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FAJE – Faculdade Jesuítica de Filosofia e Teologia

Programa de Pós-graduação em Teologia (PPG) – semestre 2022.1


Curso: seminário de Leitura contemporânea – Juan Luís Segundo
Prof.: Dr. Afonso Murad
Aluno: André Pereira Soares

RECENSÃO

SEGUNDO, Juan Luis. A história perdida e


Recuperada de Jesus de Nazaré –
Dos sinóticos a Paulo. São Paulo: Paulus, 1997, 672p.

Juan Luis Segundo nasceu em Montevidéu em 31 de outubro de 1925, foi um


padre jesuíta, é uma das figuras mais importantes na tradição da América Latina a
Teologia da Libertação. Ele foi um dos fundadores da teologia da libertação latino-
americana, em 1941 ingressou na Companhia de Jesus, fazendo seus votos
religiosos, e os primeiros passos da formação sacerdotal, em Córdoba (Argentina).
Entre 1946 e 1948 estudou filosofia no seminário de San Miguel, também na
Argentina, em 1952 ele fez um ano de estudos em teologia no seminário, que
completou na Faculdade de Teologia Santo Alberto em Louvain, Bélgica (onde foi
companheiro do sacerdote peruano Gustavo Gutiérrez), obtendo a sua licenciatura
em 1958 com a tese "O cristianismo, uma utopia?
Enquanto isso, ele foi ordenado sacerdote em 1955. lecionou em vários
países latino-americanos e as universidades de Harvard, Chicago e Birmingham. Em
seu livro pretende mostrar o homem moderno, crente ou não, a liberdade radical
encontrou em Jesus. Entre seus trabalhos incluem teologia aberta para um laicato
adulto (1967-1972), o homem moderno a Jesus de Nazaré (1982) e O dogma que
liberta. Fé, revelação e magistério dogmático (1989).
O presente livro é uma atualização e sistematização de seu pensamento já
delineado, fundamento em “o homem moderno a Jesus de Nazaré (3 vols.)”. O
destaque nessa obra é a proposta de diálogo com os “não-crentes” e leigos sobre a
compreensão de Jesus de Nazaré. É um diálogo com o “ateísmo em potencial”.
Aqueles e aquelas que não conhecem ou desprezam Jesus de Nazaré por
imposição religiosa ou por obscuridade (p.9). Também, não se pode esquecer, como
se dedicou a vida toda para a formação do laicato, por isso, tinha a preocupação
clara em seus escritos com esse público. A reflexão teológica e exegética própria
são uma das suas características únicas.
Ele organiza o livro em duas partes bem distintas com uma introdução geral a
temática, conclusão e, como anexo, uma carta de despedida de uma amiga. O “fio
condutor” que “moldura” a obra que dá a sua compreensão: a fé antropológica. É
uma “clave” que conduz toda a sua reflexão. A intenção apresentar as estruturas
significativas da construção do pensamento, dando sentido a religião, ou seja, os
valores do “absoluto” se traduz nos testemunhos referenciais daquele que assumem
a fé em Jesus Cristo. É o reconhecimento das atitudes em favor da vida como
inspiração de Deus. O perigo é absolutizar em pessoas ou grupos.
Dentro da lógica do autor, é importante destacar qual é a fé? Ideologia?
realidades sócio históricas que constituíram a vida de Jesus. Utilizando-se de um
método próprio – analise das narrativas dos sinóticos. É importante destacar duas
coisas. Primeiro, não se tem “dados” históricos sobre a pessoa de Jesus, ou seja,
saber sobre a sua história é como saber de pessoa conhecida dos tempos modernos
como, por exemplo, um personagem dos nossos tempos. E outra coisa, a fonte de
conhecimento de Jesus são os “Evangelhos” que não livros história, mas livros
teológicos sobre a história d’Ele. Então, o que fazer? J.L. Segundo procura, mesmo
assim, descrever sobre para poder contextualizar o sentido da fé em Jesus.
Os passos tomados na sua explicitação para entender essa fé em Jesus é
compreender algumas questões. A primeira delas é compreensão da fé pré e pós
pascal. A narração da “história de Jesus” não parte de princípios lógicos: nascimento
até a morte”. Mas da morte ao nascimento. A “paixão” do Senhor se fundamenta
como princípio da fé cristã (cf. 1 Cor 15). O que aconteceu com o Mestre, o destino
dos discípulos e da “Igreja” terá sua força e influencia nas futuras gerações que
sentiram a necessidade de narrar essa história. Na perspectiva pré-pascal é relatar
os fatos dos acontecidos, enquanto no pós-pascal é a releitura da “esperança
messiânica” anunciada por Jesus, difundida pelo judaísmo no seu tempo. O seu
método não tem a preocupação de dar veracidade sobre a sua narração histórica,
mas fazer com que o “Novo testamento” possa dar fundamentos nessa busca de
entender que é Jesus de Nazaré.
Nessa consciência, o autor irá fazer um detalhamento, a partir dos dados dos
evangelistas, como se dá esse processo. O que nos chama a atenção sobre as
posições políticas, as consequências, a realidade da morte e descrição da
ressurreição de Jesus e as comunidades que se formaram. É bom lembrar que a
“construção” dessa história não está voltada para os detalhes, mas mostrar o próprio
caminho de conhecimento da pessoa de Jesus.
A temática do profetismo está tão presente como no seu discurso. J.L.
Segundo observar que o personagem de “João Batista” não é só um “percussor” da
pessoa de Jesus, mas representa os movimentos proféticos da sua época. Então,
numa lógica, a postura de Jesus não “foge” muito dessa regra. As descrições das
suas posturas a favor dos pobres (cf. Mt 5); seu discurso conta os ricos (cf. Lc 6);
suas posturas contra o farisaísmo (cf. Mt 23); a preocupação com os famintos (cf.
Mc 8 e paralelos) mostra a clave política de Jesus. Clave essa que é ideologia, pois
não “desencarna-o” da sua realidade. Em outras palavras, a fé de Jesus de é uma fé
religiosa. Uma fé que “molda” a religiosidade da sua época partir de suas
convicções.
Em continuidade a esse pensamento, a descrição das Parábolas de Jesus
representa claramente qual é a sua consciência. São ensinamentos de uma postura
clara político-religiosa. É o esclarecimento dos opositores e o foco do Reino,
anunciado por Jesus. Os diferentes grupos – opositores, discípulos e o povo -, o
“poder” do Reino, sua força, o “segredo”, são expressões claras da pedagogia do
Mestre. Por isso, entender seu sentido na história que narra, é essencial pra sua
compreensão. Discurso e ação do Reino não é mais como uma linguagem simbólica
que se torna realidade (Linguagem Icônica e Digital). É bom recordar que a análise
narrativa dos fatos em torno de Jesus, é uma forma de descrever o sentido do Reino
pra essas comunidades pós-pascais, assim como, os leitores de hoje.
Por isso, a morte de Jesus tem o sentido de continuidade de sua postura
religiosa. Em análise histórico crítica, a presença do nome “Jerusalém”, não é só a
leitura espaço-temporal, onde aconteceu a morte, mas representa a força do mal em
consequência da postura de Jesus. J.L.Segundo, destaca que os conflitos gerados
na Galileia – ensinamentos e milagres – e em Jerusalém só demonstra a
radicalidade histórica de Jesus. Essa radicalidade é sua escolha pelos pobres e
miseráveis.
Finalizando essa primeira parte do Livro, o autor, mostra que ressureição de
Jesus não é histórica ou consequência dos fatos ocorridos. Está ligada a sua Igreja.
As comunidades que surgiram após a morte de Jesus e estão no testemunho dos
discípulos que ele “ressuscitou”, corrobora o fato em si. Parece que elemento
“sociológico” da ressureição é bem presente na análise do J.L.Segundo. O
movimento da formação, a transformação do “medo” em “coragem”, os sinais das
“aparições” não são mais como o testemunho da continuidade dos gestos de Jesus.
Para ele e como para nós fica difícil dizer como foi o fato, pois é “meta-histórico”. O
fato é: uma coisa aconteceu que mudou a histórico “zé povinho” da Galileia. E as
comunidades tiveram o compromisso e responsabilidade de dar continuidade a
história de Jesus. Uma história que de sentido a fé, a conversão e realidade
concreta que vivem. Libertação e salvação não é dado benemérito. É um dado de
aceitação a viver o mesmo destino do Mestre.
Para a segunda parte do Livro, “a história recuperada”, utilizando-se de um
método exegético próprio, J.L.Segundo descreve o cristão em vista de Cristo. É a
sua leitura da primeira parte da Carta de Paulo aos Romanos (1—8). A clave
antropológica em Paulo e nas suas cartas é descrição clara de como pode se
desenvolver a existência humana frente a temas como: Pecado, Lei, Graça e Morte.
Tema central desse texto.
É a parte mais “especifica” e “única” do pensamento de Segundo, como já
dissemos, pois é uma exegese “própria”. Se propõe a fazer suas próprias
interpretações sobre os temas aí presentes. A sua lógica é mais teológico-filosófica
do que realizar método histórico-critico dos textos bíblicos. Daí que nosso olhar
sobre o “significado” de ser humano, intenção dele nesta parte, deve seguir o
mesmo caminho.
A escolha da Carta aos Romanos está dentro do consenso de ser a “síntese
do pensamento Paulino”. Ela é escrita entre os 57 e 58, durante a terceira viagem
missionária (At 18,18). O conteúdo do texto pode dar entender que seja para a
comunidade em Roma (cf. Rm 15,23), mas os temas relacionados a cultura judaica
e grega, leva-nos a supor que seja mais para as “comunidades cristãs” que estavam
vivendo a “segunda geração” (60-80 dC). Os conflitos entre judeus e gregos (cf. At
15); as novas relações entre senhores e escravos (cf. Gl 3); a perspectiva de
entendimento sobre a Graça como salvação e libertação da Lei e do Pecado, Morte
são temas pertinentes não só a carta, mas da vida cristã. É neste sentido a
insistência do autor o desenvolvimento e compreensão da temática. Como seu
público é grupos de experiencia cristã ou não, refletir sobre é essencial para a fé de
hoje.
Pontuando, o autor, se propõe a fazer o mesmo caminho do texto bíblico:
interpretar os personagens bíblicos à luz dos temas essências da vida cristã. em
primeiro lugar, o tema do “Pecado” atinge não só o paganismo, mas, também, o
judaísmo. O que está em jogo é a “Justificação”. Ser justo diante de Deus, se dá
pelos méritos do conhecimento? A própria capacidade humana? Não é claro o autor,
mas dá entender na descrição dos “mecanismos da escravidão” (p. 387), que
procura questionar o “gnosticismo”. Para ele, as situações socioculturais construídas
pelo mundo pagão: liberdade, sociedade, relações humanas, cultura e educação
pode levar mais ao Pecado do que a própria liberdade. A consciência de “salvar a si
mesmo” não contribui ou liberta para vida humana. A perspectiva da vida em Cristo,
a fé n’Ele é o único caminho de salvação. O Pecado e Jesus entra em conflito no
campo da salvação. O pecado escraviza, Jesus liberta. A intenção da reflexão é
fazer perceber como as atitudes humanas podem mais escravizar do que libertar.
Viver em Cristo, Justifica perante Deus.
Ainda nessa temática do pecado, o campo agora é o Judaísmo. Se o enfoque
do paganismo é a justificação pelas próprias capacidades intelectuais ou não, aqui
será a Lei Mosaica. A descrição é longa e exaustiva sobre a ligação Lei e Pecado.
sua exposição é demonstrar que ninguém é justificado por uma lei religiosa, pois
pode levar a uma compreensão de salvação pelos próprios méritos. Viver puramente
uma religião sem fé pode levar ao pecado. É perspectiva clara de uma condenação
a qualquer atitude que se coloca acima de qualquer um em nome da Lei religiosa.
Qual seria a solução? A retomada dos personagens bíblicos, seja no texto de
romanos como na reflexão do autor, dá o “tom” na continuidade dessa parte.
Destacando uma interpretação de Jesus Cristo em vista dessas temáticas ditas
acima. Em primeiro lugar, a própria pessoa de Abraão (p.465-467). Na interpretação
bíblica do autor, Ele é a “pessoa de fé” que dá sentido na fé cristã. A justificação
pela fé, tendo esse personagem como perspectiva, provoca uma mudança de
mentalidade. É pensar que a salvação é não é dada ao “conhecedor” dos mistérios
divinos ou naquele que deposita sua vida na lei, mas, sim, naquele que se entrega
por meio das suas obras. Obras essas mais como testemunho do que realização
pessoal.
Nessa mesma “toada”, Adão é o “ícone” da entrada do pecado no mundo. E
por Cristo entrou a salvação na humanidade. A leitura do autor é mostrar como em
Cristo Jesus acontece a reconciliação de Deus com mundo. Isso é não uma
segurança de salvação. Não é uma garantia de algum “prêmio”. É a confiança de
que a encarnação na história, o testemunho de fé fortalecerá o fiel na sua libertação
do pecado, por meio de Cristo. Acolher a graça é mudar sua forma de agir e pensar
(pp. 490-494).
Para entender melhor a questão, J.L. Segundo se propõe a fazer uma
reflexão teológica do Batismo. Nas comunidades primitivas, o batismo lhe concedia
vida nova em duas vertentes: a vida nova em si (condição antropológica) e uma
condição social (fraternidade na comunidade). Essa temática eclesiológica só
confere a leitura que se faz do fiel justificado em Cristo. Ser justificado em Cristo
dava condições ter uma vida totalmente diferente que vivia. Se antes estava dentro
dos “mecanismos da escravidão”, agora se sente novo e diferente.
Em consonância a essa reflexão, é necessário estar claro sobre o verdadeiro
sentido de viver uma vida nova para não ficar numa “inércia religiosa”. Pode dar a
impressão que, sendo batizado, não precisa fazer mais nada. Não precisa se inserir
na história. Será que o autor está dando margem àqueles que foram batizados?
Foram libertos permanente do Pecado e da Morte? A hipótese é que não. Para isso,
sua exegese continua agora sobre o cap. 7. É uma das mais difíceis compreensões.
Não se sabe se estar contra ou a favor da Lei. Numa interpretação breve, como
podemos entender, o autor entende a Lei como metáfora da vida humana, questões
antropológicas. Daí que ser batizado dá condições clara para libertação, pois já está
na graça – ação de Deus no mundo – revelada pela morte e ressurreição de Jesus
de Nazaré. Pode-se entender a libertação como caminho da vida. É a busca de
“equilíbrios” entre os desejos e vontades. Talvez deseja levar a entender o sentido
do “mal” no mundo como realidade antropológica do que fundamento divino. Mas é
isso é outra reflexão.
Para finalizar a vitória do ser humano é dada pela ressurreição de Jesus.
Segundo pretende dizer que os “projetos de morte” forma vencidos. Com certeza, a
sua intenção não é dá ao ser humano uma “ilusão” de viver num mundo sem
perspectiva e expectativas. Diante dos conflitos humanos: sentido do mal, violência,
indiferença, guerras... se há sentido a vida, então, ele propõe a leitura da vitória de
Cristo, na ressurreição, como a vitória de Deus sobre os projetos humanos. Basta
recordar a “clave política” de Jesus, já dita no livro, como decisão e escolha contra a
Morte. Suas palavras em favor dos pequenos, suas atitudes diante dos ricos e
poderosos, o anuncio de uma vida em comunidade dão sentido a todo cristão que se
propõe a viver a fé em Cristo Jesus no batismo.
Tendo um olhar crítico sobre o livro em si, pode-se perceber o esforço que o
autor tem transmitir a mensagem cristã para aqueles e aquelas que se sentem
“perto” ou “distante” da fé cristã. Mostrar Jesus de Nazaré como o Cristo da fé.
Revelar as “escolhas” que Jesus fez na história que relata a sua própria vida, fazem
parte de sua empreitada. E, ainda mais, a interpretação do Cristo da fé, pela
comunidade primitiva, se coloca como caminho de entendimento da fé hoje.
O seu método tem seu valor. Fazer uma analise narrativa das fontes que se
tem para falar de Jesus mostra o valor de reflexão. O próprio texto fica leve e
corrido. Uma leitura leva a outra. Ele se coloca no papel que escreveu o Novo
Testamento. Não é a narração da história de Jesus, mas partir de Jesus como
decorre a história das primeiras comunidades. As escolhas, decisões, anúncios
fazem parte da vida de Jesus, portanto, a construção de sua vida está ligado
diretamente com a vida de fé. Dá sentido a vida crista.
A segunda parte do livro sobre a teologia Paulina sobre a condição cristã,
pode-se uma limitação do autor. A carta aos Romanos é considerada a “síntese” da
vida cristã. Após suas viagens, Paulo sintetiza todo o seu pensamento nessa carta.
Segundo se utiliza de uma exegese própria, ou seja, interpreta os versículos de
forma livre e pessoal procurando fundamentar a tese da liberdade em Cristo.
Realizar em textos narrativos – como os Evangelhos – é fácil e possível. Agora
textos litúrgicos, paranéticos, sejam mais difíceis, pois devem considerar o contexto
que é escrito, o sentido para quem e a comunidade. Aqui encontra o limite, poderia
utilizar de alguns passos do método exegético e apresentar as suas conclusões.
Mas é importante destacar que essa critica não deprecia o texto, é só uma
orientação. Um caminho de leitura.
A indicação do livro é persistente. É uma boa leitura para conhecer o sentido
da fé cristã. Não é uma síntese teológica. Não apresenta os tratados da teologia,
mas dá uma boa base teológica para compreender a fé que se tem e que possa ter.
Portanto, qualquer um pode ler o livro que desejo conhecer a pessoa de Jesus e a fé
que lhe pressupõe.

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