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Conselho editorial
Profa. Dra. Kelly Cristiane Henschel Pobbe de Carvalho (UNESP)
Profa. Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet-UNR, Argentina)
Comitê Científico
Prof. Dr. Afrânio Mendes Catani (USP, Brasil)
Profa. Dra. Cristiane Navarrete Tolomei (UFMA, Brasil)
Profa. Dra. Cristina Bongestab (UEPB, Brasil)
Prof. Dr. Maged Talaat M. A. Elgebaly (Aswan Univ., Egito)
Fábio Marques de Souza, Marta Lúcia Cabrera Kfouri, Mona Mohamad Hawi e
Otávio de Oliveira Silva [Organizadores]
ISBN: 978-65-80266-65-4
CDD 370
Sumário
Apresentação ..................................................................... 7
CAPÍTULO I ......................................................................... 11
Formação inicial docente em tempos de pandemia:
relato de uma residente em Letras-Inglês durante o
Ensino Remoto
Jackeline Silva
Anderson Nicacio Medeiros Almeida
Fábio Marques de Souza
CAPÍTULO II ....................................................................... 31
A atividade de formação docente sob a perspectiva
socio-histórico-cultural: relatos de uma experiên-
cia de extensão com professores
de japonês das redes públicas
Mona Mohamad Hawi
Otávio de Oliveira Silva
Simone Fernandes Felippe Nagumo
CAPÍTULO III ...................................................................... 53
A ação docente em tempos de pandemia: um relato
no programa de Residência Pedagógica
em letras-inglês
Vanessa Karoline de Aguiar Barbosa
Aline de Oliveira Ferreira Amorim
Anderson Nicacio Medeiros Almeida
CAPÍTULO IV ............................................................ 61
Por uma formação de professores(as) de
línguas decolonial
Sávio Câmara Leite
CAPÍTULO V ....................................................................... 79
O trabalho de professores de francês Centros de
Estudos de Línguas (CEL): formação e
pesquisa como formas de resistência
Emily Caroline da Silva
CAPÍTULO VI ...................................................................... 97
O estágio supervisionado de língua inglesa na mo-
dalidade remota: um relato de experiência reflexivo
Vanessa Karoline de Aguiar Barbosa
Karyne Soares Duarte Silveira
7
Os CEL, como muito bem destacado nos capítulos
que compõem esta obra, são espaços em que ensinar
e aprender línguas estrangeiras tornou-se uma expe-
riência singular e enriquecedora para todos os envol-
vidos, dado que nos cursos ofertados não se pretende
desenvolver nos estudantes apenas o conhecimen-
to linguístico ou meramente instrumental. Antes, o
que se objetiva, além do domínio de outros idiomas,
é a aproximação dos aprendizes à(s) cultura(s) a eles
vinculadas, bem como a ampliação do seu universo
cognitivo, capaz de conduzir ao reconhecimento e
respeito aos costumes e tradições dos imigrantes que
contribuíram, de diversas maneiras, para a atual con-
figuração humana, social, econômica e cultural do es-
tado de São Paulo.
Não é sem razão, portanto, que este livro se desenha
como uma coletânea documental na qual professores
e pesquisadores brindam o leitor com suas percepções
sobre o CEL, descrevem práticas exitosas, revelam
dificuldades enfrentadas no cotidiano pedagógico,
mostram caminhos possíveis para o estabelecimento
de ações educativas eficazes e deixam patente, acima
de tudo, que é possível, sim, ensinar e aprender lín-
guas estrangeiras na escola regular com excelência.
Esse caráter positivo do trabalho realizado pelos CEL
é prova contumaz de que ainda estamos em tempo de
resgatar a qualidade das instituições públicas de en-
sino do país.
8
de exemplo, o avanço das Escolas de Tempo Integral, cujas
atividades passam a ocupar os espaços e salas ociosas antes
destinadas aos programas de línguas adicionais/estran-
geiras como o CEL-SP, CELEM no estado do Paraná, CIL
no Distrito Federal, as Escolas Públicas Bilíngues no Rio
de janeiro, entre outras iniciativas que, no contraturno,
ofertam as línguas aos alunos das redes públicas. Com a
perda de espaço e migração dos professores e alunos para o
regime integral do ensino regular, algumas unidades
são desvinculadas das escolas regulares, ou têm suas
atividades de ensino bi/plurilíngues reduzidas ao mínimo
até serem, finalmente, extintas, ao invés de ampliadas ou
integradas às Escolas de Tempo Integral, ou outros pro-
gramas estaduais, como atividade potencializadora de
transformação e mobilidade social, que pode servir como
instrumento de transformação da realidade do aluno da
escola pública em que o bi/pluri/multilinguismo pode
amenizar o sofrimento das pessoas como uma forma de
oferecer-lhes oportunidades de aquisição de capitais cul-
turais.
É neste ensejo que convidamos professores
e pesquisadores a somarem suas vozes, agindo como
agentes glotopolíticos, para a publicação da obra PRÁTI-
CAS DE ENSINO E DE FORMAÇÃO DOCENTE EM LÍN-
GUAS ESTRANGEIRAS: projetos, programas, iniciati-
vas de resistência e gestos glotopolíticos , de forma a
apresentar relatos de experiências, memórias e resultados
de pesquisas em torno dos projetos, programas e ini-
ciativas de ensino-aprendizagem/ aquisição de lín-
guas adicionais/estrangeiras , procurando resgatar, assim, a
9
importância desses espaços para o ensino-aprendizagem
de línguas, a formação de professores e o estabelecimento de
propostas para políticas de valorização do ensino gratuito
de uma diversidade de línguas, contribuindo, dentre ou-
tros aspectos, para o estabelecimento e manutenção da
interculturalidade e para a superação do monolinguismo
na educação escolar brasileira.
Finalmente, após um longo período de silêncio, desta-
co essa apresentação idealizada e escrita pelo nosso que-
rido colega Otávio Silva Oliveira, que nos deixou de forma
abrupta em outubro de 2022, aos 33 anos. Decidi manter
seu texto, com pouquíssimas mudanças estruturais, pois
foi a maneira que encontramos de dizer a ele, que nossa
luta por um ensino de qualidade e respeito em torno dos
CELs e dos projetos de difusão de línguas e culturas con-
tinuará, com cada um fazendo a sua parte. Obrigada por
nos ensinar e mostrar sua garra e vontade de mudança
por um ensino de qualidade!
10
Formação inicial docente em tempos de
pandemia: relato de uma residente em
Letras-Inglês durante o Ensino Remoto
Jackeline Silva1
Anderson Nicacio Medeiros Almeida2
Fábio Marques de Souza3
11
ao invés de aulas presenciais. Desta forma, cada institui-
ção de ensino precisou adotar estratégias sobre como tais
aulas seriam ministradas, canais de comunicação, tempo
de aula, dentre outras. Sabemos que o ensino remoto foi
uma medida emergencial que surgiu cheia de desafios e
dificuldades, mas que também trouxe infinitas possibili-
dades acerca do processo de ensino e aprendizagem. Nós,
voluntários e bolsistas do Programa Residência Pedagó-
gica vivenciamos momentos como esses e, poder relatar
a nossa experiência enquanto professores em formação
inicial podem ser de grande valia para outros professores
iniciantes, uma vez que as vivências dos mesmos podem
dialogar com a nossa, provocando assim, um intercâmbio
de saberes e práticas.
Diante do exposto, este relato de experiência tem
como objetivo geral descrever as atividades no campo
teórico e prático desenvolvidas no Programa Residência
Pedagógica —subprojeto de Letras/Inglês da Universida-
de Estadual da Paraíba. Como objetivos específicos temos:
(i) apresentar as atividades que foram desenvolvidas nos
módulos 1, 2 e 3; (ii) descrever e discutir momentos de
formação, planejamento e regência vivenciados por mim
e minha dupla no referido programa durante o ensino
remoto e, por fim, (iii) trazer algumas reflexões pessoais
acerca das contribuições do programa para a minha for-
mação e/ou construção docente. Por fim, como suporte
teórico nos apoiamos nas ideias de Moreira, Henriques e
Barros (2020), Salomão (2013), Abrahão (2012), Machado
e Cristovão (2006) e Pimenta (1999).
12
Desenvolvimento
13
síncronos ocorriam geralmente às quintas-feiras e ao lon-
go da semana éramos guiados a desenvolver atividades
assíncronas. Em relação ao período de regência, cada du-
pla e/ou trio possuía um dia de atuação. O dia selecionado
por mim e meu colega foi às terças-feiras de manhã. Nos
parágrafos posteriores será apresentado detalhes acerca
dos momentos de observação, regência, formação, pla-
nejamento e atuação docente, todavia, se faz necessário
apresentar uma visão geral dos módulos 1, 2 e 3.
14
- Aquisição de livros - Participação em lives/ - Socialização de ex-
para discussão em rodas de conversas se- periências no evento
encontros síncronos. lecionadas que englo- VIII ENALI (VIII EN-
- Momentos de ob- bavam o que estávamos CONTRO NACIONAL
servação, planeja- discutindo nos nossos DAS LICENCIATU-
mento e regência. encontros do Programa. RAS/II SEMINÁRIO
- Momentos de - Socialização de ex- DO RESIDÊNCIA PE-
PDCA4. periências no evento DAGÓGICA).
- Curso Tecnologias “Inglês e Espanhol na - Produção de se-
da Informação e Co- Residência Pedagógica”. quência didática para
municação no AVA- - Produção de sequên- ser aplicada no ensi-
MEC. cia didática para ser no médio de escolas
- Participação em li- aplicada nos 3º anos da públicas do estado da
ves/rodas de conver- ECIT Dr. Elpídio de Al- Paraíba.
sas selecionadas que meida. - Produção de posts
englobavam o que para o Instagram da
estávamos discutin- Residência Pedagógi-
do nos nossos encon- cas de Letras/Inglês
tros do Programa. UEPB.
- Produção de se-
quência didática para
ser aplicada nos 3º
anos da ECIT Dr. El-
pídio de Almeida.
Fonte: Arquivo Pessoal (2021)
15
inglesa. Observando a regência do nosso preceptor, con-
seguimos ver (e se conectar) com muitos de seus valores,
crenças, histórias, anseios, etc. Após as observações, fo-
mos convidados a partilhar com todo o Grupo Residên-
cia Pedagógica de Letras/Inglês (Campus I) o que vimos,
o que sentimos, as nossas impressões acerca do que foi
observado e destacado em nosso diário. Momentos como
este citado se caracteriza como de grande valia, pois ao so-
cializar as nossas ideias, podia-se evidenciar várias seme-
lhanças e/ou diferenças nos discursos e, isso trazia uma
(boa) inquietação. Em outras palavras, momentos como
este nos auxiliavam a explorar a fundo o que havia sido
ressaltado por cada um de nós e isso costumava gerar boas
discussões.
De acordo com Salomão (2013), as recentes diretrizes
para os cursos de Letras geralmente buscam “[...] formar
profissionais interculturalmente competentes, capazes de
lidar, de forma crítica, com as linguagens, especialmente
a verbal, nos contextos oral e escrito, e conscientes de sua
inserção na sociedade e das relações com o outro (pág. 54).
E, ao longo de nossas discussões no referido programa era
possível sentir – seja através dos momentos de partilha
ou momentos de planejamento – desenvoltura crítica nos
mais diversos contextos. Ademais, era notório observar
tal criticidade presente durante a nossa prática docente,
uma vez que tentávamos (eu e minha dupla nesse subpro-
jeto) também guiar os nossos alunos a se tornarem inter-
culturalmente competentes.
Ao longo dos momentos de formação tivemos dis-
cussões sobre: multiletramentos (“Pedagogia dos Mul-
16
tiletramentos”, autoria da Rejane Roxo), destacando ex-
periências práticas, sugestões, expectativas, limitações e
possibilidades acerca do tópico em foco; proposta didá-
tica para o ensino remoto (“Uma Proposta Didática para
a Produção de Memes em Aulas Remotas de Língua Ingle-
sa”, autoria do nosso preceptor Anderson Nicacio), des-
tacando aspectos importantes acerca do que foi apresen-
tado pelo nosso preceptor; tecnologias da informação e
comunicação no mundo contemporâneo (“As TIC’S no
uso da Linguagem e Aprendizagem de Línguas”, autoria
da Maria de Lourdes Cruz), destacando as ferramentas no
uso da linguagem e aprendizagem de línguas e os reflexos
da interatividade virtual em termos educacionais; carac-
terísticas e funções do hipertexto (“Hipertexto, hiper-
textualidade e linkagem”, autoria do Jean Carlos Monteiro
e Sannya Fernanda Rodrigues) destacando aspectos im-
portantes acerca do que foi apresentado pelo nosso coor-
denador Fábio Marques de Souza; ferramentas digitais
para ensinar e aprender (“Mão na Massa”, autoria de Ana
Carolina Nascimento, Bruno Petrocci, Danilo Christófaro,
Junia de Carvalho, Luciana de Oliveira, Rodrigo Camargo,
Ronaldo Corrêa, Sérgio Gartner e Vera Lúcia Menezes.),
destacando a aplicabilidade de ferramentas selecionadas
e refletindo acerca da inserção das mesmas nas aulas de
língua inglesa; documentos que norteiam os currícu-
los de instituições educacionais - BNCC, destacando o
que é esse documento, a sua importância, características
e habilidades; o processo de ensino e aprendizagem de
línguas no século XXI (“Language Teaching-Learning in
the 21th”, organizado por Carla Richter, Daniela Nóbrega,
17
nosso coordenador Fábio Marques e Juscelino do Nasci-
mento), destacando experiências e dicas/conselhos acerca
do ensino de línguas; projeto político pedagógico (PPP)
da escola parceira neste projeto, destacando história e
características da ECIT Dr. Elpídio de Almeida; pedagogia
decolonial no ensino de línguas adicionais, destacando
vivências em sala de aula e trazendo provocações sobre a
docência e tudo que a circunda e, por fim, Bakhtin e sua
relação com o complexo, dinâmico e multifacetado pro-
cesso de ensino-aprendizagem de línguas, destacando
aspectos importantes acerca de Bakhtin e a docência.
Além dos momentos de formação mencionados, ti-
vemos vários encontros de PDCA os quais nos ajudava a
melhorar no nosso pensar, agir e fazer docentes. Tivemos
também encontros com outros residentes e pibidianos
por meio dos eventos on-lines “Inglês e Espanhol na Re-
sidência Pedagógica” (evento 1) e “VIII ENALI (VIII EN-
CONTRO NACIONAL DAS LICENCIATURAS/II SEMINÁ-
RIO DO RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA)”. Diante do exposto,
Vieira-Abrahão (2012) percebe que:
18
p. 464)
19
sino médio de escolas públicas do estado da Paraíba. Du-
rante a construção das duas sequências tivemos o auxílio
do coordenador Fábio Marques, Anderson Nicacio e tam-
bém dos colegas residentes. Na primeira SD que fizemos,
eu e minha dupla optamos por trabalhar o gênero textual
Chat, suas características principais (objetivo, linguagem
e uso de emojis/stickers) e aspectos gramaticais prescri-
tos para serem trabalhados (Ex.: Condicionais em língua
inglesa, cognatos, pronomes e revisão de alguns tempos
verbais no idioma, como o presente simples, passado,
futuro e o presente perfeito). Trabalhamos todos esses
pontos focalizando no tema “Meus Planos para o Futuro”
– temática escolhida com base no contexto dos alunos +
necessidades observadas durante as primeiras interven-
ções. Na segunda SD escolhemos trabalhar por meio de
uma oficina as estratégias de leitura e interpretação para
a prova de língua inglesa do Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM). Nesta selecionamos os gêneros textuais
recorrentes e no exame e planejamos estudar estratégias
de leitura skimming e scanning e estudar também aspec-
tos gramaticais da língua em estudo, como por exemplo:
aspectos cognatos, conectivos, tempos verbais, sufixos e
prefixos da língua inglesa presentes nos gêneros textuais
escolhidos. Abaixo temos uma visão geral acerca do que
foi produzido durante os momentos de planejamento de
elaboração das duas SD:
20
Quadro 02: Cronograma de atividades - SD 1
PERÍODO DE
REGÊNCIA- O que teve?/O que foi trabalhado?
ENCONTROS
- Primeiro contato com o Gênero Textual
#1 Chat.
- Produção inicial do Gênero.
- Discussão sobre a Produção Inicial.
- Exploração do Gênero comparando a
#2
produção inicial dos alunos com a produção
dos professores residentes.
- Estudo sobre: Secondconditional, verbos no
#3 passado e característica do Chat (objetivos).
- Reflexões sobre primeira produção.
#4 - Atividade avaliativa no Google Forms.
21
#11 - Socialização das produções, feedback e
considerações finais.
Fonte: Arquivo pessoal (2021)
- Apresentação da Oficina e
sondagem acerca das expectativas
#1 dos alunos.
- Discussão geral sobre a prova de
língua inglesa no exame.
- Aplicação de teste.
- Discussão sobre os programas
Sistema de Seleção Unificada
#5
(SISU) e Programa Universidade
para Todos (ProUni)
- Feedback geral.
Fonte: Arquivo pessoal (2021)
22
cidade de trabalhar em dupla/trios. Eu e minha dupla nos
reuníamos semanalmente para a elaboração do material
a ser aplicado em sala de aula e combinamos que a cada
aula teríamos um que assumiria o momento de regência
e o outro ficaria responsável pelo chat, slides e interação
em geral com os alunos. Um ponto interessante que me-
rece ser evidenciado neste relato de experiência é o da
produção do gênero textual Chat. Quando eu e minha du-
pla pensamos em trabalhar esse gênero, pensamos que os
alunos iriam mostrar interesse por ser um texto digital co-
mum ao cotidiano dos mesmos e queríamos focalizar nes-
te gênero de forma minuciosa e divertida, de forma que os
alunos pudessem não somente adquirir conhecimentos
acerca do gênero, mas que pudesse trazer conhecimentos
e reflexões acerca do tema escolhido e gramática que pre-
cisávamos englobar, então, optamos por construir o nosso
próprio gênero (Modelo Didático de Gênero) que serviria
de base para a produção dos alunos. Para produzir tal tex-
to digital precisamos inicialmente delimitar aspectos do
gênero que iríamos focar e, na sequência, estudar refe-
rências teóricas diversas de gêneros que tratassem desses
aspectos que pretendíamos abarcar. Foi um momento de
muita pesquisa, análise, produção e reflexão. Machado e
Cristovão (2006) apontam que os Modelos Didáticos de
Gêneros:
23
pados em esperar a construção científica ideal, pois
têm uma preocupação social imediata, que é a de tra-
zer subsídios para o trabalho docente e para a apren-
dizagem. (MACHADO; CRISTOVÃO, 2006, p. 557)
24
Pedagógica - Letras Inglês UEPB. Semanalmente nos reu-
níamos e cada um (eu e meu colega) precisava apresentar
uma proposta sobre como poderíamos trabalhar aquele
conteúdo como post na plataforma. Os nossos posts ti-
nham como objetivo principal promover uma aprendiza-
gem online ativa, participativa, interativa e dinâmica. Mo-
mentos como estes foram de grande valia, uma vez que
pudemos instigar ainda mais a nossa criatividade e refle-
xão acerca de como poderíamos inserir determinado con-
teúdo (neste caso, as estratégias de leitura para o ENEM).
Pode-se dizer ainda que esses momentos nos possibi-
litaram sermos professores makers, que de acordo com
Moreira, Henriques e Barros (2020), um professor maker
é aquele que é ousado, que mergulha fundo a fim de pro-
duzir materiais audiovisuais autênticos de curta duração
com o intuito de não “cansar” o alunado. Além disso, as
atividades desenvolvidas pelo professor maker objetiva
não somente prover os alunos com conhecimentos, mas
também verificar se tais conhecimentos foram consolida-
dos e, nós fazíamos isso através dos stories ou no próprio
post da ferramenta.
As nossas atividades em campo possibilitaram se fa-
miliarizar com os alunos, com situações/desafios comuns
em sala de aula, com a nossa futura profissão. Através
dos momentos de regência, foi possível colocar em prá-
tica conhecimentos que foram apropriados nos momen-
tos de observação, planejamento e formação docente. Foi
possível, além disso, aperfeiçoar conhecimentos acerca
da língua inglesa. As atividades em campo contribuíram
significativamente para a nossa construção docente, pois
25
conseguimos ver as nossas atitudes tomadas em sala de
aula, refletir sobre as mesmas e produzir movimento com
o intuito de sempre reconstruir saberes e práticas, tornan-
do assim, eternos aprendizes e facilitadores/mediadores
da construção de conhecimentos. Nesse sentido, Pimen-
ta (1999) pontua que os saberes docentes se caracterizam
por aqueles em que os professores constroem na rotina
diária, a partir do processo contínuo de análise e/ou refle-
xão sobre suas próprias práticas docentes.
Considerações finais
26
adaptações para ensino remoto, cumprimento de buro-
cracias, conexão de internet, falta de recursos dos alunos
e etc, mas, sinto que essas e outros impasses experimen-
tados contribuíram positivamente para a minha formação
profissional e humana. Por fim, através do programa re-
sidência pedagógica, pude confirmar ainda mais que nós
como professores em formação inicial (ou não) temos o
dever de estar sempre buscando o nosso aperfeiçoamento
docente a fim de se aprimorar continuamente no que diz
respeito a habilidades, competências e princípios que são
necessários à atividade docente.
Referências
27
Anexo
28
Figura 3: Post no Instagram da Residência Pedagógica desenvolvido
por mim e minha dupla neste projeto.
Fonte: https://is.gd/RypYXZ
29
Figura 4: Regência – Eu e minha dupla ministrando aula
sobre o gênero textual Chat e Cognatos em língua inglesa.
30
A atividade de formação docente sob a
perspectiva socio-histórico-cultural:
relatos de uma experiência de extensão com
professores de japonês das redes públicas
31
missão de Cultura e Extensão da FFLCH-USP para análise,
sendo esse aprovado posteriormente e ofertado de 06 de
outubro a 08 de dezembro de 2021.
O curso teve por interesse alimentar novas reflexões
visando as alterações atualmente implementadas na edu-
cação básica, atentando-se às formas de desenvolvimen-
to das habilidades e competências da área de Linguagens
da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), visto que
os currículos/ diretrizes curriculares estaduais, outros-
sim os materiais didáticos de língua japonesa em uso nas
escolas, contraditoriamente, não foram construídos em
consonância com as novas dinâmicas educacionais (SIL-
VA, 2017, 2020, 2021).
O projeto foi prioritariamente oferecido aos profes-
sores da rede pública de ensino do estado de São Paulo,
atuantes nos Centros de Estudos de Línguas (CEL-SP) ane-
xados às escolas da rede paulista – cerca de 20 unidades
ofertam japonês de forma optativa no contraturno. Entre-
tanto, também enviamos convites às demais redes do Bra-
sil, através das secretarias de Educação, Universidades,
escolas e colegas de trabalho, que nos auxiliaram na divul-
gação das 25 vagas destinadas aos docentes interessados.
Através da atualização, promoveram-se discussões
sobre o desenvolvimento de habilidades e competências
gerais e específicas da área de Linguagens da BNCC, e so-
bre a elaboração de atividades sociais no ensino da lín-
gua-alvo sob a perspectiva dos gêneros discursivos.
As aulas foram ministradas às quartas-feiras das 19h
às 22h, de forma online através do Google Meet e Google
Classroom, em que disponibilizamos os materiais para
32
leitura e os espaços para entrega das atividades realizadas
pelos participantes. O conteúdo programático 5foi dividi-
do em 10 aulas temáticas:
1. Breve história do ensino de língua japonesa nas re-
des públicas estaduais;
2. Histórico e análise crítica sobre os livros didáticos
de língua japonesa utilizados no Brasil e sua (in)adequa-
ção ao contexto educativo atual;
3. O papel do professor de língua japonesa como agen-
te glotopolítico transformador;
4. Peculiaridades do ensino de japonês nos Anos Fi-
nais do Ensino Fundamental e Médio: currículos nacio-
nais e estaduais e seus impactos na elaboração de planos
de aulas;
5. O uso da imagem no ensino de japonês: reflexões
sob a perspectiva dos letramentos visuais;
6. O impacto da pandemia no ensino de japonês nas
redes públicas e novos aprendizados: softwares e plata-
formas aplicáveis;
7. Os gêneros no ensino de língua japonesa como lín-
gua adicional na Educação Básica;
8. Atividades sociais no ensino de japonês e produção
oral: elaboração de unidades didáticas e trocas de expe-
riências;
9. Formas de avaliação aplicadas no ensino-aprendi-
zagem de japonês na Educação Básica; e
10. Apresentação dos planos de aulas dos participan-
tes.
Naquela ocasião, pensamos em planejar um curso
5
C.f.: < https://sce.fflch.usp.br/node/4385>. Acesso em 11/06/2022.
33
para professores de japonês considerando a perspectiva
Sócio-Histórico-Cultural, entendendo a atividade de en-
sino-aprendizagem de língua japonesa na Educação Bá-
sica como uma ação humana mediada por instrumentos/
artefatos materiais ou semióticos em direção a objetos e
metas, buscando sempre resultados que satisfaçam tan-
to as necessidades individuais como coletivas. Assim,
buscamos conduzir as atividades propostas levando em
consideração a trajetória pessoal e profissional dos parti-
cipantes, respeitando seus limites e estabelecendo regras,
a serem explicitadas adiante, que nortearam toda a ativi-
dade de formação docente.
34
o modelo de ação mediada, conforme indicado na figura
abaixo:
35
inicial, formulado por Vygotsky, influenciou a chamada
primeira geração da Teoria da Atividade. No entanto, no
período em que se desenvolveu essa geração, os estudos
apresentaram uma tendência a enfocar os indivíduos.
Provavelmente, o mais significante é que esses estudos
não apresentaram a tendência de se basearem numa ex-
planação das estruturas sociais que agem, elas mesmas,
para organizar e restringir a própria atividade.
A representação do modelo inicial de Vygotsky foi
considerada incompleta por Leontiev (1978) ao afirmar
que somente a ação individual mediada por instrumentos
era insuficiente justamente por não apresentar as implica-
ções sociais e colaborativas das ações, desconsiderando-
-as como eventos em um sistema de atividade, ocultando
o motivo existente intrínseco à ação. Assim, esse teórico
incluiu o resultado da atividade, usando a representação
do ato mediado para relacionar os atores e suas intenções
aos resultados advindos pelo uso dos instrumentos.
A segunda geração da teoria da atividade, liderada por
Leontiev (1978), enfatizou a divisão de trabalho, trazendo
a noção de atividade coletiva e distinguindo-a dos concei-
tos de ação individual e operação, formulou uma distinção
entre os conceitos de “atividade” e “ação”, que não foram
suficientemente desenvolvidos por Vygotsky. Seu traba-
lho a respeito da atividade significou o envolvimento das
noções de objeto e meta, em que se estabelece a ideia de
que diferentes atividades se distinguem por seus objetos e
que é a transformação do objeto/meta que leva à integra-
ção dos elementos do sistema de atividade.
As pesquisas de Leontiev introduziram uma ênfase
36
à divisão de trabalho, buscando, desta forma, superar as
limitações anteriores. A distinção entre atividade, ação
e operação tornou-se a base do modelo de atividade de
Leontiev. Ao trazer a ideia da hierarquia da atividade, esse
pesquisador procurou explicar a atividade coletivamente
construída, atribuindo uma ordem de importância aos
atos praticados em uma atividade. Assim:
A atividade – primeiro nível da hierarquia – está ligada
às necessidades humanas e acontece dentro de um siste-
ma de relações sociais e de vida social, em que o trabalho
recebe o lugar central. Para analisar a atividade humana,
Leontiev apresenta três níveis hierárquicos num sistema
de atividade coletiva: a atividade em si, as ações e as ope-
rações.
Na terceira geração de estudos, Engeström, com o ob-
jetivo de desenvolver a teoria da atividade, produziu uma
expansão na representação original triangular dos siste-
mas de atividade, usada para ilustrar o modelo anterior
da teoria da atividade. Engeström intencionava examinar,
no nível macro do coletivo da comunidade, os sistemas
de atividade, ao contrário de um exame em nível micro,
concentrado no ator ou agente individual, operando este
com ferramentas. Engeström, ao expandir o triângulo
vygotskyano básico, procurou fazer a representação dos
elementos sociais / coletivos num sistema de atividade,
por meio da adição dos elementos de comunidade,
regras e divisão de trabalho, enfatizando a importância
de analisar suas interações. Ele reconhece, no entanto,
a dificuldade metodológica de colher evidências sobre
comunidade, regras e divisão de trabalho no sistema de
37
atividade, tomando como base a teoria de Leontiev (EN-
GESTRÖM, 1999). O foco nas inter-relações entre o sujeito
individual e sua comunidade é o que há de mais impor-
tante nesse novo modelo.
A figura 4 representa o sistema de atividade da tercei-
ra geração da TASHC; e o quadro 1 as funções dos compo-
nentes em determinada atividade.
38
ferentes olhares. O Sistema de Atividade é um processo
de intercomunicação entre sujeito e objeto, mediado por
artefatos culturais orientadores do sujeito no mundo, ou
seja, entende-se que a maneira de agir no mundo objetivo
e social caracteriza a estrutura interna do indivíduo. Os
componentes desse sistema estão descritos no quadro a
seguir:
39
Normas explícitas ou implícitas
Regras
da comunidade.
Meios de modificar a natureza
para alcançar o objeto idealiza-
do, passíveis de serem contro-
lados pelo seu usuário revelam
Artefatos/instrumentos/ferra- a decisão tomada pelo sujeito;
mentas usados para o alcance de fim
predefinido (instrumento para
o resultado) ou constituído no
processo da atividade (instru-
mento e resultado).
Fonte: Liberali (2009, p. 12)
40
Ademais, Engeström (1999, 2001) sugere, em sua con-
tribuição à TASHC, cinco princípios comuns que norteiam
toda atividade, aplicados neste estudo à atividade de en-
sino-aprendizagem. O primeiro deles considera o sistema
de atividade mediado por um instrumento e orientado
por objeto como unidade de análise. O segundo refere-se
à multiplicidade de vozes, entendidas como os diversos
pontos de vista dos participantes que fazem da atividade
uma fonte de tensão e de negociação. A historicidade dos
sujeitos, da atividade, dos objetos, das ideias e das ferra-
mentas teóricas que moldaram a atividade constitui o ter-
ceiro princípio. O quarto princípio reconhece o papel das
contradições como fonte de mudança e desenvolvimento.
O quinto é o da aprendizagem expansiva, realizada quan-
do o objeto e o motivo do objeto são novamente concei-
tuados, transformados, e ampliam o objeto da atividade
anterior.
Esses cinco princípios foram considerados na elabo-
ração das atividades durante as aulas, visto que o grupo foi
composto por profissionais com trajetórias pessoais e aca-
dêmicas distintas, havendo casos em que os sujeitos não
eram de fato professores licenciados, apesar de atuarem
na educação básica
Ademais, durante todo o processo em atividade bus-
camos compreender com os participantes as regras da ati-
vidade de ensino, em especial os documentos normativos,
ou seja, as regras do sistema educativo em que o ensino
ocorre, como a LDB e a BNCC, pensando em como fazer
com que as aulas de língua japonesa se enquadrem no
que é proposto pelas diretrizes, uma vez que apesar de ser
41
ofertado por diversas redes públicas e privadas, o idioma
não é abarcado pelas políticas curriculares e programas de
materiais didáticos, sendo assim um desafio para muitos
docentes.
Fonte: os autores
42
MO,2020). Ademais, há no grupo atendido profissionais
com conhecimento (proficiência) no idioma que o le-
ciona apenas para completar a carga horária de aulas já
ministradas em outras disciplinas, contudo, muitos co-
meçam a lecionar japonês sem o mínimo de preparo, o
que dificulta, ainda mais, a utilização do material didá-
tico já inadequado, no que concerne às novas dinâmicas
educacionais, que vem sendo utilizado pelo CEL-SP, por
exemplo. Além disso, muitos, assumidamente, não co-
nhecem conceitos e termos gramaticais e como ensinar a
partir da perspectiva dos gêneros textuais e discursivos,
orientação em voga na BNCC, o que nos forçou a revisitar
os conceitos de gênero aplicado ao ensino de línguas, pois
os docentes desconheciam premissas básicas no que con-
cerne à linguagem sob essa abordagem.
Acreditamos que essas dificuldades se deram por
conta do percurso profissional e de vida dos participantes,
sendo essas acentuadas, principalmente, entre os oriun-
dos de outras áreas do conhecimento e que buscaram
aperfeiçoar-se durante e através da formação, pois perce-
beram suas defasagens na área linguístico-educacional.
Os participantes passaram por um processo seletivo.
Como pré-requisito solicitamos, no momento da inscri-
ção, copias do diploma, currículo e uma carta de inten-
ções para avaliarmos e conhecermos o público com o qual
estaríamos trabalhando, outrossim, alinharíamos o con-
teúdo com as dificuldades dos docentes. Observamos que
as formações acadêmicas dos candidatos eram variadas,
como Ciências, Contabilidade, Química e apenas alguns
eram Licenciados em Letras (japonês).
43
Através da carta de intenção, sentimos a agonia dos
professores devido à falta de recursos para o ensino. À
guisa de exemplo, esses mencionaram problemas rela-
cionados a materiais didáticos adequados ao público
brasileiro; falta de empatia da direção da escola no que
concerna à importância e valorização do aprendizado de
japonês – visto como um cursinho pequeno e pormenori-
zado, inclusive, por docentes de outras disciplinas – , difi-
cultando a utilização dos espaços para serem ministradas
as aulas, pois uma atividade de ensino-aprendizagem é
codependente de outra, uma vez que as escolas ofertam
idiomas adicionais a partir de brechas legislativas e con-
tradições oriundas nos próprios sistemas que viabilizam a
oferta de um idioma que sequer é abarcado pelas políticas
educacionais – como é o inglês hoje constante na BNCC,
que sob a tutela de demais políticas, mesmo que precá-
rias, garantem a presença do idioma de forma explícita
no currículo; gera concursos públicos para provimento de
cargos; e tem assegurado materiais didáticos através de
catálogos de editoras que os ofertam às redes públicas e
privadas.
Ademais, por ser o sistema local (a escola) depen-
dente de outros sistemas e regras que norteiam o ensino
(legislação educacional federal e regras estaduais), nos re-
lataram que dentro do cenário de mudanças curriculares
nacionais, os docentes também sofrem com as cobranças
para adequarem as premissas da BNCC ao ensino de japo-
nês. Contudo, o idioma não é contemplado pelas políticas
curriculares e de materiais didáticos, como o Programa
Nacional do Livro Didático (PLND). Além disso, o escas-
44
so material utilizado atualmente pelas redes públicas e
privadas – geralmente elaborado e doado por instituições
estrangeiras – não está alinhado às habilidades e compe-
tências da área de linguagens da BNCC. Com isso, ao lon-
go da formação continuada, foram unânimes os pedidos
de orientações sobre como utilizar as estruturas da língua
dentro do que se pede na área de Linguagens, e dicas so-
bre como inovar em sala de aula no que concerne ao ensi-
no-aprendizagem de japonês.
As contradições no ensino-aprendizagem e na
atividade de formação
45
alguns se recusaram a fazer as atividades ou entregaram
apenas uma ou outra, sempre fora do prazo. Destarte, a
fim de evitarmos a evasão, procuramos enviar lembretes
para que conseguíssemos avaliá-los oferecendo-lhes mais
prazo, em alguns casos, e ajuda na realização das tarefas
em caso de dificuldades.
O que nos chamou a atenção é que, mesmo sendo
online e os encontros gravados simultaneamente – o que
viabilizava assistir alguma aula perdida em caso de au-
sência –, a maioria dos professores pouco se comprome-
teu com os prazos de entrega das lições, dando-nos como
desculpas para justificar o que não entregavam, a falta de
tempo e/ou a falta de formação específica na área de Le-
tras/Educação o que dificultava atividades que exigiam a
elaboração de planos de aulas ou atividades fictícias para
os próprios alunos do ensino básico. Isso também pode
evidenciar o quão sobrecarregados estão os professores
das escolas públicas que, em muitos casos, realizam parte
de seus trabalhos como preparo das aulas e correções de
atividades em casa, não recebendo a mais por isso.
46
tribuir com a formação crítica de professores de japonês
das redes públicas, visto que não há oferta de cursos de
atualização de professores de japonês, especificamente
das redes públicas, na USP e em outras universidades que
contemplem as novas dinâmicas educacionais da área de
linguagens na BNCC.
Acreditamos que nossa contribuição pudesse fomen-
tar a criação de novas iniciativas visando criar novos espa-
ços para que as vozes dos professores possam ser ouvidas
também pela comunidade acadêmica (Letras-japonês),
hoje pouco voltada às necessidades reais da sociedade,
e à Linguística Aplicada, o que evidencia o pouco enga-
jamento dos alunos egressos e professores universitários
com a área da Educação, em especial, com o ensino públi-
co, campo que temos nos dedicado e ao qual acreditamos
ter o que contribuir enquanto cidadãos e pesquisadores
de uma língua minoritária que pouco desperta o interes-
se das políticas públicas educacionais estruturantes, visto
que além das políticas curriculares e de materiais didáti-
cos, o ensino de japonês também é expurgado das polí-
ticas educacionais (SILVA, 2021a,2021b), visto que não é
comum a realização de concursos públicos atraentes para
o provimento de cargos de professores habilitados para le-
cionar de forma efetiva na Educação Básica, o que força as
redes de ensino a recorrer a profissionais de outras áreas,
o que acaba sucateando, ainda mais, o ensino de japonês e
outras línguas adicionais na escola regular.
O ensino de outras línguas adicionais, e não-hege-
mônicas, nos anos finais do Ensino Fundamental e no
Ensino Médio, sempre esteve à margem das discussões e
47
pouco integrado à temática educacional, por vezes trata-
do como um ensino a parte, e extracurricular (SILVA;NA-
GUMO, 2020), o que, aos poucos, contribuiu e reforçou o
caráter de desoficialização de línguas como o japonês na
escola, outrossim, nas políticas educacionais, o que inclui
a formação básica e continuada de professores atuante
nesse segmento. Destarte, é premente uma reflexão crí-
tica sobre o papel desses profissionais enquanto agentes
transformadores libertando a si mesmos através da edu-
cação, vista como um ato de libertação dos sujeitos (FREI-
RE, 1987; GIROUX, 1997).
Considerações finais
48
dizado, levando a questionamentos que façam o professor
refletir sobre sua prática pedagógica visando compreen-
der, de forma crítico-reflexiva sobre seu cotidiano.
Por fim, percebemos ser premente a constante criação
de espaços para que professores possam ter suas angústias
e tensões ouvidas, principalmente nas Universidades pú-
blicas, que não promovem ações de formações continua-
das, ou de atualização, aos professores, o que evidencia a
não articulação dos cursos superiores de Letras-japonês
às necessidades reais dos professores de japonês das redes
públicas.
Referências
49
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50
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VYGOTSKY, L. S. LURIA, A. R. LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento
e aprendizagem. 7. ed. São Paulo: Ícone, 2001b.
51
A ação docente em tempos de pandemia:
um relato no programa de Residência
Pedagógica em letras-inglês
53
Neste texto, temos como objetivo, a partir de uma
abordagem qualitativa (PAIVA, 2019, p. 13), socializar uma
das ações realizadas por meio do Programa Residência
Pedagógica da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) -
Campus I, no subprojeto Letras-Inglês, em parceria com
a Escola Cidadã Integral e Técnica Dr. Elpídio de Almei-
da, ambos localizados na cidade de Campina Grande - PB.
Na próxima seção, exploramos o relato de experiência na
docência dialogando com os teóricos Perrenoud (2002)
acerca da prática reflexiva; Piletti (2004) no que tange ao
planejamento; Saviani e Galvão (2021) a respeito do Ensi-
no Remoto no Brasil.
Referencial teórico
54
e mental docente, uma vez
55
mínio para utilizar a nosso favor durante o exercício da
docência. O instrumento, nesse caso, refere-se ao objeto
no qual o professor se apropriou a ponto de auxiliá-lo du-
rante as aulas.
Partindo dessa perspectiva, na seção a seguir, apre-
sentamos as reflexões acerca do momento de formação no
PRP, juntamente com as ações realizadas para apropriação
das ferramentas digitais e as intervenções realizadas na
escola, no caso, relatando apenas uma das oficinas.
Resultados e discussão
56
o professor preceptor não mais ministrava suas aulas em
horários múltiplos, mas apenas em um horário pela ma-
nhã. Em decorrência disto, não haveria a possibilidade de
todos os residentes ministrarem as aulas neste horário.
Estruturamos, então, uma oficina para que aqueles estu-
dantes que estivessem interessados em desenvolver mais
a Língua Inglesa (LI) pudessem ter acesso à prática de con-
versação em LI.
De uma forma indissociável, não podemos falar de
planejamento sem desenvolver o aspecto da reflexão.
Conforme as palavras de Perrenoud (2002), existem três
tipos de reflexões: a reflexão prévia à ação, reflexão duran-
te a ação e a reflexão pós ação. Ao final de cada reunião
da Oficina, nós mantivemos o hábito de dialogar sobre os
desdobramentos da aula, pontuando os aspectos positi-
vos e práticas que poderiam ser melhoradas em momen-
tos seguintes. Na nossa opinião, estes momentos foram
valiosos porque pudemos observar a prática uma da outra
e ver de quais maneiras podemos aperfeiçoar nossa pró-
pria ação docente. Esses momentos de troca impactam di-
retamente na construção de saberes. Nenhuma das aulas
ocorreu sem a supervisão do nosso professor preceptor
Anderson Nicácio e devido a isso, as noites de quinta fo-
ram transformadas em momentos de feedback, tanto ge-
ral como por duplas.
Para que tal oficina fosse realizada, iniciou-se, então,
o processo de planejamento das Oficinas que seriam mi-
nistradas, no qual desenvolvemos uma Sequência Didáti-
ca (doravante SD). Nós optamos por ministrar uma Ofici-
na de Inglês focada na habilidade de Comunicação, que
57
posteriormente foi intitulada como “Speak Out: Lançando
a braba em Inglês”.
Em nosso primeiro encontro não conseguimos con-
cluir todo o planejamento, pois os estudantes se empolga-
ram e, em virtude disso, tivemos de deixar uma dinâmica
planejada para o próximo encontro. Logo, nosso segundo
encontro começou com o jogo “Two truths and a lie”4,
que não fora realizado no encontro anterior. Além desse
jogo, também conversamos com os discentes sobre fazer
pedidos, desejar algo em LI. O terceiro encontro conti-
nuou nessa linha de desejo, mas em relação ao trabalho.
Falamos de “dream job x real job”5, conversamos sobre as
profissões em inglês e fizemos um jogo similar com o Pa-
cman. Nosso quarto encontro foi assíncrono, com ativida-
de para os estudantes através da plataforma whatsapp. No
quinto encontro falamos sobre tradução e interpretação
de músicas, utilizando a música Vacation da banda Dir-
ty Heads. No encontro seguinte, começamos nossa aula
com uma breve revisão e em seguida conectamos o termo
“vacation” a fazer algo por diversão, ou seja, hobby. Per-
manecemos utilizando o termo vacation como forma de
conectar nossas aulas, porém, em nosso sétimo encontro,
utilizamos para dialogar sobre uma das possibilidades de
tradução da palavra, no sentido de férias e, então, falar so-
bre viajar. Como atividade para casa, os estudantes tive-
ram de produzir um plano de viagem para nos apresentar
na próxima aula. Todos os alunos presentes no oitavo en-
contro apresentaram seus planos de viagem, praticando
4
Jogo intitulado “Duas verdades e uma mentira”, na qual os participantes dizem três
afirmações sobre si, sendo uma delas uma afirmação falsa.
5
“Trabalho dos Sonhos x Trabalhos Reais - expectativa x realidade” (tradução nossa).
58
tudo o que estudamos até então. Em nosso último encon-
tro, tivemos de unir duas semanas, pois o calendário es-
colar não nos permitia continuar. Falamos sobre a entre-
vista feita na imigração quando viajamos para o exterior
e também sobre o dia dos namorados. Fizemos conexão
entre os assuntos ao falar sobre relacionamento a distân-
cia e viagem. A seguir, apresentamos as contribuições do
Programa de Residência Pedagógica na formação inicial
de professores.
Considerações finais
59
Referências
60
Por uma formação de professores(as) de
línguas decolonial
61
a formadora comenta:
Prof.: But this is not easy. Yeah? It’s not that easy to
deal... It is still strong... If you go from [name of the
university] to your house, probably you see advertise-
ments.. Like a concerning teacher... English classes...
Native teachers... Não tem aqui? Aqui não... Não pre-
cisa ir longe! [risos] Vai no corredor que vocês vão
achar uma propagandinha dizendo assim: “Aprenda
inglês com um professor nativo!” Mas é isso. A gente
tem que lidar também com essas forças centrífugas e
centrípetas do neoliberalismo (FORMAÇÃO DE PRO-
FESSORES, 2019).
62
conhecimento linguístico.
Retomando a formação docente (de línguas), há
extremo desinteresse pela docência em línguas, na
educação básica, em especial na educação pública,
conforme denuncia Jucá (2017). Essa falta de interesse
reverbera mesmo no ensino de língua inglesa, que
é, supostamente, necessária para ascensão social.
Monte Mór (2019) lista algumas das principais razões
pelas quais esse tal inglês idealizado está tão distante
dos(as) nossos(as) estudantes. Para ela, a insegurança, o
distanciamento da realidade nos currículos dos cursos de
formação, a falta de construção dialógica de um repertório
teórico-prático de professores e professoras, nesses
cursos, gera questionamento sobre a própria identidade
como docente:
63
Um último ponto mencionado é a falta da ressignifi-
cação local do aprendizado teórico, obtido durante o cur-
so de graduação, para contemplar o que Cope e Kalantzis
(2000) chamam de prática situada. Jordão e Halu (2011)
ressaltam a importância de “focar na aprendizagem como
prática social situada em relação à qual se estabelece-
riam nossas práticas de ensino”. A intenção, ao investi-
gar a formação docente universitária em língua inglesa, à
luz da Educação Linguística, encontra-se respaldada em
uma contraposição à identificação de currículos (a come-
çar pelo meu próprio currículo na época da graduação),
mais alinhados com leituras lineares, um número escasso
de pesquisas na área e um revisitar do processo de cons-
trução do arcabouço teórico do(a) docente, em função da
valorização do inglês como franca, nas epistemologias do
Sul global (DUBOC, 2012, p. 5).
Para que tais conceitos ganhem notoriedade nos cur-
sos de formação de professores e reverberem na práxis
educacional, no âmbito da educação básica, pretendo
aqui defender a costura das subáreas do conhecimento,
pois este texto intenta ratificar a proposição de que não se
deve ensinar língua por língua nem, tampouco, “compar-
timentalizar as disciplinas” (DUBOC, 2012, p. 3). Diante da
tendência à homogeneização e ao apagamento das subje-
tividades, propostas pelas políticas públicas - em especial
pelo governo brasileiro de 2019/2020 e pela retomada ao
antigo projeto de 2004 “Escola Sem Partido”2 -, faz-se im-
portante ressaltar as conceituações críticas supracitadas
2
No Capítulo final desta dissertação, discutirei um pouco mais essa proposta, à luz dos
trabalhos de Trevisan (2011).
64
com vistas a rebater as ideologias extremistas político-
-partidárias na educação, por meio de uma atuação nas
brechas (Ibid.).
Começo reconhecendo a importância de uma ado-
ção transdisciplinar, na formação de professores(as) de
línguas, afinal, conforme afirma o jargão dos cursos de
formação de professores(as) (e, até mesmo, o discurso
neoliberal das escolas bilíngues), pode-se, via línguas es-
trangeiras, falar sobre qualquer outro assunto, tratando a
língua como mera expressão de pensamento, como aces-
sório. Esse entendimento nos leva ao entendimento de
língua como estrutura, uma vez que não põe em destaque
o contexto social, político e ideológico no qual a língua (e
a formação) está inserida. Sobre isso, Duboc (2012) traz
a metáfora da transformação das disciplinas em grandes
“ilhas”, como se não fossem afetadas umas pelas outras,
sendo cada uma autossuficiente. Essa acepção carrega a
ideia de linearidade/estabilidade, no processo de constru-
ção de sentido, ao sugerir apenas uma forma de leitura do
mundo, criando categorias de análise entendidas como
estáveis, homogêneas e universais (DUBOC, 2012, p.03).
A autora entende o processo de significação como aquele
que vai além da relação significado-significante, pois nele
se inscrevem sujeitos socioideologicamente situados.
Monte Mór (2008, p. 16) acrescenta:
65
compreendido - e na organização razoável, em ter-
mos dos graus de complexidade preestabelecidos (do
fácil para o difícil), podem não ser adequados ou su-
ficientes para a sociedade contemporânea3 (tradução
nossa).
66
desenho da formação docente de línguas, mais alinhado
com a dimensão prática do ato de ensinar:
4
Aqui usado em sentido um pouco menos questionadora e reflexiva, contrastando com
a (de)formação para Jordão e Halu (2011), que mencionei na página anterior.
67
mador fosse um técnico bem-preparado, mas distan-
te da realidade da vida, que estaria apenas lá fora, e
para a qual os alunos ainda não estivessem prontos. A
vida é dentro também – da escola e da universidade -,
e ela não para de correr para que possamos aprender
(JORDÃO; HALU, 2011, p. 103).
68
lógica5 no meu curso de Letras, pois adotávamos determi-
nado livro amplamente conhecido por professores(as) de
línguas, que contemplava as premissas da famosa abor-
dagem comunicativa (LARSEN-FREEMAN, 2000, p. 89,
grifo meu). Para Uphoff (2018, p. 240), a globalização e
sua tendência à homogeneização também em relação aos
livros didáticos, como característica do livro de inglês na
modernidade e sua busca justamente pela padronização,
acabam por “fixar demais os sentidos, ofuscando a percep-
ção do que existe de surpreendente e até transgressivo na
configuração metodológica de um determinado material”.
A autora continua a dissecar as questões dos materiais di-
dáticos e pontua que os exercícios (que normalmente são
do tipo fill in the blanks) e textos são acompanhados de
enunciado que explicita a metodologia a ser usada para
realizá-los, assumindo, assim, a voz do docente:
Prof: Você sabe que vocês não vão pegar o livro di-
dático para implementar no estágio, né? Vocês estão
sabendo? Tão sabendo? Não é para pegar o American
Headway. Tá? E acabou. You will be designing the
course and you will be implementing the course (FOR-
MAÇÃO DE PROFESSORES, 2019).
5
Ressalto aqui que uso essa expressão por entender que a minha universidade ficava
na frente de uma região periférica da cidade de Montes Claros – MG, chamada de Vila
Atlântida, e o meu curso em nada remeteu a isso, jamais olhou para essa realidade.
Muito pelo contrário, a única proposta do material era falar sobre uma realidade feti-
chizada de Londres, a qual muitos de nós jamais vivenciaríamos.
69
que antes de se pensar em qual material utilizar, esse(a)
docente deve entender o contexto social ao qual está cir-
cunscrito(a), isto é, fazer a leitura de mundo (nesse caso,
o espaço escolar), antes de estimular a leitura da palavra
(FREIRE, 2007). No meu entendimento, a adoção de ma-
teriais linguisticamente “higienizados” (UPHOFF, 2018)
reforça o distanciamento entre ato docente, aluno(a) e
conteúdo. É essencial que essas práticas de autonomia
docente aconteçam nos cursos de formação de professo-
res(as), com vistas a contemplar um inglês desterritoria-
lizado, emancipatório e empoderador, um inglês que faça
sentido para aquela comunidade. Caso contrário, haverá
o risco de corroborar para o surgimento do panóptico6
educacional, em que o(a) professor(a) e o livro didático
são os detentores do conhecimento, e alunos e alunas,
passivamente, o recebem. Esse construto é confirmado
por professores(as) e coordenadores(as) que ainda têm in-
trojetada a “superioridade” de materiais importados. Na
minha leitura, faço uma associação da necessidade desse
nivelamento em cursos de graduação, para atestar as con-
vicções fordistas do mercado, que buscam a homogenei-
zação, tão desejada pelo mercado neoliberal, via materiais
didáticos inclusive, tendo em vista que o próximo passo
lógico, após a formação acadêmica, é encarar o mercado
de trabalho.
Destarte, comecei minha carreira entendendo o en-
sino de língua inglesa como fomentador dessa prática
fordista de preparação para o mercado de trabalho, trans-
6
Peço emprestado o termo cunhado pelo jurista e filósofo inglês e, mais tarde, retoma-
do pelas teorias focaultianas para, metaforicamente, descrever a educação tecnicista e
bancária, em que o professor é o detentor e juiz de todo o saber.
70
formando o idioma em commodity, passando a torná-lo
objetificado para propósitos materiais, desconsiderando
seu potencial de significado (CANAGARAJAH, 2017, p.
13) e contemplando, assim, as prerrogativas das políticas
neoliberais. Essa prática não favorece o movimento co-
nhecido como EELT (FERRAZ, 2019), e retomo aqui, bre-
vemente, o assunto abordado no Capítulo 2, sobre ensino
e aprendizagem de línguas e Educação Linguística – EELT
(FERRAZ, 2018, p.94):
71
estrangeira, já é um sujeito letrado. Já é um sujeito
dentro, inscrito numa cultura letrada. Portanto, as
práticas de letramento, orais e escritas, já fazem parte
da vida do Renato. É artificial tirar, extrair essas práti-
cas de letramento da vida do Renato (FORMAÇÃO DE
PROFESSORES, 2019).
72
pectos puramente linguísticos, metodologias de ensino,
tipos de interação e outros. Com isso, acredito ser inviável
um projeto de Educação Linguística na educação básica,
se os cursos de professores não realizarem o movimento
diacrônico de língua como sistema para língua como prá-
tica social (SAUSSURE, 2017; McCARTHY; CLANCY, 2019;
FIORIN, 2015). A despeito disso, Mattos e Valério (2010,
p.136) informam que, “apesar de mais de 30 anos da im-
plementação do ensino comunicativo no Brasil, regras
gramaticais – e, em muitos casos, apenas regras gramati-
cais – continuam a ser ensinadas na grande maioria das
escolas regulares”. Pennycook (2010, p.16.1) participa do
debate, ao alavancar a ideia de que a Linguística Aplica-
da tem mudado de um foco central em ensino linguístico
para uma visão mais ampla e crítica da linguagem no seio
social, cujos usos abarcam uma língua plural, híbrida, per-
mitindo o agenciamento crítico dos falantes nas produ-
ções dos discursos, esse(s) inglês(es) é(são) chamado(s) de
inglês(es) mundial(is) (PENNYCOOK, 1994; RAGAGOPA-
LAN, 2011) ou inglês(es) múltiplo(s) (COPE; KALANTZIS,
2000). O intuito de trazer tais nomenclaturas é promover
uma provocação sobre como o inglês poderá sair da esfera
linguística e ir para um campo político-social, estimulan-
do o agenciamento, que também incorpora os valores e
anseios desse novo sujeito plurilíngue, promovido pelos
intensos fluxos migratórios, multiculturalismo e multi-
diversidade (COPE; KALANTZSIS, 2000). Ressalte-se que
não tenho aqui pretensões de desconsiderar o ensino lin-
guístico, muito pelo contrário, a formação linguística traz
aperfeiçoamento cognitivo e estímulo da memória, tendo
73
em vista que cada língua tem suas estruturas internas dis-
tintas, e expor o(a) aluno(a) a esses mecanismos contribui
para a construção do próprio repertório linguístico do(a)
aprendiz7.
O que fica claro, diante do jogo argumentativo acima,
é a necessidade de revisitar as propostas recentes para a
Educação Linguística no Brasil, e o primeiro passo a ser
dado será um repensar a formação docente em nosso país.
As Orientações Curriculares do Ensino Médio (BRASIL,
2006, p. 92) vinham trazendo grande contribuição para a
educação brasileira, que parece ter sido ignorado pelo go-
verno brasileiro do quadriênio 2019-2021, negligenciando
o olhar individualizado para o estudante, isto é, trata-se
de um retrocesso, conforme demonstrado no exercício
teórico-reflexivo apresentado:
74
pertencentes a grupos diferentes em contextos dife-
rentes comunicam-se de formas variadas e diferentes;
• fazer com que o aprendiz entenda, com isso, que há
diversas maneiras de organizar, categorizar e expres-
sar a experiência humana e de realizar interações so-
ciais por meio da linguagem. (Vale lembrar aqui que
essas diferenças de linguagem não são individuais
nem aleatórias, e sim sociais e contextualmente de-
terminadas; que não são fixas e estáveis, e podem mu-
dar com o passar do tempo);
• aguçar, assim, o nível de sensibilidade linguística
do aprendiz quanto às características das Línguas Es-
trangeiras em relação à sua língua materna e em rela-
ção aos usos variados de uma língua na comunicação
cotidiana;
• desenvolver, com isso, a confiança do aprendiz, por
meio de experiências bem-sucedidas no uso de uma
língua estrangeira, enfrentar os desafios cotidianos e
sociais de viver, adaptando-se, conforme necessário,
a usos diversos da linguagem em ambientes diversos
(sejam esses em sua própria comunidade, cidade, es-
tado, país ou fora desses) (BRASIL, 2006)
75
FFA, 2008, p. 356). Autores contemporâneos têm aderido
a tal proposta, com o intuito de conciliar a função forma-
tiva da língua estrangeira com o aprendizado linguístico
(DUBOC, 2012; FERRAZ, 2014; 2015; MÓNTE MOR, 2019;
JORDÃO, 2011).
Entendo que, diante do exercício teórico apresenta-
do, uma das razões pelas quais o curso de formação inicial
não logra atender às demandas educacionais do século
XXI é o tempo disponibilizado no curso de Letras, que é
insuficiente para o domínio do repertório pedagógico re-
querido para o favorecimento da aprendizagem aliada às
habilidades linguísticas. Assim, Leffa (2008), Miller (2013)
e Zeichner (1993) defendem que a formação docente deve
ser cíclica e entendida como um processo contínuo que
tangencia todos os níveis de ensino e é para a vida toda,
sendo o(a) docente capaz de construir processos autorre-
flexivos a partir de sua prática. Ou, nas palavras de Kuma-
ravadivelu (2012, p.56):
8
Do original: “[...] the inner Self that teachers bring with them to the practice of every-
day teaching. Equally important are their ability and willingness to recognize and re-
new their teaching Self. It then follows that teacher education programs have a respon-
sibility to encourage and enable present and prospective teachers to reflect seriously on
76
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77
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78
O trabalho de professores de francês
Centros de Estudos de Línguas (CEL):
formação e pesquisa como
formas de resistência
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras Estrangeiras e Tradução (LE-
TRA) da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de
São Paulo (USP), São Paulo, Brasil; integrante do grupo de pesquisa ALTER-AGE/CNPq;
atua desde 2017 como formadora de professores de francês do CEL. emilycsilva@usp.br
2
Defesa prevista para 2022.
79
ver o dispositivo de intervenção formativa e examinar de
que forma ele se relaciona com a ideia de resistência aos
paradigmas vigentes hoje tanto nas práticas de formação
de professores, quanto na produção de conhecimentos
científicos. Para tanto, apresentamos brevemente as bases
teóricas que sustentam a pesquisa; em seguida, descreve-
mos o contexto, o dispositivo e os métodos de coanálise
das situações de trabalho empregados, apresentando bre-
vemente alguns dos resultados preliminares das análises,
os quais permitem entrever as principais dificuldades
apontadas pelos professores participantes. Por fim, bus-
camos propor uma compreensão sobre como uma inter-
venção formativa pautada na coanálise das situações de
trabalho se constitui enquanto resistência tanto no cam-
po da formação, quanto no campo da produção de conhe-
cimentos.
3
Grupo de pesquisa Análise de Linguagem, Trabalho e suas Relações – Aprendizagem,
Gêneros Textuais e Ensino (ALTER–AGE), cadastrado no CNPq.
80
quadro, a linguagem é pensada não somente como o meio
de comunicação entre falantes, mas como instrumento
para agir sobre si (no pensamento) e para com o outro
(nas mediações formativas). Apesar de este ser o quadro
teórico geral, não o detalharemos na sequência, pois nos
concentraremos mais neste artigo sobre os aportes das
metodológicos das ciências do trabalho.
Para conceber o dispositivo de intervenção forma-
tiva que foi realizado com os professores, baseamo-nos
nos métodos empregados em duas linhas das ciências do
trabalho: a Ergonomia da Atividade dos Profissionais da
Educação (AMIGUES, 2002; FAÏTA, 2004; SAUJAT, 2002)
e a Clínica da Atividade (CLOT, 1999), como detalharemos
na próxima seção.
Machado (2007) propõe a articulação dessas duas
perspectivas, que se mostram compatíveis por compar-
tilharem pressupostos vygotskianos. Por um lado, na
perspectiva da Ergonomia da Atividade, busca-se anali-
sar as situações concretas de trabalho, para melhor com-
preendê-las. Observam-se as prescrições que são dadas
ao trabalhador (trabalho prescrito) e, por outro lado, as
atividades de fato implementadas pelo sujeito (trabalho
realizado), havendo sempre um espaço de reconcepção ou
de retrabalho esperado entre eles. Assim, as intervenções
conduzidas pelos ergonomistas veem as “dificuldades”
como porta de entrada para a análise da atividade (GUÉ-
RIN et al, 2001), buscando compreender a perspectiva do
trabalhador entre o prescrito e o realizado.
Por outro lado, a Clínica da Atividade (CLOT, FAITA,
2000) sustenta que a atividade, além de ser dirigida ao ob-
81
jeto e ao outro, também é dirigida a si mesmo, incluindo
e mobilizando aspectos também psicológicos do sujeito:
as decisões, os impedimentos, os outros possíveis para
aquela mesma situação etc. Assim, para essa perspectiva,
é preciso transformar, colocar em movimento a ativida-
de para poder compreendê-la. Uma das formas de imple-
mentar essa transformação é permitir ao sujeito rever e
falar sobre o seu trabalho realizado, de forma a revivê-lo,
a encontrar outras possibilidades de ação e a expandir seu
poder de agir (CLOT, 2008).
Articulando esses dois aportes, Machado (2004) sus-
tenta que a atividade de ensino não deve ser compreendi-
da como uma missão, mas como uma atividade de traba-
lho. Enquanto tal, o ensino é influenciado pelo contexto,
prescrito por textos que orientam o agir (currículo, dire-
trizes), dirigido aos sujeitos (alunos, coordenação, pais
etc.), mediado por artefatos físicos (livro didático) e sim-
bólicos (linguagem, modelos), assim como pela história
do métier. Nessa perspectiva, existe uma distância ou um
espaço esperado entre o que se pede ao professor e aquilo
que ele de fato realiza e é nesse espaço que ele, enquanto
sujeito pertencente a um coletivo, se mobiliza, se apro-
pria, cria e recria formas de ensinar.
Machado (2007, p. 93-94) considera que, para que o
professor possa desenvolver de forma plena seu trabalho,
obtendo efeitos positivos para si mesmo, é preciso que
mobilize recursos materiais e simbólicos, internos e ex-
ternos, para:
82
antes de entrar em sala de aula, readaptando-as de
acordo com a situação, com as reações, interesses,
motivações, objetivos e capacidades de seus alunos,
de acordo com seus próprios objetivos, interesses,
capacidades e recursos (corporais, sociais, institu-
cionais, cognitivos, materiais, afetivos etc.) de acordo
com as representações que mantém sobre os outros
interiorizados e sobre os critérios que esses utilizam
em relação a seu agir;
b) escolher, manter ou reorientar seu agir de acordo
com as necessidades de cada momento;
c) apropriar-se de artefatos, transformando-os em
instrumento por si e para si, quando os considera
úteis e necessários para seu agir;
d) selecionar instrumentos adequados a cada situa-
ção;
e) servir-se de modelos do agir sócio-historicamente
construídos por seu coletivo de trabalho;
f) encontrar soluções para os conflitos os mais diver-
sos (MACHADO, 2007, p. 93-94)
83
Um dispositivo de intervenção formativa com
professores de francês do CEL
84
propuseram aos professores um dispositivo de interven-
ção formativa, baseado na análise das situações de traba-
lho4, em 2017. A participação era de caráter voluntário e
opcional, em momento a ser escolhido pelos professores.
Os oito professores do curso aprovaram a sugestão, que
respondia à sua demanda de discutir dificuldades especí-
ficas de seu contexto.
Com base na experiência de intervenções já realizadas
(LOUSADA, 2017), foi proposto aos professores um dispo-
sitivo estruturado nas seguintes etapas. Em uma primeira
reunião coletiva, em 2017, os professores foram convida-
dos a falar livremente sobre as dificuldades em sua ativi-
dade de ensino e escolher algumas para serem trabalhadas
na sequência. Eles escolheram a questão do uso da língua
materna (português) na aula de francês língua estrangeira
e a questão da falta de interesse dos alunos.
A segunda e a terceira reuniões coletivas seguin-
tes foram realizadas com o método da aloconfrontações
(MOLLO, FALZON, 2004; LEBLANC, 2014), isso é, o grupo
de participantes assistiu a filmagens de aula de francês de
outros contextos de ensino, em que os temas escolhidos
por eles fossem abordados. Foram utilizados vídeos da
plataforma Néopass@ction e do contexto dos Cursos Ex-
tracurriculares de Francês da USP. Diante da visualização,
os professores compartilharam o que viam, como lidavam
com aquelas situações, o que conseguiam ou não fazer
4
Este trabalho emprega o termo “dispositivo de intervenção” no sentido empregado
pela Ergonomia da Atividade dos Profissionais da Educação (FÉLIX; SAUJAT, 2015) re-
ferindo-se ao conjunto de procedimentos realizados longitudinalmente com um grupo
de professores participantes. Por se situar no campo da Educação, o trabalho de inter-
venção e de análise da atividade por ser considerado como formativo.
85
diante delas.
No semestre seguinte, na retomada da formação, foi
proposto que os professores se confrontassem a excertos
de sua própria atividade, podendo esse registro ser em
forma de diário, de áudio ou de filmagem. Dois professo-
res voluntários filmaram excertos de suas aulas. Primeira-
mente foi realizada uma autoconfrontação simples (CLOT
et al, 2000), com o professor e a pesquisadora, seguindo o
mesmo princípio de comentar a atividade realizada, ob-
servando os impedimentos, as possibilidades, o que con-
seguiam ou não fazer. As perguntas da pesquisadora eram
no sentido de explicitar (“como você faz?”) e compreen-
der, sem implicar em avaliações ou julgamentos. Depois,
os dois professores que realizaram autoconfrontação sim-
ples foram convidados a realizar uma autoconfrontação
cruzada, em que, juntos, assistiram um à aula do outro.
Por fim, foi realizada uma reunião de retorno ao coleti-
vo, na qual os participantes relataram elementos dessas
autoconfrontações ao grupo. Ao longo desta intervenção,
foram oito entrevistas, do segundo semestre de 2017 ao
primeiro semestre de 2019.
Para a pesquisa, as transcrições das entrevistas foram
analisadas de acordo com o modelo de análise do intera-
cionismo sociodiscursivo (BRONCKART, 1999), adaptado
para entrevistas envolvendo a análise de práticas (BULEA,
BRONCKART, 2012) e interpretados à luz das ciências do
trabalho. Foram também selecionados textos que prefigu-
ram e prescrevem o agir docente (diretrizes, resoluções) e
levantados dados estatísticos sobre o contexto.
Embora não possamos apresentar os resultados das
86
análises linguístico-discursivas neste artigo por uma
questão de limitação de espaço, vale destacar que a seg-
mentação das entrevistas resultou em 154 segmentos de
tratamento temáticos selecionados, que foram agrupados
nas análises, permitindo a identificação dos temas mais
recorrentes. A análise temática preliminar identificou:
37% dos segmentos se referem ao interesse dos alunos,
28,6% sobre o uso do português, 17,5% sobre a utilização
de recursos didáticos (o uso do espaço na sala de aula, o
livro didático e as novas tecnologias), 16,8% foram sobre
condições de trabalho (turmas multisseriadas, escassez
de recursos, condições gerais de trabalho).
Tal levantamento é detalhado na tese, no entanto,
pela breve apresentação acima é possível constatar que
esses segmentos apontam para as práticas situadas dos
professores e para as dificuldades concretas que enfren-
tam em seu trabalho. Se, no início do dispositivo, os temas
se concentravam mais no sistema de ensino, as condições
de trabalho e a influência dos outros actantes sobre sua
atividade, ao longo das entrevistas, ao se depararem com
os registros concretos em vídeo e ao conhecerem e com-
partilharem as diferentes maneiras de fazer o trabalho, os
temas foram se direcionando mais para o sistema didático
e para as ações possíveis dos professores, permitindo que
pudessem se concentrar nas possibilidades de agir com,
apesar de e a partir das dificuldades e adversidades do
contexto (SILVA, 2020).
Considerando a elaboração e a implementação do dis-
positivo de intervenção formativa, bem como os efeitos
observados através das análises dos segmentos de trata-
87
mento temático, a próxima seção busca interpretar e re-
lacionar a pesquisa e a intervenção à luz do conceito de
resistência.
88
res, os dispositivos formativos envolvendo a coanálise das
situações de trabalho representam uma resistência ao
positivismo (CAVALCANTI, 2014) e às práticas de forma-
ção que buscam mensurar, quantificar, descontextualizar
e isolar os fenômenos, extraindo-lhes toda sua subjetivi-
dade. A posição do pesquisador-interveniente implica, ao
contrário, em conquistar a “ignorância” de não conhecer,
condição e engajamento necessários para conduzir qual-
quer intervenção nessa perspectiva (CLOT, 2008b). Ain-
da, esses dispositivos são uma forma de resistência ao
silenciamento e ao apagamento dos sujeitos que fazem
a educação acontecer, uma vez que dá voz a eles (GUÉRIN
et al, 2001; LOUSADA, 2017), às suas dificuldades concre-
tas e às diferentes formas de agir diante delas.
O fato de utilizar como porta de entrada as dificul-
dades levantadas pelos professores constitui-se como
resistência às formações pensadas em um modelo apli-
cacionista, que, ao contrário, são pré-concebidas. Na
perspectiva aplicacionista, essas formações se aproximam
da ideia de treinamento, visando supostamente à maxi-
mização da eficiência e observando o professor como um
executor de prescrições (MACHADO, 2007). Esse modelo
é representado por estruturas de curso que não se preocu-
pam em conhecer as realidades e os sujeitos participantes,
prevendo um programa a-contextual, sem adaptações.
Ainda, pelo fato de a intervenção ser desenvolvida ao lon-
go do tempo, de forma longitudinal, indo além da tempo-
ralidade da pesquisa, há também uma forma de resistên-
cia à fragmentação e ao caráter descontínuo, comum em
ofertas de formação pontuais.
89
No que concerne à implicação do pesquisador ou in-
terveniente no contexto da pesquisa, tal aspecto não é
visto de forma negativa. Por um lado, essa implicação per-
mite desenvolver uma situação em que os participantes
se sintam à vontade para falar sobre as dificuldades do
métier, como pesquisas têm mostrado (LOUSADA, 2006;
DANTAS-LONGHI, 2017; FAZION, 2017; SILVA, 2015).
Por outro lado, permite análises mais refinadas, pois, tal
como propõe Faïta (2002, p. 58), o “linguista engajado em
um grupo de análise das situações de trabalho é o que
está mais bem posicionado para perceber e interpretar as
ocorrências”, apreendendo os movimentos discursivos no
quadro de um diálogo do qual ele fez parte. Esses dois as-
pectos presentes em nossa pesquisa caracterizam, assim,
uma resistência à desvinculação dos pesquisadores ao
contexto de estudo.
Pelo embasamento nos aportes da psicologia social e
nas ciências do trabalho, os métodos de coanálise da si-
tuação de trabalho proporcionam uma resistência ao in-
dividualismo, uma vez que permitem que o trabalho se
torne objeto de discussão dos trabalhadores e que possa
haver um aumento do raio de ação dos sujeitos (CLOT,
FAÏTA, 2000) pela apropriação da experiência coletiva.
Na perspectiva da Clínica da Atividade, a história coletiva
transpessoal do métier atravessa cada indivíduo e permi-
te que cada um se reconheça como pertencente a ela, en-
contrando, junto aos pares, gestos profissionais e dilemas
em comum. Assim, as verdadeiras transformações das si-
tuações de trabalho não podem ser impostas de fora para
dentro, mas “somente os próprios coletivos podem operar
90
transformações sustentáveis em seu ambiente de traba-
lho”5 (CLOT et al, 2000, p. 1, tradução nossa).
Finalmente, cabe destacar que, em nossa pesquisa,
buscou-se resistir ao isolamento dos conhecimentos
produzidos na universidade, que, muitas vezes, ficam
centrados no âmbito da academia com dificuldades em
ultrapassar os muros da universidade e retornar para a
sociedade. Como já desenvolvido em outro artigo (SILVA,
LOUSADA, no prelo), a transferência dos saberes produzi-
dos nas pesquisas considera não somente a disseminação
de dados e métodos produzidos em um contexto para ou-
tro, mas igualmente “uma abertura a adaptar os métodos
e os processos de pesquisa” (MARION, HULFORT, 2015,
p.77), ambos os aspectos contemplados neste estudo.
Considerações finais
5
No original: [...] nous faisons ce constat: seuls ces collectifs eux-mêmes peuvent opé-
rer des transformations durables de leur milieu de travail” (CLOT et al, 2000, p. 1).
91
positivos de formação continuada longitudinais, que pos-
sam dar voz aos coletivos de professores do CEL, em uma
perspectiva dialética de transformação e compreensão do
contexto, resistindo às práticas de silenciamento, apaga-
mento e individualização, fragmentação e desvinculação.
Como apontado pelas análises, a entrada pela dificuldade
escolhida pelo coletivo, bem como o trabalho de coanálise
a partir das práticas concretas e situadas, permitiram aos
professores redirecionar a atenção para o campo sobre o
qual podem agir (ou seja, o sistema didático) apesar das
adversidades do contexto. Esses pontos reforçam a ideia
de que, tanto as pesquisas quanto as formações que se
valem desses métodos, considerando o ensino como um
trabalho situado, coletivo, mediado por instrumentos e
permeado de conflitos, passam a compreender de forma
ampla e complexa as múltiplas facetas e interrelações que
o ensino estabelece dentro dos sistemas educacional, de
ensino e didático.
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pesquisa. In: X Encontro do ALTER-AGE. 30 nov. 2020.
SILVA, E. C.; LOUSADA, E. G. “Um dispositivo de intervenção com
professores de centros de estudos de línguas (CEL): o trabalho de en-
sino do francês em debate”. D.E.L.T.A., no prelo.
SILVA, E. C.; MARRA OLIVEIRA, A. “Línguas estrangeiras no contex-
to do ensino remoto emergencial: apropriação de instrumentos para
ensino e aprendizagem”. In: Anais do CIET:EnPED:2020. São Carlos,
ago. 2020. ISSN 2316-8722. Disponível em: https://cietenped.ufscar.
br/submissao/index.php/2020/article/view/1737. Acesso em: 10 fev.
2022.
VYGOTSKI, L. S. Pensée et langage [1934]. Trad. Françoise Sève. 3 ed.
Paris: La Dispute, 1997.
95
O estágio supervisionado de língua inglesa
na modalidade remota: um relato de
experiência reflexivo
1
Graduada em Letras Inglês pela Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande,
Brasil, E-mail: vanessakarolineaguiar@gmail.com.
2
Professora Doutora do Curso de Letras Inglês da Universidade Estadual da Paraíba -
UEPB, Campina Grande, Brasil,
E-mail: karynesoares@servidor.uepb.edu.br.
97
motos, tendo em vista as características peculiares desse
componente curricular. Normalmente, é a partir desta
etapa que os estudantes de graduação têm o primeiro con-
tato imersivo no âmbito educacional e possuem a opor-
tunidade de se aproximar e acompanhar uma sala de aula
real. Neste momento, é possível observar os desafios e
contratempos que permeiam a prática docente.
Por se tratar de uma situação extraordinária, nosso
objetivo geral neste trabalho é socializar as experiências
vividas em Estágio Supervisionado de Língua Inglesa na
modalidade remota como forma de possibilitar o diálogo
entre a prática e a teoria estudada. Para isso, ao longo des-
te relato, descrevemos brevemente a metodologia utiliza-
da; em seguida, refletimos sobre a importância do Está-
gio Supervisionado na formação inicial de professores, o
desenvolvimento da postura reflexiva e sobre o contexto
remoto no qual o Estágio foi realizado e, por fim, expomos
os aspectos que mais nos marcaram durante essa trajetó-
ria e as nossas considerações finais sobre a experiência
vivenciada.
Metodologia
3
O portfólio foi o dispositivo de formação solicitado pela professora formadora para
fins de avaliação final no componente de Estágio Supervisionado II.
98
é importante ressaltar que a experiência em Estágio Su-
pervisionado (tratando-se especificamente do curso de
Letras Inglês da UEPB) é dividida em três momentos: I. O
Estágio de observação no Ensino Fundamental (doravan-
te EF) e no Ensino Médio (doravante EM); II. O Estágio de
regência no EF; e III. O Estágio de regência no EM. Neste
trabalho, o nosso foco será no relato de experiência do Es-
tágio Supervisionado de regência no EF que foi realizado
na modalidade remota em decorrência da pandemia do
novo coronavírus.
Quanto ao contexto da escola e da turma, nós esta-
giamos em duas turmas de 9º ano em uma Escola Cidadã
Integral e Técnica do município de Campina Grande-PB.
Nestas turmas, estavam matriculados um total de 56 alu-
nos, dos quais apenas 18 frequentavam as aulas síncronas
realizadas através da plataforma do Google Meet. Durante
esta experiência, atuamos em dupla e nosso estágio foi su-
pervisionado pela professora formadora de Estágio e pelo
professor regente de língua inglesa da escola na qual o es-
tágio foi realizado.
A seguir, apresentamos as teorias que embasaram as
reflexões feitas durante a vivência empírica no contexto
de sala de aula, relatando como se deu a prática docente
na modalidade remota.
Referencial teórico
99
que possuem a capacidade “de comparar, de valorar, de
intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso,
nos fizemos seres éticos” (FREIRE, 2007, p. 18). Assim,
Freire argumenta que a liberdade de escolha é essencial,
pois somos seres inacabados e que a condição humana é
um processo de constante aprendizado.
Ao longo da formação inicial, somos apresentados
a vários saberes específicos necessários ao exercício de
nosso ofício, dentre eles, podemos destacar a importância
da compreensão sobre o papel do planejamento no nos-
so agir. Segundo Piletti (2004, p. 61), “planejar é estudar.
Planejar é, portanto, assumir uma atitude séria e curiosa
diante um problema”. O autor argumenta que o planeja-
mento é uma "necessidade em todos os campos da ativi-
dade humana."
Porém, sabemos que o componente curricular de Es-
tágio Supervisionado propicia não só a construção de sa-
beres referentes ao processo de planejamento de ensino,
mas também vários outros saberes e práticas que favore-
cem o desenvolvimento do professor em formação inicial.
Nesse sentido, Bueno (2009) considera o Estágio como
sendo o momento de aproximação do licenciando com a
realidade de atuação futura. Dessa forma, a vivência no
Estágio Supervisionado, ainda que na modalidade remo-
ta, nos provoca a desenvolvermos uma postura reflexiva,
na qual problematizamos não só as escolhas pedagógicas
observadas em campo, mas, sobretudo, as crenças subja-
centes, as condições de trabalho e o contexto sócio-his-
tórico no qual estamos inseridos, inclusive como forma
de compreender também as nossas próprias escolhas no
100
exercício da docência.
Assim, refletimos sobre a necessidade da adoção da
postura reflexiva como proposta por Perrenoud (2002).
101
Galvão (2021), nas quais os autores discorrem sobre o en-
sino remoto no Brasil, pontuando criticamente a falta de
ações governamentais para reduzir os danos da falta de
recursos para a sua implantação. Além desses autores, nos
apoiamos também nas reflexões apresentadas por San-
tos, Lima e Sousa (2020) quanto aos desafios enfrentados
pelos professores e alunos brasileiros durante a instaura-
ção repentina da modalidade remota de ensino no país,
destacando a desigualdade já existente no acesso às tec-
nologias.
Na seção a seguir, apresentamos as reflexões realiza-
das durante a experiência empírica em Estágio Supervi-
sionado na modalidade remota.
Resultados e discussão
102
A precariedade do acesso e acompanhamento das
atividades remotas assume diversas nuances: não
há acompanhamento dos pais ou responsáveis, seja
porque estes estão trabalhando, seja por não saberem
orientar as atividades; só há disponibilidade de um
aparelho de celular em casa; não há internet de qua-
lidade que viabilize em melhores condições a realiza-
ção das atividades (SANTOS; LIMA; SOUSA, 2020, p.
1642).
103
número total de estudantes matriculados, ou seja, mais da
metade das turmas não possuía os recursos tecnológicos e
condições necessárias para frequentar as aulas na moda-
lidade remota emergencial. De acordo com o que obser-
vamos, o professor regente estava elaborando atividades
para que fossem impressas e entregues aos alunos que
não estavam acompanhando as aulas sincronicamente.
Em relação a essa realidade, Santos, Lima e Sousa (2020)
afirmam que:
104
to emergencial, pude4 constatar como essa falta de inte-
ração pode ser desmotivante e, muitas vezes, frustrante
para o professor, pois, sem essa interação, torna-se difícil
o trabalho de identificar como e se o aluno está de fato
assimilando o conteúdo ministrado. Como salientam Sa-
viani e Galvão (2021):
105
troca seja recíproca, pois, como Freire (2007, p. 25) afirma,
“não há docência sem discência”.
Outro ponto a ser ressaltado foi a exaustão e a cres-
cente desvalorização do trabalho docente, principalmen-
te no cenário de pandemia. Os professores como um todo
estavam cansados, trabalhando dia e noite para atender as
necessidades de seus alunos e, essencialmente, as neces-
sidades daqueles que não estavam participando efetiva-
mente das aulas. Em meio a tantas limitações do ensino
remoto emergencial, nos questionamos como o professor
pode avaliar o aprendizado de um aluno se o mesmo não
está inserido no contexto do ensino remoto?
Retomando a discussão, durante as conversas realiza-
das com o professor regente através de áudios na platafor-
ma do Whatsapp com o intuito de conhecer o contexto da
escola, o mesmo nos explicou que as instituições hierár-
quicas superiores a ele exigiam que, ao final de cada aula,
fosse realizada uma atividade. Com o intuito de elucidar
essa informação esclarecemos que, nessa escola, são oito
disciplinas distintas, cada uma contendo duas aulas por
semana. Então, havia um total de 16 atividades atribuídas
semanalmente para os alunos. Podemos constatar que
consistia, portanto, em uma sobrecarga gigantesca, tanto
para o alunado como para os professores. Neste sentido,
recordamos as palavras de Saviani e Galvão (2021, p. 37) ao
afirmarem que:
106
para dar conta.
107
valorizada, sem o apoio necessário. Como observadora,
sinto tristeza pela realidade do professor e dos alunos.
Verificamos também, ao longo das aulas, que, talvez
em decorrência do cansaço e da sobrecarga de atividades,
as aulas estivessem sendo mais centradas no professor,
isto é, aulas em que o tempo de fala do professor (Teacher
Talking Time - TTT) predominava e todo o saber partia
de algo dito por ele. Essa prática, por sua vez, favorecia
o contexto de pouca participação e interação com a tur-
ma. Diante dessa realidade, como estagiárias a ministra-
rem aulas nesta turma, tivemos como objetivo aumentar
a participação dos estudantes e proporcionar aulas mais
dinâmicas e interativas.
Para que esse objetivo fosse alcançado, vimos nossas
ações refletidas nas palavras de Piletti (2004, p. 61): “pla-
nejar é estudar. Planejar é, portanto, assumir uma atitude
séria e curiosa diante de um problema”. Eu e minha dupla
estudamos a situação, refletimos e decidimos agir de acor-
do com o nosso objetivo norteador.
No entanto, durante o planejamento das aulas, nos
deparamos com algumas incertezas durante o caminho.
Como já tínhamos experiência em sala de aula, dialoga-
mos um pouco com a professora formadora sobre a res-
ponsabilidade de assumir a turma por duas semanas,
realizando uma intervenção durante quatro aulas. Meu
primeiro receio foi refletido na tangente da responsabi-
lidade. Fiquei apreensiva em fugir muito da metodologia
utilizada pelo professor e isso causar consequências para
a turma, no sentido dos alunos sentirem a diferença entre
as nossas metodologias e a do professor regente e, de al-
108
guma forma, terem prejuízos em seu processo de aprendi-
zagem. Mesmo com os receios presentes, demos continui-
dade ao planejamento e pensamos nas possibilidades que
poderiam ser executadas durante a regência.
Após o processo de planejamento, chegou o momento
de imersão na sala de aula e exercer a docência. Minutos
antes de iniciar a aula, eu e minha colega de estágio fize-
mos uma chamada de vídeo para conversarmos um pouco
sobre como estávamos nos sentindo e quais eram nossas
expectativas para a primeira aula. Estávamos nervosas,
ansiosas e preocupadas com esse momento de interven-
ção, pois, apesar de ambas termos experiência na sala de
aula, foi uma experiência nova para nós. Temíamos preju-
dicar o professor e os alunos caso não fizéssemos um bom
trabalho, além do medo de constranger a nossa institui-
ção de ensino e a nossa professora formadora.
Aguardamos dez minutos até que pudéssemos ser li-
beradas para entrar na vídeo chamada e começar a minis-
trar nossa aula. Em meio a este misto de emoções descri-
tas anteriormente, seguimos o planejamento e atuamos
da melhor forma possível dentro do contexto do ensino
remoto. Nesta aula, haviam 21 alunos “presentes”. No en-
tanto, apenas 3 participaram ativamente durante a aula.
Ao final da aula, minha dupla e eu nos reunimos nova-
mente para refletir sobre o que havíamos desenvolvido e
durante esse distanciamento, pudemos analisar o que fora
realizado no exercício da docência, destacando os pontos
positivos e aspectos a serem melhorados nas regências
futuras, desta forma, assumimos uma postura reflexiva
sobre a nossa prática. Como afirma Perrenoud (2002):
109
Ao distanciar-se da ação, o professor não está intera-
gindo com alunos, pais ou colegas. Ele reflete sobre o
que aconteceu, sobre o que fez ou tentou fazer, sobre
os resultados de sua ação. Além disso, ele reflete para
saber como continuar, retomar, enfrentar um proble-
ma, atender a um pedido. Com frequência, a reflexão
longe do calor da ação é, simultaneamente, retros-
pectiva e prospectiva, ligando o passado e o futuro,
sobretudo quando o profissional está imerso em uma
atividade que exige dias e mesmo semanas para ser
concluída como um procedimento de projeto (PER-
RENOUD, 2002, p. 36).
110
colega e eu fomos acompanhadas da professora formado-
ra que estaria observando a aula e avaliando nossa perfor-
mance. Ficamos apreensivas, mas nossa preocupação era
em relação à desenvoltura da aula e participação dos alu-
nos e não ao fato de a professora estar presente. Como ha-
víamos refletido ao final da primeira aula, decidimos agir
e realizamos uma atividade interativa de revisão através
da plataforma do Google Jamboard. Para a nossa surpresa,
conseguimos captar a atenção dos alunos e essa atividade
proporcionou um momento de participação dos alunos
bastante significativo para nós.
Ainda nesta segunda aula, eu e minha colega nos de-
paramos com uma situação inesperada. Uma aluna en-
viou uma mensagem no chat durante a aula, justificando
o motivo de não ter realizado a atividade. Segundo ela,
estava internada no hospital com ansiedade. Assim que vi
a mensagem, congelei. Não soube o que fazer. Lembrei-
-me de uma cena do filme “Além da Sala de Aula” (2011)
na qual a personagem Stacey Bess diz que seis anos na
universidade não a haviam preparado para “isso”. Assim
como a personagem, eu não estava preparada para lidar
com esta situação. Parei e pensei por um momento: “O que
eu gostaria de ouvir de uma professora caso eu me abrisse
dessa forma com ela?”. A professora formadora observou
o ocorrido e nos sinalizou que deveríamos responder a
mensagem enviada pela aluna. Então, me coloquei no lu-
gar da aluna e respondi o que eu gostaria de ouvir.
Refletindo sobre isso, posteriormente, pude observar
o quão importante esse momento foi. É necessário que
tenhamos um olhar humano para com o outro, princi-
111
palmente naquele momento em que estávamos vivendo.
Me senti impotente por não poder fazer nada além disso
para ajudá-la e, ao mesmo tempo, senti gratidão por ela
sentir confiança em nós e confidenciar o que havia acon-
tecido, especialmente em se tratando de uma coisa muito
pessoal e íntima como esta. Creio que, ao não fechar os
olhos diante dessa situação, ela se sentiu ouvida. Após o
término da aula, eu e minha colega entramos em contato
com a aluna e perguntamos se ela estava melhor. A aluna
informou que havia melhorado e agradeceu por termos
perguntado. Partindo dessa perspectiva, considero que
um dos ensinamentos acerca dessa experiência nos tenha
mostrado a necessidade de um olhar mais humanizado
para os discentes e, além disso, a importância do vínculo
entre aluno-professor.
Na terceira aula, fizemos um quiz de revisão do assun-
to estudado através do Wordwall. Os alunos se engajaram
bastante durante a atividade e isso foi muito significativo
para mim, uma vez que um dos nossos objetivos era que
eles participassem de forma ativa durante as aulas. Em se-
guida, apresentamos o tópico gramatical “Have To x Must”
para falarmos de obrigação. Pedimos aos alunos que eles
lessem os exemplos para que continuassem se engajando
ativamente durante a explicação. Ao finalizar a apresenta-
ção, explicamos como seria feita a atividade de casa.
Como de costume, minha dupla e eu nos reunimos
para dialogar sobre a aula. Durante a reunião, comenta-
mos sobre a participação dos alunos e como sentimos que
estávamos fazendo “algo certo”. Com esse engajamento
durante a aula, senti que alcançamos os alunos e os trou-
112
xemos de volta para a sala de aula. Me senti realizada,
pois, mesmo ainda não tendo encerrado a regência, notei
que os objetivos propostos foram atingidos e que estava,
de fato, fazendo um bom trabalho.
Em seguida, chegamos ao momento da última inter-
venção. No entanto, houve um imprevisto que atrapalhou
o decorrer da aula. Sempre que eu e minha colega íamos
entrar na aula, era necessário que o Coordenador Admi-
nistrativo da escola permitisse nossa entrada na chama-
da, por ele ser o host do link do Google Meet. Neste dia, o
coordenador estava sem conexão de internet e houve um
atraso de 33 minutos até que conseguíssemos entrar na
aula.
O professor regente ministrou a aula que havíamos
planejado, que consistia em uma revisão geral do que ha-
víamos estudado durante as duas semanas anteriores. Em
decorrência do atraso de nossa entrada no Google Meet,
conseguimos fazer apenas uma atividade de revisão com
os alunos. Ao final da aula, agradecemos aos alunos e ao
professor pela oportunidade de estagiar e nos despedi-
mos.
Apesar da impossibilidade de termos realizado todo
o nosso planejamento como gostaríamos, posso afirmar
que esse momento final da aula foi bastante significativo
para mim porque para mim porque pudemos conversar
um pouco com os alunos. Eles perguntaram se tínhamos
gostado da turma e de estagiar com eles. Perguntaram
também se já éramos professoras ou se tinha sido nossa
primeira experiência. Foi uma troca bem interessante e eu
e minha dupla comentamos com eles sobre o Estágio ser
113
visto como um divisor de águas na nossa formação, como
nossa professora formadora costumava dizer, um momen-
to decisivo sobre atuar ou não na docência. Falando por
mim, eu já tinha certeza de que queria seguir na carreira
docente desde o primeiro momento em que tive a oportu-
nidade de entrar em sala de aula, em 2018. A experiência
em Estágio só confirmou essa decisão.
Na próxima seção, apresentamos nossas considera-
ções finais decorrentes da experiência de Estágio Super-
visionado assumindo uma postura crítico-reflexiva.
Considerações finais
114
utilizando ferramentas como o Google Jamboard e Wor-
dwall. Por meio dessas atividades e exposição durante
as aulas, notamos um engajamento melhor por parte dos
alunos.
Conforme evidenciado nas palavras de Bueno (2009),
o Estágio Supervisionado busca aproximar o aluno da li-
cenciatura da realidade do ofício docente, além de propor-
cionar um primeiro contato imersivo no contexto educa-
cional, no qual o estagiário pode observar os desafios que
permeiam a docência e refletir sobre a prática pedagógica.
Partindo desta perspectiva, foi possível constatar que
a experiência em Estágio é fundamental para a formação
inicial de professores, uma vez que nos possibilita, ainda
que em contexto de ensino remoto, ressignificar saberes
quanto ao nosso ofício. Na experiência vivenciada, enten-
demos que isso se deu em vários momentos, a saber: ao
buscarmos um olhar mais humanizado para o ofício da
docência e suas atribuições diárias; ao reconhecermos a
importância do vínculo com os discentes durante o pro-
cesso de ensino-aprendizagem; ao nos darmos conta do
papel do planejamento, bem como da necessidade de fle-
xibilizá-lo; e ao aprendermos que os saberes não são cons-
truídos unilateralmente, isto é, que é preciso que haja uma
troca e um diálogo entre professores e alunos para que o
conhecimento seja de fato consolidado. Para finalizar, re-
tomamos as palavras de Freire (2007) nas quais ele afirma
que somos seres inacabados e inconclusos em constante
processo de aprendizagem, e que sempre teremos novos
saberes para construir e ressignificar.
115
Referências
116
Uma sequência didática com o gênero digital
chat no contexto do ensino
remoto emergencial
1
Graduação em Letras Inglês pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, Campina
Grande, Brasil, e-mail: rrivaldoferreira17cl@gmail.com.
2
Doutor em Educação (FE-USP). Departamento de Letras e Artes e Programa de Pós-
-Graduação em Formação de Professores, Universidade Estadual da Paraíba - UEPB,
Campina Grande, Brasil, e-mail: fabiohispanista@gmail.com.
117
questões emergiram e em todos os lugares quanto as inú-
meras barreiras encontradas no ensino público brasilei-
ro. Dentre elas, gostaríamos de dar enfoque a três pontos
cruciais para uma transposição didática efetiva, sendo:
(i) a falta de internet de professores e alunos; (ii) a falta
de manuseio com os recursos digitais pelos professores;
(iii) a qualidade dos dispositivos usados por professores e
alunos, (OLIVEIRA; SILVA; SILVA, 2020, p. 26); (ARRUDA;
SIQUEIRA, 2021)
Tais problemas tornam o ERE ainda menos eficaz
quando levamos em consideração aspectos socioeconô-
micos, visto que o ensino mediado pelos recursos digitais
requer uma boa conexão com a internet, bem como dis-
positivos que suportem o uso constante de plataformas
de videoconferência e de sites/plataformas suportes para
um ensino mais eficaz. Diante disso, podemos perceber
que o ERE vem sendo uma modalidade de exclusão, uma
vez que nem todos os alunos são abraçados com a solução
emergencial encontrada.
118
“[...] um conjunto de atividades progressistas, planifica-
das, guiadas ou por um tema, ou por um objetivo geral
[...]”. Diante disso, entende-se que o termo de SD gira em
torno de um gênero textual, seja ele oral ou escrito, or-
ganizado de forma processual e que o foco se ancora em
preparar o aluno para usar o gênero socialmente, levando
em consideração uma temática, uma problemática ou um
objetivo.
Os pesquisadores do grupo de Genebra ainda men-
cionam que uma SD tem por objetivo “[...] ajudar o aluno
a dominar um gênero de texto, permitindo-lhe, assim,
escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa
dada situação de comunicação”, (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHNEUWLY, 2004, p. 84). Assim, percebe-se que através
do estudo processual de um gênero o professor promove
que os alunos apliquem nas diversas práticas sociais o que
foi aprendido em sala.
Através dos estudos pioneiros de Dolz, Noverraz e
Schneuwly (2004, p. 83) nos é proposto um esquema ou
estrutura base de uma SD, ancorada em quatro conceitos
base, a saber: a apresentação da situação, a produção ini-
cial, os módulos3 e a produção final.
De modo simples, a apresentação da situação objeti-
va expor o projeto comunicativo para os alunos, deixan-
do de forma bastante clara e objetiva qual é o gênero oral
ou escrito a ser estudado, qual será a problemática a ser
abordada e como se dará o processo. Já na produção ini-
cial, os alunos são convidados a elaborarem um primeiro
texto, tendo como base os conhecimentos de mundo; tal
3
Os módulos também podem ser chamados de oficinas.
119
momento, promove ao professor diagnosticar o entendi-
mento dos alunos sobre o gênero e posteriormente traçar
metas que serão trabalhadas nos módulos de desenvol-
vimento. Na seção de módulo é trabalhado os problemas
identificados na produção inicial, e é por meio de “ativida-
des ou exercícios sistemáticos e progressivos que permi-
tem aos alunos apreenderem as características temáticas,
estilísticas e composicionais do gênero alvo do estudo”
(ARAÚJO, 2013, p. 323). E por fim, temos a produção fi-
nal, sendo o produto completo com as características do
gênero apresentadas pelo professor durante os módulos
(DOLZ, NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, pp. 84-90).
Levando em consideração a realidade do ensino brasi-
leiro, a estrutura base de SD proposta pelos pesquisadores
do grupo de Genebra, necessita, segundo Araújo (2013, p.
324) ser adaptada. Sobre isto, Dolz e colaboradores (2004,
p.93) mencionam que a estrutura de uma SD é adaptável,
abrangendo, dessa forma, “às necessidades particula-
res dos diferentes grupos de aprendizes”. As adaptações,
com o advento da SARS-CoV-2, fazem-se ainda mais ne-
cessárias, pois o ERE por suas limitações já requer que o
professor adeque sua prática para melhor socializar con-
teúdo.
120
é sobre tal. O GTD chat, traduzido do inglês para o portu-
guês como bate-papo, pode ser definido, segundo Santos
(2005), como uma forma de comunicação em que simula
uma conversação face a face, mas que mediada por re-
cursos e/ou suportes digitais; (como por exemplo, fórum,
bate-papo do WhatsApp, do Instagram etc.). Tendo como
base os estudos de Marcuschi e Xavier (2010) quanto a ti-
pologia do GTD chat existem cinco categorias, sendo eles:
(i) o chat em salas abertas; (ii) o chat reservado; (iii) o ba-
te-papo ICT agendado; (iv) os chats em salas privadas; e
por fim, (v) aulas-chat ou chat educacional. É importante
destacar que cada tipologia mencionada abrange públicos
e propósitos diferentes, mas que se assemelham quanto
os objetivos: o de promover ou simular uma conversação
em tempo real mediada por recursos digitais. Consideran-
do o teor desta pesquisa, o tipo de chat optado foi o chat
reservado/privado.
Sobre o chat reservado/privado ou bate-papo, pode-
mos afirmar que é uma conversação em que duas pessoas
interagem entre si tendo em vista um tema gerador ou um
proposito comunicativo, sendo este de cunho pessoal, so-
cial, profissional ou educacional. A linguagem usada nos
chats varia muito conforme a formalidade, o contexto, os
participantes e o proposito comunicativo que se inserem;
podendo ser formal quando se trata de assuntos de cunho
profissional, por exemplo. Ou podem ser bastante infor-
mais quando se trata de conversas entre amigos, familia-
res etc. O chat pode ser usado como um GTD a ser traba-
lhado em sala de aula, mesmo sendo um gênero bastante
conhecido e usado por grande parte do corpo estudantil,
121
faz-se necessário mostrar outras possibilidades de uso, e
não apenas com a função restrita de conversa entre ami-
gos, mas abrangendo outras perspectivas. Posto isto, es-
colhemos a plataforma do WhatsApp como suporte a ser
usado para o desenvolvimento do gênero chat, o que será
discorrido de forma detalhada na seção a seguir.
4
Utilizaremos neste trabalho a nomenclatura de multiplataforma, pois é mais abran-
gente e assemelha-se aos que pretendemos pontuar.
122
Por ter esse caráter multimodal, isto é, envolver dife-
rentes linguagens e recursos multissemióticos, Souza e
Nascimento (2020, p. 88) mencionam que multiplatafor-
mas, como o WhatsApp, possuem “uma variedade com-
plexa de nós e suas respectivas conexões”. Segundo os
autores, “os nós indicam a representação dos atores par-
ticipantes e as conexões sugerem as interações que rea-
lizam”. Posto isto, entende-se que as multiplataformas
são ambientes que favorecem as trocas conversacionais,
as quais tornam-se significativas por serem de natureza
colaborativa.
Na esfera educacional, segundo Souza e Nascimento
(2020, p. 90), o WhatsApp é visto como um suporte que
“[...] pode expandir as experiências didáticas ao acenar
com a colaboração nos processos de ensino e aprendiza-
gem [...]”. Diante disso, percebe-se que a multiplataforma
em estudo, além de sua função primaria de rede social,
pode abranger outros “ecossistemas comunicativos”, sen-
do um deles de cunho educacional, (XAVIER; SERAFIM,
2020, p. 110). Sobre este (s) ecossistema (s) de aprendiza-
gem o WhatsApp pode ser visto, segundo Xavier e Sera-
fim (2020, p. 110), como: (i) gênero discursivo e suporte de
gêneros; (ii) cultura digital e educação; (iii) pedagogia dos
multiletramentos; (iv) nova forma de ler, ensinar e apren-
der; (v) prática de ensino-aprendizagem colaborativa; (vi)
acervo de pesquisa; (vii) rede social e (viii) forma de comu-
nicação dinâmica e interativa.
Diante do exposto, fica ainda mais claro que o Wha-
tsApp é uma multiplataforma, pois além dos recursos
multimodais já apresentados o usuário navega por várias
123
outras possibilidades. Em tempos de trabalho, ensino e
estudo remoto, o WhatsApp vem facilitando e median-
do o contato entre professores e alunos, quebrando, des-
sa forma, as barreiras impostas pelo ERE. Nessa mesma
perspectiva, mas de maneira mais geral, Xavier e Serafim
(2020) mencionam que a multiplataforma do WhatsApp
possibilita que os interactantes de uma conversação sejam
produtores de sentidos e de discursos significativos me-
diados por este recurso. Fica evidente, então, que a utili-
zação do WhatsApp perpassa a sua função micro de rede
social e torna-se macro, visto que abrange e suporta inú-
meras possibilidades na era hiperconectada.
Metodologia
5
Segundo a CAPES, o PIBID “é uma ação da Política Nacional de Formação de
Professores do Ministério da Educação (MEC) que visa proporcionar aos discentes na
primeira metade do curso de licenciatura uma aproximação prática com o cotidiano
das escolas públicas de educação básica e com o contexto em que elas estão inseridas”
(CAPES, 2020, s/p).
124
ponentes curriculares de Estágio Supervisionado.
Visando uma formação ampla, temos o PRP, ação
que atualmente integra a Política Nacional de Formação
de Professores, e que de acordo com os canais oficiais da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior, doravante CAPES, tem por objetivo “induzir o
aperfeiçoamento da formação prática nos cursos de licen-
ciatura, promovendo a imersão do licenciando na escola
de educação básica, a partir da segunda metade de seu
curso” (CAPES, 2018, p. 1).
Percebemos, diante do exposto, que estratégias para
suprir as necessidades da formação inicial vem sendo
realizadas e que através das experiências vivenciadas e
socializadas durante o projeto são norteadoras para uma
prática pedagógica reflexiva. Um ponto a ser mencionado
relaciona-se aos campos de intervenção dos professores
residentes6. As escolas campos de intervenção fazem par-
te da rede pública de ensino, em que um professor forma-
do e em exercício da função, sede espaço para a regência
de aulas pelos professores residentes. O campo de inter-
venção dos professores residentes do subprojeto Letras
Inglês, da Universidade Estadual da Paraíba – Campus I,
é uma escola que agrega o ensino médio e técnico, e lo-
caliza-se no Município de Campina Grande, no Estado da
Paraíba.
Nesses termos, durante esta seção iremos apresentar
e discorrer sobre o processo de escolha do gênero textual,
bem como o modelo didático de gênero elaborado pelos
6
Utilizaremos o termo “professores residentes” para nos referirmos aos graduandos
que fazem parte do PRP.
125
professores residentes7. Posteriormente, teceremos algu-
mas considerações sobre a estruturação da SD e síntese
das aulas, e por fim é apresentado as dificuldades e adap-
tações encontradas no processo de aplicação até chegar-
mos em uma produção final.
Vale ressaltar que a experiência pedagógica aqui re-
latada faz parte de uma das atividades desenvolvidas no
projeto que integra a política de formação de professores:
o Programa de Residência Pedagógica, no subprojeto de
Letras Inglês, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
A atividade desenvolvida teve como base a turma do ter-
ceiro ano do Ensino Médio e Técnico, na rede pública de
ensino do Estado da Paraíba, no componente curricular
de língua estrangeira moderna inglês. Tendo em vista a in-
tegralização da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
nos currículos, foi preciso um estudo aprofundado desta,
pois nossos planos de aula eram entregues ao professor
supervisor, e posteriormente eram repassados a coorde-
nação pedagógica da escola.
7
A atividade foi desenvolvida em dupla, por dois residentes, porém este trabalho surge
a partir do relatório individual de cada residente.
126
planos para o futuro”, que teve como foco aspectos rela-
cionados a vida Pós-Ensino Médio, ancorado em trabalho,
ensino superior e sonhos para o futuro. O Gênero Textual
escolhido para guiar o processo de aprendizagem neste
período de 11 encontros, foi o chat8, tendo como suporte a
multiplataforma do WhatsApp.
O objetivo geral da SD aplicada foi “guiar os alunos
a refletirem sobre a vida pós-ensino médio levando em
consideração o gênero textual chat. Já como objetivos
específicos foram: (i) discutir sobre o tema proposto; (ii)
guiar os alunos acerca das principais características do GT
chat e sua importância; (iii) estudar os seguintes aspectos
linguísticos da língua inglesa: Condicionais, Pronomes,
Interpretação Textual e Vocabulário; e, (iv) Possibilitar o
uso das quatro habilidades9 da língua inglesa por meio de
atividades contextualizadas e interativas.
Sobre os conteúdos suportes utilizados ao longo da
SD foi preciso basear-se nos conteúdos linguísticos do
planejamento bimestral. Dentre outros, foi estudado:
condicionais (0, 1ª, 2ª e 3ª); pronomes pessoais (I, You,
He, She, It, We, They, You); pronomes possessivos (Mine,
Yours, His, Hers, Its, Ours, Theirs, Yours); pronomes inter-
rogativos (What, Which); palavras cognatas; sinônimos e
vocabulário referente ao Gênero Textual Chat. As seguin-
tes habilidades da BNCC nortearam o processo de plane-
jamento: (EM13LGG402), (EM13LGG403), (EM13LGG701)
8
A escolha deste gênero, mesmo que bastante usado e dominado pelos discentes, par-
tiu da necessidade e dificuldade de se trabalhar com gêneros de pouco conhecimento
e de maior complexidade, tendo em vista as limitações e o tempo reduzido de aula sín-
crona de aula, optou-se em usar um GT conhecido, mas com novas perspectivas de uso.
9
As habilidades são: escrita, leitura, fala e audição.
127
e (EM13LGG101)10.
Tendo em vista as limitações do ERE, foi usado como
suportes mediadores das aulas ministradas o: Google
Meet, Google forms, Quizziz, Jam Board e WordWall, que
ajudaram a mediar de forma interativa, contextualizada e
autêntica o processo de ensino-aprendizagem. Já a meto-
dologia usada pelos professores residentes e a forma de
avaliação dos alunos, teve-se aulas baseadas no modelo
expositivo, dialogado e interativo em que os alunos eram
avaliados por meio de questionamentos ou comentários
do tópico em foco, seja por meio da interação do bate-
-papo ou por meio da oralidade, através do microfone da
plataforma. Vale mencionar que por questões de ensino
remoto, todas as turmas dos terceiros anos da escola en-
travam na mesma chamada, e a média de alunos por aula
perpassava, em sua grande maioria, a marca de 75 alunos.
10
Foi citado apenas os códigos das habilidades da BNCC, pois suas definições são lon-
gas e não agregam muito aos objetivos do trabalho.
128
gêneros textuais, necessita, além de tudo, ser um consu-
midor destes, e também produtor de conteúdos pedagógi-
cos digitais ou analógicos (escritos). O Modelo Didático de
Gênero foi apresentado aos alunos, e serviu como suporte
para todo o processo de desenvolvimento da SD.
Na estruturação base adaptada da SD foi acrescenta-
da a categoria de socialização, pois os alunos necessitam
falar como foi o processo de produção, bem como com-
partilhar para os demais da turma qual foi o produto final.
Considerando o número de alunos, conforme foi fadado
na seção 4.1, a socialização se deu por meio do recurso di-
gital do Padlet, plataforma gratuita e de uso colaborativo,
em que cada dupla foi responsável em adicionar sua pro-
dução final. Decidimos não anexar produções feitas pelos
alunos como exemplos no corpo deste trabalho por ques-
tões éticas, pois nas publicações do chat ancoradas no Pa-
dlet, tem-se informações pessoais referentes aos alunos.
Em relação as aulas ministradas, o Quadro 01 apre-
senta uma visão geral de cada momento síncrono:
129
04 Atividade avaliativa assíncrona.
05 Estudo de aspectos do GT + Atividade
comunicativa + Encaminhamento do Módulo
II.
06 Estudo de aspectos do GT + Impressões do
Módulo II.
Considerações finais
131
no-aprendizagem. São através destas que o docente tem
a oportunidade de propor formas autênticas e interativas
de interação, as quais quebram as vozes mudas emergen-
tes com a pandemia em contexto educacional. A multi-
plataforma do WhatsApp, em seu caráter multimodal e
multissemiótico, além da sua função de fazer comunicar,
permite também a integralização do ensino aplicado a
aspectos da vida social dos alunos, permitindo, assim, a
compreensão integral do aluno enquanto participante co-
laborador do seu processo de aprendizagem.
No que tange a aplicação da Sequência Didática, no-
ta-se que os desafios são constantes e que as adaptações e
reflexões antes, durante e pós aulas se fazem necessárias,
haja vista que é por meio da observação da própria prática
que o professor se (re)planeja. O processo de aplicação de
SD mostra-se como uma possibilidade, mesmo em meio
aos desafios, de instigar o aluno a desafiar os seus limites e
se aventurar nos desafios postos. Diante disso, percebe-se
que os resultados obtidos com esta experiência agregam
ao processo de ensino-aprendizagem de todos os envolvi-
dos, uma vez que tido ancora-se no trabalho participativo,
colaborativo e dialogado.
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132
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134
“Ensinando alemão e cruzando realidades
paulistas e baianas”: considerações e
articulações para um projeto de centros de
estudos de línguas no Estado da Bahia
Milan Puh1
Ivanete da Hora Sampaio2
1
Docente de licenciatura em língua alemã da Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo, Brasil, e-mail: milanpuh@usp.br
2
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura do Instituto de Le-
tras da Universidade Federal da Bahia, Brasil, e-mail: ivanetedahora@gmail.com
135
guas e seu lugar na educação e na sociedade. É por meio
dessa troca, a qual poderia ser mais consistente e contun-
dente, que acreditamos ser possível criar mais um modo
de pensar os centros de línguas e escolas públicas que os
recebem. Pois, é no ir e vir da conversa que se repensa e
constrói a necessária transformação social, um tema tão
complexo no Brasil, que demanda muitas abordagens
para garantir mais condições para se ter algum êxito.
E como já dizia Itamar Assunção na sua música “Ve-
nha até São Paulo...Gente do nordeste, do norte aqui no
sudeste, batalhando nesse mundaréu de mundo que só
cresce, que só carece”, lançamos o convite de visitação à
experiência dos Centros de Estudos de Línguas (CEL) em
São Paulo. Trata-se de um programa enquanto uma polí-
tica educativa no ensino de línguas, a qual consideramos
como uma referência na nossa área e que ao mesmo tem-
po precisa ser analisada, repensada e quiçá superada, num
projeto que poderá representar uma importante política
de democratização do ensino de línguas na Bahia, por
meio de um programa parceiro, hoje chamado “Outras Pa-
lavras”.
O convite veio para que um decreto na Bahia, o qual
marca o início da criação de uma política e planejamento
linguístico, possa vir até a capital paulista, onde historica-
mente vinham muitas pessoas de outras regiões do país
e do mundo, mas que nem sempre voltavam para seus
lugares de origem. Esta devolutiva é algo que queremos
possibilitar na nossa discussão. Propomos um retorno de
conhecimentos, levando em conta o dito crescimento que
houve no que se refere ao ensino de línguas (em 2022 são
136
mais de 200 instituições de ensino básico estadual pau-
lista em que se aprendem diversas línguas do mundo). Ao
mesmo tempo, almejamos discutir as possíveis carências e
pontos cegos que fazem com que pensemos melhor como
garantir a criação e expansão de projetos semelhantes em
outros locais da federação brasileira. Pensamos que, colo-
cando uma experiência existente ao lado de uma em vias
de desenvolvimento, ganhos serão visíveis para ambas,
trazendo novas perspectivas e ideias sobre como e para
quem estas línguas serão ensinadas.
É certo que cada estado tem as suas especificidades,
porém a condição plurilíngue é constitutiva do Brasil
como um todo, bem como o baixo investimento no estí-
mulo ao estudo de línguas, independentemente da sua
classificação (adicional, segunda, outra, estrangeira, de
escolha etc.). É notório que a legislação federal atual des-
favorece o estudo de línguas para além da língua inglesa,
fato que pode ser “corrigido” parcialmente com bons pro-
jetos estaduais e municipais que podem novamente re-
colocá-las junto a outras discussões e iniciativas, tanto a
nível legislativo, quanto político.
Ao retomar os versos de Itamar Assunção, reafirma-
mos que, mesmo vindo de algum outro espaço geográfico,
é através da pluralidade linguística que as relações se in-
tensificam e o indivíduo ganha novos meios e estratégias
de lidar com o plural, como igualmente nos mostra o can-
tor baiano Magno Estevam, em uma das estrofes de sua
canção, ao descrever a relação de uma mulher negra e sua
diversidade linguística. O mesmo diz: “[...] A minha palavra
é lusitana, eu canto luso, eu rimo luso, a minha pele é afri-
137
cana, por isto eu luzo, eu brilho muito. Negra mulher linda
baiana, fala com o mundo, seu riso luz, germano, anglo,
luso africana, pertence ao mundo, dona do mundo [...]”.
Diante do exposto anteriormente, acreditamos ter criado
um ponto de partida para que leitoras e leitores possam
acompanhar o nosso argumento de como aprendizado
de outros idiomas pode ampliar possibilidades de novas
interações, ou seja, novos diálogos, novas oportunidades
de trabalho e, em última instância, um enriquecimento do
nosso conhecimento de mundo.
Neste trabalho, faremos um entrelaçamento inicial
das experiências de implementação dos CELs - Centro de
Ensino de Línguas em São Paulo e da importância e reali-
zação do Programa Outras Palavras, privilegiando aqui a
língua alemã como o objeto de discussão, uma vez que é o
instrumento de trabalho da autora e do autor deste texto.
Dando sequência às discussões, traremos uma amostra-
gem do ensino de língua alemã no contexto baiano e suas
possibilidades de contribuir/oportunizar a educação nas
escolas públicas, pensando o ensino de língua(s), a partir
de um olhar suleador. Prosseguindo, analisaremos a pro-
posta dos CELs com o contexto do programa Outras Pala-
vras, comparando assim os decretos dos mesmos e seus
desdobramentos. Por fim, traremos algumas proposições
que venham contribuir na formação de professoras e pro-
fessores de línguas estrangeiras, visando o enriquecimen-
to profissional dos mesmos, a fim de que possam atuar de
forma melhorada, comprometida e com êxito no desen-
volvimento linguístico das alunas e dos alunos da escola
pública. A partir destas questões, podemos assegurar que
138
os Centros de Línguas poderão vir a contribuir ainda mais
para o aperfeiçoamento linguístico das alunas e dos alu-
nos da escola pública e, consequentemente, abrir novas
dimensões para o aprendizado das línguas e oportunida-
des de vida para as suas e seus futuros(as) alunos (as).
139
mas certos de que cada língua precisaria de uma aborda-
gem específica, ao lado de uma geral que nos possibilitaria
pensar o conjunto todo das línguas e políticas.
O alemão é, ao mesmo tempo, uma língua estrangeira
e local, de fora e de dentro, europeia e brasileira, dotada de
importância econômica, científica, cultural, e, portanto,
linguística no cenário mundial, embora no Brasil a mes-
ma não goze de um status tão elevado como em outros
locais. Deste modo, apesar de ser ensinado em colégios
particulares, normalmente de origem germânica e/ou
fundados por imigrantes, também é falado e ensinado
em escolas públicas em diversas regiões do Brasil e com
diferentes nomenclaturas (pomerano, hunsriqueano,
suá-, etc.) quando se trata de seu reconhecimento oficial
em determinadas cidades/estados, circunstâncias já
pontuadas e apresentadas em diversos trabalhos como,
por exemplo, nos é mostrado por Puh e Socoloski
(2020) e Roschel (2019). Cabe mencionar que é apoiado
significativamente pelo Instituto Goethe e outras institui-
ções do governo alemão (UPHOFF, 2013; COUTO, 2012).
Assim, considerando-se as relações entre política, língua
e globalização, aliada aos demais aspectos geopolíticos de
uma língua em específico, torna-se necessário saber de
qual língua alemã estamos falando e em que contexto se
faz/fará uso da mesma.
A língua alemã é uma língua pluricêntrica3, falada ofi-
3
As línguas pluricêntricas caracterizam-se por apresentar mais de um centro de refe-
rência, de onde emanam variadas normas linguísticas, nem sempre coincidentes do
ponto de vista de seus usos. As normas variam internamente, porque apresentam dife-
renças dentro de uma mesma variedade de uso, e também variam externamente, como
é o caso de normas que diferem entre países e regiões (MENDES, 2016, p. 294). Para
mais detalhes sobre o plurilinguísmo germânico no Brasil, consultar também Meirelles
140
cialmente no continente europeu, em países como Alema-
nha, Áustria, Suíça, Luxemburgo, na região de Tirol, em
parte da Bélgica, no principado de Liechtenstein e no con-
tinente africano é falada na Namíbia e parte da África do
Sul. No Brasil sua presença se dá, predominantemente, no
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Espírito San-
to, sob o nome de línguas teuto-brasileiras, como o pome-
rano, o hunsriqueano, o alemão e o suábio. O que também
contribui para a sua posição de destaque é a existência
de empresas e indústrias que são ligadas (in)diretamente
à Alemanha, bem como quase 60 cursos de alemão - se-
gundo o Ministério do Exterior Alemão (AUSWÄRTIGES
AMT, 2020), ofertados em instituições de ensino superior,
que criam mais possibilidades de interlocução.
Pensando neste lugar que ocupa o mundo chamado
alemão/germânico, uma das percepções formadas na pes-
quisa para este texto foi a carência de informações rela-
cionadas a dados sobre a atuação das empresas alemãs
em diferentes regiões do Brasil, principalmente, na Bahia.
Aqui já se encontra um ponto a ser melhorado com mais
pesquisas sobre a relação da atuação dessas empresas
economicamente ativas e às questões linguístico-cultu-
rais alemãs. O Brasil é o principal parceiro comercial da
Alemanha na América Latina, com quase 900 empresas
teuto-brasileiras. Este mesmo país envia à Alemanha
tradicionalmente matérias-primas não-processadas (ou
pouco processadas), como minério de ferro, placas de aço
ou soja, e a Alemanha exporta bens de capital, como má-
quinas, ou industrializados, como produtos químicos e
141
farmacêuticos (RUSSAU, 2017).
Já no estado de São Paulo, especificamente, a situação
é bastante favorável no que se refere às oportunidades
econômicas apresentadas na cidade e nas empresas com
vínculos germânicos. Além do mais, São Paulo é um lo-
cal que possui um intenso e constante fluxo imigratório,
o que contribui para um cenário linguístico diverso, nor-
malmente considerado como referência quando se pensa
nessa temática. Neste contexto, também surge o projeto
do Centro de Ensino de Línguas, a partir de um decreto
(27.270 de 11 de agosto de 1987), no qual o alemão foi in-
serido, devido a suas características, já um ano depois,
quando a resolução nº 193, de 18 de agosto de 1988 abre
“mão” da centralidade do espanhol, não lhe concedendo
a exclusividade no ensino (o que vemos certo paralelo
com a situação do inglês, na atualidade), tal como comen-
ta Gasparelo (2009). Isso indica que houve uma transição
rápida entre uma proposta monolíngue para uma plurilín-
gue, fato que se deve à atuação decisiva da comunidade
escolar (docentes, discentes, pais, gestores) e acadêmica.
Inicialmente, foram feitas pesquisas de interesse com as
escolas e seu público, uma vez que outra resolução, nº 271,
de novembro de 1987 exigia que para a instalação de um
CEL precisava a existência de uma demanda que o justifi-
casse, como: espaço físico para garantir a continuidade de
estudos; localização de fácil acesso (já que uma escola com
centro de línguas atende várias outras instituições em seu
entorno) e horário de funcionamento que fosse também
acessível ao aluno que trabalha, demonstrando uma aber-
tura para que as próprias comunidades escolares fossem
142
atrás da sua criação. Isso, claro, teria acontecido de acordo
com a demanda e não necessariamente apenas partindo
da oferta de professores, o que nos parece ser uma deci-
são prudente para um projeto pioneiro como esse em uma
época de redemocratização de ensino no final dos anos
80.
Por outro lado, significou uma entrega de responsa-
bilidade quase total às comunidades escolares, as quais,
com um estímulo maior, declarado e constante, poderiam
ter criado mais centros ainda, para além dos 200 existen-
tes. Vejamos o caso do alemão, oferecido pelas universi-
dades estaduais paulistas enquanto curso de graduação
com mais de uma centena de vagas anualmente (USP - 80,
UNESP - 35). Ou seja, os CELs poderão contar com deze-
nas de futuras(os) professoras(es), os quais têm preferên-
cia nas seleções, apesar de que, na ampla concorrência,
estar aberta a possibilidade de lecionar às(aos) profissio-
nais que têm “notório saber” da língua alemã que com-
provassem um determinado número de horas de estudo
da língua. Essa política de seleção e empregabilidade, por
um lado, representa uma possibilidade de complemen-
tação de vagas de professoras(es) quando a demanda é
maior que sua disponibilidade, mas possivelmente pode
ser prejudicial para o processo de ensino e aprendizagem,
isto é, a educação linguística em alemão, porque, como é
amplamente (re)conhecido na nossa área, conhecimento
linguístico, por si só, não garante o sucesso no ensino-
-aprendizagem.
Atualmente, a análise dos pedidos de abertura dos
centros tem sido realizada pelas Diretorias Regionais de
143
Ensino, pela Coordenadoria de Gestão de Recursos Hu-
manos e pela Coordenadoria da Educação Básica, as quais
também observam a quantidade de docentes habilitados
ou qualificados para ministrarem os cursos bem como os
recursos didático-pedagógicos disponíveis, privilegiando
o credenciamento de portadoras(es) de licenciatura ple-
na na língua-objeto da docência, depois portadoras(es) de
quaisquer diploma de licenciatura com um número de-
terminado de horas de estudo da língua e ainda por fim,
alunas(os) de licenciatura que já concluíram a sua habi-
litação. Desse modo, se permite que um(a) discente uni-
versitário(a) ainda em processo de formação inicial possa
ter contato com os CELs e ir, assim, iniciando a sua car-
reira mesmo antes da finalização do seu processo forma-
tivo, garantindo, igualmente, um número maior de can-
didatas(os). Podemos verificar que as estatísticas não são
baixas, pois em 2018, por exemplo, havia 195 CELs, 58812
alunas(os) atendidas(os) e 901 professoras(es) emprega-
das(os), como apresentou Souza (2020) em seus dados,
partindo dos dados da Secretaria de Educação do Estado
de São Paulo. A título de exemplo, o alemão tinha 39 pro-
fessoras(es) para um número de 1457 estudantes.
O que esse contexto demonstra é que existe uma bus-
ca por um equilíbrio entre a chamada oferta e demanda no
ensino de alemão, visto que os Centros de Línguas são um
projeto da pasta da Secretaria da Educação e não necessa-
riamente parte curricular obrigatória, algo que mereceria
ser estudado mais a fundo, conhecendo outras realida-
des. Por exemplo, no Rio de Janeiro existem diversas es-
colas interculturais no âmbito do chamado “novo ensino
144
médio”, que fazem parte do projeto de escolas de ensino
integral, evitando-se a concorrência de projetos que são
feitos no contra turno e que neste tipo de ensino acabam
perdendo espaço (tal como alguns CELs paulistas relatam
em trocas informais nos eventos e estágios lá realizados).
Outro tipo de estudo de espaços teria que ser focado
no perfil de alunos que frequentam os CELs de São Paulo
e, especificamente, o curso de alemão, por se tratar de um
estado cujas principais características socioculturais, eco-
nômicas e históricas não são necessariamente considera-
das quando se pensa em: formação (inicial e continuada)
de professoras(es); produção e uso de material didático;
diretrizes curriculares (a versão atual é de 2020, porém
até recentemente não existiam) e demais documentos
e políticas públicas. O levantamento das características
agora mencionadas, enquanto constitutivas do processo
educativo poderão dar, na nossa opinião, uma “cara” ainda
mais paulista/paulistana ao ensino de alemão. Ao se tratar
de um projeto novo, como é o do programa “Outras Pala-
vras”, existente no Estado da Bahia, faz se necessário, por-
tanto, fazer um estudo da demanda e oferta, acrescentan-
do as características populacionais, de políticas públicas,
de processos formativos e outros elementos educacionais.
Apesar do cenário da discussão aqui trazida ser a
Bahia, o núcleo articulador do programa “Outras Pala-
vras” (a sede da Secretaria de Educação) e todo ambiente
“germânico” (universidades, Instituto Goethe, escola), se
encontram em sua capital, a cidade de Salvador, que é a
terceira maior capital do país e a cidade mais negra fora
da África, além de figurar no ranking como uma das mais
145
belas cidades turísticas, mas que enfrenta, como toda me-
trópole, desigualdades sociais no que diz respeito à saúde,
à habitação, à segurança e à educação, atingindo majorita-
riamente, a população negra. Sua população está estima-
da em 2,7 milhões de habitantes, de acordo com o Censo
IBGE (2010) e tendo uma população com 82,1% (PNAD
2017) de pessoas negras. Portanto, as diferenças dentro do
próprio estado interferem na forma como determinadas
medidas devem ser adotadas e que trazem diferentes rea-
lidades.
Como o ensino de língua estrangeira na Bahia, de ma-
neira geral e até agora, ficou restrito à iniciativa privada, as
chances de alunas(os) de baixa renda, em sua maioria ne-
gras(os), terem acesso a estes cursos, são poucas. Por ou-
tro lado, Reis (2005) discute o aspecto socioeconômico do
acesso da população negra à educação e, também a cursos
de idiomas, mas o que levantamos aqui, é de que forma a
sala de aula de língua alemã, com seu ensino-aprendiza-
gem, está preparada para dialogar com a cultura local e a
presença destas pessoas dentro e fora da sala de aula e no
material didático adotado para este ensino. Mesmo com
toda esta desigualdade econômica, há a presença de pes-
soas negras nesses cursos, embora em número inferior.
Um outro ponto importante já mencionado anterior-
mente ao nos atermos ao caso paulista, que é amplamente
discutido e conhecido, é a influência da cultura germânica
na economia baiana, a qual consideramos pouco conhe-
cida no contexto nacional e também local. Assim, temos
indústrias alemãs no Polo Petroquímico de Camaçari, no
CIA (Centro Industrial de Aratu) e empresas alemãs dis-
146
tribuídas em diferentes locais da Bahia, como por exem-
plo, na região do Recôncavo, de Praia do Forte e na Região
Oeste do estado, abrindo possibilidades de empregos. A
parceria entre os cursos de alemão dos possíveis Centros
de Idiomas, a serem criados pelo estado e estas empresas,
poderia proporcionar uma melhor qualificação destas
pessoas ao mercado de trabalho, suprindo uma demanda
de mão de obra especializada com domínio de distintos
idiomas. Em seu recorte geopolítico, a região do Oeste da
Bahia, por exemplo, tem se expandido com o agronegócio,
tornando-se uma fronteira agrícola do país, com 96% da
sua área destinada ao cultivo da soja. Os imigrantes sulis-
tas são os responsáveis pela introdução daquela cultura
na região, espaço onde se mesclam diversidades linguísti-
cas, tradições nordestinas e gaúchas, bem como, entre ou-
tras desigualdades, impõem-se as relações de poder dua-
lizadas pelo latifúndio e pela agricultura familiar. Nesta
região, o acesso ao alemão e a outras línguas estrangeiras
poderá ser, quase que exclusivamente, pelos Centros de
Idiomas através do ensino público.
No entanto, podemos perceber um círculo vicioso
entre a falta de perspectiva de trabalho e a pouca presen-
ça de línguas no ensino (básico ou superior) na Bahia, o
que não se confirma tanto pela existência das menciona-
das condições econômicas para recepção de pessoas com
conhecimento e interesse no aprendizado desta língua,
quanto pela existência de profissionais que poderiam as-
sumir as aulas, exigindo do poder público articulações
para estimular o estudo de línguas. A lógica neste caso
não pode ser atribuída somente pelo binômio deman-
147
da-oferta, pois, existindo políticas linguísticas bem defi-
nidas e consistentes, outros setores da sociedade se de-
senvolverão com mais estudantes nos cursos de alemão
no ensino básico e em formação no ensino superior, mais
empresas e indústrias que serão atraídas pela existência
de profissionais capacitados, assim como o incentivo ao
turismo com a promoção da região em diversos meios
de comunicação impressos e digitais. Dessa maneira, to-
dos os envolvidos poderão ser beneficiados com esse
tipo de proposta, como é o caso do estado de São Paulo,
porém, sempre tendo atenção igualmente a qualidade da
oferta, a possibilidade de cursos de atualização e outros
eventos em que experiências, dificuldades e questões de
natureza teórico-metodológica e educacional possam ser
discutidos.
Por isso, nas linhas abaixo exporemos ideias de natu-
reza histórica e teórico-metodológica para que possamos
articulá-las enquanto subsídio para a maior organização
dos centros de idiomas na Bahia, sempre fazendo um pa-
ralelo com a experiência demonstrada pelo estado de São
Paulo, com o intuito de oferecer pontos de reflexão capa-
zes, inclusive, de melhorar ainda mais o projeto paulista.
148
vistas a implementação de Políticas Linguísticas. Nos úl-
timos anos, as discussões frente à importância do papel
político no ensino de língua estrangeira e sua relação com
a cultura e a identidade dos sujeitos aprendizes e ensi-
nantes desta língua tornaram-se mais presentes (JÚNIOR;
MATOS, 2019). Com a divulgação do Decreto nº 21.080 de
25 de janeiro de 2022, o governo da Bahia institui o Pro-
grama Outras Palavras, dando início a possibilidade de se
incentivar o ensino-aprendizagem de idiomas a estudan-
tes da Rede Pública Estadual de Ensino. Neste Decreto,
podemos ter acesso à seguinte informação:
149
mento/ensino de línguas enquanto direito linguístico,
resultante da luta e resistência de diversos movimentos
sociais e acadêmicos e de diversas organizações não-go-
vernamentais, que resultou em 1996, na Declaração Uni-
versal dos Direitos Linguísticos (SILVA, 2017). Como um
dos princípios da Linguística Aplicada é a promoção e a
acessibilidade a quantas línguas forem necessárias para a
efetivação desse plurilinguismo, aqui também é uma das
metas defendidas por esta autora e este autor em torno
das políticas linguísticas, a começar pelo ensino de língua
alemã e de outras línguas na Bahia como um direito lin-
guístico capaz de promover mudança(s) social(is).
Neste quesito, é possível aproximar o decreto baiano
do decreto paulista, que no seu art. 1º coloca como fina-
lidade “proporcionar aos alunos de escolas públicas uma
possibilidade diferenciada de aprendizagem de várias
línguas estrangeiras modernas”, para inserir o programa
dos CELs, conforme Art. 2º, em um “conjunto de medidas
visando modificação e enriquecimento de grade curricu-
lar...”, enquanto atividade extracurricular que atualmente
está ameaçada pela inclusão das escolas no ensino inte-
gral que até agora não prevê espaço para o funcionamento
dos centros. Por outro lado, o decreto baiano prevê, no Art.
6º, a realização dos cursos em ambiente virtual, o que não
foi, obviamente, pensado nos inícios do programa pau-
lista, apesar de que na atualidade, tem se mostrado, pela
experiência de acompanhamento das(os) estagiárias(os)-
-professoras(es) de alemão durante o período mais agudo
da pandemia de Covid-19, que a virtualidade acabou esti-
mulando uma maior evasão e o aumento da dificuldade
150
na realização de um processo de ensino-aprendizagem
mais consistente. Assim, seria importante conduzir mais
pesquisas e manter atenção para os efeitos de um ensino
híbrido, presencial ou virtual, uma vez que foram feitas
diversas pesquisas que mostraram os efeitos da exclusão
digital, como apontam Guedes (2005), Bonilla e Pretto
(2011), Silva (2014) e Marcon (2020).
Uma diferença entre os dois projetos tem se percebido
quanto à participação de instituições públicas e privadas,
sendo que este item foi explicitado no Art. 4º do decreto
que institui o programa Outras Palavras em que a Secreta-
ria da Educação será “autorizada a celebrar contratos ou
parcerias com instituições públicas ou privadas, respei-
tada a legislação vigente correspondente”, colocação que
mereceria uma reflexão demorada, observando o caso
paulista. Em São Paulo, o programa dos CELs é executa-
do inteira e exclusivamente pelas escolas estaduais que
recebem apoio complementar de algumas instituições de
origem estrangeira (financiadas pelos governos que re-
presentam as respectivas línguas no Brasil), no sentido de
fornecerem, no caso do alemão através do Instituto Goe-
the, materiais didáticos, bolsas de aperfeiçoamento para
professoras(es) e para alunas(os), além de visitas à sede da
instituição em São Paulo, para citarmos algumas das ativi-
dades. Acreditamos que essa seria a forma mais adequada
e sustentável de apoio ao programa, uma vez que, o inves-
timento para com os salários e instalações onde ficarão os
centros é maior do que qualquer instituição estrangeira
está disposta a financiar.
Aqui caberia também repensar o lugar do material
151
didático e a sua presença em sala de aula, porque, apesar
de existirem instituições estrangeiras que disponibilizam
materiais para os CELs, esses mesmos materiais não são
produzidos na e para a realidade brasileira. Isto, por sua
vez, acaba fazendo com que as e os docentes também lan-
cem mão da produção de materiais próprios e/ou da tro-
ca de materiais com outras(os) profissionais da área, de
modo que ficam definidas algumas estratégias, como as
que Souza (2020, p.104) descreve no seu trabalho:
152
são raras as críticas da inexistência de materiais didáticos
mais apropriados para o ensino de línguas no Brasil (PUH,
2020a), ao passo que hoje tem se feito propostas diversas
sobre como lidar com essa realidade - na área do alemão o
autor e a autora deste capítulo escreveram um texto (PUH;
SAMPAIO, 2020), mas também o já mencionado Souza
(2020), que versa sobre a ligação entre métodos e mate-
riais na atualidade, trazendo para a reflexão os materiais
virtuais e abertos como um modo de se suprir a falta dos
mesmos e de mantê-los atualizados.
153
Neste caso, ao pensarmos na implementação de centros
de idiomas baianos, estes deveriam ser ofertados, como já
consta nas orientações paulistas, em locais de fácil acesso
às comunidades. Em ambos os estados seria importante
realizar uma reavaliação e reforma nos cursos de forma-
ção de professoras(es) de línguas, para que se pense cada
vez mais em um ensino intercultural, considerando a rea-
lidade local e que seja capaz de provocar mudanças nos
planejamentos e nas práticas docentes, que implicarão em
mudanças na vida das(dos) estudantes, como nos aponta
Reis (2005).
Vale então, repensar o modo como ocorre essa forma-
ção de professoras (es) para atender tal demanda e propor
um outro olhar, na tentativa de ampliar suas possibilida-
des, através do diálogo entre São Paulo e Bahia, visando
construir caminhos que atendam o ensino público, in-
cluindo o ensino de línguas como o alemão, preocupando-
-se em melhorar o seu funcionamento e em última instân-
cia, os resultados que serão constituídos nestes espaços.
Cientes da força dos versos de Assunção e Estevam,
em que trazem a visão de mundo, de identidades e do tra-
balho necessário, da força das línguas, do deslocamento
de corpos vivenciado por seus sujeitos/suas figuras poé-
ticas bem como da perspectiva dos diversos aspectos lin-
guísticos e culturais apresentados neste texto, mostramos
quão importante é a proposta da criação de um Centro de
Idiomas como contribuição para a formação do indivíduo
no seu aspecto intelectual e profissional, a partir da cria-
ção de novas oportunidades advindas de se estudar uma
nova língua. Vale ressaltar que a experiência de São Pau-
154
lo nos permite perceber que é possível imaginar e, quiçá,
concretizar esta experiência na Bahia e obter grandes
êxitos em tais ações, revelando assim, óticas, vivências,
caminhos e lugares, todos enunciativos e concretos por
natureza.
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