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UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA

Instituto de Humanidades, Artes e Ciências

Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais / PPGER

DANIELE SANTOS ALMEIDA

EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EFEITOS COLONIAIS NA


TERRA-MÃE: UMA ANÁLISE DO PME SANTA-CRUZENSE

PORTO SEGURO - BA
2023
DANIELE SANTOS ALMEIDA

EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EFEITOS COLONIAIS NA


TERRA-MÃE: UMA ANÁLISE DO PME SANTA-CRUZENSE

Dissertação apresentada à Universidade


Federal do Sul da Bahia – UFSB, no
Programa de Pós-Graduação em Ensino e
Relações Étnico-Raciais – PPGER, como
requisito parcial para obtenção de título de
Mestre em Ensino e Relações Étnico-
Raciais.
Linha de Pesquisa: Pós-colonialidade e
Fundamentos da Educação nas Relações
Étnico-Raciais.
Orientador: Prof. Dr. Hamilton Richard
Alexandrino dos Santos.

PORTO SEGURO - BA
2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA
Instituto de Humanidades, Artes e Ciências
Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais / PPGER

FOLHA DE APROVAÇÃO

Banca Examinadora da Defesa Pública de Mestrado

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Richard Santos (UFSB/PPGER)
Presidente da banca

_______________________________________________________________
Prof.ª Dra. Maria do Carmo Rebouças dos Santos (UFSB/PPGER)
Membra interna

_______________________________________________________________
Prof.ª Dra. Eliana Póvoas Estrela Brito (UFSB/PPGER)
Membra interna

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Álamo Pimentel (UFSB/PPGES)
Membro externo

_______________________________________________________________
Daniele Santos Almeida
Candidata
Dedico este trabalho ao meu filho Martín, minha Divina
Criança Solar, e a todo corpo negro que persiste em estar
vivo, visto que nossa existência é por si só um ato de
insurgência.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao meu Orí, pelo discernimento, pela saúde e boas


escolhas. Orí, me faça grande.

Agradeço Èsù, meu pai. Pelos caminhos abertos, pelo colo, pela companhia e
pela proteção, desde sempre. Mo dúpẹ́ fún gbogbo, bàbá mi.

Agradeço à minha família: ao meu filho Martín, meu presente ancestral, sua
existência me faz feliz, forte e corajosa. Ao meu companheiro Antonio, pelo
incentivo, pelo cuidado e por tornar meus sonhos seus também. Ao meu irmão
Diego, pelo apoio e por sempre acreditar em mim. À minha mãe Terezinha, pelo
exemplo de força, fé e bom caráter. À minha amiga (e cunhada) Poliana, pelos anos
de amizade pura e verdadeira, por ser tão amorosa e sensível. Amo vocês.

As minhas amigas, Ísis e Lia. Pelas boas trocas, pela escuta generosa, pela
amizade sincera, pelo apoio e por me lembrar o quão grande eu posso ser. Eu sou
porque nós somos. Vocês também são minha família, e que sorte é poder caminhar
com vocês.

Agradeço aos meus queridos sogros, Mikie e Alfredo por todo apoio e
suporte, inclusive durante os estudos.

Ao meu orientador professor Dr. Richard Santos, pela parceria bonita que
construímos, por sempre acreditar em mim e, como bom filho de Èsù também,
sempre apontar os melhores caminhos.

A todos os professores e professoras que fizeram parte da minha jornada e


contribuíram para que meu conhecimento se potencializasse. Em especial à Maria
do Carmo Rebouças dos Santos, Eliana Póvoas e Álamo Pimentel, que aceitaram
compor essa banca de defesa.

A todos os meus amigos e colegas (inclusive virtuais), que sempre me deram


apoio para alcançar mais essa etapa da minha vida acadêmica. Em especial aos
amigos Thawan Dias e Maria da Conceição pelo apoio mútuo durante o mestrado.
Aos meus alunos, por confiarem em meu trabalho e por tanto carinho e amor
compartilhado.

A Márcia Rodrigues, amiga da família há tanto tempo e que muito me ajudou


com boas conversas e informações importantes para esse trabalho.

A minha ialorixá Karen Yemoja, pelo direcionamento espiritual e pelas


conversas fraternas.

Aos meus orixás e à ancestralidade, por sempre me lembrarem do meu


propósito aqui no Aiyê.

A todas as pessoas que dividem comigo essa existência e que nas


encruzilhadas diárias da vida me ensinam que, como nos lembra bàbá Rodney, tudo
aquilo que me cruza me constrói.
In Memoriam

Ao meu avô Antônio José dos Santos, que há pouco tempo se tornou ancestral
e hoje alegra o Orun com sua sanfona, histórias e risadas. Àṣẹ.
RESUMO

Esta pesquisa buscou realizar uma análise do Plano Municipal de Educação do


município de Santa Cruz Cabrália – BA, procurando verificar a forma como o
documento aborda a Educação das Relações Étnico-Raciais. Para isso, percorre
caminhos plurimetodológicos e utiliza como base o método histórico-dialético, com
abordagem quali-quantitativa e natureza exploratória. Associa, também,
procedimentos de pesquisa documental, bibliográfica, entrevista semiestruturada e
análise de dados. Como premissa, partimos da identificação de um discurso colonial
ainda presente nesse território e cuja proliferação produz e mantém a população
negra em situação de invisibilidade, além de provocar a sua fragmentação identitária
e o seu embranquecimento. Ao analisar o PME à luz da decolonialidade,
constatamos que esses efeitos coloniais adentram a educação municipal não
apenas refletindo o apagamento da população negra, mas também perpetuando seu
lugar de outridade. Este trabalho empenha-se, ainda, na elaboração de um produto
no âmbito da formação continuada de educadores objetivando proporcionar o
Letramento Racial destes, de forma a desenvolver habilidades que os permitam
empreender uma práxis antirracista e romper com os velhos pactos coloniais que
perpetuam rígidas hierarquias de poder e/de raça.

Palavras-chave: Educação antirracista, Plano Municipal de Educação, Santa Cruz


Cabrália, Letramento Racial, Pensamento Negro Contemporâneo
ABSTRACT

This research sought to conduct an analysis of the Municipal Education Plan of the
municipality of Santa Cruz Cabrália - BA, seeking to verify how the document
addresses the Education of Ethnic-Racial Relations. To do so, it follows multi-
methodological paths and uses the historical-dialectical method, with a qualitative-
quantitative approach and exploratory nature. It also associates documentary and
bibliographical research procedures, semi-structured interviews, and data analysis.
As a premise, we started from the identification of a colonial discourse still present in
this territory and whose proliferation produces and maintains the black population in
a situation of invisibility, besides causing its identity fragmentation and its whitening.
By analyzing the PME in the light of decoloniality, we find that these colonial effects
enter municipal education not only reflecting the erasure of the black population, but
also perpetuating its place of otherness. This work is also committed to the
elaboration of a product in the context of continuing education for educators, aiming
to provide them with Racial Literacy, in order to develop skills that allow them to
undertake an anti-racist praxis and break with the old colonial pacts that perpetuate
rigid hierarchies of power and/or race.

Keywords: Anti-racist education, management in education, racial literacy,


Contemporary Black Thought
LISTA DE SIGLAS

APLB – Associação dos Professores Licenciados do Brasil


BRASA – Brazilian Studies Association
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEPTS – Colégio Estadual Professora Terezinha Scaramussa
COPE - Conselho de Política de Recursos Humanos
CUNI – Colégio Universitário
FNB – Frente Negra Brasileira
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEL - Instituto Euvaldo Lodi
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
MNU – Movimento Negro Unificado
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
PME – Plano Municipal de Educação
PNE – Plano Nacional de Educação
PPGER – Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais
SIMEC - Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle
TEN – Teatro Experimental do Negro
UFSB – Universidade Federal do Sul da Bahia
SUMÁRIO

MEMORIAL ....................................................................................................... 9

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 25

Percurso metodológico ............................................................................. 29

APORTE TEÓRICO ......................................................................................... 33

CAPÍTULO 1

HISTÓRIA, IDENTIDADE E EFEITOS COLONIAIS NA TERRA-MÃE ........... 40

1.1. Santa Cruz Cabrália: memória e história ................................................... 41

1.2. Filhos desta Terra-Mãe: uma breve análise das relações raciais em Santa
Cruz Cabrália ................................................................................................... 43

1.3. Educação santa-cruzense: primórdios e atualidades ............................... 48

CAPÍTULO 2

O PME E A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS .................... 53

2.1. Insurgência negra na educação: caminhos para uma educação


antirracista... ..................................................................................................... 54

2.2. Do Plano Nacional de Educação ao Plano Municipal de Educação:


confluências .................................................................................................... 60

2.3. O PME santa-cruzense, o discurso colonial e a Educação das Relações


Étnico-Raciais ................................................................................................. 64

2.3.1 Analisando o PME: capítulo 2 ................................................................ 67

2.3.1 Analisando o PME: capítulo 3 ................................................................ 75

2.3.1 Analisando o PME: capítulo 4 ................................................................ 80


CAPÍTULO 3

CAMINHOS PARA UMA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAS: O


LETRAMENTO RACIAL DE EDUCADORES ................................................. 81

3.1. Formação continuada e Educação das Relações Étnico-Raciais ............. 82

3.2. Letramento Racial ......................................................................................87

3.2. Produto pedagógico – Ementa curso de formação continuada: Letramento


Racial e Relações Étnico-Raciais no Brasil ..................................................... 91

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 96

REFERÊNCIAS.............................................................................................. 100
9

MEMORIAL

E quando nós falamos


temos medo que nossas palavras nunca serão ouvidas
nem bem-vindas
mas quando estamos em silêncio
nós ainda temos medo.
então é melhor falar
tendo em mente que
não éramos supostas sobreviver.
(Audre Lorde)

Estou ligada a esse trabalho de tantas formas que sinto como se ele fosse uma
extensão da minha existência. Das indagações que urgem de minhas experiências
enquanto mulher negra de pés, mãos e coração fincadas nesse território, teço essa
pesquisa do lugar professora dessa rede básica de ensino, que outrora foi estudante
e que cuja profissão, posicionamento político e escolha por este mestrado se
alicerça no compromisso com a emancipação do meu povo.

Escrever um memorial é um desafio, isso porque há lembranças que não


gostaríamos de reviver, e sim, escrever é viver e reviver. Há coisas que
simplesmente não gostaríamos de dividir com estranhos, e na história da minha
vida há muitas. Assim, esse memorial é uma seleção cuidadosa das lembranças que
sinto que devo compartilhar para que o leitor dessa pesquisa compreenda meu lócus
de enunciação.

As raízes. Sou natural de Eunápolis, uma cidade do Extremo Sul da Bahia


emancipada no ano do meu nascimento, 1988. Como a maioria dos brasileiros,
venho de uma família inter-racial. Minha mãe, uma mulher preta, educadora há mais
de 25 anos, filha de Seu Antônio, um homem preto e minha avó, Dona Judite, uma
mulher indígena, natural de uma pequena cidade localizada no Vale do
Jequitinhonha, fronteira entre o estado da Bahia e Minas Gerais. Meu pai, um
homem lido socialmente como branco, filho de pais brancos com ascendência
portuguesa. De pele bronzeada e traços pouco europeizados, meu pai foi registrado
como pardo. Quiçá esses seus traços remetam as raízes mouras que dominaram a
península ibérica por séculos e deram o caudal miscigenado àquela população
lusitana. Desse relacionamento miscigenado e conturbado, nasceram meu irmão e
eu, ambos negros de pele clara (CARNEIRO, 2004).
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Família materna. Vovô Antônio perdeu seus pais ainda muito jovem, foi criado pelo
seu tio Constâncio, um homem preto, de quem herdou um bom bocado de terras.
Casou-se jovem e teve cinco filhos. Vovó Judite casou-se ainda criança, com 13
anos. Nas andanças por aí, ela e o primeiro esposo chegaram à roça de tio
Constâncio para trabalhar, todo dia ela ia para lavoura junto com todos. O marido,
alcóolatra, pouco trabalhava e o pouco que ganhava gastava com bebida e
mulheres. Acabou sendo despedido e chamou minha avó para ir embora, ela não
queria e tio Constâncio interveio, disse que ela era uma boa mulher e que não
merecia um péssimo marido como ele e que, se ela quisesse, podia ficar na
fazenda, pois tinha teto, comida e trabalho. Minha avó ficou e o marido foi embora,
tendo falecido tempos depois. Tempo depois, quando meu avô ficou viúvo,
Constâncio sugeriu que ela e meu avô se casassem, pois, segundo ele, Judite era
trabalhadora, já conhecia as crianças e podia ajudar à cria-las. Meus avós casaram-
se, tiveram cinco filhos juntos, três homens e duas mulheres, sendo minha mãe a
filha mais velha. Viveram do trabalho árduo na terra, construíram patrimônio, criaram
todos os filhos com os frutos desse trabalho. Foi entre aventuras na roça, rezas,
festividades e histórias com meus avós, que vivi a minha infância. Vovó Judite
perdeu a visão quando eu era adolescente, o que a limitou em algumas coisas, mas
não a parou. Vovó tem uma ótima saúde e segue autônoma, firme e forte. Vovô
Antônio faleceu no ano de 2021. Além das doenças que adquiriu por não cuidar da
saúde, acumulou muita tristeza por conta dos com os conflitos dentro da família e
as constantes brigas por terra e herança, mesmo quando ele ainda era vivo. Vovô foi
enterrado na terra onde trabalhou desde criança, como era sua vontade. Vovó segue
vivendo lá, sob o cuidado dos meus tios e, como todos nós, convivendo com a
saudade.

Família paterna. Pouco sei sobre minha família paterna, tivemos pouco contato. O
pouco que sei é o que meu pai conta e, particularmente, ele não gosta, pois suas
lembranças se resumem a uma infância e juventude permeada pela fome, pela
miséria e violência. Meu pai vem de uma família de origem portuguesa e acredito
que indígena também. Meu pai cresceu em meio à pobreza de uma família que
possuía dezoito filhos. Ele conta que meu avô era extremamente violento com minha
avó, espancando-a constantemente. Uma lembrança que ele nunca esquece, e que
já nos contou inúmeras vezes, é de um dia que seu pai coloca a cabeça da minha
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avó no forno ligado e queima seus longos cabelos. Minha avó, sobrecarregada e
violentada, também era violenta com os filhos. Meu pai foi a criança que mais sofreu
com essa violência, meus tios contam que ele era o mais “danado” e que
constantemente apanhava por comer a comida dos irmãos também. Meu pai relata
que a comida era pouca e regrada, ele sentia muita fome e constantemente se
mordia e procurava no lixo restos de pão e alimentos para se saciar. Em meio à
pobreza extrema, os diversos filhos eram enviados para serem cuidados pelos tios,
já jovem meu pai passa parte da juventude na cidade de Eunápolis e no Rio de
Janeiro. Meu pai é um sobrevivente. Sobreviveu às torturas físicas, aos abusos, à
fome, à uma família desestruturada. É um homem trabalhador, inteligente (apesar do
pouco estudo), endurecido pela vida e ferido, mas que nunca reproduziu em nós as
violências sofridas. Entretanto, como toda pessoa branca criada em uma família
racista, por vezes reproduz, inclusive em nós, seus filhos, o racismo. Renato Russo,
na música Pais e Filhos, nos diz: “você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo.
São crianças como você, o que você quer ser quando você crescer?” Sendo assim,
é preciso entender que nossos pais também foram crianças feridas e como todo ser
social, carrega em si o ônus de uma criação violenta e racista. A adulta que me
tornei é aquela que compreende que nosso processo de cura começa com a
compreensão e humanização dos nossos, para que juntos possamos nos curar.

Contradições. Como produtores de cacau, meus avós maternos viveram os tempos


de ouro da produção cacaueira, o que fez com que minha mãe e meus tios
acessassem lugares sequer imaginados para pessoas negras naquela época. Além
da fazenda, meu avô possuía diversos imóveis, carros e como diz minha avó, “vivia
emprestando dinheiro pra gente que quando ele precisou, fingiu que nem o
conhecia”. Minha mãe e meus tios estudaram em colégio particular, tiveram acesso
a aulas de música e boas roupas. Nas fotos de formatura destaca-se a família de
pretos retintos em meio à branquitude eunapolitana. Em contraponto, a família do
meu pai não tinha posses e não eram a favor do casamento dos meus pais porque
minha mãe era uma mulher preta.

O racismo. De excluídos dos encontros de família, às piadas e falas que exaltavam


a nossa miscigenação que, como dizia costumeiramente a minha avó paterna: “nos
deixavam menos feios porque não éramos pretos como minha mãe”. O racismo se
apresentou a mim (e ao meu irmão), primariamente no ambiente familiar. Na vida
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escolar e social, o racismo se mostrou como corriqueiramente se mostra para


mulheres negras: ser a amiga negra da menina branca, sair na lista de mais feias da
escola etc. Nos relacionamentos, tenho algumas lembranças nítidas que prefiro não
comentar. Recordo-me da minha amiga branca, na adolescência, dizer que eu não
podia ser gótica, pois não existiam góticos da minha cor. Recentemente, quando
meu filho era um recém-nascido, não consigo enumerar quantas vezes as pessoas
diziam: “olha só, é branquinho, que lindo, puxou ao pai”, “sua barriga é limpa.” Todos
esses episódios me fizeram sentir a moça do quadro A Redenção de Cam
(BROCOS, 1985), e em todos eles a ideologia do branqueamento mostrou sua face.

O embranquecimento. Lélia (1988) pontua que a ideologia do branqueamento ao


reproduzir o mito da superioridade branca, produz nos sujeitos negros a
fragmentação de sua identidade racial, o desejo de embranquecer e a negação da
própria cultura. Comigo não foi diferente, o não-lugar atribuído aos corpos negros
miscigenados, somado à internalização de um ideal de beleza e humanidade
brancos me fizeram a todo custo querer embranquecer. Alisar os cabelos, usar
pregador no nariz para afinar, não tomar sol para clarear a pele, usar inúmeros
“filtros” para branquear e suavizar os traços. Culturalmente também me
embranqueci, não gostava mais das músicas que escutávamos em casa (meus pais
sempre escutaram muita black music), não achava mais correto as rezas da minha
avó, isso era coisa de “espíritos errantes”, “precisamos evoluir” como afirmou
Kardec. Não achava mais legal o São João na roça. Acabei, como muitas pessoas
negras, me distanciando das minhas raízes.

A formação política. Apesar de ter nascido em Eunápolis, só morei lá nos três


primeiros anos da minha vida, depois ia em todas as férias escolares ficar com meus
avós. Toda minha infância, adolescência e fase adulta foi aqui em Cabrália. Minha
mãe atua na educação santa-cruzense há mais de 30 anos, entre a sala de aula e
as experiências com gestão educacional e escolar, minha mãe sempre foi uma
militante política. Participou da fundação do sindicato de professores, compondo a
primeira diretoria, e como filiada, sempre articulou junto ao PT (Partido dos
Trabalhadores) aqui da cidade. Não à toa, com dezesseis anos me filiei ao Partido
dos Trabalhadores e já atuava nas campanhas políticas. Fazia trabalho de base,
acompanhava minha mãe nas reuniões, ouvia atenta, preparava material de
campanha, pintava camiseta e bandeira. Minha mãe sempre me incentivou muito a
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leitura, mas sempre li romances e livros juvenis. Na escola passei a me interessas


por política, história, sociologia, movimentos populares etc. Foi durante as
campanhas políticas pela zona rural que tive a oportunidade de conhecer o MST e
vi de perto o trabalho excepcional que fazem.

O letramento racial. Apesar de todo embranquecimento e apagamento a que fui


submetida, sempre tive a consciência de que era uma pessoa negra. Nunca me
identifiquei de outra forma, o que eu não sabia quando era mais nova eram
identificar e combater as estratégias do racismo e do colorismo. O colorismo, esse
aliado do racismo, nos fragmenta enquanto povo quando o foco da discussão gira
em torno de quem é mais ou menos negro, mas pode nos fortalecer quando o
usarmos para entender que nossas diferenças nos fazem plurais, que temos muito
mais em comum do que imaginamos e que nosso inimigo é o racismo, a supremacia
branca. Meu letramento racial foi adquirido com o contato com a militância política,
os estudos, as experiências pessoais e com a enxurrada de informação que a
internet proporcionou. Com a entrada na universidade, em 2016, isso se expandiu e
o saberes empíricos se juntaram aos saberes acadêmicos e me trouxeram onde
estou hoje.

Fundamental I. Sou filha de professora e como outros filhos de professoras, conheci


a escola antes mesmo de estudar, pois quando pequena por vezes tive que a
acompanhar no trabalho. Fiz a educação infantil na Escola Arco-Íris, uma escola
particular onde minha mãe trabalhava e por isso tinha bolsa. Posteriormente fui para
a escola pública e lá fui alfabetizada por uma professora negra, seu nome era
Edilene e lembro de gostar dela porque além de boazinha, ela parecia a minha mãe.
A 1ª série do fundamental eu fiz no Colégio Nair Sambrano Bezerra, não gostava
porque tinha muitos alunos mais velhos e tinha um que sempre implicava comigo,
mas não me lembro direito o porquê. A 2ª e 3° séries eu estudei na Escola Crescer,
uma escola particular construída por uma fundação social italiana e presidida por
uma amiga e colega de trabalho da minha mãe, uma professora chamada Cássia e
que até hoje chamo carinhosamente de Tia Cássia. Minha mãe ajudou e trabalhou
desde a fundação, tenho uma vaga lembrança delas escolhendo os móveis
escolares e das paredes sendo pintadas. Eu amava estudar na Crescer, as
professoras eram legais, fiz bons amigos, fazíamos vários passeios e tinham ótimas
festas. Entretanto, a maior parte das crianças que estudavam lá tinham pais com
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boas condições financeiras, e tinham pessoas como eu: bolsistas. Eu tinha bolsa de
estudos porque minha mãe trabalhava lá, mas existiam outras crianças que também
eram bolsistas pois a escola ofertava algumas bolsas para famílias pobres, esses
alunos eram principalmente alunos do bairro. A escola existe até hoje e essas bolsas
também. Na época eu tinha uma melhor amiga cujos pais tinham boas condições
financeiras, ela se chamava Maria e os pais delas eram incríveis! O pai dela era
artista plástico e escultor e sua mãe era “dona de casa”, sempre sorridente e solícita.
A casa de Maria era um sonho, eles moravam em um sítio e a casa era toda rústica
com vários móveis e artefatos feitos pelo pai dela e outros artistas. Eu amava passar
o fim de semana lá, era uma casa com piso de cimento queimado amarelo, sem
janelas, apenas telas, com muitos livros, quadros, esculturas, gibis, jogos, lápis de
cor, tintas...era um ambiente feito para despertar nossa criatividade. Passávamos o
fim de semana lendo gibi da Turma da Mônica, desenhando, brincando no quintal,
ouvindo as histórias que os pais delas contavam. Não sei se Maria se percebia
assim, mas a leitura racial que eu fazia dela era de uma menina não-branca
(entretanto não sei se a ascendência dela é negra ou indígena), ela era uma criança
gordinha e já criança sentia o peso dos padrões de beleza. Entretanto, seus pais
faziam questão de enfatizar como ela bonita, inteligente e gentil. O primeiro show
que fui em minha vida foi com Maria e sua família, era uma exposição de arte no
Hotel Chauã em Porto Seguro e o pai dela expunha algumas peças. Foi um show da
banda Nataraj, uma banda de rock e reggae aqui da cidade. Lembro que eles
tocaram em um palco em cima da piscina e de observar um artista que fazia quadros
incríveis com tema de galáxias usando spray. Os pais dela nos levavam na praia no
fim de semana e acompanhavam a gente na matinê da Woodstock, uma barraca de
praia que tinha música e dança. O pai dela também deixava a gente escolher
qualquer picolé da Kibon, e eu aproveitava para pegar o mais caro porque era
quando eu podia tomar um Corneto. Na época considerava Maria minha melhor
amiga, ela era gentil, engraçada e se “parecia” comigo. Eu também amava os pais
dela, eram pessoas simples, cultas e divertidas. Lembro que o pai dela fazia som de
trompete com o canto a boca sempre que começava a dar “piti” quando eles não
faziam o que ela queria. Era engraçado. Eles eram legais e não brigavam como
meus pais, pelo menos não na nossa frente. Eles também nos davam carona todo
dia para a escola. Maria tinha uma amiga que era uma das garotas mais populares
da escola, era obviamente uma menina branca. Lembro de um dia vê-la chorar muito
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porque descobriu que essa amiga não a considerava sua melhor amiga. Nesse dia
também descobri que também não era a melhor amiga de Maria e foi bem triste.
Hoje percebo como as dinâmicas raciais estavam implícitas em muitas coisas. A
quarta série eu fiz na Escola Nosso Amiguinho, que na época era particular. Minha
mãe não trabalhava lá e se esforçava muito para pagar, lembro que a escola
pertencia à uma família adventista e tínhamos aula de religião que basicamente era
aula sobre o cristianismo. Não tenho muitas lembranças dessa época, lembro que
tinha coral e cantávamos bastante e que em um dia de chuva ao voltar correndo do
recreio, escorreguei e caí de cara no chão. Lembro do meu nariz ficar muito inchado
e meu rosto roxo, não lembro se quebrei o nariz ou se fui ao médico, mas me
recordo de ter que participar de alguma apresentação com o rosto dessa forma. Foi
horrível. Outra lembrança que tenho é de ir à Eunápolis com as professoras para
escolher meu vestido de formatura, era branco de princesa. Não lembro da
formatura, mas tenho fotografias.

Fundamental II. Nos anos finais do ensino fundamental eu voltei para a escola
pública, as escolas privadas do município não ofertavam o Fundamental II e meus
pais não tinham como pagar a escola privada nem aqui e muito menos em Porto
Seguro. A 5ª e 6ª séries eu fiz no Nair Sambrano, foi uma época que fiz muitos
amigos. Era o início da adolescência, aquela fase de buscar se reconhecer e querer
ser diferente e aceito. Me recordo que nessa época tinha um menino insuportável da
minha sala que vivia implicando comigo, ele me deixava desconfortável e tocava em
mim. Eu o odiava, mas ninguém fazia nada. Cabrália é uma cidade pequena então
meio que todo mundo se conhecia e nessa época tinham os meninos e as meninas
populares da cidade, foi uma época que o crack dominou a cidade. Lembro de ter
alguns colegas que foram internados e outros que morreram. Nessa época eu sofria
muito bullying, mas não me lembro o motivo, acredito que eu tenha bloqueado muita
coisa da infância. Uma vez fui empurrada por um outro aluno enquanto entrava na
sala e bati o rosto na cadeira que era de madeira maciça. O “furinho” que tenho na
bochecha do lado esquerdo foi resultado dessa queda. Foi uma época que passei a
frequentar bastante a biblioteca, lia bastante e também passei a praticar esportes. O
7° e 8° ano eu fui estudar na escola pública em Porto Seguro, se chamava Colégio
Ubaldino Júnior (atualmente Colégio Municipal de Porto Seguro) e tinha uma ótima
infraestrutura: salas climatizadas, biblioteca, sala de artes, quadra, vestiário,
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auditório, etc. Nessa época tive aula com Help, um professor muito querido aqui na
região. Tio Help era professor de história, desenhava muito bem e suas aulas eram
incríveis. Tinha também ideias consideradas muito “liberais” para a época e muito
pais não gostavam dele. Diziam que ele que nos influenciava a ficar revoltados. Help
era muito criativo e sempre bolava trabalhos incríveis. Tenho vagas lembranças do
Piquenique Club que foi um piquenique na praia da Ponta Grande, as equipes
tinham que recolher o lixo e cumprir algumas provas, uma delas foi criar uma obra
de arte com o material recolhido. Um outro trabalho foi fazer uma paródia com fatos
históricos e o aluno devia apresentar vestido como personagem da história. No
oitavo ano fizemos uma atividade sobre eleições, o que era basicamente uma a
simulação de uma eleição: tínhamos que criar partido político, se candidatar, criar as
propostas e fazer campanha pois nossos eleitores eram os alunos do 7° e 6° ano.
Apesar dessas boas lembranças, foi nesse ano que saí na lista das meninas mais
feias da escola. Lembro da lista circular em um jornal dos alunos e eu chorar muito
no banheiro. Não entendia porque eu tinha saído na lista, eu não fazia mal a
ninguém. As outras meninas da lista eram todas parecidas comigo, algumas eram
meninas negras retintas. Todas nós destoávamos da lista das meninas mais bonitas
da escola: todas brancas de cabelo liso.

Ensino Médio. No Ensino Médio voltei a estudar em Cabrália. O antigo Colégio


Municipal Nair Sambrano Bezerra havia sido demolido e em seu lugar estava sendo
construído o que viria a ser um colégio moderno, “modelo”, o Colégio Profa.
Terezinha Scaramussa (CEPTS). As obras atrasaram e para eu não ficar sem iniciar
o ano letivo no tempo correto minha mãe me matriculou na Escola Frei Henrique de
Coimbra (EFHC), que na época já funcionava na Coroa Vermelha no mesmo lugar
que hoje. Nessa época fiz algumas amizades, mas a principal delas foi com uma
menina branca recém-chegada de São Paulo. Eu a achava incrível: era engraçada,
bonita, descolada, tinha roupas, tênis da moda. Como o CEPTS ainda não estava
pronto e já era quase metade do ano letivo, metade do prédio da EFHC foi cedido ao
CEPTS, assim lá funcionavam duas escolas de Ensino Médio. Imagine a confusão.
Mudei para a “ala” do CEPTS e lá conheci a minha melhor amiga até hoje, Poliana.
No ano seguinte, já no 2° ano do Ensino Médio, mudamos para o prédio oficial do
CEPTS, a minha amiga de SP também foi estudar lá e nos tornamos um trio
inseparável. O 2° ano foi bem legal, curtimos bastante. No 3° ano tive que mudar
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para a noite pois tinha começado a estudar, detestava estudar à noite. Eram todas
pessoas mais velhas e tinha um garoto insuportável que eu detestava. Mas uma
colega que estudei em Porto Seguro e que também morava aqui na cidade começou
a estudar lá, ficamos próximas e estávamos sempre juntas na escola. Nesse ano
também tive meu primeiro namorado, um relacionamento que foi péssimo para mim
por diversas experiências que prefiro não relatar. Descobertas, confusões, uma
péssima relação com minha mãe, traumas e álcool resumem meus anos finais do
Ensino Médio. Ainda assim, nos estudos sempre fui boa aluna. Gostava de estudar e
era muito boa em português, redação e ciências humanas. Nunca repeti de ano. Não
tinha perspectiva nenhuma de fazer um curso superior.

Trabalho. Meu primeiro emprego foi aos 15 anos como auxiliar de classe em uma
escola, depois atuei na biblioteca, como auxiliar administrativo e quando era
necessário, substituía professores. Nessa experiência em sala, a gestão da escola
sempre pontuava como eu era didática, carismática e como tinha facilidade com
comunicação. Além disso, era articulada com a escrita e tinha uma letra bonita, “letra
de professora”, “igual à da mãe”, diziam. O hábito de ler e a curiosidade, facilitavam
o trabalho comunicativo e a criatividade. Posteriormente, quando fiquei
desempregada, fui chamada por uma escola para assumir uma sala de educação
infantil, na época chamava Infantil 2, e os alunos tinham em torno de 4 e 5 anos.
Com essa turminha, experienciei os primeiros passos para na alfabetização infantil.
Ao fim do ano, muitos já escreviam o próprio nome e algumas palavras/frases em
letra cursiva. Alguns e já liam palavras simples e frases curtas. Todos diziam que eu
era uma professora nata. Entretanto, a desvalorização do trabalho do professor me
desmotivou e resolvi não seguir carreira na educação. Assim, fui seguindo outros
caminhos e trabalhei como caixa de supermercado, auxiliar administrativo na
Controladoria Municipal, garçonete, atendente etc. Já na UFSB em 2016, vendia
lanche para meus colegas do Cuni Cabrália para ajudar nas contas de casa.

Graduação. Adentrei na UFSB em 2016 pelo Cuni Cabrália com o intuito de cursar
direito. Na época já tinha um bom nível de letramento racial e politização, conseguia
racializar debates e articular com as terias feministas. Assim, meu intuito era
advogar para a população negra, mulheres e crianças. Anteriormente, já havia
tentado fazer outras graduações ao longo da vida, mas todas sem sucesso, nunca
conseguia concluí-las. O contato com diversas áreas do conhecimento
18

proporcionado pela Formação Geral ofertada na Área Básica de Ingresso (ABI-LI),


mais precisamente os componentes curriculares com foco em educação,
despertaram algo adormecido pelas dificuldades da carreira docente. Ao apresentar
os trabalhos acadêmicos lembro dos colegas e professores endossarem, “você fala
como uma professora”, “seus seminários são uma aula”. Foi no CUNI que também
conheci dois professores que considero primordiais na minha vida: o professor
Álamo e a professora Eliana. Ambos sempre enxergaram em mim um potencial que
até então não sabia que tinha. Foi no componente Universidade e Contexto
Planetário, ministrado pelo professor Álamo que li a primeira vez o texto
Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina, do Aníbal Quijano. Esse
texto fez um boom na minha cabeça e foi extremamente importante pra início do
meu entendimento sobre as dinâmicas coloniais e seus efeitos. Um outro fato
importante aconteceu em uma aula da professora Eliana que ministrava o
componente de Língua, Território e Sociedade. A atividade proposta realizar uma
análise técnica do texto Tupi or not to be – Em nome de Deus e do New York Times,
a disputa do impeachment e dos Brasis, escrito pela Eliane Brum e publicado no El
País. Não sei se foi falha na explicação da proposta da atividade, se foi
inexperiência da vida acadêmica ou a plena vontade de “militar”, que ao invés disso
fizemos um seminário gigante explicando como a história do Brasil era uma história
de golpes, exploração e como sua frágil democracia pereceria como o novo golpe
disfarçado de impeachment perpetrado contra a presidente Dilma. Fizemos o
trabalho correto? Não. Mas fizemos um seminário tão bom que conseguimos “abrir
os olhos” de muitos colegas para a situação política de nosso país. Até hoje muitos
colegas me dizem que aquela apresentação foi essencial para sua formação política.
No fim fomos elogiados, inclusive pela professora que amou o seminário e todo
senso crítico que ele proporcionou para muitos estudantes que adentravam à
universidade com pouca ou nenhuma formação política na época. Depois
entregamos a tal análise técnica de forma escrita e ficou tudo ok. Quando chegou o
momento de “migrar” para os cursos, duas coisas me fizeram desistir do curso de
direito e fazer licenciatura: Um, o bacharelado interdisciplinar não me garantia um
emprego por si só, talvez nem um estágio remunerado, e eu precisava de grana,
estava desempregada e sendo sustentada pela minha mãe já que a venda dos
lanches não me garantia autonomia financeira. Dois, por que remediar problemas
sociais sendo que posso educar as futuras gerações para um mundo mais justo e
19

igualitário? E o melhor, eu era muito boa nisso! Antes de “migrarmos” para o


campus, eu minha turma nos engajamos na luta pelo transporte universitário.
Tentamos um diálogo com o poder público, mas sempre estavam muito ocupados
para nos receberem, então articulamos a ocupação da tribuna da Câmara Municipal
de Vereadores. E é óbvio que sobrou para mim. Escrevi um discurso incisivo que
colocava o dedo em diversas feridas: o compromisso firmado entre o município e a
universidade à época de sua implantação, a importância de uma universidade
pública na região para formação profissional da região e como a garantia do
transporte era também a garantia do nosso acesso à educação, inclusive essa
garantia acabaria coma desculpa de contratar pessoas de fora por aqui não ter mão
de obra qualificada, o fato de que os alunos da faculdade particular da região já
tinham seu transporte garantido e custeado e diversas outras coisas. Os colegas
estavam presentes com seus cartazes e o apoio deles e do professor Álamo (que
nos acompanhou), foi essencial. Falei pouco (porque o tempo era pouco), mas falei
bonito o que precisava ser dito e, como boa filha de Èsù, iniciei o caos que
antecederia a ordem. Ao final da sessão, um assessor do governo me procurou e
agendou uma reunião para a mesma semana. Formamos uma pequena comissão,
nos encontramos com o gestor municipal que consolidou seu compromisso em
prover o transporte universitário para os estudantes santa-cruzenses da UFSB. O
compromisso foi cumprido e, de quando “migramos” para o campus em meados de
2017 até a suspensão das aulas presenciais em 2020, o transporte esteve garantido
para nós. Ainda assim, a luta era uma constante, seja por melhores condições no
transporte, seja por sua efetivação como lei municipal. Foram reuniões com
vereadores, embates e também manifestação pública. Nosso ônibus supria nossa
demanda mas chegou uma época que quebrava tanto que passávamos mais
tempos do mês sem transporte do que com, e por vezes faltava combustível e
tínhamos que fazer vaquinha para pagar. Tudo isso enquanto o ônibus dos alunos
da faculdade particular tinha ar-condicionado, qualidade e constância. Diante disso,
nos reunirmos em praça pública e decidimos fazer uma manifestação pacífica: a
estratégia era fechar o trânsito por um tempo e dialogar com os moradores sobre
nossa situação para que nos apoiassem. Criamos um nome para o movimento:
Movimento Cabrália Universitária - MCU, fizemos faixa, material gráfico elencando
nossos pontos, preparamos lanche e fomos para a rua. Até ligação de vereador
tentando me persuadir a cancelar a manifestação eu recebi, e mantivemos a
20

manifestação que trouxe resultados muitos positivos. Pela primeira vez muitos
moradores de Cabrália souberam que na região havia uma universidade pública e
da sua importância para nós enquanto sociedade, além disso a situação foi resolvida
e se estabilizou. A conquista do transporte público universitário garantiu, inclusive, o
retorno de muitos estudantes da turma de 2014 que haviam desistido por não terem
condições de arcar com os custos da mobilidade até o campus. Durante toda essa
mobilização eu já estava grávida e Martín já sentia o frenesi da luta no conforto do
útero.

Experiências. A graduação me proporcionou coisas muito boas. Além da ampliação


dos meus conhecimentos, pude finalmente compartilhá-los com a minha
comunidade. Em 2017, quando estagiava no Colégio Estadual Prof. Terezinha
Scaramussa (CEPTS), a diretora me ofereceu uma vaga de professora estagiária em
regime contratual IEL, na época perguntei à minha orientadora a Prof. Dra. Eliana
Póvoas e ouvi dela: “Você é uma professora nata, se joga”. Trabalhei com a
disciplina de Geografia, sempre em uma perspectiva decolonial e crítica. Em 2018
tive a oportunidade de fazer um intercâmbio de formação docente no Uruguai, foi
minha primeira vez em outro país e devo dizer que foi a realização de um sonho,
pois sempre quis conhecer o Uruguai por conta das políticas progressistas. Durante
minha estadia no país, tive oportunidade de pesquisar relações as culturais,
políticas, étnico raciais e educacionais entre Brasil e Uruguai. Para além disso, a
experiência de ser um corpo negro miscigenado, em um país majoritariamente
branco em plena América Latina, me fez compreender na pele as artimanhas do
racismo por denegação (GONZALEZ, 1988). Ainda na graduação, fui bolsista de
Residência Pedagógica (CAPES), atuando no Colégio Modelo em Porto Seguro,
onde tive a oportunidade de produzir e aplicar o minicurso "Políticas afirmativas de
promoção de igualdade para a população negra: cotas" e a oficina "De que cor você
é? Um debate sobre miscigenação, racismo e colorismo", ambos no âmbito do
Projeto Kizomba.

Gestar. 2019 foi um ano intenso, já atuava como professora, fazia residência
pedagógica, estudava e descobri a gravidez. Trabalhei, estagiei e estudei até os 9
meses de gestação. Exausta, mas com um filho a caminho, as contas só
aumentavam e não podia me dar ao luxo de perder a bolsa, o emprego ou desistir
na reta final da graduação. Nesse ano, me matriculei em um componente optativo
21

chamado África, Diáspora e culturas afro-brasileiras, ministrado pelo Prof. Dr.


Richard Santos. Apesar do cansaço e da barriga enorme, as leituras, os debates e a
forma como o professor conduzia as aulas, não me deixavam faltar. Lembro de
pensar: “Poxa, é isso que eu quero pra minha vida.” Perguntei ao professor como
era o mestrado, se era muito cansativo e/ou difícil e que tinha vontade de fazer o
PPGER, mas que pensava em finalizar a graduação e dar um tempo nos estudos
para cuidar do meu filho que ia nascer. Como se fosse hoje, recordo-me das
palavras do professor Richard para mim: “Não faça isso, aproveite o ritmo da
academia e a oportunidade de estar nela. O mestrado vai lhe abrir portas e você vai
poder proporcionar algo melhor para o seu filho futuramente. Você tem muita
capacidade. Eu te vejo como professora universitária. Eu te vejo na UFSB”. Desse
encontro, passei a gestar, além do meu filho, o objetivo de seguir a carreira
acadêmica, atuando naquilo por e para aquilo que acredito, a emancipação do povo
negro.

O parto. Martín nasceu no fim do mês de julho e alguns dias após o parto eu já
estava sentada entre as mamadas e os cochilos dele, produzindo os trabalhos finais
do quadrimestre. Mandei um e-mail para o professor Richard, pedindo uma
adaptação no trabalho final, pois como o parto não havia saído como planejado e
tive que ser submetida à uma cesárea emergência, a recuperação era mais lenta e
complicada. Ele prontamente adaptou o trabalho às minhas necessidades. Nesta
adaptação eu devia escolher dois textos trabalhados no componente e escrever uma
resenha crítica, produzindo um debate entre os dois textos e articulando minha visão
sobre eles. Escolhi o clássico Discurso sobre o Colonialismo, de Aimé Césaire e o
texto Os brancos saberão resistir? do Prof. Dr. Gabriel Nascimento. O trabalho final
ficou, sem modéstia, muito bom. Tenho até hoje o e-mail com o feedback do
professor dizendo que “o trabalho ficou um primor, a comparação entre os dois
autores ficou maravilhosa”. Mesmo com toda limitação de um pós-parto, a
adaptação à um bebê, o puerpério, a autossabotagem e a famosa síndrome do
impostor, dei o meu melhor e fui reconhecida por isso. Nesse ano participei da
primeira edição da Jornada do Novembro Negro e fui convidada pelos professores
Richard e Maria do Carmo para participar do Grupo de Pesquisa Pensamento Negro
Contemporâneo. Esse foi o ano que pari meu filho e a certeza de que meu caminho
começava a se delinear.
22

De volta às raízes. A imersão nos estudos étnico-raciais e afrocêntricos


potencializaram a minha necessidade de reaver muitas das coisas perdidas.
Entretanto destaco uma experiência em especial: a oportunidade de fazer o
componente Poéticas Afrodescendentes com a Prof. Lara Machado. De exercícios
de respiração e expressão corporal sempre embasados com tecnologias e saberes
africanos ao contato com tipos de arte diversos (filmes, livros, documentários, etc),
devo dizer que um me tocou profundamente: o documentário Pedra da Memória-
Diálogos Brasil Benin. O documentário versa sobre uma comunidade afro religiosa
brasileira que viaja pela primeira vez ao Benin e vão de encontro à sua cultura
ancestral com a qual dialogam cotidianamente. O filme, conduzido pela memória de
Pai Euclides Talabyan, babalorixá e fundador da Casa Fanti Ashanti – MA, mostra
as incríveis semelhanças entre tantas coisas que fazemos aqui enquanto diáspora e
que ainda resistem em África. Assistir Pedra da Memória foi como reviver minha
infância, foi como reviver minha existência no ritual de preparação da farinha, nas
rezas, danças. Uma cena me tocou muito, o hábito de colocar a mandioca dentro de
um saco e deixar de molho amarrado na beira do rio, minha avó me ensinou a fazer
isso! Fazíamos para preparar a massa puba para o bolo preferido dos meus avós.
Tudo isso somado aos cantos das mulheres limpando mandioca na farinheira. Foi
uma viagem no tempo. Um aperto no peito. E lágrimas. Muitas lágrimas. A urgência
de viver tudo isso novamente veio em mim como um banho de água fria. “Evoluir é
voltar às raízes.”

A pandemia. O ano de 2020 foi desafiador, a pandemia do coronavírus nos trouxe


medos e incertezas, nos obrigando a se adaptar para continuar cumprindo com
nossos compromissos acadêmicos e trabalhistas. Nesse ano tive que conciliar o
trabalho remoto, os últimos componentes da graduação, os estudos do grupo de
pesquisa e os cuidados com a casa e com meu filho. Por vezes achei que fosse
enlouquecer, mas seguia, porque não podia me dar ao luxo de parar. Apesar da
insanidade de ter que ser produtiva em um momento que milhares de pessoas
morriam, consegui achar um lado bom na pandemia. Com a possibilidade de
trabalhar e estudar em casa (o que para alguns foi privilégio), pude passar mais
tempo com meu filho. A pandemia me possibilitou ver o Martín engatinhar, comer
sozinho, andar. Por vezes me sinto egoísta por enxergar algo bom diante de tanta
morte, mas talvez estar vivo seja nossa maior revolução. Nesse ano terminei a
23

graduação e me inscrevi no curso de jornalismo. Passei em segundo lugar e iniciei


uma segunda graduação. Infelizmente com o isolamento tive que adiar passar um
tempo com meus mais velhos.

O mestrado. Em janeiro de 2021 me inscrevi para o edital do Programa de Pós-


Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais - PPGER, fui aprovada em
segundo lugar e em março iniciei as aulas. O meu tema de pesquisa foi pensado a
partir do meu lócus de enunciação e das minhas inquietações sobre as relações
raciais aqui em Cabrália. Richard Santos (2021), em sua obra Maioria Minorizada,
nos fala sobre a potência das conversas de bar, encontros com os amigos e
discussões “frívolas” enquanto alimento do nosso intelecto e caminho para a nossa
troca de saberes e conhecimento. Não à toa, a escolha do meu tema de pesquisa foi
idealizado enquanto tomava uma cerveja com amigos, também negros e alinhados
às pautas raciais. Também não podia ser diferente a escolha do orientador. O apoio
e o incentivo do professor Richard foram combustíveis essenciais para que eu
chegasse até aqui, e agora nossa parceria se delineia em novos rumos, mas com
objetivos em comum.

Voos acadêmicos. Em 2021 também tive oportunidade de atuar mais no grupo de


pesquisa, participei e conduzi estudos, fiz trabalhos de design e criei a identidade
visual do Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo e da Jornada do
Novembro Negro. Produzi as artes de divulgação dos eventos e atividades, auxiliei
na organização o I Seminário do Pensamento Negro Insurgente, coordenei o
Seminário do Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha. Posteriormente fui
convidada pela professora Maria do Carmo Rebouças dos Santos para integrar a
comissão organizadora do Projeto de Extensão Jornada do Novembro Negro. Junto
a ela e ao professor Richard Santos decidimos o tema da Jornada daquele ano,
produzi todo material gráfico, coordenei o trabalho dos monitores, mediei uma das
mesas etc. Nesse ano enviei meu primeiro texto para a publicação, que felizmente
foi aceito e fui convidada para participar do XVI Congresso da BRASA (Brazilian
Studies Association), no painel Privilégio, (re) produção de saberes e relações de
poder e que se realizou em março de 2022, de forma remota, na Universidade de
Georgetown, Washington DC, Estados Unidos. No dia do evento o organizador do
painel teve um problema pessoal e não pôde conduzir a mesa, como estava como
co-organizadora fiz a condução do painel, além de apresentar o meu trabalho cujo
24

tema foi Epistemicídio e embranquecimento: estratégias coloniais mantenedoras do


privilégio branco e da subalternização da Maioria Minorizada. O evento foi incrível e
muito elogiado pelas pessoas presentes e pela coordenação da BRASA.

A pesquisa. Minha dissertação passou por várias fases. A primeira foi aquela
idealista no qual acreditava que podia fazer tudo, no entanto a realidade veio como
um banho de água fria. A limitação da pesquisa de campo em tempos pandêmicos,
a conciliação com o trabalho (pois não há financiamento de pesquisa), o fato de ser
um mestrado profissional com foco na educação, as demandas pessoais com a
criação dos filhos e os cuidados da casa, a preocupação constante com as contas,
os trabalhos extras que somos obrigados a fazer para dar conta de sobreviver, os
bloqueios na escrita, a ansiedade, a autossabotagem e o complexo de impostora.
Esses são alguns dos muitos desafios e com as quais tenho que lidar. Na segunda
fase já consegui adaptar melhor o meu tema de pesquisa à área de educação,
entretanto ainda achava que não estava do jeito que eu queria. Nessa última fase
consegui delimitar melhor o campo de estudo, mas tive muita dificuldade para
escrever. Não porque tenha dificuldade com a escrita, mas porque minhas
demandas pessoais me deixam muito exausta. Por várias vezes pensei em desistir,
mas Èsù sempre me lembra do meu compromisso com minha comunidade.

Como dito primariamente, esse trabalho me atravessa de formas múltiplas. Entre


gestar e parir esse projeto, que é parte de algo coletivo muito maior, faço na certeza
de que, como nos lembra Obirin Odara, com nosso movimento de hoje libertamos
também os nossos ancestrais.
25

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa nasce do desconforto. Este desconforto é múltiplo, e existe em


níveis micros e macros. O desconforto macro é sobre ser um corpo negro em um
mundo branco, um mundo construído e mantido para desidentificar os sujeitos
negros (SANTOS, 2018), embranquecendo-nos através das políticas eugênicas de
miscigenação e da assimilação dos rituais de branquitude, adoecendo-nos através
das múltiplas tecnologias do racismo e exterminando-nos através da política de
matar ou deixar morrer promovida pelo Estado. Nomeio de desconforto micro, não
porque seja menos importante, mas porque diferente do desconforto macro, que é
um desconforto de todo corpo negro existente na colonialidade, este urge do meu
lócus de enunciação enquanto mulher negra e educadora e que cuja existência,
material, subjetiva e profissional, é atravessada pelas múltiplas violências coloniais.

Fiz todo meu percurso educacional aqui em Cabrália, primeiro como filha de
professora que vivia e convivia na escola, depois como aluna da educação básica,
estudante universitária, estagiária e hoje como mestranda e professora do Ensino
Médio. Nesse vasto percurso, meu contato com a Educação das Relações Étnico-
Raciais se deu apenas na universidade, foi quando entrei na UFSB em 2016 que
tomei conhecimento da Lei 10.639/03, a Lei 11.645/08 e demais diretrizes e
instrumentos legais que subsidiam a necessidade de uma educação
afrorreferenciada e antirracista. Pouco anos antes, a partir do boom da internet em
2014 (boom aqui em Cabrália que as poucas demoram um pouco para chegar),
comecei a ler artigos e textos sobre questões raciais. As inquietações que motivam
esse trabalho, foram comumente surgindo à medida que adquiria letramento racial e
me tornava ciente das dinâmicas raciais existentes e das artimanhas do racismo
dentro e fora da educação.

Santa Cruz Cabrália, é uma pequena cidade do extremo-sul da Bahia,


conhecida por ter sido palco do primeiro contato entre os colonizadores portugueses
e os povos indígenas que aqui viviam à época. A Terra-Mãe do Brasil, como é
chamada, tem como principal atividade econômica o turismo que explora, além das
suas belezas naturais, esse fato histórico. De população majoritariamente negra
(IBGE, 2010), Cabrália (como é popularmente chamada) é uma cidade que se
26

mostra embranquecida e que promove o aniquilamento cultural e identitário ao omitir


e negligenciar as contribuições africanas e afrodiaspóricas neste território, ao
mesmo tempo em que celebra as violências coloniais que aqui se incidiram
primariamente. Cabrália é, como dito assertivamente pelo professor e cidadão santa-
cruzense Álamo Pimentel, uma “cidade epistolar”, segue presa na narrativa colonial
da carta de Pero Vaz de Caminha.

No projeto de poder colonial, os sujeitos que não correspondem à identidade


hegemônica são transformados no Outro. De acordo com Kilomba (2020), esse
Outro não é o outro per se, ele torna-se através de processos de negação e
projeção. Deste modo, o colonizador projeta no sujeito negro tudo aquilo que nega e
reprime em si: a violência, a depravação, o roubo, a sexualidade. Assim, o Outro e
tudo relacionado a ele, é visto como primitivo, não-humano e se torna alvo de
destruição pelo colonizador: seu corpo, seu intelecto, sua cultura, sua religião etc.
No Brasil, não à toa, de mãos dadas ao projeto colonial/moderno vem a igreja e a
escola, sendo a primeira responsável pela segunda.

Deste modo, a primeira educação “oficial” brasileira tinha como objetivo a


superação do primitivismo atribuído aos povos negros e indígenas. Mesmo após a
independência do Brasil em relação à Portugal, o modo colonial de compreender e
empreender a educação não é superado. Veiga (2007, apud RAMALHO; LEITE,
2020) aponta que no Brasil Império, a educação se constitui como uma estratégia de
organização e coesão da sociedade brasileira como meio de superação dos valores
miscigenados da população. Assim, no Brasil independente, a educação conferida
aos pobres, negros, indígenas e mestiços mantém seu aspecto civilizatório e
salvacionista, cujo principal objetivo é a aculturação e assimilação da cultura branca
europeia.

Em síntese, a educação escolar hegemônica é parte do projeto de poder


colonial. Nosso sistema educacional reproduz a ideologia dominante e “ainda se
constitui uma estratégia central na (re)produção do projeto Moderno/colonial de
sociedade e, como consequência disso, do sistema-mundo capitalista” (RAMALHO;
LEITE, 2020, p. 9). Essa incorporação do modus operandi do colonizador,
incorporado pela escola desde o século XVI, é o que Ramalho; Leite (2020)
denominam de colonialidade da educação escolar.
27

Entretanto, a história do povo negro é, e sempre foi, uma história de


resistência. Juntamente com as lutas por libertação havia a luta por uma educação
emancipadora. Pois, se há muito a educação foi transformada em instrumento de
reprodução da ideologia dominante (que é essencialmente branca e burguesa), ela
pode ser reconfigurada em um instrumento de libertação, emancipação e
humanização do povo negro. Nesse sentido, a Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003,
que dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira,
incluindo a História da África e dos Africanos, é um marco histórico. “Ela simboliza,
simultaneamente, um ponto de chegada das lutas antirracistas no Brasil e um ponto
de partida para a renovação da qualidade social da educação brasileira” (BRASIL,
2009, p. 9).

Em 2009 foi aprovado o Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais


para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana, com o objetivo de fortalecer e institucionalizar as
orientações contidas no Parecer do CNE/CP 03/2004 e na Resolução CNE/CP
01/2004 (BRASIL, 2009). O Parecer CNE/CP 03/2004 aprovou as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas; e a Resolução CNE/CP 01/2004
que detalha os direitos e as obrigações dos entes federados ante a implementação
da Lei 10.639/03. Ambos compõem um conjunto de instrumentos legais que
subsidiam uma política educacional voltada para a afirmação da diversidade cultural
e para concretização de uma Educação das Relações Étnico-Raciais nas escolas
(GOMES, 2011).

Dentre os muito empecilhos concernentes à concretização de uma Educação


das Relações Étnico-Raciais, destaco que a falta de Letramento Racial da
população brasileira é o principal entrave à uma prática educacional insurgente e
que combata o racismo com eficiência. Essa carência no entendimento crítico das
nossas complexas dinâmicas étnico-raciais, é fruto de um racismo à brasileira
imbuído na ideologia de branqueamento e no mito da democracia racial, ambas
tecnologias coloniais que produzem a desidentificação dos sujeitos negros e a
alienação das questões raciais. Essa carência de Letramento Racial se reflete nos
diversos atores envolvidos no processo educativo (formulação das leis, normativas
28

curriculares, gestão, docência etc.) e na forma como encaram e mobilizam as


questões raciais em suas respectivas atividades e atribuições.

Nesse domínio, essa pesquisa busca empreender uma análise acerca da


implementação da Educação das Relações Étnico-Raciais, no âmbito da Lei
10.639/03, tendo como base o Plano Municipal de Educação, debruçando-se em
esmiuçar a forma como o referido documento aborda a Educação para as Relações
Étnico-raciais em sua complexidade e integralidade. A escolha pela Lei 10.639/03 e
não pela Lei 11.645/08, ainda que esse seja um território com significativo
contingente de pessoas indígenas, intenta priorizar a população negra santa-
cruzense que, como em nível nacional, também é uma Maioria Minorizada
(SANTOS, 2021).

O Plano Municipal de Educação - PME é uma política educacional. Nele estão


compilados as demandas, os anseios e as ações necessárias para o
desenvolvimento de uma educação municipal de qualidade. Se caracteriza por ser
um documento intersetorial permeado pelos princípios da gestão democrática da
educação, da autonomia e da colaboração, por esse motivo a sua construção
envolve o diálogo entre os distintos setores e atores sociais (SEHNEM; MARTINS,
2022), além de um intenso trabalho de levantamento de dados e informações,
estudos, análises, consultas públicas, decisões e acordos políticos (BRASIL, 2014).
O PME é um plano de Estado, que deve estar alinhado ao Plano Nacional de
Educação (PNE) e ao Plano Estadual de Educação (PEE), considerando a trajetória
histórica, as características socioculturais e ambientais, a vocação e a perspectiva
de futuro do município (BRASIL, 2014).

Dessa forma, levando em conta a sua legalidade e importância como


documento norteador da educação municipal, a análise produzida procura responder
às seguintes questões: Como as dinâmicas étnico-raciais desse território são
tratadas no PME? De que forma o PME aborda a Educação das Relações Étnico-
Raciais? O tratamento dado às questões étnico raciais, dentro e fora da educação, é
um reflexo dos processos de apagamento da população negra neste território ou um
instrumento auxiliar na perpetuação desse apagamento?

Tomamos como objetivo, então, três passos nesse trabalho. O primeiro é


investigar de que forma Santa Cruz Cabrália adentra à modernidade/colonialidade e
29

de quais formas suas dinâmicas raciais são construídas. Para isso traçamos uma
linha histórica, analisando-a de forma crítica e racializada. A isto, refere-se o primeiro
capítulo dessa dissertação.

No segundo capítulo, por sua vez, empreendo uma análise do Plano


Municipal de Educação de forma a compreender como este aborda a Educação das
Relações Étnico-Raciais. Mais do que uma busca superficial sobre a citação da Lei
10.639/03 e demais diretrizes e documentos que subsidiam a Educação das
Relações Étnico-Raciais, essa análise busca, também, explicitar em que medida o
discurso colonial está imbuído no referido documento, fundamentando-o e auxiliando
na manutenção dessas hierarquias raciais.

No que se refere ao terceiro capítulo, a partir das minhas inquietações e dos


resultados da pesquisa, apresento o conceito de Letramento Racial desenvolvido
pela socióloga afro-estadunidense France Winddance Twine e me atrevo a mobilizá-
lo enquanto estratégia de formação continuada de educadores no âmbito da
Educação das Relações Étnico-Raciais. Apresento, ainda, a ementa do curso
“Letramento Racial e Relações Étnico-Raciais no Brasil” cujo objetivo é auxiliar no
entendimento das complexas relações raciais brasileiras, fornecendo ferramentas
para construção de uma práxis pedagógica antirracista que possibilite combater o
racismo em suas múltiplas formas, fortalecer as identidades negras, promover a
valorização sociocultural dos povos africanos e afrodiaspóricos e também contribuir
para a elaboração do novo Plano Municipal de Educação que deverá entrar em
vigência a partir de 2025, de modo que este verdadeiramente contemple uma
Educação das Relações Étnico-Raciais.

Percurso metodológico

São múltiplas as metodologias que o conhecimento científico faz uso para


compreender a realidade. Este estudo objetiva, além da compreensão de um
determinado fenômeno, colaborar para a construção de caminhos para a
transformação da realidade deste território. Em vista disso, utilizamos o método
dialético em uma abordagem quali-quantitativa.
30

O método histórico-dialético compreende o ser humano como transformador e


criador de sua realidade social, tendo como princípios básicos a historicidade como
condição para a compreensão do conhecimento, e a realidade como um processo
histórico constituído, a cada momento, por múltiplas determinações, fruto das forças
contraditórias existentes no interior da própria realidade. (GHEDIN; FRANCO, 2008).
Triviños (1987), destaca que no enfoque dialético o critério da prática é
compreendido como toda atividade que visa transformar a natureza e a vida social,
portanto todo saber produzido é necessariamente transformador dos sujeitos e das
circunstâncias (práxis).

A opção pela abordagem quali-quantitativa (mista), se dá pelo


reconhecimento que quantidade e qualidade são propriedades interdependentes de
um fenômeno (GHEDIN; FRANCO, 2008), atuando de forma complementar e
proporcionando uma visão mais completa do objeto/fenômeno pesquisado. Quanto à
sua natureza, essa pesquisa classifica-se como uma pesquisa aplicada pois tem
como principal característica realizar uma investigação motivada pela necessidade
de resolver problemas concretos. (WILL, 2012).

Sob o ponto de vista de seus objetivos, esta pesquisa classifica-se como


descritiva, pois intenciona responder aos questionamentos apontados, descrevendo
as características de determinada população e fenômeno, estabelecendo relação
entre elas (EVÈNCIO et al, 2019). Possui, ainda, caráter explicativo pois tem como
objetivo geral analisar e correlacionar aspectos que envolvem fatos ou fenômenos,
podendo também explicar as razões da ocorrência de determinados fatos. (WILL,
2012)

Enquanto procedimentos, este trabalho realizar-se-á por meio de pesquisa


bibliográfica, utilizada de forma processual para embasamento da pesquisa e para
análise dos dados coletados.

A pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias, abrange toda bibliografia


já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações
avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses,
material cartográfico etc., até meios de comunicação orais (...). Sua
finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com o que com tudo o
que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive
conferências seguidas de debate que tenham sido transcritas por alguma
forma, quer publicadas, quer gravadas. (MARCONE; LAKATOS, 2003,
p.183)
31

Dessa forma, a pesquisa bibliográfica não deve ser entendida como repetição
do que já foi produzido sobre determinado assunto, mas como um importante
método que possibilita um novo enfoque ou abordagem acerca de um tema.
(MARCONE; LAKATOS, 2003). Esse estudo utiliza, ainda, a pesquisa documental
como principal procedimento de coleta de dados. Tanto a pesquisa bibliográfica
quanto a documental utilizam documentos, entretanto se diferenciam quanto a fonte
desses documentos. Enquanto a pesquisa bibliográfica utiliza fontes secundárias, ou
seja, toda bibliografia pública sobre determinado tema, a pesquisa documental utiliza
fontes primárias, isto é, fontes as quais não receberam nenhum tratamento analítico.
(KRIPKA; SCHELLER; BONOTTO, 2015).

A pesquisa documental, bem como outros tipos de pesquisa, propõe-se a


produzir novos conhecimentos, criar novas formas de compreender os
fenômenos e dar a conhecer a forma como estes têm sido desenvolvidos
[2]. Ela pode ser utilizada no ensino na perspectiva de que o investigador
“mergulhe” no campo de estudo procurando captar o fenômeno a partir das
perspectivas contidas nos documentos (...). (KRIPKA; SCHELLER;
BONOTTO, 2015, p. 244)

Outro procedimento de coleta de dados utiliza é a entrevista semiestruturada,


metodologia que caracteriza-se por mesclar questões previamente estabelecidas de
acordo com o interesse da pesquisa, com questões levantas pelo entrevistador ao
decorrer da entrevista (TRIVIÑOS, 1987). Ainda segundo Triviños (1987, p. 152),
essa modalidade de entrevista “[...] favorece não só a descrição dos fenômenos
sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...]”.

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com os atores sociais


envolvidos nos processos de elaboração dos documentos analisados, de maneira a
complementar e enriquecer nosso entendimento quanto ao processo de discussão,
elaboração, construção, acompanhamento e avaliação destes. Ao analisar, limitar e
interpretar as respostas obtidas nas entrevistas, mesclando-as com as percepções e
referenciais teóricos, tencionamos construir sentidos para além dos dados
documentais (TEIXEIRA, 2003).

Depois de coletados, é necessário que os dados sejam analisados e


interpretados. A análise tem como objetivo organizar e sintetizar os dados de
32

maneira que seja possível fornecer as respostas ao problema proposto na pesquisa.


Por sua vez, a interpretação intenta garantir um sentindo mais amplo às respostas
através da sua ligação com outros conhecimentos (GIL, 1999). Para Lüdke e André
(1986), a análise documental pode ser compreendida como uma gama de operações
com o intuito de estudar ou analisar um, ou vários documentos, buscando identificar
informações factuais e as circunstâncias sociais, econômicas e ecológicas a que
estão relacionados.

Outra técnica de análise de dados utilizada é a análise de conteúdo, que


segundo Bardin pode ser definida como:

Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por


procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas
mensagens (BARDIN, 1979, p. 42)

De acordo com Denize Oliveira (2008) a análise de conteúdo permite:

O acesso a diversos conteúdos, explícitos ou não, presentes em um texto,


sejam eles expressos na axiologia subjacente ao texto analisado;
implicação do contexto político nos discursos; exploração da moralidade de
dada época; análise das representações sociais sobre determinado objeto;
inconsciente coletivo em determinado tema; repertório semântico ou
sintático de determinado grupo social ou profissional; análise da
comunicação cotidiana seja ela verbal ou escrita, entre outros (OLIVEIRA,
2008 p.570).

A Educação das Relações Étnico-Raciais, pode ser compreendida como uma


política de reparação, reconhecimento e valorização do povo negro. Através de uma
proposta curricular e de ações de reformulação pedagógica, seu intuito é
ressignificar o processo de aprendizagem dos estudantes, sobretudo da população
negra e combater o racismo. Analisar sua implementação através do PME desse
território, palco do início do empreendimento colonial nesse país, é essencial para
enxergarmos as marcas profundas deixadas pelo colonialismo em nosso tecido
social. Pensar a educação sob o prisma das Relações Étnico-Raciais, é fazer o
movimento contrário ao colonial, ressignificando a educação então utilizada para
reforçar a dominação, em uma educação como prática de liberdade (HOOKS, 2017).
33

APORTE TEÓRICO

Esta pesquisa, ao analisar o Plano Municipal de Educação - PME santa-


cruzense à luz da Educação das Relações Étnico-Raciais, se fundamenta na
compreensão de como o racismo se estrutura e opera na realidade brasileira e
recorre, também, aos conceitos de branquitude, supremacia branca, colonialidade e
decolonialidade.

Conforme nos elucida Munanga (2004), o conceito de raça foi mobilizado das
ciências da natureza na tentativa de tentar explicar a diversidade humana. Com o
avanço das ciências biológicas (genética humana, bioquímica etc.), os estudiosos
chegaram à conclusão de que raça não é uma realidade biológica e que essa
definição é cientificamente ineficaz para explicar a diversidade humana. Isso não
quer dizer que todas as pessoas e populações são geneticamente iguais, mas que
as diferenças existentes não são suficientes para dividi-las em raças. Munanga
(2004) é pontual ao afirmar que o problema não é a categorização em si, mas sim a
relação intrínseca que fizeram entre fatores biológicos (cor da pele, fenótipo) e
qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais.

Assim, os indivíduos da raça “branca”, foram decretados coletivamente


superiores aos da raça “negra” e “amarela”, em função das características
físicas hereditárias, tais como cor da pele, o formato do crânio
(dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz, do queixo, etc., que segundo
pensavam, os tornam mais bonitos, mais inteligentes, mais honestos, mais
inventivos, etc. e consequentemente mais aptos para dirigir e dominar as
outras raças, principalmente a negra, a mais escura de todas e
consequentemente considerada a mais estúpida, mais emocional, menos
honesta, menos inteligente e portanto a mais sujeita à escravidão e todas as
formas de dominação. (MUNANGA, 2004, p. 5)

O racismo, então, se configura em uma estrutura de poder e dominação que,


fundamentado na ideia de raças biológicas e hierarquizadas, produz a
subalternização da população negra e uma gama de privilégios para a população
branca. Apesar de não possuir fundamento científico, a ideia de raças biológicas
hierarquizadas já está devidamente incutida no imaginário e em nosso tecido social.
Raça é, portanto, um construto social e ideológico intrinsicamente ligado ao poder e
que depende de variáveis como contexto histórico, geográfico e sociopolítico.
Portanto, ser branco, negro ou “mestiço” têm significados diferentes aqui no Brasil,
34

nos Estados Unidos ou em Angola (MUNANGA, 2004). Essas distinções


consequentemente produzem particularidades na forma como o racismo opera, por
esse motivo se faz essencial entender as particularidades do racismo à brasileira
para melhor traçarmos estratégias para combatê-lo.

O Brasil foi o país que mais recebeu africanos escravizados, estima-se que a
quantidade gire em torno de 4 a 6 milhões de pessoas, sendo este montante mais
de um terço de todo comércio negreiro (IBGE, 2000). Também foi o último país do
ocidente a abolir a escravidão (SCHWARCZ, 1993). Dessa forma, as instituições, a
ciência, a educação, a cultura, a economia, a sociedade e todos os elementos
constituintes do Estado brasileiro, foram construídos em cima de processos de
exploração e escravização e de uma lógica racista. O racismo, no Brasil, é estrutural
e institucional, e atravessa as questões de gênero e classe de maneira contundente.

O racismo enquanto tecnologia colonial da supremacia branca (MILLS, 1997),


desenvolve distintas estratégias para manter o seu objetivo de explorar e exterminar.
Lélia Gonzalez (1988), disserta sobre o racismo aberto e o racismo disfarçado, ou,
como ela mesmo define, racismo por denegação.

O primeiro, característico das sociedades de origem anglo-saxônica,


germânica ou holandesa, estabelece que negra é a pessoa que tenha tido
antepassados negros (“sangue negro nas veias”). De acordo com essa
articulação ideológica, a miscigenação é algo impensável (embora o estupro
e a exploração sexual da mulher negra sempre tenham ocorrido), na medida
em que o grupo branco pretende manter sua “pureza” e refirmar sua
“superioridade”. (...) Já no caso das sociedades de origem latina, temos o
racismo disfarçado ou, como eu classifico, o racismo por denegação. Aqui
prevalecem as “teorias” da miscigenação, da assimilação e da “democracia
racial”. (GONZALEZ, 1988, p. 130)

Nesse sentido, Gonzalez (1988) afirma que as sociedades que constituíram o


que hoje chamamos de América Latina foram herdeiras históricas das ideologias de
classificação social (racial e sexual) e das técnicas jurídico-administrativas das
metrópoles ibéricas. Estas, por serem racialmente estratificadas, dispensaram
forma abertas de segregação, uma vez que as hierarquias garantem a
superioridade dos brancos enquanto grupo dominante. Por consequência, para
justificar essas hierarquias raciais, o Brasil, em consonância com o racismo
científico da época, abraça as teorias eugenistas.
35

É na academia, entre sociólogos, políticos e, mais precisamente, nos cursos


de medicina, que a eugenia brasileira se desenvolve. No movimento eugênico
brasileiro existiam distintas linhas de pensamento que vão desde àquelas que que
condenavam completamente a miscigenação, por compreenderem que o
cruzamento com “raças inferiores” era pura degeneração. Até aquelas que diziam
que a miscigenação poderia ser positiva, pois, sendo a raça branca “superior”, ela
se sobressairia nesse cruzamento inter-racial e o Brasil seria branco em 100 anos
(LACERDA, 1911).

Essa tendência de acreditar que a miscigenação era um ponto positivo porque


através do branqueamento se alcançaria o “progresso”, é incorporada e difundida
pelo Estado brasileiro que através de recursos legais, incentiva e viabiliza a entrada
de imigrantes brancos europeus com o intuito de substituir a mão de obra africana e
embranquecer o país. Inicia-se, então, uma busca pelo povo ideal no exterior para
formar a futura nacionalidade brasileira (AZEVEDO, 1987). O Decreto-lei nº 7.967 de
1945, por exemplo, assinado por Getúlio Vargas e que versa sobre a entrada de
imigrantes, deixa explícito em seu artigo segundo

Art. 2º Atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à necessidade de


preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as
características mais convenientes da sua ascendência europeia, assim
como a defesa do trabalhador nacional. (BRASIL, 1945)

Ainda que houvesse pequenas diferenças teóricas dentro do movimento


eugênico brasileiro, o seu objetivo era um só: o extermínio da população negra. Seja
pela “diluição do sangue” pela miscigenação, quanto pela estratégia de deixar
morrer. Em ambas a gênese é a mesma: a ideia de superioridade da raça branca.
Entretanto, é através desse discurso que endossava a miscigenação como algo
positivo, ao mesmo tempo que ocultava seu teor racista, que se desenvolve o mito
da democracia racial, propagando a ideia de que por sermos um país extremamente
miscigenado o racismo é inexistente, sendo o Brasil uma democracia racial.

Para Moura (1983, p. 127) o mito da democracia racial é um elemento


“desarticulador da consciência do negro brasileiro”. Em consonância, Gonzalez
(2020, p. 252) pontua que o mito da democracia racial e a ideologia de
branqueamento, ou embranquecimento, são as ideologias responsáveis por tornar o
36

racismo latino-americano sofisticado a ponto de, mesmo sem assumir uma política
legal de apartheid, manter negros e indígenas em situação de extrema exploração.

Veiculada pelos meios de comunicação em massa e pelos aparelhos


ideológicos tradicionais, ele reproduz e perpetua a crenças de que os
valores e perpetua crença de que as classificações e os valores do
Ocidente branco são os únicos verdadeiros e universais. Uma vez
estabelecido, o mito da superioridade branca demonstra sua eficácia pelos
efeitos de estilhaçamento, de fragmentação da identidade racial que ele
produz: o desejo de embranquecer (de “limpar o sangue”, como se diz no
Brasil) é internalizado, com a simultânea negação da própria raça, da
própria cultura. (GONZALEZ, 1988, p. 73)

Ao debatermos a questão racial, esta geralmente traz como referência o


negro, fenômeno nomeado pelo sociólogo Guerreiro Ramos (1995) de “problema do
negro”. Por conseguinte, a racialidade e o racismo é sempre pensado com base no
que é ser negro, ignorando o seu oposto, “aquele cujo corpo foi tido como referência
para a imposição da subalternidade negra: o corpo branco” (RAMOS. 2019, p. 42).
Como assertivamente pontua Ramos (2019, p. 42), o problema não está em
centralizar o sujeito negro nesse debate, mas na “maneira como a discussão sobre
racismo é balizada para destituir do branco sua importância e relevância na
produção e reprodução da desigualdade racial”.

Esse lugar pretensamente invisível, mas repleto de privilégios raciais,


simbólicos e materiais (CARDOSO, 2010), donde o sujeito branco atribui ao outro o
que não atribui a si: a raça (FRANKENBERG, 1999), é o que chamamos de
branquitude. A branquitude se constitui enquanto uma identidade dependente, que
existe através do Outro, uma identidade relacional construída por pessoas brancas
que define elas mesmas como diferente dos Outros. Essa construção do Outro – o
negro – se dá através de processos de negação e projeção, onde a sociedade
branca projeta do sujeito negro tudo que nega em si, o que “permite à branquitude
olhar para si como moralmente ideal, decente, civilizada e majestosamente
generosa, em controle total e livre da inquietude que sua história causa” (KILOMBA,
2020, p. 37)

Ao tratarmos do racismo, o branco comumente não é refletido como um


produto da construção das raças. Com isso, reduzimos a discussão sobre
racismo a um gerador de desvantagens, quando, na verdade, é também
produtor de assimetrias de poder, que possui, necessariamente como
consequência, a construção de vantagens, privilégios e afins. (RAMOS,
2019, p. 74)
37

Já que essa pretensa invisibilidade racial é o que, em alguma medida,


também sustenta o mito da superioridade branca, se faz necessário situar a
branquitude na centralidade do debate racial, pois ela necessita ser desvelada para
ser superada (RAMOS, 2019, p. 74). Ramos (2016) expande o conceito de
branquitude e afirma que esta é também “toda a estrutura material e ideológica
construída para a manutenção da supremacia branca”.

Charles Wade Mills, em sua obra O Contrato Racial (1997, apud DIANGELO,
2018), descreve a supremacia branca como “o sistema político inominado que fez o
mundo moderno aquilo que ele é hoje”. Segundo Mills, embora a supremacia branca
tenha moldado o pensamento político ocidental, ela nunca foi nomeada. E é
justamente essa invisibilização e esse fracasso em reconhecê-la, que a protege do
exame e a mantém em seu lugar (DIANGELO, 2018).

A supremacia branca é o resultado da dominação colonial e da reprodução


desta na contemporaneidade, e precisa ser entendida em âmbito global,
como a manutenção dos recursos econômicos, das decisões políticas, da
indústria cultural, do sistema de justiça e do controle sobre estes nas mãos
de indivíduos brancos (DA COSTA MELHO; SHUCMAN, 2022, p. 18).

Se tomarmos que “o racismo é a supremacia branca” (KILOMBA, 2020, p. 76)


e o que racismo brasileiro é, no sentido de Lélia Gonzalez (1988), um racismo por
denegação profundamente respaldado pelo mito da democracia racial, percebemos
que a supremacia branca à brasileira incorpora um tipo de dominação racial que não
é só empreendida pela força bruta, mas também, e principalmente, “é exercida pelo
poder, pelo complexo cultural em que as desigualdades, a violência e a
discriminação racial são absorvidas como componentes da vida social” (ALMEIDA,
2018, p. 48).

Se a branquitude europeia foi a responsável por esse movimento de


hierarquização das raças, a branquitude brasileira, que assume esse legado
racializado, é a força motriz que mantém o racismo como modo operante no Brasil
(RAMOS, 2019, p. 44). Por conseguinte, a branquitude também é resultado da
dominação colonial e atua como um privilégio racial que sustenta a supremacia
branca (LABORNE, 2017, p. 80).
38

Nesse domínio, rejeitamos as narrativas hegemônicas que tentam minimizar a


violência que de fato é a colonização tentando colocá-la como um meio necessário
para promover a integração e o progresso entre os povos. Assim, coadunamos com
Aimé Césaire (2020) que afirma que “da colonização à civilização, a distância é
infinita” e que de todo processo colonial “não sobraria um único valor humano”, e
continua:

(...) O que, em seu princípio é a colonização? É concordar que não é nem


evangelização, nem empreendimento filantrópico, nem vontade de empurrar
para trás as fronteiras da ignorância, da doença e da tirania, nem expansão
de Deus, nem extensão do Direito; é admitir de uma vez por todas, sem
recuar ante as consequências, que o gesto decisivo aqui é o do aventureiro
e do pirata, dos merceeiros em geral, do armador, do garimpeiro e do
comerciante; do apetite e da força, com a sombra maléfica, por trás (...)
(CÉSAIRE, 2020, p.10)

Desse modo, por colonialismo podemos compreender a formação dos


territórios coloniais (colônias) e as práticas específicas de domínio cultural, religioso
e político sobre os povos colonizados. Por sua vez, colonialidade pode ser entendida
como uma lógica global de desumanização que é capaz de existir até mesmo na
ausência de colônias formais (MALDONADO-TORRES, 2020).

O conceito de colonialidade, aprimorado pelo sociólogo peruano Aníbal


Quijano (2000; 2007), concebe o racismo como princípio organizador da política, da
economia, do poder e das distintas formas de existência. A colonialidade, então, é
parte do projeto civilizatório da modernidade, onde através da naturalização das
hierarquias territoriais, raciais, epistêmicas, culturais e de gênero, continua a
produzir subalternização dos povos não-brancos. (TONIAL; MAHEIRIE; GARCIA,
2017)

Por decolonialidade entende-se a luta contra a lógica da colonialidade e seus


efeitos materiais, epistêmicos e simbólicos (MALDONADO-TORRES, 2020, p. 36),
sendo, portanto, um movimento contínuo de superação dos pressupostos
estabelecidos pelo colonialismo na estrutura da modernidade (RAMOS, 2019, p.57).
Apesar de descolonização se referir ao processo formal de independência das
nações que foram colonizadas, por vezes descolonização e decolonialidade são
utilizadas no mesmo sentido. Fanon (1968), por exemplo, concebe a descolonização
como um processo histórico, ou seja, inacabado, portanto, em similaridade com o
que veio a ser desenvolvido como decolonialidade (RAMOS, 2019, p. 57).
39

Entender os efeitos coloniais na modernidade (colonialidade), compreender


as particularidades do racismo à brasileira e alocar a branquitude e a supremacia
branca para a centralidade do debate racial são essenciais para qualquer análise
que se propõe a ser decolonial. No decorrer dessa pesquisa, outros conceitos e
ideias serão mobilizados e desenvolvidos. Assim, destaco aqui apenas os conceitos
que constituem a espinha dorsal desse trabalho dando, principalmente, sustentação
para as análises críticas realizadas.
40

CAPÍTULO 1

HISTÓRIA, IDENTIDADE E EFEITOS COLONIAIS NA TERRA-MÃE

O colonialismo é uma ferida que nunca foi tratada. Uma ferida que dói
sempre, por vezes infecta, e outras vezes sangra.
Grada Kilomba¹

Esta é uma das minhas citações prediletas da escritora e multiartista Grada


Kilomba. Em poucas linhas, Kilomba explicita um aspecto do colonialismo que o
permite ser tão forte e presente atualmente: ele nunca foi tratado. Em parte, porque
a narrativa de que o colonialismo era uma ferramenta indispensável ao contato entre
os povos sempre foi utilizada para esconder sua face nefasta. Também porque
através da perspectiva de modernidade, os povos subjugados são levados a
idolatrar os ídolos dos dominadores e negar a si em seu espelho (MEMMI, 2016).

Santa Cruz Cabrália, é uma pequena cidade do extremo sul da Bahia e que
ostenta o título de “Terra-Mãe do Brasil”. Foi aqui que, no ano de 1500, os
colonizadores portugueses chegaram dando início ao invasivo e violento processo
de colonização. Apesar de toda violência que a colonização é (CÉSAIRE, 2020), é
justamente a falsa narrativa colonial de “progresso” e “contato entre os povos” que
impera nesta cidade, principalmente como estratégia para manter o turismo histórico
que se baseia na narrativa romantizada (e falsa) do contato dos colonizadores com
os povos indígenas. De população majoritariamente negra (IBGE, 2010), Santa Cruz
Cabrália é uma cidade que se mostra embranquecida e, quando conveniente,
indígena. Visto que os povos indígenas que aqui habitam, sofrem com ostracismo da
população não-negra e não-indígena, e com o descaso do poder público em
solucionar suas demandas por território, segurança, saúde e educação.

Neste capítulo, reconstituo a história de Santa Cruz Cabrália sob um olhar


racializado e crítico, trago um breve panorama sobre suas relações étnico-raciais e
de sua educação municipal, traçando uma análise interseccional entre ambas.
41

1.1 Santa Cruz Cabrália: história e memória

Em 9 de março de 1500, parte a esquadra portuguesa composta por 9 naus, 3


caravelas e uma naveta de mantimentos, enviada pelo rei D. Manuel em direção à
Calicute, na Índia. Com aproximadamente 1500 homens, a esquadra era
comandada por Pedro Álvares Cabral e tinha em sua tripulação navegadores
experientes, o escrivão Pero Vaz de Caminha, médicos, membros da igreja católica,
entre eles o Frei Henrique de Coimbra. Segundo a carta de Pero Vaz de Caminha,
em 23 de março a nau comandada por Vasco de Ataíde desaparece sem que
explicação lógica, já que as condições climáticas eram favoráveis. As demais
embarcações da esquadra se põem a realizar buscas, sem sucesso, se afastando
cada vez mais da sua rota. Até que em 21 de abril surgem os primeiros sinais de
terra próxima (CARVALHO NETO, 2004).

No dia 22 de abril avistaram um monte e, por ser época de Páscoa, foi nominado
por Cabral de Monte Pascoal, e a nova terra foi chamada Terra de Vera Cruz. Em 23
de abril, seguiram à terra ancorando à foz de um rio, entretanto, na madrugada do
dia 24 uma tempestade fez as embarcações se afastarem e eles decidem seguir ao
norte e procurar um porto seguro para atracar e se estabelecer. Após navegarem
dez léguas pela costa, as caravelas encontram um recife (Ilhéu de Coroa Vermelha),
com um porto seguro onde puderam ancorar. Chegam, então, à Baía Cabrália,
donde em 25 de abril se juntam as demais embarcações. Em 26 de abril, domingo
de Páscoa, Cabral determina a celebração da primeira missa do Brasil, realizada no
Ilhéu de Coroa Vermelha. Em primeiro de maio, já estabelecido contato com a terra
e seus habitantes, é fincada em terra uma grande cruz de madeira e um altar
improvisado donde foram pregados os símbolos da coroa portuguesa e realizada a
missa de posse da terra pelo Frei Henrique de Coimbra. (CARVALHO NETO, 2004)

Segundo o historiador santa-cruzense, Sidrach Carvalho Neto, nas três primeiras


décadas do século XVI, as atividades portuguesas se limitaram ao reconhecimento
do litoral, do relevo, fundação de feitorias e extração de pau-brasil. Entretanto, diante
das várias atividades de corsários franceses, o rei de Portugal decide enviar uma
expedição colonizadora incumbida a Martim Afonso de Souza que, devido à grande
extensão litorânea, foi insuficiente. Assim, em 1534, D. João III, institui o sistema de
42

capitanias hereditárias com o intuito de efetivar a colonização portuguesa e divide a


terra em 15 grandes lotes, doados a pessoas integrantes da pequena nobreza e
possuidoras de uma fortuna pessoal, denominados donatários. A capitania de Porto
Seguro é então doada a Pero do Campo Tourinho, natural do Castelo do Viana e
grande proprietário rural em Portugal, que vende suas posses e chega ao Brasil com
sua família e 600 homens.

Ao chegar à nova terra em 1535, deu início ao processo de colonização da


capitania. Distribuiu as terras, montou engenhos, construiu igrejas e fundou
as primeiras povoações e vilas. A Vila de Nossa senhora da Pena, assim
denominada a princípio, sede da Capitania, foi instalada sobre uma colina a
3 léguas ao sul do Ilhéu de Coroa Vermelha, onde desembarcara a
esquadra cabralina.

Às margens opostas do Rio Mutarí, próximo à sua foz, Tourinho funda a Vila
de Santa Cruz. Mas a povoação não se estabelece por muito tempo nesta
região devido aos ataques dos índios e pela insegurança do local. E no final
do século XVI, transfere-se para um platô às margens do rio Sernambetiba
(hoje João de Tiba), estabelecendo-se definitivamente. (CARVALHO NETO,
2004, p. 32-33)

Por muito tempo, a pequena Vila de Santa Cruz fez parte da Capitania de
Porto Seguro. Somente em 1832 a vila é elevada à categoria de município, e em 23
de julho de 1833 sua implantação é concretizada, data até hoje comemorada como
marco de sua emancipação política. Em julho de 1931, o então interventor Artur
Neiva, através do decreto n° 7. 479, anexa o município de Santa Cruz ao município
de Porto Seguro que recupera sua autonomia apenas dois anos depois. Em 1935,
através do decreto n° 9.400, o nome “Cabrália” é anexado à Santa Cruz, e a
município passa a se chamar, definitivamente, Santa Cruz Cabrália.

Com uma área territorial de 1.462,942 km² (IBGE, 2021), Santa Cruz Cabrália é
um município localizado no extremo-sul da Bahia e que faz parte da Costa do
“Descobrimento”. Seu conjunto paisagístico, em especial o Ilhéu da Coroa Vermelha,
a orla marítima e o conjunto arquitetônico e paisagístico da Cidade Alta foram
tombados como patrimônio material pelo Iphan, no ano de 1981 (IPHAN, 2021).
43

1.2 Filhos desta terra-mãe: uma breve análise da população e das relações
raciais santa-cruzenses

Segundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatística - IBGE (2010), a população santa-cruzense contava com 26.264
habitantes. Em relação à constituição étnico-racial dessa população, tal pesquisa
censitária assinala uma média de 30,63% de brancos; 26,22% pardos; 1,2%
amarelos; 25,55% pretos e 16,40% de indígenas. Conforme IBGE, a soma de pretos
e pardos constitui a categoria negro, sendo assim, a população santa-cruzense é
majoritariamente negra, totalizando 51, 77% do contingente demográfico.

É sabido que os primeiros habitantes desta terra chamada Brasil, e outrora


chamada Pindorama, foram os povos indígenas e que, posteriormente, chegaram os
portugueses que, por sua vez, sequestraram diversos povos africanos de seu
continente e os trouxeram para trabalhar em regime de escravidão. Partindo dessa
diversidade racial existente e latente na identidade da população dessa cidade,
nesse tópico apresento um panorama da presença indígena, europeia e africana em
Santa Cruz Cabrália, analisando as dinâmicas étnico-raciais presentes nesse
território.

Até 1500, ano na intrusão europeia, estima-se que aqui viviam entre 3 e 9
milhões de nativos, divididos em cerca de 900 povos (CESAR, 2011). Estes diversos
povos pindorâmicos, apesar das muitas distinções culturais e linguísticas, também
possuíam diversas similaridades e, por isso, foram agrupados em dois grandes
troncos linguísticos: o Tupi e o Macro-Jê, e também em cerca de 19 famílias
linguísticas que não apresentam graus de semelhanças suficientes para que possam
ser agrupadas em troncos (BRASIL, 2019; 2021).

Os povos indígenas que habitavam o atual extremo sul da Bahia ficaram


conhecidos como tupis, mais precisamente tupiniquins, e espalhavam-se por todo
litoral dos atuais municípios de Belmonte, Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, e de
outras porções da costa leste brasileira. Seus territórios não se estendiam muito
para o interior, sendo estes domínios de outras etnias que, à época, foram
44

nomeados pelos portugueses pela designação tupi genérica de Aimorés (SAMPAIO,


2000).

Segundo os primeiros cronistas, ao contrário dos povos tupis, a mesma não


vivia em grandes aldeias, tinha vida itinerante baseada na caça e coleta, e
se organizava em pequenos “bandos” que perambulavam pelo interior das
matas locais, não obstante também acessassem a costa, cujo domínio, ao
tempo da conquista, era tupiniquim. (REGO, 2012, p. 36)

Por conseguinte, ao aportar no Ilhéu de Coroa Vermelha, o primeiro contato


dos colonizadores se dá com os povos tupiniquins que, em seu modo de vida
sedentário, sobreviviam da agricultura da mandioca e do milho. Sampaio (2000, p.
33) diz que a forma de organização Tupi nos leva a compreender como estes se
tornaram presas fáceis da conquista portuguesa, que se inicia com métodos
“pacíficos” e, quando não mais havia possibilidade de resistência, era completada
militarmente. Segundo o autor, essas grandes concentrações indígenas,
intensificadas pelo trabalho de catequização realizado pelos jesuítas, foram também
dizimadas pelas doenças trazidas pelos europeus.

Os poucos tupiniquins que sobreviveram a esse genocídio inicial viviam nas


povoações costeiras, juntamente com os colonos, e possivelmente em regime de
escravidão, onde constantemente eram alvos dos ataques repentinos dos indígenas
do interior.

Verdadeiros precursores da técnica das guerrilhas, os então chamados


Aymorés eram capazes de surgir repentinamente naquelas povoações,
pilhando e devastando suas moradias e plantações, desaparecendo com a
mesma rapidez nas matas interiores, onde sua mobilidade e dispersão,
além de prevenir uma propagação rápida das epidemias mortíferas,
desencorajavam plenamente as tentativas de reação dos colonos.
(SAMPAIO, 2000, p. 34)

Atribui-se aos diversos ataques dos Aymorés a extinção das capitanias de


Ilhéus, Porto Seguro e Espírito Santo. Segundo Sampaio, o combate aos “bandos
selvagens” se torna, também, um interesse do governo real que, preocupados com
questões geopolíticas e com a abertura de estradas entre a capital, as minas e o
Nordeste, estabelece “quartéis” em todos os rios principais entre o Doce e o Pardo,
donde se inicia ataques sistemáticos aos indígenas dessas regiões.
45

É nessa época que a região passa a receber visitas de encarregados do


governo e de pesquisadores estrangeiros que, com seus relatos, nos permitem ter
algum conhecimento etnológico da época. Um dos relatos mais notórios é o do
príncipe alemão Maximiliano de Wied-Neuwied, publicados no livro Viagem ao Brasil
(1998) e que durante sua viagem entre os anos de 1817 e 1819, passa pela vila de
Santa Cruz, hoje Santa Cruz Cabrália, e relata sobre sua população nativa à época:

Santa Cruz é bem conhecida como o mais antigo estabelecimento dos


portugueses no Brasil, Pedro Álvares Cabral aí desembarcou (...), sendo
amigavelmente recebidos pelos habitantes. Celebrou-se a primeira missa e
deu-se à terra o nome que ainda conserva. A vila de Santa Cruz fica na
embocadura do rio, na margem sul; a igreja e a parte da vila estão situadas
em uma elevação (...), ao pé da eminência se estende o restante da vila,
formada de casas acachapadas, esparsas entre os laranjais e bananeiras.

(...) Santa Cruz é, sob todos os pontos de vista, muito menor que Porto
Seguro. Dizem que outrora foi mais florescente, porém os habitantes mais
ricos morreram. O rio Santa Cruz nasce a distância de uns poucos dias de
viagem. Provindo de duas nascentes principais, que se unem e correm para
o mar. (...) Os Botocudos vagueiam pelo Alto Santa Cruz, mais perto do
litoral, porém, o rio lhes demarca os limites do território, vivendo os
Patachós e os Machacalis na região situada à margem sul. As plantações
existentes rio acima foram assolados, não haviam muito, pelos Botocudos,
do mesmo modo que a vila, em outros tempos, pelos Abatirás e Aimorés ou
Botocudos (...). (WIED, Maximiliano, 1998 apud CARVALHO NETO, 2004)

O olhar de um homem branco europeu, membro da realeza, nos possibilita


perceber como os sujeitos hegemônicos enxergavam os povos nativos, bem como
os classificavam. Note que os Botocudos são responsabilizados pela maioria dos
ataques e são colocados como sinônimo de Aimorés. Assim, Botocudos e Aimorés
se constituem enquanto designações genéricas criadas por esses sujeitos para
nomear os diferentes grupos étnicos que não falavam tupi, ou seja, pertencentes ao
tronco Macro-Jê. Segundo Sampaio (2000), o que hoje conhecemos por extremo sul
baiano era dominado pelos Pataxós e também por grupos Maxakalís, que segundo
fontes da época, ambos possuíam semelhanças culturais e linguísticas e constituíam
alianças temporárias para extinguir as investidas dos Botocudos. Enquanto os
Pataxós se concentravam nas áreas da costa, os Maxacalís habitavam mais
próximos à serra dos Aimorés (atual divisa entre Bahia e Minas Gerais).

A trajetória desses povos indígenas sul-baianos é uma longa história de mais de


cem anos. No que tange ao extremo sul da Bahia, já em meados do século XIX, a
46

maioria da população indígena sobrevivente vivia próxima às vilas coloniais


costeiras (de Santa Cruz Cabrália à Mucuri) onde foram submetidos ao trabalho dos
regionais. Em 1861, o presidente da Província da Bahia, preocupado com os
constantes conflitos entre brancos e indígenas, bem com a possibilidade destes
últimos reivindicarem legalmente as terras que ocupavam, determina a concentração
compulsória de toda população indígena em uma única aldeia, estabelecida junto à
embocadura do rio Corumbau e que originou a aldeia de Barra-Velha.

De acordo com Rego (2012), é de consenso histórico e mnemônico que o


aldeamento de Corumbau, doado como reserva em 1926, reuniu outros grupos
étnicos além dos Pataxós. Sampaio (1996;2000), com base em estudos anteriores,
supõe que, além de pataxós, também foram reunidos maxacalis, botocudos,
tupiniquins e camacãs. Entretanto, a vida desses povos indígenas mudaria
radicalmente em 1951, com a dispersão, mortes, estupros e destruição da aldeia
provocada pela polícia. O Fogo de 51, como ficou conhecido, é atribuído à
manipulação feira por dois homens brancos que dizem ter instigado os indígenas a
assaltar um comércio da região, o que teria provocado a reação violenta da polícia.

Se a história é verdade ou não, é fato que para ser considerado confronto,


ambos deveriam estar em igualdade de condições de combate, o que pelo resultado
sangrento sabemos que não aconteceu. Outras versões da história dizem até que os
homens que causaram a confusão pertenciam ao partido comunista, se é verdade,
também não saberemos, o que sabemos é que essa desculpa de ameaça comunista
ainda é usada nos dias de hoje para justificar o neocolonialismo. Para além das
desculpas e das possíveis verdades, o Fogo de 51 foi um acontecimento que
desencadeou perseguições ao povo Pataxó e, também, a sua dispersão pela região.

Sampaio (2000) afirma que esse trágico episódio, até hoje marcado na memória
desse povo, é frequentemente percebido por eles como um mal-entendido que
causaria a perda de suas terras. Para o povo Pataxó, o Parque de Monte Pascoal
seria originalmente destinado aos indígenas para que mantivessem seu modo de
vida, mas que a partir das mortes de Rondon e Getúlio Vargas (visto por alguns
deles como protetores dos indígenas) o trágico evento foi usado como desculpa para
o parque ser entregue ao atual Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis). Foram anos de resistência e tentativas de retomada
47

do seu território, tal período conforma com o surto madeireiro que atingiu a região
em razão da construção da BR-101 e com o início da exploração pelo turismo.

Em consequência dessa dispersão, surgem diversas comunidades pataxós, no


extremo-sul baiano. Além de Barra-Velha, considerada a “aldeia-mãe”, são criadas
as aldeias de Boca da Mata, Meio da Mata, Imbiriba, Aldeia-Velha, Mata Medonha,
Águas Belas, Corumbauzinho, Trevo do Parque e Coroa Vermelha.

Àquela altura era já irreversível o processo de dispersão dos Pataxós de


Barra Velha, muitos dos quais, após perambular por locais e atividades
diversos na região, voltariam a se concentrar em novos núcleos indígenas,
alguns incipientemente brotados já antes dos anos sessenta. (SAMPAIO,
2000, p. 37)

Em Santa Cruz Cabrália temos duas aldeias pataxós. Mata Medonha, situada à
margem esquerda do Rio Santo Antônio, e instituída em 1951 por uma família de
refugiados de Barra Velha e que, posteriormente, abrigou outras famílias. E a aldeia
de Coroa Vermelha, implantada em 1972 com o intuito de comercializar artesanato
de modo a atender à demanda turística. Coroa Vermelha é a comunidade pataxó
que mais cresce e está localizada no sítio histórico de Coroa Vermelha, situado
entre a praia e a BR-637, a 8 km da sede do município de Santa Cruz Cabrália e 15
km do centro de Porto Seguro (SAMPAIO, 2000). Além do território regularizado e
homologado em 1998, a aldeia abarca outras áreas “retomadas” pelos pataxós
(REGO, 2012)

No ano de 1764, Thomé Couceiro de Abreu, primeiro ouvidor da então Vila de


Santa Cruz, relata sobre a população da vila, em carta enviada ao rei de Portugal

Freguesia de Santa Cruz, termo desta vila. Tem esta freguesia 55


moradores entre brancos, pardos e pretos forros cazados. Filhos d’estes e
de algumas pardas solteiras 88. Moços e moças solteiras, sem paes, 27.
Pardos e pardas solteiras, 26. (CARVALHO NETO, 2004)

Note que o ouvidor utiliza as classificações raciais branco, pardo e preto forro.
Pela época e pela ausência do nome “índios”, como costumavam chamar os nativos
da terra, compreende-se que a categoria pardo refira-se aos indígenas. É Pero Vaz
de Caminha que utiliza pela primeira vez o termo para descrevê-los, como consta
em sua carta ao rei de Portugal: “Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que
lhes cobrisse suas vergonhas” (CORTESÃO, 2003). Por sua vez, o uso do termo
pretos deixa explícito tratar-se dos africanos. O vocábulo preto forro, refere-se aos
48

africanos escravizados que conseguiram a liberdade por meio da alforria, seja


comprando-a ou ganhando-a. Uma última análise desse trecho nos leva à
compreensão de que haveriam muito mais negros, porém em regime de escravidão
e, por isso, não contabilizados.

É praticamente escassa a literatura e pesquisas acadêmicas acerca da


presença africana em Santa Cruz Cabrália, ainda que sua população negra seja
maioria e ainda que por muito tempo a economia da Vila de Santa Cruz contasse
com o plantio de cana-de-açúcar e com o funcionamento de um engenho.
Entretanto, as ausências epistêmicas também dizem muito. O racismo, enquanto
tecnologia de morte, também atua no campo epistêmico, fenômeno que a filósofa
negra Sueli Carneiro (2005) cunhou como epistemicídio e que pode ser
compreendido com um processo contínuo de indigência cultural por meio da
inferiorização intelectual; pelos diferentes mecanismos de deslegitimação e do negro
portador e produtor de conhecimento. Não obstante, o racismo epistêmico também
nega ao povo negro o conhecimento da sua própria história e ancestralidade.

Ainda segundo dados do censo de 2010, a distribuição religiosa do município


é de 52,98% Católica Apostólica Romana 11% espírita e 35% evangélica. As
religiões de matriz africana sequer aparecem no censo, mesmo que seja de
conhecimento popular a existência de, aproximadamente, quatro terreiros de
religiões afro-brasileiras pela cidade. Assim, Santa Cruz Cabrália, é a terra-mãe
cujos filhos africanos foram renegados.

1.3 Educação santa-cruzense: primórdios e atualidades

No Brasil de 1500, novo empreendimento colonial de Portugal, as primeiras


escolas e formas de educação formal ficaram nas mãos da Igreja Católica. Os
jesuítas, que faziam parte de uma ordem católica denominada Companhia de Jesus,
chegam ao Brasil em 1549, juntamente com Tomé de Sousa, primeiro governador-
geral enviado por Portugal, desembarcando na cidade de Salvador onde é fundado o
Colégio Meninos de Jesus. Sua missão era, basicamente, catequizar e converter a
população nativa ao cristianismo, endossando o projeto colonial de aculturação dos
povos considerados selvagens. Sobre a chegada dos jesuítas na Bahia e, mais
49

especificamente nessa região, o historiador santa-cruzense Sidrach Carvalho Neto,


escreve:

Em cada missão havia uma igreja e uma escola. Além da leitura, escrita e
cálculo, ensinavam ofícios de carpinteiro, ferreiro e tecelão. Nóbrega, logo
após sua chegada a Salvador, embarca para Porto Seguro, em companhia
de Diego Jácome, a fim de vistoriar a situação desta capitania.
Permanecem nesta localidade por alguns meses. Imediatamente depois
dessa visita, o padre superior designa dois irmãos à capitania, a fim de dar
início àqueles trabalhos de catequeses solicitados pela Coroa Portuguesa
(CARVALHO NETO, 2004)

Depois de iniciado o processo de catequização, a primeira informação sobre


a educação escolar surge apenas no século XIX. No ano de 1816 é criada primeira
escola estadual na Vila de Santa Cruz (CARVALHO NETO, 2004) e em 1899, o
major do exército Salvador Pires de Carvalho e Aragão, escreve Estudos sobre a
Bahia Cabralia e Vera Cruz, um relatório realizado sob demanda do então
governador do estado, Conselheiro Luiz Vianna, em razão do 4° centenário do
“descobrimento do Brazil” (ARAGÃO, 1899). No capítulo V, denominado Santa Cruz,
relata:

Toda a vila conta atualmente com 268 fogos, 832 almas, contando o
município 6.200. (...) Tem o município duas escolas sendo uma para cada
sexo, funcionando ambas na vila, em prédios que carecem das condições
para este fim. A pobreza faz com que nem toda a população escolar esteja
matriculada. A escola do sexo masculino tem 43 alunos e frequência de 30.
A do sexo feminino tem de matrícula 39, de frequência 35. Concorre o
município para a manutenção das escolas com a 6ª parte de sua renda,
contribuindo o Estado com o restante. (ARAGÃO, 1899, p. 43)

Esse é particularmente interessante, porque nos possibilita mais de uma


indagação acerca do processo colonial de educação. O termo fogo é uma unidade
de base que se refere ao domicílio, que seria composto pelo núcleo familial de seu
chefe (pais, filhos, dependentes e escravos) (MARCÍLIO, 1972). Logo, Aragão afirma
que há 268 domicílios/casas na vila de Santa Cruz, entretanto as afirmações que se
seguem nos dão margem há distintas interpretações. Em uma primeira
interpretação, pode-se compreender que a vila tinha 268 casas e que contava com
832 almas em um total de 6.200 habitantes. Quem seriam as pessoas que possuíam
alma? Quem são esses 5.368 habitantes sem alma? Em um contexto colonial, quais
os critérios para ser considerado um ser com alma?
50

Uma segunda interpretação desse trecho inicial nos leva a compreender que
a vila tinha 268 domicílios, habitados por 832 almas em um total de 6.200 almas na
vila, sendo alma um termo equivalente a habitante. Entretanto, indaga-se onde vivia-
se essa maioria populacional já que não constavam nos domicílios (fogos)? Quais os
critérios para uma habitação ser considerada um domicílio? Ademais, no relato do
ouvidor Thomé Couceiro de Abreu, em 1764 ele descreve uma população composta
por brancos, indígenas e pretos (ainda que apenas considere a condição do preto
alforriado), sendo inegável a presença africana neste território. Portanto, em um
contexto colonial, com condições complexas e distintas de racialização e
escravização de indígenas e negros (africanos e afro-brasileiros), questiona-se:
quem seriam as pessoas que habitavam os domicílios? Essas são muitas perguntas
que gostaria de poder responder com precisão, mas que o próprio epistemicídio
perpetrado neste território me impossibilita de responder.

Acerca do acesso à escola, percebe-se um número baixo de alunos quando


confrontados com o contingente populacional da época. Em um município de 6.200
habitantes, há apenas 82 alunos matriculados (43 do sexo masculino e 39 do sexo
feminino), um número extremamente baixo e que nos leva a refletir sobre quem
seriam os sujeitos que teriam acesso à educação.

Em 1935, as classes já eram mistas (sem separação por sexo) e havia duas
escolas estaduais primárias na sede do município, uma delas, denominada
Tiradentes, funcionava na casa da professora Nair Sambrano Bezerra, e a outra
funcionada na casa da professora Stela Santos Sambrano. Em 1948, conforme
relato do prefeito Sidrach Carvalho, a situação das escolas era crítica, pois ainda
funcionavam em casas particulares tão mal construídas e localizadas, que em época
de chuva as aulas eram suspensas para não prejudicar a saúde das crianças
(CARVALHO NETO, 2004).

Sidrach Carvalho Neto narra que no fim da década de 40 o município já


contava com três escolas primárias estaduais, com um total de 210 alunos
matriculados. Conforme relato do seu avô Sidrach Carvalho, prefeito do município à
época, inicia-se a construção de uma escola de educação primária na zona rural de
maneira a responder às demandas educacionais da população do campo. O então
gestor relata que havia, ainda, duas escolas de ensino supletivo para adultos,
51

localizadas no povoado de Novo Mundo e na Fazenda Laranjeiras e, também, uma


biblioteca pública municipal contando com 717 volumes de obras diversas. No início
da década de 50 é construída a Escola Municipal de Santo André e no início da
década de 60 o Governo do Estado constrói a Escola Frei Henrique de Coimbra, a
primeira com sede própria dentro do município.

Na década de 70, o município passa a fazer parte do MOBRAL – Movimento


Brasileiro de Alfabetização, cujo intuito era erradicar os altos índices de
analfabetismo do país. Nessa década também é construída, no centro da cidade, a
escola Prisco Viana dedicada à educação primária. No ano de 1983 é criado o
Ginásio Municipal Professora Nair Sambrano Bezerra, na sede do município, vindo a
ser a primeira escola de primeiro grau (ensino fundamental) do município e anos
depois também passou a oferecer o segundo grau (ensino médio). Minha mãe
Terezinha, foi a primeira secretária autorizada dessa escola e eu estudei a 1ª série e
posteriormente a 5ª e 6ª séries.

Somente no ano de 2008, por meio da Lei Municipal 421/2008, é criado o


Sistema Municipal de Educação, atuando primariamente na Educação Infantil, no
Ensino Fundamental de 08 e 09 anos e na Educação de Jovens e Adultos (EJA). O
Sistema Municipal de Educação é composto pela Secretaria Municipal de Educação
(SECAD), pelo Conselho Municipal de Educação (CMESCC) e pelas Unidades de
Ensino Fundamental e Infantil, sendo responsáveis pelo desenvolvimento
educacional no município. (CABRÁLIA, 2015).

A Secretaria Municipal de Educação de Santa Cruz Cabrália (SECAD)


subdivide-se da seguinte forma: Secretário (a) Municipal de Educação;
Superintendência de Educação; Diretoria de Departamento Pedagógico;
Coordenação de Educação Indígena; Coordenação de Educação Inclusiva;
Coordenação de Educação Infantil; Coordenação de Educação de Jovens e Adultos
– EJA; Coordenação de Ensino Fundamental; Diretoria de Educação no Campo;
Coordenação de Educação no Campo; Diretoria de Recursos Humanos; Diretoria
Administrativa; Chefia de Vigilância Patrimonial; Chefia de Manutenção; Chefia de
Almoxarifado; Coordenadoria de Distribuição – Alimentação Escolar; Coordenadoria
de Transporte Escolar; Coordenadoria de Projetos e Convênios; Coordenadoria de
Inclusão Digital e Recursos Tecnológico.
52

Criado a partir da promulgação da Lei Municipal 0352/2005, o conselho


Municipal de Educação tem como finalidade básica assessorar o poder público
municipal na formulação da política educacional do município, competindo-lhe
especificamente:

a) Analisar ou propor programas, projetos ou atividades;


b) Promover a expansão e aperfeiçoamento do Sistema Municipal de
Educação;
c) Estabelecer diretrizes, averiguar, examinar e assessorar a Secretaria
Municipal de Educação no tocante a elaboração, implementação, implantação
e acompanhamento de Planos, sobretudo, o Plano Municipal de Educação.
(CABRÁLIA, 2015)

O Sistema Municipal de Ensino santa-cruzense promove a oferta da


Educação Infantil e do Ensino Fundamental, ficando à cargo do governo estadual a
oferta do Ensino Médio. A rede municipal de ensino conta com 28 (vinte e oito)
escolas de responsabilidade do Poder Público Municipal, 05 (cinco) pertencentes a
rede particular e 2 (duas) escolas de Ensino Médio, sob a égide do governo
estadual. Dessas 28 (vinte e oito) unidades de ensino, 14 (quatorze) localizam-se na
zona rural e 14 (quatorze) na zona urbana. Na zona rural, 12 (doze) são escolas de
pequeno porte e 02 (duas) de médio porte. Na zona urbana, 08 (oito) são escolas de
pequeno porte, 03 (três) são de médio porte e 03 (três) escolas de grande porte.

A realidade da educação local não é diferente da realidade brasileira. Apesar


dos avanços já alcançados, as escolas santa-cruzenses carecem de melhor
infraestrutura física e humana. A maioria das unidades de ensino estão alocadas em
prédios antigos, com salas de aula apertadas e com pouca ventilação. Para além
disso, nem todas as escolas possuem acessibilidade para pessoas com deficiência,
refeitório e quantidade ideal de banheiros. Falta também climatização (pois vivemos
em um país tropical e a Bahia é extremamente quente), bibliotecas equipadas, salas
de estudo, laboratórios, vestiários e salas de jogos. Há também a dificuldade com o
transporte escolar e, em algumas escolas, problemas com a água.

Em suma, podemos concluir com o apresentado neste capítulo, que há


muitas lacunas na história da educação santa-cruzense que carecem de um estudo
mais aprofundado. Por conseguinte, este estudo não pode deixar de lado suas
dinâmicas raciais pois estas inferem diretamente na qualidade da educação.
Enegrecer a história santa-cruzense é substancial para um território que se quer
antirracista e multicultural.
53

CAPÍTULO 2

O PME E A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

De acordo com dados do Censo Escolar do ano de 2020, dos 7.471 (sete mil
quatrocentos e setenta e um) alunos da rede educacional de Santa Cruz Cabrália,
9,2% se autodeclararam racialmente brancos, 5,4% se autodeclararam pretos,
36,3% se autodeclararam pardos, 18,3% se autodeclararam indígenas, 0,3% se
autodeclararam amarelos e 30,6% optaram por não se autodeclarar (CABRÁLIA,
2022). No Brasil, negro é uma categoria sociopolítica que engloba pessoas
autodeclaradas pretas e pardas, dessa forma 41,7% dos estudantes santa-
cruzenses são negros. Ou seja: a escola pública santa-cruzense tem cor e ela é
negra.

Nos referidos dados expostos, chama-nos a atenção a alta porcentagem de


alunos que optaram por não se autodeclarar (30,6%), o que nos leva a indagar sobre
os possíveis porquês dessas abstenções. Seria um efeito do racismo e das políticas
de embranquecimento tão fortemente incididas nesse território? Seria a sombra
desse velho conhecido, o mito da democracia racial, que perpetua a ideia de que
aqui “não há raça e nem racismo pois somos todos misturados”? Seriam todas essas
alternativas juntas, somadas a uma série de micro e macro agressões que o racismo
à brasileira produz?

O conjunto de instrumentos legais que subsidiam a Educação das Relações


Étnico-Raciais intentam, também, promover o fortalecimento identitário e
sociocultural da população negra, portanto é uma ferramenta fundamental para
reverter nosso cenário de embranquecimento e epistemicídio. Nesse sentido
indagamos ainda: como a educação santa-cruzense, com seu alunado
majoritariamente negro, contempla a Educação das Relações Étnico-Raciais?

Neste capítulo apresento uma breve história da luta dos movimentos negros por
uma educação emancipadora e antirracista, as atribuições do PME frente à
Educação das Relações Étnico-Raciais e empreendo uma análise crítica de como o
PME santa-cruzense aborda a Educação das Relações Étnico-Raciais
54

2.1 Insurgência negra na educação: caminhos para uma educação antirracista.

O epistemicídio é um poderoso recurso colonial que, como define Sueli


Carneiro (2005), para além da anulação e desqualificação dos conhecimentos dos
povos subjugados, produz uma indigência cultural ao negar acesso à educação,
sobretudo de qualidade, o que, somado às sucessivas discriminações presentes no
processo educativo comprometem a autoestima dos sujeitos negros, ferindo sua
racionalidade e mutilando sua capacidade de aprender.

O projeto colonial europeu sobre os demais continentes sempre utilizou da


educação escolar para difundir sua ideia de superioridade branca. Não obstante, no
Brasil as primeiras escolas foram as escolas jesuítas, cujo principal objetivo era
domesticação dos indígenas e sua conversão à língua e fé dos colonizadores
(RIBEIRO, 1993). Para os africanos o acesso à educação (ainda que com viés
eurocêntrico) foi ainda mais tardio, isso porque eram juridicamente considerados
uma coisa e não uma pessoa (FAUSTO, 2006).

A constituição Imperial de 1824 previu a educação primária gratuita a todos os


cidadãos, exceto os escravizados, porém permitia o acesso à população negra
liberta (GARCIA, 2007; SILVA; ARAÚJO, 2005). Se faz importante pontuar que o
acesso que parte da população negra tinha à educação escolar não se devia ao
entendimento de sua humanidade, mas sim a um projeto político que visava a
homogeneização, civilização e assimilação cultural dos povos considerados
inferiores. A escola era, então, entendida como forma de civilizar os grupos vistos
como um empecilho à coesão social brasileira. (VEIGA, 2008 apud DE ALMEIDA;
SANCHEZ, 2016)

Em outubro de 1827, foi publicada a primeira lei acerca da educação pública,


mas esta não trazia nenhuma menção à educação escolar dos negros (SAVIANI,
1999). Em 1834, uma alteração da Constituição promulgada por meio de um Ato
Adicional, estabeleceu que a legislação sobre a instrução escolar formal era das
Assembleias Provinciais (CURY, 2002; SAVIANI, 1999).
55

Com isso, algumas províncias estipularam, a partir de 1835, formas de


fiscalização do trabalho das escolas, dos alunos e dos professores, e
também a obrigatoriedade de frequência escolar, acompanhada, inclusive,
por mecanismos de punição às famílias que descumprissem essa
determinação. Essas características legais são fortes indicadores de qual
parcela da população a escola pretendia atingir em sua missão civilizadora -
a parcela pobre, composta por um significativo número de negros libertos.
(DE ALMEIDA; SANCHEZ, 2016, p. 235)

Segundo os autores, apesar de garantir o acesso de muitos negros libertos à


escola, esta não garantia as condições materiais para sua permanência. Conforme
aponta Barros (2005), a pobreza e discriminação racial e social, eram as principais
dificuldades enfrentadas pelas crianças negras para sua frequência e permanência
na escola.

Ainda segundo De Almeida e Sanchez (2016), há indícios de algumas


práticas de instruções dos negros escravizados ainda no Império. Uma delas é que,
apesar da educação pública ser negada a eles, algumas instituições de ensino
particulares não os impediam. Desta forma, conforme apontado por Barros (2005),
Garcia (2007), Silva e Araújo (2005) e Veiga (2008) (apud DE ALMEIDA e
SANCHEZ, 2016), algumas escolas atendiam essa população nas fazendas,
promovendo uma formação voltada para o trabalho. De acordo com Silva e Araújo
(2005), dois fatores foram importantes para a conquista da instrução pelos negros
escravizados ainda no Império: a sua alfabetização realizada por alguns padres,
ainda que objetivassem sua aculturação e conversão a fé cristã, e a aprendizagem
pela observação das aulas ministradas para as sinhás-moças.

Em 1879, a reforma do Ensino Primário e Secundário de Leôncio Carvalho


derrubou o veto que proibia o acesso dos escravizados nas escolas públicas. Assim,
alguns negros escravizados passam a frequentar as escolas profissionais e
promover o letramento de outros negros de maneira informal (DE ALMEIDA;
SANCHEZ, 2016). Entretanto, a reforma Rivadávia Correia, implementou, em 1911,
a realização de exames admissionais e a cobrança de taxas nas escolas (GARCIA,
2007), uma forma de elitizar seu público e manter negros fora da escola, visto que
estes eram a maioria da população pauperizada.

Mesmo com todas essas dificuldades, o restrito acesso à educação produziu


uma parcela de intelectuais negros que iniciaram a reivindicação por mudanças
56

sociais, principalmente pela democratização do acesso de toda população negra à


educação. Importante salientar que a resistência negra é inerente ao povo negro e
que os movimentos de resistência e insurgência contra as violências coloniais
sempre existiram, entretanto, é a partir da sanção da Lei Áurea, em 1988, que temos
o início das institucionalizações e da legalidade desses movimentos (CUNHA;
JÚNIOR; DUVERNOY, 2022).

Os precursores do Movimento Negro no Brasil reuniam-se em associações


como clubes esportivos, entidades beneficentes, grêmios literários, centros
cívicos, jornais, organizações políticas. Mesclavam iniciativas educacionais
com aquelas de assistência social, jurídica, médica, além de campanhas
eleitorais, publicação de jornais. Atuavam, no campo educativo, por meio de
tentativas de conscientização da população negra sobre a necessidade de
educação e de mobilização social. Desenvolviam ações culturais, e
procuravam preencher as lacunas educacionais deixadas pelo Poder
Público criando suas próprias escolas, focadas no Ensino Básico,
essencialmente na alfabetização (SANTOS, 2005 apud DE ALMEIDA e
SANCHEZ, 2016).

Em 1931 a Frente Negra Brasileira (FNB) é criada, e uma de suas


prioridades primárias era o acesso da população negra à educação formal. Na
época, o então presidente da FNB, Raul Joviano do Amaral, elabora uma proposta
de educação cujos principais objetivos eram agrupar, educar e orientar. Assim, cria-
se uma escola onde o curso de alfabetização atendia 4.000 alunos e a escola
primária e curso de formação social, cerca de 200 alunos. Apesar do foco ser a
população negra, a iniciativa também contemplava pessoas de outras raças
(GONÇALVES; SILVA, 2000). Com a instauração da ditadura de Getúlio Vargas, em
1937, a FNB foi extinta e o Movimento Negro enfraquecido, vindo a se reintegrar e
fortalecer após a queda da ditadura.

Nessa segunda fase, surge o Teatro Experimental do Negro (TEN), fundado


no Rio de Janeiro em 1944 e com ramificações em outros estados. Coordenado por
Abdias Nascimento, seu principal objetivo era a valorização social do negro
brasileiro através da educação, da cultura e da arte. Com o golpe militar de 1964,
novamente as atividades do Movimento Negro passam por momentos de fragilidade
e desarticulação. Ainda assim, a resistência é inerente ao povo negro desde a
mácula da escravização, e mesmo na ilegalidade e com intensa perseguição, o povo
negro mantém seu aquilombamento e sua luta pela cidadania plena.
57

Em 1978 surge o Movimento Negro Unificado (MNU). Com uma perspectiva


revolucionária e articulando as questões de sexo e classe à raça, o MNU torna-se
um marco no que conhecemos como movimento negro contemporâneo (PEREIRA,
2017). Em sua Carta de Princípios, escrita no mesmo ano de sua fundação, já trazia
reinvindicações fundamentais para a elaboração e aprovação da lei 10.639/03, como
a revisão do papel do negro na história do Brasil, sua inserção nos livros didáticos e
no conteúdo pedagógico. Em seu Programa de Ação, elaborado em 1982, o MNU
defendia como reinvindicação mínimas:

(...) desmistificação da democracia racial brasileira; organização política da


população negra; transformação do Movimento Negro em movimento de
massas; formação de um amplo leque de alianças na luta contra o racismo
e a exploração do trabalhador; organização para enfrentar a violência
policial; organização nos sindicatos e partidos políticos; luta pela introdução
da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares, bem
como a busca pelo apoio internacional contra o racismo no país
(DOMINGUES, 2007, p. 114)

Segundo Petrônio Domingues (2007), essa terceira fase do Movimento Negro


na república, de protagonismo do MNU, é caracterizado por um discurso racial
incisivo, de estratégia diferencialista (igualdade na diferença), de posição ideológica
assumidamente de esquerda e marxista, que compreendia o colonialismo, a
escravidão e o capitalismo como principais responsáveis pela marginalização da
população negra e tinha como estratégia as manifestações públicas, pela imprensa,
a formação de comitês de base e a formação de um movimento nacional.

Caracterizava-se, ainda, pela denúncia sistemática do mito da democracia


racial, pela valorização dos símbolos e da estética negra (capoeira, samba,
candomblé etc.), endossando um discurso contra o fenômeno da mestiçagem, por
compreenderem-no como estratégia de embranquecimento e genocídio do povo
negro, e adotam oficialmente o termo “negro”, concebendo-o como a junção de
pretos e pardos, de maneira a valorizar e unificar as diversas formas de negritude.

Diferente das fases anteriores que se caracterizavam pelo assimilacionismo e


que entendiam a falta de acesso à educação formal como uma das principais causas
da subalternização do negro, essa terceira fase de destaque do Movimento Negro
Unificado, se caracteriza pelo seu caráter radical, de buscar na raiz os motivos da
sua opressão. Assim, mais do que lutar para que o negro receba a mesma educação
58

que o branco, a agenda do MNU demandava uma educação verdadeiramente


libertária e afrorreferenciada que promovesse a emancipação do povo negro, que o
retirasse da condição de Outro e devolvesse sua humanidade plena.

Não obstante, concomitante a luta do povo negro, no Brasil República a


educação escolar passou a ser veiculada como uma estratégia de elevação desses
Outros à condição de cidadania. Segundo Ramalho; Leite (2020), o fato do direito ao
voto estar condicionado à alfabetização até o ano de 1985, evidencia a permanência
da ideia da possibilidade desses Outros de se tornarem humanos e cidadãos a partir
de sua submissão aos processos educativos coloniais. Portanto, a luta dos
movimentos negros em suas distintas fases, estratégias e abordagens foram
imprescindíveis para pensar uma educação decolonial e para a conquista da Lei
10.639/03 e demais dispositivos legais que subsidiam uma educação antirracista.

Para Gomes (2017) o Movimento Negro é um educador, pois é a partir da sua


luta nas mais variadas formas de expressão e organização e com todas as suas
tensões, desafios e limites, que se expande o conhecimento sobre as questões
raciais e africanas no Brasil, em uma perspectiva crítica e emancipatória. Sem a luta
do Movimento Negro, “nem as políticas de promoção da igualdade racial teriam sido
construídas e implementadas” (GOMES, 2017, p. 19). É o Movimento Negro que,
ainda, fez e faz a tradução intercultural das teorias e interpretações críticas
realizadas sobre a temática racial no campo acadêmico para a população negra e
pobre fora da universidade (GOMES, 2017, p. 17)

Esse movimento social trouxe discussões sobre racismo, discriminação


racial, gênero, juventude, ações afirmativas, igualdade racial, crítica à
democracia racial, africanidades, saúde da população negra, educação das
relações étnico-raciais, intolerância religiosa contra as religiões afro-
brasileiras, violência, questões quilombolas e antirracismo para o cerne das
discussões teóricas e epistemológicas das Ciências Humanas, Sociais,
Jurídicas e de Saúde, indagando, inclusive, as produções das teorias raciais
do século XIX disseminadas na teoria e no imaginário social e pedagógico.
(GOMES, 2017, p. 17)

A partir dos anos 2000 é quando observamos muitas demandas do


Movimento Negro se concretizarem. Em 2001, o Brasil participa da III Conferência
Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas
de Intolerância, promovida pela ONU, em Durban, África do Sul. Com a maior
delegação do mundo, composta de integrantes dos movimentos negros, sobretudo
59

mulheres negras, o Estado brasileiro reconhece internacionalmente a existência do


racismo em nosso país e se compromete a construir medidas para sua superação,
entre elas ações afirmativas na educação e no trabalho (GOMES, 2017, p. 34).

Em 2003 uma demanda educacional do Movimento Negro desde os anos de


1980 foi finalmente contemplada (GOMES, 2017, p. 35). Aprovada em 1999 e
sancionada somente em março de 2003 pelo então presidente Luís Inácio Lula da
Silva, a Lei 10.639/03 altera alguns artigos da Lei 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional - LDB (BRASIL,
2003) e torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas
escolas públicas e privadas dos Ensinos Fundamental e Médio. Regulamentada pelo
Parecer CNE/CP n.º 3/2004 e pela Resolução CNE/CP 01/04, a lei foi novamente
alterada pela Lei 11.645/08, com inclusão da temática indígena (GOMES, 2017, p.
36). Ambos, parecer e resolução, instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana, visando orientar e indicar caminhos para a implementação das
Leis 10.639/03 e 11.645/08.

A promulgação dessas leis não é o mesmo que sua concretização. Para


tanto, em 2009, cinco anos após a instituição das referidas diretrizes, o governo
federal por meio de ação conjunta entre o MEC (Ministério da Educação) e a
SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial), apresenta o
Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana (DE SOUZA, 2016). O objetivo do Plano é fortalecer e
institucionalizar a gama de determinações legais já instituídas, de forma que todo
sistema de ensino e instituições educacionais as cumpram.

O Plano tem como finalidade intrínseca à institucionalização da


implementação da Educação das relações étnico-raciais por meio da
compreensão e do cumprimento das Leis 10.639/2003 e 11.645/08, da
Resolução CNE/CP 01/2004 e do Parecer CNE/CP 03/2004. O Plano não
acrescenta nada à legislação já existente, por entendê-la clara e nítida em
suas orientações (BRASIL, 2009, p.16).
60

Para além das Leis 10.639/03 e 11.645/08, das diretrizes que as


regulamentam e do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História
e Cultura Afro-brasileira e Africana, podemos destacar outras políticas públicas
conquistadas pela luta do Movimento Negro em prol da educação brasileira, a saber:

(...) a inserção da questão étnico-racial, entre as outras expressões da


diversidade, no documento final da Conferência Nacional da Educação
Básica (Coneb), em 2008, e da Conferência Nacional de Educação (Conae),
em 2010 e 2014; a inserção, mesmo que de forma transversal e dispersa,
da questão étnico-racial e quilombola nas estratégias do Plano Nacional de
Educação(PNE); a Lei Federal 12.288 de 2010, que institui o Estatuto da
Igualdade Racial; a aprovação do princípio constitucional da ação afirmativa
pelo Supremo Tribunal Federal, no dia 26 de abril de 2012; a sanção pela
então presidenta Dilma Roussef, da Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012,
que dispõe sobre cotas sociais e raciais para ingresso nas universidades
federais e nas instituições de ensino de Nível Médio; a aprovação das
Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar Quilombola – Parecer
CNE/CEB 16/12 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE); e a sanção
da Lei 12.990, de 9 de junho de 2014, que reserva aos negros 20% das
vagas oferecidas nos concursos públicos para o provimento de cargos
efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal ,
das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das
sociedades de economia mista controladas pela União (GOMES, 2017, p.
37)

Essas e outras conquistas desvelam o protagonismo desse movimento social


enquanto um ator político e educador. O Movimento Negro “é um ator político que
produz, constrói, sistematiza e articula saberes emancipatórios produzidos pelos
negros e negras ao longo da sua trajetória na sociedade brasileira” (GOMES, 2017,
p. 38). Entretanto, apesar do foco de suas ações ser a população negra, estas não
se restringem a elas, pois intentam construir uma sociedade e uma educação
democrática e justa para todas as pessoas.
61

2.2 Do Plano Nacional de Educação ao Plano Municipal de Educação:


confluências para a Educação das Relações Étnico-Raciais.

Em 25 de junho de 2014, a então presidenta Dilma Roussef sanciona, sem


vetos, a Lei Federal 13.005/14 e aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) com
vigência de dez anos. O PNE estabelece os princípios normativos que orientam os
sistemas e redes de ensino brasileiro e se configura em uma importante conquista
do Estado Democrático de Direito, viabilizada pela Constituição Federal de 1988
(CF/1998) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), posto
que estabelece os princípios normativos que orientam os sistema e redes de ensino
brasileiros, rumo à gestão democrática (SEHNEN; MARTINS, 2022).

Assim, o PNE caracteriza-se como uma política orientadora para ações


governamentais em todos os níveis federativos, tendo como objetivo central induzir e
articular os referidos entes na elaboração de políticas públicas que sejam eficazes
em melhorar o acesso e qualidade da educação brasileira, de forma equitativa e
democrática (BRASIL, 2015).

O Plano Municipal de Educação – PME constitui-se como uma das exigências


do PNE (2014) que requer que os entes federados elaborem seus próprios
dispositivos legais para nortear e subsidiar a educação básica municipal (SEHNEN;
MARTINS, 2022). O PME deve estar alinhado ao PNE (Plano Nacional de
Educação) e ao PEE (Plano Estadual de Educação) e devem garantir os princípios
da democracia, da gestão democrática, da participação e da equidade. O PNE deu
o prazo de 1 (um) ano para que os municípios brasileiros construíssem ou
reestruturassem seus PME’s.

O PME é um plano de Estado e não de governo, por conseguinte, como lei,


os dirigentes municipais devem garantir sua continuidade independente da gestão
municipal vigente. São premissas básicas para construção do PME os princípios de
gestão democrática, da autonomia e da colaboração. Dessa forma, para que a
elaboração de um documento que atenda às especificidades e demandas de cada
município seja efetiva, se faz necessário a articulação e interação entre os distintos
atores sociais (SEHNEN; MARTINS, 2022).
62

Seu processo de construção é constituído por um conjunto de ações de


planejamento, mobilização, interação e participação em que os gestores e
responsáveis por sua elaboração devem garantir e desenvolver estratégias
que envolvam os diferentes atores que, direta ou indiretamente, influenciam
na educação municipal. Ações que fortalecem o processo democrático de
articulação entre governo e poderes executivo, legislativo e judiciário;
Conselhos Municipais; sindicatos; comunidades escolares; membros do
magistério público e privado; diretores de escolas; alunos; pais e toda
sociedade civil organizada. (SEHNEN; MARTINS, 2022)

O PNE estrutura-se em diretrizes, metas e estratégias aferíveis, o que


viabiliza o acompanhamento de sua execução. Podemos compreender as metas
como as demarcações concretas do que se espera alcançar em cada dimensão da
educação brasileira e as estratégias como os caminhos que precisam ser
construídos e percorridos por meio das políticas públicas. O PNE apresenta dez
diretrizes e vinte metas, suas diretrizes são transversais e referenciam todas as
metas, buscando sintetizar consensos sobre os grandes desafios educacionais do
País (BRASIL, 2015). São diretrizes do PNE:

I - Erradicação do analfabetismo;

II - Universalização do atendimento escolar;

III - Superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção


da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação;

IV - Melhoria da qualidade da educação;

V - Formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores


morais e éticos em que se fundamenta a sociedade;

VI - Promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;

VII - Promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País;

VIII - Estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em


educação como proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que assegure
atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e
equidade;

IX - Valorização dos (as) profissionais da educação;

X - Promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à


diversidade e à sustentabilidade socioambiental. (BRASIL, 2014)
63

O documento “Planejando a Próxima Década – Conhecendo as 20 Metas do


Plano Nacional de Educação”, do MEC, reuniu as metas em quatro grupos
principais, conforme seu foco de atuação:

• Metas estruturantes para a garantia a do direito à educação básica com


qualidade: Meta 1, Meta 2, Meta 3, Meta 5, Meta 6, Meta 7, Meta 9, Meta
10, Meta 11.

• Metas voltadas a redução das desigualdades e à valorização da


diversidade: Meta 4 e Meta 8.

• Metas para a valorização dos profissionais da educação: Meta 15, Meta


16, Meta 17 e 18.

• Metas referentes ao ensino superior: Meta 12, Meta 13 e Meta 14.


(BRASIL, 2015).

Circunscrevemos o segundo grupo que engloba as metas voltadas para a


redução das desigualdades e à valorização da diversidade, fazem parte dele as
metas 4 e 8. Vejamos:

Meta 4: universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência,


transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional
especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia
de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais,
classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.

Meta 8: Elevar a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, de


modo a alcançar, no mínimo, 12 anos de estudo no último ano de vigência
deste Plano, para as populações do campo, da região de menor
escolaridade no país e dos 25% mais pobres, e igualar a escolaridade
média entre negros e não negros declarados à fundação Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) (BRASIL, 2015).

A meta 8, direta ou indiretamente, versa sobre problemas que atingem


principalmente a população negra brasileira. Dados do informativo "Desigualdades
Sociais por Cor ou Raça no Brasil", divulgado pelo IBGE (2019), apontam que
negros são maioria entre desempregados e analfabetos, além de receberem salários
menores e serem maioria entre os estudantes que não conseguem concluir a
educação básica. Essa subalternização a qual a população negra é submetida é
resultado de um país que tem suas instituições políticas, sociais e sua frágil
democracia estruturada sob uma lógica racista. Munanga (2005) focaliza para a
relação do alto coeficiente de repetência e desistência do alunado negro em relação
64

ao branco, com o racismo estrutural e institucional dentro da escola. Sendo o


racismo também responsável por afetar a estrutura psíquica da população negra

Não precisamos ser profetas para compreender que o preconceito incutido


na cabeça do professor e sua incapacidade em lidar profissionalmente com
a diversidade, somando-se ao conteúdo preconceituoso dos livros e
materiais didáticos e às relações preconceituosas entre alunos de diferentes
ascendências étnico-raciais, sociais e outras, desestimulam o aluno negro e
prejudicam seu aprendizado. (MUNANGA, 2005, p. 16)

De modo consequente, o resgate da memória coletiva e da história da


comunidade negra sob uma perspectiva humanizada e não eurocêntrica, se faz um
recurso positivo não apenas para a população negra, mas também para a população
branca que na dinâmica do racismo também tem sua psiquê afetada (MUNANGA,
2005); (FANON, 1952; 2008). Nessa seara, a Educação das Relações Étnico-
Raciais, o Ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira e o Letramento
Racial dos educadores são instrumentos pedagógicos urgentes para revertermos a
situação de minorização sistemática a qual a população negra é compelida.

Sabe-se que o Plano Municipal de Educação - PME deve ser elaborado em


consonância com o Plano Nacional de Educação – PNE, abrangendo, dessa forma,
a luta pela erradicação de toda forma de racismo, discriminação e preconceito.

2.3 O PME santa-cruzense, o discurso colonial e Educação das Relações


Étnico-Raciais: uma análise

Antes de iniciar essa análise reitero aqui os limites dessa pesquisa cujo intuito
é analisar a forma como o Plano Municipal de Educação deste município aborda a
Educação das Relações Étnico-Raciais e como o apagamento da população negra
empreendido através de um discurso colonial vivo e presente nesse território,
reverbera no referido documento. Posto isto, essa análise seguirá a ordem em que o
documento está organizado, onde pontuo apenas os trechos/partes que são
congruentes com os objetivos dessa pesquisa.

O Plano Municipal de Educação de Santa Cruz Cabrália foi sancionado em 23


de junho de 2015, por meio da Lei Municipal N° 543 e possui vigência até o ano de
65

2025. Foi desenvolvido durante o mandato do então prefeito da época, o senhor


Jorge Monteiro Pontes, tendo como vice-prefeito de sua gestão o senhor Alexandre
Carvalho Leite e como secretária municipal de educação a senhora Sandra Regina
Chagas dos Santos. Para sua elaboração, contou ainda com 1 (um) grupo
colaborativo e 8 (oito) comissões representativas, sendo elas: Comissão de Gestão;
Comissão de Educação Inclusiva; Comissão de Educação Infantil; Comissão de
Ensino Fundamental; Comissão de Educação de Jovens e Adultos; Comissão de
Educação Escolar Indígena; Comissão de Acompanhamento e Avaliação e
Comissão de Organização e Finalização.

O PME é um documento de 205 (duzentas e cinco) páginas, publicado em


Diário Oficial em 25 de junho de 2015 e que se organiza da seguinte forma: 1.
Introdução; 2. Análise situacional do município e da educação; 3. Diretrizes, metas e
estratégias do PME; 4. Acompanhamento e avaliação do PME; 5. Referências; 6.
Anexos. Para fins de organização e sistematização da pesquisa, denominarei como
capítulo cada um dos tópicos organizacionais acima.

O documento inicia com a apresentação da Lei Municipal que promulga o


PME. A referida Lei Municipal possui 12 Artigos e em seu Artigo 2° apresenta as
diretrizes do Plano Municipal de Educação do município de Santa Cruz Cabrália
(PME/SCC). Sendo estas:

I - Erradicação do analfabetismo;

II - Universalização do atendimento escolar;

III - Superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção


da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação;

IV - Melhoria da qualidade da educação;

V - Formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores


morais e éticos em que se fundamenta a sociedade;

VI - Promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;

VII - Promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do município;

VIII - Valorização dos (as) profissionais da educação. (PME/SCC, 2015)


66

Identificamos que o PME/SCC possui 2 (duas) diretrizes a menos que o PNE.


Comparando ambas, estas são idênticas de I (um) a VII (sete), contendo uma
pequena alteração na diretriz VIII (oito) que possui equivalência à número X (dez) do
PNE. Sendo assim, o PME exclui as diretrizes do PNE que versam sobre o
estabelecimento de metas de aplicação dos recursos públicos em educação como
proporção do PIB (VIII) e sobre a promoção dos princípios do respeito aos direitos
humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental, o que é no mínimo
curioso visto que muitos Planos Municipais de Educação mantiveram as diretrizes
idênticas ao PNE.

Atendo-se ao objeto dessa pesquisa que parte da invisibilização da população


negra santa-cruzense ao entendimento de como isso reverbera na educação, a
exclusão de uma diretriz que discorre sobre a promoção dos direitos humanos e da
igualdade (inclusive racial), compreendendo que estes só podem existir quando o
direito à diversidade é assegurado, percebemos essa exclusão como um sintoma
de uma sociedade que endossa a narrativa colonial da existência pacífica entre
colonizadores e indígenas e apaga as culturas e identidades negras. Vejamos mais
à frente se essas percepções iniciais se confirmam ou não.

No Artigo 8°, parágrafo único, afirma-se que o município demarca em seu


PME estratégias que:

II - Consideram as necessidades especificas da população do campo, das


comunidades indígenas e das relações étnico-raciais, assegurando a
equidade educacional e a diversidade cultural; (PME, 2015, p. 5)

Podemos compreender Relações Étnico-Raciais como as relações imersas na


alteridade e construídas historicamente nos contextos de poder e das hierarquias
raciais brasileiras, nos quais a raça opera como forma de classificação social,
demarcação de diferenças e interpretação política e identitária (GOMES, 2011).
Dessa forma, ao falarmos de Relações Étnico-Raciais no Brasil estamos nos
referindo tanto à população negra (africanos e seus descendentes) quanto aos
povos indígenas, pois a construção da branquitude – identidade racial do branco -
passa pela negação desses dois povos, ainda que seus processos de racialização
possuam distinções, bem como a forma como o racismo os atinge (RAMOS, 2019).
67

Ao se referir a comunidade indígena como externa às Relações Étnico-


Raciais ou simplesmente não citar a existência de uma população negra (já que se
cita a comunidade indígena), temos a impressão de que não há um entendimento
básico do que seriam as Relações Étnico-Raciais ou que simplesmente há uma
resistência em assumir a existência de uma população negra, que é maioria e que
demanda um olhar específico para sua história e educação.

2.3.1 Analisando o PME: capítulo 2

No segundo capítulo, nominado de “Análise situacional do município e da


educação”, mais precisamente no tópico 2.1.2.1 Aspectos históricos, o texto traz um
pouco da história de Cabrália, onde salienta a importância do município como “berço
do Descobrimento” e os esforços para homenagear o almirante português Pedro
Álvares Cabral, de forma que é criada a Casa Cabral de Belmonte onde são
expostos mapas e outros objetos com o intuito de criar uma visão panorâmica do
“Descobrimento”. Aqui é explícito a força da narrativa colonial de “descobrimento” e
o próximo parágrafo confirma isso:

Além disso, a cidade era até o final do Século XX marcada pela


manutenção dos laços de parentescos entre 05 (cinco) famílias tradicionais
- Benfica, Bonfim, Costa, Figueredo e Monteiro, e outras duas advindas de
municípios próximos, porém, também reivindicando a origem portuguesa –
Peixoto e Marinho. (CABRÁLIA, 2015, p. 29)

Nesse trecho é visível o “orgulho do sangue português”, o orgulho de ter o


sangue dos colonizadores que “descobriram” o Brasil. Em seu estudo sobre relações
raciais no Brasil e publicado em 1998, a socióloga France Widdance Twine, autora
do conceito de Letramento Racial, disserta sobre a internalização do discurso da
superioridade branca que faz com que pessoas brasileiras negras e não-negras,
busquem o embranquecimento pela miscigenação, pelo apagamento dos parentes
negros da genealogia familiar e pela própria exaltação dos ancestrais brancos. Esse
apagamento da ancestralidade africana, bem como a exaltação dos ancestrais
europeus coopera para a manutenção do mito da democracia racial, que nada mais
é que a possibilidade de o brasileiro viver harmoniosamente com a desigualdade
racial, negando-a e invisibilizando-a (RAMOS, 2019)
68

No tópico 2.1.2.3 Aspectos demográficos não é especificada a composição


racial da população santa-cruzense, ainda que estes dados estivessem disponíveis
no IBGE, que é utilizado como principal referência. As variáveis utilizadas para
apresentar a população é apenas sexo e localização geográfica. Somente no último
parágrafo do tópico a população indígena é mencionada, porém não há qualquer
referência à população negra.
No tópico seguinte, 2.1.2.4 Aspectos Socioeconômicos, são aduzidos dados
do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) municipal e partindo dessas
informações o texto afirma que o fato do município ser considerado uma cidade
turística influencia para a exposição ao tráfico de drogas, que a população mais
distante da sede administrativa está mais exposta ou tráfico e outras violências e
que esses problemas estão ligadas a pequena faixa de inclusão da maioria
populacional nas atividades econômicas (CABRÁLIA, 2015, p. 30).

Com a leitura da tabela supramencionada, acompanhada da devida


interpretação de que, um dos fatores que contribuem para a referida
exposição é a concentração de renda. Se por um lado, grande parte dos
usuários encontra-se, em parâmetros nacionais, entre a população jovem,
das classes média e média-alta, espera-se que população aliciada pelo
tráfico será uma população com menor escolaridade e aquém no processo
de distribuição de renda. Outro fator preocupante está relacionado à
dependência de transferência de recursos governamentais, seja por parte
do poder público, seja por parte de pessoas beneficiárias de Programas
Sociais como por exemplo Bolsa Família. Numa análise primeira, se por um
lado, a finalidade do programa social de natureza semelhante ao do
supracitado é o atendimento de demandas emergenciais, em outro
momento, a continuidade de dependência em relação ao programa pode ser
um pretexto para a ociosidade, devido à garantia de repasse do recurso, em
tempo previsto, argumentos confirmados, sobretudo, com a queda da renda
proveniente de rendimentos do trabalho, isto é, do envolvimento e atuação
direta em relação a atividades. (CABRÁLIA, 2015, p. 30)

As afirmações supracitadas anteriormente somadas à citação acima,


explicitam um discurso particularmente elitista que mais à frente mostra sua relação
com as questões raciais. Nesse tópico sobre aspectos socioeconômicos,
basicamente afirma-se que os problemas sociais como tráfico de drogas, roubos e
assassinados têm relação com a concentração de renda, ou seja, a má distribuição
de renda que sabemos ser inerente ao sistema capitalista, e que estas acontecem
nas periferias da cidade, ou seja, distantes do centro onde está a “sede
administrativa”. O texto ainda afirma que a maior parte dos usuários são pessoas
jovens da classe média e média-alta, enquanto as pessoas aliciadas pelo tráfico são
pessoas com menos escolaridade e poder aquisitivo.
69

Relacionar pessoas pobres e periféricas com o crime é um indiscutivelmente


um discurso elitista e racista, visto que a população pobre e periférica é
majoritariamente negra. Um dos legados concretos da escravidão diz respeito à
distribuição geográfica da população negra, isto é, à sua localização periférica em
relação às regiões e setores hegemônicos. O racismo — enquanto articulação
ideológica e conjunto de práticas — revela sua eficácia estrutural na medida em que
estabelece uma divisão racial do trabalho e se torna base de todas as formações
socioeconômicas capitalistas e multirraciais da contemporaneidade. Assim, além de
sustentar o capitalismo, o racismo é responsável pelo equilíbrio do sistema como um
todo, atuando como um importante critério na articulação dos mecanismos de
recrutamento para as posições na estrutura de classes e na estratificação social
(GONZALEZ, 2020)

O trecho endossa, ainda, um discurso bastante difundido pela elite branca


brasileira: a de que programas de transferência de renda produzem acomodação da
família, gerando dependência e desincentivando o trabalho entre os beneficiários
adultos. O Programa Bolsa Família foi criado em outubro de 2003 pelo então
presidente Lula, com o objetivo de contribuir para a inclusão social de milhões de
famílias brasileiras acometidas pela miséria, de forma a aliviar de imediato sua
situação de pobreza e fome (CAMPELLO, 2013). O benefício era pago por meio de
cartão magnético pessoal e tinha como exigência a matrícula das crianças na
escola, bem como sua frequência, além da obrigatoriedade de manter a vacinação
em dia.

Como parte de uma estratégia de integrada de inclusão social e


desenvolvimento econômico que envolviam outra iniciativas, o Programa Bolsa
Família superou as expectativas e além da redução da pobreza, reduziu entre 15% e
20% da desigualdade de renda, a insegurança alimentar, a mortalidade infantil e
promoveu a inclusão nas políticas públicas de educação e saúde de crianças e
adolescentes (CAMPELO, 2013). Assim, o Programa Bolsa Família não é um mero
programa de transferência de renda, e sim um programa de inclusão social e
cidadania que propiciou uma melhora significativa na vida das famílias brasileiras
mais pobres, mudando em especial a vida das mulheres — que eram 93% das
titulares do programa e onde muitas, com essa mínima autonomia financeira,
70

conseguiram se livrar de relacionamentos abusivos — e da população negra que era


73% das beneficiárias do programa (BRITO, 2014).

Visto a importância do Programa Bolsa Família para o avanço social e


democrático no país, o discurso de que o programa produziria acomodação e não
inserção dos beneficiários adultos no programa é falacioso, pois seja em termos de
ocupação, procura de emprego ou jornada de trabalho, os indicadores são muito
próximos entre beneficiários e não beneficiários do programa (CAMPELLO, 2013).

Por conseguinte, essas afirmações contidas nesse trecho do Plano Municipal


de Educação santa-cruzense são extremamente problemáticas, e não só por
endossar um discurso elitista e racista, mas pela sua carência de referências
bibliográficas que embasam o texto, o que da impressão de um documento repleto
de “achismo” e pouco embasamento científico.

O tópico segue afirmando que houve um aumento do IDH municipal e que


índices relacionados à educação são os mais entusiasmáveis. Estes demonstram
um aumento do número dos profissionais da educação com nível superior e,
também, uma melhora nas condições de trabalho dos educadores em função do
Plano de Carreira e Estatuto do Magistério, estes avanços seriam impulsionados
pelo incentivo do Governo Federal através de programas (aderidos pelo município)
e, também, pela exigência de mercado que se encontrava saturado com
profissionais com pouca ou nenhuma qualificação. O trecho faz menção também a
uma exigência da população e que é bastante pertinente dentro do proposto nessa
análise:

A exigência por parte da população, visto que, 35% da população é de


composição mista – portugueses, espanhóis, franceses, alemães e italianos
e de outros estados da Federação, os quais contavam, em suas localidades
de origem, com educação de referência. (CABRÁLIA, 2015, p. 31)

Na primeira vez em que é citada a composição étnico-racial em termos


estatísticos, isso é feito como forma de valorizar os povos europeus e sem nenhuma
referência científica. De onde foi retirado esse dado de que 35% da população de
Santa Cruz Cabrália é composta de europeus? O que significa esses “outros
estados da Federação”? Quais seriam esses “outros estados da Federação” que
71

possuem educação de referência quase semelhantes aos países europeus? Esse


trecho é particularmente interessante porque ele ratifica a nossa tese. Há um
esforço descomunal em apagar as contribuições africanas e afrodiaspóricas nesse
território através da invisibilização da população negra santa-cruzense e uma
exaltação exacerbada de uma pretensa ancestralidade branca.

Esse trecho do PME escancara a lógica da branquitude enquanto identidade


construída e mantida a partir da negação do Outro. Aqui é negada à população
negra a sua existência, visto que ela sequer é considerada e citada, e é forjado um
dado estatístico de forma a avigorar a ideia de uma população branca e/ou
eurodescendente. No racismo há, primariamente, a construção da diferença, onde a
branquitude se coloca como ponto de referência, como norma, onde os Outros
raciais se diferem. Essa diferença é construída a partir de valores hierárquicos, onde
o Outro – o negro – é visto a partir da inferioridade (KILOMBA, 2020, p. 75). “Por fim,
esses processos são acompanhados pelo poder: histórico, político, social e
econômico”, esse poder é revelado através das diferenças globais no acesso a
representação política, moradia, saúde, educação etc. (KILOMBA, 2020, p. 76).

Mesmo que esses dados fossem reais, negros ainda seriam a maioria
quantitativa da população, sendo a população branca uma minoria, o que explica
que apenas a exigência educacional dessa população branca seja levada em
consideração, se não o racismo? Assim, Kilomba (2020, p. 76) questiona: “Quem
pode ver seus interesses políticos representados nas agendas nacionais? Quem
pode ver sua história incluída em programas educacionais?” e eu complemento:
Quem pode demandar sobre as políticas educacionais do nosso município?

Sem destoar na situação nacional, a população negra santa-cruzense é


acometida por um processo de minorização. Richard Santos (2021) formula o
conceito de Maioria Minorizada enquanto dispositivo analítico de racialidade que
objetiva interpretar a realidade da população negra brasileira que

(...) conquanto conformem a maioria demográfica da população brasileira, é


minoria em termos de acesso a direitos, serviços públicos, representação
política e, que, racializados como seres inferiores, sofrem apagamento
identitário, são desidentificados, tornando-se, portanto, “minorias” no acesso
à cidadania, e “maiorias” em todo processo de espoliação econômica, social
e cultural, por fim, as maiores vítimas de todas as formas de violência.
(SANTOS, 2021 p. 23)
72

De certo que muitas pessoas que lerão esse trabalho, tomarão minha análise
como exagerada ou “radical”, ou até mesmo defenderão que essa é apenas “minha
interpretação” pois o texto não diz essas coisas diretamente. Entretanto, “sob o
espectro também do não dito, a supremacia branca do Brasil incorpora esse modelo
de relações e continua a produzir dominação e assujeitamento” (RAMOS, 2019,
p.12). Assim, a dimensão da dominação a qual somos submetidos enquanto
população negra é tanta, que até o direito de nomear de racismo a violência que
nos assola, “é um processo de quebra com o sistema que nos trata como negros,
mas nos nega a denúncia” (RAMOS, 2019, p. 12).

No tópico a seguir, 2.1.2.5 Aspectos Culturais, o texto inicia afirmando que “o


município oscila entre a tradição, a reivindicação da afirmação identitária e
miscigenação cultural.” Sobre isso, refere

Em relação ao primeiro aspecto, relaciona-se trabalhos como a


comemoração das festas religiosas, o aniversário de emancipação política
do município (23 de julho) e a atividades ligadas a grupos, como os
pescadores e indígenas. Concernente ao segundo, trata-se de questões
político-histórica e econômicas que envolvem, por exemplo, a questão da
chegada dos portugueses em solo brasileiro, expressadas na comemoração
da celebração da 1ª Missa no Brasil. No tocante ao terceiro aspecto, está
ligada a assimilação de itens que tiveram a sua origem com a expansão da
atividade turística e de composição demográfica. Entre elas, estão as
manifestações musicais e religiosas, a ocupação indígena, expressa através
dos Jogos Indígenas Pataxó, entre outras. (CABRÁLIA, 2015, p. 32).

O historiador santa-cruzense Sidrach Carvalho Neto, no capítulo 7 (sete) do seu


livro Santa Cruz Cabrália: cinco séculos de história (2004), numera as manifestações
culturais do município, trazendo uma breve elucidação sobre cada uma. Sendo
estas: Cordão de Caboclos; A Bicharada; O Engenho; Terno de Reis; Baile das
Pastorinhas; A Chegança; São Sebastião; Coroação de Nossa Senhora; Divino
Espírito Santo; São Pedro e Nossa Senhora da Conceição; Carnaval, Auto do
Descobrimento e Réplica da Primeira Missa; Festas Juninas; Aniversário da cidade e
Peças teatrais; Independência da Bahia e Independência do Brasil. Com o passar do
tempo muitas dessas tradições deixaram de existir, outras sofreram transformações.

De forma geral, as manifestações consideradas tradicionais do município são


basicamente cristãs católicas ou fazem alusão ao “descobrimento”. Dessas, O
73

Engenho é a única que tem relação com a população negra e, como era de se
prever, fazia uma encenação do sofrimento dos negros escravizados no trabalho
forçado no engenho de cana-de-açúcar, felizmente essa foi uma das “tradições” que
deixaram de existir. Desnecessário dizer o quão violento são essas representações
e como ajudam a sustentar a imagem subalternizada do povo negro.

De certo que outras manifestações existem, eu mesma já participei da Festa


de Iemanjá na Vila de Santo André, mas estas não têm a visibilidade necessária, ou
simplesmente não são consideradas “a cara do município”. Cabrália possui cerca de
3 (três) a 5 (cinco) terreiros de religiões de matriz africana, que ficam “escondidos” e
pouco sabe-se sobre eles, tenho amigos e alunos que frequentam alguns, por vezes
nos deparamos com moradores que ostentam suas guias, ilekés e contra eguns.

As religiões de matriz africana são reelaborações derivadas da fusão entre as


formas religiosas que foram trazidas pelas diversas etnias africanas e,
historicamente, serviram como uma forma de reabilitação e conservação da
identidade social e religiosa (DA COSTA, 2017) dos africanos escravizados e,
posteriormente, de seus descendentes. Segundo o babalorixá Sidnei Nogueira
(2020), o terreiro é um espaço quilombola que mantém esses saberes ancestrais de
origem africana. É um espaço político, de existência, resistência e (re-)existência.

(...) Território de deuses e entidades espirituais pretas, por meio dos quais
se busca a prática de uma religiosidade, a um só tempo terapêutica e sócio-
histórico-cultural, que se volta para o continente africano, berço do mundo
no Novo Mundo. (NOGUEIRA, 2020, p. 15)

Assim, a existência de terreiros de religiões de matriz africana neste território,


é o sintoma de uma cultura que, mesmo vítima do epistemicídio e da intolerância
religiosa, insiste em se manter viva. Para resgatarmos a memória afro santa-
cruzense, é vital que esses terreiros sejam mapeados e reconhecidos como parte
importante da nossa cultura e que suas inúmeras festividades e saberes tenha
incentivo e visibilidade.

As extintas peças teatrais também eram de cunho religioso cristão, recordo-


me que meu pai participava anualmente da peça A Paixão de Cristo, muitas vezes
ensaiávamos juntos as falas e depois íamos todos assistir à apresentação. O Auto
do Descobrimento é uma dramatização da chegada dos portugueses aqui e culmina
74

com a Réplica da Primeira Missa celebrada no Brasil, era um evento grande com
quase 250 participantes entre atores, figurantes e os indígenas Pataxós
(CARVALHO NETO, 2004). Hoje o evento é um pouco menor, mas de grande
prestígio e importância para o município, principalmente como forma de reiterar
nosso status de Terra-Mãe do Brasil.

No início do texto, afirma-se que os aspectos culturais do município oscilam


entre a tradição, a reivindicação da afirmação identitária e miscigenação cultural, o
que fica evidente é que essa tradição foi construída com base na cultura do
colonizador, principalmente no seu aspecto religioso, que a reinvindicação identitária
perpassa a identidade branca e eurodescendente e que a miscigenação cultural
viabilizada é a que utiliza dos indígenas para afirmar o advento da colonização como
algo benéfico e celebrável.

Daqui em diante, o PME segue trazendo informações sobre a situação


educacional santa-cruzense, bem como infraestrutura das escolas; taxas de
matrícula, escolarização e rendimento escolar; distribuição de alunos, analisando-os
por etapa (infantil, fundamental, médio e superior). Apresenta os desafios
enfrentados em cada modalidade (Educação especial/inclusiva, educação básica,
EJA, educação profissional, do campo e indígena), traz dados sobre os profissionais
da educação e gestão democrática, e informações dos recursos financeiros
aplicados à educação. Em nenhum momento esses dados são racializados, eles são
simplesmente expostos sem nenhum tipo de menção à configuração étnico-racial
envolvidos nestes.

Para desvelar a raiz de nossos problemas e desafios educacionais é preciso


que o racismo passe a ser compreendido como uma realidade permanente
constitutiva das bases econômica, social e política desse país (RAMOS, 2019, p.
12). Nenhuma análise, inclusive sobre evasão e permanência escolar, por exemplo,
pode deixar de lado a questão racial, porque é o racismo que alicerça as demais
dinâmicas sociais do Brasil e os tentáculos coloniais permanecem, como pudemos
verificar nos discursos presentes nesse capítulo.
75

2.3.2 Analisando o PME: capítulo 3

O capítulo 3 apresenta as diretrizes, metas e estratégias do PME. Se inicia


com a exposição das 10 (dez) diretrizes do PNE e das 8 (oito) diretrizes do PME,
ambas já analisadas do início deste tópico. O Plano Municipal de Educação santa-
cruzense possui 20 (vinte) metas e 147 (cento e quarenta e sete) estratégias. Suas
metas são idênticas as do PNE, entretanto, possui 107 estratégias a menos que o
PNE, que dispõe de 254 estratégias. Apesar da evidente discrepância entre a
quantidade de estratégias, iteramos que o objetivo dessa análise não é traçar uma
comparação entre o PME e o PNE, mas sim verificar se e como o PME abrange a
Educação das Relações Étnico-Raciais, especificadamente em relação à população
negra.

Compreendendo a Educação das Relações Étnico-Raciais como aquela


conduzida sob os princípios de “consciência política e histórica da diversidade;
fortalecimento de identidades e de direitos; ações de combate ao racismo e a
discriminações” (BRASIL, 2004) e atendo-se ao foco dessa pesquisa, que é a
população negra, destacamos as seguintes estratégias do PME:

Estratégia 2.1: Criar mecanismos para o acompanhamento individualizados


dos (as) alunos (as) e fortalecer o acompanhamento e o monitoramento do
acesso, da permanência e do aproveitamento escolar dos beneficiários de
programas de transferência de renda, das situações de discriminação,
preconceitos e violências na escola, visando ao estabelecimento de
condições adequadas para o sucesso escolar dos (as) alunos (as), bem
como a busca ativa de criança e adolescentes fora da escola, em
colaboração com as famílias e com órgãos públicos de assistência social,
saúde e proteção à infância, adolescência e juventude; (CABRÁLIA, 2015,
p. 175)

Estratégia 3.9: Implementar políticas de prevenção à evasão, motivada por


preconceito ou quaisquer formas de discriminação ou omissão, fazendo
com que a rede de proteção funcione em consonância as escolas de ensino
público, trabalhando a prevenção e divulgação do ECA, Estatuto da Criança
e Adolescente e não as causas e efeitos. (CABRÁLIA, 2015, p. 177)

Estratégia 7.10: Garantir nos currículos escolares conteúdos sobre a


história e as culturas afro-brasileira e indígenas e implementar ações
educacionais, nos termos das Leis nos 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e
11.645, de 10 de março de 2008, assegurando-se a implementação das
respectivas diretrizes curriculares nacionais, por meio de ações
colaborativas com fóruns de educação para a diversidade étnico-racial,
conselhos escolares, equipes pedagógicas e a sociedade civil; (CABRÁLIA,
2015, p. 182-183)
76

Estratégia 11.13: Reduzir as desigualdades étnico-raciais e regionais no


acesso e permanência na educação profissional técnica de nível médio,
inclusive mediante a adoção de políticas afirmativas, na forma da lei;
(CABRÁLIA, 2015, p. 187)

Estratégia 12.6: Debater e recomendar, junto às Instituições do Ensino


Superior, a inserção nas matrizes curriculares de todos os cursos de
formação de docentes, temas referentes à Educação e direitos Humanos,
Educação Sexual, Ética, Educação Ambiental, questões Étnico-Raciais e
Diversidade; levando em consideração nosso público e problemas locais;
(CABRÁLIA, 2015, p. 188)

A Estratégia 2.1 alude sobre mecanismos diversos para combater o


preconceito que os beneficiários de programa de renda, como Bolsa Família,
possam sofrer no ambiente escolar, de maneira a garantir sua permanência e
desenvolvimento educacional. No tópico 2.3.1 desse capítulo, já traçamos um perfil
étnico-racial dos beneficiários desses programas de renda e a relação desses
preconceitos com o racismo. Entretanto, é importante pontuar a incongruência dessa
estratégia com o próprio discurso preconceituoso acerca dos beneficiários do Bolsa
Família que o PME traz e que já foi analisado no supracitado tópico.

A Estratégia 3.9 discorre sobre a necessidade de desenvolver políticas de


prevenção à evasão escolar motivada por preconceito e demais formas de
discriminação ou omissão. Munanga (2005) nos rememora que nenhuma lei é
capaz de erradicar as atitudes preconceituosas das pessoas, pois estas são
provenientes dos sistemas culturais de todas as sociedades humanas. Todavia,
reside na educação a capacidade de oferecer à humanidade “a possibilidade de
questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos
humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram
socializados”. Isso não quer dizer que a existência de uma legislação e de políticas
públicas para combate ao racismo e demais preconceitos não sejam importantes,
mas que estas devem estar sempre alinhadas à uma reeducação dos atores sociais
envolvidos.

Das 147 (cento e quarenta e sete) estratégias que o PME possui, apenas
essas três fazem alusão direta ao proposto pela Educação das Relações Étnico-
Raciais. A Estratégia 7.10 cita explicitamente as Leis 10.639/03 e 11.645/08; a
Estratégia 11.13 versa sobre a importância de se reduzir as desigualdades étnico-
raciais e regionais no que se refere ao acesso e permanência da educação
77

profissional técnica de nível médio; e a Estratégia 12.6 aponta para a importância de


debater e recomendar junto às Instituições de Ensino Superior que ofertam cursos
de formação docente, temas referentes às questões étnico-raciais, de diversidade e
outras.

Entretanto, levando em conta o discurso colonial ainda tão forte e presente


nesse município, e já explicitado na análise do segundo capítulo, indago se seria
possível o alcance dessas poucas estratégias sem uma reflexão crítica desse
discurso e das relações raciais santa-cruzense. Como será possível reduzir as
desigualdades étnico-raciais se a verdadeira composição étnico-racial sequer é
considerada? Como podemos debater e demandar às IES, se sequer ousamos
debater com honestidade e compreender nossas dinâmicas raciais de uma
perspectiva não-hegemônica? Como podemos implementar o Ensino de História
Africana e Afro-brasileira se nem ao menos a consideramos como parte da nossa
história local?

Sem complexificarmos o debate racial e superarmos o mito da democracia


racial, tão eficientemente incutido no imaginário coletivo brasileiro, nossas tentativas
de efetivar uma educação antirracista não passarão de um amontado de letras num
papel, sem eficiência alguma na vida prática.

Para além dessas estratégias supracitadas, o PME traz outras 4 (quatro) que
contemplam as populações do campo e as comunidades quilombolas e indígenas,
são estas:

Estratégia 3.4: Recomendar a expansão das matrículas gratuitas de ensino


médio integrado à educação profissional, observando-se as peculiaridades
das populações do campo, das comunidades indígenas e quilombolas e das
pessoas com deficiência; (CABRÁLIA, 2015, p. 177)

Estratégia 5.4: Apoiar a alfabetização de crianças do campo e indígenas e


de populações itinerantes, com a produção de materiais didáticos
específicos, e desenvolver instrumentos de acompanhamento que
considerem o uso da língua materna pelas comunidades indígenas e a
identidade cultural das comunidades quilombolas; (CABRÁLIA, 2015, p.
179)

Estratégia 11.9: Expandir o atendimento do ensino médio gratuito integrado


à formação profissional para as populações do campo e para as
comunidades indígenas e quilombolas, de acordo com os seus interesses e
necessidades; (CABRÁLIA, 2015, p. 187)
78

Estratégia 18.5: Considerar as especificidades socioculturais das escolas


do campo e das comunidades indígenas e quilombolas no provimento de
cargos efetivos para essas escolas; (CABRÁLIA, 2015, p. 193)

Desses grupos sociais supracitados, nos ateremos aos quilombolas e a


população do campo, pois coadunam com o lócus dessa pesquisa que é a
população negra.

A definição colonial emitida pelo Conselho Ultramarino de 1740 caracterizava


quilombo como “(...) toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em
parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões
neles” (MOURA, 2007). Na contemporaneidade, podemos conceituar quilombo como

comunidades negras rurais habitadas por descendentes de africanos


escravizados, que mantêm laços de parentesco e vivem, em sua maioria, de
culturas de subsistência, em terra doada, comprada ou ocupada
secularmente pelo grupo. Os habitantes dessas comunidades valorizam as
tradições culturais dos antepassados, religiosas ou não, recriando-as no
presente. Possuem uma história comum e têm normas de pertencimento
explícitas, com consciência de sua identidade. São também chamadas de
comunidades remanescentes de quilombos, terras de preto, terras de santo
ou santíssimo. (MOURA, 2007, p. 3)

O conceito de quilombo incorpora também as comunidades quilombolas que


ocupam áreas urbanas, ultrapassando a ideia de que essas se restringem ao meio
rural (BRASIL, 2012), o que chamamos de quilombos urbanos.

Diferentemente dos quilombos de resistência à escravatura ou de


rompimento com o regime dominante, como o de Palmares, que se
situavam em locais distantes das sedes de províncias, com visão
estratégica para se proteger das invasões dos adeptos da Coroa, existiram
os chamados “quilombos urbanos”, que se localizavam bem próximos das
cidades, com casas de pau a pique, construídas com barro e pequenos
troncos de árvores. Plantadas em clareiras na mata, as casas eram
rodeadas pela criação de cabras, galinhas, porcos e animais de estimação.
(BRASIL, 2012)

Urbanos ou rurais, os quilombos, além de comunidades tradicionais, são


experiências da diáspora africana, de resistência à escravidão negra, no passado, e
à luta pelo território, pela identidade étnico-racial e pelas suas especificidades
históricas, sociais, culturais, políticas e econômicas, no presente. O direito a uma
educação escolar que respeite e reconheça sua história, memória, tecnologias,
territórios e conhecimentos tem sido uma das reivindicações históricas dessas
comunidades e das organizações do movimento quilombola (BRASIL, 2012).
79

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar


Quilombola na Educação Básica a educação escolar quilombola requer pedagogia
própria, respeito à especificidade étnico-racial e cultural de cada comunidade,
formação específica de seu quadro docente e materiais didáticos e paradidáticos
específicos; devem, ainda, observar os princípios constitucionais, a base nacional
comum e os princípios que orientam a Educação Básica Brasileira e deve ser
oferecida nas escolas quilombolas e naquelas escolas que recebem alunos/as
quilombolas fora de suas comunidades de origem (BRASIL, 2012).

A população do campo abrange uma vasta diversidade social: assalariados


rurais temporários, posseiros, meeiros, arrendatários, acampados, assentados,
reassentados atingidos por barragens, agricultores familiares, vileiros rurais, povos
da floresta, indígenas, descendentes negros provenientes de quilombos,
pescadores, ribeirinhos e outros mais (BRASIL, 2012). A luta por uma Educação do
Campo, abarcou a mobilização desses diversos sujeitos que juntos demandaram por
uma educação pública que expressasse a força e a ideologia dos movimentos
sociais do campo e valorizasse a identidade e a cultura dos povos do campo, numa
perspectiva de formação humana e de desenvolvimento local sustentável (SOUZA,
2008).

Em nosso município não há, até o presente momento, comunidades


reconhecidamente quilombolas, contudo há um grande contingente de população do
campo. No último censo realizado, o município contava com uma população rural de
7.265 habitantes e 2.140 domicílios (IBGE, 2010), sendo esta composta de
assentamentos (60%), comunidades ribeirinhas (15%) e indígenas (25%)
(CABRALIA, 2022). Atualmente, a Educação do Campo santa-cruzense conta com
14 escolas e atende 2.107 alunos da Educação Infantil, Fundamental I, Fundamental
II e Educação de Jovens e Adultos (CABRÁLIA, 2022).

Como mencionado, a Educação do Campo também contempla os sujeitos


quilombolas, ademais, ambas as lutas possuem confluências como a questão da
terra e do território. Entretanto, apesar das convergências, “incide sobre os
quilombolas algo que não é considerado como uma bandeira de luta dos povos do
campo: o direito étnico” (BRASIL, 2012). Contudo, levando em conta que a
população do campo santa-cruzense é composta majoritariamente de pessoas
80

negras (CABRÁLIA, 2022), se faz indispensável pensarmos a urgência de uma


Educação das Relações Étnico-Raciais também no âmbito da Educação do Campo,
pois a luta antirracista também se faz garantindo aos sujeitos negros o
fortalecimento de suas identidades, historicamente dilaceradas pelo racismo.

2.3.3 Analisando o PME: capítulo 4

A quarta parte deste documento prevê os mecanismos de acompanhamento e


avaliação que possibilitem que o Sistema Municipal de Educação cumpra as metas e
estratégias estabelecidas dentro do período de vigência do PME (CABRÁLIA, 2015).
Por conseguinte, estabelece:

À Secretaria Municipal de Educação, órgão responsável pela gestão da


política pública de educação, compete cumprir, monitorar e avaliar o
cumprimento das metas e estratégias do PME, assim como garantir o
suporte técnico e administrativo para as ações do Fórum Municipal de
Educação, fortalecendo o regime de colaboração.

Ao Conselho Municipal de Educação de Santa Cruz Cabrália cabe,


enquanto órgão normativo do Sistema Municipal, acompanhar e avaliar a
execução do Plano Municipal de Educação (PME) e ao mesmo tempo zelar
para que as metas e estratégias estabelecidas por decisão democrática da
população deste município seja assegurada e que os poderes: executivo e
legislativo sejam parceiros na efetivação deste PME.

Ao Conselho Municipal de Educação de Santa Cruz Cabrália, Estado da


Bahia cabe ainda acompanhar e avaliar a implementação do PME, bem
como acompanhar, junto à Câmara dos Vereadores, a tramitação de
projetos referentes à Política Municipal de Educação, em especial a Projeto
de Lei do Plano Municipal de Educação, definido no Artigo 214 da
Constituição Federal de 1988, com alterações da Emenda 59/2009 da
Constituição Federal (CABRÁLIA, 2015, p. 139 -140)

Para tanto, fica estabelecido também uma Comissão de Avaliação do PME,


composta por: Membros do Conselho Municipal de Educação (CME), Membros da
Comissão de Educação do Poder Legislativo, Representantes da APLB Sindicato,
Representantes do Poder Executivo, Representantes da Sociedade Civil
Organizada, Técnicos da Secretaria Municipal de Educação, Representantes da
Rede Estadual de Ensino, Representantes da Rede Privada de Ensino,
Representantes da Comunidade Indígena Pataxó, Representantes do MST,
Representantes das Faculdades e Representantes dos Diretores Escolares.
81

De acordo com Márcia Rodrigues, atual presidente do Conselho do Fundeb,


membra do Conselho de Educação e técnica de monitoramento do PME, o
monitoramento é feito anualmente e a avaliação é realizada a cada dois anos. São
dois os modelos de monitoramento: um em parceria com o estado da Bahia, através
do COPE (Conselho de Política de Recursos Humanos), onde os dados são
inseridos pelo presidente da comissão. O outro é pelo próprio MEC, através do
SIMEC (Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle) cujo acesso é
restrito ao secretário municipal. Ambos os modelos têm como base as metas do
PME que, por sua vez, são idênticas ao do PNE.

Os dados são recolhidos de acordo com cada meta e para isso busca-se em
diferentes fontes: INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira), setor de Recursos Humanos e Contabilidade Municipal, MEC,
contabilidade municipal, universidades, colégios estaduais, secretarias e setores
pedagógicos das próprias escolas, etc. Márcia aponta que a situação de defasagem
do censo populacional realizado pelo IBGE, cujos dados possuem mais de 10 anos,
por vezes é grande empecilho para a produção de um monitoramento mais completo
e ostensivo. Ela cita como exemplo a Meta 1 que versa sobre a universalização da
Educação Infantil. Para saber o quantitativo de alunos que vão adentrar a educação
infantil, eles confrontam dados de crianças matriculadas na rede municipal de ensino
e cadastradas no SUS, entretanto há crianças que não estão nem matriculadas na
escola e nem cadastradas no SUS, o que, com a desatualização do censo
populacional, gera dados pouco assertivos.

Os dados do monitoramento são socializados com os diferentes setores e


atores sociais durante a Conferência Municipal de Educação que acontece
anualmente. Nelas são explicitados quais ações já foram realizadas, o que está
sendo feito e o que é preciso fazer para que todas as metas estipuladas sejam
alcançadas e para que o Plano Municipal de Educação ganhe vida na prática.
82

CAPÍTULO 3

CAMINHOS PARA UMA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAS: O


LETRAMENTO RACIAL DE EDUCADORES

A gama de instrumentos legais que subsidiam uma Educação das Relações


Étnico-Raciais representam um considerável avanço na luta antirracista. Entretanto,
mesmo com todos esses avanços proporcionados por essas políticas educacionais,
o sistema de ensino brasileiro “ainda não se desprendeu das amarras que o
prende a um currículo homogeneizante, eurocêntrico e monocultural que não
atende às demandas e aos interesses dos diferentes grupos étnico-raciais e
culturais que frequentam os diferentes níveis e modalidades de ensino (sic)”
(ARAÚJO; MORAIS, 2013, p. 02 apud ARAÚJO; GIUGLIANE, 2014).

A maior parte de nós não recebeu em nossa educação e formação de


cidadãos, professores e educadores, o preparo necessário para lidar com o desafio
que é a convivência com a diversidade e as manifestações de discriminação em
nossa vida profissional (MUNANGA, 2005, p. 15). Essa falta de preparo, que é
reflexo do nosso mito da democracia racial, compromete o objetivo fundamental de
nossa missão como educadores que é a formação de indivíduos capazes de
combater as desigualdades e violências e construir um mundo melhor para todos.
Para além, nosso currículo, nossas práticas pedagógicas, livros e demais materiais
didáticos, “ainda carregam os mesmos conteúdos viciados, depreciativos e
preconceituosos em relação aos povos e culturas não oriundos do mundo ocidental”
(MUNANGA, 2005, p. 15). Tudo isso reflete nas relações sociais dentro e fora da
escola.

Por efeito, por vezes nós educadores nos tornamos também reprodutores e
mantenedores das violências raciais e falhamos em identificar e combater o racismo
na escola nas diversas formas em que ele se apresenta. E, por consequência,
nossas investidas de trabalhar as questões étnico-raciais são tão folclóricas e
descontextualizadas, que a tentativa de efetivar a Educação das Relações Étnico-
Raciais se transforma em uma afirmação dos estereótipos racistas que tanto
combatemos.
83

Posto isto, nesse capítulo mobilizo o conceito de Letramento Racial (TWINE,


2004) como estratégia de formação continuada de educadores.

3.1. Formação continuada e Educação das Relações Étnico-Raciais

Formação continuada é o prolongamento da formação inicial que, por sua


vez, “refere-se ao ensino de conhecimentos teóricos e práticos destinados à
formação profissional, completados por estágios”. Seu objetivo é “o aperfeiçoamento
profissional teórico e prático no próprio contexto de trabalho e o desenvolvimento de
uma cultura geral mais ampla, para além do exercício profissional.” (LIBÂNEO, 2004,
p. 227).

Até a década de 1970, “os cursos de formação se preocupavam mais com o


método de treinamento dos professores, uma vez que os currículos eram mais
focados nas dimensões técnicas” (FREITAS; PACÍFICO, 2020). Segundo Imbernón
(2010), esta pode ser considerada o início da era da formação continuada cujo
momento “caracterizava-se por estudos mais individualizados, cujo docente
procurava suprir suas necessidades com a leitura de textos.” (SILVA, 2012, p. 78).

Com o advento da globalização e da reestruturação do Estado, muitas


mudanças acontecem na sociedade e consequentemente na educação. Estas
mudanças foram, principalmente, impulsionadas por diferentes atores sociais “que
de forma coletiva e organizada pressionam o Estado e as instituições da sociedade
no atendimento dos seus anseios por cidadania plena”. Nesse sentido, já
destacamos a importância do Movimento Negro brasileiro que “há muito tempo se
debruçam sobre a importância da educação, enquanto meio de acesso aos demais
direitos sociais, capazes de proporcionar cidadania plena” (PEREIRA, 2013, p. 32).
Segundo Silva (2012), tais mudanças contribuíram para uma reformulação na
formação de professores, cuja ênfase agora apontava para “habilidades e atitudes,
dando maior importância ao trabalho em equipe e à colegialidade verdadeira, assim
como levando em conta os fatores da diversidade e da contextualização como
elementos imprescindíveis na formação” (IMBERNÓN, 2010, p. 19).

Para se adequar às crescentes mudanças socioeconômicas que aconteceram


a partir da década de 1980, o Brasil cria programas de formação continuada de
84

professores utilizando o modelo de racionalidade técnica e prática, que é


comumente mais utilizado nos currículos de formação docente (PEREIRA, 2008
apud SILVA, 2012) e cuja ênfase são as “competências a serem desenvolvidas tanto
em professores como nos alunos” (GATTI, 2008). Gatti (2008) questiona esse
modelo de formação que coloca competências e habilidades como metas a serem
alcançadas no processo formativo de professores e alunos, como se estes fossem
“ingredientes rotulados [...] que estão disponíveis, empacotados e colocadas para
pronto uso” (GATTI, 2008, p. 63)

A discussão das competências a serem propiciadas por currículos escolares


passa por muitas vertentes, umas enfatizando o cognitivo, outras
incorporando aspectos relacionais humanos e afetivos, com posições
colocadas contra a abordagem que quer tornar excessivamente
operacionais aspectos do desenvolvimento e formação humanos que não
são tão operacionais assim. (GATTI, 2008, p. 63).

Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –


LDBEN (Lei 9.394/96), são implementadas políticas públicas com intuito de melhorar
a qualidade do ensino brasileiro, destinando-se também a formação continuada que
passa por uma reformulação e, pela primeira vez, conta com o uso de recursos
financeiros do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério (Fundef) e cuja garantia orçamentária resulta também
numa elevada abertura de programas de cursos de especialização (SILVA, 2012, p.
80). Segundo Imbernón (2010 apud SILVA, 2012), tal institucionalização facilitou o
aperfeiçoamento da sua prática educativa e social, mas também a propagação de
cursos “padronizados, com uma visão técnica do processo de formação, como um
modelo de treinamento, a partir de uma formação decidida por outros”.

Em sua análise da LDB , Santos (2011) atenta para a conceituação de


formação continuada que é “considerada como capacitação em serviço (Art. 61,
Inciso I); como aperfeiçoamento profissional continuado (Art. 67, Inciso II) e como
treinamento em serviço (Art. 87)” (SANTOS, 2011, p. 2). Nesse sentido, a
institucionalização da formação continuada ao mesmo tempo em que “sinaliza uma
conquista para os profissionais da educação, na medida em que atribuiu aos
sistemas de ensino responsabilidades quanto à oferta de programas” (SANTOS,
85

2011, p. 3), acaba também produzindo uma visão mecanicista do processo de


formação. De acordo com Nóvoa

A formação não se constrói por acumulação de cursos, de conhecimento ou


de técnicas, mas assim através de um trabalho de reflexibilidade crítica sobre
práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. A
formação vai e vem, avança e recua, construindo-se num processo de
relações ao saber e ao conhecimento. (NÓVOA, 1992, p.13).

Existem três principais concepções no que tange à formação de professores:


a racionalidade técnica, a racionalidade prática e a racionalidade crítica. Estas
servem de base para três modelos de formação continuada, sendo eles,
respectivamente: o modelo clássico; modelo prático-reflexivo e modelo
emancipatório-político (SILVA, 2012, p. 82). O modelo clássico, ou modelo da
racionalidade técnica, “está ancorado numa visão positivista e com um
direcionamento para o treinamento das habilidades dos docentes a fim de que estes
cumpram o papel que a eles são destinados” (IBIAPINA, 2008, p. 21 apud SILVA,
2012). O modelo prático-reflexivo, ou modelo da racionalidade reflexiva, ancora-se
em uma visão interpretativa e “se dá por meio da observação do professor sobre a
sua prática, principalmente em relação às dificuldades encontradas por ele no
espaço escolar e que o levam a duas formas de reflexão: a reflexão sobre a ação e
a reflexão na ação” (SILVA, 2012, p. 83).

Este último fundamenta-se no paradigma da reflexão crítica e intencional


defendida por Schön (1998) que, de forma suscinta, induz que “não basta o
professor apenas refletir sobre a sua ação, mas saber o que fazer e como fazer, de
forma consciente, por meio de uma atividade cognitiva a partir de uma reflexão na
ação” (SILVA, 2012, p. 83). Em vista disso Zeichner (2003, p. 47 apud SILVA, 2012)
argumenta que a reflexão, por si só, é muito pouco, pois, de certa forma, todos os
professores são reflexivos e o mais importante é o que e como queremos que eles
reflitam.

Para Santos (2010), nesse sentido as contribuições de John Dewey são


importantíssimas. Dewey defende que “a experiência é condição para o
desenvolvimento da aprendizagem do indivíduo” (SANTOS, 2010, p. 44) e
86

“considera que a experiência deve proporcionar ao professor e ao aluno a


possibilidade de obter novas experiências, considerando o conhecimento que ambos
trazem do seu contexto social” (SANTOS, 2010 apud SILVA, 2012).

O modelo emancipatório-político, ou da racionalidade crítica, fundamenta-se


em uma visão crítico-dialética e explica a realidade por meio da interação entre o
objetivo e o subjetivo de forma a dar sentido ao conhecimento e compreender como
se dão as práticas sociais, proporcionando aos docentes uma visão política da sua
prática pedagógica (SILVA, 2012, p. 85).

A formação do professor no modelo da racionalidade crítica valoriza a


reflexão como uma prática social, na qual o docente, ao socializar suas
experiências, contribui para transformar a si mesmo e ao outro na
aprendizagem do que é ser docente, e o impulsiona a enfrentar os desafios
e limites de ser e estar como profissional, reconhecendo e transformando as
estruturas sociais presentes na educação. (...) Nesse sentido, o modelo da
racionalidade crítica traz ao docente uma formação de caráter político e
reflexivo, que tira esse profissional de uma visão alienada da realidade e a
ressignifica e transforma a sua prática, entendendo que o processo de
ensino-aprendizagem não se limita à escola, mas envolve todo o contexto
em que o aluno e ele mesmo estão inseridos. (SILVA, 2012, p. 85-86)

O contexto brasileiro é de uma desigualdade social extrema onde o racismo é


a base que sustenta essas desigualdades. Os tentáculos do racismo estão por toda
parte, inclusive na educação. A Educação das Relações Étnico-Raciais, que aqui
podemos compreender como a gama de dispositivos legais que subsidiam uma
educação antirracista, é um importante recurso na luta contra o racismo dentro e
fora da esfera educacional. Entretanto, um dos maiores empecilhos à sua
concretização é falta de formação específica para tratar das questões raciais de
forma contundente, portando se faz urgente que o debate racial esteja inserido na
formação inicial e continuada de professores.

Acreditamos que a formação de professores (as), deve ser um espaço de


produção de conhecimento onde teoria e prática estejam integradas “num processo
dialético de reflexão e troca de experiência de acordo com o seu contexto social e
analisando sua experiência pedagógica, buscando soluções para a superação das
87

dificuldades encontradas no ambiente escolar” (SILVA, 2012) e na sociedade como


um todo. Diante do exposto, apresentamos a proposta de um curso de formação
continuada para a Educação das Relações Étnico-Raciais, baseada no
desenvolvimento de um Letramento Racial que proporcione a ampliação da
consciência racial dos professores e uma melhor compreensão do racismo para
melhor combatê-lo.

Como professora, tenho total consciência de que existem muitas dificuldades


para garantir que o direito a uma formação continuada em perspectiva crítica seja
efetivado, bem como o cumprimento de seus objetivos. Entre eles está a situação de
desvalorização e sucateamento a qual estamos submetidos, através de baixos
salários, escassez de material didático de qualidade, superlotação das salas de aula,
pouca ou nenhuma participação na construção dos projetos políticos-pedagógicos,
cargas horárias extensas e a fato de que é extremamente burocrático conseguir
liberação para estudar, fazendo com que tenhamos que utilizar nosso escasso
tempo livre para participar dessas formações que deveriam estar inseridas em nossa
carga horária.

Sei também que um curso não tem o poder de mudar a triste realidade em
que vivemos, entretanto acredito que essa construção conjunta pode ser o pontapé
inicial para o desenvolvimento de uma consciência racial e social crítica, que
responda nossos anseios coletivos por justiça, dignidade e cidadania plena.

3.2. Letramento Racial

Letramento Racial é um conceito desenvolvido pela socióloga afro-


estadunidense France W. Twine (2004), que o define como a capacidade que um
indivíduo possui de perceber o racismo no cotidiano, por meio do desenvolvimento
de habilidades que permitam interpretar os códigos e as estruturas raciais. Esse
processo envolve a aquisição de uma gramática e um vocabulário racial que
descomplexifique esse debate. Assim, Letramento Racial implica em “uma leitura da
realidade a partir da qual o indivíduo compreende como a raça influencia a sua
própria existência, reconhecendo as identidades raciais como produtos da
88

sociedade, na qual o racismo abarca um problema atual.” (TWINE, STEINBUGLER,


2006 apud BASTOS, 2021)

Twine (2004) desenvolve o conceito de Racial Literacy durante sua pesquisa


no Reino Unido, onde investigou o conjunto de práticas empreendidas por famílias
inter-raciais para conscientizar seus filhos sobre as dinâmicas raciais e muni-los de
ferramentas para identificar e combater o racismo. Em tradução literal para o
português, o termo seria equivalente a “alfabetização racial”, entretanto foi traduzido
como Letramento Racial por Shucman (2012) e Passos (2013), visto que o processo
de alfabetização está mais ligado à apropriação do sistema alfabético, enquanto
letramento alude “a uma compreensão mais ampla dos discursos e das práticas
sociais da escrita.” (SOARES, 2004 apud BASTOS, 2021)

A ideia de letramento tem relação com a leitura de mundo concebida por


Freire (2008) que pontua que “a forma como o sujeito compreende a realidade
norteia suas ações sobre o mundo”. Essa distinção entre leitura de mundo e leitura
da palavra assemelha-se as diferenças entre letramento e alfabetização e, por
conseguinte, demonstra que a opção de traduzir racial literacy como Letramento
Racial se mostra mais adequada ao nosso contexto e à ideia de um letramento
racial, como proposto por Twine (2004) (BASTOS, 2021).

Ao acompanhar o cotidiano dessas famílias inter-raciais no Reino Unido,


Twine (2004) identifica algumas estratégias utilizadas nesse processo de letramento
racial, sendo elas: o diálogo constante sobre a questão racial; discussão e análise
das experiências cotidianas; aproximação da comunidade negra, tanto pelo incentivo
em se fazer amigos negros, quanto pela ação de valorizar a cultura, arte e estética
negras, de forma a fortalecer a identidade dos filhos. De acordo com a autora, os
pais consideram essencial dialogar com a criança sobre sua identidade racial visto
que a lacuna entre a autoidentificação do filho e a forma como este é lido
racialmente pelos demais, pode deixá-lo despreparado para lidar com o racismo
(BASTOS, 2021).

Ainda nesse contexto de Reino Unido, Twine e Steinbugler (2006) também se


empenharam em estudar os sujeitos brancos dessas famílias inter-raciais, buscando
compreender como estes negociam as hierarquias raciais existentes, além dos seus
privilégios. As autoras identificaram que um dos fatores que influenciaram esses
89

sujeitos a adquirir letramento racial derivam de seus envolvimentos sociopolíticos


“em que o relacionamento e a preocupação com os familiares e amigos ou outras
formas de engajamento na luta racial funcionariam como verdadeiros catalizadores,
implicando em um aumento da consciência racial”, entretanto as autoras assinalam
que não basta se relacionar com pessoas negras para adquirir letramento racial. Em
algumas dessas famílias elas identificaram sujeitos brancos que não adquiriram
letramento racial e se mantiveram na zona de privilégio da branquitude, optando por
não enxergar e/ou negar essas hierarquias raciais (BASTOS, 2021).

No que concerne ao contexto brasileiro, Twine desenvolve um estudo no


Brasil que é publicado em 1998 sob o título Racism in a Racial Democracy: The
Maintenance of White Supremacy in Brazil (Racismo na democracia racial: a
manutenção da supremacia branca no Brasil). Por meio de uma pesquisa
etnográfica a autora fornece uma análise das práticas discursivas e materiais que
sustentam e naturalizam a supremacia branca brasileira. Para isso, Twine (1998)
entrevista brasileiros da classe trabalhadora, sobretudo afro-brasileiros/negros,
investigando como estes percebem, conceituam e respondem às diversas formas de
racismo e quais são os obstáculos enfrentados pelos ativistas antirracistas
brasileiros que justificam a baixa adesão da classe trabalhadora negra às
organizações e políticas antirracistas no país.

Na referida pesquisa Twine (1998) constata que no Brasil as pessoas


possuem uma noção limitada do racismo, “uma vez que tanto indivíduos negros
como não negros não reconheciam as disparidades raciais presentes no âmbito
socioeconômico, educacional e político” (BASTOS, 2021). A autora percebe a
tendência de se jogar as desigualdades raciais para as questões de classe e como
internalização do discurso da superioridade branca que faz pessoas negras
brasileiras busquem o embranquecimento pela miscigenação, pelo apagamento dos
parentes negros da genealogia familiar e pela própria exaltação dos ancestrais
brancos.

O campo de pesquisa foi uma pequena cidade do Rio de Janeiro onde Twine
(1998) viveu com uma família brasileira por um tempo. Dessa convivência a autora
relata que quando tentava dialogar sobre a questão racial com a família com a qual
conviveu, frequentemente recebia como resposta que o assunto era inapropriado,
90

sobretudo na presença das crianças, e ao questionar outras famílias sobre a forma


como preparavam suas crianças para lidar com o racismo, estas respondiam que
eles mesmo aprenderiam quando precisassem lidar. Desta forma, Twine (1998)
considera que o apagamento da ancestralidade africana coopera para ausência de
diálogo sobre a questão racial dentro das famílias brasileiras.

Tudo que a autora identifica na realidade social e racial do Brasil já foi


apontado por muitos intelectuais brasileiros negros e não negros, mas ao mobilizar
um conceito desenvolvido por uma intelectual negra estadunidense, cujo campo de
pesquisa também foi a Europa, é importante pontuar suas experiências com nossa
realidade. A fragmentação das identidades negras, a exaltação da ancestralidade
europeia, a alienação acerca do racismo e o silenciamento sobre as violências que
ele produz, são característica do racismo à brasileira, construído e mantido à luz da
ideologia de branqueamento e do mito da democracia racial.

O Letramento Racial tem como premissa o desenvolvimento de uma


consciência racial (TWINE, 2016) e pode ser aprendido por indivíduos negros e não
negros e de diferentes origens étnicas e sociais (TWINE, STEINBUGLER, 2006). É
uma forma de responder individualmente às tensões raciais que, em conjunto com
estratégias coletivas como as políticas de cotas e demais ações afirmativas, visa
educar o indivíduo em uma perspectiva antirracista (DA SILVA, 2019). As estratégias
de Letramento Racial incluem:

(1) um reconhecimento do valor simbólico e material da branquitude;

(2) a definição do racismo como um problema social atual, em vez de um


legado histórico;

(3) um entendimento de que as identidades raciais são aprendidas e um


resultado de práticas sociais;

(4) a posse de gramática e um vocabulário racial que facilita a discussão de


raça, racismo e antirracismo;

(5) a capacidade de traduzir e interpretar os códigos e práticas racializadas


de nossa sociedade e

(6) uma análise das formas em que o racismo é mediado por desigualdades
de classe, hierarquias de gênero e heteronormatividade.”

(Twine, 2006, p.344 apud Schucman, 2016, p. 188-189)


91

Dessa forma, para uma verdadeira mudança em nosso tecido social é


imprescindível o Letramento Racial de toda a população. Nesse sentido, a escola
enquanto espaço de socialização e aprendizado tem um grande impacto na
formação dos sujeitos, e para que uma Educação das Relações Étnico-Raciais seja
concretizada é imprescindível que os educadores estejam racialmente letrados para
trabalhar os conteúdos de História Africana e Afro-brasileira e também identificar,
problematizar e desnaturalizar o racismo intraescolar. Por conseguinte, proponho um
curso de formação continuada para educadores à luz do Letramento Racial cuja
ementa será apresentada a seguir.
92

3.3 Produto pedagógico

Ementa curso de formação continuada: Letramento Racial e Relações Étnico-


Raciais no Brasil

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA
INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS - PPGER
GRUPO DE PESQUISA PENSAMENTO NEGRO CONTEMPORÂNEO – UFSB/CNPq
___________________________________________________________________________

CURSO

Letramento Racial e Relações Étnico-Raciais no Brasil

Modalidade Carga horária Nível

Graduação e pós-
Formação continuada 60h
graduação

OBJETIVOS

Compreender as relações raciais no contexto brasileiro, o modo como racismo estrutura


nossa sociedade e os efeitos do racismo nas pessoas negras. Introduzir os conceitos de
branquitude e supremacia branca. Identificar as múltiplas manifestações racistas
existentes no ambiente escolar. Caracterizar, problematizar e desnaturalizar o racismo no
ambiente escolar através da análise/estudo de casos de racismo cotidiano. Desconstruir as
práticas racistas que permeiam as relações sociais intraescolares.

PALAVRAS – CHAVE

Formação de professores; Letramento Racial; Racismo; Educação Antirracista

METODOLOGIA

Aula expositiva-interativa; estudo de caso; concepção crítico-dialética

MÓDULO I

Relações Étnico-Raciais no Brasil: da construção da raça ao racismo contemporâneo

Ementa: Conceituando raça e racismo. Colonialismo e Colonialidade. Racismo à


93

brasileira: mestiçagem, ideologia de branqueamento e mito da democracia racial.


Introdução aos conceitos de branquitude e supremacia branca. Desigualdade racial no
Brasil. Autopercepção e autodeclaração racial.

MÓDULO II

Educação das Relações Étnico-Raciais: do projeto colonial ao antirracismo

Ementa: A escola e o projeto de poder colonial. Colonialidade da Educação. O


Movimento Negro Educador. Educação das Relações Étnico-Raciais: conceito e
instrumentos legais.

MÓDULO II

Superando o racismo na escola

Ementa: Nuances do racismo no ambiente escolar. Identificando o racismo na escola:


estudo de caso. Possíveis abordagens pedagógicas antirracista.

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2021.
97

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho nos propusemos a empreender uma análise decolonial do


Plano Municipal de Educação do município de Santa Cruz Cabrália, buscando
investigar como o referido documento aborda a Educação das Relações Étnico-
Raciais, no âmbito da Lei 10.639/03. Partindo da identificação da predominância de
um discurso colonial vivo e latente nesse território, essa análise debruçou-se, ainda,
em desvelar os discursos implícitos e explícitos presentes no PME e que reforçam a
o lugar de outridade imposto a população negra.

Previamente à referida análise, reconstituímos a história de Santa Cruz


Cabrália, da sua educação e de suas relações étnico-raciais, sob um olhar crítico e
racializado. A isso se refere o primeiro capítulo, cujo intuito é contextualizar e trazer
um panorama histórico ao leitor, de forma a situá-lo acerca das formas como a
realidade santa-cruzense é construída e sob quais forças contraditórias ela se
sustenta. Informando, assim, de que forma o município adentra à
Modernidade/Colonialidade e seus efeitos na educação.

Para Márcia Rodrigues, educadora santa-cruzense, atual presidente do


Conselho Fundeb, membra do Conselho de Educação e técnica de monitoramento
do PME, no que concerne as relações raciais no município, as questões étnico-
raciais indígenas possuem um avanço maior em relação às questões negras. Iszael
Gomes, atual secretário municipal de educação, pontua que essa deficiência no que
concerne às questões étnico-raciais negras é fruto de uma “dificuldade de identidade
étnico-racial”, que faz com que as pessoas não se reconheçam como negras. Ele
assinala como essa fragmentação identitária se reflete na educação causando
resistência em se tratar as questões raciais, inclusive por parte dos educadores
negros.

A percepção de ambos entrevistados compatibiliza com a nossa ao perceber


que o racismo nesse território, produz a desidentificação da população negra
(SANTOS, 2018) e que os efeitos coloniais do racismo adentram e perduram na
educação, impedindo o avanço nas pautas antirracistas negras, mesmo que essas
sejam asseguradas através dos diversos dispositivos legais que subsidiam uma
Educação das Relações Étnico-Raciais.
98

A compreensão da realidade de minorização e invisibilidade no qual a


população negra é submetida, que é consequência do racismo, bem como as
múltiplas formas de como isso se reflete na educação e nos relacionamentos
interescolares, são os pontos de partida dessa análise. Assim, buscando atender à
temática desse programa de pós-graduação e da linha de pesquisa elegida,
escolhemos como objeto de pesquisa o Plano Municipal de Educação – PME, por
compreendê-lo como documento que referencia a educação municipal. No segundo
capítulo empreendemos uma análise do PME, sob a ótica da decolonialidade.

A pesquisa evidenciou que o PME santa-cruzense apresenta falhas em


contemplar a Educação das Relações Étnico-Raciais e que a lógica colonial
persevera de modo tácito nos discursos e dados presentes. Acerca disso, uma das
perguntas da entrevista semiestruturada era se o entrevistado acreditava que o PME
comtemplava a Educação das Relações Étnico-Raciais. Iszael Gomes, que atua na
educação municipal mesmo antes de estar secretário municipal de educação e que
participou da elaboração do PME, consente com essa constatação e afirma que as
questões étnico-raciais não foram debatidas durante a construção do plano e que
este precisa ser revisto.

Márcia Rodrigues, atual técnica de monitoramento do PME, disse que


precisaria reler o plano novamente para emitir uma opinião mais acertada,
entretanto afirmou que o PME estava em consonância com o PNE e, portanto,
contemplava as questões étnico-raciais conforme o Plano Nacional de Educação.
Gomes (2017) assinala que a inserção das questões étnico-raciais nas estratégias
do Plano Nacional de Educação foi feita de forma transversal e dispersa. Por
consequência, a forma como a temática é abordada no PME é a mesma, o que
passa a impressão de que só estão lá de forma alegórica, para cumprir “tabela” e
atesta a afirmativa de Iszael quanto à não discussão do tema no processo de
elaboração do Plano Municipal de Educação.

No cotidiano pedagógico da maioria das escolas brasileiras, as relações


étnico-raciais são trabalhadas de forma pontual (em datas “comemorativas”),
descontextualizadas e de forma tão folclórica que por vezes a tentativa de incluir a
diversidade racial se transforma em afirmação dos estereótipos racistas que tanto
combatemos. Para além disso, os profissionais de educação não estão preparados
99

para identificar as múltiplas formas como o racismo se apresenta no ambiente


escolar e muito menos sabem responder às tensões raciais presentes dos
relacionamentos intraescolares.

Para Iszael, esses problemas também se fazem presentes no município,


demonstrando uma carência de Letramento Racial da população. O educador afirma
que muitos professores tiveram uma formação inicial deficiente quanto às questões
étnico-raciais e que os cursos de licenciatura precisam ser reformulados para
atender essa demanda educacional e social. Dessa forma, compreendendo que o
método histórico-dialético, no qual se ampara essa pesquisa, pressupõe não apenas
a historicidade e a análise crítica da realidade, mas também a prática (práxis) como
instrumento de mudança da realidade, no terceiro capítulo apresentamos uma
proposta de curso de formação continuada de educadores, com o intuito de
promover o Letramento Racial destes.

A especificidade de um país cujo racismo se denega, somado ao mito da


democracia racial e à ideologia de branqueamento, produz a alienação de nossa
realidade racial e consequentemente a sensação de que não é necessário dialogar
sobre racismo, já que ou ele é entendido como algo do passado e,
consequentemente, superado, ou como problema individual de quem o sofre.
Dificilmente o racismo é compreendido como a lógica que estrutura o Estado
brasileiro e todas as suas dinâmicas sociais. O silenciamento acerca do racismo,
bem como a resistência em se falar sobre o assunto, apenas contribui para sua
manutenção.

Nessa perspectiva, o Letramento Racial representa uma estratégia de ruptura


com esse silenciamento e essa alienação em relação a realidade racial brasileira,
pois consiste em “forma de compreender, interpretar e ler a realidade a partir da
raça, envolvendo a percepção de como o racismo se encontra presente no cotidiano
e influencia as relações sociais” (BASTOS, 2021). De acordo com Iszael Gomes,
secretário municipal de educação, o município não oferece uma formação
continuada nessa temática, mas considera extremamente necessário a existência de
formações específicas para as relações étnico-raciais para que diálogos sejam
abertos e avanços sejam alcançados.
100

O nosso atual PME tem validade de dez anos, ou seja, até 2025. Logo será o
momento de iniciarmos as discussões para um novo Plano Municipal de Educação.
Por conseguinte, almejamos que a análise empreendida aqui, à luz da
decolonialidade, contribua para que as falhas e equívocos pontuados sejam
discutidos e retificados, para assim construirmos um novo Plano Municipal de
Educação e, também, políticas públicas educacionais verdadeiramente
comprometidas com uma educação emancipadora para toda a população, sobretudo
para a população negra tão negligenciada e vitimada pelo Estado e pela sociedade.
101

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