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rede
e-Tec
Brasil
.

História Regional
Elizabeth Sousa Abrantes

São Luís-MA
2013
Presidência da República Federativa do Brasil
Ministério da Educação
Secretaria de Educação a Distância

© Universidade Estadual do Maranhão


Este caderno foi elaborado pela Universidade Estadual do Maranhão por meio do Núcleo
de Tecnologias para Educação - UemaNet, para o Sistema Escola Técnica Aberta do Brasil
(Rede e-Tec Brasil).

Reitor da UEMA Coordenadora de Tecnologias Educacionais


Prof. José Augusto Silva Oliveira Profa. Maria de Fátima Serra Rios

Vice-reitor da UEMA Coordenador de Design Instrucional


Prof. Gustavo Pereira da Costa Prof. Mauro Enrique Carozzo Todaro

Centro de Educação, Ciências Exatas e Naturais - Professora-autora


CECEN Elizabeth Sousa Abrantes
Andrea de Araújo
Responsável pela Produção de Material
Coordenador Geral do UemaNet Didático UemaNet
Prof. Dr. Antonio Roberto Coelho Serra Cristiane Costa Peixoto

Coordenadora Geral do e-Tec/UemaNet Designer Educacional


Profa. Eliza Flora Muniz Araújo Ciro Leonardo Trindade Quirino

Coordenador do Curso Técnico em Guia de Turismo Revisão


Profa. Dra. Hermeneilce Wasti Aires Pereira Cunha Lucirene Ferreira Lopes

Diagramação
Josimar de Jesus Costa Almeida
Luis Macartney Serejo dos Santos
Tonho Lemos Martins

Designer
Aerton Oliveira
Annik Azevedo
Helayny Farias
Rômulo Santos Coelho

Ficha catalográfica

Abrantes, Elizabeth Sousa.


História Regional/Elizabeth Sousa Abrantes. – São Luís: UemaNet, 2013.
127 p.
Universidade Estadual para o Sistema Escola Técnica Aberta do Brasil – e-Tec
Brasil.
1. História do Maranhão. I.Título

CDU: 94(812.1)
Apresentação e-Tec Brasil

Prezado estudante,

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Decreto nº 7.589/2011, com o objetivo de democratizar o acesso ao ensino técnico público, na
modalidade a distância. O programa é resultado de uma parceria entre o Ministério da Educação,
por meio da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), as universidades e escolas
técnicas estaduais e federais.

A educação a distância no nosso país, de dimensões continentais e grande diversidade


regional e cultural, longe de distanciar, aproxima as pessoas ao garantir acesso à educação de
qualidade, e promover o fortalecimento da formação de jovens moradores de regiões distantes,
geograficamente ou economicamente, dos grandes centros.

A Rede e-Tec Brasil leva os cursos técnicos a locais distantes das instituições de ensino e para a
periferia das grandes cidades, incentivando os jovens a concluir o ensino médio. Os cursos são
ofertados pelas instituições públicas de ensino e o atendimento ao estudante é realizado em
escolas-polo integrantes das redes públicas municipais e estaduais.

O Ministério da Educação, as instituições públicas de ensino técnico, seus servidores técnicos e


professores acreditam que uma educação profissional qualificada – integradora do ensino médio
e educação técnica, – é capaz de promover o cidadão com capacidades para produzir, mas
também com autonomia diante das diferentes dimensões da realidade: cultural, social, familiar,
esportiva, política e ética.

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Ministério da Educação

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etecbrasil@mec.gov.br
Indicação de ícones

Os ícones são elementos gráficos utilizados para ampliar as formas de


linguagem e facilitar a organização e a leitura hipertextual.

Atenção: indica pontos de maior relevância no texto.

Saiba Mais: oferece novas informações que enriquecem o assunto


ou “curiosidades” e notícias recentes relacionadas ao tema estudado.

Atividades de Aprendizagem: apresenta atividades em diferentes


níveis de aprendizagem para que o estudante possa realizá-las e
conferir o seu domínio do tema estudado.

Glossário: Indica a definição de um termo, palavra ou expressão


A- Z
A-Z utilizada no texto.

Mídias Integradas: remete o tema para outras fontes: livros, filmes,


músicas, sites, programas de TV.
Sumário

Palavra da professora-autora ................................................................................... 9

Apresentação da disciplina ........................................................................................ 13

Projeto instrucional ....................................................................................................... 15

Aula 1 - O Maranhão Colonial .................................................................................... 17

1.1 Primórdios da Ocupação do Território Maranhense ................................. 18

1.2 França Equinocial .................................................................................................. 20

1.3 Conquista e Colonização Portuguesa ................................................................. 25

1.4 São Luís em Tempos Coloniais ........................................................................... 27

1.5 Escravidão no Maranhão Colonial .................................................................... 29

1.6 Economia Colonial ................................................................................................. 31

1.7 Conflitos no Século XVII ....................................................................................... 34

1.8 Ocupação do Sertão Maranhense .................................................................... 38

1.9 Aspectos Socioculturais do Maranhão Colonial .......................................... 41

Aula 2 - O Maranhão Imperial .................................................................................... 47

2.1 Aspectos Políticos no Contexto da Independência .................................... 48

2.2 A Balaiada ou Guerra dos Bem-te-vis .............................................................. 50

2.3 São Luís Imperial ..................................................................................................... 52

2.4 Sociedade Maranhense ....................................................................................... 60

2.5 Economia Agroexportadora ............................................................................... 63


2.6 Os Escravos e Pobres livres .................................................................................. 67

2.7 As Fábricas Têxteis ................................................................................................. 70

2.8 Sertão: aspectos socioeconômicos ................................................................ 71

2.9 Aspectos Culturais ................................................................................................. 74

Aula 3 - O Maranhão Republicano ............................................................................ 81

3.1 A política Oligárquica do Maranhão Republicano ...................................... 82

3.2 Economia Agropecuária e Metalúrgica .......................................................... 86

3.3 Serviços Públicos e Transporte .......................................................................... 90

3.4 Sociedade Maranhense ....................................................................................... 94

3.5 São Luís Republicana ............................................................................................ 97

3.6 Instituições Culturais e Educação Escolar ...................................................... 99

3.7 Manifestações Culturais ...................................................................................... 102

Aula 4 - Aspectos Turísticos do Maranhão Contemporâneo ........................ 111

4.1 O Maranhão e suas Belezas Naturais .............................................................. 112

4.2 Danças e Festas Maranhenses ........................................................................... 115

4.3 Pontos Históricos para o Turismo em São Luís ........................................... 118

4.4 Lendas e Mistérios do Maranhão ..................................................................... 122

Considerações finais ...................................................................................................... 126


Palavra da professora-autora

Caro estudante,

O trabalho que apresentamos agora para você é uma síntese da história do Maranhão,
a fim de subsidiar seus estudos e prepará-lo para a tarefa de guiar os visitantes que
buscam conhecer nosso Estado. Essa tarefa é muito importante e necessita do
conhecimento histórico. O que ouvimos e constatamos há muitas décadas é que
o Maranhão ainda é muito carente de obras (didáticas) que transponham o vasto
conhecimento já produzido na academia universitária para o público não acadêmico.

Este trabalho tem a pretensão de preencher em parte essa lacuna e contribuir


para sua formação como profissional e como cidadão. Os temas apresentados e
a maneira como foram organizados representam as escolhas feitas para tentar,
mesmo que minimamente, conhecer a dinâmica do processo de formação e
desenvolvimento desse Estado e sua gente, e a complexidade de sua história.
Esse estudo é, portanto, um meio para instrumentalizá-lo na busca por mais
conhecimento, por informações que possam levá-lo(a) a outras fontes de
pesquisa, ampliando os horizontes da qualificação profissional na área técnica
do turismo, cuja atividade necessita do conhecimento da história.

Desejo compartilhar alguns aspectos dessa história tão rica e fascinante,


trazendo alguns fatos que a historiografia maranhense tem considerado
mais importantes, bem como suas lendas e mistérios, símbolos oficiais,
personalidades de destaque, aspectos culturais, lugares e monumentos
históricos, pontos turísticos, afinal, você está se preparando para apresentar
essa terra aos visitantes que a procuram.

Mas, para uma melhor compreensão dos conteúdos aqui apresentados, é


necessário que você pesquise também, seguindo as orientações que são dadas
ao longo dos textos, as indicações de filmes, literatura, letras de música, poesias,
imagens, a fim de que seu conhecimento seja ampliado. Então, vamos juntos
nessa viagem chamada Maranhão? O guia é você!

Saudações maranhenses,
Elizabeth Abrantes
Hino do Maranhão
Letra: Barbosa de Godois
Música: Antônio Raiol

I
Entre o rumor das selvas seculares,
Ouviste um dia no espaço azul, vibrando,
O troar das bombadas nos combates,
E, após, um hino festival, soando.
Estribilho
Salve Pátria, Pátria amada!
Maranhão, Maranhão, berço de heróis,
Por divisa tens a glória
Por nume, nossos avós.
II
Era a guerra, a vitória, a morte e a vida
E, com a vitória, a glória entrelaçada,
Caía do invasor a audácia estranha,
Surgia do direito a luz dourada.
III
Reprimiste o flamengo aventureiro,
E o forçaste a no mar buscar guarida
E dois séculos depois, disseste ao luso:
- A liberdade é o sol que nos dá vida.
IV
Quando às irmãs os braços estendeste,
Foi com a glória a fulgir no teu semblante
Sempre envolta na tua luz celeste,
Pátria de heróis, tens caminhado avante.
V
E na estrada esplendente do futuro,
Fitas o olhar, altiva e sobranceira,
Dê-te o porvir as glórias do passado
Seja de glória tua existência inteira.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 11


Apresentação da disciplina

Caro estudante,

Como você pode observar, a música que abre este caderno é o Hino do
Maranhão, composta pelo historiador Antônio Baptista Barbosa de Godois,
com melodia do músico Antônio dos Reis Raiol, datada de 1911. Suas estrofes
ajudam a contar alguns episódios importantes da história do Estado, ou
melhor dizendo, a maneira como suas elites e os estudiosos dessa história
interpretaram esse passado.

A letra fala de lutas e heróis, vitórias, mortes e glórias. Destaca que nos
primórdios de sua colonização, quando ainda se caracterizava por “selvas
seculares”, os combates pela conquista resultaram na expulsão dos povos
considerados invasores, primeiro os franceses, na Batalha de Guaxenduba,
depois os holandeses, chamados de “flamengo aventureiro”. Essa marca
bélica dos primórdios da história do Maranhão também aparece no processo
de independência em relação a Portugal, fazendo com que a união com as
demais províncias brasileiras para formarem o novo Império nos trópicos fosse
tardia. Há nessa letra toda uma invocação de um passado de glórias, heroísmo
de seus filhos, cuja inspiração deve servir para o porvir, portanto, para nós.

Apesar da beleza poética, o hino expressa, pelo silêncio, uma visão harmônica
da realidade, mostrando os combates aos inimigos externos, sem realçar os
conflitos e resistências internas que marcaram a luta dos indígenas, negros
e camponeses por liberdade e igualdade. Por isso, mesmo respeitando esse
símbolo importante, que é o hino oficial, e considerando o momento histórico
em que foi produzido, vale lembrar que os caboclos, índios e negros, que
construiram essa terra, seja na condição de livres ou escravos, camponeses ou
trabalhadores urbanos, balaios ou quilombolas, também são “nossos avós” e
merecem nossa reverência e memória.

Essa tendência a glorificar o passado ainda é muito presente no Maranhão atual.


Do ponto de vista econômico, a referência é feita a um passado de prosperidade,

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 13


em que o Maranhão foi considerado o celeiro do norte, com sua riqueza provenien-
te da produção do algodão. Do ponto de vista cultural, o orgulho vem do conjunto
brilhante de escritores que ajudaram a dar a fama do Maranhão de terra de poetas
e grandes escritores, dando a São Luís, sua capital, o título de Atenas Brasileira.

O Maranhão possui uma história riquíssima, mas pouco conhecida do seu


povo. É um Estado que possui uma grande diversidade geográfica e cultural,
e também grandes contrastes. Situado no chamado meio-norte, na zona de
transição entre a região amazônica e o nordeste, possui uma geografia, uma
história e uma cultura que refletem esse entre-lugar, esse emaranhado.

Essa característica de transição pode ser observada em sua vegetação,


que varia do cerrado à floresta equatorial, passando pelos manguezais, os
campos alagados da baixada. Seu nível de chuvas e qualidade do solo, seu
emaranhado de rios, seu grande litoral pesqueiro, o afasta da severidade das
secas que afligem boa parte do nordeste, ao mesmo tempo em que garante
uma abundância de recursos naturais. Sua culinária tem o tempero do sertão
e do litoral, influenciada pelos indígenas, africanos e portugueses.

Nos primórdios de sua colonização, sob o comando da Coroa luso-espanhola,


o Maranhão era um ponto estratégico para garantir os domínios entre o norte
da América Portuguesa e o reino do Peru, sendo considerado porta de entrada
para o Eldorado. Foi Estado separado do Brasil por quase duzentos anos. Sua
colonização se deu por meio de duas frentes de ocupação bem distintas, a
litorânea e a interiorana, que resultaram em duas formações sociais diferentes: a
“sociedade do couro”, mais ao sul do Estado, influenciada pelo modo de vida dos
vaqueiros, e a sociedade litorânea, mais ao norte, com características europeias.

No século XIX, o Maranhão buscou uma identidade (o ser maranhense)


baseada em uma pretensa singularidade, a de ser o lugar onde se falava melhor
o vernáculo (a língua portuguesa), de ser uma terra de poetas e de onde se
derivou o pensamento de que o maranhense é antes de tudo um “sonhador”.
Ao longo do século XX, cultuou essa herança cultural, acrescentando a esse
orgulho dos letrados as manifestações culturais das camadas populares,
outrora desprezadas e perseguidas, a exemplo do bumba meu boi, considerado
hoje patrimônio cultural brasileiro e símbolo da cultura maranhense.

Então, vamos conhecer um pouco mais dessa história fascinante?


Projeto instrucional

Disciplina: História Regional

Carga horária: 60 horas

Ementa: A França Equinocial. Conquista e Colonização Portuguesa. A Política


Pombalina para o Maranhão. Auge e Declínio da Economia Agroexportadora.
Escravidão. Aspectos Socioculturais do Maranhão. Urbanização de São Luís.
Manifestações Culturais.

OBJETIVOS DE CARGA HORÁRIA


AULA MATERIAIS
APRENDIZAGEM (HORAS)

- Apresentar um panorama da
história do Maranhão em sua
fase colonial, destacando as
singularidades do seu processo - Caderno impresso, com textos
de formação; explicativos e hipertextos
- Destacar aspectos históricos complementares.
Aula 1 - O Maranhão
e culturais presentes na fase - Sala virtual no Moodle, 15 hs
Colonial
inicial do Estado, especialmente computadores com acesso à
na constituição das sociedades internet (no Polo).
litorânea e sertaneja; - Imagens, letras de música.
- Apontar aspectos da fundação
e crescimento da cidade de São
Luís nos séculos XVII e XVIII.

- Propiciar uma visão geral da fase


imperial da história do Maranhão,
ao longo do século XIX, com
destaque para a dinâmica
- Caderno impresso, com textos
da sociedade escravista e os
explicativos e hipertextos
diferentes espaços sociais dos
complementares.
Aula 2 - O Maranhão senhores, escravos e livres pobres;
- Sala virtual no Moodle, 15 hs
Imperial - Apresentar aspectos do
computadores com acesso à
cotidiano da sociedade
internet (no Polo).
maranhense no século XIX;
- Imagens, letras de música.
- Destacar as mudanças urbanas e
culturais que fizeram de São Luís
a cidade dos azulejos e “Atenas
Brasileira”.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 15


- Apresentar aspectos da política
e da economia maranhense
no século XX, sob a égide do
regime republicano, apontando
permanências e mudanças e seus
desdobramentos para o cenário
- Caderno impresso, com textos
atual;
explicativos e hipertextos
- Destacar as chamadas complementares.
Aula 3 - O Maranhão inovações da modernidade
- Sala virtual no Moodle, 15 hs
Republicano que provocaram mudanças
computadores com acesso à
no cenário urbano e nos
internet (no Polo).
comportamentos sociais dos
maranhenses; - Imagens, letras de música.

- Apresentar os principais pontos


turísticos e as manifestações
culturais que fazem o diferencial
do Maranhão como um Estado
de grande potencial turístico.

- Apresentar o potencial turístico


do Maranhão em suas belezas
naturais, com destaque para a
diversidade natural que inclui as
belezas litorâneas e da região sul
do Estado; - Caderno impresso, com textos
- Destacar o folclore maranhense explicativos e hipertextos
Aula - Aspectos com suas lendas e mistérios, complementares.
Turísticos do Maranhão danças, festas e demais - Sala virtual no Moodle, 15 hs
Contemporâneo manifestações culturais que computadores com acesso à
expressam a sua grande internet (no Polo).
diversidade cultural. - Imagens, letras de música.
- Identificar os pontos turísticos
relativos à história do Maranhão,
especialmente sua capital São
Luís, além das instituições e
órgãos ligados à cultura.
Aula 1 - O Maranhão Colonial

Objetivos
• Apresentar um panorama da história do Maranhão em sua fase
colonial, destacando as singularidades do seu processo de formação;

• Destacar aspectos históricos e culturais presentes na fase inicial do


Estado, especialmente na constituição das sociedades litorânea e
sertaneja;

• Apontar aspectos da fundação e crescimento da cidade de São Luís


nos séculos XVII e XVIII.

Introdução

Começamos agora nossa caminhada pelos dois primeiros séculos da história


do Maranhão, a partir da ocupação dessas terras pelos europeus. Essa escolha
não significa ignorar os povos que secularmente viviam nesse território, razão
pela qual não adotaremos o discurso de terra abandonada ou desocupada
ao nos referirmos ao período que antecede à chegada dos europeus. Afinal,
quando os cristãos europeus chegaram à terra dos “infiéis” tupinambás,
timbiras, entre outras tribos, estima-se que havia aproximadamente 200
mil índios, distribuídos em várias aldeias, algumas inclusive com ocupações
recentes, haja vista que fugiam dos portugueses já estabelecidos nas terras
mais ao sul da terra brasilis, desde o começo do século XVI.

As primeiras descrições sobre os próprios nativos encontram-se nos registros


dos padres capuchinhos que compunham a comitiva francesa que viera com
a missão de fundar uma “nova França” nos trópicos, a França Equinocial. É por
meio dessas descrições, do olhar mediado pela diferença cultural, do cristão

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 17


europeu, branco, civilizado, segundo os padrões culturais da época, que
recebemos informações dos modos de vida dos indígenas, seus costumes,
rituais, crenças, aspectos físicos e organização social.

Assim, iniciaremos nossa narrativa pelas tentativas de ocupação da terra ao


norte da América Portuguesa, cujo acesso demonstrou ser mais difícil aos
portugueses, mas cuja conquista era vital para os planos expansionistas e de
riqueza desse Estado Nacional, cujo pioneirismo na navegação “por mares
nunca dantes navegados”, como disse Camões, ajudou a mudar a história da
humanidade.

Luís de Camões, maior poeta da língua portuguesa, em sua obra Os


Lusíadas, contou em versos a história das conquistas ultramarinas
do seu país, que ajudou a expandir o mapa do mundo e fez de
Portugal uma das mais poderosas nações do século XVI. Camões
viveu neste período glorioso da história de Portugal.

1.1 Primórdios da Ocupação do Território Maranhense

Em 1500, naus portuguesas avistam e aportam em Pindorama. A presença


portuguesa no Brasil data desse momento, quando a expedição de Pedro
Álvares Cabral aportou em um local que foi chamado de Porto Seguro, na Bahia.
Mas, foi somente a partir de 1530, após anos de poucos contatos, voltados
mais para o escambo, que a coroa portuguesa resolveu solenizar a posse e
providenciar sua ocupação, dividindo o território em catorze capitanias,
doadas a particulares, os chamados donatários.

A- Z
A-Z

Denominação indígena para o Brasil; de origem tupi, o termo


significa Terra das Palmeiras. Aos sertões, não ocupados por eles,
davam o nome de Tapuirama, ou seja, região de aldeias, terra dos
Tapuias (Dicionário Histórico Brasil – colônia e império, 2001, p. 139).

18 Aula 1 - Maranhão Colonial


Figura 1 – Mapa das Capitanias Hereditárias

Fonte: www.historiabrasileira.com

O território, que a partir do século XVII tornou-se o Estado colonial do


Maranhão, teve as primeiras investidas dos portugueses a partir de 1535, com
a expedição enviada por seu primeiro donatário, o historiador João de Barros,
comandada por seus filhos, mas que fracassou. Era uma grande expedição,
como relata o historiador maranhense João Lisboa, em sua obra Jornal de
Tímon, de 1865, contando com não menos de dez naus (barcos), novecentos
homens e cem cavalos. Todo esse investimento se perdeu nos naufrágios,
arruinando seus donatários e os obrigando a desistir da empresa colonial.

Outras expedições se seguiram, porém, com o mesmo fatídico destino. Deste


modo, se passaram quase cem anos para a ocupação europeia se efetivar nessa

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 19


região. Nesse intervalo, a região continuou ocupada pelos nativos, alguns
inclusive de novas tribos que aqui chegaram fugindo da ocupação portuguesa
em seus territórios. Foi o caso dos Tupinambás, os quais possuíam uma visão
muito pessimista dos brancos portugueses, considerados muito violentos.

Origem do nome Maranhão

A origem e significação do nome Maranhão possui várias


conjecturas: pode ser uma referência ao rio Marañon que nasce
no Peru, uma espécie de afluente ou o próprio rio Amazonas. Pode
ter sido dado o nome a esse rio em homenagem ao capitão que
descobriu sua nascente no Peru, uma vez que esse sobrenome
de família já existia na Espanha desde o século XII. Para alguns,
o termo vem da palavra maraña, que significa matagal, coisa
enredada, teia de lã (também intriga, enredo), a exemplo do
nome de aldeia na província do Minho, em Portugal, denominada
Maranhão. Também pode o nome de origem indígena, uma
junção de maram (despropositadamente), nhãna (correr) e y
(água, ou seja, água que corre à toa, em vertigem). Daí o nome
maranãguaras para os habitantes da ilha do Maranhão. Diante de
tudo isso, o mais provável é que o nome da terra venha mesmo
do rio que recebe esse nome em plagas peruanas, e que sua foz
tenha sido confundida com o golfão em que se encontra a ilha de
São Luís (Confira toda essa discussão na obra: MEIRELES, Mario.
História do Maranhão. 2.ed. São Paulo: Siciliano, 2001, p. 29-31).

1.2 França Equinocial

Por que os franceses tentaram criar uma “nova França” nos trópicos? Por que
esse projeto fracassou? Eis o que iremos tratar agora.

No início do século XVII, diante da não presença dos portugueses nessas terras,
e considerando o interesse de algumas monarquias europeias em estabelecer
possessões no novo mundo, piratas franceses que incursionavam pela costa

20 Aula 1 - Maranhão Colonial


norte do Brasil se sentiram motivados a fundarem uma colônia francesa nos
trópicos, em um projeto que foi denominado de França Equinocial. Vejamos
alguns trechos da narrativa desse acontecimento feita pela historiadora
maranhense Lurdinha Lauande Lacroix (2002), em seu livro A Fundação
Francesa de São Luís e seus Mitos.

A França Equinocial
Desde o século XVI, piratas franceses frequentaram o litoral ma-
ranhense. A ausência portuguesa adveio das várias tentativas
frustradas de seus donatários (1535, 1554 e 1573) e do fracasso
de outras expedições por terra (1591, 1603 e 1607).
Aquela região promissora, livre da posse dos descobridores e ha-
bitada por nativos amigos, suscitou o interesse de Jacques Riffault
e Charles des Vaux de fundarem uma colônia. Conseguiram que
Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardiére, François de Rasilly
e Nicolau de Harley, apoiados por Maria de Médicis, formassem
uma empresa mais lucrativa que as vantagens obtidas por uma
simples feitoria. Organizada a frota, zarparam de Cancale a 19 de
março de 1612, chegando ao golfão maranhense a 26 de julho.
Fundaram numa ilha menor e enviaram des Vaux até Upaon-Açu
para conferenciar com os indígenas. Confirmada a receptividade
nativa, trataram de passar para a ilha Grande.
Transferidos para Upaon-Açu, nativos e franceses logo iniciaram
a feitura de palhoças para a acomodação dos integrantes da
esquadra e começaram também os trabalhos necessários para
a realização da cerimônia religiosa, costumeira à chegada em
terra desabitada (LACROIX, 2002, p. 29-30).

A cerimônia religiosa a que o texto se refere ocorreu em 8 de setembro de


1612, quando a cruz cristã foi plantada na “ilha de Maranhão”, com todas as
formalidades religiosas costumeiras a uma cerimônia de posse, conforme
a descrição feita pelo padre capuchinho Claude d’Abbeville, membro da
expedição comandada por François de Rasilly e Daniel de La Touche:

No dia marcado, estavam todos, logo bem cedo, com os


franceses, e, depois de havermos celebrado o santo sacrifício
da missa na nossa capela, daí saímos todos em procissão até
o Forte. Na frente ia um gentil-homem levando água benta,
outro o incenso, outro o turíbulo. Atrás deste ia outro fidalgo,
conduzindo um lindo crucifixo, presente do Sr. Manoir, indo
ao lado dele dois mancebos índios, filhos dos principais,
carregando dois castiçais, com tochas acesas alumiando a cruz.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 21


[...]
Nós quatro religiosos, revestidos de sobrepelizes brancas,
acompanhávamos a cruz com ordem. Seguia-se depois o Sr.
de Rasilly, loco-tenente-general de Suas Majestades, toda
a nobreza, e afinal os outros franceses misturados com os
índios. Principiamos a cantar a ladainha da Virgem Maria,
como fizemos quando plantamos a Cruz na Ilha de Santa Ana.
Chegando ao forte, no lugar escolhido para plantar a cruz, que
era muito grande e aí se achava pronta, cantou um de nós o Te
Deum laudamus, e seguiram-se as outras orações.
[...]
Erguida a cruz, como já contei, foi benzida a Ilha ao som de
muitos tiros de artilharia do Forte e de nossos navios, em sinal
de regozijo. O Sr. de Rasilly deu à fortaleza o nome de Forte
de São Luís, em memória eterna de Luís XIII, Rei de França e
de Navarra, e ao fundeadouro, junto ao Forte, chamou Porto
de Santa Maria, recordando a Rainha do Céu, a sagrada
Virgem Maria, cuja natividade se festejava naquele dia em
homenagem à sua imagem na terra, Maria de Médicis, rainha
de França e de Navarra, Mãe e Regente de nosso Cristianíssimo
Rei, que desejamos seja conservada por muito tempo pela
Bondade Divina (ABBEVILLE, 2001, p. 101-104).

Figura 2 - Fundação da Cidade de São Luís

Fonte: Pintura de Floriano Teixeira

Esta representação pictórica detalhada da cerimônia foi feita em 1972, pelo


artista maranhense Floriano Teixeira, inspirada na obra do padre Claude
d’ Abbeville. A pintura denomina-se Fundação da Cidade de São Luís, em
homenagem aos 360 anos da cidade, e encontra-se na Pinacoteca do Palácio
dos Leões, sede do governo do Estado, para visitação pública.

22 Aula 1 - Maranhão Colonial


A descrição da fundação da colônia, indica que o núcleo inicial de ocupação
da região foi a Ilha do Maranhão, mais precisamente no lugar onde é hoje o
Palácio dos Leões, onde fora instalado o Forte São Luís. Durante três anos, os
franceses promoveram expedições para explorar o território, ao mesmo tempo
em que conduziam sua obra missionária com os indígenas. O projeto colonial
francês durou pouco, interrompido pela investida portuguesa para recuperar
um território considerado de direito legítimo, conforme estabelecido no
Tratado de Tordesilhas, de 1494, que dividiu as terras do novo mundo entre
Portugal e Espanha.

Em 1613, sob o comando do Capitão Martin Soares Moreno, os portugueses


fizeram sua primeira incursão para a retomada das terras maranhenses, pelo
O termo gauleses
lado do forte de Itapari, na atual baía de São José de Ribamar, procurando designa um conjunto de
populações celtas que
mais informações sobre o estabelecimento dos franceses e demonstrando sua habitava a Gália, uma
região que corresponde
disposição em expulsar os gauleses, os quais eram considerados invasores. hoje ao território da
França. Por isso esse
termo é sinônimo de
De posse das informações, se seguiram as expedições para a reconquista francês, gálico. www.
dicio.com.br
do Maranhão. A principal, comandada por Jerônimo de Albuquerque, se
estabeleceu inicialmente no sítio de Guaxenduba, próximo à foz do Munim,
defronte da Ilha Grande, conforme descrevem os cronistas da época.
Começaram as batalhas entre portugueses e franceses, sendo a principal delas,
a Batalha de Guaxenduba, ocorrida em 19 de novembro de 1614, denominada
pelos portugueses de Jornada Milagrosa.

Milagrosa porque inacreditável a derrota dos franceses, mais


fortes em pessoal e material, e também porque, conta a lenda,
no aceso da luta, em Guaxenduba, uma senhora, de radiosa e
etérea aparência, aparecera como por encanto a assistir aos
lusitanos, aos feridos pensando-lhes as cicatrizes, aos que
lutavam servindo-lhes a pólvora em que transformavam a areia
que ia apanhando. Era a virgem Mãe de Deus, a quem fariam
padroeira da cidade depois de tomá-la aos franceses, sob a
invocação de N. Sra. da Vitória, em reconhecimento à milagrosa
ajuda (MEIRELES, 2001, p. 52).

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 23


A- Z
A-Z
Após a derrota francesa no campo de batalha, a que se seguiu um armistício,
A palavra armistício vem
a disputa se transferiu para a esfera diplomática nas cortes da França e de
do latim armistitium, Portugal. O resultado foi um ultimatum (ultimato) para Daniel de La Touche
e significa uma
cessação temporária deixar a ilha do Maranhão, no prazo de cinco meses. Antes desse prazo, porém,
de hostilidades, uma
trégua no conflito. foram retomadas as investidas para a expulsão definitiva dos franceses,
com os reforços trazidos pelo comandante Alexandre de Moura, resultando
na tomada do forte São Luís em 3 de novembro de 1615 e a consequente
saída dos franceses da Ilha. Daniel de La Touche foi transferido para Lisboa,
como prisioneiro, pondo fim à experiência francesa de estabelecer uma
França Equinocial. Jerônimo de Albuquerque foi confirmado no posto de
capitão-mor da conquista do Maranhão, tornando-se o primeiro governante
da capitania.

Jerônimo, filho primogênito de Jerônimo de Albuquerque e Maria


do Espírito Santo Arcoverde, nasceu em 1548, em Olinda, trazendo
a herança europeia do pai e a indígena da mãe. Das temporadas
de convivência com o avô Arcoverde aprendeu a língua tupi,
assimilou a cultura e os costumes nativos. Na casa dos pais,
conviveu com os brancos, aprendeu a ler e escrever no colégio
dos padres jesuítas, onde recebeu formação religiosa e educação.
Os dois ambientes frequentados desde os primeiros anos de vida
possibilitaram granjear confiança em ambos os lados.

[...]

Do matrimônio com Dona Catarina, nasceram Antônio, Matias


e Jerônimo, homônimo do pai e do avô. Jerônimo lutou para
conquistar terras, implantou uma unidade agrícola denominada
Casa de Cunhaú, que lhe deu riqueza e poder, além de manter a
união dos filhos mediante ações políticas e atividades econômicas.
O prestígio da família, do Rio Grande do Norte até Pernambuco,
passando pela Paraíba, se estendeu ao Maranhão, por ocasião
da conquista, como comandante e depois primeiro capitão-mor
(LACROIX, 2006, p. 37 e 39).

24 Aula 1 - Maranhão Colonial


Daniel de La Touche, senhor de La Ravardiére, nobre da região
de Poitou, com 35 anos já era um chefe militar experiente. Serviu
no exército e tornou-se marinheiro, como era a tradição de sua
família. Era de religião reformada (protestante), um huguenote
protegido pelo Édito de Nantes. Casou-se com Charlotte
de Montgomery, filha de um dos chefes do protestantismo
normando, que recebeu um grande dote. Graças à esposa, possuía
uma confortável residência no bairro da Houlle, que transformou
em quartel-general e centro de contratação de suas tripulações
(PIANZOLA, 1992, p. 42 e 43).

Em 1609 é autorizado a armar navios para uma viagem a fim de


traficar pelas costas da África, América e Brasil. Dessa expedição
origina-se o projeto colonial do Maranhão, a França Equinocial. La
Ravardiére é nomeado lugar-tenente do rei no Maranhão, junto a
François de Razilly (DAHER, 2007, p. 49 e 50).

Exercitando
No Maranhão foi perpetuada principalmente a imagem de Daniel de La
Touche, homenageado em nome de avenida, nome da sede da prefeitura
(Palácio Daniel de La Touche) e também com um busto na Praça Pedro II, em
frente a esse palácio da administração municipal. Você já parou para refletir
sobre quando começaram essas homenagens e o significado delas? Pesquise
sobre as questões levantadas e escreva um pequeno texto.

1.3 Conquista e Colonização Portuguesa

Como você notou ao estudar a tentativa de criação da França Equinocial e a


batalha de Guaxenduba, o território maranhense foi alvo de disputas entre
franceses e portugueses.

A colonização portuguesa na região maranhense teve início, portanto, com


a expulsão dos franceses em 1615. As primeiras medidas foram no sentido

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 25


de garantir a posse e defesa da região pelos portugueses, razão pela qual
os primeiros tempos dessa colonização foram de forte presença da força
militar. O capitão-mor Jerônimo de Albuquerque foi incumbido de fazer os
preparativos para a fundação da cidade, conforme o projeto do engenheiro-
É importante lembrar
que a abrangência mor Francisco de Frias.
territorial e jurisdicional
do Maranhão nesse
período correspondia A conquista do Maranhão pelos portugueses se deu no contexto da União
aos atuais estados do
Ceará, Piauí, Maranhão, Ibérica, em que as Coroas da Espanha e Portugal encontravam-se unidas
Pará, Amapá, Roraima,
Rondônia, Acre, Mato sob o governo da dinastia Filipina. Sendo uma região que se encontrava
Grosso e Tocantins
(MEIRELES, 2001). entre o Vice- Reinado do Brasil e o Vice-Reinado do Peru, era uma região
estratégica. Do ponto de vista da organização política e administrativa, a
região passou a ser estado colonial, separado do governo geral do Brasil, a
partir de 1621, formado pelas capitanias do Maranhão e do Pará. São Luís
O Estado colonial do foi a sede desse Estado até 1753. Embora a explicação tradicional para a
Maranhão foi criado
em 1621. Ao longo de
divisão da colônia portuguesa em dois Estados fosse a distância entre o
quase dois séculos, Maranhão e o Estado do Brasil e as dificuldades de navegação pela costa
algumas modificações
administrativas norte, essa separação político-administrativa que resultou na criação do
alteraram sua jurisdição.
Em 1652 foi extinto Estado do Maranhão e Grão-Pará foi uma ação política mais ampla e decisiva
e em seu lugar foram
criadas duas capitanias da Coroa Ibérica na tentativa de garantir a conquista, defesa e organização
gerais, a de São Luís
e a do Grão-Pará. Em do território (CORRÊA, 2011).
1654, foi unificado
novamente com o
nome de Estado do Com a conquista portuguesa foram criadas as instituições necessárias para o
Maranhão e Grão-Pará.
Em 1751 o Estado governo da capitania, depois Estado colonial, bem como para a administração
mudou a sede para
Belém, passando a da cidade de São Luís, a exemplo da Câmara municipal. Foi providenciada
designar-se Estado do
Grão-Pará e Maranhão.
a vinda de colonos portugueses para povoar a região, aumentando o
Em 1753 foi repartido
em quatro estados:
contingente de brancos. Simão Estácio da Silveira foi um desses portugueses
Maranhão, Grão-Pará, que deixou Portugal ou as Ilhas costeiras (Cabo Verde, Açores) para viver no
São José do Rio Negro
e São José do Piauí, Maranhão. Mesmo tendo ficado pouco tempo, sua impressão da terra foi
todos sob o comando
de um governador- muito positiva, como se observa nesse trecho de sua obra Relação Sumária
geral, sediado em
Belém. Em 1772, sua das Cousas do Maranhão, cuja primeira edição é de 1624.
nova organização
administrativa o dividia
em dois estados, Grão-
Eu me resolvo que está é a melhor terra do mundo, donde os
Pará e Maranhão. Com naturais são muito fortes e vivem muitos anos, e consta-nos
a vinda da família real
em 1808 e a elevação
que, do que correram os portugueses, o melhor é o Brasil, e
do Brasil à categoria o Maranhão é Brasil melhor, e mais perto de Portugal que
de Reino Unido ao de todos os outros portos daquele Estado, em derrota muito fácil
Portugal e Algarves,
em 1815, o Maranhão à navegação, donde se há de ir em vinte dias ordinariamente.
passou à condição de E por ser esta terra tal, a fez Sua Majestade governo separado
província, subordinada
à Corte sediada no Rio do Brasil (SILVEIRA, 2001, p. 63).
de Janeiro (MEIRELES,
2001, p. 70).

26 Aula 1 - Maranhão Colonial


Simão Estácio da Silveira também deixou registros sobre a geografia do Maranhão
destacando: seus moradores, sua fauna e sua flora, alimentação. Informou ainda,
que havia quatro fortalezas: São Felipe e São Francisco em São Luís; São José em
Itapari, e Nossa Senhora da Conceição em Itapecuru. Explicou que eram nove
as aldeias indígenas circunvizinhas da cidade, que serviam aos portugueses de
pescadores, caçadores e outros serviços. Sobre a fertilidade da terra, informou que
havia muitas roças de farinha e outras culturas, muitas casas de telha, boas olarias,
muitas caças, pescados, mariscos, frutas, mel, hortas, sal, lenha e algumas criações,
dando abundância aos moradores. Para Silveira faltava apenas comércio de navios
para que os moradores pudessem se valer do que não tinham na terra e vender o
que possuíam. Sugeriu, então, que os navios de escravos vindos da Angola para as
Índias aportassem no Maranhão para aqui refrescarem sua mercadoria (chamadas
de peças), a fim de que chegassem mais inteiras e vendáveis no porto de destino.

1.4 São Luís em Tempos Coloniais

A cidade de São Luís foi construída em uma ilha denominada pelos seus
primeiros habitantes de Upaon-Açu. No início do século XVII esta ilha foi
Na linguagem dos
ocupada por franceses que pretendiam estabelecer uma colônia na região índios tupinambás,
Upaon-Açu significa Ilha
norte do Brasil, a chamada França Equinocial. A ilha foi então chamada pelos Grande.

franceses de “Ilha do Maranhão”. Depois de três anos de presença gaulesa, os


portugueses a reconquistaram, uma vez que se consideravam seus legítimos
donos, e então iniciaram de fato a construção da cidade, com suas ruas,
Enquanto a Bahia, sede
praças, câmara municipal e demais construções e instituições necessárias à do governo da colônia,
consumia 18.681$000,
sua urbanização e administração. São Luís é uma cidade litorânea, circundada a tropa portuguesa
pelas baias de São Marcos, São José e Arraial, e banhada por vários rios, entre na Bahia não passava
de 140 homens, em
eles: o rio Bacanga, o rio Anil, o rio Tibiri e o rio Mosquitos. Pernambuco não
chegava a 100, e no
Maranhão e no Pará era
Nesse processo de conquista e defesa do território, a Ilha de São Luís foi de 513 homens. Esse
expressivo número de
considerada estratégica, sendo a sede do Estado colonial do Maranhão e soldados no Maranhão
e no Pará evidencia
Grão-Pará. A cidade se tornou, assim, o ponto de partida para a colonização o receio do governo
português de perder
portuguesa no extremo norte. Nos primeiros anos, a cidade de São Luís, ainda, este território para a
França ou outra nação
guardou a característica de um posto militar avançado, com a população europeia (XIMENDES,
2010, p. 38).
composta principalmente por soldados que formavam a guarnição (força
militar) para proteger a cidade contra possíveis invasores estrangeiros.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 27


Essa característica militar da cidade foi mudando com a vinda dos casais de
açorianos para povoar a região. Em 1619 chegaram 200 casais de açorianos,
que traziam consigo filhos e agregados, o que significava a chegada de um
número significativo de brancos para dar uma nova fisionomia étnica e social
à cidade. Considerando que esses casais traziam seus filhos, especialmente as
filhas, esse número pode ser considerado perto de mil pessoas. Simão Estácio
da Silveira descreveu que no navio em que estava como capitão, embarcaram
perto de trezentas pessoas, alguns com muitas filhas donzelas.

São Luís cresceu lusitana (portuguesa). Seu traçado urbano seguiu o plano do

Légua é uma medida


engenheiro-mor Francisco Frias de Mesquita. A cidade ganhou construções
equivalente a 6.000 como igrejas, edifícios particulares e a Câmara do Maranhão, que recebeu
metros.
perto de cem mil réis de foros da sua légua de terra ao longo da cidade.

A Câmara municipal era o principal órgão da administração local, e um marco


O pelourinho é uma simbólico da conquista da terra e autonomia municipal. Para representar esse
coluna de pedra ou
madeira, construída na poder local era convencional erguer um pelourinho em praça pública. Em
praça principal de uma
localidade, significando
1619 foi formado o primeiro Senado da Câmara, com três vereadores, dois
a existência de juízes ordinários e um procurador. Os camaristas, como eram denominados
autoridade constituída
na povoação, símbolo seus membros, eram pertencentes às elites coloniais, nobres, nativos da terra,
da elevação de um
povoado à categoria de descendentes dos conquistadores e povoadores. Não podiam ser eleitas
vila e sede municipal.
Além disso, como pessoas que exercessem atividades mecânicas (manuais), mercadores, filhos
nem todas as vilas
tinham cadeia e as do Reino, gente da nação, judeus, soldados e degredados.
que possuíam nem
sempre ofereciam
segurança, utilizava- Figura 3 – Pelourinho da cidade de Alcântara
se o pelourinho para
amarrar os condenados
a receber chicotadas.
Quando escravos
urbanos cometiam
crimes e delitos, os
senhores mandavam
açoitá-los publicamente
no pelourinho, como
uma forma de manter o
poder senhorial e incutir
o medo nos demais
cativos (BOTELHO; REIS,
2001, p. 136).

Fonte: wikimapia.org

28 Aula 1 - Maranhão Colonial


A Câmara municipal regulava a vida da cidade e de seus moradores, atuando
praticamente em todos os setores da vida social, política e administrativa
da cidade. Entre suas inúmeras funções, destacam-se a responsabilidade
pela distribuição de terras para os moradores, cobrança de impostos para a
Coroa e impostos próprios, arrecadação de rendas pelas terras fornecidas aos
moradores para plantarem, determinar o conserto de ruas, praças e prédios,
conceder licenças para a construção de casas, cuidar da preservação das fontes
de água, disciplinar a circulação de animais na cidade (XIMENDES, 2010).

1.5 Escravidão no Maranhão Colonial

Agora vamos tratar de um tema igualmente importante para entender a


fisionomia socioeconômica e cultural do Maranhão colonial – a escravidão.
Nessa fase inicial da colonização, a questão da mão de obra seguia os ditames
das leis metropolitanas e das necessidades locais, numa relação que nem
sempre era amistosa. Primeiro os indígenas, cujas leis metropolitanas admitiam
a captura e escravização dos índios antropófagos (canibais), os aprisionados
em guerra justa, o cativeiro provisório, escravidão dos índios que se “achassem
presos a cordas para serem comidos” (CAVALCANTI FILHO, 1990, p. 43). Essas
mesmas leis ora submetiam os indígenas ao governo espiritual e temporal dos
jesuítas, ora anulavam esse poder e os designava aos religiosos de qualquer
ordem, ora providenciava-lhes curador, ora revogava as leis que permitiam a
escravidão indígena.

O problema do braço (mão de obra) para o trabalho na grande lavoura era um


dos mais angustiantes, uma vez que o braço indígena não podia ser recrutado
com facilidade em função dos protestos dos religiosos e da proteção que a
legislação metropolitana dispensava aos nativos, o que reforçou a importação
de escravos africanos em grande escala para exercer as atividades agrícolas
(RIBEIRO, 1990).

O braço africano começou a ser introduzido já no século XVII, especialmente


com a Companhia de Comércio do Estado do Maranhão, mas foi a partir
de meados do século XVIII, com a Companhia de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão que esse contingente aumentou sobremaneira, substituindo os

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 29


indígenas. A consequência imediata foi o aumento do número de africanos,
com a libertação de um contingente de índios e caboclos que até então
eram explorados como escravos, os quais ficaram à margem das atividades
produtivas, discriminados como vadios, vivendo de atividades periféricas.

Figura 4 - Trabalho escravo

Fonte: pastandpresent.webnode.com.br

As estimativas sobre o número de escravos africanos que entraram no Maranhão


antes de meados do século XVIII são muito diferentes, com indicações que
apontam para 3 mil africanos e outras que chegam a considerar 23 mil.
Vejamos a explicação da historiadora Regina Faria (2003, p. 13-14) sobre essa
questão da mão de obra escrava no Maranhão colonial:

Foram 3.000 ou 23.000 escravos negros? Esta é uma questão


que não se pode elucidar recorrendo apenas a fontes
secundárias. Considera-se, contudo, totalmente superada a
dúvida quanto à existência de africanos no Maranhão antes
do governo do Marques de Pombal. Entre os inúmeros dados
que confirmam essa assertiva, citamos a notícia de que em
1702 foram capturados 102 quilombolas de um mocambo
destruído nas matas de Turiaçu (VIVEIROS, 1954, p. 88).

Mesmo considerando que seja verossímil a maior das


estimativas acima citadas para a entrada de africanos, ainda

30 Aula 1 - Maranhão Colonial


assim, mantém-se a hipótese da escravidão indígena ter sido a
mais representativa e mais numerosa àquela época, apesar da
legislação restritiva à escravização dos índios e da resistência
que eles ofereciam à sua sujeição. Como nessa época os
índios ainda eram numerosos, acredita-se que o seu preço
fosse mais barato que o do africano porque eram apresados
na própria região, o que diminuía a cadeia de intermediários
na comercialização (VIVEIROS, 1954, p. 29). [...]. A depopulação
e a maior dificuldade no apresamento devem ter aumentado
o preço dessa mão de obra, mas acredita-se que só após a
abolição da escravidão indígena em 1757 e com as facilidades
implantadas pela Companhia de Comércio pombalina para a
compra de africanos foi que a escravidão negra predominou
no Maranhão (DIAS, 1970, p. 459-98).

Figura 5 - Trabalho escravo indígena

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Jean_baptiste_debret_-_ca%C3%A7ador_escravos.jpg

1.6 Economia colonial

A economia colonial tem como marca a produção escravista, seja com a mão de
obra indígena ou africana, como tratamos no item acima. O Estado colonial do

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 31


Maranhão possuiu algumas especificidades em seu processo de colonização,
sendo um território cujo interesse da Coroa, num primeiro momento, era mais
estratégico em termos de defesa e proteção das possessões luso-espanholas.
Até meados do século XVIII apresentou um desenvolvimento econômico
insuficiente para os objetivos exploratórios da metrópole, especialmente
se considerarmos as capitanias de Pernambuco e Bahia, cuja prosperidade
advinha da produção açucareira.

No Maranhão, essa menor capacidade de produção e exportação do “ouro


branco” (açúcar), associada a uma baixa circulação de moedas, que obrigava
“Em 1694 a Câmara de
São Luís proíbe os doces, a utilização de rolos de algodão como tal, restrições para consumo de açúcar
porque as doceiras, para
os venderem por alto pelas doceiras, menor investimento na compra da mão de obra de africanos
preço, atravessavam
todo o açúcar, em escravizados, levou vários historiadores a caracterizarem essa primeira fase
dano do bem comum”
(LISBOA, s/d, p. 191). da economia colonial como sendo de pobreza, penúria. Com isso, a história
econômica do Maranhão colonial foi tradicionalmente dividida em dois
momentos, um antes e outro depois da instalação da Companhia de Comércio
do Grão Pará e Maranhão, criada no governo do primeiro ministro português
Marquês de Pombal, em 1755.

Os novos estudos sobre a fase pré-pombalina buscam relativizar esse


quadro de “pobreza franciscana”, dando mais visibilidade ao comércio interno
do Estado do Maranhão e Grão-Pará ao longo do século XVII, bem como a
importância da mão de obra indígena, seu uso sendo visto não mais como
fator de penúria dos moradores, mas como uma atividade que garantia lucros.

Os moradores da capitania, depois Estado colonial, se valiam principalmente do


braço escravo dos indígenas para sobreviver, com a lenta introdução do braço
escravo africano desde o século XVII. A questão da mão de obra indígena passava
pela disputa entre colonos e jesuítas, o que levou a inúmeras deliberações jurídicas
da Coroa portuguesa no sentido de proibir ou liberar a escravização dos nativos.
O fato é que a escravidão indígena foi predominante no primeiro século de
colonização, sendo cada vez mais comum, com a crescente introdução do braço
africano, o uso de escravos negros e indígenas ao mesmo tempo.

Até hoje, a farinha de Quanto aos gêneros produzidos nessa primeira fase colonial, destacam-
mandioca e o arroz são
os produtos básicos
se os gêneros de primeira necessidade, para consumo dos moradores,
da alimentação das como a mandioca, o arroz e o milho. Você já deve ter notado esse gosto
famílias maranhenses.
O maranhense é dos maranhenses pela farinha e o arroz. Tudo começou nesses primeiros
conhecido como “papa-
arroz”. tempos coloniais, quando esses produtos, já cultivados pelos nativos, foram

32 Aula 1 - Maranhão Colonial


incorporados à dieta dos colonos. Da mandioca eram feitos a farinha, a tapioca
e a aguardente (tiquira). O arroz era um tipo vermelho, com grãos pequenos
e duros, com pouco valor comercial. Assim como o arroz, o algodão nativo
também tinha pouco valor comercial. Seu uso em tecidos grosseiros era mais
para atender as necessidades locais, tendo os novelos de fio de algodão
servido como moeda de troca durante o século XVII.

A produção açucareira era feita nas fazendas de colonos e dos jesuítas. Os


engenhos eram poucos e se mantinham com dificuldades, devido aos ataques
dos índios. Muitos deixavam de ser úteis também pela falta de fábrica para
moer a cana.

Os produtos destinados à exportação eram principalmente o fumo, as drogas


do sertão (cravo, canela, salsaparrilha, âmbar, urucu, bálsamo, copaíba, anil e
madeiras diversas) e o couro. Em relação aos produtos extrativistas (drogas do
sertão), o Grão-Pará tinha a primazia, principalmente por se localizar no seio
da floresta equatorial.

A pecuária foi outra atividade importante, tanto pelo abastecimento do


mercado local, como força de tração na lavoura e para a exportação do
couro. Especialmente a partir do século XVIII, essa atividade contribuiu para
a ocupação do território mais ao sul do Maranhão, possibilitando o comércio
com outras regiões da colônia. Trataremos mais da pecuária no item sobre o
sertão maranhense.

A Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão

A historiografia maranhense tem dado grande ênfase à atuação da Companhia


de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, criada em 1755 no governo do
primeiro ministro português Sebastião José de Carvalho Melo, o famoso
Marquês de Pombal. A vida econômica do Maranhão tomou maior impulso
com a instalação dessa Companhia, que investiu recursos no Estado Colonial
do Maranhão e dinamizou sua economia por meio da produção e exportação
do algodão e do arroz branco, estabelecendo definitivamente a utilização da
mão de obra escrava africana para produzir a riqueza da região, ao mesmo
tempo em que a inseria de vez no mercado internacional, como fornecedora

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 33


de matéria-prima para a indústria têxtil inglesa e de cereal para a população
do Reino. Essa famosa companhia de Comércio foi criada com o propósito
de fomentar o comércio da região, colocando o Maranhão como destaque
na dinâmica do império marítimo português. Para tanto, devia explorar o
comércio de escravos africanos (tráfico negreiro), aumentando a entrada dessa
mão de obra em substituição aos indígenas, ampliar a produção de algodão e
arroz de qualidade comercial.

Tabela 1 – Exportação do algodão, arroz e couro do Maranhão (1812-1849)

DECÊNIO ALGODÃO (SACAS) ARROZ (SACAS) COURO (PEÇAS)


1812-1821 58.064 66.889 43.793
1840-1849 44.960 33.012 38.000
Fonte: RIBEIRO (1990, p. 35)

1.7 Conflitos no Século XVII

Como já apontamos no início deste trabalho, por meio da análise do hino


maranhense, os primórdios da história do Maranhão foram marcados por muitos
conflitos. Durante sua fase colonial, especialmente no século XVII, a situação
sociopolítica do Estado foi bastante agitada, envolvendo conflitos com os
invasores holandeses, bem como a disputa entre colonos e jesuítas pelo poder
temporal dos indígenas, o que garantia o uso dessa mão de obra. Foi no século
XVII que ocorreram dois episódios importantes, cujo desfecho ajudou a consolidar
o poder da Coroa portuguesa nessas terras: a guerra contra os holandeses e a
revolta de Beckman. A narrativa que faremos a seguir destes acontecimentos está
baseada na obra História do Maranhão, de Mário Meireles (2001).

“Flamengos aventureiros” - a invasão Holandesa ao Maranhão

Como você observou na letra do hino maranhense, os holandeses são


considerados como invasores, como aventureiros. O plano holandês de
invadir as possessões luso-espanholas teve início em 1621, com a criação

34 Aula 1 - Maranhão Colonial


da Companhia das Índias Ocidentais, resultando na invasão da Bahia em
1624. Esse plano estava relacionado ao projeto de emancipação política da
tutela espanhola, e para tanto pretendia desviar a atenção da Espanha para a
defesa de suas colônias, ao mesmo tempo em que se apoderava dessas ricas
possessões e seu comércio de açúcar.

A invasão holandesa ao Estado colonial do Maranhão, na própria capital do


estado, São Luís, ocorreu em 1641, ao desembarcarem na praia do Desterro
Do latim batavu,
com 18 naus e cerca de dois mil batavos. Agora, imagine o pânico que tomou relativo ou pertencente
à Holanda, ou
conta da cidade com a cena do desembarque de milhares de soldados que característico desse país.
Antigo povo germânico
correspondia praticamente ao dobro da população local, cuja defesa era feita que habitava o delta do
Reno. www.dicio.com.br
por uma guarnição de 150 homens. Muitos moradores tentaram abandonar
a Ilha, para refugiarem-se no interior, enquanto os jesuítas percorriam as
ruas, com crucifixo em punho, chamando a população para se confessar, tal o
desespero que tomou conta de todos.

Os holandeses, já desembarcados todos, saquearam a ermida


do Desterro e, entrando na cidade, marcharam contra o forte
[...]. Seguiu-se a mais desenfreada pilhagem, com a requisição
de todos os mantimentos e fundos monetários; da população
exigiu-se público juramento de fidelidade ao pavilhão dos
Estados Gerais, que já substituíra a bandeira lusitana no
mastro do forte.
[...]
Dominada a situação em São Luís, estenderam os invasores seu
domínio ao Itapecuru, ocupando-lhe o forte, que reedificaram,
e os cinco engenhos existentes, dos quais exigiram logo cinco
mil arrobas de açúcar [...] (MEIRELES, 2001, p. 85).

Ainda seguindo a explicação do historiador Mário Meireles, após tomarem a


cidade e prenderem o governador Bento Maciel Parente, deportando-o para
No Outeiro da Cruz
Pernambuco, os holandeses deram início ao governo batavo na região, inclusive existe um monumento
evocativo da expulsão
com a implantação da religião calvinista. Esse domínio durou três anos, dos holandeses,
onde uma inscrição
marcado pela resistência dos moradores locais. A liderança dessa resistência relembra: A tradição
popular consagrou
coube ao capitão-mor Antônio Muniz Barreiros Filho e ao sargento-mor este monumento à
memória dos bravos
Antônio Teixeira de Melo. A tática dos combatentes maranhenses era pegar os que, ao mando de Moniz
invasores de surpresa nos engenhos ocupados na região do Itapecuru, vencer Barreiros e Teixeira de
Mello expulsaram os
a resistência e avançar para a Ilha de São Luís a fim de tomar o forte de São holandezes da capitania.
30-IX-1642 / 21-IX-1642 /
Felipe. Duas vitórias decisivas do lado maranhense ocorreram no Outeiro da 26-I-1643 / 28-II-1644.

Cruz e na colina do Convento de Nossa Senhora do Monte Carmo.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 35


Em 1643 chegaram reforços portugueses, com mais soldados e indígenas,
aumentando o combate, que por sua vez também contava com o aumento
dos reforços das tropas flamengas. Foram usadas as táticas de guerrilha e
terra arrasada, e, estando a cidade praticamente em ruínas, os maranhenses
conseguiram manter um cerco aos holandeses, encurralando-os no forte São
Felipe e obrigando-os à rendição, em 28 de fevereiro de 1644. A expulsão dos
holandeses pôs fim às invasões estrangeiras no Maranhão. Agora, os conflitos
eram internos, envolvendo moradores, jesuítas, comerciantes e representantes
da Coroa, como veremos no próximo exemplo.

A Revolta de Beckman

Você já deve ter notado que o nome de Manuel Beckman ou Bequimão é


bastante homenageado em nosso estado. As origens do conflito denominado
de Revolta de Beckman encontram-se no contexto das disputas entre colonos,
jesuítas e comerciantes ligados a Companhia de Comércio do Maranhão e
Grão-Pará, a primeira criada nessas terras, em 1682. Antes dessa companhia
fora criado o Estanco da Fazenda Real, que consistia em uma troca comercial,
em que a Coroa fornecia suprimentos necessários para o provimento do
estado e comércio de resgate (compra de índios capturados), recebendo em
pagamento as drogas e demais produtos agrícolas da região.

Com o fracasso dessa tentativa do estanco, a Coroa contratou negócio com


uma sociedade de comerciantes, os quais criaram a Companhia de Comércio
do Maranhão e Grão-Pará, para operar no comércio da região no prazo de 20
anos, introduzir até dez mil escravos africanos, à razão de 500 por ano, como
forma de compensar as leis proibitivas da escravização do indígena. Devia
ainda fornecer aos moradores as fazendas (tecidos) e gêneros necessários
ao consumo, melhorar a lavoura, enviar no mínimo um navio por ano com
mercadorias e para exportação dos produtos da terra. Em troca, seus acionistas
tinham privilégios como a isenção de impostos, direito a uma justiça privativa
para os negócios que envolvessem os contratos da companhia, assim como
o direito de fazer entradas pelo sertão para resgate de indígenas para utilizar
no serviço da companhia.

36 Aula 1 - Maranhão Colonial


Com tantos privilégios concedidos a esses acionistas, e já decepcionados
com os resultados da experiência anterior do estanco real, os moradores se
opuseram desde o início a essa nova iniciativa, sendo ameaçados de desterro
os mais oposicionistas.

O responsável pela Companhia era Pascoal Jansen, e era para ele que se voltavam
os protestos com relação aos péssimos serviços da companhia, a exemplo das
alterações nos pesos e medidas, gêneros de má qualidade, preços superiores
aos taxados na venda de mercadorias, e inferiores na compra dos produtos da
terra, número menor de escravos do que o estabelecido anualmente, e a falta
de regularidade dos navios. Com isso, as Câmaras de São Luís e Belém fizeram
uma representação ao governador e à Corte, pedindo providências, mas não
obtiveram resultado. Estabelecido o descontentamento e sem perspectivas
de solução por parte dos representantes da Coroa, os quais se beneficiavam
com vantagens promovidas pela Companhia, estava aberta a possibilidade de
revolta contra o monopólio da Companhia de Comércio.

Manuel Bequimão, abastado lavrador e antigo vereador na Câmara de São Luís,


juntamente com seu irmão Tomás Beckman e outros membros importantes
da elite da cidade, somados aos religiosos das ordens contrárias aos jesuítas,
começaram os preparativos da revolta. Esta eclodiu em 23 de fevereiro de
1684, quando os conjurados se reuniram no convento de Santo Antônio, com
o propósito de extinguir o estanco e expulsar os religiosos da Companhia de
Jesus. Para isso, decidiram que era necessária a deposição do governador.
Diante da constatação de que não havia mais volta no que pretendiam fazer,
resolveram agir de imediato e saíram às ruas. Surpreenderam a guarda,
prenderam o capitão-mor, colocaram os jesuítas incomunicáveis em seu
colégio e foram ao armazém da companhia para fecharem suas portas de vez.

Foi eleita uma junta governativa, composta por representantes do clero, da


nobreza e do povo. Vitoriosos no primeiro momento, foram ficando isolados
sem a ajuda e apoio das outras localidades do estado, especialmente da
Câmara de Belém. Em 26 de março de 1684 os jesuítas foram finalmente
expulsos do Maranhão.

Enfraquecidos pelo desânimo, pelo cansaço do povo com o serviço militar, e


vendo a confiança declinar em relação ao movimento e seu líder, foi enviado
a Portugal Tomás Beckman com a missão de negociar. Nesse mesmo mês de
março, partira de Portugal o novo governador enviado ao Maranhão, Gomes

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 37


Freire de Andrade, com 150 homens e ordens para debelar a revolta e fazer

O romance histórico
uma devassa para condenar e punir os líderes. Em maio desembarcou o novo
O Bequimão, de governador, que, sem acordos, mandou prender os líderes do movimento.
Clodoaldo Freitas,
escrito e publicado em Manuel Beckman fugiu para seu engenho Vera Cruz, no Mearim, mas foi
1909, traz uma narrativa
dos episódios da revolta capturado em seguida, entregue às autoridades e levado à forca, no dia 10 de
de Beckman, com um
foco mais voltado para novembro de 1685, na praia do Armazém (MEIRELES, 2001).
seu líder.

Manoel Beckman (o Bequimão), o líder principal da revolta, foi


considerado um rebelde traidor da Coroa, muito embora não
defendesse o separatismo do Maranhão em relação a Portugal.
A reabilitação de sua memória deu-se no século XIX, no pós-
independência, pelos escritos do historiador João Lisboa, que
o alçou a condição de herói, condição que é tratado até hoje,
sendo a Medalha do Mérito Legislativo Manoel Beckman a maior
honraria do Poder Legislativo do Maranhão.

Atividade de Aprendizagem

Você já deve ter notado algumas homenagens à figura de Manuel Beckman, a


exemplo do nome Bequimão dado a um bairro habitacional da cidade e a um
município da Baixada Maranhense. Pesquise sobre quando ocorreram essas
homenagens e como a imagem de Beckman foi reabilitada passando de vilão
a herói.

1.8 Ocupação do Sertão Maranhense

Não poderíamos apresentar uma aula sobre o Maranhão colonial sem tratarmos
da ocupação e organização socioeconômica de uma parte significativa do
Estado do Maranhão – o sertão. A história do Maranhão, por mais que a ênfase

38 Aula 1 - Maranhão Colonial


recaia nos acontecimentos que tiveram como palco a cidade de São Luís e
o Golfão maranhense, não se restringe a essa área. Como capital e sede da
administração colonial por tanto tempo, protagonizando muitos episódios
de invasões, lutas e resistências, sendo o ponto de partida para a colonização
da região, São Luís ganhou certo destaque na história regional, mas esta não
deve ficar restrita ao norte. Sendo assim, trataremos agora de outra frente de
ocupação do estado, mais tardia, mas igualmente importante, que ajudou a
configurar esse território e diversificar sua economia e formação social. Trata-
se do sul do Maranhão, também conhecido como o sertão de Pastos Bons,
um espaço com características próprias, padrões culturais e comportamentais
bastante peculiares.

Segundo os dicionários, o termo sertão refere-se a um espaço físico afastado


da costa marítima, zona do interior, lugar longínquo, pouco povoado. Vejamos
o que diz o Dicionário Aurélio sobre a palavra “sertão”: Região agreste, distante
das povoações ou terras cultivadas. 2. Terreno coberto de mato, longe do
litoral. 3. Interior pouco povoado. 4. Bras. Zona pouco povoada do interior do
país, em especial do interior semi-árido da parte norte-ocidental, mais seca do
que a caatinga, onde a criação de gado prevalece sobre a agricultura, e onde
perduram tradições e costumes antigos [...].

Nessa definição notamos que prevalece a ideia de interior, em oposição ao


litoral. Por isso, é importante sempre deixar claro o sertão a que nos referimos,
para não confundi-lo somente com as regiões secas do semi-árido. O sertão
maranhense ficou conhecido como “Pastos Bons”, pela exuberância dos seus
campos de pastagens, pelos mananciais de água, oferecendo as condições
ideias para a atividade da pecuária extensiva. Essa definição de zona do interior
que acompanha o termo sertão serviu para criar uma imagem negativa da
região, sendo logo vista como lugar atrasado, isolado, inculto, selvagem. Já
o sertanejo foi definido como violento, rude, pobre, ignorante, supersticioso,
mas também valente, hospitaleiro, respeitador.

Nas obras mais recentes dos historiadores maranhenses já é perceptível esse


esforço para desmitificar a identidade histórica maranhense a partir de um
único referencial, o litorâneo, o qual deixava de fora o interior do estado,
com suas singularidades. Os novos enfoques, portanto, destacam o duplo
movimento de povoação que marcou profundamente a sociedade colonial
maranhense ao longo de seu processo histórico. Esse duplo povoamento

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 39


concretizou-se a partir das duas frentes de ocupação: a litorânea, através dos
rios Itapecuru, Mearim, Pindaré e Munim, e a outra, interiorana, partindo da
Bahia, Pernambuco, avançando pelo Piauí até o alto sertão maranhense.

Figura 6 - Sertão maranhense

Fonte: atn.to.gov.br

O processo de ocupação do sertão maranhense, assim como no litoral, foi


também marcado por conflitos, especialmente com as tribos indígenas. Os
relatos feitos pelo capitão Paula Ribeiro no início do século XIX são valiosíssimos
para a compreensão da devastação sofrida pelas tribos indígenas do sertão,
demonstrando que os conflitos e a violência se estabeleceram entre os dois
grupos que ali se defrontaram: os índios lutando para resistir ao domínio e
à invasão das suas terras; os criadores de gado para expandir e encher de
fazendas os campos verdes habitados pelos índios (SANTOS, 2010).

Ocupação e desenvolvimento do sertão

O distrito de Pastos Bons, cujos limites iam da extremidade


sul de Caxias até as nascentes dos rios Parnaíba, Balsas e
Manoel Alves Grande, estava dividido em diversas ribeiras: Alto
Itapecuru, Parnaíba, Balsas, Neves, Lapa, Farinha, Grajaú e São
Pedro de Alcântara. O sertão era uma região cuja atividade
econômica era a criação do gado, atividade que dispensava um
pequeno quantitativo de escravos, sendo estes “em número de
menos de mil”, segundo o capitão Francisco de Paula.
A frente de ocupação dessa parte do território maranhense foi
de responsabilidade da corrente pastoril baiana, que partindo da

40 Aula 1 - Maranhão Colonial


Bahia alcançou o rio São Francisco, tomando duas direções: uma,
que subindo o rio foi abastecer o mercado das Minas; e outra que,
descendo o rio no sentido norte, ocupou o interior do Piauí e do
Ceará, atingindo em princípios do século XVIII os campos do sul
da província, onde chegaram então as veredas do gado.
[...]
A região de Pastos Bons desenvolveu-se desarticulada
da economia litorânea maranhense, mantendo estreita
vinculação econômica com os mercados consumidores do
Nordeste açucareiro, em especial com a Bahia e Pernambuco,
até o início do século XIX. Essa forma de ligação com outras
capitanias e não com a capital de sua província, São Luís, gerou
um certo conflito de interesses. Pastos Bons permaneceu
inexplorada até quase metade do século XIX, quando as
exportações de couro aumentaram, assim como o consumo
da carne, transformando essa região em distribuidora de gado
para São Luís e outros centros de produção de algodão e de
açúcar (SANTOS, 1983, p. 45-50).

1.9 Aspectos Socioculturais do Maranhão Colonial

Por fim, para encerramos essa aula sobre o Maranhão colonial, trataremos
de alguns aspectos socioculturais que marcaram essa fase e cujos
desdobramentos serão sentidos com maior ênfase no século XIX, a exemplo
do crescimento urbano, a educação, as manifestações artísticas.

O crescimento da cidade de São Luís, a vinda de novos colonos e de mais


religiosos para cuidarem da educação e disseminação da fé católica, tudo isso
O mais importante e
impulsionou a vida sociocultural do Maranhão. A historiadora Maria de Lourdes erudito jesuíta que
esteve no Maranhão
Lauande Lacroix (2012), explica em seu recente livro São Luís do Maranhão: no período colonial foi
o padre Antônio Vieira
corpo e alma, que as informações e representações desses primeiros tempos (1653-1661). Escreveu
uma vasta obra literária,
da colônia encontram-se em descrições dos cronistas e alguns quadros, composta de sermões
proferidos por ocasião
pintados a óleo, a exemplo da pintura do artista flamengo Frans Post, de 1642, dos seus trabalhos
uma vista panorâmica da cidade. Mas, coube aos religiosos, especialmente missionários, com um
estilo de escrita que
aos jesuítas, o ensinamentos de ofícios de carpintaria, marcenaria e entalhe, primava pelo purismo
da língua portuguesa.
escultura, pintura música e teatro, para índios livres, escravos e noviços brancos
portugueses. Os jesuítas também ensinavam os alunos a recitarem poemas,
declamar orações e representar comédias. Os espetáculos eram apresentados
principalmente nas igrejas de São Luís.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 41


Ainda, segundo Lurdinha Lauande Lacroix, a população também mantinha
o costume, trazido de Portugal, das festas populares, a exemplo dos autos
de natal, presépios, comemoração do Ano Bom, comemoração de Reis,
Pastorinhas, festas juninas. O contato com os índios e negros possibilitou a
incorporação de algumas expressões culturais afro-ameríndias, com seus
ritmos e melodias. Enquanto a população cantava as modinhas e cantigas
de viola, na igreja a música que se ouvia era instrumental ou vocal, sacra,
acompanhando os sacramentos e liturgia das missas.

No século XVIII desenvolveram-se as artes plásticas da pintura, escultura e


arquitetura. O artista maranhense José Luís da Rocha foi o responsável pela
A primeira, a das Pedras,
levantada ao tempo transformação das fontes das Pedras e do Ribeirão, remodelando-as com sua
dos franceses não
era, nem poderia ser, maestria de construtor civil e artista.
nenhuma obra de arte,
senão uma bica a jorrar
da encosta da ladeira Segundo a informação dada por Milson Coutinho, outra obra importante
da rua das Crioulas,
que descia rumo do desse construtor foi o saneamento de uma área na Praia Grande, abrindo
atual Portinho. Mas, a
frontaria e carrancas uma grande galeria a partir do sopé da ladeira do Palácio até o mar. Essa área
ali até hoje existentes
nasceram das mãos corresponde hoje da esquina da rua do Trapiche até o edifício da atual Câmara
do desenhista e das
orientações do mestre
Municipal, na rua da estrela. Essa galeria foi redescoberta por ocasião das
de obras notável, o
pardo-fidalgo José Luís
reformas do centro histórico da cidade. A qualidade dessa obra fez com que
da Rocha (COUTINHO, resistisse ao tempo e ao peso dos carros por mais de duzentos anos, estando
2005, p. 171).
firme até os dias atuais.

No tocante à arquitetura, o destaque vai para os prédios públicos e residências, cuja


qualidade e competência dos arquitetos dos séculos XVIII e XIX, sem esquecer os
braços dos que ergueram de fato esses casarões, os escravos, fez com que muitos
deles se mantivessem de pé até hoje, constituindo um conjunto arquitetônico
que garantiu à cidade o título de Patrimônio Histórico da Humanidade.

As casas e sobrados, embora com o mesmo modelo de fachada,


se diferenciavam pelos variados tipos de arcos e adornos nas
janelas e portas, rendilhados de ferro das sacadas e bandeiras,
nenhum igual ao outro, cercaduras, batentes em pedra e escadas
e corrimões trabalhados em madeira e sempre buscando
suplantar o vizinho, em beleza. Somente no século seguinte [XIX]
as fachadas seriam revestidas de azulejos (LACROIX, 2012, p. 75).

42 Aula 1 - Maranhão Colonial


O número de imponentes construções, o mobiliário, o trânsito das
famílias na Europa, o luxo, as joias, as festas, mudança de hábitos
seguindo os ditames de além-mar e muitos outros elementos
presentes na sociedade apontam para um aumento da riqueza,
refletindo, especialmente no cultivo das letras, disseminado
pelos jovens de famílias abastadas no retorno de universidades
portuguesas, francesas e inglesas (LACROIX, 2012, 2012, p. 77).

Quanto a educação escolar, destaca-se mais uma vez o trabalho das ordens
religiosas, especialmente os jesuítas. O trabalho de catequese e instrução dos
indígenas realizado pelos religiosos tinha como objetivo fazer da educação dos
nativos, assentada nos princípios da fé cristã, um instrumento de dominação
da política colonial portuguesa. O plano educacional dos jesuítas incluía
também a instrução dos filhos da elite colonial, preparando-os para o estágio
posterior de aperfeiçoamento e conclusão de seus estudos na Europa. Às
mulheres brancas era dada apenas uma educação doméstica que se restringia
ao aprendizado de prendas do lar e boas maneiras.

Os jesuítas possuíam quatro colégios no Maranhão, além do Recolhimento de


Nossa Senhora da Anunciação e Remédios (1751), destinado às meninas órfãs
e desvalidas. A expulsão dos jesuítas em 1759 trouxe consequências sérias para
o sistema educacional na colônia, desmantelando toda a organização escolar
vigente, sendo criadas a partir de então as chamadas escolas (aulas) régias,
que deveriam ser financiadas por um imposto chamado subsídio literário.

Resumo

Esta aula sobre o Maranhão colonial apontou aspectos de sua colonização, as


lutas pela conquista da terra, os conflitos internos que envolveram moradores,
jesuítas, comerciantes e autoridades locais, com a interferência da Coroa
portuguesa para acabar o motim, conhecido como Revolta de Beckman.
Também foram tratados temas relativos à economia colonial, em suas duas

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 43


fases, com destaque para as mudanças ocorridas no final do século XVIII com a
agroexportação do algodão e do arroz, a entrada maciça de negros africanos e
as transformações sociais e urbanas daí decorrentes. Por fim, as manifestações
culturais desse período, com destaque para as artes (pintura e arquitetura).

Atividade de Aprendizagem

1 Observe a pintura Fundação da Cidade de São Luís e analise as


representações das cenas e personagens ali contidas, o contexto em que
a tela foi produzida, a obra que inspirou o artista e de que maneira esse
painel apresenta o momento inicial de ocupação do território maranhense
pelos europeus.

2 Com base na letra do hino maranhense, em especial das estrofes relativas


ao período colonial, identifique os fatos históricos apresentados e as
singularidades do processo de formação do estado colonial maranhense.

3 Faça uma análise comparativa das duas frentes de colonização do


Maranhão, apontando as diferenças e semelhanças desse processo
colonizador e da organização social e econômica dele decorrente.

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44 Aula 1 - Maranhão Colonial


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46 Aula 1 - Maranhão Colonial


Aula 2 - O Maranhão Imperial

Objetivos
• Desenvolver uma visão geral da fase imperial da história do Maranhão,
ao longo do século XIX, com destaque para a dinâmica da sociedade
escravista;

• Apresentar aspectos do cotidiano da sociedade maranhense no


século XIX;

• Destacar as mudanças urbanas e culturais que fizeram de São Luís a


cidade dos azulejos e “Atenas Brasileira”.

Introdução

O século XIX foi um período de importantes mudanças para o Maranhão,


começando pela independência em relação a Portugal e adesão ao Império
brasileiro, momento de lutas políticas e sociais, com grande participação das
camadas populares na busca por um espaço na nova ordem sociopolítica,
como foi o caso da mais importante revolta popular desse período, a Balaiada.
A capital, São Luís, viveu nesse momento seu esplendor, com grandes
investimentos de fazendeiros e comerciantes em ricas residências, assim como
do poder público por meio de normas do bem viver e serviços urbanos, para
tornar a cidade com ares civilizados, conforme os moldes europeus.

Data do início desse século a observação dos viajantes Spix e Martius (1819),
de que São Luís era a quarta cidade mais importante do Brasil, um orgulho
que a cidade alimentou por décadas, mesmo quando já não ocupava mais
essa posição. A economia teve seus momentos áureos, mas ao longo do

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 47


século amargou muitas crises, o que não impediu a prosperidade das elites
e o crescimento econômico de segmentos médios, especialmente daqueles
ligados à burocracia estatal e às profissões liberais. O investimento na educação
dos filhos dessas camadas mais altas da sociedade propiciou a formação de
uma elite letrada que deu à cidade a fama de Atenas Brasileira.

Foi nessa época que a sociedade litorânea, cada vez mais urbana, começou
a adotar novos costumes, com um maior refinamento nos comportamentos,
permitindo uma melhor educação para as mulheres e ampliando seus espaços
de sociabilidade. O sertão também teve seu desenvolvimento sociocultural, e
os melhoramentos nos meios de transporte possibilitaram um maior contato
entre as duas regiões da província.

Em relação a força de trabalho escrava, o século XIX apresentou tanto um


recrudescimento do comércio humano, no início do século, quanto sua crise
e posterior abolição, culminando com o fim do cativeiro, mesmo o Maranhão
recebendo o triste título de “baluarte da escravidão”, pela resistência com que
os senhores proprietários de escravos trataram a questão abolicionista. Nesse
período cresceu o número de quilombos e ocorreu a maior insurreição de
escravos no Maranhão, liderada pelo negro Cosme.

Foi um longo século, com uma efervescência que espantava seus contempo-
râneos, afinal, foram muitas novidades na Província: imprensa, teatro, barcos a
vapor, bondes, iluminação à gás, bancos, fábricas, telégrafo e telefone.

Vamos conhecer agora um pouco mais do Maranhão no século XIX, desse


Maranhão Imperial.

2.1 Aspectos Políticos no Contexto da Independência

Vamos começar pelos acontecimentos que mudaram o rumo da administração


política no Maranhão. Como dissemos na aula anterior, até a vinda da família
real em 1808, o Estado do Maranhão era uma entidade política separada
do Brasil, ligado diretamente a Portugal. Com a transferência da corte e seu
aparato político-institucional, houve a unificação sob a égide do governo
metropolitano sediado no Rio de Janeiro.

48 Aula 2 - O Maranhão Imperial


Com a corte vieram muitos nobres, o alto escalão da administração, instituições
importantes para o comando do Estado, a renda do tesouro se concentrou
no Brasil, elevado logo em seguida a condição de Reino Unido a Portugal e
Algarves (1815). Toda essa situação de deslocamento do centro do poder de
Lisboa para o Rio de Janeiro causou descontentamento dos lusitanos, fazendo
com que estourasse em 1820 uma grande revolta que exigia o retorno do
monarca para Portugal e a convocação das Cortes Gerais para a elaboração de
uma constituição – era a Revolução do Porto.

A consequência dessa disputa política, com as medidas que ameaçavam o


retorno do Brasil à condição de colônia, ou seja, a perda de sua autonomia
político-administrativa, foi a separação política em relação a Portugal. Feita a
declaração oficial de separação, no famoso grito de independência de 07 de
setembro de 1822, pelo regente D. Pedro I, restava o desafio de manter a união
das províncias em torno do nascente império brasileiro.

O Maranhão foi uma das províncias que não aderiu de imediato ao novo
governo estabelecido no Rio de Janeiro. Resistiu por quase um ano, na tentativa
de suas elites dirigentes em se manterem fiéis ao governo de Lisboa. Teve
início, então, a guerra pela independência no Norte. O centro de resistência
à adesão era a capital maranhense e as áreas próximas ao golfão, controladas
mais diretamente pela Junta governativa, cuja liderança estava nas mãos
do Bispo Nazaré. Portanto, a luta pela independência partiu do interior da
província, congregando diferentes segmentos sociais. Proprietários, setores
médios, livres pobres e escravos se uniram temporariamente em torno dessa
luta, cada um com expectativas diferentes.

Vindos do interior, reforçados por tropas do Ceará e Piauí, os independentes


marcharam em direção à capital, recebendo adesões e ampliando a vantagem
em relação às tropas do governo. Era o chamado “exército libertador”. Porém, Localizado na atual
Avenida Pedro II,
antes que o movimento entrasse triunfante na capital e consolidasse seu localiza-se no local
onde foi erguido
plano de deposição da junta de governo fiel a Portugal, ancorou na baia de São inicialmente o Forte
de São Luís, pelos
Marcos o mercenário inglês Lord Cochrane, contratado pelo imperador para franceses, em 1612. Em
1716, o governador
obrigar as províncias do norte a aderirem à independência. O Lord Cochrane, Melo e Póvoas iniciou
a quem interessava apenas os louros da vitória e a recompensa pelo trabalho, a edificação do Palácio
dos Governadores,
já encontrou a capital na iminência de capitular, não tendo muito trabalho em concluído em 1776.
Em estilo neoclássico,
conseguir a declaração oficial de adesão do Maranhão ao Império do Brasil, o é a sede do governo
do Estado e residência
que ocorreu em 28 de julho de 1823, em uma cerimônia no Palácio dos Leões. oficial do governo.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 49


O Maranhão, desde A Guerra dos Três Bês, assim denominada por envolver
o final das revoltas e
invasões do século representantes de três famílias importantes no cenário político
XVII, manteve um
clima de aparente da época, os Burgos, os Bruces e os Belfort, ocorreu no interior
tranquilidade. Mas, na
primeira metade do da província em 1824 devido as disputas políticas no pós-
século XIX esta região
foi palco de conflitos independência, tendo como objetivo afastar da administração
políticos, especialmente
nos anos posteriores provincial os representantes dessas famílias que compunham a
à Independência, no
contexto de construção Junta de Governo.
da ordem imperial. Os
primeiros conflitos que
expressam essa disputa A Setembrada situa-se no contexto político da abdicação do
política foram a Guerra
dos Três Bês (1824) e a
imperador D. Pedro I, eclodindo em São Luís em 13 de setembro
Setembrada (1831). de 1831, e liderada pelos jovens liberais exaltados da capital,
contando com a participação da “tropa e povo”. As reivindicações
eram principalmente em torno da demissão dos portugueses dos
cargos públicos e a expulsão destes da Província.
Para maiores detalhes
do movimento, ver
o romance histórico
“A Setembrada”,
escrito pelo escritor
maranhense Dunshee
de Abranches, em 1931.

2.2 A Balaiada ou Guerra dos Bem-te-vis

A Balaiada foi a revolta popular mais importante ocorrida no Maranhão, por isso
terá um maior destaque neste caderno. Passados 175 anos de sua eclosão pelo
interior do Maranhão e províncias vizinhas como Piauí e Ceará, ainda é pouco
conhecida dos maranhenses e ainda não teve todo o seu valor reconhecido.

A eclosão da Balaiada está ligada ao contexto de construção da nova ordem


sociopolítica do pós-independência. Até a década de trinta, os conflitos
resultantes dos ajustamentos ao novo contexto político, acirrados com a
abdicação do imperador D. Pedro I em 1831, trouxeram uma instabilidade
social à província, e à capital em especial, culminando com a revolta da
Balaiada ocorrida na parte oriental da província do Maranhão entre os anos
1838 e 1841. Foi um movimento multiclassista, com a participação de livres
pobres, escravos, fazendeiros, juízes de paz, desertores da guarda nacional,
quilombolas e pequenos comerciantes, tornando difícil vincular as motivações
dos rebeldes a uma única categoria social.

50 Aula 2 - O Maranhão Imperial


O episódio considerado deflagrador da revolta ocorreu em 13 de dezembro
de 1838, na Vila da Manga, quando um grupo de vaqueiros liderados por
Raimundo Gomes invadiu a cadeia pública para libertar seus companheiros que
estavam presos. Após esse ato de insubordinação, foi emitido um manifesto
com reivindicações políticas semelhantes aos que estavam presentes nos
discursos políticos da oposição liberal, os bem-te-vis.

À essa época, o quadro político era de intranquilidade, um clima de agitação


provocado pela disputa política entre liberais(bem-te-vis) e conservadores
(cabanos). Desde 1836 o grupo liberal estava na oposição, e como era comum,
grupo situacionista perseguia os adversários. O acirramento dessa luta política
ocorreu com a Lei dos Prefeitos, de 1838, a qual criava o cargo de prefeito
e subprefeitos, com grande autoridade local, podendo fazer recrutamentos,
prender os considerados infratores, além de ter sob suas ordens a força policial.

Os liberais utilizavam principalmente do jornalismo para combater os


adversários cabanos, denunciando os abusos de poder, exigindo o cumprimento
da Constituição e a garantia das liberdades individuais e de imprensa. Do lado
liberal havia o jornal “Crônica Maranhense”, de João Lisboa, voltado para o
público formado pelos proprietários, negociantes e funcionários públicos, e o
jornal “O Bem-te-vi”, de Estevão Rafael de Carvalho, com uma linguagem satírica,
que conseguia envolver um público maior com suas críticas aos excessos
do governo. Foi do nome desse segundo jornal que saiu a alcunha para os
membros do partido liberal no Maranhão. Do lado do governo cabano, havia o
jornal “Investigador Maranhense”, de Francisco Sotero dos Reis.

A revolta explodiu e representou o afloramento das contradições fundamentais


que havia entre senhores e escravos, entre senhores e homens livres, estes últimos
excluídos e marginalizados pela existência do escravo (CABRAL, 1984). Os balaios
nunca conseguiram invadir a capital, mas a ameaça iminente foi suficiente para
causar o pânico em seus moradores. Esses conflitos envolvendo segmentos das
camadas sociais subalternas, incluindo os escravos, causaram grande temor nas
elites dominantes e serviram para uni-las em seu projeto de dominação política.

A Balaiada foi apresentada pelo discurso oficial de maneira negativa, numa


tentativa de esquecimento desse movimento e condenação histórica de seus
líderes populares. Como lembrou o historiador Matthias Assunção (1988),
não existe no Maranhão monumentos para os balaios, pelo contrário, a única
reverência existente é para o militar que sufocou o conflito, o Duque de Caxias,

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 51


homenageado com uma estátua em cima de uma colina, em frente ao quartel
do exército no bairro do João Paulo.

Figura 1 - Balaiada

Dom Cosme Bento


das Chagas, ou Negro
Cosme, era natural do
Ceará, e foi o grande
líder da insurreição
de escravos na
época da Balaiada,
comandando mais de
três mil escravos. Em
sua luta pela liberdade,
proclamou-se Tutor
e Imperador das
Liberdades, ocupou
fazendas e concedeu
cartas de alforria
para vários escravos.
No quilombo Lagoa
Amarelo, no Brejo,
estabeleceu uma escola
de ler e escrever. Foi Fonte: Balaiada: a Guerra do Maranhão. (ARAÚJO, 2009).
capturado em 1841,
julgado e condenado
à pena de morte por
enforcamento em 1842.
2.3 São Luís Imperial

São Luís é conhecida como a cidade dos azulejos, e isso se deve ao seu rico
acervo arquitetônico constituído de muitos casarões revestidos de azulejos.
Além da função estética, os azulejos ajudavam a amenizar o calor provocado
pela incidência do sol nas fachadas dessas residências.

Figura 2 - Azulejos dos casarões de São Luís

Fonte: http://www.eulafui.com.br

52 Aula 2 - O Maranhão Imperial


No século XIX, a prosperidade advinda da inserção do Maranhão no comércio
internacional pode ser observada no crescimento da cidade de São Luís, para
As moradias do
onde vieram se estabelecer muitos comerciantes e fazendeiros. Ricos casarões centro da cidade
eram classificadas
foram erguidos na cidade para a moradia dessa classe opulenta (rica), que em quatro tipos, que
exprimiam a situação
passava também a ter mais espaços de sociabilidade e atrativos culturais, econômica dos seus
moradores. A morada
a exemplo do Teatro União construído em 1817. Na época das temporadas em dois pavimentos,
pertencente a famílias
líricas, que geralmente coincidiam com a estação chuvosa, muitos fazendeiros de grandes recursos,
geralmente fazendeiros
do interior se transportavam com suas famílias para São Luís para desfrutarem e grandes comerciantes;
a morada inteira,
das apresentações teatrais e dos confortos que a cidade podia oferecer. também habitada por
gente abastada; a meia
morada, comumente
As casas de São Luís, em sua maioria feitas de barro e cobertas de palha, habitada por
funcionários públicos
começaram a ser substituídas por casarões feitos de pedra e cal, os mais ricos, de médios recursos,
revestidos de azulejos vindos diretamente de Portugal. As igrejas e prédios pequenos comerciantes;
e por último o pequeno
públicos também ganharam construções mais sólidas. Essa melhoria na prédio de uma porta e
uma janela, um tipo de
arquitetura urbana e no padrão de vida de muitas famílias em São Luís refletia habitação popular, onde
habitavam artesãos,
a opulência econômica vivida na Província naqueles tempos de prosperidade. operários das indústrias
(no final do século),
Era possível distinguir a situação social dos moradores pelo material da casa, pequenos vendedores.
que variava da pedra e cal à palha.

Figura 3 - Casarões do século XIX

Fonte: www.nordestevip.com

No início do século XIX, o crescimento de São Luís foi registrado por


contemporâneos, como o rico fazendeiro de algodão Raimundo José de
Sousa Gaioso (1813), morador da cidade. Em seu relato explicou que a cidade
dividia-se em duas freguesias, sendo a mais antiga a de Nossa Senhora da

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 53


Vitória, onde estava localizado o bairro da Praia Grande, concentrando o
maior número de habitantes. A segunda freguesia era a de Nossa Senhora
da Conceição, com uma população menor, mas com bastante terrenos para
serem feitas construções e onde localizava-se o quartel militar no chamado
Campo de Ourique.

São Luís era uma cidade onde a maioria da sua população era (e ainda é) negra
ou mestiça devido a forte presença de escravos africanos e seus descendentes,
com uma ordem fundada na exploração e na desigualdade social, sendo
fundamental para as elites dirigentes e dominantes o controle dessa população.
O medo de revoltas com a participação de grandes contingentes populares,
inclusive escravos, como as que se sucederam na Regência em todo o país,
contribuiu para uma maior coesão das elites em torno de seu projeto político
de dominação.

Na segunda metade do século XIX, o crescimento de São Luís era percebido pelo
Esse título de Atenas
Brasileira foi atribuído
aumento de sua população e ocupação dos terrenos urbanos para moradia.
a São Luís em razão Esse aumento populacional pode ser evidenciado pelo crescimento do número
da plêiade (conjunto
ilustre) de escritores, de residências em São Luís, que segundo o Almanaque Administrativo de 1858,
romancistas, poetas,
tradutores e jornalistas passou de 1.553 casas em 1808, para 2.764 casas em 1856.
que se destacaram
no cenário nacional.
Costuma-se dividir Em meados do século XIX, a cidade contava com uma Biblioteca Pública, o
esses intelectuais
em duas gerações: Gabinete Português de Leitura, várias livrarias, gráficas, o Teatro São Luís,
a primeira geração,
chamada de Grupo inúmeros jornais, bancos, companhias prestadoras de serviços urbanos,
Maranhense, composta
por Odorico Mendes, um Liceu para o ensino público secundário dos meninos, o Colégio Nossa
João Lisboa, Sotero dos
Reis, Gonçalves Dias, Senhora da Glória para o ensino particular das meninas, lojas de artigos de
Alexandre Teófilo de
Carvalho Leal, Antônio
luxo e serviços de costureiras e cabeleireiros para deixar as elites de São Luís
Henriques Leal, Luis em dia com a moda europeia.
Antônio Vieira da Silva,
Gomes de Sousa, Garcia
de Abranches. Na
segunda geração de
A prosperidade econômica da Província favoreceu o crescimento da cidade
intelectuais destacaram- e possibilitou que muitas famílias enviassem seus filhos para estudarem na
se Aluísio Azevedo,
Artur Azevedo, Celso Europa, o que contribuiu para a introdução de novos costumes urbanos, bem
Magalhães, Coelho Neto,
Dunshee de Abranches, como para a formação de um grupo de intelectuais que destacaram São Luís
Graça Aranha, Nina
Rodrigues, Raimundo e a província do Maranhão no cenário nacional, rendendo-lhe o título de
Correa, Ribeiro do
Amaral e Viriato Corrêa. “Atenas Brasileira”.

54 Aula 2 - O Maranhão Imperial


Hino Municipal: Louvação a São Luís A letra e a música da
canção “Louvação a
Letra e música: Bandeira Tribuzzi São Luís”, de autoria
do poeta José Tribuzi
Pinheiro Gomes, foi
Ó minha cidade instituída como hino
oficial da cidade de São
Deixa-me viver Luís pela Lei nº 2.303,
sancionada pelo prefeito
que eu quero aprender Ivar Saldanha, em 31 de
outubro de 1977.
tua poesia
sol e maresia
lendas e mistérios
luar das serestas
e o azul de teus dias

Quero ouvir à noite


tambores do Congo
gemendo e cantando
dores e saudades
A evocar martírios
lágrimas, açoites
que floriram claros
sóis da liberdade

Quero ler nas ruas


fontes, cantarias
torres e mirantes
igrejas, sobrados
nas lentas ladeiras
que sobem angústias
sonhos do futuro
glórias do passado

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Serviços Urbanos e Códigos de Conduta

O crescimento da cidade requeria dos poderes públicos um maior


disciplinamento do espaço urbano e dos seus habitantes, especialmente
os escravos e os livres pobres, a fim de que a mesma pudesse se constituir
num espaço de civilidade nos moldes europeus, oferecendo as condições
necessárias de higiene, comodidade e segurança para seus moradores,
especialmente as elites. Esse projeto de embelezamento, segurança,
salubridade e racionalização do espaço urbano estava contido nos códigos de
postura da capital (leis municipais).

A Lei Municipal de 1866, como o mais abrangente código de posturas da


capital, estabelecia regras para as atividades comerciais e conduta dos escravos
nos espaços públicos da cidade. Por essa lei, observa-se que os escravos eram
proibidos de trabalharem pelas ruas sem licença de seus donos, fazerem
ajuntamento de mais de quatro escravos nas portas das vendas e lugares de
jogos, ingerirem bebidas espirituosas (alcoólicas), praticassem seus batuques
e danças fora dos lugares permitidos, andassem indecentemente vestidas
pelas ruas da cidade.

A preocupação com a limpeza e a estética da cidade resultava em algumas


proibições, como estender roupas nas janelas, nas sacadas dos prédios
ou nas praças, jogar lixo em lugares públicos, tomar banho ou lavar
roupas e animais próximo às fontes que forneciam água para o consumo
da população. O cuidado com a higiene fazia com que fosse proibido
o tratamento de alimentos pelas ruas e praças da cidade, como salgar,
assoalhar ou bater couros, frituras de peixes ou preparo de qualquer
outro alimento nas portas das casas ou quitandas. Quanto ao comércio
de alimentos como peixes, carnes e verduras, a legislação determinava
que fosse feito em lugares apropriados, sendo proibida a venda fora dos
lugares designados pela câmara. As carnes verdes (frescas) só poderiam
ser vendidas nos talhos designados, sendo proibida sua comercialização
pelas ruas e praças da cidade; já as vísceras podiam ser vendidas pelas ruas
em tabuleiros.

56 Aula 2 - O Maranhão Imperial


Esse comércio ambulante de “fatos de boi”, feito principalmente
por mulheres pobres, livres ou escravas, foi retratado pelo escritor
Aluísio Azevedo em seu romance O Mulato, onde apresenta
uma cena que descreve “uma preta velha, vergada por imenso
tabuleiro de madeira, sujo, seboso, cheio de sangue e coberto
por uma nuvem de moscas, apregoava em tom muito arrastado e
melancólico: ‘fígado, rins e coração’! ” (AZEVEDO, s/d, p. 9 ).

Figura 4 – Preta Velha com tabuleiro

Fonte: Aerton Oliveira, 2013.

Com uma sociedade hierárquica e escravista, com ares de fidalguia por parte
de suas elites, a cidade crescia e melhorava seus serviços urbanos de maneira
seletiva, atendendo principalmente a uma minoria privilegiada.

A partir da década de 1850, a cidade começou a receber melhoramentos em


seus serviços ao público, a exemplo dos serviços de infraestrutura urbana
como abastecimento de água, iluminação e transportes. Esses serviços, que
ainda eram escassos em São Luís na época imperial, estavam concentrados
espacial e socialmente, atendendo a uma elite econômica que habitavam o
local que hoje corresponde ao seu centro histórico da cidade.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 57


O abastecimento de água

Até meados do século XIX, o abastecimento de água potável em São Luís era
feito ou pela própria população que retirava a água diretamente dos poços
No romance “Os
Tambores de São e nascentes, ou pelos aguadeiros que vendiam a água pela cidade em pipas
Luís”, o escritor Josué
Montello narra alguns que transportavam em carroças de burro. Uma fatia seletiva desse lucrativo
episódios desse
confronto entre Donana comércio de água era monopolizado por dona Ana Jansen, matriarca dessa
Jansen e o engenheiro
da Companhia do Rio família, que possuía um elevado patrimônio em terras, escravos e prédios
Anil. A velha matriarca
era acusada de mandar
que alugava na cidade. Os escravos de Dona Ana Jansen enchiam as pipas
jogar gatos mortos no
depósito de água do
no Apicum e Vinhais e transportavam para o centro da cidade, vendendo o
Campo de Ourique, de caneco de água por vinte réis. Em 1862, foi instalada a Companhia das Águas
mandar seus negros
surrarem os guardas da do Rio Anil, com uma concessão de 60 anos para a venda de água na capital. A
companhia, entupir e
soldar os canos da caixa- água canalizada do rio era levada por um cano de alvenaria para um depósito
d’água, retirar peças
da bomba hidráulica. construído no Campo d’Ourique, daí seguia em tubos de ferro para os seis
Sempre que aconteciam
esses ‘incidentes’ chafarizes localizados no Largo do Quartel, Praça da Alegria, Largo do Carmo,
que impediam o
abastecimento de água, Largo de Santo Antônio, Praça do Comércio e Praça do Mercado. A companhia
os negros de dona Ana
Jansen estavam apostos
de abastecimento de água recebeu forte oposição por parte dos interessados
com suas carroças de
água para vender à
naquele rentável mercado da água, e depois de instalada começou a sofrer
população. diversos atentados que contaminavam a água do reservatório e prejudicavam
a oferta dos seus serviços.

Sob a luz dos lampiões

Quanto à iluminação pública, a partir de 1860 alguns melhoramentos


podiam ser observados na qualidade do material utilizado, embora esse
O número de domicílios
em São Luís registrados serviço não atendesse à totalidade da população, continuando bastante
pelo Censo de 1872
foi de 4.814, o que seletivo. A iluminação pública em São Luís começou em 1825 quando foram
significava que menos
de 10% das residências instalados em diversas ruas da cidade lampiões à base de azeite. Em 1861 foi
eram beneficiadas
com esse serviço de criada a Companhia de Iluminação a Gás do Maranhão, com a concessão de
iluminação a gás de
hidrogênio. exclusividade dos serviços por 40 anos, sendo que a empresa se comprometia
em manter 500 combustores na cidade. No final da década de 60, a cidade
possuía 488 combustores distribuídos pelas suas ruas e também a canalização
desse tipo de iluminação para 09 edifícios públicos e 442 residências.

58 Aula 2 - O Maranhão Imperial


A iluminação a gás foi recebida com entusiasmo, principalmente pelos
moradores que foram beneficiados com esse serviço, uma minoria privilegiada
que habitava as áreas nobres da cidade.

O transporte urbano

O crescimento da cidade na segunda metade do século XIX também era


percebido pelas mudanças ocorridas no transporte urbano, tanto individual
quanto coletivo. Era costume em São Luís, onde a posse de escravos era
símbolo de status, que as senhoras da elite saíssem nas ruas transportadas
em redes ou liteiras (espécie de cadeira), carregadas por escravos, uma vez
que andar a pé era coisa para gente pobre.

O costume de ser transportado por escravos continuou, mas as redes foram


substituídas por palanquins, muito bem ornados, carregados por negros bem
Palanquim é uma
vestidos. Os palanquins eram mais elegantes e confortáveis, exigindo com isso espécie de cadeira
usada antigamente
que os escravos fossem vestidos à altura para carregarem aqueles camarins pelos chineses e
japoneses para
ambulantes de pura ostentação. Esse, porém, era um transporte particular, transporte. O passageiro
sentava-se ou recostava-
utilizado por uma minoria rica possuidora desses bens. se no palanquim, que
tinha forma retangular,
com aproximadamente
Figura 5 - Palanquim 2,5m de comprimento,
um metro de largura e
um metro de altura. O
palanquim tinha uma
porta lateral e toda a
estrutura apoiava-se em
duas hastes. Segurando
nessas hastes, quatro
pessoas carregavam o
palanquim (www.dicio.
com.br Acesso em: 27
fev. 2013).

Fonte: Rômulo Santos, 2013.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 59


O transporte coletivo de passageiros, até então feito para pequenos grupos
em carruagens ou em carroças, dependendo da condição socioeconômica do
passageiro, passou a ser feito também em bondes. Em 1871, o governo local
firmou um contrato com o norte-americano José Maria Bernes para criar uma
linha de trilhos de ferro puxados por animal ou vapor, devendo partir do centro
da cidade pelo Caminho Grande até à distância de duas léguas. A Companhia
de Ferro-Carris de São Luís do Maranhão inaugurou o serviço de bondes
movidos a tração animal em 1872, sendo praticamente contemporânea das
demais companhias de bondes que se instalaram na capital do império.

2.4 Sociedade Maranhense

A sociedade escravista maranhense do século XIX era bastante hierarquizada.


As elites, especialmente a litorânea, com seus foros de aristocracia, mantinha-
se o mais afastada possível da população pobre e de cor, como era a expressão
da época para denominar os não brancos.

A população total da província, segundo um levantamento de 1821, era de


152.893 habitantes, dos quais a metade era constituída de escravos. Os negros,
índios e mestiços representavam 84% dessa população, não estando nesse
cálculo os índios considerados “selvagens”. A cidade de São Luís tinha uma
população estimada em cerca de 30 mil habitantes.

A sociedade estava dividida conforme critérios étnicos e socioeconômicos.


Raimundo Gaioso, um rico fazendeiro e morador local do início do século XIX,
explicou que a sociedade maranhense estava hierarquicamente dividida em
cinco classes sociais. A primeira classe, e mais poderosa, era composta dos
filhos do reino, aos quais cabiam os principais empregos da administração
pública e também o comércio; na segunda classe ficavam os filhos da terra ou
“nacionais”, como eram chamados os descendentes de europeus nascidos na
colônia, cuja atividade era mais ligada à lavoura, passando a maior parte do
ano em suas fazendas no interior. A terceira classe era formada pelos mestiços,
resultado da mistura entre europeus, negros e índios. Os negros eram os
escravos e compunham a quarta classe, sendo utilizados na lavoura ou nos
serviços domésticos; os índios, formando a última classe da sociedade, eram
vistos pelas elites como preguiçosos e indolentes.

60 Aula 2 - O Maranhão Imperial


Como se observa nessa descrição feita pelo fazendeiro Raimundo Gaioso, de
um lado estava uma elite branca e rica, a única cujos membros podiam ser
tratados com distinção e respeito; e de outro, a grande maioria dos estratos
sociais, formada por uma população pobre de negros, índios e mestiços,
considerada a escória da sociedade, mas sobre a qual recaía o peso do trabalho
que erigia a fortuna e o bem-estar da elite.

Os dados demográficos da cidade de São Luís são bastante


imprecisos para a primeira metade do século XIX. Na estimativa
de Gaioso, de 1813, a cidade contava com 30 mil habitantes.
O jornalista José Cândido de Morais e Silva, na edição do Farol
Maranhense de 23.05.1828, comentou que a cidade talvez já
contasse com 20.000 habitantes. Os viajantes que passaram
por São Luís na primeira metade do século XIX, apresentaram
estimativas diferentes para a população: em 1811, Henry Koster
estimou em 12.000 h; em 1819, Spix e Martius estimaram em
30.000 h, e em 1841 George Gardner estimou em 26.000 h.

Quadro I - População do Maranhão – 1821/1887


Nº Livres Escravos Total
1821 68.359 – (44,7%) 84.534 – (55,3%) 152.892 – (100%)
1841 105.147 – (48,4%) 111.905 – (51,6%) 217.054 - (100%)
1872 284.101 – (69,2%) 74.939 – (20,8%) 359.048 - (100%)
1887 33.446
Fonte: (FARIA. In. COELHO, 2005, p. 246)

Na segunda metade do século XIX, a elite dominante em São Luís, formada


pela minoria branca composta das famílias dos grandes comerciantes e
fazendeiros aqui estabelecidos, vivendo as mais ricas delas em luxuosos
palacetes, possuía seus espaços próprios, sejam públicos ou privados, para a
convivência entre seus pares, sendo poucas as ocasiões em que compartilhava
o mesmo espaço com o povo, a exemplo do que acontecia nas festas religiosas.

As reuniões nos clubes e residências, os espetáculos teatrais, eram excelentes


ocasiões para a “boa sociedade” exibir seus foros aristocráticos, conseguir
bons pretendentes para seus filhos, estreitar relações que pudessem ser úteis.
Para as mulheres era uma oportunidade de saírem da reclusão a que estavam

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 61


submetidas e frequentarem outros espaços que não fossem sua casa ou a igreja.
Podiam usar seus melhores trajes e exercitar as regras de etiquetas aprendidas
para receberem elogios e o título de belas e elegantes. Como enfatizou o
escritor Dunshee de Abranches, também morador da cidade do final do
século XIX, a sociedade maranhense possuía nessa época uma verdadeira
aristocracia nos costumes. O escritor destacou os “dotes aristocráticos” das
damas e a elegância do porte e fino trato social dos homens da elite.

Essa minoria branca que se apresentava soberba e altiva em seus ricos


A- Z
A-Z
palacetes, voltava seu olhar para os padrões culturais europeus, procurando
O termo ludovicense
é proveniente do afrancesar-se em seus costumes, a exemplo da moda que era seguida pelas
latim Ludovicus, o
que equivale a Luís, elites, com roupas inadequadas ao clima equatorial de São Luís. A educação
em português. Sendo
assim, quem nasce na que muitos filhos da elite recebiam na Europa contribuía para que esses jovens
cidade de São Luís
pode ser chamado retornassem ao Maranhão influenciados pelo estilo europeu, ajudando a
de são-luisense ou
ludovicense, como é introduzir novos costumes e modas para o refinamento e melhor trato social
mais usual.
da elite ludovicense.

A chamada “boa sociedade” maranhense era formada pelos ricos comerciantes


e a aristocracia rural, funcionando a lógica do casamento entre iguais. Mesmo
com as constantes crises econômicas, a ostentação de riqueza para os que
podiam manter as aparências, era um recurso a ser empregado, lembrando
que o nome de família naquela sociedade patriarcal representava no mínimo
um “capital cultural” que poderia render bons lucros em bons casamentos.

Figura 6 - Ana Jansen A mulher na sociedade maranhense do século XIX


– o caso de Ana Jansen

Ana Jansen é o nome mais conhecido no Maranhão e


certamente foi um dos mais comentados na sociedade
maranhense do século XIX, seja entre as famílias de elite ou
nas camadas populares. Sua fama crescia paripassu com sua
ascensão social e fortuna, associado a um comportamento
nada convencional para uma mulher de sua classe social. Tal
notoriedade e poder fizeram com que fosse cognominada de
Fonte: www.infoescola.com “rainha do Maranhão”. Seu nome de batismo era Ana Joaquina
de Castro Jansen Albuquerque, nasceu em São Luís, na freguesia
de Nossa Senhora da Vitória, em 1787, oriunda de uma família
de ascendência nobre, porém, em completa penúria.
É difícil precisar até que ponto esse capital simbólico de
possuir uma estirpe nobre foi utilizado para obter ascensão

62 Aula 2 - O Maranhão Imperial


social por meio de um casamento vantajoso, o certo é que,
sem fortuna, sem dote, e sendo mãe solteira, Ana Jansen
conseguiu atrair, com seus “encantos”, o homem mais rico do
Maranhão nessa época. Este casamento a elevou à posição
de senhora, fazendo com que a conservadora sociedade
maranhense tivesse que aceitar sua presença no meio social,
apesar das suspeitas sobre sua “honra”.
Antes de Ana Jansen se envolver com o coronel Isidoro
Rodrigues Pereira já era mãe solteira, fato possivelmente
conhecido dos mais íntimos, mesmo que tenha tratado
de esconder o fruto de sua “fragilidade”, como costumava
justificar os repetidos estados de gravidez resultantes de seus
relacionamentos ilícitos. Embora pudesse ser alvo de fofocas,
manteve um relacionamento amoroso com um homem
casado, resultando numa prole numerosa que só pode ser
reconhecida legalmente após a morte da primeira esposa do
coronel Isidoro e do seu consórcio com ele.
A vida de Ana Jansen se destacou pela audácia, com a atuação
no espaço público e um comportamento privado que não
condizia com as regras da moralidade vigente, mesmo que
procurasse o esconder. Por isso, ao mesmo tempo em que sua
história de vida representa um desafio à sociedade maranhense
da época, com seus valores e preconceitos contra as mulheres
de “carne e osso”, com seus desejos e necessidades, idealizando
um tipo de mulher que procurava obter através da submissão
e da reclusão doméstica, demonstra também o alto preço que
uma mulher devia pagar por tentar ocupar um espaço de poder
dominantemente masculino – o espaço público. A imagem
enigmática e negativa que ficou dessa senhora maranhense
está relacionada ao seu comportamento nada convencional,
sendo temida e criticada, até mesmo por muitos daqueles
que precisavam da sua “benção” para obter algum prestígio,
dinheiro ou posição (Extraído com algumas modificações de
ABRANTES; SANTOS. In. COSTA; GALVES, 2011, p. 53-57).

2.5 Economia Agroexportadora

A economia maranhense do século XIX é mais conhecida geralmente pela


agricultura de exportação baseada na mão de obra escrava africana. Apesar da
atividade agrícola, especialmente a algodoeira, ser o carro-chefe da economia,
esta dividia espaços com a pecuária e a pequena produção para atender o
mercado interno.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 63


A pecuária, especialmente a desenvolvida no sertão, moldou toda a organização
social da região sul da província, como veremos mais a frente ao tratarmos do
sertão maranhense. Já as atividades produtivas desenvolvidas por pequenos
lavradores, os chamados roceiros, especialmente com a produção de farinha
de mandioca, foi importante para abastecer o mercado interno.

O sistema agroexportador maranhense montado com a Companhia de Comércio


do Grão-Pará e Maranhão foi resultado dos investimentos do capital mercantil,
unido aos grandes proprietários rurais, com apoio do estado metropolitano, e
depois estado nacional. Desde o início, sua base era constituída pela grande
produção agrícola, escravista, voltada para o mercado internacional. A
produção algodoeira (cotonicultura) e de arroz (rizicultura) proporcionavam
o fornecimento de matérias-primas e alimentos, o que a princípio atendia a
demanda da indústria têxtil inglesa e a carência de cereais em Portugal. Uma
característica da dinâmica desse sistema era sua expansão e crise, as quais
decorriam de múltiplos fatores, internos e externos, a exemplo da demanda
internacional, disponibilidade de mão de obra e de terras, entre outros.

Inicialmente, a atenção foi dirigida à produção de


algodão e arroz. A crescente demanda provocada pelos
avanços técnicos da indústria têxtil, ponta de lança
da Revolução industrial, impulsionava a expansão da
cotonicultura nas Américas. Por outro lado, as lutas
pela independência das colônias inglesas na América
do Norte favoreceram a colocação do algodão do
Brasil nos mercados ingleses por um longo tempo.
Quanto ao arroz, foi cultivado o de grão longo e
pontiagudo, com sementes trazidas da Carolina do
Norte, por ter mercado garantido, diante da crise
da produção de trigo m Portugal e com o próprio
aumento da população europeia. Beneficiava-se,
também, da inexistência de pactos coloniais que
restringissem seu abastecimento para a Europa.
[...]
Analisando o desempenho das exportações de
algodão, percebem-se as frequentes alterações, fruto
das mudanças conjunturais, com uma tendência para
um lento e progressivo declínio, a partir da terceira
década do XIX, em relação ao início do século. A breve
alta temporária da produção dos Estados Unidos, por
causa da guerra civil abolicionista. As exportações de
algodão do Maranhão saíram, então, das 28.299 sacas

64 Aula 2 - O Maranhão Imperial


vendidas em 1862 e alcançaram 72.793 sacas em
1872, ano do ápice desse rápido período de euforia.
[...]
Buscando alternativas para a crise do sistema
agroexportador do Maranhão, em meados do
Oitocentos, muitos fazendeiros de algodão
transferiram capitais e mão de obra escrava para a
agroindústria açucareira, enquanto os comerciantes
diversificaram a aplicação de seus lucros. A passagem
da província de importadora a exportadora de açúcar
pode ser atribuída à conjuntura favorável, devido à
desorganização temporária da produção açucareira
das Antilhas Inglesas, que haviam abolido a escravidão.
Assim, as exportações brasileiras passaram de 479.951
toneladas, no decênio de 1821/30, para 1.004.043
toneladas, no de 1841/50 [...] (FARIA. In. COELHO et al.,
2005, p. 232-235).

Figura 7 – Plantio de algodão

Fonte: www.portaldoagronegocio.com.br

Em 1860 foram
Para os fazendeiros, a crise da lavoura estava diretamente associada à crise registrados 410
engenhos. Destes
do escravismo e consideravam que o fim da escravidão significaria a ruína engenhos, 284 eram
movidos à vapor ou
de todos eles. Era do negro que vinha a energia consumida para construir à força hidráulica e
a riqueza da Província, dos seus braços e mãos dependiam quase todas as 136 eram de tração
animal. Nesse ano
atividades produtivas. A crise da falta de braços, primeiro esboçada com a lei de 1860 produziram
100.000 sacos de açúcar
de 1831 que considerava livres os escravos desembarcados no Brasil, depois (VIVEIROS, 1992, p. 206)

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 65


com a lei de 1850 que extinguiu definitivamente o comércio internacional de
escravos, fonte de suprimento dessa mão de obra para lavoura, foi mais um
fator que contribuiu para a desagregação da economia maranhense.

O Comércio

O comércio em São Luís, desde a abertura dos portos no início do século XIX,
estava nas mãos de portugueses, ingleses e franceses. O bairro comercial
Até o final do século
XVIII, essa praça da cidade ficava situado na Praia Grande, local onde localizava-se o porto.
comercial era carente
de melhoramentos, Era a parte mais antiga e mais agitada da cidade, devido ao movimento do
os quais começaram a
ser feitos no início do comércio.
século seguinte. Em
1805 foi construída
uma praça pública Figura 8 - Mercado da Praia Grande
com barracas para
venda dos produtos.
Essa feira era chamada
de celeiro público,
barracão, curro ou tulha
(VIVEIROS, 1992). É o
atual mercado da Praia
Grande.

Fonte: www.capitalbrasileiradacultura.org

O comércio exportador estava nas mãos de portugueses e ingleses. Estes


últimos monopolizavam principalmente o comércio de algodão. Muitos
ingleses se estabeleceram em São Luís onde fundaram suas casas comerciais,
sem, contudo, estreitarem relações com o meio social local, procurando não se
casarem com as filhas da terra e vivendo mais afastados do centro da cidade,
fazendo suas residências de preferência fora do centro, no Caminho Grande,

66 Aula 2 - O Maranhão Imperial


tendo igreja e cemitérios próprios. Os ingleses ficavam com a exportação de
algodão e a importação de tecidos, louças e ferragens; os portugueses com a
exportação de arroz e couros; e os franceses principalmente com o comércio
de joias, além da oferta de serviços como chapeleiros, costureiras etc.

Na segunda metade do século XIX, o comércio acompanhava os altos e


baixos da economia maranhense pautada na agricultura, e os compassos
e descompassos provocados pelas oscilações do mercado internacional.
Apesar da crise e do retraimento sentido pelo comércio, a Praia Grande era
o centro nevrálgico da cidade, sendo essa a área mais agitada durante o
dia, principalmente naquelas horas em que o calor escaldante do clima de
São Luís fazia certos pontos da cidade até pararem. Mas, o bairro comercial,
contrastando com o marasmo do restante da cidade, atordoada pelo calor
escaldante, tinha um movimento sempre intenso.

2.6 Os Escravos e Livres Pobres

A província do Maranhão tinha no escravo a sua base de sustentação


econômica e social, sendo ao mesmo tempo a força de trabalho principal e
a propriedade que garantia status. A partir da instalação da Companhia de
Comércio do Grão-Pará e Maranhão, cresceu a população de escravos africanos
em decorrência do aumento do tráfico dessa mão de obra praticado por essa
companhia. Esses escravos vinham, principalmente, da Guiné e de Angola.

Entre os anos de 1756 e 1789, a Companhia abasteceu os


mercados de São Luís e de Belém, com mais ou menos 20.339
escravos transportados de diferentes portos. Desses 20.339
escravos, 8.937 eram homens (43.9%), 5.332 eram mulheres
(26.2%), 2.213 eram rapazes (10.8%), 1.754 eram mulheres
jovens (8.6%), 40 crianças de ambos os sexos (0.19%), 2.063
sem indicação do porto (10.1%) [...].
Desde então, e ao longo do século XIX, o mundo do trabalho,
na área Norte da Província do Maranhão, formada pelas ribeiras
dos rios Itapecuru e Mearim, o Litoral e a baixada ocidental,
ficou definido basicamente em torno de duas atividades
básicas: a grande lavoura de exportação escravista (algodão
e arroz) e o comércio importador e exportador; permeado,
porém pelo tráfico de escravos, pela economia informal e
por outras atividades, como: ofícios, serviços domésticos,

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 67


comércio ambulante, as quais, também, envolviam um
relativo contingente de trabalhadores escravos.
A escravidão foi o fator basilar das relações sociais quanto ao
prestígio e à exclusão social de pessoas no cotidiano da vida social,
assim como, também, dos conflitos que se processaram entre os
escravos e os senhores de escravos. Desse modo, a condição jurídica
das pessoas e a concentração de renda em poucas mãos teciam uma
hierarquia social e econômica entre as mesmas. Essa diferenciação
social tornava-se visível por meio da diversificada experiência de
viver dos sujeitos sociais: moradia, trabalho, vestuário e diversão [...].
(PEREIRA. In: COELHO et al, 2005, p. 181-182) .

Os escravos resistiram ao cativeiro das mais diversas formas, estando sempre


atentos às circunstâncias que poderiam lhes favorecer. No campo, os
chamados escravos do eito se aproveitavam das situações de crise material e
Eito era a palavra até mesmo do pequeno poder de polícia e segurança oferecidos pelo estado
usada para designar,
de uma maneira geral, para aumentarem sua mobilização, realizarem fugas e formarem quilombos.
o espaço no qual os
escravos africanos eram
obrigados a trabalhar na Na cidade, por estarem longe dos olhos dos seus donos e feitores, e circularem
zona rural. Assim, negro
do eito eram chamados
mais livremente no espaço urbano, realizavam outros tipos de transgressões
aqueles escravos como forma de boicotarem a exploração econômica a que eram submetidos, a
que trabalhavam nas
grandes plantações. exemplo de pequenos furtos, embriaguez, danças e jogos, burlando as posturas
www.dicionarioinformal.
com.br municipais que proibiam tais práticas. Havia também suicídios, abortos das
mulheres escravas e insurreições como formas de luta e resistência escrava.

Os escravos urbanos atuavam em diversas atividades: nos serviços domésticos,


nos portos como estivadores, nas ruas, como negros de ganho etc. Sua
presença na sociedade era vista como um “mal necessário”, pois dos seus
braços dependiam as riquezas produzidas naquela sociedade. No entanto, sua
condição servil contrariava o modelo liberal, enquanto sua cor negava o ideal
de civilização pretendido pela elite branca.

Figura 9 - Escravo urbano

Fonte: guinebissau.adbissau.org

68 Aula 2 - O Maranhão Imperial


Os pobres livres, em sua maioria, constituídos por negros e mestiços, eram
também vítimas dos preconceitos sociais. O mulato livre, tipo mestiço que
Ver romance O Mulato,
mais crescia naquela sociedade devido principalmente ao relacionamento de Aluisio Azevedo

entre senhores e escravas, eram intolerantemente rejeitados pela elite branca


que temia a degeneração da sua raça considerada superior, pois sendo mais
Mesmo se alguns
claro que o negro e menos claro que o branco, era a interseção das duas raças mulatos livres, de pele
mais ou menos clara,
e seu crescimento demográfico forçava a inserção em alguns espaços que ocupavam uma posição
eram negados aos não brancos naquela sociedade. social comparável à dos
brancos, eles não eram
mais imunes do que
os pretos e mestiços
Os melhoramentos urbanos que proporcionavam o conforto das elites pobres ao desprezo da
empurravam essa população pobre e mestiça para os cortiços e para a população branca... a
cor da pele, a textura
periferia da cidade, convivendo com a sujeira e as doenças, sobrevivendo de dos cabelos e os traços
do rosto indicavam a
pequenos ofícios e ocupações mais braçais, consideradas inferiores, pois eram priori em que categoria
social um indivíduo
associadas a trabalhos de escravos. podia esperar ser
classificado. Os outros
dados: riqueza, o status
A sociedade escravocrata de São Luís costumava ser extremamente violenta social aparente (roupa,
comportamento e
com seus escravos, fazendo parte dos costumes de muitas famílias a utilização círculo social imediato) e
a cultura combinavam-
da tortura física. Nas ruas era proibido o uso de instrumentos para maltratar se com os dados físicos
(MÉRIAN, 1988).
os escravos, a exemplo de colares de ferro (gargalheiras), algemas, cadeados
e outros instrumentos de tortura, mas nas casas, espaço privado, o poder
público pouco podia fazer, afinal, o escravo era uma propriedade, portanto
Gargalheira ou Gonilha
com todos os direitos do dono garantidos constitucionalmente. - corrente de ferro presa
ao pescoço.

Figura 10 - Escravo com instrumento de tortura

Fonte: https://sites.google.com/site/
tabuemportugal/tabu-no-passado/idade-media

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 69


2.7 As Fábricas Têxteis

No final do século XIX, as fábricas têxteis implantadas no Maranhão foram vistas


como um surto de progresso. Primeiro na cidade de Caxias, em 1886, com a
Companhia Industrial Caxiense. A segunda fábrica de tecidos no Maranhão
foi a Companhia de Fiação e Tecidos Maranhenses, inaugurada em 1890 na
Camboa, na cidade de São Luís, que a partir de então passou a concentrar o
maior número delas.

As fábricas resultaram do investimento de capitais de comerciantes,


fazendeiros e, em menor escala, de pessoas de outras atividades, e contaram
com o apoio governamental. O parque fabril se iniciou quando o regime
escravista encontrava-se em desintegração, mas isso não significa que fosse
resultado da extinção da escravidão. Segundo Caldeira (1988), a criação do
parque fabril maranhense no final do século XIX estava ligado às condições
que favoreciam a expansão da atividade industrial no Brasil, ao mesmo tempo
em que constituía alternativa para a grande lavoura a recuperar-se, usando a
matéria-prima (algodão) produzida pela lavoura.

As fábricas foram vistas como um sopro de esperança na economia,


especialmente para os comerciantes que precisavam diversificar seus negócios
após a proibição do tráfico de escravos e diante das crises da agricultura
exportável. Para os contemporâneos, significavam símbolos de modernidade,
de uma “nova era de prosperidade”, talvez a razão de tanto investimento e do
clima de euforia que tomava conta do público nas inaugurações das fábricas.
Em 1895, o Maranhão contava com 13 fábricas têxteis, 1 Engenho Central, 4
fábricas de outros ramos: chumbo de munição e pregos, calçados, roupas e
produtos cerâmicos, fósforos.

Nas fábricas têxteis, era grande o uso da mão de obra feminina e infantil,
especialmente pela baixa remuneração e controle que os patrões poderiam
exercer sobre essa força de trabalho. As operárias eram mal remuneradas,
tinham uma jornada de trabalho exaustiva e ainda tinham que suportar o
preconceito em relação a sua honra, haja vista sua maior exposição pública, o
que feria os valores morais burgueses vigentes em relação ao sexo feminino.

70 Aula 2 - O Maranhão Imperial


Atividade de Aprendizagem

Faça um levantamento das fábricas têxteis que foram erguidas em São Luís no
final do século XIX, destacando características como localização, número de
operários, tipo de produção e encerramento de suas atividades.

2.8 Sertão – aspectos socioeconômicos

Ao longo do século XIX, a região que compreende o chamado alto sertão


maranhense foi sendo cada vez mais ocupada pelas fazendas de gado, num
processo que gerou conflitos com as tribos indígenas. Foram sendo formados
os povoados, que passaram a condição de vilas e depois cidades, a exemplo
dos atuais municípios de Carolina, Riachão, Pastos Bons, Grajaú, Balsas,
Passagem Franca, Barra do Corda.

A chamada civilização do couro desenvolveu-se impulsionada pela atividade


pastoril. A historiadora Socorro Cabral (1992), originária da região sul do
Maranhão, explica que em 1836 havia um total de 300 fazendas no sertão
de Pastos Bons, e em 1861 eram cerca de 131.200 cabeças de gado, o que
correspondia a 44,5% do gado de toda a província do Maranhão.

A pecuária determinou não só o povoamento e a economia da região, como


também a organização social. A fazenda de gado era a unidade fundamental
do povoamento, e dela dependiam os pequenos núcleos urbanos que com o
tempo foram se formando. As fazendas eram grandes propriedades agrícolas,
constituindo uma tendência ao latifúndio. A fazenda de gado geralmente
dispunha de rústicas instalações, a exemplo dos currais para o gado, a casa
coberta de palha para a residência do vaqueiro, e a casa do fazendeiro (criador
de gado). A mão de obra empregada era a de homens livres, os vaqueiros, e
também alguns auxiliares denominados de fábricas, sendo que estes últimos
podiam ser escravos.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 71


O trabalho do vaqueiro era pago em espécie, recebendo um
quarto da produção de cinco em cinco anos. Atualmente essa
forma de pagamento ainda persiste na maioria das fazendas
da região, mudando-se apenas o prazo que hoje é anual. Suas
tarefas eram árduas e numerosas, consistindo em acompanhar
o rebanho nos pastos, amansar os bezerros, cuidar
individualmente das vacas paridas, matar animais nocivos e
cuidar das doenças que acometiam a gadaria. Tinha ainda que
queimar, parte por parte, os campos, em tempo próprio, a fim
de que pudessem brotar viçosos e ricos os pastos secos, como
ainda hoje acontece. Tais obrigações eram tão exaustivas que,
como observou o Major de Paula, nada motivaria o vaqueiro
a realizá-las, se não contasse com forma de pagamento tão
atraente, permitindo sua ascensão à categoria de fazendeiro.
Alguns relatos sugerem que havia um certo abrandamento no
relacionamento entre vaqueiro e fazendeiro, apesar da grande
distinção social predominante entre as duas categorias. Observou
um viajante que, na zona do Tocantins, por ele percorrida, no
início do século XIX, as relações entre criador e empregado eram
mais cordiais que as presentes nos cafezais de São Paulo, entre
patrões e colonos e que as desavenças entre eles eram bastante
raras. Acrescentou ainda que as diferenças, quanto à aparência
física, entre as referidas categorias, em determinadas ocasiões,
eram quase imperceptíveis (CABRAL, 1992, p. 152).

Sobre a característica da economia, desenvolveu-se com base na pecuária ex-


tensiva, com vinculação comercial com as regiões açucareiras, especialmente
as feiras da Bahia, fornecendo a carne para consumo nesses centros, especial-
mente a carne seca, mais fácil para comercializar devido seu tempo de con-
servação. As dificuldades de transporte impediam um vínculo maior entre o
litoral e o sertão, tornando as relações comerciais entre as duas regiões bem
frágeis. A principal rota que possibilitava o escoamento da produção pecua-
rista para o litoral e a troca comercial era a de Caxias, o que fazia dessa vila um
importante empório comercial. Essa situação começou a mudar com as novas
rotas do Mearim e do Grajaú, importantes vias fluviais, que ampliaram os vín-
culos da região com a capital São Luís.

Quanto a vida social, costumes e desenvolvimento cultural, o embrião dessa


sociedade sertaneja era a família patriarcal, constituída pelo fazendeiro e
seus descendentes. O fazendeiro, chefe da família, exercia seu domínio sobre
o território e seus trabalhadores, fazendo com que cada núcleo familiar se
conduzisse por regras próprias, assim como, dada a falta de policiamento,
resolvessem suas desavenças pelo uso da força.

72 Aula 2 - O Maranhão Imperial


O modo de vida, espelhado nas formas de moradia, vestuário,
alimentação e em outros hábitos, era extremamente rústico e
frugal. Certos traços indicam a íntima ligação que havia entre
a vida social e a exploração da atividade econômica básica,
como por exemplo, o tipo de habitação, tosco rancho de
palha, de feição provisória e os parcos utensílios domésticos
utilizados, que são indícios do nomadismo do povoamento.
Da mesma forma, o emprego generalizado do couro na
fabricação da maior parte dos objetos domésticos e de
manejo do gado e o uso da carne-seca como alimento básico
evidenciavam a extrema especialização pastoril.
O desenvolvimento cultural era ínfimo. Até a década de 1820, em
todo o distrito de Pastos Bons, não havia uma única escola, nem
mesmo de alfabetização. As primeiras escolas públicas surgiram
nos meados do século XIX. Nenhuma arte era praticada pelos
habitantes, cuja preocupação maior girava em torno do gado.
[...]
As festas populares, vaquejadas e os encontros religiosos,
as desobrigas, também foram elos de ligação entre as
propriedades ganadeiras.
Nas vaquejadas, grande número de vaqueiros se reunia,
expressando seus sentimentos e manifestações culturais, em
convívio social simples e descontraído.
As desobrigas eram reuniões, em geral, anuais, feitas pelo
vigário, ou padre, em vários pontos ou fazendas, tendo por fim a
realização dos ofícios religiosos: missas, confissões, casamentos,
batizados. Após os atos religiosos, vinha a dança, elemento
importante para a vida social nesses sertões. As desobrigas,
pois, representavam encontros de fé, e, ao mesmo tempo, de
inter-relacionamento humano (CABRAL, 1992, p. 179-181).

Figura 9 - Vaqueiro

Fonte: www.consciencia.org

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 73


Socorro Cabral lembra também um aspecto muito importante em relação aos
hábitos e padrões de comportamento dos sertanejos, presentes no início da
colonização da região, e alguns se mantendo até os dias atuais. É o exemplo
da hospitalidade e simplicidade, fazendo com que o hóspede fosse tratado
com grande acolhimento, sendo dispensado a ele um tratamento especial. O
respeito pela palavra também era outra marca dos sertanejos, com respeito
aos acordos feitos pela palavra, incluindo até mesmo contratos comerciais
que se fiavam somente nos acordos de boca. O apego à terra, o amor aos
campos e a vegetação, à vida na fazenda. Era comum aos que partiam, deixar
registrados nos troncos de árvores, seus nomes, desenhos e inscrições de
saudade da terra. Vejamos o lamento da escritora Carlota Carvalho, quando
deixou o sul do Maranhão em 1919.

Senti perder a esperança de tornar a ver os campos em que


assentam serras altaneiras e deslizam rios e interroguei a mim
mesmo: O que há no mundo tão bom e belo como território
entre o Parnaíba e o Araguaia? Que terra possui tantas
nascentes de cristalinas e perenes águas, tantas espécies
de frutas naturais saborosas e nutritivas, frondosas árvores,
palmeiras imensas, aves canoras, clima suave como os ‘pastos
bons’ de outrora? (CARVALHO, 2006, p. 336).

2.9 Aspectos Culturais

A sociedade maranhense litorânea, mais afeita (habituada) aos gostos


europeus, cuja inspiração maior era Paris, a Cidade Luz, procurava assemelhar-
se aos padrões europeus na moda, divertimentos, no gosto musical, nos bailes,
na arquitetura das residências, no mobiliário, nas louças, por fim, na etiqueta
social.

O teatro União, inaugurado em 1817, servia para essa sociedade exibir sua
elegância e seu conhecimento artístico. Em 1852 teve seu nome mudado
para teatro São Luís, recebendo várias companhias francesas, italianas e
portuguesas, além de contar com os espetáculos da Sociedade Dramática
Maranhense, criada em 1841. As elites de São Luís estavam interessadas nos
espetáculos das companhias estrangeiras, em ocasiões de exibir sua educação
artística ou pelo menos representar uma aparência de intelectualidade,

74 Aula 2 - O Maranhão Imperial


e o teatro era o melhor lugar para dar visibilidade a essa ostentação de
conhecimentos.

Em 1855, referindo-se à ansiedade vivida em São Luís com o


anúncio da contratação da Companhia do Ramonda para dar
espetáculos no Teatro São Luís durante 8 meses, o jornal Diário
do Maranhão comentou que “no Maranhão, há fome canina
de teatro”. Atualmente esse teatro denomina-se Teatro Arthur
Azevedo, em homenagem ao maior teatrólogo maranhense.

Figura 10 - Teatro Arthur Azevedo

Fonte: www.canalmaranhao.net

Nas artes plásticas desse período sobressaem-se os artistas estrangeiros, como


foi o caso da pintura. Havia nos colégios públicos e particulares, especialmente
na segunda metade do século, as aulas de desenho e pintura, o que favoreceu
o crescimento do número de pintores especializados especialmente em
retratos e cenas religiosas retratadas nos forros das igrejas. Mas a inexistência
de galerias para exposições, museus de pintura ou exposições periódicas,
impediu uma maior disseminação dessa arte (LACROIX, 2012).

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 75


No aspecto musical, havia todo um interesse das famílias da elite em
disponibilizar uma educação musical para seus filhos e filhas. O piano era um
símbolo de status, tanto para mostrar o poder aquisitivo da família, como para
exibir os dotes artísticos das filhas, especialmente. Havia também os músicos
profissionais, que compunham e ensinavam em suas residências. Era cada vez
mais comum os divertimentos da elite em bailes, com as danças nos salões,
seguindo os manuais de etiqueta da época.

O destaque maior desse período vai para as letras e o jornalismo, com os


intelectuais que deram a fama de Atenas Brasileira para São Luís, e cujo título
passou a ser utilizado como marca identitária da cultura maranhense e como
diferencial desta terra, como sendo terra de poetas e prosadores, de gente
culta e que falava melhor o português. Na prática, esse era um privilégio de
uma pequena elite letrada, que aparecia como uma “ilha” em um “mar” de
analfabetos.

No final do século XIX, o sertão também passou por mudanças que propiciaram
uma cultura elitista, com colégios, jornais e revistas, grêmios literários. Alguns
colégios possuíam bandas musicais que estimulavam o cultivo da arte musical.
Esse desenvolvimento educacional fez surgir um grupo de intelectuais que se
destacaram nas letras e no jornalismo.

A educação escolar passou por muitas mudanças ao longo do século XIX.


Com a independência política do Brasil e suas novas bases legais foi possível
a popularização do ensino elementar entre os livres, cujo ensino seria gratuito,
enquanto os níveis secundário e superior permaneciam elitizados, acessíveis
apenas a uma pequena parcela da população.

Havia um cuidado das autoridades com a educação masculina, considerada


essencial na formação de cidadãos honestos, cumpridores dos seus
deveres e na habilitação para o exercício da profissão que escolhessem.
Para a educação escolar feminina não havia essa mesma prioridade, sendo
oferecida na medida do possível, nas vilas e lugares mais populosos onde
o governo considerava viáveis essas aulas. Afinal, consideravam que a
instrução não era algo indispensável para o papel que se esperava das
mulheres naquela sociedade, cuja formação do caráter e conhecimentos
necessários para desempenhar suas tarefas podiam ser obtidos na
educação doméstica.

76 Aula 2 - O Maranhão Imperial


O ensino público secundário deu-se por meio do Liceu do Maranhão, criado
em 1838, possuindo seu currículo um caráter literário. O ensino oferecido
pelo Liceu, somente aos rapazes, concedia o grau de bacharel em letras para
os seus egressos e na prática funcionava como um curso preparatório para
os candidatos ao ensino superior. Às mulheres das camadas sociais mais
elevadas restava completar seus estudos em colégios femininos particulares,
o que na segunda metade do século XIX já existia em maior número. Isso
aponta para uma aceitação maior da sociedade no tocante a educação formal
das mulheres e também o interesse destas em aumentar seus conhecimentos,
num momento também marcado pelo debate de novas ideias quanto à
educação feminina e seu importante papel na sociedade.

Para as meninas pobres restavam as escolas de primeiras letras e instituições


como recolhimentos e asilos (Recolhimento de Nossa Senhora de Anunciação
e Remédios e Asilo Santa Teresa). Para os meninos pobres havia a Casa dos
Educandos Artífices e a Escola Prática de Agricultura (Escola Agrícola do Cutim).

Resumo

O Maranhão do século XIX foi visto nesta aula como um momento de mudanças
políticas, especialmente com a montagem da nova ordem imperial no período
pós-independência. Foram apresentados os conflitos entre as elites dirigentes
pela dominação política, assim como as lutas que envolveram as camadas
populares nesse contexto, a exemplo da Balaiada, maior revolta popular
ocorrida em terras maranhenses. Na economia, esse século foi marcado pelo
crescimento e crises constantes do setor agroexportador, assim como da força
de trabalho pautada no modelo escravista, resultando na derrocada final
desse modelo com a abolição da escravidão. A sociedade maranhense, tanto
a litorânea como a sertaneja, passou por mudanças que envolveram maior
crescimento demográfico, novos hábitos e costumes, além de alguns avanços
no setor educacional, propiciando o aparecimento de grupos de intelectuais,
sendo que em São Luís o grupo que se destacou nas letras e no jornalismo,
deu à cidade o título de Atenas Brasileira.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 77


Atividade de Aprendizagem

1. A cidade de São Luís está impregnada de história. Em seus becos, ladeiras,


sobrados, fontes e pedras de cantarias encontram-se muitas marcas do
cotidiano e da vida social da cidade no século XIX. A música Louvação a
São Luís, do poeta Bandeira Tribuzi soube apreender essa alma da cidade.
Analise as estrofes desse hino e aponte as referências que são feitas ao
mundo do trabalho (dos escravos) e o dos senhores, ao encanto da cidade
e seus mistérios.

2. Compare a sociedade sertaneja e a sociedade litorânea do Maranhão


oitocentista, apontando as diferenças socioculturais presentes no
comportamento, educação, divertimentos, vestimentas.

3. Pesquise sobre o título de Atenas Brasileira atribuído a São Luís e que se


estendeu a todo o Estado, explicando como o crescimento econômico
da região e os investimentos públicos e particulares na educação
contribuíram para o surgimento desse grupo de intelectuais da chamada
Primeira Geração.

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SERRA, Astolfo. A Balaiada. Rio de Janeiro: Bedeshi, 1946.

SILVEIRA. Rosário de Maria Carvalho. Trabalho e condição feminina em São


Luís na virada do século (1880-1910) – a situação do operariado feminino.
Monografia (Graduação em História) – Universidade estadual do Maranhão,
São Luís, 2008.

VIVEIROS, Jerônimo de. História do Comércio do Maranhão. São Luís:


Associação Comercial do Maranhão, 1992.

80 Aula 2 - O Maranhão Imperial


Aula 3 - O Maranhão Republicano

Objetivos
• Apresentar aspectos da política e da economia maranhense no século
XX, sob a égide do regime republicano, apontando permanências e
mudanças e seus desdobramentos para o cenário atual;

• Destacar as chamadas inovações da modernidade que provocaram


mudanças no cenário urbano e nos comportamentos sociais dos
maranhenses;

• Enumerar os aspectos culturais que se constituem enquanto


elementos identitários da sociedade maranhense.

Introdução

A virada para o século XX foi um momento de transição, não só política, com


a implantação do regime republicano, mas também social decorrente da
abolição da escravatura e de intensas correntes migratórias para o país, e
costumes, com inovações que possibilitaram novos comportamentos e novas
ideias. O projeto republicano de modernização era representado tanto pelas
reformas urbanas, nos novos símbolos do progresso, como em mudanças nos
costumes dos homens e mulheres.

O Maranhão republicano ao longo do século XX se caracterizou na esfera


política pela dominação oligárquica, que se sucedeu ao longo dos anos com
a mudança dos atores sociais, mas com permanências das velhas práticas de
mandonismo e clientelismo, com o uso da máquina pública para favorecer
aliados, distribuir favores e outras benesses.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 81


Do ponto de vista econômico, foram muitos momentos de altos e baixos da
economia, com o esgotamento do modelo agroexportador do século anterior,
crise do parque industrial representado pelas fábricas têxteis, até seu completo
fechamento na década de sessenta, quando o último apito das fábricas soou.
A produção agrícola passou a ser feita principalmente na pequena unidade
de produção familiar, gerando mais trabalho e oportunidade aos camponeses,
mas também gerando conflitos com os latifundiários. Houve também um
momento em que a economia do babaçu deu um novo impulso ao Estado. Na
segunda metade do século, com a política de redefinição da propriedade das
terras cultiváveis do Estado, as medidas desenvolvimentistas dos governantes
levaram à implantação dos chamados “grandes projetos agropecuários”.

A sociedade maranhense sofreu profundas mudanças. Com o processo de


êxodo rural, as ondas migratórias, desenvolvimento de novos centros urbanos,
as inovações nos meios de comunicação e transporte possibilitou mudanças
de hábitos e comportamentos. O setor comercial e de serviços se ampliou,
oportunizando a entrada de novos segmentos sociais no mercado de trabalho,
a exemplo das mulheres das camadas médias. As manifestações culturais
outrora perseguidas e relegadas às camadas populares foram lentamente
absorvidas ao longo do século, tornando-se referências da cultura do Estado.

Então, vamos conhecer esse Maranhão republicano, que está mais próximo de
nós e com o qual nos identificamos melhor.

3.1 A Política Oligárquica do Maranhão Republicano

O que foi a passagem da monarquia à república no Maranhão? O que


representou em termos de mudanças políticas? Como se caracterizou a
política maranhense ao longo do século XX? Eis o que queremos discutir
nessa primeira parte da aula sobre o Maranhão republicano. A proclamação
da República em 1889 inaugura um novo momento da história política do
país, com a instituição de um regime considerado mais participativo. No
final do século XIX as ideias republicanas puderam circular mais livremente,
com a organização dos clubes republicanos e do Partido Republicano na
década de 1870.

82 Aula 3 - O Maranhão Republicano


No Maranhão, o maior centro difusor dos ideias republicanos foi o alto sertão,
especialmente Barra do Corda, Carolina, Grajaú, Pastos Bons. Nestes lugares
O primeiro clube
havia clubes republicanos e intelectuais e dirigentes políticos locais que republicano
maranhense teria
divulgavam por meio dos jornais as ideias republicanas e as críticas ao governo surgido no ano de 1887,
na vila de Cururupu,
monárquico. Foi o caso, por exemplo, do juiz municipal de Barra do Corda, sob a presidência de
Manoel Pires da Fonseca
Isaac Martins, que fundou o jornal O Norte, importante veículo de propaganda (FERREIRA, 2002, p. 28).

republicana. Estes defensores da República são considerados “republicanos


históricos”, diferentes dos políticos que aderiram ao novo regime somente
após a queda da monarquia, para preservar suas posições de mando e poder,
como de fato aconteceu, pois foram esses republicanos de última hora que
assumiram o novo governo.

Alguns republicanos também eram abolicionistas, e consideravam que


acabar com a escravidão era um passo importante para implantar a república.
A sede do jornal
Os defensores da implantação do novo regime defendiam estratégias Globo foi depredada
pelos populares,
diferentes para alcançá-lo, que iam desde o uso da força armada até o especialmente os
libertos, havendo a
processo de transição, sem traumas e violências. Em São Luís, os republicanos intervenção da polícia e
grande violência com os
acompanhavam do Rio de Janeiro os acontecimentos que levaram à queda da revoltosos, resultando
em quatro mortes e
monarquia e, no dia 16 de novembro, foi divulgada a primeira notícia sobre a dezenas de feridos.
proclamação do novo regime, feita pelo jornal O Globo, enfatizando a ideia de
libertação do povo brasileiro, do fato de não terem mais um “senhor”, em uma
analogia a outra grande libertação ocorrida um ano antes, com a Lei Áurea. A
reação contrária ao novo regime veio dos libertos do “13 de maio”, ex-escravos
que temiam a volta da escravidão e a possível anulação da lei libertadora.

Fora esse episódio, a recepção do novo regime foi positiva, com passeatas,
discursos e adesão das autoridades e chefes políticos. Foi criada uma Junta
Provisória, em 18 de novembro, até a eleição do novo governo local. Um mês
depois da adesão do Maranhão à república, assumia o novo governador,
Tavares Júnior, e os republicanos históricos sentiam que cada vez mais iam
ficando excluídos dessa nova ordem política que tanto defenderam.

A marca desse novo regime foi a concentração do poder nas mãos dos grupos
oligárquicos, os quais já vinham sendo gestados desde meados do século
XIX. Com a república foram criados de imediato quatro partidos: Partido
Republicano, Partido Católico, Partido Constitucional e o Partido Nacional.
Em 1892, liderados por Benedito Leite, esses três últimos partidos se uniram
formando o Partido Federalista. A política oligárquica tinha essa característica

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 83


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de alternar crise e recomposição política, e o período de 1890-1892 foi
Oligarquia é um
marcado pela fragmentação interna da oligarquia. “Durante esse período,
grupo de algumas cerca de nove governadores, entre efetivos e interinos, estiveram à frente
pessoas poderosas
que dominam uma da administração do Maranhão e a orientação política que eles adotavam
parte dos interesses de
um país. Autoridade, constituía fator decisivo nas disputas entre grupos remanescentes da fase
preponderância ou
influência de pequeno imperial” (REIS, 2007, p. 72-73).
número de pessoas.
Uma forma de governo
na qual um pequeno O comando de Benedito Leite na política maranhense, nas primeiras décadas
grupo de pessoas detém
o poder (www.dicio. republicanas, é um exemplo do tipo de mandonismo político oligárquico que
com.br/oligarquia).
marcará a política do Estado, com continuidade até os dias atuais. Entre 1895
e 1900, Benedito Leite foi deputado estadual, deputado federal e senador, ao
mesmo tempo em que controlava o jornal O Federalista. Foi eleito governador
do Maranhão para o quatriênio de 1906 a 1910, mas faleceu em 1909, antes de
terminar o mandato. Sua forte influência na política local fortaleceu a prática
oligárquica de nutrir-se da utilização patrimonial do aparelho de Estado,
fazendo com que os principais traços do sistema de dominação oligárquica
estivessem definitivamente montados no Estado.

Durante a República Velha (1889-1930) esse quadro de dominação não se


alterou, mudando apenas os atores políticos, com a renovação geracional e
as crises de recomposição oligárquicas típicas das alternâncias no poder dos
grupos oligárquicos.

Na chamada Era Vargas (1930-1946), a política maranhense foi conduzida mais


por interventores, escolhidos e enviados pelo governo central. O destaque
vai para o maranhense Paulo Ramos, que governou de 1936 a 1945, no
contexto do governo ditatorial de Vargas, o Estado Novo. O governador Paulo
Ramos procurou recompor a oligarquia sob seu comando, buscou o apoio
dos empresários e o controle dos sindicatos dos trabalhadores, como vinha
sendo feito na esfera federal. Em 1945, com o fim do Estado Novo, houve uma
nova reorganização das forças políticas do Estado, agora sob liderança do
pernambucano Victorino Freire, que se tornaria o novo líder oligárquico do
estado até 1965.

Victorino Freire chegou ao Maranhão em 1933 como secretário do interventor


Martins de Almeida. Depois de um período no Rio de Janeiro em que exerceu
cargos importantes, que aumentou seu poder de influência, retornou ao
Maranhão na década de 1940 para articular a campanha presidencial de
Eurico Gaspar Dutra. Passou a dirigir a política do Estado mesmo sem nunca ter

84 Aula 3 - O Maranhão Republicano


exercido a função de governador, elegendo seus correligionários, controlando
o poder público e até privado, mediando os interesses do grupo empresarial.
O vitorinismo tornou-se então a corrente política dominante.

Greve de 1951

No início da década de 1950, um importante episódio político no bojo das


disputas oligárquicas, deflagrou a maior revolta urbana de São Luís, a Greve
de 1951, também conhecida como a Balaiada Urbana, e que deu o título de
“ilha rebelde” à cidade. A disputa política ocorreu em torno das eleições de
1950, fraudadas pelo grupo vitorinista, garantindo a vitória de seu aliado
Eugênio Barros.

Disputavam a eleição para governador dois grupos políticos, os partidários


do senador Vitorino Freire, de um lado, e os partidários das Oposições
Coligadas, de outro, aliança que envolvia vários partidos. Saturnino Belo era
o candidato das Oposições Coligadas, e diante da sua vantagem no pleito, o
grupo vitorinista conseguiu anular, junto à justiça eleitoral, milhares de votos
desse candidato, levando à vitória eleitoral de Eugênio Barros. O resultado
não foi aceito pela oposição e nem mesmo pela população, ocorrendo uma
série de manifestações contrárias à posse do novo governador. Teve início,
então, a greve de 1951, com a participação de diversos segmentos sociais:
trabalhadores, estudantes, classe média, políticos e até empresários, com
destaque também para a participação feminina.

A vitória do grupo situacionista fortaleceu o vitorinismo, que só veio a perder


sua hegemonia em 1965 com a eleição de José Sarney, seu opositor, nas
eleições para o governo do Estado. Sarney, candidato pelo partido União
Democrática Nacional (UDN) teve uma expressiva votação, que de alguma
maneira foi uma resposta da população contra o mandonismo de Vitorino
Freire, do Partido Social Democrático (PSD). Aliás, a campanha de Sarney, com
o lema “Maranhão Novo”, foi pautada no discurso da mudança política, do
novo, no binômio “desenvolvimento e modernização”, condenando as práticas
políticas do vitorinismo. A eleição de Sarney teve o apoio do governo central,
ou seja, da ditadura militar, cujas medidas para inibir a corrupção eleitoral (um

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 85


dos sustentáculos do vitorinismo), ao mesmo tempo em que esvaziava o poder
de influência de lideranças do PSD, assegurou a eleição do seu candidato.

No seu mandato de governador, Sarney realizou obras de caráter modernizante,


favorecido pelo apoio do governo central e em sintonia com a política
desenvolvimentista do governo militar, a exemplo da expansão da malha
rodoviária, a hidrelétrica de Boa Esperança, a construção da barragem sobre o
rio Bacanga, a construção do Porto Itaqui, a ponte sobre o rio Anil que recebe
seu nome. O sarneismo tornou-se a corrente política dominante no Estado
desde então, comandando a política, elegendo governadores e parlamentares,
e sendo detentor de um império das comunicações que alcança todo o Estado
por meio do rádio, jornal e televisão. Desde 1994 o Estado é governado por sua
filha e herdeira política, Roseana Sarney, com a exceção de um curto período em
que o governo esteve nas mãos da oposição, primeiro em razão da dissidência
com um antigo aliado, Reinaldo Tavares, e num segundo momento, após perder
a eleição de 2006 para Jackson Lago, que teve seu mandato cassado por uma
decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

3.2 Economia agropecuária e metalúrgica

O início do século XX foi marcado por crises no setor produtivo maranhense,


sem a existência de um produto com demanda garantida para impulsionar o
desenvolvimento do Estado, como ocorreu no século anterior com o algodão,
arroz e o açúcar. As atividades agrícolas assentavam-se principalmente na
produção de alimentos, feita em pequenas propriedades, a exemplo do
cultivo do arroz, feijão, milho e mandioca, além da criação de gado bovino e
pequenos animais, também para consumo.

Essa nova dinâmica da economia promoveu uma intensa mobilidade dos


trabalhadores no interior do Estado, ocupando as áreas de produção de
alimentos dos vales do Itapecuru e Mearim. Juntaram-se a esses grupos de
camponeses, os trabalhadores rurais nordestinos, especialmente vindos do
Ceará. A produção elevou-se a novos patamares com a geração de excedentes,
abrindo novo cenário para a rizicultura (arroz). Segundo o economista Moacir
Feitosa (1998), a economia do arroz maranhense se estruturava a partir do
pequeno produtor rural e sua família no trabalho da roça, do financiador dessa

86 Aula 3 - O Maranhão Republicano


produção que podia ser um grande comerciante urbano ou um comerciante
bodegueiro, e até mesmo um quitandeiro rural, e finalmente, o usineiro da
cidade que beneficiaria o produto, sendo seu maior comprador.

Outra atividade lucrativa que se desenvolveu bastante nas primeiras décadas do


século XX foi o extrativismo do babaçu. Do coco babaçu se aproveitava tudo. A
Essa utilização da
amêndoa era utilizada na preparação de alimentos (leite e azeite); o mesocarpo palmeira do babaçu
ainda é muito comum
(“carne” do babaçu) transformado em pó era utilizado para fins medicinais; a no interior do Estado,
onde muitas famílias
casca do coquilho era utilizado como carvão vegetal. As folhas (palhas) e talas ainda vivem em casas
de taipa.
das folhas eram utilizadas para a coberta e envaramento de casas de taipa,
assim como para a fabricação de cordas, cofos, abanos e outros objetos.

O envaramento, feito
Figura 1 - Casa de palha típica do Maranhão com a tala das folhas
da palmeira de babaçu,
serve para a fixação do
barro, que fica seguro
entre as varas, dando
sustentação à parede
da casa.

Fonte: http://www.baixaki.com.br/usuarios/imagens/wpapers/868562-83777-1280.jpg

A atividade de coleta e quebra do coco para extração da amêndoa era feita


pelas mulheres e crianças dos lavradores, numa atividade penosa e perigosa,
que rendia bem pouco a elas, mas que ajudava a complementar a renda
familiar, e em alguns casos constituindo-se a principal renda da família ou
meio de troca por produtos que necessitavam.

No contexto da primeira guerra mundial, a economia do babaçu ganhou


impulso, sendo aproveitado para fins industriais. Na Europa, os compradores
utilizavam especialmente para a ração de animais, especialmente bovinos, e

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 87


no nível local, seu maior aproveitamento deu-se com a extração de óleo bruto
para a fabricação de diversos produtos (óleos comestíveis, sabões, sabonetes,
velas e glicerinas). Na década de 1950 já havia no Maranhão fábricas para o
beneficiamento da amêndoa do babaçu.

No início da década de 1950 existiam no Maranhão 11 usinas


esmagadoras de amêndoas de babaçu, chegando em 1970, a
serem 17 fábricas que empregavam diretamente cerca de 900
operários, contudo a essa época já apresentavam sinais de crise ou
estancamento do processo de crescimento do setor e o posterior
fechamento de usinas pioneiras veio acontecer para, em seguida,
serem desativados, inclusive, projetos novos que se encontravam
em carteira (FEITOSA, 1998, p. 31).

Assim, ao atingir-se a metade do século XX, no Maranhão


a atividade fundamental continuava sendo: a pecuária
extensiva e degenerativa, a pesca de captura artesanal,
a coleta de produtos nativos (babaçu), o cultivo, por
métodos predatórios do fogo, de gêneros de subsistência.
Os únicos plantios de plantas de uso industrial – a cana
e o algodão (que fizeram a prosperidade do começo do
século XIX) – entraram em decadência. No beneficiamento
da mandioca os equipamentos artesanais são herdados
da cultura indígena. O peso da indústria de transformação
(notadamente se se considera a produção de uso final)
na economia reduziu-se a proporções insignificantes
(TRIBUZI, 2011, p. 77).

Na década de 1970, a economia maranhense passa por outra grande


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redefinição, com um maior enfoque da propriedade privada no campo,
“Grilo” é o terreno cujo
título de propriedade em detrimento da pequena produção, e incentivo aos grandes projetos
é falso. Grilagem é o
sistema ou organização agropecuários. Segundo Moacir Feitosa, esse processo foi acelerado com a
dos grileiros, que são
aqueles que procuram Lei de Terras do governo Sarney, promulgada no governo posterior, de Pedro
apossar-se de terras
alheias mediante o grilo Neiva de Santana. As terras devolutas do Estado passaram a ser alvos de
(Dicionário Eletrônico
Aurélio). grilagem cartorial, apropriação forçada por parte dos grileiros, aquisição de
terras por preços irrisórios, tudo isso contando com apoio governamental e
omissão do poder judiciário.

88 Aula 3 - O Maranhão Republicano


Rapidamente as terras, antes consideradas devolutas, se vêm
completamente cercadas. Das soltas o gado passa para dentro
das fazendas, contudo as mesmas não deixam de desenvolver
um criatório extensivo, visto que o investimento para o
desenvolvimento do rebanho, quase que exclusivamente,
ainda hoje, na grande maioria das fazendas, é a cerca de
‘unha de gato’ (estacas e mourão), o arame farpado e o capim
deixado plantado pelo lavrador que, dessa mesma terra,
ia sendo expulso com sua família, tudo, evidentemente,
financiado pelos órgãos regionais de desenvolvimento.
A ideia do governo central era estimular, na região Amazônica,
a produção de carne bovina para exportação. Era garantir a
integração local ao mercado nacional e internacional, no
âmbito das políticas de “segurança nacional”. Esta nada
mais era do que o símbolo do autoritarismo a favor do
capitalismo norte-americano no auge das políticas mundiais
bi-polarizadas da Guerra Fria, visto que depois de 1914-
1918, com a perda de hegemonia econômica da Inglaterra,
no cenário internacional, para os Estados Unidos, toda e
qualquer região do mundo Ocidental passou a se subordinar
às orientações “democráticas” de Washington.
A paisagem física, econômica, social, cultural e política, a toque
da força militar e da ação política de um governo repressor e
demagogo da ARENA, muda no Maranhão.
Alguns investimentos públicos tornaram-se importantes
como foram aqueles efetuados na construção de rodovias,
na construção do Porto do Itaqui e melhoria de alguns
instrumentos urbanos de consumo coletivo, contudo, no campo
a capinização e o cercamento das terras passou a representar
perda de participação relativa e absoluta da população rural
economicamente ativa na formação do produto agropecuário
e extrativista do estado (FEITOSA, 1998, p. 36-37).

Exercitando

Pesquise mais sobre o processo de grilagem no Maranhão e a relação que


existe entre essa prática ilegal e os conflitos no campo.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 89


Também data do final dos anos 1970 a implantação do Programa Grande
Carajás, que consistia em aproveitar as jazidas minerais da serra de Carajás,
no sul do Pará. A Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), criada em 1942 no
governo Vargas, foi a responsável pela execução do projeto. A inserção do
Maranhão nesse projeto de exploração mineral se deu através do escoamento
da exportação, passando pela ferrovia Carajás até chegar ao Porto da Ponta da
Madeira, localizado na baía de São Marcos (Maranhão).

Na década de 1980 foi a vez da implantação do consórcio ALUMAR, uma


multinacional que explora a produção de alumínio. Assim como o projeto
Carajás, essa empresa tem trazido preocupações para ambientalistas e
membros da sociedade civil em geral, devido ao impacto ambiental que causa
e à desapropriação de terras.

A implantação do Projeto Carajás tem gerado debates


no seio da sociedade, sobretudo em relação aos fortes
impactos, consequência da dimensão do investimento e
atuação do empreendimento em variados ramos, sobretudo
o minero-metalúrgico. Ao se implantar, retirou centenas
de famílias de suas terras, inclusive da periferia de São Luís,
contribuindo para o crescimento desordenado da cidade,
existência de conflitos na área de influência do projeto, com
populações indígenas, quilombolas, garimpeiros e posseiros,
a especulação imobiliária e o constante perigo de desastre
ambiental (GISTELINCK, apud. BOTELHO, 2009, p.206 ).

Ainda como resultante dos grandes projetos do Maranhão atual, destacamos


também o agronegócio da soja no Estado. Segundo os estudiosos do
Na atualidade, o
Maranhão é um polo tema, esse negócio tem gerado algumas consequências negativas como a
produtor de grãos
de soja, voltado para desorganização da pequena produção camponesa, exploração da força de
o mercado externo
através do corredor trabalho, com denúncias de trabalho similar ao escravo, ocupação de grandes
norte de produção,
exportada pelos portos extensões de terra por meio de grilagem, além da destruição do cerrado, com
do Itaqui e Ponta da
Madeira, via estrada de fortes impactos ambientais.
Ferro Carajás e ferrovia
Norte-Sul, por onde a
soja alcança o mercado
internacional (BOTELHO,
2009, p. 217).
3.3 Serviços públicos e transporte

O crescimento da cidade de São Luís demandava novos serviços e melhoria


dos já existentes. No tocante ao abastecimento de água, o novo século, sob

90 Aula 3 - O Maranhão Republicano


o comando republicano, herdou os problemas existentes: falta de água e
elevação dos preços. A Companhia das Águas do Anil, que tinha o privilégio
de 60 anos para o serviço de abastecimento, não conseguia cumprir o
contrato e dependia do regime de chuvas para o suprimento de água para a
população. Ao longo dos anos precisou descobrir novos mananciais, reformar
o sistema de encanamento a fim de garantir o fornecimento domiciliar. Com
a canalização das águas do rio Anil, os chafarizes e as fontes tradicionais
foram substituídos por torneiras públicas de consumo pago, embora a rede
de canalização continuasse atingindo poucas casas. A população pobre
continuou se servindo das fontes públicas, embora a qualidade da água
fosse péssima.

A partir da década de 1920, as mudanças nos serviços públicos de


infraestrutura urbana ocorram com a Ulen Company, uma empresa norte-
america que ficou responsável pela gestão dos serviços de água, esgoto, luz
e tração elétrica na cidade. A iluminação pública que era a gás, na década de
20, finalmente pode fazer uso da energia elétrica, após tentativas frustradas
com essa fonte de energia que estavam sendo feitas desde 1918. Com isso,
a população não precisava mais contar com as noites de lua cheia, embora
o fornecimento do serviço para particulares ainda fosse restrito, dado o
elevado preço para obter esse privilégio.

O transporte urbano também se modificou com a tração elétrica


dos bondes. O bonde, assim como a luz elétrica, era um símbolo do
progresso. Em São Luís o transporte era feito pela Companhia Ferro Carril
do Maranhão, instalada em 1871, inicialmente com sistema de tração
animal. A princípio, esse serviço cobria poucos pontos da cidade, indo
do Largo do Palácio ao Cutim, passando pela rua da Estrela, Estação
central, Remédios e um lugar chamado Francisco Abrantes. No começo
da década de 1890, foi criada a linha férrea da “Estação do Anil”, para
circular carros puxados por uma locomotiva a vapor. Em 1896, possuía
três linhas urbanas, que continuavam com tração animal, e uma linha
suburbana, de tração a vapor. Na década de 20, com o novo serviço
de tração elétrica para os bondes, os pobres burrinhos puderam ser
afastados desse exaustivo trabalho.

No início da década de 1920, estavam também matriculados para o transporte


público e particular 94 automóveis, sendo 83 particulares e 11 oficiais; 16

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 91


caminhões particulares e 7 oficiais, 241 carros de condução particular, 33
oficiais e 75 carros de quinta, além do serviço de táxi, suprindo as deficiências
dos bondes. Para as viagens ao bairro do Anil, região suburbana, havia 05
caminhões, pois o serviço de bondes não conseguia atender aquela região
(PALHANO, 1988).

Em relação aos serviços de comunicação, cujo símbolo da modernidade era


o telefone, desde 1890 a Intendência Municipal de São Luís concedeu aos
A Intendência
Municipal correspondia negociantes a faculdade de montarem uma empresa para organizar uma
praticamente ao
que atualmente são rede de linhas telefônicas no perímetro da cidade e fora dela, oferecendo o
as prefeituras. Com
a proclamação da privilégio de exclusividade por 10 anos. Além dos benefícios práticos desse
República, as câmaras
municipais foram serviço de comunicação, encurtando as distâncias, o emprego de mulheres
extintas e substituídas
pelo Conselho de
nas funções de telefonistas era um forte argumento dos entusiastas da
Intendência Municipal, telefonia, que consideravam um decente meio de vida para muitas meninas
como um órgão do
poder executivo para e senhoras. A telefonia, juntamente com a máquina a vapor e a telegrafia,
ordenar e fazer executar
todas as obras do era vista como um adiantamento de vulto na civilização, tão necessário como
município. Essa nova
estrutura administrativa o gás, a água ou os caminhos de ferro. Em 1907, a companhia telefônica
vigorou até 1930.
contava com 14 funcionários, 172 km de extensão de linhas, 297 aparelhos
e 295 assinantes.

Para o transporte interestadual, o século XX apresentou mudanças


significativas. Até meados do século XIX, o transporte ligando o litoral e o
interior da província era por meio da navegação fluvial, com embarcações
de médio e pequeno porte. Podemos dizer que os rios eram as principais
estradas do Maranhão. Em meados desse século teve início o serviço de
navegação a vapor para a navegação fluvial e costeira. No final do século
XIX, conforme descrição de Dunshee de Abranches - que viajou de São
Luís para o sul do Maranhão -, dependo do destino, a viagem podia levar
semanas. Para fazer este percurso ao alto sertão, o barco a vapor que
conduzia o escritor partiu de São Luís, passando pelo Boqueirão, chegou à
embocadura do Mearim, costeando no porto das Gabarras. Depois passou
por Arari e Vitória do Mearim antes de entrar na embocadura do Grajaú e
chegar até Pedreiras, ponto final dessa escala. Daí em diante, Abranches
seguiu viagem por terra, a cavalo, até Barra do Corda, levando provisões
para cinco dias, mas poderia ter feito este último percurso utilizando
pequenas canoas, mas mesmo assim, no total, a viagem levava em média
três semanas.

92 Aula 3 - O Maranhão Republicano


No início do século XX, as duas principais companhias de navegação a
vapor eram subvencionadas pelo Estado, as quais combinavam a tabela
de preço de fretes e passageiros, prejudicando os usuários do serviço.
Já as pequenas companhias, que faziam os trajetos menores entre
as cidades do interior não tinham o mesmo privilégio, e amargavam
suas dificuldades. Ao longo da primeira metade desse século a
situação pouco mudou, continuando o governo a subvencionar várias
embarcações.

Figura 2 – Embarcação a vapor "Vicente de Carvalho"

Fonte: http://my.opera.com

Outro meio de transporte utilizado no século XX foi o ferroviário. Em 1895


já havia a estrada de ferro que ligava Caxias a Cajazeiras (atual cidade de
Timon), mas o objetivo principal do governo e da Associação Comercial
do Maranhão era uma via férrea que ligasse São Luís a Caxias, devido
aos grandes problemas de assoreamento dos rios. O projeto começou
a sair do papel em 1905, por influência de Benedito Pereira Leite, então
senador pelo Maranhão. A estrada de ferro São Luís-Caxias, no seu
trecho principal incluiu os municípios de São Luís, Rosário, Santa Rita,
Itapecuru, Cantanhede, Pirapemas, Coroatá, Timbiras, Codó e Caxias.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 93


Depois a ferrovia se estendeu até Teresina, num longo período de mais
de trinta anos, no qual também foi construída a ponte do estreito dos
Mosquitos.

Figura 3 - Locomotiva Maria Fumaça

Fonte: www.noticianahora.com.br

A década de 1950, como em todo o Brasil, foi marcada pelo investimento


em rodovias, como parte do projeto desenvolvimentista que priorizou o
investimento na indústria automobilística.

3.4 Sociedade Maranhense

No início do século XX, conforme nos informa o engenheiro Eurico Teles (2001)
que chegou aqui em 1906 para trabalhar na estrada de ferro São Luís-Caxias,
a população maranhense era de aproximadamente 700 mil habitantes, sendo
que um décimo desse total estava na cidade de São Luís.

Em um novo cenário, marcado pelo pós-abolição, as ondas migratórias que


levavam muitos maranhenses a tentar a sorte nos seringais da Amazônia,
traziam muitos nordestinos em busca de terra e trabalho, além do êxodo

94 Aula 3 - O Maranhão Republicano


rural que deslocava os camponeses para a periferia de São Luís em busca
de trabalho nas fábricas e nas obras públicas, como mão de obra barata,
tudo isso provocava mudanças na sociedade, que procurava adaptar-se aos
novos tempos.

Uma das grandes preocupações das elites dirigentes republicanas era com a
ordem moral, envolvendo a constituição e harmonia das famílias, o controle do
comportamento feminino e o disciplinamento das camadas populares como
garantias da ordem social, seja através de medidas coercitivas ou ideológicas,
estas últimas por meio da educação.

As transformações sociais e demográficas demandavam das elites uma


intensificação do discurso civilizador para contrapor uma possível igualdade
jurídica prevista pela Constituição de 1891, a qual proclamava uma república
de cidadãos livres e iguais perante a lei. A família foi alçada à condição de
grande pilar da nação e um espaço social que produziria cidadãos honestos
e disciplinados. As mulheres burguesas, peças chaves desse discurso, foram
colocadas como modelo de virtude, cujo padrão de honra feminina recaía
sobre seus comportamentos sociais e sexuais.

As novas possibilidades de inserção das mulheres no espaço público, associadas a


uma maior interferência do estado nas questões de família, diminuindo o poder do
chefe de família, possibilitou outras estratégias nas relações entre o indivíduo e a
família, especialmente no tocante à questão matrimonial. As moças conquistaram
o direito de externar à família suas paixões, necessitando, entretanto, negociar o
consentimento dos responsáveis para oficializar o namoro, por isso, as alianças
matrimoniais de interesse econômico frustravam as jovens apaixonadas.

As diferenças sociais ainda eram impedimentos para alguns arranjos


matrimoniais, embora crescesse o discurso do amor romântico, em que a
escolha do cônjuge devia seguir em primeiro lugar os impulsos do coração em
vez dos interesses sociais e familiares. Ao mesmo tempo, cresciam os registros
de casos de defloramento, em que as jovens se consideravam iludidas por
promessas de casamento, fazendo com que cedessem aos apelos sexuais de
seus namorados. O resultado era uma avalanche de processos judiciais para
reparação da honra, em muitas brigas jurídicas.

As primeiras décadas do século XX no Brasil marcam uma ampliação do


acesso feminino a educação e o trabalho, especialmente para as mulheres

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 95


das camadas médias, dada a política educacional do governo republicano
e a expansão do setor de serviços. As trabalhadoras pobres continuavam a
ocupar os postos nas indústrias, no trabalho doméstico ou de ambulantes.
O acesso aos cursos secundário e superior representava ascensão social para
as moças de classe média e oportunidade de realizarem bons casamentos ou
obterem melhores empregos.

As novidades como cinemas, clubes recreativos, passeios públicos, cafés, opor-


tunidades de emprego para as mulheres de classe média em escritórios, lojas,
além da tradicional atividade do magistério, possibilitaram alguns avanços na
condição feminina, embora esses avanços fossem acompanhados por discursos
conservadores que diziam que o lugar da mulher era no ambiente doméstico.

Na década de 1920, a vida social em São Luís contava com festas elegantes dos
clubes “chics” e “noitadas mundanas do cinema Éden”, bem como os passeios
no bonde elétrico da “Gonçalves Dias”. O cinema Éden era frequentado pelas
famílias, mas também por mulheres do meretrício, apesar das tentativas
das autoridades de afastar essas mulheres dos espaços frequentados pelas
“mulheres honestas”.

Em São Luís, a zona do baixo meretrício (ZBM) ocupava ruas centrais da cidade,
como a Rua da Estrela, a Rua 28 de Julho e a Rua da Palma, e era frequentado
por homens da classe média e alta, autoridades públicas, artistas e intelectuais
de uma maneira geral. As autoridades policiais eram requisitadas para reprimir
a circulação das meretrizes em alguns espaços da cidade.

A participação das mulheres de camadas médias e altas no espaço público


devia ser feita de maneira a zelarem por sua ‘honra’ e de suas famílias, não
permitindo aproximações com o sexo masculino ou comportamentos que
pudessem confundir essa “mulher moderna” com as mulheres “decaídas”
(prostitutas). Por isso, paralelo ao reconhecimento das mudanças, de
novas ideias de progresso, e comportamentos que acompanhavam as
transformações socioeconômicas, o discurso conservador sobre as mulheres
ganhava novos ares, a fim de legitimar a ordem social pautada na dominação
masculina, sendo a mulher colocada na base do alicerce social, responsável
pela harmonia das instituições e da própria nação.

Nas décadas de 20 e 30 também foi destaque na sociedade maranhense,


especialmente em São Luís, uma maior mobilização das classes trabalhadoras,

96 Aula 3 - O Maranhão Republicano


não só da indústria, mas também de outras categorias. As péssimas condições
de trabalho, a falta de direitos trabalhistas básicos, os baixos salários e o alto
custo de vida levaram os operários maranhenses a se organizarem e formarem
associações, grêmios e uniões.

Na segunda metade do século XX, intensificou-se o êxodo rural, cujo destino


principal era a cidade São Luís, a qual absorvia de maneira precária essa massa
de excluídos do campo. O resultado era o agravamento da questão social,
inchamento da cidade e sua expansão para as áreas periféricas. Ao iniciar a
década de 70, a população de São Luís já alcançava a cifra de 251.389 habitantes,
sendo que aproximadamente 40.000 destes residiam em habitações precárias,
como palafitas (REINALDO Jr, 2001, p. 86). Cresceu também a classe media
urbana, especialmente ligada aos profissionais liberais e aos empregados
públicos, estes últimos representando o maior percentual da população com
atividade remunerada, seguido dos trabalhadores do setor de serviços e do
comércio.

3.5 São Luís republicana

No início do século XX, as principais capitais brasileiras passavam por uma


série de mudanças que visavam sanear o espaço urbano a fim de combater
as epidemias e endemias, bem como modificar seu traçado e arquitetura para
adequá-las às exigências da vida moderna. Com esse propósito estético e
higienista, surgiam ruas e avenidas mais espaçosas, novas construções urbanas,
destruição de antigos prédios que serviam para as moradias coletivas - os
cortiços -, considerados pelas autoridades públicas como sendo prejudiciais
ao melhoramento estético e sanitário da cidade.

Em São Luís, diante dos constantes surtos epidêmicos, algumas medidas foram
tomadas em nome do discurso sanitário higienista, especialmente para combater
a epidemia de peste bubônica que atingiu a cidade três vezes durante esse
período (1903, 1908, 1921). Houve desinfecção de prédios e casas, isolamentos
dos doentes, vacinação, extermínio de ratos, demolições, reconstruções, reparos
ou limpezas de casas. Mas, as demolições de prédios foram exceções, não se
comparando ao “bota-abaixo” que caracterizou a reforma arquitetônica da

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 97


capital federal, o Rio de Janeiro, o que em parte assegurou a permanência desse
conjunto arquitetônico que se mantém de pé até hoje.

A cidade de São Luís na virada do século vivia um momento menos otimista


com relação aos ares do progresso, mas nem por isso deixou de querer
modernizar-se. O discurso das elites e autoridades foi no sentido de seguir
a marcha do progresso, mas as medidas práticas para a modernização,
representadas nas reformas urbanas, foram muito acanhadas, com poucas
transformações na urbe e em seus serviços ao público. Ao iniciar a década de
1910, o balanço que faziam os intelectuais e autoridades sobre a cidade era de
que São Luís precisava de reformas radicais, principalmente em sua higiene.
Com cerca de 60 mil habitantes, a cidade não sofreu mudanças significativas,
mantendo seu traçado original de ruas estreitas e casarões coloniais.

Apesar de seu ritmo mais lento de desenvolvimento, a cidade orgulhava-se


de possuir três grandes avenidas, algumas praças ajardinadas e arborizadas
e vários edifícios, como: o Palácio do Governo, o Tesouro, a Misericórdia, o
Liceu Maranhense, o Teatro São Luís, a Intendência, a Escola Normal, o Hospital
Português, o Fórum, o Instituto de Assistência, a Inspetoria de Higiene, a Imprensa
Oficial, o Quartel do Corpo militar, o Palácio Episcopal, as igrejas de Santo Antônio,
dos Remédios, da Conceição, a Catedral, a Biblioteca Pública, o Centro Caixeiral, as
fábricas, algumas escolas primárias, bancos e prédios da União.

Os espaços públicos de São Luís onde as mulheres podiam circular mais


livremente, além das avenidas e ruas do centro de comércio, eram as igrejas,
o teatro, cinema e a biblioteca pública. Mas, a maior novidade de lazer no
início do século XX em São Luís foi o cinema. O cinematógrafo, inicialmente
“ambulante”, era levado para vários lugares do país pelos projecionistas. O
cinema se tornou uma atração para a elite, e as mulheres desse segmento
podiam ter outra ocasião, além do teatro e das festas do largo dos Remédios,
para exibir seu vestuário, chapéus e demais ornamentos.

A partir da segunda metade do século, os ares de modernidade vieram com


as construções novas e modernas, a exemplo do edifício Caiçara, primeiro
arranha-céu de São Luís, localizado na Rua Grande, no local onde existia a
Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Mulatos. Além de prédios, houve
o alargamento de ruas e construções de novas avenidas, como já vinha
sendo feito desde o governo de Paulo Ramos, com a construção da Avenida
Presidente Getúlio Vargas (Monte Castelo).

98 Aula 3 - O Maranhão Republicano


As novas avenidas foram recebendo nomes relativos aos povos e personalidades
que marcaram a história do Maranhão no início de sua formação, resultando
nas atuais avenida Jerônimo Albuquerque (Cohab-Cohafuma), avenida São
Luís Rei de França (Turu), avenida Daniel de La Touche (Cohama), avenida dos
Portugueses (Bacanga), avenida dos Africanos (Coroadinho, Sacavém), avenida
dos Franceses (Alemanha), avenida dos Holandeses (Calhau). A referência aos
povos indígenas veio com avenida Guajajaras, que faz a ligação com a BR 135,
rodovia que dá acesso ao continente.

Muito importante também, foi a construção da ponte José Sarney,


popularmente conhecida como ponte do São Francisco, ligando as duas
áreas da cidade e promovendo a expansão urbana do São Francisco. Sua
inauguração ocorreu em 1970, no final do mandato do governador José Sarney
e foi utilizada como um símbolo da modernidade de seu governo, passando a
ideia de que a ponte ligava o passado ao futuro do Maranhão.

Nesse tom laudatório, o Jornal Imparcial, de 14 de fevereiro de 1970, escreveu


que a referida ponte “emoldura a ‘Grande São Luís’, dando-lhe silhueta nova.
Mas essa não é a primeira e nem a maior ponte desse Governo”.

A cidade cresceu e se expandiu muito para o outro lado da ponte, provocando


grande especulação imobiliária, e hoje a área do São Francisco, Calhau,
Renascença, entre outras resultantes tanto de ocupações urbanas desordenadas
como de investimentos imobiliários financiados, constituem uma nova cidade.
Nos últimos anos também os poderes executivo, legislativo e judiciário
transferiram suas sedes para essa área, que conta com shoppings centers,
centenas de edifícios, quartel da polícia, clínicas e hospitais, além da avenida
Litorânea que é um dos atuais cartões postais da cidade, atraindo turistas e
moradores. Afinal, as principais praias de São Luís estão desse lado da cidade.

3.6 Instituições Culturais e Educação escolar

A virada do século e início do novo regime político no Maranhão foi marcada


pela crise econômica da agroexportação e por um discurso decadentista.
Apesar do cenário econômico desfavorável, no campo educacional e cultural
esse período foi marcado pela criação, reforma ou reestruturação de várias

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 99


instituições, a exemplo da criação da Escola Normal (1890), instituições

Os Novos Atenienses é
culturais como a Escola de Música (1896), a Academia Maranhense de Letras
a denominação dada ao (1908), Faculdades particulares de Direito (1918) e de Farmácia (1922), o
grupo de intelectuais
maranhenses que Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (1926), a reorganização da
atuaram entre a última
década do século XIX Biblioteca Pública (1898) e do Liceu Maranhense (1893). Muitas dessas novas
e a década de 1920,
problematizando a instituições surgiram da iniciativa particular, de intelectuais denominados
realidade maranhense,
criando instituições “novos atenienses”, num esforço de devolver à cidade a glória literária
culturais, procurando
manter viva a tradição passada e fazer sua “ressurreição espiritual”.
das letras que legou
a São Luís o título de
Atenas Brasileira. Alguns Nas primeiras décadas republicanas foram feitas algumas tentativas de
desses intelectuais são:
Antonio Lobo, Manuel reorganização do ensino público no Estado. Essas medidas estavam em
de Bethencourt, Astolfo
Marques, Nascimento
sintonia com a ideologia republicana de que a instrução era o remédio
Moraes, Raimundo para o progresso e modernização do país, especialmente no combate ao
Lopes e Fran Paxeco.
analfabetismo.

A Escola Normal, criada em 1890, destinada a preparar os “futuros professores”


do ensino primário, funcionou inicialmente no mesmo edifício do Liceu, no
centro da cidade. Ao ser instalada em 1º de julho de 1890, a Escola Normal
atraiu especialmente as mulheres. Era mantida sob a forma de externato, com
um curso de 03 anos para instruir e exercitar os alunos professores na maneira
prática de ensinar, recebendo rapazes com a idade mínima de 17 anos e moças
com no mínimo 15 anos.

O curso secundário do Liceu Maranhense, denominado de ginasial ou


humanidades, continuou durante toda a Primeira República a ser exclusivo
dos rapazes, preparando-os para o ingresso nos cursos superiores ou para
empregos de médio escalão, especialmente no funcionalismo público. Em
1914, houve a fusão da Escola Normal com o Liceu Maranhense, o qual passou
a ministrar o ensino secundário dividido em dois cursos, um de preparatórios
e outro profissional destinado a preparar o magistério primário do Estado.
Portanto, o ingresso das mulheres no Liceu Maranhense a partir de 1914 não
significava uma equiparação no ensino, pois continuavam destinadas ao curso
preparatório para o magistério primário e não para seguir os cursos superiores,
os quais até esse momento ainda não existiam em São Luís, só podendo ser
obtidos em outros estados.

O magistério foi a principal via de acesso das mulheres das camadas baixas
e médias para melhorar sua escolarização e obter uma profissão respeitável.
A partir da década de 1920, as mulheres maranhenses puderam ingressar

100 Aula 3 - O Maranhão Republicano


também na Escola de Enfermagem, criada pelo Instituto de Assistência à
Infância, e no curso de comércio do Centro Caixeiral, escola que preparava
para o trabalho no comércio de São Luís.

Outra escola importante desse momento, também considerada de utilidade


pública, foi a “Escola Prática de Eletricidade, Telegrafia e Radiografia”,
cujo diploma foi validado pelo estado em 1924. As áreas de telegrafia e
radiografia eram consideradas adequadas para o trabalho das mulheres, por
desenvolverem suas atividades longe do grande público, e no caso da segunda,
por ser uma atividade auxiliar da medicina, assim como a enfermagem.

O estabelecimento dos cursos superiores no Maranhão foi tardio, embora


houvesse planos nesse sentido desde a proclamação da República.

Com a proclamação da república, o escritor maranhense


Sousândrade, idealizou a criação de uma “Universidade Atlântida”,
em São Luís, um projeto que não vingou, o que despertou críticas,
pois era estranho que uma cidade que se orgulhava de ser uma
cidade das letras não tivesse um curso superior.

As primeiras tentativas para implantação de cursos superiores em São Luís


foram de iniciativas particulares, concretizando-se com criação da Faculdade
de Direito, em 1918, e da Faculdade de Farmácia, de 1922. A partir de 1925, com
a criação do curso de Odontologia, a faculdade passou a se designar então
Escola de Farmácia e Odontologia do Maranhão. Neste mesmo ano mudou-se
para uma sede própria, o sobrado no Largo de Santo Antônio.

Até a década de 1940, as faculdades de Direito e Farmácia e Odontologia


foram as únicas instituições de ensino superior no Estado. O curso de Medicina
no Maranhão só foi criado em 1957, antes disso os interessados em seguir
a profissão precisavam sair para outros estados. Até a década de 1930, os
médicos maranhenses se formavam na Faculdade de Medicina da Bahia ou na
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

Os cursos superiores da área de humanas surgiram na década de 1950 com


as faculdades das áreas de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais, também por

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 101


iniciativas particulares, como a Escola de Serviço Social do Maranhão (1953)

A primeira universidade
e a Faculdade de Filosofia de São Luís do Maranhão (1952), autorizada com
no Estado foi criada seus quatro cursos originais de Filosofia, Letras Neolatinas, Geografia/História
em 1966, por meio da
Fundação Universidade e Pedagogia.
do Maranhão –
FUM, atualmente
Universidade Federal
do Maranhão (UFMA).
Em 1979 foi a vez da
Federação das Escolas
Superiores do Maranhão
3.7 Manifestações Culturais
(FESMA) transformar-se
na atual Universidade
Estadual do Maranhão
(UEMA).
O Maranhão republicano, no que diz respeito aos aspectos culturais, de
manifestações folclóricas, festas religiosas e profanas, danças e ritmos
musicais, passou por muitas mudanças. O Bumba meu boi é um dos melhores
exemplos dessa dinâmica cultural que transformou antigas manifestações
proibidas e perseguidas em símbolos de identidade cultural.

Figura 4 - Bumba meu boi

Fonte: Bumba Meu Boi Estrela de Bequimão

No batuque dos tambores

As origens do bumba meu boi são difíceis de precisar, mas no século XIX são
frequentes nos registros policiais e na imprensa dando conta dessa brincadeira,
sempre vista como uma manifestação perigosa, de gente bárbara, que contava

102 Aula 3 - O Maranhão Republicano


com a presença de gente pobre, negros e índios, sendo uma ameaça ao sossego
público e contrária aos códigos de civilidade vigentes. As próprias leis municipais,
denominadas códigos de postura, proibiam fogos e batuques em determinadas
áreas da cidade e horários, fazendo com que a brincadeira fosse se afastando para
áreas mais distantes, como a do Areal, onde hoje é o bairro do João Paulo.

No início do século XX, era possível encontrar alguns defensores dessa


manifestação popular nos meios mais elitizados, especialmente intelectuais,
mas os jornais da época deixavam claro que a área central da cidade ainda era
um lugar interditado, a exemplo do jornal A Pacotilha, de 20 de junho de 1918,
que explicava que as brincadeiras de bumba meu boi não poderiam chegar
até o perímetro urbano, ficando no máximo até o Apeadouro (entre os atuais
bairros do João Paulo e Monte Castelo).

A virada para o repensar da cultura popular ocorreu no bojo do Movimento


Modernista, com a preocupação dos intelectuais com a definição de uma No Brasil o movimento
identidade nacional pautada na cultura. Foi mais frequente dos anos 20 em Modernista eclodiu
com a Semana de Arte
diante a valorização do folclore entendido como tradição nacional, embora Moderna, ocorrida
em São Paulo, no
isso não significou que as elites dominantes também se renderam inteiramente Teatro Municipal, de
11 a 18 de fevereiro
a essas ideias. de 1922. “Teve como
principal propósito
renovar, transformar
Nesse sentido, a década de 1940 foi, marcadamente, um o contexto artístico e
período importante na divulgação do folclore maranhense. cultural urbano, tanto
na literatura, quanto
Mais que isso, foi o momento em que, os intelectuais
nas artes plásticas, na
maranhenses, influenciados pelos debates nacionais sobre arquitetura e na música.
folclore, iniciaram o processo de institucionalização da cultura Mudar, subverter
uma produção
popular. artística, criar uma
arte essencialmente
Surgem os órgãos com a finalidade de pesquisar e divulgar brasileira, embora em
o folclore maranhense. Artigos em jornais e revistas sintonia com as novas
tendências européias,
especializadas são escritos, com a finalidade de sensibilizar, essa era basicamente
divulgar e valorizar as práticas culturais populares, a intenção dos
modernistas” (SANTANA,
contribuindo para a gradual transformação da mentalidade Ana Lúcia. Semana
daqueles que ainda tinham alguma resistência em relação ao de Arte Moderna.
Disponível no site
folclore da terra (CORRÊA, 2012, p. 100). www.infoescola.com/
artes/semana-de-arte-
moderna)
Essa maior tolerância ao bumba meu boi que foi se transformando em
admiração, atingindo os grupos sociais mais privilegiados economicamente, foi
fazendo com que a manifestação adentrasse o centro da cidade. Atualmente,
o processo de incorporação do bumba meu boi como símbolo de identidade
tomou novas proporções, a ponto de ser apropriado pelos governantes, com
programação oficial para apresentação e financiamento do poder público.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 103


O Bumba meu boi é uma festa popular de devoção a São João. Seus brincantes

Para saber mais sobre


costumam pagar promessas para o santo. Por essa razão, as apresentações dos
o bumba meu boi, grupos de bumba meu boi acontecem no mês de junho, um mês festivo, com
sua história, seus
ritmos, personagens suas encenações, ritmos e muita alegria. O mês de junho reúne, na verdade,
e enredo, consulte a
obra: AZEVEDO NETO, várias outras manifestações culturais, sendo a época mais festiva do ano para
Américo. Bumba-meu-
boi no Maranhão. São os maranhenses. Atualmente, as apresentações oficiais dessas brincadeiras
Luís: Alumar, 1997.
tem se estendido para o mês de julho (mês de férias escolares), a fim de
atender a demanda do turismo.

Nessa mesma perspectiva, de exclusão e lenta aceitação por parte das elites
e autoridades, está também duas grandes manifestações culturais e religiosas
A estória original é a de
um boi furtado ao amo, da cultura maranhense. O Tambor de Mina e o Tambor de Crioula, ambos
por Pai Francisco, para
atender aos apelos de ligados à herança cultural dos escravos.
sua mulher, Catirina, que,
grávida, desejara comer a
língua de boi (AZEVEDO O Tambor de Mina, manifestação da religião afro-brasileira, foi muito perseguido
NETO, 1997, p. 72).
no século XIX devido suas práticas espirituais serem consideradas como
curandeirismo e magia. A antropóloga Mundicarmo Ferretti (2004) explica que
o Tambor de Mina surgiu com a Casa das Minas-jeje e a Casa de Nagô, datadas
de meados do século XIX, época em que a repressão aos terreiros afro-brasileiros
foram constantemente registradas por jornalistas entre final do século XIX e
primeira metade do século XX. Geralmente, eram cobradas providências das
autoridades para cumprimento das leis criadas para disciplinar a área de saúde
pública e fiscalização dos terreiros. São encontradas nos jornais dessa época
inúmeras notícias sobre batidas policiais a terreiros, prisões de “macumbeiros”,
curandeiros e “pajés”, assim como fechamento de casas de culto. Um caso que
chamou a atenção da imprensa maranhense e resultou em um extenso processo
no final do século XIX, foi a prisão da escrava e pajé Amélia Rosa, no dia 13 de
outubro de 1876, acusada de práticas de feitiços e outras crendices, quando
dançava em um terreiro de sua propriedade.

Pelo menos até metade do século XX a tônica foi a repressão dos cultos afro-
brasileiros, acompanhados de muita resistência por parte de seus adeptos, os
quais puderam manter vivas as práticas religiosas e tradições culturais africanas,
cultuando suas entidades espirituais (voduns e orixás) e mantendo seus rituais.

O Tambor de Crioula, atualmente reconhecido como Patrimônio Imaterial,


é outra prova da diversidade cultural do Maranhão. É uma manifestação
afro-brasileira, com dança e toque de tambores, bastante lúdica, praticada
prioritariamente por negros. Foi bastante reprimida no século XIX, passou

104 Aula 3 - O Maranhão Republicano


por transformações, mas se mantém viva na cultura maranhense, embora
atualmente venha perdendo um pouco da autenticidade, em função do valor
mais artístico dado às apresentações para fins turísticos. Essa dança de roda
acontece ao som do batuque dos tambores, tocados pelos homens, enquanto
as mulheres, chamadas de coreiras, fazem o bailado, cujo ponto culminante é
a umbigada, para desafiar outra participante a entrar no centro da roda.

Festa de Momo

Ao longo do século XX uma das festas populares maranhenses que passou por
mais mudanças foi o carnaval. O carnaval do Maranhão atualmente é bastante
eclético, com o carnaval de rua das batalhas de confete e serpentina, animadas
pelos fofões e cazumbás, o corso, os blocos tradicionais, escolas de samba,
bailes carnavalescos nos clubes particulares, até o fenômeno mais recente
das bandas, especialmente com o ritmo do axé baiano, que se espalham pelo
continente nesse período para animar a festa de momo.

A festa de rua que é o carnaval primordial determinou que


inicialmente fosse desfrutada muito mais pelas classes
populares, visto que as ruas eram lugares degradados e
degradantes pra as elites no tempo colonial e parte do império.
À exceção do entrudo, onde todas as classes e categorias
sociais participavam, o carnaval de São Luís manifestou sua
pujança inicial com as brincadeiras dos escravos e pobres,
trabalhadores braçais, que naturalmente congregavam-se nos
espaços públicos em momentos de liberação de trabalho.
É claro que esta primeira onda foi questionada pelas
elites, quando descobriram os espaços públicos da cidade,
influenciadas pelas modas que vinham da capital do império
ou diretamente da Europa. As ruas precisavam ser 'higienizadas',
mesmo que para passagens até os clubes sociais ou o teatro.
As proibições de ‘ajuntamento’ de massas populares tornam-se
mais frequentes, na mesma proporão em que se multiplicam
os bailes de polka, valsa, mazurca e quadrilhas francesas.
Rapidamente, as adequações sociais do fim do império,
aliadas ao surgimento de uma sociedade operária, permitirão
uma revisão do modelo, trazendo para as ruas o que estava
confinado aos clubes sociais, levando para os clubes sociais
“de segunda” setores populares e, finalmente, ressurgindo nos

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 105


espaços públicos as antigas manifestações populares, agora
sem proibições, porém adaptadas.
Em pouco tempo, este carnaval eclético e ‘democrático’ dará
lugar a uma manifestação predominante, que será o samba
em seus formatos de blocos e turmas, que, impulsionados pela
força nacionalista da identidade musical brasileira, formarão
uma nova hegemonia carnavalesca. Este processo se estenderá
entre os anos 30 e 50 do século XX, para estar completamente
consolidado entre a segunda metade dos anos 60, até os anos
80, quando passará a sofrer declínio (MARTINS, 2000, p. 24-25).

E as “pedras” vão rolar – o ritmo regueiro

Finalmente, para concluir essa aula, vamos falar também do Reggae, afinal, São
Luís também recebeu no século XX o título de Jamaica Brasileira, pela grande
aceitação da música regueira, consolidando a manifestação cultural do reggae
no Maranhão, construindo novas identidades culturais em torno desse ritmo e
tornando-se a opção de lazer de muitos maranhenses. O reggae no Maranhão,
mais especialmente em sua capital São Luís, é um fenômeno recente, datado da
década de 1970, e nesses mais de 40 anos adquiriu grande força como expressão
cultural, sendo uma manifestação que faz parte da cultura maranhense na
atualidade, tendo São Luís como a capital do reggae no Estado.

Segundo alguns estudiosos do tema, são várias as versões sobre a chegada


desse ritmo em São Luís, tais como as captações sonoras de ondas baixas de
rádios amadores, ou por meio das músicas caribenhas ou mesmo através dos
discos que algumas prostitutas do porto recebiam de presente ou como forma
de pagamento (SILVA, 2012).

Nesses primeiros momentos o reggae fazia parte do cotidiano de


alguns poucos segmentos da sociedade, já que nos locais onde
o ritmo costumava tocar, predominava a população negra ou de
baixa renda, sofrendo durante um bom tempo várias formas de
repressão e discriminação, tanto em relação aos frequentadores
dessas festas quanto também à questão de considerá-lo ou não
como parte integrante da cultura maranhense.
[...]
Além do crescimento das radiolas, em quantidade e estrutura,
conquistando cada vez mais espaço na mídia e no gosto

106 Aula 3 - O Maranhão Republicano


popular, aos poucos o reggae atingiu as demais camadas da
sociedade e para isso também contribuiu consideravelmente
a criação dos programas de rádio específicos para música
regueira, na medida em que estes incentivavam também
pessoas de classes sociais mais favorecidas economicamente
a percebê-la de modo diferente e a começar a freqüentar as
festas nos clubes e salões (SILVA, 2012, p. 23-24).

Resumo

Apresentamos nesta aula os aspectos políticos, econômicos e socioculturais


do Maranhão republicano. Sobre a economia, destacamos as crises do setor
produtivo e de organização da mão de obra e os novos investimentos, com
suas duas faces, do crescimento e da exclusão. Na política, a ênfase foi para
a grande marca da realidade maranhense, a política oligárquica, fazendo
do Maranhão praticamente o único Estado que, ainda, mantém uma
dominação política pautada nesse modelo. A sociedade maranhense passou
por modificações, com o grande aumento demográfico, crescimento dos
centros urbanos e as inovações modernas que modificaram o cotidiano, com
destaque para a maior participação feminina no espaço público. Finalmente,
as manifestações da cultura popular maranhense, elevadas ao patamar de
símbolo da identidade regional, não mais perseguidas e desprezadas, e sim
valorizadas culturalmente.

Atividades de Aprendizagem

1. Atualmente o Maranhão é um dos estados brasileiros que apresenta


maiores índices de crescimento econômico, ao mesmo está no topo da lista
daqueles com piores indicadores sociais. Com base em uma análise que
relacione política e economia, aponte alguns elementos que contribuem
para essa desigualdade social em nosso Estado.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 107


2. Aponte algumas das “novidades do progresso” que trouxeram modificações
no cotidiano e no comportamento social dos maranhenses no século XX.

3. O bumba meu boi é atualmente uma das principais referências da cultura


maranhense, mas nem sempre foi assim. Explique esse processo que
transformou o bumba meu boi de manifestação popular perigosa para
símbolo da identidade cultural maranhense.

Referências

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ABRANTES, Elizabeth Sousa. O Dote é a moça educada: mulher, dote e


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Maranhão, 2011.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 109


Aula 4 - Aspectos Turísticos do Maranhão
Contemporâneo

Objetivos
• Apresentar o potencial turístico do Maranhão em suas belezas
naturais, com destaque para a diversidade natural que inclui as
belezas litorâneas e da região sul do Estado;

• Destacar o folclore maranhense com suas lendas e mistérios, danças,


festas e demais manifestações culturais que expressam a sua grande
diversidade cultural;

• Identificar os pontos turísticos relativos à história do Maranhão,


especialmente sua capital São Luís, além das instituições e órgãos
ligados á cultura.

Introdução

Nos últimos anos, muitos maranhenses, brasileiros de outros estados e


estrangeiros têm despertado seu interesse em conhecer o Maranhão, suas
belezas naturais, sua história, especialmente o conjunto arquitetônico que
corresponde ao núcleo inicial da cidade de São Luís, também conhecido
como centro histórico. Seu folclore, especialmente as lendas, festas religiosas
e populares, com destaque para as festas juninas, atraem visitantes de todos
os cantos, contribuindo para a indústria do turismo.

A conquista do título de Patrimônio Cultural da Humanidade, para a cidade


de São Luís, ajudou a projetar a cidade e o Estado na mídia internacional.
A propaganda que tem sido feita em novelas, filmes, documentários, em
propagandas patrocinadas pelo governo, tem fomentado o turismo, um setor
que requer mais investimentos de infraestrutura para receber os visitantes

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 111


e capacitação técnica para o trabalho de visitação guiada. Do ponto de
vista das belezas naturais, destacam-se os Lençóis Maranhenses, com sua
linda paisagem semelhante ao deserto entremeada de lagoas cristalinas,
localizado no norte do Estado; as cachoeiras do sul do Estado, especialmente
do município de Carolina; as praias desse extenso litoral. No aspecto cultural,
o destaque vai para a diversidade de manifestações da cultura popular, no
folclore rico em lendas e mistérios. Apresentaremos agora alguns desses
pontos turísticos naturais, danças, festas, lendas, a partir das informações
contidas especialmente nos sites de cultura e de turismo oficiais do Estado:
www.turismo-ma.com.br e www.cultura. ma.gov.br

4.1 O Maranhão e suas Belezas Naturais

Figura 1 - Chapada das Mesas - Carolina - MA

Fonte: www.intravel.com.br

Cachoeiras, trilhas ecológicas, belas paisagens. São inúmeras as surpresas


que uma viagem à Chapada das Mesas pode revelar ao viajante. As
principais cidades do polo são Imperatriz, Carolina e Riachão, no sul do
Maranhão. As cachoeiras são responsáveis por grande parte do encanto

112 Aula 4 - Aspectos Turísticos do Maranhão Contemporâneo


que envolve a Chapada das Mesas, mas Pedra Caída, localizada a 35 km do
município de Carolina, é com certeza a que mais chama a atenção. Tudo
começa com um rio que em determinado ponto do seu curso encontra uma
fenda. Nesse ponto a água despenca a uma altura de cerca de 50 metros,
formando lá embaixo, entre paredões rochosos, uma piscina natural de
beleza indescritível.

Figura 2 - Lençóis Maranhenses

Fonte: www.viaje.com.br

O Polo Parque dos Lençóis, situado no litoral oriental do Maranhão, envolve


os municípios de Humberto de Campos, Primeira Cruz, Santo Amaro e
Barreirinhas. Seu maior atrativo é o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses,
belo e intrigante fenômeno da natureza, que tem Barreirinhas como principal
portão de entrada. O Parque Nacional dos Lençóis é um paraíso ecológico
com 155 mil hectares de dunas, rios, lagoas e manguezais. Suas paisagens
são deslumbrantes: imensidões de areias que fazem o lugar assemelhar-se
a um deserto. Mas com características bem diferenciadas. Na verdade chove
na região, que é banhada por rios. E são as chuvas, aliás, que garantem aos
Lençóis algumas das suas paisagens mais belas. As águas pluviais formam
lagoas que se espalham em praticamente toda a área do parque, formando
uma paisagem inigualável.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 113


A ilha é rodeada de belas e incomparáveis praias, com a presença de morros e
falésias. Seus ventos fortes, de julho a dezembro, a tornam ideal para esportes
a vela, assim como a grande amplitude das marés, formando grandes faixas
de areia, permitem a prática de esportes com bola, entre tantos outros. No
geral as praias apresentam várias opções de bares, restaurantes e hotéis.
Destacaremos algumas delas:

Figura 3 - Praias de São Luís - MA

Fonte: www.espacoturismo.com

A praia da Ponta D’Areia é a mais próxima do centro da cidade; a praia da


Raposa, localizada no município de mesmo nome, é uma praia de pesca,
que possui a principal colônia de pescadores da região (um atrativo à parte
são as rendas de bilro feitas pelas mulheres); a praia de São Marcos fica no
início da Avenida Litorânea, muito frequentada por moradores e turistas,
especialmente à noite para descontrair nos bares e restaurantes, fazer
exercícios físicos; a praia do Araçagy possui grandes extensões de areia e
dunas altas, é ideal para a prática do surf, e possui um farol de orientação à
navegação; a praia da Guia fica localizada no lado oeste da ilha, é composta
de dunas, vegetação rasteira e recifes, com vista panorâmica do centro da
cidade, sendo muito frequentada pelos moradores da área do Bacanga;
a praia de Panaquatira fica no município de São José de Ribamar, possui
extensa faixa de areia e apresenta ondas fracas, recifes, e mesmo sendo mais
afastada de São Luís é muito procurada por sua preservação.

114 Aula 4 - Aspectos Turísticos do Maranhão Contemporâneo


4.2 Danças e Festas Maranhenses

Dança do Cacuriá

O cacuriá é uma dança típica do estado do Maranhão, surgida como parte


das festividades do Divino Espírito Santo, uma das tradições juninas. A dança
é feita em pares com formação em círculo, o “cordão”, acompanhada por
instrumentos de percussão chamados caixas do Divino (pequenos tambores).
No final da Festa do Divino Espírito Santo, após a chamada derrubada do
mastro, as caixeiras do carimbó podem descansar. É neste momento que elas
passam à porção profana da festa, com o cacuriá. A parte vocal é feita por
versos improvisados respondidos por um coro de brincantes.

Dança de São Gonçalo

A dança de São Gonçalo é um baile popular de caráter religioso de origem


portuguesa, dançado em louvor ao santo português São Gonçalo do
Amarante, que viveu no século XIII. A tradição popular considera São Gonçalo
como um santo casamenteiro e dançador, que tocava viola e convertia as
mulheres dançando com elas, tendo pregos em seus sapatos que feriam seus
pés. Geralmente, a dança é motivada por promessa ou voto de devoção de
alguém. Em frente ao altar, com a imagem do santo, tendo na mão sua viola,
formam-se dois cordões de seis pessoas do sexo feminino. As dançarinas se
alternam, cantando a uma só voz e fazendo movimentos para a esquerda e
para a direita. Os cantos são quadras decoradas ou tiradas de improviso, com
o acompanhamento de viola e rabeca.

Dança do Caroço

De origem indígena, a dança do Caroço se concentra na região do Delta do


Parnaíba, principalmente no município de Tutóia. É executada por brincantes
de qualquer sexo ou idade. As toadas improvisadas são tiradas pelos cantadores
com o acompanhamento dos brincantes que respondem com o refrão,

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 115


acompanhados de instrumentos como caixas (tambores), cuíca e cabaça. Com
roupas simples e livres, os componentes dançam isolados formando uma roda
ou cordão. As mulheres trajam-se com vestidos de corpo baixo, na cor branca,
com gola redonda e mangas com quatro folhos pequenos do mesmo tecido
da saia, que deve ser estampada, franzida e curta, com três folhos.

Dança do Coco

A dança do coco tem sua origem no canto de trabalhadores nos babaçuais do


interior do Maranhão. É uma dança de roda cantada, com acompanhamento de
pandeiros, ganzás, cuícas e das palmas dos que formam a roda. A coreografia
não apresenta complexidade. Como adereços, os componentes da dança
carregam pequenos cofos e machadinhas, imitando os instrumentos de
trabalho nos babaçuais. Além dessas danças, pode-se presenciar, nos arraiais
da cidade, no período dos festejos juninos, outras danças como a quadrilha,
que de forma caricatural retrata uma cena da vida do caipira do Nordeste
brasileiro; a dança da fita e dança portuguesa.

Tambor de Crioula

O Tambor de Crioula é uma das danças folclóricas maranhense de origem


afro-brasileira praticada por descendentes de negros em louvor a São
Benedito, um dos santos mais populares entre os negros. É uma dança
alegre, marcada por muito movimento dos brincantes e muita descontração.
Não existe um dia determinado no calendário para a dança, que pode ser
apresentada, preferencialmente, ao ar livre, em qualquer época do ano.
Atualmente, o tambor de crioula é dançado com maior frequência no
período carnavalesco e durante os festejos juninos. Originalmente não
exigia um tipo de indumentária fixa, mas nos dias atuais a dança pode ser
vista com as brincantes vestidas em saias rodadas com estampas em cores
vivas, anáguas largas com renda na borda e blusas rendadas e decotadas
brancas ou de cor. Os adornos de flores, colares, pulseiras e torços coloridos
na cabeça terminam de compor a caracterização da dançante. Os homens
trajam calça escura e camisa estampada.

116 Aula 4 - Aspectos Turísticos do Maranhão Contemporâneo


Bumba meu Boi

Como cultura regional e popular, o bumba meu boi firmou seu lugar a
partir de meados do século XX, se expandindo nas décadas seguintes.
Essa brincadeira tem vários estilos e sotaques que se diferenciam pelos
instrumentos, indumentárias e pelas formas de expressão. O Boi de
matraca é o sotaque do interior da ilha de São Luís e conta com a presença
de muitos participantes, que de matraca nas mãos, pandeiros, tambor
de onça, cuícas e maracás, dançam e entoam as suas cantigas (Maioba,
Maracanã, Ribamar, Iguaíba e Jaçatuba). O Boi de orquestra, brincadeira
bastante tradicional em São Luís, nas regiões dos rios Itapecuru e no
Munim, utilizando instrumentos de sopro, como pistons, sax, clarinetes,
além de maracás (Axixá, Morros, Rosário, Presidente Juscelino e Nina
Rodrigues). O Boi de zabumba é o mais africano dos ritmos, e espalha-se
do litoral ao sertão, com cantorias ritmadas pela zabumba e maracás. Na
Baixada Ocidental organiza-se com o ritmo de pandeirão (Pindaré, Penalva
e São João Batista) (BOTELHO, 2009, p. 255-256).

Divino Espírito Santo

A Festa do Divino Espírito Santo é uma das manifestações folclóricas


mais ricas do Estado, com as festas mais famosas acontecendo no eixo
São Luís – Alcântara. Apesar da origem comum e pequena distância
entre as duas cidades, há algumas diferenças entre suas comemorações.
Em São Luís, o culto é marcado pelo sincretismo religioso. As tradições
trazidas pelos portugueses receberam contribuições das culturas
indígenas e, principalmente, africanas. O evento não acontece na data
tradicional e não há uma só festa na cidade. Cada comunidade faz a
sua celebração em terreiros de mina diferentes. A Festa do Divino em
São Luís está associada não só ao Espírito Santo, mas também a outros
santos católicos, daí a grande vinculação com a igreja, além de casas de
culto afro-maranhense.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 117


Escola de Samba

As Escolas de Samba são grupos de foliões divididos em alas, que se apresentam


na passarela, fazendo evoluções baseadas em um tema escolhido previamente.
Em São Luís, Maranhão, esses grupos eram conhecidos, originariamente,
como turmas, com destaque para a Turma de Mangueira e do Quinto, as duas
mais antigas escolas de samba de São Luís. Dos grupos antigos, destaca-se a
presença, desde 1936, do Bloco Fuzileiros da Fuzarca, que não se tornou escola
de samba e preserva até hoje o batuque ou a “Batucada dos Fuzileiros”, como é
popularmente conhecida. [...] Outras escolas também colaboram culturalmente
com seu encanto, entre elas a Favela do Samba, Flor do Samba, Império Serrano,
Marambaia, Mocidade Independente da Ilha, Unidos de Fátima, Unidos de
Ribamar e Terrestre do Samba (MARQUES; PADILHA, 2012, p.29).

Festejo de São Raimundo dos Mulundus

Festa religiosa que ocorre na cidade de Vargem Grande, uma romaria secular
do festejo de São Raimundo Nonato dos Mulundus, realizada anualmente de
22 a 31 de agosto nessa cidade do sertão maranhense, em honra a este santo
popular, que era um homem da lida do gado. Os romeiros saem da Praça da
Matriz, onde fica a Igreja de São Sebastião e o Santuário de São Raimundo
dos Mulundus, na alvorada, para percorrer seis quilômetros até o povoado de
Paulica, onde está a capela erigida por devotos do santo para recebê-lo em
festa. O destaque vai para a indumentária de muitos participantes, montados
a cavalo, usando gibão de couro e demais acessórios que compõem a
vestimenta do vaqueiro.

4.3 Pontos Históricos para o Turismos em São Luís

As informações sobre os pontos turísticos foram extraídas das obras de


BOTELHO, Joan. Conhecendo a História do Maranhão. São Luís: Gráfica e Editora

118 Aula 4 - Aspectos Turísticos do Maranhão Contemporâneo


Impacto, 2009; e MARQUES, Dalcilene Ramos; PADILHA, Márcia Verônica
Santos. A Cultura maranhense e sua culinária típica. São Luís: EDUEMA, 2012.

• Teatro Arthur Azevedo – Considerado o segundo mais antigo teatro


do Brasil, localizado na rua do Sol (Nina Rodrigues), foi reconstruído
em 1989, tendo capacidade para 750 espectadores, distribuídos em
quatro andares. É um dos mais belos do Brasil. Foi chamado de teatro
União, depois São Luís. O nome atual é uma homenagem ao grande
dramaturgo maranhense.

• Palácio dos Leões – Os lusos espanhóis o construíram no local onde


se localizava o forte São Luís (depois denominado de forte São Felipe).
A estrutura atual data do século XVIII, sendo mantida por sucessivas
reformas. O palácio dos Leões é a sede do governo.

• Palácio La Ravardiére – Construído em 1689, é a atual sede da


prefeitura municipal. No largo do palácio está um busto de Daniel de
La Touche, Senhor de La Ravardiére, considerado o fundador da cidade.

• Igreja da Sé – Antiga Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, foi


construída em 1713. Possui um belo estilo neoclássico e o seu altar é
talhado em ouro. Abriga lápides da elite dos séculos XVIII e XIX. Por ser
referência religiosa, transformou-se na arquidiocese de São Luís.

• Igreja de Nossa Senhora do Carmo – A igreja foi construída no


século XVII, pertencendo inicialmente à ordem dos padres carmelitas,
posteriormente passou para o controle dos capuchinhos. Foi palco da
luta entre portugueses e holandeses. Está localizada entre a rua da Paz
e a praça João Lisboa.

• Igreja da Nossa Senhora dos Remédios – É uma das mais belas


igrejas do Maranhão, foi construída em 1719, em estilo gótico. Está
localizada em frente a praça Gonçalves Dias.

• Igreja do Desterro – Está localizada no bairro do Desterro. É a mais


antiga igreja construída no Maranhão pelos portugueses (1615). Foi
demolida na invasão holandesa e reconstruída pelos moradores.

• Igreja de Santo Antônio – Ligada ao seminário e convento, foi aberta


em 1867. No interior do templo se destaca as capelas do Senhor Bom
Jesus dos Navegantes e do Senhor Bom Jesus da Coluna.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 119


• Capela das Laranjeiras – Também conhecida como Quinta do Barão,
é atualmente um anexo do Colégio Maranhense (Maristas). Teve sua
construção autorizada em 1811. Possui uma varanda com entrada
lateral e sacristia.

• Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho – Localizado no


centro histórico de São Luís, o centro mantém um rico acervo em peças
variadas de manifestações culturais do Maranhão. São artefatos de
penas, indumentárias, instrumentos musicais e peças religiosas, que
referenciam o carnaval, tambor de mina, tambor de crioula, bumba
meu boi dentre outras manifestações.

• Centro de Atividades Odylo Costa Filho – Compõe o Projeto Reviver


na Praia Grande. Trata-se de espaço formado por galeria, cinema,
teatro e centro de conferência. É o antigo armazém da Praia Grande.

• CEPRAMA – Localizado no bairro da Madre de Deus, funcionou uma


das mais importantes fábricas têxteis do século XIX: a Companhia de
Fiação e Tecidos de Cânhamo. Atualmente o CEPRAMA é um espaço de
eventos culturais e de exposição e comércio de artesanatos.

• Convento das Mercês – É uma das mais belas construções religiosas


do Maranhão. Foi construído em 1654, pelos religiosos mercedários,
sendo inaugurado pelo padre Antônio Vieira. No local hoje funciona
a Fundação da Memória Republicana. Está localizado no bairro do
Desterro.

• Museu de Artes Sacras – Anexo ao Museu Histórico, funciona no solar


do Barão de Grajaú. Seu acervo, que pertence em parte à arquidiocese
de São Luís, é composto por peças dos séculos XVIII e XIX nos estilos
maneirismos, rococó, barroco e neoclássico.

• Museu de Artes Visuais – Ocupa um sobrado de fachada revestida de


azulejos portugueses, onde estão instaladas uma pequena biblioteca
e a Galeria Nagy Lagos. Concentra obras de autores maranhenses. No
seu acervo destacam-se arte em fotografia, azulejaria e outras obras
artísticas.

• Cafua da Mercês – (Museu do Negro) – Instalado como anexo do


Museu Histórico, o museu do negro é um espaço de pesquisa e
visitação. Possui peças valiosas relacionadas com a cultura negra. No
local funcionou um antigo mercado de escravos.

120 Aula 4 - Aspectos Turísticos do Maranhão Contemporâneo


• Museu Histórico e Artístico do Maranhão – Instalado num típico
casarão neoclássico do século XIX, também denominado de Solar
Gomes de Sousa, foi inaugurado em 1973. Localiza-se no centro de
São Luís, na rua do Sol.

• Casa do Maranhão – É um espaço cultural onde fica expostos objetos


que simbolizam a cultura maranhense, através de miniaturas, réplicas,
instrumentos musicais, indumentárias e outros. Está localizado no
antigo prédio da Alfândega, datado de 1873.

• Casa de Nozinho – Está instalada em um dos mais imponentes prédios


coloniais do Centro Histórico. O nome do espaço é uma homenagem ao
artesão maranhense que, ao longo da vida, confeccionou brinquedos
e figuras do folclore em buriti.

• Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do


Maranhão – Fundado em 2002, o CPHNAMA tem como finalidade o
estudo, valorização e preservação do acervo patrimonial maranhense,
especificamente os recursos e bens arqueológicos, paleontológicos e
a cultura material e tradições dos povos indígenas no Maranhão.

• Fonte do Ribeirão – Localizada no centro de São Luís, a fonte abastecia


de água a cidade. Na sua construção destacam-se pedras de Cantaria
e seu interior está ligado por uma grande galeria que liga a fonte a
outros locais do centro da cidade.

• Fonte das Pedras – Localizada próximo ao Mercado Central, a


fonte das pedras já é conhecida desde o século XVII, pois serviu de
acampamento para os portugueses na luta contra os franceses.

• Pedra da Memória – Foi construída no Campo de Ourique no ano


de 1841, em homenagem à coroação de D. Pedro II. Hoje situa-se na
Avenida Beira Mar.

Museu da Balaiada – Está localizado na cidade de Caxias e


contém diversos artefatos, peças e indumentárias da época da
Balaiada. É uma forma de resgate da memória de uma das mais
importantes lutas do Brasil do século XIX.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 121


4.4 Lendas e Mistérios do Maranhão

A Carruagem de Ana Jansen

A lenda sobre a Carruagem de Ana Jansen diz que uma carruagem, puxada
por cavalos decapitados e tendo um cocheiro escravo igualmente sem
cabeça, percorria as ruas de São Luís, às sextas-feiras à noite. A carruagem
saia do antigo Cemitério dos Passos, com a alma penada de Dona Ana Jansen
dentro do coche, carregando uma vela acesa que, se fosse recebida por algum
notívago, amanheceria transformada em osso de defunto. Esse seria o suplício
de Ana Jansen, uma pena que o inconsciente coletivo aplicou á memória
dessa matriarca.

Lenda da Serpente de São Luís

Conta-se que uma serpente encantada, que cresce sem parar, um dia destruirá
a ilha, quando a cauda encontrar a cabeça. O animal gigantesco habitaria as
galerias subterrâneas que percorrem o Centro Histórico de São Luís e, embora
seu corpo descomunal esteja em vários pontos da cidade (a barriga na Igreja
do Carmo, a cauda na Igreja de São Pantaleão), o endereço mais certo do
bicho é a secular Fonte do Ribeirão. Há quem garanta ser possível observar,
através das grades que isolam as entradas do monumento, os terríveis olhos
do animal.

Lenda do Palácio das Lágrimas

Na rua 13 de maio, em frente a Igreja São João e no canto com a rua da Paz
havia um casarão de três pavimentos. Sobre o imóvel foram inventadas várias
lendas, das quais se destaca a seguinte: Dois irmãos portugueses vieram ao
Maranhão para buscar riqueza. Um deles conseguiu enquanto o outro jamais
saiu da pobreza. Cheio de inveja, o irmão pobre resolveu assassinar o outro a
fim de herdar a grande fortuna, já que o irmão rico vivia amasiado com uma

122 Aula 4 - Aspectos Turísticos do Maranhão Contemporâneo


escrava e não tinha filhos legítimos, já que seus filhos eram fruto de uma
união ilegal. Após o assassinato e de posse dos bens herdados, passou a
tratar os escravos, inclusive a ex-mulher do irmão e seus filhos, com extrema
crueldade. Certo dia, quando um de seus sobrinhos descobriu que fora ele
o assassino de seu próprio irmão, matou-o, após arremessá-lo de uma das
janelas do sobrado. Descoberto o crime, e por ser escravo, seu autor foi
condenado a morte na forca levantada em frente ao sobrado. No momento
do enforcamento, o condenado amaldiçoou o sobrado com essas palavras
“Palácio que viste as lágrimas derramadas por minha mãe e meus irmãos.
Daqui por diante serás conhecido como palácio das lágrimas”. E assim o
sobrado passou a ser chamado.

Lenda da Manguda

No final do século XIX, um fantasma assombrava a região onde hoje fica a


Praça Gonçalves Dias. Era a Manguda, cujos relatos mais remotos dão conta
de tratar-se de uma figura alva como um lençol e com uma estranha luz na
cabeça. Embora tenha feito muita gente correr, descobriu-se mais tarde que
o famoso fantasma não passava de fraude. A brincadeira de mau gosto foi
na verdade invenção de contrabandistas, com o objetivo de expulsar curiosos
das ruas enquanto cometiam seus crimes.

Milagre de Guaxenduba

Conta-se que no principal combate travado entre portugueses e franceses, no


dia 19 de novembro de 1614, no forte de Santa Maria de Guaxenduba, quando
os portugueses estavam por ser derrotados por sua inferioridade de homens,
armas e munições, surgiu entre eles uma formosa mulher envolta em auréola
resplandecente. Ao contato de suas mãos milagrosas, a areia era transformada
em pólvora e os seixos em projéteis, fazendo com que os portugueses se
revigorassem moralmente e derrotassem os franceses. Em memória deste
feito, foi a virgem considerada a padroeira da cidade, sob a invocação de
Nossa Senhora da Vitória.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 123


Lenda do Touro Negro

É um grande touro negro, com uma estrela brilhante na testa, que aparece em
noites de sexta-feira, na ilha dos Lençóis. Com uma área não maior que 9 km²
e cerca de 400 habitantes, a 155 km a oeste de São Luís, essa ilha faz parte do
arquipélago de Maiaú, município de Cururupu, Maranhão. Dizem alguns que
Dom Sebastião costuma aparecer principalmente em junho, durante as festas
do bumba-meu-boi, e em agosto, época do aniversário da batalha de Alcácer-
Quibir, em que o rei português desapareceu em combate.

Resumo

Nesta última aula, sobre o potencial turístico do Maranhão, mostramos


algumas de suas belezas naturais, representadas nas belas dunas dos Lençóis
maranhenses, nas cachoeiras do sul do Maranhão, assim como as praias
do grande litoral desse estado. Do ponto de vista dos atrativos históricos,
além da parte antiga da cidade que é um museu a céu aberto, apontamos
também vários lugares onde é possível conhecer um pouco mais da história
do Maranhão, a exemplo dos museus, das igrejas, das fontes históricas.
Finalmente não poderíamos deixar de registrar as lendas e mistérios que
fazem o encanto dessa região meio-norte, que dão alma a esse povo singular
que é o maranhense.

Atividade de Aprendizagem

1. Escolha uma das belezas naturais que compõem o cartão postal do


turismo no Maranhão e mostre como você a apresentaria para um
visitante.

124 Aula 4 - Aspectos Turísticos do Maranhão Contemporâneo


2. Pesquise sobre o título de Patrimônio Cultural da Humanidade dado a São
Luís em 1997, qual sua importância para a preservação desse conjunto
arquitetônico, e o que é necessário para manter essa importante conquista
que tanto orgulha os maranhenses.

3. Pesquise mais sobre a Lenda de Ana Jansen e explique as razões do


imaginário em torno dessa mulher que viveu em São Luís no século
XIX e despertou tantos história e mitos, assim como quais seriam os
interesses em afastar os curiosos das noites pouco iluminadas de São
Luís disseminando o medo.

Referências

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de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

Universidade Estadual do Maranhão - UEMA / e-Tec Brasil 125


Considerações Finais

Ao longo desse estudo foi possível conhecer muitos aspectos da história do


Maranhão, suas riquezas, singularidades, mitos e lendas que ajudam a povoar
o imaginário social. Procuramos mostrar também o Maranhão atual, com suas
riquezas naturais e culturais, de grande potencial turístico.

Foi dado um destaque para cidade de São Luís por ser a capital do Estado,
principal centro econômico e político, palco de muitos acontecimentos
marcantes (revoltas, invasões e greves), carro-chefe das inovações culturais
e dos costumes urbanos. No entanto, procuramos também fazer a crítica da
historiografia que durante muito tempo confundiu a história da cidade com
a da própria região como um todo, mostrando que a história do Maranhão
é mais complexa e não se restringe ao litoral. Por essa razão, destacamos a
formação socioeconômica do sertão maranhense, marcada pela cultura do
vaqueiro, o que a fez ser conhecida como “civilização do couro”.

Essa crítica não nos impede de destacar o fato de que a parte antiga de São
Luís, que corresponde ao centro histórico, é um verdadeiro museu a céu aberto.
Quando andamos por suas ruas histórias parece que revivemos um pouco da
história dessa velha cidade, e com um olhar mais sensível, é possível perceber
os detalhes dessa arquitetura urbana nas fachadas azulejadas, nas grades nas
sacadas das janelas, nas pedras de cantaria, os lampiões, mesmo sendo réplicas
dos existentes. A espessura das paredes dos casarões é de causar espanto,
principalmente quando lembramos todo o esforço e sofrimento imputados
aos trabalhadores que ergueram essas imponentes construções, os escravos.

A velha São Luís resiste ao tempo e ao abandono, pois mesmo com título
de Patrimônio Cultural da Humanidade, a velha cidade encontra-se muito
deteriorada, com muitos casarões ameaçando desabar, além da já conhecida
paisagem da vegetação que cobre muitos prédios antigos, o que vem sendo
chamado pelos estudiosos da cidade como as “ruínas verdes”.

Saindo do litoral, nos deparamos com outros cenários. Ao viajar por


esse extenso território maranhense, usando o transporte rodoviário,
contemplamos as lindas palmeiras de babaçu, mas também vemos muitas
casas de barro e muita cerca demarcando as grandes propriedades, um

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contraste que mostra bem a realidade do Maranhão. As palmeiras de babaçu
estão escasseando, o que é muito preocupante. Mas, a impressão ao ver as
casas de barro cobertas de palha é que estamos nos transportando para
outras épocas do passado maranhense. Já as cercas não nos deixam esquecer
essa característica da estrutura fundiária de nosso Estado, que se acentuou
mais ainda nos últimos cinquenta anos com uma política desenfreada de
incentivos ao latifúndio, promovendo a expulsão dos trabalhadores do
campo e muitos conflitos agrários.

Continuando essa viagem, percebemos que em outras regiões do Estado as


mudanças são profundas, a exemplo do sul do Maranhão, e mais recentemente
o Baixo Parnaíba, com uma nova paisagem moldada pelo plantio de soja,
destruindo as matas e os campos outrora utilizados para a criação de gado, o
que implica também em mudanças culturais.

Como você pode perceber, a fim de propiciar conhecimento para entender


o Maranhão contemporâneo, fizemos uma longa viagem por quatro séculos
de sua história, e essas considerações finais são reflexões para um olhar
mais crítico da nossa realidade. Deixo a você meus votos de sucesso nessa
caminhada em busca de uma qualificação profissional, com dedicação, ética
e compromisso.

Currículo da professora-autora
Doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense,
professora Adjunta do Departamento de História e Geografia, da
Universidade Estadual do Maranhão. Publicou pela editora UEMA as
coletâneas: Fazendo Gênero no Maranhão: estudos sobre mulheres
e relações de gênero - séculos XIX e XX (2010); São Luís do Maranhão:
novos olhares sobre a cidade (2012); e o livro O Dote é a Moça Educada:
mulher, dote e instrução em São Luís na Primeira República (2012).

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