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CAMPINAS
2019
2
Ficha catalográfica:
3
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
4
Dedico esta Tese à minha filha, Maria, aos meus pais Anna Nelly e
Aline.
5
Agradecimentos
6
Resumo
7
Abstract
The landscape is Paraty, in the state of Rio de Janeiro, with multiple notions
about space as territories that provide an observational “laboratory” for political, state and
public administration actions. The experience of working in the public service with the
theme of land regularization of indigenous lands and quilombola territories, and in the
environmental licensing of infrastructure enterprises and public policies for traditional
peoples and communities, has arisen an interest in the way the state and public
administration view and treat communities and the obligations that the state itself has
assumed for itself in relation to them; in particular the situations of overlapping that have
implications for the state itself, triggering some of its contradictions in the chain of
discourses it utters, in a polyphonic way through its distinct institutions. The materials
used are those available where the state speaks: laws, reports, midway law making
processes and decisions. The aim is to analyze and show how communities are viewed
and treated by the state with the purpose of contributing to the speculation on how things
of the state can constitute a legitimate object of analysis, limited as much as any other,
especially when they address, decide, interfere and adjust destinies for traditional
communities, the “other”, historically the privileged object of anthropology.
8
Índice de gráficos
Índice de figuras
9
Figura 21 ― Sobreposição entre a APA de Cairuçu e o PARNA da Bocaina, com detalhe da
porção marítima da Fazenda Guebetiba (mapa-base em “Cidade-Brasil” online) ................... 242
Figura 22 -- Reserva da Biosfera e respectivas zonas da Mata Atlântica ................................. 243
Figura 23 ― Indicação Geográfica da Cachaça de Paraty ....................................................... 245
Figura 24 – Parque Nacional da Serra da Bocaina ― PNSB, Paraty, RJ .................................... 248
Figura 25 - Mapa das Zonas de Preservação do Conjunto Paisagístico de Paraty, Port.
402/2012/Iphan .................................................................................................................... 250
Figura 27 ― Quadro cronológico da criação de Mosaicos no Brasil: 2005-2013 ..................... 262
Figura 28 ― Abrangência do Mosaico da Bocaina ................................................................. 264
10
Sumário
INTRODUÇÃO....................................................................................................................................... 13
1. TERRITÓRIO: ENTRE ANTROPOLOGIA E GEOGRAFIA .................................................................... 20
1.1. TERRITÓRIOS E CONJUNTOS DE TERRITÓRIOS TRADICIONAIS ................................................................. 20
1.2. ESPAÇO E TERRITÓRIO: UMA VISADA NA GEOGRAFIA CULTURAL ............................................................. 24
1.3. IMAGENS DO ESTADO ................................................................................................................ 41
1.4. ALGUMAS NOÇÕES NA BAGAGEM ................................................................................................. 44
2. UM PERCURSO POR TERRITÓRIOS E INSTITUIÇÕES ...................................................................... 47
2.1. INSCREVER NO MAPA E IDENTIFICAR TERRITÓRIOS .............................................................................. 49
2.2. OUTRAS POLÍTICAS ENVOLVENDO OS TERRITÓRIOS E AS COMUNIDADES TRADICIONAIS ................................ 62
2.3. A INSTITUIÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE POVOS E COMUNIDADES
TRADICIONAIS ...................................................................................................................................... 74
2.4. ANOTAÇÕES SOBRE AS CÂMARAS DE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM FEDERAL ― CCAF/CGU/AGU .............. 81
2.5. TERRITÓRIOS TRADICIONAIS, TERRITÓRIOS INSTITUCIONAIS .................................................................. 91
3. COMUNIDADES TRADICIONAIS E A CRIAÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO DA NATUREZA―SNUC ................................................................................................ 97
3.1. ÁREAS PROTEGIDAS NO BRASIL..................................................................................................... 98
3.2. PROJETO DE LEI N° 2.892/1992: A ELABORAÇÃO DO SNUC ............................................................ 126
3.2.1. “População tradicional” discutida e vetada ................................................................ 131
3.2.2. Reserva de Recursos Naturais ― proposta para o grupo de Manejo Provisório ........... 134
3.2.3. Reserva Ecológico-Cultural ― proposta para o grupo Uso Sustentável ........................ 137
3.2.4. Reserva de Desenvolvimento Sustentável ― grupo de uso sustentável ....................... 141
3.2.5. Reserva da Biosfera ................................................................................................... 142
3.2.6. Reserva Ecológica Integrada ― proposta para o grupo de uso sustentável ................. 144
3.2.7. Corredores Ecológicos e Mosaicos .............................................................................. 145
3.2.8. Terras Indígenas ........................................................................................................ 148
3.3. GOVERNANÇA ....................................................................................................................... 155
4. PARATY ..................................................................................................................................... 161
4.1. LUGARES DE ANTES ................................................................................................................. 161
4.2. CAMINHOS ........................................................................................................................... 171
4.3. OPORTUNIDADE ..................................................................................................................... 181
5. SOBREPOSIÇÕES EM PARATY..................................................................................................... 185
5.1. TERRITÓRIOS DE COMUNIDADES ................................................................................................. 185
5.1.1. Territórios Quilombolas ............................................................................................. 185
5.1.2. Comunidades Caiçaras............................................................................................... 188
5.1.3. Terras Indígenas ........................................................................................................ 191
5.2. ÁREAS PROTEGIDAS E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO EM PARATY ........................................................ 195
5.2.1. Reserva Ecológica da Juatinga (em recategorização) ― estadual ............................... 197
5.2.2. Área Estadual de Lazer de Paraty-Mirim (parte em recategorização) ― estadual ....... 213
5.2.3. Área de Proteção Ambiental de Cairuçu ― federal ..................................................... 215
5.2.4. Área de Proteção Ambiental da Baía de Paraty, Paraty-Mirim e Saco do Mamanguá.. 233
5.2.5. Estação Ecológica Tamoios – federal.......................................................................... 237
5.2.6. Parque Nacional Serra da Bocaina ― federal ............................................................. 240
5.2.7. Reserva da Biosfera da Mata Atlântica ...................................................................... 243
5.3. OUTRAS SOBREPOSIÇÕES EM PARATY .......................................................................................... 244
5.3.1. Indicação Geográfica da cachaça de Paraty ............................................................... 244
11
5.3.2. Paraty: Sítio Tombado ............................................................................................... 249
5.4. TIPOS DE TERRITÓRIOS ............................................................................................................. 253
6. MOSAICO DA BOCAINA: SOBREPOSIÇÕES ENTRE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO....................... 259
6.1. RECONHECIMENTO DO MOSAICO DA BOCAINA .............................................................................. 260
6.2. COMPOSIÇÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DO MOSAICO DA BOCAINA ................................................. 265
6.3. SOBREPOSIÇÕES ENTRE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO ....................................................................... 269
6.3.1. Recategorização da Reserva Ecológica Estadual da Juatinga ― REEJ .......................... 273
6.3.2. O Mosaico da Bocaina e outros projetos envolvendo as unidades de conservação
abrangidas por ele ..................................................................................................................... 277
6.4. LICENCIAMENTO AMBIENTAL ..................................................................................................... 279
6.4.1. Cana e cachaça.......................................................................................................... 282
6.4.2. Outros empreendimentos .......................................................................................... 283
6.4.3. Câmara Temática de Unidades de Conservação e Populações Tradicionais do Mosaico da
Bocaina 284
6.5. FÓRUM DE COMUNIDADES TRADICIONAIS DE ANGRA DOS REIS, PARATY E UBATUBA—FCT ...................... 290
6.6. COMUNIDADE E TERRITÓRIO ...................................................................................................... 296
CONCLUSÃO: IMPLICAÇÕES DAS SOBREPOSIÇÕES ............................................................................. 299
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 303
ANEXO 1 ― POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES DO ANTIGO MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E
COMBATE À FOME ― MDS, NA SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL E PARCERIAS ― SAIP
PARA POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS (2006) ....................................................................... 312
ANEXO 2 — QUANTITATIVO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO BRASIL NAS INSTÂNCIAS FEDERAL,
ESTADUAL E MUNICIPAL (JAN/2019) ................................................................................................. 315
ANEXO 3 ― CATEGORIAS DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO (LEI Nº 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000)316
ANEXO 4 ― COMPOSIÇÃO DO MOSAICO DA BOCAINA, 2015 ............................................................ 318
12
Introdução
13
comunidade, serão os seus critérios, se uma instituição, os critérios serão os dela, ainda
que se baseie naqueles primeiros. Essa opção em estipular um mínimo para se ter em
conta o que é um território ― território implica limites ― me proporcionou, quero crer,
abordar território tanto institucional quanto tradicional; os que as definições mais pesadas
e consubstanciadas não permitiram, ou por carregarem um lugar histórico que não era
necessariamente na regularização fundiária, também localizadas historicamente, de terras
indígenas e territórios quilombolas e na ausência de regularização fundiária para outros
territórios tradicionais; ou por serem em análises que quiseram privilegiaram a
regularização fundiária como tema circunscrevendo, assim, suas observações, não raro
com equívocos quanto a etapas e repousando a atenção no que, no assunto da
regularização fundiária, me parecia ser irrelevante e não o lugar do problema. Ademais,
o meu tema leva em conta a regularização fundiária, mas não tem o propósito de cuidar
dela.
14
comunidades e, também, do Estado em sua atuação ― é imprescindível que vejamos onde
o Estado “fala”, onde decide e onde é reticente por conveniência ou inércia. Não se está
buscando, em contrário dos esforços dos autores, uma materialidade do Estado, senão os
seus efeitos de presença, pois o material privilegiado nesta pesquisa é a atuação do Estado
e o comportamento do Estado com o objetivo de ver como as comunidades são vistas e
tratadas por ele. As falas do Estado estão nas leis, nos documentos técnicos e em
expressões e nomes particulares. O Estado, ao falar, profere discursos que se conectam a
outros discursos (FOUCAULT, 2012, pp. 7-9). Os sentido se vão dando nas conexões
entre discursos acerca de temas sem, no entanto, que se formem “frases”. Uma
consequência é a dificuldade em se ter ou cobrar coerência entre discursos do Estado.
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Colonização e Reforma Agrária ― Incra, alguns casos de sobreposições entre territórios
quilombolas, unidades de conservação, áreas de mineração e áreas militares colocados
para a decisão ou arbitragem federal. Gostaria de remarcar que não são comuns casos de
sobreposição entre territórios tradicionais, ao passo que as unidades de conservação quase
que se amontoam, razão pela escolha de Paraty como um laboratório para tratar do tema.
Outro destaque dado é para a história da constituição da Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo
Decreto nº 6.040, de 2007, um instrumento importante principalmente para comunidades
tradicionais não indígenas ou quilombolas. Processo que tive a chance de acompanhar e
de participar e que, no atual momento da gestão política brasileira. A finalidade do
capítulo 2, depois de ter indicado no capítulo anterior que território implica limites, é a
de diferenciar territórios tradicionais de institucionais. Os primeiros aqueles das próprias
comunidades, sejam terrestres ou aquáticos, e os segundos referindo-se às terras
indígenas, aos territórios quilombolas, às unidades de conservação e a outras formas de
“territorialização de políticas públicas”. Essa distinção se faz necessária para
compreender o que estará em sobreposição nessa circunstância.
Uma breve retrospectiva das ideias em torno do que vieram a ser, depois, as
áreas protegidas e a forte influência das organizações ambientais internacionais “de
centro” ― como mobilizadora dos debates e com eles dos entendimentos ― tem lugar no
capítulo 3 como um preâmbulo à elaboração da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, ou
a “Lei do SNUC”. Na sequência analiso o Projeto de Lei n° 2.892/1992 em seus oito anos
de tramitação no Congresso Nacional antes de se tornar a Lei nº 9.985, de 18 de julho de
2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza―SNUC.
Do processo físico, acessado por meio digital disponibilizado pela Câmara do Deputados,
listo e comento as possíveis unidades de conservação que tinham em conta a presença de
comunidades tradicionais e que não permaneceram ou nas discussões ou na versão final
daquela Lei. Sem muita melancolia quanto ao que poderia ter sido e não se deu, pois esta
Tese, em diversas passagens quer pelas minhas observações quer, principalmente, pelas
observações das próprias comunidades que se relacionam com o órgão gestor das
unidades de conservação, denunciam a visão ambientalista restritiva que lhes recobre os
territórios, a autodeterminação e autonomia. Este capítulo encera com observações acerca
da governança como, talvez, uma forma do envolvimento da sociedade civil, o que é
inerente à governança e, talvez, mais um espaço do contato entre comunidade e
16
administração pública onde se possa ter a dominação carismática weberiana, por um lado
e, por outro, uma crescente organização das comunidades em processos internos de
legitimação, no que se fortalecem para dialogar com o Estado.
17
documentos de licenciamento ambiental e de notícias em jornal, principalmente, onde há,
também, a manifestação escrita das comunidades envolvidas nos temas e reclamantes.
18
precípuas e a prioridade no tratamento do tema será, portanto, o conflito e não os usos; as
situações de sobreposição possibilita às comunidades verem como o Estado se comporta
em de outras ocasiões. além dos temas da regularização fundiária, da saúde, da educação,
etc.
19
1. Território: entre antropologia e geografia
Este capítulo traz uma ideia simples: território implica limites. O que obriga
a me alongar um pouco para indicar de quais limites se está falando ao mesmo tempo em
que são apresentadas algumas concepções de território. O interesse na geografia se deve
à perspectiva daquela disciplina em ter como objeto privilegiado o espaço e a sua
distinção em território. A escolha em trazer autores como Raffestin e Yi-Fu Tuan, tem
razão no esforço conspícuo desses autores em enxergar a presença humana nos espaços,
o que fizeram em período de constituição da geografia cultural, cuja leitura pode-nos
balizar por onde queremos, ou não, seguir com a noção de território.
São sistemas, portanto, que se projetam em dada área e não em outra; sistemas
que envolvem classificações diversas quando classificar implica hierarquizar coisas no
mundo (DURKHEIM & MAUSS, [1903] 1990) e junto a elas pessoas e grupos de pessoas
são classificados. Grupos que se relacionam sob diversas formas, as quais assumem
expressões políticas derivadas da hierarquização, cujas tensões e distensões podem ser
lidas tanto internas a uma mesma comunidade quanto as diferenciando de seus vizinhos.
Refiro-me à política “entre” os homens, como a entende Hannah Arendt (ARENDT,
1998), que pode ser interpretada como uma negociação entre pessoas movendo interesses
20
além da sua individualidade, nos inter-espaços dos indivíduos. Essa perspectiva de Arendt
é interessante porque parte do aspecto relacional, ao contrário da ideia de sujeitos
políticos, e o são, que na perspectiva de Arendt podemos vê-los ampliados na sua
interrelação. A ênfase nesta Tese nas formas de constituição dos territórios institucionais
por parte do Estado faz o caminho inverso ao do geógrafo Claude Raffestin
(RAFFESTIN, [1980] 1993) na forma mais recorrente como aquele autor apreende o
território, sendo um plano em que as relações tecidas são permeadas por poder e passíveis
de serem, assim, analisadas.
21
das condições em que se formaram cada cultura individualmente (SEEMANN, 2005, pp.
15-16). Clifford Geertz trata de forma diferente essa apropriação ou consecução das ideias
de Boas tomando a distinção que faz Michel Foucault entre autores e escritores 1; assim,
Raymond Firth seria o melhor malinowskiano de que dispomos, segundo Geertz, e
“Kroeber fez o que Boas apenas prometeu” (GEERTZ, 2002, p. 34), diz Geertz ao falar
do fenômeno da formação de um gênero, e não propriamente de uma “escola, que explora
possibilidades recém-reveladas, conforme analisa Geertz (ibidem).
Trazer Boas não significa qualquer espécie de ponte, nesta Tese, entre a
antropologia e a geografia, senão a finalidade de apontar desdobramentos das áreas
culturais no Brasil e, junto a isso, pudemos ter uma entrevista da leitura cuidadosa do
antropólogo Boas feita pelo geógrafo Seemann quem, aliás, se indaga como seria a
geografia cultural se Boas, e não os seus discípulos, a tivesse influenciado com mais força
(SEEMANN, 2005, p. 17) e de forma mais aprofundada, sendo indicados por Seemann,
a partir da análise da obra de Boas que fez Roger Trindell (1969)2, três tópicos em
contribuição à geografia, especialmente à geografia cultural: a relação do homem com o
meio ambiente na perspectiva antideterminista e contra o “ambientalismo grosseiro”; as
áreas culturais; e a difusão cultural (SEEMANN, 2005, p. 14).
22
caboclas e outras populações não indígenas as Áreas Etnográficas da América do Sul
(DIEGUES, 2000), de Julio Cezar Melatti5, na publicação, Um outro mapeamento que,
embora não traga regiões, mas agrupa povos indígenas por famílias linguísticas, é Mapa
etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes, de Curt Nimuendajú (1883-1945),
publicado de forma acessível ao público em 19816, fruto de trabalhos em campo entre
1905 e 1944 e de informações em fontes secundárias diversas que reúnem alguns grupos
de forma regionalizada quanto às famílias linguísticas (NIMUENDAJÚ, 2017, p. 29;
passim). Frutos de pesquisas, tais mapeamentos constituem material, por sua vez, a tantas
outras pesquisas e aos trabalhos técnico-científicos para a regularização fundiária por
localizarem grupos étnico-sociais de forma relacional e, ou, regionalizada de forma a
indicar, ao menos, a presença histórica de determinado grupo em uma região.
Com base nas áreas etnográficas de Melatti, em dado momento por volta de
2002, o Departamento de Identificação e Delimitação de Terras Indígenas da Fundação
Nacional do Índio ― Funai7, esteve às voltas com a organização da demanda por
regularização fundiária de terras indígenas, tanto as novas quanto os passivos irresolutos,
e tinha nas Áreas Etnográficas sua estratégia de atuação. A proposta, segundo Marco
Paulo Fróes Schettino ― quem esteve à frente daquele departamento à época ―, era a de
sistematização dos dados preliminares à constituição de grupos de trabalhos para os
levantamentos em campo, nas terras indígenas, segundo Schettino (SCHETTINO, 2005,
p. 150). Foram identificadas dezessete áreas etnográficas e observo que tomaram dentre
os critérios, a logística do deslocamento dos grupos de trabalhos, tanto que os rios dão
nome à maior parte das áreas.
23
autores estavam abrindo campo na sua própria disciplina de modo a reconfigurar
entendimentos acerca do espaço destituído da presença humana, que procuraram
fortemente restituir. Abordar tais autores não significa um diálogo entre disciplinas mas,
antes, no caso da antropologia, a profusão com a que tais autores são indicados, lidos e
citados é sintomática, a meu ver, de uma lacuna quanto ao tema “território”, que não deve
ser cobrada da antropologia, pois trabalhou e trabalha com elementos territoriais ou que
se convertam em territorializações sistemática e recorrentemente sem, no entanto, partir
necessariamente do território como um objeto. Meu interesse em Raffestin e em Yi-Fu
Tuan é quanto ao território e ao espaço, lendo neles como podem, também, serem essas
categorias ou conceitos apreendidos, em que as minhas discordâncias me serviram de
motor e balizas para este trabalho.
24
militares; para o jurista, a delimitação de jurisdição é o que conta; o especialista em direito
internacional, vê o território como o espaço do exercício da soberania e mede a sua
extensão; e para os especialistas interessados em geografia política ― em que Gottmann
informa ser um deles, e campo que quer delinear ― o território aparece como uma noção
espacial material que estabelece vínculos essenciais entre política, pessoas e o cenário
natural. (GOTTMANN, 1973, p. ix). O território do geógrafo é informado por Gottmann
como “a parte do espaço delimitada por linhas de contorno, cuja localização e
características internas devem ser descritas e explicadas” (ibidem). O território como
unidade na organização política do espaço define, diz Gottmann, “ao menos por um
tempo” as relações da comunidade com o seu habitat e, ainda, as relações entre a
comunidade e os seus vizinhos (GOTTMANN, 1973, p. 1), este um aspecto pouco
explorado até aquele momento segundo o autor. Também, em uma “abordagem
puramente analítica, a noção de território se dividiria e se dissolveria em uma infinidade
de conceitos diferentes”, tais como: “localização, recursos naturais, densidade
populacional, padrões de assentamento, modos de vida e assim por diante”
(GOTTMANN, 1973, p. ix).
25
invasores naqueles estudos. Aos espaços, segundo Yi-Fu Tuan, os humanos atribuem
valores e é onde as necessidade biológicas como água, comida, descanso e procriação são
satisfeitas e as pessoas respondem ao espaço e ao lugar de maneiras mais complicadas;
ao passo que, quanto ao lugar, as respostas não são bem conhecidas no reino animal.
Yi-Fu Tuan delineia a sua forma de lidar com lugares, para o que é necessário
tratar do tempo para entrar e sair da imobilidade das paisagens e nelas inserir o humano
por meio da experiência. Em Espaço e Lugar, de 1977, Yi-Fu Tuan explica que tomou os
conceitos de espaço e de lugar para trabalhar o seu material heterogêneo sob a perspectiva
da experiência humana enquanto “elementos do meio ambiente intimamente
relacionados” (TUAN, [1977] 1983, p. v). O espaço é uma noção na experiência humana
mais abstrata que lugar, segundo o autor. A experiência humana, um aprendizado,
carregaria instintos e o aprendizado se reporta às percepções de espaço pelos seres
humanos desde criança, onde o primeiro espaço experienciado são os pais. Os objetos,
naturais ou feitos pelo Homem, que persistem no tempo como “lugares através do tempo”,
cuja percepção humana destes é afetada pela cultura conferindo-lhes importância geral
26
ou específica; a importância específica mudaria com o tempo e a geral permaneceria
(TUAN, [1977] 1983, p. 181). Os limites das nações-estados nos mapas podem emplacar
no leitor a noção de autossuficiência na soberania dos países como entidades distintas e a
representação de cadeias de montanhas, rios reforçam, segundo Tuan, a “sensação da
nação como lugar” (TUAN, [1977] 1983, p. 197). “Lugar”, um conceito estático ― como
o aponta Yi-Fu Tuan ― é colocado em movimento com o tempo e se fazendo visível
através de inúmeras formas: os lugares como rivalidades e conflitos com outros lugares;
“o poder evocativo da arte, da arquitetura, cerimônias e ritos”. Lugares humanos,
portanto, se tornam muito reais através da dramatização e se tem a identidade de um lugar
na “dramatização das aspirações, necessidades funcionais e vida pessoal dos grupos”
(TUAN, [1977] 1983, p. 197). Para descer ao cotidiano, como em uma escala, e falar de
experiência, na leitura que faço no movimento que faz Yi-Fu Tuan para poder incorporar
o humano na geografia, Tuan traz a rotina entre “pontos”, cadeiras, móveis, etc.; como
exemplos de lugares e estes são o centro para organizar o mundo; “lugar é um mundo de
significado organizado” e “essencialmente um conceito estático” (TUAN, [1977] 1983,
pp. 198-200). O autor relaciona tempo e lugar sob três perspectivas: (a) lugar como tempo
tornado visível ou lugar como lembrança de tempos passados; (b) a afeição por um lugar
como uma função do tempo, pois “leva tempo para se conhecer um lugar” e (c) tempo
como fluxo/movimento, em que “lugar” é uma pausa na corrente temporal (TUAN,
[1977] 1983, p. 198).
27
mais afetuosamente as nossas pegadas do que as suas porque as cinzas
de nossos ancestrais, nossos pés descalços estão conscientes de que o
solo está cheio de vida de nossos parentes. (TUAN, [1977] 1983, p. 172)
28
os pigmeus no Congo, habitando a floresta úmida e com um sentido primário de tempo
lhes faltando “uma estória da criação do mundo” e em algo no seu ambiente para lembrá-
los do passado imersos em um ambiente, pois “a floresta úmida é imutável”; os aborígenes
australianos teriam registrados na paisagem, em um desfiladeiro, em uma caverna ou
pico façanhas ancestrais e “os acontecimentos que precedem o seu mundo presente” ―
há de se perguntar se não seria estes exemplos de “lugares” a segurar o tempo? ―;
completa Tuan indicando que “apesar disso, sem um registro escrito e um sofisticado
sistema de contagem, o sentido de tempo mão pode ser profundo” (TUAN, [1977] 1983,
p. 209). Toma os Nuer, a partir de Evans-Pritchard, para falar da pouca profundidade do
tempo nas linhagens na passagem em que, remontadas, não recuaria à árvore sob a qual
surgira a humanidade (ibidem). Se, em parte, Tuan dispensa a estrutura, com ela abre mão
da possibilidade de percorrer um espaço vivido junto aos clãs e linhagens Nuer, talvez
porque os sentimentos-experiências, necessários à sua construção de lugares, não
estivessem descritos enquanto tais e não quis imaginá-los ali. Aos povos pré-letrados
faltariam, segundo Tuan, os meios e, também, “a vontade de pensar historicamente”, diz
Tuan e recorre à criança e aos rituais de iniciação, tomados na dupla instituições e mitos,
estes sancionando as primeiras, apontando que os mitos são eternos e o cosmo uma
constante; recorta as sociedades que repousam o tempo nos objetos e nos lugares como
sagrados e os veneram porque associados a figuras de poder e não pela sua antiguidade.
29
Se eu puder identificar semelhança como que se poder ter de consenso acerca
de “territórios”, indicaria o aspecto da afeição ao lugar, em Tuan no sentido de “lugar”,
por vezes a meio caminho da noção de casa, de uma forma mais pessoal que coletiva,
explicitada em Yi-Fu Tuan como “lar”, o que seria um indício de território na forma como
me parece que as comunidades tradicionais e povos indígenas têm seus próprios
territórios; mas forçoso considerar, assim, aqui, a partir de Tuan que está abrindo espaço
para uma geografia, em conjunto com outros de seu métier, em um espectro largo de
diálogos para ampliar a geografia em temas que levam à disicplina um tanto da psicologia,
das ciências sociais, da filosofia e que tem o ambiente em uma perspectiva que
“contribuiria para a preservação e valorização do ambiente terrestre” e “tendo como
objeto a apreciação da paisagem enquanto ambiente natural e humanizado”, cujo
empreendimento se baseava na “aproximação humanística”, seu objeto não é o território,
mas o sentimento por espaços dentre os quais estão a pátria, o lar, a casa, o espaço e o
lugar, ou autor resvala em territórios (TUAN, [1977] 1983). Quando Yi-Fu Tuan
menciona território, tem principalmente em mente o estado-nação. Ao falar dos
aborígenes australianos, conta que estes consideram território a parte da casa, a
destacando de outra parte coletiva. Menciona que os aborígenes, mesmo sem terem sido
influenciados pelos valores de agricultores que cultivam a terra ― no caso, os agricultores
sedentários, para o autor ― constituem um exemplo de caçadores e coletores com
profundo apego ao “lugar”; e que, mesmo não possuindo regulamentos para a posse da
terra ou, “idéias rígidas sobre limites territoriais”, têm dois tipos de territórios: a
“propriedade” e o “campo”; diz Yi-Fu Tuan.
30
carinhoso pelo seu país”; “imploram à mãe-terra” que faças as coisas crescerem, a água
correr e “que mantenha a terra firme para que possam andar sobre ela”; descrevem as
Black Hills como uma mulher reclinada, dela os seios geradores da vida, e ‘para elas os
Lacota vão como crianças para os braços de sua mãe”. No solo os velhos, mais que os
jovens, se sentam e reclinam “para estarem mais perto de um poder fortalecedor”. Tuan
diz que, talvez, o carinho dos Lacota pela sua terra, ou “país”, possa “estar influenciado
pelo seu próprio passado agrícola ou pelo contato com agricultores” (TUAN, [1977]
1983, p. 173).
31
adverte Tuan: “do lado negativo, espaço e liberdade são uma ameaça” (TUAN, [1977]
1983, pp. 59, 61).
9 Werther Holzer (HOLZER, 2008) cita James Parsons em: Toward a more humane geography.
Economic Geography; nº 45 (3): Guest Editorial, 1969.
32
função do contexto do movimento hippie, do questionamento estudantil aos padrões
culturais e políticos vigentes. Era preciso que a geografia fosse ao encontro de “valores
morais” e da “subjetividade humana” eliminados da Geografia pelo cientificismo e o
economicismo que a dominavam (HOLZER, 2008, p. 146). O estudo das paisagens,
segundo Holzer, conceito síntese da geografia e que deveria, na sugestão de Carl Sauer10,
desde 1925, “iniciar-se com o estabelecimento de um sistema crítico delimitado pela
fenomenologia da paisagem como método de estudo da relação entre o homem e o
ambiente por ele formatado e transformado em habitat, em paisagem cultural” (HOLZER,
2008, p. 137) Tais ideias se difundiram pelos Estados Unidos, onde Sauer teve longo
período de docência, e também, pelo exterior, resultando na criação de diversos cursos de
geografia cultural, estes, por meio “trabalho de campo e de relatos de não-geógrafos
procuravam fazer uma geografia que captasse ‘os significados e cores do variado cenário
terrestre’” (HOLZER, 2008, p. 137).
10 Carl Ortwin Sauer, The Morphology of landscape; In: LEIGHLY, J. (ed.). Land and Life – a
selection from the writtings of Carl Ortwin Sauer. Berkeley, University of California Press, 1983, pp. 315-
350, citado por Werther Holzer (HOLZER, 2008).
33
pelos homens e cuja permanência se inscreve em escalas de tempo diferentes do espaço
real ´dado´” (RAFFESTIN, [1980] 1993, p. 48).
A partir daí, o autor seguirá com o mesmo método para outra propriedade da
física além do espaço, que é o tempo: tempo real, dos astrônomos que conseguiram tempo
absoluto, que é um tempo “dado” do movimento da Terra em torno do Sol; e o tempo
“inventado”, é o tempo “dos atores sociais que, embora contido no primeiro, não deixa
de ser distinto” (RAFFESTIN, [1980] 1993, p. 49). O território, em Raffestin, é posterior
ao espaço nos desenhos de curvas que relacionam poder e comunicação, poder e religião,
poder e língua e outros eixos em área dada delimitada, um território; antes um espaço
sobre o qual, cita Lefebrve no De l’État; Les contradictions de l’ Êtat moderne (1978),
se constroem rodovias, canais na “produção de um espaço nacional” (RAFFESTIN,
[1980] 1993, pp. 143-144).
34
como a assimetria do poder e podemos, ainda, farejar o Leviatã na distribuição desigual
de poderes tanto para satisfazer a sede humana de poder quanto para que permaneçam
onde estão, naquela obra os súditos diante do Estado a quem outorgaram a representação;
em Raffestin, a promotora da assimetria, na manipulação de códigos conflitantes é a
empresa, cujo resultado é a confrontação mais forte ao Estado que à empresa
(RAFFESTIN, [1980] 1993, p. 95) O poder não é englobante, mas vem de toda parte
segundo Raffestin (RAFFESTIN, [1980] 1993, p. 52).
36
Os autores geógrafos abordados, da geografia humanista ou política, olharam
para vários lugares no espaço e no tempo, há neles uma profusão de exemplos retirados
das etnografias ou das pesquisas em antropologia e em linguística, que aqui me reportei
a algumas daquelas passagens. O que nos leva a indagar o fato de não existir ― aos
moldes de Gottmann: um para cada capacidade técnica investigativa ― um “território”
para os antropólogos; o que é perfeito, pois significa a consideração da percepção das
comunidades que vivem nos territórios ou os têm em vista. Na curta passagem que trouxe
de João Pacheco de Oliveira, está ali explicado – não que fosse a intenção dele, mas vi
resposta a essa questão ali. Há estruturas que podem não se expressar em um território,
mesmo que apenas para essa mesma estrutura; em outros casos, a estrutura está no
território. Os territórios serão tantos os quantos que se queira, se se parte do parentesco,
e se este se projeta em um território, ou ainda se é o aspecto de suporte ou de
intervenção/efeito das relações de parentesco; se se parte dos círculos concêntricos do Ró
Xavante, a partir da meia ferradura que é o formato das suas aldeias e se vão classificando
os ambientes e ainda, depois, há mais Ró, o Cerrado em uma imensidão dali para diante
em que os espíritos contam segredos da mata do Cerrado. Os territórios fundem-se com
a territorialização, abrange as partes de que foram esbulhados, desterritorializados, as
porções interditas e aquelas de usos esporádicos. Em todos os casos, vejo que para se ter
a noção e a imagem de um território é necessário que se faça perguntas para o espaço
dado que território é uma porção destacada deste por dimensão, ou qualidades, ou ambos,
podendo, portanto, serem coincidentes um espaço e o território, eventualmente.
37
clientela de um projeto de geração de renda para mulheres que eu fiscalizava quando
trabalhava no governo federal, pois as mulheres classificadas em uma facção não
poderiam atravessar para o outro lado. Há, portanto, os territórios dos grupos de pessoas.
E há os territórios que o Poder Executivo indica para a sua atuação. Estes são exemplos
breves que busco trazer em colaboração aos tantos outros para retirar do conjunto duas
característica irredutíveis do território, que são os seus limites e o reconhecimento destes.
38
enxergadas nos artigos acerca de cultura, do meio ambiente, nos direitos sociais de que
decorrem leis e norma infralegais para elas. O reconhecimento, não apenas dos territórios,
como das próprias identidades, por parte do Estado é decorrência das lutas históricas dos
próprios grupos étnicos sociais; Estado não presenteia. As lutas continuam pelo
reconhecimento de comunidades e povos e de seus territórios que ainda não acessaram o
direito disponibilizado. Nos últimos dez anos, pelo menos, as lutas e mobilizações se têm
concentrado, ainda, na manutenção desses direitos tanto em face aos grupos econômicos
privados interessados na disponibilidade de terras quanto ao próprio governo na sua
demora em reconhecer os territórios.
39
uma tomada de consciência — em que os contornos das histórias, da memória e da
identidade são transformados em valor:
40
simultânea, àquela em que se pode classificar povos indígenas e remanescentes das
comunidades dos quilombos nominados pelos dispositivos constitucionais ao passo que
povos e comunidades tradicionais não. A passagem sublinhada acima destaca os “povos
indígenas”, que têm direitos originários e, também, são considerados tradicionais;
“comunidades tradicionais” inclui os remanescentes das comunidades dos quilombos.
Interessante observar que o texto de documentos públicos performa antes entendimentos
antes mesmo do que estão para dispor como norma ou informar. No assunto sobreposição
entre territórios tradicionais, terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de
conservação, nos documentos que manuseei enquanto estive lidando com o tema no
serviço público federal, eram recorrentemente frequentes as descrições das situações
indicando, por exemplo, uma terra indígena “x” sobreposta à unidade de conservação “y”
ou a sobreposição de território quilombola “k” com a unidade de conservação “z”, quando
se poderia usar o conectivo “entre” ou o critério de anterioridade dos povos e
comunidades.
41
mecanismos institucionais por meio dos quais, diz Mitchell, se mantêm alguma ordem
social, não havendo efetivamente uma exterioridade. O “efeito de Estado”, um todo
imaterial, uma entidade, existe resguardado de uma exterioridade que é o mundo material
da sociedade (MITCHELL, 2015, pp. 163, 175, 178 e 183). A noção “efeito de Estado”
com registro ilusório é elaborada por Mitchell a partir do que define Philip Abrams (2015)
como Estado-ideia, uma ideia projetada, divulgada e adotada por sociedades diferentes
em momentos distintos em que o Estado possui uma identidade simbólica separada da
prática política.
42
Este é, em linhas gerais, o contrafundo de um Estado do poder ideológico que
Abrams delineia (ABRAMS, [1977] 1988, p. 98; ABRAMS, et al., 2015, p. 58), mesmo
sem se afastar muito de Marx, Engels ou Lênin, que apresentam o Estado, conforme
Abrams, com algo ilusório em si e, simultaneamente, na materialidade de um órgão
“sobreimpuesto” à sociedade (ABRAMS, [1977] 1988, pp. 88, 90 e 98).
43
1.4. Algumas noções na bagagem
44
O Estado, nas questões fundiárias, tem a função e a capacidade ― e a obrigação ― de
dizer o que é de quem; enquanto não faz isso, há o conflito. Refiro-me a reportagens dos
setores da agricultura em grandes empresas e o agronegócio que indicam o estado
promovendo conflito no campo ao regularizar terras indígenas e territórios quilombolas.
Portanto, minha posição é a de que o conflito está enquanto o Estado não procede à
regularização fundiária.
45
sobreposições de unidades de conservação, além desta fazerem seus próprios usos dos
recursos buscam com força indicar qual tipo de uso as comunidades podem ou não fazer,
como nos Planos de Manejo, que têm força de Lei.
46
2. Um percurso por territórios e instituições
47
portanto, surgiram em outro modo de produção que não mais existe, conclui Raffestin
(RAFFESTIN, [1980] 1993, p. 175).
48
dos órgãos fiscalizador e intervenientes no processo de licenciamento ambiental 11 em
exigir do empreendedor providências. Embora esta Tese não trate de licenciamento
ambiental, o exemplo da parte e do todo de um território me parece ser mais gráfico para
dizer da necessidade que o próprio Estado tem na identificação dos territórios tradicionais
na execução de outras políticas, no caso desse exemplo, a ampliação da malha logística,
quer para a mobilidade, quer para o escoamento de produção, quer para interligação de
regiões e a diminuição de diferenças entre elas. Todas políticas do Estado. Outro exemplo,
como se verá abordado abaixo, da necessidade de serem conhecidos os limites de um
território tradicional pelo Estado para a sua própria atuação, é a aplicação de políticas
públicas que envolvam edificações nos territórios e, neste caso, não bastam serem
conhecidos os limites, é necessário que a regularização fundiária tenha alcançado a
mudança de domínio da terra para que o investimento em edificações não seja feito em
área de terceiros que não a da comunidade. Portanto, a indicação de territórios é tanto
uma política de reconhecimento dos direitos das comunidades, por meio da identificação
institucional dos territórios, quanto necessidade do Estado para a sua atuação na
implementação das políticas, inclusive aquelas que não tenham como público prioritário
as comunidades que vivem nesses territórios ou têm-nos em vista. A finalidade deste
capítulo é a de indicar duas formas de apreensão dos territórios: a das instituições e a das
comunidades tradicionais, povos indígenas e quilombolas.
49
comunidades do Barro Vermelho, Tabuleiro dos Negros e Oiteiro, em Penedo no Estado
de Alagoas. A finalidade do projeto era a de assinalar em cada Unidade da Federação
alguma demanda para fazer valer — na urgência daquele projeto — o disposto da
Constituição Federal de 1988 acerca do reconhecimento dos territórios das comunidades
quilombolas e, também, o reconhecimento e a visibilidade das próprias comunidades.
Tratava-se da pesquisa “Mapeamento e Identificação das Áreas Remanescentes de
Quilombos”, entre 1997 e 2000, realizada com financiamento da Fundação Cultural
Palmares ― FCP e cooperação com a Universidade Federal de Alagoas ― UFAL em
parceria com outras universidades12. O assunto da regularização fundiária, à época, era
atribuição da Fundação Cultural Palmares, ligada ao do Ministério da Cultura que, sem a
capilaridade no território nacional e sem os instrumentos de regularização fundiária ―
tais como normas para a atribuição de desapropriação, de indenização, corpo técnico e
norma para a avaliação de benfeitorias, etc. —, a atribuição passou para o antigo
Ministério do Desenvolvimento Agrário—MDA, por meio do Decreto Federal nº 4.883,
de 20 de novembro de 2003 (mesma data da edição do Decreto nº 4.887 sobre a
regularização fundiária de territórios quilombolas), cujas atividades são, desde então,
executadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária—Incra ligado, em
2019, ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
12 A pesquisa era coordenada pela professora Eliane Cantarino O’Dwyer, da Universidade Federal
Fluminense ― UFF e, dentre outros integrantes, estavam: Neusa Gusmão, Osvaldo Martins de Oliveira,
Maristela de Paula Andrade, José Augusto Sampaio, Vânia Rocha Fialho de Paiva e Souza, Maria de
Lourdes Bandeira e Alfredo Wagner Berno de Almeida.
13 Publicado na revista Grifos, da Universidade do Oeste de Santa Catarina, Chapecó, pela Editora
Universitária Argos, em 2001.
50
do artigo. Aquela indicação de uma outra comunidade mais adiante era uma representação
de refutação exemplar das comunidades às categorias que aqueles grupos não haviam tido
contato, como “remanescentes das comunidades dos quilombos”, ou aquela que haviam
“nublado” nas histórias repassadas às gerações seguintes, com a de um passado ligado à
escravidão e lutas, tanto relacionada à curta, mas histórica Revolta dos Malês, em 1835
― e que a história oficial conta ter chegado até a outra margem do rio São Francisco, e
não ter atravessado para Alagoas ―, quanto às guerras contra os negros de Palmares e as
investidas destes nas vilas na região na segunda metade do Século XVII.
Além do rio São Francisco como rota de fuga, conforme se depreendeu dos
jornais que pesquisei nos arquivos na Casa de Penedo, com anúncios e reclamações de
negros fugidos de fazendas em estados, ou províncias à época, mais distantes atravessados
pelo rio São Francisco e, também, de fazendas no Rio de Janeiro. O que inseria Penedo
em conexões várias, tanto pelo rio, quanto pelo mar estando a aproximados trinta
quilômetros do estuário daquele rio. Naquela época era imprescindível que se
evidenciasse um passado escravo para indicar uma comunidade quilombola; o que sempre
me pareceu ambíguo imputar às comunidades carregar isso, não deixa-las parar de
lembrar para o Estado reparar danos e recobrar isso em campo, quando em muitas
comunidades foi justamente a parte de sua história que foi de certa forma apagada, como
foi o que encontrei em Penedo.
51
que fazia nelas desaparecerem indígenas e negros ―, e já vivendo em Brasília, fui
trabalhar como consultora na Fundação Nacional do Índio—Funai, pelo Projeto Integrado
de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal ― PPTAL, com a
finalidade de regularizar Terras Indígenas e que era executado pela Presidência da Funai;
o PPTAL integrava o Projeto Piloto de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil ―
PPG7, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente ― MMA.
52
No seu histórico, a comunidade passou por um processo de assimilação
posterior e no rastro da escravização de indígenas por conta da borracha ― entre fins do
século XIX e 1903, com o fim da Casa Arana. Esse percurso está nos livros e nas teses, o
deles está marcado por sucessivas expulsões que mapeei em rios e afluentes em longa
extensão do rio Solimões, até se tornarem moradores do Cacau Pirera, ou Cacau
“Pereira”, do outro lado do rio à frente de Manaus. Uma filha teve um acidente
cardiovascular e a sua mãe, dona Eunice, resolveu dar a notícia aos quatro filhos de que
eram indígenas. Contou das duas expulsões do território, de ter sido presa com os quatro
filhos na cadeia em Coari e da benevolência de carcereiros que a deixavam cozinhar, ali
dentro para os três filhos, grávida de Germano, que mais tarde se tornou Tuxaua do grupo.
53
Atravessado um caminho de volta, rio acima. Um contrafluxo nas ações do próprio
Estado: primeiro, a desterritorialização, especialmente por políticas de assimilação e,
depois, a retorialização, no caso dos indígenas de Cajuhiri-Atravessado no Estado do
Amazonas.
54
ao quê, propriamente, estava sendo identificado, junto a isso há o ideário nos termos
“silvícolas” para se referir aos indígenas e a outras categorias que congregam sentidos
temporais que o autor mapeia o autor retoma as normas e os despachos nos primórdios
do Serviço de Proteção ao Índio ― SPI e depois na Funai, que sucedeu ao SPI em
dezembro de 1967. O autor tece severas críticas ao processo de identificação,
questionando a qualidade dos relatórios produzidos e indicando os seus autores como
antropólogos entre aspas, abrangendo também indigenistas em períodos anteriores, como
executores da política da forma que o Estado a estabelecia e, em certa medida, ainda
estabelece na identificação destacando “que a identificação, tal como esboçada
anteriormente, é categoria parcialmente passada” e abrange as formas de identificação,
quer fundiária, quer identitária tanto dos grupos quanto dos indivíduos indígenas, pessoas,
no papel que o Estado se atribui em avalizar as identidades (LIMA, 2005, pp. 60-63 e 65).
55
Figura 1 ― Nove etapas básicas da regularização fundiária de
Terras Indígenas e de Territórios Quilombolas
56
propostos não mudassem: há as diligências compostas para dirimir dúvidas acerca da
justificativa de limites e, no caso do Cajuhiri-Atravessado, uma diligência com outra
equipe foi composta e a parte suprimida da proposta inicial de limites foi justamente a do
“empréstimo” de um topônimo vizinho à área, como se verá a seguir. Nas contestações,
aquelas que tive a chance de colaborar em resposta na Funai ou respondê-las, no Incra, as
dificuldades dos contestantes estavam, quase que invariavelmente, em assimilar a
autodeclaração, em percorrer a narrativa e a análise antropológicas e, não raro, em
comprovar o seu domínio legítimo.
57
A Terra Indígena Bacurizinho, no Maranhão, onde vivem os Tenetehara
Guajajara14, foi identificada em consultoria prestada ao PPTAL em parceria com a
FUNAI. Antes do trabalho da identificação e delimitação, realizado em 2001, uma linha
seca, curta e solta, foi colocada por um juiz separando três aguadas onde o gado de não
indígenas e de indígenas bebiam água, para que uma porção ficasse com uns e outra para
o acesso do gado de outros. No passado, como me contaram os indígenas depois, quando
estive no Bacurizinho, no Maranhão, havia um acordo entre vizinhos, disseram eles, com
cercas instaladas que garantiam a necessidade do gado do não indígena nas aguadas
indígenas, cuja cerca não marcava o território, mas protegia as roças de mandioca do
outro lado dos ataques do gado, uma gentileza que, na geração seguinte, não perdurou: os
indígenas foram conversar para ser retirada a cerca, pois precisavam de todas as aguadas
e me parece que queriam ter em conta o seu território. Receberam como justificativa da
impossibilidade um documento que registrava a área das aguadas como propriedade
particular. O que se deu foi que, com o trato feito em uma geração, a geração seguinte
usou dos meios legais para se apropriar daquela fronteira. A linha do juiz servia para pôr
termo às lutas locais por conta do acesso à água para dessedentação animal. Uma fronteira
é um subconjunto de um limite, segundo Raffestin (RAFFESTIN, [1980] 1993, p. 166)
e, portanto, no caso dos Tenetehara, aquela pequena fronteira poderia ser metonímica,
para os indígenas, do todo do seu território, na sua cognição.
Vemos três momentos da atuação do Estado e o que possa ter surtido como
efeitos para os indígenas em imaginar algum respeito, por parte do Estado, à sua presença
e, e com ela, todo o seu território simbolizado naqueles atos: primeiro, buscando pôr
termo às brigas, uma linha seca, solta, curta e provisória, mas indicativa de uma
delimitação porvir; depois, a concessão do título de propriedade desconsiderando aquele
acordo provisórios; mais tarde, a identificação e delimitação que eu havia feito,
encampando aquela área indicada e justificada como território, reconhecida, inclusive, já
no ato do juiz. Um quarto momento pode ser acrescido: a regularização fundiária como
um todo estacionou por um período em uma Câmara de Conciliação e Arbitragem Federal
― CCAF por conta da incidência de um Projeto de Assentamento do Incra. A Terra
Indígena conta com 134 mil hectares e está declarada, sem consecução do processo para
a sua homologação até o momento.
58
O tema das sobreposições me atraiu por evidenciar aspecto relevantes e falhos
do próprio ofício na confrontação e debates com outros órgãos, porque o território e sua
constituição eram questionados, ao mesmo tempo que questionavam as próprias
comunidades. Algo como se fossem iluminados praxes e entendimentos tomados como
normais e recorrentes, e a reflexão sobre eles teve o acréscimo de ser coletiva. A
experiência com leitura e interpretação de normas e mesmo com processos de minutá-las
me possibilitou ver tais normas na forma como como assentam entendimentos e, ao
mesmo tempo, dispõem sobre eles e que, tudo o que parece estar estabilizado, poderá ser
aprimorado, piorado ou mudado em um momento seguinte, em outra norma.
59
percorrendo aquela área entre um lugar e outro, com cerca de mourões, um pequeno curral
e uma espécie de depósito contíguo à casa e pelo mapa, a curvinha do rio atrás dela, seria
aquela a casa em que América tinha vivido com os pais, o seu lugar no Machadinho e,
também, a localização das histórias que me contava. Levá-la até lá, idosa e muito calor,
já constituíam um cuidado. Outro era o caminho que levava à casa, desviado por conta da
cava da mina de ouro que já estava em mais de 30 metros de profundidade. As notícias
das alterações em estradas, da ampliação da cava da mina em raio e em profundidade
eram sempre anunciadas e descritas; outra coisa era percorrer aquelas alterações e, ainda,
com grandes chances de despistar a minha interlocutora de um caminho que tinha um
ponta no passado que que, naquela ocasião, devia encontra-lo na outra ponta, para que
levasse inscritas no chão as histórias da comunidade para um relatório de identificação e
delimitação de território. Animada, dona América aceitou procurar a casa. Combinei com
ela que iria de olhos fechados, até descermos pela estrada de terra tendo deixado a cava
da mina atrás e darmos de frente com o morro da Ventura, ou do Ventura. Demos meia
volta em torno do morro para que ela calculasse a distância com que o via da sua casa,
encontrou e olhou para trás dizendo que tinham mudado a casa, pois construíram um
quartinho ao lado dela.
Essa operação me pareceu ser mais eficaz ― porque trazia uma ligação com
as histórias que me contava no quarto de sua casa, longe dali ― que percorrer estradas e
ir parando diante de casa em casa e perguntado se seria aquela ou aquela outra, em dado
momento, para se livrar de mim e dos protestos do motorista do Incra nas operações
sempre trabalhosas, poderia ser qualquer uma.
60
caso, a impaciência do agrimensor do Incra foi desconcertante diante do senhor Vicente
na sua demora e porque a indicação daquela localização não indicava limites, que era a
principal tarefa do agrimensor, mas para mim, marcava, junto com as histórias contadas
e a bibliografia, dois tempos nas relações entre indígenas e quilombolas que eram
importantes para entender a dinâmica de permanência dos quilombolas quando os
indígenas, em área lindeira, havia sido expulsos pelo poder local em uma luta violenta.
Eram episódios confusos nos livros, na oralidade trazia sutilezas das relações entre
indígenas e quilombolas que não podiam ser lidas com as histórias das secas no Ceará e
o êxodo, em um processo que, muitas vezes, escravos evadidos podem se ter misturado e
que só entendemos ter havido essa possibilidade quando confrontamos as informações de
comunidades ou famílias que foram acolhidas temporariamente em aldeias indígenas,
cujo processo, de uma ponta a outra, só é percebido quando, na atualidade, aquela
comunidade ou família se autoidentifica, dessa forma dando a público a sua identidade;
daí para diante estão, a um só tempo, sujeitos de direito e a demanda ao Estado.
61
Tanto na passagem sobre a casa da América e o da pontezinha do senhor
Vicente estão alguns dos objetos que seguram o tempo, conforme diz Yi-Fu Tuan, e que
não são não são objetos pessoais e a sensação de tempo afetaria, em ambos, América ou
Vicente, a sua sensação do lugar (TUAN, [1977] 1983, pp. 206-207) para onde eu
precisava leva-los para encontrar as indicações de que precisava para cada uns dos
trabalhos. Na forma como os identifiquei aqui, esses lugares e a sensação a partir deles
podem contar, ainda, com uma paisagem por moldura na aproximação dos caminhos, na
serra na largura de um riacho.
63
pesquisadores, para o baixo São Francisco, que eram, por sua vez, polêmicas em termos
ambientais. Era um projeto detestado por ambientalistas, acadêmicos em Pernambuco e
no Rio Grande do Norte. Desse grupo formado por pesquisadores da Universidade
Federal de Alagoas ― UFAL, da Universidade de Sergipe ― UFSE e do Instituto de
Pesquisa Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul ― UFRGS, resultou
um “CD”, em 2003, com um aplicativo simples de indexação e busca de tudo o que se
conseguiu de documentação sobre o rio São Francisco, desde documentos institucionais
a produção acadêmica. O projeto acabou com pouco apoio financeiro nos primeiros anos
do governo petista e os contratos e parcerias foram encerrados, o meu, inclusive, que
trabalhava para o governo contratada pela instituição parceira, a Fundação de Ciência,
Aplicações e Tecnologias Espaciais ― FUNCATE. O traçado da chamada “vocação”
para o Rio São Francisco remonta a Arthur Ramos, carregado de simbologia e com as
intervenções das barragens no rio, foi assumindo outros sentidos e o rio se convertendo
em bandeiras. Surpreendente foi ver, depois, a despeito das críticas, que o projeto foi
executado, “saiu do papel”, depois de mais de 80 anos no governo de Luís Inácio Lula da
Silva.
64
sapo”15, conhecimento katukina, kaxinawá e yawanawá, ao menos. A territorialização
não foi levada adiante, felizmente, pois não se tratava, naquelas circunstâncias, de uma
reedição do aspecto do difusionismo cultural, cujas características se perderiam ao se
distanciar, no espaço, dos centros difusores; nisso, uma consequência imediata seria a de
quanto mais distante dos centros, de certo, teriam menores chances de reivindicarem a
repartição de benefícios advinda de conhecimentos acessados por terceiros. Aqui, os
aspecto do “limite” territorial se expressa no limite do alcance de um conhecimento, como
se possível fosse, por demanda empresarial para mensurar e planejar, o quanto deveria
repartir de benefícios; cuja expectativa era a de que o governo estipulasse um universo
fixo de beneficiários, a fim de que não fossem surgindo beneficiários de tempos em
tempos, o que não foi feito pelo governo à época. Mais tarde, em 2015, a lei de acesso ao
patrimônio genético foi substituída e a repartição de benefícios permaneceu em outros
termos mais acessíveis às empresas.
15 Resina raspada da pele de uma rã (Phyllomedusa bicolor) e aplicada sobre pontos previamente
queimados na pele humana. Segundo Edilene Coffaci de Lima (LIMA, 2005), a finalidade do uso do kampo
pelos Katukina (e outros indígenas, especialmente da língua pano, e também por seringueiros locais) é a de
aguçar os sentidos (visão, principalmente) e, assim, aumentar a capacidade do caçador ao mesmo tempo
em que retira deste o azar na caçada. No contexto local, a pessoa aplicadora do kampo empresta atributos
morais àquele em quem ela aplica a “vacina”. Com a difusão do uso em outros contextos (em clínicas de
terapias alternativas, com a finalidade de favorecer a intuição, a terceira visão, os sonhos e o fluxo da
energia vital), os indígenas mais jovens passaram a viajar para grandes centros urbanos para aplicarem o
kampo, sem, no entanto, “transportar” o significado dos atributos morais e sem serem os jovens,
necessariamente, caçadores.
65
linhas gerais, é isso dentro de um espaço maior e em relação de sinergia com outros
empreendimentos, que podem ou não serem impulsionados ou ainda criados a depender
das políticas de planejamento para dada região ou como reflexo de uma política nacional.
Os povos e comunidades envolvidos têm sua vida sem projeto, com projeto, no dia a dia
no território e também quando se deslocam e a vida inserida na aldeia; na cidade que se
movimenta; na região que pode mudar ter mudado o seu perfil de ocupação (e aí se deve
fazer o exercício de imaginar, desde a escala inicial, possíveis mudanças); e em políticas
que de tão macro procuram não vê-las. Não raro o tratamento na mídia aos processos de
licenciamento ambiental que necessitam que consultas e de estudos desses territórios e
das comunidades (alimentação, parentesco, saúde, histórico de ocupação, status fundiário,
educação, perspectivas, atividades econômicas, percepção do empreendimento e
manifestação) apontam a sua presença como um empecilho no eixo discursivo de que não
seriam afeitos ao desenvolvimento e que, por isso, o estorvariam.
66
A separação de coisas juntas leva dias, por vezes reuniões intermediárias,
prévias ou posteriores. Mesmo que um empreendimento não incida em um território, há
distâncias mínimas em relação aos territórios, para que o empreendedor seja obrigado a
efetuar ou não os estudos, e que variam se são Terras Indígenas ou Territórios
Quilombolas, o próprio Ibama pode recomendar a consideração de outras comunidades
tradicionais, ou o Ministério Público Federal. E é importante se dar relevo ao aspecto de
comunidade para não serem tratadas no bojo da população. As distâncias que implicam a
realização dos estudos de impacto e programas respectivos varia, também, com a região
dividida entre a Amazônia, onde são maiores as distâncias, e o resto. Se quisermos retirar
uma informação rápida, aí implícita, comunidades tradicionais, povos indígenas e
quilombolas não estariam nas cidades.
67
Comunidades Tradicionais, exercendo a presidência da Comissão, a qual é secretariada
pelo Ministério do Meio Ambiente e, no segundo semestre de 2006, integrando a equipe
do MDS, participei da organização e das consultas aos povos e às comunidades
tradicionais em cinco localidades no País para a minuta do texto do Decreto n° 6.040, de
7 de fevereiro de 2007, que instituiu Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável
de Povos e Comunidades Tradicionais; além de diversas reuniões daquela Comissão
ocorridas em Brasília para detalhamento do conteúdo da norma, cujo processo de
formulação merece um trabalho à parte, em outra ocasião, tanto pelas notas tomadas
acerca da instalação de empreendimentos de infraestrutura afetando povos e comunidades
tradicionais e os respectivos processos de licenciamento ambiental quanto pela
interrelação peculiar entre segmentos étnicos que pelas suas pautas ou mesmo
regionalização não se encontrariam e conviveriam com tanta assiduidade em torno de
temas por eles escolhidos em conjunto: Geraizeiros, Pomeranos, Comunidades de Fundo-
de-Pasto, Povos Indígenas, Ciganos, Quebradeiras de Coco de Babaçu, Faxinalenses,
Quilombolas, Povos de Terreiro, entre outros, paritariamente a instituições
governamentais como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional—Iphan,
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade-ICMBio, Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária—Incra, Fundação Nacional do Índio - Funai entre outras.
Quero anotar, daquele processo, aqui, as indicações feitas para a não criação de Unidades
de Conservação de Proteção Integral, o que foi discutido explicitando-se que a minuta em
elaboração era pretendida para um decreto, uma norma menor, portanto, que a Lei do
SNUC, que prevê a instituição de tais Unidades de Conservação e que não se estaria
minutando uma nova lei porque esta seguiria uma tramitação difícil no Congresso
Nacional em contexto político nada favorável à visibilização de povos e comunidades
tradicionais para além dos quilombolas e indígenas. Da Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais trago um breve
histórico mais adiante neste capítulo.
68
integrei a equipe do Departamento de Regularização Fundiária de Territórios
Quilombolas, recepcionando e analisando Relatórios Técnicos de Identificação e
Delimitação, realizando identificações e delimitações de Territórios Quilombolas;
analisando processos de licenciamento ambiental que envolvessem comunidades
quilombolas — antes dessa atribuição ser repassada à Fundação Cultural Palmares —,
dentre os quais o Centro de Lançamento de Alcântara ― CLA, para sítios de lançamentos
de foguetes em Alcântara, no Maranhão; e, como técnica em atendimento à solicitação da
Procuradoria Federal Especializada do Incra, acompanhando as discussões sobre as
sobreposições de Territórios Quilombolas e Unidades de Conservação de Proteção
Integral na Advocacia-Geral da União, antes de que se optassem pela chamada dupla
afetação em 2014.
69
de investimento ― que possibilitam edificações, por exemplo, e se consideram
edificações um banheiro externo ou uma cerca que tenha duas fileiras de tijolos e, outro
exemplo, a aquisição de equipamentos, maquinários, embarcações, motores, etc. ―; e os
recursos de crédito, considerados, como por exemplo, aquisição de gado, mesmo que uma
cabeça de uma matriz, pois entende-se que se reproduz e se avoluma, ou, noutro exemplo,
aquisição sementes e miçangas junto a equipamentos de artesanato. Aqui é uma
exemplificação rápida, todas as aquisições devem ser extremamente justificadas e onde
se inserem no projeto para classificar quanto aos tais “carimbos”.
70
Também, os projetos com edificações necessitam de engenheiros ou, a
depender do tipo de obra, cartógrafos e engenheiros agrônomos com capacidade para
assinar a planta, também, esses profissionais para avaliar a proposição de tais projetos e,
ainda, em outra instância quem confira e tenha capacidade técnica para dar o acordo para
a efetivação do convênio. A administração pública federal era extremamente carente de
engenheiros, profissionais disputados à época, depois foram feitos concursos para suprir
tal deficiência, mas ainda era necessário quem subscrevesse as plantas para as associações
na elaboração dos seus projetos que envolvessem edificações. Dito de outra forma, se os
recursos de investimentos, que já eram poucos para povos e comunidades tradicionais, os
recursos para edificações eram mais difíceis. Naquela época foram contemplados projetos
com povos indígenas com recursos de investimento na aquisição de bascos, motores e, no
caso de terra indígena regularizada, foi financiado um projeto de irrigação na Bahia, entre
outros e também envolveu recursos de capacitação.
71
Incra e também, com vistas àquela Fundação. Analisei as estruturas ― os quatro sítios de
lançamento, a vila de funcionários, a estrada entre os sítios e a vila e o atracadouro. No
entanto, o atracadouro mantinha comunicação com um porto em São Luís, e interferiria
na área marítima (circulação, caminhos marítimos, etc.) e este porto não estava dentre as
estruturas naquele licenciamento ambiental. Era o porto de Itaqui, antes de se converter
em um dos principais portos do escoamento de milho e de soja da Região Centro-Oeste à
margem direita do vale do rio Araguaia. No projeto analisado, apresentado ao Incra, os
quatro sítios barravam o acesso das comunidades ao mar e era dito que existiriam
corredores por entre os sítios sem, no entanto, os indicar objetivamente no projeto. Já
havia analisado o Estudo de Impactos Ambientais ― EIA do CLA, cujo empreendedor
era a Agência Espacial Brasileira ― AEB, quando trabalhava como consultora do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento ― PNUD/ONU na Coordenação
Geral de Licenciamento Ambiental no Ibama e, naquele projeto, os comunitários
poderiam ultrapassar os sítios, sem corredores entre eles, identificados com crachás; em
que a interposição ao acesso ao mar e definindo paulatinamente, ao menos, a relação da
comunidade com o mar ― mulheres, crianças, idosos, homens adultos. A produção do
Laudo Antropológico para a Base de Lançamento de Alcântara foi uma exigência da
Procuradoria Geral da República, por meio da Portaria nº 7 de 7 de julho de 1999, do
Ministério Público Federal ― MPF no Estado do Maranhão 17. O MPF entrou em contato
com a Associação Brasileira de Antropologia ― ABA, que indicou o professor
antropólogo Alfredo Wagner de Almeida para a elaboração do Laudo Antropológico
(ALMEIDA, 2006, p. 21).
17 Pois fora instaurado o Inquérito Civil nº 08.109.000324/99-28 com o fito de apurar e verificar
possíveis irregularidades na implantação da Base de Lançamento de Foguetes (ALMEIDA, 2006, p. 21),
anteriormente ao projeto Cyclone 4.
72
segundo o autor e que, neste caso, é um efeito de forma encadeada: o critério de
edificações porque indicam as indenizações a serem pagas e, a partir daí, se tem uma lista
que aproxima o que é ou não considerada uma edificação, daí para diante tal lista é a que
poderá dar visibilidade à comunidade de Alcântara em demais ações de governo, cujas
informações preliminares básicas necessárias para a indicação políticas públicas são, em
geral, quem, onde e quantos.
73
e Comunidades Tradicionais, que resultou no Decreto nº 6.040/2007. Passo a comentar
os processos da CCAF e o período de formulação da Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais em separado, como
seguem.
74
comunidades por ele subentendidas, quais as principais demandas do
setor em políticas públicas, e os principais entraves para que tais
políticas possam ser efetivadas. (MDS ― Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate à Fome e MMA ― Ministério do
Meio Ambiente, 2006, p. 6).
75
das comunidades tradicionais indicaram um rol de trinta e cinco demandas e delas
priorizaram doze demandas, como segue abaixo.
76
presidida pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome ― MDS e
secretariada pelo Ministério do Meio Ambiente—MMA.
18
Depois passou a ser chamada Secretaria de Articulação e Inclusão Produtiva ― SAIP e em 2011
foi reorganizada, tendo algumas das suas funções distribuídas para outras Secretarias no MDS para poder
abrigar o Programa Brasil Sem Miséria.
77
diretrizes retiradas no Encontro de Luziânia, em 2005, foram colocados os subtítulos de
“Objetivo Específico” e “Diretrizes Gerais de Ação”; e uma minuta da Exposição de
Motivos do que veio a ser o Decreto nº 6.040/2007 também foi feita.
Local Data
2006
Rio Branco/AC 14 a16 de setembro
Belém/PA 14 a 16 de setembro
Curitiba/SC 18 a 20 de setembro
Cuiabá/MT 21 a 23 de setembro
Paulo Afonso/BA 21 a 23 de setembro
OBS: as datas foram as previsões, e podem ter pequenas divergências com as datas de fato ocorridas.
78
era, também, uma autodenominação e que não disputava ou pretendia um outro povo para
o País em desacordo com a Constituição Federal e a Segurança Nacional. Quando o
decreto foi publicado, trouxe apenas os headlines, sem as suas descrições na forma de
“Objetivo Específico” e “Diretrizes Gerais de Ação”, que cada um deles continha. São,
portanto, os itens que constam no Artigo nº 3, no Anexo do Decreto nº 6.040/2007, em
quatorze incisos, que foram os desdobramentos daquelas doze demandas iniciais do
encontro em Luziânia em 2005,
79
ações (criação de unidades de conservação, fiscalização, licenciamento ambiental e
fomento ao uso sustentável) e subsidiar a tomada de decisão daquele ministério. As terras
indígenas são indicadas no mapa e participam, são recobertas, por indicações para a
conservação em vários níveis. Os outros territórios não possuem um mapeamento dado a
público, no caso dos quilombolas, e no caso das comunidades tradicionais, não previstas
na Constituição Federal, não têm visibilidade. As sobreposições decorrem já da falta de
planejamento transversal entre os órgãos.
80
2.4. Anotações sobre as Câmaras de Conciliação e Arbitragem
Federal ― CCAF/CGU/AGU
81
Integral serão reguladas por termo de compromisso, negociado entre
o órgão executor e as populações, ouvido o conselho da unidade de
conservação. (art. 39, Decreto nº 4.340/2002)
82
Em de abril de 2009, a comunidade quilombola de Santo Antônio do Guaporé,
no Estado de Rondônia, enviou uma correspondência a Câmara de Conciliação e
Arbitragem Federal ― CCAF dizendo ter tomado conhecimento de que haveria uma
reunião naquela CCAF prevista para maio de 2009. A correspondência foi enviada via
Departamento de Regularização Fundiária de Quilombos ― DFQ/Incra. Na
correspondência se manifestaram acerca do documento “Quadro de Diagnósticos e
Proposições”, que era o documento feito a partir das reuniões de consulta em campo no
escopo da Câmara de Conciliação e subsidiário ao termo de compromisso. Nessa
correspondência, a comunidade solicitou estar presencialmente nas reuniões da CCAF e
que não queria um documento que falasse por ela. Na manifestação, a comunidade
reiterou que eram vinte e sete anos de conflitos com as autoridades do ICMBio e, antes,
do Ibama por conta da instalação da Reserva Biológica do Guaporé em terras onde as
famílias viviam desde há muito tempo.
A postura da CCAF foi a de que a consulta já teria o seu lugar nas idas a
campo de técnicos do Incra e do ICMBio e a participação nas reuniões de conciliação são
restritas a entes da federação nos termos da Portaria/AGU nº 1.281, de 27 de setembro de
2007. Essa Portaria em conjunto com a Portaria/AGU nº 1.099, de 28 de julho de 2008,
tratam da instauração da conciliação e quem pode solicitar (Ministros de Estado;
Governadores; dirigentes de entidades da Administração Federal Indireta; Prefeitos, em
casos específicos19; Procuradores20 o Advogado-Geral da União), a finalidade da
conciliação é o “deslinde, em sede administrativa, de controvérsia de natureza jurídica”
(art. 1º da Portaria nº 1.281/2007), ou seja, se busca a conciliação na esfera administrativa
para que não seja tratada na esfera judicial, onde o “advogado” dos órgãos federais em
conflitos de interesse seria o mesmo para as partes, a AGU. Outras comunidades que
apontaram a pertinência de participarem das reuniões da CCAF e solicitaram sua
participação à época foram: a Comunidade Quilombola de São Roque, no Estado de Santa
Catarina, já manifestada na própria reunião de Consulta realizada no quilombo, em 21 de
maio de 2009; e a Comunidade Quilombola de Mumbuca, no Município de Jequitinhonha
no Estado de Minas Gerais.
19 “Municípios que sejam Capital de Estado ou que possuam mais de duzentos mil habitantes”
(art. 1º da Portaria nº 1.099/2008).
20 “Consultor-Geral da União, Procurador-Geral da União, Procurador-Geral da Fazenda
Nacional, Procurador-Geral Federal e Secretários-Gerais de Contencioso e de Consultoria” (inciso III, art.
2º da Portaria nº 1.099/2008).
83
O Parque Nacional de Aparados da Serra e o Parque Nacional Serra Geral
estão em sobreposição com o Território Quilombola de São Roque, localizado nos
municípios de Praia Grande, no Estado de Santa Catarina, e de Mampituba, no Estado do
Rio Grande do Sul. A comunidade solicitou que o Incra apresentasse o termo de
compromisso na comunidade, reunião realizada com a presença dos gestores das unidades
de conservação e dirigentes do ICMBio. A comunidade contou com assessores do
Movimento Negro Unido ― MNU e se manifestou, na reunião e registrado em ata, contra
o termo de compromisso, com a proposta de participar da Câmara de Conciliação uma
vez que não tinha sido ouvida na elaboração do Termo de Compromisso.
Lei nº 9.784/1999:
84
Art. 10. São capazes, para fins de processo administrativo, os maiores
de dezoito anos, ressalvada previsão especial em ato normativo
próprio.
Lei nº 9.784/1999:
85
III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os
quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;
................................
86
decisão conciliada nos processos tramitando na Câmara de Conciliação na
CCAF/CGU/AGU. Ainda, com relação à participação das comunidades quilombolas, a
Portaria/AGU n° 910, de 04 de julho de 2008, poderia ser interpretada para o atendimento
das comunidades. A Portaria/AGU nº 910/2008 “estabelece procedimentos para a
concessão de audiências a particulares no âmbito da Advocacia-Geral da União e dos
órgãos a ela vinculados” e especifica o “particular” como “todo aquele que, mesmo
ocupante de cargo ou função pública, solicita audiência para tratar de interesse privado
seu ou de terceiros” (Inciso II°, § Único, art. 1° da Portaria/AGU nº 910/2008). Como se
tratava de grupos étnicos, no caso os remanescentes das comunidades dos quilombos,
“privado” deveria ser entendido como o próprio interesse do grupo, o que faria dele
elegível para as audiências e, por meio desse dispositivo, haveria base legal para receber
as comunidades O papel do Incra era a garantia da defesa dos interesses das comunidades
quilombolas, conforme o Artigo nº 15 do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003,
“nas questões surgidas em decorrência da titulação das suas terras” e representar os
interesses da comunidade para defendê-los possui uma diferença com relação à
representação da própria comunidade, como entenderam as comunidades de Mumbuca,
de São Roque e de Santo Antônio do Guaporé, ao menos, nos processos de elaboração do
Termo de Compromisso nos exemplos de manifestação quanto a esse tema, que expus
mais atrás neste capítulo. As informações eram apresentadas ao Incra para que as usasse
em subsídio a outros documentos de sua manifestação.
87
Tabela 2 ― Sobreposições entre territórios quilombolas, unidades
de conservação, áreas militares e área de mineração
RTID
Território Quilombola Unidade de Nº do Processo no
publicado
Município/UF Conservação Incra
(fev/2010)
Território Quilombola Tambor;
sim PARNA Jaú 54270.001270/2007-61
em Novo Airão/AM
Território Quilombola Cunani;
não PARNA Cabo Orange 54350.000346/2004-07
em Calçoene/AP
PARNA Aparados da
Território Quilombola de São
sim Serra 54210.000262/05-41
Roque, em Praia Grande/SC
PARNA Serra Geral
Território Quilombola do Alto
não 54100.002186/2004-16
Trombetas; em Orximiná/PA
Território Quilombola do
Jamari, Juquirizinho, Juquiri e
Palhal (há outras comunidades REBIO do Rio
não que são nucleações de Trombetas e FLONA 54100.002185/04-20
habitação permanente das Saracá-Taquera
mesmas comunidades),
Oriximiná/PA
Território Quilombola do Moura,
não 54100.002186/04-24
Oriximiná/PA
Território Quilombola do
sim Guaporé; em São Francisco do REBIO Guaporé 54300.000746/2005-81
Guaporé/RO
Território Quilombola
sim Mumbuca; em Jequitinhonha e REBIO Mata Escura 54179.003745/2005-11
Almenara/MG
Elaboração: Leslye Ursini, 2019
RTID
Território Quilombola Projeto de Nº do Processo no
publicado
Município/UF Mineração Incra
(fev/2010)
Território Quilombola de
sim 54170.003688/05-70
Machadinho, Paracatu/MG
RPM – Rio Paracatu
Território Quilombola de São Mineração (empresa
sim
privada do grupo 54170.000059/04-15
Domingos, Paracatu/MG
canadense Kinross)
Território Quilombola dos
sim 54170.008897/03-48
Amaros, Paracatu/MG
Elaboração: Leslye Ursini, 2019
RTID
Território Quilombola Nº do Processo no
publicado Área Militar
Município/UF Incra
(fev/2010)
Território Quilombola de
sim a partir de 1971 54180.000945/2006-83
Marambaia
Território Quilombola de desde a década de
sim 54230.002401/2006-13
Alcântara 1980
Elaboração: Leslye Ursini, 2019
88
fundiária de dois territórios quilombolas: ao de São Roque, no Estado de Santa Catarina,
e ao processo de regularização fundiária de Santo Antônio do Guaporé. Em 2009, o
Supremo Tribunal Federal entendeu que:
89
repetem que não há compatibilidade nos usos das comunidades tradicionais quanto à
conservação, pois a conservação da natureza possui previsão constitucional, no Artigo nº
225. E ali se vão buscar alguma incompatibilidade. Por outro lado, os conhecimentos
tradicionais associados ao patrimônio genético, a inovação na biodiversidade e a
implementação da Convenção sobre a Diversidade Biológica―CDB, que levam em conta
as comunidades tradicionais e os seus saberes, tem como foco na Constituição federal
aquele mesmo Artigo nº 225.
90
remoção das comunidades. A situação de sobreposição deflagra essa contradição
discursiva do Estado quanto à conservação da biodiversidade.
91
identificações e delimitações, porém, como observa Mary Douglas (DOUGLAS, 2007),
as instituições decidem e a recepção estará ao critério das instituições. Feitas as medidas
para o tipo de contribuição que não exima o estado em suas responsabilidades. Neste
capítulo foi abordada que o Estado, portanto, se move na perspectiva dos territórios
institucionais; é necessário que se converta o território tradicional aos termos do Estado.
Os empenhos de comunidades, de estudiosos e de técnicos é o de ampliar o “vocabulário”
e a “cognição” do Estado.
92
Várias malhas, ou níveis de malhas podem ser tecidos e projetados em um
território, ou observados a partir da análise dos mesmo; portanto, tal “tessitura territorial”
poderá comportar “vários níveis que são determinados pelas funções que devem se
realizar em cada uma dessas malhas”. (RAFFESTIN, [1980] 1993, pp. 150, 152 e 153).
Essa ideia de função de porções/níveis territoriais está presente no dispositivo
constitucional que regulamenta a obrigação do Estado em reconhecer e demarcar os
territórios quilombolas e as terras indígenas, como segue:
93
Figura 2 ― Funções de reprodução física, cultural, econômica,
cultural e social observáveis em campo e projetadas na delimitação
de territórios tradicionais
94
poderia ser um aprofundamento e uma ampliação das próprias categorias das
comunidades.
95
de prerrogativas do órgão ambiental no tratamento dos casos de sobreposições entre
unidades de conservação e territórios tradicionais.
Os territórios são constituídos por limites, seja por critérios e marcas das
próprias comunidades, povos indígenas e quilombolas ou por critérios administrativos ―
expressos na atualidade pela Portaria nº 14 da Funai ou pela Instrução Normativa do Incra
nº 57, de 20 de outubro de 2009 ― que buscam traduzir aqueles primeiros critérios. O
resultado é o território institucional produzido a partir do território tradicional e que será
quase que invariavelmente menor que o tradicional por não dispor ou alcançar todos os
critérios de uma e de outras comunidades para conceberem seu território além da
necessidade da familiarização com os novos critérios novos e externos. O que significa
que uma situação de sobreposição com unidades de conservação, por exemplo, não se dá,
apenas, no território institucional de uma comunidade como, também, em seu território
tradicional supondo que ambos nem sempre combinam limites ajustados um com o outro.
Nessa perspectiva, o território institucional de uma comunidade ou povo, como por
exemplo uma “Terra Indígena”, é tanto o reconhecimento do território tradicional, parcial
ou da sua totalidade, como dito acerca dos critérios, quanto uma primeira sobreposição
institucional em um território tradicional, se entendermos que haverá interferência
administrativa do Estado mesmo em programas de proteção dos limites, dos recursos
naturais.
96
3. Comunidades tradicionais e a criação do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza―SNUC
97
e propostas ao texto da lei relacionando ou incompatibilizando populações humanas e
unidades de conservação.
21 Não encontrei disposição em contrário após a data de 1698; no entanto, não é seguro afirmar
que à época do desejo de se construir um engenho central em Paraty — o que não aconteceu — a norma
seria vigente; de qualquer maneira
98
cidades, a criação de jardins botânicos no Brasil é apontada por Ivan Mota22 como o
embrião da administração florestal brasileira (MOTA, 2007, p. 59).
22 Em sua dissertação na Engenharia Civil sobre o Parque Estadual Serra do Mar, defendida em
2007.
99
da criação de parques para neles se desenvolverem atividades de turismo e das belas
paisagens, aos olhos do imigrante e os meios de transporte que, também, poderiam ser
desenvolvidos. Alberto Torres (1865-1917), na defesa da proteção da natureza como
responsabilidade da sociedade, a fim de manter reservas futuras. Um parque em Sete
Quedas, no Paraná, e outro na Ilha do Bananal, ao norte de Goiás, hoje Estado do
Tocantins; o primeiro, a Hidrelétrica de Itaipu cobriu, e o Parque Nacional do Araguaia
tem outras histórias contadas mais adiante neste capítulo.
23 São veredas, margens de lagos artificiais ou naturais, bordas de chapada, nascentes, matas
ciliares, angulação de inclinação de morros e outras pequenas porções, se comparadas às unidades de
conservação, em que os usos e a recomposição são regulados em normas, dentre elas diversas resoluções
do Conselho Nacional do Meio Ambiente ― CONAMA.
24 No rastro da teoria dos miasmas.
25 Empresário, Engenheiro Civil, abolicionista e reformador social, André Pinto Rebouças
defendia programas de agricultura para a integração de escravos libertos (CARVALHO, 1998, p. 211 e ss);
sugeriu, também, a criação do Parque de Sete Quedas e do Parque da Ilha do Bananal.
100
Com a imagem de um território descontínuo, é criada a Reserva Florestal do
Acre para proteger as cabeceiras dos tributários dos rios formadores das bacias dos rios
Juruá, Japurá e Acre, as três grandes bacias no Estado do Acre, com a finalidade da
conservação da navegabilidade fluvial, como segue no trecho do Decreto nº 8.843/1911,
preservada a ortografia da época:
26 O decreto, embora traga o memorial descritivo da delimitação, não traz a área da reserva, que
encontrei calculada e plotada na pesquisa de André Vital (VITAL, 2018, p. 43) sobre saúde pública no
Território Federal do Acre.
27 Uma “linha seca” em delimitação e demarcação é a reta que liga pontos de referência, diferente
daquelas que usa os cursos dos rios.
101
divisas entre bacias, em linhas secas paralelas com larguras de 40 ou 20 quilômetros cada,
de modo a abranger, de fora a fora, as nascentes dos tributários das bacias; e uma quarta
poligonal delimitando a região centro-leste do Alto Juruá localizada em porção elevada e
da qual partiam tributários de oito rios à sua volta28. No decreto de criação da reserva, há
a vedação de acesso à área da reserva florestal, exceto o trânsito necessário, no caso de
caminhos de intercomunicação de povoados; vedação à extração de madeiras e de
quaisquer outros produtos florestais; proibidas a caça e a pesca. Há a previsão de
desapropriação de moradores que apresentem documentos comprobatórios, ou um acordo
amigável para a aquisição de outras terras.
28 Conforme indicação em croqui de André Vital (VITAL, 2016, p. 199) sobre o mapa de Placido
de Castro de 1907 (CASTRO, 1907).
102
do cheiro pútrido da decomposição de matéria orgânica, que se acreditavam também
transmitir a malária, em época no começo do século XX no Brasil em disputas entre
“contagionistas” e “miasmáticos” (VITAL, 2016, pp. 155-157; CZERESNIA, 1997, p.
86)29.
29 O Decreto 17.042/1925, que regulamentou o Serviço Florestal em 1921, traz em seu artigo 18,
alínea “d”, acerca das funções ― podemos considerar serviços ambientais ― da categoria Floresta
Protetora: “concorrer para a salubridade publica, pelo saneamento e purificação da atmosfera”.
103
a este ponto, não apenas pela novidade e antipatia que o decreto causou aos seringalistas,
senão porque as delimitações do conjunto de áreas da reserva se dão por longas retas em
linhas secas, típicas de mapas desenhados “em gabinete” ligando pontos identificáveis
por qualquer um à distância, como confluência de rios, núcleos urbanos estabelecidos,
que denotam a urgência e a emergência de se produzir tal delimitação junto com o
profundo desconhecimento de quem o faz, aí deflagrado. Muitas das Terras Indígenas
criadas durante o governo do Presidente João Figueiredo assim o são, por imposições do
não amotinamento e da precaução de batalhas civis como condição de empréstimos
internacionais tomados ao Fundo Monetário Internacional ― FMI, naquele caso; e nelas
não se mexem, porque no contexto posterior, seria um precedente lhes alterar os limites
por alguma razão de adequação e, com isso, dar espaços a interesses adversos aos dos
povos indígenas.
30 A mesma comissão elaborou os dois documentos e era composta por deputados; representante
do MAIC; pelo representante do Serviço Mineralógico e Geológico do Brasil, o geólogo Felipe de Campos
e pelo naturalista do Jardim Botânico geólogo, Manuel Pio Corrêa (VITAL, 2018, p. 60).
104
foi esquecido (VITAL, 2016, pp. 197-199) e a existência da Reserva Florestal do Acre é
pouco conhecida e explorada na história ambiental brasileira.
105
ligadas a ambientes e locais históricos e naturais; prevendo incentivos financeiros e o
estabelecimento de diretrizes para a administração pública municipal na manutenção das
estâncias com o pré-requisito de serem necessariamente ligadas a um bem natural. Brasil
Novo e Travel in Brazil eram duas revistas do DIP que se serviram amplamente do recurso
da fotografia para divulgar o Brasil no exterior com suas regiões naturais, típicas e sobre
o floclore, tema este de que Mário de Andrade era colaborador, para fazer propaganda
das ações do governo em outras áreas que não apenas aquelas relacionadas com o meio
ambiente e turismo a partir daquele Departamento que era um instrumento de censura no
governo de Vargas (GOULART, 1990; LUCA, 2011). A Seção de Turismo dividia com
as seções de Imprensa, de Teatro, de Cinema e de Rádio a organização em franca censura
aos meios de comunicação e expressão, excetuados aqueles pertencentes aos empresários
de imprensa com manifestações expressas, e impressas, de apoio ao governo. Em 1939,
Cecília Meireles se torna editora da revista Travel in Brazil. A poetisa, defensora do que
seria a educação nova e da liberdade de imprensa tem, nessa contradição, a análise de
Mariana Batista da Silva (2019) que ressalta duas faces que não se juntam, como as vejo
e comento: Cecília Meireles já havia colaborado como jornalista no Diário de Notícias e
no Observador Econômico e Financeiro e, segundo o autor, sempre havia conseguido
trazer para as páginas alguma crítica ao governo; ao que parece não ter tido muitas
possibilidades como editora é à frente da revista do DIP, que era o próprio instrumento
do governo na repressão à imprensa 31; também, o autor aponta que o segundo marido de
Cecília Meireles, Heitor Grillo, fazia parte dos quadros do governo (SILVA, 2019). Em
que pese a possibilidade dessas duas vias para o DIP ter Cecília Meireles à frente da
revista Travel in Brazil, quero acrescentar o aspecto de que o governo, à época, tinha em
Cecília Meireles alguém que circulava no meio intelectual e artístico, escrevia seções em
jornais e revistas para um público variados e dela poderia ser tomado, por empréstimo,
uma rede e a legitimidade na veiculação da revista e do seu conteúdo.
31 O autor se reporta a cartas escritas a Manuel Bandeira em que Cecília Meireles ora se
entusiasma e ora demonstra decepção quanto estar à frente da revista.
106
internacionais e no acesso a publicações científicas de outros países ―, os quais
participam de formas variadas no tratamento e no peso do tema no Estado, ou fora dele.
107
diante (DEAN, 1996, p. 275). Portanto, se tratava tanto de alguma mobilização quanto de
influência e participação na elaboração das normas na década de 1930. Barreto Filho fala
da perspectiva de Antônio Augusto Drummond, quem observou certa desmobilização no
exercício da cidadania relativa à gestão dos recursos naturais por conta de o governo ter
se antecipado à capacidade de reivindicação da sociedade civil. E Barreto filho pontua
que a ciência “estava institucionalizada no aparelho do estado”, limitando a força de
pressão do lobby científico por questões, assim, estruturais (BARRETTO FILHO, 2001,
p. 128).
108
episódio da criação da Reserva Florestal do Acre, em 1911. A promulgação tanto da
Constituição Federal quanto do Código Florestal, em 1934, traz noções e expressões que
vão sendo revistas ao longo do tempo, tanto quanto são resultados de compreensões
anteriormente revistas. Barreto Filho (BARRETTO FILHO, 2001, p. 127) chama a
atenção para a categoria de “monumento público natural”, que aparece no texto na
Constituição Federal e que comporta os sentido de valores estéticos, culturais e,
acrescentaria, estáticos; e para a noção de “áreas reservadas”, no Código Florestal de
1934, na abordagem de Parques Nacionais, Parques Estaduais e Parques Nacionais
(classificados naquele Código como Florestas Remanescentes) e Florestas Protetoras.
Também, se pode notar dentre as finalidades da Florestas Protetoras (art. 4º do Código
Florestal, 1934) ― conservar o regime das águas, fixar dunas, evitar erosão da terra por
agentes naturais ― que se esboça ali o que hoje são as Áreas de Preservação Permanente,
chamadas APPs. Naquele primeiro Código Florestal ― depois vieram o de 1965 e o de
2012 ―, as Florestas Nacionais estavam divididas em quatro categorias: Florestas
Protetoras, Florestas Remanescentes, Florestas Modelo e Florestas de Rendimento e um
impacto que a bibliografia aponta é a limitação do direito de propriedade e tratado
privilegiadamente com garantias pela Constituição e pelo Código Civil. Boa parte das
contestações oferecidas a delimitações de Territórios Quilombolas e para quais elaborei
respostas técnicas entre 2007 e 2010, no Incra, evocavam o “direito sagrado à
propriedade” não como integrante de um conjunto de refutadas, senão como o bastante
para o processo todo.
109
Colonização, do Serviço de Irrigação, Reflorestamento e Colonização, que já existia;
todos sob o Ministério da Agricultura.
110
convizinhos são os Pochetis, os Noroguages, os Apinagés, os Carajás, os
Cortis, e os Xerentes. (Casal, 1817: 154).
111
ideia do presidente, lembra Guntlher, era a de trazer pessoas do mundo todo para ajudar
a preservar as belezas da ilha; com o Golpe de 64, continua ele, buscaram apagar obras
de JK e o hotel mudou o nome para o do Presidente Kennedy. Hoje, o hotel está em ruínas
em meio à aldeia Santa Isabel, dos indígenas Iny-Karajá, a mais populosa na Ilha do
Bananal.
A IUPN, uma rede de proteção à natureza das mais antigas e maior, segundo
Franco (FRANCO, et al., 2015, p. 246), que havia sido criada em 1948, em 1965 muda o
nome para União Internacional para a Conservação da Natureza ― IUCN. A IUCN e
112
outras organizações não governamentais internacionais, vão estar envolvidas nas
discussões de áreas naturais protegidas como instrumentos de conservação dos recursos
naturais mais tarde, como aponta Barreto Filho; anteriormente estiveram às voltas com
ações pautadas na ideologia do progresso, ao longo de duas décadas no cenário de
reconstrução pós-guerra (BARRETTO FILHO, 2001, pp. 4, 34; FRANCO, et al., 2015,
p. 245) por meio das organizações do sistema ONU. A IUCN se apresenta com a missão
de garantir que qualquer uso de recurso natural se dê de forma sustentável e de “encorajar
e assistir as sociedades de todo o mundo na conservação e na integridade da diversidade
da natureza”. O Primeiro Congresso Mundial de Parques Nacionais ocorrido em Seatle,
nos Estados Unidos, em 1962, foi convocado pela IUCN e um entendimento retirado no
evento foi a necessidade de proteção legal sobre parques nacionais, o respeito ao direitos
adquiridos anteriormente à criação dos parques, como habitação e exploração dos
recursos ― desde que em pequenas porções de áreas e em caráter temporário.
113
surgiu com outro nome, Organização para a Cooperação Económica Europeia -OCEE,
restrito aos países europeu e como gestor do Plano Marshall na reconstrução da Europa
no pós-guerra. Na legislação sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos de
infraestrutura e atividades econômicas e industriais, no Brasil, vamos encontrar o
princípio poluidor-pagador especialmente na mitigação e compensação de impactos
ambientais identificados em estudos prévios à instalação e operação de atividades listadas
na Resolução nº 237, 19 de dezembro de 1997, do Conselho Nacional do Meio Ambiente
― CONAMA, instância ligada ao Ministério do Meio Ambiente ― MMA. O princípio
poluidor-pagador está, também, referido na Declaração de Princípios, que foi estabelecida
na conferência mundial Rio 92.
114
estabelecesse suas normas. Com esse programa que remarca a diferença entre países do
Sul e do Norte, a conexão entre ambiente e desenvolvimento, ou as formas de fazer, vão
sendo alinhadas no intervalo desses 20 anos. O cunho terceiro-mundista
115
deveriam ser submetidos aos interesses externos tendo a cooperação internacional como
um instrumento.
116
sistema próprio de criação e de tipologias de áreas protegidas entre 1981 e 1996, que
eram: a Área de Proteção Ambiental ― APA; a Área de Relevante Interesse Ecológico
― ARIE; a Reserva Particular do Patrimônio Natural ― RPPN; e a Estação Ecológica
― ESEC, esta criada em 198142, com objetivos parecidos aos da Reserva Biológica ―
REBIO criada pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal―IBDF em 196743
(MEDEIROS, 2006, p. 54). ESEC e REBIO são as duas tipologias de áreas protegidas
mais restritivas à presença humana, sendo permitidas a pesquisa científica em ambas e
contam no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza―SNUC, criado
em 2000.
42 Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, criou, também, as Áreas de Proteção Ambiental - APPs.
43 A categoria Reserva Biológica foi criada por meio da Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, que
dispunha sobre a proteção da fauna e que criou, também, o Parque de Caça.
117
Rio 92. Os documentos produzidos naquela Conferência rebateram na organização das
estruturas governamentais e elaboração de normas no País para o cumprimento do
compromisso assumido pelo Estado naquela ocasião. São cinco os documentos
produzidos na ocasião: a Convenção sobre a Diversidade Biológica ― CDB; a
Convenção sobre Mudanças Climáticas; a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente E
desenvolvimento, a Carta de Princípios das Florestas e a Agenda 21 (GUGELMIN, et al.,
2003).
44 O evento foi Rio+5 se referiu à Special Session of the General Assembly to Review and
Appraise the Implementation of Agenda 21, ocorrido entre os dias 23 e 27 de junho de 1997.
118
de protocolo da Agenda 21, não ter nada a apresentar 5 anos depois.
(GUGELMIN, et al., 2003, p. 93)
119
Com esses breves exemplos ― de correrias, mas de esforços, também,
representativos de tantos outros ― quero chamar a atenção para os diversos setores às
voltas com o desenvolvimento sustentável e com o objetivo de engajamento no diálogo
internacional. Neste momento, não nos ateremos à polêmica acerca da contradição entre
termos, aparente ou não, da expressão “desenvolvimento sustentável”, apenas indico que
a expressão ganhou as letras da Lei do SNUC, junto com previsões normativas acerca dos
recursos genéticos e conservação da biodiversidade dispostas na Convenção sobre a
Diversidade Biológica―CDB assinada na Rio 92.
120
vezes; entre setembro de dezembro de 1992 tramitou o impeachment de Collor, resultando
no seu afastamento; o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal―IBDF passou a
ser o IBAMA. A demora nas discussões do Projeto de Lei para que ele seguisse seu curso
no processo legislativo, em que pese a instabilidade política, ao meu ver apenas encimou
a oportunidade no desinteresse, por parte do governo, em decidir e se posicionar com
relação à desapropriação, à participação da sociedade civil, aos indígenas às e
comunidades tradicionais e quanto à criação de unidades de conservação. Em uma única
oportunidade, o governo perderia apoio, mais que ganharia, com qualquer
posicionamento expressivo que assumisse entre “preservacionistas”, “conservacionistas”;
movimentos sociais ligados ao meio ambiente, bancada ruralista.
121
O objetivo do governo é o de incorporar a Convenção sobre a Diversidade
Biológica―CDB no ordenamento jurídico brasileiro; o que está previsto na própria
Convenção. Talvez isso justifique a Exposição de Motivos trazer um texto polissêmico,
em seus dois últimos parágrafos, para se comunicar com os vários setores representados
pelos parlamentares. Desse trecho, destaco os seguintes pontos em que identifico tal
comunicação: a modernidade, ou novidade, do que se apresenta, para as discussões, ou
mesmo as disputas, serem travadas em outro campo, sob um outro marco legal; a
participação dos parlamentares na elaboração dos dispositivos que decorreriam da
regulamentação da CDB; a “ambientação” do novo marco legal, aliado ao enfoque
econômico e estratégico da biodiversidade nos interesses nacionais; e, finalmente, o
aposto “de forma sustentável”, abrangendo partidários da “sustentabilidade” e do
“desenvolvimento sustentável”. Uma multiplicidade de endereçamentos que pudesse
fazer com que diversos setores ali se enxergassem em maior ou menor amplitude.
Fernando Henrique Cardoso, publicada no Diário do Congresso Nacional, seção 1, em 27 de março de 1993
- sábado, pp. 6.224-6.225.
51 O Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998, promulga a Convenção sobre Diversidade
Biológica, cujo texto foi aprovado por meio do Decreto Legislativo n° 02, de 3 de fevereiro de 1994. No
cenário internacional, a CDB começou a vigorar em 29 de dezembro de 1993 e, no Brasil, passa a vigorar
a partir de 29 de maio de 1994, 90 dias após o governo brasileiro ter depositado o instrumento de ratificação
da Convenção em 28 de fevereiro de 1994, conforme prevê o Artigo 36 da CDB.
122
que é “aperfeiçoado” em outro lugar ― empresas e pesquisadores que trabalham com
bioprospecção.
123
Mais tarde, é editada a Medida Provisória nº 2.186, de 23 de agosto de 2001,
para tratar do acesso ao patrimônio genético, aos conhecimentos tradicionais a ele
associado, do depósito de amostras e instituições fiéis depositárias, do contratos de
repartição de benefícios advindos de tais acessos, da criação do Conselho de Gestão do
Patrimônio Genético―CGen e o seu assessoramento pelo Departamento de Patrimônio
Genético, da Secretaria de Biodiversidade e Florestas, do Ministério do Meio Ambiente;
onde trabalhei, conforme dito no capítulo 1, na tramitação e análise dos pedidos de
autorização de acesso àqueles conhecimentos tradicionais e na regulamentação técnica da
tramitação e das definições dos procedimentos. Aspectos da regulamentação, portanto,
dos usos desses conhecimentos por parte de terceiros em sistemas de referência sócio
cultural, objetivos e aplicação diferentes do contexto em que são formulados, inovados
formulados e são utilizados. Sempre muito trabalhoso emplacar a perspectiva de que são
conhecimentos ombreados ao científico, porém, formulados em outro sistema e
indicando, com a própria existência, que não são apenas os conhecimentos produzidos
pela ciência a existirem, com os seus campos e o seu meio de legitimação e de reprodução.
124
por aquelas comunidades e povos. Os exemplos de casos em que não há essa consonância
com o meio ambiente são sempre oferecidos, sem que seja cotejado com o geral, cujos
dados não existem em âmbito nacional formulados em um corpo metodológico, teórico e
ideológico que não tome as comunidades e os povos como coadjuvantes e mesmo
necessários à conservação sem ter em conta as próprias comunidades e povos em si. O
que não areja o debate acerca da sobreposição porque muda-se o polo apenas.
Deflagrando as noções e as medidas decididas para o ambiente do outro, em que a própria
terminologia já interfere, tanto o quanto remarca essa apropriação: o que seria “recursos
naturais” para povos e comunidades na sua própria constituição? É uma terminologia
externa aos grupos que deles destaca os setores dos seu estilo de vidas, tanto o quanto a
utilização dos conhecimento tradicionais associados ao patrimônio genético, que
identifica uma parte dos conhecimentos (músicas, plantas, rezas, encantamentos,
remédios, alimentos, edificações, comportamento de animais, etc.), ancorados/partidos
em relações de parentesco, em divisões de clãs e na própria distribuição interna desigual
desses conhecimentos entre aqueles que possuem determinados conhecimentos e outros
que não podem possuí-los, a exemplo de pajés e da divisão quanto ao gênero. É a parte
“útil” ao contexto externo, de destino, que é acessada e identificada, no arcabouço
daqueles conhecimentos tradicionais, a partir dos instrumentos, conhecimentos e
capacidade que a ciência dispõe até agora.
125
protegidas, como indica isso Rodrigo Medeiros (MEDEIROS, 2006, p. 42) ― em que a
execução do SNUC é parcela da implementação da CDB no Brasil. Uma ambiguidade na
atuação do Estado da que ele se serve, engastada no Ministério do Meio Ambiente—
MMA.
52 Na sua tramitação no Senado Federal recebe o nome de Projeto de Lei da Câmara dos
Deputados (PLc) nº 27/1999.
126
2º, inciso V) em que se pode enxergar a noção de monumentos que transcorrem o tempo
como catedrais, imagens de contorno e de sentido desde as primeiras áreas protegidas
nos Estados Unidos e que delinearam a preservação como um valor no tempo, perspectiva
de análise minuciosa feita por Barreto Filho na Tese que privilegiou unidades de
conservação de proteção integral (BARRETTO FILHO, 2001).
A lei carreia uma tradição para dentro do texto e deverá acomodá-la no seu
propósito de ser uma lei geral para as formas de conservação e proteção da natureza. Em
minha pesquisa ao processo de formulação da lei olho para como as populações e
comunidades tradicionais, principalmente, aparecem e são vistas naquele processo com
disposições que, na maior parte das vezes, não foram para o texto final, mas que ecoam
na prática na constituição e na implementação das áreas protegidas na questão de o que
se fazer com as pessoas?; e quando as pessoas são grupos sociais identitários e falam?. A
definição de “população tradicional” foi vetada no texto da lei pelo Poder Executivo
pouco antes da sua votação no Plenário da Câmara dos Deputados e as disposições sobre
comunidades tradicionais constam na lei de forma mais ou não explicita; sendo que a
parte do “que fazer com elas” estão nas discussões daquele Projeto de Lei.
127
SEMA (MERCADANTE, 2001, p. 4), que respectivamente já existiam desde 1967 e
1981. As nove, ou dez, categorias das unidades de conservação foram apresentadas
originalmente organizadas em três grupos, e não em dois como estão divididos na
atualidade, havendo um grupo “temporário” entre os grupos de unidades de conservação
de uso direto o grupo de uso indireto das áreas protegidas, como seguem:
1. Parque Nacional
2. Monumento Natural
3. Refúgio da Vida Silvestre
(incluindo os objetivos da Área de Relevante Interesse
Ecológico com a proposta de exclusão desta)
Proteção Integral (uso indireto)
4. Reserva Ecológica
(proposta de fusão entre Reserva Biológica e Estação Ecológica)
ou:
4. Reserva Biológica
5. Estação Ecológica
Manejo Provisório 1. Reserva de Recursos Naturais
1. Reserva de Fauna (extinguindo-se o Parque de Caça)
Manejo Sustentável 2. Área de proteção Ambiental
3. Reserva Extrativista
Das duas versões elaboradas pela Funatura, a proposta de manutenção das dez
categorias foi a escolhida e apresentada ao Legislativo pelo Presidente da República;
portanto, mantidas em separado Estação Ecológica e Reserva Biológica. As modificações
ocorridas na Presidência da República, segundo Mercadante foram poucas
(MERCADANTE, 2001), dentre as quais: a previsão da atribuição do Poder Executivo
na criação de conservação foi modificada para a atribuição do Poder Público; e a previsão
de penalidades na condição de crimes contra as unidades de conservação foram
substituídas por sanções administrativas. Se foram poucas as modificações, estas foram
intensas. A “descriminalização” de ações nocivas às unidades de conservação poderia
trazer menos força à lei, por outro lado, contaria com menor resistência na sua aprovação.
A mudança na criação das unidades de conservação por ato do Poder Executivo para ato
do Poder Público foi novamente modificada para “ato do Poder Executivo”, em 1996;
depois volta a ser Poder Público em 1998; e poucos dias ante do Projeto de Lei ser votado
na Comissão de Direitos do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias ― CDCMAM da
Câmara dos Deputados, representantes do Poder Executivo apresentaram alterações, por
pressão de preservacionistas, segundo Maurício Mercadante, quem havia participado da
elaboração daquele estudo (MERCADANTE, 2001), para que permanecesse como ato do
128
Executivo. A proposição do Projeto de Lei do Presidente da República, Fernando Collor
de Mello, com a Mensagem nº 176/92, datada de 20 de maio de 1992 (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 1992, p. 14), foi apresentada ao Poder Legislativo e a Comissão de
Direitos do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias ― CDCMAM, da Câmara dos
Deputados ficou responsável pelas discussões e tramitação do que agora era o Projeto de
Lei nº 2.892/1992.
129
até o término do processo legislativo mantiveram sob o grupo de proteção integral
praticamente as mesmas categorias: Reserva Biológica ― REBIO, Estação Ecológica ―
ESEC, Parque Nacional ― PARNA, Monumento Natural ― MONA e Refúgio da Vida
Silvestre ― RVS. No grupo de uso sustentável, categorias novas foram propostas em
várias apreensões da presença de comunidades tradicionais do ponto de vista da proteção
de áreas naturais, como as resumo comparativamente no painel que segue.
130
As disposições sobre comunidades tradicionais propostas, suprimidas e que
permaneceram são analisadas na tramitação do Projeto de Lei n° 2.892/1992 nas
categorias Reserva de Recursos Naturais, Reserva Ecológico-Cultural e Reserva
Ecológica Integrada, que não seguiram para a edição final da Lei nº 9.985, de 18 de julho
de 2000.
131
Art. 2º, XV - POPULAÇÃO TRADICIONAL: grupos humanos culturalmente
diferenciados, vivendo há no mínimo, três gerações em um
determinado ecossistema, historicamente reproduzindo seu modo de
vida, em estreita dependência do meio natural para sua subsistência e
utilizando os recursos naturais de forma sustentável. (Projeto de Lei nº
2.892/1992, fl 99; inciso vetado na Mensagem de Veto nº 967,
18/07/2000)
132
sugestões de alterações ao Projeto de Lei por parlamentares e, também, um grande
conjunto de alterações, de acordo com Maurício Mercadante, pelo Poder Executivo, que
foram praticamente todas aceitas no texto (MERCADANTE, 2001). O Deputado
Fernando Gabeira, relator, informa que os órgãos do Poder Executivo a apresentarem
alterações foram a Casa Civil da Presidência da República e o Ministério do Meio
Ambiente (Projeto de Lei n° 2.892/1992, fl. 82). Daquela reunião em sessão ordinária
resultou o “Substitutivo adotado pela Comissão”, dentre as alterações feitas, as
populações tradicionais deveriam estar há pelo menos três gerações “nos ecossistemas”
para serem consideradas como tais, trecho que e foi suprimido o trecho “dependendo de
seus recursos naturais para a sua reprodução sociocultural, por meio de atividades de
baixo impacto ambiental”, sendo substituída a última parte por “desenvolvimento
sustentável”. Sobre esta definição (que é o texto de “C”, acima transcrito) ― a que o
Poder Executivo teve acesso e revisou ― incidiu o veto presidencial menos de dez dias
depois, cuja justificativa reproduzo:
Celso Russomanno e Paulo Baltazar (Vice-Presidentes); Fátima Pelaes, Expedito Júnior, Reginaldo
Germano, Eunício Oliveira, Fernando Gabeira, Ben-Hur Ferreira, Jorge Tadeu Mudalen, Luiz Bittencourt,
José Borba, Badu Picanço, Murilo Domingos, Sebastião Madeira, Vittório Medioli, João Magno, Marcos
Afonso, Ricardo Izar, Régis Cavalcante, Valdeci Paiva, Aroldo Cedraz, Pedro Pedrossian, Moacir
Micheletto, Márcio Bittar, Philemon Rodrigues, Ronaldo Vasconcellos, Arlindo Chinaglia, Alcione
Athayde, Duílio Pisaneschi, Fernando Coruja, Sérgio Novais e Aloízio Santos (Projeto de Lei n°
2.892/1992, fl. 97).
133
Mercadante comenta que a versão final da Lei saiu muito parecida com o
Anteprojeto de Lei apresentado pelo Poder Executivo, em 1992, com cunho
preservacionista mais que conservacionista (MERCADANTE, 2001).
.............................
134
Art. 22. Constitui o grupo Unidades de Manejo Provisório a categoria
denominada Reserva de Recursos Naturais, com a finalidade expressa
no art. 8°, § 3°, desta Lei [vide acima].
.............................
Observo que nas últimas linhas do Artigo 6º, imediatamente acima, está dito,
que as comunidades não conservam, tampouco fazem uso sustentável e só o
empreenderiam se guiadas, cuidadas e tuteladas nos usos.
A Reserva de Recursos Naturais (art. 22, fl. 543) dentre todas as demais
categorias dos outros grupos, estava dispensada da elaboração de um plano de manejo,
por conta de seu caráter provisório. Ela não poderia ser confundida como “área em estudo
prévio para a criação de unidade de conservação”, para o que havia uma disposição
específica nesse mesmo Substitutivo (art. 24, fl. 544), acompanhada de formas de
interdição das áreas. O prazo para a destinação de sua categorização definitiva previsto
era de dois anos, prorrogáveis por igual período, para a sua destinação final. Na Reserva
de Recursos Naturais eram proibidas “a concessão de licenças para pesquisa e lavra de
minérios, a construção de barragens e estradas, e qualquer forma de exploração comercial
dos seus recursos naturais” (art. 22, § 5º, fl. 543).
135
interessada estabelecidos nesta Lei. (1º Substitutivo, 14/08/1996, fl.
543)
136
empreendimentos efetiva ou potencialmente causadores de
degradação ambiental, para a realização de estudos com vistas na
criação de Unidade de Conservação, quando, a critério do órgão
ambiental competente, houver risco de dano grave aos recursos
naturais ali existentes.
137
de unidade de conservação, a Reserva Ecológico-Cultural, é que abriga as populações
tradicionais.
55 Parte litorânea exposta na maré baixa e parte afetada pelas ondas na maré alta, essa faixa é
chamada de Zona Intertidal.
138
naturais pelas comunidades tradicionais. O seu conteúdo percorreu algumas chaves de
diálogo na lei em formulação ao enfatizar a “maneira sustentável” das atividades da vida
das comunidades, ao repetir “recursos naturais”, ao remarcar o equilíbrio entre população
humana e recursos naturais disponíveis; ao enfatizar a submissão a um “plano de manejo”
com a valorização dos sistemas tradicionais de manejo historicamente desenvolvidos.
139
por este estabelecidas e às normas previstas em regulamento” e sem previsão de decisão
das comunidades tradicionais são os acréscimos à Reserva Ecológico-Cultural, pelo 1º
Substitutivo (14/08/1996, fls. 531-544), retirando a autonomia das comunidades ao
endereçar uma maior participação das comunidades pudesse ser restituída, talvez a um
futuro plano de manejo e composição do conselho deliberativo, cuja previsão também foi
acrescida.
140
3.2.4. Reserva de Desenvolvimento Sustentável ― grupo
de uso sustentável
Embora previsto, na lei vigente, que a posse por parte das populações
tradicionais nas categorias de unidades de conservação Reserva de Desenvolvimento
Sustentável e na Reserva Extrativista seria prevista em regulamentação específica, tal
regulamentação foi editada dois anos depois, sem, no entanto, dispor sobre a posse. Trata-
se do Decreto nº 4.340, que, de acordo com o estudo de iniciativa da World Wide Fund
for Nature ―WWF Brasil (2006):
141
No caso das Reservas de Desenvolvimento Sustentável ― RDS, segundo o
estudo da WWF Brasil (2006), os órgãos executores do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza―SNUC fizeram, ao menos até 2006, diferentes interpretações
da categoria de unidade de conservação Reserva de Desenvolvimento Sustentável em
função da indefinição regulamentar. As consequências apontadas, naquela ocasião, era a
criação de várias Reservas de Desenvolvimento Sustentável por parte dos estados sobre
áreas particulares para não comprometerem seus próprios orçamentos, pois parte
interpreta que as Reservas de Desenvolvimento Sustentável podem comportar
propriedades privadas em seu interior; com isso, colocando proprietários rurais,
empresários, população local em conflito de interesses convivendo em áreas sob um único
regime legal, pois abriu possibilidades múltiplas de interpretação na falta do seu
regulamento (WWF BRASIL, 2006, pp. 2, 46), tal como permanece até a atualidade.
Dentre outras razões levantadas por aquele estudo, para a criação de Reservas de
Desenvolvimento Sustentável por parte dos estados, estão: a palavra “sustentável” no
nome, utilizada a título de marketing para atrair apoio financeiro de empresas e agências;
a existência de locais com conflitos e a falta de recursos do Poder Público para a
desapropriação; a criação de RDS como medida urgente e protetiva de grupos sociais e
de ecossistemas; e como forma de acomodar as sobreposições entre unidades de
conservação do grupo de proteção integral e territórios de populações tradicionais (WWF
BRASIL, 2006, pp. 45-46, 65), neste último caso, como se verá no capítulo seguinte, na
proposta do Estado do Rio de Janeiro para a recategorização da Reserva Ecológica
Estadual da Juatinga, em Paraty.
142
Comissão Brasileira para o Programa Man and Biosphere Programme – COBRAMAB e
o programa passa a ser gerido no âmbito do Ministério do Meio Ambiente—MMA.
56 Na época, sob o governo de Castello Branco, era ministro Severo Fagundes Gomes, de Angra
dos Reis, no Estado do Rio de Janeiro.
143
último no SNUC é remodelado e para a ser, segundo Medeiros (MEDEIROS, 2006, p.
57) para a Reserva de Fauna.
144
A categoria Reserva Ecológica Integrada é suprimida do texto do Projeto de
Lei n° 2.892/1992 e é mantida a figura de uma instância, o mosaico, a gerir outras
unidades de conservação próximas ou justapostas, as abrangendo.
145
sociodiversidade e o desenvolvimento sociodiversidade e o desenvolvimento
sustentável no contexto regional. sustentável no contexto regional.
(Regulamento: Decreto nº 4.340/2002 )
146
Corredores Ecológicos não constaram no Projeto inicial de 1992, por meio do
qual o Projeto de Lei começou a sua tramitação no Poder Legislativo. Sua definição
consta no 1º Substitutivo (14/08/1996) e é a mesma redação da Lei do SNUC vigente,
como segue:
147
forma suplementar à legislação federal, explica Patrícia Vitalli (VITALLI, 2007, pp. 23-
24) em seu estudo de caso sobre a Estação Ecológica de Assis, no Estado de São Paulo.
148
Art. 57. Os órgãos federais responsáveis pela execução das políticas
ambiental e indigenista deverão instituir grupos de trabalho para, no
prazo de cento e oitenta dias a partir da vigência desta Lei, propor as
diretrizes a serem adotadas com vistas à regularização das eventuais
superposições entre áreas indígenas e unidades de conservação.
149
“regularizar” ― para que alas distintas se vejam contempladas, de alguma forma, mesmo
que em um momento seguinte a um ato do governo.
Para uma Terra Indígena não se cabe falar em “sobreposição parcial”, pois
são elas identificadas sob quatro exigências do artigo 231 da Constituição que não se
sobrepõem no território necessariamente, mas são projetadas no território, uma terra
indígena é a terra toda, ela é um sistema de áreas interdependentes com usos diversos,
inclusive interditos e que a delimitação do Estado a encurta em extensão. Explico. Como
quem elaborou as chaves de reconhecimento oficial para a tradução técnica foi o Estado,
e não cada grupo nos seus próprios registros de territorialidade que se busca traduzir
identificando atividades produtivas, recursos naturais, habitação permanente ou
temporária, cosmologia, organização social e parentes, etc., que dão conta da proposta do
Estado ao mesmo tempo em que algo fica de fora porque as chaves de identificação do
próprio Estado não alcança ao mesmo tempo em que deixam algo de fora porque escapa
ao registro daquelas chaves. E que isso não sirva distorcido para ser apontada
levianamente alguma deficiência do Estado para justificar uma nova proposta em que,
tanto nos dias de hoje como em outros, novas propostas surgem quase via de regra para
retaliar direitos indígenas a começar por roerem porções e beiradas de terras indígenas;
onde o artigo nº 57, se não teve no cerne a intenção, ajuda no serviço. Quando digo que
o Estado não fornece chaves suficientes, é porque ele oferece as chaves mínimas para
obter a ação generalizada do governo que não pode, sob questão de colocar em risco sua
política geral, seguir caso a caso; essa é a tarefa do trabalho técnico do antropólogo, em
sua perícia, ampliar o entendimento daquelas mesmas chaves, quando for o caso, a partir
150
da realidade que encontra em campo no território. Pelo dito, um território tradicional, uma
Terra Indígena, reconhecido pelo Estado será sempre um território mínimo.
151
conservação com terras indígenas e terras quilombolas” e, no caso de sobreposição na
gestão de grande áreas para:
Embora o texto dúbio, não o interpreto como as sobreposições, ali, sendo elas
a promoverem benefícios. Trazem problemas também à gestão das unidades de
conservação, como se verá no capítulo 6, relativo às discussões no Mosaico da Bocaina,
em Paraty, no Estado do Rio de Janeiro. O que deve ser remarcado é que, de ato em ato,
os entendimentos se vão modelando, neste trecho, por exemplo, corredores ecológicos
foram escritos como grandes áreas, para além do seu entendimento de extensão restritos
no SNUC. Em uma publicação da PNAP pelo Ministério, no preâmbulo ao Decreto feito
por Maurício Mercadante, então Diretor de Áreas Protegidas, ao falar da representação
de vários setores da sociedade na Comissão Nacional para a implementação do Plano ele
menciona a participação de “comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas,
extrativistas)” (MMA - Ministério do Meio Ambiente, 2006, p. 5), se pudermos entender
aí uma definição “legal” em publicação do Ministério que havia sido suprimida do SNUC.
Na mesma linha de tornear entendimentos, inclusive para a participação das comunidades
e acesso a políticas públicas, os povos e as comunidades tradicionais são tratados no
aspecto de promotoras da conservação da biodiversidade, ênfase que não é dada no Plano.
Assim, a o preâmbulo à PNAP, intitulado “Porque um Plano de Áreas Protegidas?” 57, na
publicação do Ministério do Meio Ambiente—MMA diz:
57 Assinado por Maurício Mercadante, à época Diretor de Áreas Protegidas, e quem havia
acompanhado como assessor a tramitação do Projeto de Lei n° 2.892/1992 na elaboração do SNUC.
152
ainda a firme decisão do Ministério do Meio Ambiente de fazer com
que os esforços em favor da conservação da biodiversidade beneficiem
de forma direta as populações tradicionais e locais. (MMA - Ministério
do Meio Ambiente, 2006, p. 5)
153
A presença de comunidades tradicionais era uma questão, por vezes tratada
como problema. Em 1992 aconteceu, em Caracas, na Venezuela, o Quarto Congresso
Mundial de Parques da IUCN e dele se retirou a recomendação de rejeitar o reassentamento de
comunidades tradicionais e foram ratificados os direitos dos povos indígenas. Pairava a questão
acerca de quais comunidades seriam ou não consideradas tradicionais (FRANCO, et al., 2015, pp.
225-226).
A fala de um Relator, que deverá dar o seu voto, é dirigida a diversos setores
e ideologias envolvidos na tramitação e com reflexo no mundo fora a Câmara, não apenas
por o esquema de organização política na forma de representação, senão como
repercussão das decisões tomadas, além do fato de nem todos estarem representados de
certo. O trecho que transcrevo abaixo tem esse tom polifônico, do mesmo relatório:
154
acumulado por essas populações. (Relator F. Gabeira, Projeto de Lei n°
2.892/1992, 21/05/1999, p. 51)
3.3. Governança
155
da governança. Na prática, a governança é um fenômeno mais amplo no governo;
ressaltando que governança não é o mesmo que governo (ROSENAU, 2000, pp. 15-16).
Para o governo, que vem sendo demandado em situações mais complexas marcadas pelo
pluralismo, pelas ambiguidades e pela fragmentação, a governança opera a distinção entre
a gestão pública praticada em tempos mais recentes, nos últimos vinte anos, e a
administração pública burocrática ortodoxa (CAVALCANTE, et al., 2018, p. 76). Há
vertentes que analisam a governança ou sob o aspecto do desempenho como a “soma de
esforços” preocupada com o desempenho na economicidade, na execução e na excelência
com atenção aos “resultados” na eficiência, na eficácia e na efetividade; ou tomam a
governança no aspecto colaborativo em pautas que entrelaçam agentes públicos e
privados na forma de “cocriação” que vão abranger serviços e políticas públicas com o
envolvimento social (ibidem).
156
Art. 56. A presença de população tradicional em uma unidade de conservação
do Grupo de Proteção Integral criada em função de legislação anterior obriga
o Poder Público, no prazo de cinco anos a partir da vigência desta Lei,
prorrogável por igual período, a adotar uma das seguintes medidas:
Por sua vez, o inciso I do art. 56, ao obrigar o Poder Público a promover
o reassentamento de populações tradicionais, estabelecendo,
inclusive, o prazo de cinco anos para tanto, aborda matéria alheia ao
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. O
reassentamento de populações é matéria relativa à política fundiária
do Governo Federal, não se admitindo que esta lei venha a abordar
tema tão díspar à problemática relativa às unidades de conservação.
Ademais, tornar obrigatório o reassentamento de populações
presentes no interior de unidades de conservação já existentes pode
suscitar a ocupação irregular dessas áreas. (Mensagem nº 967,
09/07/2000)
157
§ 3o Na hipótese prevista no § 2o, as normas regulando o prazo de
permanência e suas condições serão estabelecidas em regulamento.
158
situações de sobreposições e conciliação. O que é interessante, uniformizar a participação
do Ministério e no seu suporte às comunidades. No entanto, ainda que haja limites para a
atuação do MPF, ao propor uma convivência institucional com as situações de
sobreposição é o mesmo que acomodá-las em algum lugar na administração pública. E
não se pode esquecer que é ele, o MPF, também, um aparato do Estado. Os instrumentos
de gestão podem ser os indicados em um Plano de Manejo, assim, vemos que tema das
comunidades e povos em unidades de conservação serão assunto de esferas com maior
margem discricionária do administrador. Ou seja, o caso a caso em certa medida é
interessante, porque trata de questões específicas; por outro lado, o caso específico estará
em mãos de gestor específico ou de um pequeno número de gestores ao seu redor.
159
Integrada), haveria, de certo, o recobrimento da visão estrita do ambientalismo
institucional sobre tais áreas e sobre a vida cotidiana das comunidades, em conflitos que
Almeida e Rezende exemplificam, como fator decisivo, no caso de comunidades que têm
origens culturais tradicionais que envolve a identidade indígena e não apenas ela, mas
optam por esta como uma forma de se esquivarem da administração do ICMBio
(ALMEIDA & REZENDE, 2013). Tudo seria evitado se não se fossem criadas, e
mantidas, unidades de conservação de proteção integral em territórios tradicionais,
quaisquer um. Mas note-se a quantidade e profusão de temas que nos ocupa em lugar
deste tema central. legitimidade ― podemos arriscar de tipo carismático (WEBER, 1964,
pp. 172-173) ― constituída pela própria aproximação local e real entre administradores
e comunidades nas lidas como os planos de manejos e outras questões relacionadas à
busca de soluções para um problema que o governo criara.
160
4. Paraty
1630: contanto que se construísse uma capela dedicada à Nossa Senhora dos
Remédios, dona Maria Jácome de Mello recebe uma sesmaria que requisitara à Condessa
de Vimieiro, donatária. A sesmaria alcançava em uma légua de fundo, a Aldeia de Cima58
e a frente, no litoral, se encaixava entre os rios Paratii Guaçu e Paratiitiba. O povoado do
Morro do Forte segue para o entorno da capela então construída, onde hoje é o Bairro
Histórico de Paraty e o morro fica com o nome de Vila Velha. Uma sesmaria dentre seis
58 Segundo Marco Caetano Ribas esta é uma nítida referência aos indígenas “Goianás” ou
“Goiamins” (RIBAS, 2003, p. 23).
161
na região, entre a posterior Vila de Paraty que se formaria e o rio Mambucaba ao norte,
como segue em mapa na “Figura 3”. É controverso de qual capitania hereditária foi
destacada a sesmaria que esteve na origem da Vila de Paraty, se de São Vicente ou de
Itanhaém.
162
Capitania de Santo Amaro se dão a partir da contestação da herança deixada à Mariana
Guerra apresentada pelo Conde de Monsanto59, outro neto de Martim Afonso de Souza,
pelo fato da hereditariedade da Capitania dever seguir a linha masculina, conforme se
enfatizam nas cartas de doações (UNB - UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, s.d.;
CINTRA, 2017; ELLIS, 1972).
Apesar dos domínios sobre São Vicente (vila), Santa Ana de Mogi das Cruzes
e São Paulo, Mariana Guerra é expulsa após se terem dado ganho de causa ao Conde de
Monsanto. A Condessa de Vimieiro transfere o centro administrativo de seus domínios
da Vila de São Vicente, a “Cabeça da Capitania”, em 1624, para a Vila de Itanhaém
(CINTRA, 2017, p. 214) e funda ― ela mesma uma capitania para si ― a Capitania de
Itanhaém. O litígio durou até 1679 (UNB - UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, s.d.).
Mariana Guerra, por meio de procuradores seus, alargou a jurisdição da Capitania de
Itanhaém concedendo sesmarias em Taubaté, Guaratinguetá e Cabo Frio. Segue a relação
de vilas indicadas no Atlas Digital da América Lusa (UNB - UNIVERSIDADE DE
BRASÍLIA, s.d.) para as respectivas capitanias, com destaque de sobreposição de
jurisdição indicadas abaixo:60
Mogi das Cruzes Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém Mogi das Cruzes
Ubatuba Pindamonhangaba
Caraguatatuba Santo Antônio dos Anjos da Laguna
São Sebastião Paranaguá São Sebastião
Taubaté São Vicente
Itu Itu
Curitiba
Santos
Parnaíba
59 Na genealogia levantada por esta pesquisa, o Conde de Monsanto seria parente pela via Isabel
Lopes de Souza, meia irmã de Pero Lopes de Souza, este pai de Mariana da Souza Guerra, a Condessa de
Vimieiro.
60 E possivelmente outras, que não foram especificadas no Atlas para a sequência das vilas da
Capitania de Itanhaém: “todas as vilas ao norte da Cidade de São Paulo, com exceção de Vila de Santa Ana
de Mogi das Cruzes” (UNB - UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, s.d.).
163
Mariana de Souza Guerra foi a quarta donatária da Capitania de São Vicente,
herdada de seu irmão Lopo de Souza, o qual, por sua, vez herdara do pai de ambos, Pero
Lopes de Souza, herdeiro do donatário originário, Martim Afonso de Souza. Álvaro Pires
de Castro e Souza, o Conde de Monsanto, é o donatário que sucede à Mariana Guerra,
tendo ele vencido a contenda, a partir de 1624. Lembremo-nos de que a sesmaria de Maria
Jácome de Mello, na origem da fundação de Paraty, foi recebida de Mariana de Souza
Guerra em 1630. Ou doou o que não lhe pertencia, ou seguiu na certeza de continuar a
exercer domínios sobre o que herdara da Capitania de São Vicente. O processo ainda
durou recalcitrante e, mais tarde, em 1780 há notícias da busca feita por documentos
comprobatórios, descobertas duas certidões na Vila de São Vicente: “hum incontestável
direito”. A carta é do governador da Capitania de São Paulo, Martim Lopes Lobo de
Saldanha (1775-1782) dirigida ao conde de Vimieiro61.
61 Biblioteca Nacional, Documento 141 ― I-30, 21, 97, nº 1 (I-16-30); documento original
digitalizado.
164
Jorge Cintra reconstrói das divisões das Capitanias Hereditárias doadas —
com a legenda de “vilas e cidades em terras alheias” para apontar o que afirma ter sido
um erro: as Vilas de São Paulo, de Jundiaí e outras, historicamente tidas como
pertencentes à Capitania de São Vicente (lote sul), estavam localizadas, na verdade, na
Capitania de Santo Amaro, em má fé da parte dos antecessores de Mariana Guerra, em
ampliarem os domínios (CINTRA, 2017, p. 212). Alerta Cintra que conflitos não haviam
pelas linhas, porque as noções de área e de fronteira não faziam sentido à época, e cada
qual saberia quantas vilas jurisdicionava e aquele que tivesse a Cabeça teria as demais
(CINTRA, 2017, p. 220). A Capitania criada é sobreposta à de São Vicente e a maior
parte das vilas de Santo Amaro — Capitania que Mariana perdeu — seguem
jurisdicionadas à sua Capitania de Itanhaém.
165
de remontar a um tempo tão distante, aqui não é a de mostrar que as fronteiras nacionais
cambiaram, a despeito de uma população autóctone, como fiz em outro lugar a partir do
tema de Tordesilhas62, senão a de evidenciar aspectos das as técnicas de mensura e de
leitura, os conhecimentos no século XVI na cartografia, que envolvia medidas de tempo
e de distâncias utilizadas na navegação e o uso desses conhecimento, inclusive do
conhecimento de suas imprecisões, para resultados políticos. Portugal era muito
conhecedor de técnicas de cartografia, necessária à navegação; a Espanha, não.
62 Tomei conhecimento da bibliografia que trata dessa controvérsia por ocasião da elaboração dos
estudos de impactos ambientais para a construção e instalação do Contorno Rodoviário de Florianópolis,
por conta do envolvimento de dez Terras Indígenas Mbya e Nhadeva e a falácia local, não apenas no Estado
de Santa Catarina, mas também, no Rio Grande do Sul, de que as terras indígenas Guarani serviriam de
apoio a indígenas vindos do Paraguai. O argumento, utilizado em campanhas contra povos indígenas,
veiculada na mídia e na fala de dirigentes tomando tom de conhecimento público e popular, era o de que
haveria indígenas no Brasil e outros fora; nessa linha de raciocínio, as terras no Brasil não se serviriam a
acomodarem situações “estrangeiras”, em absoluta desconsideração à mobilidade Guarani. O propósito,
naquela ocasião, em buscar informações sobre as fronteiras políticas que foram traçadas sobre outras
fronteiras e espacialidades, no caso as terras guarani e os seus caminhos e rotas entre idas e vindas e
permanência na visitação de parentes, e encontrei no estudo de Cintra (2012) as várias possibilidades para
uma divisão política ― circunstancializada economicamente ― do mundo em dois hemisférios. Naquele
trabalho que se chamou Componente Indígena ― Contorno Rodoviário de Florianópolis, 2014 teve aquela
função de demonstrar fronteiras que fazem sentido para uns, e que que mudaram e eram imprecisas; nesta
Tese o efeito, a título de curiosidade, daquela divisão móvel, é que da atual Cabo Frio para o oeste, seria
tudo américa espanhola de acordo com um dos traçados indicado em 1502.
166
Dessa maneira, o estabelecimento da linha divisória variava, como segue no
exercício que fez Cintra, com os cálculos refeitos por ele, (as linhas vermelhas). O autor
que incluiu nomes de cidades, no mapa original, que não existiam à época para fins de
orientação do leitor63 (CINTRA, 2012, p. 425).
63 Observamos que as variações do traçado são retiradas de Cintra (ibidem); no entanto, ao longo
dos levantamentos encontramos outras variações mais ao Oriente ou ao Ocidente, de forma que as posições
trazidas são exemplificativas e não os resultados das diversas negociações e proposições para o traçado.
64 Essa posição não está contemplada na figura que traz os traçados à época e os cálculos de
Cintra.
167
expressa de D. Manuel, deveria ser todos deformados a partir de 1519 para “dar a
entender” que a bacia do rio Prata estaria englobada na porção portuguesa (CINTRA,
2012, p. 426).
168
fronteiras do Brasil atual, com base no princípio do uti possidetis68, Portugal consolidava
a sua ocupação e pretendia que a Espanha reconhecesse a soberania sobre tal ocupação,
quando de fato esta deveria ser mais restrita. Ainda, por conta das pretensões francesas
ao norte do Amazonas, nos territórios chamados Cabo Norte, Portugal pretendia ampliar
seus domínios ao norte (ALMEIDA, 1998, p. vi). Nisso, a depender dos cálculos, a linha
de Tordesilhas poderia alcançar parte do Cabo Norte a partir da costa; novamente sendo
interessante que a linha se aproximasse do Pacífico.
68 Que significa posse a que possua de fato, ou seja, se já estivesse ocupando determinada área,
dela seria possuidor; princípio válido para a Espanha e para Portugal.
69 Ou Mapa dos confins do Brasil com as terras da coroa de Espanha na América Meridional,
1749.
70 Diogo Soares e Domingos Capassi que chegaram ao Rio de Janeiro em 1730, para início de sua
missão (RODRIGUES, 2013).
169
manejados política, e as distorções propositais na fronteira oeste-leste. Indico a
localização de Paraty, no Estado do Rio de Janeiro, em alusão, apenas, às circunstâncias
em que o lugar poderia ter pertencido à América espanhola.
170
entender que o território e a identidade territorial são moldáveis; moldadas por meio “do
planejamento territorial”, que é “uma condição do sucesso de planos e políticas setoriais”
como o são a de turismo (CRUZ, 2000, p. 22).
4.2. Caminhos
Também, era possível sair do Rio de Janeiro por mar até o Porto de Santos e de lá subir
para São Paulo. O caminho do Porto de Santos para São Paulo oferecia mais dificuldades
em ser transposto que o Caminho do Ouro.
O Caminho Novo, para atravessar a Serra dos Órgãos, foi aberto em proveito
da rapidez em se alcançar as minas. Pela perecividade de produtos a serem levados para
a gente na região das minas ou na rapidez em se sair delas na urgência de serem cobrados
todos os impostos71 levados à Coroa, aquele caminho era mais vantajoso que o de Paraty.
O Caminho Novo, a partir do Porto da Estrela na Baía de Guanabara, reduzia em um para
um terço o tempo de viagem72, fazendo do caminho por Paraty um entrave à arrecadação
de impostos, aponta Straforini (STRAFORINI, 2006), que recaíam sobre a produção e a
71 Além do quinto e do quinto régio, havia a capitação (por minerador), o direito de passagem, o
direito de entrada, a derrama (cobrada sobre quintos atrasados) a bateia (por bateia) e outros que consistiam
em contabilizar a escravatura ocupada na mineração (ANTONIL [1711], 1968 e PRADO JÚNIOR, 2003).
72 Há quem fale que por Paraty eram 73 dias, outros chegam a 95 dias; mas concorda com a
proporção de terços quando se referem a algum lugar, que não especificam, na denominada região das
minas.
172
circulação de ouro e de outras mercadorias. O Caminho Novo foi aberto aproveitando os
caminhos do Proença e o de Garcia Rodrigues partindo-se do Rio de Janeiro, cortando
por água a Baía da Guanabara e alcançado o Porto do Pilar, depois também, o Porto da
Estrela, hoje desativado e localizado no Município de Magé73, aos fundos da Baía da
Guanabara e, por ali, subia a Serra dos Órgãos para alcançar o Arraial de Vila Rica, hoje
a cidade de Ouro Preto.
era um atalho, inteiramente por terra, alternativo ao Caminho Velho de Paraty → Cunha
→ Guaratinguetá.
73 O porto da Estrela, ao fundo da Baía da Guanabara, existiu a partir de 1767, ao seu redor surgiu
uma próspera vila e a subida em direção à Serra dos Órgãos se chamava Estrada da Estrela.
74 De acordo com o Plano de Manejo da Serra dos Órgãos (IBDF - INSTITUTO BRASILEIRO
DE DESENVOLVIMENTO FLORESTAL, 1980); Ribas indica que teriam começado em 1710 (RIBAS,
2003, p. 39).
75 No século XVIII eram pelo menos vinte Casas de Fundição, ou Casas de Quintar, sendo
transferidas de um lugar para outro e incorporadas por outras; há distinção com Casas da Moeda — ver
Sítio do Ministério da Fazenda e André João Antonil (ANTONIL, [1711] 1968, p. 168).
173
animado o fechamento da Casa de Fundição de Taubaté em 170476. Nesse mesmo
momento, foi fechada a Casa de Guaratinguetá, que fora aberta em 1697 (idem). Todas
as três Casas de Fundição — Taubaté, Guaratinguetá e Paraty — pontuavam o Caminho
do Ouro de Paraty.
174
O Caminho do Ouro de Paraty foi fechado para o transporte de ouro e
comerciantes do Rio de Janeiro pediram licença ao Governador para utilizá-lo no percurso
para as minas de Minas Gerais partindo de Paraty. A razão do pedido seria o péssimo
estado do Caminho Novo que passavam pela Serra dos Órgão, devido à falta de
manutenção. O itinerário era partir de Paraty para as minas e regressar pelo Caminho
Novo, onde estava a Casa de Registro da Paraíba Velha; Depois disso, o povo de Paraty
pede ao Rei de Portugal que libere o Caminho Velho de Paraty e é atendido79; em 1733,
o caminho de Paraty é novamente fechado para o transporte de outro80. Em 1756, um ano
antes do término das obras de abertura do Caminho Novo que transpunha a Serra dos
Órgãos, paratienses, por meio de influência política, impedir a abertura do caminho e são
repreendidos por Portugal, na figura do Rei Dom José (RIBAS, 2003, pp. 36-39).
175
A estrada de Ferro Dom Pedro II chegando, em 1877, a Guaratinguetá e tendo
percorrido boa parte do Vale do Paraíba, cujo rio nasce em Jacareí, foi o meio de
escoamento da produção de café do vale. O modelo de empresa das fazendas do vale era
fincado na mão de obra escrava e no exaurimento do solo. À produção extraordinária de
1882 se seguiram acentuadas quedas de produtividade e a produção de café já estava, em
1870, na região de Campinas e se expandiu para o oeste Paulista com a força de trabalho
dos imigrantes. No Rio de Janeiro há primeiro Engenho Central, em Quissamã, fundado
em 1877; em 1879 entra em funcionamento a primeira usina no Brasil, a Usina do Limão,
em Campos dos Goytacazes; e o Engenho Central Bracuí, em 1885, inicia suas atividades
na cidade vizinha a Paraty, Angra dos Reis.
81 Honorio Lima presidiu a Câmara de Angra dos Reis, vizinha a Paraty, nos anos de 1881 e 1882
Fonte bibliográfica inválida especificada..
82 Os dez números do semanário Paratyense sobreviventes ao tempo, no acervo da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro, não ultrapassam o ano de 1884. Impresso em tipografia própria, à rua do
Rozário, nº 16, já em 1883 aparece como O Paratyense – Orgão Politico, de propriedade de Joaquim
Mauricio de Velasco Molina.
176
fundação de um Engenho Ventral n’este Municipio; e convida as
pessoas que desejarem este melhoramento a se inscreverem na lista
em poder do mesmo com a quantidade de canna que poderem suprir
o referido engenho. (idem, página 4) (sublinhei)
Outro engenho estava previsto para ser instalado na região e o jornal veiculou
que um engenho para Paraty estava sendo reclamado. Ao lado de Paraty, em Angra dos
Reis, desde março de ano anterior a 1882, estava autorizada, pelo Ministro Manoel
Buarque de Macedo, a construção de um Engenho Central; mais tarde conhecido com
Engenho Central do Bracuí. Havia uma determinação, em 1681, de que, no Brasil, não se
alocariam engenhos — no período canavieiro anterior — a menos de 3,3 léguas de
distância um do outro, cuja finalidade era a de garantir recursos combustíveis, lenha no
caso, no entorno dos engenhos (CASTRO, 2013, pp. 139-140). A distância entre os dois
engenhos, de qualquer maneira, daria mais de 20 léguas 83; no entanto, o novo modelo de
empreendimento que trazia o negócio dos engenhos era tratar os fazendeiros como
fornecedores de matéria prima contrastando com a autonomia, mando e capacidade de
influenciar políticas e mercado que possuíam anteriormente. Além da tentativa de um
planejamento da atividade, são novas relações que estão indicadas, ombreando
“fazendeiros e plantadores”, como grifei no trecho transcrito, acima, no pedido de
assinaturas e da indicação da quantidade de cana que pudessem oferecer.
83 Eram aproximados 75,5 km, pelas medidas variadas da légua, entre a maior e a menor medidas,
seriam de 10 a37 léguas.
177
vinte anos a partir de 1881, quando se deu a concessão. Ao todo, o Engenho do Bracuí
durou quatro anos, decretada a caducidade da concessão em 3 de agosto de 188984.
Uma estrada, lingando Paraty à parte alta da Serra do Mar, foi aberta em 1925
para que possibilitasse a passagem de veículos automotores. O traçado coincidiu em parte
com o Caminho Velho, aquele mesmo de Paraty, que aproveitava trechos das trilhas dos
indígenas. Ribas (RIBAS, 2003, p. 49) informa que o primeiro carro chegou a Paraty em
1929, permanecendo na cidade por não conseguir retornar pela serra.
84 Por conta de não ter contratos de fornecimento de cana suficiente para a moagem diária de 150
mil quilos por pelo menos 100 dias ao ano ou 15 mil toneladas por safra, conforme o Decreto nº 10.290, de
3 de agosto de 1889.
85 A BR-101 também fazia parte da viabilização do programa nuclear brasileiro. Era necessário
cumprir acordos com a Alemanha no sentido de facilitar acesso ao polo tecnológico em Angra dos Reis e
a saída da população no caso de acidente nuclear. Angra I começou a ser construída em 1972 e entregue
em 1985 (NOGUEIRA, 2011, p. 33 e 37).
178
Figura 8 – Estrada de automóveis (RJ-165 ou BR-549) ao lado do
Caminho Velho do Ouro, Caminho de Cunha-Paraty, com destaque
para o Registro do Ouro
179
Nacional de Cultura relatando o que anotara e considerara assombroso 87. Das 250 praias
listadas no projeto da Rodovia Rio-Santos na década de 1970, 70 praias foram aterradas
com os bota-foras aparados dos morros da Serra do Mar e ao impacto das obras de
instalação secundaram os efeitos da especulação imobiliária e do turismo (SIQUEIRA,
1989, p. 63). Em um mesmo processo dava-se/criava-se a oportunidade de integrar
objetivos: a consolidação das ações capitalistas com as empresas multinacionais e a
desorganização das organizações de esquerda no campo coordenadas pelo governo em
investidas sob projetos de turismo.
180
4.3. Oportunidade
181
procede à limpeza até os limites do seu bairro nesses caminhos, atitude que Arruti
sublinha como uma confirmação periódica dos limites da comunidade de Cangume
(ARRUTI, 2003, p. 95 e 97). Uma atitude necessária para interromper qualquer
contiguidade. O lugar incógnito, amedrontador pode ser atravessado por um caminho
conhecido mesmo que visíveis em rotas apenas, como o mar (CORBIN, 1989). Ou um
caminho é feito, enfim, para uma montanha indecifrável (TUAN, [1974] 1980, pp. 83-
84). Os territórios do turismo de que fala Cruz (CRUZ, 2000) parecem ser sem caminho,
eles existem no deslocamento de quem chega ao lugar planejado. O caminho, aqui, é a
ideia de deslocamento e ele existirá uma vez que se esteja no lugar de destino ou dele se
retorne.
182
No episódio da trama para a perda da herança da Capitania de São Vicente há
um exemplo de como uma situação de injustiça foi revertida de forma criativa respaldada
pelo conhecimento da administradora do quanto abrangia em terra sua administração, não
resolvendo a injustiça. As mudanças de posição do traçado do tratado de Tordesilhas se
deveram à manipulação dos resultados baseados em vagas científicas, era tudo verdade;
mas, verdades que variavam conforme a maneira de obtenção dos dados e dos cálculos,
essa variância sendo ajustadas a interesses e conveniências políticas enquanto, por terra,
a ocupação portuguesa avançava para além de todas as posições do traçado viáveis a partir
dos cálculos possíveis. Grande desconcerto diplomático se deu quando foram
desvendadas tais variações propositais e relatadas na Dissertação Guillaume Delisle89
(1720), quem refez os cálculos e expôs a extralimitação portuguesa em domínios
espanhóis e, também anotadas no mapa publicado por Charles Marie de La Condamine,
quem viajou à região amazônica90 e constatou a invasão portuguesa em domínios
amazônicos de Castela e da França (CINTRA, 2012, pp. 428-429; RODRIGUES, 2013).
O exemplo que quero ressaltar aqui nos episódios político-cartográficos, é como o
governo português se comportou e não as suas habilidades cartográficas: reconheceu a
ocupação indevida e um outro mapa foi feito, o Mapa das Cortes, de 1749, este
novamente distorcido, dessa vez na ilusão dos deslocamentos dos topônimos. Tal mapa
distorcido em favor de Portugal serviu como base para o Tratado de Madri de 1750. Outro
exemplo, que também se refere a ocasiões oportunas na manutenção de poder ― no
aspecto da manutenção de domínios ― tem na obrigação do governo em ligar regiões,
abrir caminhos e mantê-los. Nos caminhos exemplificados aqui, havia a necessidade de
que fossem abertos e que se multiplicassem em rede, nisso havia caminhos que
conectavam outros caminhos e não propriamente lugares. Além de serem vetores de
ocupação, carreavam riquezas levando minérios, notícias para a parte baixa litorânea nos
centro administrativos e voltando com víveres, outros alimentos e produtos e notícias.
Serviam de controle com postos instalados nas passagens e, em alguns caminhos, se
cobrava pelo seu uso. Uma expressão de controle não apenas dos caminhos como dos
lugares. Há, no entanto, uma distinção a ser feita entre o aproveitamento oportuno de
ocasiões com a oportunidade em situações complexas em que o Estado é compelido a se
manifestar.
89 Ou De L’Isle.
90 Do Peru à foz do Amazonas, 1735 a 1744.
183
O exemplo para esta situação diferenciada das demais vem dos elementos,
mais atrás mencionados, do desejo do Estado na consolidação das ações capitalistas com
as empresas multinacionais, na desorganização das organizações de esquerda no campo
e no investimento em projetos de turismo. Cada um desses elementos poderiam resultar
em análises específicas no contrafundo de políticas e ideologia de governo e a presença
de sujeitos; tomá-los no seu conjunto nos permite ver como o governo resolve, se
manifesta e realiza seus projetos ao mexer em um ou alguns dos elementos de uma
situação complexa para, indiretamente, mexer em outros. No caso do exemplo dado, o
governo usou do projeto de turismo em Paraty, dentro de um programa de turismo maior,
entre as décadas de 1960 e 1970 como legitimação da consolidação do capital com
multinacionais e nas tentativas de desmobilização da esquerda; a ação foi a construção da
BR-101 naquele trecho entre o Rio de Janeiro e Santos, cujas obras, por si, já deslocariam
trabalhadores rurais e, se quisermos, pode se ter servido da fala popular do suposto
isolamento da cidade de Paraty e, ainda, cumpriria obrigações para com a instalação da
usina nuclear em Angra dos Reis quanto ao acesso facilitado à área, se partindo do Rio
de Janeiro ou de São Paulo, dois polos desenvolvidos no País, além da rodovia servir de
via rápida para evasão em caso de acidente.
184
5. Sobreposições em Paraty
185
dominialidade das terras, se estaduais ou se da União; havendo títulos particulares
incidentes, os proprietários serão citados, há um período para que possam contestar.
Brasil 1.747
NORDESTE 1.005
SUDESTE 331
SUL 151
NORTE 142
CENTO-OESTE 118
Estado do Rio de Janeiro 27
Paraty 2
92 Encontrei, também, o topônimo Güiti em local mais afastado, na região do sertão do Taquari
ao norte da cidade de Paraty, apenas indicado em mapas antigos e sem outras referências. Fica a indicação
para pesquisas ocupadas na identificação de novos territórios; com a possibilidade de formação de
topônimos quando alguém ou um grupo de dado lugar é designado pelo nome do lugar ou de família com
quem se relaciona e que é de outro lugar; também, em casos de mudança de uma pessoa, família ou grupo
de um lugar para o outro por vezes carregam o nome do lugar antigo ou, se o nome for do grupo, o próprio
pelo qual o grupo é conhecido passa a referenciar o lugar.
186
Estado do Rio de Janeiro, foi titulado em 21 de março de 1999, e sua área totaliza 287,94
hectares e atualmente abriga cerca de 120 famílias. A referida área foi desmembrada da
área total da Fazenda Paraty-Mirim e transferida para a Associação de Moradores do
Campinho em 23 de março de 1999 e o registro em cartório aconteceu em 2010. Ainda
em fase de regularização fundiária, Território Quilombola Cabral os limites já estão
decretados, faltando a consecução do processo de titulação registro da matrícula do
imóvel em cartório em nome de associação quilombola. Ambos os dois quilombos são
próximos e quase conectados seus limites institucionais.
93
Cedido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária—INCRA, da
Superintendência Regional do Rio de Janeiro, em 10/01/2018; elaborado por José Maurício Arruti,
2007.
94
Em 26 de julho de 2017, na casa do senhor Domingos, no Quilombo Cabral, Paraty-
Mirim, distrito de Paraty, Rio de Janeiro.
187
do Território Quilombola tem, na avaliação do senhor Domingos, tem desanimado os
investimentos de parte das pessoas na comunidade em projeções futuras para o território.
95
Em entrevista e, também, consta no Relatório Antropológico da Comunidade Cabral
(ARRUTI, 2007, pp. 43, 50)
188
unidades de conservação do Estado do Rio de Janeiro, o direito real de uso dos seus
territórios, sendo que esta concessão é inegociável por prazo indeterminado e pode apenas
ser transferida aos seus descendentes diretos. A concessão se dará “desde que dependam,
para sua subsistência, direta e prioritariamente dos ecossistemas locais, preservados, os
atributos essenciais de tais ecossistemas” (art. 1º caput, Lei nº 2.393, 10/04/1995), e
“como contrapartida deste direito”, prevista no parágrafo primeiro do mesmo artigo
primeiro, “as populações beneficiadas por esta Lei ficam obrigadas a participar da
preservação, recuperação, defesa e manutenção das unidades de conservação”. Há de se
perguntar onde estaria a contrapartida da unidade de conservação pelo território
preservado sobre o qual se instalou, como espaço reservado pela ocupação e usos das
populações e defendido, por vezes, com as atitudes diárias e não raro com a vida de alguns
contra invasores. A Lei Estadual 3.192, de 15 de março de 1999, do Estado do Rio de
Janeiro, assegura o direito dos pescadores artesanais às terras que ocupam por meio de
concessão do direito real de uso a pescadores artesanais. Estes são definidos, pela lei,
tendo a pesca como o principal meio de subsistência e barcos de comprimento igual ou
menos que oito metros. A referida lei fala em “terras” ocupadas, não em o território, o
direito sucede na família, e não no grupo e, uma vez tituladas, serão incluídas como áreas
de preservação para efeitos de compensação financeira para os municípios. Nesse aspecto
está dado que há alguma resistência nos municípios. Ambas as leis não enfatizam os
aspectos da territorialidade das populações, senão a sua inserção em outros contextos, nas
unidades de conservação e nos municípios. Uma desterritorialização, portanto, quanto a
novos termos e contextos, se vi tecendo a cada letra da Lei, mesmo quando, no caso,
assegura direitos.
189
Comunidade de Trindade e não foi respeitada pelo Juiz de Direito de Paraty. Os
funcionários do Fórum de Paraty reconhecem que “se todos os títulos de terra do
município fossem verdadeiros, este teria três andares...” (SIQUEIRA, 1989, p. 64); com
essa afirmação, reconhecem, também, as possibilidades de títulos falsos naquele
município. Atualmente, o acesso à Praia do Sono, na Juatinga é possível por mar ou
passando pelo interior de do Condomínio Laranjeiras, onde há uma van disponibilizada
para apanhar as pessoas do lado de fora do Condomínio e transpô-las para o outro lado.
96 A referência feita por Mariana Mendonça é: Carlos Diegues, A Mudança como modelo cultural
o caso da cultura caiçara e a urbanização; Enciclopédia Caiçara – .1; Hucitec/NUPAUB/USP, 2004.
97 Com servidora efetiva do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária—Incra, no
Departamento de Regularização Fundiária de Territórios Quilombolas — Diretoria de Ordenamento
Fundiário, a mesma que se ocupa dos Assentamentos da Reforma Agrária. A pesquisa se alongou porque o
Incra enviava as equipes a campo por períodos de 15 dias, era possível ampliá-los com alguma justificativa
mais contundente, aos olhos da instituição, para a permanência além da que os desenvolvimentos da
interação pesquisador e pesquisado para que nesse contato etnográfico o trabalhado pudesse deslanchar. O
que mais se passava era voltar a campo e começar praticamente do ponto de interação inicial, a cada vez.
190
O que observamos é que esse “ciclo” de vender esse uso, comprar,
vender, e comprar novamente em dado momento não se perdurou,
cujo resultado, pela interrupção desse ciclo, foi a perda de parcelas do
território para terceiros e a impossibilidade de manter-se ligado àquela
porção do território e de voltar para ela. (URSINI, 2008, p. 120)
Total 567
Regularizadas 440
Homologadas 9
Declaradas 75
Delimitadas 43
192
As terras indígenas conhecidas no Município de Paraty são seis, sendo que
uma delas é reivindicada por indígenas Pataxó e Guarani, juntos.
A Terra Indígena Kaña Pataxi Witanara, uma dentre as treze Terra Indígena
contabilizadas para o Estado do Rio de Janeiro, não consta estar em estudo pela Funai ou
anotada no Sítio da CPISP, eu soube dela conversando com indígenas guarani no Centro
Histórico de Paraty em meio à retirada de vendedores de artesanato daquelas ruas por
parte do poder público municipal, durante a Feira Literária Internacional de Paraty—
FLIP/2017 e fui visitá-los em sua aldeia. A presença Pataxó Hã-hã-Hãe, em Paraty, é
explanada pelo próprio Apohinã, quem entrevistei, em 7 agosto de 2017, na aldeia do
território Kaña Pataxi Witanara, ao norte da cidade de Paraty. Ele e seus familiares
98 Nas informações publicadas da Funai constam cinco Terras Indígenas, sendo uma em Angra
dos Reis; Sítio da Fundação Nacional do Índio – Funai, em fevereiro de 2018:
http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas.
99 Sítio da Comissão Pró-Índio—CPISP, em fevereiro de 2018:
http://www.cpisp.org.br/indios/html/uf.aspx?ID=RJ.
193
deixaram a Terra Indígena Caramuru-Paraguassu em Pau Brasil, no Estado da Bahia entre
em 2004, foram para uma área em Angras dos Reis e depois para Paraty. A razão da saída
da Bahia foi a tristeza, segundo Apuhinã, por conta das mortes nos embates pela
regularização da Terra Indígena no Município de Pau Brasil que se arrastaram anos e
contam, ainda hoje, com investidas de proprietários ou posseiros não indígenas na região.
A Reserva Caramuru-Paraguassu, na Bahia, foi criada em 1926 pelo Serviço de Proteção
ao Índio—SPI100; a partir da década de 1930 os conflitos com ocupantes não indígenas
foram acirrados principalmente em porções da Reserva que haviam sido arrendadas pelo
próprio SPI (SOUZA, 2017). Apuhinã Pataxó, contou que no deslocamento, da Bahia
para onde vivem hoje, vieram descendo, segundo ele, pelo mesmo território Tupinambá,
seus ancestrais. As queixas locais quanto à morosidade no processo de regularização
indicaram alguma resistência por parte da administração da Funai local em tomar o pleito,
por considerar que Pataxó é territorializado na Bahia sendo que, há as relações de
convivência, de trocas e de percurso com os Guarani que vivem no lugar, e o órgão parece
ter preferido tomar o ponto em que no mapa da Funai não faria sentido, em lugar de tomar
a reivindicação onde ela faz, que é a presença Guarani.
Acerca dos deslocamentos dos Guarani (os maiores deslocamentos, por vasto
território e, também, a micromobilidade), a despeito dos seus segmentos étnicos inerentes
(Chiripa, Mbya, Nhandeva e Kaiowa)101, historicamente e espacialmente se dão em fluxos
em busca da Terra sem Males, e também, na visita a parentes onde se podem demorar
anos, indo e voltado, indo e ficando, percorrendo redes de parentesco. Tais “macro” ou
“micromobilidade” obedecem a rotas que não são aleatórias, como elucida Mendes
Júnior, o qual pesquisou entre os Mbya do litoral sul fluminense:
100 Órgão governamental criado em 1911 e que precedeu a Fundação Nacional do Índio – Funai.
101 Pertencem à família linguística Guarani e, além de diferenças sutis dentro do grupo Guarani,
são, também, dialetos (MARTINS, 2003, p. 25).
194
relação ao fluxo que essas aldeias estabelecem com diferentes aldeias
no Estado de São Paulo. (MENDES JÚNIOR, 2009, p. 34) (sublinhei)
102 Trata-se do Sr. Miguel Karai Tataxĩ Benite, que viveu na Aldeia Pinhal, na Terra Indígena
Rio das Cobras, no Estado do Paraná, e seguiu para Paraty-Mirim, segundo Mello Júnior, Maria Inês
Ladeira em sua Dissertação sublinhou a reocupação de Paraty-Mirim, nos anos 1980-1990 em lugar que na
década de 1940 havia sido uma aldeia importante por causa da força espiritual do líder naquela aldeia
(LADEIRA, 1992, p. 42 apud MELLO JÚNIOR, 2009, p. 25).
195
diferentes. O Bioma Mata Atlântica possui, atualmente, 135 Unidades de Conservação da
Natureza; dentre as quais quase 35% são unidades do grupo de proteção integral e as
demais do grupo de uso sustentável; neste último grupo, 63,6% são Reservas Particulares
do Patrimônio Natural—RPPNs.
sem
INEA REEJ
categori- estadual
RJ Paraty classifica REE Reserva Ecológica da Juatinga 1.APA de Cairuçu-federal
zação no (RJ)
como PI (em recategorização)
SNUC
1. APA de Tamoios-estadual/RJ
ESEC Tamoios
Angra dos Reis, (sobreposição contida nas
RJ PI ESEC UC federal Estação Ecológica de Tamoios
Paraty partes insulares)
2. APA de Cairuçu-federal
APA de Cairuçu
Área de Proteção Ambiental de 1. PNSB-federal
RJ Paraty US APA UC federal Cairuçu 2. REEJ-estadual/RJ
3. AELPM-municipal/Paraty
AELPM
sem Área Estadual de Lazer de
categori- Paraty-Mirim (antigo Parque 1.PNSB-federal
RJ Paraty US AELPM municipal
zação no Ecológico de Paraty-Mirim)- 2.APA de Cairuçu-federal
SNUC parte em parte em
recategorização
196
Passo a descrever brevemente cada uma dessas áreas protegidas
ambientalmente com ênfase nos seus atributos naturais indicados em seus respectivos
Planos de Manejo, estudos e divulgação, pelos órgãos ambientais por elas responsáveis.
197
entre a Área de Proteção Ambiental de Cairuçu, criada em 1983 e de administração
federal, a REEJ e comunidades caiçaras.
199
Figura 11 ― Proposta de recategorizações decorrente do estudo de
2011 (Igara; INEA, 2013)
200
Comparadas as propostas do estudo da Igara Consultoria e do Instituto
Estadual do Ambiente ― INEA, temos que ambas seccionam a territorialidade caiçara,
transformando parte dos locais de uso das comunidades em Reserva de Desenvolvimento
Sustentável e parte em parque estadual, unidade de conservação de proteção integral. A
proposta do INEA, conforme indicações feitas na Figura 12 ― Proposta de
recategorizações do INEA (2013): diminuiu a área de cinco comunidades caiçaras,
indicadas em (A) na figura ― que já estavam diminuídas na proposta da Igara Consultoria
não considerar a interligação entre as comunidades e outros usos na mata que não
implicam edificações; (C) propôs uma RDS marinha para a proteção do Saco do
Mamanguá; manteve a Terras Indígena Parati Mirim e o Território Quilombola de
Campinho da Independência cada qual confrontado com a APA de Cairuçu (G), de uso
sustentável, e com o parque, em verde na figura, indicando o INEA o vetor de crescimento
de ambos os territórios quilombola e indígena e “delimitando por fora”, com o parque
estadual, onde não poderia ser utilizado pelas comunidades, por se tratar de uso
sustentável de proteção integral; como se deu com todas as comunidades localizadas na
Península da Juatinga e a comunidade de Trindade. A abrangência de áreas de proteção
integral, em relação à proposta decorrente do estudo da Igara Consultoria, foi ampliada
em “B”, “D” e “F”. A proposta de recategorização do INEA, ainda, perfez um corredor
ecológico (F) ao encostar o parque estadual proposto no Parque Nacional da Serra da
Bocaina, mantendo a conectividade por unidades de conservação compatíveis, o que é
interessante, pois ao meu ver, os usos da APA, menos restritos e dada a intensa
especulação imobiliária, poderiam criar um enclave nessa região no futuro, dadas as
restrições de um lado pelo Parque Nacional da Serra da Bocaina e de outro pelo parque
estadual previsto. No entanto, essa ideia de corredor ecológico se desmancha no gargalo
estreito entre o Território Quilombola de Campinho da Independência a RPPN
Laranjeiras (E), inserida no mapa.
201
indenizações; nessa perspectiva acrescento uma outra finalidade, no caso e olhando para
o mapa, que é ilhar tais conflitos.
202
ter sido anexada àquela RPPN posteriormente à consulta da recategorização da REEJ e
demais áreas em 2013. No entanto, a consulta pública para a criação da RPPN Laranjeiras
da RPPN, dividida em três áreas, foi feita em 2018, dada a público no Diário Oficial da
União no “Aviso de Consulta Pública”105, em 1º de novembro de 2018, indicando a área
de 648,89 hectares e não a de 618,89, se observarmos, como no mapa e no memorial
descritivo. A consulta pública para a criação da RPPN foi aberta pelo ICMBio, na sede
em Brasília, em “conduta contraditória” ― conforme analisou o Ministério Público
Federal em 4 de dezembro de 2018. A criação da RPPN recebeu manifestação negativa
da comunidade caiçara de Trindade no Jornal local “Vai Paraty”, de 29 de novembro de
2018, e sob o título Associação de Moradores de Trindade se posiciona contra a proposta
de criação da Reserva Particular do Patrimônio Natural Laranjeiras, com 618,89 hectares,
escreveram:
203
democráticas não permitam outra vez esse terrível ataque aos povos
tradicionais de Paraty. (Jornal “Vai Paraty, 29/11/2018)
204
Condomínio Laranjeiras as separando na linha do mar ― enfrentam questões quanto à
regulação da passagem por uma área ocupada pelo condomínio. Na Ação Civil Pública
com pedido de tutela de urgência107, em 4 de dezembro de 2018 (MPF ― Ministério
Público Federal, 04/12/2018) é relatada uma reunião acontecida, em 27 de setembro de
2016, entre o Ministério Público, membros da comunidade da Praia do Sono,
representante do Condomínio Laranjeiras e representantes do Fórum de Comunidades
Tradicionais. Dessa reunião resultou o documento “Memória da Reunião realizada entre
Ministério Público Federal, Comunidade da Praia do Sono e Condomínio Laranjeiras”
(MPF ― Ministério Público Federal, 04/12/2018, pp. 15-29). Esse material é interessante
por deixar entrever das discussões naquela cena temas que são colocados para resolução
e aflições das comunidades, ainda que anotadas pelo Ministério Público no propósito do
registro da explanação do seu acompanhamento de Inquérito Civil instaurado, não
constituindo, certamente, um relato de todas as questões relacionadas às comunidades. A
centralidade no tema do acesso dos moradores e dos turistas às comunidades na
interposição de parte do condomínio é a chance ímpar que o documento traz de uma
reunião restrita aos envolvidos e seus assessores: Observatório de Territórios Saudáveis
e Sustentáveis da Bocaina ― OTSS, Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra,
Paraty e Ubatuba ― FCT e Fundação Oswaldo Cruz ― Fiocruz.
Representatividade:
Em 2009 houve um acordo para o acesso à Praia do Sono com regramentos
distintos para o turista e para o morador, este poderia transpor o condomínio e o turista
usaria a trilha. Conforme lembrado pela advogada do Fórum de Comunidades
Tradicionais ― FCT, na reunião em 27 de setembro de 2016, que aquele acordo de 2009
foi selado entre o Ministério Público Federal ― MPF e o condomínio e que a comunidade
da Praia do Sono não assinou o acordo. Das falas da procuradora e da advogada do Fórum
de Comunidades Tradicionais ― FCT se depreende que há uma questão quanto à
validação do acordo de 2009 relacionada à representatividade ― o que é diferente,
observo das formas próprias e legitimadas de representação, que não é o acaso aqui.
Comentou a procuradora do MPF que, na ocasião, “o juiz perguntou quem era o
representante da comunidade na primeira vez que esteve no local. Assim, havia
205
representatividade para que o que fosse acordado a comunidade iria aceitar”; reitera a
advogada do Fórum de Comunidade Tradicionais que é “importante deixar claro para os
comunitários presentes que os representantes fizeram o melhor que puderam. Nós íamos
submeter o acordo final para a comunidade, mas não tivemos como fazer. Nós ainda não
tivemos acesso a esse acordo final”. Acerca do tema da representatividade, Ronaldo,
quilombola do Campinho da Independência e representante do FCT, “disse também que
a representatividade é uma forma de representação, mas a Convenção 169 da OIT diz que
medidas que interfiram na vida das comunidades necessitam de consulta pública”, diz ele
que “possivelmente o que as lideranças propuseram foi isso, antes que o acordo tivesse
sido assinado. Assim, eles poderiam concordar e discordar das cláusulas propostas”.
Acordo:
Dentre as indicações para o do condomínio, no acordo de 2009, e o
acompanhamento do MPF no seu cumprimento, foram lembrados, na reunião do dia 27
de setembro de 2016, os seguintes compromissos: “(i) o Condomínio irá se empenhar em
ampliar o deck; (ii) tornar o local de embarque/desembarque mais seguro em relação à
chuva e ao vento; (iii) a passagem do barco com material de construção uma vez por
semana”.
206
Figura 14 ― Trajeto marítimo do Condomínio Laranjeiras à Praia do
Sono, Paraty, RJ.
Fonte: Sítio na Rede Mundial de Computadores chamado “Um lugar para viajar”108
Esclareceu que os moradores da Praia do Sono entraram com uma ação civil
pública e o MPF que entrou com a ação. Rafaela (Comunidade da Praia do Sono): Ela
disse que o transporte com a Kombi já existe, mas não funcionam e nós tentamos melhorar
com a ação. Nós vimos que tem alguns pontos no acordo que já existem e não funcionam.
Dra. Monique (MPF/ Angra dos Reis): Disse que, quando os moradores da Praia do Sono
entraram com a ação, acreditaram que conseguiriam tudo o que tinha direito. Mas, a
decisão depende de cada juiz. Ela questionou quantas vezes alguém entra com uma ação
judicial e acontece o inverso.
207
aproximadas três horas e o trajeto da portaria do Condomínio Laranjeiras, por Kombi, até
o ancoradouro e de lá para as comunidades da Praia do Sono e de Ponta Negra.
208
horas para serem transportados; um outro morador da comunidade da Praia do Sono
contou que o local em que os barcos da comunidade ancoram são quebrados
propositalmente.
Diferenças e distinções
Um morador da Praia do questionou o fato de os moradores da Vila Oratório
poderem andar livremente pelo condomínio e não os da Praia do Sono; Lidiane, moradora
do Sono, disse que “a Kombi estava parada e ela ia perder o ônibus para Paraty, quando
foi tentar passar a pé pelo Condomínio e agredida pelo segurança” e questionou não ter
podido percorrer a pé um percurso de cinco minutos perto do rancho quando este “é
percorrido pelo pessoal da Vila Oratório”; também da comunidade da Praia do Sono,
Adriana “questionou o Sr. Cirilo sobre qual a diferença entre o caiçara da Praia do Sono,
da Vila Oratório e da Ponta Negra”, contou que “existia um acordo antigamente de passar
a pé pelo rancho e agora o Condomínio quer fazer outro acordo só com os moradores da
Praia do Sono”, falou que pelo fato de os seguranças do condomínio reconhecerem os
moradores da Praia do Sono “sempre solicitam que se identifiquem”; outra moradora da
comunidade da Praia do Sono disse que “a situação ficou mais complicada após a entrada
do Sr. Cirilo como síndico o Condomínio Laranjeiras”; Ronaldo, quilombola e
representante do Fórum de Comunidades Tradicionais, alertou que “é preciso tomar
cuidado para não colocar os companheiros nesse balaio de gato e serem nivelados por
baixo, assim todos perderem”; Leila, da comunidade da Praia do Sono, retomou a história
comentando “que as pessoas da Vila Oratório moravam dentro do Condomínio
209
Laranjeiras e não podem ser proibidos de passar. Esses moradores são os donos da terra
onde os condôminos moram atualmente”.
Faz parte das chaves de diálogo que poder público disponibiliza a setorização
de questões e problemas já alinhados ao órgão administrativo afeto, com responsabilidade
e com atribuições para tratar deste ou aquele tema. Os temas estão nas comunidades
tradicionais, confluídos nelas, de uma única vez no seu dia a dia e no seu percurso. Uma
inversão desatenta, ou proposital, pode inverter o vetor e desenhar uma imagem das
comunidades como se fossem polos de onde as questões trabalhosas ao poder público se
emanassem.
Retomemos a cronologia até aqui para seguir um pouco mais adiante: a Área
de Proteção Ambiental ― APA de Cairuçu foi criada pelo governo federal em 1983; a
Reserva Ecológica Estadual da Juatinga ― REEJ, pelo governo do Estado do Rio de
Janeiro em 1992, com sua área inteiramente em dupla afetação com a APA; a consulta da
210
recategorização promovida pelo Instituto Estadual do Ambiente ― INEA, em 2013,
insere na sua proposta uma mapa da RPPN Laranjeiras que não havia sido criada, cuja
consulta se dará cinco anos mais tarde, com um mapa ampliado e, conforme remarcou o
Ministério Público Federal na Ação Civil Pública em dezembro de 2018, o aviso de
consulta e acolhimento para estudo da RPPN proposta por parte do ICMBio/Sede se dá
em contradição interna ao órgão. Meses antes, o novo Plano Manejo da APA de Cairuçu
havia sido aprovado pelo ICMBio, por meio da Portaria/ICMBio nº 533, de 24 de maio
de 2018, publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte, à Seção 1, página 50.
211
Populacional Caiçara de Laranjeiras, onde estão as áreas de moradia
das famílias da Vila Oratório e do Sítio dos Tucanos. Igualmente, os
limites da RPPN Laranjeiras 03 se sobreporiam à ZURE que integra a
territorialidade dos caiçaras de Laranjeiras e da Praia do Sono. ―
Parecer/ICMBio ― SEI nº 11/2018-APA Cairuçu (MPF ― Ministério
Público Federal, 04/12/2018, p. 59)
212
diversas ações possessórias contra alguns caiçaras que, amedrontados, abandonaram suas
terras, sua cultura, seu modo de vida, e foram viver nas periferias de Paraty – 53 Igara
214
formado com moradores das localidades Campinho e Independência. Paraty-Mirim é um
distrito do Município de Paraty abrangido pela AELPM, tendo sido porto de mercadorias
e de escravos, fazenda para a produção de açúcar. O local era movimentado e chamado
de “Pequeno-Paraty” por volta de 1850. A Fazenda Paraty-Mirim foi comprada pelo
Estado do Rio de Janeiro no intuito de doá-la aos moradores em uma forma de reforma
agrária, conta o levantamento da AELPM feito para fins da sua recategorização (IGARA,
2011, p. 46). O cadastramento das famílias e o cuidado com a área adquirida era feito
pelo “Senhor Itamar” colocado ali pelo governo do Estado do Rio de Janeiro para essa
finalidade, depois retirado restando a ocupação desordenada:
Em meados dos anos 1960, não se sabe bem, talvez pela política de
Paraty, o responsável da área foi retirado, possibilitando a ocupação
das terras da fazenda por pessoas de fora, inclusive de outras regiões,
com a esperança de serem beneficiados pelo trabalho do governo.
(IGARA, 2011, p. 46)
215
Figura 16 ― Mapa da Área Estadual de Lazer de Paraty-Mirim ― AELPM, Terra Indígena Araponga, Território Quilombola Campinho da
Independência e Terra Indígena Parati Mirim
216
Figura 17 ― APA de Cairuçu com suas 63 ilhas e indicação das
Terras Indígenas Araponga e Parati Mirim e os Territórios
Quilombolas Campinho da Independência e Cabral (Plano de
Manejo, 2018)
217
APA de Cairuçu com usos regrados por aquele decreto. O Plano de Manejo da APA de
Cairuçu, de 2004, aponta a ocorrência de um tipo especial de granito:
Parte da Fazenda Santa Maria do Mamanguá foi adquirida por Gibrail Nubile
Tannus da família Teófilo Remek e na sequência se dizia dono da área toda da fazenda
em porções que não lhe pertenciam, que eram Ponta Negra, Antigo Grande e Antigo
Pequeno. Nas décadas de 1960 e 1970 seguintes, prosseguiu grilando terras com
interferência intermediada nos cartórios na adulteração e na subtração de documentos dos
imóveis, como no episódio da grileira Maria Dutra, em caso judicial, flagrada ao arrancar
folhas de escritura daquelas terras em 1976, tais documentos faziam remontar a cadeia
dominial de Gibrail ao século XVI (CPDA, 2015, p. 324), conforme relatado pelo padre
Pedro Geurts, em relato à CPT Nacional110. Com respaldo de instituições governamentais
por meio da autorização de lavra do DNPM e projeto de empreendimento turístico junto
ao Incra e à Embratur, servia-se dessa chancela governamental para tramitar documentos
com a comunidade da Praia do Sono com indenizações pífias que significavam, em fato,
o seu despejo no reconhecimento de posse ao Gibrail enganados ao assinarem um termo
de comodato com impressões datiloscópicas, aconselhados pelo pastor Agostinho Ignácio
a fazerem-no como uma boa opção a ser feita ― assinar o documento que lhes
apresentaram como se fosse o apontar para a sua garantia à terra.
218
Geral do Estado ajuizou Ação Discriminatória da Praia do Sono ― ACO 586, 19 de
fevereiro de 1997 ― relacionando tanto Gibrail Nubile Tannus quanto a esposa Maria
Leny de Andrade Tannus (IGARA, 2011, p. 54).
219
municipais. Nessa época, o Ibama ainda não havia sido criado, na fusão e reestruturação
de órgãos como a SEMA e a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca-SUDEPE,
e o cumprimento da legislação dessa superintendência é indicada para impedir “a pesca
predatória, nas águas marítimas ou interiores da APA de Cairuçu e nas suas
proximidades” (art. 6º, § 5º do Decreto federal nº 89.242/1983).
220
tecnicamente favorável, o biólogo recuou indicando que o empreendedor deveria
apresentar a requisição de licenciamento feita à gestão da APA de Cairuçu; solicitar
autorização municipal, por se tratar da Área de Proteção Ambiental da Baía de Paraty, de
Paraty-Mirim de Saco do Mamanguá; além de ter de solicitar parecer da Capitania dos
Portos e do Departamento do Patrimônio da União. A primeira manifestação do técnico
em vistoria favorável ao empreendimento, cujo laudo, de 26 de novembro de 2001, contou
com a subscrição do agente regional responsável pelo Ibama de Agra dos Reis.
221
portanto, e antes da decisão judicial. A sua abertura levou dez dias com doze
trabalhadores contratados por quarenta condôminos para uma estrada de largura média de
quatro metros e os seus sete quilômetros sobre trilha centenária, atravessando a Mata
Atlântica e a APA de Cairuçu. A estrada foi interditada pelo Ibama. Ney França,
engenheiro florestal e gerente da APA de Cairuçu, declarou ao jornal Folha de São Paulo
que:
222
abertura de caminhos para o uso e a ocupação de alguns grupos de atividades econômicas;
não traz uma proposta planificada que contemplasse outros grupos, ainda que apenas
econômicos, ou um planejamento, e procura vasar as restrições das unidades de
conservação. Em 2016, a Lei Municipal nº 1.339/2002 teve a representação de
inconstitucionalidade acolhida e a lei não mais é aplicável. De qualquer maneira, vale
conhecer algumas de suas disposições.
.........................
.........................
112 Para consultar a referida lei na íntegra, acesse o portal da Câmara dos Vereadores de Paraty,
ou o linque: http://www.paraty.rj.leg.br/camaraparaty/painel/Leis/2002/Lei_1339_2002.pdf.
223
Art. 7º Todas as trilhas estradas deverão ser controladas através da
implantação da “Estrada Parque”, evitando assim o turismo predatório
a venda descontrolada de posses.
As comunidades estão onde estão por mérito próprio e aquela lei não lhes
rende nada exceto disposições confusas acerca de quem volta; as licenças de prospecção
são parte de todo um processo de licenciamento que já existiria mesmo sem as unidades
de conservação, e sendo nelas, é necessária sua análise e manifestação. No conjunto,
foram jogadas palavras em trechos sem sentido, pretendendo, de certo, que se colassem
aos debates sobre comunidades. É melhor se fazer uma leitura dos parágrafos por meio
de expressões-chaves, porque o sentido estava para ser feito em algum outro lugar fora
da lei: mármore Ubatuba, posse de quem não é nativo, empreendimento imobiliário na
APA e na Estação Ecológica, acesso pelos fundos do Saco do Mamanguá.
225
são permitidos, contanto que autorizados pela APA. Outros dois tópicos indicam uma
necessidade dupla: a concordância das populações residentes ― ou seja, caiçaras,
populações rurais e proprietários de residências de turismo de temporada como uma
segunda residência ― e a compatibilidade com as “normas específicas do tipo de zona”
para: a instalação de estruturas com alto grau de intervenção e de apoio à visitação
turística; uso direto dos recursos naturais, o estabelecimento de residências,
infraestruturas pública e privadas; a criação de animais de médio e pequeno portes,
atividades produtivas, visitação, monitoramento ambiental e pesquisa científica; entre
outras indicações que se repetem em dois tópicos em separado.
226
Na Zona de Uso Restrito ― ZURE são permitidos os usos de recursos
naturais “de forma eventual ou em escala reduzida” e o usos de cipós, plantas medicinais,
taquaras, fibras, bambus são submetidos a um plano de manejo florestal; repete-se a
disposição para o uso doméstico de água; a manutenção das ocupações de moradores
isolados e suas roças é permitida; “o acréscimo de residências de moradores tradicionais
poderá ser autorizado pelo ICMBio, em casos excepcionais devidamente justificados”
com vedação à “construção de nova residência por motivo de cessão ou venda da moradia
original a terceiros”; permitido, também, “o uso eventual de madeira para confecção de
canoa e remos, manutenção e reformas de casas, estiva de embarcações e ranchos de pesca
mediante autorização do ICMBio” e o uso comercial da madeira é vedado; permitidas a
visitação que tem nas organizações comunitárias a prioridade, e não a exclusividade, bem
como a permissão da instalação “de equipamentos simples para a visitação, de natureza
rústica, sempre em harmonia com a paisagem” (ICMBio ― Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade, 2018).
227
rústicas, não sendo permitidas tais construções no entorno imediato da Zona Populacional
Caiçara; barcos a motor nos manguezais do Saco do Mamanguá e no Rio Grande não são
permitidos, só o são para “os moradores das comunidades tradicionais do local e sob as
condições definidas em planejamentos específicos ou com anuência do conselho gestor
da APA de Cairuçu”. O objetivo da ZUCO, ao lado de restringir o adensamento de
construções residenciais, é dito que a se buscou integrar a unidade de conservação à
“dinâmica social e econômica das comunidades, bem como a subsistência de moradores.
228
Figura 19 – Zoneamento da Área de Proteção Ambiental de Cairuçu, Plano de Manejo de 2018 (APA de Cairuçu/ICMBio)
Fonte: ICMBio, arquivo no formato “KMZ” disponível na página da APA de Cairuçu, com as seguintes inserções feitas por L. B. Ursini, em 2019 na figura acima: legenda junto à
figura, conforme layers da imagem, e alterada a cor da ZURB para cor preta para não se confundir com a cor da ZPRT e não está indicada a Zinf por ser pequena e não visualizável na figura acima.
229
A Zona Populacional Caiçara ― ZPCA “integram os Territórios Tradicionais
Caiçaras, reconhecidos conforme autodefinição das representações das comunidades”
(ICMBio ― Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, 2018, p. 62) e
há a indicação da definição dos territórios da seguinte maneira:
230
em conservação, se o Estado tomar o discurso de que essas áreas são relevantes,
conservadas pelas comunidades, no seu papel de implementar a conservação da
biodiversidade no Brasil, compromisso que assumiu como signatário da Convenção sobre
a Diversidade Biológica―CDB. A elaboração do novo Plano de Manejo contou com
ciclos de reuniões desde 2017, em que foram realizadas mais de 30 reuniões com
comunidades e povos tradicionais (ICMBio ― Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade, 2018). Também, a APA de Cairuçu, e com ela o governo federal, toma
a dianteira no aspecto da proposta de recategorização da Reserva Ecológica Estadual da
Juatinga pelo Estado do Rio de Janeiro.
.........................
231
§ 5o As unidades de conservação do grupo de Uso Sustentável podem
ser transformadas total ou parcialmente em unidades do grupo de
Proteção Integral, por instrumento normativo do mesmo nível
hierárquico do que criou a unidade, desde que obedecidos os
procedimentos de consulta estabelecidos no § 2o deste artigo.
232
terem se passado, que fosse apenas como planejamento, fazendo dele um lugar para as
comunidades em detrimento de resolução, esta que seria, ainda, paliativa, porque se tratar
de territórios tradicionais lidos no marco das unidades de conservação e não em
instrumentos legais próprios com autonomia para as comunidades; e o segundo aspecto:
a possibilidade de ampliação da APA. A possibilidade de ampliação da APA de Cairuçu
não repousa apenas nas comunidades e nos seus territórios, mas a partir delas, como vejo,
alcançam outros setores da população.
234
Figura 20 ― APA Municipal da Baía de Paraty, Paraty-Mirim e Saco
do Mamanguá; Área Estadual de Lazer de Paraty-Mirim
235
― e com objetivos estatuídos no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza―SNUC iguais, mescladas cada uma delas às suas próprias especificidades,
localmente não formam um conjunto, um sistema, localmente por questões políticas e
econômicas. A APA de Cairuçu é uma unidade de conservação terrestre, continental e
mais 63 ilhas, que não tem previsão no SNUC de uma Zona de Amortecimento para ela;
a região do Saco do Mamanguá é importante para APA de Cairuçu por compor o
ecossistema dos costões rochosos e nem por isso abrangeu relações com a unidade de
conservação municipal. Cabe ressaltar que as ações contra ou a despeito da APA de
Cairuçu ― abertura de caminho, licenciamento de atracadouro no Saco do Mamanguá,
aqui mencionadas ― feitas em nome da prefeitura parecem não ensejar uma relação de
confiança.
236
5.2.5. Estação Ecológica Tamoios – federal
237
descobrimento, os tupinambás são os melhor conhecidos, pois o
artilheiro alemão Hans Staden, capturado e mantido por eles, na região
de Ubatuba, escreveu um livro sobre o seu cativeiro. Aproveitei-me
desse fato, pois quando tive que dar nomes a algumas ilhotas-
rochedos, no arquipélago de Alcatrazes, usei os nomes de alguns
caciques citados por Hans Staden. Alcatrazes está mais ao sul da
Estação Ecológica Tamoios. Era território disputado por Tupinambás e
Tupiniquins. (ICMBio, 2001, p. 6)
238
da estação ecológica de Tamoios. esquecendo de proteção integral é de categoria das mais
restritas como as reservas biológicas, já se não era para ali estar. Também, a sanção da lei
parece correr em socorro dos efeitos de um turismo agressivo e descontrolado.
239
Os projetos de grande porte, à época da realização da Oficina de
Planejamento, cujo relatório consta no Plano de Manejo da Estação Ecológica de
Tamoios, em 2001, eram a movimentação portuária em Angra dos Reis para a descarga
de petróleo e a Usina Nuclear, na atualidade se soma a movimentação relacionada ao Pré-
Sal.
240
Antes, se faz necessário mencionar que as área protegidas em Paraty foram
instituídas para bloquear a devastação das áreas naturais com a abertura da rodovia Rio-
Santos, assim foram criados o Parque Nacional da Serra da Bocaina, em 1971, e o Parque
Estadual de Paraty, em 1972 ― com o nome de Área Estadual de Lazer de Paraty Mirim
― AELPM, de 1976 à atualidade; sendo que as terras que compuseram o parque haviam
sido desapropriadas em 1960, por meio do Decreto estadual nº 6.897, por “pressão dos
trabalhadores das antigas Fazendas Paraty-Mirim e Independência” (CPDA, 2015, p.
302). Essas terras, quando ainda estavam ocupadas por posseiros, os trabalhadores e
locais, foram doadas à Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro ―Flumitur
para que o Parque Estadual fosse criado. Foram comunidades tradicionais ― que não
tinham esse nome à época ― dentre os trabalhadores rurais os despojados do seu
território, do seu trabalho, da sua moradia.
241
Figura 21 ― Sobreposição entre a APA de Cairuçu e o PARNA da
Bocaina, com detalhe da porção marítima da Fazenda Guebetiba
(mapa-base em “Cidade-Brasil” online)
242
5.2.7. Reserva da Biosfera da Mata Atlântica
Figura 22 -- Reserva da
Biosfera e respectivas
zonas da Mata Atlântica
Reserva da Biosfera
243
Mirim, em 1972. Ao longo desta década e da seguinte, outros parques foram criados,
indicativo que as tensões socioambientais ainda pairavam na região: em Paraty, foi criada
a Área de Preservação Ambiental do Cairuçu, em 1983; na Ilha Grande, a Praia de
Aventureiro teve uma de suas partes transformada em Reserva Biológica Estadual da
Praia do Sul, em 1981. Também foi criada a Área de Proteção Ambiental de Tamoios, em
1986. Para tanto, foi feita a desapropriação das terras afetadas.
Parati, 1666, ao redor de Angra dos Reis, vai avançando de tal ritmo
que, ao passar na centúria imediata, no nome da Vila é sinônimo
nacional da aguardente. Um cálice de parati, diz-se [sic] ainda hoje,
244
como que diz Madeira, Porto Colares, Cognac, Champagne, Bordeaux,
Tokay, terras que são nomes de vinhos. (CASCUDO, 2006)
115 Em 1660, noutro momento econômico e político, a fim de se evitar a superprodução, se proibiu
a construção de novos engenhos no Brasil.
116 A Instrução Normativa nº 25/INPI/2013 dispões sobre a Indicação Geográfica.
245
Os pontos 1, 2 e 3 indicados acima são os pontos do memorial Descritivo
constante na Nota Técnica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ―
MAPA, sem número e sem data, assinada por André Vieira Ramos de Assis, Chefe do
Serviço de Política e Desenvolvimento Agropecuário DT/SFA-RJ/MAPA.
246
Ainda percorrendo a observação dos argumentos para as justificativas, há o
ateste da região como identitária daquela cachaça e que, ao mesmo tempo, produz
cachaças em acordo com padrões especificados e com aprendizado desses padrões; feito
isso, Paraty é reinserida em seu ambiente dele ressaltados a beleza cênica e a gente:
247
Figura 24 – Parque Nacional da Serra da Bocaina ― PNSB, Paraty, RJ
248
5.3.2. Paraty: Sítio Tombado
249
III - Zona de Preservação (ZP): corresponde às demais áreas do
Município, não classificadas como ZPPN ou ZEP.
250
A Câmara dos Vereadores de Paraty reagiu ao tombamento de Paraty. O
requerimento nº 23, de 24 de março de 2014117, questiona a Portaria/Iphan nº 402/2012
no ordenamento jurídico para as restrições que traz: proibição de edificações com telhas
metálicas ou outra, indicando que devem ser cobertas por telhas; o grau de inclinação do
telhado; proibição da construção de terraços nos pavimentos superiores (art. nº 25 da
Portaria/Iphan nº 402/2012); estipula taxa de ocupação (art. nº 24 da Portaria/Iphan nº
402/2012) e a distância de 30 metros de largura para a faixa litorânea de uso comunitário
(FLUC), a partir da faixa de marinha (art. nº 12 da Portaria/Iphan nº 402/2012); são
proibições que incidem sobre o zoneamento que a Portaria/Iphan nº 402/2012 fez,
excetuando a área do centro histórico do tombamento, mas incidindo sobre ela
disposições e para o território municipal como um todo. O vereador questiona se essas
seriam de competência do Iphan tanto quanto a sua atribuição para fiscalizar quanto para
proibir e autorizar (PARATY, 2014, p. 9), além de colocar em dúvida a competência do
Iphan para legislar, enfim, sobre o assunto de ordenamento do uso e da ocupação do solo,
de competência da municipalidade e a principal queixa do requerimento.
251
Rio de Janeiro a São Paulo, a BR-101/RJ, e que promovesse o turismo na parte baixa do
relevo, junto às praias.
252
Ao indicar os núcleos habitacionais, aquela portaria corrobora com uma
destituição do caráter tradicional das comunidades. Como conhecemos os nomes de
muitas, o efeito pode ser oposto: a depender alguma uniformidade há nos critérios
utilizados pelo Iphan118, para a Portaria/Iphan nº 402/2012, o que nos é apresentados são
núcleos comunitários e são, pelo menos 39 em Paraty indicados em documento oficial,
dentre os quais, comunidades tradicionais.
118 O que é outra crítica em reação da Câmara em Paraty, do Vereador Luciano de Oliveira Vidal,
que questiona, além do que já indiquei acima, qual a metodologia utilizada pelo Iphan, pois a Portaria/Iphan
nº 402/2012 surge, sem um relatório ou outro documento que a apesente.
253
territórios tradicionais indígenas e quilombolas que passam ou passaram pelos
procedimentos de regularização fundiária.
119 Observo que as divisões e limites políticos territoriais de municípios, de unidades da federação
e do país ou as propriedades particulares não são objeto de análise aqui, mas que, eventualmente, estarão
envolvidas nessas três classes de diversas formas em uma profusão de situações e exemplos que serão
apontados circunstancialmente.
254
caso das Terras Indígenas e dos Territórios Quilombolas os critérios das comunidades são
traduzidos para os critérios das normas que, não raro, não alcança aqueles critérios todos):
Terras Indígenas, Territórios Quilombolas, Unidades de Conservação e as demais Áreas
Protegidas.
255
tradicionais120 e por conta desses mesmos usos as unidades de conservação apontam uma
incompatibilidade das comunidades tradicionais abrangidas por elas.
120 Nas normas diversas que asseguram a permanência por conta da pesca e de outras atividades
de um grupo específico.
256
desvantagens. No geral, fixar significa romper, inclusive, com tal mobilidade e liberar
terras.
257
todas as questões e o que faz, é tomar as mais urgentes e cotidianas, boa parte decorrida
da regularização fundiária pendente. Com isso o Estado se faz presente e o status do
território das comunidades não muda para o reconhecimento do estado de forma efetiva.
Repousei a atenção em grande parte no que o estado deixa de fazer, a regularização
fundiária, e no que ele faz, estar presente por meio dos Procuradores, dos grupos de
identificação e delimitação, dos agentes do ICMBio e outros. Aqui, nas interações entre
os agentes administrativos a serviço do Estado para cuidar de implementação de políticas
públicas ajustadas às situações concretas ou dirimir os desajustes, ou outra questão,
podemos ter a “ilusão” de que fala Philip Abrams (ABRAMS, [1977] 1988, p. 98;
ABRAMS, et al., 2015, p. 63) de que as exigências, as demandas, e as denúncias de um
lado e, de outro, as restrições, as explicações, as impossibilidades não estão endereçadas
de um lado para o outro, e vice-versa, mas ambas ao Estado. E essa é a face da dominação,
segundo Abrams (ibidem).
258
6. Mosaico da Bocaina: sobreposições entre unidades de conservação
259
sítio havia permanecido disponível. É possível que as diversas instituições mantenedoras
de ações e projetos do mosaico ― dentre eles os meios de comunicação que tinham no
sítio esse aspecto, além do organizacional do próprio Mosaico da Bocaina ― tenham
cortado o apoio, que por vezes eram financeiros ou de disponibilização de técnicos e
pesquisadores envolvidos com os temas diversos mobilizados pelo mosaico. Para o
público que tenha interesse em visitar o sítio, obtive um recurso que ajuda a recuperar
sítios perdidos, cujos registros de captura estão no espaço cibernético 121, no entanto, na
curiosidade de saber se havia movimentação nova com disponibilização no sítio e, na
curiosidade do destino do sítio e dos documento lá existentes ― tendo o meu material
salvo em downloads, felizmente, muito antes disso ― observei que os documentos que
estariam disponíveis ao público vão se perdendo. Em dado momento estão acessíveis e
dias depois, não; são impossíveis de serem acessados conforme passa o tempo, o sítio está
se ruindo e a cada nova entrada a experiência é estar diante de um palimpsesto. Se este é
um reflexo do desmonte das instituições de pesquisa, como Fiocruz, Universidade Federal
Fluminense e outras cujos pesquisadores participaram em diversos momentos de projetos
e de ações do mosaico, e que tem rebatimento mais amplo nas desejáveis redes que foram
constituídas envolvendo governo, sociedade civil organizada, comunidades tradicionais
e instituições de pesquisa acadêmica, neste momento não há como saber, mas fica o
registro.
260
desapropriações, garantiria ao órgão ambiental maior desenvoltura ― antes Ibama e
depois ICMBio, ambos com sérios problemas constantes de alocação de recursos
humanos e orçamentários por parte do governo ― que é limitada justamente pelo pouco
pessoal disponível para a demanda. A gestão dos mosaicos, com as reuniões, organização
e coordenação é uma demanda sobre funções já desempenhadas pelos servidores, o que,
talvez, explique a não expansão do número de mosaicos e de corredores ecológicos.
Também, sendo um ato de reconhecimento por parte do Ministério do Meio Ambiente—
MMA e a pauta ambiental sendo ponto de pressão há tempos, pode ser este um outro
fator.
261
de 2005, 2005) e abrangeu terras de dez municípios122 entre o Parque Nacional da Serra
das Confusões e Parque Nacional da Serra da Capivara.
03/01/2013
25/08/2011
11/07/2011
14/12/2010
17/12/2010
14/12/2010
17/12/2010
26/11/2010
24/04/2009
11/12/2006
11/12/2006
11/12/2006
08/05/2006
11/03/2005
2011
2011
2013
2010
2005
2006
2006
2006
2006
2009
2010
2010
2010
2010
M O S A I C O M I C O - L E Ã O - D OU R A D O
MOSAICO BOCAINA
MOSAICO CAPIVARA-
MOSAICO DA MANTIQUEIRA
MOSAICO MATA ATLÂNTINCA
MOSAICO CARIOCA
MOSAICO GRANDE SERTÃO
MOSAICO DA AMAZÔNIA
MOSAICO DO BAIXO RIO NEGRO
MOSAICO DO LAGAMAR
M O S A I C O D O E S P I N H A Ç O: A L T O
CENTRAL FLUMINENSE
VEREDAS-PERUAÇU
CONFUNSÕES
ME R I DI ON AL
NORTE DO PARÁ
BAHIA
122 São eles: Caracol, Jurema, Guaribas, Anísio de Abreu, Bonfim do Piauí, São Raimundo
Nonato, São Braz do Piauí, Tamboril do Piauí, Canto do Buriti e Brejo do Piauí (Parágrafo Único, do Art.
2º, da Portaria/MMA nº 76/2005).
262
Mais tarde, a Portaria nº 482, de 14 de dezembro de 2010, institui os
procedimentos necessários para o reconhecimento dos Mosaicos, cujo itinerário
administrativo é, em resumo, o seguinte: é feita uma proposta de constituição do Mosaico,
com a adesão dos Chefes das Unidades de Conservação integrantes e outras áreas
protegidas, contendo a manifestação de outros responsáveis por áreas protegidas; são
juntados ao processo administrativo o ato de criação das unidades de conservação e das
áreas protegidas abrangidas acompanhadas de memorial descritivo comprovando seus
limites (vide artigo 4º da Portaria nº 482/2010).
263
Figura 27 ― Abrangência do Mosaico da Bocaina
264
O Conselho Consultivo do Mosaico da Bocaina é criado na mesma Portaria n°
349/MMA/2006 que cria o Mosaico da Bocaina, conforme previsto no Decreto nº
4.340/2002. Conselhos podem ser consultivos, normativos ou deliberativos. Lembro que na
formulação da Lei do SNUC a previsão para os conselhos dos mosaicos era de que fossem
deliberativos e a lei foi promulgada constando a previsão de conselho consultivo. Embora
com menor poder, pois a rigor não delibera, para todo conselho e instância é necessária a
participação dos setores abrangidos para se ter a cena das discussões. São vinte e sete
reuniões anotadas em atas, cada reunião realizada em uma sede e unidades de conservação,
na mais da vez, ou de associação da sociedade civil participante do Conselho sendo de
comunidade tradicional ou não. Quanto ao número de pessoas nas reuniões, quinze era
considerado um número baixo pelos próprios participantes123, entre chefes e gestores de
núcleos das unidades de conservação e áreas protegidas, representantes dos povos e
comunidades tradicionais, este e outros setores com assento no Conselho, como se verá a
seguir indicados por representações, e convidados eventuais.
124 Gestor da APA de Cairuçu e Coordenador do Conselho Consultivo do Mosaico da Bocaina até
2008, depois foi transferido para outra unidade de conservação.
266
reunião, René Duquet, do IEF/RJ e administrador da REJ, “expôs sua preocupação quanto
ao crescimento do número de vagas dentro do grupo do Mosaico” e Marcelo Pessanha
explicou que “como as alterações haviam sido feitas na presença dos presentes, não haveria
condições de rever os assuntos já acordados”, também, porque “as alterações realizadas no
regimento interno são cabíveis, bem como o pequeno aumento de vagas”. Nessa reunião do
Mosaico da Bocaina de 20 de março de 2007, a primeira após a reunião inicial de posse,
ocorrida em 12 de fevereiro de 2007, se abordou a criação de câmaras temáticas para se
discutirem os assuntos de cada segmento.
267
Tabela 13 — Povos e Comunidades Tradicionais na composição do
Conselho Consultivo do Mosaico Bocaina, 2015
Graziela, da APA de Cairucu, citou que não se trata de uma nova UC que
foi criada [com o Mosaico da Bocaina], mas sim da junção de várias UCs
para facilitar a gestão das mesmas. Vagner, do Campinho, ressaltou que
várias comunidades não sabem para que é que existe cada UC, nem o que
é APA ou mesmo Mosaico. Marcelo Pessanha, citou que acaba de receber
o apoio de um grupo de técnicos do Ibama, especializados em educação
268
ambiental, justamente para realizar estes esclarecimentos junto às
comunidades. Marco Antonio, secretário de Pesca e Meio Ambiente de
Paraty, esclareceu que a postura dos órgãos ambientais que compõem o
Mosaico, tem sido positiva no sentido de estabelecer parceiras com as
comunidades e não somente fiscalização. Eliane Simões ressaltou que o
conselho do mosaico pode ser um espaço para integrar ideias – e também
ajudar a organizar setores que não estão tão organizados quanto os
quilombolas.
125 A reunião aconteceu em outubro e relata um fato passado; o ICMBio, que assumiu a gestão do
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza―SNUC, foi criado depois, em 28 de outubro de
2007.
270
antes, nesta Tese, se emudeceu e no ano passado um novo Plano de Manejo da APA de
Cairuçu foi apresentado.
272
Porém, sem que os conflitos apontados por Vagner fossem, também, anotados
na memória da reunião. É informado que Vagner prosseguiu sua fala dizendo que os
conflitos já foram assunto de diversas reuniões, que o mosaico “vem tentando contribuir
para um diálogo entre as Unidades de Conservação e as Comunidade Tradicionais”, lembrou
que foi feita “uma carta de apoio às comunidades pedindo diálogo em relação a uma série
de conflitos que ocorrem no território”. Com essa postura diplomática de Vagner, a redação
da memória da reunião anotou que Vagner “finalizou destacando o papel das Comunidades
Tradicionais na preservação da natureza” e que estava “ansioso pela início dos trabalhos do
grupo de negociação proposto pelo Ministério Público”. Acerca dos conflitos, Danilo
Santos, da Fundação Florestal/Parque Estadual da Serra do Mar, gestor do Núcleo
Picinguaba ― lembrando que o núcleo se encontra em sobreposição com o Parque Nacional
da Serra da Bocaina ― “destaca que a questão é reflexo de falta de diálogo institucional
entre os órgãos gestores que se sobrepõem na região”; ressaltou que a “abordagem da
Fundação Florestal nos últimos anos tem sido no sentido de se construir acordos e
mecanismos para a convivência harmônica entre o Parque e a Comunidade” e, por fim,
informou que a Fundação Florestal não havia sido previamente informada da ação de
fiscalização do ICMBio e que “é urgente que as instituições dialoguem mais e busquem
alinhar suas visões e ações” (Conselho Consultivo do Mosaico da Bocaina - Ata da reunião
de 28 de maio de 2015).
Mesmo após o SNUC não ter reconhecido Reserva Ecológica como categoria
em 2000, a Reserva Ecológica Estadual da Juatinga aquela área protegida não deixou de
existir, informa o gestor René Duque, apesar da polêmica, segundo ele, com a criação da
Reserva Ecológica Estadual da Juatinga ― REEJ classificada como proteção integral, ou
seja, restrição à presença e permanência humana, “em uma área onde já habitavam 1.100”
pessoas. O gestor da REEJ, René Duquet, fala, aqui, em um período anterior à consulta para
a recategorização da Reserva Ecológica Estadual da Juatinga, que abordei em item anterior
neste capítulo 5. Diz o gestor que “existe também a questão da elaboração de um Termo de
Referência pelo próprio IEF, sem o conhecimento da gestão, prevendo a recategorização
para incluir Paraty-Mirim na área da RESEC [Reserva Ecológica Estadual da Juatinga]”; e
que “devido à ameaça de recategorização”, o Conselho da REEJ está desarticulado. Pede “o
273
apoio das UC’s mais próximas para um posicionamento unificado sobre esta questão” e
informa, que, além, disso, possui vários conflitos fundiários na REEJ; e “na sua opinião a
UC é também um instrumento legal sobreposto, já que geograficamente 95 % da área total
da UC ser em Área de Preservação Permanente” (Conselho Consultivo do Mosaico da
Bocaina - Ata da reunião de 16 e 17 de outubro de 2007).
128 Em dado momento mudaram o nome substituindo “UCs” por “Áreas Protegidas”.
274
“com os grandes empreendimentos na região” ao questionar “o porquê de Martim de Sá não
estar inserido no processo, por que só essas duas possibilidades de categorias (Parque e
RDS), por que não pode ser APA”; aponta a necessidade de serem feitos mais informativos
para as comunidades; “reivindica que não tirem as pessoas que nasceram ali e que para isso
também precisam de garantias”; diz que a reunião de apresentação do estudo sobre a
recategorização foi boa, “porém, tem certeza que muita gente saiu dali sem saber o que
estava acontecendo”. Ticote, da comunidade do Pouso da Cajaíba, a respeito das
regularizações da permanência das comunidades na Juatinga, “fala do pavor que as
comunidades têm do INEA por conta disso e que por isso a comunidade fica receosa quando
se começa agora um processo participativo desse”; faz a ressalva de que “com o gestor atual
Rodrigo, está tendo essa oportunidade de conversa, mas que existe a mudança de gestão e
com ela muda-se tudo”, a preocupação de Ticote é sob quais formas “a comunidade terá
garantias desse processo” e exemplifica com o “posto de saúde que foi embargado e que
tem casas que não foram embargadas”; pede, conforme anotação da ata, “que os órgãos
cuidem da comunidade sempre, para a comunidade saber o papel dela, ter as informações e
etc.” (Conselho Consultivo do Mosaico da Bocaina - Ata da reunião de 29 de setembro de
2011).
275
Vaguinho que o estudo no período de temporada complicou, porém é um estudo legítimo e
deve ser considerado”, lembrando “que o projeto foi estendido por mais 2 meses e que em
hipótese alguma a equipe de consultoria foi contratada para negociar e sim produzir um
estudo técnico de subsídio”, fala que “este estudo não é o único subsídio, existem ainda as
análises técnicas e jurídicas do INEA” e que as reivindicações e sugestões feitas no dia da
reunião na Câmara Técnica de UCs e Populações Tradicionais “foram inseridas no estudo,
como por exemplo, a questão de inserir Martim de Sá e etc.” e informa que “o estudo entrou
em fase de análise técnica e jurídica”. Diz Rodrigo Rocha Barros, gestor da REEJ, que após
tais análises serem concluídas, os próximos passos serão as devolutivas do estudo, as
consultas públicas e que a reunião da Câmara Técnica “não substitui as consultas públicas
que serão feitas pelo INEA e nem os processos de negociações com a Prefeitura de Paraty.
Ele diz que o processo está no início”.
129 Dentre os documentos disponibilizados pelo Mosaico da Bocaina, há dois produzidos pela
Câmara Temática de unidade de conservação e Populações Tradicionais.
276
instituído em 2000, segundo Alba Simon, representante do Instituto Florestal do Rio de
Janeiro ― IEF, atual Instituto Estadual do Ambiente ― INEA. A Diretora de Conservação
no INEA fez uma apresentação na reunião do Conselho em 2 de julho de 2008 sobre as
ações daquele Instituto informando que foi provocada a Universidade Federal Fluminense
para a elaboração da regulamentação daquela lei, sendo criado um grupo de pesquisa com
sociólogos, antropólogos, advogados, biólogos e geólogos na formulação de um decreto. Já
a exclusão da comunidade da Reserva Biológica do Aventureiro, uma unidade de
conservação de proteção integral estadual, estava sendo debatida, à época, pelo Grupo de
Trabalho Aventureiro, instituído pela Resolução SEA nº 57, de 9 de abril de 2008 com a
finalidade de propor a desafetação e a criação de uma unidade de conservação de uso
sustentável.
277
das unidades de conservação por meio de “criações de Unidade Protegidas Marinhas e
criações de RPPNs com o objetivo da conectividade entre UCs, implementando corredores
ecológicos”. O outros três componentes estão relacionados à educação ambiental, na criação
de um horto comunitário e incentivo de geração de renda com o cultivo de plantas nativas;
outro cuida de ameaças, como a energia nuclear, a exploração de petróleo e do Pré-sal em
que o Global Environment Facitlity ― GEF130, informa, não tem competência para se
contrapor, mas planeja ações de mitigação com o apoio do monitoramento da água, por
exemplo; e o componente de planejamento, política e fortalecimento institucional
identificado na “Necessidade de um estudo das políticas para se entender as lacunas dos
procedimentos institucionais e a sobreposição de competências” (Conselho Consultivo do
Mosaico da Bocaina - Ata da reunião de 29 de abril de 2001; Núcleo Santa Virgínia/PESM).
280
Depois de outras manifestações, as unidades de conservação foram
consideradas, lembrando que a compensação ambiental é prevista no Artigo nº 36, parágrafo
terceiro do SNUC e definida no Decreto nº 4.340/2002. A compensação ambiental do
projeto UTN Angra 3 para as Unidades de Conservação na região do empreendimento
somava 40 milhões de reais. Segundo Ronaldo Oliveira (OLIVEIRA, 2014), ligado à
Eletronuclear, empresa empreendedora do projeto, a distribuição se deu para as seguintes
Unidades de Conservação em 2013:
281
Licenciamento no âmbito do conselho do mosaico. A CT foi formada com
a participação de todas as UCs do mosaico, a SAPÊ e a Associação
Cunhambebe. Quanto à manifestação sobre o licenciamento de Angra foi
formado um grupo para a elaboração do documento, composto por:
Sylvia (ESEC Tamoios), Rafael (SAPÊ), Alexandre (Instituto Arruda Botelho),
que será disponibilizado em rede para que os demais possam opinar. Este
documento deve ser encaminhado para o IBAMA, ICMBIO, MPF (RJ e SP),
Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo e Secretaria de Ambiente do
Rio de Janeiro. (ATA Reunião do Conselho Gestor do Mosaico Bocaina
Sede Associação Cairuçu – Patrimônio, Paraty, RJ - 04 de dezembro de
2007)
282
6.4.2. Outros empreendimentos
283
parte de órgãos ambientais em março de 2008. A Praia de Martim de Sá, na APA de Cairuçu
em situação de sobreposição com a Reserva Ecológica Estadual da Juatinga, em que a
comunidade é pressionada com empreendimentos imobiliários. O posicionamento do
Conselho é aquiescido por Vaguinho (Vagner Nascimento), quilombola representante da
Associação de Moradores do Quilombo do Campinho ― AMOQC, com relação a outros
locais em que há, conforme anotado em ata a sua fala, a “necessidade de brecar situação de
pressão nas áreas protegidas da região de Paraty, com forte rebatimento para as comunidades
tradicionais”. As manifestações do Conselho seguiriam como uma pressão estratégica por
parte do Conselho frente a tais questões, que deveriam incluir, segundo Cristino, da
Fundação Nacional do Índio ― Funai, como reportado na ata, os “agentes governamentais
que normalmente apresentam dificuldades frente a esse tipo de pressão” e quanto à colisões
de visões entre a área técnica e as diretorias nos órgãos governamentais. A essa altura, na
reunião, um participante da reunião informa que terá de se retirar para atender à convocação
do Ministério Público para depor em caso de um policial civil que vem intimidando os
moradores da Praia Grande da Cajaíba” e o representante da Associação Cairuçu, civil e não
tradicional, agradece ao apoio dos colegas no episódio de intimidação que sofrera, com a
queima da sua moto (Conselho Consultivo do Mosaico da Bocaina - Ata da reunião de 2 de
julho de 2008).
131 Coordenação: Roberto Mourão, Vagner Nascimento (Vaguinho) – AQUILERJ; Sérgio Pinchiaro
– Cunha-Paratii; Juliana Pires - Mosaico Bocaina ― secretária executiva; Eduardo Godoy - chefe APA
Cairuçu/Colegiado M. Bocaina; Jian Niotti ― PESM Picinguaba; João Fernandes – PEC Lucila Pinsard - APA
Marinha Litoral Norte e Rodrigo Silva - Secretaria de Turismo de Ubatuba, Estado de São Paulo; em 2011.
132 Coordenação: Vagner Nascimento (Vaguinho) - AQUILERJ, Juliana Bussolotti - Associação
Cunhambebe ONG – SP; Juliana - Secretária Executiva Mosaico Bocaina; Mônica Nemer - MOVE –
Movimento Verde, ONG – RJ; Maristela Resende - PNSB/ICMBio UC – RJ; Lúcia - Quilombo da
Fazenda/Fórum Populações Quilombola; Guadalupe - Associação Caxadaço-Mar, ONG- RJ; Jadson - Praia
do Sono, Caiçara; Seu João Paraty-Mirim, Caiçara; Ivanildes - Aldeia Paraty-Mirim, Indígena; convidados:
FUNAI, Ministério Público Federal, IBAMA, SAPÊ e Verde Cidadania, em 2011.
133 Monica Nemer - APA Tamoios; Grazielle Zacaro - APA da Baía de Paraty; Sylvia Chada -
Coordenação Regional ICMBio-CR8; Vaguinho (Vagner Nascimento) - Associação Quilombola e Manuela -
DIBAP/INEA; Roberto, PESM - Núcleo Cunha.
284
a fim de realizar reuniões setorizadas acerca dos temas, que já vinham sendo tratados em
reuniões específicas, como foi o encontro de comunidades tradicionais.
Objetivos do Encontro:
289
6.5. Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty
e Ubatuba—FCT
• justiça socioambiental,
• fortalecimento e qualificação do FCT;
• defesa do território,
• cartografia Social;
• saneamento ecológico;
• educação diferenciada;
• incubadora de tecnologias sociais;
• agroecologia;
• turismo de base comunitária;
• Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações
Unidas; e
• articulação de redes de solidariedade internacionais.
137 O documento está disponível apenas em meio digital; no caso de haver interesse pelo tema da
educação diferenciada e o inteiro teor daquele documento:
https://issuu.com/forumdecomunidadestradicionais/docs/dossie__educac_a_o_diferencia_parat
292
e para a questão dos litígios em sobreposições e para esta ação de apoio ao Fórum doou
oitenta mil reais para um período de 18 meses.
138 http://docs.wixstatic.com/ugd/4fab7e_7cf03a918c8740ea886db47e93755627.pdf
293
Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba― FCT e mais vinte e uma associações
de Povos e Comunidades Tradicionais e, também, quatro associações civis
paracomunitárias. Na Carta de Ubatuba, em seu preâmbulo, os signatários manifestam o...
294
(iv) Contra a criminalização ambiental das comunidades tradicionais pela
Polícia Militar Ambiental; e
296
monitoramento da formulação de ações e programação das mesmas para serem cumpridas
as funções do Estado.
297
desfavor das comunidades relacionadas aos seus territórios. Para que aqueles expressões
incorporem o território elas dependerão da pergunta “onde?”. As “chaves de diálogo” do
vocabulário socioambiental do Poder Público, portanto, mais favorecem uma manutenção
da cesura exercida pela escuta, de que fala Foucault para indicar sistemas de exclusão
(FOUCAULT, 2012, p. 13), que oferecem alguma margem para a agência das comunidades,
no sentido antinômico da ordem como analisa Kuang-ki Kim (KIM, 2003).
140
Ao analisar e criticar o Decreto nº 3.912/2001, revogado pelo Decreto nº 4.887/2003, sendo que aquele
impunha um período de ocupação para as comunidades quilombolas que, lido ao pé da letra, franqueava
os esbulhos que pudessem se ter dado.
298
Conclusão: Implicações das sobreposições
300
Quanto à conservação da biodiversidade, tomadas as comunidades pelo discurso
que assevera a necessidade da sua presença na manutenção dos ambientes em projetos e
relatórios e quando o Brasil de mostra ao exterior. No trato prático, da conservação da
biodiversidade por meio das unidades de conservação o cenário é outro. Um discurso
bifurcado de que se serve o Estado para ora mostrar-se megassociobiodiverso; ora para
empreender a conservação da biodiversidade por meio da conservação da natureza no
registro e cognição das unidades de conservação como abordado nesta Tese, em uma visão
cunhada, também, política, histórica e científica, portanto, circunstanciais. Não há
contradição aí, o que há é a oportunidade do Estado em desenhar quadros de questões
arrumadas para nele se mover. Levará os dois discursos simultaneamente, com públicos
diferentes para públicos distintos ― me refiro às agências de financiamento com que conta
o governo e mesmo dos relatórios de gestão periódicos do governo, em que tais temas irão
aparecer separados, na “caixa” administrativa de cada instituição, não se cruzam e, portanto,
não se contradizem. O que permite essa dupla fala, ― com um vocabulário próprio do Poder
Público próprio de expressões tais como “usos de recursos naturais”, “conservação da
biodiversidade”, entre outras ― me pareceu ser a separação identitária da comunidades,
colocado o seu território como algo com o qual ela se relaciona e não como um elemento da
sua própria identidade, tema que abordei na conclusão do capítulo 6, junto à percepção de
mundo, língua e linguagem, organização social e não propriamente apenas como uma
superfície em que tais coisas se dão, essa seria uma pequena, e importante, diferença com
as tessituras de que fala Raffestin (RAFFESTIN, [1980] 1993, pp. 150-153). Nessa
separação, os conhecimentos serão tratados mais relacionados às próprias comunidades, daí
para diante na repartição de benefícios, em cumprimento à Convenção sobre a Diversidade
Biológica ― CDB e em uma miríade de projetos para a “valorização” de tais
conhecimentos, “resgate” de sementes, de memória e assim por diante, supondo-se um
território para elas, não raro, pendente de regularização fundiária ou normativa, no caso das
comunidades tradicionais que não possuem as “identidades garantidas” (ARRUTI, 2006, p.
52) pelo Estado, o que compromete, vale dizer, a repartição de benefícios com outras
comunidades que não as quilombolas e os povos indígenas,
302
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311
Anexo 1 ― Políticas públicas e ações do antigo Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome ― MDS, na Secretaria de
Articulação Institucional e Parcerias ― SAIP para povos e comunidades
tradicionais (2006)
312
econômica e de fomento à organização coletiva de 150 comunidades quilombolas,
além da formação de agentes de etnodesenvolvimento;
313
fevereiro de 2006. O referido Comitê, também previsto no ACT, conta com a
participação de 15 (quinze) membros de órgãos governamentais e 15 (quinze)
membros de representações da sociedade civil.
314
Anexo 2 — Quantitativo de Unidades de Conservação no Brasil nas instâncias federal, estadual e municipal
(jan/2019)
315
Anexo 3 ― Categorias de Unidades de Conservação (Lei nº 9.985,
de 18 de julho de 2000)
316
grupo USO SUSTENTÁVEL
Categoria Característica Objetivo Uso
Área de pequena
extensão, pública ou Respeitados os limites constitucionais,
Área de Relevante privada, com pouca ou Manter os ecossistemas podem ser estabelecidas normas e
Interesse Ecológico nenhuma ocupação naturais e regular o uso restrições para utilização de uma
(ARIE) humana, com admissível dessas áreas. propriedade privada localizada em uma
características naturais ARIE.
extraordinárias.
Reserva Particular
Área privada, gravada com Conservar a diversidade Pesquisa científica, atividades de
do Patrimônio
perpetuidade. biológica. educação ambiental e turismo.
Natural (RPPN)
Resumo a partir do SNUC (Lei nº 9.985/2000) e World Wildlife Fund for Nature - WWF "Unidades de Conservação", sítio.
317
Anexo 4 ― Composição do Mosaico da Bocaina, 2015
318
Tabela 16— Instituições privadas no Conselho Consultivo do
Mosaico da Bocaina, 2015
319
Tabela 18 — Instituições governamentais na composição do
Conselho Consultivo do Mosaico Bocaina, 2015
320