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Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos

NÚCLEO DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES


TRADICIONAIS

RELATÓRIO DE VISITA TÉCNICA


Ana Carolina Brolo de Almeida 1

Por solicitação da Dra. Priscila da Mata Cavalcante, Promotora de Justiça


coordenadora das Bacia Litorânea, a assessora jurídica que abaixo subscreve, devido à sua
atuação no Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais
(Núcleo PCTs) do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos
Direitos Humanos (CAOPJDH) do Ministério Público do Estado do Paraná, coordenado
atualmente pela Promotora de Justiça, Dra. Ana Paula Pina Gaio, participou de 3 (três) visitas
técnicas na Comunidade de Pescadores Artesanais do Maciel.
As visitas, das quais participaram servidores de distintos órgãos (Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente, Instituto Ambiental
do Paraná, Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, etc.) e áreas do conhecimento
(assessora jurídica, historiadores, arqueólogo, assistente social, engenheiros florestais, etc),
tiveram como foco compreender, por meio da observação e de entrevistas, a ocupação
territorial da comunidade de pescadores artesanais do Maciel, em vista de conflitos
ensejadores de violações de direitos humanos de seus integrantes, nas quais também poderia
ser incluída a ameaça de remoção do lugar que tradicionalmente ocupam.
Nesse sentido, os trabalhos foram divididos entre os profissionais presentes durante as
atividades, sendo que a essa servidora ficou incumbido a elaboração de relatório acerca da
relação dos integrantes do Maciel com a pesca e o mar.
Ressalta-se que o documento ora elaborado pretende descrever as observações
realizadas durante as visitas técnicas, em especial àquela realizada no dia 21 de julho de 2016,
1 Assessora jurídica do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e do
Eixo Direito Humano à Alimentação Adequada, ambos do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de
Justiça de Proteção aos Direitos Humanos – CAOPJDH. Além disso, possui graduação em Direito (PUC) e em
Filosofia (UFPR) e é mestranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Paraná – UFPR,
área de concentração Direito das Relações Sociais, com pesquisa sobre comunidades tradicionais pesqueiras.

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quando esta servidora participou de atividade de pesca acompanhada de alguns pescadores e


técnicos do CAOPMA a fim de i) identificar os pontos de pesca da comunidade, também
conhecidos como “baixios” e de também ii) tentar compreender a dinâmica daqueles sujeitos
em relação à pesca e ao lugar onde exercitam essa atividade, qual seja, a Baía de Paranaguá.
Por fim, a partir da observação realizada, pretendeu-se também, por meio de revisão
bibliográfica, analisar as dinâmicas observadas a partir de literatura existente sobre a cultura
caiçara e pescadores artesanais.

1. Breve descrição das visitas realizadas

Durante a primeira visita, realizada no dia


1 de abril de 20162, foram feitas entrevistas com
alguns moradores da comunidade, cujo foco
principal se referiu à compreensão dos conflitos
envolvendo seus integrantes e a Empresa
Balneária Pontal do Sul, imobiliária que se diz
detentora de lotes na comunidade do Maciel, e
de cujo fato decorrem constantes ameaças de
remoção dos pescadores artesanais daquele
território.

Apesar desses conflitos não constituírem o


objeto deste relatório, haja vista já terem sido descritos nos relatórios histórico e

2 Nesta visita também participaram a Promotora de Justiça supramencionada, uma assistente social e
historiadora lotadas neste Centro de Apoio, técnicos do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de
Justiça de Proteção ao Meio Ambiente (CAOPMA), servidores do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e da
Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (SEEC).

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socioassistencial, ressalta-se ter sido verificado junto aos moradores do Maciel grande
insegurança em relação à permanência no território.
Neste primeiro dia, também foi relatada outra situação, descrita nos demais relatórios
mencionados, de que, no ano de 2005, oficiais da Aeronáutica teriam ido até a comunidade e
informado que aquela se região se tratava de área da União e, nela, seria construído um
aeroporto; por esse motivo, segundo os moradores, estes teriam que ser removidos do
território. Tal situação gerou muita insegurança nos moradores, até mesmo porque os militares
estarem portando armamento.
Segundo os próprios moradores, a Aeronáutica havia compreendido se tratar de
comunidade tradicional, não havendo, portanto, necessidade de utilização das armas que
portavam, e também não teriam dado seguimento à eventual desocupação.
Todavia, na oportunidade, Moacir Cordeiro disponibilizou cópia de notificação
apresentada pela União Federal (que segue em anexo), representada pelo Comando da
Aeronáutica, aos 20 de novembro de 2008, por meio da qual foi a ele determinada a “total e
imediata desocupação do imóvel de propriedade da União, localizado na Ilha do Maciel,
Município de Pontal do Paraná”, sob pena de ser responsabilizado criminalmente como
incurso nas penas dos artigos 161, III, 166 e 330 do Código Penal, sem prejuízo de pagamento
de indenização. Moacir, por sua vez, não soube informar os desdobramentos em vista do não
cumprimento dessa notificação.
Na segunda visita realizada, durante os dias 16 e 17 de julho do corrente ano, na qual
participaram também, além da servidora que abaixo subscreve, a assessora jurídica do Centro
de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente, Dandara
dos Santos Damas Ribeiro, e arqueólogo da Secretária de Estado da Cultura, Almir Pontes
Filho, também foram relatadas situações conflituosas envolvendo a Empresa mencionada.
Na oportunidade, foi realizada entrevista com Dalzira Tavares da Silva, que relatou ter
enfrentado processo judicial em face da Empresa Balneária Pontal do Sul, na qual teria sido

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vencida no tocante a usucapião pretendido em relação à área que utilizava para fins de
moradia.
Nesse aspecto, no tópico a seguir, serão feitas breves considerações acerca da ação
judicial mencionada.
Por fim, em última visita técnica, esta servidora, acompanhada de equipe técnica do
CAOPMA e integrantes da comunidade, no dia 21 de julho de 2016, percorreu trajeto de
canoa a fim de identificar os pontos de pesca da comunidade, bem como o período do
território tradicionalmente utilizado para tal fim, conforme será relatado em tópico específico.

2. Ação de Usucapião n.º 1999.70.08.003065-6

Em todas as entrevistas realizadas com a família de Dalzira Tavares da Silva e


Francisco Miranda das Neves foi relatado com bastante pesar o resultado da Ação de
Usucapião n.º 1999.70.08.003065-6, por eles proposta, em face da Empresa Balneária Pontal
do Sul e outros.
Em pesquisa no sítio eletrônico da Justiça Federal observou-se que a referida ação foi
julgada parcialmente procedente a fim de declarar o domínio dos autores sobre a área de
3.348,48 m2. Assim, excluiu-se da área pretendida as áreas públicas, mas também outra
porção de titularidade da Empresa Balneária Pontal do Sul, na qual a família havia construído
sua residência e efetuado plantações.

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Francisco com as nestas, em frente à residência demolida em


razão de estar localizada na área cujo usucapião foi indeferido
nos autos de n.º 1999.70.08.003065-6

A partir da consulta à referida ação judicial, constatou-se que a empresa Balneária


Pontal do Sul “doou uma porção de área correspondente a 5.800.000,00 m2 à União Federal
– Ministério da Aeronáutica, conforme Transcrição nº 9.800 do CRI de Paranaguá”3. Este
fato elucida a situação narrada por diversos moradores da comunidade, atuação de oficiais da
marinha no ano de 2005.
Em vista de ter sido sucumbente “em maior parte do pedido”, os autores foram
condenados ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil
reais) em favor dos requeridos, no ano de 2009, os quais estão sendo executados pela Empresa
Balneária Pontal do Sul por meio dos autos de cumprimento de sentença n.º 5003617-
65.2014.4.04.7008/PR.
No que tange ao cumprimento de sentença mencionado, em despacho proferido
recentemente (em novembro de 2016), a 1ª Vara Federal de Paranaguá se manifestou no
sentido de reconhecer o deferimento de justiça gratuita aos executados nos autos de
cumprimento de sentença mencionado, sem todavia, “reconhecer efeitos retroativos aos ônus
sucumbenciais decorrentes da ação de conhecimento já transitada em julgado”.

3 Trecho extraído de Sentença nos autos de ação de usucapião n.º 1999.70.08.003065-6/PR.

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Ademais, na mesma decisão, manifestou-se o magistrado no sentido de indeferir


pedido de penhora formulado pela exequente, haja vista tratar este de imóvel utilizado pelo
casal para fins de moradia.

3. Cadastramento e regularização da comunidade de pescadores artesanais junto à


Secretaria do Patrimônio da União.

Durante as visitas realizadas, verificou-se que a comunidade tradicionalmente ocupa,


no que se refere à porção terrestre de seu território, áreas ditas “particulares”/de propriedade
da Empresa Balneária Pontal do Sul (como pode ser verificada na ação de usucapião
suprarreferida) e áreas públicas.
Nesse aspecto, em entrevista realizada junto a Moacir Cordeiro, relatou-se que a
comunidade pleiteia há algum tempo sua regularização junto à Secretaria do Patrimônio da
União – SPU, em relação às terras de marinha, principalmente após o evento no qual oficiais
da Aeronáutica ingressaram à comunidade fortemente armados.
Após esse fato, a comunidade acessou a Assembleia Legislativa do Estado do Paraná,
na tentativa de buscar auxílio para a questão4. Em consequência, o então Deputado Estadual
Delegado Bradock oficiou ao Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão informando
tratar-se de
uma colônia de pescadores a mais de cinquenta anos instalada naquela
localidade, (…) não podendo ser toda uma família de moradores punida
indistintamente com o prazo peremptório de vinte dias para desocupar uma
área da qual há faz parte de suas histórias, cabendo certamente uma análise
mais aprofundada da questão, considerando todo o contexto social que
envolve tal assunto naquela região. (Ofício n.º 635/05 – em anexo).

4 Nesse aspecto, é salutar informar que a comunidade, no geral, possui muito pouco conhecimento acerca das
estruturas do Estado, dos direitos a ela aplicáveis e da instância a acessar para a efetivação dos mesmos.

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Na ocasião da referida visita, e ainda no contexto do acima relatado, Moacir Cordeiro


também disponibilizou cópia do Ofício n.º 2027/2005, o qual também anexa-se ao presente
relatório, enviado pelo Gerente Regional da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) ao
Deputado Estadual Delegado Bradock informando que as Notificações expedidas pela
Aeronáutica ocorreram em razão de tentativa de coibir “as invasões que estavam ocorrendo”.
O Gerente Regional da SPU também informou, naquele momento, “que a comunidade
de pescadores será cadastrada e assim, sua ocupação regularizada, enquanto os ocupantes
irregulares deverão se retirar, sob pena de demolição das benfeitorias”.
Ocorre, por sua vez, que durante as inspeções realizadas pela equipe do Ministério
Público do Estado do Paraná no corrente ano não verificou-se a realização de ações no sentido
do compromisso assumido pela SPU. Dos entrevistados, Moacir Cordeiro foi o único morador
que informou possuir inscrição de ocupação tradicional junto à SPU, conforme certidão de
inscrição de ocupação, datada do ano de 1985, por ele disponibilizada e cuja cópia também
segue em anexo.
Ainda, vale ressaltar que o Decreto Municipal n.º 5532/2016, que estabelece condições
para a emissão de alvarás de construção e de funcionamento para empreendimentos
industriais, comerciais, imobiliários e de prestação de serviços no interior da zona especial
portuária do município de Pontal do Paraná, afirma a existência de “16 (dezesseis) famílias de
pescadores artesanais cadastradas junto da Secretaria da Fazenda do Estado do Paraná”.
Diante dos fatos narrados, entende-se ser importante oficiar à Gerência Regional da
Secretaria do Patrimônio da União no sentido de questionar os encaminhamentos dados a
partir da manifestação por ela exarada no ano de 2005, por meio do Ofício n.º
2027/2005/GAB/GRPU/PR, em especial no que se refere ao cadastramento e regularização da
ocupação da comunidade de pescadores artesanais do Maciel.

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4. Sobre os empreendimentos previstos para serem instalados no entorno da


Comunidade do Maciel

A atuação do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos dos Povos e Comunidades


Tradicionais do CAOPJDH teve início a partir de solicitação da Promotora de Justiça Priscila
da Mata Cavalcante no sentido de buscar auxílio em vista de eventual ausência de consulta
prévia, livre e informada à comunidade em tela em procedimento de licenciamento ambiental
do Porto de Pontal do Paraná.
Na ocasião, o Núcleo PCTs encaminhou material técnico à Promotora de Justiça a fim
de subsidiá-la no tocante a ações possíveis de serem perpetradas diante da ausência da
referida consulta prévia, livre e informada.
Em reunião prévia à primeira visita à comunidade, a equipe do CAOPJDH foi
informada acerca da existência de outros 4 (quatro) 5 empreendimentos que também estavam
sendo licenciados juntos ao órgão ambiental (Instituto Ambiental do Paraná – IAP e/ou
IBAMA) no sentido de viabilizarem a instalação do Porto de Pontal.
Abaixo, é possível verificaras áreas de influência direta (AID) nas atividades de pesca
da comunidade do Maciel dos empreendimentos previstos para a localidade:

5 Os empreendimentos são: “SUBSEA 7 do Brasil Ltda: Base de soldagem Subsea 7”,“Reforma e ampliação do
cais de atracação do canteiro de obras da Techint Engenharia e Construção S/A, e da retro área adjacente,
localizado no município de Pontal do Paraná/PR – (TECHINT), além de empreendimentos das empresas
Odebrecht e Melport.

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Também
foram elaborados mapas em relação à Área de Influência Indireta dos empreendimentos:

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Destaca-se também o mapa elaborado em relação às áreas de influência Direta (AID)


dos meios socioeconômicos daqueles empreendimentos, as quais, como é possível observar,
afeta o território da comunidade, tanto em relação à porção terrestre, como aquática:

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Em vista do conhecimento acerca dos empreendimentos a serem instalados, durante as


visitas realizadas, procurou-se verificar junto aos entrevistados se os mesmos tinham
conhecimento e informações sobre os empreendimentos previstos, em especial sobre o Porto
de Pontal do Paraná, bem como se haviam sido consultados e informados sobre eventuais
impactos.
Todavia, o que se verificou foi a falta de informações em relação a tais
empreendimentos, bem como a ausência de realização de atividade que caracterizasse
consulta prévia, livre e informada na comunidade, nos moldes do determina o art. 6º, da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
Os entrevistados relataram que se sentiam ameaçados de serem removidos de seu
território em virtude da instalação do Porto de Pontal do Paraná, mas principalmente em razão
da divulgação da existência do Decreto Municipal n.º 5532/2006, o qual prevê a possibilidade
de remoção das famílias atingidas por “empreendimentos industriais, comerciais, imobiliários
e de prestação de serviços no interior da zona especial portuária do município de Pontal do
Paraná”.
Quando questionados se haviam sido consultados para a elaboração do referido
Decreto, os entrevistados também responderam negativamente.
Quando da análise do Decreto Municipal mencionado, cuja análise detalhada será feita
em parecer jurídico específico, observa-se que o mesmo se refere expressamente à existência
de “16 (dezesseis) famílias de pescadores artesanais cadastradas junto da Secretaria da
Fazenda do Estado do Paraná, além de outras famílias com ocupações consolidadas, no
local denominado 'Comunidade Maciel'”.
Em relação à ausência de consulta à Comunidade do Maciel, destaca-se o trecho de
entrevista realizada no dia 21 de julho de 2016:

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Ana Carolina: E vieram perguntar alguma coisa pra vocês do porto? Explicar aonde
é que vai ficar exatamente? Se vai afetar os pontos de pesca? Alguma coisa assim?
Alguém chegou a conversar do porto ou do IBAMA?
Pescador 1: Pra mim, não.
Pescador 2: Ninguém falou nada não. O porto sempre surge aí com troca de político.
Tipo, Beto Richa já fez cinco porto aqui. Já tá no último mandato né, fez quatro ano e
não fez o porto. Daí ele tem mais dois pra termina, se ele não fez com quatro, nem
com mais dois só faltando dois, então ele não faz.
Pescador 1: Daí na época de política, ele vem falar do porto né, que vai sair porto.
Pescador 2: Sim, que vai sair.
Pescador 1: Mas mais assim, ninguém comento nada, se vai [Incompreensível]
Pescador 2: Chamar um pescador pra ver o impacto que ele vai dar. Se vai afetar o
ponto de pesca, essas coisas, ninguém veio.
(…)
Pescador 1: A pesca, se sair o porto aqui, vai atrapalhar bastante.
Pescador 2: Vai, esse vai. O impacto vai ser bem grande.
Pescadora: Daí a reunião que teve, umas duas eu acho, que eu fui ali. O pessoal só
mencionou nessa Subsea, mas dizendo que o pessoal do Maciel ia sair, mas não
perguntou se queria sair. Não ofereceu uma opção assim.
Ana Carolina: Foi na Subsea?
Pescadora: É, e eles disseram que eram da Prefeitura e que tavam trazendo esse, essa,
fazendo essa reunião porque a Prefeitura junto com essa Subsea tinham liberado, eu
acho, o Governo liberou pra tirar o pessoal, pra construir e pra construir o porto aqui.
Mas não perguntando assim, "o que que vai acontecer?""o que que vocês acham?",
"pra onde que vocês vão?""pra onde querem ir?"

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Desta feita, verificou-se que integrantes da comunidade não possuem clareza acerca
dos empreendimentos previstos para a região, tampouco sobre eventuais impactos em seus
modos de vida. Ademais, o único dano que afirmam ter sido informados em virtude da
instalação de empreendimentos é o de poderem ser removidos de seu território.
Cumpre salientar, que a consulta prévia, livre e informada, prevista na Convenção 169
da Organização Internacional do Tratado – OIT, estabelece que os povos e comunidades
tradicionais devem ser consultados sempre que medidas administrativas e legislativas possam
afetá-los.

5. Ocupação tradicional da Comunidade de Pescadores Artesanais do Maciel

Como informado no início deste relatório, no que se refere à descrição da


territorialidade da comunidade de pescadores artesanais do Maciel, descrever-se-á neste
documento apenas a territorialidade marinha da comunidade, ou seja, apenas informações
relativas ao território aquático da comunidade em tela.
No que se refere à ocupação da porção terrestre, e da descrição das relações nela
envolvidas, a assessoria jurídica da Coordenação das Bacias do Centro de Apoio Operacional
das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente comprometeu-se a fazê-lo.
De toda forma, cumpre ressaltar que a delimitação e efetivação dos direitos dos
distintos grupos formadores da sociedade brasileira, cujos modos de criar, fazer e viver
constituem patrimônio cultural brasileiro, nos moldes do que dispõe o artigo 216 da
Constituição Federal, demanda compreensão quanto à forma de ocupação territorial que estes
vivenciam, demandando do operador do direito interpretação jurídica do caso concreto para
além das noções clássicas de posse e propriedade trazidas pelo código civil.
Assim, cumpre ressaltar e valorizar, para a compreensão da noção de território para
essas coletividades, as contribuições das ciências humanas e sociais, a partir das quais denota-

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se a emergência do conceito de territorialidade, mediante a conjunção do componente físico e


das dimensões simbólicas e sociais a ele relacionadas. Ou seja, antes de se exprimir como
sinônimo de um espaço particular, o território constitui relação entre pessoas, referindo-se à
organização do espaço imbuída de história.
Nessa perspectiva, discorre Emília Pietrafesa de Godoi6 que
concebendo desta maneira o território, estamos longe de concepções que o
compreendem como sinônimo de espaço ou espacialidade ou, simplesmente,
como ‘fonte de recursos’ disputados ou, ainda, de elementar ‘apropriação da
natureza.

Por outro lado, a territorialidade, enquanto processo de construção de um território,


trata-se de apropriação, controle, usos e atribuição de significados sobre uma parcela do
espaço que é transformada em território7.
Dessa maneira, a dimensão sociológica e simbólica de territorialidade impede que esta
seja entendida meramente como questão fundiária, ou seja, como uma propriedade
transacionável. Assim, para que as ciências jurídicas considerem e deem respostas adequadas
a essas outras formas de relação com o espaço, como é o caso dos territórios vividos pelas
diversas coletividades formadas da sociedade brasileira, como é o caso das comunidades de
pescadores e pescadoras artesanais, faz-se necessário descrever e analisar tais processos de
territorialidades considerando todas as suas dimensões, seja físicoespacial, sociológica ou
simbólica.
Como o próprio Decreto Municipal n.º 5332/2016 reconhece, a Comunidade do
Maciel é uma comunidade de pescadores artesanais que ocupa território localizado sobre a
faixa de marinha e dentro do bioma da mata atlântica. Todavia, por se tratar de comunidade de

6 GODOI, Emília Pietrafesa de. Territorialidade.Em: FURTADO, Cláudio Alves; SANSONE, Lívio (orgs.).
Dicionário crítico das ciências sociais dos países de fala oficial portuguesa. Salvador: EDUFBA, 2014, p.
444.
7 Ibid, p. 445.

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pescadores artesanais, além da ocupação da porção terrestre, esta também exercita sua
territorialidade no ambiente marinho.
A relação com a terra e o mar exercida pelos pescadores e pescadoras artesanais é
explicitada em ampla literatura sobre o tema.
Nesse sentido, César Augusto BALDI (2014, p. 96) afirma que “a pesca artesanal
desenvolve-se articulando atividades em terra e água”: o acesso à água é mediado pelo
acesso à terra, tendo em vista que nesta o pescador artesanal complementa sua renda, pratica
agricultura de subsistência, constitui sua morada, além de executar atividades posteriores à
captura do pescado e confeccionar seus apetrechos de pesca. Com relação ao mar, além de ser
o local no qual os pescadores artesanais extraem o pescado, é também “um espaço de uso
comum apropriado por saberes construídos ao longo dos anos e das gerações” (Ibidem).
DIGUES, autor de referência sobre comunidades de pescadores artesanais, destaca,
inclusive, o componente tradicional da pesca artesanal, conforme abaixo transcrito:

A questão da tradição está relacionada também ao cerne da própria pesca


artesanal: o domínio do saber-fazer e do conhecer que forma o cerne da
“profissão”; Esta é entendida como o domínio de um conjunto de
conhecimentos e técnicas que permitem ao pescador se reproduzir enquanto
tal. (DIEGUES, 1995, p. 35)

Nesse diapasão, durante a visita técnica realizada especialmente durante os dias 21 e


22 de julho, foi elaborado pela estagiária de geografia do CAOPMAHU, Gabriela Goudard,
após a identificação dos pontos de GPS, em conjunto com os integrantes da comunidade do
Maciel, de técnicos e servidores do referido Centro de Apoio, e com a participação da
assessora que abaixo subscreve especialmente no que se refere ao território aquático, o mapa
que abaixo segue:

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Observa-se, no mapa acima, o trecho pontilhado em vermelho que delimita o território


terrestre tradicionalmente ocupado pela Comunidade do Maciel e o trecho destacado em azul-
claro, que indica o território tradicional pesqueiro/aquático da comunidade.
Assim, em vista dessas considerações preliminares sobre comunidades de pescadores
artesanais, a seguir será descrita, em especial, a atividade realizada no dia 21 de julho de

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2016, na qual o trecho em azul foi percorrido por esta assessora jurídica, em conjunto com
técnicos do CAOP de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo, bem como
por pescadores e pescadora da comunidade do Maciel.

5.2 Breves considerações sobre a porção terrestre do território da Comunidade de


Pescadores Artesanais do Maciel

Antes de adentrar na análise e descrição do território aquático da


comunidade em tela, insta sinalizar que normalmente é esquecido o uso da terra pelas
comunidades de pescadores artesanais. Entretanto, em especial no caso da Comunidade do
Maciel, a relação com a terra se dá tanto para cultivo de subsistência e de criação de animais

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(em especial, galinhas e gansos), quanto para a coleta de plantas destinadas a remédios
naturais, e a extração de lenha em pequena escala, com a finalidade de gerar fogo (já que a
busca por gás de cozinha é difícil e custosa, principalmente por ser uma vila de difícil acesso).
Nesse sentido, destaca-se o trecho a seguir:

Também há coleta de plantas medicinais, como estudado por Lima (2006) e


Wolinski et al (2003). Segundo estes autores o isolamento da vila leva a
utilização de remédios naturais.
Em termos de cultivos agrícolas, aproximadamente metade das famílias (14
em 29) possui algum tipo de alimento cultivado em suas propriedades. Há
moradores que plantam verduras e leguminosas, com destaque para a
mandioca, se constatando também cultivo de cana-de-açúcar e de café.
Outros possuem árvores frutíferas em suas propriedades, tais como laranja,
banana, goiaba, limão, pitanga e maracujá; outros ainda possuem apenas
temperos ou ervas medicinais. Estes produtos são sempre para auto-
consumo, sendo que os excedentes são distribuídos entre parentes ou
vizinhos da própria vila. Apenas duas famílias possuem áreas representativas
de cultivo, as chamadas roças, mas nenhuma delas faz desta prática a base de
sua subsistência.
A atividade de criar animais para consumo de carne e ovos é muito comum
na Vila. Das 29 famílias moradoras, 21 (72,4%) criam animais, sendo que,
20 criam apenas galinhas e uma cria também gansos. Tanto homens quanto
mulheres e crianças são responsáveis pela alimentação dos animais. Elas são
alimentadas com restos de comida e ração, que é comprada em Paranaguá
pelos próprios criadores. As galinhas são criadas soltas ou em cercados feitos
de bambu, redes de pesca e até mesmo de telas de arame. Porém, a prática
mais freqüente é a criação livre.8

O mapa que segue a seguir, elaborado pela estagiária de geografia do


CAOPMAHU durante visita técnica realizada nos dias 21 e 22 de julho, evidencia a dimensão
da porção terrestre do território tradicionalmente ocupado pela comunidade.
É importante observar, por sua vez, que o mapa promove uma diferenciação
entre o “indicativo de área de ocupação tradicional” e “área de ocupação efetiva”; essa
diferenciação mostrou-se necessária em vista da importância de evidenciar que a comunidade
8 TANNO, Natália Spuldaro. Reprodução sócio-econômica da comunidade de pescadores de pequena escala
da vila do Maciel (Baía de Paranaguá – Paraná, Brasil), p. 84.

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tradicionalmente ocupava região maior que a atualmente ocupada e que, devido à pressão da
especulação imobiliária e de restrições ambientais, foi forçada restringir suas práticas
tradicionais (como a prática da lavoura associada ao fandango) e a retirar-se, em grande parte,
para as áreas públicas (faixa de marinha). Vejamos:

Em relação à dificuldade de se praticar a agricultura no Maciel, o relatório


elaborado pela assessoria jurídica da Coordenação das Bacias do Centro de Apoio
Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente tratará do tema com
maior ênfase, inclusive salientando a prática de colheitas coletivas e o papel do

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desempenhado pelo fandango nessas celebrações, bem como as imposições externas à


comunidade que vem impedindo a realização dessa prática.
Nesse sentido, cumpre apenas destacar o relatado por DIEGUES (1995, p.
60), pesquisador da cultura caiçara, o qual destaca que, em relação à atividade da pesca
artesanal, há aqueles pescadores que se dedicam parte do ano à agricultura e o restante à
pesca. Contudo, devido à criação de unidades de conservação nos territórios dos pescadores,
ou devido a outras restrições ambientais, e até mesmo à expulsão destes devido à especulação
imobiliária, como no presente caso, a atividade pesqueira passou a ser a principal fonte de
renda daquela comunidade.
Para além da atividade agropastoril de subsistência e para demais formas de
comércio e atividades de lazer, a comunidade também utiliza para fins de moradia a porção
terrestre, nas quais são fixadas suas residências, as quais podem mudar de posição conforme
os períodos de cheias. Sobre a utilização física do território terrestre, Natália Spuldaro Tanno9
esclarece que:
A disposição das construções na vila compõe dois pequenos núcleos: um
localizado ao Norte, próximo ao Rio Maciel, e outro ao Sul, próximo ao Rio
Baguaçú (...). Os núcleos são separados por uma faixa densa de vegetação
cortada por uma trilha, que acompanha a rede elétrica e liga uma área a
outra. O núcleo ao Norte é conhecido pelos moradores como “parte de
cima”. É neste local que está concentrada a maioria da população e maior
estrutura: 22 casas de moradores fixos, quatro depósitos, cinco casas em
construção, o bar, a mercearia, a igreja católica, uma das igrejas evangélicas,
o telefone público (o único da vila) e nove casas de turistas, sendo que destas
quatro pertencem a nativos-veranistas. O núcleo Sul é conhecido como
“parte de baixo” e concentra um menor número de residências. São sete
casas de moradores permanentes, quatro casas de nativos-veranistas e uma
igreja evangélica. Essa configuração se dá, possivelmente, porque o acesso
aos terrenos na “parte de baixo” é controlado pelo caseiro residente neste
núcleo, que cuida de uma propriedade com cerca de 11 alqueires.

9 TANNO, Natália Spuldaro. Reprodução sócio-econômica da comunidade de pescadores de pequena escala


da vila do Maciel (Baía de Paranaguá – Paraná, Brasil), p. 84.

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Ainda, conforme o estudo mencionado, na época de cheias, ainda, os


pescadores artesanais alteram o seu modo de vida, focando menos na pesca e mais no plantio,
na atividade mercantil e na confecção de instrumentos.
Portanto, observa-se que a proteção da parte terrestre é essencial também
para a continuidade do modo de vida da comunidade, cumprindo esclarecer que essa área é
composta por terreno de marinha e por terras ditas “particulares”.

5.1 Da porção aquática do território da Comunidade de Pescadores Artesanais do


Maciel
No dia 21 de julho de 2016, durante o período da manhã até o início da tarde, com a
utilização de GPS, mapeou-se um indicativo de perímetro territorial aquático da comunidade
do Maciel, a partir da identificação de seus pontos de pesca, cujo resultado foi a elaboração do
mapa acima colacionado.

O mar é também, para a comunidade,


caminho que dá acesso à sede do
Município de Pontal e de Paranaguá

5.1.1 Pontos de Pesca e Territórios Pesqueiros

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De início, os pescadores presentes informaram que a pescaria que executam ocorre


em toda a baía de Paranaguá, informação que corrobora às pesquisas já realizadas sobre a
comunidade do Maciel. Nesse sentido, Luciana Sereneski de Lima discorre que“a pesca
sempre foi facilitada por sua posição geográfica (orla voltada para dentro da baía e
protegida do vento sul)”10, a qual se incorpora ao cotidiano dos moradores locais.
Cabe ressaltar, ainda, que o mapeamento indicou apenas o perímetro da porção
terrestre aquática tradicionalmente ocupada com os pontos extremos dessa área, ou seja, não
foram mapeados e identificados todos os pontos de pesca utilizados pela comunidade, mas
estes foram utilizados como parâmetro para estabelecimento do referido perímetro.
Assim, foram percorridos e indicados alguns pontos de pesca, paralelamente à
indicação pelos próprios pescadores da modalidade e variedade de pesca e de pescado que lá
encontravam e manejavam.
Durante o percurso, foram indicados diversos “baixios” como pontos de pesca.
ANDRIGUETTO já escreveu, nesse aspecto, sobre a existência de diversos Baixios na Baia
de Paranaguá:
O interior da baía é margeado por diversos habitats naturais, incluindo
restingas, manguezais e canais de maré associados, marismas, pradarias de
gramíneas, costões rochosos e baixios ou planos de maré. A área exposta ao
oceano, adjacente à entrada, é caracterizada por extensas praias arenosas e
praias rochosas esparsas. Baixios extensos, desprovidos de vegetação, são
feições características da Baía de Paranaguá, atingindo até 2 km de largura 11.

Reconhecendo e conhecendo a realidade da localidade em que vivem, os pescadores


do Maciel indicaram diversos baixios, enquanto pontos de pesca, todos com nomes

10LIMA, Luciana Sereneski de. Diz que é bom: As plantas na vida das Comunidades de Barrancos e Maciel
(Pontal do paraná – Paraná). p. 27.
11ANDRIGUETTO FILHO, J.M Sistema técnicos de pesca e suas dinâmicas de transformação no litoral
do Paraná. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento –
Universidade Federal do Paraná – Université 7 – Université Bordeaux 2, como exigência à obtenção do título
de Doutor. Curitiba, 1999. p. 37

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específicos, destacando-se entre estes12: Baixio do Papagaio, Barra do Rio, Barra do Cerco,
Pimenta, Securiu, Martins, Pedra do Cachorro, Bridador, Baixio do Meio, Ilha da Cebola,
Baixiozinho, Tubarana, Baixio da Nascente, Berbigão, Alagado, Mata Fome, Mato Alto,
Ponta da Baleia, Boneca, Baixio de Fora, Baixio Grande e Ponta do Mingu.
No que se refere ao Baixio da Nascente, os pescadores informaram existir diversos
pontos de pesca nesse mesmo baixio, quais sejam: Mata Fome, Von Ilhota, Berbigão, Mato
Alto, Lage e Ponta de Trinta Reis.
Foram mencionados também baixios próximos à Ilha do Mel / Ponta Oeste, também
utilizados pelos pescadores do Maciel, denominados Massaranduva, Chope, Baixio do Latão,
Caliça e Barranco Branco.
Ressalta-se que pode ser observado que os nomes dos baixios e dos pontos possuem
referência a alguma característica natural ou histórica vivenciada nestes. Por exemplo, o
baixio chamado de Mata Fome é assim denominado por ser conhecido como um ponto de
pesca onde normalmente são encontrados grande volume de peixes. O Baixio da Boneca é
assim conhecido pois, há muitas décadas, era utilizado, segundo os pescadores que
participaram da visita no dia 21 de julho, por um homem que sempre ia lá pescar
acompanhado de sua filha, a qual se encontrava sempre com os lábios pintados. Baixio do
Perigo, como o próprio nome diz, é assim reconhecido face à localização de periculosidade na
qual está inserido, qual seja, em um “canal aberto”.
Em relação à variedade de pescado existente nos baixios, indicou-se, por exemplo, que
no Baixio da Nascente pesca-se sardinha, pescadinha, arraia, pampa, betara, bagrinho
amarelo, bagre guri. Em outros pontos, pesca-se também anchova, betara, paru, linguado,
tainha, parati, etc.

12Ressalta-se que a indicação dos pontos de pesca e baixios neste relatório não se pretende esgotar todos que de
fato existem e são utilizados pelos pescadores. Mas sim, exemplificar a grande número de pontos de pesca
existentes e utilizados pelos integrantes do Maciel. Ademais, como não se buscou mapear com o GPS todos os
pontos de pesca existentes, mas marcar pontos extremos para a tentativa de delimitação de uma área, não há
como apresentar neste trabalho rol taxativo dos pontos de pesca existentes na região.

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Os pescadores do Maciel também indicaram pontos de pesca que não são baixios, mas
sim canais. Um deles é o ponto de pesca existente entre a Ilha de Superagui, Ilha das Peças e
Palmas, no qual, segundo os pescadores, pesca-se miraguaia, bagre-guri, bagre-bugre,
banguetá, cação, viola, raia, etc. E o outro é no Canal da Galheta, onde se encontram corvina,
peixe galo, barú, etc.
Todavia, mesmo pescando nos dois canais acima indicados, os integrantes do Maciel
indicaram que a pesca que praticam ocorre desde tais canais para o interior da Baia (“dos
canais para dentro”).
Abaixo, segue mapa elaborado com a indicação de alguns dos pontos de pesca:

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A indicação dos pontos de pesca utilizados pela comunidade do Maciel corresponde ao


modo de vida de comunidades de pescadores artesanais, conforme já tratada em vasta
bibliografia sobre o assunto. Ou seja, é ampla a literatura acerca do conhecimento e utilização

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dos pontos de pesca pelos pescadores artesanais, bem como sobre a configuração daqueles
como territórios destes.
Em relação à noção de “pontos de pesca”, destacam-se as contribuições de
BEGOSSI13, segundo a qual
Os pescadores artesanais, tanto de água doce como marinhos, não
procuram as suas presas ao acaso, mas as buscam em locais específicos do
rio ou do mar. Em termos ecológicos, tal comportamento não supreende,
visto que na natureza os organismos também não estão distribuídos
uniformemente, mas sim em manchas. Essas manchas são constituídas por
recursos agregados que ocorrem em uma determinada área. Transferindo
esse raciocínio para a pesca, podemos supor que o pescado é em geral
encontrado agregado, em manchas, nos rios e mares. Ou seja, o que os
pescadores denominam como 'pesqueiro' são encontradas.

No que se refere à identificação dos pontos de pesca, a autora salienta a forma como
os pescadores artesanais os reconhecem, os quais se assemelham à forma apresentada pelos
integrantes do Maciel, vejamos:

Desse modo, os pescadores conhecem pontos no rio ou no mar onde


determinadas espécies são encontradas, e em função do aspecto seletivo da
pesca, diferentes técnicas são usadas para a captura de determinadas
espécies, assim como os pontos de pesca são em geral direcionados à captura
de determinadas espécies. Esses pontos são reconhecidos pelos pescadores
por meio de referências aquáticas (uma laje, por exemplo) ou terrestres (uma
referência em terra, uma árvore, uma casa, uma igreja).
(...)
A marcação dos pontos de pesca foi abordada por diversos pesquisadores,
como Cascudo (1957), que observou a localização de cada pesqueiro como
um vértice de um triângulo.14

13BEGOSSI, Alpina. Áreas, Pontos de Pesca, Pesqueiros e Territórios na Pesca Artesanal. In: BEGOSSI,
Alpina, org. Ecologia de Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Pauço: Hucitec:
Nepam/Unicamp: Nuaub/USP: Fapesp, 2004. p. 223
14Ibidem. p. 224

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Assim, durante a visita realizada à comunidade do Maciel, para fins de identificação do


perímetro de seu território aquático, os pescadores artesanais, explicaram como identificam os
pontos de pesca:

Ana Carolina: Agora a gente tá em qual ponto?


Pescador: Trinta Réis.
Ana Carolina: Ah, Baixio de Trinta Réis.
Pescador: Baixio de Trinta Réis!
Ana Carolina: E dai lá pra direita?
Pescador: Ponta da Baleia e tem Mingu daí, Ponta do Mingu daí.
Ana Carolina:Que é mais lá pra perto de Paranaguá?
Pescador: Isso, daí é Piterio da Cotinga.
Ana Carolina: Ah! Piterio da Cotinga dai, e que tem aqui pra pescar.
Pescador: Aqui dá Cavalinho, dá Anchova, dá Betara, dá Pescadinha, dá Sardinha, dá
Paru, dá Linguado. Qualquer espécie de peixe.
Ana Carolina: E qual que é a referência daqui?
Pescador: Tainha, Parati.
Ana Carolina: Ah!
Pescador: Uhum.
Ana Carolina: Tainha também?
Pescador: Tainha, Parati também.
Ana Carolina: E a referência que o senhor falou tá a Ponta Oeste tá lá pra trás?
Pescador: Isso, Ponta Oeste pra trás e Ilha da Cobra pra direita.
Ana Carolina: Ilha das Cobras à direita.
Pescador: Ilha da Cotinga pra trás.
Ana Carolina: Pra trás.
Pescador: Isso.
Ana Carolina: Lá, é. E essa aqui é qual?
Pescador: Essa é Ponta da Baleia
Ana Carolina: Ah, Ponta da Baleia, Ilha das Cobras e a Cotinga pra trás.
Pescador: Isso!

Ainda no tocante à identificação dos pontos de pesca, em especial aos baixios,


bastante característicos da Baía de Paranaguá, os pescadores do Maciel também indicaram o

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modo pelo qual reconhecem cada um desses pontos, e também como fazem para retornar às
suas residências caso fiquem pescando até anoitecer, ou quando vão “fachear” à noite:

Pescador 1: Onde que é aquele lugar ali, onde que é aquele lá? Ele sabe, os
[Incompreensível] sabem tudo. Esse aqui até o lugar ele fala.
Ana Carolina: E marcando pelos pontos fixos?
Pescador 1: Marcando pelos pontos fixos de manhã, no caso. Às vezes a noite tá de
cerração você não vê nada né, aí você chega numa costa e “'Pô, onde que eu tô?”, é só
mato e eles conhecem que lugar que é, qualquer lugar que eles chegarem, eles
conhecem. Os mais antigos. Eu não sou muito bom nisso daí não, isso já não é
comigo, mas eles sabem.
Ana Carolina: É de dia.
Pescador 1: É de dia pra mim, é de dia, vendo assim. Agora o baixio aqui entende,
onde que tem Berbigão, onde que é mais mole, onde que é baixio mais duro, a gente
sabe onde que tá né.
Ana Carolina: Ah, quando é mais fofo assim?
Pescador 1: Isso, daí a gente sabe aqui é tal baixio, aqui é tal baixio e não sei o que.
Ana Carolina: Mas dai tem que ir até o baixio pra ver né? Pra sentir.
Pescador 1: É, tem que ir no baixio pra ver, pra sentir.
Pescadora: É agora né?!
Pescador 1: É, agora tá... Quando tá de cerração né, aí fecha tudo. Se você não
conhece, você não sabe onde que pega.
Ana Carolina: Aí é só pelo baixio ou se alguém tiver batendo lata lá?
Pescadora: É, isso. Vai ter que bater pra ir embora. Então, hoje os pescadoresdo anjo
que faziam o linguado à noite, hoje eles usam liquinho. Aqueles que usam aquela
camisinha.
Ana Carolina: Ah, pra fazer o lampião.
Pescadora: Isso, mas antigamente chamando de gasômetro.
Pescador 1: É carbureto que falava.

Destaca-se também o conhecimento tradicional dos pescadores artesanais quanto às


formas de capturar os peixes:

Pescadora: É, pra fachear tem que ser geralmente na popa da canoa é pregado, daí
quem tá facheando vai remando já com a fisga. Daí a hora que vem o linguado, o
linguado geralmente dorme no seco, daí a hora que vê..
Pescador 2: Tá pegando raso o linguado.

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Pescadora: É, à noite. Pesca Linguado, a Tainha a noite. Daí o pescador que é craque
mesmo, já é prático pra ele não perder o peixe, aí ele vê bem o linguado, ele
geralmente fisga na cabeça, porque daí não perde.
Ana Carolina: Fisgado?
Pescadora: Fisgado.
Pescador 2: Pra poder vender.
Pescadora: Pra não perder o filé, porque daí não estraga a carne.
Pescador (?): Tem que ser bom de mira.
Pescador 1: O valor fica bem mais alto.
Pescador 2: Deixa se ajeitar aí, deixa, dá tempo.
Pescadora: Dá tempo?
Pescador 2: Dá tempo, as vezes dá.
Pescadora: Se não tá dormindo né.
Pescador 1: Tem que ficar quietinho, parado.
Pescadora: Só que tem que chegar bem silencioso né?
Pescador 1: Mas as vezes ele se enterra também, se camufla. Engana sem, bem
facilmente.
Pescadora: Mas ele tem que ter prática, porque ele é bem a cor da lama mesmo.
Linguado é escuro né.

Cumpre, ainda, ressaltar que a literatura sobre o tema também destaca a diferença
entre simples pontos de pesca, enquanto “meros” locais nos quais podem ser encontrados
peixes, e a transformação destes em territórios pesqueiros a partir da vivência por
comunidades de pescadores artesanais de uma territorialidade, entendida também como forma
de controlar espaço e recursos:

O pesqueiro, o cabeço, o valão e outras áreas marinhas diferenciadas por


serem refúgios naturais de pescado em mar aberto, são apropriados pelos
pescadores a partir de seu conhecimento e sua práxis.
(...)
Chegar ao pesqueiro requer o domínio do espaço marinho de uma série de
elementos naturais que o compõem, tais como o relevo submarino, os
ventos, as marés, as formas de terra que representam os referenciais de
localização, as profundidades da coluna d’água, a cor da água. Compõem o
território da pesca e a apropriação deste território pelo pescador é um
processo de mediação com a natureza.
No caso da atividade pesqueira, em especial na pesca marítima, os
pescadores produzem seu território em um meio aparentemente indiviso e de

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grande mobilidade e a pesca pressupõe uma interação contínua com a


natureza. Na apropriação deste meio se constrói os territórios de pesca. Esta
apropriação, segundo MALDONADO (1988), é mediada pelo “...nível
tecnológico do instrumental pesqueiro e sobretudo pelo conhecimento do
meio marítimo que cada grupo constrói e desenvolve na sua atuação frente a
natureza...”15.

Alpina BEGOSSI também faz essa diferenciação:

Vale lembrar que há diferenças entre áreas de pesca e territórios (aqui


denominados pesqueiros).No primeiro caso, refiro-me à área usada, e no
segundo caso, incluo o significado de apropriação, ou sejatenure. Áreas de
pesca e pesqueiros16.

Nesse sentido, segue trecho de entrevista na qual os pescadores relatam a forma


como “aprenderam” os pontos de pesca, o que denota tratar-se de um conhecimento
repassado de geração em geração:

Ana Carolina: Ah! Vocês pescam na baía toda.


Homem 2: Isso.
Homem 1: No caso eu, bem dizer, 50 anos que tô, não é possível não conhecer a baía
né.
Ana Carolina: Sim.
Homem 1: A gente conhece tudo e aprendeu com os mais velhos né. Eles falavam tudo
pra gente, "aqui é tal lugar", "vamos em tal lugar""em tal lugar", entende? Daí a gente
foi aprendendo.
Ana Carolina: Mas mudar pra outro lugar, assim, que não seja na baía, dai não (...)
Homem 1: Daí vai ter que aprender tudo daí, porque a gente não conhece.
Senhora: É tipo assim, se ele for morar na Ilha das Peça, digamos assim né, Nivaldo?
Homem 1: No caso, se por daqui pra Santos, a gente vai ter que aprende lá daí.
Senhora: Vai ter que aprender lá.

15CARDOSO. E.S. Pescadores Artesanais: Natureza, Território, Movimento Social. Tese de Doutorado
apresentada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia como requisito para obtenção do título de
Doutor. São Paulo: 2001. P. 82.
16BEGOSSI, Alpina. Áreas, Pontos de Pesca, Pesqueiros e Territórios na Pesca Artesanal. In: BEGOSSI,
Alpina, org. Ecologia de Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Pauço: Hucitec:
Nepam/Unicamp: Nuaub/USP: Fapesp, 2004. p. 227.

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Homem 2: Se for pro Rio de Janeiro, Salvador (...)


Homem 1: É, daí a gente não conhece.
Homem 2: Rio Grande do Sul.
Homem 1: Aí vai ter que acostumar, aí e vai demorar pra gente aprender. A gente, no
caso, conhece o mar, conhece a maré, conhece tudo. Mas a gente não sabe os pontos.
Pode ter laje de pedra, a gente não sabe isso daí né.
Senhora: No fundo do mar né.
Senhora: Os que vocês sabem é daqui da baía?
Homem 2: É, daqui.
Ana Carolina: E já teve ponto que mudou?
Homem 2: Daqui da baía?
Ana Carolina: É, muda como?
Homem 2: Acho que não né, tio?
Homem 1: Não, mudar assim, não.
Homem 2: Acho que não, no baixio não.

5.1.2 Modalidades e Apetrechos de Pesca

Durante a visita, foi possível verificar também que a depender do Baixio ou do ponto
de pesca, os pescadores utilizam modalidades e apetrechos de pesca distintos, por exemplo,
em uns pratica-se o chamado “lance”17, em outros o espinhel18ou caceia19.
Na oportunidade também foi relatada a prática do tipo de pesca conhecida por
“fachear”. Por “fachear” compreende-se a pescaria realizada à noite, com a utilização de
canoa a remo e auxílio do lampião e da “fisga” (lança de 5 pontas), a fim de pescar linguado,
tainha, Robalo e Bagre.

17Lance ou lanço são “termos que se aplicam a um conjunto de práticas de pesca de rede, envolvendo armar a
rede numa situação em que os peixes acabarão por se emalhar, e.g., na entra de um canal que se esvaziará com
a maré baixa. In: ANDRIGUETTO FILHO, J.M Sistema técnicos de pesca e suas dinâmicas de
transformação no litoral do Paraná. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e
Desenvolvimento – Universidade Federal do Paraná – Université 7 – Université Bordeaux 2, como exigência à
obtenção do título de Doutor. Curitiba, 1999. p. 237
18Por espinhel entende-se o “apetrecho de pesca formado por vários anzóis (até 300 no Litoral do Paraná),
presos a uma linha mestra a intervalos regulares”. In: Ibidem. p. 233
19“Modalidade de pesca em que uma rede retangular é deixada à deriva, deslocando-se com as correntes”. In:
Ibidem.

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Na visita do dia 21 de julho, os pescadores que acompanharam a equipe do Ministério


Público para a identificação do território tradicional aquático demonstraram como ocorre o
Lance de Arrasto, o qual, segundo os integrantes do Maciel, requer no mínimo 3 (três)
pessoas, e o ideal são 5 (cinco) pescadores.
No Lance de Arrasto, quando feito com canoa a remo, uma pessoa fica no “calão”,
com o cabo na mão a fim de desenrolar a rede, fora do barco, no baixio, enquanto outra
pessoa segue no barco remando na popa e outra na proa; e uma outra pessoa segue também no
barco jogando o chumbeiro. Ainda, quando, possível outro pescador pode ficar em outro
barco acompanhando e “revisando” o lance da rede para verificar se esta não está embolada
ou enroscada na cortiça. Quando o barco é a motor, duas pessoas ficam no barco (uma na
popa e outra jogando o “chumbeiro”), e a terceira no calão.

Pescador que fica no baixio, com o


“calão”, desenrolando a rede
enquanto o barco vai circulando
jogando o chumbeiro.

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Após o lance da rede, os pescadores a puxam para a retirada do pescado

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Pescador que fica no “calão”,


desenrolando a rede

5.1.3 Formas de divisão do trabalho e do resultado da pescaria

Em entrevista com um dos pescadores mais antigos da comunidade, Elzio Lopes,


também no dia 21 de julho de 2016, de 81 anos, este relatou como são feitas as divisões da
venda do pescado.
Conforme acima relatado, a depender da modalidade de pesca, há a necessidade de
mais de 2 (dois) ou 3 (três) pescadores. Nesses casos, reúnem-se pescadores da mesma
família, ou amigos e vizinhos próximos.
Quando da captura do pescado, após a sua venda, o valor dela advindo é dividido entre
os chamados quinhoeiros e dono do barco ou da rede. Nesse aspecto, relata Elzio Lopes:

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Sr. Elzio: No barco e na rede [Incompreensível – 00:00:02] três pessoas aqui nós
chamamos de Quinhoeiro.
Ana Carolina: Quinhoeiro?
Sr. Elzio: Quinhoeiro, quinhoeiro é aquele que ganha um quinhão no peixe e no
dinheiro que a gente ganha que a gente reparte né, então, nós damos um quinhão deles.
Ana Carolina: Que é o do dono do barco.
Sr. Elzio: É, é reparte. Das três partes que irão pro barco e pro dono, sabe?
Ana Carolina: Ah!
Sr. Elzio: E as duas partes fica pra dividir com as pessoas que vão trabalhar.
Ana Carolina: Ah! A maior parte fica com, tá entendi.
Sr. Elzio: É a pessoa.
Ana Carolina: Que tem a rede, que tem o barco?
Sr. Elzio: É, exato, exatamente.
Ana Carolina: E que também colocou o óleo né°
Sr. Elzio:É! O óleo, verdade.

Assim, verificou-se que a participação de integrantes da mesma família, mas também


de vizinhos e “compadres”, é importante para a prática da pesca artesanal dos integrantes da
comunidade do Maciel. Todavia, entende-se ser importante a realização de mais visitas e da
participação de outros profissionais, também de outras áreas do conhecimento, para que seja
possível compreender a dinâmica de trabalho e de compadrio existente entre a comunidade.
Durante as visitas, observou-se também que o retorno ao território terrestre pelos
pescadores e pescadoras artesanais compõe também a própria atividade da pesca. Isso se dá
pois é na terra que os pescadores concertam, organizam e preparam seus apetrechos de pesca.

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Pescador
consertando
sua rede de
pesca.

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Rede esticada para ser revisada,


caso esteja rasgada, é remendada
pelos pescadores

Casal de pescadores pintando e


efetuando reformas no barco.

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Assim, ficou evidente, durante as visitas realizadas que o território da comunidade do


Maciel é composto pela necessária interação entre o mar (Baía) e a Terra.

6. Pesca Artesanal e Direito Humano à Alimentação Adequada

Apesar de este relatório ter como principal objeto questões territoriais, observou-se
ainda que um tema não foi abordado nos outros relatórios até então produzidos (Histórico e de
Sócio-assistencial), qual seja, a contribuição da pesca artesanal para a efetivação do direito
humano à alimentação adequada e a ausência de acesso à política de segurança e soberania
alimentar pelos integrantes da comunidade.
Em entrevistas realizadas na visita técnica do dia 1 de abril, questionou-se acerca do
acesso pela comunidade aos programas da Política de Segurança Alimentar e Nutricional, tais
como Programa de Aquisição de Alimentos e Programa Nacional de Alimentação Escolar,
sendo que na oportunidade verificou-se que a comunidade não fornece pescado para tais
programas.
Todavia, cumpre destacar que segundo a Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO), a pesca artesanal desempenha um importante papel na
efetivação da segurança alimentar e nutricional da população, na erradicação da pobreza,
assim como na utilização sustentável dos recursos pesqueiros (FAO, 2015).
Assim como foi observado a participação das mulheres na atividade pesqueira na co-
munidade do Maciel, a FAO20 também destaca o papel da mulher na pesca artesanal:

Las mujeres son importantes actores del sector, sobre todo en las actividades
posteriores a la captura y de procesado. Se estima que aproximadamente el
90 % de todas las personas que dependen directamente de la pesca de
captura trabajan en el sector de la pesca en pequeña escala. Como tal, la
pesca artesanal sirve de motor econômico y social, proporcionando

20FAO. Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Directrices voluntarias para lograr
la sostenibilidad de la pesca en pequeña escala en el contexto de la seguridad alimentaria y la
erradicación de la pobreza. 2015. Disponível em: http://www.fao.org/3/a-i4356s.pdf. Acesso: 10 dez. 2016.

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seguridad alimentaria y nutricional, empleo y otros efectos multiplicadores


para lãs economías locales respaldando al mismo tiempo los medios de vida
de las comunidades ribereñas.

Nesse sentido, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura


(FAO)21, considerando a importância da pesca artesanal para a efetivação do direito humano à
alimentação adequação, elencou algumas diretrizes que podem orientar na realização deste
direito humano, algumas das quais salienta-se abaixo:

 Direitos Humanos e Dignidade da Pessoa Humana - necessidade de respeitar, pro-


mover e proteger os princípios dos direitos humanos e sua aplicabilidade às comunida-
des que dependem da pesca em pequena escala, com atenção ao estipulado ns normas
internacionais sobre os direitos humanos: universalidade e inalienabilidade, indivisibi-
lidade, interdependência e inter-relação, igualdade e ausência de discriminação, parti-
cipação e inclusão, responsabilização e primado do direito;

 Respeito às culturas – reconhecer e respeitar as formas de organização existentes, os


conhecimentos tradicionais e locais e as práticas das comunidades de pescadores de
pequena escala, incluídos os povos indígenas e as minorias étnicas, fomentando a lide-
rança das mulheres;

 Consulta e Participação – garantir a participação ativa, livre, efetiva, significativa e


com conhecimento material das comunidades de pescadores artesanais, incluindo os
povos indígenas, em todo o processo de tomada de decisões relativas aos recursos pes-
queiros e às áreas nas quais se realizam a pesca artesanal, assim como as terras adja-
centes, e tomando em consideração os desequilíbrios de poder existentes entre as dis-
tintas partes. A consulta deveria ainda incluir informação e apoio daqueles que podem
ser afetados pelas decisões, antes da adoção destas, bem como a resposta a suas contri-
buições;

 Sustentabilidade econômica, social e ambiental – aplicar o princípio da precaução e


de gestão dos riscos para a proteção contra resultados indesejáveis, nos quais se inclu-
em a sobre-exploração dos recursos pesqueiros e as consequências ambientais, sociais
e econômicas negativas;

21Idem.

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A FAO, ao destacar diretrizes acima mencionadas, também ressalta que estas


“reconhecem a necessidade de utilização responsável e sustentável dos recursos naturais e a
biodiversidade aquática a fim de satisfazer as necessidades ambientais e de desenvolvimento
das gerações presentes e futuras”22 (tradução livre).

Além disso, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) 23
salienta que as comunidades de pescadores artesanais necessitam ter assegurados seus direitos
de posse dos recursos que constituem a base de seu bem-estar social e cultural, dos seus meios
de vida e de seu desenvolvimento sustentável, elencando, para isso, algumas diretrizes, das
quais destacam-se as abaixo transcritas:

 Reconhecimento de que a governança responsável da posse da terra, da pesca e das


florestas na pesca em pequena escala é fundamental para a realização dos direitos hu-
manos, da segurança alimentar, da erradicação da pobreza, da sustentabilidade dos
meios de vida, da instabilidade social, da segurança e moradia, do crescimento econô-
mico e desenvolvimento rural e social;

 Necessidade de reconhecer, respeitar e proteção todas as formas de direitos legítimos


de posse, levando em consideração os direitos consuetudinários sobre os recursos
aquáticos e às terras e áreas de pesca artesanal utilizadas pelas comunidades de pesca-
dores artesanais;

 Levar em consideração, ao determinar os direitos de uso e posse da água (incluindo os


recursos pesqueiros), entre outras coisas, os objetivos sociais, econômicos e ambien-
tais. Assim, o poder público deveria reconhecer e proteger os bens públicos utilizados
e administrados de forma coletiva, em particular pelos pescadores artesanais;

 Necessidade de considerar, entes de realizar projetos de desenvolvimento de grande


escala que possam afetar as comunidades de pescadores em pequena escala, os efeitos
sociais, econômicos, mediante estudos de impacto, com a sugestão de realizar consul-
tas efetivas e significativas com essas comunidades;

22Ibidem, p. 7.
23Ibidem, p. 8.

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Também no âmbito nacional, o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional


(PLANSAN) compreende que o acesso à terra e a gestão territorial são meios essenciais para
a efetivação do Direito Humano à Alimentação Adequada. A fim de buscar esse objetivo, o
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA, prevê, naquele
documento, a seguinte ação:

Cessão de áreas objetivando promover o desenvolvimento sustentável das


comunidades pesqueiras, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e
garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e
culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de
organização e suas instituições, em parceria com a Secretaria de Patrimônio
da União (SPU).24

Ainda, destaca-se no PLNSAN, “a necessidade de ampliação da aquisição de pescado


no mercado institucional, com foco no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e no
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)”25.
Assim, conforme pode ser observado, a permanência das comunidades de pescadores
artesanais em seus respectivos territórios, terrestre e aquático, o respeito aos seus
conhecimentos tradicionais e da gestão destes em relação aos recursos pesqueiros, é forma de
contribuir para a efetivação do direito humano à alimentação, previsto no artigo 6º da
Constituição Federal.
Além disso, resta bastante evidente, também, a necessidade de condução de
procedimentos adequados de consulta prévia, livre e informada junto a tais comunidades a fim
caminhar no sentido da efetivação do DHAA, e também da realização dos direitos humanos,
da segurança alimentar, da erradicação da pobreza, da sustentabilidade dos meios de vida, da
instabilidade social, da segurança e moradia, do crescimento econômico e desenvolvimento
rural e social.
24CONSEA. Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. (PLANSAN 2016-2019) Brasília, maio de
2016. p. 28
25Idem. p. 41.

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7. Considerações Finais

O presente relatório de visita pretendeu apenas descrever as atividades observadas


durante as inspeções realizadas, bem como realizar breve análise sobre os documentos
coletados.
Durante a visita, foi possível perceber que os integrantes da comunidade estão em
situação de vulnerabilidade social, principalmente por terem receio de serem removidos de
seu território tradicionalmente ocupado.
Observou-se também o evidente desconhecimento dos moradores em relação aos
empreendimentos previstos para serem instalados na região, bem como a ausência de
realização de consulta prévia, livre e informada junto à comunidade, nos moldes como
determina o artigo 6º, da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Por outro
lado, em todas as entrevistas e conversas realizadas, ficou evidente o desejo dos integrantes da
comunidade de lá permanecerem.
Cumpre ressaltar, ainda, que a equipe, durante as três visitas realizadas, levou termos
de autorização de uso das declarações prestadas pelos pescadores, todavia, vários moradores
se recusaram a assiná-los sob a justificativa de já terem sido ludibriados e levados a erro por
assinarem documentos entregues por pessoas que se diziam interessadas em regularizar a
situação fundiária da comunidade. Desta feita, a transcrição das declarações acostadas neste
documento se deu apenas a título de elucidação da situação à Promotora de Justiça solicitante,
e a omissão dos nomes realizou-se a fim de preservar a identidade dos entrevistados. De toda
forma, as gravações serão encaminhadas à Promotora de Justiça e coordenadora da Bacia
Litorânea.
Ainda, identificou-se total desconhecimento pelos integrantes da comunidade de seus
direitos territoriais, sociais e culturais, bem como das instâncias do Estado que podem ser
acessadas em caso de violações a seus direitos.

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Assim, por fim, a partir dessas observações preliminares, que não eliminam a
necessidade de estudos e visitas mais aprofundadas, denotam a necessidade de intervenção no
sentido de i) regularizar junto à SPU a situação dos pescadores e pescadoras artesanais, ii)
garantir a realização de consulta prévia, livre e informada aos pescadores e pescadoras
artesanais da Comunidade do Maciel em vista dos diversos empreendimentos previstos para
serem instalados na região, bem como o enfrentamento acerca da legalidade do Decreto
Municipal n.º 5532/2016, também em vista de ter sido promulgado em ofensa ao artigo 6º, da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Ana Carolina Brolo de Almeida


Assessora Jurídica

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