Você está na página 1de 74

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
UNIVERSIDADE DA INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL DA LUSOFONIA AFRO-
BRASILEIRA
INSTITUTO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

Caio Barbosa Portela

CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE DAS RELAÇÕES RACIAIS


UM OLHAR SOBRE AS IDENTIDADES ÉTNICO-RACIAIS NO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL BRASILEIRO

FORTALEZA-REDENÇÃO
2022
2

Caio Barbosa Portela

CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE DAS RELAÇÕES RACIAIS


UM OLHAR SOBRE AS IDENTIDADES ÉTNICO-RACIAIS NO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa


Associado de Pós-Graduação em Antropologia,
da Universidade Federal do Ceará e da
Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-brasileira, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre. Área de
Concentração: Antropologia. Linha de
Pesquisa: Diferença, Poder e Epistemologias.

Orientador: Luis Tomás Domingos

FORTALEZA-REDENÇÃO
2022

Caio Barbosa Portela


3

CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE DAS RELAÇÕES RACIAIS


UM OLHAR SOBRE AS IDENTIDADES ÉTNICO-RACIAIS NO MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa


Associado de Pós-Graduação em Antropologia,
da Universidade Federal do Ceará e da
Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-brasileira, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre. Área de
Concentração: Antropologia. Linha de
Pesquisa: Diferença, Poder e Epistemologias.

Orientador: Luis Tomás Domingos

Aprovada em XX/XX/2022.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Dr. Luis Tomás Domingos (Orientador)


Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab)

_____________________________________________

Profa. Dra. Carla Susana Alem Abrantes (Examinadora Interna)


Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab)

_____________________________________________

Profa. Dra. Paula Balduino de Melo (Examinadora Externa)


Instituto Federal de Brasília (IFB)
4

Às energias criadoras, aqui representadas por


Deuses, Orixás, Inquices, Voduns, Encantados
e Espíritos.

À minha família, descendentes e ancestrais.


5

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, Olorum, Pai Tupã, Gaya, Ser Supremo, pela perfeição dos
meus sentidos e por permitir que o alcance da minha compreensão se estenda e consiga,
minimamente, abarcar os conceitos profundos aqui oferecidos.
Ao Ministério Público Federal, em especial aos colegas Francisco Erivaldo de
Sousa Filho, Manuela Cartaxo Philomeno Gomes e Cícero Erivelthon Gomes de Melo, gestores
altamente capacitados, que entenderam a importância desse trabalho para nossa instituição e
viabilizaram meu afastamento das atividades laborais para realização da pesquisa.
À minha esposa Fabrízia Pimentel Bezerra Portela pela paciência nos momentos de
ausência que ao longo desses dois anos foram muitos.
Às minhas filhas Dandara e Marina Portela, fontes reais da minha inspiração diária.
À minha mãe Katia Maria de Souza Barbosa pela dedicação à minha formação,
sobretudo pelo legado de uma educação voltada ao amor e a caridade, princípios nos quais fui
instruído por ela e por minha avó paterna, Jandira Souto Portela dos Santos (in memoriam).
À minha irmã Rebecca Barbosa Portela pelo amor incondicional.
À família Souto, em especial às primas Carla Souto Lima e Maria Vitória Souto
Cruz e às tias-avós Glacil Maria Embiruçu Souto, Lícia Margarida Souto Cruz e Moema
Embiruçu Souto, que muito me auxiliaram na busca por informações dos nossos antepassados.
À minha tia-avó Luthgardes Portela dos Santos (in memoriam), que fez a passagem
para o plano espiritual no intercurso desta pesquisa e deixou suas últimas reminiscências sobre
a nossa família gravadas em áudios no meu celular, no período em que ficou internada no
Hospital Teresa de Lisieux em Salvador/Ba. Tia Lulu deixou um pouco do seu Axé comigo.
Ao meu pai biológico Hugo Eduardo Souto Portela dos Santos e ao meu tio-pai
Francisco Sérgio Souto Portela dos Santos por terem mandado notícias de Tia Lulu e viabilizado
nossos encontros.
À minha querida tia Tereza Vitória Souto Portela dos Santos, que se manteve em
contato comigo durante toda a pesquisa, indicando os caminhos que eu deveria trilhar para
encontrar mais elementos da nossa ancestralidade.
Ao Fórum de Negras, Negros e Negres das Ciências Sociais da UFC, em especial
a Lilica Santos e Carll Serena, por terem despertado em mim a necessidade e a urgência de
debater a questão das identidades étnico-raciais no Brasil, onde historicamente negou-se a
influência negra e indígena a partir do reforço de um ideal de mestiçagem à brasileira, no qual
supostamente prevalece uma falsa harmonia entre as raças.
6

Ao Prof. Dr. Luis Tomás Domingos pela excelente orientação.


Aos integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas Sankofa pelos encontros
produtivos e pelo enriquecimento teórico-metodológico desenvolvido nas tardes de sexta-feira.
A Juh Bandeira e a sua família, Caíque e Geovane Calisto, por, literalmente,
fazerem minha cabeça. O tempo fortalecerá ainda mais nossos laços. Obrigado por cuidar tão
bem dos meus dreadlocks.
Aos interlocutores e interlocutoras pelo tempo e energia concedidos durante as
entrevistas.
Aos colegas da turma de mestrado pelas reflexões, críticas e sugestões recebidas e
pelo afeto constantemente trocado em nossos encontros virtuais e presenciais.
Aos professores e professoras participantes da Banca Examinadora pelo tempo e
pelas valiosas colaborações e sugestões.
Ao Colegiado do Programa Associado de Pós-graduação em Antropologia UFC-
Unilab, composto por docentes, técnicos(as) administrativos(as) e discentes, todos(as)
comprometidos(as) e envolvidos(as) com o desenvolvimento de uma ciência de qualidade e
socialmente referenciada.
À equipe do Jornalzine, veículo de comunicação do qual faço parte como colunista,
em especial a Davi Akintolá, Marcus Gigio, Marcelle Rodrigues, Mariana Cabeça, Alice
Aparecida e Euvaldo de Barros pelo compartilhamento de ideias, teorias e sonhos.
Aos meus amigos Mario Magno, Roberta Kaya e Anderson Carvalho por me
lembrarem todos os dias que devemos acreditar num futuro melhor, pois é possível.
7

“(...) confundir o fato biológico da mestiçagem


brasileira (a miscigenação) e o fato transcultural
dos povos envolvidos nessa miscigenação com
o processo de identificação e de identidade, cuja
essência é fundamentalmente político-
ideológica, é cometer um erro epistemológico
notável” (MUNANGA, [2004] 2019, p. 102)
8

LISTA ABREVIATURAS E SIGLAS

aC - antes da Era Cristã


dC - depois da Era Cristã
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MPF - Ministério Público Federal

CF/88 - Constituição Federal de 1988


PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Município
PR/CE – Procuradoria da República no Estado do Ceará
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização
das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura).
9

SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................................. 11

Capítulo 1 – As Substâncias................................................................................................... 12

1. Prólogo ........................................................................................................................... 13

2. Primeira Substância: A “questão” racial .................................................................... 15

2.1 Raça um conceito equívoco ..................................................................................... 18

2.2 Raça e História ..................................................................................................... 23

2.3 Raça e Ideologia ................................................................................................... 27

2.4 Racismo e suas Dimensões ................................................................................ 30

2.4.1 Dimensão histórica ....................................................................................... 30


2.4.2 Dimensão cultural ........................................................................................ 30
2.4.3 Dimensão social ............................................................................................. 30
2.4.4 Dimensão política ......................................................................................... 31
2.4.5 Dimensão ideológica .................................................................................... 31
2.4.6 Dimensão individual ou psicanalítica .................................................... 31
2.4.7 Dimensão institucional ................................................................................ 31
2.4.8 Dimensão estrutural .................................................................................... 31
2.4.9 Dimensão religiosa ....................................................................................... 31
3. Segunda Substância: A “questão” cultural ................................................................ 31

3.1. Rediscutindo a Mestiçagem ..................................................................................... 38

3.2. Pseudoteorias ............................................................................................................ 40

3.2.1 Pureza racial ..................................................................................................... 41


3.2.2 Eugenia .............................................................................................................. 43
4. Terceira substância: a “questão” ideológica .............................................................. 44

4.1. O ideal de branqueamento no Brasil...................................................................... 44

4.2. O mito da democracia racial ................................................................................... 48

4.3. Em busca do conceito de identidade étnico-racial ................................................ 53

5. Quarta substância: a “questão” conceitual ................................................................ 56

5.1. A identidade branca no Brasil ................................................................................ 58

5.2. A identidade negra no Brasil .................................................................................. 60


10

5.3. A identidade indígena no Brasil ............................................................................. 60

5.4. A identidade amarela no Brasil .............................................................................. 60

5.5. A identidade árabe no Brasil .................................................................................. 60

6. Quinta substância: a “questão” real ........................................................................... 60

6.1. Ministério Público Federal ..................................................................................... 60

6.2. A instituição e a defesa dos interesses sociais........................................................ 60

6.3. Atuação institucional e o combate ao racismo ...................................................... 60

Capítulo 2 – Fundamentos Teórico-Metodológicos Aplicados na Pesquisa ..................... 61

1 Análise Situacional do campo de pesquisa ....................................................... 62

2 Meu local de enunciação: Sankofa e a autorreflexão .................................... 62

3 Histórias de Vida (HV) ........................................................................................... 63

4 Percepções, memorizações e anotações: Exú e a participação observante


64

5 Ubuntu, o recurso-chave e a entrevista etnográfica ...................................... 64

Capítulo 3 – As Matérias ....................................................................................................... 65

1 Primeira Matéria: o olhar de um participante observador ........................ 66

1.1 Descrições e percepções de campo ................................................................. 66

1.2 Levantamento e análise documental ............................................................. 66

1.3 Reflexões dos(as) interlocutores(as) .............................................................. 66

2 Segunda matéria: a percepção dos(as) sujeitos(as) de pesquisa ................ 66

2.1 Conteúdo das entrevistas etnográficas ......................................................... 66

2.2 Reflexões próprias e próprias reflexões ....................................................... 66

2.3 Análises a partir das reflexões dos(as) interlocutores(as) ..................... 66

3 Conclusões parciais .................................................................................................. 66


11

RESUMO

Esta pesquisa consiste num estudo antropológico que parte da seguinte reflexão: como as
abordagens contemporâneas das relações raciais podem influenciar na compreensão que temos
sobre raça, racismo e identidades étnico-raciais e, consequentemente, afetar autodeclarações e
heteroidentificações, fundamentais na execução institucional das políticas afirmativas? A
pesquisa desenvolve-se com base nos conceitos de substâncias teóricas e matérias investigadas.
O primeiro diz respeito a um conjunto de percepções de origem reflexiva, conceitual e
epistemológica. As substâncias teóricas advêm dos conceitos trazidos ao trabalho cuja base
assenta-se nos estudos desenvolvidos por Césarie ([1955], 2020), Ramos ([1957] 1995), Hall
([1992], 2006; 2003), Gonzalez (1988), Munanga (1996; 2003; [2004], 2019; [2009], 2019),
entre outros. As matérias investigadas consistem no corpo de dados empíricos pesquisados. Foi
feita uma revisão bibliográfica sobre os conceitos de raça, mestiçagem e identidade étnico-
racial e será apresentada uma análise situacional do campo de pesquisa, o Ministério Público
Federal brasileiro. As metodologias utilizadas serão: autorreflexão e Histórias de Vida (HV). A
participação observante e a entrevista etnográfica foram as técnicas selecionadas para o
desenvolvimento do trabalho. Serão realizadas 5 entrevistas com pessoas autodeclaradas,
branca, amarela, preta, parda e indígena, preferencialmente atuantes nas ações afirmativas do
órgão. Com isso busca-se um recorte empírico que permita uma visão que é ao mesmo tempo
particular e geral, pois elucidará a percepção de cada indivíduo a partir da sua trajetória de vida
considerando a categoria cor/raça de identificação. As entrevistas serão baseadas no método
das HV, as quais serão cotejadas com o auxílio de categorias afro-brasileiras, usadas como
recursos analíticos da pesquisa. As técnicas e metodologias utilizadas tem inspiração nos
trabalhos de Haraway (1995), Favrett-Saada (2005), Queiroz (1988), Paulilo (1999), Meksenas
(2002), Beaud & Weber (2007), Martins (1997) e Domingos (2017; 2020).

Palavras-chave: relações raciais, identidade étnico-racial, Ministério Público Federal


brasileiro, histórias de vida, categorias afro-brasileiras.
12

Capítulo 1 – As Substâncias
13

1. Prólogo

No decorrer do desenvolvimento das Ciências Humanas, o debate sobre a dualidade


entre os conceitos substância-matéria, corpo-espírito, mundo das ideias e mundo dos
fenômenos, permaneceram perenes ao longo da história e, parece-me, ainda não terem sido
superados nos dias atuais.
Na Grécia Antiga, período compreendido aproximadamente entre os séculos V aC
e IV dC, o filósofo socrático Platão, discípulo de Sócrates, referiu-se a esse binômio como
“mundo visível” e “mundo inteligível” (PLATÃO, 2016, p. 270). Aristóteles, discípulo de
Platão, descreveu as dimensões do mundo material e do mundo das ideias em termos da
educação dos jovens. Para ele existiriam “artes mecânicas” e “artes liberais”. A primeira refere-
se ao desenvolvimento de habilidades para lidar com o mundo visível/material, a segunda
deveria ser utilizada para o desenvolvimento de competências relativas ao mundo das ideias.
Aristóteles utiliza a Ginástica como exemplo de arte mecânica e a Música como referência de
arte liberal (ARISTÓTELES, 2017, p. 181).
O intelectual prussiano Immanuel Kant (1724-1807) faz distinção similar à de
Platão entre as coisas “sensíveis” e “inteligíveis”. O filósofo define os fenômenos na medida
em que podem ser pensados como objetos segundo a unidade das categorias, os quais denomina
Phaenomena. Por outro lado, coisas que são meros objetos do entendimento e que podem ser
dados pela intuição, denominam-se Noumena (intelligibilia). Kant faz a distinção entre o mundo
dos fenômenos, sentidos ou matérias e o mundo do entendimento, da inteligibilidade ou das
substâncias (KANT [1781], 2018, p. 249).
Para Georg W. Friedrich Hegel (1770-1831), filósofo germânico, a consciência de
si é reflexão tomada a partir do mundo sensível e do mundo da percepção (HEGEL [1807],
2003, p. 19). Ou seja, para ele, assim como para Platão, Aristóteles e Kant, existe uma separação
entre o mundo dos fenômenos e o mundo da inteligibilidade.
Allan Kardec, pseudônimo do intelectual pedagogo francês Hyppolite Léon
Denizard Rivail (1804-1869), considerado codificador da doutrina espírita, descreveu no
Capítulo II do Livro dos Espíritos, a distinção entre os conceitos espírito e matéria. Para ele, a
dualidade entre os dois conceitos se expressa nas seguintes definições: "matéria é o laço que
prende o espírito" e "espírito é o princípio inteligente do Universo". E complementa: "a
inteligência é um atributo essencial do espírito. Uma e outra se confundem num princípio
comum, de sorte que, para vós, são a mesma coisa". Para ele, existem dois elementos gerais do
Universo, quais sejam, matéria e espírito (KARDEC [1857], 2008, p. 74-5).
14

Kardec, assim como seus antecessores, em que pese ter aprofundado sobre a
natureza dos espíritos no seu trabalho, manteve a ideia de que ambos conceitos, apesar de
interligados, são independentes entre si. Senão vejamos:

O espírito independe da matéria, ou é apenas uma propriedade desta, como as cores


o são da luz e o som o é do ar?
"São distintos uma do outro; mas, a união do espírito e da matéria é necessária para
intelectualizar a matéria" (KARDEC [1857], 2008, p.74)

Na cosmovisão tradicional africana, especialmente na tradição Banto, o universo


compõe-se de dois espaços ou modos distintos. Um escondido e invisível: o mundo dos seres
invisíveis, ou seja, os espíritos; outro visível: o mundo dos homens, animais, vegetais e todo o
reino mineral. A chave do pensamento tradicional africano Banto é que o homem se vê em
harmonia com os viventes e com aqueles que partilham sua vida. A religião tradicional africana
constitui o fundamento da relação entre os mundos visível e invisível (DOMINGOS, 2020, p.
30). Não obstante a percepção tradicional africana de que existe uma íntima relação entre o ser
humano e a natureza, o dualismo corpo-espírito, visível-invisível, matéria-substância, também
está presente, ao menos na cosmovisão Banto.
A cosmovisão ameríndia brasileira apresenta-se em outro caminho. A partir dos
estudos de etnologia indígena e do perspectivismo ameríndio, pôde-se revelar um pouco da
concepção dos povos originários amazônicos.
O perspectivismo ameríndio consiste numa teoria crítica ao modelo tradicional de
produção de conhecimento, sendo uma matriz filosófica e epistemológica amazônica, tomada
a partir de experiências etnográficas dos e com povos ameríndios, em relação à sua concepção
de natureza, dos seres e da composição do mundo (LIMA, 1996 e VIVEIROS DE CASTRO,
1996). Basicamente a ideia centra-se na relação que alguns povos do noroeste amazônico têm
com os animais, sobretudo espécies simbólicas de destaque, grandes predadores, rivais
humanos etc. Na cosmovisão ameríndia amazônica, os animais não humanos percebem-se,
entre si, como humanos. Em suma, os animais são gente, ou se vêem como pessoas (VIVEIROS
DE CASTRO, 1996, p. 118).
O interessante da concepção ameríndia é que ela apresenta um traço contrastivo em
relação às cosmologias que Eduardo Viveiros de Castro denominou “multiculturalistas”
modernas, ao referir-se à perspectiva ocidental como propiciadora das séries paradigmáticas
que tradicionalmente se opõem categorias como “Natureza” e “Cultura”, universal e particular,
15

objetivo e subjetivo, corpo e espírito. O “multinaturalismo”, expressão escolhida por Viveiros


de Castro para referir-se a um desses contrastes, tem como cerne o seguinte:

(...) enquanto estas (cosmologias “multiculturalistas” modernas) se apoiam na


implicação mútua entre unicidade da natureza e multiplicidade das culturas — a
primeira garantida pela universalidade objetiva dos corpos e da substância, a segunda
gerada pela particularidade subjetiva dos espíritos e dos significados —, a concepção
ameríndia suporia, ao contrário, uma unidade do espírito e uma diversidade dos
corpos. A “cultura” ou o sujeito seriam aqui a forma do universal, a “natureza” ou o
objeto a forma do particular (VIVEIROS DE CASTRO, 1996, p. 116).

Concordo com Viveiros de Castro que essa inversão feita pelo pensamento
ameríndio corrobora uma distinção entre conteúdos relativos às categorias Natureza e Cultura,
bem como seus análogos corpo e espírito, ou como nomearei nesse texto Matéria e Substância.
Além de supor que essas categorias não possuem o mesmo estatuto dos seus equivalentes
ocidentais, ou seja, apontam para o contexto relacional entre os conceitos, seus pontos de vista
(VIVEIROS DE CASTRO, 1996, p. 116).
Em que pese minha posição pessoal estar mais próxima do perspectivismo
ameríndio e da cosmovisão tradicional Banto, nesse trabalho utilizarei as categorias Matéria e
Substância como designadores da distinção Corpo e Espírito.
Apresentei o termo “Matérias” investigadas como o conjunto de dados empíricos
pesquisados. Aqui Matéria será utilizada como conceito análogo ao designador Corpo.
Utilizarei também os termos corpo de dados ou corpo empírico como sinônimos de matéria
investigada.
“Substâncias” teóricas consistem no conjunto de percepções de origem reflexiva,
conceitual e epistemológica que podem ser traduzidos como o Espírito do presente trabalho.
Esse espírito advém do aporte conceitual trazido à baila cuja base assenta-se nos estudos
desenvolvidos por Césarie ([1955], 2020), Ramos ([1957] 1995), Hall ([1992], 2006; 2003),
Gonzalez (1988), Munanga (1996; 2003; [2004], 2019; [2009], 2019), entre outros.

2. Primeira Substância: A “questão” racial

Para refletir sobre a primeira substância teórica a qual denominei “questão” racial,
preciso explicar a utilização intencional das aspas na palavra. Busquei o uso do recurso para
instigar o/a leitor/a a pensar sobre o modo como a sociedade ocidental se estruturou, a partir do
colonialismo e depois do imperialismo, posicionando o debate sobre raça no lugar de mera
questão. O tema foi tratado sob diferentes perspectivas e quase todas fizeram referência à ideia
16

de democracia racial, conceito que será aprofundado na subseção 3.4, como importante
elemento para construção da nacionalidade brasileira.
No âmbito da ciência política, Guimarães (2001, p. 122), trouxe importantes
contribuições sobre como o tema foi tratado a partir de questões substantivas em especial sobre
a relação entre raça e política. Lamounier (1968) e Souza (1971) consideraram alguns pontos
sobre essa relação sem, contudo, ultrapassar o binômio branco-negro na análise. Os autores
concentraram-se na ideia de que negros e brancos têm comportamentos políticos diferenciais,
presumindo que essas diferenças estavam relacionadas às experiências de desigualdades sociais
vividas pelos integrantes dos dois grupos. Se por um lado essa perspectiva serviu para jogar luz
sobre o modo como essas experiências específicas influenciaram no ser político de negros e
brancos, por outro não aprofundou as nuanças e sutilezas que compõem a trajetória individual
de cada integrante, obliterando outras dimensões que interferem na formação política do
indivíduo, tais como, formação cultural, escolar, religiosa, entre outras.
Ainda no campo da política, Souza (1971, p. 122) identifica que a maioria dos que
escreveram sobre a relação entre raça e política no Brasil (SILVA e SOARES, 1985; CASTRO,
1992; BERQUÓ e ALENCASTRO, 1992; PRANDI, 1996) restringiram-se a estudar a questão
do comportamento dos políticos, brancos e negros.
No campo da análise sociológica, a construção do conceito de raça no Brasil
também se fez a partir da constatação de que as desigualdades sociais entre brancos e não-
brancos também poderiam ser reunidas em torno do referido binômio. Contudo, observação
feita por Costa (2002, p. 35) revela que no âmbito das desigualdades raciais, a categoria raça,
ao ser transformada num instrumento geral de análise, leva a uma compreensão incompleta da
formação nacional brasileira. Segundo Costa, isso implica em uma visão objetivista das relações
sociais, além de reduzir as identidades sociais apenas a sua dimensão político-instrumental.
Nesse sentido, aproximamos a nossa visão de raça do conceito apresentado por
Stuart Hall:

"Raça" é uma construção política e social. E a categoria discursiva em torno da qual


se organiza um sistema de poder socioeconômico, de exploração e exclusão — ou
seja, o racismo (HALL, 2003, p. 69)

Desse modo, utilizo as aspas no termo questão para indicar que ao estudarmos temas
relacionados à raça e suas relações, não devemos deixá-los adstritos apenas a uma “questão”,
qual seja, o conjunto de desigualdades sociais entre brancos e não-brancos. Devemos
compreender o fenômeno das relações raciais a partir do entendimento de que o modelo de
17

sociedade que temos hoje foi erigido com base na diferenciação entre os povos e pela
subjugação de agrupamentos humanos específicos em detrimento de outros, com base em suas
características físicas, filosóficas, morais, religiosas etc (MUNANGA, 2003, p. 5).
A questão racial se constitui nesse cenário e tem como plano de fundo os debates
sobre a necessidade de implementação de uma agenda positiva, que busque restituir valores
sociais que contribuam para a superação das diferenças de raça, gênero, classe, origem e
geração e para que ocorra a justa distribuição do produto social aos que o produziram
efetivamente.
Por isso, esse trabalho não trata tão somente de reproduzir a história de brutalidade
da escravização, do tráfico humano, da mutilação, do genocídio1 de corpos e do epistemicídio2
de mentes no Atlântico Negro (GILROY, 2012, p. 161; GROSFOGUEL, 2016, p. 25). Essas,
sem dúvidas, são questões fundamentais que foram e estão sendo recuperadas em outros textos.
O que proponho aqui é um mergulho nas teorias, doutrinas e pensamentos, pondo-
os em debate na e pela ciência, com o intuito de fugir das superficialidades que crenças, opiniões
e o conteúdo de massa nos oferecem diariamente. Nesse sentido, apresento uma discussão sobre
o conceito de raça, identificando a sua componente histórica, ideológica e social, com o intuito
de aproximá-lo do debate contemporâneo sobre a temática.
Buscarei fundamentar minha ideia no fato de que o debate sobre raça é, além de
necessário e urgente, uma resposta à dinâmica de distribuição de poder que perdura desde o
largo século XVI e se intensificou a partir dos séculos XVIII e XIX, numa plataforma que
privilegiou grupos beneficiários históricos do sistema colonialista, construído às custas do
genocídio/epistemicídio dos sujeitos coloniais no sistema-mundo.

Aqui acompanhamos o conceito do historiador francês Fernand Braudel que


influenciou o trabalho de Immanuel Wallerstein (1974) sobre sistema-mundo. O longo século

1
Para Abdias do Nascimento (1978, p. 69), a ameaça da “mancha negra” na miscigenação brasileira foi combatida
a partir do estupro da mulher negra pelos brancos da sociedade dominante, originando os produtos de sangue
misto: o multado, o pardo, o moreno, o parda-vasco, o homem de cor, o fusco. Para ele foi o processo de
mulatização, ocorrido ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, apoiado na exploração sexual da negra, que retrata
um fenômeno de puro e simples genocídio pois, com o crescimento da população mulata a raça negra estaria
desaparecendo sob a coação do progressivo clareamento da população geral do país.
2
Para Santos e Meneses (2009) epistemicídio consiste na destruição de conhecimentos ligada à destruição de seres
humanos. Essa prática esteve ligada tanto à escravização de corpos, a partir de uma violência material, mas também
àquilo que Césarie ([1955], 2020, p. 25) descreveu como resultado do colonialismo a partir da prática de arrancar
milhões de homens de seus deuses, suas terras, seus costumes, sua vida, a dança, a sabedoria. O epistemicídio
também está ligado à ideia de que a África e a América, de um modo geral, e o negro e o ameríndio, em particular,
eram apresentados pelo europeu como os símbolos acabados da vida vegetal e limitada. Ou seja, sem conhecimento
ou sabedoria. Hegel dizia a propósito de tais figuras que eram estátuas sem linguagem nem consciência de si
(MBEMBE [2013], 2019, p. 30; HEGEL [1807], 2003, p. 469).
18

XVI refere-se aos 200 anos que cobrem o período entre 1450-1650. Concordamos que este é
um período central para a formação de um novo sistema histórico, o qual Wallestein denomina
como o moderno sistema-mundo ou a economia-mundo europeia ou a economia-mundo
capitalista. (GROSFOGUEL, 2016, p. 26). Usaremos o termo longo século XVI para nos
referirmos ao processo de “longa duração que cobre a formação inicial desse sistema histórico”.
O termo século XVI foi utilizado para nos referirmos aos anos 1500.

2.1 Raça um conceito equívoco

Por um lado, o significado etimológico da palavra raça, para as línguas de origem


latina, deriva do termo italiano, razza, que também pode ser traduzido para etnia, laia, espécie,
linhagem. A origem do termo também está associada à expressão grega génos (γένος) que se
liga, em sentido, a outro termo grego, ράτσα (rátsa). Ambos servem para designar a origem de
uma pessoa, sua gênese, estirpe originária.
Por outro lado, o conceito de raça, como boa parte dos conceitos em ciências
humanas, tem caráter dinâmico e é socialmente posicionado. Quero dizer que as instituições e
as pessoas estão submetidas a dinâmicas de poder que configuram e reconfiguram conceitos,
tanto em termos semânticos quanto em suas dimensões de tempo e espaço.
Nas sociedades tradicionais da África negra, a linhagem consiste num grupo de
solidariedade que congrega todos que descendem de um ancestral comum. Pode ser patrilateral
ou matrilateral, se os membros descendem de um ancestral comum masculino ou feminino. O
conceito fundamenta-se no parentesco pela consanguinidade (MUNANGA [2009], 2019, p.78).
Na concepção de África Negra, a família, clã ou linhagem resulta ainda da união
entre vivos e mortos. Entre os mortos existem aqueles comuns e os ancestrais. Segundo
Munanga ([2009], 2019, p. 75), esses últimos são os mortos que durante a vida tiveram uma
posição social destacada, um rei, chefe de etnia ou fundador de um clã, etc.
Segundo o historiador e antropólogo senegalês Cheik Anta Diop (1923-1986), o
termo “África Preta” ou “África Negra” (“Black Africa”) seria suficiente para indicar o habitat
da raça Preta (Black Race), situando-as ao sul do deserto do Saara. Populações atualmente
ocupantes do território subsaariano (DIOP ([1955], 1974, p. 348).
Contudo, o autor denuncia que os textos do século XX não são autênticos ao
mencionar o termo “Preto” e utilizam o termo como se este sempre tivesse sido usado pelos
Egípcios (civilização acima do Saara), para distinguir-se dos Negros. Para ele isso não passa de
uma distorção, pois a maioria destes textos traduzem Nahasi por “Pretos”. Contudo o termo
Kushite, que se refere aos descendentes de Kush, filho de Canaã, cuja história será aprofundada
19

adiante, torna-se incompatível com a ideia de “Pretos” pois é associado aos habitantes da Arábia
antes de Maomé. Diop diz que se trata de uma das muitas contradições que denunciam o medo
que especialistas tem em afirmar que a civilização humana tenha sido originada pelos referidos
Negros (Kushitas, Cananeus, Egípcios, etc) (DIOP [1955], 1974, p. 349).
A questão da conexão do antigo Egito à África Negra também foi objeto de
discussão do teórico congolês, discípulo de Diop, Théophile Obenga (1936-). Durante um
simpósio internacional organizado pela UNESCO no Cairo em 1974 alguns pontos
significativos dessa relação foram expostos (OBENGA, 2004, p.2).
Primeiro, a relação entre a língua egípcia e as modernas línguas africanas, faladas
atualmente na África Negra, constituem a mesma comunidade linguística dividas em várias
partes. Segundo o antigo Egito era um reino antigo do nordeste da África, localizado no vale
do Nilo que, durante o período faraônico (3.400-343 a.C), tinha a natureza essencial de uma
civilização africana, “segundo seu espírito, caráter, comportamento, cultura, pensamento e
sentimento profundo” (OBENGA, 2004, p. 3).
Parece-me que a filosofia foi cúmplice dessas distorções. Hegel, considerado
grande filósofo, declarou em uma de suas palestras proferidas no inverno de 1830-31 sobre a
história filosófica da África:

“Com isso deixamos a África. Não vamos abordá-la posteriormente pois ela não faz
parte da história mundial; não tem nenhum movimento ou desenvolvimento para
mostrar (...) O Egito será abordado como transição do espírito humano do Oriente
para o Ocidente, mas ele não pertence ao espírito africano. Na verdade, o que
entendemos por África é algo fechado sem história, que ainda está envolto no espírito
natural, e que teve que ser apresentado aqui no limiar da história universal” (HEGEL
[1995], 2008, p. 88)

Apesar de não ter sido historiador, essa visão da filosofia hegeliana tornou-se quase
uma opinião comum e um paradigma acadêmico na História Ocidental. A questão por trás do
argumento hegeliano é a não aceitação de que uma grande cultura ou civilização tenha sido
produzida por pessoas Africanas (pretas). Além disso, segundo o raciocínio acima, os Africanos
nunca tiveram qualquer tipo de contribuição para a história do mundo. Para Obenga o principal
documento relativo à conexão egípcia com o resto da África Negra foi, até o simpósio do Cairo
em 1974, a Filosofia da História de Hegel. Assim, demorou-se 143 anos, desde Hegel (1831)
ao Cairo (1974), para mudar o paradigma instalado pelo filósofo alemão (OBENGA, 2004, p.
3).
20

Nas civilizações greco-romanas que, segundo James (1954, p. 16), tiveram seu
sistema construído com base num legado roubado dos antigos egípcios e do seu sistema
religioso muito complexo chamado de Mistérios, o conceito de raça também esteve relacionado
às características herdadas por determinados indivíduos que tinham um ancestral em comum.
A questão é: nessas sociedades a ideia foi utilizada para definir os status morais dos indivíduos
a partir desses grupos de pertencimento.
Em A República3, o alter ego de Platão, Sócrates4, descreve as diferenças entre
indivíduos com base no mito de que os deuses teriam forjado na alma de cada pessoa um metal:
ouro, prata ou bronze. Nessa fábula, segundo Sócrates, a linhagem da pessoa também poderia
influenciar na composição da sua essência. Ou seja, a depender da herança fornecida pelos
genitores aos seus descendentes, esses poderiam ser cidadãos com alma de ouro, prata ou
bronze. Nessa passagem, conhecida como Mito dos Metais, Sócrates reforça que a essência, ao
ser definida com base na linhagem familiar, será determinante para a posição que o indivíduo
irá ocupar na República.
Em A Política5, Aristóteles, discípulo de Platão, justifica que a escravidão é obra da
própria natureza humana. Segundo ele, é a distinção entre a essência de cada ser, do caráter de
cada pessoa, que cria pessoas mais propensas a mandar e outras a obedecer.
Na Antiguidade onde viveram Platão e Aristóteles, entre os séculos V aC e IV dC,
a Grécia foi retratada por Homero, Heródoto e outros, como uma civilização altiva e guerreira
que conquistou e dominou diversos povos, sobretudo no norte da África, ao longo da Dinastia

3
Ver Livro III, pp. 138-139, In: PLATÃO. A República. Tradução de Leonel Vallandro. Editora Nova Fronteira,
Rio de Janeiro, 2016. 440 p.
4
Sócrates (Atenas, 470 ou 469 a.C. – 399 a.C.) foi um filósofo grego, filho do escultor Sofronisco e da parteira
Fainareté, que recebeu ensinamentos de astronomia e geometria do pitagórico Arquelau. Ao longo de sua vida
Sócrates abdicou de ambições individuais e se tornou um debatedor ambulante, que discutia qualquer assunto em
praça pública, procurando viver voltado aos interesses dos seus concidadãos. Em que pese existirem muitos
registros sobre Sócrates, o filósofo não se dedicou a vida política e nem deixou textos escritos. Foi retratado nas
obras de Xenofonte, seu contemporâneo no exército ateniense, de Platão, seu principal discípulo, bem como de
Aristófanes e Aristóteles. Esse último não chegou a conhece-lo pois nascera cerca de quinze anos após sua morte
(CARRASCO, 2013, p. 10-11). Quase tudo que se sabe sobre as ideias e a personalidade de Sócrates vem das
obras de Platão e do livro Memorabilia, do historiador clássico grego Xenofonte. O problema é que esses dois
autores eram cerca de 40 anos mais novos que Sócrates e só testemunharam a última década de vida do filósofo.
Portanto, o Sócrates que conhecemos nada mais é do que a parte selecionada por Platão e Xenofonte daquilo que
eles puderam acompanhar da vida dele. Platão, ao reproduzir os diálogos de Sócrates, descreve a maiêutica
socrática, o faz a partir do olhar de um discípulo ao seu mestre. Nesse olhar, não se pode negligenciar o afeto, a
admiração. Por isso Sócrates é alter ego de Platão. Platão descreve, portanto, a parte de Sócrates contida nele
mesmo.
5
Ver Livro Primeiro, Capítulo 1, p. 27, In: ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Nestor Silveira Chaves.
Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2017. 352 p.
21

Ptolemaica6. Contudo, nesse caso, a dominação não estava diretamente ligada à cor da pele ou
outra característica física dessas populações.
Como posicionaremos nosso olhar no contexto de invasão das Américas, pelo fato
da pesquisa estar situada no território brasileiro, onde ser “negro” e “índio” tornou-se sinônimo
de primitivo e inferior, abordarei o tipo de dominação baseado nas diferenças raciais.
No período colonial, ao longo de todo o largo século XVI e subsequentes, tanto o
negro quanto os povos originários foram identificados com mentalidades atrasadas. Embora os
europeus reconhecessem as diferenças físicas e culturais, bem como a multiplicidade fenotípica
dos negros do continente africano e das Américas, para fins de dominação, associavam-se seus
status morais a aspectos comuns entre vários povos: cor da pele, cabelo, forma do nariz e dos
lábios (MUNANGA, 2003, p. 4).
Vista desse modo, a raça pode ser entendida como uma crença de que existe uma
associação direta entre critérios físicos e seus correspondentes morais. Dito de outra forma, é
uma tendência que consiste em considerar que as características intelectuais de um determinado
grupo são decorrência direta dos seus atributos biológicos.
No século XVIII, o século das luzes, o modelo de racionalidade dos filósofos
iluministas questionava o monopólio sobre o conhecimento concentrado na Igreja e nas
monarquias absolutas. As primeiras refutações práticas ao absolutismo monárquico com base
nessas ideias se deram na Inglaterra ainda no século XVII, com as revoluções Puritana de 1640
e Gloriosa de 1688. Posteriormente, o movimento foi replicado na França, no século XVIII, a
partir dos esforços de Montesquieu e Voltaire que, ao voltar da Inglaterra, encarregaram-se de
difundir e desenvolver o pensamento inglês, haja vista o recrudescimento do absolutismo
monárquico na França, o que culminou na Revolução Francesa de 1798 (GRESPAN, 2003).
Foi exatamente nesse período que a cor da pele passou a ser o critério fundamental
e um marco para a classificação das raças. A partir daí a espécie humana ficou, grosso modo,
dividida em três grandes grupos raciais que perduram até hoje tanto no imaginário coletivo
quanto nas terminologias científicas: raça branca, negra e amarela (MUNANGA, 2003, p. 19).
Segundo Parrón (2003, p. 99), entre os séculos XV e XVII, os atributos físicos e
morais dos homens não eram considerados hereditários nem imutáveis. Apenas na virada do
XVII os homens começaram a ser catalogáveis em raças, tendência essa que se cristalizou no

6
A Dinastia Ptolemaica (grego antigo: Πτολεμαϊκὴ βασιλεία, Ptolemaïkḕ basileía) era um reino helenístico
baseado no Egito. O domínio começou com a ascensão de Ptolemeu I Sóter após a morte de Alexandre, o Grande,
em 323 a.C., e terminou com a morte de Cleópatra e a conquista romana em 30 a.C.
22

XVIII, quando atributos físicos e morais passaram a ser considerados fixos e transmissíveis de
geração em geração.
Para Boulle, a indeterminação de caracteres físicos e morais do homem, nos séculos
XV, XVI e XVII, foi fundamental para que a negritude da pele africana se associasse
intimamente à ideia de pecado – a negritude era a prova da maldição de Deus (BOULLE, 2002).
A cor da pele como base para classificação racial é estabelecida pela concentração
de melanina e o grau dessa concentração confere cor tanto a derme quantos aos olhos e cabelos.
Essas características fenotípicas foram utilizadas para embasar os critérios de definição das
raças. A raça branca tem menos concentração de melanina e se define pela cor branca da pele,
cabelos e olhos mais claros. A raça negra é a que concentra mais melanina, por isso tem pele,
cabelos e olhos mais escuros. A raça amarela ocupa uma posição intermediária.
No século XIX outros critérios morfológicos como forma do nariz, dos lábios, do
crânio e ângulo facial, foram acrescentados à cor da pele, olhos e cabelos, para “aperfeiçoar” a
definição racial. A expansão da dominação colonial europeia pelo mundo e o aperfeiçoamento
dos critérios de fenotipicação da população, fez emergir uma multiplicidade de novas
identidades sociais e históricas: mestiços, caboclos, cafuzos, mamelucos, azeitonados,
oliváceos, indígenas etc., que se somaram aos três grandes grupos raciais iniciais.
O avanço científico, sobretudo no campo da genética humana, com a descoberta do
DNA7 e a possibilidade de realização de pesquisas comparativas entre populações, levou a
conclusão de que não existe diferença biológica entre os grupos humanos. Esse progresso na
ciência influencia novas conclusões sobre o conceito de raça que passa a ser entendida não mais
como uma realidade biológica, mas como uma realidade sociocultural.
O conceito de raça emerge, portanto, como uma categoria dinâmica, um
fundamento sociopolítico que se constrói historicamente a partir das relações de poder
estabelecidas entre os agrupamentos humanos, suas instituições e o complexo de definições e
classificações criadas para diferenciar povos em contato.
Aqui, ao falarmos o termo raça, estaremos falando num sentido que relaciona o
conceito à sua origem na experiência colonial que produziu identidades novas do ponto de vista
social, histórico e cultural: “índios”, “negros”, “mestiços”; e redefiniu outras, “brancos”,
“europeus”, “portugueses”, “imigrantes”, “gringos” etc. Termos que não indicam apenas
procedência geográfica, mas que passam a ter relação com identidades raciais, pertencimentos

7
Ácido desoxirribonucleico
23

étnicos, locais socais que são criados a partir de uma conotação racial relacionada a um
repertório de status morais.

2.2 Raça e História

Nos processos de escravização ocorridos na Antiguidade Greco-romana, que se


davam, sobretudo, em caso de derrota de guerra, situação na qual os derrotados eram
submetidos ao domínio do vencedor, ainda não se podia falar de escravização por ascendência,
linhagem ou religião. Contudo, dois importantes momentos históricos marcam uma mudança
nesse cenário (GROSFOGUEL, 2016, p. 38).
Primeiro a conquista de Al-Andalus em 1492 pelo avanço cristão no sul da
Península Ibérica que se deu com base num discurso de “pureza de sangue” o qual tratava como
impuros aqueles que professavam outra fé que não a cristã, especificamente os mulçumanos
que ocupavam a região e tiveram que sair ao final da retomada (GROSFOGUEL, 2016, p. 28).
Segundo a invasão das Américas nos séculos XV e XVI que veio acompanhada do projeto de
cristianização dos povos originários da América e África, condição determinante para o início
do processo de hierarquização e subjugação de saberes e práticas, considerando algumas como
primitivas e/ou exóticas.
Esses dois eventos, combinados àquilo que podemos chamar de “emergência” da
modernidade, alteram o panorama e consolidam uma concepção de raça que serviu aos
interesses da expansão colonial. Recorro à definição de Giddens (1991, p. 11) e refiro-me à
modernidade aqui como um “estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na
Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundial em sua
influência”.
Entre os séculos XIII e XV, o empenho do Rei Católico Fernando II de Aragão e
da Rainha Isabel I de Castela, culminou na campanha militar de Granada (1482-1492) e a de
Al-Andalus pela monarquia cristã espanhola, complementarmente a invasão às Américas, o que
reforçou um discurso protorracista que associava a “pureza de sangue” à “pureza religiosa”.
O discurso resgatava ideias medievais de discriminação por ascendência religiosa
e foi utilizado contra ameríndios, negros, judeus e mulçumanos, em ambas conquistas. Nessa
lógica, não ser cristão ou ser descendente de não-cristãos, nos termos da Igreja Católica
Romana8, era sinal de impureza. Vale ressaltar que nesse período a conversão ao cristianismo
através do batismo possibilitava a “limpeza” de uma descendência impura ou pagã.

8
A Igreja Católica Romana é a instituição cristã mais antiga do mundo e registrou seu início por volta do ano 30
d.C. Durante o período denominado Antiguidade Cristã, entre os anos 33 e 313, a Igreja foi perseguida por
24

A possibilidade de conversão esteve presente tanto para os muçulmanos, durante o


avanço cristão na Península Ibérica, quanto para os ameríndios durante a invasão colonial nas
Américas. Contudo existia uma diferença central.
Os muçulmanos foram expulsos e tiveram que fugir da perseguição religiosa na
Península Ibérica, o que resultou no retorno de boa parte dos povos islamizados ao Norte da
África e ao Oriente Médio.
Já os povos originários que habitavam o território das Américas antes da chegada
dos europeus, foram submetidos à lógica de exploração da colonização. Esse processo levou
boa parte dos povos originários a serem dizimados ora por moléstias de contato com europeus,
ora pelas guerras de invasão do território. No Brasil a população restante foi sendo disputada
pelos jesuítas que, muitas vezes sob a prerrogativa da evangelização, exploravam sua mão de
obra.
A prática da “cristianização” dos ameríndios se estendeu ao longo dos séculos XVI e
XVII, e só veio arrefecer em meados do século XVIII quando, por ordem do Marquês de
Pombal, muitos padres foram expulsos do Brasil. O movimento evangelizador dos jesuítas foi
responsável pela assimilação à cultura cristã de muitos agrupamentos originários, em especial,
algumas etnias identificadas com os troncos etnolinguísticos Macro-Jê e Tapuya-Jê. Essa
assimilação vem causando a extinção de boa parte das suas linhagens linguísticas. França et al
(2015), Grahl (2009), Loukotka (1932), Martins (2007), Nimuendaju & Guérios (1948),
Oliveira (1892), Silva (2018) e Viveiros de Castro (1986) apontaram que grupos como
Maxakalis, Mongoiós, Masakarás, Kamakãs, Pataxós, Krenaks, Meniéns, Kotoxós, Kariris
estão em processo avançado de extinção das suas línguas. Muitas dessas famílias linguísticas
deixaram de ser faladas como é o caso de todas as línguas da família Kamakã (Kamakã,
Mongoió, Kotoxó e Menién), as quais se falavam até a primeira metade do século XX no sul
da Bahia e no norte do Espírito Santo.

propagar as ideias de Jesus Cristo pois isso, de algum modo, “ameaçava” o Império Romano. Em 303 o imperador
Diocleciano decretou A Grande Perseguição. Segundo ele a unidade do estado romano estava ameaçada pelo
cristianismo e seria preciso resgatá-la a partir da perseguição aos cristãos, que eram jogados aos leões nas arenas.
Diocleciano ordenou ainda que todas as igrejas cristãs fossem demolidas. Somente em 313, com o Édito de Milão,
o Império se determina neutro em relação à religião. A partir daí os cristãos puderam ter liberdade de culto, foi
dada legitimidade ao cristianismo e se destituiu o paganismo como religião oficial do Império. Contudo, a Igreja
Católica Romana apesar de ter sido uma instituição perseguida pelo Império Romano conseguiu expandir-se por
toda Europa após o contato com os povos germânicos durante a invasão bárbara no século IV. Missionários
levaram o cristianismo aos povos Frísios, Saxões, Bávaros, Alamanos, Turíngios, Eslavos e Normandos que
acabaram se convertendo. A Igreja alcançou seu apogeu no período medieval, nos séculos XII e XIII. Nesse
período são fundadas ordens religiosas de renome como a de São Francisco de Assis, São Domingos de Gusmão,
a Ordem das Mercês, os ermitões de Santo Agostinho, a Ordem do Carmo, entre outras.
25

Durante a invasão colonial os procedimentos que já tinham sido adotados por


Portugal e Espanha na conquista de Al-Andalus foram aperfeiçoados e implementados para a
garantir novas formas de dominação. Passou-se a uma ideia de “sistema-mundo moderno-
colonial” (GROSFOGUEL, 2016, p. 35).
Utilizei o conceito de sistema-mundo tal qual apresentado por Wallerstein (1974).
Refere-se ao que podemos chamar de economia-mundo europeia que emerge no final do século
XV início do século XVI como um sistema social nunca antes experimentado pelo mundo.
Considera-se um sistema social mundial não pelo fato de conter todos os países do mundo, mas
por interligá-los numa lógica de pensamento e ação. Pode ser chamado economia-mundo pois
as ligações básicas entre as partes do sistema são econômicas, embora sejam reforçadas por
laços culturais e por arranjos políticos específicos (WALLERSTEIN, 1974, p. 25).
Enquanto em Al-Andalus a “pureza de sangue” foi evocada para identificar os
cristãos “puros” e distingui-los dos cristãos convertidos, nas Américas, o conceito de “povos
sem religião” inaugurou um questionamento que ainda não havia sido colocado na Europa.
Naquele momento, referir-se a um povo como “sem religião” possuía uma
conotação diferente pois no ideário das monarquias cristãs ibéricas todos os seres humanos
tinham religião. Ou seja, indivíduos que não possuíam religião nos termos identificados pelos
colonizadores não seriam, portanto, considerados humanos (GROSFOGUEL, 2016, p. 36).
Até então o contato europeu com outras culturas só havia lhe dado a possibilidade
de questionar o saber do Outro. Mas a América é uma fronteira! Aqui se ofereceu a
possibilidade de questionar, inclusive, a humanidade do Outro.
A colonização coloca a seguinte questão: humanos podem ter deuses “certos” ou
“errados”, mas não ter deuses, não é coisa de humano.
Humanos sem religião eram identificados como povos que realizavam cultos às
forças da natureza ou rituais transcendentais ou de sacrifícios. Os europeus identificaram essas
práticas como pagãs, relacionando-as, muitas vezes, a uma ausência de alma. Tanto os povos
originários das Américas quanto da África eram associados a práticas fetichistas, animistas e
feitiçaria (GROSFOGUEL, 2016, p. 36).
Com a chegada dos europeus às Américas, a referência aos povos ameríndios como
sujeitos “sem religião”, feita tanto por Cristóvão Colombo (1451-1506) em 1492, quanto por
Pero Vaz de Caminha (1450-1500) em 1500 e seus tributários séculos mais tarde, a exemplo de
Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), suscitou dúvida sobre a humanidade desses
povos. Nesse momento emerge a emblemática questão: os “índios” têm alma?
26

A possibilidade de existirem “povos com alma” versus “povos sem alma” foi um
dos primeiros elementos racistas que marca efetivamente o “sistema-mundo patriarcal,
eurocêntrico, cristão, moderno e colonialista” (GROSFOGUEL, 2016, p. 36). Grosfoguel
explicita a lógica de argumentação do discurso colonial racista de modo simples:
1. se você não tem religião, você não tem Deus; 2. se você não tem um Deus, você
não tem uma alma; e, por fim, 3. se você não tem uma alma não é humano, mas animal
(GROSFOGUEL, 2016, p. 37).

O fato é que a invasão colonial às Américas se constituiu numa das primeiras


experiências de modernidade tardia onde foi formulada uma classificação social que
identificava diferenças e semelhanças entre os povos, determinando assim o seu grau de avanço
ou atraso em relação ao Outro. Nos referimos à modernidade tardia como um devir. Um
processo que ocorre de forma específica nos países colonizados. Concordamos com Stuart Hall
(2006, p. 14) que as sociedades modernas são “sociedades de mudança constante, rápida e
permanente”. A modernidade tardia compreende o fenômeno que ocorre nas diferentes áreas
do globo quanto postas em interconexão pelo sistema colonial. Essas áreas caracterizam-se pela
diferença, pelo antagonismo social que produz uma infinidade de posições dos sujeitos (HALL,
2006, p. 17).
É bastante conhecido o debate travado durante as cinco primeiras décadas do século
XVI que culminou com o julgamento de Valladolid, em 1552. A monarquia cristã espanhola
suscitou a um tribunal a dúvida se os ameríndios tinham alma ou não. Bartolomeu de Las Casas
e Ginés Sepúlveda eram os teólogos envolvidos nesse embate. Após 60 anos (1492-1552), a
monarquia espanhola solicitou do tribunal uma decisão definitiva sobre a questão
(GROSFOGUEL 2016, p. 38-9).
Las Casas argumentava que os “índios” tinham uma alma em estado bárbaro,
passível de cristianização e que era pecado escravizá-los. Sepúlveda defendia que os “índios”
eram seres “sem alma” e, assim como os animais, podiam ser utilizados como força de trabalho
sem que houvesse pecado aos olhos de Deus. Ambos discursos tiveram consequências
duradouras que mobilizaram séculos de opressão de determinados povos com base em discursos
racistas com viés biológico e cultural (GROSFOGUEL 2016, p. 38-9).
Como resultado, a monarquia espanhola decidiu que os “índios” tinham uma alma
bárbara que precisava ser cristianizada. Era pecado escravizá-los!
O que aparentemente livrou os “índios” do jugo colonial, autorizou o início do
maior massacre da história da humanidade, que subjugou e escravizou populações inteiras do
continente africano, sob o argumento de que se tratavam de “povos sem alma”.
27

Grandes populações eram trazidas de África às Américas para “substituir” os


“índios” no trabalho forçado. Na realidade, nesse ponto, a situação do Brasil é bastante peculiar
pois aqui ocorreu tanto escravização negra quanto ameríndia (DANTAS et al, 2014).
Mesmo com união ibérica (1580-1640), quando as colônias portuguesas estavam
submetidas ao controle espanhol, o resultado do julgamento de Valladoilid não surtiu muito
efeito quanto à dominação do ameríndio. A prática continuava permitida pela coroa em caso de
conflito entre colonos e gentios.
Em 10 de setembro de 1611 a Carta Régia, promulgada por Filipe III, garantia o
direito de propriedade aos povos originários. Entretanto essas garantias nunca foram exercidas
pois os ameríndios não tinham conhecimento das leis, escritas em português e publicizadas em
locais os quais eles não tinham acesso, pois eram considerados selvagens (DANTAS et al,
2014).
Chama atenção no documento o fato de que os gentios perdiam o direito à terra caso
esta fosse tomada em uma “guerra justa”. Agora pensemos: num eventual confronto de terras
entre um indígena e um colono, pode-se num confronto justo?
A decisão de iniciar o regime transatlântico do tráfico humano, trazendo cativos da
África, também teve relação direta com o resultado do julgamento de Valladolid. A partir daí,
com o sequestro e a comercialização de pessoas do continente africano por mais de trezentos
anos, seres humanos foram introduzidos como mercadorias no sistema produtivo colonial e o
racismo religioso e de “pureza de sangue” foi convertido em racismo de cor.

2.3 Raça e Ideologia

A Igreja Católica Romana foi uma das instituições que auxiliou na consolidação da
ideia de raça e, consequentemente, na solidificação de uma ideologia racista. O cristianismo
também foi utilizado como ideologia durante a colonização das Américas, uma vez que ela
havia se tornado a principal instituição do período medieval e teve papel fundamental na
formação dos Estados nacionais europeus. A Igreja era responsável por legitimar o conjunto de
relações existentes e seus intelectuais agiam no sentido de ratificar as hierarquias sociais, a
partir de uma visão de mundo que teve por base uma ética judaico-cristã, a qual delimitava os
valores morais da sociedade no período.
As posturas das lideranças eclesiásticas da época davam o balizamento da Igreja
Católica, sobretudo no que concerne à posição da instituição em relação à legitimação da
escravidão, especialmente dos povos da África. Alguns exemplos, como o caso dos papas
Nicolau V e Inocêncio VIII, demonstram que a Igreja via com bons olhos o contato dos
28

europeus com os africanos, tendo o primeiro pontífice dado livre permissão para a prática da
escravidão em 18 de junho de 1452, com a publicação da bula papal "Dum diversas", dirigida
ao rei Afonso V de Portugal, na qual o pontífice afirma:
"(…) nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa Autoridade
Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os
sarracenos, pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo onde quer que
estejam, bem como os seus reinos, ducados, condados, principados e outros bens (...)
e para reduzir as suas pessoas à escravidão perpétua” (NICOLAU V, 1452).

Segundo Roedel (2020, p. 3), os papas da época sustentavam o entendimento que a


Igreja construíra de longa data sobre a escravidão. Tanto Santo Agostinho (354-430), nos
séculos IV e V, quanto Santo Isidório de Sevilha (560-636), nos séculos VI e VII, defendiam
que a escravidão estava relacionada ao pecado e que essa condição decorria de uma vontade
divina. O questionamento aqui é o mesmo de Roedel (2020, p. 3): “qual poderia ser o pecado
de populações inteiras de africanos” e ameríndios “que justificasse sua escravidão?”
Uma das explicações para essa pergunta pode ser encontrada na bíblia, no famoso
Mito de Noé. Não na figura mítica dele em si, mas na forma como o mito foi proferido pela
Igreja e como foi utilizado para nos oferecer uma determinada interpretação da realidade do
mundo. O significado do mito de Noé para o discurso da Igreja é o cerne da questão.
Segundo o livro de Gênesis, Noé teria tido 3 filhos (Sem, Cam e Jafé), os quais
foram responsáveis por povoar o mundo. Um dia, após se embriagar com vinho, Noé deitou-se
nu em sua tenda. Seu filho Cam, cujo filho Canaã, teria visto sua nudez, conduta extremamente
recriminada pelos hebreus, e contado para seus irmãos. Quando seu pai soube do ocorrido,
amaldiçoou o filho mais novo de Cam com a seguinte frase: “Maldito seja Canaã; seja servo
dos servos de seus irmãos” (Gênesis 9:25).
O sentido dessa maldição amplifica-se em simbologia quando relacionada à história
dos três filhos de Noé e à partilha do mundo. Vale, para tanto, ressaltar a origem dos seus
nomes.
Sem era considerado pai dos povos semitas, cuja etimologia é o “nomeado” ou
“fama”; Jafé, que teria dado origem aos povos indo-europeus, indo-germânicos e indo-arianos,
corresponde à “luz”, “aberto”, “ampliado” e “louro”. Enquanto Cam se refere a “quente”,
“queimado” ou “trevas”. Canaã, filho de Cam e o neto amaldiçoado por Noé, quer dizer
“embaixo”, transmitindo assim, uma ideia de que ele estaria “embaixo das trevas”, ideia de
inferioridade. Canaã teria dado origem aos mongóis, chineses, japoneses, ameríndios, esquimós
e polinésios. Um dos filhos de Canaã se chama Cuxe, sinônimo de “preto”, e deu origem aos
etíopes, sudaneses, ganeses, pigmeus, aborígines australianos, Nova Guiné (PEREIRA IVO;
29

JESUS, 2019, p.50-51). Observa-se que a descendência de Cam originou os povos africanos,
ameríndios e parte dos asiáticos e da Oceania.
Ao ser recuperada como discurso, a maldição de Noé deu sentido à ideia de
diferenciação entre as raças e a relação de inferioridade que ficou associada a esses povos,
descendentes amaldiçoados da linhagem de Canaã. A maldição que Noé proferiu contra Canaã
dizia: “Maldito seja Canaã; seja servo dos servos de seus irmãos".
Apesar do termo “raça” ainda não aparecer com a acepção que conhecemos
atualmente, a ideologia que lhe deu origem foi utilizada dentro e fora da Igreja como meio de
defender a subjugação de negros e indígenas durante a colonização. Por isso que vemos até hoje
ideólogos utilizarem-se do cristianismo e de parte do discurso teológico como justificativa para
os problemas sociais e humanitários que atingem parte do continente africano. Em 2021, o
deputado federal brasileiro Marcos Feliciano utilizou a maldição de Noé como justificativa para
moléstias graves que afligem a África, identificando o continente com uma imagem de miséria
e fome. Segundo Domingos (2017, p. 192) essas associações fornecem “constante apelo a um
passado de mágoa e degradação”.
No século XIX o conceito de raça emerge numa perspectiva conhecida como
raciologia, que consiste numa concepção teórica de viés racista que foi incorporada como
discurso científico. Médicos legistas, criminologistas, filósofos e intelectuais da época tais
como Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882), Francis Galton (1822-1911), Cesare Lombroso
(1835-1909), Nina Rodrigues (1862-1906), João Batista Lacerda (1846-1915), Renato Kehl
(1889-1974), Edgard Roquette-Pinto (1884-1954), Enrico Ferri (1856-1929), Raffale Garofalo
(1851-1934), J. B. de Sá Oliveira, envidaram esforços para associar aspectos morais às
características morfológicas das raças, as quais eram investigadas nos institutos médico-legais
e laboratórios de antropologia física. Por exemplo, crânios alongados ditos dolicocéfalos,
seriam capazes de desenvolver um córtex cerebral mais avantajado e, consequentemente, mais
sofisticado. Essa morfologia era tida como característica dos brancos “nórdicos”. Já os crânios
arredondados, braquicéfalos, eram característicos dos negros e amarelos (MUNANGA, 2003,
p. 4).
O pensamento racialista classificou a humanidade em hierarquias de raças e pode
ser identificado como uma pseudoteoria que ganhou notoriedade nos espaços da
intelectualidade no início do século XX e foi incorporada à sociedade como ideologia (Idem,
ibidem). O conteúdo dessa doutrina ultrapassou os cenários intelectuais e se difundiu como
projeto político nas sociedades ocidentais dominantes. Esses ideais foram recuperados por
ultranacionalismos autoritários na Europa no período entre guerras (1918-1939), e foram
30

usados como ferramenta de legitimação do extermínio de populações específicas. São exemplos


os sistemas fascistas e nazistas que tiveram recepção na Itália e Alemanha, respectivamente.
Com a consolidação do colonialismo europeu que contou com o apoio do Estado,
da Ciência e da Igreja, raça e racismo intensificam-se enquanto ideologias. No caso brasileiro
a que se destacar a sofisticação dos instrumentos de segregação que conseguiram ao longo de
séculos de dominação física, material e simbólica, calcada numa forte base ideológica, manter
negros e indígenas na condição de subordinados.

2.4 Racismo e suas Dimensões

2.4.1 Dimensão histórica


2.4.2 Dimensão cultural
2.4.3 Dimensão social
O racismo, enquanto conceito, foi objeto de muitas leituras e interpretações. O
termo foi criado por volta dos anos de 1920 e pode ser compreendido como um fenômeno
eminentemente histórico pois está ligado a conflitos reais ocorridos ao longo da trajetória
histórica dos povos (MUNANGA, 2003, p. 4).
Além de fenômeno histórico, o racismo é também uma dinâmica de poder que
organiza a sociedade. Essa ordem é dada pela diferenciação social entre as raças, identificando
que existe, no conjunto dos agrupamentos humanos, diferenças objetivas e subjetivas que
posicionam grupos específicos em posições sociais distintas. Se andarmos pelas ruas das
grandes metrópoles latino-americanas como São Paulo, Bogotá, Caracas, Cidade do México ou
San Juan, até hoje encontraremos Apartheid9. Se sabemos em quais locais da cidade
encontraremos pessoas brancas e quais encontraremos pessoas não-brancas, aí também
encontraremos o racismo em plena manifestação.
No Brasil a segregação racial a partir de um processo colonizatório eficaz, com o
apoio da Igreja, da Ciência e do Estado, que permaneceu perene por quase um século a utopia
de que aqui seria um “paraíso” racial. Essa ideia será melhor desenvolvida no subtópico 2.4 O
mito da democracia racial.

9
Fiz aqui uma analogia entre a segregação racial e territorial contemporânea, produto do estágio de avanço atual
do capitalismo tardio nos países colonizados, que tem raízes históricas na escravidão, e o regime de segregação
racial ocorrido na África do Sul, no século XX, originado por volta de 1948, a partir do posicionamento político
tomado pelo país diante da Guerra Fria, o qual buscou identificar-se como um “país europeu estabelecido na
África”.
31

2.4.4 Dimensão política


2.4.5 Dimensão ideológica
Enquanto ideologia, o racismo penetrou nos discursos populares, onde é
normalizado. A naturalidade com a qual se inferioriza negros/as, indígenas, LGBTQIA+,
pessoas com deficiência, e se supervaloriza o padrão branco normativo, é sustentada pela ideia
de que pessoas inscritas sob esses signos possuem qualidades de menor valor. São
irresponsáveis, preguiçosas, promíscuas, pouco inteligentes, dentre outras adjetivações. A
naturalização consiste, portanto, em identificar características morais nos indivíduos a partir de
critérios morfofisiológicos e identitários.
O racismo no Brasil é a sua negação histórica por parte de diversos setores da
sociedade: imprensa, grupos políticos, instituições públicas e privadas, juristas etc. Até pouco
tempo atrás, uns 4 ou 5 anos aproximadamente, era comum ouvirmos que no Brasil não existia
racismo e que isso era coisa de norte-americano, onde a discriminação ocorre “de fato”. Aqui,
somos todos mestiços
A mestiçagem, tratada numa visão raciologista, foi desmontada por Kabengele
Muanaga. “Combinada com um determinismo biológico desembocou no alargamento do seu
campo conceitual, recobrindo, simultaneamente, a higidez do patrimônio genético e os
processos de transculturação entre grupos étnicos cujos membros são envolvidos na
mestiçagem, embora os dois fenômenos não sejam necessariamente concomitantes e
interligados” (MUNANGA [2004], 2019, p. 23).
No final do século XIX pensadores brasileiros, utilizando o aporte teórico de
cientistas estrangeiros, sobretudo europeus e norte-americanos, destacavam-se por expor o
caráter ambivalente da mestiçagem, ora tida como uma ideia de degenerescência da raça, ora
como um mecanismo de purificação e retorno da espécie aos seus traços originais. No Brasil a
política de mestiçagem “designa e institui, uma doutrina de ‘branqueamento’ de caráter
profundamente eugenista” (MUNANGA apud MOORE, 2007, p. 274). Dada sua importância,
tais pontos serão aprofundados na próxima seção.
2.4.6 Dimensão individual ou psicanalítica
2.4.7 Dimensão institucional
2.4.8 Dimensão estrutural
2.4.9 Dimensão religiosa

3. Segunda Substância: A “questão” cultural


32

Compreender as ocorrências dos fenômenos humanos e os processos culturais que


os regem, artefatos que, além de históricos, são dinâmicos, é o grande desafio da Antropologia.
Considerando que os conceitos de raça e racismo tem, em si, um conteúdo cultural
e outro, eminentemente ideológico e, como ideologia, escondem algo não proclamado,
subentendido e pouco problematizado, podemos pensar em utilizar tais conceitos para analisar
relações que extrapolam suas definições formais, uma vez que conceitos autoaplicáveis
favorecem justamente à sua captura pelas ideologias a que o conceito favorece.
Quero dizer que o significado dos termos raça e racismo, mestiçagem e identidade
podem ser experienciados para além das suas próprias definições semânticas, uma vez que se
tratam de fenômenos não-estáticos e que possuem definições que podem ser obtidas pelas vias
empíricas e pelos resultados de participações observantes, análise situacional e entrevistas, que
podem ser complementadas pela hermenêutica e as correlações teóricas que determinado
contexto oferece.
Podemos pensar então que o fenômeno ora investigado, qual seja, as relações raciais
enquanto elemento de interferência na autodeclaração e na heteroidentificação das identidades
étnico-raciais para aplicação das políticas afirmativas, assim como qualquer outro fenômeno
antropológico, pode elucidar questões sobre as relações de poder estabelecidas entre grupos
sociais com base nas suas classificações taxonômicas.
Dito isso, farei um apanhado de algumas linhagens teóricas fundamentais da
Antropologia, quais sejam: evolucionismo, funcionalismo10, antropologia social e
culturalismo11, que compartilham entre si naturezas ontológicas semelhantes.
Primeiro, todas são consideradas clássicas em termos teóricos e baseiam-se na ideia
de superioridade dos europeus inicialmente e depois dos norte-americanos. Segundo essas
linhagens podem ser vistas como fruto de uma demanda da colonização: elaborar justificativa
para as diferenças humanas articulando-as à dominação. Uma relação dialética: colonização
cria classificação que, por sua vez, sofistica a dominação.
O evolucionismo cultural foi uma das primeiras tradições teóricas em Antropologia.
Emergiu no final do século XIX e teve como objeto de estudos os estágios evolutivos das

10
A antropologia funcionalista pode ser considerada aquela representada pela linhagem francesa de Durkheim e
Mauss. A antropologia social britânica, através de etnógrafos como Malinowski (1884-1942) e Radcliffe-Brown
(1881-1955), propôs uma abordagem funcional-estruturalista, unindo o funcionalismo durkheimiano à teoria dos
sistemas de Spencer. (BODART et al 2020, p. 87).
11
Franz Boas (1858-1942), antropólogo alemão naturalizado norte-americano, formula a crítica radical ao
evolucionismo, demonstrando que as culturas somente podem ser entendidas em seu contexto particular, com as
diferenças derivadas da trajetória histórica e autônoma de cada sociedade. A crítica de Boas é fundadora do
culturalismo, responsável pela noção de relativismo cultural (BODART et al 2020, p. 87).
33

sociedades. Essa linhagem é representada por Lewis H. Morgan (1818-1881), Edward B. Tylor
(1832-1917) e James G. Frazer (1854-1941), que tiveram forte influência de Herbert Spencer
(CASTRO, 2005).
Para Spencer o evolucionismo é uma dinâmica universal de diferenciação do
simples para o complexo que pode ser verificado em todas as ocorrências, as quais somos
capazes de conceber racionalmente e indutivamente. Esse é o princípio do evolucionismo
enquanto conceito geral.
Morgan, Tylor e Frazer, foram precursores em utilizar essa perspectiva para
interpretar as culturas. Seus trabalhos basearam-se na ideia de que cada sociedade produz sua
cultura a partir das condições históricas e de desenvolvimento social de cada povo. As
sociedades evoluem, portanto, a partir dessas condições O evolucionismo, portanto, considera
a existência de sociedades selvagens e bárbaras, respectivamente sem e com pouca evolução
cultural. Elas podem avançar, tornando-se civilizadas, pelo progresso social (CASTRO, 2005).
Pensar culturas nesses termos significa acreditar que existem algumas culturas
superiores e outras, inferiores. Ou então, em termos raciais, que existem raças superiores e
outras inferiores. Nesta perspectiva, o evolucionismo cultural constituiu-se como um conjunto
de percepções e teorias que produziu a classificação do ethos cultural dos povos postos em
contato com a colonização. Essa perspectiva permitiu a classificação do avanço das sociedades,
auxiliando os mecanismos coercitivos da colonização.
No sistema colonialista a teoria do evolucionismo cultural produziu efeitos em dois
sentidos. Primeiro porque forneceu informações para o aprimoramento da dominação. Segundo
por ter sido utilizada como ideologia para justificar a dominação, com o pretexto de civilizar o
Outro.
O discurso evolucionista pôde ser utilizado como justificativa para países
colonizadores selecionarem sociedades primitivas para submeter-lhes à dominação. A
Antropologia foi utilizada como instrumento para essa seleção, classificando como selvagens
os povos originários das colônias e como civilizados os colonos.
Com o aprimoramento dos instrumentos de controle colonial, a partir da invasão e
partilha do território africano pós Conferência de Berlim em 1885, novas correntes
antropológicas surgiram e os métodos de investigação das culturas foram sendo sofisticados.
O funcionalismo, ramo da Antropologia que busca explicar os fenômenos humanos
em termos das suas funções, pega empréstimos da biologia e da teoria durkheimiana para
comparar a sociedade a um organismo vivo e cada instituição social com órgãos. Essa linhagem
ficou marcada por trabalhos pioneiros de sociólogos e antropólogos, tais como: Émile
34

Durkheim (1858-1917) e Marcel Mauss (1872-1950), representando o funcionalismo francês;


Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955) e Bronislaw Malinowski (1884-1942), representando a
antropologia social britânica. A antropologia social britânica teve influência da teoria da
organização social de Durkheim, que entendia a sociedade a partir da divisão das suas funções.
Malinowski, ao estudar a função do kula entre os trobriandeses no livro Os argonautas do
pacífico ocidental, utilizou o conceito para relacionar a forma de troca cerimonial intertribal
com a dinâmica cultural dos habitantes da Papua-Nova Guiné. Radcliffe-Brown expressa uma
definição de antropologia social como sendo a disciplina que se ocupa do estudo das formas de
associação entre os seres humanos, ou seja, as estruturas de similaridade que permitem às
instituições sociais o exercício das suas funções (RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 220-234).
Em que pese se tratar de uma linhagem que se opôs ao evolucionismo, o
funcionalismo herdou seus fundamentos, considerando que ambos emergem da e na situação
colonial. Aqui empregamos o termo situação colonial no sentido de compreender a posição que
a sociedade colonizada é colocada que chama atenção por duas características: sua
superioridade numericamente esmagadora e a dominação radical que sofre. A sociedade
colonizada difere da sociedade colonial pela raça e pela civilização. Consideramos situação
colonial como sendo aquela esquematicamente definida a partir dos grupos que se opõe na
sociedade colonial e sociedade colonizada (BALANDIER, 1993, p. 116)
Marcel Mauss, por exemplo, considerado grande antropólogo, ao analisar tribos
australianas, no artigo De quelques formes primitives de classificaton, interpreta o sistema
mental dos “nativos”, revelando-nos uma abordagem que pode ser considerada etnocêntrica.
Para ele era a mitologia astronômica de base totêmica a única responsável por guiar os aspectos
da vida cotidiana das pessoas nas tribos. A leitura feita por ele era de que se tratava de um
sistema que tinha a magia como fundamento, logo constituía-se como “primeira etapa de
evolução mental que podemos supor ou constatar” (MAUSS 2003: 51).
Nesse sentido, concordamos com Kuper (1978, p. 143) que os antropólogos
funcionalistas não se desligaram totalmente do seu passado evolucionista.
A noção de civilização é um aspecto que emerge com a teoria funcionalista. Nessa
época o termo civilisation começou a ser utilizado como concepção de uma suposta história
“universal” francesa. Mauss e Durkheim expuseram durante vários anos no Année Sociologique
a concepção de civilisation atrelada a modos específicos de pensar e posturas mentais.
Durante a monarquia constitucional francesa (1814-1848) a atividade colonial
aumentou, com a invasão da Argélia, coincide o clímax do conceito de civilização. A
historiografia positivista de autores como François Guizot (1787-1874), Hippolyte Taine (1828-
35

1893) e Jacques Augustin Thierry (1795-1856) ganhou fôlego na crença de que a restauração
da monarquia e a colonização trariam progresso pela civilização dos selvagens. De la
civilisation em Europe (1828) e De la civilisation em France (1829) de Guizot, são obras de
presságio dessa crença: “A ideia de progresso, (...), parece ser a ideia fundamental contida na
palavra civilização” (KUPER, 2002, p. 47).
Na antropologia social britânica Radcliffe-Brown (1973, p. 220), enuncia o
conceito de função baseando-se numa analogia entre a vida social e a vida orgânica, assim como
Mauss. Radcliffe-Brown foi diretamente influenciado pelo positivismo de Durkheim e pela
teoria dos sistemas sociais de Spencer.
Já a relação de Malinowski com o evolucionismo foi mais intensa. Segundo o
próprio, sua abordagem não se separava do evolucionismo. Manteve-se evolucionista durante
toda a carreira, acreditando que o trabalho intenso de campo (observação participante) e a coleta
de dados vivos (etnografia), iria leva-lo às leis evolucionárias (KUPER, 1978, p. 19).
O funcionalismo francês e a antropologia social britânica permaneceram com a
mesma sanha evolucionista de classificar as sociedades, para compreender aquilo que julgavam
ser o primitivo padrão. Ambas não levaram em conta que as culturas se desenvolvem num
processo histórico e não se pode aferir complexidade a partir de referências externas, que
partem, a priori, da ideia de que o Outro é inferior. Logo são etnocêntricas.
A relação da antropologia social britânica com o colonialismo se deu com a
decadência do evolucionismo e a reivindicação do modelo pela organização interna dos estados
colonizados. É justamente essa reivindicação o ponto de união entre a teoria antropológica e a
colonização. Para se administrar as colônias era necessário manter uma relativa estabilidade
pois, mesmo ocupadas violentamente, elas deveriam servir ao propósito comercial. Precisava-
se de tranquilidade social.
Os administradores coloniais enfrentavam um profundo desconhecimento dos
nativos e a Antropologia poderia oferecer uma melhor compreensão dos sistemas sociais vistos
como “degradados” e “desorganizados”. A ideia era que a Antropologia argumentasse para que
o mundo “mítico”, “feroz” e “irresponsável” dos “selvagens”, pudesse ser transformado em
comunidades estáveis governadas pelo colono (GAONA, 1985, p. 89)12.
A Antropologia injetou nas sociedades colonizadas uma visão particular do seu
funcionamento. Conceituou-as como coerentes e equilibrados a partir de uma tendencia a
ressaltar a solidariedade e a ordem, o que contribuiu para conter algumas lutas por libertação

12
Todas as traduções apresentadas neste trabalho, oriundas deste artigo em espanhol, são de minha autoria.
36

mesmo diante das fortes contradições do sistema colonial. Por isso, a posição da Antropologia
resulta ambígua.
Raymond Firth (1901-2002) dizia: “o antropólogo e sua ciência se encontram cada
vez mais em perigo de cair nas mãos dos interesses da administração colonial” (Ibid., p. 91).
Firth foi um dos antropólogos da época que se negou a trabalhar para a colonização.
Assim como a antropologia social britânica, a tradição culturalista também surgiu
em reação ao evolucionismo, mas seguiu rumos distintos. A antropologia social britânica
“movia-se na direção da ciência”, já a antropologia culturalista “movia-se na direção da
história” (STOCKING, 2004, p. 34).
Franz Boas (1858-1942), antropólogo alemão radicado nos Estados Unidos,
introduziu na antropologia norte-americana o conceito de cultura com base na distinção entre
os termos kultur, de origem alemã, e civilisation, de origem francesa.
Boas empregava o termo cultura no plural. Referia-se a cultura como um aspecto
característico de determinado povo, mas também como sua existência total. Para ele existem
culturas humanas e cada uma pode ser estudada no âmbito do seu sistema de valores (KUPER,
2002, p. 12).
A partir da segunda geração boasiana, sob a liderança do polonês radicado nos
Estados Unidos Edward Sapir (1884-1939), e das norte-americanas Margareth Mead (1901-
1978) e Ruth Benedict (1887-1948) foi dado um novo rumo a antropologia culturalista.
Sapir (1949, p. 309) entendia que a “cultura significa qualquer elemento
socialmente herdado da vida do homem, material e espiritual”. Robert Lowie (1883-1957),
polonês radicado nos Estados Unidos e discípulo de Boas, via de modo semelhante. Após uma
série de palestras com o título Cultura e Etnologia trouxe o argumento central de que a cultura
poderia ser explicada como algo em si e não determinada pela raça ou ambiente. A afirmação
de que a cultura é um sucedâneo universal para outros marcadores ficou conhecida como
relativismo cultural ou culturalismo.
O culturalismo também foi convertido em ideologia e afirma, por exemplo, que raça
e cultura são independentes entre si, sendo a cultura o elemento responsável por tornar as
pessoas o que elas são. Esse argumento foi utilizado na África do Sul como justificativa para o
apartheid (KUPER, 2002, p. 12) e influenciou a obra Casa Grande & Senzala do antropólogo
brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987).
No caso de Freyre, o relativismo cultural influenciou o conceito de
lusotropicalismo, que relacionava a colonização brasileira à capacidade dos portugueses de
37

povoar o território tropical utilizando sua cultura (lusitana) como amálgama entre as outras
(indígena e africana), criando uma cultura luso-tropical.
O lusotropicalismo foi utilizado como ideologia e passou a elogiar os feitos da
colonização lusitana. Baseando-se na ideia de que os portugueses possuem uma aptidão natural
para se relacionar com culturas diversas, herdada do convívio com árabes, mouros e outros
povos durante séculos na península ibérica, criou-se o mito de que as colonizações portuguesas
teriam sido mais bem sucedidas que outras. O Brasil foi usado como exemplo e essas ideologias
influenciaram a interpretação de Freyre sobre a colonização brasileira. Fez com que ele
atribuísse à cultura lusitana uma certa “benevolência”, em oposição, por exemplo, à violência
praticada nos regimes segregacionistas britânicos nos Estados Unidos e na África do Sul
(REINHARDT, 2014, p. 330).
Os anos entre 1920 a 1960 ficaram marcados pelo período de institucionalização da
Antropologia na Europa e nos Estados Unidos e pela consolidação do trabalho etnográfico
inicialmente desenvolvido por Malinowski. As sociedades africanas tiveram um papel central
nesse momento pois eram o alvo preferencial do grupo mais consolidado de antropólogos que
fazia pesquisa de campo: a escola da antropologia social britânica. Esse grupo se tornou
hegemônico nas pesquisas etnográficas primeiro porque a direção de Malinowski e, depois, a
de Radcliffe-Brown, promovia uma capacidade única de agregar pupilos para trabalhos de
campo tal qual idealizaram os filósofos empiristas de longas datas; segundo, e muito
importante, porque eles possuíam vínculos com os “governos indiretos” britânicos na África
(REINHARDT, 2014, p. 333).
Em 1932 a Rockfeller Foundation ofereceu dinheiro ao recém criado Institute of
African Languages and Cultures para executar um projeto que visava reduzir a disparidade
entre o conhecimento antropológico e as políticas coloniais. A Antropologia era considerada
“fonte subutilizada de conhecimentos administrativamente úteis sobre as sociedades africanas”
(Idem ibidem).
Nesse sistema da Rockfeller Foundation a Antropologia funcionaria com papel
duplo. Passaria a absorver os princípios do governo indireto, pelas instituições nativas, e
responderia à preocupação do “desenvolvimento”, justificativa das políticas coloniais britânicas
no pós-guerra (Idem ibidem). Novamente se coloca o papel ambíguo da Antropologia
Desse modo, percebemos que a questão cultural está imbricada na construção do
conhecimento antropológico e que perpassa toda sociedade, sendo a Antropologia a ciência que
estuda os fundamentos do comportamento humano, pode atuar como catalisador das ideologias.
O tema das identidades étnico-raciais no Brasil é complexo pois aqui tentou-se construir uma
38

ideia de identidade nacional baseada na miscigenação pacífica, negando a existência de tensões


entre as raças formadoras da nossa sociedade.
Assim, a segunda substância teórica desse texto abordará, principalmente, como
ideia da mestiçagem foi incorporada pela sociedade brasileira e teve, no seu componente
cultural, um fundamento para desenvolver o mito da democracia racial, a falsa ideia do contato
pacífico entre colonizador e colonizado e o apagamento da herança cultural negro-africana e
ameríndia.
Ademais, identidade étnico-racial é uma categoria que se submete à lógica pré-
estabelecida de funcionamento da sociedade e se a nossa sociedade em algum momento aderiu
a parâmetros estéticos, estilísticos, literários, arquitetônicos, artísticos, entre outros, baseados
num caráter “antinegro” e “anti-índio”, isso reverbera até hoje.
Veremos adiante que o “mestiço” ideal, o que passou pelo processo de mestiçagem,
na realidade é aquele que representa o ideal de branco brasileiro, descrito por Schucman (2012,
p. 84) como encardido, e por Cardoso (2020, p. 42) como a branquitude “mais preta”.

3.1. Rediscutindo a Mestiçagem

É imprescindível refletirmos sobre como as ideologias de mestiçagem atuaram no


Brasil e como vem sendo absorvidas socialmente dentro das múltiplas visões, teorias e
simbologias. Esse movimento se faz necessário primeiro porque a ciência acolheu, entre o
século XIX e o início do século XX, pseudoteorias de pureza racial e eugenia.
Segundo o ideal de branqueamento foi engendrado na sociedade brasileira e teve o
apoio do Estado e de intelectuais de prestígio. Por isso torna-se central entendermos quais as
circunstâncias que conduziram a um projeto político de nação que se pretende embranquecida.
Terceiro o Brasil teve uma peculiaridade em relação aos demais países da rota
colonizatória: aqui o contato entre colonizadores e colonizados foi visto como harmonioso,
tanto de um modo geral, no senso comum, quanto de um modo particular, na ciência. A busca
por uma identidade nacional mestiça fez com que o mito da democracia racial prosperasse e a
crença de que a colonização se deu de forma harmoniosa fortaleceu a falsa ideia de que o Brasil
é um “paraíso racial”.
Quarto a abordagem racialista (GUIMARÃES, 1995, p. 43) da mestiçagem ganhou
espaço no Brasil e os pressupostos ideológicos por ela introduzidos perduram até os dias atuais.
Portanto, o significado de ser “branco”, “negro”, “indígena”, “amarelo”, “mestiço”, “moreno”,
“mulato”, “caboclo”, “cafuso”, ou simplesmente ser “um homem de cor”, invariavelmente
39

suscita-nos caracteres biológicos que evidenciam e impõem elementos identificadores da raça


de maneira contundente.
Sabemos que a mestiçagem não pode ser concebida como um fenômeno
estritamente biológico. Não se trata apenas de um fluxo de genes entre populações
originalmente diferentes (MUNANGA [2004], 2019, p. 22). Daí a necessidade de
desambiguação do termo, identificando suas características culturais, intelectuais e políticas.
A mestiçagem como ideologema foi discutida por Figueiredo (2007, p. 65) ao
apresentar a visão de José Martí (1853-1895) sobre o conceito, no texto Nuestra América. Para
Figueiredo, Martí, ao definir a América Latina como mestiça em oposição à América anglo-
saxônica, transforma a mestiçagem num ideologema que busca dar valor positivo àquilo que
parecia fonte de conflito entre as elites letradas da época. Segundo Martí, a diferença entre os
Estados Unidos e a América Latina residiria na maneiro como cada subcontinente tratou seu
Outro: os norte-americanos praticaram o genocídio contra os índios e isolaram os negros,
enquanto os latino-americanos absorveram em seu sangue esse Outro (MARTÍ, 2005, p. 18).
Segundo Amaryll Chanady, Martí vê a América mestiça como um exemplo de
heterogeneidade integrada e harmoniosa. Enquanto a América do Norte, para ele, é uma
sociedade que se caracteriza pela marginalização e por estruturas de poder hierarquizadas
(CHANADY, 2000, p. 24).
A teoria da raça cósmica de José de Vasconcelos (1882-1959), autor do livro La
raza cósmica (1925), construído em torno do eixo que opõe a América Latina aos Estados
Unidos, tentando justificar a superioridade da primeira em termos espirituais em contraposição
à supremacia econômica do país do Norte (FIGUEIREDO, 2007, p. 67). Sua perspectiva é
semelhante à de Martí pois condena a colonização anglo-saxã por ter recusado a miscigenação
com os indígenas e negros e exalta a colonização espanhola por ter criado a mestiçagem
(VASCONCELOS, 19920, p. 96).
Cabe destacar ainda que o conceito de mestiçagem no Brasil liga-se diretamente à
obra de Gilberto Freyre, em especial a partir do lançamento de Casa Grande & Senzala, que
acompanhou o esquema analítico baseado no contraste entre os Estados Unidos e a América
Latina, no caso de Freyre, especificamente o Brasil. O autor parte de uma premissa fundamental
apreendida a partir dos estudos que realizou na Universidade de Columbia (Estados Unidos),
acompanhado por Franz Boas, seu professor: raça e cultura são fenômenos distintos
(FIGUEIREDO, 2007, p. 69). Assim escreve no prefácio
à 1ª edição da obra:
40

Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura; a discriminar entre


os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais, de herança
cultural e de meio. Nesse critério de diferenciação fundamental entre raça e cultura
assenta todo o plano deste ensaio. Também no da diferenciação entre hereditariedade
de raça e hereditariedade de família (FREYRE, [1933] 2017, p. 32).

Baseado em Spengler, Freyre destaca a influência do meio físico na transformação


dos imigrantes e afirma, segundo Figueiredo (2007, p. 69), que o português, ao se adaptar ao
novo meio, tornava-se quase uma nova raça: “Distanciado o brasileiro do reinol por um século
apenas de vida patriarcal e de atividade agrária nos trópicos já é quase outra raça, exprimindo-
se noutro tipo de casa” (FREYRE [1933], 2017, p.35).
Dos citados, gostaria de insistir um pouco mais no pensamento de Gilberto Freyre
pois sua concepção, identificada como neo-lamarckiana por Souza (2000), de que a raça pode
ser recriada a partir de condições bioquímicas específicas, revela o quão ambíguo o conceito se
tornou.
(...) De condições bioquímicas talvez mais do que físicas; as modificações por
efeito possivelmente do meio, verificadas em descendentes de imigrantes - como
nos judeus sicilianos e alemães estudados por Boas nos Estados Unidos - parecem
resultar principalmente do que Wissler chama de influência biochemical content (...)
Admitida a tendência do meio físico e principalmente bioquímico (biochemical
content) no sentido de recriar à sua imagem os indivíduos que lhe cheguem de
várias procedências (...) (FREYRE, [1933], 2017, p. 35, grifo meu).

Sob esse prisma, a mestiçagem pode aparecer associada a condições naturais, em


parte dissociada da natureza cultural que a cria.
A verdade é que o conteúdo trazido pelos conceitos de mestiçagem é diretamente
afetado “pelas ideias que se fazem dos indivíduos que compõem essas populações e pelos
comportamentos supostamente adotados por eles em função dessas ideias” (MUNANGA,
[2004] 2019, p. 22). Esse fenômeno, portanto, não deve ser pensado de forma desassociada do
seu caráter cultural e relacional.

3.2. Pseudoteorias
Analisar fenômenos humanos nos faz acionar um conjunto de valores pré-
estabelecidos os quais chamarei aqui de crença. Ao longo da história, crenças foram tomadas
como verdade, seja pela importância da pessoa que as enunciam, seja pelo espaço de poder que
essa pessoa ocupa ao enuncia-las, seja pela força das crenças para a coletividade.
41

Crenças derivam das formas de ver o mundo e dependem do ethos13 cultural.


Derivam do que é corriqueiro e habitual e em geral, confundem-se com o nosso próprio agir.
As crenças muitas vezes dificultam a interpretação da realidade, mas por motivos
diversos podem ser convertidas em verdade, pelos atores presentes nos espaços de legitimação
do saber.
Ideias de pureza racial e eugenia emergiram em momentos específicos nos quais
instituições e atores sociais estavam imersos em crenças que definiam suas convicções morais
e filosóficas. Um exemplo é a teoria da desigualdade entre as raças em voga no período. O
mundo se organizava com base na escravidão e o sistema convertia pessoas em mercadorias.
Precisava-se justificar porque alguns corpos eram submetidos a isso e outros não.
Teoria e sociedade são uma coisa só. Uma faz parte da outra. Elas se influenciam
mutuamente num processo dialético. Quero dizer que na sociedade na qual emerge uma teoria,
existem crenças que se tornam verdades universais. Se os atores e instituições estiverem
imbuídos nesses valores rigidamente, crenças viram teorias.
O paradigma eugenista era baseado na ideia de que a diferença entre as raças
derivava de diferenças físicas e morais entre as pessoas. Numa sociedade escravista, onde o
trabalho era compulsório para alguns e facultativo para outros, pureza racial e eugenia foram
doutrinas explicativas muito úteis. Ou seja, o sistema escravista demandava uma explicação.
Não obstante o fato de que as pseudoteorias que descreverei a seguir eram verdades
científicas quando foram enunciadas, utilizo o prefixo pseudes + teoria, para indicar que as
doutrinas de pureza racial e de eugenia são narrativas que se baseiam em ideias falsas. Foram,
durante um período histórico, crenças tomadas como verdade e recepcionadas pela ciência num
período específico, sendo utilizadas como instrumento de (re)produção das estruturas coloniais.
3.2.1 Pureza racial
A doutrina de pureza racial foi desenvolvida entre 1853 e 1855 pelo conde Arthur
de Gobineau e aponta que o fator da degenerescência de alguns povos mestiços seria o principal
motivo para derrocada e o desaparecimento de civilizações miscigenadas inteiras (MUNANGA
[2004], 2019, p. 45). Contudo, quando Gobineau lançou o Essai sur l’inégalité des races
humaines14 (1853-1855), ao contrário do que se pensa, o trabalho não teve repercussão
imediata.

13
O termo éthos está sendo utilizado no sentido original do grego, conforme utilizado por Ésquilo (525-456 a.C),
e refere-se ao modo de ser e estar no mundo. Nos remete à tradição, aquilo que é habitual ou corriqueiro.
14
Doravante denominarei apenas de Essai.
42

O Essai foi redescoberto postumamente, nos anos finais do século XIX, e


influenciou a discussão sobre o conceito de raça que estava impregnado por sugestões
fenotípicas. A teoria de Gobineau foi absorvida no Brasil nessa época através dos estudos do
médico baiano Raimundo Nina Rodrigues, que teorizava sobre a associação da degenerescência
do povo brasileiro à mestiçagem.
Nesse período o paradigma das ciências naturais tornava-se hegemônico e crescia
o número de explicações das relações humanas segundo um elemento pretensamente biológico:
a raça (GAHYVA, 2011, p. 502). O trabalho de Gobineau teve destaque no que se
convencionou chamar de doutrina racialista.
Doutrina racialista aqui será compreendida como um discurso científico, suportado
por uma formulação doutrinária que, pela sua natureza epistêmica, é capaz de embasar um
programa político discriminatório. Desse modo, divirjo da posição assumida por Gahyva (2011,
p. 515), Taguieff (2002, p. 15) e Todorov ([1989], 2005, p. 115) que, de certo modo, isentam a
doutrina racialista de responsabilidade política sobre um programa político racista, admitindo
a possibilidade de redução do racismo a uma “variação comportamental da ideologia racialista”
(GAHYVA, 2011, p. 515).
Um dos pressupostos básicos da teoria de Gobineau é a pureza racial. Segundo ele,
haveria, entre os brancos, grupos de indivíduos que seriam considerados “puros” e cuja pureza
estaria associada às linhagens germânica e nórdica. Esses, contudo, já não seriam mais
totalmente “puros” pois teriam se misturado com outros grupos, motivo pelo qual teriam se
formado as raças inferiores, em estado de degenerescência, graças à herança genética mestiça,
inferior à do branco “puro” (CARDOSO, 2014, p. 50).
A conclusão de Gobineau influenciou parte da elite intelectual brasileira no século
XIX, em especial Nina Rodrigues. Segundo Cardoso (2008, p.41) esse autor foi um dos
primeiros intelectuais brasileiros a se colocar inequivocamente no lugar do branco que assume
o negro brasileiro e o africano como objeto de pesquisa.
Os trabalhos de Nina Rodrigues foram considerados seminais para a Antropologia
Brasileira, sobretudo seus estudos pioneiros sobre africanos e afrodescendentes no Brasil. Esses
trabalhos foram compilados por Homero Pires em Os africanos no Brasil e lançados
postumamente em 1933, mesmo ano de lançamento de Casa Grande & Senzala, de Gilberto
Freyre. Neste trabalho é possível perceber a visão de Nina sobre uma suposta inferioridade
cultural da raça negra, que teria se constituído como um dos fatores da inferioridade do povo
brasileiro (RODRIGUES [1933], 2010).
43

A aproximação do pensamento de Nina ao de Gobineau aparece no seu trabalho


Mestiçagem, degenerescência e crime, no qual apresenta, a partir da observação direta de casos
clínicos, uma análise médico-racial que relaciona os diagnósticos patológicos às tábuas
genealógicas dos indivíduos. Nesse trabalho Nina Rodrigues criou associações entre uma
suposta tendência à degenerescência da população mestiça relacionada à sua herança genética.
Sendo médico e considerando o paradigma hegemônico do período que absorvia das ciências
naturais a ideia de um “determinismo biológico”, o trabalho de Nina de tentar associar o estado
de capacidade social de uma população ao exame da sua capacidade biológica relacionava sua
abordagem a esse campo (RODRIGUES [1899], 2008).
Além dos estudos racialistas de Gobineau, a sociedade brasileira também foi
influenciada pelas ideias do darwinismo e do evolucionismo cultural, introduzidas no mesmo
período. Ao alcançar o Brasil, essas perspectivas vão sendo reinterpretadas à nossa realidade e,
ao somar-se a outras, vão influenciar discussões sobre possibilidades de melhoramento ou não
da raça, a partir de um ideal de branqueamento da população.
O darwinismo está relacionado à ideia de evolução biológica das espécies a partir
do princípio da seleção natural, tendo como marco a publicação, em 1859, do livro do
naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), On the Origins of Species by Means of Natural
Selection; or, The Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life [sobre a origem das
espécies por meio da seleção natural; ou, a preservação das raças favorecidas na luta pela
vida]. Darwin argumentou que as espécies existentes haviam se desenvolvido lentamente a
partir de formas de vida anteriores, e apontou como mecanismo principal desse processo a teoria
da "seleção natural" através de variações acidentais. O impacto do livro de Darwin foi enorme,
estendendo-se para além de seu campo científico específico, influenciando a Teologia, a
Filosofia, a Política e também a nascente Antropologia.

3.2.2 Eugenia
A segunda pseudoteoria foi apresentada em 1883 por Francis Galton, que se propôs
a fornecer bases teóricas para compreender a transmissão dos caracteres entre as gerações e
contribuir para a melhora das características do conjunto populacional (DEL CONTI, 2008, p.
201), e visava selecionar as “melhores” características humanas em detrimento de outras
consideradas degenerativas, geralmente associadas aos povos africanos, asiáticos e ameríndios.
A eugenia foi apresentada como “a ciência que lida com as agências sociais que
influenciam, mental ou fisicamente, as qualidades raciais das gerações futuras” (GALTON,
44

1906, p. 3) teve, tal qual a teoria da pureza racial, boa recepção entre intelectuais brasileiros,
influenciando programas políticos de embranquecimento da população.
Galton acreditava que a raça humana poderia ser melhorada caso fossem evitados
cruzamentos indesejados o que acompanhava o sentido racista da eminente burguesia europeia
da época. O seu primeiro livro de relevância científica foi Hereditary Genius (1869). A sua tese
afirmava que um homem notável teria filhos notáveis. O termo eugenia passa a ser cunhado
efetivamente apenas em 1883 na obra Inquires into Human Faculty and Its Development.
No Brasil, em 1918 foi fundada a Sociedade Eugênica de São Paulo, com 140
membros, a maioria composta pela elite médica do país. Entre os integrantes estavam figuras
de renome: Afrânio Peixoto, Juliano Moreira, Fernando Azevedo e o influente escritor Monteiro
Lobato. O movimento eugênico organizou o Congresso Brasileiro de Eugenia e uma publicação
periódica, o Boletim de Eugenia, que circulou entre 1929 e 1934 (SOUZA, 2016).
No início dos anos 1930 foi fundada a Comissão Central Brasileira de Eugenia,
instituição que agregava eugenistas e psiquiatras, com o intuito de assessorar o governo
brasileiro em assuntos de políticas públicas eugênicas. Destacaram-se como lideranças desse
movimento Renato Ferraz Kehl e Edgard Roquette-Pinto, médicos formados no início do século
XX pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e que dedicaram suas carreiras ao estudo da
“questão” racial. Entre os membros deste colegiado estavam ainda: Arnaldo Vieira de Carvalho
(fundados da Faculdade de Medicina de São Paulo), Vital Brazil Mineiro da Campanha
(fundador do instituto Butantan), Arthur Neiva (sanitarista), Franco da Rocha (psiquiatra) e
Monteiro Lobato (escritor). Vale ressaltar ainda que o escritor patrocinou as primeiras
publicações do movimento: Annaes de Eugenia, lançados em 1919. Ambos mantiveram contato
com antropólogos e eugenistas estrangeiros, tais como: Francis Galton, Eugen Fischer, Leonard
Darwin. A ligação dos eugenistas brasileiros com essa tradição científica era sólida, o que
aparecia em suas obras e também nas correspondências que trocavam com esses autores
(SOUZA, 2016, pp. 96-98).

4. Terceira substância: a “questão” ideológica

4.1. O ideal de branqueamento no Brasil

O português, primeiro colonizador do país, também se constituiu enquanto primeira


parte branca da nossa matriz racial. Contudo, o português é um branco miscigenado, assim
considerado por Lourenço Cardoso, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro.
45

Com a tese de que os portugueses descendem biológica e culturalmente de uma


mistura de judeus, mouros e negros, visão difundida pelos ingleses, aprofunda-se a lenda dos
portugueses como degradados, ou seja, menos brancos que os europeus do Norte. Era como se
estivessem posicionados entre os brancos nórdicos e os negros. Uma categoria intermediária.
Os descendentes dos mouros – morenos (SANTOS, 2003, p. 32).
Ao chegar ao Brasil o branco português, o menos branco da Europa, torna-se mais
branco e “civilizado” a partir do contato com outros povos não-brancos os quais são
classificados como “primitivos”. Vejamos então que o não-branco europeu, aquele que é tido
como inferior na Europa, se autodetermina branco no contato com outros “mais-não-brancos”
do que ele. É nesse encontro entre dois sistemas-corpo-mundo, primeiro entre o português e o
“negro da terra”, depois entre o português e o “negro de guiné” que o “negro da Europa” torna-
se branco. Os brancos brasileiros são os descendentes desse branco não-branco que veio
“civilizar” essas terras e essa gente daqui e da África (CARDOSO, 2020, p. 30).
Alguns teóricos demonstraram que alguns desses brancos portugueses, pioneiros na
colonização do Brasil, foram a “ralé” da sociedade portuguesa (WRAY, 2004, p. 339-361). Os
brancos portugueses foram considerados degenerados pois são menos “puros” que os nórdicos
e germânicos, e a sua degenerescência levou-os ao desterro à Américas. Segundo Cardoso
(2020, p. 32) a expressão “branco degenerado” pontua uma hierarquia que existe entre os
próprios brancos e o branco degenera-se ao entrar em contato com povos não-brancos,
degenera-se ao miscigenar com negros e ameríndios.
O branco brasileiro descendente miscigenado do branco português com o indígena
e com o negro também é degenerado por ser mestiço. No período colonial nem o branco
português nem o branco brasileiro encontravam-se no mesmo patamar do branco inglês ou do
branco francês, por exemplo. Além disso, para os ingleses, a separação entre “puro” e “impuro”
foi a base da sua colonização. Logo, portugueses não eram vistos como brancos de verdade pois
possuíam impureza genética e cultural (CARDOSO, 2020, p. 34), haja vista terem tido contato
durante séculos com mouros, árabes, muçulmanos e judeus (cristão novos) na península ibérica.
Em que pese o branco brasileiro ser miscigenado, é a cor da pele que será o fator
predominante para o contraste entre ele, o negro “africano” e o negro “da terra”. Contudo, por
mais clara que seja a cor da sua pele, o branco brasileiro poderá ser considerado não-branco em
comparação com o branco inglês, o branco germânico ou, atualmente, o branco norte-
americano.
Com o processo de modernização tardia em curso no Brasil, lentamente desde o
século XIX, o movimento de imigração europeia consequência da derrocada do sistema
46

escravista por questões econômicas, torna-se significativo para o processo de branqueamento


da população brasileira.
O branco português era considerado atrasado em relação a outros brancos europeus.
No contexto de imigração europeia, iniciado no final do século XIX e que se estendeu pelo
início do século XX, buscava-se o rompimento com o passado colonizador do qual branco
português era representante. Passa-se então a visibilizar o branco imigrante, italiano e alemão,
depois o japonês que, apesar de amarelo, no Brasil passa a ser designado como nipo-brasileiro
e tratado mais próximo do branco que do negro.
O ideal de modernização brasileiro passa a valorizar o branco da imigração e
invisibilizar o branco pioneiro, esquecendo-se do branco que simboliza o atraso (Ibid, p. 41).
Com a imigração italiana e alemã fortalece-se a ideia de que o Brasil está sendo povoados por
brancos “puros” e, por isso, seria uma nação no caminho do desenvolvimento.
Nesse contexto emerge o ideal de branqueamento que contribui para o
esquecimento do branco português. Em resumo, o ideal de branqueamento é um projeto de
nação que se deseja branca (Ibid, p. 42).
Os pressupostos da ideologia de branqueamento são frutos do período em que se
buscava a inserção do Brasil na sociedade de classes. A ideia de progresso, herdada do
evolucionismo cultural e do positivismo, fazia o país adotar como modelo a Europa e os Estados
Unidos da América. A elite brasileira, fortemente influenciada pela perspectiva do “progresso”
do intelectual francês Auguste Comte15 visa adotar modelos de “modernidade” inspirados na
elite intelectual europeia e estadunidense (CARDOSO, 2008, p. 40).
Com isso, embranquecer a nação significa um projeto de evolução, de
desenvolvimento civilizatório. Sair de um país de mestiços a um país de brancos “puros” era
um desafio a ser alcançado por toda e qualquer nação que almeja evoluir. Logo, o ideal de
branqueamento elabora princípios desenvolvimentistas combinados com darwinismo social e
evolucionismo cultural.
A ideia de embranquecer também está relacionada ao desejo de querer ser cada vez
mais “puro”, ou seja, cada vez mais próximo do branco germânico ou nórdico. A mestiçagem

15
Em 1848 Auguste Comte criou uma “Sociedade Positivista”, que angariou grande número de seguidores. Entre
1851 e 1854, publicou os volumes do “Sistema de política positivista”, cujas idéias viriam fundamentar várias
correntes de pensamento político, em vários países. No Brasil a influência do positivismo de Comte traduziu-se
não só no ideário dos republicanos, mas nas ações políticas que acompanharam a proclamação da República. Entre
elas, a separação entre Igreja e Estado, o estabelecimento do casamento civil, o fim do anonimato na imprensa e a
reforma educacional proposta por Benjamin Constant (Dicionário de Sociologia 2002 apud CARDOSO, 2008,
p.40).
47

só é tida como degenerescência quando introduz nos cruzamentos interraciais indivíduos de


linhagem “primitiva” ou “selvagem”, no caso de negros e indígenas.
Quando se tratam de cruzamentos entre brancos, mesmo que um dos dois seja
mestiço, é possível “purificar” a raça. Ou seja, para o ideal de branqueamento, no cruzamento
entre brancos existe a possibilidade de a descendência ser cada vez mais branca, mais “pura” e,
consequentemente, quanto mais puro mais “moderno”, “avançado” e “evoluído”.
Quanto mais branco, melhor!
Na virada para o século XX, com a derrocada do sistema escravagista e a
urbanização precária por qual passava o Brasil, uma massa de negros, mulatos, caboclos e
mestiços, de um modo geral, que antes eram escravizados, passaram a representar a ocupar os
centros urbanos e representar degenerescência nas cidades. Seguindo os princípios de
branqueamento populacional, com a introdução de uma massa de brancos “puros” no Brasil, a
partir da imigração europeia, a população negra e indígena entraria em extinção graças, pois se
pensava que a raça branca predominaria, por ser superior. O desaparecimento do preto, pardo,
mulato, mestiço, pele vermelha, indígena, ameríndio, esses herdeiros da escravidão, se daria
pela mistura com o branco “puro” que se tornaria cada vez mais numeroso.
Nesse sentido o ideal de branqueamento fundamenta-se na ideia da superioridade
branca e a consequente inferioridade negra. Com o fim da escravização no final do século XIX
e a emergência do trabalho livre, os brancos imigrantes tornaram-se desejados pois eram
considerados superiores para fins de trabalho nas cidades e indústrias que timidamente se
formavam no país. Assim, espanhóis, alemães e, sobretudo, italianos vieram ao Brasil durante
e pós o período da abolição para substituírem o negro no mercado de trabalho. Nessa lógica do
branco como regenerador da raça, o negro praticamente acaba sumindo nas famílias em que
entra em contato com o branco. Seja ele o branco português (primitivo) ou o branco imigrante
(moderno).
Nos primeiros anos do século XX o ideal de branqueamento teve forte esteio
político e institucional quando foram fundadas entidades eugênicas no Brasil. Aqui não só se
reuniu o maior número de adeptos da América Latina, como também passamos por um processo
de institucionalização da eugenia.
A ideologia do branqueamento foi fortalecida nesse período por intelectuais como
Silvio Romero, Oliveira Viana e João Batista Lacerda, que sustentaram a hipótese de que a
sucessiva mistura de raças, com a introdução do elemento branco-puro, o branco-branco
(branco nórdico ou germânico), conduziria a diluição da degenerescência negra e indígena no
decorrer das gerações. Ou seja, nessa perspectiva se o mestiço procurar sempre embranquecer
48

ao se relacionar, por repetidas gerações realizando cruzamento com brancos, nunca haveria
retrocesso racial, pois estaríamos sempre caminhando para a pureza da raça com o
embranquecimento (MUNANGA [2004] 2019, p. 49-78).
Cardoso (2008, p. 42) relaciona a perspectiva desses autores ao otimismo da pureza
racial, num sentido de desejar um país branco e pensar nas possibilidades de incentivar o
branqueamento. Foi com apego a esse otimismo que se incentivou a imigração de povos brancos
para o Brasil nos séculos XIX e XX, sobretudo alemães, italianos, japoneses, sírios, libaneses,
austríacos entre outros, considerados povos mais civilizados e mais puros que os negros e
indígenas.
Tanto na defesa da ideia de que o mestiço era o caminho para o embranquecimento
da população brasileira, quanto no incentivo à imigração de brancos, Silvio Romero e João
Batista Lacerda destacavam-se. Nesse período a elite intelectual brasileira, composta sobretudo
por indivíduos letrados, médicos, advogados e políticos brancos, também discutia propostas de
branqueamento para o país, como se pode destacar num texto de Sílvio Romero, transcrito:
Dos três povos que constituíram a atual população brasileira, o que um rastro mais
profundo deixou foi por certo o português; segue-se-lhe o negro e depois o indígena.
À medida, porém, que a ação direta das últimas tende a diminuir, com a internação 16
do selvagem e a extinção do tráfico dos pretos, a influência europeia tende a crescer
com a imigração e pela natural propensão para prevalecer o mais forte e o mais hábil.
O mestiço é a condição para vitória do branco, fortificando-lhe o sangue para habilitá-
lo aos rigores do clima. É em sua forma ainda grosseira uma transição necessária e
útil, que caminha para aproximar-se do tipo superior (Sílvio Romero, 1953 apud
Costa, 2006, p. 179).
Chama a atenção no discurso de Silvio Romero o fato de que com o aumento da
imigração europeia tenderia a crescer a influência branca e, consequentemente, a prevalecer,
por seleção natural, o mais forte e hábil, ou seja, o branco mais “puro”. A ideia contida no
discurso diz respeito ao incentivo da imigração de brancos. Foi essa a política de incentivo à
imigração que fez chegar ao Brasil, naquele período, italianos, espanhóis, alemães e austríacos
e também japoneses (CARDOSO, 2008, p. 43).

4.2. O mito da democracia racial

O fim do sistema escravista, a chegada de imigrantes brancos no Brasil e a


Proclamação da República foram acontecimentos que colocaram uma questão crucial para a

16
Sérgio Costa diz que Silvio Romero faz alusão ao extermínio indígena.
49

intelectualidade brasileira, no final do século XIX e início do século XX: a construção de uma
ideia de nação de caráter moderno e de uma identidade nacional. Para muitos, um país formado
pela pluralidade racial nascida de um processo colonial, teria a mestiçagem como obstáculo à
construção de nação que, naquele momento, se pretendia branca (MUNANGA [2004], 2019, p.
50).
Essa ideia foi reforçada por movimentos teóricos e culturais que exaltaram a
capacidade assimilativa do branco-português como fator determinante da nossa colonização, no
sentido de que a figura mítica do bandeirante, capaz de antropofagizar17 culturas, esteve
presente tanto em obras clássicas do Pensamento Social Brasileiro quanto em eventos artísticos
como a Semana de Arte Moderna de 1922. Esse programa se deu, sobretudo, em desfavor da
cultura negra e indígena que mesmo diversas em sentido amplo, foram tratadas como inferiores
na perspectiva do evolucionismo cultural, predominante no final do século XIX.
O mito baseou-se no fato de que os portugueses, tidos como os mestiços da Europa,
haja vista o contato de séculos que tiveram com os mouros na Península Ibérica, eram os mais
aptos a incorporar as culturas presentes nesse território, e formar uma nova, originalmente
brasileira. Contudo, isso só serviu para invisibilizar e esvaziar o conteúdo semântico das
culturas negra e ameríndia, que se tornaram meras peças ilustrativas, entidades folclóricas.
A ideia de que o branco-português seria o mais apto a realizar a fusão entre culturas,
de forma harmoniosa, também serviu de explicação para a formação da sociedade brasileira.
Em Casa-grande & Senzala, Gilberto Freyre faz uma defesa peremptória dessa explicação ao
mesmo tempo que apresenta uma “concepção neo-lamarckiana" de raça (ARAÚJO, 1993, p. 39
apud SOUZA, 2000, p. 70), fetichizada por um olhar sexual sobre a relação do branco-
português com os demais elementos constituintes do povo brasileiro.
A defesa de Freyre ([1933], 2017, p. 70-1) parte da premissa de que a miscibilidade
foi a principal característica do povo português que aqui “foi misturando-se gostosamente com
mulheres de cor logo ao primeiro contato”, reproduzindo um contato que já havia ocorrido na
Península Ibérica entre o branco europeu e a figura mítica da moura-encantada que, envolta em

17
A noção de antropofagia aqui empregada remete ao conceito de Oswald de Andrade em A utopia antropofágica.
Considerando a simultânea de múltiplos significados e tendo em mente que o uso da palavra ''antropófago”, ora
emocional, ora exortativo, ora referencial, faz-se nesses modos da linguagem e em duas pautas semânticas, uma
etnográfica, que nos remete às sociedades primitivas, particularmente aos tupis de antes da descoberta do
Brasil; outra histórica, da sociedade brasileira, a qual se extrapola, como prática de rebeldia individual, dirigida
contra os seus interditos e tabus, o rito antropofágico da primeira (ANDRADE, 1990, p. 16, grifo meu). Ou seja,
a perspectiva antropofágica exalta a relação dos ameríndios antes da chegada do branco português e toma como
referência justamente essa chegada. A capacidade para romper interditos e tabus da sociedade colonial se faz na
forma de “rito de rebeldia individual” do bandeirante “nativo”, que pratica a antropofagia do primitivo e constrói
uma nova ordem livre e brasileira.
50

misticismo sexual, teria o seu correspondente brasileiro na mulher ameríndia. Essa


esteriotipação sexualizada da figura indígena feminina também encontra esteio no romance de
1865, Iracema, de José de Alencar (1829-1877).
Tanto o olhar fetichizado do contato entre as raças quanto a exaltação da capacidade
de hibridização do branco-português aparecem em conjunto na ideia de que nossa cultura foi
formada por encontros sexuais entre o colonizador oficial e os demais imigrantes, os negros e
indígenas. Isso aparece na perspectiva de Freyre quando faz referência ao europeu que “saltava
em terra escorregando em índia nua” (FREYRE [1933], 2017, p. 161, grifo meu) ou ao
“conquistador europeu que veio encontrar-se em nossas praias com a sensualidade do índio”
(Ibid, p. 168, grifo meu).
Repete-se quando coloca a “colonização do Brasil como um esforço de
portugueses” (ibid, p. 276, grifo meu) e indica que “ao sangue do colonizador oficial logo se
misturou livremente o de europeus das mais variadas procedências” (Idem, ibidem, grifo
meu). A ideia também é reforçada quando se refere às mulheres que, segundo ele, “as primeiras
a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que
supunham deuses. Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho” (Ibid, p. 161,
grifo meu).
Ora, para Freyre a nossa mistura de raças não poderia ser explicada de outra forma
senão pela impávida impulsividade do aventureiro colono, amaciada pela docilidade,
ingenuidade e sensualidade indígena e africana, amalgamados pelo sexo fácil.
Romântico, porém, falso!
Essa romantização do contato entre raças leva a ideia de que a colonização brasileira
foi menos perversa para negros e indígenas quando comparada a outros países. Porém essa
falácia geralmente justifica-se com outra, a de que aqui teria ocorrido um processo de
assimilação cultural.
Na política colonial praticada no século XIX na África, por exemplo, a assimilação
é o processo pelo qual o negro colonizado devia adotar a cultura do branco colonizador, para
nela se integrar. No Brasil colônia essa ideia foi implantada de modo seminal. Contudo, essa
política não passou de uma manifestação, pois o negro assimilou a cultura do branco, mas o
oposto não aconteceu (MUNANGA [2009], 2019, p.75).
A tese é reforçada ainda pela perspectiva duvidosa de que na sociedade brasileira
também ocorreu um processo de aculturação18, ou seja, uma influência recíproca entre as

18
Conceito muito controvertido, significa essencialmente que, na situação de contato entre portadores de culturas
diferentes, elas influenciam-se reciprocamente, o que sem dúvida modifica, se o tempo for suficiente. Georges
51

culturas. Em que pese a ideia de influência recíproca, sendo a cultura portuguesa europeia, tida
como “superior” em relação à cultura dos negros e indígenas, ela foi adotada como padrão
hegemônico, em termos institucionais, políticos, jurídicos, religiosos etc.
Nesse sentido, a ideia do contato harmonioso entre as raças jogou uma cortina de
fumaça nos problemas reais da colonização escravista no Brasil, o que reverberou intensamente
no campo teórico, produzindo o que ficou conhecido como mito da democracia racial, que
serviu de explicação base para certas (in)compreensões da realidade social brasileira.
Quando falamos então que a democracia racial brasileira é um mito, estamos
indicando que existe uma falsa ideia, que foi defendida por intelectuais brasileiros, de que o
contato entre colonizador e colonizado aqui foi mais pacífico do que em outros países da rota
colonizatória, devido a tal capacidade de hibridização do branco-português.
Carlos Moore (2007, p. 24) chama o mito-ideologia da “democracia racial” de
autoengano que, “graças aos esforços perseverantes de décadas do movimento social negro
brasileiro uma parte da sociedade tem identificado como uma perigosa falsa visão”. Esse
trabalho tem o mesmo compromisso, qual seja, tentar revelar o quão prejudicial essa ideologia
se tornou para a sociedade brasileira.
Ao contrário do que se pensa, o termo “democracia racial”, atribuído originalmente
a Gilberto Freyre19, não se encontra nas suas obras mais famosas e só vem aparecer na literatura
por volta dos anos 1950. Guimarães (2001, p. 2), após consulta em livros publicados, buscou
traçar a cronologia do termo. O autor constatou que a primeira referência teórica à ideia de
democracia racial foi feita por Abdias do Nascimento (1914-2011) em sua fala inaugural ao I
Congresso do Negro Brasileiro, em agosto de 1950:

Observando que a larga miscigenação praticada como imperativo de nossa formação


histórica, desde o início da colonização do Brasil, está se transformando, por
inspiração e imposição das últimas conquistas da biologia, da antropologia e da
sociologia, numa bem delineada doutrina de democracia racial, a servir de lição e
modelo para outros povos e formação étnica complexa conforme é o nosso caso”
(NASCIMENTO, 1950 apud NASCIMENTO, 1968, p. 67).

Balandier faz uma severa crítica ao conceito, mostrando que na situação colonial, caracterizada por uma relação
de forças onde há mais imposição de uma cultura do que reciprocidade, a aculturação quase não existe, mas sim o
que ele chama de déculturation (desculturação) (Idem, ibidem).
19
Ver Souza (2000, p. 136): “Gilberto teria sido o criador do conceito de ‘democracia racial’, o qual agiu como
principal impedimento da possibilidade de construção de uma consciência racial por parte dos negros.”
52

Vale destacar que antes de Abdias, Gilberto Freyre, em uma conferência realizada
na Universidade do Estado de Indiana em 1944, utilizou o termo “democracia étnica”,
referindo-se ao processo catequista dos jesuítas:
(...), mas o seu sistema excessivamente paternalista e mesmo autocrático de educar os
índios desenvolveu-se às vezes em oposição às primeiras tendências esboçadas no
Brasil no sentido de uma democracia étnica e social” (FREYRE, 1947, p. 78).

Contudo, segundo Guimarães (2001, p. 2), a expressão democracia racial aparece


pela primeira vez na literatura acadêmica num texto de Charles Wagley (1913-1991), em 1952.
No primeiro volume de uma série de estudos sobre relações raciais no Brasil patrocinados pela
UNESCO, Wagley escreve na “Introdução”: “O Brasil é renomado mundialmente por sua
democracia racial”. Para Wagley, a discriminação e o preconceitos raciais estariam sob controle
no Brasil, ao contrário do que acontece em outros países (WAGLEY, 1952, p. 7).
Concordo com Guimarães (Ibid idem) que Gilberto Freyre não pode ser
integralmente responsabilizado “nem pela ideia e nem pelo seu rótulo”. Ainda que possamos
identifica-lo como um dos mais fervorosos defensores do mito da democracia racial, ele evitou
nomeá-lo.
O mito se disseminou e fez parecer que o Brasil se constituiu numa sociedade sem
“linha de cor”, onde não existem barreiras físicas, morais ou legais que impeçam a ascensão
das pessoas de cor a cargos oficiais, posições de riqueza e prestígio. A construção mítica de um
Brasil moderno se deu a partir do mito de aqui é um “paraíso racial”. Posso dizer que se trata
de um paraíso “artificial” pois a falsa ideia de uma sociedade sem preconceitos e sem
discriminações raciais não se confirma na prática, apesar de ter sido bastante difundida na
Europa e nos Estados Unidos, mesmo antes da emergência das Ciências Sociais no país.
Assim, foi a partir de determinado momento, por volta de meados dos anos 1950,
quando se deu continuidade ao projeto de nação brasileira moderna e à construção de uma
identidade nacional, que a democracia “étnica” referida por Freyre em 1944 transforma-se
rapidamente em democracia racial, em oposição aos contundentes conflitos raciais nos Estados
Unidos e na África do Sul.
Gonzalez (1984, p. 224) questionou sobre os motivos pelos quais o mito da
democracia racial foi tão aceito e teve tanta divulgação no Brasil. Para ela “o racismo se
constitui como a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira”. E assim se faz, pois,
a lógica da dominação infligida pelo racismo aos negros e indígenas tem uma dimensão
psicanalítica, aquela que se refere à domesticação a partir da (des)classificação. A infantilização
53

é um dos processos pelo qual a dominação objetiva se subjetiva num eterno retorno colonial.
Ou seja, o local do negro e do indígena devem ser sempre a miséria.
Bento ([2002], 2020, p. 148), ao citar Hasenbalg (1979), aponta que a ideologia da
democracia racial brasileira traz no seu cerne a negação do preconceito e da discriminação,
além da isenção do branco e a culpabilização dos negros. De fato, essa negação vem à tona
quando, individual ou coletivamente, não estamos prontos para enfrentar determinada
realidade, seja pelo fato de não nos vermos como sujeitos de determinadas ações, nesse caso
sujeitos do racismo, seja pelo fato de termos interesses que nem sempre podem ser explicitados.

4.3. Em busca do conceito de identidade étnico-racial

A identidade é um elemento presente em todas sociedades humanas. Qualquer


agrupamento humano possui um sistema de valores, o qual denominarei sistema axiológico. O
conjunto de representações simbólicas criadas pela coletividade humana seleciona
determinados aspectos específicos de sua cultura para autodeterminar-se em contraposição ao
Outro.
O conceito de identidade, contudo, é dinâmico e orientado histórica e politicamente
a partir do conjunto de forças sociais existentes e do equilíbrio e desequilíbrio das relações de
poder que constituem as instituições humanas. O que quero dizer é que é um conceito que se
renova, acompanha a dinâmica das estruturas sociais, conjunturas históricas e interesses de
grupos políticos envolvidos.
Na sociedade brasileira, a busca de uma identidade única que, como disse
anteriormente, se pensava branca, apesar dos diferentes pontos de vista, foi preocupação de
diversos intelectuais da primeira República dentre eles os já citados Silvio Romero, Oliveira
Viana, Nina Rodrigues, João Batista Lacerda, Edgar Roquette-Pinto e Gilberto Freyre, e
também outros, tais como Alberto Torres, Euclides da Cunha e Manuel Bonfim. O interesse
desse grupo era a definição de uma identidade étnica brasileira, ou seja, a definição do brasileiro
enquanto povo e do Brasil enquanto nação, todos influenciados pelo determinismo biológico
em voga no fim do século XIX (MUNANGA [2004] 2019, p. 50-1).
A respeito da formação de uma identidade étnica brasileira, o antropólogo Darcy
Ribeiro (1922-1997) entendeu que aqui ocorreu a formação de uma “etnia nacional,
diferenciada culturalmente de suas matrizes fundadoras, fortemente mestiçada” (RIBEIRO,
1995, p. 19). Ocorre que essa ideia de uma nova etnia nacional vem às custas de um processo
continuado e violento de supressão das identidades étnicas dissidentes, ou seja, passa pela
anulação das identificações étnicas dos povos indígenas, negros, europeus, asiáticos etc, e pela
54

indiferenciação em relação às diversas formas de mestiçagens (MUNANGA, [2004] 2019, p.


94).
Ribeiro (1995, p. 132) coloca a questão de saber quando surgiriam os brasileiros
conscientes de si e responde:

Isso se dá quando milhões passam a se ver não como oriundas dos índios de certa
tribo, nem africanos tribais ou genéricos, porque daquilo havia saído, e muito menos
como portugueses metropolitanos ou crioulos, e a sentir-se soltas e desafiadas a
construir-se a partir das rejeições que sofriam, com nova identidade étnico-racial, a de
brasileiros.

Em que pese a questão concreta feita por Darcy, a mesma não foi acompanhada de
uma resposta palpável. Ele não apresenta documentos nem relatos de mestiços brasileiros que
pudesse apontar na direção de que existiam pessoas que tinham tomado consciência da sua
condição de “autênticos” brasileiros. Por outro lado, o autor parece entrar em contradição
quando afirma que a nova identidade seria resultado da opressão das identidades originárias.
O povo brasileiro nasceu originariamente do cruzamento de uns poucos brancos
com multidões de mulheres indígenas e negras. Embora Darcy rejeite o argumento de Freyre
em ver no consentimento desse intercurso sexual entre brancos, negras e indígenas a
configuração de uma “democracia racial”, ele considera que o sistema adotado no Brasil, no
qual não se criou objetivamente uma linha de cor e permitiu a passabilidade dos mestiços claros
à categoria de brancos, foi melhor do que o Apartheid ou Jim Crow20.
Como falei anteriormente, identidade é um conceito dinâmico e, portanto, precisa
ser analisado a luz de conceitos teóricos que deem conta desse dinamismo. O grupo dos Estudos
Culturais, do qual o mito de origem identifica o sociólogo britânico-jamaicano ou jamaicano-

20
Nos Estados Unidos pós-abolição, o uso da violência era uma resposta à reivindicação da população negra pela
livre mobilidade como um direito. De acordo com a historiadora Elizabeth Pryor, a presença negra nos vagões
contrastava com o significado das ferrovias, então associadas ao progresso e sofisticação. A década de 1860, que
marcou uma revolução nos transportes, foi também a década da Guerra Civil e da abolição. Para a população
branca, inclusive, e talvez sobretudo para aquelas pessoas que faziam parte da classe trabalhadora, a presença
negra nos vagões era deslocada desse contexto de modernização. Assim, o Jim Crow era um repertório de leis que
proibiam e criminalizavam a presença negra nos trens, gerando suspeição, vigilância e violência contra pessoas
negras que estavam em trânsito (PRYOR, 2016, p. 46-48). É importante situar que o Jim Crow surge na Região
Norte, ainda na primeira metade do século XIX. Na Região Sul, no pós-abolição, vigoravam de forma específica
leis chamadas de black codes, que passaram a valer logo após a abolição. Michelle Alexander (2017: 66- 73) define
os “códigos negros” como leis criadas logo após o fim da Guerra Civil por elites brancas sulistas movidas por um
forte sentimento de “supremacia branca”. Assim, os “black codes” eram leis que garantiam a permanência do
trabalho forçado e criminalizavam práticas ordinárias da vida de homens e mulheres afro-americanas, sobretudo
dos homens. Após o período conhecido por Reconstrução, que, a partir de 1867 revogou estes códigos negros, o
Jim Crow se estabeleceria no Sul a partir de 1877 na forma de leis que só seriam derrubadas na década de 1960,
com o movimento em prol dos direitos civis (BRITO, 2019, p. 246-7).
55

britânico Stuart Hall (1932-2014) como fundador, oferece elementos teóricos e conceituais que
possibilitam apreender a dinâmica intrínseca ao conceito.
Quando tratamos de identidade, do ponto de vista dos Estudos Culturais, é preciso
atentar para uma série de questões fundamentais para a compreensão de como a dinâmica do
conceito opera no contexto empírico. Primeiro deve-se perceber que existem abordagens
distintas da identidade, que podem ser essencialistas e não essencialistas.
As essencialistas estão ligadas a ideia de que identidade seria algo compartilhado
coletivamente por um conjunto de pessoas e que não se altera ao longo do tempo. Ou seja, uma
abordagem essencialista entenderia que a identidade branca brasileira conserva algo que
permanece perene e pode ser identificado desde a colonização até agora, algo autêntico, parte
de um conjunto cristalino de caracteres que definem a identidade “branca” como algo
reconhecível ao longo da sua trajetória enquanto ideia.
Segundo Woodward (2000, p. 15) o essencialismo pode fundamentar suas
afirmações tanto na história quanto na biologia, para afirmar o conceito de identidade ora como
verdade fixa ora como verdade biológica. No Brasil, podemos considerar que uma abordagem
essencialista da identidade racial, especificamente relacionada à identidade negra, seria
fundamentar a identificação da raça exclusivamente no critério cor e não nas características
fenotípicas, como atualmente é feito em procedimentos de heteroidentificação, por exemplo.
Uma abordagem que considerasse apenas a cor da pele como critério de determinação racial,
ou seja, como elemento de verdade identitária do qual um conjunto de indivíduos compartilha,
deixaria de lado outros marcadores sociais da diferença que implicam preconceito de marca nos
indivíduos de traços predominantemente negroides, como observou Oracy Nogueira, ainda nos
anos 1950 (NOGUEIRA, [1955] 2006). Traços fenotípicos, tais como tipo do cabelo, formato
da boca e nariz, somados à cor da pele, atualmente são critérios utilizados nos procedimentos
de heteroidentificação racial.
Por outro lado, uma definição não essencialista seria guiada a perceber as
diferenças, características comuns e partilhadas entre indivíduos do mesmo grupo e entre eles
e indivíduos de outros grupos raciais. Uma perspectiva não essencialista se interessa em
entender como a definição do que significa ser “negro” ou “branco” tem se alterado ao longo
do tempo por condicionantes históricas, sociais e políticas. Essa investigação aproxima-se desse
tipo de abordagem.
Necessário entender como a identidade funciona, por isso irei contextualizá-la e
dividi-la em suas diferentes dimensões. Desse modo, o tema da identidade branca é apresentado
56

junto com suas ramificações, quais sejam, branquitude crítica e acrítica21, com foco na primeira,
identificando ainda o campo de atuação do conceito, a saber: as políticas de ações afirmativas
do Ministério Público Federal (MPF).
Nesse sentido, argumentarei nesse trabalho que as identidades são formadas e
transformadas no interior das representações sociais. Ou seja, o significado de ser branco,
negro, mestiço, amarelo, árabe, ou outra categoria étnico-racial de autoidentificação ou
heteroidentificação, constitui-se pelo modo como atribuímos o pertencimento a determinada
identidade a partir do que isso representa – com um conjunto de significados – na cultura
brasileira (HALL, 2006, p. 48-9).
Assim, trataremos a identidade étnico-racial como algo que produz sentidos num
sistema de representação cultural, não tão somente como uma característica autodeterminada
biológica ou filosoficamente pelo indivíduo. Mas produzida pela relação que esses indivíduos
tem com a representação simbólica do que é ser o que se diz ser (branco, negro, amarelo ou
indígena), no Brasil.
Assim, na próxima seção buscarei uma aproximação teórica dos conceitos sobre o
conjunto de identidades étnico-raciais predominantes na formação da identidade brasileira. A
partir da identificação de elementos característicos dessas identidades serão apresentados
elementos constitutivos das suas significações nas dimensões biológica e sociocultural.

5. Quarta substância: a “questão” conceitual

A quarta substância teórica que compõe a presente investigação é uma das


justificativas dessa pesquisa.
Historicamente tem sido privilegiada uma série de estudos relativos ao negro-tema
deixando-se de falar, por muito tempo, do branco-tema. Por outro lado, os estudos sobre
branquitude, onde o branco-tema aparece, foram caracterizados por Cardoso (2008, p. 57) como
uma ausência e, ao mesmo tempo, uma emergência recente.
Condições históricas possibilitaram a emergência de um modelo de razão racial em
nossa sociedade que privilegiou focar numa sociologia do negro ou no que se convencionou
chamar de “problema do negro” (RAMOS, [1957] 1995, p. 163).
Para Guerreiro Ramos ([1957] 1995, p. 215), “(...) o negro-tema é uma coisa
examinada, olhada, vista, ora como ser mumificado, ora como ser curioso, ou de qualquer modo

21
Segundo Cardoso (2008, p. 178) “branquitude crítica” é aquela pertencente ao indivíduo ou ao grupo de brancos
que desaprova publicamente o racismo. Em contraposição a essa perspectiva, nomearei “branquitude acrítica” a
identidade branca individual ou coletiva que argumenta a favor da superioridade racial.
57

como um risco, um traço da realidade nacional que chama a atenção”. O autor complementa,
“(...) pode-se dizer que, no Brasil, o branco tem desfrutado do privilégio de ver o negro, sem
por este último ser visto. Nossa sociologia do negro até agora tem sido uma ilustração desse
privilégio” (RAMOS, [1957] 1995, p. 202).
Lourenço Cardoso desenvolve argumentos com base na tese de Guerreiro Ramos:

Efetivamente serão os estudos sobre a branquitude no Brasil que evidenciarão o


“branco-tema” de maneira insofismável” (...) “diante disso, o grau máximo é atingido
quando a “ausência” do branco-tema é tratada como se fosse um dado natural (...) A
emergência do branco-tema relaciona-se com a influência e poder de mobilização do
movimento negro”. (CARDOSO, 2014, p. 97).

O modo como as instituições contemporâneas lidam com a questão racial, em regra,


negligencia a compreensão de como o debate sobre raça, centrado no negro-tema, emergiu nos
empreendimentos teóricos das primeiras décadas do século XX quando nasceram, naquele
contexto, instituições centrais da nossa sociedade (SILVA, 2017, p. 19).
Cardoso (2014, p. 70) ao citar Bento (2002, p. 44), menciona que a epistemologia
do negro possui uma abordagem unilateral e não se pode vincular ao termo “relação racial” já
que não versa efetivamente sobre a relação entre raças, brancos, negros, ameríndios, amarelos
etc, e só trata do problema do negro, invisibilizando, sobretudo, o branco.
Ao pensarmos sobre o fenômeno da miscigenação no Brasil, percebemos que tanto
a abordagem centrada no negro-tema quanto o seu oposto, focada no branco-tema, estão
ancoradas naquilo que Lourenço Cardoso nomeou de “modo de pensar da razão dual racial”.
Ou seja, tanto os estudos sobre negritude quanto sobre branquitude são propostas que seguem
a lógica da oposição binária branco-negro (CARDOSO, 2014, p. 67). Penso que essa posição
assumida por ele decorra de uma sensação peculiar, a qual Du Bois denomina de “dupla-
consciência”, um sentido de sempre olhar a si próprio através dos olhos de outros (DU BOIS,
1999, p.39).
O conhecimento de que a Antropologia, enquanto ramo das Ciências Humanas,
carrega desde a sua emergência no final do século XIX a tradição de estudar o “Outro”
(SANTOS, 2008, p. 137), fez despertar em mim a ideia de tentar tensionar a barreira da dupla-
consciência racial ou da razão dual racial. Pois esse Outro, criado como objeto de estudo, na
grande maioria dos casos, foram integrantes de grupos marginalizados: negros(as), latinos(as),
indígenas, asiáticos(as), ciganos(as), árabes, judeus, pessoas com deficiência, LGBTQIAP+ e
refugiados(as), ou seja, identidades situadas fora do padrão beneficiário do privilégio
epistêmico, qual seja, branco europeu.
58

Desse modo, optar por uma análise que se atenha a aprofundar em qualquer uma
das faces da moeda do pertencimento étnico-racial, seja ela branca ou negra, tem o condão de
corroborar com o modelo de investigação historicamente consolidado. Tal modelo se apoia
sobre a lógica da oposição binária, que foi reforçada pelas Ciências Humanas e pela
Antropologia, que se consolidou como campo de estudos do Outro.
Assim, adotamos aqui uma perspectiva que se apoia na ideia de
complementariedade. Ou seja, argumentamos por uma análise cuidadosa das múltiplas
identidades étnico-raciais que compõem a matriz racial brasileira com um olhar que visa
aprofundar elementos de convergência e divergência, tanto biológica quanto sociocultural, na
relação entre os povos que se mestiçaram no Brasil. Essa perspectiva busca entender como a
miscigenação se deu aqui, para além de um processo físico e material, como um fenômeno
cultural e simbólico, e como essa dinâmica pode ser compreendida dentro da lógica de disputa
pelo poder de representação de determinados símbolos, relacionados às identidades
reivindicadas.

5.1. A identidade branca no Brasil

A produção teórica sobre o branco-tema, quando comparada em termos


quantitativos com os estudos sobre o negro-tema, ainda é tímida. Atualmente vemos sinais de
mudanças nesse panorama e a emergência dos estudos da branquitude tem suma importância
nesse processo.
Assim mostra Kabengele Munanga, ao prefaciar a obra Branquitude, estudos sobre a
identidade branca no Brasil:

Os estudos sobre as relações raciais muito falaram do negro e dos problemas que lhe
foram criados no universo racial brasileiro, mas deixaram de falar de brancos numa
sociedade em que a Branquitude poderia também fazer parte do processo de
transformação social, partindo da hipótese de que os brancos conscientes dos
privilégios que sua cor lhes traz na sociedade poderiam questioná-los e participar do
debate sobre a divisão equitativa do produto social nacional entre brancos e negros.
(MUNANGA apud CARDOSO; MÜLLER 2017, p. 11-12).

Ao lançar olhares sobre o papel da identidade racial branca na superação do


racismo, estudos críticos da branquitude problematizam privilégios raciais e explicitam
vantagens existentes nas relações de poder que historicamente foram escamoteadas, sobretudo
devido ao contingente de análises enviesadas que, no Brasil, focaram no “problema do negro”
(RAMOS, [1957] 1995, p. 163).
Na medida em que se problematiza o local de privilégio racial que o branco assume
na estrutura social, esses estudos contribuem para a percepção de que essa identidade se
59

constitui enquanto elemento ativo nas sociedades colonizadas pela Europa. Como afirma Silva
(2017, p. 21), estudos sobre branquitude

(...) nasceram da percepção de que era preciso analisar o papel da identidade racial
branca enquanto elemento ativo nas relações raciais em sociedades marcadas pelo
colonialismo europeu” (SILVA, 2017, p. 21).

Cardoso (2008; 2014) coloca W.E.B Du Bois, Frantz Fanon, Albert Memmi, Steve
Biko e Guerreiro Ramos como precursores nos estudos sobre branquitude. Esses autores foram
pioneiros ao lançar seus olhares sobre o papel da branquitude nas relações raciais pós-coloniais.
Silva (2017, p. 21) corrobora com Cardoso que foram eles que primeiro chamaram atenção para
os efeitos da colonização e do racismo na subjetividade não só do negro, mas, sobretudo, do
branco.
Em meados do século XX, Guerreiro Ramos traz as primeiras inquietações teóricas
sobre a branquitude no Brasil. Ramos parte da crítica sobre a não existência de uma real
antropologia brasileira. Segundo ele, os estudos raciais no Brasil focaram no problema do negro
e especializaram-se na importação de teorias estrangeiras para isso (RAMOS, [1957] 1995, p.
163). Nesse texto Guerreiro Ramos desvela o fato de que os estudos que historicamente
abordaram o negro-tema foram deduzidos de categorias tiradas da realidade europeia e norte-
americana. O seu trabalho revelou as fragilidades das metodologias utilizadas nos estudos
antropológicos sobre raça no país.
Lourenço Cardoso (2014) demonstra que somente a partir dos anos 2000 os estudos
sobre branquitude emergem de forma mais sistemática (SILVA, 2017, p. 25). Destaca-se nessa
época a tese de doutorado de Maria Aparecida Silva Bento, Pactos narcísicos no racismo:
branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público (2002), a qual
problematiza sobre a urgência de entendermos e atuarmos diante dos impactos que o legado de
branqueamento deixou nas instituições públicas e organizações privadas brasileiras.
De acordo com Silva (2017, p. 26),

“a partir da primeira década do século XXI, o tema branquitude tem chamado cada
vez mais a atenção de novos pesquisadores, o que tem fortalecido o tema,
constituindo-o como campo de pesquisa reconhecido por seus pares”. (SILVA, 2017,
p. 26)
60

5.2. A identidade negra no Brasil

5.3. A identidade indígena no Brasil

5.4. A identidade amarela no Brasil

5.5. A identidade árabe no Brasil

6. Quinta substância: a “questão” real

6.1. Ministério Público Federal

6.2. A instituição e a defesa dos interesses sociais

6.3. Atuação institucional e o combate ao racismo


61

Capítulo 2 – Fundamentos Teórico-Metodológicos Aplicados na Pesquisa


62

Neste capítulo apresentarei as metodologias utilizadas no desenvolvimento da


pesquisa. O percurso metodológico será traçado com base nos fundamentos teóricos
apresentados até que, bem como as técnicas acolhidas como ferramentas analíticas ao longo do
trabalho.
As metodologias utilizadas serão: autorreflexão e Histórias de Vida (HV). A
participação observante e a entrevista etnográfica foram as técnicas selecionadas para o
desenvolvimento do trabalho.

1 Análise Situacional do campo de pesquisa

Será apresentada uma análise situacional do campo de pesquisa, o Ministério


Público Federal brasileiro. Nessa análise serão apresentadas as descrições e percepções de
campo coletadas a partir da técnica da participação observante.
Considerando a referência da técnica da observação participante descrita conforme
o trabalho de Beaud & Weber ([1997], 2007) e levando em conta a minha posição enquanto
servidor efetivo do Ministério Público Federal, atuante nas instâncias executoras das políticas
de ação afirmativa do órgão desde 2019, optei por inverter a designação do termo observação
participante para participação observante, já que o levantamento dos dados de campo e das
descrições anotadas no caderno e no diário de campo foram construídas com base na minha
percepção durante a atuação efetiva como participante das reuniões consultivas e deliberativas
do Comitê Gestor de Gênero e Raça (CGGR), o qual atuei como representante da Comissão de
Raça e Gênero da PR/CE, além das bancas de heteroidentificação as quais participei como
presidente ou integrante, bem como os cursos preparatórios para atuação na temática de gênero
e raça oferecidos pelo MPF. Portanto, nesse trabalho, considerei que a técnica utilizada foi a da
participação observante, dando ênfase a atuação que desempenhei enquanto integrante das
instâncias de promoção da equidade de gênero e raça do órgão.

2 Meu local de enunciação: Sankofa e a autorreflexão

Toda atividade humana possui o traço distintivo da subjetividade, característica que


lhe é peculiar. Daí, ao enunciar o local da onde parte a minha subjetividade, tento tornar
transparente as potencialidades e limitações que existem em ser a pessoa que sou.
Faço uso desse método, tal qual Lourenço Cardoso (2020, p. 123), para alcançar
maior objetividade, pois acredito que quanto mais nos esforçamos para perceber e lidar com
63

“os limites e as possibilidades da história atrelada a produção acadêmica” (CARDOSO, 2020,


p. 123), mais nos tornamos objetivos no que fazemos.
Com isso, não busco aqui uma neutralidade científica, o que julgo, pelo menos por
enquanto, impossível.
Pelo contrário, reconheço o papel da não-neutralidade na pesquisa, do “ser afetado”
(FAVRET-SAADA, 2005, p. 155), e com esse reconhecimento torno-me aberto a possibilidade
da crítica e de lidar com a minha posicionalidade ante o fenômeno estudado.
A ferramenta da autorreflexão será utilizada como estratégia metodológica para
maior objetividade na pesquisa. O reconhecimento de que o pesquisador deve tomar
consciência das suas conclusões, e as implicações da sua trajetória e dos seus próprios
marcadores sociais da diferença na pesquisa.
O processo de autorreflexão será transcrito a partir da técnica da exposição do lugar
de enunciação com o auxílio do fundamento afro-diaspórico de Sankofa.
O ideograma Sankofa pertence a um conjunto de símbolos gráficos de origem do
povo Akan chamado adinkra. Cada adinkra tem um significado complexo, representado por um
provérbio, que expressam conceitos filosóficos. Segundo o professor E. Ablade Glover, da
Universidade de Gana em Kumasi, capital do povo asante, em texto publicado pelo Centro
Nacional de Cultura, o ideograma Sankofa significa “voltar e apanhar de novo aquilo que ficou
para trás” (NASCIMENTO, 2008, p. 31). Aprender do passado, construir sobre suas fundações:
“Em outras palavras, significa voltar às suas raízes e construir sobre elas o desenvolvimento, o
progresso e a prosperidade de sua comunidade em todos os aspectos da realização humana”
(GLOVER, 1969).
Assim, o objetivo dessa autorreflexão é resgatar do passado, a partir de Sankofa, os
atravessamentos por qual passei durante minha trajetória de vida, considerando os marcadores
sociais da diferença presentes na origem social, familiar e étnico-racial, orientação sexual e
identidade de gênero, formação escolar e religiosa, bem como o conjunto das dinâmicas
relações econômicas, políticas, sociais, geracionais e afetivas que contribuíram para o processo
de autoconhecimento e autorreconhecimento durante a aplicação do método.
O desenvolvimento desse recurso metodológico tomará como base a teoria
desenvolvida por Haraway (1995), Favrett-Saada (2005) e Domingos (2017; 2020).

3 Histórias de Vida (HV)

Serão realizadas 5 entrevistas etnográficas com pessoas autodeclaradas, branca,


amarela, preta, parda e indígena, preferencialmente atuantes nas ações afirmativas do órgão.
64

Com isso busca-se um recorte empírico que permita uma visão que é ao mesmo tempo particular
e geral, pois elucidará a percepção de cada indivíduo a partir da sua trajetória de vida
considerando a categoria cor/raça de identificação. As entrevistas serão baseadas no método
das HV, as quais serão cotejadas com o auxílio de categorias afro-brasileiras, usadas como
recursos analíticos da pesquisa.
A primeira categoria analítica será Sankofa, já detalhada anteriormente. As demais
serão Exú/Legbara e Ubuntu que serão desenvolvidas no decorrer da pesquisa. As categorias a
serem desenvolvidas tomarão como base as teorias desenvolvidas por Martins (1997) e
Domingos (2020).
A metodologia de HV utilizada tem inspiração nos trabalhos de Queiroz (1988),
Paulilo (1999), Meksenas (2002).
As entrevistas etnográficas tomarão como base a teoria desenvolvida por Beaud &
Weber (2007).

4 Percepções, memorizações e anotações: Exú e a participação observante

5 Ubuntu, o recurso-chave e a entrevista etnográfica


65

Capítulo 3 – As Matérias
66

1 Primeira Matéria: o olhar de um participante observador

1.1 Descrições e percepções de campo

1.2 Levantamento e análise documental

1.3 Reflexões dos(as) interlocutores(as)

2 Segunda matéria: a percepção dos(as) sujeitos(as) de pesquisa

2.1 Conteúdo das entrevistas etnográficas

2.2 Reflexões próprias e próprias reflexões

2.3 Análises a partir das reflexões dos(as) interlocutores(as)

3 Conclusões parciais
67

REFERÊNCIAS
ALEXANDER, Michelle. A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São
Paulo: Boitempo, 2017.
ANDRADE, Oswald. A utopia antropofágica. Escritos doutrinários de Oswald de Andrade
entre os anos de 1924 e 1953 pertencentes ao Espólio do artista, reunidos por Benedito Nunes.
São Paulo: Editora Globo, Secretaria do Estado da Cultura, 1990.
BALANDIER, Georges. A noção de situação colonial. Tradução de Nicolás Nyimi
Campanário. Primeiro capítulo do livro Sociologie Actuelle de l’ Afrique noire. Dinamique
Sociale en Afrique Centrale. Primeira publicação em 1955. 2ª edição, pp. 107-131, PUF: Paris,
1963. Cadernos de campo n.º 3, 1993. p. 107-131.
BEAUD, Stéphane; WEBER, Florence. Guia para a pesquisa de campo: produzir e analisar
dados etnográficos [1997]. Tradução de Sérgio Joaquim de Almeida. Petrópolis: Editora Vozes,
2007.
BENTO, Maria Aparecida Silva. Branquitude – o lado oculto do discurso sobre o negro. In:
CARONE, Iray; BENTO, Maria Aparecida silva (orgs.). Psicologia Social do Racismo.
Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. [2002]. 6ª edição. Petrópolis: Vozes,
2020. p. 145-162.
__________________. Pactos narcísicos no racismo: Branquitude e poder nas organizações
empresariais e no poder público. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo, Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e
da Personalidade, 2002. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-
18062019-181514/pt-br.php. Acesso em: 29 de set. 2021.
BERQUÓ, Elza; ALENCASTRO, Luis F. A emergência do voto negro. In: Novos Estudos,
33. Cebrap, 1992. p. 77-88.
BODART, Cristiano das Neves; BRUNETTA, Antônio Alberto; CIGALES, Marcelo Pinheiro.
Dicionário do Ensino de Sociologia. Maceió: Café com Sociologia, 2020.
BOULLE, Pierre H. La construction du concept de race dans la France d’ancien régime. In:
Revue Française d’Histoire d’Outre-mer, T. 89, n. 336-337, 2º sem. Paris, 2002. p.155-175.
BRITO, Luciana da Cruz Brito. “Mr. Perpetual Motion” enfrenta o Jim Crow: André Rebouças
e sua passagem pelos Estados Unidos no Pós-Abolição. In: Estudos Históricos, vol 32, n.º 66, Rio
de Janeiro, janeiro-abril, 2019. P. 241-266.
CARDOSO, Lourenço; MÜLLER, Tânia M. P. (org.). Branquitude: Estudos sobre a
Identidade Branca no Brasil. 1ª edição. Curitiba: Appris Editora e Livraria, 2017.
CARDOSO, Lourenço da Conceição. O branco ante a rebeldia do desejo. Um estudo sobre
o pesquisador branco que possui o negro como objeto científico tradicional. A branquitude
acadêmica: Volume 2. 1ª edição. Curitiba: Appris, 2020. 355 p.
__________________. O branco ante a rebeldia do desejo: um estudo sobre a branquitude
no Brasil. 2014. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Faculdade de Ciências e Letras,
Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. Disponível em:
http://wwws.fclar.unesp.br/agenda-pos/ciencias_sociais/3146.pdf. Acesso em: 29 de set. 2020.
__________________. O branco “invisível”: um estudo sobre a emergência da
branquitude nas pesquisas sobre relações raciais no brasil (Período: 1957 - 2007). 2008.
Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Economia da Universidade de
68

Coimbra/Centro de Estudos Sociais, Coimbra, 2008. Disponível em:


https://dlc.library.columbia.edu/catalog/ldpd:504811/bytestreams/content/content?filename=L
OUREN%C3%87O+DA+CONCEI%C3%87%C3%83O+CARDOSO.pdf. Acesso em: 11 de
ago. 2021.
CARRASCO, Carlos José Fávaro. O pensamento socrático: a busca da verdade e sua
influência na investigação policial. 2013. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2013. Disponível em:
https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/6131/1/Carlos%20Jose%20Favaro%20Carrasco.pd
f. Acesso em: 11 de mar. 2022.
CASTRO, Celso (organizador). Evolucionismo Cultural. Textos de Morgan, Tylor e Frazer.
Tradução de Maria Lúcia de Oliveira. Jorge Zahar Editora: Rio de Janeiro, 2005. 59 p.
CASTRO, Mônica M. M. de. Raça e comportamento político. In: Dados, 36(3). Rio de
Janeiro, 1992, p. 469-491.
CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo [1955]. Tradução: Claudio Willer.
Ilustração: Marcelo D’Salete. Cronologia de Rogério de Campos. São Paulo: Veneta, 2020. 136
p.
CHANADY, Amaryll. Nacional Reconciliation and Colonial Resistance: The Notion of
Hybridity in José Martí. Critical Studies. Unforseeable Americas: Questioning Cultural Hybridity
in the Americas. Vol. 13. Ed. By Rita De Grandis and Zilá Bernd. Amsterdam-Atlanta: Rodopi,
2000. p. 21-33.
COSTA, Sérgio. Dois Atlânticos: teoria social, anti-racismo, cosmopolitismo. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2006. 267 p.
_____________________. A Construção Sociológica da Raça no Brasil. In: Estudos Afro-
Asiáticos, Ano 24, n.º 1. Salvador, 2002. p. 35-61.
DANTAS, Higor da Silva; OLIVEIRA, Marcelo Vinícius Faresin de Oliveira; GUARANY,
Vilmar Martins de Moura. Povos indígenas e a garantia do direito à terra no Brasil: Do
período colonial à Constituição Federal de 1988. Artigo extraído da monografia apresentada na
Faculdade de Ciências Contábeis e Administração do Vale do Juruena. Juína, 2014.
DEL CONTI, Valdeir. Francis Galton: eugenia e hereditariedade. In: Scientiae Studia, v. 6, n.
2, São Paulo, 2008. pp. 201-2018.
DIOP, Cheick Anta. A origem Africana da Civilização: Mito ou Realidade [1955]. Tradução
para o português a partir da tradução inglesa de Mercer Cook. Lawrence Hill & Co, 1974.
DOMINGOS, Luís Tomás. África e Diásporas: divergências, diálogos e convergências. 1ª
edição. Curitiba: Appris, 2020. 321 p.
_____________________. Entre estigmas e traumas de violência de colonização e
escravidão: afirmação de identidade afro descendência. Identidade! v. 22 n.2, jul-dez, São
Leopoldo, 2017. pp. 190-208.
DU BOIS, W. E. B. As almas do povo negro. Tradução de José Luiz Pereira da Costa. Rio de
Janeiro: Lacerda, 1999.
FAVRET-SAADA, Jeanne. “Ser afetado”. Tradução: Paula Siqueira. Revisão: Tânia Stolze
Lima. Cadernos de Campo, n.º 13. Araraquara, 2005. pp. 155-161.
69

FIGUEIREDO, Eurídice. Os discursos da mestiçagem: interseções com outros discursos,


críticas, ressematizações. In: Gragoatá, n. 22, 1. Sem. Niterói, 2007. p. 63-84.
FRANÇA, Maria Cristina Victorino; RAMIREZ, Henri; VEGINI, Valdir. Koropó, puri,
kamakã e outras línguas do Leste brasileiro: revisão e proposta de nova classificação. In:
Liames, 15(2), jul-dez, Campinas, 2015. pp. 223-277.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala [1933]. 51ª edição. 10ª reimpressão. São Paulo:
Global Editora, 2017. 727 p.
______________________. Interpretação do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio Editora,
1947.
GAHYVA, Helga da Cunha. “A epopeia da decadência”: um estudo sobre O essai sur
l’inégalité des races humaines (1853-1855), de Arthur de Gobineau. MANA, 17 (3), Rio de
Janeiro, 2011. pp. 501-518.
GALTON, Francis. Restriction in marriage. Sociological Papers, 2, p. 3-17, 49-51, 1906.
Disponível em: <www.galton.org/eugenicist.html>. Acesso em: 05 de fev. 2022.
GAONA, Héctor Tejera. Antropología funcionalista y colonialismo: um análisis de su
relación. In: Boletin de Antropologia Americana, 11(jul), 1985, p. 79-95. Disponível em:
http://www.jstor.org/stable/40977095. Acesso em 20/02/2022.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. (1990). Tradução de Raul Fiker.
São Paulo: Unesp, 1991.
GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. (1993/2001 ed. bras.).
Tradução Cid Knipel Moreira. 2ª Edição (2012). 2ª Reimpressão (2019). São Paulo: Editora 34;
Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012. 432
p.
GLOVER, E. Abade. Adinkra symbolism. Kumasi, Acra, Gana: National Cultural Center; Geo
Art Gallery, 1969.
GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural da amefricanidade. In: Tempo Brasileiro
n.º 92/93 (jan/jun). Rio de Janeiro, 1988. pp. 69-82.
______________________. Racismo e Sexismo na cultura brasileira. Trabalho apresentado
na Reunião do GT - Temas e Problemas da População Negra no Brasil no 4º Encontro Anual
da Associação Brasileira de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais em 31 de outubro
de 1980. In: Revista Ciências Sociais Hoje. Rio de Janeiro: ANPOCS, 1984. p. 223-244.
GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. São Paulo: Contexto, 2003.
GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas:
racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. In:
Revista Sociedade e Estado, Volume 31, Número 1, janeiro/abril, Brasília, 2016. p. 25-49.
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. A questão racial na política brasileira (os últimos
quinze anos). In: Tempo Social, 13(2), novembro, São Paulo, 2001. P. 121-142.
______________________. Democracia Racial: o ideal, o pacto e o mito. Trabalho
apresentado no ST-20 – Teoria social e sociedades pós-nacionais no 25º Encontro Anual da
Associação Brasileira de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais em 17 de outubro de
2001. In: Anais dos Encontros Anuais da ANPOCS. Rio de Janeiro: ANPOCS, 2001. p. 1-22.
70

Disponível em: http://anpocs.org/index.php/encontros/papers/25-encontro-anual-da-anpocs/st-


4/st20-3. Acesso em: 30 de mar. 2022.
______________________. Racismo e Anti-racismo no Brasil. In: Novos Estudos, n.º 43,
novembro. São Paulo, 1995. p. 26-44.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. [1992]. Tradução de Tomaz Tadeu
da Silva e Guacira Lopes Louro. 11ª edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
______________________. Da diáspora. Identidades e Mediações Culturais. Organização de
Liv Sovik. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. 434 p.
HARAWAY, Donna J. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminino o privilégio
da perspectiva. Cadernos Pagu Semestral, n.º 5. Semestral. Campinas, 1995. pp. 07-41.
HASENBALG, C.A. Discriminação e desigualdades sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal,
1979.
HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito [1807]. Tradução de Paulo Meneses com a
colaboração de Karl-Heinz Ekfen e José Nogueira Machado. 2ª Edição. Volume único.
Petrópolis: Vozes, 2003.
______________________. Filosofia da História [1995]. Tradução de Maria Rodrigues e
Hans Harden. 2ª edição. Brasília: Editora da UnB, 2008. 373 p.
JAMES, George G. M. Legado roubado. Universidade de Arkansas, Pine Bluff, 1954.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura [1781]. Tradução de Fernando Costa Mattos. 4ª ed.
4ª reimpressão. Petrópolis: Vozes, 2018.
KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos: princípios da doutrina espírita sobre a imortalidade
da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente,
a vida futura e o porvir da Humanidade [1857]. Tradução de Guillon Ribeiro. 91ª edição. 1ª
reimpressão. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2008. 608 p.
KUPER, Adam. Antropólogos e Antropologia [1973]. Reio de Janeiro: Francisco Alves,
1978.
______________________. Cultura: a visão dos antropólogos [1999]. Bauru: Edusc, 2002.
LAMOUNIER, Bolívar. Raça e classe na política brasileira. In: Cadernos Brasileiros, (47),
1968. p. 39-50.
LIMA, Tânia Stolze. 1996. O dois e seu múltiplo: reflexões sobre o perspectivismo em uma
Cosmologia Tupi. Mana 2(2), 1996. p. 21-47. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-
93131996000200002. Acesso em: 23/02/2022.
LOUKOTKA, Chestmir. La familia lingüistica Kamakan del Brasil. Revista del Instituto de
Etnologia de la Universidad Nacional de Tucumán. Tucuman, 1932. p. 493-524.
MARTÍ, José. Nuestra América. Buenos Aires: Nuestra América Editores, 2005.
MARTINS, Leda Maria. Afrografias da Memória. O Reinado do Rosário do Jatobá. São
Paulo: Perspectiva / Belo Horizonte: Mazza Edições, 1997. 101 p.
MARTINS, Andérbio Márcio Silva. Revisão da família linguistica Kamakã proposta por
Chestmir Loukotka. 2007. Dissertação (Mestrado em Linguística). – Departamento de
71

Linguística, Línguas Clássicas e Vernácula, Universidade de Brasília, Brasília, 2007.


Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/1130. Acesso em: 06 de fev. 2022.
MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia [1950]. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra [2013]. Tradução de Sebastião Nascimento. 3ª
Edição. n-1 Edições. 2019.
MEKSENAS, Paulo. Pesquisa Social e ação pedagógica. São Paulo: Loyola, 2002.
MOORE, Carlos. Racismo & Sociedade: Novas Bases Epistemológicas para a compreensão
do Racismo na História. Belo Horizonte: Maza Edições, 2007. 320 p.
MUDIMBE, V.Y. A invenção da África gnose, filosofia e a ordem do conhecimento. A
tradução de Leonor Pires Martins para língua portuguesa destas partes do livro The Invention
of África. Gnosis, Philosophy, and the Order of Knowledge (Bloomington: Indiana University
Press, 1988. pp. 1-38.
MUNANGA, Kabengele. Identidades, Cidadania e Democracia: algumas reflexões sobre
os discursos antirracistas no Brasil. Resgate: Revista de Cultura, v. 5, n.1, jan./dez.,
Campinas: Unicamp, 1996. pp. 17-24.
______________________. Negritude: usos e sentidos [2009]. 4ª edição. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2019. 91 p.
______________________. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional
versus identidade negra [2004]. 5ª edição revisada e ampliada. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2019. 150 p.
______________________. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo,
identidade e etnia. Palestra proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e Educação
em 05 de novembro de 2003. PENESB: Rio de Janeiro, 2003.
NASCIMENTO, Abdias do. Discurso pronunciado na Associação Brasileira de Imprensa,
em 26 de agosto de 1950, In: Quilombo, n.10, 1950.
______________________. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo
mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. 183 p.
______________________. O Negro revoltado, Rio de Janeiro, Edições GRD, 1968.
NASCIMENTO, Elisa Larkin (org.). A matriz africana no mundo. São Paulo: Selo Negro,
2008.
NICOLAU V, Papa. Papal Bull Dum Diversa. Publicada em 18 de junho 1452. Disponível
em: http://www.tylerhistory.org/2018/08/27/1452-papal-bull-dum-diversas/. Acesso em: 02 de
fev. 2022.
NIMUENDAJU, Curt & GUÉRIOS, R. F. Mansur. Cartas etnolingüísticas [1948]. In: Revista
do Museu Paulista, n.s., n. 2, p. 207-241. Disponível em:
http://biblio.etnolinguistica.org/nimuendaju_guerios_1948.pdf. Acesso em: 06 de fev. 2022.
NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem. [1955] In:
Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 19, n. 1, novembro, 2006. p. 287-308.
72

OBENGA, Théophile. Egito: História Antiga da Filosofia Africana. Tradução de Vinícius da


Silva. In: KWASI, Wiredu (ed.). A Companion to African Philosophy. Massachusetts:
Blackwell Publishing, 2004, p. 31-49.
OLIVEIRA, J. B. de Sá. Os índios Camacans. Estudos de Ethnologia. Terceiro Congresso
Brazileiro de Medicina e Cirurgia. Bahia, 1892. Disponível em: www.etnolinguística.org.
Acesso em: 25 de jan de 2022.
PARRÓN, Tâmis. A Nova e Curiosa Relação (1974): escravidão e Ilustração em Portugal
durante as reformas pombalinas. In: Almanack Braziliwnse, n.º 08, novembro, 2008. p. 92-107.
PAULILO, Maria A. S. A pesquisa qualitativa e a História de Vida. Serviço Social em
Revista, v. 2, n.1, jul./dez, Londrina, 1999. p. 135-145
PEREIRA IVO, Isnara; JESUS, José Robson Gomes de. Escravidão, negros africanos e Santo
Isidoro de Sevilla. UFES – Programa de Pós-Graduação em História. Dimensões, v. 43, jul-
dez, Vitória, 2019. pp. 28-62.
PLATÃO. A República. Tradução de Leonel Vallandro. Editora: Nova Fronteira, Rio de
Janeiro, 2016. 440 p.
PRANDI, Reginaldo. (1996) Raça e voto na eleição presidencial de 1994. In: Estudos Afro-
Asiáticos, (30). Rio de Janeiro, 1996. p. 61-78.
PRYOR, Elizabeth Stourdeur. Colored Travelers: Mobility and the Fight for Citizenship
Before the Civil War. Chapel Hill, NC: University of North Carolina Press, 2016.
QUEIROZ, Maria I. P. Relatos orais: do “indizível” ao “dizível”. In: VON SIMSON, Olga
(org.). Experimentos com histórias de vida: Itália-Brasil. São Paulo: Vértice, 1988.
RADCLIFFE-BROWN, Alfred Reginald. Estrutura e função na sociedade primitiva.
Petrópolis: Vozes, 1973.
RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução crítica à sociologia brasileira [1957]. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 1995. 292 p.
REINHARDT, Bruno. 2014. Poder, história e coetaneidade: os lugares do colonialismo na
antropologia sobre a África. In: Revista de Antropologia, 57(2). p. 329-375. Disponível em:
https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2014.89116. Acesso em 20/02/2022.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
RODRIGUES, Raimundo Nina. Mestiçagem, degenerescência e crime. Tradução de Mariza
Corrêa do artigo “Métissage, dégénérescence et crime”, publicado nos Archives
d'Anthropologie Criminelle, v. 14, n. 83, Lyon: A. Storck & Cie, Imprimeurs-Éditeurs, 1899.
O exemplar usado na tradução foi uma cópia existente na Faculdade de Medicina da Bahia. In:
Revista de História, Ciências, Saúde (Online), Volume 15, n. 4, out-dez, 2008. pp. 1151-1182.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/mxYFjnPKvMdtpvnr4q7v6kL/?lang=pt.
Acesso em: 03 de fev. 2022.
______________________. Os africanos no Brasil [online]. Estudos compilados e publicados
por Homero Pires no Rio de Janeiro em 1933. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas
Sociais, 2010. 303 p.
ROEDEL, Hiran. Do mito de Cam ao Racismo Estrutural: uma pequena contribuição ao
debate. Projeto AFRO-PORT: Afrodescendência em Portugal [FCT/PTDC/SOC-
73

ANT/30651/2017]. Lisboa, 2020. Disponível em:


https://cesa.rc.iseg.ulisboa.pt/afroport/artigos/. Acesso em: 02 de fev. 2022.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 2ª
edição. Coleção para um novo senso comum. Volume 4. São Paulo: Cortez, 2008.
______________________. Entre Próspero e Caliban. Colonialismo, Pós-colonialismo e
interidentidade. In: Revista Novos Estudos, n.º 66 – julho, 2003, p. 23-52.
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (orgs.). Epistemologias do Sul.
Coimbra: Edições Almedina, 2009.
SAPIR, Edward. [1924] Culture, Genuine and Spurious. American Journal of Sociology. In:
Selected Writings of Edward Sapir. Berkeley: Press, 1949. p. 309.
SCHUCMAN, Lia Vainer. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: Raça,
hierarquia e poder na construção da branquitude paulistana. 2012. Tese (Doutorado em
Psicologia Social) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-21052012-
154521/publico/schucman_corrigida.pdf. Acesso em 29 de mar. 2022.
SILVA, Aline P.; BARROS, Carolyne R.; NOGUEIRA, Maria L. M.; BARROS, Vanessa A.
de. “Conte-me sua história”: reflexões sobre o método de História de Vida. Mosaico: Estudos
de Psicologia, v. 1, n. 1, Belo Horizonte, 2007. p. 25-35.
SILVA, Ayalla Oliveira. Ordem imperial e aldeamento indígena: Camacãns, Gueréns e
Pataxós do Sul da Bahia (Online). Ilhéus: Editus, 2018, 319 p.
SILVA, Nelson V.; SOARES, Gláucio. O charme discreto do socialismo moreno. In: Dados,
28(2). Rio de Janeiro, 1985. p. 253-273.
SILVA, Priscila Elisabete. O conceito de branquitude: reflexões para o campo de estudo. In:
CARDOSO, Lourenço; MÜLLER, Tânia M. P. (org.). Branquitude: Estudos sobre a
Identidade Branca no Brasil. 1ª edição. Curitiba: Appris Editora e Livraria, 2017, p. 19-32.
SOUZA, Amaury de. Raça e política no Brasil urbano. In: Revista de Administração de
Empresas, XI, outubro-dezembro, 1971. p. 61-70.
SOUZA, Jessé. Democracia racial e multiculturalismo: a ambivalente singularidade cultural
brasileira, In: Revista Estudos Afro-Asiáticos, n. 38, dezembro, 2000, p. 135-155.
SOUZA, Vanderlei Sebastião de. A eugenia brasileira e suas conexões internacionais: uma
análise a partir das controvérsias entre Renato Kehl e Edgard Roquette-Pinto, 1920-1930. In:
História, Ciências, Saúde, v.23, supl., dez. Rio de Janeiro, 2016. pp. 93-110.
STOCKING, George W. Franz Boas: a formação da antropologia americana 1883-1911 [1999].
Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.
______________________. Race, Culture and Euofution: Essays in the History Of
Anthropology. Nova York: Free Press, 1968.
TAGUIEFF, Pierre-André. La couleur et le sang: Doctrines racistes à la française. L'ouvrage
a fait l'objet d'une première édition en Petite Collection en 1998. Édition augmentée et revue.
Paris: Mille et Une Nuits, 2002. 264 p.
TELES, Edson Luís de Almeida Teles. Brasil e África do Sul: os paradoxos da democracia.
Memória política em democracias com herança autoritária. 2007. Tese (Doutorado em
74

Filosofia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,


São Paulo, 2007. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8133/tde-
10102007-150946/en.php. Acesso em: 28 de mar. 2022.
TODOROV, Tzvetan. Nosotros y los otros e os outros: reflexión sobre la diversidad humana
[1989]. Traducción de Martí Mur Ubasart. Cuarta Edición. Buenos Aires: Siglo XXI Editores,
2005. 460 p.
VASCONCELOS, José. Obra selecta. Caracas :Biblioteca Ayacucho, 1992.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo Batalha. Mitos Indígenas Inéditos na obra de Curt
Nimuendaju: A redescoberta do etnólogo teuto-brasileiro. Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, n.º 21, 1986. pp. 65-111. Disponível em: www.etnolinguística.org. Acesso
em: 25 de jan de 2022.
______________________. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. In:
Mana, 2(2), 1996. p. 115-144. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-
93131996000200005. Acesso em 20/02/2022.
WAGLEY, Charles (org.). Race and Class in Rural Brazil, Columbia University Press, New
York, 1952.
WALLERSTEIN, Immanuel. O sistema mundial moderno. Volume I. A agricultura e as
origens da economia-mundo europeia no século XVI. Porto: Afrontamentos, 1974.
WRAY, Matt. Pondo a ralé ‘branca’ no centro: implicações para as pesquisas futuras. In:
WARE, Von (org.) Branquidade: identidade branca e multiculturalismo. Rio de Janeiro:
garamond, 2004, p. 339-361.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e Diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:
SILVA, Tomaz Tadeu da (org.); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e
diferença: A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 7-130.

Você também pode gostar