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PRÁTICA DOCENTE

rupturas, diálogos, inovações


Volume 2
Ariane Almeida Rolim
Érika Regina Caporal Costa Batista
Ivo Di Camargo Junior
Juliana Tófani de Sousa
(Organizadores)

PRÁTICA DOCENTE
rupturas, diálogos, inovações
Volume 2
Copyright © dos autores

Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida ou
transmitida ou arquivada, desde que levados em conta os direitos dos autores.

Ariane Almeida Rolim; Érika Regina Caporal Costa Batista; Ivo Di Camargo Junior;
Juliana Tófani de Sousa [organizadores].

Prática Docente: rupturas, diálogos, inovações. Volume 2. São Paulo,


Mentes Abertas, 2021, 289 p.

ISBN: 978-65-87069-59-3

1. Práticas docentes. 2. Rupturas. 3. Diálogos. 4. Inovações. I. Título.


CDD 370

Capa: Lucas de França Nário com criação/colagem de Larissa Tófani vols. 1 e 2.


Diagramação: Maristela Zeviani.
A Editora Mentes Abertas divulga os trabalhos acadêmicos presentes nessa obra e não
se responsabiliza de maneira alguma por qualquer tipo de plágio, cópia ou citação
indevida por parte de qualquer integrante deste livro e condena veementemente esta
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qualquer responsabilidade legal neste quesito é de única e integral responsabilidade
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Comitê científico
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Profa. Dra. Cristiane Navarrete Tolomei (UFMA, Brasil)
Profa. Dra. Cristina Bongestab (UEPB, Brasil)
Prof. Dr. Helder Neves de Albuquerque (PPGRN - UFCG, Brasil)
Prof. Dr. Lidemberg Rocha de Oliveira (CODESE-SEEC/RN, Brasil)
Profa. Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet-UNR, Argentina)
Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri-Kaneoya (UNESP, Brasil)

www.mentesabertas.com.br
https://mentesabertas.minhalojanouol.com.br/ A Mentes Abertas é filiada à ABEC
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 11

INFORMÁTICA E SUSTENTABILIDADE 15
Sequência didática em mídias digitais na pandemia da
COVID-19
Ademir Matias PEREIRA
Egle Katarinne Souza da SILVA
Adriana Moreira de Souza CORRÊA
Joacileide Bezerra de SOUSA

NÃO É O IDEAL, MAS FOI O POSSÍVEL! 25


Adriana de Fátima MALAQUIAS
Adriana Soares CRUZ
Heloisa Cardoso Nunes GOMES
Juliana Tófani de SOUSA

CURRÍCULO ESCOLAR 35
Perspectivas e possibilidades
Amanda Araujo POMBO
Gizelia Angélica Cardoso BORGES

A LITERATURA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA 45


Possibilidades didáticas para a formação crítica do aluno do
Ensino Médio
Ana Cláudia dos SANTOS
Simone Caetano de MELO

A INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA NA 53


EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS
Antônio José da Silva GONÇALVES

O USO DE JOGOS NO INTERVALO E SUAS CONTRIBUIÇÕES 65


NO ESTÍMULO COGNITIVO DOS DISCENTES EM SALA DE
AULA
Raíssa Priscila Pereira de BRITO
Jadeilda Marques FRANÇA
Rafaela Ramos Formiga da MOTA
Stéphanie Guedes dos Santos MARINHO
AVALIAÇÃO FORMATIVA EM TEMPOS DE PANDEMIA 71
Um instrumento de apoio no processo de alfabetização
Carla Cristina Gianezi de SOUZA

EDUCAÇÃO E COVID-19 75
Ações pedagógicas e as novas possibilidades
Carla Renata RODRIGUES
Luiz Gustavo RODRIGUES

AFÉTE-SE! 85
O afeto em tempos de isolamento social: estreitando laços
afetivos entre aluno, família e escola
Carlos Alexandre FERNANDES
Cilene do Carmo Batista REIS
Mariléia Antônia PAIXÃO

ESPAÇO BERÇÁRIO 95
Da sua singularidade às possibilidades de vivências e interações
Claudia Maria BOMFIM

COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA E COVID – 19 105


Diante do caos, um espaço para ressignificar saberes dessa difícil
tarefa na Educação Infantil em Belo Horizonte
Cláudia Maria BOMFIM
Valquíria Nonata SILVA

O UNIVERSO DE CADA CRIANÇA 115


Uma proposta baseada no livro O Pequeno Príncipe
Edilene Aparecida OLIMPIO

ENSINO REMOTO DE ARTES A PARTIR DO EIXO 125


NORTEADOR SAÚDE
Um relato de experiência
Egle Katarinne Souza da SILVA
Adriana Moreira de Souza CORRÊA
Reginaldo Pedro de Lima SILVA
Joacileide Bezerra de SOUSA

DESAFIOS DO CONTEXTO PANDÊMICO 133


Inquietações de uma professora
Elizabete Aparecida Malaquias SERRA
ANÁLISE FÍLMICA POÉTICA 143
“Pro Dia Nascer Feliz”
Ana Laura Costa MENEZES
Elizabeth Alves KIOSZ
Joana Darc Aparecida BRAZ
Marinês Firmina da SILVA

INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA ESCOLA 155


A percepção de professores quanto às doenças neurológicas
Érika Regina Caporal Costa BATISTA
Érika BRAGHETTO
Inês Maria Silva Barros MAZER
Ricardo Luiz dos REIS-SANTOS

LEAN CITY GAME 171


A proposal of serious game on lean manufacturing
Filipe Molinar MACHADO
Franco da SILVEIRA
Luis Claudio Villani ORTIZ

PRÁTICAS RESTAURATIVAS E OS IMPACTOS NA 179


CONVIVÊNCIA NO AMBIENTE ESCOLAR
Gabriel RODRIGUES
Juliana Tófani de SOUSA

COMPETÊNCIAS SOCIOEMOCIONAIS 189


Práticas pedagógicas de formação profissional e humana em
tempo de distanciamento social
Gabriella Vilar de Alencar RODOVALHO
Egle Katarinne Souza da SILVA
Adriana Moreira de Souza CORRÊA
Reginaldo Pedro de Lima SILVA

DESAFIOS E IMPLICAÇÕES NA UTILIZAÇÃO DE 201


MATERIAIS AUDIOVISUAIS NOS ESTUDOS
ORGANIZACIONAIS
José Edemir da Silva ANJO

PRÁTICA DOCENTE 207


Idealização e realização
Lucília Teodora Villela de Leitgeb LOURENÇO
CLIMA ESCOLAR 211
Previsão de dias ensolarados para o terceiro ciclo
Márcia Maria Martins PARREIRAS
Janaína da Silva NARCISO

A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA PARA O 221


DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM
Patrícia de Souza GOULART

CRIANÇA DEVE TER VEZ E VOZ 229


O desenvolvimento da autonomia da criança e a construção do
currículo
Paula Santos Candeia BARBOSA
Maria Amélia da Silva COSTA
Surama Araújo Dutra NOGUEIRA

NARRATIVAS DOCENTES 235


Diálogos possíveis e perspectivas de mudança sobre as
práticas pedagógicas em uma EMEI
Queila Cristina de OLIVEIRA
Cleonice Laurentina QUIRINO

A INTERLOCUÇÃO PROFESSORA-CRIANÇA COMO 245


EXPERIÊNCIA E PERCURSO POR UMA PRÁTICA
INOVADORA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Queila Cristina de OLIVEIRA
Hélia Patrícia da SILVA

O ENSINO DE ARTES NA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS 255


Eixo norteador identidade e autonomia
Reginaldo Pedro de Lima SILVA
Egle Katarinne Souza da SILVA
Adriana Moreira de Souza CORRÊA
Joacileide Bezerra de SOUSA
OFICINAS PLÁSTICAS DE PRODUÇÃO DE DADOS 263
PICTÓRICOS E DE NARRATIVAS DE SI
Evocações reflexivas e sociopoéticas de docentes de cursos
técnicos da área de enfermagem e da informática
Soraya Oka LÔBO
Thamina Oka Lôbo Paes LANDIM
Marttem Costa de SANTANA

APRENDIZAGEM RIZOMÁTICA 275


Uma perspectiva transversal da educação
Tom Menezes PEDROSA

POSFÁCIO OU O QUE A FILOSOFIA DE BRUCE LEE PODE 285


NOS ENSINAR SOBRE PRÁTICA DOCENTE?
Vinicius Moura ZANETI

SOBRE OS ORGANIZADORES 289


PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

APRESENTAÇÃO

Este livro objetiva inserir novas abordagens ao debate sobre a prática


docente, a partir de uma perspectiva centrada no cenário profissional,
refletindo sobre o currículo, as habilidades e competências, os objetos de
conhecimento, o planejamento, a avaliação e muito mais. Para tal, fica
evidente a importância de pensar-se na formação de professores, a partir de
uma reflexão fundamental sobre o seu fazer pedagógico.
No VOLUME 2 do livro, Prática Docente: rupturas, diálogos, inovações,
cada capítulo aqui desenvolvido não se apresenta como um texto "fechado",
mas como um conjunto de ideias "abertas", que procuram estimular
pensamentos diferentes sobre os modos e as estratégias de atuação dos
professores, numa perspectiva crítico-reflexiva, que forneça ao leitor,
provavelmente também um educador, ferramentas para o desenvolvimento
do pensamento autônomo, facilitando o seu fazer cotidiano.
A diversidade escolar e social nos aponta que o processo de formação
do professor, não se constrói meramente acumulando cursos, conhecimentos
e ou técnicas, mas se dá, através de um trabalho reflexivo e crítico sobre sua
prática e a (re)construção permanente de uma identidade pessoal, que vai e
vem, avança e recua, construindo-se num processo de relação do saber e do
conhecimento, que se encontra na autoidentidade de cada professor. A teoria
fornece-nos indicadores, por isso, é importante. Porém a criação de redes de
formação, a troca de experiências e a partilha de saberes, consolidam espaços
interativos e dinâmicos, nos quais cada professor é chamado a desempenhar,
simultaneamente, o papel de formador e de formando.
O diálogo proposto entre os 29 capítulos desta coletânea e a comunidade
escolar é necessário para consolidar saberes emergentes da prática
profissional, um fator decisivo de socialização profissional e de afirmação
docente. Este movimento visa o empoderamento de uma nova cultura que
passa pela produção de saberes e de valores que definem o exercício
autônomo da profissão.
Sabe-se, portanto, que não basta mudar a postura do profissional: é
preciso mudar também os contextos em que ele intervém. As escolas não
podem mudar sem o empenho dos professores e estes não podem mudar sem
uma transformação das instituições em que trabalham. O desenvolvimento
da educação de qualidade precisa estar articulado com as escolas e os seus

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

projetos. A mudança dos contextos educacionais depende, principalmente,


dos professores e da transformação das suas práticas pedagógicas na sala de
aula. O desafio consiste em quebrar paradigmas e conceber a escola como um
ambiente educativo de autonomia, protagonismo e atuação do aluno e da sua
formação integral.
De acordo com Tardif, “falar em prática docente é falar de um saber-
fazer do professor, repleto de significados. Implica falar que os professores
possuem saberes profissionais cheios de pluralidade que vêm à tona no
âmbito de suas tarefas cotidianas”. (TARDIF, 2000) Não só saberes, mas,
também, experiencias acumuladas ao longo de sua formação e atuação que
orientam sua ação na prática. “Falar de prática docente exige, portanto, que
falemos de sujeitos que possuem o saber de uma arte, a arte de ensinar, e que
produzem e utilizam saberes próprios de seu ofício no seu trabalho cotidiano
nas escolas.” (ARROYO, 2000)
É sobre o papel do professor, como mediador do saber escolar, que
desejamos fazer uma reflexão aqui neste trabalho. As técnicas, são os meios
para o professor mediar os conhecimentos e aprendizagem dos alunos.
Falamos, portanto, de um trabalho de mediação em que o professor, mais do
que um técnico, apresenta-se como um multiplicador do conhecimento.
Nesse processo, apresenta as facetas de seu ofício, a partir das análises e
conhecimentos sociais e culturais dos alunos, da proposta curricular da
instituição, do planejamento e da sua ação no contexto da sala de aula, onde
vai interpretando, produzindo e organizando conhecimentos, identificando
e escolhendo técnicas e metodologias pedagógicas mais adequadas para a
socialização das experiências de aprendizagem de seu grupo de ensino.
No plano da formação e do exercício profissional, Tardif defende que,
“o que caracteriza o professor não é exclusivamente o domínio de uma
disciplina, mas o de um conjunto de conhecimentos, que chamamos de saber
docente.” (TARDIF, 2000) Nessa direção, o fazer do professor implica em um
saber fazer que assegure o que lhe é confiado, a aprendizagem, pela via das
diretrizes curriculares expressa em uma determinada rede/comunidade. O
caráter político-cultural que atravessa o trabalho pedagógico procura
analisar a escola e seu currículo como um espaço marcado pela produção,
circulação e consolidação de significados.
Reunir todas estas experiências neste VOLUME 2, através dos capítulos
publicados, nos proporciona ter a clareza acerca do papel cultural da escola.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

No entanto, é preciso, além disso, refletir como esse papel é apontado nos
programas escolares e nas práticas dos professores. Como são introduzidas
as práticas culturais e como é desenvolvido o processo de avaliação? Quais
são as abordagens pedagógicas apropriadas para favorecer o
desenvolvimento da aprendizagem de cada aluno, no meio escolar? Quais os
espaços e tempos apropriados para as práticas escolhidas? Questões desse
tipo são discutidas pelos autores que aqui dialogam, todos preocupados com
a excelência da educação.
Cada texto que temos a possibilidade de aqui encontrar, nos permite
perceber que os professores assumem o lugar de intérpretes e críticos da
cultura, que lhes permitem participar de modo ativo de um processo de
definição de papel e da perspectiva cultural do ensino que ministram. Como
afirma Arroyo, “a atuação do professor implica na articulação de uma gama
de saberes construídos no cotidiano do seu exercício profissional, a partir dos
quais ele interpreta, compreende e orienta o fazer curricular no contexto de
sua sala de aula. (ARROYO, 2000)
Desejamos uma excelente leitura e que todo o conteúdo aqui discutido,
seja aproveitado por cada leitor, refletindo em sua sala de aula!

Ariane Almeida Rolim


Juliana Tófani de Sousa
(Organizadoras)

Referências
ARROYO, Miguel Gonzalez. Ofício de Mestre: imagens e autoimagens. Petrópolis: Vozes, 2000.
251 p.
TARDIF, M. Saberes Profissionais dos Professores e Conhecimentos Universitários. Rio de
Janeiro, Revista Brasileira de Educação, n. 13, Jan- Abr/2000.
TARDIF, Maurice; RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no
magistério. Educação & Sociedade, Campinas, n. 73, p. 209-244, dez. 2000.
VEIGA, Lima P. A. e CARVALHO, M. Helena S. O. A formação de profissionais da educação.
In: MEC. Subsídios para unia proposta de educação integral à criança em sua dimensão
pedagógica. Brasília, 1994.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

INFORMÁTICA E SUSTENTABILIDADE
Sequência didática em mídias digitais na pandemia da COVID-19

Ademir Matias PEREIRA 1


Egle Katarinne Souza da SILVA2
Adriana Moreira de Souza CORRÊA3
Joacileide Bezerra de SOUSA 4

Em decorrência da COVID-19, por determinação legal, as escolas


regulares foram fechadas, em março de 2020, por meio da Portaria MEC nº
343 (BRASIL, 2020) como medida para a contenção do vírus. Em função dessa
realidade, as instituições educacionais necessitaram se organizar para
promover atividades na perspectiva do ensino remoto e, para isso, os
docentes precisaram repensar a prática pedagógica para oferecer aos alunos
atividades didático-pedagógicas que atendessem aos desafios do ensino que
antes era presencial e que precisou, emergencialmente, ser mediado por
mídias digitais.
Essas atividades, que visavam a construção do senso crítico e
corresponsável dos estudantes sobre os efeitos das suas ações na sociedade,
buscavam trabalhar habilidades e competências técnicas (para formação do
trabalho), socioemocionais (como empatia, solidariedade, compromisso
social, responsabilidade), e aquelas elencadas na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC). Essas diferentes vertentes de formação (individual, social
e para o trabalho) compõem uma tríade que está contemplada nas finalidades
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996) e
norteiam as ações das Escolas Cidadãs Integrais Técnicas (ECIT) da Paraíba
a fim de formar cidadãos autônomos, solidários e competentes.
Para atender a essa demanda, foi essencial que os docentes que atuam
nessa perspectiva de ensino buscassem diversificar as abordagens dos
conteúdos e utilizassem, durante as aulas remotas, ferramentas digitais que
estimulassem a participação dos alunos, de maneira que eles se sentissem
motivados a participar das aulas no período de isolamento social.

1
Licenciado em Ciência da Computação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professor da Escola Cidadã
Integral Técnica (ECIT) Cristiano Cartaxo. E-mail: matiaspereira@professor.pb.gov.br
2
Mestra em Sistemas Agroindustriais pelo Centro de Ciências e Tecnologia Agroalimentar (CCTA) da Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG), Especialista em Química Tecnológica e Meio Ambiente pela Faculdade São
Francisco, Licenciada em Química pelo Centro de Formação de Professores (CFP) da UFCG. Gestora da ECIT Cristiano
Cartaxo, Cajazeiras - PB, Brasil. E-mail: eglehma@gmail.com
3
Mestra em Ensino pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e Professora da UFCG, Cajazeiras –
PB, Brasil. E-mail: adriana.korrea@gmail.com
4
Licenciada em Geografia pelo CFP/UFCG. Professora da ECIT Cristiano Cartaxo, Cajazeiras - PB, Brasil. E-mail:
joacileide2009@hotmail.com

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Partindo dessa percepção, além de utilizar as diversas ferramentas


digitais dispostas na rede de internet, o docente também teve a oportunidade
de criar novos recursos digitais para abordar conteúdos durante as suas
aulas. Diante do exposto, o relato ora apresentado refere-se aos resultados da
aplicação de uma sequência didática, em 2020, durante o ensino remoto.
Participaram da atividade 42 alunos 5 de primeira série do ensino médio do
curso técnico integrado em informática da ECIT Cristiano Cartaxo, localizada
em Cajazeiras/PB.
Para o planejamento e implementação das atividades, o docente buscou
trabalhar a temática central Sustentabilidade, de forma transversal, para que
os estudantes pudessem aprender sobre o conteúdo a partir da análise das
suas vivências e da busca por soluções viáveis para os problemas elencados
por eles (BRASIL, 2010).
Nessa proposta, por meio de diversos recursos digitais, o docente
relacionou o tema aos conteúdos da disciplina, buscando destacar os aspectos
que se referem-se à geração e destinação ambientalmente adequada dos
resíduos sólidos. Entre os diferentes tipos de resíduo sólido (papel, vidro,
plástico, metais, orgânico, resíduos perigosos, eletrônicos, etc.) o docente
priorizou trabalhar com os resíduos eletrônicos enfatizando a geração, a
logística reversa e a destinação ambientalmente adequada destes resíduos.
Nessa proposta, além de trabalhar habilidades da BNCC, foram abordadas
habilidades socioemocionais e outras que são voltadas para o mundo do
trabalho.
Trata-se, portanto, de um relato de experiência descritivo com análise de
dados quali-quantitativa. Daltro e Faria (2019) explicam que o relato de
experiência organiza-se por meio da narração de fatos/elementos de estudo
na perpectiva da coletividade e da singularidade. Nas pesquisas descritivas,
os pesquisadores descrevem detalhadamente os eventos/dados sem realizar
intervenções (GIL, 2008). O autor explica ainda que a abordagem quali-
quantitativa é utilizada quando existe a mesclagem entre a abordagem
qualitativa (que se refere à compreensão do contexto pesquisado) e a
abordagem quantitativa (quando há a interpretação de dados quantificáveis
por meio de instrumentos de coletas de dados), neste caso os formulários
criados no Google Forms.
Compreendendo a metodologia que norteia o trabalho, na sequência,

5
O total de alunos nas 3 turmas de primeira série do ensino médio técnico integrado de Informática da ECIT
Cristiano Cartaxo correspondia, no momento da intervenção, a 82 alunos, no entanto, por motivos diversos,
como acesso à internet e prorrogação da data de envio das atividades, até a data da coleta de dados apenas 42
participaram de todas as etapas desta sequência didática.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

apresentamos as etapas de realização da sequência didática sobre


sustentabilidade.

Sequência didática: informática e sustentabilidade ambiental com ênfase


nos resíduos eletrônicos

Para trabalhar o conteúdo transversal de maneira interdisciplinar


(BRASIL, 2013), a temática escolhida foi Sustentabilidade, que é uma das
divisões do tema transversal Meio Ambiente. Para tanto, foi realizada uma
relação entre a informática e a sustentabilidade ambiental trabalhando
questões além da preservação dos recursos naturais. Nesse viés, foi
desenvolvida e aplicada uma sequência didática com as turmas de primeira
série do ensino médio técnico integrado da ECIT Cristiano Cartaxo, em 2020,
durante o ensino remoto, na disciplina de Informática Básica.
A sequência didática é definida por Oliveira (2013, p. 39) como “[...] um
conjunto de atividades conectadas entre si, e prescinde de um planejamento
para delimitação de cada etapa e/ou atividade para trabalhar os conteúdos
disciplinares de forma integrada para uma melhor dinâmica no processo
ensino-aprendizagem”. Assim, com base nessa definição, apresentamos as
ações/atividades desenvolvidas.

Primeira Ação: Aula Expositiva Dialogada com uso de vídeo e slides

Inicialmente foi ministrada uma aula expositiva dialogada sobre


sustentabilidade ambiental, de forma síncrona, utilizando o aplicativo Google
Meet. Nessa aula, foram discutidos conteúdos como a produção/geração de
resíduos sólidos; a diferenciação entre lixo e resíduo sólido; os tipos de
resíduos e a destinação ambientalmente adequada destes, dando ênfase aos
resíduos eletrônicos e a coleta seletiva. Na Figura 01 observamos o registro
da atividade síncrona com as turmas.

Figura 01- Aula ministrada sobre sustentabilidade ambiental

Fonte: Arquivo Pessoal (2020).

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Na aula foi apresentado o vídeo intitulado: Destinação Final


Ambientalmente Adequada de Resíduos Sólidos disponível no canal do
YouTube: Portal dos Resíduos Sólidos e que está acessível no link:
https://www.youtube.com/watch?v=nL9vk7pPZq0.
A opção por esse material se gerou devido ao uso de recursos digitais
como vídeos, documentários e simuladores, que associam linguagem verbal
(oral e escrita) e não verbal como imagens (estáticas e em movimento),
auxiliando na construção do conhecimento. No mesmo sentido, Silva,
Figueiredo e Silva (2017, p. 84) explicam que: “A inserção da tecnologia na
educação ambiental representa uma alternativa viável, pois os recursos
digitais tornam o ambiente escolar dinâmico, possibilitando ao professor um
suporte no processo de construção do conhecimento do alunado”.
Após assistirem ao vídeo, outras tecnologias digitais foram utilizadas
como material didático para a construção do conhecimento, como os slides
criados no aplicativo Power Point e que são apresentados na Figura 02.

Figura 02- Slides sobre sustentabilidade ambiental com ênfase nos resíduos
eletrônicos.

Fonte: Arquivo Pessoal (2020).

Para criar os slides, o docente buscou integrar o texto verbal e o imagético


e, durante a exposição, incentivou a participação do alunado, ampliando o
conhecimento da turma das diferentes realidades vivenciadas pelos
estudantes.

Segunda Ação: Atividade assíncrona por meio de questionário

A segunda ação da sequência didática foi desenvolvida no sentido de


averiguar o conhecimento construído pelos alunos na aula síncrona. Para
isso, foi disponibilizado um formulário criado no Google Forms que continha

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

04 indagações sobre a temática abordada. Responderam ao questionário 42


alunos da primeira série do ensino médio
Na Figura 03, observamos que 32 deles afirmaram que a destinação
ambientalmente adequada do lixo é nos aterros sanitários; 8 alunos
afirmaram ser na empresa responsável pela coleta; 1 respondeu queimando
a céu aberto e ainda, outro aluno, fossa séptica. A última reposta pode ser
analisada como correta tendo em vista que os municípios custeiam os
serviços das empresas de coleta de resíduos que dão a destinação final. Essas
empresas devem seguir a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS) a
qual afirma que o descarte deve ser realizado em aterros sanitários (BRASIL,
2010). As respostas queimando a céu aberto ou em fossas sépticas podem ser
oriundas das práticas anteriores à aula e demonstram que para superar o uso
inadequado dos recursos naturais é necessário um trabalho continuado para
modificar os costumes sociais desenvolvidos pelos estudantes no cotidiano.
Figura 03- Destinação Ambientalmente adequada do Lixo

Fonte: Arquivo Pessoal (2020).

Sobre a reciclagem de papel, na segunda indagação, 25 alunos acertaram


ao afirmar que nem todo tipo de papel é reciclável, a exemplo do papel
higiênico. No entanto, 16 alunos se equivocaram, mesmo com as dicas
apresentadas pelo docente na pergunta, na qual são indicados três exemplos
de papel que não são recicláveis: o papel higiênico, caixas longa vida e
papelão. Somente 1 aluno deixou de responder o questionamento. Nesse
sentido, a questão precisa ser retomada e o docente deve enfatizar que uma
leitura atenta da pergunta evita a marcação da questão incorreta, uma
habilidade necessária a diferentes concursos e seleções que o estudante pode
se deparar ao longo da vida estudantil/acadêmica e/ou profissional.
Na terceira indagação, sobre a exemplificação do lixo orgânico, 38

19
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

estudantes selecionaram a opção correta que elenca restos de alimento,


folhas, madeira, entre outros. Os demais alunos se equivocaram ao responder
a alternativa que indicava pilhas, baterias e tinta, desconsiderando que esses
resíduos são tóxicos e não orgânicos conforme classifica a PNRS.
Devido à quantidade significativa dos estudantes que responderam
corretamente, os 4 alunos que responderam de maneira equivocada podem
ter realizado uma leitura aligeirada da pergunta ou houve a incompreensão
do significado do termo “orgânico”. Isso indica a necessidade do docente de
retomar a explicação dos termos “orgânico” e “inorgânico” em momentos
posteriores para esclarecer a importância da atenção à leitura, tendo em vista
que mudanças mínimas nas palavras podem gerar alterações significativas
no significado.
Sobre a exemplificação do lixo tóxico, notamos, na Figura 04, que 37
alunos, acertaram ao selecionar a opção que indica “pilhas, baterias, tintas,
etc.” Entre os demais, 3 alunos escolheram a opção que elencava os lixos
altamente tóxicos como o “lixo hospitalar e nuclear” e 2 alunos se
equivocaram ao responder a alternativa que indicava “reciclável (plástico,
metais, vidro, etc.)”.
Figura 04 - Exemplificação de Lixo Tóxico

Fonte: Arquivo Pessoal (2020)

Pela análise das respostas, destacamos que a maioria dos alunos revelou
compreender os conteúdos trabalhados nas 04 indagações o que reafirma a
construção do conhecimento sobre a temática abordada.

Terceira Ação: Desenvolvimento e aplicação de palavra cruzada digital

Com o objetivo de ampliar as reflexões sobre o tema, o docente buscou


diversificar as ferramentas digitais para a abordagem do conteúdo. Nesse

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

sentido, desenvolveu uma palavra cruzada digital no site do Educaplay, um


ambiente virtual gratuito voltado para o desenvolvimento de diversos tipos
de atividades interativas. Essas atividades podem ser compartilhadas por
meio de um link gerado na linguagem Hypertext Markup Language (HTML),
como também pode ser disponibilizado diretamente na plataforma Google
Classroom.
A palavra cruzada digital abordou, de forma interdisciplinar, questões
relacionadas ao lixo eletrônico (área de informática) e sobre educação
ambiental. Para isso, o professor elaborou questões com gráficos e dados
retirados do Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil 2017/2018, elaborado
pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos
Especiais (ABRELPE, 2019). Observamos, na Figura 05, uma síntese de 04 das
10 questões que compõe a palavra cruzada digital.
Figura 05- Palavra Cruzada Digital Desenvolvida

Fonte: Arquivo Pessoal (2020).

Na interpretação dos dados, mapas e gráficos que compõem as questões


(Figura 05) foram trabalhados os descritores de Língua Portuguesa (H1 e H2)
e Matemática (H8 e H9) (BRASIL, 2017).
Participaram dessa atividade os 42 alunos das primeiras séries do ensino
médio que receberam o link de acesso à palavra cruzada por meio da
plataforma Google Classroom.

Quarta Ação: Questionário sobre a palavra cruzada digital

Após responderem a palavra cruzada digital (pelo smartphone ou pelo


notebook) os alunos acessaram um questionário formulado no Google Forms
com 04 questões para que o docente compreendesse o uso dos estudantes de
palavras cruzada digital. Os pontos analisados foram a utilização dos
dispositivos para o acesso; o conhecimento sobre a atividade (e os recursos a

21
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

ela agregados, a exemplo da dica); a percepção dos alunos sobre o uso da


ferramenta para a compreensão do conhecimento.
Na primeira indagação, dos 42 alunos participantes, 93% afirmaram que
acessaram a palavra cruzada pelo celular, e apenas 03 alunos (7%)
informaram ter acessado pelo notebook. Isso demonstra que pequena parcela
de estudantes dispõe de computador para a realização das atividades
escolares, por isso, é importante que o docente planeje atividades que possam
ser executadas em diversas plataformas (computador, smartphones, tablets,
etc.) para ampliar a possibilidade de participação dos alunos.
No segundo questionamento, 86% dos alunos afirmaram que nunca
haviam respondido a uma palavra cruzada digital, e 14% responderam que
já tinham utilizado em outros momentos. Esse dado reafirma a importância
do professor planejar e executar atividades diversificadas visando estimular
o alunado a participar de várias situações de ensino propostas pelos
educadores.
No terceiro questionamento, quanto aos conteúdos abordados na
cruzada, 66,7% dos alunos afirmaram que tiveram acesso a essas informações
em oportunidades anteriores. Para esses alunos, a palavra cruzada serviu
como atividade de revisão. Os demais alunos (33,3%) informaram que não
conheciam parte dos conteúdos abordados e, neste caso, a palavra cruzada
digital favoreceu a construção do conhecimento.
No quarto questionamento, sobre a utilização de dicas - que são um
recurso oferecido pelo aplicativo em que é apresentada uma letra da palavra
caso o aluno solicite - 54,8% afirmaram que não utilizaram dicas e 45,2%
disseram ter utilizado. Essas dicas são relevantes, pois podem confirmar a
hipótese do aluno sobre a resposta correta, contudo, ao utilizar as dicas, a
nota final (representada pela porcentagem final de acerto) do aluno é
reduzida.
Analisando as atividades, notamos que o docente estimulou a reflexão
da temática (a partir do vídeo); a construção dialogada e compartilhada do
conhecimento (na aula expositiva); a reflexão sobre o tema (através da
palavra cruzada) e a análise da percepção do estudante diante da atividade
proposta por meio dos formulários produzidos no Google Forms.

Considerações finais

O ano letivo de 2020 trouxe grandes desafios com a necessidade de


implementação da apropriação de recursos digitais pelos docentes e a
utilização desses recursos durante as aulas com vistas a promover o
aprendizado dos estudantes em mídias digitais. Nesse sentido, atividade

22
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

relatada nesse escrito usando como recursos tecnológicos, vídeos, slides,


Google Classrom, Palavra cruzada digital e Formulários criados no Google
Forms possibilitaram a abordagem do conteúdo de maneira diversificada,
contribuindo, assim, para a ampliação de oportunidades de construção do
conhecimento pelo estudante.
Desta forma, pelo percurso metodológico abordado e diante dos
resultados apresentados, podemos afirmar que é possível trabalhar os temas
transversais que vão ao encontro da realidade vivenciada pelos alunos na
disciplina de informática, utilizando diversos recursos, com vistas a garantir
a participação efetiva dos educandos e a construção significativa do
conhecimento.

Referências
ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais.
Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2018/2019. 2019. Disponível em:
<https://abrelpe.org.br/panorama/>. Acesso em: 10 nov. 2020.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC, 2013. Disponível
em: <http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretri zes-educacao-basica-
2013-pdf/file/>. Acesso em: 18 jan. 2021.
BRASIL. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação
Nacional. Brasília: MEC, 1996.
BRASIL. Política Nacional de Resíduos Sólidos - Lei 12.305 de 02 de agosto de 2010. Brasília
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/ 2010/lei/l12305.htm>.
Acesso em: 18 jan. de 2021.
BRASIL. Portaria nº 343, de 17 de março de 2020. Dispõe sobre a substituição das aulas
presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo
Coronavírus - COVID-19. Disponível em: <http://www.in.gov.br/en/we b/dou/-/portaria-n-
343-de-17-de-marco-de-2020-248564376>. Acesso: 18.jan. 2021.
BRASIL. Resolução nº 7, de 14 de dezembro de 2010. Fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. Diário Oficial da União, Brasília, 15 de dezembro
de 2010, Seção 1, p. 34. Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/dmdocuments/rceb007_10.pdf>. Acessos em: 18 jan. 2021.
DALTRO, M. R.; FARIA, A. A. de. Relato de experiência: Uma narrativa científica na pós-
modernidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 223-237,
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GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
OLIVEIRA, M. M. Sequência didática interativa no processo de formação de professores.
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SILVA, E. K. S. da; FIGUEIREDO, L. V. de; SILVA, E. L. da. Resíduos sólidos: tema da educação
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Pesquisa Interdisciplinar, Cajazeiras, n. 2, suplementar, p. 79 - 93, set. de 2017.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

NÃO É O IDEAL, MAS FOI O POSSÍVEL!

Adriana de Fátima MALAQUIAS 1


Adriana Soares CRUZ2
Heloisa Cardoso Nunes GOMES3
Juliana Tófani de SOUSA4

O contexto

Em distanciamento social desde o início de 2020, toda a humanidade


teve que se reorganizar, passando a vivenciar diferentes situações de
funcionalidade, desenhando novas formas de organização, em todos os
setores da sociedade. Com sentimento de aflição e dor, assistimos ao
encerramento de um ano e ao início de outro, onde perdemos para a COVID-
19 (SARS-CoV-2), milhares de pessoas todos os dias.
O mundo vive uma guerra onde seu inimigo é invisível aos olhos, o que
nos coloca frente a situações sem quaisquer precedentes a nível mundial.
Porém, como em outras situações, a importância da ciência se faz presente, e
este mesmo mundo reage de forma esperançosa frente às conquistas que
podem combater o Coronavírus: os cuidados com a doença, as
recomendações para evitar o contágio e, por fim, a vacina.
Com a escola não foi diferente. Não há como desvinculá-la desse
contexto, pois não é uma instituição isolada da sociedade. Faz parte de tudo
que é vivenciado pelo mundo. Desta forma, com as escolas brasileiras
fechadas, desde março de 2020, com total incerteza quanto ao futuro, as
Redes de Ensino tiveram que se organizar, os professores precisaram se
adaptar, os alunos e suas famílias necessitaram compreender o novo.
Aprendemos muito! De diversas maneiras! Valores antes esquecidos se
fortaleceram e juntos fomos reavivando em nós, aprendizados como

1
Pedagoga, especializada em Magistério Matérias Pedagógicas 2ªgrau e Supervisão Escolar. Pós-graduada em
Pedagogia Social e Educação de Jovens e Adultos, Administração Escolar e Alfabetização e Letramento.
Professora da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte. E-mail: adriana.salvo@edu.pbh.gov.br
2
Pedagoga, especialista em Alfabetização e Letramento. Professora da Rede Municipal de Educação de Belo
Horizonte . E-mail: tiaderodinha@hotmail.com
3
Pedagoga com ênfase em Alfabetização, Leitura e Escrita pela UFMG. Especialista em Psicopedagogia e
Psicomotricidade, Neurociência e Aprendizagem, pela Faculdade Batista de Minas Gerais. Professora nos anos
iniciais do Ensino Fundamental na EMDLRA e Educação Infantil na EMEI Zilah Spósito – Belo Horizonte. . E-
mail: heloisa.c.nunes@edu.pbh.gov.br
4
Pedagoga, especialista em Educação Infantil e Educação Empreendedora. Mestranda em Educação pela
UEMG. Pós-graduanda em Psicopedagogia e em Novas Tecnologias Educacionais. Professora da Rede
Municipal de Educação de Belo Horizonte. Assessora pedagógica pela Em Caminhar Assessoria
Psicopedagógica. E-mail: em.caminhar@gmail.com

25
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

humildade, solidariedade, respeito e tolerância. Nos tornamos mais criativos,


autônomos, unidos, apesar da distância, e lidamos com a escola, sem
estarmos nela, a partir de nossas casas. Reinventamos a sala de aula, as
reuniões e os momentos de planejamentos. Recebemos em nosso espaço de
vivência particular, nossos alunos e suas famílias. Abrimos as portas de
nossas casas, e muitas vezes, fora do horário de aula, ensinamos, escutamos,
ajudamos, auxiliamos e aprendemos.
No momento em que as atividades escolares presenciais foram
suspensas, diversas perguntas, dúvidas e desafios foram colocados para
todos os envolvidos na educação, considerando aqui a Rede Municipal de
Educação de Belo Horizonte, na qual estamos inseridas como profissionais e
temos uma trajetória já percorrida e sólida. Muito foi evidenciado pela SMED
- Secretaria Municipal de Educação, a importância de mantermos os vínculos
afetivos com estudantes e suas famílias, entendendo o que e como cada um
vivenciava os impactos da pandemia em suas rotinas diárias.
Houve a preocupação com o desemprego, a contaminação, os grupos de
risco, a manutenção da renda familiar e alimentação. Ficou evidente que todo
o contexto pandêmico, alavancou as desigualdades sociais ampliando-as em
proporções, intensificando situações desafiadoras que já faziam parte do
cotidiano.
Outro desafio foi como viabilizar atividades de ensino remoto, com o
objetivo de manter, além dos vínculos afetivos, os pedagógicos, criando
possibilidades de acesso aos conhecimentos escolares. Durante um período,
enquanto professoras, estivemos em sistema de sobreaviso, aguardando
orientações da SMED e da direção da escola. Neste período, uma grande
ansiedade nos acompanhava, pois tudo era novo, desafiador e nossos alunos,
nosso principal objetivo, ainda estavam longe de nós.
Passamos para o sistema de teletrabalho em junho de 2020, onde iniciou-
se a construção coletiva de uma proposta totalmente remota e que envolveria
todos os professores, coordenadores, direção e que tinha o foco específico na
busca ativa de cada aluno. Ficou bem claro para todos nós, que as famílias
eram peças fundamentais no processo e que sem elas seria muito difícil
caminharmos.
Levamos em consideração a singularidade de cada aluno, suas poten-
cialidades, uma proposta curricular redesenhada para o momento vivido,
estratégias pedagógicas diversificadas, com base nos interesses, habilidades
e necessidades de cada sujeito ali envolvido.
Aqui, neste capítulo, relatamos a valiosa experiência vivenciada por nós,

26
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

professoras5 de 3 turmas de 5º ano do Ensino Fundamental, considerando as


orientações gerais da SMED, o planejamento da escola 6, mas principalmente
nosso desejo de acolher a diversidade dos nossos alunos, de forma retoma,
não ideal, mas possível.

A organização

A organização do trabalho pedagógico a partir do teletrabalho


demandou resgatar o vínculo escola família. Inicialmente foi um grande
desafio contactar as mesmas, ouvir os desabafos, angústias, insatisfações,
dúvidas e expectativas quanto a vida escolar das crianças. Nós, professoras,
compreendíamos os diferentes posicionamentos das famílias, pois
compartilhávamos das mesmas responsabilidades quanto o
desenvolvimento afetivo, social e cognitivo que envolveu o mesmo
protagonista, o aluno.
Transmitir segurança, cuidado e esperança, com empatia, sem
invadirmos as particularidades das famílias, demandou tempo, momentos
de interação e escuta. Porém, por mais surpreendente que seja, o
distanciamento social possibilitou nos aproximar e compreender diferentes
realidades que antes os muros da escola interviam. Vivenciamos aquilo que
com o passar do tempo, começamos a entender como a real personalização
do ensino.
Vibramos em cada contato familiar que conseguimos, por convites
aceitos e principalmente, quando ouvimos as vozes dos nossos alunos, depois
de muitas semanas sem contato, com cada expressão de carinho e saudade.

O desafio

A compreensão de tudo que estávamos vivenciando, nos mostrou a real


necessidade de abrirmos mão de processos metodológicos dados, como
prontos e acabados, e nos desafiou na busca de outros, novos e necessários,
que se adequassem à situação. Descartar ideias e verdades absolutas,
princípios e valores que foram construídos ao longo de nossa trajetória
profissional, foi fundamental.
A implementação de metodologias ativas e significativas, gerou vários

5
Para realizarmos este trabalho, contamos também com a participação das professoras Walkyria Figueiredo
Dias Monteiro e Claudia Lúcia Tran Alves Simões.
6
Escola Municipal Desembargador Loreto Ribeiro de Abreu – Rua Marcos Donato de Lima, 520, Ribeiro de
Abreu, Belo Horizonte, MG.

27
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

impactos positivos, não somente para os discentes, mas também para nós,
docentes, que estávamos frente a uma inusitada realidade.
Perrenoud, 2000, reflete sobre a prática docente e afirma que “nada disso
funciona sem uma tomada de consciência do problema, tanto pelo professor,
quanto pelo aluno” [...] “quando se enfrenta uma nova situação, tentando
reinvestir aquisições.” O autor ainda afirma, quando pensa na complexidade
do contexto educacional:

Não basta dispor de todos os ingredientes para ser bem-sucedido em uma


receita, nem seguir à risca um procedimento para agir de modo eficaz,
salvo para ações bastante simples. Em ações complexas, a capacidade de
interagir e reunir recursos diversos é decisiva. (PERRENOUD, 2000, p. 59)

Assim, expressões relevantes como, aprendizagem significativa e


cooperativa, autonomia, protagonismo, postura investigativa e interação,
foram evidenciadas durante o nosso constante movimento com os alunos e
destacamos como objetivo maior, a aprendizagem ativa, mesmo
considerando a distância e os poucos recursos. Oportunizamos a troca de
conhecimentos entre os professores envolvidos, destes com os alunos e
também, dos alunos entre si, a fim de torná-los figuras importantes em seu
processo de aprendizagem.
Ressaltamos a importância de estarmos todos motivados a todo
momento e, necessariamente, mais criativos, mais propositivos. Para tal, a
cooperação e integração foram peças chave, pois planejar, analisar e criar
alternativas para diferentes situações, de forma reflexiva e se
responsabilizando enquanto equipe, ampliou cada vez mais nossas
habilidades e conhecimentos.
A partir deste entendimento, considerando o uso das tecnologias, ainda
que de forma restrita, ofertamos inúmeras possibilidades, oportunizando
aulas mais eficazes e a aprendizagem mais atraente. O desafio era “nenhum
a menos” e apesar de “perdermos7” alguns durante o processo, os que ali
estavam, foram fortalecendo-se e envolvendo-se mais e mais.
A “busca ativa”8 passou a ser uma constante no dia a dia virtual:
inúmeras ligações, videochamadas, contatos com os familiares, chegar até

7
O fenômeno de emergência epidêmica, aponta-nos, com imensa clareza, as diversidades sociais e
educacionais, que já eram apresentadas na escola, mas que as salas de aula presenciais tentavam, de alguma
forma, minimizar. Problemas identificados desde a falta de acesso à internet, passando pela formação do
professor e contabilizando a escassez de recursos tecnológicos, impediram que todos os alunos fossem
acessados ou permanecessem ativos na proposta.
8
De acordo com a PORTARIA SMED Nº 138/2020 e suas orientações complementares.

28
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

outros alunos, através dos que estavam no grupo de WhatsApp. Foi necessário
construir uma rede, para atingir a maioria. As três turmas se tornaram um só.
E foi importante manter a mesma busca ativa, durante todos os meses de
contato com os alunos, no decorrer do ano letivo, objetivando nenhum a
menos e sempre um a mais.
As famílias foram fundamentais em todos os movimentos que
realizamos. Não podemos dizer que a família fez o papel da escola, porque a
instituição escolar é um espaço de socialização e aprendizagem, único e
insubstituível. Porém, as famílias, neste momento de evento pandêmico,
precisaram se envolver muito mais na educação escolar de seus filhos e em
condições muito diversas, reorganizando o contexto familiar, que também é
singular.
As novas formas de “levar” a escola até o aluno, foram desafiadoras para
todos os envolvidos. Nesse sentido, as responsabilidades, ao invés de serem
transferidas, precisaram ser compartilhadas. Escola e família se viram
desafiadas a intensificar a parceira, sintonizando-se no desejo de fazer dar
certo.
Ao estreitarmos a parceria, unindo forças e esforços, muitas famílias se
mostram dispostas a cooperar, demonstrando mais empatia por nós,
profissionais de ensino. Já enquanto professores, redobramos a atenção
dispensada aos nossos alunos, entendendo as limitações dos
pais/responsáveis, para que a elaboração das atividades e escolha das mídias
e tecnologias utilizadas, fossem inclusivas.
Partindo deste contexto que nos foi colocado pela pandemia, pelo ensino
remoto e pela necessidade e envolver os alunos em metodologias ativas, nos
preocupamos em oferece-los muito mais do que a transmissão de
conhecimentos e conteúdos programáticos. Todas as oportunidades de
interação, participação, trabalho em equipe, comunicação efetiva,
cooperação, foram utilizadas, desenvolvendo a habilidade específica para o
momento. Em processos argumentativos, autônomos, criativos e
exploradores, ganhou vida uma sala de aula diferente, alinhando a
aprendizagem de forma significativa, estruturando-a como um plano de
ações, dando uma direção para o trabalho coletivo e corresponsável. Um
compromisso definido coletivamente, que possibilitou a articulação entre os
interesses reais de todos os envolvidos no processo.
Desta forma, nossas aulas ganharam maior potência criadora,
preparadas para as demandas que nos eram apontadas, a partir das
necessidades de cada aluno. Para Nóvoa, 2015, um professor propositivo, que
se dispõe a trabalhar situações-problema, levando o aluno a experimentar e

29
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

buscar resultados, define o que Freinet propunha, há quase cem anos, quando
falava de experimentação, criatividade, autonomia e cooperação.
Além das aulas diárias pelo aplicativo WhatsApp, todas com recursos
como, áudios acolhedores e orientadores, uso dos avatares das professoras,
de figurinhas de incentivo e detonadoras, vídeos do YouTube, videoaulas
gravadas por nós, mensagens afetivas, entrevistas gravadas anteriormente e
disponibilizadas, textos explicativos, roteiros de estudos, propostas de
atividades e gabaritos envidados após a correção no privado da professora
referência9 da turma ou componente curricular, nos aventuramos em
momentos on-line, onde utilizamos as plataformas: sala do Messenger e Google
Meet.
A frequência das aulas on-line dependeu tanto da organização do grupo,
dos alunos e suas famílias, como do planejamento conjunto e prévio das
professoras, atentando para as necessidades que foram surgindo no decorrer
do trabalho.
• Realizamos uma gincana virtual, objetivando a aproximação, pois foi
nosso primeiro momento on-line, onde desenvolvemos tarefas
voltadas para todos os componentes curriculares;
• Apresentação de trabalhos, a partir de estudos e roteiros;
• Palestra com um professor10 convidado, com os temas Consciência
Negra, Não ao Racismo e Viva a diferença;
• Diálogo com um médico11 sobre a situação da pandemia naquele
momento e sobre as medidas sanitárias, no possível retorno
presencial;
• Momento de despedida ressaltando os aprendizados e conquistas,
apesar do ano difícil que vivemos.
Em todos os momentos, contamos com a participação de algumas
famílias, assistindo, formulando perguntas, orientando os filhos, interagindo
com uma proposta que era nova para todos nós.

9
Apesar do grupo alunos e de professoras das turmas do 5º ano estarem em um só grupo de WhatsApp, cada
professora estabeleceu o contato com seu aluno em sua conta privada, facilitando o retorno das atividades,
correções e interações. Também, cada professora, teve a responsabilidade de contactar as famílias de seus
alunos, durante diferentes situações. Este direcionamento, porém, não impediu que uma professora auxiliasse
a outra em momentos diversos e nem os alunos de outras salas, diante de diferentes necessidades.
10
Anderson Tomás – Professor de Geografia e especialista em Psicologia da Educação e em Docência do Ensino
Superior
11
Adriano Almeida – Cirurgião Angiologista, atuando na linha de frente contra a COVID-19, em diferentes
hospitais da Região Metropolitana da Belo Horizonte

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Atividades on-line – fotos divulgadas nas redes sociais da escola e professoras

Fonte: Acervo particular - Professoras autoras

31
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

A resposta dos alunos foi muito positiva, em sua maioria. No decorrer


do processo, perdemos alguns, apresar de todos os nossos esforços diários.
Realizamos questionários, utilizando a ferramenta Google forms e através das
respostas obtidas avaliamos que as nossas aulas atenderam bem aos alunos.
Porém, eles sentiam falta da escola, dos colegas e da nossa sala de aula
presencial. Alguns relataram que não se adaptaram ao ensino remoto e,
portanto, nossa intervenção constante e individual, foi fundamental.

E foi possível...

Foi um processo de mudança que exigiu do corpo docente a utilização


de estratégias de ensino, até então não utilizadas. Ou seja, tivemos que definir
ações que possibilitassem reorganizar nosso planejamento pedagógico, a fim
de propiciar condições de aprendizagem para os alunos. Dessa forma,
adotamos o trabalho por temas com intuito de articular de forma integrada
os componentes curriculares aos objetos do conhecimento descritos na Base
Nacional Comum Curricular – BNCC e pelas diretrizes curriculares definidas
para SMED12.
O aplicativo de mensagens instantâneas: o WhatsApp, tornou-se o
melhor meio de comunicação entre a família e a Escola Municipal
Desembargador Loreto Ribeiro de Abreu. A escolha foi decorrente dos dados
obtidos através da elaboração do Mapa Socioeducacional virtual e físico13.
Esse questionário possibilitou a coleta de dados, onde foi possível constatar
a opção pelas famílias pelo WhatsApp, como meio de comunicação mais eficaz
para garantir o acesso das atividades pedagógicas e demais comunicações
entre a escola e a família. Mesmo diante desses dados, deparamos com
famílias que tiveram dificuldades em acessar a internet ou que o celular não
era compatível para baixar o aplicativo.
Para alguns alunos o acesso às atividades pelo celular, somente era
possível após o retorno dos pais, do trabalho, no fim do dia. Deparamos com
muitas famílias com apenas um celular e o mesmo não poderia ficar
disponível durante o dia, para os filhos. Essas e outras dificuldades que
vivenciamos durante 2020, reforçou o quanto foi desafiador manter o vínculo
com as famílias de forma remota.
Por outro lado, tivemos famílias que puderam acompanhar o nosso

12
Percursos Curriculares e Trilhas de Aprendizagens para a Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte
em Tempos de Pandemia
13
Foi utilizada a ferramenta Google Forms e algumas cópias do questionário disponibilizadas na escola e em
pontos de referência nos bairros/comunidades atendidas pela escola.

32
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

trabalho à medida que as atividades eram postadas no aplicativo.


Demonstraram interesse, solicitando através do recurso, informações e
tirando dúvidas para auxiliar o aluno em casa. Felizmente tivemos um grupo
significativo de famílias que se esforçaram para que o aluno pudesse realizar
as atividades. Famílias que fizeram questão de demonstrar o quanto é
importante estarmos juntos, enfrentando as dificuldades decorrentes da
pandemia. Todas essas possibilidades foram vivenciadas e aprendemos
muito com todas elas.
Através do Mapa Socioeducacional, algumas famílias em resposta,
optaram pelo material impresso. Para atender esse grupo de alunos, que não
faria as atividades via aplicativo, elaboramos atividades impressas, ou seja, o
Portfólio14. Esse tipo de registro possibilitou uma visão abrangente sobre
como ocorreu o processo de aprendizagem. Juntamente com a coordenação
pedagógica, discutimos como seria elaborado, pois o material teria que
contemplar as atividades que foram postadas no WhatsApp. O mesmo seria
disponibilizado para que a família buscasse e devolvesse na escola a cada
quinze dias. Além disso, uma das maiores dificuldades que identificamos, foi
constatar que esse grupo de alunos realizariam as atividades impressas sem
o acompanhamento do professor e, não poderíamos ter certeza do
acompanhamento familiar.
Com o material em mãos, o aluno faria sozinho, em casa, todas as
atividades. No entanto, nós professores, só teremos contato com o Portfólio
dos alunos, quando retornarmos para a escola presencialmente. Mesmo
diante desse cenário, garantimos a elaboração do Portfólio, com qualidade,
procurando entender o contexto de cada família.
Em dezembro de 2020, quando finalizamos as atividades pelo WhatsApp,
nós professores recebemos muitas mensagens das famílias, repletas de muito
carinho, reconhecimento e gratidão pelo nosso trabalho. Ficamos
emocionadas pelas mensagens registradas pelas famílias. Nesse momento,
percebemos que apesar dos desafios, o nosso trabalho foi além do
pedagógico. Sentimos que o vínculo entre família e escola foi construído com
muito empenho e principalmente com respeito por todo o trabalho
realizado.
O acompanhamento da Coordenação pedagógica foi importante para o
nosso trabalho. Através das reuniões pedagógicas, tivemos a oportunidade
de discutir sobre a devolutiva do trabalho realizado nos grupos do WhatsApp,
trocando experiências e sugestões, de reestruturamos o planejamento

14
Para todos que não conseguiam acompanhar as aulas no WhatsApp, foi ofertado o Portfólio físico, pensado
e organizado pelas professoras e atendendo as orientações da SMED e Coordenação Pedagógica da escola.

33
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

pedagógico a partir da análise das Matrizes Curriculares, de socializarmos


com a coordenação a organização das atividades que fariam parte do
portfólio. Tivemos também a oportunidade do relato de experiência de
professores que trabalham em outras redes de ensino, ampliando nossas
possibilidades de recursos. Além disso, a coordenação pedagógica teve uma
postura de “escuta” para que nós, professores, tivéssemos a oportunidade de
expor as nossas inseguranças e expectativas diante de tantas incertezas
decorrente de um contexto educacional tão inusitado.

Considerações finais

Em virtude da pandemia e da necessidade do distanciamento social,


tivemos que abranger e enriquecer a dinâmica do nosso trabalho. Este relato
é a nossa contribuição para futuros trabalhos que poderão ser desenvolvidos
em diferentes espaços e introduzindo as TDIC – Tecnologias Digitais de
Informação e Comunicação, sem deixar de atender, obviamente, aqueles que
ainda não possuem tais recursos. Este é um ponto de partida para incentivar
e subsidiar a promoção e realização de outras práticas pedagógicas e deixa
inúmeras reflexões para todos os professores/leitores.
Para validar este processo, é necessário que ele seja inclusivo e que não
haja distinção de quaisquer condições. Um processo que contemple a
diversidade dos alunos em todas as vertentes: cognitivas, sociais e culturais.
O objetivo principal é, e sempre será, que todos estejam inseridos.
No início houve sim, várias indagações sobre este novo formato de
escola, afinal não fomos preparados para estas mudanças tão repentinas.
Porém, os grupos de trabalho foram se solidificando e as estratégias, nos
desafiaram, fazendo-nos compreender que não era o ideal, mas foi possível.

Referências
MARQUES, Romualdo. Significação da educação e o processo de ensino e aprendizagem no
contexto de pandemia da covid-19 - UFRR – Disponível em: <https://revista.ufrr.br/boca/arti
cle/view/Marques/3000 - Acesso em: 05/08/2020.
ARRUDA, Eucidio Pimenta. Educação remota emergencial: elementos para políticas públicas
na educação brasileira em tempos de Covid-19 –UFMG. Disponível em: <https://www.auni
rede.org.br/revista/index.php/emrede/article/view/621>. Acesso em: 05/08/2020
MORÁN, José. Mudando a Educação com metodologias ativas. In: Convergências Midiáticas,
Educação e Cidadania: aproximação jovens. Coleção Mídias Contemporâneas Vol. II.
Carlos A. de Souza e Ofélia Elisa Torres Morales (orgs.). PG: Foca Foto-PROEX/UEPG, 2015.
PERRENOUD, P. Pedagogia diferenciada: das intenções à ação. Porto Alegre: Artmed, 2000.
NÓVOA, António. Aprendizagem não é saber muito. Entrevista Carta Capital, Sexta-Feira, 4 de
setembro de 2020. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/antonio-
novoa-aprendizagem-nao-e-saber-muito/>. Acesso em: 04/09/2020.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

CURRÍCULO ESCOLAR
Perspectivas e possibilidades

Amanda Araujo POMBO1


Gizelia Angélica Cardoso BORGES2

Este artigo tem como premissa fazer uma reflexão sobre a prática
docente, no âmbito do envolvimento e da interação com seus alunos e com
os conteúdos programáticos. Partindo do princípio de que todo o
conhecimento transmitido submerge de uma série de questões, por vezes
relacionadas ao saber, ao poder, a ideologia, a interação ou a experiência em
sala de aula, a formação e, consequentemente a atuação docente, contribui
para o fortalecimento da identidade e do ofício de educador.
No decorrer da nossa formação observamos a postura dos nossos
educadores de uma forma crítica, abandonando o romantismo e, não raro o
caráter empírico, para que a fundamentação teórica permeasse nossas
decisões. Analisávamos tanto aqueles que compunham o corpo docente,
quanto aqueles profissionais que acompanhamos em cursos e estágios
externos. Percebíamos quando alguns destes docentes não transmitiam, de
forma precisa e objetiva os conteúdos abordados, ora por não dominarem o
assunto ou por não conseguirem transmiti-lo de forma clara, ora por não
adequarem esses conteúdos a “real” necessidade dos alunos, emergindo, daí,
uma dicotomia entre o dito e o experienciado, descaracterizando, assim, a
dimensão de uma aprendizagem significativa e aplicável no dia-a-dia.
Nesta perspectiva, levando em consideração o momento em que
vivemos atualmente, onde o acesso à informação é ilimitado e “renovado” a
cada instante, os educandos trazem consigo alguns desses conhecimentos
que adquirem de maneira informal e, considerando esta gama de informação,
não chegam à escola como uma “folha de papel em branco”, sem
conhecimentos. Assim, é emergente promover uma mudança paradigmática
no contexto escolar, exigindo uma reflexão crítica sobre as práticas docentes
e seu saber-fazer pedagógico.
Neste sentido, para contribuir com essas discussões, fizemos um recorte
teórico para fundamentar nossas considerações que questionam uma prática
docente sem interação, envolvimento e preocupação com o aluno/grupo,

1
Amanda Araujo Pombo, Pedagoga, Pós-graduada em história e pós-graduanda em Arteterapia. Experiência
em Educação de Jovens e Adultos, Ensino Fundamental nos Anos Iniciais e Docência no Ensino Superior.
Email: amandaaraujopombo@gmail.com
2
Gizelia Angelica Cardoso Borges, Pedagoga, Psicopedagoga Especialista em Alfabetização e Letramento.
Professora na Educação Infantil. Email: gizaborges1@hotmail.com

35
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

além de arguirmos sobre os saberes necessários e indispensáveis à prática


docente.
Em contrapartida, recorremos, também, àqueles professores que
notoriamente conseguem mediar, em suas aulas, o conhecimento de maneira
concisa, envolvente, auxiliando os educandos a conquistarem a autonomia
intelectual. Tardif (1999) acredita que há aspectos específicos para a formação
do docente, como: assimilação do conhecimento profissional; especialização
formal; dinamismo na resolução de problemas e conflitos; adaptação e
improvisação diante de novos contextos; formação continuada. Tais
características constroem habilidades e competências essenciais para
excelência do educador. Desta forma, as pesquisas acadêmicas relacionadas
às reflexões sobre a prática docente são continuamente necessárias.

Currículo escolar

A discussão curricular nas instituições escolares é uma das questões


mais pautadas e que gera uma grande divergência de opiniões quando o
tema é o papel da educação, pois demanda saber se aquilo que está prescrito
condiz com aquilo que está sendo aplicado, além de refletir a formação do
homem e como a escola, através do ensino, exerce sua verdadeira função. A
definição do que é o currículo escolar também é muito questionada, contudo,
não pode ser definida em pequenas palavras fora de contexto.
Diante disso, não há uma única definição para currículo escolar, mas sim
linhas de pensamentos. Assim, seria um conjunto de atos que auxiliam na
orientação das atividades educativas, abrangendo e visando aspectos sociais,
filosóficos e históricos.
A teoria curricular nos auxilia a organizar e estruturar nossa “visão” de
realidade educacional, como formadores de cidadãos e sociedade, através de
modelos pré-determinados. Assim, o currículo escolar é agente fundamental
para auxiliar todo esse processo de formação.
Dentre as teorias curriculares estão à tradicional, que prioriza uma
educação formal, acrítica e repetitiva, sem considerar o sujeito e
neutralizando o saber informal. O conhecimento é recebido passivamente
pelo aluno, não tem preocupações na qualidade deste ensino e toda essa
estrutura, segundo Teixeira (2005, p. 119), influencia e beneficia aqueles que
detêm o poder, pois “[...] as concepções curriculares tradicionais estão
pautadas pela organização e desenvolvimento do currículo vinculado a
perpetuação de determinadas estruturas que favorecem o aspecto de
dominação, influenciando as relações de poder [...]”.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Nesta perspectiva, o currículo tradicional reproduz uma sociedade


baseada nas relações de poder, que “moldam” os sujeitos às necessidades do
capital. Na década de 60, em meio a mobilizações sociais e culturais, surgem
novos olhares direcionados à educação e à necessidade de reformulação,
resultando em uma nova teoria curricular: a Crítica, que culpa a educação
pelas desigualdades e injustiças sociais, pois em nossa sociedade – capitalista
– quem está no poder econômico domina os que têm apenas a força de
trabalho.
Vale ressaltar que Louis Althusser (2003) foi um dos estudiosos
precursores que se propôs a criticar elementos da Teoria Tradicional, bem
como a escola como um dos artifícios que garantem a predominância da
classe dominante. Toda a estrutura de uma sociedade deve ter uma base
sólida para se “erguer” e se manter de “pé”, que são instituições distintas,
denominadas, pelo autor, de Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE). Dois
desses Aparelhos Ideológicos são o Escolar e a Família, nos quais
desempenham outras funções além de AIE, mas que intervém para dar
continuidade e garantir às classes dominantes, de maneira tênue, o controle
da classe operária.
Assim, com o intuito de “modelar” novos sujeitos à sua vontade, essas
Ideologias são transmitidas desde a fase escolar maternal e está contida nos
saberes que a aprendizagem repassa para serem reproduzidas por novos
capitalistas, que quando estiverem com uma idade de produção serão
operários. Em contrapartida, se há necessidade de inculcação desses ideais é
sinal de que poderá haver resistência, onde surgirão as lutas de classes.
Freire (2003) conceitua a educação comparando-a como bancária, onde
o professor transfere, ativamente, informações e fatos aos educandos, que os
recebe de forma passiva, de maneira automática, como fazem os depósitos
bancários. Debates como estes, abordados por Freire (2003), sugerem uma
ampliação dessas discussões no âmbito do currículo escolar, surgindo, assim,
as Teorias Pós-Críticas, que levantaram novas questões de forma mais ampla,
libertadora e emancipatória.
As Teorias Pós-Críticas preocupam-se nas inter-relações com o saber e
identidade, considerando questões relacionadas à diversidade cultural
contemporânea. No entanto, reformula a questão das relações de poder,
deixando de limitá-las àqueles que o detêm, mas que estão pulverizados, de
forma multifacetada, em diversas hierarquias de poder. Neste contexto, um
homem branco pode mais e tem mais poder que uma mulher, por sua vez,
uma mulher branca pode ter mais poder que uma mulher negra, ou seja, há
relações de poder mesmo em meio às classes desfavorecidas. Segundo Silva

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

(2003, p. 93), “[...] o simples acesso pode tornar as mulheres iguais aos
homens, mas num mundo ainda definido pelos homens”.
Nessa perspectiva teórica, a organização curricular deve atentar-se a
múltiplos fatores, além de acrescer temas específicos considerando o contexto
histórico e a cultura local. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
9394/96 em seu artigo 26, sugere que os currículos sejam mais flexíveis,
incorporando disciplinas que podem ser escolhidas, levando em
consideração o contexto local.
Diante deste contexto, para que haja esta organização, há dois tipos de
currículos: o prescrito e o experienciado. O currículo prescrito é aquele que
determina quais conteúdos serão trabalhados, ou seja, o que ensinar. É
disposto de 75% de saberes comuns, de conhecimentos globais e 25% pode se
adequar às necessidades locais e culturais, além de integrar assuntos
pertinentes aos interesses dos educandos. No entanto, o currículo
experienciado é vivido na prática, em metodologias, de maneira flexível, pois
se pode alterar conforme a necessidade, utilizando-se de ferramentas. É a
conversão do currículo prescrito em saberes, ou seja, como ensinar. Sendo
assim, o currículo prescrito tem como objetivo que o aluno aprenda e o
currículo experienciado objetiva a transformação deste aluno.
Nesta perspectiva, a sociedade sinaliza quando necessita de mudanças
para “construir” novos sujeitos e novas identidades, pois a historicidade da
educação se altera e o currículo acompanha estas mudanças à realidade da
sociedade. Entretanto, para Teixeira (2005, p. 118), nem sempre o currículo se
adapta a necessidade dos acontecimentos exigidos e reivindicados pela
sociedade. Assim, “[...] torna-se necessário reconhecer que o processo de
construção social do currículo não é um processo meramente lógico, mas sim,
internamente inconsistente e ilógico”.
Sob esta ótica, torna-se ilógico por não haver uma ordem na construção
dos saberes para compor o currículo escolar, que ora tem interesse político
para impor fundamentos das relações de poder, ora ideológico, que por meio
das convicções agem “mascaradamente” para também persuadir seus
fundamentos. Devido a esses aspectos, essas relações intrínsecas no currículo
não acompanham as necessidades da sociedade simplesmente para atualizar-
se dentro de um contexto histórico, mas carregam “propósitos” para
determinar quais sujeitos quer formar e como essas novas identidades serão
construídas.

Formação docente

A formação intelectual de um sujeito é distinta de acordo com os

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

aspectos social, cultural, contexto histórico e escolar, que influenciam de


maneira positiva ou negativa em sua autonomia crítica. Assim, um educador
crítico, reflexivo e argumentador não destruirá a construção das identidades
de cada aluno, permitindo memorização excessiva e cópias
descontextualizadas. Entretanto, veremos que muita expectativa se cria de
um “modelo ideal” deste profissional, que necessita de tantos saberes
anteriores, mas que se tornam obsoletos a cada instante, fazendo-se
necessária uma prática reflexiva diária.
Nóvoa (1999) contextualiza o esboço de um professor ideal ao analisar
que pesquisadores europeus, desde o século XVIII, buscavam este
profissional arquitetado, modelado. Eles questionavam modelos escolares
elaborados sobre a tutela da Igreja, que posteriormente substituíram estes
professores por professores laicos, todavia, suspeitavam se estes
desempenhariam melhor seu papel na área educacional.
Nesse contexto, Nóvoa (1999) acrescenta que, os professores, a princípio,
tinham um compromisso moral/religioso, porém, mesmo quando se
substituiu missão por ofício profissional e a vocação por profissão, o enfoque
principal sobre moralismos continuou o mesmo. Inclusive na transição dos
séculos XIX para o XX, onde a época dos grandes Congressos de Professores
eram como “laboratórios de valores comuns”, perpetuava a “idealização
coletiva”, que mantinham princípios religiosos “enraizados”, pois estes
estavam presentes em sua formação inicial.
Nesse sentido, embora no processo continuado tenhamos refletido e
compreendido sobre conceitos paradigmáticos, estamos inter relacionados à
nossa formação inicial, pois fizeram parte da formação e, consequentemente,
tende a dar continuidade. Em contrapartida, ainda que houvesse resistências
semelhantes a esses paradigmas, pesquisadores procuraram um
aperfeiçoamento no “como” trabalhar e utilizar instrumentos adequados ou
técnicas pedagógicas específicas, buscando valorização da profissão e de seu
ofício.
No campo profissional docente, em meados dos anos 60-70 do século
passado, houve uma racionalização do trabalho, que segundo Canário (2003,
p.45) “[...] atinge um novo estádio e a decomposição dos ofícios tradicionais
provoca crise das identidades coletivas”. No contexto da educação brasileira,
a formação de professores enfrentou diversos conflitos devido a crises
relacionadas àqueles que detinham o poder, que era ditatório.
Na década de 90, graças a avanços tecnológicos, o acesso à pesquisa se
torna maior, o “bombardeamento” de informações faz com que a escola,
reprodutora de conteúdos, não seja atrativa. A sociedade sinaliza por

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

mudanças e começa a cobrar uma criatividade que, até então, não era
cobrada. Assim sendo, a escola se reorganiza para trabalhar a formação deste
novo sujeito e, consequentemente, preocupa-se com a formação de um novo
professor. Para Lorieri e Rios (2008, p. 42), “[...] a escola é uma das instituições
que se destinam a ensinar a ciência de viver, mas ela se destaca entre outras
instituições na medida em que faz isso de maneira sistemática e organizada”.
Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabeleceu
uma modificação relevante para a base Nacional, ao exigir, em seu art. 64, o
estabelecimento do nível superior para o exercício da docência. Esta Lei
desencadeou a organização das novas diretrizes dos cursos de formação,
possibilitando uma ampla formação, sobretudo mais teórica e, portanto, mais
reflexiva, pois, segundo Alarcão (2007, p. 59) “[...] só o conhecimento que
resulta da sua compreensão e interpretação permitirá a visão e a sabedoria
necessária para mudar a qualidade de ensino e da educação”.
Assim, tornou-se necessário reavaliar os mecanismos das instituições
formadoras, a fim de que todos os saberes propostos por elas fossem
internalizados pelos discentes, capacitando-os para, futuramente, trabalhar a
autonomia de seus alunos, pois, segundo Alarcão (2007, p. 32), “[...] o grande
desafio para os professores vai ser ajudar a desenvolver nos alunos, futuros
cidadãos, a capacidade de trabalho autônomo e colaborativo, mas também
espírito crítico”.
É nesse sentido que a relevância do papel social do professor se torna
evidente, pois sua ação atingirá direta ou indiretamente a formação de
identidades. Em conformidade, Giroux (1999, p.26) aponta que “[...] os
educadores têm uma responsabilidade pública que por sua própria natureza
os envolve na luta pela democracia. Isso torna a profissão do professor um
recurso público singular e poderoso”.
Deste modo, a formação inicial e continuada deste docente será
determinante para o desencadear de suas ações, implicando, assim, nas
metodologias, didáticas, ferramentas e modo avaliativo. O resultado desta
seleção de saberes envolverá mudanças no currículo escolar, acoplado a
concepção de formação de determinado sujeito para aquele contexto social.

Prática docente

A comunicação entre professor e aluno está interligada e as propostas


metodológicas são ferramentas fundamentais para esta relação. O educador
cumpre o seu papel com sucesso quando consegue intervir nessa relação,
ajustando e adaptando os conteúdos de acordo com as necessidades que o
momento social e o aluno exigem, pois de acordo com Sacristán (1999, p. 20),

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

“[...] o aluno é também um agente na relação teoria-prática [...]”.


Nesse sentido, a intervenção nesta relação se dá através do saber
pedagógico, embasado em conhecimentos teóricos e adquiridos durante a
prática. Esta conexão é algo valiosíssimo, podendo ser determinante para o
êxito de uma aula; todavia, o empenho dos educandos também contribui
para que isso aconteça verdadeiramente, pois o ato de ensinar e o ato de
aprendizagem são processos interativos com finalidades comuns.
Em conformidade, Altet (2000, p. 14),
Se ensinar é comunicar um conteúdo, fazer passar a mensagem é tão
importante como o próprio conteúdo da mensagem e como a informação.
Ao nível das práticas educativas, a pedagogia é este campo da
transformação da informação em saber pela mediação do professor,
através da comunicação, da ação interativa numa situação e das tomadas
de decisão na ação. O pedagogo é aquele que facilita a transformação da
informação em saber e o saber só se torna conhecimento pelo esforço
pessoal de quem aprende.

Assim sendo, o educador conduz seus saberes com maestria quando


utiliza seu conhecimento teórico e prático para usar as “ferramentas corretas”
e necessárias para a comunicação com cada público específico. Assim,
Sacristán (1995, p. 78) aponta que é “necessário incentivar a aquisição de uma
consciência progressiva sobre a prática, sem desvalorizar a importância dos
contributos teóricos”.
A relevância de usar diferentes artifícios, em sala de aula, significa não
estar ancorado em uma única metodologia, mas sim ser multifacetado, para
que o aluno construa o conhecimento sem reproduzir ou memorizar
conceitos prontos. Uma das melhores maneiras de trabalhar esta diversidade
de ferramentas é respeitando e inserindo o multiculturalismo, que ao longo
dos anos foi priorizada por uma cultura elitizada.
A prática docente, segundo Tardif (2008), está inter-relacionada com
diversos saberes, que não se reduzem a uma mera transmissão de
conhecimentos construídos previamente. O saber docente é plural, advindos
de sua formação profissional e de saberes disciplinares curriculares e
experienciais. No entanto, a reflexão crítica da prática deve ser enfaticamente
assídua, constante, diária, para que o vínculo com a teoria se articule de tal
forma que seja complexo diferenciá-los.
Freire (1996, p. 39) complementa, apontando que
Na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da
reflexão crítica sobre a prática. É o pensamento criticamente a prática de
hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo


concreto que quase se confunda com a prática.

Contudo, a reflexão sobre a prática não se limita em pensar o modo de


agir. Altet (2000) aponta que a pedagogia não pode ser definida, como muitos
já fizeram, como “arte de conduzir uma aula”, de uma forma inata do professor,
como reflexão sobre a prática ou como uma ciência resultante de dados
investigativos. Mas, expressa a necessidade de romper com os limites da
dialética prática-teoria, e recolocar a pedagogia numa posição central como a
práxis em que é necessária a teoria.
Deste modo, para Anaya (2008, p. 29), articular os saberes acadêmicos
aos saberes pedagógico são necessários para resoluções de diversas situações
nas quais os educadores irão enfrentar, permitindo, portanto, a práxis como
um elemento a mais para desvincular de paradigmas incumbidos à “teoria
curricular tradicional, pois o currículo, os professores e os alunos não são elementos
neutros, mas sim transmissores de ideologias”.
Vale lembrar que o discurso teórico deve caminhar ao lado, de maneira
articulada e coerente com a prática. A relevância desta reflexão, internalizada
pelo educador, será uma enorme contribuição para a condução e sucesso da
prática pedagógica de qualquer professor.

“Modelo ideal”

Como vimos anteriormente sobre a formação docente, a sociedade em


geral, desde que existe a educação, sempre está em busca de um modelo de
professor “ideal”; os professores, por sua vez, buscam “receitas” que os
norteiem, mas são estigmatizados como acomodados. Entretanto, de acordo
com Lorieri e Rios (2008, p. 51), “[...] sabemos que receitas não são más; mal
é acreditar que há uma forma única de fazer as coisas”.
Zabala (1998) complementa que, na pedagogia, dispomos de
conhecimentos que nos servem como referenciais teóricos que descrevem e
explicam a prática. Assim sendo, igualmente devemos empregar tais
referenciais, que são analisados criteriosamente e teorizados cientificamente
para aplicar em nossa prática diária.
Segundo Zabala (1998), a princípio, o professor não decide mudar sua
prática, mas sim decide conhecê-la e compreendê-la para, a partir desta
percepção, transformá-la e, consequentemente, através da análise diária de
sua prática aliada aos conhecimentos teóricos, ressignificar sua prática
docente.
Vale acentuar a importância dos educadores tentarem recriar suas

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

práticas educativas, repensando sua didática, metodologia e modo avaliativo


e, ainda, repensando suas relações interpessoais com os alunos e comunidade
escolar. Isso se dará através de uma formação constante desses educadores,
para que, além de dominar os saberes necessários à profissão docente, de
acordo com Freire (2001), esses educadores deverão estar armados de clareza,
coerência, competência pedagógica e científica, para que possa contribuir de
forma ética e com qualidade na construção de sujeitos críticos.
A escola possibilita aos educandos o contato e a assimilação de
conhecimentos científicos, através de estimulações das habilidades e
competências, de uma forma democrática, multiculturalista. Para isso,
Guroux (1999, p. 26) assinala que “[...] os educadores têm uma
responsabilidade pública que por sua própria natureza os envolve na luta
pela democracia. Isso torna a profissão do professor um recurso público
singular e poderoso”.
Assim sendo, um docente que se propõe a refletir sua prática, ser ético e
coerente entre o discurso e a prática, consciente do seu papel na sociedade
como formador de sujeitos sociais, deve ter como premissa a consideração da
cultura e da curiosidade epistemológica do discente fazendo de seu ofício,
um ofício de mestre.

Considerações finais

Quando questionamos a prática do cotidiano docente ultrapassamos os


entraves, técnicas, teorias e metodologias para que o processo de ensino
ocorra com sucesso e qualidade. Os educadores têm um currículo que os
direcionam no processo, porém, ele pode ser “moldado” de acordo com a
realidade dos educandos.
O currículo deve conter conteúdos e práticas que incluam todos os
sujeitos, para que haja aprendizado significativo. Desta maneira, não será
eliminada a cultura do aluno e substituída pela dominante.
Diante de tais questões é de fundamental importância a reflexão diária
do professor sobre sua prática e formação, pois o aprimoramento profissional
aliado à reflexão é o instrumento mais eficiente para progresso no ensino. O
educador deverá compreender o ato de ensinar como algo que ultrapasse as
fronteiras de depositar conteúdos ou apenas transmiti-los.
É necessário despertar o interesse do educando para que aconteça a
construção desse conhecimento.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Referências
ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 5 ed. S. Paulo: Cortez, 2007.
ALTET, Marguerite. Análise das Práticas dos Professores e das Situações Pedagógicas. Porto:
Porto, 2000.
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos do Estado: nota sobre os Aparelhos Ideológicos do
Estado. Trad. Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. 9 ed. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 2003.
ANAYA, Viviani. Prática Docente e Relações Interpessoais: um olhar para a constituição
curricular dos cursos de Pós-Graduação Lato Sensu. Dissertação de Mestrado. São Paulo:
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB. Art. 26 e Art.64.
CANÁRIO, Rui (org.). Formação e Situações de Trabalho. Porto: Porto, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Docente. São Paulo: Paz
e Terra, 1996.
______. Pedagogia do Oprimido. 35 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
______. Política e educação: ensaios. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
GIROUX, Henri A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional – Novas políticas em
educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
LORIERI, Marcos Antônio; RIOS, Terezinha Azerêdo. Filosofia na escola: O prazer da reflexão.
São Paulo: Moderna, 2008.
NÓVOA, Antônio (org.). Profissão Professor. Porto: Porto, 1999.
SACRISTÁN, J. G. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA, T. T. e MOREIRA, A.F. (Org)
Territórios contestados: o currículo e novos mapas políticos culturais. Editora Vozes, 1995.
SILVA, Tomaz Tadeu da Silva. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do
currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. 9 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
TEIXEIRA, Célia Regina. Currículo escolar: um caso de dominação e produção social? Um breve
esboço. In: Revista Dialogia. São Paulo: Uninove, 2005.
ZABALA, Antoni. A Prática Educativa: Como Ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

A LITERATURA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA


Possibilidades didáticas para a formação crítica do aluno do Ensino Médio

Ana Cláudia dos SANTOS1


Simone Caetano de MELO2

A escola tem um papel fundamental na formação do sujeito e compete a


ela formar leitores críticos, esse tem sido efetivamente, o objetivo perseguido
nas práticas escolares, amparadas pelo discurso dos teóricos da linguística e
pelos documentos oficiais nas últimas décadas. Dessa forma é que a literatura
assume um papel extremamente importante no processo de ensino-
aprendizagem de uma língua estrangeira e colabora para o desenvolvimento
do pensamento crítico do aluno.
Mas a literatura nem sempre esteve presente no ensino da língua
estrangeira nessa perspectiva, a OCEM (Orientações Curriculares para o
Ensino Médio) discorre que, até pouco tempo nem se cogitava a pergunta
"Por que a literatura no ensino médio?": Era natural que a literatura constasse
do currículo. O texto literário ganha maior espaço nas aulas de L.E. (Língua
Espanhola) na era pós-método, quando novas concepções de linguagem
surgiram na sociedade, fazendo com que os professores tivessem uma
formação mais ampla e crítica para que assim pudessem formar cidadãos
críticos.
Sabemos que a Língua e a Literatura estão intimamente interligadas,
porém durante um longo período de tempo a língua foi priorizada no ensino
de L.E , mas atualmente a literatura tem ganhado cada vez mais espaço, pois
através dela é possível criar condições para que o aluno desenvolva o
pensamento crítico e as quatro habilidades comunicativas para uma
aprendizagem efetiva. Por meio do texto literário, o professor pode
desenvolver a autonomia dos alunos como nos traz os PCN’s (Parâmetros
Curriculares Nacionais), para que assim este possa posicionar-se diante de
qualquer situação, é através dessa autonomia moral (capacidade ética) que
podemos alcançar uma visão crítica. Para que o professor venha a atingir
esses objetivos é importante sempre refletir sobre suas práticas
metodológicas para que não venha sobrecarregar o aluno com informações

1
Graduada em Letras com habilitação em Língua Espanhola pela Universidade Estadual da Paraíba - Campina
Grande-PB/Brasil. E-mail: annaclaudia.sts@gmail.com
2
Graduada em Letras com habilitação em Língua Espanhola pela Universidade Estadual da Paraíba e
Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual da Paraíba- Campina Grande-PB/Brasil. E-mail:
simonecaetano2013@gmail.com

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

sobre épocas, estilos, características de escolas literárias, etc.


Neste sentido, o presente trabalho tem como "corpus" três obras
literárias pertencentes à Literatura hispano-americana, são elas: Los
pichiciegos de Rodolfo Fogwill (1983), El pájaro azul de Rubén Darío (1888) e
Dom Quixote de Miguel de Cervantes (1605-1615), como possibilidades
didáticas para se trabalhar literatura nas aulas de língua estrangeira numa
perspectiva de desenvolvimento do pensamento crítico do aluno do ensino
médio.

A escola como preparadora para o mundo

Torna-se imprescindível o papel da escola na vida intelectual, pessoal e


profissional do aluno. As instituições possuem um compromisso de garantir
e facilitar o acesso aos saberes, visto que estes saberes são responsáveis pelo
progresso relacionado a socialização e a cidadania. A escola por oferecer uma
educação continuada durante um extenso período de tempo visa trabalhar
temas que estejam em concordância com a realidade do aluno, para que assim
seja possível desenvolver determinado grau de familiaridade e interesse pelo
assunto, porém temas históricos, culturais, e universais também são
trabalhados com o intuito de inserir o discente em novas realidades
pertencentes a outros povos. O conceito de cidadania é trabalhado visando
formar indivíduos para serem capazes de enfrentar as mais diversas
situações cotidianas, possibilitando que sua visão de mundo seja ampliada e
transformada.

É preciso que a educação esteja - em seu conteúdo, em seus programas e


em seus métodos - adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem
chegar a ser sujeito, construir-se como pessoa, transformar o mundo,
estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura
e a história [...] uma educação que liberte, que não adapte, domestique ou
subjugue. (FREIRE, 2006, p. 45)

O espaço escolar tem a importância então de tornar-se um espaço de


acolhimento onde o indivíduo possa ter bons níveis de formação e
informação, onde o aluno desenvolva grande capacidade de inserção em
variadas situações do dia a dia as quais abranjam um universo cultural e
social maior. Visando diminuir e até mesmo estagnar o processo de exclusão,
políticas foram definidas para trabalhar e consequentemente transformar a
visão do indivíduo com relação ao mundo. Partindo deste princípio, foram
desenvolvidos programas pedagógicos com o intuito de executar propostas

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

de interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e transversalidade; Estes


programas atuariam de maneira positiva para estimular a compreensão de
mundo como um todo, pois o aluno não apenas aprenderia uma matéria de
maneira isolada, mas estaria aprendendo sobre a sociedade, a diversidade e
complexidade que a compõem.

A relevância da literatura

Sabe-se que a Literatura abrange questões políticas, culturais,


educacionais e sociais e necessita de um trabalho conjunto entre as diversas
disciplinas estudadas em sala de aula, e uma das disciplinas capaz de ajudar
neste processo é o ensino de línguas estrangeiras. O ensino de línguas
estrangeiras no âmbito escolar, além de trabalhar os aspectos linguísticos
também atua como forte contribuinte para uma formação reflexiva,
proporcionando assim, através do enfoque de aspectos culturais,
educacionais, entre outros, uma formação do indivíduo como cidadão. Para
que possam contribuir de maneira produtiva para o progresso do alunado,
as aulas devem trabalhar a gramática e a literatura, possibilitando uma
melhor reflexão sobre o que está sendo estudado. A Literatura desde a
antiguidade tem sido motivo de ideias segregadas, se por parte ela é vista
como um perigo eminente para a população, por outra é estabelecida como
sendo uma possibilidade de liberdade. A liberdade dá-se no sentido de que
possibilita o desenvolvimento de uma comunicação para além da própria
comunicação linguística, desenvolve estratégias para interações sociais,
aprimora a segurança do aluno a partir de representações de situações
cotidianas e aborda temas de cunho histórico, local e universal, possibilitando
que aja um progresso na questão da humanização do sujeito:

Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem


aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a
aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das
emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o sendo da
beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do
humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida
em que nos torna mais compreensíveis e abertos para a natureza, a
sociedade, o semelhante. (OCEM apud CÂNDIDO, 1995, p. 249).

A literatura estrangeira tem o poder de transportar o indivíduo para


além da sua zona de conforto, a sua realidade passa a ser a realidade do outro,
pois à medida que percorre as linhas escritas surge uma proximidade com os

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

fatos descritos no texto. Nesse viés, é de grande utilidade para a educação


escolar e pessoal fazer a utilização de literatura estrangeira, pois permite ao
alunado enxergar novos horizontes e aprender sobre a sociedade, a cultura e
os costumes de determinado povo, fazendo com que o respeito e a
transformação dos seus próprios conceitos sejam parte da sua formação
cidadã.

Algumas possibilidades didáticas

A partir das reflexões teóricas expostas anteriormente sobre a


importância da literatura no ensino de língua estrangeira, proporemos
algumas possibilidades didáticas para abordar a literatura de maneira a
desenvolver o pensamento crítico dos estudantes. Neste ponto citaremos
especificamente obras da literatura hispano-americana, no intuito de
possibilitar ao aluno a compreensão do mundo ao seu redor e que ele aprenda
a refletir e defender sua opinião sobre vários assuntos.
Dentre as várias obras da literatura hispano-americana que podem ser
utilizadas, exemplificaremos três que podem ser trabalhadas na perspectiva
do desenvolvimento crítico, são elas: Don Quijote de Miguel de Cervantes
(adaptação), Los Pichiciegos de Rodolfo Fogwill e El pájaro azul de Rubén
Darío.
Para trabalhar o contexto histórico podemos utilizar a obra do autor
argentino Rodolfo Fogwill (1941-2010), intitulada Los pichiciegos, romance
dividido em duas partes e publicado em 1983, após a ditadura argentina. A
obra trata de diversos aspectos que o professor de língua estrangeira pode
explorar, pois o romance trata de questões históricas da Argentina em seus
anos de ditadura e a luta dos argentinos pela soberania das ilhas Malvinas.
Trabalhando esta obra, o professor pode fazer comparações deste assunto à
língua materna, visto que o Brasil também sofreu um golpe militar, nesse viés
o aluno pode refletir a influência desses acontecimentos na sociedade atual e
entender de uma forma mais aprofundada esses aspectos políticos e
históricos.
Outro ponto importante é que nos movimentos de ditadura a leitura era
vista negativamente, nestes regimes a educação foi alvo de controle
minucioso, afirma Novarro e Palermo (2007), e ainda diz que o tenente Jorge
Garberi ordenou a queima de vários livros, principalmente de literatura, ou
seja, eles sabiam que a leitura desses livros fariam as pessoas mais reflexivas,
por isso a proibição.

48
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Sendo uma obra publicada ainda no século XX, tinha a visão parecida
com a leitura de romances do século XIX, como traz Marcia Abreu “Mais
bizarro ainda parecia nosso desejo de fazer com que se leia muita literatura e
máxima temeridade, que estimulemos a leitura de romances. Eles foram
vistos, até o século XIX, como um forte perigo para a moral, especialmente a
das mulheres e moças”. Como a autora enfatiza, a leitura de romances não
era algo positivo, tanto que durante os regimes ditatoriais essa visão
permaneceu, ou seja, as formas de leitura e as concepções sobre o ato de ler
variam muito ao longo dos tempos. A ditadura foi um período em que as
pessoas não tinham liberdade de expressão, e eram reprimidas se
mostrassem ideias contrárias aos regimes ditatoriais. Outro aspecto que é
trazido na obra é o controle dos ditadores sobre a mídia, e sabemos que
atualmente também muitas autoridades se apoderam da mídia para publicar
fatos de seus interesses, foi o que aconteceu na Guerra das Malvinas,
"Mientras tanto, la radio Argentina llamaba a pelear: Según la radio, ya se
había ganado la guerra". (FOGWILL, 1983, p.120), que publicaram notícias
falsas de que a Argentina estava ganhando a Guerra. Nesse sentido o aluno
pode perceber que deve analisar as informações que recebe de forma mais
atenta.
A seguinte obra é intitulada El pájaro azul, está inserida na obra Azul,
escrita em 1888, pelo autor nicaraguense Rubén Darío (1867-1916). O conto
aborda temas históricos - transição entre movimentos vigentes do final do
século de XIX e início do século de XX, como o Racionalismo e o Modernismo-
temas e universais como a melancolia. Neste viés o docente pode trabalhar
estes dois principais temas em sala de aula. Poderiam ser trabalhado os
aspectos históricos que influenciaram variados países a lutarem por uma
transformação social, bem como a lutarem por uma maior liberdade de
expressão no campo das artes em geral. A segunda possibilidade seria
trabalhar a temática da melancolia presente no texto, podendo utilizar este
assunto para inserir mais informações a respeito do estado melancólico que
ao longo dos anos tornou-se recorrente na sociedade. Este aspecto nos leva a
refletir de maneira correta a temática da melancolia não somente no século
XX, mas nos dias atuais, pois na maioria das vezes a sociedade não enxerga
os indivíduos melancólicos. A análise deste tema tornando possível uma
construção de debates que proporcionam reflexões acerca da temática, pois
apesar de ter sido escrito em 1888, seu tema continua ganhando mais
visibilidade no decorrer dos anos. Ao deparar com esta temática o alunado
desenvolveria uma facilidade para identificar possíveis características
comportamentais e também desenvolveria uma maior compreensão e

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

tolerância para saber lidar com o próximo, tornando o aluno fonte de


humanidade e acolhimento tanto no âmbito escolar quanto para além da
instituição de ensino.
Poderíamos também trabalhar uma obra célebre em sua versão
adaptada do escritor espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616) intitulada
Dom Quixote. Uma obra com temáticas bastante atuais, a qual foi dividida
pelo autor em duas partes, a primeira publicada em 1605, a qual vamos
abordar, e a segunda parte, publica em 1615. Através desta obra o aluno pode
conhecer o contexto histórico em que foi escrito o livro e fazer reflexões de
fatos que continuam atuais. Frisaremos aqui dois personagens que vivem
situações emblemáticas, Sancho Panza que traz uma visão realista e Alonso
Quijano (Dom Quixote) que representa uma visão idealista; Este último de
tanto ler livros de cavalarias, fica louco e sai em busca de aventuras, assim
uma venda é um castelo, um rebanho de ovelhas torna-se um exército e
moças gordas são princesas. Esta loucura de Dom Quixote é o que faz com
que ele saia a buscar um mundo ideal, praticando o bem e tendo a justiça
como virtude, defendendo os que ele considera fracos e protegendo os
humildes.
Um episódio que podemos ainda fazer relação com a atualidade, é
quando a personagem Dorotea está lendo livros de cavalarias e o padre a
reprova, representando a situação da mulher, que antes era censurada, pois
a leitura era quase que exclusivo do universo masculino, mas hoje a mulher
já conseguiu conquistar mais espaço na sociedade. A maior luta de Dom
Quixote era conseguir a justiça. A obra de Cervantes é para todas as idades,
ele próprio menciona isso na segunda parte.
Outro aspecto que deve ser analisado é que Cervantes trata de grandes
valores da humanidade como a verdade e a justiça. Quixote e Sancho
dialogam ao longo da obra sobre o sentido da vida, o leitor acaba se
envolvendo na história junto com os personagens. O livro introduziu o
romance moderno, é diferente porque surge com a ideia de leitura e escrita
como elemento de crítica, por isso Cervantes é considerado um escritor a
frente do seu tempo. Uma das cenas mais marcantes que pode ser trabalhada
pelo professor é a que acontece logo no início da primeira parte, quando a
sobrinha de Quixote, o padre e o barbeiro queimam os livros de literatura de
sua biblioteca. Lembremos que Cervantes escreveu durante a inquisição em
plena Espanha católica, ou seja, ele talvez tenha visto livros queimados por
representarem um perigo a moral.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Conclusão

O campo de ensino de língua estrangeira encontra-se em grande


expansão por diversos fatores, entre eles a globalização. Os métodos
tradicionalistas já não são satisfatórios em nosso contexto, é preciso que o
professor adapte seus recursos metodológicos a cada contexto pedagógico. O
professor precisa cada vez mais de uma formação ampla e crítica, pois hoje o
aluno é interativo e ativo no processo de ensino-aprendizagem, devendo ter
uma formação que permita a reflexão sobre a sociedade em que vive.
Nesse contexto, a literatura no ensino de língua estrangeira assume um
papel de grande importância, possibilitando ao aluno conhecer outras
culturas, outros povos e assumir uma posição mais crítica diante da
sociedade. A literatura com temas deste porte acarreta em indivíduos ativos,
os quais tornam-se reflexivos diante da sociedade, desconstruindo
pensamentos estereotipados. A abordagem de obras literárias que trabalhem
estes assuntos são de grande relevância para alunos, professores e
admiradores de uma boa leitura, pois possibilita uma retratação de suas
próprias realidades e da realidade alheia. Este estudo destina-se
principalmente aos professores e alunos de literatura e língua estrangeira,
bem como aos amantes da literatura.

Referências
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Tecnologias. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_
volume_01_internet.pdf>. Acesso em: 08 de go. de 2020.
______. Parâmetros curriculares nacionais : introdução aos parâmetros curriculares nacionais /
Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1997.
CERVANTES, Miguel. Don Quijote de La Mancha. 20ª ed. Anaya Educacional, 2020.
DARÍO, Rubén. “Cuentos en Prosa”.In: DARÍO, Rubén (Org.). Azul. 1ª ed. Santiago de Chile:
Pequeños Dios Editores, 2013, p 62-66.
FOGWILL, Rodolfo. Los pichiciegos: Visiones de una batalla subterrânea. 1ª ed. Buenos Aires:
Interzona Editora, 2006.
NOVARRO, Marcos; PALERMO, Vicente. A ditadura militar Argentina (1976-1983): Do golpe
de Estado à restauração democrática. Tradução de Alexandra de Mello e Silva. 1ªed. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007.
RIBEIRO, Keyte Gabrielle M., RIBEIRO. Literatura Infanto-Juvenil em aulas de ELE: Reflexões
e Possibilidades. Disponível em: <http://www.editorarealize.com.br/revistas/enlije/
trabalhos/Modalidade_1datahora_09_06_2014_18_04_37_idinscrito_1213_e53225d06934f63
d955b41b0e60be564.pdf>. Acesso em: 20 de Jun. de 2020.
SCHRAM, Sandra Cristina; CARVALHO, Marco Antônio Batista. O pensar educação em Paulo
Freire: para uma pedagogia de mudanças. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.p
r.gov.br/portals/pde/arquivos/852-2>. Acesso em: 10 de Jan. de 2021.
VASCONCELOS, M. L. M. Carvalho; BRITO, Regina Helena Pires. Conceitos de Educação em
Paulo Freire: glossário.6ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

A INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE


JOVENS, ADULTOS E IDOSOS

Antônio José da Silva GONÇALVES1

A inclusão de alunos com deficiência na Educação de Jovens, Adultos e


Idosos - EJAI tem sido um dos principais pontos de estudo e discussão no
âmbito educacional. Tais discussões visam refletir acerca das demandas de
um alunado que apresenta especificidades e possui o direito ao acesso e à
permanência no ambiente escolar. A educação inclusiva é uma abordagem
que procura responder às necessidades de aprendizagem de todos: crianças,
jovens, adultos e idosos, tendo como foco específico às pessoas ou grupo de
pessoas que foram aliados da efetivação do direito à educação e que estão
fora da escola ou enfrentam barreiras para a participação nos processos de
aprendizagem escolar.
Na visão antropológica, exige-se que levemos em conta o contexto de
vida das pessoas, suas experiências, seus conhecimentos adquiridos, as
características específicas dos professores e da escola como instituição, para
acolher de forma humanizada e ampla, a quem dela necessitar usufruir. A
escola deve ser um local onde seja possível o crescimento mútuo de alunos e
professores no processo de conscientização e aprendizagem, nela a educação
inclusiva defende o desenvolvimento de uma consciência crítica e libertadora
como meio de superação das contradições e das necessidades de cada um. A
escola deve ser um espaço de construção, convívio social e troca de
conhecimento. A pessoa com Necessidades Educacionais Especiais poderá
ter o seu projeto de vida concretizado quando existe o convívio, a troca de
conhecimento, estruturando-se com democracia, cidadania humanística e
inclusão. Na EJAI, tratar de inclusão é algo desafiador e os seus professores
devem ser parte fundamental para que isto ocorra, sendo assim, é necessário
a modernização, a atualização do sistema educacional bem como as práticas
pedagógicas.
A EJAI pode ser vista como o ápice do retrato das desigualdades sociais
e econômicas do Brasil, isto porque congrega em si duas faces: as fragilidades
de uma escola excludente diante da diversidade e, no outro extremo, o direito
de aprender independentemente da idade. Com isso, carrega também a
responsabilidade de não excluir estas pessoas mais uma vez.

1
Professor da EJAI na Rede Municipal de Boa Nova/Bahia – Brasil, Pedagogo, Mestrando, Especialista em
Educação Especial e Pós-Graduado em Gestão Escolar. E-mail: thonyjhoseph@hotmail.com

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de


2017 deixam claro quem abandonou a escola: sete em cada dez brasileiros
sem Ensino Fundamental completo têm renda familiar de até um salário
mínimo. No Nordeste, 52,6% dos brasileiros sequer concluíram o Ensino
Fundamental, enquanto no Sudeste, 51,1% têm pelo menos o Ensino Médio.
As pessoas brancas têm 2 anos a mais de escolarização em relação às pretas e
pardas e mais chances de chegar ao nível superior: 22,2% contra 8,8%.
As desigualdades também envolvem as questões de gênero, identidade
e pessoas com deficiência. A proporção de mulheres jovens que não
estudaram por conta da responsabilidade exclusiva de desempenhar os
afazeres domésticos ou cuidar de pessoas é 32,6 vezes superior à dos homens
envolvidos nessas atividades. Além disso, no Brasil, a evasão escolar de
pessoas trans chega a 82%.
Assim, observa-se que a EJAI no Brasil não é só um problema
educacional, mas político, ético e social”. Como afirma Sonia Couto,
coordenadora do Centro de Referência Paulo Freire, do instituto homônimo.
“para resolver um lado, tem que resolver os outros”.
A especialista explica que:

Os alunos evadem ou migram para a EJAI em razão das falhas presentes no


Ensino Fundamental e Médio. O Estado, por sua vez, não assume sua
responsabilidade de resolver as questões que levam ao abandono escolar,
culpando estudantes e professores pelo fracasso escolar e fazendo com que
a EJAI tenha mais um caráter assistencialista do que de direito, como
assegurado pela Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB).

Os alunos da EJAI buscam a escola para pertencer a um mundo que


cobra muito, mas não oferece oportunidades iguais. Então a escola tem que
oferecer além do respeito, a escuta atenta, reconhecimento de diferentes
culturas, protagonismo, aprendizagem significativa, e construção coletiva
dos conhecimentos.

A Educação de Jovens, Adultos e Idosos

A EJAI é uma modalidade de ensino, que perpassa todos os níveis da


Educação Básica. Essa modalidade é destinada a jovens e adultos que não
deram continuidade em seus estudos e para aqueles que não tiveram o acesso
ao Ensino Fundamental e/ou Médio na idade apropriada.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Sendo um direito e um dever do estado, a EJAI deve ser voltada para a


garantia da formação integral do indivíduo na alfabetização em suas
diferentes etapas da escolarização ao longo da vida, pautada pela inclusão e
pela qualidade social. A Educação de Jovens, Adultos e Idosos requer tanto
um modelo pedagógico específico que permita a apropriação e a
contextualização das Diretrizes Curriculares Nacionais, quanto a
implantação de um sistema de monitoramento e avaliação, além, de uma
política de formação permanente de seus professores.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96), em seu artigo
37º § 1º diz que:

Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos,


que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades
educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus
interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.

Para garantir o direito a este ambiente educacional é necessário o


empenho da equipe gestora, da coordenação pedagógica, professores e todos
os envolvidos no processo educacional destes indivíduos. Esses jovens,
adultos e idosos devem ser encorajados que por frequentar esta modalidade
de educação são vítimas de diversas espécies de preconceitos.
E é importante lembrar que a maioria das pessoas que frequentam a
Educação de Jovens, Adultos e Idosos são comprometidos com a sua
aprendizagem, entendem a importância da educação, portanto, estão lá por
que desejam e/ou precisam e que geralmente apresentam desempenho
satisfatório no mercado de trabalho, assim eles almejam também a
continuidade dos estudos, inclusive no ensino superior.
Visto isso, deve-se pensar em uma educação integral para esses alunos,
que não só respeitam as diferenças, mas também as integra em seu modo de
pensar, em suas origens sociais, culturais, raciais, gênero, credo, localização
geográfica, e muitos outros aspectos que são o norte da perspectiva inclusiva
- “integral”, aqui, se aplica não só á necessidade de enxergar o indivíduo em
seu interior, mas também à importância de integrar a educação a tudo o que
ocorre no em torno do educando.
Portanto, faz-se necessário a implementação da educação integral no
sentido de contemplar todas as dimensões do indivíduo que se educa, seja
ela: social, histórica, psicológica, física, emocional, familiar, entre outras.

O direito a educação para jovens, adultos e idosos com deficiência

Jovens, adultos e idosos com deficiência constituem hoje ampla parcela

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

da população de analfabetos no mundo, porque não tiveram oportunidades


de acesso à educação na idade apropriada e pelo longo período de reclusão a
que foram submetidos dentro de seus próprios lares ou institucionalizados,
impedidos de desfrutar de convivência social.
Mendes (2012) fala que:
Além de ser um direito, a Educação inclusiva é uma resposta inteligente às
demandas do mundo contemporâneo. Incentiva uma pedagogia não
homogeneizadora e desenvolve competências interpessoais. A sala de aula
deveria espelhar a diversidade humana, não escondê-la. Claro que isso
gera novas tensões e conflitos, mas também estimula as habilidades morais
para a convivência democrática. O resultado final, desfocado pela miopia
de alguns, é uma Educação melhor para todos (MENDES, 2012. p. 05).

Conforme Vygotsky (1996. p. 98), o desenvolvimento principalmente o


psicológico/mental - depende da aprendizagem na medida em que se dá por
processos de internalização de conceitos, que são promovidos pela
aprendizagem social, principalmente aquela planejada no meio escolar.
Desde a publicação da Declaração de Salamanca em 1994, foi
desencadeado um processo mundial de mudanças em políticas públicas
destinadas a garantir o direito à educação de grupos sociais em situação de
desvantagem e risco contínuo de exclusão.
Esse documento conclama governos de todos os países-membro das
Nações Unidas a contemplarem em suas agendas, entre outros grupos, os
afrodescendentes, os ciganos, os vários grupos étnicos, as pessoas com
deficiências, aqueles que vivem em áreas rurais e zonas remotas, etc. A partir
daí, países em todas as partes do mundo iniciaram algum tipo de ação para
tornar seus sistemas educacionais mais igualitários (UNESCO 1999,
UNESCO 2001). Nessa perspectiva e ao longo dos últimos anos, o sistema
educacional brasileiro está imerso em orientações políticas e leis que refletem
o compromisso com uma política de inclusão de abrangência social.
A Constituição Federal em seu artigo 208 estabelece que o dever do
Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação
básica obrigatória e gratuita dos 04 aos 17 anos de idade, assegurada inclusive
sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade
própria, dentre outras coisas.
Aqueles que não tiveram acesso em idade própria são inseridos nas
turmas de EJAI, gozando de todas as demais prerrogativas legais, nesse caso,
especialmente no que tange à oferta de Atendimento Educacional
Especializado - AEE. Tem sido cada vez mais comum à tentativa de matrícula
de pessoas com deficiência acima dos 25 anos no ensino fundamental, e

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

nestes casos, a oferta de educação na modalidade EJAI e a garantia do AEE


não configuram negativa ao direito de acesso à educação, e sim adaptação ao
ciclo escolar correspondente.
De acordo com o Parecer CNE/ CBE n. 11/2000 (BRASIL, 2000), a EJAI
“representa uma dívida social não reparada para com os que não tiveram
acesso e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora
dela” e, ainda, que “ser privado deste acesso é, de fato, a perda de um
instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência
social contemporânea”. Em virtude destas condições, o documento enfatiza
as funções da EJAI, definindo-as como reparadora (acesso aos bens culturais
aos quais os sujeitos deveriam ter tido na idade própria, por meio de um
ensino de qualidade), equalizadora (pretensão de atingir toda a classe
trabalhadora que não teve acesso à educação na idade apropriada,
permitindo desenvolver suas habilidades e ampliar suas participações no
mercado de trabalho) e qualificadora (ou permanente, cujo objetivo é garantir
a educação continuada para a formação de uma sociedade educada para o
progresso).
Por outro lado, o objetivo do Atendimento Educacional Especializado é
de oferecer recursos de acessibilidade e estratégias para eliminar as barreiras,
favorecendo a plena participação social e o desenvolvimento da
aprendizagem.

O AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do


aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade
e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na
sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem; Parágrafo Único. Para
fins destas Diretrizes, consideram-se recursos de acessibilidade na
Educação aqueles que asseguram condições de acesso ao currículo dos
alunos com deficiência ou mobilidade reduzida, promovendo a utilização
dos materiais didáticos e pedagógicos, dos espaços, dos mobiliários e
equipamentos, dos sistemas de comunicação e informação, dos transportes
e dos demais serviços. (CNB/CNE, 2009).

Dessa forma, uma vez considerada pelos projetos educacionais, as


funções do AEE abrem-se como um espaço inclusivo e acolhedor para a
clientela de jovens, adultos e idosos com deficiência que agora chegam às
escolas depois de anos de reclusão.
Cabe ressaltar, que a obrigação familiar para facilitar o acesso do
educando a escola é solidária ao Estado, devendo a família colaborar para sua
inserção no ensino ofertado, caso seja de interesse proporcionar escolarização

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

contínua ao aluno, visto que sua idade não corresponde à faixa de


escolarização obrigatória.
Considerando que a função da escola se diferencia de atividades
próprias da assistência social, da saúde e de terapias ocupacionais, aos
sistemas de ensino cabe garantir aos alunos com deficiência, além do acesso
ao ensino regular, às condições de participação e aprendizagem. Neste
contexto, a educação especial é definida como modalidade de ensino
transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, integrando a proposta
político pedagógica da escola e, portanto, sendo plenamente possível na
EJAI.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica
(RES CNE/CEB 04-2010), o respeito aos educandos e aos seus tempos
mentais, socioemocionais, culturais e de identidade é um princípio
orientador de toda ação educativa, sendo responsabilidade dos sistemas a
criação de condições para que crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos,
com sua diversidade, tenham a oportunidade de receber a formação que
corresponda à idade própria de percurso escolar.
De acordo com a Declaração de Hamburgo, 1997, para que haja exercício
pleno da cidadania, o diálogo deve fazer parte do processo educativo, social,
econômico e científico. Compreendemos que a educação inclusiva na EJAI,
está atrelada a uma proposta de favorecer este diálogo e o egresso dos alunos,
que por diversos motivos abandonaram seus estudos, pois educar os adultos
é antes de tudo, envolvê-los num projeto de vida.
Sendo assim, a oferta da modalidade EJAI com garantia de acesso ao
AEE, deve ser considerada como validação do direito de acesso à educação
para pessoas com deficiência fora da idade de escolarização obrigatória, em
respeito às peculiaridades de sua idade cronológica, o nível de escolarização
ou a ausência dela, bem como o restante da clientela que interagirá com o
educando propiciando preparo para o convívio em sociedade na sua faixa
etária correspondente.

Na sala de aula da EJAI cada um tem seu tempo de aprendizagem

O Projeto Pedagógico da unidade escolar dá o direcionamento das ações


do professor, o qual deve assumir o compromisso com a diversidade e com a
equalização de oportunidades, privilegiando a colaboração e a cooperação de
todos os alunos. O professor, como organizador da sala de aula, guia e orienta
as atividades dos alunos durante o processo de aprendizagem para aquisição
dos saberes e competências.
Os conteúdos trabalhados em sala de aula inclusiva devem ser

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

considerados como objetos de aprendizagem e cabe aos alunos a atribuição


de dar significados na construção de seus conhecimentos sendo o professor
que irá mediar esse processo de aprendizagem.
O papel do educador é intervir nas atividades que o aluno ainda não tem
autonomia para desenvolver sozinho, ajudando o estudante a se sentir capaz
de realizá-las. É com essa dinâmica que o professor seleciona procedimentos
de ensino e de apoio para compartilhar, confrontar e resolver conflitos
cognitivos.
Como cita Paulo Freire (2015, p. 28):

A verdadeira aprendizagem é aquela na qual os educandos vão se


transformando em reais sujeitos da construção e reconstrução do saber
ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. É neste
ponto que o papel do professor se apresenta: o de mediar à aprendizagem
dos sujeitos através da reorganização dos conhecimentos elevando-os a
outro patamar. (FREIRE 2015, p. 28).

Os saberes dos estudantes da EJAI que são construídos ao longo da vida,


fora do ambiente escolar, são o ponto de partida para a reconstrução de novos
saberes, sendo que o conhecimento científico é o ponto de chegada.
Quando os procedimentos de ensino privilegiam a construção coletiva e
são organizados com base nas necessidades dos alunos, leva-se em conta os
diferentes estilos, ritmos e interesses de aprendizagem de cada um. Ou seja,
todos os estudantes são diferentes e suas necessidades educacionais poderão
requerer apoio e recursos diferenciados. A avaliação da aprendizagem, por
sua vez, deverá ser coerente com os objetivos, as atividades e os recursos
selecionados. Se o processo de aprendizagem for redimensionado, o
procedimento de avaliação também deverá ser.
A avaliação na EJAI acontece de forma processual, que é realizada
durante todas as atividades e poderá ser mais esclarecedora, pois fornece
dados sobre o desempenho do aluno em diversas situações. Essa forma de
avaliação facilita o reconhecimento das necessidades dos alunos e permite
que o professor redimensione os indicadores de aprendizagem. As
observações sobre o desempenho dos alunos constituem ferramentas
importantes na adaptação do planejamento. Por fim, os resultados obtidos
serão consistentes desde que sejam considerados indicadores de
aprendizagens condizentes com a intencionalidade do ensino.
O planejamento e a organização das estratégias para aprendizagem
podem variar de acordo com o estilo do professor. Contudo, é preciso que o
planejamento tenha flexibilidade na abordagem do conteúdo, na promoção

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

de múltiplas formas de participação nas atividades educacionais e na


recepção dos diversos modos de expressão dos alunos, pois eles sempre
trazem consigo as inquietações vividas no seu dia a dia.
O educador nas turmas de inclusão da EJAI deverá considerar, no
planejamento, tempo e estratégias para conhecer seus alunos - em especial
aqueles que poderão requerer apoios específicos. Para fornecer boa
compreensão sobre os alunos e suas condições de aprendizagem, a
observação precisa utilizar diferentes estratégias e ser feita em diversos
momentos da aula. Os critérios de observação devem ser selecionados com
base no currículo e nas habilidades que o professor considerou no seu
planejamento.

Educação Especial na EJAI em tempos de pandemia

A EJAI, em sua trajetória histórica, traz consigo seus desafios que são
próprios desta modalidade e quando se fala de alunos com deficiência
inclusos nessas turmas, esses desafios são maiores e principalmente com a
falta de acessibilidade das aulas remotas que representa uma triste realidade:
o ensino a distância não é para todos, mas pode ser e é possível adaptar as
aulas para atender as necessidades dos alunos com deficiência sem exigir
muito. Uma boa ideia para o aluno da EJAI com algum tipo de deficiência
seria o atendimento em pequenos grupos ou até mesmo momentos de
atendimento individualizado com o professor que já o atende. E dependendo
do quadro clínico do aluno e da severidade pode ser feitos ajustes no
conteúdo disponibilizado, na forma de explicação e no uso de diferentes
recursos.
A situação de isolamento físico é estressante para todos, inclusive para
os alunos que têm alguma limitação. Por isso, é importante que os professores
abram o diálogo com os alunos sobre suas emoções, suas rotinas e como estão
as relações em casa. Assim irá promover mais a interação aluno-professor, do
que apenas o foco no conteúdo acadêmico.
As aulas remotas devem contar com momentos de estimulação,
ludicidade e acolhimento em casa. A psicóloga Waléria Henrique dos Santos
Leonel, afirma que “existem recursos que favorecem o rompimento das
barreiras e o acesso à educação”. Entre os recursos, estão plataformas
acessíveis, leitores de tela, aulas em libras para alunos surdos e materiais
adaptados.
Porém, antes do uso de qualquer tecnologia, é importante conscientizar
e incentivar a capacitação das pessoas envolvidas no processo, porque a

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

inclusão deve ser praticada em todas as modalidades e em todos os níveis de


ensino.
Até este ponto, é importante que a escola capacite professores, pais ou
responsáveis. Afinal, são eles os mais envolvidos na aprendizagem das
pessoas com deficiência durante o período de ensino remoto emergencial.
Sendo que os pais ou responsáveis devem ser capacitados, de forma que
alguém da família acompanhe o aluno durante as aulas online. Da mesma
forma, os professores devem receber capacitação para reconhecer as
necessidades dos seus alunos especiais.
Outros profissionais como intérprete de Língua Brasileira de Sinais –
LIBRAS, professor de apoio ao AEE e coordenador pedagógico podem estar
envolvidos no acompanhamento e também os profissionais da área de
saúde que trabalham com o aluno, como fisioterapeutas, psicopedagogos,
psicólogos, fonoaudiólogos ou médicos. Assim eles poderão esclarecer as
necessidades dos alunos e sugerir, ao professor, alternativas para o
atendimento dessas necessidades.
Estes profissionais e os professores, juntamente com os pais, devem
trabalhar juntos para encontrar mecanismos e formas para auxiliar o aluno.
Assim, os professores deverão preparar suas aulas com base na descrição do
aluno, feita pela equipe que o assiste.
Mas é importante lembrar que o planejamento da aula online – como na
aula presencial – deve ter como objetivo estimular a descoberta de
novas competências nesses alunos e não insistir em habilidades
improdutivas, valorizando sempre o potencial que existe no aluno.
Portanto, os pais podem exigir o suporte adequado nas aulas dadas pela
escola, pois é obrigação legal da unidade escolar. Assim, a Lei Brasileira de
Inclusão é clara em dizer que cabe à escola dar todas as condições à pessoa
com deficiência, não podendo cobrar custos adicionais. Isto é, não é o aluno
com deficiência que deve se adequar à escola, mas a escola se adequar as
necessidades de cada aluno.

Conclusão

A inclusão dos alunos com deficiências nas escolas brasileiras está


consagrada na legislação, entretanto, a educação inclusiva não se esgota na
observância da lei que a reconhece e garante, mas requer uma mudança de
postura, percepção e de concepção dos sistemas educacionais. Isso implica
ampliar o conceito de educação especial e trabalhar para e pela diversidade,
reformular os princípios, metas e currículos das escolas dentro da ótica
inclusiva, instrumentalizando todos os educadores e educandos, sejam estes;

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

crianças, jovens, adultos e idosos, para inserção e atuação na sociedade,


exercendo assim a sua cidadania.
Segundo Mendes (2006, p. 86), apesar do aparente empenho na defesa
da educação inclusiva e na expansão do acesso, expressos nos discursos e nas
políticas governamentais, os alunos com Necessidades Educacionais
Especiais, “não estão necessariamente recebendo uma educação apropriada,
seja por falta de profissionais qualificados ou mesmo pela falta generalizada
de recursos”.
Nesse sentido, a inclusão escolar coloca em questionamento as
condições de ensino, normalmente organizadas nas escolas para os alunos
em geral, pois elas, normalmente, não correspondem às especificidades dos
alunos com deficiência incluídos.
No entanto, somente quando toda a sociedade e não apenas os
profissionais, que lidam com esse público se mobilizarem, é que serão
extintas as práticas segregacionistas que ao longo da história marginalizaram
e estigmatizaram pessoas com diferenças individuais acentuadas.
Considerando assim, a mudança de perfil da população a ser atendida pela
EJAI, faz-se necessário repensar e replanejar essa modalidade de ensino e o
que poderá oferecer aos que a ela recorrem. É preciso levar em consideração
os objetivos desses alunos ao procurarem o espaço escolar. Por essa razão,
urge uma reestruturação da EJAI, com consideráveis alterações em seus
objetivos, na metodologia de trabalho, nos conteúdos abordados e no tipo de
avaliação a ser realizada, ofertando uma educação de qualidade para todos,
na perspectiva inclusiva e de educar na e para a diversidade.
Pacheco (2007, p. 84), afirma que “as práticas pedagógicas em uma
escola inclusiva precisam refletir uma abordagem mais diversificada, flexível
e colaborativa do que em uma escola tradicional”. Segundo o mesmo autor,
“as abordagens inclusivas convidam todos os alunos a aprenderem dentro
do contexto social da sala de aula”. Além disso, enquanto as diferenças são
valorizadas e vistas como oportunidades, o acesso dos alunos ao currículo é
assegurado. Diferentes maneiras podem coexistir na mesma lição, em que as
diferenças pessoais e a diversidade dos meios de aprendizagem não sejam os
obstáculos.
Nesse sentido, estratégias diversificadas podem ser abordadas num
trabalho conjunto e intersetorial, envolvendo não só as escolas que trabalham
com a EJAI na perspectiva inclusiva, mas também os serviços de saúde, ação
social, emprego, recursos da comunidade, parcerias com ONGs e instituições,
visando preparar esses alunos para serem inseridos socialmente, em busca
de autonomia e de boa qualidade de vida.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Referências

BRASIL. Decreto nº 3.298, de 20/12/1999. – Regulamenta a Lei nº 7853, de 24 de outubro de 1989.


Brasília: MEC, 1999.
______. Lei nº 9394/96. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.
______. Parecer CNE nº 11/2000. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens
e Adultos. Brasília: MEC, 2000;
______. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação - PNE. BRASIL. Senado Federal;
CARVALHO, Rosita Edler. A nova LDB e a Educação Especial. Porto Alegre: Mediação, 2005;
CARVALHO, M. P. R; DENARI, F. E, Educação especial: diversidade de olhares. São Carlos: Ed.
Pedro & João, 2006;
Conferência Internacional sobre Educação de Adultos. (v: 1997: Hamburgo, Alemanha).
Declaração de Hamburgo: agenda para o futuro. Brasília: SESI/UNESCO, 1999. P.67;
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 2015;
MENDES, M. P. Educação Inclusiva e a Declaração de Salamanca: consequências ao sistema
educacional brasileiro. Revista Integração, a. 10, n. 22, 2012;
PACHECO, J. et al. Caminhos para a inclusão: um guia para o aprimoramento da equipe escolar.
Porto Alegre: Artmed, 2007;
______. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2017. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 10/01/2021;
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

O USO DE JOGOS NO INTERVALO E SUAS CONTRIBUIÇÕES NO


ESTÍMULO COGNITIVO DOS DISCENTES EM SALA DE AULA

Raíssa Priscila Pereira de BRITO1


Jadeilda Marques FRANÇA2
Rafaela Ramos Formiga da MOTA3
Stéphanie Guedes dos Santos MARINHO 4

O intervalo ou recreio, é o momento de descanso entre as aulas que varia


nas escolas entre 15 a 30 minutos, esse pode ser definido também como um
período de recreação, divertimento e lazer, podendo ser um espaço oportuno
para a construção de laços e valores através do contato com os demais
integrantes da instituição, entretanto, para que isso ocorra de forma
satisfatória, é imprescindível que haja um planejamento desse tempo livre,
para que possa ser ofertado aos discentes um intervalo dirigido, através de
atividades recreativas que estimulam seu potencial, também, fora da sala de
aula.
Dessa forma, o intervalo faz parte da atividade educativa, em que as
potencialidades do aluno poderão ser estimuladas, em vista disso, se faz
necessário que esse momento seja planejado e que priorize atividades lúdicas
e interessantes, que possibilite a diversão e o lazer para esse espaço,
contribuindo assim, para o desenvolvimento dos alunos propiciando um
intervalo dinâmico e dirigido.
O lúdico é uma palavra bastante familiar na infância, no entanto não se
delimita apenas a esse público, tendo suas origens do latim, derivada da
palavra Ludus, que significa jogo, relacionando-se ao brincar, jogar, assim
como ao movimento espontâneo. Nesse sentido, trabalhar de forma lúdica no
ambiente escolar, estimula a criatividade e promove um melhor
relacionamento entre os discentes, facilitando a interação social e diminuição
dos conflitos, visto que, a sua prática é fundamental em todas as fases da vida,
uma vez que, por meio dos jogos os alunos formam e aprimoram novos
conceitos, estabelecendo relações cognitivas e ideias.

1
Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual da Paraíba e Pós-graduanda em Psicopedagogia pela
FIP – Campina Grande - PB, Brasil. E-mail: raissapriscila_@hotmail.com
2
Aluna Especial do Mestrado Profissional em Formação de Professores na Universidade Estadual da Paraíba
– Campina Grande - Brasil. E-mail: jadeildapb@hotmail.com
3
Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual da Paraíba e Pós-graduanda em Educação especial pela
UNINASSAU – João Pessoa - PB, Brasil. E-mail: rafaelaformiga1411@gmail.com
4
Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual da Paraíba – Campina Grande - PB, Brasil. E-mail:
steprof@hotmail.com

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Para Paccola (2013), o intervalo/ recreio é um espaço lúdico que permite


a socialização dos alunos, e o ingresso de novas metodologias, como os jogos
e as brincadeiras, que proporcionam um momento de descontração, lazer e
aprendizado, no que se refere à questão dos jogos, esse estimula algumas
habilidades na aquisição de regras, na iniciativa, na inteligência, na
criatividade, e na autoconfiança, desmistificando que a educação e o
conhecimento só acontece dentro da sala de aula, mostrando que é através
desse espaço que os discentes podem se expressar livremente, interagir e
conhecer o outro e a si mesmo.
Sendo assim, entendemos que o jogo por si só, não faz o trabalho
pedagógico, é necessário a intervenção durante esses momentos, para que a
realização do mesmo seja adequada e consiga alcançar os objetivos
propostos, a escola precisa estar atenta ao desenvolvimento do educando,
contribuindo para o seu aprendizado através das brincadeiras, jogos e
desafios, sejam essas, dentro da sala de aula, no intervalo, individualmente
ou em grupo, facilitando assim, o processo de ensino-aprendizagem.
Paccola (2013), nos diz que o jogo é um instrumento motivacional e
integrador, que fortalece os esquemas mentais, sendo capaz de construir
novos conceitos, dando oportunidade para que o aluno conheça novas
culturas, através das brincadeiras apresentadas no âmbito educacional, mas,
que esses sujeitos possam também, se apropriar da sua cultura, e assim
construir uma relação ética, respeitando a pluralidade existente no ambiente
escolar. Para tanto, o lúdico se faz necessário na escola, dado que, sua
inserção proporciona experiências agradáveis, momentos de lazer e torna os
alunos seres reflexivos, estimulando também, a descoberta de novas
habilidades, construindo um espaço interativo e lúdico
Nessa perspectiva, foi desenvolvido um relato de experiência intitulado
“ O uso de jogos no intervalo e suas contribuições no estímulo cognitivo dos
docentes em sala de aula” com base na necessidade dos alunos de uma
instituição privada na cidade de Campina Grande - PB. Atendendo às
observações realizadas no ambiente escolar, percebemos a importância de
desenvolver um projeto de intervenção com intuito de propiciar um
intervalo dinâmico através do lúdico, proporcionando aos discentes diversão
e entretenimento durante esse momento, tal como, a socialização e interação
entre as turmas.
Nesse sentido, pretendemos proporcionar aos discentes por meio dos
jogos, desafios e músicas, um intervalo dirigido, minimizando os conflitos
existentes, os estimulando para a formação social através do contato com os
jogos e interação com os demais alunos da instituição, o qual utilizamos os

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

jogos em sala de aula como forma de desenvolver ainda mais o processo de


ensino aprendizagem dos discentes uma vez que, sabemos que é através
desse momento de descontração, encontrados na brincadeira, que podemos
ampliar suas competências, concentração, atenção, expressão verbal,
autoconhecimento, respeito e afetividade, preceitos importantes que
vislumbramos com esse projeto.

Metodologia

O desenvolvimento do projeto de intervenção tem como foco


proporcionar um intervalo dinâmico para os alunos de uma instituição
privada, em Campina Grande- PB, mostrando para esses o recreio como um
momento importante e significativo, capaz de fortalecer a aprendizagem,
propiciar a socialização, a interação e cooperação entre os discentes, através
da ludicidade. Temos também como objetivo, trazer o lúdico para a sala de
aula, sendo esse utilizado como um recurso pedagógico, proporcionando
uma aprendizagem através do jogo e prazer.
O presente relato de experiência centrou-se num estudo qualitativo, pois
“[…] ocupa um reconhecido lugar entre as várias possibilidades de se estudar
os fenômenos que envolvem os seres humanos e suas intricadas relações
sociais, estabelecidas em diversos ambientes” (GODOY, 1995, p. 21), e para
alcançarmos os objetivos propostos, realizamos observações no ambiente
escolar como também, durante o intervalo.
Nos embasamos em teóricos como: Cruz; Santos e Cabral (2016), Paccola
(2013), Prates (2010), autores que abordam a temática, e que discorrem sobre
o intervalo, inserção de jogos, a ludicidade na sala de aula e a importância de
um intervalo orientado com a implantação de jogos, brincadeiras e leitura,
fazendo com que os conflitos interpessoais existentes sejam minimizados,
auxiliando também no desenvolvimento dos alunos em sala, dado que, os
jogos estimulam o desenvolvimento cognitivo propiciando uma
aprendizagem significativa.

Resultados e discussões

Por meio da observação e do acompanhamento da rotina escolar dos


discentes de uma instituição privada na cidade de Campina Grande- PB,
estigamos a opinião dos discentes acerca de temáticas que lhes pareciam
necessárias e que poderiam ser trabalhadas durante o projeto de intervenção
desenvolvido. Foi possível constatar que o intervalo necessitava de uma

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

atenção maior, devido os conflitos existentes, dessa forma, percebemos a


necessidade de trabalhar um intervalo que priorizasse o dinâmico, com
atividades, jogos e brincadeiras que estimulam os discentes em seu raciocínio
lógico, concentração, coordenação motora, agilidade, percepção e atenção
atrelando a dinamicidade com o conhecimento, diminuindo assim os
conflitos existentes.
Rau (2013), nos diz que de acordo com Piaget o jogo é de extrema
importância para o desenvolvimento da cognição, dado que, o uso desses
possibilita o aprimoramento da imaginação, estimulando os alunos a
expressar-se livremente, contribuindo assim, para a sua evolução e progresso
na aprendizagem.
Nesta perspectiva desenvolvemos esse projeto priorizando atividades
lúdicas, dentre elas, os jogos, as brincadeiras, as dinâmicas, e as atividades,
durante o intervalo, e utilizando desses conhecimentos adquiridos
estendendo-os para sala de aula, como forma de ferramenta pedagógica com
o intuito de proporcionar um ensino aprendizado interessante, interativo e
satisfatório, enfatizando que o conhecimento pode ser adquirido em todos os
ambientes, inclusive no intervalo, uma vez que, nosso objetivo é promover
um intervalo dinâmico, com integração de todas as turmas, atrelando os jogos
com o saber, bem como, introduzindo e finalizando para as aulas novas
possibilidades para uma aprendizagem que contribua para o
desenvolvimento dos discentes.
Para Rau (2013) ao utilizarmos o jogo como recurso pedagógico
devemos ter a preocupação com a escolha desses, analisando as necessidades
da turma e o que se deseja alcançar com a inclusão dessa prática. O jogo
enquanto prática pedagógica, possibilita ao professor também conhecer seus
educandos e verificar as contribuições adquiridas através dessa brincadeira,
podendo perceber a capacidade de seu aluno e suas dificuldades.
Dessa forma, buscamos utilizar durante o projeto jogos que estimulam
o raciocínio lógico, desenvolver brincadeiras que promovessem a interação
entre os alunos, despertar o autoconhecimento, ampliar a expressão verbal,
promover o conhecimento através do lúdico na sala de aula e nos demais
espaços.
O jogo inserido no ambiente escolar pode ser visto como um recurso que
auxilia na aprendizagem dos discentes, podendo ser utilizado como estímulo
para o desenvolvimento cognitivo, favorecendo a imaginação, linguagem,
raciocínio lógico e criatividade.
Para a realização das atividades, foram definidas uma sequência de 23
encontros, sendo esses realizados uma vez por semana, com a finalidade de

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

mostrar a importância do uso dos jogos no intervalo, como também a sua


contribuição no estímulo cognitivo dos discentes em sala de aula. Em todos
os encontros que realizamos, os jogos ficavam expostos no pátio da escola,
sendo 1 jogo diferente a cada encontro. Os alunos se mostraram bastante
receptivos e interessados quanto a novidade, faziam perguntas e pediam
para participar. Conseguintemente as dinâmicas no intervalo, em sala de
aula, as quais foram utilizadas por meio dos jogos em que os discentes
tiveram a oportunidade de associá-los aos conteúdos estudados e progredir
nas atividades propostas em sala de aula.
Com a inclusão do projeto, percebemos que as aulas ficaram mais
interativas, os alunos estavam mais participativos e assíduos, conseguindo
relacionar os conteúdos estudados com os jogos trabalhados, notamos
também, que o intervalo se tornou um momento prazeroso, com interações
entre as turmas e com menos conflitos. Dessa maneira, a inserção de jogos foi
bastante satisfatória para a aprendizagem e desempenho desses alunos.

Conclusão

Para elaborar as considerações finais, se faz necessário retornar ao


objetivo geral do nosso trabalho, que é contribuir para a realização de um
intervalo dinamizado através de jogos, proporcionando aos educandos
interação com as demais turmas, minimizando os conflitos existentes,
estimulando a participação individual e grupal, fortalecendo o
desenvolvimento das capacidades lógicas, através da ludicidade no intervalo
e a sua extensão para a sala de aula.
O presente relato de experiência nos possibilitou descrever as atividades
desenvolvidas junto às turmas de uma escola privada na cidade de Campina
Grande - PB. Através da observação do cotidiano escolar foi possível
desenvolver um projeto de intervenção, direcionado ao intervalo e as aulas,
que teve como tema “O uso de jogos no intervalo e suas contribuições no
estímulo cognitivo dos discentes em sala de aula”.
Para a realização das atividades, contamos com o auxílio da
coordenação, professores e demais funcionários, visando oferecer para os
alunos um intervalo dirigido, aulas interativas, atrelando o conhecimento aos
jogos ofertados. As experiências adquiridas serviram como referência para
uma educação transformadora, que observa as dificuldades e problemáticas
do alunado e intervém de forma que essas dificuldades venham ser sanadas
através de métodos pedagógicos inovadores.
Ao desenvolver o projeto com os discentes percebemos que os
conflitos existentes no intervalo foram minimizados, as participações em sala

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

e frequência tiveram um aumento significativo, melhorando ainda mais a


qualidade de ensino, dessa maneira, a inserção dos jogos no ambiente escolar
como método pedagógico contribuiu para o melhoramento da aprendizagem
dos alunos os estimulando suas capacidades cognitivas.
Referências

DUFLO, C. O jogo: de Pascal a Schiller. Porto Alegre: Artmed, 1999.


FORTUNA, T. R. Sala de aula é lugar de brincar? In: XAVIER, M. L. M.; DALLAZEN, M. I. H.
(org.). Planejamento em destaque: análises menos convencionais. Porto Alegre: Mediação,
2000 (Caderno de Educação Básica, 6) p. 146-164.
GODOY, Arilda Schmidt. Pesquisa Qualitativa: tipos e fundamentos. São Paulo, v.35, n.3, p.20-
29 Mai./Jun.1995.
Rau, Maria Cristina Trois Dorneles. A ludicidade na educação: uma atitude pedagógica [livro
eletrônico]. Curitiba: 1bpex, 2013. 2Mb, PDF.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n° 9.394, 20 de Dezembro de 1996.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9694.htm>. Acesso em: 27.
maio. 2019.
CRUZ, Joabe Clementino; SANTOS, Marta Angélica Pinheiro; CABRAL, Anne Emilie Souza de
Almeida. Intervalo orientado: reflexões teóricas e metodológicas. Caderno de graduação,
ciências humanas e sociais. Aracajú/SE, 2016. Disponível em: <file:///C:/Users/Raissa/
Downloads/2766-9538-1-PB.pdf>. Acesso em: 30.maio.2019.
INSTITUTO PROMINAS. Tópicos Especiais em Educação de Jovens e Adultos. Editora
Prominas. Módulo 2. Minas Gerais. Disponível em: <https://coursefree.s3-sa-east-
1.amazonaws.com/material/1469421cb3f457e1aea52542a4a597c8aae.pdf> Acesso em: 27 de
mai. de 2019.
PACCOLA. Regina Célia de Matos. O intervalo dirigido e o jogo: A importância da intervenção
na resolução dos conflitos interpessoais”. Universidade Estadual de Londrina - UEL.
Londrina - PR, 2013. Disponível em: <http://www.uel.br/cef/demh/especializacao/doc/
monografias/regina.pdf>. Acesso em: 30.maio. 2019

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

AVALIAÇÃO FORMATIVA EM TEMPOS DE PANDEMIA


Um instrumento de apoio no processo de alfabetização

Carla Cristina Gianezi de SOUZA1

No cenário atual da educação brasileira na qual o ensino remoto está


presente, devido a pandemia do Novo Coronavírus, instalada desde março
de 2020 aqui no Brasil, muitos conceitos sobre avaliação passaram a ser
discutidos e repensados no ambiente (virtual) escolar. O professor teve que
se reinventar assim como reconstruir novas práticas de ensino, e, sobre
“como verificar a aprendizagem”, não seria diferente.
Professores e alunos acostumados a sala de aula presencial, tiveram que
ser transportados para um outro ambiente, o virtual, ficam em que ficam
separados pela tela de um notebook ou aparelho celular. Para o professor,
inevitavelmente, uma transformação rústica, em que teve que buscar
ferramentas e reaprender o seu fazer docente, replanejando suas aulas, seus
conceitos e metodologias.
Esse ambiente têm sido o uso mais frequente entre professores e alunos,
fazendo com que a aprendizagem de fato aconteça, através de aulas online,
programas que permitem que o professor desenvolva seus conteúdos e
atividades reflexivas, através da oralidade entre os alunos, como por exemplo
discutir um determinado assunto de um texto.
Todas essas propostas acontecem para que haja menor o impacto
possível na aprendizagem das crianças, até que as aulas presenciais voltem
ao normal. Não dá para ficar de braços cruzados esperando tudo isso acabar,
portanto a preocupação sobre o que ensinar e como avaliar é algo constante
no dia a dia do professor.
Tão importante quanto o ensino aprendizagem, é necessário também
desenvolver habilidades socioemocionais, como a empatia e a cooperação
entre os estudantes, assim como o senso de responsabilidade e o pensamento
crítico. Dessa forma, o vínculo entre professor e aluno e alunos/ alunos devem
ser construídos de maneira a favorecer e incentivar a construção do
conhecimento. Essas tarefas não têm sido tão fáceis assim por parte dos
professores: proporcionar esse ambiente acolhedor e desafiador. A busca
constante de dar essas condições aos educandos é algo que deve estar
presente em todas as aulas e atividades.

1
Professora do ensino fundamental I na E.E. Professor Divo Marino, Ribeirão Preto – SP, Brasil. Formação
inicial em Letras, com especialização em Língua e literatura; formação em pedagogia com especialização em
Educação Inclusiva e Deficiência Intelectual. Membro do Gepalle (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Alfabetização, Leitura e Letramento) USP Ribeirão Preto. E-mail: carlinhagianezi@hotmail.com

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Vale ressaltar que a avaliação, há algumas décadas, era vista apenas


como provas, notas, conceitos, boletins, recuperação e reprovação. Sua
principal função era julgamento de resultados, (in) capacidades dos alunos e
classifica-los de acordo com seus desempenhos.
Esse era apenas o único conceito que as escolas seguiam, rotulando
através de notas, alunos “bons” e alunos ruins”, pois esse tipo de avaliação
verificava os conteúdos até então ensinados, em cada bimestre e por
consequência, o professor cobrava esses conteúdos através de provas escritas.
Sendo assim, nas situações citadas acima, o aluno estudava através de
memorização de conteúdo, a repetição da fala do professor e de textos,
decorava perguntas e respostas (questionário) após ser dado um texto para
que futuramente em provas pudessem reproduzir tudo que foi dado durante
o bimestre.
Esse olhar historicamente construído sobre avaliação, percorreu por
muitos séculos até que finalmente surgiram novos conceitos, transformando
essa ferramenta em algo útil, a favor do professor como uma reflexão da ação
docente, quebrando o paradigma defendido até então, e também é favorável
ao aluno, pois são avaliados a partir de conhecimentos adquiridos ou não.
“Como avaliar” e “o que” nas crianças que se encontram no processo
de alfabetização através do ensino remoto? Essas são questões que muitos
professores tem enfrentado em sua nova rotina sendo ações constantes e
pertinentes .
Segundo Hoffmann (2017), para que se construa o significado da ação
avaliativa, é necessário revitaliza-la no dinamismo que encerra de ação-
reflexão-ação no dia a dia das salas de aula. Ou seja, uma observação
permanente no sentido de descobrir possibilidades de aprendizagem de cada
aluno, no seu processo de aprendizagem. Uma tarefa nada fácil no ensino
remoto, mas possível e necessária para que realmente a avaliação seja de fato
positiva.
Existem três tipos de avaliação mais utilizadas como ferramentas de
apoio na verificação de aprendizagem: Diagnóstica, formativa e somativa.
A diagnóstica pode ser considerada de “entrada”, pois o seu objetivo é
verificar quais conhecimentos o aluno já possui, quais são concretos e quais
ainda não estão solidificados. Sendo um marco inicial para que o professor
planeje suas aulas a partir dos resultados obtidos, sendo momentânea e
utilizada de tempos em tempos
A avaliação formativa tem como foco a aprendizagem dos alunos,
observando em cada atividade o desempenho, sua participação, dificuldades
e avanços, fazendo com que o professor ajuste sempre suas estratégias e

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

metodologias assim como conteúdos propostos, auxiliando na aprendizagem


dos educandos.
A avaliação somativa também conhecida como classificatória, sendo
realizada ao final de um bimestre por exemplo, para que seja verificado a
aprendizagem daquele conteúdo, sendo atribuídas notas e conceitos.
A partir dessa reflexão do autor sobre os tipos de avaliação, a formativa
é a que mais está adequada ao ensino remoto, quando se parte do princípio
de encontrar ou confirmar pistas sobre a aprendizagem dos alunos,
verificando o que já conseguiram aprender, através de reflexões, sendo
subsídios importantes eficazes nas ações significativas e na percepção por
parte do professor, sobre as dificuldades dos alunos.
Essa avaliação permite a reformulação da prática e ação pedagógica,
fortalece a intervenção do professor que é a de mediador na transformação
do sujeito. Uma ferramenta sensata tendo em vista o cenário atual em que as
aulas passaram a ser remotas.
Valorizar os conhecimentos já construídos pelos alunos e traçar novas
metas para cumprir o que ainda falta. Ao invés de apontar “certo ou errado”
e de atribuir pontos e conceitos, auxiliar os alunos em suas dificuldades, fazer
comentários construtivos que levem a reflexão de seus “erros”, e oferecer-
lhes oportunidades de descobrirem melhores caminhos para chegar a
possíveis soluções, são de fato imprescindíveis ao professor.
Assim sendo, as atividades avaliativas que contribuem para o
aprendizado e verificação de aprendizagem são aquelas feitas a partir de
debates entre os alunos sobre um assunto ou tema de um texto através de
leitura compartilhada, em que os alunos têm a oportunidade de expressarem
suas opiniões, trocarem ideias e experiências, construindo novos conceitos e
reflexões.
O ensino baseado em gêneros textuais será sempre consolidado numa
avaliação formativa do processo ensino aprendizagem, através de hipóteses,
reformulação de ideias, questionamentos por parte dos alunos e também do
professor.
Se alfabetizar significa orientar a própria criança para o domínio da
tecnologia da escrita, letrar significa levá-la ao exercício das práticas sociais
de leitura e escrita. Uma criança alfabetizada é uma criança que sabe ler e
escrever, uma criança letrada [...] é uma criança que tem o hábito, as
habilidades e até mesmo o prazer da leitura e da escrita de diferentes
gêneros de textos, em diferentes suportes ou portadores, em diferentes
contextos e circunstâncias [...] alfabetizar letrando significa orientar a
criança para que aprenda a ler e escrever levando-a a conviver com práticas
reais de leitura e escrita (SOARES, 2004).

73
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Diante dessa reflexão da autora, avaliar a partir dessa prática de leitura


e escrita evidencia os reais aprendizados dessas crianças, pois tais processos
de interlocução há sujeitos se constituindo, que tem em si conhecimentos já
construídos e outros a serem descobertos.
A produção de texto, seja ela escrita ou oral, também é um momento em
que o professor poderá avaliar como o aluno tem aprendido, através de suas
escritas e também do discurso oral, como por exemplo reconto de histórias já
lidas durante a aula, verificando seus avanços e dificuldades.
Levar em conta as práticas de leitura também fazem parte da avaliação
formativa, momentos produtivos também no ensino remoto, em que os
alunos têm a oportunidade de lerem e discutirem sobre o texto,
proporcionando debates, atividades em grupos e individuais.
Para Hoffmann (2018), a avaliação como acompanhamento do processo
de construção do conhecimento ocorre ao longo do processo educativo,
nunca ao final. Registros significativos de avaliação, portanto, são
construídos pelo professor ao longo do processo.
Nesse sentido, o professor deve observar, planejar, registrar os avanços
de seus alunos assim como dificuldades vistas por ele, reorganizar suas aulas
e seus objetivos, traçar novas metas, reelaborar novas metodologias e traçar
novos planos, por isso a avaliação formativa é tão importante nesse processo
para que o aluno chegue ao conhecimento.
Portanto, conclui-se que a avaliação formativa sob um aspecto de
construção revela-se, então, como um das facetas dessa modalidade de
ensino e aprendizagem, na qual há a valorização do processo em relação ao
produto e cuja concepção desvincula-se do quantificar saberes e relaciona-se
ao formar sujeitos, e, assim, potencializar os fatores que corroboram a defesa
da construção do conhecimento em práticas pedagógicas.

Referências

HOFFMANN, Jussara. Avaliação: Mito e desafio uma perspectiva construtivista. 45ª edição,
Porto Alegre, RS: Mediação, 2017.
______. Avaliação Mediadora: Uma prática em construção da pré-escola à universidade. 34ª
edição, Porto Alegre, RS: Mediação, 2018.
SOARES, Magda Becker. Entrevista: letrar é mais que alfabetizar. In: Jornal do Brasil. 26 nov.
2000.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

EDUCAÇÃO E COVID-19
Ações pedagógicas e as novas possibilidades

Carla Renata RODRIGUES1


Luiz Gustavo RODRIGUES2

Inegável a percepção de que o desenvolvimento do processo


educacional vem traçando trajetórias que tem deixado no passado,
abordagens e concepções tradicionais, quebrando as antigas formas que
representavam o significado do ato de educar.
E nesta perspectiva, considerando a necessidade de registrar efeitos
positivos do papel da escola no processo formativo do aluno, visando o seu
desenvolvimento integral, importa que o mesmo, seja incentivado a ter
interesse pelo que está sendo ensinado e dentre outras competências, possa
desenvolver o senso crítico, a capacidade de questionamentos, de diálogo e
de expressão comunicativa, conquistando autonomia, autoeficiência e
protagonizando seu processo de aprendizagem.
Com a visão ampliada da educação, é fato que um estado inerte para a
aprendizagem, no qual, o aluno aparece somente como receptor dos
ensinamentos, não pode mais ocupar espaço na contemporaneidade. Cabe
assim, destacar que: “A aula que apenas repassa conhecimento ou a escola
que somente se define como socializadora de conhecimento, não sai do ponto
de partida e na prática, atrapalha o aluno, porque o deixa como objeto de
ensino e instrução” (DEMO, 2003, p. 7).
Neste sentido, as várias experiências vivenciadas pela educação,
seguem revelando a necessidade de uma modelagem de ensino com
conceitos mais libertadores e delineados por aspectos convergentes à
importância da escola estabelecer conexão positiva com a evolução proposta
por inovações, ressignificações de paradigmas, posicionamentos
pedagógicos e metodologias de ensino mais ativas. Diante destas
considerações, acrescenta-se que:
a educação de uma nova geração necessita ter um ensino, no qual
prevaleçam as trocas e as reflexões, em que se possa formar o caráter

1
Secretaria Municipal de Educação de Bauru/SP. Licenciatura em Matemática pela UNESP/Bauru. Pedagogia
- Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Especialização em Docência do Ensino Superior - Faculdade da
Aldeia de Carapicuíba. Especialização em Gestão Escolar - Faculdade Sudoeste Paulistano. E-mail:
profcarlamf@hotmail.com.
2
ETEC- Escola Técnica Estadual de Bauru. Licenciatura em Matemática pela UNESP/Bauru. Pedagogia -
Universidade Nove de Julho E-mail: gu_rodrigues@yahoo.com.br

75
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

cidadão por meio de um diálogo aberto e franco, o qual favoreça o


compromisso do aluno e do professor para a ressignificação dos valores
que perpassam o cotidiano escolar, bem como, o contexto social mais
amplo (SILVEIRA, 2015, p. 13).

No entanto, a educação não raramente, se depara com desafios e


complexidades que exigem de todos os envolvidos, importantes mudanças
de posturas, tomadas de decisões, organização institucional e autoavaliações
contínuas, de modo a assegurar em primazia, a qualidade do ensino
oferecido.
Visualizando tal realidade, não seria ponderável negar os reflexos de
uma série de consequências negativas que o processo educativo tem
vivenciado nos últimos tempos, a partir de 2020, em razão do evento da
pandemia do COVID-19. Vale salientar que: “A doença Coronavírus 2019
(COVID-19) causada pela síndrome respiratória severa e aguda (SARS-CoV-
2) é uma emergência de saúde global em andamento [...] indicando a alta
transmissibilidade da SARS-CoV-2” (YUEN et al., 2020, p. 1).
Diante de tantas certezas e incertezas provocadas por este
acontecimento, uma série de problemas, são continuamente gerados em
amplitude mundial, afetando o âmbito social, econômico, cultural e
educacional. Principalmente, no contexto escolar, a COVID-19, representa
um sinônimo de experimentações que vêm resultando em indispensáveis e
contundentes modificações de comportamentos e readequações, acentuando
a indispensabilidade do repensar das práticas pedagógicas e de reavaliações
metodológicas de ensino, fomentando muitas questões pontuais e discussões
na área do ensino-aprendizagem, mais precisamente pela concepção da
Educação Remota.
No entanto, tendo em vista que para além das dificuldades ou entraves
encontrados, esta situação pandêmica pode também, ser testificada como
oportuno formato inovador de aprendizagem, tanto para os profissionais da
educação, como para os alunos, a elaboração deste artigo, é justificada pela
compreensão da oportunidade de mostrar a relevância dos profissionais da
educação, independente da modalidade ou etapas de ensino nas quais atuam,
a importância de compartilhar experiências e conhecimentos que venham
acrescentar saberes e promover o entendimento de como lidar com as
imposições da COVID-19, a médio e longo prazo, contribuindo para a melhor
condução do processo do aprendizado.
Este estudo apresenta metodologia baseada em procedimentos de
pesquisa bibliográfica, elaborada a partir de material que constam em
publicações sobre a temática em questão.

76
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Neste segmento, diante das demandas atuais da sociedade e das


implicações da pandemia do COVID-19, o objetivo central deste estudo,
pretende fomentar a necessidade urgente do repensar as práticas
pedagógicas, construindo uma nova visão sobre o uso de tecnologias na
educação e aplicação de metodologias de ensino criativas, inovadoras e
incentivadoras da participação dos alunos no processo de ensino.

Desenvolvimento

Em um cenário que atesta a educação como principal eixo e suporte para


uma sociedade em constante evolução política, social e tecnológica, torna-se
mais do que essencial que a escola não se ausente do compromisso de
promover o acesso do aluno ao conhecimento e ao desenvolvimento de
competências socioemocionais, haja vista que ao falhar nesta missão, a escola
estaria correndo o risco de provocar uma formação humana e de valores
inerentes, fragmentada, podendo comprometer o preparo formativo do
aluno enquanto cidadão. Conforme Felix; Nascimento; Silva (2014) importa
que as ações educacionais, transcendam as vias do conhecimento técnico,
propiciando ao aluno a oportunidade de desfrutar de um processo formativo
voltado a uma positiva transformação, acrescida da conscientização de suas
responsabilidades e relevância de postura social no exercício de seus direitos
e deveres.
Nesta perspectiva, cabe ressaltar como imprescindível que o professor
atue de forma mediadora no processo de ensino-aprendizagem e que a
prática educacional pedagógica aplicada, promova estímulos direcionados a
uma participação mais dinâmica e de maior interação do aluno com o
processo educativo.
Mediante a esta reflexão, compreende-se como indispensável que o
aluno encontre condições para empreender uma boa percepção da realidade,
com compreensão e assimilação do conteúdo, desenvolvendo e colocando em
ação a sua capacidade de dialogar, de problematizar, debater e de construir
conhecimentos com efetividade e significância, sentindo-se motivado a
seguir na busca por novos saberes. Demarca-se a propósito que: “O potencial
de aprendizagem de um aluno constitui-se da soma da capacidade cerebral
de processar as informações, com a capacidade de interação com o meio, onde
se está inserido, em um processo intermediado pela ação pedagógica do
professor” (DAHER, 2017, p. 5).
Daí, a preocupação justificável de ampliar o entendimento sobre as
várias vertentes enquadradas na realidade da educação, visando
principalmente, dar ênfase às questões que culminam em problemáticas que

77
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

têm atingido substancialmente o sistema de ensino, como as ocorridas com o


surgimento das implicações e restrições trazidas pelo COVID-19,
emoldurando uma situação de pandemia que colocou em “xeque”, a escola e
a comunidade escolar: gestores, professores, os alunos e suas respectivas
famílias e a sociedade como um todo. Nesta direção, comenta-se que: “O
tempo de pandemia pelo Coronavírus (COVID-19) trouxe uma
ressignificação para a educação, nunca antes imaginada” (PASINI;
CARVALHO, ALMEIDA, 2020, p. 2).
As situações e regras, impostas neste período pandêmico, aportou no
âmbito da educação como um problema causador de muitas inseguranças e
medos, especialmente sobre como fazer acontecer o aprendizado a partir do
recomendado isolamento social que gerou a impossibilidade das aulas
presenciais. Conforme explicações de Rondini; Pedro; Duarte (2020), tendo
sido fortemente afetado, o sistema educacional, teve que suspender as
atividades pedagógicas presenciais e acatar as indicações dos órgãos
reguladores nacionais, sobre a prática do ensino remoto.
Com a pandemia instaurada e em meio a tantas projeções de
aprendizagens interrompidas, houve um movimento expressamente
produtivo, reunindo professores atuantes em suas respectivas áreas, com a
missão de encontrar meios e formatos pedagógicos favoráveis a
oportunidade dos alunos interagirem com o conteúdo curricular, por meio
de Educação Remota. Para uma melhor apreciação, ressalta-se: “[...] em
decorrência da pandemia, o ensino remoto emergencial tornou-se a principal
alternativa de instituições educacionais de todos os níveis de ensino, [...]”
(RONDINI; PEDRO; DUARTE, 2020, p. 43). Sendo este tipo de ensino,
mediado pela tecnologia, buscou-se potencializar, condições para a
realização das atividades e aprendizagem.
Embora observado em caráter temporário, ao adotar o ensino remoto, é
fato que a maioria das instituições escolares se viu a mercê de um imenso
desafio, pois que a maioria, não contava com currículos apropriados ou
planejados para atender os alunos por meio desta nova modalidade, assim
como, uma parte expressiva do corpo docente, não estava preparada para
executar tal tarefa. Nesta direção, dentre as mais significativas dificuldades,
em especial registradas pelas escolas públicas, encontraram-se: “[...]
problemas de diversas ordens – física, emocionais, espaço físico para estudar,
entre outros. Para os professores pode-se destacar, principalmente, a falta de
afinidade e a insegurança com a tecnologia” (FONSÊCA et al., 2020, p. 3).
Esta concepção de fatos, culminou na necessidade de os profissionais da
educação implementarem práticas pedagógicas mais reflexivas, dialogando

78
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

consigo mesmo e com os demais envolvidos, valorizando o


compartilhamento de experiências e repensando o processo de ensinagem
em uma amplitude abarcada pelo antes, durante e até mesmo, pós-pandemia
do COVID-19.
Sob a pressão da pandemia do COVID-19, os professores tiveram que
assumir um posicionamento incisivo diante dos recursos tecnológicos e
foram impulsionados a empreender ações, as mais positivas possíveis, em
relação ao uso das TDIC (Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação)
e praticamente, tiveram que atender a uma obrigatoriedade frequente, de
fazer o uso das mídias, aplicativos e das plataformas digitais, recursos estes,
que seguramente sustentaram e continuam representando um suporte
relevante para o ensino-aprendizagem remoto.
O uso e a aplicabilidade tecnológica, talvez tenha sido e ainda seja, um
dos maiores obstáculos enfrentados, por diversas razões que envolvem muito
além, do despreparo estrutural das instituições escolares e dos docentes. A
falta de recursos materiais e a preocupante falta de acesso do aluno a internet,
foram pontos verificados e que independentemente de estarem atreladas ao
caráter emergencial do COVID-19, assertivamente apontaram que no quesito
tecnologia e inovações do sistema educativo, ainda há muito, o que avançar.
Segundo Habowski e Conte (2020), a inserção da cultura digital como
instrumento educacional, aponta para uma indispensável reorganização nas
práticas pedagógicas, ponderadas as várias adequações que ainda se
revelam.
No decorrer deste processo de aulas, realizadas remotamente, importa
relatar que os profissionais da educação têm cumprido com o importante
papel de colocar o aluno, como centro do processo educativo, por meio de
um trabalho pedagógico consistente e aliado às metodologias ativas,
ofertando oportunidades para que os conhecimentos sejam ampliados e as
potencialidades desenvolvidas. A aplicabilidade das metodologias ativas,
conforme Viegas (2019) sustentam práticas pedagógicas que visam promover
a participação do aluno em seu processo de aprendizagem e construção de
conhecimento, tornando-o protagonista e transformador do processo de
ensino.
No entanto, pondera-se que esta pandemia, descortinou uma situação
nunca antes vivida e, portanto, é preciso ter em mente que a condução do
processo de ensinagem, muitas vezes, tende a não mostrar resultados
satisfatórios em determinados momentos e algumas circunstâncias, podem
exigir do professor a necessidade de, por exemplo: explicar repetidamente e
exaustivamente o conteúdo ou ainda, lançar mão de recursos materiais,

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

visuais ou textuais diferenciados e que estejam mais enquadrados à realidade


do aluno, além do atendimento individualizado, mesmo que de modo
virtual.
Observando estas questões, é possível pontuar a importância da
necessidade de um planejamento curricular que comporte flexibilidade,
demandando nos casos, em que são constatadas as dificuldades do aluno em
relação, a assimilação e compreensão do conteúdo, uma readequação das
estratégias pedagógicas utilizadas.
Esta atitude deve favorecer o aprendizado do aluno e também, do
professor, que segue em meio a tantas mudanças, buscando alinhar a melhor
maneira de validar a essência do ensino-aprendizagem. De acordo com
Aguiar; Paniago; Cunha (2020), visualizando esta possibilidade do professor
e aluno, aprender juntos, é preciso considerar que este processo envolve a
necessidade do diálogo, da escuta sensível e de uma reflexão constante do
professor, quanto a sua prática pedagógica e o fazer docente.
Contextualizando a realidade educacional, dentro das possibilidades e
limitações da pandemia do COVID-19, fica claro que as escolas, têm tido a
preocupação de apoiar e mobilizar os professores em uma corrente de
compartilhamento de experiências em prol da manutenção dos níveis
qualitativos da educação.
Neste sentido, muitas ações educativas vêm sendo realizadas, seja
através do encaminhamento das atividades via mídia digital, procurando
cumprir com o currículo, seja com ações (reuniões por vídeo conferência)
tirando dúvidas, promovendo diálogos e debates que visam manter os alunos
engajados com as atividades escolares ou ainda, colocando em prática,
propostas de projetos que imprimem a positividade de trabalhar,
dentre outros, o desenvolvimento socioemocional, que dentro do atual
contexto, se faz um quesito fundamental. Nestes termos, argumenta-se que:
As habilidades socioemocionais são construídas por uma extensa e
complexa rede de conhecimentos e comportamentos relacionados ao
sucesso ou ao fracasso [...] as habilidades socioemocionais levam em
consideração, como o indivíduo consegue refletir sobre suas emoções
quando precisa tomar decisões intrapessoais e interpessoais. É, portanto,
uma capacidade reflexiva de lidar com as emoções e potencializar
características ímpares do seu eu nas relações com o outro (PARANHOS et
al., 2016, p. 7647).

Vale ressaltar que nas aulas remotas, é essencial haver por parte da
escola e dos profissionais da educação envolvidos, uma atenção especial em
relação ao aluno e as condições reais de estudo, observando elementos como:

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

espaço ambiente apropriado, situação socioeconômica, acesso aos recursos


tecnológicos, estado emocional e até mesmo, o apoio e incentivo recebido por
parte da família, cabendo ao professor direcionar de modo o mais assertivo
possível, todo o processo de ensino. Conforme Fonsêca et al. (2020) afirmam
que a Educação Remota é uma tarefa difícil, entretanto, tem colaborado
expressamente com o processo de aprendizagem do aluno e ajudado a
mantê-lo em contato com o processo pedagógico, embora sejam reais as
desigualdades encontradas nesse contexto.
Outro ponto de relevância a ser delineado, apesar dos esforços
empreendidos, diz respeito ao fato de que as experimentações resultantes
deste período de pandemia seguem desafiando o processo educativo escolar,
principalmente no referente, à avaliação da aprendizagem. De maneira real,
não existe uma receita pronta para avaliar efetivamente os alunos a partir da
situação traçada pela COVID-19, mostrando que esta tarefa ainda é
evidentemente dificultosa.
Embora seja recomendado pela Lei de Diretrizes e Bases que um
processo de avaliação do desempenho do aluno, siga estruturada de forma
contínua e cumulativa, é admissível segundo Amaral (2020), atestar que por
conta deste período atípico, provocado pela pandemia, tais métodos podem
ser ineficazes. Assim, no fechamento do ano letivo de 2020, há de se tornar
ponderável que haja uma reflexão dos profissionais da educação, dando
ênfase a pontos específicos sobre “como” e “o que” avaliar.
Ademais, frente aos muitos obstáculos e imposições quase inaceitáveis
e complexas da pandemia do COVID-19, não se deve anular a verdadeira
percepção de que foi e tem sido heroica a atuação dos professores em
direcionamentos voltados a promover uma troca de experiências e de
aprendizado produtivo com os alunos. Por meio de aulas remotas, as ações
educacionais propostas, para além das dificuldades, vêm contribuindo para
que sejam abolidas posturas que limitam os alunos a meros espectadores do
processo de aprendizagem, aguçando capacidades importantes de expressão
comunicativa, protagonismo e autonomia.
E nesta oportunidade, é valioso enfatizar que os professores, em
diferentes etapas e modalidades de ensino, também deixaram aflorar suas
habilidades criativas, sugerindo, implementando estratégias e novos
formatos de atividades, inovando, reinventando, aprendendo e aplicando
novas possibilidades de ensino e principalmente, não permitindo que o
vínculo entre docente, discente e o processo educativo, se perca com o
distanciamento social.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Considerações finais

Sem sombra de dúvidas, diante das ações de combate ao COVID-19, as


escolas e a educação como um todo, sofreram um impacto considerável, com
reflexos que apesar dos esforços, ainda podem ser substanciais no
atingimento de resultados satisfatórios de aprendizagem, validando cada vez
mais, a importância de ressignificar conceitos, práticas pedagógicas e
paradigmas capazes de atravancar o processo educativo.
A realidade mostra que uma situação nova e desafiadora como a
imposta pela pandemia do COVID-19, apesar das dificuldades, propiciou
uma visão mais ampla de como o ensino pode ser estruturado de maneira
diferenciada e produtiva, enfatizando os benefícios do uso das tecnologias
que assertivamente, têm se confirmado como parte indissociável do processo
educacional, caminhando a partir do ensino remoto, para uma formatação de
ensino híbrido, em um futuro bem próximo.
Cabe ressaltar que neste período pandêmico, parece surgir em meio a
tantas situações imprecisas e inseguranças, uma disposição incisiva dos
professores em entender a necessidade do repensar o seu fazer docente, de
compartilhar experiências e de saber que o processo educativo mais do que
nunca, precisa incentivar o aluno a ser protagonista de seu aprendizado.
Deste modo, buscando a efetividade do ensino em favor da
aprendizagem significativa e principalmente, procurando não deixar que o
vínculo entre aluno e escola sofresse rompimentos, os profissionais da
educação envolvidos no processo, foram se mostrando mais reflexivos e
abertos a colocar em ação, a criatividade e a aplicabilidade de ações voltadas
a promover o desenvolvimento socioemocional, valorizando também, as
metodologias ativas, expressamente necessárias para o desenvolvimento
participativo e autônomo, dos alunos.
De maneira geral, mesmo que em algum momento esta pandemia tenha
concorrido contra o ensino-aprendizagem, o fato é que os professores não
desistiram de seus alunos e da missão de mediador do conhecimento,
mergulhando fundo no comprometimento de superar os obstáculos, transpor
barreiras e fazer acontecer resultados a contento de certificar a importância
da educação. Assim, a procura por entender, articular e relacionar as
necessárias adaptações curriculares e metodológicas com as expectativas de
ensino-aprendizagem dos alunos passou a configurar neste período crítico
de isolamento social, uma tarefa constante e repleta de novos desafios, mas
realizada pelos profissionais da educação, especialmente pelos professores,
com empenho, determinação, visão inovadora em relação às possibilidades
de ensino e capacidade perceptiva de que a educação não pode parar.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Referências
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-de-pesquisa-mais-importantes.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2020.

83
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

84
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

AFÉTE-SE!
O afeto em tempos de isolamento social: estreitando laços afetivos entre
aluno, família e escola

Carlos Alexandre FERNANDES1


Cilene do Carmo Batista REIS2
Mariléia Antônia PAIXÃO3

Em outros tempos, mas principalmente em tempos de pandemia, é


preciso recuperar e fazer presente em nosso dia a dia, o afeto. Na filosofia por
Spinoza, Deleuze e Guattari, os autores, designam afeto como um estado da
alma, um sentimento. Sabemos que há inúmeras maneiras de se demonstrar
o afeto. O Afeto, por exemplo, é a forma mais singela de se expressar um
carinho. Já afetar é fazer crer, deixar transparecer; exteriorizar, dizer respeito
a; interessar, atingir; impressionar, destinar a; atribuir a; suscitar ou ser capaz
de suscitar sentimento, emoção, comoção; abalar; comover; exibir ou tentar
exibir (qualidades, maneiras, sentimentos etc.) que não se possui.
Por fim, Fé um sentimento que possui como sinônimos as palavras
confiança, crença, credibilidade, sendo algo único dentro de cada pessoa. Ter
confiança, acreditar, crer em algo ou alguém, ter esperança é o que mais
precisamos nesse momento difícil que estamos passando.
Por essas e outras questões que a Escola Municipal Santos Dumont
localizada na regional Leste, no bairro Santa Efigênia, da cidade de Belo
Horizonte, propôs aos seus 929 alunos4 matriculados nos 1º, 2º e 3º ciclos do
Ensino Fundamental a participação do projeto pedagógico: aFÉte-se.
Este projeto nasce, primeiramente, da percepção de pouco envolvimento
das famílias nas atividades escolares propostas pelos professores. Alguns
pais ou responsáveis se sentem despreparados, pouco instruídos para
auxiliar seus filhos no desenvolvimento das tarefas escolares, e há aqueles

1
Professor Municipal de Língua Portuguesa na Prefeitura de Belo Horizonte; Mestre em Linguística e Língua
Portuguesa Pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Especialista em Ensino de Língua
Portuguesa pelo Instituto de Educação Continuada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-
mail: carlosalexfernandes@live.com
2
Professora Municipal de Ciências na Prefeitura de Belo Horizonte e na Rede Estadual de Ensino de Minas
Gerais; Licenciatura Plena em Ciências Biológicas pela PUC- Minas. E-mail: ccarmo.b@edu.pbh.gov.br
3
Professora Municipal de Química na Prefeitura de Belo Horizonte; Licenciatura Plena na Universidade do
Trabalho de Minas Gerais /UTRAMIG; Especialista em Políticas Públicas para a Juventude pela Faculdade
Newton Paiva /MG. E-mail: marileia.paixao@pbh.gov.br
4
A maioria dos alunos são oriundos de bairros e aglomerados do entorno da escola. Desses, fazem parte do
Programa Bolsa Família, 302 alunos, ou seja 25%, os quais estão na faixa de pobreza ou extrema pobreza.
Muitos pais estão imersos em longas jornadas de trabalho, ocupando diversas funções sociais além das
responsabilidades da criação dos filhos.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

talvez que nem percebam sua importância no processo de ensino e


aprendizagem de seus filhos, julgando-se desnecessários.
Entretanto, durante o início da pandemia - COVID-19 (SARS-COV-2),
houve um afastamento dos alunos, forçado pela circunstância, o que
impactou negativamente nas relações afetivas destes com seus pares e com a
escola. Além disso, o próprio afastamento social inviabiliza a conexão e a
troca de experiência entre os alunos, tão importantes para a o processo da
construção do conhecimento.
Diante de tal realidade, verifica-se a necessidade de aproximação e
atendimento afetivo dos discentes durante o período de isolamento social.
Entendendo o contexto em que esses alunos se encontram, com o objetivo de
manter os vínculos dos alunos com a escola e com seus pares, influenciando-
os positivamente e ainda, desenvolvendo atividades que motivem os
estudantes, foi criado o projeto aFÉte-se.
Este, busca estimular valores e engajar os alunos com desafios, a partir
de propostas de ações envolventes e com o objetivo a aprendizagem tende a
ser muito mais fácil e espontânea, dando continuidade à sua formação,
fazendo-os aprender a organizarem-se, a estabelecerem metas e definirem
estratégias para atingi-las. Mas urgente que isso, o projeto visa o
estreitamento das relações afetivas entre professores, pais e alunos
propiciando um ambiente favorável para o aprendizado do aluno.

Fundamentação teórica
A afetividade é o centro deste trabalho que objetiva perceber a relação
afetiva entre escola, aluno e famílias e constatar os seus reflexos no processo
ensino-aprendizagem perante o contexto de pandemia vividos em 2020, pois
sabemos que o respeito, diálogo, limites e confiança quando ancorados e
fundamentados na relação do afeto, possibilita um crescimento pedagógico,
pessoal, tanto para o aluno, a família, quanto para a escola.
Sabe-se que o afeto é parte integral de uma nova escola. Como destacado
no Caderno Pedagógico da EJA - Saúde e Corporeidade5:
Os desafios e as desigualdades sociais e econômicas enfrentadas pelas/ os
estudantes da EJA, seus familiares e a comunidade onde vivem devem nos
mobilizar, com o intuído de possibilitar formas de trocas e interação entre
saúde e educação[...]. (CADERNO 4, 2020, p. 30)

5
Projeto de extensão da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Minas Gerais/UFMG. Curso de
aperfeiçoamento Produção de Cadernos Pedagógicos na Educação de Jovens e Adultos/ EJA iniciado em
agosto de 2018 com a finalidade de desenvolver cadernos pedagógicos com temáticas próprias das proposições
curriculares da EJA da rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, baseado no desenvolvimento de
crônicas e relatos de experiências dos professores sobre suas práticas refletidas sobre o fazer pedagógico.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Assim é importante sensibilizar é conscientizar os alunos sobre a


importância dos valores, como amizade, nas relações de convivência, em
tempo de pandemia. Inferir a presença de valores sociais, culturais, humanos
e de diferentes visões de mundo, em textos literários e não literários,
reconhecendo nesses textos formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as
identidades, sociedades e culturas considerando a autoria e o contexto social
e histórico de sua produção.
Vislumbrando esse objetivo, o projeto aFÉte-se permite a interação entre
os professores e seus alunos, de forma a aproximá-los através da troca de
experiências e assim favorecer a construção de um aprendizado mais
individualizado, como preconiza Cunha (2008) que:

Em qualquer circunstância, o primeiro caminho para a conquista da


atenção do aprendiz é o afeto. Ele é um meio facilitador para a educação.
Irrompe em lugares que, muitas vezes, estão fechados as possibilidades
acadêmicas. Considerando o nível de dispersão, conflitos familiares e
pessoais e até comportamentos agressivos na escola hoje em dia, seria
difícil encontrar um mecanismo de auxílio ao professor mais eficaz.
(CUNHA, 2008, p. 51)

Muitas das atividades sugeridas no projeto possibilitam ao aluno revelar


sua condição de vivência emocional e a impressão da sua própria realidade
nos tempos de pandemia, o que é extremamente importante para se traçar
estratégias pedagógicas futuras de inserção dos conteúdos que considere a
realidade emocional, cognitiva e afetiva do aluno. Jean Piaget dissertou sobre
essa questão e apontou caminhos para os trabalhos pedagógicos que
realizamos atualmente. Em sua teoria verifica-se uma relação entre os
aspectos cognitivos e afetivos, complementares da conduta humana.
Para Battro,1976:

Nos processos afetivos, tal como Piaget os entende, intervêm tantos os


sentimentos e emoções como as tendências e valores [...]. Em geral reserva
para a afetividade a propriedade de constituir a energética da ação,
enquanto que sua estrutura corresponde à inteligência; ambos os aspectos
são solidários. (BATTRO, 1976, p. 336)

Dessa maneira, o afeto e as relações afetivas são tão importantes quanto


às metodologias de ensino usadas no cotidiano que auxiliam na construção
do conhecimento. Todas as atitudes humanas são permeadas pelo afeto
independente do espaço dentro ou fora da sala de aula, na escola ou no lar.
A prática do afeto dentro do lar pode ser considerada complexa, mas é
importante. Ela é imprescindível para o crescimento social e cognitivo do

87
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

aluno. A escola tem sua inegável vital importância, mas a relação afetiva
construída na e pela família são primordiais. Nesta perspectiva, a escola e a
família se torna imprescindíveis para o desenvolvimento cognitivo, social e
afetivo do aluno. O papel de cada agente é diferente, porém se
complementam. Sendo assim:

As práticas educativas divergem quanto ao grau de controle que os pais


exercem sobre o comportamento dos filhos. Essa dimensão é crucial ao
desenvolvimento da pessoa, desde que, mediante a orientação e controle
os outros exercem, aprendem a controlar e a regular a nossa conduta de
maneira autônoma (SALVADOR, 1999, p. 165).

Nesse contexto, a construção da relação entre escola e família, deve se


dar por cooperação. Elas precisam fortalecer em uma relação, de confiança e
não somente de troca de ideias e discussões. Caetano (2004) pondera que a
relação entre escola e família precisa ser de parceria. É preciso que a escola e
a família sejam aliadas em prol do aluno, uma vez que devem caminhar
juntas na tentativa de alcançar o objetivo maior que é a formação integral da
criança.

Objetivo, experiência, metodologia, desenvolvimento

Em contexto de pandemia da COVID-19 o projeto tem como principal


objetivo explicitar o afeto sentido por todos nós por meio de um gesto de
ternura, estima ou afeição, amizade, amor ou apego por alguém ou algo, uma
vez que o isolamento social orientado, pelos órgãos de saúde ou mesmo o lock
down, determinado pelo poder executivo, acarreta nas crianças e adolescentes
questões que podem ser irreversíveis.
Por essas e outras razões foi necessário buscar estratégias que
aproximasse o aluno e suas experiências emocionais do contexto da escola
por meio da afetividade e, dessa maneira, permitir uma melhor relação deste
aluno no processo ensino-aprendizagem, levando em consideração a sua
relação com as famílias e delas com a escola.
Nesta perspectiva foi desenvolvido o projeto aFÉte-se. Cada atividade
deste projeto, intencionalmente, chamada de “abraço”, foram aplicadas
semanalmente nas turmas considerando a forma remota de ensino. Alguns
abraços exigiram uma preparação antes de serem executados, havendo
necessidade da exibição de áudios, filmes e afins que fundamentam os
mesmos. Para fins de ilustração e compreensão, abaixo apresentamos os
“abraços”:

88
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

❖ Primeiro abraço - Você sabe, o abraço é a forma mais singela de


demonstrar carinho, ternura e afeto. Assim, convidamos você para nos
enviar o seu abraço. Junte todos da sua família e também o seu animal
de estimação. Em tempos de pandemia, vale abraço virtual. Faça fotos,
vídeos. Aféte-se!
❖ Segundo abraço - Sabemos que você é um estudante muito criativo.
Que tal, abusar dessa criatividade ao responder 2 perguntinhas?! Pode
ser em vídeo, áudio, foto, colagem, desenho, grafite, cartaz, texto
escrito, etc.
- O que é afeto para você?
- O que te afeta?
❖ Terceiro abraço - Ouça, no YouTube, no link https://www.youtube.
com/watch?v=zohh7omUHOQ – ou na sua plataforma digital
preferida, a música “Semente do amanhã”, do compositor brasileiro
Gonzaguinha. Feche os olhos, convide quem estiver por perto e sinta a
mensagem dessa música. Converse com amigos da escola no WhatsApp
e com os seus familiares... Em seguida, registre as suas impressões a
respeito da música e da conversa que realizou.
❖ Quarto abraço - O Afeto é um sentimento que passa pelo coração e
transborda pelo corpo todo, certo? Que tal, olhar para a sua casa e para
todos que vivem nela e, juntos, buscar uma maneira de representar
esse amor?! Isso mesmo, busque ao seu modo, formas de representar o
coração da sua família. Essa ação se chama “Corações em espera”.
Estamos aqui esperando os seus corações cheios de carinho. Aféte-se!
❖ Quinto abraço - Você já deve ter escutado alguma vez a história ou
assistido a algum filme que tratava de quatro animais que tinham
sonho de se tornarem músicos. No Brasil, conhecemos essa história
como “Os Saltimbancos”. Não sei se percebeu, mas essa história tem
tudo a ver com a nossa conversa, como diria o “Sr. Jumento: - Um
bicho só é só um bicho, mas todos juntos somos fortes!” Ouça a música
“Todos Juntos” no link https://www.youtube.com/watch?v=pmvMk
M-LGJU, aprenda, cante e divirta-se. Fique atento a letra! Cada animal
(Jumento, Cachorro, Galinha e Gata) contribuiu de alguma forma para
o Bem maior e assim deve ser com a gente. Agora, conte para nós, como
você pode contribuir com a nossa, escola, sua família, nossa cidade?
Ah, não se preocupe não existe certo ou errado.
❖ Sexto abraço - Assista com a sua família ou com quem morar com você
a um curta dirigido pela brasileira Carla Camuratti, disponível no link
do YouTube https://www.youtube.com/watch?v=WT9xQ90bgXE. Em

89
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

seguida, reflita, converse e, juntos, busquem no dia a dia de vocês


atitudes afetuosas. No curta que você assistirá era um nó no lençol que
o pai do menino dava todas as noites quando chegava após um dia
cheio de muito trabalho. E aí na sua casa, como você demonstra afeto?
Conte para gente! Se precisar de ajuda para refletir ouça no link https://
www.youtube.com/watch?v=eYYbzhxulYs as palavras de Gilson
Souza.
❖ Sétimo abraço - Leia o poema abaixo6 (em voz alta) ou peça para
alguém da sua família ler para você. É bom que, após a leitura vocês
conversem sobre o texto e digam o sentimento que o poema lhes
trouxeram. Lembrem-se, não há certo ou errado quando falamos de
sentimento. Agora, que já conhecem o texto, que tal gravar um
pequeno vídeo ou nos mandar um áudio de vocês declamando o
poema?!! É o momento de dizerem com emoção as palavras do texto
lido. Cada um pode ler um trecho ou juntos lerem ele por completo. A
única exigência é que sejam criativos e que façam juntos.

❖ Oitavo abraço - Assista a reportagem no link https://www.youtube.


com/watch?v=ls0IWohKnjo . O que acharam dessa ideia? Aí, na sua
casa, você pode fazer dela (inteira) um cantinho de afeto. Agora,
precisamos de você e de sua família. Onde, em nossa escola,
poderemos criar um cantinho do afeto? No cantinho do afeto cabe todo
mundo e todas as idades, ok?! Envie as sugestões. Estamos ansiosos. A

6
Fonte: Rosarinho de Macedo. Disponível em: <www.continuobuscando.blogspot.com>. Acesso em jul. 2020

90
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Escola é o nosso segundo lar e devemos cuidar dela igual cuidamos da


nossa casa, certo?!!
❖ Nono abraço - Ao assistir o vídeo no link https://www.youtube.com/
watch?v=1lP7vIpa8SY você irá perceber outras palavras que também
nos move enquanto seres humanos. Sabe me dizer quais são? Agora,
escolha uma delas e nos diga o que ela significa para você e, após, a
represente de modo com que a palavra seja espelho do seu
pensamento. Vale produzir uma foto sua com seus familiares ou até
buscar algo interessante na internet.
❖ Décimo abraço - Em casa aprendemos com a nossa família a ter valores
essenciais para a nossa vida. Sabe me dizer alguns? Há inúmeros, peça
ajuda! Pedir ajuda não é vergonha. Já na escola, com os professores,
aprendemos também sobre o mundo que nos cerca e todas as questões
que envolve a sociedade. Pergunte para alguém da sua família, a
lembrança de algum professor que marcou a sua vida. Você também
pode nos dizer se algum professor já marcou a sua. Lembre-se, nos
envie tudo! Você já sabe, pode ser por vídeo, foto, áudio, desenho, a
forma que conseguir e achar melhor, mas não deixe de enviar. O que
tiramos dessa reflexão é que com a família e a escola (juntas) o sucesso
é certo! Veja o vídeo no link e tire outras conclusões: https://www.
youtube.com/watch?v=y3GKroyVrA0.
Como é possível perceber, foram apresentados diversos recursos de
áudio, vídeo e formas alternativas de registros, ampliando assim a gama de
aprendizado dos alunos. Na verdade, buscamos favorecer o uso da TDIC –
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação, auxiliando os alunos
neste uso de forma adequada e favorável, tal e qual anuncia a Base Nacional
Comum Curricular do Ensino Fundamental, permitindo ao aluno o
conhecimento e o empoderamento de recursos tecnológicos na elaboração de
suas impressões.
Outro recurso base do projeto foi a leitura e a interpretação de diversos
textos de recursos didáticos distintos. Algumas indagações foram elaboradas
para favorecer as discussões e servir como um gatilho para iniciar o
desenvolvimento de um debate.
A interação das famílias nas atividades foi constante, a fim de aproximar
estas da rotina de estudo do estudante e da proposta pedagógica da escola.
Na próxima seção apontaremos e discutiremos os resultados. Em
seguida apresentaremos algumas imagens como maneira de ilustrar o
trabalho realizado pelos alunos e suas famílias.

91
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Análise e resultados observados


No desenvolvimento das atividades, buscou-se criar estratégias para
estreitar o vínculo afetivo entre professores, alunos, família e comunidade,
contemplando de forma mais ampla possível, atividades que,
independentemente do território, do sujeito, da situação socioeconômica,
política e cultural, tivessem significado em tempo de pandemia.
Foi possibilitado ao aluno o espaço para criar, incentivando reflexões
que foram além das suas impressões habituais, provocando espanto e
perplexidade, além de promover a evolução na forma de pensar dos alunos
Apesar do projeto ter contemplado todos os alunos da escola do Ensino
Fundamental, com idades entre 6 e 15 anos, verificou-se um maior
envolvimento nos alunos de 1º e 2º ciclos, ou seja, alunos com 6 e 10 anos. O
que pode ser sugerido pelo seguinte fato: essa faixa etária querer maior
afetividade, segurança e cuidado dos pais, o que determina a aproximação
destes pais e dos próprios alunos dos professores.
Já no início do Projeto, nos primeiros "Abraços”, percebeu-se um
interesse muito grande dos alunos nas atividades, o que encorajou outros
alunos menos empolgados, e que não se expressavam, a iniciar uma interação
com seus pares e seus professores, e também a realizarem as tarefas
propostas.
Por consequência, os pais passaram a acompanhar mais de perto e a
participar das atividades em que membros da família eram convidados a
interagir. Constatou-se uma progressiva diminuição, não das interações, mas
da realização das atividades pelos alunos, levando-nos a perceber a
necessidade de os "abraços” serem feitos em intervalo de tempo menor, visto
que a sua sequência didática prioriza a articulação dos temas. Sendo assim,
deve-se evitar o distanciamento das discussões, impedindo a perda de
sentido dos temas trabalhados.
A participação pouco expressiva do 3º ciclo pode ser explicada pelo fato
deste grupo7 ter sido formado as vésperas do início do projeto, o que
impossibilitou a sua estruturação dentro dos parâmetros de tempo, espaço
necessários ao seu andamento.
A seguir apresentamos alguns “abraços” retornado pelos alunos e suas
famílias. Foram inúmeros “abraços” devolvidos, o que comprova que a
relação afetiva da escola, com o aluno e família estão cada vez mais
solidificadas.

7
Seguindo orientações da Secretaria Municipal de Educação, a Escola Municipal Santos Dumont criou grupos
no WhatsApp para que pudéssemos estreitar vínculos afetivos com os alunos e suas famílias e também criar
um canal de envio e recebimento de atividades remotas.

92
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

A escolha dessas imagens foi aleatória para que não ocorresse nenhum
tipo de privilégio. É importante dizer que a maneira de registrar os “abraços”
pelos alunos e suas famílias era livre, daí tivemos áudios e vídeos enviados
pelo WhatsApp que, aqui, fica difícil de representar, por isso a escolha das
fotos.
Abraços dos alunos e sua família compartilhados com a escola

Imagens do “abraço” 10 e 1

Imagens do “abraço” 1 e 5

Considerações finais

As atividades propostas no projeto aFÉte-se permitiu ao aluno


mergulhar no meio virtual, gerando novas possibilidades de aprendizado e

93
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

a seus pais, uma forma de interação com a rotina escolar dos seus filhos por
uma outra perspectiva.
Para a escola isso é enriquecedor pois, abre-se uma nova forma de
pensar a relação aluno, escola e família. Assim, à medida que a escola une o
saber científico institucionalizado escolar à cultura e experiências empíricas
familiares, consegue ampliar os horizontes dos alunos, acenando com a
possibilidade de um melhor desempenho acadêmico devido a maior
afetividade e envolvimento familiar na rotina dos educandos.
Nesta perspectiva, promover uma relação afetiva entre escola, aluno e
família é de responsabilidade de todos, seja da instituição escolar e/ou da
família, pois, ambas, necessitam organizar situações que a criança se sinta
segura e entregue. Os desafios para incentivar a participação dos estudantes
estão aí. Cabe a nós, no âmbito escolar, a busca, a elaboração de atividades
que possibilitem e motivem, através da interação família, escola e alunos a
motivação para uma aprendizagem efetiva e afetiva, como eventos festivos,
descontraídos e afetuosos, os quais exigem a presença dos responsáveis para
prestigiar seus filhos.

Referências
ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar. 28. ed. São Paulo: Cortez, 1993.
(Coleção Questões da nossa época.)
BATTRO, Antônio M. O pensamento de Jean Piaget. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976.
CAETANO, L. M. Relação escola e família: uma proposta de parceria. Revista Intellectus, JulDez,
2003. Disponível em: . Acesso em: 23 fev. 2020
CUNHA, Antônio Eugênio. Afeto e aprendizagem: relação de amorosidade e saber na prática
pedagógica. Rio de Janeiro, WAK.2008.
OLIVEIRA, Heli Sabino de et al (Organizadores). Caderno Pedagógico 4 - Saúde e
Corporeidade: Direito a Vida. Coleção EJA - Lendo Mundo Lendo Palavras. Belo
Horizonte:2020. Disponível em: <ead.pbh.gov.br>. Acesso em: 23 fev. 2020
PIAGET, J. Seis estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984.
SALVADOR, C. C. et al. (org.). Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,1999.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

ESPAÇO BERÇÁRIO
Da sua singularidade às possibilidades de vivências e interações

Claudia Maria BOMFIM.1

O reconhecimento da Educação Infantil como 1ª etapa da Educação Básica


e sua ampliação de atendimento

Atualmente presenciamos o aumento de pesquisas referentes aos


Estudos da Infância, buscando entender o significado ideológico da criança,
o seu valor social e as visões sobre infância, compreendendo que a relação da
criança com o adulto é um fato social e não natural ou biológico.
Os motivos que justificam a crescente importância que vem sendo
conferida aos Estudos da Infância e Educação Infantil são diversos. Dentre
eles, destacarei três que considero relevantes para o reconhecimento da
criança enquanto sujeito de direitos a uma Educação Infantil Pública e de
qualidade. Em primeiro lugar, ressalto as mudanças que decorrem do papel
social que a mulher ocupa na sociedade moderna. A necessidade de
independência emocional e econômica faz com que essas mulheres tenham
força e consciência para reivindicar uma educação de qualidade para seus
filhos. Segundo Silva e Vieira (2008), a ação dos movimentos sociais
demandando creches como direitos das mulheres, no processo de
redemocratização da sociedade brasileira, fez surgir a discussão sobre a
responsabilidade do Estado na formulação de novas Políticas Públicas para
Educação Infantil.
O segundo fator que merece destaque refere-se aos avanços da legislação
brasileira. O reconhecimento da Educação Infantil como primeira etapa da
Educação Básica, constitui-se como principal avanço das políticas para
infância. A Constituição Federal (1988), o Estatuto da Criança e Adolescente
(1990) e posteriormente, a Lei de Diretrizes e Bases Nacionais (1996)
garantem o direito da criança à Educação Infantil, reconhecendo-a como
sujeito de direitos.
O terceiro motivo relevante são as crescentes pesquisas científicas
ocorridas no campo das ciências sociais e humanas sobre o desenvolvimento

1
Graduada em Normal Superior pela Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC). Especialista em
Múltiplas Linguagens em Educação Infantil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG/FAE). Pós-
graduada em Gestão Integradora e Terapia Analítica do Comportamento Infantil pela IPEMIG. Bacharelado
em Direito pela Faminas/BH. Especialização em Advocacia Criminal pela ESA/FUMEC. Mestranda em
Educação pela UFMG. Professora da Rede Municipal de Belo Horizonte/MG, exerce a função de Coordenadora
Pedagógica Geral I, EMEI Santa Amélia, regional Pampulha; E-mail: claudia.mbonfim@edu.pbh.gov.br

95
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

infantil as quais apontam a enorme importância dos primeiros anos de vida


para o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e social dos seres humanos.
Todas essas premissas indicam o reconhecimento dos direitos da
criança, que incluem o direito à educação de qualidade desde os primeiros
anos de vida. Dessa forma, com a ampliação dos direitos das crianças, e a
garantia do seu acesso e permanência na escola, tem se ampliado
significativamente a procura de vagas para os bebês em instituições escolares.
Por diversos motivos, eles têm frequentado a instituição educativa cada vez
mais cedo.
Esse fato tem se tornado um grande desafio para as instituições de
Educação Infantil e seus professores, pois, cada família tem um modo de
alimentar, embalar, acariciar, brincar, tranquilizar e higienizar o seu bebê. E
estas ações podem ser realizadas de diversas formas, afinal as diferentes
culturas inventaram múltiplos modos de criar os bebês. E cada família tem
um modo específico para compreender o choro do seu bebê, suas
necessidades de alimentação e de brincadeira e fazer suas escolhas tendo em
vista as tradições familiares ou concepções aprendidas socialmente. Como
configurar essas singularidades em práticas pedagógicas? Como planejar
junto com os bebês, levando em consideração todas as suas especificidades?
Primeiramente, é necessário que os professores e a instituição escolar
reconheçam esse bebê enquanto criança cidadã, dotada de direitos e que
ocupa um espaço diferenciado no ambiente escolar. Espaço este que não é
apenas de um espaço físico, de uma sala de aula denominada berçário, que
contêm berços, fraldário, cadeirões para alimentação entre outros elementos,
mas sim de um espaço vivo; que possibilita troca de experiências, vivências,
interações, priorizando o bebê como protagonista do processo de
aprendizagem, um ser ativo na construção coletiva do conhecimento.

Bebês sujeitos de direitos


Os bebês possuem uma especificidade própria. Cada bebê tem um ritmo
pessoal, uma forma de ser e de se comunicar.

Os bebês e crianças bem pequenas utilizam diferentes formas de


comunicação e expressão, que adultos precisam observar e escutar com
sensibilidade e inteligibilidade: são gestos, expressões faciais, lágrimas,
risos, gritos, silêncios, movimentos, balbucios, entre outros modos e formas
de estabelecer relações e conexões com o mundo. (DELGADO; FILHO,
2013, p. 22)

Dessa forma, o bebê a seu modo tem iniciativa. É um ser ativo que busca
pelo olhar do outro, pelo toque, pelo gesto, pelo choro, uma maneira de se

96
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

comunicar e interagir com o mundo; estabelecendo relações de


aprendizagem. Todos esses modos de interlocução, nas suas “culturas de
pares” (CORSARO, 2011, p.127) e com os adultos, que torna o bebê um sujeito
histórico e de direitos.
Os bebês são sujeitos de direitos que interagem e se relacionam entre si,
construindo gradativamente sua identidade, produzindo cultura e sendo
também por ela influenciado.
Os direitos dos bebês se configuram no acesso aos bens culturais, ao
conhecimento, à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à
dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças. É
participando das relações sociais, que o bebê cresce, aprende e se desenvolve.
Eles são seres humanos competentes, que têm uma dependência relativa do
adulto, mas são capazes de explorar, criar, experimentar, comparar, aprender
e estabelecer vínculos socioafetivos. São crianças potentes em habilidades
perceptivas, auditivas e visuais.
Como agentes do processo se movimentam o tempo todo, o corpo é seu
principal meio de comunicação, de prazer e de contato com o mundo. Os
bebês possuem um corpo onde afeto, intelecto e motricidade estão
profundamente conectados, a forma particular como estes elementos se
articulam que definem as singularidades de cada indivíduo ao longo de sua
história. Nesse sentido, a partir da premissa do bebê enquanto sujeito de
direitos, as escolas e professores devem pensar em práticas pedagógicas que
favoreçam as interações, buscando atender as demandas de exploração e
movimentação no espaço.
Assim, se faz necessário planejar práticas pedagógicas que tenha
intencionalidade educativa, proporcionando atividades que permitam
vivências significativas para o bebê, além de oportunizar suas descobertas e
aprendizagem.
Berçário: um espaço de vivências e interações
O espaço berçário, não pode ser considerado apenas um ambiente físico
da instituição escolar que permanece isolado das demais salas por ter
algumas especificidades como um local para o sono, solário e fraldário, mas
sim reconhecido como um espaço de vivências e interações extremamente
significativo para essa faixa etária.
O berço e o berçário não são entendidos como lugares assépticos, mas como
lugares de interação, em que se pode entrar e circular; de onde se pode sair,
porque o berçário não é um lugar separado, isolado, mas é mais um lugar,
entre tantos que as crianças da Educação Infantil experimentam.
(NÖRNBERG, 2013, p. 108)

97
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Desse modo, o berçário é considerado um espaço coletivo, marcado


pelas diversas formas de interações: consigo, com os outros (adultos e seus
pares) e com o ambiente/meio. Assim, o bebê é um ser potente do seu
processo de socialização e aprendizagem, ele se apropria do mundo através
de suas vivências e relações.
Corsaro (2011) questiona concepções clássicas sobre os processos de
socialização, substituindo a visão da criança como receptora passiva pela
criança co-construtora de sua inserção na sociedade. O autor apresenta uma
abordagem pioneira e contemporânea em relação à socialização das crianças
ao focalizar os processos sociais que constituem o mundo dessa criança e
apropriação que ela faz deste. A criança se constitui como sujeito nas
interações que estabelece com o meio e com os outros, e nas relações dialéticas
com o mundo.
Assim, perceber o bebê como um ser ativo e competente, devem ser
princípios norteadores de práticas pedagógicas que o reconhecem enquanto
um sujeito de direitos e não como objeto passivo de socialização e de práticas
de escolarização homogeneizadoras. “Logo, os espaços do berço ao berçário
são, para o bebê, um modo de estar-no-mundo” (NÖRNBERG, 2013, p. 103).
Portanto, o espaço berçário é um elemento constitutivo do ser bebê durante
o período que o mesmo permanece na escola, revelando uma singularidade
própria de suas experiências culturais e sociais.
Os argumentos apresentam o berçário como morada, lugar do viver juntos,
instituição que se faz em coletividade, nela e com ela, decorrente do
encontro de bebês e adultos. Ao constituir- se como morada dos bebês, o
berçário ritualiza e reatualiza a prática pedagógica como lugar de relação
entre bebês e adultos, requerendo uma pedagogia do contato.
(NÖRNBERG, 2013, p. 99).

Nesta perspectiva, a prática pedagógica precisa apostar em processos


educativos que reconhece o ambiente físico como espaço de aprendizagem e
interações.
É a partir das interações nas diversas experiências que vivencia desde seu
nascimento, que o ser humano constitui-se, inicia a construção de suas
identidades pessoal e social e passa a percorrer o infinito caminho da
aprendizagem e do desenvolvimento. São as interações com o outro –
compreendido como as pessoas, os artefatos culturais, os objetos de
conhecimento, o mundo em geral – que possibilitam a cada sujeito
identificar quem ele é, e também quem não é, o que lhe é próprio e o que
caracteriza as demais pessoas do mundo, bem como o próprio mundo.
(MELO, 2015, p. 23)

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Sendo assim, é necessário criar e gerar um espaço propício paras as


interações e as vivências dos bebês, permitindo-se as diferentes formas de
estar no mundo, oferecendo experiências variadas, ricas em estímulo, dentro
das múltiplas linguagens presentes no contexto escolar.
Intervenções no espaço do berçário da “Turma Baby Art” da Escola
Municipal de Educação Infantil (EMEI) Heliópolis
No ano de 2016, na EMEI Heliópolis, escola localizada na regional Norte2
do município de Belo Horizonte, a turma do berçário era composta por dez
bebês, sendo quatro meninos e seis meninas, com recorte etário variando
entre 10 meses até 1 ano e 5 meses. As crianças permaneciam em horário
integral na instituição escolar, com o horário de chegada às 7h e saída às
17:20h. Nessa turma, as crianças interagiam com oito adultos diferentes, em
momentos diversos da rotina. Esses adultos, eram organizados da seguinte
forma: quatro professores para o turno da manhã, sendo que dois docentes
permaneciam com as crianças no horário intermediário (11:30h às 13:00h)
mais três professores para o turno da tarde e um auxiliar de apoio ao
educando que ficava em horário integral.
Após a definição do Projeto Institucional para o ano letivo
“Diversiarte”3, foi discutido entre os professores como seria feito essa
abordagem pedagógica com o bebês levando em consideração a
especificidade da turma. Como explorar a linguagem artística e suas
múltiplas possibilidades com crianças bem pequenas? Era um desafio posto
para os educadores responsáveis por acompanhar e estimular o
desenvolvimento integral dessas crianças. A primeira ação foi definir o nome
da turma em parceria com as famílias. Assim, após votação, a turma recebeu
o nome de “Baby Art”. E agora? O que fazer? Ser docente de bebês não é uma
tarefa simples, exige do profissional um olhar atento e sensível para as
demandas desses pequenos que ainda não se comunicam verbalmente .
Ser docente significa agir como construtora, em parceria, de um espaço
relacional que favorece a interlocução das crianças com o mundo, entre si,
com elas próprias, com suas famílias. Ser docente é agir como provocadora,
fazendo brotar experiências formativas desde as diferentes linguagens
proferidas pelos bebês. (NÖRNBERG, 2013, p. 109)

2
O município é dividido em nove regionais distintas (Barreiro, Nordeste, Oeste, Pampulha, Noroeste, Norte,
Centro-Sul, Leste e Venda Nova).
3
A EMEI Heliópolis tem como proposta de trabalho o foco no corpo. Corpo que sente, interage, se expressa,
entendendo que é por meio dele que a aprendizagem se efetiva, produzindo-se conhecimento e cultura. No
ano de 2016, evidencia-se a arte em suas múltiplas manifestações: plásticas visuais, escultura, dança, teatro
entre outras formas de exteriorização do pensamento com o intuito da valorização cultural e fazer artístico de
cada criança, possibilitando a sua expressão pessoal e leitura de mundo através da arte e cultura.

99
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Desta maneira, torna-se necessário a busca por práticas pedagógicas que


valorizem o bebê enquanto protagonista do processo de aprendizagem, além
de reconhecer o espaço berçário como um ambiente de interações e vivências.
Diante dessas premissas, foi pensado no plano pedagógico transformar
o espaço físico do berçário em um ambiente de encontro humano, um espaço
vivo, interativo, tornando a sala de atividades em um ambiente
potencialmente instigador, agradável e criativo. Compreendida dessa forma,
o brincar e as interações tornaram-se eixos estruturadores da proposta
pedagógica envolvendo as múltiplas linguagens de maneira significativa
para os bebês. Para tanto, foi fundamental pensar no espaço físico do berçário
e quais as possibilidades de intervenções poderiam ser feitas, de modo
favorecesse o desenvolvimento integral dos pequenos.
Assim, o espaço físico do berçário foi planejado e disposto de tal modo
que este ambiente tornou-se o lugar de encontro dos bebês, de interações e
não um lugar delimitado por cercadinhos, carrinhos e berços. Neste espaço
social que as crianças utilizavam seus corpos para aprender a se relacionar, a
conviver, a cooperar, perceber os odores, escutar as vozes, olhar, observar,
tocar, pois os bebês têm grande capacidade de compreender a realidade
através dos sentidos.
A turma “Baby Art” experimentou algumas situações que aguçaram sua
curiosidade, ampliando suas vivências. As intervenções propostas no espaço
permitiram a interação das crianças entre si, com os objetos e o ambiente
como um todo. Proporcionou-se aos bebês a experimentação de objetos e
circunstâncias de maneira livre, autônoma, prazerosa e desafiadora. Cada
bebê de acordo com seu interesse, buscava uma maneira singular de interagir
no espaço proposto. Segue o relato de algumas práticas realizadas ao longo
do ano letivo, adequando-se as atividades permanentes da rotina da turma:
Intervenção com caixas: retirou-se da sala de atividade todas as caixas
pedagógicas, tapetes, deixando o espaço livre. Assim, foi disposto caixas e
embalagens de papelão com diversos formatos, cores e tamanhos. Algumas
caixas foram empilhadas, outras encaixadas uma dentro da outra, no intuito
de proporcionar desafio para os bebês no momento de exploração.
Intervenção com embalagens: a sala de atividades possuía um armário com
vão, os bebês adoravam explorar esses espaços, desenvolver diversas
possibilidades e posturas corporais como subir, descer, sentar e deitar. Nestes
espaços, foi criado quatro ambientes, cada qual com um tipo de embalagem
diferente em seu tamanho, formato, textura, peso. Utilizou-se embalagens de
vidro de perfumes, azeitona. Embalagens plásticas diversas: vidro de

100
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

shampoo, potes de achocolatados, garrafas pets. Embalagens de papel: caixa


de leite, caixa de ovos, entre outras.
Intervenção com os livros: cada turma da escola tinha um horário previsto
para ir à biblioteca: uma vez por semana. Porém, na sala de atividades,
também haviam livros em uma caixa que ficava à disposição das crianças. No
intuito de intervir no espaço, os livros foram dispostos em varais ao alcance
dos bebês e nos vãos do armário.
Pintura natural: a turma “Baby Art” realizou pintura com a tinta natural
da beterraba cozida. Fixou-se no chão da sala de atividades e nas paredes,
cartolinas brancas para que os bebês explorassem diversas posições para
fazer esse registro: sentado, em pé, com as mãos, com os pés, inclusive com a
boca.
Brincadeira heurística: criou-se no ambiente da sala diferentes cantos
simultâneos, com elementos diversos, para que os bebês tivessem a
oportunidade de fazer sua escolha para exploração. Os espaços variavam
seus itens, eles não eram fixos. Foram criados os seguintes: elementos da
natureza (flores, folhas secas, galhos, sementes), objetos de metal (colheres,
copos, chaves, entres outros), plásticos (folhas de celofane penduradas, raio
x, embalagens plásticas), elementos de madeira (colher de pau, porta joias,
tábua de bife, chocalhos), elementos de tecidos (diversas fitas, pedaços de
tecidos) e elementos de papelão (rolos, cones).

101
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Cesto do tesouro: o cesto do tesouro possibilitou a proximidade entre as


crianças, pois havia apenas um ponto de concentração: o cesto de palha.
Dentro deste cesto, o interessante é apresentar para os bebês elementos
diversos para sua exploração: conchas, pedras, objetos de madeira, tampas,
materiais de silicone, bucha natural, materiais ásperos, porosos entre outros.
Aromas e sabores: essa prática teve como foco a exploração sistematizada
dos órgãos dos sentidos: disponibilizou-se no chão da sala de atividades
alimentos de gosto variado (mel, limão, kiwi, maracujá), embalagens com
cheiros marcantes (pó de café, canela, lavanda, manjericão, embalagem de
perfumes e shampoos). As crianças foram incentivadas para experimentar
todos os sabores, além do estímulo olfativo.
Cabe ressaltar que todas as atividades propostas foram documentadas
através de fotos e vídeos, criando-se o portifólio digital de cada criança,
material avaliativo entregue e apresentado para as famílias no final de cada
semestre.
Neste contexto, através das interações foi necessário criar e organizar
intencionalmente tempos, espaços e materialidade que favorecessem as
interações entre elas, o adulto e consigo mesma; possibilitado a ela encontrar
seu lugar no mundo.

Considerações finais

Os espaços físicos precisam ser coerentes com as necessidades dos bebês,


proporcionando situações de desafio, mas também oferecendo segurança.
Esses ambientes, quando bem pensados e propostos, incitam os bebês a
explorar, a serem curiosos, a procurar os colegas e os brinquedos, isto é, elas
podem escolher de modo autônomo.
Ao organizar a sala para os bebês, é importante promover situações e
experiências que possam ser vividas por um corpo que pensa e se comunica
com o mundo. Tal espaço deve ser organizado para que os bebês interajam
com seus pares, brinquem com os objetos e brinquedos, podendo assim,
vivenciar diferentes experiências. Os bebês aprendem observando, tocando,
experimentando e construindo ações e sentidos próprios, recriando, deste
modo, a sua cultura.
É essencial que os bebês tenham acesso a diferentes espaços e estímulos
que lhes propiciem explorar, criar, manipular, brincar, pensar, elaborar,
construir, comparar, analisar, sistematizar. Para tanto, torna-se fundamental
que os professores e a escola, busquem desenvolver formas mais abrangentes
de pensamento.

102
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Logo, os professores deverão planejar estratégias de organização e de


intervenções que facilitem as aprendizagens das crianças. Todo o material
que entra em uma sala para bebês deve ser avaliado em seu estado físico, nas
possibilidades cognitivas, motoras e sensoriais que oferece bem como na sua
qualidade cultural.

Referências
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 25ª. ed. S. P.: Saraiva, 2012.
______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre
o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF, 1990.
______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996.
CORSARO, William A. “Teorias sociais da infância”; “Culturas de pares e reprodução
interpretativa”. Sociologia da Infância. Tradução: Lia Gabriele Regius Reis. 2ª ed. Porto
Alegre : Artmed, 2011, cap. 1 - p. 17-41 / cap. 6 - p.127-153.
DELGADO, Ana Cristina Coll e; FILHO, Altino José Martins. “ Dossiê: Bebês e crianças bem
pequenas em contextos coletivos de educação.” Pro-posições, Pelotas, RS, v.24, n.3, p. 21-
30, set/dez 2013.
MAJEM, Tere e; ÒDENA, Pepa. Formação de professores – série educação infantil em
movimento: Descobrir brincando. Tradução: Suely Amaral Mello e Maria Carmen Silveria
Barbosa. Campinas: Autores Associados, 2010.
MELO, Ana Cláudia Figueiredo Brasil Silva. “As interações”. Proposições Curriculares para
Educação Infantil: Eixos Estruturadores. Belo Horizonte: SMED, 2015, p. 21-56.
NÖRNBERG, Marta. “Do berço ao berçário: a instituição como morada e lugar de contato”. Pro-
posições, Pelotas, RS, v.24, n.3, p. 99-113, set/dez 2013.
SILVA, Isabel de Oliveira e; VIEIRA, Lívia Maria Fraga. Educação infantil: Bases históricas,
políticas e sociais. Curso de pedagogia UAB UFMG. Belo Horizonte, FAE/UFMG, 2008.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA E COVID – 19


Diante do caos, um espaço para ressignificar saberes dessa difícil tarefa
na Educação Infantil em Belo Horizonte

Claudia Maria BOMFIM1


Valquíria Nonata SILVA2

O cenário da pandemia e a escola

Que o mundo não é mais o mesmo, não há dúvidas. Desde o início da


pandemia da COVID-19 que a população mundial vem sofrendo alterações
em seu cotidiano. Vários setores suportaram e continuam resistindo às
consequências da proporção dessa doença: economia, saúde, esporte, lazer e
entretenimento, educação. De repente...tudo parou, todos se fecharam em
suas casas por um certo período inclusive as escolas. Vivenciamos tempos de
muitas perguntas e poucas respostas. A incerteza, o medo e a insegurança
ainda assolam nossas vidas. Todo conhecimento científico e empírico estão
em “xeque” até mesmo nossas concepções educacionais.
Aquilo que acreditávamos saber sobre docência e didática está sendo
questionado. Não há ainda um processo de ensino e aprendizagem definido,
processo este que, contemple de maneira equânime todas as crianças sem
ressaltar as desigualdades sociais que neste momento de pandemia ficaram
cada vez mais evidentes.
Talvez as palavras em destaque não sejam mais a empatia ou resiliência,
mas sim adaptação. Todos nós tivemos que nos adaptarmos de alguma
forma, seja com a nova rotina em casa juntos aos familiares, ou com a
descoberta de diversos e modernos recursos tecnológicos, e até mesmo
afeiçoarmo-nos ao recente formato de trabalho remoto, que para muitos
trouxe sensações de incômodo e despreparo com a realidade imposta.
Dessa forma, muitas Secretarias de Educação se viram perdidas diante
do caos, e tivemos que recomeçar, traçar novas metas, procurar outros

1
Graduada em Normal Superior pela Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC). Especialista em
Múltiplas Linguagens em Educação Infantil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG/FAE). Pós-
graduada em Gestão Integradora e Terapia Analítica do Comportamento Infantil pela IPEMIG. Bacharelado
em Direito pela Faminas/BH. Especialização em Advocacia Criminal pela ESA/FUMEC. Mestranda em
Educação pela UFMG. Professora da Rede Municipal de Belo Horizonte/MG, exerce a função de Coordenadora
Pedagógica Geral I, EMEI Santa Amélia, regional Pampulha; E-mail: claudia.mbonfim@edu.pbh.gov.br
2
Especialista em Educação, Diversidade e Intersetorialidade (UFMG). Pós-graduada em Educação Sexual
(FUMEC). Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belo Horizonte.
Educadora Social. Professora da Rede Municipal de Belo Horizonte/MG, atualmente exerce a função de
Coordenadora Pedagógica Geral I, EMEI Heliópolis, regional Norte. E-mail: valquíria.nonata@edu.pbh.gov.br

105
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

caminhos, enfim; as escolas se reinventaram e continuam nesse estudo


incessante por novas metodologias de ensino. Busca por Políticas Públicas
para Infância, que sejam capazes de atender de maneira justa e humana as
demandas das famílias, dos professores, da gestão escolar e principalmente
de nossas crianças. Cada município está tentando adequar seu calendário
letivo e pedagógico traçando estratégias viáveis para este momento delicado
enfrentado por todos.
Especificamente na capital mineira, Belo Horizonte, a realidade não foi
diferente. Deparamo-nos com o esforço da Secretaria Municipal de Educação
(SMED) em parceria com as regionais3, escolas e docentes na tentativa de
organizarmos o sistema de ensino. Não tem sido uma tarefa fácil, talvez a
mais árdua de toda história, visto que ficamos limitados pelo contato físico,
tecnológico, econômico e social. Muitos estudos e pesquisas surgiram, as
discussões continuam cada vez mais consistentes, exigindo de nós,
Profissionais da Educação, um esforço para além do cotidiano, de viver uma
pandemia dentro de nossas casas.
Neste momento, práticas pedagógicas estão sendo ressignificadas,
escolas encontram-se em adaptação à nova realidade e os profissionais que
nelas atuam reelaborando suas funções. Evidencia-se com isso, as
dificuldades e limitações vivenciadas pelos professores, no que tange o uso
das tecnologias. Discute-se a vulnerabilidade das crianças e a reorganização
familiar, sobretudo quando se vê o aumento do nível de ansiedade e estresse
vividos por todos, inclusive as crianças. Questiona-se, nessa situação,
tamanha a carga de responsabilidade dispensada aos gestores escolares:
diretores, vices e Coordenadores Pedagógicos, os quais têm uma ação direta
com a comunidade escolar.

Os desafios da função do coordenador pedagógico no contexto pandêmico


Apresentada essa tríade gestora, que tem como competência direcionar
amplas ações técnico/administrativa e pedagógicas, destacamos
precisamente a função do Coordenador Pedagógico Geral I4, uma vez que o

3
O município de Belo Horizonte é divido por nove regionais distintas: Barreiro, Nordeste, Oeste, Pampulha,
Noroeste, Norte, Centro-Sul, Leste e Venda Nova. Cada regional possui seu gerente educacional, que atua
como interlocutor entre a SMED e as escolas municipais.
4
A Rede Municipal de Belo Horizonte é classificada em Coordenador Pedagógico Geral I que atua nas Escolas
Municipais de Educação Infantil (EMEIs) e Coordenador Pedagógico Geral II que atua nas Escolas Municipais
que ofertam o Ensino Fundamental e a Educação Especial. Essa subdivisão e nova nomenclatura ocorreu após
a promulgação da Lei 11.132/2018 que em seu artigo 13, parágrafos 1º e 2º dispõe sobre o novo termo e criação
do cargo: “Art. 13 - Ficam criadas 180 (cento e oitenta) funções públicas comissionadas de Coordenador

106
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

foco do nosso trabalho tem sido condensar informações e orientações


recebidas da SMED e redirecioná-las junto ao corpo docente, traçando novas
estratégias de práticas educativas num sentido mais coeso, humanizado e de
muita escuta nessa Educação de novos tempos.
A Educação Infantil primeira etapa da Educação Básica possui
particularidades em suas práticas e propostas pedagógicas relacionadas à
infância. Sendo assim, os profissionais que nela atuam apresentam
peculiaridades.
As peculiaridades da educação de crianças a partir do nascimento até seis
anos acarretam, por sua vez, demandas específicas para o trabalho da
coordenação pedagógica, embora muitos aspectos sejam comuns com a
coordenação em outros níveis de ensino na definição do papel e na atuação
desse profissional. (ALVES, 2011, p. 4)
Desse modo, o Coordenador Pedagógico da Educação Infantil apresenta
especificidades próprias da sua função. Uma dessas singularidades é que este
profissional deve ter domínio minucioso sobre o processo de
desenvolvimento infantil desde o berçário até as crianças de 5 anos,
perpassando o entendimento pelos eixos do brincar, das interações e
natureza – sociedade – cultura. Além disso, uma das suas principais funções
é articular coletivamente o Projeto Político Pedagógico - PPP e o processo de
ensino-aprendizagem numa perspectiva democrática e participativa, tarefa
um tanto quanto desafiadora no sentido de articular e promover atuação de
toda comunidade escolar, onde também “precisa ser capaz de ler, observar e
congregar as necessidades dos que atuam na escola; e nesse contexto,
introduzir inovações, para que todos se comprometam com o proposto”.
(ORSOLON, 2001, p.22).
Tendo em vista essas atribuições indagamos: como garantir essa
articulação do PPP em tempos de pandemia? Quais os principais desafios
enfrentados? Como apresentar o registro de tantas situações particulares,
onde não foi possível contactar todas as famílias? Algumas delas, se
deslocaram para o interior, ou deixaram os filhos com parentes e vizinhos
dificultando nosso acesso. Outras infelizmente não demonstraram interesse
em responder as diversas tentativas de comunicação realizadas: telefonemas,
cartas, mensagens via WhatsApp e e-mail.

Pedagógico Geral I e 200 (duzentas) funções públicas comissionadas de Coordenador Pedagógico Geral II,
com jornada de 8 (oito) horas diárias, que passam a integrar o quadro A do Anexo III da Lei nº 11.065/17.
§ 1º - O Coordenador Pedagógico Geral I terá como área de atuação as Emeis.
§ 2º - O Coordenador Pedagógico Geral II terá como área de atuação as Escolas Municipais que ofertam o
ensino fundamental e a educação especial”.(BELO HORIZONTE, 2018).

107
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

O que nos diz o Mapeamento Social 5 da cidade de Belo Horizonte


promovido pela Secretaria Municipal de Educação? Como se deu a
comunicação/articulação com os demais setores e serviços públicos? Todas
essas questões causaram e continuam trazendo um desconforto para nós,
Coordenadores Pedagógicos.
Se a atuação dos professores não está sendo fácil, tampouco do
Coordenador Pedagógico, uma vez que este está à frente do seu grupo,
buscando coordenar o planejamento pedagógico em consonância com os
princípios e concepções do PPP, manter vínculos com as famílias, planejar,
organizar, dirigir e avaliar os processos de ensino. Além disso, é necessário
que ele mantenha uma formação continuada, para que possa orientar os
docentes conforme as diretrizes nacionais e municipais.
Diante da fragilidade de todos no atual contexto, a escuta minuciosa com
a comunidade escolar tem sido um valoroso recurso para direcionar ações
pontuais que agregam sentimentos de acolhida, atenção e sobretudo, respeito
às dificuldades, medos e receios de cada professor. Outrossim, a dimensão
da nossa função pode ser vista a partir das incontáveis horas de estudo
através de lives direcionadas especificamente ao Coordenador Pedagógico,
reuniões e formações com as equipes da SMED, lives de interesse pessoal e
institucional.
Ressaltamos o apoio e orientação aos professores via WhatsApp, e-mail e
reuniões regulares. Apontamos a supervisão das redes sociais da escola, dos
grupos de WhatsApp criados para cada turma e avaliação de vídeos e
materiais a serem postados. Destaca-se ainda as reuniões com a gestão, com
os funcionários terceirizados da MGS6, com as famílias e crianças, além da
atenção com a memória por meio de documentação de todas essas ações, as
quais nos subsidiam na reescrita do PPP, bem como a leitura prudente de leis
federais, estaduais, municipais, portarias, decretos e normatizações internas.
Nesta perspectiva, se faz necessário que o Coordenador Pedagógico
Geral I reavalie sua prática e busque novas estratégias de aproximação junto

5
A SMED solicitou às direções das escolas e professores que realizassem um mapeamento social da
comunidade escolar, no intuito de saber sobre as condições atuais das famílias e servidores públicos em seus
aspectos econômicos, sociais, acesso aos recursos tecnológicos, os riscos enfrentados durante a pandemia, além
de buscar a informação sobre quantas pessoas já foram infectadas, quais os membros das famílias que
pertencem ao grupo de risco, quais as comorbidades apresentadas, por conseguinte traçando o perfil atual da
comunidade escolar durante a pandemia.
6
MGS: Minas Gerais Administração e Serviços S/A., é uma empresa que “presta serviços às Secretarias de
Estado, aos Órgãos, Autarquias, Fundações, Sociedade de Economia Mista, Empresa Públicas e Entidades
Públicas do Estado de Minas Gerias”. Nas EMEIs temos os seguintes profissionais contratados pela MGS:
auxiliares de apoio ao educando, cantineiros, auxiliares de cantina, serventes e porteiro. Disponível em:
www.mgs.srv.br

108
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

às famílias, às crianças e ao corpo docente em tempos de pandemia. Belo


Horizonte nos apresentou como proposta para Educação Infantil a
manutenção de vínculos com os responsáveis, através das redes sociais 7, seja
via Instagram, Facebook, sites, WhatsApp, reforçando a importância do “cuidar
educando e educar cuidando” além do eixo das interações.
Sendo assim, com o desafio posto, antes de atingirmos esse grupo era
preciso sensibilizar os professores que se viam fragilizados e inseguros diante
de tantas mudanças no âmbito profissional e familiar. Na tentativa de se
manter o vínculo, motivação e equilíbrio emocional dos docentes foram
escritas “cartas de acolhimento8”, realização de dinâmica como as “Pílulas da
alegria9”, com o intuito de cuidar de quem cuida.
Para as famílias e crianças foram enviados vídeos através das redes
sociais e grupo de WhatsApp com propostas de vivências para serem
realizadas em casa, respeitando o tempo e espaço desse grupo que passa a ter
no adulto (pai, mãe, avós, tios, irmãos) os principais mediadores das
sugestões disponibilizadas.
Diante do exposto, grandes são os desafios vivenciados por nós, onde
tornamo-nos a “mola mestre” nesse emaranhado de ações remotas. Dessa
forma, podemos fazer uma analogia da nossa função com a Lei de Hooke 10,
em que, diante do caos da pandemia resulta em uma “força elástica”, ou seja,
a “força restauradora” para atender as mais diversas demandas de nossas
escolas: a pressão da sociedade e o reflexo da ausência das aulas presenciais,
a situação de vulnerabilidade de algumas crianças, a necessidade de manter
a equipe docente comprometida com a prática pedagógica alinhada à
criatividade no contato com seus alunos à distância.

7
Instagram da EMEI Heliópolis: @emeiheliopolis / Instagram da EMEI Santa Amélia: @emei_santaamelia
8
A equipe gestora da EMEI Heliópolis, composta por seis pessoas, propôs o envio de cartas aos funcionários.
Realizou-se sorteio dos nomes dos destinatários entre a equipe gestora e muitas cartas foram escritas à mão e
enviadas pelo correio. Foram recebidos pela gestão fotos das pessoas com suas cartas e muitos depoimentos
emocionantes relatados em uma reunião virtual. Essa ação também foi feita com todos os alunos
posteriormente.
9
“Pílulas da alegria” foi uma proposta apresentada pela Coordenadora Pedagógica Geral da EMEI Santa
Amélia, cujo o objetivo era trocar entre os professores mensagens positivas através de vídeos, músicas, leitura
de poemas no grupo de WhatsApp institucional. Voluntariamente, uma vez por semana, alguém postava uma
mensagem no grupo com intuito de acolher e fortalecer os vínculos mesmo durante o isolamento social. Foi
elaborado pela gestão vídeos que retrataram o que cada profissional estava praticando durante o afastamento
social e outro que abordou os espaços da instituição, antes movimentado pela alegria das crianças e agora
vazios e frios devido a pandemia.
10
Lei de Hooke, é a lei da física relacionada à elasticidade dos corpos, criada por Robet Hooke, cientista inglês,
mecânico, inventor da teoria do movimento planetário e propriedades elásticas da matéria. “A lei estabelece
que, quando uma mola é deformada por alguma força externa, uma força elástica restauradora passa a ser
exercida na mesma direção e no sentido oposto à força externa. Essa força elástica, por sua vez, é variável e
depende do tamanho da deformação que é sofrida pela mola”. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.
br/fisica/lei-de-hooke.htm

109
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Além disso, sabemos da dificuldade de muitos Coordenadores


Pedagógicos, com o uso das tecnologias digitais, visto que o mesmo
vivenciou um paradoxo entre aprender e orientar o professor que necessitava
de uma formação digital no momento. Assim, demonstra-se o quanto a
Educação Pública ainda é limitada no que tange aos recursos tecnológicos,
tanto para os professores quanto para as crianças. Essa defasagem ficou
explícita no contexto da pandemia, pois muitos setores da sociedade logo
conseguiram se adaptar e organizar o trabalho na modalidade remota.
Outro desafio vivenciado foi das relações interpessoais, agravado pelo
distanciamento social, mesmo sem ter o contato físico com o corpo docente
percebe-se o aumento do nível de ansiedade e angústia por muitos
profissionais.
Enfim, diante das mais diversas manifestações, estivemos e estamos
sempre presentes, buscando respostas, criando estratégias, alinhando ideias,
promovendo reflexões, inovando práticas, reinventando saberes e fazeres
junto à nossa comunidade escolar, sabendo que “o trabalho de parceria, que
se constrói articuladamente entre professores e coordenação, possibilita
tomada de decisões capazes de garantir o alcance das metas e afetividade do
processo para alcançá-las”. (ORSOLON, 2001, p. 25).
Aos poucos, estamos buscando uma direção entre a distância real da
equipe docente com o compromisso pedagógico da manutenção dos
vínculos. Para tanto, nesse período de distanciamento foi necessário ampliar
a lente no trato com essa equipe, uma vez que a estabilidade emocional da
maioria estava e permanece ainda abalada, sendo preciso fazer uma leitura
mais profunda desse profissional e entender o quanto cada um, em
particular, manifesta acerca da vivência com a pandemia.
Em muitas reuniões promovidas à distância, ficou compreensível o
quanto o papel do Coordenador Pedagógico foi relevante para manter a
equipe coesa, respeitando as potencialidades, fragilidades e limitações, tanto
no aspecto tecnológico, quanto no trato com as orientações trazidas pela
SMED. O olhar atento e sensível do Coordenador Pedagógico desde o início
da pandemia tem sido determinante para alcançar a dimensão do CUIDAR,
nesse contexto, considerando à íntima relação entre o cuidar com o educar,
como nos apresenta as Proposições Curriculares para a Educação Infantil de
Belo Horizonte:
Cabe aos adultos, responsáveis pelo cuidar educando e educar cuidando
das crianças, aprofundar sua maneira de olhar e entender as infâncias,
buscando contribuições para a aprendizagem e desenvolvimento das
mesmas numa perspectiva de respeito à diversidade que amplie seus

110
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

repertórios cultural e de conhecimentos. (PCEI, Caderno Fundamentos,


SMED, 2014, p.76)

Dessa forma, tivemos que trazer para o nosso planejamento o tema da


COVID - 19 e explorar com as crianças, associando-o à atenção com a saúde
vista a partir de ações pedagógicas. A pandemia converteu-se no pano de
fundo desse vínculo à distância, onde, ao mesmo tempo se educava e
cuidava, cuidava e educava, uma relação intrínseca.
Aos poucos, a criatividade e compromisso da equipe docente para
manter seus vínculos com os alunos deu o tom dessa relação. Entender como
essa criança iria se relacionar com o recurso tecnológico em que o adulto da
família seria o mediador, também foi o desafio para não ultrapassar a barreira
familiar e suas regras de convivência.
O tempo todo a pandemia tornou-se uma “neblina” que por hora trazia
uma névoa mais forte, sendo necessário avançar sem correr risco e esse
nevoeiro ainda paira sobre nossas cabeças. Uma vultuosa provocação para
nós Coordenadores, é alinhar essa realidade com as inúmeras atribuições da
função, as quais estão expressas no artigo 14 da Lei 11.132/2018 que estabelece
a competência do Coordenador Pedagógico Geral do município:
O Coordenador Pedagógico Geral I e II tem como competência coordenar
a gestão dos processos de ensino e aprendizagem, de avaliação escolar, de
formação docente, de educação em tempo integral, de inclusão escolar de
estudantes com deficiência e de educação para a cidadania e culturas,
desenvolvidas na unidade escolar, em consonância com os princípios da
Política Educacional no Município. (BELO HORIZONTE, 2018)
Percebe-se que as atribuições destinadas ao papel de Coordenador
Pedagógico, ultrapassam a dimensão pedagógica. Na proposta de Belo
Horizonte o Coordenador Pedagógico é também um gestor, sendo o principal
articulador entre a garantia da Política Educacional do município frente às
demandas apresentadas no cotidiano de cada escola.
A continuidade de um processo
Nessa perspectiva, cabe ao Coordenador Pedagógico da Educação
Infantil reinventar sua atuação permanentemente. Torna-se claro e necessário
neste cenário pandêmico discutir nossa função, contudo, ainda é uma
questão recente na história da educação brasileira, principalmente na
Educação Infantil (SANTOS, 2015). Cabe destacar que, o contexto sócio-
histórico tem uma forte influência na formação acadêmica desse profissional.
É preciso levar em consideração, como essa formação se dá e como ela reflete
na atuação deste, reconhecendo o lugar social e político que o Coordenador

111
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Pedagógico ocupa dentro da escola, da comunidade escolar e diante das


propostas da Secretaria de Educação.
No que tange ao compromisso do cargo de Coordenador Pedagógico
Geral I no município de Belo Horizonte, percebe-se ainda uma construção de
caminhos e estratégias para a efetivação das competências apresentadas em
lei, visto que se apropriar dessa função muitas vezes, é um ato solitário.
Essa concepção ressalta-se nesse panorama pandêmico. Atualmente as
discussões giram entorno do professor e suas limitações, das dificuldades
que as famílias estão enfrentando para lidar com a permanência das crianças
em casa, mas e o Coordenador Pedagógico? O que se tem discutido sobre este
profissional? Como ele tem enfrentado os desafios propostos pela pandemia?
Como é sua relação com os demais membros da equipe gestora, visto que ele
também a compõe? “Certamente, o coordenador tem muito a dizer sobre suas
necessidades, desde que lhe seja dado espaço para isso”. (CLEMENTI, 2001,
p. 63)
É necessário dar voz ao Coordenador Pedagógico, destacar sua
importância e evidenciar o seu saber e fazer pedagógico, reconhecendo
socialmente a sua função, uma vez que “é comum aos coordenadores a
vivência de uma insatisfação ao comparar o que gostariam com o que
conseguem fazer”. (CLEMENTI, 2001, p. 61)
Salienta-se até este momento a ineficiência de apoio técnico mais
estruturado, bem como formação condizente com tamanha responsabilidade
que a situação exige de todos os Profissionais da Educação. Isso muito nos
preocupa, pois não sabemos por quanto tempo permaneceremos nessa
circunstância. Porém, não podemos negar que o sistema educacional precisa
ser revisto, reestruturado e nós, Especialistas em Educação precisaremos
desconstruir nossas concepções. Será preciso rever Políticas Públicas
Educacionais, avaliar os investimentos destinados à Educação e
metodologias de ensino.
Considerações finais
Cientes dos desafios e importância da função do Coordenador
Pedagógico da Educação Infantil no cotidiano das EMEIs diante das
propostas da Secretaria Municipal de Educação, principalmente durante esse
caos pandêmico, metaforicamente ele transforma-se em uma “mola mestra”,
trazendo essa “força restauradora” e acolhedora para toda comunidade
escolar, ressignificando seu saber e fazer pedagógico.
Dessa maneira, os Coordenadores Pedagógicos da Educação Infantil,
vêm esforçando-se para superar os desafios postos pela pandemia, além de

112
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

tentar articular a divergência de ideias e encaminhamentos das equipes


regionais do município de Belo Horizonte, que tornou-se nítido nesse
contexto, mostrando a disparidade de ações de várias escolas.
Desse modo, é imprescindível mantermos o diálogo constante e reflexão
da nossa prática e Políticas Públicas para Infância, na busca de uma gestão
educacional democrática e participativa, que vise uma Educação de
qualidade para todos. Que os princípios da Educação Infantil estejam
pautados na dignidade da pessoa humana, na equidade social reconhecendo
as crianças enquanto sujeitos de direitos e valorizando todos os profissionais
da Educação.
Como reflexão, fica os ensinamentos do mestre Paulo Freire, “ser
educador é trilhar pelas incertezas da vida com a provisoriedade do
conhecimento e a amorosidade das pessoas que se encontram”. (2001, p. 117,
apud BATISTA, 1998)
Referências
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BATISTA, Sylvia Helena Souza e Silva. “Coordenar, avaliar, formar: discutindo conjugações
possíveis”. In: ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza
(org.) O coordenador Pedagógico e o espaço da mudança. São Paulo: Edições Loyola, 2001
BELO HORIZONTE. Lei nº 11.132 de 18 de setembro de 2018. Estabelece a autonomia das
Unidades Municipais de Educação Infantil - Umeis, transformando-as em Escolas
Municipais de Educação Infantil - Emeis, cria o cargo comissionado de Diretor de Emei, as
funções públicas comissionadas de Vice-Diretor de Emei e de Coordenador Pedagógico
Geral, o cargo comissionado de Secretário Escolar, os cargos públicos de Bibliotecário
Escolar e de Assistente Administrativo Educacional.
BELO HORIZONTE, Proposições curriculares para a Educação Infantil: fundamentos/Ana
Claudia Figueiredo Brasil Silva Melo (org). Belo Horizonte: SMED, 2014.
CLEMENTI, Nilba. “A voz dos outros e a nossa voz: alguns fatores que intervem na atuação do
coordenador”. In: ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza
(orgs.) O coordenador Pedagógico e o espaço da mudança. São Paulo: Edições Loyola, 2001
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperanaça. Sao Paulo: Cortez, 1998.
HELERBROCK, Rafael. "Lei de Hooke"; Brasil Escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.
com.br/fisica/lei-de-hooke.htm>. Acesso em: 06.fev.2021.
ORSOLON, Luzia Angelina Marino. “O coordenador/formador como um dos agentes de
transformação da/na escola”. In: ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PLACCO, Vera Maria
Nigro de Souza (orgs.). O coordenador pedagógico e o espaço da mudança. São Paulo:
Edições Loyola, 2001.
PERCÍLIA, Eliene. "Robert Hooke"; Brasil Escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.
br/biografia/robert-hooke.htm>. Acesso em: 06.fev.2021.
SANTOS, Sandro Vinicius Sales dos. Especificidades da coordenação pedagógica. Revista
Presença Pedagógica. V.21, n.124.jul/ago.2015.

113
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

114
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

O UNIVERSO DE CADA CRIANÇA


Uma proposta baseada no livro O Pequeno Príncipe

Edilene Aparecida OLIMPIO1

A infância é uma etapa da vida humana na qual o ato de imaginar é mais


apreciado e compreendido por todos. Ao dialogar com uma criança, existe a
oportunidade de viajar por vários mundos que compõem as suas fantasias.
É importante propiciar à criança momentos de exploração do mundo
imaginário. Faz-se necessário ter um olhar mais apurado para estes
momentos de forma a aliá-los com os processos de ensino e aprendizagem,
também, conhecer um pouco mais o sujeito com quem estamos interagindo.
Quando a criança cria, inventa histórias, faz o uso do jogo simbólico, ela
transporta o mundo real para o imaginário, fazendo com que a sua
aprendizagem se torne mais significativa. Como afirma Yanazé (2002, p. 9) a
“fantasia é importante para que se estimule uma série de processos
psicológicos, inclusive o desenvolvimento de raciocínio e de resoluções de
problemas”.
Ao valorizarmos este mundo imaginário e de fantasias, permitimos que
as crianças sejam realmente protagonistas incomparáveis, construtoras do
seu próprio conhecimento. Vale ressaltar que, a criança utiliza aquilo que é
irreal para construir a sua cultura, ao mesmo tempo em que se apropria
daquelas já existentes.
Para Silva (2012):

Na brincadeira, a criança pequena tenta agir como adulto, incorporando


aspectos da cultura. Tal ação, guiada pela imaginação, resulta da
necessidade e do desejo da criança de incorporar elementos dispostos no
real. Construindo cenários lúdicos e assumindo papéis sociais
(personagens), as crianças se apropriam das regras social e historicamente
construídas. (SILVA, 2012, p. 24)

É fantástico observar como a criança consegue transitar pelo real e o


irreal, por diversos cenários e temas de forma tão natural, dando um tom
somente dela, gerando um mundo onde tudo pode acontecer, promovendo
ao mesmo tempo, o aprendizado de forma subjetiva. Neste cenário de
fantasias e imaginação, a escola assume um importante papel, que é o de

1
Especialista em Múltiplas Linguagens na Educação Infantil (UFMG); Especialista em Alfabetização e
Letramento (UFSJ); Especialista em Educação Infantil com ênfase no desenho (IPB). Professora para a
Educação Infantil da Rede Municipal de Belo Horizonte/MG/Belo Horizonte, experiência na vice-direção
escolar. E-mail: edilene.olimpio@edu.pbh.gov.br

115
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

consolidar a brincadeira, “experiências nas quais as crianças podem construir


e apropriar-se de conhecimentos por meio de suas ações e interações com
seus pares e com os adultos, o que possibilita aprendizagens,
desenvolvimento e socialização” (BNCC, 2017, p. 37).
Este artigo vem apresentar uma prática pedagógica desenvolvida com
crianças na faixa etária de 4 a 5 anos, tendo como instrumento principal a
obra literária “O Pequeno Príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry, da qual
originou o nome da turma.
Considerando o perfil da turma, que era composta por 20 (vinte)
crianças, cada uma com a sua bagagem social, houve a necessidade de
oportunizar a elas um ambiente diversificado cheio de fantasia e ao mesmo
tempo apresentá-las um pouco da diversidade de formação humana. O
principal objetivo foi proporcionar às crianças uma viagem ao mundo da
imaginação, trazendo para a realidade os valores importantes para a vida, ao
mesmo tempo em que descobrem o maravilhoso universo da literatura,
sempre oportunizando a elas as possibilidades de construírem seus próprios
conhecimentos.
Todo tempo, as práticas pedagógicas devem dialogar com a formação
humana também. Conforme afirma Reyes (2010) quanto mais experiências a
criança vivenciar, levando em consideração a qualidade dos estímulos
recebidos e os desafios apresentados durante o processo de desenvolvimento
das habilidades e capacidades, o cérebro tende a desenvolver de forma
expressiva através das interações.
Contudo, o trabalho com o livro O Pequeno Príncipe permitiu ampliar
as atividades dentro da sala de aula, envolvendo as famílias e, possibilitando
assim, o fortalecimento e uma interação maior entre família e escola.

Ponto de partida, o Projeto Institucional

Primeiramente, faz-se necessário contextualizar a prática pedagógica da


escola. O corpo docente se reúne e, através de reflexões, discussões e
observações sobre o grupo discente, constroem coletivamente o Projeto
Institucional como ponto de partida para direcionar as práticas a serem
desenvolvidas por cada turma, sem perder a essência das concepções de
criança e infância.
Sabe-se que a criança é plena naquilo que acredita, no que faz, ao criar
hipóteses e dar movimento ao seu mundo.
De acordo com as Proposições Curriculares para a Educação Infantil de
Belo Horizonte (2016):

116
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

A criança é competente porque interroga o mundo, seus elementos, suas


relações, busca compreendê-los, reelabora-os e atribui significado a todo
esse processo. Faz isso de maneira propositiva, ela não espera pela vida,
mas vai ao encontro dela, quer conhecer, agir, realizar. (BELO
HORIZONTE, 2016, p. 61, vol. I)

Portanto, é necessário apresentar a este sujeito um leque de


possibilidades para que possa explorar o mundo que o cerca, assim como
ampliar a sua compreensão de mundo. De acordo com Seber (2006, p 20)
“essencial a criança acreditar na própria capacidade de construir e organizar
informações abstratas de diferentes situações vividas”. Ela é uma
interlocutora potente que dialoga continuamente com o mundo e com as
culturas existentes.
Assim como destaca as Proposições Curriculares para a Educação
Infantil de Belo Horizonte (2016), a infância é uma etapa importante na
formação do ser humano.

[...] é a definição sobre o modo de viver das crianças, em cada sociedade.


Assim, não se tem uma única infância, mas diferentes infâncias, pois
diferentes são os modos de vivenciar essa experiência, que se reorganiza,
se multiplica cada vez mais nas sociedades complexas. (BELO
HORIZONTE, 2016, p. 74, vol. I)

Não se pode rotular a infância como única para todas as crianças. Sendo
a infância compreendida como múltipla, isto leva-nos a refletir que também
são múltiplas as culturas infantis existentes em um grupo de crianças.
O Projeto Institucional valoriza estas concepções em sua totalidade.
Conforme descrito nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil “promovendo a igualdade de oportunidades educacionais entre as
crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens
culturais e às possibilidades de vivência da infância” (BRASIL, 2010, p.17).
Neste contexto, o Projeto Institucional escolhido, no ano de 2012, foi
“Literanto: A arte de ouvir e contar histórias”.

Projeto “ Pequeno Príncipe e o universo dentro de cada um de nós”

A partir da proposta pedagógica norteada pelo Projeto Institucional,


coube a cada professor adequar o percurso formativo de sua turma a partir
do projeto. O primeiro passo foi escolher uma obra literária que envolvesse
todos os alunos, respeitando as suas singularidades. Isto significou
momentos de muito estudo e leituras do acervo literário infantil,
considerando que o nome da turma seria o mesmo do livro escolhido.

117
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Nesse meio tempo, ainda no início do ano, cumprindo o meu


planejamento, ofereci às crianças um momento de descontração, momento
cinema, com o filme do O Pequeno Príncipe. Era um dos primeiros momentos
de interação da turma e uma boa oportunidade para conhecer cada criança.
Para a minha surpresa, as crianças se mostraram superconcentradas com
a história. Após este momento, conversamos sobre o filme e alguns
questionamentos foram feitos, por exemplo: quem eram os pais do Pequeno
Príncipe? Como ele chegou a seu planeta? Por que ele morava sozinho?
Enfim, perguntas que aguçaram o interesse pela história. Uma das crianças
disse: “Sou o Pequeno Príncipe!” Esta frase me chamou atenção e a partir dali
começamos a pensar coletivamente sobre o nome oficial da turma. As
crianças decidiram que seria Turma do Pequeno Príncipe.
Era hora então de iniciar a escrita do projeto da sala, fundamentado pelo
Projeto Institucional e também pelos documentos que norteiam a Educação
Infantil, assim como as bibliografias que enriquecem as práticas desta
educação básica. Contudo, foi essencial pensar e pesquisar por atividades
que contribuíssem para o desenvolvimento das crianças em todas as áreas.
Diferente dos livros já conhecidos pelas crianças, os quais oferecem uma
leitura mais rápida, uma interpretação mais comum do “Era uma vez... e
foram felizes para sempre!”. A história do Pequeno Príncipe provoca uma
leitura do interior humano, transpassando pelas dimensões necessárias na
formação do indivíduo. Ou seja, não é só planejar atividades de escrita ou
leitura, é contemplar o “ser” na sua essência.
Em Moreira (2005) encontramos:

Para melhor conhecer a criança é preciso aprender a vê-la. Observá-la


enquanto brinca: o brilho dos olhos, a mudança de expressão do rosto, a
movimentação do corpo. Estar atendo à maneira como desenha o seu
espaço, aprender a ler a maneira como escreve a sua história. (MOREIRA,
2005, p. 20)

O cenário da história aguça a imaginação das crianças, dá uma ideia de


movimento, pois o personagem está sempre conhecendo diversos lugares.
Isto se assemelha com as características infantis, porque é peculiar da criança
esta movimentação, reconhecendo que elas são muito dinâmicas e ativas em
tudo o que fazem. Os planetas e os outros personagens que são apresentados
ao longo da história proporcionam uma identificação com o mundo real, com
a cultura social que as crianças vivenciam.
Iniciamos as atividades trabalhando a identidade do personagem
principal e, trazendo para a realidade, foi um momento de cada criança expor

118
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

a sua história familiar, seus anseios, dificuldades, dentre outras informações.


Aproveitando a oportunidade, trabalhamos a perda de um ente querido.
Percebeu-se que algumas crianças perderam uma pessoa da família em
decorrência de acidentes e também por óbito natural.
A cada dia, em um período de mais tranquilidade na sala, no início ou
no final, eu fazia a leitura de uma parte do livro e, em roda, acontecia o
momento de reflexão sobre a leitura. Além de pensar nas ações dos
personagens, também houve a necessidade de refletir sobre os ensinamentos
transmitidos por eles, por exemplo, como melhorar as nossas atitudes.
“Sabemos que é por meio da leitura que o ser humano se transporta para o
desconhecido, usando a imaginação e as emoções para dar sentido e
dinamicidade à sua existência” (AMAZONITA, 2014). Para conhecer a
criança com quem você interage, é primordial que exerça o ato de escuta e,
na medida do possível, mergulhe em suas fantasias.
Conforme a leitura do livro ia sendo realizada, outros personagens
surgiam, o que possibilitava às crianças um maior envolvimento com a
história e o fluir da imaginação se tornava mais fértil.
Ao contrário do que se imaginava que a leitura se tornasse cansativa por
ser um livro complexo para a idade da turma, as crianças ficavam na
expectativa do que poderia acontecer no próximo capítulo.
Algumas atividades iniciais foram realizadas como, por exemplo, a
representação através de desenhos do que elas compreenderam do trecho
lido. Com a finalidade de possibilitar a construção do esquema corporal
dentro de um contexto, a possível aproximação do mundo real com o irreal e
habilidades simples como o uso de cores e traçado. Durante estas atividades,
pude perceber a individualidade de cada criança, pois não retratavam
somente a história como também as suas emoções naquele momento ou
lembrança de um acontecimento familiar. Enfim, foram momentos únicos
nos quais a criança se expressa sem a preocupação de estar sendo observada
ou analisada, visto que as atividades acontecem de forma lúdica e com
autonomia.
Hora do cinema, que alegria! O filme escolhido desta vez sobre O
Pequeno Príncipe era de curta duração, os personagens e os detalhes foram
feitos de massinha de modelar, material muito usado na escola. As crianças
ficaram maravilhadas com cada parte do filme, elas conseguiram perceber a
simplicidade de fazer uma obra que utiliza materiais de fácil manuseio e
também a criatividade do autor. Partindo para o momento de criação, as
crianças participaram da oficina de massinhas, onde tentaram reproduzir

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

uma parte da história, ao mesmo tempo produziam outros planetas conforme


a imaginação direcionava.
“Mostrei minha obra às pessoas grandes e perguntei se o meu desenho
lhes fazia medo. [...] Elas têm sempre necessidade de explicações” (SAINT-
EXUPÉRY, 2009). Explorando a ideia deste trecho do livro foi trabalhado o
contorno de objetos e dos nomes, compreendendo que tudo possui uma
forma. Em uma roda, usei uma dinâmica de contação de história, na qual eu
iniciei e em seguida, cada criança contou o que fez, porém, ela tinha que dar
prosseguimento na história, adicionando como elemento a descrição do seu
desenho. Eu fui a escriba desse momento. A intenção era trabalhar a
concentração na fala do outro, a sequência de ideias e a percepção dos
acontecimentos ao nosso redor. Completando esta atividade, a turma foi
dividida em duplas e cada um contornou o corpo do colega. Em seguida,
analisamos as diferenças e as semelhanças. Conversamos sobre o respeito à
diversidade.
Um boneco do Pequeno Príncipe foi confeccionado usando jornal. Na
história há menção aos baobás, um tipo de planta que poderia exterminar o
planeta B 612. Sempre que fosse possível, falávamos sobre a importância de
cuidar do ambiente em que vivemos, iniciando pela nossa casa e todos os
lugares que frequentamos. Um simples gesto de fechar a torneira, apagar as
luzes quando necessário, jogar lixo no lixo, reciclagem de materiais, dentre
tantas ações simples que podem fazer diferença para a humanidade. É
importante apresentar o contexto social para as crianças, pontuando o que
podemos fazer para melhorar o nosso planeta, afinal, elas são ótimas
multiplicadoras da aprendizagem.
A participação de todos na confecção do boneco foi bastante expressiva.
Alguns brincavam que não estava parecendo um boneco, que podia ser um
robô, enquanto que outros se mostravam ansiosos para terminá-lo. Um
detalhe chamou atenção. O boneco era do tamanho das crianças, o que
possibilitou uma grande aproximação da realidade. A expectativa e a
emoção de ter um boneco de tamanho real foram semelhantes a quem espera
a chegada de mais um amiguinho, para juntos viverem aventuras. A alegria
envolveu a sala de aula quando terminamos o boneco. Muitas fotos, abraços
de boas-vindas. A partir dessa manifestação de carinho, confeccionamos
também a raposa, ela veio ensinar o que é cativar.
Ao longo do processo de desenvolvimento do projeto observei
mudanças no comportamento das crianças. Relatos de familiares mostraram
que as transformações também ocorreram no ambiente familiar e que as
crianças começaram a chamar a atenção para não jogar lixo em lugares

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

impróprios, evitando assim as possibilidades de enchentes, visto que,


moravam na periferia da cidade e a inundação era um fator de vivência delas.
Observa-se desta forma, que este projeto não ficou somente dentro da
sala. Ele ultrapassou os muros da escola chegando até as casas pelas ações
das crianças e posteriormente através de um boneco de pano, também do
personagem, junto com um livrão e um CD do filme.
A proposta do livrão era proporcionar às famílias um tempo de
interação familiar resgatando a infância, proporcionando trocas de
experiência entre pais e filhos, ao mesmo tempo em que, espontaneamente,
houvesse uma analogia entre as gerações.
Para direcionar esta atividade, o livrão trazia a escrita resumidamente
da história do Pequeno Príncipe para que um membro da família pudesse ler
para a criança, ou se preferirem assistir o filme, que foi gravado no CD. O
intuito era que juntos após a realização da atividade pudessem apreciar a
beleza da simplicidade da vida contada de forma clara e objetiva. Bem como
articular como seria um planeta ideal a ser apresentado para o Pequeno
Príncipe e qual o aprendizado que ele ensinaria a todos. Estes momentos
familiares tinham que ser registrado no livrão por um membro da família e a
criança, no dia seguinte, era responsável em fazer o reconto de tudo o que
aconteceu em casa. Confesso que surpreendi com as histórias registradas
pelas famílias, onde falaram de suas emoções, lembranças da época de
criança. Foi muito enriquecedor cada registro.
Relacionando a história do Pequeno Príncipe com as linguagens
descritas nas Proposições Curriculares para a Educação Infantil de Belo
Horizonte2, um leque de possibilidades para explorar o cenário de
aprendizagens foi planejado de forma que as crianças se tornassem
investigadores em busca de pista para construírem seus conhecimentos.

Por meio da formulação de questões, busca de resolução de problemas


cotidianos, elaboração de hipóteses, proposição de soluções, formulação de
explicações, expressão de opiniões, interpretações e concepções de mundo,
as crianças vão confrontando seu modo de pensar com os das outras
crianças e adultos, e vão aprendendo a relacionar seus conhecimentos e
ideias a contextos mais amplos. Processos que as possibilitam realizar
reflexões cada vez mais complexas e elaboradas. (BELO HORIZONTE,
2016, p. 124)

2
Proposições Curriculares para a Educação Infantil – documento norteador da educação infantil para a Rede
Municipal de Belo Horizonte e creches conveniadas. O objetivo é de aprimorar as práticas pedagógicas e
oferecer um atendimento educacional de qualidade. (BELO HORIZONTE, 2016, p.11). Linguagens: escrita,
oral, matemática, corporal, digital, musical e plástica visual.

121
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Entende-se que o desenvolvimento das linguagens ocorre a partir das


experimentações vivenciadas. Como descrito na BNCC (2017, p.40) “Os
campos de experiências constituem um arranjo curricular que acolhe as
situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus
saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio
cultural”.
Na linguagem oral e escrita, a proposta foi trabalhar a consciência
fonológica com a finalidade de dar uma boa base para o processo de
alfabetização, explorando a percepção em relação aos sons e
consequentemente, a escrita. Quando a criança compreende e percebe os sons
dos fonemas, consegue distinguir as semelhanças e diferenças entre eles,
registrarão com mais facilidade as palavras no papel. Houve momentos em
que eu fui surpreendida com o levantamento de hipóteses dos alunos.
Na linguagem matemática, utilizamos jogos baseados no personagem
Contador de Estrelas. Foram explorados os conceitos matemáticos,
construção coletiva de regras para os jogos.
Em todo tempo, as atividades foram relacionadas a um trecho do livro
ou personagem, a fim de que a assimilação da história se tornasse mais fácil.
A história do Pequeno Príncipe ensinou valores necessários na formação
do cidadão. A frase “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que
cativas” se transformou no lema da turma na escola e também em casa. As
crianças ensinaram para as pessoas o sentido da frase. Em diversos
momentos, observei situações onde demonstraram o cuidado com o outro,
expressando a sua sensibilidade.
Em outubro foi realizado o 5º Seminário da escola. Juntamente com as
famílias, foi criado um universo, onde cada uma delas produziu um planeta,
dando a ele um significado e um dos valores éticos a ser seguido. Envolvemos
também outras turmas, as professoras juntamente com seus alunos
confeccionaram um planeta. Outras atividades que desenvolvemos: pintura
de quadro usando a técnica de Romero Brito, escrita de um livro “O Pequeno
Príncipe no reino da literatura”, confecção da rosa do Pequeno Príncipe.
No final do ano, finalizamos o projeto com um teatro que contou com a
participação de algumas professoras interpretando os personagens. Foi
encantador!

Considerações finais

O projeto “Pequeno Príncipe e o universo dentro de cada um de nós” foi


realizado para realçar os vários universos que a infância nos apresenta. Uma
turma é composta por várias crianças, mas, cada uma tem a sua vivência, a

122
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

sua cultura e o seu universo. Elas são movidas de impulso que, em alguns
momentos, resulta em conflitos durante uma disputa de objetos, nas
interações e brincadeiras. É fundamental que nestes momentos de
socialização, de crescimento pessoal, elas tenham a oportunidade de refletir
suas atitudes e, consigam perceber o outro, se colocando no lugar dele de
forma que possa também compreendê-lo.
A proposta de trabalhar com o livro, através da história fascinante no
universo infantil, capaz de transportar as crianças ao espaço imaginário,
proporcionou uma reflexão do mundo assim como também do próprio “eu”,
de uma forma simples, promovendo desafios, descobertas e aprendizagens
que o personagem também encontrou durante suas viagens.

“Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos"


(SAINT -EXUPÉRY, 2009, p. 70).

Referências
AMAZONITA , Kenia. O despertar da criança leitora. Revista CPB Educacional: 2º semestre –
2014. Disponível em: <https://educacional.cpb.com.br/conteudos/universo-educacao/o-
despertar-da-crianca-leitora/> . Acesso em: 14/02/2021
BELO HORIZONTE. Proposições Curriculares para a Educação Infantil: Fundamentos. SMED,
Belo Horizonte, 2016, 2ª Edição, Volume I.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC, 2010.
______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base Nacional Comum
Curricular – Educação Infantil. Brasília: MEC, 2017.
SAINT-EXUPÉRY, Antoine. O Pequeno Príncipe: com as aquarelas do autor. Tradução: Dom
Marcos Barbosa. 48 ed. Rio de Janeiro: Agir, 2009
MOREIRA. Ana A. A. O espaço do desenho: a educação do educador. S. P.: Loyola, 2005, 10ª ed.
REYES, Yolanda. A casa imaginária: Leitura e literatura na primeira infância. S. P.: Global, 2010.
SEBER, Maria da Glória. A escrita infantil: o caminho da construção. S. P.: Scipione, 2006, 2ª
impressão.
SILVA. Daniele Nunes Henrique. Imaginação, criança e escola. Coleção: Imaginar e criar na
educação infantil. São Paulo: Summus, 2012.
YANAZE, Mitsuru H. YANAZE, Liriam L.H. O mercado de produtos infantis e a adequação da
linguagem publicitária: um estudo comparativo dos contextos brasileiro e japonês. In: XXV
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2002, Salvador. Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002Anais/2002NP3yanaze
.pdf> . Acesso em: 10/02/2021.

123
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

ENSINO REMOTO DE ARTES A PARTIR DO EIXO NORTEADOR


SAÚDE
Um relato de experiência

Egle Katarinne Souza da SILVA1


Adriana Moreira de Souza CORRÊA2
Reginaldo Pedro de Lima SILVA 3
Joacileide Bezerra de SOUSA 4

Um ano atípico, assim podemos denominar o ano de 2020 que, em


virtude da Pandemia do novo Coronavírus, modificou as relações sociais,
entre elas, as práticas escolares. Assim, mais que vencer os impactos
ocasionados pelo isolamento social, uma medida preventiva à contaminação
da COVID-19, doença causada pelo Coronavírus, a comunidade escolar
(gestão, professores, alunos, pais/responsáveis) tiveram que se adaptar a essa
nova realidade, ressignificando tanto a forma de viver como os meios de se
relacionar/ministrar aulas. Isso exigiu dos profissionais da educação um
novo olhar sobre suas práticas e, nesse processo, a inovação tecnológica, ou
seja, a inserção dos diversos recursos digitais foi salutar para mediar as
atividades de ensino-aprendizagem.
Diante disso, para manter um trabalho de excelência diante da
comunidade escolar e otimizar o trabalho educacional com os alunos da
Escola Cidadã Integral Técnica (ECIT) Cristiano Cartaxo, localizada em
Cajazeiras/PB, durante o isolamento social foram planejadas e desenvolvidas
ações pedagógicas referentes ao componente curricular de Artes, com o
escopo de motivar e estimular os alunos a frequentarem as aulas remotas, a
fim de construir saberes de forma integral, além de demostrar protagonismo
e responsabilidade na construção do seu Projeto de Vida5.
Nesse viés, as aulas remotas da rede estadual de ensino da Paraíba
iniciaram-se no dia em 18 de abril de 2020 a partir da Portaria 418/2020 que
orientou a retomada das atividades educacionais, de maneira remota,

1
Gestora da Escola Cidadã Integral Técnica (ECIT) Cristiano Cartaxo, Cajazeiras/PB, Brasil. E-mail:
eglehma@gmail.com
2
Professora da Universidade Federal de Campina Grande, Cajazeiras/PB, Brasil. E-mail:
adriana.korrea@gmail.com
3
Professor da ECIT Cristiano Cartaxo. E-mail: regysdance@gmail.com
4
Professora da ECIT Cristiano Cartaxo, Cajazeiras - PB, Brasil. E-mail: joacileide2009@hotmail.com
5
O Projeto de Vida do jovem protagonista pode ser compreendido como o seu sonho, ou seja, as suas
expectativas para o futuro e será definido à medida que o mesmo se conhece enquanto pessoa descobre-se
enquanto aluno e determina o que quer ser, seja na dimensão pessoal, social e profissional, tanto a curto como
longo prazo (SILVA et al., 2020).

125
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

utilizando as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (PARAÍBA,


2020). Inicialmente, sob a orientação da Secretaria de Estado da Educação da
Ciência e Tecnologia (SEECT) as aulas foram ministradas por meio de eixos
norteadores (Identidade e Autonomia, Natureza e Sociedade, Saúde,
Economia e Educação e Direitos Humanos) visando oferecer ao alunado
atividades na perspectiva social-reflexiva sobre si e sobre o cenário
pandêmico vivenciado.
Durante a terceira semana de aulas remotas foi orientado o trabalho, em
todo o estado da Paraíba, do eixo norteador Saúde que permite aos jovens a
construção da percepção sobre a importância do autocuidado e da prevenção
de maneira a estimular o protagonismo, a construção do senso crítico e da
corresponsabilidade. Essas ações visavam formar estudantes cada vez mais
ativos e com capacidade participativa na realidade em que vivem.
Diante disso, na disciplina de Artes oferecida pela referida instituição
foram propostas atividades baseadas na perspectiva do marketing e
publicidade que valorizassem a importância do autocuidado e da prevenção,
bem como a valorização dos profissionais da saúde que atuam na linha de
frente no combate do Coronavírus.
Em face da experiência vivenciada, a pesquisa em tela foi desenvolvida
com o objetivo de relatar as atividades de produção de texto propostas pela
disciplina de Arte que foram realizadas pelos alunos matriculados na ECIT
Cristiano Cartaxo a partir do eixo norteador Saúde. Trata-se, portanto, de
um relato de experiência, descritivo com análise qualitativa de dados.
Daltro e Faria (2019) explicam que o relato de experiência se organiza
como um trabalho baseado na narração de eventos/elementos de estudo na
perpectiva da coletividade (nesse caso refere-se à comunidade escolar) e da
singularidade (a disciplina de artes no eixo norteador Saúde). Para Gil (2008)
por meio de pesquisas descritivas, o investigador descreve minuciosamente
os dados aferidos sem intervir nestes e a abordagem qualitativa de análise de
dados é realizada quando os dados não são quantificáveis.

Atividades desenvolvidas pelos alunos no eixo norteador saúde 6

Durante a terceira semana de aulas remotas, na disciplina de Artes, o


trabalho com o eixo norteador Saúde ocorreu da seguinte forma: a princípio
foi ministrada uma aula síncrona realizada pelo aplicativo Google Meet. As
orientações foram apresentadas por meio de slides e, após as discussões,

6
As imagens utilizadas são autorizadas pelos responsáveis e foram retiradas de um perfil público do Instagram
da escola, @ecitecristianocartaxo, portanto, de livre divulgação, acessível em: <https://instagram.com/ecitecris
tianocartaxo?igshid=55ujrhy1fr30>.

126
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

foram disponibilizados os links de vídeos curtos sobre campanhas vinculadas


a COVID-19 na plataforma Google Classroom. Esses links apresentavam textos
(escritos e audiovisuais) que destacavam os profissionais da área da saúde.
Esses recursos podem ser acessados nos links7.
Após explanação, o docente propôs aos alunos que produzissem,
utilizando o recurso de marketing e publicidade8, conteúdos/campanhas
publicitárias sobre as vertentes: higiene corporal e saúde mental enfatizando
o trabalho dos profissionais da saúde que atuam na linha de frente no
combate do novo Coronavírus.
Observamos, na Figura 01, quatro cartazes digitais produzidos por
alunos do primeiro, segundo e terceiro anos da referida instituição, criados
por meio de aplicativos editores de imagem como o Canvas e o PowerPoint.

Figura 01- Cartazes digitais criados pelos alunos usando o recurso de marketing e
publicidade

(1) (2) (3) (4)


Fonte: Arquivo Pessoal

No primeiro cartaz (da esquerda para direita) o aluno enfatizou a


empatia para sensibilizar as pessoas ao mencionar os profissionais da saúde
e ressaltar o trabalho de cada um deles para garantir a sobrevivência das
pessoas contaminadas com o novo Coronavírus. Nesse cartaz, o texto e a
imagem são dependentes (GOMES, 2010), pois o texto verbal só pode ser
compreendido com a presença do texto imagético.
No segundo cartaz, o destaque encontra-se na representação do vírus
em plano de fundo e, no primeiro plano, o convite à prevenção, por meio do

7
Links de acesso aos vídeos norteadores da terceira semana de aula remota de Artes da ECIT Cristiano Cartaxo:
https://www.youtube.com/watch?v=D2zESBXbauA - https://www.youtube.com/watch?v=VlMFx-zOxJ4
https://www.youtube.com/watch?v=WR2R0Vjtbis - https://www.youtube.com/watch?v=H3Cn6b6cQBo
https://www.youtube.com/watch?v=jKTU8qaVymE - https://www.youtube.com/watch?v=DylKRWiSjg0
8
Os alunos tem uma disciplina nos cursos técnicos que aborda os conhecimentos de publicidade e marketing.

127
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

texto escrito e a forma de prevenir (usando máscaras e luvas) expresso em


imagens. Notamos a relação entre imagem e texto que também foram usados
como elementos indissociáveis na compreensão da mensagem.
No terceiro cartaz, foi enfatizada a importância de permanecer em casa
respeitando a quarentena utilizando-se, para isso, de uma representação
imagética do isolamento de cena de crime e, ao fundo as imagens
representativas do vírus. O texto verbal indica que as fitas amarelas,
nomeadas como a quarentena, informam aos interlocutores, por meio de
balões de fala, que o isolamento social é uma medida salutar para a contenção
do coronavírus.
O quarto cartaz representa uma mensagem positiva, representada por
corações que demonstram o cuidado consigo mesmo para evitar a prevenção.
Notamos que os cartazes 1 e 4 (Figura 1) trazem mensagens de sensibilização
e cuidado ao passo que os cartazes 2 e 3 (Figura 1) apelam para o medo, ao
destacar a imagem do “inimigo” que é o novo Coronavírus.
Os alunos produziram recursos audiovisuais com abordagem de
diversas linguagens artísticas dentre os quais selecionamos três para
apresentar nessa discussão. Na Figura 02, observamos frames de um vídeo
desenvolvido por uma aluna da segunda série do ensino médio no qual ela
utilizou imagens de profissionais da saúde retiradas da internet e narrou um
texto autoral com caráter jornalístico. Ressaltamos que a opção do gênero
textual da esfera jornalística relaciona-se ao seu Projeto de Vida que é ser
jornalista. Os enfoques do vídeo são: a sensibilização da comunidade em
permanecer em casa, conforme determina a Organização Mundial de Saúde
(OMS); e homenagear os profissionais de saúde. O vídeo encontra-se na Série
de IGTV: Disciplina de Artes no Instagram da referida escola e está acessível
no perfil @ecitecristianocartaxo através do link: https://www.instagram.com/
tv/CAKt LF7DC-8/?igshid=10vbasibb471f.
Figura 02 - Vídeo produzido por uma aluna no Eixo Norteador Saúde

Fonte: Instagram @ecitecristianocartaxo

128
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Na Figura 03, observamos o segundo vídeo criado por estudantes que se


inicia com uma aluna maquiada com a bandeira do Brasil, um aluno
maquiado representando o Coronavírus e após explanações sobre o cenário
de pandemia, vivenciado em 2020, em que os alunos interagiram como
interlocutores, eles homenagearam os profissionais da saúde, se
caracterizando como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, entre
outros. Esse recurso está acessível no link https://www.instagram.com/p/
CActe5kjrfK/?igshid=10x8h2prhbec4.
Figura 03- Vídeo produzido por dois alunos no Eixo Norteador Saúde

Fonte: Instagram @ecitecristianocartaxo

O terceiro vídeo foi criado por uma aluna e, para essa produção, baseou-
se na estrutura dos desenhos animados. Para isso, utilizando o aplicativo
Kouji pelo smatphone ela fez o seu avatar e criou em ambientes distintos,
cozinha, quarto, banheiro, sala de exercícios, etc. enfatizando o autocuidado
e a higiene pessoal. Observamos, na Figura 04, quatro frames do recurso
criado pela aluna como atividade de Artes no Eixo Norteador Saúde.
Figura 04- Vídeo enfatizando a higiene pessoal e o autocuidado

Fonte: Arquivo Pessoal.

129
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Na representação, os interlocutores se depararam com o uso da


linguagem verbal e não verbal, tendo em vista que, as informações
apresentadas em texto, por meio de legendas eram representadas por
imagens do avatar realizando tais ações.
Houve ainda a produção de panfletos, como o que apresentamos na
Figura 05. Observamos o panfleto criado por uma aluna que destacou a
importância do uso de máscara, álcool em gel e a correta lavagem das mãos.

Figura 05 - Panfleto criado por uma aluna no Eixo Norteador Saúde

Fonte: Arquivo Pessoal

O texto foi produzido com a interação das linguagens verbal e não


verbal, indicando pela imagem e no texto a mesma informação, ou seja, texto
e imagem são independentes (GOMES, 2010).
A partir dos resultados apresentados podemos inferir que a intervenção
da terceira semana de aulas remotas da disciplina de Artes na ECIT Cristiano
Cartaxo, a partir do Eixo Norteador Saúde, incentivou a criatividade e
autonomia dos alunos ao analisar o momento pandêmico vivenciado e assim
produzir textos de sensibilização da comunidade a partir dos aspectos
considerados mais relevantes pelos estudantes.
Tratou-se, portanto, de uma atividade que proporcionou a
aprendizagem pautada em dois princípios da educação brasileira (BRASIL,
1996): o desenvolvimento individual, na construção de conhecimentos
mobilizados para a criação desses textos e para o exercício da cidadania, em
outras palavras, para a construção de relações na vivência em sociedade. Para

130
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

isso, foi requerido dos estudantes a análise do contexto em que vivem e a


mobilização de uma produção textual para a interação em mídias digitais.
Assim, a proposta de criar campanhas publicitárias e divulgar em
mídias digitais como forma de sistematização de conhecimentos e,
posteriormente, de conscientização da sociedade foi salutar à medida que
discorreu sobre formas de como cuidar de si, do outro com vistas a minimizar
a proliferação do vírus nesse momento de pandemia.
As produções dos alunos se deram nas mais diferentes linguagens
utilizadas nas artes tais como textos, performances, criações gráficas,
cartazes, elaboração de simulação através de mídias digitais, entre outras
manifestações. Essas produções ocorreram de forma colaborativa e
respeitando as escolhas e potencialidades do estudante na seleção das
ferramentas e organização dos textos produzidos e divulgados por eles.

Considerações finais

O capítulo em tela discorreu sobre a experiência de produção de textos


para mídias digitais apresentando a elaboração de cartazes, vídeos e
panfletos que versavam sobre a relevância do uso de estratégias de combate
ao novo Coronavírus. A atividade proposta na disciplina de arte estimulou
nos estudantes a autonomia para o uso de múltiplas ferramentas para a
produção de textos e incentivou a organização e disponibilização de
mensagens que, por serem postadas na rede social Instagram, pode ser lida
por diferentes pessoas e, assim, contribuir para conscientizar a comunidade
sobre o combate à pandemia.
A atividade, além possibilitar a reflexão dos alunos diante da realidade
vivenciada, estimulou a observação às características de cada texto, bem
como a organização necessária a cada produção para atingir o objetivo
idealizado pelo enunciador.
Diante do exposto, concluímos que a análise de outros textos, a
produção individual ou em grupo e a disponibilização do produto final nas
redes sociais possibilitou ao estudante a elaboração de textos reais, com
objetivo e público definido, além de permitir o feedback das suas produções
pelos leitores que interagirem com esses recursos nas redes sociais. Trata-se,
portanto, de uma atividade com desdobramentos extraescolares que podem
visibilizar as ações educativas promovidas pela instituição educacional bem
como se reverter em uma estratégia de melhoria da qualidade de vida dos
estudantes e leitores do perfil da escola no Instagram, à medida que a
conscientização sobre os pontos apresentados pelos estudantes pode
contribuir para minimizar os efeitos da pandemia na comunidade.

131
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Referências
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso
em: 18 dez. 2020.
DALTRO, M. R.; FARIA, A. A. de. Relato de experiência: Uma narrativa científica na pós-
modernidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 223-237,
jan./abr. 2019.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GOMES, L. F. Hipertextos Multimodais: leitura e escrita na era digital. Jundiaí: Paco Editorial,
2010.
PARAÍBA, Portaria nº 418, de 18 de abril de 2020. Dispõe sobre a adoção, no âmbito da rede
pública estadual de ensino da Paraíba, do regime especial de ensino, como medida
preventiva à disseminação do COVID-19, e dá outras providências. Disponível em:
<https://auniao.pb.gov.br/servicos/arquivodigital/doe/janeiro/abril/diario-oficial-18-04-
2020-suplemento.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2020.
SILVA, E. K. S. da et al. Protagonismo estudantil: proposta de acolhimento em alusão ao
setembro verde. Brazilian Journal of Development., Curitiba, v. 6, n. 5, p. 26750-26763,
maio, 2020. DOI: 10.34117/bjdv6n5-216.

132
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

DESAFIOS DO CONTEXTO PANDÊMICO


Inquietações de uma professora

Elizabete Aparecida Malaquias SERRA1

Com o período de distanciamento social ocasionado pela pandemia do


novo coronavírus, pela primeira vez, as aulas da Rede Pública de Belo
Horizonte ganharam o formato de Ensino Remoto. Uma novidade que gerou
um impacto muito grande na Rede Municipal como um todo, e na
organização de todos nós, docentes. Várias indagações surgiram com a
possibilidade da nova proposta de trabalho.
O dia 18 de março de 2020 foi um marco histórico na educação brasileira.
De forma repentina, com o surgimento do novo coronavírus, o SARS-CoV-2,
as aulas foram suspensas em todo o território brasileiro. Porém, na tentativa
de amenizar os prejuízos causados pela pandemia, o MEC, Ministério da
Educação, autorizou “a substituição de disciplinas presenciais por aulas que
utilizam meios e tecnologias de informação e comunicação em cursos que já
estavam em andamento”, com o objetivo de as escolas implementarem o
Ensino Remoto Emergencial, possibilitando aos alunos a continuidade de
suas rotinas de estudo, agora em casa.
Mesmo acreditando que o período de distanciamento seria curto, era
necessário efetivar o contato com os alunos e seus familiares de forma remota.
Não tinha-se ideia que o período de pandemia só estava começando e que se
estenderia por muito tempo. O vírus se alastrava e ainda o faz de forma
assustadora por todo o país, levando os governantes a tomarem medidas
mais drásticas com o intuito de conter a doença. Não só as escolas foram
fechadas, mas todo o serviço não essencial.
Muitos dos nossos alunos são filhos de trabalhadores informais e com a
situação imposta, muitos pais ficaram sem trabalho. Com isso, o que
aconteceu não foi somente a falta da escola, mas também dos suprimentos
básicos para a subsistência, como o alimento e produtos de higiene pessoal.
Diante disso, mais importante do que pensar no tempo escolar em que
as crianças estavam perdendo, era preciso refletir sobre como estavam
vivendo. Para amenizar essa situação, a prefeitura de Belo Horizonte decidiu
oferecer cestas básicas para todas as famílias com alunos matriculados na

1
Bacharel em Pedagogia com Habilitação em Orientação Educacional e supervisão Educacional e
apostilamento de habilitação para o exercício do magistério na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental pela Faculdade da Cidade de Santa Luzia. Especialista em docência na Educação Infantil pela
Universidade Federal de Minas Gerais. Professora da Rede Municipal de Belo Horizonte. E-mail:
elizabete.serra@edu.pbh.gov.br

133
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Rede desde a Educação Infantil, passando pelo Ensino Fundamental até a


Educação de Jovens e Adultos. Cada família receberia uma cesta básica
independentemente do número de alunos matriculados por família. Além
das cestas, determinou-se que os gestores escolares distribuíssem todo
alimento estocado nas escolas, como: alimentos perecíveis, não perecíveis,
produtos de limpeza e de higiene pessoal.
Concomitante a essa ação, foi necessário realizar uma busca ativa 2 dos
alunos e descobrir se possuíam meios tecnológicos para acompanhamento
das aulas remotas. O primeiro desafio foi localizar os alunos por meio dos
números de telefones registrados nos arquivos da secretaria escolar.
Infelizmente, essa não foi uma tarefa fácil, pois é comum a troca do número
de telefone pelos pais, que trocam o chip do telefone celular com muita
frequência e muitos não possuem telefone fixo. Além disso, por não
possuírem casas próprias e dependerem do aluguel, trocam também de
residência.
A proposta direcionada às escolas foi a criação do Mapa
Socioeducacional, documento direcionador da Secretaria Municipal de
Educação – SMED:

[...] é um instrumento de reflexão necessário, porque favorece o


fortalecimento dos diálogos entre a escola e a família, no atual momento da
pandemia. Com o objetivo de possibilitar o conhecimento da realidade
social de cada estudante e de suas condições familiares, esse mapa é uma
ferramenta rica para a construção de uma prática pedagógica focada no
direito às aprendizagens. (BELO HORIZONTE, 2020, p. 19)

Cada escola construiu o seu mapa direcionando-o à todas as famílias dos


estudantes por meio do Google Forms. Foi importante saber como as famílias
estavam naquele momento, se estavam bem de saúde, se os responsáveis
estavam trabalhando, quem era o responsável pela criança no caso dos pais
estarem fora, se na casa morava pessoa idosa, pessoas com comorbidades.
Tais questionamentos possibilitaria o conhecimento da realidade social das
crianças e de seus familiares.
Ao final de todo esse trabalho, percebeu-se que este levantamento não
era suficiente para garantir os direitos de aprendizagem dos alunos. O Mapa
socioeducacional trouxe outros questionamentos sobre os recursos
tecnológicos que a família possuía. Se dispunham de notebook e/ou celular;
se a internet utilizada se dava por meio de dados móveis ou de banda larga.
Além dos familiares dos alunos, o questionário deveria contemplar o

2
De acordo com a PORTARIA SMED Nº 138/2020 e suas orientações complementares

134
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

corpo docente e também os colaboradores terceirizados. Viu-se a necessidade


da criação de um segundo Mapa Socioeducacional direcionado ao corpo
docente e aos colaboradores. O mapa direcionado às famílias teve seu
copilado compartilhado com os professores para que, juntos pudéssemos
criar estratégias de comunicação e interação com familiares e alunos. Já o
levantamento feito com o corpo docente e colaboradores terceirizados teve
seu resultado restrito aos gestores da escola.
Com a pesquisa, percebeu-se que, apesar de alguns familiares possuírem
poucos recursos, a maioria dispunha de pelo menos um recurso tecnológico
com internet. Este resultado, apresar de favorável, possibilitando que a
maioria das crianças fossem contempladas com o possível trabalho remoto,
também mostrou as dificuldades e desigualdades: muitos familiares
possuíam apenas um recurso tecnológico, que era o celular e este
acompanhava o provedor da família em seu trabalho, impossibilitando a
criança de participar de interações escolares durante o dia.
Trabalhar remotamente seria uma experiência inusitada e desafiadora.
Mesmo com algumas ações sendo planejadas e executadas, as escolas não
estavam preparadas para tal situação. Não havia plataforma de ensino na
Rede Municipal de Belo Horizonte, muitos professores despreparados para
atuar com ferramentas digitais e a dúvida de como seria levado o
conhecimento até o aluno, dentro dessa nova perspectiva. Todas as
estratégias de trabalho seriam experimentadas enquanto aconteciam e o
termômetro seria o retorno, também de forma remota, dos alunos e suas
famílias.
Após a pesquisa, foi proposto aos professores que entrassem em contato
com os familiares pelo telefone disponibilizado pela secretaria da escola e que
fosse criados grupos de WhatsApp. Aos familiares cujo a escola ainda não
possuía o contato telefônico, seria feito uma busca ativa contendo as
seguintes estratégias: verificação nos Postos de Saúde da área de zoneamento
da escola, contato com o CRAS – CENTRO DE REFERÊNCIA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL, vizinhos, cartas registradas, até que todas os
contatos telefónicos fossem localizados.
Mesmo com a busca ativa constante, os grupos de WhatsApp foram
concretizados e chegara o momento de interagir com os alunos, levando o
conhecimento de maneira lúdica e interessante.

Na prática, a interação
Até chegar o momento das interações, foram 6 meses em que os alunos
estavam sem contato com os professores e longe dos colegas de classe. Não

135
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

se cogitava, na RME-BH o retorno presencial. Diante de todos nós,


professores, instaurava-se um cenário diferente do que estávamos
acostumados. Toda a comunidade escolar estava em casa, e a sala de aula
passaria a ser o interior da casa dos alunos. O tempo para organização dessa
nova proposta foi demorado, deixando evidente a desigualdade de classe,
uma vez que as escolas privadas já haviam se organizado para oferecer aulas
remotas por meio de plataformas de ensino. Segundo ROLIM e SOUSA
(ROLIM e SOUSA, 2020, p.64) “A realização das atividades remotas, que
deveria ser um direito de todos, se transformou em mais um privilégio
social.”
Partindo da premissa de que o professor é o mais importante mediador
entre o conhecimento e o aluno, nos vimos diante de uma mudança de papéis.
Seria necessário pedir licença para entrar na casa dos familiares, conhecer o
contexto em que estão vivendo, entender quais condições os alunos
apresentam para o aprendizado. Era preciso pensar em quais conhecimentos
seriam pertinentes naquele momento. Quais habilidades seriam necessárias
para que o aluno adquirisse competências necessárias para conviver com o
momento tão atípico que angustia todo o planeta.
Algumas questões se tornaram claras neste primeiro instante. Os
estudantes vivem em núcleos familiares dinâmicos, vivos, que interferem na
forma como pensam, sentem e vivem a escola e sua rotina. Diferente do que
enxergávamos na escola presencial, essa nova situação colocou nossos alunos
totalmente dependentes do seu grupo social. Nossa função, como educador,
ganhou força e um esforço diferente: tornamos parte de contextos complexos,
nos sentindo amados, queridos e principalmente desejados.
A escola mudou! E talvez não volte mais a ser como antes. Considerando
todas as peculiaridades do contexto familiar, nossa entrada em suas casas
seria dentro das possibilidades e com a permissão de cada família. Com aulas
síncronas3 e assíncronas4, deveríamos respeitar o tempo do aluno, não o
tempo cognitivo para aquisição do conhecimento, mas o espaço temporal
para participação das propostas de trabalho enviadas pelos professores.
Atividades de interação eram disponibilizadas aos alunos por meio do

3
Comunicação em que a mensagem é recebida e imediatamente respondida, geralmente se refere a interações
em que é possível estar presencialmente, ou pelo telefone, por videoconferências etc. (Dicionário Online de
Português)
4
Comunicação que não se estabelece no mesmo tempo e espaço, uma mensagem pode ser enviada e não
precisa ser respondida naquele exato momento, geralmente se efetiva por cartas, e-mails etc. (Dicionário
Online de Português)

136
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Facebook5, Instagram6 e em grupos de WhatsApp organizados pelos


professores, sendo divididos pelo ano escolar, ou seja, todos os alunos do
mesmo ano escolar, no mesmo grupo.
Neste primeiro momento, somente com uma proposta de interação, nos
vimos diante de um grande dilema. Como as aulas foram interrompidas no
início de 2020 e já passávamos do segundo semestre, o que seria sensato e
prioritário oferecer para os alunos, uma vez que, não sabíamos como estavam
diante dos conteúdos pertinentes ao ano letivo? Começar do zero, sem
considerar o conhecimento prévio do aluno não seria apropriado. Como bem
pontuado por ROLIM e SOUSA:
Também, o professor, se vê frente ao amadorismo, pois mesmo aqueles que
já possuem maior facilidade em utilizar as TIC, precisam agora, fazer isto
a favor da aprendizagem de seus alunos, em relação totalmente nova e sem
orientação/formação prévia ou processual na maioria das vezes. (ROLIM e
SOUSA, 2020, p. 65)

Todo o trabalho era experimental, e por mais que se demonstrasse rica a


atividade, não sabíamos como era enxergada e executada pelos alunos.
Sabíamos que utilizando as mídias sociais, fora de uma plataforma de ensino,
nem sempre conseguiríamos estabelecer uma comunicação em tempo real.
Essa ação possibilitou com que os alunos tivessem acesso ao conteúdo
proposto no momento definido por ele ou seu familiar responsável,
dificultando ainda mais o que, ao nosso ver, já não estava fácil.
À medida que o trabalho acontecia, outros questionamentos foram
surgindo. Por exemplo, como seria possível perceber o que estava sendo
assimilado pelos alunos? Como poderíamos garantir a participação de 100%
dos alunos? Como saberíamos se as atividades não estavam sendo feitas
pelos pais ou irmãos mais velhos? O documento, em formato de e-book,
Percursos Curriculares da Rede de Educação de Belo Horizonte,
disponibilizado para os profissionais da rede de ensino, evidencia que:
[...] o desafio trazido pela Covid-19, que não nos deixa abrir escolas e
exercitar nossa didática nas salas de aula, nos diz que, mais do que nunca,
é preciso ter clareza e consciência de que nossas ações se constituem pelas
intencionalidades pedagógicas. (BELO HORIZONTE, 2020, p. 16)

Dessa forma, mais as interações e o contato afetivo e social, era preciso


ter clareza do que precisaria ser ensinado e como isso aconteceria.

5
Emdlra Loreto
6
@desembargador_loreto

137
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Como alfabetizar de maneira virtual alunos do 1º ano do Ensino


Fundamental?
A interação proporcionada pelos professores, por si só, não era o
bastante considerando crianças que, em idade escolar, apresentam sede do
saber. As postagens nas redes sociais como Facebook e Instagram, mesmo que
com o retorno dos alunos, aconteciam de forma assíncrona. Sem uma
plataforma de ensino, a possibilidade de interação síncrona definida pela
instituição foi por meio dos grupos de WhatsApp.
Assim, postagens de músicas, confecções de brinquedos, contação de
histórias e brincadeiras fizeram parte do primeiro momento de interações
com as turmas do 1º ano do Ensino Fundamental, onde atuo como professora.
Além dos conteúdos pertinentes ao contexto pandêmico como: orientação da
maneira correta de lavar as mãos, utilização de álcool em gel, utilização de
máscara, distanciamento social de pelo menos 1,5m., era preciso trabalhar
com a proposta curricular estabelecida pela Rede Municipal de ensino, o que
seria um grande desafio, configurando um momento de reinvenção da
relação pedagógica de uma escola presencial para o ensino virtual. E
considerar que as crianças não apresentam autonomia para se organizarem
sozinhas nas tarefas escolares estando em casa, também se mostrava como
um entrave, uma vez que, todas as atividades postadas nos grupos de
WhatsApp precisariam da intervenção do responsável. É preciso ponderar
que este responsável é o dono do recurso tecnológico que a criança utiliza e
ainda a pouca idade dos pequenos, tanto para ter um celular, quanto para
interagir de forma autônoma. Dessa forma, um roteiro bem planejado e
estruturado, com propostas claras e bem fundamentadas passa a ser ponto
primordial da nova forma de trabalhar. De acordo com o documento
norteador Percursos Curriculares da Rede de Educação de Belo Horizonte,
2020:
É importante salientar que a organização do trabalho pedagógico deve ser
um ponto importante de toda essa ação. Como os(as) estudantes estão
distantes dos(as) professores(as) e os roteiros serão a ponte para a
realização do ensino híbrido, eles devem ser bem estruturados, a fim de
que os(as) estudantes tenham clareza do que se espera que realizem, de
como deverão estudar e/ou se organizar para conseguir realizar as
atividades propostas, quais são os conhecimentos que devem demonstrar
que aprenderam. (BELO HORIZONTE, 2020, p. 24)

Assim, as atividades propostas deveriam ser bastante criativas,


despertando o interesse do aluno e do familiar, não demandando um tempo
exagerado do responsável na execução das mesmas, evitando cópias para a

138
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

criança e/ou orientações complexas. Os objetivos claros e bem direcionados


favoreciam o desenvolvimento da aprendizagem.
Entretanto, claro estava que nenhum desafio se sobrepunha ao fato de
ser necessário se atentar para o processo de alfabetização dos alunos. Já
sabíamos que as crianças estavam no início do processo e que seria preciso
dar continuidade. Porém, sendo o primeiro ano escolar dos alunos, não
tínhamos um diagnóstico Levando em conta o pouco tempo de aula
presencial em 2020 e os 6 meses que ficaram sem interações com a escola e
professores
A princípio, nos organizamos com os conteúdos descritos nas
Proposições Curriculares para o Ensino Fundamental – RME-BH7,
trabalhando de forma articulada com a BNCC - Base Nacional Comum
Curricular, com o Currículo Mineiro e com as práticas evidenciadas no
cotidiano escolar. Após a organização dos conteúdos para o 1º ano, foi feita
uma pesquisa pelos professores responsáveis dos materiais expostos nos
canais virtuais como YouTube para estruturarmos as aulas. Ressalta-se aqui,
nosso papel de organizadores e curadores do conhecimento.
Enquanto equipe de professores, realizamos encontros semanais para
planejamento, avaliação e organização do trabalho. Nestes momentos,
alinhávamos todos os conteúdos, a serem ofertados, com a mesma temática,
na tentativa de orientar e organizar o pensamento do aluno dentro de uma
linearidade.
Era escolhido uma poesia, história da literatura infantil ou parlenda e, a
partir do texto, a composição do conteúdo. Dessa forma, acreditávamos estar
contextualizando o trabalho para facilitar o entendimento da criança, uma
vez que, todas as atividades apresentavam uma sequência.
Na perspectiva da avaliação, que não era do aluno, e sim da proposta de
atividades oferecidas a este, íamos nos adequando ao volume de atividades
diária, ao tempo dos vídeos escolhidos, ao formato das estratégias
pedagógicas e, principalmente, à necessidade da organização de atividades,
em que o aluno pudesse interagir com a execução de forma mais autônoma
possível.
Essa proposta de interação envolvia toda a família, uma vez que, mais
do que nunca, a parceria família e escola estava muito presente, pois havia a
participação diária dos familiares nas aulas oferecidas e, de certa forma, nós
estávamos dentro de suas casas.
Mesmo considerando todo o alinhamento, pesquisa e organização do

7
Documento elaborado em 2009, com a participação ativa dos profissionais da RME-BH

139
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

trabalho oferecido, de estarmos ofertando propostas para o desenvolvimento


do processo de alfabetização gerava uma grande insegurança.
Pensar nos aspectos da alfabetização sob uma perspectiva teórica que
embasam o processo, sabe-se que a técnica inicial, como: segurar um lápis,
utilizar corretamente o caderno, escrever da esquerda para direita, pode ser
aprendido longe da presença do professor, tendo o familiar por perto,
orientando. Porém, passar pelas etapas que envolvem a aquisição da escrita
e da leitura, requer o interventor especialista, no caso o professor, avaliando
o processo para que aconteçam os avanços.
A criança quando está no processo de aquisição da leitura e da escrita,
passa por hipóteses que vão gradativamente se modificando até que ela se
torne alfabetizada. Neste sentido, desde a década de 80, com os estudos
psicolinguísticos de Emília Ferreiro, psicóloga e pedagoga, doutora em
educação, este processo de alfabetização vem sendo experimentado pelas
escolas brasileiras. Hoje, já se sabe por quais etapas mentais o sujeito passa
até ser considerado totalmente alfabetizado entendendo que todo o processo
necessita de fundamentação teórica, planejamento e principalmente conhecer
o nível/hipótese de escrita de cada sujeito envolvido.
Mas, como realizar esse processo de maneira virtual? Um
questionamento que começou a fazer parte de nossos encontros e,
particularmente, da minha avaliação como docente da turma. Considero:
O desenvolvimento profissional docente é um processo holístico, presente
nos princípios da Educação Integral. Precisamos pensar nas diferentes
dimensões que fazem parte do ser humano (física, social, emocional, ética,
estética, cognitiva, econômica), nos valores que emergem das nossas
práticas e rotinas usuais, para compreendermos os limites do que fazemos
e acreditamos. (BELO HORIZONTE, 2020, p. 16)

A avaliação do comportamento da criança, mediante o retorno remoto


das atividades, não poderia satisfazer minhas angústias, então seria oportuno
iniciar uma rede de busca para sanar minhas dúvidas.
Neste momento, busquei auxílio na literatura, pesquisas que versavam
sobre o causador da minha grande dúvida: como auxiliar os alunos no
processo de alfabetização de modo virtual?
O CAPE - Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação da
RME-BH– estava oferecendo para os seus professores, Seminários de
Formação do Núcleo de Alfabetização e Letramento. Os encontros versaram
sobre os pressupostos teóricos da alfabetização, mas não orientavam para um
trabalho de forma virtual.

140
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Concomitante a isso, me inscrevi no CAP – Curso de Alfabetização na


Prática, com Clarissa Pereira8. Um curso de 100 horas contendo
fundamentação clara, objetiva e práticas que abrangiam todo o processo de
aquisição da leitura e escrita de forma bem detalhada, porém, também sem
direcionamento para aulas virtuais.
Com a chance de realizar o trabalho de forma remota, também me vi na
oportunidade de ampliar minha busca assistindo lives e entrevistas pelo
YouTube, como as da professora Magda Soares9, ícone da alfabetização no
Brasil, com vários relatos de experiência e um rico trabalho lançado em 2020,
que dialoga sobre a capacidade de alfabetizar todas as crianças. Em seu texto,
ALFALETRAR, encontramos:
Colocando o foco na aprendizagem, para a partir dela definir o ensino,
conhecer e acompanhar o desenvolvimento linguístico e cognitivo das
crianças, dos 4 aos 8 anos, com atenção permanente ao que elas já sabem e
ao que já são capazes de aprender. E aprendem mais cedo e mais
rapidamente do que em geral se espera. (SOARES, 2020, p. 12-13)

Assim como os outros materiais, não me trouxe esclarecimentos acerca


da alfabetização virtual, pelo contrário, suas discussões aprofundam na
necessidade de intervir de imediato em relação à escrita e à leitura, para
promover a evolução e mudança de etapas entre uma hipótese e outra no
momento da produção do aluno.
Assim, será necessário promover encontros avaliativos, interventivos e
de pares para a garantia de concretização da alfabetização dos alunos do 1º
ano do Ensino Fundamental.

Conclusão

O trabalho virtual tem nos mostrado como é desafiante o exercício da


docência. Não é suficiente a universalização do ensino, é necessário a
democratização da educação.
Uma educação de qualidade prevê que todos os alunos, sem exceção,
tenham acesso aos direitos de aprendizagem para um percurso de
escolarização de sucesso.
Teremos que aprender a lidar com novos tempos e espaços de trabalho,
novas perspectivas educacionais e de avaliação das aprendizagens. Terão
lugar novas e mais contemporâneas interações pedagógicas entre professores

8
Pedagoga, especialista em Alfabetização e Letramento e Mestra em Educação.
9
Doutora em Didática também pela Universidade Federal de Minas Gerais, é autora de diversos livros que
versam sobre a alfabetização.

141
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

e seus alunos. É necessário fazer da sala da casa da criança a nossa sala de


aula, proporcionar a interação destes com os recursos que eles dispuserem
levando em consideração os nossos também.
Não podemos permitir que o ensino remoto, que hoje se apresenta como
um direito de todos se transforme em um privilégio social. O tempo do
amadorismo precisa ser o da experimentação realizada em 2020. Para 2021
precisamos ousar e trazer todo o conhecimento revisto e adquirido a favor da
educação, considerando um contexto diferente do que estávamos
acostumados garantindo que as novas ações possam pautar por uma
educação de equidade:
[...] a avaliação começa com o conhecimento de resultados de ações
anteriores e se concretiza quando produz informações sobre os processos
implementados para o alcance dos referidos resultados e ajuda a tomar
decisões futuras, para melhorá-los. Assim, podemos dizer que a avaliação
é como um aval para novas ações. (BELO HORIZONTE, 2020, p. 16)

Referências
SOARES, Magda. Alfaletrar: Toda criança pode aprender a ler e escrever. São Paulo, Ed.
Contexto, 2020, pp. 12-13
BELO HORIZONTE, Percursos curriculares e trilhas de aprendizagens para a rede municipal
de educação de Belo Horizonte: Em Tempos De Pandemia. Disponível em e-book a partir
de 2020.
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, PORTARIA Nº 343, de 17 de março de 2020, Dispõe sobre a
substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de
pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Disponível em: <https://www.in.gov.
br/en/web/d28ou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-20>. Acesso em: 12 de fev. 2021
DICIO, Dicionário Online de Português, definições e significados de mais de 400 mil palavras.
Todas as palavras de A a Z. disponível em: <https://www.dicio.com.br/> Acesso em: 12 de
fev. 2021.
ROLIM, Ariane Almeida: SOUSA, Juliana Tófani de. Educação e Pandemia: Reinventando,
reconstruindo, refazendo, recomeçando com resiliência. In: ROLIM, Ariane Almeida; DI
CAMARGO, Ivo Junior; SOUSA, Juliana Tófani de [organizadores]. Prática Docente:
rupturas, diálogos, inovações. São Paulo, Mentes Abertas, 2020, 251 p., p. 61 a 71.

142
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

ANÁLISE FÍLMICA POÉTICA


“Pro Dia Nascer Feliz”

Ana Laura Costa MENEZES1


Elizabeth Alves KIOSZ2
Joana Darc Aparecida BRAZ3
Marinês Firmina da SILVA4

Perpassando pelos desafios diários do Ensino Público e privado no Brasil.


Vidas em turbulências...

Como seria diferente se houvesse decolagens! Vidas seriam


aproveitadas, adolescentes e crianças seriam mais humanas.
O cenário é diverso, pais com baixos salários, sem heranças, sem
estudos. Muitos tiveram que trabalhar para sobreviver. A cidade tornou para
eles uma selva de pedras disfarçada em bibliografias citadas pelos que dizem
ser classe alta da sociedade brasileira, enroupados de escolas privadas e ou
talvez escolas públicas. No cenário da escola pública são apresentados pais
com péssimos salários, professores desestimulados e desvalorizados com
esperança de um futuro melhor. Será que falta meios para motivações?
Alguém se interessa por aqueles que são problemas para sociedade? Fingem
preocupar-se ou é coisa do sistema? Demagogia nacional ou fardo real?
Como ficamos afinal?
Realidades tratadas no documentário e seus respectivos problemas:
• Na primeira realidade em Pernambuco no Nordeste temos Glauce, a
pequena que luta contra todo o ambiente desfavorável ao seu
desenvolvimento intelectual e geral. A precariedade física da escola é
gritante. Não deveria ser permitida a permanência dos adolescentes
nem das crianças ali. Mas a guria se esforça para aprender e desenvolver;
• Na segunda realidade também observada em Pernambuco, nordeste, nos
deparamos com Valéria, que assim como Glauce, se empenha nos
estudos, gosta de escrever poesias, e enfatiza a falta de apoio dos
mestres. E neste cenário destacamos a desistência dos professores com a

1
Aluna do Curso de Pós-graduação Pedagogia no Ensino Superior UFTM – Uberaba MG Brasil. E-mail:
analauracmenezes@gmail.com
2
Aluna do Curso de Pós-graduação Pedagogia no Ensino Superior UFTM – Uberaba MG Brasil. E-mail:
joaninhabraz@hotmail.com
3
Aluna do Curso de Pós-graduação Pedagogia no Ensino Superior UFTM – Uberaba MG Brasil. E-mail:
ealveskiosz@gmail.com
4
Aluna do Curso de Pós-graduação Pedagogia no Ensino Superior UFTM – Araxá MG Brasil. E-mail:
marinesfirminadasilva@gmail.com

143
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

missão de ensinar. Os alunos vão a “escola” e ficam do lado de fora;


• Na terceira realidade vamos para região sudeste, em Duque de Caxias no
Rio de Janeiro. Ali encontramos o menino Douglas que apesar do seu
meio, onde há muita criminalidade, em especial o tráfico de drogas, no
entanto, através da música, na escola, consegue se “proteger” dessas
influências negativas. No final do ano letivo, os professores em
Conselho de classe, decidiram que ele poderia progredir para o Ensino
Médio, pois caso ele não passasse seria uma desilusão muito grande em
sua vida, que poderia posteriormente vir a afetar seu futuro, fazendo-o
pensar que não é capaz de alcançar seus objetivos e, consequentemente,
entrar na vida criminosa;
• Na quarta realidade, adentramos em uma escola da periferia de São Paulo,
com estrutura física agradável aos alunos e as pessoas da comunidade.
Se nos remetermos às escolas das etapas anteriores, no quesito estrutura
física, estamos no paraíso. No entanto, apesar dessa escola ter uma boa
estrutura, percebemos, pelo desabafo da professora entrevistada que, as
experiências em sala de aula são traumáticas, com alunos que não
respeitam o professor e, por isso, o motivo de tanta ausência de docentes.
No debulhar das queixas uma chama a atenção, a falta de
acompanhamento psicológico, o quanto o professor está
emocionalmente vulnerável;
• Na quinta realidade, o cenário nos mostra uma escola particular em São
Paulo na qual os alunos diariamente sofrem pressão da escola, dos pais
e dos colegas estudantes. Essa pressão psicológica sofrida pelos alunos
desencadeia a depressão, por não alcançarem as expectativas de seus
pais. Na roda de discussão entre alunos, é visível o ponto de vista deles
em relação à realidade que os cerca. É uma realidade bem diferente das
outras escolas vistas anteriormente;
• Na sexta realidade analisada, também em São Paulo, mostra um cenário
no qual os alunos vivenciam fatos agressivos, o que reflete nos seus
próprios atos. É como uma peça de teatro nos é narrado, o caso em que
uma menina esfaqueou a outra até a morte, pelo simples fato de não
poder entrar em uma festa. Inevitavelmente nos vem a pergunta: Para
esses alunos qual é o valor de uma vida humana? Ainda nesse cenário
violento, alunos saem da escola por medo de apanhar de outros colegas.
As seis realidades que nos são apresentadas deixa claro que há algo
errado, algo precisa ser mudado, algo fora do lugar. Não há uma relação
harmoniosa e respeitosa entre política educacional, alunos, direção e
professores e, sim, um colapso na educação, parece que o problema vai além

144
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

da aparência denunciada no documentário. O problema parece que vem da


alma. Temos que caminhar para outra proposta de civilização onde seja
presente o respeito ao semelhante, a solidariedade, o companheirismo, o
amor e a paz. Ações supostamente para resolver ou só mais uma fonte de
ganho para aqueles que supõe ser pessoas de bem, de um sistema corrupto?
O documentário mostra várias faces de uma educação dita como
“igual”, aborda vários ambientes escolares espalhados pelo Brasil, bem como
ressalta perfis de alunos diferentes, conforme o contexto analisado. Será que
vamos ficar como meros expectadores eleitores ou vamos dar o primeiro
passo rumo ao mundo próspero e melhor?
Essa experiência fílmica nos despertam sentimentos de revolta, dó, dor,
impotência, indignação, incapacidade, repugnância.... Na ótica e escuta do
documentário "Pro dia nascer feliz".
Não distante de nossas realidades analisemos agora, de forma
comparativa o estudo público e privado conforme o contexto observado.
A cada escola observada nos conscientizamos dos problemas e
dificuldades particulares de suas realidades, enquanto umas apresentam um
quadro de profissionais descomprometidos com o ato de ensinar, em outros
o desinteresse do aluno fala mais alto aliado à falta de estrutura familiar.
Temos ainda que pensar na precariedade de alguns prédios escolares.
Analisando como uma balança de pratos, de um lado falta compromisso e de
outro excesso de cobrança. Os pratos nunca em mesmo nível, passa um pelo
outro em um sobe e desce constante. De um lado alunos da escola privada
são cobrados até mesmo mais do que suportam, causando assim distúrbios
emocionais para eles e para aqueles que naturalmente lhes cobra resultados.
Voltando nosso olhar para os governantes, não são eles que deveriam
promover uma educação de qualidade, e o que fazem da mesma? Com a
nossa atenção ainda no documentário, claramente nota-se a falta de apoio à
escola por parte do governante local. Tanto no âmbito material, físico, quanto
no apoio aos seus funcionários.
As representações sociais dentro deste contexto e as relações
interpessoais, comportamentos orientam novas perspectivas de pesquisas.
Sabemos que para analisar o sistema educacional público e privado, não
podíamos deixar de mencionar as habilidades do bom professor, sendo ele
comum entre os seguimentos público e privado, o dinamismo, o
conhecimento e a paciência destacam entre elas.
No ensino público, o professor se baseia em elementos específicos das
representações sociais como: compromisso, comunicação e dedicação. No
ensino privado: didática, criatividade e domínio.

145
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Também há de se pensar que cada grupo pode ou demonstra ser


influenciado pelo seu público alvo. A instituição escolar vem sofrendo
adaptações em consonância com as diretrizes da lei do setor. Mudanças que
afetam diretamente a prática docente e o dimensionamento do seu papel
social e suas habilidades. Pesquisas conduzidas por Abramoway (2003) em
14 estados brasileiros destaca-se nas falhas dos professores à importância
atribuída a relação interpessoal na prática docente. Em tempos
contemporâneos à pesquisa revela que os professores narram construir
expectativas e baseiam-se muitas vezes em estereótipos, nas relações que se
manifestam no espaço escolar. Este estudo é corroborado por estudos
realizados por Alves, Mazzotti e Wilson (2004) e Filho (2005), mostrando que
os professores são influenciados pela interação social, por sua percepção
positiva ou negativa dos alunos.
O professor em suas representações sociais são elementos do universo
retificado que definem um bom professor como alguém competente e
responsável que incorporam elementos atualizados referentes ao tempo
histórico-social em que se passa a prática educacional do grupo. Ideia esta
apresentada por Almeida e Costa (1998).
Participação das esferas públicas e privadas na educação do Brasil são
os pais, professores, alunos, profissionais diversos, gestores públicos,
intelectuais... Estes são os atores que indireta ou diretamente estão
envolvidos no sistema educacional.
Assim como salienta Cilly (2001), faz da área educacional um campo
privilegiado para se observar como as representações sociais se constroem,
evoluem e se transformam no interior dos grupos sociais, e para elucidar o
papel dessas construções nas relações desses grupos com o objetivo de sua
representação (p. 322).
A escola carrega as contradições de tempo entre o passado e o presente.
Silva (2004) mostra que as representações sociais dos professores sobre o
aluno do ensino público o vê como um desfavorecido na aprendizagem,
principalmente pelo seu contexto social.
Já com relação ao aluno da escola privada, o professor se sente
intimidado com o poder que os alunos têm e se ressente em ter que se
desdobrar para satisfazê-los. O ensino público e privado no Brasil apresenta
características muito dispares e provocam, consequentemente,
representações diferenciadas, tanto nas relações dos professores e alunos,
quanto a do professor com sua prática.
O ideológico sempre permaneceu entre a escola pública e privada no
serviço oferecido à população.

146
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Na ótica do discurso de Tedesco (1991), os propósitos socializadores


dessas instituições. No passado, limitava entre a Igreja e o Estado. Na
atualidade, instituições privadas laicas – questões ideológicas e financeiras.
Tedesco (1991), apresenta quatro motivos para Expansão do Ensino privado
no Brasil:
• Instituições religiosas manifestam mesmo após o estado assumir
seu papel.
• Melhoria da qualidade de serviços.
• Necessidades da participação dos pais nas decisões da escola.
• Revalorização da educação na produção de mão-de-obra
qualificada.
Segundo Arelaro (2007), o ensino fundamental precário é oferecido na
esfera pública que passa do estado para o município sem qualquer
preparação. Torna-se a privatização dessa etapa em busca da eficiência
perdida. Entre outras experiências, na escola privada é o aluno, centro do
processo e satisfazê-los é a origem e o resultado de toda ação. Sintonizando-
os com as demandas do mercado. A trajetória foca a favor da clientela. Na
escola pública, a legislação garante ao estudante o direito a educação. As
práticas escolares muitas vezes se afastam dessa ideia objetiva destorcida não
priorizando ações para a melhoria e desempenho do aluno. Causas como
adoecimento de professores, violência dentro e fora da escola.
Atualmente, existem exames nacionais para medir o desempenho de
conhecimento escolar podendo levar um olhar aprofundado para dentro da
escola. As habilidades educativas e o social e suas representações: algumas
características principais são enfatizadas por Denise Jodelet (2001), grande
colaborador, Moscovici da teoria. “[...] é uma forma de conhecimento,
socialmente elaborada e partilhada, com objetivos práticos e que contribui
com a construção de uma realidade comum a um conjunto Social” (p. 22)
juntamente com (Dele Prette & Dele Prette (2001), Abri (1994).
Olhando para o cenário da Educação, precisamos também considerar as
ações de Inclusão X Exclusão. Vasculhando o universo educacional, a
inclusão escolar é um movimento social que visa modificar as relações
criadas com as pessoas chamadas portadoras de deficiências. A legislação
atual prioriza a inclusão do aluno no ensino regular, trabalhos de apoio ao
ensino regular, sem a necessidade de categorização chamada de exclusão. E
o que temos a dizer do adversário em campo? Começamos por defini-lo: A
exclusão se apresenta como dificuldades ou problemas sociais que levam ao
isolamento e até a discriminação de um determinado grupo. É considerado o
ponto máximo atingível no percurso da marginalização, um processo no qual

147
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

o indivíduo vai se afastando da sociedade através de rupturas consecutivas


com a mesma.
Já na inclusão, é um movimento mundial de luta das pessoas com
deficiências e seus familiares na busca de seus direitos e lugar na sociedade.
A inclusão vem buscando a não exclusão, propõe ações que garantam acesso
e permanência no ensino regular.
A inclusão escolar é acolher todas as pessoas, sem exceção, no sistema
de ensino, independentemente de cor, classe social e condições físicas e
psicológicas. Ou seja, uma criança portadora de deficiência não deve ter de
procurar escola especializada.
Geralmente a exclusão escolar se manifesta da seguinte forma: acontece
pela falta de aperfeiçoamento permanente dos profissionais da educação e do
aprimoramento das práticas pedagógicas. Onde cabe se reforçar a
necessidade de um modelo didático-pedagógico e de gestão educacional
capaz de atender e acolher as diferenças.
Sabe-se que a antinomia exclusão/inclusão significa o direito à satisfação
das necessidades básicas de aprendizagens, a eliminação das barreiras à
aprendizagem e a participação de todos no sistema educativo. Leva em conta
a especificidade do sujeito e não mais as suas deficiências e limitações.
Devemos acreditar que as modificações são necessárias para que ocorra
de fato a inclusão, não apenas no papel, ou na presença física dos alunos na
escola. Dentre as modificações necessárias, podemos citar a criação de
Políticas Públicas eficientes que revertam: a deficiente qualificação do
profissional da rede de ensino; a resistência do sistema educacional de ensino
em receber alunos com deficiência em seus estabelecimentos de ensino; a
inexistência de material adequado para o atendimento do aluno; o número
excessivo de alunos na sala de aula, dificultando o acesso e permanência com
qualidade do aluno com deficiência; a insuficiência de transporte público
adequado, entre outros fatores observados. Portanto, as mudanças são
fundamentais para inclusão, mas exige esforço de todos, possibilitando que
a escola possa ser vista como um ambiente de construção do conhecimento,
deixando de existir a discriminação de idade e capacidade.
Entende-se que a inclusão não depende apenas, da formação dos
professores, mas sem formação que contribua para atenuar receios e mitos
socialmente construídos e que dê segurança para a prática de ser implantada,
dificilmente teremos uma escola para todos na sua verdadeira aceitação,
respondendo aos alunos de acordo com as suas potencialidades e suas
capacidades.

148
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Assim sendo, fica claro perceber que a inclusão é um processo complexo,


que precisa ser bem discutido, onde a escola faça uma inclusão responsável,
não apenas para obedecer à lei. A problemática é: esperar a escola ficar pronta
para receber as crianças com deficiência ou através desta inclusão buscar as
mudanças? O que se tem bem definido entre os teóricos é que a escola não
pode mais fechar as suas portas para diversas formas de ser e de aprender, e
que chegou a hora de rever seus conceitos sobre as pessoas com deficiência e
a educação.
Agora que analisamos, pensamos e refletimos sobre rico material a nós
apresenta em forma de documentário e textos amadurecemos ideias e
estratégias de como melhorar a Educação.
O documentário “Pro dia nascer feliz” gravado em 2004 retrata o
cotidiano escolar em diferentes realidades e possibilita que o público
compreenda as instituições de ensinos e os alunos participantes do
documentário considerando tais realidades. No âmbito da relação aluno X
professor, o documentário demonstra o quanto essa relação pode ser
benéfica ou não para ambos. Da mesma forma que o aluno demonstra
desinteresse, o professor também se sente desinteressado em ensinar. No
entanto, existem alunos que manifestam o desejo de aprender, mas alguns
professores não manifestam o desejo de ensinar.
No documentário isso fica evidente principalmente nas instituições
públicas. Há uma dificuldade em estabelecer uma relação aluno-professor
que beneficie o processo de aprendizagem. Dessa forma, o professor que em
sua prática profissional apresenta boa didática precisa ser um professor
motivado, que entenda o seu papel de educador, de organizador da
aprendizagem. Indo além, o professor precisa compreender e considerar o
contexto sociocultural dos alunos para adequar a sua prática a realidade
desses, pois como foi demonstrado no documentário, muitas vezes o
desinteresse do aluno em aprender decorre de algum problema familiar,
pessoal ou até mesmo institucional. Precisamos também ter um olhar especial
na dualidade do professor em relação aos métodos de avaliação.
No conselho de classe de uma escola pública demonstrada no
documentário, as professoras discutem se o aluno deve ser aprovado pelo
bom comportamento, mesmo tendo notas insuficientes e não ter aprendido o
conteúdo. Observa-se o desejo das professoras em incentivar o
comportamento do aluno, mas por outro lado há a dificuldade de não
considerar a avaliação quantitativa. Com isso, as características principais
que um bom professor deve ter: Motivação; desejo de ensinar e aprender com
os alunos; empatia; ter sensibilidade para compreender a realidade dos

149
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

alunos e incorporar isso na sua prática, escuta ativa, atualização constante,


além de claro, boa didática.
Podemos concluir que para o processo de inclusão escolar é preciso que
haja uma transformação no sistema de ensino que vem beneficiar toda e
qualquer estudante.
O vídeo deixa claro que os professores observados no documentário se
mostram insatisfeitos e desestimulados com a política escolar e também com
a falta de interesse do aluno.
Nessa perspectiva a especificidade do ensino público com
responsabilidades, criatividades, didática. Ocupa-se muito com os seus
cargos, salários, condições de trabalho, garantias e direitos. Na escola pública
o aluno tem o direito assegurado de estudar.
No ensino privado, acrescenta compromisso, comunicação, dedicação,
criatividade, didática se direciona mais a suas práticas aos alunos e pais
satisfeitos. Alto índice de aprovação com qualidade como comprova em
exames externos.

Segundo momento poetizando


Perpassando desafios diários
Em ensino público e privado
Vidas em turbulências...
Seria diferente se houvessem decolagens!
Vidas seriam aproveitadas, adolescentes crianças construiria um
amanhã humanizador.
O senário é diverso
Pais com baixos salários,
Sem heranças, sem estudos.
Muitos para sobreviver
O trabalho tem que enfrentar
A cidade tornou-se uma selva
De pedras disfarçadas em bibliografia citadas pelos que dizem ser,
classe alta da
Sociedade brasileira, enroupadas de escolas privadas ou talvez escolas
públicas?
Cenário que não pertence a burguesia:
Péssimo salário, desestimulado, desvalorizados
Talvez com esperança de futuro melhor.
Será que falta meios motivador...
Será que alguém se interessa por aqueles que são problemas para
sociedade.

150
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Fingem preocupar-se
Ou é coisa do sistema.
Demagogia nacional ou fardo real
Afinal ficamos sentimental.
Realidades, verdades ou informações nas análises.
Primeiramente prioridades
Pernambucanas;
A pequena Clauce ao nordeste luta
Cotidianamente por um ambiente
favorável ao seu desenvolvimento intelectual e geral
É gritante a precariedade física da escola.
Deveria ser um lugar de permanência
dos adolescentes e crianças.

Segunda realidade Valeria poética,


escreve e almeja o apoio dos quais deveriam apoiar.
E as gurias esforça ser
proprietária de seu aprendizado.
A missão de ensinar está para os professores, que ali não exerce sua
função.
Alunos estão ao relento fora da escola.
Fazendo o que!
O que fazendo!

Terceira realidade Rio de janeiro/Duque de Caixas


Em meio turbulências Douglas presencia criminalidade, tráfico.
Revoadas de músicas proporciona
nascer horizontes promissores.
Estímulos ou controversas decisões educacionais assertivas ou errôneas
ao decidir o futuro do adolescente, na progressão escolar

Quarta realidade escola da periferia na terra da garoa


Adentramos deparamos com estrutura boa, cadê as cores, raios e
trovões assustam a todos.
Assusta os educadores causas psicológicas, vulnerabilidade.

Quinta realidade, escola particular


Exaustivas cobranças, parte da escola e pais
Consequências emocionais são gritantes
Gigantes frágeis debruçam com seus fardo.

151
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Sexto caso extremo acontecimento


Vidas freadas motivos banais
Pavios da tolerância inexistente
Houve trajetória humanizada? Racionais ou irracionais
Valores, crenças... vazios humanos

Realidades irreal mudanças urgentes


Sumiu, o que: harmonia respeito, política pública, alunos, direção,
professores...
Colapso na educação
Conjuga além da aparência vem da alma
Almejar uma civilização respeitosa
Ao semelhante solidária/os companheira/os
Um caminho com intercessão
Rumo ao sucesso da nação civilizada
Livre do sistema corrupto de uma educação igualitária
Entre tantos estabelecimentos
Escolares espalhados por esse Brasilzão

Experiências fílmicas
Despertam a revolta, dor, dó, importância, indignação, incapacidade,
repugnância...
Assisto ou escuto leio um documentário.
Dentre estás comparações a educação se fragiliza entre público e privado
apontando entre pesquisas e pesquisados
Argumentos favoráveis e desfavoráveis
Caminha arrastando assim
Adolescentes e crianças agonizantes ao querer afiar seu intelectual.

Supostamente normalizadas a fim de consolidar o próspero das Leis de


diretrizes e o PPP, capaz de abranger toda e qualquer clientela
De ser um professor, coparticipando,
Dessa importante temática.

Referências
ABRAMOVAY, M. Escola e violência / Miriam Abramovay et alii. – Brasília :UNESCO, 2002.
154p. Disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000128717>. Acesso em:
20.03.2021.
ALMEIDA, A. M. & Costa, W. A. A construção social de um boa/m professora/or. In D. C.
Oliveira &A.P. Moreira (Orgs). Estudos interdisciplinares de representações sociais. (PP.
251-269). Goiânia: A.B, 1998.

152
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

ALVES-MOZZOTTI, A. J.; WILSON, T. C. Relação entre representações sociais de “Fracasso


Escolar” de professores do Ensino Fundamental e sua prática docente. Revista Educação e
Cultura Contemporânea, Vol. 1, Nº 1, 2004. Disponível em: <http://revistaadmmade.
estacio.br/index.php/reeduc/article/viewArticle/1987>. Acesso em: 20.03.2021.
ARELANO. Educação e sociedade, 28, 55-98, 2007. Acesso em: 20.03.2021
ARGYLE, M. & KENDAN, A. Advances em experimental social Pychology, 1967, 3, 55-98
CILLY, M., representações sociais um domínio em expansão. In Jodelet, D. (Org.) As
representações sociais (PP. 17-44) Rio de janeiro: ED.UERJ, 2001.
NEGREIROS, P. R. V. de. Séries no ensino privado, ciclos no público: um estudo em Belo
Horizonte. Cadernos de Pesquisa. [online]. 2005, vol.35, n.125, pp.181-203. ISSN 1980-
5314. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0100-15742005000200010>. Acesso em:
20.03.2021.
PISICOLOGIA EM PESQUISA |UFJF| A4(01)|54-64| Janeiro – Junho de 2010.
PRETTE, (2001) psicologia escolar, saúde e qualidade de vida: explorando fronteiras campinas:
Alínea.

153
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

154
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA ESCOLA


A percepção de professores quanto às doenças neurológicas

Érika Regina Caporal Costa BATISTA1


Érika BRAGHETTO2
Inês Maria Silva Barros MAZER3
Ricardo Luiz dos REIS-SANTOS4

O objetivo da pesquisa foi verificar a percepção de professores quanto a


comunicação entre escola e família quando o aluno apresenta doença
neurológica, se há diagnósticos desses alunos e como se dá a relação escola –
família no aspecto de comunicação e informação sobre esses alunos.
Doenças neurológicas são doenças do cérebro, medula espinhal e
nervos. Juntos, controlam todo o funcionamento do corpo. Quando algo está
errado, com uma parte do sistema nervoso, pode haver problemas na
locomoção, fala, deglutição, respiração ou na aprendizagem. Além de
problemas com a memória, os sentidos ou humor (MEDLINEPLUS, 2010).
Há mais de 600 doenças neurológicas. Os tipos principais incluem:
doenças causadas por genes defeituosos, tal como distrofia muscular;
problemas com o modo como o sistema nervoso se desenvolve, como espinha
bífida; as doenças degenerativas, onde as células nervosas são danificadas ou
morrem, como a doença de Parkinson e doença de Alzheimer; as doenças dos
vasos sanguíneos que alimentam o cérebro, como Acidente Vascular Cerebral
(AVC); lesões da medula espinhal e do cérebro; distúrbios de apreensão, tal
como a epilepsia; câncer, como tumores cerebrais; e infecções, como
meningite (MEDLINEPLUS, 2010).
Reed (s/d) ressalta que as doenças neurológicas podem ter diferentes
origens: genética ou hereditária; congênita, ou seja, dependente de um

1
Pedagoga pela Universidade de São Paulo FFCLRP, mestre em Educação Escolar pela FCLAr UNESP,
especialista em Ética, valores e saúde na escola pela USP/UNIVESP, professora de educação básica I e II na
rede pública municipal de Ribeirão Preto/SP. Email: erikaped30@gmail.com
2
Professora de educação básica II (prefeitura municipal de Ribeirão Preto); professora de educação básica I
(prefeitura municipal de Sertãozinho); graduada pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (2006);
Especialização em ética valores e saúde na escola (FFCLRP-USP/UNIVESP 2012); Extensão Universitária: AEE
Educação Especial e Inclusão Faculdade São Luíz de Jaboticabal (2016).Email: erikabraghetto@yahoo.com.br
3
Professora de Educação Básica do Município de Ribeirão Preto/SP. Possui licenciatura plena em Pedagogia
(Faculdades Bandeirantes/FABAN) e Letras (Associação Faculdade de Ribeirão Preto/ AFARP). Especialista
em Ética, Valores e Saúde na escola (FFCLRP - USP/Univesp) e Psicopedagogia Clínica e Institucional (Centro
Universitário Barão de Mauá).Email: inesmazer@gmail.com
4
Professor da Educação Básica III - Educação Física (Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto/SP), Mestre em
Ciências (PPG Saúde Pública FMRP-USP), Especialização em Ética, Valores e Saúde na escola (FFCLRP-
USP/UNIVESP), Especialização em Planejamento Educacional e Políticas Públicas (UGF), Licenciatura Plena
em Educação Física (FC-UNESP).Email: ricardosantos@usp.br

155
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

distúrbio do desenvolvimento embrionário ou fetal do Sistema Nervoso


Central ou Periférico, pode ser adquirida, ou seja, ocorrendo, com maior ou
menor influência do ambiente, ao longo dos diferentes períodos da vida,
desde a fase neonatal até a velhice.

Aluno deficiente na escola

A partir do século XX iniciou mais efetivamente a aceitação do deficiente


nos contextos sociais, momento em que se aplica a sua desinstitucionalização
e educação escolar. O movimento histórico de inserção dos alunos com
deficiência passou por três grandes períodos: a exclusão total, a integração
social e escolar e a inclusão social e escolar.
Nas práticas segregacionistas iniciais, que buscavam educar o deficiente
entre seus iguais, afastando-os do restante da sociedade, a deficiência era
tida como própria do indivíduo e a ciência empenhava-se em caracterizar
e categorizar os distúrbios a partir de um modelo médico da deficiência,
amparado na categorização, na prevenção e na busca de cura (ANDRADE;
ANJOS; PEREIRA, 2009, p. 117).

Historicamente no Brasil, os movimentos de integração e inclusão


- social e educacional, foram essenciais para que o atendimento educacional
para pessoas com deficiências pudessem iniciar uma longa caminhada em
busca de seus direitos essenciais, à saúde, educação, ao lazer, enfim de
participar de maneira mais ativa da sociedade.
O movimento de integração escolar não teve início com o surgimento
das APAES (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais) que no Brasil
surgiram por volta da década de 1950, mas sim com o surgimento de
instituições religiosas e filantrópicas preocupadas em proteger e cuidar das
pessoas que apresentassem algum tipo de deficiência.
Destacamos que no Brasil nas décadas de 1970 e 1980 do século XX,
possivelmente por influência dos movimentos internacionais que
impulsionaram a aceitação de pessoas com necessidades especiais na
sociedade, bem como pelas legislações que reafirmavam os pressupostos já
existentes em documentos como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948) e a Declaração dos Direitos do Deficiente (1975), nota-se que
por iniciativa da sociedade civil ampliaram-se as instituições filantrópicas
que ofereciam atendimento as pessoas caracterizadas como “deficientes” ou
“incapazes”.
O movimento de Inclusão Escolar no Brasil encontra-se em construção
envolvendo questões políticas, sociais e educacionais quanto,

156
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

A difusão das ideias inclusivas adotadas no Brasil como linha política e a


decorrente decisão de matricular na escola regular os alunos com
deficiência trouxeram à luz o fato de que concepções e práticas
segregacionistas, integracionistas e inclusivistas convivem e se enfrentam
no cotidiano das escolas (ANDRADE; ANJOS; PEREIRA, 2009, p. 117).

Diante da constituição do movimento de Inclusão Escolar surge a


necessidade de se repensar a formação de profissionais da Educação que
atuarão com os alunos incluídos nas escolas regulares. Tais profissionais se
encontram diante de uma dialética, pois
Quando se busca nas falas dos professores os processos de produção de
sentidos acerca da experiência da inclusão, deve-se levar em conta que tal
processo incorpora o fazer/pensar concreto dos professores em sua rede de
relações; aponta, portanto, elementos muito mais significativos para uma
análise do processo inclusivo do que simplesmente comparar o que deveria
ser a inclusão (ANDRADE; ANJOS; PEREIRA, 2009, p. 118).

Historicamente, a pessoa com deficiência por um lado enfrentou e ainda


enfrenta certa desvalorização social e em contrapartida o avanço quanto a
concepção de “deficiente” e “escola inclusiva” nota-se que
Nesta relação de contradição, negação e afirmação que a Educação
Especial vem se constituindo historicamente como aquela que atende
indivíduos que fogem dos padrões considerados normais, constituídos
na sociedade capitalista (MICHELS, 2005, p. 257 ).

Formação de professores

A formação de professores é uma temática amplamente discutida nas


pesquisas educacionais brasileiras (FREM-DIAS-DA SILVA, 1998; ANDRÉ,
2001; GIOVANNI (Org.), 2007) e revelam a necessidade de se identificar o
significado da ação docente diante dos desafios do século XXI. Um dos
maiores desafios deste século é, sem dúvida, a Inclusão Escolar. Para atender
de modo digno aos alunos com necessidades especiais, os profissionais
necessitam de apoio técnico, formação continuada e adotar posturas éticas
diante da escola, bem como da Educação como um todo.
Michels (2005) destaca a importância da formação de professores para
lidar com educandos no âmbito da educação especial. Ela relata a
contribuição decisiva da formação num sentido mais amplo, isto é, além do
modelo médico-psicológico, que atualmente é o modelo hegemônico. Sugere
uma compreensão da deficiência e da ação pedagógica como um fato social.
Pode-se dizer que a construção do próprio educando e do educador se dá
através das relações sociais.

157
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Nesse sentido, a educação em neurologia contém aspectos importantes,


na garantia da qualidade e melhoria contínua na prestação do melhor
atendimento às pessoas com distúrbios neurológicos. Destaca-se, portanto, a
formação inicial, a pós-graduação, formação continuada de trabalhadores
que interagem em ambientes que existem pessoas com distúrbios
neurológicos. Com isso, há uma melhora no atendimento e um enfoque mais
adequado a essas pessoas (WHO, 2006).
Quando abordamos as temáticas: saberes docentes, Inclusão Escolar
e atendimento escolar para alunos com doenças neurológicas, cabe refletir
sobre o como vem sendo formados os professores que atualmente ocupam as
salas de aula e que lidam com a diversidade dos alunos. Pois,
No âmbito da educação, se têm vivido momentos de reflexão e de
profundas mudanças no que se refere à educação inclusiva. Lidar com a
diversidade sempre foi um grande desafio para os profissionais da
educação acostumados com a falsa noção de que a sala de aula deve ser
vista como um todo homogêneo, porém nos tempos atuais, as consciências
se abrem para a importância de se incluir no ambiente escolar os
indivíduos portadores de necessidades especiais (BARAGATTI & COL.
2009, p. 123)

Para isso, nada melhor do que refletirmos historicamente sobre a


profissão docente, como por exemplo, o Pedagogo, cuja ação por excelência
é a docência entretanto,
A análise histórica do surgimento do pedagogo, isto é, da figura do egresso
diplomado num Curso de Pedagogia, se vem percebendo que muito dos
fundamentos de sua formação foi calcado segundo interesses político-
econômicos e inculcação ideológica. Esses interesses encontraram forte
expressão no movimento ditatorial de 1964; a ditadura prejudicou, no
Brasil, melhor inserção dos elementos de ruptura engendrados em 1968, a
partir das barricadas da juventude francesa, elementos que, certamente
favoráveis às massas trabalhadoras, muito positivamente teriam
influenciado para uma formação crítica do pedagogo. (SANTOS; SANTOS,
2006, p. 4)

Questões históricas e políticas envolvem a profissão docente por isso há


necessidade de uma formação crítica, que prepare os docentes, sejam quais
forem suas áreas de especialidades para que atuem utilizando a reflexão na
prática e não apenas refletir por refletir, sem propósito algum, mas sim com
mais propriedade do conhecimento adquirido.
Para que a prática docente seja de qualidade, necessita-se de boa
formação de professores nos níveis de graduação e pós-graduação, pois

158
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

O trabalho pedagógico sempre se situa no meio de um conflito ideológico,


que interfere de forma preponderante na vida escolar. O pedagogo
continuará sendo visto simplesmente como aquele que detém um poder
junto à direção, caso não tenha consciência, ele mesmo, de seu verdadeiro
papel de elemento mediador e articulador do conhecimento, e caso não
compreenda em profundidade a sua relação com os pares da escola
(SANTOS & SANTOS, 2006)

Nota-se que a Educação Brasileira precisa desvincular e ao mesmo


tempo reavaliar a função do Pedagogo, bem como dos especialistas que
atuam como Gestores escolares, pois ser gestor do ensino também é parte da
profissão docente que extrapola os saberes práticos e teóricos.
É na atuação docente que se pode aplicar os princípios da
interdisciplinaridade e transversalidade objetivando práticas
contextualizadas. Justificando que,
A atuação do professor não consiste em solucionar problemas como se
fossem nós cegos que, uma vez solucionados, desaparecem... o cerne do
processo educativo reside na escolha de modelos de desenvolvimento
humano, na opção entre diversas respostas face às características dos
grupos e aos contextos sociais: o professor é um gestor de dilemas. (FREM-
DIAS-DA-SILVA, 1998, p. 01)

Moreira e Baumel (2001) descrevem a marcante influência da área


médica na Educação Especial, fazendo com que o professor especialista seja
um profissional que na prática atua sobre a deficiência do aluno, ou seja, o
especialista em alguma deficiência, realizando diagnósticos, planejamentos,
avaliações – como todo professor – mas enfatizando a deficiência e buscando
avanços positivos.
Caso esse profissional necessite atuar na rede regular – pois ele é
habilitado para tal - enfrenta ou enfrentará as mesmas dificuldades do
professor que atua na rede regular, com uma diferença, o especialista atende
um número menor de crianças com dificuldades acentuadas, o professor da
sala regular atende em média de 35 a 40 alunos e quando há um caso de
inclusão, ele atende “todos” mais o aluno incluído. É neste ponto que se dá a
contradição da implantação da inclusão escolar.
Com relação a prática docente, Charlot (2006) afirma que cada um tem
uma experiência de educação, a sua ou a de seus filhos, e "sabe", ou acha que
sabe, alguma coisa. Mas não se pode confundir ter uma opinião (dizer o que
acreditamos, a partir de uma experiência pessoal) e produzir um saber (um
discurso no qual a significação das palavras é controlada, no qual levamos
em conta diversas formas de colocar o problema, vários pontos de vista, no

159
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

qual nos apoiamos em provas que podem ser verificadas por qualquer um).
Quem deseja fazer pesquisa em educação deve sair da esfera da opinião e
entrar no campo do conhecimento.

Relação escola-família

A educação como meio de aperfeiçoar as aptidões físicas, intelectuais e


morais acontece no convívio familiar como em sala de aula. A construção de
mundo e a compreensão do universo escolar e do sentido da aprendizagem
serão facilitadas se houver consistência entre o que a criança vivencia no
ambiente de ensino e nos demais a que pertence.
A necessidade de consistência e de articulação entre os diversos
contextos coloca os pais e outros responsáveis na estratégica posição de
articuladores e mediadores. São eles que podem fazer fluir a comunicação
para integrar os envolvidos no trabalho que visa ao bem-estar e
desenvolvimento dos pequenos. Essa mediação possibilita também que a
família se beneficie de ofertas de aprendizagem, adaptações e flexibilizações,
valendo-se delas para dar continuidade a essas práticas no cotidiano dos
filhos em casa.
Porém, estas considerações estão um tanto quanto distantes da
realidade. A relação entre a escola e a família é, sobretudo nos dias de hoje,
uma das mais palpitantes questões discutidas por pesquisadores e/ou
gestores dos sistemas e unidades de ensino. Observa-se a ausência da
participação da família no ambiente escolar, especialmente para tratar das
dificuldades de aprendizagem que provem de deficiências que o aluno possa
ter. Quando o professor não encontra estas informações, sente dificuldade em
trabalhar com estes alunos uma vez que precisa conhecer a especificidade de
cada um para buscar êxito no processo ensino e aprendizagem.
Segundo Filho (2000, p. 44),
seja devido a mudanças pelas quais nas últimas décadas têm passado a
família, seja em face das constantes e, às vezes, radicais alterações
observadas na escola, bem como da consequente discussão (e incertezas)
acerca do lugar dessas instituições na formação das novas gerações,
observa-se hoje uma exaltação da necessidade de se estabelecer um efetivo
diálogo entre a escola e a família.

De uma maneira ou de outra, não se pode negar que a escola faz parte
da vida cotidiana de cada família. Desta forma, mesmo que inúmeros fatores
intervenham na relação entre família e escola como, por exemplo, (estrutura
e tradição de escolarização das famílias, classe social, meio urbano ou rural,
número de filhos, ocupação dos pais, etc.), devemos buscar esta parceria e

160
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

dar importância a ela. A busca do professor por informações sobre


transtornos e síndromes é, sem dúvida, importante. Mas, para compreender
o estudante em si mesmo, é preciso recorrer à família. Só ela pode revelar
com clareza a criança em sua subjetividade e particularidade. Por isso, a
relação com ela deve ser valorizada.
Justificativa
A escola é um dos espaços essenciais para o desenvolvimento humano,
desse modo, considera-se que os profissionais que nela atuam devem
constantemente buscar o conhecimento objetivando melhor atender os
alunos. Pensando assim, obter informações sobre doenças neurológicas é
parte do processo de formação do educador.
Verificar na visão dos professores quanto a comunicação entre escola e
família, quando o aluno apresenta uma necessidade educacional
diferenciada.
Alguns estudos realizados sobre saúde na escola como Braga & Nonose
(2008) demonstram a importância da abordagem no contexto escolar de
temáticas que envolvam a saúde, como prática de vida, bem como a formação
de professores para a promoção de uma ação docente efetiva e preventiva
quanto as doenças neurológicas, de um modo geral, que possam atingir seus
alunos.
A partir disso, passamos a refletir sobre quais doenças neurológicas
existiam na escola que atuamos e como é a relação entre a escola e a família
quanto a comunicação e informação sobre possíveis doenças neurológicas
sob a óptica dos professores?
O registro de frequência de doenças neurológicas no contexto escolar é
baixo devido à ausência de informação que a equipe escolar possui sobre o
aluno, pois há uma falta de comunicação entre a escola e a família.
Considerando tal hipótese, elaboramos um problema de pesquisa, o
qual norteia nosso estudo nos fazendo buscar a possibilidade de
problematização quanto a frequência de doenças neurológicas em nossas
escolas.
Este estudo teve como objetivo verificar a percepção dos professores
quanto a comunicação entre a escola e a família quando um aluno apresenta
uma doença neurológica.

Metodologia

O estudo quanto a frequência de doenças neurológicas em contexto


escolar foi proposto como parte integrante do curso de especialização em

161
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Ética, saúde e valores na escola.


Iniciamos pela reflexão sobre a questão de pesquisa e em seguida pela
sequência metodológica que seguiríamos. Os dados foram coletados em três
escolas, sendo duas das redes públicas (estadual e municipal) e de uma escola
da rede privada. Decidimos pela realização de entrevistas semiestruturadas
com três professores de cada escola, totalizando 09 professores de 03 escolas
sendo uma escola da rede estadual, uma escola da rede municipal e uma da
rede privada.
O estudo foi realizado em escolas de ensino fundamental de 1º a 5º anos
das redes municipal, estadual e privada de um município do interior do
estado de São Paulo, teve como participantes 09 professores escolhidos
aleatoriamente para a entrevista.
A escolha pela entrevista semiestruturada se deu devido a possibilidade
de dar espaço ao entrevistado e simultaneamente obter os dados necessários
por meio de questões mais objetivas sobre o tema desejado.
Realizamos uma entrevista piloto numa escola da rede municipal para
validar o instrumento de pesquisa. Mediante ajustes aplicamos as entrevistas
semiestruturadas nas escolas, sendo que cada entrevistador registrou os
dados fornecidos pelos entrevistados.
O uso de entrevistas semiestruturadas que apresentam tópicos gerais
organizados por um roteiro, segundo Biasoli-Alves (1998) pressupõe uma
formulação de questões flexíveis e abertas, possibilitando ao sujeito que sua
fala expressasse seu modo de pensar sobre os temas apresentados.
As entrevistas semiestruturadas possibilitam a contextualização de
concepções gerais quanto a doenças neurológicas e a comunicação entre a
escola e as famílias, tais características estão presentes.
Na abordagem qualitativa, o pesquisador procura aprofundar-se na
compreensão dos fenômenos que estuda – ações dos indivíduos, grupos ou
organizações em seu ambiente e contexto social – interpretando-os
segundo a perspectiva dos participantes da situação enfocada, sem se
preocupar com representatividade numérica, generalizações estatísticas e
relações lineares de causa e efeito (ESCRIVÃO FILHO & TERENCE, 2006,
p. 02)

Análise dos resultados

A obtenção dos dados para análise, aconteceu através da realização de


entrevistas semiestruturadas com a participação de nove (9) educadores,
todos com formação em Pedagogia. Apenas um deles, além de Pedagogo, era

162
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

também graduado em Educação Física e pós-graduado em Educação Infantil


(este, cita, inclusive, despreparo para lidar com os alunos com NEE).
As entrevistas semiestruturadas realizadas nas escolas municipal,
estadual e particular trazem resultados significativos no que diz respeito à
falta de informação dos professores em relação à ocorrência de doenças
neurológicas dentro da sua sala de aula. Pode- se observar isso através dos
questionamentos que os educadores faziam aos pesquisadores, sobre o que
são consideradas e quais são as doenças neurológicas. Foi possível notar uma
insegurança para responder às questões, ao passo que os próprios
entrevistados deixavam claro não saber exatamente o que são ou como
identificar sintomas claros que denotem uma doença neurológica.
Portanto, esta falta de informação, a qual pode ser oriunda da formação
de base (graduação) e/ou da formação continuada (proporcionada pelas
instituições de ensino onde se atua ou procurada pelo próprio educador,
dando prosseguimento nos seus estudos), evidencia possivelmente as causas
dos educadores terem dificuldade para conceituar e identificar o que são
essas doenças.
Além desta problemática que relaciona os educadores e a falta de
informação sobre as doenças neurológicas, outra problemática foi observada:
segundo os entrevistados, a própria família dos educandos não contribui
para que se identifique ou para que se busque realizar os encaminhamentos
necessários para o possível diagnóstico das mesmas. A fala dos educadores 2
e 4 retrata este fato:
Estamos sempre informando a família sobre o desenvolvimento dos
alunos, mas infelizmente percebo que a família não demonstra interesse,
na maior parte das vezes não aceita, diz que é comum, que já levou ao
pediatra que informou que são atitudes de criança! (educador 2)

O educador 4 ressalta que o contato da escola/professor com a família é


“muito distante, nós não temos a informação, porque a família omite e não é
por aí.”
Ressalta-se, então, como fatores identificados como dificultantes para o
encaminhamento e possível diagnóstico das doenças neurológicas, a falta de
informação dos professores quanto a este tópico e a falta de
informação/contribuição por parte dos pais e /ou responsáveis no auxílio à
escola/professor na identificação e informação das características para o
conhecimento da história de vida da criança.

163
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Desta forma, esses dois fatores atravancam ou impedem que as crianças


obtenham os cuidados médicos necessários para o diagnóstico, tratamento e
acompanhamento no caso de doenças neurológicas nas mesmas.
Sabe-se que é cada vez mais comum a presença de alunos com doenças
neurológicas nas salas de aula ou com alguma NEE, porém o adequado
preparo dos profissionais de educação para atender essa clientela é
imprescindível para que este atendimento seja de qualidade.
Sabendo desta demanda crescente, os professores entrevistados deixam
claro acreditar na existência de crianças que apresentam doenças
neurológicas dentro de sua sala de aula, porém não há um embasamento
científico nas suas colocações. O professor 4 diz que tem um aluno na sala de
aula que apresenta algum tipo de NEE, porque a mãe comentou
superficialmente que o filho tem convulsões. O educador 1 relata que sua
aluna “apresenta comportamento infantil, gosta de chamar a atenção.” “Os
alunos apresentam distúrbios de comportamento”, diz o professor 5.
Uma análise mais esmiuçada, de acordo com as respostas advindas
destes professores, segue através dos dados correspondentes a esta pesquisa.
Dos nove (9) educadores entrevistados, sete (7) afirmam haver alunos
com doenças neurológicas em suas salas de aula. Apenas quatro (4) destes
educadores dizem possuir diagnóstico dos alunos, sendo dois deles
profissionais da rede privada de ensino e outros dois da rede municipal,
como mostra o quadro que segue:

Quadro 1. Diagnósticos mencionados pelos professores


Quantidade de
Profissional que
alunos que
Professor Diagnóstico possibilitou o
apresentam
diagnóstico
diagnóstico

Dois dos alunos: Neurologista e


Hiperatividade; Psicopedagogo
P1 Três (3)
--------------------- -----------------------
Um dos alunos: Dislexia Psicopedagogo

P2 Dois (2) Ambos: TDAH Psicopedagogo

DI (Deficiente
P3 Três (3) Neurologista
Intelectual)

P4 Um (1) Epilepsia Neurologista

Fonte: elaborado pelo autor com dados da pesquisa.

164
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Referente à frequência da família na escola, os quatro professores que


apresentaram seus alunos como tendo diagnóstico comprovado, afirmam
que a família comparece somente quando sua presença é solicitada.
Este fato implica no distanciamento da família no que se refere ao
ambiente escolar, ao passo que o ideal seria que estas famílias estivessem
mais próximas da escola, para auxiliar e contribuir com o desenvolvimento
do filho (a)/ aluno (a). O professor 7 relata o que percebe em relação ao
contato com a família: “A professora solicita a presença dos pais quando
necessário, mas os pais não fazem nada.” O mesmo profissional
complementa: “Há falta de apoio familiar na vida escolar do aluno. Não há
acompanhamento nas tarefas. Ultimamente as tarefas não são feitas, não
assinalam os bilhetes.”
O envolvimento da família na vida escolar das crianças e adolescentes é
fundamental para todos os inseridos na educação básica, tanto e
principalmente, para os alunos que apresentam dificuldades e/ou
necessidades especiais e específicas. Além de ser importante esta
participação, a mesma é garantida legalmente. O ECA (Estatuto da Criança e
do Adolescente), assevera em seu artigo 129, inciso V que os pais ou
responsáveis tem a obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar
sua frequência e acompanhamento escolar. (grifo nosso)
Além disso, seis (6) dos professores referem desinteresse ou não
aceitação por parte dos pais quanto à dificuldade dos filhos. Três (3) docentes
disseram que a família aceitou o encaminhamento disponibilizado pela
escola, mas não deram retorno neste sentido para a mesma.
Portanto, fica evidente que esta falta de proximidade e /ou troca de
informações atravanca o trabalho pedagógico e o desenvolvimento do aluno
por não haver uma comunicação constante entre esses órgãos, com a
finalidade de busca de soluções e superação das dificuldades apresentadas
pelos alunos.
Outro dado conseguido via pesquisa realizada é que todos os
educadores participantes disseram acreditar haver mais alunos com doenças
neurológicas nas salas de aula em que atuam, mas que não apresentam
diagnóstico de nenhum deles. Os números de alunos citados variam de um
(1) a quatro (4) por sala. Todos citaram o comportamento como base para esta
observação. Nota-se, portanto, uma falta de conhecimento científico por parte
dos educadores, já que usam como dado observacional apenas o
comportamento dos discentes, sem apontar referências mais precisas sobre
os sintomas que poderiam ser observados, caso estes profissionais tivessem

165
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

um aprofundamento no conhecimento das doenças neurológicas em sua


formação ou em formação continuada.
Assim como afirmam Monteiro e Manzini (2008), “As concepções
envolveriam, portanto, um repertório ou conjunto de conhecimentos
adquiridos no decorrer da história de vida das pessoas”.
Na última parte da entrevista, havia a possibilidade dos entrevistados
fazerem comentários gerais sobre a questão da incidência das doenças
neurológicas nas escolas. Surgiram questões como o grande número de
alunos por sala de aula, o que dificulta muito o trabalho Pedagógico; a
dificuldade em receber informações sobre os alunos; a falta de apoio familiar;
a dificuldade em lidar com discentes que apresentam dificuldades de
aprendizagem e a falta de apoio dos profissionais da saúde na escola. O
professor 5 relata que:
os pais dificilmente aceitam as dificuldades dos filhos e não contribuem
com a escola. Eles não tem interesse pela vida escolar dos filhos. É difícil
para o professor trabalhar hoje em dia. Eu não sei trabalhar com alunos de
inclusão. A sala é lotada e fica difícil lidar com todos e com todas as
dificuldades.

Diante de tais colocações e dos resultados aqui apresentados através do


Instrumento de Pesquisa realizado, pode-se dizer que aos educadores falta
uma base de dados mais completos em sua formação para o trabalho com
crianças que apresentam necessidades diferenciadas em sua aprendizagem.
O educador também não conta com uma percepção específica e peculiar na
sua observação sobre os sintomas que possam surgir na sala de aula, para
que se possa realizar correlações e encaminhamentos adequados.
Por outro lado, a falta de apoio familiar no que diz respeito à
contribuição com a escola na busca de soluções para as dificuldades dos filhos
há de ser considerada. Há uma não aceitação ou descomprometimento dos
pais em relação a este tópico. De acordo com o relato dos educadores, pode-
se observar que a família acaba transferindo a sua parcela de
responsabilidade na educação dos filhos, para a escola, se omitindo em
relação a mesma.
“Os profissionais precisam saber identificar os déficits existentes, porém
o complicado é que os familiares nem sempre se comprometem a ajudar ou a
colaborar para que isto seja possível”( Professor 2).
“Normalmente a resposta da família perante as nossas observações , a
princípio são negativas. Eles demoram a aceitar as dificuldades e
limitações dos filhos. Após serem solicitados por várias vezes, aceitam

166
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

procurar ajuda de um profissional, mas normalmente o diagnóstico


demora muitos meses para chegar a nossa mão.”( Professor 8).

Segundo Leite e Gomes (2010, p. 4)


A própria lei garante a participação no processo de ensino-aprendizagem
de seus filhos, todavia, nem sempre as famílias se dispõem a esta
participação. O dever da família com o processo de escolaridade e a
importância da sua presença no contexto escolar é publicamente
reconhecido na legislação nacional e nas diretrizes do Ministério da
Educação.

No entanto, esta relação dialética entre o que está implícito na lei e a


realidade vivenciada hoje nas instituições escolares, acaba deixando a cargo
das escolas buscar trazer os pais e /ou responsáveis para dentro da escola,
assim tentando minimizar os efeitos agravantes deste distanciamento e falta
de comunicação.
Sendo assim, é importante ressaltar que a escola tem como função
estimular a construção do conhecimento nas áreas do saber, consideradas
fundamentais para o processo de formação de seus alunos. É verdade que
a modernidade trouxe uma série de mudanças, inclusive na família, mas
tal realidade não isenta a instituição familiar de seu papel educador
primordial ao desenvolvimento e integração do filho a sociedade. (LEITE;
GOMES, 2010, p. 4)

Considerações finais

A inclusão escolar é um fato consolidado na realidade das escolas, após


a obrigatoriedade legislativa. A Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, aprova
o Plano Nacional de Educação (PNE). Este, em seu capítulo 8, trata da
Educação Especial, trazendo as diretrizes, objetivos e metas a serem atingidas
na próxima década. O PNE, garante a participação dos alunos que
apresentam necessidades educacionais especiais (NEE) na escola regular.
Desta forma, em decorrência dos trâmites legais (inclusive anteriores, como
a LBD 9394/96), as instituições regulares que oferecem a Educação Básica vem
recebendo uma demanda crescente de alunos reconhecidos socialmente
como “especiais”.
No entanto, apesar do tempo que passou em relação a efetivação da lei
e do aumento contínuo de um público que requer um atendimento
especializado, as instituições escolares ainda demonstram estar imersas em
grande dificuldade para lidar com o processo inclusivo.
A queixa advém de vários setores dentro da escola, principalmente do
Educador, conforme constatado nas pesquisas realizadas, os quais alegam

167
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

falta de preparo para lidar com alunos com necessidades educacionais


especiais. Através do mesmo veículo, pode-se observar também um
desconhecimento por parte dos educadores sobre o que são as doenças
neurológicas e quais são os sintomas provocados por tais doenças.
Lidar com a adversidade sempre foi um grande desafio para os
profissionais da educação acostumados com a falsa noção de que a sala de
aula deve ser vista como um todo homogêneo, porém, nos tempos atuais,
as consciências se abrem para a importância de se incluir no ambiente
escolar os indivíduos portadores de necessidade especiais. (TIRADENTES;
SOUZA; NETO; SANTOS; SANTOS e SOBRAL, 2009)

A falta de informação sobre as doenças neurológicas ou das dificuldades


peculiares apresentadas nas salas de aula, acaba dificultando a compreensão
por parte do professor das necessidades educacionais voltadas ao processo
de ensino e aprendizagem destes alunos e impossibilitando uma ação
pedagógica eficiente e qualitativa para os mesmos. Além disto, o não
reconhecimento dos sintomas possivelmente emitidos pelos alunos e a falta
de uma percepção do professor para o devido encaminhamento ao
profissional adequado, traz consequências que se arrastam por longos anos
na vida escolar do educando. Além de questões relacionadas à psicologia
(como por exemplo, a autoestima baixa, o que pode gerar vários problemas,
levando até à exclusão escolar), a possibilidade da obtenção de um
diagnóstico e do tratamento da doença e/ou dificuldade encontrada, acabam
se prolongando ou se tornando cada vez mais longínquos.
A questão da inclusão é um fato que não pode ser desconsiderada. A
busca de soluções para os problemas que surgem nas salas de aula devem
ocorrer através de informações e projetos de formação, proporcionados pelo
Governo, que devem oferecer cursos de formação continuada para os
profissionais da educação e também por parte do próprio educador, que deve
pesquisar, interagir com profissionais mais capacitados e especializados e
buscar informações com a família dos discentes, órgão indispensável para o
trabalho com todos os tipos de alunos, inclusive os incluídos.
A família, portanto, como primeiro órgão educativo, e como cuidadora
e observadora desta criança desde o nascimento, tem dados valiosíssimos
para auxiliar o professor na compreensão da dimensão global da criança em
questão. A troca de informações entre a família e a escola pode ser
considerado um dos pontos principais que pode fazer a diferença no trabalho
realizado com o aluno.
Porém, o que se observa é uma ausência dessas famílias na escola.
Segundo os dados colhidos pela pesquisa semiestruturada na parte de

168
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

comentários do professor, os pais demonstram resistência em aceitar as


dificuldades do filho, ou acabam frequentando a escola menos do que se
necessitaria. O problema maior é que a falta de informações entre a escola e
a família impede uma aprendizagem qualitativa e global, desfavorecendo
uma formação ampla e contextualizada.
Para que ocorra uma educação significativa para o aluno, de modo que
este tenha o preparo adequado para participar efetivamente como cidadão
na sociedade, ciente dos seus direitos e deveres, é essencial que aconteça uma
integração entre a escola e a família. Cada um desses dois órgãos educativos
deve ter ciência do seu papel e cumpri-lo eficazmente para o melhor
desenvolvimento do aluno/filho.
Fica a cargo das Instituições Educacionais, fazer o elo entre a família e
os profissionais especializados diante das necessidades educativas em
questão.
A família, além dos cuidados e obrigações intrínsecos e pertinentes a ela,
deve possibilitar o conjunto de informações claras e verdadeiras, para a
escola, a fim de que o conhecimento da história sociocultural da criança possa
ser veículo facilitador para a identificação das necessidades biopsicossociais
da mesma, contribuindo para que a criança possa se desenvolver dentro das
suas possibilidades, fazendo uso mais adequado das suas habilidades e
competências.
Assim, a interação e a troca de informações entre a família (primeiro
órgão educativo) e a escola (local responsável por continuar e ampliar a
educação em associação com a família), são fundamentais para o
cumprimento dos objetivos educacionais de formação humana.

Referências
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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

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170
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

LEAN CITY GAME


A proposal of serious game on lean manufacturing

Filipe Molinar MACHADO1


Franco da SILVEIRA2
Luis Claudio Villani ORTIZ3

Este artigo detalha os resultados de um estudo denominado “Lean City


Game – LCG”, que envolveu um grupo de 09 estudantes do curso Engenharia
Mecânica da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões, campus Santo Ângelo, usando uma série de simulações em técnicas
de Lean Manufacturing, para aprender sobre procedimentos de mapeamento
de fluxo de valor, quadro Kanban, sensos da qualidade, Just In Time, etc. O
estudo desenvolveu um procedimento próprio de simulação, combinado
com a orientação do professor, para apresentar procedimentos e conceitos de
produção enxuta, como as operações de trabalho funcionavam e até que
ponto a simulação oferecia oportunidade para exercitar capacidades de
ordem superior, como pensamento reflexivo e conceitualização abstrata.
Nesse contexto, o LCG investiu em dinâmicas de simulação capazes de
estimular o interesse dos alunos, instigando-os a solucionar os problemas que
devem emergir das suas próprias atividades, sendo que o professor, agindo
como orientador do processo, pode permitir o confronto entre as concepções
dos alunos e os conceitos científicos, além de possibilitar a inserção
de problemas reais relacionados à vivência dos alunos (WANG; TSENG,
2018).
Frente a este contexto, o LCG teve dois objetivos principais. Em
primeiro, buscou-se classificar, por meio da exposição didático-teórica da
literatura, os atributos da produção enxuta e suas ferramentas.
Posteriormente, se identificou quais foram os atributos mais importantes
para a simulação do LCG, para saber se há predominância de um grupo em
ralação ao outro. Por fim, através da uma simulação em sala de aula,
verificou-se se as ferramentas utilizadas seguem a lógica proposta pela
literatura.
Para tanto, o artigo inicia apresentando uma estrutura metodológica que
foi utilizada na parte empírica do estudo. Na sequência, apresentam-se os
resultados encontrados e, por fim, as conclusões do trabalho.

1
Universidade Regional Integrada - Departamento de Engenharia. E-mail: fmacmec@gmail.com
2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Departamento de Engenharia de Produção. E-mail: franco.da.
silveira@hotmail.com
3
Instituto Federal Goiano/ortizluis@bol.com.br

171
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Metodologia

O estudo consistiu em duas etapas: (1ª etapa) definir o contexto técnico


e propósito da dinâmica, a estrutura conceitual-teórica e a seleção da unidade
de análise e técnica de coleta de dados, conforme exibe a Figura 1; (2ª etapa)
realização da aplicação prática dos conceitos estudados, expresso pela Figura
2.
Figura 1 – Primeira parte, desenvolvimento da parte teórico-conceitual da simulação
do Lean City Game (LCG).

Na etapa de definição do contexto e propósito, a contextualização de


problemas nas práticas de Lean Manufacturing pode auxiliar o aluno a
melhor compreender a dinâmica dos exercícios simulados e a aplicação dos
conhecimentos adquiridos em situações reais. Na etapa de definição da
estrutura conceitual-teórica, o desenvolvimento da parte inicial da pesquisa
englobou diferentes fatores como às atividades de pesquisa e os
procedimentos determinados para a coleta de dados, que foram possíveis,
mediante a aplicação da revisão bibliográfica sistemática. O levantamento foi
realizado por meio de consulta em bases de dados, tais como: Google
Academic, ISI Web of Science e SciELO. A varredura foi caracterizada como
teórico-conceitual. O escopo da revisão da literatura incluiu artigos
publicados em periódicos e revistas que tratam de questões organizacionais,
simulação de negócios, técnicas de produção enxuta e ensino de engenharia.
Na etapa de seleção da unidade de análise e técnica de coleta de dados, o LCG
foi desenvolvido para testar o impacto de princípios de Lean Manufacturing
na disciplina de Gestão de Operações II, do curso de Engenharia Mecânica
da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, campus
Santo Ângelo, visando aprofundar os conceitos relacionados aos métodos
convencionais de planejamento e gerenciamento da construção civil. A

172
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

seleção da unidade de análise contou com a participação de 09 alunos,


durante 20 horas-aula (teoria e prática), no período compreendido entre
setembro e outubro de 2019.
Na segunda parte, a partir do fluxo ilustrado na Figura 2, observam-se,
de forma sequenciada, as etapas que necessárias para a realização prática da
pesquisa. A etapa de coleta de dados foi observada pelo preenchimento do
mapa de fluxo de valor (MFV), técnicas de sensos da qualidade, Just In Time,
quadro Kanban e separação das atividades operacionais de cada integrante
da equipe.
Figura 2 – Segunda parte, desenvolvimento da simulação do LCG em ambiente de
sala de aula, com avaliação dos resultados e preenchimento de relatório de
melhorias.

Na etapa de análise dos dados e planejamento das ações, fez-se o estudo


teórico-prático, como forma de conhecer as áreas de lean manufacturing. Na
etapa de implementação das ações, as equipes praticaram a simulação dos
pedidos propostos pelo cliente fictício. Por fim, na etapa de avaliação dos
resultados e geração do relatório, cada equipe estruturou um relatório das tarefas
desenvolvidas e os pontos de melhoria (técnica Kaizen) a serem propostos
nas etapas do LCG, em forma de fluxograma, as diretrizes teórico-práticas
por meio dos indicadores selecionados.

Resultados e análise

Objetivo do Lean City Game (LCG)


O objetivo do LCG foi reproduzir, em sala de aula, as técnicas de Lean
Manufacturing com o máximo de aderência possível às situações reais, de
modo a evidenciar as diferentes possibilidades de aplicações. Além disso,
utilizaram-se materiais de fácil acesso, de conhecimento e domínio dos
participantes, tornando o desempenho do processo de produção simulado
equilibrado, já que participantes diferentes ocuparam as operações de

173
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

montagem em cada fase da simulação (incluindo o rodízio de postos de


trabalho).

Materiais utilizados
Foram utilizados duas folhas de isopor, canudos plásticos variados,
folhas de papel em tamanho A4 e A3, notas autoadesivas, palitos de madeira,
tesouras, fios (vermelho e preto), fitas de isolamento, papel crepom (verde e
marrom), folha A3 contendo um quadro Kanban, ordens de
fabricação/pedidos, um relógio grande e vários formatos de edificações
impressas em folha A4.

Tipos de pedidos
Foram planejados dois contextos de cidades a serem sorteados entre as
equipes participantes. Cada descrição de cidade continha um padrão
construtivo, variando os tipos de residências e a forma de execução. Assim,
os contextos dispensam maiores explicações sobre a montagem. A escolha de
vários tipos de cidades foi estratégica para possibilitar loops de feedback
durante o planejamento e a montagem.

Procedimentos do Lean City Game (LCG)

1ª Rodada – Explicação geral das técnicas


No início da simulação, foram separados os integrantes para cada
equipe participante, em número equilibrado. Após, foram ser entregues os
materiais sobre o MFV (Mapa do Fluxo de Valor) e explicado como deve ser
realizado o preenchimento, focado no planejamento da cidade atendendo ao
pedido do cliente fictício. Foi realizada a leitura das etapas para descrever o
“MFV – situação atual” e os símbolos utilizados, incluindo que as equipes
observem os princípios dos 5 sensos da qualidade (organização, limpeza,
utilização, disciplina e saúde), conforme a Figura 3.
Figura 3 – As Figuras (a) e (b) exibem a estrutura de tarefas das equipes utilizando o
quadro kanban, após o planejamento do mapa de fluxo de valor (MFV).

(a) Equipe 1 (b) Equipe 2

174
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

2ª Rodada – Construção do MFV e do projeto de cidade

Entrega do pedido. Após realizada a discussão de como funciona o MFV, foi


entregue a cada equipe um pedido oriundo de um cliente fictício.
Entregar folha A3. Após, foram entregues as folhas do MFV (01 folha em
tamanho A3 por grupo), canetas para preenchimento e a aquisição de
materiais para construção.
Desenho do MFV. Inicialmente, cada equipe planejou e desenhou
diretamente na folha A3 a proposta de atendimento do pedido solicitado pelo
cliente e estruturou as demais etapas do processo de construção do MFV,
utilizando os conceitos e símbolos. Na parte dos processos operacionais, foi
solicitado que cada operação fosse realizada de uma forma sequencial de
produção.
Kanban. Ao final da rodada 1, cada grupo apresentou o seu quadro Kanban
de tarefas e as suas principais práticas, tais como:
• Visualização do fluxo de trabalho, por meio da estrutura do fluxo nas
mesas usando as fitas adesivas e cumprindo os 5 sensos da qualidade;
• Limitação do trabalho em andamento, WIP (work in progress), por meio
da entrega de fita adesiva larga para equipe limitar a sequência de
trabalho;
• Gerenciamento do fluxo, em que as equipes devem estabelecer quais
são as operações e numerar sequencialmente nas mesas;
• Implementação de loops de feedback, por meio da aquisição de
materiais de construção e gestão de estoques;
• Tornar as políticas de processo explícitas, utilizando o quadro Kanban;
• Melhoria de forma colaborativa, em todas as etapas de trabalho.
Fluxo de trabalho. Foi solicitado às equipes para visualizar o fluxo de
trabalho e tornar o processo explícito, introduzindo o armazenamento de
materiais de produção diretamente sobre a mesa. Além disso, as equipes não
otimizaram o fluxo de trabalho na rodada 1, apenas documentando-o como
ele surgiu. As equipes puderam usar os materiais, por exemplo, fita adesiva,
notas autoadesivas, papel e assim por diante. Solicitou-se às equipes que
limitem seu trabalho em andamento (WIP), em que elas discutiram qual seria
um limite WIP sensato para essa etapa e para as outras etapas.
Apesar de ser um jogo, em que duas equipes competiram (uma com cada
tipo de pedido) pela obtenção dos melhores índices de desempenho na
construção da cidade, cada operação foi um estágio da cadeia de valor e teve
espaço apropriado para receber o trabalho da operação anterior,
processando-a de acordo com o sistema PEPS (Primeiro que Entra, Primeiro
que Sai).

175
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Figura 4 – Integrantes dos grupos discutem os formatos de gerenciar o fluxo de


trabalho, por meio da utilização e andamento do quadro kanban.

(a) Equipe 1 (b) Equipe 2

Os participantes assumiram os papéis definidos de gerente de projetos,


gerente comercial, gerente da qualidade, operador de grua, além de duas
diferentes empreiteiras. O trabalho deles foi finalizar a montagem dos
pedidos do cliente fictício no menor tempo possível e com cronograma físico-
financeiro otimizado. A execução foi simulada por meio da montagem de
pequenos edifícios residenciais e comerciais usando formatos de residências
desenhadas em folha A4; eles são montados em passos distintos, cada um
assumido pelos grupos empreiteiros. Outros dois jogadores representam os
clientes da cidade – o primeiro escolhe mudanças no design a partir de quatro
variações pré-definidas de pedidos, e o segundo confere se os apartamentos
estão completos e paga-se o valor para cada apartamento construído sem
defeitos.
Figura 5 – Integrantes dos grupos apresentam a cidade e o quadro kanban.

(a) Equipe 1 (b) Equipe 2

O LCG simulou a construção de dois modelos de cidades conforme os


pedidos sorteados pelos grupos. Foi inicialmente desenvolvido para testar o
impacto do modelo proposto de gestão enxuta, que é uma resposta ao
desperdício relacionado aos métodos convencionais de planejamento e
gerenciamento da construção de edifícios residenciais. Provou ser uma

176
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

ferramenta de introdução a conceitos de construção enxuta para alunos:


construção de uma unidade por vez versus fluxo contínuo, planejamento e
controle puxado versus empurrado e equipes multi-tarefas versus equipes
especializadas.

Conclusões

O trabalho apresentou as principais características de uma simulação de


produção enxuta, com a intenção de ser um agente facilitador que auxilie e
direcione as pessoas envolvidas no processo, uma vez que, procura utilizar
os saberes teóricos em aplicações práticas dos estudantes. Avaliando o
contexto, menciona-se que com a evolução constante de metodologias de
ensino, novas alterações nas teorias, os seus comportamentos e as formas de
determinar a nova doutrina de ensino-aprendizagem e facilitar as atividades
e processos de produção são remodelados.

Referências
WANG, T.; TSENG, Y. The comparative effectiveness of physical, virtual, and virtual-physical
manipulatives on third-grade students' science achievement and conceptual understanding
of evaporation and condensation. International Journal of Science and Mathematics
Education, 16 (2) (2018), pp. 203-219.

177
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

178
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

PRÁTICAS RESTAURATIVAS E OS IMPACTOS NA CONVIVÊNCIA


NO AMBIENTE ESCOLAR

Gabriel RODRIGUES1
Juliana Tófani de SOUSA2

Justiça Restaurativa: o retorno dos que não foram

Dar nome, conceituar, na maioria das vezes se apresenta como um


desafio, seja pelo risco de uma definição castradora e limitada, seja pelo risco
de uma conceituação tão expansiva e imprecisa, que se dissolve, esvaziando
a ideia ou sua essência.
Conceituar Justiça Restaurativa, no atual momento, se torna ainda mais
desafiador quando se observa um grande número de instituições, entidades,
grupos e indivíduos realizando atividades sob o nome da Justiça
Restaurativa, apontando para uma aceitação e difusão da mesma pela
sociedade, seja no meio institucional e estatal (em sua grande maioria), seja
por iniciativas civis independentes.
Desafiador, pois essa aceitação e visibilidade apontam para um
momento de disputa conceitual, onde se busca definir não só o que é Justiça
Restaurativa, mas também o que pode ser, pois é nesse processo que a Justiça
Restaurativa se definirá em normativas estatais, se tornará políticas públicas,
se constituirá como base da relação de uma comunidade, ou seja, é o
momento onde o conceito será aplicado na prática, se apresentando em
diferentes formas, sendo que tais formas serão expressão dos objetivos,
intenções e motivações de quem estiver à frente dessas práticas. De acordo
com Pelizzoli, 2016:
Fatidicamente, o conceito de Justiça Restaurativa - como inteligência
coletiva/sistêmica e novo paradigma (como veremos mais adiante) - foi
posto em conceito e passa a ter um lugar na semântica institucional e social,
como coisa objetiva reduzida (...) Mas na verdade, trata-se de um
paradigma maior e complexo. (PELIZZOLI, 2016, p. 22)

1
Facilitador e Terapeuta, Graduado em Direito e Graduando em Pedagogia pela UFMG. Atuou como
Facilitador e Pesquisador de Práticas Restaurativas no Projeto Ciranda da UFMG. Facilitador de Justiça e
Práticas Restaurativas, Professor/Instrutor, com ênfase em Justiça Restaurativa e Comunicação Não-Violenta
e Tutor do Programa Nós. E-mail: gamercindo1988@gmail.com
2
Pedagoga, especialista em Educação Infantil e em Educação Empreendedora. Mestranda em Educação pela
UEMG. Pós-graduanda em Psicopedagogia e em Novas Tecnologias Educacionais. Professora da Rede
Municipal de Educação de Belo Horizonte. Assessora pedagógica pela Em Caminhar Assessoria
Psicopedagógica. E-mail: em.caminhar@gmail.com

179
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Assim, se partirmos do conceito de Justiça como objeto do Direito, um


produto ou função do Judiciário, ou seja, a partir da visão Liberal do século
XIX, corremos o risco de observar a expressão Restaurativa, como um simples
acessório, instrumentalizando suas práticas, a serviço dessa macroestrutura
estatal. Um fenômeno comum nas políticas públicas é quando os interesses
políticos e escusos se sobrepõem e descaracterizam a essência dos conceitos
e metodologias, instrumentalizando-os a seu serviço, nesse caso, o risco seria
o de esvaziamento e redução do conceito de Justiça Restaurativa e a
consequente instrumentalização de suas práticas.
Porém, se partirmos do conceito de Justiça como um valor social, valor
esse intrinsecamente ligado à noção de Direitos Humanos e à possibilidade
de construção de uma Cultura de Paz, acredito que Justiça Restaurativa seja
um movimento social e, acima de tudo, do Ser Humano que, por meio de
práticas/inteligências sociais, busca sua humanidade individual e coletiva, na
construção, reparação e ampliação das conexões que formam o todo gregário,
que se poderia um dia denominar-se Humanidade. Partindo dessa visão seria
possível a valorização da necessidade de reparação dos danos causados por
um conflito, a responsabilização de quem causou o tal dano nessa reparação
e dos demais envolvidos na co-construção da reparação dos laços
comunitários rompidos por essa ação, fazendo com que a Justiça Restaurativa
alcance seu sentido mais amplo e completo, o de uma Justiça Comunitária,
feita com a comunidade, pela comunidade e para a comunidade.
Esse movimento social é um movimento humano ancestral, presente
historicamente em diversos povos e comunidades tradicionais do Brasil e do
mundo, que epistemologicamente e metodologicamente foi “resgatado” em
1970, por Howard Zehr3 e outros como inteligência coletiva/sistêmica, e
(re)inventada sob os valores atuais, como os princípios do Estado
Democrático de Direito. Portanto, o conceito de Justiça Restaurativa, apesar
do seu reconhecimento epistemológico, metodológico e legitimação estatal
recente, é um conceito que remonta nossa ancestralidade, suas formas de
(con)viver e de lidar com seus conflitos.
Se considerarmos os povos e comunidades tradicionais, sua história e
sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos por tradição 4 e,
que a Justiça Restaurativa, em seu sentido amplo, se faz presente até hoje nas
suas formas de construir, coletivamente, seu conceito de Justiça, como
poderíamos dizer de um “resgate” ou "retorno'', se eles não se foram?

3
ZEHR, Howard. Trocando as lentes – um novo foco sobre o crime e a Justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008
4
Inciso I, do Art. 3º do Decreto Nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007.

180
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

O “resgate” da forma como muitas vezes é apresentado, se observado


por uma lente decolonial, mais parece uma apropriação e uma (re)invenção
do conceito de Justiça Restaurativa e de suas práticas restaurativas ancestrais,
para se adequar não só ao modelo de Justiça oficial, dependente do Judiciário,
mas ao nosso modus vivendi contemporâneo, onde a Justiça não é uma
construção coletiva e comunitária, e sim, um serviço prestado pelo Estado.
Portanto, a Justiça Restaurativa, como movimento social e suas práticas
restaurativas, se apresentam como um “novo” paradigma de Justiça e
sociabilidade. Novo para o campo epistemológico e para os espaços e
indivíduos colonizados por essa ideia de Justiça como dádiva dos deuses ou
semideuses togados, principais representantes do Poder Judiciário, detentor
legal dessa Justiça, mas uma tradição transmitida de geração em geração
nessas comunidades ancestrais.
A Justiça, sobretudo a Justiça Restaurativa, é muito maior que o Direito
e o Judiciário, ela fala sobre a criação, manutenção e reparação das conexões
humanas de uma comunidade e encontram nas suas práticas restaurativas a
possibilidade de materialização dessa sua essência. Assim, uma mera
introdução de suas práticas em um espaço, não é garantia de uma mudança
paradigmática, sendo que a mudança paradigmática está justamente em sua
essência, em seu trocar de lentes, em seu resgate da humanidade individual
e coletiva.

Comunicação Não-Violenta: comunicar, a base de tudo

A Comunicação Não-Violenta, sistematizada por Marshall Rosenberg 5,


segundo o próprio autor, é pensamento e linguagem, onde se busca refletir
sobre padrões violentos em nossa comunicação que, ao invés de nos conectar
e nos tornar capazes de reconhecer nossa humanidade e necessidades e a
humanidade e necessidades dos outros, nos desconecta e nos desumaniza.
Diante disso, por meio da identificação desses padrões violentos
culturalmente naturalizados em nossa comunicação cotidiana, e, portanto,
invisibilizados, se propõe a reflexão e transformação de nossa comunicação.
Para além dessa identificação desses padrões violentos na comunicação,
Marshall Rosenberg, consolidou alguns passos que poderiam nos ajudar a
concentrar nosso poder de comunicação em nossas necessidades, no que
realmente importa, sendo que tais passos auxiliam também a não repetição
dos citados padrões violentos.

5
ROSENBERG, Marshall B. (2006). Comunicação Não-Violenta: Técnicas para aprimorar relacionamentos
pessoais e profissionais. Editora Ágora, 1ª edição.

181
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Os quatro passos para uma Comunicação Não-Violenta seriam, Observar


sem Julgamento, para que não haja distorções ou pré-concepções no que eu
vejo, depois Identificar o Sentimento que tenho perante essa ação ou situação,
tornando possível Identificar a Necessidade que está por trás de tal sentimento,
viabilizando assim o último passo que seria Fazer um Pedido de forma
objetiva, oportunizando ao outro entender e contribuir para a satisfação de
tal necessidade.
A identificação dos padrões violentos em nossa comunicação e os quatro
passos para uma Comunicação Não-Violenta, adequados à nossa realidade e
cultura brasileira, são ferramentas fundamentais para a Justiça Restaurativa
na construção de uma Cultura de Paz, auxiliando na criação de um espaço de
convivência seguro e respeitoso no ambiente escolar e em um Círculo de Paz,
servindo de base para essa e outras práticas restaurativas, afinal, a
comunicação é a base de tudo.

Justiça Restaurativa nas escolas: nós ou laços?

O programa NÓS de Justiça Restaurativa6 tem seu impulso inicial na


Comissão de Justiça e Práticas Restaurativas do Fórum Permanente do
Sistema de Atendimento Socioeducativo de Belo Horizonte, que, diante da
experiência com a Justiça Restaurativa e suas práticas nos Centros de
Socioeducação, experiência, por exemplo, do Projeto Ciranda de Justiça
Restaurativa da UFMG e dos ganhos obtidos com essa atuação, percebeu a
possibilidade preventiva e de trato adequado dos conflitos escolares, muitas
das vezes judicializados, recebendo assim uma resposta punitiva e
retributiva, acreditando que esse seria um campo fértil para a JR.
Em 2018 é assinado o Termo de Cooperação Técnica (TCT nº 006/2018),
que firma a parceria para a execução do Programa Nós, envolvendo
Secretaria de Estado de Educação – SEE; Secretaria Municipal de Educação –
SMED; o Ministério Público de Minas Gerais; o Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais e a UFMG, dando início ao programa, contando inicialmente
com 20 Tutores, se expandido para 27 em 2019.
Como um dos Tutores selecionados no primeiro edital, iniciei a fase de
Formação, onde as escolas participantes indicariam 5 representantes
(Professores, Educadores da Escola Integrada, Educadores da limpeza,
portaria e cantina, Alunos e Pais de alunos) para a formação de 32h,
introduzindo e sensibilizando-os sobre o tema da Justiça Restaurativa e suas
práticas, Comunicação Não-Violenta e Teoria do Conflito. Após, inicia-se a

6
Programa NÓS de Justiça Restaurativa nas Escolas: http://ejef.tjmg.jus.br/nos/

182
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

etapa de Supervisão, que, no formato implementado pela SMED nas escolas


do Município, como na Escola Desembargador Loreto Ribeiro de Abreu7,
seria o momento onde o tutor iria para a escola por 32h, para atuar na
supervisão dos 5 representantes em práticas restaurativas, auxiliar a escola
na construção dos Núcleos de Orientação e Solução de Conflitos (NÓS) e
contribuir na construção de uma Cultura de Paz no ambiente escolar.
Nota-se que a ideia central é criar, por meio da construção de uma
Cultura de Paz, um ambiente fértil para a mudança paradigmática de uma
visão Punitivista e Retributiva (historicamente encontrado na Escola), para
um paradigma Restaurativo e Dialógico, para enfim, introduzir nos Núcleos
e na cultura dessa escola as práticas restaurativas, como possibilidades para
o trato adequado dos conflitos escolares.
Na etapa de Formação da Regional Norte, tive meu primeiro contato
com a Professora Juliana Tófani, sendo que essa se apresentou muito atenta
à formação, sempre formulando questões e trazendo exemplos práticos de
sua vivência, o que permitia conectar a teoria e as lentes da JR com o cotidiano
de conflitos da escola, enriquecendo o processo de formação. Já nesse
primeiro momento, Juliana me apresentou transformações realizadas com
sua turma, com base no que foi aprendido na Formação.
Uma dessas experiências, que me tocou profundamente, foi a introdução
do objeto de fala no cotidiano de sua sala. Juliana me contou que depois de
inserido o objeto de fala (uma bola) e apropriado pela turma, houve uma
melhora no ruído das conversas paralelas, uma valorização de quem portava
o objeto e possuía o poder de fala, mas também uma valorização do poder de
escuta, sendo que a partir daí, para falar na sala, era preciso portar o objeto
de fala.
Um certo dia, a Diretora pediu licença e adentrou a sala para dar um
recado, causando um grande incômodo nos alunos que começaram a se
expressar e falar entre si, demonstrando uma inquietação que, de repente, se
manifestou em uma fala e um pedido. Um aluno levantou a mão e disse à
Juliana, que a Diretora estava falando sem o objeto de fala, momento em que
foi entregue a bola para a Diretora, que, de posse do objeto de fala, pode
continuar o recado. Nota-se que o pedido expressa a necessidade desse aluno
da observância daquela regra co-construída, havendo assim a
corresponsabilização de todos em segui-la, e nesse caso, de solicitar a sua
observância, demonstrando a apropriação não só da ferramenta, objeto de
fala, mas da dinâmica e ensinamentos que esse traz em sua essência ancestral.

7
Situada à rua Marcos Donato de Lima nº 520 - bairro Ribeiro de Abreu, Regional Norte de Belo Horizonte.

183
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Isso demonstra que para a mudança paradigmática proposta pelo


Programa Nós acontecer, é necessário criar um terreno fértil para que as
práticas restaurativas não sejam meramente instrumentalizadas e
introduzidas verticalmente, mas sejam assimiladas por todos em consonância
com a essência do movimento social/humano da Justiça Restaurativa,
nutrindo a conexão e corresponsabilização de todos na melhoria do clima e
do ambiente escolar.
Em um segundo momento, tive a oportunidade de ir até a EMDLRA,
para uma sensibilização das famílias e para o planejamento e execução da
Supervisão, momento em que pude realizar sensibilização dos alunos e
professores em Comunicação Não-Violenta e após, facilitar, junto aos 5
representantes, círculos de diálogo com professores e alunos. Nesse
momento também tive contato com todo o caminho percorrido pela
professora Juliana, que continuou a construir, com base na Formação inicial
do programa, diversas práticas pedagógicas restaurativas e me dizendo que
houve uma grande melhoria no aprendizado e principalmente na
convivência e envolvimento da turma nas propostas pedagógicas, apontando
que é possível criar uma “comunidade de aprendizado entusiasmada"
(HOOKS, 2013, p. 19).
Acredito que, apesar do seu nascimento no seio do Poder Judiciário, a
apropriação do Programa Nós e da Justiça Restaurativa pelo âmbito da
Educação e pelas escolas, muitas vezes único ponto de conexão comunitária
de um território, talvez seja o caminho para que sua difusão respeite e se
conecte com a essência comunitária do conceito ancestral de Justiça
Restaurativa.
Observando o que já foi construído pela professora Juliana e sua turma,
e tantas outras professoras, diretoras, educadores, alunos e familiares, e pelos
relatos que me chegam dessas pessoas, acredito que, se não for desvirtuado
em seu curso, o Programa Nós pode não só transformar a forma das escolas
lidarem com seus conflitos, mas mediante seu impacto na convivência e no
clima escolar, transformar e auxiliar o espaço escolar no próprio modo de
garantir seu objetivo central, o Educar. Quem sabe assim, os NÓS podem se
tornar Laços.

Na prática, as práticas restaurativas

A EMDLRA, atende ao 1º ciclo completo e aos 1º e 2º anos do 2º ciclo –


Ensino Fundamental, sempre absorvendo a demanda do território em que
está inserida. O atendimento se dá às crianças de diferentes comunidades do
seu entorno e observa-se a grande vulnerabilidade destas comunidades, o

184
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

que demanda ações e estratégias que auxiliem o corpo docente da instituição,


na compreensão das dificuldades que são percebidas e que, muitas vezes,
comprometem o desenvolvimento dos alunos.
Em 2018, a partir da oportunidade ofertada a alguns professores da Rede
Municipal de Educação Belo Horizonte – RME-BH, onde tenho uma longa e
sólida trajetória como professora, principalmente na EMDRLA, conheci a
proposta da Justiça Restaurativa na Escola e o Programa NÓS. Para uma
contextualização mais efetiva desse relato, é importante ressaltar que este foi
o ano do meu retorno às salas de aula, não ocupando mais cargos
administrativos e pedagógicos, após 19 anos transitando por estes e
contribuindo a partir destes, com educação da RME-BH.
Desta forma, com o olhar no desafio, iniciei 2018, como professora
referência de uma turma de 5º ano. A turma trazia em sua estrutura principal,
alunos que permaneceram juntos desde a Educação Infantil, sendo sua
característica mais marcante, ser composta por alunos falantes, sem hábitos
escolares ainda consolidados e que demonstravam fortes laços afetivos, mas
também alguns casos de “desafetos” que precisavam ser considerados na
proposta a ser desenvolvida com a turma. Em sua maioria eram interessados
e curiosos, demonstrando, em diferentes momentos, sólidos conhecimentos
além daqueles oferecidos pela escola. Minhas aulas precisariam ser
dinâmicas e inovadoras, pois, só assim, despertariam o desejo de aprender
sempre mais, naqueles alunos.
Buscando colocar em prática o que era desenvolvido no curso: Justiça
Restaurativa nas Escolas, considerando o perfil da turma e o meu objetivo em
2018, vencer o desafio de estar novamente em sala de aula, foi meu foco
entender o papel fundamental do professor no processo restaurativo e
através das várias reflexões que me foram oportunizadas, entendi que era
preciso introduzir práticas restaurativas no dia a dia da minha sala de aula,
de forma contínua e gradativa. Era comum, em minhas conversas com o tutor
do curso, Gabriel Rodrigues, dizer que estava me constituindo uma
professora restaurativa diariamente, a partir de cada aula do curso, de cada
estudo, de todas as discussões ali realizadas e das estratégias que colocava
em prática.
Sempre acreditei na afetividade como a “mola mestra” do trabalho
pedagógico e, desta forma, sempre fui uma professora afetiva. Entender as
práticas restaurativas, me tornou ainda mais atenciosa aos processos de
desenvolvimento cognitivos e socioemocionais dos meus alunos.
Desta forma, construí relações de afetividade bem específicas, com cada
aluno do meu 5º ano. A prática de recebê-los na porta da sala de aula, no

185
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

início da manhã, já com uma sala de aula preparada para o dia de trabalho,
abraçando-os carinhosamente, ouvindo de cada um as expectativas para
aquele dia que se iniciava, dizendo ao ouvido de alguns que aquele era um
novo dia e que as suas posturas precisavam ser revistas, no abraço trazer
palavras de incentivo, elogios francos e meu desejo de fazer o melhor, virou
uma rotina que era importante para todos nós, professora e alunos. Eles me
pediam por isso ao sentir os abraços cada vez mais apertados e a confiança
crescente na relação que ia se estabelecendo.
Os vínculos foram ficando tão fortes, que um simples toque, no ombro,
na mão, nos cabelos, já diziam muito e tiravam os alunos de situações
conflitantes ou mesmo evitavam algumas. Passei a fazer falas e comentários
mais individuais, indo até eles, nas carteiras de cada um, dizendo o que era
preciso, com cuidado e com um tom de voz bem baixo, sempre na altura dos
seus olhos.
Construímos um contrato didático com regras que facilitaram nossa
convivência e as práticas diárias. Estabeleci um gesto para pedir atenção da
turma, no lugar de solicitar insistentemente o silêncio ou me exaltar,
tornando o ambiente cada vez menos hostil. Durante esta construção os
alunos foram aprendendo também, pelo exemplo e vivências, a respeitarem
o momento de cada um se expor e o meu lugar de professora.
O compartilhamento de tarefas diárias da turma, foi também uma
estratégia constituída e bem importante durante as construções ali
estabelecidas e que tinha, claramente, elementos da justiça restaurativa,
como, usar processos inclusivos e colaborativos, envolver todos na
organização da sala de aula, observar o interesse de cada um e suas
habilidades mais desenvolvidas, e isso foi determinando para todos nós que
o caminho da autonomia é a responsabilização.
Assim, organizei, coletivamente, uma lista de tarefas que eram
realizadas no nosso dia a dia de sala de aula, delegando uma delas para cada
aluno e estabelecendo um rodízio trimestral, para que todos vivenciassem
todas as tarefas. Com o passar dos dias, a turma foi se apropriando de suas
responsabilidades e tudo passou a ser uma rotina natural, sem que eu
precisasse chamar por nome, solicitar a ajuda ou lembrá-los do que deveria
ser feito por cada um.
Também envolvi as turmas em outras oportunidades de discussões,
como assembleias e vivências8 para trabalharmos as relações interpessoais.

8
Algumas dessas vivências podem ser acessadas em: <https://www.google.com/url?q=https://palasathena.
org.br/downloads/praticasrestaurativasnasaladeaula.pdf&sa=D&source=editors&ust=1613507045877000&us
g=AOvVaw0iBo4Zxv9eS0h2HUEAE4FR>.

186
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Para tal, utilizei muitas vezes, a metodologia circular, que permite um novo
movimento em sala de aula. Aproximação, autonomia, igualdade, livre
expressão, respeito a fala do outro, aprendizado da escuta, união, sigilo e
cooperação, foram construções possíveis através dos diferentes círculos e que
são princípios fundamentais da CNV. Foram realizados os círculos de
autoconhecimento, círculo das emoções, círculo da paz e círculo de
restaurativos.
A ideia foi levar para a sala de aula, uma ferramenta restaurativa que
permite o trabalho com emoções e sentimentos, ampliando o espaço
democrático e valorizando as diferenças e as necessidades individuais. Os
alunos foram se sentindo mais seguros e respeitados neste espaço.
Aprendemos, de forma coletiva e dialógica, a não fazer prejulgamentos,
humanizando assim, os relacionamentos.
O trabalho com os círculos aproxima todos os envolvidos, abrindo
espaço e fortalecendo o diálogo, além de possibilitar que novas formas de se
posicionar perante o grupo, sejam construídas. Era possível, então,
desenvolver empatia, responsabilidade coletiva, encorajamento nos
posicionamentos e decisões, reflexão sobre o impacto do comportamento de
cada um, nas vivências e pensamentos dos demais.
Para realização dos círculos e vivências, determinamos coletivamente o
“objeto de fala'', que no nosso caso foi uma bola, e possibilitou a escuta, o
respeito e compreensão.
As famílias participaram de muitos momentos que foram criados em
2018 em minha turma. Utilizei o recurso do “Dever de Casa em família”, com
o objetivo de promover o diálogo entre pais e alunos, em situações
estrategicamente planejadas. Também foi possível realizar dois movimentos
circulares com os familiares dos alunos, na ocasião das reuniões de pais,
convocadas pela escola, onde utilizei o objeto de fala e o tapete circular 9, que
nos acompanhava em todos os círculos que praticávamos.
Consigo perceber que 2018 foi um ano de grandes aprendizados, não só
com relação a minha formação profissional, através do curso Justiça
Restaurativa nas Escolas, mas também pelas experiências e desafios que
realizei com a turma.
Houve uma considerável melhoria nos relacionamentos interpessoais,
estreitando laços afetivos e respeitosos entre professora e alunos e entre estes.

9
Criamos um tapete de pano, circular, com o desenho de uma bola ao centro (nosso objeto de fala) e
ramificações (tiras de papel coladas no pano), onde registrávamos cada movimento circular que íamos
vivenciando. Os registros eram feitos pelos próprios alunos. O tapete nos acompanhou durante todo o ano de
2018.

187
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

A turma se mostrou, no decorrer do ano, mais organizada, desenvolvendo


hábitos escolares que não possuíam, demonstrando autonomia crescente e
colaboração nas ações diárias.
Os resultados alcançados, extrapolaram a sala de aula, chegando aos
corredores, pátio e demais espaços da escola, onde os alunos conseguiam
evitar conflitos e resolver as situações-problema com diálogo e maior
maturidade.
Porém, sabemos que tudo é uma longa construção e que uma forma
democrática e inclusiva de trabalhar os conflitos na escola, a partir das
práticas da Justiça Restaurativa, demanda trabalho contínuo, muito
aprofundamento teórico e disposição por parte de todos os envolvidos.

Referências
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2013.
PELIZZOLI, Marcelo L. Justiça Restaurativa: Caminhos da Pacificação Social. Recife: Ed. da
UFPE, 2016.
ROSENBERG, Marshall B. A linguagem da paz em um mundo de conflitos: sua próxima fala
mudará o mundo. São Paulo: Palas Athena, 2019.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a Justiça. São Paulo: Palas
Athena, 2008.

188
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

COMPETÊNCIAS SOCIOEMOCIONAIS
Práticas pedagógicas de formação profissional e humana em tempo de
distanciamento social

Gabriella Vilar de Alencar RODOVALHO1


Egle Katarinne Souza da SILVA2
Adriana Moreira de Souza CORRÊA3
Reginaldo Pedro de Lima SILVA4

Em 2020, a disseminação da COVID-19, doença viral de alta


transmissividade causada pelo Coronavírus, gerou a necessidade de adoção
de práticas de contenção do contágio, entre elas o isolamento social, uma ação
preventiva que se estende ao ano de 2021. Essa mudança emergencial nas
interações sociais, bem como as notícias sobre o índice de mortalidade da
doença, gerou instabilidade emocional nas pessoas, tendo em vista que havia
poucas informações sobre as práticas a serem adotadas no cotidiano para a
superação dessa realidade.
Desse modo, na busca por contribuir com a formação holística do
estudante, a escola precisou organizar atividades que visassem discutir a
situação social gerada nessa pandemia que interferiu nas relações afetivas, de
trabalho, educacionais e econômicas de grande parte da população. Desse
modo, as Escolas Cidadãs Integrais Técnicas (ECIT) da Paraíba integraram
aos conteúdos programáticos das disciplinas da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), da Base Diversificada e da Base Técnica atividades que
incentivassem o cuidado com a saúde (corpo e mente), bem como
desenvolvessem competências para superar os desafios vivenciados no
período de isolamento social.
Um fator que contribuiu para a realização dessa iniciativa foi o relato de

1
Graduada em Análise e Desenvolvimento de Sistemas (ADS) pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia da Paraíba, Especialista em Metodologia do Ensino pelo Instituto Superior de Educação de
Cajazeiras. Professora da Base Técnica da Escola Cidadã Integral Técnica (ECIT) Cristiano Cartaxo,
Cajazeiras/PB, Brasil. E-mail: gabirodovalho@gmail.com
2
Mestra em Sistemas Agroindustriais pelo Centro de Ciências e Tecnologia Agroalimentar (CCTA) da
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Especialista em Química Tecnológica e Meio Ambiente
pela Faculdade São Francisco, Licenciada em Química pelo Centro de Formação de Professores (CFP) da
UFCG. Gestora da ECIT Cristiano Cartaxo, Cajazeiras/PB, Brasil. E-mail: eglehma@gmail.com
3
Mestra em ensino pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Professora da UFCG,
Cajazeiras/PB, Brasil. E-mail: adriana.korrea@gmail.com
4
Graduado em Letras Português /Literatura pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Licenciado em
Artes visuais pela Faculdade de Ciência Administrativas e de Tecnologia de Rondônia (FATEC), Especialista
em Arteterapia pelo Grupo Educacional Faveni Faculdade Dm Alberto. Professor da ECIT Cristiano Cartaxo,
Cajazeiras/PB. E-mail: regysdance@gmail.com

189
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

vários estudantes da ECIT Cristiano Cartaxo, localizada em Cajazeiras/PB,


acerca da dificuldade de adaptação ao isolamento social e ao ensino remoto
em função da instabilidade emocional vivenciada que comprometeu a rotina
de estudos. Diante dos relatos foi possível observar a necessidade de
trabalhar conteúdos relacionados a essa temática, uma vez que os alunos
demonstraram precisar de orientações para reorganizar as suas atividades
diante do cenário no qual o contato físico precisou ser substituído pelas
interações realizadas em mídias digitais.
Diante disso, os docentes compreenderam que era necessário analisar a
realidade vivida e propor atividades que desenvolvessem as competências
socioemocionais como resiliência, empatia, responsabilidade, autocuidado,
cuidado com o próximo, entre outras, tendo em vista que são fundamentais
para superar o medo, a ansiedade, as inseguranças, as indefinições e as
mudanças de rotina geradas pelo distanciamento social. Bolsoni-Silva (2002)
e Caballo (2014) explicam que as competências socioemocionais estão
associadas às habilidades desenvolvidas através das relações interpessoais e
afetivas construídas juntamente com a forma pela qual a pessoa percebe,
sente e nomeia as situações e comportamentos, em síntese, com as crenças e
práticas que direcionam a sua compreensão do mundo.
Para Piske (2013) o desenvolvimento socioemocional ocorre em meio às
vivências que as pessoas apresentam em seu contexto histórico e cultural.
Essas vivências envolvem percepções do mundo, sentimentos e emoções,
sendo, portanto, caracterizado como um fenômeno com um propósito,
sentido e significado social. Nesse segmento, no período marcado pela
pandemia do Coronavírus (2020 - 2021), além do apoio familiar, foi necessário
que o contexto escolar atuasse como promotor do desenvolvimento
socioemocional de crianças e adolescentes, contribuindo para o
aprimoramento das competências socioemocionais (MARIN; FAVA, 2016;
PETRUCCI; BORSA; KOLLER, 2016).
Nessa perspectiva, surgiu a proposta de desenvolver ações para
subsidiar os discentes a desenvolverem habilidades que os possibilitassem
atravessar esse momento tão singular. Por isso, foram realizadas várias
atividades promovidas em momentos diversos, a exemplo das dicas,
sugestões, acolhimentos no início das aulas, desenvolvimento de práticas de
alongamento, entre outras. As ações visaram motivar os estudantes a falarem
sobre como se sentem, incentivando a autonomia e protagonismo para buscar
e efetivar alternativas de minimização dos impactos do isolamento social e
das novas formas de relação social que deixaram de ser presenciais para
serem mediadas pelas mídias digitais.

190
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Desse modo, o objetivo central das ações foi proporcionar reflexões e


desenvolver habilidades para que os estudantes, diante do distanciamento
social, organizassem um ambiente acolhedor e vivenciassem experiências
agradáveis junto aos colegas durante o ensino remoto. Assim, o objetivo deste
escrito é relatar algumas das ações desenvolvidas em 2020 por uma docente
da Base Técnica durante as aulas remotas das disciplinas Sistemas
Operacionais (com alunos da primeira série do ensino médio técnico
integrado) e Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) (com os alunos da
primeira série do ensino médio técnico integrado) na ECIT Cristiano Cartaxo.
Trata-se, portanto, de um relato de experiência, descritivo com
abordagem qualitativa. Daltro e Faria (2019) explicam que o relato de
experiência é uma narrativa analisada à luz da teoria que traga marcas do
participante, que relata o fato vivenciado a partir da sua ótica. Portanto, esse
tipo de pesquisa não busca universalizar o conhecimento, mas abrir a
discussão das singularidades de determinado fenômeno com vista a
identificar aproximações e/ou divergências evidenciadas pelo pesquisador.
Nesse sentido, configura-se como um trabalho de abordagem qualitativa,
pois os processos não quantificáveis são o cerne da investigação (SILVEIRA;
CÓRDOVA, 2009) e, para a apresentação dos dados, a descrição é evidente e
constante na tessitura do texto, como veremos a seguir.

Práticas pedagógicas para o desenvolvimento das competências


socioemocionais

Acolhimentos virtuais diários


Uma das práticas pedagógicas do modelo de escola cidadã é o
acolhimento diário5, contudo, no ano de 2020, em decorrência do isolamento
social para conter a proliferação da COVID-19, a ECIT Cristiano Cartaxo deu
continuidade a essa prática utilizando-se, para isso, das mídias digitais.
Assim, a equipe de educadores da referida instituição, de forma coletiva e
colaborativa, incentivou os alunos a desenvolverem recursos audiovisuais
para a realização dos acolhimentos. Desse modo, além de preservarem a
rotina escolar, a iniciativa se configurou como uma oportunidade de exercício
do protagonismo dos estudantes, à medida que permitiu que eles
expressassem suas percepções da realidade, proporcionassem momentos de

5
O acolhimento “É uma Prática Educativa desenvolvida pelo Modelo Escola da Escolha que objetiva
consolidar, por intermédio de um conjunto de atividades, a mensagem de que acolher, receber e aceitar as
pessoas, sejam elas os estudantes, a Equipe Escolar ou os Pais e Responsáveis, é parte indissociável do Projeto
Escolar e elemento fundamental para o seu desenvolvimento de todo o processo educativo. (INSTITUTO DE
CORRESPONSABILIDADE PELA EDUCAÇÃO, 2019, p. 24).

191
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

reflexão e de apoio aos colegas e desenvolvessem habilidades diversas que


podem ser associadas ao seu Projeto de Vida 6.
Diariamente esses recursos audiovisuais produzidos pela equipe e
alunos foram postados nos 13 grupos de WhatsApp da escola (04 grupos de
primeira série, 03 grupos de primeira série, 02 grupos de terceira série, 01
grupo de pais/responsáveis, 01 grupo dos docentes, 01 da equipe de apoio e
01 dos alunos do atendimento educacional especializado) e no perfil do
Instagram @ecitecristianocartaxo.
Os acolhimentos produzidos pelos alunos e educadores da Base Técnica
foram postados às terças-feiras, assim, a cada dia da semana um grupo de
professores e alunos eram responsáveis por desenvolver essa prática.
Observamos, na Figura 01, imagens de um dos acolhimentos produzidos por
uma docente da Base Técnica.
Figura 01- Acolhimento Diário Virtual Motivacional.

Fonte: Instagram @ecitecristinaocartaxo (2020).

Na oportunidade, a docente estimulou os alunos a buscar alternativas


para a superação das dificuldades encontradas nesse período. Para isso, leu
uma mensagem presente no livro intitulado Minutos de Sabedoria que
tratava sobre felicidade. Na reflexão sobre a leitura ela elencou as barreiras
encontradas para a realização do isolamento social e incentivou os estudantes
a vislumbrarem as oportunidades promovidas por esse momento de
proximidade com a família e de desenvolvimento de novos aprendizados.
Esse vídeo que foi desenvolvido por alunos e professores da Base
Técnica da referida instituição como os demais encontram-se na série de
IGTV denominada Acolhimentos da Base Técnica e estão disponíveis no
perfil da escola no Instagram7.

6
O Projeto de Vida do jovem protagonista pode ser compreendido como o seu sonho, ou seja, as suas
expectativas para o futuro e será definido à medida que o mesmo se conhece enquanto pessoa descobre-se
enquanto aluno e determina o que quer ser, seja na dimensão pessoal, social e profissional, tanto a curto como
longo prazo (SILVA et al., 2020).
7
O vídeo pode ser acessado no link: https://www.instagram.com/tv/CC50jULDnuO/?igshid=15n1a3f8iyu1b.

192
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Acolhimentos Anteriores às Aulas Síncronas


Além dos acolhimentos virtuais diários postados em todos os grupos de
Whatsapp e no perfil do Instagram da escola, as aulas das disciplinas Sistemas
Operacionais e TCC frequentemente eram iniciadas com a apresentação e
reflexão sobre mensagens motivacionais (através de frases e/ou vídeos). Essa
ação era realizada com o objetivo de refletir sobre aspectos emocionais que
interferiam no desenvolvimento de atividades do cotidiano, com o intuito de
proporcionar sentimentos de harmonia e bem-estar e, assim, contribuir para
que os alunos desenvolvessem resiliência diante das adversidades
encontradas.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação
(UNESCO), “A resiliência diz respeito à capacidade das pessoas, das equipes
e das organizações, não só de resistirem à adversidade, mas também de
utilizá-la em seus processos de desenvolvimento pessoal” (UNESCO, 2005,
p. 144). Diante dessa definição notamos que se configura em uma habilidade
necessária para o desenvolvimento individual e a vivência em sociedade, por
essa razão, precisa ser estimulada em diferentes atividades, em especial,
naquelas realizadas pela escola.
Observamos, na Figura 02, dois exemplos de acolhimentos iniciais
proporcionados nas aulas síncronas das disciplinas supracitadas.

Figura 02- Acolhimento Motivacional Antecedente as Aulas Síncronas .

Fonte: Instagram @ecitecristianocartaxo (2020).

Sobre essa prática pedagógica motivacional observamos, na Figura 03, o


relato de 2 alunos que expressaram, por meio de mensagem de texto
veiculada no WhatsApp, a importância desses momentos para o
fortalecimento dos vínculos entre professor e aluno, bem como para
superação das dificuldades advindas do isolamento social.

193
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Figura 03- Relato sobre os acolhimentos antecedentes as aulas síncronas

Fonte: Arquivo Pessoal (2020).

Percebemos, na fala dos alunos, o sentimento de gratidão e de apoio


proporcionados pelas atividades que envolvem o acolhimento diário.
Destacamos que esse deve ser oferecido não só pela equipe escolar como
também pela família dos educandos 8.
Segundo a Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394,
no Art. 1º, “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil
e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996). Evidenciamos, portanto, que
os acolhimentos motivacionais que antecedem às aulas síncronas das
disciplinas Sistemas Operacionais e TCC favoreceram o desenvolvimento do
sentimento de bem-estar e contribuíram para que os alunos se sentissem
apoiados na construção do Projeto de Vida. Isso porque contribuíram para
modificar as percepções de comportamentos que indicam desconforto
socioemocional durante o isolamento social.

Gravação de vídeos com dicas relacionadas à rotina de estudo


Com o objetivo de estimular os alunos a organizarem a rotina de estudos

8
Os alunos também citaram as rodas de conversa promovidas pela instituição que são relatadas. Em
RODOVALHO, G. V. de A et al. Lives alusivas ao setembro verde no Instagram: formação humana em tempo
de distanciamento social. In: silva, G, C. Experiências em Ensino, Pesquisa e Extensão na Universidade:
caminhos e perspectivas. V. 6. Fortaleza: Imprece, 2021.

194
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

e apoiá-los durante o ensino remoto, a mesma docente iniciou uma proposta


de gravação de vídeos curtos com dicas de estudos. Entre os assuntos
destacam-se a organização do momento e local de estudo para as atividades
síncronas e assíncronas, o uso correto dos aparelhos digitais etc. Esses vídeos
foram publicados quinzenalmente nos grupos de WhatsApp das turmas da
ECIT Cristiano Cartaxo, totalizando 09 grupos (4 turmas de primeira série, 3
turmas de segunda e 2 de terceira série).
Nos vídeos, além de relembrar a importância de manter uma rotina de
estudos, foi destacada a importância registro dos pontos importantes
identificados pelo estudante que servem tanto para a sistematização das
informações quanto para retomada, tendo em vista que permite ao aluno
revisitar as anotações.

Incentivo a criação de um ambiente de estudo

Buscando oferecer aos alunos um ambiente de estudo produtivo foi


necessário trabalhar, além da organização da rotina de estudos relatada
anteriormente, a criação de um ambiente de estudos, de forma a favorecer a
adaptação dos alunos ao ensino remoto. Desse modo, nas aulas síncronas,
além dos conteúdos programáticos, foram abordadas temáticas a exemplo da
relevância e importância de ter um lugar de estudos para melhorar o
desempenho do alunado. A abordagem desse tema considerou que a criação
do ambiente/local de estudo dependia de diversos fatores, como a realidade
econômica e cotidiana do aluno, logo, as orientações para a sua
organização/criação foi norteada pela busca dos estudantes adaptarem, em
suas residências, um local para que pudesse ser utilizado nas atividades
educacionais diárias.
Após as discussões, os alunos, de forma autônoma, mandaram o registro
do cantinho de estudo criado, conforme podemos observar na Figura 04.
Figura 04- Cantinho de estudo criado pelos alunos.

Fonte: Arquivo Pessoal (2020).

195
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Notamos, a partir dos registros enviados de maneira privada para a


docente, a relevância da abordagem da temática e a eficácia das estratégias
usadas pela docente.

Incentivo à prática de alongamento

Nas ECITs da Paraíba, as salas de aula são tematizadas, ou seja, cada


componente curricular dispõe de um espaço organizado de acordo com as
metodologias de trabalho de determinada disciplina. Assim, ao término de
cada aula, os alunos deveriam dirigir-se à sala da próxima disciplina e,
durante esse breve intervalo eles caminhavam, interagiam com os colegas,
reabasteciam as garrafinhas de água e retomavam para a sequência de aulas.
Contudo, no ensino remoto, esse momento de interação não ocorria e os
estudantes se sentiam cansados com a sequência de aulas.
Dessa forma, com base no eixo temático proposto pela secretaria de
educação que foi Autonomia e Identidade, a escola propôs uma aula síncrona
sobre alongamento e ergonomia. Assim, nas aulas das disciplinas Sistemas
Operacionais e TCC a docente passou a incentivar os alunos a realizar
alongamentos no início das atividades síncronas de maneira a garantir uma
pausa nas atividades cognitivas e incentivar os cuidados com o corpo. No
decorrer das aulas, foi observado o aumento na disposição física e cognitiva
para a realização das atividades propostas pela docente.
Observamos, na Figura 05, o registro da aula síncrona realizada pelo
aplicativo Google Meet sobre alongamento ministrada através de um vídeo do
YouTube para os alunos da primeira série do ensino médio, na disciplina
Sistemas Operacionais.
Figura 05 - Aula sobre Alongamento.

Fonte: Arquivo Pessoal (2020).

196
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Outra ação de alongamento desenvolvida consistiu em um acolhimento


diário virtual em que os alunos receberam o link de acesso pelos grupos do
WhatsApp e ao acessarem foram convidados pela professora a realizar
movimentos corporais de relaxamento e alongamento mediados com fundo
musical. Além dos alunos alguns professores da ECIT Cristiano Cartaxo
participaram dessa atividade conforme podemos observar na Figura 06.
Figura 06- Acolhimento Diário Virtual com Ginástica Laboral

Fonte: Arquivo Pessoal (2020).

Na Figura 07 observamos o feedback dos alunos sobre a atividade


assíncrona no chat da plataforma Paraíba Educa, em que duas alunas
desenvolveram vídeos curtos realizando exercícios de alongamento em suas
casas e explicaram a importância desse exercício para a saúde.
A princípio alguns alunos demonstraram timidez para a realização dos
alongamentos ou para comentar os textos reflexivos e motivacionais.
Contudo, com o aumento da frequência das atividades esses alunos
começaram a comentar sobre as temáticas abordadas, realizar as leituras,
interpretações e opinar sobre os textos apresentados.
Figura 07- Feedback dos alunos sobre a aula de Alongamento.

Fonte: Arquivo Pessoal (2020).

197
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Dentre as respostas, destacamos o registro da aluna Francisca Kawany


ao frisar que os exercícios ajudaram-na, pois ela estava sentindo muitas dores
na coluna por passar muito tempo sentada assistindo as aulas síncronas e
respondendo as atividades de forma assíncrona. Outra estudante, chamada
Sabrina, destacou a importância desses exercícios para as pessoas sedentárias
e, se intitulando uma pessoa sedentária, explicou a importância do
alongamento para o fortalecimento da musculatura corporal.
Por meio desta abordagem foi possível trabalhar uma competência e
duas habilidades da BNCC do eixo norteador Autonomia e Identidade,
EM13LGG503 “Vivenciar práticas corporais e significá-las em seu projeto de
vida, como forma de autoconhecimento, autocuidado com o corpo e com a
saúde, socialização e entretenimento.” e a EM13LGG501 “Selecionar e
utilizar movimentos corporais de forma consciente e intencional para
interagir socialmente em práticas corporais, de modo a estabelecer relações
construtivas, empáticas, éticas e de respeito às diferenças.” (BRASIL, 2018, p.
495). Isso porque, a partir do autoconhecimento, os alunos discutiram a
importância do alongamento, vivenciaram essa atividade física e
compreenderam a necessidade de respeitar os limites do próprio corpo. Além
disso, essa prática, além do bem-estar físico, proporcionou também
estabilidade emocional.
Ao final das aulas síncronas os alunos passaram a fazer uma avaliação
das atividades e, espontaneamente, relatavam o momento da aula que
consideraram mais produtivo, qual conteúdo chamou sua atenção, além de
sugerir leituras aos demais colegas. Outros sentiam-se à vontade para enviar
relatos e fotos no Google Classrom mostrando que as dicas de estudo
modificaram as suas práticas de estudo ou sugeriram temas para as próximas
dicas e demonstravam interesse em saber quais abordagens seriam realizadas
nas aulas seguintes. Diante dessas falas foi possível perceber um aumento na
participação dos alunos durante as aulas, na espontaneidade e prazer na
participação desses encontros educativos, na pontualidade, organização das
leituras e realização dos exercícios orientados pela professora.

Considerações finais

A execução das ações relatadas trouxe contribuições significativas para


melhoria do desempenho dos alunos durante as aulas remotas da ECIT
Cristiano Cartaxo. Essas ações influenciaram positivamente na qualidade de
vida aos alunos, uma vez que eles vivenciaram alternativas para minimizar
o efeito das tensões físicas e emocionais geradas pela mudança na rotina
durante o período das aulas remotas.

198
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

As atividades visaram incentivar a autonomia dos estudantes para


analisar as suas realidades, realizar atividades para manter uma rotina de
estudos equilibrada, organizar um ambiente que seja acolhedor bem como
motivá-los a vencer os desafios encontrados ao longo do caminho.
Pelos dados demonstrados podemos afirmar que os objetivos propostos
foram alcançados uma vez que os alunos participaram das ações,
mantiveram-se estimulados em continuar participando das aulas remotas,
seguiram as dicas de estudo, adaptaram um lugar diante da sua realidade
para realização das atividades escolares, mostrando serem alunos
protagonistas, responsáveis, solidários, competentes e acima de tudo,
resilientes ao se adaptarem à nova modalidade de ensino em decorrência da
pandemia da COVID-19.

Referências
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do comportamento. Interação em Psicologia, v. 6, n. 2, p. 233-242, 2002.
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2018. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=do
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Conteúdo, Método e Gestão: Rotinas e Práticas Educativas, 2ª Edição | 2019.
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PETRUCCI, G. W.; BORSA, J. C.; KOLLER, S. H. A Família e a escola no desenvolvimento
socioemocional na infância. Temas em Psicologia, v. 24, n. 2, p. 391-402, 2016.
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199
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

200
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

DESAFIOS E IMPLICAÇÕES NA UTILIZAÇÃO DE MATERIAIS


AUDIOVISUAIS NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS

José Edemir da Silva ANJO1

Materiais audiovisuais, metodologia qualitativa e estudos organizacionais

[...] O que meu corpo sabe da Fotografia? Observei que uma foto pode ser
objeto de três práticas (ou de três emoções, ou de três intensões): fazer,
suportar, olhar. O Operator é o Fotógrafo. O Spectador somos todos nós,
que compulsamos, nos jornais, nos livros, nos álbuns, nos arquivos,
coleções de fotos. E aquele ou aquela que é fotografado é o alvo, o referente
espécie de pequeno simulacro, de eídolon emitido pelo objeto, que de bom
grado eu chamaria de Spectrum da Fotografia, porque essa palavra
mantém, através de sua raiz, uma relação com o “espetáculo” e a ele
acrescenta essa coisa pouco terrível que há em toda fotografia: o retorno do
morto (BARTHES, 2017, p. 13-14, grifo do autor).

Os materiais audiovisuais estão presentes nas relações entre


pesquisador e pesquisado no decorrer do processo de construção do
conhecimento (BANKS, 2009; BAUER; GASKELL, 2002; CAMPOS, 2011). O
presente ensaio fotográfico apresenta reflexões sobre a possibilidade de se
usarem materiais audiovisuais na realização de pesquisas qualitativas, a
partir da discussão sobre as especificidades do método de análise de
materiais audiovisuais em pesquisas no campo dos Estudos Organizacionais
(EO).
A produção de artefatos materiais, como a fotografia, expressa o silêncio
das palavras, o que leva à construção, à troca e à interação da cultura material,
possibilitando um caminho para a revelação dos não ditos nos fenômenos
organizacionais (CAVEDON, 2005). Esses materiais revelam-se de suma
importância por permitir inferir questionamentos de conflitos existentes
entre discursos e ações nos fenômenos investigados.
A adoção de determinada metodologia deve ser orientada para obtenção
do material para análise dos resultados do estudo, o que implica em
diferentes aspectos acerca da investigação (DENZIN; LINCOLN, 2006). Cabe
ao pesquisador a escolha do método para obtenção dos achados e dos
pressupostos teóricos que tomará como base, e, para tanto, ele precisará ter
conhecimento de diferentes métodos para que possa fazer a escolha do

1
Doutorando em Administração pela Universidade Federal de Lavras. Mestre em Administração pela
Universidade Federal do Espírito Santo. Bacharel em Administração pela Universidade Federal de Alagoas.
E-mail: edemir-sa@hotmail.com

201
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

método mais adequado ao seu estudo.


É crescente o acesso aos meios e a difusão deles e dos produtos
audiovisuais aos indivíduos, portanto, há a necessidade do seu maior
reconhecimento para efeitos da formação de conhecimento de saberes no
campo organizacional (GODOI; UCHOA, 2016). Dentre as críticas feitas aos
estudos com abordagem qualitativa, está o uso inadequado de metodologias
de pesquisa (CAMPOS, 2011).
Godoy e Leite (2019) apresentam uma revisão sobre o uso recente de
metodologias de análise da imagem em pesquisas de turismo nacionais e
internacionais, e os resultados revelam que esse uso fora combinado com
outros métodos qualitativos como suporte para o rigor metodológico e não
como principal ou única estratégia escolhida pelos pesquisadores.
Nos EO brasileiro, pode-se observar trabalhos que exploram o mundo
das artes voltados para discussões e para aplicação como metodologia de
ensino-aprendizagem alternativa às convencionais (DAVEL; VERGARA;
GHADIRI, 2007), como teatro (AMARAL et al., 2012), mas com destaque para
trabalhos que recorrem à análise fílmica, como realizado por Leite e Leite
(2010).
Ainda se pode notar que o uso de métodos visuais na área de EO em
trabalhos empíricos voltados para produção de artefatos culturais, como
artesanato e design (MAZZA; IPIRANGA; FREITAS, 2007), indo ao encontro
de estudos de formas organizativas alternativas como a proposta de
Figueiredo e Marquesan a despeito do artesanato (2014).
Os registros fotográficos potencializam os relatos de experiência vivida
no campo de pesquisa investigado (SCHERER; VACLAVIK; GRISCI, 2018).
Ainda assim, pode-se observar poucas produções que utilizam materiais
audiovisuais, e quando as utilizam, limitam-se a sua descrição, como de uma
fotografia para em seguida levar a uma narrativa de discussão no Brasil
(UCHOA; GODOI, 2016). Ao realizar tais estudos, deve-se buscar a
explicação e a compreensão dos fenômenos organizacionais de modo a
refletir o cotidiano (DENZIN; LINCOLN, 2006).
Uma fotografia pode revelar a construção simbólica, os significados e a
representatividade dos sujeitos, dos fenômenos organizacionais. Um
exemplo pode ser o estudo qualitativo de Gondim, Feitosa e Chaves (2007),
as quais utilizaram fotografia em grupos focais com olhar para o trabalho. O
recurso da fotografia contribuiu também para o olhar de Santo (2018) para a
análise territorial de fronteira do tráfico.
A escolha pela produção de material audiovisual implica uma postura
mais reflexiva da parte dos pesquisadores sociais nas suas investigações. Ao

202
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

recorrerem à produção desses dados, dos métodos e de suas contribuições no


campo organizacional, a fotografia surge como uma possibilidade de questão
de método (IPIRANGA, 2016; IPIRANGA; RIBEIRO, 2020; UCHOA;
GODOI, 2016), sobretudo em pesquisas de natureza qualitativa.
Cabe ao pesquisador a escolha do método utilizado na pesquisa e dos
respectivos pressupostos teóricos que este terá como base no processo. Para
tanto, requer-se um conhecimento das diferentes possibilidades de escolha
metodológicas e teóricas que se apresentam. Nesse sentido, o presente ensaio
apresenta reflexões sobre a possibilidade acerca do uso de materiais
audiovisuais na realização de pesquisas qualitativas, discutindo
especificidades do método de análise de materiais audiovisuais no campo
dos Estudos Organizacionais (EO).
Dentre as críticas feitas aos estudos que utilizam uma abordagem
qualitativa e apresentam um uso inadequado de metodologias de pesquisa,
uma das principais refere-se à utilização de materiais audiovisuais de forma
acessória. Isso seria resultado da falta de critério e atenção do pesquisador de
sua relação com o método, objeto, problema de pesquisa. A adoção de
determinada metodologia deve ser orientada para obtenção do material para
análise dos resultados do estudo, o que implica em diferentes aspectos acerca
da investigação (DENZIN; LINCOLN, 2006).
Os materiais audiovisuais estão presentes nas relações entre
pesquisador e pesquisado no decorrer do processo de construção do
conhecimento (CAMPOS, 2011). Questiona-se então: Quais são as
implicações do uso de material audiovisual na análise de pesquisas
qualitativas para o campo dos Estudos Organizacionais?
Este ensaio terá como objetivo, discutir o espaço e utilização dos
documentos visuais como método de análise e suas contribuições no campo
organizacional. Busca-se fazer reconhecer não só o fato de que os objetos
investigados são hoje, mais visíveis na forma como podem, devem e querem
ser abordados, mas também o desenvolvimento de uma postura mais
reflexiva da parte dos pesquisadores sociais nas suas investigações que
utilizem materiais audiovisuais.
A pesquisa qualitativa ressalta a natureza sendo socialmente construída,
oferecendo uma visão interpretativa do mundo. Este tipo de pesquisa
possibilita, dentre outras coisas, abordar diferentes representações de um
determinado objeto a ser investigado, tendo maior percepção dos aspectos
ligados ao mundo social. Outra característica da pesquisa qualitativa é a
estreita relação entre pesquisador e o seu objeto de estudo pesquisado
(DENZIN; LINCOLN, 2006).

203
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Nas pesquisas que utilizam metodologias qualitativas, o estudo da


cultura material se faz necessário pela importância por buscar inferir nos
conflitos existentes entre o discurso e ações na interação entre sociedades,
visto que a produção de artefatos materiais expressam o silêncio das palavras
o que leva a construção, troca e interação da cultura material (HODDER,
1994).
Utilizando como exemplo dos materiais em questão os textos, temos que
estes persistem; daí sua importância para pesquisa qualitativa, pois são
fontes de informação e conhecimento, além do valor cultural histórico para
sociedade. São os contextos sociais históricos que dão significação as palavras
de um texto. Um texto escrito ao ser lido em diferentes contextos de espaço e
tempo recebe novas significações. O significado de um texto não estará
contido nele, mas na leitura e intepretação que fazem das palavras, símbolos
presentes (HODDER, 1994).
Dentre os diferentes tipos de materiais, Campos (2011) chama a atenção
para o crescimento da utilização de imagens e plataformas audiovisuais nas
pesquisas, principalmente por pesquisadores mais jovens. Uchoa e Godoi
(2016) também destacam a emergência da utilização de materiais visuais nas
pesquisas, trazendo como exemplos, filmes, fotografias, desenhos, pinturas,
apresentações teatrais, programas televisivos, videoclipes, jornais, dentre
outras.
Apesar do crescimento da utilização de materiais audiovisuais nas
pesquisas qualitativas, não existe uma dedicação muito atenta no que tange
aos aspectos metodológicos de sua utilização, carecendo de uma maior
preocupação neste sentido (CAMPOS, 2011; UCHOA; GODOI, 2016).
Campos (2011) destaca que a utilização destes materiais acaba se dando,
muitas vezes de forma auxiliar ou com o enfoque na produção dos mesmos,
afastando as discussões metodológicas para sua utilização.
Apesar das escassas discussões a respeito do assunto em questão, a
presenças de materiais audiovisuais, como por exemplo fotos, em pesquisas
científicas se dá de forma ampla e sua utilização já não é novidade, como
pode ser observado em Campos (2011) e em Bauer e Gaskell (2000). Porém, é
importante destacar a importância do contexto neste processo (BAUER;
GASKELL, 2002; CAMPOS, 2011; GODOI; UCHOA, 2016; HODDER, 1994).
Como afirmam Bauer e Gaskell (2002), uma mesma imagem pode gerar
diferentes interpretações dependo do contexto em que é apresentada e
analisada, destacando também a existência do risco de manipulações da
mesma.
Apesar disto, a utilização de materiais na pesquisa científica, como

204
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

destaca Hodder (1994), tem como uma vantagem a possibilidade de fazer


inferências e observações daquilo que não foi dito ou está ausente a partir da
observação dos mesmos, ou até mesmo confrontos entre o que foi dito, por
exemplo, em entrevistas e a realidade observada a partir dos materiais. Neste
sentido, Bauer e Gaskell (2002) destacam que a ausência de determinados
indivíduos ou artefatos em uma fotografia, por exemplo, implicam em uma
série de fatores.
Chama-se atenção para crescente acessibilidade e difusão dos meios e
produtos audiovisuais aos indivíduos, e por outro lado, a necessidade do seu
maior reconhecimento para efeitos da formação de conhecimento de saberes
no campo organizacional (GODOI; UCHOA, 2016). Ao realizar tais estudos
com documentos audiovisuais, busca-se contribuir para uma melhor
interpretação explicação e compreensão dos fenômenos organizacionais e
sociais. Porém, como destacam Uchoa e Godoi (2016), observa-se que tais
produções pouco utilizam dos materiais audiovisuais, e quando se utilizam,
se limitam a sua descrição, como de uma fotografia para em seguida levar a
uma narrativa de discussão no Brasil.
Acredita-se que os recursos audiovisuais vêm sendo pouco utilizados, e
quando utilizados nos EOs, são submissos a outras técnicas e materiais na
abordagem metodológica. Os materiais audiovisuais possuem
potencialidades para o desenvolvimento de pesquisa como Campos (2011)
salientou. Entretanto é perceptível a necessidade de capacitação técnica de
pesquisadores organizacionais, visto que o conhecimento teórico, e também
prático, é insipiente e pouco desenvolvido.

Referências

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trabalho e as lições de “DONANA” no processo de ensino aprendizagem e pesquisa em
administração” . Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, v. 11, n. 1, p. 95-114, 2012.
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BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual
prático. Petrópolis: Vozes, 2002.
BANKS, M. Dados visuais para pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.
CAMPOS, R. “Imagem e tecnologias visuais em pesquisa social”. Análise Social, v. XLVI, p. 237-
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dos não ditos organizacionais”. Organizações & Sociedade, v. 12, n. 35, p. 13-27, 2005.
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DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens.
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205
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

FIGUEIREDO, M. D.; MARQUESAN, F. F. S. “Artesanato, arte, design... Por que isso importa
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GODOI, C. K.; UCHOA, A. G. F. “Metodologia Discursiva-imagética - do contexto de produção
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GONDIM, S. M. G.; FEITOSA, G. N.; CHAVES, M. “A imagem do trabalho: um estudo
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IPIRANGA, A. S. R.; RIBEIRO, J. S. “A Análise da Imagem Visual na Pesquisa: pelos caminhos
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SCHERER, L. A.; VACLAVIK, M. C.; GRISCI, C. L. I. “Fotografar para Compreender: Relato de
Experiência e Reflexões a partir das Lentes Trabalho, Gestão e Subjetividade”. Revista
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UCHOA, A. G. F.; GODOI, C. K. “Metodologias Qualitativas de Análise de Imagens: Origem,
Historicidade, Diferentes Abordagens e Técnicas”. In: Congresso Brasileiro de Estudos
Organizacionais, Porto Alegre: CBEO, 2016.

206
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

PRÁTICA DOCENTE
Idealização e realização

Lucília Teodora Villela de Leitgeb LOURENÇO1

Este ensaio é um pequeno vislumbre bibliográfico de professores que


louvam a prática docente que acontece dentro das salas de aula brasileiras.
Um diálogo sobre a prática docente na escola é discorrer sobre uma
prática do professor que é marcada por variações de estilo e significações
várias. É discorrer sobre como os professores são plenos de pluralidade, como
bem explicou Tardif (2000) e que dentro de suas ações cotidianas emergem
na sala de aula. Não se trata apenas de conhecimentos, mas de reações
sensíveis que brotam de sua formação e guiam sua prática dentro da escola.
Como nos exemplificou Arroyo (2000), tratar da práxis docente exige o
conhecimento artístico do ofício dos professores e mergulhar na arte do
ensino e da aprendizagem, que muito mais tem de conhecimentos próprios
do que teóricos, quando dentro das paredes da sala de aula.
Os docentes são a pedra do reino de todo um processo educacional
efetivo. São os que detêm o papel principal, pois são os sujeitos que mediam
o conhecimento, a cultura e o saber escolar, direto para os alunos. De vez em
quando, reformas educacionais buscam desagregação dessa prática,
relegando ao professor um papel secundarizado, mas essas reformas falham
justamente porque não se pode relegar o professor a segundo plano. O
docente é a propulsão para um saber multidisciplinar, múltiplo, onde
práticas subjetivas, identitárias, de carreira, com processos formativos e de
constituição do saber integrados.
Shulman (1997), discorrendo em um encontro docente, ressalta que as
reformas educacionais deveriam considerar os professores como aliados e
reafirma que é necessário observar 5 aspectos nesse diálogo: inicialmente, os
docentes enfrentam um desafio espetacular ao serem os responsáveis diretos
pela execução dessas reformas estruturantes; segundo, o magistério é uma
profissão que exige intelecto afiado, embasado em técnica e saber emocional
articulados. Um terceiro ponto afirma que para que qualquer mudança
ocorra, é preciso que não só os alunos aprendam e apreendam em uma ideia
de reforma e sim que professores sigam os princípios de cultura, paixão,

1
Mestre pela UFRGS e Pos Doutoranda na UFMS campus de Campo Grande/MS, Professora nível 5 da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Atua no curso de Letras Inglês com Literaturas Britânica.
Norte-americana, de Língua Inglesa com foco no Pós-colonial. Dourados/MS, Brasil. Contato:
luciliadeleitgeb@terra.com.br

207
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

atividade, reflexão, colaboração e atividades para que mudanças sejam


eficazes. Isso levará a um quarto ponto em que a formação prévia e formação
continuada devem ser igualmente preparadas em uma grande formação de
professores. Em quinto, as reformas atuais dificultam a prática docente e isso,
certamente, afetará o sucesso delas em si mesma, numa espécie de
autossabotagem.
A escola é o lócus onde existe a missão cultural de se propagar saberes,
projetos de vida, socialização, sendo que os docentes são os maiores
promotores dessas intenções. A atuação docente é, de longe, a maior forma
de combater as desigualdades sociais existentes no país. Esse trabalho
docente dentro da sala de aula não deve ser pensado como algo puramente
técnico, buscando apenas preencher as lacunas de currículo. A prática
docente é plural, humana, complexificada em si mesma e qualquer
reducionismo desse trabalho é expurgado imediatamente, por não ser
exequível.
A prática docente necessita sim de técnicas, mas não se reduz somente a
isto. É habilidade pura, que não deve ser engessada por legislações que
desconhecem o valor do professor. O dia a dia docente deve ser motivo de
reflexão, busca saberes específicos, análises de situações concretas e tomada
coerente de posicionamento. É um trabalho de mediação que ultrapassa
currículos, mas sempre respeitando-os. A mediação realizada pelo professor
deve ser feita embasada em fundamentos sociais, humanos e culturais do
currículo ensinado, encaminhando a ação docente no contexto concreto de
sala de aula, produzindo e realizando os conhecimentos com maestria e
dialogismo, identificando as falhas para replanejamento e escolhendo as
técnicas mais adequadas para cada contexto.
Por este motivo, quando se trata de formação docente, o que caracteriza
o labor do professor não é somente dominar determinado conteúdo, mas o
conjunto de conteúdos e conhecimentos a que Tardif (2000) alcunhou de
saber docente. É um amálgama de saberes e conhecimentos específicos, mas
inclui práticas intimamente relacionadas ao trabalho de lecionar e ensinar.
Dessa forma, a prática docente implicará a construção e execução de um saber
que certamente assegurará a aprendizagem do conteúdo mediado pelo
professor, com a transmissão produtiva do seu saber, mudando concepções
de mundo e trabalhando para a mitigação da desigualdade social.
O estudioso Giroux (1997) explicou em seu ensaio que um professor
deve ser tratado mais como intelectual do que como um técnico. Isso porque,
devido as reformas educacionais existentes em diversos países latino-
americanos, os professores foram subjugados por estas reformas que

208
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

diminuíam sua prática docente em três pontos, sendo a primeira que as


reformas não consideram o professor como líder intelectual. Em segundo,
ignora-se o papel docente na formação da cidadania a partir da escola e em
terceiro reduzem o professor a um mero técnico, incapaz de promover
mediação do seu conhecimento.
Nesse aspecto, falar de prática docente é tratar o professor como
intelectual, considerando- um elemento modificador da sociedade, cujo
objetivo está em ser mais um transformador que age construindo um saber
pedagógico mais político e o político mais pedagógico, conforme explicou
Giroux (1997, p.163). Com esse pensamento, o intelectual oferece uma visão
que estrutura a prática docente dentro da sala de aula demonstrando que as
práticas ideológicas e utilização do saber docente elevam o professor a uma
posição central que, junto ao aluno, via mediação, promoverá uma revolução
no ensino.
À guisa de finalizar esse breve ensaio, como afirmara Arroyo (2000) em
brilhante estudo, será necessário colocar os professores em um lugar de
destaque que lhes é merecido. Isso sempre é achacado por governos pouco
preocupados com a qualidade escolar e o aprendizado real e crítico dos
alunos. O professor e a prática docente precisam ser vistos como atores
principais da revolução social que precisamos implementar, pois é a partir da
escola que as mudanças se concretizam, pois ali os saberes construídos no dia
a dia do labor profissional docente ultrapassam os muros da escola e modifica
a sociedade como um todo. Ainda que devagar, a mudança é real quando se
valoriza o professor e a sua atuação docente.
Referências
ARROYO, M. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
GIROUX, H. Professores como intelectuais transformadores. In: Os professores como
intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997. p. 157-164.
SHULMAN, L. Ensino, formação de professor e reforma escolar. In: CASTRO, C. de
M.; CORNOY, M. (Orgs). Como anda a reforma da educação na América
Latina? Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, p. 133-139, 1997.
TARDIF, M. Elementos para uma epistemologia da prática profissional dos
professores e suas conseqüências em relação à formação do
magistério. Universidade de Laval/PUC-Rio, 2000. (mimeo.)
______. À beira da falésia: A historia entre certezas e inquietudes; tradução Patrícia
Chittoni Ramos. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002.
______. Formas e sentido. Cultura escrita: entre distinção e apropriação; tradução
Maria de Lourdes Meirelles Matencio. Campinas – SP: Mercado de Letras;
Associação de Leitura do Brasil (ALB), 2003.

209
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

______. Leituras e leitores na França do Antigo Regime; tradução Álvaro Lorencini.


Editora UNESP: São Paulo, 2004.
______. Um humanista entre dos mundos: Don Mckenzie. Prólogo. In: MCKENZIE,
D. F. Bibliografía y sociologia de los textos. Traducción Fernando Bouza. Akal
Ediciones: Madrid, 2005
CITELLI, A. Comunicação e educação: a linguagem em movimento. São Paulo:
Editora SENAC, 2000.
SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.
______. Matrizes da linguagem e pensamento - sonora, visual, verbal: aplicações na
hipermídia. São Paulo: Iluminuras, 2005.
______. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo:
Paulus, 2004.
SMITH, F. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do
aprender a ler; tradução Daise Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

210
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

CLIMA ESCOLAR
Previsão de dias ensolarados para o terceiro ciclo

Márcia Maria Martins PARREIRAS1


Janaína da Silva NARCISO2

Apresenta-se o relato de experiência sobre o desenvolvimento de um


projeto-piloto denominado “Atitudes e Valores”, realizado junto a
estudantes do III Ciclo da Escola Municipal Padre Henrique Brandão, em
Belo Horizonte/MG, que expressavam forte desprezo pelo espaço escolar,
associado a constantes episódios de violência.
O propósito da ação foi o de promover espaços de escuta para melhor
entendimento das causas das atitudes de violência dos discentes; propiciar
oportunidades para auto-reflexão e, por fim, alcançar um clima escolar
melhor.
A exposição desse relato justifica-se pelo contexto de tensão que muitas
escolas estão vivenciando, imersas em constantes episódios de conflito e
violência protagonizados por discentes, docentes, funcionários em geral e
mesmo pais de estudantes. No período pré-pandemia, o Clima Escolar nunca
esteve tão em pauta. E acreditamos que seja um tema pertinente para
reflexão, inclusive nesse momento de trabalho remoto, haja vista a
insatisfação de alguns pais e estudantes, frente a essa nova realidade de
teletrabalho. Diante disso, nossa intenção é a de compartilhar nossa estratégia
de enfrentamento dessas questões na expectativa de estimular colegas a
arriscarem processos de intervenção nesse formato, bem como inspirar outras
possibilidades.
Avaliamos que essa experiência é uma boa prática no contexto da
educação básica porque, aos poucos, temos verificado mudanças nas relações
dos discentes entre si e com os professores, com reflexos na escola de uma
forma mais ampla. Vale dizer que temos muita clareza de que há um longo
percurso pela frente, mas assumimos a escolha de intervir, de ousar em
direção aos riscos do novo. Convivemos em um cotidiano que a todo tempo
nos desafia, e entendemos que a proatividade é o caminho para alcançar as
mudanças que nós mesmos demandamos dessa realidade. Não temos
dúvidas de que parte das transformações almejadas começam em nós e a
partir de nós.

1
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, professora de Ciências Naturais da
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Email: marcia.parreiras@edu.pbh.gov.br
2
Professora de História da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Email:
janaina.narciso@edu.pbh.gov.br

211
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Em termos gerais, o texto está organizado da seguinte forma:


apresentam-se os referenciais teóricos e, posteriormente, explicita-se o
desenvolvimento do projeto e a avaliação dos resultados com algumas
considerações gerais.

O Clima Escolar

A expressão “clima escolar” tem suas raízes no conceito de "clima


organizacional" do local de trabalho, que emergiu a partir do final dos anos
1960 e pode ser definido como a percepção e a sensação que um indivíduo
tem de suas experiências no sistema escolar (CUNHA, 2014).
Sendo uma discussão realizada em vários países, não só em território
nacional, uma segunda definição, delineada pelo Ministério da Educação e
Cultura do governo espanhol - CERE (1993, p. 30 apud MANRÍQUEZ, 2014),
define o clima escolar como sendo
o conjunto de características psicossociais de um centro educacional,
determinado por fatores ou elementos estruturais, pessoais e funcionais da
instituição, que, integrados em um processo dinâmico específico, conferem
um estilo peculiar a este centro, condicionador, ao mesmo tempo dos
diferentes processos educacionais.

Assim, converge com a proposição exposta por VINHA (2016, p. 101)


quando afirma que o clima escolar
Refere-se à atmosfera de uma escola, ou seja, à qualidade dos
relacionamentos e dos conhecimentos que ali são trabalhados, além dos
valores, atitudes, sentimentos e sensações partilhados entre docentes,
discentes, equipe gestora, funcionários e famílias. […] Ele determina a
qualidade de vida e a produtividade dos docentes, dos alunos, e permite
conhecer os aspectos de natureza moral que permeiam as relações na
escola. O clima, portanto, é um fator crítico para a saúde e para a eficácia
de uma escola.

Assim sendo, a possibilidade de a escola ser vivenciada pelo estudante


como uma experiência emocionalmente positiva dependerá em grande
medida do ambiente criado pelos diversos atores da instituição. No caso
específico desse texto, damos destaque em nossa reflexão aos professores e
discentes.
Em linhas gerais, as ações para prevenir violência nas escolas devem
considerar a questão da disciplina, a qual é um componente central do clima
escolar. A disciplina deve ser entendida como o cumprimento dos papéis que
cada membro da comunidade educacional incorpora: sejam os discentes, com

212
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

suas responsabilidades de estudar e cumprir as tarefas propostas, sejam os


professores, responsáveis por propor atividades adequadas e instigadoras a
cada perfil distinto de estudantes.
Nesse ponto destacamos a importância da perspicácia, sensibilidade e
humildade dos educadores, no sentido de colocar-se como parte do processo
gerador de um clima escolar mais positivo, a partir de propostas didáticas
acessíveis ao público específico com o qual está trabalhando. Nesse sentido,
argumentamos que o educador deve ser propositivo, criativo, construindo
ações junto aos estudantes que lhes permitam desenvolver os cinco critérios
considerados por Grisay (1993 apud MANRÍQUEZ, 2014) como
estruturantes de um bom clima escolar, sendo: (1) o sentimento, pelos
estudantes, de que estão sendo objeto de atenção; (2) a equidade, de modo
que cada sujeito perceba-se único e valorizado; (3) a sensação de competência
pelos estudantes, ou seja, de que estão desenvolvendo habilidades; (4) a
sensação de orgulho/identificação com a escola; (5) a satisfação geral por
estudar em determinada escola.
Em linhas gerais, o clima social da escola, ou clima escolar, é composto
de diferentes microclimas, que podem ser protetores ou prejudiciais, sendo
que o microclima que pretendemos destacar, neste trabalho, refere-se ao
“clima da sala de aula”.
Com base nos trabalhos de Manríquez (2014) pode-se afirmar que o
“clima da sala de aula” é extremamente relevante para o desenvolvimento de
um clima escolar positivo. Isso porque, quando devidamente organizado e
conduzido, com equilíbrio entre protagonismo estudantil e mediação
docente, tal clima produzido é capaz de promover o desenvolvimento
pessoal num processo em que os estudantes percebem-se apoiados por
docentes e pares. Ao mesmo tempo, exercem a solidariedade e sentem que o
que estão aprendendo é útil e significativo. Finalmente, têm uma percepção
de produtividade, ao estarem imersos em uma atmosfera cooperativa
conduzida por uma boa organização das atividades.
Nesse mesmo caminho, argumentamos que o “clima da sala de aula”,
mediado por dinâmicas, pode ajudar a melhorar o clima social da escola, uma
vez que promove situações de afetividade e relações interpessoais de maior
proximidade e intimidade. As dinâmicas também ajudam a construir sentido
de pertença à instituição; participação e coexistência democrática; sensação
de relevância do currículo escolar e melhoria do autoconceito dos estudantes,
tanto como sujeitos/indivíduos, quanto em termos acadêmicos (CORNEJO e
REDONDO, 2001).

213
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Dinâmicas no Processo Educativo

Um dos grandes desafios da escola sempre foi o de lidar com as


diferentes pessoas em um mesmo ambiente. Culturas, valores, gostos,
percepções de vida tão distintos geram tensões. Ocorre que, muitas vezes, em
sala de aula, os grandes conflitos depreendem-se justamente da dificuldade
de trabalhar e negociar essas diferenças. As atividades a partir de dinâmicas
são assumidas aqui como recursos profícuos para melhorar o clima escolar,
isto é, para ajudar o estudante a vivenciar a escola de modo emocionalmente
positivo, uma vez que, segundo Silva e Mendes (2012, p. 340), tanto
as dinâmicas, como os jogos e as vivências, quando bem elaborados e
aplicados, são atividades que propiciam resgate do lúdico e que, portanto,
permitem maior espontaneidade, resultando em maior envolvimento com
os objetivos propostos.

Em outras palavras, as ações desenvolvidas por intermédio de


dinâmicas podem, indiretamente, promover maior compreensão e
disposição dos estudantes para realização das atividades clássicas de ensino
aprendizagem, porque se alcançou as emoções de modo positivo.
Inspirados ainda na psicologia, convergimos com a colocação de Silva e
Mendes (2012, p. 349) quando argumenta que os jogos e as dinâmicas são
excelentes ferramentas, uma vez que constroem e “exercitam a paciência,
amenizam a ansiedade, promove o respeito e a tolerância (...) desinibem os mais
tímidos, (...) colocam e exibem pontos de vista, com espontaneidade”.
Por conseguinte, consideramos que as dinâmicas, por seu potencial de
incidir nas motivações dos estudantes, são elementos importantes na
construção de um bom clima escolar pelos discentes, uma vez que a
motivação é um dos fatores que interfere sobre o comportamento. Em outras
palavras, está relacionado, no caso da escola, à disciplina ou à indisciplina.
Chiavenato (apud Silva e Mendes, p. 344, 2012) define
simplificadamente motivação como “força propulsora, desejo” ao discutir
sobre as organizações. Transpondo esse raciocínio para a escola, pode-se
dizer que a motivação interfere diretamente sobre os relacionamentos entre
as pessoas e a escola, de modo que, quando há alta motivação entre os
estudantes, o clima escolar é favorável, gerando interesse, colaboração e
satisfação. Contudo, quando a motivação é baixa, em decorrência das
frustrações ou dificuldades em satisfazer as necessidades individuais, há
apatia e indisciplina, gerando, não raro, episódios de violência.

214
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Objetivos da experiência, metodologia e desenvolvimento

Como já exposto, o propósito da ação foi o de promover espaços de


escuta para melhor entendimento das causas das atitudes de violência dos
discentes; propiciar oportunidades para auto-reflexão e, por fim, alcançar um
clima escolar melhor.
O projeto foi realizado em cinco turmas do terceiro ciclo, sendo uma de
sétimo ano e quatro de oitavo ano. Coordenaram e desenvolveram a ação as
duas professoras autoras desse relato, com o apoio da coordenação para
materialidade e organização dos espaços.
A turma de sétimo ano foi dividida em dois grupos menores, porém, o
trabalho com o oitavo ano foi realizado sem tais divisões devido à ausência
de profissionais disponíveis para tal organização. Ao longo das dinâmicas,
várias provocações eram feitas para discussão de temas diversos, como:
autoimagem, autoridade, atitudes, valores, hábitos, escola, família, mídia,
conflitos, violência entre outros. Ao final de cada encontro eram realizadas
sistematizações em formatos diversos: textos, frases, desenhos, artefatos,
roda de conversa, etc.
Os encontros com os estudantes foram realizados semanalmente, ao
longo de um ano, sempre pautados na proposta de desenvolvimento de
dinâmicas.
Dentre algumas dessas atividades realizadas e as temáticas tratadas,
podemos citar: (1) “Colhe-se o que se planta”, que discutiu a importância das
atitudes e escolhas que fazemos hoje, bem como o que desejamos e fazemos
para e com os outros pode ser algo que volta para nós mesmos; (2) “Tesouro”,
que trabalhou autoestima; (3) “Ouvir”, que se propôs a refletir sobre a
importância da escuta e de como é desagradável estar em um ambiente em
que somos ignorados; (4) “Sonhos”, que desenvolveu a discussão da
importância de sonhar como orientação para projetos de vida; (5) “Dinâmica
do ritmo”, cuja intenção era entender a escola como espaço lúdico, prazeroso
e de amizade; (6) “Bambolê”, que teve intenção de promover a reflexão sobre
a importância do trabalho em equipe; (7) “Aconselhamento”, cujo objetivo foi
o de que cada grupo de estudantes se reunisse e aconselhasse um colega a
respeito de um problema real que estava passando; (8) “Coragem e Medo”,
essa dinâmica se propôs a estimular a reflexão de que o medo nos impede,
algumas vezes, de alcançar coisas boas para nossas vidas.
Argumenta-se, a partir dessas experiências, que a vivência lúdica dos
estudantes em situações que lhes dão voz, associada a processos de reflexão
e autorreflexão orientada, constituiu-se em fator singular para a melhora da

215
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

percepção do clima escolar pelos discentes em pauta, de forma que, dentre os


resultados, aponta-se: um espaço de confiança docente/discente, que
possibilitou a expressão de angústias e sonhos; a diminuição da indisciplina
e maior interesse pelas atividades pedagógicas impulsionados pelos vínculos
desenvolvidos, o desenvolvimento da afetividade, o protagonismo, uma
atmosfera de trabalho mais colaborativo,. Tais resultados são ilustrados em
algumas falas dos estudantes participantes expostas a seguir. Transcrevemos
falas e ou registros escritos nos quais se verificam reflexão sobre si mesmo:
“eu me vejo como um diamante precioso, que ninguém vê e que precisa ser
lapidado”. (registro após a dinâmica “Tesouro” do estudante L, sala 811)

“o que me deixa triste hoje é a saudade do meu irmão, que foi assassinado”.
(registro após a dinâmica “Projetos” do estudante H., sala 809)

“aprendi que, para você alcançar seus sonhos, você não precisa destruir os sonhos
dos outros” (registro após a dinâmica “Sonhos” da estudante M.E, sala 808)

Abaixo transcrições de falas e ou registros escritos nos quais se verificam


descontração e afetividade dos estudantes ao longo do processo:

“professora, você é bacana porque você é a única que entende a gente… dá tempo
pra gente relaxar, não ficar só estudando, estudando.” (Expressão oral
espontânea da estudante M.L, sala 812)

“estou me sentindo como no jardim de infância [com essas dinâmicas] ... mas
estou gostando! Está legal.” (registro após a dinâmica “Ritmo” do estudante
L., 811)

Alguns exemplos de transcrições de falas e ou registros escritos nos


quais se verificam reflexão, sensibilidade para com a condição do próximo:

“olha só professora, essa pessoa tem problemas muito sérios: divórcio dos pais,
brigas em casa... achei que eu teases problemas… eu não sei como aconselhar tudo
isso não....” (registro após a dinâmica “Aconselhamento” do estudante JP.,
812)

No que diz respeito à avaliação, combinamos com os estudantes que os


critérios seriam a participação e envolvimentos ao longo das dinâmicas, além
da qualidade do conteúdo e capricho das sistematizações confeccionadas no
final de cada encontro. Para a maior valorização desses encontros, por parte
dos estudantes, alguns temas das discussões desenvolvidas em algumas
dinâmicas foram cobrados em avaliações mensais.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Análise dos resultados observados

Com relação aos resultados do trabalho desenvolvido, observamos que


foram alcançados os resultados, descritos a seguir.
O primero deles está no fato de ter reduzido a indisciplina e o
desinteresse dos estudantes pelas tarefas pedagógicas durante as aulas das
professoras responsáveis pelo desenvolvimento do projeto, mais
especificamente, com as turmas do oitavo ano.
Esse resultado sugere que os estudantes fazem uma associação direta
entre a metodologia empregada e o docente. Avaliamos que, de modo geral,
o “clima da sala de aula” dos professores que ministraram esse projeto junto
às turmas de oitavo ano sofreu interferência positiva, uma vez que parece ter
proporcionado maior afetividade e motivação.
Compreende-se que tal alteração ocorreu devido à condução do
processo ter se pautado na valorização da autonomia e do protagonismo dos
discentes. De fato, avalia-se que o formato assumido permitiu uma
transformação significativa da rotina dos estudantes, possibilitando-lhes a
construção de uma nova identidade com a escola.
Até onde conseguimos observar, o projeto com a turma de sétimo ano
parece não ter obtido os resultados esperados. Embora tenha sensibilizado
alguns estudantes isoladamente, avaliamos que, pela alta quantidade de
discentes dissonantes nessa turma, o projeto deveria ter sido realizado com
mais um professor na equipe, de modo que, assim, reduziríamos o número
de estudantes propiciando mais tempo de fala, expressão, participação
efetiva de cada um.
Associado ao acima discutido, como segundo resultado, consideramos
que o projeto configurou-se como importante instrumento para uma reflexão
sobre as propostas apresentadas aos estudantes no cotidiano, mostrando que,
muito do que não se alcança com os discentes pode estar relacionado ao tipo
de metodologia empregada, a qual, se direcionada à melhora do clima
escolar, pode gerar resultados surpreendentes.
Avalia-se, assim, que a partir dessa oportunidade, os participantes
desenvolveram, principalmente, o protagonismo, a espontaneidade, o
trabalho colaborativo e uma afetividade singular até então ainda pouco vista
nestes estudantes, pela escola e por alguns docentes, contribuindo para a
redução de atitudes de indisciplina, conflitos, que culminavam em eventos
de violência. Como não poderia deixar de ser, as aulas sobre conteúdos
específicos, desenvolvidas pelos professores envolvidos no projeto,

217
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

transcorreram com maior tranquilidade e com um clima mais “ensolarado”


junto aos estudantes dessas turmas, sobretudo, as de oitavo ano.

Considerações finais

Tanto nós professoras que iniciamos o projeto quanto a coordenação e


direção da escola, observando a postura dos estudantes ao longo dos
encontros, avaliamos a experiência como extremamente válida, frutífera e
coerente com as demandas que nos impõem o público que é atendido por
nossa instituição.
Diante disso, o projeto, aprovado pela equipe de professores, passou por
um processo de expansão para todas as turmas do terceiro ciclo, do sexto ao
nono ano. Todavia, um desafio que passou a dificultar sua implementação
neste formato, constituiu-se no alto índice de absenteísmo presente em nossa
unidade de ensino. Infelizmente essa realidade nos forçava a ter que deixar
de cumprir o compromisso com essa ação, para suprir tais ausências, ou seja,
cobrir a falta de profissionais que diariamente, por motivos diversos,
faltavam ao trabalho.
O absenteísmo, inclusive, é um grave problema que implica
negativamente no clima escolar de uma escola, causando diversos impactos
nas relações e nos esforços de processos pedagógicos diferenciados da
instituição, tais como o projeto “Atitudes e Valores” que acabamos de relatar.
Sem dúvidas, o absenteísmo é um aspecto que merece ser melhor estudando
a fim de elaborar-se estratégias para reduzi-lo, oferecendo condições para
que propostas diferenciados que visem uma melhoria do clima escolar e,
consequentemente, dos processos de ensino aprendizagem, se efetivem.
Entendemos que o projeto que ora discutimos, conforma-se em um
esboço de um possível caminho a uma demanda já antiga não só de nossa
escola, mas de inúmeras outras. Fortalecendo esse argumento, da
necessidade de um olhar diferenciados para os estudantes, superando a
rotina conteudista disciplinar a que, via de regra, os submetemos, basta
verificar o lugar de destaque que as competências e habilidades
socioemocionais vêem assumindo em vários documentos norteradores para
a Educação Básica. Como exemplo modelar temos a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC, 218), que destaca as macrocompetências de resilência,
autogestão, amabilidade, engajamento com os outros e abertura ao novo.
Em tempos de pandemia e de teletrabalho, mais do que nunca
considerar a abordagem destas competências, promover a reflexão sobre
atitudes e valores, torna-se mais que essencial. Compete-nos agora a
novamente nos reinventarmos dentro dessa realidade, não regredindo em

218
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

nossos avanços e convições, mass, sim, continuando a lutar por um clima


escolar, agora virtual, que coopere para a formação humana integral de
nossos discentes, em meio a uma experiência profundamente agradável e
motivante.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 2018
CERE. Evaluar el contexto educativo. Documento de Estudio. Vitoria: Ministerio de Educación
y Cultura, Gobierno Vasco, España. 1993.
CORNEJO, R.; REDONDO, J. “El clima escolar percibido por los alumnos de enseñanza media.
Una investigación en algunos liceos de la Región Metropolitana”. Última Década, Santiago,
v.9, n.15, p. 11-52, set. 2001.
CUNHA, M. B. “Possíveis relações entre percepções de violência dos alunos, clima escolar e
eficácia coletiva”. Educ. Pesqui., São Paulo, mar. 2014
GRISAY, A. “Le fonctionnement des colleges et ses effets sur les éleves de sixieme et de
cinquième”. In: MANRÍQUEZ, M. S. “Convivencia y Clima Escolar: Claves de la gestión del
Conocimiento”. Ultima Década, n.41, p. 153-178, dez. 2014.
MANRÍQUEZ, M. S. “Convivencia y Clima Escolar: Claves de la gestión del Conocimiento”.
Ultima Década, n.41, p. 153-178, dez. 2014.
SILVA, Sandra Coelho Barreto; MENDES, Monica H. “Dinâmicas, jogos e vivências”. Rev.
Psicopedagogia 2012; 29(90): 340-55
VINHA, Telma et al. Pileggi “O clima escolar e a convivência respeitosa nas instituições
educativas”. Est. Aval. Educ., São Paulo, v. 27, n. 64, p. 96-127, jan./abr. 2016

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA PARA O DESENVOLVIMENTO DA


CRIANÇA NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Patrícia de Souza GOULART1

A contextualização do trabalho com a música

O trabalho com a música é de enorme relevância, no dia a dia da escola,


por ser um dos momentos de envolvimento das crianças com o próprio
corpo, com o outro e o meio, além de oportunizar descobertas que envolvem
a da criatividade, através da confecção de instrumentos, sons e ritmos
diversos. Através do trabalho com a música percebe-se a descoberta da
identidade, bem como o enriquecimento do vocabulário, a interação e
socialização no ambiente escolar, desde que proporcionada a criança de
forma efetiva, criativa e sequenciada.
Quando pensamos em educação de qualidade, de forma prazerosa e sem
relações de autoritarismos podemos ter avanços significativos com trabalhos
voltados para o encantamento, onde conseguimos resultados satisfatórios,
através de jogos e brincadeiras, envolvendo cantigas, sons, ritmos. Este
trabalho é voltado para a alfabetização, desenvolvimento da consciência
fonológica e descoberta do Mundo das letras, e tem significado fundamental
para a leitura e escrita, que de forma lúdica, favorece notoriamente o avanço
no processo de alfabetização.
Segundo o RCNEI, Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil, a música é uma das áreas a ser amplamente desenvolvida no
processo de educação/formação das crianças, sendo que ela contribui
significativamente para o desenvolvimento infantil.
Pesquisadores e estudiosos vêm traçando paralelos entre o
desenvolvimento infantil e o exercício da expressão musical, resultando em
propostas que respeitam o modo de perceber, sentir e pensar, em cada fase,
e contribuindo para que a construção do conhecimento dessa
linguagem ocorra de modo significativo. (BRASIL, 1998)
Diante da realidade dos alunos no processo de construção da escrita e
focando na alfabetização e letramento, torna preciso priorizar um trabalho
que agregue musicalidade e encantamento, buscando oferecer intervenções
pedagógicas tendo a música como ponto de partida, oportunizando a todos
a ampliação da imaginação e do fazer artístico.

1
Supervisora pedagógica da Unidade de Educação Infantil “Zelita Francisca Ramos” Santa Luzia, Brasil.
Pedagoga e especialista em Gestão Escolar e Neuropsicopedagogia Clinica e Institucional. E-mail:
patricinhagoulart10@gmail.com

221
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Mais uma vez podemos perceber a relevância do trabalho com a música


no ambiente escolar, como meio de desenvolver a oralidade, a coordenação
motora fina e grossa, o reconhecimento do corpo, diferenciar os sons das
letras, e enriquecimento do vocabulário. Brito (2003, p. 46) explica que “um
trabalho pedagógico-musical deve se realizar em contextos educativos que
entendam a música como processo de construção, que envolve perceber,
sentir, experimentar, imitar, criar e refletir”.
Torna-se necessário nesse momento descrever um pouquinho sobre o
perfil dos alunos atendidos em escolas que tivemos o prazer de acompanhar
nesses últimos tempos, mais precisamente desde 2013 até os tempos atuais.
A intervenção ocorreu com crianças que traziam do meio onde viviam,
arraigados, diversas experiências vivenciadas, frustações, anseios advindos
de situações socioeconômicas, que afetavam diretamente na defasagem de
aprendizagem. Frente as demandas escolares, essas crianças buscavam no
ambiente escolar, aconchego, acolhimento e outra forma de experimentar a
vida. Porque não desenvolver com esses alunos momentos de descontração,
de expressão de sentimentos através da música, mostrar que é possível sorrir,
que a vida pode ser cheia de tons diferentes?
Com o intuito de contribuir para a formação integral dos alunos da
Escola Municipal Professora Síria Thébit2 da Educação Básica da cidade de
Santa Luzia, no ano de 2015, foi realizada uma parceria com um músico de
origem Peruana, (que foi apresentado a equipe da escola por musicista por
nome Isac), que assim que conheceu os alunos atendidos, se encantou e com
todo empenho e carinho trouxe para as crianças a leveza da Flauta Doce,
contribuindo para a harmonia do ambiente escolar.
Com o apoio da direção da escola, com as coordenadas da equipe
pedagógica e acompanhamento dos docentes, tornou-se possível realizar
aulas para os alunos que apresentavam defasagem de aprendizagem
decorrente de agitação, comportamentos por vezes agressivos, dificuldade de
interação social, duas vezes por semana.
Para aguçar nos alunos o gosto pela música e pelo som da flauta o
professor no primeiro momento deixou que todos explorassem o
instrumento, tentando tocar, percebendo onde o som saia e como saia, em
seguida as crianças se sentaram e ouviram o professor José tocar, foi
apresentado aos alunos todas as flautas que tocava e seus respectivos nomes.
Após esse primeiro contato, os alunos ficaram envolvidos, demonstrando

2
Rua José Sieiro Barreto, nº 274, Conjunto Cristina B -CEP: 33145-150 – Santa Luzia – MG

222
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

interesse em aprender tocar tal instrumento, a


cada aula a ansiedade era evidente tanto das
crianças quanto dos familiares que nos
relatavam a dedicação de seus filhos em casa,
com as flautas e os exercícios passados para
aperfeiçoamento, os alunos participaram de
algumas apresentações no ambiente escolar e na
praça da Juventude, próximo a escola,
Arquivo página do Facebook momentos prazerosos, de grande descoberta e
Circuito Cultural Praça
Ativa/Conecte Inovação – de entrega fantástica do músico José, que com
Músico José - 10/2014 comprometimento, desenvolveu no decorrer de
um ano as aulas para essa turma.

Apresentação do Coral da Escola Municipal


“Professora Síria Thébit” resultado do trabalho
realizado através do Projeto de musicalização com
Flauta Doce.

Essas aulas resultaram em


mudanças eficazes nas atitudes dos
alunos atendidos e em grande
satisfação dos familiares, que
Arquivo página do Facebook Circuito Cultural
presenciaram o resgate dos valores e Praça Ativa/Conecte Inovação 10/2014
da autoestima, bem como da
capacidade de entendimento de que todos tem direito a educação
transformadora e de qualidade. Concorda-se com Bellochio, Weber e Souza
(2017), as quais argumentam que:
a música é uma das áreas do conhecimento que compõe um conjunto de
saberes e práticas importantes ao desenvolvimento dos seres humanos.
Importante porque faz parte do dia a dia da vida dos estudantes.
Importante, também, porque a música pode ser criada e inventada no
contexto da educação básica. (BELLOCHIO, WEBER & SOUZA, 2017, p. 4)

Para a eficácia do trabalho com a música é de suma importância que os


momentos aconteçam de forma sequenciada, buscando estratégias
diferenciadas na maneira de ensinar, trazendo para o ambiente escolar uma
nova perspectiva de aprendizagem, onde a participação ativa dos alunos, seja
individual ou em grupos, tornando uma constante, para que ocorra o avanço
no processo de ensino e aprendizagem.

223
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Como cantar, dançar e brincar são ações que desde séculos fazem parte
da tradição do povo brasileiro, logo quando a instituição de ensino
proporciona componentes curriculares, conteúdos, campos de experiências e
os objetivos de aprendizagem, de forma lúdica, com estímulos, atenção, afeto,
tem como foco o resgate da autoestima dos alunos, percebe-se claramente que
acontece o aprendizado tão esperado. Assim metodologia utilizada,
planejada e avaliada é de fato imprescindível, uma vez que cabe ao corpo
docente e Coordenação Pedagógica explorar as músicas diversas, perceber o
repertório adequado a faixa etária, avaliar a evolução dos alunos, nos
aspectos cognitivos, sociais, motor e emocional. De acordo com os
Parâmetros Curriculares Nacionais, BRASIL, 1997a:
Quando se pretende que o aluno construa conhecimento, a questão não é
apenas qual informação deve ser oferecida, mas, principalmente, que tipo
de tratamento deve ser dado à informação que se oferece. A questão é então
de natureza didática. Nesse sentido, a intervenção pedagógica do professor
tem valor decisivo no processo de aprendizagem e, por isso, é preciso
avaliar sistematicamente se ela está adequada, se está contribuindo para as
aprendizagens que se espera alcançar. (BRASIL, 1997a, p. 38)

Como brincar, aprender e se encantar através da música?

As atividades e intervenções
apresentadas neste trabalho trata-se de
observações e acompanhamentos de turmas
da UMEI “Zelita Francisca Ramos” em Santa
Luzia, onde os(as) professores(as)
desenvolvem metodologias diversificadas e
estratégias tendo como foco a
musicalização. De maneira efetiva e eficaz, o
trabalho com a música acontece desde o 04
meses aos 4 anos, além de abordarem a
música dentro das salas, ocorre duas vezes
por semana nos momentos que chamados
de coletivos. Nesses momentos de
socialização, os alunos apresentam entre si
(obedecendo a um cronograma organizado
Projeto Semana de Educação Para a
pela supervisão pedagógica), ora
Vida: Musicalização também é saúde.
musicalização e ora apresentação de história, Arquivo pessoal Professora Patrícia
podendo essa história ser com grupo de Goulart – 11/2019

professores ou de crianças.

224
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Esses momentos são riquíssimos e as crianças divertem e se interagem


com as turmas que estão apresentando. Percebe-se que os alunos
desenvolvem a atenção, o trabalho em equipe, a comunicação entre os pares,
socializando-se. Conforme Oliveira (2002), “por meio da brincadeira, a
criança pequena exercita capacidades nascentes, como as de representar o
mundo e de distinguir entre pessoas, possibilitadas especialmente pelos
jogos de faz-de-conta e os de alternância respectivamente”. Além disso, a
autora ainda nos traz como reflexão:
o brincar, a criança passa a compreender as características dos objetos, seu
funcionamento, os elementos da natureza e os acontecimentos sociais. Ao
mesmo tempo, ao tomar o papel do outro na brincadeira, começa a
perceber as diferenças perspectivas de uma situação, o que lhe facilita a
elaboração do diálogo interior característicos de seu pensamento verbal.
(OLIVEIRA, 2002, p. 160).

Como podemos falar de música sem falar de corpo, suas expressões e


sentimentos, sem falar de contato físico, de descoberta das partes que
compõem o ser humano? Cada parte do corpo é importante e precisa ser
explorada e conhecida de maneira respeitosa e agradável, e com a música é
possível essa descoberta, desde os alunos bem pequenos até a fase da
adolescência, através de brincadeiras como: Seu Mestre Mandou, Cabra
Cega, Morto Vivo, ou músicas como: Tumbalacatumba, Cabeça, Ombro
Joelho e Pé, Eu Vou Viajar de Trem, O Que Que Tem na Sopa no Neném e
tantas outras que fazem parte de um rico repertório, quase sempre utilizado
nos ambientes de Educação Infantil e, infelizmente, como podemos observar
algumas realidades, só até o primeiro ciclo de alfabetização.

Momento Coletivo: Musicalização


(muita alegria, interação e
descontração). Arquivo pessoal
Professora Patrícia Goulart –07/2019

O gesto e o movimento corporal estão ligados e conectados ao trabalho


musical. Implica tanto em gesto como em movimento, porque o som é,
também, gesto e movimento vibratório, e o corpo traduz em movimento os
diferentes sons que percebe. Os movimentos de flexão, balanceio, torção,
estiramento etc., e os de locomoção como andar, saltar, correr, saltitar,

225
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

galopar etc., estabelecem relações diretas com os diferentes gestos sonoros.


(BRASIL, 1998, p. 61).
Dessa forma, considerar que a partir do segundo ciclo observa-se que a
música passa a ser deixada de lado por grande parte dos docentes, que não
valorizam a ludicidade, o brincar, os jogos, as cantigas de roda, significa
concluir que erroneamente acredita-se que nessa fase os alunos somente
precisam aprender os conteúdos de forma abstrata.
Há uma preocupação com a quantidade de conteúdos a serem
desenvolvidos, cumprindo apenas o planejamento anual, sem levar em
consideração que a aprendizagem significativa acontece de forma
participativa, quando o aluno é considerado parte integrante do processo de
ensino e aprendizagem. Nessa relação o professor tem a postura de
reconhecer especificidade de cada aluno e oportunizar trabalho de qualidade
com criatividade, bem como a capacidade desses alunos de desenvolver
raciocínios e associações de forma clara e segura.

Momento coletivo:
Musicalização e
Contação de história.
Arquivo pessoal
Professora Patrícia
Goulart – 08/2019

Conclusão

Podemos, portanto dizer que propor educação de qualidade e


integradora em tempos atuais não é um trabalho fácil, mas é possível.
Percebe-se que mesmo sem tantos recursos e com defasagem de formação
continuada, inúmeros professores buscam levar para o ambiente Escolar, as
melhores estratégias, um plano inovador, com o intuito proporcionar formas
diversas de sentimentos, sensações e descobertas do próprio corpo, do outro,
criando instrumentos, explorando criatividade, dinamismo e interatividade,
através da musicalização em salas de aula e ambientes escolares. Como
ressalta Moita “Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca,
experiência, interações sociais, aprendizagens, um sem-fim de relações”.
(MOITA, 1992, p. 115).
É notório para os que atuam na área educacional, que a música está
presente em todas as culturas das mais diversas formas, com diversidades

226
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

entre os povos e nações, mas é preciso resgatar a essência dessa ferramenta


tão significante para o ser humano, como forma de expressão, comunicação,
sensações, sentimentos. O educador tem imensa relevância nesse processo,
pois segundo Oliveira:
o educador, deve ser capaz de observar, reconhecer e avaliar o nível de
desenvolvimento das crianças e suas necessidades. Fundamental nesse
processo é a atitude de tentar colocar-se no lugar da criança para captar sua
forma de ser e as hipóteses que está construindo sobre o mundo em cada
momento. (1999, p. 73).

Portanto a música pode ser utilizada em todas as etapas do ensino, de


maneira lúdica, prazerosa e com inúmeros benefícios auxiliando no avanço
do processo de ensino-aprendizagem, desenvolvendo habilidades
cognitivas, raciocínio lógico, motores, socioemocionais, contribuindo na
evolução da linguagem, para os que dela se apropriam, através de
brincadeiras, jogos, sons, ritmos com ações desenvolvidas no processo
educacional.

Referências
BELLOCHIO, Cláudia Ribeiro; WEBER, Vanessa; SOUZA, Zelmielen Adornes de. Música e
unidocência: pensando a formação e as práticas de professores de referência. Rev. FAEEBA
– Ed. e Contemp., Salvador, v. 26, n. 48, p. 205-221, jan./abr. 2017.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Introdução
aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília:
MEC/SEF, 1997a.
BRITO, Teca Alencar de. Música na Educação Infantil. São Paulo. Petrópolis, p.46, 2003.
CADERNOS DA PEDAGOGIA. São Carlos, Ano 4 v. 4 n. 7, p. 96 - 110 , jan -jun. 2010 ISSN:
1982-4440. Disponível em: <http://.seer.fundarte.rs.gov.br/index.php/RevistadaFundarte
/index>. Acesso em: 20.dez.2019.
OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação infantil: fundamentos e métodos. S. Paulo: Cortez, 2002.
OLIVEIRA, Zilma Moraes de (org.). Creches: crianças, faz de conta & Cia. 7. ed. Petrópolis, Rio
de Janeiro: Vozes, 1999.
MOITA, M, C, (1992). Percursos de formação e de trans-formação. In: ______; NÓVOA, A. Vida
de Professores. Porto: Porto Editora, Ltda.
REV. PEMO, Fortaleza, v. 2, n. 1, p. 1-10, 2020, Disponível em: <https://doi.org/10.471
49/perno.v2i1.3501; https://revistas.uece.br/index.php/revpemo>. Acesso em: 20.dez.2019.

227
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

228
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

CRIANÇA DEVE TER VEZ E VOZ


O desenvolvimento da autonomia da criança e a construção do currículo

Paula Santos Candeia BARBOSA1


Maria Amélia da Silva COSTA2
Surama Araújo Dutra NOGUEIRA3

Muito se tem pesquisado e posicionado nos documentos legais que


regem a educação infantil no Brasil no que diz respeito ao desenvolvimento
da autonomia da criança. Mas afinal, como se desenvolve essa autonomia?
Quais são os responsáveis por desenvolver a autonomia junto às crianças?
A meta da promoção da autonomia da criança tem sido posta pela
Educação infantil e difundida cada vez mais, isso é notório ao menos nos
aspectos da legislação da educação infantil, cabe aqui citar a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação LDB 9.394/1996, Referencial Curricular Nacional para
Educação Infantil RCNEI 1998, Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil 2009 e o documento mais recente Base Nacional Comum
Curricular BNCC 2017 que dialoga com as DCNEI. Nesse viés para
disseminar seu alcance, faz-se necessário refletir sobre o que de fato é
autonomia e qual sua pertinência para a formação da criança.
À vista disso, compreender a origem da palavra autonomia se faz
necessário, sua etimologia, segundo Ferreira (2014), é derivada de duas
outras palavras: do grego “autos”, que significa “próprio”, si mesmo, e
“nomos” que tem o significado de “nome”, porém pode ser traduzido como
norma ou regra. Assim sendo, a expressão autonomia é usada para designar
uma capacidade do ser humano enquanto ser capaz de gerir sem
dependência de outras pessoas.
Conforme Godinho (2016) nos primeiros anos de vida, a criança
depende de um adulto para se desenvolver e viver, mas essa relação de
dependência vai sendo diminuída gradativamente e os primeiros sinais
apresentados são de emancipação da locomoção e comunicação. A cada dia
a criança vai adquirindo autonomia, a exemplo de vestir-se, controlar sua
higiene pessoal, na alimentação, utilizar adequadamente os talheres, na sala
de aula no uso de materiais como (lápis, tinta, pincéis, tesoura, jogos...) dentre
outros. Com base nas Diretrizes Curriculares Nacional da Educação Infantil

1
Especialista pela Universidade Federal da Paraíba-UFPB e UFCG. Pedagoga pela UNIFIP- Centro
Universitário. Mestre em Ciências da Educação. E-mail: paulacandeia2008@gmail.com
2
Mestre em Ensino pela UERN. Pedagoga pela UNIFIP. Professora do IFPE. E-mail: amelhinha4@hotmail.com
3
Pedagoga, licencianda em Letras e especialista em Psicopedagogia e Educação Infantil. Mestre em Ciências
da Educação. E-mail: surama.araújo@gmail.com

229
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

(2010, p. 26) a proposta curricular na Educação Infantil deve garantir


experiências que “possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a
elaboração da autonomia das crianças nas ações do cuidado pessoal, auto-
organização, saúde e bem-estar”.
A esse respeito Fujimoto (2016, p. 10) acrescenta:
A organização do ambiente físico e social, junto as experiências,
desempenham um papel central no desenvolvimento do cérebro e das
funções associadas nos primeiros anos de vida. A qualidade e a
diversidade das experiências que se oferecem por meio de estratégias
metodológicas diversas que promovam a brincadeira, a iniciativa, a
exploração, a descoberta, a comunicação, a criatividade, a manipulação de
materiais que estimulem o desenvolvimento da relação de causalidade, de
solução de problemas, e expressão de emoções, são fundamentais na
educação infantil. Também há que se desenvolver experiências sociais, seja
no grupo familiar ou em outros espaços, para que as crianças adquiram
competências pró- sociais que permitam atuar cada vez com maior
autonomia e segurança para continuar a aprendizagem sobre o mundo que
as rodeiam.
Nessa conjuntura, reconhece que são as experiências oportunizadas às
crianças em todas as esferas sociais; família, comunidade, creche e pré-escola,
atreladas aos seus pares que desenvolverão uma postura autônoma. Essa
sucessão de etapas permitirá à criança a possibilidade de descobrir, construir
e reconstruir a princípio, o conhecimento de si, do seu corpo em harmonia,
sem a interferência direta do adulto, uma vez que a criança se desenvolve no
seu tempo.
Na perspectiva dos estudos de Nabinger (2016, p. 122):
Não há coisa pior para um sujeito do que ser colocado numa postura que
ele não, assumir-se eu se estou em desequilíbrio, se eu estou com uma
perna levantada e preciso falar agora, vou prestar atenção à minha perna e
vou me desorganizar. A experiência humana vai do movimento ao
pensamento nos diria Wallon. Se eu exijo constantemente que essa criança
faça coisas que ela não pode ainda fazer, estou pressionando- a estou
estressando-a, e não estou ajudando-a fazer outra coisa muito importante,
que é a formação da autonomia, e não dependência do adulto.

Nesse contexto, a criança se torna capaz de empreender novas vivencias


e adquirir novos progressos, uma vez que foi capaz de desempenhar e
conquistar sua autonomia através de seu próprio esforço. Isso implica valores
futuros que fomentarão a autoconfiança, equilíbrio, perseverança e a
promoção de sua autonomia. Quando o assunto é autonomia da criança
diversos atores sociais a exemplo de pais e educadores fazem certa confusão,

230
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

uma vez que tratam os termos independência e autonomia como se fossem


sinônimos. Assim, faz-se necessário desfazer esse mal-entendido. Para tanto
cito Lopes; Mendes; Faria (2005, p.26) que refletem sobre autonomia e a difere
da independência.
Independência é a capacidade de executar uma tarefa sem ajuda de outra
pessoa. Já a autonomia é a capacidade de o sujeito seguir suas próprias
orientações na execução de uma tarefa, é a possibilidade de ele decidir e
saber por que realiza aquela ação. Os dois aspectos nem sempre andam
juntos. Por exemplo, todos nós adultos demonstramos independência para
executar um enorme grupo de tarefas, mas em muitas delas, não agimos
de forma autônoma, consciente do porquê fazemos aquilo. Não mostramos
ter autonomia para executá-los. Antes, seguimos regras gerais, alheias.
Temos que aprender não só sermos independentes, como também a
agirmos com autonomia, e isto já começa na educação infantil.
É notória a relação de dependência inicial do ser humano. Ao nascer tem
uma relação estreita de dependência com familiares que a ajuda a realizar
suas necessidades básicas. Posteriormente na creche, escolas e outros
ambientes a relação com as pessoas de seu meio vai sendo trabalhada na
experiência cotidiana da criança, até que conquiste capacidades para executar
sozinha inúmeras tarefas aprendidas na convivência diária com os outros. As
crianças aprendem a ser autônomas, mediadas pelos contextos em que se
desenvolvem.
Segundo Oliveira (2014) durante muitas décadas a criança não tinha
liberdade de expressar seus sentimentos e anseios. Aos poucos, vai ganhando
espaço na sociedade e passa a ser vista como sujeito. Diante de tal fato,
mudanças começam a ocorrer tanto na organização da família, o que
impulsionou a centralidade para a criança como também na educação
infantil.
Para compreender a educação da criança Freire (2000, p. 36) ressalta: “a
mim me dá pena também e preocupação, igualmente, quando convivo com
famílias que vivem outra tirania a da autoridade, em que as crianças caladas,
cabisbaixas, bem-comportadas, submissas nada podem”. Nas palavras do
autor é necessário que se deixe a criança consciente dos limites entre
liberdade e autoridade, o que resultará autonomia e a fará capaz de intervir
no mundo. Nessa visão, Freire salienta:
As crianças precisam crescer no exercício desta capacidade de pensar, de
indagar-se e indagar, de duvidar, de experimentar hipóteses de ação, de
programar e de não apenas seguir os programas a elas, mais do que
propostas, impostas. As crianças precisam de ter assegurado o direito de
aprender a decidir, o que se faz decidindo (2000, p. 58-59).

231
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Assim a criança deve ter a oportunidade, desde sua infância, de


experimentar situações reais que possibilitem a construção de sua autonomia,
atrelada às situações de aprendizagens pautadas no respeito à realidade das
crianças, estabelecendo relação de suas experiências aos eixos trabalhados, e
mais que isso, é imprescindível que a criança seja ouvida e tenha poder de
decisão no que se deseja aprender e ensinar.
Freire (2005, p. 41) enfatiza que a autonomia não é um processo que
ocorre repentinamente:
O que é preciso, fundamentalmente mesmo, é que o filho assuma
eticamente, responsavelmente, sua decisão, fundante de sua autonomia.
Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se
constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo
tomadas. Por que, por exemplo, não desafiar o filho, ainda criança, no
sentido de participar da escolha da melhor hora para fazer seus deveres
escolares? Por que o melhor tempo para esta tarefa é sempre o dos pais?
Por que perder a oportunidade de ir sublinhando aos filhos o dever e o
direito que eles têm, como gente, de ir forjando sua própria autonomia?
Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém
amadurece de repente, aos 25 anos. A gente vai amadurecendo todo dia,
ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo,
é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma
pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências
estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em
experiências respeitosas da liberdade.
Nesse ínterim percebe-se que a criança se torna autônoma dia a dia a
partir de tarefas que oportunizem a ela compreender sua realidade e o que
está em seu entorno, exercitar sua capacidade de tomar decisões, de dialogar,
de percebe-se como sujeito ativo nos processos de aprendizagens, explorar a
diversidade que existe em sua volta construindo seu conhecimento de
mundo, sua história e transforma-la com autonomia. Lopes; Mendes; Faria
(2005) lembram que as possíveis dificuldades que as crianças passam a
enfrentar para tomar decisões ou executar algumas atividades de maneira
autônoma não são obstáculos que as impeçam de decidir à medida que coloca
o professor na condição de nortear o processo de conquista de sua autonomia,
processo esse que se prolongará ao longo da vida.
Merece destaque a forma como o professor conduzirá seu papel na
educação infantil, já que a criança está construindo sua autonomia e que tem
a tendência a imitá-lo na interação com seus pares. Por isso, em conformidade
com Lopes; Mendes; Faria (2005) espera-se que a organização curricular da
creche e pré-escola abandone a busca por um ambiente silencioso e de

232
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

obediência, característica do ensino tradicional que deixou marcas até hoje,


porém não mais defendido, e propicie situações nas quais as crianças se
mostrem envolvidas, interativas a demonstrar autonomia.
Marafon (2012) ressalta que no interior desse debate, é relevante afirmar
que o currículo da Educação Infantil compilada numa perspectiva Freiriana
de currículo, é muito mais política, comprometida com o processo da
educação e consequentemente com aquilo que é ensinado na educação
infantil, além de como se dá a escolha do que é ensinado, pois a criança deve
fazer parte das escolhas e decisões do que lhe será ensinado.
No processo de reformulação curricular, estaremos conversando com
diretoras, com professoras, com supervisoras, com merendeiras, com mães
e pais, com lideranças populares, com crianças. É preciso que falem a nós
de como veem a escola, de como gostariam que ela fosse, que nos digam
algo sobre o que se ensina ou não se ensina na escola, de como se ensina.
Ninguém democratiza a escola sozinha [...] (FREIRE, 2005, p. 43).
As crianças pequenas não são alheias ao currículo, são sujeitos históricos
e protagonistas nesse processo de construção curricular. Não pode o adulto
subestimar a capacidade delas e tomar seu poder de decisão. Ao contrário,
deverá oportunizar que tenham participação ativa visando o
desenvolvimento da autonomia de forma consciente.
A construção dos sentidos pessoais e a forma pela qual a criança se
perceberá sujeito dependem da postura do professor, que objetivando a
construção da autonomia, apresenta-se- á de forma democrática abrindo
espaço para o diálogo que possibilita a troca de conhecimentos e que faz o
educando sentir-se ativo, o faz construir-se como sujeito histórico
(MARFON, 2012, p. 5).
A construção do currículo da EI deve ocorrer na relação família e escola,
pilares significativos na proposta pedagógica da educação infantil, por
conseguinte, da ação pedagógica com os bebês e crianças. É no diálogo
família/professores que será possível compartilhar experiências para melhor
entender os bebês e as crianças pequenas, suas preferências, gostos, como
dormem, como são alimentadas, como brincam, para que dessa forma seja
possível planejar uma ação pedagógica que respeite as peculiaridades de
cada um e potencialize suas habilidades e capacidades. Oliveira (2014, p. 192)
alerta que
É urgente chamar a atenção para o modo como os ambientes de
aprendizagens são estruturados de modo a serem limpos, confortáveis,
bonitos e efetivos para mediar as aprendizagens, a iniciativa, a autonomia,
a criatividade infantil para o modo como o tempo das crianças é

233
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

considerado de modo respeitoso, assim como suas produções nas


diferentes formas expressivas que podem vivenciar no cotidiano da
unidade.
Cabe destacar que a proposta curricular precisa estabelecer dimensões
específicas para a formação da criança, promovendo o desenvolvimento
gradativo da autonomia através da participação direta criança-criança e
criança-adulto no convívio da diversidade individual e social. Já que Freire
(2005, p. 50) afirma que “é necessário que a criança aprenda que sua
autonomia só se autentica no acatamento à autonomia dos outros”. A criança
precisa urgentemente ter vez e voz, elas são sujeitos ativos no processo de
construção curricular.

Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Documento Final. Brasília: MEC. CONSED.
UNDIME, 2017. p. 31-51
BRASIL, Ministério da Educação. BRASIL. CNE. Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação Infantil. Resolução nº 5. Diário Oficial da União, Brasília: MEC/CNE, 2010.
FERREIRA, A. B. DE H. Míne Aurélio: o dicionário da língua Portuguesa. 8. Ed. Curitiba:
Positivo, 2014.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 25. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2005. FREIRE, P. Pedagogia da Indignação. S. P.: Editora Unesp, 2000.
FUGIMOTO, G. Cenário Mundial das políticas de primeira infância. Cadernos de trabalho e
debates- Brasília. 2016
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GODINHO, A. F. F. Desenvolver a autonomia das crianças em idade pré-escolar: os contributos
das rotinas diárias. Estudo de caso. 2016.
LOPES, K. R.; MENDES, R. P.; FARIA, V. L. B. de, orgs. Brasília: MEC. Secretaria de Educação
Básica. Secretaria de Educação a Distância, 66p. Coleção Proinfantil- unidade 5, 2005.
MARAFON. D. Educando a Criança com Paulo Freire: Por uma Pedagogia da Educação Infantil
– A Realização do Ser Mais. Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná. (Tese de
Doutorado em Educação), p, 76-11, 203 f. 2012.
OLIVEIRA. Z. M. Currículo na educação infantil: dos conceitos teóricos à prática pedagógica In:
A Educação Infantil na Bahia: os Desafios estão postos e o que estamos fazendo? Salvador:
Sooffset , 2014.

234
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

NARRATIVAS DOCENTES
Diálogos possíveis e perspectivas de mudança sobre as práticas
pedagógicas em uma EMEI

Queila Cristina de OLIVEIRA1


Cleonice Laurentina QUIRINO2

Essa escrita compõe-se de diálogos a partir de uma pesquisa no contexto


do Mestrado Profissional em Educação e Docência (Promestre), da Faculdade
de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, entre os anos de 2017
e 2019, que investigou como são desenvolvidas as práticas pedagógicas,
considerando a participação infantil em uma Escola Municipal de Educação
Infantil (EMEI) - instituição pública em Belo Horizonte.
Estudo esse que partiu da presença e experiência da professora e
pesquisadora Queila Oliveira, em reflexão e em diálogo constante, com as
crianças e com seus pares de trabalho, sendo Cleonice Quirino 3, uma das
interlocutoras que contribuiu com as recolhas de dados dessa pesquisa que
buscou interpretar as ações desses sujeitos, mediante as experiências
permeadas por uma contínua formação de todos os envolvidos, a cada
diálogo e interação.4
Nesse presente texto de ambas – pesquisadora e interlocutora - avaliam
o quanto essas experiências dialógicas reverberaram sobre mudanças de
concepções, oportunizando novas perspectivas sobre a participação das
crianças nas práticas pedagógicas, ensaiando rupturas sobre o que era
corriqueiro nessas práticas e favorecendo uma abertura ao movimento de

1
Professora na Educação Infantil e Ensino Fundamental na Prefeitura de Belo Horizonte/MG. Mestra em
Educação e Docência (Promestre/FaE/UFMG), Pedagoga (UEMG) especialista em Psicopedagogia,
Metodologia de Artes e Ensino Lúdico. E-mail: queilacrio@yahoo.com.br.
2
Professora na Infantil e Ensino Fundamental na Prefeitura de Belo Horizonte/MG. Pedagoga (UCB / IESD)
especialista em Educação Inclusiva, Educação Infantil, Educação Musical, Ensino de Arte e Psicomotricidade.
Alfabetização e Letramento, Psicopedagogia (CEPEMG). E-mail: cleonicequirino6@gmail.com
3
Uma dos sujeitos pesquisados, que naquela ocasião foi apresentada por um nome fictício, conforme havia
sido acordado. Entretanto, aqui, ao apresentar-se como uma das autoras, fazemos jus ao reconhecimento de
seu nome verdadeiro. Os nomes das crianças serão preservados em sigilo.
4
Conforme Oliveira (2019), as escolhas metodológicas dessa pesquisa aproximaram-se de elementos da
fenomenologia, etnografia e autoetnografia, cuja finalidade foi agregar discussões educacionais aos
significados desses sujeitos. Ao longo desse trabalho também se desenvolveu um Produto Pedagógico
denominado “Ateliê Narrativo”, que valoriza as narrativas da docência, sendo uma aposta sobre o diálogo
entre pares com vistas a uma formação continuada das professoras da EMEI. Para dar abertura a essas
propostas foi criado um vídeo: “Goles de Infância” - filme de 7 minutos - a partir da seleção de algumas imagens
que compuseram a recolha dos dados. Esse material pode ser acessado pelo link: https://youtu.be/IXSHZogqh
VQ.

235
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

escutar mais a voz5 (ou vozes) das crianças.


Experiências transformadoras essas, que agregaram valores em nossa
formação no percurso dessa pesquisa. Nesse ponto, tal como os dizeres de
Jorge Larrosa Bondia (2002, p. 26): “experiência é aquilo que ‘nos passa’, ou
nos toca, ou que nos acontece e, ao nos passar, nos forma e nos transforma.
Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria
transformação”. Assim, os diálogos que compuseram esse estudo expressam
sobre as experiências que nos afetaram, nos passaram e nos atravessaram.
O recorte aqui compartilhado versa sobre o que nos atravessou, e ainda
afeta as nossas reflexões perante as práticas desenvolvidas nessa EMEI, no
percurso da pesquisa supracitada. Contexto em que a pesquisadora Oliveira
(2019) propôs exercícios em torno de autoavaliações das ações da docência,
por meio de filmagens que ela realizou das aulas.
Rever esse percurso por essas imagens ainda suscita questionamentos
vários acerca do direcionamento de nossas propostas pedagógicas: Práticas
para as crianças, ou com as crianças? Quem está no centro do processo: a
atividade, a professora ou a criança? As crianças são ouvidas pela professora?
Como elas participam do desenvolvimento dessas práticas? O que podemos
narrar sobre as experiências da docência em torno das práticas que são
desenvolvidas com as crianças?
Questões essas que ainda nos impele a romper barreiras em torno de
nossas concepções e formações que influenciam, diretamente, sobre as ações
profissionais que deveriam voltar-se à escuta das crianças, no intuito de
reverberar sobre práticas pedagógicas com a garantia de participação delas.
As narrativas advindas dessa experiência, na docência dessa Educação
Infantil, também precisam ser reconhecidas e valorizadas.
No contexto dessa pesquisa, os diálogos entre docentes potencializaram
reflexões e rupturas sobre as práticas, que colocavam as crianças à margem
do processo. A professora Cleonice ao aceitar o convite sobre uma
autoavaliação dessas práticas, mediatizadas por esses diálogos, contribuiu
com reflexões que demonstram um ponto de ruptura sobre a própria prática,
quando percebeu em suas ações pedagógicas o “modo da transmissão”, isto
é, não-participante, conforme será explicitado a seguir:

5
A pesquisa supracitada discute amplamente o termo “voz” no sentido trazido por Zumthor (2010, 2014) não
limitada somente ao som e à substância fônica, mas compreendida pela noção de enunciação e ação social que
emana do corpo das crianças.

236
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Diálogos sobre uma prática docente: conceitos, ação-reflexão e possíveis


rupturas

A pesquisa de Oliveira (2019) eleva discussões sobre a visibilidade e a


escuta às crianças por meio de perspectivas dos emergentes Estudos Sociais
das Infâncias, que a partir na década de 1990 inaugura uma contraposição à
percepção da criança, anteriormente, tida como objeto passivo no processo
de socialização e passa a ser retratada como sujeito atuante na sociedade;
capazes de trazer seus “pontos de vista”, inclusive para dentro da Sociologia.
Perspectivas que visam superar propostas tradicionais e de socialização
“adultocêntrica ou adultista” (ALANEN, 2001, p. 71), em que as crianças só
apareciam do ponto de vista dos adultos ou do devir, para dar a maior
visualização a elas como agentes sociais.
Dessa maneira, as crianças são consideradas sujeitos competentes e
dotados de voz, assumindo um protagonismo na cena social: “as crianças são
agentes sociais, ativos e criativos, que produzem suas próprias e exclusivas
culturas infantis, enquanto, simultaneamente, contribuem para a produção
das sociedades adultas”. (CORSARO, 2011, p. 15).
Ao adentrar nessas discussões, Oliveira (2019) não descartou o
constructo anterior à emergência da Sociologia da infância, pela evolução dos
estudos que a antecederam, suscitando novas concepções sobre a infância
que confluíram nos métodos dos estudos sociais. Ademais por meio dessas
perspectivas que consideram as crianças como produtoras de culturas (e não
apenas reprodutoras), pode inaugurar possibilidades de diálogos suficientes
para reverberar novas concepções no campo educacional. Tal como
apropriou-se desses conceitos, enquanto professora e pesquisadora:

Diante da emergência em construir uma Sociologia da infância que leve em


conta a “vez e voz” das crianças, abre-nos amplas possibilidades de trazer
essa discussão também para dentro do campo de nossas escolas, a partir de
um movimento reflexivo capaz de inserir as vozes infantis na construção
dos projetos educativos da Educação Infantil. Projetos esses que
considerem mais as linguagens das crianças e avaliem como elas estão
sendo ouvidas, isto é, que deem visibilidade à infância e que considerem
as crianças como sujeitos atuantes, construtoras ativas de culturas, agentes
em seus próprios processos de aprendizagem. (OLIVEIRA, 2019, p. 63)

Nesse aspecto, observou que conforme as concepções que engendram


sobre a(s) criança(s) podem suscitar novas formas de pensar e fazer
pedagogias com ela(s), elevando novas discussões educacionais que estejam
voltadas para as infâncias. Perspectivas que coadunam com os estudos em

237
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

torno da(s) “pedagogia(s) da Infância” por Oliveira-Formosinho (2007; 2009)


por conceber a criança como um sujeito de direitos, atuante e competente,
sendo relevante escutar a sua voz para transformar a ação pedagógica em
atividade compartilhada. Partindo dessas discussões, aponta dois modos de
fazer pedagogia que se opõem: o “modo da transmissão” e o “modo da
participação”.
A “pedagogia da transmissão” é um modo não-participante que centra
na lógica dos conhecimentos que se quer veicular, na regulação e no controle
de práticas com respostas tipificadas. Nesse caso, o centro da ação baseia-se
na pré-decisão e centralidade do professor, que prescreve os objetivos, molda
e reforça. Desvinculada dessa, a “pedagogia da participação” que integra
saberes, práticas e crenças, no espaço da ação e reflexão, voltadas para a
infância6.
Nos limites desse espaço, demonstraremos a seguir, reflexões com vistas
a superar práticas que envolvem a “pedagogia da transmissão”. Rupturas
possíveis por meio de um diálogo sensível e permeados de afetos. O texto a
seguir compreende uma síntese sobre parte dessas práticas reiterativas
naquele contexto, a partir da revisão das filmagens e releitura dos textos do
Diário de Bordo e da Pesquisa, junto às análises.

Atividade em Preto e branco 7

Cleonice entregou às crianças uma atividade impressa em preto e


branco, cujas intencionalidades educativas8 eram: diferenciar escrita de
desenho, fazer escrita de letras, palavras e frases, além de recortar, organizar
e colar. Para melhor ilustrar, segue a imagem com as instruções dessa tarefa,
conforme foi cumprida por Zênis (4 anos):

6
Ainda nessa obra, o próximo texto, a partir da página 245, apontará um modo pedagógico participante. Esses
estudos são complementares como desdobramentos da mesma pesquisa supracitada..
7
Texto adaptado de forma sucinta, mediante os limites desse espaço. Mais detalhes e ampla parte dos diálogos
em torno dessas práticas se encontram na pesquisa de Oliveira (2019), dentre os tópicos do capítulo 4, nas
páginas 114 a 135. Aqui, também optamos por apresentar as falas dos sujeitos em fonte itálica para diferenciar
das demais citações.
8
Segundo Machado (1994), a intencionalidade educativa explicita-se quando é assumido o compromisso de
levar a êxito os propósitos das interações pedagógicas, pelos conhecimentos que tornarão objetos de
apropriação pelas crianças, isto é, pelos objetivos voltados as habilidades e capacidades que poderão alcançar.

238
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Figura 1 – Atividade a partir da matriz xerocada

Foto: Queila Oliveira, 2017 (OLIVEIRA, 2019, p. 115-116)

Cleonice posiciona-se próxima ao quadro e ao redor dela localizavam-


se as mesas das crianças. Ela reforça sobre a atenção ao preenchimento do
cabeçalho e na sequência, oferece instruções sobre cada questão. De modo
geral, ela vai chamando a atenção das crianças para a leitura que está ao lado
do desenho, tal como o seguinte trecho:
Cleonice: OLHA O DEDINHO vai escorregar assim... REBENTA PIPOCA
((faz um movimento com o dedo indicador da esquerda para a direita, nas frases))
Cleonice: então...VAMOS VER AÍ
Cleonice e Crianças ((em coro)): rebenta pipoca/branca e amarela/pula que
pula/no fundo da panela
((a maioria das crianças passam o dedo indicador nas frases, imitando o modo como
a professora está apresentando))
Cleonice: DE NOVO
Crianças: ((repetem em coro)): rebenta pipoca/branca e amarela/pula que pula/no
fundo da panela
Cleonice: PAROU... olha o dedinho (Frase exclamativa). Quando eu falar
REBENTA é na primeira palavra... depois... OLHA... REBENTA... aí a boca FE-
CHA... tá vendo que tem esse espaço? DÁ UMA PAUSA... para não ficar
embolado... então, VAMOS LÁ... escorregando o dedinho... Um... dois... três...
Cleonice e crianças ((em coro)): REBENTA PIPOCA...BRANCA E
AMARELA... PULA QUE PULA NO FUNDO DA PANELA
Cleonice: a gente vai escorregar o dedinho aqui e escorregar em baixo... se já tiver
essa palavra... eu não vou escrever... aí esse traço tá me dizendo que é para eu
completar a parlenda... Aí como eu vou completar? Aqui ó::: apalpo com o dedinho
lá em cima e escrevo a palavra em baixo... tá bom? podem co-me-çar agora...
boquinha fechadinha. ((faz sinal com o dedo na boca e como se estivesse passando
um zíper que fecha, de um canto da boca ao outro)) 9

9
A pesquisa apropria do modelo de transcrição conforme Normas Urbanas Cultas: NURC/SP nº 338 EF, 331
D2, em que letras maiúsculas significam entonação enfática, os símbolos ::: ... significam alongamento vocal e
pausa. Segundo estudo realizado por PRETI, Dino. O discurso oral culto. 2. ed. São Paulo: Humanitas
Publicações - FFLCH/USP, 1999. Optamos por colocar as falas em itálico para diferenciar das outras citações.

239
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Incialmente, as crianças imitavam o gesto da professora e passavam o


dedo, junto à repetição dos versos, pela demarcação controlada por ela,
quanto a pausar as frases, seguindo sua ordem e seu ritmo. De modo geral,
essa prática desenvolveu-se dessa forma, ocupando o centro do processo a
professora e a atividade, pela instrução de preencher as lacunas em cada
questão. Gradativamente, as crianças perderam o interesse a ponto de não
acompanhar a explicação, que se impõe, cada vez mais, tal como um
monólogo da professora que instruía e mediava com atenções individuais,
indo até as mesas, dedicada nesses esforços de fazer cumprir essas
atividades. Assim, repetia a explicação para quem estava com dificuldade e
utilizava a borracha para apagar os erros, corrigia e reforçava sempre a regra
de não conversar. Algumas crianças tentam conversar com os pares, outras
deitam nas mesinhas, desanimadas. Por um instante, Cleonice percebe um
distanciamento delas, quando demonstram o desejo de brincar ou de
conversar. Então, ela intervém com a quadrinha já ensinada, bem decorada
pelo grupo: “olho aberto... ouvido esperto... boca fechada... corpo quieto”. As
crianças participam, em coro, com esses dizeres e ficam estáticas, olhando
para a professora.
Oliveira (2019) correlaciona essa situação ao que Iza e Mello (2009, p.
294) questionam sobre as condições de “Não-Movimento”, isto é, “para que
a criança aprenda, existe a ideia de que ela deva, necessariamente, estar
sentada olhando para a professora e qualquer movimento fora disso pode ser
um sinal de desatenção, culminando em uma repreensão”. Além disso,
comparou essas ações ao modo da “pedagogia da transmissão”, por
estímulos que não partem das crianças, mas dos interesses da professora por
uma “função respondente” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007, p. 17), isto é,
que informa, instrui, evita erros e os corrige no sentido de moldar e reforçar,
por uma hierarquia.
Outras situações que caracterizam o “modo da transmissão” ocorreram
na busca de manter a centralidade na orientação, descartando a colaboração
entre coetâneos, isto é, suprimindo as oportunidades das crianças tecerem
uma “cultura de pares”10, visto nos momentos em que as crianças não
conseguiram acompanha-la e recorriam a seus pares ou quando elas
tomaram iniciativas de recitar a parlenda, livremente, acompanhadas de

10
Oliveira (2019) relaciona esse conceito a sua observação, dentro do domínio institucional da EMEI, onde
essas crianças começam a produzir (e reproduzir) culturas, das quais participa, por uma “cultura de pares”,
isto é, “um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e preocupações que as crianças
produzem e compartilham em interação com outras crianças.” (CORSARO, 2011, p. 151).

240
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

conversas, daí, foram impedidas pelas atitudes serem interpretadas como


indisciplina.
Cleonice refletiu muito ao rever essas cenas, tecendo uma autoavaliação:
NOSSA... o que que é aquilo? éh::: na sala de aula não vemos tudo o que acontece
NÃO... eu não percebi isso naquele momento... olhando as imagens é que eu vi...
as crianças mostram o sentido para elas... criando a partir do que ofereci/que eu
tava ensinando... esse grupo estava brincando... mas ao mesmo tempo...
desenvolvendo a oralidade entre elas... esqueço que elas aprendem através das
interações também com seus pares... eles tavam era dando a dica prá mim... de
aproveitar mais os ritmos da parlenda... realmente... temos que parar para
assistir/vê o que a gente tá fazendo... é ação-reflexão-ação o tempo todo mesmo... 11

Ao se deparar com esses acontecimentos, pela leitura que ela fez dos
vídeos, afirmou não atentar sobre “a dica” desse grupo, que poderia
promover mais participação em sua proposta. Na reflexão dessas ações,
escutou as crianças e assim, ensaia uma perspectiva de elas contribuírem com
nossas propostas. Deveras, “[...] não podemos naturalizar essa falta de
percepção, pois é possível, para nossa docência, tecer escolhas por um modo
pedagógico capaz de ampliar as oportunidades de participação das crianças
e isso, claramente, começa pela escuta”. (OLIVEIRA, 2019, p. 26).
Nos últimos momentos dessa aula, conforme a consigna de recortar,
ordenar e colar as frases, ainda acrescentou a cópia do texto. Nesse ínterim,
reforçou sobre o recorte correto no pontilhado, exaustivamente. Em suma, a
maioria das crianças demonstrou dificuldades, de modo que a professora
acumulava demandas ao mediar, instruir, regular e corrigir erros nas
atividades das crianças. Ela persistiu com um esforço obstinado sobre
cumprir a prescrição e devido a essa prioridade, ultrapassou o tempo
previsto para o término da atividade, suprimindo o horário do parquinho,
reclamado pelas crianças. No final dessas tarefas, tanto as professora quanto
as crianças demonstraram uma grande exaustão. 12
Cleonice demonstrou querer modificar sua prática e por sua narrativa,
digna de reconhecimento nesses diálogos, sensivelmente, ampliou suas
perspectivas:
eu vi nas filmagens que... eu carrego muito do sistema tradicional...
AUTORITÁRIO... né... eu cobro muito a disciplina... impedindo as crianças de
trocar experiências... só eu lá no centro tomando conta de TUDO... a autoridade...
esqueço que eles aprendem às vezes muito mais entre eles... aí coloquei todo mundo

11
“Trecho da autoavaliação de Cleonice em depoimento oral, em 5 de set. de 2018”. (OLIVEIRA, 2019, p. 126).
12
No texto da pesquisa destacou-se as vozes infantis sobre essas práticas, dentre as crianças interlocutoras
estava Zênis, autor da atividade, acima. Essa escuta foi uma prioridade no percurso das análises.

241
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

em seu quadrado...((riso tímido) tinha ritmos MUITO DIFERENCIADOS na


sala... não fui flexível não... sufocando as crianças, com atividades... às vezes
difíceis para algumas delas... devido o nível que cada uma se encontrava.... e eu
repetia tudo de novo... FAZ ISSO... FAZ AQUILO... FAZ DE NOVO... cobrando
igual o dono da fábrica... ((riso tímido))... regulando/controlando a qualidade...
“Tempos Modernos” do Chaplin... só eu que falava... o trabalho ficou muito
direcionado... como se a turma fosse homogênea... INSISTIA ALI e até forçava...
direcionando sempre... mas peguei a direção sem elas... correndo muito... né... no
compromisso alienado a atividade... igual tava no meu planejamento... MUITO
MECÂNICO... éh::: tem que escutar as crianças na hora de decidir se continua o
mesmo direcionamento ou não... nossa intencionalidade tem que... considerar o
significado e a curiosidade delas... no jeito que elas podem participar... olhando
agora eu faria diferente... para aproveitar melhor esse tempo da linguagem rítmica
da parlenda... acho que em roda... sem dividir tanto em setores... sem tanta
alienação.13

Assim, lançou uma perspectiva de ruptura ao modo pedagógico não-


participante, do qual ela compara a um modelo fabril. Dessa maneira, reflete
se o melhor rumo dessa aula seria pela proposta de uma roda com as crianças,
ainda pela pretensão de flexibilizar seu planejamento prévio, na interlocução
com elas, evitando descompassos entre a intencionalidade educativa e os
interesses infantis.

Algumas considerações para continuar esse diálogo

Tentamos corresponder às questões que levantamos na introdução,


embora, cientes de que ainda são inesgotáveis, nesse contexto, e de que temos
mais a narrar sobre as experiências da docência, em torno das práticas
pedagógicas desenvolvidas com as crianças, no exercício sempre presente da
ação-reflexão-ações. De maneira entusiástica e esperançosa nos propomos,
afinal, “a reflexão que passa dentro de um humano pode ser capaz de afetar
outros seres, e assim, podemos compartilhar nossas pedagogias.”
(OLIVEIRA, 2019, p. 113).
Destarte a reflexão sensível realizada no contexto dessas práticas tanto
se destaca por sua relevância nessa pesquisa, como também pelas
perspectivas formativas de uma docência em vias de transformação. Por essa
narrativa duas docentes misturam seus rostos nesse (re)encontro, pleno em
diálogo e ainda em pesquisa, rumo ao sentido de unir nossas
intencionalidades educativas à escuta e à participação das crianças nessa
EMEI.

13
“Trecho da autoavaliação de Cleonice em depoimento oral, em 5 de set. de 2018”. (OLIVEIRA, 2019, p. 132).

242
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Nesse sentido, podemos compreender “que o trabalho modifica a


identidade do trabalhador, pois trabalhar não é somente fazer alguma coisa,
mas fazer alguma coisa de si mesmo, consigo mesmo.” (TARDIF;
RAYMOND, 2000, p. 215). Saberes docentes, portanto, em processo de
formação junto às crianças, novas escolhas e novas decisões sobre as práticas
educativas. Perante o propósito de superar práticas no modo não-
participante, vale, pois, o percurso dialógico para a tessitura de rupturas e
inovações. Acreditamos no potencial das narrativas docentes “pela
legitimidade de quem observa, pergunta, traduz e refaz o sentido das práticas
pedagógicas, enfim, por quem produz saberes a partir da sua própria
experiência com as crianças”. (OLIVEIRA, 2019, p. 162). Nessa aposta ao
diálogo, nos colocamos em constante formação, tecemos outros fazeres,
suscitamos mais perguntas, novas pesquisas.
Portanto, por um devido respeito às pessoas das docências da Educação
Infantil, não estamos aqui para apontar erros, entretanto, abertas às
discussões em torno das práticas pedagógicas e ao diálogo por uma Educação
Infantil feita com as crianças! Somente com elas formamos as nossas
docências nesse contexto, em sentido pleno, frente a essa artesania que é
educar, torna-se relevante evidenciar nossos saberes elaborados, nossas
experiências e narrativas. Temos experiências a narrar. Estamos abertas ao
processo de mudança e à própria transformação.

Referências

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FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 24ª. ed. São
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MACHADO, M. L. de A. Educação Infantil e Sócio-interacionismo. In: OLIVEIRA, Zilma Moraes
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OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. Pedagogia(s) da Infância: reconstruindo uma práxis de
participação. In: OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; Kishimoto, Tizuko Morchida; Pinazza,

243
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Mônica Appezzato. (Org.). Pedagogia(s) da Infância Dialogando com o passado


Construindo o Futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 7 – 36
______. Desenvolvendo a qualidade em parcerias. Ministério da Educação. Direção Geral de
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Acesso em: 06 de dezembro de 2020.
OLIVEIRA, Q. C. de. Goles de Infância: Práticas da Docência e das Crianças em uma Escola
Municipal de Educação Infantil. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.
VYGOTSKY, L. S. Imaginação e criatividade na infância. S. P.: WMF Martins Fontes, 2014.
TARDIF, M.; RAYMOND, D. “Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério”.
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ZUMTHOR, P. Introdução à poesia oral. Tradução Jerusa Pires Ferreira, Maria Lúcia Diniz
Pochat e Maria Inês de Almeida. 1 a ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p. 19-45.
______. Performance, recepção e leitura. Trad. FERREIRA J. P.; FENERICH, S. São Paulo:
Cosacnaify, 2014.

244
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

A INTERLOCUÇÃO PROFESSORA-CRIANÇA COMO EXPERIÊNCIA E


PERCURSO POR UMA PRÁTICA INOVADORA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL

Queila Cristina de OLIVEIRA1


Hélia Patrícia da SILVA2

Essa escrita se desdobra a partir de um estudo que suscitou reflexões a


partir da interlocução com os sujeitos de uma Escola Municipal de Educação
Infantil (EMEI), instituição pública em Belo Horizonte, locus de uma pesquisa
desenvolvida no contexto do Mestrado Profissional em Educação e Docência
(Promestre), na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais (FaE/UFMG), entre os anos de 2017 e 2019. Estudo esse que partiu da
presença e experiência de Oliveira (2019) como docente e pesquisadora nessa
EMEI, em diálogo com as crianças e com seus pares de trabalho, as
professoras; e que investigou como são desenvolvidas as práticas
pedagógicas, considerando a participação das crianças. 3.
Tais práticas pedagógicas reverberaram no “II Congresso de Boas
Práticas dos Profissionais da Rede Municipal de Educação de Belo
Horizonte”, em 2019, sendo selecionada e avaliada dentre as práticas
consagradas como exitosas, por sua flexibilidade e inovação durante os
processos pedagógicos, tendo a criança como participante, ocupando o centro
dessas propostas.
Mencionaremos parte desses relatos em torno das práticas
desenvolvidas nessa EMEI, tendo como participantes ativas as crianças na
faixa etária de 4 e 5 anos. Salientamos desde já que essas atividades levaram
em consideração a voz e a participação das crianças, destacando-se a escuta
docente, que por meio da ação e reflexão, revelou-se sensível na interlocução
com essas infâncias. Dessa maneira, abriu-se um percurso possível rumo à
inovação dessas práticas, conforme as ocasiões em que se destacam as
mudanças no itinerário das atividades, isto é, quando a professora

1
Professora na Educação Infantil e Ensino Fundamental na Prefeitura de Belo Horizonte/MG. Mestra em
Educação e Docência (Promestre/FaE/UFMG), Pedagoga (UEMG), Especialista em Psicopedagogia,
Metodologia de Artes e Ensino Lúdico. E-mail: queilacrio@yahoo.com.br.
2
Professora na Educação Infantil na Prefeitura de Belo Horizonte/MG, graduada em Normal Superior
(UNIPAC) com Especialização Educação Infantil (UCB). E-mail: heliapedagogico@yahoo.com.br.
3
As escolhas metodológicas dessa pesquisa aproximaram-se de elementos da fenomenologia, etnografia e
autoetnografia, cuja finalidade foi agregar discussões educacionais aos significados dos sujeitos pesquisados.
Ao longo desse trabalho, também se desenvolveu um Produto Pedagógico denominado “Ateliê Narrativo”,
que compreendeu uma formação continuada das professoras da EMEI. Para dar abertura a esses diálogos foi
criado um vídeo: “Goles de Infância” - filme de 7 minutos - a partir da seleção de algumas imagens que
compuseram a recolha dos dados. Esse material pode ser acessado pelo link: https://youtu.be/IXSHZogqhVQ.

245
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

considerou as vozes das crianças nas decisões e no constructo dessas


propostas.
Para tanto, antes de expor a síntese dessas práticas desenvolvidas, a
seguir, faremos uma breve incursão sobre alguns pressupostos teóricos que
dialogaram com as categorias de análise da pesquisa de Oliveira (2019) que,
certamente, atravessam nossas reflexões.

Percursos e experiências entre a Literatura Acadêmica e a Prática


Pedagógica

“Goles de Infância” foi a expressão usada por Oliveira (2019) para


introduzir sobre as lições que, diariamente, a docência pode tomar na
interlocução com as infâncias, ouvindo-as e criando com elas as práticas. Ela
confirma que esse diálogo com as crianças contribui com a formação de quem
educa, com possibilidades de rever a própria prática pedagógica: “as crianças
têm a chave para nossos melhores estudos, para melhor ensiná-las e atender
as demandas das infâncias que estão presentes nessa Educação Infantil”.
(OLIVEIRA, 2019, p. 21)
Essa pesquisa ainda elucida sobre a importância da escuta docente à voz
da criança, no contexto das práticas pedagógicas. Voz no sentido trazido por
Zumthor (2010, 2014) não limitada somente ao som e à substância fônica, mas
compreendida pela noção de enunciação4 e discurso como acontecimento.
Por esse entendimento é possível pensar na voz (vozes) da criança como cada
gesto que emana de seu corpo, compondo uma performance. Assim, essa
autora considera a escuta de cada expressão da criança quando dança, canta,
chora, grita, gesticula, silencia ou ultrapassa as palavras. Considerando-as
como interlocutoras e tradutoras nossas de suas próprias infâncias, em
diálogo conosco.
Mediante os resultados encontrados nessa pesquisa, tornou-se viável
concluir que a escuta docente às crianças compreende um dos principais
elementos que mobilizam as práticas pedagógicas que promovem a
participação. Ou melhor dizendo, a escuta docente está diretamente
relacionada às oportunidades das crianças participarem da elaboração das
práticas realizadas com (e não, simplesmente, para) as infâncias.
Por essas discussões foram tomados alguns referenciais nos campos da
Educação, Antropologia, Sociologia da Infância, Filosofia, Linguagens e
Psicologia que corroboraram com essa pesquisa. Dentre os autores citados,

4
A pesquisa de Oliveira (2019) elucida mais sobre esse termo enunciação, conforme foi empregado por Bakhtin
(2011), como uma corrente fluída e contínua da linguagem, prenhe de correspondências, seja para o ato de
emissão do discurso, que seria a enunciação e para um discurso já pronunciado, que seria o enunciado.

246
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

destacou-se Oliveira-Formosinho (2007; 2009), pelos adensamentos nos


estudos em torno da(s) Pedagogia(s) da(s) Infância(s), centrada em uma
“práxis de participação” ou “modo participante”, por um processo interativo
de diálogos, portanto, transformativo, contrapondo em sua complexidade ao
“modo transmissivo”5.
Os conceitos da “Pedagogia Participativa”, claramente, receberam
influências dos estudos de Paulo Freire que elucida que “ensinar não é
transferir conhecimento”, mas criar as possibilidades para que o educando
tenha “a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p. 52),
estando a docência aberta às curiosidades e às perguntas do educando, em
ação-reflexão-ação, constantes. Nesse caso, por fazeres relacionados à escuta,
ao diálogo e à negociação definem uma “pedagogia transformativa”, no
espaço das interações.
Oliveira-Formosinho (2007) também recorre aos estudos de John Dewey
que constitui uma via entre a natureza da criança e o currículo, sem
detrimento de um pelo outro, vislumbrando interesses e motivações infantis,
na construção de significados, objetivos e valores sociais. “A pedagogia da
participação centra-se nos atores que constroem o conhecimento para que
participem progressivamente, através do processo educativo, das culturas
que os constituem como seres sócio-histórico-culturais”. (Oliveira-
Formosinho, 2007, p. 18). Essa relação, portanto, implica no escutar, dialogar
e negociar, por um processo que conceitua a criança como ator ativo e
competente.
A pesquisa de Oliveira (2019) exalta essas concepções, pois consideram
o respeito e o direito à voz da pessoa criança para definir junto à pessoa da
professora, as decisões dos projetos. O “modo participante” centra no
educando, no grupo e nos seus processos. Dessa maneira, a cada escuta à
criança, a docente pode modificar o itinerário de seu planejamento. Assim,
interações, afetos e envolvimentos acontecem permeados de escutas e falas,
nesse contexto onde as práticas pedagógicas desaguam um continuum de
aprendizagens, pela fluidez das vozes que tomam forma de diálogos prenhes
de novas e ilimitadas enunciações.
Podemos sintetizar as práticas a serem demonstradas, logo a seguir,
aglutinadas a esses conceitos que se aproximam ao modo da “pedagogia da
participação”, pelo viés da integração dos saberes sem hierarquias rígidas,

5
A “pedagogia da transmissão”, segundo Oliveira-Formosinho (2007), centra-se na regulação e no controle,
baseado na pré-decisão do professor, que prescreve os objetivos, molda e reforça, por sua centralidade. Esse
modo foi apresentado no texto anterior - páginas 235 a 243 - tecendo reflexões em torno dessas práticas. Esses
dois textos são complementares, a partir dos desdobramentos da pesquisa supracitada.

247
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

por considerar as pessoas dessas ações (professora e criança) dotadas de voz


(ou vozes), em um espaço democrático onde as práticas (e crenças) são
compartilhadas na ação e na reflexão.

Escuta Docente e Participação Infantil nas Práticas Pedagógicas da EMEI

Podemos considerar, partindo das discussões suscitadas na pesquisa de


Oliveira (2019) que a escuta docente e a participação das crianças no
desenvolvimento das práticas podem tanto ampliar os objetos das
aprendizagens previstos na intencionalidade educativa6, quanto aprimorar o
planejamento da professora, a cada diálogo com as crianças. Sem mais
delongas, segue uma síntese sobre essas práticas, a partir da coleta de dados
realizada na pesquisa supracitada:
A professora Hélia7 por muitas vezes disponibilizou para as crianças
encartes e revistas, dialogando com elas e escutando sobre o significado
que as imagens tinham a partir de seus “pontos de vistas” e sobre seus
contextos sociais. Disso, foram registradas algumas dessas enunciações:
“Vou pedir prá minha mãe comprar essa bicicleta prá mim!” / “Meu pai tem esse
celular, ele comprou com o seu pagamento! Ele trabalha, sabe?”/ “Posso levar o
que comprei para minha casa?” Logo, a professora correspondia de acordo
com os interesses delas. A partir dessas conversas em torno das imagens
de revistas, hoje, Hélia trouxe as figuras de maior interesse delas e chamou
as crianças para brincar, dizendo que acabou de abrir uma “Loja de
sapatos”. 8

Conforme foi apontado nesse registro, nota-se que a escuta às crianças,


influenciou como fez suscitar uma nova proposta pedagógica que foi trazida
pela docente, como continuum dessas conversas. No texto a seguir,
apresentamos alguns elementos do desenvolvimento dessas práticas, a partir
da releitura do Diário de Bordo, junto ao texto e análises elucidados pela
pesquisa:
“Loja de sapatos”: Hélia colocou duas cadeiras próximas ao quadro e sobre
elas disponibilizou recortes de revistas contendo diversas figuras de
sapatos. Convidou as crianças para brincar, tal como um “faz-de-conta”:

6
Segundo Machado (1994), a intencionalidade educativa explicita-se quando é assumido o compromisso de
levar a êxito os propósitos das interações pedagógicas, pelos conhecimentos que tornarão objetos de
apropriação pelas crianças, isto é, pelos objetivos voltados as habilidades e capacidades que poderão alcançar.
7
Uma das interlocutoras na Pesquisa de Oliveira (2019) que naquela ocasião foi apresentada por um nome
fictício, conforme havia sido acordado. Entretanto, aqui, ao apresentar-se como uma das autoras, fazemos jus
ao reconhecimento de seu verdadeiro nome. Os nomes das crianças, entretanto, preservam-se em sigilo.
8
Anotações no Diário de Bordo de Queila Oliveira, em 6 de março de 2018. Optamos por colocar as falas em
itálico para diferenciar das outras citações.

248
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

“A loja de sapatos está aberta! Quem quer comprar sapato?” As crianças


demonstraram-se entusiasmadas pelos recortes. Levantaram das cadeiras
para manipular as figuras. Diante do interesse delas, Hélia solicitou que
elas fizessem uma margem na folha branca e registrassem seus nomes para
identificação. Em seguida, poderiam escolher um dos artigos dessa “loja”
para colar na folha. As crianças escolheram seus pares e os lugares aonde
se assentaram, livremente. Além disso, cooperaram, autonomamente, para
distribuir os materiais. A professora havia planejando escrever as palavras
no quadro, assim que elas terminassem de colar as figuras. As crianças
copiariam do quadro, porém, esse itinerário foi mudado, a partir da
interlocução entre ela e Pedro (5 anos). Ele colou a figura de um tênis e
registrou sua hipótese de escrita. Assim, escreveu: “TEIS” (com todas as
letras maiúsculas). A ação dessa criança foi escutada por Hélia como um
indicativo para mudar o curso dessa aula, quando essa criança não esperou
a escrita no quadro. Diante desse acontecimento, para estimular mais a
Pedro, a professora retirou do “caixa da loja” algumas notas variadas de
dinheiro de brinquedo, réplicas das cédulas convencionais, mas em
tamanho miniatura. Ela entregou a Pedro que saiu gritando pela sala,
emocionado enquanto mostrava aos colegas. O grupo pediu esses
“dinheirinhos” para Hélia, então, ela fez um combinado: “Ah não! Vão ter
que trabalhar mais! Podem se sentar e escutar o que vão fazer! Vocês vão tentar
escrever do jeito de vocês o que vocês compraram aqui! Pedro escreveu e ganhou!”.9

Assim, a professora propôs uma nova tarefa, mudando o itinerário dessa


aula, conforme seu próprio depoimento:
quando eu vi que Pedro estava com a fase silábica indo para alfabética... eu pensei...
eu preciso saber qual é a hipótese das outras crianças... desse jeitinho mesmo delas...
aí eu mudei a aula... mudei o meu planejamento naquela hora... eu não quis mais
anotar no quadro pra ver... quis ver cada uma das hipóteses deles no papel... E olha
eu não esperava o que eu vi... tantas crianças bem espertas ... em cada mesa que
passei pude ver de perto que a maioria tava segura para tentar.... o Helbert e o
Carlos ainda bem inseguros... mas na hora da me-di-a-ção... vi que estão
começando a tecer hipóteses também... Jacira tá-uma-gra-ci-nha... ela também tá
silábica alfabética E OLHA... foi Pedro que me... ((estala os dedos)) como se dissesse
o que o grupo queria... as outras crianças também estavam pedindo isso... então...
era uma demanda da turma.10

9
Cf. OLIVEIRA, 2019. Texto adaptado de forma sucinta, mediante os limites desse espaço. As descrições e
análises detalhadas em torno dessas práticas se encontram na pesquisa supracitada, entre os tópicos do
capítulo 4, páginas 136 a 156.
10
Entrevista gravada, no dia 4 de setembro de 2018. Cf. (OLIVEIRA, 2019, p. 143). A pesquisadora apropria-se
do modelo de transcrição conforme as “Normas Urbanas Cultas: NURC/SP nº 338 EF, 331 D2”, em que letras
maiúsculas significam entonação enfática e reticências significa pausa, segundo estudo realizado por PRETI,
Dino. O discurso oral culto. 2. ed. São Paulo: Humanitas Publicações - FFLCH/USP, 1999.

249
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Hélia, diante dessas experiências, na ação e reflexão, foi ao encontro das


crianças, individualmente, nas mesas e, pelo interesse delas, ao colocarem
suas hipóteses de escrita, percebeu que essa era uma demanda da turma.
Algumas crianças precisavam romper com a insegurança para se arriscar
mais, necessitando de incentivos do qual essa professora correspondeu e
avaliou seus níveis de escrita e, a partir dessa interlocução, refletiu sobre
novas ações.
Ainda nessa aula, Joana (4 anos) chamou a atenção por não colocar de
imediato sua hipótese de escrita e mostrou a professora um desenho, isto é,
ela tomou a iniciativa de desenhar uma figura humana, que complementava
o par de botas de sua colagem. Hélia, ainda, realizando suas intervenções
pedagógicas junto a cada criança, deparou com essa produção de Joana, que
ainda não havia cumprido a tarefa da escrita, nem mesmo havia colocado o
seu nome, conforme havia prescrito. Contudo, valorizou sua iniciativa e
criatividade e além de incentivar sua hipótese de escrita, elogiou e, depois,
disse para escrever o nome. Conforme suas palavras: para todos saberem
quem foi a “aluna brilhante” e “artista” que desenhou!
Joana demonstrou-se contente, e, possivelmente, quis agradar-lhe mais,
foi ao armário pegou outra folha e fez margem, o cabeçalho, colou a imagem
de uma sandália e escreveu sua hipótese de escrita: “CASI” e concluiu, assim,
duas atividades. Essa aluna após ganhar “dinheirinhos” em dobro por suas
realizações, autonomamente, como as demais crianças pendurou as duas
atividades no “varal da sala”.11
A partir da distribuição dos dinheirinhos, após a finalização das
atividades, livremente, as crianças criavam brincadeiras, por meio da
interação entre pares. Elas relacionavam com essas notas, de maneira antes
não prevista, mas estimuladas pela professora que observava, com atenção,
os diversos gestos dos educandos na exploração desse material. A partir
disso, as crianças teceram movimentos inusitados pela sala, com autonomia
para fazer escolhas e negociações. Como versa Corsaro (2011), a criança não
é mera receptora passiva da cultura adulta, pois ao se mostrar participante,
também produz e, coletivamente, cria seus próprios mundos e as “culturas
de pares”, isto é, “um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos,
valores e preocupações que as crianças produzem e compartilham em
interação com outras crianças.” (CORSARO, 2011, p. 151).

11
Cada pregador nesse varal tinha um enfeite diferente. As crianças, livremente, escolhiam onde pendurar.
Esse varal era uma das formas de exposição delas. Geralmente, chamavam a mãe (ou quem as buscava) para
mostrar o que criaram. No dia seguinte, elas tomavam a iniciativa de recolher, e, assim, também participavam
da organização do espaço onde expunham suas atividades.

250
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Ressaltamos que os objetivos pedagógicos puderam ser ampliados, a


partir dos encaminhamentos nessa aula. Algumas crianças, por exemplo, se
interessavam por organizar as notas, separando-as por cor ou pelas figuras
de animais; enquanto outras juntavam em uma única coleção. Alguns grupos
se reuniam para tentar trocar notas repetidas, etc. Conforme algumas dessas
enunciações: “Eu quero a nota da onça!” / “Eu quero a de cem reais, pois vale
mais!”/ “Falta uma de cinco prá mim, você tem duas? Quer trocar? Eu não ia trocar
a nota de cinquenta pela de cem! Essa vale mais! Eu quero juntar todos os bichos. Eu
sei todos!”. Enfim, escolhas várias para uma diversidade presente nessa sala
de aula.
Por ações correspondentes a essas vozes, Hélia interagiu com essas
brincadeiras, demonstrando uma intenção educativa que, a princípio, seria a
quantificação até dez, mas ao perceber que algumas crianças já estavam
diferenciando o valor monetário e comparando as notas, ampliou seus
objetivos pedagógicos, considerando seus conhecimentos de mundo.
Partindo dessas experiências, inseriu em seu planejamento para a próxima
aula, a oportunidade de criar uma loja em que as crianças pudessem também
vender e comprar entre elas, bem como organizar o estoque, dar troco, fazer
lista de compras, etc. Esses propósitos foram desenvolvidos também com as
crianças. Enfim, de um enunciado, novas enunciações, em sentido
Bakhtiniano, por uma docência que se renova, supera-se na fluidez dos
diálogos com as infâncias.
Desse processo ainda ecoa em nossa memória, por exemplo, a
performance da criança Daniela (5 anos) que fez de uma mesa com recortes de
celulares a sua loja e lançou uma promoção: “Cinco celulares por dez reais!”.
Diálogos em um contexto permeados de sentidos onde a docência rompe a
simples prescrição, modificando o itinerário de seu planejamento, a cada
interlocução.

Análise, Resultados Observados e Algumas Considerações

Para tecer uma avaliação acerca das práticas pedagógicas que foram
realizadas recorremos às Categorias de Análise, conforme o seguinte
fluxograma:

251
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Gráfico: Categorias de Análise

(OLIVEIRA, 2019, p. 253)

Nesse gráfico, localizam-se os sujeitos responsáveis por colaborar e co-


definir o sentido das práticas realizadas nessa Educação Infantil, onde
ocorreu uma interlocução exitosa entre professoras e crianças, conforme
representado, por um movimento circular, que corresponde a uma corrente
dialógica ininterrupta, que passa pela via da escuta docente às vozes das
crianças nas situações em que envolvem as práticas pedagógicas, por um
modo pedagógico que investe no processo de uma participação ativa das
crianças.
Dentre as análises que incluem essas aulas, Oliveira (2019) conclui que a
participação das crianças está diretamente relacionada à escuta delas,
considerando-as como sujeitos competentes e atuantes no que concerne à
elaboração das práticas pensadas, edificadas e organizadas com elas, por
meio de uma relação de interdependência existente entre a docência e a
criança. “Desse modo, ambos se beneficiam - a cada interação - a criança
aprende reproduzindo e produzindo culturas e as professoras acrescentam
em sua formação mais saberes advindos de suas experiências, por meio da
ação e reflexão”. (OLIVEIRA, 2019, p. 155).
Ação-reflexão-ação, tal como versa Paulo Freire que, por suas palavras,
reitera: “Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos,
apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto,
um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender”. (FREIRE, 1996, p. 25).
Parafraseando Paulo Freire, não há práticas docentes sem as crianças.
Compreendemos isso, pela forma como essas infâncias foram consideradas
nesse processo das práticas pela tessitura de uma pedagogia participativa.
Enfim, podemos narrar sobre diálogos, rupturas e inovações, a partir de uma

252
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

docência que escuta e insere as crianças como participantes no


desenvolvimento das práticas pedagógicas. As crianças enunciam na
Educação Infantil e também em nossas pesquisas educacionais. Nós as
escutamos, dessa maneira, participaram desse constructo conosco.

Referências

BRASIL. BAKHTIN, Mikhail Mikhaiovitch. Estética da Criação Verbal. 6ª. ed. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2011. p. 261-335.
CORSARO, William A. Sociologia da Infância. 2.ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 24ª. ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
MACHADO, Maria Lucia de A. Educação Infantil e Sócio-interacionismo. In: OLIVEIRA, Zilma
Moraes Ramos (Org.). Educação Infantil: Muitos olhares. S. Paulo: Cortez, 1994. p. 25 – 50.
CORSARO, William A. Sociologia da Infância. 2.ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.
OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia. Pedagogia(s) da Infância: reconstruindo uma práxis de
participação. In: OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; Kishimoto, Tizuko Morchida; Pinazza,
Mônica Appezzato. (Org.). Pedagogia(s) da Infância Dialogando com o passado
Construindo o Futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 7 – 36
OLIVEIRA-FORMOSINHO. Desenvolvendo a qualidade em parcerias. Ministério da
Educação. Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular. Portugal/Lisboa:
Manual DQP. 2009. Disponível em: <https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/EInfancia/
documentos/manual_dqp.pdf>. Acesso em: 06 de dezembro de 2020.
OLIVEIRA, Queila Cristina de. Goles de Infância: Práticas da Docência e das Crianças em uma
Escola Municipal de Educação Infantil. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.
VYGOTSKY, Lev Semenovich. Imaginação e criatividade na infância. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2014.
ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. Tradução Jerusa Pires Ferreira, Maria Lúcia Diniz
Pochat e Maria Inês de Almeida. 1 a ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p. 19-45.
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção e leitura. Tradução Jerusa Pires Ferreira e Suely
Fenerich. São Paulo: Cosacnaify, 2014.

253
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

254
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

O ENSINO DE ARTES NA PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Eixo norteador identidade e autonomia

Reginaldo Pedro de Lima SILVA1


Egle Katarinne Souza da SILVA2
Adriana Moreira de Souza CORRÊA3
Joacileide Bezerra de SOUSA4

Reinventar e adaptar talvez sejam os verbos mais conjugados e


vivenciados na prática durante o distanciamento social sugerido pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) como medida de contenção da
COVID-19, doença causada pelo Coronavírus, em 2020. Nessa pandemia,
todos os setores sociais foram afetados de maneira brusca e de forma
imediata tiveram que ser reformulados para atender as medidas de
distanciamento social.
Na educação, as atividades de ensino que antes eram oferecidas de
maneira presencial foram reorganizadas para funcionar na perspectiva do
ensino remoto, ou seja, por práticas pedagógicas mediadas pelas mídias
digitais. Para Zamperetti e Rossi (2015, p. 192), “o fenômeno da globalização
facilitou a difusão tecnológica a nível mundial, a transmissão de informações
e a comunicação entre os países”. Assim, diante do atual cenário, os
professores devem utilizar as diversas metodologias, ferramentas e mídias
digitais oportunizando uma variedade de alternativas que incluam os alunos
dentro de suas respectivas realidades.
No âmbito de disciplinas, Ovcharenko et al. (2020) pontuam que as
atividades de educação artística, realizadas de forma remota, são uma
situação problemática, pois a educação artística é desenvolvida com uma
configuração prática individual de educação em detrimento da possibilidade
de produção e mediação de sentidos que pode ser proporcionada em
vivências presenciais e coletivas.
Nesse viés, a pandemia do COVID-19 pode ser vislumbrada como um
desafio em que os professores de Artes dentro de suas residências tiveram
que buscar alternativas viáveis, ou seja, recursos digitais que permitissem os
alunos produzir a arte e refletir sobre as suas possibilidades estéticas e
comunicativas, realizando a busca por aplicativos e recursos para

1
Professor da Escola Cidadã Integral Técnica (ECIT) Cristiano Cartaxo. E-mail: regysdance@gmail.com
2
Gestora da ECIT Cristiano Cartaxo, Cajazeiras - PB, Brasil. E-mail: eglehma@gmail.com
3
Professora da Universidade Federal de Campina Grande, Cajazeiras – PB, Brasil, adriana.korrea@gmail.com
4
Professora da ECIT Cristiano Cartaxo, Cajazeiras - PB, Brasil. E-mail: joacileide2009@hotmail.com

255
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

ressignificar o fazer artístico, promovendo a vivência e a divulgação da arte


(ROSSI, 2019). Contudo, para que isso ocorra, foi necessário que o docente e
os alunos se apropriassem de recursos que permitissem: “Mudar as práticas
pedagógicas com o intuito de aumentar a qualidade do ensino e diminuir a
distância do que se pratica em relação às novas tecnologias dentro e fora da
sala de aula” (ZAMPERETTI; ROSSI, 2015, p. 193).
Segundo Penhaça e Penhaça (2020) a principal dificuldade das aulas
remotas de artes é desenvolver a relação entre professor-aluno, pois o ensino
de artes é uma aprendizagem humanística, na qual a conexão/contato
presencial é obrigatória. Outro desafio é o treinamento e a transição do ensino
presencial para criação e produção de conteúdos online, vídeo, recursos
multimodais, etc. (KINI-SINGH, 2020).
Neste período, o relacionamento entre professor-aluno pode ser
fortalecido com o uso das redes sociais a exemplo do WhatsApp e Instagram e
no modelo de Escola Cidadã Integral Técnica (ECIT) que é o locus deste relato.
Foram realizados, além dos encontros síncronos pelo Google Meet a prática de
tutoria5 que fortalece essa relação, tornando as atividades remotas mais
produtivas e eficientes.
Já a produção de vídeos, performances, produções artísticas, recursos
multimodais, entre outros, propostos como atividades do ensino de artes
nesse período, foram planejados considerando que os estudantes da ECIT são
nativos digitais6 e, portanto, apresentam familiaridade com as diversas
mídias como também apresentam habilidades para produzir e divulgar as
produções nas redes sociais. Nesse sentido, acreditamos que, no cenário
atual, essas práticas funcionam como integradoras entre as práticas escolares
e as formas usuais de interação com o mundo, vivenciadas diariamente pelos
alunos, além de ser um canal para propagar as produções educacionais,
diminuindo a distância entre educandos, educadores e comunidade escolar.
Este escrito foi desenvolvido com o objetivo de relatar as atividades
desenvolvidas na disciplina de Artes, a partir do eixo norteador Identidade e
Autonomia, durante o ensino remoto. Os participantes são alunos da
primeira série da ECIT Cristiano Cartaxo, localizada em Cajazeiras/PB que

5
Tutoria é uma situação de interação, de presença na vida do outro, em que uma pessoa dá apoio para tornar
possível que ela desenvolva e/ou ponha em ação algum direito, dever, conhecimento, competência ou
habilidade. Nesse sentido, a Tutoria torna possível ao estudante ampliar a visão que ele tem de si mesmo, do
mundo, das oportunidades, das estratégias e possibilidades para tomar em suas mãos o protagonismo da
construção do projeto da sua própria vida (ICE, 2019).
6
Segundo Marc Prensky (2001), os nativos digitais nasceram no período de evolução das tecnologias digitais,
já os imigrantes digitais vivenciaram práticas de comunicação anteriores à década de1990.

256
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

desenvolveram as atividades por meio da técnica Art Journals7.


Com isso posto, o artigo em tela trata, portanto, de um estudo descritivo,
com análise qualitativa, com o interesse de apresentar as produções dos
alunos na disciplina de Artes no eixo norteador trabalhado. De acordo com
Daltro e Faria (2019), levando em consideração as definições e delineamentos
de pesquisa, este escrito é caracterizado como um Relato de Experiência,
tendo em vista que objetiva registrar as experiências vivenciadas durante um
exercício/atividade profissional, de forma a contribuir com a práxis
pedagógica dos docentes que trabalham com o Ensino Remoto de Artes.

Eixo norteador identidade e autonomia utilizando a técnica do Art Journals

Para trabalhar o eixo norteador Identidade e Autonomia, na disciplina


de Artes, durante o ensino remoto foi utilizada a técnica artística Art Journals.
Assim, inicialmente, foi proposta uma aula síncrona realizada pelo aplicativo
Google Meet e, nesse momento os alunos puderam se apropriar dessa técnica.
Para a ampliação desses conhecimentos foram disponibilizados na
plataforma Google Classroom links8 de vídeos de curta duração explicativos e
inspiradores de atividades realizadas com essa técnica. O docente
proporcionou ainda momentos de interação pelo WhatsApp (tanto no privado
como no grupo das salas de primeira série do ensino médio) para esclarecer
as dúvidas dos discentes que surgissem após o estudo do material
disponibilizado.
A realização desta atividade contou com a parceria do docente da
disciplina de Projeto de Vida9 alinhada com a disciplina de Artes. Desse
modo, as produções desenvolvidas com essa técnica nas turmas de primeira
série do ensino médio da referida instituição foram utilizadas para a
confecção das páginas do portfólio10 do Projeto de Vida.
Nessa proposta, os alunos exploraram a criatividade ao construir, de
forma artesanal (manualmente ou através de aplicativos) páginas que

7
O Art Journal é um caderno artístico, onde usam-se as folhas para fazer colagens inspiradoras e também para
desenhar, seja com caneta, lápis ou aquarela.
8
Links do material de suporte: https://www.youtube.com/watch?v=FhrV7W6LMWk - https://www.youtube.
com/watch?v=P48ZB1I6QPc - http://alicetischer.com.br/aulaliberdade/ https://www.youtube.com/watch?v=
3TBhlJxX1YE
9
O Projeto de Vida do jovem protagonista pode ser compreendido como o seu sonho, ou seja, as suas
expectativas para o futuro e será definido à medida que o mesmo se conhece enquanto pessoa descobre-se
enquanto aluno e determina o que quer ser, seja na dimensão pessoal, social e profissional, tanto a curto como
longo prazo (SILVA et al., 2020).
10
O portfólio da disciplina de Projeto de Vida refere-se a uma espécie de diário de bordo pessoal em que cada
aluno vai construindo ao longo do ano e a partir das aulas estruturadas ministradas. Ou seja, é uma produção
particular que compila a percepção do aluno sobre seu ser e suas vivências dentro e fora do ambiente escolar.

257
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

buscassem responder a seguinte indagação: “Minhas atitudes refletem no


meio em que vivo”.
Para realizar essa atividade os alunos foram orientados a desenvolver
arte com foco na sustentabilidade/meio ambiente, temática que foi ao
encontro ao Projeto de Intervenção Pedagógica (PIP) da ECIT Cristiano
Cartaxo em 2020.
Observamos na Figura 01, três criações desenvolvidas de forma manual
com a utilização de papel ofício A4 e canetas coloridas.
Figura 01 – Técnica do Art Journals por meio de pinturas.

Fonte: Arquivo Pessoal.

Na primeira (da esquerda para direita) o aluno desenhou um


personagem de máscara, inseriu o ano 2020 substituindo os dois zeros do
número pelo desenho do Coronavírus. O destaque é projetado na figura
humana, que ocupa grande parte do papel e a mensagem realizada por
recursos verbais e não verbais. A produção baseia-se em representações que
devem ser valorizadas, registradas sem a marca de eliminação que é o “x”
vermelho e aquelas que devem ser combatidas, que são marcadas com o “x”
vermelho que indica a necessidade de eliminação. Notamos que a arte visual
produzida em grafite e papel destaca, em cores, três pontos: os olhos da
figura humana (em azul), a imagem do vírus (em verde) e a representação do
“x” (em vermelho). Nesse desenho notamos uma preocupação individual de
cuidado.
Essa produção chama a atenção das pessoas para a gravidade da doença
afirmando que não se trata de uma gripezinha. O estudante desenhou ainda
um recipiente de álcool em gel, recurso amplamente presente nos
estabelecimentos e residências, que é utilizado para a eliminação do vírus e
proteção da vida.
A segunda arte criada refere-se ao desenho do mapa do mundo usando
máscara com a expressão de dúvida e a bolsa térmica indicando doença,
complementada pela informação verbal #FICAEMCASA. Diferente do

258
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

enfoque do primeiro aluno, que buscou representar a responsabilidade de


cada ser humano no cuidado para a proliferação do vírus, a segunda
produção busca destacar o compromisso coletivo de cuidado do mundo,
apelando para o comprometimento com a sociedade e com os impactos no
planeta. Ressaltamos ainda que apesar da arte ter sido produzida em uma
folha de papel, traz informações características das mídias digitais, que é a
hashtag “#”, recurso utilizado em diferentes redes sociais para destacar
determinado assunto. Como a representação anterior, o destaque à máscara
também é evidente.
A terceira arte traz os dois âmbitos anteriormente representados, à
medida que evidencia a responsabilidade do ser humano consigo,
representado pela figura humana feminina e com o ambiente, na imagem do
planeta. A mulher e um pássaro em voo foram delineados em posição de
caminhada pelo mundo e, logo abaixo, há a representação da metamorfose
da borboleta que, associada à ilustração anterior, demonstra o compromisso
do ser humano, no mundo, de agir sobre ele e torná-lo belo e livre. Essa noção
do impacto do ser humano no ambiente é representada também de maneira
verbal ao indicar: “somos escravos da nossa própria falta de atitude”,
complementando o sentido do texto não verbal.
Outra técnica selecionada pelos estudantes foi a de colagem, descrita por
Fonseca e Vilas Boas (2009, p. 1) como “[...] a arte que em sua essência
contribui para diversos processos de criação além do uso da cola e do papel”.
O desenvolvimento dessa técnica se dá pela seleção, sobreposição, dispersão
ou até mesmo a junção de imagens dispersas. Cohen (2002, p.64), destaca que
“A essência da collage é promover o encontro das imagens e fazer-nos
esquecer que elas se encontram”. Assim, a interpretação das criações por
meio da técnica de colagem pode ser realizada de forma separada,
entendendo cada figura colada ou conexa, para compor uma única imagem.
Na Figura 2 observamos duas produções realizadas a partir de colagens
e escrita com canetas coloridas.
Figura 02 – Técnica do Art Journals por meio de colagem.

Fonte: Arquivo Pessoal.

259
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Na primeira figura (da esquerda para direita) o aluno inseriu 4 figuras:


da estátua da liberdade, de uma mulher representando a disciplina de Artes,
uma dupla de mulheres e um homem com a roupa de astronauta referindo-
se a ida à lua, ou seja, a gravidade. A segunda arte (na direita) o aluno
destacou a pandemia do Coronavírus fazendo, um apelo para que as pessoas
fiquem em casa. Observamos também a palma de uma mão com o desenho
do mapa do Brasil e a representação dos profissionais de saúde que estão na
linha diferente no combate da proliferação do COVID-19.
Com o desenvolvimento das ferramentas de computação gráfica e dos
inúmeros aplicativos a técnica de colagem assumiu uma nova roupagem, a
motion graphics. Nesse sentido, Vargas e Souza (2011, p. 18) explicam que a
produção de textos nessas mídias é “repleta de elementos heterogêneos em
todos os aspectos, que se apresenta cada vez mais como uma linguagem
híbrida, marcando de forma indelével o caráter do audiovisual
contemporâneo”. Nessa perspectiva, por meio das ferramentas digitais, os
alunos atualizaram o espaço da fotomontagem e da colagem transferindo-o
para ambientes de criação que fazem parte do seu cotidiano, sendo estes bem
mais produtivos em termos de possibilidades técnicas e para cumprir a
função comunicativa.
Na Figura 3 observamos duas artes criadas com o programa editor de
texto Canvas, portanto, foram criadas e divulgadas em mídias digitais.
Figura 03 – Técnica do Art Journals por meio de textos digitais.

Fonte: Arquivo Pessoal.


Na primeira (da esquerda para direita), vemos a presença do mapa do
mundo e de uma árvore que remete à sustentabilidade ambiental, além de
frases como: “minhas atitudes refletem no mundo em que vivo”; “faz
oxigênio, faz sombra, faz falta”; “ajude pessoas, faça o bem, recicle o lixo”. A
segunda reflete os ambientes de jogos digitais que o aluno utiliza, enfatiza
também que o homem se torna escravo do mundo virtual.
Nesses textos, notamos diferentes níveis de interação entre as

260
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

informações verbais e não verbais: ao passo que a primeira se sustenta na


informação produzida, predominantemente, por meio do texto, na segunda
e na terceira predominam a linguagem não verbal.
Na Figura 4, observamos uma produção realizada na função Stories do
Instagram com texto de sensibilização e conscientização sobre o Coronavírus
com plano de fundo que remete a um céu estrelado, além de um fundo
musical utilizado com a canção Girassol de Whindersson Nunes, Priscilla
Alcantara.

Figura 04 – Técnica do Art Journals por meio de


textos digitais.
Fonte: Arquivo Pessoal.

Por utilizar-se de uma rede social,


além do texto e do plano de fundo e da
aluna ter utilizado música, ela desenvolveu
a técnica motion graphics. Jon Krasner (2008,
p. 314), explica que “a beleza da colagem no
motion graphics é que as imagens e tipografia
podem ser integradas em diferentes
caminhos difíceis de alcançar no mundo
físico”. Logo o diferencial dessa composição
das anteriores é a inserção do áudio, predominância do texto para efetivar o
objetivo comunicativo e a produção de um texto autoral que remete ao
cuidado necessário para a contenção do contágio pelo coronavírus.
Diante do exposto, notamos que a atividade possibilitou aos estudantes
utilizarem e socializarem diferentes técnicas de produção textual,
expressando as suas habilidades e demonstrando as percepções e interações
no mundo através do Art Journal produzidas em meios físicos e transpostos
para as mídias digitais ou utilizando recursos de produção integrados à
cibercultura.
Considerações finais
A atividade relatada nesse escrito realizada na disciplina Artes
possibilitou a apropriação da técnica Art Journal produzida com várias
linguagens e utilizando suportes físicos ou digitais. A proposta favoreceu a
criatividade e a reflexão do estudante sobre si e a sua participação na
construção social à medida que se configurou em uma possibilidade de
expressão por meio da linguagem verbal e não verbal, dos anseios e da sua
participação no mundo que o rodeia.

261
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

A proposta possibilitou o uso de desenhos, imagens selecionadas,


revistas e outros textos presentes no cotidiano que foram utilizados pelos
estudantes para a composição da mensagem ressignificando esses textos na
produção de sentidos de maneira artística e imbuída de compromissos
individuais e sociais para a promoção da mudança social.
Notamos assim que a produção de textos multissemióticos, ou seja,
aqueles produzidos por várias linguagens e que circulam amplamente nas
práticas comunicativas dos estudantes podem ser utilizados para fins de
apreciação estética, produção cultural e reflexão sobre si e a sua participação
na permanência ou na mudança dos acontecimentos que marcam o momento
histórico vivenciado pelos estudantes, além de servirem como mediadores da
reflexão de outros indivíduos que tiverem acesso a essas produções.
Referências
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Conteúdo, Método e Gestão: Rotinas e Práticas Educativas, 2. Ed., 2019.
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262
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

OFICINAS PLÁSTICAS DE PRODUÇÃO DE DADOS PICTÓRICOS E


DE NARRATIVAS DE SI
Evocações reflexivas e sociopoéticas de docentes de cursos técnicos da área
de enfermagem e da informática

Soraya Oka LÔBO1


Thamina Oka Lôbo Paes LANDIM2
Marttem Costa de SANTANA 3

Esse texto está permeado de evocações reflexivas, a partir das vivências


de docentes da área de Enfermagem e da área da Informática do CTF/UFPI,
sobre a magnitude do desenvolvimento e da análise da oficina plástica como
atividade técnica, científica e tecnológica, para a produção de dados
pictóricos e de narrativas de si. A pergunta de pesquisa, a seguir, nasce na
percepção interativa proporcionada pela Técnica de Pesquisa que se
materializa: De que forma pode ser aplicada a oficina plástica de produção
de dados narrativos e pictóricos como estratégia metodológica para a
avaliação diagnóstica inicial dos estudantes, de turmas de cursos técnicos
subsequentes e concomitantes ao ensino médio, por meio da autobiografia?
Objetivou-se deslindar as narrativas de si, por meio do desenvolvimento
da oficina plástica de produção de dados pictóricos e autobiográficos, como
estratégia metodológica para avaliação diagnóstica inicial dos estudantes de
turmas de cursos profissionalizantes de nível técnico subsequente e
concomitante ao ensino médio.
A realização de oficinas plásticas partiu da experiência e vivência de
facilitadores dessa técnica de pesquisa metodológica denominada de
“Oficina Plástica de produção de dados pictóricos e de narrativas de si”, na
qualidade de docente, a fim de aproximar a relação docente-discente, e, por
conseguinte, estreitando a relação entre discente-discente, em um processo
interativo e dinâmico, durante o curso profissionalizante de nível técnico.
Justifica-se a sua aplicação da oficina plástica como uma forma
reveladora de narrativas autobiográficas sobre o percurso formativo escolar
e acadêmico de estudantes, por meio dessa estratégica metodológica para
fortalecer laços entre os atores sociais, com intuito de interagir, cooperar entre

1
Professora EBTT do Curso Técnico em Informática do Colégio Técnico de Floriano CTF/UFPI. Floriano/PI. E-
mail: solloka@ufpi.edu.br.
2
Enfermeira ESF Estratégia Saúde da Família município de Floriano e ex-professora do Curso Técnico em
Enfermagem do Colégio Técnico de Floriano CTF/UFPI, Floriano/PI, E-mail: thaminalobo@hotmail.com.
3
Professor EBTT do Curso Técnico em Enfermagem do Colégio Técnico de Floriano CTF/UFPI. Floriano/PI. E-
mail: marttemsantana@ufpi.edu.br.

263
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

si e compartilhar conhecimentos técnicos, científicos, tecnológicos e suas


trajetórias de vida.
Essa técnica metodológica propicia a escrita do memorial formativo do
estudante sugerindo que o mesmo enfoque a possibilidade de dar
continuidade aos estudos, de cursar o ensino universitário e de se inserir no
mercado de trabalho.
A produção textual organiza-se em objetivos didáticos, etapas de
execução e atividades realizadas para o desenvolvimento da oficina plástica.
Esse trabalho se estrutura nos seguintes tópicos: reflexões iniciais; trajetória
metodológica da pesquisa; descrição da oficina plástica; avaliação da oficina
plástica e considerações finais.
Trajetória metodológica da pesquisa
Trata-se de uma pesquisa metodológica, de abordagem qualitativa,
consubstanciada na pesquisa autobiográfica e inspirada na sociopoética,
tendo como idealizadores, docentes de Curso Técnicos na área de
Enfermagem e Informática do Colégio Técnico de Floriano vinculado a
Universidade Federal do Piauí (CTF/UFPI). A pesquisa metodológica
desenvolve técnicas e procedimentos de obtenção de dados e condução de
intervenções crítico-reflexivas. “[...] A pesquisa qualitativa leva a sério o
contexto e os casos para entender uma questão de estudo” (FLICK, 2009, p.
9). Os pesquisadores qualitativos podem ser conhecidos como:
copesquisadores, observadores participantes, partícipes, facilitadores
sociopoéticos e investigadores.
Moita (1995, p. 113) assevera que a pesquisa autobiográfica "[...] põe em
evidência o modo como cada pessoa mobiliza seus conhecimentos, os seus
valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num diálogo
com os seus contextos". Utiliza-se da escrita, do memorial formativo, como
parte da atividade final da oficina plástica, com o intuito de gerar uma
narrativa de si e sobre seu processo formativo vislumbrando o seu acesso ou
não ao ensino superior.
A sociopoética é uma prática social e educativa de pesquisar e de cuidar,
que propõe uma visão crítica da realidade, propiciando a expressão de
desejos e de poderes que agem de forma consciente e inconsciente na vida de
cada pessoa (GAUTHIER, 1999). A turma se torna o grupo pesquisador que
se integram dialeticamente, acolhem um ao outro e desenvolvem a escuta
sensível. A inspiração sociopoética potencializa o engajamento emocional e o
envolvimento de cada participante como forma de facilitar a expressão e a
libertação de saberes, conhecimentos e traumas vinculados com às

264
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

experiências vividas e às práticas sociais, por meio da oralidade da escrita.


O filósofo e pedagogo francês Jacques Gauthier e a enfermeira Iraci dos
Santos cunham a expressão Sociopoética como um neologismo que une o
termo em latim socius, que é coletivo, ao termo grego poiésis, que significa
criação (GAUTHIER; SANTOS, 1996). Ao se respaldar, seja na apresentação,
na dramatização, no desenho ou em outro recurso artístico, esse método
possibilita aos partícipes experimentarem a arte na vida, no reconhecimento
e na pesquisa de si e do outro. Gauthier (2005), após sociopoetizar, os corpos
são transformados e induzem transformações nos seus ambientes.
A pesquisa metodológica captura os pensamentos que manifestaram
nos deslocamentos, nas desterritorializações e nas reterritorializações
possibilitados pelo docente facilitador da oficina plástica, a produção de
dados narrativos, de sentidos e significados sobre o seu processo formativo
escolar e acadêmico.
A oficina plástica de produção de dados pictóricos e de narrativas de si
é aplicada na sala de aula, campo empírico de pesquisa, utilizada como
dinâmica de acolhimento, de escuta e de reconhecimento, podendo ser
realizada no primeiro ou segundo encontro entre o docente e discente de
cursos profissionalizantes de nível técnico. A usabilidade da oficina permite
fortalecer os laços, estreitar vínculos e realizar diagnóstico situacional da
turma como um todo por meio das narrativas de si, de forma escrita, pictórica
e oral.
Após a oficina plástica, cada partícipe faz o processo de transcrição da
sua socialização na oficina plástica para inspirar a escrita do seu memorial de
formação, com o intuito de relatar outras possibilidades de si para ser
materializado ao seu percurso de vida, formação e (trans)formação.
Os interlocutores são três docentes da Educação Básica, Técnica e
Tecnológica (EBTT) do CTF/UFPI, sendo dois docentes da área da
Enfermagem e uma docente da área da Informática, na cidade de Floriano/PI
que vivenciaram o desenvolvimento dessa oficina plástica para a
autoavaliação diagnóstica dos partícipes. Utilizou-se como descritores,
unitermos ou palavras-chave: Pesquisa Metodológica; Técnicas de Pesquisa;
Atividades Científicas e Tecnológicas; Terapia pela Arte e Autoavaliação
Diagnóstica.
Essa pesquisa se materializa pela produção de dados da oficina plástica
e do memorial formativa. Utiliza-se da observação participante, como técnica
de pesquisa que registram as narrativas de formação de partícipes, de cursos
técnicos subsequentes e concomitantes ao ensino médio, bem como de suas
vivências.

265
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

A observação participante pode ser entendida por um processo de duas


partes. Primeiro, supõe-se que os pesquisadores se tornem participantes e
encontrem acesso ao campo e às pessoas que estão nele. Segundo, a própria
observação se torna mais concreta e mais fortemente orientada para os
aspectos essenciais da questão de pesquisa (FLICK, 2013, p. 122).

A observação participante possibilita um encontro entre o pesquisador


com o objeto de sua investigação, a turma, permitindo realizar uma análise
de conjuntura da realidade social. Observa-se as pessoas, vínculos, relações e
comportamentos dos partícipes durante a oficina plástica. O ato de observar
serve para (re)conhecer e entender as pessoas, situações, objetos, fatos,
acontecimentos e fenômenos.
As instituições familiares, escolares e profissionais produzem e
reproduzem as relações sociais e se instrumentalizam em estabelecimentos
e/ou dispositivos. Ou seja, as instituições engendram normas e regras que
atravessam os mais diversos locais e situações.
A produção plástica é realizada por meio da representação por imagens
signos, ícones que simbolizam o marcado, o vivido ou que ainda precisa ser
perdoado, suavizado, tratado e/ou curado. “O vivido não é um mundo à
parte, mas a trama da pesquisa como da formação e de todas as atividades,
diurnas ou noturnas” (LOURAU, 1983, p. 18).
Para a análise da produção de dados, elegeu-se a Análise Institucional,
proposta por Lourau (1983, 1995), que é uma abordagem que desenvolve um
conjunto de conceitos e instrumentos para a análise e intervenção nas
instituições. Essa análise está ligada à saúde mental e se transporta, neste ato,
à prática da terapia pela arte. Para Lourau (1995), a análise institucional tem
forças de teor instituinte e entra, portanto, em contradição com o já instituído,
produtor de uma imobilidade a ser quebrada com a intervenção. A proposta
de intervenção produz evocações reflexivas tanto para os pesquisadores
quanto para os copesquisadores.
Neste caso, o analista interpreta e avalia a produção plástica de dados,
quer seja o que poderia oferecer, quer seja os efeitos da intervenção como
potência de agir, se ser e de mudança. Essa análise interpretativa é do tipo
restrita, pois analisa a intervenção específica, a oficina plástica de produção
de dados pictóricos e de narrativas de si.
Essa pesquisa metodológica potencializa o reconhecimento de si, da
inventividade, da plasticidade, da criatividade do tipo artística,
considerando a dimensão ético-estética e política da produção de dados que
podem ser utilizados em pesquisas científicas. A oficina plástica mobiliza
diversas caixas de ferramentas que permitem desenvolver a produção sobre

266
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

a coletividade da turma, considerando o comprometimento, respeito mútuo,


a valorização da diferença e a responsabilização com autonomia dos atores
envolvidos.

Descrição da oficina plástica

A oficina plástica tem como objetivo didático a produção de dados


narrativos e pictóricos, utiliza-se técnicas/dispositivos que permitem
capturar as narrativas autobiográficas, inspiradas no seu processo de
formação educacional. O facilitador da oficina plástica esclarece os objetivos
e as etapas de execução, com suas respectivas atividades escritas, pictóricas e
de socialização.
Na primeira etapa, solicita-se o consentimento para uso de imagem e
som de voz dos participantes e assegura-se a autonomia, a beneficência, a não
maleficência e o favorecimento da justiça e da equidade no transcorrer do
processo de produção de dados narrativos e pictóricos. Informa que cada um
deve gravar a sua apresentação para depois ampliar o texto do memorial para
dar vazão a (re)escrita de si. Percebe-se que durante e após a oficina são
gerados outros afetos que potencializam outras lembranças, memórias da
vida escolar, sobre a arte, o desenho, a escrita e a contação de histórias.
Escolhe-se uma sala de aula ou laboratório, reservado, confortável e
seguro para os partícipes. Antes de aplicar a dinâmica inicial para conhecer
os estudantes foi escolhido os materiais para produção artística que
pudessem representar, o que estavam sentindo, por meio de imagens sobre
algo marcante na vida pessoal e estudantil que tivesse um significado
indelével, positivo ou negativo.
Os materiais são dispostos no centro do círculo: cartolinas, papel de
seda, papel de madeira, revistas, pincel atômico, pincel de pelo, tinta guache,
cola, lápis grafite e de cor. Foi orientado a ter o cuidado de observar texturas,
barulho, densidade, além de materiais reutilizados, como materiais de
armazenamento (disquetes, memórias RAM), dentre outros.
Uma das negociações com os participantes, foi a não utilização de
tesoura, uma vez que sua finalidade era identificar habilidades manuais,
capturar e colar imagens prontas de forma complementar a totalidade da
produção artística, visto que mobiliza a capacidade imaginativa, intuitiva,
inventiva, criativa e afetiva.
A dinâmica de grupo facilita a produção de dados plásticos sobre o
processo de formação educacional de cada interlocutor, possibilitando
aproximações e distanciamentos gerados pela representação pictórica e
simbólica, de fatos impactantes na vida de cada estudante.

267
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Inicia-se com uma técnica de relaxamento guiada pelo voz do mediador,


solicita que os participantes fechem os olhos, respirem de forma lenta e
profundamente. Logo após, é orientado que os estudantes deem tempo e
atenção para todos, sejam empáticos, tenham disponibilidade, solicitude,
comunicabilidade, apresentação, respeito, cortesia, interesse, presteza,
assegurando, pelos facilitadores, o sigilo profissional das “declarações
reveladas”.
Para executar a técnica de pesquisa, inicialmente é solicitado que os
partícipes fiquem, se possível, de pé e de mãos dadas, dispostos em forma de
círculo para um primeiro contato físico. Em seguida, ocorre a distribuição dos
partícipes no espaço físico, sentados no chão ou em colchonetes, com a
finalidade de ficarem à vontade para a execução da técnica e para a produção
plástica, com exceção daqueles resistentes e/ou com comprometimento físico
possam permanecer sentados em cadeiras.
Depois do relaxamento, dá-se prosseguimento à oficina com a técnica de
produção de dados narrativos e pictóricos, coloca-se uma música
instrumental, relaxante e motivacional, para inspirar, estimular a
criatividade, a memória e a concentração, com intuito de melhorar o estado
de ânimo e fortalecer o espírito inventivo e reflexivo. Além disso, é
mencionado para os discentes que não há necessidade de saber desenhar,
mas sim de representar o que era importante para si e que pudesse ser
compartilhado com todos os colegas da sala de aula.
Ao posicionar os materiais de uso coletivo e individuais no centro da
sala de aula, é feito um contrato didático entre os estudantes para que os
mesmos compartilhem os materiais de uso coletivo. Após o uso do material
coletivo, cada participante deve devolvê-lo para o local definido, bem como,
deve manter a sala limpa e organizada, jogando os resíduos no lixeiro.
Para a confecção da atividade pictórica, processo terapêutico por meio
da arte, foi estipulado o tempo de 50 minutos. Para a apresentação da
imagem/figura/representação, cada participante em torno de 10min,
enfocando sobre: sua naturalidade, sua idade, suas formações, seu estado
civil, seus dependentes, os motivos de escolha do curso técnico, com intuito
de entender melhor a caracterização da turma, se há estudantes que estão
hospedados no alojamento da UFPI. É orientado que durante a apresentação
cada estudante ou seu colega grave ou filme a exposição individual e que a
mesma deverá ser transcrita, em um momento oportuno para ser anexada ao
memorial de formação, juntamente com uma fotografia da atividade
pictórica. Se a turma mais de 15 estudantes matriculados, o grupo
remanescente apresentará na próxima aula.

268
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Todavia, nos casos excepcionais, em que os estudantes não conseguem


desenvolver/expressar a atividade pictórica e a oralidade, no momento da
socialização: respeita-se a sua liberdade de expressão, redirecionando-o para
outros questionamentos para a sua apresentação pessoal. Particularmente,
não se corta a palavra facultada, pois é o processo único e personalizado,
sendo um veículo/canal que pode se abrir ou se fechar dependendo da
confiança gerada pelo grupo e fortalecida pelo facilitador. Por isso, é dado o
tempo necessário, a vez e a voz a cada pessoa, respeitando o seu momento
de compartilhamento da história de vida.
Com isso, conforme a quantidade de estudantes na turma, acima de
quinze participantes, respeitando todas as regras e tempo de cada um, pode
acontecer em dois encontros, totalizando quatro horas aulas (04 h/a).
Ressalta-se que o ideal é que não leve para um outro dia, pois quebra o clima
de concentração e do momento íntimo da turma. Caso se estenda para um
segundo momento, o facilitador ao reiniciar aos momentos de falas, introduz
com uma nova sessão de relaxamento, com música instrumental, para gerar
um ambiente acolhedor e de escuta atenta, sensível e compreensível.
O fechamento da técnica da oficina plástica é executado pelo docente
rememorando e refletindo momentos marcantes das apresentações do dia,
recolhendo as atividades pictóricos. Se o estudante quiser ficar com sua
atividade, é lembrado que a mesma deve ser anexada, no formato de imagem,
ao memorial formativo.
No final da oficina, é solicitado a cada estudante a produção individual
de um texto dissertativo, do tipo memorial formativo sobre suas vivências
escolares, bem como, o desejo de exercer uma profissão, de se dedicar aos
seus estudos, de se tornar um pesquisador, um escritor, um artista, de prestar
vestibular ou Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou de dar
continuidade aos seus estudos de nível técnico ou superior.

Avaliação da oficina plástica

Nessa seção, avalia-se a aplicação da oficina plástica nas turmas de


cursos técnicos profissionalizantes, subsequente e concomitante ao ensino
médio, desde 2011. Ao se completar nove anos da realização desta atividade,
de narrar e escrever sobre o vivido, são trazidas evocações de casos
marcantes, tais como: violência psicológica, isolamento social, bullying,
cyberbullying, nervosismo, ansiedade, assédio moral e sexual, nos quais a sua
abrangência tem indícios de casos de depressão, inclusive tentativas de
suicídio e de automutilação. Devido ao luto patológico, agudo ou crônico,
processos de ressignificação do fato marcante e das relações sociais

269
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

desgastadas, rompidas e violentas entre pessoas do seu convívio familiar,


escolar, social e/ou profissional.
Durante a atividade da oficina plástica da sala de aula, o professor-
mediador registra as informações pontuais e oportunas sobre a vida de cada
estudante. No momento em que os estudantes estão desenvolvendo as
narrativas de si, eles/elas imergem nessa atividade de forma individual.
Materializa-se, por meio das observações particulares do docente suas
impressões sobre cada partícipe: desde os olhares, comportamentos,
individualidades e angústias. Cada corpo estudantil se manifesta de forma
diferente, é perceptível a mudança de postura, uma hora senta na cadeira ou
no chão, outra hora deita no próprio chão, além de compartilhamento de
afetos e de materiais com outros companheiros.
É perceptível, também, a introspecção de atores sociais pontuais.
Verifica-se que certos partícipes ainda não conseguem interagir uns com os
outros. Realça-se a conectividade entre a maioria dos participantes, uma vez
que se identificam com parte das histórias de vida de certos colegas.
Visualiza-se que existem formas de organização diferentes durante a
realização da atividade: programação do tempo e do espaço, sistematização
de métodos utilizando postits, utilização de canetas e lápis de várias cores e
pinceis. Nota-se a criatividade do estudante ao utilizar todos os recursos
disponíveis, no centro da sala, para o desenvolvimento da técnica, bem como,
existem casos, em que os estudantes utilizam também seus materiais
escolares pessoais.
Uma das limitações desse tipo de investigação é que alguns partícipes
não se sentem à vontade de exprimir e divulgar suas narrativas de forma
coletiva. É importante salientar o processo dialógico e dialético para
esclarecer e harmonizar a situação dilemática vinculada à vida pessoal e
profissional de cada estudante. Nesses casos, cada docente fará um
atendimento individual com cada estudante, com o intuito de recuperar as
narrativas de si, além de orientá-lo e encaminhá-lo para a coordenação do
curso, assistência estudantil e/ou psicólogo escolar, para que esses
profissionais possam compartilhar com a família o dilema detectado.
Pontua-se a necessidade de apoio de uma equipe interdisciplinar para o
monitoramento e acompanhamento imediato, contínuo e permanente para os
casos mais urgentes, e o encaminhamento para a Rede de Saúde Mental
composta por psiquiatra, psicólogo, enfermeiro, psicopedagogo e assistente
Social.
Revela-se que no momento das apresentações, cada estudante (res)sente
na própria pele e exprime uma tempestade de sentimentos e emoções, tais

270
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

como: ódio, raiva, decepção, angústia, medo, amor, frustração, culpa,


desespero, ciúmes, alegria (gargalhadas, risos) e tristeza (lágrimas, lamentos
e choro). As representações variam de formas mais abstratas como: poesia,
cordel, contação de história, escultura, demonstrando seu talento nato
artístico. Além disso, foi demonstrado outros talentos, tais como: escrita,
pintura, canto musical, desenhos e oratória.
Durante as oficinas podem ser observadas múltiplas inteligências, tais
como: a “[...] Inteligência Linguística, a Inteligência Lógico-matemática, a
Inteligência Espacial, a Inteligência Corporal-cinestésica, a Inteligência
Musical, a Inteligência Interpessoal e a Inteligência Intrapessoal”
(GARDNER, 1995, p. 22). A produção vai para além da representação por
meio da imagem, durante a apresentação de cada partícipe pode negociar sua
forma de expressão, quer seja observada por meio da: desenvoltura,
argumentação, dramatização, texto dissertativo, caricatura e cartoon.
Destaca-se nos relatos dos participantes, o processo terapêutico das
narrativas de si, gerado pela oficina plástica, ao utilizarem práticas
alternativas e complementares durante a socialização da atividade, como: da
proatividade, da solidariedade, da participação de grupo de jovens, de cursos
profissionalizantes, de instrumentos musicais, de corais, do desenvolvimento
da espiritualidade, da religiosidade, da meditação e da oração.
Percebe-se a intensidade, o vínculo e o elo que essa oficina plástica
representa simbolicamente, pois aproxima a relação docente-discente e
discente-discente ao reconhecer a história de vida da outra pessoa, como
possibilidades de manutenção, de interação entre os atores sociais
envolvidos.
Realça-se que a empregabilidade da técnica/intervenção como
possibilidade de gerar momentos de reflexão, criticidade e criatividade de
cada partícipe, ao se perceber a interação, a interlocução e o diálogo,
respeitando a forma particular de pensar, de expressar, de representar e de
estar, de ver e de ser no mundo. Lourau (1983, p. 17) adverte que “[...] existem
implicações do pesquisador prático, em relação ao seu objeto de
estudo/intervenção”. As implicações afetivas, ideológicas e políticas que
surgem durante a intervenção na sala de aula mobilizam as reflexões sobre o
vivido, narrado e rememorado.
Diante da produção plástica de dados pictóricos e de narrativas de si,
entende-se que a autoavaliação diagnóstica, gerada pela oficina, possibilita o
(re)conhecimento de si e de seus pares, favorece a construção de práticas
educativas diferenciadas e personalizadas. Nesse sentido, a técnica de
pesquisa metodológica favorece o desenvolvimento de atividades técnicas e

271
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

tecnológicas que possibilita revelar, por meio da autobiografia e da terapia


pela arte, talentos, necessidades educativas e formativas.

Considerações finais

A aplicabilidade da oficina plástica como técnica de pesquisa e a arte


como ferramenta de produção de dados, na pesquisa metodológica,
mobilizam e potencializam atos revolucionários com a produção pictórica e
promovem a reflexividade sobre suas relações sociais, seus vínculos afetivos,
suas narrativas e seus desdobramentos de si.
Constata-se que a realização da oficina plástica utilizada como
atividades técnicas, científicas e tecnológicas, também é empregada como
estratégia metodológica de prática laboratorial com intuito de revelar as
múltiplas inteligências, como: linguística, naturalística, existencial, lógico-
matemática, espacial, corporal-cinestésica, musical, interpessoal e a
intrapessoal, bem como a emocional.
O uso da arte como terapia vinculada a autobiografia e a autoavaliação
diagnóstica propicia reconhecimentos, revelações, reflexões e
redimensionamentos, como forma de materializar a evolução e o
amadurecimento pessoal e profissional.
Evidencia-se que a oficina plástica evoca reflexões sobre as necessidades
educativas e emocionais de estudantes de cursos profissionalizantes de nível
técnico, subsequente e concomitante ao ensino médio, podendo ser utilizada
na sala de aula de nível universitário. A sala de aula e a turma se tornam
dispositivos e instituições da oficina plástica, pois representam coletividades
e espaços de terapia pela arte, como forma de produção de conhecimento,
resultante do encontro de mentes, de corpos, de intensidades e de afetos.
Nota-se como fator limitador, desta pesquisa, durante a realização da
oficina, o número de estudantes, tanto das áreas da Enfermagem quanto da
Informática, serem acima de quinze estudantes, o que gera a utilização de
mais quatro horários para realizar a socialização da oficina plástica.
Sugere-se, ainda, que atividades como estas possam fazer parte das
práticas pedagógicas cotidianas de todos os cursos técnicos do CTF/UFPI e
de outras instituições de ensino, como forma de aproximar o discente e
docente, e revelar traços do discente na forma mais íntima do seu estado
biopsicossocial e espiritual.
Evidencia-se a importância/contribuição do processo da oficina plástica
que a musicalidade ambiental é componente intrínseco para o processo de
relaxamento, de produção artística cultural e fio condutor das narrativas de
si, durante a apresentação individual de cada estudante, com o objetivo de

272
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

que o mesmo mergulhe no seu íntimo, dando voz aos seus sentimentos e
pensamentos.
Acrescenta-se que o partícipe precisa se conectar com o objetivo da
oficina plástica, atuando ativamente na confecção e apresentação, conectado
com os fatos de cada um, revelando habilidades nas artes visuais, como
também na musicalidade, na poesia, na pintura, nos desenhos, na escrita de
si, dentre outras possibilidades de se reconhecer como pessoa e futuro
profissional.
Registra-se que foi encoberto por risos e sorrisos, vestígios de dores,
sofrimentos, traumas, decepções. Entende-se que o não acompanhamento de
estudantes, por uma equipe interdisciplinar, pode comprometer seus estudos
e sua futura vida profissional.
Durante a escrita do memorial de formação, o estudante de cursos
técnicos pode repensar sobre o seu percurso formativo. O ato de escrever e
de narrar sua experiência potencializa a construção de pontes entre o ensino
médio, ensino técnico e ensino superior. A oficina plástica possibilita a
liberação de sensações e de sentimentos que mobilizam uma formação
pessoal, técnica, científica, profissional, ética e humanística.

Referências
FLICK, Uwe. Desenho da Pesquisa Qualitativa. Tradução Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre:
Bookman, Artmed, 2009. (Coleção Pesquisa Qualitativa).
FLICK, Uwe. Introdução à Metodologia de Pesquisa: Um Guia Para Iniciantes. Tradução
Magda Lopes. Porto Alegre: Penso, 2013. (Métodos de Pesquisa).
GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Tradução Maria Adriana
Veríssimo Veronese. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1995.
GAUTHIER, Jacques Zanidê; SANTOS, Iraci dos. A Sócio-Poética: fundamentos teóricos,
técnicas diferenciadas de pesquisa, vivência. Ilustrações de Nébia Figueiredo. Rio de
Janeiro: UERJ/DEPEXT, 1996.
GAUTHIER, Jacques Zanidê. Sociopoética: encontro entre artes, ciência e democracia na
pesquisa em ciências humanas e sociais, enfermagem e educação. Rio de Janeiro: Ed. da
UFRJ, 1999.
GAUTHIER, Jacques Zanidê. Trilhando a vertente filosófica da montanha sociopoética: a criação
coletiva de confetos e conceitos. In: SANTOS, Iraci et al. Prática da pesquisa nas ciências
humanas e sociais: abordagem sociopoética. São Paulo: Atheneu, 2005. p. 257-86.
LOURAU, René. A análise institucional. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
______, Genèse du concept d'implication. Pour, Paris, v. 88, p. 14-18, mar./avr.,1983.
MOITA, Maria da Conceição. Percursos de Formação e de Trans-Formação. In: NÓVOA,
António (org.). Vidas de Professores. Porto: Porto Editora, 1995. p. 111-132.

273
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

274
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

APRENDIZAGEM RIZOMÁTICA
Uma perspectiva transversal da educação

Tom Menezes PEDROSA1

A aprendizagem, como processo rizomático, é o tema deste artigo, cuja


pretensão é a de ser um emaranhado heterogêneo de multiplicidades
infinitas, desprovido de esquadrinhamentos dicotômicos e suscetível a
agenciamentos maquínicos de desejo. Logo, a escolha em abordar a obra Mil
platôs: capitalismo e esquizofrenia, de Gilles Deleuze e Félix Guattari, deve-se ao
rizoma, que é – dentre suas ideias – uma das mais inspiradoras no que tange
à aplicabilidade das teorias destes filósofos na esfera educativa.
Tendo isso em vista, serão discutidos, no presente texto, os processos de
aprendizagem e as possibilidades oferecidas, no âmbito da Educação, pela
utilização da noção de rizoma. Este conceito, tão poderoso e
desterritorializador, ensejará uma reflexão crítica e provocativa sobre a
importância de uma educação transversal, criadora de multiplicidades e
diferenças, que distancie os indivíduos da compartimentalização de saberes
limitados em si mesmos.

Faça rizoma e não raiz

Sem propor um início para este trabalho, nem um fim para esta
discussão, as elucubrações, aqui expostas, dar-se-ão em direções movediças
e espalhar-se-ão entre linhas de fuga e intensidades. Parece cabível, portanto,
tentar decifrar este complexo de componentes representados por um
vocábulo: rizoma. Sendo assim, algumas das características do rizoma, que
se referem aos princípios da conexão e da heterogeneidade, são explicadas
por Deleuze e Guattari:
Qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve
sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma
ordem. A árvore lingüística à maneira de Chomsky começa ainda num
ponto S e procede por dicotomia. Num rizoma, ao contrário, cada traço não
remete necessariamente a um traço lingüístico: cadeias semióticas de toda
natureza são aí conectadas a modos de codificação muito diversos, cadeias
biológicas, políticas, econômicas, etc., colocando em jogo não somente
regimes de signos diferentes, mas também estatutos de estados de coisas.
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 14).

1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do ABC, São Bernardo do
Campo/SP, Brasil. E-mail: tomhynde@gmail.com

275
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Ademais, a palavra rizoma é retirada da botânica, sendo um tipo


específico de raiz. É um rizoma, por exemplo, a grama, que tem a
característica de se proliferar e de se espalhar, estabelecendo múltiplas
conexões. Nela, não há centro, portanto, não há hierarquia. E isso é
importante, pois – na imagem arbórea do conhecimento (cartesiana) – existe
uma hierarquia. Isto é, para conectar os vários galhos ramificados deve-se
passar por uma hierarquia em que o centro é o tronco. Com isso, percebe-se
que há uma hierarquia entre os saberes, a qual é rompida pelo conceito de
rizoma, sendo este um emaranhado de linhas que podem se conectar de
infinitas maneiras.
Destarte, o rizoma não tem começo, nem fim, mas sempre um meio pelo
qual ele cresce e transborda. Não é feito de unidades, mas de dimensões ou,
antes, de conexões, bifurcações, encontros imprevisíveis. Logo, o rizoma
desdobra-se em todas as direções e é composto por linhas molares e linhas
de fuga. Assim, qualquer ponto do rizoma pode ser conectado a qualquer
outro ponto. As conexões não têm, portanto, limites. A este respeito, Deleuze
e Guattari esclarecem:
Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre
as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança,
unicamente aliança. A árvore impõe o verbo "ser", mas o rizoma tem como
tecido a conjunção "e... e... e..." Há nesta conjunção força suficiente para
sacudir e desenraizar o verbo ser. (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 36).

Essa introdução ao conceito de rizoma fez-se necessária, não só pelo fato


de ele constituir um dos pilares da produção intelectual de Deleuze e
Guattari, mas também porque é ele o elemento que protagoniza este texto.

A aprendizagem baseada em Mil Platôs

Por que buscar uma colaboração de Deleuze e de Guattari que tenha


aplicabilidade na esfera educacional? Porque é preciso pensar a
aprendizagem não apenas como um processo de solução de problemas, mas
também como um processo de invenção de problemas. Talvez seja preciso o
inusitado, o diferente, o inconformismo – atributos que não faltam à vasta
produção destes pensadores e que justificam o deslocamento da obra Mil
platôs: capitalismo e esquizofrenia para o campo da aprendizagem.
Há, outrossim, muitos conceitos e muitas ideias-forças para se pensar a
educação a partir de Mil platôs, bem como de outras obras destes filósofos. A
contribuição destes pensadores parece ser fundamental, pois proporciona
elementos para afirmar que tudo o que é apontado, hoje, como problema,

276
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

talvez seja solução. A visão de mundo que Deleuze e Guattari constroem é,


como já mencionado, a visão de mundo da multiplicidade.
Logo, alocando dito conceito no processo de aprendizagem, poder-se-ia
afirmar que a abordagem rizomática permite aos estudantes, de todos os
níveis e idades, conhecer outras experiências além daquelas que são
geralmente encontradas em seu contexto social e familiar. Por esse ângulo, a
heterogeneidade aparenta ampliar o leque de possibilidades para o aluno e
para o professor. Para uma melhor compreensão, esse princípio de
heterogeneidade pode ser complementado pelo de multiplicidade.

Não seja nem uno nem múltiplo, seja multiplicidades

Para Deleuze e Guattari, a multiplicidade não deve ser confundida com


o pluralismo. Não basta agregar elementos para multiplicar, é necessário que
estes elementos estejam em conexão, um com o outro. Assim sendo, os
autores falam em dimensões, que se referem à noção de direções movediças, ao
invés de uma mera adição. Desta forma, o homem seria, ele próprio, um
rizoma. O cérebro, o qual possui incontáveis conexões em potencial, também
seria um rizoma. Deleuze e Gattari assim esclarecem:
O pensamento não é arborescente e o cérebro não é uma matéria enraizada
nem ramificada. O que se chama equivocadamente de "dendritos" não
assegura uma conexão dos neurônios num tecido contínuo. A
descontinuidade das células, o papel dos axônios, o funcionamento das
sinapses, a existência de microfendas sinápticas, o salto de cada mensagem
por cima destas fendas fazem do cérebro uma multiplicidade que, no seu
plano de consistência ou em sua articulação, banha todo um sistema,
probalístico incerto, un certain nervous system. Muitas pessoas têm uma
árvore plantada na cabeça, mas o próprio cérebro é muito mais uma erva
do que uma árvore. (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 24).

Em outras palavras, o rizoma alimenta-se de tudo o que constitui seu


ambiente, graças à suas conexões heterogêneas e múltiplas. Ele oferece,
então, ao aluno um ensino aberto, rompendo com a hiperespecialização, a
qual reduz a visão periférica dos estudantes e permite tão somente avançar
ou retroceder. O rizoma, ao contrário, é multidimensional, coloca a desordem
em ordem.

Caixa de ferramentas à disposição: instrumentalize-se

Parece desastroso propor-se um modelo rizomático de currículo ou


achar que é possível transformar o rizoma numa política educacional, isto é,
num plano maior de educação que vai poder ser reproduzido e aplicado em

277
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

diferentes espaços. No entanto, pensar - rizomaticamente - o currículo é, sim,


viável. E como isso se daria? Dar-se-ia pensando em direção a um currículo
descentralizado e sem hierarquia. Isso se conectaria muito fortemente com a
ideia de aprendizado trabalhada em Mil platôs, já que essa noção de
aprendizagem é uma noção na qual não há hierarquia.
Desta maneira, seria possível interpretar que, para os autores, a
aprendizagem depende de todo um regime de signos de uma série de
conexões que o estudante faz, de conexões de sentido que ele faz com coisas
que, muitas vezes, estão alheias àquilo que é o discurso do professor. Por
exemplo, o professor pensa numa determinada situação e coloca
determinados elementos para o estudante. Porém, é trabalho do estudante a
maneira como irá dispor desses elementos e como irá organizá-los, podendo
ainda criar e/ou utilizar elementos outros, além daqueles que foram dados.
Segundo Deleuze, a teoria filosófica é como uma caixa de ferramentas,
da qual o indivíduo dispõe daquilo que necessita para solucionar seus
problemas, de acordo com a forma que quer trabalhar. E o rizoma parece
estar conectado com tudo isso. Neste sentido, numa conversa com o filósofo
Michel Foucault, registrada em outra obra, Deleuze afirma que:
Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver com o
significante... É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si
mesma. Se não há pessoas para utilizá-la, a começar pelo próprio teórico
que deixa então de ser teórico, é que ela não vale nada ou que o momento
ainda não chegou. Não se refaz uma teoria, fazem-se outras; há outras a
serem feitas. (DELEUZE apud FOUCAULT, 1979, p. 71).

Desse modo, pensar em um currículo rizomático é pensá-lo no sentido


de que não há um plano definido de antemão ou mesmo um percurso que o
estudante deva seguir, como são os currículos tradicionais pensados, no qual
se define qual é o ponto de partida, qual é o de chegada e qual é o objetivo.
Traça-se, assim, neste currículo clássico, o percurso que o estudante irá
seguir, a fim de chegar naquele objetivo.
Um currículo rizomático seria, ao contrário, um currículo que romperia
com essa perspectiva, na medida em que ele seria a disposição de uma série
de ferramentas e de uma série de elementos que o estudante poderia usufruir
à sua maneira e segundo os seus problemas, criando o seu próprio fluxo, o
seu próprio processo e o seu próprio desenvolvimento. Isso significa que, se
a ideia fosse a da multiplicidade, não haveria um só currículo ou uma só
escola. Ao invés disso, haveria múltiplos currículos, múltiplas escolas e
múltiplos processos educativos, tanto quanto são os estudantes que ali se
encontrassem.

278
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

A repetição como uma possibilidade da diferença

Não aparenta haver um caminho pronto para Deleuze e Guatarri, já que


cada pedagogia parece ser completamente singular, e nela cada um encontra
seu caminho. A educação teria a ver, portanto, com aquilo que serve a cada
um, com aquilo que afeta cada um de maneira particular. Deleuze e a
educação parecem ter esse encontro com o despedaço, com aquilo que não
dá mais para juntar.
Por conseguinte, cada estudante teria que trabalhar com os rasgos,
intensificar o que já é a derivação do próprio fragmento. Outrossim, naquilo
que parece já estar tão organizado perspectivamente, tão esquadrinhado, o
estudante teria que buscar e identificar o que é comum e o que é repetido, e
ir além desta repetição, deste comum – extravasar –, a fim de encontrar o que
seja o inédito, o inédito do banal, o inédito do comum. Acreditar naquela
repetição, que é uma repetição da representação, como uma possibilidade da
diferença.

O cinema como ferramenta rizomática

Ao lecionar, um professor de cinema e audiovisual poderia, por


exemplo, trabalhar, com seus alunos, sobre os diferentes tipos de planos e
movimentos, mas também sobre duração ou espaço-tempo. Além disso, ao
explorar os diálogos ou as formas de se escrever um roteiro, poderia debater,
com o grupo de estudantes, sobre plano e contra-plano. Todavia, poderia ir
ainda mais longe e propor questões que têm muito a ver com o contraste entre
aquilo que é falado e o que é visto. A respeito da utilização do cinema como
ferramenta para romper as barreiras entre práticas educativas das mais
variadas disciplinas, OLIVEIRA constata que:
Para fins educativos, levando em consideração todo um pensamento cada
vez mais imagético presente em nossa cultura e na vida dos estudantes, o
cinema pode ser uma ferramenta propriamente rizomática. [...] Desse
modo, o cinema, não com o hipertexto, mas como hipertexto, e assim, como
rizoma, não se presta a identificação com um sistema meramente
informativo, mas formativo, de acordo com um aumento da potência
criativa dos discentes e mesmo com certa amenização do sentimento
corrente de que a filosofia não pode ser encontrada em situações concretas,
sentimento esse que acaba por criar resistência e barreiras ao caminho da
educação filosófica. (OLIVEIRA, 2012, p. 89).

Isso, portanto, incitaria uma visão multidimensional sobre o filme e


sobre a vida, ensejaria infinitas conexões e multiplicidades, tema caro a

279
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Deleuze. Por conseguinte, os benefícios da utilização do cinema como


ferramenta para o conhecimento e para a educação – como processos
rizomáticos – parecem ser irrefutáveis.

Currículo X Estratégia

O currículo escolar parece adequado à inteligência artificial, linear e


sequencial. Por outro lado, a estratégia, desenvolvida a partir de ações
conscientes e voluntárias, é característica da inteligência humana, complexa
e culturalmente construída. Assim, o termo estratégia estaria mais apropriado
para uma abordagem rizomática do ensino. Enquanto o termo currículo tem
uma conotação fixa e implacável, a estratégia está mais de acordo com
movimento, direção. Destarte, o percurso seria como um caminho feito de
desvios, paradas, acelerações, desacelerações, já que o rizoma, de acordo com
Deleuze e Guattari:
[...] age como processo imanente que reverte o modelo e esboça um mapa,
mesmo que constitua suas próprias hierarquias, e inclusive ele suscite um
canal despótico. Não se trata de tal ou qual lugar sobre a terra, nem de tal
momento na história, ainda menos de tal ou qual categoria no espírito.
Trata-se do modelo que não pára de se erigir e de se entranhar, e do
processo que não pára de se alongar, de romper-se e de retomar.
(DELEUZE; GATTARI, 1995, p. 30-31).

Em um contexto rizomático, seria difícil imaginar que uma pessoa


pudesse decidir por outra, mesmo que seja o professor por seus alunos ou os
diretores de instituições de ensino pelos professores. Entretanto, o peso da
hierarquia aparenta ser constantemente sentido. E, se o diretor também fosse
professor, ele, ainda assim, seria considerado um professor mais
"importante" do que outros.
Na direção contrária a essa hierarquização dos saberes, o rizoma parece
induzir um percurso singular a cada aluno, e, por isso, as coisas que
concernem ao corpo discente não poderiam ser decididas por outrem,
ninguém poderia ocupar o lugar dos aprendizes, ninguém poderia coisificar
os estudantes, pensando e decidindo por eles.
Por consequência, o posicionamento do professor, como um mestre, não
parece funcionar se o aluno estiver no centro, porquanto é o seu desejo que
está em questão e é ele quem "faz por onde” aprender. Nessa vertente,
Deleuze declara que “os conceitos são exatamente como os sons, as cores ou
as imagens, são intensidades que convêm ou não a você, que passam ou que
não passam. Filosofia pop. Não há nada para compreender, nada para

280
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

interpretar”. (DELEUZE apud GARCIN-MARROU, 2011, p. 7, tradução


nossa)2.
Tudo isso não parece se tratar de não-intervencionismo, mas de desfazer
os nós e os bloqueios que impedem a apropriação, por parte do estudante, da
tarefa ou dos instrumentos utilizados. Trata-se também de o professor estar
constantemente em vigília, na escuta, a fim de garantir nunca ultrapassar o
aluno, nunca o apressar, nunca pensar no lugar dele.
Por essa visão, a decisão de aprender seria tomada sozinha e por razões
que não pertencem a ninguém, a não ser ao sujeito da ação. Assim, a decisão
parece ser tomada, na verdade, para descolar-se daquilo que se é; para que o
indivíduo desprenda-se daquilo que se sabe e se diz em seu lugar; e,
finalmente, para que se divirja do esperado, do previsto.

Nunca suscite um general em você

Analisando a situação político-social do mundo contemporâneo, parece


possível pensar no rizoma como instrumento, como ferramenta para frear o
segregacionismo, bem como ideologias ultranacionalistas e autoritárias de
forte arregimentação e de repulsa a ideias contestatórias e oposicionistas. No
intuito de problematizar esta questão, opta-se por citar um trecho de uma
tese de doutoramento:
Uma máquina abstrata também funciona nas instituições em que
preponderam as efetuações do instituído. Mas, neste caso, a máquina
abstrata é de binarização das multiplicidades, de homogeneização do
heterogêneo, de sobrecodificação de uma língua rebelde. A lei e a ordem
estabelecidas numa organização ou sociedade precisam ser asseguradas a
qualquer custo. Esse “esforço” também diz respeito à máquina fascista: sua
máquina abstrata se efetuará num agenciamento e irá distribuir
determinados enunciados, saberes e línguas, para produzir, garantir,
suscitar ações, práticas de rotina, sentimentos, devoções, promessas,
mútua vigilância entre uns e outros. Punições a uns e outros, segundo a
conveniência do momento, segundo os perigos que a instituição enfrenta.
Por isso é tão vital para o Estado – ou quaisquer aparelhos que se ocupem
da produção de sua própria conservação e reprodução – acabar com o
nomadismo, paralisar, deter suas velocidades e misturas impuras,
controlar fluxos de entradas e saídas, criar uma zona de direitos (ou de não
direito) também sobre todo um exterior. (BENEDETTI, 2007, p. 86-87).

2
“Les concepts sont exactement comme des sons, des couleurs ou des images, ce sont des intensités qui vous
conviennent ou non, qui passent ou qui ne passent pas. Pop philosophie. Il n’y a rien à comprendre, rien à
interpréter.” (DELEUZE apud GARCIN-MARROU, 2011, p. 7).

281
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

Refletindo sobre o contexto acima, e a fim de concluir este texto, o autor


autoindaga-se: não estaria na aprendizagem rizomática, a longo prazo, um
possível antídoto para – em prol de uma coletividade mais plural,
horizontalizada e tolerante – asfixiar as artimanhas fascistas de repressão ao
pensamento livre e de menosprezo ao conhecimento que dão voz a projetos
como o da Escola sem Partido?
Quando, por exemplo, fala-se em imagem dogmática do pensamento, o
termo dogmática é utilizado porque se fala em dogmas que são
inquestionáveis e devem ser seguidos. Contudo, o que Deleuze e Guattari
querem é justamente o oposto disso. Eles querem um pensamento sem
imagens, através do qual esses dogmas não sejam impostos: um pensamento
que o indivíduo seja, por si mesmo, lançado a construir.
Por outro lado, seus interlocutores, ou seja, aqueles para quem o
indivíduo mostrará o seu pensamento, é que vão dizer se faz sentido para
eles ou não. Isto é, trata-se de um tipo de construção mais livre, em que se
valoriza a criatividade, a produção, e não a adequação, como no modelo
tradicional, no qual a pessoa precisa provar para alguém que ela sabe fazer,
adequando-se a um modelo do que deve ser feito e, por conseguinte, tendo
tolhidas a criatividade e a espontaneidade.
Sendo assim, podemos dizer que a forma tradicional de construção do
pensamento é um tipo fascizante de construção do conhecimento, em que
outras formas de narrar, outras formas de pensar não são aceitas. Nela, o
sujeito tem que pensar a partir de uma cartilha; logo, há uma fascização do
pensamento, impedindo que ele pense e produza conhecimento de forma
diversa.

Conclusão

Os rizomas resistem à estrutura organizacional, crescem e se espalham


de uma forma nômade. As únicas restrições ao crescimento são aquelas que
existem no habitat circundante. Vistos como modelo para a construção do
conhecimento, processos rizomáticos referem-se à interconexão de ideias, a
partir de diferentes pontos de partida.
Para o educador, apoiar a aprendizagem rizomática requer a criação de
um contexto no qual os currículos e conhecimentos da matéria sejam
construídos a partir das contribuições dos membros da comunidade de
aprendizagem, podendo ser remodelados e reconstruídos de forma
dinâmica, em resposta às mudanças nas condições ambientais.
Este currículo aberto representa o escopo do habitat local, o qual o
processo de aprendizagem rizomática pode explorar, e fornece o contexto de

282
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

um currículo comunitário negociado. A experiência de aprendizagem pode


ser acumulada nos processos sociais, de conversação, bem como no processo
de criação de conhecimento pessoal, através da criação de grandes redes de
aprendizagem pessoal sem limites, que possam incorporar redes sociais
formais e informais.
Uma vantagem de uma abordagem rizomática é que ela promove o
apoio de colegas, a responsabilidade do aprendiz e uma apreciação do poder
da rede. No entanto, pode ser frustrante e difícil para os alunos, confundindo
suas expectativas sobre o papel do educador. É provavelmente menos
robusta do que outras abordagens, embora possa eventualmente levar a uma
atitude mais sustentável de aprendizado para o indivíduo.
Portanto, existem elementos da aprendizagem rizomática que poderiam
ser implantados em todos os níveis educacionais, incluindo nos cursos de
ensino superior, particularmente nos programas de pós-graduação, a fim de
aproveitar os benefícios de estudar em meio a diferentes tipos de
pesquisadores e ter acesso a uma rede global de conhecimento.

Referências

BENEDETTI, Sandra. Entre a educação e o plano de pensamento de Deleuze & Guattari: uma
vida. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.
São Paulo, 178 p. 2007.
DELEUZE, Gille; GUATTARI, Félix. Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia; tradução de
Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de janeiro: Ed. 34, 1995. (Coleção TRANS)
FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
GARCIN-MARROU, Flore. Gilles Deleuze, Félix Guattari: entre théâtre et philosophie. Pour un
théâtre de l'à venir. PSYCHA ANALYSE, 2011. Disponível em: <https://www.
psychaanalyse.com/pdf/GILLES%20DELEUZE%20FELIX%20GUATTARI%20ENTRE%20
THEATRE%20ET%20PHILOSOPHIE%20(%207%20pages%20-%2053%20Ko).pdf>. Acesso
em: 02 nov. 2020.
OLIVEIRA, Leonardo. “O cinema como componente do ensino de filosofia em uma perspectiva
deleuzeana”. In: Cadernos do PET Filosofia, Universidade Federal do Piauí, v. 3, n. 6, Jul-Dez
2012, p. 79-84. Disponível em: <https://ojs.ufpi.br/index.php/pet/article/view/717>. Acesso
em: 26 out. 2020.

283
PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

POSFÁCIO OU O QUE A FILOSOFIA DE BRUCE LEE PODE NOS


ENSINAR SOBRE PRÁTICA DOCENTE?

“Um sábio pode aprender mais a partir de uma pergunta tola


que um tolo a partir de uma resposta sábia.”
Bruce Lee

Como Seria razoável supor que o leitor acreditasse estar diante de uma
pergunta tola ao deparar-se com o título excêntrico deste posfácio. Vamos
assumir que esse seja justamente o caso e aproveitar o ensejo para colocar à
prova a legitimidade da afirmação subsequente ao título, de autoria do
próprio Bruce Lee. Em outras palavras, vamos procurar verificar se, de fato,
conseguimos extrair algum aprendizado significativo a partir de uma
pergunta já previamente admitida como tola.
Quem foi Bruce Lee, afinal?
Além de ser um artista marcial, Bruce Lee foi um aficionado pesquisador
das artes marciais, tendo se dedicado à análise das teorias e práticas de
diversos sistemas de luta. Essa dedicação foi motivada, em parte, por ter
observado a ineficiência de muitas das técnicas clássicas em contextos reais
de combate. O valor de uma determinada técnica para ele estava diretamente
relacionado à sua aplicabilidade prática e efetividade em situações reais, o
que o fazia preferir por abordagens mais diretas em comparação a muitas das
técnicas tradicionais. A partir dessa observação, Lee começou a se
desenvolver em vários sistemas de artes marciais, não se limitando apenas
àquele em que havia construído sua fundamentação – o estilo de Kung Fu
conhecido como Wing Chun – e, integrando o aprendizado adquirido por
meio desses diversos sistemas, ele deu origem a um sistema único que
chamou de Jeet Kune Do.
Além de artista marcial, Bruce Lee demonstrava interesse por filosofia,
tanto oriental quanto ocidental, tendo inclusive cursado Filosofia pela
Universidade de Washington. Buscava sempre integrar filosofia não apenas
às artes marciais, como também aos aspectos gerais de sua vida. Escreveu
alguns pensamentos que ainda hoje servem de inspiração para as pessoas. A
seguir, vamos conhecer alguns deles e verificar se faz sentido transpor as
ideias neles contidas para o contexto de nossos ofícios, ou seja, a prática
docente.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

“Para o inferno com as circunstâncias. Eu crio as oportunidades.”

“A mudança é de dentro para fora. Começamos dissolvendo nossa atitude, não


alterando as condições externas.”

“Esvazie sua mente, não tenha formato, nem contorno - como a água. Quando a
água é colocada em um copo, ela se torna o copo. Quando colocada em uma
garrafa, ela se torna a garrafa. Quando colocada em uma chaleira, ela se torna a
chaleira. A água pode fluir ou pode destruir. Seja água, meu amigo.”

“Absorva o que for útil. Descarte o que não for. Acrescente o que for
exclusivamente seu.”

“Saber não basta, é preciso aplicar. Querer não basta, é preciso fazer.”

“Não se trata de um acréscimo cotidiano, mas de um decréscimo cotidiano.


Elimine o que não for essencial.”

Mas por que Bruce Lee? Se pensarmos bem a respeito, por nenhuma
razão específica que o distinga de outros tantos exemplos possíveis que,
assim como ele, constante e disciplinadamente se empenharam em buscar
por inovações, aperfeiçoamento, superação de limites, desenvolvimento de
novas e complexas habilidades, e refinamento dos aprendizados prévios, em
suas respectivas áreas de atuação.
Poderia ter sido, talvez, Isaac Newton, o gênio da Física, ou Carl
Friedrich Gauss, o brilhante matemático, ou quem sabe Ayrton Senna, o ídolo
e herói do automobilismo, ou ainda, poderia ser aquele professor que um dia
tivemos, de que jamais nos esquecemos, e que até hoje nos inspira. E não seria
um dos objetivos da prática docente justamente o de inspirar os discentes a
tornarem-se tão disciplinados e empenhados quanto os célebres exemplos
anteriormente mencionados? A transformarem-se no melhor que podem ser
e legar ao mundo o melhor que podem oferecer?
A iniciativa empreendida na presente obra é um caso emblemático
dessas ações inspiradoras nas quais pode se espelhar a prática docente, pois
representa tanto uma forma de manifestação compartilhada do melhor que

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

há nas pessoas envolvidas em sua elaboração quanto a materialização do


legado do que de melhor elas têm a oferecer.
Também só faz ajudar o fato de o conhecimento ser um bem que se
multiplica quando compartilhado, em vez de se dividir. Destarte,
compartilhar conhecimento é uma ação cuja consequência única é o benefício
de todos aqueles que participam do processo.
Por fim,

“Um bom professor protege seus alunos de sua própria influência.”

Os professores demonstram o comportamento adequado de seus alunos


por meio de suas ações. Os professores devem ter uma atitude saudável e
devem possuir valores ricos. O ensino é uma questão de atitude positiva /
negativa em relação ao seu trabalho de transmitir uma educação de
qualidade. O professor deve atuar como amigo, filósofo e guia. Se você
observar bem, Bruce Lee teria sido um ótimo professor, assim como você é.

“Uma vela nada perde ao acender outra.”


James Keller

Prof. Me. Vinicius Moura ZANETI,


Ribeirão Preto,
Verão de 2021.

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

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PRÁTICA DOCENTE: rupturas, diálogos, inovações - Volume 2

SOBRE OS ORGANIZADORES

Ariane Almeida Rolim


Psicóloga/CRP-MG: 04/19144, Psicopedagoga - FUMEC/MG, Especialista em
Psicologia Médica – UFMG, Mestranda em Ciências da Educação – EBWU -
Flórida, Miami. Palestrante, assessora e consultora psicopedagógica pela Em
Caminhar Assessoria Psicopedagógica. Experiência como psicoterapeuta,
psicóloga escolar e gestora em saúde mental. Autora de artigos e livros na
área da Psicologia e Educação. E-mail: arianearolim@gmail.com

Érika Regina Caporal Costa Batista


Pedagoga pela Universidade de São Paulo FFCLRP, mestre em Educação
Escolar pela FCLAr UNESP, especialista em Ética, valores e saúde na escola
pela USP/UNIVESP, professora de educação básica I e II na rede pública
municipal de Ribeirão Preto SP
Email: erikaped30@gmail.com

Ivo Di Camargo Junior


Pós-Doutorado em Formação de Professores pelo PPGFP-UEPB. Mestre e
Doutor em Linguística pela UFSCar. Professor Formador de Língua
Portuguesa da SME de Ribeirão Preto/SP. Desenvolve pesquisas sobre
Mikhail Bakhtin com a linguagem cinematográfica e outras mídias e
linguagens. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela
Faculdade Metropolitana, em Educação Infantil pela UFU, em Ensino de
Filosofia no Ensino Médio pela UnB, em Educação Empreendedora pela UFSJ
e cursa Licenciatura em Filosofia pela mesma instituição. É vice-líder do
Grupo de Pesquisa “O Círculo de Bakhtin em Diálogo” (DGP/CNPq/UEPB).
E-mail: side_amaral@hotmail.com

Juliana Tófani de Sousa


Pedagoga, especialista em Educação Infantil pelo CEPEMG e em Educação
Empreendedora pela Universidade Federal de São João Del-Rei. Mestranda
em Educação pela UEMG – Universidade Estadual de Minas Gerais. Pós-
graduanda em Psicopedagogia e em Novas Tecnologias Educacionais.
Professora da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte. Autora de
artigos e livros na área da educação. Assessora Pedagógica pela Em
Caminhar e Assessoria Psicopedagógica. E-mail: em.caminhar@gmail.com

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