Você está na página 1de 5

Faculdades EST

Discente: Joel Decothé Junior


Docente: Rudolf von Sinner
Disciplina: Teologia Luterana I: Fundamentos teológicos e confessionais
Resenha da leitura: ALTMANN, Walter. Lutero e Libertação: releitura de Lutero em perspectiva latino-
americana. São Leopoldo: Sinodal e São Paulo: Ática, 1994, p. 352.
_______________________________________________________________________________________

Lutero e Libertação

1. Apresentação e Prefácio

No ano de 1994 o teólogo Leonardo Boff realiza a apresentação do texto que agora começamos a
resenhar do teólogo luterano Walter Altmann. Boff nos apresenta a noção de que a teologia que é produzida
na América Latina, toma como pressupostos dois vieses centrais: (i) num primeiro momento esta teologia
preocupasse em questionar a tradição desde interpelações que concernem à realidade histórico-social, e de
modo central aquela que se refere às quantitativas massas de pessoas que são oprimidas. Ao fazer isto
encontra neste caudal de elementos algo que anteriormente era isento de qualquer tipo de desconfiança e que
se colima com as reivindicações de libertação que pululam de todos os ângulos da realidade; (ii) num outro
sentido jogam-se luzes sobre a realidade histórico-social a partir de previsões advindas da fé, da tradição e
do pensamento construído pelos exímios doutores. Deste movimento teórico vem à tona a faceta
denunciativa e profética da fé cristã, sua gana de libertação e o seu posicionamento firmemente baseado num
futuro que desde o seu presente tem como base as esperanças nos grandes sonhos que animam esta
caminhada.

Boff chama a atenção para o fato de que é a partir destas duas vias que Altmann propõe a releitura de
Lutero. Cabe o destaque que denota Lutero como um dos patriarcas do espírito de emancipação dos tempos
modernos, e ainda afirma que este teólogo seja um doutor legítimo que esteve a serviço de toda a comunhão
cristã. No pensamento de Lutero encontramos um germe de pensamento libertador e ousado que fomentou
um tipo de protesto que se coaduna intuitivamente com a totalidade da teologia latino-americana da
libertação. Boff tece um elogio a Altmann por ter escrito uma obra de pura excelência sobre Lutero. O livro
pode ser encarado como uma ferramenta para os pobres que estão na busca por sua dignidade e por plena
libertação, que tanto foi barrada ao longo dos séculos passados, porém, que é premissa fundamental na
herança do pensamento cristão que foi relido e atualizado por Lutero.

No prefácio de seu livro o teólogo luterano Altmann, chama-nos atenção de que em suas leituras
sobre o pensamento de Lutero é impossível nutrir uma postura epistemológica de neutralidade diante das
proposições teológicas de suas sentenças. Pois, ao fazermos a leitura de Lutero levamos em conta as nossas
próprias histórias de vida e isto tem haver com a forma e a metodologia de se fazer teologia no continente
latino-americano. Altmann alerta que o seu texto se constitui como uma releitura de Lutero a partir do olhar
da teologia latino-americana e assume que com isto advém uma série de implicações. Faz-se adequado frisar
ainda que os textos de Lutero são fruto de circunstâncias históricas e contextuais que refletem uma gama de
reivindicações que são imanentes às lutas de pessoas que exibem os axiomas de vida e morte diante dos
desafios do cotidiano. Altmann esclarece que não seguiu um caminho de releitura do pensamento teológico
de Lutero na direção estritamente historicista, ele fez a opção de reler Lutero desde aquela lente
metodológica do embate de questões contemporâneas com as proposições da teologia do Reformador em seu
tempo histórico.

O que o esforço do teólogo latino-americano pretende é a ação de recuperação dos elementos


libertadores inerentes à teologia de Lutero. É claro que este movimento requer a sensatez de não se olvidar
as sentenças mais sombrias e lamentáveis do pensamento do Reformador, tais como a sua posição em
relação aos judeus, as rebeliões dos campesinos daquela época e as suas manifestações públicas sobre os
anabatistas que divergiam de sua postura reformatória. Altmann destaca que apesar deste tipo de
reacionarismo de Lutero, o texto escrito entende que o pensamento teológico de Lutero tem um potencial
evangélico liberador tanto do ponto de vista individual ou eclesial, assim como social e político. Com isso o
teólogo latino-americano nos convida a olharmos para a teologia de Lutero como um tipo de testemunho do
evangelho que é libertador.

2. Panorama da teologia e obra de Lutero: a encruzilhada entre o velho e o novo

Na primeira parte do livro temos no capítulo 01 uma ampla explanação dos aspectos semânticos
presentes na teologia do reformador considerando o seu contexto histórico e também o ambiente da época
em que o livro foi escrito. Outra questão que é ventilada é aquela que constantemente foi problematizada a
respeito da condição da compreensão de Lutero e seu trabalho como um testemunho serôdio da cosmovisão
medieva ou como um embaixador prematuro da modernidade. Em suma, Altmann pondera que Lutero
ocupava um lugar de interconexão entre o velho e o novo, pois estas são as rubricas presentes na vida e obra
do Reformador.

3. Teologia com nova chave de interpretação

A segunda parte do livro abarca um longo espaço reflexivo que comporta os capítulos 2 até 8. Neste
espaço trabalham-se questões nucleares referentes à reflexão teológica de Lutero, entre elas: Deus e ateísmo,
Deus oculto e revelado, o problema dos ídolos e a questão do capital na América Latina como um deus
potentíssimo, pois em razão deste ídolo é que os povos deste continente são sacrificados. Deus ao lado dos
mais frágeis, contra todos os ídolos e a promessa de Deus que anima por meio de sua palavra a lutar contra a
aparência e a realidade de opressão. Cruz de Cristo, nesta questão aborda-se dentre outras coisas o problema
do Jesus histórico na Europa e a virada de perspectiva em termos do querigma e da historicidade de Jesus.
Outro viés tratado é o que leva em conta a cristologia da libertação na teologia latino-americana em dois
aspectos: o do Cristo morto e do monarca tendo em vista o seu papel libertador e que se orienta para a vida
das pessoas desprezadas e o seu esvaziamento. A cristologia de Lutero é de ordem soteriológica e atrelada
aos credos clássicos da Igreja, pois Lutero trabalha a noção de que é por meio da fé que se deve assumir um
tipo de conformação ou adesão a mesma forma de Cristo.
A Justificação é um tema que surge de imediato ligado à perspectiva do pietismo e sua ênfase na
conversão ligada à individualidade do ser humano, em contrapartida a visão da teologia da libertação ao
encarar tal questão opta por uma forma holística de conversão a Deus e simultaneamente ao próximo, sendo
a sua forma mais revolucionária posta na compreensão de que deve acontecer uma conversão estrutural da
história humana para que ocorra a promoção da justiça, solidariedade e fraternidade plenas. Em Lutero a
justificação centra-se em Cristo e sua obra na cruz, ou seja, o foco está na colocado na graça de Deus em
termos salvíficos e não nas obras, pois a justificação gera atos de amor e justiça. Aqui o batismo entra em
jogo como um tipo de vetor permanente da conversão diária. O destaque final fica para a questão de que a
justificação na época de Lutero tinha um caráter denotativo de semântica jurídica, já na teologia da
libertação a justificação tem a força de gerar a libertação das pessoas mais frágeis.

Sobre a Escritura, cabe o destaque de que a tradição católica redescobre o valor da mesma após o
concílio Vaticano II e a exegese desenvolvida pelo método histórico-crítico aproximou de forma
surpreendente as linhas de estudos exegéticos católicos e protestantes. A Escritura para Lutero era o
referente nuclear de autoridade dentro da Igreja, superando o poder de Papas e concílios, logo a Bíblia para o
Reformador é uma via que deve ser sempre e permanentemente estudada, pois o seu conteúdo é inesgotável
e o seu núcleo central do fazer hermenêutico escriturístico é a promoção de Cristo como instrumento de
vida. No tópico Igreja, temos inicialmente a questão das Cebs, após isto o autor faz um breve exame do
protestantismo de imigração, missão e do pentecostalismo. Por fim, temos a eclesiologia de Lutero que
postula a noção de que a Igreja é criatura da palavra de Deus, em seus aspectos interno e externo. No item
sacramentos destacamos que para Lutero os sacramentos compreendem três elementos: (i) uma promessa ou
palavra divina, (ii) um sinal exterior, (iii) a fé que recebe a promessa, logo os sacramentos são dádivas de
Deus que fortalecem a fé e a comunhão comunitária com Jesus Cristo.

Mais um item é o da doutrina dos dois reinos, neste tópico trabalham-se as relações entre Igreja e
Estado que na visão de Lutero tem um caráter distinto, porém, relacional. Tais tópicos são do campo do
dogma, porém, a ênfase que se dá ao tratá-los é aquela que envolve as suas consequências éticas. Altmann
pondera que tal perspectiva se liga a sua concepção de produção teológica, ou seja, ele questiona a prática
comum de distinguir teologicamente o campo da ética do da dogmática. Então, o teólogo realiza a seguinte
ação metodológica de reflexão teológica nesta primeira parte de seu livro, ventila-se incialmente questões
relevantes da contemporaneidade e adiante se discute a luz da teologia produzida por Lutero o tema que foi
posto em voga e finalmente, faz-se o discernimento a respeito da importância que a teologia do Reformador
tem diante de tal contexto.

4. Exercícios sobre posicionamentos éticos de Lutero

Na parte três de seu livro Altmann aborda questões relacionadas às posições éticas de Lutero. Temos
incialmente a questão do ofício político e a igreja, aqui Lutero fala sobre as três muralhas. A primeira é a do
clero como estamento espiritual, superior ao laicato como estamento secular e inferior, a segunda é o da
infalibilidade papal e a terceira é a de que o papa estaria acima da Escritura. Lutero fez algumas propostas
para a reforma da Igreja, sociedade e política: (i) reformas eclesiásticas que consistem na descentralização
do poder papal; (ii) reformas políticas onde o papa não teria poder maior do que o do imperador; (iii)
reforma social nos mais diversos campos da sociedade de então. Sobre a questão da educação Lutero
preconiza que tal responsabilidade era dos pais, porém, que as autoridades políticas locais deveriam
estimular e manter as escolas visando à relevância do fornecimento de bons cidadãos para a sociedade. A
educação para Lutero seria então uma tarefa concomitantemente secularizada e espiritual.

Sobre o problema da economia, Lutero critica a usura e os artifícios injustos para que houvesse a
garantia de lucro, a alternativa a estes impasses seria a criação de uma caixa comunitária que pudesse
atender as necessidades sociais. A respeito da questão da guerra justa, Lutero conclamou a todos a resistirem
à invasão iminente dos turcos. O Reformador entendeu que a noção de guerra santa não tem fundamento,
pois a guerra é um tipo de atividade secular e que pode ser empreendida para a proteção da vida, esta é a
base para que uma guerra seja justa. A respeito da posição de Lutero sobre a revolta dos camponeses,
Altmann chama a atenção de que tal problemática requer um cotejo cauteloso do contexto histórico em que
tal fato aconteceu, e que Lutero fez de tudo para evitar tal massacre da parte dos príncipes, porém,
infelizmente Lutero titubeou e acabou legitimando a ação violenta dos príncipes em nome do
restabelecimento da ordem, da paz social e do progresso da causa evangélica reformatória. A questão que
envolve a posição de Lutero diante dos judeus é bastante controversa, pois hora o Reformador parece ser
simpático aos judeus, hora ele se expressa agressivamente diante dos mesmos. Altmann chama a atenção ao
realizar o cotejo de alguns textos de Lutero, que é tarefa da hermenêutica teológica dar conta das aporias
antissemíticas presentes na reflexão do Reformador. Mas, o que de fato está em jogo são as posições racistas
que surgem deste problema. A teologia terá que enfrentar tal problemática, de modo que ela venha oferecer
respostas adequadas para se opor a tais concepções ideológico-racista, que tem a sua lamentável expressão
paradigmática, no caso do nazismo alemão e o envolvimento da igreja evangélica alemã com tal ideologia
de morte.

5. O legado de Lutero e a teologia da libertação

Na quarta e última parte de seu texto, Altmann começa fazendo a pergunta pelo que afinal Lutero
quis? A essa pergunta Altmann sugere que respondamos com outra questão, ou seja, e nós o que queremos?
É importante denotar que Lutero foi um sujeito cheio de limitações e erros. Após ponderar sobre as imagens
de Lutero dentro e fora do luteranismo, o autor, reflete sobre a relevância das designações nominais do
movimento liderado por Lutero. Importante é destacar que a Igreja é criatura da palavra e está serviço dela.
Altmann examina algumas características do ser evangélico: (i) a justificação pela fé que é uma doutrina
central no pensamento do Reformador, pois com esta a igreja permanece ou cai; (ii) o tema da liberdade
evangélica aponta que o dado de que a IECLB é uma igreja que reflete esta liberdade em seu pluralismo
teológico, e isto pode ser encarado como algo virtuoso; (iii) a cruz de Cristo é a marca do Deus que se faz
humano e fraco para com os fracos, esta é a teologia da cruz; (iv) a noção de nova santidade tem haver com
a tomada de posição no que tange a vocação do ser cristão diante do mundo e isto em todos os âmbitos da
vida em sociedade pautada que é pelos referentes da cruz, da justificação e da graça de Deus.
No penúltimo capítulo de seu livro Altmann trabalha a questão da parábola presente em Mt 25.31-46.
Num primeiro momento ele cuida da questão entre os teólogos da libertação da vertente católico romana. Os
pontos chaves desta reflexão da parábola na teologia da libertação podem ser sintetizados em três momentos
hermenêuticos: (i) o ato de identificar Deus ou Cristo na figura do pobre e do oprimido; (ii) a provocação a
participação lúcida nos desdobramentos históricos com a conversão do olhar na opção preferencial pelas
pessoas mais necessitadas; (iii) a salvação como prêmio dos atos de amor que a partir disto tudo são
praticados. Pertinente é destacar que Altmann relaciona a posição de Lutero diante desta parábola em
consonância com a posição da teologia da libertação que é sensível a questão social, política e econômica.
Lutero assevera que o amor deve ser dirigido ao próximo e que as obras da fé devem ser realizadas para
dentro da vida hodierna. É claro que Lutero padece de uma série de limitações que não lhe permite ter um
olhar translúcido a respeito do contexto em que ele vivia. Por fim, as análises se focam na identificação de
Jesus com os mais pequeninos, algo que está explicitamente presente nos evangelhos. Então, a parábola do
“Grande julgamento” quer inspirar as pessoas cristãs a irem ao encontro concreto da solidariedade, justiça e
amor em favor da dignidade humana e fundamentalmente em benefício dos mais pobres.

Finalmente o último capítulo do livro trata do tema da recepção do conceito de liberdade presente no
pensamento de Lutero para dentro da teologia da libertação. Lutero estava preocupado com a indicação de
uma direção liberadora para as consciências atribuladas, algo que consequentemente o levou a enfrentar as
malhas autoritárias eclesiásticas que oprimiam as pessoas. Neste jogo de aproximação entre Lutero e os
teólogos da libertação católicos, cabe ressaltar que o Reformador é refém de seu contexto específico. Os
teólogos da libertação dedicam as suas forças a libertação dos corpos flagelados em razão da pobreza e da
injustiça social. Mencionamos apenas algumas posições dos teólogos católicos (TdL) a respeito da teologia
de Lutero. Para Juan Luis Segundo a teologia de Lutero pode ser encarada desde a perspectiva da relação
entre fé e ideologia, o que deveria acontecer é uma síntese fértil e libertadora entre a teologia protestante e
católica para que haja um desenvolvimento da teologia da libertação.

Hugo Echegaray padre peruano faz a sua análise cotejando o pensamento de Lutero e Müntzer no
sentido de se estabelecerem como dois tipos antagônicos no que tange a aporia constante que existe nas
relações entre fé e política, a sua construção teórica contempla as categorias de liberdade e libertação. Franz
Hinkelammert faz uma análise da reforma na perspectiva dialética da história que comtempla o problema
das relações entre carisma e institucionalização. Para L. Boff Lutero fez avanços teológicos, mas do ponto
de vista sócio-político foi apenas um mero reformista. E. Hoornaert é favorável às posições teológicas de
Lutero, pois o considera um grande conhecer da realidade popular de sua época e de suas necessidades.
Entre os teólogos protestantes não luteranos temos J.M. Bonino que trabalha em Lutero o problema da
justiça a partir da ótica dos pobres. A teóloga mexicana E. Tamez trata do tópico da justificação pela fé na
teologia de Lutero, desde a ótica da justiça social presente na teológica latino-americana. Fechando sua obra,
Altmann traça um paralelo entre as consonâncias e dissonâncias da teologia de Lutero com a teologia da
libertação. Então, para terminar, Altmann faz um balanço da noção e potencialidade histórica das categorias
de libertação e liberdade na teologia de Lutero e na teologia da libertação.

Você também pode gostar