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Punido

pelo Pai?
Indíce:
Prefácio.....................................................................................................................................................3
Coletânea de Textos................................................................................................................................6
Apêndice 1 – O cordeiro vitorioso....................................................................................................22
Apêndice 2 – 33 Teses contra a Substituição Penal.........................................................................24
Apêndice 3 – Ressuscitou para nossa justificação (Rm 4:25).........................................................28
Indicações de leituras e de vídeos.......................................................................................................33
Prefácio

As questões relacionadas ao sentido da morte de Cristo sempre foram uma das áreas
de maior interesse para mim dentro da Teologia. Fui conduzido por esse desejo a comprar
livros, assistir pregações e ler diversos artigos na internet, os quais – acompanhados de oração
– elucidaram muitas das minhas dúvidas quanto ao tema. Nessa época, eu era um ávido ouvinte
do Pr. Paulo Júnior e do rev. Paul Washer (que Deus os abençoe!). Por causa desse ritmo de
estudo e do ímpeto jovial de querer prematuramente ter muitas certezas nos campos que eram
de meu interesse, eu costumava ter firmeza na profissão de muitas doutrinas, uma delas era a
crença na teoria da Substituição Penal. Eu a via não somente como uma das teorias existentes
para explicar o Evangelho, mas como as próprias boas novas.
Por causa disso, tive um verdadeiro choque no ano de 2019: ao ler algumas postagens
do reverendo Gyordano Montenegro (ministro da Paróquia Anglicana Libertador) me deparei
com uma visão da Expiação bem diferente da que eu estava acostumado. Fui apresentado a
uma maneira deveras distinta de expor o evangelho. “Como assim”, me perguntava ao ler suas
postagens, “Cristo não foi alvo da ira do Pai?”. Durante um bom tempo lutei comigo mesmo
porque eu queria continuar acreditando na visão que havia sido instruído enquanto aos poucos,
cada vez mais, era convencido daquilo que estava aprendendo porque as novas explicações
faziam muito maior jus as Escrituras. Decidi parar um pouco. Copiei e colei diversas postagens
do referido ministro anglicano no meu whatsapp e tentei esquecer por um momento aquelas
doutrinas até que algo aconteceu: lia o livro de Levíticos na minha leitura anual das escrituras e
ao chegar ao capítulo 16 tive uma epifânia. Quando li o texto um pouco mais desapegado de
pressupostos que enviezavam minha interpretação, me deparei com a dura realidade de que os
fatos estavam bem ali na minha frente, mas eu não conseguia compreendê-los. Após essa
experiência decidi revisitar outros textos que geralmente citava ou utilizava para embasar a
substituição penal. Era inequívoco. A explicação dos pais da Igreja harmoniza de forma mais
coerente e natural ao ensino bíblico a respeito do sentido da morte de Jesus. Decidi ler dois
teólogos que são infelizmente vilipendiados na Teologia brasileira: James Dunn e NT Wright1.
Enfim, mudei minha forma de compreender essas temáticas.
Li e reli essas geniais postagens do Gyordano e decidi edita-las para formato e-book, as
quais finalmente trago para o conhecimento dos irmãos, na esperança de que sejam (como
foram para mim) instrumento do Espírito Santo na iluminação das mentes dos membros de
sua Igreja e, assim, mais servos de Deus possam compreender de forma mais profunda o
significado dessa maravilhosa operação da graça que foi o presente do evangelho dado a nós
na Vida, Morte, Ressurreição e Ascenção do Nosso Senhor. O Evangelho é a mensagem de
que aquele a quem os impíos penduraram no madeiro, Deus o fez Rei e Senhor de toda a
criação, e que por meio dele recebemos gratuito livramento do domínio de Satanás e a remissão
dos nossos pecados. Jesus não foi condenado por Deus na cruz. Antes, a Cruz foi onde Deus
julgou e condenou o pecado (Rm 8:3), o mundo (Jo 12:31) e o diabo (jo 16:10) nela. Jamais se
ensinou dentre os pais que o Filho de Deus havia se tornado alvo da Ira do Pai para que
fossemos salvos.
A Igreja não nasceu no século XVI. O evangelho não pode, de forma alguma, ser uma
doutrina que só foi sistematizada por alguns dos reformadores. As ênfases da Igreja Latina com
sua teologia ocidental não são a quintessência da exposição bíblica. Precisamos urgentemente
levar o princípio do ad fontes mais a sério, estudar não só o que queremos e perder um pouco
dessa mentalidade reducionista. O reavivamento do Christus Victor, da teoria da Recapitulação

1As obras em questão são: “Justificação: o Plano de Deus e a visão de Paulo” (NT Wright) pela Sal Cultural, “Teologia de
Paulo” (James Dunn) e a “Nova Perspectiva em Paulo” (James Dunn) pela Loyola e Paulus, respectivamente.
do real ensinamento de Sto Anselmo são conquistas inalienáveis desse processo contra as
inovações trazidas pelos advocantes da Substituição Penal, dentre as quais o ensino de que
Cristo foi odiado pelo Pai para que o Pai redimisse os eleitos é uma das – na minha opinião –
piores inovações.
Ênfases desmedidas na Ira de Deus, legalismo, excessivo apego a uma visão forense de
mundo entre outros equívocos podem ser revertidos a partir do resgate desse entendimento da
expiação. Reproduzo abaixo uma importante citação do teólogo e historiador da Igreja Justo L.
González, a qual fornecerá um background para a compreensão de um dos pilares da teologia
exposta pelo rev. Montenegro nas páginas que se seguem:
Os estudos dos primeiros teólogos da escola lundense, Anders Nygren e Gustav
Aulén, concentravam-se na história da teologia e chegavam a conclusões muito
diferentes daquelas recebidas do liberalismo do século XIX. O Lutero que eles
descobriam não era o fundador liberal da Alemanha moderna, como pretendiam os
teólogos liberais, e tampouco o personagem rígido que o escolasticismo luterano havia
visto nele. De acordo com os lundenses, a realidade e o poder das forças do mal
eram um fator importante na teologia de Lutero — diferentemente tanto do
liberalismo quanto da ortodoxia escolástica. Segundo eles, Lutero não via a redenção
como um princípio ou um pagamento, mas como um drama — um drama que
chega a seu ápice na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Os lundenses se
dedicaram, então, a procurar as raízes e os antecedentes da teologia de Lutero no
pensamento cristão que o precedera, em especial na patrística. Seu método não consistia
em investigar doutrinas particulares, mas em explorar os “motivos” ou temas fundamentais que se
encontravam tanto em Lutero quanto nos antigos escritores cristãos. Nessa tarefa, o livro
Christus Victor de Aulén foi de enorme importância, pois o autor foi o primeiro a
demonstrar claramente que a visão predominante na igreja antiga acerca da obra
de Cristo o via como aquele que derrotou ou venceu os poderes do mal. Talvez
Aulén tenha exagerado no grau em que Lutero concorda com essa visão. Mas o ponto
crucial era que, numa das doutrinas centrais do cristianismo, a igreja antiga —
e Irineu em particular — sustentara uma postura diferente das alternativas
oferecidas pela teologia posterior. Portanto, a teologia lundense sublinhava vários
pontos importantes da teologia do tipo C: que o problema humano consiste
essencialmente em nossa sujeição ao poder do pecado; que a obra de Jesus
Cristo é justamente nos libertar desse poder; que essa obra não está centrada
apenas na cruz, mas também na encarnação e na ressurreição — e tudo isto
compreendido em um sentido histórico e comunitário, em contraposição ao sentido
individualista e psicologizante de Bultmann e de boa parte da teologia existencialista 2.

Em sua obra, González discorre a respeito de três formas de fazer teologia comuns no
cristianismo primitivo: tipos A, B e C3.
Os teólogos do tipo A tem uma enfâse legal bastante elevada, costumam ver o
relacionamento do homem e de Deus a partir da lei divina. Possuem uma retórica “forjada
dentro do molde dos interesses práticos e jurídicos que tanto absorviam a mentalidade
romana”4. Tertuliano de Cartago (o primeiro a incluir a temática da necessidade de satisfação
na teologia cristã, só que aplicada à questão da penitência, como veremos adiante) é considerado
o primeiro dos expoentes do tipo A. Por causa dessas características, os teólogos do tipo A têm
uma preocupação muito grande em temas como satisfação, restituição, pagamento e juízo, o
que influencia diretamente na forma com que eles veêm o drama da redenção.
Os teólogos do tipo B – que tem como um dos primeiros expoentes Orígenes de
Alexandria –, por sua vez, enfatizaram a gnose (conhecer), com o costume de ver o
relacionamento entre Deus e o homem a partir da investigação racional da verdade dos escritos
bíblicos5. Por fim, tendo com um dos seus principais expoentes o teólogo Irineu de Lyon, os

2 GONZÁLEZ, Justo L. Retorno a História do Pensamento Cristão. 1 ed. São Paulo: Hagnos. 2011, p. 164.
[ênfase acrescentada].
3 Ibid, p. 20.
4 Ibid, p. 26.
5 González diz: “se tentássemos resumir em uma única palavra o tema central do pensamento de Orígenes, do

mesmo modo como resumimos palavra seria Verdade o tema de Tertuliano como LeiI”. (Ibid, p. 31).
teólogos do tipo C. Os teólogos aqui enquadrados enfatizam o evangelho não como uma
doutrina abstrata mas como o relato de acontecimentos que se concretizaram fielmente na
história. Em outras palavras, “para eles, a essência da fé não se encontrava em uma série de
verdades imutáveis vindas do céu, mas em certos acontecimentos que haviam ocorrido ali
mesmo e entre as pessoas que tinham lhes legado a fé”6. “Assim”, escreve González, “assim
como podemos caracterizar a teologia de Tertuliano sob o título de Lei, e a de Orígenes sob o
de Verdade, também podemos dizer que o tema central da teologia de Irineu é a História”7. Por
isso, nesse entendimento, há toda uma relacionada a questão da relação da narrativa do Verbo
encarnado com a sua vitória histórica na condução do povo de Deus para longe da escravidão
do pecado e de Satanás. As palavras-chaves aqui são resgate, vitória, guerra, reino, embate etc.
González pontua a partir dos dados históricos disponíveis: “a teologia do tipo C é a mais antiga
das três”8. Nessa forma de ver o Evangelho, o principal problema do homem não é Deus mas
o mundo, o pecado e Satanás.
Não nos envergonhamos com a nossa profissão doutrinária. Descansamos sabendo que
não estamos inovando, mas simplesmente relembrando a Igreja do que sempre foi ensinado.
Cautela na leitura! Façam o exercício de se desapegarem um pouco dos seus pressupostos ao ler
este material. Como diz o provérbio chinês: “esvazie a sua xícara para que eu possa enchê—la
do meu chá”. Ainda que este material não o convença, certamente será útil para que você possa
discordar do exposto com propriedade no assunto. Enfim, que Deus abençoe a sua Igreja.

Jadson Targino,
31 de Março de 2020.

Aviso: Sinta-se autorizado a compartilhar o e-book com seus amigos, desde que gratuitamente.
Essa é a primeira obra sobre o assunto produzida em nosso idioma. Uma obra mais formal e impressa
está a caminho. Leiam esse material tomando-o como um aperitivo para o que virá adiante. Referencie
este material da seguinte forma:

Ex: MONTENEGRO, Gyordano. Punido pelo Pai? / editado por Jadson Targino. 1 ed. João
Pessoa: Publicações Digitais Independentes. 2020, p. 9.

6 Ibid, p. 37.
7 Ibid.
8 Ibid, p. 19.
Coletânea de Textos9

Jesus morreu pelo perdão dos nossos pecados?

Um dos traços mais surpreendentes da obra de Lucas (Evangelho e Atos) é a ausência quase
completa de uma explicação teológica da paixão e crucificação de Jesus. A morte de Cristo
aparece muito mais como um martírio, nunca como um sacrifício expiatório explícito.
Mesmo na narrativa da instituição da Eucaristia, se diz apenas que o sangue de Cristo é
derramado "hyper hymōn" (por vós, em vosso benefício), sem uma conexão com a remissão
dos pecados, que aparece em Mateus (cf. Mt 26:28; Lc 22:20). No livro de Atos, nos
momentos em que a graça e a remissão de pecados são mencionadas, não há ligação explícita
com a paixão e crucificação. Para Lucas, é possível pregar o Evangelho, ao menos em sua
forma mais primitiva e querigmática10, sem referência à remissão dos pecados, mas não sem
o milagre da ressurreição. Por outro lado, em vários momentos se fala da paixão do Senhor
e de como essa morte foi predeterminada nos planos divinos, de como Cristo tinha que
sofrer, mas os sermões são marcados pela ênfase típica lucana sobre o milagre: agora, a
ressurreição, a exaltação após o sofrimento. Cristo precisou padecer (At 3:18), é verdade, mas
os discípulos também (5:41; 9:16). Em toda a obra lucana, possivelmente a única referência
significativa a uma interpretação teológica é At 20:28, que trata o sangue de Cristo como
"compra", não como expiação, e sem referência a pecados. O Credo Apostólico, que não
fala da crucificação e remissão de pecados no mesmo fôlego, preserva algo desse querigma
lucano.

O que é a obra de Salvação que Jesus operou através da crucificação e da


ressurreição por nós?

A salvação é melhor descrita como uma vitória de Cristo sobre os principados e potestades
que mantêm o homem e a criação prisioneiros da morte e impedem sua união com Deus. É
uma questão de política celestial. Só assim é possível ver a ligação entre a obra redentora de
Cristo (e da Igreja) e seus milagres e exorcismos, ou entre a salvação como um todo e a
restauração da criação, ou a centralidade do reino de Deus nos Evangelhos sinóticos. Embora
essa perspectiva da morte de Cristo como vitória dele sobre os demônios e potestades ser
enfatizada no NT, a salvação é tanto libertação do poder do demônio quanto remissão dos
pecados cometidos contra Deus, e as duas coisas caminham juntas. É tanto expiação vicária
quanto o Cristo vencedor. É o Cordeiro vencedor: "Ele nos libertou do império das trevas e
nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos
pecados" (Colossenses 1:13-14); “E, visto como os filhos participam da carne e do sangue,
também ele participou das mesmas coisas, para que pela morte aniquilasse o que tinha o
império da morte, isto é, o diabo” (Hebreus 2:14); “Quem comete o pecado é do diabo;

9 Essa coletânea é uma reunião adaptada de diversas postagens do rev. Gyordano Montenegro em seu perfil no
Facebook sobre a temática abordada.
10 Querigma (gr. kerygma, “pregação”) é a mensagem apostólica mais simples, pregada pelos apóstolos depois da

Ressurreição, para a conversão de judeus e (depois) gentios.


porque o diabo peca desde o princípio. Para isto o Filho de Deus se manifestou: para
desfazer as obras do diabo” (1 João 3:8); “Irei livrar-te deste povo e dos gentios para os quais
te envio, para lhes abrir os olhos e os converteres das trevas para a luz, e do poder de Satanás
para Deus, a fim de que recebam o perdão dos pecados e herança entre os que são
santificados pela fé em mim” (At 26:17-18); “Havendo riscado a cédula que era contra nó
nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós,
cravando-a na cruz. E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente
e deles triunfou em si mesmo” (Cl 2:14,15)

Por que o Senhor sofreu e morreu na cruz?

O reino de Deus é contestado por outro reino: o reino da morte, do pecado, do demônio,
que é a condenação da humanidade inteira por uma só transgressão. A cruz de Cristo é a
libertação desse jugo: é o Filho sujeitar-se à morte, à condenação adâmica, para ressuscitar e,
unindo-nos em sua morte e ressurreição, nos vivificar também. A cruz é a morte do velho
homem, isto é, a morte de Adão. Nos sacramentos, nós revivemos em nós mesmos, pelo
Espírito, tudo aquilo que Cristo passou, e recebemos pela fé o poder espiritual que emana de
sua cruz e sua glória, curando-nos da mácula da primeira maldição. Com isso, estamos mortos
para a lei, para o pecado e para o mundo. O poder do demônio sobre os homens não é um
direito resultante dos pecados humanos — como se ele tivesse algum direito de fazer o mal!
—, mas uma escravidão a ser anulada, e Deus o faz pela raiz: recebendo em si a morte para
acabar com a morte. Na cruz, Cristo não enfrenta a ira de Deus — Cristo é Deus, e não se
ira contra si mesmo —, mas enfrenta a inveja do homem e o ódio do demônio, em cujas
mãos ele foi entregue pelo Pai. Na cruz, vemos um Senhor que padeceu a tristeza e a solidão,
enfrentou o silêncio do Pai e o dos homens, suportou o ódio, o desprezo e, na verdade, a
convergência de todo o mal do universo, por pura compaixão. Na cruz, Deus não é aquele
que se ira, mas aquele que perdoa, que não imputa os pecados dos homens, e lança sobre nós
o seu amor infinito colocando-nos no seu Filho amado. Deus é infinita generosidade. Na
cruz ele não compra perdão, mas doa perdão. Não vemos um Pai que não tinha outra escolha,
mas um que, tendo infinitas escolhas, quis entregar o seu melhor. Removidos de sob o poder
das trevas, recebemos a remissão dos nossos pecados. Primeiro Deus nos tira de sob o poder
do demônio, e então depois nos perdoa. A cruz liberta o homem para o seu destino: participar
da natureza divina. Na cruz, Cristo não nos livra da cruz. Ela é um convite.

Jesus sofreu a ira de Deus?

Uma forma comum de expressar a teoria calvinista da expiação (Substituição Penal) é afirmar
que Jesus recebeu sobre si a ira de Deus, como num escudo, livrando os eleitos dela. Não é
possível encontrar nas Escrituras a ideia de que Jesus recebeu sobre si a ira de Deus (explícita
ou implícita), e é difícil entender como o Filho amado do Pai poderia ser objeto da sua ira
sem contradizer a doutrina trinitária. Percebendo esse problema, Jonathan Edwards
modificou essa tradição: Cristo não foi alvo da ira divina, mas apenas sofreu "como se" (as
if) o tivesse sido. Essa ligação entre a expiação e a "ira divina" é instável. Afinal, a punição
devida é a condenação eterna, que Cristo não sofreu. A única saída para esse problema é
retroceder a Anselmo (satisfação): mesmo não recebendo a condenação eterna, Cristo sofreu
um "castigo mais que suficiente" para salvar os homens da condenação. Essa é uma admissão
de que Cristo não recebeu exatamente o que os homens mereciam, e o melhor é afirmá-la
desde o começo.

Arminianos, calvinistas e luteranos.

Muitos arminianos e luteranos tentam manter três crenças ao mesmo tempo:


1. A obra expiatória de Cristo é pelo mundo inteiro;
2. A obra expiatória consiste em Cristo ser punido pelos pecados das pessoas, recebendo
substitutivamente a condenação que elas mereciam;
3. Nem todos serão salvos.
A contradição costuma ser apontada pelos calvinistas como um argumento em favor da
expiação limitada (a negação de 1). Afinal, se Cristo já foi punido pelos pecados de alguém,
é contraditório que essa pessoa seja punida. Não é um paradoxo, é uma contradição mesmo.
Noutras palavras:
Expiação Universal (1) + Substituição Penal (2) = Salvação Universal
Para fugir da contradição, o que às vezes se argumenta é que a obra de Cristo foi uma
"provisão" que precisa ser recebida. Isso é, basicamente, uma negação velada da Substituição
Penal, cuja lógica interna não prevê nenhuma "provisão", mas apenas uma punição direta
pelo pecado. É impossível evitar a contradição de que um pecado que já foi cobrado está
sendo cobrado de novo, não tendo havido substituição. Mas o erro não está na expiação
universal, que é bíblica (como sabem o arminiano e o luterano). Está na Substituição Penal.
Às vezes o calvinista usa a mesma estratégia da "provisão" quando se pergunta por que é
preciso pedir perdão ao longo da vida, se os pecados pelos quais pedimos perdão já foram
cobrados. Se já foram, não há mais do que pedir perdão. Jesus foi punido até pelo perdão
não pedido, ou não? Mas aí o perdão precisa ser recebido... Ou seja, o problema não é o
alcance da expiação. É a Substituição Penal, que simplesmente não funciona e quebra em
qualquer sistema. Essa lógica da provisão, na verdade, é um retorno à teoria de Sto Anselmo
(satisfação). A SP é uma teoria logicamente instável e, por isso, quando colocada contra a
parede, acaba retrocedendo ao modelo mais estável.

A doutrina calvinista da Expiação Limitada é consequência da teoria calvinista da


Substituição Penal, ao menos na versão mais comum.

De acordo com essa teoria, Cristo teria recebido a punição que os pecadores merecem, a ira
justa de Deus, para que eles possam ser perdoados e salvos. Cristo seria um substituto para
a punição. Ora, se esses pecados já receberam sua punição, nenhum deles pode ser punido
de novo: aqueles por quem Cristo morreu seriam necessariamente salvos. Se Cristo morreu
por toda a humanidade como substituto penal, todos serão necessariamente salvos,
conclusão julgada absurda. Somente os que serão realmente salvos (os eleitos) poderiam estar
na intenção da obra expiatória. A natureza da expiação condiciona sua abrangência. É por
isso que a teoria da Substituição Penal é tão essencial a certas formas de calvinismo — casa
perfeitamente bem com uma vontade salvífica limitada e eficaz. Quem não afirma a Expiação
Limitada precisa ter uma compreensão diferente da natureza da expiação2.

É preciso aplacar a ira de Deus?

Um tema recorrente nos pais latinos, como São Cipriano e Santo Agostinho, e que
possivelmente foi introduzido na teologia cristã por aquele grande ranheta, Tertuliano, é o
da necessidade de aplacar a ira divina por nossos pecados (placare Deum). É assim que a
Vulgata Latina verte, em vários momentos, o "expiar" dos pecados, condicionando
culturalmente grande parte da interpretação ocidental sobre a obra do Redentor, entendida
agora não tanto como uma expiação dos pecados (resolver o problema que "atrai" a ira
divina), mas agora como uma propiciação de Deus (satisfazer a divindade para afastar sua
ira). Traduttore, traditore. O tema propiciatório do placare Deum não é propriamente cristão, mas
muito presente no politeísmo. Via-se uma necessidade de agradar os deuses para reduzir sua
ira, em muitos casos através de sacrifícios, inclusive humanos. A lei bíblica, diferentemente,
não só abominava os sacrifícios humanos, como também não tratava a morte dos animais
como expiatória; a morte não acontecia no altar, mas apenas o derramamento do sangue. É
claro que o uso patrístico do placare Deum é superior ao pagão, pois Deus é imutável. Nas
religiões antigas, as ações dos homens condicionavam o comportamento dos deuses, o que
é impossível da perspectiva da doutrina cristã, já que Deus não pode ser aplacado
literalmente. Ele é impassível. Se algo muda, não é Deus, mas as condições sob as quais a
criação se encontra. Afastar a ira divina significa afastar aquilo que provoca o castigo divino,
o pecado. Os pais latinos recepcionaram o conceito pagão já desliteralizado: a "ira divina" é
a correção do pecado. Aplacar a ira é afastar a punição do pecado. Para Santo Agostinho,
Deus enviou seu Filho não para aplicar a ira, mas porque essa ira já estava aplacada, iam
placatus esset Pater (De Trinitate, XIII, 11). Deus é a origem, não o alvo, da expiação. Por isso,
jamais qualquer pai da Igreja tratou o sofrimento "propiciatório" ou "satisfatório" de Jesus
como uma punição substitutiva e exclusiva recebida por Jesus para habilitar o perdão divino.
A satisfação é uma forma de evitar a ira divina, não de recebê-la; é intercessória, não punitiva
em sentido estrito. Como obra intercessória, para os pais latinos, o placare Deum não está
ligado apenas à morte de Cristo, mas também ao arrependimento e à reparação feitos pelos
pecadores, que continuam sofrendo a ira divina mesmo quando cobertos pelo sacrifício do
Senhor. Essa ira tem, por isso, um papel corretivo, levando os homens ao arrependimento,
que é, no fundo, o que Deus deseja: não a mera retribuição, mas a conversão. O retributivo
está em função do restaurativo. O problema não é legal, mas espiritual, e o remédio é
terapêutico, não meramente jurídico. Na verdade, em Tertuliano, o placare Deum diz respeito
apenas à penitência; somente depois esse conceito começou a ser aplicado à morte de Cristo
(possivelmente por São Cipriano). Para Tertuliano isso era fundamental, já que ele tinha
dificuldades em vislumbrar a misericórdia de Deus sendo concedida de maneira livre e
gratuita, e algo semelhante se pode dizer também sobre São Cipriano. Assim, como Deus
nada perde com o pecado e nada ganha com a expiação, a obra redentora não tem Deus
como alvo, mas a ordem do mundo, a ordo universi de Santo Anselmo. Nesse sentido, Anselmo
2
A posição soteriológica do rev. Gyordano é o Agostinianismo.
é um filho da teoria latina. A narrativa pagã encontra uma crítica interessante implícita em
certa versão da lenda de São Jorge e o Dragão. Para satisfazer a fome do dragão venenoso,
se lhes dá animais, depois pessoas, inclusive jovens e finalmente uma princesa. A morte
humana era, de certo modo, substitutiva, satisfazia a fome de morte do dragão, mas tornava
as pessoas cada vez piores, mais cruéis e mais legalistas (à la Girard). Para que não perecesse
a princesa, São Jorge ataca o dragão e liberta a princesa, com a condição de que toda a cidade
se convertesse a Cristo. O que satisfaz a justiça de Deus não é a punição, mas a correção do
mundo.

Cristo pagou por nossos pecados?

Tecnicamente, não há texto nas Escrituras que ensine que Cristo pagou o preço por nossos
pecados, isto é, algum texto e m que o sangue (ou morte) de Cristo seja visto como
pagamento de uma dívida para com Deus. Há textos que, lidos de certa maneira, podem levar
a isso, especialmente os que tratam de resgate, mas nunca dizem exatamente isso.
Principalmente, nenhum deles diz que o preço é pago a Deus Pai, e, na verdade, não se fala
da morte, mas especificamente do valor do sangue de Cristo. Por isso, os cristãos continuam
pedindo: "perdoa as nossas dívidas". O uso da metáfora do débito para o pecado é
interessante porque ressalta uma lógica que não é respeitada por certas teorias: uma coisa é
o perdão de uma dívida, outra coisa é o pagamento solidário de uma dívida. Dizer que Deus
perdoou nossas dívidas é o mesmo que dizer que elas não foram pagas. Eu não digo que não
pagou, mas apenas que não há um texto no NT que o diga explicitamente. É válido dizer que
o Senhor pagou nossa dívida, a depender de como isso seja entendido, mas é ainda mais
válido dizer que continuamos tendo dívida, já que pedimos perdão pela dívida, como na
versão mateana do Pai Nosso, em que se adota a metáfora pecado=dívida. Remissão (1) de
uma dívida é um perdão gratuito, não o pagamento de uma dívida (cf Dt 15:1-2). Por outro
lado, a remissão é identificada como "redenção" (2), como em Ef 1:7; Cl 1:14, ou seja, o
livramento de um escravo por algum preço pago. Por fim, se fala também em uma compra
(3) através do sangue de Cristo (Ap 5:9). O que é comprado aqui não é o perdão, mas pessoas.
Há outras imagens, mas na questão do "débito", devemos ficar por aqui; as imagens da
"purificação" e "expiação", por exemplo, não tem relação com dívida. Diante disso, devemos
ver em Cristo, ao mesmo tempo, um perdão gratuito (não pago) de uma dívida para com
Deus, uma libertação (paga) de uma escravidão para com o diabo, e a compra (paga) dos
homens para Deus. Redenção e compra são metáforas; não fariam sentido como
transações literais. Se fomos comprados para Deus, e o sangue de Cristo foi a moeda de
troca, o sangue de Cristo agora pertence ao diabo? É claro que não. Embora de certo modo
Cristo tenha sido entregue ao diabo nas figuras de Judas, Caifás e Pilatos, essa morte não é
um "sacrifício ao diabo". A metáfora tem utilidade restrita; deve-se ressaltar apenas uma
dimensão da imagem metafórica, não a "cena" inteira. Com a metáfora da compra, se indica
apenas que Cristo renunciou algo para que os homens agora pertençam a Deus. Com a
metáfora da redenção, se indica que Cristo renunciou algo para que os homens sejam
libertados (do diabo, do pecado, da lei, da condenação). O sangue de Cristo foi derramado
"para remissão dos pecados", "para remissão das transgressões" (Mt 26:28; Hb 9:15,22). Isso
significa que, embora o sangue de Cristo não seja o pagamento de uma dívida — é remissão,
não pagamento —, ele é de algum modo instrumental em nos trazer a remissão. (Isso é óbvio
para quem veja a Eucaristia de maneira sacramental.) Para mim, o que há de mais central é o modo
como, através da morte de Cristo, os homens são libertos do poder da Torá, que foi desfeita
na cruz, e que era usada pelos principados e potestades para acusar os homens e dividi-los
(Rm 7:1-6; Cl 2:13-17; Ef 2:14-16); noutras palavras, a Torá era usada para acusar e condenar,
e portanto para sujeitar os homens ao poder da morte (cf. Rm 7:14; 1Co 15:56). Não é à toa
que, em Apocalipse 12, a ascensão de Cristo significa a queda do Acusador. O escrito de
dívida (cheirographon) é a Torá. A dívida não é paga. O escrito é anulado. Isso é remissão, pois
não há mais dívida que possa ser usada pelo demônio; isso é libertação, pois não há mais
escravidão por dívida.

A justiça de Deus é sua misericórdia, a misericórdia de Deus é sua justiça, e ambas


são sua sabedoria. Só as criaturas são fragmentadas. Deus não tem partes.

Dois extremos sobre a justiça retributiva de Deus: um é vê-la como lei de ferro que obsta a
misericórdia gratuita e obriga Deus a punir; outro é negá-la. Deus é absoluto, é suma
misericórdia, e não tem necessidade de sacrifícios, ofertas e reparações, que existem por
condescendência com a fragilidade humana (ordo universi), não como compensação da
misericórdia de Deus. Deus não precisa ser reconciliado com o ser humano; é o ser humano
que precisa ser reconciliado com Deus. O que Deus quer é ele mesmo, vivendo nas criaturas:
"misericórdia quero, e não sacrifícios".

Um tapa em Jesus salvaria a humanidade?

Um dos problemas com a doutrina da Satisfação, e indiretamente também com a teoria da


Substituição Penal, é a equivalência entre os sofrimentos de Cristo e a "dívida" a ser paga.
Grosso modo, a divindade de Cristo, sendo de valor infinito, confere à sua obediência e
sofrimento um "mérito" mais que suficiente para cobrir todos os pecados do mundo inteiro,
para "comprar" o perdão divino. Mas se o valor da obra redentora depende da infinitude da
divindade, qualquer sofrimento de Cristo — um tapa no rosto, uma cusparada, um segundo
de ódio humano — já seria mais que suficiente. A paixão está consumada antes mesmo de
começar. A Substituição Penal padece desse problema quando tenta compensar a
condenação eterna de muitos (a punição devida pelos pecados) com morte de Cristo. Quando
se depara com isso, a teoria retrocede a Anselmo (equivalência): o sofrimento de Cristo seria
suficiente para cobrir a punição que o homem merece, mesmo não sendo a exata punição
exigida. Mas um tapa no rosto também seria. Por isso, tentando provar que a morte de Cristo
era necessária para tornar Deus capaz de perdoar, na verdade a Substituição Penal torna a
morte de Cristo supérflua, um sofrimento extra, desnecessário, uma crueldade. Nesse ponto
é que se manifesta a superioridade das doutrinas patrísticas, como a de Sto. Atanásio (De
Incarnatione): Cristo precisava morrer, não para habilitar Deus a perdoar, mas porque a
maldição adâmica é a morte (não o inferno), e Cristo exauriu essa maldição em si mesmo.
Assim, ao distinguir o que doutrinas posteriores confundem — um é o problema maldição-
morte, outro é o problema perdão-inferno —, a doutrina patrística ao mesmo tempo torna
a morte de Cristo necessária (dentro da economia divina) e permite ver o perdão divino como
gratuito, não comprado, como ensina a Escritura Sagrada. Crueldade não é necessária.

Um problema recorrente na defesa da teoria da Substituição Penal é o modo como


certos temas bíblicos são integrados sem o devido cuidado para com os contextos
originais.

Nas Escrituras Sagradas, há tanto uma punição não-substitutiva (participativa, inclusiva, coletiva,
representativa) quanto uma substituição não-penal (sacrificial, intercessória, recapitulativa), mas
nunca uma substituição penal. Esses conceitos jamais têm a função de habilitar Deus a
perdoar o homem, mas sim de livrar os homens das consequências dos seus pecados. Como
punição (não-substitutiva), Cristo participou do castigo de Adão (Morte: São Paulo, Sto.
Atanásio) e do castigo de Israel (Exílio: Isaías 53, Wright), sem, contudo, que essa sua
participação seja de alguma maneira "substitutiva". Cristo sofre essas punições com o seu
povo, não sozinho ou no lugar deles. Nesse sentido, Cristo nunca é alvo da ira de Deus.
Como substituição (não-penal), Cristo troca o destino de morte e condenação dos homens
por um destino de vida e união com Deus, isto é, troca a herança adâmica por uma nova
herança (Recapitulação: São Paulo, Sto. Irineu); noutras palavras, ele assume a
responsabilidade de salvar o seu povo. A obediência de Cristo substitui a desobediência de
Adão, como raiz do nosso destino. Não somos salvos por nós mesmos, mas por Cristo. Isso
explica suficientemente bem o fato de que Cristo não sofreu a condenação que os pecados
dos homens exigem (Inferno), mas, ainda assim, seu sofrimento é suficiente para salvá-los.
Por outro lado, como os sofrimentos de Cristo não são substitutivos, entendemos por que
sofrer com Cristo é necessário para a salvação: "se com ele sofremos, também com ele
seremos glorificados".

C.S. Lewis e Expiação

A maneira como C. S. Lewis entendia a expiação pode ser chamada de "penitência vicária".
Nessa teoria, a paixão e morte expiatória de Cristo constituem uma forma perfeita (a única)
de penitência pelos nossos pecados. Cristo ofereceu a Deus o arrependimento que não somos
capazes de oferecer. Essa teoria é estruturalmente anselmiana: diante dos nossos pecados, ou
somos punidos por Deus, ou compensamos o mal feito (aut poena aut satisfactio). Como somos
incapazes de fazer a compensação — já que todo o bem que fazemos nos é dado pelo próprio
Deus, e é tudo nossa obrigação —, o Deus-homem a fez. É uma forma não-penal de
substituição, e unifica aquilo que no mundo reformado é distinguido (obediências ativa e
passiva).

É falso pensar que a ira de Deus foi esgotada em Jesus

Muitos dos Salmos e o livro de Lamentações foram escritos quando seus escritores estavam
sob a ira divina, como indivíduos ou com o povo. No Salmo 85, aprendemos a orar dizendo:
"Restabelece-nos, ó Deus da nossa salvação, e retira de sobre nós a tua ira”.
Não há perdão sem sangue?

Cristo ensina que o perdão divino é gratuito, que Deus realmente é capaz de perdoar dívidas
— perdão e pagamento são coisas diferentes —, e que esse perdão divino é nosso modelo
para perdoar gratuitamente. A Parábola do Credor Incompassivo é precisamente sobre isso.
Há nela um credor com compaixão, que perdoa uma dívida imensa gratuitamente, e há um
credor sem compaixão, que não perdoa sequer uma dívida menor, mas exige pagamento. Os
defensores da Substituição Penal querem atribuir a Deus a imagem do severo, não do
misericordioso. Um texto que usam para defender tese tão cruel é Hebreus 9:22, texto que
diz: "Com efeito, >>quase todas as coisas<<, segundo a lei, se purificam com sangue; e, sem
derramamento de sangue, não há remissão." Na leitura dos defensores da Substituição Penal,
isso significa que Deus é incapaz de perdoar sem matar alguém; leem apenas a parte final do
versículo, retirando-a do contexto próprio. O capítulo não trata da justiça ou ira divina, como
se precisasse de uma "satisfação", mas da disciplina de purificação do santuário mosaico.
Anualmente, o santuário era purificado para que a remissão pudesse acontecer (Lv 16:16; Ez
45:18). O texto compara a purificação do santuário terrestre à do santuário celeste
(unicamente pelo sangue de Cristo). O "derramamento de sangue" diz respeito ao sangue
que era derramado à base do altar nas diversas purificações e expiações (cf. Êx 29:12; Lv 4:7-
8; etc.). Ao contrário dos sacrifícios pagãos, o animal não morria no altar, mas noutro lugar,
e seu sangue era trazido ao altar, aos quatro chifres e à base. Não a morte ou sofrimento do
animal, mas seu sangue era oferecido a Deus (Lv 17:11), como um objeto entre outros que
eram oferecidos ritualmente. Pois o texto é claro: "quase toda as coisas". Era possível
expiação sem sangue, com dinheiro (Êx 30:16), ou intercessão (Êx 32:30), ou farinha (Lv
5:11-13), ou azeite (Lv 14:29), ou incenso (Nm 16:46), ou até esmola (Pv 16:6). Hb 9:22 fala
apenas da Lei em termos gerais, já que o santuário era santificado com sangue, não de cada
expiação especificamente que acontecia no santuário. O argumento de Hebreus, na verdade,
é dialético, e essa é apenas uma exposição provisória. Em Hb 10, descobrimos que os
sacrifícios da Lei mosaica não tinham real poder de remissão; eram apenas sombras do que
viria, o sacrifício de Cristo. Em certo sentido, diferente daquele de Hb 9:22, é verdade que
não há nenhuma remissão sem sangue, isto é, sem o sangue de Cristo. Todos os pecados, de
todos os tempos, são perdoados através do sacrifício do Senhor; não acontecerá nenhum
perdão sem este sangue. Mas o sangue não é uma exigência da ira divina, como se Deus fosse
incapaz de perdoar sem matar.

Nossos pecados atraem a ira de Deus?

Os nossos pecados são, em graus diversos, abomináveis para Deus. No entanto, o que
acumula ira contra os homens no juízo final não são diretamente os pecados, mas "dureza"
e "coração impenitente (Rm 2:5), ou seja, não os pecados em si mesmos, mas o coração que
não apenas os produz, como também não deseja mudança. Isso é muito claro em Ezequiel
18. Depois de estabelecer a responsabilidade do autor — "a alma que pecar, essa morrerá"
(v. 4), "a justiça do justo ficará sobre ele" (v. 20) —, o capítulo nos mostra como a justiça de
Deus trata os pecados individuais: Se o perverso se converte dos seus maus caminhos, muda
seu comportamento e pratica justiça, "não haverá lembrança contra ele" dos pecados
cometidos (v. 22). Paralelamente, se o justo se desvia da justiça e comete iniquidades, "não
se fará memória" da justiça que praticou anteriormente (v. 24). Ou seja, o arrependimento
elimina a "lembrança" da transgressão. A justiça de Deus nunca é mera distribuição de
castigos. Seria injusto punir igualmente o penitente e o impenitente.

Deus pode irar-se contra os seus filhos?

Cristo "nos livra da ira futura" (1Ts. 1:10), da condenação eterna, mas é um engano pensar
que aquele que está em Cristo — para quem não há condenação — não possa experimentar
temporalmente a ira de Deus. A ira de Deus não é uma emoção, como é a nossa, mas o
castigo justo contra o pecado. Como mostram muitas vezes as Escrituras, é possível que
Deus esteja irado contra o seu povo: "Sofrerei a ira do Senhor, porque pequei contra ele..."
(Miquéias 7:9). Felizmente para nós, as Escrituras mostram também que Deus "muitas vezes
desvia a sua ira e não dá largas a toda a sua indignação" (Salmos 78:38).

Jesus foi condenado pelo pecado?

Um texto eventualmente usado pelos defensores da Substituição Penal é Romanos 8:3:


"Porquanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando
o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na
carne". Para eles, "condenou o pecado na carne" significa que Cristo foi condenado. Essa
leitura é absurda e está desconectada do contexto. O significado do texto não é de que Cristo
foi condenado, mas o pecado foi condenado. Ou seja, o texto deve ser lido literalmente. Deus
não condenou Cristo. Deus condenou o pecado. Mas como pode ser, se o pecado não é uma
pessoa, e se foi Cristo que sofreu, e se, afinal de contas, o próprio Cristo não sofre desse mal
interior? O capítulo anterior descreve o modo como o pecado habita a fragilidade humana
(carne), o que Paulo descreve como a "lei do pecado". Esse é o problema que Romanos 8
soluciona. O problema não é o tribunal divino, mas a condição espiritual de morte trazida
pelo pecado humano. Ali o pecado não é apenas uma transgressão de um mandamento
exigindo punição, mas é um poder obscuro e personificado que leva o homem à transgressão
pessoal. É esse poder obscuro que deve ser vencido, e Romanos 8:3 mostra como ele foi
vencido. O raciocínio não é de que Jesus recebeu a condenação pelos pecados dos homens
portanto eles estão livres de condenação. A transição de 8:1 para 8:2 é fundamental, porque
o v. 2 explica o v. 1. A condenação adâmica (katakrima), que levava os homens à condição de
pecadores, não pesa mais sobre eles (8:1) porque eles foram libertados pela Lei do Espírito
(8:2). A solução para o pecado (o poder obscuro do capítulo anterior) não é substituição
penal, mas restauração espiritual através de Cristo. Assim como, em Rm 7:20, Paulo atribui
o mal realizado não a si mesmo, mas ao pecado, em Rm 8:3 esse pecado
é condenado e, por isso, seu poder é anulado. O raciocínio é análogo a João 12:31: na morte
de Cristo, o mundo foi julgado e o diabo foi expulso.

O que é expiação?

A expiação é o tratamento das impurezas. Há várias formas de expiação, como orações


intercessórias, sacrifícios (de animais e outras coisas), óleo, incenso ou esmolas. No Novo
Testamento, fala-se, algumas vezes, do papel expiatório do sacrifício de Cristo. Expiação não
se limita a culpas pessoais. Na Lei Mosaica, faz-se expiação por uma mulher que deu à luz,
ou por uma casa que tem mofo, ou pelo templo que foi contaminado pelos pecados do povo
(anualmente). Expiar é "normalizar hieraticamente", é uma transição sagrada da mácula para
a pureza, do caótico para o ordeiro, e, em vários momentos, essa mácula não envolve pecado.
Por isso, a lógica da expiação é a lógica da santificação. A expiação visa a reconciliação do
homem para com Deus, e é por isso que a mesma raiz hebraica é usada na reconciliação entre
Jacó e Esaú. Deus não é reconciliado ao homem, mas apenas o homem é reconciliado a
Deus, isto é, remove-se do homem aquilo que impede sua comunhão com Deus. Não há
nenhum impedimento em Deus. As línguas bíblicas não distinguem entre "expiação" e
"propiciação", de maneira que os tradutores às vezes vertem de uma maneira, às vezes de
outra. Propiciação seria aplacar a ira divina. O que é importante notar, no entanto, é que a
raiz (tanto em hebraico quanto em grego) jamais é usada em relação a Deus. Nunca se diz, na
Escritura, que Deus foi propiciado. Ao contrário, fala-se sempre em expiação pelos pecados, em
expiar os pecados. Deus nunca é o objeto. Os pecados são o objeto. Esse é um dos motivos
pelos quais é mais correto traduzir a raiz como expiação/expiar, não como
propiciação/propiciar. Mas a noção de "propiciação" não é totalmente inaceitável. É válido
dizer que a obra de Cristo, de certo modo, afasta a ira de Deus de sobre nós; segundo o NT,
Cristo nos livra da ira futura. Mas isso só é aceitável como linguagem figurada, já que Deus
não pode ser movido por nada.

Complemento: o perdão de Deus é realmente gratuito

O perdão divino é gratuito, inteiramente gratuito, portanto o sacrifício de Cristo não tem
como propósito satisfazer a ira de Deus, satisfazer a justiça de Deus, comprar o perdão, pagar
a dívida, nem nada do tipo. É preciso remover a premissa da "necessidade de satisfação", sem
colocar nenhuma doutrina em seu lugar. É gratuito mesmo. De graça. Sem exigências. Por pura
misericórdia. Isso a Escritura ensina, mas também ensina que o sacrifício de Cristo é para
remissão dos pecados. De que maneira? Em Hebreus, o sacrifício de Cristo nos santifica e
tira de nós os pecados. Aqui o que está em jogo é, através do sacrifício de Cristo, ser capaz
de não pecar mais, ao contrário dos sacrifícios da Lei Mosaica, que não impediam a
continuidade do pecado. Em Romanos e Colossenses, o sacrifício de Cristo anula a Torá
para nós, de maneira que saímos de sua esfera de condenação. Não se trata de um pagamento
da dívida, mas de uma anulação da dívida, porque sua base (a Torá) é anulada. Em 1Co 10 e
alguns outros textos (possivelmente Hb 10), o sangue de Cristo é o meio sacramental da
recepção da graça. Portanto, o papel do sangue de Cristo é instrumental. Não é a origem,
mas o meio do perdão. Convite ao mistério? Em certo sentido, há um mistério na expiação,
já que a Escritura nos fala do sangue de Cristo como purificação do santuário celeste (Hb
9:23), e ninguém sabe exatamente o que isso significa. Portanto, toda teoria racionalista, que
tenta explicar o mecanismo inteiro, é com certeza falsa; mas é possível explicá-lo em linhas
gerais.

E Romanos 3:24-26? Como explicar?

RESPOSTA BREVE:
1. Deus sempre foi favorável, por isso ofereceu a expiação em Cristo. Deus é imutável.
2. A justiça de Deus é seu agir salvífico misericordioso. Deus "é justo" por salvar, não por
respeitar uma balança de ofensas e punições. Ao contrário, o texto mostra claramente que
Deus pode ser tolerante com pecados.
3. O texto não indica nada sobre punição ou substituição.

RESPOSTA LONGA:

Há vários problemas na forma dos defensores da substituição penal lerem esse texto, e isso
me dá a oportunidade de explicar algumas coisas. Digamos que a leitura errada emerge de
um "dicionário errado", que obriga a fazer associações erradas entre as palavras. Sobre
"propiciação", é importante saber que os exegetas debatem sobre a tradução correta para os
substantivos e verbos correspondentes (em grego): se propiciação ou expiação. O uso linguístico,
independente da doutrina, é o seguinte: propicia-se determinada divindade, expia-se determinado
pecado. Não se propicia o pecado, nem se expia a divindade. No grego clássico, não havia
separação entre as duas coisas, já que, para os pagãos, fazia-se um sacrifício para tornar
propício um Deus que não estava propício. Mas a Bíblia jamais diz que Deus é propiciado
(ou reconciliado) através de coisa alguma. Nunca! Em lugar algum! Jamais! Deus NUNCA é
o objeto dos verbos correspondentes. O objeto é o homem e seu pecado. O pecado é
expiado. O homem é reconciliado com Deus. Esse é o padrão que as Escrituras apresentam.
Deus não sofre mudanças, e por isso mesmo não pode ser alvo de nenhum "apaziguamento"
literal. Quando o relacionamento entre Deus e o homem muda (eg. Nm 16:46), algo na
criação mudou, mas não em Deus. Além disso, o sacrifício realizado por Cristo é universal,
cobre todos os tempos e eras da humanidade, e ninguém antes era salvo sem esse sacrifício;
portanto, Deus já era "favorável" antes de Cristo morrer, se supormos que o propósito do
sacrifício era "torná-lo favorável". Na doutrina cristã e bíblica da expiação, Deus é quem
realiza a expiação, e isso acontece em Rm 3:25 com em qualquer outro texto. Não para se
tornar favorável, mas porque Deus já era favorável, tanto que decidiu não imputar aos
homens os seus pecados. Deus amou pecadores e inimigos, e, por isso, enviou seu Filho para
morrer por nós e nos salvar da ira (Rm 5:8-9). No caso de Rm 3:25, palavra grega "hilastērion"
não significa "propiciação". O sufixo -ērion indica lugar: cemitério, monastério e necrotério
são alguns exemplos em português. Há quem verta como "propiciatório", mas o sentido
mesmo é o da tampa sobre a qual se fazia a expiação
(expiatório, portanto). Cristo é o lugar sobre o qual se faz a expiação, com isso concordamos.
Cristo é o lugar que torna favorável um Deus que não o era? Não, isso é teologia pagã. No
Antigo Testamento, o propósito da expiação era a purificação daqueles que realizaram
determinado mal, limpando a mácula criada pelo pecado (na consciência). É claro que, como
ensina Hebreus, os sacrifícios do AT não tinham poder real de curar o mal no coração
humano (daí o texto falar em pecados cometidos "sob a paciência de Deus"); somente o
sacrifício de Cristo pode curar esse mal. Purificação não é apenas "desimputação";
purificação é purificação, é tornar puro. Um coração puro Deus aceita, e por isso Cristo torna
puros aqueles que recebem seu sacrifício. Quanto à questão da justiça, no texto, como
qualquer obra de Teologia do AT pode mostrar, a justiça de Deus é seu poder salvífico agindo
em favor dos homens, para corrigir os desvios e males da criação ("justiça de Deus
testemunhada na lei e nos profetas", v. 21). É justiça restaurativa, portanto. Existe um aspecto
retributivo, sim, mas jamais uma "balança de dívida" a ser saldada pela expiação. Essa justiça
de Deus inclui sua misericórdia, como na oração do Salmo 4:1. Um "Deus" que não é
misericordioso não é justo, no sentido hebraico da palavra. Quando se diz "a fim de que o
próprio Deus seja justo", o sentido não é de que Deus se tornou justo a partir do sacrifício
de Cristo. Isso seria novamente teologia pagã, como se Deus pudesse ser melhorado a partir
de algo que ocorre no tempo. Deus ser justo significa apenas manifestar sua justiça, isto é,
salvar suas criaturas, justificando-as, isto é, agindo com justiça restaurativa em seu favor,
sentenciando em seu favor (sem desonestidade). Quando alguém pensa que assim Deus
poderia perdoar o culpado sem deixar o pecado sem punição, perceba: em nenhum momento
o texto fala coisa alguma sobre punição. Para interpretar o texto em linha com a SP, alguém
precisou inserir no texto essa premissa (Deus precisa punir para perdoar), que não está no
texto e em nenhuma parte da Escritura. Minha paráfrase de Romanos 3:24-26: "sendo aceitos
por Deus sem nenhum pagamento, como um presente, através da alforria que o Messias
Jesus realizou, o qual foi colocado por Deus como lugar de purificação e manifestação da
glória divina, para os que têm fé, manifestando assim seu agir restaurador, já que Deus foi
indulgente e clemente com os pecados cometidos anteriormente; para a atual manifestação
do seu agir restaurador, de modo que Deus é restaurador de suas criaturas e decidiu em favor
de quem tem fé em Jesus”.
Jesus sofreu a ira de Deus? [Parte 2]

A ideia de que Cristo, mesmo inocente, teria recebido a ira divina contra os pecados dos
homens (Substituição Penal) encontra vários problemas. Um deles, já mencionado, é que a
ira divina implica condenação eterna, que Cristo não sofreu. Depois da morte terrível, ele
saiu vivo e não carregará nenhuma "ira divina". Mas há outros problemas. Os salvos (em
esperança) continuam sofrendo a ira divina, sendo castigados pelos pecados e pedindo
perdão: "Sobre mim pesa o teu furor" (Sl 88:7); "Sofrerei a ira do Senhor, porque pequei
contra ele" (Mq 7:9). Deus não deixou de imputar esses pecados nessas situações. Não há
dúvida de que Cristo "nos livra da ira futura" (1Ts 1:10), que "tendo sido justificados pelo
seu sangue, seremos por ele salvos da ira" (Rm 5:9), que "Deus não nos destinou para a ira"
(1Ts 5:9). A raiz da salvação futura (quanto à ira divina) está na morte sacrificial do Senhor.
Mas não se vê, nas Escrituras Sagradas e nos Pais da Igreja, essa conexão entre essa salvação
e um sofrimento da ira divina. Os sofrimentos de Cristo não são sofrimentos dos quais ele
nos livra, mas sofrimentos nos quais ele nos chama a participar (Fp 3:10; 1Pe 4:13).
Jesus sofreu a ira de Deus? [Parte 3]

Poucos momentos antes de ser entregue nas mãos dos homens, Jesus orava: "Aba, Pai, todas
as coisas te são possíveis; afasta de mim este cálice; não seja, porém, o que eu quero, mas o
que tu queres." Segundo os defensores da Substituição Penal, esse cálice é o cálice da ira de
Deus; tais palavras de Jesus, como as de Jo 18:11, seriam uma confirmação da teoria. Isso é
correto? Na verdade, as Escrituras usam a imagem do cálice para significar vários destinos
diferentes, bons ou maus, e aqui é impossível que se refira à ira de Deus, pois o Senhor ensina
com clareza que os discípulos beberiam do mesmo cálice que ele: "Mas Jesus respondeu: Não
sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu estou para beber? Responderam- lhe:
Podemos. Então, lhes disse: Bebereis o meu cálice..." (Mt 20:22-23) É relevante que aí seja o
cálice do Senhor ("o meu cálice"); jamais se diz, em qualquer lugar, que Cristo toma o nosso
cálice (cf. Ez 23:31-33), mas nós somos chamados a tomar o dele. O "cálice" da oração indica
os sofrimentos que o aguardavam. Usar como prova de que Jesus recebeu a ira de Deus é
petição de princípio. O Senhor não fala aqui de um sofrimento substitutivo, mas de um
sofrimento representativo, participativo, no qual os próprios apóstolos deveriam se inserir.
Desejavam glória, mas teriam cruz. O banquete do reino de Deus é diferente.

Jesus sofreu a ira de Deus? [Parte 4]

Um problema fundamental com a teoria da Substituição Penal, de que Jesus morreu sendo
punido por Deus pelos pecados dos homens, é o modo como concebe a misericórdia de
Deus: atribui-se ao Absoluto uma incapacidade de perdoar gratuitamente. A misericórdia de
Deus estaria subordinada à sua ira, só opera quando essa ira está satisfeita. Nessa teoria, é
perfeitamente razoável que Deus condene a todos; é inaceitável que um pecado não leve à
condenação de ninguém. A ira de Deus é necessária e implacável; a misericórdia é
desnecessária, fortuita ou mesmo inexistente. Deus até é livre em poupar, mas não é livre
para não punir. A ira de Deus seria tão extrema que somente a morte de Deus, somente o
suicídio de Deus — pois o Filho também é o Deus irado — pode revertê-la. Para que a cruz
seja suficiente, a misericórdia se torna insuficiente. Não é isso que a Escritura Sagrada ensina
sobre a ira divina. Certamente a ira de Deus é sempre justa, sempre resulta da seriedade e
gravidade da maldade humana. Mas é perfeitamente justo que Deus não manifeste sua ira
inteira, que ele não dê largas a toda a sua indignação, mesmo quando há merecimento por
parte do homem. Salmo 78:38 "Ele, porém, que é misericordioso, perdoa a iniquidade e não
destrói; antes, muitas vezes desvia a sua ira e não dá largas a toda a sua indignação." A
indignação divina precisa acontecer? Não, não precisa. É uma compreensão diferente sobre
a justiça de Deus, que não é a justiça de um tirano distante que exige punição a todo custo
— alguém tem que pagar! —, mas a justiça de um pai bondoso, que não trata os filhos como
suas culpas exigem e que não deve pune um filho inocente por outro culpado.
Jesus sofreu a ira de Deus? [Parte 5]

Um texto usado para tentar provar que Jesus sofreu a ira de Deus é 2Co 5:21, que diz:
"Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos
justiça de Deus." Vê-se aí uma troca, supostamente penal, entre Jesus e os pecadores: Jesus
se tornou "pecado", os homens se tornaram "justiça". Estaria aí implícita a noção de que
Jesus foi alvo da ira de Deus, isto é, tratado como um pecador. Não é esse o sentido do texto.
Na verdade, quando se diz "fôssemos feitos justiça de Deus", o texto não diz respeito a uma
qualidade moral concedida (mérito, justiça infusa, hábito) ou a uma condição forense
(perdão, justiça imputada) aos cristãos. Diz respeito especificamente aos apóstolos e aos seus
cooperadores: eles foram feitos a justiça de Deus. Como assim? Uma leitura atenta do texto
mostra que, desde o começo da carta, e com força particular a partir terceiro capítulo, o
apóstolo Paulo trata do ministério dos apóstolos com um "nós" que reaparece
continuamente, e que, na verdade, não cessa no quinto capítulo, mas continua nos seguintes.
Esse "nós" (os ministros do evangelho, da reconciliação, da nova aliança) é contraposto a
um "vós" (os receptáculos o evangelho). Nesta carta, o "nós" diz respeito a Paulo, Silvano e
Timóteo (1:19), mas não se limita a eles. Alguns exemplos: — "se somos atribulados, é para
vosso conforto e salvação" (1:6) — "na graça divina, temos vivido no mundo e mais
especialmente para convosco" (1:12) — "por nosso intermédio, anunciando entre vós" (1:19)
— "nós não estamos, como tantos outros, mercadejando a palavra de Deus" (2:17) —
"temos necessidade... de cartas de recomendação para vós outros ou de vós...? Vós sois nossa
carta... como carta de Cristo, produzida pelo nosso ministério" (3:1-3) — "não nos pregamos
a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos como vossos servos" (4:5)
— "De modo que, em nós, opera a morte, mas, em vós, a vida." (4:12) — "nos ressuscitará
com Jesus e nos apresentará convosco" (4:15) — "espero que também a vossa consciência
nos reconheça... Não nos recomendamos novamente a vós outros... se conservamos o juízo,
é para vós outros" (5:11-13) — "nos confiou a palavra da reconciliação" (5:18) — "somos
embaixadores em nome de Cristo... rogamos que vos reconcilieis com Deus" (5:20) — "na
qualidade de cooperadores com ele, também vos exortamos" (6:1) — "Acolhei-nos em vosso
coração" (7:2). É claro que, em alguns momentos, se diz coisas que sabemos não estarem
limitadas aos apóstolos (e.g. "nos reconciliou", v. 18). Mas, no fluxo da narrativa, dizem
respeito primeiro aos apóstolos e, através deles, às demais pessoas. Assim, quando se diz
"nos ressuscitará" (4:15), podemos pensar que o objeto são todos os salvos, mas Paulo
distingue: "nos ressuscitará com Jesus e nos apresentará convosco". Todos ressuscitarão, mas
Paulo fala especificamente dos apóstolos. Note-se, de maneira particular, a referência ao
"ministério da justiça" (3:9) que os apóstolos exercem como cooperadores de Deus, no poder
renovador do Espírito, contraposto ao ministério da condenação, de Moisés, baseado na letra
da Torá. Em 2Co 5:21, o que Paulo disse foi que, por ter Cristo sido feito sacrifício pelo
pecado — às vezes o sacrifício pelo pecado é chamado simplesmente de "pecado" —, ele
deu poder aos apóstolos para serem ministros da reconciliação de outras pessoas com Deus.
Ou seja: o "poder justificador" que Deus confiou aos apóstolos emana do sacrifício de Cristo.

Jesus sofreu a ira de Deus? [Parte 6]

A teoria da Substituição Penal ensina, em certas versões, que Jesus foi alvo da ira do Pai, para
que este fosse capaz de perdoar os homens. Nesse ponto, essa teoria pode criar diversos
problemas para a doutrina trinitária:
1. O problema mais óbvio é que o Filho não pode ser alvo do ódio do Pai (retribuição justa
pelo pecado) pelo motivo de que ele é o alvo perfeito do seu amor. Isso não é o mesmo que
dizer que o Filho não pode sofrer segundo o plano do Pai — pois foi o que aconteceu, Jesus
sofreu segundo a determinação divina —, mas que o amor perfeito, pleno, infinito e inabalável
do Pai pelo Filho não admite ódio. Do contrário, Deus seria mutável. 2. Outro problema,
decorrente desse, é que essa teoria, ao opor Pai e Filho, parece evocar, por um instante, uma
mentalidade ariana ou semi-ariana, ainda que os seus defensores sejam trinitários. Pois o ódio
de Deus contra o pecado não é apenas o ódio do Pai, mas o ódio do Filho e do Espírito, um
só Deus, agindo inseparavelmente. Que sentido há em dizer que o Filho é alvo do seu próprio
ódio? De que adianta aplacar a ira do Pai, se a ira do Filho e do Espírito continuarem a
queimar? Isso considerando, particularmente, o modo como, na economia divina, o juízo do
mundo foi entregue do Pai ao Filho (Jo 5:22). Se todo o juízo foi delegado do Pai ao Filho,
como o Pai pode condenar o Filho? 3. Por fim, em certas versões, supõe-se que houve um
"distanciamento espiritual" entre o Pai e o Filho. Que o Filho estava descoberto da proteção
do Pai, é óbvio, mas nada nas Escrituras indica que houve uma real separação ou perda de
comunhão entre o Pai e o Filho. É impossível qualquer separação, pois o Pai e o Filho são o
mesmo Deus, e aquele que sofre e morre na cruz é o próprio Senhor da glória. É Deus
crucificado. Afirmar Nicéia e Calcedônia é negar a possibilidade de separação real entre o Pai
e o Filho. É verdade que nem todos os que aderem à teoria da SP chegam a afirmar essa
separação, mas atenção: o rompimento de comunhão entre Deus e o homem (afastamento,
alienação) é a consequência mais importante do pecado, e todas as demais são decorrentes,
sintomas dela, às vezes metáforas dela. Se Cristo não sofreu essa consequência, ele não sofreu,
como substitutivo, as consequências do pecado.

Em suma, a teoria Substituição Penal afirma que a reconciliação se dá através de


vingança.

Chamam isso de justiça...

E Isaias 53?

Quanto a Isaías 53, o castigo que estava sobre ele era o exílio de Israel. Não foi uma punição
substitutiva, mas um castigo nacional do qual Cristo participou. Isaías 53 é parte do segundo
bloco principal do livro (Dêutero-Isaías, capítulos 40-55). Esse bloco lida com a esperança
profética de Israel diante do exílio babilônico. Por isso, Ciro, o libertador, é nomeado (44:28;
45:1). Nesse bloco, há uma referência contínua ao Servo de Javé, que é o povo de Israel (Is
41:8; 43:10; 44:1-2,21; 45:4; 48:20; 49:3) e que estava em exílio por seus próprios pecados:
"Eis que por causa das vossas iniquidades é que fostes vendidos" (50:1); por isso, a nação
havia bebido "o cálice da sua ira, o cálice de atordoamento, e o esgotaste" (51:17). Ou seja,
havia uma razão espiritual para a crise de Israel, e Deus prometeu libertação. (Isso é
consequência da maldição da aliança.) Esse Servo de Javé aparece também no cântico de
Isaías 53, descrito de maneira mais gráfica, e em alguns trechos ele carrega o pecado de todo
o povo, sendo castigado. No entanto, esse castigo não é a punição devida pelos pecados.
Essa é a linguagem que o Antigo Testamento usa para descrever como a segunda geração
sofre os pecados da primeira, um conceito comum no Antigo Testamento (Nm 14:31-33;
Lm 5:7). Não há nisso uma substituição, mas um sofrimento compartilhado. A diferença é
que, no uso cristão do texto, Cristo assume o papel de toda a nação de Israel como o servo
de Javé, e, através disso cumpre sua missão (não apenas no capítulo 53): ou seja, ele sofre em
si as consequências do exílio. Embora a nação de Israel tenha sido politicamente liberta por
Ciro, espiritualmente a nação continuava sob exílio: "Somos feitos como aqueles sobre quem
tu nunca dominaste" (Is 63:19). Por isso, a linhagem de Davi e a monarquia sagrada nunca
retornaram, e o povo viveu cativo de outras nações, como o caso de Roma na época de
Cristo. A missão de Cristo era (também) libertar Israel, mas o que o povo não entendia é que
estavam sob uma dominação espiritual, não apenas política; ou melhor, a ocupação política
tinha uma raiz espiritual. Vencendo essa dominação espiritual, Cristo libertaria a nação. Foi
o que aconteceu quando Cristo foi morto pelas mãos das nações estrangeiras: os romanos!
Ou seja, sofreu a consequência do exílio. O sofrimento de Cristo foi culpa de Israel. Esses
fatos apresentam várias consequências para a nossa leitura de alguns trechos de Efésios 2 e
Gl 3, à luz de Lv 10:17.
Apêndice 1:
O CORDEIRO VITORIOSO

“Todavia, um dos anciãos me disse: Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de
Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos. Então, vi, no meio do trono e dos quatro
seres viventes e entre os anciãos, de pé, um Cordeiro como tendo sido morto”. (Apocalipse
5:5-6).

O mistério da salvação humana está gravado no oráculo do Vidente de Patmos. O Leão


Vitorioso, digno de desatar os sete selos do Livro da Vida, que ninguém poderia sequer olhar,
é ao mesmo tempo o Cordeiro Morto. A vítima inocente e inofensiva é Rei invencível. Sua
morte é uma vitória — mas como?

Se perguntarmos a algum cristão sobre o motivo da vinda de Cristo ao mundo, há grandes


chances de que nos respondam que veio morrer pelos nossos pecados, uma grande e gloriosa
verdade da qual todos nós dependemos, mas que está infelizmente incompleta: ele também
ressuscitou para nossa justificação (Rm. 4:25), e isso é essencial à nossa salvação. Sendo
primeiro reconciliados com Deus pela morte de Sei Filho na Cruz, somos salvos por sua
Ressurreição no terceiro dia (Rm. 5:10). Mas dizer que Jesus veio apenas para morrer e
ressuscitar — não pouca coisa! — ainda não diz tudo, pois faz parecer que tudo o que
antecede a Semana Santa não tem qualquer relação com nossa redenção, nada além de
preparação para esse momento. As teologias que esgotam a expiação na Cruz tornam o
restante da vida de Cristo como que sem propósito, uma grande introdução ao Calvário.

É verdade que a doutrina reformada da Obediência Ativa procura dar um sentido salvífico à
vida de Cristo, aos méritos de sua obediência, colocando a vida que Jesus viveu como
fundamental para nós. Mas essa doutrina abstrata, além de não ter representação inequívoca
nas Escrituras, não explica por que Cristo viveu como viveu, por que teve exatamente o tipo
de vida e ministério que teve. Ele poderia ter vivido uma vida bem diferente e, no entanto,
ter sido obediente ao Pai, se o plano do Pai fosse outro.

A obediência de Jesus sem dúvida é parte do plano de Deus para a redenção humana, e não
só porque ela dá valor ao seu sacrifício (Jo. 6:38; Rm. 5:19; Fp. 2:8; Hb 5:8). Enquanto a
desobediência do Primeiro Adão leva a humanidade à morte, a obediência do Segundo Adão
recapitula a origem e destino humanos em uma nova direção, a da vida (1Co. 15:22); a mesma
teologia aparece no Evangelho de Mateus, em que Cristo é o Novo Israel que por sua
obediência recapitula o fracasso do Israel segundo a carne. Mas a Sagrada Escritura jamais
nos ensina que essa obediência é imputada a alguém, senão que todos nós em Cristo somos
beneficiários dela, e que por ela Cristo é declarado Senhor, por isso mesmo fazendo-a
intransferível a qualquer outra pessoa, ainda que compartilhada conosco (Fp. 2:8-10; 1Co.
1:30). A obediência, a crucificação e a Ressurreição são uma mesma história, mas o que as
enreda, e como contá-la?
Há mais: Jesus veio ao mundo também para pregar e ensinar a verdade, e não apenas com
suas palavras, mas também com seu exemplo supremo (Mc. 1:38; Jo. 18:37; 1Pe. 2:21).
Embora Jesus de Nazaré seja muito mais que um simples líder moral ou religioso, ele
certamente não é menos do que nenhuma dessas coisas. Por isso, o Quarto Evangelho
constantemente opõe, na figura de Jesus, a luz às trevas, a verdade ao engano, e por isso
também o seu ensinamento não provoca paz, mas divisão, porquanto é rejeitado (Mt. 10:34;
Jo. 9:39).

Esses diferentes fins da vinda de Cristo se unem somente quando vistos como dimensões e
facetas diferentes e complementares de um mesmo propósito. As coisas se esclarecem, no
entanto, quando vemos a condição humana não apenas em si mesma (carente de vida) ou
diante de Deus (carente de justiça), mas como um membro do mundo que jaz no Maligno
(IJo. 5:19), o “espírito que agora atua nos filhos da desobediência” (Ef. 2:2). Somente isso
esclarece a missão de Cristo, fazendo a Encarnação, a Vida e Ministério, a Morte, a
Ressurreição e a Ascensão serem contadas no mesmo fôlego: Jesus veio ao mundo para
vencer o diabo, o Inimigo.

Cl. 2:15: “e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo,


triunfando deles na cruz.”

Hb. 2:14-15: “Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes
também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o
poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos
à escravidão por toda a vida.”

I João 3:8: “Quem comete o pecado é do diabo; porque o diabo peca desde o princípio. Para
isto o Filho de Deus se manifestou: para desfazer as obras do diabo.”

Se a destruição das obras do diabo se recoloca como narrativa da vida de Cristo, então a
Cruz, a Ressurreição e o tudo o mais são reintegrados na mesma missão, como missio do
Filho pelo Pai: em suas tentações, em seu ensino — que Satanás intentava sobrestar (Lc.
8:12) —, em seus milagres — “curando a todos os oprimidos do diabo” (At. 10:38) —, em
seus exorcismos — livrando os filhos de Abraão de suas prisões espirituais (Lc. 13:16) —,
em sua comunhão com os rejeitados e pequenos, em sua oposição aos “poderosos deste
século” (1Co. 2:8) e dando aos seus discípulos poder para enfrentar “toda a força do inimigo”
(Lc. 10:19), Cristo afrontava e vencia as forças das trevas e da morte, trazendo luz e libertação
aos homens, no Grande Exorcismo do mundo, no qual, disse, “o seu príncipe será expulso”
(Jo. 12:31). O expurgo dos demônios sinalizava a chegada do Reino de Deus — Deus é o
Rei, e o diabo é despojado e espoliado (Lc. 11:20-22; Cl. 1:13-14). A Cruz e a Ressurreição
são o ápice dessa vitória que, realizada em Cristo, espera se realizar em nós (Cl. 2:15; 1Co.
15:26,54).

Desde cedo os ritos batismais cristãos passaram a incluir uma abjuração do “diabo e todas
suas obras” e um exorcismo antes do sacramento mesmo. Isso porque o próprio Batismo é
como que um exorcismo, pois nele somos ligados à morte de Cristo, à sua Cruz, que é a suma
derrota do diabo e seu império, na qual ele mesmo se faz desprezível, pois que semeou a
própria derrota levando o Filho de Deus ao Gólgota (Lc. 22:3; 1Co. 2:8), e na qual também
alcançamos uma nova aliança para com aquele que entregou sua vida e seu sangue por nossa
redenção.
Apêndice 2:
33 teses contra a Substituição Penal

No dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que
tira o pecado do mundo! João 1:29

Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela
qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Gálatas 6:14

A teoria da Substituição Penal ensina que o propósito da morte de Cristo foi o de ser a
punição pelos pecados da humanidade ou dos eleitos, uma vez que, supostamente, a justiça
de Deus exige que alguém seja punido para que haja perdão. Como fazem crer seus
defensores, o Evangelho seria essencialmente a Justificação pela Fé através da Imputação da
Justiça de Cristo para o cristão (isto é, aquele que tem fé) e a Imputação da culpa pelos
pecados do cristão para Cristo, resultando na Punição Substitutiva de Cristo. A teoria diz
respeito a essa transação “forense”. Às vezes, certas versões dessa teoria enfatizam a ira de
Deus, que deve “cair” sobre alguém quando há pecado.

Essa teoria é uma caricatura dos modos nos quais a Sagrada Escritura representa a redenção
humana através do sangue e morte do Filho de Deus, bem como de sua ressurreição. Ela é
aqui chamada de teoria porque é apenas uma das formas — não necessariamente rivais —
usadas pelos teólogos ao longo dos séculos para descrever a obra redentora realizada por
Deus em Cristo.

Estas teses não resumem tudo o que se pode dizer contra ou acerca da Substituição Penal,
mas tocam naquilo que considero o mais importante do debate em torno das teorias da
expiação. Por amor à brevidade, estas teses não discutem em minúcias a distinção entre
propiciação e expiação, ou entre a versão original (calvinista) e a versão arminiana da teoria.
Essas distinções são importantes para o debate da Substituição Penal, mas penso que não
afetam a essência das teses.

Essas teses criticam a Substituição Penal em diversos pontos, mas não explicam a expiação
de maneira abrangente. Recomendo a leitura do texto sobre Rm. 4:25 neste blog (leia aqui),
o qual apresenta os rudimentos de uma concepção positiva.

33 TESES

1. A expiação é retratada com diversas linguagens nas Escrituras, e pode-se argumentar em


favor tanto de um modelo substitutivo quanto de um modelo penal, mas a Escritura nunca
une essas duas linguagens em um só modelo.
2. A Substituição Penal não é o Evangelho, pois não se encontra em nenhum lugar dos quatro
Evangelhos.

3. A premissa fundamental da Substituição Penal é a noção de que a justiça de Deus exige


absolutamente a punição do pecador, impedindo qualquer tipo de misericórdia gratuita
(alguém tem de pagar), fazendo Deus parecer essencialmente um legalista supremo.

4. A Escritura não declara que a ira de Deus caiu sobre Cristo. Ele nos livra, mas não se
tornando alvo da ira de Deus em nosso lugar.

5. A salvação e o perdão não dependem de fazer com que essa ira caia sobre um inocente,
pois Deus abomina a morte do inocente, e sua justiça exige que cada um morra por seu
próprio pecado. Não obstante, Cristo era um inocente e sofreu por nós, para a nossa
salvação.

6. Pelo contrário, Cristo nos livra dessa ira sendo alvo do amor do Pai e absorvendo-nos
nesse amor.

7. O conceito de “satisfação da ira de Deus” não é bíblico, portanto nunca é empregado com
respeito à salvação.

8. Onde há satisfação da ira, não há propiciação. Onde há propiciação, não há ira. Fazer
depender a propiciação de uma satisfação da ira é negar a propiciação.

9. Aliás, a Sagrada Escritura jamais trata a propiciação em Cristo como propiciação de Deus
ou propiciação da ira de Deus, mas apenas como propiciação pelos pecados (Hb. 2:17; 1Jo.
2:2; 4:10). Também por isso, há mais razão para traduzir como “expiação” e “expiar”, em
vez de “propiciação” e “propiciar”.

10. A Escritura não declara que os pecados foram imputados ou atributos a Cristo.

11. A Escritura não declara que Cristo foi condenado ou punido pelos pecados, mas sim que
foi “moído” pelos pecados e que, nele, o pecado na carne foi condenado.

12. Cristo foi de fato condenado e punido, mas não por Deus: foi punido injustamente pelos
oficiais romanos sob incitação das autoridades religiosas de Jerusalém. A aceitação dessa
condenação injusta é parte central do plano divino para a redenção humana.

13. A Escritura não declara que Cristo morreu em vez ou no lugar dos pecadores, mas sim
que morreu para que possamos morrer através dele — não em nosso lugar, mas conosco.

14. O sacrifício de Jesus não é compreensível sem a doutrina da união mística (soteriológica,
sacramental, eclesiológica), através da qual há um compartilhamento espiritual (comunhão)
entre Cristo e o cristão. As melhores versões da Substituição Penal reconhecem esse fato.

15. A Escritura não declara que os crentes estão “automaticamente perdoados”, o que seria
mais natural se a teoria da Substituição Penal fosse verdadeira. Suplicamos pelo perdão dos
pecados um a um, seguindo a instrução da Sagrada Escritura; nosso perdão resulta do
sacrifício de Cristo, mas ainda assim precisamos ser perdoados.

16. Somente alguns sacrifícios da Lei de Moisés têm caráter expiatório.

17. Nenhum sacrifício da Lei de Moisés tem caráter penal.

18. O propósito dos sacrifícios de natureza expiatória é pureza espiritual. Neles existe
transferência do pecado, mas o propósito da morte do animal (quando o sacrifício é um
animal) não é puni-lo pelo pecado, mas simplesmente levar o pecado embora com sua morte
ou com seu banimento. Trata-se de uma transferência ritual, não punitiva.

19. Nos sacrifícios, o valor do sangue não estava relacionado à morte do animal. A morte
fatalmente ocorria, já que o animal não sobrevive se seu sangue é retirado. Mas a vida, e não
a morte, é oferecida através do sangue.

20. Os sacrifícios da Lei de Moisés incluem a possibilidade de fazer expiação com farinha,
que não pode ser punida por nada, assim como incluem expiação por lugares, que não
cometem pecados.

21. Tentativas de mostrar a teoria da Substituição Penal na Escritura são culpadas de petição
de princípio.

22. A teoria da Substituição Penal ignora a assimetria entre as penas. De um lado, nossa pena
eterna no inferno; de outro lado, o sofrimento de Cristo na cruz.

23. Diante da assimetria entre a pena eterna do pecador e o sofrimento de Cristo, o defensor
da Substituição Penal necessariamente recorrerá a uma alternativa que explícita ou
veladamente nega alguns dos princípios da própria Substituição Penal: a aniquilação ou
alguma teoria de “equiparação”.

24. A aniquilação não resolve o problema da assimetria, pois Cristo não foi aniquilado, assim
como não recebeu o castigo eterno pelos pecados.

25. A teoria da equiparação — Cristo não recebeu exatamente a punição devida pelo pecado,
mas recebeu algo “equivalente”, pois a morte de Cristo tem valor infinito, suficiente para
todos os pecadores — resolve o problema da assimetria, mas resolve porque transforma a
teoria em outra coisa, pois admite que Cristo não recebeu exatamente aquilo que era devido
ao pecador, implicando em dizer que a justiça de Deus admite o perdão sem que a reparação
seja idêntica à punição.

26. Essa teoria da equiparação é essencialmente um abandono da Substituição Penal (pena


por pena) e um retorno à teoria anterior da satisfação, de Anselmo de Cantuária (reparação
por pena, aut poena aut satisfactio). Trata-se de uma expiação substitutiva, mas não penal em
sentido estrito.

27. A teoria da Substituição Penal não explica por que Jesus morreu do modo como morreu.
Se tomarmos em consideração essa teoria, ele poderia ter morrido de qualquer outro modo.

28. Sem nenhuma razão, na Substituição Penal, o “tribunal” de Pôncio Pilatos torna-se o
tribunal de Deus, no qual o pecador é condenado na pessoa sem pecado de Jesus de Nazaré.
Sem recurso a certas ficções, a Substituição Penal não explica por que a morte de Jesus, do
modo como ocorreu, não foi simplesmente uma injustiça humana cometida contra o Filho
encarnado, isto é, não explica, nos eventos como nos narram os evangelhos, o que faz com
que aquele acontecimento específico se torne uma “expiação” pelos pecados, ao invés de
apenas mais um pecado.

29. A teoria da Substituição Penal supõe (sem garantia na Escritura) que Deus não poderia
perdoar sem punir, desligando o perdão divino do perdão que o cristão deve mostrar pelos
que pecam contra ele (o perdão contra os seus devedores, que com justiça lhe devem), que
deveria ser divino.

30. A teoria da Substituição Penal, se forçada em Isaías 53, dá razão à doutrina neopentecostal
e herética de que, assim como temos direito ao perdão dos nossos pecados, temos direito à
cura de todas as nossas doenças.

31. Quando a Escritura ensina que Jesus morreu “por nós”, isso significa “em nosso favor”,
não “em nosso lugar”.

32. A Substituição Penal torna a Ressurreição e a Ascensão inúteis para a essência


(“mecânica”) da expiação.

33. A Substituição Penal cria dois padrões de perdão — o modo como Deus exige que
perdoemos (livremente) e o modo como o próprio Deus perdoa (severamente) —, de
maneira que o padrão divino deixa de ser um exemplo.
Apêndice 3:
Ressuscitou para a nossa justificação (Rm 4:25)

ὃς παρεδόθη διὰ τὰ παραπτώματα ἡμῶν


καὶ ἠγέρθη διὰ τὴν δικαίωσιν ἡμῶν.
“Ele foi entregue à morte por nossos pecados
e ressuscitado para nossa justificação.”
(Romanos 4:25)

Que relação existe entre a Justificação e a Ressurreição? Se se fizer essa pergunta a um


defensor da Substituição Penal e da Justiça Imputada, talvez não se obtenha nenhuma
resposta satisfatória. Nessa teologia, a Ressurreição de Cristo não tem nenhum papel salvífico
a desempenhar, mas somente a Cruz, por meio da qual a justiça de Cristo é atribuída
(imputada) a nós, e nossos pecados atribuídos (imputados) a ele. Justificação seria apenas o
projeto divino de matar alguém para que possa perdoar os “verdadeiros” culpados. Não resta
nada para a Ressurreição, que assume função apologética: mostrar que realmente Jesus era o
filho de Deus, e que seu sacrifício no Calvário foi aceito pelo Pai. É esse o ensino da Sagrada
Escritura?

É fácil ver que esse tipo de posicionamento não faz justiça ao que se lê em Rm. 4:25. Assim
como a Cruz e o perdão de pecados estão conectados, também estão a Ressurreição e a
Justificação: “ressuscitado para nossa justificação”. Se não queremos simplesmente ignorar
o texto, fazendo de conta que Paulo nunca o escreveu, nossa doutrina precisa incorporar essa
noção revelada.

É verdade que a o texto grego utiliza a mesma preposição em ambas as sentenças (dia +
acusativo), enquanto a versão citada acima (NVI), como outras (ARC, ACF, NTLH),
traduzem o primeiro caso como “por”, e o segundo como “para”. A ARA busca preservar a
identidade, vertendo: “entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa
da nossa justificação.” Assim dito, a relação entre a Ressurreição e a Justificação é menos
clara. Ainda assim, se queremos preservar o paralelismo, o “ser entregue” por causa dos
nossos pecados não significa senão quer Jesus foi entregue para solucionar o problema dos
nossos pecados, assim como Ressuscitou para solucionar o problema da nossa Ressurreição.
Corretamente entendida, mesmo essa versão quer dizer a mesma coisa.

Aqui, Paulo antecipa a linguagem que usará em Rm. 5:12-21, especialmente o v. 18, que de
várias formas compara as nossas transgressões (e a de Adão) ao ato de justiça realizado por
Cristo, sua obediência “até a morte” (Fp. 2:8) pela qual alcançamos a Justificação (dikaiōsis).
Não é somente em Rm. 4:25 que se pode ver um relacionamento entre a Justificação (ou
Salvação) e a Ressurreição do Senhor. Essa noção está explícita ou implícita em outros textos,
como:
Romanos 5:10: Se quando éramos inimigos de Deus fomos reconciliados com ele mediante
a morte de seu Filho, quanto mais agora, tendo sido reconciliados, seremos salvos por sua
vida!

Romanos 6:4: Portanto, fomos sepultados com ele na morte por meio do batismo, a fim de
que, assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos mediante a glória do Pai, também nós
vivamos uma vida nova.

Romanos 8:33-34: Quem fará alguma acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem
os justifica. Quem os condenará? Foi Cristo Jesus que morreu; e mais, que ressuscitou e está
à direita de Deus, e também intercede por nós.

Romanos 14:9: Porque foi para isto que morreu Cristo, e ressurgiu, e tornou a viver, para ser
Senhor, tanto dos mortos, como dos vivos.

1Coríntios 15:17: E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos
pecados.

2Coríntios 5:15: E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si
mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou.

Em Rm. 5:10, enquanto a reconciliação se dá pela morte de Jesus, a salvação se dá por sua
vida (Ressurreição). Em Rm. 6:4, há uma ligação entre a Ressurreição do Senhor e a vida
nova. Em Rm. 8:33-34, a Justificação aparece em paralelismo com a morte e (mais) a
Ressurreição. Em Rm. 14:9, a Crucificação e Ressurreição confluem em um mesmo objetivo
salvífico. Em 1Co. 15:17, por um motivo não explicado, se não há Ressurreição, não há
perdão de pecados. Em. 2Co. 5:15, é dito não apenas que Jesus morreu por nós, mas também
ressuscitou por nós.

Por isso mesmo, quando o apóstolo Paulo fala da fé salvífica, menciona o senhorio de Jesus
e sua Ressurreição (Rm. 10:9), não a Crucificação, mesmo sendo essa essencial para a
salvação, pois somos “justificados pelo seu sangue” (Rm. 5:9). Mas que significa dizer que
Jesus ressuscitou por nós? Como a Ressurreição do Senhor se coloca na obra salvífica? Afinal,
que relação existe entre Justificação (a declaração divina de justiça) e Ressurreição (a volta à
vida do Senhor)?

Atacamos essas perguntas começando pelo óbvio. Sabemos que a fé cristã inclui a promessa
de ressurreição, que ela é inerente à salvação (Rm. 8:23). Não é difícil ver que a Ressurreição
de Jesus está de certo modo ligada à nossa própria (Rm. 6:5). Ele começa a coisa toda (1Co.
15:20ss; Cl. 1:18), e queremos, no fim das contas, seguir o mesmo caminho. Também parece
óbvio que da Justificação resulta a nossa própria ressurreição. Uma direção a se perguntar
seria: que relação existe entre a Ressurreição do Senhor e a nossa?
Penso que a melhor resposta está nos capítulos 5 a 8 da Epístola aos Romanos, lidos
detalhadamente. Não por acaso, são os capítulos que aparecem logo após Rm. 4:25, o lugar
óbvio para procurar a explicação.

O texto é, de certo modo, espelhado: os capítulos 7 e 8 recapitulam, sob outro ângulo, aquilo
que já estava nos capítulos 5 e 6. Enquanto os capítulos 5 e 7 apresentam a natureza humana
morta em Adão, os capítulos 6 e 8 a mostram revivida em Cristo pelo poder do Espírito
Santo. Os capítulos 5 e 7 descrevem o que está condensado em 1Co. 15:56: “O aguilhão da
morte é o pecado, e a força do pecado é a lei.” A Morte, o Pecado, a Lei. Em razão da
identidade adâmica que toda a humanidade compartilha, a Morte passou a toda a humanidade
(Rm. 5:12), ela reina sobre toda a humanidade (5:14,17), levando todos ao Pecado, que reina
através da Morte (5:21). A própria Lei não é capaz de solucionar o problema, pois em nós
habita a lei do Pecado, que nos escraviza para fazer o que é mau, em razão da nossa
mortalidade (7:23-25), inclusive utilizando-se da Lei para tanto (7:9), gerando mais Morte
(7:5).

Nessa situação, o ser humano é descrito como “vendido sob o pecado” (7:14); nós nos
tornamos “escravos do pecado” (6:17). A conexão aqui é mais visível no texto grego: o verbo
em Rm. 7:14 traduzido como “vender ” é pipraskō, pode eventualmente ser “vender como
escravo” (como em Mt. 18:25); assim: “vendido para ser escravo sob autoridade do Pecado”.
Em Rm. 3:9, Paulo colocara toda a humanidade “debaixo do pecado”; aqui ele revela que
não apenas todos pecam. Mais do que isso: todos são escravos do pecado.

Entendida a situação humana, a conexão se torna bastante óbvia quando consideramos um


dos textos mais conhecidos da Epístola, Rm. 3:24, que nos diz que somos “justificados
gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus.” . A Justificação
se dá por meio da redenção, que é o preço pago para libertar um escravo; tanto o v. 25 quanto
outros textos paulinos nos informam que essa redenção diz respeito ao sangue, em linguagem
claramente sacrificial (Ef. 1:7; Cl. 1:14). Mas sabemos também por Paulo que a salvação final
e escatológica também é redenção: aguardamos a “redenção do nosso corpo” (Rm. 8:23), do
mesmo modo como o restante da Criação aguarda libertação da servidão (8:21).

Assim, a imagem paulina começa a se delinear: fomos vendidos como escravos, mas Cristo
pagou o preço por essa escravidão para que sejamos livres. De quem somos escravos revela-
nos os textos já aduzidos: do Pecado e da Morte. Enquanto escravos, vivendo no “corpo
mortal” (7:24), estamos sujeitos à lei do Pecado. Mas nossa libertação já começou! Assim
como Rm. 3:24 nos diz que a Justificação se dá através da redenção — através do pagamento
do preço pelo escravo —, existe um interessante paralelismo entre ser “justificado do
pecado” (Rm. 6:6-7) e “libert[o] do pecado” (6:18). Em ambos os casos, emprega-se a mesma
preposição de afastamento, apo. Aqui Justificação é a declaração de libertação em relação à
sentença adâmica, por meio da qual estávamos sujeitos ao reino da Morte, no qual servíamos
ao Pecado e frutificávamos para a condenação. O texto merece atenção:

Romanos 6:6-7: Pois sabemos que o nosso velho homem foi crucificado com ele, para que
o corpo do pecado seja destruído, e não mais sejamos escravos do pecado; pois quem morreu,
foi justificado do pecado [dedikaiōtai apo tēs hamartias].
Como Paulo havia explicado poucos versículos antes (6:3-5), no Batismo nós nos unimos à
morte de Cristo e somos sepultados com ele (cf. Cl. 2:12). Dada essa união espiritual a Cristo,
nossa própria humanidade decaída é crucificada dele, vencida nele, e por isso deixamos de
ser escravos do Pecado. O ponto chave é que a ligação entre os dois versículos é explicativa
(“pois”) de maneira que ser “justificado do pecado” significa ser “liberto do pecado”, como
em Rm. 6:18; do contrário, isso seria incapaz de explicar o v. 6. Quem morreu foi liberto do
pecado, e nós já morremos com Cristo, portanto estamos libertos do pecado e não seremos
mais escravos dele.

Esse vínculo Batismo diz respeito também à Ressurreição: “Se dessa forma fomos unidos a
ele na semelhança da sua morte, certamente o seremos também na semelhança da sua
ressurreição.” (6:5). Nossa ressurreição é dependente da de Cristo, assim como nossa morte
para o pecado, uma vez que estamos unidos (symphytoi) a ele e participamos daquilo que ele
é. Se queremos ser libertados do poder da Morte, precisamos viver, e é justamente ele nossa
vida, é sua vida que nos salva (5:10).

Uma nova imagem aparece em Rm. 8: a da adoção. Por um lado, ela se opõe à escravidão
(8:15); por outro, é idêntica à redenção do nosso corpo (8:23). A oposição e a identificação
confirmam o relacionamento entre libertação (Justificação) e Ressurreição, mas acrescentam
um nove elemento à imagem: enquanto nossa Justificação se dá por Redenção, nossa
Redenção ocorre como Adoção. Deixamos de ser escravos do Pecado tornando-nos filhos
de Deus. A sentença divina de libertação, pela qual o nosso preço de escravos é declarado
como pago, é ao mesmo tempo a sentença pela qual nos tornamos filhos.

A Morte é o último inimigo de Deus a ser derrotado (1Co. 15:26). É na nossa ressurreição,
iniciada pela do Senhor, que ela é vencida por Deus definitivamente (1Co. 15:54-55). Desse
modo, ressuscitar com Cristo é propriamente nossa redenção, nossa libertação do reino da
Morte, nossa Justificação em relação à nossa situação de escravos ocasionada pela maldição
adâmica e agravada por nossas próprias transgressões. Como nossa ressurreição é
dependente da de Cristo, é evidente que a Ressurreição de Cristo, de certo modo, causa a
nossa, nos livrando do poder da Morte, colocando-nos então em uma situação nova: se
sabemos que estamos livres do poder da Morte pelo poder do Espirito Santo, podemos viver
uma vida nova também pelo poder do Espírito Santo (Rm 6:4; 7:6).

COLETA DO DOMINGO DE PÁSCOA (LOC)


Ó Deus, que para a nossa redenção entregaste o teu unigênito Filho à morte de cruz, e pela
tua gloriosa ressurreição nos libertaste do poder de nosso inimigo; concede que morramos
diariamente para o pecado, a fim de que vivamos sempre com Ele na alegria de sua
ressurreição; mediante Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, que vive e reina contigo e com
o Espírito Santo, um só Deus, agora e sempre. Amém.
Indicações de Leitura para aprofundar o assunto

• Christus Victor, Gustaf Aulén


• A Fé Cristã, Gustaf Aulén
• Por que Deus se fez homem?, Santo Anselmo de Cantuária
• A Encarnação, Santo Atanásio de Alexandria
• A Trindade, Santo Agostinho de Hipona
• O dia em que a revolução começou, N. T. Wright
• Como Deus se tornou Rei, N. T. Wright
• A Cruz de Cristo, John Stott
• The Logic of Atonement, J. I. Packer
• The Nature of the Atonement: Four Views, Ed. James Beilby e Paul R. Eddy
• The Nature of Atonement, John McLeod Campbell
• Dogmatic Theology Vol VII, Francis J. Hall
• The Death of the Messiah, Michael Gorman
• We Belong, Stephen D. Morrison
• Atonement, Justice and Peace, Darrin W. S. Belousek
• The Crucifixion, Fleming Rutledge
• Stricken By God?, Ed. Brad Jersak
• Being Reconciled, John Milbank
• Cristianismo puro e simples, CS Lewis
• Athanasius, Peter Leithart

Indicações de vídeos

Christus Victor – Canal Sinal de Graça


https://www.youtube.com/channel/UCCTzd3MXYnvveNi_D-u0-9w

Jesus foi punido em seu lugar? – Canal Sinais de Graça


https://www.youtube.com/watch?v=Z2AeJLeIpCU

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