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Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos
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2 Nesta visita também participaram a Promotora de Justiça supramencionada, uma assistente social e
historiadora lotadas neste Centro de Apoio, técnicos do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de
Justiça de Proteção ao Meio Ambiente (CAOPMA), servidores do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e da
Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (SEEC).
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socioassistencial, ressalta-se ter sido verificado junto aos moradores do Maciel grande
insegurança em relação à permanência no território.
Neste primeiro dia, também foi relatada outra situação, descrita nos demais relatórios
mencionados, de que, no ano de 2005, oficiais da Aeronáutica teriam ido até a comunidade e
informado que aquela se região se tratava de área da União e, nela, seria construído um
aeroporto; por esse motivo, segundo os moradores, estes teriam que ser removidos do
território. Tal situação gerou muita insegurança nos moradores, até mesmo porque os militares
estarem portando armamento.
Segundo os próprios moradores, a Aeronáutica havia compreendido se tratar de
comunidade tradicional, não havendo, portanto, necessidade de utilização das armas que
portavam, e também não teriam dado seguimento à eventual desocupação.
Todavia, na oportunidade, Moacir Cordeiro disponibilizou cópia de notificação
apresentada pela União Federal (que segue em anexo), representada pelo Comando da
Aeronáutica, aos 20 de novembro de 2008, por meio da qual foi a ele determinada a “total e
imediata desocupação do imóvel de propriedade da União, localizado na Ilha do Maciel,
Município de Pontal do Paraná”, sob pena de ser responsabilizado criminalmente como
incurso nas penas dos artigos 161, III, 166 e 330 do Código Penal, sem prejuízo de pagamento
de indenização. Moacir, por sua vez, não soube informar os desdobramentos em vista do não
cumprimento dessa notificação.
Na segunda visita realizada, durante os dias 16 e 17 de julho do corrente ano, na qual
participaram também, além da servidora que abaixo subscreve, a assessora jurídica do Centro
de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente, Dandara
dos Santos Damas Ribeiro, e arqueólogo da Secretária de Estado da Cultura, Almir Pontes
Filho, também foram relatadas situações conflituosas envolvendo a Empresa mencionada.
Na oportunidade, foi realizada entrevista com Dalzira Tavares da Silva, que relatou ter
enfrentado processo judicial em face da Empresa Balneária Pontal do Sul, na qual teria sido
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vencida no tocante a usucapião pretendido em relação à área que utilizava para fins de
moradia.
Nesse aspecto, no tópico a seguir, serão feitas breves considerações acerca da ação
judicial mencionada.
Por fim, em última visita técnica, esta servidora, acompanhada de equipe técnica do
CAOPMA e integrantes da comunidade, no dia 21 de julho de 2016, percorreu trajeto de
canoa a fim de identificar os pontos de pesca da comunidade, bem como o período do
território tradicionalmente utilizado para tal fim, conforme será relatado em tópico específico.
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4 Nesse aspecto, é salutar informar que a comunidade, no geral, possui muito pouco conhecimento acerca das
estruturas do Estado, dos direitos a ela aplicáveis e da instância a acessar para a efetivação dos mesmos.
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5 Os empreendimentos são: “SUBSEA 7 do Brasil Ltda: Base de soldagem Subsea 7”,“Reforma e ampliação do
cais de atracação do canteiro de obras da Techint Engenharia e Construção S/A, e da retro área adjacente,
localizado no município de Pontal do Paraná/PR – (TECHINT), além de empreendimentos das empresas
Odebrecht e Melport.
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Também
foram elaborados mapas em relação à Área de Influência Indireta dos empreendimentos:
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Ana Carolina: E vieram perguntar alguma coisa pra vocês do porto? Explicar aonde
é que vai ficar exatamente? Se vai afetar os pontos de pesca? Alguma coisa assim?
Alguém chegou a conversar do porto ou do IBAMA?
Pescador 1: Pra mim, não.
Pescador 2: Ninguém falou nada não. O porto sempre surge aí com troca de político.
Tipo, Beto Richa já fez cinco porto aqui. Já tá no último mandato né, fez quatro ano e
não fez o porto. Daí ele tem mais dois pra termina, se ele não fez com quatro, nem
com mais dois só faltando dois, então ele não faz.
Pescador 1: Daí na época de política, ele vem falar do porto né, que vai sair porto.
Pescador 2: Sim, que vai sair.
Pescador 1: Mas mais assim, ninguém comento nada, se vai [Incompreensível]
Pescador 2: Chamar um pescador pra ver o impacto que ele vai dar. Se vai afetar o
ponto de pesca, essas coisas, ninguém veio.
(…)
Pescador 1: A pesca, se sair o porto aqui, vai atrapalhar bastante.
Pescador 2: Vai, esse vai. O impacto vai ser bem grande.
Pescadora: Daí a reunião que teve, umas duas eu acho, que eu fui ali. O pessoal só
mencionou nessa Subsea, mas dizendo que o pessoal do Maciel ia sair, mas não
perguntou se queria sair. Não ofereceu uma opção assim.
Ana Carolina: Foi na Subsea?
Pescadora: É, e eles disseram que eram da Prefeitura e que tavam trazendo esse, essa,
fazendo essa reunião porque a Prefeitura junto com essa Subsea tinham liberado, eu
acho, o Governo liberou pra tirar o pessoal, pra construir e pra construir o porto aqui.
Mas não perguntando assim, "o que que vai acontecer?""o que que vocês acham?",
"pra onde que vocês vão?""pra onde querem ir?"
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Desta feita, verificou-se que integrantes da comunidade não possuem clareza acerca
dos empreendimentos previstos para a região, tampouco sobre eventuais impactos em seus
modos de vida. Ademais, o único dano que afirmam ter sido informados em virtude da
instalação de empreendimentos é o de poderem ser removidos de seu território.
Cumpre salientar, que a consulta prévia, livre e informada, prevista na Convenção 169
da Organização Internacional do Tratado – OIT, estabelece que os povos e comunidades
tradicionais devem ser consultados sempre que medidas administrativas e legislativas possam
afetá-los.
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6 GODOI, Emília Pietrafesa de. Territorialidade.Em: FURTADO, Cláudio Alves; SANSONE, Lívio (orgs.).
Dicionário crítico das ciências sociais dos países de fala oficial portuguesa. Salvador: EDUFBA, 2014, p.
444.
7 Ibid, p. 445.
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pescadores artesanais, além da ocupação da porção terrestre, esta também exercita sua
territorialidade no ambiente marinho.
A relação com a terra e o mar exercida pelos pescadores e pescadoras artesanais é
explicitada em ampla literatura sobre o tema.
Nesse sentido, César Augusto BALDI (2014, p. 96) afirma que “a pesca artesanal
desenvolve-se articulando atividades em terra e água”: o acesso à água é mediado pelo
acesso à terra, tendo em vista que nesta o pescador artesanal complementa sua renda, pratica
agricultura de subsistência, constitui sua morada, além de executar atividades posteriores à
captura do pescado e confeccionar seus apetrechos de pesca. Com relação ao mar, além de ser
o local no qual os pescadores artesanais extraem o pescado, é também “um espaço de uso
comum apropriado por saberes construídos ao longo dos anos e das gerações” (Ibidem).
DIGUES, autor de referência sobre comunidades de pescadores artesanais, destaca,
inclusive, o componente tradicional da pesca artesanal, conforme abaixo transcrito:
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2016, na qual o trecho em azul foi percorrido por esta assessora jurídica, em conjunto com
técnicos do CAOP de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo, bem como
por pescadores e pescadora da comunidade do Maciel.
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(em especial, galinhas e gansos), quanto para a coleta de plantas destinadas a remédios
naturais, e a extração de lenha em pequena escala, com a finalidade de gerar fogo (já que a
busca por gás de cozinha é difícil e custosa, principalmente por ser uma vila de difícil acesso).
Nesse sentido, destaca-se o trecho a seguir:
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tradicionalmente ocupava região maior que a atualmente ocupada e que, devido à pressão da
especulação imobiliária e de restrições ambientais, foi forçada restringir suas práticas
tradicionais (como a prática da lavoura associada ao fandango) e a retirar-se, em grande parte,
para as áreas públicas (faixa de marinha). Vejamos:
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10LIMA, Luciana Sereneski de. Diz que é bom: As plantas na vida das Comunidades de Barrancos e Maciel
(Pontal do paraná – Paraná). p. 27.
11ANDRIGUETTO FILHO, J.M Sistema técnicos de pesca e suas dinâmicas de transformação no litoral
do Paraná. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento –
Universidade Federal do Paraná – Université 7 – Université Bordeaux 2, como exigência à obtenção do título
de Doutor. Curitiba, 1999. p. 37
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específicos, destacando-se entre estes12: Baixio do Papagaio, Barra do Rio, Barra do Cerco,
Pimenta, Securiu, Martins, Pedra do Cachorro, Bridador, Baixio do Meio, Ilha da Cebola,
Baixiozinho, Tubarana, Baixio da Nascente, Berbigão, Alagado, Mata Fome, Mato Alto,
Ponta da Baleia, Boneca, Baixio de Fora, Baixio Grande e Ponta do Mingu.
No que se refere ao Baixio da Nascente, os pescadores informaram existir diversos
pontos de pesca nesse mesmo baixio, quais sejam: Mata Fome, Von Ilhota, Berbigão, Mato
Alto, Lage e Ponta de Trinta Reis.
Foram mencionados também baixios próximos à Ilha do Mel / Ponta Oeste, também
utilizados pelos pescadores do Maciel, denominados Massaranduva, Chope, Baixio do Latão,
Caliça e Barranco Branco.
Ressalta-se que pode ser observado que os nomes dos baixios e dos pontos possuem
referência a alguma característica natural ou histórica vivenciada nestes. Por exemplo, o
baixio chamado de Mata Fome é assim denominado por ser conhecido como um ponto de
pesca onde normalmente são encontrados grande volume de peixes. O Baixio da Boneca é
assim conhecido pois, há muitas décadas, era utilizado, segundo os pescadores que
participaram da visita no dia 21 de julho, por um homem que sempre ia lá pescar
acompanhado de sua filha, a qual se encontrava sempre com os lábios pintados. Baixio do
Perigo, como o próprio nome diz, é assim reconhecido face à localização de periculosidade na
qual está inserido, qual seja, em um “canal aberto”.
Em relação à variedade de pescado existente nos baixios, indicou-se, por exemplo, que
no Baixio da Nascente pesca-se sardinha, pescadinha, arraia, pampa, betara, bagrinho
amarelo, bagre guri. Em outros pontos, pesca-se também anchova, betara, paru, linguado,
tainha, parati, etc.
12Ressalta-se que a indicação dos pontos de pesca e baixios neste relatório não se pretende esgotar todos que de
fato existem e são utilizados pelos pescadores. Mas sim, exemplificar a grande número de pontos de pesca
existentes e utilizados pelos integrantes do Maciel. Ademais, como não se buscou mapear com o GPS todos os
pontos de pesca existentes, mas marcar pontos extremos para a tentativa de delimitação de uma área, não há
como apresentar neste trabalho rol taxativo dos pontos de pesca existentes na região.
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Os pescadores do Maciel também indicaram pontos de pesca que não são baixios, mas
sim canais. Um deles é o ponto de pesca existente entre a Ilha de Superagui, Ilha das Peças e
Palmas, no qual, segundo os pescadores, pesca-se miraguaia, bagre-guri, bagre-bugre,
banguetá, cação, viola, raia, etc. E o outro é no Canal da Galheta, onde se encontram corvina,
peixe galo, barú, etc.
Todavia, mesmo pescando nos dois canais acima indicados, os integrantes do Maciel
indicaram que a pesca que praticam ocorre desde tais canais para o interior da Baia (“dos
canais para dentro”).
Abaixo, segue mapa elaborado com a indicação de alguns dos pontos de pesca:
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dos pontos de pesca pelos pescadores artesanais, bem como sobre a configuração daqueles
como territórios destes.
Em relação à noção de “pontos de pesca”, destacam-se as contribuições de
BEGOSSI13, segundo a qual
Os pescadores artesanais, tanto de água doce como marinhos, não
procuram as suas presas ao acaso, mas as buscam em locais específicos do
rio ou do mar. Em termos ecológicos, tal comportamento não supreende,
visto que na natureza os organismos também não estão distribuídos
uniformemente, mas sim em manchas. Essas manchas são constituídas por
recursos agregados que ocorrem em uma determinada área. Transferindo
esse raciocínio para a pesca, podemos supor que o pescado é em geral
encontrado agregado, em manchas, nos rios e mares. Ou seja, o que os
pescadores denominam como 'pesqueiro' são encontradas.
No que se refere à identificação dos pontos de pesca, a autora salienta a forma como
os pescadores artesanais os reconhecem, os quais se assemelham à forma apresentada pelos
integrantes do Maciel, vejamos:
13BEGOSSI, Alpina. Áreas, Pontos de Pesca, Pesqueiros e Territórios na Pesca Artesanal. In: BEGOSSI,
Alpina, org. Ecologia de Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Pauço: Hucitec:
Nepam/Unicamp: Nuaub/USP: Fapesp, 2004. p. 223
14Ibidem. p. 224
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modo pelo qual reconhecem cada um desses pontos, e também como fazem para retornar às
suas residências caso fiquem pescando até anoitecer, ou quando vão “fachear” à noite:
Pescador 1: Onde que é aquele lugar ali, onde que é aquele lá? Ele sabe, os
[Incompreensível] sabem tudo. Esse aqui até o lugar ele fala.
Ana Carolina: E marcando pelos pontos fixos?
Pescador 1: Marcando pelos pontos fixos de manhã, no caso. Às vezes a noite tá de
cerração você não vê nada né, aí você chega numa costa e “'Pô, onde que eu tô?”, é só
mato e eles conhecem que lugar que é, qualquer lugar que eles chegarem, eles
conhecem. Os mais antigos. Eu não sou muito bom nisso daí não, isso já não é
comigo, mas eles sabem.
Ana Carolina: É de dia.
Pescador 1: É de dia pra mim, é de dia, vendo assim. Agora o baixio aqui entende,
onde que tem Berbigão, onde que é mais mole, onde que é baixio mais duro, a gente
sabe onde que tá né.
Ana Carolina: Ah, quando é mais fofo assim?
Pescador 1: Isso, daí a gente sabe aqui é tal baixio, aqui é tal baixio e não sei o que.
Ana Carolina: Mas dai tem que ir até o baixio pra ver né? Pra sentir.
Pescador 1: É, tem que ir no baixio pra ver, pra sentir.
Pescadora: É agora né?!
Pescador 1: É, agora tá... Quando tá de cerração né, aí fecha tudo. Se você não
conhece, você não sabe onde que pega.
Ana Carolina: Aí é só pelo baixio ou se alguém tiver batendo lata lá?
Pescadora: É, isso. Vai ter que bater pra ir embora. Então, hoje os pescadoresdo anjo
que faziam o linguado à noite, hoje eles usam liquinho. Aqueles que usam aquela
camisinha.
Ana Carolina: Ah, pra fazer o lampião.
Pescadora: Isso, mas antigamente chamando de gasômetro.
Pescador 1: É carbureto que falava.
Pescadora: É, pra fachear tem que ser geralmente na popa da canoa é pregado, daí
quem tá facheando vai remando já com a fisga. Daí a hora que vem o linguado, o
linguado geralmente dorme no seco, daí a hora que vê..
Pescador 2: Tá pegando raso o linguado.
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Pescadora: É, à noite. Pesca Linguado, a Tainha a noite. Daí o pescador que é craque
mesmo, já é prático pra ele não perder o peixe, aí ele vê bem o linguado, ele
geralmente fisga na cabeça, porque daí não perde.
Ana Carolina: Fisgado?
Pescadora: Fisgado.
Pescador 2: Pra poder vender.
Pescadora: Pra não perder o filé, porque daí não estraga a carne.
Pescador (?): Tem que ser bom de mira.
Pescador 1: O valor fica bem mais alto.
Pescador 2: Deixa se ajeitar aí, deixa, dá tempo.
Pescadora: Dá tempo?
Pescador 2: Dá tempo, as vezes dá.
Pescadora: Se não tá dormindo né.
Pescador 1: Tem que ficar quietinho, parado.
Pescadora: Só que tem que chegar bem silencioso né?
Pescador 1: Mas as vezes ele se enterra também, se camufla. Engana sem, bem
facilmente.
Pescadora: Mas ele tem que ter prática, porque ele é bem a cor da lama mesmo.
Linguado é escuro né.
Cumpre, ainda, ressaltar que a literatura sobre o tema também destaca a diferença
entre simples pontos de pesca, enquanto “meros” locais nos quais podem ser encontrados
peixes, e a transformação destes em territórios pesqueiros a partir da vivência por
comunidades de pescadores artesanais de uma territorialidade, entendida também como forma
de controlar espaço e recursos:
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15CARDOSO. E.S. Pescadores Artesanais: Natureza, Território, Movimento Social. Tese de Doutorado
apresentada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia como requisito para obtenção do título de
Doutor. São Paulo: 2001. P. 82.
16BEGOSSI, Alpina. Áreas, Pontos de Pesca, Pesqueiros e Territórios na Pesca Artesanal. In: BEGOSSI,
Alpina, org. Ecologia de Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Pauço: Hucitec:
Nepam/Unicamp: Nuaub/USP: Fapesp, 2004. p. 227.
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Durante a visita, foi possível verificar também que a depender do Baixio ou do ponto
de pesca, os pescadores utilizam modalidades e apetrechos de pesca distintos, por exemplo,
em uns pratica-se o chamado “lance”17, em outros o espinhel18ou caceia19.
Na oportunidade também foi relatada a prática do tipo de pesca conhecida por
“fachear”. Por “fachear” compreende-se a pescaria realizada à noite, com a utilização de
canoa a remo e auxílio do lampião e da “fisga” (lança de 5 pontas), a fim de pescar linguado,
tainha, Robalo e Bagre.
17Lance ou lanço são “termos que se aplicam a um conjunto de práticas de pesca de rede, envolvendo armar a
rede numa situação em que os peixes acabarão por se emalhar, e.g., na entra de um canal que se esvaziará com
a maré baixa. In: ANDRIGUETTO FILHO, J.M Sistema técnicos de pesca e suas dinâmicas de
transformação no litoral do Paraná. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e
Desenvolvimento – Universidade Federal do Paraná – Université 7 – Université Bordeaux 2, como exigência à
obtenção do título de Doutor. Curitiba, 1999. p. 237
18Por espinhel entende-se o “apetrecho de pesca formado por vários anzóis (até 300 no Litoral do Paraná),
presos a uma linha mestra a intervalos regulares”. In: Ibidem. p. 233
19“Modalidade de pesca em que uma rede retangular é deixada à deriva, deslocando-se com as correntes”. In:
Ibidem.
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Sr. Elzio: No barco e na rede [Incompreensível – 00:00:02] três pessoas aqui nós
chamamos de Quinhoeiro.
Ana Carolina: Quinhoeiro?
Sr. Elzio: Quinhoeiro, quinhoeiro é aquele que ganha um quinhão no peixe e no
dinheiro que a gente ganha que a gente reparte né, então, nós damos um quinhão deles.
Ana Carolina: Que é o do dono do barco.
Sr. Elzio: É, é reparte. Das três partes que irão pro barco e pro dono, sabe?
Ana Carolina: Ah!
Sr. Elzio: E as duas partes fica pra dividir com as pessoas que vão trabalhar.
Ana Carolina: Ah! A maior parte fica com, tá entendi.
Sr. Elzio: É a pessoa.
Ana Carolina: Que tem a rede, que tem o barco?
Sr. Elzio: É, exato, exatamente.
Ana Carolina: E que também colocou o óleo né°
Sr. Elzio:É! O óleo, verdade.
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Pescador
consertando
sua rede de
pesca.
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Apesar de este relatório ter como principal objeto questões territoriais, observou-se
ainda que um tema não foi abordado nos outros relatórios até então produzidos (Histórico e de
Sócio-assistencial), qual seja, a contribuição da pesca artesanal para a efetivação do direito
humano à alimentação adequada e a ausência de acesso à política de segurança e soberania
alimentar pelos integrantes da comunidade.
Em entrevistas realizadas na visita técnica do dia 1 de abril, questionou-se acerca do
acesso pela comunidade aos programas da Política de Segurança Alimentar e Nutricional, tais
como Programa de Aquisição de Alimentos e Programa Nacional de Alimentação Escolar,
sendo que na oportunidade verificou-se que a comunidade não fornece pescado para tais
programas.
Todavia, cumpre destacar que segundo a Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO), a pesca artesanal desempenha um importante papel na
efetivação da segurança alimentar e nutricional da população, na erradicação da pobreza,
assim como na utilização sustentável dos recursos pesqueiros (FAO, 2015).
Assim como foi observado a participação das mulheres na atividade pesqueira na co-
munidade do Maciel, a FAO20 também destaca o papel da mulher na pesca artesanal:
Las mujeres son importantes actores del sector, sobre todo en las actividades
posteriores a la captura y de procesado. Se estima que aproximadamente el
90 % de todas las personas que dependen directamente de la pesca de
captura trabajan en el sector de la pesca en pequeña escala. Como tal, la
pesca artesanal sirve de motor econômico y social, proporcionando
20FAO. Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Directrices voluntarias para lograr
la sostenibilidad de la pesca en pequeña escala en el contexto de la seguridad alimentaria y la
erradicación de la pobreza. 2015. Disponível em: http://www.fao.org/3/a-i4356s.pdf. Acesso: 10 dez. 2016.
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21Idem.
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Além disso, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) 23
salienta que as comunidades de pescadores artesanais necessitam ter assegurados seus direitos
de posse dos recursos que constituem a base de seu bem-estar social e cultural, dos seus meios
de vida e de seu desenvolvimento sustentável, elencando, para isso, algumas diretrizes, das
quais destacam-se as abaixo transcritas:
22Ibidem, p. 7.
23Ibidem, p. 8.
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NÚCLEO DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES
TRADICIONAIS
7. Considerações Finais
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NÚCLEO DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES
TRADICIONAIS
Assim, por fim, a partir dessas observações preliminares, que não eliminam a
necessidade de estudos e visitas mais aprofundadas, denotam a necessidade de intervenção no
sentido de i) regularizar junto à SPU a situação dos pescadores e pescadoras artesanais, ii)
garantir a realização de consulta prévia, livre e informada aos pescadores e pescadoras
artesanais da Comunidade do Maciel em vista dos diversos empreendimentos previstos para
serem instalados na região, bem como o enfrentamento acerca da legalidade do Decreto
Municipal n.º 5532/2016, também em vista de ter sido promulgado em ofensa ao artigo 6º, da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
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