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Populorum Progressio e Fratelli Tutti

Perspectivas aproximativas

INTRODUÇÃO:

“O desenvolvimento dos povos, especialmente daqueles que se esforçam por


afastar a fome, a miséria, as doenças endêmicas, a ignorância” (PP 01) .../...
“FRATELLI TUTTI1” :escrevia São Francisco de Assis, dirigindo-se a seus irmãos e
irmãs para lhes propor uma forma de vida com sabor a Evangelho (FT 01). Numa
perspectiva aproximativa, as duas encíclicas tem uma preocupação vigente:
formação integral da pessoa humana. Os diversos elementos que a decorrem sobre
o contexto de cada ser humano no planeta, suas atitudes, posturas, opiniões,
conjunturas políticas-econômicas, situações da degradação ecológica e humana
fazem parte dseu “fio condutor”. Portanto, a doutrina social da Igreja nesse ponto, ao
nosso olhar, muda seu enfoque. Em vez de procurar orientar o mundo sobre a vida
social, pelo magistério, ou “doutrinas” papais, procurará ser uma colaborada ao
"desenvolvimento dos povos – sua formação integral – a partir dos valores
evangélicos, tão importante para mundo de hoje.
Esse olhar se fez necessário no contexto da Populorum Progressio (daqui por
diante iremos utilizar PP) e da Fratelli Tutti (daqui por diante iremos utilizar FT),
então, falar do ser humano é compreender os caminhos que se estabelece para si
mesmo e para mundo. Nessa perspectiva, os escritos de Paulo VI e Francisco,
podem nos ajudar a construir um mundo que queremos. A pretensão de desenvolver
um humano integral não passa pelas “mãos” catequéticas da Igreja, mas, sim, como
Igreja no mundo, contribuir pra esse processo, pois a pessoa humana, é capaz de
formar-se.
Diante disso, para o desenvolvimento desta reflexão, buscaremos usar o
método Ver-Julgar-Agir. tão consagrado nos “meios” populares. Olhar o contexto
histórico das duas encíclicas. Apresentar o substrato teológico, dando enfoque a FT,
no seu capitulo 2, pois ajuda a entender o desejo de escrever o texto. E elencar as
aproximações obtidas com o caminho feito. Tentar “canalizar” as contribuições de
cada uma para a formação integral da pessoa humana.
Para recordar e apontar. Esse estudo é “aproximativo”. Ele procura ver como
os valores evangélicos inspiram as aspirações das duas encíclicas e, também, como
as problemáticas de “ontem” e de “hoje” sempre irão motivar a Igreja a ser um “luz”
para o mundo.

I. PANORAMA HISTÓRICO:

O panorama histórico de uma encíclica Papal sempre se coloca num desafio.


Por um lado, é necessário entender as motivações, contexto histórico-social,
conjuntura eclesial que se impõe. E, por outro, as inspirações de quem escreve. Daí
que qualquer descrição desse tipo pode ser longa e exaustiva. Para esse trabalho,
procuraremos delimitar ao mínimo para fundamentar a discussão. Poderemos nos
utilizar de análise de conjuntura da época ou outros elementos de artigos que
clareiam a questão.

1. Contexto histórico da PP

1
“Todos irmãos” – tradução da expressão italiana.
A PP está dentro do contexto de 1968-1969. OTTAVIANI, tratando num artigo
dos 50 anos da carta2, aponta alguns elementos contextuais.
Em primeiro lugar, ao falar em desenvolvimento dos povos – o anuncio
fundacial da encíclica - representa a preocupação de que forma essa situação está
acontecendo. Uma das imagens da “janela histórica” que a Igreja e o mundo veem é
a revolução cubana. A tomada de Poder por Fidel Castro (1959); o embargo
econômico feito pelos EUA (1960); a fortalecimento das Ideias socialista da União
Soviética, junto a Ilha cubana fortaleceu ainda mais os conflitos já existentes. Com
isso, o que foi chamado, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), de Guerra
Fria3, tomou aqui uma das suas expressões mais claras e objetivas.
Outro elemento, no que compete a juventude, onde na PP dá um destaque
importante (nº74), é sobre sua força e influencia. Três fatos que a marcaram essa
época. Che Guevara (1928-1967), grande líder revolucionário, em suas viagens e,
principalmente na América Latina 4, testemunhou a miséria e indiferenças sociais
como fruto de um capitalismo “sem controle” (cf. PP 8).
Sua postura diante dessas guerras e revoluções, como consequência da
indiferença causada pelas questões socioeconômicas, influenciou, fortaleceu,
inspirou a Juventude Americana. Ela se colocou totalmente contra a qualquer
expressão violenta, pois estava mais ligada a interesses capitalista ou qualquer
testemunho da sabedoria americana. Aliás, em paralelo a essa postura, o
“movimento hippie” surgiu como um momento de força e mudança de pensamento a
qualquer imposição ideológica vindo do “americano médio” 5.
Podemos também descrever a situação da “China Comunista” emergente.
Liderada por Mao Tse-Tung, a juventude do meio camponês, dos trabalhadores e
funcionários do governo, organizaram uma grande manifestação contra a supostos
“intrusos” no partido comunistas simpatizantes às ideologias capitalistas, à
burguesia. A expressão juvenil chinesa tomou tão proporção – invasões a
estabelecimento, tomada das praças públicas -, que influenciou o mundo inteiro. À
guisa de exemplo, a juventude francesa promoveu manifestações em 1968. Então, a
juventude chinesa teve uma grande força de mudança que refletiu diretamente o
mundo na época, assim como, a Igreja pós-Vaticano II.
Em falar do Vaticano II (1962-1965), Frei Carlos Josaphat 6, numa entrevista
ao IHU7, apresenta alguns pontos históricos da encíclica PP, relacionado
diretamente ao pontificado de Paulo VI (1963-1978).

2
OTTAVIANI, E. Populorum Progressio 50 anos depois. Cadernos de Fé e Cultura, v.3, n.1, p.20-22,
2018.
3
De forma sintética o EUA representa o desenvolvimento dos povos mediante a capitalismo,
enquanto, a então vigente URSS representava o desenvolvimento dos povos pelo socialismo. Mas
isso em tese, pois pode diversos questionamentos
4
O filme “diários de motocicleta” – 2004 – retrata as motivações iniciais que levaram Che Guevara a
ser como o conhecemos.
5
Expressão para designar a imposição da moral e dos bons costumes vindo das classes médias-
altas, por exemplo, a obrigatoriedade do serviço militar a juventude. um filme que retrata bem essa
questão é “Febre da Juventude” (1978), onde relata a presença da banda de rock “Beatles” nos EUA,
aonde ue revoluciona a forma de pensar e agir. Um outro exemplo, é o documentário sobre
“Woodstock – 3 dias de paz, amor e música” (1970). Evento acontecido em Nova Iorque, retrata a
realidade e expressão da juventude da época.
6
Mineiro, é teólogo dominicano, professor emérito da Universidade de Friburgo, Suíça, e Dr. Honoris
Causa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Estudioso da obra de Tomás de
Aquino, comentou as questões sobre a Justiça da Suma Teológica e, ao longo dos seus 95 anos.
7
IHU Online - Populorum Progressio, a Encíclica da Ressurreição (unisinos.br). Acesso em 07 de
Junho de 2022.
Ele é marcado por situações co-existentes 8. Não devemos pensar que, após o
Vaticano II tudo se orientou para a mudança e renovação da Igreja. Devido a sua
maciça votação, criou-se um “furor” de grande esperança. Não foi bem assim! Paulo
VI de maneira discreta, jeitosa, mas muito inteligente e eficaz procurou relacionar as
“igrejas” que estava vigente, isto é, a ala dos “conservadores”, dos pregressitas, ds
moderados e dos “em cima do muro” estavam e estão existindo, ao mesmo tempo,
na mesma Igreja pós-conciliar. Portanto, o Magistério insistindo sobre o caráter
operacional da doutrina social, procurou incentivar o discernimento das
comunidades e dos fiéis o seu verdadeiro lugar, isto é: o primeiro.
Outro elemento importante do contexto eclesial da carta, foi o progresso
crescente de consciência social da Igreja. Os padres conciliares, iluminados pela
constituição Gaudium et Spes (último documento aprovado do Vat. II), mostravam-se
desejosos de produzir textos mais práticos visando os continentes menos
desenvolvidos e em parte ainda (mal) colonizados. Á guisa de exemplo, na América
Latina, a conferencia de Medellín (1968) se propôs a ser uma atualização do Vat. II
para as Igrejas do “terceiro mundo”. Então, vê aí, como a consciência social no
magistério da Igreja estava muito efervescente do que antes. Não é mais uma
preocupação da Cúria Romana, mas da Igreja particular em cada canto do mundo (//
com o mandato de Jesus em Atos dos Apóstolos, cf. At 1,8ss).

2. Contexto histórico da FT

O Papa Francisco, em seus escritos e documentos, sempre procura aplicar o


método “Ver-Julgar-Agir”9, tão consagrado na Igreja Latino-americana. Nele se
encontra, pistas da realidade que ilumina a reflexão bíblico-teológica, provocando
uma ação concreta na pastoral da Igreja particular. É a decisão da fé em Jesus
Cristo, iluminando a mudança que queremos. Em termos claros e objetivos é viver
“fé-vida-comunidade”10.
Diante disso, o cáp. I da FT aponta-nos o seu contexto histórico, trazendo os
elementos “motivacionais” que a provocaram como mensagem para o mundo,
intenção pré-textual da carta toda.
O titulo é bastante sugestivo: “sombras de um mundo fechado” (FT nº 9-55).
Aponta situações concretas que descrevem uma suposta decadência da
humanidade, mas, também, as escolhas que influencia diretamente a degradação da
“amizade social”, tema transversal em toda carta. Outro detalhe, os seus temas
estão ‘fresquinhos” em nossas mentes, pois ainda estamos em pandemia do Covid-
19, realidade fulcral da humanidade. Uma doença que questionou profundo os
projetos econômicos de todas as nações do planeta. Esse vírus fez uma coisa, sem
julgamento moral ou ético, igualar todas na mesma situação de dor e sofrimento.
A encíclica aponta outras questões pertinentes que nos ajudou a pensar na
época, como hoje. A primeira delas é a situação da degradação politica internacional
que divide as nações, principalmente a Europa. O Brexit 11, separação do Reino
Unido da União Europeia, revelou toda a decadência de uma região do planeta que
se gabava de “referencial” ao mundo (recordar o Mercosul – união dos países da
8
. Pe. João Batista Libânio - Contextualização do Concílio Vaticano II e seu desenvolvimento
(jblibanio.com.br). Acesso em 07 de junho de 2022.,
9
FERREIRA, Reuberson Rodrigues. Papa Francisco, e o método? Considerações sobre método ver-
julgar-agir utilizado pelo Papa Francisco. Revista eletrônica
10
Expressão cunhada nos “círculos bíblicos”, onde utilizam-se na Leitura Bíblica Popular das
Comunidades Eclesiais de Base (Ceb’s).
11
America do Sul). Para o Papa Francisco, reacendem-se conflitos anacrónicos que se
consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados,
ressentidos e agressivos (FT 11).
Uma descrição de situações pode nos colocar no seu contexto. conflitos
locais e o desinteresse pelo bem comum são instrumentalizados pela economia
global para impor um modelo cultural único. Esta cultura unifica o mundo, mas divide
as pessoas e as nações, porque a sociedade cada vez mais globalizada torna-nos
vizinhos, mas não nos faz irmãos. A preocupação é com as ideologias, no sentido
“pejorativo”, ou seja, grupos, pessoas, sociedade autocráticas impõe sobre sua
população sua forma de pensar. É o axioma “nós contra eles” (Ft 12).
Pelo mesmo motivo, favorece também uma perda do sentido da história. É a
penetração cultural duma espécie de “des-construcionismo”, em que a liberdade
humana pretende construir tudo a partir do “zero”. É a atitude clara que foi feito não
tem sentido, são projetos vazios e falidos. Parece muito a ideia “messiânica” no
tempo de Jesus (cf. At 1,5ss), onde a população judaica espera o messias
revolucionário, reunira os seus soldados – os zelotes, por exemplo – pra expulsar o
império romano. Hoje em dia tomou outra “roupagem”. Está mais na ordem político-
econômica. (FT 13)
Parece que é uma “ditadura disfarçada”. Uma maneira eficaz de dissolver a
consciência histórica, o pensamento crítico, o empenho pela justiça e os percursos
de integração é esvaziar de sentido ou manipular as “grandes” palavras. Olha como
em nosso no Brasil, nos círculos pessoais, comunitários e digitais, divulga que a
ditadura não foi um golpe, mas de uma “intervenção democrática”. E, ainda mais, a
mania de tudo “secreto”. Não pode falar; não se pode pesquisar; tudo está sob
“sigilo de 100 anos”, ou seja, qualquer fato da história está sob o domínio de poucos
que manipulam a opinião pública. Então, que significado têm hoje palavras como
democracia, liberdade, justiça, unidade? (FT 14).
Um outro enfoque histórico é a realidade humana em si, já apontada. Ou seja,
vivemos uma cultura vazia, fixada no “presente”. O que é mais importante é aquilo
que transmite prazer subjetivo, isto é, “viva o agora, o amanhã, será amanhã”. À
guisa de exemplo, A geração Z12 – juventude nascida a partir dos anos metade dos
anos 90 até os anos 2000 – é representação clara dessa situação histórica. Michel
Alcoforado disserta sobre o tema na ótica que, nossos jovens, não se preocupa com
a situação do amanhã. O importante é o “agora”, ou seja, as opiniões, a carreira, a
perspectiva da vida não estão voltando como projeto de vida. o sucesso está mais
ligado aos “likes” que consiga nas mídias socias.
Se a nossa juventude vive uma “cultura vazia”, não se pode esquecer as
mulheres. Elas ainda não conseguem viver a sua liberdade conquistada a duras
penas. A organização das sociedades em todo o mundo ainda está longe de refletir
com clareza que elas têm a mesma dignidade e idênticos direitos que os homens.
As palavras dizem uma coisa, mas as decisões e a realidade gritam outra (FT 23). A
violência doméstica aumentou vertiginosamente nesse tempo pandêmica,
principalmente entre os mais jovens casais13. O documento aqui citado descreve as
diversas situações e espaços dessa realidade, então, ainda se faz necessário
refletir, repensar.
12
ALCOFORADO, Michel. Como a geração Z vem reinventando a noção de trajetória de vida e
biografia? https://audioglobo.globo.com/cbn/podcast/feed/843/michel-alcoforado-para-onde-vamos.
Acesso em 09 de junho de 2022.
13
FORUM BRASILEIRO DE SEGUNRANÇA PÚBLICA. Violência domestica durante a pandemia do
Covid 19 https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-domestica-covid-19-
v3.pdf. Acesso em 09 de junho 2022
Em outro campo situacional, Papa Francisco contextualiza a FT dentro do
mundo da economia:

O mundo avançava implacavelmente para uma economia que, utilizando os


progressos tecnológicos, procurava reduzir os «custos humanos»; e alguns
pretendiam fazer-nos crer que era suficiente a liberdade de mercado para
garantir tudo. Mas, o golpe duro e inesperado desta pandemia fora de
controle obrigou, por força, a pensar nos seres humanos, em todos, mais do
que nos benefícios de alguns (FT 33)

Isso mostra claramente que a pessoa humana estava no centro da evolução


moderna e perdeu o seu “rumo” com a chegada da pandemia (novembro de 2019
até os dias atuais). Era perceptível a tecnologia buscando encurtar os “espaços”
entre os seres (mundo digital da comunicação); a busca incessante em explorar a
“imensidão” do universo; os padrões tecnológicos que nações precisam estabelecer
para equipar com outras. Mas isso gera muito distanciamento social do que
igualdade. Basta recordar, aqui no Brasil, os últimos eventos a nível mundial. Tinha
até um jargão para tudo: “padrão Fifa”. A realização da copa do mundo em 2014, as
olimpíadas em 2016 e até mesmo a Jornada mundial da Juventude em 2013,
geraram dividas, indiferenças, “elefantes brancos” e situações que produziram muita
mais pobreza do que progresso. Muito diziam que o “legado” ficou “largado”. É uma
situação que se agravou na pandemia. É uma realidade a se pensar.
O problemas das migrações na Europa (fuga da África do Norte para os
países da península ibérica); as migrações do povo venezuelano para Rondônia,
Brasil; a fuga de povos das guerras iminentes (Hoje a guerra da Ucrânia com a
Rússia); a fome agravante pós-pandemia 14 e tantas outras realidades sociais que
representam regimes populistas e economias liberais que separa os seres humanos
(FT 37).
O “mundo fechado”, descrito nessa encíclica, pode ser uma alerta sobre
nossas atitudes e pensamentos. A pessoa humana em cada sociedade deve estar
sempre sobres os desafios socias, situações históricas que sempre irão questioná-
lo. As mudanças são a força motora pra um “olhar” mais atento e não esquecer a
história para ter mais memória.

II. PANORAMA TEOLÓGICO

Uma renovada conscientização das exigências da mensagem evangélica


traz à Igreja a obrigação de se pôr ao serviço dos homens, para os ajudar a
aprofundarem todas as dimensões de tão grave problema e para os
convencer da urgência de uma ação solidária neste virar decisivo da história
da humanidade” (PP 1).
Com efeito, apesar desta encíclica se dirigir a todas as pessoas de boa
vontade, independentemente das suas convicções religiosas, a parábola
em questão é expressa de tal maneira que qualquer um de nós pode
deixar-se interpelar por ela (FT 56)

Numa aproximação, podemos ver como os valores evangélicos é a “mola”


propulsora do caminho de mudança. Apesar da mensagem ser de um campo
religioso especifico, que parti do principio da crença, as duas encíclicas se
preocupam com o desenvolvimento integral com base no Evangelho. Ou seja, Jesus
14
GANDRA, Alana, Pesquisa aponta que fome atinge 33,1 milhões de pessoas no país.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-06/pesquisa-aponta-que-fome-atinge-331-milhoes-
de-pessoas-no-pais. Acesso em 09 de junho de 2022.
Cristo, nos tempos atuais, está além dos “muros eclesiais”. Sua vida, seus
ensinamentos, suas palavras, suas ações se tornaram e tornam “farol” para muitas
pessoas e grupos. Jesus de Nazaré é um exemplo a ser seguido, por isso, se tanto
escreve sobre e se debruça sobre sua história.
Aqui nesse ponto, se utilizando a intuição da FT, decorremos sobre o sentido
e a mensagem da parábola do “bom samaritano”. A PP não possui um texto bíblico
especifica, mas como tem em sua base os valores evangélicos, e vamos falar do
evangelho, tem como não dizer que Paulo VI bebeu dessa fonte pra escrever a sua
encíclica.
Para assim decorrer, iremos utilizar a reflexão de Michel Gourgues 15. Em seu
livro sobre as “parábolas de Lucas”, ele se debruça de forma profunda sobre a
narrativa do Evangelho, transmitindo “ressonâncias” para os dias atuais. Caminho
claro das intenções da PP e FT para a Igreja e ao Mundo.
Há um pano de fundo na parábola: Onde está o teu irmão? (Gn 4,9). Deus
coloca em questão todo o tipo de determinismo ou fatalismo que pretenda justificar a
indiferença. Habilita-nos a criar uma cultura na qual cuidemos uns dos outros,
porque todos temos um mesmo Criador, e nele encontram fundamento os nossos
direitos (FT 56-57)
A parábola em questão está dentro do Bloco central do Evangelho, chamada
subida de Jerusalém (9,51—19,27). Aqui se concentra a maioria das Parábolas do
Evangelista; tem um tom de exortação aos discípulos; procura desenvolver seus
temas mais caros (misericórdia, oração, pobres, ricos, riqueza, despojamento,
fidelidade); e a definição do verdadeiro discípulo.
O texto tem uma delimitação bem definida. Sua costura está bem-feita (v.25
em paralelo com v. 37). Uma primeira parte – 10,25-28 – é a discussão em torno da
“vida eterna”, pergunta do Legalista a Jesus. É a segunda – 10,29-35 – a história do
“homem maltratado, abandonado, socorrido”. O encontro de Jesus e o Legalista está
na ótica a da discussão. Os dois estão no patamar de “doutores da Lei 16” (usaremos
daqui por diante). As perguntas e respostas são para “testar” a capacidade de
conhecimento de cada um. Característica do pensamento rabínico da época.
Enquanto, a história do homem, contado por Jesus, é uma forma de “clarear” a
pergunta do dobutor da Lei.
Antes de entrar no desenvolvimento e ressonância da Parábola em si, a
discussão de Jesus com doutor da Lei, merece uma consideração, pois para alguns
exegetas fazem parte da Parábola. É uma “grande” introdução sobre o assunto em
questão: “como deve adquirir a vida eterna?”
Fitzmeyer17, afirma que o episódio, é uma "declaração" de Jesus. É um
diálogo que tem o caráter de uma “controvérsia”, pois a primeira resposta de Jesus
é, na realidade, uma contra-ofensiva que provoca uma nova intervenção do doutor
da Lei, agora em chave afirmativa; a narração termina com um comentário do doutor
que nada mais faz do que confirmar a veracidade da resposta de seu interlocutor. A
última frase de Jesus: "Faça isso e você terá vida" (Lc 10,28) constitui
verdadeiramente uma "declaração", mas sem a solenidade característica deste
gênero literário; a concisão do episódio concentra-se mais nas palavras do doutor da
Lei. Convém ressaltar que, embora essas palavras não sejam colocadas

15
GOURGUES, Michel. As parábolas de Lucas. Do contexto às ressonâncias. São Paulo: Loyola.
2005 (coleção Bíblica Loyola, vol. 47). pp. 15-31
16
Tradução da Bíblia da CNBB, 2018.
17
FITZMEYER, Joseph A. El Evangelio Segun Lucas – traducion y comentário – capítulos 8,22—
18,14. Madrid: ediciones Cristiandad, 1987. pp.265-275 (Tomo III) tradução livre.
diretamente nos lábios de Jesus, o fato de ele mesmo as ratificar expressamente as
torna uma “declaração” do próprio doutor (FITZMYER, 1987, p.267-268).
Quando Jesus vai ao contra-ataque, respondendo com uma nova pergunta à
pergunta inicialmente levantada pelo doutor da Lei, provoca nele a afirmação de dois
mandamentos fundamentais da lei de Moisés: o primeiro, tirado do Shéma18 (Dt 6,4 -
9), e a segunda, tirada de Lv 19,18. O primeiro mandamento exige um amor total e
absoluto a Deus, como uma dedicação que abrange todo o âmbito da pessoa; os
“quatros” constituintes pessoais que são mencionados: “coração”, “alma”, “força”,
(“mente”) expressam a totalidade indivisa da consagração a Deus. O segundo
mandamento, que vem de outra codificação legislativa, como o chamado "Código de
Santidade" (Lv 17—26), inculca o amor ao próximo, ou seja, ao próprio compatriota,
membro da mesma raça, o israelita. Na realidade, as exigências de ambos os
mandamentos coincidem na mesma atitude: o israelita deve amar o próximo como
deve amar a Deus. Este último preceito de amor a Deus é uma das constantes mais
características de todo o corpo Deuteronomista (cf. Dt 11,13.22; 19,9; 30,16; Js 22,5;
23,11) (FITZMYER, 1987, p.268).
A dupla resposta do doutor receber sua confirmação de Jesus e transforma
em duplo mandamento do amor. Uma norma de conduta para o discipulado. Não há
amor perfeito a Deus se falta amor ao próximo. A parênese de Jesus é formulada
em uma terminologia típica do Antigo Testamento. Embora o episódio seguinte (Lc
10,29-37) se encarregue de definir quem é "o próximo". Não se deve esquecer,
neste contexto, que antes, no discurso na planície, Jesus insistiu num aspecto
capital: o amor aos inimigos (cf. Lc 6,27-35). Também em outras passagens do Novo
Testamento, o texto Lv 19,18, tem seu desdobramento para inculcar nos cristãos o
amor ao próximo (cf. Gl 5,14; Rm 13,9; onde esse amor é considerado como a
síntese e resumo da lei de Moisés e mesmo dos profetas). Neste episódio da
narrativa evangélica de Lucas, assim como nas versões correspondentes de Marcos
e Mateus, o amor ao próximo não é uma magnitude isolada, mas está ligado à
absoluta dedicação pessoal a Deus. (FITZMYER, 1987, p.269).

1. Desenvolvimento do texto:

A estrutura da Parábola é bem simples e categoria de “Ação” se encaixa aqui


perfeitamente, isto é, a descrição, a resposta e conclusão de cada personagem, seja
os da parábola, seja o de Jesus e o doutor da Lei, se constroem numa ação
conjunta. Eis um esquema:
• O homem maltratado 10,30 (um homem)
• O homem abandonado 10,31-32 (um sacerdote)
• O homem socorrido 10,33-35 (um samaritano)
O termo “Justificação” (dikaioo) se coloca como justificar a questão. É uma
das chaves de leitura. A preocupação não é teológica. É entender o alcance exato
de Lv. 19,18//Lc 10,27 – “amarás a teu próximo como a ti mesmo”. Como já
desenvolvemos acima.

a. O homem maltratado 10,30.

A introdução da narrativa é muito comum a Lucas: “um homem descia” (cf.


14,16; 15,11; 16,1.19; 19,12). A imprecisão não importa. Estamos dentro do campo
intemporal das histórias fictícias. Agora, a descrição do lugar, do espaço, do tempo
18
Um dos credos presentes no livro do Deuteronômio (cf. Dt 4; Dt 26)
reflete o imaginário judaísmo da época. O caminho para Jerusalém e Jericó eram
conhecidas por serem muito perigoso. Atravessa uma região pouco habitada. Então,
é perceptível que a ausência da identidade do homem e descrição do lugar é
importante para Jesus, pois está ligado diretamente com a questão.

b. O homem abandonado 10,31-32

A descrição da ação do sacerdote e do levita são idênticas. Os elementos que


a compõe (descer, ver, passar) representam o fato de que cada um fez. Não se
importa com isso. Outro detalhe da narrativa é o seu “silêncio”. Para a sabedoria
rabínica tinha o significado de provocar um pensamento, uma decisão da questão
colocada. Aqui já temos uma provocação de Jesus, muito comum nas parábolas de
Lucas (cf. Lc 15 – principalmente o final de cada parábola).
Apesar das prescrições que, podem pressupor, sobre as atitudes do
Sacerdote e do Levita, com a qual está relacionado o sangue do homem, não é o
enfoque da parábola. Lucas não está focado nisso, pois o mesmo tem outros olhares
e criticas sobre o Templo (cf. 1,5-25) e os fariseus e escribas (cf. 11,37-53). Na
verdade, a sua intenção, a presença do Samaritano, é questionar a ordem
sociológica do Israel antigo. O sacerdote, levita e israelitas tinham uma função
especifica. (cf. 2Cr 34,30), então, deviam agir conforme a sua posição. A presença
do Samaritano está na ordem de questionamento sobre o que está acontecendo. É
uma provocação clara.

c. O homem socorrido (10,33-35)

A pergunta persiste: Porque o Samaritano? Em primeiro lugar, faz parte da


simpatia do Evangelista (cf. 9,55 – defesa aos samaritanos; At 15,3 – simpatia na
missão). Isso coloca a questão “quem é o meu próximo?”. A presença desse
personagem em consonância com a questão do próximo, dá o enredo da parábola.
Como assim? Em segundo lugar, a descrição do próprio termo. rea‘ ([;rE), ger
(rGe) e ah (xa'’)) – próximo, estrangeiro e irmão - são termos, relacionados ao seu
significado e contexto no AT (cf. Gn 18,1ss; 19,1ss; Jz 19,11ss; Lv 19,17-18.34), se
aproximam designando a fraternidade como fenômeno do gênero humano. A
tripartida sociológica – sacerdote, levita e israelita – dá o “tom” ação social desses
grupos. A atitude de amar ao próximo está ligado a realidade de ser “estrangeiro” em
terra estranha e a reciprocidade do amor, isto é, amar como se ama a si mesmo.
Mas o detalhe de nossa evangelista é a apresentar o amor aos “inimigos” que
podem ser os estrangeiros. Então, Lucas parece que procura aprofundar a questão
expondo que o Samaritano é o estrangeiro. (cf. Lc 17,16-18). Ele não está no
campo do inimigo como em outro texto (cf. Mt 5,43 // Lc 6,27ss.). O samaritano está
na ótica de ser amado e praticar o amor a si mesmo, pois não é mais o inimigo a ser
excluído. É o estrangeiro que está dentro da ordem sociológica.
E por fim, a atitude do Samaritano é acompanhada de sete verbos. A
descrição da ação do samaritano está dentro reflexão teológica de Lucas.

...chegou perto dele, viu, e moveu-se de compaixão. Aproximou-se dele e


tratou-lhe as feridas, derramando nelas óleo e vinho. Depois colocou-o em
seu próprio animal e o levou a uma pensão, onde cuidou dele... (v. 33-34).
Tem um simbolismo muito forte no Evangelista 19 (cf. Lc 17,4; Lc 15,20). Além
de uma afinidade com o gesto: “viu-o, encheu-se de compaixão”. Aqui se contrasta
com o Sacerdote e o Levita. São duas atitudes contra uma. Parece uma ação do
nada e tudo ao mesmo tempo. Enquanto um não faz nada: não há expressão; não
há atitude de compaixão; não se pratica nenhum gesto. A outra realiza tudo e muito
mais.

d. Do Próximo-objeto ao próximo-sujeito (10,36-37).

Em obediência a Lei do Levítico, os personagens deveriam ajudar o homem.


Jesus inverte a lógica. O próximo não é mais aquele que é amado, mas aquele
que deve amar. Então, quem é meu próximo? Quem se mostrou próximo? De
acordo com Lucas, o homem fez mudar o foco do amor. O que está em questão não
é a capacidade de amar, mas entender o que é próximo. O campo do amor ao
próximo não se define em função do exterior, mas em função do interior.

2. Ressonâncias do texto:

Quatro Aspectos essências para a fé a experiencia do crente:

i. O saber e fazer:
A pergunta do Legista – saber – (10,29) se transforma em fazer com a
resposta de Jesus (10,37). Provoca um engajamento e responsabilidade. Passou da
abstração-estática para a concretude-dinamica. Uma palavra de ISIDORO DE
PELUSA (contemporâneo a Agostinho) pode traduzir um pouco: “a pessoa que
deves mais considerar teu próximo é a que mais precisa de ti”
ii. O privilegiado e o excluído.
Se para o Sacerdote e o Levita entende o amor ao próximo é para um
privilegiado (cf. Lv 19,17-18), para Jesus, o samaritano coloca a partir de si mesmo e
do homem, o excluído como objeto do amor ao próximo. O excluído é o
“estrangeiro”. O inimigo é o foco do amor.
iii. Deus e o próximo:
A controvérsia anterior (10,25-28) está em jogo o amor a Deus e o amor ao
próximo. Amor a Deus como amor ao próximo pode não estar no foco, à primeira
vista. O verbo grego - splanchnizomai – “ser comovido em suas entranhas” (10,33) –
é o mesmo do Pai para o filho prodigo (15,20). Então, o samaritano ama como Deus.
(//cf. 6,35). Ela não ama Deus no próximo, mas como Deus ao próximo.
iv. O individual e o estrutural
A atitude do Samaritano pode ser “míope” referente a sociedade tão
excludente e descartadora que vivemos? Aqui estamos no campo das parábolas,
então, a sua aplicação não é só especifica, mas, também, a realidades macros.
Mesmo assim faltará alguma coisa.
Para concluir, podemos dizer que a parábola do “bom samaritano” ou do
“homem maltratado” reflete a atitude clara do ser humano na busca de sua formação
integral. Ou seja, as dificuldades do ser humano, que encontra durante são a
oportunidade para crescer e não a desculpa para a tristeza. Somos chamados a
convidar outros e a encontrarmo-nos num “nós” que seja mais forte do que a soma

19
É a leitura da “perfeição”. É o gesto de Deus realizado no gesto do Samaritano. É muito
bem explorado pelo evangelista (cf. Lc 15,20; Lc 17,4)
de pequenas individualidades. “O todo é mais do que a parte, sendo também mais
do que a simples soma delas” (FT 78).

3. PANORAMA DA AÇÃO-PASTORAL.

As duas encíclicas a todo momento apontam o caminho da formação integral


dos povos. Iluminadas pelos seu contexto histórico-social e pelos valores
evangélicos, apontando pela parábola do “homem maltratado”, como é a nossa
proposta, procuram clarear esse caminho tão tortuoso e obscuro.
A situação em questão não se dá pela “falta” ou “ausência” de
intelectualidade, mas, sim, um “olhar” apurado. Olhar esse que leva cada pessoa
humana, cada grupo formado socialmente ou não deve a uma busca de vida para si
e para o mundo. Propor-se-á não isentar de qualquer realidade que o envolva,
então, procurar meios de desenvolver suas capacidades intelectuais, culturais,
econômicas em vista do mundo melhor, é a sua meta. Para entender melhor,
podemos apontar questões importantes delas que apresentam esse caminho.
Em primeiro lugar, ter a vida como o centro do tudo, faz parte dá atitude
humana. Isso leva a compreender que “Deus” é amor universal, e dado que somos
parte desse amor e o compartilhamos, somos chamados à fraternidade universal,
que é abertura. Não há “outros”, nem “eles”, só há “nós”. Um ser humano só pode
desenvolver-se e encontrar a sua plenitude no dom sincero de si mesmo aos outros.
E não chega a reconhecer completamente a sua própria verdade, senão no encontro
com os outros. Ninguém pode experimentar o valor de viver sem rostos concretos a
quem amar. Essa capacidade de amar se dá numa compreensão de uma realidade
econômica mais equidistantes entre os povos, uma educação ambiental no sentido
amplo, onde cuidar da natureza não só cuidar das “arvores”, mas, também dos
fatores que envolve a vida (FT 87). Em resumo, o desenvolvimento dos povos dever
ser um fruto da educação recebida e um esforço pessoal, orientando-se para o
destino final. Não é “fim do mundo” ou fim num futuro distante, mas um fim de
plena realização humana, onde cada um seja responsável pelo crescimento pessoal
e comunitário (PP 15-18).
Isso pode ser traduzido como a superação da busca exclusiva do ter, onde
forma um obstáculo ao crescimento do ser e opõe-se à sua verdadeira grandeza.
Como também a realidade avareza, onde tanto para as nações como para as
pessoas é a forma mais evidente do subdesenvolvimento moral. Com isso, a
passagem da miséria à posse do necessário, a vitória sobre os flagelos sociais, o
alargamento dos conhecimentos, a aquisição da cultura se tornam condições mais
humanas, quando, a consideração crescente da dignidade dos outros, a orientação
para o espírito de pobreza se torna a meta de mudança radical que se dejesa. Á
guisa de exemplo, os desafios que a “cracolândia” no município de São Paulo tem
gerado aos poderes públicos, assim como, as “ongs” que lutam por esses seres
humanos saírem da condição sub-humana (PP 19-21).
É falando em situações sub-humanas, as nações são desafios a um problema
bem pontual que se coloca como o “calcanhar de Aquiles” de todos: o êxodo
humano. O papa Francisco tem não só chamado a atenção, mas, também, dizendo
que devemos assumir novas perspectivas e desenvolver novas reações. Quando o
próximo é uma pessoa migrante, sobrevêm desafios complexos. Enquanto não
houver progressos no sentido de evitar migrações desnecessárias e, para tal, criar
nos países de origem melhores condições para o próprio desenvolvimento integral,
cabe-nos a nós respeitar o direito de todo o ser humano de encontrar um lugar onde
possa satisfazer as suas necessidades básicas e desenvolver-se. Esforçamo-nos
por acolher, proteger, promover e integrar. Para tal, é indispensável incrementar e
simplificar a concessão de vistos, adotar programas de patrocínio, corredores
humanitários, oferecer alojamento, garantir segurança, acesso a serviços essenciais,
assistência consular, entre outras coisas (FT 128-130).
Para Paulo VI, numa ótica complementar a visão de mundo e pessoa humana
não pode ser medida pelos “bens” adquiridos ou seu acumulo. Como se pensasse
que a “nação mais rica é, diretamente proporcional, mais evoluída”. São ilusões que
criam mais distâncias do que aproximação entre os povos. Portando, o rendimento
disponível não deve está entregue ao livre capricho dos homens, e que as
especulações egoístas devem ser banidas. Assim, não é admissível que cidadãos
com grandes rendimentos, provenientes da atividade e dos recursos nacionais,
transfiram uma parte considerável para o estrangeiro, com proveito apenas pessoal,
sem se importarem do mal evidente que com isso causam à pátria. (PP 24).
Em paralelo a essa situação, a realidade das “politicas nacionais” devem
claras e objetivas. Devem dar sentido ao desenvolvimento. Devem procurar viver
aquilo que são: metas e medicações das políticas públicas tão desejáveis aos
povos. Uma política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum. Esta política
afasta-se de um populismo que surge quando o líder político instrumentaliza a
cultura do povo, com um sinal ideológico ao serviço do seu projeto pessoal e da sua
perpetuação no poder. O verdadeiramente popular é o que promove o bem do povo,
garante que todos tenham a possibilidade de fazer germinar as sementes que Deus
colocou em cada um (FT 154;159;162).
A política, em termos econômicos, poderá ser sinal de desenvolvimento se for
capaz de ser desligar do progresso industrial. Não é a defesa da indústria popular
artesanal, pois tem seu valor. Como diz a PP, a indústria é ao mesmo tempo, sinal e
fator de desenvolvimento. Por meio de uma aplicação tenaz da inteligência e do
trabalho, o homem consegue arrancar, pouco a pouco, os segredos à natureza e
usar melhor das suas riquezas. Ao mesmo tempo que disciplina os hábitos,
desenvolve em si o gosto da investigação e da invenção, o acolhimento do risco
prudente, a audácia nas empresas, a iniciativa generosa e o sentido da
responsabilidade. (PP 25). o fator determinante é capacidade da indústria provocar
caminhos de “libertação” e não de “escravidão”. O bem-estar social – trabalho,
alfabetização, superação da violência, superação da fome, reformas... – é promoção
de vida e não a capacidade de “poder aquisitivo”. A nossa política brasileira ainda
está entrelaçada a essa dimensão. Os projetos de políticas públicas muito mais
assistencialistas, do que promoção de vida humana. Como exemplo, a crise
financeira que passa o país durante a pandemia. Projetos eleitoreiros, nacionalista e
corporativa (auxilio brasil, controle dos combustíveis...).
Dentro do âmbito da cultura, outro destaque importante no desenvolvimento
integral do ser humano, é fortalecer como caminho de “pacto”. A PP diz:

Além de organizações profissionais, funcionam também instituições


culturais, cujo papel não é de menos valor para o bom êxito do
desenvolvimento. "O futuro do mundo está ameaçado, afirma gravemente o
Concílio, se na nossa época não surgirem homens dotados de sabedoria". E
acrescenta: "numerosos países, pobres em bens materiais, mas ricos em
sabedoria, podem trazer aos outros inapreciável contribuição". Rico ou
pobre, cada país possui uma civilização recebida dos antepassados:
instituições exigidas para a vida terrestre e manifestações superiores -
artísticas, intelectuais e religiosas - da vida do espírito. Quando estas
últimas possuem verdadeiros valores humanos, grande erro é sacrificá-los
àquelas. Um povo que nisso consentisse perderia o melhor de si mesmo,
sacrificaria, julgando encontrar vida, a razão da sua própria vida. O
ensinamento de Cristo vale também para os povos: "De que serve ao
homem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder a sua alma?" (PP 40).
O Papa Francisco chamará a nossa atenção para essa dimensão dizendo
sobre o prazer de reconhecer no ao outro o direito de ser ele próprio e de ser
diferente. É uma forma de respeitar e assumir as diversas cosmovisões, culturas ou
estilos de vida que coexistem na sociedade. Um pacto cultural pressupõe que se
renuncie a compreender a identidade dum lugar de maneira monolítica, e exige que
se respeite a diversidade, oferecendo-lhe caminhos de promoção e de integração
social. Este pacto também implica aceitar a possibilidade de ceder algo para o bem
comum (cf. FT 218-221). A “liberdade de expressão” confundida com “liberdade de
agressão”; “as mídias digitais não devem ser controladas”; grupos de “fake News”;
desmonte das organizações sociais e culturais são alguns sinais sobre a falta de
compreensão do verdadeiro sentido de cultura e como pode contribuir para o
desenvolvimento dos povos.
E por fim, a Igreja deve valorizar a ação de Deus nas outras religiões e
“não rejeita nada do que, nessas religiões, existe de verdadeiro e santo”. Porém,
como cristãos, não podemos esconder que, se a música do Evangelho parar de
vibrar nas nossas entranhas, perderemos a alegria que brota da compaixão, a
ternura que nasce da confiança, a capacidade da reconciliação que encontra a
sua fonte no facto de nos sabermos sempre perdoados-enviados. Para nós, este
manancial de dignidade humana e fraternidade está no Evangelho de Jesus Cristo.
Dele brota, para o pensamento cristão e para a ação da Igreja, o primado reservado
à relação, ao encontro com o mistério sagrado do outro, à comunhão universal
com a humanidade inteira, como vocação de todos (FT 277).
Para dar um sentido mais concreto a essa posição, é necessário mais o que
pode unir do que discutir. As religiões poderão ser o que devem ser colocarem no
“meio” o que lhe toca mais. A PP, na segunda parte, propõe a “assistência aos
fracos” (nº 45-49). Não tem meios termos, é clara na questão em afirmar que
continentes inteiros são torturados pela fome, subnutrição das crianças. Daí, o
desenvolvimento dependerá de como as religiões encaram a fome no mundo. Dados
da ONU, nesses tempos de pandemia, é alarmante. Mais de 1/10 da população
passa fome20. Portanto, estabelecer diálogo é se aproximar por aquilo que é
“comum” a todos e, ao mesmo tempo, ser diálogo a todos. Ser capaz de sinal de
comunhão e fraternidade a todos.

CONCLUSÃO:

O nosso caminho não se fecha. As proposições de cada encíclica podem


ainda levar a outras questões não ditas aqui. Discutir sobre as relações “efêmeras”
provocadas pelo mundo das mídias sociais. A dimensão da barbárie que leva mais a
involução do que a evolução. As guerras cada vez mais iminentes que impedem ou
retardam progressos antes começado em algumas nações. Projetos tecnológicos
que visam mais o lucro e onipotência das nações. Nacionalismos que revelam ou
demonstram a decadência na educação, liberdade e democracia antes

20
(Relatório da ONU: ano pandêmico marcado por aumento da fome no mundo (unicef.org) – acesso
06 de maio de 2022.
consquistadas nas nações mais pobres. Lista vai longe... O que é importante é dizer
que a PP e FT são tão atuais como se possa imaginar.
Todas as duas propõem repensar o ser humano diante de mundo
“decadente”. A PP procurar desenvolver sua reflexão a parti de duas dimensões
bem distintas o desenvolvimento do humano integral. A primeira é a busca de
caminhos, pensamentos, realidades presentes em sua vida que possa ajudá-lo na
sua própria formação. Em resumo, a formação não vem de “fora”, mas um despertar
para suas capacidades com qual mudará sua forma de agir. A segunda é
capacidade de estabelecer solidariedade. Parece que sua intenção não ensinar
como se faz, mas, sim, despertar nele essa dimensão “sine qua non”. Ser solidário é
uma condição humana, não uma imposição. Ser solidário é a capacidade de
enxergar o outro como aqueles que sempre precisa. Ser capaz de criar espaços de
desenvolvimento comunitário para dissipar os “muros” que impedem de construir
uma sociedade mais justa e fraterna.
A FT não vai longe dessa temática. O esquema é bem mais desenvolvido e
parte da realidade da parábola do “homem maltratado” (o bom samaritano). A busca
e incentivo a amizade social deverá acontecer quando, o se humano, estiver atenta
sobre “as sombras” do mundo que provoca mais fechamento do que abertura. A vida
só terá sentido quando realmente for entendida como vida. Compreende-la como
comunhão e fraternidade de povos. A politica deve superar o seu “corporativismo”
que mais sustenta ideologias separatistas do que promoção humana. E a cultura de
paz tão presente e importante, dá a “nota” da vida quando, as religiões, a cultura dos
povos, pensarem como caminho.
Olha como se aproximam. São essências para o cristão. Lê-las com os
“óculos” de hoje, poderá ajudar bastante mudar situações e postura. Poderá dar
condições claras de como mudar e encorajar um desenvolvimento integral do ser
humano.

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