).
classe dominante, no século XVIII, de modo
geral, constataremos que novos sujeitos da Anotações
educação se impõem: em particular, as mu-
lheres e o povo. Para elas, foi reconhecido o Etienne Condillac (Grenoble, 1715- Abadia
direito a uma educação específica, que não de Flux, 1780): filósofo francês. Mestre da
desnaturasse a mulher e o seu universo escola sensualista, autor do Tratado das
moral; para o povo, reclama-se uma educa- sensações e da Lógica, obras fortemente
ção/instrução que o libertasse das condições influenciadas pelo sistema do filosófo inglês
de atraso e marginalidade psicológica e Locke.
cognitiva e que o colocasse como elemento
produtivo no âmbito da sociedade. Lembre- Condorcet, marquês de. (1743-1794): ma-
mos que essa sociedade passava por pro- temático, filósofo, economista e político
cessos de transformação econômica que re- francês. Presidente da Assembléia
queria um trabalhador no mínimo alfabeti- Legislativa e depois deputado da Conven-
zado capaz de operar as máquinas que eram ção, organizou a instrução pública na Fran-
o símbolo da revolução industrial e foi neste ça revolucionária. Preso como girondino,
sentido que Manacorda (1989) assinalou que suicidou-se tomando veneno.
fábrica e escola nasceram juntas.
No século XVIII foi se completando o Percebemos que Cambi (1999) sinte-
processo de laicização da educação, isto é, tiza a renovação da escola durante o século
ela foi cada vez mais subtraída do poder XVIII nos níveis da organização, dos progra-
eclesiástico e da influência religiosa, embo- mas de ensino, e da didática. Ao mesmo
ra tal processo não tenha ocorrido de forma tempo, segundo ele, esse século produziu o
igual em todos os países. Ao contrário, na mito da educação, que persistiu até pelo
Itália, a resistência da Igreja Católica à menos as décadas de 50/60 do século XX. O
laicização foi bastante forte até o final do que você acha dessa afirmação do autor? Ela
século XIX. Mas, de modo geral, como assi- se aplica no caso do Brasil? Existe entre nós
nala Franco Cambi (1999), a escola se reno- o mito da educação?
vou radicalmente nesse século, pois se tor- Voltando à Europa, podemos afirmar
na laica e se estatiza, já que visa formar que no século XVIII desenvolve-se uma ima-
sobretudo o cidadão, deixando para o indi- gem nova da pedagogia moderna: laica, ra-
víduo particular, para o âmbito íntimo, o cional, científica, orientada para valores
problema da educação moral e religiosa. Essa sociais e civis, crítica em relação a tradi-
renovação, de acordo com o autor, se reali- ções, instituições, crenças e práticas
zou nos seguintes níveis: “1. no nível da educativas, empenhada a reformar a socie-
organização, dando vida a um ‘sistema es- dade, sobretudo a partir da vertente
colar’ orgânico e submetido ao controle pú- educativa, conforme escreveu este mesmo
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

autor. Trata-se de uma pedagogia crítico- órfão de mãe. Quanto ao pai, obrigado a
28 racionalista, que, elaborada segundo ideais abandonar Genebra, deixou o filho aos 10
burgueses, se espalha por toda a Europa. anos de idade a cargo de tios, que confia-
Para Cambi, em síntese, essa é a pedagogia ram a sua educação a um pastor protestan-
do iluminismo. Mas ele próprio adverte para te no campo.Voltando a Genebra, exerceu
o fato de que o iluminismo não é todo o sé- trabalhos manuais, encontrando compensa-
culo XVIII, ou seja, existiu também a oposi- ções apenas em leituras. Segundo Luzuriaga
ção ao iluminismo, conforme assinalamos a (1980), em História da Educação e da pe-
respeito da resistência católica na Itália. dagogia, Rousseau, então, fugiu dessa vida
É importante observarmos que no sé- difícil e começou uma “vida de vagabundo”,
culo XVIII as teorias mais avançadas sobre que durou vários anos. Nessa época, conhe-
educação foram elaboradas na França, país ceu Madame de Warens, que o converteu ao
que, em contraste com sua efervescente catolicismo e exerceu influência decisiva em
criação filosófica, foi pouco ativo nas inici- toda a sua vida. Depois de residir em várias
ativas práticas para transformar a escola. A cidades da França, Itália e Suíça, estabele-
seguir, abordaremos esses dois aspectos da ceu-se em Paris, em 1741, momento em que
educação da época: a) a elaboração das te- já havia recebido a influência de Montaigne
orias inovadoras no século XVIII, que tive- e Locke. Na capital francesa se relacionou
ram como principal berço o solo francês; b) com pensadores da época, entre os quais,
as iniciativas práticas pela expansão esco- Condillac e Diderot. Este último lhe enco-
lar nesse século e no XIX. menda artigos para a Enciclopédia. Em
1745, liga-se a Thérèse Levasseur, com quem
teria cinco filhos, todos entregues a orfana-
3.3.1. Jean-Jacques tos, pois Rousseau julgava não poder cuidar
deles sendo pobre e doente, o que lhe cau-
Rousseau: o “pai” da peda- sou remorsos para o resto da vida. Em 1750,
gogia contemporânea publicou em Paris, um Discurso sobre as ci-
ências e as artes, que o tornou famoso, e,
mais tarde, em 1755, o Discurso sobre a
É consenso entre os estudiosos da desigualdade dos homens, que também al-
educação que Rousseau foi uma das perso- cançou grande repercussão. Em 1762, es-
nalidades mais destacadas da sua história, creveu o Contrato social, que serviu de ins-
a figura que a influenciou de modo decisivo piração à Revolução Francesa, e o Emílio ou
e radical, o autor que executou a virada mais da Educação, que inspirou a pedagogia
explícita da sua história moderna. Diferen- moderna. Os dois livros, que marcarão toda
temente de Comenius, Pestalozzi ou Froebel, a história da teoria política e da pedagogia,
não foi propriamente educador, mas suas foram considerados altamente ofensivos às
idéias pedagógicas influenciaram decisiva- autoridades, especialmente o capítulo sobre
mente a educação moderna. Para Manacorda a “Profissão de fé do vigário saboiano”. O
(1989), ele revolucionou totalmente a abor- livro Emílio foi condenado pelo arcebispo de
dagem da pedagogia, privilegiando a inter- Paris, e Rousseau, ameaçado de prisão, fu-
pretação que ele chama de “antropológica”, giu para a Suíça (1762). Assim, inicia-se o
isto é, focalizando o sujeito, a criança, e período mais difícil da vida do autor. Retorna
dando um golpe feroz na abordagem à vida errante, não parando de mudar de
epistemológica, centrada na reclassificação esconderijo. Em 1765, dirige-se à Inglater-
do saber e na sua transmissão à criança, ra, onde o filósofo David Hume lhe oferece
mas não deixou de ser contraditório ao con- asilo, mas Rousseau acaba se desentenden-
ceber a educação tal como está exposta na do com seu hospedeiro e deixa a Inglaterra,
sua obra prima, Emílio ou da Educação. em 1770, retornando a Paris. Morreu em
Ermenonville, em 2 de julho de 1778.
Anotações
As freqüentes contradições, a rejei-
Jean-Jacques Rousseau nasceu em Gene- ção à sistematização conceitual e a perma-
bra (Suíça), em 1712. Nessa época já havi- nente vinculação entre as idéias e conflitos
am acontecido as reformas religiosas de que pessoais vividos pelo autor tornam difícil
tratamos nas Unidades anteriores e que re- uma exposição sintética de sua obra. Entre-
sultaram no rompimento de muitos países tanto, é possível destacar os temas domi-
europeus com a Igreja Católica. Foi o caso nantes de seu pensamento: relações entre
da Suíça, que passara pela profunda refor- natureza e sociedade; moral fundada na li-
ma liderada por Calvino. De família berdade; primazia do sentimento sobre a
calvinista, logo que Rousseau nasceu ficou razão; teoria da bondade natural do homem;
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

e, doutrina do contrato social. Dois aspec- habitua a recorrer continuamente aos ou-
tos ocupam o centro da reflexão filosófica tros, e muito menos a lhes exibir seu gran- 29
de Rousseau: em primeiro lugar, não é a ra- de saber. Em compensação, julga, prevê,
zão, mas o sentimento o verdadeiro instru- raciocina sobre tudo o que se relaciona ime-
mento do conhecimento; em segundo lugar, diatamente com ele mesmo. Não fala mui-
não é o mundo exterior o objeto a ser visa- to, mas age; não sabe uma palavra do que
do, mas o mundo humano. Ambos os aspec- se faz na sociedade, mas sabe muito bem o
tos implicam a passagem da atitude teórica que lhe convém (...) cedo adquire uma gran-
para o plano da valorização moral. Dessa de experiência, toma aulas de natureza e
forma, o traço mais significativo de seu não dos homens; por não ver em nenhuma
pensamento passa a residir nos caminhos parte a intenção de instruí-lo, instrui-se
práticos que ele procurou apontar para o melhor” (Rousseau. Emílio, 1999, p. 131).
homem alcançar a felicidade, tanto no que Trata-se de um ensaio pedagógico sob
se refere ao indivíduo quanto no que se re- forma de romance no qual Rousseau traça
laciona à sociedade. No primeiro caso, for- as linhas que deveriam ser seguidas com o
mulou uma pedagogia, que se encontra no objetivo de fazer da criança um adulto bom.
Emílio; no segundo, teorizou sobre o pro- Já que o seu pressuposto é a crença na bon-
blema político e escreveu o Contrato Soci- dade natural do homem, ele busca nessa
al. Dessa forma, política e pedagogia estão obra tratar dos princípios para evitar que a
estreitamente ligadas em Rousseau: uma é criança se torne má. Os objetivos da educa-
o pressuposto e complemento da outra, e ção, para ele, comportam, portanto, dois
juntas, segundo Cambi (1999), tornam pos- aspectos: “o desenvolvimento das
sível a reforma integral do homem e da so- potencialidades naturais da criança e seu
ciedade, reconduzindo-a para a recuperação afastamento dos males sociais” (Paulo
da condição natural. Ainda segundo ele, Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Macha-
Rousseau realizou uma “revolução do. Introdução. In: Rousseau. Vida e Obra.
copernicana” em pedagogia; colocando no Os pensadores, 1978, p. XVII). O aspecto
centro de sua teorização a criança, opôs-se negativo de sua concepção pedagógica está
a todas as idéias correntes em matéria expresso em tudo aquilo que não deve ser
educativa; “elaborou uma nova imagem da feito pela criança. Já a educação positiva
infância, vista como próxima do homem por deve iniciar-se quando ela adquire consci-
natureza, bom e animado pela piedade, so- ência de suas relações com os semelhantes.
ciável mas também autônomo, como arti- Este aspecto indica a passagem do terreno
culada em etapas sucessivas (da primeira da pedagogia propriamente dita para a teo-
infância à adolescência) bastante diversas ria da sociedade e da organização política.
entre si por capacidades cognitivas e com- De acordo com Franco Cambi (1999),
portamentos morais; teorizou uma série de estudos mais recentes sobre a pedagogia de
modelos educativos (dois sobretudo: um Rousseau têm colocado em destaque a exis-
destinado ao homem e outro ao cidadão) tência, na sua obra de maturidade, de dois
colocados, ao mesmo tempo, como alterna- modelos educativos distintos e, às vezes,
tivos e complementares e como vias possí- até mesmo opostos. De um lado, a educa-
veis para operar a renaturalização do ho- ção natural e libertária que privilegia a for-
mem, isto é, a restauração de um homem mação do homem, típica do Emílio; do ou-
subtraído à alienação e à desorientação in- tro, o modelo de uma educação social e po-
terior que assumiu nas sociedades ‘opulen- lítica, desenvolvida pelo Estado e ligada
tas’, ricas e dominadas por falsas necessi- mais ao princípio da “conformação social”
dades” (Franco Cambi. História da Pedago- do que ao da liberdade. O mesmo autor as-
gia, 1999, p. 343). O que você pensa sobre sinala a distinção entre educação do homem
essa afirmação de Cambi interpretando a e educação do cidadão, lembrando que logo
teoria de Rousseau sobre o ser humano alie- no início do Emílio a segunda vem desvalo-
nado e desorientado pelas sociedades “opu- rizada, pois Rousseau afirma que a instru-
lentas” considerando que hoje vivemos em ção pública não existe e nem deve mais exis-
sociedades baseadas nos valores do consu- tir, já que onde não há mais pátria não pode
mo? Ela lhe parece válida? haver cidadãos. Ainda segundo Cambi, os
Passemos agora à sua obra que é o dois modelos pedagógicos representam duas
que nos interessa mais de perto. Emílio é o fases do seu pensamento, mas também duas
nome de um aluno ideal, criado por vias para operar o saneamento da socieda-
Rousseau. Na sua definição, podemos ler: de e o renascimento do homem moral. A via
“Quanto ao meu aluno, ou antes, ao aluno do Emílio aplica-se a sociedades complexas
da natureza, desde cedo treinado a bastar a e já corrompidas que não possam empreen-
si mesmo tanto quanto possível, ele não se der o retorno a um Estado regido segundo
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

ditames do Contrato social; o segundo mo- O fato é que, depois de Rousseau, a


30 delo resulta praticável por aqueles países pedagogia tomou outro curso tornando-se
ainda não centralizados demais ou não vas- sensível a toda uma série de problemas an-
tos demais, que tenham uma economia mais tes considerados marginais e até mesmo
primitiva e uma forte coesão interna entre ignorados; além disso, o autor passou a ser
os vários grupos sociais (aqui ele se inspira uma referência obrigatória de todo pedagogo
em Genebra e na sua administração centra- posterior, seja para associar-se às suas te-
lizada nos estudos). “Esses dois modelos são ses, seja para opor-se ao seu libertarismo.
alternativos entre si, conforme as condições A partir das suas lições, houve uma mudan-
históricas dos países, mas é certo que a pre- ça profunda na visão da infância e no papel
ferência de Rousseau vai para a educação do educador, enquanto a pedagogia no seu
pública dos cidadãos, pois é aquela que pro- conjunto adquiriu uma dimensão mais an-
fundamente se harmoniza com a orientação tropológica e filosófica, conforme escreveu
do seu pensamento político e acompanha e Manacorda (1989). Já para Franco Cambi,
sustenta sua transcrição historicamente “ao lado de Comenius, mas com posições
operativa” (Franco Cambi. História da pe- nitidamente diferentes, Rousseau é de fato
dagogia, 1999, p. 354). Todavia, foi o uma chave mestra do pensamento pedagó-
Rousseau do Emílio que influenciou mais pro- gico e, além disso, é o primeiro artífice do
fundamente o pensamento pedagógico mo- seu mais inquieto e contraditório percurso
derno, oferecendo à tradição pedagógica contemporâneo” (Franco Cambi. História da
alguns novos “mitos” (a bondade da infân- pedagogia, 1999, p. 355).
cia, a não intervenção educativa etc) que
tiveram projeção prolongada, segundo Anotações
Cambi.
Como vimos, na pedagogia de Trechos da obra “Emílio ou Da Educação”:
Rousseau a natureza tem papel primordial.
No aspecto externo, ele elabora o oposto das “Respeita a infância e não vos apressai em
julgá-la, quer para o bem, quer para o mal.
convenções sociais tão em voga ao seu tem-
Deixai as exceções se revelarem, se prova-
po, pois busca o homem primitivo, natural, rem, se confirmarem muito tempo antes de
anterior a tudo quanto é social. Para adotar para elas métodos particulares.
Manacorda (1989), este aspecto é a-históri- Deixai a natureza agir bastante tempo an-
tes de resolver agir em seu lugar, temendo
co, uma vez que o ser humano só se faz hu-
contrariar suas operações. Dizeis que
mano em sociedade. Para ele, ainda, além conheceis o valor do tempo e não quereis
desse limite, foi exatamente ao estabele- perdê-lo. Não vedes que o perdeis muito mais
cer a relação entre educação e sociedade, empregando-o mal do que não fazendo nada,
e que uma criança mal instruída está mais
aliás, um aspecto inovador na sua pedago-
distante da sabedoria do que aquela que não
gia, que esse grande pensador revelou ou- foi absolutamente instruída. Ficais alarma-
tras contradições. O papel que ele atribui dos por vê-la consumir seus primeiros anos
ao trabalho na instrução é baseado em uma sem fazer nada. Como! Não é nada ser feliz?
Não é nada saltar, brincar, correr o dia todo?
concepção atrasada do desenvolvimento real
Em toda a sua vida, nunca estará tão ocupa-
das forças produtivas, que fica muito aquém da” (Rousseau. Emílio, 1999, p. 113).
da realidade da revolução industrial, pois ele
presume a existência de um trabalho “natu- “Não é necessário exercer todas as profis-
sões úteis para honrá-las todas; basta não
ral” e o associa à suposta possibilidade de
considerar que alguma esteja abaixo de nós.
escolha que a história concede ao privilegi- Quando temos a escolha e por outro lado
ado Emílio. Ao tecer essa crítica, Manacorda nada nos determina, por que não consultar-
indaga se o operário poderia dispor da li- mos o prazer, a inclinação e a conveniência
entre as profissões de um mesmo estado? Os
berdade de opção de que falava Rousseau
trabalhadores metalúrgicos são úteis, e até
quando alertava o seu Emílio para consultar mesmo os mais úteis de todos; no entanto, a
o prazer e a inclinação quando fosse esco- menos que uma razão particular me leve a
lher uma profissão. Manacorda compara as eles; não farei de vosso filho um ferrador, um
serralheiro, um ferreiro; não gostaria de vê-
suas alusões ao trabalho “estúpido de ope-
lo em sua forja com a aparência de um
rários reduzidos a autômatos” às observa- ciclope. Da mesma forma, não farei dele um
ções de Diderot exaltando as artes mecâni- pedreiro e ainda menos um sapateiro. Todos
cas, concluindo em favor de Diderot: “Quan- os ofícios devem ser feitos, mas quem pode
escolher deve considerar a limpeza, pois aí
ta distância das sátiras dos ofícios das des-
não se trata de opinião; sobre este ponto os
denhosas opiniões de Aristóteles, Cícero ou sentidos é que nos fazem decidir. Enfim, não
Píer Paolo Vergerio! Quanta água pedagógi- gostaria dessas estúpidas profissões cujos
ca passou debaixo das pontes dos milênios” trabalhadores, sem indústria e quase como
autômatos, só aplicam as mãos num mesmo
(Mario Manacorda. História da Educação,
trabalho; os alfaiates, os costureiros de mei-
1989, p. 241). as, os que talham pedras, de que serve em-
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

pregar nessas profissões homens de senso? cidadãos, que realize uma completa liber-
É uma máquina que leva outra” (Rousseau.
dade de ensino, que valorize a cultura cien- 31
Emílio, 1999, p. 258).
tífica. O Relatório fixou cinco graus de es-
“Mas, quando, para depois conhecer meu colas: primárias, secundárias, institutos, li-
lugar individual em minha espécie, conside- ceus, sociedade nacional para as ciências e
ro as diversas posições sociais e os homens
as artes (universidades). A turbulência re-
que as ocupam, que acontece comigo? Que
espetáculo! Onde está a ordem que obser- volucionária impediu a execução desse pro-
vei? O quadro da natureza só me oferecia jeto, mas ainda nessa primeira fase fixa-
harmonia e proporções, o do gênero huma- ram-se os princípios da pedagogia revoluci-
no só me oferece confusão e desordem! O
onária (instrução pública para todos, admi-
concerto reina entre os elementos e os ho-
mens estão no caos! Os animais são felizes, nistrada pelo Estado, de caráter laico e li-
só seu rei é miserável! Ó sabedoria, onde vre, destinada a formar o cidadão fiel às
estão suas leis? Ó providência, assim regerá leis e ao Estado). Em 1793, é apresentado à
o mundo? Ser beneficente, em que se trans-
Assembléia o projeto de Le Peletier, que
formou teu poder? Vejo o mal sobre a terra”
(Rousseau. Emílio, 1999, p. 374). exprime o ponto de vista dos jacobinos (pe-
quena burguesia radical) e teoriza uma edu-
cação masculina (dos cinco aos doze anos) e
uma feminina (dos cinco aos onze anos) em
3.3.2. Propostas e atuações colégios de Estado, separando as crianças
para uma escola estatal das famílias e pondo-as numa comunidade
que deveria formá-las segundo modelos de
virtude civil. Essa proposta nos lembra a
Enquanto Diderot lutava contra os ata- educação da antiguidade clássica praticada
ques da Igreja e as proibições do Estado para em Esparta, onde os meninos eram aparta-
levar adiante a sua Enciclopédia, e enquan- dos dos pais para serem educados segundo
to Rousseau idolatrava o seu Emílio propon- as leis da cidade. Franco Cambi, por sua vez,
do uma educação natural e livre, outras vo- afirma que a proposição de Le Peletier foi
zes se levantavam solicitando a interven- criticada, mas exprimia bem o radicalismo
ção do Estado no campo da instrução, tradi- da pedagogia jacobina (herdeira também de
cionalmente entregue à Igreja. Estamos ain- Rousseau do Contrato social) e se punha em
da em solo francês, onde a revolução de 1789 total sintonia com aquele programa de edu-
colocou a educação na ordem do dia. Seja cação civil para operar na sociedade uma
pelo trabalho crítico e pelas propostas “completa regeneração” (Franco Cambi.
reformadoras dos filósofos (Diderot), seja História da pedagogia, 1999, p. 366-367).
pela reivindicação de uma educação nacio- Em 1795 dava-se à escola francesa uma or-
nal defendida pelos pedagogos burgueses (La dem nova: a escola primária era confiada
Chalotais), a onda que atinge a escola e a às comunas, negava-se a gratuidade e a
educação na França, após 1789, modificou obrigação da freqüência escolar, mas fixa-
a sua tradição escolar-educativa, colocan- va-se um programa mínimo: ler, escrever,
do-a quase como um modelo europeu, so- calcular, moral republicana. Criou-se uma
bretudo na fase jacobina da revolução Escola Normal para preparar professores de
(1793-1795) e, depois, na napoleônica (após que o Estado necessitava. Ao lado dessa ela-
1799). Durante a Revolução, devem ser ob- boração de programas de reforma escolar e
servadas três fases de intervenção sobre a de intervenções legislativas, a Revolução
escola, caracterizadas por perspectivas di- Francesa também pôs em ação um intenso
ferentes e por um grau diferente de radica- trabalho educativo que devia desenvolver nos
lismo. Numa primeira fase, realiza-se um indivíduos a consciência de pertencer ao
quadro orgânico de reorganização da instru- Estado, de sentir-se cidadão de uma nação,
ção. Foi quando Talleyrand apresentou à ativamente partícipes dos seus ritos coleti-
Constituinte (1791) um relatório propondo vos e capazes de reviver seus ideais e valo-
uma instrução útil à sociedade e ao seu pro- res” (Franco Cambi. História da Pedago-
gresso, por meio de uma escola popular e gia, 1999, p. 367). Já a partir de 1799, a
gratuita, embora não obrigatória. Mas seu política expansionista de Napoleão Bonaparte
relatório não teve seqüência. No final do não apenas impõe os interesses franceses
mesmo ano, foi criado um Comitê de Ins- no continente europeu, mas difunde os ide-
trução Pública que devia elaborar um proje- ais burgueses relativos às orientações laicas,
to orgânico de reordenamento, que foi redi- estatais, civis na reorganização dos siste-
gido por Condorcet. No seu Relatório, mas escolares. Na Itália, por exemplo, a lei
Condorcet tem em mira uma escola que de- de 1802, relativa à instrução pública, coloca
senvolva as capacidades do aluno, que es- todas as escolas sob controle do Estado e
tabeleça uma verdadeira igualdade entre os elabora uma intervenção orgânica dividida
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

em nacional, departamental e comunal, que politicas. Desse modo, segundo Manacorda,


32 atinge a instrução elementar, média e supe- “os políticos são os novos protagonistas da
rior. São nacionais as academias e universi- instrução ainda que Locke e Rousseau seus
dades; departamentais, os liceus; comunais, inspiradores” (Mario Alighiero Manacorda.
os ginásios e escolas elementares. História da Educação, 1989, p. 249). Tan-
Apesar da força revolucionária que to Benjamin Franklin (1706-1790), um dos
emanava da França, propostas de ação es- iniciadores da independência das col^nias
tatal no campo da educação já vinham ocor- inglesas da América, quanto Thomas
rendo antes de 1789. Neste sentido pode- Jefferson (1743-1826), um dos fundadores
mos entender o por que de Franco Cambi do Partido Democrata e presidente dos Es-
(1999) afirmar que a França foi rica na ela- tados Unidos da América (1801-1809), em
boração de teorias, mas fraca na atuação nome dos direitos naturais do homem e con-
efetiva pela expansão escolar nessas déca- victos de que a liberdade exige um povo com
das do século XVIII. Observemos as ações um certo grau de instrução, solicitavam uma
estatais apontadas por Manacorda (1989). “cruzada contra a ignorância”. Franklin, em
Ele destaca, a propósito, uma frase pronun- especial, propunha uma instrução cujos ob-
ciada em 1760 pela imperatriz da Áustria, jetivos fossem as boas maneiras preconiza-
Maria Teresa, que sintetizaria a mudança de das por Locke, a moralidade, as línguas vi-
visão sobre a educação, que transitava da vas e mortas e todos os ramos úteis da ci-
órbita religiosa para a política: “A educação ência e das artes liberais. Jefferson
é e sempre foi, em cada época, um fato propugnava uma escola elementar gratuita
político”. Ou seja, a educação agora passa- para todas as crianças dos sete aos dez anos,
va a ser assunto do Estado. O inspirador da os melhores dos quais deveriam ser selecio-
reforma austríaca vinha de uma experiên- nados para as escolas secundárias, e os
cia realizada na Prússia, no governo de melhores destas, para a universidade. Nes-
Frederico II, o primeiro a instituir a te programa estão contidos, em estado em-
obrigatoriedade escolar. Às reformas austrí- brionário ou em projeto, todos os elemen-
acas seguiram-se reformas análogas em tos de expansão quantitativa e de renova-
outros Estados que viriam a constituir a atual ção qualitativa característicos da pedago-
Alemanha: a da Prússia (1763), preparada gia liberal-democrática. Veremos em nossa
antes mesmo da reforma austríaca; e a da próxima Unidade por que viria a ocorrer exa-
Saxônia (1773). Na Polônia foi constituída tamente nos Estados Unidos da América o
uma Comissão para a educação nacional, nascimento de uma das correntes pedagó-
para cujos trabalhos Rousseau sugerira idéias gicas que mais influenciaria a pedagogia do
por meio de suas Considérations sur le século XX: a Escola Nova. Mas, por enquan-
gouvernement de la Pologne, escritas dois to, dediquemo-nos a compreender o processo
anos antes. Ainda em 1773, na Rússia, inicial de expansão escolar. Os mesmos ob-
Catarina II escrevia a Diderot, que lhe indi- jetivos presentes na formação dos Estados
cou a reforma austríaca de Maria Teresa. A Unidos da América, embora com matrizes
respeito da influência de Diderot sobre a culturais diferentes (enciclopedistas e
czarina, é interessante notar que ele a ori- Rousseau, mais do que John Locke), são
entava a criar escolas públicas e nunca a repropostos na França revolucionária após
confiar a educação das crianças a precepto- 1789, como vimos. O desfecho do processo
res. Já na Itália, segundo Manacorda (1989), revolucionário francês com o advento da
predominou um reformismo moderado. época napoleônica “difundiu na Europa os
Ainda para este autor, ao lado das princípios de instrução pública, obrigatória
mudanças que se operavam na base produ- e gratuita, realizando um sistema escolar
tiva da sociedade, ou seja, na sua estrutu- orgânico e uniforme, caracterizado pelos
ra, os fatos superestruturais também atua- princípios de laicidade e de engajamento civil
vam no processo de politização, democrati- como inspiradores supremos de toda a vida
zação e laicização da instrução, cuja origem escolar” (Franco Cambi. História da Peda-
se encontrava na consciência dos indivídu- gogia, 1999, p. 369).
os e na prática dos Estados. Com as revolu- Por fim, o processo de expansão da
ções da América (processo de independên- escola só se efetivou no século XIX. E mes-
cia das colônias americanas) e da França, a mo na Inglaterra, país onde primeiramente
exigência de uma instrução universal e uma ocorreu a revolução industrial, a expansão
reorganização do saber, que acompanhara o foi lenta. Na primeira parte do século, fo-
surgimento da ciência e da indústria moder- ram as escolas privadas de ensino mútuo que
na, de problema dos filósofos ou dos déspo- asseguraram o ensino das primeiras letras,
tas esclarecidos (como Maria Teresa, por conforme trataremos no tópico seguinte;
exemplo), tornou-se objeto de discussões somente na segunda metade do século, após
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

a regulamentação do trabalho infantil e a e de Joseph Lancaster (1778-1836), mem-


fixação da idade mínima para o início do bro do grupo religioso “quaker”, que abriu 33
trabalho infantil (aos nove anos, na Ingla- em Londres uma escola para crianças po-
terra de 1833), é que se operou uma bres. As duas iniciativas deram origem ao
escolarização mais difundida tendo em vis- conflito de interpretações. Lancaster propu-
ta a alfabetização popular. Mas, segundo nha uma educação religiosa aconfessional
Cambi (1999), foi só em 1870 que se deli- (sem vínculo com uma determinada crença)
neou um sistema completo de instrução na- enquanto o anglicano Andrew Bell uma edu-
cional, tornado obrigatório em 1880, en- cação no espírito da Igreja oficial, isto é,
quanto em 1891 foram abolidas as taxas para anglicana, e que acabou prevalecendo. Ape-
a escola elementar. sar das rivalidades, a iniciativa do ensino
mútuo espalhou-se rapidamente por obra de
Lancaster, tanto na Inglaterra como em todo
3.3.4. Duas experiências con- o mundo de língua inglesa: em 1806 já exis-
tiam centros de ensino mútuo em Nova
cretas entre o século XVIII e Iorque, na Filadélfia, em Boston e, em se-
XIX guida, em Serra Leoa, na África do Sul, na
Índia, na Austrália; em 1811, na Inglaterra
contavam-se quinze escolas com trinta mil
A expansão escolar na Europa vinha alunos.
ocorrendo desde longa data, mas de forma Do ensino elementar masculino, logo
lenta e desigual. A partir do século XVI, com o método se estendeu para o feminino, para
as reformas religiosas iniciadas na Alema- a educação de adultos e para as escolas de
nha, países ao leste deram uma arrancada nível superior. Percebemos, assim, que se
inicial nessa direção. Já na França, o impul- tratava de uma tendência inglesa baseada
so se deu muito mais tarde, com a revolu- na iniciativa privada que emergia perante a
ção burguesa de 1789. A Inglaterra, por sua tendência alemã e napoleônica baseada na
vez, começou a vivenciar a pressão por edu- iniciativa estatal do absolutismo esclareci-
cação escolar com o processo de revolução do. Manacorda (1989) conclui que se tratou
industrial que exigiu trabalhadores pelo não somente de um método didático, mas
menos alfabetizados. Esse processo acele- de uma opção política sujeita a encontrar
rou a universalização da escola, o que exi- defensores e críticos. Ou seja: a difusão da
giu novos métodos de ensino, pois a escola educação escolar em um país pioneiro na
deixava de ser destinada a poucas crianças revolução industrial não foi empreendida por
e jovens. Dessa forma, a própria didática uma política estatal e nem mesmo dotada
sofreu um processo de profundas mudanças das condições ideais (professores formados,
no século XIX. A seguir, apresentaremos duas salas por grupos etários etc), mas sim pela
experiências educativas cuja finalidade foi iniciativa privada e pelo método de ensino
expandir a escola no período que estamos mútuo, o que demonstra que na história da
estudando: o ensino mútuo e a atividade educação a universalização foi um processo
pedagógica de Pestalozzi. difícil. O ensino mútuo instruía até mil alu-
nos com um só mestre frente aos cinqüenta
A) O ensino mútuo em média instruídos nas classes tradicionais.
Os alunos, divididos em colunas segundo o
No final do século XVIII, enquanto a mérito e aproveitamento, eram confiados a
França vivia os turbulentos anos da revolu- monitores supervisionados por um mestre
ção, firmava-se na Inglaterra uma nova ini- que, além de vigiar essas divisões, exami-
ciativa educacional promovida por particu- nava duas ou três vezes por semana cada
lares: o chamado ensino mútuo ou moni- classe, assistindo às repetições dirigidas
torial, no qual adolescentes instruídos dire- pelos monitores. A nova prática do ensino
tamente pelo mestre, atuando em tarefas mútuo teve a vantagem de associar leitura
como auxiliares ou monitores, ensinavam, e escrita, mas não modificou os antigos pro-
por sua vez, outros adolescentes, supervi- cedimentos didáticos com sua seqüência de
sionando a conduta deles e administrando silabar e soletrar. Por outro lado, a discipli-
os materiais didáticos. Segundo Manacorda na de inspiração “meio militar e meio in-
(1989), a sistematização didática rigorosa dustrial”, segundo Manacorda (1989), era
e a difusão tendo em vista um plano nacio- acompanhada por um sistema contínuo de
nal de instrução popular começou por obra avaliação do aproveitamento, além do com-
do pastor anglicano Andrew Bell (1753-1832), portamento. A competição era o princípio
que, a partir de 1789, dirigiu, na Índia, uma ativo dessas escolas, que solicitavam a par-
escola para os filhos de soldados europeus, ticipação, embora extrínseca ao aluno, e não
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

aplicavam punições físicas, mas mantinham lho manual. Franco Cambi (1999) assinala
34 o grave defeito do excesso de espírito mili- que no centro do seu pensamento pedagógi-
tarista e de mecanicidade na didática, ou co colocam-se três teorias: 1- da educação
seja, a iniciativa privada na expansão es- que deve seguir a natureza, retomada de
colar revelou-se tão austera quanto a esta- Rousseau, segundo a qual o homem é bom e
tal. Apesar desses defeitos, o ensino mú- deve apenas ser assistido no seu desenvol-
tuo, com todos os seus limites, foi uma res- vimento; 2- a da formação espiritual do ho-
posta prática ao perpétuo medo dos conser- mem como unidade de “coração”, “mente”
vadores, ou seja, “o medo de que a instru- e “mão” (ou arte), que deve ser desenvol-
ção pudesse perturbar o Estado” (Mario vida por meio da educação moral, intelectu-
Alighiero Manacorda. História da educação, al e profissional, estreitamente ligadas en-
1989, p. 259). tre si; 3- a da instrução, `a qual Pestalozzi
dedicou a mais ampla atenção e segundo a
B) Pestalozzi qual, no ensino, é necessário sempre partir
da intuição, do contato direto comas diver-
No século XIX, denominado por Cambi sas experiências que cada aluno deve con-
(1999) de “século das pedagogias”, além de cretamente realizar no próprio meio.
Fröebel (idealizador dos jardins de infância)
e de Herbart (um dos pioneiros da psicolo- Anotações
gia científica), que difundiram a pedagogia
alemã na Europa, temos a figura singular de Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827):
Pestalozzi, “que revive em primeira pessoa pedagogo suíço, discípulo de Jean-Jacques
o drama da educação (os projetos, as difi- Rousseau, esforçou-se por melhorar a edu-
culdades, as derrotas), reativa uma noção cação e instrução das crianças pobres. Como
espiritual de educação (animada pelo amor), Rousseau, aceitava a tese da bondade ina-
mas também se engaja na problemática so- ta; por isso, dedicou, de preferência, cui-
cial e política da própria educação, constru- dados especiais à educação das crianças de
indo um modelo complexo e problemático, mais tenra idade e das mais deserdadas
inquieto e agudíssimo de pedagogia” (Fran- entre elas. Inicialmente, em Neuhof, trans-
co Cambi. História da Pedagogia, 1999, p. formou uma propriedade sua em asilo para
415). Sua pedagogia exerceu influência nos crianças pobres que, no verão, deveriam
meios anglo-saxões e protestantes, ou seja, cultivar os campos e no inverno, tecer e fiar.
em toda a Europa setentrional, desde a In- A instrução seria dada nas horas de recreio.
glaterra até a Holanda, a Escandinávia e a Mas esse ensaio pedagógico falhou. Poste-
Prússia. Para Cambi, a sua pedagogia está riormente, dirigiu o asilo de Stanz para cri-
no cruzamento entre posições setecentistas anças órfãs ou abandonadas. Aí ensaiou o
(a idéia da educação da humanidade; o go- método mútuo: as crianças mais velhas de-
verno iluminado; a adesão aos ideais revo- veriam ensinar as mais novas. Leitura, es-
lucionários, embora condenando o extremis- crita e cálculo alternavam-se com trabalho
mo) e comportamentos românticos (a aten- manual. Mas circunstâncias políticas trans-
ção ao povo; a visão orgânica da sociedade; formaram o asilo em hospital militar. Com
o papel do sentimento e a referência à for- mais de 50 anos de idade, Pestalozzi abriu,
mação espiritual). em Berthoud, um novo instituto de educa-
Como escreveu Manacorda (1989), ção que, com início modesto, cresceu rapi-
enquanto inovadores ingleses experimenta- damente e contou com numerosos educado-
vam o ensino mútuo, Pestalozzi atuava na res competentes. Mais tarde, o instituto foi
Suíça seguindo a trilha de Rousseau, mas transferido para Yverdum onde Pestalozzi
diferente deste, especialmente pelo seu ope- colheu as glórias máximas de sua carreira
roso filantropismo e sua capacidade de tra- de educador. Entre aulas e passeios, convi-
duzir os princípios em prática. Sua ambição vendo com os mestres, sem prêmios nem
foi a de juntar aquilo que Rousseau separa- castigos, os alunos iam plasmando a pró-
ra, isto é, o homem natural e a realidade pria personalidade. No entanto, mais uma
histórica, e o fez fechando-se dentro dos li- vez, também esta casa de ensino teve de
mites de uma sociedade predominantemen- ser fechada por insuficiência de receitas fi-
te pré-industrial. Dirigindo um instituto para nanceiras. Assim, aos 80 anos, Pestalozzi
órfãos, em 1798, Pestalozzi desenvolveu os voltou a Neuhof tentando ainda fazer dela
princípios fundamentais do seu ensino: o uma casa de educação para crianças pobres.
método intuitivo e o ensino mútuo. Quanto Quando morreu, aos 81 anos de idade, era a
ao ensino mútuo, as crianças mais velhas mais importante personalidade européia no
deveriam ensinar as mais novas. Leitura, âmbito educacional. Entre suas obras nume-
escrita e cálculo alternavam-se com traba- rosas, deixou Leonardo e Gertrudes (1781),
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

uma das mais conhecidas, ao lado de Como Já as idéias socialistas tiveram início
Gertrudes ensina seus filhos (1801). bem antes, pois nasceram exatamente no 35
momento em que a sociedade industrial se
consolidava, inaugurando a contradição so-
3.3.5. Sociedade industrial e cial entre burguesia e proletariado. Inicial-
mente, o proletariado teve como represen-
educação: entre as propostas tantes teóricos a corrente conhecida como
positivistas e socialistas socialismo utópico (Charles Fourrier e Robert
Owen), para depois definir-se como “cien-
tífico” pela obra de Karl Marx e Friedrich
Por volta da metade do século XIX, Engels, a qual fixou princípios pedagógicos
com a consolidação da sociedade industrial, conscientemente opostos aos elaborados pela
dois modelos ideológicos e epistemológicos reflexão burguesa e pelo positivismo em
que interpretam a oposição de classe que particular. Segundo Cambi (1999), isso não
está no centro dessa sociedade irão se con- impede, porém, que entre os dois modelos
trapor e influenciar a educação: o antagonistas venham a se criar interferên-
positivismo e o socialismo. “O primeiro exal- cias e superposições, fusões e entrelaçamen-
ta a ciência e a técnica, a ordem burguesa e tos, especialmente considerando o clima
seus valores (o progresso em primeiro lu- político do final do século XX. Já para
gar), nutre-se de mentalidade laica e valo- Manacorda (1989), o marxismo não rejeita,
riza os saberes experimentais: é a ideolo- mas incorpora os ideais de laicidade, uni-
gia de uma classe produtiva na época de seu versalidade, estatalidade, gratuidade, e de
triunfo, que sanciona seu domínio e fortale- co-educação, acrescentando-lhes a assunção
ce sua visão do mundo” (Franco Cambi. His- do trabalho e renovação cultural, ao mesmo
tória da pedagogia, 1999, p. 466). Quanto tempo em que estabeleceu a crítica rigoro-
ao socialismo, é a posição teórica da classe sa sobre a não realização desses ideais pe-
antagonista, que remete aos valores nega- los governos burgueses.
dos pela ideologia burguesa (a solidarieda- Nos escritos de Marx (1818-1883) e
de e a igualdade, a participação popular no de Engels (1820-1895) está contida uma
governo) e delineia estratégias de conquis- perspectiva pedagógica, às vezes de forma
ta do poder baseadas nas contradições explícita, como elaboração de propostas so-
insanáveis da sociedade burguesa, princi- bre instrução, outras vezes de forma implí-
palmente entre capital e trabalho. cita e destinada a desenvolver temas da fi-
O positivismo desenvolveu-se primei- losofia marxista reunidos em torno do pro-
ro na França com Comte, mas foi com Emile blema antropológico e da análise dos meca-
Durkheim (1855-1917), expoente da socio- nismos sociais e ideológicos do mundo capi-
logia positivista, que essa corrente teórica talista moderno. De forma abreviada, va-
se difundiu na área educacional. Para mos expor a concepção de educação dos dois
Durkheim, a educação é um aprendizado autores, que, desde o Manifesto Comunis-
social e um meio para conformar os indiví- ta (1848), deixam claro que para eles edu-
duos às normas e valores coletivos por par- cação significa três coisas: formação inte-
te das sociedades. No início do século XX, lectual; educação física; instrução
escrevendo artigos e verbetes para um dici- tecnológica. Após se exilarem de seu país
onário pedagógico sobre “Educação, Infân- de origem (Alemanha) por razões políticas,
cia e Pedagogia”, ele desenvolveu um pro- Marx e Engels viveram na Inglaterra na épo-
jeto pedagógico adequado às exigências da ca em que a revolução industrial mudava in-
sociedade valorizando os aspectos laicos e teiramente a base produtiva da sociedade
racionais da formação juvenil e priorizando e, com ela, todas as relações sociais. Na-
a educação moral promovida em idade in- quele momento, a mão de obra infantil nas
fantil pelo “espírito de disciplina” ligado a fábricas era uma das formas de exploração
um “sistema de mandamentos” e desenvol- do trabalho, o que levou Marx a examinar
vido depois numa idéia precisa de dever. relatórios de inspetores governamentais
Segundo Cambi, com Durkheim, “estamos constatando a ausência da escola para as
bem além das afirmações genéricas de crianças trabalhadoras. Foi do sistema fa-
positivistas e também claramente orienta- bril que suscitava a distinção entre a condi-
dos para uma consciência da riqueza e com- ção de vida de crianças trabalhadoras e cri-
plexidade do fenômeno educativo que o co- anças da burguesia que Marx e Engels for-
loca, com pleno direito, no limiar da refle- mularam o princípio geral que rege sua con-
xão pedagógica contemporânea” (Franco cepção de educação, isto é, o de que a ati-
Cambi. História da Pedagogia, 1999, p. vidade laborativa deve ser aliada à forma-
470). ção intelectual de todas as crianças, dos 9
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

aos 17 anos. Segundo Franco Cambi (1999), 3.4. Considerações


36 o modelo pedagógico elaborado por eles in-
troduziu na pedagogia contemporânea pelo finais
menos dois princípios que podem ser consi-
derados revolucionários: a referência ao tra-
balho produtivo, que se colocava em con- Vimos que a expansão da escola na
traste com toda uma tradição intelectualista sociedade européia foi um processo longo,
e espiritualista, e a idéia de homem cujo início remonta às reformas religiosas
omnilateral, isto é, o ser humano completo, do século XVI, mas que, efetivamente, ga-
cuja formação deveria prever os dois mo- nhou impulso nos séculos XVIII e XIX como
mentos da educação (o falar e o fazer), o resultado das revoluções que edificaram o
ideal de formação humana visando a não Estado de caráter burguês. Tendo sido fruto
separação entre uma educação dos dominan- de uma época revolucionária, o processo de
tes para o “dizer” intelectual e dos domina- universalização foi pensado por filósofos que
dos para o “fazer” produtivo. “Contra o in- também propuseram ações práticas para a
divíduo unilateral, seja ele o proletário ou o sua concretização, como foi o caso dos
capitalista, caracterizado pelo desenvolvi- enciclopedistas franceses no século XVIII.
mento de capacidades apenas setoriais (ma- Além disso, também nesse mesmo século,
nuais ou intelectuais), Marx mostra o ideal as idéias de Rousseau operaram uma verda-
da formação de um ‘homem novo’, que reú- deira revolução no pensamento pedagógico
na em si as atividades tanto manuais quan- ao colocar a criança no centro da reflexão
to intelectuais e supere, assim, a divisão sobre a educação, preconizando que ela fos-
do trabalho, dando vida a uma personalida- se “aluna da natureza”.
de harmônica e completa, que se exprime O processo de universalização da es-
como universalidade e omnilateralidade das cola foi lento e desigual, só se completando
relações e capacidades humanas, voltadas no século XIX e, em alguns países, somente
tanto para o plano produtivo quanto para o no século XX. Conforme escreveu Franco
do consumo e da fruição, harmonizando as- Cambi, a institucionalização da escola foi
sim ‘tempo de trabalho’ e ‘tempo livre’ “ um processo dividido em etapas não-homo-
(Franco Cambi. História da pedagogia, gêneas e manifestado de forma diferente
1999, p. 483). Além disso, a teoria de Marx nos vários países europeus e americanos.
e Engels afirma uma constante relação en- Superadas as divisões entre iniciativas di-
tre educação e sociedade, que se manifesta versas (Igreja, Estado e particulares), ocor-
na função ideológica da primeira. reu um crescimento social da escola, um
No século seguinte, essa interpreta- desenvolvimento na sua organização, um
ção exerceria maior influência no meio edu- papel político mais forte. A cultura escolar
cacional, constituindo-se, em alguns casos, foi renovada, assumindo caráter laico e sen-
como divisor de águas em relação à inter- do organizada num programa didático pre-
pretação idealista anteriormente dominan- ciso que deu nova feição à vida escolar. Esta,
te, e segundo a qual é por meio da educação por sua vez, assumiu cada vez mais um as-
que se transforma a sociedade. A concepção pecto abertamente disciplinar, de controle,
de Marx e Engels, ao condicionar a possibi- de sanção, e, ao mesmo tempo, de produ-
lidade de transformação social ao fim da ção de comportamentos padronizados.
contradição entre capital e trabalho, permi- Para o mesmo autor, estamos muito
tiu desnudar a escola de seus aspectos ide- distantes da escola do Antigo Regime e ca-
alistas e relativizar o seu papel na medida minhando “em direção à uma escola mais
em que ela passou a ser encarada como uma uniforme, mais conformadora, mais rígida
instituição legitimadora da ideologia domi- nas estruturas e nos comportamentos, mais
nante. Vivendo numa época em que a escola programada e mais laica: uma escola mais
concluía sua passagem da influência religio- racional, por um lado, e mais democrática,
sa para a estatal, os dois autores não tran- mais aberta às várias classes sociais, por
sigiram: a escola, segundo eles, deveria ser outro” (Franco Cambi. História da Peda-
inteiramente laica e livre da influência da gogia, 1999, p. 493). Ainda segundo Cambi,
Igreja e do Estado. Nesse aspecto, defen- desde o início da época contemporânea
deram que a sua criação e manutenção de- (1789), mas principalmente no século XIX, o
veriam ficar a cargo do Estado, mas não a “mito da educação” se fortalece. Em razão
sua direção, o que constitui um traço bas- de sua centralidade política e social, a edu-
tante atual se levarmos em conta os deba- cação foi vista como fator-chave do desen-
tes de hoje sobre gestão escolar. volvimento social.
Quando estudamos História é impor-
tante estabelecermos relações. Pois bem,
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

observemos que enquanto esse processo


acontecia na Europa e nos Estados Unidos 37
da América, o Brasil vivia sob regime
monárquico e escravidão. A educação esco-
lar estava restrita a poucas crianças e como
a economia era agrária e o país rural, as
escolas eram muito poucas. Tal panorama
fez com que as famílias abastadas da aris-
tocracia rural contratassem preceptores eu-
ropeus para educar seus filhos e isto num
momento em que na Europa, como vimos, a
educação por obra de preceptores era
criticada, tal como escreveu Diderot à czarina
da Rússia aconselhando-a a criar escolas
públicas para todas as crianças. O processo
de universalização escolar entre nós só co-
meçou a ocorrer na segunda metade do sé-
culo XX, durante o regime militar (1964-
1985). Mas este é um assunto que ficará para
outra disciplina.
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

38
Unidade 4
A Escola de Estado, as novas teorias
e as novas práticas educativas no
século XX

4.1. Primeiras Pala- cessos de profunda e radical mudança nes-


se século: expandiu-se e, ao mesmo tem-
vras po, adquiriu caráter mais ideológico. Afir-
mou-se como central na sociedade e essa
centralidade só foi ofuscada no final do sé-
Chegamos finalmente ao século XX, culo pela revolução técnico-científica, pelo
século marcante e de acontecimentos deci- advento da “indústria cultural” e a prepon-
sivos para a história da humanidade, sécu- derância da mídia, fazendo com que, dife-
lo em que a revolução técnico-científica ao rentemente do passado, a primeira forma-
mesmo tempo em que potencializou a co- ção do imaginário não passe mais pelo mun-
municação, a obtenção da informação e a do familiar ou das culturas locais, mas seja
democratização do conhecimento, operou dominada pela televisão, absorvida pelas
uma profunda mudança na noção de tempo, crianças mais de 5 horas por dia, ou seja,
na medida em que acelerou todos os pro- mais do que o tempo que muitas delas pas-
cessos. Em vez de uma mera cronologia, o sam na escola. Desse modo, se no século
historiador Eric Hobsbawm elegeu como iní- XX o direito de todos à educação foi reco-
cio do século XX a Revolução Russa (1917) e nhecido, ocorreu também, no seu final, uma
como seu final o colapso da experiência so- diminuição da importância da escola na vida
viética denominada de “socialismo real” social, ou seja, ela deixou de ocupar a
(1991), portanto, para ele, tratou-se de um centralidade que antes exercia.
“breve século”, marcado, sobretudo, pelas
contradições entre capitalismo e socialis-
mo. 4.2. Problematizan-
As transformações que a educação
sofreu nesse século foram muitas e estive- do o tema
ram condicionadas às transformações sócio-
econômicas pelas quais o mundo passou e
também pela mudança de mentalidade que O século XX foi um século de contra-
vem acompanhando o processo da revolu- dições, de conflitos, de duas guerras mun-
ção técnico-científica. A escola sofreu pro- diais, da revolução russa, de disputas ideo-
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

lógicas, da ascensão do fascismo e do na- ainda, que assistiu à derrocada da União


40 zismo, e de guerras localizadas que se pro- Soviética e dos demais regimes que segui-
longam ainda hoje. O mundo viveu, desde am a orientação do chamado “socialismo
o final da Segunda Guerra Mundial (1945) real”, foi um século de contradições, de
até os anos 1980, a polarização política en- conflitos, mas também um século de inova-
tre capitalismo e socialismo; além disso, ções. É um século que aprofunda a luta por
ocorreu a descolonização da África e da Ásia direitos, cujo início marcou a época con-
e eclodiram os conflitos intermináveis no temporânea: direitos do homem, do cida-
Oriente Médio. Todo esse ambiente de ten- dão, da criança, da mulher, do trabalhador,
sões e transformações influenciou fortemen- das etnias, das minorias, dos animais e da
te a educação. Mas o século XX foi também natureza, e cujo processo, desde 1789, vem
o século das conquistas de direitos, das lu- se expandindo. Para Franco Cambi (1999),
tas operárias e estudantis, das vozes anti- trata-se, sobretudo, “do século das crian-
pedagógicas dos jovens. Novas emergênci- ças e das mulheres, das massas e da técni-
as se fizeram presentes na educação: o fe- ca”.
minismo, a questão ecológica, a questão das Quanto ao debate educacional, foi
etnias. Concordemos ou não com a tese orientado por duas grandes correntes teóri-
sobre o mito da educação, o certo é que no cas: a Escola Nova e a concepção marxista.
século XX houve uma forte aspiração por Segundo Manacorda (1989), esses dois pen-
educação, que prossegue hoje. Prova disso samentos, embora identificados, respecti-
é a questão da educação da terceira idade, vamente, com o capitalismo e o socialis-
que vem se expandindo no Brasil, por exem- mo, ora se afastam ora confluem. O século,
plo. Ao estudar esta Unidade, sendo você segundo ele, assistiu e ainda assiste a um
sujeito histórico do presente e portando fecundo diálogo, direto ou à distância, en-
uma determinada trajetória escolar, procu- tre pensadores liberal-democráticos ou bur-
re observar as diversas práticas e teorias gueses e pensadores e pedagogos socialis-
educativas que o século XX produziu. De- tas: diálogo em que há momentos de en-
pois, quando você estudar a história da edu- contro e momentos de choque. Ainda segun-
cação brasileira, esse conhecimento será do o autor, nenhuma das duas correntes foi
importante para que, entre outros objeti- integralmente aplicada, pois se é lícito afir-
vos, você possa compreender a situação da mar que os regimes socialistas não conse-
educação brasileira dentro desse contexto guiram concretizar as teses de Marx sobre
geral. educação, o mesmo se pode dizer sobre os
Nesta Unidade nosso objetivo é que países capitalistas, que também falharam
você compreenda que, ao lado do avanço na concretização das teses burguesas sobre
da escola de Estado, ou seja, da escola pú- educação. No tocante a tais teses
blica que vinha se desenvolvendo desde sé- (universalização, laicização, estatização,
culos anteriores, ocorreu também uma re- gratuidade e obrigatoriedade, co-educa-
novação pedagógica com a elaboração de ção), “o socialismo assumiu criticamente
novas teorias e práticas educacionais. Da- todas as instâncias da burguesia progres-
remos ênfase a duas dessas renovações: a) sista, censurando-a por não tê-las aplicado
ao surgimento da Escola Nova, que se con- conseqüentemente; acrescentou-lhes de
trapôs à “velha escola”; b) às iniciativas próprio uma concepção nova da relação ins-
inspiradas no marxismo. Tanto uma como trução-trabalho (o grande tema da pedago-
outra, não chegaram a se concretizar intei- gia moderna) e tende a propor a formação
ramente de acordo com seus formuladores, de um homem omnilateral. Tudo isso em
mas influenciaram todo o debate educacio- hipótese, como proposição ideal, porque no
nal do século XX e a própria escola “tradici- socialismo real é extremamente árduo apli-
onal”. car esse ideal. Assim como é árduo no libe-
ralismo e na democracia reais aplicar os
ideais liberais e democráticos” (Mario
4.3.Texto básico Manacorda. História da educação, 1989,
p. 313).
para estudos

O século XX, marcado por duas guer-


ras mundiais apenas na sua primeira meta-
de, pela revolução russa de 1917, pela Guerra
Fria que dividiu o mundo em dois blocos
antagônicos – socialismo e capitalismo – e,
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

4.3.1. A Escola Nova o aspecto coletivo e social (Decroly; méto-


do dos projetos; Freinet). Quanto à idade 41
dos escolares, uns métodos se referem mais
A Escola Nova foi a corrente pedagó- à primeira infância, como o de Montessori;
gica de maior influência na história da edu- outros, à segunda infância, como o de
cação do século XX e John Dewey (1859-1952) Decroly; e outros à adolescência, como o de
o seu maior teórico. As suas idéias encon- Dalton e de projetos. A pedagogia ativa,
traram ampla aceitação no mundo todo, in- segundo Luzuriaga (1980), também pode
clusive no Brasil, onde Anísio Teixeira foi ser classificada pela inspiração teórica
seu mais destacado seguidor. Mas, o que subjacente a cada um desses métodos,
devemos entender por escola nova? Talvez como por exemplo, a pedagogia pragmáti-
pudéssemos começar citando o próprio ca (William James, Dewey, Kilpatrick); a
Dewey em sua obra Experiência e educa- pedagogia da “escola do trabalho”
ção (1937), quando escreveu que “o nasci- (Kerschensteiner); a pedagogia da “escola
mento do que se chama nova educação e ativa” (Claparède, Ferrière, Piaget); a pe-
escolas progressivas é em si um produto do dagogia dos “métodos ativos” (Montessori,
descontente respeito à educação tradicio- Decroly).
nal. Com efeito, é uma crítica desta últi- Quanto a John Dewey, inicialmente
ma” (John Dewey. Experiência e educação, estabeleceu uma crítica à escola americana
citado por Maria da Glória de Rosa. A histó- que, segundo ele, estava defasada em rela-
ria da educação através dos textos, 1971, ção ao desenvolvimento econômico dos EUA
p.299). e, assim, passou a elaborar uma pedagogia
Experiências de “ativismo pedagógi- extremamente atenta aos problemas da so-
co” ocorridas na Europa desde o século XIX ciedade industrial moderna. Já na sua pri-
(Decroly, Claparède, Ferrière, Maria meira grande obra, A escola e a sociedade
Montessori, Tolstoi) já sinalizavam a neces- (1899), escrita num momento de transfor-
sidade de renovação da escola, quer do pon- mação produtiva e de crescimento econô-
to de vista do método, quer do conteúdo, mico que os Estados Unidos estavam viven-
ou seja, a sua finalidade vinha sendo posta do, Dewey preconizou que a escola não po-
em questão na medida em que o capitalis- dia ficar alheia a tal transformação, mas
mo amadurecia. Mas, independentemente ligar-se intimamente ao “progresso social”.
das escolas novas européias, desenvolviam- Depois, em Democracia e educação (1916),
se nos EUA muitas escolas inovadoras, nas- pôs em destaque a função democrática da
cidas do espírito experimental que caracte- educação e valorizou a ciência como “mé-
rizou as reformas desse país, uma vez que todo” específico de uma educação demo-
as tendências para a prática já vinham ca- crática. A escola, para ele, não deve apenas
racterizando o sistema educacional norte- adequar-se às transformações ocorridas no
americano. A primeira delas foi a famosa âmbito social, mas promover na sociedade
escola primária anexa à Universidade de um incremento progressivo da democracia.
Chicago, criada por Dewey em 1896 e cujas Desse modo, é confiado à escola o papel de
atividades baseavam-se nas atividades dos transformar politicamente a face da socie-
alunos, desde a economia doméstica, tece- dade, de forma a torná-la cada vez menos
lagem e fiação, até atividades mais eleva- repressiva e autoritária e de desenvolver
das da literatura, a geografia e a história. os momentos de participação e de colabo-
Dewey rompeu com o plano tradicional de ração, conforme analisou Franco Cambi
estudos e com a classificação dos alunos pelo (1999).
desenvolvimento físico e mental, agrupan- De acordo com ele, em Democracia e
do-os pelos interesses e aptidões. Essa ex- educação, Dewey já havia atingido a plena
periência durou só quatro anos, mas dela maturidade do seu pensamento pedagógico
surgiram algumas das idéias e métodos ca- e chegava a evocar a importância funda-
racterísticos da educação norte-americana. mental da formação intelectual no que se
Na impossibilidade de tratarmos refere à valorização do “fazer” e das ativi-
pormenorizadamente de todas as experiên- dades práticas, exaltadas porém, como ra-
cias da “pedagogia ativa”, indicaremos al- dicalmente inovadoras em A escola e a so-
guns aspectos dos seus diversos métodos ciedade. Entretanto, como no interior do
e, depois, daremos maior atenção ao de movimento ativista prevaleciam interpre-
Dewey. Do ponto de vista histórico, pode- tações de tipo individualista, espontaneísta
se dizer que, em geral, os métodos que pri- e anti-intelectualista sobre a sua obra, o
meiro surgiram na educação nova acentua- próprio Dewey interveio para corrigir essas
ram o caráter individual do trabalho escolar interpretações escrevendo um outro livro,
(Montessori), para depois caminharem para Experiência e educação (1937). Nele, expli-
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

cou sua teoria de educação mediante a ex- sua progressiva democratização, ao passo
42 periência e expôs o sentido e a orientação que ela é, de fato, permeada por todas as
que devem ter no ensino os programas e contradições sociais. Nessa perspectiva,
planos de estudo, tomando eqüidistância depois de realçar a rica contribuição de
entre os que pretendiam sua supressão e Dewey, designando-o como o maior nome
os que preconizavam sua vigência. Dewey da pedagogia do século XX e reconhecendo
procurou demonstrar que a escola tradicio- que raramente um pensador mostrou uma
nal é algo de fora para dentro, de cima para tal coerência entre as premissas teóricas e
baixo, além do alcance da experiência do as opções práticas, Manacorda assinala que
educando e lembrou que “a atividade livre lhe faltou, porém, a visão dialética sobre o
e o aprender mediante experiência” foram Estado capitalista, uma vez que ele não o
dois pontos que a educação nova tomou compreendeu como negativo em si mesmo,
emprestado de Rousseau. A unidade da nova enquanto que em Marx é esse Estado que
pedagogia, segundo ele, fundamenta-se na precisa ser superado. Eis as suas palavras:
relação entre experiência e educação, daí a “Dewey, como Marx, baseia-se no desenvol-
necessidade de um conceito correto de ex- vimento econômico e produtivo, mas falta-
periência. Se a escola tradicional diverge lhe aquela análise dialética do real e de suas
em muito da escola ativa, isto não signifi- contradições, cujas explosões, segundo
ca, contudo, que deva haver entre ambas Marx, provocariam as mudanças, e aquela
uma oposição radical. perspectiva, talvez utópica mas fortemen-
A pedagogia de Dewey, de acordo com te estimulante, de uma totalidade de indi-
Cambi (1999), caracteriza-se: 1- como ins- víduos totalmente desenvolvidos; no lugar
pirada no pragmatismo e, portanto, num dessa análise, há nele a conclamada finali-
permanente contato entre o momento teó- dade de educar o indivíduo para participar
rico e o prático, de modo tal que o “fazer” da mudança, concebida como a progressiva
do educando se torne o momento central da evolução de um estado de coisas em si po-
aprendizagem; 2- como entrelaçada intima- sitivo” (Manacorda. História da educação,
mente com as pesquisas das ciências expe- 1989, p. 320).
rimentais, às quais a educação deve recor-
rer para definir corretamente seus próprios Trechos da obra Experiência e educação,
problemas, e em particular à psicologia e à de John Dewey.
sociologia; 3- como empenhada em cons- As transcrições abaixo foram extraídas da
truir uma filosofia da educação que assume obra A história da educação através dos
o papel muito importante no campo social e textos, de Maria da Glória de Rosa, 1971,
político, enquanto a ela é delegado o de- páginas 296-306.
senvolvimento democrático da sociedade e
a formação de um cidadão dotado de men- “O problema para a educação progressiva
é: qual o lugar e sentido das matérias e da
talidade moderna, científica e aberta à co-
organização da experiência? Como funcio-
laboração. Tais características gerais, se- nam as matérias? Existe algo inerente na
gundo o autor, tornaram a pedagogia de experiência que tenda até a organização
Dewey uma espécie de modelo-guia dentro progressiva de seu conteúdo? Que resulta-
dos se produzem quando os materiais da
do amplo movimento conhecido como “es-
experiência não se organizam progressiva-
cola-ativa”, ou escola nova que, desde o mente? Uma filosofia que procede sobre a
final do século XIX até os anos 30 do século base do revide ou da pura oposição, des-
XX “teve um rico florescimento de posições cuidar-se-á dessas questões. Tenderá a su-
por que, porque a velha educação baseava-
teóricas e de iniciativas práticas, todas elas
se em uma organização confeccionada pre-
destinadas a valorizar a criança como pro- viamente bastará revidar o princípio da
tagonista do processo educativo e também organização em si, em lugar de esforçar-se
a colocá-la no centro de toda iniciativa di- para descobrir o que ele significa e como se
o há de alcançar sobre a base da experiên-
dática, opondo-se às características mais
cia. Poderíamos seguir com todos os pon-
autoritárias e intelectualistas da escola tra- tos de diferença entre a nova e a velha
dicional” (Franco Cambi. História da Pe- educação e alcançaríamos conclusões se-
dagogia, 1999, p. 549). melhantes. Quando se revida o controle
externo, surge o problema de encontrar os
Quando se trata de analisar o pensa-
fatores de controle que são inerentes à ex-
mento de Dewey, a polêmica se instaura. periência. Quando se revida a autoridade
De um lado, ele é acusado de ter empobre- externa, não se segue que se deva revidar
cido os processos formativos pela valoriza- toda autoridade, senão que é necessário
buscar uma fonte de autoridade mais efi-
ção excessiva das atividades manuais. De
caz. Porque a velha educação impusera o
outro, é criticado pela sua visão da escola conhecimento, os métodos e as regras de
como um território neutro da sociedade, conduta da pessoa adulta ao jovem, não se
onde se efetua o experimento-chave para a segue, exceto sobre a base da filosofia ex-
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

tremista do ‘um ou outro’, que o conheci- Iorque, onde permaneceu até sua jubilação.
mento e a destreza da pessoa madura não
No primeiro pós-guerra iniciou uma série 43
tenha valor para a experiência da imatura.
Pelo contrário, basear a educação sobre a de viagens – Japão, China, Turquia, Méxi-
experiência pessoal pode significar co, URSS, Escócia – pelas quais o seu pen-
contactos mais numerosos e mais inéditos samento filosófico e pedagógico se difun-
entre o ser maduro e imaturo que os que
diu e se afirmou como um dos instrumen-
existem na escola tradicional (...). O pro-
blema é, pois, ver como podem estabele- tos mais eficazes para enfrentar e superar
cer-se esses contactos sem violentar os a crise pós-bélica. Deixou uma obra exten-
princípios do aprender mediante a experi- sa que teve começo com a publicação de
ência pessoal”.
Meu credo pedagógico (1897), A escola e a
“Precisamente, qual é o papel do mestre e sociedade (1899) e Como pensamos (1910).
dos livros ao fomentar o desenvolvimento O extenso rol de suas publicações foi inten-
educativo do ser imaturo? Admitamos que a sificado nos anos 20-30 e concluído em 1949,
educação tradicional empregava como ma-
com a sua última grande e original obra te-
téria de estudo fatos e idéias tão
correlacionadas com o passado que davam órica: Conhecimento e transação. Além de
pouca ajuda para tratar dos sucessos do um grande pedagogo (teórico e prático), foi
presente e do futuro. Muito bem. Agora te- também um grande filósofo, que desenvol-
mos o problema de descobrir a conexão que
veu o pragmatismo americano, buscando
existe atualmente dentro da experiência
entre os fatos do passado e os sucessos do resultados racionalista-críticos,
presente. Temos o problema de descobrir metodológicos e ético-políticos. Morreu em
como o conhecimento do passado pode con- 1952.
verter-se em um instrumento potente para
tratar eficazmente do futuro. Podemos
revidar o conhecimento do passado com o
fim da educação e, portanto, realçar sua 4.3.2. Problemas da educação
importância só como meio. Ao fazer isto
nos encontramos com um problema que é no socialismo
novo em história da educação: como che-
gará o jovem a conhecer o passado de modo
que este conhecimento seja um poderoso
agente na apreciação da vida presente?” Enquanto a escola nova tornava-se
referência pedagógica nos países capitalis-
“Como afirmei mais de uma vez, o caminho
tas, o marxismo influenciava a educação na
da nova educação não pode ser seguido tão
facilmente como o velho caminho, senão que Rússia pós-revolucionária e, depois, nos
é muito penoso e difícil. Assim o continuará países que se alinharam à União Soviética.
sendo até sua maioridade, e isso exigirá Essas duas correntes representativas dos
muitos anos de sério trabalho cooperativo
blocos antagônicos, porém, não foram apli-
por parte de seus adeptos. O maior perigo
que ameaça seu futuro é, creio eu, a idéia cadas inteiramente em concordância com
de que seja um caminho fácil, tão fácil que seus princípios fundamentais. Em outras
se possa improvisar seu curso, senão de palavras: nem foi construída uma rede de
maneira repentina, pelo menos de um dia
escolas novas capaz de substituir a velha
para o outro, ou de uma semana para a ou-
tra”. escola nos países capitalistas, nem a peda-
gogia marxista se concretizou fielmente de
Anotações acordo com as formulações de seus criado-
res. No primeiro caso, vimos que Dewey
John Dewey (1859-1952) nasceu em alertava para o fato de que o caminho da
Burlington, Vermont (EUA). Em 1884, dou- nova educação não poderia ser facilmente
torou-se em Filosofia e Pedagogia. Foi no- seguido como o velho caminho.
meado instrutor de Filosofia na Universida- Quanto aos países do socialismo real,
de de Michigan, onde foi influenciado pelas a começar pela Rússia revolucionária, bus-
teorias de Hegel (idealismo) e William James caram seguir os princípios da pedagogia
(pragmatismo, individualismo). Elevado a marxista, que, de acordo com Cambi, pode
professor titular aí permaneceu até 1894. A ser definida pelos seguintes aspectos: 1-
partir dessa data, foi nomeado professor uma conjugação entre educação e socieda-
de Filosofia e Pedagogia na Universidade de de, segundo a qual toda prática educativa
Chicago. Nessa universidade realizou uma carrega valores e interesses ideológicos li-
das mais importantes experiências para a gados à estrutura econômico-política da
pedagogia contemporânea: a criação, em sociedade; 2- um vínculo estreito entre edu-
1896, de uma “escola-laboratório”, que cação e política, tanto no nível de interpre-
durante sete anos serviu de experimenta- tação das várias doutrinas pedagógicas,
ção às suas idéias pedagógicas, para crian- quanto em relação às estratégias educativas
ças de 4 a 13 anos. Em 1904, passou a leci- voltadas para o futuro, que recorrem, ou
onar na Universidade de Colúmbia, em Nova devem recorrer, à ação política; 3- a
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

centralidade do trabalho na formação do este aspecto adotando uma posição


44 homem e o papel prioritário que ele deve eqüidistante de qualquer extremismo em
assumir na escola caracterizada por finali- matéria de educação ao afirmar que o soci-
dades socialistas; 4- o valor de uma educa- alismo deveria abolir da escola tradicional
ção integralmente humana de todas as pes- apenas o que dela não servisse aos propósi-
soas (homem omnilateral), libertadas de tos revolucionários, como o seu caráter
condições de submissão e de alienação; 5- elitista e o método autoritário, aproveitan-
oposição a toda forma de espontaneísmo e do da experiência americana (Dewey) tudo
de naturalismo ingênuo, enfatizando, pelo o que fosse útil para a propagação de uma
contrário, a disciplina e o esforço. escola para todos na Rússia soviética. Ele
Mas, como analisou Manacorda alertou para o fato de que o principal defei-
(1989), as dificuldades para se edificar a to da velha escola consistia no seu elitismo
nova escola foram de toda ordem, inclusive e não na transmissão de conhecimento em
as altíssimas taxas de analfabetismo que si, enquanto a escola com finalidade socia-
vigoravam na Rússia em 1917, denotando lista deveria colocar ao alcance de todos o
a ausência de escolaridade no país e, por- conhecimento já acumulado pela humanida-
tanto, a gigantesca tarefa que caberia à de. Afirmou ele: “É preciso estudar minuci-
revolução de construir uma escola de acor- osamente a experiência americana, é pre-
do com os princípios marxistas. Ele afirma ciso fazer nosso tudo aquilo que se conse-
claramente que “as dificuldade e contradi- guiu conquistar nos países capitalistas,
ções, as retomadas e recuos, os passos à avaliá-lo com base nos critérios da nossa
frente e atrás foram muitos na história da posição marxista e ver o que nos convém e
escola da União Soviética e desde o início o que não nos convém” (Lênin. Citado por
se constataram as dificuldades da mudança Manacorda. História da Educação, 1989,
e as resistências objetivas das velhas es- p. 313)
truturas e dos velhos homens” (Manacorda. Depois, com o advento de Stalin ao
História da educação, 1989, p. 315). Para poder, foi condenada a tentativa de se ela-
ilustrar essas dificuldades, o autor trans- borar uma teoria pedagógica que tivesse
creve na mesma página aqui mencionada como base ao mesmo tempo o materialis-
um diálogo entre Lênin e um menino, seu mo e o ativismo e que antes havia alcança-
conhecido, de doze anos, que começou com do ampla aceitação. Nasce assim, segundo
a pergunta: “Que tarefas tiveste, e qual foi Cambi (1999), aquela “pedagogia sem cri-
a aula?”. O menino respondeu: “Tivemos ança”, fundamentalmente intelectualista e
três horas.” “E quais?” “Matemática”. “E também conformista, que de 1931 a 1953
depois?” “Depois, história”. “E que histó- dominou o sistema escolar soviético.
ria?” “Do Egito.” “E depois?” “E depois, lín- Na época pré-stalinista, a escola so-
gua alemã”. Lênin, então começou a rir e viética foi profundamente marcada pela fi-
disse para sua esposa, a pedagoga gura de Anton Makarenko (1888-1939), mai-
Krupskaia: “Tudo é ainda como antes”. or pedagogo russo desse século e cuja ati-
Na Rússia pós-revolucionária (1917- vidade pedagógica se inseriu diretamente
1930), caracterizada por um forte entusi- no ambiente carregado de tensões e de es-
asmo construtivo e por uma vontade de pro- peranças da Rússia revolucionária. Tornan-
funda renovação das instituições, foi se do-se uma espécie de pedagogo oficial dela,
efetuando uma atualização pedagógica e Makarenko viveu as contradições da peda-
didática baseada na “escola do trabalho” gogia soviética dos anos 20, isto é, a opo-
que, por princípio, conjugava trabalho in- sição entre tradicionalismo e ativismo pe-
telectual e manual (produtivo), mas que dagógico. Inicialmente, aderiu à segunda
raramente conseguiu ir além de uma orga- tendência, mas nos anos 30 rejeitou-a dras-
nização do trabalho artesanal e, portanto, ticamente. Nessa perspectiva, reviu os pro-
não conjugou realmente o trabalho intelec- blemas que ocuparam a pesquisa pedagógi-
tual com o produtivo. As conquistas foram ca soviética: o problema do trabalho e o
conseguidas mais na batalha contra a velha papel dos “grupos” na atividade escolar, o
escola: foram abolidos o seu conteúdo reli- problema do anti-individualismo e a forma-
gioso e nacionalista, seus métodos de ensi- ção de uma nova moralidade social. Seu
no e seus livros de texto, embora neste cam- pensamento tem uma base experimental,
po muitas vezes tenha sido necessário cor- no sentido de que foi elaborado no interior
rigir tendências extremistas que exaltavam de experiências concretas em contato com
uma exclusiva finalidade prática da educa- meninos abandonados que deviam ser ree-
ção. Nos primeiros anos da revolução, Lênin, ducados dentro de “colônias”. E foi na Co-
seu líder máximo, em um discurso que pro- lônia Gorki que ele elaborou os aspectos
feriu aos jovens, chamou a atenção sobre fundamentais de sua pedagogia, caracteri-
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

zada pelo princípio do “coletivo do traba- 4.3.3. A contribuição de


lho” e do “trabalho produtivo”. Segundo 45
Manacorda (1989), o trabalho, o “coletivo”, Gramsci
a colaboração, a perspectiva da “alegria do
amanhã” e da felicidade para todos (e não Dentro da tradição marxista, foi An-
apenas a felicidade do indivíduo, expressa- tonio Gramsci (1891-1937) quem elaborou
da por Rousseau e pelos revolucionários um modelo pedagógico mais rico, repensan-
iluministas), eram os temas da pedagogia do os princípios do marxismo (a relação
de Makarenko, tão exigente quanto otimis- estrutura-superestrutura, a dialética, a crí-
ta. tica da ideologia) e a sua visão de história
As posições pedagógicas de (como luta de classes para a emancipação
Makarenko, resultaram do entrelaçamento humana e como sucessão de modelos eco-
com a ideologia da revolução russa do pós- nômico-políticos cada vez mais complexos)
1917, explicitando aspectos originais, mas no interior de uma condição histórica pre-
depois, “diminuindo também seu significa- cisa: um país capitalista como a Itália, com
do de atualidade, tanto pelas transforma- forte liderança intelectual da Igreja Católi-
ções ocorridas na sociedade russa quanto ca, em um contexto de não difusão da re-
pelas problemáticas novas que caracterizam volução proletária na Europa, ao contrário,
hoje as pedagogias de orientação ‘revolu- de contra-revoluções autoritárias nos vári-
cionária’ “ (Franco Cambi. História da pe- os países europeus, a começar pela Itália
dagogia, 1999, p. 561). com o fascismo. Foi nessas condições no-
De acordo com Cambi (1999), na vas às quais se acrescentam a industriali-
União Soviética, sob o período de Stalin e zação e a sociedade de massas, preso pelo
sua reforma escolar, a pedagogia do “cole- regime fascista, com a saúde extremamente
tivo” (Makarenko) e o papel organizativo debilitada e com escassos meios bibliográ-
assumido pelo Partido Comunista em rela- ficos à sua disposição, que Gramsci empre-
ção ao tempo livre juvenil, o socialismo endeu esse esforço intelectual deixando uma
soviético manifestou tendências totalitári- enorme contribuição ao pensamento mar-
as, mas, no seu conjunto, ele manteve viva xista. Em sua teorização, valorizou a ativi-
uma escola de cultura e não de ideologia dade humana (“práxis”) que interpreta e
apenas, e um sistema educativo extra-es- transforma a realidade. Nesse sentido, de
colar menos sufocante e menos ideológico acordo com Cambi (1999), defendeu que em
quando comparados com a educação nos torno de uma revolução da mentalidade é
países de regimes totalitários, como a Itá- possível agregar classes ou grupos sociais
lia e a Alemanha. Para ele, se o fascismo interessados na mudança para construir uma
italiano (1922-1943) foi o primeiro a esbo- “hegemonia” cultural e depois política con-
çar um sistema, de início conservador, de- trária ao capitalismo. Nesse repensar, o
pois abertamente ideológico-totalitário, da aspecto pedagógico é dominante, pois a
educação nacional, foi, porém, o nazismo hegemonia cultural se constrói pela ação de
que delineou o sistema mais orgânico e co- muitas instituições educativas, por uma
erente de educação ideológica de massa, organização da cultura que deve abranger
inspirada em princípios racistas e militaris- cada cidadão, incorporando-o ao projeto
tas. No tocante à União Soviética, além de politico-cultural em construção. Já para
fazer a ressalva sobre a escola de cultura, Manacorda (1989), Gramsci, como
ele assinala que foi também nesse período, indagador crítico dos aspectos culturais na
até aproximadamente 1955, que houve uma história do desenvolvimento social, relaci-
forte expansão da escolaridade, um melho- ona sempre o fato educativo não apenas ao
ramento da eficiência das estruturas da fato político, mas também ao fato da pro-
escola soviética e a afirmação de vozes dução e do trabalho ou, como ele próprio
pedagógicas originais. Quanto à expansão dizia, do industrialismo, do qual ele reco-
escolar, data de 1919, sob a influência e nhece como o centro mais dinâmico o
prestígio de Lênin, uma resolução consa- americanismo, defendendo, todavia, um
grando a educação gratuita, laica e obriga- americanismo “não de tipo americano”, ou
tória para todas as crianças e adolescentes seja, um desenvolvimento industrial de tipo
até os 17 anos, o que significou uma verda- socialista. Esse industrialismo é para ele
deira revolução educacional no país. também a medida da relação pedagógica,
não-rousseauniana, espontaneísta e permis-
siva, mas exigente e severa, para poder
educar, ou melhor, transformar cada
“cocciollo-uomo” (menino, criança) num
“contemporâneo de nossa época”
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

(Manacorda. História da educação, 1989, 4.3.4- A segunda metade do


46 p. 334).
Segundo esse projeto formativo e século, a renovação e as vo-
tendo como base as contradições da escola zes anti-pedagógicas
soviética, que ele acompanhava do cárcere
com enorme interesse, Gramsci elaborou a
proposta pedagógica da “escola única” pro- Após a Segunda Guerra Mundial,
curando equacionar os dois momentos da quando o mundo se dividiu em dois blocos
formação (trabalho intelectual e trabalho políticos antagônicos (capitalismo e socia-
produtivo). Reconhecendo na escola lismo), a educação seguiu os destinos polí-
humanística o tipo de escola tradicional mais ticos gerais. Nos países capitalistas, a pe-
antigo, que visa desenvolver em cada indi- dagogia, no âmbito da pesquisa e não de
víduo a cultura geral indiferenciada, a ca- prática, continuou a inspirar-se nos movi-
pacidade de pensar e o saber dirigir-se na mentos inovadores, dos quais Dewey foi o
vida, ele acrescenta que, conforme o capi- maior sistematizador. Nos socialistas, cres-
talismo se fortaleceu, foi sendo criado todo cidos ao redor da União Soviética, a inspi-
um sistema de escolas particulares de vári- ração é sempre nas teses de Marx sobre a
os graus, para os vários ramos profissio- união entre instrução e trabalho. Experiên-
nais ou para profissões especializadas, e cias marxistas além desses países ocorre-
propõe: ram na Itália e na França percorrendo um
caminho pedagógico baseado na hipótese
“Hoje a tendência é abolir toda escola ‘de-
comum ao marxismo e às escolas novas
sinteressada’ e formativa, ou deixar dela
somente um reduto exemplar para uma pe- (auto-governo, cooperação, participação
quena elite de senhores e de mulheres que democrática, trabalho diretamente produ-
não precisam preocupar-se com a prepara- tivo com pequenas tipografias escolares),
ção para o futuro profissional, e difundir
segundo Manacorda. Mas o fato é que a es-
sempre mais as escolas profissionais
especializadas, em que o destino do aluno e cola chegou aos nossos dias submetida a
a sua futura atividade são determinados duas instâncias: por um lado, difundir a
desde o início. A crise terá uma solução que cultura desinteressada (humanística), que
racionalmente deveria seguir esta traje-
forma e nutre a inteligência e a pessoa; por
tória: escola única inicial de cultura geral,
humanística, formativa, que saiba dosar outro, criar perfis profissionais. Como es-
justamente o desenvolvimento da capaci- creveu Cambi (1999), são duas instâncias
dade de trabalhar manualmente (tecnica- conflitantes entre si que alimentaram os
mente, industrialmente) e o desenvolvimen-
debates em torno da identidade da escola
to das capacidades do trabalho intelectu-
al. Deste tipo de escola única, através de secundária em quase todos os países e le-
experiências repetidas de orientação pro- varam a soluções diferentes, sublinhando
fissional, se passará para uma das escolas como as duas exigências não são
especializadas ou para o trabalho produti-
elimináveis e como esse problema perma-
vo” (Antonio Gramsci. Caderno 12, citado
por Manacorda. História da educação, necerá durante muito tempo como um pro-
1989, p. 333). blema aberto, a ser resolvido.
Outro fenômeno da época foi a pro-
Manacorda acrescenta que as previ- gressiva mudança das orientações católicas
sões de Gramsci sobre a organização da no campo da educação. Desde o final do
escola foram em parte se realizando na Itá- século XIX, Estado moderno e Igreja Católi-
lia a partir da aprovação da lei de 1962 so- ca aparecem em duas frentes opostas no
bre a escola média estatal. Quanto ao prin- aspecto da universalização e laicização da
cípio educativo e aos conteúdos, procurou educação. A tendência dominante era a da
definir qual poderia ser o novo humanismo expansão e estatização da escola, o que
ou o humanismo socialista, que deveria subtraía o tradicional espaço da Igreja Ca-
substituir o humanismo greco-latino tradi- tólica. Nesse contexto, a sua presença foi
cional, ou seja “o princípio pedagógico-di- bastante reduzida, mas poderíamos citar
dático da história da ciência e da técnica como testemunho da vitalidade dessa tra-
como base da educação formativo-históri- dição a obra educativa de Dom Bosco que,
ca da nova escola” (Antonio Gramsci. Ca- iniciada modestamente, impôs por meio da
derno 12, citado por Manacorda. História Congregação Salesiana, a presença católica
da educação, 1989, p. 334). no panorama educativo do mundo moder-
no. A sua obra destaca-se tanto pela refle-
xão pedagógica, como pela iniciativa de
educação popular profissional. Para
Manacorda (1989), o sucesso de sua escola
talvez se deva ao método misto de antigo e
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

novo, isto é, de intransigência teológica e Para Cambi, 1968 alimentou um am-


de bondade conjugada com severidade reli- plo movimento no campo educativo, esco- 47
giosa. lar e pedagógico que incidiu em profundi-
Em termos de orientação teológica, dade sobre a identidade da pedagogia, se-
já no século XX, enquanto a encíclica de Pio gundo três direções: “1- trouxe-a de volta
XI (1929) declarava que a educação perten- à sua fundamental politicidade, já que (...)
ce de modo eminente à Igreja, o Concílio a pedagogia é um saber também político e
Vaticano II (1961-1965) anunciava uma po- deve colocar-se em sintonia com as forças
sição mais aberta admitindo que “todos os sociais mais progressistas que trabalham
homens de qualquer raça, condição e ida- para a emancipação do homem. Política e
de, têm direito a uma educação que utopia vêm conjugar-se na pedagogia. 2- a
corresponda ao seu próprio fim e seja ade- pedagogia deve ser revista criticamente na
quada à sua índole, à diferença de sexo, à sua tradição, pondo às claras suas insufici-
cultura e às tradições de seu país”, confor- ências e condicionamentos, sobretudo ide-
me citou Manacorda no livro que estamos ológicos, desmascarando-os e projetando
seguindo. Essa orientação coincidia com o um pensar/fazer educação que se emanci-
pensamento de expoentes do catolicismo, pe dessa condição de subalternidade, sem
como Jacques Maritain e Emmanuel cair, porém, no mito da ciência, de uma
Mounier. neutralidade da ciência (...). 3- a focalização
À expansão escolar na segunda me- de novos modelos formativos (antropológi-
tade do século XX devem ser associados os cos, sociais, culturais) que visam a uma
diversos movimentos que especialmente na condição desalienada da vida individual e
década de 1960 colocaram acento em anti- social, caracterizando-a no sentido
gas discriminações educacionais que ainda libertário, anti-autoritário, erótico e cria-
persistiam. Estamos nos referindo especi- tivo, que se colocam numa trajetória expli-
ficamente a 1968 com as suas rebeliões es- citamente utópica” (Franco Cambi. Histó-
tudantis. Segundo Cambi (1999), o exem- ria da pedagogia, 1999, p. 624-625).
plo talvez mais alto da revolução cultural Nesse clima de revisão radical, se-
juvenil foi o “maio francês”, isto é, as lu- gundo o autor, vieram se afirmando mode-
tas estudantis para obter transformações los “alternativos” que se orientavam sobre-
na escola, na universidade e na política. A tudo para princípios e valores “outros” em
crítica à ideologia escolar na França ficou relação aos burgueses e capitalistas,
expressa, principalmente, na teoria de Louis saturados de ideologia conformista-autori-
Althusser, cuja influência ultrapassou as tária e repressiva. Dentre eles podem ser
fronteiras francesas. Na Alemanha, o movi- mencionados as pedagogias de auto-gestão
mento foi influenciado pela releitura do na França, da desescolarização (Ivan Illich),
marxismo realizada pela Escola de Frank- e, ainda, da experiência de “contra-esco-
furt e se colocou aberto a experiências mais la” na Itália (1967). Fora da Europa e atu-
libertárias como as de Wilhelm Reich, que ando em um país cuja educação escolar ain-
visava uma síntese entre psicanálise e mar- da era destinada às elites, devemos acres-
xismo. Na Itália, segundo Manacorda, des- centar Paulo Freire (1924-1998) com a ela-
de 1967, com a Lettera a una professoressa, boração de um método original de alfabeti-
carta a uma professora, “uma crítica racio- zação de adultos centrado na idéia da edu-
nal da escola foi escrita em primeira pes- cação como prática da liberdade.
soa”, isto é, pelos seus escolares, consti- Uma das mais novas características
tuindo-se antes de tudo em uma polêmica da pedagogia do século XX foi a sua abertu-
contra os professores como corporação. Não ra para os problemas mundiais e, nesse sen-
poderíamos deixar de acrescentar aqui o tido, foi nos países não-europeus onde se
movimento estudantil brasileiro que tam- desenvolveu um complexo e inovador mo-
bém eclodiu em 1968, mas cujas condições vimento de idéias e de práticas educativas,
amadureciam muito antes: estavam vincu- renovando as teorizações pedagógicas. De
ladas às lutas por democratização da uni- modo geral, foram três os âmbitos em que
versidade pública brasileira desde o final da se manifestaram a inovação e o alargamen-
década de 1950. Com a instauração da di- to da consciência pedagógica no século XX:
tadura militar em 1964 e com a iniciativa “1- por meio dos estudos antropológico-cul-
do governo em editar a reforma universitá- turais dedicados às práticas educativas jun-
ria sob ambiente de repressão, os estudan- to a culturas não-ocidentais; 2- por meio
tes saíram às ruas. Assim, o que distingue das inovações pedagógicas nos países em
o Brasil é o fato de que aqui o movimento desenvolvimento, com processos de alfabe-
estudantil ocorreu contra um regime dita- tização, mas também com práticas peda-
torial, enquanto na Europa se aprofundava gógicas originais que tiveram ressonância
a democracia. também na Europa e nos EUA (como ocor-
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

reu com Gandhi e a sua pedagogia da não- cou. Para Cambi, esse foi um ponto de hon-
48 violência); 3- por meio das campanhas de ra – “mesmo com todas as suas distorções,
educação de adultos, aplicando modelos de riscos e desvios – da escola contemporânea
conscientização, como fizeram Dolci e e que a diferenciou profundamente da tra-
Capitini, na Itália, ou Paulo Freire, no Bra- dicional (passiva e autoritária)” (Franco
sil (mas em anos sucessivos)” (Franco Cambi. História da pedagogia, 1999, p.
Cambi. História da pedagogia, 1999, p. 627).
588). O fato é que hoje, submetida aos
Para o autor, a reviravolta que 1968 valores de mercado, da “indústria cultural”,
provocou ainda nos condiciona. De fato, da sociedade do espetáculo, do poder da
continuamos às voltas com as questões te- mídia, a escola contemporânea se encontra
óricas sobre a finalidade da educação em em crise. Mas, olhando retrospectivamen-
nossa época e com as questões práticas que, te, será que algum dia em sua longa traje-
especialmente em países como o Brasil, com tória, a escola viveu sem passar por crises?
graves desigualdades sociais, ainda não Não esteve ela constantemente oscilando
encontraram solução. Se o grande tema de entre posições conservadoras e progressis-
1968 era o da democratização da educação, tas desde a Grécia Antiga?
ele mantém a sua atualidade neste começo A peculiaridade do presente, além do
do século XXI. que já expusemos nas linhas anteriores, é
que, se em algum momento a escola ocu-
pou a centralidade da vida social, hoje pa-
4.4. Considerações rece não ser mais assim. O progresso
tecnológico ao qual já nos referimos, ao
finais mesmo tempo em que facilitou a difusão
do conhecimento, obscureceu a centralidade
da escola, de modo que ela hoje se defron-
Ao encerrarmos essa trajetória da ta com a crise específica de definir seu pa-
história da educação tendo por objetivo pel em um mundo de economia globalizada,
demonstrar como a escola se expandiu tor- numa sociedade informatizada e de consu-
nando-se um direito de todos, é necessário mo. Começamos nosso texto didático cha-
salientar que, mesmo na Europa, foi só com mando a atenção para o fato de que a esco-
o segundo pós-guerra (1945) que a escola la não é a única instituição, o único lócus
se tornou acessível a todas as crianças. que transmite saber.
Apesar dos grandes avanços da educação Hoje, mais do que nunca o princípio
nesse século, em extensas áreas do plane- de Platão, segundo o qual não apenas a es-
ta ainda predominam a discriminação, as cola, mas a sociedade como um todo edu-
dificuldades para freqüentar a escola e até ca, é um princípio verdadeiro. Mas, então,
mesmo a exclusão de milhões de crianças que papel lhe cabe? Talvez, como preconi-
do direito à educação escolarizada. zou Manacorda (1989), caiba à escola exa-
Se retomarmos a tendência que vi- tamente aquilo que ela ainda não cumpriu:
nha se delineando na Europa principalmen- a formação humana plena, tal como escre-
te desde o século XVIII no sentido da veu o nosso autor:
estatização da instituição escola, consta-
taremos que no século XX essa tendência se “Parece-me que o caminho do futuro seja
efetivou. De fato, se no passado a escola aquele que o passado nunca soube percor-
rer, mas que nos mostrou em negativo,
foi monopolizada pela Igreja Católica e,
descortinando suas contradições. E estas
depois, por outras Igrejas mais, coube ao foram e são entre (...) a instrução dos do-
Estado moderno responsabilizar-se por ela minantes para o ‘dizer’ intelectual e dos
para que o direito a freqüentá-la se esten- dominados para o ‘fazer’ produtivo; entre
a exigência de uma formação geral humana
desse a todas as crianças. Mesmo assim,
e a preparação de cada um para competên-
essa foi uma passagem longa, difícil e bas- cias distintas (como as do dizer e as do
tante desigual de país para país. Ao mesmo fazer); entre máxima reverência que se
tempo em que a escola se expandiu, tor- deve à criança e o perpétuo recurso ao
sadismo pedagógico, com as inevitáveis
nou-se mais suscetível ao controle ideoló-
conseqüências contestadoras (...), entre
gico, o que, a princípio, pode parecer uma a persistente predominância de um ensino
contradição. Mas foi também o processo de lógico-verbal e a necessidade humana, es-
sua expansão, aliado à prática de vida de- pecialmente dos adolescentes, de uma ple-
nitude de vida instintiva, emotiva e afetiva,
mocrática, que possibilitou o reconhecimen-
através de uma vida escolar que não ex-
to das suas contradições e, depois, a sua clua, mas corresponda à sua vida real, quer
condenação. Pois foi isto que 1968, mesmo do corpo quer da mente, com suas ativida-
com seus excessos e extremismos, signifi- des artísticas, produtivas e físicas coloca-
Licenciatura em Pedagogia
História da Educação

das no mesmo nível das atividades (pseudo) para freqüentar a escola em um povoado
intelectuais. Em suma, a exigência de uma
longínquo da China. Trata-se de um belo e 49
escola que, de lugar de separação e de pri-
vações, se transforme num lugar e numa singelo filme sobre a realidade educacional
plenitude de vida” (Manacorda. História da de um país cuja história e cultura são mui-
educação, 1989, p. 360). to distintas dos países ocidentais, e, por
esta razão, complementa nossos conheci-
Já Franco Cambi, ao encerrar sua mentos sobre a história da educação. Já o
análise sobre a educação do século XX e filme “A língua das mariposas”, também
apontar perspectivas para a atualidade, enfocando uma pequena escola, mas agora
assinalou que a escola contemporânea as- no interior da Espanha, retrata, por meio
sume o perfil complexo que lhe é próprio da relação de amizade entre um menino e
nas sociedades industriais avançadas e de- seu professor, o ambiente de opressão que
mocráticas e ainda hoje atravessa: estava tomando conta do país na década de
1930 até o início da terrível Guerra Civil
“(...) a oposição entre escola de mas- Espanhola, que antecedeu as experiências
sa e escola de elite, entre escola de mais atrozes da máquina de guerra nazis-
todos e escola profissionalizante (ori- ta. Ambos os filmes possibilitam muitas
entada para um objetivo); a oposi- reflexões e são apenas sugestões dentre
ção entre escola livre (caracterizada tantos outros que podem ser aproveitados
pela liberdade de ensino, como quer para esta Unidade.
uma instância de verdadeira cultura
na escola) e escola conformativa (a
papéis sociais, a papéis produtivos).
São, justamente, problemas abertos
que ainda caracterizarão por muito
tempo a escola de decênios vindou-
ros (é previsível) e que devem ser
enfrentados sem exclusivismos e sem
fechamentos, com a nítida consciên-
cia de que a escola contemporânea
é, ainda, uma escola em transforma-
ção, que procura dar resposta a situ-
ações sociais, culturais e de merca-
do de trabalho profundamente novas,
e em contínuo devenir” (Franco
Cambi. História da pedagogia,
1999, p. 628).

4.5. Estudos comple-


mentares

Como você percebeu, essa última


Unidade, apesar de restringir-se a apenas
um século de história, é bastante mais com-
plexa do que as anteriores, que, em termos
cronológicos, foram bem mais longas. É que
o século XX, apesar de curto, foi um século
bem mais complexo e, do ponto de vista da
história da educação, só pudemos esboçar
neste espaço os seus traços essenciais.
Dessa forma, sugiro a você que leia mais
sobre o assunto nos livros disponíveis no
pólo de ensino de sua cidade e, se possível,
assista a alguns filmes que poderão contri-
buir para a ampliação de seus conhecimen-
tos sobre a educação contemporânea. Por
exemplo, o filme “Nenhum a menos” trata
das dificuldades enfrentadas por crianças
Licenciatura em Pedagogia
Profa. Marisa Bittar

Referências biblio- LUTERO, Martim. Educação e reforma (Aos


50 Conselhos de todas as cidades da Alemanha,
gráficas (gerais) para que criem e mantenham escolas e Uma
prédica para que se mandem os filhos à
escola). São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre:
ARIÈS, Philippe. História social da criança Concórdia, 2000.
e da família. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1978. LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação
e da pedagogia. Tradução e notas de Luiz
ABBAGNANO, N; VISALBERGHI, A. História Damasco Penna e J. B. Damasco Penna. 12ª
da Pedagogia. Tradução de Glicínia ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
Quartin. Lisboa: Livros Horizonte. 1981. 1980. (Atualidades Pedagógicas, v. 59).
vol. 1.
MANACORDA, Mario Alighiero. História da
ARBOUSSE-BASTIDE, Paulo; MACHADO, Educação: da Antigüidade aos nossos dias.
Lourival Gomes. Rousseau (1712-1778). Tradução de Gaetano Lo Mônaco. 4ª ed. São
Vida e Obra. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques, Paulo: Cortez Editora, 1989.
1712-1778. Do Contrato Social; Ensaio sobre
a origem das línguas; Discurso sobre a MANACORDA, Mario Alighiero. Aos
origem e os fundamentos da desigualdade educadores brasileiros. Tradução: Paolo
entre os homens; Discurso sobre as ciências Nosella e Patrícia Polizei Culhari. Campinas:
e as artes. Tradução de Lourdes Santos HISTEDBR-FE/UNICAMP, 2007. (Entrevista
Machado e notas de Paulo Arbousse-Bastide concedida a Paolo Nosella – DVD Gravado na
e Lourival Gomes Machado. 2ª ed. São Itália em julho de 2006).
Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores).
ROSA, Maria da Glória de. A História da
BITTAR, Marisa; FERREIRA Jr., Amarilio. O Educação através dos textos. São Paulo:
ofício de ensinar: dos preceptores aos Cultrix, 1971.
professores. Série Estudos. Periódico do
Mestrado em Educação da UCDB. Campo ROUSSEAU Jean-Jacques. Emílio ou da
Grande, n. 14, jul./dez. 2002, p. 122-137. Educação. Tradução de Roberto Leal
Ferreira. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. 1999.
Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo:
Editora da UNESP, 1999. RUGIU, Antonio Santoni. Nostalgia do
mestre artesão. Tradução de Maria de
DEWEY, John. Vida e obra. Experiência e Lourdes Menon. Campinas: Autores
natureza; Lógica – a teoria da investigação; Associados, 1998.
A arte como experiência; Vida e educação;
Teoria da vida moral. Traduções de Murilo
Octávio Paes Leme, Anísio S. Teixeira,
Leônidas Gontijo de Carvalho. 2ª ed. São
Paulo: Abril Cultural, 1985. (Os pensadores).

FRANCA, Leonel. O método pedagógico dos


jesuítas. Rio de Janeiro: Agir, 1952.

FERREIRA Jr., Amarilio; BITTAR, Marisa.


Pluralidade lingüística, escola de bê-á-bá e
teatro jesuítico no Brasil do século XVI.
Educação & Sociedade. Campinas, V. 25,
n. 86, abril 2004. p. 171- 196.

JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do


homem grego. Tradução de Artur M.
Parreira. Adaptação do texto para a edição
brasileira: Mônica Stahel M. da Silva. São
Paulo: Livraria Martins Fontes Editora,
1989.

Você também pode gostar