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teresinha queiroz
pedro vilarinho castelo branco
(organizadores)

Páginas impressas
história, imprensa e política no Brasil
Copyright © 2020 by Teresinha Queiroz, Pedro Vilarinho Castelo Branco
Todos os direitos reservados.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que


entrou em vigor no Brasil em 2009.

Projeto gráfico e diagramação


Ronyere Ferreira

Capa
Lucas Rolim

Atualização ortográfica e revisão


Teresinha Queiroz, Maria do Socorro Rios Magalhães, Luís Washington Ramos

Editora Mentes Abertas

Conselho editorial
Prof. Dr. Fábio Marques de Souza (UEPB, Brasil)
Prof. Dr. Maged Talaat Mohamed Ahmed Elgebaly (Aswan University, Egito)
Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri-Kaneoya (UNESP, Brasil)

Comitê científico da obra


Prof. Dr. Afrânio Mendes Catani (usp, Brasil)
Prof. Dr. Christian Fernando dos Santos Moura (ifsp, Brasil)
Profa. Dra. Cristiane Navarrete Tolomei (ufma, Brasil)
Profa. Dra. Eva Paulino Bueno (St. Mary´s University, Estados Unidos)
Prof. Dr. José Manuel Simões (Universidade de São José - USJ, Macau-China)
Prof. Dr. José Veranildo Lopes da Costa Junior (uern, Brasil)
Profa. Dra. María Isabel Pozzo (irice-Conicet-unr, Argentina)
Prof. Dr. Nefatalin Gonçalves Neto (ufrpe, Brasil)
Prof. Dr. Samir Mustapha Ghaziri (Mentes Abertas, Brasil)

Dados internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)

P136 Páginas impressas: história, imprensa e política no Brasil /


organizadores, Teresinha Queiroz, Pedro Vilarinho Castelo Branco.
– São Paulo: Mentes Abertas, 2020.

520 p.: il.

ISBN: 978-65-87069-48-7

1. Historiografia. 2. História. 3. Imprensa brasileira. 4. Política. I.


Título. II. Queiroz, Teresinha. III. Castelo Branco, Pedro Vilarinho.

21. ed. CDD 907.2

Elaborada por Giulianne Monteiro Pereira CRB 15/714


Sumário

Apresentação.............................................................................. 9
Pedro Vilarinho Castelo Branco
Teresinha Queiroz

1. Imprensa e política no Piauí, no Período Regencial e


início do Segundo Reinado......................................................... 19
Pedro Vilarinho Castelo Branco

2. A imprensa e o antilusitanismo no Maranhão:


ativismo político do jornalismo maranhense no
pós-independência – o caso da Setembrada (1831)..................... 51
Elizabeth Sousa Abrantes
Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus

3. Ressentimentos políticos e relações de poder no jornalismo


de Lívio Lopes Castelo Branco: 1835-1852................................. 75
Flávio Fernandes Carvalho

4. Uso político da Guerra do Paraguai na imprensa


oitocentista.................................................................................. 109
Monique Hellen Santos Reis Cerqueira
Edna Maria Matos Antônio

5. “Traço íntimo do passado”:


anúncios de fuga nos jornais do século xix................................ 133
Talyta Marjorie Lira Sousa Nepomuceno

6. Polêmicas ideológicas entre Tobias Barreto e


os padres do Maranhão em 1883 nos jornais Diário de
Pernambuco e Civilização............................................................. 161
Eduardo Albuquerque Rodrigues Diniz
Teresinha Queiroz
7. Teatro, imprensa e civilidade:
o lazer em Teresina nas décadas finais do século xix.................. 201
Ronyere Ferreira

8. Entre o imperador e o presidente:


Cardoso Vieira, Elyseu César e a atuação de intelectuais
negros paraibanos em jornais e periódicos (1875-1923)............. 227
Julio César Pereira dos Santos

9 A imprensa feminina em Teresina:


o jornal Borboleta: 1904-1906....................................................... 259
Nino Cesar Dourado Barros

10. Combatendo novas e velhas heresias:


os embates religiosos em jornais e relatos de memória no
Piauí entre os anos 1880 e 1920.................................................. 291
Rônery Danilo Monte Soares
Pedro Vilarinho Castelo Branco

11. Corpo, esporte e saúde em Teresina...................................... 319


Fransuel Lima de Barros

12. O jornal O Apóstolo no cenário da imprensa do Piauí


no início do século XX................................................................ 335
Bianca Moura da Silva
Pedro Vilarinho Castelo Branco

13. Adjetivações na imprensa caxiense:


os dizeres em prol de um homem público ideal na
Primeira República em Caxias (MA)........................................... 367
Jakson dos Santos Ribeiro
14. Esgrimas para dizer uma coisa ausente:
Júlio, Chateaubriand e outros ideólogos do Brasil em suas
incursões pela imprensa (São Paulo, década de 1920).................. 383
Fábio Leonardo Castelo Branco Brito
Francisco Adriano Leal Macêdo

15. A Revista da Associação Piauiense de Medicina e a atuação


médica nas décadas de 1930 e 1940............................................ 401
Lívia Suelen Sousa Moraes Meneses
Elizangela Barbosa Cardoso

16. O. G. Rego de Carvalho e as disputas


literárias na imprensa teresinense: escrevendo os 433
ressentimentos.................................
Natália Ferreira de Sousa
Teresinha Queiroz

17. “Quem anda, quem transa, quem lê jornal”:


o jornalismo de Torquato Neto.................................................... 461
Edwar Castelo Branco

18. O jogo político democrático nas páginas d’O Liberal:


os períodos eleitorais de 1974 e 1976......................................... 479
Alessandra Lima dos Santos
Cláudia Cristina da Silva Fontineles

Sobre os autores.......................................................................... 511


Apresentação

Pedro Vilarinho Castelo Branco


Teresinha Queiroz

Os historiadores, durante muito tempo, tiveram um certo pu-


dor quanto à utilização dos jornais como fonte de pesquisa. A busca
pela verdade histórica, pela cientificidade e a crença de que era
possível encontrar um discurso que expressasse o “acontecido” re-
pousavam na oficina dos historiadores como algo a ser alcançado,
uma meta digna de todos os esforços, uma vez que se acreditava que
isso era algo possível, realizável. Para tanto, um dos pressupostos
necessários era a escolha de fontes fidedignas, confiáveis. A aspira-
ção pela verdade histórica fazia com que os historiadores despre-
zassem os jornais enquanto fontes documentais, pois, ao considerar
suas inegáveis relações com a política, com as disputas partidárias,
com as verdades de grupos de interesses, os periódicos terminavam
por trair o compromisso de fidelidade aos ditos fatos reais.
Embora, ao longo do tempo, as fontes hemerográficas não te-
nham servido como documentos relevantes aos historiadores, ainda
no século XIX, os jornais começaram a ser percebidos como uma
possibilidade de objeto de estudo da história. A imprensa, proibi-
da no Brasil durante o período colonial, só passou a ser permitida
após a instalação da família real portuguesa no Rio de Janeiro, em
1808. Contudo, já no ano de 1846, aparece um apanhado da trajetó-
ria da imprensa no Brasil, dando conta da forma como rapidamen-
te propagou-se e arraigou-se no país, sobretudo, na vida política
brasileira. No referido ano, Francisco de Sousa Martins ofereceu
ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), um artigo
intitulado Progreso do jornalismo no Brasil, em que faz uma ex-
planação sobre o percurso histórico da imprensa brasileira e como
essa atividade, com menos de 40 anos, após seu início no Rio de
Janeiro, já se espraiava por quase todas as províncias do Império,
assumindo, em cada uma delas, dinâmica própria, em conformida-
de com as condições políticas, mas, principalmente, condicionada
pela intensidade das atividades econômicas e ainda pela dinâmica
cultural do meio social em que estava inserida.
Na segunda metade do século XX, os jornais absolutamente
resgatados da sua condição de pária, na oficina dos historiadores,
assumiram papel de destaque, de fonte documental relevante, para
pesquisadores que pretendiam conhecer a dinâmica cultural de
uma sociedade, que indagavam sobre as transformações nas práti-
cas cotidianas, que buscavam entender os embates mais diversos,
sejam no campo da política, da religião, das sociabilidades, ou dos
valores sociais, em síntese, das mais diversas formas de perceber,
sentir e dizer o mundo a nossa volta.
Os capítulos reunidos neste livro dão visibilidade ao trabalho
de historiadores vinculados a programas de Pós-Graduação em
nosso país e que problematizam a relação entre História e Impren-
sa, seja a imprensa utilizada como fonte documental, seja como
objeto de estudo, explorando a riqueza e a diversidade de possibi-
lidades da relação entre esses dois campos culturais.
O capítulo inicial de Pedro Vilarinho Castelo Branco, Imprensa
e política no Piauí, no Período Regencial e início do Segundo Reinado,
direciona o foco de análise para o Piauí, província situada em con-
texto geográfico específico e marcada por dinâmicas econômicas e
culturais próprias. A pretensão do autor é contribuir para a análise
da imprensa jornalística do Piauí, no seu nascedouro, pois aborda
dois, dos três primeiros jornais que circularam na referida provín-
cia nas longínquas décadas de 1830 e 1840. A intenção é entender
as circunstâncias de criação da imprensa no Piauí no Período Re-
gencial e, de forma mais detida, analisar os jornais O Correio, publi-
cação da Assembleia Legislativa do Piauí e O Telégrafo, que, mes-
mo sendo o terceiro jornal criado no Piauí, ganhou relevância pela
quantidade de números publicados e pela relação direta que teve
com a Balaiada, movimento rebelde ocorrido no Período Regencial
brasileiro e que envolveu as províncias do Piauí, Maranhão e Ceará.
Na sequência, Elizabeth Abrantes e Yuri Givago Alhadef Sam-
paio Mateus analisam a imprensa na província do Maranhão no
contexto das disputas entre lusitanos e antilusitanos, no pós-inde-
pendência do Brasil. Os começos da construção da ordem imperial
foram conturbados, sendo que os embates mais frequentes eram

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as disputas por espaços institucionais de poder, principalmente,
envolvendo os portugueses instalados no Brasil e que procuravam
manter espaços políticos relevantes, o que os brasileiros conside-
ravam um acinte ao Brasil, chegando, em alguns casos, a reverberar
em movimentos de rebelião como foi o caso da Setembrada, no
Maranhão (1831-1832). Os embates entre lusitanos e brasileiros ga-
nharam as páginas dos jornais maranhenses, servindo como meio
de disputas discursivas que procuravam formar a opinião pública
e favorecer os interesses defendidos pelos articulistas. No capítulo
A imprensa e o antilusitanismo no Maranhão: ativismo político do jorna-
lismo maranhense no pós-independência – o caso da Setembrada (1831),
os autores analisam esses conflitos discursivos, tendo como foco
as ideias presentes nos jornais O Farol Maranhense e o Publica-
dor Oficial, representando, respectivamente, os liberais exaltados e
a imprensa oficial do governo provincial, dois impressos que dão
mostras dos embates e do ativismo político no jornalismo mara-
nhense no pós-independência.
No capítulo Ressentimentos políticos e relações de poder no jor-
nalismo de Lívio Lopes Castelo Branco: 1835–1852, Flávio Fernandes
Carvalho dirige o foco da análise para o emblemático e controverso
político e jornalista piauiense, Lívio Lopes Castelo Branco. O ca-
pítulo revela Lívio Lopes como um liberal exaltado, que se envolve
em rebeliões armadas como a Balaiada em 1839 e, anos depois, no
movimento conhecido como Ajuntamento do Exu, nas províncias
de Pernambuco e Ceará. Articulava-se nas fileiras do partido liberal
no norte do Brasil, participava de conversações que tinham claros
interesses de redefinir a ordem política no Império, formatando-a
dentro de parâmetros liberais exacerbados. As fortes vinculações
entre política e jornalismo no século XIX brasileiro levaram Lí-
vio Lopes Castelo Branco a criar os primeiros jornais de oposição
política no Piauí. Esse personagem é apresentado como jornalista,
como político de perfil liberal exaltado, experimentando algumas
vitórias, mas significativos reveses que dilatavam as frustrações e os
ressentimentos que marcaram a vida desse revolucionário/político/
jornalista no Piauí/Brasil imperial.
No seguimento da coletânea, os capítulos passam a tratar a
imprensa e as suas abordagens nas últimas décadas do Império.
Assim, as historiadoras Edna Maria Matos Antônio e Monique Hel-

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len Cerqueira abordam a imprensa oitocentista e a forma como é
representada, discursivamente, a Guerra do Paraguai, elaborando
uma narrativa que constrói positivamente o conflito, pois ele seria
importante para a definição e legitimação de identidade e da cul-
tura nacionais, para o fortalecimento dos sentimentos de pertenci-
mento à nacionalidade brasileira. Na narrativa de muitos jornais, a
guerra deveria ser percebida também como legitimadora da ordem
social e mesmo da autoridade imperial, que se via em campo de ba-
talha, na defesa dos interesses, do território e dos valores da nação.
Esses são os centros da argumentação desenvolvida no capítulo
Uso político da Guerra do Paraguai na imprensa oitocentista.
O Brasil das últimas décadas do século XIX era uma sociedade
que ainda trazia consigo profundas marcas do passado colonial.
Os jornais impressos como espaços de recolhas de informações,
de práticas vividas, de lugar que dava visibilidade a interesses e
demandas sociais foi se tornando também o espaço para anúncios
diversos que tinham relações com a escravidão. É essa particula-
ridade que Talyta Marjorie Lira Sousa Nepomuceno problematiza
no capítulo intitulado Traço íntimo do passado: anúncios de fuga nos
jornais do século XIX. A autora demonstra em seu capítulo que os
anúncios de jornais possibilitam conhecer descrições físicas de es-
cravos, dão visibilidade a corpos que carregam consigo sua histó-
ria, porém, mais que isso, carregam as formas de percepção e uso
do corpo do escravo. A autora aborda ainda as táticas que os escra-
vizados em fuga usavam para burlar as estratégias de vigilância da
sociedade, lançando mão de práticas e usos dos homens livres para
se misturar a eles. Um outro aspecto interessante é que, ao alargar
o espectro da sua pesquisa documental e analisar anúncios nas
províncias do Piauí, Maranhão e Ceará, consegue também descor-
tinar as rotas de fuga e, muitas vezes, os interesses que levavam os
escravizados a fugir.
No capítulo Polêmicas ideológicas entre Tobias Barreto e os padres
do Maranhão em 1883 nos jornais Diário de Pernambuco e Civilização,
Eduardo Diniz e Teresinha Queiroz problematizam o universo in-
telectual do norte do Brasil nos anos 1880, mostrando como a im-
prensa escrita, assumia, naquele contexto, o importante papel de
divulgar as novas ideias que povoavam o mundo intelectual brasi-
leiro, dando visibilidade a propostas novas, de diferentes vertentes

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ideológicas que pretendiam mudar a percepção da realidade brasi-
leira, bem como criar estratégias de ação para influenciar e mesmo
tutelar a sociedade na construção de novos valores sociais e cultu-
rais. O foco da análise direciona-se para polêmicas ideológicas que
envolveram Tobias Barreto, catedrático da Faculdade de Direito do
Recife e defensor de ampla reforma, não só do ensino jurídico no
Brasil, mas também da incorporação de novas formas de dizer e
perceber o Estado, a sociedade e a cultura. As novas percepções
de mundo difundidas por Tobias Barreto, na sociedade brasileira,
entravam em conflito com o discurso católico ultramontano, que
tinha grande aceitação em muitas dioceses do Brasil e que procu-
rava, naquele contexto, reformar o catolicismo e ampliar sua base
social, bem como seu prestígio político no país. O conflito de ideias
e de proposições que objetivavam atuar na sociedade, no sentido
de reformá-la, acabou por reverberar nas páginas da imprensa es-
crita, particularmente nos jornais Civilização, articulado pelos clé-
rigos da Diocese do Maranhão, e o Diário de Pernambuco, jornal
sediado em Recife e que republicava os escritos dos padres do Ma-
ranhão, bem como as respostas de Tobias Barreto. Dessa forma, os
jornais assumem papel de destaque na divulgação das polêmicas e
dos embates, que são o centro da análise proposta.
Na sequência, o capítulo Teatro, imprensa e civilidade: o lazer
em Teresina nas décadas finais do século XIX, subscrito por Ronyere
Ferreira, utiliza os jornais que circulavam em Teresina nas últimas
décadas do século xix, como fonte documental para pensar as rela-
ções entre teatro, lazer e imprensa, pois os jornais, mesmo continu-
ando a ter um perfil majoritariamente político, já abriam espaços
cada vez mais significativos para aspectos ligados à cultura literária
ou a comentários sobre a vida social. A cidade de Teresina, embora
de perfil provinciano, procurava aproximar-se de práticas culturais
presentes em áreas urbanas mais desenvolvidas e engajadas na mo-
dernidade. Segundo Ronyere Ferreira, esses anseios de polidez e
urbanidade são problematizados nos jornais da cidade, nos quais
podemos perceber ainda a atuação dos principais sujeitos ligados
ao fazer teatral, as polêmicas e os sentidos de civilidade atribuídos
ao teatro como uma prática cultural.
No capítulo de Julio César Pereira dos Santos, Entre o impera-
dor e o presidente: Cardoso Vieira, Elyseu César e a atuação de intelectu-

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ais negros paraibanos em jornais e periódicos (1875-1923), a imprensa é
percebida como espaço de projeção e inserção social e política de
intelectuais negros no meio século que engloba o final do Império
e a as décadas iniciais da República no Brasil, período marcado por
profundas mudanças estruturais na sociedade, mas também carac-
terizado pela permanência de muitas ideias preconcebidas de raça
e classe, o que dificultava a inserção social e a participação política
dos afrodescendentes na vida política do Brasil. Nesse contexto, a
imprensa foi um dos meios utilizados por alguns homens negros,
bem escolarizados, na busca de projeção e ascensão social.
O capítulo Combatendo novas e velhas heresias: os embates religio-
sos em jornais e relatos de memória no Piauí entre os anos 1880 e 1920,
de Rônery Danilo Monte Soares e Pedro Vilarinho Castelo Branco
direciona o uso dos jornais para lançar luzes sobre os embates reli-
giosos no final do século XIX e início do século XX, período esco-
lhido pelos autores para a investigação. A Igreja Católica enfrentava
significativas críticas e oposição de intelectuais ligados a vertentes
filosóficas que defendiam práticas anticlericais, e ainda, de outras
religiões como o protestantismo e o espiritismo cujos jornais im-
pressos foram utilizados como vetor de publicização das ideias em
combate. No texto, os autores problematizam a questão, cartogra-
fam personagens, jornais e ideias que permeavam as contendas.
Na sequência, Fransuel Lima de Barros capta, nas crônicas
publicadas nos jornais do começo do século XX em Teresina, a
vontade de afirmação de novo padrão corporal, fundamentado em
princípios, valores e teorias modernas. A escrita dos cronistas é
percebida como fator central para a constituição discursiva des-
ses modelos de homens e mulheres modernos, que deveriam ser
saudáveis, ter boa aparência e mostrarem-se aptos para o trabalho
produtivo. Segundo o autor, há claros vínculos entre os modelos
projetados na escrita dos cronistas publicados nos jornais e as in-
tenções modernizadoras presentes na cidade de Teresina no início
do século XX. Entender essas conexões, os desejos de adaptação
a padrões modernos e os limites da realização prática dessas mu-
danças constitui o centro das questões tratadas no capítulo Corpo,
esporte e saúde em Teresina.
O capítulo intitulado O jornal O Apóstolo no cenário da imprensa
do Piauí no início do século XX, Bianca Moura da Silva e Pedro Vilari-

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nho Castelo Branco trazem para o centro da discussão a presença
da imprensa católica no Piauí no início do século XX, direcionan-
do a análise para o jornal diocesano O Apóstolo, criado por D. Jo-
aquim Antônio de Almeida, surgindo no meio social como umas
das ações ultramontanas implementadas pelo bispo. O Bispado do
Piauí, criado em 1906, instituiu o referido jornal como uma das
principais estratégias para a divulgação das ações da nova diocese
e como um instrumento que teria papel central na divulgação das
propostas do catolicismo renovado, ao tempo em que faria a ferre-
nha defesa do catolicismo diante das construções discursivas dos
seus adversários, que, nesse momento, se multiplicavam e também
usavam a imprensa como o meio mais eficaz de disputar a opinião
pública e legitimar discursos no meio social. O foco dos autores é
entender o jornal como instrumento de evangelização e de defesa
da Igreja, buscando mapear, nas páginas do jornal, as mais diver-
sas possibilidades de discurso ultramontano, as estratégias de ação
propostas, os adversários, e as formas de construir uma verdade
sobre o catolicismo e legitimá-la na sociedade.
No capítulo Adjetivações na imprensa caxiense: os dizeres em prol
de um homem público ideal na Primeira República em Caxias (MA), Jak-
son dos Santos Ribeiro utiliza as fontes hemerográficas, particular-
mente os jornais que circularam na cidade de Caxias no período
em análise, para entender como a imprensa exerceu importante
papel na construção discursiva, na valorização de modelos mascu-
linos, atrelados ao viver urbano, às sociabilidades modernas e ao
mundo do trabalho produtivo, legitimando os espaços públicos,
como os espaços privilegiados para a ação desse novo homem.
Fábio Leonardo Castelo Branco e Francisco Adriano Leal Ma-
cêdo analisam a questão da construção identitária do Brasil no
pós-anos 20 do século passado, por meio dos escritos jornalísticos
de Júlio de Mesquita Filho e de Assis Chateaubriand. No capítu-
lo Esgrimas para dizer uma coisa ausente: Júlio, Chateaubriand e outros
ideólogos do Brasil em suas incursões pela imprensa (São Paulo, década de
1920), os autores analisam como os intelectuais escolhidos movi-
mentam-se no emaranhado de construções discursivas que procu-
ram definir uma identidade brasileira, ao tempo em que se depa-
ram com a impossibilidade de definir essas identidades de forma
definitiva, pronta.

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Na sequência, Elisangela Barbosa Cardoso e Lívia Suelen Sou-
sa Moraes Meneses, apresentam o capítulo A Revista da Associação
Piauiense de Medicina e a atuação médica no Piauí nas décadas de 1930
e 1940. A referida revista tinha como um dos seus objetivos criar es-
paços institucionais, por meio dos quais o discurso médico deveria
ganhar visibilidade e legitimidade na sociedade piauiense e, assim,
potencializar a área médica na relação com as elites políticas, res-
ponsáveis pela elaboração de políticas públicas de saúde no âmbi-
to regional e passando a influenciar na qualidade da governança
na área da saúde.
Natália Ferreira de Sousa e Teresinha Queiroz, no capítulo
intitulado O. G. Rego e as disputas literárias na imprensa teresinen-
se: escrevendo os ressentimentos, analisam o contexto da literatura e
da crítica literária que informa sobre a produção dos literatos, no
Piauí entre os anos 1950 e 1970. O foco da análise converge para
as disputas literárias protagonizadas por O. G Rego de Carvalho,
escritor piauiense que publicou suas obras nas décadas citadas,
e que utilizou as páginas dos jornais O Dia, O Piauí e o Jornal do
Piauí, para expressar suas opiniões sobre o fazer literário no Piauí
e para polemizar com intelectuais que tinham posições divergentes
da sua. Os afetos e as opiniões que permeavam esses debates literá-
rios constituem os interesses principais das autoras.
Finalizando a coletânea, apresentamos os capítulos produzidos
por Edwar de Alencar Castelo Branco e por Alessandra Lima dos
Santos, em parceria com Cláudia Cristina da Silva Fontineles, que
abordam os agitados e conturbados anos 1960 e 1970 na imprensa
brasileira.
No capítulo “Quem anda, quem transa, quem lê jornal”: o jornalismo
de Torquato Neto, Edwar Castelo Branco trata da escrita de Torquato
Neto, dando especial atenção ao Torquato jornalista, que, segundo
o autor, usava uma linguagem radicalmente inovadora e que tinha
no jornal um instrumento de experimentação linguística e de vei-
culação de ideias que negavam os padrões estabelecidos, buscan-
do novas formas de expressão escrita, para criar visões de mundo
subterrâneas. São as novas formas de expressão da linguagem e o
impacto dessa novidade na escrita jornalística dos anos 1960-1970
que preocupam o autor e o levam a problematizar os caminhos da
imprensa e da linguagem no Brasil contemporâneo.

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Alessandra Lima dos Santos e Cláudia Cristina da Silva Fonti-
neles, no capítulo O jogo político democrático nas páginas d’O Liberal:
os períodos eleitorais de 1974 e 1976, analisam os referidos períodos
eleitorais em um periódico de pequeno porte, publicado em Te-
resina, entre os anos 1968 e 1976. O Liberal, criado pela jornalis-
ta piauiense Maria Edith D´Anunciação Carvalho, poucos meses
antes da publicação do Ato Institucional n° 5 (AI-5), sobreviveu
ao conturbado período político do final dos anos 1960, chegando
aos começos tímidos da abertura política do Brasil em meados dos
anos 1970. O referido periódico chama a atenção por alguns aspec-
tos intrigantes: o primeiro deles, a iniciativa de tratar prioritaria-
mente das disputas partidárias em momento tão delicado da histó-
ria política brasileira; o segundo, o fato de a redatora-chefe e uma
das principais articulistas ser uma mulher, em clara demonstração
de que a política partidária ganhava espaço nas preocupações fe-
mininas e de que as mulheres buscavam ampliar seus horizontes
e possibilidades na imprensa e na sociedade brasileira, nos anos
1960 e 1970.
O livro Páginas impressas, que agora apresentamos à apreciação
dos leitores, possibilita aos interessados na história da imprensa
periódica brasileira, um painel dos começos titubeantes da im-
prensa no Brasil e da forma como ela foi sendo construída como
espaço, ora de propaganda e legitimação das iniciativas oficiais do
Estado, ora como espaço de reivindicações de caráter político, so-
cial e cultural, e ainda como veículo noticioso, propositor de novos
valores e sociabilidades. Os autores desenvolvem suas reflexões,
considerando jornais produzidos em espaços geográficos, muitas
vezes, negligenciados pelos pesquisadores especializados. Esse é
um dos méritos centrais da presente obra: dar visibilidade a outras
possibilidades, contar a história da imprensa no Brasil, partindo de
outros lugares e de outras personagens.

Teresina, dezembro de 2020.

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