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Estação do Sol – Catherine Coulter

Série Vikings

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Uma palavra...

Estação do Sol é o primeiro livro da série Vikings da


Catherine Coulter. É um livro gostoso de ler e não se demora
em resolver os assuntos.
Magnus é um fazendeiro sangue quente, resolvido e
batalhador. Se apaixona ao primeiro olhar e não nega seus
sentimentos. E como todo Viking toma o que quer de uma
forma ou de outra.
Zarabeth é a típica mocinha responsável, trabalhadora,
inteligente e sobrevivente. Tem sob sua tutela sua irmã Lotti,
uma menina especial, surda, pela brutalidade do padrasto. Ela
encanta-se por Magnus, mas Olav vai tramar para não deixar
Zarabeth fugir de suas garras.
Lógico que Magnus decididamente não vai encolher-se
diante disso e terá Zarabeth para si, mesmo que não fosse da
maneira pretendida por ele.
Um mocinho fofogro e justo que quer demonstrar ter um
coração de pedra.
Vale a pena ler!
Palas Athenas
01 – Estação do Sol
02 – Paixão Selvagem
03 – O Lorde de Raven’s Peak
04 – A Senhora de Falcon Ridge
Sinopse

Zarabeth, com os cabelos ruivos como um pôr do sol irlandês, foi


escolhida por Magnus Haraldsson, um Viking que a conheceu quando
estava de passagem pela cidade comercial de York, para ser sua esposa.
Ela fica surpresa e fascinada com sua franqueza, mas logo se sente
atraída por esse homem que a faz rir, a excita profundamente e também
a faz confiar em um futuro com sua irmãzinha, Lotti.
Mas seu padrasto Olav o Vaidoso, não pretende pedir um dote por
Zarabeth.
Zarabeth em pouco tempo é levada para a sua fazenda na Noruega,
mas como escrava, não como esposa, portando a marca de sua
escravidão, um colar de ferro ao redor do seu pescoço para que todos
possam ver.
Agora, em vez de paixão, Magnus volta para casa cheio de
desconfiança em relação a ela e com uma profunda dor pela sua traição.
É a estação do sol na Noruega, a clara luz da meia-noite de verão. É um
tempo de crescimento e fertilidade, de traição e maldade, de amor e
aprendizado...
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

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York, Capital do Danelaw

Seu nome era Zarabeth. Era a filha adotiva do dinamarquês Olav


o Vaidoso, um rico comerciante de peles de Jorvik ou York, como os
anglo-saxões locais lhe chamavam. Não era a mulher mais bela que já
tinha visto. Sua amante, Cyra, era mais atraente, mais bem dotada que
ela. A diferença da maioria dos homens e mulheres de sua terra natal,
na verdade, ao contrário de muitas pessoas em Danelaw 1, não tinha o
cabelo tão loiro que era quase branco no sol do meio dia. Não, ela tinha
o cabelo vermelho ardente, de um vermelho intenso, escuro como o
sangue. Ela o usava solto caindo por suas costas em ondas e cachos
ou, quando o dia estava muito quente, em duas grossas tranças
enroladas sobre a cabeça.
Esse cabelo, imaginava, que tinha que ser a herança de uma mãe
da ilha ocidental chamada Irlanda. Tinha visitado a guarnição em
Dublin vários anos antes para comprar escravos e comercializar
marfim, peles, chifres, terrinas e adornos de pedra-sabão. Disseram-
lhe que os irlandeses se reproduziam como cães, e essa coloração
original e rica, deve ter sido o resultado. Seus olhos eram também de
uma cor estranha, uma estranha cor verde, uma cor que não tinha
visto na Irlanda, um verde que lembrava ao musgo úmido. Ele só tinha

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Série Vikings 01

que olhar a si mesmo em uma placa de prata polida, para saber que
seus olhos, como os da maioria de seus compatriotas, eram de um azul
céu, e quando o seu estado de ânimo era violento se tornavam de um
azul tão profundo como o golfo de Oslo. Sua mãe, Helgi, disse, para sua
vergonha, que o azul de seus olhos era suave e quente como o ovo de
um pássaro.
Zarabeth era alta, talvez muito alta para ser uma mulher, mas ele
era um homem grande e ainda era mais alto alguns centímetros e
passava do topo de sua cabeça, por isso não lhe importava seu
tamanho. Sua primeira esposa, Dalla, tinha sido pequena, o topo de
sua cabeça chegava apenas no seu ombro, e ele tinha a sensação
muitas vezes que ela era uma menina, não uma mulher, não uma
esposa.
Tinha conseguido aproximar-se de Zarabeth por alguns
momentos, e tinha visto que sua pele era branca e imaculada, como
um trecho de neve fresca na montanha, com exceção dessas duas
covinhas que marcavam suas bochechas quando sorria, um sorriso que
lhe atraiu no momento em que a viu. Sim, pensou, era certo, não tinha
uma linhagem viking, mas isso não importava nem um pouco.
Não, ela não era a mulher mais bela que tinha visto, mas a queria
mais do que jamais desejou a uma mulher antes. Pensou em deitar-se
com ela, de entrar profundamente em seu corpo até saciar-se, mas
também pensou em falar com ela e compartilhar seus sonhos e planos.
Pensou navegar com ela até Hedeby, esse porto comercial do Sul que
se erguia sobre uma enseada do rio Schlei e dava diretamente ao mar
Báltico. E além do Hedeby, através das pequenas ilhas, estava a costa
baixas da Suécia, mas a uma distância de dois dias de navegação.
Pensou em navegar através de Great Sound que se abria para o sul do

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mar Báltico, e logo virar para o interior, ao longo do rio Dvina até chegar
a Upper Dnieper e Kiev. Talvez inclusive poderia levá-la além de Kiev
na cidade de ouro no Mar Negro, conhecida pelos Vikings como
Miklagard, e para outros como Constantinopla.
E então, de repente, com muita mais claridade, pensou nos
meninos que teria com ela, nas meninas com o cabelo da cor vermelha
brilhante e os meninos com seu próprio cabelo loiro e grossos. Era
estranho, mas viu um menino com os olhos tão verdes como o musgo
úmido.
Ele, Magnus Haraldsson, era um Karl2 de vinte e cinco anos de
idade, o segundo filho do Conde Harald. Tinha uma fazenda chamada
Malek, herdou por parte de seu avô. O solo era rico, ao contrário de
grande parte da terra escarpada e infértil do sul da Noruega, e dava
bons cultivos de cevada, trigo e centeio. Magnus era também um
comerciante, muito inteligente, como seu pai lhe dizia com carinho, e
era dono de seu próprio navio, o Vento do mar. Também era dono de
uma dúzia de escravos, produto de sua última viagem, e muitos Karls
agora trabalhavam para ele em troca de pequenas parcelas de terra,
para cultivar mantimentos para suas famílias. Muitos destes Karls
eram seus amigos, e não só navegavam com ele aos centros comerciais,
mas também levavam seus produtos para vender.
Magnus tinha se casado na idade de dezessete anos, um
matrimônio arrumado por seus pais, e tinha um filho, Egill, de quase
oito anos. Sua esposa, Dalla, pouco mais que uma menina, tinha
morrido dois anos depois do nascimento do menino. Tinha chorado por
ela como teria feito por ter perdido um companheiro de farra, e os anos
seguintes, à medida que ia amadurecendo, tinha satisfeito suas
necessidades sexuais com muitas mulheres diferentes, decidido que já

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não precisava procurar outra esposa ou ter mais filhos. Tinha chegado
a considerar os homens casados como fracos de caráter e presos ao lar,
embora estivessem fora quatro meses ao ano. Agora, de repente, estava
começando a pensar muito diferente. Percebeu que ele já não estava
interessado em sua atual amante, Cyra, embora ainda o atraísse e
conseguia que seu corpo se estremecesse de prazer.
Disse a si mesmo enquanto olhava Zarabeth, que tinha um filho,
que agora necessitava de uma mãe. Era o suficientemente honesto para
admitir que o bem-estar de Egill era a primeira coisa na sua mente.
Oh, sim, ele a desejava e a queria.
Magnus a olhou quando escutou sua repentina gargalhada. Uma
risada doce, profunda e livre. Viu o sorriso, as covinhas, os dentes
brancos, e ficou encantado. Seus seios se moviam ao compasso de sua
risada. Excitou-o, essa risada o pôs duro como uma pedra, o
movimento de seus seios o fez querer carregá-la sobre o seu ombro e
levá-la às profundezas do bosque e fazê-la sua sobre os grossos ramos
de pinheiro.
Dado que seu padrasto, Olav o Vaidoso, era rico, Magnus sabia
que seu dote seria sem dúvida alto, mais alto do que a maioria dos
homens poderiam permitir o luxo de pagar. Mas ele pagaria, apesar de
que desprezava Olav o Vaidoso, mais conhecido por muitos
comerciantes viking como Olav o trapaceiro. Ele fazia gestos
grandiosos, deslumbrando aqueles que o rodeavam, com repentinas
explosões de generosidade, e então se virava sem sentido algum e os
enganavam nas menores coisas. Seu comportamento era do mais
irritante, arrogante, de grande porte e, entretanto, insignificante.
Magnus perguntou como trataria a sua enteada.

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Em primeiro lugar, pensou Magnus, tinham que conhecer essa


moça chamada Zarabeth, um nome que lhe resultou difícil dizer em voz
alta, um nome que era estranho, que soava excitante e misterioso ao
mesmo tempo, assim como ela. Tinha agido diferente do habitual,
desde que a tinha visto pela primeira vez dois dias antes, indeciso,
olhando-a como um filhote de lobo apaixonado, sem poder se controlar
como era seu costume. Ficou surpreso e se enfureceu por este
repentino medo e essa falta súbita de confiança. Afinal, ela não era
mais que uma mulher e responderia à autoridade de um homem,
aceitaria as ordens que a manteriam no caminho correto, embora
ainda, não tinha podido colocar a ele próprio em meio desse caminho.
A miríade de sentimentos que provocava nele era desconcertante.
Mas havia algo nela que despertava seu desejo de protegê-la
meigamente. Logo, com a mesma rapidez, via o brilho pícaro de seus
olhos verdes e deu vontade de sorrir, já que acreditava que tinha maus
pensamentos e queria saber quais eram. Também sabia, no fundo, que
esses pensamentos o agradariam e o faria rir. Ela o confundia e isso
deixava-o alegre.
E disse a si mesmo novamente, que não era mais que uma
mulher, que sua vontade prevaleceria e que logo lhe pertenceria. Sua
risada seria só para ele. Apenas ao contemplar o livre movimento de
seus seios, já tinha muita luxúria. Era Magnus Haraldsson, dono de
sua própria fazenda, um comerciante, dono de um navio e doze
escravos. Imaginou ela em sua fazenda, a cargo de seu lar. Acharia
Malek linda, e ao Vale Gravak incomparável. Não se sentiria sozinha,
seus pais e seu irmão mais velho estavam perto, a só um dia de
navegação de Kaupang, uma cidade comercial ao Oeste da costa da
Noruega, justo no interior do golfo de Oslo.

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Viu que ela ia embora rapidamente passando pelo batente da


porta onde ele estava.
Viu-a dar a mão a uma menina que estava em silencio a seu lado,
inclinou-se para falar em voz baixa com ela, e fez gestos estranhos com
as mãos enquanto conversa com ela. Ele se levantou, disse adeus
sorrindo para as pessoas com quem estava conversando, e saiu da
taberna. A vê-la caminhar com graça sobre as poças de barro e montões
de lixo, espantando os insetos que zumbiam sobre os resíduos, seu
glorioso cabelo vermelho brilhava como o fogo sob o sol da tarde. Era
magra, mas sabia que debaixo desse vestido de lã suave, suas nádegas
seriam suaves, brancas e firmes, e seus dedos formigaram ante a ideia
de apertar sua carne.
Então ele franziu a testa. Ela não era uma menina. Não, tinha
pelo menos dezoito anos de idade, maior que a maioria das mulheres
que já estavam casadas e amamentavam seus filhos. Mas não ela, não
Zarabeth, a enteada de Olav o Vaidoso. Será que o seu padrasto pedia
um dote muito alto por ela? Por que seguia solteira? Seria uma harpia?
Se ele a julgou mal completamente?
Muitas vezes uma mulher poderia rejeitar um pretendente.
Possivelmente Olav o Vaidoso tinha-lhe concedido este direito, e ela
simplesmente não tinha conhecido um homem que desejasse como
marido.
Então sorriu. Ela iria querer ele, não tinha nenhuma dúvida sobre
isso. Ele se encarregaria disso.
Magnus a viu parar e falar com um joalheiro local de Coppergate,
a rua dos lenhadores, um homem cujo pai e avô antes que dele,
dedicaram-se a vender belos e modernos braceletes e anéis de âmbar
do Báltico e azeviches incrustado em filigrana de prata e ouro. Mais

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uma vez ela se despediu, andando mais rápido agora. Sabia que ia para
a sua casa, uma casa cômoda, com paredes de madeira de carvalho
grossas e um teto de telhas de madeira finamente em camadas um
pouco mais abaixo na rua Coppergate. Todas as casas aqui em York
estavam muito juntas, os becos entre elas eram fedorentos, escuros, e
com frequência perigosa. A casa de Olav era maior que a maioria, mas
com escuros becos que a flanqueavam.
Magnus se deteve um momento, colocando sua capa de pele de
lobo com maior segurança ao redor de seus ombros. Inconscientemente
tocou o broche de ouro esculpido que segurava a capa junto a seu
ombro, um broche que tinha negociado por três peles de lontra em
Birka, no ano anterior. Estavam no início de abril, mas em York tinha
vento forte e, agradecido por ter trazido a capa. O sol, coberto por
nuvens cinzas, negava o seu calor. Não fazia muito frio, mas era a
incerteza que o desagradava, uma nova sensação que o surpreendia e
envergonhava, porque depois de tudo, não só era um rico fazendeiro e
comerciante, era o filho de um Conde, um líder, um Karl capacitado
para o controle e o comando.
Tinha-lhe gerado uma incerteza, com uma mulher com um nome
estranho, com um cabelo de cor estranha, com uma risada que aquecia
o seu interior, e com s seios que o faziam sentir luxuria como um jovem
lobo. Tirou a capa de pele, aborrecido consigo mesmo, e retornou a seu
navio, Vento do Mar.

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Magnus decidiu apresentar-se diante dela no poço que se
encontrava no meio de Coppergate, um lugar social onde os homens
descansavam pelas tardes, fofocando e contando histórias que não
eram mais verdadeiras agora do que haviam sido cem anos antes. As
mulheres tiravam água e se sentavam perto dos homens para costurar
coletes e vestidos, vigiando aos pequenos. As crianças brincavam perto
delas, as risadas se escutavam até Micklegate. Era um breve momento
de tranquilidade depois de um duro dia de trabalho, e um tempo para
conversar.
Magnus entrou na ampla praça, olhando para os pequenos grupos
de homens, uma reação inconsciente, porque em sua experiência,
apenas dois homens poderiam atacar a sua presa e despachá-lo
facilmente e rapidamente. Esperou até que viu Zarabeth, chegar ao
poço para tirar água com seu balde de madeira. Estava sozinha, a
menina não estava com ela.
Aproximou-se, com determinação marcada em cada passo, sem
dirigir nenhuma palavra a ninguém, quando ela estava baixando seu
balde no poço, disse para ela.
— Meu nome é Magnus Haraldsson. Sou comerciante e agricultor
e minha família vive em Kaupang perto da Noruega. Não sou um
homem pobre, nem cruel, nem perverso, e desejo me casar contigo.

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Zarabeth deixou cair o balde. Olhou com consternação para a


escuridão do poço, até escutar o ruído surdo que fez o balde ao tocar
na água. Se endireitou e se virou lentamente para o homem que a tinha
assustado.
Encontrou-se olhando para sua garganta, e logo levantou o rosto
até ver seus olhos. Isso sim era uma surpresa, pois estava acostumada
a olhar aos homens diretamente no rosto.
— Como disse? O que você quer? — Ela sacudiu a cabeça, com
vontade de rir do que tinha achado que ele tinha dito. — Não,
certamente me confundi com suas palavras. Me perdoe, mas pareceu
que disse... Mas não. O que você disse, senhor?
Magnus disse novamente, com paciência, já que estava encantado
com a risada e a doçura de sua voz.
— Eu te disse que quero me casar contigo. Meu nome é Magnus
Haraldsson. Seu nome é difícil de pronunciar para mim, mas vou
aprender muito em breve a dizê-lo com facilidade Zarabeth.
Seu sotaque tinha muito encanto, pelo menos para seu ouvido, e
ela sorriu, apesar de suas palavras extravagantes e sua proposta mais
que absurda, se é que em efeito tinha sido sincero, coisa que duvidava.
Ele não parecia como um homem que tivesse bebido muito hidromel ou
cerveja. Tinha sido um dia longo e exaustivo, e suas palavras a
animaram, sinceras ou não. Era um homem bonito e robusto, de
aparência firme, jovem, alto e bem formado, loiro como a maioria de
seus compatriotas, seu cabelo loiro era muito grosso, e seus olhos eram
tão azuis como o céu do verão sobre os York, claros e limpos, não
riscado com tons de cinza.
Ela inclinou a cabeça para um lado, sem deixar de sorrir. Estava
bronzeado, este viking. Olhou para o poço.

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— Meu balde afundou. O que vou fazer?


Magnus a olhou, fascinado pela forma em que o seu sorriso
iluminava seus olhos verdes.
— Vou resgatar o seu balde. Meu nome é Magnus.
— Sei, — Disse Zarabeth. — Magnus Haraldsson, agricultor e
comerciante, e não é cruel nem perverso e você quer se casar comigo.
Ele franziu a testa. Ela estava brincando, esta mulher com o seu
nome estrangeiro e seu sorriso pícaro. Estava burlando dele, fingindo
seriedade, e não gostou.
— Sim, — Disse, sua voz fria agora. — Quero me casar contigo.
Mas primeiro vou recuperar o seu balde.
Deu um passo atrás e observou enquanto caminhava como um
conquistador para a ferraria que estava justo no outro lado da praça.
Retornou quase imediatamente com um pau de madeira longo, com um
gancho em um extremo. Inclinou-se sobre o poço, e ouviu a água
correndo debaixo. Ela o ouviu murmurar, mas não foi o
suficientemente forte para que pudesse distinguir as palavras.
Imaginou que estava amaldiçoando. Ele se esforçou, ela sabia que em
realidade tratou de recuperar o seu balde de madeira, mas este se
afundou mais profundo ainda. Por último, endireitou-se, e se virou
para ela.
— Não pude alcançá-lo. Vou substituir o seu balde já que foram
minhas palavras que fizeram que caísse.
Zarabeth estava encantada.
— Não há necessidade de fazer isso. Minha própria estupidez
provocou sua perda. Você me surpreendeu, essa foi sua única culpa.
— Parou um momento, sorrindo. — Sabe meu nome, mas em realidade

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não me conhece. Sou Zarabeth, a enteada de Olav o comerciante de


peles, e...
— E você gostaria de se casar comigo agora que me conhece. —
Terminou por ela, seu tom totalmente convencido. — É decidida. Isso
é bom em uma mulher.
— Como disse?
— É bom que uma mulher tenha uma mente rápida e um engenho
decidido. Vou falar com o Olav o Vaidoso e discutirei o seu dote e
então…
— Não vou me casar com você!
Ele franziu a testa.
— Por que não? Você acaba de dizer que faria isso.
— Não disse nada disso. Eu não te conheço. Nunca tinha te visto
antes na minha vida, até alguns minutos. Me fez perder o balde. Agora,
o que é isso tudo?
— Sou comerciante e agricultor. Cheguei aos York para
comercializar, como o faço várias vezes ao ano. Te vi faz dois dias e
estive a observando. Decidi que seria muito boa esposa. Você me
satisfaz. Vai me dar prazer e muitos filhos, esquentará meu coração,
preparará minhas comidas e costurará minhas túnicas.
Zarabeth, uma vez encantada por seu descaramento, agora se
sentiu repelida por sua arrogância, uma qualidade que já tinha em
abundância. Isso não foi engraçado, porque finalmente percebeu que
ele falava a verdade completamente. Era um Normando sério, algo que
tinha ouvido toda a sua vida, não brincava. Mas não fazia sentido.
Parecia como se necessitasse de um escravo, depois de ouvir a lista que
tinha feito do que esperava dela. Sentiu um formigamento de alarme,
seus olhos se estreitaram e já não tinha o aspecto de um homem de

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natureza dócil e risada fácil. Mesmo assim, não cederia, não mostraria
o seu temperamento com ele.
— E isso é tudo o que tem a dizer, Magnus Haraldsson? Você acha
que isso me convém? Você faz parecer que eu vou ser a sua escrava.
Não, não, me deixe terminar. Além disso, o que sabe sobre mim, poderia
ser uma criatura horrível, uma harpia de língua feroz, talvez. Quanto a
você, talvez golpeie às mulheres, talvez não se banhe e cheire azedo
como as vísceras podres de uma doninha. Talvez…
— Isso é mais que suficiente, Zarabeth. — Fez uma pausa, como
se o som de seu nome surpreendesse.
Então a agarrou pelos braços com suas grandes mãos. Ficou
imóvel, logo se obrigou a relaxar-se. Estavam parados no centro da
praça de Coppergate e havia dezenas de pessoas que a conhecia à sua
volta, alguns deles inclusive agora estavam olhando para ela. Não
precisava se preocupar. Sorriu-lhe novamente, mas foi um sorriso
incerto nervoso, e ele reconheceu.
— Não quero te assustar, mas sempre consigo o que quero.
Banho-me frequentemente, como é o costume em meu país, e não
cheiro azedo. Pode me cheirar agora se quiser. Tenho todos meus
dentes e não tenho gordura em minha barriga. Os homens não podem
lutar eficazmente se seus corpos estão carregados de gorduras. Nunca
fiz isso e nem farei, eu não golpeio em mulheres. — Fez uma pausa,
franzindo a testa, e logo encolheu os ombros. — Tenho uma escrava,
Cyra, que realmente desfruta que bata nela com o cinturão, nas suas
coxas e nas nádegas, mas bato com moderação, porque não quero
estragar sua pele.
Zarabeth não pôde deixar de olhar para ele, esquecendo de todos.

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— Tem uma escrava, e que gosta que a golpeie? Nesse... lugar?


Isso é absurdo! Não acredito. Por que?
Magnus encolheu os ombros.
— É como te disse. Ela é uma mulher de fortes paixões e ardente,
e a dor em suas nádegas aumenta o seu prazer quando finalmente a
tomo. — Seus olhos se estreitaram ao ver seu rosto atordoado. — Por
que? Não acredita em mim? Digo a verdade, Zarabeth. Logo aprenderá
que não minto.
— Não é que não acredite em você, mas talvez deveria medir as
verdades que diz sobre sua intimidade, acredito que seria melhor que
omitisse os detalhes. Me choca que alguém naquele lugar...aja assim,
não é do meu agrado.
— Então não o farei. Se não quiser, jamais te golpearei, mesmo
que me diga que deseja.
— Eu não desejo. — Disse ela, fascinada novamente por ele,
apesar de si mesma. — Nunca vou querer que façam isso comigo. —
Estava olhando para ela, e olhar para esses olhos azuis tinha mudado,
mudando sutilmente, e soube que ele estava a imaginando, a pressão
do aperto em seus braços era quase insuportável. — Você poderia me
soltar agora, Magnus?
— Não, gosto da sensação de sua pele sob meus dedos. É quente
e suave e posso cheirar seu aroma de mulher.
— Então, pode afrouxar seu aperto? Facilmente fico marcada com
hematomas na minha pele.
Ele franziu a testa e seus dedos rapidamente se tornaram gentis
sobre seus braços, acariciando e quentes como a luz do sol no verão,
embora ainda fosse primavera.
Seguiu olhando-a, com um olhar pensativo e intencionado.

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— Diga-me o que é que lhe dá satisfação. Sou conhecido como um


homem que agrada às mulheres. Não sou egoísta na hora do amor. E
se for minha esposa, gostaria te agradar, te dar prazer com meu corpo,
e estaria contente e feliz por ser o seu marido.
Suas palavras soavam tranquilas e confiantes. Ela seguiu
olhando-o, tão absorta que se perdeu em seu devaneio. Logo disse em
voz baixa, suave, sem vacilar.
— Eu não sei o que me agrada.
Seu rosto mudou, com o sorriso que o iluminou de repente, e com
a voz gravemente, disse.
— Ah, isso é bom. Vamos aprender juntos, então. Vou tentar não
te decepcionar. — Parou então e olhou seus longos dedos que agora
massageava ligeiramente seus braços. — Queria te ver de perto. É
exatamente como tinha imaginado. Sua pele é muito branca. Estive te
observando há dois dias.
— Minha pele é muito branca. Mais que a sua.
— Sim, isso é porque é irlandesa. Não é verdade?
Ela assentiu com a cabeça e ele viu o brilho da dor em seus olhos
e lhe perguntou:
— Tanto sua mãe como seu pai eram irlandeses? Estão os dois
mortos, também sua mãe? — Diante do seu assentimento, ele disse. —
Quando morreu?
— Faz três anos. Seu nome era Mara. Olav, é meu padrasto, a
conheceu no Limerick e se casou com ela quando eu só tinha oito anos
de idade. Meu pai tinha morrido um ano antes, mas a vida não era fácil
para ela, uma mulher só com uma criança. Por isso viemos para aqui.
— A menina que vi com você ontem, é a filha de Olav?

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Seu queixo ergueu com indignação, e lhe agradou essa amostra


de arrogância inconsciente nela, mas também o desconcertou. O que
haveria dito para pôr na defensiva?
— Sim, — Disse finalmente, — Lotti é minha irmãzinha. Quem é
seu pai não tem importância para mim.
— Então Olav é seu pai.
— Sim, mas eu a amo e ela é minha.
— Não, ela é de seu padrasto.
Zarabeth simplesmente encolheu os ombros e afastou o olhar
dele. Supôs que ela queria dizer mais sobre a menina, mas sua firmeza
estava abandonando-a, e se limitou a dizer.
— Não me importa o que pense a respeito. Agora tenho que ir.
Para procurar um novo balde. Não posso perder tempo.
— Vou te dar um. — Mesmo quando ela começou a negar com a
cabeça, ele acrescentou, com voz baixa e calma. — A partir de agora,
todas as minhas opiniões contarão em sua vida. Cada um dos meus
atos vai atingir você, porque me pertence. Vai escutar minhas palavras
e as considerará como seu guia na vida. Não esqueça Zarabeth. Agora,
quer que te acompanhe até sua casa para poder conhecer o seu
padrasto? Será que ele vai pedir um preço alto por seu dote?
Era sua vez de colocar a mão no antebraço dele. Ela tinha passado
da divertida indignação à sua presunção, para algo como uma
aceitação insensível de medo de morrer. Estava perdendo a compostura
completamente? Não conhecia este homem que tinha abordado alguns
minutos antes.
— Magnus, por favor, vai rápido, muito rápido. Eu não te conheço.
Deve entender…. — Ela parou, percebendo de que estava retorcendo
as mãos. Estava tão surpresa por sua ação que ficou em silencio por

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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vários momentos. Ele também permaneceu em silêncio, esperando que


terminasse de falar. Ela respirou fundo e continuou com a sua habitual
tranquilidade. — Se desejar, vou esperar por você manhã, aqui mesmo,
se quiser. Podemos falar, falar de sua vida na Noruega e de outras
coisas também. Tenho que chegar a te conhecer melhor. É tudo o que
posso aceitar por agora. Pode aceitar isso?
— Vai poder me conhecer melhor quando for minha esposa.
Viu que ela ainda queria discutir com ele. Parecia impaciente,
frustrada, e estava na verdade, entretanto, sorriu-lhe, e era um sorriso
sincero e terno, que fez algo mudasse em seu interior, algo quente e
maravilhosamente estranho, algo incomum e desconhecido.
— É uma mulher importante para mim. Vou mais lentamente,
embora me doa ter que fazer, mas escute isso, Zarabeth, vou tê-la como
esposa e isso vai acontecer muito em breve. Desejo voltar para casa em
dez dias.
— Dez dias! Por que? É impossível! Pede-me que… —
Interrompeu, pela primeira vez em sua vida, pois não encontrou as
palavras.
Agitou as mãos freneticamente olhando a seu redor.
— Este é meu lugar, onde passei os últimos dez anos de minha
vida! Não sei nada da Noruega, exceto que todas as pessoas são limpas
e loiras, brutais e violentas. Navegam para as cidades em seus navios,
assassinam, violam e saqueiam tudo!
— Eu não sou violento.
— Ah, não faz incursões então? Não rouba, saqueia, viola e
destrói?
— De vez em quando. Alguém se aborrece, e sempre há
necessidade de moedas, prata e ouro. A paixão pelas viagens também

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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parece estar no sangue de todos os vikings. Descobrir lugares para


explorar, povos que nunca imaginaria que existissem, com costumes
estranhos, vestimentas assombrosas e falando línguas
incompreensíveis. Te levarei comigo, pelo menos quando for negociar,
e se é que você o deseja.
— Mas você é cruel.
— De vez em quando. — Disse novamente, e sorriu. — Quando é
necessário. Não sou um homem excessivamente cruel, Zarabeth. Te
protegerei com minha vida, vai ver. É o que deveria fazer qualquer
marido.
— Você faz parecer como se não exigiria muito de mim, se aceitá-
lo como marido. Mas me dá ordens agora, quando mal te conheço, e
esperas que te obedeça em tudo. Não te devo nada, de verdade. Você
é…
Ele ignorou suas palavras. Pegou a sua mão, virou-a e olhou a
palma da mão dela. Havia calos e dureza ali, e suas mãos estavam
avermelhadas pelo trabalho.
— Disse que não sou um homem pobre. Terá servos para fazer o
trabalho mais duro, e você os dirigirá. Sim, costurará minhas túnicas
e verá que minha comida se prepare corretamente, mas suas mãos
estarão brancas e suaves novamente, para mim, para acariciar minhas
têmporas quando meus pensamentos doam, para acariciar minhas
costas quando meus músculos estiverem tensos, para me acariciar
quando desejar te amar.
Ela o olhou fixamente, incapaz de afastar o olhar. Nunca tinha
conhecido a alguém assim antes. Sua audácia era dolorosa.
Esta questão de naturalidade que não deixava lugar a dúvidas
quanto a seus pensamentos ou intenções. E quando falou de deitar-se

22
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

com ela, de suas mãos o tocando... Foi desconcertante, e ao mesmo


tempo, sentiu uma profunda emoção cravando-se em seu ventre. De
repente se sentiu viva, acordada em todos os sentidos por suas
palavras e seus olhares.
— Vou ter você, Zarabeth.
— Tenho que falar com meu padrasto. — Disse.
Desesperada porque nunca tinha visto este homem antes desde
aquela tarde, desesperada pelo que a tinha feito sentir em só alguns
minutos. Ele foi além de tudo o que ela teria conhecido, e estava além
de sua capacidade de compreensão, além de sua capacidade de lidar
com a suas francas expressões. Estava indecisa, e mesmo assim,
seguia se debatendo, e isso era óbvio para ele e para ela. Afastou o
olhar, sentindo-se de uma vez ridícula e confusa.
— Tenho que falar com meu padrasto. — Disse novamente.
Ele sorriu então, pois era seu triunfo, sua vitória, e por que não
saborear o momento? Ele a escolheu e ela viria até ele. Tinha sido claro
em suas intenções, tinha esclarecido o assunto sem meias palavras, e
ela tinha cedido. Estava seguro disso, e muito satisfeito de si mesmo.
— Muito bem. Serei paciente, Zarabeth. Nós veremos aqui de
manhã, depois das preces matinais.
Quando ela apenas o olhou fixamente, sem falar, ele sorriu, tocou
ligeiramente no seu queixo com os dedos, e se inclinou para beijar
rapidamente na sua boca fechada. Logo foi caminhando pela praça
Coppergate como se fosse o seu dono, como se todos ali estivessem a
seu serviço.
Ficou em silêncio e confusa até que ele desapareceu de sua vista.
Viu várias das mulheres aproximando-se dela. Virou-se rapidamente e

23
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

se afastou. Ela não queria responder nenhuma de suas perguntas


ardilosas.
Sem dúvida queriam lhe perguntar o que esse bárbaro malvado
queria dela.
E ele era um bárbaro. Havia se esquecido disso, e deveria se
convencer. E mau, por isso havia dito o que fazia com a sua amante.
Ela era cristã, igualmente a Lotti. Ah, sua irmãzinha.
Quando ela se casasse, Zarabeth sempre sabia que Lotti iria com
ela, porque Lotti era sua desde seu segundo ano de vida, o dia em que
sua mãe tinha morrido. Nesse dia, quando Olav se encontrou com
Zarabeth, e lhe disse que sua mãe tinha fugido com outro homem,
levando Lotti com ela. Que quando ele se inteirou de seu erro, tinha
seguido eles e tinha encontrado Lotti ao lado de sua mãe morta pelo
golpe que o outro homem tinha lhe dado. Mas por que o homem queria
fazer mal a sua mãe? Acaso não tinha fugido com ela? Não amava?
Zarabeth não tinha entendido, mas tinha visto a ira, a violência,
fervendo nos olhos de seu padrasto, e se manteve em silêncio. Sua mãe
estava morta, com o cabelo emaranhado, um corte profundo em sua
cabeça, e com o sangue emanando de seu nariz e boca, isso é o que
tinha ouvido que diziam algumas mulheres. Sim, sua mãe tinha
morrido há muito tempo. Sua bela mãe, que supostamente a tinha
amado, mas a abandonou, levando Lotti com ela e logo abandonando-
a também.
Zarabeth afastou as lembranças. Que descansassem no passado,
mortos como cinzas de verão, e não havia nenhuma razão para
recordar, porque não havia ninguém com vida para dar explicações,
ninguém exceto Olav. E ela nunca falaria do passado com ele. Era

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

estranho que as lembranças seguissem sendo dolorosas e aterradores.


E era muito estranho também. Como ela ainda fugia delas.
Quando permitiu pensar em sua situação atual, percebeu muito
claramente que Olav acreditava que ela tinha tomado o lugar de sua
mãe. Só que ela não fugiria dele como tinha feito a sua esposa.
Ela pertencia a ele como qualquer criança pertencia a seu pai. E
agora este Viking tinha entrado em sua vida.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

03
Olav ficou olhando para sua enteada enquanto comia lentamente
o bolo de batata que tinha preparado para o jantar com pedaços de
carne assada. Estava macio, mas ironicamente, quando mordeu sentiu
seca na boca, e ao engoli, caia pesado no estômago. Seguiu olhando
para Zarabeth enquanto servia a sua irmãzinha, esse pequeno monstro
maldito que Olav deveria ter jogado na sarjeta no mesmo dia que
descobriu que ela viria e de que semente tinha brotado.
A menina estava louca e era estúpida, mas Zarabeth se negava a
aceitar. Sim, deveria tê-la matado em seguida, mas não tinha feito. E
agora já não poderia. Zarabeth amava à pequena idiota e sabia que se
machucasse à menina, Zarabeth ficaria contra ele. Era possível que
inclusive pudesse matá-lo. Não queria ter medo dela, apenas queria
deitar-se com ela.
Ela não levava nenhuma só gota de seu sangue. Era simplesmente
lixo irlandês, igualmente como a sua mãe, lixo, mas não vadia como
tinha sido Mara, e queria tê-la em sua cama, agora. E depois de que
tivesse terminado com ela, por que não a vender no mercado de
escravos de Dublin, ou, possivelmente, tomá-la simplesmente como
sua esposa. A ela e a essa pequena idiota, maldito destino. Talvez não
ficaria no York. Talvez, se casasse com ela, levaria de volta ao Hedeby,
onde tinha nascido e saído vinte anos antes.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Engoliu um pouco da carne de vaca, percebeu, inclusive quando


quase se sufocou, de que o bolo era muito saboroso, coberto com
farinha e mel. Lambeu-se os dedos, detendo um momento antes de
dizer deliberadamente, com a voz carregada de suspeitas.
— Parece diferente esta noite, Zarabeth. Aconteceu algo hoje? Algo
que não está me dizendo?
Porque sabia que Olav, ficava inexplicavelmente com ciúmes de
qualquer jovem que falasse com ela, sentiu-se imediatamente culpado,
inclusive quando rapidamente negou com a cabeça e não disse nada.
— Você conheceu algum homem, verdade?
Percebeu o seu erro e disse com suficiente calma,
— Ele é um viking, comerciante da Noruega, vive perto do
Kaupang, conforme me disse. Estava no poço da praça Coppergate.
Surpreendeu-me quando falou comigo, assim é como perdi o balde.
Parecia plausível, mas Olav não estava satisfeito. Um homem era
estúpido, se confiasse na palavra de uma mulher. Olhou-a de perto e
decidiu que não poderia deixar passar.
— Me diga, qual é o nome deste viking?
— Não sei. Ele não me disse, só me falou sobre o tempo, e de você,
é obvio. Sim, ele me falou muito bem de você, porque, como disse, é um
comerciante e está interessado em fazer negócios com você.
— Talvez venha no meu comercio então. — Disse Olav, e engoliu
outra parte de bolo de batata. Mesmo assim, via ela diferente e isso lhe
incomodava. — Por que não te disse o seu nome?
Zarabeth encolheu os ombros. Odiava a mentira, mas as mentiras
tinham surgido espontaneamente e imediatamente havia se apoderado
de sua língua.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Não sabia por que. Pensou no Magnus, recordou-o, alto, arrogante


e de olho afiado, então viu esse sorriso dele, esse olhar em seus olhos
quando a observava. Sorriu inconscientemente enquanto ela falava
com Lotti e colocava seus pequenos dedos ao redor de um pedaço de
carne, então lhe disse.
— Come um pouco mais, doçura. É isso, outra pequena mordida.
Deve crescer até ser uma menina alta e saudável.
Olav a viu inclinar-se e beijar no topo da cabeça da menina.
Pequena imbecil! Sentiu sua virilha endurecer-se quando seus olhos
caíram nos crescidos seios de Zarabeth. Por fim tinha surgido o corpo
de uma mulher. Ela tinha sido magra e plana como uma tábua até um
ano antes. Então, de repente tinha se convertido em uma mulher e
todos os jovens da aldeia tinham vindo se esgueirando à sua volta,
umedecendo seus lábios com luxúria, todos eles desejando-a
maldosamente.
Mas, graças ao destino, ela não parecia absolutamente
interessada por nenhum deles, por isso Olav não se viu obrigado a fixar
um preço pelo dote, que faria que os olhos deles saltassem com
desgosto e incredulidade. E cada dia que passava, se parecia cada vez
mais com sua mãe, a bela suave e infiel Mara. Não tinha podido
controlar a Mara, tinha sido débil, muito terno, foi assim que ela o
pagou.
Mas Zarabeth, embora fosse a imagem de sua mãe, não era uma
vadia como Mara, exceto, que como todas do seu gênero compartilhava
a mesma língua mentirosa. Ela obedeceria e se manteria fiel a ele,
porque ele se uniria a ela com firmeza.
Seu próprio filho a queria, e isso divertia Olav já que Keith estava
firmemente estabelecido e casado com uma moça que tinha escolhido

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

para ele. Keith sempre estava visitando-o, provavelmente para ver seu
pai, mas Olav sabia que o jovem estava apaixonado por Zarabeth. Não
ia procurá-la. Olav mataria o seu próprio filho antes de deixá-lo tocá-
la. Suspeitava que Toki, a esposa de Keith, também o mataria se ele
tentasse. Perguntou-se Toki saberia do amor de seu marido por sua
meia irmã.
Olav acariciou sua barba macia e dourada, como era seu costume
quando estava pensando profundamente a respeito de um problema.
Havia fios brancos no louro agora, mas não muitos. Ele não era
um homem velho, apesar de seus anos, seu pênis ainda se endurecia
facilmente e suas costas até estavam retas. Havia um pouco de gordura
entorno de sua barriga, mas não o suficiente para ser rechaçado por
uma mulher. Sua barba era grossa, assim como o cabelo em sua
cabeça. Estava orgulhoso de sua aparência e não poupava nada nas
joias e broches de ouro que comprava para si mesmo. Tinha ouvido que
o chamavam Olav o Vaidoso, e isso o divertia. Por que um homem de
aspecto decente não podia ser um pouco vaidoso?
De repente afastou a cadeira e se levantou.
— Há peles que devo inspecionar antes que escureça mais. Se o
viking vier para me ver pela manhã, direi que você falou sobre ele.
Parou um momento para ver sua reação, mas ela se limitou a
assentir, sem dizer nada, com o rosto imutável. Isso fez que suas
suspeitas entrassem em ebulição, mas não disse nada mais,
simplesmente se dirigiu para parte da frente da casa, onde estava seu
comércio. A forma em que disfarçou seus sentimentos sob uma
máscara de desinteresse, o incomodou, porque escondia seus
pensamentos, se fossem alegres, tristes ou culpados.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Acendeu uma lamparina de azeite de urso e olhou os montões de


peles de visom, castor e lontras. Ficou agachado e começou a separar
metodicamente de acordo com a sua qualidade e seu tamanho, pondo
mentalmente um preço a cada uma. Era bom nisto, e sabia, e bençoou
a inteligência de seu defunto pai por haver ensiná-lo.

No salão, Zarabeth desempenhava suas tarefas de forma


automática, mas seus pensamentos se desviavam uma e outra vez para
o viking. Falava com Lotti enquanto lavava os pratos de madeira e as
facas. Logo lavou a sua irmãzinha e a agasalhou com peles suaves na
cama estreita do pequeno quarto que ambas compartilhavam. Quando
finalmente se deitou junto a Lotti, envolta em uma manta de lã grosa,
pensou novamente em Magnus Haraldsson.
Ela o veria no dia seguinte, depois das preces matinais tal como
lhe havia dito. Não, como ele tinha ordenado. Ela sorriu na escuridão.
Não era mais que um homem como qualquer outro, disse a si mesma,
entretanto, ele a tinha fascinado.
Ouviu que seu padrasto entrava no quarto ao lado do seu, um
quarto maior, que continha um colchão cheio de plumas sobre uma
ampla cama e um grande baú que continha toda a sua roupa. As
paredes que separavam os quartos eram finas. Ouviu tirar a sua roupa,
sabia que dobraria com cuidado, ouviu tirar o seu bracelete de ouro
cuidadosamente e os três anéis que usava. Ouviu o arrotar, e o
imaginou esfregando sua barriga e logo se deitando em sua cama. Em
questão de minutos, seus fortes roncos encheram ambos quartos.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ficou ali acordada por um tempo muito longo, perguntando-se


onde estaria Magnus, que estaria pensando e fazendo.

Magnus estava a bordo de seu navio, Vento do Mar. Estava de pé


frente ao leme, confortável com o leve movimento sob seus pés e o som
suave e murmurante da água contra os lados. O mar estava calmo, a
entrada era estreita em forma de ferradura e bem protegida dentro da
terra. Olhou à meia dúzia de outros navios atracados ao decurso
prolongado das docas no rio Ouse. Ao contrário dos navios de guerra
vikings, estes se utilizavam para o comércio, não para ataques nem
incursões rápidas. Eram muito mais amplos, sobretudo nas laterais o
que lhes proporcionavam mais amparo contra as ondas, suas pranchas
pregadas mais juntas, não atadas à estrutura. Tinham uma só grande
vela quadrada de cor branca com tiras de cor vermelha brilhante
costuradas para dar maior resistência e unidas ao mastro, e sobre o
porão havia duas pequenas áreas cobertas em uma saliência abaixo da
popa feitas de tábuas de carvalho para proteger a preciosa carga das
tormentas e os ventos. Além do amparo existente para a carga debaixo
da cobertura de tábuas.
Magnus fez construir seu navio três anos atrás e tinha planos
para que no próximo ano pudesse ter outro, feito por um construtor de
Kaupang que era conhecido pela qualidade de seu trabalho e a
velocidade com a que trabalhava. Também o conheciam como um
louco, com sua longa barba negra e seus brilhantes olhos da mesma
cor, Magnus gostava bastante dele. Era insolente de uma maneira

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

completamente impessoal, que não levava os outros a considerá-lo


como uma ofensa.
Magnus esfregou as suas mãos. Olhou para a cidade de York, a
cidade maior para comercializar em Grã-Bretanha e o principal posto
comercial viking nas Ilhas Britânicas. Justo a sua esquerda estava a
parte antiga da cidade, que não era mais que uma coleção de choças
miseráveis de tijolo cru e argamassa. A parte mais rica da cidade estava
composta por casas de madeira, incluída a de Olav o Vaidoso,
juntamente com fábricas em expansão, e uma boa dúzia de Igrejas de
pedra. Também havia edifícios construídos com madeira grossa de
carvalho, com vistas ao rio Ouse e seu rio afluente, o Fosse. Uma ponte
recentemente construída sobre o rio Ouse, tinha sido edificado pelos
vikings alguns anos antes, para que o tráfico cada vez maior pudesse
desviar além da antiga fortaleza romana.
York tinha mudado ao longo dos anos desde que os vikings
tinham tomado o poder. Agora seu tamanho duplicou para trinta mil
almas. Havia Igrejas cristãs próximas aos templos vikings. Havia
cemitérios vikings junto ao dos cristãos. Havia Vikings de cabelo escuro
em abundância agora, porque os homens vikings se casaram com
mulheres anglo-saxônica e se reproduziram em números assombrosos.
E também havia paz, a maior parte do tempo, mas isso poderia mudar
a qualquer momento. A cada incursão dos vikings ao Rei Alfred de
Wessex, sempre existia a possibilidade de represálias, inclusive a
própria York.
Sua vida era boa, Magnus tinha descoberto que raramente ficava
aborrecido, já que era muito difícil de prever. A incerteza sempre estava
presente, e Magnus se deleitava com ela. Franziu a testa, pensando em
Zarabeth, a suavidade de seus braços, a suavidade de suas bochechas.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

A incerteza podia significar perigo para ela, e isso era algo que não
podia permitir. Mas era forte nas pernas e rápido de mente. Ele a
protegeria e velaria por sua segurança, independentemente de qual
fosse a ameaça, seja homem ou elemento. Não duvidava de que a
encontraria pela manhã.
Ele tinha visto a sua resposta, assim que se recuperou da sua
surpresa inicial. A maioria das mulheres lhe respondiam dessa
maneira. Não era alheio a tímidos sorrisos e expressões suaves. Ela
viria até ele e aceitaria, estava seguro disso.

Era cedo pela manhã, e Zarabeth estava no poço antes de


Magnus. Tinha frio, pela manhã, em abril, fazia frio e umidade, o vento
aumentava, anunciando uma tormenta. Estava envolta em um manto
de lã de cor avermelhada, segura com um broche feito de bronze fino
sobre seu ombro esquerdo. Seu cabelo, trançado e enrolado ao redor
de sua cabeça estava coberto por um capuz.
Quando viu Magnus caminhando até ela como se fosse o dono do
mundo, sentiu algo estranho por dentro. Não tinha fantasiado com sua
reação a ele. Em todo caso, não tinha lembrado do poder que irradiava,
este domínio natural emanava dele sem que fizesse nenhum esforço.
Ele a viu e o seu rosto mudou de expressão, sem dúvida ele ficou
satisfeito em vê-la ali.
Zarabeth sentiu o ar estranho enquanto se aproximava,
lentamente agora, como se quisesse olhar para ela por mais tempo
antes de alcançá-la. Não parou nem um segundo, aproximou-se dela,

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

agarrou o seu queixo com a palma da mão, e a beijou, na vista de


qualquer um que quisesse olhar.
Zarabeth tinha sido beijada antes, pequenos ataques furtivos,
mas nada como isto. E logo ele disse contra sua boca, com um fôlego
quente e doce como o mel.
— Abra sua boca para mim. Quero te provar.
Ela fez isso, sem duvidar. Seus braços a seu redor e a puxou para
cima, com as mãos agarrando-a firmemente sua cintura. E não deixou
de beijá-la. Profundamente primeiro, e logo pequenas mordidas,
seguido de suaves lambidas, e ela respondeu. Não parecia ter escolha,
e quando a fez responder imediatamente parou, e se endireitou. Ele
sorriu, com esse sorriso de triunfo que a fez querer rir e ao mesmo
tempo dar um murro na sua barriga.
— Vê o quão bem que te faço sentir?
— Foi um simples beijo, nada mais. A boca de qualquer homem
poderia me fazer responder assim.
Voltou a beijá-la, e logo várias vezes mais, cada beijo mais
profundo que o anterior. Uma vez, e outra vez e não parou até que ela
respondeu plenamente. Seu olhar se encheu de tanto prazer quando a
soltou e ela não fez absolutamente nada, simplesmente o olhou,
desejando que a beijasse novamente. Sentiu que suas mãos fortes
percorriam por suas costas, essas mãos quentes e grandes que lhe
dariam um prazer infinito, umas mãos que a manteria a salvo.
— Bom dia, Zarabeth. — Disse finalmente. — Estava aqui
esperando por mim. Isso me agrada. Gosto de seu sabor e a suavidade
de sua boca. No futuro, abra a boca para mim sem que tenha que lhe
pedir isso

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ela assentiu com a cabeça, com as palavras presas em sua


garganta.
Ele se inclinou e a beijou brandamente na ponta de seu nariz.
Estava sorrindo. Tinha certeza disso agora.
— Você conversou com seu padrasto?
Sua tola embriaguez se desvaneceu, e se encontrou mais uma vez
com um homem que nunca tinha visto em sua vida antes de ontem.
Ela negou com a cabeça.
— Perguntou-me se algo estava errado. — Disse, olhando para
Micklegate, a principal grande rua de York.
— Por que?
— Ele pensou que eu parecia diferente, percebeu de alguma forma
que estava desconcertada, suponho.
— É obvio. — Disse, e sua arrogância lhe fez sorrir. — Por que não
lhe falou de mim?
— Fiz isso, finalmente, mas não o que você queria. Não estava
muito segura de que era o que você realmente desejava. Poderia ter
mudado de opinião.
— Te disse que não minto. Não me agrada que duvide de mim,
Zarabeth. Quero me casar contigo, e isso é o que farei. Não deve ter
sido difícil para você, dizer a ele o que queria e o que iria acontecer. Irei
até o seu comércio agora. Já negociei com ele antes, e é tão honesto
como a maioria dos comerciantes aqui. Vou negociar tanto minhas
peles, como você.
Agarrou a sua manga, cheia de pânico.
— Espera, Magnus, por favor. Tem que entender algo a respeito
de meu padrasto. Sente ciúmes dos homens que dão atenção a mim.
Não sei por que, realmente, mas é assim, e isso me assusta.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Para seu desgosto, Zarabeth retorcia as suas mãos, surpreso, no


entanto, essa ação, tão absolutamente feminina, percebeu ser diferente
de qualquer outra coisa que teria feito.
Ele sorriu, acariciando brandamente a sua bochecha com os
dedos.
— Não se preocupe, pequena, vou tratar com cuidado com Olav o
Vaidoso.
— Não sou pequena.
— É para mim. — Fez uma pausa, olhando-a e parando em seus
seios. — Quero você nua, Zarabeth, e debaixo de mim. Quero beijar
seus seios e que me sinta entre as suas pernas. Tentarei me controlar
até ter você.
Ela ficou sem fôlego. Pensou que começava a entendê-lo um
pouco, e então ele a surpreendeu com a guarda baixa, ruborizando-a
com suas palavras vivamente explícitas.
Se virou, olhando os lamacentos arroios negros que corriam perto
de suas botas. Essa sujeira que lhe causava repulsão, era tão humana
como animal. Respirou profundamente. O ar estava cheio de aromas
pestilentos, alguns delas absolutamente desagradáveis. O mesmo ar
parecia carregado com o amontoamento de gente, muita gente. Ela
disse de repente.
— Esse vale onde vive, Magnus, é limpo?
— O ar é tão puro que desejará respirá-lo profundamente. Há mais
e mais pessoas no vale a cada ano, porque a terra é fértil e eles vêm à
procura de sobreviver, é, portanto, desejam que lhes dê trabalho, mas
mesmo assim há espaço suficiente para todos nós, já que nossos
campos não têm limites. Não existe a sujeira que fede aqui em York,
Zarabeth.

36
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ela ficou em silêncio.


— Levarei você ao Kiev algum dia. Ali o ar é tão forte, puro e frio
que dói ao respirar. Logo chove e neva e tudo se converte em um sonho
branco. Poderá vê-lo se tivermos a oportunidade de navegar para o Kiev
antes que finalize o outono, não depois, porque se não nos veríamos
obrigados a permanecer até a primavera. O rio se bloqueia, sabe, e fica
preso pelo menos seis meses.
Ela o olhou então, e havia fome em seus olhos, uma fome que a
surpreendeu por sua intensidade e continuou, a embarcando com a
magia dos lugares que descrevia com as palavras.
— E as charnecas, 3 Zarabeth, nada mais que quilômetros e
quilômetros de erva seca, grossa e de repente se estende da terra estéril
tão longe como o olho pode ver. Não há árvores, nem arbustos, nem
nada, só terra selvagem sem fim. Poucos sobrevivem nas charnecas.
São impressionantes com sua beleza primitiva. As pessoas que vivem
ali são selvagens e não existe clemência. Mas, novamente, não se pode
esperar outra coisa, porque eles são como são porque têm que ser
assim para prevalecer.
— Realmente me levará para ver esses lugares?
Ele assentiu com a cabeça.
— Sim, vou levá-la para negociar comigo. Mas quando chegarmos
a Miklagard, vou ter que te proteger, cobrirei o seu cabelo e seu rosto
com um véu, porque os homens ficariam loucos por tentar de te afastar
de mim. O vermelho intenso de seu cabelo. — Tocou suas tranças com
a mão. — E o verde de seus olhos, sim, eles desejariam e tentariam te
levar.
— Lembro-me da Irlanda, o verde vivo das árvores e da erva.
Chovia muito ali, muito mais que aqui, e as cores eram mais brilhantes,

37
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

quase ofuscantes. Mas sempre havia luta, intermináveis ataques dos


vikings aos irlandeses e dos irlandeses aos vikings, e tanta miséria,
nunca se detinha. Meu pai morreu em um dos ataques. — Parou,
olhando novamente ao redor da praça. — Mas este é um lugar muito
diferente, e cheguei a me tornar em uma mulher aqui. Todos meus
interesses... e tenho muitos amigos, mas... — Interrompeu-se,
tentando se explicar, mas não podia encontrar as palavras para
expressar seus sentimentos. Encolheu os ombros. — Esqueça isso, é
uma tolice.
— Não, não é uma tolice, simplesmente tem o desejo viking de
conhecer outros lugares, o desejo de provar o interminável prazer de
percorrer o mundo. Tudo o que conheci de você me agrada. Uma vez
que nos casarmos, a vida que desejas, começará.
— Você faz parecer fácil, tão fácil. Nunca considerei que a vida
fosse tão complacente.
— É. Simplesmente tem que confiar em mim e acreditar em mim
e se entregar a mim.
— Há algo mais, Magnus. É sobre minha irmãzinha, Lotti. Ela é
minha responsabilidade e desejo levá-la comigo.
Ele a olhou durante um longo instante.
— E seu pai? Olav não a quer?
— Não, ele a odeia.
— Muito bem, então, levarei duas mulheres para casa comigo.
Agora, Zarabeth, vou falar com o Olav.
Ela o olhou, profundamente satisfeita consigo mesma, estava
contente, e disse.
— Está seguro de que quer se casar comigo?

38
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Nunca duvide de mim, Zarabeth. — Ele a beijou outra vez e foi


embora.

39
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

04
Olav sentiu que sua respiração ficava retida em seu peito quando
o Viking entrou no seu comércio. Não havia nenhum engano, este era
o homem do que Zarabeth tinha falado. Ela tinha mentido. Este jovem
era formidável, arrogante, e ela certamente o desejava. Tinha o aspecto
de um homem que estava acostumado a ter exatamente o que queria e
quando queria, e parecia um bastardo orgulhoso.
Sim, ela quereria a este homem, e não quereria a seu padrasto.
Iria com ele sem sequer olhar para trás. Sentiu que se enchia de raiva.
Zarabeth era tão puta como sua mãe, Mara, pronta para deixar tudo o
que realmente importava para correr atrás de um rosto bonito e
promessas vãs. Provavelmente tinha acreditado cada mentira que tinha
saído da boca desse homem. Sim, ela era como Mara, essa bruxa que
o tinha seduzido para que tomasse como esposa. Não permitiria que
Zarabeth o abandonasse, não como tinha feito Mara. Respirou
profundamente, recompôs suas emoções, e rezou para que seus
pensamentos não se refletissem em seu rosto. Reconheceu que este
homem, embora fosse muito jovem, entretanto seria um inimigo para
ter em conta. Não tinha intenção de subestimá-lo, nem por um só
momento. Deixou cair a pele que estava examinando e avançou para
saudar o viking com cortesia. Intercambiaram os nomes.

40
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Magnus olhou Olav o Vaidoso. Um homem com bom aspecto


apesar de seus anos. Estava bem vestido, com calças de fina lã e uma
túnica tecida de cor celeste. Seu cinturão de couro estava tachonado
com âmbar e azeviches. Usava três anéis de prata em sua mão direita
e um anel de ouro maciço na esquerda. Havia três braceletes de prata
com incrustações de âmbar no braço direito. Não cabia a menor dúvida
que estava melhor vestido do que sua enteada, pensou Magnus,
apertando a mandíbula. Mas apesar dos adornos de Olav, apesar de
sua ostentação de riqueza, a gordura de sua barriga que não podia ser
ocultada pelo cinturão largo, e tampouco a flacidez da papada sob a
densa barba cinzenta. Mas para ser justo, era quase tão alto como
Magnus e razoavelmente conservado para a sua idade. Magnus se
desgostou à primeira vista. Não perdeu o tempo. Disse sem rodeio.
— Eu vim por dois motivos, Olav. O primeiro e mais importante é
que quero me casar com sua enteada, Zarabeth. O segundo é que quero
negociar contigo. Trago peles de castor e lontra, caçadas no Vale
Gravak na Noruega. Também tenho presas de marfim de morsa,
plumas para travesseiros e gordura de foca, todos dos Lapões 4 que
vivem no Norte. Se chegarmos a um acordo, quero meu pagamento em
prata.
— É obvio. — Disse Olav, atordoado por um momento ante a ideia
de obter plumas de aves.
O Rei Guthrum queria travesseiros de plumas para ele e sua nova
esposa, eles os queriam com veemência, e ninguém tinha sido capaz de
realizar seus desejos com o tipo adequado de plumas. O homem que
lhe levasse as plumas que desejavam, sem dúvida, ganharia a simpatia
do rei de Danelaw.

41
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

O jovem estava diante dele, arrogante, orgulhoso e seguro de si


mesmo. Sim, a impressão inicial de Olav sobre ele tinha estado certo.
Era tão bonito como um homem poderia ser, magro, forte,
incrivelmente bonito, como o eram a maioria dos noruegueses, com seu
espesso cabelo loiro e seus intensos olhos azuis. Estava bem barbeado
e possuía uma robusta mandíbula quadrada.
Tinha uma pequena fenda no queixo. Uma marca do diabo, como
afirmariam alguns dos saxões mais supersticiosos, e fariam o sinal da
cruz logo depois de dizer isso. Olav só queria matá-lo e roubar as suas
plumas. Em troca, disse.
— Negociarei voluntariamente com você, Magnus Haraldsson, se
os artigos forem da qualidade que necessito. Agora que sei seu nome,
percebo que ouvi falar de você de outros comerciantes. Seu nome é
respeitado.
Magnus se limitou a assentir.
— Agora, gostaria de saber o preço do dote que fixou para
Zarabeth.
Olav desejou ter uma adaga na mão. Gostaria de poder
estrangular este homem insolente com suas próprias mãos. No
momento não se preocuparia com as plumas dos malditos pássaros, se
preocuparia em poder matar este homem. Mas não tinha uma arma,
nem tampouco a força para assassinar um viking com suas próprias
mãos. Arriscou a especular com o tempo, dizendo.
— Zarabeth é minha única filha, sim, e embora não tenha o meu
sangue, não me importa, porque a estimo muitíssimo. Tão grande é
minha avaliação que lhe dou a livre escolha para escolher o seu
companheiro. Quanto ao seu dote, está além do que a maioria dos

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

homens poderiam pagar, porque é valiosa, não só para mim, mas


também para o homem que deseje tê-la.
— Qual é esse preço?
Olav levantou uma sobrancelha loira.
— Em primeiro lugar, Magnus Haraldsson, ela teria que me dizer
que deseja se casar com você. Não vou falar sobre o dote até saber que
fala a sério.
— Zarabeth me quer, não duvide disso. Eu não minto. Qual é o
seu dote?
Olav sabia que, se estipulasse um dote para o viking, se expunha,
e este acharia que o preço era alto demais, simplesmente roubaria à
mulher sem mais negociação, absolutamente sem nenhum aviso.
Assim Olav negou com a cabeça. Não correria o risco de que o viking
sequestrasse a Zarabeth e a levasse para Noruega com ele.
— Não no momento, Magnus Haraldsson. Primeiro tenho que falar
com minha enteada. Se ela me disser que te quer, sem você estar
presente para coagi-la ou de algum jeito influenciá-la, então
discutiremos sobre o dote.
Magnus estava impaciente por ter que esperar, impaciente com
este velho e suas táticas de ganhar tempo, mas supunha que Olav se
comportava como um pai faria. Assumiu que seu pai teria se
comportado da mesma maneira, com o jovem que tinha pedido em
casamento a sua irmã mais nova, Ingunn, antes que ela decidisse não
se casar, e vir morar com ele e cuidar de sua fazenda. Recordava
vagamente a discussão entre seu pai e o pai de Dalla, vendo como cada
um se pavoneava expondo as virtudes de sua descendência e ignorando
as falências. Os desejos dos jovens não se mencionavam, recordou
Magnus.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele sorriu então, com essa lembrança na mente e disse.


— Muito bem, Olav. Vou voltar amanhã para discutir o que pede
por ela.
Magnus saiu sem dizer uma palavra, saiu do comércio sem olhar
para trás. Os dedos de Olav morrendo de vontade de pegar uma adaga.
Também morriam por colocar as mãos nas plumas das aves. Teria
gostado de lançar a adaga com força até cravá-la no ombro do viking.
Quanto às plumas, gostaria de vê-las preenchendo um travesseiro
debaixo da cabeça do rei Guthrum, e ele se tornando em um homem
rico.
Não deveria deixar o Viking ir sem negociar, pois, duvidava que
no dia seguinte estivesse tão ansioso para lhe vender as plumas. Os
outros lhe advertiriam de seu imenso valor, amaldiçoou ao destino.
Olav não foi imediatamente falar com Zarabeth, porque se a
encontrava agora ele poderia matá-la, tão grande era sua raiva, e seu
sentido da traição.
O que fazer?
Sabia sem dúvida alguma que ela era dele e que ficaria com ele.
Ah, mas este Viking, este Magnus Haraldsson, era um homem que teria
que julgar com cuidado, porque ele não era simplesmente o filho de um
modesto comerciante, que pudesse ser facilmente manipulado ou
enganado. Era um homem de férrea determinação e força de vontade.
Olav trabalhava de maneira constante, com outros comerciantes,
vendendo seus produtos e adquirindo outros, e na maioria de suas
negociações saía ganhando, porque era talentoso na negociação, rápido
em seu engenho, e regulável em sua tática. Esperaria até o jantar.
Quando saiu pela parte posterior de seu comércio e entrou no
salão, viu que Zarabeth estava ruborizada. Seus olhos pareciam

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

brilhantes. Sentiu seu corpo endurecer. Era a criatura mais bela que
tinha visto, mais bela inclusive que sua mãe.
Como fazia calor na habitação, os seus cachos vermelhos e
escuros ondulavam sobre o rosto e a testa. Desejava-a, mas não era
estúpido, e sabia que tinha que esperar o momento oportuno. Olhou
para ela quase dolorosamente, contido por enquanto, sem dizer nada.
Observou ela inclinar-se para mexer o guisado que fervia na
panela de ferro sobre o fogo. Viu uma fogaça de pão fresco sobre as
cinzas da chaminé, envolta em um tecido de lã grossa para manter
aquecido. Esperou até que ela o servisse, até que estivesse sentada ao
lado da menina idiota, e logo disse com a calma sendo o centro das
atenções.
— Um viking chamado Magnus Haraldsson veio me ver hoje. Ele
quer fazer alguns negócios comigo.
Ela levantou a vista, as ervilhas caíram de sua colher.
— Comercializar? — Disse inexpressivamente. Ela empalideceu
um pouco. — Queria falar com você sobre comercio?
— Sim. Parece que tem plumas, plumas exóticas que obteve dos
Lapões. O Rei Guthrum procura plumas para seus travesseiros. Talvez
ouviu sobre isso.
— Plumas? Vocês falaram de plumas?
— Sim, e outras coisas, é obvio. — Viu ela se inclinar para frente,
seus lábios abrindo ligeiramente. — Também tem peles de lontra e
castor.
Olhou para ela fixamente, pálida agora, silenciosa como a própria
morte. Ele sorriu, encantado, deu outra mordia na carne de boi
guisada, encolheu os ombros com indiferença e disse.
— Oh, sim, e também mencionou que desejava se casar com você.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ela se inclinou para trás e soltou um suspiro de alívio. Esteve a


ponto de ficar de pé, tensa e emocionada.
— O que você disse?
— Disse-lhe que ia respeitar a sua decisão.
— Ah.
— Eu lhe disse que não discutiria o seu dote, até que você me
assegurasse que deseja se casar com ele. Você deseja isso Zarabeth?
Fez uma pausa e logo, com a testa franzido disse.
— O conheci faz dois dias, Olav. Mas sinto que o conheço há muito
tempo. Suponho que soa estranho, o que disse, mas ele é um bom
homem, inteligente, forte, e seria um bom marido.
— Você fala como se estivesse descrevendo as utilidades de uma
nova capa. Ele é um homem, Zarabeth, um homem que, sem dúvida, é
brutal e cruel, um homem que obtém o que quer, sem importar o que
deve fazer para ter.
Sua voz se elevou a quase a um grito.
— Você menina tola, não entende os de sua raça? Está tão
obcecada que não pode ver a violência nele, a crueldade?
Zarabeth sentiu Lotti tensa a seu lado, com medo, ouvindo o seu
pai levantar a voz. Virou-se e falou em voz baixa com a menina.
— Não, doçura, não tem nada de que preocupar-se. Aqui, come o
repolho, é doce e saboroso.
Zarabeth cortava o repolho em partes pequenas enquanto falava,
e entregou para Lotti uma colher cheia. Quando Lotti começou a
mastigar devagar e cuidadosamente, como era seu costume, a atenção
de Zarabeth voltou para seu padrasto.
— Você é de sua raça, Olav, pelo menos seu pai era.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sim, talvez, mas ganhei a vida com minha inteligência, não com
minha espada e machado. Não com incursões em terras do rei Alfred,
matando a seu povo ou escravizando-os.
— Imagino que você tenha desejado.
Olav a olhou com atenção, mas sua voz seguia sendo suave, seu
rosto inexpressivo.
— Talvez, mas esse não é o ponto. Me diga, então, o que esperas,
Zarabeth. Não sabe nada deste homem, este Magnus Haraldsson. Ele
poderia ser um ladrão, poderia ser tão selvagem como os Berserkers5.
Ela negou com a cabeça.
— Não, ele não é assim.
— E como é esse viking que você conheceu há apenas dois dias?
Seu sarcasmo em realidade não lhe atingiu. Estava preocupado
por ela, isso era tudo. No entanto, ele não tinha se preocupado por Lotti
ou por sua mãe, a bela Mara, que tinha jurado várias vezes a Zarabeth,
e a todos outros que ele não tinha a matado, no entanto a tinha
encontrado com seu amante morta, e sua cabeça esmagada.
Zarabeth sacudiu as lembranças. Olav tinha cuidado dela desde
a morte de sua mãe três anos atrás. Não a tinha repreendido muito,
mas tampouco tinha mostrado o menor interesse por sua própria filha,
Lotti.
— Já disse a você. — Disse. — Ele é amável. Seria um bom marido.
Disse que me levará em suas viagens comerciais, que visitaremos
lugares longínquos como Miklagard e Kiev.
Olav sentiu que a fúria corroeu seu estômago e se revolvia. Viu
Zarabeth embaixo do viking, como um homem cobria uma mulher e a
tomava, e, ao mesmo tempo via como Zarabeth acolhia o seu corpo,

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

sorrindo, lhe pedindo mais e gemendo pelo prazer dela. Ela tinha falado
de quão amável era o Viking, como era bom. Tinha vontade de vomitar!
O que queria era que ele a corrompesse. Olav se afastou por um
momento até recuperar o controle novamente. A expressão com que se
voltou depois diante ela, foi uma máscara de extrema preocupação.
Tinha aprendido proteger suas emoções vigorosas que sentia por ela,
Zarabeth era imprevisível, e não sabia que reação poderia esperar se a
tratava como ele desejava. Não, tinha esperado para realizar seu sonho,
tudo no ano anterior, com paciência para que se transformasse em uma
mulher completa, com a atitude que se esperava de uma mulher. Tinha
amadurecido de diferentes formas, podia sentir, sentir em sua maneira
de falar das coisas, na forma em que livremente expressava suas
opiniões em torno dos homens. Deveria ter sido golpeada por isso, mas
Olav tinha tido medo de tocá-la. Cumpria com os deveres de sua casa,
sem dúvida, executava todas as tarefas, tecer, costurar, cozinhar,
limpar, fazer tudo o que as mulheres tinham que fazer. Sim, fazia todas
essas coisas, o fazia bem e de bom grado, mas ainda havia algo nela,
algo selvagem, tão selvagem como seus antepassados Irlandeses, algo
tão selvagem como esse maldito viking.
Ela o deixaria sem olhar para trás sequer. Não era dependente
como deveria ser uma mulher nesses tempos, apesar de que o mundo
era um lugar caprichoso, que te surpreendia com vida em um momento
e, com uma morte sangrenta seguinte, seja por não respeitar a lei, pelas
malditas incursões vikings, ou por uma onda de fúria em uma natureza
violenta.
Também supôs que ela iria, se alguma vez ele machucasse a Lotti.
Ele ignorou com muito cuidado à menina, para não dizer nada que

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

despertasse a ira de Zarabeth. Finalmente, enquanto mastigava um


pedaço de pão disse.
— E o que aconteceria se dissessem que Magnus Haraldsson é um
renegado, um bárbaro capitão pirata que saqueia aos comerciantes que
navegam o Báltico?
Zarabeth o olhou e sorriu. Não fez nada mais, só sorriu.
— Muito bem, não acredita que seja um renegado ou um pirata.
— Olav se serviu de mais cerveja no lindo cálice de vidro azul. — Mas
poderia ser algo pior, Zarabeth. — Bebeu devagar, olhando-a por cima
da borda da taça para analisar sua reação. Não havia nenhuma reação,
nada, exceto esse sorriso de superioridade.
Tinha que pensar, para ordenar seus argumentos. Não perderia
Zarabeth.
— Estou pedindo que tome uma decisão esta noite ou amanhã.
Você não é uma moça frívola para decidir sua vida futura em questão
de segundos. Peço que espere, que passe mais tempo com este homem,
para ter a certeza de que deseja como marido. — Ele também queria
pedir, para que não entregasse a sua virgindade, ainda não, mas não
conseguia encontrar as palavras.
Zarabeth simplesmente o olhou fixamente. Não esperava que
fosse tão razoável, tão condescendente com ela. Havia se preparado
para lutar. Sentiu dúvidas por seu comportamento, mas as desprezou
porque sabia que era uma estupidez. Isso não importava agora.
Abandonaria Olav logo.
— Obrigada, Olav. — Disse ela. — Obrigada. Farei isso. Vou tomar
minha decisão definitiva no final desta semana.
Ele assentiu com a cabeça, concordando. Isso lhe deu três dias
para determinar o que fazer com esse bastardo saqueador, como

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

impedir que a levasse para longe dele. Nesse momento Lotti derrubou
sua taça de madeira, cheia até a borda com leite de cabra. Salpicou na
manga da túnica de lã fina de Olav, antes que ele pudesse tirar o seu
braço. Sentiu que seu rosto avermelhar de ira, pela estupidez da
pequena idiota, mas conseguiu manter calada a sua língua.
Zarabeth deu uma tapinha na pequena mão de Lotti, logo se
levantou.
— Vou limpar suas roupas, Olav.
Ela esfregou a manga, mas era pouco provável que o leite
manchasse a lã fina de cor azul pálida, não deixaria com manchas. Ele
era um parvo por usar tantos adornos, pensou enquanto se inclinava,
esfregando no lugar, e continuou esfregando brandamente.
Olav ficou olhando com a cabeça encurvada, a cor vermelha viva
de seu cabelo, sua pele branca e suave, seus longos e magros dedos. A
pele da Mara nunca tinha sido tão suave como a de Zarabeth. À luz das
velas, seu cabelo vermelho, parecia de uma cor mais escura que o
mogno, e o olhou encantado, querendo enterrar seu rosto nele. Aspirou
seu aroma.
Seu aroma feminino era suficiente para deixá-lo duro e preparado.
Tê-la tão perto, tão perto que até podia ouvir sua respiração, quase o
desfez. Levantou a vista para ver Lotti olhando para ele, seu rostinho
solene, com os olhos muito abertos e assustados.
A pequena parva não podia compreender o desejo, e ele sabia que
era isso o que tinha visto em seu rosto. Por que ela tinha tanto medo?
Nunca a tocou desde então.
Zarabeth assentiu com a cabeça e se endireitou.
— Não ficará nenhuma mancha. — Disse, e soprou sobre a lã
molhada.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Viu seus seios se mover e pensou que não poderia suportar.


Precisava possui-la, ele tinha que fazer, e logo. Logo que o viking
partisse, esclareceria as coisas com ela.
Olhou para Lotti e de repente soube exatamente o que ia fazer.
Mesmo que tivesse percebido há muito tempo que Lotti era seu único
poder sobre Zarabeth, simplesmente não queria admitir isso. Mas
agora sabia que ia usar à menina, sem hesitar. O tempo de recuar já
tinha passado.
Houve um golpe na porta exterior do seu comércio e Olav se
afastou de um salto de Zarabeth.
— Não sei quem é, mas prepara o ale 6. — Disse por cima do
ombro, enquanto cruzava a sala, levantou a grossa pele que separava
a moradia do seu comércio, e desapareceu.
Lotti fez um som estranho e Zarabeth se virou para olhá-la. A
menina colocou o punho na boca. Seus olhos, de uma cor dourada
intenso, estavam muito arregalados e assustados. Seu cabelo era da
cor da raiz de gengibre e estava trançado ao redor de sua cabeça
pequena. Sua pele era muito branca, com um monte de sardas sobre o
seu nariz.
Zarabeth caiu de joelhos ao lado de sua irmã. Falou com claridade
e firmeza.
— Não há nada do que ter medo, Lotti. Seu pai nunca te
machucará, juro isso. Você me pertence e sempre cuidarei de você.
Entende, doçura?
A menina a olhou, e o medo desvaneceu. Sorriu e deu algumas
tapinhas na mão de Zarabeth. Nesse momento sentiu que algo dentro
dela se rompia, ao perceber a completa confiança estampada no
pequeno rosto de sua irmã. Ninguém deveria depositar em outra pessoa

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

tanta confiança e credulidade, entretanto, Lotti acreditava nela


incondicionalmente. Zarabeth sabia que não era mais que uma mulher,
sem treinamento no uso de armas para defender-se a si mesmo, ou
Lotti. Mesmo assim, isso não importava. Nunca permitiria que se
preocupasse. Levantou-se lentamente, sacudindo o vestido.
Olav retornou à sala, seguido por seu filho, Keith. Um homem
mais baixo que seu pai, Keith tinha o cabelo e os olhos escuros, a pele
amarelada, e uma barba espessa que estava excessivamente orgulhoso.
Tinha o costume de acariciar constantemente com os dedos os fios
grossos. Keith era a imagem de sua mãe, dizia Olav com um pouco de
sarcasmo. Estava bem formado e não era feio, apesar do leve coxear,
que tinha adquirido de uma fratura na perna quando era um menino.
Também tinha uma fina cicatriz na mandíbula, mas não o desfigurava.
Não era estúpido, embora não tivesse sido capaz de copiar o êxito de
seu pai como comerciante. Não tinha o mesmo talento, mas Olav não
admitiria isso. Diria que era fácil de manipular, embora era ele que
estava acostumado a cometer tal manipulação. Sim, pobre Keith era
facilmente influenciado por outros comerciantes, pelo curtidor, pelo
ferreiro, pelo joalheiro, a lista era interminável.
Tinha vinte e dois anos, quando se casou com uma mulher que
fingiu submissão em sua presença, e se converteu em uma cadela de
língua afiada quando partiu com ele. A seu favor, podia se dizer, que
desde o momento em que seu pai havia trazido Zarabeth e Mara a York,
não tinha mostrado nenhuma aversão por ela. Mas lhe parecia que
tinha mudado de alguma forma durante os últimos meses. Vinha com
mais frequência para casa de seu pai, muitas vezes sem Toki, e tinha
visto como a olhava enquanto acariciava a sua barba, fingindo escutar

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

os conselhos sem fim de seu pai. Ela se encarregou de não ficar nunca
a sós com ele.
Viu-o olhando para ela agora, e acenou com a cabeça, sua
expressão permaneceu passiva.
— Onde está sua esposa? — Perguntou Olav a seu filho.
— Toki está em casa, onde deve estar. Ela padece a maldição de
ser mulher e diz que está doente. — Keith encolheu os ombros e olhou
para a garrafa de cerveja sobre a mesa. — Você a comprou para mim,
a conhece suficientemente bem. É igual o caráter de sua mãe nesta
época do mês. Eu sou o único que conhece a doçura de sua natureza.
Zarabeth queria gargalhar pela descrição que tinha feito Keith
sobre o caráter de sua esposa.
Olav escolheu ignorar a queixa de seu tom de amargura. Por todos
os deuses, ele conhecia a mãe de Toki, era uma criatura que merecia a
mão dura de um homem. Mas não disse, porque seus pensamentos
estavam ainda com o condenado Viking e Zarabeth.
— Excelente. Gostaria de uma jarra de cerveja?
Keith assentiu com a cabeça e se sentou na mesa. Logo, dirigindo-
se a Zarabeth disse.
— Está bem, irmã?
Ela assentiu com a cabeça, sem dizer nada enquanto lhe servia
cerveja.
— E a pequena?
— Lotti, está bem também.
Olav encolheu os ombros, olhando a seu filho com impotência.
— É uma imprestável, mas o que posso fazer? Inclusive derramou
leite de cabra sobre minha manga.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Poderia tê-la levado para fora da cidade e abandoná-la ali. —


Disse Keith, minimizando a importância do fato. — Isso é o que Toki
teria feito imediatamente.
Zarabeth se endireitou lentamente.
— Deixa de cuspir essas palavras cruéis, irmão, ou vou fazer que
lamente muito por ter dito.
Keith estendeu as mãos diante dele.
— Me desculpe, Zarabeth. É o que faria Toki, não eu. — Disse
franzindo a testa, como se estivesse confuso. — Não, isso não pode ser.
Toki é de caráter doce e suave. Ela ama particularmente as crianças.
Não faz mal a ninguém, certamente não a uma menina, nem sequer a
uma como Lotti.
Estava débil e cego como um poste, pensou Zarabeth, apesar de
ser um homem forte, seguia sendo débil. Imaginou que Toki o dirigiria
com muita facilidade. Se virou para Olav quando ele disse.
— Não atormente o moço, Zarabeth. Além disso, suas ameaças
caem em ouvidos surdos. — Riu. — O que faria com ela se te
desagradasse? Golpearia com uma colher de cozinha? Atacaria com a
faca de trinchar? Talvez gritaria e tentaria puxar o seu cabelo?
— Não, falei sem pensar bem. Meu irmão é o mais amável dos
homens.
Lamentou não ter mantido a sua boca fechada, para não ver seu
olhar encorajado pelo estímulo.
E acrescentou, sorrindo.
— É obvio, estou segura de que ele jamais atuaria como um vilão,
certo? Porque então verteria uma poção em seu ale que faria que suas
vísceras se dissolvessem como a água.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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Keith a olhou, logo olhou para baixo, para as gotas de cerveja que
ficavam na taça de madeira.
— Não, não coloquei nada, Keith, não desta vez. Mas cuida de sua
língua no futuro, porque Lotti entende tudo. Não quero que a
machuque.
Keith a olhou com impotência, mas ela simplesmente saiu para
recolher os restos do jantar. Não tinha medo dele, embora parecesse
mentira, sentia-se um pouco protetora dele. Não merecia alguém como
Toki, sempre tinha acreditado que era um erro forçar uma união entre
os dois.
De repente, como um raio, Keith disse.
— Ouvi a esposa do carpinteiro dizer, que Zarabeth estava
beijando um viking no poço esta manhã.
O silêncio foi ensurdecedor. Olav não disse nada, mas tinha a
boca apertada, os músculos do pescoço duros e as bochechas
vermelhas. Keith franziu a testa olhando com incerteza para Zarabeth.
— Ah, assim é verdade. Me negava a acreditar, porque todos a
conhecem como uma mulher fria, Zarabeth, uma mulher que não se
preocupa com joias e nem por homens. Este Viking é um karl, e ouvi
que seu pai é chefe de um clã e um poderoso Conde. É rico e possui
terras férteis na Noruega.
— Sim, é verdade. — Disse Zarabeth.
— Já abriu as pernas para ele?
Zarabeth ficou surpresa pelo tom lamuriento de Keith, e ainda
mais surpresa por suas palavras. Eram incomuns nele. Sentiu um
arrebatamento de medo, mas o reprimiu rapidamente. Ouviu o ciúme
em sua voz. Mas sabia que não deveria reconhecê-los como tal. Olhou

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

para a prateleira na parede do fundo, onde havia uma fileira de potes


cobertos.
— Pergunto-me quão forte devo mesclar a poção para você, Keith.
— Muito bem, se não quer que te leve, então, o que você quer com
ele?
Olav interrompeu bruscamente.
— Basta de falar de vikings. Ele quer se casar com Zarabeth, mas
ela ainda não decidiu se o quer. Em três dias ela dará uma resposta.
Em realidade, pensava Zarabeth, enquanto Olav continuava
falando, já tinha decidido. Os três dias eram sua concessão a ele. Era
estranho como tinha chegado a essa determinação em um só instante.
Levantou a vista para ver Keith olhando-a com avidez.
— Tenho que me casar com alguém. — Disse sem emoção. —
Magnus Haraldsson me parece uma boa opção.
— Vai com ele para Noruega?
— Sim, se ela se casar com ele. — Disse seu pai, com a testa
franzido por seu descontentamento. — Vamos ver. Nada está resolvido
ainda. Nada.
Zarabeth guardou silêncio. Queria ver o Magnus. Continuou seu
trabalho em silêncio, e logo depois de banhar a Lotti a deitou na cama
e a cobriu com uma grossa manta de lã. Olav e Keith bebiam muito.
Colocou mais cerveja junto do seu padrasto, e em silêncio pegou a capa
de lã de um cabide e a colocou ao redor de seus ombros.
— Vou dar um passeio. — Disse, e saiu antes que algum dos dois
percebesse que foi embora.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

05
Zarabeth sabia que era perigoso sair sozinha à noite, apesar da
relativa paz que York tinha desfrutado nos últimos anos, ainda havia
vilãos, mendigos, proscritos, e um inúmeros de rufiões que poderiam
penetrar na cidade à noite e se aproveitar das pessoas. Assim tomou
cuidado de se manter no amparo das sombras das casas.
Caminhava muito rápido, seus passos quase não se escutavam.
A lua lançou uma pequena claridade, e o ar estava carregado de chuva
que certamente viria antes do amanhecer. Tudo era escuridão e
silêncio. Podia ouvir a batida do seu próprio coração, mas não parou,
seguiu caminhando.
Estava suficientemente abrigada com o seu manto de lã.
Agarrando-se a ele, lembrando do que sua mãe dizia que esse manto
tinha pertencido a sua avó, e que tingiu com o melhor açafrão
produzido em toda a Irlanda.
Quando Zarabeth deixou a casa de Olav em Coppergate, sua
mente consciente, sabia exatamente aonde ia. Agora aceitou o que seu
inconsciente sabia de antemão. Manteve os olhos para frente, para as
docas do rio Ouse. As fortificações de barro apareceram à vista, altas e
fortes, e logo o porto abarrotado. Havia muitos navios com o passar do
embarcadouro de Monk, amarrados com cordas grossas aos postes de
madeira localizados ao longo das docas. A maioria deles eram navios

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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mercantes vikings. Seus olhos percorreram a extensa fila. Mas havia


muitos deles, e todos se pareciam.
Parou então, e quase riu em voz alta. Tinha vindo para procurar
Magnus, entretanto, não sabia se ele estava aqui. Nem sequer sabia o
nome do seu navio. Estava consternada. Tinha conhecido um homem
e perdido a compostura como resultado. Ela era uma parva, e foi
desconcertante descobrir, já que normalmente era lenta para agir e
pensava longamente todas as coisas, seja que lhe causassem alegria
ou ira. Mas desta vez, simplesmente tinha saído de sua casa,
caminhado de Coppergate em Hungate, e tinha se dirigido diretamente
ao porto no meio da noite. Bem, já estava feito agora, e se havia algum
rufião à espreita, merecia que a atacassem, por ser idiota. Entretanto,
não voltaria atrás.
Fez uma pausa, respirou fundo, e começou a examinar cada um
dos navios. Havia pelo menos uma dúzia, todos com grandes mastros
com as velas dobradas, tudo tranquilo, todos os marinheiros dormidos,
o único som era o golpe da água contra o flanco dos navios. Não tinha
percebido de que era tão tarde. Percorreu em silêncio as docas, foi de
navio em navio, as solas de couro suave de seus sapatos repicavam
silenciosamente sobre as tábuas das docas. Sentia medo agora,
admitiu para si mesmo. Por todos os Santos, era uma parva! O que
faria? Então viu um navio que era maior que os outros, com linhas
elegantes e um aspecto de magnificência brutal. O corvo negro de Odin,
a imagem estava esculpida debaixo da proa. Era um navio belo e sabia,
sem dúvida, que pertencia a Magnus.
Sorriu e logo, lentamente, jogou a cabeça para trás e gritou.
— Magnus! Magnus Haraldsson!

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

O silêncio absoluto respondeu, e logo ouviu o murmúrio da


conversação de alguns homens.
Ouviu uma risada profunda e viu um monte de cabeças
aparecendo sobre o corrimão, todos eram marinheiros, com armas em
suas mãos, saltando levemente do navio para as docas, olhando-a com
a boca aberta, falando dela, assinalando-a. Ouviu uma voz felizmente
familiar que dizia.
— Não! Todos vocês fiquem aqui. Não há perigo. É minha dama
que me chama. Se algum de vocês fizer um movimento na direção dela,
vou cortar sua garganta por ser um tolo. Se qualquer outro homem
fizer um movimento em nossa direção, vir em minha ajuda, ou cortarei
a garganta de ambos.
Magnus avançou os passos até ela, com a capa flutuando atrás
dele, com a cabeça descoberta. Ele era tão brutal e invulnerável bonito
como o seu navio, e ela sentiu que seu corpo se excitava e sua
respiração acelerava. Este homem era uma fera poderosa e soube nesse
momento que o teria para ela, só ele, e não o compartilharia com mais
ninguém. Conhecendo-o há dois dias significava quase como uma vida.
Obrigou-se a ficar quieta, esperando que viesse até ela.
Magnus parou um passo dela. Não disse nada, só a olhou, sem
expressão em seu rosto.
— Pensei ter ouvido a voz estridente de uma mulher gritando meu
nome, estridente como o grasnido de uma gralha. Escutou a alguém
gritar assim, Zarabeth? — Virou a sua cabeça para a direita e esquerda.
— Não, eu não vejo. Ninguém está nadando na água, nenhuma sereia,
nem um dragão do mar, nem um marinheiro peludo. Sem dúvida todos
eles sonhavam com saques e barris cheios de prata, até que sua voz
chegou para interromper seus sonhos, e o meu. Ah, atrás de você. Aí

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

está ela, e se vê que é uma harpia com mau humor e boca amarga. Que
feia que é!
Zarabeth se virou e não viu ninguém. Magnus riu. Ela sentiu que
sua mão caía brandamente sobre seu ombro. Sua voz se aprofundou e
todo o humor desapareceu.
— É impulsiva, Zarabeth. É uma qualidade perigosa, mas não vou
repreendê-la desta vez, embora esteja zangado que tenha vindo até aqui
sozinha. Venha e deixa-me ver você.
Ela sorriu e se virou para encontrá-lo ali, bem na frente, inclinou-
se até roçar seu peito e levantou o rosto, logo disse.
— Queria ver você. Passou muito tempo sem ver o seu rosto.
Suas mãos se aproximaram para apertar os seus braços.
— E tinha que ser agora! Então vem sozinha as docas,
desprotegida e grita o meu nome? E se outro homem tivesse vindo em
resposta a sua chamada?
Não tinha intenção de pensar sobre essa possibilidade, por isso
disse simplesmente.
— Sabia que esta era sua embarcação. É a mais esplêndida
atracada aqui. E é igual a você, Magnus, elegante, poderoso e selvagem.
Me arrisquei.
— Seu raciocínio me surpreende e me agrada igualmente. Mas
realmente me vê como um selvagem?
— Não, quis dizer brutal. Parece estranho, mas é certo. Seu navio
parece brutal em sua beleza, igualmente como o seu dono, seu amo.
— Muito bem, prometi não te repreender, e não o farei, porque me
fez sentir um homem acima de todos outros homens. Só tem que saber,
Zarabeth, que qualquer brutalidade em minha natureza nunca cairá

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

sobre você. Se alguma vez me faz zangar, então, vou me limitar a te


beijar.
E assim o fez, descendo rapidamente, com a capa flutuando em
torno dos dois, lançando-a contra seu peito. Sua boca era cálida e
firme, e quando não pôde abrir seus lábios, passou brandamente sua
língua pelo lábio inferior, acariciando-a, beliscando-a, até que ela
compreendeu o que queria e abriu um pouco a boca. Foi maravilhoso,
sentiu sua língua em contato com a sua, sentindo o calor de seu corpo
contra o dela. Suas grandes mãos a seguravam com força contra ele.
Sentiu suas coxas contra as suas, e sentiu a dureza dele contra seu
ventre.
— Magnus. — Disse em sua boca, e o sentiu estremecer-se.
Ficou surpresa pelo aparente poder que tinha sobre ele, mas só
por um momento, porque de repente ele estendeu suas mãos sobre
suas nádegas e a levantou, pressionando-a com força contra ele.
Zarabeth ficou rígida ante sua brutalidade e imediatamente a soltou,
deslizando-a pela parte dianteira de seu corpo, lentamente, muito
lentamente, até que seus pés uma vez mais tocaram as pranchas das
docas.
Levantou a cabeça e olhou para ela.
— Está respirando com dificuldade, doçura. Isso me agrada. E
tem razão. Todos os meus homens, e todos outros homens em todos os
navios ao longo destas docas, provavelmente estão nos olhando atrás
da amurada7. Seus sonhos talvez não sejam sobre saques, mas sim de
belas mulheres seduzindo-os. Vou anunciar a eles amanhã que será
minha esposa, e isso será o fim das brincadeiras e intrigas.
Ela baixou os olhos.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Isto é muito amável de sua parte, Magnus. De fato, cheguei a


te conhecer melhor. Disse para Olav que lhe informaria minha decisão
em três dias. Ele se preocupa comigo, entende, e não quero ser muito
impetuosa. — Fez uma pausa, e logo, para sua surpresa e fascinação,
ela riu. — Ele teme que utilize sua masculinidade indevidamente
comigo, embora não disse com essas palavras precisamente. Deveria
ter contado que estava certo. — Falando a sério outra vez. — Queria
ver você, Magnus, para ver se realmente era o homem que habita minha
mente o dia todo.
— E o sou, Zarabeth?
Sorriu ante a pronúncia cadenciosa de seu nome, logo deu um
passo atrás, e o olhou. A luz da lua era escassa, mas podia ver seus
traços perfeitamente. Estudou-o, inclinando a cabeça para um lado em
atitude reflexiva. Manteve-se quieto, sem se mover, sem mudar de
expressão, esperando a conclusão de sua observação atenta.
— É como deve ser, e para mim é perfeito. — Tocou ligeiramente
com os dedos o pequeno entalhe no queixo. — Isto me fascina.
Levantou uma sobrancelha loira.
— Não é algo que tenha contribuído, mas se te agrada, vou dizer
isso com o total conhecimento dos fatos. Uma moça me disse uma vez
que Odin me tinha rechaçado, ao pressionar o polegar em meu queixo
para mostrar ao mundo sua repugnância.
— Essa moça que te disse isso, que mal você fez para que dizer
algo tão malvado?
— Em realidade, assim foi. — Sua voz se iluminou enquanto
falava de suas lembranças. — Ela me seduziu, era mais velha do que
você é agora, naquela época eu não era mais que um moço inocente de
doze verões, quando me introduziu dentro dela e conheci o prazer no

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

corpo de uma mulher. Então, nesse ano descobri que preferia sair para
caçar morsas, em vez de me deitar com ela. Então me amaldiçoou,
vociferando que minha fenda era o sinal do descontentamento de Odin.
Zarabeth riu.
— Eu o teria amaldiçoado também. Caçar morsas! Isso não diz
muito sobre você.
— Eu tinha doze anos de idade, Zarabeth.
— Sim, mas você era tão bonito como agora, Magnus?
— Quando nascer os nossos filhos, talvez um deles terá minha
imagem e, então saberá quando ele completar doze verões.
Zarabeth ficou em silêncio. Continuava a provocar isso nela,
falava com tanta franqueza que arrebatava o seu juízo.
— Que te incomoda, querida?
— É o efeito que você tem sobre mim. É estranho, mas me sinto
confusa e estúpida.
Ele passou os dedos pelo o queixo dela.
— Deveria fazer você feliz e não estúpida.
— Teria tanta paciência para me suportar?
— Conseguirei isso, para te suportar tudo o que necessite.
Inclinou para beijá-la com rapidez. Ele não tentou abrir os seus
lábios, simplesmente a beijou com calidez.
— Tenho medo. — Disse, olhando a sua boca, a firmeza de seus
lábios suaves. — Vem de uma terra, que eu mal ouvi falar, uma terra
onde todas as pessoas são desconhecidas para mim, uma terra onde o
clima é duro durante o inverno, e há pouca luz do sol durante muitos
meses.
Magnus tinha considerado a possibilidade de levá-la para o seu
navio Vento do Mar, mas rapidamente mudou de ideia. Não se sentia

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

intimidada ali nas docas, e acreditava segura aqui, com ele, um homem
que conhecia há apenas dois dias, o homem com o que se casaria.
Sorriu e tentou de tranquilizá-la.
— Eles serão estrangeiros, apenas até você sorri e dizer olá. Meus
parentes vão amá-la, como também fará Harald I, nosso rei. Ele vem
de Vestfold, sabe, embora no momento não tem residência real ali. Mas
é primo de meu pai, e igualmente como todos os meus parentes, virá a
nos visitar e se apaixonará por você, já verá.
— Ouvi falar do Harald. Dizem que é desumano e trata de dominar
sem importar o custo. Há rumores que raramente mostra misericórdia.
— Sim, e também é ambicioso e sempre quer mais e mais. —
Magnus encolheu os ombros. — Ele quer que cada Jarl,8 cada Conde
da Noruega, faça sua vontade e obedeça a cada decreto dele. É um
homem, e é um Viking. Não há limite em seus apetites, e seu poder
cresce a cada ano, e não se cambaleia, embora quase tem a idade de
meu pai. Conquistou todo um país e anseia mais, como fazem a maioria
dos homens de meu país. — Ele sorriu então, sacudindo a cabeça. —
Os homens de meu país, se sentem encurralados pelos vizinhos ou
perseguidos por seu rei, então simplesmente vão encontrar novas
terras. Todos nós defendemos a nossa liberdade e não deixamos que
ninguém nos tire isso.
— E se ele desejar suas terras e as do seu pai? Estaria disposto
algum dia deixar o seu lar?
— Não no momento, mas não seria uma surpresa, temos que
pagar impostos que nos romperiam nossas costas. Logo, é obvio,
teremos que lutar contra o rei, sejamos parentes longínquos ou não.
Simplesmente iríamos.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ela viu que falava com sinceridade. Desfrutaria dos combates,


supôs, e seria o brutal bárbaro que era, sem sentir remorso. Tampouco
se alterou ante a ideia de sair de sua casa para uma terra longínqua.
Sempre fazia o que tinha que fazer. Agradava-lhe, esta faceta que
estava conhecendo dele.
— Também é verdade que durante os cinco meses de inverno há
pouco sol e a neve cobre o chão. Nós passamos muito tempo na casa
comunitária, mas não se preocupe pela inatividade. Os Skalds 9 nos
visitam nos meses de inverno e, cantam canções para divertir a todos.
Contam sagas que circularam por centenas de anos, e inventam outras
novas para receber adulação. Jogamos, dançamos e bebemos até que
nossas cabeças caírem. E quando não estiver na cama, ou jogando ou
dançando, talvez queira costurar, fiar, cozinhar, dirigir a casa e os
escravos. Você sabe como fazer manteiga, Zarabeth? E soro de leite?
— Manteiga? — Repetiu, desconcertada mais uma vez pela
repentina mudança de assunto de sua conversa.
— Sim. Recordo que a minha mãe levantando e soltando e
apertando o batedor de grande tamanho que tinha, para logo começar
uma e outra vez, até que separava toda a manteiga amarela. Ah, mas o
soro que fica é doce e maravilhoso para beber. Os meninos sempre
brigam pela primeira taça fresca.
— Eu faço manteiga. — Disse. — Mas meu batedor é pequeno e
não requer uma grande força para bater.
Seus dedos envolveram ao redor de seus braços.
— A vida não é fácil em casa, Zarabeth, mas não posso pensar
que você poderia começar a cochilar para acabar com o aborrecimento.
Vou protegê-la e amá-la e darei todos as crianças com quem a Deusa

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Freya10 nos abençoar. Queria te beijar outra vez, amor. Sua boca suave
me faz perder a razão.
Sem hesitar, ela ficou nas pontas dos pés, apertou os lábios e
fechou os olhos.
Olhou para o seu lindo rosto, um rosto que já era muito querido
para ela.
— Depois de te beijar, gostaria de segurar seus seios em minhas
mãos, assim. — Ele a beijou, afogando seu grito de surpresa com a
boca, quando suas mãos se abriram para massagear os seios dela.
— Magnus. — Disse, e se afastou. — Oh, na verdade, não, não
pode.
— Sua respiração está entrecortada. — Disse ele, e sorriu. — Suas
palavras não têm muito sentido agora. Sentiu minhas mãos sobre você?
Ah, isto é só o começo, amor. Imagine sugando seus seios igual aos
nossos filhos. E quando separar as suas coxas, me acomodarei entre
elas e abrirei ainda mais, e logo, Zarabeth, entrarei em você e te farei
completamente minha.
Ela pressionou sua mão contra a boca. Ruborizou-se e sentiu
excitada por algo que não conhecia e nem tinha ideia de que existisse,
mas tampouco se preocupou muito.
— Fala tão francamente, e eu não sei o que fazer.
— Apenas se excita.
— Sinto-me estúpida e inexperiente, porque não sei como te
responder.
— Então não tente. Aprenderá em minha mão. Vou tentar lembrar
que devo falar assim enquanto te ensino. E você aprenderá a me dizer
o que você gosta, como te direi como deve me tocar e me acariciar.
— Sim. — Disse, e suspirou.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Não podia controlá-lo, e ocorreu que ele poderia embriagá-la dessa


maneira, simplesmente porque ele segurava as rédeas do controle, com
firmeza, e não deixaria em liberdade. Se alguma vez o fizesse, seria
porque desejava fazer isso.
Era insuportavelmente excitante para ela, sua força, sua
mansidão, a combinação de ambas o fazia único, o fazia Magnus.
— Há algo que gostaria de te perguntar, Magnus. — Fez uma
pausa, mas se limitou a seguir sorrindo durante a espera. Entreteve-
se com o broche de prata fina, que segurava a sua capa junto a seu
ombro direito. Finalmente disse.
— Sua escrava, Cyra... Seguirá... Quer dizer, o...?
— Ah, sim, Cyra que desfruta de minhas mãos sobre ela, que
sente dor e prazer.
— Não tem que falar tão francamente sobre isso! Vai continuar
com ela, uma vez que eu seja sua esposa?
Ele a olhou surpreso.
— É obvio que não. Acha que sou como os árabes de Miklagard?
Aqueles homens que medem sua importância pelo número de mulheres
que são capazes de manter?
— Não sei. Há alguns aqui em York, o rei Guthrum ainda tem
várias concubinas e também se casou com várias delas.
Negou com a cabeça.
— Você vai encher meus dias e minhas noites. Não quero a
nenhuma outra mulher. Agora, quer saber o que vamos fazer
exatamente em quatro noites? Não, vai escutar, Zarabeth. — Ele parou
quando ouviu a voz de um homem, que vinha das docas abaixo, logo
amaldiçoou.
— Magnus.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Acredito que é um de meus homens. — Disse Magnus, e a


colocou longe dele, com o tom de voz de impaciência. — Sim, é Eirik e
bebeu além da conta da cerveja de York do que poderia resistir, se não
me equívoco. O muito tolo, não é seguro para um homem sair sozinho,
não importa a quantidade de amigos que tenha perto.
Eirik era baixo, jovem, como um touro da Northumbria, com o
cabelo quase branco de tão loiro. Chegou até parar na frente de
Magnus, e o olhou piscando como uma coruja.
— Ela é a filha adotiva de Olav o Vaidoso, não? Há homens por aí
que estão procurando-a. Olav o Vaidoso está gritando que ela não está
em casa, e que provavelmente foi sequestrada por você, e está
reclamando-a, porque você se negou a pagar o seu dote. Está gritando
como um louco. Tem seis homens com ele, todos adoentados e
esquálidos e não vale a pena iniciar uma luta com eles, mas mesmo
assim... Eu pensei que ela estaria com você, então vim aqui para avisar,
Magnus.
— Vou voltar com ela. — Disse Magnus. — Durma um pouco
agora, Eirik. Fizeste bem, e estou em dívida com você.
Virou-se para Zarabeth. Não havia humor em seus olhos.
— Ele não gosta de mim, mesmo que seja seu padrasto, mas vou
lhe conceder que pode estar preocupado por sua segurança.
— Vou agora. Não é necessário que me acompanhe. Olav
certamente fará tolices, porque bebeu muita ale. Não quero que te
machuque.
— Zarabeth, agora está sob minha proteção. Desde o momento
em que te vi, tomei a meus cuidados. Nunca mais terá que andar a
nenhuma parte sozinha, nunca mais. Vai me obedecer plenamente,

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

quando houver algo que desejo que faça ou, mais provavelmente,
quando houver algo que gostaria que deixasse de fazer. Entende?
Ela franziu a testa, ante a rigidez em seu tom, duro e dominante.
Mas tinha razão neste caso.
— Muito bem, então. Sinto muito se incomodei você, Magnus.
— Moça tola. — Disse, e tomou sua mão entre as suas.
Ele viu que quatro de seus homens os seguiam na curta distância,
mas mordeu a língua e assentiu com aprovação. Era mais seguro.
Ele encurtou o passo para coincidir com o dela.
— Eu teria preferido levá-la para a minha pequena tenda, e tirar
esse vestido, e te deitar em minha cama. Não é realmente uma tenda,
apenas é um espaço fechado na proa do Vento do Mar. — Suspirou
profundamente. — Mas terá que esperar até que estejamos casados.
Então, Zarabeth, a manterei em minha cama até que os dois estejamos
muito cansados para fazer algo mais que dormir.
Ela o olhou e sorriu, com seu coração saltando no seu peito.
— Ah, mas quem vai ser o capitão de seu navio, enquanto estiver
na cama?
— Vou nomear a todos meus homens capitães para que tenham
outras tarefas em que se ocupar, além de nos escutar fazendo amor.
— Acredito que vou esgotar você, antes que faça isso comigo, meu
senhor.
— Acha que será assim, amor? Apesar de que não tem nem ideia
do que é, e o que vamos fazer? — Ante seu silêncio desconcertado, riu
e lhe acariciou brandamente o queixo com seus nódulos. — É uma
atividade que aumenta em um frenesi, uma atividade que se aprecia
muito mais, uma vez que tenha aprendido todas as regras.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Zarabeth seguia sorrindo quando ouviu seu padrasto gritando na


distância com toda a força de seus pulmões.
— Aí está! Tem que pegar o Viking, ele tem a minha enteada! Mate-
o! Mate-o!
— Ele é um homem muito estúpido. — Disse Magnus com calma.
— Muito estúpido.
— O que vai fazer?
Se virou, e viu quatro homens de Magnus fechando um círculo
detrás deles, preparados para a batalha com as espadas em alto. Três
deles tinham uma espada e o quarto um machado. Eles pareciam
ferozes, e seus rostos duros, impassíveis e absolutamente destemidos.
Magnus não tirou a espada de sua bainha. Esperou, com os braços
cruzados negligentemente sobre o peito.
— Vou ver o que ele faz. — Foi tudo o que disse. — Não se mova,
Zarabeth. Fica na minha direita, para que eu possa me assegurar de
que está segura.
Não teve escolha a não ser esperar até que os seis homens, todos
amigos de seu padrasto, viessem correndo para eles, com a espada na
mão, gritando maldições.
Então, de repente Magnus se aproximou e levantou ambos os
braços acima da cabeça.
— Parem!
Os homens se detiveram com um solavanco. Olav, ofegando pelo
esforço, chegou na esquina e bateu nas costas de um dos homens.
— Mate-o! Covardes, matem aos vikings!
— Você, Olav, cale a boca ou cortarei a sua maldita língua.
Zarabeth veio me ver esta noite. Reconheço que foi algo estúpido, e
nisso estou de acordo, então estou trazendo ela de volta para sua casa.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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Ela está ilesa e, sugiro que se preocupe por seu bem-estar e não a
repreenda, porque logo será minha esposa, e ante qualquer briga virá
para mim, seu marido. Trate-a com suavidade ou farei com que sinta
muito.
Olav sabia que seus amigos não atacariam ao viking. Todos eles
eram comerciantes e artesãos. Sabiam como lutar, e morreriam na
batalha se tivesse que fazer isso, mas não eram guerreiros e não teriam
nenhuma possibilidade contra este homem. Sabia que inclusive seus
seis amigos juntos não poderiam matar a este homem. Seria um
suicídio. Se contentou com a ideia de golpeá-la quando chegasse na
sua casa.
Ele olhou-a e sorriu para Zarabeth. Foi como se o viking pudesse
ler a sua mente.
— Não, Olav o Vaidoso, nem te ocorra fazer o que está pensando.
Sou um homem de palavra, um homem de honra, e pode confiar no
que digo. Não vai machucá-la, do contrário vou fazer algo a mais com
você do que um simples dano. Vou te matar.
Não havia nada o que fazer. Olav sentia o ódio se retorcendo no
seu estômago.
— Vamos. — Disse para Zarabeth. — Você causou problemas
suficiente por uma noite, moça.
— Sei. Sinto muito, Olav.
— Quanto a sua meia irmã idiota, ela se contorcia no chão de
tanto chorar. Me deixa doente escutar seus gemidos. Vá para casa e
cuide dela, antes que a leve para cidade e a abandone nas montanhas
Bentik, como deveria ter feito há muito tempo.
Magnus viu que Zarabeth se erguia como um machado de
batalha. Havia mais em jogo aqui do que ela tinha dito. Não entendia o

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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veneno que Olav sentia por sua filha mais nova. Tocou o braço de
Zarabeth e disse.
— Vá, amor. Verei você pela manhã, perto do poço na praça.
— Sim. Obrigada. — Disse. Rapidamente recolheu a saia e seguiu
a seu padrasto.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

06
Olav acariciava a sua barba enquanto olhava para Zarabeth.
Agora sim, graças aos Santos, estava em pleno controle de si mesmo e
da situação. Se sentia bem sabendo que estava no comando
novamente, que era sua palavra, e apenas a sua, que determinaria o
que aconteceria dali em adiante. O bárbaro viking já estava em seu
navio, a salvo da ira de Olav, e a cadela de sua enteada estava ali, a sós
com ele, a sua mercê, a suas ordens.
Ah, mas lhe faria pagar muito caro, por sua quase deserção.
Olhou-a a tênue luz de lamparina de azeite de urso. Era muito tarde, e
estavam em casa por fim, na sala, e agora sabia que sua pequena irmã
não se encontrava ali. Gostava de ver o medo e a confusão em seu rosto.
É mais, desfrutava.
— Vai fazer exatamente o que te digo, Zarabeth. — Disse
finalmente. Ela estava de pé diante dele agora, olhando-o.
— Onde está Lotti? — Perguntou Zarabeth pela terceira vez, com
a voz trêmula e seu desespero mais perto da superfície. — O que fez
com ela? Disse que ela estava chateada porque eu não estava aqui.
Mentiu! Onde está ela, Olav? O que você fez?
— Não vou dizer isso minha menina. Pelo menos, até que me
prometa, não, melhor dizendo, até que me jure que vai se desfazer
desse bastardo viking.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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Zarabeth negou com a cabeça.


— Você me disse para que pensasse sobre isso por um tempo
suficiente. Me disse que respeitaria minha decisão. Onde está Lotti?
Olav fez um gesto com a mão, ignorando suas perguntas.
— Não se preocupe, Zarabeth. A idiota de sua irmã está em um
lugar seguro, pelo menos por enquanto. Não vai vê-la novamente até
que faça exatamente o que te digo.
— Quero me casar com o Magnus Haraldsson. Vou para Noruega
com ele e levarei a Lotti comigo.
— Não, não o fará. Ficará aqui comigo, encerrada em York. Talvez,
se o desejar, me casarei contigo, porque não compartilho seu sangue.
Ninguém se oporia, nem sequer o Rei Guthrum. Há! O mesmo tem três
concubinas, e há rumores que uma delas é sua sobrinha. Não, ele não
vai se opor.
Ele viu o olhar de asco em seu rosto e logo perdeu o controle.
Saltou de sua cadeira e lhe deu uma tapa tão forte que a cabeça dela
caiu bruscamente para trás e caiu no chão. Parou sobre ela, com as
mãos nos quadris.
— Não vai ser mais impetuosa, Zarabeth. Já não vai me tratar
como um ancião desdentado ou como um velho desprezível, que tem
que tolerar e nada mais! Nunca mais, me entende, certo? Assente com
a cabeça, maldita seja, do contrário vou ter que matar a idiota de sua
irmã nesta mesma noite!
— Entendo.
— Bem. Queria esperar, realmente queria. Tinha a esperança de
que nos próximos três dias, percebesse de que não queria estar presa
a um selvagem, um sujo comerciante nórdico, mas me abandonou!
Sozinha e desprotegida, foi ao porto, para buscá-lo! Isso foi tão estúpido

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

que me horroriza. Entregou a sua virgindade? Abriu suas pernas para


ele? — Sua voz tremia, e estava parado respirando profundamente. —
Bem, não importa. Não te terá, Zarabeth, nem hoje e nem nunca, e esta
foi a última vez, o fim.
Tratou de pensar com claridade, mas estava aterrorizada por
Lotti, sentiu uma martelada persistente na cabeça devido ao golpe que
ele tinha dado. Lotti, deve ter dado ao Keith. Maldito seja. Keith e sua
esposa, Toki, tinham a Lotti, não havia dúvida. Não teriam
considerações por uma menina que a desprezavam. Sentiu medo, um
temor severo e brutal que a oprimia, e congelava seus pensamentos, e
a fazia reagir com lentidão.
Tinha que voltar para Magnus. Contar sobre o desaparecimento
de Lotti. Ele saberia o que fazer.
— Magnus. — Disse em voz muito baixa, mas Olav a ouviu.
— Nem pense nisso, menina. Vou matá-la, no mesmo tempo em
que volte junto desse viking bastardo. Agora vou dizer mais verdades,
Zarabeth. Lotti não é de meu sangue, sabia? Não, a cadela de sua mãe,
minha querida esposa, Mara, deitava-se com outro homem, o mesmo
homem com quem ela fugiu, mas ela te deixou, foi sua escolha, te
abandonou para ir embora com esse bastardo, você, sua única filha
legítima. Mas a cadela morreu e deixou a essa bastarda idiota.
— Ela não era assim! Era perfeita até a noite em que você a trouxe
para casa! E tudo porque estava chorando por sua mãe, golpeou-a com
tanta força que a deixou inconsciente durante dois dias! É um lixo, e
você está podre até sua alma negra, e não te merece a...
— E ela também morrerá, se você não fizer exatamente o que estou
dizendo que faça.
Zarabeth levantou os olhos para o rosto de Olav.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Gostaria de ter uma adaga. Então te mataria.


— Então Lotti certamente estaria morta pela manhã.
Zarabeth esfregou a palma sobre sua bochecha. Ainda lhe ardia.
Disse em voz muito baixa, com mais medo do que alguma vez tinha
sentido em toda sua vida.
— Quer que me case com você?
— Talvez em breve. Agora não. Agora simplesmente quero que
permaneça em minha casa. Quando me sentir mais cômodo, vou deitar
com você. Então, se quiser, se tornará em minha esposa.
Foi quase muito complicado para entendê-lo. Negou com a
cabeça, mas a dor pelo golpe não fez mais que aumentar, e como o seu
desespero.
Sua voz se suavizou e ele se agachou ao seu lado.
— Me escute, menina. Não quero te machucar. Não me obrigue.
Quero que esteja disposta e sorridente. Quero que seja como era antes
de conhecer o viking. — Franziu a testa ante suas palavras. Não, ele
não queria que ela fosse como antes de ter conhecido o viking. Em
realidade ela sempre o ignorou, tinha agido como não o visse, como se
não tivesse mais escolha que suportar sua presença.
Ela estava ali, apoiada sobre seu cotovelo, inconscientemente
sedutora. Cheirava o aroma das violetas doces, as mesmas que tinha
espalhado sobre os juncos que cobriam o chão de terra compacta.
Olhou para as brasas da lareira. Olhou para os baldes e panelas
ordenadamente empilhados na ampla plataforma na área da cozinha.
Tudo parecia tão abençoadamente normal. Entretanto, tinha medo,
sentia-se paralisada pelo medo. Toda a violência em Dublin, toda a
morte e o ódio entre os governantes irlandeses e os vikings, tudo isso
não era mais que uma vaga lembrança. Inclusive as batalhas entre o

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

rei Alfred e o rei Guthrum pareciam insubstanciais agora, apesar de


que as batalhas tinham marcado a cada família com a morte, e as
lágrimas derramadas pelos corpos rasgados. Não, essa violência tinha
ficado muito longe. A verdadeira violência estava aqui, nesta casa, e era
real. Ficou olhando para Olav, sem saber o que dizer, sem saber o que
fazer.
Lotti. A menina não tinha ninguém além dela, ninguém que
pudesse entendê-la e cuidá-la. Ninguém mais que sua irmã, Zarabeth.
Sentiu que as lágrimas inundarem seus olhos e sorveu. Chorar
não era bom para nada. Chorar era para os desesperançados, e ela não
estava, pelo menos não ainda.
Olav voltou a falar, com sua voz mais lisonjeadora, mais
conciliadora.
— Venha, Zarabeth, amanhã você vai encontrar com o viking,
para se despedir e não o ver nunca mais. Dirá que decidiu não aceitar
sua oferta de matrimônio. Então ele irá embora, e tudo voltará a ser
como antes. É tão simples, Zarabeth. Só me prometa que vai dizer isso
a ele. Você vai vê-lo amanhã na praça, e dirá que não o quer como
marido.
Ela negou com a cabeça.
— Não, Olav. Não vou dizer isso. Eu o quero e acredito que logo
chegaria a amá-lo. Não vou mentir.
Então se levantou, com fúria, e segurava as calças. Logo disse
com uma voz sem emoção.
— Então Lotti estará morta manhã pela manhã. — Ela o olhou
fixamente.
Suas meias se baixaram e estavam enroladas em seus tornozelos,
as calças de lã fina enrugadas em cada joelho. Olhou ao velho

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

desalinhado. Sim, parecia um ancião, um homem velho e cansado que


não estava satisfeito com sua vida, e necessitava de uma vítima para
atacar.
— Não, não vou dizer a ele que não o quero, e se você machucar
a Lotti, matarei você.
Olav encolheu os ombros e a olhou com os olhos sem vida.
— Não se importa, então, verdade? A menina idiota morrerá, eu
morrerei, e você terá o seu viking. Navegará para Noruega com ele,
sozinha, sem nada mais que a trouxa de roupa em suas costas. E
saberá que seu egoísmo significou a morte de duas pessoas que lhe
amavam.
— Amor! Velho desgraçado e mentiroso! Ameaça matar a minha
irmãzinha e diz que me ama? Por todos os deuses, gostaria de poder te
matar agora mesmo!
Se virou e se aproximou dele. Tinha o rosto vermelho de ira e
incredulidade, e Olav retrocedeu rapidamente, pois viu a violência em
seus olhos.
Logo sorriu e encolheu os ombros.
— Acredita no que quiser. É uma mulher e, portanto, seus
pensamentos estão além da lógica de qualquer homem. Mas saiba
disso, Zarabeth, a menina vai estar morta amanhã ao meio dia se não
fizer minha vontade. Você decide, menina. Ofereço a vida da menina
em troca da luxúria com esse miserável Viking. — Parou um momento,
olhou, e pensou que podia ver os batimentos do coração no pulso em
seu pescoço. — Você deixou que te tomasse esta noite? Levou a sua
virgindade?
— Cala a boca velho sujo. É muito pior que o seu filho!

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Enfim, você prefere a paixão antes da vida de sua irmãzinha. É


igual à vadia de sua mãe, verdade? Depois de tudo não ama muito a
sua irmã. Só fingia amá-la.
— É o suficiente, Olav. Não vai matar a Lotti, porque você não
quer morrer. Te conheço. Sei que todos os comerciantes de Coppergate
riem de você na sua costa e chamam o Olav o Vaidoso. Você pavoneia
e faz cambalhotas e exaltando seu brilhantismo ao enganar os
desprevenidos no comércio, mas na verdade é que gastas todo o que
ouro ganha em adornos para dissimular a gordura e a flacidez corporal
de sua velhice! Te olhe, se veste como o rei Guthrum! Entretanto,
inclusive ele, sendo tão velho quanto você, não se faz de ridículo como
um parvo presunçoso!
— Cale a boca, Zarabeth! — Estava tremendo de fúria, tinha
despertado seu instinto assassino com a força de seus insultos.
— Não, não agora, não quando estou te dizendo a verdade, bode
velho! Não vou ficar aqui, imaginando se vai tentar se colocar em minha
cama para me incomodar. Não pretenderei ser sua enteada amorosa
quando realmente sei o que está pensando. Não vou sofrer mais por
seu ódio em relação a Lotti, seu desprezo, sua negligência. Não vou
escutar mais suas mentiras sobre minha mãe. Nunca a mereceu,
maldito seja! Agora me dirá onde escondeu a Lotti e eu irei procurá-la
e vou embora. Não quero voltar a ver o seu rosto feio outra vez.
Olav guardou silêncio por alguns momentos. Logo levantou a mão
em uma espécie de bênção, e disse com voz segura e fria.
— A menina idiota vai morrer, pouco a pouco, e terei o prazer de
vê-la sofrer. Juro por Odin, o Pai de Todos, e o juro pelo Deus dos
cristãos também.

79
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Sentiu que o chão se afundava debaixo de seus pés. Nesse


instante, acreditou nele. Não estava mentindo. Falou com tanta calma
como só um homem louco podia fazer.
Sim, acreditou nele. Tinha chegado ao ponto do sem volta. Sabia.
Mataria a Lotti ou mataria a si mesmo. Nada importaria para ele. Podia
ver o Keith estrangulando à menina com uma mão, levantando-a e
tirando a vida dela com uma de suas grandes mãos. Podia vê-lo, a
jogando em um lado. Podia vê-lo assobiar quando terminasse seu
assassinato. Não, não, não o Keith, pensou, não o doce e fraco Keith.
Toki, sua esposa, ela seria que assassinaria a Lotti.
Zarabeth não era muito religiosa, e, portanto, nesse instante,
rogou a Odin, a Thor, e finalmente ao Deus cristão por precaução. O
que podia fazer?
— Vá dormir, Zarabeth. Tem muito que considerar. Saberei a sua
resposta pela manhã. Oh, acredito que não me matará durante a noite,
porque se fizer isso, a menina vai morrer muito rapidamente depois de
mim, e você não ganhará nada, exceto sua própria morte, já que todos
saberão que você me matou, e não outra pessoa.
Se perdeu lentamente por trás da magra pele de urso que
separava o quarto de dormir de Lotti do resto do quarto. Olhou a cama.
Pouco a pouco desabotoou o cinturão de couro largo e tirou seu vestido
de lã suave. Deixou a sua camisa de linho e se deitou entre duas
colchas de lã. Ficou deitada, com os olhos abertos e fixos, olhando para
a escuridão, sem saber o que fazer.
Era perto do amanhecer quando decidiu que não podia sacrificar
a vida de Lotti por sua própria felicidade. Inclusive se isso significava a
morte de Olav também. Foi então quando as lágrimas começaram a
correr por suas bochechas, saboreou a umidade salgada em sua boca.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

E foi ainda mais tarde, depois de que o sol tinha saído, que mudou de
ideia e sentiu que a esperança renascia nela.
Zarabeth forçou um sorriso. O seu coração pulsava tão forte que
pensou que alguém ia escutar. Sim, um sorriso, porque, mesmo no
pouco tempo que tinha conhecido o Magnus, percebeu de que ele a
conhecia muito bem. Tinha que o persuadir, convencê-lo, não deveria
permitir que ficasse nenhuma dúvida, para que Olav mesmo se
convencesse, e então, tanto ela como Lotti estariam a salvo. Orou ao
Odin para Magnus perdoá-la por mentir para ele. Rogou a seu próprio
Deus cristão que Magnus a perdoasse quando descobrisse o que tinha
tido que fazer.
Magnus viu esse sorriso dela, esse sorriso maravilhoso, e disse
sem rodeios.
— O que te preocupa, Zarabeth? Tem frio? Não há chuva no ar
nesta manhã.
Frio! Era ridículo. Se virou para ficar mais perto do poço na praça
Coppergate. Sabia que Olav a observava no comércio do curtidor a
poucos metros de distância. Ele poderia ver o seu rosto com claridade,
seu rosto e o de Magnus também. Sabia que ele podia ouvi-los, tinha
que ir com cuidado, porque a vida de Lotti, e o seu próprio futuro,
dependia disso.
— Não tenho frio. Me alegro de que esteja aqui, Magnus
Haraldsson. Gostaria de falar contigo. Não vou dar voltas. Estou aqui
para dizer que não quero me casar com você. Equivoquei-me com meus
sentimentos. Decidi que não te quero. Não quero voltar a vê-lo.
Magnus viu sua palidez, ouviu a tensão em sua voz. Não aceitou
suas palavras. Não conseguia entendê-la e não estava disposto a ser
paciente. Jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada.

81
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Esta é uma amostra de seu senso de humor, amor? Não gosto.


Podemos brincar sobre muitas coisas, mas não sobre isto. Isto é sobre
nossas vidas, não de uma espécie de piada que se diz
descuidadamente.
— Sua vaidade é tão inchada como as nuvens de chuva, viking.
Estou te dizendo a verdade. Não se trata de uma amostra de meu
humor. Não te quero. Me despeço, adeus. — Girou sobre seus
calcanhares para se afastar, mas ele agarrou o seu braço e puxou-a.
Sentiu a raiva nele agora. Acreditaria nela, faria isso.
Colocou ela na frente dele. Não disse nada durante muito tempo,
apenas a olhou, observou seu rosto, sua expressão. Desejou poder lhe
sussurrar a verdade, mas se manteve em silêncio. Encheu seus olhos
com desprezo, e esperava estar fazendo bem. Tinha a possibilidade de
salvar a vida de Lotti. Logo poderia fazer as pazes com ele mais tarde.
Tinha que haver um depois. Tinha orado toda a noite até de manhã.
— Então, — Disse finalmente com deliberada lentidão. — Então,
quando por fim, encontro uma moça que é tudo o que quero, ela me diz
que não me quer. Me parece extremamente estranho, esta mudança
repentina em você. Por que veio ao meu navio ontem à noite, acredito
que, se tivesse insistido, teria entrado na minha tenda também. Nega
isso?
Provavelmente teria feito isso, pensou sem compreender, a dor
aguda em seu peito machucado. Ela o olhou de acima para baixo e
sorriu, com esse mesmo sorriso maravilhoso, e encheu sua voz com
insolência.
— Admiro sua masculinidade, viking, assim tinha pensado provar
algo do que me oferecia. Mas não para me converter em sua esposa,
não para deixar York e viajar a uma terra selvagem onde não há nada

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

mais que pessoas selvagens que me veriam como uma estranha. Não,
Viking, não faria isso. Estava temporariamente louca, mas não mais.
Quanto o outro assunto, um homem é para ser desfrutado
caprichosamente por uma mulher. Quase tinha decidido desfrutar de
você, isso é certo, mas logo...
Ela encolheu os ombros, e fez um movimento que o enfureceu, e
Olav viu que estava enfurecido.
Era suficiente, tinha salvado a vida de Lotti.
Tentou se soltar de suas mãos, mas Magnus, enfurecido,
assustou-a e vacilou. Estremeceu enquanto apertava o seu braço
dolorosamente.
— Me escute, Zarabeth. Não acredito neste teu ato. Está sob a
ameaça de Olav, certo? Me diga a verdade, para que possa acabar com
os maus tratos de que você está passando.
Ela negando com a cabeça, com medo de abrir a boca e dizer a
verdade. Virou a cabeça para um lado.
— Olav o Vaidoso me ameaçando? Certamente não acreditará
nisso viking. Nenhum homem pode me ameaçar. — Cuspiu no chão. —
Nem sequer você. E não me chame mentirosa viking! Acredito que é um
parvo presunçoso. Me deixe agora, pois sua presença me resulta
tediosa e sua mão está apertando o meu braço.
Puxou o seu braço dele e tropeçou. Não caiu, mas percebeu de
que se tivesse caído não a teria ajudado. Estava olhando para ela, com
o rosto sem nenhuma emoção visível. Parecia selvagem, frio e
desumano. Como se fosse desfrutar matando-a. Parecia que
finalmente, estava acreditando nela completamente.
Quando falou, por fim, sua voz era tão dura e fria como seu rosto.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Possivelmente deveria levá-la para o meu navio. Posso fazer


você provar o sabor de um viking. Não vou te decepcionar, Zarabeth,
mas duvido que receba algum prazer de nosso acoplamento. Brincou
comigo maravilhosamente, me enganou mostrando uma doçura, e uma
franqueza tal como não tinha acreditado possível que existisse em uma
mulher. Fui um parvo presunçoso, sim, isso é certo, mas pelo menos
não me casei com você. — Balançando a cabeça e então jogou a cabeça
para trás e riu.
— E pensar que me considerava o mais afortunado dos homens
por ter encontrado você. Te vi e te desejei. Ah, acreditei que seria tão
fácil, tão simples, este negócio, amor. Pensei que o destino tinha
intervindo a meu favor. — Riu novamente, profundo e áspero. — Sim,
e estava muito contente de que o destino tivesse decidido que eu era
digno de uma criatura tão incrível como você. A ironia está além da
razão e além da dor. — Logo se virou e se afastou. Fez uma pausa, mas
não se virou quando disse por cima do ombro. — É uma puta,
Zarabeth, e espero devotamente que obtenha o que você merece.
Logo partiu, com a capa flutuando atrás dele, enquanto ela o
olhava, imóvel, sentindo tanta dor que queria gritar. Rodeou-se com os
seus braços, abraçando a si mesma. Tinha feito, e agora Lottie estaria
segura. Uma vez que tivesse a Lotti, procuraria Magnus e lhe explicaria.
Tudo ficaria bem outra vez. Ele a entenderia.
Não se virou quando ouviu o Olav dizer em voz baixa.
— Fez bem, Zarabeth. Me perguntei se o seu egoísmo seria mais
importante, mas não o fez. Agora, minha querida menina, voltemos
para casa. Logo terá a Lotti presa a suas costas. Então tudo será como
sempre o foi.
Ela se afastou dele.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Espera, Zarabeth! Aonde vai?


— A casa de Keith e Toki. Eu mesma trarei a Lotti.
— Não está com eles, escondi-a em outro lugar. Não, deve esperar
até que eu vá buscá-la.
Zarabeth não sabia o que fazer. De fato, não podia pensar em
nada mais que o desejo de a ver, pelo menos no momento.
— Então vem comigo agora, Olav.
Negou com a cabeça.
— Não, amanhã. Darei a você um dia para que se acalme.
Zarabeth aceitou, pois não tinha outra opção, e viu que Olav se
mostrava satisfeito com sua mansidão.
Logo esperou até que ele esteve ocupado em seu comércio com
vários homens que queriam comprar peles, e quando estava a ponto de
sair de casa, ouviu o grito de Olav.
— Fique aí, Zarabeth, ou te arrependerá.
Ela ficou e cozinhou um guisado cheio de cebolas, batatas e
pequenas partes de carne. E serviu para ele um prato que tinha
colocado um sonífero. Falou com ela como se fosse sua esposa e tudo
estivesse normal entre eles. Era arrepiante, a forma possessiva com a
que se dirigia a ela. Conteve sua língua e esperou. Nem dez minutos
depois de que teve comido o guisado, sua cabeça caiu para frente sobre
a mesa de madeira. Zarabeth se levantou lentamente e caminhou até
ele. Estava profundamente adormecido, roncando, e se manteria assim
durante horas.
Rapidamente saiu da casa e se dirigiu a Skeldergate, onde viviam
Keith e Toki. Keith era um comerciante, igualmente como o seu pai, e
não um muito bom. Um ano antes, um comerciante viking quase o
tinha matado, porque ele tinha vendido alguns cortes roídos. Sabia que

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Olav dava ouro e peles de vez em quando a seu filho. Quanto o que
Keith realmente pensava dela, tinha medo de saber. Se ele sabia o que
seu pai queria dela, certamente o mataria. Apressou o passo. Ela e Lotti
iriam embora e não importava o que aconteceria com Keith e seu pai
depois de que fugissem. Já estava escuro e não havia nenhum homem
fora de seu lar. Chegou à pequena casa de madeira, parou sob uma
janela coberta com pele de um animal. Podia ouvir através dela e se
apertava rosto contra a pele, podia distinguir contornos difusos.
— Te digo, tolo fraco, não virá a procurá-la!
Era a voz de Toki, forte e estridente. Zarabeth se inclinou contra
a pele.
— Prometi cuidar da menina. — Disse Keith, com a voz pastosa
pela cerveja. — Vou mantê-la até que venha por ela. Meu pai estará
encantado de que tenhamos feito o que pediu. Nos recompensará por
isso.
— Há! A essa miserável vadia de Zarabeth que recompensará, não
a seu único filho! Já sabe que digo a verdade Keith, porque ele estava
disposto a fazer qualquer coisa para mantê-la aqui em York, para
mantê-la a seu lado. E ela disse ao Viking que não o queria. Ele
conseguiu convencê-la. Ouvi uma meia dúzia de mulheres hoje falando
sobre o tema! Tão contente estavam, que me permitiram escutar tudo
o que disse no poço da praça, que não o queria como marido, que não
era mais que um bufão e um pagão, que só brincou com ele. Bem,
agora, fica com o Olav, e você é um parvo se não é capaz de ver o que
isso significa.
Keith murmurou algo que Zarabeth não entendeu. Estava muito
bêbado, mas Toki seguia vociferando contra ele, sua língua mais
violenta com cada palavra que dizia.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Tolo, maldito parvo sem cabeça! É lamentável!


Bem, Toki e Keith comprovariam muito em breve a fúria de Olav,
uma vez que Zarabeth tivesse tomado a Lotti e, a tivesse levado para
Magnus. Então Olav procuraria o seu filho e se acertaria com ele.
Zarabeth esperou e esperou. Sua paciência estava se esgotando e
o seu medo crescia. Toki ainda reclamava de vez em quando, sua voz
era um gemido agora, e Keith parecia estar afundado em um sonho
encharcado de ale.
Então, de repente Zarabeth sorriu. Aproximou-se da parte
dianteira da casa e chamou golpeando com firmeza.
Viu a careta de Toki pela abertura da porta.
— Você!
— Sim, sou eu, Toki. Rápido, me deixe entrar, você e eu temos
muito o que falar, e minhas palavras vão te encantar, juro isso.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

07
— Disse que não quero te escutar, Zarabeth! Você está mentindo,
e não vou ouvir!
Zarabeth lutou por manter a calma perante à desconfiança
manifestada em Toki.
— Eu não minto. Quero a Lotti. Me dê ela e irei embora de York.
Nunca voltará a me ver. Olav terá que tratar Keith com mais
amabilidade. Não estou mentindo, Toki. Pelo amor de Deus, por que eu
faria isso?
Toki se encheu de desgosto, de incerteza e de inveja em partes
iguais. Zarabeth, era filha dessa cadela estrangeira que tinha se
apossado dos afetos de Olav, que tinha roubado de seu único filho, e
tinham afastado de seu amor, sim que odiava à filha dessa prostituta,
desejava que se fosse, ou melhor ainda queria que morresse. Toki
balançou com a cabeça.
— Você quer ao Viking, então? Foi tudo uma mentira, seu
encontro e sua conversa com ele esta manhã no poço?
— Sim, fiz para convencer Olav de que falava sério. Tive que
convencer Magnus de que não o queria, para que Olav acreditasse. E
consegui, mas tenho que me apressar para procurar a Magnus para
lhe dizer a verdade. Por favor, Toki, se apresse! Me dê Lotti!

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Mesmo assim, a mulher hesitou. Se entregava a menina, perderia


toda sua influência. Já não teria nada com o que negociar. Entretanto,
se Zarabeth estava dizendo a verdade... Toki se impacientou e bebeu o
resto da cerveja diretamente da jarra de Keith. Passou o dorso da mão
pela boca, sentindo a espuma em seu lábio superior. Logo olhou com
desprezo para seu marido que roncava.
— Toki, por favor, pensa! Não tenho nenhuma razão para mentir,
nem motivo algum.
— Não tenho filho, já sabe. — Disse Toki de repente, e olhou para
seu marido, que arrotou ruidosamente, com o rosto contra a mesa. —
Oh, Keith sobe em mim e estremece um momento depois até derramar
sua semente, entretanto, nada cresce em meu ventre. Em breve ele não
se interessará mais. Logo não terei nada para passar minhas noites e
meus dias. Mas tenho algo agora. Tenho a Lotti e percebi que não é
uma idiota ou um inseto estranho em realidade.
Zarabeth queria envolver os dedos ao redor do pescoço de Toki e
estrangulá-la. Agora não estava apenas impaciente, mas também
assustada e com o coração palpitante. Tratou de manter seu tom de
voz baixo e tranquilo. Não queria correr o risco de despertar Keith. Não
conseguia imaginar o que ia dizer sobre isto.
— Ela não é sua, Toki. Lotti é minha e sempre será. Tem que me
devolver ela. Não tenho moedas ou joias para pagar por ela, se não lhe
daria com prazer.
— Por que deveria renunciar ela? Duvido que Olav permita que
você escape com seu viking agora. É orgulhoso e insuportavelmente
vaidoso, mas não é estúpido. Se seu filho tivesse apenas um pouco de
sua capacidade para negociar, mas não tem, e ele não vai me escutar,

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

inclusive, quando sabe que estou certa. E nos dois dependemos de


Olav, do contrário morreríamos de fome. Odeio-o, Zarabeth.
Zarabeth se perguntou se referia ao pai ou ao filho, mas voltou a
dizer.
— Me dê a Lotti, Toki. Não deseja à filha de uma rameira, verdade?
O que te faz pensar que Olav não preferirá Lotti do que o Keith? Poderia
acontecer, sabe. É uma menina bela, igualmente como sua mãe. Mas
em troca, se me der ela, iremos e então, possivelmente Olav queira que
ambos se mudem para viver em sua casa. Ou colocará escravas a sua
disposição, e você poderá desfrutar. Pensa nisso, terá belas peças de
tecidos, para fazer novos vestidos e capas e possivelmente novas joias.
O brilho ávido desapareceu dos olhos de Toki quando disse.
— Não acredito nisso. Você não tem escravos. Ele não te deu
presentes e nem tecidos para vestidos novos. Só pensa em si mesmo e
na maneira como pode se gabar ante o mundo. Olhe para você,
inclusive seu broche é simplesmente de bronze. Não usa anéis, nem
braceletes. Só Olav usa adornos de prata e ouro. Por que me daria mais
do que deu a você, sua amada Zarabeth?
— Não sei. Ele sempre me disse que não tinha suficiente dinheiro
para escravos. E se mostrar a sua riqueza, os comerciantes
estrangeiros notarão e deixarão de negociar com ele para procurar a
outro. Não importa, Toki, vai estar muito agradecido de que esteja ali
para cuidar dele e de sua casa. Me dê a Lotti.
— Talvez a dê. — Disse Toki.
Se virou, e colocou ao lado uma pele de urso que separava o
dormitório do resto da casa. Voltou com Lotti em seus braços. A menina
estava profundamente dormindo.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Não se preocupe, só está drogada. Estava fazendo muito


barulho, esses estranhos grunhidos e não parava de dizer seu nome
também. Queria bater nela, mas não fiz. Drogamos para mantê-la
tranquila.
Zarabeth queria matar à mulher. A fúria abriu passo em seu
interior, mas se conteve, manteve a calma. Quase tinha obtido. Não
podia falhar agora. Pegou Lotti, e brandamente a apoiou sobre seu
ombro.
— Vou agora. Não esqueça o que disse, Toki.
— Sim, não esquecerei.
Dez minutos mais tarde, Zarabeth estava no porto de York.
Nuvens escuras navegavam no céu, tampando a claridade da lua. Todo
mundo estava dormindo, inclusive os bandidos que espreitavam na
escuridão, até os cães vadios de ruas que escavavam nos montões de
lixo, faziam em silêncio. Se ouvia o ruído de água rompendo contra as
pilhas de madeira, nada mais. E havia muito poucos navios amarrados
nas docas. Correu agora, querendo encontrar Magnus, lhe explicar,
escapar com ele, e não voltar para os York nunca mais.
Lotti se agitou em seu ombro e sussurrou brandamente à menina.
Ela calou novamente.
Zarabeth queria gritar o nome de Magnus, mas algo a deteve. Algo
não estava bem, algo...
Parou atônica e olhou o navio mercante que tinha em frente.
Nunca o tinha visto antes.
Não tinha um corvo esculpido na proa. Olhou freneticamente o
outro navio e o seguinte, mas foi inútil. O magnífico Vento do Mar,
desaparecera.
Magnus tinha ido embora.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Não podia acreditar, Lotti gemeu, e ela acariciou brandamente as


costas da menina. Ele a tinha deixado...foi embora, acreditando que ela
o tinha traído. Ele acreditava que era infiel, mentirosa. Não havia
ninguém para lhe dizer o contrário.
De repente, tudo parecia muito claro. Tudo, acabou. Não tinha
nenhuma saída. Zarabeth caiu de joelhos sobre as pranchas das docas.
Recolheu Lotti em seus braços e a balançou, cantando uma melodia
destinada a consolar, não à menina, a não ser a ela mesma.
Quando Olav a encontrou, era quase no amanhecer.

— Tomei uma decisão. — Disse Olav.


Tinha passado quase um mês desde que os vikings partiram de
York, e Olav se sentia bem. Zarabeth era ela mesma outra vez, ah, mais
tranquila talvez, mais passiva, mas isso não importava em nada,
porque não gostava da língua afiada em uma mulher. Estava aqui, o
servia e obedecia sem duvidar. Sua docilidade o agradava
completamente.
Ela o olhou sem interesse. Isso não gostou, e franziu a testa.
Talvez muita passividade não era o que queria.
— Decidi o que vou fazer.
Lotti disse o nome dela, dessa maneira confusa com a qual se
expressava, e Olav olhou para a menina com impaciência.
— Não pode ensiná-la, pelo menos, a dizer o seu nome com
claridade?
Zarabeth lhe dirigiu um olhar inexpressivo.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— É muito claro para mim. — Então encolheu os ombros, dizendo


algo que o fez recuar surpreso. — É obvio, sou jovem e minha audição
é clara.
Olav esfriou seu temperamento.
Zarabeth se inclinou e deu para Lotti um pedaço pequeno de pão
que acabava de tirar do forno apenas uma hora antes. Ainda estava
morno e tinha posto mel nele.
— O que acontece? Por que está agindo assim? Não se importa em
saber qual é minha decisão?
— Vai me dizer isso logo, imagino.
— Muito bem. Decidi me casar com você.
Ela não se moveu, não mudou sua expressão, mas sua mente
ficou alerta. Por que ele não se limitava a dizer que ia se deitar com
ela? Por que o matrimônio? Pensar em se deitar com ele era obsceno,
mas casar-se com ele era ainda pior. Não disse nada imediatamente,
por temor do que sairia de sua boca se falava. Quando tinha escutado
fazia alguns momentos, tinha pensado em dizer para ele o que estava
em sua mente. Teria ficado surpreso e enfurecido, mas não teria se
importado. Mas esta decisão de casar-se com ela, era uma farsa,
realmente estava louco e era patético. Manteve a cabeça baixa.
— Falei com os conselheiros do rei Guthrum, e logo com o próprio
rei. Como pode ver, consegui encontrar aquelas plumas de aves
requintadas que provinham dos Lapões. Inclusive as vendi, apenas com
um pequeno lucro. Ele estava favoravelmente disposto a mim, quando
procurei o seu conselho. É certo que uma de suas concubinas
compartilha seu sangue, mas não acho que quaisquer deuses, irá se
importar de sua origem, é naturalmente a roubaria se quisesse.
Portanto, quando disse que queria me casar contigo e que você não

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

tinha o meu sangue, disse, que inclusive os bispos cristãos não podiam
se opor.
— Por que quer se casar comigo? Você sabe que te desprezo. Por
que?
— Tenha cuidado, Zarabeth, para que a menina não escute o que
diz. Também poderia me escutar dizer o que faria com ela, se resistir a
mim, e não fizer tudo o que eu quero.
Para Zarabeth não se importava mais. Foi tão simples quanto isso.
Simplesmente vivia, não sofria mais, pois não havia ninguém para
quem fazer isso. Supôs que ela simplesmente teria morrido se não fosse
por Lotti.
Mas Lotti a necessitava, e, portanto, tinha que continuar. Tinha
que fingir que estava viva. Olhou para Olav e não disse nada mais, com
uma expressão tranquila e inerte como seu coração.
— Pode se deitar comigo como minha esposa ou minha rameira.
Ela encolheu os ombros.
— Sua rameira, então.
Não deveria ter dito isso, pensou, olhando para ela com crescente
irritação. Deveria estar agradecida a ele, suplicando de joelhos, porque
estava disposto a se casar com ela, uma mulher sem dote algum, nada
exceto essa maldita menina idiota. Havia-lhe pego em uma mentira e
agora devia voltar a mesmice.
— Não, não terei você como minha rameira, não seria bom para
meus negócios. As pessoas inventariam intrigas sobre mim,
possivelmente questionaria minha honra e meu julgamento, porque
você é muito jovem e eu, bom, eu não sou tão jovem como antes. Não,
não seria bom para mim. Vai ser minha esposa, então ninguém poderá
me criticar. Todos acreditarão que sou mais honrado. Vamos nos casar

94
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

logo. Vou comprar um novo vestido e o usará nas bodas, Zarabeth, e


ficará satisfeita, sorrirá e falará brandamente, e me adulará por todas
as coisas boas que te darei.
Zarabeth o olhou.
— Se me negar a se casar, matará a Lotti?
— Sim.
Usaria a Lotti todo o tempo que vivesse. Zarabeth afastou o olhar
e cortou uma parte de pão morno. Colocou a manteiga e o mel nele e
deu uma dentada. Não disse nada, só comeu, um pedaço atrás do
outro.
— Me responda, Zarabeth!
Ela comeu o último pedaço e limpou a boca.
— Não recordo que tenha me feito uma pergunta. Há algo que
deseje, Olav?
— Maldita seja, me diga que se casará comigo!
— Isso não é uma pergunta.
Ele saltou de sua cadeira, e ela esperava por esta violência. Desta
vez não a pegaria desprevenida.
Agarrou a faca com firmeza.
— Não, Olav, do contrário vou matá-lo.
— Não o faria. — Disse, olhando sua mão com cautela.
— Não haverá violência, Olav. Não vai me bater, nem vai golpear
outra vez a Lotti, ou te matarei. Acredite em mim, digo a verdade.
Encolheu os ombros, com a esperança de salvar seu orgulho, e
quando ela assentiu e deixou a faca, respirou profundamente.
— Uma mulher não deve colocar em perigo seu marido.
— Mas uma enteada se ela puder.
Ele franziu a testa, com amargura em suas palavras.

95
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Age como uma órfã maltratada, Zarabeth. Em realidade, sua


vida é boa e te deixo fazer o que quer. Qualquer mulher gostaria de
preencher o seu lugar.
— Vai convidar a seu filho e a sua esposa para festa das bodas?
Então Olav sorriu. Era um sorriso malicioso. Não tinha sido
mordido por ciúmes. Não se importava o que aconteceu com Keith.
Nada realmente tinha importado desde que Magnus tinha navegado de
York. Não se importava se Keith indignava-se e gritava com seu pai, se
Toki gritava e uivava.
— Oh, sim. — Disse Olav, esfregando-as mãos. — Vou convidar a
todos.
E assim o fez. Ele não poupou em gastos. Uma semana mais
tarde, em uma tarde ensolarada de maio, Olav e Zarabeth se casaram,
primeiro de acordo com cerimônia cristã, o próprio bispo oficiando as
bodas para mostrar o favor do rei Guthrum, e logo os votos foram
realizados ante os deuses vikings Odín, Thor e Frey. Olav deu de
presente para Zarabeth uma fina bata de seda de cor rosa suave com
um manto de uma cor rosa mais escura, ajustado estreitamente na sua
cintura com uma larga faixa de couro branco. Usava dois broches nos
ombros para segurar a manta, os dois esculpidos na melhor prata.
Havia mesas de banquete dispostas na praça de Coppergate,
cobertas com toalhas, que continham pedaços de carne fria e terrinas
com maçãs e peras, cebolas e nabos cozidos ao forno. Havia pão recém
assado, uma terrina cheia de mel e um pedaço de manteiga. Era tanta
a comida que Zarabeth viu que as pessoas adulavam Olav e o
abençoava por sua generosidade, passando por cima do fato que se
casou com sua própria enteada, que tinha menos da metade de sua
idade. Inclusive tinha comprado lã fina para que Lotti tivesse um novo

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

vestido. A pequena ficou perto de Zarabeth durante a cerimônia frente


ao bispo cristão, com o rosto pressionada contra a coxa de Zarabeth.
Keith e Toki também estavam ali, em silêncio. Inclusive Toki, que
nunca podia manter seus sentimentos sob controle, estava tranquila,
pois não era estúpida e viu que todos os vizinhos e as pessoas da aldeia
estavam enormemente impressionados e agradados pela beneficência
de Olav. O próprio rei Guthrum fez uma aparição tardia no banquete,
e Olav teve o privilégio de se pavonear por contar com o seu favor.
Zarabeth aceitou as olhadas invejosas das mulheres solteiras e as
viúvas com muita serenidade. Se soubessem, pensou vagamente, o
imenso vazio que a enchia. Pensou então na chegada da noite, em Olav
nu, cobrindo-a, violando sua virgindade, e inclusive imaginava que não
estava acontecendo isso. Isto aconteceria com outra pessoa. Não a
tocaria realmente. Sentiu que Lotti se apertava com mais força contra
sua perna e tomou a mão da menina na sua.
Viu seu novo marido tomar um cálice de fino vidro azul e beber
ainda mais o doce hidromel. Viu oferecer ao rei um pouco mais da
potente bebida. O rei Guthrum, velho, gordo e barbudo, se sentou ao
lado de sua piedosa esposa, enquanto os homens que o escoltavam
espalhavam pelo lugar nos braços de mulheres jovens e amadurecidas
mostrando seus seios através dos decotes. Homens e mulheres
igualmente estavam bêbados agora, e não prestavam muita atenção ao
fato de que logo Olav iria se deitar com a sua nova esposa.
Nada importava para Zarabeth. Nada disso. Inclusive quando Toki
se aproximou dela, olhando de esguelha para Olav, não fez mais que
perguntar com calma.
— Sim, Toki? Que deseja?

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Acha que ganhou, certo, Zarabeth? Bem, não é assim. Basta


olhar para Olav, está tão bêbado que mal pode se manter em pé. Basta
escutá-lo rindo das brincadeiras estúpidas do rei! É patético, e agora
vai fazer você pagar, minha menina, certamente vai pagar.
— Provavelmente.
— Ele não te dará um filho!
— Espero que não.
Toki ficou em silêncio, olhando para Zarabeth com a concentração
da embriaguez.
— Não me importa. — Disse finalmente, e havia confusão em sua
voz.
Zarabeth apertou mais a mão de Lotti. Olhou para Olav e viu que
tropeçava. Só sentiu um leve rechaço, ao vê-lo.
— Sim, quando vomitar, importará.
Zarabeth suspirou.
— Provavelmente terei que limpá-lo.
Toki dirigiu um olhar malévolo a Lotti, logo olhou seu marido
igualmente ébrio. Zarabeth se afastou, mas ninguém percebeu, porque
a bebida ainda não havia esgotado. Era muito tarde quando dois
homens se aproximaram dela, rindo bêbados, trazendo um Olav
inconsciente entre eles.
— É dever de sua esposa despertá-lo!
— Sim, mas quem sabe não é melhor deixá-lo e que desperte
sozinho.
Levaram Olav para casa, Zarabeth e Lotti seguiam eles. O rei tinha
agradecido o seu convite, igualmente à rainha, e a tinha felicitado pela
generosidade e nobreza de espírito de seu marido. Se sentia cansada
depois de um longo dia, um pouco mais. Fez um gesto aos homens para

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

que pusessem o seu marido sobre sua cama, e depois que o tivessem
deixado, lançando olhadas lascivas, jogou uma manta sobre ele e o
deixou. Orou rogando que dormisse toda a noite.
Olav não dormiu toda a noite. Despertou no meio da noite, ainda
mais bêbado que doente, percebeu de que estava casado com Zarabeth,
e foi em busca dela.
Encontrou-a dormindo com Lotti e a agarrou pelo o seu braço,
sacudindo-a e quase gritando.
— Por que dorme aqui? Por que está com ela e não comigo? Você
dever dormir comigo! Paguei um alto preço por você. É minha esposa!
Zarabeth sentiu que Lotti ficava tensa a seu lado. Ela não estava
dormindo, tinha ouvido ele tropeçar através do quarto. Preparou a si
mesma, e agora disse com bastante calma.
— Volta para sua cama, Olav. As mulheres me disseram que
estaria muito bêbado para me tomar esta noite. Rezo para que não
vomite, porque não desejo ter que limpar depois. Vá agora.
Qualquer pensamento que Olav tinha desejado de se deitar com o
Zarabeth se desvaneceu nesse momento. Agarrou a barriga e saiu
correndo, gemendo, apertando seus braços ao redor de si mesmo.
Zarabeth o ouviu tropeçar ao sair para o exterior, da noite. Ela não se
moveu, se limitou a dizer em voz baixa para Lotti.
— Volta a dormir amor. Ele não nos incomodará, esta noite pelo
menos.
À manhã seguinte, Keith encontrou seu pai encolhido contra a
frente do seu comércio, dormindo como uma pedra.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

08
O rosto de Olav estava cinzento. Seus olhos ardiam e
lacrimejavam. Uma linha de suor frio se via em cima de seu lábio
superior. Sua papada flácida pendurada e sua roupa pareciam
pertencer agora a outro homem, um ainda maior, um gordo e saudável.
A dor em sua barriga tinha aumentado, e agora ele não podia
trabalhar em seu comércio, passou todo o dia sentado no salão vendo
Zarabeth trabalhar. De vez em quando gemia brandamente e
caminhava pela sala, agarrando a sua barriga. Seus amigos vieram no
início, mas como não podia beber, nem comer e nem brincar com eles,
pouco a pouco foram se retirando e, o deixaram só em sua dor e
afastado de suas preocupações. O mesmo ocorreu com seu negócio.
Poucos se aproximavam de lá. As mulheres visitavam Zarabeth, lhe
dando conselhos, olhando tristemente para Olav, e movendo a cabeça.
Olav olhava para Zarabeth agora. Era meio dia e ela estava
cozinhando, provavelmente uma sopa leve, maldita seja. Sopa de aveia
e pão suficientemente suave para um ancião sem dentes e com os
intestinos débeis. Úmidas mechas de cabelo emolduravam seu rosto.
Ela ficou em silêncio, muito calmamente, sem levantar a voz, mesmo
quando gritava no meio de sua dor, cheio de medo e frustração, porque
ele não conseguia pegá-la pela cintura como um homem deveria fazer
com sua esposa, e sentia mais medo cada dia que passava. Lotti

100
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

brincava perto de seus pés, empilhando gravetos, contando-os com


essa feia voz pastosa, então tombava as pilhas. Repetia e repetia a
brincadeira até que Olav quis gritar. Mas não o fez, não tinha a força
suficiente.
De vez em quando, Zarabeth se inclinava e acariciava o rosto da
menina, falava com ela em voz baixa, e logo sorria. Nenhuma de seus
sorrisos doces era para ele. Ela era sua esposa, e, entretanto, isso não
significava nada.
Uma cãibra brutal o fez ofegar, e coxeando saiu da habitação,
inclinado como um ancião, sustentando sua barriga. Zarabeth o olhou
com a testa franzido. Tinha estado doente desde a festa das bodas,
duas semanas antes, e agora parecia um ancião, frágil e abatido, e além
disso agia como um homem velho, queixoso e rancoroso. A princípio,
Olav tinha acreditado que suas dores na barriga eram devido ao
excesso de hidromel e cerveja que tinha consumido em sua festa de
bodas, mas as dores no seu estômago continuaram, e tinha defecações
sangrentas.
Ele não era capaz de consumar seu matrimônio. Uma noite tinha
ordenado que ela se despisse diante dele. Tinha querido vê-la, acariciá-
la, reclamar seu direito como marido. Mas ela não tinha feito. Zarabeth
afastou a lembrança de sua memória.
Keith e Toki vinham todos os dias, o filho para ajudar a seu pai
com seus bens e Toki para desfrutar e ridicularizar Zarabeth é obvio,
burlando do ancião, de sua enfermidade e de sua doce noiva nova, com
quem ainda não se deitou, sua nova esposa que não podia conceber
um bebê.
Zarabeth mexeu a sopa, macerando as batatas enquanto mexia.
Olav podia comer a sopa, e parecia desfrutar dela, apesar de que a

101
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

amaldiçoava em voz baixa mal-humorado e queixoso. Tinha


perguntado à velha curandeira Ungarn, sobre a doença de Olav, e ela
tinha mexido dentro de sua bolsa de pele e tirando dois volumes
viscosos de duvidosa procedência, e disse para Zarabeth que devia
triturá-los com alhos e cebolas e logo misturá-los com folhas de louro.
A combinação parecia nauseante, mas fez isso. Curiosamente, tinha
parecido causar um resultado positivo durante umas horas. Mas logo,
já não tinha nenhum efeito.
Ela levantou a vista para ver Toki perambular pelo salão como se
fosse a proprietária. Logo seria, se Olav morresse, já que Zarabeth não
teria nenhum direito. Certamente Olav tinha desejado deixar todos os
seus bens para o seu filho. Zarabeth olhou para Toki, desejando
simplesmente que fosse embora, e continuou mexendo a sopa. Sentiu
que Lotti se aproximava dela, se inclinou e deu uma tapinha
tranquilizadora na cabeça da menina. Lotti tinha se mantido a
distância de Toki, desde aquela noite há muito tempo.
— O velho parece preparado para o enterro. Tudo o que precisa é
um sudário.
— Acredito que hoje está um pouco melhor. — Disse Zarabeth. —
Mas é persistente e muito dolorosa, esta estranha enfermidade que
tem.
Toki encolheu os ombros e olhou para sopa que Zarabeth mexia.
— Mais mingau insípido para o pobre velho? Que lástima, que
você deve comer o mesmo! As costelas devem estar batendo com força
contra a sua pele.
Zarabeth não disse nada, só se concentrou na sopa. Esmagou
outra batata, e a adicionou à beberagem.
— Ainda não se deitou contigo, verdade?

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

A colher de madeira parou. Lentamente Zarabeth se virou para


sua nora, uma mulher de vários anos mais velha do que ela.
— Guarda sua língua das coisas que não são de sua incumbência,
Toki. Não voltarei a repetir isso. Deixará de me insultar ou direi para
Olav. Já que uma vez me disse, que sem ele, você e Keith morreriam de
fome.
Zarabeth se virou, temendo sua própria ira, ignorando o suave
chiado de Toki.
Às vezes, a vida era quase reconfortante, já que havia se tornado
tão previsível. Zarabeth cuidava de seu marido, suportava o mau
humor de Toki e, as constantes pergunta de Keith sobre a saúde de seu
pai. Pensava em Magnus apenas na escuridão da noite, quando estava
imóvel e protegida, e não podia mantê-lo fora de sua mente. A dor por
sua partida não diminuiu. Era forte e profundo, e a enchia de tristeza
e desespero. Deveria desaparecer a dor, que a dor sempre diminui com
o tempo. Talvez fizesse, no final do verão, ou o outono. Mas por agora
seu rosto estava ainda claro em sua mente, ainda poderia sentir a força
dele quando a tinha abraçado, a zombaria em sua voz, sua ternura, e
essa maneira audaz que tinha de dizer as coisas, que a deixavam muda
de surpresa e alegria.
Ela afastou esses pensamentos. Estava no meio do dia, não, no
silêncio da noite. Keith e Toki tinham vindo, como de costume, para o
jantar. Toki se queixava, como sempre. Lotti puxou a túnica de
Zarabeth, para chamar a sua atenção. Zarabeth ignorou Toki e ficou
agachada ao lado de sua irmãzinha.
Estava com alguns gravetos de madeira. Um deles tinha uma
lasca e Lotti tinha preso em seu dedo médio. Zarabeth brincou com ela,
acariciou-a e tirou a lasca, logo beijou a ponta dos dedos, enquanto que

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Toki se sentava na grande cadeira esculpida de Olav, queixando de sua


falta de atenção, queixando da comida miserável que certamente teria
que suportar outra noite, e dizendo que a menina era estúpida e não
merecia tanta atenção.
Zarabeth ficou lentamente de pé. Nunca parava, nunca. A boca de
Toki funcionava rapidamente todo o tempo, suas queixas e sua
mesquinharia não tinham fim. Para não perder o controle, tomou
tempo para afastar o cabelo úmido do rosto, e alisar a saia de seu
vestido. Ela odiava as brigas, os enfrentamentos, mas simplesmente
não poderia deixar acontecer neste momento. Então disse para Toki.
— Fora da cadeira de Olav, Toki! Inclusive doente, pertence a ele.
Não voltará a falar com malícia de ninguém, nem de meu marido nem
de minha irmã. Entendeu, verdade?
Toki mudou de assento e cruzou os braços sobre seus seios. Logo
sorriu.
— Vadia! Dá ordens e se alegra, porque acha que tudo isto é seu,
mas não será por muito tempo. Não será a proprietária daqui para
sempre, não, nem sequer dentro de um mês, aposto o que quiser. O
ancião nunca te levará para cama. Nunca. Não vai ter nenhum filho
dele, seu único herdeiro será Keith. Esse pobre velho parvo não durará
muito tempo, já o verá. Ele logo estará enterrado com vermes roendo
seus ossos, e morrerá de fome você e essa pirralha!
Zarabeth estava cansada até os ossos, sua ira se consumou.
Sacudiu a cabeça, só para se sobressaltar pelo som da voz furiosa de
Olav.
— Cadela! — Ele entrou na habitação, com os ombros retos, e o
rosto cinzento e agora vermelho de ira. — Não volte a falar novamente
com Zarabeth assim! É uma maligna megera. Pelas feridas de Thor e a

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

bondade de Freya, nunca estive plenamente consciente do que meu


filho teve que suportar. Ou guarda sua miserável doce língua só para
ele? Sim, aposto que faz isso. Quanto tempo leva atormentando a
Zarabeth? E ela te protegeu com seu silêncio, vadia sem valor. Por Thor,
que você deveria morrer!
— Pai, isso não é verdade. — Disse Keith, entrando rapidamente
na sala, em defesa de sua esposa. — A Toki só se importa que você
esteja bem cuidado, nada mais. Ela desconfia de Zarabeth, porque é
filha de Mara. Está preocupada porque Zarabeth é jovem e
despreocupada e certamente não se importa em desperdiçar a sua
riqueza.
Keith não pôde continuar. Zarabeth saltou sobre ele, seus dedos
apertando em seu pescoço, e gritando.
— Não é digno de pronunciar o seu nome! Minha mãe não era
uma rameira! Nunca mais diga isso, do contrário vou te matar!
Zarabeth sentiu as mãos de Olav puxando-a para desprender da
garganta de Keith. Toki gritava, Lotti estava encolhida em um canto, e
Keith simplesmente ficou ali, com o rosto pálido, sem saber o que
deveria dizer ou fazer.
Olav puxou brandamente as costas de Zarabeth. Olhou primeiro
para Toki, logo a seu filho. Então disse com voz baixa e calma.
— Ambos saiam de minha casa. Sinto pena por você, Keith,
porque é débil e miserável, e permite que essa mulher te diga quais
pensamentos devem estar em sua cabeça, e que sentimentos devem
encher seu coração. Eu a golpearia violentamente se fosse você. Talvez
a golpearia até a morte por causa dessa língua de víbora que tem, mas,
dado que não sou você, e já que é um homem adulto, sofrerá o que

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

deseje sofrer sem minha interferência. Nenhum dos dois é bem-vindo


aqui, nunca mais. Vão agora, os dois.
— Pai, não, não pode dizer…
Olav levantou uma mão cansada e se limitou a negar com a
cabeça.
— Cale a boca, Keith, e leve a esta bruxa maldita contigo.
Toki ficou em silencio pela primeira vez em sua vida. Estava
tremendo de raiva, mas mordeu a sua língua, sabendo que falar agora
colocaria em perigo sua situação ante os olhos de seu marido. Não
deveria permitir que isso acontecesse. Por todos os Santos, era sua
única oportunidade, este homem era seu marido e, portanto, superior
a ela, apesar de que era um imbecil e que não podia negociar uma presa
de morsa por um trapo sem perder ouro, era o único que tinha. Ela iria
argumentar com ele mais tarde, convencê-lo a fazer as pazes com seu
pai e rapidamente. Não tinha mais escolha do que convencê-lo. Tudo
dependia dela. Caso contrário, Toki não poderia seguir colocando
veneno na comida noturna do ancião.
Ah, mas ela não poderia contar a Keith, o parvo apreensivo, já que
era fraco do coração. Não, ela inventaria uma história que o colocaria
de cabeça para baixo, e ele acabaria elogiando sua generosidade de
espírito. Tinha sido imprudente atacando Zarabeth com o velho
escutando tudo no seu comércio externo. Não seria estúpida outra vez.
Bancaria a arrependida, e suplicaria o perdão a querida Zarabeth.
Depois que Toki e Keith se foram, Olav guardou silêncio.
Permaneceu em silencio durante o jantar. Comeu pouco a pouco, como
se estudasse cada mordida, para ter a certeza de que a sopa não
colocaria imediatamente doente. Mas, enquanto comia o seu segundo
prato, começou a comer mais rapidamente.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— É incrivelmente bom. — Disse, levantando sua taça e bebendo


o líquido restante, fazendo ruídos fortes ao beber.
Lotti riu, e Olav, em lugar de olhá-la com desprezo mau
dissimulado, sorriu. Logo disse lentamente, olhando-a diretamente.
— Não tive tanta fome desde o dia de minhas bodas. Mas agora
sim, me parece que a sopa de sua irmã curará definitivamente a
enfermidade de minha barriga.
— Rogo a Deus que assim seja, Olav.
Não curou. No dia seguinte, foi afetado por fezes sangrentas, mas
só uma vez. E no outro, nenhuma. Sorriu, e se pôs rir, inclusive
trabalhou em sua oficina durante uma hora.
E nessa noite olhou para Zarabeth, e ela soube o que estava
pensando. Ele a queria, e logo teria forças para tomá-la. Tragou saliva.
Suportaria, tinha que aguentar. Não havia outra opção. Olhou-o
enquanto revisava várias peles de lontra, no salão, não em seu
comércio externo. Tinha mudado, tornando-se mais amável com ela e
com Lotti, suavizando seu tratamento com as duas. Isso foi devido ao
ataque feroz de Toki, e, adivinhou Zarabeth, também ao fantasma da
morte que o fez pensar as coisas de maneira diferente. Mesmo assim,
pensar tomando-a, ou acariciando-a, a fez retroceder.
Não podia dizer nada, era seu marido, e tomá-la era seu direito.
No dia seguinte ele disse durante o almoço.
— Me reuni com o conselho de anciões. E disse que o meu filho,
já não é mais um filho para mim, e que no caso de minha morte, você
herdará todos os meus bens.
Ela o olhou com surpresa.
— Por que, Olav? Isto não pode ser! Não tome as palavras tolas de
Toki para se colocar contra Keith. É certo que tem raiva de sua língua

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

mordaz e muito mal-humorada, mas Keith é seu único filho, e ele


merece algo de você. Não tem seus talentos e seus dons. Te necessita.
— É muito generosa, Zarabeth. O menino se converteu em um
homem, e, portanto, é responsável por si mesmo. Está feito. Não vou
mudar.
— Mas arrumou o seu matrimônio com Toki. Não lembra? Ele não
estava muito contente, mas você lhe pediu que o fizesse. Como pode
dar as costas para ele agora?
Olav não gostou dessa lembrança, mas não disse nada. Era certo
que os pais de Toki tinha trazido muito ouro, mas tinha sido gasto em
maus negócios, pelo Keith, em menos de um ano. Ainda assim, teve
que pensar.
Não é que ele se importasse muito com o que aconteceria no
futuro próximo em relação a seu herdeiro, no momento sua
enfermidade parecia ter diminuído.
Essa noite Zarabeth estava deitada rígida e silenciosa na cama
junto a Lotti, escutando Olav caminhar no salão. Sentiu que seu corpo
gelava. Ele viria até ela e pediria que o acompanhasse a sua cama.
Sabia, e se preparou para isso, entretanto, quando aconteceu, quando
ele afastou de um lado a pele de animais que separava a área do
dormitório do salão, fingiu dormir.
— Não, Zarabeth, já é hora. Sei que está acordada. Venha comigo
e te ensinarei coisas que poderá desfrutar.
Ficou de pé, sabendo que não havia nada mais que pudesse fazer.
Usava sua camisa de dormir, mas chegava apenas nos joelhos. Se
sentia exposta, envergonhada e impotente. Seu cabelo tinha sido
trançado, e nas suas costas balançava uma grossa trança. Ele tomou

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

a sua mão e a levou para o seu dormitório. Sua cama era grande e feita
de madeira de carvalho, coberta com peles suaves e mantas de lã.
— Tentarei me tornar em seu marido, Zarabeth. — Com estas
palavras, se inclinou e a beijou.
Se obrigou a suportar. Tratou de não pensar em Magnus, mas ele
estava ali, entretanto, no fundo de sua mente, em uma parte dela que
onde nunca se foi. Com o tempo, talvez, pensou freneticamente, ele
seria um fantasma, a lembrança de um sorriso, de um olhar, mas agora
era real e estava vivo dentro dela. E outro homem estava a beijando.
— Destrança o seu cabelo. Uma mulher não deveria ter o cabelo
penteado para trás de seu rosto. Não me agrada.
Ela puxou a trança sobre o seu ombro e desatou o laço de couro.
Lentamente deixou o cabelo livre de sua trança, alisando com os dedos,
até que Olav a deteve e desembaraçou ele mesmo.
— Suave. — Disse, e levou uma mecha à bochecha, esfregando-o
para frente e para trás. — Vermelho como o pôr do sol antes de uma
tormenta noturna, e muito suave.
Passava os dedos pelo cabelo, desembaraçando enquanto ela
ficava imóvel como uma pedra. Quando tinha terminado, deu um passo
para atrás.
— Necessito de estimulação, embora tenha passado muitos dias
sem o corpo de uma mulher. Minha enfermidade entorpeceu os apetites
de meu corpo. Sentarei aqui e você vai se despir para mim. Fará que
minha masculinidade ganhe vida novamente, Zarabeth.
Ele se sentou no colchão sobre a cama, se apoiou contra a parede
de madeira polida, e cruzou os braços sobre seu peito. Olhava-a. Seu
coração pulsava com força, em golpes lentos e profundos. Tinha
deixado a pele de urso posta debaixo porque aparentemente sempre

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

tinha frio, e necessitava do calor do fogo, inclusive no verão. Agora


sentia que o calor aquecia sua carne, enquanto a olhava.
Ela ficou ali, na penumbra do fogo moribundo, com o cabelo
selvagem ao redor do seu rosto, e querendo morrer.
— Não posso, Olav.
Ele não se moveu.
— Você não vai se negar, como fazia antes Zarabeth, fui
compreensivo então, porque não podia me converter em seu marido,
mas agora será diferente. Você me curou com seus ternos cuidados.
Agora me sinto um homem novamente.
O que poderia fazer? Desejava em vão o entorpecimento, o vazio,
que tinha impedido de sentir quase nada, depois que Magnus a tinha
abandonado. Mas a dormência não era mais que uma vaga lembrança
agora. Sentiu muito medo e uma vergonha horrível, desejava
violentamente que Olav tivesse permanecido doente.
— Agora, Zarabeth.
Ela levou as mãos as tiras estreitas que se seguravam em seus
ombros. Lentamente as baixou até que a camisa parou na
protuberância de seus seios. Ele a olhava fixamente, e ela ficou imóvel.
Olav se inclinou para frente e a tocou de repente, estendendo a mão
contra o seu seio. Seus dedos eram suaves e brandos. Tirou a roupa,
até deixá-la solta ao redor de sua cintura, e viu que ela estava tremendo
com a força de seu medo. Duvidava que também tivesse visto a
repugnância em seus olhos, porque não estava olhando por cima de
seus seios.
— Pela tocha de Thor, é linda. Não tinha percebido... Tão branca
e suave.

110
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Suspirou, e se inclinou para frente para pressionar o rosto contra


o seu seio, abraçando suas costas. Ela não se moveu, fechou os olhos
e ficou completamente imóvel. Sentiu seu fôlego quente contra a pele,
sua língua lambendo sua pele fria. Sua respiração se acelerou e seus
braços se apertaram ao redor dela, atraindo-a mais perto de seu corpo.
Suas mãos foram para as suas nádegas e se estremeceu pela sensação
de tê-la nua.
— Tão linda. — Sussurrou, e depois se inclinou para trás, olhando
seu rosto pálido. — Você não deseja isto, Zarabeth, mas aprenderá e se
adaptará. Agora, vou mostrar minha masculinidade e você terá que me
ajudar.
Ele se despiu de forma rápida e viu que estava muito magro, sua
carne flácida estava pendurada, e sua virilidade mole e pequena, estava
aninhada em um arbusto de pelos dourados frisados de cinza em sua
virilha.
Ela o viu tocar a si mesmo, enquanto freneticamente tentava
trazê-lo de volta à vida, mas o pau de sua masculinidade ficou como
estava.
Ele a olhou então e viu o desgosto em seu rosto, ao notar a
repulsão que não podia ocultar. Sentiu fúria e frustração em
quantidades iguais.
— O maldito Viking te mostrou o seu pau? Certamente você o
tocou e acariciou com as mãos e com a boca. Seu pênis era muito
grande, Zarabeth? Sim, ele é jovem e vigoroso, mas te asseguro que o
meu também é, me toque, maldita seja!
Ela deu um passo para atrás, logo outro. Negando com a cabeça,
cobrindo os seus seios com as mãos.

111
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Por favor, Olav, não posso. Sou uma dama. Nunca antes tinha
visto o corpo de um homem, e mais, tampouco o Viking. Por favor, não
me peça que te acaricie agora... Não assim.
Ele baixou o olhar e soube que não conseguiria nada nessa noite.
Estava murcho e morto. Logo levantou a vista para ela, viu que havia
colocado novamente sua camisa de dormir, e riu de si mesmo, da ironia
de sua vida.
— Uma jovem e bela mulher... Basta ver todo esse cabelo
vermelho, e esse corpo, tão glorioso e suave, toda essa pele branca, e
não posso fazer nada, exceto te olhar. Ah, sim, é uma dama, Zarabeth,
e te ofendo mostrando minha abatida masculinidade. Vá para cama.
Quero dormir. Vou recuperar minhas forças, já verá. Chamarei você
quando estiver pleno e a tomarei, e não terá que me ver assim nunca
mais. Sim, vou ser um homem novamente e será obediente a minhas
exigências.
Fugiu, muda pelo alívio.

Magnus estava no monte em frente à sua fazenda fortificada,


Malek, e olhou para o Oeste, até o extremo do vale Gravak. Era pleno
verão, e havia muito trabalho para fazer no campo. Logo viria a colheita
e se uniria a todos os homens e mulheres, para trabalhar do amanhecer
até o crepúsculo para logo cair esgotado em sua cama. Olhou as
encostas íngremes cobertas de pinheiros no extremo sul do golfo, uma
terra imensamente bela que entrava na água, em muitos lugares mais
de cem metros de costa. O verde das grossas árvores nas montanhas
contrastava com o azul da água. Era sua terra e ele a sentia como a

112
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

nenhuma outra. Sempre retornava com alegria ao vale onde tinha


nascido, o vale que tinha pertencido a sua família durante mais
gerações do que podia recordar. Havia muita gente no vale agora, e
logo, chegariam outros tantos noruegueses, que estavam famintos de
terras, porque sua própria terra não podia alimentá-los. Mas por
enquanto, a terra era fértil e o tempo os tinha abençoados com a
preciosa chuva e o trigo, o centeio e o milho cresciam abundantes
graças à riqueza do chão. Seria outra geração, pelo menos, talvez seu
filho, que deixaria o vale para conquistar novas terras e governá-las.
A sua volta no vale, sua riqueza tinha aumentado ainda mais, mas
não lhe trouxe alegria, sentia que um grande vazio que o consumia e,
uma fúria selvagem se mesclava entre partes iguais, em seu interior.
Inquieto agora, caminhava até a beira do escarpado que formava o
limite exterior de sua aldeia, e sentia uma imensa dor e ao mesmo
tempo a raiva o inundou. Pelas feridas de Odin, o que tinha feito de tão
mal para que ela o desprezasse? Era seu caráter tão repulsivo? Seria
tão desagradável seu corpo que tinha lhe repelido a ideia de ir para
cama com ele? Talvez fosse apenas isso, no final, não se animou em
abandonar sua casa para viajar para um país desconhecido. Talvez
simplesmente não tinha acreditado nele o suficiente. Talvez tinha lhe
mentido em tudo.
Ele deu um murro na sua coxa e fez uma careta pela dor de seu
próprio golpe. Maldita seja! Deveria simplesmente tê-la pego e trazer
com ele na volta. Tinha permitido que ela escolhesse, e ela o desprezou.
Dar uma opção a uma mulher era uma tolice. Não tinha sido
homem com ela, não deveria ter aceito suas caprichosas decisões, seu
pai não teria feito isso, e seus dois irmãos tampouco. Sim, eles teriam
rido dela, se tivesse ousado a dispensá-los tão claramente, e eles a

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

teriam levado gritando, sem prestar nenhuma atenção. Sim, ele tinha
sido um parvo.
O que tinha visto de mau nele para que o desprezasse? Nenhuma
mulher antes tinha feito. Por que Zarabeth? Por que a única mulher
com quem tinha desejado se casar?
Se virou ao ouvir a voz de sua irmã.
— Sim. O que você quer, Ingunn?
— Você, irmão! Estou preocupa com você, Magnus. Preocupa a
todos, incluído os homens. Não percebeu? Crítica aos homens mais do
que merecem, grita e repreende a seus escravos. Nem sequer leva a
Cyra para sua cama como antes.
— Há! Fiz isso assim que cheguei em casa. Tomei tanto que mal
pôde caminhar.
— Sim, mas então a dispensou. Ela se sente muito triste, como se
tivesse falhado de alguma forma.
Encolheu os ombros, sem olhar para Ingunn, mas olhando
fixamente para o lado Norte do golfo. Por que em nome do martelo de
Thor, Ingunn deveria se preocupar com os sentimentos de Cyra.
— É há outra mulher, não é assim? Conheceu uma mulher em
suas viagens e te consume a lembrança?
Ele riu disso.
— Você me faz parecer como um osso de cão que o nosso pai
burlava.
Sentiu seus dedos na manga da sua túnica.
— Não, irmão, não é brincadeira, nosso pai se pergunta o que é
que está te amargurando. Disse que você não está interessado em beber
com os homens ou nas histórias que se contam em seu salão. Disse
que você sempre agiu como uma criança doente de amor. Mas agora

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

ele sente que há uma raiva furiosa em você, uma grande irritação, e
pressente que haverá derramamento de sangue antes que sua ira
despareça.
Novamente Magnus encolheu os ombros. Era certo, tudo isso,
entretanto, era um assunto privado e que queria manter para si
mesmo. Supôs que deveria estar contente de quem sabia de Zarabeth,
tinham mantido sua boca bem fechada. Não incumbia a ninguém, nem
a seu pai, nem a seus irmãos, e certamente tampouco a Ingunn.
De repente, sorriu, um sorriso triste, um sorriso cruel. Se virou
logo com uma decisão repentina e irrevogável e sentiu que o peso de
uma rocha se desalojou de seu peito.
— Estou saindo de manhã. Prepare comida suficiente para uma
viagem de trinta dias para doze homens. Vou comercializar algo mais
na Birka. Se apresse agora, Ingunn.
Ela não queria obedecê-lo, mas não tinha escolha. Não acreditava
nele. Birka era o último lugar que ele iria. Ela o deixou sem dizer mais
nada, para fazer sua vontade. Se virou só uma vez, para vê-lo de pé no
mesmo lugar, com o olhar perdido no golfo, mas não olhava para água
clara e fria.
O que estava vendo?

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

09
Olav tinha morrido. No início da manhã, justo depois do
amanhecer, gemendo e agarrando a barriga. Durante toda a noite
Zarabeth ficou com ele, desamparada e assustada, com medo de deixá-
lo, mas sabendo que não havia nada que realmente pudesse fazer. Ele
nem sequer tinha sido capaz de levantar-se para fazer suas
necessidades.
No final, já não a reconhecia mais. Falava de sua mãe, o quanto a
tinha amado e como o tinha traído. Zarabeth havia segurado a sua
mão. Nada disto tinha sentido. Ele tinha estado bem na noite anterior,
assobiando enquanto contava os lucros que tinha obtido nesse dia. E
agora, só doze horas depois, estava morto.
Zarabeth ajudou a Imara e Lannia, as duas mulheres mais velhas
que já tinham visto sua cota de mortos que preparavam os cadáveres
para o enterro, seu corpo já estava pronto. Estava entorpecida, só por
cumprir com as simples tarefas que Lannia tinha atribuído para ela,
não entendeu muito bem quando Toki entrou na sala, cheirou e disse.
— Por Thor, fede aqui! Não pode fazer algo, Zarabeth?
Imara se virou para Toki e lhe dedicou uma careta perversa.
— Cuidado com a língua. É um lugar de morte, e o seguirá sendo
até o dia seguinte.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Zarabeth então, se virou para enfrentar Toki. Estava tão cansada,


que a única coisa que queria fazer era se arrastar até sua cama, deitar
junto de Lotti e sonhar que todo este horror tinha sido um pesadelo.
Mas não podia. Tinha que assumir a responsabilidade pelo enterro de
Olav, porque tinha sido sua esposa. Ela disse mais perplexa do que
zangada.
— Por que o odeia tanto? Ele permitiu que voltasse, te perdoou.
Você compartilhou estes últimos jantares conosco. Por que fala tão
cruelmente dele agora?
Toki encolheu os ombros.
— Eu não odeio Olav, é só que não queria me casar com Keith,
mas meus pais me obrigaram, e meu marido não é um comerciante
como o seu pai. Olav deveria nos dar sua ajuda, mas nos deu muito
pouco. Não, Zarabeth, Olav escolheu você, uma cadela jovem, como
esposa e deu as costas a seu único filho, porque você o convenceu para
que se afastasse de Keith.
Imara endireitou seus ombros largos, seus braços grossos e
musculosos como de um homem e se aproximou de Toki, parando-se
ao lado da mulher mais baixa.
— Fora, Toki, e não volte até que possa controlar o veneno de sua
língua!
Lannia, corcunda e com o cabelo desalinhado, nunca levantou a
vista de sua tarefa. Só disse.
— A mãe de Toki é uma bruxa, e deu à luz a uma bruxa. Não
preste atenção nela, Zarabeth.
Na verdade, já tinha afastado Toki de sua mente. Sua atenção
estava em Lotti, sentada em um canto, jogando com seis gravetos

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

esculpidos, que Olav lhe deu muitos anos antes. A menina estava em
silêncio, também tranquila.
Sentiu a dor do medo. Olav tinha morrido. O que seria dela e de
Lotti? Se inteirou ao dia seguinte depois do funeral de Olav. Dois de
seus amigos, membros do conselho de York, vieram vê-la. Eram
homens de idade, de cabelos grisalhos e sem dentes, entretanto, foram
muito amáveis. Ela serviu-lhes hidromel para beber, logo esperou
respeitosamente que falassem.
— ...Assim, Zarabeth, Olav te deixou todos seus bens, seu
comércio e sua casa. Não queria que seu filho herdasse nada.
Na verdade, não tinha acreditado no Olav, quando ele disse que
tinha feito isso. Conhecia-o bem, tinha estado segura de que se
preocuparia com seu filho, que ia mudar de opinião, que ia passar por
cima da maldade de Toki e, que não prejudicaria Keith, só para se
vingar dela. Negando com a cabeça agora.
— Mas Keith... Não é justo. Certamente Olav...
— É como dissemos a você. — Ambos a olharam então, de perto,
como se fosse uma espécie de raridade. — Realmente é assombroso,
sim, é verdade, mas é jovem e atraente, e aí está a resposta a todas
nossas perguntas. Portanto se manterá a sua palavra. É o que desejava
o seu marido.
E eles deixaram a casa de luto rapidamente. Os homens não
gostavam da ideia de que o espírito de um morto estivesse em suas
costas, e rondando a suas próprias almas. Entretanto, Zarabeth se
surpreendeu por sua abrupta retirada, por sua brutalidade. Eles
tinham sido amáveis até hoje. Não tinham desaprovado o matrimônio
de Olav com ela antes, ou se tinha feito, tinha ocultado muito bem.
Lembrava dos dois claramente no dia de suas bodas, bêbados,

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

tropeçando e beliscando as nádegas das mulheres quando se


aproximavam. Riam e davam tapinhas nas costas de Olav e, riam mais,
quando o aconselhavam sussurrando em seu ouvido. Mas não estavam
rindo agora.
Durante os dois dias seguintes, Zarabeth dormiu e tratou de
recuperar suas forças. O funeral de Olav tinha sido uma mescla de
rituais cristãos e Vikings, tinha sido enterrado em um sepulcro debaixo
da terra, onde colocaram uma runa de pedra em cima. Todos seus
vizinhos a deixaram sozinha, como se adivinhassem que precisava
estar sozinha, para meditar, para recuperar seu equilíbrio.
Dois dias mais tarde, Zarabeth levou Lotti para fora. Era pleno
verão e fazia muito calor, nenhuma brisa agitava o ar, percebiam os
aromas familiares dos animais e o suor humano e os excrementos. Viu
os vizinhos e os saudou, agradecendo que a tivessem deixado sozinha.
Então percebeu de repente que não a olhavam, ou se viravam
rapidamente evitando-a. O que acontecia com eles?
Como era seu costume desde que Magnus a tinha abandonado,
ela e Lotti se aproximaram das docas de York. Olhou os navios
mercantes atracados, os navios vikings, com os espaços de carga
cobertos, sabendo que o Vento do Mar não estava ali, mas olhando de
qualquer maneira para acalmar a fome de sua alma. Lotti apertou a
sua mão e, Zarabeth olhou para Keith que se aproximava, três homens
do conselho de York estavam com ele. Se dirigindo a ela e gritou.
— Não se mova!
Mover-se? Por que não deveria se mover? Esperou pacientemente
que chegassem até ela, com a mão de Lotti firmemente presa na sua.
— Tudo está acabado, Zarabeth.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Que foi, Keith? O que faz aqui? Te aconteceu algo? Toki se


encontra bem?
— Você ia tentar escapar em um dos navios? Outro viking, te
ofereceu ajuda?
Ficou olhando para Keith, pensando em suas perguntas,
empalidecendo, ante o olhar tenso em seus olhos.
— O que é isto, Keith? O que está errado?
Um dos membros do conselho, um homem velho chamado Arnulf,
que tinha dançado bêbado em sua festa de bodas, dirigiu-se a ela e lhe
disse com uma voz cheia de fúria.
— Sabemos a verdade agora, Zarabeth. Sabemos que matou o seu
marido, que você o alimentou com veneno desde dia que se casou com
você. Morrerá agora, e se fará justiça.
— Veneno. — Ela olhou para Keith e, a cada um dos três homens
mais velhos. Eles estavam muito sérios. — Você acha que eu envenenei
o Olav? Era meu marido! Estive ocupada e preocupada com ele durante
toda sua enfermidade, não tentei matá-lo! É uma loucura. O que está
acontecendo aqui?
— É muito tarde para negar, Zarabeth. — Disse Keith, mas
quando ela se virou para ele, deu um rápido passo para trás, como se
esperasse que ela o atacasse.
— Eu não fiz nada de errado com Olav!
O velho Arnulf se limitou a negar com a cabeça.
— Tanto Keith e como Toki são testemunhas de sua obra. E uma
mulher que tratou de matar o seu marido, é algo que não vamos tolerar,
e, portanto, terá que morrer.
— Não! — Sem pensar, sem ser ciente de sua decisão, Zarabeth
agarrou em seus braços Lotti e, correu ao longo das docas de madeira.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Dois marinheiros grosseiramente vestidos a detiveram, rindo, olhando-


a como se fosse uma fruta e eles estivessem mortos de fome.
— Agarrem-na! É uma assassina!
Os marinheiros deixaram cair suas mãos, como se tocá-la fosse
queimá-los ou como se ela tivesse segurando uma faca. Desta vez,
entretanto, Zarabeth não se moveu. Esperou que se aproximassem
novamente, e logo disse.
— Você diz que Keith e sua esposa disseram que eu envenenei
para Olav. Como é que sabe?
Arnulf a pegou pelo o braço e disse bruscamente.
— Terá a oportunidade de fazer suas perguntas e suas súplicas
diante do rei, porque era amigo de Olav, e disse que vai presidir o
julgamento sobre você. Venha.
E assim foi feito. Zarabeth não protestou mais até que percebeu
que iam levá-la para o recinto dos escravos. Encontrava-se em deserto
estéril justo fora das fortificações da cidade, um lugar sujo e miserável.
Estava rodeado por uma parede de terra, de um metro de espessura, e
havia uma grande casa comunitária que tinha um teto de palha. Ao
redor da casa comunitária se encontravam as choças separadas para
os guardas. Havia um poço comunitário, mas nada mais.
Mesmo assim, ela não cedeu a seu terrível medo. Diria ao rei
Guthrum a verdade sobre a situação. Tudo estava muito claro para ela,
Toki tinha envenenado Olav e tinha convencido Keith para culpa-la.
Não era de se sentir surpresa que Olav tivesse sofrido uma melhoria
nos dias que tinha proibido que Toki e Keith voltassem para a sua casa.
E logo, por causa de suas súplicas, Olav os tinha perdoado e tinha
permitido que eles voltassem. E assim tinha assinado sua própria
morte, esse foi o pagamento que recebeu por sua generosidade. Era

121
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

demais. Não pôde entender naquele momento que já não haveria


esperança para ele.
Ela diria ao rei, o que tinha acontecido e então ela e Lotti estariam
em paz.
O velho Arnulf a entregou ao único guarda, um homem enorme
com um nariz achatado e negras sobrancelhas grosas que se uniam,
formando uma só linha.
— Protege-a bem, porque é uma assassina. Vai comparecer ante
o rei Guthrum amanhã. Cuida que ninguém abuse dela ou a viole, e
que não roubem as suas roupas.
O guarda grunhiu e a puxou pelo braço. De repente Arnulf disse
em voz alta.
— Não, a menina não pode entrar no recinto! Keith pega a sua
irmã. É sua responsabilidade agora.
Foi então quando Zarabeth perdeu o controle. O pânico a invadiu
e se virou, gritando.
— Não! Ele não vai cuidar dela, não! Keith a despreza... Toki
baterá nela e a matará!
Mas Keith tirou Lotti de seus braços, olhando à menina com
desprezo, enquanto ela chorava baixinho, com sons feios e
estrangulados.
— Leve-a, Keith, e cuide dela. A menina não sofrerá nenhum dano
a seu cuidado.
Lotti lutou quando Keith a elevou, e segurando os seus braços
para evitar que batesse nele.
— Não! — Zarabeth enlouqueceu. Tratou de pegar Lotti, apenas
para sentir os seus braços dobrarem para trás dolorosamente.

122
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

O guarda a tinha sob seu controle, mas ainda, a segurava com


firmeza. As lágrimas corriam por seu rosto e sufocavam sua garganta
enquanto observava Keith tentar dominar a Lotti. A menina se jogou
para trás, tentando se livrar dele, mas não conseguiu. Zarabeth sentiu
uma impotência tão grande que quis morrer. Mas não podia. De algum
jeito tinha que salvar a Lotti. Mas primeiro tinha que salvar-se a si
mesmo. Conseguiu dizer em voz baixa.
— Não, Lotti, quieta, amor. Keith não te fará mal, nem Toki. Arnulf
prometeu que vão cuidar bem de você. Vá agora com ele, e eu vou
buscá-la quando isto acabar.
Para surpresa de todos, Lotti olhou para sua irmã e sorriu, um
sorriso belo que demonstrava sua fé e completa confiança. Logo ficou
olhando-a sobre o ombro de Keith, pequenos soluços até saindo de sua
boca.
— Vamos.
Disse o guarda, e sua voz era tão áspera e feia como seu rosto. Ele
não a deixou caminhar devagar, arrastou-a para a casa comunitária.
Se virou e viu Arnulf se afastando silenciosamente com o Keith, e Lotti
atrás deles.
O guarda a empurrou para dentro da casa comunitária. Estava
tão escuro dentro, que no princípio não podia ver nada. Então viu às
pessoas. Eram muitas e estavam sujas, alguns dos homens levavam
grilhões, as mulheres estavam desalinhadas e se viam indiferentes,
com os olhos vazios sem esperança. Cada um deles, sabia, tinha um
lar, uma história para contar, mas agora, tudo isso era só uma
longínqua e vaga lembrança. Era muito triste, mas assim era como
estavam as coisas. Os escravos eram uma propriedade, nada mais.
Zarabeth, prestou atenção no guarda quando ele disse.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Não a prejudiquem. — Levantou a cabeça e olhou a todos os


homens e meninos que se viraram para ver sua entrada. — Qualquer
um que ouse tocá-la, será esfolado a chicotadas em suas costas e seus
paus serão cortados limpamente.
Se virou para ela então, e a empurrou para o final da longa
habitação escura.
— Mantém a sua língua em sua boca e tudo vai ficar bem.
E a deixou ali no meio da casa comunitária com teto de palha,
nesse escuro interior, onde não havia janelas, e o fedor das pessoas era
repugnante em suas narinas.
Caminhou lentamente para um lugar vazio contra a parede e se
deixou cair. Ninguém disse nada.
Ninguém sequer prestou atenção nela. Houve silêncio.
Estava entorpecida, mas não tão entorpecida para não ser
consciente do terrível silêncio. Havia uns vinte homens e mulheres
esperando, esperando que alguém os comprasse, ou esperando
morrerem. Então começaram a falar entre si, e reconheceu o acento de
sua terra natal, Irlanda. Perguntou-se o que teriam sido antes que os
vikings os tivessem capturados e trazidos para York. Perguntou-se se
teriam chegado tão desnutridos e desalinhados, ou se os cativeiros
deles, tinham feito parecer como animais sujos.
Passou o dia, e a noite. Zarabeth comeu um guisado aguado em
uma terrina de madeira. Não tinha que se preocupar de que nenhum
dos homens tentasse violá-la. Estavam muito confinados em si mesmos
e preocupados com seu próprio destino para se ocupar dela. Teve frio
durante a noite, mas não importava. A ninguém importava.
Pensou em Lotti e sentiu que o suor corria pelas suas costas e os
braços. O aroma de terra penetrava suas narinas, e cobria seu vestido,

124
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

e quando despertou na manhã seguinte, o guarda feio estava de pé


frente a ela e, em sua mão sustentava o precioso broche que Olav tinha
dado a ela. O tinha tirado do vestido e as tiras da túnica tinham ficado
soltos sobre seu ombro.
Ela não disse nada. Não importava. Disse ao guarda.
— Verei o rei em breve. Estou suja e preciso me banhar.
Ele a olhou como se tivessem brotada asas de faisão nela. Logo
riu, jogando a cabeça peluda para trás, dando alaridos. Tratou de
pentear seu cabelo com os dedos, mas sabia que era inútil. Se sentia
pequena, suja e enrugada.
Era quase meio dia quando o velho Arnulf chegou para levá-la
para ver o rei. Olhou-a e apenas sacudiu a cabeça. Zarabeth novamente
pediu por um banho, mas ele não quis nem ouvir falar disso.
— Não há lugar para que te banhe ou trocar o seu vestido. Keith
e Toki se mudaram para casa de Olav. Iremos agora, porque não
queremos fazer esperar o rei.
O palácio do Rei Guthrum se localizava em um terreno elevado
por cima do porto de York, rodeado por paredes de pedra branca,
extraídas no Helleby, estas brilhavam à luz do sol verão. Zarabeth tinha
visitado o palácio uma vez em companhia de Olav, quando ele tinha
levado para o rei uma magnífica pele de urso como presente de
aniversário. Tinha-o esperado em uma câmara exterior e tinha sido
muito bem recebido por todos.
Ela não se maravilhou com nada agora, estava muito assustada.
Tapeçarias de deliciosas cores brilhantes cobriam as paredes de pedra.
As paredes que eram de madeira em lugar de pedra tinham sido
suavizadas e cobertas com centenas de metros de sedas vermelhas e
vívidas lãs azuis. Mas já não era uma menina para ficar olhando

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

boquiaberta. Agora era uma prisioneira. Endireitou os ombros,


esperando.
A mão do velho Arnulf se apoiou e inclinou as suas costas.
Empurrou-a para frente como se ela não tivesse tido a capacidade de
caminhar por si mesmo sem que ele a dirigisse. Isso a zangou! Queria
se virar e gritar que era um parvo, e mais que isso, que estava cego na
verdade. Não, não, ela devia esperar, diria ao rei a verdade e ele teria,
pelo menos, que considerar as suas palavras.
O Rei Guthrum já não era o jovem e bonito viking que tinha
governado toda Danelaw durante quase três décadas. Ele estava velho,
gordo e grisalho, seu rosto estava profundamente enrugado pela
exposição ao sol. Estava sentado em um trono de madeira de carvalho
magnificamente esculpido com apoios para os braços finamente
ornamentados. Parecia ser obra de magia, os braços da poltrona
desapareceram quando ele se sentou. Estava esplendidamente vestido
de seda de cor vermelha, como era seu costume, e levava muitos
braceletes em seus braços e anéis em seus dedos. Ao redor de seu
pescoço tinha uma grosa corrente de ouro polida e incrustada com
rubis e diamantes. Pelo menos uma dúzia de homens estavam
localizados em torno dele. Nenhum ousava se sentar na presença do
rei. Arnulf empurrou Zarabeth para frente e ela tropeçou até cair de
joelhos.
— Fique aí. — Gritou ele atrás dela.
Ela olhou para cima encontrando os olhos do rei.
— Você é Zarabeth, a viúva de Olav.
— Sim, senhor.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Antes disso, foi sua enteada, e então ele condescendeu em se


casar com você. Em suas bodas acreditei que Olav, fazia uma boa
escolha.
Ela recuou para trás ante as palavras frias e a conclusão
equivocada. Ela negou com a cabeça.
— Não, senhor, não é assim. Eu desejava proteger Lotti, minha
meia irmã pequena. Por isso, ante sua insistência aceitei me casar com
ele.
O Rei Guthrum se virou para Keith, ela seguiu seu olhar e viu o
Keith negar com a cabeça, também viu Toki de pé detrás dele. Olhou a
seu redor freneticamente procurando por Lotti, mas a menina não
estava ali.
Ela sentia que o medo subia pela sua garganta, mas conseguiu se
acalmar e ficar em silêncio.
O rei se virou novamente para ela.
— Arnulf nos diz que desejava falar em sua própria defesa. Faça
agora. Há assuntos mais importantes que esperam minha atenção.
Pouco a pouco Zarabeth conseguiu ficar de pé. Endireitou o
vestido e o acomodou sobre seus ombros. Seu queixo se elevou. Sabia
que sua vida dependia de suas palavras.
— Vou dizer a verdade, senhor. Eu não matei Olav. Tratei dele
fielmente durante sua enfermidade. Foi amável comigo. Você estava ali
em nossas bodas e viu que estava satisfeito. Nessa noite estava bêbado,
igualmente a todos os convidados. No dia seguinte, adoeceu e sua
enfermidade se manteve durante semanas, e cada dia ficava pior. Fiz
tudo o que pude por ele. Logo houve uma noite em que a esposa de
Keith, Toki, me tratou cruelmente e Olav pediu a seu filho e a sua
esposa que fossem embora de sua casa e, nunca mais voltassem.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Quase imediatamente Olav começou a melhorar. Estava quase bem


quando perdoou Keith pelo mau gênio de sua esposa e eles voltaram
uma vez mais a compartilhar nossos jantares. Ele adoeceu e morreu
nessa mesma noite. Eu não o envenenei, senhor, mas imagino que Toki
o fez, e agora ela convenceu a seu marido para colocar a culpa em mim.
O rei não disse nada, se sentou ali acariciando com seus dedos
retorcidos o queixo.
— Ouvimos o relato de Keith e Toki, e agora escutamos suas
palavras. Uma jovem esposa procura obter a fortuna de seu marido,
mas não o quer, porque é velho e já não é bonito. Deseja se libertar dele
e de suas exigências.
Pelo menos parte disso era verdade, e Zarabeth se sentiu
empalidecer sob o olhar do rei. Logo negou com a sua cabeça.
— Pergunte ao Arnulf sobre os desejos de meu marido. Queria
deixar para mim todas suas terras e seus bens, não a seu filho, porque
não sentia mais afinidade por ele. Esta é a razão pela qual Keith e Toki
me culpam de assassinato. Mas eles são os responsáveis, ninguém
mais! Querem o que é meu, e de minha irmã!
O rei levantou a voz então, severo e frio, interrompendo-a.
— Ouvi que desejava deixar a casa de Olav para ir embora com
um viking jovem e bonito, mas logo mudou de opinião, porque Olav se
ofereceu para casar com você. Decidiu ficar e desfrutar de sua riqueza,
em lugar de se arriscar em uma terra longínqua.
— Isso não é verdade! Como se inteirou disto, senhor?
Arnulf deu uma cotovelada nas costelas.
— Cuida de sua língua, estúpida moça!
— Espere. — Disse o rei, levantando uma mão retorcida. — Deixa-
a em paz, bom Arnulf. Ela merece saber de todas as provas contra ela,

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

então talvez rogue e suplique perdão. Agora, menina, escutei ao homem


que você encorajou e logo desprezou, porque não podia estar segura de
que te daria tudo o que queria. Sim, Magnus Haraldsson me disse que
é uma moça pérfida e desleal, que decidiu deixar o Olav com ciúmes,
e, portanto, o provocou até que ele se comprometeu em se casar com
você. E logo dispensou o homem que te queria e que tinha prometido
toda sua lealdade e sua riqueza. E, portanto, não terei consideração
com você. O filho de Olav merece as posses de seu pai, não uma moça
que se casou com ele só para obter sua riqueza, uma jovem que
ansiosamente se separou de outro homem, um homem jovem com
verdadeira honra, a quem insultou gritando sua decisão à vista de
todos os cidadãos de York para que sua humilhação fosse ainda maior.
Zarabeth deixou de pensar, quase deixou de respirar, porque
enquanto o rei falava, a pesada cortina de seda que estava atrás de sua
cadeira se separou, e Magnus entrou, até parar ao lado de Guthrum.
Ficou olhando para Zarabeth e viu a frieza em seus olhos, o ódio por
ela saía de seu coração. Sentiu um choque, um instante de esperança
louca, e logo desespero. Só ele poderia ter dito ao rei estas coisas.
— Não é verdade. — Se ouviu dizer em voz baixa.
— Bem, menina, fala, se é que tem algo o que dizer, porque
gostaria de ter este fato resolvido e a penalidade imposta.
— Olav me obrigou a rechaçar a Magnus! Ele me obrigou a fazer
isso!
— E como ele fez isso?
— Ameaçou matar a Lotti, eu juro!
Keith gritou.
— É uma mentira, uma mentira abominável! Meu pai amava à
menina, deu tudo o que ela desejava. Ele a cuidava e brincava com ela.

129
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Zarabeth o matou e agora ele se foi! Meu pai era um santo. Nunca
colocou em perigo a uma menina!
O rei não disse nada durante vários minutos. Logo se virou
lentamente para Magnus, e disse algo em voz baixa. Zarabeth esperava,
tão aterrorizada que não conseguia se mexer em nenhum caso. Viu que
Magnus assentia e respondia uma pergunta.
Logo, lentamente, Magnus se endireitou e a olhou aos olhos. Não
disse nada. Logo sorriu quando o rei se levantou e disse, assinalando
com o dedo Zarabeth.
— Seu castigo por assassinato deveria ser a morte, mas Magnus
Haraldsson, um homem jovem de boa fé e de boa família, me convenceu
do contrário. Você, Zarabeth, que poderia ter sido sua esposa e, viver
uma vida honrada, agora é sua escrava para fazer contigo o que lhe
agrade. Se ele quiser te matar, então que assim seja. Se lhe agrada te
bater até que esteja inconsciente, então que assim seja. Vá com seu
amo e nunca mais volte para Danelaw, a morte te espera aqui se
alguma vez voltar.
— Não. — Disse Zarabeth. — Não.
Ficou quieta quando Magnus se dirigiu para ela, com seu rosto
frio, e nada mais que desprezo em seus olhos.

130
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

10
Magnus ficou olhando para ela atrás da cortina vermelha. Sentiu
tanta opressão no peito, que pensou que ia sufocar. Percebeu que a ira
em seu interior desaparecia substituída pelo prazer de voltar a vê-la.
Inclusive apesar que estivesse suja, com o cabelo desalinhado caindo
sobre seu belo rosto, e seu vestido rasgado no ombro, onde alguém
tinha roubado o seu broche, mesmo assim, seu olhar era orgulhoso e
inflexível.
Por Odin, tinha sentido falta dela, tinha sonhado com ela mais
noites do que podia recordar, sempre estava com ele, em sua mente,
sob suas mãos, sussurrando o seu nome da forma em que só ela podia
fazer, e, entretanto, não era nada mais que uma fraude, uma mulher
que o tinha tomado por um tolo, uma mulher que o tinha traído.
Escutou sua apaixonada defesa, e sentiu que a dor retornava, mas
não por lástima ou desejo, mas sim por fúria contida. Ela o tinha
ofendido. Merecia sofrer por isso, e asseguraria de que o fizesse.
Quando ele entrou para ficar ao lado do Rei Guthrum, e ela o viu,
pensou que ia desmaiar. Por um instante pareceu ver alegria em seus
expressivos olhos, e esperança... Mas não, só foi surpresa e angústia
de que ele a tivesse visto nesse estado. E culpa também, pelo o que ela
fez, talvez inclusive um pouco de remorso.
Na verdade, teria matado Olav?

131
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Não queria acreditar, inicialmente tinha descartado como


absurdo, mas as testemunhas eram muitas e suas acusações pareciam
lógicas para seus ouvidos e para os ouvidos do rei também. Eles tinham
confirmado o amor que Olav tinha pela menina, e a forma em que tinha
querido proteger Zarabeth e à pequena casando-se com ela. Teria
seduzido Olav, para que ele deixasse todas suas posses depois de sua
morte? Foi essa a razão que a levou a assassiná-lo? Isso significava,
que ela tinha o convencido de que se afastasse de seu próprio filho?
Evidentemente que a maior parte acreditava que sim.
Mas então, muitas testemunhas também falaram da bondade de
Zarabeth, de como tinha cuidado de Olav durante sua enfermidade, e
de seu imenso amor por sua irmã pequena. Mesmo assim, se encontrou
olhando novamente para Keith e para Toki. Uma vez mais meditou no
argumento apresentado por Zarabeth, e observou atentamente a Toki.
Os olhos da mulher modestamente olhavam ao chão e sua boca era
uma linha apertada, mas percebeu algo maligno nela, algo sórdido e
desumano.
Não que isso realmente importasse. Realmente estava contente de
que Olav estivesse morto, verdade seja dita. O homem já não era o
marido de Zarabeth, e ela estava livre para que Magnus fizesse o que
quisesse. Tinha chegado a tempo para salvá-la, e isso deveria tê-lo
divertido. Ele, o homem que tinha traído, agora a estava resgatando.
Sim, havia humor nessa situação. Mas quando tentou desfrutar da
diversão, não pôde. O pensamento de que se tivesse demorado mais
alguns dias ela teria morrido, o faria cair na escuridão das trevas que
o vazio de seu desaparecimento teria produzido. Mas se negou a
assimilar isso. Não, tudo o que aconteceria a partir de agora, lhe daria
prazer, um grande prazer. Ela obteria o castigo que merecia.

132
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Percebeu por um momento, que na verdade ele queria castigá-la,


mas por que? Enfureceu até o ponto de fazê-lo perder o sentido. Queria
castigá-la até fazê-la suplicar, mas não por ter envenenado o seu
marido, mas sim por tê-lo traído, por havê-lo humilhado, e por toda a
dor que tinha lhe causado.
Esteve a ponto de esfregar as suas mãos saboreando o prazer de
sua vingança. Ela estava viva e o rei a tinha dado como escrava. Tinha
pago a Keith, uma quantia em ouro, pela vida de Olav, que não tinha
sido tanto depois de tudo. Por estranho que pareça, Keith tinha
parecido ansioso de que Zarabeth não fosse executada por seu delito.
Sua esposa, Toki, tinha insultado aos gritos, mas ele se manteve firme.
Agora Zarabeth era sua escrava. Podia fazer com ela, o que
desejasse. Agradeceu ao rei Guthrum uma vez mais, e logo se virou
para caminhar até ela. Queria ver o medo em seus olhos, vê-la
retroceder por causa das mentiras que tinha dito na praça, porque
agora, ele tinha poder absoluto, o que ordenasse deveria ser obedecido.
Queria ver sua palidez, queria vê-la se acovardar de medo. Em seu
lugar, e para sua surpresa, a viu endireitar seus ombros e irradiar esse
maldito orgulho para fora como um escudo.
Ele parou alguns passos dela, e disse em voz baixa.
— A justiça foi feita. É minha, minha por completo. Zarparemos
amanhã.

Zarabeth sentiu que a sala se escurecia, que o chão ia engoli-la.


Percebeu assombrada que ia desmaiar, e saber disso a encheu de
confusão. Olhou para acima procurando seu rosto, esse rosto tão

133
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

querido, que tinha gravado a fogo em sua mente desde a primeira


manhã que o tinha visto. Tinha que explicar, para fazê-lo entender.
Devia fazer isso.
— Não há nenhuma justiça nesta instância, mas parece ser que
nada do que eu possa dizer vai mudar isso. Muito bem, irei contigo.
Não agradeceria por ele ter salvado a sua vida, porque só
conseguiria parecer culpada, ainda mais diante dos olhos do rei
Guthrum.
Magnus franziu a testa. De algum jeito ele não tinha esperado que
ela cedesse a suas demandas tão rapidamente.
— Necessito minhas roupas.
— Você parece como uma bruxa, e seu aroma me põe doente.
Ela se limitou a assentir.
— Muito bem, então, necessito de roupas, um banho e um pente
para meu cabelo.
— Não.
Não encontrou nada estranho em sua perversa resposta. Tinha
vivido muito tempo com Olav. Novamente assentiu, sem dizer nada
mais.
Em realidade Magnus já tinha mandado recolher suas roupas na
casa de Olav, seu servo Horkel, tinha suportado as objeções aos gritos
de Toki. Ela pensava tirar dinheiro vendendo suas roupas,
assegurando que a cadela perversa morreria, assim quem se importaria
o que ela faria com sua roupa. Mas Horkel, um homem de poucas
palavras e de aspecto temível, simplesmente tinha tomado as coisas de
Zarabeth sem fazer caso da mulher gritando. De fato, ele sorria quando
tinha deixado a casa de Olav, vendo Toki correndo atrás dele, gritando
em voz alta.

134
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Venha. Vamos para o meu navio agora.


Saiu caminhando atrás dele, passando diante do rei Guthrum.
Viu o velho Arnulf de pé ali, com o descontentamento estampado em
seu rosto. Toki e Keith ficaram para trás, Toki olhando furiosa e Keith,
por estranho que pareça, se via de algum jeito aliviado. E Zarabeth
sabia por que. Desejou poder colocar suas mãos ao redor da garganta
de Toki, queria matá-la, porque ela era a assassina. Não, não havia
justiça. Zarabeth acreditava que Toki nunca seria castigada por seu
ato. Quanto a ser embargada pelo remorso, duvidava que Toki tivesse
tido uma pontada de remorso em sua vida. Tinha vencido, mas estava
furiosa porque Zarabeth não ia morrer. Pelo menos, não por ordem do
rei Guthrum.
Zarabeth esperou até que estivessem fora do recinto do palácio
antes de dizer.
— Magnus, por favor, preciso te explicar tudo. Mas primeiro temos
que ir procurar Lotti. Tem medo de Toki e estou segura que fará mal a
ela. Por favor, temos que ir buscá-la.
Magnus sentiu em partes iguais a raiva e a dor, e tudo por culpa
desta maldita mulher que estava de pé desalinhada e suja diante dele,
tão orgulhosa, e tão segura de sua capacidade de lidar com ele, que
disse sem prévio aviso, com voz tão fria como os golfos vikings no
inverno.
— Não. A menina fica aqui com seu irmão. Não desejo levá-la de
retorno para casa.
Zarabeth recuou ante o impacto de suas palavras. Nunca tinha
acreditado que Magnus pudesse ser tão cruel, não tinha imaginado que
pudesse negar isto, sem importar o que sentisse por ela. Por todos os
Santos, que parva tinha sido.

135
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Se alguma vez sentisse que Magnus era capaz de machucar uma


criança indefesa, não teria se apaixonado tão rapidamente por ele.
Agora sentiu que a dor, pura e agonizante, roendo até as entranhas.
Queria gritar que tudo tinha sido uma mentira, que o amava, mas
soube que se dissesse agora, neste momento, só conseguiria pô-lo
ainda mais contra ela.
Mas ela tinha que resgatar Lotti. Estremeceu ao pensar na menina
com Toki, nem sequer durante uma hora, e muito menos um dia mais.
Mas agora era escrava de Magnus. Sua escrava. Uma criatura sem
direitos, nem escolhas, nem liberdade. Teria que pensar em algo. Tinha
que fazer isso. Não ia abandonar Lotti a mercê da loucura de Toki.
Caminhou em silencio junto a Magnus, tratando de encontrar as
palavras adequadas para falar com ele.
Tinha que explicar, fazer que ele acreditasse. Havia uma distância
considerável até as docas, mas não falou. Estava cansada, tão cansada
que estava tremendo, incapaz de encontrar as palavras para rogar que
parasse, só por um momento. Percebeu de que tinha fome, pois não
tinham dado nada de comer na noite anterior. Fazia calor, o sol estava
totalmente em sua cabeça, e se sentiu cada vez mais enjoada. Tentou
se recuperar, de manter o controle de si mesma e de seu corpo. Não
podia permitir o luxo de mostrar debilidade. Não ante Magnus, nunca
ante Magnus. Morreria primeiro.

Magnus era plenamente consciente de que estava diminuindo a


velocidade, mas não diminuiu o seu passo. Ele a viu se recompor,
recuperar o controle de si mesma outra vez, e contra sua vontade,

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

admirou-a. Afastou esse sentimento. Viu ela passar a mão pela testa e
esfregar os olhos. Ela não disse nada. Sabia que se o fizesse, ia querer
golpeá-la, e um golpe dele poderia matá-la. Não queria vê-la morta.
Permaneceu em silêncio. Quando ficou para trás, parou e se virou
para ela.
— Acelera o passo. Tenho assuntos que atender e não tenho
tempo para perder em mimos para você.
O sol brilhava com tanta intensidade ante seus olhos que por um
momento a confundiu, seu cabelo se via quase branco no calor
resplandecente. Levantou a mão e logo a deixou cair. Estava tão
sedenta. Sentia sua língua inchada em sua boca. Lentamente, sacudiu
a cabeça e forçou um pé diante do outro. Uma vez mais, disse a si
mesma, só um passo mais, e então talvez...
Cheirou a água, o aroma do sal e o aroma de peixe. Assim já
deveriam estar muito perto do Vento do Mar.
Ia conseguir, não envergonharia a si mesmo diante dele. Ia
encontrar as palavras para convencer de sua inocência, logo, muito em
breve.
Uma pedra se encontrava atravessada em seu caminho. Ela não
a viu. Tropeçou e caiu de joelhos, pondo suas mãos no último minuto
para proteger do golpe. Sentiu a dor penetrando-a, as pedrinhas
cravando em suas palmas e a sujeira cobrindo seus dedos. Ficou como
estava, apoiada em suas mãos e de joelhos, sua cabeça baixa, o cabelo
desordenado a ambos os lados do rosto.
— Levante-se.
Escutou a ordem e tentou ficar de pé. Mas seu corpo não lhe
obedecia.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Levante-se, ou do contrário vou amarrá-la com uma corda e te


arrastarei.
Levantou a cabeça então, e seus olhos se toparam com suas botas.
Olhou mais acima e se encontrou com suas pernas nuas, a túnica que
chegava até os joelhos, estava apertada em sua cintura. Uma faca longa
pendurada no seu cinturão. Seus antebraços estavam nus, exceto por
um grosso bracelete de ouro. Então viu seu rosto, viu a frieza de sua
expressão, e sentiu que se encolhia em seu interior.
— Levante-se. — Disse novamente, impaciente, e se obrigou a
ficar sobre os seus joelhos, tomou fôlego e tratou de se levantar. Havia
pessoas reunidas a seu redor, pessoas que a conheciam, e
murmuravam.
— Sim, agora é uma escrava, mas o que merecia era que suas
entranhas tivessem sido cortadas.
— Não, é nossa doce Zarabeth, e ela não pôde ter matado Olav.
— Era doce quando era pequena... Mas agora é uma mulher
adulta, ambiciosa e malvada, ah...
De repente tudo era muito. Zarabeth olhou os rostos dos homens
e mulheres que tinha conhecido desde que sua mãe se casou com Olav
e a tinha trazido para York. Viu a ira e o desprezo, viu a incerteza e a
compaixão. Olhou o rosto de Magnus e não viu mais que frieza. Então
já não viu nada mais. Caiu de lado, inconsciente.
Ele sentiu que seu coração parava. Rapidamente se inclinou e a
pegou em seus braços. Sentia-a sem vida, com a cabeça pendurada
para trás, o cabelo em volta do seu braço arrastando pelo chão.
Não disse uma palavra a ninguém, mas se aproximou do Vento do
Mar. Cruzou a passarela estreita e, Horkel o saudou.
— Esta é a mulher?

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sim, desmaiou. Acredito que por culpa do calor, não sei.


— Pergunto-me quando foi a última vez que comeu. Estava
encerrada no recinto dos escravos, sabe. Esse não é um lugar para ela.
Magnus não sabia. Tinha achado que a tinham mantido presa na
casa de Olav, com o Keith... Mas não ali, não podia ser, mas Horkel era
homem de poucas palavras. E não tinha perguntado sobre o seu
paradeiro e não havia dito nada. Tragou saliva, e logo se endureceu.
— Vou levá-la para o porão de carga. Está coberto e proporciona
privacidade e amparo contra o sol.
— Vou levar água e um pouco de comida para ela.
Magnus assentiu e se dirigiu com cuidado para a proa do navio,
onde havia um espaço amplo, coberto por uma tenda, rodeada de
carga. Também havia espaço suficiente para que três ou quatro
homens se protegerem do tempo, quando necessário. Ouviu Ragnar,
outro de seus homens, além seu primo, perguntar a Horkel.
— Ele vai matá-la, imagino?
Magnus praticamente podia imaginar o encolhimento de ombros
de Horkel. Se o homem tinha algum sentimento a respeito, nunca o
demonstraria. Estava sempre tão tranquilo, e tinha tanto de caráter,
que era um desafio conseguir que se zangasse, gritasse, ou inclusive
risse.
— Acha que é culpada de assassinar a seu marido? Todos de York
falam dela. Chamam de ambiciosa e malvada. Dizem que ela traiu
Magnus.
— Não sei. Magnus acredita que sim. Ele a dominará.
— Nem acredito que já não tenha feito isso. — Disse Ragnar, sua
voz agora mais distante, porque estava mais longe. — Pensei que tinha

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

esquecido dela, porque se deitou com Cyra, até tive que me dedicar a
fiscalizar o plantio de suas terras. Mas agora retornamos e ele a pegou.
Magnus sorriu severamente ante isso, e logo empurrou para um
lado as peles de lontra que serviam de porta no porão de carga.
Fazia calor aqui, mas não podia evitar. Ele a colocou sobre as
esteiras que cobriam as tábuas nuas. Fez uma pausa e colocou uma
manta de lã sobre um baú, como um travesseiro, e a pôs sobre ele.
Estava tão pálida. Sentiu dor ao olhá-la. Por Odin, ela esteve a
ponto de matá-lo de sofrimento com suas mentiras e ilusão. Mas agora
que a tinha, não poderia machucá-la, embora estava completamente
sob seu poder.
As peles de lontra de repente foram abertas e entrou Horkel,
inclinado, porque o teto de madeira era baixo, ofereceu a Magnus uma
taça de madeira com água.
Magnus golpeou as bochechas de Zarabeth. Ela se moveu e gemeu
brandamente.
— Zarabeth, acorda! — E tomando a taça a levou aos seus lábios.
Não abriu seus olhos, mas seus lábios se separaram e tratou de beber
a água.
— Pouco a pouco. Não, tão rápido, vai se afogar. — Retirou a taça
e ela gritou. — Está bem, mas pouco a pouco. — Depois de ter bebido
toda a água, recuperou um pouco de sua cor. Abriu os olhos e olhou
para Magnus.
Sem pensar, sorriu e levantou a mão para tocar seu rosto.
— Magnus. — Disse. — Eu pensei que nunca mais veria você.
Ele se inclinou para trás, com a fúria obscurecendo seus olhos, e
viu que a realidade de sua situação voltava a apoderar-se dela.

140
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Você já me deu muitos problemas. Horkel trouxe um pouco de


comida. Tem fome?
Queria chorar, mas não o fez. Por um breve instante tinha estado
ali com ela e tudo tinha sido como antes, mas a hora era agora, e ele
estava longe dela, assim que se limitou a assentir. Tratou de se
levantar, mas estava muito fraca.
Magnus amaldiçoou em voz baixa. Ajudou-a a levantar-se para
que pudesse apoiar-se contra o lado do navio. Deu uma terrina de
madeira cheio de batatas cozidas e partes de cordeiro. Ela sentiu que
sua boca fazia água. Quando engoliu o primeiro pedaço, fechou os
olhos, saboreando a comida.
Esta amostra de debilidade enfureceu a Magnus. Ela teria morrido
de fome no recinto dos escravos? Por Thor!
— Coma tudo isto, e logo descanse aqui. Não saia do navio porque
vai se arrepender.
Levantou-se então, agachado para não bater a sua cabeça contra
o teto e seguiu Horkel para fora.
— Seu cabelo é como o fogo. — Disse Horkel de maneira casual,
sem nenhum sinal de interesse indevido.
— Sim, tão vermelho como o fogo do inferno cristão.
— Você salvou a vida dela.
— Não me agradecerá por isso, porque tenho a intenção de domá-
la.
Horkel não disse mais nada, mas se perguntou em silencio pela
profundidade do ódio de seu amigo contra a mulher. Todos os homens
eram rechaçados por uma mulher, certamente Magnus não estava
isento do desprezo de uma mulher, ou de sua perfídia.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Foi se ocupar de suas tarefas, deixando Magnus sozinho para


meditar. Sempre tinha atividade a bordo do navio. Mas cada um dos
vinte tripulantes era bom e experiente e sabia o que teria que fazer sem
necessidade das instruções de Magnus.
A mulher queria ir buscar a sua irmãzinha. Magnus sacudiu a
cabeça quando lembrou de seu pedido, sua única súplica. Não, a
menina estaria mais segura aqui, Zarabeth estava equivocada
pensando que Toki ou Keith tentariam feri-la. Além disso, não poderia
ceder ante ela. Nunca mais.
E assim, a noite caiu e ele não entrou no porão de carga para ver
sua escrava. Deu ordens ao bonito, insolente, Ragnar que era arrogante
como um galo, e cheio de energia ilimitada de vigiá-la. Ele tinha que
visitar um comerciante que tinha mensagens e produtos para enviar a
seu pai, Harald Erlingsson, Conde e Jarl do Vale Gravak. Era um
homem poderoso, um homem que estava começando a sentir-se
oprimido e mal-humorado por culpa do rei Harald. Perguntou-se o que
diria seu pai quando visse que tinha trazido Zarabeth com ele.
Certamente diria algo, pois seu pai sempre dizia o que pensava.

Zarabeth terminou o guisado e sentiu que as forças retornavam a


seu corpo. Se moveu lentamente no princípio, até que esteve segura de
que não ia desmaiar outra vez. Logo se levantou. Não teve que se
agachar, já que o teto estava a uns dois centímetros por cima de sua
cabeça. Tinha que recuperar sua força e sua inteligência.
Tinha que resgatar Lotti. Sentiu uma dor adormecedora, mas
ignorou. Magnus não lhe ajudaria. Devia ajudar a si mesma, e então

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

poderia escapar de Magnus, de York. Viajaria com Lotti para o sul, a


Wessex, à terra dos saxões governado pelo grande rei Alfredo. Sua
mente se refez e começou a planejar.
Ignorou qualquer dor que sentisse por deixar Magnus. Não tinha
deixado outra opção quando se negou a levar Lotti.
Ragnar estava apoiado no leme quando viu a moça remover as
peles de lontra e sair da tenda. Ela parecia cansada, suja e com medo,
e sentiu despertar sua compaixão por ela. Logo recordou que tinha
desdenhado de Magnus e que não era mais que uma assassina, e agora
uma escrava. Ele disse com voz rouca.
— Volta para dentro e não repetirei novamente. Essas são as
ordens de seu senhor.
Zarabeth ignorou suas palavras e se aproximou dele, dizendo.
— Preciso fazer minhas necessidades. Por favor, me ajude.
Ragnar estava a ponto de dizer que fizesse suas necessidades
dentro da tenda, quando lhe ocorreu que Magnus não ficaria contente
com isso. Ela estava em um estado miserável. Não havia necessidade,
de dizer a ela que fizesse suas necessidades diante dele e dos outros
homens. Tal humilhação não era necessária. Portanto, se levantou e
lhe fez um gesto para que o seguisse. Zarabeth ignorou aos outros dez
homens que estavam no convés, e foi atrás de Ragnar. Nas dobras de
sua saia, ocultava uma faca com o cabo de marfim que tinha
encontrado em um dos baús no porão de carga. Não tinha nenhuma
intenção de fazer mal a este homem, só incapacitá-lo para que pudesse
escapar. A faca representava a liberdade, e ia morrer antes desistir.
Ah, Magnus, pensou, mas me odeia tanto que não tenho outra
opção. Caminhou em silencio junto ao Ragnar.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Caminhou junto dela, mas a poucos passos do Vento do Mar,


parou e fez um gesto para um pequeno beco sujo.
— Vou esperar aqui, e verei que não venha ninguém. Se apresse,
Magnus não gostará de vê-la fora do navio.
Ela assentiu com a cabeça, a própria imagem de mansidão, e
passou na frente dele. Então, de repente tropeçou, gritando como se
tivesse caído no beco. Ragnar, sem pensar, foi atrás dela, e quando o
fez, sentiu a aguda dor do punho da faca na têmpora. Ele desabou no
lugar, seu último pensamento foi que Magnus o mataria por sua
estupidez.
Zarabeth ficou sobre ele, ofegando, olhando o cabo da faca e
tremendo pelo que tinha feito. Arrastou-o mais profundamente no beco,
e rapidamente, em silêncio, se moveu rapidamente como uma sombra
ao longo das docas, longe de Ragnar, longe do Vento do Mar. Tinha
golpeado a um homem, o tinha deixado inconsciente. Pensar que
poderia inclusive estar morto a aterrorizava. Não, ela não se
preocuparia com ele. Tinha que chegar até Lotti, resgatá-la e escapar
de York. Rechaçou com firmeza qualquer ideia de voltar para ver
Magnus novamente, já que se fazia, não duvidava de que a mataria.
A noite caiu quando chegou na casa de Olav, e ninguém que a
conhecesse a tinha visto. Aproximou-se até a única janela do salão e
olhou em seu interior. Conteve a respiração, dando graças ao Odin por
sua sorte. Keith não estava ali, só Toki, e por todos os deuses, poderia
lidar com Toki. Onde estava Lotti? Então viu a menina encolhida em
um canto, com rosto quieto e imóvel, com os olhos alerta, fixos em Toki,
que mexia na preparação de uma comida. Zarabeth sentiu a dor e a ira
arranhando seu ventre. Haveria Toki feito mal a Lotti? Pelo menos tinha

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

aterrorizado à menina. Zarabeth estava determinada de se vingar de


Toki.
Entrou no comércio de Olav, virou ao ferrolho da maneira secreta
que Olav tinha-lhe ensinado, e se dirigiu em silencio para o salão.
Quando abriu as peles que separavam as duas áreas, Toki levantou a
vista, franzindo a testa, porque ela esperava ver Keith. Quando viu
Zarabeth, empalideceu. Abriu a boca para gritar, mas Zarabeth foi mais
rápida. Em um instante, seu braço estava ao redor de seu pescoço,
apertando com força enquanto sentia fluir sua raiva através dela.
— Me escute, mentirosa, maldita cadela mentirosa. Mantenha a
língua quieta, entende? — Zarabeth apertou mais forte, escutou um
grasnido débil, apertou novamente por precaução, e sussurrou no seu
ouvido. — Você e eu bruxa miserável sabemos que matou Olav. Sei que
conseguiu convencer Keith a respeito disso. E segue sem castigo.
Entretanto, não machucará Lotti. Agora, me permita olhar para você
uma última vez. Desejo recordar o rosto de uma assassina.
Zarabeth girou a Toki em seus braços, e viu o terror nos olhos da
mulher. Ela sorriu com grande prazer, Zarabeth golpeou duro na
cabeça de Toki com o cabo da faca e, observou como a mulher deslizava
até o chão, e se sentiu feliz. O seu coração pulsava com força. Seria o
único castigo que Toki receberia pelo assassinato de Olav. Mas pelo
menos era algo. Lotti já estava correndo pela sala, chorando
brandamente, dizendo em voz alta o nome de Zarabeth, com os braços
em alto. Zarabeth cantarolou em voz baixa quando a levantou em seus
braços.
— Agora está a salvo, amor. Você e eu vamos sair daqui agora, e
não vou deixar que ninguém te faça mal.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Lembrou de suas roupas, mas sabia que não era o momento.


Tanto ela como Lotti simplesmente teriam que se conformar com o que
tinham posto. Sabia que parecia uma mendiga, mas não havia nada
que ela pudesse fazer a respeito. Não era importante. Afastar-se de
York, sim era importante.
Saiu do comércio de Olav, esperando ver Keith escondido,
misturado com as sombras e na penumbra, mas não havia ninguém.
Ouviu os vizinhos rindo, e correu para a praça de Coppergate,
querendo um último gole de água antes de fugir de York. Sabia que não
poderia levar Lotti muito longe. Ao chegar na praça, havia gente,
pessoas que a conheciam. Deu a volta, escondendo-se na sombra da
linha das casas, e caminhou rapidamente para o Sul da cidade. Havia
uma porta aí, para manter afastados aos inimigos, não aos habitantes
de York. Escaparia facilmente.
Sentiu uma pontada de lado e colocou Lotti sobre seu outro
ombro. Reduziu a velocidade. Sua respiração era áspera e crua agora.
Seu cabelo, suado e enredado, fazia cócegas em seu rosto.
Viu a porta diante dela, só uma meia dúzia de pessoas se
encontravam ao redor da porta, graças a Deus, e não reconheceu a
nenhum deles.
Seus olhos se cravaram nessa porta, e não viu nada mais, até que
ouviu uma voz profunda dizer atrás dela.
— Sua estupidez ultrapassa todos os limites.
Sentiu como se tivesse sido golpeada. Se virou para ver Magnus
de pé, alto e poderoso, levantando as mãos para segurá-la enquanto
falava.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Zarabeth gritou, virou e correu para a porta, arrastando os pés e


inclinando-se como uma anciã devido à dor que lhe provocava no ponto
ao lado de seu corpo.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

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Magnus a olhou, e riu ante o horror que refletiam em seus olhos
quando o viu parado atrás dela, então, percebeu seu desespero, e
franziu a testa. Ele a pegou rapidamente.
— Terminou sua fuga, Zarabeth. — Disse, e a virou para olhá-la.
Aliviado por tê-la encontrado tão rapidamente, e vacilando ante o
seu medo evidente, então a segurou com força enquanto tentava se
afastar dele, e finalmente grunhindo quando a viu tirar a faca de entre
as dobras de seu vestido.
— Afaste-se de mim, Magnus! Não me obrigue a machucar você.
Tenho que sair de York e, certamente você entenderá isso, já que negou
em ir buscar Lotti. Não poderia deixá-la aqui com a Toki. Agora vou
com ela, e não tem outra opção, a não ser me deixar ir. Não, não, fique
para trás!
Para sua fúria, ele riu. Estava rindo dela! Sentiu o sangue
palpitando em suas têmporas, sentiu que começava a tremer de raiva,
medo e incerteza. Ela gritou brandamente, se virou e fugiu dele. Mas
foi inútil. Quando a agarrou pelo seu braço, tentou se virar, tentando
se soltar, e sentindo um pânico que não a deixava pensar, levantou o
braço direito, com a faca na mão preparada para atacar.
Ele ficou absolutamente surpreso de vê-la levantar a faca
novamente e, que ela conseguiu se liberar, mas o peso da menina a fez

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

perder o equilíbrio. Zarabeth só tinha um momento para reagir, e soltou


Lotti, caindo para um lado quando Magnus saltou sobre ela. Ele já não
estava rindo, e ela sentiu um instante de vitória. Mas só um instante,
porque a olhou como uma pessoa sem nenhuma importância, como se
ele não se importasse o mais mínimo o que ela estava tentando fazer.
— Te afaste de mim!
Se movia devagar, avaliando-a com calma, e ela se afastou,
sabendo que usaria a faca, se necessário. Então ouviu que Lotti
chorava muito lentamente, com a voz aterrorizada, e a olhou sentada
no chão totalmente desprotegida. Nesse momento Magnus agarrou o
seu braço e começou a torcer para tirar a faca da mão.
Sentiu a dor disparando através de seu braço e seu ombro, e ficou
sem fôlego. Tentou escapar, mas não pôde. Tinha o dobro de sua força
e estava treinado para a luta.
Levantou a outra mão, golpeando no seu peito, no rosto, mas ele
simplesmente seguiu torcendo seu pulso até que ela gemeu e caiu de
joelhos. Manteve abaixada, até que, com um soluço de derrota, a faca
se deslizou de seus dedos intumescidos e caiu no chão. Lotti gritou e
correu para ela. Foi a menina quem acalmou a fúria de Magnus.
Deveria golpeá-la, mas agora não poderia, não com a menina chorando
e tratando de ajudar a sua irmã.
Ficou diante dela, respirando profundamente para recuperar o
controle. Sustentou a bela faca em sua palma, dizendo.
— Troquei esta faca por várias terrinas de sabão muito caras. É
um presente para o meu irmão mais novo, Jon. Me aborreceria muito
se tivesse conseguido escapar com ela. Teria que comprar cavalos, para
sair para te buscar. Mas me deu tempo Zarabeth, tempo para ir à casa
de Olav e encontrar Toki chorando abraçada a seu marido. Ela disse

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

que tinha tentado matá-la e estava exigindo a Keith que convocasse ao


conselho novamente, e que exigisse que fosse apedrejada tal como
corresponde a uma bruxa envenenadora. Mas disse a Keith que ia me
encarregar de seu castigo, e nenhum deles teria que temer por você
novamente. Como poderá imaginar, essa promessa agradou a Toki. Ela
quer seu sangue. Mostrou-me os hematomas em sua garganta onde
tinha tentado estrangulá-la. Deveria gostar muito de Olav, porque
tomou a vingança de seu assassinato como um assunto muito
importante. E é certo, Zarabeth, vou castigá-la por isso. Encontrei e
não escapará mais. Agora, vamos, porque quero voltar para Vento do
mar. Tenho que decidir o que vou fazer contigo.
Seu pulso pulsava e ardia. Conteve o fôlego e o olhou.
— Lotti. — Disse. — Não posso deixá-la aqui.
— Você se atreve a fazer exigências a mim? Atreve a me dar
ordens? Você não é minha esposa, não há nada que me una a você. É
minha escrava, nada mais.
— Não vou deixar Lotti. — Repetiu ela lentamente, com a boca
seca pelo medo e a dor.
— Pelas feridas de Odín, roga para te golpear!
Magnus percebeu que estava gritando. Parou, com o olhar fixo
nela, mas em sua mente viu o rosto cheio de ódio de Toki. Certamente
faria mal a Lotti.
Olhou à menina, apavorada e silenciosa, de pé ao lado de sua irmã
de joelhos, com sua pequena mão no ombro de Zarabeth. Ela o olhou,
e ele estremeceu ante o temor que percebeu em seu rostinho. A menina
era inocente de qualquer delito. Suspirou, a levaria com eles.
— Te levante. É hora de voltar para meu navio. Me tratou com
insolência e já perdi suficiente tempo. Quanto ao Ragnar, acredito que

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Série Vikings 01

a humilhação que você provocou, o superou de tal modo que poderia


levá-lo a procurar a morte.
— Não me importa.
— Ah, mas deveria, sobre tudo se escolher Ragnar para te
castigar. — Ele sentia pena dela, porque a tinha vencido e porque ela
parecia patética a seus pés, derrotada e esmagada. Não queria
prejudicar à menina, por isso disse. — Vamos, a menina vem conosco.
Zarabeth o olhou, insegura, incrédula.
— Você jura?
Irritado, Magnus disse bruscamente.
— Eu não minto, não como você. Não vou dizer isso novamente.
— Não fez nenhum movimento em direção dela. Zarabeth ficou de pé.
Estendeu os braços para Lotti, mas Magnus se adiantou. — Está
cansada e a única coisa que vai conseguir, é me atrasar ainda mais.
Diga à menina que não precisa me temer, vou levá-la com você.
Zarabeth se inclinou e acariciou o suave cabelo da testa de Lotti,
dizendo em voz baixa.
— Escuta, doçura, não deve ter medo de Magnus. Ele é grande, é
verdade, mas não te fará mal. Não vai te afastará de mim. Juro isso.
Deixa que te carregue agora, de acordo?
Magnus disse, impaciente.
— Pode te entender? Tem que falar com ela como em outro
idioma?
Zarabeth o ignorou. Finalmente Lotti assentiu e se virou para
Magnus.
— Ela vai deixar você carregá-la. Por favor, Magnus, ela não te
machucou. Não a machuque.
— Eu não sou um monstro. Não faço mal as crianças.

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Série Vikings 01

— Não minta! Eu sei o que os Vikings fazem com as pessoas, a


qualquer um, inclusive as crianças durante seus ataques. Cospem em
suas espadas, antes de atravessá-los.
— Vai calar a boca agora. Não vou machucá-la. Diferente de você,
Zarabeth, eu não minto.
Suspirou, aliviada, acreditava nele. Pelo menos Lotti estaria com
ela. Tinha vencido, pelo menos em um sentido, se é que se converter
em uma escrava poderia chamar de vencer.
— Se tivesse escapado de York, aonde teria ido?
Parecia agradável, enquanto caminhava ao lado dela, a cabeça de
Lotti descansando sobre seu ombro direito, só ligeiramente
adormecida.
— Não sei. Pensei que talvez em Wessex, a corte do rei Alfredo. Eu
poderia servir a alguma senhora rica, possivelmente como costureira.
Ele bufou.
— Sua estupidez ainda me assombra. Não teria sobrevivido a uma
milha de York. Há malfeitores, Zarabeth, e você não é mais que uma
mulher sozinha. Se tivesse escapado, provavelmente estaria morta,
violada até sangrar. Mas agora está segura novamente, porque tem um
homem forte para te proteger. Vai costurar para mim, e fazer qualquer
tarefa que te atribua. Aprenderá rapidamente a obedecer. E o fará,
porque estou cansado de suas incessantes demanda e queixa.
Ela não disse nada, limitou-se a olhar para frente. Passaram
diante das pessoas que a conheciam, e era consciente de que estavam
falando dela, mas não prestou nenhuma atenção. Viu casas e jardins
conhecidos.
— Vou sentir saudades de York.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sim. — Disse Magnus, sua voz mesclada com sarcasmo. — Sem


dúvida se trata de uma população de habitantes nobres. Como seu
povo, sua beleza é também surpreendente. Pode cheirá-los além de vê-
los. — Fez um gesto para uma pilha de lixo, cujo aroma era nauseante.
— Escuta, mulher, estas pessoas não lhe mostrariam nenhum pingo
de bondade se não fosse porque eu te protejo.
Ela suspirou.
— Tem razão, não o duvido, mas realmente não entendo por que
ninguém acredita em mim.
— Não quero escutar suas alegações de inocência novamente. Ali
está o meu navio, se apresse, porque partiremos assim que nossos pés
estiverem a bordo. Não tenho nenhum desejo de permanecer aqui um
só minuto a mais.
O primeiro homem que Zarabeth viu quando embarcaram no
Vento do Mar, foi Ragnar. Seu braço se levantou com a intenção de
atingi-la. Tentou não mostrar medo, mas sabia que tinha todo o direito
de golpeá-la. Viu que Magnus simplesmente negava com a cabeça ante
a atitude do homem. Ragnar baixou lentamente o braço, mas sua
expressão não mudou. Ela não disse nada, apenas seguiu Magnus para
sua tenda no convés. Afastou as peles de lontra e acomodou Lotti em
uma das esteiras tecidas que cobriam o chão de madeira.
— Fique aqui.
Zarabeth se sentou e colocou Lotti em seu colo. Estava mais do
que cansada, quase adormecendo, embora não tivesse conseguido
escapar, pelo menos, Lotti estava segura, pelo menos muito mais
segura que Zarabeth. A menina seria tratada como uma escrava
quando chegassem na Noruega, no lar de Magnus? Como tratariam os

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

escravos nessa terra estrangeira? Golpeariam e negariam a comida?


Viveriam amontoados e sujos como no recinto de escravos de York?
O medo aprisionou suas entranhas.
Gostaria que tivesse se banhado, seu próprio aroma estava
começando a incomodá-la. Quanto a Lotti, a menina começou a coçar
o cotovelo e Zarabeth viu uma ferida que também necessitava de
limpeza. Passou seus dedos pelo cabelo emaranhados, tirando ramos e
grumos de terra e barro. Só podia imaginar que aspecto teria. Bom, não
importava. Magnus não economizaria a sua humilhação. Se perguntou
se seria cruel, se poderia machucá-la. Ela adormeceu e não se moveu
no resto da noite.
Ao amanhecer do dia seguinte, os homens do Vento do Mar
cortaram as cordas e soltaram amarras. Ouviu que os marinheiros
gritavam uns aos outros, enquanto Magnus ordenava que tirassem os
remos. A grande vela quadrada não foi desdobrada até que estiveram
afastados do porto de York.
O movimento suave e oscilante despertou Zarabeth, desejava de
todo coração que ainda fosse de noite. Só ansiava escuridão.
Representava uma espécie de segurança, uma espécie de amparo.
Quando a vela poderosa inchou com o vento, o navio saiu
disparado para frente e os homens gritaram eufóricos. Agora sabiam
que podiam abandonar os remos e seguir com suas outras tarefas. Seu
estômago roncou. Se virou para Lotti, pegou o seu rostinho entre suas
mãos, e disse lentamente.
— Tem fome, amor?
A menina franziu a testa e Zarabeth repetiu lentamente sua
pergunta, fazendo gestos de levar comida para a boca. Lotti assentiu

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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vigorosamente e esfregou o estômago. Zarabeth deu algumas tapinhas


no ombro e disse, mais para si mesmo do que para sua irmã.
— Vou ver se tem mais desse guisado, que Magnus me deu ontem.
Levantou e pegou as peles de lontra e afastou. Os homens
deixaram de falar. Pouco a pouco, um por um, os vinte a olharam. Viu
que Magnus se agachava para falar com Horkel, que estava segurando
um remo. Levantou a vista, e logo consciente do repentino silêncio, a
viu. Franziu a testa e rapidamente abriu caminho atravessando a proa
de madeira da embarcação. Se agachou para passar por debaixo da
vela, e de repente se virou para olhar o mastro de vinte metros de
altura, com sua longa viga transversal, e depois assentiu, satisfeito.
— O que quer? — Tinha gritado apesar de que estava perto dela
agora. Se esforçou para escutar por cima do ruído que fazia a vela ao
se açoitar contra o vento.
Não tratou de responder até que esteve a seu lado.
— Lotti tem muita fome. Há algo de comer para ela?
Magnus tinha esperado ouvir outra coisa, um pedido em seu
favor, talvez. Deveria saber que devido a seu frenesi do dia anterior,
sua única preocupação na vida era sua irmã pequena, porque depois
de tudo, tinha arriscado sua vida para salvar à menina. Não estava
faminta ela também? Maldita seja, não havia algo que quisesse para si
mesmo? Finalmente disse.
— Volte a entrar no porão. Enviarei Horkel com comida para as
duas.
Zarabeth assentiu e se virou, só para sentir a mão de Magnus em
seu braço.
— Não volte a sair. Apesar de que parece uma bruxa, meus
homens têm fome de mulheres todo o tempo, sobre tudo se estiverem

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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muito tempo fora de seus lares. Se valoriza seus dotes de mulher,


permanecerá segura no interior. — Fez uma pausa, e logo acrescentou,
com a testa franzido. — Vou afastar as peles da entrada, para que haja
ar fresco e luz dentro do porão.
Zarabeth assentiu novamente. Antes de retirar-se, olhou em volta
para o mar. O vento agitou o seu cabelo sobre seu rosto, e ela provou
o sabor do sal do mar com a língua. Fazia frio, e envolveu seus braços
a seu redor. A água golpeava fortemente contra os lados da
embarcação. A costa cortava à distância. Os homens seguiam em
silêncio, olhando-a. Estariam julgando-a? Acreditariam que era uma
assassina?
Não é que importasse. Voltou a entrar no porão de carga. Antes
que passasse muito tempo, entrou Magnus. Não Horkel. Levava duas
terrinas de madeira cheios de guisado quente. Também tinha pão,
macio e morno enrolado em um trapo de lã grosa.
— Não espere comida como esta, por um bom tempo. Levaremos
cinco dias para chegar em Hedeby, é um grande porto comercial da
cidade da Dinamarca. Tenho alguns negócios que fazer ali antes de
navegar para o Norte, para Kaupang, o golfo de Oslo.
Estava sendo amável, pensou Zarabeth, um tanto confuso.
Estaria chegando à conclusão de que estava dizendo a verdade? Ele
estava começando a compreender que ela tinha mentindo quando disse
que não o queria? Suas seguintes palavras arruinaram sua ilusão,
deixando-a decepcionada uma vez mais.
— Não tente seduzir sob falsas pretensões a nenhum de meus
homens. Eles tomarão o que você oferecer, mas não darão nada em
troca, exceto seu desprezo. Tenho sua lealdade completa. Você não é
nada mais do que uma escrava, uma mulher para um uso determinado,

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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como o que te darei esta noite. Se quer te banhar ou não, não me


importa. Mas deverá estar pronta para mim, Zarabeth, porque virei
quando tiver caído a noite e a maioria dos meus homens estiverem
dormindo.
Por desgraça, quando as palavras saíram de sua boca, Magnus
percebeu de que Lotti estava olhando-o, com a colher de madeira na
mão. Esquecera da menina. Se sentiu um parvo, pior, sentiu como um
homem que tinha ido à batalha desarmado, como um homem nu preso
em um monte de neve. Olhou para Zarabeth, girou sobre seus
calcanhares e saiu do porão.
Zarabeth teria rido se pudesse, mas não tinha motivos para isso.
Se virou e fingiu comer, para que Lotti a visse. Já não tinha fome. O
vento fresco do mar entrava no porão e já não se sentia mal por estar
trancada nesse pequeno espaço.
O tempo passava, pensou Zarabeth, apesar de perder a noção dos
minutos e das horas, o tempo seguia transcorrendo.
E assim foi. A noite se converteu em outro dia quente e brilhante,
o sol caía tão brutal, que se perguntava como os homens poderiam
suportar tantas horas sob o calor abrasador. Brincava com Lotti,
ensinando palavras, as repetindo interminavelmente, falando com ela
por meio de gestos para se fazer entender. E pensando em Magnus,
inclusive quando não o via.
O Vento do Mar tinha uns dezoito metros de comprimento, e pelo
menos cinco metros de largura. Os homens tinham empilhado seus
remos nos suportes de madeira com forma de bifurcação, e relaxaram
encostando-se contra o corrimão, sem ter nenhuma tarefa que fazer no
momento. Falavam livremente, possivelmente porque não importava
que ela ouvisse o que diziam.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Tostig ouviu dizer que Magnus pagou por ela 5 Danegeld11, para
compensar ao filho do homem que envenenou.
— Sim, ela matou o velho porque queria sua riqueza. Esta mulher
é uma parva, não teve a astúcia necessária. Eu teria conseguido.
— Sim, mas para começar, o ancião não teria se casado contigo!
É feio como um javali no cio, e não tem o que qualquer homem desejaria
que tivesse entre as pernas!
Houve risadas e então, um homem disse.
— É bonita, sim, reconheço-o, mas estúpida, seduziu Magnus
para logo desprezá-lo. Por que fez isso? Entretanto, vai pagar muito
caro por isso, já verão.
— Sim, quando vejo a Cyra... por Thor, essa moça põe a qualquer
homem duro como uma pedra. Ela lamentará o que fez.
— Não se esqueçam de Ingunn, uma tarefa muito dura para uma
amante, a irmã tem uma língua que constantemente se alimenta de
brigas, apesar de que seu rosto se assemelha a de um anjo. A escrava
não terá uma vida agradável.
Zarabeth se perguntou repetidamente quem seria Ingunn. Quanto
a Cyra, Zarabeth recordava muito bem seu nome. Também era uma
escrava, e se deitava com Magnus. Isso significava que talvez não
desejasse tocá-la, pensou Zarabeth.
Não importava quantas mulheres se deitavam com ele, com tal de
não ser uma delas. Não ia ser sua rameira.
Quando se virou para escutar novamente, os homens estavam
apostando sobre quando Magnus se deitaria com ela. Recordou seus
beijos, suas carícias em seus seios, sua força, sua doçura quando a
abraçava. Isso pertencia ao passado.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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Passou o tempo. Saía uma só vez todos os dias do porão de carga


para esvaziar a latrina.
Dois dias antes de chegar em Hedeby, Zarabeth despertou de
repente sentindo que algo estava muito errado. Se endireitou e
balançou a cabeça para afastar o sono. Lotti não estava ali. Sentiu o
medo apertar o seu ventre, e se lançou para entrada do porão de carga.
Viu que Lotti estava sentada sobre a coxa nua de um homem que tinha
uma barba grossa e negra, cujo nome era Tostig.
Estava falando com ela e assinalando as diferentes aves
marinhas. Um golfinho nadava perto do navio, e Lotti estava rindo, a
sua maneira, gesticulando freneticamente, com os outros homens
reunidos ao redor deles. Estava segura. Seu brilhante cabelo vermelho
batia descontroladamente ao redor de seu rosto. Zarabeth olhou com
assombro, como um dos homens se agachou e começou a trançar o seu
cabelo, com um toque tão suave que Lotti mal notou. Outro trouxe uma
tira de couro para atar a trança. Lotti estendeu a mão rindo, e ele
acariciou a sua bochecha, depois Tostig caminhou com a menina.
Era inexplicável. Zarabeth não podia entender, tanta doçura e
bondade para com uma criança. Mas assim era.
Viu que Magnus seguia abaixado, ao lado do timoneiro. Voltou
para o porão e se sentou, apoiando-se em um baú cheio de terrinas de
pedra de sabão, jarras e pratos, dispostos para negociar em Hedeby,
supôs. Fechou os olhos, desejando poder esquecer onde estava e por
que estava ali.
Magnus chegou tão repentinamente que não teve tempo de gritar,
e muito menos de protestar. Encheu a entrada, o sol brilhava atrás
dele, logo deixou cair as peles, e o recinto se obscureceu.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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— Lotti está muito bem e muito ocupada com meus homens.


Estou cansado de esperar. Vim para tomar você, Zarabeth.
Ela não se moveu, simplesmente o olhou, incrédula.
— Por que?
Ele riu.
— Disse isso a você, estou cansado de esperar. Você é minha
escrava. Se quiser, tomarei sempre que tiver vontade.
Ela percebeu de que falava a verdade. Se arrastou para trás contra
o baú.
— Por favor, não. Isto não é certo, não é…
— É o que quero! Paguei um alto preço por você, Zarabeth!
Negando com a cabeça violentamente.
— Não, Magnus. Não vou ser sua rameira.
— É uma escrava, e isso é menos que uma rameira. Também,
posto que é a única mulher aqui, devo me conformar contigo.
Entretanto, quero saber quantos homens você teve antes de mim.
Ela o olhou fixamente, recordando cruamente ao homem que
tinha jurado que a cuidaria, que queria se casar com ela, que a tinha
abraçado e beijado com ternura, e que agora a surpreendia com suas
palavras ousadas. Realmente aquele homem se foi para sempre. Em
seu lugar estava este outro, de rosto duro que tinha os olhos frios como
o mar do Norte no inverno.
Sentia que congelava em seu interior. Ergueu o seu rosto e disse.
— Uma dúzia de homens. — Ela disse. — Sim, tive mais homens
dos que posso recordar ou contar. Uma vez Olav me violou, não vi nada
mau nisso, porque era velho e tinha pouco o que me oferecer. Sim, pelo
menos uma dúzia de homens, de todas as formas e tamanhos, alguns
de cabelo escuro, outros loiros como carvalho polido. — Encolheu os

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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ombros e logo, disse sorrindo. — Sou simplesmente uma mulher,


contar é difícil para mim, mas acredito que pelo menos foram doze.
Pensou que ia golpeá-la. Viu o pulso pulsando em sua garganta,
e a explosão de raiva em seus olhos.
— Não minta para mim, Zarabeth, estou enfurecido.
— Então não me faça perguntas tolas, patife sem cérebro!
— Muito bem, então direi o que faremos. Levanta seu vestido. Eu
gostaria de ver seus dotes de mulher.
— Não.
A palavra soou forte e arrogante no espaço reduzido, e Zarabeth
se perguntou se poderia ouvir o batimento de seu coração acelerado
pelo temor que nascia dentro.
Não teve muito tempo para pensar no que ia fazer. Não teve tempo
de reagir. Ele caiu de joelhos ao lado dela, agarrou seus pulsos, e a
abraçou. Não fez gesto de beijá-la, simplesmente a apertou contra ele,
colando-a seu corpo. E logo disse a centímetros de seu rosto.
— Você vai fazer o que estou dizendo. Não quero que me desafie
mais, nem tampouco suas mentiras.
Ele a empurrou de costas e caiu sobre ela, segurando suas mãos
por cima de sua cabeça.
Então a beijou, com força, obrigando seus lábios a participar.
Queria castigá-la com seu domínio, sem permitir a rechaço. Ela
começou a lutar contra ele, ofegante e arqueando as costas, virando
para um lado, mas era o dobro de seu tamanho e tinha o dobro de sua
força. Sentiu que ele levantava, afrouxando a pressão, mas só para
colocar uma mão entre ambos e começar a levantar a saia de seu
vestido.
— Não!

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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Girou a cabeça para ele e mordeu seu antebraço. Ele não fez
nenhum som, só conteve o fôlego pela dor. Imediatamente agarrou os
seus pulsos com uma mão, e colocou novamente dolorosamente sobre
sua cabeça.
— Acabou sua luta. — Disse, respirando com dificuldade, sabia
que ele ia tomá-la, forçá-la, tinha escutado que alguns homens
machucavam às mulheres.
— Por que te importa? Eu sou apenas mais um.
Ela sentiu seu membro duro pressionando contra sua coxa, e
soube que faria o que Olav não tinha sido capaz.
— Magnus, por favor, não me faça mal.
Ele riu e ela sentiu que a humilhação a inundou, porque tinha
rogado. Sentiu tanto ódio, se fosse livre, teria cravado uma faca em seu
coração.
Ele sorria, com um sorriso cruel, e a olhou quando sua mão
acariciou os seus seios, sua barriga, e logo levantou mais a bainha de
seu vestido. Pouco a pouco, com seus olhos nos dela, começou a atirar
seu vestido por cima.

Ele viu a humilhação em seu rosto, a dor do que estava fazendo,


a imensa ira que a enchia, e isso o agradava. Ele a dominaria, esta
mulher que o tinha rechaçado para se casar com um homem mais
velho, esta mulher que tinha assassinado para satisfazer sua cobiça.
Sua mão tocou a parte interna de sua coxa, e por um momento
fechou os olhos pela intensidade dos sentimentos que se geraram nele.

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Não queria estes sentimentos em relação ela, não os esperava. Logo


tocou seu centro feminino e só pensou em derramar sua semente.
Não podia resistir mais. Sabia que seus homens estavam a par do
que estava fazendo, sabiam que iam ouvi-la gritar quando a penetrasse,
mas não importava. Ela não era mais que uma escrava, seu único
propósito na vida era fazer o que ele quisesse.
Arrancou o seu vestido, a deixando nua até a cintura, e rolou
sobre ela, liberando-se a si mesmo.
— Agora. — Disse, com a respiração agitada. — Não te mova. Não
lute contra mim agora, Zarabeth, ou será pior.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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12
Zarabeth o observou, viu que seus olhos se escureciam, sua
expressão ficava mais intensa, e suas bochechas avermelhadas. Mas
ele não estava olhando para o seu rosto, estava olhando para baixo,
para o seu ventre nu, os seus cachos vermelhos ardentes, tão vívidos e
brilhantes como seu cabelo. Estranhamente suave, como se não
estivesse seguro de si mesmo, ele baixou a mão e seus dedos roçaram
brandamente seus cachos tratando de encontrá-la.
Ela não poderia acreditar que estivesse tocando-a assim, não
podia aceitar. Sentia tanta vergonha, tanto medo que pensava que ia
se afogar nele. Quando seus dedos se deslizaram entre suas pernas,
gritou, arqueando-se grosseiramente tratando de se afastar de sua
mão. Mas em lugar de tirá-lo, sentiu seu dedo médio empurrar
lentamente dentro dela, alargando-a.
Gritou.
Magnus fechou os olhos para se proteger da onda de sentimentos.
Era só luxúria o que sentia, nada mais, só sede pelo corpo de uma
mulher, seu calor e sua estreiteza eram entristecedores, e soube que
seu dedo estava a machucando, pois ela era estreita e estava seca, por
isso seu corpo lutava contra ele. Pressionou mais a fundo dentro de
sua vagina. Ela estava chorando, tentando loucamente afastá-lo, mas
não podia se mover, não podia detê-lo. Ela se ergueu de repente,

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liberando uma das mãos e lhe golpeou na boca o mais forte que pôde.
Ele simplesmente empurrou seu dedo ainda mais e viu como ficava sem
fôlego pela dor, com seus olhos em branco, todo o movimento congelou
nesse instante. Seus olhos se encontraram nesse momento e sem
nenhuma expressão se olharam. Ele sorriu enquanto colocava seu dedo
mais profundamente e a empurrou para baixo, mantendo-a ali com sua
mão estendida sobre sua barriga. Ela estava golpeando nele, mas não
sentia dor, não sentia nada, apenas o calor de seu corpo, sua
suavidade, a dor não, não aceitaria isso, não se preocuparia por isso.
O que ela sentia não lhe importava.
Por Odin, não poderia acreditar que seguia sendo donzela, mas
seu canal era tão estreito, tão apertado, que deveria ser. Sentiu que seu
membro inchava e endurecia, era tal a necessidade que tinha de entrar
nela agora e derramar sua semente.
Retirou o dedo de repente, decidido a manter seu controle. Ele a
sentiu estremecer, mas não ficou quieta, só aumentou sua luta para
afastá-lo. Não prestou atenção. Não disse nada, simplesmente abriu as
suas pernas e se colocou entre elas deitando seu torso sobre Zarabeth,
apertando-a mais perto. Ele se levantou então, livrando do resto de sua
roupa, sua mão e seu corpo trêmulos pela necessidade palpitante que
estava enchendo-o a transbordar. De repente, sentiu um puxão em seu
cabelo. Ouviu um miado agudo e uns pequenos punhos golpeando
repetidamente seus ombros.
Com um grunhido animal, a fúria o cegou, e se sobressaltou
disposto a lutar contra seu atacante. Tomou um momento para
perceber de que se tratava de Lotti, tentando salvar a sua irmã.
De sua violação.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Não acreditava no que estava acontecendo, mas era assim, e o


deixou furioso e desconcertado. Escutou Horkel dizendo de fora.
— Não, não entre aí, Tostig. Magnus se ocupará da menina. Não
é nosso assunto.
— Sim, mas deveríamos ter cuidado dela! Por Thor, não se
alegrará com isso.
Ele não estava nada contente. Magnus pensou no que faria com
uma mulher que se retorcia debaixo dele, um sexo que lhe doía tanto
que pensava que ia morrer de dor, e uma menina que o golpeava com
todas suas forças. De repente ele riu, pelo ridículo da situação. Se
levantou com sua necessidade apagada como as cinzas em uma lareira
de verão. Soltou Zarabeth e rapidamente saiu de cima dela, ficando de
joelhos, cobrindo-se rapidamente com uma manta.
Zarabeth não tinha entendido a princípio. Então viu Lotti e
percebeu que a menina se jogara sobre o Magnus. Lotti se separou de
Magnus agora, com os olhos fixos em sua irmã, com as lágrimas
correndo por suas bochechas sujas.
A menina estava aterrorizada, mas se manteve firme entre
Zarabeth e Magnus, com a boca tremendo, seus pequenos ombros
erguidos.
Zarabeth queria chorar pela lealdade de sua irmãzinha.
— Venha, doçura. — Disse rapidamente, ficando de joelhos e
segurando-a em seus braços. — Estou bem. Estou bem. Não, não
chore, e não tenha medo. Magnus e eu estávamos brincando, sim, isso
é tudo, brincando, lutando na forma como fazem os meninos, mas
queria me mostrar alguns dos movimentos que ele conhecia, nada
mais. Venha e deixa que te abrace.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ela pegou Lotti e a acalmou. Apertou a cabeça da menina contra


seu ombro e olhou para Magnus, que estava sentado com as pernas,
cruzadas a menos de dois metros dela. Ainda respirava agitado, mas
estava bem e controlado. Viu um sorriso estranho em seus lábios
quando disse.
— Sim, luta livre. Nada mais que um jogo, tal como disse para
menina. Sim, mas esse é um jogo que vai perder, Zarabeth, porque sou
seu professor em todas as coisas.
— Você é um animal. — Disse com claridade, e se surpreendeu da
calma de sua voz. — Isto não é um jogo para você, é uma competência
selvagem de forças. É mais forte, e por isso acha que pode obter o que
deseja de alguém mais débil. Você me enoja.
Afastou o olhar dele e continuou acariciando as costas de Lotti,
lhe sussurrando brandamente.
Sua boca se apertou e sentiu uma ira ardente corroendo. Mas este
não era o momento apropriado. Fez um gesto com a mão para a
menina.
— O que acontece com ela? Faz ruídos estranhos. É imbecil?
— Não, é surda.
Magnus a olhou incrédulo. De repente se ergueu sobre seus
joelhos e deu uma palmada forte na parte posterior da cabeça de Lotti.
A menina não se moveu. Ele parecia perplexo, logo se sentou
novamente.
— Nasceu desta maneira?
— Não, Olav a golpeou quando tinha só dois anos de idade. Esteve
inconsciente durante dois dias e quando despertou, não podia escutar.
— Fez uma pausa, recordando seu medo, sua fúria por Olav. — Eu
queria matá-lo pelo o que tinha feito, porque nem sequer se importou.

167
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ela poderia ter morrido e não teria movido um dedo. Para justificar o
que fez, inventou que era imbecil, e isso é o que disse para os outros.
— Você se vingou de Olav. — Disse, e imediatamente adicionou.
— Ela diz seu nome, mas de uma maneira confusa.
— Sim, ela podia dizer várias palavras antes que ele a golpeasse.
E já sabe alguns sons e algumas palavras, com paciência, poderá
aprender muito mais.
— Deveria ter me dito isto.
Ela o olhou, assombrada, o desprezo, se refletia em seu rosto com
claridade.
— Para que? Para planejar sua brutalidade com mais astúcia?
Assim teria outra arma para usar contra mim.
— Eu não usaria uma criança contra nenhum homem.
— Sim, mas eu não sou um homem, apenas sou uma mulher.
— Não, você é primeiro uma escrava, e depois uma mulher.
Ela baixou o olhar, e não respondeu. Para que? Deu uma tapinha
em Lotti e falou em voz baixa, afastando-se para poder ver o rosto da
menina. Era como se ela ignorasse que ele estava ali.
Simplesmente tinha se afastado dele, havia se fechado em si
mesmo. Isto o enfureceu.
— Se a menina não pode ouvir, como ela entrou aqui?
Zarabeth não se incomodou em olhar para cima.
— Não sei. Suponho que ela viu você entrar e fechar a entrada
com as peles. Tem medo de você. Só procurou me proteger. Peço que
não a machuque.
— Já disse a você antes que não machuco crianças.
— Isso é uma mentira. Sei que vikings como você, em suas
incursões é de uma loucura pela luta que os consome. Matam sem

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

motivo e sem hesitação. O rei Alfred deve lutar continuamente para


manter o controle sobre suas terras e evitar massacre de seu povo.
Ele ficou em silencio por um momento, porque isso era certo, e
encolheu os ombros quando disse.
— É nosso costume. Às vezes as coisas não é como gostaríamos.
Mas o que posso fazer? Por que sente lástima por Alfred? Ele não é
nada para você, uma quimera, uma fábula sem substância, contada
pelos saxões descontes diante de suas fogueiras durante as noites de
inverno. Se Alfred fosse o seu rei, também te oprimiria. Guthrum é seu
rei agora e o rei de seu marido morto. Sua lealdade é com um viking,
não ao rei saxão.
Ela encolheu os ombros.
— Odeio a todos vocês, para falar a verdade, odeio sua violência
sem sentido que deixa as pessoas mortas ou feridas ou escravizadas.
Todos vocês são selvagens, e não tenho dúvida de que o nobre Alfred é
tão selvagem como é você. Tens razão.
— Agora você é a escrava de um selvagem. Não vou escutar mais
suas queixas.
— Não quero que me viole.
— Eu não desejo forçá-la, mas o farei se você tolamente segue
lutando comigo. Se fizer, sua dor será pior. Não me importa que lhe
doa, mas talvez queira pensar nisso. Eu a tomarei, Zarabeth, se
habitua com a ideia. O que deseja, o que sente, não faz nenhuma
diferença para mim. Ainda é virgem, não? — Não esperou que ela
respondesse, simplesmente expressou seus pensamentos em voz alta.
— É muito estreita, e senti o hímen ao redor de meu dedo. Isso é prova
de que ninguém entrou em você ainda. Portanto, suas bodas com um
ancião... Talvez você sabia que ele não poderia te tomar e que não teria

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

que sofrer por sua indignação. Sim, ou é verdade que começou a


envenená-lo no mesmo dia de suas bodas para se assegurar que não
teria de sofrer em sua cama? Sabia que não ia ter força de consumar
seu matrimônio.
— Está falando um absurdo como um selvagem. Sim, é mais fácil
acreditar nessa verdade, não é assim? Que preferi um homem velho
para me casar em vez de me converter em sua esposa. — Sua voz soava
cansada e zombadora e desejava simplesmente ter guardado silêncio.
— Sim, olhe o que teria perdido se não tivesse sido tão estúpida... Um
homem forte, tão terno e gentil que não se opõe em violar uma mulher
disposta. Todas essas palavras maravilhosas que me disse, eram
mentiras, nada mais que mentiras de um Viking selvagem.
Ele se levantou de repente, ficou em pé, por cima dela.
— Eu não minto! Tinha me apaixonado por você e a teria protegido
com minha vida, teria dado tudo o que tenho, mas escolheu a esse
velho. Oh, sim, e o matou, Zarabeth, disso estou certo. Escutei a todas
as testemunhas, inclusive antes de entrar na câmara do rei Guthrum.
Todos disseram o mesmo, que queria a riqueza do ancião, que sabia
que poderia controlá-lo, porque inclusive o convenceu para que te
concedesse em vida todos seus bens depois de sua morte. Zombou de
mim sem mais.
Ele saiu da área de carga. Ela ficou sentada ali com Lotti perto,
não se movia, congelada, com desejos de morrer, mas sabendo que não
podia, por Lotti, por sua irmã pequena e valente. Ela não escutou a
risada de ninguém fora. Certamente teriam adivinhado o que tinha
acontecido. Não se ouvia nada de nada. Sustentou Lotti e a balançou
para frente e para atrás. A menina a tinha salvado a tempo. E da
próxima vez? Magnus nunca cometeria esse erro outra vez. Sabia

170
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

também que com o tempo conseguiria realizar. Uma vez mais ficou sem
opções.

Magnus teria matado qualquer um dos homens se tivessem se


atrevido a zombar dele, se tivessem se atrevido sequer olhá-lo com um
sorriso malicioso. Sentia-se frustrado e seu corpo estava tenso, e seu
couro cabeludo estava pulsando pelos puxões de Lotti. Caminhou pela
coberta, mas parou e disse aos homens silenciosos.
— A menina não pode ouvir. Se querem brincar com ela, terão que
tomar cuidado de que não sofra dano algum.
Tostig o olhou surpreso.
— É obvio que não pode ouvir. Acha que somos estúpidos?
— Sim. — Disse Horkel. — Mas a pequena não é lenta para
aprender. Ensinei-lhe uma palavra hoje corvo, e esteve muito perto de
conseguir pronunciá-la.
— Sim, ela é uma pequena muito inteligente. — Disse Ragnar,
embora com relutância. Não iria maltratar à menina só porque sua
irmã é uma cadela. — Sua cabeça ainda lhe doía pelo golpe que ela
tinha dado. — Ela contou os dedos de minhas mãos e de meus pés.
— Então por que deixou que...? — Magnus se interrompeu,
sacudindo a cabeça. Não disse nada mais, mas se afastou para à popa
e ficou meditando.
Por Odin, tinha sido um parvo. Tinha visto a menina, mas não
percebeu de que não poderia ouvir, mas seus homens tinham
adivinhado muito rapidamente. Sua cegueira o horrorizou. Era o
capitão deste navio, e todos seus homens o seguiam, era seu líder,

171
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

entretanto, nem sequer tinha notado algo tão óbvio como a falta de
audição da menina.
— A menina salvou a sua irmã. — Disse Horkel para ninguém em
particular, observando Magnus e suas costas rígida.
— Mas logo vai resolver isso, aposto o que quiser.
— Sim, mas não fará mal para a menina para obtê-lo.

Lotti não voltou a deixar Zarabeth sozinha.


Nessa noite houve uma tormenta, e no céu se viam os raios,
golpeando contra o mastro e deixando Zarabeth aterrorizada, sem que
pudesse fazer nada mais que manter Lotti em seu colo tentando
tranquilizá-la. O navio era sólido, sabia, mas parecia balançar-se na
crista das ondas, só para cair violentamente depois, com sons tão fortes
que eram repugnantes. Podia ouvir a água golpeando os lados, sabia
que os homens estavam retirando a água no porão o mais rápido que
podiam. Ouvia a voz de Magnus dando ordens por cima do barulho.
Também ouviu o rangido dos poderosos mastros enquanto que os
homens os seguravam para que não se rompessem com a tormenta.
Zarabeth se sentia estranhamente tranquila. Não entendia seus
sentimentos em relação a Magnus, porque ele parecia mudar
continuamente. Mas sabia no profundo de seu ser que se sobreviviam
à tormenta, seria graças a ele, sobre isso estava completamente
convencida.
Curiosamente, dormiu.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Quando Magnus entrou na área de carga perto da manhã, a


tormenta quase tinha passado, esteve a ponto de sorrir ao ver Zarabeth
deitada de lado, com Lotti apertada contra ela, ambas profundamente
adormecidas. Sem fazer ruído, pôs uma manta de lã sobre elas, porque
o ar da manhã estava frio pela chuva e o vento.
Zarabeth despertou de repente e ficou olhando-o. Ele não disse
nada, simplesmente se virou e saiu.
No final da tarde o Vento do Mar entrou no porto de Hedeby, uma
entrada profunda protegida por paliçada 12 de madeira construídas em
uma curva distante das rebentações das ondas. Havia altas
fortificações de tijolo cru ao redor da cidade, localizada em semicírculo
quase à beira da água. Pelo menos uma dúzia de navios mercantes
vikings estavam atracados ali, porque não havia mais que uma doca, e
o comércio era abundante. A fumaça elevava das chaminés das
cabanas e os aromas se mesclavam, perfumando o ar. Havia passarelas
de madeira conectando os edifícios entre si. E mais gente do que
Zarabeth imaginou, muita mais que em York. E todos eles ocupados
falando e correndo aqui e ali em suas diversas tarefas.
Segurou Lotti pela mão, quando os homens saltaram na água e
amarraram o Vento do Mar na segurança da costa. Não teve muito
tempo para perguntar o que Magnus pretenderia fazer, quando ele
disse:
— Leve Lotti em seus braços para protegê-la e me siga.
Em poucos minutos, seus pés tocavam terra firme, e Lotti olhava
com olhos assombrados o interminável fluxo de pessoas. Os homens
saudaram Magnus e sua tripulação devolveram as saudações. Mas
Magnus não a fez parar. Disse secamente.

173
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Fique perto. Se apresse. Não tenho tempo para perder com


você.
Ela o seguiu em silêncio, tão assombrada como Lotti. Viu escravos
transportar mercadorias em suas costas e mulheres tirar água em
baldes de madeira de um poço central. Vendedores anunciando suas
mercadorias diante de suas tendas e um ferreiro golpeando uma
espada sobre o fogo. Magnus finalmente parou em frente a uma
pequena cabana de madeira.
Havia uma anciã no interior, e sorriu para Zarabeth mostrando
um sorriso sem dentes.
— Trata-se de uma cabana de banho. — Disse Magnus. — Pode
se banhar e a Lotti também. Vou voltar logo. Não saia daqui.
Se perguntou a que outro lugar poderia ir, mas não disse nada.
Assentiu com a cabeça e seguiu à velha dentro da cabana. Fazia calor
pelo vapor que se elevava até o teto de palha. No centro da habitação
havia uma grande tina de madeira o suficientemente grande para duas
pessoas. Rodeada por faixas de ferro de grossa espessura. A mulher lhe
entregou em silêncio uma peça de sabão e a deixou. Na porta se virou
e disse.
— Seu marido foi buscar roupas em sua embarcação.
Seu marido. Limitou-se a assentir. Rapidamente banhou Lotti,
esfregou à menina até que ficou reluzente. Logo a envolveu em uma
grande toalha e a pôs em cima das esteiras tecidas que cobriam parte
do chão. Tomou o rostinho entre as suas mãos e disse lentamente.
— Não se suje amor. Vou ser rápida para me banhar.
Quando Zarabeth se colocou na banheira, fechou os olhos pelo
prazer de se inundar em água quente e inclinou sua cabeça para trás.

174
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Despertou sobressaltada, percebendo algo diferente. Abriu os


olhos e viu Magnus de pé junto a ela, olhando-a fixamente, com uma
expressão inquietante em seu rosto. Se moveu para cobrir seus seios,
logo percebeu que seu cabelo, úmido e espesso a cobria por completo.
— Trouxe roupa limpa para as duas.
Então ele se virou e ficou agachado ao lado de Lotti. Ela o olhava
fixamente, com os olhos cautelosos. Ele sorriu e tirou um belo pente de
madrepérola de sua túnica. Pouco a pouco, com uma paciência que a
deixou Zarabeth perplexa, Magnus desembaraçou o cabelo da menina.
Logo Lotti estava encostada nele, e quando puxava com muita força,
ela se virava e batia no seu peito. Magnus ria e dizia para que ficasse
quieta, estava fazendo-o muito bem. Uma vez que seu cabelo longo
esteve desembaraçado caindo por suas costas, ele se levantou.
— Você pode trançar o cabelo dela quando terminar. Agora tenho
que ir.
Zarabeth simplesmente ficou olhando a porta durante um bom
momento depois que ele tinha desaparecido. Não o entendia. Não,
absolutamente.
Depois de se vestir e pentear o seu cabelo, percebeu que era tarde
e seu estômago estava rocando. Só tinha comido um pouco de carne
seca salgada pela manhã. Pegou a mão de Lotti e caminharam para a
entrada da cabana.
A atividade não se reduziu. Havia tanta gente, todos amontoados,
mas havia risadas também, e se escutavam algumas canções na
distância. A anciã não estava à vista. O sol ainda estava alto, e Zarabeth
se sentou sobre uma esteira tecida na soleira da porta com Lotti sobre
seu colo.

175
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Não percebeu quando um homem, moreno e forte começou a


caminhar até ela. Quando o viu, notou que estava sorrindo e que vinha
diretamente em sua direção. Respondeu da mesma maneira pela
bondade que viu em sua expressão.
Quando chegou a seu lado, disse.
— Bom dia, senhora. Você e sua filha, estão desfrutando do sol?
— Sim. E de um bom banho. — Fez um gesto para o interior da
cabana. — Estávamos as duas muito sujas.
— Não mais. — Disse, e de repente viu que estava parado muito
perto, da porta. Zarabeth retrocedeu, e rapidamente ficou de pé,
deixando Lotti no chão, a seu lado, abraçando-a.
— Não. — Disse ela, tentando sorrir. — Já não absolutamente. —
Não havia razão para temer a este homem. Havia dezenas de pessoas
ao redor. Só estava sendo amável com ela. — Nunca tinha estado em
Hedeby antes. Está cheio de gente, muito mais que em York.
Seu sorriso não se desfez, mas não respondeu a sua observação,
em troca ele perguntou.
— É verdade que veio com o Magnus Haraldsson, a bordo do Vento
do Mar?
Ela assentiu com a cabeça, preocupada agora, mas sem entender
o que ele queria.
— Ele é um parvo. — O homem estendeu a mão e acariciou
brandamente uma mecha de seu cabelo úmido. Ela não respondeu,
simplesmente retrocedeu muito lentamente. Ainda sorrindo disse. — É
linda. — Depois, tocou no seu braço e logo a puxou para ele, dizendo.
— É um parvo em te deixar aqui desprotegida. Ah, mas na verdade
muito linda. — Tocou o seu cabelo outra vez, envolvendo uma mecha
ao redor de seu punho. Viu fome em seus olhos, e reconheceu o que

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

queria dela. — Nunca vi uma cor assim. E seus olhos verdes são mais
belos do que um homem pode sonhar. Venha comigo e te salvarei de
Magnus. É um homem cruel, todos o conhecem, é um selvagem que
não sabe nada das necessidades de uma doce e gentil criatura como
você. Te faria mal, talvez inclusive te mataria com seus golpes. Venha
comigo, rapidamente. Vou cuidar de você, a tratarei como uma rainha.
Sim, vamos!
— Vai embora. Me deixe em paz.
— Não tenha medo de mim, porque eu nunca machucaria a uma
beleza como você. Ouvi dizer que é sua escrava. Seria uma parva se
ficasse com ele. Venha comigo agora mesmo.
Então, sem prévio aviso, ele se inclinou, puxando o seu cabelo
para que não pudesse se mover sem sentir dor e a beijou com força na
boca.
De repente, escutou um grito enfurecido. Era Magnus. No
momento seguinte o homem se afastou dela e cambaleava pelo golpe
que o viking tinha lhe dado.
Logo pôs o pé sobre o peito do barbudo, e com uma faca na mão
ele disse.
— Você se atreve a tocar o que é meu, covarde idiota?
O homem segurando a mandíbula, logo se levantou lentamente,
encolheu os ombros, irritado, porque tinha ouvido que Magnus estava
distraído. Bem, não importava. Sempre haveria outra oportunidade,
assim ele se disse.
— A mulher estava ali, e bem disposta. Saudou-me com a mão e
me falou com doçura. Queria que rechaçasse o que me oferecia tão
generosamente?
Zarabeth negou com a cabeça, gritando estridentemente.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Está mentindo! Ele…


— Fecha a boca! — Magnus se virou para o homem, com os olhos
estreitos. — Desaparece de minha vista, do contrário vou cortar sua
garganta miserável.
O homem sorriu melancolicamente para Zarabeth e logo partiu.
— Mentiu, Magnus. — Disse frenética. — Ele mentiu! Aproximou-
se de nós, com muito respeito, mas logo me agarrou e me pediu que
fosse com ele. Disse a ele que fosse embora, juro isso.
Ele a interrompeu com voz selvagem.
— Basta! Por Odin, pensei em algum momento que realmente
poderia confiar em você! Maldita puta! Venha, sei o que devo fazer
contigo.
Ele a puxou pelo braço e a arrastou pelo centro da passarela de
madeira. Lotti, agarrando-se a sua saia, corria a seu lado. Depois de
algumas choças estavam na ferraria.
— Aqui. — Disse, e a jogou no interior.
Mesmo assim, ela não percebeu o que ele queria fazer.
Retrocedeu, levando Lotti com ela.
— O que fazemos aqui?
— É uma escrava. É hora de que leve minha marca.
Então soube.
— Não, por favor, não, Magnus.
Ele a ignorou e se dirigiu para ferraria.
Quando o sol deu lugar à noite, Zarabeth caminhava ao lado de
Magnus em direção do Vento do Mar. Ele levava Lotti em seus braços e
segurava uma corrente.
Ao redor de sua garganta havia um colar de ferro que a marcava
como sua escrava.

178
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Sentiu tal humilhação, tal desesperança, que já não desejava


seguir adiante. Se não fosse porque sabia que Lotti, iria querer defendê-
la, teria tentado matar Magnus. Caminhou resignadamente, alguns
passos atrás dele, cheia de vergonha, como se fosse um cão.

179
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

13
Quando o Vento do Mar aproveitou o vento forte, ganhou distância
e logo viu o golfo de Oslo e ali se desviou em direção a Viksfjord que
levou diretamente ao Vale Gravak, o lar de muitos membros da família
Haraldsson, Zarabeth escutou a alegria dos homens ao avistar seu lar.
Ela estava fora da área de carga, olhando curiosamente. Os homens
estavam sentados novamente em seus assentos remando enquanto o
vento inflava a enorme vela listrada de vermelho e branco. Entre os
tripulantes viu Ragnar, o homem que tinha golpeado para escapar em
York.
Queria retroceder ante a hostilidade refletida em seus olhos, mas
se obrigou a ficar de pé completamente imóvel.
— O que quer, escrava? — Perguntou Ragnar, dando um passo
para ela. Seus olhos estavam fixos no colar ao redor em seu pescoço.
— Perguntava-me por que os homens estão tão animados.
— Estamos perto de casa. Só falta meio dia e então começará sua
vida como escrava de um viking. Estou seguro de que não suportará e
terei o prazer de desfrutar com sua miséria. O colar que te marca como
escrava, fica muito bem.
— O que acontece aqui, Ragnar?

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Zarabeth ficou surpresa pelo tom de suspeita que escutou na voz


de Magnus. Desconfiava de Ragnar? Certamente ele sabia que o homem
a desprezava.
— Nada, Magnus. Sua escrava queria saber por que os homens
estavam tão alegres, e eu respondi.
Ragnar se virou assobiando e os deixou. De repente, percebeu que
estava completamente só com Magnus, embora Lotti estava a seu lado
e seus homens apenas alguns metros, cantando em um coro com uma
divertida canção.
— Os homens têm uma tarefa muito fácil agora. O vento nos dará
impulso até chegar ao vale.
— E sua casa? Acredito que você disse que a chamou de Malek.
— Sim. — Ficou em silêncio e seu olhar se cravou no colar que
rodeava seu pescoço. Parecia pesado, muito pesado para a esbelta
garganta de uma mulher. Ele odiava isso. Odiava o que tinha feito. Se
afastou dela. — Permanece no espaço de carga. Não quero que nenhum
de meus homens vá sucumbir a suas tentações.
Ela dissimulou sua amargura, e sorriu falsamente, dizendo.
— Tentações, viking? Que estranho soa. Possivelmente é porque
sou muito doce?
— Talvez doce entre suas coxas, mas em nenhum outro lugar.
Ela se virou, derrotada por sua desconfiança, e entrou na tenda,
mas não por muito tempo, pois era muito curiosa para permanecer
dentro. Se sentou na abertura com Lotti em seu colo e viu as enormes
montanhas que se erguiam a ambos os lados do golfo, montanhas tão
altas, que as nuvens envolviam seus topos, cobertas por bosques de
pinheiros.

181
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Como poderia cultivar aqui, se perguntou, quando tudo estava tão


densamente coberto de árvores? A água era tão clara e tão azul que
quase fazia doer nos olhos ao olhar, sobre tudo com o sol brilhante
refletindo-se nela. A vela se inchou ainda mais e os homens que
seguravam as cordas para controlá-la tiveram que se esforçar, lutando
com a força de seus músculos apertando e girando para contê-la. O
mastro rangeu com a pressão, e o homem ao leme amaldiçoava em voz
alta.
O ar era frio, mas o sol esquentava a sua cabeça. Zarabeth não
podia imaginar essa terra cheia de neve e gelada durante cinco meses
ao ano, menos agora que resplandecia com toda sua imensidão tingida
de verde, em contraste com o azul claro do céu. Fechou os olhos por
um momento. Ela deveria ter vindo aqui como esposa de Magnus, não
como sua escrava, mas o colar ao redor de seu pescoço, e a corrente
que arrastava a cada momento do dia, eram mais que eloquentes.
Ela se virou quando Horkel lhe disse.
— Você sabe sobre o sol da meia noite?
Quando ela negou com a cabeça, continuou.
— Já é verão, e a noite quase não existe. O sol mantém seu curso
no céu, inclusive quando é meia noite. Chamamos este tempo a Estação
do Sol. Por desgraça, no inverno, o sol escasso se vê muito pouco, e
quase sempre é noite. Você se acostumará a isso, com o tempo.
— Faz muito frio?
— Sim, e os dias são curtos e eles ficam mais curtos ainda. Mas
há festas e jogos, e noites cheias com canções e bebida e diversão.
Duas horas mais tarde, os homens começaram a gritar e a mover
os braços. Zarabeth olhou para a margem e viu uma doca de madeira
que entrava na água. Mais à frente havia uma estreita praia coberta de

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

seixos e troncos. Um amplo caminho serpenteava para cima da praia


até uma extensão de terra, era tudo o que podia ver. No centro da terra
plana havia uma paliçada de madeira circular de uns dois metros de
altura. Ao lado da paliçada havia campos cheios de centeio, cevada e
trigo, que brilhavam em matizes de ouro e bronze sob o sol. Viu homens
e mulheres trabalhando nos campos. Mandariam fazer isso também?
Os amplos campos alcançavam até a borda da linha de árvores.
Magnus tinha utilizado cada pedacinho de terra disponível para ele.
— Esta é minha fazenda, Malek. — Disse Magnus com orgulho, e
logo, repentinamente, a amargura se fez presente e acrescentou. — É
sua casa agora também. Mas não da forma em que tinha desejado.
— É linda. — Disse Zarabeth séria.
Ele não respondeu. Os seguintes minutos passaram enquanto os
homens abaixavam a vela e tiravam o pesado mastro. Dois homens
saltaram do navio até a doca de madeira e ataram as grossas cordas ao
redor das estacas de madeira. Outros começaram a esvaziar o porão de
carga, tirando seu conteúdo.
— Vamos. — Disse Magnus. — Os homens vão descarregar o navio
e então todos se reunirão esta noite para uma festa.
Assinalou para cima, mostrando às pessoas que estava saindo
pelas largas portas da paliçada, agitando grosseiramente os braços.
Ingunn, filha de Harald, e irmã mais nova de Magnus, olhou para
mulher que caminhava ao lado dele pela praia. Foi a atitude orgulhosa
da mulher, seu porte erguido e seus ombros desafiantes, que deu a
Ingunn a identidade da desconhecida. Havia trazido para casa uma
esposa. Sentiu que seu coração congelava. O que faria ela agora? A
mulher era linda, sim, percebeu isso, inclusive daquela distância. Esse
cabelo vermelho, a fazia parecer viva e exuberante. Sentiu que Cyra se

183
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

esticava a seu lado e desfrutou por um momento de piedade misturado


com prazer, ela merecia, a cadela. Cyra não se atreveria mais a
desobedecer suas ordens. Já não poderia evitar suas tarefas mediante
ardilosos ardis. Já não poderia utilizá-la, para ganhar o favor de seu
irmão. Mas então, formaram uma aliança improvável e agora estariam
outra vez em perigo.
Ingunn sentiu suas mãos rígidas ao lado do corpo. Esperou,
temendo conhecer esta mulher que era a nova esposa de Magnus. O
filho de Magnus, Egill, estava de pé junto dela, com a mão sobre os
olhos, fazendo sombra para evitar o reflexo do sol.
— Há uma menina junto da mulher. — Disse, assinalando com o
dedo. — Olhe, ela está segurando a mão da menina.
Isso deu ao Ingunn um indício. Se casou com uma viúva, então?
Não esperava isso.
— Seu cabelo é estranho. — Disse Egill um momento depois. — É
mais vermelho que qualquer outro cabelo vermelho das tapeçarias da
avó. Espero que me deixe tocar nele. Imagino como é sentir um cabelo
assim.
Ingunn desejou simplesmente que fizesse silêncio. Eles se
aproximavam. Quando Magnus desapareceu de vista, só para aparecer
um instante depois na planície da colina, ele sorriu e Ingunn correu
para os seus braços. Abraçou-a, e logo a puxou para o lado, com os
olhos fixos em seu filho.
— Egill. — Disse, e agarrou ao menino em seus braços, logo o pôs
imediatamente sobre seus ombros. Era um moço agora, não um
menino. — Senti sua falta moço. Por Odin, está maior que quando te
deixei, mas só faz um mês. Você foi um bom aluno em minha ausência?

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Egill assentiu com seriedade, e logo se virou para seu pai


inquisitivo.
— Quem é a mulher, pai? É sua nova esposa? A menina é sua
filha?
— Não, ela não é minha mulher. Agora, saia daqui. Pode ir ajudar
aos homens para trazer as mercadorias.
Magnus não se moveu, até que Egill ter desaparecido pelo sinuoso
atalho que conduzia ao Viksfjord.
Olhou a seu redor deliberadamente.
— Onde está Cyra?
— Ela está ali, esperando por você.
A mulher de cabelo vermelho apareceu em seguida. Ela parou
alguns passos atrás.
Magnus chamou com voz alta.
— Cyra, venha aqui!
Ingunn a olhou. A mulher ruiva não fez nenhum movimento, sua
expressão não mudou. Ingunn se virou para ver Cyra correndo para o
Magnus. Olhou-o, estupefata, enquanto levantava a Cyra do chão e a
abraçava com força, logo a inclinou sobre o braço e a beijou longamente
e profundamente.
— Está bem?
Cyra assentiu alegremente, enquanto tocava com os dedos a sua
bochecha bronzeada.
— Sim, estou bem. Acreditava que talvez já não me quisesse, mas
isso não importa agora.
Foi nesse momento que o vento soprou e mexeu o cabelo de
Zarabeth limpando sua garganta. Ingunn viu o colar de escrava ao

185
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

redor do pescoço da mulher. Nenhum dos escravos de Magnus usava


um colar.
Nenhum exceto esta mulher. Ela se disse.
— Esta mulher é sua escrava? Não é sua esposa?
Magnus ficou rígido, e logo riu, em uma voz muito alta, com muita
dureza.
— Não, nunca me casarei com nenhuma mulher. Sim, ela é
Zarabeth, minha escrava e seguirá sendo. A menina é sua irmã, Lotti.
Tenha cuidado com ela, Ingunn, ela é surda.
Uma escrava, ela não era mais que uma escrava! Ingunn a olhou.
O rosto da mulher estava sem cor, mas sua expressão era tranquila.
Lentamente Ingunn sorriu. Ah, ensinaria a ela, o que significava ser
uma escrava. Não teria nenhum privilégio, igualmente como Cyra. Sim,
Magnus não interviria no trato que lhe desse. Quanto à menina, que
estava abraçada na coxa de sua irmã, olhando assustada, tinha uma
estranha cor de olhos, eram de uma tonalidade dourada, rasgada e
cautelosa. A menina não podia ouvir? Sacudiu a cabeça diante
semelhante estupidez. Uma menina surda não deveria ter tido a
oportunidade de seguir com vida. Ela apenas assentiu e deu um passo
para atrás, esperando as ordens de seu irmão.
Ela o viu se virar e dizer bruscamente para Zarabeth.
— Não fique aí como uma parva. Leve Lotti para casa comunitária.
É a grande que se encontra no centro das construções.
Zarabeth ficou surpresa pelo tamanho da fazenda, enquanto
caminhava através da paliçada.
Era como um pequeno povoado trancado detrás dos grossos
muros. Havia muitas cabanas, algumas de madeira, outras de tijolo
cru e varas, todas elas com tetos de palha. A casa comunitária parecia

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

um grande celeiro de madeira. Tinha poucas janelas, e as que tinham


eram estreitas e estavam cobertas com peles de animais esticadas. Viu
a fumaça que se elevava do buraco na grande lareira inclinada.
Enquanto caminhava junto a Magnus, ele disse.
— Essa é a ferraria. O nome do ferreiro é Cilindro e faz todas
nossas armas, ferramentas agrícolas de lavoura, panelas e frigideiras.
Ao lado da casa comunitária está o estábulo das vacas, e as ovelhas se
guardam no galpão próximo ao celeiro. A cabana dos escravos está ali.
— Fez uma pausa, esperando sua reação. Ela não fez nada, mas
observou a cabana de pedra durante vários minutos. — Fora das portas
da paliçada estão os campos. Vamos colher em dois meses e logo nos
prepararemos para passar o inverno. Essa é a casa de banhos, e junto
dela está a latrina. A cabana coberta atrás deles é para o
armazenamento de mantimentos.
Era como se estivesse lhe mostrando suas posses, esperando sua
aprovação, pensou vagamente, entretanto, ela não tinha nada a ver
com isto, exceto ser sua escrava, e não sentia nenhum orgulho por isso.
Ela disse sem se alterar.
— Sua fazenda tem um valor evidente, Magnus. Parabenizo você
por seus lucros.
Ele apertou a mandíbula, e a olhou, mas só notou o colar de ferro
ao redor de seu pescoço, grosso e feio, ele sabia que deveria roçar sua
pele, machucando-a e esfolando-a. Mas o homem em Hedeby disse que
ela o tinha chamado, oferecendo-se em troca de ajuda... Tudo o que
tinha feito tinha sentido. Magnus sacudiu a cabeça. Já não ia
questionar suas ações com esta mulher. O que foi feito, feito estava, e
isso era tudo.
Ele se virou e gritou.

187
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Ingunn, vai preparar uma festa para esta noite?


Correu para o seu lado, ignorando Zarabeth.
— Estivemos preparando a comida, a cerveja e o hidromel por
uma semana, irmão. Tudo está preparado. Já enviei um mensageiro
para o pai. Espero que ele, mãe e nossos irmãos venham também.
— E Orm? — Magnus dirigiu um sorriso malicioso.
Ela olhou-o, surpresa. Seus olhos se obscureceram e sua
mandíbula se apertou em uma linha teimosa. Logo negou com a
cabeça.
— Pai está aborrecido com ele. Desde que você saiu, proibiu que
Orm se aproxime de mim. Se converteu em um velho tolo.
— Não diga isso novamente. Nosso pai tem razões para tudo o que
faz. Vamos falar disto mais tarde.
Magnus viu que Lotti ia ficando para atrás, com seus pequenos
ombros encurvados pelo cansaço, e se inclinou para pegá-la. Ela soltou
uma risada surpreendida, um miado estranho, então envolveu seus
magros braços ao redor de seu pescoço e ela disse com voz alta e
pastosa, mas com um som muito claro.
— Papai!
Magnus olhou para o seu filho, que ficou tão ciumento que se
ruborizou de orelha a orelha.
— Está muito grande para te levar nos braços, Egill. Você já está
crescido, não como esta menina aqui. — Não obteve resposta de Egill,
mas continuou dizendo. — Saúda a Lotti. Ela não pode ouvir, por isso
deve falar de frente quando ela esteja te olhando e muito devagar para
que possa entender.
— Seu cabelo é feio. — Disse Egill. — Seu rosto é feio.
Magnus olhou a seu filho.

188
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Tinha a esperança de que você tivesse se convertido em um


homem, mas vejo que é apenas um menino ciumento. Burlar das
meninas não é digno dos homens. Estou decepcionado com você.
— Ela te chamou papai! E você é meu papai!
— Sim, é verdade, mas não a culpo.
Zarabeth não disse nada. Ela também imaginou que o menino,
que era a viva imagem de seu pai, não ia ficar satisfeito pela a intrusão
de uma estranha.
Ela disse, sorrindo.
— Vai crescer até ter o tamanho de seu pai, Egill. Ele estará muito
orgulhoso de você.
Egill olhou para mulher com o cabelo muito vermelho e os olhos
tão verdes que pareciam juncos molhados.
— Não me importa o que pensa uma escrava. Controla sua língua,
mulher.
Zarabeth retrocedeu, silenciosa como uma pedra. O menino tinha
razão. Não tinha direito dizer o que pensava, não tinha nenhum direito,
não tinha nada absolutamente. Estendeu os braços para Lotti, e sua
pequena irmã, imediatamente se afastou de Magnus. Zarabeth se
separou de ambos, pai e filho, para lamber a sós as suas feridas.
Viu Cyra imediatamente ocupar seu lugar. A mulher não era mais
que alguns anos mais velha que Zarabeth, e seu cabelo chegava até os
quadris e era tão negro como uma noite sem lua. Seus olhos eram
castanhos escuro e sua pele de cor pêssego suave. Era uma beleza
extraordinária e Zarabeth se perguntou de onde teria vindo. Melhor
dizendo, onde teria sido capturada. Ela também era uma escrava, mas
não tinha nenhum colar ao redor de seu pescoço. Sem dúvida era uma
escrava apreciada por seu trabalho na cama do amo.

189
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Trabalhei com o linho. — Estava dizendo Cyra para Magnus,


apontando a um campo retangular a sua esquerda. — Vou fazer as
calças e camisas mais finas que tenha visto.
Cyra usava um vestido de cor branca, de corte completo, com
cinturão em sua estreita cintura. O material era de lã fina, não duro,
nem grosseiramente tecida. Era tão delicada como a roupa que usava
Ingunn.
Zarabeth estava cansada e triste. Queria ficar sozinha, longe de
Magnus, longe das dezenas pessoas que viviam e trabalhavam e
movimentava suas vidas nesta fazenda. Ela odiava tudo isso.
Tocou com os dedos o ferro frio no seu pescoço e seguiu
caminhando.
Quando Ingunn, disse em voz alta que Cyra mostraria para
Zarabeth a cabana de escravos, Magnus não a contradisse. Não tinha
a menor intenção de permitir que Zarabeth permanecesse ali, nem
sequer uma noite, nem ela nem Lotti, mas se ocuparia da situação em
privado. Não estaria mal, atiçar um pouco mais seu maldito orgulho,
essa dura atitude distante que sempre o enfurecia. Que ela acreditasse
por um momento que essa choça seria sua residência permanente.
Parou um momento, entretanto, quando ouviu que Cyra dizia
para Zarabeth.
— Eu não durmo aí. Durmo na casa comunitária, com Magnus.
E Zarabeth disse rindo docemente.
— Estou muito contente por você, Cyra. Continua ocupando a
cama do selvagem, e eu vou estar livre de sua atenção.
O sangue fervia em suas veias. Desejava ter ignorado Lotti, no dia
que o interrompeu no momento de fazê-la sua e ter terminado de uma
vez com esse assunto. Maldita seja, queria machucá-la. Tremia

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

enquanto caminhava para a casa comunitária. Não, ele não poderia ter
feito isso, não poderia tê-la tomado em frente da menina, nem poderia
ter abusado de Lotti de maneira nenhuma. Mas logo a teria a sós. Não
haveria nada que ela pudesse fazer a respeito.
Ela realmente acreditava que deixaria que Lotti dormisse com os
outros escravos nessa choça fria e úmida?
Observou como Egill conversava com Horkel, enquanto o seguia
até a casa. Tudo era familiar, tudo parecia exatamente o mesmo, o
aroma igual. Mas não era assim. A vida tinha mudado agora, e não
importava o que ele tinha planejado de acordo a seus próprios
caprichos, soube nesse instante, o futuro já não era algo que pudesse
controlar.

Zarabeth usava um de seus vestidos, um de lã de cor rosa suave


com uma túnica branca que tinha posto em York. Naquele tempo,
ficava preso com dois broches finamente trabalhados sobre os ombros.
Mas já não o tinham, supunha que Toki os tinha pegado. Agora tinha
amarrados as tiras da túnica sobre seus ombros. Seu cabelo estava
penteado e solto livremente por suas costas. Ingunn tinha dito que
devia servir aos convidados todo o hidromel e a cerveja que desejassem.
Ela simplesmente tinha assentido, a metade de sua atenção estava
posta em Lotti, que tinha chegado a um princípio de entendimento com
vários das pequenas crianças que brincava livremente em toda a casa
comunitária. Ela não sabia quem eram as crianças, mas isso não
parecia lhe importar. Todos eles estavam juntos e havia sempre algum

191
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

adulto que os repreendia ou brincava com eles, ou brandamente os


empurrava para fora do caminho.
A casa comunitária de Magnus era mais parecida como um celeiro
de madeira, o chão era de terra batida, com tanta força que caminhar
sobre ele não levantava sujeira nem pó. Havia placas lisas de pedra ao
redor do perímetro do salão, para reforçar as paredes que eram feitas
de troncos partidos postos um ao lado do outro em uma camada dupla,
em posição vertical. Zarabeth viu que o teto estava sustentado por
grandes vigas de madeira. No extremo final do longo salão havia filas
de mesas de madeira limpa, onde toda a família e os hóspedes estavam
agora sentados comendo carne de cordeiro, veado e javali. Havia
bandejas de ervilhas, couve e batatas, e enormes terrinas de maçãs,
peras e pêssegos. A grande lareira de pedra retangular, elevava-se uns
bons três metros de altura, e em seu interior havia duas panelas
grandes de ferro suspensas por correntes que se engancham nas vigas
do teto. Uma panela estava cheia de guisado de vitela, a outra com uma
mescla de batatas, cebolas, alho e carne. Havia barras de ferro sobre o
leito de brasas com grossas fatias de javali que chispavam enquanto
chegavam ao ponto certo de cozinhar. Sobre uma mesa baixa no final
da lareira havia pelo menos seis terrinas cheias de ervas de diversas
espécies.
Os homens bebiam em chifres de vaca esculpidos. As mulheres
bebiam em taças de madeira, com exceção da Mãe de Magnus, que
bebia em uma taça de vidro da Renania. Zarabeth caminhou em
silencio com a pesada jarra de madeira que continha vinho doce da
França que Magnus tinha negociado em Hedeby. Ela teve muito
cuidado com ele, porque sabia que o vinho era valioso. Caminhou
lentamente para a mesa principal, onde estava o pai de Magnus, o

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Conde Harald Erlingsson, sentado em sua própria cadeira esculpida,


com sua esposa a seu lado. Era tão alto como seu filho, tão loiro que
seu cabelo parecia branco como a neve. Era tão forte e magro como um
homem de vinte anos. Era muito provável, pensou, que Magnus
parecesse como ele em alguns anos.
— Moça. — Chamou Harald. — Traz mais vinho para o meu filho!
Ele tinha feito isso de propósito, pensou vagamente. Tinha-a visto
se aproximar com o vinho, entretanto, tinha optado por chamar a
atenção sobre sua presença. Nesse instante Magnus a olhou, franzindo
a testa. Fazia calor na casa comunitária e viu o suor brilhando em sua
testa, as mechas úmidas de cabelo vermelho enroscavam ao redor de
seu rosto. Tinha o rosto avermelhado pelo calor e parecia mais linda do
que jamais tinha visto. Sentiu abalado e se apressou a dizer a seu irmão
mais velho, Mattias.
— Lamento a morte de sua filha, mas Glyda parece bem outra vez.
Mattias olhou com preocupação o rosto pálido de sua jovem
esposa.
— Ela é muito jovem. — Disse. — Não sabia de nada, não estava
preparada para ter um filho.
— O que há para saber? — Disse Magnus, olhando
inquisitivamente a seu irmão. — É jovem, sim, isso é certo, mas se
colocar sua semente nela, uma criança cresce e nasce. O que outra
coisa há?
— Ela fez uma tolice, enquanto estava grávida.
— Como?
— Ela queria que todo o tempo me deitasse com ela e a tomasse,
essa é a verdade, Magnus!
Magnus olhou seu irmão e logo um sorriso apareceu em sua boca.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Reclama porque a sua esposa gosta de estar na cama contigo?


— O bebê chegou cedo e nasceu morto.
Magnus sacudiu a cabeça.
— Busca a culpa onde não tem. Pare já, Mattias. Glyda é uma
moça doce. Ela te dará outras crianças saudáveis. — Encolheu os
ombros, olhando para o monte de meninos e meninas que brincavam
em um canto, longe do fogo, com duas das mulheres próximas a eles.
Quatro deles eram filhos de Mattias de seu primeiro matrimônio. —
Além disso, inclusive se ela não lhe dê outras crianças, o que te
importa? Sua semente enraizou no ventre de Vestfold.
— Mais vinho?
Mattias se calou para contemplar à nova escrava de Magnus.
Tudo o que seu irmão havia dito sobre ela era que a tinha comprado
em York. Mattias queria esticar a mão e tocar seu magnífico cabelo. A
cor era tão incomum, tão rica e profunda, de um vermelho incrível.
— Sim, mais vinho. — Se limitou a dizer.
Se virou para falar com seu irmão, quando parou em seco. Havia
fome nos olhos de Magnus, e algo mais... Talvez dor e ira e talvez
frustração. Era um mistério. Mattias continuou estudando à mulher
enquanto se afastava. Ouviu o que seu pai dizia para Magnus.
— Eu gostaria de comprar à moça, Magnus. Quantas peças de
prata quer por ela?
Magnus disse calmamente.
— Você não iria querer, pai, porque com ela vai enraizada uma
menina surda. Uma responsabilidade que duvido te agradaria.
— Então, por que a comprou se toda esta responsabilidade pesa
tanto sobre você? — Foi sua mãe, Helgi, quem fez a pergunta. — A
menina com o cabelo vermelho é dela?

194
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sim, sua irmã pequena. — Esperou até que Zarabeth se


aproximasse de seu irmão mais novo, Jon, e disse em voz alta. — Eu
não sabia que a menina estava deformada até que era muito tarde. —
Ele se alegrou em ver que Zarabeth reagia. Viu como tremia a sua mão,
viu seu turbilhão a ponto de enfrenta-lo, e quando finalmente deu um
passo para Magnus, tropeçou com uma bola de couro cheia de plumas,
e deixou cair a jarra de vinho ao chão.
— Moça estúpida! — Ingunn esteve a seu lado em um instante, e
antes que alguém soubesse o que ia fazer, a golpeou com força no rosto.
Zarabeth cambaleou para trás, ficando perigosamente perto do fogo da
lareira.
— Cuidado! — Magnus saltou de sua cadeira e correu até ela,
agarrando seu braço, enquanto ela tateava o ar tratando de recuperar
o equilíbrio.
— Deixe-a cair. — Disse Ingunn com desgosto. — Não virá mal ter
uma queimadura ou duas, cadela torpe! Jogou o vinho ao chão, e não
na barriga como deve ser. Quase a metade de uma jarra!
Zarabeth respirava com dificuldade. Tratou de se afastar de
Magnus, mas ele não a soltou imediatamente.
Ela o olhou, a fúria estampada em seu rosto pálido.
— Você mentiu para mim, Magnus! É verdade que a princípio não
sabia que Lotti não poderia ouvir, mas aceitou trazê-la sabendo a
verdade. Mentiu para o seu pai!
Ele sacudiu a cabeça. Não importava que Ingunn a tivesse
golpeado tão duramente? A palma de sua irmã tinha deixado sua marca
vermelha em sua bochecha pálida. Imaginava que ainda iria arder.
Sacudiu novamente a cabeça, zangado com ela por ter aceito tão
passivamente o ataque de sua irmã. Então se endireitou. Com suas

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

ações, ele estava dando ao povo e a sua família uma grande quantidade
de ossos para mastigar.
— Seja mais cuidadosa no futuro. — Disse, em voz baixa e áspera.
— Não quero que se machuque. Me custou muitas moedas para ter
você.
Soltou seu braço e logo se dirigiu para a sua mesa. Seu irmão
Mattias se limitou a arquear uma sobrancelha loira para ele. Quanto a
seu pai, Harald, ria, tão ruidosamente, que fez Magnus desejar que
tudo terminasse. A comida tinha resultado interminável. Viu Cyra
aproximando-se dele, com os olhos reveladores, já que tinha sido
testemunha do que tinha feito, e sabia que ia ter que falar com ela logo.
Trazia uma enorme bandeja de carne do forno coberta com cominho e
bagos de zimbro e sementes de mostarda e alho. Cheirava delicioso,
mas Magnus tinha perdido o apetite.
Cyra lhe serviu, com um sorriso profundo e caloroso. Afastou o
olhar dela. Sua mãe disse.
— Cyra, venha aqui. Desejo mais carne.
A noite continuou. Magnus presenteou a sua mãe com uma
preciosa caixa de joias esculpidas que tinha trocado por várias terrinas
de pedra de sabão em Hedeby. O tinha dado ao mestre pedreiro de seu
pai para que esculpisse o nome de sua mãe na parte inferior da mesma.
Deu a seu pai um bracelete de prata, grosso e pesado e finamente
esculpido. Logo começou a música. Então Horkel, começou a cantar a
história de uma moça que conseguiu se casar com um homem mais
velho só para envenená-lo quando tentou deitar-se com ela. Magnus
tentou chamar a atenção de Horkel. Para seu alívio, Horkel mudou o
argumento da história e a moça terminou como escrava em Miklagard,
em um harém árabe.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Em seguida, contaram-se contos, mas Magnus simplesmente não


podia manter sua mente na farra. Viu Zarabeth caminhando até onde
Lotti estava sentada sozinha, porque as mulheres tinham levado as
outras crianças para colocá-las para dormir. Não tinham feito o mesmo
com Lotti. Sentiu a ira arder em suas vísceras, mas sabia que havia
uma razão lógica para isso.
Zarabeth recolheu à menina adormecida, e olhou ao redor. Estava
claro que não sabia o que fazer.
Magnus se levantou e tentou abrir caminho com grande
indiferença para ela.
— Zarabeth. — Disse em voz baixa. — Lotti dormirá aqui na casa
comunitária. Me deixe te mostrar onde.
Seu alívio foi evidente, mas apena se limitou a assentir. Magnus
a levou até o outro extremo do salão, onde havia pequenos quartos,
separadas entre si por divisórias de madeira, a ambos os lados da casa
comunitária, deixando um corredor estreito no meio.
— Aqui. — Disse. Dentro da pequena habitação onde havia uma
cama grande em que dormiam quatro crianças pequenas. — Aqui. —
Disse, e a acomodou com as crianças, empurrando-os um mais perto
do outro, até fazer espaço suficiente. Levantou a manta de lã e se
manteve em silêncio até que Lotti, sorriu para ambos e fechou os olhos.
— Obrigada. — Disse Zarabeth, sem olhá-lo.
— Você não ficaria contente se ela tivesse que dormir na choça de
escravos, enquanto você fica aqui.
Ela o olhou então, mas permaneceu muda.
— Sim, Zarabeth, vai dormir em minha cama esta noite, e todas
as noites quero ter você lá.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

14
— Já tem a Cyra. Ela é linda e te deseja. Por que me quer?
De repente, sem aviso, Magnus passou os dedos por seu cabelo,
parando nas pontas, e amaldiçoando o comprimento e a suavidade de
cabelo. Logo teve que rir de si mesmo. Era evidente que tinha perdido
a cabeça para esquecer das circunstâncias. Disse em voz alta.
— É uma noite de festa, e todos permanecerão aqui até manhã.
Meus pais, usarão minha cama. — Riu novamente, movendo a cabeça.
— Não despertará a Lotti para mudá-la de lugar, verdade?
Ouviu o medo em sua voz e isso o enfureceu mais do que jamais
poderia ter imaginado.
— Não estou cuidando de você também? É obvio que Lotti ficará
onde está. Vamos, tem tarefas para fazer. Esta noite dormirá coberta
em uma manta no corredor. — Suspirou novamente, como se estivesse
dolorido e sentiu um desejo louco de rir.
Ingunn ordenou a Zarabeth que esfregasse os pratos e terrinas de
madeira e panelas e colheres de ferro, o que fez voluntariamente, já que
esse trabalho a manteria longe dos homens. Quando ouviu uma mulher
chamando o seu nome, não prestou atenção no início. A mulher voltou
a dizer.
— Seu nome é Zarabeth?

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Zarabeth levantou a vista para ver Helgi, a mãe de Magnus. Tinha


o rosto avermelhado pelo calor do salão e o vinho que tinha bebido.
Zarabeth a olhou de perto, mas não viu maldade em seus olhos azuis.
Recordava o que Magnus tinha falado, de como sua mãe batia repetidas
vezes a enorme manteigueira. Tinha percebido o amor em sua voz
quando tinha falado de Helgi. Era uma mulher grande, com seios
grandes, com o cabelo prateados, de tão claro. Tinha uma profunda
fenda no queixo, que seu filho tinha herdado.
Zarabeth assentiu.
— Escutei os homens de Magnus dizer que meu filho te salvou de
uma morte segura, por ter assassinado a seu marido.
— Ele me salvou, isso é verdade.
— O matou não é verdade?
Zarabeth negando com a cabeça com cansaço.
— Não, não é, mas não importa. Ele nunca acreditará em mim. —
Balançou o cabelo úmido e, afastou de seu pescoço para mostrar o
colar de escrava. — Não sou nada para ele. Nada, exceto sua escrava.
Helgi conteve o fôlego. Não tinha visto o colar antes, o cabelo da
mulher era longo e a gola do vestido alta. Por que Magnus fez algo assim
a essa mulher?
— Por que te salvou?
— Acredito que ele queria vingança.
— Mãe! Deixe-a que volte para suas tarefas. Não lhe dê ouvidos.
Ela nunca diz a verdade.
Helgi se virou para Magnus.
— É verdade que a comprou para se vingar?
— Não importa por que a comprei! Ela está aqui, e aqui
permanecerá.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sim, isso é verdade. — Disse Zarabeth. — Não tenho mais


escolha, enquanto ele tenha a minha irmã, não há nada que possa
fazer.
Magnus esqueceu que sua mãe estava de pé em frente a ele.
Furioso, agarrou-a pelo pulso, puxando para ele.
— Não volte a dizer isso outra vez, maldita seja! Já disse que Lotti
nunca será uma arma usada para subornar você, nem para mim, nem
para ninguém. A menina está sob meu amparo.
— Não acredito. Vai me ameaçar machucando à menina quando
precisar me induzir para alguma coisa.
Helgi olhou para os dois e se perguntou o que acontecia ali. Nunca
tinha visto Magnus tão fora de controle. De seus três filhos, ele era o
único que mantinha firmemente seu autocontrole em qualquer
situação.
Ele se orgulhava de seu domínio de si mesmo diante dos outros.
Sempre estava calmo, e falava com voz suave e contida.
Cada vez que o sentia agitado por algo, sua voz se aprofundava,
mas nunca, jamais tinha gritado furioso, como estava fazendo agora.
Agora estava agindo como o seu irmão mais novo, Jon, que gritava e
amaldiçoava, dando vazão à frustração e a irritação e não importava se
todos da aldeia se inteirava.
Por outro lado, Magnus era uma beleza inédita. Obviamente se
preocupava profundamente pela moça de cabelo selvagem vermelho.
Ele ainda não percebeu. Ou talvez tinha feito, e estava lutando com
todas suas forças contra essa realidade. Helgi pôs seus dedos no braço
de seu filho.
— Solte-a, Magnus. Nunca abusaste de uma escrava, e não vai
começar agora.

200
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sim, vá com a Cyra!


Ele sorriu para Zarabeth então, mas com um sorriso que a sua
mãe não gostou.
— Não, não vai abusar de você. E não, não vou com a Cyra. — Se
virou e regressou com seu pai e seus irmãos, que estavam cantando
em voz alta sobre o rei Harald I e como tinha matado o rapaz Gorm da
Dinamarca, estrangulando-o com seu cabelo longo e grosso.
O tempo passou lentamente. Zarabeth estava tão cansada que se
sentia tonta. Entretanto, sempre havia mais terrinas, mais pratos, mais
bandejas, mais bebidas. Um fluxo interminável. Viu pela extremidade
do olho que os outros escravos foram para suas cabanas. Mas ela
estava sendo castigada. Muitos dos homens dormiam, com suas
cabeças apoiadas nas mesas, roncando. O fogo se apagou, e não houve
mais fumaça escapando pelo buraco no teto. Muitos dos hóspedes se
deitaram em filas ordenadas, cada um coberto com sua manta. Ingunn
se aproximou dela, bocejando ruidosamente.
— Trabalha muito lentamente, escrava. Não vai dormir até que
tenha terminado com isto.
Zarabeth recordava das palavras de Magnus. Lotti está sob meu
amparo. Muito bem, então. Acreditaria nele. Sua irmãzinha não
pagaria por algo que ela fazia. Sorriu para irmã de Magnus e disse.
— Não, acredito que não, Ingunn. Estou cansada e vou dormir
agora, como todos outros escravos têm feito.
Ingunn segurou a respiração bruscamente. Não esperava por isto.
Sua ira inflamou.
— Como se atreve?
— Sim, me atrevo. — Zarabeth encolheu os ombros e se afastou
da tina de madeira cheia de pratos sujos.

201
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Vou esfolar a carne de suas costas, cadela!


Zarabeth viu o brilho de fúria desenfreada nos olhos da mulher,
mas não prestou atenção nela. Caminhou rapidamente afastando-se,
para as grandes portas de madeira da casa comunitária. Empurrou
abrindo e saiu pela noite. Mas o estranho é que ainda não era de noite,
não como a noite em York. Esta era a estação do ano em que o sol não
se ocultava. Já passava da meia-noite, mas o céu seguia cinza, com
pouca luz, como se fosse o entardecer e a chuva estivesse por cair em
qualquer momento.
Estava quente, com uma suave brisa que soprava de Viksfjord. Ao
longe, através da água, as montanhas se viam envoltas pelas nuvens.
Recordava vagamente as colinas verdes de sua casa no Oeste da
Irlanda, e a névoa ondulante que vinha do mar, sempre cálida e úmida.
Aqui estava seco e quente e tão lindo que queria chorar pela ironia de
tudo isso. Mas no final não havia nenhuma ironia nisso.
Ela cobriu o seu rosto com suas mãos e soluçou.
Sentiu que duas mãos grandes a rodeavam com os braços, e a
apertavam contra um peito sólido. Os soluços não paravam. Se sentia
débil e fora de controle, supunha vagamente quem era seu consolador,
mas não se importou.

Lentamente Magnus a virou para ele e a estreitou entre seus


braços. Sentiu a força de suas lágrimas, sentiu os estremecimentos
convulsivos que sacudiam o seu corpo.
— Está cansada. — Disse depois de um longo momento. — Está
esgotada, por isso está chorando.

202
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ela levantou o rosto e o olhou na penumbra.


— É isso o que quer acreditar, Magnus?
Baixou a cabeça e a beijou. Provou a umidade salgada em seus
lábios. Doía-lhe profundamente, esta dor dela. Baixou suas mãos pelas
costas para mantê-la imóvel, e seus dedos se fecharam ao redor de sua
garganta.
Até tocar o colar de escrava.
Ele tinha visto quando o ferreiro tinha colocado. Tinha visto como
o ferreiro tinha colocado o colar que ele tinha selecionado para ela ao
redor de sua garganta. Tinha visto como ficava mais e mais pálida até
que seu rosto perdeu toda a cor.
E quando o colar estava ao redor de seu pescoço, tinha visto como
seus olhos se tornavam desconsolados e vazios.
Mas foi sua culpa. Ela o tinha enfurecido, tratando de seduzir a
outro homem. Não tinha tido outra opção.
Pouco a pouco se separou dela.
Ele não queria, mas a olhou. Suas bochechas brilhavam úmidas
e os olhos ainda transbordavam de lágrimas não derramadas.
— Por que me traiu? Por que? — Deu um passo para trás,
afastando-se, horrorizado por sua debilidade, pela angústia em sua
voz. Por Odin, o que o levara agir assim?
Zarabeth observou a mudança em seu rosto, viu que seus olhos
se esfriavam, e o viu tomar distância.
— Eu não te traí.
— Você mente. Entra na casa comunitária. Vá dormir agora,
porque há muito trabalho que requererá sua atenção no dia de
amanhã.

203
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele se virou e a deixou, não voltou para dentro, caminhou para a


porta da paliçada. Viu ele falar com os guardas, depois, levantou a
grossa tábua de madeira que impedia a entrada.
Ela se virou lentamente e voltou a entrar na casa comunitária.
Não havia lugar livre para dormir no chão. Os homens roncavam
ruidosamente, igualmente como algumas das mulheres. Havia dois
casais que estavam se acariciando, mas estavam muito embriagados
com a bebida para fazer muito mais do que isso. Zarabeth meditou
indecisa por um momento, então foi até pequeno quarto onde Lotti e as
crianças estavam dormindo. Ela afastou um pouco a sua irmã e se
deitou na cama. As outras crianças amavelmente fizeram mais espaço.
Zarabeth adormeceu em alguns instantes, com Lotti encolhida contra
o seu corpo.
Magnus acreditava que ela o tinha deixado. Procurou entre todos
os corpos que dormiam no salão. Ela não estava ali.
Olhou em todos os quartos, os nervos e o medo por ela cresciam
na mesma medida. Por último, quando a viu dormindo com as crianças,
pensou que ia desmaiar pelo alívio que sentiu. Negou com a cabeça e
pegou uma manta para sair no ar frio da noite. Quando o sono chegou,
finalmente, apareceu uma mulher em sua mente, tão real como os
profundos golpes de seu coração, ela estava burlando dele, rindo, mas
quando se virou, não tinha rosto. Jogou a cabeça para trás, levantando
o cabelo e mostrando o colar que rodeava seu pescoço.
Na manhã seguinte bem tarde, foi quando todos os homens
decidiram retornar para suas casas com suas famílias. Os irmãos e os
pais de Magnus ficaram até depois da refeição do meio-dia. Zarabeth,
silenciosa, com escuras sombras debaixo de seus olhos, serviu a eles
com rígida postura. Seu vestido estava enrugado e manchado pela

204
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

comida derramada e das tarefas de limpeza da noite anterior. Magnus


se perguntou por que ela não mudou o seu vestido, por que não se
lavou na casa de banhos. Seu cabelo estava preso em uma trança que
estava sobre os seus ombros. Percebeu que a cada momento seus olhos
procuravam Lotti, que brincava com as outras crianças. Viu seu filho
olhando para menina, e percebeu a mesquinharia nos claros olhos de
Egill. Suspirou. Se apenas o menino entendesse o porquê. Amaldiçoou
em voz baixa, e logo se virou para o seu irmão Mattias, que dizia com
calma enquanto mastigava um pedaço de pão quente.
— Deve enfrentar a mulher. Isto não pode continuar assim.
— Apenas comecei. O que quer dizer?
— Você, Magnus, me oferece livremente seu impertinente
conselho sobre minha esposa. Para ser justo, admito que me permiti
ontem à noite desfrutar com a Glyda. Senti quando derramei minha
semente em seu interior, que algo aconteceria. Possivelmente desta vez
ela dará à luz um filho vivo. — Mattias parou um momento, olhando
para Zarabeth. — Eu não sou cego, nem particularmente estúpido.
Você olha esta mulher com seu estranho cabelo vermelho, como se
fosse um lobo morto de fome, que quer devorá-la ou estrangulá-la, e no
minuto seguinte a olha como se estivesse disposto a dar sua vida para
protegê-la. Pode me explicar isso irmão. Perdeste sua inteligência e sua
dignidade por esta moça que envenenou a seu marido?
— Não é teu assunto.
— Pai queria saber de tudo, assim Horkel teve que lhe contar o
que tinha acontecido. Diz que agiu com grande honra.
— Horkel sabe muito pouco sobre isso. Não sabe quase nada, e,
entretanto, segue zurrando.
— Ele sabia que desejava se casar com a moça, e que ela te traiu.

205
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Suficiente, Mattias. Vejo Jon brincando com as mulheres. Vou


praticar com as espadas, fica mais ousado com o passar dos anos.
Mattias observava a seus irmãos se golpeando e empurrando
alegremente nos ombros enquanto se insultavam com fluidez. Viu eles
tirar suas espadas e mergulhar em uma batalha simulada. Jon era
bastante menor que seu poderoso irmão, mas era mais rápido, e tinha
movimentos ágeis. Os dois estavam rindo, burlando-se das habilidades
do outro. Não haveria sangue derramado, não hoje, não entre estes
irmãos. Os homens começaram a reunir-se a seu redor e a encorajar a
seu favorito.
— Gostaria de falar com Magnus sobre Orm. — Disse Harald a
seu filho mais velho, Mattias. — Eu não confio nesse cachorro. Ele
tentará tomar Ingunn, não duvido.
— Ingunn não o aceitaria.
— Ah! Não estou tão seguro disso. Ela me diz as palavras que
desejo ouvir, Mattias, mas ela o quer. A moça está mal-humorada e me
olha com olhos malignos. Seu temperamento sempre foi incerto, mas
agora que me neguei a escutar o pedido de Orm piorou o seu
tratamento comigo. E mesmo que ela me obedeça e o rechace, ele pode
forçá-la, e logo terei que matá-lo. — Harald suspirou profundamente.
— E se ele fizer uma criança antes que possa matá-lo?
Mattias riu.
— Pai, está inventando uma história com um final que não te
convém, inclusive antes que a história tenha começado! Magnus está
aqui agora. Ele não permitirá que Orm ponha um só pé dentro das
portas da paliçada.
Harald grunhiu, mas seguia com a testa franzida enquanto olhava
para sua filha, Ingunn, que estava falando com Zarabeth. Estava

206
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

zangada, podia perceber inclusive desta distância. Esperava que não


voltasse a golpear à mulher de novo. Haveria problemas, farejava no ar,
tal como farejava que Orm se apresentaria em Malek para tomar
Ingunn.
Ingunn estava furiosa pela insolência da mulher. Tremiam as
suas mãos.
— Tudo o que faz é olhar para essa pequena imbecil! Ponha-se a
trabalhar, escrava, do contrário vou ter que te açoitar!
Nesse momento Egill, zangado porque Lotti tinha tomado a bola
que não estava destinada para ela, gritou e se jogou sobre a menina.
Lotti, não escutou, e sem nenhuma advertência Egill a golpeou contra
o piso.
Zarabeth gritou e correu em direção das crianças. Levantou o Egill
e puxou Lotti de debaixo de seu corpo. Quando se virou viu o menino
mais velho, piscando em silencio pela surpresa. Lotti estava sorrindo e
apontando para Egill.
Logo gritou arrastando as palavras de maneira estranha, mas
perfeitamente compreensível.
— Egill! Divertido!
Para maior assombro de Zarabeth, Lotti ficou de pé, gritando
outra vez.
— Egill! — E se jogou sobre o moço. Eles rolaram juntos, com os
braços e as pernas emaranhadas, batendo na grama em cada giro.
As crianças olharam apenas por um breve instante, e então se
emparelharam e começaram quatro lutas diferentes.

207
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Magnus, aumentou a força de sua pressão, apertou a espada ao


lado do rosto de Jon e disse.
— Você teve o suficiente irmão?
— Sim, mas só até a próxima vez, Magnus!
Os homens riram e embainharam suas espadas. Magnus levantou
a vista para ver que todo o público olhava para longe. Então viu a luta
das crianças, brigas, gritos, e seu primeiro pensamento foi para Lotti.
Sentiu frio na barriga.
— Rápido! — Chamou Jon, e correu para as crianças.
Para sua surpresa, encontrou Lotti, sentada escarranchada em
Egill, com seus pequenos punhos apertados em seu cabelo, puxando e
rindo e saltando sobre ele. Quanto o seu filho, Egill estava tentando
tirar à menina de cima, mas as pernas de Lotti eram fortes e ela não
estava disposta a renunciar a sua vantagem. Magnus percebeu
rapidamente que o menino estava fazendo o possível para não a
machucar, e isso o agradou. Ele viu muito rapidamente que Egill
também estava tentando não sorrir.
Magnus viu Zarabeth se inclinar e pegar Lotti por debaixo dos
braços e levantá-la. Zarabeth estava rindo e beijando o rosto sujo da
menina. O som era doce e mágico e iluminou o seu rosto. Ele tragou
saliva, se virando. Era a primeira vez que riu após... Não, não ia
recordar.
Tudo tinha sido uma mentira, tudo.
Queria-a. Ele esperou por este momento durante todo o dia. Foi
caçar com seus homens, levando Egill com eles. Observou-a durante
toda a noite, trabalhando e servindo, e sempre, olhando para Lotti.
Queria dizer a ela que todos os adultos da casa se ocupavam das
crianças, mas não o fez. Não acreditaria. As horas passaram, e seguia

208
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

observando-a. Tinha dispensado Cyra, finalmente havia dito para


Ingunn que Zarabeth tinha trabalhado o suficiente. Ele viu que sua
irmã não estava satisfeita com sua intervenção, mas assentiu com a
cabeça sem dizer nada. Entretanto, esperou. Viu ela recolher Lotti e
levá-la para cama.
Esperou outra meia hora. Horkel começou uma canção que falava
do pai de Magnus, como herói de uma batalha naval de vinte invernos
atrás, e de como tinha capturado vinte escravos e vários barris de ouro
e prata.
Por fim, quando outros estavam bocejando, Magnus se levantou e
deu boa noite. Tomou pouco tempo para perceber de que Zarabeth não
estava na casa comunitária. Foi para cabana de escravos, tampouco
estava ali. Encontrou-a falando com um de seus guardas que estava
sentado em seu posto em cima da paliçada do Norte. Magnus sentiu
raiva e ciúmes, até que percebeu, com dor por sua própria debilidade
que o homem era Hollvard, um velho enrugado, desdentado e com
debilidade em seus músculos.
Aproximou-se em silencio até eles e parou.
— Sim, senhora. — Hollvard estava dizendo com palavras lentas
e precisas. — Há bandidos nas montanhas, e muitos lugares para que
se escondam. Sim, inclusive um homem com seis outros como escolta
devem tomar cuidado. Nada aqui é fácil, nem o clima, nem as pessoas
e nem a terra.
— Zarabeth. — Disse Magnus, e pôs sua mão sobre seu ombro.
Sentiu que ficava tensa, mas não fez nenhum som.
— Magnus, estava contando à senhora sobre nossas terras e
costumes.

209
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sim, ouvi você. — Olhou para ela amarguradamente. — Dizia


que seria estúpido de sua parte tentar escapar de Malek.
— Não, ela não me perguntou sobre isso. Eu simplesmente lhe
dizia dos perigos que existem.
— Ela lhe perguntou isso por uma razão, Hollvard, não o duvide.
Hollvard negou com a cabeça, sem saber qual era o estado de
ânimo de seu amo. Magnus disse para Zarabeth.
— Vamos, é hora de ir para cama. — Ela olhou-o pela primeira
vez, levantando o rosto para permitir vê-la com claridade e viu o medo
ali, o desafio, e isso fez que sua barriga se encolhesse. Disse, com voz
firme e tranquila. — Não me olhe assim. Vamos.
E pegou a sua mão, deu boa noite a Hollvard, e a conduziu para
a casa comunitária. A noite era cálida, iluminada pela luz da lua.
Parou e puxou-a muito devagar, com muito cuidado, na direção
dele.
— Me olhe, Zarabeth.
Ela levantou a vista e estudou suas feições. Brandamente, ele
tocou nos seus lábios com a ponta dos dedos, logo o queixo, a ponta do
nariz. Alisou suas sobrancelhas. Logo se inclinou e a beijou. Seus
lábios estavam frios e duros. Parecia que podia provar seu medo, mas
se negou a reconhecer isso.
Só se limitou a sorrir.
— Não, amor. Abre seus lábios para mim. Já fez uma vez, recorda?
Ele não o esperava, por isso, quando ela o golpeou com os punhos,
não pôde reagir com suficiente rapidez. Saiu correndo, fugindo dele
para a porta da paliçada.

210
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele começou a gritar, mas pensou melhor. Poderia ouvir os


homens dizendo como a escrava tinha escapado e o tinha deixado como
um parvo.
Ela correu a distância rapidamente, conseguiu levantar tábua de
madeira, e jogar para um lado e abrir as portas.
Passou através delas antes que Magnus pudesse alcançá-la.
Hollvard olhava inexpressivo para trás. Não tinha feito nada para detê-
la. Magnus a viu na frente. Ela não estava correndo pelo atalho para a
água, começou a correr para os estreitos rasgos do campo de cevada.
Percebeu de que queria chegar ao bosque de pinheiros. Então poderia
se esconder dele.
Ele a apanhou justo quando chegou na primeira linha de árvores.
Não estava zangado com ela, na verdade, se pudesse, teria
agradecido por ter fugido nessa direção, porque estava encantado de
poder levá-la ali, sob a tênue luz da lua, na sombra dos pinheiros.
— Não vou te machucar. — Disse, segurando-a com força contra
ele. Ela negou com a cabeça, mas ele agarrou seu queixo entre seus
dedos e começou a beijá-la. Ela afastou o rosto, respirando com
dificuldade, e ele beijou a sua orelha e a sua bochecha. Agarrou a sua
cabeça e a segurou entre suas mãos. — Chega amor. — Disse. —
Chega.
Ele simplesmente se jogou sobre o chão, e, amortecendo a queda
com seu próprio corpo, caiu no chão ao lado dele, com a cabeça sobre
o seu braço.
— Zarabeth, não vou te machucar. Vou te possuir, e não desejo
que brigue mais comigo.
Ela o olhou, olhou o rosto do homem que tinha amado, o homem
que agora temia, e disse com muita calma.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Uma vez que tenha me tomado, vai voltar para Cyra e suas
outras mulheres? Você vai me deixar sozinha outra vez, então?
Só podia olhá-la, percebia a fúria mesclada com a dor em suas
palavras.
— Só quer me punir, certo? Que me submeta a você, para
demonstrar que é o mais forte, para demonstrar que é o amo. Uma vez
que tenha feito isso, se cansará de mim, certo? Não prestará mais
atenção em mim, e me deixará em paz?
Magnus disse lentamente, sua voz clara como o ar da noite.
— Mesmo que não a tome a cada noite, dormirá a meu lado pelo
resto de minha vida e você vai despertar cada manhã a meu lado.
— Por que? Eu não sou nada para você! Me odeia, acredita que
menti, que traí você. Então por que?
Não tinha resposta para isso. Sentiu que ela se retorcia debaixo
dele e rapidamente segurou suas pernas com uma das suas.
Começou lentamente a desatar o cordão de seu decote. Ele não
afastou o olhar de seu rosto enquanto separava a lã suave. Seus olhos
piscaram quando seus dedos tocaram sua carne nua, mas ainda assim
a olhou atentamente.
Sentiu seus dedos calosos e duros, tocando seu mamilo, e ela
gemeu.
— Você não gosta disto, Zarabeth? É tão suave, tão suave.
Suas mãos estavam esfregando um seio e o outro, e ainda
continuava olhando o seu rosto, observando cada expressão. Ela não
podia detê-lo. A única coisa que podia fazer era suportar. Tentou se
encerrar em si mesmo. Ele percebeu.

212
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Não, ficará aqui, comigo, e vai me sentir, Zarabeth, me sentirá


tocar em você e vou ver crescer o prazer em seus olhos. Não vai se
afastar de mim, não vou permitir isso.
Ele se inclinou então e a beijou. Tinha os lábios entreabertos e os
forçou um pouco mais para deslizar a língua em sua boca. Sentiu uma
incrível onda de calor passar através dele. Calor e sensibilidade, e não
lutou contra isso. Não podia lutar contra isso. Deixou fluir através dele
e deixou crescer e crescer. Sua necessidade por ela era tão grande,
muito mais do que jamais tinha conhecido, mas não seria selvagem
com ela. Seguiu beijando-a, sem exigências, só dando, desejando que
ela soubesse que ia ser suave, enquanto suas mãos amassavam e
acariciavam seus seios.
Ela permanecia completamente imóvel. Então sua língua entrou
mais profundamente em sua boca e ele a sentiu tremer, sentiu a
agitação de seu seio em sua mão.
— Zarabeth. — Disse contra seus lábios abertos. — Sente o que
estou te fazendo.

Tudo nela se congelou pela antecipação quando sentiu sua mão


espalmando o seu ventre, seus dedos tocando seu osso pélvico e
massageando-a brandamente. Mais abaixo, sabia que queria que seus
dedos fossem mais abaixo, ali estavam outra vez esses sentimentos que
ela não entendia. Para sua completa humilhação, gemeu.
Gemeu de prazer, de uma necessidade que não entendia, mas,
que reconhecia que existia, em seu interior.

213
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele levantou a cabeça e sorriu. Seus dedos permaneceram ainda


em seu ventre.
— Uma vez mais, Zarabeth.
E sua mão desceu ligeiramente sobre seu monte de vênus e seus
dedos a penetraram.
Ela o olhou, e havia medo e emoção em seus olhos, crescente
antecipação, satisfação por si mesmo e por ela. Lentamente, muito
lentamente desta vez, começou a acariciá-la com seus dedos. Ela não
se moveu. Viu a surpresa, a vergonha em seus olhos, e disse em voz
baixa.
— Não, não tenha vergonha, isto é o que faz um homem para dar
prazer a uma mulher. Me diga que te agrada, Zarabeth. Me diga.
Ela negou com a cabeça enquanto sussurrava.
— Sim, mas me dói também... dói...
Levantou seus dedos e sentiu que continha o fôlego. Ele a beijou
enquanto aliviava a pressão deixando só seu dedo médio em seu
interior.
Por Odin, ela era apertada, mas sua passagem estava úmida
agora, porque estava excitada. Pensou em levá-la ao prazer antes de
penetrá-la, mas sabia que, se ele não entrava nela agora, derramaria
sua semente. Doía, seu sexo estava inchado, duro e preparado. Apertou
os dentes, mas isso não ajudou.
Ele levantou o seu vestido e acariciou as suas pernas. Seus olhos
já não estavam vazios, mas bem transbordantes com a crescente
emoção. Só havia medo, e ele sorriu, embora doesse fazê-lo. Se colocou
entre suas pernas, e logo dobrou os seus joelhos.
— Agora, fica quieta. Não vou te machucar. — Lentamente
começou a entrar nela. O calor de seu corpo quase o fez perder o

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

controle, mas se obrigou a dominar-se, e começou a entrar lentamente,


muito lentamente. Era muito estreita, seus músculos apertavam-no.
Fechou os olhos. Sentiu seus punhos golpeando-o no peito, nos
ombros, mas não parou, não podia parar.
Ela estava chorando. Não era para ser assim. Deitada ali debaixo
dele, deixando-o fazer o que quisesse. Ele iria atravessar sua virgindade
agora, e sabia da dor que estava lhe causando. Aproximou-se dela, se
mantendo imóvel, e beijou brandamente seus lábios frios.
— Zarabeth, me olhe.
Ela negou com a cabeça, com os olhos bem fechados.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

15
Ele não se moveu, não se permitiu ceder ao incrível desejo que o
consumia. Disse a si mesmo uma e outra vez, é só uma mulher, uma
donzela e sou seu primeiro homem. A única coisa que queria obter
deste emparelhamento era prazer. Possui-la. Nada mais.
— Me olhe. — Disse novamente, com voz baixa, mas com mais
firmeza desta vez.
— Não. — Disse ela, com infinita dor em sua voz.
E ele disse as palavras antes de poder detê-las.
— Por favor, Zarabeth, quero que me olhe quando estiver
completamente unido a você.
Nunca em sua vida tinha pedido nada para uma mulher cujo o
seu corpo lhe pertencia. Esperou. Pouco a pouco ela virou o rosto e
abriu os olhos.
Ela se moveu levemente sob seu peso, e Magnus gemeu pela
sensação que sentiu.
Empurrou para frente um pouco e a sentiu tencionar-se.
— Este é o símbolo de identificação de sua virgindade, um pouco
de pele que se romperá. Um momento de dor, Zarabeth, e nada mais.
— E então me deixará?
Ele sorriu dolorosamente, diante da deliberada confusão dela.
— Sim, mas vou tentar te agradar antes de você ir.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Pegou os pulsos dela com as mãos e os colocou sobre sua cabeça,


e esticou longamente sobre o seu corpo, e logo a olhou profundamente
enquanto empurrava lentamente para frente. Sentiu o estiramento da
pele. Sentiu que tentava se afastar dele, enquanto seus músculos se
apertavam ao redor do membro dele, e a beijou.
— Pouco a pouco, amor. — Disse em sua boca. Então, de repente,
puxou-se para trás e olhou nos olhos dela enquanto atravessava sua
virgindade e chegava a seu útero.
Ela gritou, incapaz de se conter, e cobriu a sua boca com a dele.
— Está feito, acabou, sem mais dor. — Disse uma e outra vez. —
Fique parada e se acostume a mim.
— Dói. — Disse ela, sentindo a umidade de suas lágrimas em seu
rosto. — Não pensei que seria assim.
— Sinto muito. Gostaria de ter evitado sua dor.
Mas não havia arrependimento em sua voz. Justamente o
contrário, soava cheio de orgulho e satisfação, aos ouvidos de Zarabeth,
percebeu o triunfo em seu tom. Ficou em silêncio, sentindo que estava
se movendo em seu interior. Tudo tinha terminado, a tinha tomado,
tinha vencido.
A dor se afastava, mas ainda sentia que o prendia por dentro.
Quando ele começou a se mover, sentiu sua plenitude, a dureza
escorregadia. Não importava, disse a si mesma enquanto se movia
dentro dela, não daria importância. Tinha vencido, mas não ia deixá-lo
que notasse. Quando terminasse com ela, se cansaria e a deixaria em
paz. Sua virgindade já não existia e tinha sido suficientemente amável
com ela, por isso deveria estar agradecida, supôs. Alegrava-se de não
ter seguido sua luta contra ele. Só teria conseguido sentir mais dor.
Não sentia nada agora salvo sua plenitude dentro dela e o asco por seus

217
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

grunhidos enquanto a investia, por este homem que tinha violado seu
corpo, e que estava fazendo com ela precisamente o que desejava.
Escutou sua respiração se acelerar e então gemeu, um som
profundo, primitivo, e então começou a empurrar mais e mais duro
ainda, e seus gemidos se tornaram selvagens. De repente ficou imóvel,
com a cabeça arremessada para trás, e deu um grito afogado. Ela
sentiu sua umidade e soube que tinha esvaziado suas sementes em seu
ventre.
Ficou em silêncio. Ela aceitou seu peso, pois não tinha outra
opção. Ela se sentia muito cansada, mas estranhamente aliviada de
que tudo isso tivesse terminado, e não tinha sido tão horrível esta união
depois de tudo, tendo em conta as coisas que tinham-lhe contado, o
que os homens faziam com os corpos das mulheres. E ele não a havia
tocado, não realmente, não a parte dela que realmente lhe pertencia,
ali estava intacta.
Ele soltou os seus pulsos e se apoiou nos cotovelos para aliviar
seu peso. Ainda seguia em seu interior, entretanto, não se sentia tão
cheia dele.
— Eu te machuquei?
— Sim. — Viu muito tarde que ele gostava de sua inocência, e
gostaria de ter mentido.
— Mas não estou te machucando agora, verdade?
Ela negou com a cabeça, fechando os olhos ante a firmeza de seu
olhar, perguntando-se o que aconteceria em sua mente.
— Em um momento vou te dar prazer. Eu realmente gostaria que
não tivesse sofrido antes de conseguir agradar você.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Seus olhos se arregalaram. Ele sorriu, desfrutando de sua


expressão totalmente desconcertada, com a incredulidade de suas
palavras. Ele baixou a cabeça para beijá-la.
— Você verá.
Lentamente se retirou dela, lentamente, sentindo que sua carne
se endurecia outra vez enquanto fazia. Mas não se arrependeu, não,
nunca ia se arrepender de tê-la possuído e saber que era o único
homem que tinha entrado em seu corpo. Ele se joelhou entre suas
coxas. Havia sangue em suas pernas e em seu membro. Sentou-se
sobre os seus calcanhares e a olhou fixamente. A luz da lua lhe permitia
ver com claridade, suas coxas brancas, sua pele, tão suave ao tato que
o fazia respirar com dificuldade, e os cachos de vermelho intenso que
cobriam a sua feminilidade.
Esses pelos vermelhos o tinha hipnotizado, e começou a tocá-la,
muito levemente, só para que visse seus longos dedos passando uma e
outra vez acariciando-a, enquanto a olhava. Ela conteve o fôlego e
levantou a cabeça. Seus seios se ergueram, sua pele tão branca e suave
como na barriga e nas coxas. E pensou, deveria estar deitada debaixo
de mim como minha esposa, não como minha escrava. Mas não estava.
Recordou no dia em que a tinha visto pela primeira vez, no dia
que a tinha conhecido, imediatamente soube, que seria sua esposa,
que a amaria, só ela, e que seria generoso e quente pelo resto de sua
vida. Mas não foi. Ele estava equivocado em tudo, exceto nos
sentimentos que persistiam profundamente em seu interior. Fechou
sua mente, que não pararia de pensar nesses sentimentos, pelo menos
não agora. Queria lhe dar prazer, queria ouvir seus gritos quando
chegasse a seu clímax. Tinha que ter este domínio final sobre ela.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele se inclinou para se deitar a seu lado. Olhou seu vestido,


recolhido na cintura, seus seios, pálidos na luz da noite escura. Viu a
mão dele acariciando seu ventre, observou seus dedos passando
através dos cachos vermelhos que a cobriam. Quando seus dedos a
tocaram, ele olhou nos seus olhos e viu um vislumbre de desconcerto
ali, de surpresa e de medo. Medo dele? Apesar de que não tinha
intenção de machucá-la, supunha que não poderia culpá-la. Ele sorriu
quando seus dedos encontraram seu ritmo. Seus olhos se arregalaram
pela surpresa, de vergonha, e ela se afastou dele.
Se encolheu, de costas para ele, e ele viu o tremor de seus ombros.
— Não. — Disse. — Confia em mim, Zarabeth. Venha, deixa que
te ensine o que é experimentar o prazer de uma mulher.
Ela se encolheu mais forte, e ele se sentiu extasiado de satisfação
pela vista de suas nádegas e suas pernas brancas. Agarrou-a pelo
braço e a deitou sobre suas costas outra vez.
— Você vai fazer o que digo. Não se afaste outra vez.
Suas palavras a enfureceram.
— Quer me dar prazer, mas você realmente desfruta interpretar o
amo e a escrava. Quer me dominar, Magnus, me subjugar, nada mais
que isso.
Ele ignorou a amargura em sua voz, reconheceu que ela dizia a
verdade, e balançou a cabeça.
— Não se mova. Não vou te dizer isso novamente.
Apoiou a palma da mão sobre seu ventre quando deu a ordem.
Seus dedos saíram em sua busca, e entraram profundamente e iniciou
um movimento que foi lento, logo rápido, leve e depois profundo, assim
como eram os sentimentos em sua alma. Fechou os olhos frente à
humilhação que sentia. Ele estava tocando-a e olhando-a em seu rosto,

220
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

para ver sua expressão, sabendo que ela odiava essa sondagem de seu
corpo, este olhar de vitória.
Então, de repente, sentiu uma resposta dentro dela e ficou imóvel,
no princípio sem compreender o que acontecia com ela. Ele o intuiu e
rapidamente aprofundou o ritmo de seus dedos.
— Começa a responder. — Disse, e tinha prazer em sua voz.
Parecia orgulhoso dela, como se fosse um cão fazendo os truques que
dizia.
Então, sem prévio aviso, sua resposta se intensificou e explodiu
em chamas, em uma explosão de prazer tão intenso, tão demolidor, que
gemeu e logo quis morrer por ter feito. Sentia mais que humilhação
agora, porque a estava olhando e julgando sua habilidade como
amante. Ela tinha ouvido seus próprios gritos, suaves e rasgados sair
de sua garganta, pelo prazer que brotou de seu interior. Queria morrer
porque estava seguro desde o começo que ele iria conseguir sua
resposta, porque tinha o controle absoluto, mas não compartilhava
com ela.
Magnus se inclinou, sua respiração quente em sua bochecha,
encorajando-a, incentivando-a que levantasse seus quadris, contra
seus dedos, para dar um beijo, sim, para beijá-la e deixar que a língua
tocasse a sua, enquanto a olhava, observou-a de perto, e viu quando
ela já não podia controlar, já não podia se conter dele ou dela mesma.
Quando veio o seu prazer, beijou-a profundamente e tomou seus gritos
na boca, ainda mais profundo, absorveu sua alma.
— Você fez muito bem. — Disse quando sua respiração se
acalmou um pouco. — Ter uma mulher que grita pelo prazer, faz com
que um homem se sinta muito orgulhoso de si mesmo.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ela se sentia desolada. Olhou-o, sem dizer nada, e viu a ira


aparecendo em seus olhos.
— Não tinha nenhuma possibilidade. Lutou com todas suas
forças, Zarabeth, mas não tinha nenhuma possibilidade. Admita agora,
desfrutaste.
Ela negou com a cabeça.
— Simplesmente aconteceu, isso é tudo, nada mais.
Sua boca era uma linha sombria.
— E isso vai acontecer toda vez que deseje ter você. Nunca mais
vai se afastar de mim, Zarabeth.
— O que vai fazer? — Perguntou desinteressada.
— Não sei. — Disse, surpreendendo a si mesmo por sua
honestidade.
Ela o olhou por um longo tempo. Por último, sussurrou.
— O que quer realmente de mim, Magnus?
O colar de escrava brilhava na luz brumosa. Ele respirou fundo.
— Não me faça mais perguntas, mulher. É desobediente e
insolente. Não me pressione, Zarabeth.
Uma vez mais, ela disse.
— O que quer de mim?
— Vamos. — Disse bruscamente enquanto se levantava. — O que
quero é ter você em minha cama.
Ela ficou de pé lentamente, percebendo nesse momento, o que
tinha acontecido entre eles, porque sentia dor entre as suas pernas e
notava elas débeis, com uma pulsação suave e persistente dentro dela,
um aviso do que tinha feito, e do que ele a fez sentir. Sentiu suavidade
e calor, não podia negar, mas ao mesmo tempo, desejava ter estado ali
junto a ele enquanto a tocava e não ter sentido nada, nada, exceto seu

222
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

ódio, porque o odiava, mas agora se sentia exposta e indefesa e não


deveria sentir ódio por ele, porque havia a possuído. Ela se moveu
silenciosamente enquanto endireitava sua roupa, e amarrava a parte
da frente de seu vestido. Alisou as saias sobre as pernas e afastou o
cabelo emaranhado para trás do rosto.
— Você não se parece mais como uma dama. — Ele disse, e sorriu.
— Não importa. — Disse, e encolheu os ombros. — Sabia que me
forçaria. Também sabia que não poderia me tocar realmente, só meu
corpo. E também esperava que meu corpo reagisse assim ao toque de
um homem.
Ele havia dito que não o pressionasse, mas ela fez. Esperou,
observando o pulso em seu pescoço, viu a dureza de sua mandíbula.
Seus olhos eram frios agora enquanto a olhava, e parecia estar lutando
consigo mesmo. Finalmente, ele simplesmente pegou sua mão e a
arrastou com ele. Diminuiu o seu passo para coincidir com o dela.
Ninguém disse uma palavra até que chegaram na paliçada.
Tudo estava em silencio na casa comunitária enquanto a conduzia
para seu quarto. Ainda não disse nada, ele só fez um sinal para que
tirasse a sua roupa. Ela se afastou, negando a sua ajuda, tirou a sua
roupa e se deitando sob a manta de lã. Ele continuou em silêncio,
simplesmente se despiu e entrou na cama junto dela. Ele a tomou em
seus braços, ignorando como ficava rígida contra ele.

Magnus despertou e tateou a cama para encontrá-la. Não estava


ali. Despertou imediatamente. Rugiu na cama, depois parou para
recuperar o controle de si mesmo, e foi silenciosamente até o pequeno

223
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

quarto das crianças. Estava ali, dormindo profundamente, com Lotti


encolhida contra o seu peito.
Acordou-a com hesitação, sem fazer ruído, para não despertar as
crianças, e a levou de retorno para a sua cama.
Tirou a sua camisa de linho, mas não parou para olhá-la. Ele a
desejava muito para mesclar sua ira e seu desejo. Queria castigá-la e
queria que ela gritasse novamente quando ele desse prazer.
Começou a beijá-la e não parou nem sequer quando a penetrou e
ela gemeu em sua boca, fosse pela dor da penetração ou de prazer, não
sabia. Tampouco se importava nesse momento. Montou-a duramente,
e rapidamente obteve sua liberação. O quarto estava escuro como uma
caverna, e agradecia essa escuridão. Tinha medo de ver seu rosto e
odiar a si mesmo. Sabia que ia encontrar o vazio em seus olhos, e uma
desolação tão grande que o demoliria. E sabia, no fundo sabia, que seu
gemido tinha sido de dor. Tinha sido rude, não a tinha preparado.
Separou-se dela, e sem dizer uma palavra, sem parar, separou
suas pernas para ficar entre elas, e a acariciou com a sua boca. Ela
lutou contra ele, indignada e assustada, com incredulidade. Mas ele
não parou, a segurou com mais força. Quando sentiu que a tensão nela
aflorava, afrouxou o seu aperto, e sorriu, porque já não lutava mais.
Ele a provou e a explorou com a língua, lambendo-a e acariciando-a
com sua boca, e pôde sentir crescer sua tensão, e quando o primeiro
grito brotou de sua boca, pôs seus dedos sobre seus lábios e deixou
que seu grito se silenciasse contra eles, lhe dando liberdade para gritar
sua liberação.
Tinha vencido.
Ela estava chorando quando a abraçou fortemente para dormir.

224
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— É minha agora. — Disse uma e outra vez enquanto a acariciava


passando sua mão de cima para abaixo em suas costas.
Levou-a para casa de banhos, onde as tinas sempre estavam
cheias de água quente, no pequeno quarto que se esquentava pelo
vapor e o calor do fogo. Foi logo depois do amanhecer, quando o céu
era de cor rosa pálido e cinza com a chegada do dia. Ele não disse nada,
só fez um gesto para que entrasse. Sentou-se em um longo banco de
madeira, apoiou seus braços cruzados sobre o peito, e mandou que
tirasse toda a sua roupa.
Isso nunca terminaria, pensou, olhando para ele. Lentamente,
negou com a cabeça.
— Já vi você nua. Por que hesita?
Ela acenou com as mãos ao redor.
— Há luz aqui e tenho vergonha.
— Como quiser. — Disse ele — Mas isso não importa.
Ele se levantou e rapidamente tirou a sua camisa de linho. Ela
percebeu de que desfrutava de sua negativa e de suas lutas. Deixou de
lutar. Ela só tinha outra camisa. Quando escapasse, não poderia ir
nua.
Quando ela estava nua e suada, ele a sentou em um banco de
madeira e se afastou dela.
Rapidamente tirou a túnica, que era tudo o que usava quando a
tinha tirado de sua cama. Ela o olhou, de pé frente a ela, forte, alto e
tão musculoso. Doía olhar para ele.
— Venha aqui e tome banhe. Cheira a sexo e suor. — Ele deu
sabão e um pano macio. Ela se esfregou com vigor e se sentiu no
paraíso. — Se endireite e olhe para mim. — Antes que entendesse o que
ia fazer, ele tinha jogado um balde de água fria. Ela gritou pelo impacto.

225
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Queria golpeá-lo, mas ele jogou em cima dela outro balde de água fria,
tremendo, amaldiçoando e desfrutando.
— Agora, venha aqui e sente-se, e desfruta como envolve o vapor.
Depois, jogaremos mais água fria. É o banho Viking. Os saxões fedem
desde o dia que nascem. Nós não.
Ficou sentada em silêncio, sentindo que sua pele se esquentava
no pequeno quarto, com o vapor subindo por cima de sua cabeça.
Quando Magnus se deitou a seu lado no banco, e pôs sua cabeça em
seu colo, ela tratou de se afastar, mas o banco não era tão longo e ele
a manteve imóvel, com os braços ao redor de seus quadris. Ele virou o
rosto para sua barriga e começou a beijar ali. Quando deixou que sua
língua a tocasse, ela pulou pela sensação. Ele começou a rir, rir de
verdade. Ele a puxou para si. Seus corpos estavam escorregadios pelo
suor e a abraçou com força, depois a levantou.
Ele sentou no banco com ela e abriu suas coxas até que ela estava
pressionada contra ele. Levantou-a outra vez e guiou o seu membro
dentro dela.
— Magnus.
— Não se mexa. Ahhh. Agora, sim, se mexa, faça o que quiser.
Ele cruzou os braços ao redor de suas costas e a abraçou
apertadamente. Quando ela não se moveu, ele sorriu, percebendo que
ela não sabia o que fazer. Agarrou suas nádegas com suas grandes
mãos e a levantou quase até seu membro sair, então a desceu por sua
longitude novamente.
Ela abriu a boca e fechou suas mãos ao redor de seu pescoço. Ele
se aproximou e a beijou enquanto ela subia e descia em confronto.
Sentiu que sua excitação chegava ao limite, porque ele mesmo estava
a ponto de se liberar, colocou rapidamente seus dedos contra seu

226
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

centro feminino e logo começou a esfregá-la, sentiu que sua vagina o


apertava e estremecia.
Seu corpo explodiu de prazer, e a beijou com força, empurrando
dentro dela até o final, e se deixou ir, ofegante e sem fôlego no ambiente
quente pelo vapor. Ele segurou a sua cabeça contra o seu ombro
enquanto esfregava brandamente as suas costas.
Seu cabelo caía úmido e grosso sobre suas costas, ele o levantou
para acariciá-la melhor. Seus dedos tocaram no colar de escrava e
saltou como se o tivesse queimado.
Aceitou em silêncio o sabão e o pano úmido que ele entregou,
então ficou diante dele por um momento, completamente nua, com o
corpo avermelhado, débil e suave, odiando a si mesma por se sentir tão
impotente. Olhou-a e disse que estava satisfeito. Ele permaneceu em
silêncio, sentado no banco, olhando-a se banhar.
Havia uma pequena sala de espera na casa de banhos. Alguém
tinha trazido roupa limpa para eles. Ela fechou os olhos. Alguém tinha
entrado e os tinha visto nus, talvez tinha visto ele a tomando e a
fazendo gritar. Seus dedos ficaram desajeitados com os laços de seu
vestido.
Ele se abaixou, pegou um pano limpo e seco e o envolveu ao redor
de seu cabelo. Levantou o seu queixo e examinou seu rosto. Estava
limpa e reluzente. Então a beijou e a levou para fora. O sol estava alto,
e o ar da manhã era fresco. Havia servos próximos e escravos frente
aos portões da paliçada que dava aos campos. Por que não saem? Se
perguntou. Perguntaria a ele, nesse preciso instante. Magnus a parou,
a puxando para ele. Beijou-a novamente, longa e profundamente,
diante de todo o seu povo.

227
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Não. — Ele disse com deliberação. — Agora não há mais


pergunta.
Quando Zarabeth voltou a entrar na casa comunitária, seu cabelo
era uma massa úmida sobre suas costas, mas estava gloriosamente
limpo e seu rosto brilhava. Sentia o sabor de Magnus em seus lábios,
e também sentia dor em seu corpo.
Viu Lotti sentada com outras quatro crianças junto a Eldrid, a tia
de Magnus. Estava sentada frente a um grande tear. Era tão grande
como sua irmã, Helgi, a mãe de Magnus, mas a dureza nela se
suavizava só quando as crianças a cercavam. Ainda não havia dito
nenhuma palavra para Zarabeth.
Mas Ingunn era mais que generosa com seu discurso.
— Vejo que Magnus finalmente terminou contigo. Estou surpresa
que ainda possa caminhar. Você teve muitos homens em York?
— Quem sabe? — Disse Zarabeth para Ingunn, e essa acenou
para Cyra, que estava de pé atrás dela, com uma roca em suas mãos,
a segurando como uma arma.
— Ele sempre gostou de tomar Cyra na casa de banhos. Não é
uma diversão nova. — Ingunn esperou, mas não obteve nenhuma
reação da mulher. — Já atribuí suas tarefas. Comece a trabalhar agora.
Zarabeth só assentiu com a cabeça. Não se importava de bater a
manteiga ou misturar a farinha de grão com água em uma artesa 13 de
madeira para fazer a massa de pão. Doíam os seus braços de tanto
amassar. Em York, nunca tinha feito tantos pães de uma só vez, nem
em sua vida tinha visto uma enorme quantidade de manteiga como
essa. Entretanto, no fundo, eram tarefas familiares e permitia que ela
planejasse o futuro enquanto trabalhava. Pensou em escapar.

228
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Fechou os olhos enquanto sovava a massa, e começou a pensar.


Magnus a tinha tocado, não importou o quanto que tinha tentado evitá-
lo. Ele havia tocado a parte mais profunda dela, uma e outra vez. Não
era só o prazer que a tinha feito conhecer, eram esses momentos
preciosos, que a fazia perder o controle de uma maneira que nunca
pensou que seria possível. Olhou para ver que a massa se mesclasse
adequadamente. Nunca tinha visto tanta massa junta. Levou uma hora
para dar forma a toda a massa em pequenos pães e colocá-los nas pás
de cabo longo. Ela os deixou com cuidado sobre as cinzas quentes do
fogo. O suor cobria sua testa.
Seus braços tremiam de cansaço. Pensou com carinho na casa de
banhos e o no choque de água fria que Magnus tinha lhe dado. Então
imaginou-o levando Cyra ali e fazendo as mesmas coisas que com ela.
Quando tinha terminado, Ingunn estava a esperando com mais
deveres para ela. Enviou-a para o campo de cevada com instruções
para falar com Haki, que diria para ela o que fazer. Ela foi. O dia era
quente, mas depois do calor nas cozinhas da casa comunitária e a falta
de ventilação, se sentia bem, estar fora. Haki era um ancião curvado
com belos dentes brancos. Ele sorriu quando se aproximou, e disse
para atravessar as fileiras de cevada e arrancasse as ervas daninhas
que visse e agitasse seus braços para espantar qualquer tipo de ave
que se atrevesse a descer em mergulho. Ela se limitou a assentir com
a cabeça e fez o que pediu. Sua tarefa era fácil e sem sentido.
Seu estômago roncou e percebeu de que não tinha comido nada
nesse dia, porque Magnus a arrastou até a casa de banhos muito cedo.
Esperava que houvesse uma comida em breve. O sol estava sobre ela,
suava profusamente e suas costas começou a doer por dobrar e

229
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

levantar tantas vezes. Havia outros escravos entre as filas fazendo o


que ela estava fazendo. Estavam rindo e brincando uns com outros.
O tempo passou e o sol estava no céu do lado Oeste agora. Tinha
tanta fome que se sentia débil. E sede, mas Haki não disse nada.
Se perguntou onde estava Magnus. Não o tinha visto desde que a
tinha deixado na entrada da casa comunitária nessa manhã.
Finalmente Haki a chamou para que retornasse à casa
comunitária, pois tinha ouvido o estrondo de seu estômago.
Tentou sorrir para ele, mas não conseguiu. Quando entrou no
escuro frescor da casa comunitária, imediatamente procurou por Lotti.
A menina estava escutando com atenção algo que Eldrid estava
dizendo. Notou que a mulher mais velha estava falando devagar,
pronunciando suas palavras com muito cuidado, e sorriu. Pelo menos
Lotti não seria tratada como ela. Levou um momento para perceber que
Eldrid ensinava a Lotti sobre o tecido. Outras meninas estavam ali,
escutando. Nenhum dos meninos varões estava na casa comunitária.
Supôs que os homens, aprenderiam carpintaria, a lutar e pegariam em
armas.
Agarrou uma terrina de madeira e se serviu um pouco de mingau
quente da enorme caldeira suspensa por uma corrente de uma viga do
teto.
— Eu não disse para você que podia comer. — Disse Ingunn atrás
dela.
Zarabeth se virou lentamente para enfrentar à irmã de Magnus, e
disse com calma.
— Estive trabalhando no campo de cevada. Não comi nada desde
a noite anterior. — Se afastou de Ingunn. No instante seguinte a terrina

230
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

de madeira foi arrebatada e ela gritou quando a aveia quente salpicou


suas mãos e braços.
— Porca descuidada! Levanta o recipiente e coloque na mesa! Você
começará a fiar linho agora, se tiver habilidade para isso, e se não tem,
permanecerá na roca até eu mandar parar.
Zarabeth se obrigou a respirar profundamente para recuperar a
calma. Queria matar Ingunn, e embora soubesse que nunca faria isso,
não podia deixar que isto continuasse. Por alguma razão, a mulher a
odiava. Disse logo, em voz baixa e tranquila.
— Tenho fome, Ingunn. Vou fiar linho quando tiver terminado de
comer. Não, não fiz isso muitas vezes, em York havia outros que faziam.
Agora que expliquei isso, por favor me deixe em paz até que tenha
comido. Obedecerei a suas ordens então.
Zarabeth se agachou e pegou sua terrina de madeira. Ouviu um
silvo estranho atrás dela, se virou, mas não foi o suficientemente
rápida. Ingunn açoitou com o látego de couro sobre seus ombros.
Sentiu a dor lacerante e ficou sem fôlego. Estendeu os braços para
agarrar o látego, mas Ingunn foi mais rápida. Deu um passo para trás
e a golpeou novamente, desta vez com tanta força que Zarabeth caiu
contra um barril de queijo que tinha voado. Estava no chão sobre suas
mãos e joelhos e agora o látego a golpeou totalmente na parte posterior,
e sentiu que a lã de seu vestido se rasgava. Tratou se lançar sobre o
Ingunn, mas a correia de couro a golpeou novamente, produzindo um
ardor tão grande que ficou sem fôlego. Tinha que pará-la, mas não o
fez. Uma e outra vez o látego a golpeou. Sentia que tinha que se
levantar, que tinha que detê-la. Estremeceu pelo esforço de levantar-se
e voltou a cair de joelhos.

231
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Escutava que as mulheres e as crianças falavam, escutou que


Cyra pedia para Ingunn que matasse à cadela. Ouviu Eldrid gritando
para Ingunn que parasse, mas não o fez. Podia ouvir a respiração
profunda e selvagem de Ingunn, que parecia enlouquecer ainda mais.
O vestido de Zarabeth estava destroçado agora, mas sabia que se
levantava a cabeça, Ingunn a golpearia no rosto e no peito. Sentiu a
escuridão que começava a envolvê-la e a atacava com todas suas
forças. Então ouviu Lotti, os sons estrangulados que fazia quando
estava angustiada.
Lotti estava perto, e de repente Zarabeth começou a gritar.
— Não, Ingunn, não a toque! Não!
A surra parou. Zarabeth levantou a cabeça, segurando o seu
vestido destroçado para cobrir seus seios.
Ingunn tinha agarrado Lotti e a sacudia com força. Então levantou
o látego para descarregá-lo sobre a menina.
— Não! Se tocar nessa menina te mato!
Ingunn riu.
— Sua irmã não é nada mais que uma idiota, e você não é mais
que uma escrava! — Levantou o látego. Zarabeth se jogou a seus pés,
só para arranhar o ar.
— Não! — Gritou. Percebeu de que só foi um sussurro.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

16
— Pelas feridas de Thor! O que está fazendo? Ingunn! Detenha,
mulher!
Magnus ficou congelado, incapaz de acreditar no que estava
vendo. Ingunn segurava Lotti pelo braço enquanto levantava o látego.
Em realidade ia golpear à menina. Voltou a chamá-la por seu nome,
mas parecia não escutá-lo. Ofegava, seus seios se sacudiam pela
respiração agitada, e estava totalmente centrada na menina.
Magnus correu até ela, e a agarrou pelo pulso pouco antes que o
látego caísse sobre as costas de Lotti, arrancando-o de sua mão.
Estava pálida, com os olhos quase negros pela fúria
descontrolada. Isso o surpreendeu, essa atitude nela. Jogou o látego
para um lado, agarrou os braços de sua irmã, e a sacudiu com força.
— O que há de errado com você? Por que ataca a uma menina? E
com um látego! Me responda, maldição!
Ingunn piscou olhando-o, ele a sacudiu novamente, mas antes
que pudesse responder, ouviu que Lotti emitia esses sons afogados e
se virou rapidamente para olhar à menina, mas ela já estava correndo
para... Viu Zarabeth pela primeira vez desde que entrou na casa.
Estava de joelhos, segurando os pedaços de seu vestido sobre seu peito.
Tinha o cabelo solto a ambos os lados do rosto, emaranhado e
encharcado de suor. Seu rosto estava completamente sem cor.

233
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele soltou os braços de Ingunn. Sentiu que algo incendiava nele e


começava a queimá-lo. Observou Lotti colocando os seus braços ao
redor do pescoço de Zarabeth, enquanto ela lentamente abraçava as
costas da menina.
Algo estava muito errado. Reduziu a velocidade assim que chegou
até Zarabeth, mas descobriu que as palavras não saíam de sua boca.
Sentiu a dor fluir através dele, cru e profundo, porque nesse instante
caiu ao chão, arrastando Lotti com ela, inconsciente. E então a viu,
coberta de marcas púrpura deixadas pelo látego de Ingunn, e também
viu manchas de sangue onde o látego tinha rasgado sua carne. Cachos
de cabelo estavam colados em suas costas. Durante um momento ficou
paralisado de surpresa, mas logo uma ira selvagem se precipitou
através dele como um fogo ardente. Ele a havia trazido aqui para isto.
Ele levantou a vista para olhar para sua tia e ordenou.
— Traga água quente, Eldrid, rápido e sabão e trapos limpos.
Sem outra palavra, levantou Zarabeth por cima do ombro, com
cuidado para não tocar nas suas costas. Foi então quando todo mundo
pareceu tomar consciência dele e do que tinha acontecido.
Ingunn gritou.
— Leva-a para os outros escravos! Que cuidem dela na cabana
dos escravos. É uma mulher insolente, apenas uma vadia com quem
você já se deitou! Por que se importa tanto? Trouxe-a aqui como
escrava, e para que seja sua rameira! Já tiveste o suficiente ontem à
noite desta cadela no cio. Ela não é nada, Magnus, nada!
Cyra tentou segurá-lo pela manga.
— A mulher insultou a sua irmã, gritou e a chamou de terríveis
nomes, sem que Ingunn lhe dissesse ou fizesse qualquer coisa.

234
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Magnus tirou sua mão de cima dele, sabendo que se a tocava,


provavelmente a mataria. Levou Zarabeth para o quarto escuro e a
virou sobre sua barriga. Lentamente desprendeu os cabelos vermelhos
que estavam grudados nas feridas de suas costas. Baixou seu vestido
destroçado até seus quadris. Ouviu um pranto suave e se virou para
ver Lotti, com seu pequeno punho na boca, de pé na porta, com medo
de se aproximar.
— Venha aqui, Lotti, e se sente a seu lado. Quando despertar... —
Percebeu que seria difícil para ela entender o que ele dizia na
penumbra, sem poder ver os seus lábios. Deixou Zarabeth e foi até a
pequena. Levantou-a, e a abraçou, aspirando o aroma doce de sua pele
de menina, logo a deixou junto de sua irmã na cama.
Tomou o rostinho entre suas mãos e disse lentamente e com
calma.
— Fica a seu lado e sorria para ela quando despertar. De acordo?
Lotti tragou saliva e assentiu lentamente. Havia tanto medo em
seu rosto que Magnus queria gritar com fúria de impotência.
Em vez disso, ele levantou Zarabeth suavemente e a colocou de
lado. Só havia um vergão que serpenteava da frente para suas costas e
uma marca vermelha e fina justo logo abaixo dos seios. Tratou de
respirar fundo e relaxou o estômago novamente.
Eldrid entrou no quarto. Atrás dela vinha uma escrava que trazia
uma lamparina de azeite, que colocou no suporte da parede.
Magnus começou a lavar as costas de Zarabeth. Não olhou para
sua tia, simplesmente disse.
— Me diga o que aconteceu.
— Sou muito velha para estas tolices, sobrinho. — Disse Eldrid.
— Estou ensinando à menina, tal como me pediu, mas a sua irmã, é

235
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

muito tola, Magnus. Ingunn a odeia e quer que vá embora daqui, ou


que morra. O que eu poderia fazer? A menina tentou ajudar a sua irmã,
mas Ingunn se voltou contra ela. O que poderia fazer?
Magnus não disse nada. Estava lavando os vergões nas costas.
— Tem algum de seus remédios de ervas? Vai ter muita dor, e eu
gostaria de evitá-lo, se pudesse.
Eldrid negou com a cabeça.
— O sumo de baga de sabugueiro lhe faria bem, mas não há
nenhuma. Só no outono, talvez em outubro. A mulher é jovem, vai
suportar sua dor como fazem muitas, por prazer ou por aversão a ela.
Odiou a Eldrid nesse momento, mas não tinha mais escolha que
mantê-la aqui. Ela e Helgi, sua mãe, não suportavam uma à outra, por
isso Eldrid tinha vindo viver com ele cinco anos antes. Não tinha dado
à luz a filhos que se ocupassem de seu bem-estar. Ela era áspera e
dura, exceto com as crianças. Entretanto, não tinha protegido Lotti.
Ah, talvez tivesse tentado, mas era uma mulher velha, dependia de
Ingunn tanto como dele. E sua irmã se transformou em um demônio
preparado para a batalha. Respirou profundo e levemente encostou
com a mão um vergão que tinha sangue logo por cima dos quadris.
Amaldiçoou então, e levantou a vista para ver Lotti olhando-o.
— Zarabeth. — Disse Lotti, e levemente pôs uma pequena mão no
ombro de sua irmã.
Magnus disse lentamente.
— Ela vai ficar bem, Lotti. Prometo isso.
Zarabeth se moveu alguns minutos mais tarde. Estava deitada de
barriga para baixo, e isso certamente era estranho. Imediatamente
achou que sua costa ardia em chamas. A dor a invadiu forte, e conteve

236
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

o fôlego. Sentiu uma mão em seu braço, e ouviu a voz de Magnus junto
a seu rosto.
— Não se mexa. Não posso fazer nada por sua dor, sinto muito.
Só fique quieta e respire lento e profundamente.
E ela fez, porque realmente não tinha outra opção. Não abriu os
olhos, mas disse.
— Lotti. Está bem? Ingunn ia bater nela, e não pude... não
consegui detê-la, não consegui fazer o meu corpo se mover para impedi-
la.
— Eu me encarreguei de Ingunn. Lotti está bem. Está dormindo
agora, a seu lado.
— Obrigada.
— Não ficarão cicatrizes.
Ela abriu os olhos e o olhou fixamente.
— Queria matar a sua irmã, mas não consegui alcançá-la. Vi como
levantava esse látego para bater em Lotti e ouvi sua risada e,
continuando... — Estremeceu com a lembrança desse momento, e
Magnus, sentindo-se furioso, impotente e odiando esses sentimentos,
disse.
— Trate de dormir.
— Tenho muita fome. Esse foi o motivo que desencadeou tudo. Eu
estava muito faminta, simplesmente queria comer um pouco de papa.
— Vou procurar algo. — Ele deixou-a deitada de barriga para
baixo, com o rosto pálido, inclusive o seu cabelo uma vez vermelho
intenso parecia opaco, solto, úmido e emaranhado nas suas costas.
Ele se aproximou da mesa da cozinha, onde estavam os pratos de
madeira, facas, colheres e bandejas. Era consciente do doloroso
silêncio na casa comunitária. Seus homens o olhavam, igualmente às

237
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

mulheres. Só as crianças não pareciam afetados, e ouvia brincadeiras


e risadas entre eles. Ouviu Egill gritando por uma aposta com outro
menino.
Ingunn estava atrás dele, rapidamente disse, com voz baixa e
furiosa.
— Não acredite nela, Magnus. Ela mente, sei. Me desobedeceu,
negou-se a trabalhar. O que ia fazer? Acreditava que, dado que é sua
rameira, não precisa fazer nada, exceto ver o resto de nós trabalhando.
Não acredite em suas histórias, Magnus! Já sabe que é uma mentirosa,
uma assassina.
Ele se virou lentamente, com uma tigela na mão.
— Por favor, ponha um pouco de guisado de carne de veado na
terrina, Ingunn.
Ingunn retrocedeu.
— Para ela? Para essa vadia? Prefiro cravar uma faca em seu
coração negro.
— Faça o que eu mando.
— Não, maldição, não farei!
— Então já não é bem-vinda em minha casa. Eu sou o amo aqui,
e serei obedecido em todas as coisas.
Odiava usar esse tipo de ameaça, mas não via outra forma.
Ingunn pegou a tigela e caminhou em direção da lareira. Ele a olhou,
pensando que nunca antes tinha visto tal injustiça dela, tanta
crueldade, então apelou rapidamente para a sua memória. Oh, sim,
que a tinha visto consumida pelo ciúme antes, e sua fúria a
descontrolou. Tinha sido por um bracelete que outra moça jovem se
negou a lhe dar. Agora estava com ciúmes de Zarabeth, e parvo dele,
que tinha descarregado todo seu rancor sobre Zarabeth, cego pela dor,

238
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

tinha-a convertido em uma escrava e a tinha deixado a mercê de


Ingunn.
Sua irmã voltou com a tigela e a entregou, sem dizer nada agora.
Ele disse em voz baixa, olhando-a fixamente em seus olhos.
— Se a tocar outra vez, vou pegar o látego e vou deixar que sinta
o sabor em suas costas, e se alguma vez puser suas mãos sobre Lotti
novamente, vou pegar o látego para te açoitar com mais força ainda.
Me entendeu?
— Pelo martelo de Thor, ela mentiu! Não fiz nada que ela não
merecesse. Pergunte a Cyra! Viu tudo o que me fez, pergunte a ela!
— Me entendeu?
— Por que você se importa? Não já se deitou com ela? Quantos
homens a tiveram antes? Ela se gabava dos homens que tinha tido em
York e que tudo o que tinha que fazer para seduzi-los era sorrir. Por
que ainda se importa?
— Me entendeu?
Percebeu nesse momento que já não conhecia este homem que
estava de pé frente a ela, este homem que não se preocupava em saber
a verdade ou por seus sentimentos, este homem novo, obviamente,
tinha se colocado contra ela, e agora a odiava e desprezava, tudo por
culpa dessa escrava que havia trazido para Malek, para tomar seu
lugar. Não, já não reconhecia a este homem que tinha sido seu defensor
quando era menina. Agora era um estranho para ela. Sentiu a fúria e
a derrota, e teve que apelar a toda sua determinação para poder manter
o controle. Disse:
— Sim, entendo você.
— Bem. Nunca o esqueça, Ingunn, porque não repetirei isso.

239
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele deixou-a então, consciente de que cada homem e mulher no


salão estavam olhando-o e pensando. Não tinha intenção de dizer nada
absolutamente. Estava horrorizado pela perda de controle de sua irmã,
pela ferocidade nela.
Alimentou Zarabeth até que esteve muito fraca para seguir
mastigando. Quando por fim dormiu, ergueu Lotti nos braços e a levou
até o quarto das crianças. Deitou-a, alisando o suave cabelo cor de
gengibre de sua testa.
— Dorme bem. — Disse, e se inclinou para beijá-la na bochecha.
— Vou cuidar de sua irmã, lhe prometo isso.
Lotti sorriu e fechou os olhos. Magnus levantou o olhar para ver
seu filho sentado no outro lado da cama.
O moço parecia imensamente infeliz. Magnus se aproximou dele
e o puxou paro o seu colo, apesar de que não seria uma criança por
muito mais tempo. Falou em voz baixa, para não despertar as outras
crianças.
— Não culpe Lotti, Egill. Ela é só uma menina e ama a sua irmã.
Você não tenta me proteger quando sente que alguém me ameaça? Pelo
que vejo, ela também gosta de você. Não a machuque, e não a trate
como sua tia Ingunn fez.
O menino assentiu. Magnus não tinha ideia se suas palavras
chegariam no coração de seu filho. Esperava que sim.
Quando retornou para Zarabeth, estava dormindo. Colocou um
pano suave e branco sobre suas costas, com cuidado de não a roçar, e
deitou na cama junto a ela. Não dormiu durante muito tempo.
Ele deu-lhe de comer na manhã seguinte, lavou suas costas e
disse que não se movesse. Zarabeth não disse nada. Estava rígida e

240
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

doía as suas costas, os músculos retesavam, a pele estava quente e


ardia como o próprio inferno.
Magnus parou na porta, estudando seu rosto pálido.
— Não se preocupe pela Lotti. Eldrid cuida dela.
— Obrigada. — Disse, com voz apagada.
Ela dormiu por um tempo e no resto da manhã. Podia ouvir
claramente a atividade da sala exterior. Podia escutar a voz de Ingunn,
e se sentiu tensa de fúria. Deitou-se novamente, logo despertou com
uma voz que dizia.
— Vejo que está acordada.
Sentiu medo com relutância.
— Sim, estou acordada, pelo menos agora estou.
— Tem a intenção de permanecer deitada pelo resto do dia?
Muito lentamente Zarabeth se levantou sobre o cotovelo.
— Você me machucou, Ingunn. Minha costa dói.
— Há, mal te toquei, cadela mentirosa! Se fez de vítima para
impressionar Magnus, mas já sabe como você é em realidade. Embora
está como um cão no cio, não é estúpido. Recuperará o seu bom senso
muito em breve. Você traiu-o antes, mentiu, e agora ele sabe o que
realmente é. Ele foi embora, mas quando voltar, já não te protegerá.
Zarabeth sentiu que o sangue correr através dela, por sua ira
contida, e pelo medo que sentia do que disse Ingunn fosse verdade.
— Eu não o traí!
— Guarde suas mentiras, não me importa. Mas abandonará sua
preguiça e sua moleza. Há muito por fazer e eu não posso fazer tudo.
Você traz despesas, e, entretanto, não dá nada em troca. Essa não é a
atitude dos Vikings, é apenas uma serva inútil.

241
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Zarabeth se obrigou a se sentar. Percebeu de que estava nua e


jogou a manta de lã até o queixo.
Ingunn a olhou longamente e duramente, o ódio sem limites que
sentia por esta mulher ficava cada vez maior, de tal forma que agora
quase a sufocava.
— Direi a verdade, cadela. Magnus não sabe o que fazer contigo.
Ele não quer saber mais nada de você agora, porque já te teve e não
pode comparar você com o prazer que recebe de Cyra, mas você finge
essa dor, para que ele não se atreva a te abandonar. Ele quer te vender,
isso me disse algumas horas, mas você está aqui chorando e
choramingando, o que pode fazer? Poderia dizer a ele, que tudo isto não
é mais que uma atuação, uma farsa, mas não quero machucá-lo. Você
já fez mais do que o suficiente, certo? Assim agora ele tem uma bruxa
inútil em sua cama e não recebe nada dela, exceto, o que seu corpo
fraco lhe oferece. Basta olhar para você, para saber que é uma, uma
bruxa desleixada!
As palavras golpeavam através dela e Zarabeth queria sacudir a
cabeça para eliminar, queria gritar que não era verdade, que estava
mentindo, que Magnus não queria vendê-la, que...
— Vou me levantar em alguns minutos. Por favor, me deixe,
Ingunn, tenho que me vestir.
— E deseja trabalhar agora? Magnus não me permitirá que te
açoite, até que esteja bem novamente. Mas te abandonou porque não
quer mais te ver. Ainda dói sua traição a ele. Você me diz que está
disposta a fazer o que eu mandar, sem ir choramingar a Magnus?
— Sim, estou disposta. — Sim, pensou então, também era uma
parva, porque tinha permitido que Ingunn a envolvesse em sua própria
rede com grande facilidade. Suas costas pulsava e doía a cabeça, mas

242
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

se negou a ser uma carga inútil. Ela não podia, não faria. Lentamente
se levantou. Pelo menos, sua barriga estava cheia. Pouco a pouco,
conseguiu abrir a tampa do baú de Magnus. Seus vestidos estavam ali,
onde ele havia dito que estavam guardados.
Lentamente colocou um velho vestido pela cabeça, que estava
gasto e era muito curto para ela agora. Pouco a pouco, se obrigou a
entrar no salão.

Magnus dirigiu seu navio para cruzar pelo lado Nordeste de


Viksfjord. A água estava calma, o ar fresco, o sol brilhante sobre sua
cabeça, mas ele não percebeu a beleza particular do dia. Estava
preocupado e zangado, porque uma vez mais se sentia fora de controle,
uma condição que devia se acostumar, uma condição que tinha
começado quando tinha retornado com Zarabeth.
Quando chegou à fazenda de seus pais, saudou os guardas,
mantendo distância até que o reconheceram. Esta fazenda era duas
vezes o tamanho de Malek, havia pelo menos cem pessoas que viviam
e trabalhavam ali. Os campos de trigo e centeio estavam limitados pelas
rochas das altas montanhas.
A casa comunitária não estava rodeada por uma paliçada de
madeira, mas sim chegava à mesma linha da praia.
Havia uma parede apenas na parte traseira da fazenda, quase
contra a linha de árvores de pinheiro tão grossa que impediria a um
inimigo muito furtivo de querer obter alguma vantagem com um ataque
surpresa.

243
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Caminhou dentro da grande casa comunitária e sentiu que as


lembranças familiares o inundaram. Cheirou os mesmos aromas de
quando era jovem, viu o tear de sua mãe em seu lugar onde tinha
estado sempre desde que podia recordar. Ali estava sua mãe, Helgi, em
meio de umas vintes mulheres tagarelas e suas crianças, e ela sorriu
para ele, caminhando rapidamente em sua direção, logo o abraçou até
que doeram as suas costelas, pois era tão forte como um homem.
Seguiu sorrindo até que olhou seu amado rosto. Tocou a sua
bochecha com os dedos.
— O que acontece, Magnus? Ah, não, não tem necessidade de
responder isso. É a mulher, não é assim? O que aconteceu?
Magnus riu, um som horrivelmente cru.
— É meu rosto é um livro aberto à vista de todos, então?
— Apenas o olhar atento de sua mãe. Venha e sente-se. — Pediu
hidromel, logo seguiu a seu filho a um dos longos bancos de madeira.
Ele percebeu que uma linha fina de suor escorria em sua testa
larga. O salão estava quente, muito, e franziu a testa.
— Vamos lá fora, mãe. Está muito quente aqui.
Helgi sorriu e assentiu com a cabeça.
No exterior, pegou o braço dela e a conduziu para a beira da água.
— Pai foi caçar?
— Sim, os homens devem caçar o suficiente para passar o inverno.
Como vai com seus mantimentos?
— Cacei com meus homens todo o dia de ontem.
— Eu entendo.
Ele respirou fundo.
— Ingunn deve casar-se. Não pode permanecer em Malek nem um
dia mais.

244
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Helgi permaneceu em silencio pela surpresa.


Olhou para a sua mãe, e sentiu que seu amor o impregnava. Amor
inquestionável, pensou. Não havia nada que pudesse fazer, nada do
que pudesse dizer, que pudesse mudar isso. Ele desistiu sem lamúrias,
contou o que tinha acontecido.
— ... Zarabeth está deitada em minha cama, sobre sua barriga,
pelas feridas que o látego de Ingunn deixou nas suas costas. Minha
casa é um campo de batalha. Ingunn deve ir embora. Ela mudou, de
algum jeito. Mas talvez você já tenha visto essas mudanças. Perde o
controle, fala precipitadamente, sem restrições. Deve trazê-la para aqui
até o que pai encontre um marido, já que rejeitou o pedido de Orm.
Helgi olhou a seu filho e assentiu lentamente.
— Sim, eu vi, mas ela é sua irmã. Por que tem que ser Ingunn que
deixe Malek? Ela é sua irmã, depois de tudo, e faz parte de sua família
há cinco anos. Por que não traz Zarabeth para aqui? Ela vai ser uma
escrava minha. Inclusive, eu a comprarei de você, se me ceder. Nunca
será sua responsabilidade outra vez. Isso traria a paz novamente, não
é assim?
Ele ficou rígido e Helgi sorriu, sabendo que essa seria sua reação.
— Muito bem, Magnus, desejas que a mulher fique com você. A
ama. Apesar de tudo do que fez, a ama.
Ele disse lentamente, com a testa franzida.
— Eu realmente não sei se ela envenenou o seu marido, Olav.
Juraria que não é capaz de ter feito. Há uma ternura nela, verá, uma
generosidade, um carinho e uma solidariedade que vêm de sua própria
natureza, que não faz imaginar que possa cometer algo tão atroz. —
Encolheu os ombros. — Mas o filho de Olav e sua esposa... Juraram e
juraram, e havia outros também.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Possivelmente pagos pelo filho. Ele não ganhou toda a riqueza


do pai morto, uma vez que Zarabeth foi acusada?
— Sim. Isto é verdade. O filho, Keith, é fraco, e sua esposa é uma
cadela. Mas não me importa agora, em realidade não. Nem sequer me
importa o homem de Hedeby, que ela tentou atrair para que a ajudasse
a escapar de mim.
— O que?
Ele repetiu a história. Sua mãe ficou pensativa.
— Não posso imaginar que queria escapar com alguém que não
conhecia, com um que é totalmente desconhecido. Disse que o homem
era um covarde e correu quando percebeu que você era o amo?
Ele assentiu com a cabeça.
— Então por que Zarabeth, iria querer seduzi-lo se era um parvo?
Não percebeu que era um covarde?
— Não sei.
— Bem. Parece-me, Magnus, que o homem a culpou porque sabia
que você o mataria. — Helgi sorriu a seu filho. — Mantenha à mulher
com você. Vou falar com seu pai nesta mesma tarde sobre Ingunn. É
uma pena sobre Orm, mas seu pai o insulta agora e tem muita
desconfiança, depois do último assassinato. Jamais consentiria que se
casasse com Ingunn.
— Ouvi dizer que foi executado por bandidos.
— Não, foi ele quem matou a esse homem, uma pessoa livre, de
valor. Queria a prata do homem e a tomou. Não há dúvida. Se a família
de Orm não fosse tão poderosa, haveria represálias, mas por desgraça,
não haverá nenhuma.
— Por que não? A família do morto não poderá expor na próxima
reunião do conselho? Há provas suficientes, o mais novo da família

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

poderia receber o Danegeld pela vida de seu parente. — Ele riu, com
uma risada amarga. — Eu mesmo paguei muito, pela vida de Olav,
asseguro isso. Quase tanto como estava disposto, para pagar o dote de
Zarabeth.
Ouviu sua mãe prender a respiração, e amaldiçoar pela a sua
língua solta, mas sempre tinha sido assim com sua mãe. Falava
livremente com ela, e o costume era muito forte para rompê-la só
porque ele foi enganado.
— Você sabia que tinha planejado se casar com ela, Horkel disse
isso. — Amaldiçoou o seu olhar. — Mas ela me rechaçou. Eu retornei
para procurá-la e descobri que estava prestes a ser executada pelo
assassinato de Olav, seu antigo marido.
— Desejo falar com a mulher. Posso, Magnus?
Ele dirigiu um olhar tão cauteloso que ela o abraçou novamente.
— Isso realmente não pode seguir assim, você sabe. Ingunn está
com ciúmes dela e continuará a estar. Talvez a machuque seriamente.
Eu não confio nela.
— É uma escrava! Não há nenhuma razão para que Ingunn a
odeie.
Helgi, fazendo caso omisso de suas palavras, repetiu o que havia
dito.
— Possivelmente Ingunn poderia machucá-la seriamente. Não
confio nela.
— Ameacei Ingunn, se por acaso se atrevesse a tocar em Zarabeth
ou em Lotti outra vez.
Helgi sorriu por sua simplicidade.
— Sua vida continuará sendo desagradável até que resolva tudo.
Ingunn não aliviará seu ódio contra a mulher. Vou falar com você

247
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

novamente, depois de que seu pai tenha tomado uma decisão. Tome
cuidado, Magnus, e tente ser justo.
Ele assentiu com a cabeça e partiu. Uma hora mais tarde retornou
para sua fazenda. Entrou na casa comunitária e imediatamente se
dirigiu ao seu quarto.
O pequeno quarto estava vazia. Sentiu que retorciam suas
vísceras, se virou e gritou.
— Ingunn! Onde está ela?
Sua irmã estava sorridente, com um sorriso que gelou até os seus
ossos. Por Thor, deveria tê-la levado com ele para casa de sua mãe.
— Onde está, Ingunn?
Ela encolheu os ombros.
— Por que? Insistiu em realizar as tarefas de uma escrava. Eu não
a toquei, não a obriguei nem a ameacei, pergunte a qualquer um.
— Onde está?
Uma vez mais Ingunn encolheu os ombros.
— Está com outros quatro escravos no pântano, extraindo
mineral. Já sabe quanto o necessitamos, do uso que damos,
queimando nos fornos. Rollo se queixou de que necessitava de mais
gente lá também, já que ele está fazendo mais implementos agrícolas
para você. Já sabe como deve esquentar seus fornos para poder fundir
o ferro.
Mal poderia olhá-la. Desenterrar partes de mineral no pântano!
Por Odín, era um trabalho terrível, sujo, exaustivo que requeria uma
grande força e resistência, e ela, uma mulher, estava fazendo? Sua mãe
tinha razão. Ingunn não aliviaria seu ódio ciumento.

248
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Se virou e saiu da casa comunitária sem dizer mais nada.


Atravessou a paliçada para o grupo de pinheiros que ladeavam o
pântano que se estendia uns cem metros ao Leste da fazenda.

Zarabeth queria morrer. Não queria chorar ou fazer um único


som. Só queria cair e morrer. Suas costas queimavam tanto que estava
além das lágrimas, além de tudo o que jamais tinha conhecido.
Seus músculos estavam tensos e rígidos. Não conseguia alívio,
simplesmente ia de mal para pior. Entretanto, cavou com a enxada no
pântano negro e sujo até que o metal chocou com algo duro, logo se
agachou para cavar com as mãos, até descobrir as partes isoladas de
mineral do pântano. Tinha custado várias horas para aprender como
encontrar o mineral, e agora que sabia, tinha encontrado um ritmo.
Mas era difícil seguir adiante. Era muito duro. Tinha sido uma parva
em deixar que Ingunn, burlasse dela mandando-a para este lugar.
Tinha sido uma parva por se permitir exibir seu orgulho. Orgulho! Não
tinha nada mais que dor, e um colar de ferro ao redor do seu pescoço
que dizia tudo o que era, nada de nada. Orgulho!
Uma parva, nada mais que uma parva, mas seguiu cavando,
agachando-se para descobrir o mineral do limo do pântano, tirando até
que se soltou, e finalmente tirando-o. Ela parou por um momento,
respirou fundo, e quando se endireitou, a explosão de dor, quase fez
que se inclinasse sobre seus joelhos, e nesse instante soube que ele
estava ali, olhando-a.

249
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Estava suja, a barra do vestido úmido e cheirando a podre pela


água do pântano. Seus pés e suas pernas nuas estavam negras pela
sujeira.
Seu cabelo se soltou da trança. Respirou profundamente e ficou
muito quieta. Não voltaria ao trabalho enquanto ele a observava.
Simplesmente não faria. Estava aqui para burlar-se dela? Para pedir
que fizesse mais rápido? Estava aqui para dizer que iria vendê-la? Que
a achava menos do que satisfatória? Ele tinha a tomado três vezes e
não tinha encontrado nada nela de seu agrado. Por que deveria ficar
com ela?
Magnus acenou com a cabeça aos outros servos, homens, mais
velhos, mais fortes que a maioria, devido aos anos de trabalho
exaustivo. Ele chegou até ela e, tomou o seu rosto sujo nas palmas de
suas mãos. Olhou-a durante um longo momento.
Finalmente disse.
— Solte a enxada.
Deixou escapar de suas mãos em carne viva.
— É realmente tão estúpida para estar aqui?
Ela o olhou, muda.
Ele franziu a testa.
— Não me entende?
— Você quer que eu esteja aqui. Quer me vender, porque não há
nada mais que deseje de mim.
— Vamos falar de sua estranha imaginação mais tarde. Venha,
agora vai se banhar e depois vou amarrá-la na minha cama.
Permanecerá ali até que eu te diga que pode se levantar.
— Não posso. — Disse ela lentamente, afastando-se dele. Tratou
de se endireitar, mas a dor em suas costas a impediu e permaneceu

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

diante dele como uma velha encurvada. — Não sou nada mais que uma
escrava, e os escravos não se permite ser preguiçosos e negligentes.
— Está muito equivocada. Posso fazer o que me agrade com você.
E te sugiro que acredite em mim e a nenhum outro.
Ele a levantou em seus braços, sentiu-a estremecer pela dor nas
costas, mas já não tinha nada que pudesse fazer a respeito,
simplesmente tratou de mudar de posição para que ela se acomodasse
contra seu peito, seu braço ao redor de sua cintura.
— Segure-se em mim.
Ingunn não disse uma palavra quando Magnus entrou na casa
comunitária pedindo panos limpos. Não disse uma palavra quando
mais tarde transportou Zarabeth, limpa da casa de banhos e envolta
em panos brancos, e desapareceu com ela em seu quarto. Sentia raiva
e impotência, e sabia que não havia nada que pudesse fazer para deter
isto, exceto matar à mulher.
Olhou para Cyra calculando e soube que ela também estaria
disposta a lhe cravar uma faca nas costelas.
O que faria?
Então soube. Se sobressaltou por sua decisão, mas estava
decidida a fazer. Não permaneceria aqui. Não ficaria para ver esta
mulher ocupando o seu lugar. E então… sorriu.

251
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

17
— Não se mova. Não se afaste de mim.
Mas era difícil, não se afastar, não tentar evitá-lo para impedir
que suas mãos estivessem sobre ela. Era gentil, sabia, mas mesmo
assim, a dor era tão grande que a acovardava e a fez mostrar uma
debilidade de espírito como nunca antes tinha manifestado.
Magnus esfregou o creme que sua mãe tinha enviado, dando a
suas costas um tom branco doentio. Ele mesmo a tinha banhado, e
lavou o seu cabelo emaranhado e seus pés enegrecidos pela sujeira.
Ela sofreu sem queixar. Penteou suavemente o seu cabelo,
desembaraçando-o e agitando para que secasse mais rápido. Ele se
levantou e a olhou. Tinha colocado uma manta sobre o seu quadril.
Sussurrou no seu ouvido atrás dela.
— Seu orgulho é ridículo, Zarabeth, se isso te leva a cometer tal
estupidez. Estou cansado de ter que resgatar você das consequências
de sua arrogância.
— Então não faça. — Disse.
Ele sorriu. Sua voz soava desagradável e zangada. Isso o agradou
muito.
— Mas, quem mais resgataria você?

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ela ignorou-o enquanto se apoiava sobre os cotovelos, e virou o


torso para olhá-lo. A cor apareceu em suas bochechas, e seu sorriso se
ampliou quando disse.
— Eu não sou arrogante. É você que faz alarde diante de mim e
de todo o seu povo, gritando que é o dono e que não permitirá que
ninguém o contradiga!
— Eu não tenho que fazer nenhum alarde. Todos sabem que sou
o amo, e logo você também aceitará.
Tentou golpeá-lo, mas ele simplesmente a agarrou pelos seus
pulsos com uma de suas mãos e apertou novamente em seu estômago.
— Não seja tola. Fica quieta. Se quiser, pode continuar gritando,
mas no momento, fique satisfeita apenas com suas palavras.
— Te odeio.
— Não, não me odeia. Quando suas costas se curarem, vou
colocá-la debaixo de mim e a tomarei novamente. Você gostou disso
Zarabeth, e na forma como me movi sobre você, a maneira em que te
toquei e te enchi.
— Cale a boca, Magnus!
Ele acariciou suavemente sua bochecha com a ponta dos dedos.
— Eu nunca antes tinha desejado a uma mulher tanto como
desejo você. E ainda te desejo, todo o tempo te desejo. Acha que alguma
vez cansarei de você?
Ela pressionou o rosto contra o travesseiro.
— Você não me deseja, me tem em sua cama só porque não quer
que saibam que é cruel.
— Pelo martelo de Thor, o que é essa tolice que sai de sua boca.
Quero você em minha cama, assim que se cure.
— Não acredito.

253
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Negou com a cabeça, sabendo que Ingunn de algum jeito a tinha


convencido de que ele não a queria mais. Disse apenas.
— Não, amor, tudo ficará bem logo. Acredite em mim.
Ela se virou para olhá-lo novamente. Seu rosto parecia tranquilo
e sereno como uma estátua.
— Não vai me vender, então?
— Por que acha que venderia você?
— Não vai me vender e deixar a Lotti aqui, verdade? Não faça,
Magnus, por muito que você me odeie.
Ele levantou-se, sem dizer nada, porque finalmente conseguiu
incitar sua ira. Como ela poderia acreditar que iria fazer uma coisa
dessa? Aproximou-se, com as pernas ligeiramente separadas, os braços
ao lado do corpo, e os punhos fechados.
— Quem compraria você? Olhe para si mesma, não é mais que
uma mulher gemendo que está ficando mais fraca, e que perde seus
encantos antes de ter aprendido a utilizá-los com um homem. A única
razão pela qual um homem te compraria seria pela promessa do prazer
que pudesse conseguir de você na cama. Tem boa disposição, Zarabeth,
mas pouco mais do que isso. Não, tenho que te manter comigo até que
seja hábil com a boca e as mãos, até que tenha aprendido a me apertar
dentro de você e me levar a loucura com palavras doces e suaves
carícias.
— Não estou muito disposta, é só que o meu corpo não tem como
avaliar quem você é! Tampouco vou adquirir habilidade, Magnus, não
vou deixar que me toque outra vez.
— Vamos ver. Agora guarde essas palavras iradas. Precisa
descansar.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Não havia nada mais que dizer. Ela se sentia esgotada, vazia de
espírito e luta. Fechou os olhos, pressionando o rosto novamente no
travesseiro.
— Minha mãe te enviou um creme para as costas. Trata-se de sua
própria receita, ela mesmo faz. Usou em mim e nos meus irmãos, por
mais anos do que posso recordar. Alivia, suaviza e tira a dor.
— Como soube sua mãe que era necessário seu creme?
Ficou surpreso, mas só por um momento.
— Porque não tínhamos mais, e foi questão de sorte que um de
seus servos viesse a oferecê-lo. Embora, é obvio, que hesitei em
desperdiçá-lo em uma escrava.
— Tire isso, então, não me importo. Nunca pedi um remédio ou
nenhuma outra coisa.
— Não, não fez, certo? — Ele se inclinou de repente e tirou a
manta dos seus quadris baixando até os tornozelos.
Ela gritou e tentou puxá-la para cima. Ele a segurou com a mão
espalmada sobre sua cintura.
— Eu quero vê-la. Não posso te tomar agora, isso seria cruel e não
desfrutaria muito te ouvindo gemer, gritar e reclamar que estou te
matando.
Magnus sabia que tinha que parar com isso. Tinha ferido o seu
orgulho, mas ele estava machucado, e ela estava indefesa. Era tão
violento como Ingunn. Olhou suas nádegas brancas, suaves e
redondas, e pôde sentir em suas mãos, suas longas pernas, bem
formadas, elegantes e musculosas, e podia vê-la deitada, envolvendo-o
com elas enquanto se enterrava em seu interior, atraindo-o mais
profundo, e a ouviria gemer e nunca quereria deixá-la, nunca, nunca...
Subiu a manta até a cintura novamente. Tremiam suas mãos.

255
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Quero que descanse agora, Zarabeth. Ficará aqui até que eu


diga que você pode se levantar. Vou ordenar que uma das servas te
traga comida, e logo descansará.
— Não tenho fome.
Ele parou na porta.
— Como te disse, está muito magra, e um homem não quer se
chocar contra os ossos de uma mulher. Vai comer ou me obrigará a
colocar o alimento por essa sua garganta magra.
Quando Anna, de onze anos de idade, sobrinha de Rollo, o ferreiro,
trouxe a comida, encontrou Zarabeth profundamente adormecida.
Retornou onde estava Magnus e disse.
— Não quis despertá-la, Magnus.
— Está bem, Anna. Leve a bandeja para Lotti e certifique-se de
que coma o suficiente. Se deseja falar com ela, deve recordar…
— Sei. Tenho que olhá-la diretamente, para que possa me ver
falar.
Magnus sorriu e bagunçou o cabelo loiro, quase branco da moça.
— Tem uma língua sábia, Anna.

A noite transcorreu lentamente. Por muito que tratou de evitá-lo,


Magnus foi várias vezes no seu quarto para ver se Zarabeth estava bem.
Ela estava dormindo profundamente, mas ainda se preocupava. Todos
perceberam suas viagens de ida e volta. Voltou a ouvir os homens
falarem dos assassinatos na fazenda Ingolfsson, uma pequena
propriedade a dois dias de viagem em navio para o Sul. As filhas de
Ingolfsson tinham sido violadas, a mais jovem morreu no ato. Haftor

256
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ingolfsson tinha saído para caçar mantimentos, para passar o inverno


com a maioria de seus homens. Havia retornado para encontrar um
açougue, seus animais sacrificados, seus escravos capturados, suas
filhas mortas. Havia muita indignação pelo que os delinquentes tinham
feito, e a notícia do desastre tinha deslocado rapidamente. Era ousado
demais, muito audaz. Inesperado e aterrador, nenhum homem poderia
aceitar isso. Os Vikings não o aceitariam.
Haveria uma reunião especial do conselho que se celebraria
dentro de três dias em Kaupang para determinar quem eram os
homens responsáveis de acordo com as provas apresentadas, e o que
deviam fazer com eles.
Mais tarde, Magnus estava sentado na cadeira do amo admirando
seus apoios de braços belamente esculpidos, e pensando em que
confusão se converteu sua vida, quando de repente ouviu uma criança
que gritava.
— Papai! Papai!
Levantou a vista para ver Lotti correndo até ele, seus magros
braços estendidos, o medo em seu rosto, e novamente gritou, tão claro
como podia fazer.
— Papai! Papai!
Apanhou-a quando se lançou para ele e a abraçou contra seu
peito, pressionando sua cabeça contra seu ombro. Ela soluçava, com
seu corpo ofegante e tremente.
Ele falou em voz baixa, sua mão acariciando
tranquilizadoramente suas costas, e logo sacudiu a cabeça por sua
estupidez. Ela não podia ouvir nada do que estava lhe dizendo.
Lentamente, separou-a de seu ombro e a sentou em seu colo. Afastou
o cabelo emaranhado no rosto e disse.

257
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— O que acontece, Lotti?


Ela seguia chorando, mas agora seus choros eram só soluços.
— Você teve um pesadelo?
Ela o olhou, com os olhos muito arregalados.
— Sonhou com monstros e seres malvados?
Ela assentiu com a cabeça, e logo disse em voz alta.
— Papai, a agarrou pelo pescoço.
— É uma pequena suja e imbecil e você deixa que te chame dessa
maneira! É repugnante!
Magnus não prestou atenção em Ingunn.
Horkel disse.
— Ela falou com claridade, Magnus. Está aprendendo muito
rápido aqui.
— Suponho que é uma palavra que dizia antes que perdesse a
audição. Zarabeth me disse que Olav golpeou sua cabeça quando tinha
dois anos. Ela não nasceu surda.
Embalou à menina em seus braços, desejando intensamente
nesse momento que tivesse nascido fruto de sua semente.
Ela ficou rígida entre seus braços e permitiu inclinar-se para trás
na segurança de seus braços.
— Zarabeth. — Disse Lotti com a testa franzida, e viu aparecer o
medo em seus olhos novamente. Desejou poder tirar os seus temores e
afastá-los para sempre de sua vida.
— Zarabeth vai ficar bem. Está dormindo, como deve ser, doçura.
Lotti levantou a mão e brandamente passou seus dedos sobre
seus lábios. Fazia cócegas, e lhe sorriu, tratando de mordê-los. Ela riu,
com um som como de miado, adorou essa risada, e fez que sentisse
vontade de protegê-la.

258
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Abraçou-a novamente, acomodou-se contra seu peito e dormiu em


seguida.
Horkel olhou a seu amigo por um longo momento, logo sacudiu a
cabeça.
— Isto não é bom. — Disse, com uma grande tristeza em seus
olhos e em sua voz. — Isto é inútil.
Magnus sabia o que queria dizer, mas se negou a aceitá-lo.

Zarabeth estava sentada na cama de Magnus na manhã seguinte.


Ele tinha ido antes que ela despertasse, mas agora tinha fome e
desejava fazer suas necessidades. Mas duvidava em passar pelo salão
principal. Ingunn estaria ali, e Cyra e todos outros que tinham ouvido
e visto que a tratavam como uma assassina e uma mentirosa, além de
ser uma escrava.
— Covarde. — Disse a si mesma, e se levantou. Estava rígida e
doeu em endireitar as suas costas.
Ingunn é obvio, estava fiscalizando todas as tarefas domésticas
enquanto costurava.
Lotti estava com Eldrid, a mulher estava ensinando a costurar.
Zarabeth teve que se inclinar e abraçá-la antes que a menina se fixasse
nela. Lotti deu um grande sorriso e assinalou os pontos que acaba de
fazer em um pequeno vestido.
— É precioso. — Disse Zarabeth, e a beijou. Mas Lotti não se
distraiu, e se virou para Eldrid.
Ingunn disse em voz muito neutra.

259
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— A tia Eldrid cuida dela. É ordem do Magnus. Não está aqui,


saiu para caçar com os homens. Disse que você não podia fazer nada.
Zarabeth não era consciente de que houvesse tensão em sua voz,
mas todas as mulheres e crianças na casa comunitária que escutavam
a ouviram quando disse.
— Eu gostaria de me banhar.
Ingunn bufou.
— Tinha escutado histórias de que as pessoas de Danelaw eram
como animais e que cheiravam como porcos. Por que deseja se banhar
com a frequência que um viking faz?
— Eu não sou um porco. Talvez por isso.
— Ah, é porque Magnus ordena? É verdade que gosta que suas
mulheres cheirem bem. Ainda acredita que pode segurá-lo, verdade?
Você viu Cyra, mulher estúpida?
— Sim.
— Você não é nada em comparação com ela! Não é mais que um
novo brinquedo para ele, nada mais, só um novo corpo de mulher para
usar e desprezar. É a cor de seu cabelo que o fascina, mas isso já está
passando. Já vê o seu cabelo grosso e comum. Terá a Cyra novamente,
verá.
Então, para surpresa de Zarabeth, Ingunn olhou com violência
para Lotti. O que estava acontecendo aqui? Aproximou-se
inconscientemente de sua irmã.
Então Eldrid falou com voz forte, clara e aparentemente inocente.
— Magnus ama à menina. Deixou-a a meu cargo. Nada vai
acontecer com ela, eu prometi.
— Há! Ele simplesmente sente pena por ela, como se fosse um
animal ferido. Cuide você da pequena idiota, então. Não me importo.

260
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Zarabeth queria gritar para Ingunn que desperdiçava bobamente


seu veneno com Lotti. A menina não podia ouvi-la, e, portanto, as
palavras ofensivas não podiam feri-la. Mas doíam em Zarabeth
profundamente. Foi obrigada a se retirar para casa de banhos.

— Tire o seu vestido. Desejo examinar suas costas. — Magnus a


seguiu.
— Me deixe com o meu vestido em paz. Minhas costas estão bem.
Não preciso que você tire novamente.
Sorriu ante a ferocidade de sua voz. A dor tinha diminuído e ela
se sentia mais forte. Era forte, e suspeitava que poderia lutar com ele,
se não fosse uma escrava. Mas era, se convertera em uma.
Disse com muita paciência.
— Cale a boca e tire o seu vestido. Vou arrancar isso se você não
me obedecer, Zarabeth.
Ela não queria. Ainda era de dia. O quarto estava escuro, como de
costume, mas sabia que ele a olhava, e não podia suportar,
simplesmente não podia. Ele era um homem e a tinha tomado, e, para
falar a verdade, ele tinha lhe dado um prazer que nunca tinha esperado
que pudesse existir, mas não a amava, desprezava-a, e esta sua
suposição de que ela estava ao seu dispor, era mais do que poderia
suportar.
Ela se virou e saiu correndo do quarto. Suas costas estavam
rígidas e doloridas, mas não tinha mais creme cicatrizante, não
precisava de que olhasse suas costas.
— Zarabeth! Volta aqui!

261
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Mas não voltou. Se virou para vê-lo, só para se encontrar com o


sólido muro do enorme peito de Horkel. Suas mãos segurando os seus
braços.
— É suficiente. — Disse, e simplesmente a segurou enquanto ela
lutava contra seu agarre.
Magnus olhou por cima de sua cabeça e se encontrou com os
olhos de seu amigo.
— Poderia ter corrido todo o caminho até Kaupang. Tem pouco
senso comum e mais orgulho do que meu pai. Entretanto, a ele falta
sabedoria. — Soltou suas mãos, e Horkel a empurrou para Magnus.
Ela manteve a cabeça baixa enquanto tropeçava com ele.
Magnus suspirou e a arrastou de volta para o seu quarto. Não
importava que todo o povo estivesse ávido de curiosidade,
perguntando-se o que havia entre ele e essa escrava. Não se importava
o que pensassem outros.
Ele a jogou sobre a cama. Se colocou a seu lado, e com calma
começou a desatar a frente de sua bata.
— Me alegro de que não use a sobreveste que nossas mulheres
vikings usam. Os broches dos ombros devem ser desabotoados e todo
o tecido levantado sobre a cabeça. Isto é mais fácil, mais rápido. Ah,
sim, seus seios. Eles me querem, Zarabeth. Seu tamanho se ajusta nas
minhas mãos.
Afastou o rosto dele, com os olhos fechados. Não tinha forças para
lutar, deveria suportar isso. O prazer que ele a tinha feito sentir antes
estava esquecido. Talvez nem sequer tinha existido. Então de repente,
ele se inclinou e brandamente começou a sugar o seu mamilo. Seus
olhos se arregalaram e ela gritou de vergonha. Não poderia permitir que

262
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

continuasse fazendo isto, não podia. Tratou de se levantar, mas ele


apertou sua mão sobre o seu ombro e a empurrou para baixo.
— Silêncio. — Disse, com seu fôlego quente em sua pele. — Fica
quieta e vou te dar prazer.
Ela empurrou seus ombros, a sua cabeça, com seu corpo
tremendo loucamente.
— Não, Magnus, por favor, não gosto disto. Todos sabem que me
trouxe até seu quarto, para sua cama. Por favor, não me envergonhe!
Ele a ignorou e chupou o outro seio. Adorava o sabor de sua carne,
seu aroma. Soube quando foi o momento em que ela cedeu. Houve um
amolecimento imediato de seu corpo, um suave gemido enquanto suas
costas se arqueavam levemente, mas esse movimento o fez pressionar
ainda mais seu seio.
Gemeu suavemente e ele sabia que odiava esse som, porque tinha
surgido do mais profundo nela, de um lugar que deveria estar oculto,
só e intocável. Começou a massagear o seu ventre com a mão, enquanto
chupava e acariciava seu seio com a boca.
Então seus dedos se moveram para baixo e de repente estava
prendendo a respiração, com expectativa, se ruborizou pelos
batimentos que ele provocou em seu coração, quase frenética pela dor
que se centrava ali, e que era cada vez mais intensa, mais potente,
inclusive quando seus dedos se aproximaram mais e mais. Quando
tocou na sua carne, gritou, tremendo pela força do orgasmo. Levantou
a cabeça e depois olhou no seu rosto.
— Vou te dar prazer outra vez. Você gostou desta maneira,
Zarabeth?
Não esperava que respondesse. Sorriu dolorosamente enquanto
olhava como seus dedos tocavam sua pele suave novamente e

263
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

encontravam um ritmo que agradasse a ela, e soube que logo seria


impotente ante a avalanche de sentimentos selvagens que estavam
atravessando-a. Percebeu de que Zarabeth não queria ficar ali passiva
sob seus dedos, ela não queria perder o controle por completo,
encorajou-a suavemente, com palavras doces, enquanto se arqueava
para cima, levantando seus quadris da cama, e ela sentiu que sua outra
mão estava debaixo de suas nádegas, ajudando-a, a se pressionar com
mais força contra seus dedos.
— Vou ver seu rosto quando o prazer explodir em você.
Ele disse, e ela teria dado qualquer coisa para manter o controle
desse prazer, para lutar contra ele agora, para jurar que não havia tal
prazer, mas não podia fazer nada contra esse turbilhão, sabia, e
finalmente aceitou, desejava-o, e morreria se não pudesse alcançar.
— Magnus. — Sussurrou ela, uma mistura de emoção e dor em
sua voz.
Estremeceu pela força do desejo que despertava escutar o seu
nome em seus lábios. Por Odin, queria-a, queria tudo dela. Não queria
brigar com seu espírito, queria tudo o que ela era e no que se
converteria nos próximos anos.
Sentiu a tensão de suas pernas e os estremecimentos que
convulsionaram todo seu corpo. Viu como os olhos dilataram pela força
da paixão que estava gerando em seu interior. Viu como era incapaz de
conter o prazer. Viu sua boca quando gritou, dura e profunda, explodiu
em sua garganta, e ele a acariciou então, e se forçou a lhe dar tudo o
que pôde, para que entendesse que pertencia a ele e a nenhum outro,
para que compreendesse que já não estava sozinha, trancada dentro
de si mesma, porque ele não permitiria, porque era dele.

264
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Quando tudo terminou, seguiu massageando suavemente sua


carne para acalmá-la em vez de excitá-la, e ele disse.
— Quero ver você agora, amor. Quero ver se pode me aceitar sem
sentir dor.
Não teve oportunidade de protestar, e ele tinha o imenso desejo
de abrir suas coxas e enterrar-se profundamente nela, de lamber seu
mel e levá-la outra vez à loucura. Mas ela ainda estava dolorida e ao
ver sua carne avermelhada, soube que não devia levá-la ao orgasmo
novamente, não agora. Haveria outro dia, e então a tomaria, e ambos
desfrutariam.
Ele sorriu, sentindo um pouco de dor. Mas isso não importava.
Ele tinha dado prazer, tinha-a aproximado inexoravelmente dele,
unindo o seu destino ao dele, e agora ela não seria capaz de se negar
tão facilmente.
Inclinou-se e beijou levemente sua pele. Ela se estremeceu.
— Não, não vou tomar você agora. Precisa descansar pelo menos
um dia mais para poder me receber sem sentir dor, não se esqueça de
quão caloroso que fui em meus primeiros três encontros contigo. Mas
tampouco se esqueça do prazer que te dei. E quando tomar você
amanhã, vou te dar o mesmo prazer e já não vai desejar lutar comigo,
Zarabeth. Entendeu?
Ele a olhou, mas ela tinha os olhos fechados, e as lágrimas
corriam por suas bochechas. Inclinou-se e beijou levemente sua boca,
saboreando o sal.
— São lágrimas de rendição, me pergunto. Verei mais tarde as
suas costas. — Cobriu-a com uma manta e a deixou.
Mas não pôde tomá-la no dia seguinte, porque seu fluxo mensal
tinha começado. Soube porque viu sangue na manta. Não disse nada

265
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

a respeito, porque não queria envergonhá-la, e imaginava que faria


isso, pois era uma mulher reservada, não acostumada compartilhar
sua privacidade com outra pessoa, em particular com ele, um homem.
Ele sabia, é obvio, que necessitava de roupa, e se encarregou de
que tivesse. Mas não disse nada. Nem a tocou de maneira nenhuma.
Mas a observava para ver se tinha alguma dor. Se sentia cólicas em
sua barriga, não deu amostras disso. Se perguntava por que não se
aproximava dela ou por que não a arrastava para sua cama, tampouco
lhe deu qualquer indicação.
Ele suspirou, enquanto saía da casa comunitária para um longo
dia de caça. Ainda tinha que saber de seu pai. Ingunn estava mais
calma agora, pelo menos em sua presença. Tinha decidido, entretanto,
que não podia confiar nela, por isso deixou um de seus homens ali para
que vigiasse Zarabeth.
Ela trabalhou, mas Ingunn não tentou obrigá-la a realizar tarefas
de homens, nem tampouco tratou de abusar dela. Quanto a Cyra,
decidiu dá-la a Horkel, se seu amigo quisesse.
Horkel já a tinha tomado. Ele tinha confessado a Magnus, e para
seu grande alívio, não o tinha matado.
Magnus tinha dado uma palmada no ombro.
Logo Ingunn se casaria, e Zarabeth... Seu pensamento chegou
com a força de uma tempestade de vento e o açoitou contra a realidade.
Zarabeth era sua escrava. Tinha jurado que não a faria sua esposa,
não depois do que tinha feito a ele e para Olav.
Viu uma forma na distância, uma sombra entre as árvores,
congelado imóvel como uma pedra, e pouco a pouco recuou para trás
preparando o seu arco.

266
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

O sol da tarde era brilhante. Zarabeth terminou de ordenhar duas


vacas no estábulo perto da grande choça de armazenamento.
Sustentou a barra de madeira sobre os ombros, com dois baldes cheios
pendurando em correntes para manter um bom equilíbrio. Não doía
muito suas costas, mas não podia avançar muito rápido, só dava
pequenos passos.
Levantou a vista para o sol brilhante e mais à frente no outro lado
de Viksfjord, às elevadas montanhas cobertas de pinheiros. Era belo,
este país, era lindo além da imaginação. E aspirou o ar doce e quente
perfumado pelo leite fresco que levava. Não queria retornar
imediatamente à casa comunitária, mas sabia que não havia outra
opção. Não era prudente deixar o leite no sol muito tempo. Não era
prudente zangar Ingunn.
Suspirou e se virou para a casa comunitária. Então ouviu um
grito. Assustada, se virou, porque o som era áspero e confuso. Era Lotti.
Não tirou a barra de madeira dos ombros, simplesmente acelerou o
passo. Chegou à pilha de troncos utilizados para lenha da casa
comunitária e viu Egill segurando Lotti contra o chão, puxando suas
tranças, golpeando sua cabeça, ao mesmo tempo que gritava. Zarabeth
gritou e se colocou a correr. A barra de madeira e os baldes cheios de
leite salpicavam para todos lados, e sem vacilar encolheu os ombros
deixando cair a barra enviando os baldes ao chão.
— Egill! — Gritou, correndo o mais rápido que podia. — Basta! Se
afaste dela!
Lotti tentava se esquivar levantando as costas do menino e
retorcendo-se violentamente sob seu corpo, mas Egill era, de longe,

267
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

maior e mais forte e Zarabeth estava aterrorizada de que realmente a


machucasse.
— Egill! Basta!
Ele não parecia escutá-la. Se jogou sobre o moço, pôs seus braços
ao redor de seu peito e o levantou com todas suas forças. Ouviu os
gritos de Lotti, sentiu a resistência do moço, e gritou mais forte. Ela
estava amaldiçoando, tratando de obter que a soltasse, mas ele se
aferrava às tranças de Lotti e não a liberava.
De repente sentiu as mãos de um homem sobre ela, empurrando-
a para um lado. Ela soltou o moço e caiu de lado. Observou que Magnus
levantava o rosto de Egill por seu queixo e simplesmente olhou o moço.
Em um instante, Egill esteve de pé sobre Lotti, olhando-a no chão.
Zarabeth quis proteger a sua irmã pequena.
— Está bem, doce? Por favor, Lotti, por favor! — Ela passou
freneticamente as mãos pelos braços e as pernas de Lotti, alisando seu
vestido, rogando que abrisse os olhos.
Mas os olhos da menina se mantiveram fechados e havia sujeira
e lágrimas em seu rosto.
— Derramou todo o leite, cadela inútil! Fez de propósito! — Disse
Ingunn.
De repente sentiu que era muito. Mais do que o suficiente.
Zarabeth levantou sua irmã sobre seu ombro, ficou torpemente de pé,
se virou sobre seus calcanhares, e simplesmente saiu. Ouviu Magnus
chamando-a, mas ignorou. Ouviu Ingunn gritar, mas também não deu
ouvidos.
Seguiu caminhando, através dos portões da paliçada, pelo
caminho íngreme que conduzia a Viksfjord.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

18
— Zarabeth! Pare!
Ouviu-o amaldiçoar nas suas costas. Mas não prestou atenção.
Amaldiçoou em voz mais alta, agora mais rudemente. Ela desprezou
suas maldições e tudo o que era parte dele, parte desta terra estranha,
destas pessoas estranhas. Toda a sua atenção estava no íngreme atalho
estreito na frente dela, no final da pequena doca onde um barco estava
amarrado. Nunca antes tinha remado, nem navegado um barco, mas
simplesmente não pensaria nisso, conseguiria. Não tinha nenhuma
dúvida.
— Zarabeth! Aonde vai? Detenha-se, agora!
Começou a correr, tropeçando e se curvando a toda velocidade
pelo caminho, quando sentiu sua voz mais perto, mas manteve o
equilíbrio apertando Lotti firmemente contra seu corpo, segurando o
rostinho da menina sobre seu ombro, para impedir que caísse. Não
olhava o caminho que continuava mais à frente, a não ser diretamente
ao barco. Já estava quase ali, tinha sido tão fácil.
— Você vai cair! Vai machucar Lotti! Pare!
— Machucar a Lotti! Seu filho tinha tentado matá-la! — Ela iria
machucá-la? Sua irmã, a única pessoa no mundo que a amava a
aceitava e acreditava nela. Afastou suas palavras, porque a distraíam.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Não tinham sentido agora. Ficariam para trás, longe dela, não a
deteriam. Tudo o que podia ver era esse barco. A única coisa que sentia
era que queimava a necessidade de ser livre. Ouviu-o atrás neste
momento. Correu mais rápido. As pedras cravavam nos seus pés, mas
a dor não era nada. Sentiu uma pontada no flanco, mas não se deteve.
Sorriu tristemente e manteve Lotti apertada.
Ela se via sozinha nesse barco.
Correu para as docas estreita, agarrando a corda presa ao poste
de madeira sem diminuir a velocidade, e saltou no barco. Balançou
violentamente, mas não prestou atenção. O barco não tombaria.
Deixou a Lotti sobre o piso sem dizer nada, porque não havia tempo, e
rapidamente se acomodou, agarrou o longo remo, e começou a remar.
Magnus correu a toda velocidade para as docas, com a boca cheia
de maldições e a alma cheia de medo. Zarabeth estava a dez metros de
distância dele. Ele viu que o sol estava totalmente em seu rosto, seus
movimentos torpes com os remos, mas ainda avançava, porque a
corrente era rápida. Cada segundo se afastava mais dele.
Sentiu que algo dentro dele se rompia de repente, e de repente
estava louco, fora de controle, além de si mesmo. Ficou frenético e
gritou.
— Não!
Deu um poderoso salto e se lançou na água. O choque com a água
fria o congelou por um momento, paralisando-o, mas se limitou a
esperar até que seu corpo se adaptasse à temperatura gélida da água,
depois chutou para cima. Sua cabeça se esclareceu e começou a nadar
atrás do barco. A corrente formava redemoinhos, perigosos, mas ele era
forte e estava decidido, mais decidido do que jamais estivera em sua
vida.

270
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

O Viksfjord estava ao Leste do golfo de Oslo, mas uma faixa de


terra que entrava na água irrompia bruscamente, cortando a corrente
violenta, transformando-a as águas em redemoinhos e pouco
profundas, baixando perigosamente. Percebeu que Zarabeth sabia
pouco ou nada a respeito de remar em um bote. Seus movimentos eram
errados, fazia girar a embarcação em círculos e virava em ângulos
perigosos. Isto permitiu que encurtasse a distância. Sua força logo
diminuiria e então poderia apanhá-la.
Sabia que Zarabeth o tinha visto. Percebeu nesse momento que
de alguma forma, à parte do que tinha acontecido, não sabia o que
estava fazendo.
Pelo martelo de Thor, tinha-a empurrado para isso, e algo dentro
dele cedeu. Estava aterrorizado. Viu Lotti ficar ao lado do estreito banco
de madeira. A menina o viu e começou a agitar violentamente seus
braços para chamá-lo com esse som rouco tão particular.
Nadou mais rápido, surpreendendo a si mesmo por sua energia.
Ele sabia que ia pegá-la quando chegasse à pequena faixa de terra,
porque ainda estava perto da costa, muito perto, em realidade, já que
nessa área havia bancos de areia. Nesse instante, uma corrente se
apoderou do barco, fazendo-o girar completamente, logo inclinou
violentamente para a terra. Ouviu que Lotti gritava e se agarrava a
lateral da embarcação. Nadou mais forte, gritando.
— Se segure! Estou indo! — Ele se perguntou se Zarabeth o tinha
ouvido, e se tivesse, se ela se importaria. Se apenas tivesse outro barco,
ou que seus homens tivessem estado na praia, pelo menos...
De repente, sem prévio aviso, sentiu-se arrastado para baixo,
emaranhado no leito de juncos de água, sentiu as pernas arranhadas
pelo matagal da vegetação, puxando-o inexoravelmente para baixo. A

271
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

água era pouco profunda, mais superficial do que tinha imaginado, não
mais de dois metros e meio de profundidade. Deu um chute para se
livrar delas, apenas para entrar em outro denso matagal de juncos, que
o agarravam hermeticamente, e que sabia que não seria tão fácil
escapar.
Fechou os olhos um momento, lançou as maldições favoritas de
seu pai, e tirou a faca de seu cinturão. Respirou profundamente e
mergulhou para afrouxar e cortar, os juncos que o seguravam,
metodicamente, começou a se liberar delas, mas à medida que uma
soltava, outra substituía, e se perguntou então se morreria afogado.
Cortou grosseiramente uma boa dúzia de juncos, suficiente desta
vez para se liberar, e nadou para a superfície. Aspirou o ar e olhou o
barco, ainda quinze metros distante dele. Para seu horror, viu que Lotti
cambaleava, e gritava, agitando seus pequenos braços para ele. Sentiu
um profundo temor.
Tinha medo por ele.
Soube então, nesse instante, o que a menina pretendia, e gritou
tão forte como pôde.
— Não, Lotti! Fique aí! Zarabeth, segure-a!
Mas já era muito tarde. A menina gritou forte.
— Papai! Papai! — E se lançou na água, agitando seus braços para
ele.
Magnus estava cansado, com os braços intumescidos e pesados,
mas vendo Lotti saltar na água para salvá-lo, enlouqueceu. Nadou mais
rápido do que tinha nadado em sua vida. Vagamente ouviu que
Zarabeth chamava e gritava, a viu manobrar o pequeno barco, em pé,
tentando encontrar Lotti.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Os juncos da água, pensou Magnus enquanto se aproximava do


lugar onde tinha visto saltar à menina. Mergulhou sob a água turva, os
juncos finos com seu constante movimento moviam a areia e o barro
pelo fundo. Procurou e procurou até que pensou que seus pulmões
iriam explodir.
Subiu à superfície, aspirando uma baforada de ar. Estava muito
perto de Zarabeth agora, o barco a poucos metros dele, preso entre os
juncos.
Ele não disse nada, simplesmente respirou o ar até que seus
pulmões estiveram a ponto de explodir, e se lançou novamente. Nada,
não se via nada.
Uma e outra vez se lançou. Não conseguia encontrá-la. Chegou à
superfície e viu que havia vários de seus homens rodeando-o, cada um
deles, mergulhando por turnos. A água estava tão turva que não os via.
Se não podia ver um homem, uma criança muito menos, por isso
dificilmente poderia encontrá-la. Não poderia determinar agora
exatamente onde tinha saltado. Poderia ter sido mais longe ou mais
perto.
Ele se encontrou rezando, oferecendo sua alma a Odín, para Lotti
aparecer magicamente e estivesse bem. A medida que subisse à
superfície e gritasse: Papai.
Mergulhou novamente.
Sentiu que alguns braços o puxavam para cima, e lutou até que
percebeu que Horkel o pegava de um lado e Ragnar do outro. Olhou-os
sem compreender.
— Espera, Magnus. — Disse Horkel, mas Magnus lutou contra
ele, soltando-se e mergulhando outra vez.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Deixaram e Magnus continuou mergulhando, apesar de saber que


já não havia esperança. A corrente não era forte aqui, porque estavam
muito perto da faixa de terra, muito perto da costa, e povoada pelo
matagal de juncos na água. Lotti tinha só cinco anos de idade. Muito
pequena para ter sido arrastada para o golfo de Oslo.
Chegou à superfície, e a primeira pessoa que viu foi Zarabeth.
Estava na água, uma mão agarrada a lateral da embarcação, as
lágrimas correndo por seu rosto, chamando e pedindo que Lotti
voltasse com ela.
Magnus não podia suportar isso. Levantou a cabeça ao céu e
gritou, com um som selvagem e profundo, tão cheio de angústia que
seus homens congelaram de dor.
Zarabeth escutou esse grito, viu a tristeza em seu rosto, e soube
nesse instante que Lotti se foi. Lotti estava morta. Começou a negar
com a cabeça, gritando.
— Não! Não está morta! Está ali, em alguma parte! Não!
Para o horror de Magnus, ela pulou da embarcação, lutando
freneticamente na água enquanto continuava chamando a sua irmã.
Magnus viu imediatamente que não sabia nadar. Alcançou-a e a
agarrou pelo seu braço, levando-a de volta para embarcação. Ela lutou
contra ele com uma força incrível, até que percebeu, que estava
esgotada.
Horkel pegou o outro braço, e juntos a colocaram a bordo.
Magnus, então a pegou em seus braços, mas não podia controlá-la, ela
estava lutando com muita força.
Ele se inclinou e golpeou na sua mandíbula com o punho. Ela
desabou, e a arrastou para o lado do barco.
Horkel disse.

274
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Os homens e eu vamos procurar um pouco mais, vamos


mergulhar em um círculo mais amplo, mas, os malditos redemoinhos
e os juncos na água podem minar a força de um homem forte… e a
menina é tão pequena.
— Sim, sei muito bem.
Queria voltar a mergulhar, mas sabia que quando recuperasse a
consciência, Zarabeth saltaria na água, e a perderia também.
Ele se preocupou, sentindo-se mais indefeso do que havia
sentindo em sua vida, e então pegou Zarabeth em seus braços. Tinha
o corpo frio, e inerte, seu belo cabelo vermelho emaranhado e enredado
cobria o seu rosto. Alisou o seu cabelo colocando-o nas costas e tomou
o rosto entre suas mãos, dizendo.
— Estão tentando, Zarabeth, estão tentando. Ah, por Odin, sinto
muito, nós sentimos muito. — Levantou a cabeça e logo escutou o grito
de um dos homens. Tinham encontrado Lotti!
Sentiu emoção e esperança, e logo desabou. Tostig tinha
encontrado um tronco.
Sabia que Lotti estava morta. Inclusive o aceitava. Muito tempo
tinha passado. Ele sabia, mas simplesmente não podia aceitar isso. A
menina tinha morrido tentando salvá-lo. Tinha o chamado de papai e
tinha saltado na água porque pensava que ele estava se afogando.
Não podia suportar isso. Colocou a cabeça sobre a testa de
Zarabeth e chorou.
O tempo tinha perdido seu significado. Viu os homens nadando
até a costa ou subindo no barco. Horkel tomou os remos, e um
momento depois o barco foi firmemente amarrado nas docas de Malek.
Magnus levou Zarabeth pelo estreito atalho que conduzia à paliçada.
Os homens foram atrás, em silêncio e sombrios, fazia frio agora,

275
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

inclusive com o sol caindo como chumbo sobre eles, porque tinham
falhado.
Zarabeth se agitou contra seu ombro. Abraçou-a com mais força,
pensando que teria problemas quando percebesse, quem a estava
carregando. Mas não resistiu. Sabia que estava acordada, mas não se
moveu.
— Sinto muito por ter golpeado você. — Disse, com os olhos no
caminho.
Sua voz era um fio fino de som.
— Lotti?
Sua garganta estava entupida pelas lágrimas. Só pôde mover a
cabeça.
Ela golpeou-o para tentar se liberar. Se retorceu e lutou com ele
até que parou e a deixou no chão, segurando seus braços com suas
mãos. Sacudiu-a.
— Basta! Não podíamos fazer mais nada. Entende-me, Zarabeth?
Não pudemos fazer outra coisa!
— Não! Está mentindo! Por favor, Magnus, por favor! Deixe ir.
Devo encontrá-la, pode estar ferida, machucada...
Estava chorando, as lágrimas corriam por seu rosto, e começou a
tremer e se arranhar desesperadamente, até que ele novamente
golpeou sua mandíbula e ela caiu para frente contra seu peito.
— Tinha que fazer, Magnus. — Disse Horkel. — Quer que a leve
agora?
Magnus se limitou a negar com a cabeça e a levantou novamente
em seus braços.
— Fez tudo o que podia. Todos nós o fizemos. Uma vez que
percebemos o que tinha acontecido, nos jogamos na água para

276
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

procurá-la. Ela morreu rapidamente, Magnus. Só um pouco de dor.


Deve recordar isso.
Ele assentiu com a cabeça. As lágrimas obstruíam a sua garganta,
e manteve os olhos no caminho diante dele.
Nunca tinha imaginado sentir uma dor como esta. Estava dentro
dele, no fundo, arranhando e sem trégua, e sabia que nada podia detê-
lo por arte de magia. Recordou quando tinha dez anos de idade e sua
irmã tinha morrido. Mas sua morte não tinha provocado esta dor.
Ouviu Horkel dizer brandamente a seu lado.
— Sabia, no fundo sabia, Magnus, que a menina não poderia ter
sobrevivido. Por Thor, homem, não podia ouvir!
— E então o que, Horkel? Melhor morrer agora com poucos anos?
cinco anos?
— Só estou dizendo que era inevitável e não é culpa de ninguém,
nem sua, nem de Zarabeth. Nem de Egill, nem de ninguém.
Magnus sabia que Horkel tinha razão, mas não aliviou um ápice
sua dor.
Havia uma audiência ansiosa esperando-os dentro da paliçada,
para informar o que tinha acontecido. Inclusive Ingunn guardou
silêncio, pensando, esperando, com a esperança de que a mulher
tivesse morrido. Depois de tudo, Magnus a carregava, e ela estava mole,
com a cabeça pendurada no braço, úmida, tão úmida e pálida.
Mas a mulher não estava morta. Ingunn sentiu um fluxo de raiva
impotente. A mulher se moveu. Ingunn deu um passo à frente,
bloqueando o caminho de seu irmão, de repente a esperança de que
Magnus finalmente percebesse a inutilidade da mulher tinha
desaparecido. Tinha desperdiçado todo o leite, não é verdade? E só por
essa pequena estúpida irmã dela.

277
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— O que aconteceu com ela? Golpeou-a por causa de sua


insolência e desobediência?
Magnus olhou a sua irmã.
— O que aconteceu?
— Cale a boca, mulher. — Disse Ragnar. — A menina se afogou
tentando salvar Magnus.
A respiração de Ingunn escapou entre seus dentes. Uma delas
estava morta, não a que ela tivesse desejado que se afogasse, mas
mesmo assim... Encolheu os ombros.
— Não importa. A menina não poderia ter sobrevivido. Estou
surpresa que tenha vivido tanto tempo. Não podia ouvir. Ela…
Magnus se enfureceu então, olhando para sua irmã. Horkel havia
dito quase o mesmo, mas, por Thor, não com a mesquinharia e o prazer
de Ingunn. As palavras de sua irmã o feriam profundo e cruamente.
— Vai guardar silêncio, Ingunn. Não vai dizer nada mais,
entendeu-me?
— Mas, por que se preocupa? Foi culpa da mulher, em todo caso.
Era nada mais que…
Magnus perdeu o controle. Entregou Zarabeth a Horkel,
aproximou-se de sua irmã, e a esbofeteou com força na bochecha. Ela
gritou de dor e caiu de lado.
Magnus se aproximou dela e a olhou. Tinha a mão na bochecha,
e havia ódio e medo em seus olhos.
Voltou a pensar em quão estranho era que Horkel houvesse dito
quase as mesmas palavras, entretanto, quando disse Ingunn tinha sido
incapaz de suportar, porque o veneno era profundo e cruel em sua voz.

278
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Logo estará fora de minha vista. Vou enviar uma mensagem a


nosso pai hoje. Ele me aliviará do peso que você é. Não quero vê-la
outra vez.
Suas palavras eram aterradoras devido à tranquilidade com que
falava. Ingunn não se moveu, tinha muito medo.
Cyra, não era tola, deu um passo para trás, sem dizer nada.
Horkel já tinha levado Zarabeth para casa comunitária.
Depositou-a na cama de Magnus, logo deu um passo atrás quando seu
amigo entrou no pequeno quarto.
Magnus se limitou a assentir e Horkel os deixou.
Zarabeth retornou à consciência pouco a pouco, sua mente débil
e vaga. Sentia muito frio. Abriu os olhos, logo se levantou apoiando-se
sobre os cotovelos. Viu Magnus sentado na cama junto a ela.
— O que aconteceu? Por que tenho o cabelo molhado? Ah, minha
mandíbula dói. Você me golpeou?
— Sim, tinha que fazer. Sinto muito.
Ela sentiu a umidade de seu cabelo contra os ombros e as costas,
sentiu a manta de lã áspera contra sua pele nua. Estava nua exceto
pelos panos secos entre suas pernas. Como podia ser isso? Ele tinha
substituído os panos? Caiu para trás, subindo a manta até a garganta.
Magnus seguia sentado ali, olhando-a, sem dizer nada.
Franziu a testa e lutou para recordar e compreender o que tinha
acontecido, e então recordou tudo.
— Onde está Lotti?
Seu rosto se endureceu.
— Onde está Lotti?
— Ela está morta.

279
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ela se levantou, deixando cair a manta, indiferente, e o agarrou


pela túnica. Ela negando com a cabeça, golpeou com seus punhos
contra o seu peito.
— Onde está?
Mas sabia, no fundo, sabia.
Magnus levantou os seus pulsos e a empurrou para baixo. A
manta a cobria até a cintura, seus seios se agitavam com violência.
— Sinto muito, Zarabeth. — Disse, e sua voz estava endurecida
pelas lágrimas, mas não o ouviu, não aceitaria sua dor.
Embora soubesse que era verdade. Umedeceu os seus lábios com
a língua.
— Se afogou?
— Sim. A corrente não é tão forte nesse lugar em particular, mas
é irregular. Há juncos grossos na água que podem reter um homem
forte abaixo da água. Não pudemos encontrá-la. Era tão pequena,
que….
Ela afastou o rosto. Magnus sentiu que ficava rígida, apesar de
que não parecia se mover absolutamente. Ficou tensa e se afastou dele,
como se não pudesse suportá-lo.
— Zarabeth, não faça isso.
Ela não respondeu.
Então, de repente voltou a cabeça para olhá-lo. Simplesmente o
olhou, logo riu. Foi um som desagradável, cru e duro, e disse.
— Ela tentou te salvar! Pensou que estava se afogando! Essa
menina só pensou em te salvar! Por todos os deuses, é uma loucura!
Por que não se afogou você? Por que? Te odeio! Você a matou, queria
vê-la morta.

280
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

A dor o atravessou. Ele se levantou cambaleando. Sua risada


parou. Seu rosto estava pálido, seus olhos escuros e vagos. Logo fechou
os olhos e virou o rosto para longe dela. Derrotado, pôs a manta sobre
ela, logo se virou e saiu do quarto.
Horkel esperava fora. Fez um gesto para a porta fechada.
— A mulher está bem?
— Não.
Magnus se sobressaltou ante a repentina explosão de pranto. Era
penetrante e triste. E provinha do salão. Haveria Ingunn finalmente
esquecido seu ódio por Zarabeth? Para sua surpresa, era sua tia Eldrid,
ela cobria o rosto com as mãos e chorava com lágrimas e fúria,
balançando-se para frente e para trás no banco de madeira.
Quando o viu, recuperou o controle.
Ele se aproximou dela, levantou-a do banco, e pôs os braços ao
redor de suas costas esquálida.
Eldrid chorou até que não teve mais lágrimas.
Magnus a soltou então e a acomodou em sua cadeira.
— Descanse. — Disse. — Sinto muito, mas fizemos todo o possível
para encontrá-la.
Ele se virou então para Ragnar.
— Por favor, vá na casa de meu pai e diga o que aconteceu. Diga
a ele...
Magnus parou um momento, como se desejasse poder liberar as
palavras não ditas.
— Diga a ele que deve vim buscar Ingunn, e logo.
Ragnar saiu. Ingunn reassumiu suas funções, com o rosto duro,
os olhos vermelhos pelo pranto, todo sentimento congelado dentro dela,
todo sentimento exceto um ódio inflamado. Magnus viu a marca de sua

281
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

mão na bochecha, mas não sentiu nenhuma culpa por isso. Ignorou-a
por completo.
O dia deu lugar à noite. Ele não era capaz de se animar. Todos
seus habitantes se dispersaram em pequenos grupos, falando em voz
baixa. Os meninos estavam estranhamente silenciosos. Inclusive os
animais se mantiveram quietos.
Magnus foi para o seu quarto e em silêncio se deitou na cama.
Zarabeth parecia estar dormindo. Suspirou profundamente, tirou as
roupas e aliviado se deitou a seu lado. Foi então, quando soube que
estava acordada. Decidiu não dizer nada. Deitado em silêncio. Ele sabia
que não podia suportar aproximar-se dela novamente, à força, sem
reconhecer que sua própria dor estava fazendo uma reverência, porque
em sua mente não deveria ter nenhuma dor.

Lotti não deveria ter significado nada para ele. Era, depois de
tudo, um viking, um homem sem consciência, um homem sem nenhum
escrúpulo em matar, um homem que não se preocupava com outra
pessoa, exceto os membros de sua família. Ela o odiava. Lotti estaria
viva se não fosse por ele.
Se não fosse por ele, Lotti estaria com Keith e Toki em York. Se
não fosse por ele, o rei Guthrum a teria mandado matar.
Fechou os olhos. Não podia pensar, tudo nublava seu raciocínio,
muita dor e a incerteza de não encontrar respostas dentro de si mesma.
Queria ficar adormecida e nunca mais despertar. Lotti estava morta. A
razão de sua existência, foi embora.

282
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ninguém percebeu que Egill estava desaparecido até tarde da


noite.
Foi Horkel quem sacudiu Magnus para despertá-lo, tirando de um
sonho terrível que não tinha monstros, só um grande vazio.
Olhou-o, movendo a cabeça.
— Magnus, se levante rápido, Egill não está!
Magnus não podia vê-lo na luz tênue.
— Meu filho desapareceu? — Repetiu enquanto franzia a testa
ante suas palavras. Não tinha pensado em seu filho, nenhuma só vez.
Sentiu novamente uma quebra de onda de medo, e deu um nó no seu
coração.
Era muito.
— Venha, deve se apressar. Ninguém viu o menino desde que
retornamos com Zarabeth esta tarde. Temo que ele sente que tem a
culpa da morte de Lotti.
Magnus afastou as mantas, seu coração pulsava tão forte que
pensou que ia explodir em seu peito.
Uma e outra vez pensava. Não Egill, não meu filho, também não,
seria muito. Nem sequer os deuses poderiam me exigir tanto.
Deixou Zarabeth, sem saber se ela tinha ouvido ou não. Não era
importante. Tinha que encontrar a seu filho.
Ao amanhecer todo homem, mulher, criança, e escravo tinha
procurado há quilômetros de Malek. Não havia nenhum sinal de Egill.
O menino tinha desaparecido.
Quando Harald e Helgi chegaram com Mattias e Jon e uma meia
dúzia de homens, Magnus estava tão cansado e pesaroso que quase
não podia falar. Seu pai se aproximou, olhou para seu filho, e sem uma
palavra o abraçou contra seu peito.

283
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Magnus tinha esquecido de que tinha enviado o Ragnar por eles.


Apoiou-se contra seu pai, e ocorreu de repente que ele era o maior dos
dois, que de algum jeito seu pai o tinha reduzido fisicamente. É
estranho que sentisse assim e que percebesse agora. Harald era seu
pai e Magnus sentiu que dava força para ele.
Não chorou. Estava além das lágrimas agora, quase além de
qualquer sentimento.
Ficou de pé então e disse com calma.
— Não sei o que fazer agora, pai. Me alegro de que esteja aqui.
Mãe, por favor entre. Ingunn quer… — Parou e seu rosto se endureceu,
fechando suas mãos em punhos ao lado do corpo. — Confio em que
vieram para levá-la?
Helgi deu um passo adiante e ligeiramente pôs a mão sobre o seu
braço nu.
— Vamos levá-la de volta conosco, mas não agora, Magnus, agora
vamos entrar.
Mattias simplesmente abraçou seu irmão brevemente, sem dizer
uma palavra. Jon se limitou a olhar para Magnus, com a testa franzida,
e logo negou com a cabeça.
Magnus esteve de acordo. Era muito, muito.
A presença de sua família era uma bênção. Isso dava uma nova
perspectiva. Viu que Ingunn corria para os braços de Helgi e começava
a chorar como se seu coração fosse romper. Afastou dizendo a seu pai.
— Deseja um pouco de cerveja?
— Sim, eu adoraria.
Helgi escutou Ingunn e sua interminável corrente de queixa, sem
fazer nenhum comentário até que não pôde permitir que continuasse.
Afastou-a e disse bruscamente.

284
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Cala boca, filha, estou cansada de suas queixas, porque me


mostram o mais profundo de seu egoísmo. Você cresceu mal, Ingunn,
só se importa com você. Ponha a trabalhar nisso agora, por acaso seus
irmãos têm fome. Vou falar com você sobre seu futuro depois.
Foi Helgi que levou uma bandeja de aveia, pão fresco e quente
para levar para Zarabeth. Ficou surpresa ao ver a jovem vestida,
sentada na beira da cama de Magnus. Estava, entretanto, ali, olhando
para frente, sem fazer nenhum movimento, sem fazer nenhum som.
— Zarabeth. Lembra de mim? Sou Helgi, a mãe de Magnus.
Zarabeth a olhou sem interesse.
— É verdade que Egill desapareceu?
— Sim, isto é verdade.
— Ambos. Egill e Lotti, ambos se foram. É muito, Helgi.
Mas não havia nenhuma expressão no rosto de Zarabeth.
— Venha comer, Zarabeth. Te trouxe uma bandeja, porque
acreditava que ainda estaria na cama. Mas já se vestiu. Venha comigo.
Zarabeth simplesmente a olhou.
— Devo?
— Sim.
Zarabeth encolheu os ombros e levantou-se. Seu cabelo vermelho
caía grosso e selvagem sobre as suas costas. Ela parecia como uma
pagã, pensou Helgi, sua cor era muito rica, mais vivo do que as suas
tapeçarias. Mas seus olhos verdes, de um verde rico e profundo,
estavam apagados e vazios.
Zarabeth seguiu o Helgi do quarto para o salão principal. Quando
viu o Magnus sentado ao lado de seu pai, deteve-se abruptamente.
— Não posso. — Disse ela. — Não posso.

285
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Magnus a sentiu, ainda mais, percebeu-a antes de vê-la. Era


estranho, este efeito que tinha tido sobre ele desde o primeiro momento
que a visse. Por Thor, isso parecia ter sido décadas atrás, entretanto,
tinham passado tão somente umas semanas. Olhou-a fixamente e em
silêncio, quis que o olhasse. Ela o fez.
Então, lentamente, levantou a mão levando à sua garganta. Viu
como tocava o colar de ferro ao redor de seu pescoço, o colar de escrava
que o ferreiro tinha fixado nela. Então, repentinamente, ficou louca.
Começou a puxar do pescoço, como se estivesse se afogando, como se
estivesse estrangulando-se. Puxou e puxou, sem dizer nada, sem fazer
nenhum som. Agia como uma louca. Todos os olhos se voltaram para
Zarabeth. Magnus se levantou rapidamente.
Agarrou-a pelos pulsos, segurando-a. Viu como tinha rasgado a
carne de sua garganta com suas próprias unhas, e viu que dos
arranhões escorriam sangue, e gritou.
— Pare!
Olhou para frente, a sua garganta, forte, moreno e musculosa, e
disse.
— Te mataria se pudesse.
Sentiu raiva, ira, e tremia até que sua cabeça caiu para trás.
— Porque salvei sua vida quando ia ser executada? Por que trouxe
Lotti de York salvando-a de Toki? Não está sendo justa, Zarabeth.
— Não me importa. Não tenho mais nada agora.
Magnus fechou os olhos e afrouxou seu abraço. Ela se soltou e fez
um som suave enquanto seus dedos puxavam e sacudiam novamente
o colar. Ele agarrou seus braços uma vez mais e a puxou mais perto.
Ficou olhando seu rosto pálido, as profundidades de seus olhos
selvagens. Então disse.

286
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Basta! Venha comigo. Agora.


Ele a arrastou para fora da casa comunitária.
Seu pai levantou uma sobrancelha olhando para sua esposa. Ela
se limitou a negar com a cabeça, virando quando Ingunn disse.
— Ele vai matá-la agora. Finalmente percebeu de que arruinou
tudo. Matou Egill, ela…
Harald rugiu.
— Fecha a boca, Ingunn!
Eldrid começou a chorar novamente, tremendo com suaves
soluços.
Helgi, pela primeira vez em sete anos, se aproximou de sua irmã
e a abraçou.

287
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

19
Zarabeth já não pensava, golpeou seus braços, seu peito, lutou
com todas suas forças, afundou os calcanhares nus na terra batida,
mas não serviu de nada. Nem sequer diminuiu a velocidade. Ele tinha
o dobro de sua força e estava decidido. Por que, não sabia. Ela
simplesmente resistia. Parecia que estava preste a desprender o seu
braço de sua articulação, mas não emitiu uma só palavra, só lutou e
lutou contra ele. Magnus já estava longe de casa comunitária, gritou.
— Rollo! Rollo!
Ele iria matá-la, sabia. Tinha ido à ferraria para procurar uma
arma para matá-la. Finalmente ia morrer aqui, nesta terra estranha,
nas mãos de um homem, que uma vez tinha jurado amá-la, um homem
que um dia tinha desejado que fosse sua esposa.
De repente Zarabeth percebeu que não queria morrer. Embora
Lotti estivesse morta, a única pessoa em sua vida que realmente a tinha
necessitado, que dependia dela, e a tinha amado sem reservas, apesar
disso Zarabeth, percebeu de que não queria morrer também. Não
queria se converter em cinzas, não queria perder o que era, ainda não,
e então gritou, o pânico a fez dizer com voz trêmula.
— Não, Magnus, não me mate! Não vou deixar que me mate! Eu
não quero morrer agora!

288
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Redobrou seus esforços para liberar-se, essas palavras, que havia


dito em voz alta, pareciam reais, tão reais como sua morte próxima, tão
real como o golpe que acabaria com ela. Mudou de tática e de repente
se lançou contra ele, com as mãos em um punho, quase fazendo perder
o equilíbrio, golpeando na sua cabeça e gritando uma e outra vez.
— Não, não pode me matar! Não quero morrer!
Magnus parou em seco. Sentiu que seus punhos lhe golpeavam,
a dor de seus golpes, mas isso não era nada. Suas palavras o feriam.
Simplesmente ficou olhando-a. Pegou os seus pulsos em suas mãos,
ainda sem dizer nada. Finalmente, Zarabeth parou também, ofegando,
aterrorizada porque agora não podia fazer nada, olhando-o
desamparada.
— Acreditava que iria te matar? — Disse lentamente, com os olhos
vagando por seu rosto, estudando-a, e havia tanta dor em sua voz que
inclusive percebeu seu medo, e sentiu como se fosse uma parte de si
mesma. Mas não era parte dela e estava se enganando sobre isso. Ele
a mataria... Não podia acreditar.
— Sim! Por que me arrastou até aqui e chamou Rollo se não fosse
para me matar?
Outra vez simplesmente a olhou. Logo levantou a mão, e ela
estremeceu, preparando-se para o golpe que sem dúvida viria, mas ele
apenas colocou sua palma contra sua bochecha, acariciando-a
suavemente, e disse.
— Eu não vou te matar. Se você morrer, uma parte de mim
morreria também. Não, Zarabeth, não vou te matar. Nunca, juro isso.
Assentiu lentamente, ela acreditava, sabia que estava dizendo a
verdade. Percebeu de repente de que sempre tinha acreditado. Tinha
tido muitos problemas para salvar a sua vida em York. Por que ele

289
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

mentiria agora? Deixou de lutar. Ela se comportou como uma louca,


além de qualquer pensamento, além da razão. Estremeceu-se e ficou
imóvel.
Magnus tomou a sua mão e a levou a ferraria. Não tinha estado
ali antes, e ao entrar na cabana, o calor do forno de pedra circular a
golpeou no rosto com tanta força que retrocedeu.
— Venha, se acostumará a ele.
Rollo era um homem moreno, de barba e olhos negros, suas
pernas eram muito curtas, mas seu torso era mais musculoso do que
Magnus, seus braços eram grossos como troncos de árvore. Estava de
joelhos diante ao forno, e começou a bombear um enorme fole de couro
para esquentá-lo mais. Olhou para Magnus, não disse nada, e então
olhou para Zarabeth. Ele se levantou lentamente, dando uma espada a
Magnus.
— É sua, está mais afiada que quando a fiz há dois anos. Vamos
novamente a procurar de Egill?
Magnus aceitou a espada, dizendo.
— Ragnar foi com doze homens para continuar a busca. Logo
sairei novamente. Mas primeiro, quero que tire o colar de seu pescoço.
Rollo não disse nada. Começou a afastar o cabelo de Zarabeth,
mas Magnus se adiantou. Pegou o cabelo em sua mão e o levantou para
cima, deixando descoberto o seu pescoço. Rollo tocou o pescoço, viu a
cicatriz, e assentiu com a cabeça.
— Fique muito quieta, senhora, do contrário poderia perder sua
linda cabeça.
O coração de Zarabeth pulsava com força. Iria libertá-la. Olhou-o
fixamente, sem compreender por que, mas aceitou. Queria chorar. Iria
libertá-la.

290
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Se ajoelhe aqui. Magnus, mantenha todo esse cabelo longe do


pescoço. Esse resplendor vermelho me cega.
Foi muito rápido. Ela não se alterou quando o pesado martelo de
ferro caiu sobre o pescoço, uma vez, duas vezes, e à terceira partiu o
metal. Permaneceu de joelhos, a cabeça apoiada sobre o tronco, os
olhos fechados, e quando sentiu a queda do colar de ferro no chão,
sussurrou.
— Me sinto tão leve.
Magnus ajudou-a a se levantar. Esfregou os dedos sobre a sua
garganta. A pele estava arranhada e vermelha, mas não importava.
Adorava sentir seu pescoço como tinha sido antes.
Escutou Magnus agradecer a Rollo, escutou aos homens discutir
o desaparecimento de Egill.
— Iniciaremos em outra busca logo, Rollo. — Disse Magnus ao
despedir-se, e tomou a mão de Zarabeth para levar de volta à casa
comunitária.
Tomou a mão com força, como se tivesse medo de que escapasse
outra vez. Logo disse, sem olhá-la.
— Vai se casar comigo. Tenho os nossos anéis, mandei fazer por
um joalheiro em York, quando te pedi que se casasse comigo antes.
Zarabeth ficou estupefata. Ele tinha tirado seu colar de escrava,
e agora isto?
— Casar com você? Mas você me odeia, acredita que sou uma
assassina, uma traidora. Lotti está morta, Egill desaparecido, e desejas
se casar comigo?
— Sim, e o faremos rapidamente.
— Mas por que? Não me deseja. Não tenho nada para contribuir
para você!

291
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Isso não me importava antes, nem me importa agora. Poderia


usar somente o seu cabelo como única posse e tampouco me
importaria. Vai se negar em ser minha esposa?
— Mas por que, Magnus? Por que?
Ele respirou fundo, mas ainda não a olhou. O aperto em sua mão
se intensificou mais, e ela estremeceu de dor. Não teve resposta, só se
limitou a repetir.
— Você se casará comigo agora. Qualquer pergunta que tenha que
me fazer deverá esperar. Meu filho está em algum lugar aí fora e tenho
que sair para buscá-lo logo.
Ela não disse nada mais. Se perguntou, se ele acreditava que seu
filho estava morto, morto como Lotti. Ambas crianças? Como podia
suportar isso?
— Fará isso, Zarabeth?
Ela assentiu com a cabeça sem dizer nada. Era inevitável, sua
vinculação com este homem. Já o tinha aceito antes. Não poderia negar
agora.
Tratou de não reagir, quando Magnus informou a sua família a
sua decisão. Ela se limitou a fechar os olhos, diante dos olhares
coletivos de assombro, o rosto branco de Cyra, e o olhar de ódio de
Ingunn. Ela se perguntou de pé entre eles, se queria passar o resto de
sua vida dependendo de outra pessoa, todas as decisões que a
afetassem agora seriam tomadas por outra pessoa. Logo encolheu os
ombros. Não importava nada disso, Lotti estava morta, depois de tudo,
e apesar de que seguiria vivendo, comendo e respirando, sua alegria se
foi para sempre.

292
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Então, tão rápido que não pôde compreender, ela e Magnus


estavam de pé um frente ao outro, ele segurando a sua mão direita,
dizendo.
— Diante destas testemunhas e diante a nossos deuses, prometo
dar minha vida por você, Zarabeth. Vai ser minha esposa até a morte,
e te juro que a protegerei com minha espada e com meu corpo, que
vamos viver juntos e em paz, compartilharemos todos meus bens e tudo
o que tenha nesta vida.
Empurrou um lindo anel de ouro em seu dedo médio.
Ele se inclinou para frente e disse em voz baixa.
— Você tem que dizer as mesmas palavras para mim, Zarabeth.
— Mas eu sou cristã, Magnus. Não há nenhum padre aqui. Como
estas simples palavras entre nós, podem nos unir para sempre?
Ele sorriu então, e se limitou a repetir.
— Diga as palavras. Está em minha terra agora e não há Deuses
cristãos aqui.
— Conservarei minha fé, Magnus.
— Faz bem. Continue.
Sua voz se fez mais forte.
— Vou viver com você em paz e te darei tudo o que é meu.
Proteger-te-ei com minha vida.
— E sua lealdade, Zarabeth? Me promete a sua lealdade?
— Te prometo a minha lealdade e minha fidelidade.
— Me garante isso? Então desliza o anel em meu dedo.
Ela o fez, e ele se inclinou para frente, agarrando seus braços e a
beijou na testa.
— Suas palavras me agradam. Verdadeiramente me protegerá
com sua vida? Sinceramente me dará sua lealdade, sobre todos outros?

293
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Quando ela simplesmente baixou a cabeça, ele a soltou, se virou e


olhou para seu pai, depois Mattias e Jon, e finalmente a sua mãe. —
Vocês são nossas testemunhas. Há alguém que se oponha a esta
união?
Ninguém disse uma palavra.
— Bem. Zarabeth, me escute agora. Ficará aqui com minha mãe
e preparando a comida. Nós procuraremos meu filho. Não sei quanto
tempo demoraremos desta vez.
Ela se agarrou a ele, puxando o tecido de sua túnica.
— Mas gostaria de ir também, Magnus! Nada foi culpa de Egill, e
ele deve ter saído correndo pela angústia. Por favor, me deixe te ajudar
para buscá-lo. Tem que me deixar!
A dor apareceu momentaneamente em seus olhos. Inclusive ele
sorriu. Acariciou o seu cabelo e disse.
— Não, não vai. Obedece, Zarabeth. — Se virou para Helgi. —
Mantenha segura, mãe, dentro dos muros da paliçada.
Ele saiu, seus irmãos e seu pai o seguiram para fora da casa
comunitária, o resto dos homens se apressaram a ir atrás deles.
Helgi abraçou a sua nova nora.
— Não se preocupe, Zarabeth, vão encontrar ao menino.
— Fugiu porque se sentia culpado. — Zarabeth respirou fundo. —
Não deveria morrer, porque Lotti fez.
— Magnus encontrará seu filho. Sua generosidade para o menino
me agrada, e a ele também, mas entendo que Magnus queira te manter
segura acima de tudo.
Zarabeth percebeu de que retorcia as suas mãos, dizendo uma vez
mais.

294
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Mas Egill não era responsável, não era, Helgi. Eu poderia


encontrá-lo e falar com ele.
— Bem, mas não pode. Vai permanecer aqui, tal como é o desejo
de seu marido, e não fale mais.
Ingunn ficou ao lado de sua mãe, mas toda sua atenção estava
centrada na mulher que tinha tirado tudo o que era seu. A mulher, que
ela sabia desde o princípio que tomaria tudo, desde que a tinha visto
caminhar atrás de Magnus, com esse maldito colar de escrava, com o
cabelo vermelho vibrante sob o sol brilhante. Sim, sempre tinha sabido.
Magnus não era mais que um parvo.
Ela disse, aparentemente para Helgi.
— Eu gostaria de deixar Malek agora. Não quero voltar a entrar
nesta fazenda novamente. Meu irmão está cego, não pôde ver o que ela
é em realidade, e agora se casou com esta rameira, esta assassina, e
seu filho provavelmente está morto, e tudo graças a sua irmã idiota.
O controle frágil que Zarabeth tinha, se rompeu. Grunhiu como
um animal, e saltou sobre Ingunn, envolvendo suas mãos ao redor de
sua garganta.
— Você serpente venenosa! Cortaria a sua língua, se pudesse. É
má e perversa, e você deveria estar aí fora, não Egill, não o pobre
menino!
Zarabeth sentiu as mãos de outra pessoa puxando os seus pulsos,
não as mãos de um homem, as mãos de uma mulher imbuída por uma
força incrível, e ouviu que Helgi dizia brandamente, uma e outra vez.
— Basta, Zarabeth. Deixa-a, deixa-a ir. Não vale a pena. Venha
comigo.
Os dedos de Zarabeth se separaram da garganta de Ingunn.
Estava tremendo por causa de sua ira. Viu que Ingunn pegava seu

295
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

pescoço, e o massageava, e havia tanto ódio em seus olhos que


Zarabeth não pôde suportar olhá-la.
Helgi olhou de uma e a outra.
— Não haverá mais insultos nem brigas, Ingunn. Não tem razões
para odiar Zarabeth. Seu irmão a escolheu para que seja sua esposa.
Sabia que quando se casasse já não teria um lugar aqui. Por que
escolheste este caminho? Ah, mas era uma situação incômoda de todo
o modo, e não é justo para você ou para seu irmão. Aceita de uma vez.
Se ocupe de suas tarefas e mantenha sua suja língua atrás dos dentes.
— Mas...
— Basta! Encontre um marido, que seja honrado, e esqueça de
Orm. Não quero escutar nada mais sobre ele! Inclusive se dizem, que
ele junto com seu bando, matou aos homens na fazenda Ingolfsson e
violou às filhas daquela família. Mesmo assim segue interessando nele?
Já demonstrou que é um animal.
— Não é verdade! Orm não faria este tipo de coisas, não seria
capaz! É uma mentira inventada por homens como meu pai, que estão
com ciúmes dele!
Helgi continuou ignorando Ingunn.
— É hora de que se converta em esposa e mãe, Ingunn. E você
esquecerá de Orm. Não direi mais nada sobre ele.
Zarabeth viu que a filha se rendia à ordem de sua mãe, e percebeu
que sua própria raiva exaltava e a deixava débil e trêmula.
Helgi a levou a um dos bancos de madeira e a fez sentar. Estudou-
a atentamente e disse.
— Realmente é sincera quando diz que não culpa Egill pela morte
de Lotti?
Zarabeth assentiu com a cabeça.

296
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Ele é um menino pequeno. Estava com ciúmes de Lotti, porque


Magnus dedicava grande parte de sua atenção a ela. Estava errada ao
acreditar que realmente estava machucando-a, mas algo dentro de mim
simplesmente…
— Sei. — Disse Helgi. Deu uma tapinha no ombro de sua nora. —
Por que não vai se banhar agora? Vai te fazer se sentir melhor.
Zarabeth quis dizer que ela era a verdadeira culpada. A que a
levou, e a colocou nesse barco.
Mas não disse nada, dizer as palavras em voz alta marcaria para
sempre sua alma, e sabia que não era o suficientemente forte para
suportar isso.
Quando esteve limpa novamente, com o cabelo penteado e
trançado, seu vestido limpo e sem rugas, descobriu que não podia se
mexer, não queria se mover. Ficou ali, vendo sua irmãzinha presa entre
os juncos de água, seu cabelo flutuando e Lotti estava tão quieta, tão
quieta...
Não percebeu de que estava chorando até que provou o sal de
suas lágrimas. Se virou rapidamente e correu para a casa comunitária,
entrou no quarto de Magnus. Ela se sentou na beira da cama e chorou.
Ninguém veio incomodá-la.
Não tinha percebido de que podia ter tantas lágrimas. Elas a
afogavam, oprimiam a sua garganta, queimavam os seus olhos. Ela
sussurrou.
— Lotti, sinto muito. Meu Deus, me perdoe, falhei com você.
Os homens não retornaram até quase à meia-noite. Ainda
persistia a tênue penumbra do verão, dando ao ambiente natural um
misterioso resplendor que nunca deixava de surpreendê-la. Ela estava

297
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

de pé fora da paliçada, olhando por cima da água, sabendo que era lá


dentro que Lotti estava, que ela tinha partido para sempre.
Se pudesse imaginá-la descansando, em paz, dormindo com suas
pequenas mãos colocadas debaixo da bochecha.
Esfregou os seus braços nus, a brisa da noite tinha refrescado e
havia umidade no ar.
Viu os homens em uma longa fila vindo para ela. Não tinham
encontrado Egill. Olhou para Magnus, seu marido, parecia derrotado e
exausto. Sentiu nascer uma profunda dor dentro dela.
As duas crianças, ambas tinham ido, um pelo outro e ambos por
sua culpa.
As lágrimas começaram novamente.
Magnus a viu, de pé, olhando para ele, com o rosto molhado com
seu pranto. Apenas balançou a cabeça. Chegou até ela. Não disse nada,
só a olhou. Tocou com a ponta dos dedos sua bochecha úmida.
Lentamente a puxou para os seus braços e apertou a sua cabeça contra
seu ombro.
— Nós não o encontramos, nem tampouco encontramos nenhum
rastro dele. Ainda pode estar vivo.
Zarabeth levantou o rosto.
— Então Lotti também poderia estar viva.
Magnus percebeu a ilusão de suas palavras, mas eram sua única
esperança.
Ele se ouviu dizer.
— Sim, é uma possibilidade.
Mas sabia que não era certo. Lotti tinha se afogado, seu corpo
teria sido arrastado pela corrente até o golfo de Oslo ou seguia aí, perto,
preso em meio do matagal de juncos de água. Igualmente a seu filho

298
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

que estava morto. Não sabia onde estava, isso era tudo. Por que tinha
desaparecido? Tinha fugido porque temia ser acusado da morte de
Lotti? Onde poderia estar? As possibilidades o torturavam, porque
havia animais que podiam matar a um menino pequeno, animais que
levariam o seu corpo longe para comer. E havia homens, bandidos, que
torturariam a um menino, e talvez pediriam resgate por ele, e então
poderia ser... Mas eram hipóteses e Magnus sabia que deveria parar.
Soltou a sua esposa.
— Estamos juntos agora, como deveria ter sido desde o começo.
O que aconteceu não pode ser mudado. Devemos enfrentar o que for e
suportar.
— É difícil, Magnus.
— Sim, sei. — Ele tocou suas bochechas, agora seca, logo deslizou
seus dedos sobre suas sobrancelhas e suas pálpebras.
— Não conseguia parar de chorar.
Os homens os rodearam, e entraram na casa comunitária para
comer, outros simplesmente caíram em um sono exaustivo.
— Agora que estou de volta, vou abraçar você quando chorar.
Mas, quem vai te abraçar? Perguntou a si mesma, se ninguém te
vê chorar.
A família de Magnus permaneceu mais dois dias, os homens
foram em busca de Egill durante horas. Ninguém disse nada a respeito
de renunciar à busca, mas não havia nem rastro do moço. Era como se
tivesse desaparecido.
Dentro da casa comunitária, Helgi ensinava a Zarabeth as tarefas
da casa que não tinha tido nenhuma oportunidade de aprender em
York. Helgi era brusca, sempre, em realidade, mas nunca injusta ou
impaciente.

299
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Em York, sua família era pequena e as coisas que não tinham,


poderia comprar ou obter no comércio. Mas aqui, Zarabeth, deve saber
como fazer tudo, porque os comerciantes viajantes, vêm nos visitar
raramente e não podemos depender deles. Agora, te ensinarei a tingir
tecidos... Vê esta preciosa cor marrom avermelhada? É feito da base de
samambaias e se adicionar cebolas pequenas formas um marrom mais
claro. E essa linda cor dourada, fazemos com líquens. É realmente
irlandesa, Zarabeth? Então deve ter ouvido falar da tintura de açafrão,
que se faz com bulbos de açafrão no outono.
Zarabeth se concentrou, pois não havia outra opção, e aprendeu,
apesar do vazio em seu interior, constantemente se roía pela culpa e a
dor.
Helgi ensinou a preparar peixes. Levantou uma truta que acabava
de limpar e estripar.
— Vamos secar e logo salgá-lo. Quando houver uma tormenta
forte e a pesca seja impossível, então terá uma boa reserva de peixe
seco e assim não passarão fome. Aqui você pode avaliar, Zarabeth,
mantém o peixe ao calor por esse tipo de espeto de madeira, e
trespassada pela cabeça.
Helgi ensinou a pentear as fibras de linho, tornando-as finas e
suaves e livres de enredos. Zarabeth sabia como fazer girar o fio dos
fusos, mas Helgi sabia a maneira de torcer as fibras mais estreitamente
para que o fio fosse mais forte e duradouro.
Ingunn não fez nada mais do que sua mãe dava instruções para
fazer. Só olhava, e não havia mais fúria em seu rosto, só
inexpressividade e uma estranha espécie de calma. Foi a ausência dos
ataques de ira, que incomodou Zarabeth.

300
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Cyra tinha decidido ficar com Horkel, e disse para Zarabeth.


Parecia esquecer que ela mesma era uma escrava, porque depois de
tudo, Zarabeth também tinha sido uma escrava, mas agora estava
casada com o dono da fazenda. Quanto Horkel, ignorava Cyra cada vez
que a via durante o dia, mas a cada noite a puxava pela mão e a tirava
da casa comunitária. Pela manhã, ela estava sorrindo muito satisfeita
de si mesma. Magnus não disse nada, e seu silêncio era o
consentimento que Horkel desejava.
Cyra fazia o que Zarabeth lhe pedia, sem se queixar, igualmente
aos outros servos e escravos.
A vida seguiu, com um ar de normalidade, que parecia ter
esquecido do que tinha acontecido, o que fazia que Zarabeth quisesse
golpear alguém pela impotência, por ter que fingir que tudo estava
normal, como tinha sido antes. Via os homens e as mulheres, ouvia-os
falarem, rirem e discutirem. Não podia suportar isso. Ela se afundou
em uma tristeza, que simplesmente se encerrou em si mesma.
Trabalhava e se encarregava de que tudo na casa estivesse em ordem,
cozinhar, limpar e plantar, já que era sua responsabilidade. Mas se
mantinha em seu mundo. Mesmo assim, percebeu de que a rotina, e
as tarefas monótonas, embotavam a sua mente.
Tia Eldrid continuou a tecer, era tudo o que fazia, e fazia bem.
Brincava com as crianças, instruía às meninas, mas havia linhas duras
nos lados de sua boca e seus olhos eram sombrios. Helgi evitava a sua
irmã e Zarabeth se perguntava por que, como faria alguém vagamente
curioso, nada mais.
Trabalhava até que se sentia tão cansada que nem sequer tinha
fome. Magnus não dizia nada a respeito. Quando deitava na cama, ele
simplesmente a tomava em seus braços e a abraçava.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Quanto a Magnus, a vida nunca tinha parecido tão


completamente fora de controle, nem tinha experimentado alguma vez
uma dor sem fim como agora sentia. Seu filho, seu menino que só tinha
oito anos de idade, foi embora. Suas feições permaneceram impassíveis
em seus pensamentos, mas no fundo, se perguntava se sobreviveria. E
enquanto estava deitado na cama durante as longas horas da noite,
tratava de encher sua mente com as lembranças.
Não tinha passado muitos verões em sua casa, porque o mar e o
comércio sempre agitavam o seu sangue. De fato, este era o primeiro
verão em cinco anos que tinha passado aqui, caçando, ajudando no
campo. Igualmente Zarabeth, descobriu que quanto mais trabalhava,
mais fácil era passar o tempo. E sabia que não podia deixá-la, ainda
não. Enquanto estava deitada em sua cama, com o fôlego suave e
quente de Zarabeth contra o seu coração, lembrava de seu irmão, Jon.
Se perguntava aonde viajaria Jon neste verão. Tinha partido em seu
navio, O Corvo Negro, e seus vinte homens, jovens e valentes e todos
eles, tinham saído na semana anterior. Magnus se perguntou se estaria
navegando perto de Kiev, desfrutando da visita aos selvagens daquelas
regiões estranhas, sobre tudo lutando contra eles, matando-os e
tomando-os como escravos, e ganhando mais e mais ouro e prata
através de sua habilidade de negociação quando os vendesse aos
árabes, e aos homens ricos que viviam na cidade de Miklagard.
Magnus desejava estar lá agora, com Jon, com o vento em seu
rosto e numa luta para manter a mente. Desejava nunca ter conhecido
Zarabeth, nunca ter sido conquistado pela natureza amorosa de Lotti,
nunca ter se permitido ir buscá-las. Mas tinha acontecido, e como

302
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

havia dito Zarabeth, nada poderia mudar o que tinha acontecido. Mas
aceitar era muito duro, tanto Lotti como o seu filho estavam mortos.
Mortos e longe dele. Não podia aceitar. Zarabeth se moveu, gemendo
brandamente, e a abraçou e a beijou na têmpora. Sua esposa.
Na manhã do terceiro dia, seus pais arrumaram os seus baús e
se prepararam para partir.
— Ensinei muitas coisas para Zarabeth. — Disse Helgi a seu filho.
— É uma moça brilhante e disposta. Escolheste bem, Magnus. — Parou
um momento, acariciando a túnica branca e suave de seu filho. — Mas
sofre muito. Tenta ocultar isso, mas é difícil para ela. Vejo às vezes e
posso dizer que ela sumiu, se enterrou dentro de si mesma, onde a dor
diminui. Quanto a você, Magnus, não é tão difícil para você ocultar o
que sente, mas a sua dor é tão profunda como a dela. Está mais
retraído ainda. Os dois juntos podem curar um ao outro, se quiserem,
mas ambos devem permitir isso. Não acredito no que você disse, que
está preocupado com ela?
Negou com a cabeça.
— Não estou preocupado com ela. — Disse, e sua voz era firme e
forte e a mentira era tão evidente que sua mãe teve que abaixar a
cabeça para ocultar seu sorriso incrédulo. — É verdade. Não tive outra
opção. Sou responsável por tudo o que aconteceu. Era meu dever
solucionar sua situação. Não podia permitir que a irmã de Lotti
continuasse sendo uma escrava.
Helgi continuou como se não tivesse falado.
— Zarabeth também é uma moça que não sabe muito de afetos,
pelo menos desde que sua mãe morreu. Portanto, dedicou todo seu
amor para a menina. Se deixasse, ela poderia dar todo esse amor a
você. Imagina um amor semelhante?

303
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Ela tem que dar o seu amor, e o fará. É minha esposa. Me deve
sua lealdade. Se comprometeu a fazer isso e vou lembrá-la.
— Sempre foi um menino teimoso. — Ela comentou com certa
diversão. — Mas, meu filho, tem que enfrentar os fatos. Não mantenha
os olhos fechados durante um tempo muito longo, Magnus.
Helgi o beijou, encontrou Zarabeth no final do salão, e a abraçou
com força, dizendo.
— Não esqueça que a tintura com algas é muito desagradável em
seu processo e em seu aroma. Mas uma vez que tenha lavado o tecido
duas vezes, não esqueça, Zarabeth, duas vezes, a linda cor azul
aparecerá e pensará que valeu a pena. É, também, uma cor muito
bonita para Magnus. Combina com o azul intenso de seus olhos.
— Duas vezes. — Disse Zarabeth, e sorriu para sua sogra.
Helgi piscou. Era a primeira vez que tinha visto em Zarabeth, um
vislumbre de um sorriso. Transformou seu rosto de uma maneira
formidável. Ela fez uma breve oração em silêncio e se voltou para o seu
marido.
Ingunn foi embora com seus pais. Antes de ir, disse para
Zarabeth.
— Vou encontrar uma maneira, cadela. Oh, sim, vou encontrar
uma maneira.
Zarabeth a olhou, mas não disse nada. Ingunn iria embora. Não
ia ter que lidar com ela novamente.
Apesar de que a metade de cem pessoas que viviam e trabalhavam
na fazenda Malek, sem os pais e os irmãos do Magnus e seus servos,
tudo parecia tranquilo, muito tranquilo. Zarabeth se encontrou indo
cada manhã, depois que Magnus e seus homens tinham saído para
caçar, ao lugar sagrado. Era um templo situado no interior de uma

304
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

pequena cerca de madeira na parte traseira da fazenda. Ela não


conhecia os rituais da religião Viking, e ninguém se incomodou em lhe
dizer se o que fazia era correto ou não. Em realidade, enquanto estava
no pequeno templo de madeira, imaginava que se encontrava em uma
igreja cristã. Se ajoelhou e orou no seu interior.
Isso trazia um pouco de paz. Desejou poder contar a Magnus, mas
ela não fez. Estava distante. Não havia muitas risadas agora em Malek.
Ele oferecia seu consolo e reconhecia em seu silêncio, na
delicadeza de sua mão ao tocar o seu ombro. Era como se soubesse que
o desespero tomou conta dela.
Ele não a tocou, exceto para oferecer apoio e consolo. Ela estava
agradecida, por isso, mas não tinha palavras para expressar essa
gratidão. Existia, e suportava.
Era sua esposa por quase duas semanas, Magnus percebeu de
repente em uma manhã, quando apenas a olhava, a luxúria, mais uma
vez fez erguer a sua virilidade. Queria-a. Ele a viu se agachar para
retirar uma panela de ferro de seu suporte. O movimento esticou o seu
vestido apertadamente sobre seus seios. Sentiu o inchaço familiar de
seu membro.
Respirou fundo e se levantou lentamente de sua cadeira.

305
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

20
Zarabeth se virou quando sentiu a presença dele atrás. Sem
pensar, quase inconscientemente, ela sorriu.
Magnus parou de repente. Seu sorriso esquentou o seu coração,
e se encontrou sorrindo em resposta. Então, enquanto continuava
olhando-a, sentiu o momento em que ela percebeu de que estava
sorrindo, e se sentiu mal porque Lotti e Egill estavam mortos, e o
sorriso se desvaneceu, retornando a essa infeliz inexpressividade em
seu rosto.
Ele sacudiu a cabeça e se aproximou, onde mexia a papa na
enorme panela de ferro. Se agachou, levantou a grossa trança de seu
pescoço, e a beijou. Sua pele estava úmida pelo calor do fogo e doce
com o aroma que era somente dela. O colar de escrava já não estava
ali. Sua pele era suave e lisa outra vez.
Ela tentou se afastar, porque havia muitas pessoas na casa
comunitária, e odiava pensar que estavam olhando quando Magnus a
beijava. Tampouco queria que a tocasse. Quis voltar a se esconder atrás
da máscara de frieza, com a qual tinha conseguido mantê-lo afastado.
— Não se mova. — Disse contra sua garganta, e a beijou
novamente, sua boca firme e suave.
Deixou de mexer sua mão soltou a colher de cabo longo.

306
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Esperou, padecendo o momento. Parou então, e ele pressionou


sua testa contra a dela. Logo levantou a cabeça e simplesmente a olhou.
Era como se estivesse tentando tomar uma decisão, tentando averiguar
algo. Não disse nada, limitou-se a esperar.
— Você é minha esposa. — Disse, e a beijou na boca. — Não deve
esquecer disso, Zarabeth.
Ele a beijou novamente, suavemente, sem tentar separar os seus
lábios, logo a soltou. Ela retrocedeu, com o rosto pálido, com as mãos
na frente como se quisesse afastá-lo. Ele não disse nada.
Nessa noite, quando Magnus e seus homens retornaram com um
javali recém abatido, foi imediatamente para casa de banhos, como era
seu costume. Quando entrou na casa comunitária, se dirigiu até ela
como se fosse a única pessoa no salão, e tomou em seus braços. Beijou-
a diante de todo o seu povo, e se era consciente de sua rigidez e sua
falta de resposta, não deu nenhum sinal desse fato. Uma vez mais
suportou, sem se mover. Ele a abraçou, beijou suas sobrancelhas, seu
nariz, seu queixo. Quando a soltou, ficou sério, mas mesmo assim não
disse nada.
Enquanto comiam o guisado de vitela, recolhendo o molho
espesso com pão quente, Magnus se virou e disse.
— O que fez hoje?
Olhou-o fixamente. Essa pergunta tão corriqueira, abalou-a, fez
com que ela tomasse a consciência de que a vida continuava, sem
pausa, não fazia diferença para demonstrar que a morte os tinha
atormentado. Ficou em silencio por um longo momento.
— A comida é boa. Você preparou muito bem.
— Obrigada, sua tia Eldrid me ajudou com as ervas. Eu... eu
costurei roupas hoje. Várias de suas túnicas necessitavam de minha

307
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

agulha. Havia sangue em uma de suas calças. Sua mãe me ensinou


como tirar manchas de sangue.
Ele sorriu e comeu outro pedaço de guisado de vitela.
— Eu ajudei o Haki a fazer uma figura cheia de grama e palha
amarrada em um poste de madeira para assustar aos pássaros.
Comeriam todas as nossas maçãs se não tivesse feito alguma coisa.
Talvez também será útil nos campos de cevada. Tinha ouvido falar
deste implemento de um comerciante viajante em York. Os agricultores
do rei Alfred em Wessex também usam.
No passado, um dos servos ficava na horta para dar golpes em
uma placa de bronze para manter às aves afastadas. Agora, aquele
servo poderia ser utilizado em outro lugar, se sua figura de palha
funcionasse.
— É uma boa ideia, e veremos se as aves estão de acordo. Eu gosto
muito das maçãs. Vai fazer geleia de maçã no outono para comer no
inverno?
Ela assentiu com a cabeça.
— Tudo preparado para o festejo de Horkel e Cyra?
— Sim, quase. Tia Eldrid está fazendo mais de sua cerveja
especial.
Dado que a cerveja de Eldrid era em realidade fabricada com a
receita de sua mãe, Magnus se limitou a assentir.
— O que fez hoje?
— Matei um javali. — Parou um momento, recolhendo ervilhas
com sua colher. — Já ordenei que várias das mulheres se dedicassem
à preparação da carne.
Antes que pudesse responder, ele adicionou.

308
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Eu sabia que não tinha experiência nessa tarefa. Haverá tempo.


Não necessita fazer nada neste momento.
Foi amável de sua parte se ocupar pessoalmente disso, sabia.
Suspirou e tomou um gole de leite. Depois da comida, se dirigiu junto
às demais mulheres em suas funções e escutou distraidamente aos
homens falar da caçada do dia.
Ouviu que Ragnar, um homem que ainda tinha aversão, disse de
repente, com fúria em sua voz.
— Foi Orm, inclusive seu pai sabe, e o rechaçou. Aparentemente,
não pôde matar a todos na fazenda Ingolfsson. Uma das mulheres
sobreviveu. Ela vai testemunhar contra ele na reunião do conselho.
Será banido, se não o matar primeiro um dos homens do Clã
Ingolfsson, e tudo o que tem, deverá dá-lo em compensação pelas vidas
que tomou.
O homem com que Ingunn tinha querido se casar, pensou
Zarabeth. Orm Óttarsson, o homem que ainda jurava que era inocente.
Zarabeth tentou sentir um pouco de lástima pela irmã de Magnus,
porque este homem não era digno de ninguém, mas não encontrou
nada em seu interior.
Os outros homens se juntaram com seus pensamentos e opiniões,
eram muitos, porque tinham bebido muita cerveja, até que um deles,
um homem magro chamado Hakon, que parecia ter uma careta
perpétua, disse.
— Magnus, está de acordo, verdade? Irá ao conselho, não é
verdade?
— Sim. — Disse Magnus depois de alguns momentos. — Suponho
que devo ir. Meu pai me pediu isso.
Ragnar fez um ruído grosseiro.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Ele mal te ouve, Hakon, porque sua mente está nela.


Magnus não permitiu que sua ira aflorasse. Sorriu e se levantou.
— O que diz é verdade, Ragnar. Ela é linda e amável, e é minha
esposa.
Zarabeth estava sentada perto da parede do fundo, costurando
uma túnica de Magnus, quando de repente ele estava ali, de pé junto
dela.
— É hora de se retirar. Venha.
Assentiu com a cabeça, deixando de um lado o tecido de lã azul
suave e fina, e se levantou. Seguiu-o até seu quarto, sem parar até que
estiveram dentro. Então recordou o beijo pela manhã e ficou imóvel.
O quarto estava iluminado pela tênue luz do sol da meia-noite.
— Zarabeth? Venha até mim agora.
Não queria. Não queria nenhuma recordação de que era de carne
e sangue, que os sentimentos a percorriam, que havia sentindo uma
grande paixão, uma lembrança de que em algum momento tinha tido
tudo, um momento em que teve tudo o que queria dele, todas essas
emoções desconhecidas. Ela queria viver, era verdade, queria seguir, e
sentir a vida, mas esta perda de um para o outro... Não, ela não queria
que a tocasse e a possuísse.
— Zarabeth, não vou dizer isso novamente.
Sabia que não tinha outra opção. Tirou a sua bata, mas deixou
sua camisa. Chegava quase até os joelhos.
Deitou de costas, olhando para a escuridão. Magnus não disse
nada, simplesmente se apoiou em seu cotovelo e se inclinou sobre ela.
— Eu gostaria de te tomar agora, Zarabeth. Chegou o momento.
Temos necessidades um do outro. Me deixe te dar consolo e prazer.

310
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ela não se moveu. Sentiu a boca de Magnus tocando-a primeiro


na bochecha e logo na boca. Era amável, sua língua sondava
ligeiramente seus lábios fechados.
Magnus percebeu rapidamente de que se trancou em si mesma,
se afastando dele. Isto o enfureceu, assim que entendeu. Beijou-a mais
duro, obrigando-a, furioso de que estivesse fria como uma pedra
quando ele mesmo estava tão quente, a boca ardente, seu membro
palpitando de necessidade contra sua coxa. Por que estava fazendo isso
com ele? Ele era seu marido.
Ele tocou levemente no seu seio, com seus dedos, e se enfureceu
ainda mais porque ainda usava a camisa. Queria arrancar isso, mas
não o fez.
Ele ficou surpreso pela calma de sua voz quando disse.
— Tire a sua camisa, Zarabeth. Não deve ter nada entre nós esta
noite.
Quando ela não obedeceu imediatamente, ele começou a baixar
pelos seus ombros até formar redemoinhos ao redor de seus quadris.
Ela cedeu então, arqueando as costas, a deslizou por suas pernas e a
jogou no chão.
— Agora. — Disse.
Deitada de costas, fria e sozinha, alimentando o vazio em seu
interior, concentrando-se nisso. Era totalmente consciente de suas
cálidas mãos sobre seu corpo, de sua boca, tocando seu seio. Quando
seus dedos a encontraram e começou a acariciá-la com um ritmo
suave, sentiu uma possante necessidade surgindo desse vazio,
surgindo do mais profundo, e tentou escapar dele. Estes sentimentos
não eram corretos, não os merecia
Ele a segurou, com os dedos estendidos sobre sua barriga.

311
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sei que a paixão existe dentro de você, porque provei, a fiz


sentir e a fiz gozar. Por que me castiga com sua frieza? Por que castiga
a você mesma?
— Não posso. — Sussurrou contra seu ombro, com os punhos
apertados contra seu peito. — Por favor, não, Magnus, por favor.
Deu um grunhido enfurecido e se deitou sobre ela, pressionando
suas pernas e acomodando-se entre elas.
Beijou-a outra vez, sedutoramente, usando toda sua habilidade
para fazê-la responder, mas estava paralisada.
Odiava isto e a odiava nesse momento, com um grunhido de fúria
jogou a cabeça para trás, levantou os seus quadris com suas mãos e
entrou nela. Não estava preparada para ele e sentiu sua dor e o
estiramento de sua feminilidade. Mas não se deteve até tocar seu útero.
Olhou-a e viu na penumbra que tinha os olhos bem fechados.
— Maldita seja. — Disse. — Abra os olhos!
Começou a se mover. Logo sua carne relaxou e umedeceu, e soube
que não poderia conter-se por muito tempo. Estava tão fria e imóvel
debaixo dele, longe dele. Seu corpo palpitava com uma ira que crescia
e crescia, e com ela, sua necessidade sem fim de Zarabeth, uma
necessidade que agora aceitava. Apesar de que queria amaldiçoá-la e
dominá-la e obrigá-la que o aceitasse com uma paixão que igualasse a
sua, mas soube então que tinha fracassado.
Ele se concentrou em sua própria paixão, na necessidade de
enchê-la, e em sua liberação quando chegou. Arqueou as costas e
gemeu em voz alta, e nesse instante esqueceu de tudo, mas esse
momento de prazer, esse instante de pura sensação, apagou a maldita
dor que o condenava. Se separou dela e deitou de costas. Não disse

312
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

nada durante um longo momento, não até que seu coração desacelerou
e soube que tinha outra vez o controle.
— Se chorar, é por que certamente te venci.
Ela tinha colocado o punho na boca. Se virou de lado, se
afastando.
Ele sabia que estava chorando, podia sentir seu tremor, mas
também sabia que estava tentando fazer silêncio, e, portanto, ignorou.
— Tomá-la-ei todas as noites, Zarabeth, cada noite, até que volte
para mim. Não vou aceitar isso. Deverá me aceitar outra vez.
Ela sentiu a umidade dele em suas coxas. Isso alimentou a dor
que sentia por dentro, e deu mais uma razão para permanecer imersa
dentro de seu próprio vazio.
Magnus dormiu por fim. Quando chegaram os sonhos, foram
brilhantes, vivos e cheios de um feroz sentido de realismo. Viu seu filho,
em realidade viu Egill, o menino estava esfarrapado e sujo, mas estava
vivo. Viu que um homem o golpeava e sentiu o golpe, quando atingiu
no ombro do menino. Lançou um grito de raiva.
— Magnus, acorde! Acorde, você teve um pesadelo!
Estava tremendo, sua pele úmida e fria. Se ergueu. Sacudiu a
cabeça para esclarecer suas ideias. Sussurrou, enquanto agarrava os
braços de Zarabeth.
— Eu o vi, vi Egill, ele está vivo, estou seguro disso. Vi um homem
que o golpeava. Por Deus, vi-o, Zarabeth, foi muito claro e real.
Zarabeth observou suas feições na tênue luz do amanhecer. Um
sonho, e ele acreditava que era verdade? Tinha ouvido falar de tais
coisas. Os videntes tinham visões. Estava tremendo, e ela se aproximou
mais estreitamente contra ele, lhe dando todo o consolo que podia, sem
pensar, sem especular. Só reconhecia que ele a necessitava.

313
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Magnus exalou um profundo suspiro. Estava ali, na cama, com


Zarabeth a seu lado. Mas o sonho tinha sido tão sólido. Se afastou e se
levantou. Saiu da casa comunitária, nu, e se dirigiu ao templo.
Ali permaneceu até que o sol começou a brilhar no céu da manhã.
Não houve nenhuma resposta e seguia a tortura pelo o que tinha visto.
Horkel e Cyra se casaram nesse dia e deixaram Malek para voltar
para a pequena fazenda que Magnus tinha dado para Horkel em troca
de seus serviços.
Muitos dos homens de Magnus estavam morrendo de vontade de
navegar para comercializar, o verão estava sobre eles e não estava certo
permanecer aqui fazendo o trabalho dos escravos e das mulheres. Eles
queriam fazer fortuna.
Mas Magnus não queria deixar Zarabeth. Na noite seguinte
Ragnar bebeu mais do que o prudente e disse em voz alta.
— Nos tornamos débeis e caprichosos como as mulheres aqui!
Perdemos as longas horas do verão quando poderíamos ficar ricos e
mais ricos ainda. O que me diz Magnus? Uma rápida incursão ao Sul,
à desembocadura do Sena. Navegamos e tomamos o que queremos dos
povos ricos da costa. Estaremos em casa antes que chegue setembro e
seremos mais ricos do que somos agora.
Magnus não respondeu. Estava pensando em seu sonho. Não
tinha contado a nenhum de seus homens sobre ele, nem sequer ao
Horkel ou Tostig, mas pensava nisso sem cessar.
— Sim. — Disse Hakon. — Ou poderíamos ir negociar em Birka.
Temos muitas terrinas de pedra de sabão de boa qualidade.
Ragnar bebeu ainda mais. Não obteve resposta por parte de
Magnus e isso o enfureceu. Caminhou até onde estava Zarabeth
sentada com outras três mulheres, cortando ervilhas.

314
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sim, diga que vá, senhora, porque só fica por você, teme que
fuja. Ele pode trazer na volta ouro e prata e, Rollo pode fundi-lo para
te fazer todas as joias que possa desejar. Não é isso o que você quer?
Por Odin, me responda! Todos sabemos que não lhe dá nada!
Zarabeth levantou os olhos cansados para o homem ao que ainda
tinha aversão dela, simplesmente porque o tinha superado em astúcia.
— Não quero nada, Ragnar.
— Certamente que não quer Magnus. Sim, ouvi seu grito de
liberação, ontem à noite, porque eu ainda estava acordado aqui,
pensando, mas não ouvi nada de você, senhora, nem um som, nem
sequer o mais leve gemido, e antes... Ah, antes, a primeira vez que a
tomou, todos nós escutamos seus gritos, seus gemidos, uma grande
atuação para atrai-lo, tudo uma mentira, porque você é fria, uma
assassina que não sente nada por ele. Usou-o, me usou, e me fez de
tolo que era, igual a ele.
De repente Magnus estava ali, agarrando o ombro de Ragnar,
apertando mais e mais forte até que o homem gritou pela feroz dor.
— Como se atreve? — Disse Magnus, colocando Ragnar a poucos
centímetros de seu rosto. — Ela é minha esposa e se atreve a insultá-
la como se fosse uma escrava comum?
— Ela é uma assassina, e era uma escrava comum até que
escravizou você!
Magnus o golpeou, e Ragnar desabou como uma pedra.
Os outros homens estiveram de pé em um instante, agrupando-
se ao redor, falando todos de uma vez. Magnus ficou ao lado de Ragnar,
pensando enquanto esfregava os nódulos. Era meu amigo, apesar de
seus arrebatamentos e suas estupidezes, mas agora... Negou com a
cabeça. Agora não havia nada além de lutar. Nada fazia sentido. Nada.

315
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Tia Eldrid disse com voz azeda atrás deles.


— Eu quero que todos vocês vão para suas camas! Ficam
desagradáveis, me incomodam, todos vocês são idiotas bêbados!

Ele a tomou, rápido desta vez, em silêncio, porque estava


incomodado pelas palavras de Ragnar, e a selvageria ainda engrossava
o seu sangue. Quando terminou, se separou dela. Ignorou o difícil
puxão de sua carne, sabendo que a tinha machucado novamente, mas
não queria reconhecer a dor que ela tinha lhe causado.
Zarabeth ficou ali sentindo a umidade de sua semente em suas
coxas, sentindo a dor dentro dela, pensando na ira e a violência entre
Magnus e Ragnar. Sabia que eram amigos. Não queria que fossem
inimigos, não por causa dela. Disse:
— Me disseram que nunca esteve aqui durante os meses de verão,
que você vai comercializar e não retornava até no princípio do outono.
Não vou fugir se for esse o motivo que te retém aqui, Magnus, te juro
isso.
— Sei que não o faria, Zarabeth. Depois de tudo, aonde iria?
Voltaria para York? Retornaria com Keith e Toki? Talvez para ser
apanhada e executada por seu crime? Não, estou seguro de que não
iria de Malek. Eu sou um parvo, mas minha tolice tem alguns limites.
— Não, não te deixaria. Mas, Magnus, vou estar bem, se escolhe
ir comercializar.
Sentiu seu estômago se contorcendo pela ira e a frustração, e se
espalhou pela a sua voz, apesar de seus esforços.

316
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Deixa sua atuação de virtude e nobreza, Zarabeth, porque é


uma mentira com a qual não vai ganhar nada. Queres que vá, para que
não precise suportar que te toque!
Quando não respondeu, Magnus se virou rapidamente,
aproximando-se dela, agarrando os seus braços e puxando-a para o
seu peito.
— Não é verdade? Admita, Zarabeth, admite que me detesta e me
despreza. Provavelmente me mataria se tivesse a oportunidade de
escapar com vida.
Ele sacudiu-a novamente, e sua cabeça caiu para trás.
— Me responda, Zarabeth!
— Nunca matei ninguém em minha vida!
Ouviu fúria em sua voz e incitou ainda mais esta irritação nela,
uma vez que dava sentido a sua própria ira, não gostava desse vazio,
que o deixava débil e cambaleante, impróprio de um homem.
— Ah, não fez? Não assassinou Olav? Não colocou furtivamente
veneno em sua comida desde dia que se casaram? Me diga a verdade,
Zarabeth, matou-o porque a ideia de que a tomasse a adoecia? E ele
tinha todo o direito, já que era seu marido. Ou o matou por seus bens?
— Eu não o machuquei! Preocupava-me com ele, mesmo quando
ele era vilmente malvado! Foi Toki, juro isso por meu Deus cristão! Ela
o envenenou. Ela e Keith queriam tudo o que era de Olav, não eu.
Ele a soltou e a empurrou para trás. Estava de joelhos a seu lado,
com as mãos nas coxas.
— Então ainda há alguma paixão em você, se eu excitar a raiva o
suficiente.
Ela ficou ali olhando-o, sua mente doente de raiva.
— Você fez isso de propósito?

317
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele encolheu os ombros.


— Não sei, nem tampouco importa.
— Vai então, Magnus. Tem razão. Não quero que me toque.
Adoece-me.
Queria golpeá-la. Era poderoso, o sentimento de violência nele.
Em vez disso espalmou a mão sobre seu ventre.
— Me pergunto se um bebê cresce dentro de você agora.
Ela puxou seu pulso, tentando se liberar. Ele pegou a sua mão e
envolveu seus dedos ao redor de seu membro inchado.
Zarabeth conteve o fôlego. Todo seu corpo ficou imóvel. Ele sentiu
seus dedos se apertarem e gemeu pelo prazer que lhe produziu, todo o
tempo se perguntando o que aconteceria com sua mente, com a
esperança de que uma parte dela estivesse lhe respondendo.
— Não. — Sussurrou.
— Sim. — Ele disse, respirando com dificuldade agora. Tirou a
mão de seu sexo, juntou ambos pulsos com uma de suas mãos, e as
pôs sobre sua cabeça. — Eu a tomarei novamente, Zarabeth, porque
sou seu marido e me agrada fazê-lo. — Seus dedos estavam entre suas
coxas e os afundou nela, ainda estava sensível e molhada por sua
semente, e seus dedos exploraram e sondaram mais em seu interior.
Ela resistiu com seus quadris, e ele riu. Então soltou suas mãos
de repente e a puxou até os joelhos. Então a levantou, envolvendo suas
pernas dos lados do seu corpo e tentando se aproximar do seu centro,
abraçou-a com força contra seu peito. Encontrou sua boca e afundou
sua língua profundamente quando se afundava em seu corpo.
Ele gemeu, quando sua liberação a atingiu tão rapidamente,
quase sem aviso, e a esmagou contra ele.

318
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele finalmente se calmou, mas continuou beijando seu ombro, o


seu pescoço, saboreando o aroma dela, o calor de sua pele, em sua
mente marcada a fogo a imagem da argola de ferro que tinha a obrigado
a usar. Esfregou seu peito contra seus seios, sentiu que seu coração se
enchia novamente com os sentimentos que o embargavam. Sabia que
a amava. Aceitava agora, rezando para que toda a dor em suas vidas se
aliviasse com o passar do tempo, orando para que chegasse o momento
em que ela o perdoasse e perdoasse a si mesma por estar viva quando
Lotti estava morta.
Ela estava mole contra ele, sua bochecha apoiada em seu ombro.
Ele sentiu as lágrimas quentes sobre sua pele. Soltou suas pernas
e gentilmente a deitou de costas. Ele ainda estava dentro dela, mais
profundo agora enquanto empurrava para frente. Inclinando-se sobre
os cotovelos.
— Por que você chora? Eu não te machuquei, não desta vez,
porque estava molhada. Por que, Zarabeth?
Ela o olhou.
— É muito, Magnus, e não posso suportar.
— E se disser que te entendo, acreditaria em mim?
Ela sentiu a força de suas palavras empurrando o vazio com que
enchia a si mesma. Assustava-a.
— Eu gostaria que fosse embora. Os Vikings saem para matar e
fazer incursões nos meses de verão. Você não se ocupou disso.
Foi muito dura desta vez, suas palavras o enfureceram, pulsando
através dele, esquentando seu sangue e sua ira. Ele a tomou
violentamente, até que encontrou a sua liberação novamente. Quando
saiu dela, disse.

319
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Eu levarei meus homens e iremos navegar depois da reunião


do conselho. Use sua dor como símbolo de orgulho, Zarabeth, alardeie,
e deixe que saibam que sofre, imensamente, e que todos ao seu redor
respeitem isso, caso contrário, se volte contra eles. E quando chorar de
autocompaixão, me faça um favor… se afogue nelas.

320
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

21
Magnus e três de seus homens partiram quatro dias depois para
a reunião do conselho, que se realizaria perto de Kaupang, no vale
pertencente ao rei Harald. Não foram no Vento do mar, já que estavam
substituindo os remos que se perderam e efetuando reparações.
Zarabeth o viu montar seu cavalo, Thorgell, uma enorme besta
criada pelo pai de Magnus. O escravo que segurava as rédeas,
subitamente as deixou cair, quando Magnus apareceu e Thorgell saltou
para o lado, depois se levantou sobre suas patas traseiras. Magnus riu
e deu uma tapinha no pescoço da grande besta, montou e apertou as
coxas ao redor do ventre do cavalo. Ele estava bonito com sua longa
túnica de lã lavanda sobre as calças marrom escura. As botas de couro
marrom chegavam aos joelhos. Um largo cinturão tachonado de prata
e ouro se ajustava ao redor de sua cintura. Seu cabelo loiro brilhava ao
sol da manhã, e nessa luz brilhante suas feições pareciam tão puras,
que para Zarabeth doía olhá-lo.
Ela se virou, cansada, triste e sozinha, por ser estúpida, porque
tinha querido que ele fosse embora, acima de tudo para ficar com sua
dor e seu vazio.
Ele gritou o seu nome. Se virou, e o viu cavalgar até ela. No
momento seguinte, ele se inclinou, levantou-a e a sentou na sela diante
dele. Thorgell dançou para o lado, e Magnus apenas riu. Beijou-a com

321
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

força, e a soltou. Zarabeth o seguiu com o olhar, até que desapareceu


da sua visão.
Trabalhou e trabalhou mais duro ainda, esperando que se
esgotando, o sono seria mais fácil de conciliar na noite. Mais não foi
assim, ficou olhando o teto com vigas, em silencio na penumbra da
noite de verão, desejando paz.
Ao terceiro dia, saiu da casa comunitária alertada pelo grito de
um escravo. Era Helgi, acompanhado por seis homens, e estava
claramente aborrecida.
— Ingunn se foi!
Zarabeth a olhou, e ela disse outra vez.
— Ingunn se foi!
— Entre, Helgi.
Helgi viu sua irmã, Eldrid e se afastou rapidamente, com a mão
na manga de Zarabeth.
— Em algum momento, ontem à noite, ela escapou, isso, ou foi
sequestrada. Viu-a, Zarabeth? Ouviu algo sobre ela?
— Não, nada. Por que deixaria a sua casa?
— Orm Óttarsson. — O largo e atraente rosto de Helgi, estava
avermelhado pelo esforço, além de fúria. — Eu sabia que estava
mentindo quando assegurou a seu pai que lhe obedeceria, sabia porque
ela queria Orm e se negou acreditar que era um proscrito, um homem
sem honra! Por Thor, vai envergonhar a nossa família e a ela mesma.
— Onde está seu marido? — Zarabeth bateu na testa com a mão.
— Oh, ele está na reunião do conselho, como Magnus.
— Certamente Harald está no conselho! Ingunn esperou até este
momento, não é nenhuma parva, mas eu gostaria de dar uma surra

322
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

nessa menina até vê-la chorar aos meus pés! Ah, Zarabeth, então não
ouviu e nem viu nada sobre ela?
Zarabeth negou com a cabeça.
— Sinto muito, Helgi. Toma, bebe um pouco de cerveja, está recém
feita e fresca.
Zarabeth viu que Helgi olhava de esguelha para a sua irmã, uma
vez mais, logo desviou sua atenção.
— Quer permanecer aqui, Helgi? Podemos enviar uma mensagem
a seu marido e a Magnus. Ele me disse que não ficava mais que um dia
de distância.
— É uma boa moça, Zarabeth. — Helgi suspirou, com a fúria
marcada em seu rosto. — Não, vou voltar para casa. Talvez essa menina
estúpida tenha retornado, embora duvide. Suponho que o que foi feito,
feito está. — Se levantou, suspirando profundamente. Como se algo
tivesse passado pela sua mente, sorriu e disse. — Você está bem,
Zarabeth?
Zarabeth assentiu com a cabeça, rígida e desconfortável,
esperando as palavras que estavam por vir, e então Helgi disse, com
voz fria e sem emoção.
— O tempo diminuirá a dor, vai ver.
Zarabeth olhou à anciã e viu os olhos celestes de Magnus e disse
o que sentia em seu coração.
— Não, não acredito que vai. Há muita dor, e eu não sou o
suficientemente forte para deixar que diminua.
Helgi reconheceu sua sinceridade.
— Foram mudanças muito grandes para você em um tempo muito
curto, muita dor, muita incerteza. Não tem nada a ver com sua força
ou sua debilidade, Zarabeth. Mas te digo isto, filha, levará dor e pesar

323
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

até que se libere da culpa. Em realidade não pode começar a ser a


esposa de meu filho até que resolva isso. Agora, me diga, como está
Magnus com a perda de Egill?
— Sonhou que viu o Egill vivo, mas em uma espécie de cativeiro.
Helgi tocou o amuleto que levava ao redor do seu pescoço.
— Talvez. — Disse. — Talvez.
Depois de que Helgi e seus homens se foram, tia Eldrid chegou
onde estava Zarabeth de pé, olhando à distância, a nada em particular,
e disse.
— É estranho esta história sobre Ingunn, quero dizer, Ingunn não
é estúpida. Pelo menos não era estúpida até você chegar, então se
converteu em uma criatura vingativa, eu já não podia reconhecê-la.
Normalmente, Ingunn sempre agia por uma razão. Não, minha querida
irmã não conhece sua filha, embora acredito que sim. É estranho.
Não disse mais nada, inclusive quando Zarabeth a interrogou.
Velha amargura, pensou, e foi preparar alguns nabos para assar junto
aos arenques recém pescados no Viksfjord.
No dia seguinte, caiu uma chuva fria que deu um vislumbre do
inverno rigoroso. Zarabeth estremeceu, perguntando-se como seriam
os meses frios e escuros que certamente viriam. Como seria a vida
então? Observava o céu escuro sobre as montanhas. As águas do
Viksfjord agitadas e turbulentas. Se perguntou o que estaria fazendo
Magnus, o que estaria sentindo. Se surpreendeu por estar pensando
nele.
Zarabeth tinha a esperança de que estivesse cômodo e protegido
da chuva. Percebeu de que era um sentimento conjugal. De uma boa
esposa, pensou. Pelos deuses vikings, era uma parva.

324
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

A última hora da tarde deixou de chover e saiu o sol. Todo mundo


deu um suspiro de prazer e saiu da casa comunitária. Não se
preocuparam com os grandes atoleiros lamacentos que tinham ficado
no chão, tão dentro como fora da paliçada. Os servos saíram aos
campos, as mulheres lavaram a roupa em grandes tinas de madeira ao
lado da casa de banhos, e os meninos lutavam e gritavam e faziam as
tarefas que lhes tinham atribuído. O martelo de Rollo soava forte e duro
na ferraria. Eldrid girava o linho fino embolando em grossos rolos.
A normalidade havia retornado. Tudo parecia ir como deveria,
exceto que não era. De repente, como antes, Zarabeth não pôde
suportar, essas risadas de todos os dias, as brincadeiras comuns e a
conversas que a rodeava.
Atravessou os portões da paliçada e caminhou até a costa.
Ninguém disse nada. Aproximou-se da beira da água, ainda formava
redemoinhos, pela agitação turvas. Olhou o barco, aquele que Lotti
tinha saltado para salvar a Magnus e se sentiu vazia. Era uma
sensação estranha. Começou a caminhar pela beira da água, sem se
importar aonde ia. Simplesmente queria estar sozinha por um tempo.
De repente ouviu ladrar um cão e olhou. Ali, frente a ela, havia um
homem jovem, alto, de aparência agradável como Magnus, seu cabelo
era da cor trigo, sua pele morena, os olhos de um tom
surpreendentemente azul prata. Tinha uma espada sem apertar na
mão e não fez nada além de ficar olhando-a.
— Seu cabelo. — Disse finalmente. — Nunca antes tinha visto
uma cor assim, embora meus homens me falaram sobre isso. Vermelho
como o sangue, disseram.
Seu cabelo! Que tolice era essa? Ela olhou sua espada, logo olhou
para atrás, mas não viu ninguém mais. Parecia estar sozinho.

325
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Certamente não havia nenhuma razão para ter medo, pelo menos não
ainda.
— Quem é você?
Ele sorriu, deixando à mostra alguns dentes muito brancos. Era
um homem bonito, pensou sem emoção, ainda olhando sua espada. Se
perguntou se as pessoas no posto ao lado da paliçada, podiam vê-los,
e se for assim, o que fariam.
— Esperei por você, e a espera já se tornou tediosa. Teria atacado
Malek antes, mas realmente não quis. Só queria você, e agora parece
que os deuses a entregaram para mim. Duvidei dos meus próprios
olhos quando te vi sair da segurança da paliçada.
— Duvido que os deuses vikings, tenham algo ver com que eu
esteja aqui. Quem é você? Por que me quer?
— Não gosto que a língua de uma mulher seja tão estridente, nem
gosto das perguntas exigentes. — Deu um passo até ela, e Zarabeth
deu um passo atrás. Olhou à distância do portão da paliçada, se
perguntando se poderia escapar.
Ele disse.
— Não pode. Não é mais que uma mulher, por isso nunca poderia
vencer na corrida. Agora, gostaria de ver você mais de perto. Não vou
machucá-la. Não se mexa.
Ele se aproximou com a espada ainda em sua mão direita. Parou
na frente dela e, para sua surpresa, levantou sua longa trança na mão,
puxando-a para frente. Com movimentos rápidos, quase com raiva,
largou-a.
Passou os seus dedos pelo cabelo, logo envolveu a grossa trança
ao redor de sua mão e a esfregou contra sua bochecha.

326
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Não gosto de trança. Deve deixar o cabelo livre e solto. A


sensação é tão rica e vibrante como sua cor. Ah, e o aroma. Lavanda?
É muito estranha, tal como disse Ingunn. A cor verde de seus olhos
também é incomum. Nunca vi um verde tão puro e profundo, como o
musgo verde de um bosque iluminado por pequenos feixes de luz do
sol. Pergunto-me, se o resto de você é diferente também? — Ele sorriu
então e começou a rir. — É obvio, Ingunn nunca admitiu que é linda.
Ela te odeia, como sabe.
E então soube. Ah, sim, soube.
— É Orm Óttarsson, não é?
Ainda sorria.
— Ah, sua inteligência é maravilhosa. Minha fama precedeu. Sim,
sou Orm Óttarsson e você é Zarabeth, a esposa de Magnus.
— O que faz aqui? Não é seguro para você estar aqui. Inclusive
agora, suas maldades estão sendo discutidas no conselho.
— Vim para te levar para longe daqui, longe de Magnus
Haraldsson. Durante muito tempo estava ansiosa por isso, e é obvio
Ingunn não tem sentimentos de ternura por você. Me implorou
vingança. Ela quer você morta, para falar a verdade, mas nunca
admitiria isso. O que me pediu é vendê-la para algum Árabe em
Miklagard e assim obter um benefício considerado. — Ele tocou seu
queixo com os dedos. — Não acredito que fosse uma boa escrava,
embora não duvide que conseguiria muito ouro por você. Ainda usa o
colar de escrava que colocou Magnus? Não, vejo que já não tem. Deve
tê-lo incomodado muito, para que ele tenha humilhado assim.
— Sim. — Disse ela. — Mas não despertei sua ira. Não foi por
minha culpa.

327
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Não importa agora. Ele te perdoou e se casou com você. No


princípio não acreditei, pois Magnus é um homem tão orgulhoso e
inflexível como um carvalho. Quando éramos crianças, podia ser mais
tenaz, mais inflexível, que qualquer um de nós. Lembro de vê-lo pálido
de medo quando um javali se virou para ele, mas engoliu seu vômito o
enfrentou e matou à fera. Sim, um homem orgulhoso, Magnus. —
Estava-a olhando outra vez, esfregando o seu cabelo entre os dedos. —
Ingunn é tão orgulhosa como seu irmão, e pode ser desumana também,
sempre admirei isso nela.
— Ingunn não tem motivos para me odiar. Não fiz nada para ela.
Ele encolheu os ombros e disse.
— É uma criatura apaixonada cujo coração se sente ferido com
facilidade, e cuja mente muda facilmente de rumo, viu você como uma
ameaça, como a mulher que usurparia seu lugar, por essa razão se
propôs destruí-la. Não foi prudente com seus métodos, entretanto,
Magnus colocou você por cima de todos os outros, incluindo a rameira
da Cyra, mas Ingunn não percebeu, até que foi muito tarde para ela.
— Ela te disse todas essas coisas? Você sequestrou Ingunn, e está
na sua casa?
Ele começou a rir, sacudindo a cabeça.
— Helgi quer acreditar nisso, não duvide, mas não é tola e sabe
que Ingunn veio para mim livremente. Só enviei uma mensagem e ela
voou para mim.
— Magnus, seu pai, e muitos outros estão na reunião do conselho,
considerando a evidência de seus delitos. Deve ir embora da Noruega,
Orm. Ouvi dizer que muitos de seus compatriotas navegarão para o
Oeste, às terras descobertas e estabelecidas pelos vikings.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele assentiu com a cabeça, sorrindo como se fosse seu amigo, não
um homem de pé frente a ela com uma espada na mão.
— Tem razão, é obvio. Há pouco para mim aqui e agora. — Parecia
desconcertado. — Que estranho que uma das fêmeas Ingolfsson tenha
sobrevivido e agora esteja contando sobre minha violação? Eu tinha
pensado que estava bem morta como todo o resto do clã. Havia muito
ouro e prata ali, o homem que me disse isso, tinha razão. Tenho mais
que suficiente agora. — Ele olhou para a forte paliçada que protegia a
fazenda de Magnus. Logo olhou para Viksfjord, às montanhas mais à
frente.
— Mas esta é minha casa e me dói ser forçado a me afastar. Sim,
agora tenho a riqueza, mas não a terra.
— Ninguém te obrigou a matar, roubar e violar.
Olhou-a então, já sem sorriso em seu rosto.
— Não falo de meus atos com mulheres. Você não tem nem ideia
do que os impulsos podem levar um homem a fazer.
— Conheço o Magnus, e ele é mais homem que qualquer um que
conheci.
No momento em que as palavras saíram de sua boca, ficou imóvel,
pela a compreensão de seu significado, esquentou seu interior. Magnus
era amável e muito leal e realmente queria que se convertesse em sua
esposa. Tinha amado a Lotti e chorado a morte da menina. E tinha
perdido a seu próprio filho no mesmo dia... Ela se sentia pequena e
mesquinha. Não tinha dado nenhum consolo a ele, não tinha
proporcionado nenhuma atenção. Se afundou na autopiedade, e em
sua dor, fazendo caso omisso da dor de Magnus, egoistamente o tinha
afastado dela. Fechou os olhos um momento, desejando poder desfazer

329
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

tudo o que tinha feito, tudo o que havia dito e pensado, agora entendia.
Oh, sim, entendia que mentiu para ela e para ele.
— Acaso Magnus tomou sua virgindade?
Se inclinou para trás, com os olhos ainda nublados por seus
pensamentos, e logo suas palavras saíram limpas, levantou a vista até
o sinuoso caminho, e se viu correndo e correndo. Mas também viu sua
captura. O que aconteceria então? Não viu isso.
— Me responda, mulher! Foi Magnus quem tomou sua virgindade,
ou outro homem com quem esteve casada primeiro?
— Foi Magnus.
— Ingunn insultou você, chamou de rameira e vadia, mas
duvidava. Ela sempre insulta dessa maneira, inclusive quando grita
por causa do prazer que eu dou a ela. É estranho, mas não encontro
sentido nas suas atitudes. — Parou e olhou para cima, para a paliçada.
— Tem razão. Logo alguém perceberá de que saiu e talvez me veja aqui
falando contigo. Vamos agora, Zarabeth.
Ela se virou e correu.

A reunião do conselho tinha durado três dias. Harald foi quem


ordenou que as provas contra Orm fossem apresentadas. Mas foi a filha
de Ingolfsson, uma moça chamada Minin, com apenas doze anos de
idade, que levou o encontro a um clima quase histérico. Orm a tinha
violado e logo a jogou contra umas rochas, acreditando que estava
morta. Ela ficou sem consciência durante três dias. Falava com a voz
de uma menina trêmula, e cada homem viu sua própria filha em seu
lugar, cada homem sentiu tanta fúria que se sufocou nela.

330
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Orm foi proclamado proscrito. Teria que sair da Noruega, se eles


não o matassem antes, porque os homens do clã Ingolfsson queriam o
seu sangue.
Magnus se sentou frente a seu pai e seu irmão Mattias nessa
noite. Fazia calor, e ainda os banhava a penumbra da noite do verão.
— Quero ir para casa. — Disse Magnus.
Mattias sorriu para ele.
— Seu sangue ferve, Magnus, e a sede por sua esposa consome
você.
Magnus não disse nada. Estava vendo Zarabeth deitada sobre
suas costas debaixo dele, com os olhos fechados e os braços ao lado do
corpo, com os punhos apertando os lençóis, enquanto a tomava. Na
última noite, antes que ele partisse para o conselho, tinha-a tomado,
como havia dito que faria, e quando terminou, viu as lágrimas que
brotava de seus olhos fechados correndo por suas bochechas. Ela não
tinha emitido nenhum som. As lágrimas se limitaram a encharcar seu
cabelo. Por Thor, tinha odiado isso, a odiava a ela e odiou a si mesmo.
— Não, só quero sair daqui. — Disse Magnus. — Meus homens
querem fazer uma incursão, Ragnar me pediu isso, só uma pequena
incursão, para livrar os homens de seu aborrecimento e engordar seus
cofres, e aliviar um pouco os Monges ingleses do ouro e os ornamentos
de seus monastérios. — Suspirou. — Talvez deveríamos caçar Orm e
tomar todo o ouro que roubou.
Mattias disse com ar ausente.
— Toke Ingolfsson matará Orm, e é seu direito. — Olhou a seu
pai, que esfregava um músculo rígido em seu ombro. — Estou de
acordo com o Magnus. Terminamos com tudo isto, e amanhã vamos
para casa. Eu tenho minha própria noiva, que devo manter feliz.

331
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Harald grunhiu, logo fez uma careta quando Magnus começou a


massagear os músculos rígidos em seu ombro.
— Glyda não é uma noiva, é uma esposa, e só Freya sabe por que
ela se preocupa mais com você do que merece. É um arminho 14 no cio
e a pobre moça sofre constantemente com seu manuseio.
Mattias riu e massageou o outro ombro de seu pai.
— Eu? Um arminho no cio? Glyda é o arminho, pai, que se deita
a meu lado da cama e me olha com aqueles olhos de gata.
Magnus escutava pela metade suas brincadeiras. Pensava em
Zarabeth, e se preocupava com ela. Não queria fazer isso, mas fazia.
Outros homens se uniram a eles, e Magnus se afastou, com vontade de
estar sozinho. Ele sentia uma dor desde o dia que Lotti e Egill tinham
morrido, ferido por dentro, onde ninguém poderia ver. Ele se dirigiu à
margem do acampamento e voltou a olhar a multidão de tendas e as
fogueiras cuspindo fumaça no ar. Virou para olhar as montanhas
cobertas de neve na distância. Tinha sonhado outra vez com seu filho,
e Egill apareceu da mesma maneira, esfarrapado e sujo. Odiava este
sonho imperdoável, porque era um homem realista e este sonho, ou o
que fosse, perturbava-o profundamente. Não, seu filho estava morto,
igualmente a Lotti. Tinha que aceitar isso, porque se não, como poderia
esperar que Zarabeth fizesse isso?
Queria voltar para Malek.
Tinha que vê-la novamente.

Orm a agarrou em meia dúzia de passos. Agarrou-a pela cintura


e a arrastou, com suas costas apoiada contra ele, e a segurou ali, rindo,

332
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

pressionando o rosto contra a parte de trás de sua cabeça. Então, sem


advertência, virou-a e deu uma bofetada.
Não muito forte, só o suficiente para fazer arder a pele e deixar a
marca de sua mão na sua bochecha. Só o suficiente para que ela o
temesse.
— Uma amostra de punição. — Disse, com o rosto muito perto do
dela. Estava estudando sua expressão, olhando-a de perto, com a
esperança de ver lágrimas em seus olhos. Não havia nenhuma, e teve
a tentação de golpeá-la novamente, mas não o fez. Era suficiente por
agora. — Não me deu outra opção. Não seja tola, Zarabeth, do contrário
vou ter que te dar mais que uma simples amostra de dor.
Mas não pôde evitar. Ela deu um murro na barriga, e logo
começou a lutar contra ele, tentou arranhar o seu rosto com as unhas,
e finalmente ele grunhiu com desgosto e deu um murro no seu queixo.
Zarabeth desabou contra ele, inconsciente. Quando a levantou por
cima de seu ombro, olhou para cima para ver se alguém da fazenda
estava olhando. Não viu ninguém.
Levava a espada na mão direita e colocou a esquerda sobre suas
nádegas para mantê-la firme sobre seu ombro.
Quando chegou ao bosque de pinheiros, a uns cinquenta metros
da costa, um de seus homens saiu.
— Por Odin, olhe esse cabelo, essa cor é mágica. Me deixe tocá-lo.
— Não. — Disse Orm. — Vamos sair daqui. Se nos apressamos,
estaremos no acampamento antes da noite.

— Foi embora. — Disse Eldrid novamente.

333
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Magnus negando com a cabeça. Não, não podia ser verdade.


— Faz dois dias. Simplesmente desapareceu. Foi depois de uma
tormenta, saiu pela paliçada e ninguém a viu novamente. Estou muito
fraca para isso, Magnus. A moça estava triste e ferida. Deixa-a em paz.
Talvez retorne por sua conta.
Magnus queria golpear à anciã. Girou sobre seus calcanhares e
procurou Hollvard, o ancião que tinha estado vigiando os portões da
paliçada de Malek durante duas décadas.
— Sim, Magnus, a vi sair, com a cabeça baixa, envolvida
profundamente em seus pensamentos, lembro de ter pensado nisso.
Tinha chovido tão forte que todos estavam chateados com outros, todos
nós queríamos estar fora, e assim saiu da paliçada e se dirigiu pelo
caminho para a água.
— Não levava nada com ela?
Hollvard negou com a cabeça.
— Então, alguém poderia tê-la levado a força.
— Sim, talvez.
Ouviu a dúvida na voz do ancião. Hollvard acreditava, igualmente
a todo o resto de seu povo, que tinha se matado ou simplesmente se
afastou para o bosque, para ser devorada pelas feras. Magnus não
acreditou nisso nem por um minuto. Zarabeth era uma lutadora. Não
destruiria a si mesma.
Chamou a todos seus homens, e começou uma nova busca.
Nenhum deles disse nada, simplesmente a buscaram como tinham
feito com Egill. Foi Ragnar quem encontrou um pedaço irregular de seu
vestido em um arbusto a uns vinte metros no bosque de pinheiros.
Magnus estudou o pedaço do tecido e a altura do arbusto.

334
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Estava sendo conduzida. — Disse finalmente de pé. — Sobre o


ombro de um homem, um homem quase de minha altura. Ela foi
raptada de Malek. — Queria gritar pelo alívio que sentia ante a sua
descoberta, mas o sufocou rapidamente.
Tinha sido raptada. Por quem? Estaria ainda viva?
Eines, um pequeno homem que era um rastreador excelente,
adiantou-se.
— Por aqui Magnus! Ainda há rastros, vagos, mas suficientes para
mim. Graças a Odin, não choveu desde aquele dia.
Eines, pensou Magnus, caminhando a um passo atrás dele, não
tinha falta de presunção. Rezou porque o homem estivesse correto e
não alardeasse só para se fazer ouvir. Chegaram ao acampamento ao
final do dia. Tinha sido abandonado, conforme declarou Eines, uns dois
dias antes.
— O que fazemos agora, Magnus?
Ele se virou para o Ragnar.
— Nos armaremos e nos prepararemos para agir com sigilo e
astúcia. Eu sei quem a levou e vou matar o bastardo.

335
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

22
Zarabeth sentiu uma bofetada na bochecha, e logo um pouco de
água fria no rosto. Protestou pelo tratamento e abriu os olhos.
Ingunn estava ajoelhada a seu lado, com uma taça de madeira
vazia em suas mãos.
— Pelo visto, não está morta. Orm estava preocupado por ter
golpeado muito forte. Mas eu disse que te faria despertar muito rápido.
Zarabeth não disse nada. Ingunn se sentou sobre aos seus
calcanhares, com os olhos entrecerrados logo que Orm se aproximou
delas. Ele se inclinou e segurou o rosto de Zarabeth entre suas mãos,
estudando o hematoma em seu queixo. Seu toque era suave enquanto
acariciava seu rosto, agora de cor amarela.
— Eu não tinha intenção de te golpear muito duro. Você esteve
inconsciente durante muito tempo. — Então ele sorriu. — Não deve
lutar comigo novamente, não é? — Uma vez mais ele tocou o seu
queixo. Não teve nenhum cuidado desta vez.
A dor repercutiu em seu rosto, mas ela não fez o menor gesto.
Olhou ao homem que a tinha raptado de Malek.
— Onde estamos?
Sorriu amplamente, mas não era um sorriso agradável. Ela se
preparou para outro golpe, mas não a tocou.

336
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Já te disse isso antes, eu não gosto das perguntas


impertinentes, em particular se provierem de uma mulher.
— Eu não sou impertinente. Simplesmente estou questionando.
— Ela está burlando de mim, mas vou perdoar sua imprudência
de momento. — Orm sorriu a Ingunn, cujo rosto estava tenso. Disse
para Zarabeth. — Não tão longe de Malek. Não, tão longe. Agora que
está acordada, vai ser mais fácil. Devemos partir logo. Ingunn, faça com
que te obedeça.
Orm tocou o cabelo de Zarabeth, com um olhar tão decidido que
a assustou. Logo se levantou, com as mãos em seus quadris, olhando-
a.
— Mostrará as suas tarefas agora.
— Se levante.
Havia veneno na voz de Ingunn, e triunfo também. Zarabeth ficou
de pé, o movimento enviou onda de dor para a sua mandíbula. Esfregou
suavemente, abriu e fechou a boca várias vezes. Sua mandíbula não
estava quebrada, graças a seu Deus cristão e aos deuses vikings
também.
— Não receberá nenhuma compaixão de minha parte, Zarabeth,
então não tente seus truques estúpidos. — Ingunn se aproximou mais.
— Eu te disse que devolveria o que você fez comigo. Disse que faria se
arrepender pelo o que fez, e aqui está. Agora, vai cuidar destas coisas.
— Lançou vários pacotes para ela. Zarabeth os recolheu. Eram
pesados. Orm a chamou então, e ela acomodou os pacotes em seus
braços.
Só dois deles partiam caminhando, uma mulher mais velha e ela
mesma. Orm, Ingunn e seus dois homens montavam seus cavalos. Ela
se perguntou quem era a mulher, mas manteve a cabeça baixa evitando

337
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

o olhar de Zarabeth, como se estivesse com medo. Quem quer que


fosse, a mulher parecia ser uma escrava capturada, igualmente como
ela. Inconscientemente Zarabeth tocou com os dedos sua garganta
onde o colar de ferro tinha estado uma vez. Fechou os olhos um
momento e imaginou Magnus em sua mente. Ele a encontraria.
Viria para resgatá-la. Se ainda se preocupava um pouco por sua
esposa.
A menos que todas as pessoas de Malek o tivessem convencido de
que tinha fugido ou que tinha se matado. Vieram na mente as
lembranças de sua última noite com Magnus. Quando a tinha tomado,
ele havia dito uma e outra vez que odiava o que estava lhe fazendo, que
odiava por obrigá-la a se submeter, e tinha chorado, sabendo que ele a
estava olhando, vendo as lágrimas, mas sem escutar nenhum som, e a
tinha tomado com mais violência, para demonstrar que não sentia
nada, o que fazia não significava nada para ele. Então, na manhã
seguinte, quando estava partindo, tinha afastado o olhar dele, inclusive
depois de que tinha beijado na frente de seus homens, rindo enquanto
se afastava.
Com dois deles caminhando, o ritmo era lento. Finalmente Orm
fez um alto. Chamou um dos dois homens, Kol, e ordenou que levasse
a outra mulher em seu cavalo. Orm montou Zarabeth no seu, na frente
dele.
Ingunn cavalgava perto.
— Que monte meu cavalo, Orm! Eu irei contigo. Isto não está
certo, uma escrava não deve ser tratada tão delicadamente.
— Eu acredito que dar a sua própria montaria seria tratá-la mais
delicadamente.

338
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ingunn mordeu o seu lábio inferior, procurando freneticamente


algo que dizer para que mudasse de opinião. Zarabeth estava
notavelmente silenciosa. Viu como aceitava a mão de Orm, como se
segurava nos seus musculosos braços enquanto a acomodava na frente
dele. Logo a abraçou contra seu peito, com seus braços ao redor dela,
segurando as rédeas do cavalo. Ingunn sentia grande fúria, um
profundo veneno em seu interior. Desejou ter uma adaga, certamente
a cravaria nas costelas da cadela.
— Ingunn!
Ela tragou a sua ira e aproximou sua égua ao lado de seu cavalo.
— Sim?
— Quero saber mais sobre esta escrava com cabelo vermelho e
nome estranho. Chamou-a de vadia e rameira e disse que tinha
enfeitiçado a seu irmão. Por que?
— Meu irmão queria se casar com ela, mas ela o traiu. Rechaçou-
o para se casar com um homem velho que era mais rico que Magnus.
Então, logo depois das bodas, envenenou-o lentamente. Não é de
confiança. É uma bruxa, com muitos truques.
— Eu não confio em ninguém, nem homem nem mulher, assim
estou seguro. Quanto a seus truques, bem, me acha tolo, Ingunn?
Ela o olhou estupidamente por um momento, e logo viu que seus
olhos se obscureceram, tornando quase negros. Rapidamente, porque
de repente teve medo, negou com a cabeça.
— Diga. — Ele disse.
— Não, não é tolo, Orm.
— Bem. Agrada-me quando é obediente, Ingunn.
Seus olhos se iluminaram, e a selvageria fugiu deles com a mesma
rapidez com que tinha aparecido. Ingunn recordou a breve conversa

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

que tinha tido com ele, antes que fosse raptar a Zarabeth. Então disse
com voz trêmula.
— Talvez eu seja uma parva. — No instante em que as palavras
saíram de sua boca, se odiou por ter dito.
— O que quer dizer?
— Eu vim até você, porque acreditava que me amava. Deixei a
fazenda de meus pais para me unir a você.
— E agora você mudou a forma de pensar? É tola, Ingunn. Vai ser
minha esposa, não duvide.
Então, disse.
— O que vai fazer com ela?
— Ainda tenho que decidir.
Ingunn não disse mais nada. Observou Zarabeth, esse cabelo
vermelho selvagem solto por suas costas, e sentiu um rancor familiar
em sua barriga. Ainda teria sua vingança. Orm era um homem, e não
devia esquecer as debilidades de um homem. Magnus tinha sucumbido
a esta mulher e substituído a sua própria irmã, muito rapidamente por
ela.
Orm estava falando novamente, mas para Zarabeth.
— Sua mandíbula ainda dói?
— Não.
— Excelente. Parece uma mulher forte, e isso me agrada. Agora,
me diga, o que imagina, que Magnus vai fazer quando retornar para
Malek e sentir sua falta?
— Virá atrás de você e matá-lo.
Ingunn riu de suas palavras.
— Ah! Todos dirão que você fugiu dele, ou que saltou do Viksfjord
como essa idiota de sua irmãzinha.

340
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Zarabeth virou para olhar Ingunn, seu rosto vermelho de dor e


raiva.
— Disse a você que nunca mais falasse de Lotti dessa maneira.
— E o que vai fazer a respeito, vadia?
Zarabeth tentou se jogar do cavalo sobre Ingunn. Orm foi pego de
surpresa e quase não pôde agarrá-la a tempo. Ela ficou vermelha e
ofegou pela fúria, não pelo medo.
— Não se mova mais, ou te machucarei novamente!
— Minha irmã pequena não é…
— Era, Zarabeth, era! Está morta!
— Tão morta como Egill! Você faz chacota dele, Ingunn?
Ingunn disse quase sem fôlego.
— Não fale de Egill. Era um bom moço, o herdeiro de Magnus, não
uma pequena escrava patética sem laços de sangue com ele, nem com
nenhum de nós.
Uma vez mais Zarabeth tentou se liberar de Orm e se jogar sobre
em Ingunn. Orm a abraçou. Observou, sua expressão zombadora,
quando Ingunn pôs sua égua a certa distância.
— Uma escrava não deve ter reações tão passionais. — Disse, com
seu fôlego quente na bochecha de Zarabeth, e envolveu uma de suas
tranças ao redor de sua mão até que foi puxando sua cabeça para trás
contra seu peito. — Agora, fica em silêncio. Temos um longo caminho
por percorrer, antes de chegar ao acampamento.
Ingunn se manteve na distância.
Orm fez um alto para passar a noite quando chegaram a um
pequeno bosque de pinheiros, oculto à vista de qualquer um na base
de uma montanha coberta de neve.

341
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Em um ou dois dias chegaremos ao golfo de Oslo onde está meu


navio, Fogo Selvagem.
Zarabeth estava desesperada por saber em que direção
navegariam, mas manteve a boca fechada. Percebeu,
desesperadamente, que tinha medo dele e que tinha que agir com muita
cautela. Não podia prever o que ia fazer, como ia reagir. Ele ordenou
recolher a lenha. O homem Kol ficou com ela, sem fazendo nada além
de observá-la. Era moreno com seu rosto marcado de varíola, e sempre
estava em silêncio, inclusive quando caminhava, de modo que ela,
sempre precisava olhar sobre seu ombro para ver onde estava. Não
tentou tocá-la, simplesmente a olhava, com esse olhar desprovido de
tudo e isso a fez querer gritar.
Não percebeu de como faminta estava até que Orm entregou um
pedaço de coelho assado. Estava delicioso, inclusive a pele chamuscada
por excesso de cozimento. Desejava mais.
Orm trouxe outro pedaço e o pôs fora de seu alcance.
— O que me dará por isso?
Sua voz era suave e de zombadora, nada que ver com a voz de um
assassino violento. Ele ficou de pé na frente dela, com suas pernas
abertas, e agitou a parte do coelho ante seu rosto.
— Não tenho nada para te dar.
— Talvez não. — Disse, e para sua surpresa, ele entregou o outro
pedaço. Seu estômago saciou e logo o cansaço se apoderou dela. Esteve
dormindo em questão de minutos.
Orm se aproximou. Ela havia adormecido, com as pernas
encolhidas, e a bochecha apoiada na palma de sua mão.
Pegou uma manta e a cobriu. Levantou a vista e encontrou com o
olhar de Ingunn.

342
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Venha, Ingunn. — Disse, e se levantou, estendendo sua mão.


Ela se ruborizou, porque tinha falado em um tom de voz sensual,
e Kol e Bein se olharam. Ambos sabiam o que se propunham fazerem.
Sentia vergonha do uso descarado de seu corpo, sendo que ainda não
era sua esposa. Entretanto, o que outra coisa podia fazer? Tinha vindo
até ele, confiando nele, e se parasse de confiar nele, não teria nada.
Levantou-se, pretendendo arrumar a saia de seu vestido, fingindo
que eles iriam dar um passeio, talvez para falar de seu futuro juntos.
Ouviu uma risada de homem. Era Bein, e o odiava pela forma em
que a olhava quando caminhava e como cuspiu no chão quando passou
a seu lado.
— Como você gostaria que te possua, Ingunn?
— Eles estão escutando! Não diga essas coisas!
Orm riu, olhando a seus dois homens, e olhando à outra mulher,
que era uma criatura patética, a puxou para si e a beijou
profundamente. Então, empurrou-a para trás, segurando-a com um
braço, e deixou que seus dedos acariciassem seu pescoço para baixo
até que suas mãos roçaram os seus seios.
Ela gritou mortificada, e ele riu, soltando-a. Ingunn saiu correndo
do acampamento, sabendo o que ia acontecer, sabendo que nem sequer
levaria uma manta suave, empurrá-la-ia contra uma árvore e
levantaria de um puxão o seu vestido. Era a forma como a castigava.
Tinha feito várias vezes, quando pensava que seu discurso ante ele era
pouco feminino.
Empurrou-a contra uma árvore nesta ocasião também, e ela
chorou em silencio durante os longos minutos que ele passou
grunhindo e enterrando-se em seu corpo. Quando terminou, ela baixou
o seu vestido e desejou estar morta.

343
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Deve se banhar, Ingunn, sua doce essência de mulher se foi.


Gosto de meu aroma em você, não do suor do cavalo.
Assentiu com a cabeça, afastando-se dele, sem dizer nada, porque
não havia nada mais o que dizer.
Ela dormiu finalmente, apenas para despertar quando o sentiu
apertando-se contra suas costas.
— Silêncio. — Ele disse, e a beijou na orelha. — Me perdoe,
Ingunn. Machuquei você e isso me põe furioso, mas te recompensarei
agora.
Sentiu sua mão debaixo de seu vestido, se movendo para cima,
ela queria se afastar dele, gritar para que a deixasse sozinha, mas então
a tocou e ela fechou os olhos, e deixou que o prazer crescesse em seu
interior. Gemeu suavemente, com o punho contra sua boca quando
explodiu, e o ouviu rir em voz baixa em seu ouvido.
— Não. — Disse. — Agora não parece ofendida. Está satisfeita,
não? Quero que me agradeça isso, Ingunn.
Ela sussurrou seu agradecimento. Orm riu novamente e se foi.
Na manhã seguinte, Ingunn chutou Zarabeth nas costelas.
— Uma escrava não dorme enquanto sua senhora trabalha. Se
levante e recolhe mais lenha, e faça isso rápido, Zarabeth.
Ela fez o que mandou, seu companheiro era o mesmo que na noite
anterior. Kol parecia áspero esta manhã, com o rosto marcado de
varíola parecia ainda mais feio hoje. Entretanto, permaneceu em
silêncio, sem fazer nenhum movimento para ela, só a observando.
Orm deixou que as duas escravas caminhassem durante três
horas antes de fazer uma breve parada. Levou Zarabeth em seu cavalo
diante dele outra vez. Ingunn não disse nada. Ele a chamou.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— A mulher precisa se banhar. Ela fede, não a homens, mas o


aroma de cavalo é forte. Vamos parar no pequeno lago que se encontra
ao Leste.
Kol disse.
— Mas isso está longe do golfo, Orm! Não deseja se afastar quanto
antes daqui? Todos nós somos proscritos agora. O conselho não terá
chegado a outra conclusão, não com essa menina tola falando contra
nós. — Kol olhou para Ingunn. — Sim, seu pai estará orgulhoso por ter
reunido todos contra nós, todos nós sabemos!
— Ninguém nos seguiu até o momento. Não se preocupe, Kol,
porque eu sou o seu chefe e não cometerei nenhum erro.
O homem cuspiu no chão perto da égua de Ingunn.
— Você a trouxe, não? Vai se casar com ela!
Os olhos de Orm se estreitaram. Então, para assombro de
Zarabeth, riu.
— Escutem, vocês dois. Sim, Bein, vejo as mesmas dúvidas em
seu rosto feio. Sim, tenho à filha de Harald aqui, mas apenas porque
com ela no meio de nós, não se atreveria a nos atacar. Acaso nenhum
de vocês tem bom senso? Ela é uma refém magnífica!
Ingunn ofegou em voz alta.
— Não, minta! Eu vim até você, porque acreditava que era
inocente.
— Ah, mas não sou, Ingunn.
Sua voz era muito suave, terrivelmente suave. Ingunn ficou
pálida, com os olhos dilatados. Zarabeth sentiu uma quebra de onda
de piedade por ela, e um medo crescente de Orm.
Então Orm riu novamente.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Não sou um monstro, Ingunn. Não fiz nada absolutamente.


Estava colocando você a prova. Kol ouviu que um ancião contava que
uma das filhas de Ingolfsson disse que nós fomos culpados. Ela mentiu.
Todos vocês, me escutem agora. Esta mulher bela, Ingunn, filha de
Harald, será minha esposa, porque eu a amo muito, e todos nós
sairemos desta terra fria e viajaremos para o Oeste. Nós nos
instalaremos em Danelaw e compraremos terras com todo o ouro e a
prata que obtivemos mediante ao nosso comércio.
Bein e Kol falaram em voz baixa de um ao outro. Zarabeth se
sentiu atordoada. Ele era sinuoso, sua língua hábil e tinha medo. A cor
tinha retornado às bochechas de Ingunn, e agora estava sorrindo, sob
o encanto de Orm outra vez.
Tenho que escapar, pensava Zarabeth uma e outra vez enquanto
passavam as horas da tarde. Tenho que escapar. Orm a mataria, depois
riria e negaria inclusive com o seu sangue seco em suas mãos.
Nessa noite, quando se detiveram para acampar, Zarabeth foi
enviada novamente a recolher lenha, Kol seu companheiro, grunhiu,
assinalando os ramos que estavam no chão. Não estava disposto a
ajudar, simplesmente a observá-la.
Finalmente disse, sabendo que tinha chegado o momento.
— Devo ficar sozinha por um momento... Apenas por um
momento.
Ele a olhou, sem expressão alguma em seu rosto.
— Vou estar olhando para você. — Disse, e cruzou os braços sobre
o peito.
Ela desprezou várias ideias durante um momento. Finalmente,
encolheu os ombros, olhou além dele, e seus olhos se arregalaram
assombrados. Quando ela se virou, levantou a saia de seu vestido e

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

correu o mais rápido que pôde pelo bosque de pinheiros, agachando


atrás de um arbusto no último momento. Não havia ruídos de passos
no mato, porque Kol era silencioso como um animal. Sentiu o terror
escondido sobre ela. Onde estava?
De repente ouviu ele gritar.
— Mulher, espera! Venha aqui, me ouve? — Fez uma pausa e
prendeu a respiração, porque não estava mais que alguns metros de
distância. — Orm ficará muito aborrecido com você. Ele vai te punir!
Seus castigos não são agradáveis. Poderia quebrar a sua mandíbula
desta vez. Venha aqui agora mesmo!
Estava mais perto, se movendo em silêncio. Pareceu que podia
ouvir sua respiração. Fechou os olhos, se apertando mais contra a
casca de uma árvore. Estava dizendo outra vez.
— Não vai escapar, mulher. Venha agora, e não me zangarei com
você.
Não se moveu. Mas estava pronta para escapar, e de repente
estava ali, rodeando a árvore, com seus movimentos sigilosos, seus
passos silenciosos. Viu-a e recuou para trás, mas não a tempo. Lançou
uma pedra com todas suas forças contra sua barriga. Kol uivou, caindo
para frente, e quando o fez, Zarabeth levantou essa mesma pedra e o
golpeou uma e outra vez na cabeça. Caiu sem emitir nenhum som.
Agora está silencioso, pensou.
Estava livre. Por um momento, não pôde acreditar. Ficou de pé
sobre Kol, ofegando, agradecendo essa bendita rocha. Tinha visto a
rocha e imaginou golpeá-lo com ela, mas o fato de havê-lo obtido
realmente a deixou momentaneamente sem fala. Rapidamente se
ajoelhou a seu lado e tomou sua faca. Logo saiu correndo pelo bosque,
sabendo que a fileira de pinheiros diminuía rapidamente. Em muito

347
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

pouco minutos iria saíra em um longo prado. Estaria à vista de Orm e


Bein. Ah, mas as árvores do outro lado da pradaria estavam tão perto,
poderia fazer isso, se tão somente pudesse correr o suficientemente
rápido.

Magnus desmontou e se esticou. Acariciou o pescoço de Thorgell,


logo se inclinou para baixo com Eines para comprovar os rastros.
— Estamos perto, Magnus.
Magnus grunhiu.
— Dois dos cavalos estão levando duas pessoas. Eu diria que um
homem e uma mulher em cada um dos cavalos.
Magnus imaginou Orm montando com Zarabeth diante dele.
Quem seria a outra mulher? Ingunn?
— O outro cavalo leva só uma mulher.
Ingunn, pensou. Tinha que ser. Quem era a outra mulher?
— Então. — Disse — Temos três homens e três mulheres.
— Sim, está certo.
Magnus se levantou e olhou para o horizonte.
— Viaja para Golfo de Oslo. Aposto que tem um navio ali,
esperando por ele, e aposto que está muito bem abastecido. Seguro,
planeja sair da Noruega.
Ragnar se aproximou dele.
— Que tempo têm as pistas?
Eines negou com a cabeça.
Mas Magnus sabia.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Eles chegarão no golfo e embarcaram no navio antes que


possamos capturá-los.
— Viajam com ele por vontade própria?
Magnus se virou para Ragnar, dizendo em voz baixa.
— Eu sei que você não gosta dela. Mas a razão de seu desgosto é
uma tolice, Ragnar. Aproveitou-se de você, sim, e isso não estava certo,
porque tinha chegado a se compadecer dela, e talvez por confiar um
pouco, mas não é má. Estava aterrorizada por Lotti. Só podia pensar
em salvar a sua irmã pequena. Esquece sua aversão, não quero me
desfazer de um homem que foi como um irmão durante tantos anos.
O rosto de Ragnar era imutável.
— Não teria feito o mesmo se tivesse sido sua irmã quem estava
em perigo? Tê-la-ia matado, verdade? Sem sequer pensar nisso. Ela
não queria machucá-lo, só escapar.
— Ela é uma mulher.
Magnus riu disso.
— Sim, é, e é minha esposa. Faz as pazes com ela.
— Não acredito que a encontraremos para poder fazer as pazes,
Magnus. — Se virou e colocou as mãos nos ombros de seu amigo. —
Você mesmo o disse, Orm chegará a seu navio antes que possamos
alcançá-los.
Magnus diminuiu a importância.
— Vamos.
Mas sabia que deviam retornar e terminar as reparações dos
remos do Vento do mar. Mas algo fez apressar Thorgell. Cavalgou até o
topo do golfo.
Os cavalos estavam soprando fortemente quando finalmente
Magnus deu a ordem de deter-se. Eram seis homens duros, todos

349
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

guerreiros experientes, armados e preparados para lutar. Por Thor,


queria Orm. Queria matá-lo. Não importava que Ingolfsson tivesse uma
demanda prévia. Orm tinha Zarabeth.
Levantou a vista para o céu escurecido pelas nuvens. Tudo estava
tranquilo, mas seus pensamentos gritavam dentro da sua cabeça. Seu
filho, Lotti, e agora Zarabeth. O que pecado tão grave tinha cometido?
Que deuses tinha ofendido? Não, ele não acreditava que Zarabeth
estivesse morta.
Não acreditava que Orm alcançaria primeiro o seu navio.

Zarabeth não olhou para trás. Ela se concentrou na linha de


árvores além da pradaria. Correu até que um ponto de dor do seu lado
foi tão forte que teve que segurar colocando os seus braços a seu redor.
Mas não parou. Até que um ramo caído a fez tropeçar, e saiu voando.
A erva era alta e suavizou sua queda.
Ficou de barriga para baixo, sem se mover, sentindo a dor aguda
em seu peito enquanto tentava respirar. Então ouviu o tamborilar dos
cascos dos cavalos. Cada vez mais perto. Pressionou sua bochecha
contra a erva, e o som se fez mais forte e a terra tremeu sob seu rosto.
— Por Thor, está ferida!
Era Orm. Ela se sacudiu e tentou correr, mas tropeçou
novamente, e teria caído, exceto que Orm desceu de seu cavalo e a
levantou pegando pela cintura. Abraçou-a contra seu lado até que
saíram das altas pastagens. Deixou-a então. Não se moveu,
simplesmente a olhou.

350
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Por que tentou escapar, Zarabeth? Disse que você não deveria
fazer isso. Agora não tenho mais escolha. Terei que te castigar.
Ela levantou a cabeça então. Seu rosto estava tão tranquilo como
sua voz, mas seus olhos se obscureceram. Ficou ali, sem dizer nada.
— Me responda, Zarabeth.
— Quero ir para casa. Quero voltar para o Magnus.
Ele começou a rir.
— Quando chegarmos em York conseguirei outro colar de escrava
para colocar no seu pescoço branco. Venha aqui.
Ele a levou de volta para o acampamento. Os braços que a
rodeavam eram suaves. Não disse nada. Tinha medo de enfrentá-lo, de
ver a loucura em seus olhos.
Um fogo ardia lentamente. O aroma do faisão assado perfumava
o ambiente. Kol estava sentado em um tronco, sustentando sua cabeça
entre as mãos. Olhou-a e ela soube com certeza que a mataria se tivesse
a oportunidade.
Ingunn estava pálida de ira. A outra mulher, Zarabeth percebeu
agora, tinha sido golpeada. Se inclinou, com os olhos vermelhos pelo
pranto, pela dor.
— Você a encontrou. — Disse Ingunn, sua voz seca.
— Sim, certamente. Ela é uma mulher e estava a pé. Como quer
que a castigue, Ingunn? Uma escrava que tentava escapar. É um delito
grave.
— Faça-a trabalhar até que caia.
— Isso não é suficiente. — Disse Orm. — Olhe ao pobre Kol. Ela o
derrubou, e sua cabeça o atormentará de dor nos próximos dias. É
mais, o castigo deve ser algo que não esqueça logo.
— Açoita-a, então, não me importa.

351
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sua pele é muito branca. Não gosto da ideia de marcá-la.


Golpeou-a, Ingunn?
— Sim, fiz isso.
— Deixou com marcas
— Não sei, Magnus a cuidou.
— Há outras coisas que preferiria fazer com ela.
Ingunn virou a cabeça para a outra mulher.
— As coisas que fez com ela por exemplo?
Zarabeth percebeu que a outra escrava, essa mulher mais velha
magra e encurvada, com o cabelo emaranhado sobre suas costas, não
tinha sido golpeada. Orm a tinha atacado grosseiramente, tinha-a
violado.
— Não, Ingunn, devo fazer as coisas diferentes com Zarabeth. Eu
não quero que chore como Hag fez.
Kol falou então.
— Temos que sair, Orm. Não há tempo para castigá-la agora.
Magnus Haraldsson virá por ela, sei, porque conheço sua reputação.
Bein disse, com um sorriso.
— Eu gostaria de castigá-la também, Orm.
— Não a tomará, Orm! Se esqueça dela! — Gritava Ingunn, de pé.
De repente Orm se virou e a esbofeteou, enviando-a
perigosamente perto do fogo. Ela gritou, lutando por escapar do calor
das chamas.
Orm simplesmente esfregou as mãos. Estava sorrindo, e
novamente houve um brilho estranho em seus olhos, mas sua
expressão seguiu tranquila e sua voz inclusive gentil.
— Não me diga o que devo ou não devo fazer, Ingunn. Na próxima
vez não se sairá tão bem. Agora, tenho fome. Me alimente e alimente a

352
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

nossas pobres escravas. Depois de todos seus esforços, deve estar


faminta pela carne de faisão.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

23
Zarabeth odiava a tênue penumbra. A meia noite se aproximava,
e, entretanto, essa estranha luz criava sombras fantasmagóricas na
escuridão no lugar. Sabia que na escuridão ou a plena luz, Orm viria
logo e a violaria. Ele tinha estado olhando-a, sem dizer nada,
simplesmente sentado com as pernas cruzadas junto ao fogo,
observando-a. Ingunn tinha visto. Quanto a Kol, tinha vomitado antes,
e agora estava dormido. Bein arrastou à outra mulher para os matagais
e a tinha tomado entre as árvores.
Quando voltaram, Bein a empurrou ao chão e jogou uma manta
em cima dela.
Zarabeth se perguntou se a mulher estaria bem. Nunca disse uma
palavra, nunca se certificava da presença de outra pessoa,
simplesmente fazia o que ordenavam, com a cabeça encurvada, os
ombros caídos. Não tinha um só dente e o lábio superior flácido,
fazendo-a parecer mais velha do que provavelmente era. Não tinha nem
ideia de onde tinha sido capturada. Seu vestido parecia farrapos,
andava com os pés nus, e o cabelo enredado e emaranhado. Zarabeth
queria aproximar-se dela, mas para sua surpresa, alguns minutos mais
tarde, a mulher estava profundamente adormecida, roncando. Ela se
sentou com as costas apoiada em um pinheiro. Esperou. Orm tinha-
lhe dado de comer, mas não o suficiente, e ele sabia que não tinha sido

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

suficiente. Estava jogando com ela. Seu estômago rugiu pela fome.
Tinha que fazer suas necessidades, e finalmente, em seu desespero,
disse em voz baixa.
— Ingunn, preciso ir ao bosque um momento.
Ingunn afastou o olhar dela. Orm disse.
— Eu te levarei, Zarabeth.
— Não, deixe! Eu vou com ela!
Orm sorriu.
— Se ela quiser, pode te matar, então só terá que lutar comigo. É
isso o que quer Ingunn?
— Quero que deixemos este lugar. Quero ir para Danelaw, que
compre escravos e terras e construa uma fazenda que supere a de meu
pai. Quero que nos casemos, Orm.
— Tudo isso? Deve saber que eu já estive em Danelaw e comprei
boas terras de cultivo perto do rio Thurlow.
Ingunn estava obviamente surpresa.
— Você já navegou para Danelaw?
Bein disse.
— Sim, e negociamos peles e couros e algumas presas de morsa.
Inclusive vendemos alguns escravos e…
— Basta, Bein. Agora, Ingunn, quando chegarmos a Danelaw,
vamos comprar mais escravos. Já temos duas, e ambas estão muito
bem, não acha?
— Leve aquela mulher e entregue a seus homens para saciar sua
luxúria, mas deixa Zarabeth aqui. Deixa que se vá. Que sobreviva ou
que morra. Não importa o que acontecer ela agora. Vamos, Orm, e
sejamos livres desta terra e de meu pai.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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— Mas você queria se vingar. Você me pediu que vendesse esta


mulher, porque tinha enganado e traído a Magnus. Suas palavras me
confundem.
Ingunn ficou de pé.
— Vou levá-la ao bosque agora. Também necessito um pouco de
privacidade.
Ele encolheu os ombros, não se moveu quando o deixaram.
— Vai me violar, Ingunn. Sabe que o fará. Vai permitir isso?
— Não vou escutar você. Depressa agora ou ele virá.
— Tem medo dele. Há algo errado com ele, Ingunn, certamente
percebe.
— Apressa-se!
Mas ele estava ali logo, vendo como as duas mulheres se
acomodavam seus vestidos.
— É hora da punição de Zarabeth. Você gostaria de olhar, Ingunn?
— Vai golpeá-la?
Negou com a cabeça. Estava sorrindo, com esse estranho sorriso.
Seus olhos brilhavam à luz tênue da meia noite.
— O que vai fazer com ela?
— Deixarei que Kol a possua. Isso é uma punição suficiente?
— Kol está doente por causa do golpe que ela deu.
— Ah, então Bein.
— Não pode. Acaba de violar à outra escrava. Ele é velho e não
tem energia suficiente.
— E eu sou o único que fica. Terei que me sacrificar, realmente
deve ser castigada. Volta para acampamento, Ingunn. Levarei a
Zarabeth de volta quando tiver terminado com ela.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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Magnus sabia que estavam perto, mas não o suficiente.


Certamente Orm e seus capangas teriam embarcado em seu navio.
Possivelmente estavam puxando os remos nesse mesmo minuto.
Possivelmente já estariam navegando para o Sul de Hedeby. Fechou os
olhos ante a dor de perdê-la. Tantas perdas. Muitas. Aonde a levaria
Orm? Magnus sabia que não a tinha protegido como a tinha prometido
quando fez seus votos.
— Por Thor, não posso acreditar nisso!
Magnus se sobressaltou pelo grito de Eines.
— Venha aqui, Magnus, olhe! Estão perto, muito perto, a não a
mais de três horas à frente de nós. Olhe estas pistas! Este homem é
tolo?
— Sim. — Disse Ragnar. — Um parvo presunçoso. Acaso não
considerou que viria atrás dele, seguindo-o? Terá acreditado que é um
covarde? Ele perdeu toda a sua sagacidade.
Magnus se sentia cheio de uma feroz alegria.
Ragnar disse em voz baixa atrás dele.
— Ingunn está com eles.
— Sim, eu sei. Nossos cavalos estão esgotados. Deixá-los-emos
descansar, mas não mais que uma hora.
Todos estavam exaustos, seus músculos rígidos e intumescidos,
mas nenhum se queixou. Eles sentaram enquanto comiam carne seca
e pão duro.
— O que vai fazer com Ingunn? — Perguntou Ragnar enquanto
mastigava a carne cozida.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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— Vou deixar para o meu pai. Será ele quem decide o que vai fazer
com ela.
Ragnar o olhou, e disse com voz firme e forte.
— Eu a tomarei, Magnus, se seu pai estiver de acordo. Vou
castigá-la se necessário, não duvide, se ela se comportar
grosseiramente, poderei controlá-la.
Magnus sorriu a seu amigo.
— Acredito que você perdeu o juízo, Ragnar.

Zarabeth enfrentou a Orm a uma distância de dois metros. Seu


vestido estava esfarrapado e sujo. Seu cabelo emaranhado e enredado
que caía pelas costas. Ela se sentia exposta e com mais medo de que
tinha sentido em sua vida. Ingunn começou a se afastar, com a cabeça
baixa.
— Ingunn, não! Não vá!
Fez uma pausa, mas não se virou.
— Eu não sou um bruto de mau aspecto, Zarabeth. Por que não
me quer?
Ela o olhou então e viu o desconcerto sincero em seu rosto. Quase
riu. Seus olhos tão tranquilos como sua voz. Não havia vestígios de
loucura nele ainda. Mas mesmo assim, aterrorizava-a. Ele desabotoou
o amplo cinturão de couro que rodeava a sua cintura, enquanto a
observava.
— Se me violar te matarei.
Ele sorriu.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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— Você é uma mulher. Fala sem sentido, entretanto, eu não gosto


que me ameace, Zarabeth. Se não deseja sentir meu cinturão contra
suas costas, mantenha calada. — Tirou o largo cinturão com a espada
ainda profundamente enfiada na bainha.
Olhou-o fixamente e repetiu.
— Se me violar matarei você. Terá que me matar primeiro para
evitar isso, porque juro por meu Deus cristão e por seus deuses vikings
que farei.
Esteve sobre ela antes que pudesse se mover. Golpeou-a com
força, contra uma árvore, ela cambaleou, e caiu de joelhos. Aproximou-
se dela, olhando-a, esfregando as mãos com lascívia.
Zarabeth afastou o cabelo do rosto. Sua respiração estava agitada,
sentia a bochecha arranhada. Deveria simplesmente deixar que a
tomasse, não deveria lutar contra ele, só deveria suportar.
Mas algo dentro dela se rebelou. Não queria ser passiva, não
queria se render. Queria fazer um esforço para resistir, sofrer em
silêncio tudo o que ele queria fazer.
Ela olhou o seu rosto e logo disse.
— Se eu não te mato, Magnus o fará.
Levantou a mão novamente, em um punho, em seguida, baixou
lentamente.
— Eu sou tão valente como Magnus, mas muito mais atrevido,
como você percebeu. Sou tão forte como ele. Quando éramos meninos
um de nós sempre ganhava as brigas e as competições de forças. Mas
ele tomou outro caminho, fazendo o que seu pai exigia, se casando com
essa moça tola que sua família escolheu, aceitando a fazenda de seu
avô, Malek, se convertendo nada mais que em um agricultor e um
comerciante, enquanto que eu... Queria a... — Franziu a testa como se

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estivesse esperando que as palavras viessem a sua mente. Ficou em


silencio durante um longo momento, então encolheu os ombros. —
Conheci mais mulheres que Magnus. Gostaria de te dar mais prazer do
que ele. Você vem de Danelaw. Vou levá-la para lá, para sua casa,
viveremos muito bem juntos e não terá nenhuma queixa. Não há
nenhuma razão para que lute comigo.
— Há muitas razões. Magnus é meu marido. É amável, leal e me
ama.
— Ele te enganou, cadela estúpida. E essas são as palavras que
diria o seu próprio pai, não do homem que te inspira paixão. Amável?
É débil e é visto que não se atreve a tomar o que quer. Leal? Sim,
Magnus é leal, a seus irmãos pelos quais mataria se não os tivesse. Ele
é parte deles, não é um homem independente. — Viu que suas palavras
não sortiam nenhum efeito. Isto o enfureceu, mas sorriu e disse
rapidamente. — Como eu, Magnus goza de uma grande variedade de
mulheres. Não hesitará em fazê-las desfilar diante de seu nariz, seja a
esposa ou não. Não toma a Cyra enquanto você está ali, observando?
Não zomba de você impondo sua presença?
— Pensei que havia dito que sabia mais de mulheres, do que
Magnus.
Sua boca se apertou com irritação.
— É obvio que sim, só que Magnus toma a qualquer mulher que
vive em sua fazenda. Nunca se aventura longe para procurar uma
mulher como eu.
Ela sussurrou.
— Ingunn... Não pensa em se casar com ela? Não vai me ter como
sua escrava?

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Ele riu, e esfregou os dedos sobre a grossa barba loiro


avermelhada. Seu olhar era ardiloso.
— Se vier para mim de boa vontade, poderia fazer com que Ingunn
seja a sua escrava. — Ele se inclinou então e começou a envolver uma
grossa mecha de cabelo ao redor de sua mão. — Quero fazer um bebê
em você, que tenha o cabelo desta cor, que cresça saudável, um homem
que fique à frente do clã, um homem forte e poderoso, que governe toda
a Noruega, toda a Inglaterra, um homem que faça que os filhos do rei
Alfred pareçam bebês chorões.
— E eu mataria algo que brotasse de sua semente diabólica.
Tinha ido muito longe com suas palavras. Os olhos escuros
brilharam selvagens. Viu-o vir, mas mesmo assim não foi rápida o
suficiente. Agarrou-a pelos braços e a levantou. Não a golpeou
novamente, simplesmente arrancou a frente de seu vestido rasgando
até a cintura. Levava uma camisa debaixo, e também a rasgou,
deixando expondo os seus seios.
Seu cinturão estava no chão, com a espada ainda embainhada.
Não resistiu, sabendo instintivamente que se fizesse, ia golpeá-la
novamente, e talvez desta vez perderia a consciência. Tinha que estar
alerta, tinha que agir quando encontrasse a oportunidade. Ela ficou
rígida entre seus braços, mas nada mais. Sua respiração era
entrecortada e profunda, e em alguns instantes sua roupa converteu
em farrapos e estava espalhado ao redor de seus pés descalços.
— Por Thor, é mais do que esperava. — Seus dedos eram ásperos
beliscando seus seios enquanto sua boca se aproximava da dela.
Logo suas mãos pressionaram contra sua barriga, enquanto
tentava tirar suas calças. Com um grunhido de frustração, retirou-se e
começou a subir a túnica. Quando esteve nu da cintura para acima,

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atraiu-a contra ele, esfregando seu peito contra seus seios, gemendo
como um animal ferido.
Soltou-a um momento para desatar suas calças e as correias de
pele suave de suas botas.
Zarabeth saltou para a espada. Tinha-a em suas mãos e estava
tentando ainda tirar de sua bainha, quando ele ficou atrás dela, com
as mãos ao redor de seu cabelo, e puxando inexoravelmente para trás
a cabeça, fazendo-a chorar pela dor e o sabor amargo do fracasso.
Tomou a espada de sua mão e a jogou a alguns metros de
distância. Estava nu, agora, e prontamente se localizou entre suas
pernas, sorrindo com os olhos cheios de triunfo.
Ele a levantou para se posicionar. Ela se impulsionou para cima,
golpeando seu rosto com os punhos. Cravando suas unhas nas
bochechas, sentindo a carne rasgando-se ante o feroz ataque, percebeu
que seu sangue corria pelos dedos. Orm rugiu de ira e dor. Pôs as mãos
ao redor de sua garganta e seus dedos apertaram mais e mais, até que
a dor no peito, foi tão intenso, que soube que ia morrer. Ele a
amaldiçoava e não havia só loucura em seu olhar, a loucura o possuía
completamente.
De repente, suas mãos soltaram a sua garganta e o ar encheu os
seus pulmões novamente. Tossiu freneticamente, aspirando com
entusiasmo.
— Depressa, Zarabeth!
Era Ingunn. Estava parada sobre Orm inconsciente, com a espada
na mão. Ela tinha o golpeado com força na cabeça com o cabo da
espada.
— Está morto? — Sua voz soou como um estranho grasnido, e a
dor a fez tremer.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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— Não, não. Temos que nos apressar.


Zarabeth o empurrou para o tirar de cima dela e ficou de pé.
— Estou nua. — Disse, olhando-se desolada.
— Aqui!
Zarabeth agarrou a túnica de Orm. A passou pela cabeça.
Chegava aos joelhos. Cheirava a ele.
— Os cavalos, Ingunn! Temos que chegar aos cavalos, do contrário
não vamos ter oportunidade de escapar!
— Não, Kol está acordado, e Bein também, e os cavalos estão
muito perto deles, sabe. Vamos a pé. Podemos nos esconder. Depressa,
do contrário vai despertar e morreremos!
Zarabeth queria matá-lo. Ficou paralisada por um momento, e
então tomou rapidamente as tiras de couro de suas botas e amarrou
as suas mãos nas costas. Então também amarrou os seus tornozelos.
— Depressa!
Ela parou ao lado dele por um momento, olhando-o.
— Está louco, Ingunn.
— Não importa, vamos! Ele vai me matar, se me apanhar.
Ingunn agarrou o cinturão de couro e guardou a espada em sua
bainha, e o olhou como se tratasse de uma serpente que fosse mordê-
la. Zarabeth a agarrou e envolveu o cinturão ao redor de sua cintura
ajustando-o. Estava pendurada embaixo dos quadris, mas manteve ali.
Não tinha sapatos, mas não importava. Correu, com Ingunn a seu
lado. Se colocaram profundamente no bosque antes de parar.
— Um momento. — Disse Zarabeth. — Um momento, Ingunn.
Zarabeth se apoiou contra uma árvore, sentia uma dor aguda em
suas costas, expulsava o ar dolorosamente através de sua garganta, e

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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se sentiu enjoada. Seu estômago estava contraído pela fome. Levantou


a cabeça e viu Ingunn de joelhos, com a cabeça baixa.
— Por que me salvou?
Ingunn aspirou grandes baforadas de ar.
Zarabeth esperou. Ouvia sua própria respiração, forte em seus
ouvidos, e também a de Ingunn na quietude da selva.
— Por que, Ingunn?
— Eu percebi que tinha mudado. Me recusei a acreditar em meu
pai quando me contava as coisas que Orm havia feito. Veja, eu pensei
que o conhecia, e que o amava. — Encolheu os ombros. — Quando o
conheci me fez confiar nele, apesar de que comecei a suspeitar que algo
tinha acontecido. Não sei o que era. Mas não acostumava ser assim...
Era feliz e amável em seu tratamento, pelo menos com as mulheres.
Mudou, Zarabeth. — Ela se levantou então e se virou por onde tinha
vindo.
— Ele virá atrás de nós em algum momento. Para me matar e para
matar você também, depois que tenha te violado. Se queremos viver,
devemos nos apressar.
Zarabeth cambaleou. Já estava escuro, e seguiram correndo
através de uma estreita faixa de pântanos que dava a outro bosque de
pouco pinheiros, continuando, detiveram-se na margem de Viksfjord.
— Mais rápido. — Disse Ingunn atrás dela. — Ele nos encontrará,
por todos os deuses, eu sei.
— Não vamos lhe dar esse prazer. — Rezava enquanto corria,
rezou a seu Deus cristão, e a cada um dos deuses vikings também. A
dor nas costas era insuportável, mas correu, encurvada, segurando,
com dificuldade a respiração ofegante e o ardor em sua garganta.

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Tropeçaram na terra pantanosa, caindo várias vezes, ajudando-se


uma à outra, só para correr e tropeçar novamente.
Ao ouvirem os cascos dos cavalos, ambas se jogaram de barriga
para baixo no chão, sem se importar com o barro e a umidade.
As mãos de Zarabeth estavam sujas de barro do pântano. Seu
rosto estava pressionado contra a terra úmida. Pensou na última vez
que se deitou no chão, esperando sem poder fazer nada, exceto esperar
que Orm viesse capturá-la. E ele tinha vindo, e agora viria outra vez. A
espada era pesada, não podia fazer nada desta vez tampouco.
Os cavalos se aproximavam. Não havia muito pasto nesse pântano
lamacento que pudesse as ocultar, só juncos e erva daninha escassa e
Zarabeth sabia que a qualquer momento Orm as veria.
— Não vou ficar para esperá-lo desta vez, maldição! — Ficou de
pé, tirando a espada da bainha enquanto tentava manter o equilíbrio
na terra lamacenta.
— Zarabeth! Idiota, se deite, rápido!
— Não! Ele não vai me levar de volta. Não desta vez! Desta vez vou
lutar.

Magnus mantinha Thorgell a um ritmo constante. Não queria


matar a seu prezado animal. A lua estava brilhante sobre sua cabeça,
o prado era estreito e comprido. Estavam perto, podia senti-lo. De
repente viu uma aparição sobre o chão da pradaria. Sentiu um
estremecimento de terror se afogando em sua garganta. A visão, ou o
que fosse, estava agitando uma espada como uma coisa insana. Era
uma mulher, demônio ou real?

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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O semental não vacilou apesar de que seu punho apertava as


rédeas. Ouviu Eines amaldiçoando, escutou a respiração que Ragnar
continha bruscamente, e ouviu os outros homens murmurando.
— O que é?
Então reconheceu sua esposa, seu cabelo solto caindo pelas
costas, grosso e emaranhado, vestindo uma túnica de homem e um
amplo cinturão que estava pendurado embaixo dos quadris.
Ela o estava desafiando, com a espada erguida por cima da sua
cabeça, as pernas abertas, e seu corpo preparado para a batalha.

Zarabeth levantou a espada diante dela e a manteve ali com as


duas mãos. Esperou, com seu coração galopando estrondosamente,
além do medo. Não era Orm. Era Magnus. Um soluço morreu em sua
garganta. Deixou cair a espada e começou a correr para ele, afundando
seus pés nesse pântano imundo, esquecendo toda a dor de seu corpo.
— Por todos os Deuses! — Gritou Ragnar, e chutou os flancos de
seu cavalo. — Vou matá-lo!
— Não, Ragnar! É minha esposa! — Magnus colocou Thorgell a
galope. Cavalgou para ela, se inclinou, e a levantou com um braço. Ria,
profundamente e livremente, e a apertava com força contra ele e
enquanto seus braços se cruzavam ao redor de seu pescoço.
Deteve Thorgell por fim. Olhou para sua esposa, suja, sorrindo,
com os olhos brilhantes de alívio.
— Você teria me enfrentado com sua espada? Justo no meio de
um pântano?
— Sim. Estava muito zangada, como vê.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Eu vejo. — Disse, e se inclinou para beijá-la. — Também vejo


que está muito suja.
— Magnus. — Disse em sua boca e o apertou segurando ao redor
de seu pescoço. Ele grunhiu e a sentou sobre seu regaço. Thorgell
saltou para um lado, não gostava de seu peso ou do aroma de pântano
nela.
— Ingunn está escondida lá!
Magnus disse em voz alta o nome de sua irmã. Ela se levantou e
ficou em silencio sob a luz da lua.
— Ragnar, leva-a contigo.
— Temos que nos apressar. — Disse Zarabeth, de repente o pânico
queimando-a. — Orm deve estar inconsciente por enquanto. Mas vai
vir por nós.
— Que bom.
Ela ouviu o prazer em sua voz, a expectativa. Não havia nada que
fazer. Ele era um homem e um guerreiro e queria enfrentar seu inimigo.
Ela expôs com tanta calma como se fosse um velho defensor.
— Havia seis, mas só ficam três deles, e têm uma mulher
escravizada.
Magnus queria encontrar Orm imediatamente. Queria matá-lo
lentamente e queria fazer isso ele mesmo.
Ela sorriu, tocando sua boca com os dedos.
— Obrigada por vir me buscar. Eu gostaria que o pegasse,
Magnus. É como um animal perigoso. Deve ser detido.
— Estou preocupado por você.
— Tenho sua espada. Sou uma mulher perigosa. Vamos.
Beijou-a novamente, apertou-a contra ele até que gritou e com um
som harmonioso Thorgell avançou.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Gritou a seus homens que lhe seguissem.


Retornaram através da pradaria, freando ao passar pelo denso
bosque de pinheiros.
— Tão perto. — Disse Magnus contra a têmpora de Zarabeth. —
Temia que te levasse com ele. Tem um navio perto, não é verdade?
— Sim. Não sei por que esperou. Desviou para dentro, e logo
retornou para o Norte de Viksfjord. Talvez queria que viesse. Talvez
quisesse lutar contra você.
— Ele te machucou?
— Não me violou. Tentou-o, mas Ingunn o feriu. Amarrei com seus
próprios cordões e tiras e então fugimos.
Ele a abraçou.
— Você fez bem, como a minha irmã.
Quando se aproximavam do acampamento, montaram em uma
única fila. Então Magnus mandou parar. Desceram e ordenou para que
Zarabeth esperar ali com os cavalos. Observou-o em silêncio caminhar
até a margem das árvores.
Ela se sentia mal no estômago. Ingunn se aproximou dela.
Ouviram um grito.
— Ele foi embora! O bastardo se foi! O miserável covarde.
As mulheres se olharam, logo correram para frente.
Eines estava de joelhos examinando o fogo e a terra que o rodeava.
— Não acredito que tentasse recuperar às mulheres, Magnus.
Acredito que retornou aqui, vejo seus rastros, mas simplesmente
decidiu que era muito perigoso e todos se foram.
Todos menos uma. Encontraram à escrava nua e morta ao lado
de uma árvore, estrangulada.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Foi então quando Ragnar encontrou uma série de desenhos feitos


com os dedos na areia no lado oposto da fogueira. Havia um menino
pequeno com uma corda ao redor de seu pescoço e era conduzido por
um homem. O homem estava sorridente e tinha peças de ouro em sua
mão livre.
— Egill. — Disse Magnus. — É meu filho. De algum jeito
conseguiu capturar o Egill.
— Seu sonho. — Disse Zarabeth, com a mão em seu antebraço.
— Sim, foi levado como escravo, mas está vivo. Por Thor, onde o
levaria Orm?
Ingunn se adiantou e se ajoelhou para estudar os desenhos.
— Ele não me disse nada a respeito da captura de Egill, nada
absolutamente. — Havia dor em sua voz.
— Mas sabemos onde está Egill. — Disse Zarabeth com um
sorriso. — Está em Danelaw.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

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Era quase o amanhecer, o céu estava tingido de cor rosa suave
com matizes cinza pálido. O ar estava frio e calmo, as criaturas do
bosque estavam em silêncio. Zarabeth estava deitada contra Magnus,
com a cabeça em seu ombro, escutando sua respiração, com a palma
de sua mão sobre seu peito, sentindo o batimento compassado de seu
coração. Em um dia e meio estariam de retorno em Malek.
De volta para sua casa.
Ela se aconchegou mais perto e o braço dele apertou ao redor de
suas costas, um gesto inconsciente para mantê-la segura e protegida.
Ele tinha vindo por ela. Não tinha perdido tempo, nem sequer tinha
considerado a possibilidade de que tivesse fugido dele ou pulado de um
escarpado. Ela lentamente acariciou o seu braço e depois olhou no seu
rosto. Ele tinha um leve sorriso nos lábios, estava segura disso, e sem
pensar se inclinou e o beijou suavemente na boca, então o beijou
novamente, e uma vez mais.
Ele abriu os olhos lentamente, apesar de que sabia que despertou
em seu primeiro contato, porque o conhecia o suficiente.
— É cedo, Zarabeth. Preciso descansar. Cheguei até o limite de
minhas forças te perseguindo até o limite da terra. Entretanto, não
quero te desencorajar. Pode me beijar outra vez.
Mordiscando os lábios e entre doces beijos, ela disse.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Veio por mim.


Ele ficou imóvel e parou de beijá-la, olhou no seu rosto quando
disse sombriamente.
— Acaso acreditou por um instante que não faria?
— Não, nem por um instante. Não acredito que Ingunn duvidasse
tampouco. Sempre tentou apressar Orm, mas ele a ignorou. Está
completamente louco.
— Sim, talvez agora, mas quando éramos meninos... — Sua voz
sumiu e disse bruscamente. — Seu estômago está fazendo tanto ruído
que não posso voltar a dormir.
— Tenho fome desde que Orm me capturou.
Ele franziu a testa.
— Por que não disse nada?
— Não tinha pensado nisso até agora. Não, Magnus, não te mova
ainda. Não vou morrer de fome até que o sol chegue a seu ápice,
prometo-o. — Suspirou. — Ah, é bom estar limpa novamente, embora
a água gelada do Viksfjord quase me congelou as sobrancelhas. —
Beijou-o novamente, recordando o banho que tomaram no Viksfjord na
noite anterior.
— Quando tivermos retornado a Malek e levar Ingunn à fazenda
de meu pai, pegarei meus homens e navegarei para Danelaw.
Ela não disse nada durante alguns momentos. Ainda estava
apoiada em um cotovelo, se inclinou novamente e o beijou uma vez
mais. Magnus se aproximou para beijá-la em troca, mas ela o
empurrou para baixo.
— Estou tentando pensar. — Disse. — Não deve me distrair.
— É muito agradável para um homem escutar isso. Está seguro
de que poderia distraí-lo?

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Parecia preocupada e sentiu um pouco de ira em sua atitude.


Tinha vindo correndo a seu encontro na noite anterior, lançando-se
sobre ele, confiando completamente. Mas agora estava outra vez
protegida, atrás dessa casca, essa maldita barreira que ela se encerrou
quando a tomou contra sua vontade. Mas mordeu a língua. Ela tinha
se banhado com ele, e parecia desfrutar da experiência, mas tinha
adormecido antes que pudesse mostrar o muito que tinha sentido falta
dela. E agora o tinha beijado de bom grado, tantas vezes que não podia
acreditar nisso, e estava deitada apertada a seu corpo como se tivesse
feito isso em toda a sua vida. Viu que seu olhar se dirigia para onde
Ingunn estava deitada envolta em uma manta, dormindo
profundamente, com seu cabelo loiro estendido sobre sua cabeça.
— Ingunn me salvou, realmente fez isso.
— Não quero falar de minha irmã. Como está sua garganta?
— Ainda falo como uma rã?
— Parece como um pano molhado golpeando em uma ferida
aberta.
— Essa é uma imagem desagradável, Magnus. Sua primeira
esposa era tola?
— Tola? Dalla? — Olhou-a, com uma sobrancelha levantada.
— Seus pais arranjaram para se casar com ela. Era tola?
Negou com a cabeça.
— Orm te disse estas coisas?
— Sim.
— A verdade é que Orm a queria para si, mas seus pais
acreditaram que eu seria melhor homem para ela.
— Era tola?
Ele começou a rir e a abraçou.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sim, era uma parva, ria abertamente e livremente como uma


criança e adorava dançar sob a lua, mesmo quando o chão estava
coberto de neve e se enterrava até os seus joelhos.
Zarabeth ficou em silêncio, tratando de imaginar uma criatura
assim. Disse com um suspiro.
— Eu não me lembro da última vez que ri abertamente.
Ele tampouco.
— Nunca dancei na neve.
— Talvez você também poderia ser parva de vez em quando, e
ocasionalmente poderia cravar seus dedos entre as minhas costelas.
— Sim, quem sabe?
— Ou você me beija novamente ou me deixa dormir, Zarabeth.
— Se te beijar, vai me forçar?
A ira se agitava em seu interior.
— Você já me beijou mais vezes das que posso contar. Mas não
com beijos profundos e apaixonados. Me beije outra vez, como uma
mulher deve fazer, e verá.
Ela se inclinou e pressionou sua boca levemente contra a dele.
Seus lábios estavam secos e firmes. Ficaram inertes, sem devolver o
beijo, deixando que tomasse o que quisesse, deixando que o invadisse,
e depois se retirando, apenas para voltar novamente quando não
encontrou nenhuma resposta agressiva nele. Seu sexo se inchou e
pulsou, mas não se moveu.
Quando ela perceberia de que o pertencia? Quando ia deixar de
lutar contra ela e contra ele?
Levantou a cabeça e o olhou. Seu olhar era pensativo. Por último,
disse lentamente.
— Tinha esquecido de seu sabor.

373
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele pensou que derramaria sua semente, apenas pelo fato de


escutar suas palavras, palavras simples, que, entretanto, o abalaram
até a medula. Beijou-o outra vez, então se moveu até ficar colada ao
seu lado e apoiou a bochecha novamente em seu ombro.
— A próxima vez que me beijar, Zarabeth, vou te beijar também
acariciá-la e derramarei minha semente em seu interior.
Sentiu ela tremer ante suas palavras.
— Talvez no futuro se sinta tola e queira rir quando estivermos
fazendo amor. Não tem que ser um assunto necessariamente tão sério.
Ela não sabia, e essa ideia pareceu estranha. Realmente parecia
um assunto muito sério.
Os homens despertaram. Magnus deu outro abraço, depois se
afastou, se levantou e se espreguiçou, nu e magro e tão atrativo à luz
suave da manhã. Ele olhou para ela e se alegrou em ver o interesse
sincero em seus olhos. Olhava-o sem dissimulação.
— Vou buscar uma de minhas túnicas para que você use.
Sorriu quando ela amarrou o largo cinturão de couro de Orm ao
redor de seus quadris, mas não disse nada. Supôs que carregar a
espada a fazia se sentir mais segura e controlada. A espada golpeava
contra sua perna cada vez que dava um passo. Suas pernas eram
longas e estavam nuas, como seus pés. Ele a viu tentar desembaraçar
o cabelo com os dedos. Poderia ter dito que parecia linda e selvagem,
tão selvagem como uma deusa guerreira.
Então esfregou o estômago e a imagem desapareceu rapidamente.
Se pôs a rir. Assegurou de que ela comesse até saciar-se antes de
abandonar o acampamento.
O dia estava quente, o céu estava claro. Cavalgaram perto da
margem das árvores porque não tinha que seguir a ninguém agora, e

374
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

era um caminho mais rápida para chegar a Malek. Magnus levava


Zarabeth sentada diante dele. Ela apoiou a cabeça contra seu ombro e
dormiu. Ela se sentia segura, em paz. Era uma sensação estranha e
relutou em se abandonar. Caiu profundamente adormecida com seu
aroma masculino sob o seu nariz, o suave balanço do cavalo e seus
braços a segurando com firmeza.
O semental de Ragnar cavalgou ao lado de Thorgell. Magnus se
virou para olhar a sua irmã, que o observava solenemente. Logo disse.
— Quero saber o que vai dizer a nosso pai.
— Mãe foi até Malek, desesperada para saber se alguém tinha
visto você. Agora todos sabem que fugiu da fazenda de nosso pai para
ir ao encontro de Orm, Ingunn. O que você quer que eu diga? Todos
sabem que perdeu sua honra.
— Salvei a vida de sua esposa.
— Você fez isso, mas não porque se importasse um pouco com
ela, então não espere que eu acredite nisso. Odiava a ideia de ver Orm
tomar outra mulher. Temia que quisesse a ela e não a você. Não é
assim?
Ingunn guardou silêncio, mas Ragnar disse.
— Fala com dureza, Magnus.
— Ragnar, você fala cegamente. Olhe bem para ela, converse
muito com ela, e descubra os sentimentos que tem no coração, antes
de decidir em tomá-la.
Os olhos de Ingunn se arregalaram.
— O que quer dizer? Me tomar? O que é isto, Magnus?
Magnus acariciou as orelhas de Thorgell.
— Ragnar te quer como esposa.
Ingunn pareceu se elevar inclusive enquanto estava sentada.

375
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Eu não o quero! Ele é um idiota e um grosseiro, e o vi flertar e


acariciar a qualquer mulher com possibilidades de caminhar, sem nojo
de nada. Não é mais fiel que uma pulga.
Magnus se virou com toda a força de sua ira, e ela se afastou ante
a dureza de sua expressão, e a frieza de sua voz.
— Você não tem altura moral para acusar alguém de infidelidade.
Você, que se entregou a Orm. Pode reprovar algo de Ragnar? Ele é um
homem, não uma donzela cuja virgindade é o único valor que a
representa.
— Sua preciosa Zarabeth chegou a você sendo virgem? Ela casou
com um homem velho e ele…
— Cale a boca, Ingunn, ou vou conceder a Ragnar a permissão
para que te golpeie agora. Estamos falando de você e por que chama
Ragnar de grosseiro e idiota. Por quê?
Ingunn retrocedeu, pois conhecia Magnus de toda sua vida. Sua
ira não demorava a chegar, como rápido se dissipava. Ele era seu
irmão, depois de tudo.
— Ele me trata mal. Sempre foi grosseiro comigo, sempre está
zombando de mim.
— Fala como uma menina mimada e caprichosa, merece ser
tratada dessa maneira.
— Ele não vai me escutar. Não importa o quanto que sofri.
— Ele mostrará sabedoria. Quanto a seu sofrimento, que você
mesma provocou, aceite as consequências. Você distorce as coisas,
Ingunn, e se recusa a ver sua própria participação na angústia que
agora padece. Sua língua te enreda e a envolve em seus sofrimentos.
— Ragnar não se importa comigo. Ele só quer se aliar a nossa
família. É vaidoso e ambicioso.

376
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Não entende como pode querer cuidar de você, mas não vou
duvidar de sua palavra. Acredito que demonstra falta de bom senso,
mas é sua paciência e que vai ser provada se a tomar, não a minha,
graças a Odin. Quanto a nossa família, não posso imaginar a um só
homem sobre a terra que não deseje se aliar a nós.
— Não o quero! Pai não vai permitir que me tome. Não pode, não
é como nós.
— Fará tudo o que merece esta ocasião, porque você magoou
gravemente a nossa família. Vou encorajar a nosso pai para que a
entregue a Ragnar. Eu não te dei nenhuma instrução em absoluto, fui
mais do que um parvo sobre isso, mas Ragnar te ensinará submissão.
Vai te ensinar a moderar essa maldita língua que tem.
De repente Ragnar estava rindo, e os dois irmãos o olharam com
uma expressão tão idêntica que o fez rir ainda mais. Continuou rindo,
tão forte, que Zarabeth despertou, e se ajeitou no colo de Magnus
completamente acordada.
— O que acontece, Magnus?
Ele franziu a testa ante a rouquidão de sua voz, mas ela não
necessitava sua ira, apesar de que estava dirigida para outra pessoa.
Ele se inclinou e beijou a sua orelha.
— É Ragnar. Imagina que vai conquistar Ingunn até que caia
doente de amor por ele.
— Não posso realmente imaginar que isso aconteça, Magnus.
— Não o quero! — Gritou Ingunn.
Ragnar deixou de rir. Soltou as rédeas do cavalo, agarrou Ingunn
pela cintura, e a virou para enfrentá-lo.
— Me escute, tola. Quem você terá se não for eu? Que outro iria
querer você?

377
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ingunn o esbofeteou com força. Não esperava o golpe e, portanto,


não estava preparado. Ambos quase caem do cavalo. Ele se inclinou
até que recuperou o equilíbrio. Não disse nada, só ficou olhando-a.
Ingunn tentou de se afastar. Então Ragnar sorriu. Levantou-a da sela
e com um rápido movimento a colocou de barriga para baixo sobre suas
coxas. Golpeou-a nas nádegas até que ela se retorceu e gritou até se
esgoelar. Ele estava rindo novamente, e seu cavalo dançava
violentamente para um lado. Ragnar não prestou atenção. Com cada
palmada, dava uma ordem.
— Ingunn, não me contrarie. Você vai me obedecer. Adoçará sua
língua. Não vai me ferroar com ela, mas sim me beijará cada vez que
deseje. Me mostrará apenas sorrisos cheios de agradecimento. Não
haverá mais espinhos saindo de sua boca.
Magnus incitou Thorgell para que avançasse. Zarabeth enterrou
o seu rosto em sua túnica. Se assombrou de como a vida poderia
efetuar giros tão amplos, do terror à risada, da indignação aos insultos.
Ingunn seguia gritando e Ragnar ainda estava golpeando-a, rindo ao
dizer o que ela deveria fazer.
Magnus se aqueceu com ela, e sabia que eles voltariam para a
vida e compartilhariam sua dor e sua risada. Sabia que já não queria
escapar e vê-lo longe.
Cavalgaram em silencio durante algum tempo, se distanciando
dos outros. De vez em quando escutavam a voz aguda de Ingunn e a
risada de Ragnar, assim como os comentários dos homens que falavam
aos gritos.
Magnus parou ao lado de um pequeno lago de águas cristalinas,
afrouxando as rédeas de seu cavalo Thorgell, para que pudesse beber.
— Tem sede, Zarabeth?

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Tinha. Desceram e entraram até os joelhos dentro da água,


colocou a mão em concha e recolheu água fria. Tinha um sabor
maravilhoso e suavizou sua garganta.
— Melhor?
— Sim. — Disse, e se levantou, golpeando a espada contra sua
coxa.
Magnus ficou olhando Viksfjord.
— Egill está vivo. Parece-me estranho que eu, um homem de
pouca imaginação, tenha sonhado que estava vivo, e que foi vendido
como escravo. Orm tem muitas perguntas que responder.
— Irei com vocês.
Ele virou bruscamente sobre seus calcanhares para enfrenta-la.
Viu-a ali de pé vestida só com sua túnica, com esse ridículo cinturão
de homem pendurando em seus quadris, a espada em sua bainha caía
quase até seu pé. Sorriu.
— Não.
Ela não prestou atenção. O único sinal que deu de que tinha
ouvido, era que ergueu o seu queixo. Ele se aproximou dela e pegou a
sua mão entre as suas, a puxou para o seu lado.
— Vou manter você segura desta vez. Permanecerá com meus pais
até que eu volte.
— Permanecerei como uma prisioneira ou uma criança com seus
pais? Fui uma covarde, Magnus, mas não mais. Eu devo voltar contigo
para York. É para onde estamos indo, não é?
Ele encolheu os ombros.
— Eu sei onde Orm comprou sua terra.
— Onde?
— Não vou lhe dizer, até que me prometa que me levará com você.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Não vai me obrigar a fazer isso, Zarabeth. Limitarei a perguntar


a Ingunn.
Zarabeth mentiu rapidamente e claramente.
— Ela não sabe. Orm só me disse.
— Vou perguntar de qualquer maneira. Vamos, que temos um
longo caminho por andar antes que possamos nos deter para passar a
noite.
Zarabeth olhou com nostalgia a água azul clara.
— Outro banho seria ótimo.
— Talvez esta noite. — Disse. Se inclinou e a beijou. — Se for boa
comigo, talvez te permitirei me banhar nesta ocasião.
Voltou a beijá-la, e logo a subiu sobre Thorgell, que estava
mastigando a erva próxima à água.
Sua volta a Malek foi recebida com alegria. Magnus permitiu que
Ingunn permanecesse ali nessa noite. Ragnar, a levaria no dia seguinte
de volta à fazenda de seus pais. Ela ficou em silencio com atitude
áspera, e Zarabeth se perguntou se alguma vez mudaria, se alguma vez
esqueceria suas queixas o suficiente para ser agradável, o tempo
necessário para que outros se divertissem.
Zarabeth caiu rapidamente em um padrão familiar. Uma comida
abundante foi preparada, serviram cerveja fresca, e peixe recém tirado
das redes de Viksfjord. As mulheres serviram pratos de veado assado e
filé de javali. Havia ervilhas fervidas e repolho cozido com cebola e
batatas cozidas nas brasas. Zarabeth comeu com as mulheres, falando
dos assuntos da fazenda, enquanto que Magnus e os homens bebiam
cerveja e falavam de sua viagem para Danelaw. Partiriam em três dias.
Havia reparações por fazer no Vento do Mar, fornecimentos para ser
recolhidos e guardados, e o acondicionamento do remo que ainda não

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

terminou. Zarabeth não disse mais nada para Magnus. Ela iria com ele
a Danelaw. Simplesmente não estava segura de como ia conseguir isso.
Zarabeth dormiu encolhida na cadeira da senhora da casa, com
uma túnica, agulha e fio no colo. Magnus se inclinou para ela, olhando
o tecido que estava costurando. Parecia ser uma túnica para ele, e ficou
excessivamente contente. O material era de um suave linho azul claro.
Os pontos eram pequenos e perfeitos. Amava-a muito nesse momento,
e queria gritar para todos. Tirou cuidadosamente os tecidos de costura
de seu colo, e logo a levantou em seus braços e a levou a seu dormitório.
Não acendeu a lamparina, o quarto estava escuro como um poço, já
que a única janela estreita estava fechada firmemente.
Despiu-a e logo fez o mesmo.
Queria vê-la, mas decidiu que se acendia a lamparina poderia
despertá-la. Suspirou e cobriu a ambos com uma manta. Estava
esgotada e ele mesmo se sentia cansado. Ficou adormecido, seus
membros se tornaram pesados, seus pensamentos voltaram para sua
esposa, ao vê-la usando a túnica de homem, o cinto da espada de Orm
amarrada ao redor de seus quadris.
— Agora é minha espada. — Ela tinha informado quando
perguntou se queria que a pegasse. — Eu a ganhei e a guardarei.
Dormia profundamente até que sentiu sua voz, suave e insistente
em seu ouvido.
— Você lembra das coisas que me disse em York, Magnus? Foi
arrogante, impetuoso, atrevido e te achei muito agradável. Me fez sorrir,
me surpreendeu e te desejei muito. Quando me disse como tratava Cyra
acreditei que estava louco. Então você disse, muito sério, que não me
machucaria, mesmo que eu pedisse para você fazer isso. Foi tão solene,

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

como se estivesse me fazendo um grande favor. Pensei que você fosse


incrível, valente e maravilhoso. E ainda penso.
— Também prometi te agradar você, Zarabeth, mas até agora, não
realizei muito.
— Sim, prometeu-o, mas eu não acredito que seja sua culpa. Você
queria que eu recuperasse o desejo de viver e não conhecia outra
maneira para me forçar fazer isso.
— Não estou surpreso de que estivesse acordada.
— Tenho muito em que pensar, Magnus. É hora de...
Ele prendeu a respiração, totalmente acordado, imediatamente
enfurecido com ela. Segurou-a no braço e a arrastou para a cama,
levando-a com ele.
— Nunca vou deixar você ir.
— ...É hora de ser realmente a sua esposa.
— Ah. — Disse, e se surpreendeu quando um profundo
estremecimento passou por ele. Abraçou-a com força, ambos estavam
nus e se pressionavam um contra o outro. Beijou-a no nariz, no queixo,
nos olhos, alisou as suas sobrancelhas com os dedos, e afastando o
cabelo do seu rosto dizendo:
— Eu não queria forçar você novamente. Já não suportaria ter
você debaixo de mim chorando, com os punhos ao lado do seu corpo,
enquanto eu me derramava em seu interior. Já não posso tolerar isso,
Zarabeth.
— Então acredito que você deveria deitar de costas e me deixar
em cima.
Ela tinha surpreendido mais uma vez.
— Em breve. Quero sentir você inteira sobre mim. — Se
aproximou se apoiando nos cotovelos, as costas ligeiramente

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

arqueadas, seu sexo esfregando-se contra sua barriga, mas sem


penetrá-la.
Ele se inclinou para beijá-la enquanto se movia sobre seus seios.
Desta vez foi diferente. Ela se abriu para ele, acariciando as costas dele
com suas mãos, passando sobre suas nádegas, e estremecendo ante a
sensação da suavidade e a calidez de sua pele, a profundidade e o
contorno dos músculos das costas. Moveu as pernas, sentindo a peso
de suas coxas sobre os dela, seus pelos encaracolados fazendo sentir o
contraste.
Sentiu sua abertura, o final de sua resistência. Ficou quieto,
beijando-a profundamente, suas mãos tomando punhados de seu
cabelo, seu sexo empurrando contra ela.
— Abre as pernas, Zarabeth. — Disse em sua boca.
Quando ela abriu, ficou de joelhos entre elas e a olhou.
Amaldiçoou, pois queria ver tudo com claridade. Se inclinou para
frente e estendeu seus dedos, suas mãos cobrindo seus seios,
massageando-os, então baixou seu torso para rodear sua cintura, e
descansou a sua bochecha em sua barriga, aspirando seu aroma de
mulher, logo a levantou e pegou suas nádegas. A puxou para sua boca.
Por muito que a desejava, se negou a correr o risco de impedi-la de
obter seu êxtase, tal era seu desespero por possui-la. Quando seus
quentes lábios a tocaram, ela gritou. Sorriu enquanto a acariciava com
a língua, e quando se retorcia debaixo dele, ofegando, parou um
momento e sussurrou.
— Quero que grite para mim agora, Zarabeth. Quero sentir sua
explosão, sinto que suas pernas se endurecem, sinto que te umedece e
se abre para mim. — Ele a baixou então e colocou seu dedo médio nela.
— Quero sentir que convulsione ao redor de meu dedo. — Começou a

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

acariciá-la outra vez, movendo seu dedo profundamente, até que


gritou, arqueando-se para cima, com os olhos exagerados e selvagens.
Suas mãos se agarraram por seus ombros, seus dedos se
cravaram em sua carne, e gritou novamente, e enquanto gritava, outros
gritos se mesclaram... Mas os gritos provinham de seu interior, desde
muito dentro dela, era a agonia de sua paixão, desejava-a
desesperadamente.
Zarabeth se acalmou, mas os gritos continuaram, mais fortes
agora, e Magnus ouviu gritar seu nome.
Tremia enquanto a penetrava, mas outro grito interrompeu seu
prazer. Negou com a cabeça, tratando de recuperar o controle, tratando
de entender.
— Magnus! — Era a voz de Tostig, e voltou a gritar, desta vez
abrindo de repente a porta do dormitório.
— Por Thor, Magnus! Estão nos atacando!

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

25
Magnus saltou da cama, agarrou a calça e a colocou, enquanto
dizia.
— Rápido, Zarabeth, se vista e logo espere aqui até que veja o que
está acontecendo.
Já tinha ido, quando Zarabeth escutou os gritos e chiados. Então
o aroma de fumaça. A casa comunitária estava se incendiando.
Ia se vestindo no caminho para o salão principal. A fumaça se
amontoava denso, enquanto o teto ardia em chamas. As grossas vigas
ainda prevaleciam, mas por quanto tempo?
— Zarabeth! Rápido, tira todos daqui. Salve o que puder!
Não conseguia parar para pensar, não devia perder tempo. Deu
ordens, acalmou a quantos pôde, se moveu com rapidez, sem pensar,
tratando de não respirar a fumaça cada vez mais espessa. Homens,
mulheres e crianças, todos tentavam resgatar seus pertences, ou uma
cadeira ou um baú ou um utensílio de cozinha. Duas mulheres levavam
o grande tear vertical, todas as lançadeiras 15 que podiam carregar, e a
roca de Eldrid.
Eldrid! Onde estava?
Zarabeth correu de volta aos dormitórios. Todos estavam vazios.
Salvo um. Eldrid estava deitada de lado sobre o piso de terra,
inconsciente, curvada pela fumaça. Zarabeth a agarrou por debaixo dos

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

braços e a arrastou pelo corredor principal. Graças aos deuses um dos


homens estava ali. Gritou, e ele levantou a anciã por cima do ombro
como se fosse nada mais que uma bolsa de couves. Zarabeth agarrou
o resto dos utensílios de cozinha, deu aos outros roupa de vestir,
mantas e tudo o que pudessem conduzir para o exterior. A fumaça era
densa agora, e ela ainda sentia a garganta ardendo, e estava tossindo
com os olhos chorosos quando Magnus chegou a seu lado, então a
agarrou pelo braço.
— Vamos, não é seguro agora.
— Sua cadeira!
Um deles gritou que ia procurá-la.
Viu a túnica de Magnus em sua própria cadeira e se libertou dele,
tropeçando, enquanto corria a procurá-la.
Magnus queria golpeá-la, mas quando viu o sorriso em seu rosto
enegrecido pela fumaça quando levantou a túnica, só pôde mover a
cabeça.
Todos estavam fora agora, se reuniram para ver a casa
comunitária arder em chamas.
Seus rostos estavam pálidos de incredulidade. Não era possível,
entretanto, estava ocorrendo e estavam vendo que não era um sonho,
era real. As outras cabanas que rodeavam a casa comunitária eram de
pedra, mas seus tetos de palha foram rapidamente alimento para as
chamas. O calor ficava mais e mais forte.
Zarabeth olhava a seu redor, tentando contar as cabeças, para ver
que todo mundo estivesse a salvo. Eldrid tossia, aspirando o ar fresco.
Pelo menos estava viva. Viu então ao velho Hollvard, o porteiro, estava
jogado no chão, com uma flecha cravada profundamente em suas

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

costas. Outros dois homens, dois guardas, muito perto dali, ambos
mortos.
A compreensão sobre o que tinha acontecido a golpeou com força
nesse momento. Se virou para o seu marido, esperando que terminasse
de dar instruções. Então se virou sobre seus calcanhares e agarrou a
sua manga.
— Hollvard. — Ofegou ela. — Alguém o matou, Magnus! E aos
outros dois guardas também.
— Sim. Fique aqui. Estamos trazendo mais água de Viksfjord. Não
vai ajudar muito, mas talvez possamos salvar a despensa dos
mantimentos e a casa de banhos.
Ele se foi, e Zarabeth ficou ali se sentindo impotente e indefesa.
Hollvard, morto! Mas quem o tinha matado? Esse velho que sempre
tinha sido amável com ela, desde o começo, inclusive quando tinha o
colar de escrava.
Então soube. Sentiu tanta raiva que a cegou. Pouco a pouco, sem
demonstrar esse sentimento, caminhou através de sua gente,
estudando todos os rostos, dizendo uma palavra tranquilizadora aqui,
uma palavra de estímulo ali.
Ingunn não estava ali. Mas Zarabeth estava segura de que não
deveria estar.
Foi então quando encontrou Ragnar, perto de uma das choças de
armazenamento, uma espada atravessava seu ombro, elevou a voz e
gritou de surpresa e raiva.
Caiu de joelhos junto a ele. Ainda estava vivo, mas o sangue fluía
copiosamente da enorme ferida em seu ombro esquerdo. Correu para o
poço, arrastando a túnica nova de Magnus pelo chão enquanto
caminhava. Um dos homens tinha um balde cheio, e rapidamente

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

inundou a lã suave na água, escorrendo o excesso. Quando retornou


para o Ragnar, limpou a ferida o melhor que pôde e apertou a túnica
contra o corte para deter o sangramento.
Não percebeu de que estava chorando até que Magnus pôs
brandamente sua mão no seu ombro e disse em voz baixa.
— Venha, Zarabeth, os homens levarão Ragnar onde há menos
fumaça.
Uma hora mais tarde, o povo de Malek ainda estava amontoada
em pequenos grupos perto dos campos de cevada, olhando as
fumegantes ruínas da casa comunitária e as choças sem teto que a
rodeavam. As paredes da paliçada estavam de pé, fortes e intimidantes,
não tinham sido tocadas. A poucos metros de distância, havia uma
pequena fogueira ardendo.
Cinco pessoas morreram. Ragnar estava vivo e Eldrid estava
cuidando dele.
Os animais estavam salvos e os campos estavam intactos, mas a
destruição dentro da segura casa comunitária era quase completa.
Zarabeth olhou para seu marido. Falava em voz baixa com um dos
escravos, um jovem cujos olhos seguiam vermelhos e chorosos devido
à fumaça. Viu Magnus falar com muita gente, então o viu afastar-se e
caminhar em direção ao bosque de pinheiros, para a parte posterior da
paliçada. Parou e se virou e viu tanta raiva nua em seu rosto que se
assustou.
Ele ficou ali durante vários minutos olhando sua fazenda que uma
vez foi próspera. Anos de trabalho e esforço que haviam desaparecido.
Não era mais que pedras e madeira, queria lhe dizer isso. Tinham salvo
quase todas as coisas que havia dentro da casa comunitária, incluindo

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

o cofre. Lhe ajudaria. Eles a reconstruiriam. Ainda tinham seus


cultivos, suas vidas, seus pertences. Ainda tinham um ao outro.
Zarabeth afastou o olhar, incapaz de suportar. Era madrugada
agora, e logo todo mundo teria fome.
Ordenou a vários homens que recolhessem pedras para empilhar
ao redor de uma pequena fogueira. Logo fez cravar longas estacas na
terra, com profundos entalhes na parte superior. Continuando, os
homens baixaram uma estaca transversal e a colocaram com cuidado
encaixando-a nos entalhes esculpidos. Envolveram correntes ao redor
da estaca superior para poder pendurar as panelas dela. Agora
Zarabeth podia se manter ocupada, seguiu trabalhando duro para não
ter tempo de pensar.
Ragnar estava vivo, mas todos sabiam que corria perigo. Eldrid
ficou com ele, limpando o seu rosto com panos úmidos, fornecendo
água, e esperando que Helgi viesse com seus medicamentos.
No início da tarde chegaram os pais de Magnus, trazendo não
mais que meia dúzia de pessoas com eles. Mattias e Glyda não tinham
vindo. Então ficou muito evidente o porquê. Tinham que ficar para
proteger sua fazenda, Mattias era responsável. Não queria correr o risco
de que Orm atacasse enquanto estavam fora. De fato, todos se
perguntavam se esse era o seu plano.
Zarabeth escutou Magnus falar com o seu pai, de fato seu pai
estava gritando e puxando os cabelos.
— Por Thor, como uma filha minha pode nos trair assim! Como
pôde fazer isso? Tem Orm poderes antinaturais para conduzi-la a seu
desejo? — A pergunta não estava destinada a ser respondida. Seguiu
murmurando maldições e sacudindo a cabeça.
Helgi disse em voz baixa para Zarabeth.

389
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Ninguém suspeitava? Você não sentiu nada?


Zarabeth ficou pensativa e em silêncio, dizendo finalmente.
— Não. Estava tranquila quando voltamos. Ficava sozinha a maior
parte do tempo. Não fez nada suspeito, nem sequer comentários
sarcásticos. Ragnar estava atrás dela, provocando-a, conduzindo-a,
mas isso não parecia importa-la. Agora, é obvio, quando penso, estava
muito tranquila, como se estivesse esperando o momento oportuno, à
espera de algo.
— Mas por que? — Helgi golpeou sua palma contra a sua coxa e
fez uma careta de dor ante seu próprio golpe. — Se queria ficar com
ele, e escapar da Noruega, não tinha necessidade de salvar você! Não
tinha que fingir golpeá-lo para fugir com você.
— Estou segura de que o golpeou com força, Helgi. Mas parecia
alterada quando Orm, pretendeu demonstrar que me queria e não a
ela. Ele zombou dela então. Estava convencida de que o tinha golpeado
mais para castigá-lo que para me salvar, para reivindicar sua
humilhação. Mas não me importei, pelo menos então.
— Mas por que planejar este desastre, e por que voltar para
Malek? Por que?
— Vou lhe dizer o porquê, mãe. — Disse Magnus, de pé atrás de
sua mãe, com seus ombros retos e o rosto duro como uma pedra. —
Orm provavelmente decidiu que Zarabeth seria um problema. Que
nunca se entregaria de boa vontade. Teria que matá-la, e queria se
vingar de mim mais do que queria sua morte. Também queria mais
riquezas antes de abandonar a Noruega. Ele deve ter nos seguido muito
de perto no retorno. Eu realmente não questionei por que não ficou
para lutar, porque sabia que tinha só dois homens, e meu filho. Pode
ser que esteja louco, mas não é um parvo. Nunca foi seu plano resistir

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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e lutar. De alguma forma deve ter se comunicado com Ingunn, ou tudo


foi uma farsa e planejaram isto desde o princípio.
— Por que não desviou da rota direto para o golfo e seu navio?
— Não sei. Zarabeth me disse que Ingunn o pressionava
continuamente para que se apressasse. Há muitas perguntas e
nenhuma resposta até o momento. Mas sim, sei, que todas minhas
joias desapareceram. Todo o ouro e a prata, os ornamentos e as moedas
já não estão aqui. Estavam em um barril detrás de um tronco oco perto
da parte frontal da casa comunitária. Tudo o que Ingunn teve que fazer
foi esperar até que se estendesse o pânico pelo fogo, e logo, com calma
recuperou o barril, e se alguém perguntasse o que estava fazendo, ela
poderia ter dito simplesmente que estava salvando minhas posses.
— Mas poderia ter matado você! — Helgi se virou, sua vergonha e
raiva eram evidentes. — E Orm estava esperando fora da paliçada para
que levasse as joias e as moedas. Matou Hollvard, e é responsável por
outras cinco mortes.
Sua mãe ainda parecia atordoada e doente, e Magnus a abraçou.
— Suponho que temos sorte de que Orm não tentasse raptar
Zarabeth novamente. Talvez esperasse que depois que o fogo estivesse
ardendo, ela se separaria de mim. Mas não o fez. O bastardo estava ali.
Pai, olhe a destruição que sua filha provocou. Ingunn deve ser
castigada por isso. Sinto muito, mas já não é minha irmã. Ela é minha
inimiga como Orm. Pelo menos meu navio está intacto. Havia uma
dúzia de homens trabalhando no Vento do Mar, e, portanto, Orm não
teve a oportunidade de destrui-lo. Prometo que vai morrer antes que o
verão tenha terminado.
Zarabeth se sentiu afligida por seu ódio, por sua promessa, pela
resistência imperturbável que demonstrava. Trabalhou muito mais que

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

ela, limpando a madeira queimada, em busca de algo que pudesse


salvar, ou reparar.
Ao final de um longo dia, enquanto estavam sentados frente ao
fogo da fogueira ao ar livre, abrigados pelas mantas que Helgi havia
trazido, Zarabeth pensou que nunca tinha estado tão cansada em sua
vida. Não podia pensar em nada para dizer.
Deitada de lado, com a cabeça sobre as coxas de Magnus,
escutando-o falar com seu pai, e também com os homens, e escravos e
servos.
Sentiu sua força sob a bochecha e recordou o que ele tinha feito
tão somente poucas horas antes. Tinha-lhe dado tanto prazer, que
tinha se tornado selvagem, rompendo qualquer barreira que pudesse
ter sido erguido contra ele. Mas quando ela tinha gritado de prazer,
tinha escutado outros gritos também... Estremeceu-se. Magnus
acariciou suavemente seu braço, enquanto escutava seu pai.
— Um pai não deveria ter que suportar isso. — Estava dizendo
Harald. — Quantos homens você vai levar a Danelaw, Magnus?
— Não posso ir atrás deles ainda. Em primeiro lugar terei que
reconstruir a casa. Tudo deve estar seguro antes que chegue o inverno,
do contrário ninguém sobreviverá.
— Mattias e eu estaremos aqui para te ajudar com todos nossos
homens.
— Obrigado, Pai.

Zarabeth despertou, fazendo uma careta ante a dureza do chão,


mas maravilhosamente quente pelo corpo de Magnus enrolado ao redor

392
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

do dela. Sua mão estava segurando o seu seio, com a cabeça apoiada
em seu braço. Ele se aconchegou mais perto e beijou a sua orelha,
sussurrando.
— Não, não faça isso, porque não posso te tomar agora.
Ela sorriu e se virou se apertando contra ele.
— E agora o que acontecerá, Magnus?
— Vamos reconstruir. Asseguro isso, você não desejará ficar
assim quando chegar o inverno, Zarabeth.
— Tudo o que quero neste inverno é ter você comigo.
Ele sentiu muito prazer em suas palavras. Abraçou-a com força,
envolvendo-a entre seus braços.
— Quando a neve seja mais alta que minha cabeça, desejará ter
mais que o meu calor.
— Talvez. Também desejo ter Egill de volta conosco. Magnus, sinto
muito. Se eu não tivesse vindo aqui, se Ingunn não me odiasse tanto…
— Duvido que teria feito alguma diferencia para ela. — Disse
bruscamente. — Não se culpe Zarabeth, porque não permitirei que
você, assuma qualquer responsabilidade por isso.
Os servos começaram a despertar e Magnus foi acordado, se
apoiando em um cotovelo, olhou para a casa comunitária queimada, e
a raiva disparou através dele novamente. Seu avô tinha construído essa
casa e a tinha deixado para Magnus depois de sua morte. Agora já não
estava. Só ficavam cinzas e partes de madeira queimada, os patos
caminhavam junto às vigas enegrecidas e as pedras cheias de fuligem.
A diferença de uma vida, todas as construções poderiam ser
substituídas.
Magnus disse em voz alta para Zarabeth.
— Reze para que Ragnar viva.

393
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

A ferida de Ragnar se agravou nesse dia, apesar do emplastro que


Helgi tinha preparado para sua ferida. Seu corpo ardia e falava de
coisas estranhas, de lembranças que acontecera há muito tempo, havia
dito Magnus. Zarabeth permaneceu a seu lado, banhando-o com um
pano úmido e fresco, rezando. Na noite seguinte, ele parecia mais
tranquilo e Helgi estava dizendo.
— Dorme. Acredito que vai viver.
Zarabeth se levantou, tão aliviada que queria gritar. Mas de
repente, percebeu que o chão se inclinava, balançando, fazendo perder
o equilíbrio como se fosse empurrada por mãos invisíveis. Ela se sentia
enjoada e caiu onde estava.
Quando a escuridão se fechou sobre sua cabeça, ouviu o grito de
Magnus. Gostaria de poder falar com ele, mas só havia escuridão agora,
envolvendo sua mente, e sucumbiu a isso.
— Deve ser o cansaço. — Disse Harald, olhando sua nora, nos
braços de seu filho.
Magnus estava sentado na cadeira do amo, com Zarabeth em seu
colo.
— Sim, não deveria ter deixado ela trabalhar tão duro, não depois
de seu calvário nas mãos de Orm.
— Tolices. — Disse Helgi. — Zarabeth não é uma mulher frágil,
absolutamente.
— O que é, então, mulher?
Helgi sorriu ante o tom intolerante de seu marido.
— Não pode suportar não saber de tudo, Harald? — Comentou
enquanto acariciava a testa de Zarabeth com um pano úmido. — Os
homens sempre devem ter a última palavra, a última palavra e a razão
em tudo. Bem, desta vez não.

394
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Mulher, juro que vou castigá-la, se não cuidar de sua língua!


Se Magnus não estivesse tão preocupado, teria rido. Acreditar que
seu pai poderia levantar a mão para sua esposa era algo ridículo. Helgi
sorria, sabendo que seu marido era incapaz de algo assim, como
Magnus.
— Então, o que tem de errado com a moça? — Perguntou Harald
finalmente. — Já que é uma bruxa sabidona.
— Ela carrega um bebê de Magnus.
Magnus quase deixou Zarabeth cair. Olhou para sua mãe.
— Está grávida?
— Sim, suponho que sim. Quando despertar vou interrogá-la. Há
sinais muito claros, sabe, filho.
Ele ficou ali sentado segurando sua esposa inconsciente contra o
seu peito, pensando, tentando recordar a última vez que ela tinha
sangrado. Não tinha sido muito tempo antes. Foi quando Lotti se
afogou e Egill tinha desaparecido. Olhou para sua mãe, que estava
sorrindo para seu marido.
Então disse lentamente.
— Tenho medo.
Helgi esqueceu o jogo com seu marido. Ajoelhou-se junto à cadeira
de Magnus e suavemente começou a alisar o cabelo de Zarabeth,
afastando do rosto. O cabelo era suave e muito longo. Ela se maravilhou
com sua cor. As sobrancelhas de Zarabeth eram mais escuras, de uma
rica cor marrom avermelhada, e suas pestanas grossas e espessas.
Suas maçãs do rosto estavam bem esculpidas, e sua pele era suave e
muito branca. Helgi pensou em uma menina que de algum jeito se
parecesse com seu filho e Zarabeth também, e balançou a cabeça.

395
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Por que? Ela não é como Dalla, Magnus. Você a conhece bem.
Não são seus quadris largos, com ossos bem espaçados?
— Não sei. Quando a tomei, não tinha a ideia da maternidade em
minha mente.
Seu pai começou rir.
— Posso entender isso. Casado com esta velha aqui, entretanto, é
difícil para mim recordar dessas coisas.
— Ahh! Há mais fios cinza em seu cabelo, ancião, que no meu!
Magnus olhou os restos fumegantes de sua casa, sentindo a
risada de sua mãe em seus ouvidos. Não importava o que ocorresse em
sua vida, não importava quão odioso, triste, ou terrível acontecesse, se
ela estava ali, sempre teria vontade de continuar. Baixou a cabeça para
beijar a testa de Zarabeth. Tinha-a visto, decidiu que a queria, sem
considerar os seus desejos, e sem pensar muito sobre qualquer coisa.
Sempre confiante e tão seguro de si mesmo e do que era. Ele tinha lhe
dado uma ideia de que a desejava, sem duvidar de que a teria. Se
tivesse feito de propósito, e traí-lo, bem, ele merecia. Quanto a seu
próprio comportamento, tudo o que ele tinha dado foi infelicidade, dor
e humilhação.
Agora seu filho crescia em seu ventre. Era algo terrível, e,
entretanto, ao mesmo tempo, sentia uma alegria incrível. Sentiu a
umidade das lágrimas em seu rosto.
Quando Zarabeth despertou, viu o rosto de seu marido perto do
seu, olhando-a fixamente.
— O que aconteceu? Não entendo. Estou deitada sobre você…
— Você desmaiou.
Era estranho, mas estava deitada no colo de seu marido.
Lentamente, levantou a mão e tocou a sua bochecha.

396
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— São lágrimas?
— Sim.
— Mas por que? Apenas estou muito cansada. Nada mais. —
Sorriu um pouco vacilante. — Minha vida nos últimos tempos foi um
pouco mais que emocionante e um pouco imprevisível.
Ele baixou a cabeça e a beijou brandamente na boca fechada.
— Alguma vez desmaiou antes, Zarabeth?
Ela negou com a cabeça.
— Eu não sou tão fraca para essas tolices, Magnus.
— Isso é o que disse minha mãe.
— Por que estava chorando? Há algo errado comigo? Oh, não,
Ragnar… está bem?
— Ele está muito bem. Tem quadris largos?
— Se você deixar me levantar, vou tentar ver e te responderei.
— Não se mova. — A localizou um pouco mais acima sobre o braço
esquerdo. Sua mão direita foi para sua barriga e suavemente abriu os
dedos das mãos formando um palmo, sobre ela. Seus quadris estavam
fora de seu alcance. — Isso é bom, suponho. Direi a minha mãe de
minha descoberta e verei o que pensa.
Ela tratou de empurrar a sua mão.
— Magnus, há pessoas por toda parte! Alguém vai ver!
— Eu sou seu marido. Que olhem.
— Me deixe ir agora. Sinto-me bem, e é parvo ficar sentada nesta
cadeira sobre você quando… nada demais... — Saltou de seu colo, e
nem bem esteve de pé, voltou a se sentar sobre ele, olhou-o fixamente,
e de repente seu rosto ficou branco. — Oh. — Disse, e voltou a cair
sobre seu braço. De repente havia medo em seus olhos. — O que eu

397
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

tenho de errado? Pensei que ia desmaiar outra vez, e me senti tão


enjoada...
— Está esperando meu filho.
— ...E enjoo. Me senti enjoada antes, mas acreditava que era só
fome, que tinha medo de Orm, e o que iria acontecer, simplesmente…
O que?!
Ele sorriu.
— Não, não se mova, não quero que você desmaie outra vez.
Assim, só fica quieta. Está esperando um filho.
Ela o olhou fixamente, incapaz de compreender a realidade de sua
declaração. Não, não, na realidade era que Lotti se afogou, a realidade
era que Egill estava desaparecido, a realidade era ela deitada no chão
nua com Orm em cima…
— Estou grávida? É verdade?
— Sim.
Seus olhos resplandeciam de prazer, com um azul tão vivo, tão
surpreendente, que não podia afastar o olhar deles, nem desejava.
— Nunca tive um filho antes.
Parecia perdida e assustada e tão estranhamente despida, que ele
não sabia que emoção abordar primeiro.
— Exceto Lotti. Ela era minha filha.
Agora sabia por onde começar.
— Zarabeth, não vamos substituir Lotti. Ela era especial e sempre
permanecerá em nossos corações e em nossas lembranças. Nada pode
mudar o que era para nós. — Respirou profundamente. — Não posso
dizer com certeza se Egill está vivo. Seria tolo de minha parte negar que
queira encontrá-lo e trazê-lo a salvo comigo. Mas, se como Lotti, está
morto, então as duas crianças permanecerão em nossos corações. Esta

398
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

criança... vamos rezar para que seja saldável e feliz, e saiba o amor que
têm dos seus pais.
Ela apoiou a bochecha contra seu peito e a segurou ali, com rosto
contra o alto de sua cabeça.
— O que vai acontecer? — Perguntou, com sua voz abafada pela
túnica.
Magnus abriu a boca para falar, quando ouviu um rugido furioso
atrás dele. Virou sobre sua cadeira, levando Zarabeth com ele, para ver
Ragnar tentando se levantar, enquanto Eldrid tentava segurá-lo.
Estava gritando e amaldiçoando, agitando os braços. Empurrou
Eldrid e ficou de pé, sobre a manta onde se encontrava.

399
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

26
Zarabeth não podia suportar a dor de Ragnar. Se ele tivesse a
garganta de Ingunn entre suas mãos, certamente, a teria matado.
Ragnar se estremecia de dor, sabendo o que Ingunn tinha feito a
Magnus, a Malek e a ele.
— Orm sempre me pareceu suspeito. — Dizia uma e outra vez,
inclusive enquanto tentava de libertar do agarre de Magnus. — Ela
olhava constantemente para todos lados e permanecia alerta, me disse
que tinha golpeado ele com sua espada! — Ragnar parou, respirando
fundo, com o rosto cinza de dor, úmido de suor, tentando de se libertar
e procurando calma ao mesmo tempo. — Mas de repente me
surpreendeu ao me atacar com traição, me disse que não me mataria,
que merecia sentir dor pelo o que tinha feito com ela. Eu mereço isso
por ser um tolo.
Eldrid estava tratando de acalmá-lo, com palavras suaves, mas
ele afastava a sua mão.
— Deite-se, Ragnar. — Disse Magnus. Não esperou que seu amigo
obedecesse. Simplesmente o pegou e o deitou sobre suas costas. —
Agora, fique aqui. Qual era sua intenção? Sair atrás de Orm agora,
neste instante? Controla sua ira, ou a utiliza para se curar mais rápido.
Vamos todos muito em breve, e levaremos você conosco. Não, Ragnar,

400
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

mantenha sua fúria contida no momento, e obedeça Eldrid. Ela não


quer te enterrar debaixo da terra. Eu tampouco.
Magnus, convencido de que seu amigo se tranquilizaria, se virou
para sua esposa.
— Como se sente?
A verdade é que se sentia débil e enjoada, e seu estômago estava
revolto.
— Estou bem. — Disse, e forçou um sorriso. Magnus se limitou a
balançar a cabeça, olhou para Ragnar, logo a levantou em seus braços.
— Deve descansar, como Ragnar. Não proteste, Zarabeth. Quero ver
você bem.
E isso, pensou, deitando-a sobre uma pilha de mantas, com as
costas apoiada contra uma árvore, foi justamente o que ela fez. Esteve
adormecida em questão de minutos.
Que coisa mais estranha, pensou Zarabeth mais tarde. A cabana
de escravos não tinha sido tocada pelas chamas. Era a única
construção que ficou intacta. Mais homens chegaram da fazenda de
Harald, e começaram a reconstrução. Foi um processo lento, porque a
madeira velha ainda ardia, e várias vezes os homens puseram as vigas
que acabavam se queimando quando as brasas se avivavam.
O som da queda de árvores se converteu em um ruído familiar. A
madeira recém cortada cheirava maravilhosamente. Só utilizavam
carvalhos, e já que havia poucas árvores dessa classe, as caminhadas
para encontrá-las levou muito tempo. Tudo levou muito tempo.
Helgi ficou com eles, ajudando Zarabeth para fiscalizar a cozinha,
da lavagem do que conseguiram salvar e todas as demais tarefas.
Os homens construíram choças com teto de palha, porque
Magnus sabia que ia chover e queria proteger Zarabeth.

401
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Enquanto a reconstrução avançava, Magnus colaborou com o


recondicionamento do Vento do mar e então acabaram as reparações.
A ira ardia em suas vísceras, e crescia cada vez que via a
devastação de sua casa. Seu avô tinha escolhido o nome Malek para
sua fazenda, embora não sabia o que significava essa palavra, nem
tampouco o seu pai. Em realidade, a ninguém importava agora, nem
sequer a Magnus. Malek lhe pertencia, e seguiria sendo dele.
Ao quarto dia depois do incêndio, Haftor Ingolfsson chegou, com
dois de seus filhos.
Viram a fazenda destruída e ficaram para ajudar. Queriam saber
se Magnus sabia o paradeiro de Orm. Magnus negou saber alguma
coisa sobre ele. Mentiu sem problemas, e Zarabeth consentiu essa
atitude em seu silêncio. Os Ingolfssons eram homens altos, loiros, de
aparência agradável, e ferozes. Sua irritação com Orm era grande.
Queriam encontrá-lo a todo custo para se vingar.
— Por que não disse a verdade? — Perguntou Zarabeth a Magnus
uma noite, quando estavam deitados um ao lado do outro sob as
estrelas. A noite era quente, assim não havia necessidade de se refugiar
sob o teto da choça.
— Quero ele só para mim.
Ela aceitou. Suspirou e se apertou mais a ele. Sentiu uma suave
palpitação em sua barriga. Magnus não tinha feito amor com ela desde
a noite do incêndio.
— Eu também te desejo.
Zarabeth sorriu e se aproximou mais, suas palavras a encheram
de prazer.
— Mas temo machucá-la.

402
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ela se aproximou dele, pondo seu rosto a centímetros do seu.


Mordeu a ponta do seu nariz e sorriu.
— O que acontece a um homem se não gozar?
— Escolhe outra maneira de dizer isso, Zarabeth.
— Muito bem. Se não conseguir liberar a sua semente, o que
acontece?
— Me torno em um velho curvado, minha barriga incha, o cabelo
fica branco, e meus dentes apodrecem e caem.
Sua risada ressonou, livre e alegre. Ele ficou quieto, cheio de
satisfação pelo doce som.
— Oh, Magnus, isso é tudo? Isso que estou vendo é um cabelo
branco? — Ela estava rindo, puxando o seu cabelo loiro, para olhar de
perto. — Não, nem um só cabelo branco. Agora, me mostre seus dentes.
Ele amavelmente abriu sua boca e ela estudou seus brancos
dentes, e logo o beijou.
— Não vou te deixar até comprovar se está encurvando. Oh,
marido, devemos nos assegurar de que não se torne em uma antiga
relíquia.
Passou a mão por sua barriga plana.
— Ah, não há inchaço aqui no momento.
— Não, não é a barriga que está inchando.
Ele a beijou, sabendo que certamente alguns de seus homens
estavam perto, acordados, mas não deu importância. Sussurrou em
seu ouvido.
— Se a tomar, vai gritar quando explodir em seu prazer? Me diga
a verdade, Zarabeth, terei que pôr minha mão sobre sua boca?

403
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sim. — Disse, e riu. — É sua culpa, assim não me


responsabilize, quando é você que me faz uivar como uma loba
enlouquecida.
Se moveu, deitando-a brandamente sobre suas costas. Agora,
podia ver seu rosto iluminado pela risada.
— Acredito que a única maneira de me salvar das brincadeiras de
meus homens é proceder assim. Não, não diga nada. Eu sou seu
marido e vou fazer as coisas como quero.
Ele a beijou até que a sentiu se render e aceitá-lo, não só como
seu marido, mas também como seu homem. Ele ignorou o movimento
inquieto de seu corpo debaixo dele, e a manteve imóvel até que ela deu
um murro no braço.
— Oh sim. — Disse, e a beijou novamente, só que desta vez
acariciava o seio com a mão, massageando suavemente. — Estão
maiores. — Disse entre beijos. — Me diga se te machuco.
Zarabeth queria mais, mas ele se negou a permitir que o tocasse,
para acelerar o ritmo que tinha criado.
Finalmente, quando tentou morder a língua para sossegar seus
gemidos, riu brandamente, e lhe deu alívio com os dedos por debaixo
de seu vestido acariciando sua carne úmida.
Quando começou a acariciá-la ritmicamente, não teve uma
maneira de controlá-la, os sentimentos eram tão intensos, tão ferozes,
que rapidamente se tornaram incontroláveis. Ele a encorajou enquanto
a beijava suavemente, na garganta.
— Está fazendo bem, Zarabeth. Eu adoro te dar prazer.
E quando ela ficou rígida e se arqueou tensa como um arco,
aprofundou a pressão e tragou seus gritos com sua própria boca.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Desfrutou de cada um dos pequenos estremecimentos que


seguiram a sua liberação. Brandamente se localizou entre suas pernas
e entrou nela. Mordiscou sua orelha e ela tratou de virar o seu pescoço
para que pudesse beijá-la um pouco mais, mas ele não o permitiu.
— Não se mova. — Disse. — Me deixe entrar mais profundo... Sim,
isso. Me deixe tomá-la...
Zarabeth empurrou com força contra ele e gemeu. Agarrou seus
quadris em suas mãos grandes, e se inundou profundamente uma e
outra vez até que foi muito para ele e enterrou o rosto em seu cabelo,
gemendo em sua alma. Isto, disse a si mesmo, era real. Isto era
compartilhar, conhecer, agradar e estar satisfeito. Era confiança,
domínio e era maravilhoso.

Foi Tostig que o encontrou e o levou para Zarabeth. Ela estava


costurando, uma das poucas ocupações que as mulheres
consideravam aptas para ela. O dia estava quente e os sons da
construção e das risadas dos homens e suas maldições enchiam o ar.
Olhou-o e sorriu.
— Sim, Tostig, que traz consigo?
— Isto... Senhora, é... exatamente isto... — Parou e tirou um
pedaço de tecido com cerca de trinta centímetro.
Era uma tira irregular de lã tingida de um azul suave, desbotado,
agora quase cinza devido à exposição da natureza.
Ela levantou o rosto.
— O que é? Onde o encontrou?

405
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Entre o meio das folhas, na base de um pinheiro, um pouco


além da margem do bosque. Devemos ter deixado passar quando
estávamos procurando Egill.
Zarabeth sentiu que seu coração paralisava. Seus dedos
agarraram a lã. Voou sobre seus pés, gritando.
— Magnus! Magnus!
Tostig a agarrou pelo braço.
— É sobre a menina, não é, senhora?
Ela o olhou, com os olhos arregalados.
— Sim, tem que ser... Magnus!
Ele ouviu gritar seu nome e saiu disparado. A viu de pé junto a
Tostig, parecia pálida e doente, parada no lugar, olhando para água.
— Zarabeth!
Ela se virou ao ouvir sua voz, levantou a saia e correu para ele,
gritando.
— É dela, Magnus, estou segura!
De repente ficou completamente branca e caiu. Tostig tentou
apanhá-la, mas estava fora de equilíbrio e caiu na terra com ela.
Quando despertou, estava deitada no colo de seu marido, e ele
estava sentado em sua cadeira, agora localizada embaixo de um
pinheiro.
— Magnus, é dela, eu sei! Não estava na água, estava no chão,
junto aos pinheiros.
— Talvez, mas você deveria...
— Tostig te contou onde o encontrou? Não estava perto da água.
Lotti não se afogou!
— Está segura que a faixa de lã é da bata que Lotti usava nesse
dia?

406
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele viu que estava completamente convencida. Respirava com


dificuldade, muito fraca para se sentar. Sustentou-a mais perto de seu
peito.
— Tranquila, agora, pensemos com calma.
— Eu acredito que Eldrid pode saber se pertence a Lotti, fez isso
para ela.
— Ela não faz os vestidos para as outras meninas usando a
mesma lã?
Era possível, e Zarabeth se viu obrigada a assentir com a cabeça.
— Vamos ver. Tragam aqui.
Eldrid saberia. Nenhuma lã usada para confeccionar os vestidos
era exatamente igual a outra. Olhou o retalho de lã, colocou as mãos
no rosto e gritou.
Zarabeth olhou o rosto sombrio de Magnus.
— Onde está? Em Danelaw com Egill? Orm levou a ambos, não?
Acha que Orm a salvou? Acha que ele estava olhando e a tirou da água?
Ou talvez Egill a salvou e Orm capturou a ambos lá, no bosque, fora da
vista de seus homens. Mas por que deixou... Esse desenho grosseiro
mostrando Egill, e nada que indicasse que Lotti estava com eles? Por
que?

York, Capital de Danelaw


Uma das casas senhorial do rei Guthrum

As crianças vikings se entretinham, o menino muito protetor com


uma menina, mas orgulhoso e corajoso. Era raro eles falarem, e quando

407
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

um deles fazia isso, geralmente era o menino, Egill. A menina só


pronunciava o nome do menino. Essa palavra parecia ter um grande
significado para ele, dependendo do tom e da cadência de sua voz.
Faziam gestos pitorescos entre eles, tinham sua própria linguagem
privada e Cecilia pensou que eram muito inteligentes. Se falavam dela,
bem, ela era linda, gentil e amável com eles, por isso seus comentários
não podiam ser maus.
Guthrum os tinha dado em seu vigésimo aniversário, sorrindo,
quando disse.
— Para minha linda Cecilia, ofereço a você dois filhos, como
amostra de meu amor, só que não são tão pequenos e não interferirão
em nada do que faça.
Tinha esperado joias e ficou de mau humor durante dois dias, até
que percebeu que seu tio e também seu amante, o rei de Danelaw, tinha
proporcionado um meio muito eficaz para se comunicar com ele cada
vez que desejava vê-lo. Ninguém prestava atenção a um menino ou a
uma menina, e menos se eram escravos. Um ou outro levavam uma
amostra de afeto ou uma mensagem aos aposentos do rei quando era
necessário, e ninguém reparava nisso, nem sequer a esposa de
Guthrum, essa cadela ciumenta, Sigurd.
Cecilia suspirou. Estava aborrecida. Guthrum já deveria ter
chegado. Provavelmente estaria trancado com seus homens, rindo e
cantando ante a notícia de mais incursões nas terras do rei Alfred em
Wessex. Isso, ou provavelmente estaria imerso nas estratégias para a
derrota final do rei saxão, este o tinha obrigado a assinar um tratado
de paz com ele alguns anos antes e também a professar fé no Deus
cristão.

408
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Sim, quando era necessário, Guthrum podia ser tão piedoso como
um dos bispos de Alfred.
Cecilia agarrou uma amêndoa com mel e comeu só uma parte
dela. Sorriu. Era como Guthrum. Sempre gostava de comer pelas
bordas do Reino Inglês, sempre esfregando as mãos manchadas pela
velhice ao ver os enormes lucros que entravam em suas arcas.
É obvio, sempre negava qualquer conhecimento de incursões nas
terras do rei Alfred quando chegavam as mensagens furiosas do rei
saxão. Ele negava com a cabeça, com olhar triste, fingida angústia e
enviava o mensageiro de volta, com as mãos cheias de moedas de prata.
Cecilia voltou a olhar as crianças. Franziu a testa nesta ocasião.
Um bonito viking chamado Orm Óttarsson se apresentou ante o
Guthrum com o menino e a menina, junto com mais moedas de prata
que Cecilia poderia contar, em troca da transferência das ricas terras
agrícolas junto ao rio Thurlow, terras que tinham pertencido a uma
família saxã, mas o viking tinha reivindicado para si. Tinha visto o
homem, e se impressionou por sua arrogância e sua elegância. Ela se
considerava uma mulher inteligente e necessitava um homem
inteligente, portanto tentou encontrá-lo. Entretanto, tinha deixado
York para retornar a Noruega. Era deprimente, mas Cecilia sabia que
ia retornar, e quando o fizesse, então iria vê-lo.
Ela se levantou e entrou no pequeno jardim amuralhado fora de
seu dormitório. As paredes de pedra tinham dois metros de altura com
rosas subindo pela parte superior, cobertas de flores vermelhas e
brancas. Havia uma pequena fonte no centro do jardim, rodeada de um
antigo mosaico romano, de forma retangular. Ainda estava intacto,
mostrando criaturas estranhas.

409
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Egill e Lotti estavam ali, e ele estava falando com ela, gesticulando
com as mãos enquanto falava, para dar ênfase a suas palavras. Ela se
aproximou para escutar.
— Diga novamente, Lotti. Vamos, diga.
Lotti fez alguns sons para falar, mas Cecilia não entendeu. Então
a menina disse.
— Bom dia.
— Bom dia. O que estava acontecendo aqui? — Disse Cecilia
alegremente enquanto se dirigia as crianças. O moço empalideceu e
deu um passo para proteger à menina.
Ambos estavam vestidos com túnicas de lã branca, ligeiramente
rodeadas com suave couro azul pregueado na cintura. As túnicas não
tinham mangas e chegavam aos joelhos. Os tecidos os identificavam
como escravos, mas a suave e excelente qualidade da lã também
indicava que seu amo ou ama era de natureza generosa. As crianças
tinham bom aspecto, e isso alegrava Cecilia. O cabelo da menina era
de uma rica cor gengibre e seus olhos de um estranho tom dourado.
Ela prometia ser uma grande beleza quando ficasse mais velha, mas
isso não incomodava Cecilia. Não gostava de estar rodeada de feiura,
nem sequer nas pequenas escravas.
— Lotti. — Disse Cecilia para menina. — Vá me buscar uma rosa
vermelha, rápido. O rei estará aqui logo e quero usá-la em meu cabelo.
— Acariciou-lhe o cabelo enquanto falava.
Lotti lançou um olhar para Egill, e moveu suas mãos de forma
rápida e singela, assinalando a roseira e Cecilia não percebeu. Estava
distraída estudando um arranhão na parte posterior da mão,
perguntando-se como o teria feito.

410
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Egill esperou, com a esperança de que Lotti trouxesse uma rosa


vermelha e não uma branca. Ainda não tinham acertado os gestos para
identificar as cores. Esperou, tenso e rígido, observando-a.
Cortou uma rosa vermelha e sentiu uma quebra de onda de alívio.
Não tinha ideia do que aconteceria se a mulher percebesse que Lotti
não ouvia e falava muito pouco. Lotti pôs na mão de Cecilia a rosa e ela
deu um tapinha na sua cabeça, como faria com um cão que tinha
obedecido uma ordem.
Egill não sentia mais que desprezo pela mulher e sua vaidade
ridícula. Sobre o rei Guthrum, não sabia o que pensar. O homem era
mais velho que o avô de Egill, entretanto, tentava aparentar juventude,
tentava acariciar e beliscar Cecilia como se fosse seu amante
apaixonado. E Cecilia seguia o seu jogo. Egill tinha pensado primeiro
em dizer ao rei quem era, mas então tinha ouvido dizer a um dos
conselheiros de Guthrum, um homem que olhava de esguelha para
Cecilia, que o rei se agradava ter como escravos as crianças vikings.
Mostraria que as crianças vikings eram tão perigosas quanto seus
touros em cativeiro. Egill tinha percebido então que eram compatriotas.
Não se importou. Se perguntou se talvez o rei conheceria seu pai. Até
o momento não tinha encontrado um momento adequado para se
aproximar dele.
Guthrum tinha um temperamento incerto. Egill não era estúpido.
Não tinha nenhuma intenção de zangar a este homem que tinha em
suas mãos o poder de vida e morte sobre ele e Lotti.
Egill meditou. Pensou em Orm Óttarsson, que tinha raptado a ele
e Lotti, nem bem tinham chegado meio afogados e ofegando à beira da
água, a ponto de morrer. Egill tinha visto Lotti flutuar de barriga para
baixo em águas pouco profundas e a arrastou para fora, arrancando os

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

canos que a mantinham presa. Quase se afogou pelo esforço, mas não
teria se importado se a menina tivesse morrido. Ele tinha golpeado no
seu peito e nas costas e, finalmente, tinha começado a respirar
novamente, tossindo e cuspindo água. E então levantou a vista e se
encontrou com Orm Óttarsson olhando-os, sorrindo. Por um momento
Egill pensou que os levaria para o seu pai, mas os cobriu em mantas e
os tinha levado. Quando Egill tinha perguntado a Orm o que ele estava
fazendo, o homem o tinha golpeado com força e riu. Ele os tinha dado
ao rei como parte de um suborno. E esse era outro problema.
Certamente o rei acreditaria na palavra de Orm e não na de um menino
que também era um escravo. Egill não sabia o que fazer.
Sentia falta do seu pai, via-o em sonhos, alto e forte, com olhos
distantes e tristes, pensando em seu único filho. Egill sabia que seu
pai deveria acreditar que ele estava morto, pois tinha considerado todas
as possibilidades, e imaginava que seu pai, e seus homens o teriam
procurado, e, ao não encontrá-lo, concluiriam que tinha morrido de
algum jeito, afogado ou arrastado por animais selvagens.
Viu que Lotti caía de joelhos e estudava absorta o mosaico
romano. Ela achava fascinante, seus pequenos dedos percorriam cada
uma das figuras de cores brilhantes. Cecilia, depois de ter colocado a
rosa no cabelo, agora estava olhando ao redor procurando algo que
fazer. Para Egill ela era uma criatura inútil. Inclusive Cyra, que tinha
sido a amante de seu pai, não tinha sido inútil, não exatamente.
— Egill.
Lotti estava empolgada por um dos azulejos. Egill dirigiu um
sorriso tolerante e se aproximou dela, deixando-se cair de joelhos a seu
lado.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Os azulejos mostravam a um homem muito bonito vestido só com


um pano branco pregueado ao redor de sua cintura e segurado por um
largo cinturão de couro. Levava um elmo de ouro na cabeça. Ele era
grande, musculoso, e parecia estar muito seguro de si mesmo. Estava
de pé na proa de um navio, os homens se inclinavam sobre os remos
atrás dele, e tinha sua espada nua, olhando para o horizonte.
Esse homem belo se parecia com seu pai.
Egill fez um ruído com a garganta e Lotti rapidamente se virou e
pôs sua mão no braço.
Ela estava sorrindo e assentindo com a cabeça. No seguinte
ladrilho o homem estava em terra, com a espada apontando a um
inimigo invisível, e ele estava preparado para atacar. No mosaico final,
não era um inimigo, a não ser um monstro envolto em fumaça, se
retorcendo. O homem bonito tinha-lhe cortado o pescoço com sua
espada.
— Pai nos salvará. — Sussurrou Egill. — É um presságio. — Ouviu
uns passos e se virou rapidamente. Não era Cecilia, era o rei Guthrum
e Egill sentiu medo e esperança em seu interior. O rei parecia estar com
um estado de ânimo moderado hoje. Egill olhou ao rei com cicatrizes
de batalha, com o rosto envelhecido por uma vida sob o sol, com os
ombros ligeiramente dobradas para frente, seu grosso cabelo crespo de
cor cinza, como a sua barba curta. Sua roupa estava bordada com fios
de ouro.
Lotti estava muito silenciosa, com os olhos fixos no rei. Sua mão
se deslizou na de Egill. Esperaram, vigilantes e cautelosos.
O Rei Guthrum não prestou nenhuma atenção neles, estava
falando com outro homem, um que se vestia como um soldado.
Guthrum gritou de repente.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Nos traga vinho, menino.


Egill não queria ir. Queria escutar os homens. Se virou
rapidamente para Lotti e fez sinais para que ela olhasse aos homens e
tentou entender o que diziam, logo se afastou rapidamente para o salão
onde se encontrava um dos servos da casa de Cecilia.
O soldado do rei, Aslak, dizia com voz forte.
— Eu digo que devemos abandonar estas brincadeiras tolas,
senhor. Devemos concentrar nossas forças e atacar Alfred. Os malditos
saxões correm daqui para lá, sem direção. O tratado com o rei Alfred
não significa nada. Você disse muitas vezes.
O rei estava acariciando sua barba.
— Sim, isso é verdade. O que você quer fazer, Aslak?
— Eu gostaria de levar os homens para Chippenham, nas portas
da casa do rei. Viajar com rapidez, e sigilosamente, atacar de surpresa.
Poderíamos tomar todas as moedas de ouro e trazê-las, Alfred
reconhecerá sua debilidade, e a superioridade dos vikings. É o
momento de dar o golpe de morte.
Guthrum gostou do som dessas palavras arrogantes, porque ele
mesmo tinha falado de forma similar muitas vezes, mas ele não era um
parvo, embora as palavras esquentassem o seu sangue. Sim, mas seu
sangue era mais apreciado agora, em sua velhice, muito mais
apreciado.
— Me deixe pensar nisso, Aslak. É um grande risco que
tomaríamos. Alfred não é como uma senhorita medrosa. Não, ele é um
homem e um lutador. Me deixe pensar nisso.
— Algum dia, senhor, vamos possuir toda a Inglaterra. Não quer
ser o homem que a obtenha? O homem que tenha tudo na palma de
sua mão?

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

O rei riu enquanto olhava para baixo a suas mãos nodosas.


— Ah, Egill, traz o vinho.
Aslak disse bruscamente.
— O menino me parece familiar. Suas características tocam algo
dentro de minha memória.
Guthrum assentiu.
— Sim, o menino me parece familiar também. — Ele dobrou o
dedo. — Egill, venha aqui, moço. Seu pai ainda vive?
Egill não sabia o que dizer. O momento finalmente tinha chegado,
e ficou rígido como uma pedra. O rei teria Orm em alta estima?
Aparentemente, isso era o que tinha observado Egill ao ver os dois
homens juntos. Para o rei ele parecia familiar. Conheceria Magnus
Haraldsson?
Orm mataria a ele e Lotti se dissesse a verdade? Egill olhou para
Lotti. Por Thor, era sua responsabilidade, e se a machucassem, nunca
se perdoaria. Quase a tinha perdido uma vez. Não ia perdê-la
novamente, jamais. Ele negou com a cabeça quando disse.
— Não, senhor, meu pai está morto.
O Rei Guthrum já tinha se virado. As palavras do Egill tinham
caído em ouvidos surdos. Egill suspirou em silêncio, se perguntando
se seria tolo.
Ambos beberam o vinho em taças de cristal finamente forjadas.
Guthrum disse depois de um momento.
— Um ataque surpresa em Chippenham é próprio de mim, Aslak.
Sim, e isso me agrada. Fizemos isso antes e funcionou. Por que não
outra vez? Eles tiveram tempo para repor todos seus bens e o novo
saque está preparado para nós. Me permita refletir sobre isto.
— Espero que não reflita muito tempo, senhor.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Não, não o farei. Ah, aqui está Cecilia.


Aslak grunhiu olhando-a com ânsia tão feroz que inclusive Egill
entendeu de que se tratava.
Olhou para Lotti, com a esperança de que não percebesse. Ela
sorria e de repente, sem prévio aviso, um dos administradores do rei
entrou. Atrás dele apareceu uma moça, com o cabelo loiro quase
branco, essa jovem era Ingunn, sua tia, a irmã de seu pai.
Lotti a viu e deixou escapar um gemido assustado.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

27
A manhã estava clara e, as águas do mar do Norte estavam
tranquilas e sem problemas. A vela grossa desdobrava completamente,
pela forte brisa do Oeste. Zarabeth afastou o cabelo do rosto e protegeu
seus olhos do resplendor e das gotas de água salgada. Pareceu que
podia ver as costas de York na distância, mas à medida que se
aproximavam, era em realidade um banco de nuvens, cinzas e
espessas, que se estendiam pelo horizonte. O vento do mar se movia
brandamente para frente, cada vez mais perto de York, seguido pelas
aves marinhas à espera dos restos de comida.
Uma gaivota saltou sobre o corrimão, revolveu suas plumas, e
chiou em voz alta, mas Zarabeth não prestou atenção. Ela estava
olhando para Ragnar, à frente de todo o povo de Malek, alinhados nas
docas de madeira, até as portas da própria paliçada. Quase podia
cheirar a madeira, doce e úmida da nova casa comunitária, no ar da
manhã. Todo o povo de Malek tinha saído para se despedir, gritando
conselhos e desejando tudo de bom. Ragnar ficou em silêncio, com seu
braço esquerdo ainda na tipoia, tinha aceito proteger Malek na
ausência de Magnus, enquanto que Eldrid fiscalizaria o trabalho na
casa comunitária, se queixou que era muito velha, muito fraca, para
assumir essa responsabilidade, mas Magnus havia dito.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Tolices, tia. É sábia e justa. Governe minha casa até nossa


volta.
Iriam encontrar Egill e Lotti, vivos e sãs, Zarabeth estava segura
disso. Quanto a seu obstinado e super protetor marido Magnus se
acostumaria com a sua presença. Ele parou na frente dela com a testa
franzida, e então iria ignorar o seu sorriso. Tinha aceito, finalmente,
que o acompanhasse, porque no final ela não tinha dado nenhuma
escolha.
Ele olhou diretamente nos seus olhos nessa última noite, antes
que anunciasse sua partida e ela jurou que abandonaria Malek em sua
ausência e se dirigiria a York sozinha.
Magnus tinha destrambelhado e amaldiçoado, jogou duas
terrinas de madeira e pisoteou nos jardins da paliçada, inclusive
ameaçou trancá-la. Finalmente tinha tentado conseguir a ajuda de sua
mãe, porque ela tinha estado os visitando durante os últimos dias, mas,
para seu assombro, se posicionou ao lado de Zarabeth.
— É seu direito. — Disse Helgi, acariciando brandamente a
bochecha de seu filho com suas mãos calosas. — Entende, meu filho.
Lotti é sua irmã e ela precisa ver a menina, tocá-la e trazê-la de volta
para casa. Não seria correto que negasse isso a ela. É a mulher de um
Viking agora, Magnus.
Ele tinha ficado sem palavras, embora as palavras, as ordens e as
ameaças iradas se afogaram em sua garganta, finalmente tinha gritado.
— Mas ela está grávida! — O que fez que ambas as mulheres só
franzirem a testa com desprezo.
Agora quase tinham alcançado o final de sua viagem, seu destino
estava só a meio dia de navegação, tinha o ouvido dizer a Tostig, que
talvez em um dia, dependendo do vento. Zarabeth sentiu Magnus a seu

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

lado, e depois de um breve instante seus braços a rodearam e a atraiu


para seu peito.
— Falta pouco. — Disse, e a abraçou com mais força. — Você se
sente bem?
— Me sinto muito bem.
— Decidi deixar de ignorar você. Não é bom, exceto ficar sozinha
e ganhar os olhares condenatórias dos homens. Estou cansado de fingir
que não está comigo, Zarabeth. Isso não me faz feliz, depois de tudo.
Ela se virou e sorriu.
— Estou feliz que queira voltar a falar comigo. Senti sua falta,
marido, sinto a falta do toque de seus dedos em meus lábios, e, sim, da
sua plenitude dentro de mim.
Magnus se baixou e gentilmente a beijou na boca. Quando se
endireitou, estudou seu rosto com atenção.
— Me escute, Zarabeth. Apesar de tudo o que acreditamos saber,
apesar de tudo o que queremos e esperamos, não podemos estar
seguros de que Egill ou Lotti estejam vivos. Orm poderia ter mentido.
Ele é um professor quando se trata de se divertir às custas dos outros.
Sim, atormentar os outros ocupa um lugar muito importante em sua
vida. Temos que estar preparados para enfrentar o que vem, mas o
enfrentaremos juntos.
— Eles estão vivos.
— Inclusive acreditando em meu sonho, sei que seria uma tolice
de minha parte afirmar que é um fato.
— Eles estão vivos.
Ele simplesmente a abraçou novamente, mas não disse nada
mais. Estava quase tão seguro como ela de que Egill e Lotti viviam, mas

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

tinha medo de dizer as palavras, temeu que de algum jeito, o destino


se voltasse contra eles por tanta certeza.

Ingunn parou diante de Egill num canto do jardim, sem saber o


que fazer. A amante do rei, sua sobrinha Cecilia, encolheu os ombros
e os deixou sozinhos.
— Não te entendo. — Disse Ingunn, tão irritada com ele que queria
golpeá-lo. — Vim aqui para te salvar, e se nega a abandonar a esta
patética menina!
— Onde está Orm Óttarsson? Sabe que você está aqui? Sabe algo
disto?
Ingunn olhou para seu sobrinho. O menino tinha mudado. Sua
voz soava como a de Magnus soberba e imperiosa, como se estivesse
acostumado a dar ordens e esperasse que ela, por ser mulher, deveria
obedecer. Estava zangada.
Estava salvando-o por Thor! Tinha vendido seu broche mais
valioso para obter as moedas e, entretanto, ele estava agindo como se
ela não fosse confiável, e ela era seu sangue!
— Não importa. — Disse. — Vai vir comigo e me encarregarei que
retorne para Malek.
— Sim, importa. — Disse Egill. — Orm Óttarsson nos roubou
tanto a Lotti como a mim. Nós mal estávamos vivos. Temia que Lotti
morresse a qualquer momento, porque tinha tanta água em seus
pulmões que não conseguia deixar de vomitar. Mas ele não se
importou, não até que percebeu da forma em que podíamos beneficiá-
lo. Trouxe-nos aqui para York e nos utilizou como parte de seu suborno

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

com o rei em troca das terras de cultivo que queria. Ele está muito
satisfeito com o que tem feito. Se me levar às escondidas, vai se zangar
muito contigo.
— Não, não o fará. Além disso, você não o verá.
— Odeia a meu pai. Ouvi ele dizer que iria fazer pagar por todo o
seu orgulho e arrogância, e que iria fazer com que lamentasse ter
casado com minha mãe. Também se gabava de como roubaria Zarabeth
também, e a usaria a seu desejo. Se gabava que plantaria um bebê em
sua barriga e então a devolveria a meu pai. Odeia a todos nós, exceto a
você. Não entendo isso.
— O que Orm sente por seu pai não tem nada que ver comigo. Ele
me ama. Estou a ponto de me converter em sua esposa. Não há nada
mais que deva entender. Vamos, temos que ir. Tenho um navio
esperando.
Egill estava com as pernas separadas, e os punhos nos quadris.
Sorriu para sua tia.
— Já te disse, não irei a nenhuma parte sem Lotti. Leve-a conosco
e saiamos daqui agora.
— Essa maldita idiota! Não é nada mais que uma patética imbecil,
uma serva inútil. Não percebe? Você nunca gostou dela! Roubou o afeto
de seu pai, não faz mais que emitir esses terríveis miados. Virá comigo
agora, Egill. Se esqueça dela.
Ela o garrou pelo braço, mas o menino simplesmente ficou
olhando-a, sem se mover. Empurrou-o, mas ele manteve em seu lugar.
Ele ficou mais forte. Já não era um menino pequeno. Prendeu a
respiração quando viu o desprezo em seus olhos, os olhos de seu pai,
frios e implacáveis.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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— Você traiu meu pai, verdade? Provavelmente traiu Zarabeth


também. Atormentaste-a e a castigou com o látego, enquanto que ela
nunca tinha feito nada para te machucar. Está aqui? Capturou-a Orm
tal como prometeu fazer?
Ingunn se afastou dele.
— Não, moço estúpido! Essa cadela está tão segura como pode
estar em Malek. Malek agora é dela! Zarabeth está casada com seu pai!
O que você acha disso, agora é sua mãe! Por todo os deuses, ela venceu!
— Ingunn esfregou a palma da mão sobre a testa. — Eu fui uma parva
por vir aqui, arriscando minha própria vida para te salvar. Ingrato
cachorrinho, se Orm souber que estou aqui, me mataria!
— Pelo menos eu não sou um traidor. Se tivesse que morrer, não
enfrentaria a morte com vergonha ou culpa pesando em minha
consciência.
— Você, pequeno dissimulado. — Ela o esbofeteou com força. A
cabeça de Egill virou pela força do golpe, mas ele se manteve em seu
lugar. Não teve nenhuma reação, só plantou mais firmemente seus pés
e a olhou com desprezo.
— Maldição, é livre. Paguei ao rei uma grande quantia de moedas
de prata por você. Não me importa se fica ou não. Tentei cumprir com
o meu dever. — Se virou, apenas para fazer uma pausa e girar
lentamente para ele uma vez mais. — Me escute, moço. Não sabe de
nada, me entendeu? Eu era a governanta de seu pai, sua parceira, a
que poderia confiar o cuidado de Malek. Era minha fazenda tanto como
a sua! Lhe dava mais do que qualquer esposa podia dar, porque levo o
seu sangue. Fiscalizei tudo em Malek, inclusive suas mulheres, e,
entretanto, me trocou por essa cadela suja. Ah, e pela irmã da cadela,
essa pequena idiota miserável! Olhe como se refugia atrás de você,

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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como à vadia de sua irmã se refugiou atrás de Magnus, contando


mentiras sobre mim! Sim, queixando de que a tinha machucado, e
maltratado. Tudo mentiras, tudo o que ela disse era mentira. Fica com
sua irmã, Egill, não me importa! — Deu um passo para Lotti,
levantando a mão.
— Não faça isso. — Disse Egill. — Não a toque, tia, ou vou fazer
você pagar por isso. Já não sou um menino. Meu pai quer que proteja
qualquer um que seja mais fraco que eu, e Lotti não está apenas sob
meu cuidado, ela também é minha.
Ingunn olhou o menino. Ele dizia a verdade. Seria muito provável
que a atacasse, mesmo que ela tivesse cuidado dele depois que Dalla
tinha morrido, que o tivesse tratado como o seu próprio filho. De
repente sentiu que era demais. As lágrimas apareceram em seus olhos
e soluçou. Girou sobre seus calcanhares e saiu da casa de campo, só
para se deter abruptamente, sem continuar, como se quisesse... Por
Thor, será que a história nunca acabaria? Parou novamente, furiosa
com o menino, mas sabia o que tinha que fazer, sim, sabia. Não tinha
outra opção.

O Rei Guthrum esfregou os dedos sobre o poste de madeira de


carvalho ricamente esculpido de sua cadeira e olhou para Magnus
Haraldsson. Ele tinha aceito imediatamente ver o homem. Gostava e
confiava nele, algo muito curioso já que não confiava em nenhum
homem, e se sentia imensamente curioso por saber o que queria.
— Então. — Disse lentamente, com os olhos nos dedos que
repassavam as talhas elaboradas. — O menino é seu filho. Eu sabia

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

que seu rosto me era familiar, e para Aslak também. Sim, ele tem seu
mesmo olhar. Sua tia me comprou ele e o levou. Veio ontem. Suponho
que agora já foi embora.
— E a menina? Seu nome é Lotti.
— Sim, recordo da pequena. A mulher não queria saber nada dela,
embora inclusive minha querida Cecilia sabia que ela e o menino eram
inseparáveis. Eles agiam como se fossem um só. Suponho que ela ainda
esteja comigo, com a minha sobrinha Cecilia.
Guthrum ouviu Zarabeth conter bruscamente o fôlego e se virou
para ela.
— Reconheço você. É a mulher que Magnus salvou faz alguns
meses, a mulher que acreditávamos que tinha envenenado Olav o
Vaidoso. É estranho, sim, muito estranho, na verdade.
— O que quer dizer, senhor? E não, eu não envenenei meu marido.
— Sim, todos sabemos agora que é inocente de seu assassinato.
Foi Toki, a esposa de Keith, o filho de Olav, quem o matou. Ela está
morta. — Esfregou as mãos, obviamente agradado pela resolução do
conflito.
Magnus olhou fixamente o rei, se perguntando pelos caprichos do
destino. Se não tivesse retornado, Zarabeth teria sido condenada à
morte pelo crime e todos teriam ficado satisfeitos, porque a justiça
tinha sido imposta. Agora Toki tinha demonstrado ser culpada e estava
morta. Pelos deuses, era mais do que um homem podia explicar.
Zarabeth ecoou alguns de seus pensamentos, e disse com voz
incrédula.
— Morta? Toki confessou o que fez?
O Rei Guthrum negou com a cabeça.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Não, foi seu marido quem disse ao conselho que foi ela e não
você quem tinha matado o seu pai. Disse que ela confessou quando
estava bêbada. Ele a golpeou até matá-la depois.
Zarabeth se aproximou de Magnus. Sentiu o tremor de seu corpo,
ante a frieza do anúncio do rei.
— Sim, Keith disse que era uma harpia cruel, cheia de inveja e
malícia. Ele disse que ela merecia morrer por sua mão, já que em parte
se achava responsável pela maldade de seu ato. — Guthrum assentiu,
se vangloriando por sua sabedoria, sua tolerância e benignidade. —
Estive de acordo com ele, como o conselho de York. Ele prospera agora
e está ganhando segurança. Se parece mais com seu pai. Começou a
se pavonear usando os braceletes de prata e ouro e muitos anéis, e usa
só as melhores roupas. Tomou uma nova esposa, uma linda menina de
quatorze anos que dará a ele muitos filhos. Me deu vários pressente.
Magnus voltou a pensar. Tomou a mão de Zarabeth e apertou os
seus dedos, enquanto o rei continuava sua exposição que o pintava
como um governante justo.
— Tinha-me esquecido que Olav o Vaidoso, disse que você deveria
receber tudo o que tinha, caso ele morresse. Desde que é inocente de
sua morte, é necessário recompensá-la.
— Sim, acredito que é justo, senhor. — Disse ela. Olhou a seu
marido e sorriu. — Eu gostaria que devolvessem as moedas que
Magnus pagou a Keith em Danegeld pela morte de seu pai.
— Isso será feito.
— Senhor, queremos procurar meu filho e à irmã de Zarabeth. Se
minha irmã, Ingunn, levou o menino, então também saberei onde
encontrar Orm Óttarsson, porque ela estará com ele.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

O rei não disse nada durante alguns instantes. Então, finalmente,


disse.
— Se a menina estiver ainda com minha sobrinha, podem levá-la,
porque Ingunn Haraldsson me pagou muito pelo menino. Vá, então,
Orm Óttarsson vive junto ao rio Thurlow, no lado Norte. Colocou o
nome de sua fazenda de Skelder, e ocupa três hectares. Ele é um bom
sujeito, um homem que me servirá com sua força e sua riqueza.
O rei jogou um olhar intencional, mas Magnus assentiu e sorriu.
Sua voz era suave quando disse.
— Orm sempre foi bom em muitas coisas, senhor. Minha esposa
e eu agradecemos por sua amabilidade e sua generosidade. Vamos
seguir sendo leais a você, como sempre.

Magnus olhou para seu grande compatriota, Grim Audunsson


que era duro, rude e o homem mais forte com quem Magnus já havia
lutado. Tinha perdido a luta com ele três vezes em um dia.
Grim também era ardiloso e ambicioso, e abençoado, a seu
julgamento, com pouca consciência. Magnus o viu cuspir com sua
peluda cabeça dourada reduzindo ao sol. Ficaram nas docas do porto,
ao lado da água, o aroma de peixe era forte, e o vento levava para os
seus narizes.
— Sim, Orm estava aqui e tão louco como uma cabra. Não tentou
se esconder de mim. Ele fez isso para se esconder de minha ira quando
era mais jovem, mas não se incomoda em esconder nada agora. Um
louco, Magnus, é o que parece agora. Seus olhos brilham com
entusiasmo, com os punhos contraídos, disposto a matar qualquer

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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coisa que ele possa apanhar. Facilmente posso vê-lo vestido com nada
mais que uma pele de urso, quase enlouquecido, sem medo nem
remorso em matar, sem consciência. Ele não é um homem calmo agora,
Magnus. Não, ele é mais perigoso que um Berserker, sua raiva se
acende brutalmente com uma simples zombaria, um sorriso, inclusive
uma brincadeira. Sim, ele é tão imprevisível como o vento no mar.
Ontem discutiu com alguém que se atreveu a dirigir-se a seus
acompanhantes, e te asseguro que falava com tanta calma, enquanto
cortava-lhe a garganta que me assustou. Ele estava com uma mulher
e duas crianças. Não pude intervir. Que outra coisa poderia fazer? —
Grim negou com a cabeça e cuspiu na água. — Me pergunto se ele
mataria à mulher. Parecia quase fazer, asseguro isso.
— A mulher é minha irmã, Ingunn. As crianças são minhas. Orm
raptou a todos, me roubou, e destruiu minha fazenda.
Grim encolheu os ombros, mas seus olhos se estreitaram.
— Sinto muito, mas novamente te digo, o que eu poderia fazer?
— Poderia tê-lo matado. É o homem mais forte que conheço. —
Olhou a flexão dos músculos dos braços de Grim. — A idade afeta você,
Grim?
Grim deu um grande sorriso, mostrando uma grande brecha entre
seus dentes da frente.
— Eu poderia ter quebrado o pescoço dele com uma mão, verdade.
Mas ele me pagou, Magnus, me pagou dez peças de prata. A mulher já
tinha me dado mais moedas de prata para levar o menino de volta para
Malek, por isso agora sou o suficientemente rico para comprar para
minha esposa um novo broche. Ela é uma pequena criatura linda. Eu
a roubei de uma aldeia na região de Renania. Saiu correndo para mim,
apeguei pela cintura e a joguei por cima de meu ombro. Me casei com

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Estação do Sol – Catherine Coulter
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ela faz seis semanas. Tem o cabelo muito negro, de uma cor como
nunca vi antes, e os olhos mais negros que se possa imaginar, e é uma
mulher doce, como o ninho entre suas coxas, também... Eu estava
pensando nesse joalheiro em Coppergate, Old Gunliek é seu nome. O
que pensa, Magnus?
— Acredito que deveria te matar.
Grim começou a rir, uma risada incerta, mas que transmitia a
mensagem de que podia rir e escapar da punição. Magnus sabia que
Grim tinha endurecido seu corpo, se preparou para a ação. Ele não era
um parvo. Grim se defenderia, foi suficiente o que ele disse a Magnus
sinto muito. Sentiu a mão de Zarabeth tocando levemente nas suas
costas. Se apoiou no pouco controle que restava. Brigar com Grim
Audunsson não tinha sentido. Zarabeth tinha razão nisso. Além disso,
pensou Magnus, poderia terminar com o rosto esmagado ou um braço
quebrado, o que não faria bem a ninguém. Podia imaginar a reação de
Zarabeth a isso.
— Acaso Orm te disse se retornava à sua fazenda?
— Sim. Disse que tinha coisas para fazer em Skelder, que estava
esperando um visitante e queria se assegurar de dar uma boas-vindas
adequada.
Magnus assentiu com a cabeça e se virou para partir. Disse sobre
seu ombro.
— Não deveria comprar no velho Gunliek. Ele engana com o peso
do ouro. Compre a Ingolf em Micklegate.
Saiu com Zarabeth do porto.
— Orm sabe que estamos aqui. Sabe que vamos.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Sim, sabe. — Abraçou-a com força. — Temos que nos mover


com cuidado agora, Zarabeth. Tudo depende de como procedamos
agora.
— Se pelo menos Ingunn tivesse deixado Egill e Lotti! Se não
tivesse interferido! Poderíamos tê-los conosco agora, sãs e salvos.
— Aparentemente, minha irmã finalmente percebeu o que tem
feito. Estava tentando salvá-los, inclusive a Lotti pelo que parece. —
Ele olhou para sua mulher e disse. — Se tudo o que disse for verdade,
ainda não teríamos Orm. E eu vou tê-lo, Zarabeth.

Ingunn não podia se mover. Tinha tentado, duas vezes tinha


tentado se mover, mas a dor era tão grande que quase tinha perdido a
consciência novamente. Deitada encolhida no chão de terra, o frio se
filtrava através do fino tecido de seu vestido, sua carne machucada
pulsava em ondas de agonia, sua bochecha pressionada contra o chão.
Ela sabia que tinha várias costelas quebradas, assim como o braço
esquerdo. Estava agradecida de não poder ver seu rosto, porque ele a
tinha golpeado com o punho várias vezes. Ela tinha provado seu sangue
e suas lágrimas em sua boca.
E Egill tinha tentado protegê-la. Por Thor, como o seu pai.
Ela gemeu brandamente. Tudo o que tinha feito estava errado.
Tinha sido débil, rancorosa, cega, e agora iria morrer sozinha,
encerrada nessa choça suja e Egill morreria também. Ou seria vendido
novamente como escravo, tanto ele como Lotti.
Ah, Lotti. Tinha visto o muito que o menino amava à menina,
como a tinha protegido, tudo o que compartilhavam, suas impressões,

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

seus pensamentos. Às vezes Ingunn acreditava que eles pensavam


como se fossem uma só pessoa, tão estreitamente sintonizados entre
si. E tinha visto a si mesma então, de repente, odiando à menina só
porque tinha o mesmo sangue que Zarabeth e ela tinha odiado a
Zarabeth e tinha querido machucar tudo o que fizesse parte dela. E
esse era o motivo pelo que tinha voltado a casa de Cecilia e levado as
crianças ao navio de Grim. Tinha querido fazer as pazes, fazer algo de
bom, algo para se redimir.
Orm estava ali, esperando por ela. Percebeu que em realidade não
se surpreendeu ao vê-lo, permaneceu ali, de pé nas docas, com as
pernas abertas, olhando-a fixamente, com os olhos frios e vazios. Ela
nem sequer poderia estremecer com a lembrança, a dor turva fez a bílis
subir em sua garganta, afogando-a. Não a tinha tocado até que tinham
retornado a Skelder, o nome que ele tinha dado a sua nova fazenda, a
que tinha roubado da família saxã, com a bênção do Rei Guthrum.
Tentou ficar de pé, mas quando tentou manter o equilíbrio, seu
braço quebrado chocou na parede, e caiu outra vez na terra. Não podia
morrer. Não podia deixar Egill em poder de Orm. Lentamente, muito
lentamente, moveu seu braço esquerdo.
Dentro da casa comunitária, Orm meditava, com o queixo apoiado
sobre a palma de sua mão. A casa se enchia de fumaça rançosa, porque
o buraco no teto estava quase abafado. Porcos saxões! Tinham aceito
viver dessa maneira, nem sequer tinham considerado em arrumá-lo?
Não havia banhos tampouco, e pôs os escravos para trabalhar
imediatamente na construção de um. Virou a cabeça para olhar ao
menino e a menina. Eles se sentaram juntos em um canto, o moço
falando em voz baixa com a menina. Havia outros ao seu redor, mas o
casal parecia alheio a eles.

430
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele tinha Magnus em suas mãos! Ah, era muito doce esta vitória
sobre seu inimigo. Tinha sido um parvo por vender as crianças a
Guthrum. O homem os tratou muito bem, não tinha mostrado o que
era ser um escravo, nem o que era viver pelo o capricho de outro.
Pensou brevemente em Cecilia, a amante do Rei, e sorriu. Ela
desfrutaria de um jovem em sua cama. Talvez a forçaria. Ele a achou
tola e encantadora, e seu corpo não era desagradável. Agora tampouco
tinha que se preocupar com Ingunn, essa cadela infiel.
— Egill! Venha aqui!
Os homens e as mulheres na casa comunitária ficaram em
silencio por um momento, ante o som de sua voz. O moço ergueu os
olhos. Olhou para o outro lado do salão de Orm. Lentamente se
levantou, acariciando o ombro de Lotti, tratando em silencio em
acalmá-la, porque seus olhos estavam arregalados e assustados.
— Agora rápido, se mova, ou farei ela provar o látego!
Os homens e mulheres olhavam furtivamente ao menino. Eles
retomaram a suas tarefas, por medo de que o novo amo os visse sem
fazer nada.
Egill parou diante de Orm, erguido e em silêncio, esperando.
Orm se perguntou se devia matar o menino. Em troca, disse.
— Decidi vender você aos saxões de Wessex. O que pensa disso?
— Vai enviar Lotti para Malek?
Orm riu.
— Talvez faça isso.
Egill sentiu um vislumbre de esperança, e depois uma forte
opressão no coração. Orm estava louco. Nada do que dissesse poderia
levar a sério. Mataria Lotti antes de soltá-la.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele ainda via Orm torturando Ingunn, golpeando seu rosto com
os punhos, sem piedade, nem consciência.
— Embora talvez não o faça. Seu pai deve vir logo, menino. Então
veremos. Não parece muito surpreso. Deixei pistas e ele não é estúpido.
Saberá segui-las. Também escondi de forma muito visível um retalho
de tecido do vestido da menina. Sim, deixei porque sabia que Zarabeth
poderia reconhecê-lo. Gostaria de ter visto seu rosto. Ela tem um rosto
muito expressivo, que mostra todos os seus sentimentos e
pensamentos. Que seria bom vê-la gritar com esperança. Durante
muito tempo quis matar Magnus muito lentamente, queria ouvi-lo
gritar de dor, que me rogasse para libertá-lo de sua vida patética, como
fez a cadela de sua irmã. Pergunto-me se ainda segue viva. Talvez
devesse ir vê-la. Se estiver, talvez necessite outra lição de obediência.
— Por que odeia a meu pai? Ele nunca fez nada para você. Não
acredito que seja porque meu avô tenha julgado que ele era o melhor
marido para minha mãe.
Orm levantou o braço, logo, lentamente, baixou-o. O menino não
estava sendo impertinente. Orm refletiu sobre a pergunta, franzindo a
testa.
— Disse que odiava a Magnus? Não, eu só quero matá-lo pelo o
que é, como pensa, como se comporta. Ele me incomodou durante
muito tempo, é tão orgulhoso como você menino. Quanto a sua mãe,
Dalla, era tola e vaidosa, mas eu a tinha escolhido. Não é justo que não
pudesse tê-la. Não é justo que Magnus seja sempre o que ganhe. Não
gosto da derrota, menino. Não vou aceitar isso.
Egill permaneceu em silêncio agora. Orm Óttarsson era um
homem temível. Não havia forma de raciocinar com ele. Não, podia fazer
algo para escapar. Tinha que advertir a seu pai. Tinha que salvar Lotti.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ele se sentia muito velho para seus oito anos, e era muito pequeno.
Mas tinha que tentar.
Orm parou na frente de Egill. O moço não retrocedeu nem se
acovardou. Dobraria o menino, mas não agora. Havia tempo suficiente
para moldá-lo a seu gosto.
— Acredito que vou ver se sua tia ainda segue gemendo e se
apegando a sua vida.

433
Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

28
Ingunn sabia que ele viria. A qualquer momento iria aparecer pela
porta da cabana e olharia para dentro, seus olhos iriam se acostumar
à escuridão, e então a veria. Teria que sorrir, embora não sabia se seria
capaz de ocultar sua dor. Mas se a visse sofrer, desfrutaria em grande
maneira e a golpearia novamente e riria, ou ficaria tranquilamente em
silêncio, com os olhos vazios e a deixaria morrer de fome. Então, na
escuridão da choça de armazenamento com seu chão de terra úmida,
soube que ia matar as crianças.
Ingunn se arrastou até a porta de madeira. Pouco a pouco,
ofegando pela dor que cada movimento provocava, se ergueu, ofegando,
tratando de dominar a vertigem que sentia. Em sua mão sustentava
uma pesada ferramenta agrícola, uma longa peça de madeira, com uma
ponta afiada no topo. A base era um gancho de ferro curvo para tirar
as rochas do chão duro. Para poder agarrá-lo teve que fazer muita força
o que causou uma dor estremecedora.
Não sabia como iria pegá-lo e acertá-lo com ela, mas faria, tinha
que fazer isso. Não queria morrer.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Orm saiu da casa comunitária, caminhando pelo atalho que


levava às cabanas que rodeavam a estrutura principal. Havia lama
deixado pela chuva que caiu na madrugada, o que aumentava o aroma
de esterco e carne podre. Olhou os montes de resíduos que cobriam o
chão. Malditos porcos Saxões! Ainda não tinham limpado o terreno de
toda sua imundície.
A noite era tranquila e escura, mas com uma pequena parte da
lua no céu. O terreno era plano antes de descer em suave declive até a
margem do rio Thurlow, apenas cem de metros mais à frente. Que
diferente era esta terra estrangeira da Noruega, com sua tênue luz de
meia noite, que projetava sombras e desaparecendo pouco a pouco, até
mergulhar em uma escuridão quente. Era muito suave esta terra, mas
ele podia se acostumar a ela, tal como fariam os seus homens. Todos
os escravos que agora possuía se acostumariam a seu novo amo. Tinha
vindo para substituir a um amo saxão, que cuspiu no chão a seus pés
e que provavelmente agora estava morto por causa de suas feridas.
Orm sorriu. Logo Magnus chegaria. Ele estava preparado para ele.
Seus homens estavam escondidos ao longo das rotas de acesso à
fazenda, preparados para avisá-lo quando Magnus e seus homens se
aproximassem. Orm recordou as bofetadas que tinha dado em Ingunn,
olhou para suas mãos e franziu a testa. Tinha machucado sua carne
em cima de seus nódulos. Seus dedos doíam ao flexioná-los. Teria que
terminar o trabalho que tinha começado. Faria isso agora. Ela o tinha
traído, já não era de nenhuma utilidade para ele.
Tirou a trave da estreita porta de madeira e a empurrou para
dentro. Ficou olhando a escuridão, ajustando seus olhos à penumbra.
Não viu nada, exceto o vago contorno das ferramentas agrícolas. Era
rápido de reflexo, mas não o suficientemente rápido. Ouviu sua

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

respiração, um assobio no ar, e logo sentiu explodir a dor em sua


cabeça. Então já não sentiu nada.
Ingunn o viu cair ao chão. Estava inconsciente, não morto,
maldito destino. Levantou a ferramenta para golpeá-lo novamente,
desta vez com o gancho de ferro curvado, mas seu braço quebrado não
o permitiu, e viu impotente como a ferramenta se deslizava de seus
dedos. Percebeu que sua perna também estava quebrada, tropeçou,
agitando seu braço bom freneticamente, e logo caiu de joelhos junto a
Orm, e ficou ali, respirando com dificuldade, tratando de não perder a
consciência.
Foi enquanto estava ali, ao lado do homem que a tinha traído, que
soube o que ia fazer. Ela se arrastou para a porta aberta. Só um pouco
mais longe... Podia fazer isso.
Orm gemeu.
Ela fechou os olhos e rezou para Freya, a deusa. Um surto de força
disparou por seu sangue, pegou a maçaneta da porta e puxou-a.
Orm sacudia a cabeça agora, tentando se levantar.
Rapidamente se lançou para fora, fechou a porta e se apoiou
contra ela, pensando em seu aspecto lamentável, pareceria uma velha
bruxa encurvada, vestida com farrapos, seu braço esquerdo pendurado
inutilmente a seu lado, com todo o peso de seu corpo sobre sua perna
sã. Logo que podia tomar fôlego pela dor no peito. Sabia que tinha que
levantar a trave e colocar em seu lugar. Se não fazia, ele atravessaria a
porta e tudo teria terminado. Freya, rezou, movendo os lábios, dizendo
seu nome uma e outra vez. Me ajude.
Levantou a pesada trave e colocou em suas fendas de ferro. Tinha
feito, não podia acreditar. Agora necessitava de uma tocha. Não tinha
nem ideia de onde estaria os seus homens. Alguns estariam sem dúvida

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

na casa comunitária, vigiando Egill e Lotti. Outros sem dúvida,


estariam escondidos esperando Magnus. Havia pelo menos uma dúzia
de pequenas fogueiras repartidas por toda a casa comunitária, os
homens estavam reunidos em torno delas.
Tudo o que precisava era de uma tocha. Pouco a pouco cambaleou
avançando com o braço direito rodeando suas costelas.
Um homem apareceu de repente através da fumaça de uma
fogueira.
— Espera! Quem é você? O que acontece aqui?
Ingunn sentiu toda a força e a esperança escapar dela. Viu o
homem, um dos valentões de Orm, se aproximando. Então o homem
parou de repente, como um animal que tivesse ouvido um ruído
estranho e que devia investigar.
Ingunn escutou, era Orm, gritando e golpeando a porta da choça.
O homem a ignorou e correu para a choça.
Não, pensou, oh, não. Tinha estado tão perto, tão perto. Sentiu
que as lágrimas ardiam os seus olhos. Pegou um galho quebrado de
um olmo16 e avançou. Não havia ninguém na fogueira, esse tinha sido
o único homem ali. Ingunn colocou o galho nas brasas e observou até
que ardeu em chamas, iluminou a frente com a tocha, se movendo
pouco a pouco, marchando como um soldado para a choça. O homem
estava ali mexendo na trave.
Não se moveu.
Ingunn se aproximou por detrás e ateou com a tocha a parte
posterior da cabeça e da túnica. Ele se virou, olhando-a como se fosse
uma visão saída do próprio inferno. Então percebeu um aroma acre,
percebendo então que estava se queimando. Gritou e saiu correndo,
dando tapas em sua cabeça.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ingunn ouviu Orm gritar.


— Abre a porta rapidamente, tolo! Tenho que apanhar à mulher.
Juro pelos deuses, vai pagar por isso! Abre a porta! É só um simples
pedaço de madeira! Tira isso!
Seu sorriso se fez mais amplo.
— Orm...
Houve um silêncio mortal.
Logo chegou sua voz, tranquila e relaxada.
— Me deixe sair, Ingunn. Não deveria tê-la golpeado, amor.
Acredito que rompeu a minha cabeça. Vinha para soltar você, para te
levar para casa comunitária e cuidar de suas feridas eu mesmo. Não
queria machucá-la muito, mas tinha que te castigar pelo o que tinha
feito. Mas não mais agora, Ingunn, não mais, nunca mais. Vai ser
minha esposa e te amarei, e te protegerei.
— Isso é verdade, Orm?
— Sim.
Ouviu a confiança em sua voz e sorriu mais amplamente.
— Você se casaria comigo manhã?
— Sim, abre a porta agora, amor.
— Então, Orm, em primeiro lugar, deve passar o inverno, esperar
que derreta a neve e aguardar o outono. Embora acredito que já não
estarei aqui, então.
— Ingunn, o que quer dizer? Vamos, não fale tolices. Abre a porta,
do contrário, eu...
— Eu o que, Orm? — Colocou a tocha perto da parede de madeira,
mas não queimou facilmente. Então levantou seu braço, gemendo
brandamente pela dor, e tocou com a chama a palha do teto. Ardeu

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

imediatamente, e ficou da cor laranja brilhante, enquanto desprendia


um calor intenso, e uma nuvem de fumaça subia.
Percebeu no instante, em que Orm notou o que tinha feito. Havia
pânico em sua voz. E medo. Ele gritou.
— Abre a porta, estúpida mulher! Por Thor, farei você pagar por
isso, cadela, eu...
Ela interrompeu com suavidade, mas com firmeza, repreendendo-
o como se fosse um menino descuidado.
— Sei que é impaciente, meu amor. Dentro de um momento, Orm,
solto você, mas primeiro quero que se aqueça. Quero que sinta o
mesmo calor que fez Magnus sentir, Zarabeth e todo o povo de Malek
ao incendiar a casa comunitária. Não deveria ter acreditado em você,
não deveria ter perdoado por ter queimado Malek, mas perdoei. Aceitei
sua palavra de que foi um acidente, algo que não tinha previsto, algo
que um de seus homens tinha feito. Sabia, é obvio, que mentia, mas
não queria admitir isso. Se tivesse feito, teria tido que admitir que era
uma parva e uma traidora de minha própria família. Sente o calor,
Orm? A palha se queima muito bem agora. Em pouco tempo, meu
amor, estará tão quente que gritará.
Ah, sim, agora sabia o que tinha feito. Ela sorriu enquanto o
escutava gritar amaldiçoando-a, escutando enquanto arranhava a
porta e as paredes da cabana. Escutou enquanto açoitava a porta e as
paredes com a ferramenta que ela o tinha golpeado. Se perguntou
vagamente se poderia se soltar. Não acreditava. Se afastou da cabana,
porque as chamas saltavam para fora agora, e o calor era brilhante e
intenso. Viu a cabana balançar, ouviu o ruído das vigas que
sustentavam o teto desmoronando.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Ouviu ele gritar quando o teto caiu em cima. Então acreditou que
enlouquecia.

Egill estava de pé junto a seu pai, com a mão em seu braço. Estava
contente por esse simples toque, sabendo agora que tudo estava bem.
Lotti estava no colo de Zarabeth, dormindo profundamente, com os
dedos na boca.
— Ingunn está viva, mas não sei se ela vai recuperar o controle de
sua mente.
Magnus assentiu ante as palavras de Tostig. Tostig estava
esgotado. Ele sentou em um banco de madeira, apoiando os cotovelos
sobre a mesa. Tinham matado a todos os homens de Orm que
escolheram lutar. Tinham trancados os outros, que haviam jogado seus
machados e espadas. Ele olhou para a mesa de madeira, as camadas
de gordura e restos de mantimentos rançosos. Os saxões viviam como
animais.
A irmã de Magnus estava deitada em um pequeno quarto atrás,
machucada, cheia de hematomas e com olhos apagados e vazios, seu
corpo tão quebrado como sua mente. Ele tinha a esperança de vê-la
morrer, por tudo o que tinha feito. Agora já não estava tão seguro. Ele
estremeceu, pensando na morte de Orm Óttarsson. Quando tinha
chegado na cabana, Ingunn estava ajoelhada frente a ela, a luz do fogo
iluminava a expressão de loucura em seu rosto machucado. Estava
falando com Orm, dizendo palavras de amor, jurando que nunca o
deixaria. Ficou ali até que seus gritos tinham cessado.
Ingunn olhou para Magnus e disse.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

— Orm sabia que viria. Gostava de zombar de você, era um jogo


que gostava poderosamente. Me alegro de que esteja aqui. — Então
ficou em silêncio, não disse nada mais.
Zarabeth se inclinou e beijou a testa de Lotti. Então levantou a
vista e sorriu para Egill.
— Você a salvou. Graças aos deuses que estava ali para tirá-la da
água, para tirar a água de seu corpo. Salvou e então a protegeu com
sua própria vida. Agradeço de todo o meu coração. É um menino
valente, Egill.
— Ela precisava de mim. — Disse Egill. — Ela ficou mais confiante
de si mesma com cada dia que passava, mas ainda me necessita. Fala
muitas coisas, agora, Zarabeth. Tinha medo que ela desistisse quando
Orm nos pegou com tia Ingunn no porto, mas não o fez. Ela me disse
que iríamos ficar bem, acariciou minha mão e eu fiquei muito orgulhoso
dela.
Magnus só podia admirar ao homem atrás das palavras de seu
filho. As mudanças dos últimos meses o surpreenderam e o deixaram
aturdido. Supôs que tinha esperado encontrar Egill como no dia em
que desapareceu. Mas não, encontrou um menino que era muito forte,
responsável e solidário. Magnus se levantou, agarrou Egill por debaixo
dos braços e o levantou alto. Então o baixou e o abraçou até que Egill
se queixou de que tinha esmagado suas costelas. Magnus aliviou seu
aperto e murmurou contra a bochecha de seu filho.
— Por Thor, eu senti sua falta. Vou cuidar mais de você no futuro.
Zarabeth riu, então ficou séria imediatamente. Estava olhando
perplexa à menina.
— O que Lotti está dizendo, Egill? Não entendo.

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Estação do Sol – Catherine Coulter
Série Vikings 01

Egill mostrou, dizendo as palavras lentamente, acompanhando de


gestos com as mãos.
Lotti se agitou nos braços de Zarabeth, se sentou, e bocejou.
Sorriu adormecida, e logo disse, com voz imperiosa.
— Egill! Venha aqui!
O moço sorriu para seu pai.
— Ela é mulher, e como tal, estou aqui para servi-la, pai.
Magnus olhou para o seu filho aos pés de Lotti. Observou-o
acariciar o seu rosto. Ouviu falar em voz baixa e clara, fazendo gestos
rápidos com as mãos. Então, para sua surpresa, Lotti assentiu e se
recostou nos braços de Zarabeth. Adormeceu em um momento.
— Zarabeth é sua mãe, Egill.
— Sei. É muito bom.
— Ela está grávida.
O menino ficou em silencio durante um momento longo. Zarabeth
percebeu que ele estava prendendo a respiração. Então disse.
— Isso é bom também. Lotti e eu queremos mais irmãos e irmãs.
Estou cansado agora, pai. Ficaremos aqui o resto da noite?
— Sim. Amanhã voltaremos para York.
Zarabeth disse com grande entusiasmo.
— E então todos voltaremos para Malek.
— Sim. — Disse Egill. — Isso é o que Lotti e eu desejamos com
todo o nosso coração, voltar para casa.

442
1
Danelaw: é o nome que foi dado a uma região existente na parte nordeste da Inglaterra sob o controle do Império
Viking (ou dinamarquês) do final do século IX até o início do dia XI.
2
Os karls eram agricultores, artesãos, marinheiros e guerreiros todos os dias.
3
Terreno árido e não cultivado onde só crescem plantas rasteiras e silvestres.
4
Da Lapônia, habitante dessa região escandinava.
5
Berserker: Guerreiros Vikings lendas contam que guerreiros tomados por um frenesi insano, iam a batalha despidos
ou usando peles de lobos e atiravam-se nas linhas inimigas.
6
Ale é um tipo de cerveja produzida a partir de cevada maltada. Termo "ale", de origem celta, se confundem até ao
século XV, era utilizado na Inglaterra até a introdução na nova bebida, agora chamada de cerveja.
7
Borda da embarcação.
8
Guerreiro ou Nobre, um título usado na Era Viking e no início da Idade Média (c. 900-1300), para designar o governador
de uma região.
9
Skalds - guerreiros vikings eram poetas, que pertenciam à corte dos reis escandinavos durante a Idade Média.
10
É uma das deusas mais antigas na antiga religião germânica, ela é associada ao amor, fertilidade, beleza, riqueza,
magia, guerra e morte.
11
Danegeld - Imposto aplicado para pagamento as expedições Viking para evitar saques e pirataria terras de influência,
e como compensação por um crime para compensar a perda de vidas.
12
Paliçada - Estacada de varas ou troncos fincados no solo. Ligados entre si, para servir de defesa contra-ataques
inimigos.
13
Caixa de quatro faces iguais cuja base reduzida serve para amassar o pão.
14
Animal mamífero, carnívoro mustelídeo, de pequeno porte pertencente ao grupo das doninhas.
15
Peça dos teares e das máquinas de costura, que contém um pequeno cilindro (carretilha) onde se enrola o fio.
16
Árvore da família das ulmáceas, que atinge de 20 a 30 m de altura.

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