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Eu estava com fome de ser vista.

Eu sabia três coisas sobre Capo Macchiavello:

Ele era lindo.

Ele era recluso.

Ele foi considerado um dos animais mais selvagens de Nova


York.

E me queria como esposa. Um arranjo simples – você faz por


mim, eu faço por você. Nada devido, nenhuma expectativa.
Exceto por um: nunca saia.

A vida nunca foi tão simples. No entanto, aos 21 anos, eu


estava sem pais, sem emprego e sem teto, e tive que aprender
da maneira mais difícil que nada nunca era de graça. Até a
gentileza vem com um preço.

Capo pode ter sido o único homem a me ver, mas eu tinha


feito uma promessa a mim mesma: nunca deveria nada a
ninguém. Acima de tudo, ao homem que chamei de chefe.

Eu matei para permanecer escondido.

Mariposa Flores achava que não devia nada a ninguém, mas


devia tudo... a mim, o fantasma que o mundo uma vez
chamou de Príncipe Maquiavélico de Nova York.

Machiavellian é o primeiro de três livros ambientados no


mundo selvagem da série Gangsters of New York.
Para todas as Mariposas do mundo.

11:11 pertence a você.

Faça um desejo…
– Os homens julgam geralmente mais pelos olhos do que
pelas mãos, pois todos podem ver e poucos podem
sentir. Todo mundo vê o que você parece ser, poucos
realmente sabem o que você é. –

NICCOLÒ MACHIAVELLI
Caro leitor,

Essa jornada começou com a famiglia1 Fausti. (Você os


encontrará em breve nas páginas do Mac).

Quando comecei a escrever a saga Fausti, não tinha


ideia do tipo de história que estava (verdadeiramente)
escrevendo, até o Livro 2. Depois de dar o meu passo, não
consegui parar. Os Faustis abriram uma porta para um
mundo com o qual fui instantaneamente levada e, em pouco
tempo, eles tomaram conta do meu mundo.

Quando a saga deles terminou, eu mal podia esperar


para começar a escrever histórias secundárias. Existem
tantos mundos conectados àquele que chamou minha
atenção e, por isso, depois que percebi quantos ramos havia,
decidi dedicar um nome inteiro apenas aos meus mundos
criminosos.

Desse ponto em diante, todos os meus livros do mundo


criminal estarão em um só lugar, e a maioria das histórias se
conectará de alguma forma. Os Faustis têm armas de longo

1
Família, em italiano.
alcance, eles governam esse mundo e, de alguma forma, você
provavelmente se reconectará a um ou dois deles em cada
livro, mesmo se ele estiver em um mundo criminal diferente.

Apresento Machiavellian.

Essa história, como a maioria das minhas outras,


cativou-me completamente. Eu tinha outros livros
planejados, livros que giravam em torno de alguns dos
principais homens da famiglia Fausti, mas Capo e Mari
tinham outros planos para mim. Foi uma mudança
maravilhosa de ritmo entrar em um mundo semelhante, mas
diferente com eles. E, apesar de alguns dos Faustis
aparecerem em Machiavellian, você não precisa ler a saga
Fausti antes de ler Mac (ou qualquer um dos livros Gangsters
de Nova York). Se você decidir, a linha do tempo do Mac se
encaixa após o Livro 5 e antes do Livro 6 da saga Fausti.

Dito isto, montei uma lista de nomes para cada família e


como eles pertencem, para que seja mais fácil acompanhar.

Machiavellian tem um lugar muito especial no meu


coração. É diferente de tudo que já escrevi antes. E agora,
considerando os tempos sem precedentes que estamos
enfrentando, acho que precisamos de mais histórias como
essa. Histórias que abrem uma porta para um novo mundo e
nos convidam a entrar por um tempo. Eu só disse isso sobre
a saga Fausti – há alguns livros que parecem nos levar de
volta para casa.

Machiavellian é um desses livros para mim. Que seja o


mesmo para você.

Muito amor,
Bella

PS. Todos os (3) livros da série Gangsters of New York


são independentes, mas cada um deles se passa no mesmo
mundo. Continue lendo para descobrir quem será o próximo!
LA MIA PAROLA È BUONA QUANTO IL MIO
SANGUE. MINHA PALAVRA É TÃO BOA QUANTO MEU
SANGUE.

Faustis que são mencionados ou fazem aparições no Mac:

Marzio Fausti (falecido) era o chefe da


famigerada famiglia Fausti na Itália. Tem cinco
filhos: Luca, Ettore, Lothario, Osvaldo e Niccolo.

Luca Fausti (encarcerado) é o filho mais velho de Marzio


Fausti e tem quatro filhos: Brando, Rocco, Dario e Romeo.

Brando Fausti é casado com Scarlett Rose Fausti (Os Belos


Anos).

Rocco Fausti é casado com Rosaria Caffi.

Tito Sala, MD, está ligado aos Faustis por casamento. Ele é
casado com Lola Fausti.

Donato: Soldado Chefe

Guido: Soldado
Há uma briga prolongada entre os Faustis e os Stones
na saga da Família Fausti. Não é realmente explorado
no Mac, mas vale a pena mencionar porque um
dos Stones (Scott) faz uma aparição no Mac – ele também
estará no Livro 2 da série Gangsters de Nova York de uma
maneira mais centralizada.
I LUPI - OS LOBOS

Arturo Lupo Scarpone:

Ele é o chefe da família Scarpone. Uma das cinco famílias de


Nova York.

Ele tem dois filhos:

Vittorio Lupo Scarpone (mãe, Noemi) e Achille


Scarpone (mãe, Bambi).

Vittorio Lupo Scarpone:

Ele é filho de Arturo e Noemi.

Seu avô materno, Pasquale Ranieri, era um poeta e


romancista de renome mundial da Sicília. Ele teve cinco
filhas (todas, exceto Noemi, moram na Itália): Noemi Ranieri
Scarpone, Stella, Eloisa, Candelora e Veronica.
Ele tem um irmão: Achille Scarpone.

Achille Scarpone:

Ele é filho de Arturo e Bambi.

Ele tem quatro filhos: Armino, Justo, Gino e


Vito (apenas Armino e Vito são mencionados pelo nome no
Mac).

Ele tem um irmão: Vittorio Lupo Scarpone.

Tito Sala (casado com Lola Fausti) é primo de Pasquale


Ranieri.
adjetivo

1. astuto, manipulador, e inescrupuloso, especialmente


na política.

substantivo

1. uma pessoa que planeja de uma maneira


maquiavélica.
Vittorio
Nós já fomos os governantes do mundo. Lado a lado,
meu pai e eu reinamos sobre o que supus que seria meu um
dia: um reino de desajustados e um trono construído com
medo e respeito. Logo, porém, eu descobriria que governar o
mundo era apenas uma realidade.

A realidade difere de pessoa para pessoa, alma para


alma, perspectiva para perspectiva.

Por exemplo, meu pai via a vida como um jogo a ser


vencido – para ser mais preciso, um jogo de xadrez. Movendo-
se por uma atitude cruel, tornou-se o rei de Nova York por
ser brutal e astuto. Não importa o que ele tenha feito, ou que
jogada, o fez com um objetivo em mente: vencer tudo, não
importa quem seja derrotado no final. Estratégias,
premeditação, não levam prisioneiros e não mostram piedade,
nem mesmo para os mais próximos a você – esses eram os
três códigos pelos quais ele vivia religiosamente.

Ele fez as conexões certas, casou-se com a garota


perfeita, trabalhou em todas as festas luxuosas e confundiu
ou matou inúmeras pessoas de todas as esferas da
vida. Provou a realidade que criamos, o mundo que
governamos, o quão competente ele era e o quão cruel podia
ser. Mesmo aqueles que governavam as ruas temiam seu
nome.

Arturo Lupo Scarpone, o rei de Nova York.

Ninguém poderia triunfar sobre seus


movimentos. Ninguém poderia se aproximar dele. Nem
mesmo sua própria carne e sangue. O filho dele.

Vittorio Lupo Scarpone, o príncipe garoto bonito.

Arturo me tirou a realidade, esse nome, e me baniu do


reino para o qual havia me preparado tão selvagemente, e
então, ele me rotulou como morto.

Havia uma razão pela qual seus homens o chamavam


de il re lupo. O rei lobo. Ele mataria sua própria prole se isso
significasse mais poder.

Há um velho ditado: homens mortos não contam


histórias. Eu não tinha histórias para contar. Eu só tinha
uma história horrível.

Dessa vez, o homem que me criou ia pagar. Porque se eu


já estava morto aos seus olhos, como ele poderia me ver
chegando?

Boo, filho da puta. Você me chamou de príncipe. Estou de


volta para governar seu mundo como rei.
Vittorio
18 anos atrás

Casamentos arranjados não eram incomuns em nossa


cultura. Eu sempre soube que um dia me casaria com
Angelina Zamboni. O pai dela estava conectado e, além do
meu, ele era um dos homens mais poderosos de Nova
York. Ângelo Zamboni, pai de Angelina, estava na política.

Os meus lidavam mais com medo e derramamento de


sangue, embora os dela também não se esquivassem
disso. As mãos de Ângelo estavam limpas, mesmo que sua
consciência estivesse imunda. Arturo Scarpone nasceu sem
consciência e se tornou um homem com as palmas das mãos
cheias de sangue – a maioria das pessoas em nosso círculo
admirava e temia isso nele. Ângelo ansiava por esse tipo de
apoio implacável, então concordou com o casamento antes
que sua filha tivesse uma palavra a dizer.
Éramos o casal que todos admiravam e
louvavam. Formamos um casal lindo. Criaríamos bebês
lindos. Faríamos uma vida linda juntos, mesmo que as partes
sombrias da minha vida estivessem escondidas atrás da vida
aparentemente perfeita que vivíamos. Quando chegasse o dia
de eu governar esse reino cruel que meu pai me deixaria, ela
seria a rainha ao meu lado, neste trono construído sobre
derramamento de sangue.

Angelina também seria minha própria omertà2. Ela seria


meu voto de silêncio através de bons e maus momentos,
doença e saúde, através das entrevistas policiais mais difíceis
e adversários tentando colocar nela o temor de Deus.

A lealdade era ainda mais poderosa que o amor nesta


vida. Era imperativo conhecer seus inimigos melhor do que
seus amigos. Mas aprendi desde o início que ninguém era
verdadeiramente seu amigo. A lealdade dependia de quanto
dependiam de você e você deles.

Angelina sorriu e depois me cutucou enquanto


caminhávamos pelas ruas de Nova York, tirando-me dos
meus pensamentos. Estava escuro, mas as muitas luzes ao
nosso redor iluminavam seu rosto.

2
Omertà (do latim humilitas; – humildade –) é um termo da língua napolitana que
define um código de honra de organizações mafiosas do Sul da Itália. Fundamenta-se num
forte sentido de família e em um voto de silêncio que impede de cooperar com autoridades
policiais ou judiciárias, seja em direta relação pessoal como quando fatos envolvem terceiros.
Seu cabelo era da cor de caramelo macio, a pele
bronzeada e os olhos castanhos. Meu irmão disse uma vez
que ela tinha olhos perversos. Eles eram. Quando ela queria
se vingar, eles se estreitavam em punhais e não mostravam
piedade. Ela não era mais alta que eu, nem de salto, mas era
alta para uma mulher. Suas pernas eram longas o suficiente
para me envolver e me puxar para mais perto quando
fodíamos.

Dentro de um mês, eu a chamaria de minha esposa –


Sra. Vittorio Scarpone – e anos de negócios entre meu pai e o
dela se concretizariam. Arturo gostava de dizer a Ângelo que
as duas famílias compartilhavam uma oliveira. Ângelo trouxe
a árvore do país antigo. Arturo plantou em solo de Nova
York. Para o reino vir, ambas as famílias desfrutariam do óleo
de ouro.

— Você ficou quieto. — Disse ela, com os olhos brilhando


enquanto olhava para mim.

— Não dá para falar muito durante um show da


Broadway – A respiração saiu da minha boca em uma nuvem
de fumaça.

— Não consigo ler o seu humor. — Ela parou de


andar. Também parei. Ela recuou um passo para que
pudéssemos realmente nos ver. Os olhos dela se
estreitaram. — Você está tendo dúvidas?

Neve rodopiou entre nós. Manchas brancas pousaram no


material escuro da minha jaqueta. Eles se reuniram por
alguns segundos, mesmo nos meus cílios, antes de eu
falar. — Estou retornando a pergunta.
Ela sorriu um pouco com isso, balançando a cabeça. —
Este é um acordo feito.

Em nosso mundo, sempre foi sobre a arte do acordo, e


garantir que você pagasse pelos seus pecados se fosse contra
o rei.

— Somente Deus poderia cortar esse arranjo — eu disse.

— Deus ou seu pai. — Ela enfiou os dedos longos e


elegantes dentro dos bolsos de sua jaqueta cara.

Um homem de terno passou por nós, uma mão na pasta


e um telefone preso ao ouvido. Não senti falta dos olhos dele,
no entanto. Eles percorreram Angelina enquanto ele se
apressava a sair do frio. Isso não me incomodou. O que me
incomodou foi a mão fria que parecia tocar meu pescoço – e
não era o clima.

Angelina tinha sido usada como um pião neste jogo


antes que pudesse juntar duas palavras. Eu estava ao lado
dela desde que éramos crianças. Nós dois entendemos que o
amor não tinha nada a ver com esse arranjo, mas eu queria
que essa fosse uma grande união, uma união poderosa, e
sabia que seria mais fácil se ambos tivéssemos sentimentos
mútuos um pelo outro. Eu esperava o tipo de respeito dela
que tivesse sua base na lealdade.

Ultimamente, porém, podia sentir algo dela que parecia


errado. Não foi a primeira vez que a mão fria pareceu tocar
meu pescoço e fazer meus instintos formigarem.

— Você é realmente um homem bonito, Vittorio. Você


deveria ter aceitado a oferta de seu pai quando teve a chance.
Meus olhos se estreitaram, como se eu pudesse vê-la
melhor. Ver diretamente através dela. Esses tipos de
comentários não se encaixavam bem comigo. Sem ninguém
para meditar palavras, ela estava melhorando na arte da
sutileza. Eu não gostava disso. Especialmente quando
começou a dizer que não tinha nada a ver com isso.

Ela estava certa. Meu pai uma vez me deu uma


saída. Uma chance de viver minha vida da maneira que eu
achasse melhor enquanto ainda estivesse fazendo seu
trabalho sujo. Em vez de ser parte integrante do negócio,
queria que eu fosse o rosto dele. Seria o dono de todos os
restaurantes chiques e da alta sociedade para os aproximar
do bolso. Ele disse que minha aparência e carisma os
encantariam. Meu irmão, Achille, era mais adequado para ser
o braço direito dele.

Foi a única escolha que meu pai já me deu. No entanto,


não era realmente uma escolha. Foi um desafio. Deixar meu
irmão mais novo, que ele chamou de Joker3, controlar o reino
com ele, e o que isso me fazia? Uma boceta para a qual ele
não teria utilidade. Eu seria menor do que os caras de dez
dólares que contratou para limpar suas mesas.

Angelina parecia saber que meu pai nunca me deixaria


passar por isso. Uma vez que encontrasse uma fraqueza,
enfiaria o dedo no ponto fraco até que a ferida se recusasse a
curar. Até curar ao seu redor, para que ele pudesse reabri-la
a qualquer momento.

3
Coringa.
Meu pai sabia que minha mãe era minha única
fraqueza. Ele ainda fazia piadas sobre como eu era lindo,
assim como a família dela na Itália, assim como ela.

Arturo nunca diria isso na cara deles. Minha mãe tinha


laços com os poderosos Faustis e, a menos que meu pai
tivesse um desejo imediato de morte, ele os respeitava. A
última coisa que queria era que eles farejassem. Eles não
fizeram, a menos que você os incluísse em seus
negócios. Embora Arturo fosse o rei de Nova York, não
conseguia tocar os Faustis. Eles governaram o mundo dele.

Depois que contei a meu pai que preferia estar morto a


deixar Achille ter o que era meu por direito, ele riu como os
lunáticos e depois foi para o quarto que dividia com sua
esposa Bambi. Não minha mãe. Bambi era a mãe de Achille.

Meu pai sempre achou que o Achille era mais adequado


para a parte cruel dos negócios. Ele possuía o rosto mais
duro, mas era só isso. Eu tinha provado o meu valor, apesar
do reflexo que me olhava no espelho. Meu sangue e coração
foram feitos da mesma carne e osso. Matei tão selvagemente
quanto ele.

Angelina nunca tinha falado sobre isso antes. Eu nunca


tinha compartilhado isso com ela. Como diabos ela sabia?
— Achille está lhe dando informações privadas agora. —
Dei um passo à frente e ela se manteve firme. — Por que
isso, la mia promessa4?

Ela riu, a respiração saindo da boca em uma névoa fria.

— É assim que você sempre me chama. Sua prometida.

— Você gostaria que eu te chamasse de algo


diferente? Dentro de um mês, te chamarei de minha esposa.

— Não importa. — Seus dentes cerraram e sua


mandíbula se apertou. — Tudo o que importa é que sou
sua. Pertenço a você. Você é meu dono.

— Seu ponto?

Ela riu ainda mais e depois suspirou. – Estou grávida,


Vittorio.

— Bom – eu disse. — Isso me agrada. — Parecia que os


avisos sobre proteção não ser cem por cento estavam
certos. Sempre me protegi com ela. Mas houve algumas vezes
em que fomos duros e as coisas ficaram sombrias.

— Se meu pai descobrir que tenho...

— Ele não vai tocar em você. — Se o pai dela descobrir


que fiz sexo com a filha dele antes do casamento, isso pode
causar alguma tensão. Ângelo estava de mau humor. Ele iria

4
Minha prometida, em italiano.
tão longe quanto abaixar suas calças e chicotear sua bunda
com um cinto, se descobrisse que ela o desonrou. Ela tinha
apenas dezoito anos, mas, como diz o velho ditado, a idade é
apenas um número. Ela era madura além dos anos. Ela tinha
que ser.

Seu telefone tocou e ela se virou, procurando em sua


bolsa. Um momento depois, o telefone estava no ouvido dela e
ela estava falando baixinho. Com quem ela estava
conversando, eles estavam conversando sobre onde
estávamos indo.

O primo do primeiro avô de minha mãe, Tito Sala, estava


na cidade, e deveríamos nos encontrar no restaurante que
Angelina e eu planejávamos ir. Enquanto ela estava ocupada
mudando nossos planos, enviei uma mensagem rápida para
Tito, informando onde ele poderia me encontrar. Antes, ele
disse que tinha algo a discutir comigo, e era importante. Ele
era casado com Lola, uma Fausti de sangue.

Meu telefone estava de volta no meu bolso antes que ela


se virasse.

— Mudança de planos — disse ela, me dizendo algo que


eu já sabia. — Mamãe comeu no Rosa's hoje à noite, e não só
estava lotado, mas Ray ficou sem vitela. Quero vitela
à parmegiana. — Ela tocou minha barriga. — Em vez disso,
iremos para Dolce.

Balancei a cabeça, mas não disse mais nada. Recusava-


me a me mudar. Ela sabia o porquê, então continuou
explicando.
— O que repeti para você, ouvi em uma conversa
particular, Vittorio. Seu pai e Achille estavam jantando e,
quando passei pela sala de jantar, ouvi. Você nunca me disse
isso antes. — Ela encolheu os ombros. — Isso me deixou
curiosa.

— Não é da sua conta — eu disse.

— Certo. — Ela se virou novamente. — Vamos apenas


jantar. Estou com fome e com frio.

— Angelina — eu disse.

Antes que ela se virasse para mim, uma nuvem de ar


escapou de sua boca. Ela estava quase ansiosa demais para
chegar ao restaurante.

— Você conhece as regras. Você será minha esposa, mas


o que acontece na minha família é da minha conta. A menos
que eu lhe diga o que está acontecendo, você vai se ater aos
seus negócios, entendeu? — Havia uma razão pela qual eu a
conheci quando criança, a protegia dela mesmo. A estava
moldando para ser minha esposa. Ela tinha que seguir as
regras, ou essa vida mataria nós dois.

— Perfeitamente — disse ela, mais do que uma mordida


em seu tom. — Mas meu negócio é seu. — As palavras foram
ditas debaixo de sua respiração. Não me incomodei em
contradizê-los porque ela falou a verdade.

Andamos um ao lado do outro em silêncio até eu limpar


minha garganta. — Vamos contar à família sobre a gravidez
quando voltarmos da lua de mel.
— Tudo bem — disse ela. — Pelo menos estarei fora da
casa dele e longe dele até lá.

Ela amava o pai, mas o temia mais. Para ela, um


casamento arranjado significava liberdade. Um casamento
arranjado para mim significava que eu estaria ainda mais
profundo, tão profundo que nunca encontraria uma saída, a
menos que estivesse em uma bolsa de corpo.

Quando chegamos ao restaurante, a respiração estava


saindo mais rápido de sua boca e seus pés não mostravam
sinais de abrandamento. Mais uma vez, ela estava quase
ansiosa demais. Fui colocar a mão na parte inferior das
costas e levá-la ao restaurante, mas ela balançou a cabeça.

— Vamos pelos fundos — disse ela. — Gabriella e Bobby


estão jantando. Mamãe me contou. Não estou com vontade de
pegar o trem da fofoca hoje à noite. Patrizio tem nossa mesa
privada reservada.

Bobby trabalhava para meu pai, e Gabriella era uma das


muitas primas de Angelina. Toda vez que a víamos fora – ou
em reuniões de família, ou passando por ela no corredor –
não tinha nada para conversar, exceto o casamento. Bla, Bla.
Bla. A mulher poderia conversar por dias sem precisar de um
copo de água.

Quando viramos a esquina, entrando no beco escuro e


úmido que corria paralelo ao restaurante, os sons estridentes
de Louis Prima nos encontraram, junto com o cheiro de
macarrão fervente, alho assado, tomates cozidos e o lixo já
congelado de hoje à noite. No depósito de lixo.
Em vez de parar para me deixar abrir a porta para ela,
como sempre, ficou na frente dela, olhando para a maçaneta
de metal. Um segundo depois, seus olhos dispararam para
encontrar os meus antes de voltarem ao bronze frio.

— Você está enrolando — eu disse, chamando-a por seu


comportamento estranho.

Louis Prima cantou – Angelina – de trás da porta, e seus


olhos se ergueram, seu corpo tenso. Quando a percepção
tomou conta de que ninguém havia chamado seu nome, ela
relaxou visivelmente, mas eu sabia melhor. Ela estava muito
tensa.

— Você está sendo tolo, Vittorio.

— Estou princesa?

Ela girou em mim e peguei seu pulso antes que me desse


um tapa no rosto. — Foda-se, você- ela cuspiu para mim.

— Toquei um nervo? — Seu pai a chamava de princesa, e


ela odiava. Ela odiava tanto que, durante nossa reunião
privada, para discutir os termos de nosso casamento – é isso
que espero de você – exigi – É isso que espero de você – ela
respondeu – pediu que eu nunca a chamasse assim. Mas algo
estava errado hoje à noite, e o que quer que tivesse trancado
na língua, precisava tirá-lo da porra do seu peito. Era
diferente dela ficar quieta.

Ela arrancou o pulso da minha mão. — Você sabe o que


fez! Você sabe exatamente o que está fazendo. Em todos os
momentos! Você é tão frio. Então... — Ela fez uma pausa,
como se estivesse tentando reunir seus pensamentos. — Não
importa. Não há como mudar você! É inútil desperdiçar meu
tempo e respiração.

Levantei meu braço, fazendo minha jaqueta cair para


trás, expondo meu pulso. Meu relógio caro iluminou a
escuridão e o lobo na minha mão. — Tempo. — Fiz um gesto
em direção ao Panerai. — Fale agora ou para sempre
mantenha sua paz.

Ela estreitou os olhos para mim quando falei essas


últimas palavras. — O que você sabe?

Antes que ela pudesse terminar, dois grandes capangas


que não reconheci saíram de Dolce. Patrizio dirigiu, mas era
apenas uma frente para os Scarpones. Um dos capangas
fumava um cigarro. O outro estava com as mãos enfiadas nos
bolsos da jaqueta de couro, a gola puxada até as
orelhas. Cada homem tomou um lugar ao lado de Angelina.

— Só vou dizer isso uma vez — eu disse.

— Dizer o quê? — Disse o homem do cigarro. Seu


sotaque irlandês era leve, mas entendi.

— Mova-se.

— Ou? — Jaqueta de couro disse. Ele era italiano, mas


não um homem que eu conhecia.

Eu não disse nada, olhando para eles, dando-lhes a


chance de recuar sem que tivesse que usar a violência.

— O bebê não é seu — Angelina deixou escapar.


Levei um momento para quebrar o contato visual com os
dois capangas e me concentrar nela.

— Não posso me casar com um homem que não me ama


— ela continuou, e pude ver como os dois filhos da puta ao
lado dela a fizeram se sentir corajosa. Confiante. — Odeio ter
que nos separar nesses termos, mas prometo trazer flores
para você. É o mínimo que posso fazer.

Meus olhos se moveram com os dois filhos da puta ao


lado dela, que estavam se aproximando – não para mim, mas
para ela.

— Depois de todos esses anos, você não aprendeu nada


comigo, aprendeu? — Eu disse.

— Aprendi o suficiente para saber que você não é capaz


de amar. Você está fodido demais para tentar senti-
lo. Noemi...

— Mantenha o nome dela fora da sua boca — quase


rosnei.

Mesmo com os dois próximos a ela, sabia que tinha ido


longe demais, então mudou de rumo, passando direto para
outro rápido. — Você honestamente acha que eu teria um
filho seu? Quero o sangue do Scarpone, mas não de você.

— Você é mais estúpida do que lhe dei crédito — eu


disse.

Ela foi dar um passo em minha direção, sem dúvida,


para dar o tapa que não pode antes, mas meu irmão deu um
passo para fora, passando um braço em volta de sua cintura.
— Venha agora, querida — disse ele. — Você não acha
que meu irmão está tendo uma noite difícil como está? — Vá
devagar com ele.

— Achille — eu disse. — Ouvi dizer que merece


parabéns. Você vai ser pai. — Os pedaços se encaixaram
facilmente – a confissão dela e a presença dele.

Seu sorriso veio lento, virando os cantos da boca como o


maldito Coringa. — Ela disse-lhe?

— Em poucas palavras. — Devolvi o sorriso.

Ele encolheu os ombros. — Nós dois sabemos que isso


realmente não importa.

Angelina olhou entre nós dois, confusão em conflito com


o estoicismo em seu rosto. Vi sua garganta latejar quando ela
engoliu em seco. — Por que você não a matou, Vittorio? —
Um breve show de remorso se juntou ao campo de batalha de
emoções que ela tentou esconder.

— Sim, por que você não a matou, lindo príncipe


Vittorio? — Achille zombou. — Não que isso tivesse sido
diferente, mas você fez com que fosse tão fácil convencer Pop
que um de nós tinha que ir. Um dia, ele estava pronto para
lhe dar o reino –linda esposa, linda casa, linda filha para
levar o nome da família e tudo o que pertencia a ele – e lá vai
você, fodendo tudo por traí-lo.

— Nós dois sabemos que isso realmente não importa —


eu disse, repetindo as palavras de Achille. Ele resumiu tudo
tão perfeitamente. Tudo que eu precisava era de um laço para
embrulhar as coisas.
Achille enfiou o nariz profundamente nos cabelos de
Angelina, respirando-a, com os olhos fechados. — Obrigado,
Angel — disse ele. — Por tudo, mas parece que sua lealdade
ao meu lado era desnecessária. No final, meu irmão colocou a
unha em seu próprio caixão. Você acabou de dar a ele mais
uma coisa para se arrepender. Quem precisa de uma mulher
como você quando um homem está melhor na cama de uma
víbora? Traição é um pecado imperdoável, querida, não
importa quem em minha família você cruze.

Os olhos dela congelaram e a respiração ficou mais


rápida quando ele deslizou o nariz para cima, ao longo da
pele do rosto, dando um beijo suave na bochecha. Ele
sussurrou algo em seu ouvido, e ela fechou os olhos, uma
lágrima solitária caindo. A luz do restaurante pegou sua
trilha lenta.

Achille finalmente abriu os olhos, me deu um sorriso


largo e depois o ombro, me olhou, e saiu. Os dois capangas
ao lado de Angelina a pegaram pelos braços, ao mesmo
tempo, quatro homens vieram atrás de mim, um segurando
uma faca na minha garganta. Angelina começou a lutar,
gritando para Achille voltar — Como você pôde fazer isso
comigo?! — Antes de começar a gritar para eu ajudá-la.

Você quer gritar por mim agora, princesa? Depois que você
me preparou para ser abatido? As palavras estavam na ponta
da minha língua, mas elas caíam em ouvidos surdos. Em vez
de gritar por mim, ela deveria gritar por Deus, a única força
forte o suficiente para impedir isso. Ninguém sairia vivo
disso. Não se o rei lobo o tivesse ordenado e não houvesse
anjo para impedi-lo.
Mariposa
Nos Dias de Hoje

Somente os verdadeiramente pobres sabem a diferença


entre ter fome e passar fome. Meu estômago fez um barulho
desagradável, me lembrando de como eu estava morrendo de
fome. Quanto tempo se passou desde a última vez que
comi? Um dia? Dois? Eu tinha pedaços aqui e ali, bolachas de
algum restaurante de fast food que eles deixaram com o
ketchup e outros condimentos selados em plástico, mas era
só isso.

Meu estômago fez um barulho ainda mais alto, e eu


mentalmente disse para calar a boca. Deveria ter sido usado
para a negligência.

Não foi fácil chegar a uma cidade que facilmente a


mastiga e cospe. Nunca morei em outro lugar além de Nova
York. Sonhei com isso, mas nunca tive meios de
sair. Recursos significavam liberdade, e eu não era livre de
forma alguma.

Ainda mais triste do que o estado do meu estômago


rosnando foi o fato de que, uma vez que eu desaparecesse
deste lugar chamado terra (ou para alguns de nós, inferno),
não haveria nada de mim para realmente abandonar.

— O que é isso, Mari? — Eu disse a mim mesma — Um


dia de pena? A culpa é sua, e você sabe disso. Você não
deveria estar aqui.

No entanto, não pude evitar. Por mais pobres que as


ruas de Nova York pudessem ser, havia um outro lado que
era a definição de opulento. Era difícil ignorar o empate, a
riqueza, o puro absurdo de tudo isso. Como algumas pessoas
mal conseguiam, comendo pão de uma semana e usando os
sapatos (pequenos) de outra pessoa para manter os pés
limpos, lutando pelo próximo dólar, enquanto outras estavam
gastando milhares de dólares em implantes e roupas que
nunca usariam.

Não que eu os tenha invejado nessas coisas – com quem


estou brincando? Invejo-os nessas coisas. Especialmente os
implantes no rabo quando meu estômago hospeda um bando
de lobos famintos uivando para serem alimentados.

Sim, Nova York tinha me mastigado, mas ainda tinha


que me cuspir. Não havia dúvida, porém, de que eu estava
perto de me tornar um lixo do lixo um dia
desses. Provavelmente acabaria como a comida desperdiçada
que adoraria comer.
Suspirei, longa e com força, embaçando a janela de vidro
de Macchiavello’s. O nome foi feito em ouro e parecia
elegante. Era o tipo de restaurante que você provavelmente
precisava fazer uma reserva com meses de antecedência. No
lado oposto do vidro brilhante, jantavam ternos caros e
vestidos extravagantes, a maioria deles apanhando o
bife. Eles costumavam fazer.

Minha boca ficou com água. — Se conseguirmos sair


vivos, receberemos o bife também.

Era bom sonhar, certo? Eu poderia escrever no diário


dos meus sonhos. Uma vez vi essa mulher com um sorriso de
mega watts e extensões de cabelo dizer que eu também
poderia viver o sonho, minha melhor vida, se eu tivesse um
desses diários. Deveria listar todas as coisas pelas quais sou
grata diariamente, até coisas que não possuía, coisas que
pareciam tão além do meu alcance que às vezes me chamava
de tola por pensar nelas. A ideia era projetar tudo o que meu
coração desejava em minha vida.

Será que isso é verdade?

Todo o meu diário era composto de eu sou.

Sou grata por não ser mais pobre.

Sou grata por ser uma milionária que não quer nada.

Sou grata por ser uma viajante do mundo.

E o que prefiro morrer a deixar alguém ver. Sou grata por


ser amada além de qualquer medida por alguém especial.
Fiz uma anotação mental para acrescentar: Sou grata
pelo bife que comi em um restaurante sofisticado, no topo da
minha lista. Talvez precisasse ser mais específica com mais
frequência. Pensando bem, acho que o guru da felicidade
mencionou fazer exatamente isso. Estava no trabalho na
época, então talvez alguns dos detalhes tenham se perdido
um pouco na tradução.

Esse guru da felicidade nunca deu um prazo para


quando essas coisas deveriam começar a acontecer. Esperava
que fosse em breve. Aquele bife parecia tão bom. Se uma das
pessoas atrás do copo precisasse de um rim, eu trocaria o
meu pelo bife. Tanto quanto sabia, ambos estavam em muito
boa forma.

Além disso, por que ficar com dois quando você só


precisa de um? À luz da perspectiva, eu não era uma pessoa
gulosa, e se alguém precisasse da minha ajuda em troca de
uma boa refeição – apenas uma vez na vida – estaria lá para
isso. Ontem.

— Ei!

Viro-me com o som da voz, segurando mais forte as tiras


da minha velha mochila de couro. Normalmente eu não teria
me virado, mas a voz estava próxima e o reflexo no copo
parecia estar olhando diretamente para mim.

— Você está falando comigo? — Eu disse.

— Sim — ele disse. — Afaste-se daqui. Você está


assustando nossos clientes. Olhando no vidro como um
inseto de olhos arregalados que precisa ser esmagado.
Mesmo que as palavras dele me doessem
profundamente, porque tinha consciência que ele sabia que
estava sonhando com a comida por trás do copo e não tinha
como sequer saborear um hambúrguer de alguma
lanchonete, muito menos esse restaurante de cinco estrelas,
levantei meus ombros e estreitei meus olhos contra os dele.

— Você e qual exército vão me obrigar?

— Se você não se mexer, vou pedir a segurança para te


escoltar para um lugar que possa encontrar mais
velocidade. As lixeiras.

Se eu tivesse alguma merda para dar, certamente daria


uma a essa rachadura secreta.

— Não estou fazendo nada errado! Estou tentando


decidir se quero dar uma mordida ou não. — Mentira. — Mas
como o seu restaurante provavelmente está cheio de roedores
como você, acho que vou passar.

E pensar que estava disposta a dar um rim por um de


seus bifes horríveis. Precisava melhorar meus padrões um
pouco, antes que pensamentos como esse aparecessem no
meu diário. Quem sabia quando essa merda se tornaria
realidade? Eu provavelmente acabaria devendo a este imbecil
um rim por um bife.

Ele se dobrou de tanto rir. Então parou de repente e


apontou para trás de mim. — Não vou avisar de novo,
princesa caçamba de lixo. Dê o fora daqui ou...

As palavras morreram em sua garganta quando um carro


preto caro chegou ao restaurante e estacionou na frente dele
como se fosse o dono do lugar. Como se ele fosse rei do
mundo. Eu não sabia dizer se o motorista era ele ou ela, mas
algo sobre toda a cena gritava masculino. Seguido
pelo domínio.

Pensei em caminhar antes que o homem misterioso


saísse, mas desde que ele silenciou o Smart Mouth5, esperei
para ver como isso iria acontecer.

O Smart Mouth quase correu para o carro chique e


cumprimentou o homem – era um homem. A voz de Smart
Mouth estava ansiosa para agradar, exatamente o oposto de
como ele havia falado comigo.

Smart Mouth tagarelou quando o homem pisou na


calçada e foi direto para a porta do restaurante. Eu não
estava ciente de muitos homens, mas este... Não vou mentir,
não conseguia desviar o olhar.

Sob o que sem dúvida era um terno feito sob medida, ele
provavelmente tinha mais músculos do que eu poderia
contar. Ele era alto, com ombros largos, cabelos pretos e pele
dourada. Seu nariz era angular, assim como o formato do
rosto. Seus lábios estavam cheios. Eu gostaria de poder ver
seus olhos, mas estavam escondidos sob um par de óculos de
sol que provavelmente valiam mais do que veria em mais de
três anos.

5
Boca inteligente.
Eu podia sentir o cheiro da colônia dele – cítrica e uma
pitada de sândalo – e parecia uma lufada de ar fresco nesta
cidade cheia de muitas pessoas e muitas lixeiras. Ele
cheirava do jeito que eu imaginava o oceano, um lugar
exótico para se perder. Andava com tanta arrogância que
estava convencida de que ele era o dono do
restaurante. Talvez até da calçada.

Smart Mouth abriu a porta do restaurante para o homem


de terno e, antes que os dois entrassem, o homem de terno
parou. Duas mulheres em vestidos caros passaram por ele e
pelo Smart Mouth, que as cumprimentaram com um enorme
sorriso no rosto e uma mão as acolhendo lá dentro.

Um. Dois. Três. Quatro. Cinco segundos depois que as


mulheres entraram para se sentar, o homem de terno se
virou para mim e soltei uma respiração que não sabia que
estava segurando.

Foda-me. Ele era ainda mais atraente desse ângulo –


totalmente frontal. As únicas palavras que vieram à mente
foram colisão frontal com uma onda massiva do nada. Ele
levava-me com uma maré que não conseguia lutar, já que
não fazia ideia de como nadar, e depois destruía-me, o poder
dele suficiente para me bater contra uma pedra.

Não que isso fosse difícil. Quase não tinha mais nada
para me destruir.

Smart Mouth respirou fundo quando percebeu quem o


homem de terno estava olhando. Seu rosto virou um tom de
vermelho reservado para a carne crua. Talvez por causa da
minha reação à Smart Mouth me dando um olhar mortal, o
homem de terno olhou entre nós.
— Peço desculpas, senhor — disse Smart Mouth. – Estou
prestes a ...

O homem de terno levantou a mão e silenciou o Smart


Mouth antes que pudesse pronunciar outra palavra. Não
aguentava a maneira intensa como o homem de terno me
estudou por trás dos óculos. Sabia que ele estava me
estudando pela maneira como meu corpo reagiu. Fazia anos
desde que me senti... pequena na presença de alguém.

Julgada. Condenada. Ridicularizada. Banida.

Olhei para baixo, brincando com as alças da minha


mochila, me sentindo ainda pior quando meus olhos
avistaram meus tênis. Eles eram dois tamanhos pequenos
demais. Meus dedos pressionavam o tecido, quase rompendo,
e alguns dias pensei, que alívio seria, porque eles doíam. O
sangue os manchou em alguns pontos pelo desgaste na
minha carne. Por outro lado, se não tivesse esses sapatos,
não tinha quase nada. Não tinha dinheiro para comprar um
par usado, muito menos um novo conjunto.

Sou grata por ter sapatos que se encaixem – um armário


inteiro cheio.

Mais tarde, preencheria os detalhes quando chegasse em


casa e pudesse colocar algum pensamento naqueles que mais
gostei.

Também estou agradecida por esta camisa de beisebol


combinar com os malditos sapatos. Hoje não estou
incompatível.
Era tudo o que eu tinha que segurar no momento, algo
completamente meu e verdadeiro.

Oh, certo, de volta ao cara de terno. Eu queria levantar os


meus olhos, para desafiá-lo, desafiando-o a me julgar para
que pudesse dar-lhe o – veja o quanto me importo com sua
opinião – zero – mas não poderia fazer-me a encontrar seus
olhos novamente. Minhas bochechas estavam mais quentes
do que as fossas de Hades. Uma gota de suor escorreu pelo
meu peito, entre os meus seios, e de repente estava muito
consciente do meu corpo. Quão ansiosa me sentia.

Por um momento, levantei os olhos, fingindo que o jeito


que ele olhava para mim não me dava vontade de correr e
ficar parada ao mesmo tempo. Até um pouco disso era muito,
então me virei, preparando-me para ir embora.

Parei depois de dois passos, voltando. — Quem precisa


do seu restaurante ruim, afinal? — Gritei. — O bife
provavelmente nem vale o rim! — Então enviei a ambos um
movimento agressivo no queixo.

A princípio, as sobrancelhas escuras do homem se


abriram, mas então... foi um sorriso puxando seus
lábios? Foi difícil dizer. Parecia estranho. Como se ele não
tivesse usado os músculos há algum tempo. Isso não
importava. Desapareci na multidão agitada antes que
pudesse dar outra olhada. Era apenas mais um corpo no
meio de milhões.
Mariposa
— Vamos lá, Caspar! Dê-me outra chance! Dê-me uma
folga.

— Você está atrasada de


novo. Demitida. Demitida. Demitida.

— Você não quis dizer isso! Você realmente não quis.

— Eu quis. E se você quiser que empreste meu dicionário


para que você possa realmente entender o significado por trás
da palavra, tenho um no meu escritório para dias como este.

— Hoje é o dia errado para me despedir! Arrumei minha


bagunça. Realmente fiz desta vez. Fiz algumas
mudanças. Pensei algumas coisas. Isso não vai acontecer de
novo!

Ele bate no pano que estava usando para polir o


balcão. — Você quer que eu te dê uma folga?
Balanço a cabeça, ansiosa, mordendo meu lábio
inferior. Merda! Por que gastei tanto tempo pensando em
trocar rins por bifes e encarando um homem que
provavelmente era um bebê de fundo fiduciário? Sua maior
preocupação provavelmente era qual carro deveria dirigir
para combinar com a gravata.

E aqueles olhos? Ele nem tinha revelado aqueles olhos


misteriosos... Uma infinidade de cores passou pela minha
mente – verde, castanho, marrom, azul? Luz como o oceano
na Grécia quando o sol atinge a superfície, ou escuridão
como o mar durante uma tempestade
imprudente? Experimentei mentalmente no rosto dele, uma
cor após a outra.

— Ouça atentamente a palavra do dia, Mari.

Pisco, trazendo Caspar de volta ao foco central.

— Você está ouvindo, Mariposa?

Estreito meus olhos para ele, tentando não ser


sarcástica, mas odiando isso sempre que alguém me
chamava pelo meu nome completo. Caspar estava a par dessa
informação porque havia me contratado. — Sim, estou.

— Despedido. Definição: demitir (um funcionário) de um


emprego. Deixe-me usá-lo em uma
frase. Mari posa Flores esta despedida. — Ele disse despedida
como DES PE DI DAA. — Entendeu?

— Como isso é me dar uma folga, Caspar?


— Você não teve que ir ao meu escritório para pegar o
dicionário.

— Oh vamos lá! Sério?

— Sério. Você entrou nessa. Quando você entrou para


trabalhar aqui, essa era uma das minhas regras. Você está
demitida. Você lê a palavra do dicionário em voz alta. Pode
evitar que você cometa o mesmo erro duas vezes — Ele fez
uma pausa. — Talvez você devesse ler em voz alta.

A mochila na minha mão cai no chão e caio em uma


cadeira com um dramático – hum! – Assim que minha bunda
bateu na madeira, caí e escondi meu rosto debaixo dos
braços, meus cabelos se espalhando, minha testa
pressionada contra um jornal amassado.

— Isso é tão ruim, Caspar — murmuro, minha voz


abafada. — Tão ferrado. Pensei que tínhamos algo bom
acontecendo aqui. — Fiz um gesto entre nós dois.

Mesmo tendo estragado algumas vezes, gostei muito de


trabalhar no Home Run. Era uma loja com tema de beisebol,
especializada em objetos raros de beisebol, e servia àqueles
que queriam que itens personalizados fossem feitos. Depois
que o negócio de beisebol decolou, Caspar e sua esposa, Arev,
abriram uma pequena cafeteria dentro do estabelecimento.

Não era grande, mas atraía clientes suficientes que


gostavam de estar rodeados vinte e quatro horas por jogos de
beisebol (ou canais de esportes) e notícias. Todos os setores
da vida chegaram, mas nossa clientela leal tinha mais de 45
anos, e a maioria deles entrava para uma boa xícara de café e
um jornal.
Corrigindo. A clientela de Caspar. Ele me despediu.

Eu sabia que mais as amarras verbais de Caspar


estavam chegando desde que me sentei e não saí, mas antes
que pudesse realmente começar, o toque na porta nos alertou
que um cliente havia entrado. Mesmo sem o sinal sonoro, os
aromas que chegavam teriam me alertado. Rosa e...
lavanda. Ambos eram sutis, mais distintos.

Espreitando através da minha solidão, observei Caspar


cumprimentar duas mulheres de trás do balcão. Uma delas
tinha cabelos ruivos e a outra loiro. Ambas recusaram sua
oferta de café antes que a mulher de cabelos mais escuros
desse o nome.

— Scarlett Fausti. Há alguns meses, liguei para fazer


uma camisa e um chapéu emoldurados para o meu
marido. Minha amiga aqui tem mantido o controle sobre as
coisas. Violet. — Scarlett acenou para a loira. — Disseram-
nos que estava pronto.

Eu tinha certeza de que ela, Scarlett, era quem cheirava


a pétalas de rosa e a outra, Violet, lavanda. Por alguma razão
- talvez fosse o cabelo ruivo e a pele clara de Scarlett, ou quão
graciosa ela parecia - mas era difícil não cheirar rosas e
pensar em alguém como ela.

Caspar se esforçou para lembrar a ordem, mas o que me


pareceu estranho foi que, à menção de seu sobrenome, o
comportamento de Caspar pareceu mudar. Eu já o tinha visto
lidar com celebridades antes, ou alguém que ele sentia ser
importante, e ele ficou mais erguido, com orgulho evidente
em sua posição.
Levantei meu rosto, soprando mechas de cabelo fora dos
meus olhos. — Aceitei o pedido — disse. — Está na sala dos
fundos. Saiu muito bom. Seu marido vai adorar.

Scarlett ordenou que a camisa de beisebol do marido e o


chapéu combinando fossem emoldurados. Aparentemente, ele
jogara bola na escola.

Quando Caspar mancou pelas costas para recuperar a


moldura, as duas mulheres se viraram para mim.

— Falei com você? — Scarlett perguntou.

Assenti. — Quando você fez o pedido pela primeira vez.

— Mari, certo?

— Essa sou eu — eu disse.

Ela assentiu, mas não disse mais nada. Em vez disso,


parecia olhar para a minha alma. Seus olhos eram de um
verde penetrante, e eles pareciam saber demais. E depois do
que aconteceu comigo antes – a porra que dei quando o cara
de terno me examinou – não tinha vontade de ser julgada
novamente. Embora não pudesse confirmar completamente,
isso era o que ela estava fazendo comigo. Era como se
estivesse me sentindo.

— Scarlett. — Violet a cutucou.

— Hmm?

Scarlett parecia perdida no espaço. Violet a cutucou


novamente quando Caspar veio da sala dos fundos segurando
a moldura. Scarlett se virou ao som da voz dele, mas parecia
relutante.

O que estava acontecendo no mundo hoje? Foi o dia do –


julgue Mari – O mundo inteiro, exceto algumas pessoas, não
tinha ideia que eu existia, e uma delas havia acabado de me
dispensar. De repente, eu era o foco central, como um inseto
em uma bandeja.

Deixei minha cabeça cair no jornal novamente enquanto


os três no fundo conversavam.

Scarlett: — Oh, meu marido vai amar isso! Ele jogou no


ensino médio e recebeu bolsas de estudo. A grande liga o
queria, mas ele decidiu se juntar à Guarda Costeira.

Violet: — Brando Fausti sorrirá quando vir isso, e em


algum lugar do mundo uma mulher receberá seu prêmio.

Caspar conversou um pouco com elas enquanto


embrulhava a moldura de Scarlett em papel marrom. Depois
que ele terminou, outra campainha veio à porta e, quando
virei minha cabeça para olhar, era um homem de terno. Ele
veio buscar o pacote para as duas mulheres. Scarlett o
chamara de Guido. Ele falou com ela em italiano. Cabelo
escuro. Olhos escuros. Se ele tivesse um tema, teria sido
escuro. Honestamente, ao lado do homem de terno de antes,
nunca tinha visto um homem tão atraente. Ele também era
construído. Seus músculos preenchiam seu terno caro
perfeitamente.

Que diabos estava na minha água da torneira hoje de


manhã? Muito ferro? Eu estava atraindo merda louca hoje.
Guido pode ser ridiculamente bonito, mas comparado ao
homem de terno... Soltei um suspiro de ar quente. Não havia
comparação. O homem de terno me fez sentir algo, o que me
fez sentir desconfortável. Vulnerável. Portanto, julgada. Não
senti nada quando olhei para Guido. Ele era atraente apenas
para os olhos. No entanto, nenhuma grande surpresa lá. Eu
raramente sentia algo por alguém. Como um dos meus pais
adotivos me descreveu? Emocionalmente morta.

Guido puxou a camisa emoldurada para fora, seguida


por Violet, que manteve a porta aberta. Scarlett parou
quando veio a mim. Parecia que queria dizer algo, mas
hesitou. Violet chamou seu nome e, depois de morder o lábio
por um segundo, ela me agradeceu por minha ajuda e foi
embora. No entanto, eu poderia jurar que ela disse algo como
– até breve.

Depois que eles se foram, esperei Caspar me expulsar,


mas depois de um minuto mais ou menos, ele se sentou ao
meu lado, com uma xícara de café na mão. — Você leu isso? –
Ele bateu na borda do jornal provavelmente manchando
minha testa.

Suspirando, sentei-me e olhei para a manchete. Hã. Um


assassino na cidade de Nova York. Que tal isso? Talvez ele me
faça um favor e me visite em seguida. Eu estava cheia de
sarcasmo hoje, mas como não estava me levando a lugar
algum, decidi morder minha língua.

— Fausti — disse ele. — Você reconhece o nome?

Eu estava prestes a perguntar o que o nome Fausti tinha


a ver com a manchete, mas fiquei quieta. Eu não tinha
energia para conversar. Meu mundo estava implodindo ao
meu redor, e estava esperando uma pequena faísca me
incendiar, pois parecia que a gasolina corria por minhas veias
em vez de sangue. O bate-papo aleatório parecia acontecer
em câmera lenta enquanto se aproximava de mim. Tinha
vontade de correr para salvar minha vida, mas o problema
era que não tinha para onde correr.

— Eles acham que é alguém da multidão cometendo


assassinatos. Ou uma multidão mirando na outra. Caspar
suspirou. — Não que a menina doce que acabou de sair
tenha algo a ver com isso. Ela é uma bailarina famosa, mas o
povo do marido governa esse mundo. Isso me fez pensar.

— Não se esforce — eu disse.

Caspar riu. Na maior parte, ele entendia meu senso de


humor. — Você sabe que isso não é pessoal — disse ele, sua
voz sincera. Ele empurrou o copo para perto de mim.

Quando olhei no copo, ele continha quatro notas de dez


dólares. Olhei para elas, sem saber o que dizer.

— Considere a comissão por pegar o pedido da Fausti. —


Ele ficou em silêncio por um minuto ou dois e depois limpou
a garganta. — Não posso confiar em você, Mari. Arev, está
doente. Você sabe disso. Tenho que estar com ela agora. A
quimioterapia... — Ele não terminou o pensamento. — Meu
filho está vindo para assumir o negócio em breve. Não posso
entregar-lhe um negócio com uma trabalhadora
escamosa. Não seria justo.

De pé, bati na cabeça de Caspar, sem ter energia para


alimentá-lo com desculpas ruins. É verdade que eu estava
atrasada hoje por causa do cara misterioso de terno e
daquele maldito bife, mas nos últimos dois meses estava
frequentando uma faculdade comunitária. Meu horário
escolar nem sempre correspondia ao meu horário de
trabalho.

Queria fazer algo por mim mesma, mas era muito


covarde para contar a alguém. Se falhasse, esconderia no
meu armário metafórico cheio de esqueletos. O que era
exatamente o que eu ia fazer – deixar o segredo lá. Não havia
como continuar.

Qual era o objetivo?

Atingir o fundo do poço nem sempre fazia você subir


como as pessoas diziam. Às vezes nos pesava e no enterrava
sob cinzas. A desesperança era um fardo que se recusava a
me deixar mover.

Depois de pegar minha bolsa, fiquei na porta, com a


xícara de café na mão. Eu estava tão negativa que nem
mesmo esse pequeno raio de bondade poderia me colocar no
positivo. — Espero que Arev melhore — disse e depois saí, a
porta batendo atrás de mim.

Não, não, não, não! Joguei minha mochila no chão,


respirando pesadamente. Meu coração parecia que estava
prestes a explodir.
Merda! As fechaduras do apartamento ruim que aluguei
foram trocadas.

Apartamento seria um modo de dizer. Havia um colchão


na cozinha, que consistia em um fogão enferrujado e uma
geladeira ainda mais enferrujada, e um banheiro que
provavelmente foi construído quando o encanamento interno
foi a primeira coisa. Não era muito, mas era meu.

O meu significava que não ficaria na rua à noite toda. O


meu significava que não estaria saltando de um
estabelecimento para outro a noite toda, esperando que meu
dinheiro não acabasse antes do sol nascer, xícara de café
após xícara de café para me manter enraizada em vez de
andar em círculos. O meu significava que estava segura, na
maior parte. Essa não era a melhor parte da cidade, mas
mantive minha cabeça abaixada, minha mochila fechada e os
sapatos de merda nos pés enquanto seguia em frente,
cuidando dos meus negócios. E agora?

Fora. Na. Rua.

Quem disse que o diabo ataca em três, eles quiseram


dizer isso. Estava convencida de que o cara do restaurante
cinco estrelas (não o cara de terno, mas o outro) era o próprio
diabo e tinha começado esse dia direto do inferno.

A realidade deu um golpe legal em mim e tornou meus


problemas totalmente reais. Eu não conseguia respirar. O
calor do dia parecia que fervilhava ao meu redor, vivo com
um zumbido. Meu oxigênio era baixo ou inexistente. Minha
visão desapareceu dentro e fora. O suor escorreu de mim e
encharcou minhas roupas. Minha camisa de beisebol
estúpida, o jeans surrado e os sapatos muito apertados
fariam ainda pior depois disso.

Sapatos que eram muito apertados podem deixá-lo


tonto? Cortar o oxigênio no seu cérebro? Ou Nova York estava
pegando fogo?

— Pensamentos malucos, Mari — eu disse. — Pare de


pensar esses pensamentos insanos.

Quando olhei para baixo, de alguma forma deslizei para


o chão em frente ao meu apartamento, toda a minha energia
se foi. Foi. Foi. Se foi.

Estava cansada de estar sempre apenas um passo à


frente do diabo que me perseguia. Estava cansada de lutar
por mais um dia apenas para ser tocada por esse
inferno. Como foram tantos anos e tantas corridas... E que
bem isso fez? Nada. Isso me alcançou de qualquer maneira.

Abrindo minha bolsa, procurei meu diário.

Não! Não! Não!

Meus dedos freneticamente puxaram e se afastaram,


sabendo que nunca o abandonaria. Clipe de borboleta, um
novo pacote de cores, um livro de colorir, chiclete, uma
caneta. Tinha que estar aqui. No entanto, foi embora! Outra
coisa minha se foi! Meu lugar sagrado para guardar todos os
meus sonhos, desejos e coisas pelas quais agradecer se foi!

Era estúpido, eu sabia, mas era algo para segurar... Era


meu. Como o trabalho medíocre e os sapatos muito apertados
e o lugar sujo atualmente me mantendo na posição vertical.
Pense Mari! Quando foi a última vez? Puxei-o
mentalmente para frente, tentando me lembrar da última vez
que escrevi nele. Esta manhã. Antes de eu partir para o Home
Run. Merda! Eu tinha deixado ao lado de Vera no –
apartamento.

Era como se o destino soubesse que minha vida iria


implodir hoje e estivesse dizendo: Deixe seu livro do bem para
trás, garota. Menos doloroso quando você tem que assistir seus
sonhos queimarem em cinzas pelo resto de sua vida.

Eu não tinha ideia do por que estava tão apegada à coisa


estúpida. Ele foi com Vera. Não era como se eu tivesse
alguma coisa boa na minha vida para chamar de minha, para
sempre, mas uma vez, senti que podia. A possibilidade de
algo melhor estava lá. Era a chance de que algo ótimo
pudesse acontecer comigo, ou eu poderia fazer isso por mim
mesma, se pudesse dar dois passos à frente.

No dia em que a ideia se enraizou, tudo parecia tão


destinado.

Durante um dos meus turnos da noite em Home Run, a


guru da felicidade apareceu na televisão, alegando que
escrevera em seu diário há anos. Ela escreveu tudo o que
agradecia, mesmo que ainda não o tivesse. Ela alegou que ser
grato por uma vida que você não preparou, era se preparar
para uma vida que você teria. Ela o comparara a ter fé
suficiente para construir trilhos de trem antes mesmo que o
trem tivesse a rota.

Tudo parecia tão... verdadeiro... e factível.


Não foi preciso muito dinheiro para tentar. Tudo que
precisava era de um diário. Então, depois do trabalho,
aventurei-me a uma parte da cidade conhecida por
vendedores de calçada, procurando algo que pudesse
pagar. Colocaria um estrago no meu estoque, mas um dia
valeria a pena. Olharia para trás naquele diário e teria
provas. Mudaria o curso do destino. Ganhara um oceano
para apagar o fogo que me consumia.

Encontrei duas coisas naquele dia: um diário roxo e uma


planta de aloe vera.

A planta estava em cima do diário, realmente rebuscada


e o vendedor me vendeu os dois por um. Cinco dólares por
ambos. Chamei a planta de Vera e o diário de Journey6. A
partir desse dia, nasceu Vera Journey7. Quando eu precisava
de um confidente, conversava com Vera. Quando eu
precisava me sentir não tão quebrada, escrevia em
Journey. Desnecessário dizer que Vera estava indo muito
bem com todos os nossos bate-papos, e Journey estava quase
cheio de anotações.

Ambos estavam bem além do meu alcance. Minhas mãos


formigavam, como se eu estivesse pendurada na montanha
mais alta e meus dedos e palmas estavam muito
escorregadios. Eu estava caindo.

6
Jornada.

7
Jornada da Vera.
— Apenas a minha sorte — murmurei.

O ataque de pânico passou e de repente me senti muito


cansada. Como se pudesse sentar naquele chão de merda e
dormir por eras. Levantei minha cabeça, virei meus olhos
para o teto e depois os fechei. Desejando. Na
esperança. Querendo algo tão diferente.

Eu precisava. Precisava de um lugar seguro para pousar


pela primeira vez na minha vida.

Nem tive energia para abrir meus olhos quando a ponta


de uma bota tocou minha perna. — Troquei as fechaduras —
disse Merv. — Você não pagou o aluguel. Não estou
executando uma instituição de caridade aqui.

— Cai fora, Merv – eu disse. — Eu não estava tão


atrasada.

— Mais de um mês, e não pela primeira vez. Esqueci as


taxas atrasadas, não é?

— Você já ouviu falar em dar uma folga para


alguém? Não é como se fosse o palácio real. Você deixa os
ratos morarem aqui sem aluguel. Uma família imensa morou
comigo o tempo todo. Os bastardos roubaram minha comida,
quando eu a comi, e depois cagaram em todo o lugar!

Ele ficou quieto o suficiente para forçar meus olhos a


abrirem. Sabia que ele não tinha saído, porque sua colônia
barata assaltava meu nariz. Nunca tive um bom
pressentimento sobre ele, então geralmente mantinha
distância, e o sentimento estava mais forte do que
nunca. Havia algo em seus olhos que me lembrava um rato
doente. Sempre assumi que ele era o líder deles.

Usei meus joelhos para empurrar a parede, mantendo as


tiras da minha bolsa agarradas nas palmas das mãos,
deslizando um pouco, mas ele esvaziou o espaço entre nós e
chegou perto do meu rosto. — Eu poderia esquecer este mês.
— Ele encolheu os ombros. — Se você fizer algo por mim.

Antes que ele me dissesse o que era aquilo, comecei a


balançar a cabeça. Eu sabia o que era aquilo, e não havia
nenhuma maneira no inferno. Não era a primeira vez que
insinuava sexo por pagamento, mas dessa vez algo havia
mudado. Ele se sentia mais como um predador.

Caia. Fora. Uma voz gritou na minha cabeça. Veio do


meu intestino.

— Vá se foder, Merv — eu disse, e quis dizer isso


literalmente. — Preciso de dois minutos para pegar minhas
coisas e depois vou embora.

Ele balançou sua cabeça. — Você me deve. Você quer


suas coisas? Você tem que fazer algo por mim primeiro.

— Quando o inferno congelar — sussurrei, esperando


que o tom baixo da minha voz escondesse a sugestão de
medo. — Você teria que me matar primeiro.

Poderia ter pulado de casa em casa, de lugar em lugar,


ao longo da minha vida, mas não cheguei ao ponto em que
minha fome e medo valiam mais do que meu corpo, minha
força para continuar colocando um pé na frente do outro
nos meus próprios termos.
Cansaço poderia ter chegado aos meus ossos, mas o
pensamento dele me fez estremecer ao ponto em que o ácido
queimou o fundo da minha garganta. Prefiro pegar um
estranho decadente em um beco escuro do que vê-lo à luz do
dia. Ele tinha uma bunda de crack de dias, e nem sempre
parecia cabelo escuro lá atrás.

— Você voltará! — Ele gritou em minha direção,


inclinando um ombro musculoso contra a parede enquanto
eu puxava a bunda para sair de lá. Uma porta em frente à
minha se abriu e duas pessoas saíram. — E o custo
aumentará quando você fizer isso!

Como eu morava no terceiro andar, às vezes deixava a


janela aberta. Chame-me de tolamente esperançosa ou
verdadeiramente insana, mas sempre desejei que um gato
vadio passasse por ela para que pudesse cuidar do meu
problema de rato. Não podia pagar mais nada, e conseguir
alguém para ouvir nesta cidade (uma queixa contra o
proprietário) era mais difícil do que convencer uma parede de
tijolos a se mover sozinha.

O que era ainda mais insano do que esperar que um


herói gato estivesse planejando pegar meu diário e planta de
volta de Merv, o proprietário assustador. Recusei-me a deixá-
lo ter minhas esperanças e meus sonhos – e minha
planta. Eu poderia ter atingido o fundo do poço, mas seria
condenada se as últimas lembranças minhas fossem para ele.
Bati minha palma na minha testa. Novamente, o cara de
terno desta manhã pareceu embaralhar meus pensamentos, e
todo o senso comum pareceu escapar pelas rachaduras. Eu
tinha deixado a janela aberta no caso desse cenário
exato. Não ser capaz de pagar aluguel e ser posta pra fora.

Em um dia normal, teria Journey comigo, mas Vera


sempre ficava em casa. Quero dizer, quem carrega uma
planta por aí? Caso as coisas ficassem sombrias,
propositadamente, deixei a janela aberta para que eu pudesse
arrancá-la da borda.

Com nada além de tempo do meu lado, esperei no calor


extremo, longe demais para ser vista, até a noite cair e tive
certeza de que Merv provavelmente estava assistindo pornô
pelo resto da noite.

Depois de prender minha mochila, subi a escada de


incêndio o mais silenciosamente possível.

Era velha e, a cada passo, a ferrugem caía da rua devido


ao meu peso. Meus dedos tinham um pulso e meu estômago
parecia com um sanduíche de ácido para o almoço. Não
importa o que as pessoas diziam, não importa o quanto você
coma, você nunca se acostuma a sentir fome. Havia uma
grande diferença entre um rosnado e um rugido. Ou talvez
houvesse uma grande diferença entre escolher não comer e
não poder.

Tive que parar no meio do caminho até o segundo


andar. Minha cabeça ficou tonta e tudo parecia nadar antes
de se endireitar novamente. Olhei para cima, lembrando por
que eu tinha que fazer isso.
Journey. Vera. Minhas coisas. Meu. Tudo o que restara
de mim.

Quando cheguei ao terceiro andar, no meu apartamento,


espiei dentro, sem ver ninguém. Vera estava à beira e
Journey estava por baixo. Isso estava certo. Eu estava
tentando ser artística hoje.

Talvez possa me esgueirar e pegar minhas duas camisas


e um par de shorts. Meu único par de chinelos. Ou até tinha
uma garrafa de água na geladeira. Realmente não mantinha
as coisas frias, mas legais. Isso me fará bem quando estiver
andando pelas ruas quentes hoje à noite. Talvez Merv nem
saiba que passei a noite. Isso me dará um dia extra para
tentar fazer outro tipo de acordo. É tarde demais para entrar
em um abrigo para a noite. Também não gosto de ficar
lá. Sempre me senti presa.

Meus olhos se estreitaram quando um dos ratos


demorou a andar pelo chão. Sim, eles não tinham medo. A
maioria podia pegar um gato pequeno, mas lidar com ratos
era melhor do que lidar com a humanidade.

Respirando fundo, levantei completamente a janela e


entrei, me sentindo um pouco à frente. Nunca me senti
decidida, desde os dez anos, mas – um pouco à frente –
tornou-se normal.

Uma dor lancinante escorreu do meu couro cabeludo até


o pescoço. Meu cabelo estava preso em um punho fechado e
minha cabeça puxada para trás em um ângulo estranho.

— Sabia que você voltaria — Merv zombou em meu


ouvido. — E o que eu te disse? O custo será muito
maior. Você vai conhecer Big Merv hoje à noite. Mari e Big
Merv, sentados naquela cama, BEIJANDO. — Ele cantou a
última parte infantilmente.

Meu coração disparou, minhas mãos formigaram e


minha mente trabalhou horas extras. O filho da puta estava
me esperando! Não tinha nada neste lugar desagradável para
me defender.

Ele puxou minha cabeça ainda mais, e olhei para ele pelo
lado do meu olho.

— Você não é tão bonita - esse nariz - mas há algo sobre


você... — Ele lambeu uma trilha molhada do meu queixo até
a minha orelha, e tive que reprimir a vontade de vomitar. O
cuspe dele fedia. — Seu corpo, no entanto. Vou me divertir
um pouco quebrando-o.

Palavras. Elas continuavam voando pelos meus


pensamentos. Queria ameaçá-lo, dizer-lhe que, se me
tocasse, o mataria. Mas, no momento, elas não tinham
sentido, voando, porque não tinham peso.

No entanto, ele estava certo sobre uma coisa.

Meu corpo.

Ia lutar, mesmo que essa fosse minha última


luta. Comecei a lutar com ele então, não me importando com
o que fazia, mas de qualquer maneira. Parecemos bater em
uma parede, o fogão, e então ele bateu minha cabeça em
outra parede, essa mais próxima da janela.
Ele soltou-se por um segundo, respirando pesadamente
(o idiota preguiçoso provavelmente nem conseguia subir um
lance de escada sem chiar) e fizemos uma espécie de dança
entre nós. Estava decidida a chegar à porta. Gritar não
ajudaria, mas era uma chance de fugir. Eu o tinha lá, mas ele
me tinha aqui. Enjaulada como um animal.

Ele veio até a mim novamente, e tentei dar a volta, mas


tropecei nos meus chinelos. Assim que caí, ele me agarrou
pelas pernas e me puxou para mais longe da porta. Ele
ofegou com a luta, e fiz algumas observações inteligentes
sobre ele não ter que lutar normalmente por sua comida. As
garotas no corredor pagavam sexo para ele o tempo todo, mas
eram mais como cadáveres depois de usar drogas.

Ranho escorria pelo nariz. Suas bochechas estavam


vermelhas. Suas mãos estavam quentes, queimando através
do meu jeans, e sua regata branca estava cheia de suor
fedido e doentio. Eu era capaz de soltar uma perna e chutá-
lo. Bati no seu joelho e ele gemeu. Meus dedos vieram
completamente através de um sapato do impacto, mas
consegui me levantar e chegar à porta. Assim que minha mão
girou a maçaneta, ele me agarrou pelo cabelo novamente, me
puxando de volta.

Ele me virou, selvagem de raiva, e colocou minha cabeça


na parede. Antes que pudesse me recuperar, me virou de
novo e depois me deu um tapa. Ele fez contato direto com o
meu nariz antes de entrar no meu olho. Mal registrei a dor,
só que eu precisava sair.

Sabia que a morte viria para mim em breve, mas não


assim. Não com esse idiota me quebrando antes que
decidisse me matar para os ratos comerem. Provavelmente
era assim que ele os alimentava. Agarrei, chutei e fiz barulhos
que pareciam desumanos, tentando reunir energia para
continuar lutando. Sabia do lado de fora que provavelmente
parecia que estávamos fazendo sexo selvagem, porque ele
estava fazendo barulhos desagradáveis também.

De alguma forma, chegamos à janela e tive a sensação de


que ele ia passar minha cabeça por ela. Talvez tenha decidido
que brigar comigo não valia a pena. Ele acabaria com a
minha vida e terminaria com isso.

— Tudo certo! — Gritei, mal reconhecendo o som da


minha própria voz. Estava cheio de areia, mas parecia tão
desgastado. — Tudo certo! Vou fazer isso. — Ele parou o
movimento, mas seu aperto não diminuiu. — Eu ... eu farei o
que você quiser.

O apartamento estava escaldante – sem ar-condicionado


- e a única consciência que eu tinha dos meus ferimentos
eram as picadas do suor escorrendo neles. Seu hálito quente
fluiu sobre mim, como o calor de um milhão de fogos
empolando minha pele.

Lentamente, sem nenhuma luta, o deixei me virar para


encará-lo. Ele soltou meus braços e, quando sua boca veio
contra a minha, o suor de seus cabelos espirrando em meu
rosto, cheguei atrás de mim e agarrei Vera no parapeito da
janela.

Acertei-o com toda a força que pude, esmagando o


pequeno pote contra a cabeça dele. A cerâmica ficou unida
contra sua têmpora até que movi minha mão e pedaços dela
desabaram no chão. Eu estava vagamente consciente do
olhar atordoado em seu rosto antes de pegar Journey, um
pedaço de cerâmica de terracota e meus chinelos, e correr o
mais rápido que pude para o anonimato das ruas
superlotadas.
Mariposa
Quando o sol nasceu, dei uma gorjeta mirrada à
garçonete na lanchonete que fiquei a noite toda. Ela foi legal o
suficiente para me deixar passar a noite enchendo minha
xícara continuamente, para não ter que dormir na rua. Até
me trouxe um pedaço de torta de maçã com gosto de mais de
duas semanas, mas como eu não comia nada há um tempo
era a melhor coisa do mundo.

Talvez sentisse pena de mim porque eu estava toda


arrebentada. Nariz sangrento, olhos e lábios inchados,
pedaços de parede presos no meu cabelo. Um hematoma logo
surgiria na minha testa. Estava dolorida ao toque e
inchada. Mesmo que isso chamasse mais atenção, afastei
meu cabelo com o grampo de borboleta que eu tinha na bolsa
para tirá-lo do meu rosto.

Vera. Ela salvou minha vida. O pensamento fez meus


olhos lacrimejarem, mas cheirei as emoções, recusando-me a
deixar uma lágrima cair. Chorar não levava a lugar
algum. Não ajudava em nada.
Depois de sair, enfiei meus tênis na minha bolsa e vesti
meu par de chinelos. O tamanho deles era perfeito, mas não
os usava com frequência porque, uma, não queria estragá-los
e, duas, causavam graves bolhas entre o dedão e o dedo do
meio. Mas eles protegiam meus pés e fiquei feliz em tê-los.

Fiquei feliz por ter o Journey de volta também. Passei a


maior parte da noite escrevendo as coisas entre as
páginas. Até tirei uma foto de Vera e seu pote para lembrar
dela. O resto do tempo, pintei no meu livro de colorir
infantil. Havia algo realmente relaxante em colorir todas
essas princesas e trazê-las à vida.

Um cara andando pela rua bateu em mim e me


empurrou para trás um passo. Ele tinha fones de ouvido e
não estava prestando atenção, mas o golpe me fez sentir a
luta da noite passada.

Seria um longo dia.

Não tendo nenhum lugar para ir, ou ninguém para ver,


deixei meus pés me levarem em qualquer direção que eles
quisessem seguir. Peguei a balsa para Staten Island e, depois
de andar um pouco, voltei. Alguns mercados, um passeio pela
Broadway, me perdendo na multidão na Time Square – mais
tarde, estava de volta ao restaurante cinco estrelas,
Macchiavello's.

Muita gente. Deve haver um código de vestimenta,


porque nenhuma pessoa estava vestida de jeans. Perfumes
ricos e colônias finas permaneciam do outro lado da rua. Isso
meio que disfarçava o fato de Nova York estar escaldando e as
lixeiras estarem assando. O suor cobria minha pele e me
senti com crostas nela. Felizmente, os aromas ricos
mascarariam o meu cheiro também.

Desta vez, não olhei pela janela, mas mantive


distância. Apoiei-me na parede, observando as pessoas irem e
virem. Eu estava entediada, então brinquei com a ideia de ir à
biblioteca. Às vezes ficava lá e lia o dia inteiro. Mas meus pés
estavam doendo (na verdade, tudo estava), e o pensamento de
me sentar um pouco e colorir parecia mais atraente. Então eu
ia para o abrigo antes que eles ficassem sem camas.

Depois de pegar meus suprimentos, comecei a colorir a


foto de uma jovem garota com uma capa falando com um
lobo mau. Algum tempo passou, porque o tempo começou a
parecer um pouco mais frio. Definindo minha cor azul para
passar uma pontada de coceira no nariz machucado, olhei
para cima.

Meus olhos se estreitaram no mesmo cenário do dia


anterior. Smart Mouth se apressou em abrir a porta do
restaurante para o cara de terno, mas em vez de entrar, ele
me observou. Levantei um olho, incapaz de abrir o outro
inteiro.

Era difícil desviar o olhar. Quando ele olhou para mim,


senti-me presa, encurralada, incapaz de me mover uma
polegada. Mas de uma maneira estranha, isso não me
incomodou tanto quanto deveria. Percebi então, que não me
sentia julgada por ele porque ele estava me julgando, mas
porque eu estava me julgando em sua presença, imaginando
como me comportava.

Merv estava certo. Eu não era a coisa mais bonita a


enfeitar a terra. Meu cabelo era castanho escuro, meus olhos
cor de avelã – meu DNA não podia decidir entre ouro, verde e
marrom – e meu nariz... Bem, um garoto do bairro antigo me
contou que eu tinha o que a mãe dele chamava de
schnozzola8 maior.

Jocelyn havia me dito para não me preocupar com o que


o garoto havia dito. Ele não sabia nada, assim como sua mãe
não sabia se seu pai era o barman ou o marido dela.

Jocelyn havia dito que eu tinha um nariz aquilino, ou às


vezes as pessoas chamavam de ‘nariz romano’. Era lindo e
combinava com o meu rosto, ela dissera. Chegou a chamar
meu perfil de “real”. Até me levou à biblioteca para ver
fotos. Eu tinha que admitir que, comparado a alguns, tinha
um bom nariz romano, que parecia bom para o meu rosto,
mas ainda era diferente.

Pelo menos minha pele estava clara. Bem, quando não


estava machucada.

O que o cara de terno pensa do meu nariz? Depois de um


segundo, pisquei, voltando ao momento. Inconscientemente,
estava acariciando a ponte, chamando a atenção para os
meus pensamentos.

O que diabos estava acontecendo comigo? Por que eu


pensaria nisso, ou muito menos me importaria?

8
Narigudo.
Ainda não desviei o olhar, e ele também não. Não até que
algo o fez se virar para olhar. Um carro sem identificação
cruzou a rua. Parecia que estava indo em direção ao
restaurante. Um segundo depois, o homem de terno
desapareceu atrás da porta com o Smart Mouth nos
calcanhares. Tive a sensação mais estranha de que talvez o
homem de terno não quisesse sair, mas precisava.

Ele ia falar comigo? Eu não conseguia nem explicar por


que pensei isso.

Então, comecei a rir. Ri enquanto arrumava minhas


coisas, me preparando para ir para o abrigo. Foi tão ridículo
que ele viria falar comigo. Provavelmente estava me avaliando,
tentando descobrir se eu me tornaria um problema. Se ele se
lembrasse de mim. Talvez estivesse tentando me localizar.

Meus dedos pararam quando notei o pedaço de cerâmica


no fundo da minha bolsa. O virei na minha mão por um
segundo, admirando a borboleta que tinha desenhado.
Queria ocupar o espaço da Vera e desenhar algumas coisas
em seu pote. A borboleta era minha favorita. Sempre admirei
coisas que tinham que lutar para encontrar beleza na vida.

Se ao menos todos pudessem ter tanta sorte de encontrar


nossa beleza, nossa paz, nosso propósito antes de deixarmos
esta terra.

A peça pousou no fundo da minha bolsa novamente e,


depois de fechar, levantei-me, limpando um pouco de sujeira
das mãos no meu jeans.

Um homem alto, de outro terno caro, saiu pela porta do


restaurante, indo direto para o carro não identificado. Dois
detetives saíram e o homem os encontrou antes de chegarem
à porta.

Podia ouvir trechos da conversa, mas não muito. O


homem alto tinha um forte sotaque italiano. Parecia que
estava explicando aos detetives que o homem que eles
pediram para ver não estava lá e, se tivessem mais alguma
dúvida, deveriam entrar em contato com o advogado primeiro.

Por um minuto, pensei que talvez eles tivessem chamado


a polícia para mim, mas o bom senso entrou em cena.
Duvidava que os detetives fossem chamados por alguém que
se sentava contra o prédio e colorisse a maior parte da noite.

Não querendo me envolver em nenhum tipo de problema,


porque já estava no meu próprio tipo de inferno, decidi sair.

— Ei! — a voz de um homem gritou atrás de mim. — Ei,


espera! Você com a mochila!

Parei, me virando. Um rapaz tecia o tráfego de pedestres


para chegar até mim. Ele carregava uma bolsa de gelo na
mão. Quando se aproximou, estendeu o objeto e peguei.

— Sr. Mac queria que te desse isso. E isto. — Ele


procurou no bolso de trás, saindo com um cartão de
presente. — Ele disse para entrar sempre que quiser. Apenas
use esse cartão.

Levei um momento para encontrar minha voz. —


Sr. Mac, seu chefe? O cara que saiu daquele carro? —
Balancei a cabeça em direção ao veículo. O rapaz assentiu e
continuei. — Ele sempre entrega esses cartões aos
necessitados? — Perguntei.
O cara olhou para mim por um momento antes de suas
feições relaxarem.

— Não.

— E as mulheres?

— Oh não.

— E o outro cara, aquele que corre para encontrar o Sr.


Mac? Ele vai me dar algum problema?

— Bruno? — O nariz dele se torceu. — Não. O que o Sr.


Mac quiser, o Sr. Mac recebe.

Balancei a cabeça, ele assentiu, e então voltou a


entrar. Fiquei lá por um momento, olhando para o cartão. Se
havia uma coisa que havia aprendido ao longo da minha vida,
era que nada nunca era de graça. Tudo tinha um preço. Mac
“não se importou de me olhar”, por qualquer motivo, mas isso
– não importa quão legal – me fez sentir como um caso de
caridade.

Sim, tudo bem, eu era um caso de caridade, mas por


algum motivo, vindo dele, não aguentava.

Talvez porque desejasse estar em terreno firme com


ele. Desejava, pela primeira vez na minha vida, ser uma
mulher que pudesse competir com ele... em tudo. Mesmo se
não fosse pobre, duvidava que estivesse interessado em
mim. Não com as modelos que iam e vinham do restaurante
que ele possuía ou frequentava. Na verdade, ele me notou
porque eu era pobre. Não era segredo quando você olhava
para mim.
Jocelyn me disse uma vez que uma mulher nunca
deveria querer ser tratada como um homem. Ela deveria
exigir um tratamento melhor. Nossas portas devem ser
mantidas, além de receber o mesmo salário e oportunidades,
esse tipo de coisa. E ela também disse que se um homem
realmente amasse, ele a trataria como se não a merecesse...,
mas que inferno se outro homem pudesse fazer melhor.

Meus sentimentos e pensamentos não estavam


realmente alinhados, mas por qualquer motivo, um de
alguma forma alimentou o outro. De qualquer maneira, dei o
cartão do Macchiavello’s a uma mulher e sua filha no
metrô. A mãe tinha câncer. Ela tinha um cachecol enrolado
na cabeça, nenhum cabelo embaixo e olheiras embaixo dos
olhos. Talvez um bom jantar distrairia as coisas, mesmo que
por um curto período.

Era tarde demais para chegar ao abrigo. Então, andei


pelas ruas a noite toda, pensando no homem de terno, Sr.
Mac, e porque tinha sido tão gentil comigo. Se não podia
aceitar sua bondade, talvez pensamentos dele afastassem
qualquer mal até que a luz do dia clareasse a escuridão.
Mariposa
–Droga! Mari! O que diabos aconteceu com você?

Keely me agarrou e me puxou com tanta força que


estremeci. Ela era uma abraçadora, mas considerando que é
minha melhor amiga desde que vestíamos roupas íntimas
infantis, a considerava família, portanto, não me importei.

Keely Ryan e sua família moravam perto da minha em


Staten Island. Seus pais eram imigrantes
irlandeses/escoceses que tinham sete bocas para
alimentar. Keely tinha quatro irmãos. Mas depois que as
crianças tinham idade suficiente para cuidar de si mesmas,
seus pais decidiram voltar para a Escócia. Keely e dois de
seus irmãos ficaram em Nova York. O resto dos meninos
seguiram seus pais.

Mantivemo-nos por perto, mesmo depois que fui para o


orfanato aos dez.
Ela me soltou tão de repente que quase tropecei de
volta. Uma mulher turbilhão. Seu cabelo era vermelho
ardente com incontáveis cachos. Sua pele estava pálida de
sardas. Possuía os mais puros olhos azuis e pelo menos um
metro e oitenta de altura. O volume de seu cabelo,
provavelmente, a aproximava dos dois metros.

— Liguei para Caspar e ele me contou o que aconteceu.


— Ela plantou as mãos nos quadris. — Estive procurando por
você. Por que não veio me ver mais cedo? Por que você está
parada aí sem responder minhas perguntas?

— Se você me desse um segundo — eu disse, ajustando


minha mochila – eu diria.

— O que aconteceu com o seu rosto?

— Parece que Merv tinha uma opinião diferente, devido


ao fato de meu corpo se recusar a fodê-lo em troca de
aluguel.

— Aquele bastardo! Ele fez isso com você? — Ela


estendeu a mão e mudei meu rosto.

— Sim. — Não gostava de como sua bondade me fazia


sentir, e não queria que se preocupasse. Ela queria que eu
ficasse em sua casa, e porque sua colega de quarto era uma
cadela certificada e possivelmente uma psicopata, não queria
ter que recusar sua oferta.

Keely também lutou para sobreviver. Ela vinha tentando


há anos conseguir um papel importante na Broadway, mas
ainda não o fez. Parecia um pássaro jazzístico quando
cantava, e tinha o talento teatral dos irlandeses para
acompanhar. Ela aceitou o máximo de empregos possível
para manter a cabeça acima da água.

Para se manter à tona, teve que dividir o aluguel com


alguém. Sierra foi sua terceira colega de quarto ao longo dos
anos, mas uma da qual até agora podia confiar. Mas Sierra
não gostava de mim. Um dia, tinha comido os ovos
acidentalmente quando Keely me disse que poderia me servir
do que quisesse na geladeira.

Sierra entrou e me pegou. Ela pegou uma faca na gaveta


da cozinha e a segurou no meu rosto. Ela ameaçou “cortar
uma cadela” se me encontrasse comendo seu estoque de
comida novamente. Keely e Sierra não compartilhavam
comida, e suas coisas estavam fora dos limites.

Tentei explicar que era um mal-entendido, mas Sierra


não era do tipo que ficava parada ouvindo
desculpas. Recusou-se a sair até eu dizer as palavras
mágicas. “Isso não vai acontecer novamente.”.

— Melhor não — dissera ela. Levantou a faca para mim


mais uma vez e depois saiu da cozinha. Ela contava suas
coisas regularmente e provavelmente duas vezes depois que
saí. Fiz questão de ficar longe.

Havia algo nela que não se encaixava bem comigo. Foi


por isso que nunca vim passar a noite. Estava preocupada
que me machucasse enquanto dormia. Nunca disse a Keely
porque se davam bem. Sierra tinha uma aversão por mim, e
Keely precisava que ela mantivesse sua parte do aluguel.

A mãe de Keely uma vez me alertou sobre o que acontece


com duas pessoas se afogando. Um sempre leva o outro para
baixo. Keely não precisava que eu a arrastasse para baixo,
então sempre menosprezei minha situação quando
perguntava sobre as coisas. Desta vez, não pude. Ela ligou e
descobriu que eu tinha sido demitida.

Ela conseguiu meu emprego na Home Run depois que


deixou de trabalhar lá para ir para outro lugar que pagava
mais dinheiro. Também conhecia Merv, já que eu precisava
contar. Além disso, Keely podia sentir o cheiro de merda a
uma milha de distância, para que eu pudesse minimizar, mas
nunca contar uma mentira completa. O que significava...

— Você está de volta as ruas, Mari?

Ela parecia tão decepcionada comigo que tive dificuldade


em impedir que meu lábio tremesse. — Um pouco — disse.

— Um pouco — ela repetiu suspirando depois. Ela abriu


a porta e me disse para entrar.

— Sierra está aqui? — Perguntei.

— Sim, está se preparando para sair.

Finalmente, algo bom acontecendo no meu caminho pela


primeira vez.

— Ela não é tão ruim, Mari — disse Keely. — Todo


mundo tem uma história. Seja qual for a dela, parece
sombria. Quem sabe o que ela passou para chegar aonde
está?

— Onde ela está exatamente?


Keely riu um pouco disso. — Última vez que verifiquei,
estava no banheiro. — Seu humor desapareceu assim que me
olhou novamente. — Você realmente parece uma merda,
mana.

— Você tem algo novo para me dizer, Kee?

— Não, mas tenho pão, manteiga e queijo. Sente. — Ela


apontou para a pequena mesa da cozinha. — Vou fazer algo
para você comer e então vai me dizer o que diabos está
acontecendo.

— Quem comprou? — Perguntei quando me sentei. —


Você ou Sierra?

Os olhos dela se estreitaram. — Isso importa? Se eu


pedir algo emprestado a ela, sempre o devolvo.

Balancei minha cabeça. — Não me sinto confortável em


comer a comida de outras pessoas.

— É meu — disse ela. — Juro.

Odiava como ela me examinava, procurando a verdade,


então tentei acalmar suas suspeitas. — Sei que ela luta
também. Não quero pegar o que não é meu. Nem estou tanta
fome. Comi pão mais cedo. Bati na minha mochila. — Caspar
me deu um pouco de dinheiro depois que me demitiu. –

— Ainda estou fazendo um sanduíche de queijo grelhado


para você. E minha mãe mandou um pouco de pão do
zero. Tente. Está na sacola do balcão.
Como Keely preparou nossos sanduíches de queijo
grelhado, fui sincera sobre o que havia
acontecido. Bruno. Caspar. Merv. A única coisa que deixei de
fora, ou quem, era o homem de terno. Por alguma razão, não
estava pronta para compartilhar isso ainda. Passei a noite
inteira pensando nele e em sua bondade, e não queria que ela
separasse meus sentimentos. Geralmente não tinha isso em
relação aos homens.

Sentimentos.

Com 21 anos, nunca tive um relacionamento, sério ou


não. Não tive tempo para isso quando todo o meu tempo foi
gasto sobrevivendo. Foi quem me tornei. Mari meramente
sobrevivente. Não tinha ideia de como era a vida. Além disso,
era ridículo até pensar nele dessa maneira. O homem
provavelmente era um milionário e, ainda por cima, parecia
um modelo.

Keely deslizou um prato em minha direção, o cheiro


dominando meus sentidos por um momento. Esfreguei
minhas mãos, lambendo meus lábios. Ela riu e olhei para
cima antes de dar uma mordida.

Ela sorriu para mim, os cantos dos olhos


enrugando. Então se sentou ao meu lado, agarrando minha
mão. — Sinto muito, Mari. — Ela apertou. — Eu gostaria. —
Ela fechou os olhos por um momento, respirando fundo. —
Eu desejo – Deus, gostaria que houvesse mais que eu
pudesse fazer.

Uma lágrima escorreu por sua bochecha e


estremeci. Odiava que ela pegasse meus problemas e os
tornasse seus. Keely era uma consertadora, como atuou com
os irmãos, e me recusava a fazer o mesmo com ela.

Fazia sentido o que sua mãe tinha me dito.

Todos nós tínhamos nossos próprios infernos para


sobreviver. Alguns de nós sentíamos que estávamos nos
afogando. Outros estavam em uma sala em chamas sem
saída. Mesmo sentindo os fogos do inferno, Keely estava
quase se afogando. Mal mantendo a cabeça acima da
água. Meus problemas apenas a derrubariam.

— Keely — eu disse, largando o sanduíche. Apertei a mão


dela. — Isto. Só você estar aqui, na minha vida, é mais do
que suficiente. Vale mais do que todo o ouro do mundo.

— Ha! — Ela soltou uma risada, mas não parecia tão


engraçado. — É verdade, mas o dinheiro ajuda.

— Sim. — Sorri. — Tenho certeza que sim.

— Você precisa chamar a polícia para Merv, Mari. Ele


não pode se safar disso. Posso... posso matá-lo por colocar as
mãos em você!

Levantei-me da mesa, caminhando até a pia. Peguei um


copo do armário e o enchi com água da torneira. Sierra não
podia se importar com isso.

— Você já se viu, Mari? Você precisa fazer isso. Você tem


que colocá-lo atrás das grades.
— Quanto tempo ele vai ficar lá, Kee? Não muito. E
quando ele sair? Não preciso de nenhum animal vindo atrás
de mim. Ele tem o meu faro. Ele vai me caçar.

— Não vou deixar. Vou envolver os meninos.

— Não! — Arrependi-me de ter gritado assim que o fiz. —


Não. — Abaixei minha voz. — Não pretendo quebrar, mas
não.

Ela veio de trás de mim e abraçou meus ombros. — Sei


irmã — ela disse. — Simplesmente não suporto a ideia de ele
se safar com isso. E se você quiser, falo com Caspar. Ele tem
um fraquinho por mim. Talvez possamos recuperar seu
emprego.

Optando por mudar de assunto, dei um passo para o


lado e depois me virei para encará-la. — Queria dizer isso
quando cheguei aqui, mas você não me deu a chance. Isso é
sério agora, Kee. Que inferno você está vestindo? E por quê?

Encaramo-nos um momento antes de explodirmos de


rir. Ela usava algum tipo de fantasia. Sabia que tinha algo a
ver com sua herança. O vestido de veludo verde era longo,
tocando o chão com mangas flaire. Seu cabelo estava domado
sob algum tipo de cobertura de cabelo e uma coroa estava em
cima.

Ela riu um pouco mais e depois enxugou os olhos. —


Tenho um emprego no Upstate New York. Tem algum tipo
feira de Escoceses dos tempos medievais, e eles precisavam
de uma donzela à moda antiga para passear e cumprimentar
os convidados. Lachlan quase cagou um tijolo quando me viu
antes. Ele tirou uma foto e a enviou para todos.
Lachlan era um de seus irmãos. E ele faria. Se eu tivesse
um telefone, não havia dúvida de que também teria
recebido. A maioria dos irmãos de Keely tinha um ótimo
senso de humor, todos menos o irmão Harrison. A família
dela chamava-o de rabugento Indiana Jones pelas
costas. Embora ele não parecesse mal-humorado. Todos os
seus irmãos tinham cabelos escuros, olhos claros e pele
dourada. Keely era o fogo na escuridão. Jocelyn costumava
dizer que um dia os meninos Ryan seriam fáceis de ver. Ela
estava certa.

— Aposto que seus pais estão orgulhosos. — Limpei


meus olhos.

— Mamãe estava louvando ao Senhor! Ela está


esperando que eu encontre um homem adequado enquanto
estiver lá. Um que possa levar para casa comigo.

Nossas risadas diminuíram quando ouvimos uma batida


na porta. Um ou dois segundos depois, Sierra emergiu de
onde quer que estivesse no apartamento. Seu cabelo loiro
platinado escorria pelas costas em ondas perfeitas. Sua blusa
era longa o suficiente para cobrir seus shorts muito
curtos. Parecia que esteve trabalhando em sua aparência o
dia todo, quando, na realidade, provavelmente, tinha acabado
de acordar. Seja qual for o seu trabalho, é de noite.

Keely ergueu as sobrancelhas e nós duas ficamos quietas


quando Sierra abriu a porta da frente. Ela teve uma série de
namorados desde que morava com Keely, mas o que batia
durava mais tempo. Então, nós duas ficamos surpresas
quando ele começou a xingar.
Aparentemente, ela terminou com ele. Um segundo
depois, sua voz ainda exigindo saber por quê. – É o filho da
puta rico do clube? – ela bateu à porta na cara dele. Sua voz
ainda era alta, mas abafada quando ela entrou na cozinha.

Sierra me deu um olhar mortal quando me notou. Suas


sobrancelhas eram muito mais escuras que seus cabelos, o
que tornava seus olhos castanhos mais
intensos. Significado: Ela tinha olhos perversos para
acompanhar sua personalidade perversa.

— Indo para algum lugar? — Ela perguntou a Keely,


olhando o sanduíche que Keely me deixou na mesa.

— Trabalho — disse Keely. — Volto tarde.

— Você, Mari? — Sierra jogou o queixo na minha


direção.

Odiava como ela dizia meu nome. Em vez de Mar-ee,


como a maioria das pessoas pronunciava, ela dizia:
Mari. Como se quisesse dizer Meri. Realmente ela não se
importava para onde ia, mas não confiava em mim sozinha
no apartamento delas. Talvez tenha pensado que roubaria
algo desde que comi um de seus ovos.

— Eu...

— Mari está passando o dia comigo — Keely me


interrompeu. — Vou levá-la para a feira depois que ela comer
o sanduíche que fiz e ela tomar banho.

— Voltarei tarde também — disse Sierra.


— Trabalhos? — Keely perguntou.

— Você sabe como é. Coisas para fazer e pessoas para


ver. — Ela sorriu. — Não se preocupe com Armino. Ele ficará
cansado de reclamar na porta em breve. Quando ele precisar
de uma bebida. Então, apreciaria se nenhuma de vocês
respondesse a ele.

Keely assentiu. — Não se preocupe. Não vou responder e


Mari também não.

Sierra deu uma última olhada no sanduíche na mesa e


saiu lentamente da cozinha. Poderia dizer que ela queria
contar suas fatias de queijo antes, mas em vez disso, bateu à
porta do quarto alguns segundos depois.

Harrison nos pegou. Keely não me disse que ele estava


vindo. Não que eu normalmente me importasse, pois ele
sempre foi muito gentil comigo. Apreciava o pensamento, mas
odiava recusá-lo quando sempre tentava me dar
presentes. Ele estudara direito, mas por causa da economia e
de outros fatores, estava na mesma situação que Keely: mal
pisava na água.

Keely me disse no caminho para o carro que ele havia


conseguido um bom emprego recentemente e estava
melhor. O carro esportivo antigo que dirigia era testemunha
disso.
Ele foi legal o suficiente durante a viagem, mas o peguei
olhando para o meu rosto. Sua mandíbula apertou e suas
mãos se apertaram ao redor do volante. Keely deve tê-lo
avisado com antecedência para não fazer muita coisa a
respeito.

Quando chegamos à feira, e me recusei a permitir que ele


me comprasse comida e outras coisas, ele enfiou as mãos nos
bolsos da calça jeans, recusando-se a olhar para mim. Depois
que Keely me perguntou se eu queria ajudar um estande com
uma pessoa, ele saiu sem dizer que nos veria mais tarde.

Trabalhar na feira me deu algum dinheiro extra e comida


para o dia foi incluída. A única desvantagem foi que tive que
usar algum tipo de traje medieval. Quando Harrison
finalmente voltou e me viu, sorriu. Ele tirou minha foto para
enviar para seus irmãos, tinha certeza. Eles dariam uma boa
risada às minhas custas.

A volta foi tranquila. Fiquei agradecida. Meus nervos


estavam no limite. O dia trouxe alívio temporário de todos os
meus problemas, mas quanto mais chegamos à cidade, mais
medo pairava sobre minha cabeça. Nunca fui de ficar
pensando: o que vou fazer? Acabei de fazer, mesmo que
minhas opções estivessem espalhadas pelo vento.

Dessa vez, porém, a vida parecia ter me superado


brutalmente. Não tinha dinheiro, a não ser os escassos
dólares na minha bolsa, e nenhuma comida, exceto um
pedaço de pão. Não tinha emprego. Sem
perspectivas. Nenhum lar e, possivelmente, um homem louco
com cerâmica de terracota saindo de sua têmpora em busca
de mim.
Suspirei longamente e com força quando Harrison parou
na casa de Keely.

— Entro em um segundo — Harrison disse, desligando o


carro. — Dê-me um minuto.

Keely deu a ele um olhar estreito, mas saiu, esperando


que eu saísse antes de caminhar até a porta. Soltei um
suspiro de alívio quando percebi que Sierra não estava em
casa. Ela deve ter saído às pressas, porque a porta do quarto
estava aberta. Talvez tenha feito isso quando eram apenas ela
e Keely, mas sempre que eu aparecia, estava fechado.

— Vou tirar essas roupas — disse Keely, indo para o


quarto dela. — Nem pense em sair, Mari! — Ela gritou por
cima do ombro. – Precisamos trabalhar em um
plano. Precisamos reunir suas coisas antes que você
desapareça de perto de mim. Se fizer isso, não é
brincadeira, vou te caçar.

Sentei-me no sofá de segunda mão, afundando no


conforto dele. levantei meus pés, sujos de andar na feira
empoeirada, e notei manchas de sangue entre os dedos dos
pés. Eles queimaram como o inferno mais cedo quando tomei
banho – os cortes no meu rosto também. Pensei em tirar a
bolsa de gelo da minha bolsa e colocá-la no freezer, mas
estava cansada demais para me levantar.

— Mari?

— Hmm? — Olhei para cima e encontrei Harrison parado


na porta, me observando. Ele segurava um presente
embrulhado na mão.
— Seu aniversário — disse ele. – Sei que está chegando
em breve.

Quase gemi. Por quê? Por quê? Por quê! Por que ele tinha
que ser tão gentil quando realmente não era? Havia uma
razão pela qual seus irmãos o chamavam de Indiana Jones
mal-humorado. Ele não era legal, mas a seu modo, era gentil
comigo, mesmo sabendo que presentes me deixavam
desconfortável. E meu aniversário é em outubro. E ainda
estamos no início de abril.

Nunca aceitei nada de ninguém, a menos que eu pagasse


ou trabalhasse por isso. Sem exceções. Além disso, sua mãe,
Catriona, explodiria uma veia importante se soubesse como
ele sempre tentava me comprar coisas. A mulher não me
odiava, mas também não gostava de mim. A única razão pela
qual fez um esforço para me encontrar depois que fui adotada
foi porque Keely se recusou a comer, a menos que ela o
fizesse. Depois da terceira vez que desmaiou, Catriona fez um
esforço e me encontrou.

— Por que você sempre fica com aquele olhar quando


tento fazer coisas boas para você, Strings9?

Harrison me deu o apelido de Strings quando éramos


crianças.

9
Corda.
— Harrison... — Mordi meu lábio, sentindo-o rachar
novamente. — Eu já te disse antes. Só não gosto de
presentes.

— Azar o seu. Você pode doar depois de abrir.

Foda-me. Esfreguei minha têmpora por um minuto e


então, encontrando seus olhos novamente, assenti. Para
tornar a situação ainda mais embaraçosa, ele se sentou ao
meu lado, observando enquanto abria. Segurei, sem saber o
que mais fazer. — Você me comprou um celular?

— Sim. Dessa forma, você pode manter contato com


Keely. Ou... quem quer que seja. Eu disse a Kee que não diria
nada, mas não consigo ficar quieto. Aquele filho da puta vai
conseguir o seu dia depois do que ele fez com você.

Seus olhos eram difíceis de encontrar, então olhei para o


telefone. Foi a primeira vez em muito tempo que tive
dificuldade em resistir à bondade. Ele me deu isso fora de um
lugar de preocupação. Ainda assim. Minha regra valia mais
do que sua consideração.

— Você não precisava fazer isso — eu disse


calmamente. Então peguei minha bolsa, procurei e entreguei
a ele dois dólares. — Para o telefone. Não aceito, a menos que
você aceite o dinheiro.

Ele odiava, mas fez. Ele colocou os dois dólares no bolso.

— O que você fez?

Assustei, sem perceber que Keely havia voltado para a


sala. Sentei-me ereta, quase sentindo como se tivéssemos
sido pegos fazendo algo errado. Harrison se levantou do sofá,
enfiando as mãos nos bolsos.

— Nada, Kee — disse ele. — Dei um presente para Mari


do aniversário dela, mais ou menos.

— O aniversário dela é em outubro — disse ela,


apontando o óbvio.

Ele encolheu os ombros. — Odeio estar atrasado.

Ela abriu a boca para responder, mas uma batida forte


veio à porta. Olhei para Keely, Harrison olhou para mim e
Keely olhou em direção à porta.

— Esperando alguém? — Harrison perguntou.

Keely balançou a cabeça. — Não, Sierra disse que


chegaria tarde em casa.

— Eu atendo — disse ele.

Fiquei de pé ao lado de Keely, enquanto ouvíamos


Harrison falar com alguém do outro lado da porta. Um
minuto depois, ele entrou, seguido por dois homens de
terno. Eram os mesmos dois homens da lei de Macchiavello’s.

— Keely — disse Harrison. — Este é o detetive Scott


Stone e o detetive Paul Marinetti.

O mais novo dos dois, o detetive Stone, apareceu


primeiro, oferecendo a mão. O homem mais velho ofereceu
seu segundo.
— Senhorita Ryan — disse o detetive Stone, um olhar
sério em seu rosto. — Lamento ter que informá-la que sua
colega de quarto, Sierra Andruzzi, foi encontrada
morta. Estamos tentando entrar em contato com você, mas é
a primeira vez que conseguimos.

Keely recuou, claramente em choque. Ela se sentou no


sofá depois de Harrison e eu a ajudei a sentar. — Ela... —
Keely balançou a cabeça. — Ela me disse que não voltaria até
mais tarde. O ex-namorado dela. Armino. Ele estava na nossa
porta mais cedo. Louco. Ela terminou com ele. Ele...

— Pelo que reunimos, Andruzzi correu para a loja mais


cedo e foi quando ela foi agredida e depois
assassinada. Parece que ela estava voltando para cá. A partir
de agora, não podemos ter certeza. É por isso que estamos
aqui. Para juntar as peças.

— Eu... quero dizer... — Keely lutou.

— Detestamos pedir que você faça isso, srta. Ryan, mas


você se importaria de vir conosco para identificar o
corpo? Não podemos encontrar parentes próximos da Srta.
Andruzzi.

— Não — disse Keely. — Ela era adotada.

— Minha irmã não vai...

— Não — disse Keely, cortando Harrison. — Vou fazer


isso. É o mínimo que posso fazer por ela. — Ela estava
visivelmente se recompondo, usando uma reserva de força
para resistir. — Deixe-me pegar minhas coisas.
O detetive Stone pegou um cartão de visita e escreveu o
endereço no local onde o corpo de Sierra estava. Ele entregou
a Harrison, que lhe disse que chegariam em breve. Fiquei no
meio da sala, sem saber o que fazer. Não gostava de Sierra,
mas ninguém merecia ser assassinado.

Merda. Foi Armino?

Antes de o detetive Stone partir, ele nos avisou que


Armino poderia estar à espreita. O sobrenome de Armino era
Scarpone. Ele não precisava dizer mais nada. Eles eram uma
das piores famílias criminosas do mundo.

— Mari?

Virei-me ao som da voz de Harrison. Keely ficou ao lado


dele. — Venha conosco.

— Não, — eu disse. – Prefiro não.

— Você não pode desaparecer — disse Keely, e o pedido


em sua voz me atingiu diretamente no centro do meu
coração. — Preciso saber onde você está. Depois do que
aconteceu com você... e agora hoje à noite. — Ela suspirou,
mesmo que não estivesse chorando. Então ela bateu em mim,
quase derrubando o vento dos meus pulmões.

— Posso ficar aqui? — Eu disse, mal conseguindo


respirar. Não era boa com carinho, mas não tinha certeza de
como me retirar do seu abraço sem fazer um acordo.

— O namorado da Sierra. — Harrison balançou a


cabeça. — Pode não ser...
— Ele não vai voltar aqui. — Dei um passo para trás. —
Ele provavelmente se foi há muito tempo.

Keely me soltou completamente, assentindo. — Sim, ele


provavelmente se foi. Apenas certifique-se de trancar as
portas.

— Eu vou — eu disse.

— Use o celular... — Harrison assentiu em direção ao


sofá — para me ligar se precisar de alguma coisa. Meu
número está programado.

Depois que eles saíram, tranquei as fechaduras,


verifiquei-as duas vezes e depois empurrei a velha mesa de
Keely contra a porta.

A porta do quarto de Sierra ainda estava encostada. Não


havia razão para que não fosse, mas ainda assim, parecia
estranho pensar que ela nunca mais fecharia novamente.

Para onde estava indo? O que ia fazer? Ela acabara de


comprar algo, dissera o detetive.

Sabia que provavelmente era a coisa errada a fazer, mas


não conseguia me conter. Abrindo a porta por todo o
caminho, fiquei chocada ao ver que o quarto dela era
impecável. A cama estava arrumada. Sem roupas no chão. E
ainda cheirava a ela. Como se tivesse borrifado um perfume
antes de sair.

A única coisa estranha, em comparação com o resto do


lugar, eram as coisas que ela deixara na cama – um vestido
preto chique, um cartão dourado com a inscrição e algumas
caixas douradas. Sapatos para combinar com o vestido
estavam no chão.

Entrei e parei. Esperei. E esperei. Esperava que ela


pulasse em mim e gritasse: – Vou te cortar, puta, por estar
aqui! – O susto nunca veio, mas ainda estava no
limite. Arrepios enrugaram meus braços.

No entanto, o medo não foi suficiente para me impedir de


olhar em volta. Não temia os mortos. Mas os vivos.

O vestido preto era elegante. A parte de cima me


lembrava asas, enquanto o resto parecia ser adequado. O
tecido parecia caro. Peguei o cartão ao lado do
vestido. Parecia um convite. Tinha a data (hoje), a hora
(23h11) e o local (The Club, Nova York, Nova York) em um
roteiro preto de aparência régia. Destacou-se contra o
ouro. Na parte inferior, em uma letra menor, observei que
nenhuma entrada seria permitida sem o cartão.

Interessante.

No caminho para a feira, Keely mencionou que Sierra


estava empolgada com uma nova perspectiva de
emprego. Sierra havia dito a Keely que, se conseguisse o
emprego, estaria se mudando, capaz de pagar mais do que
aquilo que estava usando.
Todos os seus problemas serão resolvidos, para
sempre, Keely havia dito.

Perguntei-me se ela seria uma garota de programa de


alto preço. Não expressei o pensamento em voz alta, no
entanto, porque não gostaria de assumir algo assim, mas não
conseguia descobrir o que mais ela poderia fazer para
resolver todos os seus problemas. Ela era uma criança
adotiva como eu.

As caixas douradas estavam cheias de perfumes do


Brasil. Os abri, farejando. Baunilha e caramelo se
destacaram imediatamente, e pude perceber notas de
pistache, amêndoa, pétalas de jasmim e sândalo depois de ler
a descrição na caixa. Inspirei novamente, quase intoxicada
pelo cheiro exótico. Estava muito longe do cheiro salgado que
geralmente me seguia. Abri o creme, esfregando um pouco no
meu braço. Cheirava ainda melhor na pele. Sierra ainda tinha
a lavagem do corpo para combinar.

Sentada em sua cama, coloquei a loção e peguei o


convite novamente, girando-o entre os dedos. Os sapatos
estavam ao lado dos meus pés descalços. Os pés de Sierra
eram um tamanho ou dois maiores que os meus.

Quão apropriado, pensei, grande ou pequeno


demais. Nada nunca me serviu.

Porque você não pode pagar nada feito para você.

Então um monte de vozes pareceu vir para mim de uma


vez:
Aproveite a oportunidade, Mari. Você tem o vestido. Os
sapatos, mesmo que sejam muito grandes. Perfume. O
convite. Sierra não pode. Mas. Você. Pode.

Até a princesa que pinta nos livros tinha uma fada


madrinha. Esta é sua chance de ter uma.

Você não tem para onde ir, nem dinheiro, nada.

Esta pode ser sua última oportunidade.

As coisas estão ruins.

Tão ruim.

Seria bom ter um par de sapatos que se encaixam. Um


telefone que posso comprar por conta própria. Pão e queijo. Um
lugar quente para dormir quando está frio e um lugar fresco
quando está quente. Sem ratos. Sem Merv.

Segurança.

O outro lado do copo.

E se isso significa negociar seu corpo?

Você poderia fazer algo assim com um rosto como o seu?

Vale a pena tentar sobreviver. Viver. Essa pode ser sua


última chance, uma oportunidade única na vida de resolver
todos os seus problemas. Para o bem.

Você pode trocar o que é exclusivamente seu e de ninguém


mais por bens mundanos?
Não será oferecido por gentileza. Será um negócio. Vou
trabalhar para isso.

A proteção do meu corpo, minha honra, era mais


preciosa do que as coisas que apenas o dinheiro podia
comprar?

Levei apenas um segundo para responder.

Não mais.

Fiz minha escolha.

Viver.

Peguei o sabonete corporal e fui para o banheiro,


preparada para parecer o mais tentadora possível.
Mariposa
Os saltos escorregaram comicamente quando saí do táxi
e subi na calçada. Tinha usado o resto do meu dinheiro para
gastar em um táxi. Em Nova York, um táxi era o equivalente
a uma carruagem mágica.

Embora o taxista tenha pegado meu dinheiro e seu


medidor funcionado, assistiu com humor nos olhos enquanto
eu tentava navegar do caminho até a frente do prédio. Não
estava longe, mas longe o suficiente quando meus sapatos
escorregavam constantemente porque meus pés eram muito
pequenos. Não tinha certeza do que era pior. Sapatos que
faziam meus dedos se enroscarem ou sapatos que me faziam
cambalear como um pato para encontrar um ritmo natural.

Além disso, nunca tinha usado saltos na minha


vida. Adicione isso a dois tamanhos grandes demais, e o que
você tem? Um desastre natural nas pernas.

Esperava que quem estivesse me examinando hoje à


noite, se fosse esse o caso, não verificasse a parte inferior dos
meus pés. Tirei os saltos enquanto caminhava para o táxi, e
as solas dos meus pés estavam manchadas de preto.

Um apito por trás me fez virar para olhar. Dois caras


vestidos com roupas bonitas passaram, sorrindo para mim.

— Ei, linda — disse um deles, e então ele piscou para


mim. — Você cheira tão bem quanto o céu. Você quer tentar
ser meu pecado esta noite?

Olhei para trás para me certificar de que era comigo que


ele estava falando. Era. O calor subiu pelas minhas
bochechas e me virei, tentando esconder meu sorriso. Foi a
primeira vez que sorri há muito tempo. E não porque ele me
chamou de bonita ou até tentou flertar. Foi porque ele disse
que eu cheirava bem.

O calor do lado de fora tornou o perfume da caixa


dourada ainda mais forte, mas não era muito arrogante. Isso
fez minha cabeça flutuar nas nuvens. Queria tomar banho
com o sabonete duas vezes por dia e esfregar o creme em
mim mesma de manhã, a tarde e à noite.

— Cara! – O outro rapaz disse, empurrando-o. — Que


tipo de cantada é essa? Horrível. Precisamos trabalhar em
suas habilidades.

Assim que os dois passaram, lembrei-me do motivo de


estar aqui e meus nervos atacaram novamente. Com as mãos
trêmulas, peguei o convite dourado da minha mochila. O
cartão brilhava no brilho das luzes do clube.

O clube era enorme e parecia exclusivo. Fluxos de


pessoas bonitas conseguiram entrar direto, mas outros não
tiveram a mesma sorte. A fila envolvia o prédio, pessoas
comuns como eu antecipando sua vez na boate ostentosa. A
música ecoava por dentro, batendo com o baixo, e, de vez em
quando, podia sentir o cheiro de álcool na brisa leve.

Respirando fundo, enfiei o cartão debaixo do braço e


puxei o celular que Harrison me deixou comprar por dois
dólares. Enviei uma mensagem para Kee. Harrison tinha
programado o número dela e o dele no telefone.

Eu: Como está indo?

Um segundo depois, o telefone se acendeu.

Kee: Quem é?

Eu: Eu.

Kee: Eu quem?

Percebi meu erro.

Eu: Mari

Kee: Estou tão feliz que você tenha um telefone agora. E


as coisas estão indo como esperado. Fico feliz, sabe? Como
você está? O que você está fazendo?

Eu: Saí um pouco.

Kee: ...?

Eu: Não se preocupe. Não voltarei tarde demais,


mamãe. Se eu for, vou manter contato.
Alguns segundos se passaram e ela não
respondeu. Então o telefone tocou na minha mão e pulei um
pouco, sem esperar.

Kee: Descobri por que o Grumpy Indiana Jones está tão


irritado o tempo todo.

Antes que pudesse digitar de volta, a resposta dela veio


muito rápido.

Kee: Ele está apaixonado por você.

O telefone caiu das minhas mãos. Ele bateu contra o


concreto e me esforcei para pegá-lo. Kee já havia enviado
outro texto antes que pudesse responder.

Kee: Você não precisa responder. Depois desta noite,


percebo como a vida pode ser curta. Nada é garantido. Então
devo falar em seu nome. Ele é teimoso demais para admitir,
mas depois que te deu o telefone, eu soube. Algumas pessoas
não podem dizer as palavras. Algumas pessoas têm
que fazer. Eles fazem coisas como fornecer um telefone para
garantir que você esteja bem. O amor não está apenas em um
idioma... ele fala mais do que apenas palavras.

Outro toque do meu telefone veio um segundo depois.

Kee: Eu te amo, mana. Esteja a salvo. Xoxo10.

Eu: Te amo de volta, Kee Kee. Xoxo.

10
Beijos e abraços.
Não tive tempo de considerar o que ela havia me
dito. Eram onze horas e o convite dizia 23:11.

Seja rápida.

Não tinha ideia se tinha que ficar na fila de quilômetros


de distância ou fazer outra coisa. Não tinha noção. Avistando
um homem que abriu uma porta para o lado, me agachei na
direção dele, com medo de que meus joelhos cedessem e eu
caísse.

Todos os cavalos do rei e todos os homens do rei não


conseguiram reunir Mari novamente...

— Você precisa de ajuda? — O cara monstruoso disse


quando me aproximei. Ele era claramente italiano e possuía
um sotaque pesado.

Eu não tinha certeza do que dizer, e não querendo dizer


a coisa errada, mostrei o cartão para ele. As sobrancelhas
dele se ergueram quando percebeu o que eu segurava. Ele
falou no fone de ouvido que usava, as palavras em italiano
rápido. Então, sem dizer uma palavra, me pegou pelo braço,
me puxando para o lado do prédio. Ele diminuiu a velocidade
quando percebeu o quão difícil era acompanhá-lo. Meus
passos pareciam de bebê comparados aos dele.

Finalmente, chegamos a uma entrada lateral. Era


particular. Mais dois italianos estavam na porta. Assumi que
eles eram, de qualquer maneira. Todos falavam a mesma
língua. Então um deles pediu minha entrada em inglês.
Entreguei. Ele escaneou com os olhos antes de usar
algum tipo de engenhoca para escanear o cartão. Bipou um
segundo depois e ele assentiu.

— Srta. Andruzzi, identificação. E preciso verificar sua


mala também.

Ele era todo negócio. E comecei a suar. Esperava que o


ingresso fosse tudo o que eu precisasse, mas, para o caso,
havia pegado a carteira de identidade de Sierra da
penteadeira. Não parecíamos em nada, mas uma das
crianças adotivas com quem morava havia me dito que os
seguranças nunca olhavam realmente a foto, apenas a
data. Mas de alguma forma sabia que algo... diferente estava
acontecendo aqui. Se ele me flagrasse, estaria com
problemas.

Eu não tinha dinheiro, zero e mais nada para sustentar


minhas esperanças. Achei que daria um tiro no escuro, mas
pelo menos esperava entrar pela porta antes de me enterrar
um pouco mais fundo.

Respirando fundo, cavei na minha bolsa, entregando-lhe


o documento de identidade. Se ele me recusasse, não havia
motivo para verificar a minha bolsa.

Ele estudou a imagem, iluminou meu rosto e depois fez


mais uma vez. Um segundo depois, falou no fone de ouvido,
novamente, falando um idioma que eu não entendia.

Então, nem mesmo reconhecendo minha própria voz,


levantei a mão para um homem que passava pela segurança
sem sequer parar. — Guido — disse ao homem na porta. —
Você pode perguntar a Guido... Fausti — tentei o sobrenome
dele, mas parecia que estava colocando dois nomes
diferentes, caso o sobrenome dele não fosse Fausti. — Peça a
ele para me identificar, se você não acredita em mim.

Guido era o italiano com Scarlett Fausti na Home


Run. Ele apareceu no The Club, e todos pareciam se afastar
para fora de seu caminho. Ficou claro que ele tinha
influência.

Os Faustis. Eles eram basicamente a realeza italiana,


entre outras coisas.

Em que diabos me meti?

O cara com a identificação de Sierra ficou parado por um


momento. Talvez ele estivesse ouvindo seu fone de ouvido,
mas ele me observava o tempo todo. Então assentiu uma vez.

— Você está limpa. Agora sua bolsa, Srta. Andruzzi. —


Ele estendeu a mão grande.

Soltei um suspiro que não tinha percebido que estava


segurando e entreguei. Ele levou para dentro e mordi meu
lábio, esperando que não arrebentasse novamente. Eu tinha
usado a maquiagem de Sierra para encobrir as contusões da
melhor maneira possível. Não era habilidosa em aplicar
maquiagem, então os resultados eram… duvidosos. Eu tinha
pensado nisso, como colorir em um dos meus livros,
tornando a princesa mais atraente em cores.

O outro guarda me observou, mas virou os olhos em uma


direção diferente quando o outro cara que estava com minha
bolsa voltou.
— Onde estão as minhas coisas? — Eu disse com
mordida.

Ele me entregou um papel em seu lugar. — Registrado.


Todas as bolsas ficam conosco até você sair.

— Besteira. — Senti-me territorial pela minha bolsa. Era


tudo o que eu tinha. Tudo o que era meu estava lá.

Ele abaixou os olhos. — Você leu as regras?

Um truque, eu poderia dizer.

— Sim — eu disse. Tentei usar da honestidade. — Li. É...


é tudo o que tenho.

Ele não teve reação. Ele deu um passo para o lado e


estendeu o braço. — Entre.

Outro guarda me encontrou na porta. Ele me disse para


segui-lo. A primeira coisa que notei foi o cheiro no
ar. Chocolate. Parecia estar vindo de... velas. Elas estavam
acesas de um extremo ao outro do corredor, e o doce aroma
parecia estar vindo delas.

No final do corredor, subimos as escadas para um


segundo nível. Se eu tivesse que adivinhar, o Club era um
antigo armazém que havia sido reformado no espaço em que
se tornara.

Opulência. A palavra veio logo após o chocolate. O clube


pretendia jogar com todos os sentidos.
O vidro completamente limpo esticou o segundo nível
inteiro, e pude ver de um extremo ao outro do clube. Abaixo,
centenas de pessoas dançavam e se misturavam. No andar de
cima, as pessoas apenas se misturavam. Homens e mulheres
em trajes finos circulavam pela sala. Alguns descansavam em
sofás ou cadeiras de veludo azul escuro, com uma bebida na
mão, com um sorriso no rosto. Toques de cristal e ouro
realçavam a textura esmagada do veludo. A luz das velas
suavizou a atmosfera para um brilho quente. Tudo brilhava.

Essa tinha que ser a área VIP, onde todas as pessoas


deslumbrantes ficavam juntas. Essas pessoas estavam a um
passo acima da beleza.

Assim que meus pés tocaram o chão, reconheci duas


atrizes populares, dois atores, três cantores, alguns jogadores
famosos de beisebol e alguns empresários de alto poder que
eu tinha visto na televisão na Home Run. Eles davam suas
opiniões sobre ações e coisas assim. Uma coisa que notei que
todos eles tinham em comum, além de serem famosos o
suficiente para reconhecer, eles eram todos jovens. Se eu
tivesse que adivinhar, eles eram da minha idade, de vinte e
poucos anos.

Exceto por um homem.

Ele se destacou por causa de sua idade. Ele tinha que ter
pelo menos sessenta anos, pelo menos, embora sua
aparência de oliva parecesse cobrir sua verdadeira idade. Ele
usava um terno antigo com suspensórios e sapatos
bonitos. Ele se sentou no canto com uma bebida na mão,
assistindo, quase estudando.
— Srta. Andruzzi. — O guarda que me levou chamou
minha atenção usando o sobrenome de Sierra. — Sinta-se à
vontade. — Ele apontou para uma sala que era difícil de ver
através da multidão. — Alimentos e bebidas podem ser
encontrados lá. Se você quiser tomar um drinque, existem
empregados que podem fazer seu pedido. O que você desejar,
não hesite em perguntar. — Ele parou por um segundo. – Não
se preocupe com sua bolsa. Se você perder seu ingresso para
reivindicá-lo, lembre-se de que seu número é onze.

Então ele me deixou.

Onze. Meu número. Foda-me. Isso significava que


quando meu número fosse chamado, estaria na hora de... o
quê? Foder alguém nessa sala? Meu estômago deu um
mergulho e o ácido mordeu o fundo da minha garganta. Eu
precisava de uma bebida.

Lentamente fui em direção a sala que oferecia comida


e bebidas. Felizmente, não estava tão lotado quanto o resto
do lugar. Estava quase todo cheio de mulheres que ficavam
nas diferentes estações de
comida. Lagosta. Camarão. Caviar. Variedades de sopas ricas
e cremosas. Uma estação com carne que um homem esculpiu
com uma faca. Centenas de sobremesas e
chocolates. Café. Chá. O que você quisesse, este lugar parecia
ter.

Bati na minha testa com força suficiente para que


um whap alto! soasse. Então chupei uma rajada de ar,
lembrando depois do fato de que estava com um machucado
lá.

Merda!
Um tempo atrás, Keely me convidou para um domingo,
um raro dia de folga para ela, e me fez assistir a um filme em
sua companhia. Era sobre uma garota que trocava de lugar
com a irmã mais nova para que a garotinha não tivesse que
se tornar um sacrifício humano. A menina teve que lutar para
sobreviver enquanto o país inteiro assistia. Eu havia
observado que não era diferente de sobreviver a Nova York,
mas o pensamento me atingiu repentinamente.

E se fosse algum tipo de jogo doentio?

Quem quer que fosse o anfitrião não economizou em


nada, em termos de dinheiro. Não conseguia nem imaginar o
tipo de dinheiro necessário para sediar uma festa dessa
magnitude. E depois que comemos e bebemos até ficarmos
satisfeitos, o que aconteceria? Teríamos que lutar pelas
coisas importantes na cornucópia enorme para ganhar nossa
sobrevivência?

Esse era mais o jeito de Keely. Ela era uma mestra com
arco e flecha. Minha irmã, uma senhora completamente
diferente, muito esperta.

Eu? Eu nem sequer tinha o meu mísero pedaço de


cerâmica para usar em minha defesa.

Aceitando um copo de líquido âmbar, tomei um gole


enquanto estudava as mulheres na sala. Nenhuma delas
estava falando uma com a outra. Olhares. Sorrisos
educados. Mas, às vezes, quando uma ou outra não estava
prestando atenção, os olhos
permaneciam. Julgando. Imaginando quem estava
melhor. Toda mulher estava vestida para isso. Nós, ou seja,
as meninas da sala e eu, parecíamos pertencer a este lugar.
Algo estava faltando, no entanto. Nós não pertencíamos
aqui. Não em um dia normal.

Era a vibe. Nenhuma das pessoas fora desta sala se


aventurou aqui. Claro que não. Se você não está morrendo de
fome, não está preocupada com fome. Eu não achava que
nenhuma dessas meninas fosse desabrigada, mas algo me
dizia que elas também estavam apenas um passo à frente do
diabo.

Elas estavam famintas. Em constante estado de luta ou


fuga. Só existiam.

Apenas como eu.

Foda-me.

Um desejo insano de perguntar a alguém o que estava


acontecendo pesava na minha língua, mas o peso me impediu
de falar. Parecia haver regras não ditas flutuando no ar
ricamente perfumado. Sem falar. Sem perguntas. Você leu as
regras. Você as aceitou. Agora. Shh. Fique quieta.

Eu não tinha lido as regras, o que me colocou em grande


desvantagem. Não tinha ideia do que estava aqui, ou o que ia
acontecer comigo. Tudo que sabia era que o desespero era
uma cadela desagradável, e quando ela arranhava com unhas
com ponta de veneno, você ouvia. Não importa o quê,
separaria meu corpo da minha mente, minhas emoções, e
seguiria em frente.

De certa forma, essa era a sobrevivência do mais


apto. Onde quer que estivesse a cornucópia, o que quer que
fosse, estava pronto para lutar por ela. O único problema era
que essas mulheres eram lindas, de todas as maneiras
diferentes. Seria uma guerra sangrenta.

Se não houvesse competição e todas fôssemos reunidas


como animais para vender pelo melhor preço... bem, eu não
me sentiria tão sozinha. Estávamos todas aqui com o mesmo
propósito, vivendo e não sobrevivendo. Para o bem.

Somente o tempo diria de que lado estávamos: unidade


ou batalha.

Um homem de terno entrou, um fone no ouvido, indo


direto para uma garota prestes a enfiar um pouco de creme
na boca. Uma vez que ele estava perto o suficiente, ele
estendeu o braço para ela pegar. Ela olhou por um momento,
limpou a boca com um guardanapo, olhou de novo para as
sobremesas e depois pegou o braço musculoso dele. Eles
viraram à direita na porta e desapareceram da sala um
segundo depois.

Pergunto-me qual é o número dela e quando vou ser a


próxima?

Tomando minha bebida e saindo da sala com o buffet,


decidi me sentar em uma cadeira confortável no meio do
caos. O riso ficou cada vez mais alto. Dois homens na minha
frente se deram um soco, enquanto uma das mulheres que vi
na sala de comida os viu agindo como tolos. Mais algumas
mulheres que estavam na sala também estavam socializando
com homens aqui fora.

Deveríamos flertar se fosse algum tipo de leilão? Odiava o


pensamento de tentar me vender. Toda essa situação já era
ruim o suficiente, mas vender as mercadorias antes da
licitação? Impossível. Como eu deveria competir com todas
essas rainhas da beleza?

Outro daqueles homens usando um fone de ouvido saiu,


seus olhos examinando a multidão.

Eu não. Eu não. Ainda não.

Respirei quando seus olhos me passaram e aterrissaram


na mulher rindo dos dois homens. Ele caminhou até ela, deu-
lhe o braço e, antes de levá-la embora, ela disse algo aos dois
homens. Em vez de ir para a direita, desta vez o homem com
o fone de ouvido foi para a esquerda. Ele e a mulher estavam
indo em direção às escadas.

Hã. Ele a estava levando de volta para fora. Ela sabia


disso?

Alguns minutos depois, aconteceu o mesmo com mais


duas mulheres que se misturavam com homens na multidão.

Cada vez que um homem de terno aparecia, meu


estômago afundava. Sentei minha bebida em uma montanha-
russa de mármore, não me sentindo tão quente. Nenhuma
comida tinha sido uma boa ideia. Estava com frio e calor ao
mesmo tempo, e arrepios enrugaram meus braços. Comecei a
suar frio e esperava que a maquiagem de Sierra não fosse do
tipo barata. Dei um tapinha em vez de limpar, esperando que
os machucados ficassem escondidos por mais um tempo.

Assim que pensei que uma ida ao banheiro era uma boa
ideia, o velho com os suspensórios sentou-se ao meu lado e
disse algo em italiano.
Balancei minha cabeça. — Não falo italiano — disse,
minha voz perto de trair os nervos, me deixando mal do
estômago.

— Ah — ele disse, quase como um suspiro. — Como você


está se sentindo?

Os olhos gentis sob os óculos tomaram meu rosto, e eu


não senti necessidade de mentir. — Honestamente? —
Respirei. — Não muito bem. Nervosa.

Ele assentiu com isso. — Sou Tito. E você é? —

— Ma... Sierra. Sierra Andruzzi.

Seus olhos se estreitaram sob os óculos e ele inclinou a


cabeça para o lado. — Sierra Andruzzi — ele repetiu.

— Sierra Andruzzi.

Este Tito sabia que eu não era Sierra. Ele não


demonstrou sua surpresa por ter dado o nome, mas
sabia. Ele abriu a boca para falar, mas, ao fazê-lo, outro
homem de terno com fone de ouvido veio parar diante de
mim. Ele olhou para mim, mas não disse nada.

Já era tempo. 23:11

Faça um pedido, Mari.

Respirando fundo, lançando um último olhar para Tito


com os olhos gentis, peguei o braço oferecido pela escolta. Ele
me levou pelo corredor, dando tempo para a minha
caminhada desajeitada, passando pela sala com a comida,
à direita, e na escuridão total.

O cheiro de chocolate parecia mais concentrado no


escuro. Perguntei-me se meus sentidos estavam
compensando a visão perdida. Não conseguia ver nada, mas
minha escolta parecia saber para onde estávamos indo. Nós
não encontramos nada.

A música nessa área também parecia mais intensa. Era


profunda, pulsante, lenta. A cantora cantou sobre cair em
desgraça pelo homem que amava.

Gritava lealdade. Ela era extremamente leal, mesmo


quando o amor a deixava louca.

Eu não tinha certeza de quanto tempo andamos na


escuridão – alguns minutos, pelo menos – mas quando
paramos, senti minha escolta empurrar contra alguma
coisa. Então entramos em um espaço que imitava a
escuridão.

As paredes da sala eram escuras, todos os lugares para


sentar eram de veludo preto e as mesas da mesma cor. Era
inteiramente monocromática, exceto por duas adições
decorativas – o lustre de cristal pendurado no teto,
queimando com mais velas e o próprio teto. Todo o espaço
acima foi criado em madrepérola.
— Gostaria de uma bebida, Srta. Andruzzi? — A escolta
perguntou, sua voz rouca.

Não sei, você me diz, quase cuspi. Não tinha ideia do que
estava reservado para mim, e era muito covarde para
perguntar. Quando me comprometi com isso, fiz com tudo o
que tinha. Eu ia ver isso.

Determinada. Para o bem. Minha última chance.

Respire fundo, Mari.

— Não — eu disse, minha voz apenas um sussurro, a


respiração que tinha escapado. Talvez fosse minha
imaginação, mas as velas pareciam balançar com uma brisa
invisível na sala, fazendo-me sentir como se estivesse em um
mundo que existia sob esse na escuridão.

Minha escolta assentiu uma vez, seus olhos brilhando


com a luz suave. — Você está pronta, Srta. Andruzzi?

Talvez seja melhor deixar os detalhes não ditos. Dessa


forma, eu não poderia correr.

Por outro lado, e se houvesse algum tipo de protocolo?

Se eu fizesse algo errado, talvez eles descobrissem que eu


estava mentindo.

Talvez não.

Se eu pudesse seguir em frente e não tropeçar tentando


sair do inferno... ou estava trocando um pelo outro?

Fechando os olhos, assenti.


O que quer que seja, será…

Um ou dois segundos depois, algo suave tocou meu rosto


e uma respiração tremeu fora da minha boca. Meus olhos
estavam cobertos por um envoltório de seda frio, as mãos do
acompanhante prendendo a gravata e, mesmo que eu
quisesse abrir os olhos, não seria capaz de ver.

Não o ouvi sair, mas tive a sensação de que ele


tinha. Estava sozinha.

Ou não estava? Era difícil dizer.

Era o sopro das velas balançando, respirando,


consumindo o ar? Ou eu estava perdendo o controle? Minha
respiração ficou cada vez mais rápida. Meu peito estava vazio,
como se não houvesse oxigênio suficiente na sala para me
sustentar. Minha pele estava quente. Os sopros lambiam
minha pele, mas empolavam minha alma.

O que eles fariam comigo? Ou havia algo que eu deveria


estar fazendo?

Quando respirei, tentando controlar minha respiração,


tudo que eu conseguia sentir era o chocolate, nem mesmo o
perfume que tinha usado antes. Quase parecia...
propositalmente feito, para ser jogado fora.

Tudo aqui parecia ter sido feito com um objetivo


específico em mente. Fique escondido.

Uma brisa suave e fria pareceu entrar na sala, fazendo


as velas assobiarem em vez de ofegar. Uma gota de suor rolou
do meu pescoço entre os meus seios. Senti sua corrida fria na
minha pele, tentando esfriar a queima dos sopros ao meu
redor.

As mãos que me tocaram na escuridão eram quentes,


agradáveis, mas minha pele contraiu com a surpresa de
qualquer maneira. Alguém entrou na sala e ficou atrás de
mim. Senti sua presença, seu calor, que era diferente das
velas. Mais selvagem. Mais quente. Sua respiração se
espalhou pela minha pele, apenas me fazendo sentir...
superaquecida.

Ele.

Ele tinha que ser um ele. Aquelas mãos. Elas eram


grandes em comparação com meus braços. Ele era
alto. Largo. Uma força. A força dele me envolveu.

Não havia dúvida de que este homem era um caçador,


mas de que lado ele estaria? Ele mataria por mim ou me faria
sua presa?

Por favor, não me machuque. Por favor.

Meus joelhos começaram a bater juntos com o


pensamento. Nas lembranças que eu tinha suprimido por
tanto tempo.

Se pudesse fechar meus olhos ainda mais, teria. Não


pude. Eles estavam começando a sofrer cãibras devido à
tensão de tentar manter minhas coisas juntas. A bebida que
tomei antes era uma pequena brasa ao fundo, sem fazer nada
para ajudar a aliviar a incerteza do momento. Era mais do
que isso.
Forcei-me a ouvir a razão, a pensar sobre isso. Siga a
linha do seu toque. Era firme, mas não doloroso, como se
suas mãos não fossem macias, mas também ásperas. Ele
estava me sentindo. Traçando minhas linhas. Memorizando-
as?

Mesmo que eu não tivesse ideia de quem ele era, algo


sobre a maneira como me tocou, levando o seu tempo, me fez
sentir como se estivesse procurando por algo que fosse mais
profundo que a carne – uma conexão? Uma faísca?

Talvez estivesse enlouquecendo, imaginando que ele não


estava fazendo isso apenas por sexo.

Ou talvez fosse uma ilusão.

Suas mãos lentamente vieram ao redor da minha


cintura, e ele me puxou para ele, minhas costas para
frente. Nós meio que nos movemos no tempo para a música,
de um lado para o outro, até que relaxei o suficiente para
quase derreter no abraço. Ele parecia saber quando fiz. Dessa
vez, suas mãos pareciam estar queimando o tecido do
vestido.

Inalei, querendo sentir o cheiro dele, mas...


chocolate. Bingo, pensei. Eu tinha razão. Foi a razão pela
qual todo o lugar cheirava fortemente ao perfume rico. Ele
não queria que eu o conhecesse, o visse.

Talvez tenha sido o melhor. Isso terminaria em breve, e


talvez estivesse preparada, e a vida seria melhor. Nunca veria
o rosto dele quando pensasse no momento que mudou
tudo. Só pensaria em chocolate. Sem cordas para continuar
me puxando de volta para o fogo.
Outra respiração tremeu da minha boca quando uma de
suas mãos começou a se aventurar contra o meu corpo. Na
escuridão, seu toque me lembrou relâmpagos brancos
cruzando o céu noturno. Os cabelos do meu corpo
endureceram, arrepios enrugaram minha pele, e algo sobre a
maneira como ele se moveu me fez sentir... flexível, como se
ele pudesse me moldar em uma forma que se encaixasse na
dele.

Minha mente queria calar a boca, seguir em


frente, acabar com isso, mas meu corpo... fez algo que nunca
havia feito antes.

Respondeu.

Meu corpo começou a desligar minha mente, querendo,


tomando, querendo, tomando. Voluntariamente relaxei minha
mão para que ele pudesse segurá-la na mão que estava
pesquisando meu corpo. Ele entrelaçou nossos dedos e, em
um movimento tão suave que parecia perfeitamente
cronometrado, me virou.

Devemos estar frente a frente. As velas estão iluminando


meu rosto e ele realmente me verá agora.

Completo silêncio.

Esperei. Esperei. Esperei. E esperei um pouco mais.

Que diabos?

Ele saiu?
Eu tinha vergonha de pensar, sentir, mas ansiava por
seu toque na escuridão. Queria as mãos dele em mim
novamente. Queria sentir seu calor calmante. Queria sentir
essa segurança novamente. O nada por trás da venda
começou a parecer imponente. Enervante.

Na escuridão, não me senti tão mal reagindo ao seu


toque. Para ele.

Levantei minha mão, prestes a remover a venda, mas


hesitei. Eu sabia que, uma vez que o fizesse, o feitiço seria
quebrado. Ele havia definido a cena e o tom. Tornou
ideal. Romântico mesmo. Não tornou tão difícil pensar nas
palavras... Posso lidar com isso. Toque-me de novo.

Depois de mais um minuto ou dois, não aguentava o


ritmo frenético do meu coração, a incerteza que começou a
surgir e fui remover a máscara.

Ele me parou.

Suas mãos estavam em mim de novo, no meu cabelo, e


sua boca se chocou contra a minha, tão forte que sabia que
meu lábio se abriu novamente. Ele esteve bebendo algo
picante, com canela, que misturava com o ferro que entrava
entre nossas bocas.

No começo, ele foi imparável. Nem mesmo o sangue o


deteve. Sua língua emaranhou com a minha, e estava
faminta. Faminto como tinha estado há anos. Eu podia senti-
lo, consumindo de qualquer maneira que ele pudesse. Pela
primeira vez, fui eu quem deu. Talvez fosse por isso que não
parecia totalmente errado.
A cabeça em seus ombros, o corpo carregado pelas
pernas, os braços que se estendiam e tocavam, o físico, isso
não parecia importar para mim. Ele podia parecer um ogro e,
por algum motivo, bonito ainda vinha à mente. Conheci
muitas pessoas bonitas, e as suas belezas apenas apareciam
profundamente. Mas as pessoas que eram gentis, as raras,
eram a definição da verdadeira beleza.

Em algum lugar profundo da minha mente, eu me


perguntava se o medo das últimas duas horas, a maior parte
da minha vida, de alguma forma me alcançaram. Minha
mente estava passando por uma situação terrível e tornando-
a ideal para que eu pudesse lidar com isso.

Chamei besteira.

Era mais.

Era difícil colocar tudo em palavras.

Simplificando, eu queria continuar beijando-o. Queria


que ele continuasse beijando-me, tocando-me.

Eu queria mais do que isso. Isso estava me alimentando


de uma maneira que nunca soube, exceto quando Keely e sua
família me fizeram sentir como se eu fosse parte deles. Então,
novamente, era diferente. Os sentimentos eram novos,
mesmo que não pudesse colocá-los enquanto estava no brilho
imediato.

O que a cantora comparou a intensidade que ela tinha


com seu amante antes? Uma droga.
Isso foi algo que eu nunca esperava. A atração. O
empurrão. O ato de ser levantada por uma onda fria.

A intensidade disso quase me fez me afastar, demorar


alguns minutos como ele fez para me recompor, mas por
outro lado, minhas mãos se recusaram a deixá-lo ir. Peguei a
camisa dele nas minhas mãos e tranquei. Tocá-lo parecia
tocar a vida. Nunca tinha sentido isso antes.

Vida. Nas minhas mãos. Meu.

Então, em um movimento tão violento que tropecei para


trás, aterrissando contra a parede, com as palmas das mãos
atrás das costas para me impedir de ir completamente, ele
rasgou sua boca da minha.

Ele xingou baixinho. O som era tão violento quanto sua


rejeição.

Por um longo tempo – um minuto, um milhão de anos –


fiquei parada. Não tinha certeza do que dizer. Tremi da
cabeça aos pés, exatamente como fiz depois que Merv me
atacou. Então, algo veio à mente e, antes que eu pudesse
filtrá-lo, falei na escuridão.

— O sangue do meu lábio. — Apontei para isso. – Estou


limpa.

Ele ficou quieto por tanto tempo que pensei que ele
tivesse saído novamente.

— Não toque — disse ele, sua voz cheia de aviso. O tom


dele correu sobre mim como ondas ásperas, mas o frescor
dele deslizou sobre a pele empolada como um milagre. Sua
voz era baixa, mas com algum arranhão. Ele não parecia
estar fazendo isso de propósito. Eu queria ouvir de novo.

Prepare-se, Mari! Você nem viu o rosto dele! Ele poderia


estar seriamente confuso, um homem que só veio aqui para te
foder por dinheiro. Ou pior. Ele gosta de usar os olhos
vendados. Merda excêntrica.

Mentiroso, mentiroso, mentiroso, meu coração parecia


cantar, desafinado e cagado. Ele é lindo.

O diabo também era lindo, minha mente revidou.

— Ok — eu disse, colocando as mãos para baixo. Eu


estava indo para remover a venda novamente quando ele veio
para mim com – não toque –.

— Você é pobre.

Lá estava novamente, meu som favorito no mundo. A voz


dele. Gostei da gravidade nela.

Espere.

O quê?

Você é pobre.

Eu ri um pouco. Esperava que ele falasse sobre o meu


comentário que eu sou limpa. Foi por isso que trouxe isso à
tona. Pensei que talvez uma vez que ele provasse o sangue,
estivesse com nojo e preocupado. Em vez disso, ele me bate
com – você é pobre.

Quem age assim?


— Fabulosamente. — Suspirei. — Qualquer pessoa mais
pobre que eu pode muito bem estar com merda de baleia. Não
tenho casa. Sem emprego. Sem dinheiro. Usei tudo o que
tinha para chegar aqui hoje à noite. Também não tenho
família. — Não queria entrar na Keely e na família dela. Ele
não precisava saber disso. Se ele estava louco, ou o que fosse
pior que isso, melhor que não soubesse que eles existiam.

— Nome — ele disse.

— Oh. — Respirei fundo e soltei. — Meu nome é...


Mari. Não sou Sierra. Ela... ela não conseguiu. Tomei o lugar
dela. Então, sobre as regras...

— Nome — ele disse novamente. — Não o seu, senhorita


Flores. Quero o nome do homem que fez isso no seu rosto.

— Como você sabe que era um homem? — Sussurrei,


ignorando o fato de que ele sabia meu sobrenome sem que eu
dissesse.

— Nome — ele disse mais uma vez. Tive a sensação de


que estava perdendo a paciência comigo.

Por que ele precisaria das informações?

Fiquei mais alta, oscilando um pouco nos calcanhares,


colocando uma parede contra tudo que eu sentia desde que
ele me tocou.

— Isso não é da sua conta. Talvez eu não saiba muito


sobre essa situação, mas sei disso. Isso paga. Vim aqui para
ganhar dinheiro. Então, recebo o emprego ou não? Meu
tempo é valioso, senhor...?
— O que você estaria disposta a fazer para conseguir o
emprego?

— Pensei que você fosse o trabalho que eu estaria


fazendo.

— Responda-me, Mariposa.

Lambi meu lábio, feliz por ele ter começado a


coagular. Sabia que parecia ruim. Ele tinha beijado meu
batom fora. — Estou aqui. Isso significa... o que você
quiser. Ouvi dizer que o trabalho paga bem.

— Ah — ele disse, parecendo italiano de repente. — Paga


muito bem. Milhões. Mais vantagens.

Não respirei fundo, mas queria. Milhões? Vantagens? Ele


estava brincando comigo? Não, Sierra mencionou para
sempre. Se a garota se importasse o suficiente para contar
suas fatias de queijo, ela não teria mexido com isso. De
repente, sua situação com Scarpone me ocorreu. Ela
terminou com ele por esta oportunidade? Fazia sentido, se ela
tivesse.

— Parece bom para mim — eu disse. – Inscreva-me.

Desta vez, senti quando ele deu um passo mais perto. Eu


estava muito ciente dele. Raios ardendo contra a minha
escuridão pessoal. Tentei dar um passo para trás, mas ele
colocou o braço em volta da minha cintura, me puxando para
mais perto. Coloquei minha mão em seu peito, empurrando,
mas ele não se mexeu.
— Nós — ele disse. — Fale-me sobre isso. O que
aconteceu aqui, entre nós.

— Essa é uma palavra suja. Nós. Não existe nós —


falei. — Isso é negócio. Tudo o que faço, e quero dizer o
que for, faço como uma transação comercial. Nada é de graça
nesta vida, nem mesmo o amor. Já passei de ser
pobre. Tenho que tomar cuidado comigo. Então, você me dá
o emprego ou manda um daqueles homens me escoltar para
fora, como fez com as garotas que estavam flertando com os
homens na sala principal.

— Você me faz um serviço...

— E você me paga — eu disse.

— Nada mais — disse ele.

— Nenhuma coisa maldita.

— Para o registro, Mariposa. — Ele chegou mais perto,


inspirando, sua respiração se espalhando pelo meu
pescoço. Fechei os olhos novamente, tentando ao máximo
impedir meu coração de bater freneticamente. Eu sabia que
ele podia sentir isso. — Nunca me interrompa enquanto estou
falando. — Assenti. — Farei... chefe. — A palavra soou como
um insulto amargo deslizando direto da minha língua
melada.

— Eu nunca disse que você conseguiu o emprego,


Mariposa.

Seu nariz subiu no meu pescoço, tocando minha orelha,


depois voltou para os meus lábios. Ele deu um beijo casto no
lado da minha boca e depois nos meus lábios, exatamente
onde estava o corte. Queimou, a área era sensível, mas era o
único lembrete de que isso era real. Que ele existiu.

A queimadura ainda estava forte quando minha escolta


retirou a venda – o outro homem, o chefe, se foi. Os
sentimentos que ele deixou para trás eram tão quentes
quanto as chamas que empurravam o ar ao meu redor.

Depois de me dar um segundo para me recompor, a


escolta me levou para fora, sem palavras ditas entre nós.
Capo
De todos os clubes do mundo, ela tinha que entrar no
meu.

Meu.

Ela invadiu meu espaço sem ter conhecimento.

Parecia completamente diferente, mas de alguma forma,


lembrava-me dela.

Os olhos. O nariz. Os lábios. O formato do seu rosto. Ela


era minha inocência, la mia farfalla11, mas
amadurecera. Tornou-se uma mulher no espaço de anos que
me pareceu séculos. Vê-la trouxe de volta uma enxurrada de
lembranças. Eu era um homem morto revivendo uma vida
que ele havia abandonado.

11
Minha borboleta.
Ela foi a catalisadora da morte, de uma nova vida e agora
para a temporada em que me encontrava.

Achava que era inteligente aparecendo no The Club com


o convite exclusivo, apesar de pertencer a uma garota
morta. Armino Scarpone a matou. Tal pai, tal filho.

Então mia farfalla mencionou Guido quando o porteiro a


pegou, pensando que poderia passar pela minha segurança
tão facilmente.

Pesquisando sua bolsa me trouxe mais perto de quem ela


era.

O clipe de borboleta. O pedaço de cerâmica quebrada com


a borboleta pintada nela. O livro com todas as suas
anotações. Livros para colorir e giz de cera.

Uma mulher crescida carregando giz de cera.

Ela era uma mistura estranha entre uma mulher e uma


criança.

Como o pedaço de terracota na minha mão tomou forma,


o mesmo aconteceu com as lembranças armazenadas na
minha cabeça.

Se alguém merecia lealdade, eu merecia a dela.

Ela só não sabia ainda.

Ela não poderia ter lembrado. Tinha apenas cinco anos.

Quando a toquei no The Club, relaxou, derreteu em mim


e os anos desapareceram. Trouxe-me de volta àquele lugar,
naquele tempo. Não importa o quanto negasse, e ela iria,
confiava em mim. Tinha motivos para isso.

Antes que pudesse me parar, deixei a imagem da criança


e beijei a mulher em pé na minha frente. Cruzei uma linha
que não pôde ser corrigida novamente. Atraente de uma
maneira que era difícil de explicar. Mas uma palavra veio à
mente quando a olhei: rainha. E aqueles lábios? Eles eram as
coisas mais macias que sentia desde o meu travesseiro.

Estar tão perto dela fez algo dentro de mim


reascender. Meu mundo inteiro ficou preto, desapareceu, e
quando abri meus olhos, o gosto do seu sangue invadiu
minha boca.

Vermelho. Um lembrete.

Alguém a tocou. Colocou a porra das mãos nela. A


criança que dera à minha vida para manter segura.

O que aconteceu com ela ao longo dos anos a


transformou em uma mulher que se recusava a permitir que
alguém a ajudasse. Bondade significava que devia algo. Ficou
claro que se recusava a dever a alguém. Mesmo que isso
significasse estar morrendo de fome. Mesmo que isso
significasse sua vida.

A maioria das pessoas me chamava de Mac. Outros me


chamavam de seu pior pesadelo. Mas ninguém – ninguém –
me chamou de chefe. Não como ela fez, com um toque
sarcástico da língua. Apesar de não saber as circunstâncias
em que se encontrava, ela iria estabelecer seus termos.
Exigiu tocar a vida depois de apenas sobreviver por tanto
tempo.

Sua vontade de fazer o que fosse preciso para conseguir


o emprego, não importava como a vida mudasse, me mostrou
o quão desesperada estava. Havia atingido um ponto de
virada, tropeçando no ponto crucial além de faminta e pronta
para mais. Estava sem opções.

Nenhum lar. Sem emprego. Sem dinheiro. Estava


correndo no zero, na fumaça. O pão velho em sua bolsa era
uma oferta inoperante, sem mencionar que era pele e ossos e
não estava intencionalmente tentando permanecer assim.

Desespero nem sempre significa que uma pessoa é leal,


mas depois que alguém está nas trincheiras há tanto tempo,
a mão que as ajuda, as pega e as alimenta se tornará a mão
que inspira confiança. Para alguém como ela, que me devia
mesmo que não soubesse, se tornaria leal.

A lealdade foi recompensada no mundo em que vivia.

Faria por ela. Faria por mim.

Ela tinha a ideia geral de coisas já enraizadas nela,


mesmo que odiasse pensar como ficou daquele jeito.

Descobriria isso. Sempre descobria.

Azul já foi a cor preferida de Marietta Palermo – a mesma


garotinha que amava borboletas e livros para colorir. Eu
saberia se a cor favorita de Mariposa Flores ainda era azul
quando terminasse.
Borboletas e livros de colorir ainda faziam isso por
ela. Minha aposta ainda estava no azul.

Saberia se ela tivesse pesadelos e eu estrelasse neles, ou


se tivesse esquecido completamente a situação. Na noite no
clube, seu corpo se lembrou de mim, mesmo que sua mente
se recusasse a libertar as memórias.

Aprenderia cada cicatriz em seu corpo e caçaria cada


dedo que já a tocou com o mal em mente. Possuía uma
multidão de pecados para pagar. Um pouco mais não faria
diferença quando chegasse a hora do perdão.

Não haveria uma sarda em sua pele que não conheceria


intimamente.

Queria correr meu dedo pelo seu nariz, para memorizar


como era contra a minha pele. Já tinha memorizado as linhas
do seu corpo. O jeito que se encaixou em mim. Como se
sentiu pressionada contra o meu peito. Seu cheiro ainda
parecia flutuar debaixo do meu nariz quando eu menos
esperava.

De volta ao maldito ponto. Ela me deve.

— Capo — disse Rocco, lembrando-me que eu estava no


escritório dele. Ele estava sendo um idiota, me chamando
de chefe em italiano. Era a coisa mais próxima de um irmão
que já conheci, mas não éramos irmãos. Não pelo sangue,
mas uma coisa que aprendi da maneira mais difícil, a família
nem sempre era o sangue. Família era um título conquistado,
não dado. Embora estivéssemos perto, ainda havia uma
lacuna. Para ele. Para mim. Sempre havia quando se tratava
do mundo em que vivíamos.
Virei da janela, a cidade de Nova York se espalhando ao
meu redor e tomei outro gole de uísque. Coloquei-o em sua
rica mesa de mogno, arrumando minha gravata. — Sim — eu
disse. — Prepare a papelada.

— O nome dela. — Seus olhos me examinaram sem o


peso do julgamento.

Verifiquei o meu relógio para o tempo. Eu tinha outro


lugar que precisava estar. — Deixe-a decidir.

— Vou mandar Guido.

— Sim. — Sorri — Tenho certeza de que ela gostará


disso, já que conhece Guido e a família Fausti tão bem. Um
rosto familiar pode facilitar isso.

Ele devolveu o sorriso, assentiu uma vez e depois


começou a papelada.
Mariposa
Passou-se mais de uma semana desde ele e o The Club, e
muita coisa havia acontecido durante esse período.

Não ouvi falar nada dele. Depois que sua escolta me


levou a um carro em espera, um carro que tinha vidros
escuros, um vidro de privacidade e parecia custar a quantia
de uma casa em Nova York, um motorista adequado me
trouxe para casa. O fiz me largar duas quadras da casa de
Keely, embora tivesse a sensação de que ele me seguiu.

Então, essa experiência de vida fracassou. Meu corpo


nem valia o suficiente para vender.

Culpei meu nariz e tentei seguir em frente.

Era mais fácil de fazer quando tantas coisas boas


aconteciam ao meu redor. Keely foi capaz de trabalhar menos
já que Harrison pagou um mês de aluguel. A situação com
Sierra realmente a atingiu com força. Ela estava tendo
pesadelos depois de ver a garota com quem morou por tanto
tempo morta. Os detetives decidiram que Sierra havia sido
assassinada. Harrison me disse que foi brutalmente
esfaqueada. Armino Scarpone era o suspeito número um,
mas ainda não fora encontrado.

Era assustador pensar que um assassino estava à solta,


mas havia tantos como ele lá fora, o fato de ele ainda se
encontrar solto realmente não nos chocou. Preparamo-nos e
depois sobrevivemos da melhor maneira possível.

Dois dias depois que Harrison conseguiu ajudar Keely no


aluguel, ela recebeu uma ligação. Conseguiu uma grande
papel em um famoso show da Broadway. Todos nós sabíamos
que um dia conseguiria, mas foi um choque quando
aconteceu. O melhor choque que qualquer um de nós poderia
ter esperado. Ela merecia isso e muito mais.

Keely exigiu que eu ficasse com ela. Ela não me queria


nas ruas desde que Armino nos viu saindo naquele dia. Ele
sabia que Keely e eu estávamos em casa quando estava
batendo na porta e gritando. Harrison pensou que talvez ele
quisesse eliminar quaisquer testemunhas, mas era tarde
demais. Keely e eu já havíamos falado com a polícia desde
que nós duas estávamos lá. Éramos as três últimas pessoas
(Keely, Armino e eu) que viram Sierra viva, além do
funcionário da loja. Ela correu para comprar meias e foi
emboscada a caminho de casa.

Independentemente dos meus sentimentos ao receber


esmolas, decidi ficar com Kee. Não porque não poderia
enfrentar as ruas novamente, mas porque estava preocupada
com ela. Minha amiga estava passando por um momento
muito difícil, mesmo quando deveria estar
comemorando. Mas minha regra de não receber bondade, a
menos que o pagamento ainda fosse aplicada, permaneceu,
posto que a ajudei a fazer as malas. Desde que conseguiu o
emprego, estava se mudando para um lugar melhor,
sobretudo, porque este era o espaço que dividia com Sierra.

O bule apitou e ela pulou para fazer o que quer fosse. Eu


não era uma pessoa do chá, mas Kee e companhia (toda a
família) amavam. Sua mãe era o que ela chamava de “uma
leitora de folhas de chá”. Eu não queria tentar ler nada além
de moer partículas flutuando na minha xícara de café.

Observei-a por um momento e depois voltei a arrumar as


coisas que não precisaria para a cozinha.

– Mari?

– Sim?

Olhei para ela novamente. Estava colocando pacotes na


chaleira. Algo doce, mas picante, encheu o
ar. Baunilha. Canela. Canela. Isso me fez pensar em sua boca
– interrompi o pensamento antes que pudesse me deixar
levar. Pensei que só me lembraria de chocolate, mas,
aparentemente, isso era uma mentira da qual me alimentava.

— Fico pensando... todas essas coisas boas começaram a


acontecer depois que Sierra morreu. Não tenho que trabalhar
tanto para acompanhar o aluguel desse lugar
imundo. Recebendo a ligação sobre o show. Tudo parece tão
repentino. Você acha... como eu digo isso sem parecer uma
cadela de coração frio? — Keely mergulhou outro pacotinho,
estudando-o. — Sierra tinha o seu jeito, mas, na maior parte,
senti pena dela. Ela me lembrava você.
Engoli em seco. — Lembrava?

Ela assentiu, derramando o líquido quente em uma velha


xícara de chá.

— Não era a sua personalidade. Mas a história. Como ela


teve que lutar para sobreviver. Definitivamente, tinha certa
influência sobre ela, o que você não tem, mas era órfã. E
então entrou em um orfanato. Acho que teve que lutar por
sua comida, por isso nunca disse nada quando contava seus
ovos ou queijo.

Keely mexeu a xícara e sentou-se. Ela colocou um cacho


vermelho de fogo atrás da orelha. — O que estou pensando é
isso. Pergunto-me se ela estava parando sua felicidade,
portanto, a minha. Odeio – odeio – que tenha sido
assassinada, mas mesmo antes, estava pensando que era
hora de nos separarmos. Agora que ela se foi, me sinto... mais
leve.

Coloquei o trevo decorativo de quatro folhas na caixa,


descansando a mão no ombro dela. Era tenso. Sierra não
tinha família, como eu, e tudo o que deixou para trás foi para
Keely. Demorou muito para tomar decisões por uma mulher
que ninguém realmente conhecia. Nem mesmo Keely.

— Concordo — eu disse. — Havia algo nela que me fazia


sentir... mais pesada também. É difícil de explicar.

Keely olhou para o chá, um olhar distante nos olhos. —


Talvez o novo começo dela estivesse prestes a
acontecer. Talvez sua escuridão estivesse prestes a ficar mais
clara. O trabalho que estava me contando. Ela nunca foi à
entrevista. O vestido ainda está na sua cama.
— Você sabe do que se tratava?

Eu não tinha dito a Keely o que tinha feito ou o que tinha


acontecido. Ainda não tinha ideia de qual era o trabalho ou o
que isso implicava. Depois que cheguei em casa naquela
noite, Keely estava dormindo, e entrei na ponta dos pés no
quarto de Sierra e coloquei tudo como Sierra havia
deixado. Estava com meu conjunto extra de roupas guardado
na minha bolsa, então mudei no carro, caso Keely estivesse
esperando por mim. Não olhava o quarto de Sierra desde
então.

— Não, — disse Keely. — Mas tenho a sensação de que


ela pensou que o trabalho era isso. Não precisaria mais
lutar. Não tenho ideia de que tipo de trabalho traz tanta
segurança, mas estava certa disso.

Certo. Também tenho esse sentimento. O que quer que o


chefe reservasse para uma dessas garotas, ela nunca mais
teria que trabalhar. No entanto, não consegui descobrir. O
que valeria tanto para ele ou para alguém?

— Hey — disse Keely, apertando minha mão. — Vamos


conversar sobre outra coisa. Você nunca me disse o que fez
no outro dia. Você se foi há um tempo. Foi procurar outro
emprego?

A primeira vez que a deixei em paz foi para fazer uma


viagem de volta ao Macchiavello’s. Sentei-me contra a parede
novamente, colorindo, esperando para ver se o homem de
terno apareceria. Era estúpido, tão, tão estúpido, mas algo
nele inspirava confiança. Com todos os problemas crescendo
ao meu redor, foi bom ver alguém que realmente parecia ter a
merda junto. Ele parecia tão capaz. Como se soubesse o que
fazer em qualquer situação... as respostas para qualquer
problema que o atormentasse.

Minha espera não foi em vão. Ele surgiu cerca de uma


hora depois de mim, parecendo tão legal e bem como
sempre. Talvez fosse minha imaginação, mas assim que saiu
de seu carro caro, seu rosto se voltou para o meu como se
soubesse que estava esperando por ele.

Nós olhamos um para o outro até que decidi fazer o que


vim fazer. Abri minha bolsa, tirei o saco de gelo, levantei-o e
coloquei-o ao longo da parede. Então me virei e saí.

Jurei para mim mesma que não voltaria. Tinha


problemas, problemas que não seriam resolvidos esperando
em torno de um restaurante que servia apenas aos
ricos. Olhar para algum milionário indisponível (para mim)
em um belo terno não iria resolver nada.

A vontade de contar a Keely tudo o que aconteceu surgiu


em mim. Senti-me culpada por usar o vestido de Sierra, seu
perfume, seus sapatos, seu convite para o lado misterioso do
The Club, e não contar a Keely o que fiz.

Queria lhe contar sobre o cara de terno. Dizer-lhe que,


não importa se Harrison me amasse ou não, nunca senti
nada por ele, exceto amor fraternal. Comparado com o que
senti nos últimos dias “pelo cara de terno e pelo chefe”, sabia
o quão diferentes eram meus sentimentos por
Harrison. Platônico. Nada mais.

Keely era tudo que tinha no mundo, e esperava que ela


entendesse as razões por trás do que fiz. Esperava que fosse
capaz de ouvir a verdade por trás de todos os meus
sentimentos.

Era hora de purgar os demônios e me limpar.

Apertei sua mão e me sentei ao seu lado. Olhando para a


xícara de chá, disse: — Preciso lhe contar uma coisa.

As palavras pareciam cair da minha boca. Comecei com


o cara de terno e depois entrei no que aconteceu na noite em
que Sierra morreu. Eu disse a ela todos os detalhes sobre o
clube. Então lhe dei um segundo antes de terminar com
meus sentimentos sobre o irmão dela.

Não pude ler o seu rosto e, quando o silêncio se tornou


demais, sussurrei: — Diga alguma coisa.

— Você não me disse algo — disse ela. Você me contou


as coisas. Muitas e muitas coisas.

— Eu estava me segurando muito — disse.

— Você acha? — Ela balançou a cabeça. — Por que você


não me contou?

Dei de ombros, pegando minha unha quebrada. — Não


queria decepcioná-la. Basicamente roubei as roupas, sapatos
e perfume de uma garota morta e fingi ser ela. Se falhasse, o
que fiz, parecia um golpe tão baixo. Um golpe final. Você teria
me dito para não ir. Que o que Sierra faria não valia a
pena. Mas valia. Ele valeu. Para mim. E agora ... eu ... ainda
não tenho certeza do que vou fazer, Kee.
— Ela era garçonete no The Club — disse Keely. —
Sierra. Foi onde ela trabalhou. E o cara que o possui não é
um cidadão comum, Mari. Ele é rico, como status
multimilionário ou mais. Ele é recluso. Mas a merda sobre a
qual ela às vezes falava, as pessoas que frequentavam o local,
como os Faustis, me fizeram entender que era mais do que
apenas um clube.

— Então você está certa. Eu teria dito para você não ir. O
que você estava pensando? E se ele a tivesse vendido pelo
maior lance? Ou... usado você para algum tipo de fantasia
sexual estranha? Você não pertence lá, Mari! Não quero você
lá. Você merece mais da vida do que ser comprada. Você
merece um homem que nunca pagaria uma quantia em dólar
porque nenhuma quantia no mundo seria suficiente! Na
verdade, merece um homem que não acha que merece você!

— Não consegui o emprego, Kee! — Levantei-me, incapaz


de me sentar. — Falhei nisso também! Não consegui nem
vender meu corpo. Sou inútil! Não posso manter um
emprego. Nem posso ficar na escola! Então, arrisquei. Foi a
minha última chance. E falhei nisso também! Meu nariz ou
minha boca do caralho! Fiquei esperta com ele no final.

— Boa! — ela gritou. — O bastardo deve ser


repreendido! Ele provavelmente estava lá para comprar uma
mulher para a noite!

— Não. — Balancei minha cabeça. — Tive a sensação de


que isso era diferente. Isso era a longo prazo. Para sempre.

— Afinal, o que isso quer dizer?


Dei de ombros, sem saber como explicar. Viver pelo resto
da minha vida, em vez de apenas sobreviver, para começar.

Uma batida veio à porta e nós duas pulamos. Keely


olhou para mim e olhei para ela, as duas sobrancelhas
levantadas em surpresa suspeita.

— Pegue a frigideira de ferro fundido que mamãe me deu


— ela murmurou para mim.

— Vou ficar atrás de você — murmurei de volta.

Ela abriu a porta e fiquei atrás, escondendo a frigideira


nas minhas costas. Se fosse Armino, ele não veria até que
batesse na sua cabeça.

Não era Armino Scarpone. Eram o detetive Stone e o


detetive Marinetti novamente. Parecia que eles moravam por
aqui hoje em dia.

Recuamos e os deixamos entrar. O detetive Stone ergueu


as sobrancelhas quando notou a frigideira na minha mão,
mas não comentou. Imaginando que eles estavam aqui para
discutir algo com Keely, me virei para voltar para a cozinha.

— Precisamos falar com você desta vez, Srta. Flores —


disse detetive Marinetti, apontando para o sofá.

Frouxe a frigideira comigo quando me sentei. Keely se


sentou ao meu lado. Os dois detetives estavam na nossa
frente.

— Você conhece um homem chamado Merv Johnson? —


Perguntou o detetive Stone.
— Merv o Perv? — Keely torceu o nariz.

Stone sorriu para ela e seus olhos se suavizaram.

— Conheço-o — eu disse, olhando para ele até que olhou


para mim. — Mas não bem. Ele era o zelador no meu último
apartamento, se é que você pode chamar assim. Um lugar
para dormir que não está do lado de fora seria o mais
parecido.

— Sim — disse o detetive Marinetti. Ele parecia tão


cansado. Feito. Ele suspirou. — Sabemos isso.

— E Merv? — Keely sentou-se um pouco mais alto. — Se


você veio nos dizer que ele está morto, boa viagem. — Ela
cuspiu no lado do sofá. Algo que via sua mãe fazer o tempo
todo quando algo a enojava.

— Merv Johnson está morto — disse o detetive Marinetti


sem rodeios.

Dei uma cotovelada em Keely e ela começou a


tossir. Parecia que ela estava chocada com a notícia de sua
morte. Provavelmente pensou que eles estavam vindo me
questionar sobre ele depois que uma das meninas do prédio
desapareceu.

— O que aconteceu com ele? — Keely disse, roubando as


palavras da minha mente.

Minha boca estava seca, meu corpo cheio de suor e meu


coração disparou. Tudo que conseguia pensar era em seu
rosto atordoado depois que o bati na cabeça com Vera. Matei
o bastardo? Não fiquei por lá para descobrir. E não havia
como dizer quanto tempo ele estava no apartamento, se
estivesse.

A melhor marca pessoal do lugar foi de dois meses. Merv


não checou até o segundo mês do vencimento do
aluguel. Estava trocando sexo por aluguel com algumas das
mulheres no prédio e ia cobrar quando precisava. Tinha
certeza de que ninguém, ninguém, foi procurá-lo até que o
cheiro se tornou demais. Eles provavelmente pensaram que
era eu, se ele ainda estava no meu antigo apartamento.

— Assassinado — disse o detetive Stone. — A razão de


estarmos aqui é porque estamos imaginando se você conhece
alguém que o quisesse morto, Senhorita Flores. Desde o
incidente com Andruzzi, o detetive Marinetti e eu sentimos
que já estabelecemos um relacionamento com você. Ninguém
no complexo vai falar. Johnson parece não ter muitos amigos.

Keely abriu a boca para falar ao mesmo tempo em que o


detetive Marinetti suspirou. Ele pegou uma cadeira da
cozinha e a colocou na frente do sofá, sentando-se. Parecia
entediado até a morte, como se soubesse para onde essa
conversa estava indo. Merv também não tinha amigos aqui.

— Quando o pervertido foi morto? — Keely


perguntou. Depois que você a atravessou, não havia como
voltar atrás. Keely se endureceu em relação a qualquer um
que sentisse que sua família estava errada. Ela perdoaria,
mas nunca esqueceria.

— Ontem.

Isso descartou Vera e eu.


— Srta. Flores, você pode nos dar alguma coisa para nos
ajudar a levar a pessoa responsável por esse crime à justiça?

Fui abrir a boca, mas Keely falou. Seu pescoço ficou


vermelho e começou a subir pelas bochechas. Ela olhou nos
olhos do detetive Stone. — Posso te dar uma coisa. Merv
Johnson agrediu minha irmã. — Ela pegou minha mão. –
Você notou o rosto dela outro dia, detetive? Ele fez isso com
ela. Ele tentou abusá-la naquele lugar infestado de ratos que
chamava de apartamento. Ele trocava sexo por aluguel. Se
você dissesse não, ele tiraria isso na sua cara. Então, não,
nenhuma de nós sabe quem poderia tê-lo matado, porque a
lista é muito longa. Mas vou dizer isso. Não desejo a morte a
ninguém, mas estou feliz que ele esteja morto. Justiça? Quem
fez isso fez para o bem de toda a humanidade. Agora, se você
não tiver mais perguntas, essa foi uma semana longa para
nós. E depois que você for embora, gostaríamos de ser gratas
pela morte de um predador em paz.

Quatro horas depois, outra batida veio à porta.

Levantei os olhos da caixa que estava guardando e soprei


uma mecha de cabelo selvagem do meu rosto que escorregou
para fora do meu coque improvisado. Ouvi Keely se
aproximando da porta e, pegando a frigideira do sofá, a
encontrei lá.

— Vou atender desta vez — eu disse.


Ela pegou a frigideira de mim e escondeu nas costas. —
Tenho muita agressão reprimida, então entendi. — Ela
assentiu em direção à porta. — Abre-te Sésamo.

Dei um passo para trás, encontrando Keely depois de


abrir a porta. — Guido. — Seu nome saiu antes que eu
pudesse me conter. Ele segurava uma caixa embrulhada em
ouro nas mãos.

— Tenho que bater nele? — Keely sussurrou.

Balancei minha cabeça. — Acho que não.

— Bom – ela disse. — O rosto dele está bom demais para


atrapalhar. Se a cantora que escreve sobre todas as suas
antigas chamas já viu esse cara, estaria escrevendo músicas
sobre um cara chamado Guido.

Guido nos olhou da mesma maneira que os homens


quando pensam que as mulheres em sua presença são
instáveis. Então ele sorriu e disse: — Não há necessidade de
violência. Vim em paz.

Nós duas ofegamos um pouco. Isso transformou seu


rosto.

— Usei seu nome — soltei sem pensar. — A noite no


clube. Estava errado, mas pensei que eles iriam me
prender. Lembrei-me de você na Home Run, quando Scarlett
veio pegar a camisa emoldurada para o marido.

— Tenha cuidado — disse ele, seu tom sério, mas havia


travessura naqueles olhos escuros. Isso o fez difícil de ler. —
Meu nome é bem conhecido, mas nem todos os que me
conhecem gostam de mim. Eles podem ter te recusado apenas
pelo meu nome ou colocado atrás das grades para que meu
inimigo desmonte. O nome Fausti nem sempre garante
segurança. Às vezes isso atrai problemas.

— Merda, Mari! — Keely deu um tapa no meu braço. —


Os Faustis!

Virei-me um pouco e dei-lhe um olhar sujo.

Guido parecia imperturbável com sua explosão. Ele


estendeu o pacote para eu pegar. — Il capo12. — Ele fez uma
pausa, lutando contra um sorriso. — Ele me enviou para
entregar uma mensagem. Tudo o que você precisa para
começar está na caixa.

— Ela começa a trabalhar em casa? — Keely o


incentivou, levando essa situação mais a sério, pois sabia que
eu tinha ganhado o trabalho, qualquer que ele fosse.

— As instruções estão no pacote — foi tudo o que ele


disse quando se virou para sair.

— Guido — chamei, minha voz apenas acima de um


sussurro.

Ele parou e se virou para mim. O sol atingiu seus olhos


de chocolate escuro e eles brilhavam. Foda-me. O que esses

12
O chefe.
homens estavam comendo na Itália? Eles eram quase bonitos
demais para ser verdade.

— O que significa il capo? — Perguntei.

— Significa o chefe em italiano. — Ele riu. Ele riu até o


carro caro e veloz.

Gângsteres com senso de humor. Quem sabia?

Depois que fechei a porta, descansei minhas costas


contra ela, porque meus joelhos pareciam ter virado massa de
vidraceiro. A caixa em minhas mãos poderia ter sido um
presente ou um dispositivo explosivo.

— Mari — disse Keely, forçando meus olhos nela. — Isso


ficou realmente sério. Os Faustis! — Ela continuava repetindo
o nome como se isso os fizesse desaparecer se dissesse o
suficiente.

Levantei meu dedo indicador. — Shh. Preciso de um


minuto.

— Preciso de uma bebida! — ela disse, e sabia que estava


indo para o uísque irlandês.

Deslizei para o chão, deixando meu peso me levar


enquanto a porta me apoiava. Depois de cinco minutos, dez
horas, – quem saberia? – com dedos trêmulos, abri a caixa.

Um par de tênis realmente legais estava enfiado sob um


fino véu de papel. Meu tamanho. Uma nota estava em cima
dos sapatos brancos imaculados.
Senhorita Flores,

Você deve sempre participar de uma reunião importante


com sapatos que se encaixem corretamente. Uma primeira
impressão pode ser sua última.

Este é o primeiro par de muitos. O custo já foi deduzido do


seu salário. Calce-os. Sem desculpas.

Fiz por você. Você fará por mim a seguir. Isto não é
pessoal. Apenas negócios.

Ele assinou com “Capo”.

— Espertinho — murmurei.

Um cartão menor estava abaixo do manuscrito, listando


a hora e a data da reunião. Dois dias. Segunda-
feira. 11h11. O endereço estava listado em Manhattan, algum
edifício ostentoso, sem dúvida. Um motorista seria enviado
para me buscar.

Foda-me.

Eu realmente faria isso?

Meus olhos captaram o turbilhão de líquido âmbar que


apareceu de repente na minha linha de visão.

Keely balançou um copo cheio de uísque na minha


frente. — Eu diria para você não fazer isso, mas que bem isso
faria? — Ela se sentou ao meu lado no chão, tomando
cuidado para não derramar seu próprio copo. Em sequência,
suspirou, inclinando a cabeça na minha. — Prometa-me que
você estará segura?

Levantei meu copo e ela levantou o dela. Não poderia


prometer algo que eu não tinha controle. Tocamos e depois
caímos, nem mesmo nos incomodando com um brinde.
Mariposa
Segunda feira, 11h00 da manhã, estava sentada no
prédio, em algum escritório chique, em meus chinelos de
plástico, esperando o Sr. Rocco Fausti me chamar de volta ao
seu escritório. A secretária dele me deu um olhar estranho
quando lhe perguntei o que o Sr. Rocco Fausti fazia. Não
havia escrito na porta.

Ele era um advogado, ela dissera, e a julgar pelas


riquezas ao meu redor, era muito bem-sucedido.

Às 11h07 em ponto, Rocco Fausti saiu de seu escritório e


me cumprimentou. Seu sotaque era italiano forte, mas não
difícil de entender. Ele estendeu a mão e quase não a peguei
porque não queria sujar sua bonita pele. Senti-me como uma
criança prestes a sujar uma estátua de mármore importante
com marcas de mãos.

Ele era alto, muito mais alto que eu. Seu cabelo era
preto, sua pele dourada e seus olhos... verdes como o
mar. Seus cílios eram grossos e pretos. Seus lábios cheios. E
ele cheirava... o que era melhor do que bom. O corpo dele...
Não havia como esconder o corpo musculoso embaixo do traje
feito sob medida. Quem quer que fosse esse Capo, ele se
cercou de pessoas bonitas. Pessoas competentes.

Pessoas diferentes de mim.

Se eu ainda não soubesse o quão básica era no


departamento de looks e aceitasse, talvez tivesse crescido um
complexo.

Passamos pelo que parecia o escritório de Rocco –


cheirava a ele – parando em uma sala com uma mesa
comprida no centro. Havia doze cadeiras ao redor, seis de
cada lado, e uma bandeja circular no meio com copos e uma
jarra de água. Ele gesticulou para me sentar perto da parede
de vidro sem riscos que se estendia pela parte traseira da
sala.

Uma vez que me sentei, ele se sentou na cabeceira da


mesa, bem ao meu lado. Um ou dois minutos depois, sua
secretária entrou e entregou um arquivo cheio de
papéis. Antes de sair, serviu três copos de água, colocando
um na frente de seu chefe, um na minha frente e outro à
direita dele. Uma terceira pessoa se juntaria a nós então.

— Sr. Fausti?

Ele ergueu os olhos dos papéis, o verde nos olhos


brilhando pela luz do sol que entra pelas janelas.

— Rocco. — Assenti. Rocco.

— Por que estou aqui?


Enquanto ele olhava para mim, peguei o copo de água e
bebi um pouco.

11h11 em ponto, a água caiu errada e comecei a


engasgar. Pulei da cadeira, acenando com as mãos na frente
do rosto, tentando combater o sufocamento. A terceira pessoa
entrou na sala no momento em que a água tentava descer.

Olhei para o teto, ainda tentando respirar,


pensando: isso é sarcasmo ou apenas uma piada cruel?

A água queimava minha garganta e não conseguia parar


de tossir. Estava me matando. Ele estava me matando. O que
estava fazendo aqui?

Não podia ser...

Ele estendeu a mão para eu pegar. — Você pode me


chamar de Capo — disse ele, — se desejar.

O homem de terno. Sr. Mac. Patrão. Capo. Era tudo a


mesma merda.

Azul. Tudo que conseguia pensar era azul. Os olhos


dele. Eles eram azuis. O tipo de azul em que você pode se
perder, flutuar, nunca querendo voltar à terra. Eles estavam
se acalmando, mas algo neles estava guardado. Como se
tivesse que sobreviver ao inferno para ganhar o céu.

— Mariposa.

A voz dele. Tomou conta de mim então, como tinha feito


a noite no The Club. Era baixa, áspero e a coisa mais sexy
que já ouvi.
Mesmo que meus olhos lacrimejassem, sua mão ainda
estava estendida, e não pude deixar de encará-la. Fiquei
pensando na maneira como ele me tocou. Segurou-me. Nosso
momento na sala à luz de velas.

A mão que ele estendeu assumiu uma forma mais firme,


viva neste momento, e notei uma tatuagem que cobria toda a
parte da mão oposta, a esquerda. Começava no pulso e
terminava no início dos dedos longos. Criava o rosto de um
lobo preto rosnando. Os olhos do animal eram azuis elétricos,
como os dele.

Se esse homem queria que uma mulher fizesse todo tipo


de sexo com ele, por que teria que pagar alguém? Eu estava
disposta a apostar o meu pão velho que quase qualquer
mulher gostaria de ser tocada por ele. Ele era universalmente
atraente, e tinha algo que igualava sua beleza. Era algo
selvagem e áspero. Tinha algo que existia mais
profundamente que o físico e que não podia ser
verdadeiramente explicado.

Não. Poderia em termos simples. Ele era uma força


brutal. Eu podia senti-lo me empurrando sem sequer me
tocar.

Ele limpou a garganta e meus olhos automaticamente


foram para lá. Foi a primeira vez que o vi tão perto. Assim
como não havia notado a tatuagem, não havia notado a
cicatriz que circundava sua garganta. Era velha, quase da
mesma cor da pele, mas perceptível.

— Srta. Flores — disse Rocco, quebrando meu transe. —


Podemos começar?
Levei um momento, mas depois que Capo recolheu a
mão estendida, limpei a garganta e gritei: — Sim, mas me
chame de Mari...

Rocco assentiu. — Mari... Ele apontou para o assento.

Sentei-me, meus olhos nunca deixando os de Capo. Seus


olhos nunca deixaram os meus. Era intenso, mas de alguma
forma não me importei. Queria encará-lo. Não tinha certeza
se me cansaria de olhar em sua direção.

Vê-lo à distância de repente parecia um pecado. Todos os


seus traços eram mais bem vistos de perto.

Capo se sentou na minha frente, sua colônia enchendo


meu nariz enquanto suas roupas eram pressionadas pelo
movimento. Rocco nos deu um minuto enquanto folheava os
papéis situados à sua frente.

Capo estendeu a mão para pegar minha mão


novamente. — Mariposa — disse ele. — Você pode me chamar
de Capo ou Mac.

Limpei minha garganta, sabendo que ia soar estranho


quando falasse. Ainda não tinha pegado a mão dele. Sabia
como era contra a minha, e tinha quase medo de que uma
faísca disparasse quando nos tocássemos. Gostaria de saber
se uma faísca se apagou quando ele me tocou no escuro no
The Club? Senti isso. — Prefiro chamá-lo de Capo — disse,
minha voz pequena e cheia de areia. – E você pode me
chamar de Mari.

Estendi a mão para fazer a conexão então, não querendo


ser uma covarde, mas quando cheguei perto, dei um tapa na
mão dele, como se estivesse dando um high five. Cedo
demais. Era muito cedo para tocá-lo novamente. Para ser
pega por ele. Não queria que meus olhos dessem o que ele
possivelmente não via na escuridão. Quanto ele me afetava.

Ele sorriu, mas não tocou seus olhos. — Mariposa —


disse ele, usando um sotaque italiano na palavra
espanhola. – A chamarei de Mariposa. A borboleta.

A borboleta. Movi minha cabeça para o lado, de alguma


forma pensando que poderia vê-lo melhor. Isso não tornou as
coisas mais claras, mas de qualquer ângulo, ele era
impressionante. A coisa mais linda que já vi, além de ser a
minha favorita. A borboleta. Era por isso que odiava quando
pessoas que não significavam nada para mim me chamavam
pelo meu nome completo. Era a única coisa especial em mim,
e quando eles diziam tão claramente, como se não
significasse nada, reforçava tudo o que sentia – invisível. Uma
lagarta ainda presa na fase feia de sua vida.

Vindo da boca dele, daqueles lábios carnudos, não me


importei. Gostei da maneira como ele disse isso, com um rolo
de língua. Mari posa. Fez parecer... especial. Bonito mesmo.

— Mari, você me perguntou por que estava aqui — disse


Rocco, rompendo a névoa ao meu redor.

Assenti, tomando outro gole de água.

— Cuidado. — Capo sorriu para mim. — Parece que a


água aqui é mais espessa do que o normal.
Estreitei meus olhos. Espertinho. Então me afastei dele,
fazendo um acordo comigo para não o olhar novamente até
Rocco lançar alguma luz sobre a papelada na frente dele.

— Você conhece os casamentos arranjados, Mari?

— Casamento arranjado? — Repeti, parecendo tão idiota


quanto tinha certeza de que meu rosto estava. Claro que
sabia o que eram, mas por que diabos ele os citava durante
essa reunião? Eu esperava palavras como sexo submisso ou
discussões sobre o preço da carne e o que eu faria e não faria
por um dinheirinho. Mas casamento?

— Um casamento arranjado é quando... — Rocco


começou.

Levantei uma mão, parando sua explicação. — Sei o que


é, mas o que isso tem a ver com o motivo de eu estar aqui?

— Se você soubesse no que estava se metendo — Rocco


disse, me dando um olhar aguçado — não teria
mencionado. No entanto, desde que você foi escolhida pelo
Capo para esse arranjo e não foi informada da situação
anteriormente, estou aqui para esclarecer as
coisas. Casamentos arranjados não são incomuns em nossa
cultura, embora geralmente ambos os lados da família
estejam envolvidos. Além disso, Capo quis escolher uma
noiva. Depois de passar algum tempo com você, te
escolheu. É por isso que estamos aqui, Mari. Capo quer se
casar com você.
— Casar comigo? — Repeti, olhando entre os dois
homens, capaz de olhar para Capo novamente, já que Rocco
havia explicado por que eu estava lá. Nenhum deles riu ou
parecia remotamente como se estivesse brincando comigo. No
entanto, ri. Gargalhei como uma bruxa.

Então fiquei quieta, percebendo o quanto eles estavam


sérios. — Foda-me — eu disse, enxugando os olhos. Depois
olhei para Capo. — Você realmente quer se casar comigo?

Ele acenou com a cabeça uma vez, muito lento, muito


afiado.

— Um acordo.

— Peguei essa parte. – Fiquei ali por um momento ou


dois, absorvendo tudo isso. Comecei a entender...

Ele estava examinando todas aquelas mulheres. Talvez


jogando o campo para ver com quem ele tinha uma
conexão. Ele as vendou para que não o vissem e depois o
reconhecessem na rua.

Recluso era a palavra que Sierra usara para descrevê-lo a


Keely.

Ele tinha as mulheres que estavam flertando com outros


homens escoltadas para fora da festa.

Sierra foi uma de suas escolhas.


Casamento. Ele queria que eu me casasse com
ele. Escolheu-me para esse arranjo.

Levantei-me da cadeira, me recusando a olhar em sua


direção. Queria, apenas mais uma vez, mas não podia. Isso já
era difícil o suficiente.

— Você perdeu seu tempo. Você escolheu a garota errada


para este trabalho. O casamento não está nos planos para
mim, nem mesmo para um acordo. — Virei-me para ir
embora, mas parei quando sua voz me atingiu como um raio
nas costas.

— Você veio a mim procurando emprego, e agora que lhe


proponho um que não inclua baratear sua moral por
dinheiro, você vai desistir? No mínimo, diga-me o que a
assusta nesse acordo – um acordo com detalhes que você
nem considerou ainda. Sair sem ouvir os detalhes não faz de
você uma campeã, Mariposa. Faz você parecer uma criança
assustada. Agora sente-se e prove que estou errado.

— Tudo bem — eu disse, virando-me. Pendurei minha


bolsa na cadeira novamente, sentando-me. Embora
estivéssemos discutindo casamento, não havia dúvida de que
era uma reunião de negócios. Uma fusão de duas vidas
reunidas por detalhes em papel e pré-pensados. Se não fosse
aceitar, teria que me tornar o mais profissional
possível. Emoções tiveram que ser varridas da mesa, mas
tinha algo no ar que exigia alguns sentimentos primeiro.

— Antes que esta reunião comece oficialmente, e todos


os lados tenham sido considerados, você deve responder a
uma pergunta.
Capo olhou para mim por um minuto e depois assentiu
uma vez. Ele pegou o copo de água e tomou um gole, seus
olhos nunca deixando os meus.

— Por que eu, Capo?

O nome dele parecia estranho na minha língua. Não falei


como Rocco fez, com sotaque italiano, mas fiz o possível para
dar o devido crédito. Ele fez o mesmo pelo meu, então, queria
lhe dar o mesmo respeito. Seu rosto mudou quando disse seu
nome, no entanto, e por algum motivo isso me levou de volta
ao The Club, à sala à luz de velas. A intensidade. A
intimidade.

— Você se importa se eu devolver uma pergunta com


uma pergunta?

Estendo o braço, como se dissesse, vá em frente.

— Por que não você, Mariposa?

Peguei meu copo novamente, tomando um gole com


cuidado. Quando anotei, respondi com sinceridade. Ninguém
nesta sala tinha tempo para mentir.

— Vi as outras mulheres no clube. Suas escolhas. Sierra


era colega de quarto da minha irmã. A vi pela primeira vez de
manhã. A vi quando ela estava cansada além do que o sono
poderia curar. Mas nunca a vi sem graça. Apontei para o meu
rosto e depois deslizei um dedo pela inclinação do meu nariz.

Seus olhos passaram de relaxados para duros em


questão de segundos. Gostaria de saber se o mundo exterior
já considerou uma mudança sutil, algo que aconteceu em um
piscar de olhos e depois se foi, mas entendi. Muito consciente
dele já.

— Você vai acreditar em mim se eu contestar seus


sentimentos?

— Sim — eu disse. — Você não parece um homem que


tem tempo para brincar.

— Você não se parece com o resto. Você se destaca. Você


poderia ser uma rainha no trono. Uma que me sentiria
privilegiado em chamar de esposa. Você tem o rosto mais
bonito que já vi. — Ele juntou os dedos, me observando ainda
mais... intensamente, quase me estudando de uma maneira
que não estava acostumada: com apreciação. — 'O homem
disse: Agora é osso dos meus ossos e carne da minha carne;
ela será chamada mulher, porque foi tirada do homem.' Eu
ficaria honrado em chamá-la de osso dos meus ossos; carne
da minha carne. Minha mulher.

Levei um momento para colocar minha cabeça em


ordem. Suas palavras eram quase bruscas, mas estavam
cheias de tanta verdade que me fariam desmaiar.

Finalmente, sabia que tinha que dizer alguma coisa, ou


ele veria que havia me deixado fraca com algumas palavras.

— Ninguém nunca... — O que eu estava dizendo? Ele me


fazia muito honesta, admitindo coisas que seria melhor se
deixadas na escuridão. Ele já está muito ciente de
mim. Aqueles olhos tinham muita luz neles. Sabia que
estavam escondendo a escuridão também, mas o contraste
entre os anéis escuros em torno de sua íris e o azul só fez sua
luz ainda mais brilhante para mim.
— Fodam-se eles. — Ele acenou com a mão com
desdém. — Eles não importam.

— Você importa?

— O único que importa, — disse ele. – Il capo.

— Vou aceitar o seu porquê – eu disse, querendo mudar


a direção da conversa. — Mas há mais do que parece. Dê-me
outras razões para isso.

Rocco e Capo trocaram olhares antes de Capo falar


novamente.

— E se não houver outros motivos? E se a única razão


pela qual você está sentada aqui comigo é porque quero ouvir
meu nome saindo dessa sua boca macia e, pelo resto da
minha vida, e que me recuso a permitir que outro homem
tenha a mesma honra?

Engoli um gole de água, quase se engasgando


novamente. — Isso é honroso — eu disse, feliz por minha voz
não vacilar. — Mas não toda a verdade.

— Não é — disse ele. — Não presuma nada comigo,


Mariposa. Isso seria um erro. Sou honrado, mas apenas até
certo ponto. — Seus olhos pareciam aquecer com o que ele
pensava. De alguma forma, a cor ficou mais escura, uma
tempestade selvagem que podia sentir na boca do estômago.

Ele estava usando apenas algumas palavras para


insinuar algo muito mais complicado. Honroso até certo
ponto. A atração entre nós parecia uma coisa viva que não
podia ser negada. Queria tocá-lo. Queria que me tocasse
novamente. Eu era o céu entorpecido de seu ataque de
eletricidade.

— Mari – disse Rocco, e me virei para ele. — Sim ou


não. Você concorda em prosseguir com esta reunião? Se o
fizer, elaboraremos os termos, mas o acordo será ao vivo.

Irônico, ele usou o homófono “ao vivo”.

Segurando o olhar de Capo, lambi meus lábios e


perguntei: — Ao vivo?

— Você será minha esposa — disse Capo, sua voz ainda


mais baixa.

— Sim — disse, sem hesitar. — Digo


sim. Concordo. Vamos seguir em frente com o arranjo.

Antes que pudéssemos realmente começar, Rocco


analisou a razão mais importante pela qual Capo queria uma
noiva.

— O avô dele está doente — repeti. Nesse ponto, eles


poderiam muito bem ter me chamado de papagaio em vez de
meu nome. A cada passo, continuava chocada.

Rocco assentiu e entrou em mais detalhes. Depois que a


avó de Capo morreu, tudo o que ele tinha era seu avô como
figura paterna. Seu avô estava morrendo e um de seus
últimos desejos era ver seu neto se casar. Antes que pudesse
cuspir a pergunta Rocco respondeu: — Capo nunca levaria
uma mulher para casa para conhecer seu avô e mentir sobre
se casar com ela. Estava fora de questão.

Balancei a cabeça, encontrando os olhos de Capo. Eles


raramente se moviam do meu rosto. Mesmo quando prestei
atenção em Rocco, ainda podia senti-los. — Posso entender
isso — disse. — Minha mãe adotiva, ela morreu de câncer
quando eu tinha dez anos.

— Lamento ouvir isso — disse Capo.

— Você não tem família, Mari, mas será necessário que


você viaje para a Itália para conhecer a do Capo.

— Eu tenho. — Minha voz saiu forte. — Tenho família.

Os olhos de ambos os homens se estreitaram.

— Minha melhor amiga, Keely. Ela é minha família. Os


irmãos dela também.

Rocco olhou para Capo, esperando que ele respondesse.

— Vou encontrá-los formalmente — ele disse — na festa


que sua família está organizando para Keely. Eles estão
comemorando seu novo emprego. Daqui a duas semanas a
partir de hoje. Domingo.

— Como você sabe disso?


— Eu sei tudo, Mariposa. Sei ainda mais quando se trata
de você. — Ele assinalou os nomes dos pais dela com os
dedos e depois nomeou cada um de seus irmãos e suas
idades. Ele me deu um segundo antes de continuar. —
Sabemos que isso é um acordo, Mariposa, mas as pessoas do
seu círculo não. Não exigirei que você minta para sua amiga,
mas a verdade será dobrada. Encontramo-nos hoje para uma
entrevista para uma possível posição no meu clube. Quando
você percebeu que eu era o homem de Macchiavello’s, tivemos
nosso momento e as coisas mudaram.

— Senti que era um conflito de interesse empregá-


la. Almoçamos, discutimos coisas que as pessoas com luxúria
fazem e você gostaria de me convidar para a festa deles. —
Ele acenou com a mão. — Vamos passar um tempo juntos
durante as duas semanas. Vou buscá-la na casa
dela. Namoro. — Ele parecia odiar a palavra, porque meio que
cuspiu. — Então, durante a reunião da família deles, você
anunciará que estamos noivos. Nós nos casaremos na
prefeitura de Nova York no fim de semana seguinte. Também
nos casaremos no final de junho na Itália. Um casamento
adequado. Seus amigos são bem-vindos.

Com tudo o que ele disse, só conseguia me concentrar


em uma coisa. — Você sabe tudo sobre mim, mas o que eu
realmente sei sobre você?

Ele se inclinou para frente, colocando as mãos juntas na


mesa, seus olhos não me absorvendo de maneira pessoal. —
Você mencionou outros motivos para eu fazer isso. Você
conseguiu o segundo, o desejo do meu avô. — Guardo meu
coração e mais de uma veia perto do meu peito, no
entanto. Há outros fatores em jogo aqui, Mariposa. Preciso
que você me dê tempo para trazê-los à luz.
— Quanto? — Perguntei.

– Scusami?

Sorri. Mesmo não sabendo italiano, senti o que ele havia


dito, algo equivalente a me desculpe?

— Quantas veias devo esperar? As que estão se


conectando ao coração principal?

— Você quer um número. — Ele se recostou na cadeira,


estudando meu rosto. — Dois.

— Não — eu disse. — Escolha outro número.

— Você quer que eu invente algo.

— Não — repeti. — Mas as coisas ruins vêm em três. Não


quero que você invente algo, mas desafio você a encontrar
algo bom sobre essa situação depois que suas duas 'veias' se
abrirem para mim. Dê-me três, então sairemos com quatro,
com o coração principal.

Ele olhou para mim por cinco minutos intensos, pelo


menos. Então ele assentiu. — Concordo.

Rocco escreveu algo.

Gostei disso. Realmente gostei disso. Colocando tudo


sobre a mesa de antemão. Estávamos brigando antes de nos
comprometermos. O casamento não era para ser um negócio,
mas de uma maneira estranha, pensei que talvez fosse, às
vezes. Espero isso de você. Você espera isso de mim. Você faz
por mim. Eu faço por você. E nenhum de nós cruzará certas
linhas. Isso removeu muito do peso que parecia ter caído nas
minhas costas quando ele fez sua proposta.

Sentei-me um pouco mais ereta e realmente comecei a


prestar atenção quando surgiram as menções à polícia, como
eu deveria ficar em silêncio o tempo todo, a menos que Rocco
me dissesse o contrário.

— Você está... envolvido em negócios que não deveria?

Eu não esperava que Capo fosse tão sincero. Ele


assentiu sem hesitar. — Minhas mãos nem sempre estão
limpas no final do dia, Mariposa.

— Quão profundo?

— A severidade do pecado é importante para você?

— Não tenho certeza.

— Aliviaria sua consciência saber que só ajo por


vingança e não por lucro nos negócios?

— Quero honestidade — eu disse. — A todo custo. Se...


se eu perguntar. Preciso que você seja honesto. — Naquele
momento, chegar perto de sua honestidade me dominou. Se
eu tivesse muito tempo para pensar, iria querer honestidade
à mesa, e isso poderia acabar com o que tínhamos. Eu não
tinha certeza do tipo de pessoa que me constituía, recusando-
me a considerar que ele poderia fazer coisas terríveis por
vingança, e as ignoraria.

Tê-lo.
Apaguei o pensamento assim que veio. Não havia espaço
para emoção nessa mesa. Não senti nada dele. Não haveria
nenhuma de mim.

Ele assentiu. — Concordo.

Rocco escreveu outra coisa.

Foi assim que a conversa continuou. Rocco ou Capo


trariam um contrato, discutiríamos sobre isso e, então,
concordaríamos ou não. Caso contrário, seguíamos indo e
voltando até ficarmos satisfeitos.

Dinheiro. Eu teria acesso a todos os seus fundos depois


que nos casássemos. Os milhões e milhões que ele tinha. Ele
não estabeleceu limites. No entanto, se eu o deixasse ou
quisesse me divorciar dele, ou quebrasse as regras – centrais
– do nosso acordo, não receberia nada. Nem um centavo.

— Final — disse Capo, seus olhos nunca estiveram mais


sérios. Não acredito em divórcio. Você é minha até eu morrer.

— Mas e se... e se um de nós ficar infeliz?

— Esse arranjo não é sobre amor, Mariposa. Você


entende isso, não é?

— Sim — disse, defensivamente demais. —


Entendo. Você disse isso. Eu já disse isso. Entendi.

Seus olhos desafiaram a afirmação, mas ele não a tocou.

— Você tira amor disso. — Ele fez um gesto entre nós


dois. — Nenhum de nós jamais será infeliz. Temos nossos
termos, e esses devem nos manter satisfeitos. Nós dois temos
um propósito para este casamento. Quero lealdade. Você quer
viver bem. Nem todos os casamentos são construídos com
base no amor. O amor é uma casa frágil que desmorona. O
que estamos construindo nesta mesa será intocável.

— Continue avançando — eu disse.

Eu receberia uma mesada de dez mil dólares até que nos


casássemos. Para comprar comida, roupas e qualquer outra
coisa que precisasse até que tudo terminasse.

Até tocamos em detalhes como: quantas vezes


viajaríamos no ano. Poderíamos passar por isso, se
quiséssemos, mas não por baixo. Decidimos que dois era o
número ideal. Ele escolhe um lugar, eu escolho o outro, e não
havia três envolvidos, a menos que ultrapassássemos esse
número.

Os dois homens estavam me chocando o tempo todo,


então decidi colocar um neles. Disse que, sob nenhuma
circunstância, colocaria implantes de bunda. A ideia ainda
estava fresca em minha mente, e fiz Rocco anotá-la. Capo
sorriu quando disse: — Concordo. Sem implantes ou
qualquer cirurgia plástica, a menos que minha esposa
solicite. No entanto, preferiria se não o fizesse. Parece um
desperdício de dinheiro. Por que pintar uma borboleta?

Depois de uma hora, houve uma batida na porta. Nós


três relaxamos, a conversa diminuindo, esperando a
secretária de Rocco receber nossos pedidos de almoço. Meu
estômago roncou alto e minhas bochechas
inflamaram. Mesmo que eu estivesse com Keely, não tinha
comido muito da comida dela, só quando ela me deu. Ainda
estava ajudando-a a fazer as malas, mas nunca parecia
suficiente.

Capo pediu para mim. Também pediu sobremesa.

— Isso foi legal da sua parte — eu disse. Estava com


vergonha de pedir. Sabia que a comida era cara e nunca
tinha pedido nada assim antes.

Ele assentiu uma vez e depois sorriu para mim.

A secretária de Rocco ficou quieta. Observando-o. Ela o


observou até que ele voltou os olhos para ela. — Isso é tudo
para minha noiva e eu.

Ela assentiu, ajeitou os cabelos e sorriu para ele. Ela


colocou a lista no peito quando ele se virou sem
resposta. Observei-a até que ela fechou a porta atrás de
si. Ela era uma morena atraente, pronta para a
passarela. Giada, Rocco a chamou. Era alguém que eu
esperaria com Capo. Ficaria bem no braço dele.

Giada & Capo. Seus nomes pareciam bem juntos.

Rocco sugeriu que continuássemos a reunião até que a


comida fosse entregue. Não poderia ter concordado mais.

Levantei minha mão, como se estivesse na escola. —


Quero direitos exclusivos sobre você — eu disse. —
Começando agora.

— Você terá que explicar isso com mais detalhes, Mari,


— disse Rocco, trocando alguns papéis.
— Ela quer dizer — disse Capo, um leve sorriso tocando
seus olhos. — Ela quer que sejamos exclusivos. A partir de
agora mesmo.

— Um pouco à minha frente — disse Rocco, e pude ouvir


o sorriso em sua voz. Capo e eu estávamos olhando um para
o outro. — Discutiríamos isso a seguir.

— No entanto, quantas vezes Capo quiser me levar para


sair para uma noite de encontro é bom para mim. — Aceno
com a mão. — Que seja uma surpresa, apenas não três vezes
por semana. Mas estou pronta para discutir esses termos
agora.

— Chegamos à exclusividade devido às urgências da


dama. — Rocco folheou mais alguns papéis. Ele sorriu de
novo. Acho que ele me achou divertida. — Desde que você
declarou seus sentimentos sobre o fato de vocês dois serem
exclusivos, sabemos onde você está, mas acho melhor
discutir o assunto em detalhes. Se você prefere não ter
intimidade com Capo, não pode esperar que ele seja
celibatário. Teria amantes, mas seria discreto, é claro.

— Discreto — murmurei. — Claro. — E eu seria feito de


boba. E pior ainda, não gostei da ideia da secretária morena
entrando e saindo do quarto dele enquanto dormia ao lado,
ou em qualquer outro lugar.

Rocco assentiu. — Mari, você teria que ser discreta

— Não, — disse Capo. — Ninguém toca minha esposa


além de mim.
A sala ficou excepcionalmente silenciosa. Quando me
virei para olhar Rocco, ele estava olhando para Capo. O rosto
de Rocco raramente mostrava emoção, mas a resposta de
Capo pareceu pegá-lo de surpresa. Ele não estava esperando
isso.

Não era grande coisa antes? Não tinha motivos para


pensar que eles não haviam discutido alguns pontos dos
termos antes do tempo. Poderia dizer quais quando Capo se
tornou firme em algumas coisas antes mesmo que eu tivesse
a chance de pensar nelas.

— Está resolvido então — eu disse. — Ninguém me


toca. Ninguém toca em você.

— Exclusiva. Exclusivo. — Rocco escreveu em sua


agenda.

— Você é virgem, Mari? — Capo perguntou.

— Por quê? — Soltei. — Isso fará meu preço subir? Não


acho que pode. Quero dizer, você já me ofereceu tudo, em
termos de dinheiro, desde que não vá embora.

Não gostei da maneira como Capo olhou para mim. Ele


estava tentando desenterrar as informações por pura
vontade. Ele esperava que eu fosse experiente porque era
uma garota pobre nas ruas? Ah, isso mesmo, pensei
cinicamente, basicamente fui ao clube dele procurando
vender meu corpo por um dólar. Acabou que eu estava
prestes a vender meu segredo em troca da minha vida.

— Isso importa? — Tentei uma última vez.


— Isso importa para mim — disse Capo. — Sua resposta
direcionará nossa primeira vez juntos.

Direcionará nossa primeira vez juntos? O que isso


significava? Ele seria duro comigo se eu não fosse virgem?

Levantei-me do meu lugar, pela primeira vez desde que


tentei sair com ele, e fui para a janela. A vista desta altura
era estonteante. Nova York parecia tão bonita nessa altura,
quando seus pés não podiam tocar o chão.

— Não sei — eu disse, minha voz apenas acima de um


sussurro.

— Você não sabe — Capo repetiu. Eu podia imaginar seu


rosto, suas sobrancelhas escuras se aproximando.

O silêncio tomou conta da sala. Depois de um tempo, ele


me pediu para explicar.

— Não sei! — Eu disse um pouco mais alto. — Quando


eu tinha dezesseis anos, fui acolhida por uma família
rica. Políticos. Ele... me tocava. Não foi tão longe quanto o
sexo, porque saí antes que pudesse. Recusei-me a deixá-lo
fazer isso comigo. Keely me ajudou a obter uma identidade
falsa, e eu trabalhava em empregos ímpares sempre que
podia. Dormi em abrigos. Às vezes, na casa de Keely, quando
sua mãe permitia. Mantive minha cabeça baixa para não ser
mandada de volta para um orfanato. Evitei a polícia também,
até ter idade suficiente para estar legalmente sozinha. Ele fez
coisas comigo, porém, coisas que prefiro não discutir. Tenho
certeza de que vocês dois são inteligentes o suficiente para
entender por que eu realmente... não sei se sou virgem ou
não. Mas estou limpa. Um homem não me tocou antes ou
depois. Nunca tive tempo de me preocupar com um
relacionamento, mas, mesmo que tivesse, nunca pensei que
gostaria de ser tocada novamente.

— Ou dever nada a alguém — disse Capo suavemente,


mas havia uma corrente subindo através dele que eu sentia
de onde estava. Parecia frio nas minhas costas.

Ele descobriu o motivo pelo qual odiava aceitar a


bondade sem dar algo em troca. O idiota adotivo me disse que
ele havia me feito um favor, me acolhendo, e eu lhe devia sua
bondade. No começo, acreditei nele, e teria feito qualquer
coisa para me sentir em casa. Casa. Mas quando percebi o
que ele esperava de mim, a gentileza nunca foi tão suja.

Estava envergonhada. Toda noite sabia que ele estava


cada vez mais perto de fazer algo comigo que nunca poderia
ser desfeito. Dedos eram uma coisa, seu pau desagradável
outra. Então, escondi uma faca na minha bolsa e, quando ele
tentou, disse que gritaria e o cortaria se ele o fizesse. Viver
nas ruas era melhor do que viver no que parecia uma
jaula. Ele tinha esposa e filhos, todos dormindo nos quartos
ao redor dos meus.

— Bondade — eu disse. — Nunca devo a ninguém por


isso, se estiver ao meu alcance.

— Você quer ser íntima comigo, Mariposa?

— Há outros fatores em jogo aqui, Capo. — Repeti suas


palavras, apenas substituindo seu nome pelo meu. – Peço
que você me dê tempo para ir para a sua cama.
— Concordata — ele disse suavemente. E eu sabia de
conversas anteriores que significavam concordar em italiano.

Fiquei tanto tempo na janela que, quando me virei,


encontrei Capo sentado à mesa sozinho, com os olhos em
mim.

— A reunião acabou? — Perguntei, de repente com medo


de que minha confissão o tivesse desanimado. Eu era
mercadoria usada? Nunca tinha admitido isso em voz alta,
nem mesmo para Keely. Acabei dizendo a ela que o idiota
político era mau para mim, quase abusivo, mas nunca entrei
em detalhes. Acho que ela sabia, mas não me pressionou,
apenas me disse que se quisesse ir à polícia, estaria lá
comigo.

— Não. — A voz rouca em sua voz era forte. — Só dando


um tempo.

Assenti, virando-me novamente.

— Sente-se, Mariposa.

Pensando que estávamos prestes a comer ou


começaríamos novamente em breve, fiz o que ele disse. Era
fácil obter orientação dele. Ele realmente tinha suas coisas
juntos.

Ele se levantou da cadeira, sua figura imponente


chegando diante de mim, antes de se ajoelhar na minha
frente. Ele colocou a mão no meu joelho. — Você não usou os
sapatos novos que enviei — ele disse.
A luz atingiu seus olhos, e pensei no oceano, nas
profundezas que queria explorar. Não havia como negar que
havia algo escuro além da luz, mas de alguma maneira
estranha, eu também queria explorar isso. Queria saber que
o que eu tinha feito, por medo, por desespero, não era tão
perverso quanto sentia – não gritando quando o idiota político
me tocou pela primeira vez. Eu queria saber que outras
pessoas também tinham segredos que eram difíceis de
contar.

— Não. — Sorri um pouco. — Você não era


meu capo oficial na época.

Ele devolveu o sorriso. Então pegou minha


bolsa. Quando me encolhi e agarrei, ele demorou a arrancá-la
das minhas mãos. Ele abriu e tirou os sapatos novos, como
se soubesse que os empacotei. Eu tinha. Lentamente, pegou
um dos chinelos de plástico gastos.

Fui me afastar, mas ele segurou firme. — Eles são tão


sujos — sussurrei.

— Já toquei coisa pior e coisa pior me tocou.

Deixei que ele pegasse meus pés, observando enquanto


trocava meus sapatos velhos pelos novos. Encaixaram
perfeitamente. Não tinha um par de sapatos que era só meu
desde os dez anos.

— Sua bolsa — disse ele. — Pertencia à sua mãe.

Levei um segundo. — Minha mãe? Você quer dizer


Jocelyn?
— Não — ele disse. — Jocelyn Flores foi a mulher que a
recebeu e amou como ela própria. 'Foda-se'. Isso era algo que
o velho Gianelli, seu pai, costumava dizer quando ficava
irritado com os insetos em seu jardim comendo seus
produtos. Os sicilianos amam seus jardins.

— Você conhecia minha... Jocelyn? Pops? Pops era o pai


de Jocelyn, meu avô adotivo. Eu não conheci o marido de
Jocelyn, Julio Flores. Ele morreu antes de me adotarem, mas
peguei o sobrenome dele.

Ele assentiu. — Eu os conhecia bem.

— Pops morreu primeiro — eu disse, querendo dizer a


ele. — Jocelyn morreu um ano depois.

— Ataque cardíaco — disse Capo. — Câncer.

— Isso mesmo — foi tudo o que pude dizer. A casa deles


era a única estável que conheci.

— Você ainda volta a Staten Island para revisitar a casa.

— Sim.

— Dei a eles dinheiro suficiente para cuidar de você.

— Você o que?

— O que aconteceu, Mariposa?

Levantei-me, colocando alguma distância entre nós.

— Ela estava tão doente. Nós o usamos para o


tratamento dela. Então eles levaram a casa. Não havia
dinheiro sobrando. Ninguém para cuidar de mim. — Mordi
meu lábio. — Como você sabe tudo isso?

Capo ainda estava de joelhos, os sapatos sujos


pendurados nos dedos. — Eu conhecia seus pais, seus pais
biológicos, Corrado e Maria. Seu nome era Marietta Palermo.

Marietta Palermo. Provei o nome. Parecia


estranho. Errado. — Eu tinha cinco anos quando... Você
tinha algo a ver comigo indo morar com eles, não tinha?

— Eu tinha. Trouxe você para morar com eles. Mudei seu


nome.

— Mariposa — disse ele, usando um sotaque italiano na


palavra espanhola. — Chamarei você de Mariposa. A
borboleta.

O bastardo tinha me nomeado.

— Por quê? — Minhas mãos apertaram ao meu lado.

— Marietta significa mar de amargura, ou algo próximo a


ele. Eu queria que você tivesse algo melhor para direcioná-
la. Eu queria que você se tornasse a coisa que você mais
amava. A borboleta. Você merecia a chance. Os dois nomes
começaram com Mari, algo que sua mãe chamava você. Eu
queria que você mantivesse essa parte dela também. E sabia
que isso facilitaria a transição. Para uma criança pequena,
você ainda podia dizer às pessoas que seu nome era
Mari. Não foi tão difícil.

— Isso não foi o que eu quis dizer. Por que você me


trouxe para morar com eles? O que aconteceu com minha
mãe e meu pai? — Essas duas palavras simples quase me
rasgaram em duas, mas me segurei.

— Mortos — disse ele.

— Em um acidente de carro? — Foi o que Pops e Jocelyn


me disseram.

Ele largou os sapatos velhos com reverência e depois se


levantou, de frente para mim. — A família Scarpone os
assassinou.

— A... – Eu não conseguia nem dizer a palavra. Máfia.

— Eles exigiram seu sangue também.

— Entendo. — Sentei-me, todo o meu peso caindo. Não


aguentei, mas peguei a bolsa para segurá-la perto. Foi a
única coisa que Jocelyn disse que veio comigo quando
cheguei à porta dela. A bolsa continha dois livros para
colorir. Um cheio de fotos de borboletas e o outro de
princesas. Uma caixa de lápis de cor. O grampo de cabelo
borboleta.

— Raro — disse ele.

Na resposta de uma palavra, meus olhos se voltaram


para encontrar os dele. Ele estava olhando para mim, sempre
olhando para mim, com uma intensidade que me manteve
enraizada, mas me fez sentir como se eu pudesse voar.

— Você sabia que eu gostava de borboletas. Colorir.

Mariposa. Borboleta.
— Você me disse — disse ele. — Você me pediu para
colorir com você. Azul era sua cor favorita.

— Ainda é — eu disse, pensando na cor de seus olhos.

Ficaria doente. Fechei os olhos, respirando fundo e


expirando.

— Você... — Tive que respirar novamente. — Você tem


me vigiado.

— Não, — ele disse. — Depois que deixei você com


Jocelyn e o velho Gianelli, cortei todos os laços. Era mais
seguro assim. Eu planejava mandar alguém próximo de mim
checar de vez em quando, para garantir que o dinheiro ainda
estivesse lá e que você fosse atendida, mas então algo
aconteceu e a vida atrapalhou. Quando você apareceu no
Macchiavello’s pela primeira vez, achei que você parecia
familiar. Quando você apareceu no The Club, eu sabia. O
bloco de gelo que você deixou para trás confirmou. Conferi o
DNA do seu sangue nele.

— Você me salvou. Salvou-me dessas pessoas. — Seu


povo? A pergunta queimou a ponta da minha língua. Eu
queria respostas, mas estávamos conversando sobre a família
Scarpone – eles pareciam estar entrando muito no meu
círculo ultimamente. Quem sabia alguma coisa, sabia quem
eram os Scarpones. Eles não eram os Faustis, de forma
alguma, mas eram conhecidos por serem cruéis até o âmago.

Cinco famílias governavam Nova York, e a família


Scarpone era uma delas. Eles eram os melhores cães. Por
causa de pessoas como eles, aprendi cedo a manter a cabeça
baixa e os olhos desviados. Essa foi uma das razões pelas
quais não critiquei Quillon Zamboni, o homem que me tocou
enquanto eu estava em um orfanato. Ser curiosa foi contra
tudo o que eu sabia, como me manter segura, mas estava me
casando com esse homem. Eu tinha que saber disso, pelo
menos.

— Você é um deles.

Ele me observou por um momento, seu rosto sem


expressão. — Eu fazia parte do grupo.

— Mas agora?

— Sou um lobo solitário.

— Por quê? Por que você me salvou?

— Você foi a coisa mais linda que já vi. Tão inocente que
partiu meu coração. Você tinha o clipe de borboleta no cabelo
e tudo que queria fazer era colorir. Eu nunca tinha
experimentado isso antes, algo poderoso o suficiente para
mudar o curso de minhas ações. Você me fez ver algo
diferente. Eu vi você, Mariposa. Queria que sua inocência
vivesse.

Ele disse essas palavras poderosas, mas sem um pingo


de emoção. Ele poderia estar falando sobre o que vestir para
sair – se estivesse frio o suficiente para precisar de uma
jaqueta.

— A que custo? — Dele ou meu, eu não tinha certeza do


que pedi.

— Uma veia — disse ele. — Outro dia.


— Isso é tudo que você está disposto a me dar — eu
disse.

– Hoje.

Eu sabia que isso era um rompimento de acordo. Ele não


me contou. E eu realmente queria saber detalhes? Isso
mudaria o resultado desse acordo? Uma vez que entrei,
entrei. Sem sair. Ele já tinha me dado o aviso. Não havia
dúvida de que iria agir sobre isso. Havia algo sobre ele que te
desafiava a cruzá-lo, mas o parava um pouco antes de você
fazer. Pense duas vezes.

Eu estava bastante confiante, no entanto, de que,


embora ele fosse um deles, deveria ter sido considerado um
homem descartável, um homem que havia sobrevivido aos
braços de longo alcance da família. Não é alguém
excepcionalmente próximo do funcionamento interno da
família, ou ele não estaria aqui.

O dinheiro estava em jogo, vivo, mas para mim, parecia


muito mais. O que, eu não tinha ideia, mas parecia
perigoso. Não é algo para levar de ânimo leve. Todos os meus
anos ansiei por viver, e aqui a chance estava diante de mim,
batendo como um coração, mas isso traria
consequências. Veias doentias.

— O que vai ser na papelada? — Capo disse, não me


dando mais tempo para pensar. — Seu nome.

— Estarei em perigo? — Foi a primeira vez que pensei em


perguntar. Eu estava tão ocupada sendo deslumbrada com a
chance de viver que me esqueci do véu escuro da morte.
— Sim — ele disse, sem hesitação. — Você sempre esteve
em perigo. Fiz o melhor que pude com o que me foi dado na
época. Você estar nas ruas, sem atrair atenção para si
mesma, manteve-os longe do seu cheiro, por assim
dizer. Existem outros fatores também. Os Faustis, por
exemplo. Ninguém toca no que lhes pertence, a menos que
deseje a morte. Como você pode ver, eu os considero
familiares. Confio neles o máximo que posso. No entanto, isso
não muda a verdade. Não posso prometer algo que não é meu
para dar, que é uma proteção completa contra a vida. Mas
jurarei mantê-la segura às minhas custas.

— Você já fez, não é?

Ele ficou em silêncio por um minuto. Então, repetiu: —


Qual será o nome da documentação?

— Mariposa — eu disse, sem hesitação. — Mariposa.

Ele assentiu uma vez, prestes a ir para a porta buscar


Rocco. Eu poderia dizer que ele estava pronto para seguir em
frente.

— Capo.

Ele parou, mas não se virou.

— O que... qual será meu sobrenome?

— Macchiavello. — Ele respirou fundo. — Mariposa


Macchiavello. — Ele parecia satisfeito. — Não é o nome que
me agrada. É que não importa de onde veio, veio de mim, e
você o usará como um anel em volta do dedo.
Ele me deixou sozinha então, fechando a porta para trás
com um clique suave.

Murchei no banco quando fiquei sozinha. De repente,


percebi que ele era o único homem a quem eu devia. E ele
sabia disso. Ele soube disso o tempo todo.

Ele queria lealdade. Ele tinha garantido a todo custo.

Mas nunca mais alguém, incluindo o homem que


pretendia ser meu marido, Capo Macchiavello, me mataria
com bondade. Porque a bondade não matava
rapidamente. Comia devagar, como ácido, até você desejar
estar morto.
Mariposa
Duas semanas depois, Capo nos levou a Staten Island
em um de seus muitos carros velozes. O homem tinha um
fetiche por carros. Minha suposição original sobre seus
carros combinando com suas gravatas estava fora de base,
mas perto da verdade. Ele parecia ter um carro para todas as
ocasiões.

O que ele dirigia parecia um pouco exagerado para onde


estávamos indo: a festa que Harrison estava dando para o
grande show de Keely na Broadway. Quando perguntei a
Capo que tipo de carro era, ele disse: – Bugatti Veyron. – Eu
não sabia nada sobre carros, então apenas o entendi como
uma besta preta fosca que provavelmente poderia ser usada
em uma pista de corrida.

Ele vinha me buscar em “encontros” desde a nossa


reunião. Depois que expliquei a situação para Keely, ela
pareceu aceitar, mas percebi que estava desconfiada. Ainda
assim, isso não a impediu de comentar sobre o quão bom era
Capo quando o conheceu.
— Merda — ela disse. — Essa cantora, como é o nome
dela? Quem sempre escreve sobre o namorado dela? Não faz
ideia do que ela está perdendo por aqui ultimamente. Lotes e
lotes e lotes de inspiração criativa. Essa tatuagem em sua
mão da vontade de lamber, para não mencionar o rosto
perfeito e o corpo gostoso. Tem certeza de que ele é real,
Mari? O homem não tem uma maldita falha.

Eu não tinha encontrado ainda, exceto por sua


frieza. Não parecia que ele quis dizer isso, mas havia algo
guardado nele em todos os momentos. Parecia que tinha que
fazer um esforço para removê-lo quando estávamos
juntos. No The Club, na escuridão, ele estava quente, ouso
dizer acolhedor, mas à luz do dia, era tão duro quanto uma
onda gelada.

Seu impasse não tirou o quão bem ele parecia me


conhecer, no entanto, porque já estava me dando
coisas, experiências, sobre as quais só escrevi em
Journey. Nossos encontros pareciam adequados para mim.

Depois da nossa reunião, ele me deu um cartão com a


quantia estabelecida. Ele me disse que tinha que usá-lo ou
presumiria que estava renegando o meu acordo. Afinal, esse
era um acordo com termos.

Precisava de um novo guarda-roupa. Trabalhei nisso.

Precisava começar a comer melhor. Pulei nisso.

Tinha pessoas responsáveis pelos nossos dois


casamentos. Fiz isso.
A secretária de Rocco, Giada, fez um comentário sobre
meu cabelo quando fui conhecer a organizadora de
casamentos que cuidava das coisas na Itália. A maioria das
minhas reuniões ocorreu no escritório de Rocco. Eu ainda
não tinha ideia de onde Capo morava.

Giada me marcou um encontro com um dos cabeleireiros


mais quentes de Nova York, Sawyer Phillips, no mesmo
dia. Os Faustis tinham alguma atração real. Sawyer foi gentil
comigo, no entanto, e depois que terminamos, meu cabelo
ficou rico em castanho com redemoinhos de caramelo na
mistura. A mudança foi quase chocante.

Meus olhos estavam muito mais vibrantes e minha pele


brilhava de dentro para fora. Poderia ter sido que eu estava
comendo bem também, e não estava tão estressada sobre
onde iria dormir e de onde viria minha próxima
refeição. Mas... tive um encontro permanente com Sawyer
indefinidamente após o primeiro, e duas meninas que fizeram
minhas unhas.

Eu também tinha um homem chamado Giovanni que me


seguia quando il capo não estava comigo. Só vi Capo à noite
para nossos encontros, então passei mais tempo com
Giovanni. Ele era um cara legal, e geralmente não me
importava que ele fosse junto. Não pude deixar de notar
como... ele era diferente de Capo e dos homens que
trabalhavam ou eram parentes dos Faustis.

Giovanni não era tão atraente, o que não fez diferença


para mim, mas parecia que Capo fazia isso de propósito. E
Giovanni e eu não tínhamos nada em comum. Zero coisas
para falar, exceto o clima e as coisas que ele gostava e não
gostava em Nova York. Ele era da Itália.
Capo. Minha aparência. Até o Giovanni.

Houve tantas mudanças em um período tão curto de


tempo. Acordei sabendo que alguma parte da minha vida
seria diferente. E depois do casamento, senti que as coisas
mudariam ainda mais. Capo parecia estar gastando seu
tempo com a parte “namoro” do acordo. Ele queria que fosse
oficial. Ainda assim, eu não esperava muita coisa, ainda me
sentia como uma indigente... apenas sem os stress extras.

Preocupei-me com o preço das roupas que


comprei. Mesmo sobre a quantidade de compras no meu
carrinho. Então pechinchei, caçando, quase com medo de que
o dinheiro acabasse e ficaria com fome e sem teto novamente,
mesmo que ainda estivesse com Keely até que seu contrato
terminasse e fosse casada.

Algumas coisas nunca mudariam, imaginei. Sempre


haveria uma certa quantidade de medo em mim. Uma certa
quantidade de dinheiro que posso pagar por isso, mas e
quanto a isso? Posso tomar uma bebida e batata frita?

Todas essas mudanças tiveram que ser explicadas a


Keely, para que ela não ficasse muito desconfiada. Então eu
disse a ela que, embora Capo não me desse o emprego, Rocco
me ofereceu um. Trabalhei em seu escritório como uma
garota de recados. Para tornar isso verdade, porque me sentia
culpada por mentir para ela, levava café para Giada sempre
que chegava.

Capo assentiu e disse: “Bene”, quando lhe contei o que


havia dito a Keely. Tivemos que manter a história correta.

A mão de Capo veio sobre a minha depois que suspirei.


— Pare de se mexer. Isso faz você parecer nervosa.

— Eu estou. — Disse. — Nervosa.

Estava girando o anel de noivado que ele me deu ao


redor do meu dedo. Era um modelo antigo de quatro
quilates. O diamante central tinha formato oval. Havia outra
camada circundante de diamantes ao redor do centro. E
depois mais diamantes nas laterais. Era realmente artístico,
feminino, e eu poderia jurar que o pergaminho lateral e os
diamantes criavam borboletas abstratas.

A única razão pela qual sabia o tamanho do quilate era


porque Capo havia me dito. Ele não queria que eu estivesse
preocupada com nada sobre o anel ser um três quilates. Para
mim, ele poderia ter me dado uma simples faixa de ouro. A
coisa era pesada e às vezes tinha medo de que alguém
cortasse meu dedo por isso.

Ele fez o momento especial, no entanto. Ele me levou em


um passeio de helicóptero por Nova York ao entardecer e,
depois que pousamos, me disse para verificar minha
mala. Encontrei um novo livro de colorir lá dentro. O título
dizia: A Princesa Mariposa. Sorri quando abri. Era um livro
grosso e a primeira metade dele estava cheia de fotos minhas
em várias poses diferentes.

Ele me disse para continuar e só parar quando cheguei


na metade. A segunda metade do livro foi esculpida, mas o
anel estava no centro, e foi feito para parecer que estava no
meu dedo esquerdo. A parte inferior da página estava escrita
em um roteiro elegante: quando você sabe, você
sabe. Coloquei o livro de colorir de volta na minha bolsa, o
pensamento mais valioso que o anel.
— Dessa forma, temos uma história real para contar —
ele disse. — Não há mentiras para acompanhar. — Ele
deslizou o anel no meu dedo, e não conversamos sobre isso
desde então.

Contei a Keely mais cedo naquele dia. Não queria que ela
fosse pega de surpresa durante a festa e não queria anunciar
isso para toda a sua família. Era o dia dela.

Ela não ficou quieta depois que eu disse. – É muito


cedo! Você mal o conhece. Ele é afiliado a uma das famílias
criminosas mais poderosas da história. E você sabe o que isso
significa? Eles provavelmente são a razão pela qual ele é mais
rico que o pecado!

Ele era mais rico que o pecado.

Quando estávamos analisando o lado financeiro das


coisas durante a nossa reunião de arranjos, tudo o que Capo
possuía ficou claro para mim. Ele não apenas possuía um
dos restaurantes de maior sucesso, como também um dos
clubes de maior sucesso e uma série de hotéis de luxo. Eu
conhecia melhor a riqueza dele do que o conhecia como
homem. E se ele tivesse envolvimento com o crime? Ele não
os havia divulgado na reunião. Também não perguntei.

Não querendo ouvi-la enquanto continuava no mesmo


caminho, peguei o livro de colorir que ele havia me dado, o
anel e mostrei os dois para ela. Ela leu a inscrição no final da
página em voz alta.

Quando você sabe, você sabe.


— Você realmente quer isso, Mari? — Ela perguntou, me
olhando nos olhos. — Se você disser sim, recuarei.

Sorri com isso. — Sim, Kee — disse. — Realmente


quero. Mas nós duas sabemos que você não vai recuar.

Ela soltou uma risada, me abraçando forte, beijando


minha testa. — Você sabe. Sou sua irmã mais velha. Eu
sempre cuidarei de você.

— Em duas semanas, Kee!

— Itália. Minha irmã vai se casar na Itália!

Tive a sensação de que nosso casamento seria


considerado uma grande novidade nessa festa. Isso me
deixou nervosa. Eu não tinha certeza de como Harrison iria
reagir. Depois de aprender sobre seus sentimentos por mim...
esperava que meu casamento com Capo não tornasse as
coisas estranhas entre nós.

Capo concordou que eu poderia contar a Keely cedo, mas


não tinha certeza de como ele reagiria a Harrison. Fiquei
pensando em como ele havia dito, ninguém toca em minha
esposa além de mim. Foi intenso. Possessivo. Só pelo tom de
sua voz, ele ainda corria com lobos. Estava tão claro quanto a
tatuagem na mão dele.

— Você abandonou a faculdade.

Essas palavras me tiraram da névoa nervosa em que eu


estava.
— Como... — Fui perguntar como ele sabia disso, mas
parei. Quando ele disse que sabia tudo, ele sabia. — Sim. Não
deu certo.

Ainda estávamos de mãos dadas e, tão perdida quanto


eu em meus pensamentos, percebi que ele usava o polegar
para fazer um padrão suave na minha pele. Ele estava
fazendo um 'C'. Ele segurava muito a minha em público, a
única intimidade entre nós desde a nossa noite no The Club,
mas ele só fez o padrão 'C' enquanto estávamos no
carro. Ajudou, especialmente quando percebi o quão perto
estávamos de chegar.

— O trabalho atrapalhou e então você foi demitida.

— Isto resume tudo.

— Você deveria repensar a volta. Você terá tempo livre,


quando não estiver ocupada comigo. Rocco sugeriu Direito.

— Direito? — Eu ri, mas ele me deu um olhar sério,


então mudei de marcha. — Por que Direito?

— Ele ficou impressionado com a maneira como você se


comportou durante a nossa reunião. Você se levantou. Você
estava disposta a se curvar nos termos que achava que não
eram tão importantes, mas os que você fez... – ele deu de
ombros – você tirou as luvas e lutou com as mãos nuas. Você
é uma excelente negociadora, Mariposa.

Eles ficaram impressionados por eu os ter


enfrentado. Não parecia que muita gente fez
isso. Homens ou mulheres. Não tinha nada a perder quando
entrei naquele escritório e, depois que descobri que Capo
estava interessado em mim, tinha algo para barganhar. Acho
que ele sabia disso. Acho que ele queria isso de mim. O que
me fez respeitá-lo ainda mais. Ele sabia que eu estava
entrando com nada além de uma sacola cheia de memórias
antigas, um diário e pão velho. Ele me deu uma moeda de
troca. Eu mesma.

— Vou considerar. — Direito nunca passou pela minha


cabeça. Parecia inatingível demais, algo em que apenas
pessoas ricas com conexões conseguiram. Talvez eu
perguntasse a Harrison sobre seus sentimentos sobre o
assunto... O pensamento de Harrison fez minhas mãos
suarem, então mudei de assunto. — Você ia escolher a
Sierra?

— O que fez você pensar nela?

Dei de ombros, tentando não me mexer. Rocco. O


arranjo. Isso apareceu na minha cabeça.

Continuamos por cerca de cinco minutos antes que ele


respondesse. — Ela foi uma das minhas melhores escolhas.

— Por que ela era linda?

— Não, porque ela era uma das mais famintas.

Ah! Foi assim. Ela estava literal e figurativamente


faminta. Ele estava procurando a mais faminta do grupo,
uma mulher que caísse no feitiço vertiginoso de sua força
magnética. Ele tinha tudo o que uma garota poderia
querer. Aparência. Charme. Dinheiro. E ele tinha um forte
senso de que sempre cuidarei de você se eu te chamar de
minha. Jogar uma garota como Sierra, como eu, e a lealdade a
alguém como ele seria alta. Nós raramente temos chances
como ele.

— Será que... uma conexão tem algo a ver com isso?

— Depende do que você quer dizer com 'conexão'. Se


você quer dizer sexualmente compatível, uma forte atração
física, sim.

Minhas bochechas esquentaram, e não de


vergonha. Fiquei com um pouco de inveja de ele se sentir
assim com Sierra. Sexualmente atraído por ela. Perguntei-me
se eles tiveram relações sexuais, já que ela trabalhava no
clube dele, mas também não queria mencionar isso.

— Você ia dar esse anel para ela, se você a escolhesse?


— Perguntei e ele deu uma olhada de soslaio.

— Não.

Ele mudou de faixa sem problemas e deixou por isso


mesmo. Olhei para ele, esperando que me desse um pouco
mais, mas parecia que havia terminado. Suspirei, virando-me
para encarar a janela. O mundo passou em um
borrão. Estávamos indo rápido demais para eu alcançar.

O silêncio no carro estava subitamente me


matando. Inclinei-me para frente e, pela primeira vez, mexi
em alguns botões. Eu poderia dizer que Capo me observava
de lado, debaixo dos óculos, mas não disse nada. Finalmente,
encontrei o aparelho de som. Sorri quando ouvi a última
música que ele estava ouvindo. Continuei pressionando a
seta para a frente para ver o que ele tinha em sua lista de
reprodução.
Bee Gees. 2Pac. Andrea Bocelli. Cobra Branca. Sam The
Sham e os Faraós. Staind. Seven Mary Three. Frank
Sinatra. Nazaré. Seu carro elegante exibia os nomes do
artista e suas músicas. Eu não tinha ideia de quem era a
maioria deles, mas todos eram bem diferentes. Seu gosto
musical não me deu mais informações sobre quem ele
era. Ele é um homem de extremo mistério, pensei
sarcasticamente. E o resto de sua lista continuou dessa
maneira desajeitada.

— Você está rindo de mim — disse ele. — Da minha


música.

Ri ainda mais alto e depois belisquei meus dedos,


deixando um pequeno espaço entre eles. — Um pouco.

— Você tem um senso de humor distorcido. — Ele


balançou sua cabeça. — E uma risada selvagem para
acompanhar isso.

— O que é uma risada selvagem?

— Algumas pessoas engaiolam, treinam para ser o que


querem, um animal quieto. Algumas pessoas fingem,
escondendo o fato de que não têm nada para rir de
verdade. Você não.

Continuei rindo, ligando o rádio em vez da música de


velho. Ele completaria quarenta anos em agosto, comparado
aos meus vinte e dois em outubro. Embora houvesse uma
diferença de dezoito anos, meu tempo nas ruas me
envelheceu. Senti que estávamos perto, mesmo nisso.
Então uma música pop popular surgiu e a diferença
aumentou um pouco. Isso me fez pensar em Keely e no que
ela havia me dito sobre Capo e sua família fornecendo
inspiração criativa suficiente para músicas sem fim.

— Você não pode estar falando sério. — Ele olhou para o


rádio como se tivesse feito algo ofensivo para ele. — Você
prefere essa garota a Bocelli?

— Eu? Não! É sério? Como isso pôde ter acontecido? —


Eu Fingi desmaiar contra a porta, pressionando uma mão na
minha testa. — Tenho calores! Ajuda-me, senhor bonitão!

— É o que acontece quando seu cérebro está nesse tipo


de música há muito tempo. Vocês. Você deveria ser a garota-
propaganda das crianças que ouvem isso. — Ele mudou a
música para Bocelli, uma verdadeira balada italiana
romântica.

Mudei de volta, me sentindo mais leve do que durante


todo o dia. Na verdade, me senti mais leve do que em anos.

— Ouvimos sua música. Deixe-me ouvir a minha por um


tempo. E discordo. Eu amo a música dela. Este é o seu
material novo. É lindo. Especialmente essa música. Ouça.

Minha risada ameaçou explodir da gaiola em que a


empurrei. Ele estava ouvindo a música e, quando ficou sério,
suas sobrancelhas grossas se abaixaram e seus lábios
ficaram severos.

— Você tem um amigo — disse ele quando a música


estava quase terminando.
— Tenho — eu disse. – Mas
você realmente ouviu? Primeiro, ela menciona um tipo infantil
de amor, depois um amor que ocorre enquanto eles crescem e
depois se casam. É bom ter um melhor amigo, mas quando
seu melhor amigo é também o seu amante, ela completa as
coisas. Eu pensaria, de qualquer maneira.

— Tão filosófico — ele disse, e quase ri de novo.

— O que você não entendeu?

— Tudo o que tenho é uma trilha sonora de filme de Tim


Burton enfiada na minha cabeça agora.

— Quem é Burton? — Perguntei.

— Edward Mãos de Tesoura?

Dei de ombros. — Não tenho ideia.

— Isso me surpreende. Você não tem ideia de quem são


Tim Burton ou Edward Mãos de Tesoura, mas tinha uma boa
ideia de quem eram os Faustis quando nos conhecemos.

— É um fato triste da vida nas ruas. Você tenta se


manter à frente das coisas que podem te matar. — Dei de
ombros. — O resto realmente não importa quando você está
com fome o suficiente para roubar uma criança pequena por
sua casquinha de sorvete. Duvido que Tim Burton e Edward –
fiz um movimento com os dedos como se estivesse cortando
papel com uma tesoura – me perseguiriam e me matariam,
talvez até me torturassem, se visse algo que não deveria.
Eu sabia um pouco sobre os Faustis, mas mais sobre as
cinco famílias. Os Faustis não lidavam com merda
mesquinha. Eles eram da realeza na Itália e além. Suas
negociações eram manchetes. O mesmo aconteceu com os
casamentos deles quando um deles se casou, usando o termo
arcaico de Capo. E quando perguntei a Capo quão profunda
era, ele disse: – Considere os Faustis uma terra sem lei que
nenhum presidente ou ditador pode tocar. Eles governam seus
próprios territórios. E o que eles querem pertence a eles. Fim
da história.

Ele olhou para mim antes de voltar para a estrada. —


Você tem muito a aprender sobre o bem da vida,
Mariposa. Será um prazer ensinar e mostrar a você.

Com isso, trocamos de música até chegarmos ao


endereço que Keely havia dado a Capo.

Meu estômago deu um mergulho quando Capo


estacionou em frente à casa em que cresci até os dez anos.

— Por que estamos aqui?

Ele tirou os óculos escuros e estudou meu rosto.

— Você não sabia?

— Sabia o que?
— Que era para onde estávamos indo, Mariposa.

— Não. — Mexi-me um pouco no assento. — Keely só me


disse que a festa era na casa de um amigo em Staten Island.

Eu tinha um vestido justo naquela manhã. Giovanni


tinha me levado, e então Capo me pegou para a festa de Keely
depois. Ela queria sair mais cedo, então havia dado o
endereço a Capo enquanto eu estava me preparando. Ela
queria ajudar a configurar tudo. Capo deve ter assumido que
eu já sabia.

A julgar pelo seu rosto duro, ele não tinha ideia de que
ela não tinha mencionado isso para mim. Ele não parecia
gostar de surpresas. Eu poderia dizer pela maneira como
todos ao seu redor o informavam sobre tudo.

— Pensei que era por isso que você estava nervosa —


disse ele, olhando por mim em direção a casa. Perguntei-me
se ele se lembrava de me trazer aqui.

— Não, — eu disse. — Eu estava nervosa porque você


está basicamente conhecendo a família. Agora estou nervosa
porque não piso nesta casa há onze anos. Este lugar é a
única casa que já chamei de casa.

— Isso não vai ajudar. — Ele pegou meu braço, me


impedindo de abanar minhas axilas.

Estava quente e meus nervos me irritavam. O perfume


celestial trabalhava horas extras. O carro inteiro cheirava
doce. Amei como os aromas mudavam sutilmente de tempos
em tempos. Às vezes, cheirava mais caramelo, outras vezes,
pistache ou sândalo. Cheirava mais a amêndoa naquele
momento.

Ficamos em silêncio por um tempo, mas meus


pensamentos estavam desenfreados, e, se não dissesse algo
logo, senti como se um vaso sanguíneo pudesse
estourar. Meu coração estava perto disso.

— Depois que Jocelyn morreu, eu era jovem demais para


realmente considerar o que aconteceu comigo. Perdi os
únicos pais que lembrava. Fui expulsa do meu lugar seguro,
jogada no sistema, que parecia selvagem e inseguro. Só aos
dezoito anos percebi o quanto perdi quando os perdi. Nunca
tive tempo de realmente pensar sobre isso, sabia? Foi
sobreviver, sobreviver, sobreviver. E então uma noite, isso me
atingiu. Keely e sua família me amavam, mas eu não tinha
pais. Eu não era a garotinha de ninguém. Era como Jocelyn
me chamava, a filha dela. Eles foram bons para mim. Muito
bons pra mim.

— O lar é onde quer que você faça isso — disse Capo,


com a voz rouca. — Venha, Mariposa. Agora ou dez minutos,
a espera não vai mudar a maneira como você se sente. Só vai
fazer você se sentir pior.

Não conseguia decidir em que me concentrar primeiro


depois que Capo abriu a porta do carro para mim. O fato de
estarmos subindo os degraus da casa em que nunca pensei
entrar novamente. Ou o fato de Capo usar roupas
confortáveis – uma camiseta preta que se encaixava no peito
como uma luva, jeans que mostravam sua cintura fina e
pernas tonificadas, e aquela bunda. Suas botas apenas
elevavam seu nível de suprema frieza. Ou o fato de que,
quando a porta se abriu, Harrison estava do outro lado,
olhando para nós com punhais nos olhos.

Perguntei-me se Keely realmente tinha ajudado a


organizar a festa, ou se ela foi dar a notícia ao irmão antes
que descobrisse dessa maneira.

Antes de Harrison emitir um som, seus olhos


percorreram Capo, e os olhos de Capo fizeram o mesmo com
ele. A atenção de Harrison parou em nossas mãos conectadas
antes que ele encontrasse meus olhos. Senti Capo
observando-o enquanto ele olhava para mim.

Não tinha ideia do que esperar, mas a dor nos olhos de


Harrison me pegou de surpresa. Isso me acertou no peito e
roubou meu fôlego. Ele era como meu irmão. Ele era minha
família. Mesmo antes de Capo, nunca tive sentimentos
românticos por ele ou por ninguém.

Keely veio atrás de Harrison e nos cumprimentou,


tornando a situação menos estranha para mim. Os dois
homens não pareciam se importar. Nenhum dos dois estava
disposto a fazer apresentações. Keely fez isso.

— Harrison — disse ela, um certo nível de aviso ao seu


tom. — Este é Mac... — Ela hesitou por respirar antes de
dizer: — noivo da Mari. Capo Macchiavello. Todos, menos
Mari, o chamam de Mac. Mac, este é meu irmão, Harrison
Ryan.

Harrison assentiu uma vez. Capo fez o mesmo. O ar


entre eles estava tenso. Não mencionei a Capo o que Keely
havia dito sobre os sentimentos de seu irmão. Não achei que
fosse necessário. Harrison nunca tinha admitido isso para
mim, e abordar o assunto com Capo parecia uma traição a
Keely. Ela me disse isso em segredo.

Capo havia percebido isso, no entanto. Seu aperto na


minha mão ficou mais firme, e não gostei particularmente do
olhar em seus olhos. Nunca tinha visto isso antes. Estava frio
como pedra, nem um pingo de calor a ser encontrado. A
tensão diminuiu um pouco quando saímos e havia mais
pessoas para conhecer. Os pais de Keely (eles voaram para a
festa), alguns membros da família, alguns amigos e outros
três irmãos – Lachlan, Declan e Owen. Havia também um
homem que eu nunca tinha visto antes. Lachlan o chamou de
Cash Kelly, mas ouvi um dos tios de Keely sussurrar para
outro tio que seu nome era Cashel. Cabelo loiro. Olhos
verdes. Um toque irlandês. Seus olhos eram intensos
enquanto observavam Keely de tempos em tempos.

Circularam notícias pela festa sobre o nosso noivado e


todos nos parabenizaram. Algumas das senhoras pediram
para ver meu anel de noivado e ouvir a história de como o
Capo propôs. Fiquei feliz por ele ter me dado uma história
para contar.

Tentei manter distância de Harrison, que estava quieto,


me observando com uma força que me deixava
desconfortável. Era quase como se estivesse disposto a me
fazer ficar sozinha com ele. Ele estava bebendo e quase não
disse uma palavra para ninguém, mas sabia que ele queria
falar comigo. Lachlan, Declan e Owen pareciam mais
confortáveis ao redor de Capo, mesmo que ele estivesse
calado. Seus olhos absorveram o ambiente, e não da maneira
que às vezes me absorvia. Eles estavam em guarda.
A festa estava quase toda contida no pátio. As luzes
estavam acesas, o velho jardim começava a parecer como
quando Pops o usava e o cheiro de churrasco flutuava no ar,
junto com o cheiro de cerveja. Keely e sua família podiam
beber o melhor dos melhores debaixo da mesa.

Uma vez que estivemos lá por um tempo, comecei a


relaxar, capaz de absorver o estado da casa. Estava em boa
forma, como se onze anos não tivessem passado. Até o mural
que Jocelyn e eu tínhamos feito no corredor ainda estava
lá. Ela me deixou escolher e escolhi uma borboleta azul para
pintar.

Quando a noite chegou, trazendo uma brisa doce, notei


Keely entrando. Não tive a chance de encontrá-la sozinha e
perguntar a quem pertencia a casa. E queria perguntar a ela
sobre o detetive Stone. Ela me dissera no dia anterior que o
havia convidado, mas ele não conseguiu vir. Uma emergência
havia surgido. Alguns políticos desapareceram e toda a mão
de obra foi convocada.

Desculpei-me do lado de Capo – estava profundamente


conversando com o pai e o tio de Keely – e voltei para
casa. Procurei Keely, mas não a encontrei. A mãe de Keely
estava na cozinha, e ela me perguntou se eu não me
importaria de arrumar uma bandeja de sobremesa e fazer
café. Sua irmã estava prestes a sair, e ela queria se
despedir. Eu sabia o caminho pela cozinha e, para ser
sincera, era bom estar de volta em casa.

Casa.

Passos soaram no chão, mas continuei arrumando os


bolos, tortas e muffins. Um ou dois segundos depois,
Harrison estava ao meu lado. Olhei para baixo, tentando me
concentrar no que estava fazendo. Minhas unhas eram
escuras, quase pretas, e, em contraste com os bolos brancos,
as fazia se destacar ainda mais. Era algo, qualquer coisa,
para me distrair do calor que eu sentia vindo dele. Ele
cheirava a um bar.

Ele ficou perto de mim, seu quadril encostado no


balcão. — Você cheira bem, Strings — disse ele.

— É novo — eu disse, tentando manter minha voz


calma. Ele nunca tinha me deixado nervosa antes, mas podia
sentir sua decepção, ou talvez sua raiva por mim.

— Cheira natural. Como se você não estivesse vestindo


nada, mas está.

Pensei a mesma coisa. O perfume funcionou como


mágica com a minha química. Mas essa conversa foi
mesquinha. Ele estava nos levando, mas trazendo-nos para
algum lugar. Eu não gostava de onde estávamos indo, então
murmurei — Uh hum — antes de virar para a cafeteira.

— Você mudou muito. Mal te reconheço.

— Consegui um emprego, Harrison. Agora posso pagar


as coisas.

— Novo cabelo. — Ele pegou um fio e analisou-o. —


Novas roupas. — Ele acenou com a cabeça em direção a
minha camisa de seda roxa. Eu o tinha combinado com um
jeans azul e saltos que mostravam muito os dedos do
pé. Desde que eu planejava usar um par para o casamento,
estava praticando. — Eu diria que o trabalho paga muito
bem, Strings.

— Paga o suficiente. — Terminei de encher o filtro com


café e coloquei na panela para preparar. Não queria me virar
e olhar para ele. A dor em seus olhos era demais. Eu só
queria ser do jeito que costumava ser. — Eu diria que seu
trabalho também é muito bom. Parece que você está indo
melhor.

— Keely disse que comprei este lugar?

Virei tão rápido que podia sentir a respiração do ar que


circulava entre nós. O pistache saiu de cima de mim. — Você
comprou esta casa?

Ele assentiu, pegando o copo no balcão e tomando outro


gole de uísque. — Não pensei que você fosse o tipo de mulher
atraída por coisas douradas, Strings.

— O que você quer dizer? Coisas douradas?

— Coisas douradas — ele repetiu, sua voz um pouco


arrastada. — O homem lá fora. Capo. O anel no seu
dedo. Não nesta casa. É uma coisa de papel comparado ao
que ele pode lhe oferecer.

— Eu nunca pensaria nesta casa como uma coisa de


papel — eu disse, virando-me novamente. — Esta casa é a
única casa que já conheci. Mesmo que fosse papel, ainda
chamaria de lar.

Apenas algumas pessoas poderiam me pegar. Nunca


permiti que alguém entrasse. Mas Harrison podia me atingir
porque o amava como um irmão, e era difícil fingir que tudo
estava bem entre nós quando não estava.

— Há uma guerra acontecendo — disse ele, jogando para


me dar uma volta.

Talvez ele estivesse bêbado. Isso geralmente era Owen,


mas havia algumas vezes que vi Harrison bêbado
também. Ele geralmente estava mais relaxado.

— Ouvi sobre isso.

— Duvido que você tenha ouvido falar sobre esta — disse


ele. — Bem aqui. Neste solo. Nova York.

Virei-me para ele novamente. — Do que você está


falando?

Ele sorriu para mim. — Alguém está fodendo com as


cinco famílias. Quem quer que seja que tenha começado uma
guerra, uma família esta culpando outra. Territórios estão
sendo atravessados. Até os irlandeses estão entrando
nisso. Quem está fodendo com eles também matou um nome
perigoso nesse mundo. Turbulência grave.

— Você está bêbado?

— Talvez. – Ele sorriu. — Um pouco.

— Isso explica muito — disse, prestes a me virar


novamente quando ele me pegou pelo braço e me forçou a
olhar para ele. Seu olhar era demais... demais. — Por que
você se importa? — Forcei. — Sobre tudo isso?
Ele encolheu os ombros. — Eu não. Apenas trazendo
notícias recentes. Você trabalha para os Faustis. Pensei que
deveria saber.

— Duvido que eles se envolvam. Ninguém toca neles.

Ele deu de ombros novamente. — Quero que você tenha


cuidado.

Tentei remover meu braço de seu aperto. — Anotado.

O tempo parecia parado enquanto nos encarávamos. Ele


não estava me deixando espaço para me afastar. Não queria
causar uma cena. Não confiava em Capo. O que ele faria se
entrasse e visse como estávamos? Não queria descobrir.

— Sabe por que te chamo de Strings? – Harrison disse,


finalmente quebrando a tensão um pouco. — Você nunca
perguntou.

— Não, — balancei minha cabeça. — Pensei que era


apenas um apelido fofo.

Ele riu um pouco, sua respiração se espalhando pelo


meu rosto.

— Bonitinha — ele repetiu. — A primeira vez que te vi,


você me enredou, Strings. Eles ainda estão enrolados no meu
coração. Quero que se case comigo, Mari. More aqui
comigo. Quero cuidar de você. Bondade não significa que
você me deva nada. Podemos ser gentis um com o outro. É
isso que marido e mulher fazem. São gentis um com o outro
quando não estiverem se separando. Amor faz coisas más,
mas é bom. Tão bom também.
— Harrison — eu disse, tentando me retirar do seu
aperto. Da situação completamente, mas ele queria uma
resposta. Eu queria correr. — Somos uma família.

— Não, — ele disse. — Keely é uma família. Você é da


família, porque quero que você seja minha. Sempre quis que
você fosse minha. Você sabe quantas noites eu não consegui
dormir porque estava preocupado que algo pudesse acontecer
com você? E você recusou todas as ofertas de ajuda que já
ofereci. Não vou aceitar não como resposta desta vez, Mari. A
bondade não é sua inimiga. O amor também não é seu
inimigo. Você merece amor. Meu amor.

— Eu... — Tentei me afastar, com medo de que se eu


dissesse as palavras, eu não te amo assim, perderia minha
família inteira.

— Você não o ama, Strings. — Seu aperto no meu braço


ficou mais forte, mas ele não estava me machucando. — Você
mal o conhece. Ele é apenas mais um bastardo rico que
pensa que pode transformar uma garota pobre em algo que
ele quer que ela seja. Eu te amo do jeito que você é. Beije-me,
Mari. Beije-me uma vez.

— Não, — eu disse, e desta vez, minha resposta foi mais


difícil. Ele colocou minhas mãos contra seu peito, bem sobre
seu coração, e empurrei contra ele. — Não. Não posso fazer
isso. Não farei isso. Irei me casar.

Algo me fez virar, e pulei depois que vi Capo parado na


porta, metade do corpo inclinado em direção à moldura, nos
observando. Quanto tempo ele esteve lá? O tempo todo? Eu
não duvidaria disso. Ele estava me testando? Como se
estivesse testando aquelas mulheres no The Club? Ele sairia
e depois viraria as costas para mim também?

Harrison me segurou por mais um segundo antes de me


soltar. Minha respiração ficou presa quando ele parou na
frente de Capo e segurou seu olhar. Capo ficou como se não
tivesse nenhum problema, como se tivesse o tempo todo no
mundo, mas algo em seus olhos fez meu coração
disparar. Eles pareciam perigosos. Machiavellian.

— Harrison? — Keely disse, ficando atrás dos dois


homens. — Vamos. Vá lá fora e pegue um pouco de ar fresco.

Lachlan estava logo atrás dela, e pegou Harrison pelos


ombros, levando-o para fora, sussurrando coisas em seu
ouvido.

Não querendo causar mais problemas, dei um beijo de


despedida em Keely e fomos embora.

Quando chegamos ao último passo da casa, pude ouvir a


família no quintal, ainda curtindo a festa. Partir como fizemos
me fez sentir culpada, mas prefiro viver com culpa a viver
com algo imperdoável acontecendo entre meu futuro marido e
a única família que me restava.

Minha concentração estava no que havia acontecido;


então, quando Capo me pegou pelos braços e me levou para o
lado da casa, pressionando minhas costas contra ela,
ofeguei. Ele não era duro, mas sabia que ele não estava
brincando também.

— Você o ama — disse ele. Seus olhos procuraram os


meus, procurando brutalmente a mentira na ponta da minha
língua, se houvesse uma.

Balancei minha cabeça, engolindo em seco. Não sabia


dizer se a bola na minha garganta era meu coração ou toda a
comida que eu tinha comido. Não tinha medo dele – ele
poderia ter me matado anos atrás – mas estava
cautelosa. Mesmo que tivéssemos um acordo, ainda tínhamos
que aprender a viver um com o outro. O verdadeiro ele era
profundo demais, e até que pudesse quebrar a superfície,
ficaremos tentando descobrir como navegar em nossos
termos.

Antes que eu pudesse responder, ele bateu: — Você


sabia que ele estava apaixonado por você. — Seu tom era
acusador e agudo.

— Sim. Descobri isso na noite em que te conheci no The


Club.

— Você não me contou.

— Por que deveria?

— É da minha conta — disse ele.

— Não. É da minha conta. Isso aconteceu antes de você.


Ele sorriu, mas foi assustador. —– Qualquer coisa que
toca em você, isso me toca. Você pega peixe em vez do bife
que pediu, eu sei, entendeu?

— Conheço os termos, Capo — disse, minha voz


começando a subir. Ele estava começando a me irritar. —
Novamente. Isto. Aconteceu. Antes. De você.

— Não há antes de mim. Não há depois de


mim. Você. Você é tudo eu.

— Você não pode ficar chateado com isso. Você não tem
direito. Ele sente o que sente. Eu sinto o que sinto. O fim.

— Como você se sente, Mariposa? Você nunca respondeu


à sua amiga quando ela lhe contou. Você nunca respondeu a
Grumpy Indiana Jones na cozinha. Você nunca me
respondeu.

Estreitei meus olhos. Ele leu a conversa no meu telefone


quando Keely me mandou uma mensagem no The Club. E ele
estava ouvindo hoje à noite. Nenhuma surpresa lá, mas de
repente, tive o desejo insano de gritar, você não me
possui! Mas ele fazia. E eu o possuía. Era assim que o acordo
funcionava. Nós dois estabelecemos nossos termos e
prometemos honrá-los.

— Se eu o amasse — eu disse com os dentes cerrados. —


Não estaria me casando com você! O que você acha que
sou? Se o amor fosse o que eu queria, não estaria aqui
com você! Se o amor me tocasse, nunca o venderia. Se o amor
dirigisse minha vida, seria sua garota principal. Cavalgue ou
morra, Capo. Eu venderia meu corpo para viver? Nós dois
sabemos a resposta para isso. Eu venderia amor por causa
desse arranjo? Nunca! Morreria primeiro! Então, não, eu não
o amo dessa maneira!

Minhas palavras pareciam surpreendê-lo por um


momento, embora ele se recuperasse rapidamente. Ele não
queria que eu visse que alguma parte da minha verdade o
havia tocado, mas que pena. Ele não queria nada além de
honestidade de mim, então iria entender. Mesmo que isso
significasse uma adaga em seu coração vestido de
ferro. Talvez não o queimasse, mas faria um estrago que o
marcaria para sempre. Mariposa estava aqui.

— Você pertence a mim, Strings — disse ele, com a voz


fria. — E não suportarei que nenhum homem corra atrás de
você como se você fosse uma cachorra no cio do caralho.

No que parecia câmera lenta, meu braço se levantou e


minha mão se conectou com sua bochecha. O tapa ecoou no
ar da noite. — Você pode ser meu capo — eu disse, — mas
isso não significa que permitirei que você me desrespeite.

Ele nem se encolheu com o meu tapa, mas algo em seus


olhos mudou. Suavizaram um pouco, mas de uma maneira
que eu não estava acostumada.

Uma, duas, três, quatro respirações, e ele pegou meus


pulsos, erguendo-os acima da minha cabeça, seu rosto se
aproximando do meu. Sua boca estava a um beijo de
distância, sua respiração quente enquanto fluía sobre mim, e
respirei.

As lâmpadas estavam acesas no quintal e, entre nós,


uma faísca branca brilhou na escuridão. Meu peito subia e
descia, meus seios pressionavam contra o peito dele. O atrito
foi tão bom. Nunca estive tão faminta por esse tipo de
conexão na minha vida. Ansiava pelo amor incondicional dos
pais, pela comida, por todas as coisas que o dinheiro podia
comprar, mas nunca por isso.

O toque de um amante.

Ele me mostrou algo que ansiava pela mera


ideia. Experimentei a noite no The Club e já estava viciada no
sabor.

Inalei novamente, respirando-o ainda mais fundo. O


calor fez seu perfume mais forte. Legal. Claro. Limpo. Seus
olhos haviam se tornado um tom mais escuro de azul, a cor
da parte mais profunda da água. Safira.

Pressionando contra mim como ele estava, nunca se


sentiu mais intimidador. Era como uma onda monstruosa
antes que caísse sobre alguém que não sabe
nadar. Constituído de linhas duras e irradiava poder,
controle, enquanto me arrastava.

Seus dentes arranharam o lábio inferior e, à luz das


luzes do quintal, brilhava. Queria lamber, provar sua boca
novamente.

— Lembro-me de dizer que não sou um homem honrado,


Mariposa.

— E me lembro de dizer que você não vai falar


comigo dessa maneira — eu disse, esperando que ele visse o
desafio nos meus olhos. — Se você preferir uma mulher que
opte por qualquer coisa, um tipo diferente de compra, você
sabe como é a cidade. É o caminho. — Movi minha cabeça
para o lado para dar ênfase às minhas palavras. — E voltarei
para a festa depois que você for.

— Então você pode voltar para Harry Boy e terminar sua


conversa anterior.

— Não. – Balancei minha cabeça. — Para que eu possa


sair com a família e os amigos enquanto espero que você faça
o que achar que precisa fazer. Então, quando você voltar para
mim – porque sei que sim – veremos Rocco sobre a alteração
dos termos do contrato. Você será discreto com suas
amantes, e eu também. Se sua boca não puder me respeitar,
suas mãos não terão lugar no meu corpo.

Quando eu disse as palavras – você será discreto com


suas amantes, e eu também – seu aperto em meus pulsos
ficou mais forte, o suficiente para que eu quase quisesse me
contorcer. Cheguei perto de ceder e resistir, empurrando
contra ele para poder lhe dar as costas e respirar muito. Mas
não fiz. Segurei meu chão.

Durante toda a minha vida, pensei que me manter firme


significava lutar por isso. Naquele momento, percebi uma
coisa. Às vezes, segurar o solo significava seguir o fluxo,
economizar energia; assim, quando a onda passasse, poderia
seguir uma direção melhor.

Tínhamos chegado a um acordo no escritório de Rocco,


mas nós dois sabíamos que haveria momentos em que
teríamos que desenhar linhas fora daquela sala. Este foi um
daqueles momentos. E ele engoliria o meu blefe ou não, mas
como eu estava comprometendo minha vida com esse
homem, proposição ou não, e ele poderia facilmente me
esmagar, tinha que ser tão orientada quanto ele. Ele parecia
gostar do controle que isso lhe dava e, para um homem que
estava sempre no controle, eu precisava aprender a contorná-
lo de uma maneira que estivesse familiarizado.

Depois de um tempo tenso, ele abaixou a cabeça, o nariz


deslizando no meu pescoço.

— Concordato — ele murmurou contra a minha pele


superaquecida. Acordado. — Escolherei minhas palavras com
sabedoria, Mariposa. Elas parecem me custar mais do que
nosso acordo.

Fechei os olhos, entregando-me à sensação de seu corpo


tão perto do meu.

— Nunca... — ele disse, pressionando os quadris contra


a minha barriga, me dando uma amostra do que estava por
vir quando eu estivesse pronta. Mesmo que não fosse nada
além de pele e ossos, ele ainda era mais duro do que eu, e me
fez sentir... suave, feminina. — ...achei que precisasse pagar
por uma foda. Nunca tive. Nunca vou. A partir de amanhã,
você será a única que vou foder para sempre. Planos, datas e
horários podem ir para o inferno. — Então ele disse algo em
italiano contra o meu pulso. O seu perfil é um impacto. Acho
que tinha algo a ver com o meu cheiro. Ele continuou me
respirando, inalando minha pele como se fosse ar. Sândalo
pendia pesado entre nós.

Mordi meu lábio, não querendo que um som embaraçoso


escapasse da minha boca com o quão bom era o seu corpo
contra o meu. Minha parte inferior do estômago se apertou
como um punho, e meu corpo inteiro estava úmido, e não
apenas pelo suor.
— Você tem um sabor tão bom quanto seu cheiro. — Ele
inspirou ainda mais forte, e então sua língua passou do meu
pescoço para o meu coração e de volta para o meu queixo,
parando perto da minha boca. — Diga, Mariposa.

— Concordato — repeti. Nós dois tivemos que repetir a


palavra durante nossa reunião para Rocco finalizar o
mandato e seguir em frente. Ele estava cumprindo essas
regras. Abaixei minha voz. — Nós estávamos apenas
conversando. Só porque Harrison disse essas palavras para
mim não significa que sinto o mesmo. Eu o amo, mas como
um irmão.

O território neutro em que estávamos parecia


desaparecer sob meus pés, e estávamos de volta aos lados
opostos das linhas de batalha. Assim que as palavras que eu
o amo viera da minha boca, senti a mudança nele
imediatamente.

— Você. — Seu tom era áspero e veio contra a minha


pele como cem pedras. — Você é meu território. Eu digo
quem pode e quem não pode chegar perto disso. Sou o único
que a toca.

Território. Como propriedade. — Sua propriedade? —


Meus olhos brilharam para encontrar os dele. Ele estava
certo. Ele me possuía, em certo sentido. Ele possuía minha
lealdade, mas não aceitaria ser tratada como um pedaço de
terra que ele podia cagar quando quisesse.

— Minha porra de propriedade. Meu território Você


parece esquecer que foi você quem veio à minha mesa de bom
grado. Você traçou os detalhes. Definiu termos. Você assinou
papéis com seu sangue. Fizemos um acordo.
Eu queria bater meus punhos contra seu peito, toda a
minha raiva contida lá. — Por toda a sua sabedoria — fervi —
você não é tão inteligente. Quando você entra em uma
pechincha, ela não liga apenas uma, mas duas. Você pode ser
meu capo, mas eu também sou sua dona, não é? Sou seu
território, então você é minha propriedade.

Ainda estávamos navegando na palavra real, aquela fora


do escritório de Rocco cheia de termos e documentos legais,
mas parecíamos estar circulando em torno de algo pessoal
que não conseguíamos descobrir.

Depois de alguns minutos, ele finalmente falou. — Não


gostei do que vi. Ou o que ouvi.

Lá estava. O redemoinho que continuava nos


sugando. Ele não gostava de ver Harrison e eu juntos. Por
quê? Não fazia sentido. Capo me teve, todas as partes de mim
que pediu na mesa. Que diferença fazia como Harrison se
sentia ou o que ele me disse? Eram apenas palavras, a menos
que eu as fizesse mais. Ainda assim, demorou muito para
Capo admitir isso.

— Tudo o que você precisa fazer é dizer isso. Use todas


as palavras, Capo. Vou entender. Você não precisa me
machucar para conseguir o que quer.

Ele me observou por alguns segundos intensos e depois


assentiu uma vez. — Concordato — Mas seu olhar não era
legal. Isso se transformou em outra coisa, e o desejo
enlouquecedor em mim respondeu automaticamente quando
ele fez algo com seus quadris, pressionando ainda mais forte
em mim, tão forte que respirei fundo e um barulho que nunca
tinha ouvido antes escorregou dos meus lábios.
Porra, aposto que ele seria bom na cama. Não apenas me
tocaria, me consumiria. Ainda houve hesitação. Eu não
estava pronta para ir até lá com ele. Esse desejo severo teria
que me comer até que todas as defesas tivessem sido roídas.

Mãos na minha boca para não gritar. Suor. Dele e


meu. Dedos. Dedos.
Desagradáveis. Repugnantes. Malvado. Bondade. Dívida.
Capo parou de me tocar, e quando abri meus olhos, os dele
estavam no meu rosto. Vendo através de mim. Não vacilei
com o seu conhecimento. Apreciei o fato de que ele parecia
entender sem eu ter que falar as palavras novamente.

Por favor, não me machuque.

Ele soltou meus pulsos, pegando minha mão na dele –


sua mão praticamente engoliu a minha – e começou a me
levar de volta para o carro.

A névoa deslizou um pouco depois que ele colocou


espaço entre nós, e suas palavras de antes entraram
completamente em minha mente. A partir de amanhã, você
será a única que vou foder para sempre. Planos, datas e
horários podem ir para o inferno.

— Não devemos nos casar até o próximo fim de semana


em Nova York — eu disse, minha voz o oposto do meu
corpo. Firme. Alguns segundos se passaram e ele não me
respondeu. — Próximo fim de semana, Capo. O que
aconteceu com o próximo fim de semana?

— Muito tempo — disse ele. — Vamos nos casar


amanhã. Vou falar com Rocco pela manhã sobre mudar os
termos. Vamos nos casar à noite.
— O vestido em que você gastou muito dinheiro, não
estará pronto.

— Peça para Giada ligar para o designer. Diga a eles que


pagarei o triplo para terminar. Caso contrário, use jeans
de papel.

Com isso resolvido, seria uma mulher casada no dia


seguinte. Segunda-feira. Quem se casa na segunda-
feira? Esse pensamento saiu da minha cabeça quando o
próximo chutou.

Eu seria casada com Capo Macchiavello em menos de


vinte e quatro horas. A força de um homem que me tinha
exatamente onde me queria, trancada em seu campo pelo
resto da minha vida.
Capo
O ar na prefeitura estava frio. Cheirava a papéis velhos,
à minha colônia, e algo que cheirava muito a amor e lealdade,
e se eu estava levando em consideração a ridícula canção de
Mariposa, amizade. Três razões diferentes para um homem
estar no mesmo lugar que eu, esperando uma mulher dedicar
sua vida a ele.

Olhei para Rocco e estreitei os olhos. Ele tinha um


sorriso de gato que comeu o canário no rosto. Estava curioso
demais para saber por que eu estava casando com minha
noiva hoje, e não na data original planejada.

Fodam-se as datas.

Era um trato feito, não havia razão para esperar. O


casamento na Itália precisava de tempo. As coisas tinham
que ser planejadas, tinha que ser significativo para o meu
avô. Ele merecia ver seu neto casado. Essa era uma das
preocupações dele. Deveria descansar antes que ele deixasse
este mundo.
No entanto, não havia razão para que este casamento
tivesse que ser adiado. Outro dia, outra hora, eram
imprevisíveis. E quando queria algo, fazia acontecer.

Eu queria Mariposa como minha esposa hoje.

Levantei meu braço, a manga do meu terno empurrando


para trás e verifiquei meu relógio. Ela estava atrasada. Três
minutos.

— Guido disse dez minutos — disse Rocco. Ele e sua


esposa, Rosaria, estavam de pé como testemunhas. Ela se
sentou ao lado dele, enrolando a pulseira no pulso, me
observando.

Encontrei seus olhos, não muito para prolongar o


inevitável. Seu sorriso estava começando a me irritar. —
Parle. Fale.

Rocco rolou os ombros, ficando mais confortável em seu


terno. — Eu não esperava isso — disse ele em italiano.

Toda a nossa conversa ocorreu no idioma.

— Nós discutimos isso antes — disse. — Isso fazia parte


do acordo.

Ele balançou sua cabeça. — Discutimos uma data


diferente. Mais tarde. Agora aqui estamos nós. Hoje. —
Nossos olhos se seguraram, e então ele trocou de marcha. —
Você não me contou como foi a reunião com a família dela.

— Eles não são a família dela — eu disse. — São amigos.


— Ela os considera familiares — disse ele, não se
importando se ele me irritava ou não. — Eles cuidam
dela. Ela confia neles.

— A última vez que verifiquei, membros da família não


devem cruzar linhas românticas. — O sangue nas minhas
veias queimou com o pensamento de Harry Boy. Strings.

Ele estava instigando problemas em mais de uma


conta. Trazendo a guerra para despertar a curiosidade de
Mariposa, mesmo que ele fosse parte dela. Harry Boy era o
novo advogado de Cashel “Cash” Kelly, líder de uma família
irlandesa conectada. Logo antes de Harry Boy assumir o
cargo, o antigo líder havia sido morto e Cash assumiu seu
lugar. Ele contratou Harry Boy não muito tempo depois. Cash
o chamava de Harry Boy, e eu também. Eu queria que ele
soubesse que sabia de tudo. Pouco tempo depois, comprou a
casa em Staten Island para a mulher com quem eu me
casaria em um momento.

Tarde demais, filho da puta, cortei essas


cordas. Cortei. Recortei.

— Ah — disse Rocco, o sorriso cada vez mais amplo. —


Um dos irmãos Ryan gosta dela.

Levantei meu braço novamente. Sete minutos. Comecei a


andar pelo corredor. As mulheres levavam tempo para fazer o
que as mulheres faziam, mas o relógio marcava e estava alto
na minha cabeça. Precisava ser silenciado.

— Você não deveria se preocupar. — Rosaria acenou com


a mão com desdém. — Duvido que exista uma mulher viva
que o deixe esperando.
Meu comentário sobre a família que não ultrapassa as
linhas românticas também foi dirigido a ela. Rocco e Rosaria
também tiveram um casamento arranjado, mas o casamento
era aberto, até certo ponto. Ela fez vários movimentos para
mim ao longo dos anos. Rocco era como meu irmão. E
Rosaria não era meu tipo.

Além disso, Rosaria ainda não havia conhecido


Mariposa. Ela não tinha ideia de quão diferente era, e Harry
Boy poderia oferecer-lhe algo que eu não poderia. Uma
história sem cicatrizes. Se Harry Boy estragasse tudo isso
para mim, eles o encontrariam seis pés abaixo da terra, ou
talvez nunca.

Onze minutos.

— Sei que estou atrasada! — Sua voz chegou para mim


através do amplo corredor, seus calcanhares estalando contra
o chão de mármore rapidamente.

Virei-me para encontrá-la correndo em minha direção


como se não estivesse usando um dos vestidos mais bonitos
que já vi, e ela não fosse a mulher mais linda do meu mundo.

As mãos dela agarraram o vestido, levantando-o para que


o chão não pudesse sujá-lo.

Você não sabe, mulher, a sujeira é o que vai fazer


memórias um dia, eu tinha vontade de dizer, mas não
fiz. Tudo o que ela comprava, ela apreciava, quase reverente
sobre a compra. Levaria tempo para entender que, se sua
vida estivesse cheia de coisas antigas, não estaria vivendo o
suficiente para desgastá-las.
Cicatrizes na pele significavam viver. Sangue nas juntas
significava viver. Sujeira em roupas brancas significava
viver. Viver significava arriscar, mesmo se ficássemos sujos
no processo.

A luz do fim da tarde pegou o material quando ela


passou por uma janela, fazendo o tecido sedoso brilhar e as
pérolas e cristais brilharem. Sua cintura pequena e clavícula
pronunciada eram perfeitamente exibidas. Seus seios – a
única gordura que ela tinha em seu corpo – foram
empurrados para cima, tremendo enquanto ela tentava se
apressar. Os cabelos estavam presos para trás, pequenas
mechas emoldurando seu rosto. O estilo mostrava o conjunto
real de seu nariz e suas feições mais suaves, naqueles lábios.

— Como isso foi de última hora — disse ela, barrando o


fato de que eu não conseguia tirar os olhos dela — tive que
me apressar e fazer algumas coisas. — Ela me olhou de cima
a baixo. — Você parece...

— Sei sbalorditiva — disse antes que ela pudesse


terminar.

Os olhos dela se estreitaram. Estava pensando muito.

— Você me chamou de deslumbrante. Você é


deslumbrante — ela repetiu em inglês.

— Eu disse. — Virei-a em um círculo. O vestido


mergulhou em um profundo V nas costas. — Este vestido me
agrada. —Você me agrada.
— Você me queria de vestido, eu vim — disse ela. — Mas
isso não está... Entendi o que você me disse, sem você ter que
traduzir.

Assenti uma vez. — Você está pegando.

Ela deu de ombros, mas não dei mais um segundo para


pensar sobre isso. Ofereci-lhe meu braço e entramos na sala
com o oficial. Depois de alguns minutos, repetimos os votos
simples e deslizei o anel que eu lhe dera de volta em seu
dedo. Quando chegou a sua vez de fazer o mesmo comigo, fui
falar, dizendo que estaríamos pulando essa parte.

— Espere! — Ela se virou para Guido. Ele se aproximou e


entregou-lhe uma caixa. Ela abriu e tirou um anel de ouro
branco com um diamante quadrado preto no centro e a letra
M feita em ouro. Ela entregou a caixa de volta para ele e se
virou para mim, sorrindo um pouco. — Tarde, lembra? Algo
de última hora para fazer. Não deveria estar pronto, mas o
joalheiro teve pena de mim e apressou o pedido. — Ela pegou
minha mão e colocou o anel no meu dedo esquerdo.

Depois que o oficial nos declarou marido e mulher, o


beijo que compartilhamos para fechar o acordo foi suave,
minha boca encontrando o canto dela, a dela encontrando
minha bochecha. Rosaria e Rocco a puxaram para o lado
depois, cada um deles a abraçando. Enquanto eles faziam
isso, deslizei o anel para cima e para baixo no meu dedo, não
preparado para o peso dele, como uma trela ao redor de um
lobo adulto.

Então algo chamou minha atenção por dentro. Uma


inscrição.
Il mio Capo.

Meu Chefe.

— Capo?

Virei-me para olhar para minha esposa. Ela se sentou ao


meu lado no carro enquanto Giovanni nos levava para casa. A
julgar pelo olhar em seu rosto, tentou falar comigo antes.

Depois que nos casamos, algo me incomodou até


entender o que ela havia feito.

Ela tinha sido avarenta em usar o salário, encontrando


pechinchas, mesmo em comida. Estava usando cupons. O
anel que comprou, no entanto, custa facilmente mais de dois
mil dólares.

Gastou seu dinheiro comigo.

A única pessoa que faria isso debaixo do meu nariz seria


Rocco. Ele nos convidou para comemorar no restaurante
italiano exclusivo que possuía com um de seus irmãos,
Brando. Quando o puxei de lado para questioná-lo sobre isso,
ele me disse que ela o procurou e pediu que lhe fizesse um
favor.

Um favor.
De um Fausti.

Ela queria que ele comprasse o anel para que eu não


pudesse ver a compra. Em troca, ela se ofereceu para
substituir Giada enquanto estava de férias. Sem
pagamento. Rocco aceitou sua oferta, mas ainda tinha outras
mulheres em seu escritório ajudando minha esposa
regularmente. Ele disse que ela tinha muito no prato com o
casamento na Itália.

— O joalheiro da famiglia o criou. — Rocco acenou com a


questão, bebendo um copo de uísque. Ele era o chefe cruel de
seu próprio ramo da família, e seu pai era um dos homens
mais impiedosos que Itália já havia visto. No entanto, Rocco
adorava casamentos e uma boa festa. — Ele já foi tirado do
seu bolso. Sua esposa cumpriu sua parte do acordo. Estamos
quites. Um favor por um favor. Não vamos discutir isso no dia
do seu casamento, ah? Os negócios devem ser mantidos no
escritório.

Os Faustis tinham um joalheiro à disposição. A família


do joalheiro voltou com a deles e trabalharam exclusivamente
para eles. Desde que eu estava ligado ao nome, considerado
família, ele trabalhava para mim também. Eu tinha uma
conta.

Mariposa parecia entender um favor por um favor melhor


do que ninguém. Era a única regra que ela parecia
ter. Bondade por bondade – nada a dever. Exceto para
mim. Ela me devia sua vida. E não muito tempo atrás –
levantei meu relógio, verificando as horas – ela havia jurado
viver para mim. Mas, para se aproximar de um homem que
sabia que esperaria algo em troca, geralmente a um custo
elevado, me esfregou na porra do jeito errado.
— Tem algum lugar que você precisa estar?

O carro estremeceu e me virei para olhá-la. Os olhos dela


quase brilhavam na escuridão. O ouro nos olhos, nos cabelos
e na pele parecia complementar um ao outro. Seus lábios
eram macios e rosados, e quando ela sorriu, quase
timidamente, traindo o traço desafiador nela, encontrei seus
olhos novamente.

— Por que você pergunta?

— Oh. — Ela respirou fundo. — Você está distraído


desde o jantar. Tentei perguntar para onde estávamos indo
um minuto atrás, mas você não respondeu. Então você olhou
para o relógio. — Ela se inclinou, estudando. Sua
proximidade fez o ar se mover entre nós, e o doce cheiro dela
me fez lamber os lábios. Sabia que ela estaria com problemas
no momento em que seu perfume flutuou debaixo do meu
nariz no The Club. Fenômeno do feromônio e toda sua
besteira mágica. Deixa pouco controle para quem quer inalar
a pele de alguém como uma droga. — Para todos os seus
milhões, você precisa de um novo. Esse tem manchas de
ferrugem.

Dei de ombros, a camisa branca de botão puxando meus


ombros. — Algumas coisas não valem a pena ser negociadas,
não importa quantos anos tenham. — Apontei para o prédio
que estávamos abrandando na frente. — Estamos em casa,
Mariposa.

— Casa — ela repetiu, virando-se para a janela. — Você


mora perto de um quartel de bombeiros! Doce. Isso será útil
quando eu preparar o jantar para você. — Ela ficou quieta
quando Giovanni apertou um botão no painel e a porta da
garagem se abriu. — Você é dono deste edifício inteiro?

— Mmhm.

— Não é o que eu esperava.

— O que você esperava?

— Uma bat caverna?

— Como você sabe sobre a bat caverna?

— Os irmãos de Keely. Eu estava lá uma vez quando eles


assistiram aquele filme.

Dei uma risada baixa, enterrando o pensamento de


Harry Boy mais abaixo. — Não é um lugar brilhante o
suficiente para cegar você?

Por que o filho da puta ainda afetava minhas palavras?

Ela estreitou os olhos para mim. — Não, eu apenas


pensei... algo em Manhattan. Uma cobertura. — Então ela
sorriu, minhas palavras afundando. — Ainda assim, isso está
longe de ser uma casa de papel.

— Então vou bufar e vou soprar, e vou explodir sua casa


para baixo.

— O grande lobo mau vestido com um belo terno


italiano. — Ela tocou minha mão, seus dedos tão macios
quanto seus lábios, onde a tatuagem de lobo parecia rosnar
sob as luzes da garagem. — Eu deveria saber.
Seus olhos se voltaram para os meus lábios, depois
voltaram para os meus olhos, e quando não aguentou mais o
meu olhar, começou a mexer na minha gravata. Mãos
nervosas, como asas esvoaçantes. Queria senti-las contra a
minha pele, ao redor do meu pau, acariciando minhas bolas.

Ela limpou a garganta. — Você vai me mostrar a casa?

Bati na janela uma vez com os nós dos dedos e Giovanni


apareceu, abrindo a porta. Disse a Mariposa para esperar, em
italiano, e, como ela fizera na prefeitura, parecia entender
sem que eu tivesse que traduzir. Andei em volta do carro e
abri a porta dela. Ela pegou minha mão e saiu, ainda
segurando o vestido.

— Agora sei por que você comprou o prédio inteiro. —


Ela olhou em volta. — Você precisava de espaço para todos os
seus carros.

Apertei sua mão, sentindo o tremor em seus ossos,


levando-a para dentro do edifício. Não pareceu ser uma
reação consciente, mas quando entramos, ela apertou minha
mão com mais força.

— Foda-me — ela suspirou, espiando. — Nunca estive


em um lugar tão... grande.

Mostrei a ela, dando-lhe a grande turnê, mas no final,


pude ver que ela tinha algo em mente. Não falou muito.

— O que é isso? — Parei no armário da suíte master. —


Não fique tímida comigo agora.
Ela largou a bainha do vestido e deu de ombros, e depois
colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha. — É lindo,
Capo.

— Você pode mudar o que quiser. Desmonte e junte


novamente.

Ela assentiu, mas não disse mais nada.

— Deixe-me mostrar uma coisa — eu disse.

— Mais?

Eu sorri — Assista com atenção.

Seus olhos estavam colados em mim quando apertei os


botões do meu relógio. A parede dos fundos começou a se
mover silenciosamente, deslizando na frente de outra parede,
e o espaço atrás dela se abriu. Parecia um
elevador. Frio. Estéril. Uma parede de metal estava do outro
lado. Estendi meu braço, gesticulando para ela entrar. Ela
hesitou, mas apenas por um segundo. Depois que entramos
no espaço, fechei a porta no armário principal. Um segundo
depois, abri o outro lado e gesticulei para ela sair primeiro.

— Tudo bem — disse ela, os olhos arregalados. —


Você tem uma bat caverna. Uma porta secreta.

A risada que se soltou do meu peito parecia desfiada. —


Não exatamente. Este é o quartel dos bombeiros.

— Sim, mas foi refeito. Totalmente refeito. Parece


abandonado por fora.
Ela aproximou-se da grade de vidro, olhando para o nível
mais baixo da casa. Eu tinha refeito para ela. Ninguém sabia
que era meu. Tanto quanto se sabia, era um quartel de
bombeiros inativo e abandonado.

O outro lado estava frio, com linhas afiadas. Este lado


era para ela: cores quentes e móveis macios. Inúmeras
figuras de borboletas estavam penduradas nas paredes. Não
se encaixava no exterior, mas raramente o que vemos do lado
de fora se encaixava no interior. Tive uma das minhas tias
falando com um decorador. Ela lhes deu uma ideia de quem
era Mariposa, pelo que eu havia dito a ela, e a mulher pediu
tudo.

— Esta é sua casa, Mariposa. O outro lado, é para


mostrar. Se temos convidados, jantares, esse tipo de coisa,
nos divertimos desse lado. Este lado é apenas para uso
pessoal. Sete pessoas, inclusive nós, sabem que é onde
moramos.

— É mais do que eu jamais poderia imaginar — ela


suspirou.

— Estou feliz que isso agrada a você.

— Quem são as outras cinco pessoas que conhecem a


casa secreta?

A casa secreta. Quase sorri. — Rocco, minha tia e tio, o


irmão de Rocco, Dario – ele é arquiteto – e Donato. Ele é o
chefe da segurança de Rocco. Você os encontrará em breve,
no casamento na Itália.

— Se ninguém mais sabe, como você fez tudo isso?


— Dario me ajudou com certos aspectos. Ele colocou
algumas horas nisso. O resto... — levantei minhas mãos —
estou trabalhando neste lugar há cinco anos. Todos os
suprimentos chegaram pelo outro edifício. Nunca morei aqui
até agora.

— Recluso — ela sussurrou.

— Você tem um relógio como o meu, mas é mais novo em


estilo e mais feminino. Você pode trocar as pulseiras para
combinar com suas roupas, se quiser. Você o encontrará na
mesa ao lado da cama. Mas apenas nós sete sabemos,
Mariposa. Ninguém mais.

— Entendido — disse ela. Ela estava brincando com o


cabelo dela. Agitarsi. Mexendo. Ela estava nervosa.

— Vieni — eu disse, guiando-a para longe do


corrimão. — Deixe-me mostrar a você.

Desta vez, enquanto visitávamos a casa, ela estava mais


animada, com os olhos brilhantes, absorvendo, em vez de
tentar descobrir onde ela se encaixaria. Seu corpo relaxou,
exatamente como havia feito a noite no The Club, quando a
havia movido em um ritmo lento. Naquela noite, seu coração
batia tão freneticamente que eu podia sentir cada um de seus
pulsos acelerando para acompanhar.

Quando lhe mostrei a segunda suíte master, ela assentiu


e disse: — Muito bom. É aqui que vou ficar?

— Isso é contigo. Parte do nosso acordo era que eu daria


a você tempo para se acostumar comigo. Eu
propositadamente deixei a segunda master sem graça em
comparação com a suíte master por minhas próprias razões
egoístas.

Ela começou a brincar com as miçangas do vestido


quanto mais chegamos ao quarto. Quando chegamos lá, ela
espiou a cabeça lá dentro, quase cautelosa ao entrar.

— O grande lobo mau está aqui fora. — Eu sorri — Você


está segura.

— Por enquanto — ela murmurou, finalmente entrando.

Ela passou a mão pela cama enorme, todos os móveis,


até as paredes. Ela se foi para o banheiro, os olhos
disparando diretamente para o teto de madrepérola, sua
pedra de nascimento, o enorme chuveiro e a banheira de pés
de garra e depois para o chão feito com o melhor mármore
italiano.

Ela parou quando chegou à entrada do armário. Era um


quarto dentro de um quarto. Havia um corredor e, de cada
lado, portas de vidro que abrigavam roupas, sapatos e locais
para guardar joias. Ela tinha um lado. Eu tinha o outro.

— Não quero parecer rude — disse ela, prestes a


arrancar uma pérola do vestido. Seus olhos estavam colados
a uma prateleira cheia de tênis em todas as cores, a maioria
de fabricação italiana. — Mas de quem são essas roupas? Sei
que um lado é seu, todos os ternos, mas e o outro lado?

Quase ri de como ela tentou ser sutil. — Nenhuma outra


mulher já esteve aqui antes. — Mudei-me para ficar atrás
dela. Quando respirei, minha respiração se espalhou contra
suas costas e arrepios apareceram em sua pele. — Tudo é
novo aqui. É por isto que ainda cheira a tinta fresca. Todas
essas coisas são suas.

— Não comprei essas coisas.

— Você não comprou... Eu fiz isso. Veremos o quanto te


conheço em breve, ah?

Levou um momento, mas ela assentiu. Era esmagador


para ela. Mesmo que isso fosse um acordo, era difícil ir do
nada para tudo sem sentir que era demais. Empurrei-a para
o fundo do poço sem ela saber nadar.

— Vejo como você está gastando dinheiro, Mariposa, e


precisamos trabalhar em suas habilidades. — Não a
acompanhei para ver quanto ela estava gastando. Fiquei de
olho nela porque nada que desejasse ficaria sem resposta. Se
tivesse que pedir todos os itens do menu para que ela
descobrisse o que mais gostava, faria isso acontecer. E seria
necessário. Ela tinha muito o que fazer.

— Isso também é.

— Tínhamos um acordo, — eu disse. — Você está


segurando o seu. Estou segurando o meu. Não estou fazendo
isso para ser gentil e você não está aceitando porque fiz. Nós
temos um acordo.

Dei um passo mais perto dela, passando um dedo ao


longo de seu pescoço, traçando um – C – ao longo da pele
perfeita lá. Ela tremeu, e meu pau estremeceu e endureceu.

— Mergulhe na sua banheira, Mariposa. — Minha voz


era baixa, áspera, quase desfiada. — Vista suas roupas. Faça
uma refeição. Assista TV ou ouça música. Bocelli para
esclarecer suas dúvidas. Leia um livro.

Rosaria a convidara para se juntar a ela e às outras


esposas – Rocco tinha três irmãos – para aproveitar as noites
de garotas. Elas discutiam livros, tricotavam e faziam malha,
e faziam o que mais as mulheres fazem. Então, comprei para
ela um aparelho de leitura, junto com centenas de papéis e
livros de capa dura. Quando ela entrou naquela sala, disse:
—O que, não há livros para colorir ou diários?

Recusei-me a tirar o que ela havia se dado ao longo dos


anos, então não, ela não estaria recebendo essas coisas de
mim. Ela ficou surpresa que eu pensasse assim. Havia coisas
que ainda eram especiais para mim, embora o mundo caísse
aos meus pés e, diferentemente de um livro de colorir ou
diário, ninguém poderia substituí-los.

— Tenha uma boa noite de sono. A primeira de


muitas. Sinta-se em casa, Mariposa. Porque esta é a sua
casa. Per sempre.

— Espere. — Ela se virou para mim. – Aonde você vai?

— Trabalhar.

Fazia quase duas horas desde que deixei minha esposa


para passear pela casa dela e se sentir confortável. Sentei-me
na mesa do meu escritório, olhando por cima de todos os
monitores e tentando imaginar os diferentes cheiros
escorregando. Um bolo assando. Lasanha. Pipoca.

Uma hora depois, uma batida veio à porta e, antes que


eu pudesse atender, ela abriu e entrou. Havia tomado
banho. O cabelo dela estava úmido. Os aromas de pistache,
amêndoa, caramelo e sândalo invadiram a sala. Em vez de
usar um dos muitos itens que havia comprado para ela
dormir, usava minha túnica. Era três vezes maior. As mãos
dela estavam perdidas nas mangas e praticamente caíam no
corpo dela.

Ela segurava um prato na mão. Quando colocou diante


de mim, seu anel de casamento apareceu debaixo do tecido.

— Deve haver mais de cem livros de receitas na


cozinha. Encontrei uma receita para bolo de
casamento. Temos todos os ingredientes, e um milhão de
outros, então tentei assar.

— Tentou. — Olhei para o bolo. Peguei o garfo e o


esfaqueei. Era tão rígido quanto uma tábua e mais escuro do
que um bolo de casamento que deveria ser branco. Talvez
fosse para ser chocolate. — Parece que você fez.

Ela torceu o rosto. — Isso é discutível.

Cortei um pedaço com o garfo e enfiei na boca. Fiz uma


pausa antes de realmente começar a prová-lo. Olhei para ela
e ela olhou para mim, fazendo a cara mais estranha do
caralho, como um peixe-balão.
— O que você acha? — Ela tocou os lábios. Estava
tentando não rir.

Forcei-me a engolir. Se soubesse como era um bolo de


papelão, tinha certeza de que tinha um sabor melhor do que
aquele. — É a primeira vez que você assou um bolo?

Ela assentiu. — Primeira.

— Bom. — Minha voz estava tensa.

Ela apontou para mim, rindo completamente. — Você é


um terrível, terrível mentiroso, Capo! — Ela riu ainda mais
alto.

— Você deve ter esquecido algumas coisas. Como leite,


ovos e manteiga. O que você fez, bastava adicionar
farinha? Você tem água nos bolsos do roupão? Minha voz
ficou rouca pelo aperto na minha garganta e pela coisa seca
que ela chamou de bolo.

Ela riu para fora da sala, voltando com uma garrafa de


água fria para mim. Apertei enquanto seu riso selvagem se
transformou em um sorriso satisfeito.

Ela caminhou pela sala, estudando todos os meus


equipamentos.

— O que é tudo isso? — Ela finalmente perguntou.

— Faço segurança privada por fora.

— Você assusta as pessoas.

— Você poderia dizer isso.


— As pessoas pagam você para assustar?

— Alguns deles.

— Ooh. Entendo. — Ela olhou para um dos monitores. —


Esse é o seu prédio?

— Nosso prédio — eu disse. — Veja. — Apontei para um


ponto na tela e depois ampliei o zoom. Giovanni andou ao
redor do local, fazendo suas rondas. Ele não tinha ideia de
que estávamos deste lado. Ele assumiu que estávamos na
nossa suíte daquele lado. Ele sempre assumiria isso.

— Você não vai fazer isso comigo, certo? — Os olhos dela


se estreitaram quando ele puxou as calças do
traseiro. Giovanni era o filho da puta mais feio que eu podia
encontrar com experiência suficiente para cuidar de minha
esposa quando ela não estava ao meu lado. — Ser um
estranho espiando?

— Depende. — Recostei-me no meu lugar, estudando as


feições dela no brilho dos monitores. Ela era refrescante. Algo
diferente.

— De quê? — Ela abriu os olhos, algo que ela fazia


quando queria que eu continuasse ou me expandisse.

— De como você se comporta.

— Sou uma boa garota. — Ela veio para ficar na minha


frente, cruzando os braços sobre o peito, que desapareceu
sob o robe macio. — Mas você sabe o que eles dizem sobre
boas garotas? Elas nunca fazem história.
Ela fechou o espaço entre nós e estendeu a mão para
tocar minha gravata. Eu tinha desamarrado, mas não a
tirei. Ela se moveu devagar, observando o material preto
deslizar ao redor da minha gola, e então o colocou sobre a
mesa. Enrolei as mangas até os cotovelos mais cedo e,
usando o dedo, ela traçou uma das minhas veias,
concentrando-se nela.

Nós dois ficamos quietos e, quando seus olhos se


ergueram, nos entreolhamos.

— Você precisa de algo, Mariposa?

Ela balançou a cabeça. — Eu estava me sentindo


sozinha. Este é um grande lugar. Ainda não estou
acostumada. Fiquei imaginando quando você iria para a
cama.

Levantei minhas sobrancelhas e ela desviou o olhar por


um segundo, em um dos muitos monitores. — Para dormir —
ela acrescentou suavemente. Então, começou a mexer nos
laços do roupão. Podia sentir sua ansiedade. Ela estava se
preparando para dizer alguma coisa ou fazer uma jogada.

— Não faça isso comigo — eu disse.

— O quê? Isto? — Ela girou a gravata, fazendo-a girar e


girar, sorrindo um pouco enquanto o fazia.

Minha mão saiu para detê-la. — Sim. Agitarsi. Inquietar-


se. Não faça isso comigo.

Ela assentiu e vi a garganta dela quando engoliu. — Você


conseguiu, Capo.
—Você quer dizer, mio capo.

— Você percebeu isso?

— Eu noto tudo.

— Por que você parece... chateado?

— No futuro, não haverá mais acordos com homens que


não sejam eu.

— Você quer dizer Rocco. O anel.

— Sim. Rocco. O anel. Nunca mais.

— Como desejar, Capo.

Quando ela me chama assim, tenho dificuldade em não


transar com ela tanto quanto tive no The Club. E quanto
mais penso, mais isso me faz sentir como um animal
selvagem em uma gaiola. Não poder tocá-la até que esteja
pronta era como pensar em palavras importantes, mas não
ser capaz de pronunciá-las.

Depois de alguns minutos, ela respirou fundo,


desamarrou a túnica e a abriu, liberando a respiração que
estava segurando. Ela estava nua por baixo.

Meus olhos deleitaram-se com seu corpo nu como se


estivessem famintos. De alguma forma, nossos papéis haviam
se invertido. Fui eu quem parecia não conseguir o
suficiente. Ela era perfeita pra caralho. A luz dos monitores
destacava cada um de seus ossos. Seus seios eram
suficientes para transbordar em minhas mãos. Sua cintura
era pequena e seus quadris tinham alguma inclinação. Seus
mamilos estavam duros, e um fino brilho de seu desejo cobria
o interior de suas coxas firmes. Eu podia sentir o cheiro de
sua excitação – tão doce que podia sentir na minha
língua. Minha língua disparou, molhando meu lábio inferior,
desejando o golpe.

— Pensei que você deveria ver com o que você se


comprometeu exclusivamente, il mio capo. Espero que valha o
preço alto. — Quando pude arrancar meus olhos de seu
corpo, encontrei seus olhos, mas ela olhou para o outro
lado. — Não sou nada além de pele e osso, mas...

Quando minhas mãos seguraram firmemente seus


quadris e a levantaram sobre a mesa, ela ofegou. Quando a
puxei para mais perto de mim, sua boca se separou, e um
fluxo fresco de sua respiração tomou conta da minha pele
ardente. Pressionei-a mais perto do meu pau, empurrando-a
até que um ruído ofegante veio de sua boca macia. Suas
mãos estenderam, quase arranhando minha camisa,
tentando chegar à pele.

Meus dentes morderam seu pescoço, abrindo caminho


até sua orelha. — Consegui um acordo — eu disse. — Você
deveria ter exigido mais.

— Ah. — Ela respirou fundo e sibilou quando mordi seu


pescoço com mais força. Suas unhas afundaram na minha
pele, e a queimadura me deixou ainda mais faminto. — Talvez
devêssemos voltar para a mesa.
— Eu precisaria de fundos ilimitados, porque, porra. Un
estimabile valore13. — Não havia um preço que eu não teria
pagado para tê-la. Nenhum termo com o qual não teria
concordado. Ela poderia ter entrado no acordo sem nada
monetário, mas o poder completo estava em seu lado. Havia
algo nela que me possuía. Deixava-me obcecado.

Então um golpe de algo mais, algo estranho, me queimou


profundamente.

Ciúmes.

A palavra parecia vir como um choque de raio durante


uma tempestade – exatamente quando eu estava em uma
poça e ao lado de uma árvore.

O rosto de Rocco na prefeitura, suas palavras,


subitamente se juntaram.

Eu tinha idade suficiente para saber melhor, mas não


dava a mínima. Fiquei com ciúmes quando Harry Boy disse
que a amava. Quando ele a chamou daquele apelido
patético. Strings.

O pensamento fez meus dedos cavarem seus quadris,


puxando-a ainda mais contra o meu pau. Algo selvagem me
levou a reivindicar. Possuir. Controlar. Para dominar seu
perfume com o meu. Meus lábios deslizaram pelo seu peito,
minha língua saboreando o gosto de sua pele, e quando

13
Um valor estimado.
peguei seu mamilo na minha boca, ela se soltou debaixo de
mim.

— Apenas — ela suspirou, — não cubra minha boca.

Meu ritmo diminuiu, para não a fazer sentir que tinha


me feito parar com suas palavras. Olhei para ela da minha
posição. Suas mãos agarraram minha camisa, mas suas
garras se retraíram. Os olhos dela estavam fechados. O
coração no peito dela parecia bater nos meus ouvidos, mas
não no prazer – pelo medo.

Suas asas tentaram voar, mas ela estava enraizada ao


mesmo tempo.

Ela me queria. Queria isso. Mas aquele filho da puta


tinha feito algo que ela nunca havia se recuperado. Foi a
primeira vez que ouvi vulnerabilidade na voz dela. Mesmo no
The Club, quando ela não tinha ideia de em que havia se
inscrito, era forte como mártir.

Vivo o muoi provando. Eu vivo ou morro tentando.

Na minha desaceleração, ela pareceu relaxar um pouco,


e o momento passou. Ela concordou em me dar tempo. Eu
tinha concordado com o mesmo.

— Mariposa — eu disse, minha voz baixa e rouca.

Levou um momento para abrir os olhos. Quando ela fez,


o que vi me chocou. Vergonha.
Levantei-a, mantendo-a perto. — Quando você estiver
pronta para fazer sexo comigo, vista algo
vermelho. Consumami. — Consuma-me.

—Você quer um fogo na sua cama.

Ela disse isso como se fosse questionável. Como se fogo


fosse uma palavra ruim. Como se fosse algo a temer. Talvez
para ela fosse. Uma borboleta era uma criatura frágil e
poderia facilmente ser tragada pelas chamas, mas não se as
carregasse dentro dela. Ela tinha isso. Ela carregava a força
para fazer a mudança.

— Sim — eu disse. — Um fogo. Dessa forma, saberei que


você está pronta.

— Quero estar — ela sussurrou.

— Você estará. Nós trabalharemos nisso.

Senti-a sorrir contra o meu peito. Ela me beijou lá e


depois debaixo do meu pescoço, ao redor da minha
cicatriz. Congelei, mas ela não percebeu. Obrigado, porra. Ela
bocejou e murchou contra mim.

— Hora de dormir. — Levantei-a da mesa, carregando-a


em direção a suíte.

— Dormiremos na mesma cama? Pois eu quero. Você


disse durante a reunião que a decisão era minha quando
chegasse aqui.

Foi por isso que tornei a outra sala tão desagradável. Ela
precisava estar perto de mim.
Coloquei-a no meio da cama monstruosa e ela tirou o
roupão, colocando-o no fundo do colchão. Rastejando sob as
cobertas, ela se aproximou do travesseiro e depois esticou
uma perna. Ela estava bem, sua perna nua saindo
assim. Sua bunda também era um punhado suave. Foi a
primeira vez que pude dar uma boa olhada nisso. Eu queria
morder até que ela gritasse. Então eu queria fodê-la.

— Você vem?

Limpei o aperto da minha garganta.

— Mais tarde. Tenho trabalho a fazer. Se você precisar de


mim, há um relógio na mesa de cabeceira. Pressione o botão
ao lado e diga: 'ligue para o Capo'. Isso conectará você a mim
imediatamente. Você pode chamar Giovanni da mesma
maneira.

— Chamo-o de Capo, também?

— Não. Isso é só para mim. Basta dizer o nome dele e


isso o conectará a ele imediatamente.

Ela fez a mão parecer uma arma, apontando para mim, e


então piscou ao mesmo tempo em que fazia um clique com a
boca, a “arma” inclinando um pouco.

— Entendi. — Então ela riu, e percebi que ela estava


fodendo comigo o tempo todo. Faz um tempo – anos – desde
que passei tanto tempo com uma mulher. E nenhuma como
esta. Eu teria que acelerar para acompanhar.

Ela sentou-se, esfregando os olhos, as cobertas


caindo. Seus mamilos ainda estavam duros.
— Você é uma daquelas pessoas que não conseguem
dormir?

Dei de ombros. — Depende da noite. — E se você estiver


disposta a me foder a noite toda.

— Então, eu realmente vim morar na bat caverna.

Longe disso, mas se isso significava que ela se sentia


mais segura aqui comigo, deixaria estar.

— Ei — disse ela, me parando antes de eu sair. — Você


tem tempo para assistir a um filme antes de ir
trabalhar? Talvez possamos fazer floats14? Sempre quis
um. Nós temos todas as coisas.

Este lugar era grande. Era novo. Ela estava tendo


problemas para se ajustar. Então pensei na casa em Staten
Island, quão confortável era, e essa palavra proibida passou
pela minha mente novamente. Inveja. Harry Boy pensou nisso
antes do tempo. O lugar era confortável para ela.

De volta ao ponto. Ela só teria que se acostumar com isso.

Tirei minha camisa, estendendo-a para ela. Ela subiu na


cama, tirando de mim. Nossas mãos roçaram e a tempestade
elétrica que vinha se formando dentro de mim a noite toda
parecia enviar uma onda de choque pelo meu braço. Ela

14 Tipo de bebida.
aceitou minha oferta, mas seus olhos percorreram meu peito
nu enquanto o fazia.

— Coloque isso — eu disse, minha voz baixa.

Ela assentiu e vestiu. Pendia como um vestido


enorme. — Então isso é um sim?

— O que vai ser?

— E as mãos de tesoura de Freddie? E vou fazer as


floats!
Capo
As luzes do meu carro acenderam a garagem em um dos
meus prédios. Um segundo depois, o portão se abriu e
estacionei o carro. Uma das músicas ridículas de Mariposa
apareceu no rádio. Senti meu cérebro encolher cada vez que a
garota batia em uma nota. Mariposa amava, no entanto. E às
vezes, quando uma linha específica tocava, ela apontava para
mim e fazia a sincronização labial da letra.

Foi uma das coisas mais estranhas que já vi alguém


fazer. Mas então, me lembrava que era jovem. Aquela
inocência que queria desesperadamente salvar tinha sido
preservada de alguma forma, e quando ela se sentia livre o
suficiente para se reconectar, saia em momentos como
aqueles.

Minhas botas estavam silenciosas contra a calçada


enquanto entrava. Donato havia enviado dois caras para
vigiar, então meus olhos se estreitaram em uma terceira
figura antes que relaxassem.
Estendi minha mão e Donato a pegou. Ele me puxou e
nos batemos nas costas.

— Ouvi dizer que os parabéns estão em ordem — disse


ele em italiano. Ele levantou um copo da mesa e batemos um
papo antes que disséssemos, salute e depois bebemos o
excelente uísque.

— Ele ainda canta como um canário? — Coloquei


minhas luvas. Seria difícil ver a princípio, vestido da cabeça
aos pés de preto.

— Já passamos por isso. Ele está com raiva agora. Exige


falar com o homem que ordenou sua tomada. Ele nos garante
que pagará qualquer resgate.

Nós dois sorrimos. Dei um tapinha no ombro de Donato,


e ele pegou seus homens e saiu.

Coloquei uma máscara de esqui no rosto antes de entrar


na sala. A luz estava fraca e apenas iluminava a mesa e duas
cadeiras. Fora isso, havia apenas um colchão. Um banheiro
ficava ao lado, nu até os ossos, apenas um vaso
sanitário. Não havia janelas em nenhum dos quartos, apenas
paredes de tijolos.

O homem que vim ver se levantou da cama, tentando


ficar quieto, mas falhando. Ele estava respirando
pesadamente.

— Peguei você agora, seu filho da puta. — Sua voz tinha


um pouco de emoção. — Você deixa uma arma para trás e
não espera que eu a use em você?
Ele levantou a arma e depois...

Clique.

Clique. Clique. Clique. Clique.

Ri quando ele atirou a arma contra a parede.

— Filho da puta! Você me enganou!

Ele me cobrou e o parei, usando meu punho para


empalar seu estômago. Sua boca se abriu e fechou quando
ofegou como um peixe fora d'água. Peguei-o pela coleira e
joguei-o em direção à mesa. Ele caiu no chão e, em vez de se
levantar, revidando, olhou para mim.

— Sente-se — eu disse.

Os olhos dele se estreitaram. — Conheço você?

— Não, — eu disse.

Ele lambeu os lábios e levantou as mãos sujas. — Eu


disse aos outros caras, aqueles sem as máscaras, vou te dar
o que você quiser. Estou conectado Farei o que for preciso. O
que você quiser é seu. Tudo o que você precisa fazer é dizer a
palavra.

— Ah. — Respirei. — Seu povo não vai mais nos matar?

Ele estava falando sobre como estava conectado e como


éramos todos homens mortos quando o
peguei. Homens mortos. Ele não tinha ideia de que havia
apenas um homem que o mataria. Eu. O resto eram apenas
cães de guarda até eu voltar para terminar isso.
Seus olhos se estreitaram ainda mais, quase se
fechando, tentando ver além da escuridão que me envolvia.

— Não, eles vão com calma se você me deixar ir


agora. Vou me certificar disso.

— Por que você não usou a arma, Quillo?

— Eu tentei! Não tinha balas.

— Eu quis dizer antes. Em você mesmo. Você nem


procurou balas.

Ele tentou torná-lo sutil quando se afastou de mim, mas


notei tudo. — De que serve uma arma sem balas?

— Você conhece o jogo — eu disse. — Estava lhe dando


uma saída fácil.

Um dos homens de Donato havia deixado a arma em


cima da mesa. Ele havia lhe dado uma opção: pegue o
caminho mais fácil, coloque uma bala em seu cérebro, ou
seria eu quem terminaria. Exceto que o homem de Donato
não me mencionou pelo nome. Ele me chamou de destino e
disse que eu era um filho da puta cruel. Mas o problema com
homens como Quillon “Quillo” Zamboni é que eles pensam
que são donos do mundo. Portanto, pensou que conseguiria
sobreviver com isso.

Ele estava conectado. Seu pai esteve diante dele. Mas


sabia como o jogo era jogado, e se alguém suficientemente
poderoso o quisesse morto, você estaria morto. E se você
fosse um covarde, colocar a arma no seu próprio cérebro e
atirar seria mais fácil do que qualquer destino que tenha
planejado para você.

Ele nunca tentou usar a arma em si mesmo. Nunca


sequer o contemplou. Um dos homens de Donato estava de
guarda na porta, e nenhum clique foi disparado. Se tivesse,
ele teria recebido uma bala para tentar novamente.

Uma piada doentia. Se ele decidisse terminar tudo antes


que a tortura realmente começasse, teria que ir novamente,
porque a arma não tinha uma bala. Era à minha maneira de
foder com ele um pouco mais.

Demorou um momento, mas quando ele percebeu do que


o chamei, ele se levantou, balançando como se estivesse em
um barco durante uma tempestade.

— Você me chamou de Quillo. — A cabeça dele inclinou


para o lado.

— O quê? Você é bom demais para Quillo, Quillon? Você


sempre foi um idiota, mas nunca mostrou o quanto de
pomposo era antes de concorrer ao cargo. Quillon parecia
mais apropriado que Quillo, tenho certeza. Vocês fodas
políticas que começam nas trincheiras são todos
iguais. Tentando provar que você é algo que nunca será. —
Peguei a arma no chão antes de me sentar à mesa, em frente
a ele. Empunhei a arma e relaxei no meu lugar. —
Honesto. Sincero.

Ele engoliu em seco, dando um passo mais perto da


mesa. — Mostre seu rosto — disse ele. — Conheço você.
Ah. Peguei o topo da máscara de esqui na minha mão. —
Você pensou que sim. Não mais. — Então, removi a máscara
completamente.

Ele ofegou, seus pés automaticamente o trazendo de


volta, direto para o colchão. Ele bateu contra os joelhos e
caiu, depois voltou a levantar.

— Não! — Ele balançou a cabeça, as mãos acenando


freneticamente na frente dele. — Não. Você é um
fantasma! Estou morto. Eles devem ter me matado. Estou no
inferno. Contigo. Preciso de perdão. Querido Deus, livra-
me. — Ele caiu de joelhos e começou a rezar o Santo
Rosário. Seu medo enchia o ar com amargura. Tinha o
mesmo cheiro de sangue fresco.

— Pare de ser dramático. — Usei minha perna para


empurrar a outra cadeira para mais perto dele. —
Sente. Vamos conversar. Está na hora de nos atualizarmos.

— Vittorio. — Ele balançou a cabeça, como se estivesse


tentando acordar. — Você é um fantasma. O que você quer
comigo?

Chamei-o de tolo em italiano. — Você tem medo de um


fantasma. Você deveria ter mais medo de mim. Eu ainda
sangro. Posso ser morto. Novamente. Então, você sabe o que
isso significa? Sou perigoso. Sou o fantasma vivo que você
deve temer.

Ele se levantou, ainda balançando um pouco, e


empurrou a cadeira para mais perto da mesa. Mesmo que
não estivesse à vontade, relaxou um pouco, pensando que
poderia me convencer disso. Achando que poderia tentar
jogar em nossa história para esmagar qualquer que fosse esse
problema. Assumiu que tinha a ver com negócios.

— Posso? — Ele colocou uma mão perto da minha.

Balancei a cabeça, e ele usou o dedo indicador para


sentir minha pulsação. Ele se afastou quando sentiu.

— Você não está morto.

— Pelo visto...

Então ele sorriu e iluminou seu rosto. Uma onda de


alívio tomou conta dele.

— Filho da puta! Você está vivo. — Ele ficou em pé por


um segundo e então, empolgado demais para ficar em pé,
sentou-se. — E quando isso foi um problema? Você não ser
perigoso? Diga-me algo que não sei, como por que estou aqui.

— Com o tempo — eu disse, vendo-o relaxar tão perto de


mim novamente. Estar ao lado dele parecia como nos velhos
tempos, mas desta vez ia rasgar sua garganta e ver como ele
sangrava aos meus pés. Ou talvez fosse mais criativo. — Você
precisa me dizer coisas primeiro.

— Espere. — Ele levantou a mão. — Você é quem iniciou


as guerras entre todas as famílias. Seu pai mandou
você? Meu Pops está em muitos maus lençóis. Pensei que
talvez isso tivesse algo a ver com ele, mas depois pensei um
pouco mais. Ele está em apuros desde Angelina... — Ele
parou por aí, não indo mais longe.
Sim, seu velho havia partido a cidade depois do que
aconteceu. Quillo não teve tempo de reagir, então Arturo
começou a usá-lo para o que precisava. Quillo era o
equivalente a um criado contratado. Ele teve que pagar pelos
pecados de seu pai e pelos de uma irmã que fodeu dois
irmãos. O fato de ela ter fodido nós dois não importava. O
importante é que ela estava passando segredos – segredos
que ninguém pediu – e então armou para um de nós. Sua
lealdade foi testada e provou ser tão fina quanto água. Você
quer ficar neste jogo, você precisa de sangue.

— Não tenho pai — eu disse. — Não tenho nada além de


inimigos.

— Merda. — Ele passou as mãos pelos cabelos, fazendo


os fios loiros ficarem em pontas finas. — Então você está
orquestrando uma guerra massiva. Você matou os chefes
dessas famílias. Seus filhos. Você é louco, porra! O que você
está fazendo é insano. Uma missão suicida. Depois da sua
morte, bem, não a morte, mas...

— Minha morte — eu disse.

— Arturo ficou ainda mais forte com o Achille ao seu


lado. Ele não se importa com quem ele mata. Ele é um
selvagem. Ele tira a vida de inocentes sem nem piscar. Ele é
um lobo raivoso. A única família da qual os Scarpones já
recuaram são os Faustis, mas ninguém os aceita.

Abri e fechei meus braços. — Parece que minha vida


sempre teve uma data de validade curta. Achille se certificou
disso. Arturo continuou com isso.
— Foi obrigado. Você não pode dar ordens e seus
homens lhe desobedecerem.

— Desobedecer. — Testei a palavra. — É isso que você


chamaria de salvar uma garotinha de um destino que ela não
merecia?

Ele parecia sentir algo de mim então, mas não tinha


ideia do que, a menos que soubesse quem ela era, e eu
duvidava que soubesse. Se o fizesse, ele a teria entregado aos
Scarpones quando teve a chance.

Seu olhar pousou na minha cicatriz, e então ele


encontrou meus olhos novamente.

— Por que você a salvou? A criança de Palermo? Ele


nunca fez nenhum favor a você. Ele tentou matar Arturo bem
na sua frente. O único homem que já feriu Lupo.
Wolf. Palermo trabalhou para o seu velho, Arturo, por
anos. Arturo confiava nele, como um filho. E ele o enganou
da pior maneira. Então, por quê?

— Tive minhas razões, — disse.

— Razões. E onde diabos elas te levaram? Vivendo como


um fantasma em sua própria cidade? Silenciado? — Nos
olhamos por alguns minutos, o único som era água correndo
no banheiro. Então ele falou de novo. — Agora entendi. Você
voltou para tirar todos eles. Você está começando uma guerra
para que eles não tenham mais ideia de em quem
confiar. Uma família tentando destruir outra. Até os
irlandeses se envolveram. O que eles fizeram com você?

Eu sorri. — É caos, não é?


— Sim. — Ele assentiu uma vez. — Você pode dizer isso.

— Eu disse isso. Agora você me diz algo que não sei.

— Você parece saber tudo. A única coisa que você nunca


soube foi que Achille aproveitaria a oportunidade de correr
para Arturo e denunciá-lo por não matar o filho de Palermo
na frente dele. Essa esposa dele também.

— Ah. — Sorri de novo. – Eu sabia.

— Então realmente não entendo por que você fez


isso. Alguns dizem que preferem enfrentar o inferno a
enfrentar Arturo Scarpone.

— Enfrentei o inferno e sobrevivi. — Sentei-me um pouco


à frente, aproximando-me. — Conte-me sobre a garota que
você adotou há cinco anos.

Ele mordeu o interior do lábio e olhou para a parede. Era


a porra do seu rosto de pensamento político. Parecia que
estava dando uma merda.

Fiquei de pé tão abruptamente que a cadeira caiu atrás


de mim e ele não teve chance de reagir. Agarrei-o pela
garganta e apertei até seus olhos começarem a
lacrimejar. Quando o soltei, ele caiu de volta em seu assento,
ofegando. Peguei minha cadeira e a coloquei, no lugar
novamente.

— Você me conhece, Quillo. Vou quebrar seu pescoço por


muito menos do que se fazer de idiota.
— Cinco anos atrás — ele se engasgou. — Cinco anos
atrás…

Eu me perguntava quantos filhos inocentes ele e sua


família haviam criado ao longo dos anos, e quantos desses
filhos ele havia tocado enquanto sua cadela de esposa,
alpinista social, o ignorava. Ela entrava regularmente no
Macchiavello’s com seus amigos falsos. Ela tinha fodido
metade deles.

— Mari — Ele foi dizer o nome inteiro dela, mas balancei


minha cabeça, desafiando-o. — Você quer o sobrenome dela?
— Ele recuperou o fôlego, mas sua voz era como uma lixa.

— Sim, dê para mim — eu disse.

— Flores.

— O que você lembra dela? — Revirei os dentes sobre o


lábio inferior. — Detalhes.

Ele pegou o gesto e assentiu. — Apenas me dê um


segundo. — Respirou fundo algumas vezes e suspirou. —
Jovem. Por volta dos treze anos, talvez mais jovem.

Não, seu filho da puta, ela parecia mais jovem porque


estava no sistema e nunca teve um fluxo constante de
refeições adequadas. O que tornou sua ofensa ainda pior. Ele
pensou que era mais jovem e ainda colocou as mãos nela.

— O rosto dela tinha potencial para se tornar algo


especial. Seu nariz era estranho, mas seu corpo era
apertado. Ela tinha seios bonitos. E essa bunda? Ela era
magra, mas já era um boom. — Ele riu. — Nós nos tocamos
— Quando ele pegou o olhar no meu rosto, o rolar dos meus
dentes sobre o meu lábio novamente, estava mais rápido e
mais esperto dessa vez. Ele mudou sua história. — Eu a
toquei. Tudo certo! Eu a toquei. Ela era irresistível.

— Ela lutou.

– Não no começo. Ela não esperava isso. A última vez


puxou uma faca para mim. Então se foi. Decolou. Eles a
deixaram em fuga por um tempo, mas ela era uma criança do
sistema. Ninguém realmente aparece.

— Você a fez acreditar que a bondade vem com cordas.

— Sim. Peguei a cadela sem-teto. — Seu rosto estava


comprimido, mas, de repente, relaxou. — É ela! A criança de
Palermo! Você está procurando por ela. — Ele era estúpido
em alguns aspectos, mas muito perspicaz em outros. Ele
sabia que se eu estava perguntando, havia uma razão.

— Os Scarpones têm uma recompensa por ela.

Ele fez um barulho incrédulo. — Sim. Há dinheiro pela


cabeça dela. Desde aquela noite. Só cresce com o tempo. Mais
interesse ganho com os anos. O primeiro a trazer para Arturo
a cabeça decepada, recebe o pote inteiro. Cara. — Ele
balançou a cabeça e assobiou.

Claro que queria ter percebido mais cedo, reconhecê-la,


para que todo o pote doce pudesse ser dele, junto com acesso
total à boceta dela antes de entregá-la. O pote não era sobre
dinheiro, era sobre estar em melhores graças com Arturo e
seu cão de ataque, Achille. Se Quillo tivesse que responder a
Arturo, ele lidava com Achille regularmente.
— Ainda não consigo esquecer você chamando os
Scarpone de Scarpones. Cara, os tempos mudaram. — Ele
suspirou e então seus olhos se arregalaram. — Lembro-me de
algo mais sobre ela. Os lábios. Aqueles lábios. — Seus olhos
suavizaram com o pensamento. — Você está procurando por
ela agora? Posso te ajudar. Não me lembro da cor do cabelo
ou dos olhos, mas não é realmente um problema. Conheço
pessoas e a reconheceria em qualquer lugar. E se você está
preocupado comigo correndo para contar à sua família, você
sabe que não direi nada. Você e minha irmã...

Ele se deteve e teve sorte. Estava prestes a


cortar sua cabeça e entregá-la à família Scarpone
gratuitamente.

— Apenas oferecendo. — Ele levantou as mãos.

Inclinei-me para o lado, peguei outra arma pequena nas


minhas costas e coloquei-a sobre a mesa. Quillo olhou para
ela antes que olhasse de volta para mim. Inclinei-me para
frente e juntei minhas mãos, meus dedos cobrindo minha
boca. — Não preciso procurá-la, Quillo. Sei onde ela está
certamente neste maldito segundo.

— Você sabe?

— Sim. Ela está em casa, na nossa cama,


dormindo. Minha esposa. Você fodeu com minha esposa,
Quillo. Você a tocou quando ela era uma criança sob seus
cuidados. O que deveria ter sido um lugar seguro, você
transformou em uma prisão de escória. Você quer saber por
que fiz o que fiz? Por que salvei Marietta Bettina Palermo? —
Revirei os dentes sobre o lábio.
— Salvei-a porque ela era inocente. Troquei minha vida
para que sua inocência pudesse viver. E então você sabe o
que aprendi, Quillo? Aprendi que um fodido doente a fez
acreditar que bondade era uma coisa desagradável. Que
vinha com cordas. Você pegou tudo o que sacrifiquei por ela e
torceu. Você pegou essa inocência e a fez sentir
vergonha. Você fez algo que deveria ser limpo, o único
momento na vida que pode ser, parecer imundo, colocando as
mãos nela. Como você acha que me sinto sobre isso,
Quillo? O que você acha que farei para garantir que você
nunca faça isso de novo? Não para o que é meu. Não para
ninguém.

Ele não disse nada por um tempo. Nem tentou negar ou


defender. Não conseguiu. Existem alguns homens que se
sentam e inventam desculpas. Esse não. Não havia desculpa
que pudesse salvar sua vida. Assuntos comerciais poderiam
ser negociados, mas uma ofensa pessoal? Imperdoável.

Estava suando novamente, os lábios contraídos. — Você


se apaixonou por ela. Você se apaixonou pela filha de
Palermo.

Sorri e Quillo moveu a cabeça para trás em resposta,


mas ele estava prestes a usar a raiva para esconder seu
medo. Velhos hábitos nunca morrem, mas nunca esqueci.

Ele bateu na mesa com o punho. A arma tremeu.

— Você a ama, porra! A desova desse filho da puta


Palermo! Ele era tão mal quanto seu pai! Minha irmã. Ela era
uma boa menina. Ela não merecia o que aconteceu com
ela! E você se sentou lá e assistiu. E agora você se senta na
minha frente e me condena quando sua consciência está tão
imunda quanto eles. Você os viu rasgar minha irmã ao meio e
não sentiu nada! Ela queria que você a
amasse! Ela amou você. E você nem podia dizer. Você nem
lutou por ela! E agora você se casa com a filha de
Palermo. Uma prostituta! Um bi...

Inclinei-me sobre a mesa e agarrei-o pela garganta


novamente, e desta vez, ele tentou lutar comigo. Agarrou a
arma, mas foi subjugado.

— Você está fora de forma, Quillo. Todas essas refeições


ricas e gordurosas foram direto ao seu coração. Todo esse
chiado... — Balancei minha cabeça. — Não é bom. Cuidado
com a boca, ou vou ter que tirar essa língua. Abrir suas vias
aéreas um pouco.

Depois que ele relaxou e parou de brigar comigo, o soltei,


e ele caiu na cadeira novamente. Desta vez chiou, batendo na
mesa por ar. Peguei a arma, examinei-a e depois a coloquei
no chão quando ele se acalmou.

— Não se trata de amor. Isto é sobre


lealdade. Respeito. Algo que sua família nunca soube
nada. Assim. — Empurrei a arma na direção dele. — O que
vai ser? A arma ou eu? — Sorri para ele, mostrando alguns
dentes.

Ele pegou a arma da mesa, colocou-a na têmpora e


fechou os olhos. Ele atirou em mim, a anta, e disse: — Foda-
se, garoto bonito. Vejo você no inferno um dia — e depois
puxou o gatilho.

Clique.
Demorou um segundo, mas seus olhos se abriram
quando ele percebeu que a arma estava
vazia. Clique. Clique. Clique. Seu dedo estava frenético,
enquanto ele puxava continuamente o gatilho.

Joguei minha cabeça para trás e ri. — Eles podem ter me


matado, mas algumas coisas sempre permanecem as
mesmas, Quillo. Aparentemente, o mesmo vale para
você. Você nunca aprende. — Suspirei. — Você deveria saber
melhor. Eu nunca seria tão fácil com você. — Então me
levantei e o acertei com tanta força no peito que senti seu
osso estalar. Então coloquei minha mão sobre sua boca e
nariz, drenando sua vida.
Mariposa
— O que você acha, Vera II? Devemos adicionar mais
alecrim? Mais manjericão? Ou o tomilho? — Levantei até o
nariz e cheirei com muita força. Então, espirrei e tossi. — Um
pouco disso percorrerá um longo caminho. Mas alecrim? Amo
o cheiro disso. — Desta vez, não coloquei a garrafa tão perto.

Vera II parecia exatamente com Vera I, exceto que seu


pote era diferente. Depois que Capo me mostrou o local e
comecei a me sentir confortável, notei Vera II sentada na
mesa do meu lado da cama, bem ao lado do relógio. As folhas
originais de Vera eram escassas e o mesmo se aplicava a Vera
II. Poderia jurar que elas eram da mesma planta, mas sabia
melhor.

Como ele poderia ter me dado a mesma planta?

Parecia estranho como elas eram. E pensaria que ele


teria comprado uma planta com mais babosa.
Desta vez, jurei aumentar Vera II. Ela já tinha uma dose
de alimento para plantas suculentas. De vez em quando eu a
movia para que tivesse quantidades iguais de luz e descanso.

Durante uma das consultas com meu médico – que foi


um período durante a nossa reunião – tive que ver alguns
deles desde que não fazia há anos – li na sala de espera. A
revista afirmou que conversar com suas plantas as fazia
crescer mais rapidamente. Também dizia que as plantas
pareciam reagir melhor às vozes femininas do que às
masculinas. Então, sempre que estava em casa sozinha, Vera
II e eu conversávamos.

Desde que estava fazendo o jantar, sozinha em casa, ela


ficou com o sermão. Poderia ter ligado para Keely, mas decidi
não ligar.

Estava casada há duas semanas e, embora conversasse


com Kee, não era frequente, e nossas conversas pareciam...
curtas. Sabia que ela ainda me amava, mas estava lutando
com os sentimentos românticos de Harrison e os meus
platônicos depois que ele me confessou como se
sentia. Estávamos em terreno instável. Costumávamos
conversar sobre tudo – principalmente sobre como
sobreviveríamos – mas como tudo tinha virado de cabeça
para baixo, trocamos o que antes chamamos de “problemas
das pessoas pobres” por “problemas das pessoas ricas”.

Era um mundo totalmente novo para mim, e ainda


estava brincando. Tantas coisas que escrevi no meu diário
estavam acontecendo de uma só vez. E em algum lugar, no
fundo, um medo sombrio tomou conta de mim. Fiquei
esperando os sapatos desaparecer e os que eram muito
apertados (e costumavam me fazer sangrar) reaparecer.
Olhei para os meus pés. Estavam nus. Amei a sensação
do chão do quartel de bombeiros embaixo
deles. Fresco. Limpo. E em alguns quartos, tão suave que
queria chorar.

Esse lugar. Cheirava a casa para mim. Ele me fez sentir


como em casa. Não queria ir embora e, desde que cheguei, só
saí para me encontrar com os organizadores do casamento no
escritório de Rocco, ter os acessórios para o meu segundo
vestido de noiva e comprar mantimentos. Tinha um cartão
preto elegante que meu marido insistia em usar. Tinha meu
nome, Mariposa Macchiavello, e sem limite.

O cartão preto não era nada comparado à minha nova


identidade e passaporte. Meus olhos brotaram com aquele.

— Que tal Vera II? Essa consistência parece certa para


você? — Levantei a tigela, mostrando à minha planta a
mistura que fiz para ir entre as camadas da massa fervendo
no fogão. Estava tentando fazer lasagne al forno. Quando
Capo me trouxe aqui após o casamento, uma bandeja cheia
estava na geladeira. Foi a melhor coisa que já provei, então
procurei em um dos meus muitos livros de receitas e
encontrei uma receita nele.

Até o momento, não tinha feito uma refeição que


realmente tivesse um gosto bom, mas como não tinha mais
que tempo, estava determinada a acertar em algum
momento. Colocando a tigela no chão, decidi pegar os
ingredientes necessários para um bolo de creme italiano. Era
como tentar tocar o topo de duas montanhas em um dia,
cresça ou vá para casa. De qualquer forma, ganhar ou
perder, eu estava certa.
— Foda-me — respirei. O tamanho monstruoso da
despensa sempre me chocava. Era maior do que o
apartamento que eu havia alugado de Merv, o pervertido
morto (novo apelido de Kee para ele). E sem ratos.

Enquanto procurava coisas, um estalo ecoou da cozinha


e, a princípio, pensei que alguém estivesse atirando em
mim. Apertei o açúcar no meu peito, me perguntando o que
estava acontecendo. Então o cheiro de fumaça assaltou meu
nariz e um alarme alto soou. — Merda! A massa!

Ainda segurando o saco de açúcar no peito, corri tão


rápido que, quando entrei na cozinha, deslizei no piso de
madeira brilhante e elegante. Capo havia me derrotado,
tirando a panela do fogão, colocando-a em água fria. A panela
chiou e estalou, realmente irritada, e mais fumaça espessou o
ar.

Ele acenou com a cabeça em direção ao fogão. — Ligue o


ventilador.

Coloquei o açúcar no balcão e fiz o que ele


disse. Demorou alguns minutos, mas o ar começou a clarear,
apenas redemoinhos de branco destacados pelo sol
persistente. E o cheiro. Era uma mistura entre queimar
plástico e algo que nem tinha nome, exceto nojento.

Depois que ele colocou a panela arruinada na pia, se


virou para mim. — Talvez eu devesse ter mantido este lugar
como está. Uma casa de bombeiros.

Não pude responder. Ele estava sem camisa, apenas


uma toalha enrolada na cintura fina. Sua pele era lisa e
firme, lisa de um banho quente. Seu cabelo estava penteado
para trás – preto verdadeiro quando estava molhado – e gotas
escorriam por seus ombros e peito.

Seus olhos eram ainda mais elétricos. Eram de um azul


tão impressionante que me perguntava se a cor havia sido
roubada de um oceano escondido. Embora o cheiro rançoso
ainda persistisse, o chuveiro tornara seu perfume mais
forte. Era como se tivesse acabado de sair de uma praia, mas
dez vezes melhor.

Esta foi a primeira vez que o vi assim, com quase


nada. Seus ombros eram largos. Seu peito e estômago
musculosos pareciam esculpidos em pedra. Ele
provavelmente tinha sete pacotes em vez de seis. A toalha
baixou, mostrando dois entalhes profundos em ambos os
lados dos quadris, formando um V. Um espesso pedaço de
cabelo preto apareceu. Seus braços pareciam pertencer a
uma daquelas revistas fitness. Suas pernas eram longas e
magras. Elas pareciam fortes, mas não muito volumosas.

A coisa sobre meu marido – algo que aprendi durante


nosso curto período juntos – era que, mesmo quando uma
situação se tornava embaraçosa, ele não se
importava. Parecia aceitar tudo. Meus olhos estavam colados
a ele, sem vergonha, e os dele estavam colados em mim. Ele
não tentou me distrair ou fingir que não sabia o que tinha
acontecido comigo. Ele não balançou a panela em ruínas e
disse jantar, lembra? Ele dizia: você não está vestindo
vermelho e não está na minha cama, então sei o que isso
significa. Você não está pronta para me foder ainda.

Em seguida, explorávamos um ao outro mais um pouco


ou fazíamos outra coisa. Assistíamos a filmes, ouvíamos
música ou conversávamos sobre lugares que poderíamos
viajar ou coisas que poderíamos fazer em casa mais tarde. Ele
queria que eu desse meu toque uma vez que descobrisse o
que queria. Já estava tudo perfeito. Até as roupas, sapatos e
joias que ele havia escolhido para mim no armário. Foi tudo
um sonho desse tipo realizado.

Talvez também estivesse na superfície. Não tinha me


puxado para o fundo do poço ainda.

Finalmente, entendi as palavras morrendo de vontade de


sair da minha boca.

— Quando você chegou em casa?

— Na hora em que você estava lendo a receita da lasagne


al forno para — ele olhou para a planta no balcão e depois
para mim de novo — Vera II. Ela não é muito faladeira.

— Não — eu disse, inclinando-me contra o balcão. Meus


olhos continuavam piscando em sua toalha a cada
segundo. Ele não estava duro, mas havia uma protuberância
gigantesca. Não podia fingir que não estava curiosa para
saber como era. Como ele era. Nu. Respirei fundo e soltei
lentamente. — Ela é uma boa ouvinte, mas não muito
fofoqueira.

— Tem algo para sair do seu peito?

— Por quê? Você vai ouvir?

— Não é isso que os maridos fazem?


Uma enorme bolha de risada explodiu da minha boca. —
Talvez eu não saiba nada sobre ser domesticada, mas sei que
os homens não são bons ouvintes. Audição seletiva.

— Audição seletiva — ele repetiu, um tom desconfiado


em sua voz. — Onde você ouviu isso?

Sorri. — Noite das meninas.

A esposa de Rocco, Rosaria, tinha me convidado para se


juntar a ela e as mulheres da famiglia Fausti para as noites
de meninas. Algumas eram apenas amigas, mas todas eram
principalmente parentes. Rocco tinha três irmãos. Brando,
Dario e Romeo. Brando era o mais velho e o mais intenso. Ele
apenas assentiu quando perguntei se gostava da camisa
emoldurada que sua esposa, Scarlett, havia lhe dado.

Havia convidado Keely para vir comigo uma noite, mas


parecia ter ciúmes de quão bem Scarlett e eu tínhamos nos
dado. Depois disso, não convidei Keely novamente, porque
não queria que as coisas ficassem estranhas.

Quando Scarlett me viu pela primeira vez, disse: — Eu


disse que te veria de novo! — E então me envolveu em seus
braços pequenos e me abraçou. Ela era uma bailarina famosa
e, em comparação com o marido, muito pequena. Não sabia
dizer o que havia nela, mas me fazia sentir mais leve. Como
se eu pertencesse a eles. Ela e as outras esposas me fizeram
sentir como família.

A noite das garotas era sempre realizada em uma de


suas casas (no próximo final de semana, na nossa, no prédio
ao lado do corpo de bombeiros), e isso fazia Capo se
tranquilizar. Depois do casamento na prefeitura, ele
aumentou nossa segurança. Eu tinha três novos Giovanni’s,
que se tornaram quatro, e Capo parecia... um pouco tenso
quando estávamos em público.

As noites foram divertidas para mim, no


entanto. Conversamos sobre os livros que lemos, algumas das
meninas de malha ou tricô e, em algum momento, sempre
acabávamos conversando sobre nossos homens.

Nossos homens.

Meu homem.

Capo era meu.

A verdade dessas palavras roubou meu fôlego.

Eu era a esposa de alguém.

Sua.

Toquei o anel no meu dedo esquerdo, um lembrete. Isto


não é um sonho.

Ele se aproximou, me prendendo contra o balcão, um


braço de cada lado de mim. Seu anel de casamento bateu
contra o mármore quando ele descansou ali suas
mãos. Estendi a mão e puxei as pontas de seus cabelos
úmidos. Gotas correram pelo peito dele.

— Sobre o que estamos falando? — Ele perguntou.

Eu sorri. — Vê? Audição seletiva. Noite das meninas,


oh. — Comecei a rir. — Você está brincando comigo!
— Você tem que acelerar para acompanhar, Butterfly. —
Ele me beijou na testa.

Borboleta. Ele nunca me chamou assim antes. Apenas


Mariposa.

— Sim — disse, minha voz suave. — Se quero correr com


o lobo solitário, preciso melhorar meu jogo.

Sua boca passou da minha testa para o meu nariz, seus


lábios macios, mas firmes. Ele beijou a ponta do meu nariz,
uma vez de cada lado e uma no centro, antes que seus lábios
encontrassem os meus. Como sempre, respondi, faminta por
seu toque. Estendi minhas mãos para tocá-lo, para trazê-lo
para mais perto, e deslizei minhas unhas ao longo do seu
lado, sobre suas costelas.

Ao toque leve, seus olhos se abriram, olhando nos


meus. Quando minhas unhas se moveram em direção a suas
costas, meu foi toque mais forte, ele fez um ruído selvagem
na garganta e seus olhos se fecharam. Sua língua se moveu
mais rápido, mais forte, girando com a minha, e tudo ao meu
redor parecia desaparecer.

Levantando meus braços, ele removeu minha camiseta,


uma camisa que usava porque a cor me lembrava seus
olhos. O beijo quebrou, mas apenas por um segundo, não o
tempo suficiente para me trazer de volta à realidade. Suas
mãos espalmaram meus seios, seus polegares acariciando
meus mamilos. Um som suave e choroso escapou dos meus
lábios. Minhas unhas afundaram em sua pele, querendo
mais.
Ele interrompeu o beijo novamente, quase violentamente,
sua cabeça se movendo para baixo, a água do cabelo fria
contra a minha pele superaquecida. Soltei um suspiro
quando sua boca substituiu um dos polegares. Ele me
chupou forte, fazendo meu estômago apertar. O pulso entre
minhas pernas queimava, implorando por alívio. Minha
calcinha estava encharcada.

— Por favor — disse, nem mesmo sabendo que tinha dito


a palavra. Não me importava. — Mais.

— Diga meu nome, Mariposa. O nome que você me deu.

— Il mio capo.

Suas mãos fizeram um rápido trabalho no botão do meu


short jeans. Eles deslizaram pelas minhas pernas e saí
dele. O chutei através da cozinha. Fiz o mesmo com minha
calcinha.

Capo me levantou como uma boneca de pano no balcão,


minha bunda contra o mármore frio. — Segure-se. — Ele
acenou para os meus braços.

Mal respirando, coloquei meus braços atrás de mim, com


as palmas das mãos no balcão. Sua boca veio à minha
novamente, e foi uma bela guerra entre nossas línguas. Um
gemido gutural veio da minha garganta, e ele pareceu
engolir. Então sua boca se moveu para baixo – me fazendo
lamber meus lábios para prová-lo novamente enquanto
minha cabeça inclinava para trás – e meus olhos se
fecharam. Ele me lambeu do pescoço até o umbigo, depois
subiu e desceu novamente.
Meu corpo inteiro parecia que estava prestes a
explodir. Quebrar em um milhão de pedaços. A dor entre
minhas pernas não tinha nome. Nem mesmo a fome parecia
suficiente. Minhas coxas tremiam de expectativa. A barba por
fazer em seu rosto arranhou minha pele, sua língua
exatamente o oposto, e a umidade de seus cabelos ainda fazia
uma trilha fresca. Ele empurrou minhas coxas mais
distantes, e quando sua boca se fechou sobre mim para
baixo, lá, tive que pressionar mais contra o balcão para me
manter estável.

Foda-me.

Foda-me.

Foda-me.

Nada nunca foi tão bom.

O sentimento estava contido em uma área, a área em


que sua boca e língua trabalhavam sua mágica, mas enviou
ondas de choque por todo o meu corpo.

Empurrei contra sua boca, nem um pingo de vergonha,


seu nome na minha língua. — Capo. Isso é tão... — Soltei um
suspiro quando a mão dele surgiu e começou a torcer meu
mamilo. — Parece tão bom, tão bom, meu capo.

Ele constantemente fazia de mim uma confusão. Fiquei


traumatizada com o que Zamboni havia feito comigo, mas
sempre que Capo me tocava, respondia ao seu toque sem
medo.
Minhas respirações estavam vindo rapidamente, muito
rápido. Eu estava ofegante e fazendo barulhos que nunca
tinha me ouvido fazer antes. Se ele parasse, a violência viria
da minha mão e cairia em seu corpo.

Ele fez algo comigo, algo com aquela boca mágica que me
mandou além do limite, espiralando fora de controle. Ele me
mordeu, duro, lá embaixo. Meus braços cederam, mas antes
que pudesse voar para trás, Capo me pegou.

Mantive meus olhos fechados. — Estou tão tonta —


disse. — Isso é normal?

Ele riu baixinho, beijando o topo da minha cabeça. —


Sim. Quando for bom.

— Tão bom — sussurrei. — Tão... tão bom.

Ficamos assim por um tempo, nenhum de nós se


mexendo. Esse foi o mais longe que já fomos. E mesmo que
eu não tivesse chegado ao vermelho ainda, estava ficando
cada vez mais perto do fogo. O queria mais do que qualquer
coisa, mas havia algo em mim que parou antes de ir até o
fim.

Zamboni foi o principal motivo, mas havia outra razão


também. Não percebi isso até depois que me mudei, e me vi
flertando com o desejo, tão perto de me entregar a ele. Queria
que nossa conexão crescesse antes de lhe dar meu corpo. O
amor não era uma opção, ele deixou isso claro, mas isso não
significava que tudo o que concordamos não poderia se
aprofundar.
Um relacionamento mais profundo. Um profundo senso
de intimidade. Uma lealdade mais profunda.

Talvez até uma amizade mais profunda.

Talvez eu fosse uma tola, mas precisava sentir mais dele,


um pouco mais de calor, para que, depois que tudo
terminasse, minha alma não se sentisse tão sozinha. Seria
uma besteira total se tivesse dito isso em voz alta, mas no
fundo, sabia que era verdade. Sua natureza fria pode ser tão
difícil às vezes. Nada poderia quebrá-lo, nem mesmo fogo.

Antes de Jocelyn morrer, ela tentou amontoar anos em


meses. Uma noite, quando sua mente parecia mais nítida do
que o habitual, me disse: — Não há nada mais solitário do
que acordar com alguém a quem você se dedicou, apenas para
perceber que ele deu apenas metade da noite. Vai acontecer e
vai doer, mas você vai sobreviver.

Eu poderia sobreviver a esse arranjo se isso acontecesse


entre nós?

Poderia viver sem amor, do tipo que as pessoas


sacrificam suas vidas e almas em romances e filmes, e acho
que na vida real às vezes também, mas poderia viver sem
sentir... algo em comum com ele?

A resposta não importava, apenas minha


lealdade. Minha lealdade a ele era alta, tão alta quanto o
céu. Ele havia garantido isso há muito tempo, quando eu
tinha cinco anos.

Viveria com esse arranjo, mas apenas sobreviveria ao


sexo.
Ele me olhou nos olhos, depois se inclinou e beijou meus
lábios. — Vista-se.

Disse, dando um passo para trás, a toalha fazendo uma


tenda na sua frente. O tamanho dele não parecia... normal. A
toalha e quão duro estava deixou pouco para a imaginação. E
imaginei uma cobra. Uma python gigantesca. Uma coisa era
suspeitar, mas outra era ver o esboço disso tão de
perto. Estava a uma distância impressionante.

Como isso se encaixaria na minha oonie15?

— Vai caber — disse ele, lendo meus pensamentos. —


Seu corpo foi feito para o meu.

Balancei a cabeça, olhando para os olhos dele. Minhas


unhas bateram no balcão. O que ele chamou de agitarsi em
italiano. Mexendo. Parei porque ele não gostou quando
fiz. Disse que não havia razão para ficar
nervosa. Sempre. Mas se ele tivesse visto o que fiz pela
primeira vez? Ficaria nervoso também.

— Onde estamos indo? — Minha voz soou rouca, como


se estivesse gritando. Cada parte de mim parecia drenada,
mas da melhor maneira possível. De alguma maneira
primitiva, gostei que ele tivesse deixado uma marca em mim,
algo mais profundo que a pele. Tocou músculos e ossos.

15
Gíria usada para definir vagina.
— Ao Macchiavello's, para jantar. — Ele me olhou, nua,
exceto pelo meu sutiã de renda, sentada no balcão de
mármore. — Mas nada que eu coloque na minha boca hoje à
noite será comparado ao que acabei de comer. — Ele passou
os dentes pelo lábio inferior. — Vieni. — Ele estendeu a
mão. — Hora de se vestir.

Quando entramos na suíte master, Capo suspirou e


disse: — Diga-me sobre o que você está tão nervosa.

Além do fato de que acabei de ver uma poderosa


python? Quase saiu esta resposta, mas me segurei. O gelo
que o seguia às vezes era espesso. Escolhi ser honesta sobre
outra coisa.

— O, uh, há um cara que... bem, não sei o que ele


faz. Ele corre para encontrá-lo quando você chega ao
restaurante. Foi meio que mal comigo. — Esta seria a
primeira vez que comeríamos no restaurante dele. O cara de
boca grande, Bruno, que me disse que me esmagaria como
um inseto, era difícil de esquecer. Ele me lembrou
Zamboni. E os mesmos sentimentos de vergonha foram direto
para minha alma como ácido.

Capo parou, e quase corri para as costas dele. Ele soltou


minha mão e virou-se para mim. Quase dei um passo para
trás, mas não o fiz. Sua intensidade pode ser ameaçadora às
vezes, mas uma coisa boa sobre a noite das meninas –
aprendi que não era apenas Capo. Todos os homens desse
círculo pareciam ser dessa maneira.

Fique firme, Scarlett havia me dito. Você é tão poderosa


quanto ele.

Seu conselho passou pela minha cabeça, mas eu


continuava vendo um cervo correndo de um lobo. Olhei para
sua tatuagem e depois de volta para seu rosto, agradecida por
ele me chamar de Borboleta, não algo que era presa.

— O que você quer dizer? — Sua voz era severa. — Meio


malvado. É, sim, ele era mau comigo, Capo, ou, não, ele não
era mau comigo, Capo. Não há ponto intermediário,
Mariposa. Use todas as suas palavras comigo.

Ótimo. Ele estava jogando minhas palavras de volta para


mim desde a noite no Harrison.

Segurei minhas mãos na minha frente, estendendo-as,


estalando meus dedos.

— Não é tão simples assim. Talvez estivesse fazendo algo


que não deveria. Não sei para que você o contratou. Se era
para afugentar os pobres da sua janela para que eles não
assustassem os clientes, então, não, ele não era mau. Ele
estava apenas fazendo seu trabalho, mostrando dentes
afiados e garras grandes. Se ele não deveria fazer as pessoas
pobres se sentirem envergonhadas por não poder comprar
um bife em seu restaurante caro, então, sim, definitivamente
era mau comigo. No passado. Um idiota.
Ele estudou meu rosto por um momento. — Por que você
veio ao Macchiavello’s? O nosso restaurante. Você se lembrou
de algo?

Ele fez questão de dizer – nosso – de uma maneira


poderosa, para que eu aceitasse o negócio dele como meu. Foi
difícil quando, na metade do tempo, tudo isso ainda parecia
um sonho.

Balancei minha cabeça. — Não. Costumava passar


algumas vezes quando ia para a Home Run. Você pode ver
pessoas comendo do lado de fora. Cheirava muito
bem. Estava com fome. — Dei de ombros. — Ninguém nunca
saiu com sobras, então achei que o bife deveria valer um rim.

Ele sacudiu o queixo, copiando o que eu tinha feito do


lado de fora do restaurante quando Bruno me deu um tempo
difícil. — Faz sentido agora. Porque você disse o que fez.

— Depois que acabei de me envergonhar, fiquei com


raiva. Seu cara me irritou.

— Você continuou voltando.

— Não sei por quê. Você me deixou... curiosa. — Mordi o


lábio, mas parei quando ele estreitou os olhos. — Você se
lembrou de mim então?

— Você parecia familiar, mas não, não totalmente. Você


cresceu.

— Alguns dias. — Eu sorri, mas era fraco. — Foi um


inferno chegar aos dias em que estou.
— Mariposa. — Ele tocou meu queixo e depois beijou
meus lábios suavemente. Então, pegou minha mão
novamente e me levou para o armário enorme.

Levou apenas alguns minutos para encontrar o que


procurava ao seu lado. Apesar de tudo ter sido organizado
para mim, vestir roupas casuais, inverno, primavera, verão e
outono, levei tempo para encontrar as coisas.

Ainda estava remexendo, tentando encontrar a roupa


certa, quando ele me disse para encontrá-lo em seu escritório
quando terminasse. Ele usava um terno preto com uma
camisa branca por baixo e uma gravata preta. Lembrou-me
um gangster dos anos 20. Todos os seus ternos eram
escuros, pretos ou azuis marinhos. Por alguma razão, a visão
dele me lembrou da tatuagem em seu braço – toda a
escuridão, exceto aqueles olhos azuis elétricos.

Alguns homens faziam isso tão fácil. Dez minutos e...


pronto.

Suspirei, empurrando os muitos cabides até chegar a um


vestido de chiffon preto embelezado. A franja nele me
lembrava água em cascata à noite, as bordas cobertas de
prata, como se a luz da lua as tocasse. Tinha um efeito
ombré. Segurando o vestido no meu corpo, vi que ele pousou
logo acima dos meus joelhos. Elegante e sexy ao mesmo
tempo.

Levei um tempo para fazer minha maquiagem e cabelo. A


equipe de Sawyer havia me ensinado a fazer as duas
coisas. Mantive meus olhos simples, mas usei vermelho
sangue nos meus lábios. Enrolei meu cabelo, mas não fiz
cachos cheios. Deixei ondulado. Depois, me banhei no creme
que Capo tanto amava e pulverizei o perfume. Então, me
vesti.

Três pulseiras de ouro branco, incrustadas de diamantes


e safiras, e um par de brincos combinando quase
terminaram.

— Caramba — respirei. Esperava que as joias da pulseira


não fossem reais. Tenho o suficiente para me preocupar com
o anel no meu dedo esquerdo. Talvez eles apenas cortassem
meu pulso e terminassem com isso. Podem até ir atrás das
minhas orelhas se notarem os brincos.

Sacudindo o choque, essa era a minha vida, encontrei


um par de saltos altos e pretos e fazia belos padrões contra
meus pés.

Tudo feito.

— Mariposa — Capo parou quando nos encontramos no


corredor do armário. Foi a primeira vez que realmente me
vesti desde que nos casamos. Gostei de como ele olhou para
mim, como quando abri minha túnica e lhe mostrei meu
corpo na noite do nosso casamento na prefeitura.

— O que você acha? — Virei-me um pouco para ele. —


Bom o bastante?

Queria deixá-lo orgulhoso enquanto estava em seu


braço. Queria parecer bem, não... Deslumbrante para
ele. Nunca pensei que usaria – eu e deslumbrante – na mesma
frase, mas as coisas haviam mudado. Esse homem era tão
bonito que dificultava recuperar o fôlego às vezes. E ele me
escolheu. A garota com a schnozzola16 de forma estranha.

— Sbalorditiva. — Ele passou os dentes pelo lábio


inferior. — Você me deixa orgulhoso, Mariposa.

Sbalorditiva. Eu sabia o que a palavra significava sem


Capo ter que traduzir. Impressionante. Houve momentos em
que eu não fazia ideia do que ele estava dizendo, mas outros
sim. Era estranho entender palavras que nunca tinha ouvido
antes em um idioma diferente, mas de alguma forma
conhecendo seu significado.

Então a última parte do elogio dele veio à minha


mente. Você me deixa orgulhoso.

Antes que pudesse dizer algo estúpido, ele levou minha


mão à boca, colocando um beijo suave nos meus dedos.

— Eu não mereço seu tempo ou companhia, mas,


independentemente disso, é tudo meu. Para o resto da minha
vida. — E, com isso, ele pegou minha mão e partimos.

16
Nariz
O carro de Capo parou suavemente em seu lugar
reservado em frente ao Macchiavello’s. Ele dirigira sua
Mercedes AMG Vision Gran Turismo. Era todo prateado e
lustroso e parecia o Batcar. Era o que achava que estava
buscando, já que morávamos no que parecia uma
Batcaverna.

Em nossa chegada, algumas pessoas pararam para


olhar. Sempre que estacionava em um de seus carros, parecia
causar um rebuliço. Ou talvez fosse Capo. Ele causava a
agitação. Mas sua impressionante coleção de veículos parecia
ser a única coisa que fazia que era alta o suficiente para
chamar a atenção. Não combinava exatamente com seu estilo
de vida recluso, mas estava descobrindo que não podia
assumir nada com ele.

Capo saiu friamente, ignorando os homens apontando


para o carro dele, caminhando ao meu lado para abrir a
porta. Ele colocou o botão no terno antes de fazê-lo.

Hesitei, esperando que Bruno aparecesse. Não esperava


que fosse mau comigo como fez a última vez – afinal, eu
era a esposa de seu capo – mas esperava que não cuspisse no
meu bife enquanto saía da cozinha.

— Saia — disse Capo, estendendo a mão.

Coloquei a minha na dele, e as luzes de Macchiavello’s


pegaram todas as minhas joias, fazendo os diamantes e
safiras brilharem contra a minha pele. Meus calcanhares
batiam na calçada em uma bonita melodia. Dessa vez, em vez
de a lixeira atacar meu nariz, sua colônia e meu perfume
pareciam flutuar no ar, acariciando-o. O cheiro de bife ficou
mais forte quanto mais chegamos à porta. Meu estômago
roncou, pronto para atacar alguma coisa.

— Tem certeza de que não preciso vender um rim por


isso? — Brinquei.

Ele levantou meu braço e deu um beijo firme no meu


pulso. — Acredito que você já vendeu o suficiente. Você está
fora do mercado, Mariposa. Você pertence a mim. Ninguém
vai tocar em você, muito menos algo tão valioso quanto seu
rim.

Na porta, um homem esperou, vestido com o melhor


traje, segurando-o aberto. — Sr. Mac. — Ele assentiu. — É
um prazer vê-lo hoje à noite.

— Sylvester. — Capo assentiu, depois me puxou para


frente, trocando minha mão pela parte inferior das
costas. Seu toque era quente, suave e firme como seu beijo.
— Minha esposa — ele disse. — Mariposa Macchiavello.

O homem pegou minha mão e apertou-a


levemente. Parabenizou-me usando “Sra. Macchiavello” e
depois nos levou para longe da porta.

— Sylvester é o gerente noturno — disse Capo.

Enquanto caminhávamos, Capo e Sylvester falaram em


italiano, e pude entender algumas coisas. A conversa deles foi
sobre o restaurante. Assuntos de negócios. Mas não pude
deixar de notar como todos os funcionários estavam olhando
para mim – com olhares nervosos. Os clientes eram
diferentes. Eles me olharam com curiosidade aberta.
Quem era essa garota normal andando ao lado dessa
força masculina?

Em vez de me concentrar nas coisas que estão


acontecendo ao meu redor, decidi saborear a
experiência. Lembrei-me de quanto eu queria isso, o bife, e
decidi fazer da minha primeira visita a melhor.

O restaurante era tão elegante quanto imaginava, mas


também era romântico. Algumas paredes expunham o que
imaginei ser o tijolo original, enquanto outras eram pintadas
de vermelho escuro. As cadeiras e as mesas eram pretas e os
lustres de bronze exibiam velas tremeluzentes. Cada mesa
continha uma única rosa branca em um vaso de cristal.

O bar estava do outro lado, uma seção totalmente


diferente do edifício. Pelo que pude ver, as prateleiras
estavam cheias de centenas de garrafas brilhantes de formato
único. A área me lembrava as histórias que Pops me contava
dos antigos bares clandestinos. Todo aquele lado tinha
paredes de tijolos, espelhando as do restaurante. O chão era
de mármore listrado preto e branco. Algumas mesas foram
montadas em torno de uma pequena pista de dança.

Homens e mulheres em roupas caras estavam sentados


ao longo do bar em cadeiras de couro vintage. Alguns deles se
voltaram um para o outro, a conversa fluindo, as risadas se
erguendo sobre a música suave. Um homem vestido de
gravata preta estava sentado em um piano de cauda no
canto, tocando o instrumento e cantando.

Os cheiros... minha boca ficou com água. Também não


era apenas bife. Molhos e vinhos ricos permaneciam no
ar. Abaixo da superfície, algo doce circulava. Cheirei mais
forte. Chocolate, e isso me lembrou o perfume no The Club.

Sylvester parou em uma porta que realmente não parecia


uma porta. Era tijolo, combinando com a parede, e apenas
um anel de ouro se destacava. Ele abriu, revelando uma sala
enorme. Uma mesa que provavelmente podia acomodar
quarenta pessoas estava no meio dela.

O quarto cheirava muito doce, como chocolate


novamente, mas ainda mais forte, e as velas faziam a sala
parecer mais quente. Mais rico. Mais sexy. Os diamantes nas
minhas mãos e pulsos foram atenuados quando entramos. O
mesmo aconteceu com o vestido. O chiffon parecia brilhar, a
luz pegando a prata e faiscando.

Esta sala refletia o restaurante, mas em menor


escala. Era íntimo. A música tocava aqui, realizada através de
um alto-falante em algum lugar da sala. O que chamou
minha atenção a seguir me fez andar mais para olhar. Não
era uma janela, mas mais como um pedaço quadrado de
vidro. Eu podia ver o restaurante inteiro.

— Podemos ver, mas eles não podem — disse Capo,


andando atrás de mim, olhando para o mundo dele.

— O espelho? — Imaginei. Tinha notado quando


entramos pela primeira vez, mas realmente não pensei em
nada. Era chique, detalhes em bronze ao redor, mas era
apenas um espelho. Aparentemente não. Era uma maneira
dele assistir sem ninguém saber.

— Você é perspicaz — disse ele.


— Na verdade não. Se eu não tivesse visto esta sala,
provavelmente teria me assegurado de que meu batom ainda
parecesse fresco quando passasse.

Ele riu, muito suave, e sua respiração se espalhou pela


minha pele, fazendo arrepios subirem nos meus braços. Seu
peito pressionou contra minhas costas, e tive o desejo de me
inclinar para trás e descansar minha cabeça contra ele.

— Para que você usa essa sala?

— Festas privadas, mas são exclusivas.

— Exclusivas — repeti. – Como para os Faustis?

— Sim. — Ele me virou em direção à mesa e depois


puxou uma cadeira para mim. Estava ao lado da cadeira na
cabeceira da mesa. O lugar dele. Ele se sentou, olhando para
mim depois que ele fez. — Então o que você acha,
Mariposa? Isso faz jus ao hype17?

— É lindo — eu disse. — Mas preciso desse bife primeiro


para dizer com certeza.

Ele sorriu para mim, seus olhos um azul mais profundo


nessa luz. Safira, da mesma cor que as do meu pulso.

— Deve ser bom ser você. — Suspirei dramaticamente. —


Você é dono de um dos melhores restaurantes de Nova York.

17
Fama.
— Você também — ele disse. — E mesmo que eu goste
da comida aqui, meu lugar favorito é a Pizzaria Mamma. Mas
não conte às minhas tias quando chegarmos à Sicília. Eles
teriam minha cabeça em uma bandeja. Algumas das receitas
que usamos aqui são delas, as que nunca mudam. Quem
trabalha na cozinha deve jurar segredo. Tão sério quanto
o omertà18.

— A Mamma. Sério? Comparado a isso? — Estive no


Mamma's. Você pode obter uma fatia enorme por três dólares
ou uma refeição inteira – salada, bebida e uma fatia – por
cinco. Era o paraíso de uma pessoa pobre.

— Você esteve lá?

— Sim. Fui com Keely e Harri... — Ao olhar em seu rosto,


parei. Seus olhos se estreitaram e seus lábios ficaram
severos. — Estive.

— Nós iremos um dia. Pegarei a moto. Você vai comer


aqui hoje à noite e depois comparamos depois de irmos ao
Mamma's.

A moto. Ele tinha algumas delas, mas havia uma que


disse que iria me levar para sair um dia. Parecia elegante e
rápida. Respondi com certeza e depois coloquei minha mão
em um carro. Qualquer carro. Ele apenas sorriu. Acho que
tomou isso como um desafio.

18
Silêncio.
Uma garota vestida com um elegante terninho preto
entrou na sala, segurando um copo cheio de líquido
dourado. Largou um guardanapo e depois o copo na minha
frente. — Aproveite, senhora Macchiavello.

Ela nem olhou para mim e, antes que pudesse dizer algo
como: “O que é isso?”, se foi.

— O que é isso? — Perguntei ao Capo. Vi uma mulher no


bar com um.

Capo explicou que era um coquetel chamado “o príncipe


de ouro”. Pensou que eu iria gostar, então tomou a liberdade
de pedir antes de mim.

Tomei um gole e me apaixonei.

Colocando-o com cuidado, disse de brincadeira: — O


quê? Nenhum coquetel com o meu nome? — Bebi mais um
pouco. — Isso é delicioso.

Ele sorriu e, quando a mesma garota voltou, disse-lhe


para lhe trazer a bebida mais popular no menu do bar. Ela
voltou alguns minutos depois com uma bebida azul escura
em um copo que tinha uma borboleta azul clara no canto. A
borboleta era feita de açúcar.

— Sério? — Eu ri. — Você fez isso!

— Parece que um homem não pode ter segredos ao seu


redor. — Ele piscou. Então se virou para a garota. — Diga a
minha esposa qual é o nome dessa bebida, Liza.
— Claro, Sr. Mac. — A mulher chamada Liza com o
elegante corte de cabelo bob virou-se para mim. — Essa é a
nossa Mariposa, a bebida mais popular no cardápio.

A Mariposa era doce. Sinceramente, não conseguia


decidir qual eu gostava mais. E então vários garçons
começaram a entrar na sala, um após o outro, entregando
bandeja após bandeja de comida. Quando terminaram, a
mesa inteira estava cheia de pratos fumegantes. Parecia que
todos os itens do menu haviam sido pedidos.

— Como vamos comer tudo isso? — Olhei para o nosso


buffet privado. — Estamos esperando mais pessoas?

— Você pode tentar um pouco de tudo. — Ele acenou


com a mão casualmente, como se não fosse grande coisa. —
Pedi para servir em estilo familiar. Dessa forma, podemos
pegar o que quisermos e não tocar as sobras.

— Entendi. — Meu corpo estava quente com as


bebidas. — Mas isso é muita comida. Não quero que vá
para...

Ele pegou minha mão e apertou. — Vamos dar para as


pessoas necessitadas depois. Vou mandar nosso pessoal
encaixotar. Vá.

— Ok. — Assenti. — Vamos comer.

A conversa era leve enquanto comíamos. Era um


banquete adequado para uma rainha. Foi assim que Capo me
fez sentir. Ele me incentivou a experimentar um pouco de
todos os pratos. O bife – tão valioso quanto o rim – mas
honestamente, o que pensei que sacrificaria meu precioso
órgão veio em segundo. Apaixonei por um prato de macarrão
cheio de molho de natas e carne de caranguejo com
limão. Valia um rim e um pouco de sangue.

Capo até me deu uma mordida ou duas depois que o fiz


dar uma mordida no meu prato. Estava tão envolvida com o
êxtase da comida que nem pensei nele comendo aqui antes
ou possuindo o lugar. Éramos apenas nós dois, o resto do
mundo silencioso, mesmo que eles passassem
constantemente pelo espelho. Havia tantas pessoas tentando
se olhar quando passavam sem realmente querer que os
outros vissem.

Capo deu uma risada gutural quando chamei assim –


um copo de espiar.

Após os pratos principais, sugeriu que dançássemos,


pois solicitou que a sobremesa viesse um pouco depois do
jantar. A dança naquele lugar era diferente da maneira como
as pessoas dançavam no The Club. Uma banda de jazz havia
começado, acompanhada por uma mulher que cantava com
uma voz como um pássaro. Capo me ensinou alguns passos,
já que não tinha ideia do que estava fazendo. Ele era bom e
surpreendentemente um bom professor.

Sabia que sempre me lembraria do quanto ri naquela


noite.

— Onde você aprendeu a dançar assim? — Perguntei,


quase sem fôlego quando ele puxou meu assento novamente
na sala exclusiva. Fiquei surpresa que a mesa ainda estivesse
cheia de comidas para o jantar. Imaginei que depois que
mencionou a sobremesa, estaríamos recebendo isso em
breve.
Ele sentou-se novamente. — Minha mãe.

— Você não fala muito sobre ela. — Ele raramente falava


sobre sua família. Eu sabia que o avô dele estava na Itália e
tinha um tio (desde que o mencionou sabendo do quartel
secreto) e tias (desde que os mencionara naquela noite), mas,
além disso, não citou sua família.

— Ela morreu quando eu era mais jovem.

— Parece que temos algo em comum então — disse.

— Parece que temos.

Nossos olhos se seguraram. Lentamente, oh, tão devagar,


ele se inclinou para mais perto e deu um beijo nos meus
lábios. Quando abri meus olhos, ele estava me olhando com
uma expressão que não conseguia explicar. Quando alguns
garçons entraram novamente, recostei-me, sentindo-me
tonta.

— Sr. Mac? Você terminou para que possa limpar isso?

Foda-me. Era o Bruno. Não notei quando entrou na


sala. Assumi que Capo havia lhe dado a noite de folga, ou
talvez só trabalhasse de dia. Capo disse que Sylvester era seu
gerente noturno. Eu só tinha visto Big Mouth19 durante o
dia. Nunca vim aqui à noite. Em vez de um belo terno, como

19
Boca Grande.
de costume, estava usando roupas de limpeza. Algo vermelho
estava manchado em sua testa.

Ao me ver, ele parou morto. Mesmo em roupas bonitas,


com joias caras no meu dedo, pulso e orelhas, me
reconheceu. O choque em seus olhos veio e desapareceu
rapidamente, e depois foi substituído pelo frio.

Ele escondeu bem quando Capo chamou seu nome e


depois me apresentou como esposa.

Bruno limpou as mãos no avental sujo e depois estendeu


a mão, mas Capo balançou a cabeça, levando a bebida aos
lábios, sem sequer olhar para o homem.

— Suas mãos estão sujas. Sujas demais para tocar


minha esposa.

Minhas bochechas queimavam e desviei o olhar. Sabia o


que Capo estava fazendo. Odiei isso. Isso só chamou atenção
para algo que eu não queria reconhecer.

— Claro, Sr. Mac — disse Bruno. Sua voz era baixa. —


Eu não estava pensando. — Então sua voz abaixou. —
Gostaria de falar com você sobre minha posição. Não sei...

— Estou com minha esposa — disse Capo,


interrompendo-o, tomando outro gole de uísque. —
Conversaremos sobre negócios mais tarde. Agora, você tem
um trabalho a fazer. E isso é limpar esta mesa. Quero
impecável. Depois, ajudará Emilio a guardar as sobras. Então
procurará nas ruas pelas pessoas mais famintas que puder
encontrar. Você vai alimentá-las.
— Sim senhor. — Bruno começou a limpar tudo o que
havíamos comido, e tentei evitar os olhos e a proximidade
dele quando se aproximou para pegar um prato ou talheres.

Era tão fodidamente estranho que queria chutar Capo na


canela com meus saltos afiados por fazer o que fez. Quem ele
pensava que era? O rei de Nova York? Não podia reagir dessa
maneira sempre que alguém era mau comigo. Além disso,
isso me fazia sentir ainda pior. Brilhou uma grande luz sobre
o que havia sido feito, e provou a Bruno que ele havia
chegado a mim. Fez-me sentir pequena. Insignificante.

Sempre que um garçom entrava, Capo o dispensava. Ele


queria que Bruno resolvesse tudo sozinho enquanto eu me
sentava e assistia, como se fosse me sentir melhor.

Depois que todos os pratos foram limpos e Bruno limpou


loucamente, polindo a mesa chique, chegou perto o suficiente
para que eu pudesse sentir o cheiro das lixeiras nele. Uma
migalha perdida caiu no meu colo, e ele pediu desculpas, mas
quando encontrei seu olho, ele me deu o olhar mais
frio. Quando olhei para Capo, ele estava olhando para frente
novamente, passando os dentes sobre o lábio inferior.

Um segundo depois, Capo estava fora da cadeira, a


madeira pesada virada para o chão e ele tinha Bruno preso
na parede. Alguns garçons entraram carregando sobremesas,
Sylvester logo atrás deles, e quando percebeu o que estava
acontecendo, ele enxotou os garçons e fechou a porta. Os
garçons e Sylvester ficaram agrupados em um canto escuro,
observando.

Levantei, apertando meus dedos, sem saber o que fazer.


A voz de Capo era baixa, mas compreensível. Estava
dizendo a Bruno que sabia o que tinha feito comigo, quando
estava na rua, e quando ele estava limpando a mesa, e se o
visse ao menos olhar para mim de novo, o foderia. Além do
reparo.

Olhei para os garçons. Nenhum deles sequer olhou para


mim. Não admira. Estavam com muito medo.

Sem emitir nenhum som, saí da sala, passei pela sala de


jantar e pelo bar e saí pela porta da frente. Giovanni apareceu
do nada, pedindo que eu esperasse Capo, mas recusei. Não
parei até Capo me agarrar pelo braço, me forçando.

Seus olhos quase brilhavam na escuridão, parecendo


assassinos. — Onde diabos você pensa que está indo?

— Não sei! Mas preciso de um pouco de espaço.

— Espaço?

Ele pegou meu braço, me levando para fora do caminho


do tráfego de pedestres. Havia um bar de esportes na
esquina, onde televisões mostrando uma variedade de jogos
cobriam as paredes. Uma televisão transmitia notícias.

Joguei meu braço para fora de seu aperto quando


estávamos ao lado. — Espaço, Capo. Você precisa da
definição da palavra? — Maldito Caspar. Sua cláusula de
definição chegou a mim.

Capo deu um passo para trás, olhando para mim. —


Espaço. — Ele soletrou a palavra. — Posicione (dois ou mais
itens) à distância um do outro. Sei muito bem o que a palavra
significa, Mariposa. O que não sei é porque você quer isso.

— Idiota — eu disse. — Você conhece a definição dessa?

— Você está testando minha paciência.

Oooh, eu queria dizer, mas não o fiz. — Você me


envergonhou! — Gritei. — Ninguém, nem mesmo Bruno, me
fez sentir tão pequena. — Comecei a andar em círculo,
fazendo círculos com a aliança em volta do dedo. — Não sou
melhor do que aquelas pessoas que atendem você e têm medo
de olhar para mim agora! Eles estão se comportando como se
eu fosse alguém. Quando não sou. Não sou... — Joguei meu
braço para fora. — Não sou você. E aquele idiota do
Bruno? Você basicamente contou a ele que me machucou!

— Sim.

— Ah, sim? Ele não sabia disso! Não até hoje à noite!

— Como seu capo — ele retrucou — protejo você. Se


alguém tocar em uma das garotas do The Club, há
consequências.

Não sou um dos seus funcionários; sou sua


esposa! Queria gritar. Mas um segundo depois percebi o quão
errado era pensar desse jeito. Era mentira. Ele era
meu capo. Até o gravei no anel em volta do dedo para provar.

Ele continuou, sem perder o ritmo. — A maioria das


pessoas sabe melhor, mas há as que não entendem rápido o
suficiente. Você é minha esposa. Sua carne, sangue e ossos
me pertencem, e seus sentimentos também. Alguém te
machuca, eles me machucam. Capisci20? Caço apenas por
você. E lembre-se sempre disso, Mariposa: É melhor ser
temido do que amado, se você não pode ser os dois. As
pessoas vão ter medo de você. Por quê? Eles me veem atrás
de você. Não me escondo. Não me curvo. Não me ajoelho para
nenhum homem nesta terra.

Desviei o olhar dele por um segundo. Meus olhos


pegaram a tatuagem na sua mão. Tudo o que acabara de
dizer, de repente, fazia sentido – por que ele tinha conseguido
a marca permanente em seu corpo. Não me escondo. Não me
curvo. Não me ajoelho por nenhum mero homem nesta
terra. Aquele era meu marido. Todo ele. Nunca fez nada para
me fazer acreditar no contrário.

— Todos eles sabem com quem você é casado agora —


sussurrei. Uma garota das ruas. Uma garota que não tem
nada a oferecer, apenas aceita. Ninguém sabia sobre esse
arranjo, portanto, do lado de fora, ele parecia unilateral.

— Mariposa — disse ele. — Foi com quem me casei. A


garota que nomeou uma bebida no cardápio antes de
aparecer na porta.

— Você deu meu nome à bebida antes de nos casarmos?

— Foi o primeiro item do menu. Não citei nenhum dos


outros.

20
Você entende?
— Por quê?

— Um lembrete.

Mais uma vez, não conseguia ler o olhar em seu


rosto. Ele ainda estava chateado, mas um pouco do gelo
havia derretido. Quando não aguentava mais o seu olhar, me
virei, olhando para a janela do bar de esporte. Meus olhos se
estreitaram em uma faixa de notícias tocando na parte
inferior da tela.

Notícias de Última Hora.

Uma imagem apareceu na tela.

Quillon Zamboni encontrado morto.

Estrangulado.

No final, ele não conseguia respirar.

Nem eu.

A mão de Capo tocou meu ombro e olhei em sua


direção. Ele removeu minha mão do meu rosto. Estava
cobrindo minha boca.

As pessoas vão ter medo de você. Por quê? Eles me veem


atrás de você.

Meu marido era o grande lobo mau, rosnando para quem


chegava perto demais. Caço apenas por você.

Engoli em seco, sentindo que minha garganta estava


fechando, mas o ar ao meu redor se moveu, entrando nos
meus pulmões. — Capo. — Seu nome saiu sólido, embora eu
sentisse qualquer coisa menos. — Você conhece um cara
chamado Merv?

— Conheci. Rapidamente. — Desta vez, ele desviou o


olhar, para a tela, sem expressão no rosto. — Eu deveria ter
lhe contado. Vera II é na verdade Vera I. Ela era um presente
de boas-vindas em casa. Aquelas plantas. Eles parecem ter
raízes de aço.

Respirei fundo, suspirei profundamente e então, com


uma mão trêmula, coloquei a minha na dele.
Mariposa
Nova York tornou-se um campo de batalha onde
sobrevivi por muito tempo. Todo som era um grito de
guerra. Toda estação dava motivos para fugir e se esconder,
algum elemento desconhecido vindo até mim. Todo cheiro
estava ensanguentado. Toda visão era alguém lutando para
viver.

Itália, Itália, era a terra prometida após a longa e


cansativa luta.

Todo som era musical. Um amigo chamando outro, algo


em italiano que parecia quente, mas na verdade era
brincadeira amigável. O verão parecia uma brisa quente à
noite contra a minha pele. Todo cheiro continha a promessa
de comida nova para experimentar. Toda visão era
pacífica. As pessoas conversavam e riam na praça, comendo
sorvete e curtindo a vida.

Nunca me senti tão cansada, mas tão viva ao mesmo


tempo.
O voo de Nova York foi longo, e mal dormi, então, me
levantei, não querendo me mover. Mas não me recusei a me
mexer por causa do cansaço.

Puxei as alças da minha mochila. — Você não disse que


eu precisava me vestir para isso.

Capo me deu um olhar impaciente. — O que você está


vestindo esta bom.

Olhei para mim mesma. Um lindo vestido de verão azul e


um par de sandálias de couro com tiras cruzadas. Vendo que
eu estava tendo problemas para saber o que levar, Capo me
ajudou a decidir o que levar para a Itália para a nossa longa
estadia. Amei tudo na minha mala, parecia encaixar na vibe
aqui, mas ele não me disse que estaríamos levando algum
tipo de motocicleta para a casa de seu avô na piazza21.

— Por que você não pediu para o carro esperar? Esse


cara tem minha bagagem. Como vou montar nisso se estou
usando isso? Não posso mudar agora.

Um carro que parecia sobreviver a um bombardeio nos


trouxe aqui do aeroporto particular, e o motorista levou todas
as minhas coisas com ele depois que nos deixou.

Capo ergueu os óculos e depois os colocou na cabeça. A


luz brilhante atingiu seus olhos, e o azul pareceu explodir
como vitral quando o sol o atingiu. Estava vestindo uma

21
Praça.
camisa justa que exibia todos os seus músculos
impressionantes, um par de jeans escuro e botas de couro. A
tatuagem em seu pulso parecia ainda mais violenta quando
não estava vestindo um terno e seu braço inteiro estava em
exibição. Seu relógio antigo parecia exatamente... um relógio
antigo. Mesmo que fosse caro.

— Use todas as palavras, Mariposa. Você está com


medo?

— Não, não exatamente. — Hesitei, mas apenas por um


segundo. — Não quero magoar minha oonie.

— Sua bolsa? Vai ficar tudo bem.

— Não é minha bolsa, Capo. Quem nomeia uma


bolsa? Minha oonie.

Os olhos dele se estreitaram. — Você nomeia essas


merdas o tempo todo. Vera. Journey. Imaginei que sua mala
também tivesse nome. Então, se não é sua bolsa, do que você
está falando? E por que isso se machucaria?

Apontei para baixo. — Essa é a minha oonie.

Ele seguiu meu dedo. — Não estou conseguindo


acompanhar.

— Minha vagina — sussurrei.

Suas feições relaxaram, depois ficaram em branco, antes


que explodisse em uma risada. — Oonie? Onde você ouviu
isso? Ou é algo que você nomeou?
— Não! — Eu estava na defensiva. — Jocelyn. Foi assim
que ela chamou! Disse para tomar cuidado com as bicicletas,
pois elas poderiam machucar minha oonie. Depois do que
aconteceu com... Zamboni, não quero... talvez... estragar o
que ainda pode estar intacto.

Zamboni tinha usado os dedos em mim. Meu período


chegou naquela noite. Era importante compartilhar essa
parte de mim com alguém em quem eu confiava. Significaria
muito para mim saber que ele não tinha me alterado
fisicamente. Porque emocionalmente, ele causou alguns
danos.

À menção de Zamboni, toda a diversão desapareceu do


rosto de Capo. Não queria falar disso, mas ele insistiu e eu
precisava ser sincera sobre o motivo de hesitar em andar de
moto.

Não querendo que Zamboni tivesse o poder de arruinar


nosso tempo – minha primeira viagem à Itália; para qualquer
lugar – decidi tentar aliviar o clima. Sorri.

— Jocelyn costumava me assistir da janela quando


estava brincando lá fora com os Ryans. Sempre que usava
um vestido, e ela sentia que eu estava ficando 'solta' demais,
batia na janela e gritava: — Mari! Mantenha o seu vestido
baixo, ou todo o bairro vai ver sua oonie! — Então ela iria
bater um pouco mais. O bairro inteiro pensou que ela era
louca.

— Ela era, mas era uma boa pessoa.

— Jocelyn e Pops me trataram como se fosse deles.


— Eu sabia que eles iriam. Jocelyn sempre quis filhos, e
o Sr. Gianelli os amava. Sabia que você estaria segura lá.

— Sim. — Soltei um suspiro, abanando algumas mechas


de cabelo que haviam se soltado das minhas tranças de
cachoeira. Murmurei algo sobre o quanto senti falta deles em
italiano.

Capo me observou por um momento. — Acho que a razão


de você se lembrar tanto do italiano, reconhecendo as
palavras, é porque foi tudo o que seus pais falaram com
você. Quando te trouxe para Jocelyn, ela só falava com você
em inglês. Eles não queriam que ninguém soubesse que você
falava italiano.

Eu não sabia o que dizer sobre isso, mas pensar nos pais
que nunca conheci fez meu coração ficar pesado.

Capo pareceu entender. — Estamos na Itália. Tudo o que


pertence a Nova York fica esta em Nova York. — Ele passou o
braço em volta da minha cintura, me puxando para mais
perto. — O que você diz, mia moglie22, está pronta para ir
comigo? Juro que não magoarei sua onnie. — Seu sorriso era
largo. — Está segura aos meus cuidados. E nem todo o bairro
ou vila verá isso. Sente-se perto de mim para que seu vestido
não se espalhe. Nós dois sabemos como me sinto em
compartilhar o que é meu. Eu não...

22
Minha esposa.
Ri de como oonie parecia ridículo saindo de sua
boca. Mas, estava certo. A Itália era perfeita demais para
desperdiçar coisas que não podiam ser mudadas.

— Você? Compartilhar? — Zombei de brincadeira. —


Nem em um milhão de anos.

— Você não me respondeu, Butterfly.

— Sí! Facciamolo23! Yup! Vamos fazer isso!

Capo me soltou, balançando a perna por cima do


assento. Sentei-me atrás, grudando nele como cola, aceitando
o capacete assim que me acomodei. Ele ligou a moto e pude
senti-la vibrando sob minhas pernas. Passei meus braços em
volta dele, segurando firme.

Ele me levou em um passeio panorâmico pela cidade por


um tempo antes de começarmos a passar pelos arredores. De
vez em quando, parávamos diante de uma luz, mas quanto
mais longe chegávamos, menos luzes víamos. Ele ganhou
velocidade e quase gritei para ir mais rápido.

Estava totalmente livre. Nenhuma preocupação no


mundo.

Rodamos por um tempo, seguindo estradas sinuosas e


curvas, montanhas enormes a distância cada vez mais
próximas, mas finalmente chegamos a uma entrada de

23
Sim! Vamos fazê-lo!
automóveis que parecia ter cinco quilômetros de
comprimento. Centenas de árvores ladeavam o caminho de
ambos os lados. Os trabalhadores estavam fora, colhendo
frutas. Caixas transbordavam de limões e laranjas. Capo me
disse que sua família possuía pomares de citros.

Mais adiante, um pouco mais à frente, havia um portão


e, além dele, as terras se abriam e uma enorme vila ficava no
centro. Estava ornamentada com persianas verdes e um
telhado de cor correspondente. Duas outras casas estavam
situadas em ambos os lados da casa principal, mas não tinha
certeza se eram lugares onde as pessoas moravam ou algo
mais. Pequenos caminhos alinhados com vegetação levavam
de um lugar para outro. O cheiro de chocolate era forte no ar.

Antes de pararmos, as pessoas começaram a sair da vila


principal. Muita gente.

— Oh merda — murmurei.

Pensei ter ouvido Capo rir, mas não tinha certeza. Meu
coração começou a bater rápido e meu estômago
despencou. Nunca me passou pela cabeça que sua família
pudesse ser grande. A julgar pelo número de pessoas saindo
pela porta, eles precisavam dos três lugares para dormir.

O planejador do casamento nunca mencionou quantos


convidados iam comparecer. Ela apenas disse que o que eu
quisesse, o Sr. Macchiavello o autorizou a me dar, e seria
tudo resolvido. Não me ocorreu que teria que
impressionar todas essas pessoas com o que havia planejado.

Assim que Capo desligou a moto, eles nos


apressaram. Não tinha certeza de quem abracei, quem me
beijou em cada bochecha e quem me segurou no braço,
falando em italiano tão rápido que não conseguia
acompanhar.

Finalmente, Capo teve pena de mim e me puxou para o


seu lado, assumindo o controle da situação. Estava muito
ocupada tentando fazer anotações mentais, mas acho que
eles fizeram a mesma coisa com ele. Quando conseguiu lutar,
se agarrou a mim e começou a me apresentar a todos.

Precisaria de outro diário para acompanhar. As irmãs de


sua mãe – Stella, Eloisa, Candelora e Veronica – se
destacaram, pois ele as citou no restaurante. O nome da mãe
de Capo era Noemi. Ouvi Stella dizer a ele que ela ficaria
orgulhosa. Então, olhou para mim.

Todos os seus tios, primos... Eu faria o meu melhor para


não confundir nomes ou enganá-los. Percebi que todo mundo
chamava Capo de Amadeo. Eu me perguntava por quê? E
então me perguntei por que ele não tinha me dado a opção de
chamá-lo assim. Era Mac, chefe ou Capo, mas não Amadeo.

O mar de pessoas se separou de repente. Um silêncio


caiu sobre a multidão. Então um homem mais velho
apareceu na fila, Candelora o ajudando. Ele usava um
chapéu de abas largas e um terno antigo com
suspensórios. Mesmo tendo lutado, ele manteve a cabeça
erguida. O tom de sua pele era verde-oliva, mas a superfície
era pálida, o que o fazia parecer doentio. Seus olhos
castanhos estavam vivos, mesmo que as sombras embaixo
fossem escuras. Quando ele sorriu, o bigode prateado tremeu.

Capo encontrou seu avô antes de ele chegar até nós. O


velho deu um tapa nas bochechas e disse algo baixo demais
para eu ouvir. Capo virou-se para mim e disse algo em
resposta. Quando o velho finalmente chegou a mim, bateu no
capacete ainda na minha cabeça e explodi em
gargalhadas. Esqueci de tirar a maldita coisa.

— Deixe-me vê-la. — Ele sorriu. — Deixe-me ver a


mulher que escolheu tomar meu neto como marido. Deixe-me
ver se ela tem uma cabeça dura o suficiente para lidar com
ele.

Tirei o capacete, coloquei-o novamente na moto e depois


me virei para encará-lo novamente.

— Ah! Bellisima. — Ele pegou minhas duas mãos,


apertando, enquanto se inclinava e beijava minhas duas
bochechas. — Sou Pasquale Ranieri. Você pode me chamar
de Nonno24, se quiser.

— Esta é Mariposa — disse Capo, tentando


acompanhar Nonno. Seu avô não tinha lhe dado a chance de
me apresentar. — Minha esposa.

— Ainda não! — Pasquale riu. — Amadeo disse a você


por que o fiz esperar até junho antes que pudesse se casar?

Olhei para Capo e depois para Pasquale. Balancei minha


cabeça. — Não.

24
Avô.
Nonno fez um gesto de desdém com a mão para o
Capo. — Você se casará na data em que me casei. Recusei-
me a comparecer ao casamento do meu neto, a menos que ele
concordasse com isso. Também me recuso a morrer antes
disso, mas isso está entre mim e... — Ele levantou o rosto em
direção ao céu.

— Tenho certeza de que será muito especial — sussurrei,


apertando sua mão. Estava frio, mesmo no calor, e nada além
de pele e osso, mas gostei da sensação que senti na
minha. Gostei dele. Imediatamente. Deixou-me à vontade.

— Mariposa — ele repetiu meu nome lentamente. Ele me


observou por um minuto antes de sorrir novamente. — Uma
borboleta tão bonita.
Capo
Ela se encaixou.

Fazia uma semana desde que chegamos a Modica, na


Sicília, e as mudanças em minha esposa foram sutis para os
outros, mas muito pronunciadas para mim.

Em vez de questionar minhas decisões como tinha antes


de partirmos, havia uma confiança tranquila sobre ela que a
fez assumir o controle – não era mais “seu”. Era “nosso”.

O seu riso era ainda mais alto, ainda mais livre, do que
comigo. Meu avô a adorou. Ela o fez rir mais do que ninguém
jamais fez. Exceto minha mãe.

Minhas zie (tias) se apaixonaram por ela. Elas a


ensinaram a cozinhar. Até deram a ela a receita secreta para
o chocolate Modica pelo qual eram famosas. Cioccolato di
Modica. Era uma receita dos anos 1500 trazida para a Sicília
pelos espanhóis, um descendente direto da tradição asteca.
Minha esposa me procurava com um enorme sorriso no
rosto, manchas marrons por toda a pele e roupas. Ela era tão
feliz quanto uma criança que brincava na lama o dia
todo. Também sentia o cheiro do chocolate que eu tanto
amava. Isso me lembrou minha mãe. E me trouxe alegria
pensar que ela teria estragado Mariposa da mesma forma que
as zie.

Eles a estavam mimando com seu tempo e atenção. A


estavam tratando como família. Zia Veronica até foi atrás dela
com uma colher de pau quando tentou adicionar alecrim em
sua panela.

Um dia, enquanto assistia Mariposa mexer no chocolate,


sorrindo para nada e tudo, ouvi Zia Candelora lhe dizer: —
Seus pais deveriam ter dado meu nome a você. Você brilha
como se tivesse consumido uma chama interna e sua pele é
feita de cera!

Zia Candelora era conhecida por sua hipérbole, mas não


estava enganada. Mariposa estava brilhando. Seu sorriso era
tão brilhante que as manchas douradas em seus olhos
pareciam irreais. Ela estava se movendo na direção
certa. Teve a chance de descansar, de encontrar
verdadeiramente a paz.

Mariposa dormiu como se o demônio não estivesse mais


atrás porque tinha um anjo nas costas. Sabia como era
isso. Uma vez também tive um anjo.

Na hora mais quente do dia, ela pegava um de seus


livros ou o dispositivo de leitura e encontrava seu lugar
favorito – a rede entre dois castanheiros – e lia. Ela sempre
usava um grande chapéu de abas largas e, antes de se sentir
confortável, chutava as sandálias para o lado. Depois de uma
hora, adormecia com o livro contra o peito. Em Nova York,
dormiu, mas estava quebrada, como se não pudesse dormir
por mais de uma hora por vez.

À noite, voltava correndo para a vila e saía com meu avô,


o homem a quem chamava Nonno, no braço. Eles
costumavam ir ao seu jardim particular, já que ele não podia
andar tão longe. Ela usava o chapéu enquanto
trabalhava. Ele a dirigia. Ele disse a ela para mudar esta
planta para outro local, ou colher os frutos dela, ou o que
sentisse que precisava ser feito. Podia ouvi-los rindo
juntos. Todos os dias ela contava uma nova piada.

— Quer ouvir uma piada apimentada? — A ouvi dizer,


quando ela não achava que havia mais alguém por perto. Ela
deu a ele alguns segundos antes de dizer: — Às vezes, peço
uma pizza sem coberturas. Quando estou me
sentindo atrevida.

Sua risada rivalizava com a dela.

Depois que o jardim era cuidado, ela se sentava ao lado


dele, passava o braço pelo dele e descansava a cabeça no seu
ombro. Ele contava suas histórias, lia para ela ou recitava
poesia. Alguns dias fazia os três. Meu avô era um poeta e
romancista de renome mundial. Ele ganhou o Prêmio Nobel
de Literatura na década de 1970. Sua poesia era conhecida
por ser lírica e cheia de paixão.

O riso selvagem de Mariposa o encantou, e ele de alguma


forma a fez se apaixonar loucamente por ele.
Raramente passava um tempo com minha esposa desde
que chegamos. Todo mundo queria um pedaço dela. De vez
em quando eu a levava para passear de moto ou para passear
nos bosques, mas lhe dava tempo para se sentir confortável,
para tornar minha família sua família. Mas mesmo quando
ela não achava que eu estava por perto, estava... e aproveitei
o tempo para vê-la. Ver a pessoa que sempre teve potencial
para se tornar – a criança pela qual dei a vida e a mulher que
agora era minha esposa.

Duas sombras se estendiam ao longo da


caminhada. Alguns segundos depois, meu tio e tia
apareceram. Tito e Lola. Tito era primo em primeiro grau do
meu avô, apesar de todos o chamarem de tio. Lola era a irmã
de Marzio Fausti. Marzio era um dos líderes mais poderosos e
cruéis que os Faustis já haviam visto. Tito era médico, um
dos melhores, e cuidava deles pessoalmente. Ele também
cuidou de mim pessoalmente. Ele tinha sido o anjo nas
minhas costas. E além do meu avô, era a única figura
masculina honrosa no meu mundo.

Tito conheceu Mariposa na noite em que entrou no The


Club como Sierra. Quando ela lhe deu o nome de Sierra, ele
sabia que estava mentindo. Depois que Mariposa partiu, ele
me aconselhou a não a escolher como noiva, especialmente
com o que eu havia planejado. Ela era diferente e não
pertencia a esta vida.

Discordei. Sua lealdade tinha o potencial de se tornar


cruel, se alguém quisesse me prejudicar. Ela era exatamente
o tipo de rainha que um rei poderoso precisava ao seu lado.

Quando Mariposa se levantou para encontrá-los, percebi


que ela reconheceu Tito. Suas bochechas coraram um pouco
quando meu avô a apresentou como Mariposa, não
Sierra. Tito fez uma piada e ela relaxou, rindo. Lola puxou-a
para perto e estremeci em simpatia. Sua felicidade saiu em
uma paixonite ou uma pitada. Pelo menos eu sabia que ela
gostava de Mariposa. Lola apenas esmagava ou beliscava as
pessoas que gostava.

— Amadeo! — Uma voz suave chamou. — Amadeo! —


Quando nossos olhos se encontraram, Gigi correu em minha
direção, colidindo contra meu peito quando ela estava perto o
suficiente. Depois que terminou de me abraçar, bagunçou
meu cabelo.

— Não é justo como você é bonito, Amadeo. Um lindo


diabo. — Ela sorriu. — Conheço dez dos rostos mais famosos
de Hollywood que matariam você.

— Estou feliz que você conseguiu — disse. Georgina, ou


Gigi como todos a chamavam, era uma atriz famosa na Itália
e, como eu morava na América, não a via com tanta
frequência. — Ouvi dizer que você estava em algum lugar da
Riviera Francesa vivendo com um príncipe rico em seu iate.

— Ontem. — Ela acenou com a mão. – Hoje estou aqui


para você. Tive que ver esta ocasião monumental para
mim. Amadeo casado. O que dizem os americanos? O inferno
pode congelar por baixo. — Ela me deu um soco levemente no
braço, e nós dois sorrimos. — Então, onde ela está? Essa
mulher que domesticou seu coração selvagem.

— No jardim com o avô — eu disse em italiano. — Eles


sentam e conversam todas as noites.

Nós dois nos viramos para olhar nessa direção.


Mariposa se levantou, uma mão protegendo os olhos,
tentando nos ver melhor. Suprimi meu sorriso. Ela não tinha
ideia de que eu a estava observando, mas quando Gigi
pareceu alta o suficiente para atrair atenção, deve ter notado
nós dois. Não parecia gostar.

— Amadeo — disse Gigi, e parecia que havia chamado


meu nome antes.

— An?

Ela sorriu, mas não tocou seus olhos. — Ela é bonita,


mas não o que eu esperava.

— Não? – Falei em italiano — Quem você esperava?

— Alguém como eu.

Gigi era considerada uma das mulheres mais bonitas do


mundo. Nunca fui muito influenciado pelo voto popular. Aos
meus olhos, a mulher em pé na minha frente, cheia de
sujeira do jardim, era a mulher mais bonita do mundo. Ela
tinha algo que nunca vi em mais ninguém. Ou senti de mais
alguém. Talvez a atração tivesse as mesmas regras que os
fenômenos dos feromônios. O que me atraiu para Mariposa
era só meu, portanto, um tesouro raro.

Zia Stella e Zia Eloisa entraram no jardim. Elas queriam


que Mariposa tomasse banho e se preparasse para um jantar
que haviam planejado com todas as mulheres. Todos os
homens estavam indo jogar beisebol. Mariposa não se
mexia. Ela se recusou a parar de nos encarar.
Gigi gemeu. — Vou conversar com você mais tarde. —
Ela rapidamente beijou minha bochecha e depois se apressou
na direção oposta. Lola começou a se aproximar de nós.

Desta vez, meu sorriso veio lento e satisfeito. Depois que


Gigi se foi, Mariposa permitiu que minhas tias a carregassem.

— Aí está você! — Lola disse quando me alcançou,


beliscando minhas bochechas. – Como você está, bell’uomo25?

— Estou bem, Zia, e você?

Ela sorriu. — Eu a amo, Amadeo! Ela será uma esposa


maravilhosa. Parece ser uma garota maravilhosa. — Ela
hesitou por um segundo, depois abriu a boca, mas fechou-a
rapidamente. — Seu avô e seu tio gostariam de conversar
com você — disse ela em italiano, apontando para o
jardim. — Vou encontrar Gigi. Preciso de fofocas sobre
celebridades!

Antes que pudesse alcançá-los, um dos guardas me


parou. Ele falou em italiano. — Um homem chegou ao
portão. Ele afirma que está procurando o lugar onde as
mulheres fazem o chocolate. Foi-lhe dito que poderia
encontrar alguns aqui.

Minhas tias tinham lojas por toda a Itália, e a de Modica


estava extremamente ocupada, especialmente durante a
estação turística. Uma vez esgotados, esgotaram. Você teria

25
Homem bonito.
que voltar no dia seguinte, mas ninguém os direcionaria
aqui. A operação de chocolate era uma empresa familiar e
nossos segredos eram nossos, inclusive onde morávamos.

Ao longo dos anos, dois homens fizeram a mesma coisa,


exceto que suas desculpas para entrar tinham variado. Foi a
primeira vez que um deles alegou que os trabalhadores da
loja lhes deram esse endereço. Eles estavam ficando com
poucas mentiras.

Não teria me surpreendido se o próprio rei lobo tivesse


aparecido. Ele sentiu o diabo nos calcanhares ultimamente. E
com Armino desaparecido, Achille estava aumentando as
chamas.

— Traga-o para uma das moradias no fundo da


propriedade — eu disse em italiano, apontando atrás da casa
principal. — Espere com ele e não o deixe sair. Também não
lhe diga que chegou ao lugar errado. Não diga nada, somente
que deve esperar.

— Sim. — Ele reajustou a arma pendurada no ombro e


procurou no bolso um maço de cigarros. Ele acendeu um e
disse: — Vou informar os outros.

O cheiro de fumaça permaneceu mesmo depois que ele


se foi.
Tito estava conversando com Nonno sobre novos
tratamentos para o câncer quando subi. Ele estava ouvindo,
mas balançando a cabeça. Poderia ter dito a Tito para poupar
o fôlego, mas o conselho seria em vão. Tentei convencer meu
avô a fazer mais tratamentos, mas Nonno se recusava a
aceitar a ideia. Disse que tinha idade suficiente, viveu o
suficiente e, quando chegasse a hora, queria estar em casa,
no conforto de sua própria cama. Estava na hora de ver
minha avó e minha mãe novamente. Uma vida intensa lhe
dera a graça de aceitar a morte.

A conversa deles diminuiu quando me sentei em frente


ao banco, mas Tito não parou de falar até que sentiu que
tinha terminado. Depois, o silêncio preencheu o espaço entre
nós até meu avô bater a bengala no chão. Os olhos dele
estavam pesados. Ele estava cansado.

— Você queria me ver — eu disse.

Tito olhou para mim por baixo do chapéu de explorador e


cruzou as pernas magras. — Mariposa parece diferente,
Amadeo.

— Ela está — eu disse. — Está florescendo.

Meu avô encostou-se na bengala e depois limpou a


garganta. — Você não me disse — disse ele em italiano, —
que Mariposa era a criança pela qual você trocou sua vida.

Meus olhos se encontraram com os dele. — Ela te disse.

— Contei a ela uma história, a história de um homem


que trocou sua vida por uma mulher que ele mal conhecia, o
maior sacrifício conhecido pelo homem. Ela me disse que
conhecia um homem que era tão honrado assim. Quando lhe
perguntei quem era esse grande homem, ela me
disse você. Estou morrendo, mas ainda não enlouqueci.

O velho era astuto. Ele pegou o comentário dela e o


conectou. Provavelmente perguntou quantos anos ela tinha e
fez as contas. Então ele me levou a admitir. A única maneira
que sabia que faria.

Ele bateu a bengala novamente, olhando para longe de


mim. — Diga-me, neto, você vai dar a ela a vida que merece?
— Ele encontrou meus olhos novamente. — Você salvou a
vida dela sacrificando sua alma. O que o seu sacrifício
significa se ela se esconder em um armário enquanto o único
homem que ela ama é morto porque ele é um tolo
imprudente?

— Amore? — Eu ri, mas os dois homens estreitaram os


olhos para mim. Continuei em italiano. — Fidelidade. É isso
que compartilhamos. Essa é a nossa base.

— E o amor? Agora ou no futuro?

— O amor nos torna tolos.

— Diz o homem que nunca se abriu para isso – Tito


murmurou.

Estreitei meus olhos para ele. Ele estreitou de volta.

— Talvez o amor faça – disse meu avô. — Mas o que você


saberia disso, Amadeo? Como você pode falar sobre essas
coisas quando não tem ideia do que está falando? Ou você
tem? Prove que estou errado. — Ele me olhou com força por
um minuto e, quando nenhuma resposta veio, resmungou. —
Talvez para os homens que amaram, você seja o tolo. — Ele
bateu a bengala uma vez, duas, três vezes no chão. —
Lembre-se, Amadeo. Os tolos irão aonde até os anjos não
ousam pisar.

— Mais uma vez — disse ao meu avô. — Bata mais uma


vez.

Ele fez sem me perguntar o porquê. Então, limpou a


garganta. — Mariposa me lembra minha Noemi de muitas
maneiras.

Desviei o olhar desta vez, sabendo para onde ele estava


indo com isso. Se fosse outra pessoa, teria ido embora, mas
lhe devia mais respeito do que isso. Esses eram seus últimos
dias e, se falando de coisas que preferiria não ouvir, lhe daria
paz, ouviria. Sacrificar-me-ia por ele como havia se
sacrificado por mim.

— De certa forma, Mariposa é infantil e, de outra, uma


mulher. É um equilíbrio delicado, ser suficiente de um sem se
afastar do outro. Ser muito de um elimina o outro
completamente. Mariposa dominou o equilíbrio. Sua mãe era
do mesmo jeito. Quando ela se casou com seu pai, sabia que
ele não cuidaria da criança, ele a mataria. Ele queria uma
mulher de coração frio. A vida que ele escolheu viver exigia
isso. Sofria pela criança em minha filha, mesmo antes de ela
ser assassinada. Arturo matou aquela parte vital dela antes
que sua alma deixasse este mundo. Quando uma mulher tem
os dois lados, se um morre, o outro segue. Porque os dois
juntos formam um todo, você entende?
Deixou este mundo. Deixou-me. Por sua própria mão. Por
sua própria escolha. Minha mãe cometeu suicídio. Meu amor
não foi suficiente para mantê-la aqui.

— Não vou perder o tempo que me resta falando em


enigmas — ele continuou. — Vou lhe dizer o que penso.

Ele sempre fez.

Continuou, mas numerosos carros estacionaram e os


convidados para o jantar em homenagem a Mariposa se
espalharam. Os homens estavam prontos para jogar beisebol,
incluindo Rocco e seus irmãos. Meu avô não falava de coisas
pessoais na frente deles. Não que ele não se importasse com
os Faustis – ele os considerava família – mas nunca tolerou o
estilo de vida deles.

Meu avô e Marzio eram amigos antes de uma bala ter


acidentalmente matado Marzio. Ettore, um dos filhos de
Marzio, segurava a arma, e a bala fora destinada ao filho
mais velho de Luca e ao neto de Marzio, Brando. A bala
atingiu Marzio. Marzio gostava de passar tempo com meu
avô. Eles discutiam, sobre qualquer coisa, mas se
respeitavam o suficiente para serem amigos no final. Marzio
era um poeta no coração, e essa era a única coisa em que
eles estavam certos.

A poesia era uma linguagem de amor.

Violência, sendo a chave para alcançar a paz, não era


algo em que Pasquale Ranieri acreditava. Meu avô acreditava
firmemente que, se você viver pela espada, morrerá por
ela. Marzio acreditava que todo mundo iria morrer de
qualquer maneira, e não importa como fosse, a morte era a
morte. Pacífica ou não.

Meu avô não apoiou meu estilo de vida. Não escondi


meus planos. Ou quem eu era. Ele me amava apesar disso,
mas nunca manteve seus sentimentos calados sobre o
assunto. Achava que era seu dever, como meu avô, tentar me
orientar na direção que achava certa. Havia perdido a filha
para um fim violento, que acreditava ser culpa do marido
dela. Meu avô tentou impedir que minha mãe se casasse com
Arturo, mas ela era obstinada, pensando que seu amor
poderia salvá-lo de si mesmo.

No final, ela não pôde se salvar de sua natureza


violenta. Não queria que uma esposa liderasse o bando com
ele. Queria um brinquedo bonito que pudesse usar até não
precisar. Uma linda garota de língua italiana do país antigo
impressionara seu capo na época. Então, depois que ele usou
minha mãe para acalmar o capo, Arturo cortou sua garganta
e assumiu a família. Ele estava naquele chão sangrento desde
então.

Meu avô desviou o olhar quando Rocco, seus irmãos e


alguns dos homens mais graduados entraram no
jardim. Todos estavam prontos para jogar beisebol. Olhei
para meu avô, mas sabia que esperaria que partissem antes
de falar novamente.

Tito sentou-se, estreitando os olhos para nós. Ele


arrumou os óculos. — Beisebol é um jogo. É para ser
competitivo, mas divertido. Se eu vir um homem ficando
muito duro — ele levantou o dedo indicador — com a
cabeça! — Ele fez um movimento cortante com o dedo
levantado. — O médico estará de folga hoje! — Ele tinha o
hábito de alongar seus r quando estava bravo.

Todos os homens ao seu redor sorriram, exceto meu avô.

Rocco puxou uma cadeira ao lado da minha. —


Precisamos falar antes do jogo.

— O homem no portão — eu disse. — Arturo o enviou.

— Sì. Nova York é uma zona de guerra. Tive cinco


famílias que me procuraram sobre os problemas que estão
enfrentando.

— Cinco. — Sorri — O grande Arturo Lupo Scarpone


finalmente pediu ajuda.

— Ajuda — ele disse — ou informações. Ele pensa que é


mais esperto que eu. Ele faz perguntas com a intenção de
esconder seu verdadeiro significado. Pediu permissão para
falar com Lothario.

Lothario era um dos tios de Rocco. Marzio teve cinco


filhos e Luca era o mais velho. Algumas pessoas o chamavam
de pesadelo. Ele era ainda mais cruel do que o pai, mas algo
havia acontecido e acabou preso na Louisiana. Alguns dizem
que isso tem a ver com uma mulher, a mãe de Brando, mas
os Faustis mantinham uma tampa rígida sobre as coisas que
eles queriam manter seladas.

Ettore era o filho que deveria governar depois que Marzio


faleceu, mas desde que acidentalmente atirou em seu pai
tentando matar Brando, Lothario assumiu a família. Ele não
era seu pai, e não estava nem perto da sombra formidável
que Luca lançou, mas até agora era honrado o suficiente para
manter os acordos que seu pai havia feito comigo, antes de
sua morte. Todos os Faustis viveram e morreram por um
código. A palavra deles era tão boa quanto o sangue. A minha
palavra é quanto custa o sangue.

Para falar com Lothario, você tinha que passar pelos


canais. Arturo passou por Rocco para tentar alcançá-lo.

Arturo exigiria que lhe dissessem se seu filho ainda


estava vivo? Marzio me deu permissão para usar todos os
meios necessários para ter minha vingança. Eu ainda estava
tecnicamente sob a proteção dele.

Por isso, não fiquei surpreso quando Rocco disse: —


Lothario negou o pedido, mas não o quero envolvido. Como
você sabe, os Faustis estão em guerra por dentro. — Ele
colocou a luva no colo. — Ligar para Lothario mais perto não
será bom para ninguém. Ele tem sua própria agenda e, com o
tempo, esse assunto será tratado, mas, por enquanto,
devemos manter isso entre nós.

Assenti. Prefiro mantê-lo fora disso também. Dizia-se que


ele não era tão honrado quanto o resto de sua família.

Rocco virou a luva de beisebol. — Arturo está falando


com todas as famílias em Nova York. Mesmo estando em
guerra, está tentando convencê-los de que não é a causa da
guerra. Está convencendo-os de que um estranho está
trabalhando. Esteja preparado. Agora que a fumaça limpou
um pouco, seus olhos estão abertos e alguns podem ser
direcionados a você.
Eu sorri. Todos os olhos em mim. Deixe os jogos
começarem, porra. Estava ficando chato jogar um jogo de
cinco pessoas com apenas um jogador. Quando eles não
sabiam que um jogo estava sendo jogado, não podiam
trapacear, mas isso estava prestes a mudar.

Rocco e eu ficamos de pé. Ele estendeu a mão e me


puxou para dentro, me dando um tapa nas costas. — Não há
mais conversa sobre negócios — disse ele. — É hora de jogar
bola!

— Vamos!!! — Seu irmão, Romeu, gritou, e então todos


os homens partiram para o campo.

Rocco me esperou.

— Vou te encontrar em breve — eu disse.

Ele olhou para o meu avô e depois assentiu. Tito


caminhou com Rocco em direção ao campo.

Sentei-me ao lado do meu avô. Ele olhou para longe. — O


que você está olhando?

— Não estou olhando, Amadeo, estou pensando.

— Isso mesmo — eu disse, escondendo meu sorriso. —


Você ia me dizer o que achou.

Ele se virou para mim e levantou a mão, como se fosse


me dar um tapa. Afastei-me, me preparando para isso. Não
importa quantos anos eu tinha, ele era meu avô, e me
arrebentaria se pensasse que estava fazendo uma piada de
algo que considerava sério.
Depois de um segundo, com a mão ainda levantada, ele
sorriu para mim. Então sua mão desceu sobre minha cabeça
e a moveu para frente e para trás, rosnando para mim. —
Você me deixa furioso! — Então me puxou bruscamente e
beijou minha cabeça. — Vou sentir demais sua falta,
Amadeo, depois que me for.

Sua doença era uma cobra ao redor do meu coração, e


isso dificultou a respiração quando pensei nele me
deixando. Sempre me desafiou a ver as coisas de maneira
diferente. Foi o único que teve coragem.

Olhei para o chão. — Non voglio parlare di questo. — Não


quero falar sobre isso.

— Precisamos conversar sobre coisas que achamos


difíceis — disse ele em italiano. — Ou nunca as
conquistaremos.

Ficamos em silêncio por um tempo. Não conseguia olhar


em sua direção, então, continuei olhando para o chão, minha
cabeça vazia de pensamentos. Meu avô não olhou para nada
novamente, mas percebi que a cabeça dele estava cheia deles.

— Quando Tito me contou o que aconteceu com você –


continuou ele em italiano — esse dia foi o primeiro dia em
que falei com Deus desde que sua mãe morreu. Odiava a
Deus. Não entendi por que uma mulher fiel, como sua avó,
sofreu uma perda tão grande quando tudo o que fez foi
orar. Orar pela proteção de seus filhos. Por que ele não
protegeu minha filha? Por que ele não a mandou para casa
quando ela mais precisava de nós? A raiva me
consumiu. Somos o que amamos, Amadeo. Amei odiar. Era
mais fácil do que sentir que havia sido esquecido por um
Deus que não havia esquecido.

Alguns dos meus primos caminharam pelo caminho,


conversando, e ele ficou quieto. Vendo isso, eles acenaram,
mas não pararam. Um minuto ou dois depois que o grupo
estava longe o suficiente para que não pudessem ouvir, meu
avô torceu a bengala no chão, continuando sua linha de
pensamento.

— A primeira vez que te vi, vi muito de sua mãe em você


e senti que era meu. Arturo chamou você de príncipe, mas
você sempre foi meu garoto. Meu Amadeo. Por mim mesmo, e
Tito não podia me dizer se você viveria ou morreria. Mais uma
vez, encontrei-me em posição de perder tudo. Quando
amamos, estamos à mercê da vida e da morte. O amor nos
coloca em uma posição de perder tudo. Uma chance – há uma
chance de ele conseguir – pode fazer ou quebrar nossa alma.
O milagroso é que, mesmo se perdermos tudo, de alguma
forma reconstruiremos. Essa minúscula parte de nós, a brasa
de tudo o que resta em nós, torna-se nosso tudo até
acrescentarmos a ele. Perdi o pouco que tinha quando Tito
ligou e me contou sua condição. Isso teria me destruído. Não
poderia sobreviver a isso. — Ele suspirou. — Fui de carro até
a igreja e entrei na frente da cruz, disposto a negociar. Eu
disse: 'Se Você o salvar, me darei em seu lugar. Há coisas
piores que a morte que podem levar um homem. Não quero o
pior de novo. Quero que meu neto viva. Quero que ele toque o
amor e experimente o bem da vida. Que ele experimente o
indescritível sentimento de se apaixonar, de amar o suficiente
para morrer pela mulher que vale seu sacrifício. Que ele
experimente a alegria indescritível de se tornar pai. Que ele se
apaixone por sua vida! Que ele viva com amor no coração e
não com vingança na parte mais profunda da alma.
Olhei para ele pelo lado do meu olho. Lutou contra o
câncer por anos, depois que vim morar com ele.

— Sí. Logo descobri que ele seguiu à minha palavra. Você


foi salvo, mas eu enfrentaria a morte. Mesmo assim, não
tinha perdido tudo de novo. Ainda ficou parte da minha
Noemi para guardar aqui. Ela vive através de você. — Ele se
apoiou um pouco na bengala, torcendo-a um pouco. —
Depois que você veio até nós, me disseram que salvou uma
criança. Você deu sua vida para que ela pudesse viver. Meu
sacrifício foi recompensado. Não foi feito em vão. E nem o
seu. Eu esperava que o fato de ela viver fosse o suficiente
para manter você satisfeito. Mas eu vi. Vi como o ódio comia
em seu interior como ácido. Fui a Marzio e pedi para ajudá-
lo, embora não concordasse com a ideia dele de um meio para
atingir um fim. Não está no meu sangue ser um homem como
ele ou entendê-lo. Às vezes não te entendo, meu próprio
sangue, mas consigo entender o ódio. Odiei-me uma vez, a
ponto de me comer como ácido. A diferença entre nós é que
pego minha caneta enquanto você pega sua espada. Marzio
me negou. Ele disse que você era um homem adulto e, se
precisasse do ouvido dele, ouviria. Sabemos que sim, e
depois, mesmo que a morte estivesse com você, podia ver a
vida novamente em seu corpo. Isso me deu esperança. — Ele
colocou a mão na parte de trás da minha cabeça, me
sacudindo um pouco. — Então vou lhe dizer o que penso
agora, Amadeo. Acho que você se apaixonou pela inocência
dessa garotinha porque ela lembrou sua mãe em tempos
melhores. Foi por isso que você salvou a vida de Mariposa,
sacrificando a sua. Você sabe o que é o verdadeiro sacrifício e
o que vale sua alma agora. Não sacrifique a segunda chance
que lhe foi dada por algo que não significará nada
amanhã. Não se proteja do amor quando o homem sentado
ao seu lado o ama o suficiente para dar a vida pela
sua. Permita que o amor o consuma, Amadeo, porque nos
tornamos o que consumimos. O que você vai se tornar se
continuar consumindo vingança? O que isso fará com a
borboleta pela qual você deu sua vida? Seu sacrifício será em
vão. Seu e meu. Não valerá nada se você não puder sentir
nada além de ódio. É isso que eu sei.
Capo
Planejamos um jantar com nossa família imediata na
noite anterior ao casamento. Tochas tornavam o ar noturno
fumegante, música leve tocava e as pessoas se sentavam em
uma mesa construída para cem, comendo e rindo.

A noite estava tão ocupada que não tive muito tempo a


sós com Mariposa, mas ela nunca esteve longe da minha
vista. Estava falando com Keely e sua família. Logo depois
que Mariposa disse algo ao pai de Keely, a mãe de Keely disse
algo a Mariposa. O rosto de Mariposa caiu, ela assentiu, disse
outra coisa e depois se afastou com a cabeça baixa.

Isso me esfregou na porra do caminho errado. Certificar-


me-ia de descobrir do que se tratava e lidaria com isso.

Um minuto depois, Mariposa sentou-se ao meu lado. Ela


ficou mexendo no guardanapo sobre a mesa.

— Diga-me o que há de errado — disse.


— Nada.

De pé, dei-lhe a mão e disse-lhe que íamos passear nos


bosques sozinhos. Keely passou voando por nós, com o
pescoço vermelho, e me virei para olhar sua família antes de
voltar para Mariposa e insisti que me acompanhasse.

Os bosques estavam brilhantes, iluminando nosso


caminho enquanto caminhávamos. Os homens que
trabalhavam nos campos haviam me ajudado a colocar
inúmeras luzes nas árvores para as ocasiões especiais.

Mariposa ficou quieta até não estar. — Uma caminhada


nos bosques, hein?

— Não tive a chance de falar com você em particular.

Ela me cutucou com o braço. — Está com os pés frios26?

— Minha mente governa meus pés, e minha mente está


definida. — Olhei para o vestido dela. Ela parecia uma deusa
romana. A cor era azul claro, o material quase transparente e
pendia sobre os braços. Quando o vento soprou, o vestido
tremulou como asas. A barra varreu o chão enquanto
caminhávamos, e notei que ela não a segurava. — Sua cor
favorita. Azul. Parece bonito em você.

26
É uma expressão que quer dizer: Amarelou; Desistiu.
Ela olhou para mim, bem nos olhos, e tive que pegá-la
antes que caísse sobre uma caixa deixada no chão. Ela
explodiu em gargalhadas. — Muito vinho.

Ela não teve uma gota para beber.

— É isso que as crianças estão chamando de diversão


hoje em dia?

— Você está me acusando de mentir, Capo?

— Depende. Se é assim que as crianças estão


chamando. — Dei de ombros. — Você está dizendo a
verdade. Caso contrário, seu nariz bonito vai crescer como o
de Pinóquio.

— Ooh! — Ela riu ainda mais. — Quem está mentindo


agora? Nariz bonito.

— Você é linda — eu disse. — A mulher mais bonita para


mim.

Ela limpou algo do meu rosto. — Você tem certeza sobre


isso? — Ela me mostrou sua mão. Tinha uma mancha de
batom vermelho nela.

Gigi. Ela tinha me beijado na bochecha mais


cedo. Mariposa percebeu. Até a peguei zombando de Gigi. Ela
fingiu rir como ela e depois sacudiu os peitos. Gigi não tinha
notado, mas eu percebi. Mariposa ainda não a conhecia. Elas
nunca pareciam estar no mesmo lugar ao mesmo tempo. E
quando Gigi aparecia, ela falava comigo quando Mariposa não
estava ao meu lado.
— Não digo nada por diversão, Mariposa.

Quase ri da cara azeda que ela fez em resposta, mas não


o fiz. Não queria brigar na noite anterior ao nosso casamento
formal. Não havia o que brigar.

Ficamos calados depois disso. Ela tinha seus


pensamentos e eu os meus.

Então ela inalou, me tirando da minha. — Amo o cheiro


aqui. Isso me lembra o novo perfume. — Ela levantou o braço
e inalei o perfume em sua pele. Era do mesmo designer da
outra vez, mas esse era diferente. Tinha notas de flor de
laranjeira e mar. Ambos os perfumes pareciam feitos para
ela, mas, o novo, ainda mais perfeito.

Beijei seu pulso e depois segurei sua mão. — Deste jeito.


— Conduzi-a mais fundo nos bosques, querendo ir o mais
fundo possível, o mais longe possível das pessoas.

— Capo — ela sussurrou, sem olhar para mim. — Foi


uma coisa legal que você fez por mim esta noite. Trocando
meu jantar.

Antes de comer o bife no Macchiavello, ela havia dito ao


planejador que o servisse para jantar naquela noite. Depois
que ela comeu lá, se apaixonou pelo prato de macarrão e
caranguejo. Fiz com que o planejador mudasse seu pedido no
último minuto, depois de descobrir que ela havia pedido o
bife antes de saber como era o sabor da massa. Ela queria me
agradecer por isso, mas tínhamos um acordo e não era
necessário. Nós dois fizemos um pelo outro.
Assenti. — Você foi ótima com meu avô. Ele realmente
gosta de passar um tempo com você.

Ela ficou rígida. — Meu acordo é com você — disse ela,


mantendo o rosto sério. — Não com mais ninguém. Gosto de
passar tempo com ele. Porque eu quero.

Não pretendia ofendê-la, mas o fiz.

— Diga-me, Mariposa, se você se apaixonar, gostaria


cancelar sua lei de bondade?

— Lei? — Ela quase zombou, mas levou um momento


para responder. — Não tenho certeza. Precisaria de tempo
para pensar sobre isso.

Ou sentir...

Suspirei, apontando para duas caixas viradas. — Aqui


estamos. — Fiz um gesto para ela se sentar e sentei na
próxima, perto.

O silêncio foi bem-vindo depois de estarmos cercados


pela família desde que chegamos. Quando vim morar aqui, às
vezes andava pelos bosques para ficar sozinho. Sentava-me
em uma caixa e limpava minha mente de todos os
pensamentos. Depois, fazia meu melhor planejamento.

— Algo está errado, Capo?

Percebi que ela estava falando. Estava olhando para


mim, esperando que respondesse.

— Não. Aqui é pacífico. Estou tranquilo.


— Ok — ela sussurrou. Olhou para as mãos e coloquei
as minhas sobre as dela, fazendo-a olhar para mim
novamente.

— Eu não queria fazer isso na frente de todos. Queria te


dar isso em particular. — Cavei no meu bolso e peguei um
rosário feito de pérolas de verdade. Os espaçadores foram
feitos com safiras. A cruz era de ouro. Abri a palma da mão e
coloquei no centro, fechando a mão em torno dela. — Era da
sua mãe. Pensei que você gostaria de tê-lo. Você pode
carregá-lo amanhã, se quiser. Alguma coisa velha.

— Da minha mãe. — Sua voz era suave quando abriu a


palma da mão, como se tivesse lhe dado um tesouro
inestimável. — Onde você conseguiu isso? — Seus dedos
acariciaram suavemente as contas, talvez tentando encontrar
uma conexão, tentando se lembrar de algo. Quando ela se
deparou com uma mancha de sangue, tentou limpá-la, mas
estava manchada para sempre.

— Você — eu disse. — Sua mãe rezou com você todas as


noites antes de dormir. Você recitava o rosário com ela em
italiano. Na noite em que te levei, estava perto dos seus livros
de colorir e você me entregou.

— Você manteve.

— Sim — eu disse.

Depois de alguns minutos, ela colocou o rosário nas


pernas, colocando a mão nas costas. Levantou uma pequena
caixa em minha direção. — Quando você me disse que
estávamos dando um passeio, decidi lhe dar o que tinha
também. Se não, eu teria que enviá-lo por alguém
amanhã. Esta noite parece certa.

Sorri com o fato de ela ter dobrado a caixa nas macias


dobras de seu vestido sem que eu percebesse. Essa
menininha poderia ter trazido uma faca e me apunhalado
pelas costas com ela e não teria nenhuma pista até que
ficasse na minha carne. Percebi, naquele momento, o quanto
confiava nela. Pode ter sido uma tolice, mas desde que estava
disputando decisões pouco características quando se tratava
de Mariposa, por que não adicionar mais uma à lista?

O sorriso saiu do meu rosto quando abri o presente.

— O joalheiro da sua família provavelmente me odeia


porque não pensei nisso até chegarmos aqui, e ele teve que
apressar o pedido novamente. Pensei... Pensei que você
gostaria de carregar um pedaço de sua mãe... no dia do nosso
casamento. Parecia uma maneira inteligente de fazê-lo. Você
tem tantos em casa.

Ela me deu abotoaduras, abotoaduras que tinham uma


foto da minha mãe em cada uma.

— Mariposa — Comecei, mas não consegui terminar.

— Lembre-se do nosso acordo — sussurrou. — Faço por


você e você faz por mim. Você faz por mim e faço por
você. Estamos quites.

Longe disso, mas não respondi.


— Ela é tão bonita — disse, olhando para os botões de
punho. — Você se parece muito com ela, apenas uma versão
masculina.

Sorri — Meu avô — eu disse. — Ela parecia com ele,


apenas mais feminina. Ela tinha as feições dele, mas os olhos
azuis são do lado da minha avó. Então, tecnicamente, pareço
com ele quando era mais jovem.

— De qualquer maneira — disse ela. — Nunca vi uma


mulher mais bonita.

Eu também pensava assim, até que olhei para você, ia


dizer, mas depois me contive. Limpei a garganta, fechei a
caixa e depois me levantei. Dei a minha mão. — Hora de ir,
Butterfly. Temos um longo dia amanhã.
Mariposa
— Pare de se mexer. — Repeti as palavras como um
mantra. De novo, de novo e de novo. As palavras eram quase
um canto debaixo da minha respiração. Espiei dentro da
igreja pela décima vez. Estava lotada. Todas as vozes estavam
em volume baixo, mas quase soou como o zumbido das
abelhas, e fez arrepios subirem nos meus braços.

Dei um passo para trás. — Agitarsi. Pare de se mexer,


Mari. — Hoje não consegui agitar meus nervos. Eles se
agarraram a mim. O casamento em Nova York parecia
simples, terminado, finalizado em minutos, mas este? Este
tinha um significado.

Nonno estava sentado na frente da igreja, conversando


com amigos e familiares, e o dia estava lhe fazendo
bem. Parecia... saudável. Ele continuou sorrindo, rindo e
acenou à todos quando foram ajudá-lo. Não estava apenas
sobrevivendo, ele estava vivendo. Isso me deu esperança para
o futuro. Se ele pudesse continuar tendo dias como este,
talvez pudessem fazer algo para ajudá-lo.
Felicidade era o melhor remédio, certo?

Portanto, o dia precisava ser perfeito para ele. Queria


andar pelo corredor com a cabeça erguida, meus passos
perfeitos e um sorriso largo no rosto. Mas continuava tendo
visões de risadas explosivas saindo da minha boca, ou
tropeçando nos meus próprios pés, ou no meu véu.

Olhei para o meu vestido. Minhas mãos estavam abertas


contra a minha cintura para tentar parar de mexer, e elas
estavam tremendo.

O vestido. Suspirei. Estava apaixonada por ele. Era


justo, com mangas compridas, costas decotadas que abriam,
mas não muito. Mas o que mais amei foi o que o designer
chamou de ‘padrões geométricos’, que percorriam o tecido
macio.

Eu disse a ela que queria algo inspirado na borboleta,


mas nada demais. Como meu anel de noivado, queria algo
artístico, um aceno sutil ao nome que ele havia me
dado. Mariposa. Mas o vestido não deve tornar a conexão
óbvia. Era algo entre nós que poderíamos compartilhar, como
uma piada particular que ninguém mais entenderia.

Quando entrei na luz da noite, velas acesas ao meu


redor, os detalhes do vestido ganharam vida. Os detalhes, a
trama e os profundos padrões geométricos davam a
impressão de uma borboleta branca quando estica as asas
durante o pôr do sol. Todas as linhas em suas asas, as que
faziam parecer que era de seda, estavam em exibição.

Mariposa. A maneira como ele disse meu nome, sua voz


profunda e rouca me fez tremer só de pensar nisso. Tinha
ligado a voz rouca na cicatriz ao redor de sua garganta. Às
vezes, ele bebia água para tentar aliviar a tensão.

Pensar no som de sua voz me deixou ainda mais


nervosa. — Você está tão nervosa e vai tropeçar, Mari. —
Quase o mordi na noite anterior, quando ele olhou para mim
e as luzes nas árvores fizeram a cor dos olhos dele fazer
essa... coisa hipnótica e cintilante. Como quando a lua toca o
oceano escuro e pinta a superfície de prata.

— Você vai ficar bem, bella — disse uma voz suave, e


quase desmaiei de alívio.

Scarlett. Ela e as outras mulheres da noite das meninas


se tornaram uma família para mim. Estavam comigo o dia
todo, normalizando os momentos, mas também os tornando
especiais. Elas me trataram como família, como um
deles. Logo antes de partirmos para a igreja, mostrei o rosário
de minha mãe, sem saber onde colocá-lo, mas querendo
carregá-lo comigo.

Ela pegou de mim, junto com meu buquê, e me disse que


me devolveria antes da cerimônia.

— Espero que você goste. — Estendeu as centenas de


flores de laranjeira para eu ver. Ela havia enrolado o rosário
no fundo, em torno da seda branca que mantinha as flores
juntas, e a cruz pendurada na frente.

— É... — Não conseguia nem encontrar as palavras.

Ela sorriu para mim. — Você não precisa dizer


nada. Somos uma família e é isso que fazemos. Estamos aqui
um para o outro através do grosso e do fino.
Olhei em sua direção sorrimos juntas.

Scarlett estendeu a mão e agarrou a minha, segurando


firme. — Eu queria te contar isso no dia em que te conheci na
Home Run, mas na verdade não te conhecia. Agora que
conheço... — Ela suspirou. — É difícil imaginar uma noite
que desejamos que nunca acabasse, especialmente quando
tudo o que sabemos são pesadelos, mas confie em mim, vale
a pena desejar que algumas noites durem para
sempre. Amadeo...

— Mari.

Ao som da voz, Scarlett e eu nos viramos para olhar.

Keely passou pelas portas que nos separavam da


igreja. Ela olhou entre nós. — Vou esperar.

— Não. — Scarlett apertou minha mão novamente. — Eu


estava saindo. — Ela me abraçou e sussurrou no meu
ouvido. — Isto era para ser. — Então, nos deixou.

Keely observou Scarlett fechar a porta antes de dizer: —


Não consigo deixar de pensar em gangues quando os vejo – os
Faustis e suas esposas. A dinâmica. Eles acolhem pessoas
que não têm ninguém e os tratam como família. Fazem com
que se sintam aceitos porque não havia ninguém para aceitá-
los antes.

Apertei o buquê, meus nervos ficando ainda piores. —


Foi sobre isso que você veio falar comigo antes do meu
casamento? Scarlett é diferente. Ela é uma boa pessoa. E a
família de Capo também. Tudo bem que agora tenho mais
pessoas para adicionar à minha família, mas você ainda é
minha família, Kee.

Ela acenou com a mão. — Eu sei. Talvez esteja com um


pouco de inveja.

— Você não precisa ter. Sempre serei sua irmã. Scarlett e


as outras garotas são primas.

Keely virou-se para mim e me olhou da cabeça aos


pés. Sorriu, seus olhos lacrimejando. — Mari, sei que já te
contei isso, mas você está... tão linda. Realmente. E cheira
tão bem também.

Eu sorri. — São todas as flores de laranjeira.

— Você é como uma borboleta, sempre atraída pelo doce.


— Então ela olhou para longe de mim. — Sei que devo
esperar para lhe falar isso, mas quero lhe falar agora. Sinto
muito, Mari. Sinto muito pela maneira como mamãe a tratou.

Soltei um suspiro trêmulo, tentando mantê-lo


unido. Keely quis me fazer bem, mas não queria falar sobre o
que sua mãe fez. Como eu não tinha pai para me
acompanhar pelo corredor, perguntei estupidamente ao pai
de Keely se ele o faria no jantar de ensaio. Seu rosto se
iluminou e ele estava prestes a responder quando Catriona
falou.

— Não, — ela dissera. — É legal da sua parte perguntar,


mas ele não pode aceitar. Ele só tem uma filha e precisa
acompanhá-la primeiro. Isso tiraria algo que é de Keely.
Eu não sabia por que isso me machucou tanto, mas
machucou. Talvez porque sempre os considerei minha
família, e achei que seria bom ter alguém familiar me
acompanhando pelo corredor. Alguém que me conhecia
quando criança.

Tudo o que pude fazer foi assentir, mais como balançar a


cabeça incontrolavelmente, antes de sair e enterrar meus
sentimentos de mágoa. Recusei-me a deixar Capo ver. Depois
do que ele basicamente admitiu ter feito com Merv, fiquei com
medo de deixá-lo ver como Catriona me fez mal. Tive medo do
que ele faria com ela ou sua família.

Harrison também estava fora de questão, considerando o


que ele sentia por mim. Teria sido uma coisa atrevida de se
fazer.

Isso não importava. Não queria pensar nisso novamente.

— Keely — eu disse. — Não peça desculpas por algo que


você não fez. E entendo por que ela se sente assim.

— Não inteiramente, mas ainda assim, não está


certo. Você tem que saber que eu nunca me sentiria assim.

— Eu sei. — Fiquei na ponta dos pés e beijei sua


bochecha. — Agora vá se sentar. Acho que estamos prestes a
começar.

Pare de se mexer. Pare de se mexer. Pare de se


mexer. Pare de se mexer.

Depois que Keely saiu, foi tudo o que pude fazer. Fiquei
mexendo com a cruz na frente do buquê.
Tio Tito saiu pelas portas e, quando me viu,
parou. Colocou a mão sobre o coração e imitou a
batida. Rápido. Apaixonei-me por ele tanto quanto me
apaixonei por Nonno.

Depois que Capo e eu voltamos de nossa caminhada nos


bosques, ele disse que tinha negócios a tratar e que eu
deveria ter uma boa noite de sono. Não pude. Então, fiquei
sentada com a família e aproveitei mais uma hora com eles.

Antes de me levantar, tio Tito sentou-se ao meu


lado. Pegou minha mão, segurou-a perto de seu coração e
perguntou se eu lhe daria a honra de permitir que me
acompanhasse pelo corredor.

Minha boca se abriu.

Como ele soube?

Peguei a forma de Capo à distância. Quase parecia azul


de todas as tochas que nos cercavam. Ele estava nos
observando.

— Seria uma honra, farfalla — dissera o tio Tito, me


chamando de borboleta em italiano. — Como minha esposa e
eu não fomos dotados da capacidade de ter filhos, nunca terei
a chance de levar uma filha pelo corredor. Isso significaria
muito para mim.

Minha resposta veio na forma do abraço esmagador que


eu tinha dado a ele. Era um anjo disfarçado de médico.

— Farfalla — ele respirou, me trazendo de volta ao


momento — Sou grato a Deus por uma bênção neste dia. Que
tenho olhos que te veem neste momento. — Ele pegou minha
mão e beijou meus dedos suavemente. — É uma grande
honra estar ao seu lado.

Ninguém nunca me tocou fundo o suficiente para me


fazer chorar de felicidade. Não pude deixar de imaginar se era
porque este homem pequeno havia me tocado tão
profundamente, ou se eu estava começando a amolecer
porque meus sentimentos não estavam tão enterrados quanto
antes. Não tinha tanto medo de eles serem machucados e
espancados, usados e esfarrapados, transformados em algo
desagradável e horrível.

Meu tempo na Itália havia me mudado.

Meu tempo com ele havia me mudado.

Uma voz suave na igreja começou a cantar.

Já era tempo.

Respirei fundo e suspirei.

Tio Tito abaixou meu véu antes de me oferecer seu


braço. Amarrei o meu com o dele, usando sua força para me
manter em pé.

Centenas de pessoas.

Centenas.

Todos assistindo.

Esperando.
Para me ver.

As portas da igreja se abriram e centenas de pessoas se


levantaram. Quando demos um passo à frente, um suspiro
coletivo e suave pareceu preencher o ar.

Todos os olhos estavam em mim.

Mas havia apenas um olhar que eu procurava.

O seu.

Velas iluminavam o caminho, o sol da tarde dando lugar


à escuridão, e a luz suave atravessava o material do meu
vestido, como a luz de velas atravessa um mosaico na
igreja. Ele destacou todas as linhas no tecido. Todas as lutas
pelas quais a borboleta passa para alcançar um estado de
vida.

Capo nos encontrou antes de chegarmos ao altar. Ele


apertou a mão do tio Tito, mas antes que soltasse, lhe disse:
— Assumi a responsabilidade por essa linda garota; você
assumirá a responsabilidade por esta bela mulher pelo resto
da sua vida.

Capo sorriu para ele e deu um tapinha nas suas


costas. Tio Tito levantou meu véu e deu um beijo suave na
minha bochecha antes de se sentar com sua esposa, tia Lola.

Seguidamente, Capo me ofereceu sua mão e a peguei,


muito mais feliz por estar fisicamente conectada a ele. Sua
confiança alimentou a minha, mantendo meus passos
firmes. Mantive minha cabeça erguida, mas queria mais do
que tudo enxugar a lágrima da minha bochecha. Não tinha
ideia de quando isso aconteceu, mas aconteceu. Não queria
que ninguém visse.

Olhando para Capo, pensei, deixe-o ver.

Que ele veja os meus olhares bons e os maus, os sujos e


os limpos, os feios e os bonitos, os felizes e os tristes.

Deixe-o me ver. Tudo de mim.

Atreva-se a viver.

Era eu que ousava viver, mostrar a alguém quem


realmente era. Permitir que eles passassem da superfície e
entrassem nas profundezas secretas que costumavam ser
apenas minhas.

— Bocelli — Capo sussurrou enquanto caminhávamos


para o padre que esperava.

— E Pausini. — Eu sorri, apertando sua mão. — Queria


manter minha cabeça reta. Coloque minha mente certa.

Quando paramos na frente do padre, me virei para Capo


e ele se virou para mim. Ele pegou minhas duas mãos nas
suas.

Todas as palavras foram ditas. Todas as promessas


foram feitas.

Ele colocou um novo anel no meu dedo, uma pulseira de


diamante e safira. Coloquei seu anel de casamento, o que eu
o havia dado em Nova York. Il mio capo.
Antes que o padre nos anunciasse como marido e
mulher, Capo se inclinou e usou os lábios para coletar outra
lágrima que caíra dos meus olhos, e quando o padre disse as
palavras finais, ele alcançou minha boca e beijou meus
lábios, selando o acordo eterno.

Tutto suo. Tutto mio. Por sempre.

Tudo seu. Tudo meu. Para sempre.

Milhares de borboletas flutuavam ao nosso redor,


pequenas explosões de cores explodindo no ar noturno. Todos
os arranjos de flores, milhares de flores de laranjeira, foram
misturados com néctar de borboleta. Talvez todas elas tomem
um drinque antes de flexionar as asas e decolar para onde
quer que estejam indo. Uma borboleta azul pousou no meu
ombro antes de voar para outro local.

Foi uma surpresa de Capo. Assim foi o que estávamos


fazendo naquele momento.

— Eu não sabia que estávamos fazendo isso — disse.

Meu marido me mudou na pista de dança que havia sido


montada atrás da propriedade da vila de seu avô. Centenas
de pessoas assistiram enquanto desfrutávamos de nossa
primeira dança como marito e moglie27.

Seus olhos estavam firmes nos meus, embora nós


balançássemos. — Você faz por mim. Eu faço por você.

Ah! Sorri. — Bocelli para essa garota. — Capo nunca se


referiu à cantora pelo nome, apenas essa garota.

Ele havia pedido a música que ouvimos no carro, como


nossa primeira música. Quando começou a tocar, explodi em
gargalhadas, pensando que ele estava brincando
comigo. Com a mão estendida, ele me deu um olhar estreito,
então a peguei, e lá estávamos nós. Passando para a música
que ele disse uma vez que deveria estar na trilha sonora de
Tim Burton.

— Você sabe o que isso significa, certo? — Ele me girou


para fora, e então voltei para seu corpo com um
suave whooo. Ele era um operador tranquilo quando
dançava. Minha mão esquerda pressionou contra seu peito, e
a nova aliança brilhava como seus olhos. Era simples,
delicado, combinando com o anel de noivado, mas não tão
pesado. — Sua cabeça não ficará reta pelo resto da
noite. Todos os seus parafusos estarão soltos. Como os meus.

Seu sorriso veio devagar. — É assim que deveria ser. Sua


cabeça deve estar reta para a cerimônia, mas para a
recepção... — Ele deu de ombros, os ombros largos esticando

27
Marido e esposa.
o belo terno feito sob medida. — Você deveria ficar um pouco
selvagem. É uma celebração.

Sim!

Nunca tinha ido a uma festa tão divertida


antes. Centenas de pessoas comeram, riram e
dançaram. Estava começando a entender o que Scarlett
queria dizer sobre desejar que uma noite nunca acabasse.

Desejei um pote de vidro mágico.

Gostaria de poder guardar a lua cheia sobre os bosques.

Queria tirar a noite e a lua, todas as risadas e o clima


quente, e, por fim, engarrafá-los enquanto vivesse. E, depois
que morresse, escapasse para ele como meu paraíso.

Era meu. Era dele. Nosso.

O único distúrbio foi a chegada de Harrison e a presença


da personagem Gigi. Foi-me dito que Harrison não viria e,
dadas as circunstâncias, pensei que era melhor. Ele não
apareceu na igreja, mas decidiu interromper a recepção, de
certa forma.

Harrison me pediu para dançar, e o fiz, mas com


relutância. Não queria um problema. Nunca tive uma noite
perfeita antes, muito menos dia, e isso estava chegando
muito perto disso.

— Você está linda, Strings — disse ele, movendo-me,


mas de uma maneira que era diferente de Capo. Com
Harrison, nossos movimentos pareciam familiares,
fraternos. Com Capo, eu não conseguia acalmar meu coração
ou as borboletas. — Você está feliz?

Olhei para ele. — Estou, Harrison. Realmente estou.

— Por enquanto — ele disse.

Fui me retirar do seu domínio, mas ele se recusou a me


deixar ir. — Não faça isso — implorei, mantendo minha voz
baixa.

Ele me observou por um momento e depois se inclinou


para beijar minha bochecha. Fechei os olhos, não querendo
ver a dor nos dele.

— Se você diz que está feliz, eu estou feliz. Mas quando


ele te machucar além do reparo, estarei esperando para levá-
la para casa. Lembre-se disso, Mari.

Balancei minha cabeça. — Você não entende,


Harrison. Não é tão simples assim. Estou dentro... —
Quaisquer palavras que estavam prestes a derramar da
minha boca pararam logo antes. Isso não era da conta
dele. — Estou onde pertenço.

Capo interrompeu então, me tirando dos braços de


Harrison. Poderia dizer que Capo estava irritado. Quando
disse que não compartilhava, quis dizer isso. Sabia que ele
estava tentando me dar o que eu queria, as pessoas que
considerava minha família ao meu lado, mas não havia como
consertar o que havia acontecido na casa de Harrison. E não
senti falta dos olhares intensos que Capo deu à mãe de Keely.
Quando ela fez um comentário sobre o quão perto ele
estava de sua família, deu a ela a definição de família e,
depois, seguiu no final: — Pessoas que estão lá para você
através do espesso e fino, não apenas sangue. Se eles não são
nenhum deles, não significam nada. Qualquer que fosse o
problema dele, esperava que não fosse entre Keely e eu. Já
havia um problema com Harrison.

Depois que o tio Tito me tomou do Capo, vi Gigi


aproveitar a oportunidade para dançar com ele. Ela se
encaixou com ele. Cabelo preto sedoso. Recursos
nítidos. Olhos felinos. Ela não era alta, mas era construída,
curvas em todos os lugares certos. Seus lábios eram
geralmente vermelhos como sirene. Quando Capo me pegou
olhando, me virei e voltei à minha dança com o tio Tito.

Decidi não dar importância na minha cabeça. Capo se


casou comigo. Tínhamos um acordo, e não importava a
quantidade de história entre eles, porque poderia dizer que
havia, tínhamos concordado em ser exclusivos.

Por que me queima que ela está tão perto dele, no


entanto? Que ele pode pensar que é mais bonita que eu?

Scarlett me salvou dos pensamentos


enlouquecedores. Uma música rápida substituiu a que
estávamos dançando, e ela me puxou ainda mais para a pista
de dança. Cercado por todas as mulheres da noite das
meninas, mantivemos o tempo para o ritmo.

Minha pele estava escorregadia de suor, minhas


bochechas ardiam com o esforço de sorrir tanto e, pela
primeira vez em toda a minha vida, fiquei agradecida por pés
machucados. Dancei tanto que meus pés estavam me
matando.

Capo me levou para o lado, me colocou em um banco


debaixo de uma árvore e sentou-se ao meu lado. Tirou meus
sapatos, os colocou no chão e começou a massagear meus
pés. Fechei os olhos, fazendo barulhos indecentes, mas me
senti tão bem que nem me importei. Ao toque dele, a dor
pareceu derreter.

— É bom ter um amigo — disse com um sorriso — que


tem boas mãos.

— Boas mãos, ah? — Não pude vê-lo, mas percebi que


ele estava sorrindo. — É bom ter um amigo — ele disse e
pressionou ainda mais, me fazendo gemer baixinho — que
reage da maneira que você faz quando toco em você.

— Os amigos não devem fazer barulhos embaraçosos. —


Então explodi em gargalhadas com minha tentativa de piada.

Um segundo depois, desapareceu, quando Capo se


inclinou para frente, me pegou pela nuca e pressionou seus
lábios nos meus. Minhas mãos correram pelo seu peito
lentamente, até os ombros, e tentei puxá-lo ainda mais perto.

Eu estava faminta por algo que me dominava.

Sua língua girou com a minha, lenta e macia no começo,


mas quando me abri para ele, ele ficou duro, exigente, nossas
bocas em guerra. Minha atração por ele estava fora para me
destruir. Quando me beijou, perdi todo o senso de mim
mesma e de alguma forma me desvaneci nele. Nada, nada
mais importava.
Scarlett nos disse uma vez, na noite das meninas, que,
antigamente, as pessoas acreditavam que quando você
beijava, perdia sua alma. Havia mais do que isso, mas essa
era a essência.

Quanto mais Capo me beijava, mais eu perdia uma parte


vital de mim para ele.

Certa vez, estava disposta a trocar um rim por um


pedaço de bife. Estava disposta a trocar algo que ajudasse
meu corpo a funcionar adequadamente por algo que
alimentaria minha necessidade de vida.

Não era normal, então, perder uma parte vital de mim


mesmo para o homem que chamei de marido?

Segurei sua camisa em minhas mãos, não querendo


dobrar ou quebrar isso. Queria suas mãos no meu corpo, sua
boca na minha, como se ele estivesse me dando ar para
respirar.

Dou a ele algo que não posso viver sem. Ele me dá algo
que ele não pode viver sem.

Eu queria. Eu queria. Eu queria. Eu queria


mais... ele... disso... isso.

Não era normal, então, trocar algo que ajudasse meu


corpo a funcionar corretamente, como meu coração, por algo
que alimentaria minha necessidade de intimidade?

Ele interrompeu o beijo e demorei um minuto para


perceber que estávamos separados, que estava entrando na
realidade novamente.
Lá estava ele. Lá estava eu. Separados.

Mantive meus olhos fechados, minhas mãos nos meus


lábios, exigindo manter os sentimentos próximos.

Perda.

Uma simples palavra enviou meu coração em um tipo


diferente de espiral, e o medo se apegou a mim. Não
conseguia abrir os olhos para olhar seu rosto, abrir a boca e
dizer para se foder, porque estava em guerra por não querer
perder o que acabara de experimentar. Queria saborear isso.

Uma explosão aconteceu ao longe e quase pulei da


minha pele. Visivelmente me encolhi.

— Abra os olhos, Mariposa — disse Capo.

Eu fiz. Fogos de artifício explodiram sobre nossas


cabeças, iluminando o céu com as cores mais
bonitas. Centenas de pessoas se aglomeraram, olhos para o
céu, curtindo o show noturno.

Capo pegou meu queixo na mão e me fez olhar para


ele. — Seu vestido. Todas as suas linhas suadas estão em
exibição, Mariposa. Suas veias são de seda.

— Você percebeu — eu disse.

Ele me disse que eu estava deslumbrante em italiano a


caminho da recepção, mas não havia comentado as falas ou o
que elas significavam para nós.
— Sou cuidadoso com minhas palavras agora, apesar de
usar todas as palavras. — Ele sorriu. — Hora e lugar.

Eu sorri. — Você me trouxe aqui para me dizer.

— Em particular — disse ele.

Sorri ainda mais. — Você entendeu a piada particular.

— Eu nunca chamaria esse vestido de piada. — Seu dedo


traçou uma linha no meu braço. O material era puro, mas as
linhas eram tão profundas quanto na trama. — Mas é algo
que apenas nós dois sabemos. Nosso. — Seu caminho
continuou por cima do meu ombro, no meu peito, terminando
no meu coração.

Minha mão veio sobre a dele, tentando segurar o


sentimento novamente. Encontrei seus olhos por – não tinha
certeza por quanto tempo – mas depois me virei para olhar
para o céu, incapaz de igualar a intensidade.

— Não faça isso comigo — disse ele.

— Fazer o quê? — Continuei assistindo os fogos de


artifício.

Ele virou meu rosto e eu encontrei seus olhos.

— Desviar o olhar. — Ele procurou meus olhos, mas não


tinha certeza do que estava procurando. Mas senti quando
ele encontrou. A fechadura girou, e o som de algo dentro de
mim se abrindo ecoou por todas as partes de mim.

— Amadeo.
Capo olhou para mim por mais um segundo antes de se
virar para encarar um dos guardas. Recusei-me a olhar para
o guarda. Recusei-me a dar a ele um segundo do nosso
tempo. Guardas significavam apenas inquietação, e qualquer
guerra que existisse fora dos portões, não tocaria nossa noite
– nem naquele momento, nem cem anos a partir de então.

Meus olhos examinaram a festa enquanto Capo e o


guarda falavam em siciliano. As pessoas ainda estavam
dançando enquanto os fogos de artifício
continuavam. Harrison dançou com Gigi. De vez em quando,
seus olhos procuravam a multidão. Parecia que estava
procurando por alguém.

— Ele está tentando te deixar com ciúmes.

Pisquei, percebendo que era a voz de Capo, e só então


desviei o olhar da noite e para ele. — Ele... o quê?

— Harry Boy. Ele está dançando com Gigi para deixá-la


com ciúmes.

E você? Você está com ciúmes que ela está dançando com
ele? Eu ia dizer, mas, novamente, ela não estava recebendo
nenhum espaço em minha propriedade. Não importava se
Capo estava com ciúmes ou não. Fizemos um acordo. Ele
estava indo para casa comigo.

— Ele está desperdiçando seu tempo. — Hesitei, mas tive


que perguntar. – Tudo certo?

Ele suspirou e se levantou, pegando meus sapatos,


segurando as tiras nos dedos. Então estendeu a mão livre
para eu pegar. Depois que dei a ele, começamos a voltar para
a recepção. Mesmo que Capo negasse, sabia que algo havia
mudado.

Mais guardas estavam indo em direção à frente da


propriedade. Os que se aproximaram pareciam estar em
alerta, mais alto. Alguns deles se posicionaram em torno
de Nonno, que estava tão bêbado que riu de nada e de tudo.

Capo fez um movimento de desdém com a mão. Meus


sapatos estavam pendurados nos dedos dele. — Um
convidado que não foi convidado.

— Alguém que conheço?

— Não. — Ele parou por um momento no meio da


multidão. — Como está sua noite, Mariposa?

— Esta foi a melhor noite da minha vida — respondi


honestamente. — Se eu tivesse o poder de parar o tempo, o
teria parado no caramanchão.

— O fim?

Balancei a cabeça uma vez, mas estava tentando


descobrir exatamente o que aquilo significava.

— Preciso usar todas as palavras. — Ele me girou ao


ritmo de uma música rápida que tocava. — Você está pronta
para encerrar a noite?

— Ooh. – Eu ri. — Sim, se você estiver. — Era a festa


dele também.
Ele olhou para o avô, sorrindo de orelha a orelha,
desfrutando de um charuto com o tio Tito e um bando de
Faustis, e depois para os homens que iam para o portão.

— Mais uma música — disse ele, e parecia que estava


determinado a fazer o que queria. Quase parecia que estava
desafiando o convidado não convidado a atravessar os
portões e tentar detê-lo.

Depois de mais quatro danças, meus pés ainda


descalços, meu vestido manchado na bainha, demos as mãos
enquanto uma linha de estrelinhas nos mandava para uma
vila particular em algum lugar da propriedade.

A vila escondida no fundo da propriedade era antiga e


pequena, mas quem entrou e a preparou a tornou a mais
romântica possível. O ar estava quente contra a minha pele,
como se o ar da noite tivesse se agarrado ao meu vestido e
preenchido o espaço brilhante. Centenas de velas agrupadas
em uma lareira em arco iluminavam a escuridão. Eu só tinha
visto fotos de configurações como essa em revistas. O cheiro
de flor de laranjeira quase dominante.

Eu sabia que as tias de Capo haviam entrado e tornado o


lugar ainda mais especial. Elas tinham quatro velas de
assinatura que são vendidas em suas lojas. Flores de
laranjeira. Limão. Pistache. Chocolate. Eu tinha ligado os
pontos ao cheiro de chocolate no The Club. Capo deve ter
comprado as velas a granel.

Uma enorme cama de madeira com uma cabeceira


esculpida ficava no centro do quarto. Os lençóis dourados
eram nítidos, mas a capa, grossa e macia, fora
abaixada. Entre dois travesseiros igualmente grandes, uma
única rosa vermelha perfeita foi colocada. Acima da cama
havia uma simples cruz de madeira.

— Você ou eu?

— Você ou eu…? – Virei-me para encontrar Capo


olhando para mim. A gravata estava pendurada sobre uma
cadeira no canto e a camisa estava desabotoada. Suas
mangas estavam arregaçadas até os cotovelos desde antes.

Na frente do fogo, eu tinha que admitir, ele me deixou


nervosa. Não importa como olhei para ele, era intimidador, e
não apenas na aparência física.

Todo o medo do caramanchão me atingiu com força e


derrubou o vento dos meus pulmões.

— Chuveiro. — Ele assentiu atrás dele, em direção a


uma porta aberta.

Olhei para os meus pés. Eles ainda estavam nus e sujos,


mas, felizmente, não havia colocado nada neles em nossa
caminhada até a vila. Isso porque Capo insistiu em me
carregar. Ele passou por cima do limiar comigo, mas eu o
parei.
— Não devemos nos beijar ou algo do tipo para dar sorte?
— Eu disse.

Sua risada foi baixa e rouca, mas ele me beijou. Acabou


muito cedo, mas então, estar dentro da vila me deu
borboletas insanas.

— Você primeiro — eu disse. — Gostaria de ficar no meu


vestido o maior tempo possível. Só usarei uma vez. Parece um
desperdício para...

Ele deu um passo à frente e me beijou. Suas mãos


agarraram meu cabelo e ele me manteve firme contra seu
corpo. Quando ele se afastou, meus olhos ainda estavam
fechados. — Sua boca está inquieta — disse ele.

Eu sorri, mas meu lábio inferior tremia. — E você se


recusa a permitir isso, Capo.

Antes que pudesse abrir meus olhos, ele estava me


levando para longe do quarto e em direção ao banheiro. — O
que você está fazendo?

— É mais seguro se você ficar perto de mim. O banheiro


não tem janelas.

— Por quê? Algo está errado?

— As pessoas continuam aparecendo sem um convite.

Pessoas? Mais de um? — Você sabe quem eles são?

Ele soltou minha mão e foi ao chuveiro simples, ligando-


o. Quando o fluxo começou a escorrer, ele jogou a camisa por
cima da cadeira em frente ao espelho. Desfez as calças,
jogando-as por cima da camisa. As meias foram as
próximas. E então sua cueca boxer.

Senti-me como um daqueles personagens de desenhos


animados quando seus olhos se arregalam. Ele era magro e
tinha músculos em todos os lugares certos. E estava certa
sobre ele ter uma python. Seu tamanho só aumentou a
minha ansiedade. Estava tão fora da minha liga. Ele estava
além de bem.

Não percebi que estava olhando até encontrar seus


olhos. — Não quis encarar...

Ele sorriu. — Você não quis? Ou você queria e fez, e


agora se sente culpada por ser pega?

Dei de ombros. — Ouvi dizer que é falta de educação


olhar.

Ele jogou a cabeça para trás e riu. — É falta de educação


se não lhe pertence. — Então ele suspirou, mas de um jeito
bom, como se tivesse gostado do lançamento. — Gosto
quando você me olha, Mariposa.

— Gosto quando você me olha também — sussurrei


quando ele entrou no chuveiro e fechou a porta. Ele era
quase grande demais para o pequeno espaço. Era alto e seus
ombros eram largos. Pelo menos a banheira ao lado era
grande o suficiente para dois.

Suas costas estavam cheias de músculos e, quando ele


se moveu para lavar, elas ondularam. A água e a luz das
velas fizeram sua pele tremer. Sentei-me na cadeira, sem
vontade de desviar o olhar, mas não consegui ficar mais
tempo. Só de vê-lo se lavar fez o pulso entre minhas pernas
palpitar. Meu estômago estava tão duro quanto um punho
apertado. Meus seios pareciam estar subindo contra o vestido
de repente, tão duros que doíam.

Lambi meus lábios.

Engoli em seco.

Eu ansiava por atrito.

Suas costas ainda me encaravam e, quando ele se virou,


sua ereção tocou o vidro. Ele começou a se lavar enquanto
me via observando-o. Seu pênis balançava cada vez que ele
acariciava. Ele passou os dentes pelo lábio inferior e, quando
fiz um barulho profundo na garganta, seus olhos ficaram
mais sérios, mais encapuzados.

Senti-me fraca. O pouco de vapor na sala estava me


atingindo. Ele estava me pegando. Então abri minha boca. —
Estamos em perigo? — Estou em perigo? Não deles, mas
de você.

Ele piscou para mim, como se tivesse que lembrar com


quem ele estava – a garota de vestido branco. Não é o
vermelho. Então ele começou a enxaguar o sabão, nosso
momento acabou. — Estamos todos em perigo,
Mariposa. Algumas pessoas mais que outras.

— Nós somos 'algumas pessoas', acho.

Ele assentiu e depois desligou a água. Virei-me e peguei


uma toalha do balcão e lhe entreguei. Ele pegou e depois se
virou para vasculhar sua bolsa. Depois que me deu uma
excelente visão de sua bela bunda, ele colocou a toalha em
volta da cintura.

Levantei e me virei em direção ao espelho. Observei-o se


aproximar por trás. Ele parou quando estava nas minhas
costas. Podia sentir o calor do seu corpo através do vestido.

Ele moveu meu cabelo para o lado e depois me ajudou a


abaixar a parte de cima do vestido. Meu sutiã adesivo branco
brilhava contra a minha pele. Ele beijou a nuca e o meu
pescoço, me olhando como ele faz, e então seus dedos mal
acariciaram meus braços.

— As borboletas têm menos cores favoritas quando se


trata de flores. Você sabe o que elas são? — Sua voz era
baixa, quase rouca.

— Não, — sussurrei. Um arrepio acenou sobre mim com


seu toque constante, sua voz grave, e isso me fez tremer.

— Ti piace la mia bocca sulla tua pelle. Tremi per me. —


Ele disse as palavras quase para si mesmo, algo sobre eu
gostar de sua boca na minha pele, eu tremendo por
ele. Então, sem problemas, ele nos trouxe de volta ao seu
comentário sobre a borboleta. — Azul para avelã.

Meus olhos se levantaram para encontrar os dele. Azul a


castanho.

— Ainda bem que não sou uma borboleta de verdade, ou


talvez tivesse aceitado o aviso na primeira vez que vi seus
olhos e voaria para algo mais leve.
— Coisa boa. — Ele passou a língua da minha nuca até o
centro das minhas costas e depois seguiu beijos firmes no
caminho de volta. Suas mãos se moveram para os meus
quadris, e ele nos moveu lentamente. — Se você soubesse os
pensamentos que tenho sobre você desde a noite no The
Club, as fantasias, você teria fugido.

— Não — disse, sugando uma respiração trêmula,


soltando-a lentamente. — Agora que te encontrei, não posso
voar para longe. Estou atraída pelo azul... todos os tons. É a
minha cor favorita. Parece me curar, não me machucar.

Suas mãos acariciaram meus seios, circulando as taças,


até que as removeu. Com um toque tão suave que me fez
querer gemer, acariciou meus mamilos.

Derreti em suas costas e ele parecia me absorver. —


Eu... — mal conseguia falar. — Preciso tomar banho.

Ele assentiu uma vez e depois me beijou na lateral do


pescoço, seus lábios contra o meu pulso. Afastou-se e vestiu
a calça de dormir.

— Espere — respirei quando ele foi embora. Senti-me


tonta. — Aonde você vai?

— Não há janelas aqui, Mariposa. Você está segura.

Com isso, ele me deixou em paz.


Mariposa
Ele estava dormindo quando entrei no quarto, encostado
na enorme cabeceira da cama, com o laptop no colo. Andei na
ponta dos pés em sua direção, ainda esfregando o creme com
cheiro doce nos braços. Tentei ficar ainda mais quieta quanto
mais perto cheguei dele. Ele tinha um sono leve. Na verdade,
não conseguia me lembrar de um momento em que ele
adormeceu primeiro. Geralmente era a primeira a dormir, e
toda vez que acordava durante a noite, ele ainda estava
acordado.

Na Itália, porém, dormi a noite toda. Ainda não acho que


ele fez.

Seu cabelo ainda estava úmido do chuveiro, ele cheirava


a oceano, e tive que me impedir de estender a mão e tocar
seu rosto. Não era mais suave no sono, mas, mais
relaxado. Exceto pelo cenho franzido. Era perceptível apenas
quando ele descansava, como se tivesse que lutar para
mantê-lo fora de seu rosto quando tinha controle. Uma vez
lhe disse que ficaria com rugas prematuras se continuasse
assim, e ele apenas balançou a cabeça e disse: — As
cicatrizes não me incomodam. Elas significam apenas que
ganhei meu lugar neste mundo.

Dei outro passo mais perto e estendi a mão para o


computador, uma mão de cada lado para deslizar em minha
direção e para longe dele. — Vou guardar lobo — sussurrei.

Quando fui mover o computador, ele agarrou minhas


mãos. — Não estou dormindo. Estou descansando meus
olhos.

Se alguém mais tivesse dito isso, teria rido e dito, sim,


certo, mas acreditei nele. Ele estava sempre em guarda.

Seus olhos se abriram lentamente para os meus. Então


eles pegaram a seda vermelha no meu corpo.

— Estou pronta — sussurrei. Embora minha voz


estivesse firme, cada parte de mim tremia como se estivesse
com frio, o que me fez sentir quase... dolorida. Meu interior
estava quente.

O chuveiro não me fez nenhum favor. Depois que ele


saiu, me deixou em chamas, e nem mesmo a água fria
conseguiu apagar. Todas as minhas defesas foram
consumidas, deixando-me vazia. O vazio exigiu que seu toque
substituísse o medo que me impedira de fazer isso com ele
antes. Não importava se estávamos casados ou não, se
aconteceu uma semana atrás, na noite de núpcias ou no dia
seguinte. Eu sabia quando era a hora certa.

Agora.
Ele me olhou nos olhos, por um momento ou dois, e
depois jogou o computador em uma bolsa ao lado da
cama. Então, estava fora da cama, seu corpo colidindo com o
meu. Pensei que ele seria gentil comigo, mas era exatamente
o oposto. Rude. Sua boca começou outra guerra com a
minha, enquanto suas mãos seguravam meus cabelos, me
mantendo tão perto quanto a pele. Talvez meu lábio tivesse
quebrado. Ou o dele.

Minhas mãos procuraram a pele para tocar, para


arranhar, devolvendo o que recebia. Quando passei minhas
unhas pelas costas nuas, ele sibilou, e seu toque se tornou
ainda mais áspero.

Minhas costas bateram contra a parede e o beijo


quebrou, mas sua boca continuou trabalhando. A barba
curta em seu rosto queimou minha pele enquanto raspava
contra mim. Seus dentes morderam. A língua dele
lambeu. Ele empurrou meus seios para cima, fazendo-os
saltarem da seda, e quando pegou meu mamilo entre os
dentes e mordeu, meus joelhos quase cederam. O choque foi
diretamente entre as minhas pernas.

— Você veio até mim em rosso28 — disse ele, com a boca


gulosa na minha pele, as mãos em concha na minha
bunda. Seus dedos cravaram na minha carne, mantendo-me
presa contra ele. Sua ereção foi dura contra a minha
maciez. Perguntava-me como ele estava se sentindo entre as
minhas pernas. Como ele se sentiria, sobre mim, em mim, ao

28
Vermelho.
meu redor. Consumindo-me. Se eu pensasse nisso por muito
tempo, estaria nervosa, mas presa no momento, não desejava
nada além dele.

— Você queria um incêndio — eu mal disse. Ele moveu


meu pescoço para o lado, e assobiei quando ele mordeu e
chupou a pele lá. — Sono tua, Capo. — Sou sua, chefe.

— Coloque seus braços em volta do meu pescoço e


envolva suas pernas em volta de mim.

Eu fiz, e ele me levantou, seus braços sob o meu


traseiro. Nós nos beijamos quando ele nos moveu em direção
à cama. Uma vez lá, me sentou, seus olhos tão gananciosos
quanto sua boca e dedos.

— Você é tão linda. — Ele passou os dentes pelo lábio


inferior. — Mia Mariposa.

Coloquei um pé de cada lado dele, logo acima de seus


quadris, e uma vez que eu tinha uma boa aderência,
empurrei suas calças para baixo. O comprimento dele se
libertou, e nunca tinha visto algo tão erótico: esse homem
parado na minha frente nu.

Quando ele começou a rastejar na cama, empurrei um


pouco, abrindo espaço para ele. Seus lábios vieram para os
meus novamente, enquanto seus dois braços fortes eram
como barras de cada lado da minha cabeça. Ele beliscou e
lambeu e provocou. Então sua boca se moveu para baixo, sua
língua fazendo rotas ao longo da minha pele. Ele empurrou a
seda vermelha para baixo, e meu corpo, meus seios, eram
dele. Empurrei contra sua boca, querendo mais.
A dor entre minhas pernas implorou para ser aliviada. E
não percebi que estava choramingando, movendo meus
quadris para cima, até que sua mão se abaixou e me
tocou lá. Ele sussurrou algo sobre eu estar pronta, molhada e
quente, em italiano. Um barulho que não tinha controle
tremia dos meus lábios. Não me importei. Não tinha
vergonha.

Não haveria vergonha aqui. Ele matou.

Quanto mais eu respondia, mais ele parecia me


querer. Quando eu fazia barulho, seu toque ficava mais duro,
ou sua boca mordia ou chupava. E quando ele arrancou o
vestido do meu corpo e o jogou pelo quarto, ele tremulou
como uma borboleta que foi incendiada na escuridão.

Ele se inclinou para trás, olhando meu corpo nu com


olhos escuros como safiras.

— Não pare — respirei. — Por favor.

Sua mão deslizou pelo meu corpo, seus dedos


acariciando meus mamilos. Um ahh suave saiu dos meus
lábios e levantei meus quadris, implorando para ele se mover
mais para o sul. Seus olhos se voltaram para minha oonie, e
então ele gentilmente me separou, me abrindo para
ele. Quando começou a me tocar, apenas assistiu. Ele
assistiu o que estava fazendo comigo, e então assistiu meu
rosto. E quando sua boca veio contra mim como antes, gritei
de prazer. Estava tão perto. Tão perto de ser quebrada por
sua língua. Mas queria mais. Ansiava por ele, como se nunca
tivesse desejado nada antes.

— Faça-me sua, Capo — eu disse, sem fôlego.


Ele se ajoelhou sobre mim, seu pau na mão, acariciando-
o. — É isso que você quer?

— Dominami. — Respirei fundo e deixei escapar de


minha boca em um lento impulso de ar. — Domine-me.

— Ti dominó. — Sua voz era baixa e áspera. E nunca


quis esquecer o olhar em seu rosto. Ele estava perdendo o
controle, embora, de alguma forma, tivesse toda a sua força
neste quarto. — Uma palavra, Mariposa.

— Você — eu mal disse. — Dentro de mim.

— São quatro.

— Sim. — Sim. Sim. Sim. SIM!

Ele abaixou e abri minhas pernas para acomodá-lo


enquanto entrava. Podia sentir a ponta dele perto da minha
entrada e quase levantei meu traseiro, recusando-me a
esperar mais um segundo. Queria senti-lo pressionado contra
a porra da dor que não iria parar.

Seu rosto estava perto do meu, e ele me lambeu até meu


ouvido. — Isso vai doer — ele sussurrou.

Vale a pena sangrar por todas as coisas boas, queria


dizer, mas não o fiz. Sem palavras, puxei-o para mais perto,
minhas unhas cravando em suas costas, tirando sangue.

Sangue por sangue.

A violência por trás disso o levou a se mover. Ele entrou


em mim lentamente, seu tamanho esticando, esticando,
esticando minhas paredes, e eu não tinha certeza se seria
confortável, mas queria. Queria que ele me preenchesse, se
movesse com mais força, mais rápido. Queria que ele me
enviasse ao limite.

Ele se moveu ainda mais fundo, e soltei um


suspiro. Dor. Muita dor. Uma queimadura, como uma partida
acesa por dentro. Estava quase chorando, fazendo-o tirar,
mas então ele se moveu ainda mais fundo e a dor diminuiu,
brigando por prazer. Ele me violou, foi além do pálido e
mudou-se para um espaço que ninguém jamais havia tocado
antes. Um barulho estranho, entre um choro e um gemido
suave, escapou dos meus lábios. Aquele lugar que ele
continuava batendo, era como... nada que eu já tivesse
sentido antes.

— É isso aí, mia Mariposa. — Sua voz foi estrangulada


quando ele deslizou ainda mais fundo, cada centímetro dele
me empurrando. — Relaxe. Porra. Você é tão apertada.

Seus olhos estavam baixos, como se estivesse bêbado. A


testa dele estava enrugada. Sua boca estava entreaberta e ele
emitiu um ruído selvagem que saiu de sua garganta. Queria
que ele fizesse isso de novo. Isso me fez sentir poderosa, tão
bêbada quanto ele. Ele fez isso por minha causa.

Ele começou a se mover um pouco mais rápido, entrando


e saindo de mim e, enquanto o fazia, sua mão desceu, entre
as minhas pernas. Ele arrastou a mesma mão sobre o peito,
sobre o coração, e deixou uma mancha de sangue vermelho
brilhante, a cor da seda que havia sido arrancada do meu
corpo.

Tantos sentimentos me atingiram ao mesmo tempo.


Isto. O que estávamos fazendo.

Isto. Essa parte de mim ainda era minha para dar a


quem eu quisesse, e eu tinha dado a esse homem. Meu
marido.

Ele colocou minha mão sobre seu coração, onde estava a


mancha de sangue. — Fizemos votos — disse ele em
italiano. — Mas nada como isto. Este é um voto de sangue
entre nós dois. Entre a nossa carne. — Ele saiu de mim e
depois voltou, me fazendo perder o fôlego. — Você pertence a
mim em todos os aspectos agora, Mariposa.

Era inútil combater a sensação de ser dominada por


ele. Não havia espaço para me mover, me esconder, escapar
dele e da intensidade, e se eu não cedesse à pressão, isso me
dividiria em duas. Não pude segurar. Uma onda de prazer
intenso surgiu dentro de mim, e a soltei, cedendo à
sensação. Para ele. Minhas unhas cravaram em sua carne
ainda mais forte, minhas costas arquearam e gritei. Ele
parecia engolir meu prazer sem que seus lábios tocassem os
meus.

Meu corpo inteiro tremia, me drenando de tudo, menos


dele. A dor estava lá, ainda queimando, mas o prazer passou
por todas as outras partes de mim, o choque foi tão grande
que pareceu parar meu coração.

Ele se moveu ainda mais rápido, fazendo barulhos


que bebi como um vinho amargo ou um doce veneno. Só o
tempo diria se ele era minha graça salvadora ou meu maior
inimigo. Não haveria meio termo com ele.
Ele foi ainda mais fundo e gritei novamente, tão sensível
depois do que ele tinha acabado de fazer comigo.

Já havíamos discutido os detalhes da proteção. Dependia


de mim. Eu queria ter filhos – tudo bem com ele. Se
não... Tudo bem por ele. Foi minha escolha. Decidi esperar no
controle da natalidade quando o médico perguntou. Não
tinha certeza do porquê, mas não queria barreiras entre nós
pela primeira vez.

O que tiver que ser, será.

— Mariposa — ele rosnou meu nome, e um segundo


depois, a cabeça inclinada para trás, a boca entreaberta e os
olhos fechados. Todos os seus músculos se estenderam e
então ele se derramou dentro de mim. Senti a combinação do
meu desejo, meu sangue e sua semente se misturando.

Ele não saiu de mim. Não imediatamente. Olhou para


mim e eu para ele. Ele me beijou entre os olhos, me fazendo
fechar os meus.

A dor entre minhas pernas se tornou real, não por falta,


mas pelo que acabamos de fazer, e cada parte de mim parecia
doer. Fiquei instantaneamente dolorida. Quando ele saiu,
estremeci, como se ele tivesse puxado uma faca de carne
sensível, subitamente sentindo-me sozinha e fria.

Sangrando.

Em vez de dois, senti como se fôssemos um.

A conexão me fez sentir... O que o padre havia dito? E os


dois se tornarão uma carne. Portanto, eles não são mais dois,
mas um. Também não havia como tentar novamente. Não
tinha certeza se eu poderia me mover. Ou como eu lidaria
com isso novamente mais tarde, ou hoje à noite, se ele
quisesse. Era tão... penetrante, e não apenas fisicamente.

— Mariposa. — Ele me estudou. — É normal doer pela


primeira vez. Sangrar.

— Eu sei. — Os lençóis embaixo de mim estavam


ensopados de sangue. Quando perguntei ao meu médico o
que esperar da primeira vez, me disse que o sangue era
normal. Nenhum sangue também era normal. Todo mundo
era diferente. Ela me deu informações detalhadas sobre todas
as circunstâncias para que eu não ficasse surpresa.

Ele beijou meus lábios. — Use todas as palavras.

Eu não esperava me sentir mais perto de você, eu queria


dizer. Eu não esperava que essa... conexão crescesse ainda
mais profundamente dentro de mim tão rápido.

Todo o medo que senti no caramanchão não foi porque


tinha medo do sexo, mas das cordas emocionais que ele
trazia. Cordas me assustavam muito, porque eu era casada
com um homem que tinha uma aversão severa ao
amor. Mesmo se quisesse isso, o que não queria, nunca
poderia acontecer dessa maneira.

— Foi... bom para você? — Mordi meu lábio, realmente


não querendo compartilhar meus medos mais
profundos. Escolhi um de superfície.

Talvez fosse estúpido, mas queria que ele gostasse de


mim também. Mesmo que nunca discutíssemos sua história
em detalhes, um homem como ele provavelmente tinha
muitas mulheres. Mulheres como Gigi e a bonita secretária
de Rocco, Giada.

— Tão inocente — pensei que ele disse em italiano, e


então me respondeu em inglês. — Eu disse fogo. Você trouxe
isso. O tipo que consome água.

— Ainda não. — Sorri, meio timidamente, e não tinha


certeza do porquê. — Eu não tinha certeza do que esperar...
Hoje à noite. Agora que faço...

— Você vai me matar.

— Eu? — Levantei-me nos cotovelos, aproximando-me do


rosto dele. — Te matar?

— Você não tem ideia — ele sussurrou — do que você faz


comigo. — Seus olhos abaixaram e ele acariciou minha coxa,
coberta de sangue seco. — Vieni. — Venha. — Vou lavar você
no chuveiro, la mia farfalla. Então vamos tomar um
banho. Isso ajudará a aliviar seus músculos.

Sem perguntar, ele me pegou na cama, nós dois ainda


nus, e me levou para o banheiro. Depois de tomar banho
juntos, adormeci com a cabeça no seu peito, seus dedos
acariciando minhas costas naquele delicioso padrão 'C', no
calor da banheira.

Não ouvi nada além do som do coração dele batendo no


meu ouvido. Não cheirei nada além de sua pele. Não senti
nada além dele.
Nunca aprendi a nadar (e não conseguia me lembrar de
andar de bicicleta), mas sabia como era estar submersa em
uma banheira. Sons vieram em ecos, tão próximos, mas tão
distantes. Quanto mais próximos da superfície, porém, mais
claros os sons se tornavam.

Carros. Música de fundo. Boca da verdade. A lenda é


que, se você está mentindo, você coloca a mão lá dentro, isso
será arrancado. Mais música. Riso. Vamos ver você fazer
isso. Voz mais alta. Feminina. Certo. Voz mais
profunda. Masculino. Mais
música. Dun. Dun. Dun. Gritando. Olá,sua besta!

Meus olhos se abriram lentamente. Onde eu estava?

Mesmas visões. Os mesmos cheiros.

Ainda na vila escondida.

Bocejei e me estiquei, a consciência acordando, e os sons


ao fundo tomaram forma na minha mente. Um filme. Roman
Holiday com Audrey Hepburn e Gregory Peck. Começamos a
assistir e devo ter adormecido.

Fazia dois dias desde o nosso casamento. Estava feliz,


dolorida e cansada o tempo todo. Tirei cochilos sempre que
podia. Então acordava, ele me beijava ou me tocava, e nós
voltávamos as nossas atividades conjugais.

— Você faz bolhas com a boca quando dorme.


Embora meu cérebro estivesse ligado, meus olhos
demoraram para abrir. Pisquei para ele. Ele estava apoiado
em sua mão, seu bíceps perfeito enrolado como um nó duro,
me observando.

— Você estava me assistindo dormir? — Minha voz era


áspera, quase triturada. Estávamos passando por momentos
difíceis.

Ele sorriu e empurrei seu peito nu. Ele manteve minha


mão lá, chupando meu dedo indicador.

— Isso é tão assustador, Capo. É como se você estivesse


me perseguindo enquanto durmo.

— Seus sonhos. — Ele riu, o som saindo rouco e baixo.

— E o que você quer dizer? — Estreitei meus olhos para


ele. — Faço bolhas?

— Como isso. — Ele empurrou os lábios para fora


usando o ar, fazendo um barulho suave quando seus lábios
se separaram, e então ele os relaxou e depois fez de novo. Era
como se não tivesse controle de seus lábios, e um leve
empurrão de ar continuava fazendo 'bolhas'.

Minha risada subiu ao teto. — Devo estar me afogando


no meu sono. Ou talvez eu seja parte peixe.

— Você tem dormido pesado ultimamente.

— Quando durmo. — Sorri.


Ele se inclinou e me beijou suavemente. Fiz um barulho
mmm e ele segurou meu peito, como se o estivesse pesando
na mão. Não conseguia me lembrar da última vez que vesti
roupas.

— Diga-me algo sobre você, Capo. — Minha voz saiu


suave, tão suave quanto o beijo.

Eu tinha aprendido que, além do beijo ocasional, não


havia nada suave em Capo Macchiavello. A primeira vez que
fizemos foi tão gentil quanto ele. E gostei. Gostei quando ele
quase me rasgou em duas. Gostei quando os orgasmos que
ele me deu foram tão intensos que a tontura se
seguiu. Estava tonta dia e noite.

— Você sabe tudo que vale a pena conhecer.

— Não é o coração.

— Em tempo.

Balancei a cabeça e gentilmente toquei a cicatriz na sua


garganta. Nunca deixei minha mão lá por muito tempo, mas
às vezes ansiava por descobrir a história por trás disso. Como
isso aconteceu. Nunca perguntei, mas mesmo que tivesse, ele
não parecia pronto para compartilhar. Às vezes, quando eu o
tocava ou o beijava, seus músculos contraíam.

— Você coloca muito em cima da mesa, mas quero algo


que não faz parte do acordo, Capo.

— Algo dado sem termos.

— Sim.
— Os limites existem por uma razão, Mariposa.

— Você não disse que não podíamos


compartilhar nada. Você apenas disse que com o tempo me
daria o coração e todas as suas veias. Assim como eu disse a
tempo, eu daria meu corpo a você. Eu fiz.

Ele suspirou. — Algumas perguntas do caralho.

— Ooh! Vou primeiro.

— Não concordei, Mariposa.

— Você também não disse não. E você meio que disse


que sim. Você disse...

Ele colocou a mão na minha boca e tentei mordê-lo, mas


não tinha gordura suficiente na palma da mão. — Sei o que
eu disse.

— Dez perguntas. — Minha voz estava abafada.

Ele soltou minha boca. — Duas.

— Duas? Esse é um cada. Isso é mísero. Isso não é


nada. Isso está sendo apertado. Você é tão livre de dinheiro,
por que não com todas as suas palavras?

— Palavras valem mais que dinheiro.

— As palavras são gratuitas, Capo. Isso não está me


custando nada. Veja? Não há homenzinho correndo por aí
com um pote de coleta, gritando: 'Conta!!! Você tem uma
conta!!!’. Não há tabulação para as palavras.
— Ambas as perguntas são para mim e tenho certeza de
que isso me custará alguma coisa.

— Você não tem uma para mim? — Isso estava certo. Ele
sabia tudo sobre mim. E o que ele não sabia? Isso não
importava. Eu estava entediada. Tudo o que fiz foi
sobreviver. Eu nem tinha feito sexo até ele.

Ele estudou meu rosto por um momento. — Na


realidade. Tenho uma pergunta.

— Apenas uma?

— Una.

Tudo bem, mentalmente esfreguei minhas mãos como


um vilão em um romance romântico. Eu tinha uma moeda de
troca. — Para sua única pergunta, sobre mim, posso lhe fazer
mais de duas, desde que não cruzem nenhuma linha
invisível. E vou por último.

— Algumas perguntas do caralho. — Ele


suspirou. Então, mergulhou e pegou meu mamilo em sua
boca, e como sua língua fazia coisas realmente mágicas
comigo, empurrei contra ele. Meu estômago se contraiu e
imediatamente, a dor entre as minhas pernas começou a me
fazer sentir sensível por todo o lado. Ele me mordeu com
força, e puxei seu cabelo. Ele me soltou de repente. —
Pergunte.

— O quê? — Ofeguei. — Agora?


Ele riu e me disse para parar de fazer beicinho. — Você
queria fazer isso. Jogue este jogo ridículo de caça de
informações.

— Ok. — Levantei-me, descansando no meu cotovelo, de


frente para ele. Meus mamilos formigavam, desejando o atrito
contra seu peito, mas continuei. — Já esteve apaixonado
alguma vez?

— Não. Próxima.

— Espere. Espere. — Levantei a mão. — É isso aí? Não?

Ele estreitou os olhos para mim. — Essa pergunta não


merece mais que uma resposta 'sim' ou 'não'.

Acenei com a mão, ignorando seu tom cortante. — Qual


é a tua cor favorita?

– Ouro.

Minhas perguntas continuaram nesse sentido por um


tempo. Mantive as perguntas básicas, porque depois da
primeira, sabia que ele diria que tropecei em uma linha
invisível e a usei para chegar à minha pergunta. Estava
guardando as perguntas ardentes para o final.

Depois que acabei com os básicos, perguntei: — Seu pai


é um homem mau?

Eu tinha visto fotos de sua mãe, foram contadas


histórias dela, mas ninguém nunca mencionou seu pai. Era
como se ele fosse um assunto quente que ninguém queria
tocar. Tentei com seus parentes, mas se recusaram a fofocar
sobre ele, alegando que estava podre, e isso era tudo que
precisava saber.

Ele ficou quieto. — Ele não é um homem mau. Ele é uma


alma má.

A intensidade em seus olhos me fez desviar o meu. Olhei


para o lençol, pegando nada. — É por isso que você está tão
perto dos Faustis? Eles tratam você como uma família?

O que Keely me disse antes do casamento, sobre como as


pessoas solitárias encontram multidões criminosas para se
aproximar, voltou para mim. Foi isso o que aconteceu com
ele? Seu pai estava desaparecido de sua
vida? Abusivo? Então ele correu para a família
Scarpone? Depois, para os Faustis quando isso não deu certo
– quando ele se recusou a deixá-los me matar?

Pelo que aprendi sobre os Faustis, a palavra deles era tão


boa quanto o sangue, e se eles o levassem ao seu rebanho,
você estava lá por toda a vida, desde que não os
cruzasse. Pareciam excepcionalmente próximos de Capo.

É claro que o tio Tito compartilhou sangue com Capo, e o


tio Tito era casado com Lola Fausti, então havia uma
conexão. Mas parecia mais forte que isso. Eles eram leais a
ele. Tão leais quanto ele era com eles.

Parecia... um pouco exagerado para mim, no


entanto. Por que procurar esse tipo de família, jurando
lealdade a eles, quando você tinha uma família incrível, real,
na ponta dos dedos?
— Use todas as suas palavras, Mariposa, uma vez que
elas custam tão pouco.

Inspirei e expirei. — Você... faz coisas ilegais para os


Faustis?

— Sim. — A palavra era clara, mas longe de ser


simples. — Sim e sim. Os Faustis estavam lá para mim
durante um período muito difícil da minha vida. Eles não
tinham que me ajudar, mas ajudaram. Chamo as pessoas
desta terra de minha família porque compartilho sangue com
elas, contudo, nunca foram nada boas para mim. Incluindo
você. Os Faustis são minha família, porque quando estava
nas trincheiras sangrando, sentaram-se ao lado do anjo e me
prometeram que a vingança seria um dia minha.

— Você mataria por eles.

— Sim.

Engoli em seco. — Eles... protegem você?

— Eles ficam de olho, mas na maioria das vezes, faço o


meu próprio caminho. Pedi uma coisa a eles, Mariposa. Que
eles me deem tempo – isso significa algumas coisas
diferentes. Eles ficam de olho. Eles me dizem quando alguém
que não deveria chegar perto chega de vez em
quando. Precisava garantir tempo para colocar as coisas em
movimento, e foi o que eles fizeram por mim. Mas quando
chegar a hora de cobrar dívidas, seremos meus inimigos e
eu. Ninguém mais.

— Realmente não entendo. — Suas palavras me


deixaram nervosa. Sabia que ele estava em maus negócios
desde o momento em que o vi fora do restaurante. Cada vez
que eu estava perto dele, algo ao seu redor me alertava para o
fato de que era poderoso, no controle, e havia pessoas que
queriam testar essas linhas duras.

Ele nunca havia escondido nada de mim, mas sabia que


havia mais. O coração, como havia chamado durante a
reunião, e todas as veias que levavam a ele. Quando iria
compartilhá-las? Minha vida estava em risco. A dele
também. E isso me deixou nervosa. Mais do que deveria. O
pensamento de nunca mais vê-lo fez coisas más com meus
pensamentos e sentimentos.

Keely e seus irmãos, os Faustis, toda a família de Capo,


todos pareciam veias no meu corpo. Capo. Ele era como meu
coração.

Merda. Merda. Merda. De onde isso veio?

— Você vai — disse ele. — No tempo certo.

Não conseguia entender o olhar em seu rosto. Ou tinha


se aprofundado o suficiente para ver os pensamentos que eu
acabara de ter, ou estava perto de descobri-los. Mesmo que
não fosse amor, tinha a ver com assuntos do coração. Ele não
conseguia descobrir, ou poderia terminar o acordo com base
no fato de que o amor, ou algo parecido com ele, nunca
deveria fazer parte do nosso acordo.

— Hora de pagar. — Disse, apertando minha coxa,


trazendo minha atenção de volta para ele.
Meus olhos encontraram os dele. Estava encarando a
tatuagem na sua mão. — Se as palavras têm um preço, pegue
meu dinheiro — disse.

— Você já gostou de um menino?

— Você quer dizer como uma paixão?

— Como vocês chamam hoje em dia.

Apesar do meu medo repentino, sorri para esconder


meus pensamentos anteriores e os sentimentos que eles
deixaram para trás. — Não. — Mentira.

— Você já se apaixonou, Mariposa?

Apertei os lençóis e puxei as cobertas para esconder


meus seios, ou talvez meu coração. — São duas perguntas.

Ele encolheu os ombros. — Como suas palavras


custam niente, também posso ir à falência, já que elas me
custam muito. Diga-me se você já se apaixonou.

— O amor não foi criado para meninas como eu. —


Evitando uma mentira.

Ele estava certo. As palavras não eram livres, e as


minhas me custaram il tutto. Tudo. Nunca estive tão
quebrada em toda a minha vida.
A respiração fez whooshed29 fora de mim quando Capo
de repente virou-me nas minhas costas, seu corpo pairando
sobre o meu. Quando pensei nele como uma onda me levando
para o oceano? Sim, atingi a marca. Na metade do tempo, ele
podia roubar minha respiração sem sequer me
tocar. Felizmente, não havia batido em uma rocha metafórica
ainda.

— Fim de jogo, Mariposa. — Seus olhos eram intensos


nos meus. Depois de algumas batidas do coração, ele disse:
— Você confia em mim.

Isso me levou a uma virada selvagem. — O quê? Você


está na minha cabeça agora, Capo? — Seu peito mal tocou
meus seios, e um som suave e choroso veio da minha boca.

— Mais do que palavras, Mariposa — disse ele. —


Aprenda o que significa falar comigo sem palavras.

Eu não tinha certeza do que ele queria dizer exatamente,


mas minha cabeça estava ficando muito nublada para ele
descobrir. Olhei para o meu pulso preso em seu aperto. —
Confio em você.

— Sim. Minha mão estava sobre sua boca mais cedo e


você nem percebeu.

Merda.

29
Assobio.
— Você confia em mim — ele disse novamente.

Algo me disse que sua afirmação nada tinha a ver com


meus sentimentos, mas algo mais... sexual. Fiquei agradecida
pela virada. Talvez ele não visse o quão quebradas minhas
palavras me fizeram enquanto ele estava ocupado com
outras... coisas.

— Confio — eu disse novamente, empurrando meus


quadris para encontrar sua ereção.

Ele sorriu e o olhar foi direto entre as minhas


pernas. Suas mãos deslizaram entre as minhas coxas e
respirei fundo, lentamente empurrando-a para fora. Seus
dedos deslizaram, deslizaram, deslizaram, até que começou a
massagear meu traseiro. — Veja, você sabe — ele
sussurrou. — Você me entende sem o uso de palavras.

Tudo o que ele tinha em mente era a melhor distração e,


inevitavelmente, eu entenderia sem o uso de palavras. Seria
consumida por nada além de sentimentos.
Mariposa
Antes que eu soubesse, estávamos casados (de novo) por
duas semanas. Quando chegamos, não conseguia manter os
olhos em Capo o tempo suficiente para acompanhá-lo. Depois
que nos casamos (de novo), seus olhos estavam sempre em
mim, os meus nele, e éramos inseparáveis.

Parecia que ele estava propositalmente tentando fazer


um esforço para passar um tempo comigo. Talvez fosse
porque nossa lua de mel, para algum destino desconhecido
que Capo havia escolhido, fora adiada. Não parecia que sentia
pena de qualquer coisa, mas, era mais como se estivesse
tentando compensar isso. Afinal, fazia parte do nosso acordo.

Teríamos uma eternidade para a lua de mel. Não havia


como saber quanto tempo seu avô ficaria vivo, e queria que
fôssemos ficar com ele.

Como tínhamos algum tempo em mãos, e Capo


descobriu que eu não sabia andar de bicicleta ou nadar,
dedicou um tempo para me ensinar a fazer as duas coisas.
As praias da Sicília eram parte de um conto de fadas
aquático. As cores da água eram vívidas, do verde do vidro do
mar ao azul da safira-lagoa. O sol estava quente e a areia
branca. E os cheiros – limão, água fresca, coco e até frutos do
mar – me deixaram bêbada no verão.

Levei cerca de uma semana para me sentir realmente


segura na água, mas não me preocupei muito porque Capo
ficava perto de mim o tempo todo, mesmo depois de me sentir
segura no que ele havia me ensinado. Os banhos da noite
eram os meus favoritos, quando o sol se punha na água e as
cores mais bonitas iluminavam o infinito, pouco antes de as
estrelas caírem do céu.

Céu. Decidi que tinha que ser real depois de ser


consumida por algo tão perfeito quanto o oceano.

Capo me ensinou a andar de bicicleta em frente à nossa


vila escondida nos dias em que não íamos à praia. Fiz muitos
movimentos de um lado para o outro no começo. Caí três
vezes. Depois disso, entendi, e algumas noites passeamos
pelos bosques pouco antes do pôr do sol.

O ar estava perfumado com raspas de limão fresco e


laranjas muito maduras. Os aromas saíam à noite, como se
estivessem segurando o calor, e depois que o sol escaldante
se recolhia, eles liberavam seus perfumes. Às vezes,
continuávamos rodando mesmo depois que o sol se punha
para que eu pudesse me perder nas estrelas caídas.

Paradiso. Decidi que tinha que ser real depois de ser


consumida por algo tão perfeito como um simples passeio de
bicicleta por centenas de árvores frutíferas.
Quão amável e bom o mundo parecia quando o diabo
tropeçou e caiu sobre seus calcanhares, em vez de estar
neles.

Alguns dias, Capo veio comigo à rede em que eu gostava


de dormir na hora mais quente do dia. O chapéu enorme que
eu usava protegia meus olhos do sol enquanto meu corpo
absorvia o calor. Ele leu para mim os poemas de seu avô. O
velho nunca faria isso. Ele disse que, se eu quisesse lê-los,
seria bem-vindo, mas preferia inventar histórias ou ler para
mim o livro de outra pessoa.

Quando era suportável para seu avô apreciar seu jardim,


Capo o acompanhava e sentava-se ao lado dele em um banco
de madeira. Enquanto os dois homens estavam sentados
perto, ouvi Nonno me orientar – mova isso para lá, ele precisa
de mais sol. Mova esse para lá, ele precisa de menos. Poda um
pouco. Deixe aquele ir por um tempo. Precisa de tempo para
crescer mais selvagem.

Durante uma de nossas visitas, ele me disse que as


plantas eram muito parecidas com as pessoas. Todos eram
tão diferentes, mas ao mesmo tempo – todos precisam do
básico para crescer e, sem raízes, nenhum deles pode
sobreviver. Logo depois que disse essas palavras, procurou
Capo e o encontrou nos observando de longe.

— Ele gosta da sua beleza — ele me disse. — Ele não


sente que merece tal presente.

Coloquei o chapéu na minha cabeça e continuei a


regar. Apreciar minha beleza era esticá-la, pensei, mas Capo
estava nos observando. Mesmo que tivéssemos passado um
tempo separados antes do casamento, nunca senti que ele
estava muito longe. Parte disso, sabia, era o fato de seu avô
estar morrendo.

Vi como ele olhava para Nonno. Era como se Capo


estivesse tentando absorver a memória dele, mas não queria
enfrentar os últimos momentos que já teve. Sempre que
alguém fazia um comentário sobre o quão
cansado Nonno estava ficando, ou como sua coloração ficava
mais pálida, ou ele não estava comendo tanto, Capo se virava
e se recusava a ouvir.

Talvez a família tenha visto algo que não vi. Comparando


o homem que conheci com o homem sentado no banco, seu
rosto voltado para o sol suave, achei que ele parecia
melhor. Ele parecia... contente. Quando o conheci, não senti
paz, mas não sabia.

Depois que chegamos, e especialmente depois do


casamento, algo em Nonno mudou, algo que me fez sentir a
vida nele novamente, mesmo que todos os médicos dissessem
que estava desaparecendo.

Afastando-me da planta que eu estava podando, estreitei


os olhos ao ver a minha frente.

Os dois homens não falavam nada enquanto se


sentavam um ao lado do outro, me observando cuidar do
jardim. Eles estavam em silêncio um com o outro. O que quer
que Capo disse, incomodou Nonno. Acho que Nonno sabia que
Capo queria contar coisas para ele, coisas que nunca mais
poderia contar, mas sua recusa da situação o impediu.

Queria dizer a Capo que, embora fosse uma garota das


ruas e não tivesse muita experiência com a vida, sabia que
ele não precisava usar suas palavras para falar com seu avô,
assim como me disse para olhar para além das palavras e
entender algo mais profundo nele.

Como Nonno havia trabalhado com palavras a vida


inteira, ele parecia entender o que só as palavras podiam
sugerir. Havia significados mais profundos a serem
encontrados, se apenas abríssemos nossos corações, não
nossos olhos ou ouvidos, para eles.

Nonno queria que Capo fosse feliz.

Capo queria contar ao avô tudo o que sua boca (ou era
seu coração?) se recusava a dizer, mas não podia, isso
significaria final. Então Capo não encontrava alegria em
nada. Mesmo quando éramos íntimos, ele enterrou a dor
disso. Às vezes, do que parecia muito mais.

Sabia que Capo Macchiavello não era um homem bom,


mas ele era meu. Enquanto eu vivesse, seria a mulher ao seu
lado. Faria o que fosse necessário para cuidar dele como
cuidava de mim.

Uma ideia me atingiu então.

Sorrindo, levantei a mangueira, testando a pressão da


água. O mundo ficou rosado pelo sol poente e, quando um
banho suave se espalhou, lembrou-me do brilho sendo jogado
no ar. Um segundo depois, caiu no chão como orvalho, e eu o
fiz novamente.

A ação chamou a atenção de Nonno, mas Capo estava


observando alguns dos homens que trabalhavam nos
bosques quando eles iam e vinham.
Pressionando a alça, pulverizei novamente, e desta vez o
spray parecia mais uma bala disparada de uma arma. —
Precisão — sussurrei para mim mesma. — É a melhor amiga
de uma garota.

Então levantei a mangueira, apertei o gatilho e acertei


Capo diretamente na testa. Levou um momento para ele
perceber o que eu tinha feito. Ele piscou quando a água
escorreu pelo nariz e depois seus olhos se encontraram com
os meus. Antes que pudesse se mover, atirei nele novamente,
um pouco do spray atingindo Nonno.

O velho já estava histérico. Seu riso fez com que alguns


da família se reunissem, e parecia que eles continuavam se
multiplicando a partir daí. Todas as filhas o tocaram
enquanto ele ria. Eles estavam rindo também, gritando
provocações.

Capo se levantou da segunda vez que o acertei e,


movendo-se como um lobo à espreita, estava tentando pegar
a mangueira de mim. Não desistiria sem lutar, e até que ele
tivesse a arma, me recusei a soltar o gatilho.

Mostrei minha língua para ele. — Você não pode me


pegar!

— Você é tão infantil — disse ele. Seu cabelo estava


molhado, e quando ele o jogou para trás, aqueles olhos eram
da cor de safiras, reagindo à luz que drenava.

Eu sorri — Talvez, mas quem tem a mangueira? — Bati


nele na sua virilha.
Ele estava chegando mais perto de mim, e quanto mais
perto chegava, mais eu perdia. Não conseguia controlar
minha risada. Até mesmo cresceu em volume quando bati na
Gigi em seguida. Ela soltou um grito de gelar o sangue, o que
fez todo mundo rir ainda mais. Aqui, eles a tratavam como
todo mundo, mas em seu mundo, ela era tratada como
vidro. Os olhos dela se estreitaram em um olhar de ‘vou pegar
você, criança’.

— Opa! — Gritei para ela. — Não consigo manter meus


braços firmes!

Minha vingança me fez fechar os olhos ao lobo, e ele me


agarrou pela cintura enquanto lutávamos pela mangueira que
borrifava loucamente. De repente, todos estavam jogando
baldes de água em todos os outros. As crianças riram. Os
adultos gritaram como Gigi quando aquela primeira rajada de
água fria atingia a pele quente.

Então foi. O jardim e as áreas circundantes estavam um


caos.

Eu ainda estava tentando segurar minha arma, mas


Capo de alguma forma virou minha arma para mim. Meu
vestido simples de verão estava encharcado e grudado. Minha
risada me fez rir no final – dedos escorregadios também eram
uma desvantagem – e ele pegou a mangueira e se recusou a
me deixar cair. Corri por aí, tentando me esquivar, rindo
como um mergulhão (uma das palavras favoritas de Nonno)
enquanto Capo se vingava.

Tendo tido o suficiente de sua vingança, saí do caos. Não


tinha ideia de onde corria, rindo como se soubesse, mas
meus pés pareciam ter uma agenda. Capo entregou a
mangueira ao avô, e isso me emocionou até o fundo quando
partiu atrás de mim. Enquanto corríamos, minha risada
ecoou atrás de mim, e logo antes de chegarmos a uma área
da propriedade com uma vila em ruínas, percebi que ele
estava me pastoreando dessa maneira de propósito.

A vila havia desmoronado, provavelmente anos


atrás. Não tinha teto, mas a fundação era forte, e algumas
paredes de tijolo também, mesmo que as videiras se
agarrassem a elas. A luz ainda estava desaparecendo, mas o
ar parecia pesado com a sobra da luz do sol, e esgueirava-se
por todas as fendas, fazendo a área brilhar.

Retardando, respirando pesadamente, me virei e andei


para trás, minhas mãos levantadas em sinal de rendição. —
Não faça isso — sussurrei. — Pense nisso. Lembre. Você é
mais homem que animal. Você tem mais do que necessidades
básicas.

Aquele sorriso maquiavélico apareceu em seu rosto. —


Você deveria saber melhor, Mariposa. Você deve sempre
pensar antes de agir. Quando se trata de te foder, sou todo
animal.

Pensamentos da noite anterior me atingiram: ele batendo


em mim, e depois me deixando subir em cima dele. O montei
duro, o atrito entre nós, um fogo entre nossos corpos, e
quebramos a cabeceira da cama no nosso momento
insano. Estar com ele era como conversar sobre boa comida
enquanto você comia boa comida.

— Lobo faminto — sussurrei.

— Sou um lobo faminto?


— É assim que você está olhando para mim.

— Você está errada.

— Se estou, não é muito.

Ele uivou baixinho e depois sorriu. — Nunca vou tirar o


gosto de você da minha língua, e estou morrendo de fome,
sem fome. Desejo... estar dentro de você, como se nunca
tivesse desejado nada na minha vida.

Minhas costas bateram contra o tijolo. Ele me empurrou


ainda mais contra a parede áspera quando bateu em mim,
sua ereção dura contra o meu estômago. Minha perna subiu,
envolvendo seu quadril, e sua mão deslizou contra minha
coxa lisa, indo em direção a minha bunda. Meus dedos
puxaram as pontas de seus cabelos, sentindo as gotas de
água que continuavam escorrendo por sua camisa.

Nossos olhos se conectaram. Durou apenas alguns


segundos no tempo, mas para mim, o momento pareceu
durar uma vida. Algo se moveu entre nós, e eu não tinha
certeza do que era, só que parecia mais forte do que
nunca. Isso me consumiu como o oceano mais bonito e
depois escreveu suas iniciais na minha alma.

O medo do caramanchão me atingiu com o que pareceu


um golpe para acabar com tudo. As paredes serrilhadas ao
meu redor poderiam muito bem ter me esfaqueado no
coração. Minhas mãos formigavam, meu estômago se encheu
de borboletas aladas e veneno e meu coração entrou na
minha garganta, dificultando a respiração. O rugido do meu
sangue encheu meus ouvidos. Uma respiração suada
escapou da minha boca em um profundo whoosh.
Ondas da cor de seus olhos me levaram muito longe da
costa. Não conseguia recuperar o fôlego. Ia me afogar em
meus sentimentos por ele.

O otário do medo me dava um soco nos momentos mais


inesperados. O enterrei tão abaixo da superfície que
geralmente estava escondido da luz, mas quando Capo
causou estragos em meu coração, a maneira como me olhou,
com olhos encobertos e uma expressão que de alguma forma
estava confusa, mas determinada, libertou o pânico de sua
gaiola.

Não sabia nadar rápido o suficiente para escondê-lo


novamente. Então fiz o que pude. Soquei o medo na cara do
caralho. Eu queria isso... ele... mais do que estava com
medo. Minhas palavras, ou o que eu não disse, já me
custaram tudo.

Estar com Capo, percebi, parecia muito com a vida – e


viver significava arriscar.

O medo quebrou e explodiu quando sua boca bateu


contra a minha, suas mãos segurando minha bunda, me
puxando para frente. Abaixei-me e desfiz o jeans dele,
empurrando-os para baixo o máximo que pude, e então sua
cueca boxer. Eles estavam encharcados e grudados na
pele. Estava muito perdida em sua boca sugando as gotas de
água da minha pele para perceber que ele rasgou a calcinha
de renda dos meus quadris.

Ele a colocou no bolso de trás antes de me levantar um


pouco, minha perna ainda enrolada em seu quadril, e então
me penetrou com tanta força e profundidade que minha
cabeça bateu contra a parede. Bombeou em mim tão rápido
que meu mundo girou com o repentino transbordamento de
sensações.

Por cada impulso que dei, ele tomou dois. Por cada
impulso que tomei, ele deu quatro.

Não precisava que me tocasse com os dedos para me


quebrar em um milhão de pedaços. Ele sabia onde me
encontrar e continuava tocando o local, às vezes batendo nele
várias vezes. Então era difícil acompanhar, não desistir, mas
segurei, prolongando o momento, esticando a conexão.

— É isso aí — ele murmurou contra o meu pescoço. —


Dê-se a mim, Mariposa. Sempre.

Não conquistar. Não é seu. Dar. Talvez ele tivesse


percebido que não importava quanto dinheiro um homem
tivesse para comprar coisas, não havia nada como uma
mulher se entregando a ele.

Os ruídos que fizemos eram animalescos e ecoaram ao


nosso redor. O cheiro da água, o cheiro terrestre de um
prédio vago e nosso sexo encheu o ar quente. Ele parecia
saber que eu estava me segurando, não desistindo até que ele
o fizesse. Mesmo estando molhada, podia sentir o gosto de sal
nos meus lábios pelo quão duro ele trabalhou meu corpo.

Ele diminuiu a velocidade, seus golpes mais fáceis, mas


não menos satisfatórios. Mordi meu lábio, fazendo-o sangrar,
e ele avançou, lambendo o local. — Goze para mim, Mariposa
— disse ele em italiano. — Goze agora.

Empurrou tão forte, uma vez, e senti ondas de choque


por todo o meu corpo. Soltei um suspiro, porque tinha
certeza de que havia atingido meu útero. Ele diminuiu a
velocidade, apenas para me bater de novo, até que seu ritmo
acelerou e não pude negar mais a tensão.

Isso me consumiu. Isso o consumiu. Gritei ao mesmo


tempo em que ele derramou em mim, e sua boca bateu contra
a minha novamente, engolindo-a.

Ficamos assim por um tempo, nós dois respirando


pesadamente, minha cabeça pressionada contra seu
peito. Quando ele saiu de mim, estremeci, sempre desejando
a sensação de estar conectada ao meu marido.

— Vertiginoso. — Sua voz era bruta. Tonta.

Olhei para cima e encontrei seus olhos. Desta vez, não


tinha certeza do que ele estava falando. Levantei quatro
dedos. — Quantos?

— Oito — disse ele, e colocou meus dedos em sua boca,


mordendo-os. Ele usou minha calcinha para me limpar um
pouco. Depois que terminou, a colocou de volta no bolso.

Um garotinho perseguindo outro passou correndo pelo


nosso local secreto. Eles estavam rindo, ainda tentando jogar
água um no outro. Por acordo tácito, deixamos a vila
abandonada de mãos dadas. Quando voltamos ao jardim, as
crianças ainda estavam lá, os adultos ainda
rindo. Nonno ainda estava atrás deles com a mangueira.

Capo ficou comigo por um minuto, assistindo, e depois


soltando minha mão, sentou-se ao lado de seu avô. Ele
apontou as crianças para borrifar, incentivando a
diversão. Nonno começou a rir ainda mais quando um
garotinho escorregou e caiu na lama. Capo sorriu enquanto
dirigia a mão de seu avô para borrifar o pobre garoto
enquanto estava caído.

Nossa ausência não havia diminuído a alegria, mas


desde que voltamos, parecia ainda mais completa. Meu
coração disparou quando Capo pegou o avô pela cabeça
puxou-o e o beijou lá. Então ele disse algo em seu ouvido. O
sorriso de Nonno foi imediato. Então os dois olharam para
mim, antes que Capo o puxasse mais uma vez, sacudindo-o
um pouco. Talvez a alegria de viver tivesse diminuído a dor de
dizer adeus, da única maneira que Capo podia.

Um jardim de borboletas.

De onde vieram as plantas para criar uma, não fazia


ideia, mas quando saí da vila com uma xícara de café
expresso na mão, elas estavam aos meus pés. Capo os
descarregava de um carrinho com quatro rodas. Tinha uma
alça como uma carroça. Ele usava uma blusa branca justa,
calça cáqui e botas de trabalho. Sua blusa já estava
manchada de lama.

— O que está acontecendo? — Perguntei.

Geralmente estava em algum lugar da vila quando eu


acordava, mas naquela manhã ele se foi. Desde o nosso
segundo casamento, não me deixou em paz. A primeira coisa
que pensei foi que algo havia acontecido com Nonno e comecei
a entrar em pânico. Mas sabia que Capo teria me acordado,
então me acalmei e tomei um café antes de encontrá-lo na
frente da vila. Descarregando.

Os músculos de seus braços e costas flexionaram


quando ele pegou uma pedra enorme, que parecia mais velha
que as montanhas que nos cercavam, do carrinho de quatro
rodas. Então ele pensou melhor e colocou de volta.

— Onde você quer isso? — Ele olhou entre a pedra e eu.

— Nonno enviou tudo isso?

— Não. — Ele limpou uma linha de suor da testa. Era


cedo, mas o sol já estava assando a terra. — Onde você quer
isso?

Ficamos acordados na noite anterior, a noite toda, então


Capo só tinha dormido, talvez, duas horas de sono. Sentia-
me cansada até meus ossos. Então, não tinha ideia de onde
queria alguma coisa.

— Capo. – Tomei um gole de café. – Estou confusa. De


onde veio tudo isso? E por que eu iria querer colocá-lo em
qualquer lugar? Não moro aqui.

— Você mora, — dise ele. —– Quando viermos


visitar. Esta é a minha casa. Podemos refazer. A aparência
disso nunca me importou. Era apenas um lugar para dormir.

— As plantas?

— Um jardim. Para você. Precisa plantar tudo isso.


Ah! Ele havia feito, mas não queria sair e admitir. Capo
cabeça-dura.

A julgar pela quantidade de plantas já descarregadas, já


havia feito uma ou duas viagens. Não reconheci todas as
flores, mas achei que elas deviam ser o que Nonno chamava
de plantas de néctar. Elas atrairiam borboletas. Capo tinha o
suficiente para criar uma borda ao redor da vila. Talvez até
mais.

Andando mais longe em meus chinelos, examinei a


terra. Ele caminhou comigo, nós dois quietos. Quando
voltamos para frente da vila, assenti.

— Quero dar a volta na vila com todas as flores


diferentes. Quero um caramanchão no quintal para
uvas. Também faremos um jardim de borboletas maior lá
atrás. Colocamos as rochas em locais diferentes para que as
borboletas possam se aquecer ao sol. Precisamos de um
banho de pássaros, ou algo semelhante, para colocar a areia.
Não devemos preenchê-lo, apenas mergulhá-lo na
água. Nonno disse que as borboletas gostam da umidade.

Bati na xícara de café, pensando. — Vou perguntar


a Nonno onde ele acha que devemos colocar as plantas. Quero
dizer, quais pontos seriam melhores para cada um. Que tal
você ir buscá-lo no café da manhã? Pode trazê-lo de volta na
engenhoca de quatro rodas... — Balancei a cabeça em direção
a ela — e nós vamos trabalhar depois que comermos.

Capo não se mexeu. Ele olhou para mim como se eu


fosse uma nova pessoa.
— O quê? — Eu tinha o desejo mais forte de me
mexer. Senti como se tivesse crescido uma cabeça extra e não
tinha ideia de que ela estava enfiando a língua para ele.

Ele balançou sua cabeça. — Você é mandona.

— Quem diria? — Sorri

— Eu. — Ele hesitou. – Sabia que estava chegando. —


Embora seus lábios se apertassem, algo em seu tom parecia
satisfeito.

Depois de descarregar o resto do carrinho, ele o puxou


de volta para a casa do avô. Antes de partir, deu ordens aos
homens para ficar de olho em mim. Ele nunca me deixava
sem vigilância. Ele tinha mais homens por perto desde que os
convidados não convidados apareceram.

Corri para dentro e me vesti rapidamente para o dia. Não


tive tempo de me preocupar com a minha aparência, não
quando queria decorar a vila e fazer um delicioso café da
manhã. Levei cinco minutos para limpar e vinte para fazer a
refeição. Fiz mais café (café latte), croissants (cornettos) e uma
simples omelete. Coloquei diferentes patês na bandeja
giratória em cima da mesa. Até saí e peguei flores silvestres
frescas para colocar em casa. Como não havia vasos, usei
frascos de geleia velhos.

As irmãs me ensinaram muito.

Ouvi Nonno rindo sobre as rodas crepitantes do carrinho,


que rolava sobre o terreno acidentado. Desamarrei o avental e
corri para fora. Ele estava sentado atrás, cercado por mais
plantas, ainda rindo. A visão dele fez meu sorriso aumentar
ainda mais.

— Foi um passeio esburacado, Farfalla, mas consegui! —


Ele limpou o rosto com o lenço que guardava no bolso.

Zia Stella apareceu logo atrás dos homens, com um


sorriso no rosto. — Você deveria ter visto ele! — Ela veio na
minha direção quando Capo praticamente pegou seu avô e o
pôs de pé. Capo o segurou enquanto caminhavam em nossa
direção. — Ele exigiu que Amadeo o levasse por toda a
propriedade. E se houvesse uma colina, queria ir mais
rápido! Continuou como se estivesse em um daqueles
passeios assustadores e ele tinha sete anos novamente. Ele
levantou os braços no ar e foi, weeeeee!

Perto o suficiente para me agarrar, ela beijou minhas


bochechas e depois entrou na vila. Beijei Nonno em cada uma
de suas bochechas e dei-lhe um braço para ajudá-lo a entrar.

— O toque de uma mulher — ele disse suavemente,


olhando em volta — faz toda a diferença em uma casa.

Tivemos um café da manhã agradável. Zia Stella e Nonno


disseram o quanto amavam tudo. Capo não disse nada, mas
quando se levantou para lavar o prato, me beijou na
bochecha e disse: — Desta vez, provei todos os ingredientes.

Passamos o resto do dia plantando. Nonno me ajudou a


decidir onde colocar todas as flores diferentes para que elas
prosperassem em seus novos lares. Quando Capo não estava
olhando, ele me cutucou com o cotovelo e disse uma
palavra: — Radici. — Raízes.
Capo trabalhou, na árvore principalmente, o dia
todo. Quando o sol estava quente demais para Nonno,
sentava-se perto de Capo, debaixo da árvore, nas costas, e
dizia a ele o que fazer.

Não podia acreditar no quão bem Nonno parecia. Quase


brilhava. Parecia que tinha conseguido um segundo vento e
estava surfando a onda. Nós até desfrutamos de um almoço
leve lá fora, e quando a noite nos encontrou, tínhamos
terminado.

De repente, a vila e o quintal pareceram se agarrar. E de


alguma maneira estranha, senti-me tão enraizada quanto as
novas plantas se acostumando às suas novas casas. Fiz um
pedido – desejei que todas as borboletas que chegassem à
nossa casa encontrassem abrigo.

Zia Eloisa nos trouxe o jantar. Reunimo-nos em volta da


mesa e jantamos em estilo familiar. As travessas se moviam
de mão em mão, muito vinho foi derramado e as risadas
compartilhadas foram mais recheadas do que a comida e o
vinho juntos. As estrelas estavam fora quando terminamos.

As irmãs e alguns primos foram embora primeiro. Capo


tinha planejado trazer Nonno de volta à sua vila no carrinho,
mas ele queria sentar-se no quintal e aproveitar todas as
novas adições antes de sair.

Capo e eu o ajudamos a sair, e ele se sentou no banco,


enquanto nos sentávamos de cada lado dele. Ele levantou os
olhos para o céu e ficou muito quieto.

Nenhum de nós disse nada por um tempo. Todos


pareciam estar perdidos em nossos próprios
pensamentos. Depois de trinta minutos, Capo perguntou ao
avô algo sobre o caramanchão. Ele não respondeu.

A princípio, parecia que tinha dormido. Capo sentou-se


mais rápido do que eu pensava ser possível e o sacudiu. —
Papá!

Sentei-me também, me perguntando por que ele não


estava respondendo.

Depois de um segundo, ele respondeu, mas suas


palavras não fizeram sentido. Elas estavam arrastadas e seus
olhos pareciam bêbados.

— Mariposa. — Capo pulou de seu lugar, indo em


direção à frente da vila. — Continue falando com ele!

Fiquei de joelho na frente de Nonno, segurando sua mão


no meu coração. — Nonno, — disse, tentando fazer o meu
som de voz mais calmo possível. Se ele estava morrendo, não
queria que sentisse caos, meu medo, porque eu tremia, meu
coração se partia. — Nonno, por favor, não vá. Você tem tanta
vida para viver. Você precisa ficar conosco. Por favor. Não vá
embora. — Beijei sua mão, repetidamente.

Ele levantou a mão livre e a apoiou na minha


cabeça. Suas palavras foram arrastadas, mas consegui
entendê-las. — Vivi uma vida longa. Vivi uma vida cheia. —
Ele respirou fundo, e percebi que era superficial. — Não
recebi tudo o que pedi, mas recebi tudo o que
precisava. Meus últimos dias foram preenchidos com
alegria. Retoquei as primeiras vezes. A primeira vez que
provei ar. A primeira vez que senti o sol e a lua em meu
rosto. A primeira vez que me apaixonei. Recebi tudo o que
precisava. O meu trabalho aqui está feito. Meu sacrifício não
foi em vão.

Não tinha percebido que Capo havia me puxado de seu


avô até que o vi à distância, tio Tito sentado ao lado dele,
verificando seu pulso. Sob as estrelas, Nonno parecia pacífico,
contente, como se todos os seus desejos tivessem se tornado
realidade. Todas as suas necessidades foram atendidas.

A paz de Nonno foi o oposto dos gritos que encontraram


meus ouvidos quando suas filhas e a família se amontoaram,
sofrendo pelo homem que significava tanto para muitos.

Eu havia experimentado A morte na minha vida.

Meus pais.

Perder Capo pela primeira vez.

Jocelyn e Pops.

De certa forma, nunca sofri verdadeiramente por meus


pais ou por Jocelyn e Pops. Não tive tempo. Depois que fui
transferida de uma casa aos cinco e, em seguida, a única
casa que me lembrava aos dez, toda a minha vida a partir
daquele momento foi consumida pela
sobrevivência. Costumava pensar neles, mas não por muito
tempo. Doeu muito. E para continuar respirando, tive que
manter minha cabeça ereta.

Portanto, a morte não era familiar para mim, mas ainda


assim, não havia experimentado perda nesse nível – tão perto
o suficiente para saber o que a perda significava no momento.

Todo mundo estava de preto no funeral, e nunca ouvi


alguém chorar tão alto quanto uma das
filhas de Nonno quando fechou o caixão. Isso fez meus joelhos
ficarem fracos. Capo teve que me segurar para me impedir de
cair. Era o tipo de choro que todo mundo temia – o soluço de
uma alma que sofria pela única pessoa que levou metade dela
com ele.

Após o funeral, voltamos para a vila de seu avô. Tentei


ficar quieta, ficar fora do caminho e ajudar o máximo
possível. Meu coração parecia estar sangrando, então, não
conseguia nem entender o que as pessoas mais próximas a
ele sentiam. Ele era uma daquelas almas que o mundo nunca
esqueceria. Suas palavras foram queimadas em papel. Seria
eternamente imortalizado entre as páginas e no coração de
todos que mais o amavam.

Ao contrário de mim, que, a certa altura, pensou que


poderia ser encontrada em uma lixeira de Nova York. As
únicas pessoas que se lembrariam de mim seriam Keely e
seus irmãos. Eu nem tinha feito uma marca neste
mundo. Nem mesmo um corte de papel. Outra Sierra.

Suspirei, meus olhos examinando a multidão,


procurando por Capo. Esteve entrando e saindo da minha
visão o dia todo. Ele me olhava e depois desaparecia.
— Rocco — eu disse, tocando seu braço. Ele finalmente
estava sozinho, bebendo uma bebida. — Você viu Capo?

— No escritório de seu avô.

Balancei a cabeça e fui procurá-lo. A porta estava


ligeiramente aberta, mas sem Capo. Entrei, notando que
alguns dos livros de seu avô haviam sido retirados. Antes de
morrer, ele escreveu uma carta para cada um de seus filhos,
netos e bisnetos. Ele escrevera poemas e histórias para
eles. Quando cheguei perto o suficiente da mesa dele, notei
um livro ali aberto.

Mariposa,

A menor criatura pode causar o maior impacto. Você foi


vista e é valorizada. Compartilhe isso com os bisnetos que não
vou encontrar. Isto é para eles tanto quanto para você.

Você colocou raízes no meu coração e se refugiou lá para


sempre.

Nonno

Sentei-me e abri a primeira página. Era um livro infantil


ilustrado.

Um lobo preto com chocantes olhos azuis estava sentado


em uma floresta escura, com uma lua cheia pairando sobre
sua cabeça. Ele era um lobo solitário, sem matilha para
liderar, porque exigia ser o alfa. Então uma lagarta marrom
opaca veio ao lobo na página três. A lagarta disse ao lobo que
a razão de ele estar tão sozinho é porque perdeu algo que já
lhe pertencia. Ou talvez tivesse sido roubado.

— Quem ousaria roubar de mim? — O lobo rosnou para


ela. — Diga-me o que perdi para que possa encontrá-lo
novamente e chamá-lo de meu.

Ela rastejou sobre o nariz dele e disse: — Siga-me e vou


lhe mostrar.

O lobo pensou que o que ele perdeu era algo tangível,


algo que poderia morder com os dentes afiados, mas a lagarta
nunca lhe disse nada diferente. Ela o deixou acreditar.

Alguns têm que ser mostrados, não contados, ela pensou.

O que aconteceu depois foi uma jornada. Eles


conheceram outras criaturas na floresta. Viraram-se e se
perderam. E finalmente, quando o lobo estava prestes a
comê-la por levá-lo a uma expedição tola, ela o levou a um
jardim mágico.

Lá, ele encontrou um coelho para comer. Lá, ele


encontrou abrigo contra o sol escaldante. Lá, ela o escondeu
na escuridão para que ele pudesse descansar, e o alertou
quando alguém estava perto. Ela se tornou sua companheira
durante tudo isso. Mesmo quando estava cansada e
machucada por suas próprias lutas, nunca o deixava em paz.

Durante a jornada, o lobo começou a perceber que a


lagarta não tinha nada para tocar, mas lhe ofereceu tantas
coisas para sentir. Os sentimentos eram ainda mais tangíveis
do que o coelho que havia devorado. Através das ações da
lagarta, ela o amava o tempo todo, uma criatura tão diferente
dela, uma criatura que poderia terminar seu mundo com um
estalo de sua boca ou um golpe de sua enorme pata.

O que eu não esperava em seguida foi a morte da


lagarta. O lobo lamentou por ela, os dois percebendo, no
último segundo, o quanto significavam um para o outro e que
lições deveriam ser aprendidas sobre viver e morrer. Foi
necessária a morte para fazê-los entender o que a vida estava
tentando ensiná-los.

O que o lobo havia perdido era sua capacidade de


amar. Por tanto tempo ele estava correndo com o bando,
mordendo e rosnando, sempre lutando por sua posição até
ser banido. Quando ele se viu sozinho, ficou com... ele
mesmo. O lobo havia esquecido que ele era capaz de
amar. Ele precisava mostrar como dar e receber de novo.

O que a lagarta precisava entender era que suas lutas


não foram em vão. No final, ela seria lembrada por tudo o que
havia feito. Mesmo que fosse este animal rosnando e violento
que se lembrava dela. Ele nunca a esqueceria. Ela o ensinara
a amar sem forçá-lo a ser algo que não era. Fraco. O amor
dela apenas o fez mais forte.

A última página mostrava uma borboleta azul aninhada


no pelo grosso do lobo, a lua bem acima deles, sentada no
jardim mágico.

— Nonno. — Fechei o livro e descansei minha cabeça na


capa dura. Ele escrevera um livro infantil para seus
bisnetos. Ele escrevera um livro infantil em homenagem à
garota que ele dissera ser mulher e criança. Ele sabia que eu
amaria e estimaria isso. Até a obra de arte era algo de um
conto de fadas caprichoso.

— Acredito que esse livro foi o último.

Pulei ao som da voz suave de Rocco. Ele ficou atrás de


mim, olhando o livro. Passei a mão sobre a capa, querendo
trancá-la e mantê-lo seguro.

— Você leu isso? É... Nem tenho palavras.

— Alguns. Seu marido estava lendo quando o encontrei


aqui.

— Onde ele está?

— Não sei, Mariposa. Ele está... lutando.

— Eu sei — disse, pensando nas palavras do livro,


tentando encontrar um significado mais profundo. — Você
pode me levar para a igreja, Rocco?

Ele se sentou na beira da mesa, uma perna pendurada,


me observando. — Por que igreja?

Seu avô me disse que havia feito um acordo com Deus, e


foi a primeira vez que ele voltou à igreja depois que a mãe de
Capo, sua filha, tirou a própria vida. Talvez estivesse errada,
mas senti isso no meu estômago.

— Onde um homem iria desaparecer e ainda seria visto?


— Eu disse.

Ele me tocou sob o queixo. — Garota esperta.


Rocco me levou para a igreja onde Capo e eu nos
casamos em uma Lamborghini cinza-aço. Se eu esperava
chegar lá em tempo recorde, meu desejo foi
atendido. Enquanto caminhávamos em direção aos degraus,
dois homens de terno estavam prestes a entrar.

Rocco passou a mão em volta da minha cintura e me


puxou para mais perto. Estava prestes a sair do seu abraço,
porque ele nunca tinha me tocado assim antes, mas com o
sutil balanço de sua cabeça, fiquei onde ele me colocou.

— Arturo — Rocco chamou, parando-os logo antes que o


outro cara, o mais novo, abrisse a porta.

Arturo, o mais velho dos dois homens, estreitou os olhos


para nós antes que ele e o rapaz mais novo se aproximassem
de nós. — Rocco. — Ele estendeu a mão para Rocco apertar
quando estávamos perto o suficiente, mas Rocco não a pegou.

Não havia nada remotamente amigável em Rocco naquele


momento. Nunca o tinha visto assim, e, honestamente, isso
enviou um pico de medo pelo meu peito. O Fausti estava
saindo nele. Algumas pessoas os chamavam de leões. Ele
tinha uma tatuagem no antebraço, um rosário em volta da
juba e um coração sagrado no meio. Não era visível sob a
camisa dele, mas já tinha visto isso antes, quando ele
arregaçou as mangas.

Arturo era americano, e parecia familiar para mim,


mesmo que nunca o tivesse visto antes. Recursos em
negrito. Desbaste de cabelos pretos com listras
prateadas. Ombros largos, mas um pouco barrigudo. Olhos
castanhos. O homem ao lado dele era sólido por toda parte,
mas com cabelos loiros e olhos castanhos. Ele compartilhava
algumas das mesmas características com o homem mais
velho.

Depois que Arturo pegou a mão de volta, ele deu um tapa


nas costas do homem mais jovem. — Você se lembra do
Achille.

Achille deu um passo à frente e assentiu.

— O que o traz aqui, Arturo? — Disse Rocco,


dispensando totalmente o homem com o nome
estranho. Achille.

Vi fogo nos olhos escuros de Achille. Ele não gostava de


ser dispensado. Assisti os dois homens estranhos
cuidadosamente depois disso. Algo em Arturo me fez querer
dar um passo gigante para trás, mas Achille me fez sentir
como se ele respirasse pelo meu pescoço, mesmo que
estivesse na minha frente.

Minha respiração ficou presa na garganta quando notei a


mão de Achille. Ele tinha uma tatuagem. Ambos
tinham. Arturo tinha uma no pulso e Achille no mesmo local
que Capo, na frente da mão. Lobos negros. Os olhos eram
diferentes. Toda a escuridão, não azul como o lobo de Capo.

Forcei-me a desviar o olhar, não chamar atenção.

Arturo olhou para mim e depois para Rocco. — Esta é


sua esposa? — Um segundo depois, ele levantou as mãos. —
Não quero parecer rude.
Rocco sorriu, mas estava longe de ser amigável. — Você
conhece minha esposa — disse ele. — Esta é a esposa de
Amadeo.

— Amadeo, – Arturo repetiu. Ele parecia estar pensando


no nome. — O filho de Stella?

— Você não pertence aqui hoje — disse Rocco, não


subjugando mais a irritação em sua voz. — A família está
triste. Sua presença será tomada pelo que é, um insulto.

— Ouvi sobre o velho — disse Arturo, balançando a


cabeça tristemente. — Lamento ouvir isso. Eu estava
esperando entregar minhas condolências pessoalmente.

Desculpe minha bunda, quase disse. Não tinha ideia de


quem ele era, mas era tão falso. E Achille se recusou a
desviar o olhar de mim. Ele me olhou com olhos duros, olhos
que me fizeram querer encolher na minha pele e desaparecer.

— Sou Achille — disse ele lentamente, estendendo a mão


para pegar a minha. Mantive a minha por perto, recusando
tocá-lo. Ele sorriu com o meu desconforto. Era do tipo que
sabia e gostava. Achille era Merv, o Perv, Nova Versão, mas
mais perigoso. Ele não ficou sem fôlego. — Eles não fazem
garotas como você — ele apontou para mim — na América. Se
você não fosse casada, talvez estivesse interessado em fazer
um acordo com sua família. Pergunto-me quanto você
custaria.

Ocorreu-me então... ele pensou que eu falava apenas


italiano. Foi por isso que estava falando comigo como se eu
fosse lenta. Burro estúpido.
Rocco me empurrou para trás dele e entrou no rosto de
Achille. Ele olhou para Achille de uma maneira que me fez
recuar. Peguei a camisa dele na minha mão, segurando.

— Você não pertence aqui — Rocco falou com Arturo,


mas ele olhou para Achille. — Pegue seu garoto e vá
embora. Se você quiser entregar suas condolências
pessoalmente, ligue primeiro. A família não se interessou por
você, e duvido que depois de hoje se interessaria. Envie
flores. Isso é apropriado se você sentir que deve expressar
sua dor.

Arturo ficou parado por um minuto. Seus olhos se


moveram entre a situação – nós – e a igreja, e finalmente
suspirou. Arturo colocou a mão no ombro do garoto e o puxou
para trás, agradecendo Rocco em italiano pelo tempo. Achille
estalou os dentes para mim antes de seguir o comando de
Arturo para sair.

Enquanto Rocco os observava partir, ele telefonou. Falou


em siciliano rápido. Estava enviando homens para vigiar os
americanos. Depois que eles saíram, colocou a mão na minha
parte inferior das costas, me incentivando em direção às
portas da igreja. Ele abriu uma para mim, mas não fez
nenhum movimento para entrar.

— Você não vem? — Eu disse.

— Em um minuto. Tenho outra ligação a fazer.

Hesitei.

— Não tenha medo, Mariposa. Não vou permitir que eles


te machuquem.
— Eles são... homens maus?

— Sí. Eles são dois dos piores. Se você os vir na rua, vire
para o outro lado. Fui claro?

— Como cristal. — Sabia que eram más notícias, mas


esperava que ele me desse um pouco mais de informação.

Deixando Rocco fazer sua ligação, entrei na


igreja. Estava quieta e, no silêncio, as lembranças do nosso
segundo casamento me assaltaram. O dia trouxe muita
alegria.

Nonno.

Nunca esqueceria o quão vivo estava. Horas atrás, ele era


uma figura silenciosa em um caixão.

As igrejas eram como hospitais dessa maneira. A linha


invisível entre a vida e a morte estava sendo constantemente
tropeçada.

Meus saltos mal emitiram um som enquanto caminhava,


mas quando entrei na igreja real, parei e me escondi nas
sombras. Capo estava sentado em um dos bancos e Gigi
estava sentada ao lado dele, com a mão no seu
ombro. Quando ela começou a chorar, ele estendeu a mão e
apertou o pescoço dela.

— Amadeo, — ela fungou. Então, descansou a cabeça no


ombro dele.

Nunca pensei em mim como uma pessoa


vingativa. Nunca tive uma razão boa o suficiente para
conseguir alguém de volta. Na maioria das vezes, se uma
pessoa me fazia correr, eu continuava correndo para evitar
problemas. Mas, em um dia em que tanto havia sido selado,
para nunca mais ser aberto novamente, ainda era difícil
domar a súbita vontade de machucá-la. Feri-la tanto quanto
ela estava me machucando.

Capo era meu marido. Não dela.

Minha falta de experiência, especialmente em confortar


um homem quando ele estava caído, nunca foi tão aparente
naquele momento. Ela estava oferecendo força suficiente para
ele sentir, mas ao mesmo tempo, vulnerabilidade suficiente
para que não se sentisse fraco. E usara o nome especial
dele. Amadeo. Ela sempre fez. O nome que ele nunca me deu
a opção de usar.

Depois de alguns minutos, Rocco entrou na


igreja. Quando ele me viu ali, olhou entre os dois sentados
em frente ao altar e eu. Então, continuou em frente e chamou
Capo. Gigi virou-se para olhar, mas Capo não. Antes de se
levantar, ela deu um beijo suave na bochecha dele,
provavelmente deixando uma mancha vermelha para trás.

Rocco sentou-se ao lado de Capo, e suas palavras foram


quentes e baixas.

Gigi se aproximou de mim. Seu rosto perfeito parecia


ainda mais impressionante com lágrimas. Ela tirou um lenço
de papel da bolsa e enxugou as bochechas. — Ele é todo seu
— disse ela. — Cuide dele.

Eu não disse nada, olhando para o outro lado, tentando


não respirar quando o perfume caro dela pairou no ar depois
que se foi. As vozes de Rocco e Capo ainda estavam em
silêncio, mas Rocco se levantou. O que Capo havia dito, ou
não, o deixou com raiva.

— Você gostaria que eu te levasse para casa? — Rocco


disse enquanto se preparava para sair.

— Não. — Eu disse. — Vou ficar com ele.

Ele assentiu e saiu.

Dei passos lentos para onde meu marido estava sentado,


uma figura solitária em uma igreja enorme. Troquei com
Rocco, sentado bem ao lado dele. Ele nem sequer olhou para
mim quando me sentei. Os olhos dele se ergueram e nada
apareceu em seu rosto. Estava frio e duro. Perguntava-me se
era realmente uma perda de tempo continuar tentando evitar
suas ondas enormes. Ele realmente, me deixaria, ou alguém,
entrar?

Ficamos em silêncio por um tempo. Então sua mão


estendeu e acalmou minha perna. Não tinha percebido que
estava subindo e descendo nervosamente.

— Use palavras, Mariposa.

— Capo. — Respirei fundo e a soltei em um empurrão


sussurrado. — A vida é curta. É muito curta para não viver e
não manter o amor depois que você a encontrar. Você deveria
estar com Gigi. Você obviamente a ama. Eu – não quero ficar
no caminho disso. O que quer que seja entre vocês dois, você
deve tentar.
Levantei-me, prestes a sair, quando ele disse: — Você me
deixaria tão facilmente? — Ele não olhou para
mim. Continuou olhando para frente, mas o tom de sua voz
me parou.

Facilmente? Que facilmente? Ele não tinha ideia do


quanto eu sofri também. Quanto seu avô e sua família inteira
significavam para mim. Quanto ele significava para mim. Mas
conhecer sua família, seu avô, me deu a coragem de dizer as
palavras. Você deveria ir em frente.

Como uma receita, às vezes era preciso mais medo do


que qualquer outra coisa para fazer coragem, para fazer o
desinteresse. Mesmo que me machucasse em um lugar no
meu coração que nunca soube que existia até ele, e me
deixasse furiosa pensar neles juntos, se Capo tivesse
encontrado amor e Gigi fosse o que ele queria – eu me
recusaria a ficar no caminho. Qualquer que seja o motivo que
o fez me procurar não era bom o suficiente. Um acordo não
foi bom o suficiente. Nada era bom o suficiente se o
verdadeiro amor o encontrasse.

— Não é tão fácil, — eu disse. — Não é tão simples


assim. Você conhece meus sentimentos sobre o amor. A
lealdade é o fundamento, mas o amor, o amor é a casa
inteira. Supera tudo. Uma razão. Amore. A única razão para
me enviar para longe de você.

O amor era ao mesmo tempo a razão de ficar e a razão de


partir.

— Você está seguindo o caminho da mãe de verdade —


disse ele.
Ele estava de luto e, aparentemente, não estava usando
todas as suas palavras. — Mãe de verdade? — Perguntei
confusa.

— Uma história antiga. É algo assim. Duas mulheres


estavam brigando por um bebê, ambas alegando ser a mãe do
bebê. O rei descobre a briga e convoca as duas mulheres à
sua câmara. Ele ouve os dois lados, mas não tem ideia de
quem é a verdadeira mãe. Então, ele faz o que o rei faz de
melhor e toma sua decisão com base no que ele sabe. Ele diz
as duas mães que, como ele não pode realmente tomar uma
decisão, o bebê pertence a ambas. Ele vai pegar sua espada e
cortar o bebê ao meio. Cada mãe fica com metade. Uma mãe
concorda com isso. A outra mãe se recusa. Ela diz ao rei que
a outra mulher pode ter o filho. Ela não quer vê-lo
machucado. O rei dá à mulher altruísta o bebê.

— Ela amava o bebê o suficiente para sacrificar seu


próprio coração por ele — eu disse.

— Mesmo cuidando dele, faria. Não precisava ser amor.

— Acho que você pode me chamar de mãe de verdade


então. Porém, quando Gigi saiu, ela me disse para cuidar de
você. Então, o que acontece se nós lhe dermos o rei?

— Nenhuma de vocês vão me dar ao rei — disse ele.

Era estranho, mas eu poderia jurar que suas próximas


palavras teriam sido, porque eu sou o rei.

— Capo

— Não tenho paciência para isso agora, Mariposa.


— Compreendo. Fui estúpida em trazer isso à tona, —
Isso foi ruim. Deixei minhas emoções tomarem o melhor de
mim, mas sinceramente, queria que ele fosse feliz. A morte de
seu avô acabou de provar que só temos o aqui e o agora –
uma vida para viver. — Cuide-se, Capo — sussurrei antes de
começar a me afastar. Dinheiro à parte, nunca pedi muito,
mas naquele momento exigi clareza sobre isso, sobre o amor,
como exigi o respeito dele.

— Você não precisa de permissão para me chamar de


Amadeo, — disse ele, e parei de costas para ele. — Nonno me
deu o nome. Ele queria que esse fosse meu nome desde o
nascimento. É por isso que minha família me chama de
Amadeo. É seu direito de me chamar como quiser. Nunca
permitiria que outra pessoa me chamasse Capo ou
marido. Aqueles são seus sozinhos. Você me nomeou
Mariposa, assim como te nomeei. O resto. — Ele suspirou. —
Não importa. Nomes são apenas nomes. Rótulos com
profundidade superficial mínima.

Ele deve ter sentido minha hesitação, porque limpou a


garganta. — Gigi é filha de Stella. Minha prima em primeiro
grau, então o que você está implicando é incesto. Nunca
pareceu surgir na conversa quem ela era para mim e,
sinceramente, gostei de você ficar com ciúmes quando
pensou que ela era alguém para mim.

Em vez de dizer algo que se parecia com um pedido de


desculpas, eu disse: — Você gostou?

— Sua reação foi fofa.


Fofa. Odiava essa palavra. Filhotes são fofos. Os bebês
são fofos. Até pequenos legumes são fofos. Mas uma mulher
crescida não deve ser fofa. Ela deveria ser...

— Sua mente está inquieta. — Então ele abaixou a


cabeça, inclinando a testa contra as mãos pontudas.

Voltei na ponta dos pés para o banco e deslizei ao lado


dele novamente. Levantei minha mão lentamente e coloquei
em suas costas. Seus músculos estavam tensos, quase
rígidos, mas ao meu toque, pareceu relaxar um pouco.

Eu? Tentei não me mexer. O pensamento de ir tão fundo


com ele me deixou ansiosa. Crenças e fé eram pessoais. Elas
eram duas das poucas coisas nesta vida que eram realmente
nossas para guardar e, além do amor e de nossos pecados, o
que mais havia para levar quando morríamos?

Capo veio à igreja por um motivo. Preciso desaparecer e


ainda ser visto.

De repente, o peso no meu bolso me


chamou. Brinque comigo, parecia sussurrar, mas bem no
meu ouvido. Peguei o rosário da minha mãe, esfregando as
contas frias entre os dedos.

Pela primeira vez, ele olhou para mim, para o que eu


estava fazendo. Um raio de luz atravessou o vitral e atingiu
seus olhos. Ele se tornou o mosaico – o copo segurando a
maré. Olhei para sua garganta. Alguém tentou destruir todas
as suas defesas. Quem quer que fosse, o destruiu, e então ele
se recompôs. As linhas duras e metálicas que mantêm o copo
inteiro eram tão aparentes em seu rosto, se alguém tivesse
coragem suficiente para ver.
Preciso desaparecer e ainda ser visto.

Ti vedo.

Eu te vejo.

Vejo através do belo vidro azul quebrado. Vejo as linhas


difíceis que os mantêm juntos. Tenho a coragem de ver além do
caçador e nos olhos do homem que se conectam a um coração
palpitante.

Vejo você, meu marido. Vejo você, meu capo. Vejo


você, meu coração. Vejo você, meu tudo.

Segurei o rosário em uma mão e estendi a outra para


tocar sua bochecha. — É bom ter um amigo que... não se
importe com a quietude, não importa quão alto seja o
silêncio. — Minha voz era tão suave quanto o meu toque.

— É bom ter você, Mariposa. — Sua voz era áspera. — La


mia piccola farfalla. — Minha pequena borboleta.

Então não dissemos mais nada, encontramo-nos nas


profundezas de sua tristeza silenciosa que de alguma forma
parecia tão alta dentro do meu coração.
Mariposa
Depois que saímos da igreja, Capo voltou rapidamente
para a casa do avô, mas antes, instruiu-me a fazer as
malas. Disse que estávamos saindo em lua de mel. Senti-me
culpada. Estávamos deixando a família no momento em que a
deveria permanecer unida, mas Capo disse que nos deram
sua bênção. Seu avô queria que fôssemos. Alguma coisa
estava errada, e sabia que tinha algo a ver com os dois
homens que estavam fora da igreja.

As tatuagens em suas mãos combinavam com a de


Capo. Mas, me perguntei... se talvez a cicatriz na garganta
tivesse algo a ver com eles. Não tinha certeza e, quando fiz
algumas perguntas, Capo me disse para continuar fazendo as
malas. Aceitei sua recusa em responder como um sim. Talvez
quisesse levar Achille e Arturo para longe de sua família?

Levamos duas horas para dizer adeus a todos. Fizeram-


me prometer trazer Amadeo de volta em breve. Sentiram que
estava longe de “casa” por muito tempo. Não tinha ideia de
como responder quando eles continuavam me dizendo que
me amavam e iam sentir minha falta.

O que mais me surpreendeu foi que algumas lágrimas


escorreram pelo meu rosto depois que saímos. Escondi meus
olhos por trás de óculos escuros, mas Capo percebeu.

Ele limpou uma lágrima da minha pele e esfregou-a


contra os lábios. — Partir não significa que você se foi para
sempre. Você voltará.

Ainda não tinha ideia de para onde estávamos indo, mas


depois que embarcamos no maior barco que já vi, sabia que
estávamos indo em uma viagem náutica. Capo encontrou o
capitão assim que embarcamos. Ele era parente dos Faustis
de alguma maneira – é claro.

Capo me corrigiu quando o chamei de barco. Era


um iate. Barco. Iate. Mansão flutuante. Era tudo a mesma
coisa para mim. Tinha numerosas cabines luxuosas,
numerosos trabalhadores eficientes e qualquer coisa
que desejávamos era apenas um pedido de distância.

Adormeci em algum lugar da Sicília e acordei em Cala


Gonone, uma cidade na Sardenha. Passamos o dia lá. A água
era de safira, topázio e um verde que nem conseguia
descrever em palavras. Podia ver direto para o fundo. Era
como um buraco de golfinho aquático trazendo nadadores
para outro mundo. O mar estava fresco, minha pele quente,
seus lábios salgados quando tocaram os meus, e não poderia
imaginar um local mais perfeito se tentasse.

Naquela noite, adormeci na Sardenha e acordei em um


porto em algum lugar da Grécia.
Grécia!

Sabia que Capo provavelmente tinha passado por


minhas coisas quando as entreguei no The Club. Estar na
Grécia era um sonho e ele levou isso provavelmente e
transformou-o em sólido, com certeza. Escrevi em Journey
sobre a Grécia e o quanto queria ir. Um dos clientes do Home
Run era da Grécia e contava as mais maravilhosas histórias
sobre o nascer e o pôr do sol, as casas iluminadas, o mar
ofuscante, os moinhos de vento, as montanhas, a comida e as
pessoas.

A primeira coisa que Capo fez após a embarcação nos


deixar em terra foi encontrar uma loja que vendesse
câmeras. Ele me disse que era inaceitável que eu estivesse
quadrando meus dedos, colocando-os na frente do meu rosto
e depois fazendo um ruído de clique quando a visão que
nunca quis esquecer estava emoldurada. Se eu quisesse uma
câmera, teria uma câmera.

Ganhei uma chique, e levei duas horas para descobrir


como funcionava, mas depois que o fiz, não havia como me
impedir. Raramente não estava no meu pescoço. E devo ter
passado por cinco cartões digitais, preenchendo todos eles à
capacidade máxima.

Nascer e pôr do sol, casas caiadas de branco, mar


ofuscante, moinhos de vento, montanhas, comida e
pessoas. Capo e eu. Apenas... Capo. A câmera amava seu
rosto e corpo.

Durante o nosso tempo, conheci um lado diferente


dele. Estava mais à vontade, e, quando sentiu que eu estava
amadurecendo na vida, pediu que fizesse coisas que eu
nunca havia imaginado antes. Nadar nua à noite, sob as
estrelas, com ele; caminhando para lugares que eram apenas
ocupados por flores silvestres e cabras; invadir um
casamento e dançar até que meu rosto parecia estar
permanentemente preso sorrindo; rafting no Monte Olimpo;
andar de caiaque sobre a água tão clara que a superfície
lembrava o vidro e as profundezas do tesouro azul e verde;
transar em enseadas isoladas e comer coisas que exigiam
coragem, como salada de ouriço do mar (direto do mar) e
cordeiro. Desenhei a linha do saco de tinta frita de um polvo e
caracóis que estouraram quando você os colocava em uma
panela. No entanto, apaixonei-me por romãs, e o chef
manteve a cozinha abastecida com elas.

Estávamos na Grécia há um mês quando Capo recebeu


uma ligação de Rocco. Capo teve que tapar o ouvido para
ouvir o que Rocco estava dizendo. Meu marido me
surpreendeu com uma noite em Atenas. A Ópera Nacional
Grega estava apresentando Carmen no Odeon de Herodes
Atticus.

O Odeon de Herodes Atticus era um teatro de pedra


externo que existia desde 161 dC. Era íngreme, quase como
uma tigela com lados altos. Além, a cidade de Atenas
brilhava, enquanto as montanhas ao longe criavam sombras
acidentadas. Nunca tinha estado em um lugar com tanta
história. Não apenas podia tocá-lo, mas também sentia o
cheiro no ar.

Capo encerrou a ligação e passou os dentes pelo lábio


inferior. Com ele, paixão e raiva estavam intimamente
relacionadas. Ele apenas revirava os dentes sobre o lábio
inferior quando me queria ou quando estava chateado.
— Algo errado?

Ele não olhou para mim, apenas olhou para os atores


interpretando seus papéis no palco. — Boo, bam, boo.

Olhei até que ele encontrou meus olhos.

— Partimos hoje à noite, Mariposa.

Estava com medo desse dia, mas sabia que chegaria


mais cedo ou mais tarde. — Por quê?

– Um dos meus edifícios em Nova York foi destruído.

Essa linha concluiu nosso tempo na Grécia.

Estaríamos de volta a Nova York, de volta à realidade, no


dia seguinte.
Capo
O passo que dei foi planejado. Nada do que fiz foi por
acidente. No meu mundo, circunstâncias imprevistas podem
matá-lo. Depois da minha morte, aprendi a cronometrar
minhas respirações a cada segundo que passava. Lembrei-me
muito bem de como sessenta segundos equivalem a uma vida
– o próximo, possivelmente, o último.

Causei as guerras. Entrei sem suspeitar e matei irmãos,


filhos, tios e bons amigos. Todas as evidências apontavam
para a família Scarpone. Até envolvi-me com os irlandeses. E,
como havia planejado, todo o inferno explodiu. Ninguém
confiava em ninguém, nem mesmo um centavo. Era um
centavo que geralmente os mantinham alinhados.

Sabia quem matar em cada família. Sabia como


configurá-lo, como fazê-lo parecer. Houve uma altura em que
eu era assim: o príncipe do rei, aquele a quem ele às vezes
chamava o assassino bonitão. Quando Arturo queria alguém
morto, alguém que fizesse algo pessoal com ele, chamava
Achille ou eu para lidar com isso.
Nós éramos os lobos que levavam as ovelhas para o
abate. Arturo nunca pensou em ninguém além dos Faustis
como competição. Ele os chamou de leões, uma raça diferente
de animal. Não precisávamos nos preocupar com eles ou
derrubá-los porque tinham território próprio. Mas quando se
tratava de derrubar outros lobos, aqueles que o desafiavam,
querendo o lugar do alfa, fomos enviados para destruir.

Deixei a filha de outro lobo ir, e aos olhos de Arturo, o


pecado era imperdoável. Então ele enviou um bando de lobos
atrás de mim. Eles chegaram perto de rasgar minha
garganta.

Então, tornei-me um fantasma. Vi em todos os rostos de


todos os homens que matei após a minha morte. Eles
pensaram que eu tinha chegado para levá-los ao inferno. Foi
especialmente doce ver o reconhecimento nos rostos dos
animais que tiveram uma mão na minha morte. Os covardes
que seguraram meus braços enquanto a faca me cortava
profundamente. Aqueles que mantiveram uma mulher contra
sua vontade e a agrediram na minha frente até que a
destruíram.

Uma coisa sobre a morte: você não tem nada além de


tempo. Então foi o que fiz. Esperei meu tempo. Perdi-me na
Itália por um tempo. Comecei a usar o nome Amadeo, para
começar. Então uma visita a Marzio Fausti me trouxe de volta
à vida. Ele me emprestou dinheiro suficiente para investir em
empresas de tanques. Em troca, mataria por sua família, até
que lhe pagasse cada centavo com juros. Ele se ofereceu para
matar Arturo, mas pedi que ele fosse poupado. Queria fazer
do meu jeito.
Queria me vingar de uma maneira que alimentasse a
alma que havia sido arrancada de seu corpo e morria de fome
por muito tempo.

Depois que meus investimentos valeram a pena – os


hotéis, o restaurante, o The Club, além de inúmeras
propriedades de investimento, além dos investimentos que
Rocco fez para mim – meu plano realmente começou a tomar
forma. Parecia um lobo vingativo com dentes mais afiados
que o resto. Deixei pequenas pistas aqui e ali, o suficiente
para que eles percebessem um cheiro novo, mas também
familiar.

Vittorio?

Não pode ser.

Ah, mas são filhos da puta, isso são.

Pistas pequenas levavam a pistas médias até que a mídia


não estava mais cortando. Meus planos se tornaram
maiores. Não o suficiente para me denunciar, mas o
suficiente para que o perfume ficasse mais forte. De vez em
quando, um dos Scarpones fazia uma viagem à Itália com o
pretexto de – visitar a família.

Eu ri, um hálito frio se formando da minha boca. —


Família. — Disse a palavra como uma provocação, uma
piada.

Depois da última viagem do pai e do filho, quando Arturo


e Achille quase me descobriram na igreja, começaram a
andar por prédios em Nova York. Edifícios pertencentes a um
Amadeo Macchiavello. Se eu ainda estivesse vivo, eles
estavam tentando me chamar da única maneira que sabiam –
impressionante. Eles não conseguiram encontrar provas da
minha existência de outra maneira.

Achille até tentou me encontrar no clube depois que seu


filho foi morto. Observei-o no andar privado acima. Ele estava
louco por causa da perda de poder. Continuou agarrando
homens de cabelos pretos e virando-os, procurando por mim
em seus rostos.

Para o registro, eles nunca encontraram o corpo do filho


de Achille. Meu túmulo vazio era o último lugar que eles
olhariam.

Havia uma história de carne. Depois que o homem que


Arturo havia enviado para me matar, pensava que sim, ele
deveria pegar meu corpo e jogá-lo no rio Hudson com o resto
dos restos de carne que foram descartados. No entanto, eles
não contavam com um anjo para chegar.

Tito Sala.

Ele apareceu pouco antes de eu dar meu último suspiro,


e me salvou. Rocco e Dario estavam com ele. O homem que
cortou minha garganta foi morto em um acidente de carro
dois dias depois. Os freios dele tinham
falhado. Aparentemente, ele nunca disse a Arturo que não
tinha me matado porque não queria que Arturo o matasse.
Depois que todos os homens fugiram, e apenas o homem que
me “matou” foi deixado, ele viu as sombras vindo para ele no
beco ao lado de Dolce. Ele partiu, foi direto ao rei Lobo para
mentir – sim, ele se foi.
Sua mentira não o salvou. Nada teria. Arturo nunca
deixava testemunhas. Era muito arriscado. Então, matou o
homem. Mas funcionou para mim, porque Arturo o matou
antes de descobrir a verdade.

Angelina já estava morta, nosso sangue se misturando


no beco. Foi um adeus final.

Os Faustis deixaram meu sangue no beco, mas também


deixaram vestígios que levavam ao Hudson. Eu não queria
ser encontrado, e sabia que era para onde o homem estava
me levando a seguir – enquanto ele cortava minha garganta,
sussurrava em meu ouvido: — Você nem é bom o suficiente
para sair na rua ao lado. Para a lixeira. Seu velho quer você
com os peixes no Hudson, uma cova aquosa — Ele falou
demais quando tentou cortar minha garganta.

Os detetives classificaram nossos casos, os de Angelina e


o meu, como assassinato, mas depois que nenhuma pista
apontou para os assassinos, o caso ficou frio e a caixa de
provas foi fechada.

Sim, eles não pareciam muito interessados. Mesmo se


tivessem, nunca me encontrariam. Eu era um fantasma,
como alguns me chamavam.

Os Scarpones estavam sentindo a pressão daquele


fantasma. Quando as pistas médias ficaram muito chatas
para mim, comecei a deixar as grandes, as que os levariam
um pouco mais perto. Queria foder com a cabeça deles antes
de cortá-las.

Em uma tentativa de convencer as outras famílias, de


que não foram os Scarpones que começaram as guerras,
mataram seus homens e levaram seus carregamentos
roubados, eles o atribuíram a um homem.

Eu.

Um homem que eles não conheciam. Um homem que, do


nada, começou a pisar em todos os seus campos. É claro que
Arturo nunca mencionou Vittorio Lupo Scarpone para as
outras famílias. Se o fizesse, Arturo seria instável, e a última
coisa que ele queria era ser considerado louco, a menos que
se tratasse de violência.

Vendo fantasmas? Acreditando que o filho que você


matou havia voltado dos mortos? Sim, não é bom para os
negócios.

Então o calor estava em mim. Eu estava sendo atingido


por todos os lados, mas depois de alguns meses, as outras
famílias seguiram em frente, convencidas de que os
Scarpones eram os culpados, já que nenhum homem que
tentava iniciar uma guerra havia sido encontrado.

No entanto, os Scarpones não tinham desistido. Eles


estavam determinados a me fazer sair, me fazer mostrar meu
rosto ou jogar minhas cinzas ao vento. Para cada propriedade
que incendiaram ou explodiram, fiz o mesmo com dois
deles. E as remessas de mercadorias roubadas? Ha. Ha.
Ha. Nunca chegaram. Alguns dias depois, alguns de seus
itens flutuariam do Hudson.

Nunca vi Achille chorar, nem mesmo pelo filho, até que


milhões de dólares em drogas desapareceram. Vi-o nas docas,
conversando com um capataz remunerado, puxando os
cabelos, torcendo, amaldiçoando o céu.
Waaa. Waaa. Waaa. Waa.

Sua vida perfeita estava implodindo por dentro, e não


havia nada que ele pudesse fazer para impedir.

É o que acontece quando você tenta capturar um homem


que você transformou em fantasma.

Meses se passaram desde a nossa lua de mel, eu havia


perdido uma quantidade substancial de propriedades e
dinheiro, mas não era nada comparado ao pagamento que
recebi que não tinha nada a ver com la moneta30. Tinha
fodido uma família que ninguém era capaz de tocar antes.

Os Scarpones, liderados pelo rei de Nova York e seu filho


louco, o Joker.

Dizia-se na rua que as famílias que originalmente


haviam decidido ajudá-los a me fazer sair, um homem que
nenhum deles conseguia encontrar, se afastaram porque
queriam que a família Scarpone fosse destruída. A disposição
deles em ajudar havia sido uma tática de guerra. Eles haviam
concordado a princípio, mas depois desistiram na esperança
de que eu levasse os Scarpones. Completamente.

Um pouco mais de tempo, e toda a cidade de Nova York


me devia.

30
A moeda.
Um movimento fez meus olhos se levantarem. Uma
sombra se aproximou da janela do andar de cima,
espreitando para fora. Arturo tinha dois híbridos de lobo
como animais de estimação, e eles nem se deram ao trabalho
de desviar o olhar de suas guloseimas. Eles estavam aos
meus pés lambendo o sangue dos bifes que
trouxe. Governava a casa dele, até seus cachorros.

Sim, vamos lá, podemos terminar isso aqui e agora, se


você quiser, velho. Arturo era velho, e qualquer decisão que
ele fez, fez de seu escritório. Achille tinha o controle completo
do corpo, exceto o cérebro e o coração. Ele não tinha nascido
com qualquer um.

Enquanto eu estava embaixo da janela de Arturo, vestido


de preto, ele não podia me ver, mas eu podia vê-lo. Podia até
ouvir sua esposa, a boba de cabelos loiros com peitos falsos,
conversando com ele. Ela entrou no restaurante também. E
ela era uma merda. Mais burra do que um saco de
tijolos. Não é à toa que ela deu à luz ao Joker quando tinha
apenas dezessete anos.

Ninguém jamais seria capaz de substituir minha


mãe. Ela deu a Arturo um príncipe e ele a destruiu. Ele
matou a inocência dela. Abatida. Então, ela se matou por
causa disso. Ele pegou algo que deveria ser único, inocente e
transformou em algo sujo.

Meu telefone acendeu. Uma foto de Mariposa e eu do


nosso casamento na Itália apareceu na tela. Nem um
segundo depois, a música que eu e Mariposa dançamos veio
pelo alto-falante, a que parecia uma música que deveria estar
na trilha sonora de Tim Burton. Minha esposa mudava
constantemente sua foto de perfil no meu telefone e no
toque. Então comecei a fazer o mesmo com ela.

Dessa vez, porém, ela me pegou em um momento


ruim. Foi culpa minha. Deveria ter colocado o telefone em
silêncio.

Arturo ia ficar curioso, então a enviei para o correio de


voz e silenciei o telefone. Rapidamente enviei uma mensagem
para ela.

Eu: No trabalho. Você está bem?

Um segundo depois, sua resposta veio.

Sua esposa (ela programou isso no meu telefone): Tudo


bem, apenas sozinha nesta casa grande sem você.

Sorri

Outro texto.

Sua esposa: É bom ter um amigo que fica em casa e


assiste filmes antigos comigo. Vou fazer pipoca e floats de
cerveja.

As luzes do quintal se acenderam e os cães saltaram,


indo em direção à porta dos fundos. Um segundo depois,
Arturo apareceu, segurando uma arma.

— Quem está aí? — Ele estreitou os olhos. Então,


chamou seus homens para verificar o quintal. Ele estava
ficando muito descuidado na velhice. Deveria saber. Envie os
homens primeiro. Uma bala e sua vida eram minhas.
Muito fácil, no entanto.

Fui embora antes que seus cães de guarda chegassem


atrás da árvore.

Meu telefone acendeu novamente quando abri a porta do


meu carro. A neve cobria o para-brisa e o couro parecia
gelo. Minha respiração ficou nublada quando respirei fundo
outra vez.

Sua esposa: Pensando bem, você pode parar e pegar


marshmallows? O nosso acabou. Como está frio, o chocolate
quente será melhor.

Eu: Você vai me dever.

Sua esposa: Esse era o meu plano.

Então ela me enviou uma carinha piscando.

Fiquei sentado no frio por um tempo, olhando para o


meu telefone. Cliquei na foto que ela havia
carregado. Estávamos sentados sob o caramanchão de uvas e
eu estava esfregando os pés dela. O fotógrafo nos pegou em
um momento sincero. Mariposa adorou tanto que ela
pendurou na nossa lareira. Usei meu dedo para percorrer as
outras. Algumas delas eu havia tirado na Grécia.

Naquele momento, eu era um mentiroso. Na minha vida,


já tinha feito algo que não estava nos meus planos.

Ela.

Minha esposa.
Ela mudou todo o curso da minha vida.

Foi uma surpresa pela primeira vez e novamente quando


voltou à minha vida. Seria um tolo pensar que o destino não
existe, que algumas coisas nesta vida não nos pertencem, não
importa o quanto as combatamos.

Mariposa Macchiavello era minha em todos os


sentidos. Ela era desde o momento em que a encontrei em
uma noite como esta. Sombria. Fria. Nevando. O ar estava
quase azul de frio. Não havia estrelas no céu. Com apenas
cinco anos na época. Apenas cinco. Sua inocência foi um
golpe no meu coração.

A bolsa grande de sua mãe estava pressionada contra


seu peito enquanto nos afastávamos do lugar em que Palermo
as escondia.

— Onde estamos indo? — Ela me perguntou em italiano.

— Você está indo para casa, Mariposa — respondi no


mesmo idioma. Foi principalmente tudo o que ela falou. Seu pai
falava principalmente italiano em casa, mas nas ruas,
inglês. Sua mãe deixou a Sicília e foi direto para a América. O
inglês dela era limitado.

As sobrancelhas dela se fecharam. — Para sua casa?

Não respondi e ela continuou me encarando, suas pernas


tão curtas que mal chegaram ao fim do assento.

— Você sabe o que Mariposa significa? — Perguntei-lhe.

Ela balançou a cabeça. — Não.


Non ho capito. Ela não entendeu.

— Significa borboleta — eu disse. — Farfalla ma in


spagnolo31.

Ela pensou por um minuto antes de assentir.

Se os Scarpones encontrassem Mariposa, o jogo seria


diferente. Eu não teria mais nada para eles roubar ou
explodir. Não seria mais um fantasma, mas um homem com
tudo a perder.

Ela era a única coisa neste mundo que valia alguma


coisa para mim.

Tudo.

Valeu tudo para mim desde aquela noite fria de


dezembro, quando me pediu para colorir com ela, quando me
deu o rosário, porque disse que eu estava mexendo. Ela me
enervou na primeira vez que a vi. Olhá-la era como olhar para
o meu futuro e, a menos que ela vivesse o resto da minha
vida não parecia importar. Era como negociar o meu mal,
então uma onça do bem seria deixada no mundo.

— Foda-me — respirei. Onde eu estava antes de ficar


macio demais? Mariposa se remexendo.

Sua mãe, Maria, sabia disso e, em vez de lhe dar algo


infantil, como um cobertor macio ou um brinquedo de

31
Borboleta, mas em espanhol.
pelúcia, dera a Mariposa o rosário para acariciar quando
estava ansiosa. Quando a vi fazendo isso na igreja, depois do
funeral do meu avô, ela me trouxe de volta aos cinco anos, e
não pude deixar de questionar quanto mais Maria havia
instilado nela, mesmo em tenra idade.

Dê o fora daqui, Capo. Pensar em sua esposa enquanto


estiver no território Scarpone só vai te matar.

Ainda não.

Acendi os faróis, a neve rodando em seus raios. Ajustei


as marchas e saí. Eu iria para um prédio separado antes de ir
para casa. Usaria os prédios de conexão para caminhar até
outro e depois pegaria outro carro, saindo de uma saída
diferente. Saberia se eles estivessem me seguindo. Rastreei
todos eles nos meus computadores.

Mesmo os computadores não inspiravam confiança


suficiente. Foi por isso que minha esposa estava no
quartel. Mesmo que eles explodissem o outro prédio, ela
estava segura do outro lado. Além disso, o quarteirão inteiro
era – de propriedade – de Luca Fausti, pai de Rocco. Ninguém
o tocava. Se o fizessem, eles se arrependeriam.

Os Scarpones nem sequer atravessavam aquele


quarteirão, muito menos apontariam para uma de suas
propriedades. Luca Fausti não gostava de Arturo. Desde
sempre. E depois que Marzio contou o que havia acontecido
comigo, ele ficou ansioso demais para colocar seu nome no
bloco como fachada.
Ainda dei um passo extra para garantir que Mariposa
estivesse segura. O quartel abandonado não teve uma
segunda olhada.

No entanto, não gostei dos Scarpones vendo-a, chegando


tão perto dela, como eles fizeram na Itália. Eles sabiam que
se algo me atraísse, seria o funeral do meu avô. Estava a
segundos de ser descoberto quando Rocco – na verdade,
minha esposa, desde que ela veio me procurar – os deteve.

Na época, não me importei. Era mais fácil morrer do que


sentir a dor de perder o homem que me ensinou tudo sobre a
vida. Então mia farfalla me trouxe de volta. A vida nela me
deixou com fome de novo.

Bati no freio quando um homem correndo pela rua


decidiu atravessar. Ele correu bem na frente do meu carro,
diminuindo a velocidade quando passou pelo capô. Ele parou
por um segundo, colocando as mãos nos quadris, respirando
pesadamente. A tatuagem de lobo em sua mão se destacou, o
brilho das minhas luzes destacando a tinta. Ele estreitou os
olhos no carro, tentando ver através das janelas escuras. Ele
não conseguiu.

— Palhaço. — Minha voz era baixa, áspera. – Você está


tentando ver alguém que não existe mais.

Levantei minha mão em saudação. Ele estreitou os olhos


novamente, mas não se mexeu. Saí devagar, observando-o
através do espelho retrovisor. Ele se afastou do meio-fio e
ficou no meio da rua, tentando ler a placa do carro. Seja meu
convidado. Ele receberia algum nome e número aleatórios.
Ele sempre foi um filho da puta estúpido. Não conseguia
ver além do que estava bem na sua frente.

Sim, minha esposa estava protegida deles, desta vida de


vingança que escolhi. O júri ainda estava fora do meu
destino. Eu não sabia quem era mais perigoso para mim – os
Scarpones ou ela.
Mariposa
Ele estava atrasado. Eu também estava, mas isso não
vinha ao caso.

Ele estava – trabalhando – mais tarde da noite desde que


voltamos da Grécia. Não trouxe à tona o que havia acontecido
com seu prédio, ou o que quer que estivesse acontecendo,
mas chamo de intuição de esposa – sabia que se travava de
uma batalha que era mantida em segredo.

Pensei que o prédio dele, ou um prédio, sendo explodido


em pedacinhos, teria dado notícia, mas não. Assisti o
noticiário todas as noites e... nada. As supostas – guerras –
entre as famílias conectadas haviam desaparecido,
informaram as notícias, e logo depois disso, tudo voltou a ser
política.

Normalmente, não me importava quando ele estava


atrasado, mas hoje à noite era importante por dois
motivos. Um. Keely estreou na Broadway. Ela estava fazendo
o papel principal. Um guerreiro escocês de pontapé que era
um excelente arqueiro. Dois. Não queria pensar no motivo
dois. Isso me deixou nervosa por continuar pensando nisso,
então quando aconteceu, aconteceu.

— Mariposa — disse Capo, entrando no quarto. Ele me


encontrou sentada no banheiro, nua, retocando minha
maquiagem.

Ele parou, o paletó sobre o braço, me olhando. — Do


jeito que quero você — disse ele, com a voz baixa. — Fique de
pé.

Enquanto eu fazia, ele jogou a jaqueta no balcão e


afrouxou a gravata, seus olhos nunca perdendo contato com
os meus. O frenesi que existia entre nós, algo carnal, parecia
alimentar seu desejo tanto quanto alimentava o meu.

Um longo momento pareceu se esticar antes que algo


parecesse explodir dentro de mim, antes que seu corpo
criasse o equivalente físico entre seu peito e o meu. Nossos
corpos colidiram, meus dedos famintos contra sua pele, sua
boca devorando a minha. Minhas costas bateram contra o
chuveiro, e sem ele ter que me instruir, minhas pernas
envolveram sua cintura, pedindo, implorando, exigindo que
ele acalmasse a dor.

Eu vim, a saber, que tudo o que havia entre nós era


primordial, mas básico, animalesco. E era assim que
estávamos nos despedaçando, como animais que não sabiam
o certo do errado, que não tinham outro pensamento ou
sentimento, além disso e agora. Fazia apenas horas, mas a
dor gritou... agora!
Os barulhos que fizemos ecoaram em torno do enorme
banheiro, e os barulhos que sua boca fez de prazer
reverberaram dentro de mim, atingindo cada cavidade,
pingando de osso em osso, deslizando através da minha
corrente sanguínea.

Ele me levou cada vez mais alto, minhas costas


deslizando contra as portas do chuveiro, seus impulsos duros
e enlouquecidos. Ele leu minha linguagem corporal, talvez do
jeito que comecei a tremer, e quão alto meus gemidos
estavam se tornando – talvez o pedido estivesse
piorando. Então, em outra explosão, nos reunimos, seu
rosnado gutural engolindo o meu mais suave enquanto ele se
derramava em mim com tanto prazer que me fez sentir como
a mulher mais poderosa do mundo.

Ficamos conectados por um momento, nossas


respirações se estabelecendo juntas, e quando finalmente tive
energia para abrir os olhos, sorri para ele. Ele estava me
observando.

— Bem-vindo em casa, Capo — disse, minha voz


desfiada.

Ele sorriu e me colocou de pé. — Minha hora favorita do


dia — disse ele.

— Minha também — sussurrei, atordoada, quando ele


me levou para o chuveiro e molhou toda a maquiagem que eu
tinha aplicado e meu cabelo.

Estamos tão atrasados.


Apressadamente refiz o que ele havia destruído, meu
rosto, e tentei fazer o melhor com meu cabelo, sem ter que
mexer muito. Esta noite era uma razão para me vestir, então
usava um macacão de seda de safira e diamantes, safira e
pulseiras de ouro nos pulsos para combinar.

— Azul. — Ele sorriu quando saiu do armário,


entregando-me um par de sapatos que pedi para ele
encontrar. Ele levou dez minutos para se vestir.

— Minha cor de assinatura — eu disse.

Ele assentiu. — Sempre bella in blu. — Sempre linda de


azul.

Entreolhamo-nos por um momento ou dois. A


intensidade em seus olhos era difícil de encontrar,
especialmente quando as imagens da noite anterior, quando
ele trouxe os marshmallows para casa, fizeram coisas comigo
que fizeram minha pele tremer em lembrança. Em público, o
homem era o mais reservado possível, mas a portas
fechadas... ele era um animal insaciável. E quando ele tinha
tempo... a gratificação atrasada era sua especialidade.

— Realmente deveria ser um crime para qualquer


homem parecer tão bem quanto você — eu disse, incapaz de
me ajudar.

— É por isso que me casei com a mulher mais bonita. —


Ele deslizou meu casaco sobre meus braços, me ajudando a
entrar. — Ninguém olhará para mim, mas para você.

Às vezes esquecia o quanto ele era recluso. Mesmo que


as mulheres olhassem para ele onde quer que estivéssemos,
ele não parecia notar ou se importar. Quanto mais cedo ele
estava a portas fechadas, mais cedo ele se abria para mim.

Desde o dia do funeral de seu avô, depois do que


aconteceu na igreja, algo mudou entre nós. Nonno havia me
dito que todas as mudanças na vida começam com um ponto
crucial. Ele me explicou o que era – o ponto decisivo ou mais
importante em questão, o coração – e quando mudou, mudou
todo o curso das coisas.

— Compare-o a seguir um caminho diferente — ele


dissera. — Às vezes fazemos isso por acidente, às vezes,
fazemos por vontade, mas isso muda tudo além desse
ponto. Isso muda a história que ainda está para acontecer.

A Grécia apenas ajudou. Capo estava mais relaxado,


mais à vontade, mesmo sabendo que ele estava sofrendo. De
alguma forma, porém, sabia que Capo estava me ensinando a
viver (quase até a morte), e parecia que isso era uma
homenagem a alguma coisa. Embora não soubesse
exatamente o quê. Talvez o fato de ele ter salvado minha
vida? E o custo para ele, porque sabia que tinha que haver
um, seria em vão se não aproveitasse meu tempo aqui.

Nonno era um homem filosófico. O neto também


era. Tentei acompanhá-los.

Giovanni nos levou para a Broadway. O show estava


lotado, esgotada completamente a bilheteria. Acenei para a
família de Keely quando me sentei. Eu estava tão nervosa por
ela que meu pé continuou batendo no chão.
Capo apertou minha coxa, me parando. — Dov'è il tuo
rosario? — Onde está o seu rosário? Ele perguntou em
italiano.

Cavei minha bolsa e o tirei. As luzes suaves fizeram as


pérolas brilharem na escuridão das minhas unhas enquanto
esfregava uma conta entre os dedos. Ele raramente tinha que
me lembrar de usar meu rosário para aliviar minha
ansiedade, mas hoje à noite, minha mente estava correndo
em muitas direções diferentes, me despedaçando.

As luzes se apagaram completamente, a cortina se


levantou e o show começou. Capo pegou minha mão e nós
assistimos.

Dizer que eu estava orgulhosa teria sido um


eufemismo. Se Keely não fosse notícia com sua performance,
toda a comunidade da Broadway poderia enchê-la, tanto
quanto eu estava preocupada. Após o show, fomos
convidados para os bastidores. Entreguei-lhe as flores que
trouxe e a abracei mais do que o necessário. Ela convidou
Capo e eu para jantar com ela e sua família, mas recusei. Era
estranho, e quanto menos tempo passássemos juntos,
melhor.

Percebi que o cara que estava na festa na casa de


Harrison, aquele que foi atrás de Keely, estava lá. Cash. Não
parecia que Keely queria estar perto dele. Ele falava com ela,
que o ignorava. Quando ela teve que responder, suas
respostas foram cortadas.

O tempo todo, Capo manteve a mão no meu pescoço,


aquela com a tatuagem, meu cabelo cobrindo-o. Parecia que
ele fez isso de propósito, mas não tinha certeza.
Não respirei fundo até sairmos do teatro. A noite estava
dura, com o frio e a neve caindo em rajadas. Na verdade, me
senti bem, e não estava com vontade de ir direto para
casa. Este foi o primeiro inverno em que não tive medo de
bater os dentes a noite toda.

Para ganhar algum tempo, sugeri que comêssemos


algo. Capo concordou. Andamos pelas ruas, a mão ainda no
meu pescoço. A cidade foi decorada com temas
natalinos. Milhares de luzes estavam acesas. Papai Noel
tocava sinos nas esquinas e janelas eram enfeitadas com
coisas bonitas implorando para serem compradas.

Capo esteve quieto a maior parte da noite. Perguntei-me


no que ele estava pensando.

Olhei para ele. — Você ficou quieto.

— Não dá para falar muito durante um show da


Broadway. — A respiração escapou de sua boca em uma
nuvem.

Eu sorri um pouco e ele me puxou para mais


perto. Depois que ele o fez, senti seu aperto apertar meu
pescoço, como se tivesse visto alguém que ele conhecera em
uma vida anterior, alguém que queria evitar. Mas quando
olhei para ele novamente, estava olhando para mim.

Diminuindo a velocidade, parei em uma vitrine. Era um


bando de filhotes de porcelana. No centro da cena, uma roda-
gigante inteira girava e girava, todos cheios de bichinhos
felizes em seus assentos. Pequenas figuras estavam em
movimento, girando em círculo no chão, como se estivessem
em um carnaval.
Um elefante segurava um balão azul. Duas girafas
estavam em um balão de ar quente. Um tigre voou em um
avião com um lenço no pescoço. Um hipopótamo usava um
tutu, segurando algodão doce rosa. O detalhe: um lobo preto
com a cabeça virada para cima, uma borboleta azul apoiada
no nariz.

As pequenas figuras pareciam antiguidades. Talvez


francesas. Eu poderia jurar que ouvi música tilintando vindo
de trás do vidro.

Afastei-me da tela e fui para o homem ao meu lado. Neve


caía em seus cabelos, em seus cílios, e seus olhos pareciam
ainda mais azuis. — Não estou dizendo isso apenas porque
você é meu marido. Você é realmente o homem mais atraente
que já vi. — Ele era além da atraente, mas eu não queria
parecer muito feminino chamando-o de bonito.

Seus olhos voaram para os meus. — Você me elogiou o


suficiente esta noite. — Sua voz era áspera, como o frio
agarrado à sua cicatriz e dificultando a sua fala.

Olhei para baixo, os botões do casaco dele de repente


chamando minha atenção. Brinquei com um deles,
esfregando-o entre os dedos. — Estou grávida, Capo.

Era difícil encontrar os olhos dele. Ele ficaria bravo? Ele


me disse que a escolha era minha. Eu queria um bebê com
ele. Bem. Eu não queria um bebê com ele. Tudo bem.

Ele ficou quieto por tanto tempo que respirei fundo e


finalmente olhei para cima. Não tinha certeza do que esperar,
mas o que eu não esperava era o quão pálido ele parecia de
repente. Suas mãos tremiam quando ele tocou meu
rosto. Seus olhos pareciam tão... incertos. Nunca tinha visto
isso antes.

Isso me assustou, mas não queria que ele visse, então


continuei falando. — O bebê deve nascer em agosto. O
médico disse que tudo parece bom. Estava esperando o
momento perfeito para lhe contar, mas minha mente fica
inquieta, então...

Ele levantou meu queixo, forçando-me a olhá-lo. Sem


uma palavra, baixou a cabeça devagar e beijou meus lábios.

Foi isso. Um beijo.

Talvez ele estivesse sobrecarregado? Mesmo depois que


começamos a andar novamente, não disse nada. Isso me
agrada. Isso é péssimo. Nada.

Quando chegamos a um restaurante italiano caro, Dolce,


parei. O que quer que estivessem cozinhando lá dentro
cheirava muito, muito bem. Eu não tinha enjoado nem nada,
então quando o médico confirmou que eu estava grávida, era
difícil de acreditar. Estava preocupada que minha falta de
doença significasse que algo estava errado. Ela me garantiu
que as gestações eram tão únicas quanto as mulheres que as
experimentavam.

Tive alguns sintomas, no entanto. Seios macios. Uma


oonie mais sensível. Precisava de sexo com mais frequência
para satisfazer o desejo, o que estava dizendo algo, porque
parecia que era tudo o que fazíamos. Exaustão extrema, que
eu pensava ser de todo o sexo, era outro sintoma. Ah, e
alguns alimentos tinham um cheiro tão delicioso que era
impossível deixar passar.
— E esse lugar? — Enfiei meu polegar em sua direção. –
Eles são conhecidos por...

— Vitela parmigiana.

Estudei seu rosto com mais força. Ele estava suando? Na


neve? Sua voz era mais baixa, ainda mais áspera.

— Capo — sussurrei. Dei um passo mais perto dele e ele


deu um passo para trás, seus olhos voltando-se para o beco
que corria ao longo da lateral do restaurante. Ele estreitou os
olhos, como se pudesse ver através da escuridão. Talvez
pudesse.

Algo estava errado, mas não tinha ideia do quê. —


Podemos ir para outro lugar — disse. – Nós não temos que
comer aqui.

Um monte de vozes flutuaram do beco. Homens. Talvez


bêbados. Eles estavam sendo barulhentos. Irritantes. Antes
que eu pudesse reagir, Capo me pressionou contra a parede
do restaurante, protegendo meu corpo com o dele. Ele estava
me machucando, quase me esmagando contra a parede, mas
não fiz barulho. Em vez disso, levantei meus braços,
envolvendo-os em seu pescoço, tentando escondê-lo.

— Ooh! — Um dos homens gritou como uma mulher. —


Não posso acreditar que você faria isso comigo!

— Depois que ela tentou jogar você e ele? — O outro


homem zombou. — Ela mereceu tudo o que conseguiu.

— Bobby, você está com um cigarro?


Quando os homens se aproximaram, Capo pressionou
ainda mais e depois desceu e me beijou, a mão com a
tatuagem no meu cabelo. Quando eles passaram, podia sentir
o cheiro de uísque como um fogo no ar.

O corpo inteiro de Capo tremia sob minhas


mãos. Ele estava suando. E depois que os homens se foram,
realmente notei seus olhos. Suas pupilas estavam dilatadas,
todo o azul perseguido pelo preto, e ele parecia... louco. Não
bravo, mas quase louco.

Mais quatro homens vieram do beco um segundo depois,


e parecia que meu coração estava preso na garganta. O tijolo
cavou nas minhas costas devido à pressão.

Esses caras eram mais jovens e nem se deram ao


trabalho de olhar para nós. Um deles parecia familiar para
mim, no entanto. Ele me lembrou Armino Scarpone. Tentei
ver se algum deles tinha a tatuagem de lobo, mas eles se
moveram rápido demais, deixando para trás fortes aromas do
restaurante.

Ainda não ficou claro para mim como meu marido


conhecia os Scarpones, ou o que ele havia feito por eles, e por
que ele me salvara deles, além do fato de que sentia que eu
era inocente em qualquer guerra que meu pai tivesse se
metido. Capo tinha me dito isso. As ações de meu pai haviam
posto os Scarpones em minha mãe e em mim. Devíamos
pagar pelos pecados dele.

Mesmo depois que os homens se foram, Capo ainda me


segurava contra a parede, sem se mexer. Estava ficando
difícil para eu respirar. — Capo — sussurrei, deslizando
minhas mãos sob seus braços. — Está tudo
bem. Vamos. Vamos encontrar outro lugar para comer.

Ele não me respondeu. Isso estava me assustando. Ele


nunca havia agido assim antes.

— Capo, — tentei novamente. — Estou com


frio. Podemos comer em casa. — Apertei o casaco dele,
descansando a cabeça no peito dele. Beijei-o lá, esperando
que ele sentisse. — Temos sobras de lasanha no forno. Vamos
apenas para casa. Ligue para Giovanni e peça para ele nos
buscar. Vou pressionar o botão no meu relógio.

Finalmente, suas mãos cobriram as minhas. Ele me


puxou para o lado dele, quase me fazendo tropeçar, e antes
que eu pudesse dizer outra palavra, me forçou a
andar. Acompanhá-lo era mais parecido. Quando passamos
pelo beco, ele me moveu mais rápido. Não rápido o suficiente
para que meus olhos não percebessem. A área parecia mais
fria e o vapor subia em formas fantasmagóricas da
cozinha. Estremeci, e arrepios subiram em meus braços.

Eu não tinha ideia do por que a visão me assustou, mas


naquela noite, tive um pesadelo.

O sangue de Capo coletado no cimento do lado de fora da


cozinha em grandes piscinas escuras. O cheiro de ferro
estava espesso no ar. Seus olhos eram azuis demais para o
rosto pálido. Seus lábios eram quase brancos. O rosário que
eu tinha dado a ele estava apertado em suas mãos
manchadas de sangue. Seu hálito quente na noite fria fez
nevoeiro.

Uma vez. Duas vezes. Então ele deu seu último suspiro.
O terceiro suspiro. O diabo vem em três.

Meus membros estavam pesados demais para se


mover. Congelada. Não pude salvá-lo e gritei de agonia – o
mesmo barulho que ouvi de uma das zias quando elas
fecharam o caixão de Nonno. Alguém tirou meu Capo de mim
e rasgou minha alma em duas.

Forçando meus olhos abertos, estendi a mão para Capo


com uma mão e com a outra, o rosário na mesa de
cabeceira. Enquanto eu colocava a luz ao lado da cama no
cenário mais suave, meus olhos foram atraídos para um
ponto no rosário que estava manchado com o que parecia
ferrugem. O relógio antigo tinha manchas da mesma cor.

Um soluço quase rasgou minha garganta quando percebi


que não era ferrugem, mas sangue.
Mariposa
Fevereiro foi brutal com frio. Não importa quantas
camadas de roupa usasse, ainda sentia o frio. Mas sempre
me perguntava se isso tinha a ver com o clima ou o
congelamento que se instalou sobre nós depois do que
aconteceu em dezembro, após a estreia de Keely na
Broadway.

Capo nunca se manteve tão longe de mim. Trabalhou


mais do que nunca, e nem uma vez citou o bebê. Sabia que
era minha decisão. Ele era minha responsabilidade no
sentido real, mas esperava que Capo ao menos mostrasse
algum tipo de emoção por ter um filho. Esperava que um dia
ele o visse com mais em mente do que Rocco o chamou na
reunião – a responsabilidade financeira de Capo.

Um filho. Ele. A técnica de ultrassom havia dito que,


embora houvesse a possibilidade de estar errada – ainda
tínhamos o que ela chamava de – grande ultrassom – para
confirmar – a tecnologia era quase positiva de que o bebê era
um menino. Suas pequenas partes já estavam visíveis para
ela. Capo veio comigo a esse compromisso, e foi a primeira
vez desde Dolce que vi algum tipo de emoção cintilar em seu
rosto. Ela morreu assim que saímos do consultório médico.

Tentei conversar com ele sobre isso, mas sempre mudava


de assunto. Não estava mais perto do “coração” e das “veias”
que ele me prometera durante nossa reunião de arranjos.

Quando? Eu sempre me perguntava. Quando ele confiará


em mim o suficiente para compartilhar seus segredos?

O que aconteceu naquela noite na frente de Dolce o


endureceu, e me vi do lado de fora novamente. Ele traçou
uma linha dura sem me dar uma explicação, nos
afastando. Suas demandas por mim também se tornaram
mais difíceis. Os lugares que eu poderia ir eram limitados. Os
Faustis enviaram mais reforços para vigiar nosso lugar. E
Giovanni estava em alerta mais alto o tempo todo, a ponto de
me sentir sufocada.

Não aguentava mais, então decidi ligar para Keely e


perguntar se queria comer alguma coisa. Concordamos em
comer no Macchiavello's. Giovanni considerou seguro, uma
vez que estava listado em sua folha de – lugares permitidos
para ir.

—Vou dirigindo — eu disse a Giovanni. Capo me


surpreendeu com uma Ferrari Portofino vermelha maçã-doce
no Natal. Era automática, então, não teria problemas com as
marchas. Ele me ensinou a dirigir na Itália. Ele até fez uma
piada sobre me manter fora das estradas principais até que
eu fosse um motorista seguro o suficiente para não dirigir um
pobre carro de três rodas na encosta da montanha. Não dirigi
a Ferrari ainda e queria. Parecia o momento perfeito.
Precisava de algum tipo de controle na minha
vida. Precisava... apenas fazer sem ter que obter permissão
de um homem que me fazia lembrar de uma versão italiana
de Shrek. Keely colocou o pensamento na minha cabeça
depois que ela viu Giovanni. Ela queria saber por que recebi o
ogro quando todos os outros tinham deuses italianos para
protegê-los.

Giovanni realmente não se parecia com Shrek. Inclinei


minha cabeça. Muito.

— Hoje não, senhora Macchiavello. — Giovanni pegou as


chaves da minha mão rápido demais para eu puxá-las de
volta. — Ordens de Mac.

Esqueça a aparência. Ele agiu mais como Shrek no


começo do primeiro filme. Em vez de saia do meu pântano!
Foi mais como um: Dê-me essas chaves!

Liguei para o Mac. — Por que não posso dirigir?

Ele suspirou. Impaciente. —– Não é seguro. Vou vê-la


hoje à noite.

Olhei para o meu telefone. Ele desligou. — Uomo


cortese32 — Coloquei minha língua na foto dele na minha
tela. Eu o havia fotografado na Grécia, seus olhos desafiando
a água para quem usava a cor azul melhor.

32
Homem Cortês.
A boca de Giovanni se contraiu. Ele não queria rir
completamente. Chamei o chefe dele de homem rude.

Superamos a maior parte do tráfego e chegamos ao


restaurante ao mesmo tempo em que Keely. Bruno levantou
os olhos de onde estava limpando uma mesa. Seus olhos
voaram de volta para o prato sujo que estava colocando em
uma bandeja quando percebeu que era o inseto, eu.

Fomos levados para a sala privada. O homem que


geralmente esperava Capo, Sylvester, entrou, recebendo
nossos pedidos. Keely e eu comemos o bife. Estava frio e,
além disso, o prato de caranguejo era sazonal. Quando
Sylvester voltou com a bebida de Keely, ela o parou antes que
ele saísse.

— Espere. O que você quer beber, Mari?

Levantei minha água. — Isto.

Os olhos dela se estreitaram. — Você não vai beber um


coquetel? Eles são tão... — Os olhos dela se arregalaram.

Sylvester saiu sem fazer barulho. Tão quieto comparado


ao grito de Keely.

Ela bateu na mesa. — Você está grávida!

Sorri e dei a ela todos os detalhes.

— Serei tia! — Ela ergueu o copo, brindando para mim,


para todas as cadeiras ao longo da mesa, fingindo que havia
pessoas sentadas em cada uma. — Esse bebê vai ser tão
bonito! — Ela tomou um gole de sua bebida. — Por que você
não me contou antes?

Dei de ombros, colocando uma mecha de cabelo atrás da


orelha. — A coisa com Harrison... Não queria que as coisas
ficassem mais estranhas. Estive... ficando longe. Não quero te
perder. E não quero fazê-lo se sentir mal.

Ela me observou por um minuto antes de segurar minha


mão. — As coisas foram diferentes, certo? Tenho lhe dado
tempo. Você também. Mas não importa o que, você é minha
irmã até o fim.

Apertei sua mão e nós duas sorrimos.

Depois que nosso jantar chegou, a conversa fluiu, tão


fácil como sempre foi. Desta vez, porém, nossas vidas
pareciam estar se movendo na direção certa, e foi divertido
conversar sobre todas as coisas positivas em vez de dicas de
sobrevivência. Rimos mais do que nunca.

Fiz perguntas sobre a Broadway. Ela me fez perguntas


sobre Capo e o bebê.

— Ele está animado?

Dei de ombros. — Difícil de dizer. Ele tem trabalhado


muito.

Ela ainda não sabia sobre o nosso acordo, então era


difícil abrir. Não poderia contar a ela uma versão da verdade
sem dar a ela a verdade completa.
— Hmm. — Ela tomou outra bebida. — Você não está
sendo totalmente honesta. Fiquei quieta por tempo
suficiente. Sei que ele te ama, Mari, mas você está
escondendo algo de mim.

Meu garfo bateu no prato com um barulho alto quando


caiu dos meus dedos. — Ele me ama?

Ela jogou a cabeça para trás e riu. — Duh. Você está


brincando. Ele é seu marido. Claro que ele te ama. Pelo
menos, espero que sim. Ou por que ele se casaria com
você? Apenas por seu corpo quente? Você tem um, mas em
Nova York, e com um homem tão bom quanto ele, os corpos
são uma moeda de dez centavos. Tem de ser mais. Atração
animal. O amor verdadeiro. Vejo e sinto os dois.

Eu não queria parecer muito animada, então mantive


meu tom calmo. — Você pode?

— Ações, Mari. Não são palavras. Posso dizer por suas


ações. Vi o olhar no rosto de Capo quando Harrison
confessou seu amor eterno por você na cozinha. O ciúme é
uma vadia má, e ela estava dando um tapa em Capo. Depois
na Itália. A maneira como ele olhava para você quando você
não estava olhando. Quando você andou pelo
corredor? Duvido que mais alguém existisse naquele
momento. Eu poderia dizer que a espera o estava
matando. Um de seus amigos lindos – Rocco? – teve que
colocar a mão em seu ombro para mantê-lo no lugar. — Ela
suspirou. — Sua primeira dança. Do jeito que ele estava
esfregando seus pés sob o caramanchão.

— Você viu isso?


— Sim. Enviei o fotógrafo para tirar uma foto. Eu não
queria que vocês vissem. Foi tão... tocante.

— Essa é uma das minhas fotos favoritas — eu disse.

Ela sorriu para mim. — Nunca te vi tão feliz, Mari. E


honestamente. — Ela olhou em volta. — Sei que não tem
nada a ver com... tudo isso. O dinheiro parece ser a resposta
para tudo quando você não tem nenhum, mas quando você
está com fome de mais, coisas como paixão e amor, até
segurança, você descobre do que estava realmente faminto
quando conseguiu o que nunca sabia que queria ou
necessitava.

Ela estava certa. Não conseguia medir minha fome de


amor e paixão quando ela era ofuscada pela sobrevivência
básica. O medo sugou a vida de tudo.

Medo de estar com muito frio ou muito calor.

Medo de ser atacada nas ruas e não ter ninguém para


protegê-la.

Medo de ficar com tanta fome que você recorria a cavar o


lixo.

Medo de morrer antes de realmente viver.

Tomei um gole da minha água e olhei pela janela. Minha


respiração ficou presa na garganta. Achille Scarpone sentou-
se ao lado do espelho, rindo com um dos rapazes do beco. O
rapaz também tinha uma tatuagem de lobo na mão.
Keely virou-se para ver o que eu estava olhando. — Isso é
meio assustador. — Ela torceu o nariz. — Não é tão ruim
quanto ter um no banheiro ou no vestiário, mas ainda assim,
odiaria se estivesse comendo e alguém que eu não conhecia
estivesse me olhando sem que soubesse.

— Você não odiaria — eu disse. — Você não saberia.

— Você sabe o que quero dizer. — Ela apertou os


olhos. — Capo tem uma tatuagem assim. Eles se
conhecem? O que isso significa?

— Não sei — sussurrei, como se Achille pudesse me


ouvir. — Mas ele não é um amigo.

Um minuto depois, o rapaz apoiou o cotovelo na mesa e


Achille também. O rapaz mais novo levantou-se depois que
eles comeram e saíram da moldura da janela. Talvez ele
tivesse saído? Achille ficou parado, pedindo outra bebida à
garçonete.

Apertei o botão lateral do meu relógio, a tela se


transformando em um teclado com tela de toque e enviei uma
mensagem para Capo. Um dos homens da Itália está
aqui. Sentado do lado de fora da janela do espião. Achille. Eu
esperava ter soletrado o nome dele direito. Isso foi
estranho. A-kill-ee.

Meu relógio acendeu um segundo depois. Fique no nosso


quarto privado. Estou a caminho.

Uma batida veio à porta e olhei para cima. Sylvester. —


Sra. Macchiavello, odeio incomodá-la, mas o detetive Stone
pede uma palavra para você.
Olhei para Sylvester por um momento. Que porra de
tempo. O detetive Stone não era permitido nesta sala. Foi
usado exclusivamente para Capo e seus convidados. Stone
não estava na lista de convidados. E se eu o encontrasse na
frente, Achille poderia me ver e me reconhecer, e então talvez
ele ficasse mais tempo. O pensamento de estar perto dele fez
o bife parecer espasmódico preso na minha garganta.

— Ele pode voltar depois? Estou jantando. — Estava


quase acabando, mas ele não sabia disso. — Ou peça para ele
ligar e marcar uma hora.

— Não. — Sylvester balançou a cabeça. — Ele diz que


precisa falar com você agora. Se você estiver comendo,
esperará até você terminar o jantar.

— Ele que se encontre comigo na cozinha — eu disse.

— Vou indo. — Keely se levantou abruptamente, jogando


a bolsa por cima do ombro. Ela me deu um beijo duro na
cabeça. — Ligue-me amanhã. Iremos fazer compras em breve
para o nosso bebê.

— Keely. — Parei-a. — O que está acontecendo com você


e Stone? É por isso que ele está aqui?

— Nada. Entre nós, quero dizer. Não sei por que ele está
aqui. Se é sobre mim, diga a ele que você não tem ideia do
que está acontecendo.

— Não sei mesmo.

— Você está melhor assim. — Ela me deu um beijo e


depois saiu.
Giovanni me acompanhou até a cozinha, seu aperto mais
forte do que o normal.

— Você acha que vou correr para ele? — Puxei meu


braço para fora de seu aperto.

— Peço desculpas — disse ele. — Detetive Stone quer


falar com você. Sozinha.

— Pelo quê?

Giovanni encolheu os ombros. — Mac não vai gostar


disso.

— Espero que eu possa responder às perguntas dele


antes que Mac chegue aqui. — Entrei na cozinha sozinha. Ele
agitou, e todos os corpos e fogões movimentados fizeram com
que parecesse um grau antes do inferno.

O detetive Stone estava no canto, tentando se afastar, e


quando ele me notou, chamou-me com um dedo.

Antes que eu pudesse chegar até ele, ouvi Bruno


conversando com um dos outros ajudantes de garçom. Ele
estava falando sobre como ele mal podia esperar por alguém
para tirar “Mac”. Ele esperava que Stone fizesse isso.

Bati no ombro dele. Ele congelou. Um ou dois segundos


depois, ele se virou lentamente, de frente para mim.

— Você está demitido — eu disse. — Fofocar sobre os


negócios do meu marido não é tolerado. Você assinou o
contrato quando começou a trabalhar aqui. Pegue sua merda
e vá embora.
— Despedido? — Ele repetiu.

Abri meus olhos, tentando pressionar o ponto. — Você


precisa de um dicionário?

Seu rosto ficou com um tom médio de vermelho. Ele


abriu a boca para dizer algo, mas depois fechou assim que
Stone chegou perto de nós. Bruno se virou e saiu e, depois,
alguns funcionários da cozinha aplaudiram suavemente.

Stone me pegou pelo braço depois do drama da cozinha e


me levou para fora. Protestei, mas não adiantou. Ele disse
que se recusava a falar dentro do restaurante. Por quê? Então
me preocupei com Achille virando a esquina, me vendo. Ele
não poderia me matar na frente de um detetive,
poderia? Acho que depende se Stone estiver no bolso, pensei
cinicamente.

— Você poderia ter me deixado pegar meu casaco! —


Cruzei os braços sobre o peito, tentando afastar o frio. Era
como ir de um lado do inferno para outro no espaço de um
segundo. — Isso é sobre o quê?

— Onde está Keely?

— Não sei. — Dei de ombros. — Se é Keely que você


quer, vá encontrá-la. Está congelando aqui fora!

— O que você sabe sobre Cashel Kelly?

— Além do nome dele? Nada. — Levantei uma mão. —


Verdade.
Ele observou meu rosto por algum sinal de
desonestidade por um minuto. Talvez procurando um
sinal? Coloquei minhas mãos nos bolsos, não querendo
mexer.

— Parece que vocês mantêm muitos segredos uma da


outra. Pensei que fossem amigas.

— Você está certo. Não somos. Nós somos irmãs.

— Bem, isso faz mais sentido. As irmãs nem sempre se


dão tão bem quanto as amigas.

— Esta visita é sobre Keely? – Fumaça saiu da minha


boca.

— Sim e não. — Ele me olhou novamente, desta vez com


as mãos nos quadris. Estava com um casaco. Luvas. Um
chapéu. Talvez tenha pensado que se ele me fizesse me
destacar no frio eu iria quebrar mais cedo. — Vocês sempre
buscam os meninos maus que nunca serão capazes de
mudar?

— Isso parece muita bobagem para mim, detetive Stone.

— Estou um pouco atrasado com os parabéns, senhora


Macchiavello. Ouvi dizer que você se casou com Mac
Macchiavello, um dos homens mais ricos de Nova York. Ele é
um homem cujo rosto raramente é visto. Ele desliza logo
abaixo das linhas.

— Não há necessidade de me desejar bem no meu


casamento. Você mal me conhece. E,
novamente, bobagem. Estou aqui fora, congelando minha
bunda por bobagem.

— O que você sabe sobre a família Scarpone, Sra.


Macchiavello?

— Neste momento? Um deles está sentado dentro do


restaurante. Jantando.

— O nome dele é Achille Scarpone. Ele é o filho mais


novo de Arturo Scarpone.

— Suponho que o outro cara que estava lá com Achille


há alguns minutos atrás seja de Arturo...

— Neto — Stone respondeu por mim. — Achille Scarpone


tem quatro filhos. Bem. Teve. Você se lembra de
Armino Scarpone?

— Sim.

— Ele supostamente está morto. — Ele deixou isso pairar


no ar entre nós.

— Assim…?

— Assim. Parece que desde que você se juntou ao Mac


Macchiavello, todo mundo que a ameaçou de alguma forma
desapareceu.

— Como quem? — Menti.

Ele levantou o dedo indicador. — Quillon


Zamboni. Estrangulado. — Ele levantou o dedo do meio, o
que era adequado para o próximo nome. — Merv
Johnson. Bata além do reconhecimento. — Ele levantou o
dedo anelar. – Armino Scarpone. Ainda desaparecido.

— Deixe-me refrescar sua memória, detetive


Stone. Conheci Armino talvez três vezes. Ele sabia que eu
estava em casa no dia em que matou Sierra. Ele é um
Scarpone. Ele pode não estar morto, se estiver desaparecido –
afinal, matou uma garota e todos os sinais apontam para
ele. Então, o que ele tem a ver comigo?

— Esqueça Armino. E os outros dois?

— Não me associo a Quillon Zamboni.

— Errado. Ele te adotou.

— E isso significa exatamente o quê? Não o vejo há anos.

— Para onde você foi depois de fugir da casa dele,


Mari? O que fez você correr?

— Eu preciso do meu advogado, detetive?

Ele sorriu. — Esta é uma visita privada.

— Então vamos em frente. — Realmente comecei a


tremer. E não era só do frio.

— Arturo Scarpone tem um filho agora, mas ele tinha


dois.

— Nós já passamos por cima

— Você parece saber quem é Achille, mas você conhece o


filho mais velho?
Balancei minha cabeça, segurando meus braços mais
perto do meu peito. — Não tive o prazer.

— Não. — Sua voz era baixa. — Você não faria. Ele


presumivelmente está morto. Vittorio Lupo Scarpone. O caso
nunca foi realmente resolvido. Há rumores de que ele foi
jogado no Hudson, em uma noite como esta, blocos de
cimento ao redor das pernas. Mas ele já estava
morto. Alguém cortou a garganta dele. Há rumores de que o
rei de Nova York – que é Arturo – matou seu próprio filho. E
Achille, o próximo na fila do infame trono de Scarpone, estava
ansioso demais para ver seu irmão mais velho – eles o
chamavam de Príncipe Bonito – morto. Eles chamam Achille
de Joker. Você já ouviu falar de um coringa perdendo a
oportunidade de ser rei? — Ele parou por um segundo. —
Nah, acho que não. Dizem que Arturo matou seu filho porque
ele não matou a filha de um inimigo mortal. Sobrenome
Palermo. Primeiro nome Corrado. Aparentemente, o príncipe
encontrou alguns escrúpulos. Ele era contra matar crianças,
até a criança do inimigo de seu pai. A pequena Marietta
também não foi encontrada. Essa é a filha de Palermo.

— O que o que ele tem a ver comigo? — Meus dentes


começaram a estalar e meus ossos tremeram. De repente,
tantas peças se encaixaram, e fiquei aterrorizada com o fato
de Stone ver a verdade no meu rosto. Fiquei agradecida pela
temperatura ter caído, o vento mais forte e o vestido fino.

Ele encolheu os ombros. — Pensei que você deveria


conhecer o tipo de pessoa que seu marido entretém em seu
local de trabalho.

— Ele também entretém os FF-Faustis.


— Pior ainda. Luca Fausti matou minha tia e seu filho
ainda não nascido. Dirigindo bêbado. Eles, ao contrário do
príncipe, não têm escrúpulos.

— Que tal atores e atrizes? Músicos? Artistas


mundialmente famosos? São mm-melhores?

— Não muito.

— N-não há nn-nenhum ppp lhe agradando. — Dei um


passo mais perto dele. Com o mesmo estalo, perguntei: —
Quem é Cashel Kelly, e por que você se importa se ele está
com Keely ou não?

A princípio, pensei que ele não tivesse entendido minha


pergunta. Meus dentes batiam com tanta força que minha
fala era quase ininteligível. Mas depois de um segundo,
também senti. Outra presença. Vestindo todo preto, parecia
uma parte separada da noite tomando forma, aparecendo
atrás de nós. Os olhos azuis do meu marido pareciam emergir
da escuridão, tornando idêntica à semelhança com o lobo em
sua mão.

Capo deslizou meu casaco por cima dos ombros e depois


me puxou para mais perto, apertado ao seu lado. — Detetive.
— Sua voz saiu rouca. O frio causou estragos com sua
voz. Isso me deu calafrios. — Na próxima vez que você
solicitar falar com minha esposa, ligue primeiro para o nosso
advogado e marque uma consulta. Acredito que você já o
conheceu antes. Rocco Fausti.

Ao aceno de Stone, ele continuou. — Minha esposa foi


atenciosa o suficiente para concordar em falar com você na
cozinha, onde estava quente, mas você a levou para o
frio. Você tem o hábito, detetive, de fazer as mulheres
grávidas saírem em temperaturas negativas sem jaqueta?

— Eu não sabia que ela estava grávida. — A voz de Stone


não conseguiu esconder seu choque – não no comentário da
gravidez, mas em ver o homem parado na frente dele. Os
olhos de Stone viajaram para a garganta de Capo antes de
irem para suas mãos. A gola do casaco ficou acima da
garganta e a mão com a tatuagem estava presa no bolso.

Ele havia escapado da polícia esse tempo todo?

— Mesmo que ela não estivesse — disse Capo, seu tom


agudo, — não aprecio minha esposa estar no frio e você
assediá-la sem motivo.

— Assediar? — O rosto de Stone estragou. — Estávamos


conversando. Essa visita foi pessoal.

— Nesse caso. — Capo passou os dentes pelo lábio


inferior. — Não mais a incomode. Você tem um problema com
a amiga da minha esposa, acerte com ela. Você tem um
problema com a amiga da minha esposa sendo conectada a
Cash Kelly, você acerte isso com ela. Ou ele. Nada desse
absurdo chega perto da minha esposa novamente. Estamos
entendidos?

Um apito baixo soou no ar. No começo, pensei que era o


vento. Então percebi que era uma pessoa. Virei-me para
olhar, mas Capo me manteve firmemente no lugar.

— Deeee-tect-ive Stone! É você? Deveríamos ter uma


conversa fora da delegacia pela primeira vez. Inferno, eu até
te compro uma bebida. Você tem que ser humano sob esse
traje barato, certo? — Sua risada gutural ecoou.

A voz familiar fez o frio parecer ainda mais


frio. Achille. Capo me apertou com mais força. Ele olhou para
mim uma vez e depois encontrou os olhos de Stone. Stone
não parecia saber onde procurar por mais tempo. No Capo ou
no Achille, que se aproximou de nós.

— Parece que nosso negócio está feito aqui. — Stone


acenou para mim uma vez e depois seguiu na direção de
Achille.

Capo me direcionou de volta para a cozinha, quase me


empurrando pela porta para me levar de volta para dentro,
antes que seu irmão nos visse.

Capo não tinha dito uma palavra para mim no caminho


de volta para o quartel. Pensei que era o melhor. Nós dois
tínhamos pensamentos demais para oferecer uma conversa
normal. Se ele me perguntasse se eu estava com fome,
provavelmente diria: — Você é um Scarpone? Você está
brincando comigo?

Eu sabia que ele corria com eles, talvez fosse um dos


homens deles ao mesmo tempo, mas ele era um deles. O filho
do rei de Nova York!
Depois, houve outros problemas. O primeiro seria – você
matou meus pais. A segunda – se seu pai era o rei de Nova
York, seu irmão, o Joker, e meu marido, o príncipe, o que
isso significava para o nosso futuro? Para este bebê? A
terceira, e provavelmente não a última – aos olhos do mundo,
meu marido estava morto, um fantasma fodido vestindo
roupas masculinas caras.

Não admira que Capo tenha se recusado a me dar o


coração e as veias, como ele as chamara, na reunião. O
coração que ele ia me oferecer não tinha batimentos, nem
fluxo sanguíneo, porque, novamente, estava morto.

O homem andando ao meu lado em nossa casa não


deveria estar usando as pernas. Ele deveria estar submerso
embaixo do rio Hudson, com pesos de cimento presos aos
tornozelos, afogado há muito tempo. Quando eu tinha cinco
anos de idade. Depois que ele salvou minha vida. Sua
faminta família sanguinária havia cortado sua garganta
porque ele não tinha me matado.

Quem contou sobre ele?

Foi o irmão dele?

Aquele bastardo parecia o Joker. Ele não se parecia em


nada com meu marido, o homem que Stone chamou de
Vittorio, o príncipe bonito.

E Arturo? Que maldito rei ele era. Matar seu próprio


filho? E isso selvagemente? Alguém precisava
tirar a cabeça dele.
Espere, Mari. Parei os pensamentos antes que eles se
empolgassem. Por que estava ficando tão chateada com o que
eles fizeram com ele quando deveria estar chateada com o
que ele fez comigo? O mínimo que poderia ter feito foi me
dizer quem era desde o início. Disse-me quem eu era, o que
havia feito, mas deixara de fora uma parte vital da conversa.

Ele matou meus pais antes de me salvar.

Não havia entrado enquanto alguém daquela família


cruel cuidava dos meus pais, ele fez isso e depois mudou meu
nome, meu endereço e me deu novas pessoas para cuidar de
mim. Basicamente me limpou.

Por que não me contou?

Se tinha algo a ver comigo aceitando sua oferta... Por que


importa se ele se casou comigo ou não? Sierra ou eu, outro
daqueles rostos do The Club, só queria uma mulher faminta,
uma mulher que não mordesse a mão que a alimentava. Por
uma bolsa Gucci, Sierra teria cuspido no rosto de Stone.

Por que ele não me soltou depois que percebeu que era eu?

Por que ele está jogando esses jogos comigo?

— Vou tomar um banho — eu disse, deixando-o em


nosso quarto. — Ainda estou com frio.

Ele estava na entrada do banheiro, encostado na


moldura. — Você me desobedeceu, Mariposa.

Parei, de costas para ele, mas pude vê-lo através dos


espelhos. — Como?
— Você deixou a sala privada no restaurante quando
disse para você ficar lá.

— Não contei nada a Stone!

— Você não fez. — Ele passou os dentes pelo lábio


inferior. — Ainda. Não é o ponto, porra.

Se ele queria brigar, estava latindo na árvore errada. Ele


queria um lobo – ele estava prestes a conseguir um para
ele. — Qual é o ponto? — Eu disse entre dentes.

— Preciso te manter segura. Você é minha esposa. A mãe


do meu filho.

Isso me chocou. O tom dele. Era mais suave, mas ainda


áspero. Minha raiva fervia um pouco, o que me daria tempo
para descobrir o que precisava antes de confrontá-lo. Queria
todos os fatos antes de entrar em guerra. Sabia que depois de
conversar com Stone, não estava lidando com um homem
comum. Este homem viveu metade da vida como um
fantasma. Em homenagem a quê? Vingança?

— Estarei no escritório.

Quando me virei, ele se foi.

Devo ter tomado o banho mais rápido da minha história


no quartel de bombeiros secreto. Tentei agir com indiferença
enquanto secava meu cabelo e depois me preparava para
dormir. Coloquei o pijama mais grosso do meu armário, ainda
sentindo o frio de antes e as meias ainda mais
grossas. Deslizei na cama, apoiei meus travesseiros na
cabeceira da cama e, em seguida, peguei meu laptop da mesa
lateral.

A última página em que estive foi em um site para salvar


ideias. Estava pensando no quarto do bebê. Mas nada
comparado às pequenas figuras francesas que tinha visto na
janela naquela noite. Queria voltar e pegá-los, mas estava
hesitante. Dolce parecia um ponto de encontro principal para
os Scarpones. Talvez pedisse para Keely aparecer e pegar o
nome da loja. Poderia ligar para eles, comprar as figuras por
telefone e entregá-las.

Abaixando a página, abri uma pesquisa totalmente


nova. Digitei quatro palavras: Scarpones of New York.

Milhares de resultados apareceram na página.

— Muitos. — Suspirei. Li os primeiros dois artigos, no


entanto. Cruel. Matilha de lobos. Destreza. Escaladores
sociais. Esses foram os adjetivos mais importantes
usados. Encontrei algumas fotos de Arturo e Achille. Funções
sofisticadas. Jantares políticos. Apertando as mãos. Tudo
sorrindo. Havia uma foto com Arturo e sua atual esposa,
Bambi, que era mãe de Achille. Achille era a mistura perfeita
dos dois. Meu marido parecia mais o lado de sua mãe na
família.

Cliquei então. Por isso o chamavam de Príncipe Bonito.

Em uma casa cheia de selvagens, ele se destacou.

Rolei um pouco mais, mas apenas negociações criminais


– suspeitas – surgiu. Coisas pelas quais os Scarpones haviam
sido questionados, mas nunca indiciados. Dessa vez, reduzi
minha pesquisa.

Vittorio Lupo Scarpone

— Não pode ser — murmurei, estreitando os olhos contra


o brilho da tela. Havia apenas três artigos que o
mencionavam. O primeiro tinha a foto de uma mulher bonita
sorrindo enquanto descia a rua. Poderia dizer que era algum
lugar em Nova York. Poderia dizer que ela estava indo a
algum lugar, tentando se afastar das câmeras, mas ainda
sorrindo, mostrando seu melhor lado. Se o outro lado era tão
perfeito quanto o que ela compartilhava, não tinha falhas.

Dois reinos se reúnem para formar uma família poderosa

O ‘príncipe’ de Nova York deve se casar com uma das


melhores dinastias políticas de Nova York.

Vittorio Lupo Scarpone, filho de Arturo Scarpone e a


falecida Noemi Scarpone, e Angelina Zamboni, filha de Ângelo
e Carmella Zamboni, se casarão na Catedral de St. Patrick,
seguida de uma recepção temática do país das maravilhas do
inverno na propriedade dos pais da noiva no norte do estado
de Nova York.

— Filho da puta — sussurrei. Quillon estava relacionado


a Angelina? Eles tinham o mesmo sobrenome, e quando eu a
olhei um pouco mais, havia algo lá. Não é imediato, mas algo
sobre a maneira como eles sorriram. Nada mais, porém, os
conectava. Ela tinha um rosto esbelto. Pele
bronzeada. Cabelo loiro comprido e escuro. Olhos
escuros. Alta. Parecia muito alta. E o nariz dela era...
perfeição, junto com os lábios. A princesa italiana do
deslumbrante príncipe italiano.

Peguei uma página separada, digitando o nome


dela. Muito poucos resultados apareceram. Quillon era seu
irmão. O restante dos artigos se concentrou em seu
assassinato.

O assassinato dela.

Homens, mais de um, a atacaram no beco ao lado de


Dolce, o restaurante que me deu arrepios. Especulou-se que
Vittorio caiu lutando por Angelina antes que os homens a
estuprassem e depois colocassem uma bala em seu
cérebro. Ela havia sofrido uma morte terrível, afirmava o
artigo. Também estava grávida no momento de sua morte.

Tive que fechar o computador por um segundo, respirar


fundo. Então abri novamente quando senti que podia respirar
normalmente.

O sangue de Vittorio estava por toda a cena, o suficiente


para suspeitar que ele foi brutalmente esfaqueado e então
seu corpo despejado na água em algum lugar. Eles não o
encontraram.

— Claro que não, — disse para a tela. — Ele está sentado


na sala ao lado. Encontrei-o.

Não suportava ler mais detalhes sobre o assassinato de


Angelina ou continuar vendo fotos dela, então voltei para
minha outra pesquisa sobre Vittorio.
O segundo artigo continuava sobre o casamento, os
convidados da lista A que deveriam comparecer, quanto
custaria o casamento do ano. Fechei a página também. Não
pude ler um artigo sobre o casamento depois de imaginar a
terrível morte deles.

O terceiro e último artigo deu detalhes sobre a morte de


Vittorio. No entanto, era tudo especulação. Ninguém
realmente sabia o que tinha acontecido com ele, mas podia
dizer que o artigo sugeria seu pai e irmão, mas o escritor
estava com muito medo de dizer diretamente.

Vittorio Lupo Scarpone havia se tornado uma lenda


urbana, em certo sentido. O artigo afirmava que algumas
pessoas não pensavam que estava morto. Eles pensaram que,
após sua tentativa de assassinato, pegou dinheiro escondido
e morou em uma ilha particular em algum lugar, para
escapar das garras do mal de sua família.

Como 2Pac33. Ou melhor ainda, Niccolò Machiavellian. A


raiz da teoria 2Pac. Até Elvis. Todos esses – ele está ou não
está morto? – manchetes de revistas.

— Foda-se — eu disse.

Fiquei ali por um minuto, mordendo meu lábio, até tirar


meu rosário. Acomodei-me um pouco depois de esfregar as
pérolas, mas não totalmente. Minha ansiedade aumentou

33
Tupac, rapper americano que foi assassinado em 1996, porém especula-se que ele
forjou a própria morte.
ainda mais depois que procurei Noemi Ranieri Scarpone. Ela
era ainda mais bonita que Angelina. Cabelo preto. Olhos
azuis. Pele bronzeada. Fina. Grande sorriso. O primeiro artigo
falou sobre ela se matando. Dizia-se que tinha uma longa
história com um distúrbio mental.

Rolei um pouco para baixo, familiarizada com a história,


mas o que não sabia era que ela havia deixado um bilhete
para Vittorio.

O artigo afirmava que ninguém nunca tinha visto a nota,


mas havia rumores de que ela dizia: case por lealdade, não
por amor. O amor mata a alma mais rapidamente do que uma
adaga afiada no coração.

Mesmo que isso não me fizesse sentir melhor, se Noemi


tivesse deixado isso para trás, isso explicava muito a aversão
de meu marido ao amor.

— Procurando por algo?

Fiz um ahh! Pulando de susto, e o computador voou,


meus joelhos decolaram. Nós dois lutamos para chegar ao
computador ao mesmo tempo, mas ele foi mais rápido. Não
importava de qualquer maneira; teríamos que conversar mais
cedo ou mais tarde.

Pensei que iria ver o que eu estava olhando, mas, em vez


disso, ele me entregou o computador. Então, sentou-se na
cama, de costas para mim. Em vez do computador, peguei o
rosário, esfregando-o entre os dedos.

Tempo. Passou tanto tempo – dez minutos? O que


pareceu uma vida inteira para mim. Finalmente, não
aguentava mais a tensão. — Por que você não me disse quem
você é, Vittorio?

— Dei-te permissão para me chamar de qualquer nome


que você quiser. Você até me nomeou. Capo. Mas esse
nome... esse está fora dos limites. Pertence a outra pessoa.

— Um fantasma — eu disse.

— Um fantasma.

— Você matou meus pais — sussurrei.

— Não havia outra escolha. — Ele suspirou. — Não me


importei de matar seu pai, mas não queria tirar sua mãe de
você. Ela era uma boa mulher, mas se casou com o tipo
errado de homem. Ela sabia que eu precisava. Ela me
implorou. Se eu não a matasse, lhe desse uma morte fácil,
Achille teria sido enviado em meu lugar. Ele é estúpido em
alguns aspectos, mas quando se trata de localizar alguém, é
implacável. A teria cheirado eventualmente. Muitas pessoas
conheciam o rosto dela. Mesmo na Itália, a teriam
encontrado. Eles têm conexões lá também. Nesse ponto, seus
pais tinham pouco dinheiro. Estavam escondidos de Arturo
por um tempo. O que fiz com ela foi uma misericórdia em
comparação com o que Achille teria feito. A única coisa
melhor para Achille seria fazer seu pai assistir enquanto o
fazia.

— Ele nunca me encontrou. — Apertei o rosário,


esperando que não saísse da tensão.

— Há uma pessoa que é melhor em rastrear do que


ele. Melhor de esconder também.
— Você.

— Eu tinha certeza que eles não te encontrariam. Eles


não fizeram. Até renomeei você no banco de dados de sangue.

— Como? Como eles souberam que você me deixou ir?

— Um homem jogando os dois lados do jogo estava


escondido no lugar dos seus pais naquela noite. Ele estava
recebendo informações do seu pai e depois as entregava ao
Arturo. Se Arturo parecesse preocupado com algo, ou ficando
mais fraco, o rato diria ao seu pai. Ele não sabia em quem
apostar. Você foi uma circunstância imprevista pela qual não
pude negociar. Deveria ter verificado o local duas vezes, mas
não o fiz. Queria te tirar de lá. O rato veio até mim no dia
seguinte, me dizendo o que ele havia feito – ele disse a Arturo
que eu não te matei, que te escondi. Matei-o depois, mas já
era tarde demais. Ele já havia contado para Arturo e Achille.

— Seu pai mandou te matar porque deixou uma criança


inocente ir?

— Sim e não. — Ele se sentou um pouco à frente,


pressionando as palmas das mãos. — Sim. Nesse mundo,
você não deixa vivo nenhum membro de uma família
rival. Por exemplo, se você descobrisse mais tarde o que fiz
aos seus pais, talvez quisesse vingar-se. Se você não existe
mais, isso está resolvido. O sim também inclui desobedecer a
suas ordens. Fui instruído a fazer seu pai assistir enquanto
eu matava você e sua mãe na frente dele. Arturo queria que
ele sofresse por desafiá-lo, por tentar cortar sua
garganta. Seu pai teve a mesma veia implacável sobre ele. Ele
estava com fome de liderar e com sede de sangue. Ele queria
o lugar de Arturo naquele mundo. Se eu não tivesse matado
Palermo, mesmo sabendo que você e sua mãe estavam em
perigo, teria ido atrás de Arturo novamente.

— Por que mais? — Eu disse quando ele parou de


falar. — Você disse que sim e não. Você me deu o sim.

— Foi apenas uma questão de tempo até que fiz algo


para me executar. Achille queria o trono para si. Uma e outra
vez, me provei tão cruel quanto ele, ainda mais inteligente, e
ele não suportava. Não importa o que fiz, ele correu de volta e
contou a Arturo como de alguma forma estraguei tudo. Eu
era 'bonito demais para governar'. ‘Ninguém me levaria a
sério’. Arturo me deu uma saída e me recusei a aceitá-la. Até
disse a ele que desafiaria o Achille a uma luta, se é isso que
precisava. Ele me disse que não havia necessidade de
combater Achille. Eu governava ao lado do rei, e depois que
ele fosse velho demais para governar, o reino era meu. Então
uma noite estávamos em uma festa. Todas essas figuras
políticas poderosas estavam lá. Arturo tinha saído para pegar
esse cara no bolso, mas nunca conseguiu. Arturo viu nós dois
conversando e se aproximou. O Político disse a Arturo que
queria que alguém como eu trabalhasse para ele. Eu era
esperto. Tive um plano. “Tão charmoso quanto eles vêm”.
Depois disso... — Ele fez uma pausa, esticando os ombros,
como se o terno feito sob medida tivesse ficado muito
apertado de repente. — Notei uma diferença nele. Falou mais
comigo e deu a Achille mais o que fazer. E quando Achille
reclamou de mim, o príncipe bonito que conseguiu tudo o que
queria, Arturo comeu. Ele estava faminto por isso. Ele estava
preocupado que uma vez que eu me casasse com Angelina
Zamboni, um acordo que fizesse, assumiria o seu reino sem
que ele o entregasse para mim. Angelina poderia encantar um
vagabundo em seu último centavo, se ela quisesse. Ela tinha
grandes expectativas por sua vida, por seu marido.
Para o marido dela. O homem sentado ao meu
lado. Meu marido — Por que eles a mataram? — Perguntei
suavemente.

— Punição. Eles fizeram a ela o que fui enviado para


fazer com sua mãe e você. Matar-te na frente do seu pai. Mas
o destino de Angelina foi pior. Eles não apenas a
mataram. Eles a violaram por todos os lados até que a
rasgaram em duas. Não consegui parar. Havia muitos deles e
apenas um de mim. O homem que eles enviaram para cortar
minha garganta já havia começado a cortar – às vezes os
momentos são um borrão. Outras vezes, ainda sinto o cheiro
do sangue.

— Isso é... — Eu nem tinha palavras.

— Eles provavelmente a estuprariam e a soltariam, se


fosse só eu que eles pretendessem punir. Mas ela estava
fodendo Achille e eu ao mesmo tempo. Ela me disse que
estava grávida na noite em que aconteceu. Ele admitiu, pouco
antes de nos deixar para sermos abatidos, que ela estava
dizendo coisas sobre mim. A lealdade é valorizada nesse
mundo, Mariposa. Valorizada acima de qualquer outra coisa,
até dinheiro e ouro. Achille matou a mulher que estava
grávida de seu filho porque ela me enganou. O homem que ele
estava prestes a enviar para o túmulo porque ameaçou levar
tudo o que queria.

— O bebê não era seu — respirei.

— Não. Era dele.

Clique. Clique. Clique. As peças começaram a se encaixar.


— Aconteceu o mesmo fora de Dolce. — Mordi meu lábio
com força. — E ela disse que estava grávida no caminho.

— Logo após um show da Broadway — disse ele.

— Ela armou pra você.

— Os zambonis entraram na história como


traidores. Nenhum deles jamais foi verdadeiramente
fiel. Todos eles estavam acima do resto, não importa o
custo. Coisas brilhantes. Eles adoravam coisas brilhantes
para colecionar. Se você tivesse pesquisado um pouco mais,
descobriria que a maioria das pessoas os apelidou de família
de Judas.

— Você estava controlando os resultados das minhas


pesquisas.

— Eu controlo tudo — disse ele.

É por isso que não há fotos dele. Ele derrubou todas.

Nós dois ficamos calados, mas uma queimação dentro de


mim se recusou a me permitir ficar quieta.

— Você a amou?

Levou um momento. — Quem?

— Angelina — eu disse. — Sua noiva.

Ele sorriu e isso me deu calafrios. — Não. Foi um


casamento arranjado. O amor mata a alma mais rapidamente
do que uma adaga afiada no coração.
Fechei meus olhos, odiando que as lágrimas estivessem
nas bordas, obscurecendo meu mundo. Eu não sabia como
me sentir sobre tudo isso. Levantei-me suavemente da cama,
com medo de que, se fizesse movimentos bruscos, isso
perturbaria alguma coisa. Ele. E toda a luta tinha sumido de
mim. Eu precisava de tempo para pensar, para processar
tudo isso.

Fiquei na porta e ele inclinou a cabeça para o lado, me


observando.

— Por que você não foi honesto comigo antes? Por que
você não me disse desde o início que matou meus pais? Você
não me deu escolha! Eu não tinha ideia... Pensei que você
talvez tivesse fugido com a família Scarpone. Eu não tinha
ideia de que você era um deles. O filho do rei. O príncipe dele.

Ele estava em mim em um minuto. Tentei me afastar,


mas não consegui. A parede pressionou contra minhas costas
e fui forçada a olhar em seus olhos frios.

— Deixei passar quando você me chamou de


Vittorio. Também deixarei esse último comentário desta vez,
já que você não faz ideia do que está falando. Não sou filho
dele. Não sou seu príncipe. Quando você me chama de filho
do rei. Quando você me chama de príncipe dele. Quando você
me chama de Vittorio. Quando você me chama de qualquer
coisa que tenha a ver com essa vida, está falando as palavras
mais feias de todas para mim.

De repente, uma brasa pareceu explodir em chamas do


nada. A última luta que tive em mim. — As palavras mais
feias? Não, não penso assim. Você quer ouvir três palavras
feias, meu marido? Palavras que são mais desagradáveis e
mais distorcidas do que todas aquelas que você juntou? Eu te
amo, e não há nada que você possa fazer sobre isso. E o que
é ainda melhor, eu não quero! Não quero te amar, mas
amo! Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo! Você me machucou
com esse... amor! Aquela adaga? Você colocou bem no meu
coração. Você me fez apaixonar por você antes de ser sincero
comigo... antes de usar a adaga em mim.

Sem pegar nenhuma das minhas coisas, fui para o


quarto de hóspedes, o quarto que planejava decorar para o
bebê. Meu marido me seguiu, nenhuma expressão que eu
pudesse entender em seu rosto. Mas não queria ver o rosto
dele. Não queria nada com ele.

Ele matou meus pais.

Ele me salvou e depois me escondeu.

E os Scarpones o mataram por isso. O fez assistir coisas


terríveis. Eles iam jogá-lo no Hudson depois que sangrou no
cimento em frente a um monte de lixeiras. O príncipe com
sangue Scarpone correndo em suas veias. Sangue que lhes
pertencia.

Então, o encontrei anos depois.

Então, salvou-me, novamente, de um destino que ele me


colocou no caminho. Seu pai e o meu também são culpados.

Então, no meio de toda essa loucura, de alguma forma,


me apaixonei. Tão profundamente apaixonada que não podia
mais dizer a diferença entre paixão e raiva. Queria lhe dar um
tapa e beijá-lo, tudo ao mesmo tempo.
Dar um tapa por não me dizer.

Beija-lo por me salvar. Por sofrer por mim. Por tudo o


que passou em minha homenagem.

Casar-se por lealdade, não por amor. O amor mata a alma


mais rapidamente do que uma adaga afiada no coração.

Ele levou um punhal na garganta. Por mim.

Levei uma no coração. Por ele.

Toquei minha barriga. Sempre estaria conectada a ele, a


prova de seu voto de sangue ocupando espaço no meu ventre.

Nós dois tivemos que sangrar por isso.

Perguntei-me se amanhã nosso acordo seria nulo devido


ao... amor. Uma arma contra a qual ele não tinha defesa.

Isso não importava. Nada importava. Depois que ele me


jogou naquela rocha metafórica, fiquei à deriva.

Bati a porta na cara dele antes de deslizar na cama e me


esconder na escuridão.

Uma semana se passou. Não tínhamos conversado. Não


tínhamos nos tocado. Nem sequer nos olhamos.
De manhã, costumava preparar o café da manhã para ele
antes de sair para o trabalho. Estávamos em contato durante
o dia. Faríamos planos para o jantar. Às vezes ele até me
mandava uma piada suja. Não houve uma noite desde o
nosso casamento, ou dia, por falar nisso, que não fizemos
sexo. Eu não tinha passado nem um dia sem vê-lo. Quando
ele trabalhava demais, sentia a ausência da pessoa mais
importante para mim.

Lutei com a sua falta e não querendo nada com


ele. Quando eu sentia o cheiro do café na cozinha depois de
acordar, ou a colônia no banheiro, ou via uma de suas
camisas no cesto, isso me fazia querer queimar tudo, mas ao
mesmo tempo, saborear cada perfume, cada toque.

O amor não te deixa doente, como as pessoas


afirmam. Ele entra silenciosamente, pedaço por pedaço,
causando cortes que talvez nunca se curem. Noemi estava
certa sobre uma coisa: o amor não é uma doença. O amor é
uma adaga.

No sétimo dia de silêncio, recebi um visitante inesperado.

Tio Tito.

Ele me abraçou com força antes de dar um tapinha na


minha barriga. — Como está o nosso garoto?

Dei um tapinha no mesmo local. — O Dr. disse que tudo


parece bem. Ele ainda está parecendo um garotinho.

Tio Tito riu disso. Ele me entregou um pedaço do que


parecia pão. — Scarlett queria que eu trouxesse isso. Você se
importaria de tomar um café para que possamos desfrutar? O
bebê vai gostar dos mirtilos, tenho certeza.

Depois de servir uma xícara de café para ele, cortei uma


fatia do bolo para cada um e comemos em silêncio. De vez em
quando, ele tomava um gole de café. Em um gole, meus olhos
se levantaram para encontrar os dele, e a bondade neles
quase me derrubou da cadeira. Acontecia nos momentos
mais inesperados.

— Eu sei — eu disse. — Você foi o homem que salvou...


meu marido. — Era difícil para mim o chamar de qualquer
coisa, menos marido. Os outros nomes pareciam errados e,
quando pensei no nome que ele recebeu no
nascimento, Vittorio, isso me fez pensar em falar sobre um
homem morto.

Ele deu um tapinha na minha mão. — Um tempo


diferente. Um lugar diferente. Só sou grato por estar lá por
ele.

O silêncio veio entre nós novamente. Eu não sabia o que


dizer. Ainda não havia decidido por um sentimento. A
lealdade me manteve enraizada. O amor estava me matando
porque lhe dava o poder de enfiar a adaga ainda mais. Seus
segredos eram as dicas venenosas.

Quando ergui os olhos, tio Tito estava me observando de


novo. — Ele me enviou aqui.

— Quem?

— Seu marido. Ele não tem certeza.


— Isso é novo para ele, certo?

— Certo. — Ele assentiu. — Na minha humilde opinião,


pode fazer bem ao coração sentir coisas que nunca sentiu
antes. Ele está sentindo tudo agora, não apenas existindo por
vingança.

— Discordo do coração. Às vezes, quando o coração sente


coisas que nunca sentiu antes, dói. Muito mal.

— Ainda bem que o coração tem a incrível capacidade de


se curar depois de um tempo, quando se trata de coisas
assim, ah? — Tio Tito tomou um gole de café e depois largou
a xícara. — Tudo o que Amadeo fez, farfalla, fez por
você. Você entende isso, não é? Você mostrou a ele algo que
não via há muito tempo. Tanta inocência... uma inocência
que ele não via desde a mãe.

— Por que... — Meu joelho balançou debaixo da mesa. —


Por que ele não me contou? Quem ele era? O que ele fez?

Ele sorriu, mas fez a bondade em seus olhos se


transformar em tristeza. — Ele também não tinha certeza.

— Não tinha certeza do quê?

Ele pegou nossos pratos e os colocou na pia. — Talvez


com o tempo você entenda. Não é o meu lugar para dizer. As
palavras devem ser compartilhadas entre marido e
mulher. Se você gostaria de saber, fale com seu marido. Abra
as linhas de comunicação. — Ele respirou fundo. — Você fala
do coração. O coração não pode bater sem um fluxo
aberto. Se tiver coágulos. — Ele encolheu os ombros. — Ele
vai morrer. Pense em um casamento nesses mesmos termos.
O bom médico ficou comigo por mais uma hora e, depois
de compartilharmos fofocas familiares normais, do lado de
Noemi, ele beijou minha cabeça com firmeza e saiu.

Depois que ele saiu, a casa parecia muito quieta. Tudo o


que fiz foi mexer nos mesmos problemas repetidamente, meu
cérebro começando a entrar em curto-circuito, meu coração
sangrando ou talvez recuando. Tio Tito havia me dado mais a
considerar, o que fez minha necessidade de sair mais forte.

Giovanni teria que concordar com meu marido antes que


quaisquer planos fossem feitos. Eu sabia que meu marido me
faria levar Giovanni se eu saísse de casa.

Eu precisava ficar longe de tudo relacionado a ele.

Talvez sem sua influência, pudesse pensar claramente, e


se as coisas não fossem tão ruins quanto pareciam, talvez
meu coração pudesse começar a curar. Ou talvez se livrar do
coágulo, como dissera o tio Tito.

Liguei para Keely e disse a ela para me encontrar em


nossa casa em trinta minutos. Poderíamos comer pouco do
bolo que Scarlett enviou com o tio Tito.

Veja bem, descobri algumas coisas depois que me mudei.

Meu marido realmente sabia tudo, mas o relógio era uma


maneira de ele acompanhar meus movimentos. Giovanni
também, uma vez que atravessei para o outro lado da
casa. Eu sempre descia do quarto, então ele não tinha ideia
do quartel secreto.
Pouco antes dos trinta minutos, pedi a Giovanni que
procurasse um par de botas no meu armário. Disse a ele que
minhas pernas estavam doendo. Mentira. Ele me lançou um
olhar desconfiado, mas fez o que pedi. Nunca pedi para ele
fazer algo por mim antes. Liguei rapidamente para a sala de
controle e disse-lhes para verificar as câmeras nos fundos da
casa. Parecia que dois homens estavam brigando na rua.

Deixando meu relógio no balcão da cozinha, saí pela


porta da frente, usando as mãos fiz sinal para
Keely para não sair do carro. Ela entendeu imediatamente e
ligou o carro antes que eu estivesse nele. Ela saiu assim que
entrei e tive que bater à porta enquanto queimamos
borracha.

— Ok. — Ela olhou para o espelho retrovisor,


certificando-se de que não estávamos sendo seguidas. — Por
que estamos fugindo da sua casa?

— Preciso de um tempo. Hoje não sinto vontade de estar


rodeada de homens.

— Ooh. A lua de mel acabou. Que os jogos comecem!

— Não é um jogo, Keely. É casamento. — Acenei com a


mão. — Acabamos de brigar.

— Sobre que tipo de fraldas usar?

Somente se nossos problemas fossem domesticados, eu


poderia dar a ela toda a verdade, tão básico. Teria que fazer
algo parecido.

— Responda a uma pergunta. Nós o odiamos ou não?


— Não. — Minha resposta veio rápida. Como eu poderia
odiá-lo depois que ele sacrificou sua vida pela minha? Mas
como não poderia ficar com raiva dele por não me contar a
verdade completa imediatamente? Tendo o suficiente dos
meus problemas, virei-me para encará-la. — Quem é Cashel
Kelly?

O carro desviou e olhei para o espelho, me perguntando


se um dos caras tinha nos alcançado. Tudo parecia claro,
mas eles eram sorrateiros. Esperava que eles agissem como
policiais e nos puxassem a qualquer momento.

— Cash — disse ela baixinho. — Quase todo mundo o


chama de Cash. E Stone falou sobre ele?

— Não exatamente. Ele estava pescando informações na


noite em que jantamos.

Ela assentiu. — O que você disse para ele?

— O que eu poderia dizer a ele, Kee? Não tenho ideia do


que está acontecendo!

— Cash Kelly é o novo chefe de Harrison.

Esperei alguns minutos. — E…?

— Ele não é tudo o que parece ser.

— Essa parece ser uma tendência


ultimamente. Continue.

Ela se virou para mim e estreitou os olhos. —


Espere. Onde estamos indo?
Contei a ela sobre as pequenas figuras que pesquisei
para o quarto do bebê, mas perguntei se ela poderia
simplesmente passar, para que eu pudesse obter o nome da
loja. Ela concordou e fez um desvio, indo na direção certa.

— Você está apaixonada por Cash, Kee?

Ela jogou a cabeça para trás e explodiu em


gargalhadas. — Se Nova York fosse uma floresta de cimento
selvagem, eu seria o arqueiro e ele seria meu alvo.

— Não gosto da imagem que você pintou na minha


mente. Continuo o vendo fugindo de você, um alvo nas costas
dele.

Ela sorriu. — Não devemos mais falar sobre isso. O


bebê. Vamos conversar sobre o bebê. Conte-me mais sobre
essas figuras e o tema que você procura.

Mesmo que eu quisesse questioná-la por seu comentário


estranho, contei a ela sobre as figuras e o quão fofas
eram. Quando ela encontrou uma vaga de estacionamento
não muito longe da loja, bem na frente de Dolce, balancei
minha cabeça. — Só preciso do nome, Kee! Vamos lá. Iremos
às compras em outro lugar.

— Por que seu rosto está pálido? Você tem suor nos
lábios e está mais fria que o olho de um urso polar do lado de
fora. Aconteceu alguma coisa com você aqui?

Mordi meu lábio, mexendo na minha bolsa. — Sim. Comi


um parmigiana de vitela ruim. Simplesmente horrível.
— Mentirosa. — Ela apertou minha mão. — Você fica
aí. Mantenha as portas trancadas. Vou apenas correr e ver se
eles ainda estão lá. Obviamente, significam muito para você.

Antes que pudesse detê-la, ela estava fora do carro,


correndo para chegar à pequena loja.

— Merda, merda, merda, — cantei. Eu estava no coração


do território Scarpone. Dolce. O nome quase me fez querer
vomitar. Não havia nada doce naquele restaurante ou o que
havia acontecido do lado de fora de suas portas. Gostaria de
saber quantas pessoas foram assassinadas naquele beco. Se
a família Scarpone possuía, não havia como dizer. Minhas
pernas balançavam para cima e para baixo. Puxei meu
rosário, manuseando as contas novamente. Desta vez, fiquei
pensando, por favor, deixe-a se apressar.

Quando olhei para cima, vi quatro homens saindo do


restaurante. Achille. Arturo. Um de seus netos,
pensei, aquele que se parecia com Armino. E, talvez, o cara
que Achille chamou de Bobby.

Todos pareciam cachorros grandes, com seus casacos e


ternos caros, três dos quatro fumando, e todos eles usavam a
mesma aparência de “eu possuo esse maldito lugar”. As
tatuagens de lobo apenas aumentavam seus fatores
assustadores.

Keely desceu a rua ao mesmo tempo em que


caminharam em sua direção.

Achille parou, observando-a passar. Era difícil não a


notar. Ela era uma chama brilhante na escuridão
completa. Seu cabelo era encaracolado, selvagem e vermelho
flamejante, e ela o puxou para os lados, fazendo-a parecer
muito mais alta do que era. Atraído por ela, talvez por estar
com tanto frio, ele a observou caminhar até o carro, onde me
notou sentada ao lado dela. Seus olhos se estreitaram e ele
deu um passo mais perto. Ele assobiou e seu filho e Bobby
ficaram ao lado dele. Ele cutucou Bobby nas costelas.

— Keely. — Minha voz saiu tão baixa que me fiz falar


mais alto. — Tire-nos daqui!

— Você os conhece? — Ela estreitou os olhos na direção


deles, enquanto ligava o carro.

— Porra, vá! — Gritei.

— Tudo certo! Tudo certo! — Ela desviou para o trânsito,


mal escapando de um táxi. Ele atirou o dedo para nós
enquanto passava zunindo. Então ficou na nossa frente e
continuou pisando no freio. — Eram os Scarpones?

— Como você sabe disso?

— Idiota! — Ela deitou a mão na buzina, dando-lhe o


dedo quando ela lhe passou. Então, fez a mesma coisa com
ele. Cortou-o e depois começou a pisar nos freios dela. — Eu
ouvi coisas. Fiquei curiosa e procurei on-line. Não achei nada
muito suculento, mas essas tatuagens significam algo, não é?

— Não importa. — Acenei com as tatuagens, tentando


subestimar o fato de que meu marido também tinha uma. —
Eles continuaram olhando. Isso me assustou.

— Deveria. Eles são loucos.


— Sim, entendi.

— Más notícias. — Ela soltou um suspiro. — Nada de


figuras.

Meu coração bateu com o tempo extra, mas com isso,


afundou. — O que aconteceu com elas?

— Alguém as comprou. — Ela verificou o espelho do lado


de fora e depois seguiu um caminho diferente. — Talvez você
possa encontrar outra loja que as tenha. Eles são franceses,
como você pensou. Antiguidades. O vendedor disse que eles
são raros. Caros. Ele me disse para tentar um lugar em
Paris. Ele escreveu o nome. Tenho no meu bolso. Talvez você
possa perguntar a Scarlett se ela sabe alguma coisa sobre
isso. Lembro-me dela dizendo que morou lá por um tempo.

Não deveria ter arriscado a viagem pelas figuras. Deveria


ter pedido para ela olhar quando estava sozinha. Quando eu
não estava no carro. Incomodou-me que alguém os tivesse
comprado, mas o que me incomodou ainda mais foi o que fiz.

Talvez colocasse meu marido em mais perigo. Se Achille


me conectasse à Itália, ao Amadeo, talvez entendesse alguma
coisa. Ou ficasse curioso o suficiente para descobrir o que eu
estava fazendo em seu território, depois que me viu nos
degraus da igreja em outro país, no dia do funeral de Nonno.

Para piorar a situação, as figuras haviam


desaparecido. O risco nem valeu a pena.

Levei alguns minutos para perceber que estávamos indo


em uma direção familiar. — Para onde estamos indo, Kee?
— Harrison. Eu disse a ele que iria aparecer mais tarde,
mas então você ligou. Pretendo dar a ele a luva de beisebol de
quando era pequeno. Quando saímos da casa de minha mãe,
de alguma forma ela se misturou com as minhas coisas e eu
ficava dizendo a ele que esquecia em casa sempre que me
pedia. Levei-o para o Home Run sem dizer a ele e fiz Caspar
enquadrá-lo com sua camisa velha. Estava esperando
surpreendê-lo. Nunca comprei para ele um presente para
aquecer a casa. E ele ganhou um filhote de cachorro
novo. Estou morrendo de vontade de vê-lo.

— Não acho que seja uma boa ideia, Kee. Eu deveria ir


para casa.

— Venha, Mari. Você ainda pode ser amiga dele. Não


precisamos ficar muito tempo.

Pensei nisso por um minuto. Se os Scarpones estavam


nos rastreando, talvez fosse melhor não ir para casa
imediatamente. Não pensei que eles iriam. Estava olhando
pelo espelho externo desde que partimos, mas achando que
não valia a pena. Talvez eu tivesse Giovanni me buscando no
Harrison. Ou melhor ainda, onde quer que fôssemos fazer
compras depois de sair de sua casa. Sim, essa era uma ideia
melhor. Eu nem mencionaria Harrison ou a casa em Staten
Island.

Não queria ter que lidar com a fúria do meu marido


quando ele descobrisse que eu tinha escapado sem lhe dizer
imediatamente, ou a qualquer um dos homens da
casa. Joguei com todos eles e sabia que teria o inferno a
pagar.
Capo
Ela realmente acha que não a encontraria? Só porque
não olhou para o relógio, não significava que não pudesse
segui-la de uma maneira diferente.

Não demorei muito para encontrá-las. Não demorou


muito tempo para perceber onde ela foi primeiro
e quem olhou para minha esposa. Os Scarpones. Ela deve ter
percebido isso também, porque pouco tempo depois que sua
amiga voltou para o carro, decolaram como se o diabo
estivesse atrás delas

Ele era, mas o errado.

As segui até Staten Island. Meu instinto me disse que


elas iriam nessa direção. Depois que a amiga estacionou o
carro e elas saíram, Harry Boy as encontrou na porta, o
maior sorriso do caralho quando notou que sua irmã não
estava sozinha.

O sorriso foi para minha esposa.


Ela sorriu de volta, mas não tão largo. Quando ele se
aproximou, ela levantou a mão e ele olhou para ela um
minuto antes de entender. Em vez de abraçá-lo, ela ofereceu
a ele sua mão. Seu sorriso caiu um pouco, mas sabia que não
o deteria por muito tempo.

Então, um filhote apareceu pulando pela porta, um


pastor alemão branco. Minha esposa estava sentada na
varanda, deixando o cachorro atacá-la com a língua,
enquanto ela ria, aquela risada que torceu meu coração de
uma maneira estranha e fodida. Harry Boy comeu com uma
colher invisível.

Então era para lá que ela foi quando fugiu de mim.

Ela disse que me amava.

Ela me ama, porra.

Então ela corre para o seu antigo terreno e entra no


esconderijo de Harry Boy.

Demorou muito para me surpreender, e Harry Boy


estava longe disso. Mesmo que ele tenha comprado a casa
sem mim, ele sabia que um dia, quando lutássemos, ela
correria até ele – para um lugar que se sentisse confortável.

Foda-se isto.

Foda-se Harry Boy também.

Foda-se o amor.

Onde está a lealdade que ela me prometeu?


Minha esposa ficou de pé, tentando manter o cachorro
abaixado e depois disse algo a Harry Boy. Ele fez um gesto
como, você não precisa perguntar, e um segundo depois, ela
desapareceu atrás da porta da frente. Sua irmã ficou do lado
de fora com ele, colocando a mão no braço dele. Então ela foi
até o carro, procurou por um segundo e depois trouxe uma
foto emoldurada de uma luva de beisebol e uma camisa.

Ele a abraçou, mas a mulher lá dentro era mais


importante.

Ele disse algo para sua irmã. Ela disse algo de volta. E
então ele se virou em círculo, passando as mãos pelos
cabelos.

Gostaria de saber se a irmã de Harry Boy contou a ele


sobre a gravidez da minha esposa.

Ele não parecia feliz. Na verdade, estava lívido.

Sorri.

A irmã dele assentiu e depois tocou sua barriga antes de


tocá-lo no braço, e quando ele a dispensou, ela o deixou do
lado de fora sozinho. Ela deve ter confirmado a
notícia. Mariposa estava grávida do meu filho.

Chegou a hora. Os ânimos se inflamaram dos dois lados.

A cada passo que dava, os relógios revertiam e eu tinha


dezessete anos novamente, perseguindo meu
adversário. Aquele que continuou me tentando, mas desta
vez, era sobre uma mulher, e essa mulher era minha esposa.
Houve um momento de clareza entre minhas botas no
gramado dele e o primeiro golpe, mas essa palavra chocante
passou pela minha mente naquele espaço
estreito. Ciúmes. Parecia um pôquer do inferno que não
parava de me apunhalar em um ponto cru. Estava com inveja
de que esse filho da puta tivesse a atenção da minha esposa.

Ela se recusou a falar comigo. Ela se recusou a olhar


para mim. Ela se recusou a me alimentar. Ela se recusou a
dormir comigo. Ela se recusou a me foder. Mas aqui estava
ela, passeando pela memória com esse perdedor, acariciando
seu cachorro peludo.

Ele me viu chegando, então não foi surpresa quando


meu punho bateu em seu rosto. Não estava aqui para matá-
lo, mas para lutar com ele. A morte era mais fácil. Isto. Isso
era lutar por sua honra. Queria que ele soubesse e se
lembrasse. Queria que ele se lembrasse do meu punho
batendo em seu queixo quando pensasse nela.

Essa luta parecia que demorou muito tempo.

Ele estava dando tanto quanto eu. Em pouco tempo, os


vizinhos começaram a trazer as cadeiras do gramado, nos
observando como dois cães rosnando no gramado da frente,
brigando por um território.

— Você a roubou de mim! — Ele resmungou.

Dei um soco nas costelas dele e os vizinhos fizeram


um som coletivo de ooh. — Ela sempre foi minha, Harry
Boy. Você não poderia roubá-la, mesmo que tentasse. Ela
está no meu maldito bolso da frente.
Ele deu um golpe na minha boca e um dos vizinhos
piou. — Eu disse a ela. — Ele balançou para mim novamente,
mas errou. — Se você fodesse tão bem, não estaria aqui
comigo. E onde ela está? Na minha casa.

Bati nele como um touro com a cabeça, bem no


estômago, e descemos ao chão, grunhindo, dando socos onde
quer que pudéssemos.

O primeiro golpe aguado não se registrou, até o frio se


apegar a ele. A adrenalina bombeou em minhas veias e meu
sangue correu quente. Os sprays continuavam
chegando. Harry Boy pulou primeiro, levantando as mãos em
sinal de rendição, cuspindo sangue da boca. Logo depois
recebi outro spray afiado no meu peito.

A irmã dele estava com a mangueira. — É o bastante! —


Ela gritou. — Vocês dois!

— Eu... — Harry Boy foi defender suas ações, sem


dúvida, e sua irmã o acertou com o spray novamente, desta
vez em sua boca.

— Harrison! — A voz dela era má. — Pare com isso. Você


sabe que não vou desistir até que você pare com as
desculpas. Agora coloque sua bunda dentro de casa antes
que você pegue um resfriado!

— Menino maricas — murmurei.

Ela me bateu com a mangueira novamente. —


Vocês! Vou pegar algumas roupas secas, mas só se você calar
a boca!
Estreitei meus olhos para ela, e ela estreitou de
volta. Não é de admirar que Cash Kelly a quisesse. Ela não
estava brincando. Também era arqueira e, pelo que Mariposa
havia me dito, tinha uma mira incontestada.

Em vez de encará-la, olhei em direção à varanda, onde


minha esposa estava, segurando a grade. O cachorro sentou-
se ao lado dela, olhando para cima, a língua pendendo para
fora. Ela já tinha sua lealdade.

— O que você está fazendo aqui, mio marito?

Não Capo. Meu marido. Não que me importasse, mas ela


se recusou a usar meu nome, meu nome verdadeiro. O que
ela me deu. Era o único nome que eu chamava de meu.

A amiga pegou a mangueira e começou a enrolá-la, indo


para o lado da casa. Dando-nos privacidade, mas não.

— Vim buscar minha esposa. Ela fugiu de mim.

— Não. — Ela mordeu o lábio e balançou a cabeça. — Eu


precisava de algum espaço.

— Há o suficiente disso entre nós.

— Você não está bravo por ter lhe deixado sozinho?

— Não. Não estou bravo. — Revirei os dentes sobre o


lábio inferior. — Estou furioso.

Ela me observou por um momento. O sol caiu sobre ela


apenas para a direita, e algo no meu coração torceu
novamente. O suéter dela mostrava a protuberância da sua
barriga crescente. Engoli em seco, ignorando o fato de que
minha garganta estava tensa.

— Você me deve isso — disse ela.

— Mas nada mais.

— Não, esse é o problema. Você deve tudo.

Dei um passo em sua direção. Ela não se


mexeu. Manteve-se firme enquanto meu mundo inteiro
balançava.

— Você não me deve nada — disse.

— Nem mesmo lealdade?

— Você dá, se quiser. — Dei outro passo em sua


direção. Desta vez, ela foi à direita, em direção aos degraus, e
depois que dei um passo para cima, ela olhou para mim. —
Recuso-me a aceitar qualquer coisa que não é mais dada.

— De mim?

— Somente de você. Vou pegar o que quero do resto do


mundo e não dou a mínima. Mas você, se for bom, quero que
dê e, depois que fizer, nunca pegue de volta.

Ela assentiu. — Não vim aqui para ver...

— Não importa. — Naquele momento, não


aconteceu. Estar perto dela novamente parecia vida para
mim. Sua ausência na minha vida parecia a morte. Morte
verdadeira. Eu sabia a diferença.
— Não importa?

Parei quando estava logo abaixo dela e caí de joelhos nos


degraus. — Não me curvo. Não quebro, porra. Não me ajoelho
para nenhum homem nesta terra. — Não olhei para ela, então
usei meus dedos para me guiar. Peguei seus quadris em
minhas mãos e descansei minha testa contra seu ventre. —
Exceto por você, Mariposa. Você pode me dobrar. Você pode
me quebrar. Você é a única mulher que tem o poder de me
deixar de joelhos. Preciso da sua misericórdia.

— Você me machucou profundamente, — ela sussurrou,


uma lágrima escorrendo por sua bochecha, pousando no meu
braço. Isso me machucou mais fundo do que a cicatriz em
volta do meu pescoço. Isso partiu o coração que eu não tinha
ideia de que tinha, até ela. — Você deveria ter me
contado. Por que você não contou?

— Por isto. — Minha voz estava triturada. Segurei-a mais


apertado. — Nós.

Ela passou as mãos pelos meus cabelos, beijando o topo


da minha cabeça. — Eu amo você, Capo. Estou tão
apaixonada por você que às vezes é difícil respirar. Você...
colide comigo e quero ser varrida. Não me importo se eu me
afogar em você. Per sempre. E eu também não te amo por
causa da lealdade. Amo você porquê... apenas... amo você.

Olhei em sua direção, e seus olhos eram tão


malditamente sinceros. Não foi fácil dizer essas palavras, mas
ela fez com uma língua melada. Talvez ela tenha pensado que
estava me machucando novamente. Ou talvez estivesse
tentando curar algo que ninguém mais poderia.
— Não vim aqui para fugir de você, Capo. Keely queria
dar a Harrison um presente que estava no porta-malas por
muito tempo. Entrei porque tinha que usar o banheiro. O
bebê. — Ela tocou sua barriga. — É isso aí.

— Você já viu aquele carro antes? — Sua amiga apareceu


do lado da casa, olhando para a rua.

Mariposa e eu olhamos ao mesmo tempo. Era um carro


típico, o que significava que nada se destacava, exceto pelas
janelas escuras. Fiquei de pé, mantendo Mariposa atrás de
mim.

— Não. — Mariposa espiou ao meu redor. — Não vi.

— Eu vi — disse Keely. — Já passou algumas vezes.

A janela começou a rolar.

— Abaixe! — Rugi. Empurrei minha esposa no chão, mas


a amiga dela congelou, observando a arma apontada para a
casa, prestes a atirar balas por toda a varanda da frente.

Pulei nela, derrubando-a no momento em que a primeira


rajada de balas caiu na casa. Do meu lugar no chão, puxei a
arma pelas minhas costas, apontando para os pneus.

Alvo atingido, dois deles explodiram. Assim que o carro


parou, pulei de pé, observando as portas. Dois homens
saltaram e, antes que eu pudesse tirá-los, o motorista
colocou uma bala no cérebro do passageiro. Ele deve ter
recebido ordens, e essas ordens eram para garantir que
ninguém falasse. Incluindo o cara no banco do passageiro.
Isso foi uma retribuição dos irlandeses ou dos
Scarpones. Os irlandeses estavam em guerra. Cash estava
lutando pelas ruas de Hell's Kitchen depois que seu velho
homem foi assassinado. Ou Achille de alguma forma rastreou
minha esposa até esta casa. Seu filho caipira provavelmente
encontrou algo que ligava o carro da amiga a esse lugar. Eu
estava muito ocupado travando uma guerra interna quando
deveria estar presente na física.

Estava prestes a descobrir a quem o homem pertencia,


mas antes que eu pudesse, mais barulho veio da casa e,
quando me virei para olhar, era Harry Boy, com a arma na
mão, apontada para o peito do motorista. O motorista estava
prestes a decolar a pé, mas por algum motivo havia voltado
para a casa novamente.

Harry Boy deve ter saído em algum momento do ataque,


seu corpo sobre o da minha esposa. Não vou mentir. Ele
tinha uma mira decente, mas o filho da puta cometeu um
erro grave. Matou o idiota antes que eu tivesse a chance de
grelhá-lo.

O cachorro choramingou de dentro da casa, querendo


sair. Depois que Harry Boy se sentou, minha esposa se
inclinou da esquerda para a direita por um segundo,
piscando.

— Mariposa. — Ajoelhei-me ao lado dela e toquei seu


rosto. Quando ela se concentrou em mim, passei minhas
mãos por todo o corpo dela. — Você está bem?

Ela assentiu, mas apontou para o meu braço. — Você


levou um tiro!
— Estou bem. Entre na casa.

Harry Boy ajudou a irmã do chão e, depois que ela subiu


as escadas, disse-me que levaria Mariposa para dentro de
casa.

Harry Boy me seguiu quando me aproximei do carro. Se


este foi um presente dos Scarpones, pode haver uma câmera
no espelho. Os Scarpones às vezes exigiam provas de que o
golpe que eles pediram foi realizado. Começaram isso depois
da minha morte. Não queriam mais do que um fantasma à
espreita. Duvidava que este carro em particular tivesse uma
câmera. Não era um dos carros deles – gostavam de carros
com baús profundos – mas, novamente, talvez estivessem
tentando fazer algo diferente.

O filho mais novo de Achille, um garoto esperto, foi quem


monitorou as câmeras. Ele tinha um irmão gêmeo dez
minutos mais velho que ele. O garoto esperto sabia como
fazer desaparecer as evidências depois de conseguir o que
queria.

De qualquer maneira, eles não dariam uma boa olhada


no meu rosto. Hoje não.

Peguei meu telefone e mandei uma mensagem para


Harry Boy para que pudesse entrar em contato. — Deixe-me
saber como isso acontece.

— Como você conseguiu meu número?

Acenei para ele. — Ligue para Kelly e informe-o. Ele


precisa saber sobre isso. Não há como dizer com quem ele
fodeu e irritou. Isso pode ser uma retribuição na forma de
uma vida que considera importante.

— Como você soube sobre...

— Vá trabalhar, Harry Boy. Não é seguro conversar na


rua.

As sirenes se aproximaram. Precisava pegar minha


esposa e sair.

— Mac? — Harry Boy chamou.

Nem me virei.

— Você salvou minha irmã.

— Certifique-se de dizer a Kelly que ele tem uma dívida.


Mariposa
— Capo — disse, apertando sua mão. — Fale comigo.

Ele me arrancou da casa de Harrison, me deu as chaves


de um caminhão que parecia mais rápido que um carro
esportivo e me disse para dirigir.

Deu-me instruções, mas era para um lugar que nunca


tinha estado antes. Ele ligou para o tio Tito e disse para ele
nos encontrar no ponto de encontro.

Depois que ele desligou, continuei conversando com ele


porque a quantidade de sangue que estava perdendo me
assustou. Ele me disse que era uma coisa boa que Keely o
lavasse com água fria e estava frio lá fora. O frio funcionou
como um torniquete para diminuir o sangramento. Queria
colocar o aquecedor no carro, mas ele se recusou a me
deixar.

— Você tem medo de que eu esteja morrendo — disse ele.


— O quê? Você está? — Meu corpo inteiro convulsionou
de medo. Sabia que amava o idiota, mas não tinha ideia do
quanto até vê-lo levar uma bala no lugar da minha amiga. A
mulher que considerei minha irmã. Se o perdesse, perderia
tudo.

— Pela centésima vez. Não. Isso não é nada. — Ele


sorriu. — Você é fofa quando se preocupa.

Dei um tapa no seu braço o que o fez assobiar. — Não


brinque comigo, Capo. Não estou no clima. E não me chame
de fofa! Não sou um repolho bebê.

— Repolho bebê — ele repetiu lentamente. – Como uma


couve de Bruxelas.

Ele me disse para onde virar algumas vezes e depois


ficou quieto. Olhou pela janela com um olhar distante nos
olhos. De vez em quando, um arrepio violento o
atravessava. Quando o silêncio durou muito tempo, limpei a
garganta.

— Lembrei-me de uma coisa, Capo. Quando estávamos


na casa de Staten Island. Lembrei-me de você. As memórias
eram inversas, no entanto. Lembrei-me de correr para fora da
porta, chorando para você voltar depois que me deixou com
Jocelyn e Pops. Não queria que você me deixasse. Você caiu
de joelhos no degrau para que eu pudesse te olhar nos
olhos. Assim como você fez antes daqueles caras atirarem em
nós. Estava de pé no topo. Você estava ajoelhado no degrau
abaixo. Você me disse que eu estava segura. Que você se
certificou disso. Você sempre cuidaria de mim. Então, te dei o
rosário. Coloquei no seu pescoço.
Podia sentir seus olhos em mim. Tinha toda a atenção
dele. — Sua mãe deu a você para impedi-la de se mexer —
disse ele. — Você dormiu com isso à noite. Você era uma
criança nervosa. Fiquei emocionado ao saber que me deu a
única coisa que a fazia se sentir segura.

Balancei a cabeça, segurando o volante. — Então me


lembrei de estar em uma casa. Escondida em um
armário. Você fez eu me esconder lá?

— Sim.

— Você me deu meus lápis de cores e meu livro de


colorir. Eu disse que minha cor favorita era azul. Você me
disse para colorir a página com a borboleta. Então fiz. Então
ouvi alguns barulhos que me assustaram. Alguns minutos
depois, você voltou para mim.

— Então, trouxe você para Jocelyn.

— Então, você me deixou — respirei. — Não me deixe de


novo, Capo. A vida não vale a pena sem você.

Não era nada que o dinheiro pudesse comprar o tempo


todo. Era meu marido. O amor que senti dele.

Senti, mesmo que não soubesse o que era na


época. Ninguém se sacrifica da mesma maneira que fez pela
inocência. Eles dizem que é preciso coragem para fazer algo
assim, mas discordei. Foi preciso amor. Talvez o que ele
sentiu a princípio fosse um tipo inocente de amor – eu tinha
apenas cinco anos – mas quando cresci em uma mulher, o
mesmo amor cresceu e se transformou em outra coisa.
Ele se virou para mim, sua mão deslizando contra minha
barriga. Podia sentir o calor do seu toque, mesmo que ele
estivesse com frio. Pela primeira vez, o bebê tremeu. Não foi
um chute forte. Mais como asas me fazendo cócegas por
dentro. Foi a coisa mais estranha que já senti, mas a mais
maravilhosa.

Sorri. — Ele se mexeu. Agora mesmo.

Capo empurrou a mão contra minha barriga, tentando


senti-lo também. Disse-lhe que levaria um tempo para sentir,
o movimento era tão suave quanto as asas. Então olhei em
sua direção e o que vi em seus olhos me fez perder todo o
foco. Ele parecia... animado.

— Merda! — Puxei o volante na direção oposta, quase


perdendo o tráfego do outro lado. Arrepios se espalharam em
meus braços. Uma caixa no banco de trás começou a tocar
música. — O que é isso?

— Mantenha seus olhos na estrada. — Sua voz era firme,


voltando a ser capo. Ele se virou e cavou nas costas por um
segundo. Então levantou a mão para que pudesse ver. Era o
lobo preto com a borboleta no nariz. — Para o quarto dele.

— Você os comprou?

— Eles estão no banco de trás, Mariposa. — Ele apontou


o óbvio. — O dono da loja estava com alguns itens faltando
na coleção, então liguei para uma loja em Paris e comprei
também. Você tem uma escolha. Podemos buscá-los ou eles
os enviarão.
Uma risada explosiva misturada com um soluço
igualmente explosivo saiu da minha boca. Lágrimas
embaçaram minha visão. Então fiquei sóbria depois que
percebi. — Você foi lá. Para Dolce. Depois de tudo o que
aconteceu. Se eles tivessem visto você...

— Eles não viram. Os conheço, Mariposa. Conheço seus


hábitos melhor do que eles. Poderia ter cortado sua garganta
cem vezes desde que me mataram.

— Por que você não fez?

— Sou um fantasma que não os deixará em paz. Depois


que eu os matar, acabou. — Ele ficou quieto por um
segundo. — Eu estava na loja quando Keely estacionou do
outro lado da rua, perto de Dolce. Achille viu você.

— É por isso que ele atirou na casa?

— É uma possibilidade. Ou poderia ser outra pessoa.

— Quem?

— Cash Kelly deixou claro que sua amiga pertence a


ele. Ele tem muitos inimigos agora. Ele está lutando por
território. Dizem que algo é importante para ele. Ele encolheu
os ombros. — Eles vão destruí-lo para fazer um ponto.

— E se Cash acha que os Scarpones tentaram matá-lo, o


que quer que Keely seja para ele, vai retaliar.

— Ele não é tão forte ainda, mas está subindo. Apenas


causará mais problemas para eles.
— Ele vai ser um pé no saco.

— Você fala tão eloquentemente. — Ele sorriu.

Sorri também. — É a verdade, certo?

— Sim, a verdade. Eles não querem mais problemas


agora. Causei muitos conflitos entre todas as famílias. Fiz
parecer que o outro era o culpado. Sou um fantasma,
Mariposa. Eles acreditam que estou morto. Arturo e seu filho
não puderam dizer às outras famílias que suspeitavam que
era Vittorio fodendo com todas elas. Mesmo se fosse verdade,
por que eu visaria minha própria família? Todos eles
saberiam então, com certeza, que Arturo me matou. Todos
estão começando a jogar bem de novo, já que Arturo os
convenceu de que um estranho começou as guerras. Os
Scarpones não podem pagar batalhas mais longas. Tenho
roubado a merda deles.

— Você os aleijou.

— Próximo a isso.

Sim, ele era Machiavellian.

— Bem aqui — Ele apontou para um prédio. Apertou um


botão no relógio e a garagem abriu. — Não há tempo para
olhar em volta. Fique perto de mim. Estamos entrando e
saindo.

— O que você quer dizer com… saindo? Tio Tito deveria


nos encontrar aqui.
Já estávamos nos apressando para entrar no
prédio. Capo pegou a caixa com as figuras do bebê e estava
praticamente me fazendo correr. O prédio era simples, mas
enorme. Tinha uma tonelada de merda incompatível. Todas
as coisas que ele roubou dos Scarpones, provavelmente.

— Outro lugar.

— Seu braço!

— Vai ficar tudo bem.

Ele não estava bem. Estava sangrando. Sua camisa


estava colada nele.

Três prédios abaixo, pelo menos, ele nos levou a outra


garagem. Apertou o botão em um enorme veículo off-raod e
me disse para dirigir novamente. Desta vez, realmente corri
para chegar aonde estávamos indo.

Outro armazém.

Tio Tito, Rocco e o irmão de Rocco, Dario, estavam lá


quando chegamos. Antes de o tio Tito começar a trabalhar,
Capo segurou meu relógio em volta do meu pulso.

— Se você tirar isso de novo — ele estreitou os olhos —


será punida.

— Eu...

Ele balançou a cabeça, sem desculpas, e foi se sentar-se


à mesa. Havia duas na sala, um de cada lado. A sala inteira
foi montada para parecer um consultório médico ou uma
pequena sala de emergência. Tio Tito fez Capo tirar a camisa
e, quando o fez, pingos de sangue escorreram pelo peito
através de um buraco. O cheiro sangrento era forte,
misturando-se com todos os antissépticos. Tio Tito avaliou a
ferida e depois instruiu Dario a deslizar um manguito de
pressão arterial no braço de Capo.

— Mariposa — disse Capo.

Tive que piscar algumas vezes para focar nele.

— Sto bene.

Estou bem, ele dissera.

Assenti, mas não me senti tão bem. Quando o tio Tito


tirou um bisturi da bolsa, todo o quarto ficou preto. Quando
acordei novamente, estava na mesa oposta e Capo estava
sorrindo para mim.

— Boa soneca?

Tentei me sentar, mas o tio Tito me parou. —


Descanse, nipote.34 — Então ele deslizou pelo quarto, para a
outra cama, em uma cadeira com rodas, e verificou o curativo
no braço de Capo.

— O que aconteceu? — Esfreguei meus olhos. — Você


está bem?

34
Sobrinha.
— Você desmaiou — disse Capo. — Assim que você viu o
bisturi. E estou bem. — Ele deu um tapinha na cabeça do tio
Tito. — O anjo da vida parou a morte mais uma vez.

Ah! Tio Tito deu um tapa nele. — Absurdo! Não permita


que seu marido brinque com suas simpatias. Essa ferida não
é nada! A bala estava perto da superfície.

Olhei para uma tigela de prata sobre uma mesa de


prata. Uma bala sangrenta estava nela. Não percebi que tinha
desmaiado novamente até que acordei no quartel. Rocco me
carregou. Olhei para a minha direita. Capo olhou para nós, a
frieza em seus olhos. Mas não era para mim, mas para Rocco.

— Posso andar — resmunguei.

— Bobagem — disse tio Tito.

Capo deu a ele um olhar sujo.

— Seu marido está chateado por eu me recusar a deixá-


lo carregar você. Seu ferimento não é ruim, mas não deve
carregar peso, por mais leve que seja! Ele apontou para
Capo. — Você me escuta, ou amarrarei suas mãos juntas!

Ri baixinho, mas escondi quando Capo virou o olhar sujo


para mim. Então ri um pouco mais quando pensei em
Giovanni vendo todos nós desaparecer na suíte master e não
sair por um tempo.

Capo me disse para me acomodar na cama quando


estávamos no lado secreto. Ele ia levar tio Tito e Rocco para
fora. Antes de partirem, beijei os dois e agradeci. Tio Tito
negou e me deu instruções sobre os remédios que Capo tinha
que tomar e o que ele podia ou não fazer.

Meu marido voltou ao quarto alguns minutos depois. Eu


não conseguia me mexer. Tudo o que aconteceu parecia me
alcançar.

— Chuveiro — disse Capo, apontando em direção ao


banheiro.

Balancei minha cabeça. — Banho para mim. Você não


pode molhar o braço. Ordens do médico.

— Você tem duas opções. Tome banho comigo. Ou tome


banho comigo depois de jogar você por cima do ombro.

Ele sorriu para mim quando envolvi seu braço em filme


plástico da cozinha antes de entrarmos. Usei a maçaneta do
chuveiro e apontei para longe dele. Mas quando lavei todas as
manchas de sangue, seus ombros relaxaram e percebi que ele
estava à vontade. E não importa o quanto eu protestasse, ele
se recusava a me deixar lavar mais.

Depois do banho, enquanto nos secávamos, ele me


encarou.

— O quê? — Sussurrei.

— Sua barriga. — Ele acenou com a cabeça. — Está


começando a aparecer.

Virei-me para o lado e sorri. — Está. Pergunto-me se ele


vai ser grande como você. Espero que tenha seus olhos.
Um momento se passou e nenhum de nós disse
nada. Ele pegou minha mão depois e me levou em direção ao
quarto. Entrei e dei um tapinha no local ao meu lado. Meus
olhos se estreitaram quando ele começou a rastejar em
minha direção.

— Capo — eu disse. — Não vou desistir dessa. O médico


disse...

— Não dou a mínima para o que o médico disse. Isto é o


que preciso. Você. Debaixo de mim. Chorando meu
nome. Esse é o meu único remédio. Minha única cura neste
mundo doente.

Mordi o lábio, sem saber o que fazer. Quando ele chegou


perto o suficiente, usou sua boca para puxar meu lábio dos
meus dentes, e gentilmente o chupou.

– A, — soltei uma respiração suave. Então minhas mãos


flutuaram sobre seus ombros, sobre seus braços, sobre seus
lados.

Ele soltou um suspiro e me puxou para baixo com um


braço, me colocando embaixo dele. Ele me beijou
suavemente, lentamente, até que senti como se ele tivesse
levado minha alma e eu estivesse perdida para ninguém além
dele, e então sua língua ficou mais profunda e mais
difícil. Mas seus toques eram... leves.

— O que você está fazendo comigo? — Sussurrei quando


a língua dele desceu pela minha garganta, até os meus seios.

— Algo que eu deveria ter feito antes. Algo diferente.


Ele não disse nada depois disso, mas quando entrou em
mim, não foi forte ou duro. Ele demorou-se, movendo-se em
um ritmo lento e sensual. Exigiu que eu mantivesse meus
olhos abertos, e os dele estavam nos meus, os dentes
afundados no lábio inferior.

— Mariposa. — Seus olhos se fecharam e ele emitiu um


ruído estrangulado na garganta.

O som do meu nome em seus lábios me fez dissolver


nele, e meu orgasmo rasgou através de mim, mesmo que o
que ele tinha feito comigo estivesse longe de ser difícil. Ele
bateu em mim depois, implacável para perseguir sua
libertação, e gozei novamente.

Ele não se moveu depois, embora tremesse. Eu estava


com medo de olhar para o curativo para ver se havia feito
algo em seu braço e o sangue estava jorrando. O pensamento
disso me deixou enjoada. O sangue geralmente não me
incomodava, somente o dele. O sonho continuava voltando
para mim, tão fresco em minha mente.

Passei meus braços em volta dele, enterrando meu rosto


contra seu peito. O beijei no local quatro vezes. Ele tentou se
levantar, mas me recusei a deixá-lo ir.

Eu tinha muitas coisas a dizer:

O amor não é a adaga que você pensa que é. Só é usada


como arma quando a pessoa que você ama a lança. O amor é
um escudo contra o resto do mundo. Somente nós dois
podemos permitir estranhos além de nossos portões. O amor
deriva de tantas coisas
diferentes. Companhia. Amizade. Lealdade e lealdade podem
gerar amor. Ou o amor pode gerar lealdade.

No entanto, fiquei quieta, porque não queria que ele


pensasse que estava tentando convencê-lo ou convertê-
lo. Não queria apontar o óbvio. Você também me ama.

Ele pareceu sentir meus pensamentos. — No meu


mundo, o amor só vai te matar, Mariposa. — O som de sua
voz, baixo e desafiador, me fez me aproximar dele. — É por
isso que minha mãe deixou essas palavras para trás. Ela
sabia o que eu estaria enfrentando. Ela costumava me dizer
que eu era bonito demais. Que eles iam me comer vivo. Mas
ela não viu isso em mim. Ela não viu que um rosto bonito não
cancela a crueldade no sangue. Sou tão selvagem quanto
eles. Aguentei firme. Provei meu valor.

— Você ainda está aguentando. — Beijei seu pescoço


suavemente. Ele cheirava a praia, como nosso tempo na
Sicília e na Grécia. — Você não tem mais nada a
provar. Nenhuma maldita coisa, Capo.

Ele se inclinou e me beijou na cabeça. Então, deslizou


para fora de mim, me deixando vazia e estendendo a mão
para ele. Ele descansou em seu braço bom, de frente para
mim, e pegou minhas mãos nas dele, embalando-as. – Te
devo um coração, Mariposa. As veias você já tem.

— Um coração — oh. — As veias são as três coisas


ruins. Agora para o bem?

Ele trouxe minhas mãos para sua boca. — Flores de


laranja. — Inspirou meu pulso e soltou a respiração em uma
corrente lenta de ar quente. — Você quer saber por que eu
não te disse quem eu era? Semplicemente. – Simplesmente. –
Não queria que você descobrisse. Se soubesse... isso me
deixava... ansioso por pensar que se afastaria de mim, que
me diria para ir para o inferno, para se casar com outra
pessoa. Não te contei por que, semplicemente, quero a tua
companhia. Seu tempo.

Preciso desaparecer e ainda ser visto. Ele estava sozinho,


tão sozinho, por causa daqueles bastardos cruéis.

— Preciso de você pelo resto da minha vida,


Mariposa. Preciso que vocês dois pertençam apenas a
mim. Ossa delle mie ossa; carne della mia carne; la mia bella
donna; mia moglie. – Osso do meu osso; carne da minha
carne; minha linda mulher; minha esposa.

— Então você não teve que inventar algo? — Pisquei para


ele. — Você teve coração o tempo todo?

— Sim, tive. Você. Você é o meu coração. — Ele pegou


minhas mãos e as colocou no pescoço, por cima da
cicatriz. — Se isso não existisse. A voz. Como eu poderia te
contar, Mariposa? Se as palavras não existissem mais, se
alguém as roubasse, como nos
comunicaríamos? Ações. Ações falam mais alto que
palavras. Você não precisa de palavras para tornar isso real.

— Ações — sussurrei. — Sua vida. Você sacrificou a sua


pela minha.

Ele encostou a cabeça na minha. — Não podemos


esquecer o mundo afora. Sono un uomo morto dalla notte in cui
ti ho lasciato allle spalle.
A tradução de suas palavras foi um pouco frouxa, mas
seu argumento era tão agudo quanto uma espada para matar
por amor.

No meu mundo, o amor só vai te matar. Sou um homem


morto desde a noite em que deixei você para trás.

Afastei-me para vê-lo melhor, mas ele só me puxou para


mais perto, tão perto que não conseguia respirar. Tão perto
que minha respiração era dele e a dele era minha.

Non servono più parole. Não foram necessárias mais


palavras, pois ele me deixou dar um mergulho tranquilo.
Mariposa
De alguma forma, um milagre convencera meu marido a
tirar o dia de folga. Não apenas o dia, mas a noite
também. Depois que a casa de Harrison foi pulverizada com
balas, ficou difícil me separar dele.

Meus pesadelos estavam apenas piorando.

Era o mesmo repetidamente, exceto que o sangue


aumentava a cada vez. Eu olhava para baixo e o rastejamento
lento avançava cada vez mais perto dos meus pés. Eu ainda
não conseguia me mexer. Apenas gritava.

Na realidade, não sonhos iguais, ele às vezes ficava perto


de mim. Outras vezes, ele fazia as coisas. Buscar vingança na
família Scarpone era um trabalho para ele. Um que ele amava
muito. Quando admitiu que não os matou porque acabaria,
entendi imediatamente.

Isso acabaria com seu reino de tortura sobre


eles. Quando fodia suas vidas, jogando o jogo, ficava
emocionado. Uma vez que eles estivessem mortos, tudo
acabaria, e ele ficaria para lidar com... ele mesmo.

O que mais me preocupava era saber quem chegaria


primeiro? Meu marido? Ou eles finalmente teriam sucesso e
terminariam sua vida?

Era um jogo com apostas altas.

A vida rolando no meu ventre levou a questão para casa.

Passei a mão sobre ele. Na última semana, minha


barriga pareceu explodir. Eu usava um vestido azul marinho,
que era justo, e de todos os ângulos, poderia-se dizer que eu
estava grávida.

— Mariposa.

Demorou um minuto para perceber que Capo havia dito


algo para mim. Após a consulta médica, onde o ultrassom
confirmou que o bebê era menino, levou-me para comer na
Mamma's Pizzeria. Sentamo-nos na frente, em bancos,
virados um para o outro.

— Sim?

Ele sorriu para mim e, em seguida, pegou a imagem de


ultrassom que tinha colocado entre nós, encostado em um
menu de sobremesas. Ele mostrou para mim.

— Quero que ele tenha o seu nariz.

— Seus olhos e meu nariz? — Sorri


Ele colocou a foto de volta, correu um dedo pela encosta
do meu nariz e depois me beijou no final. Suas mãos vieram
ao redor do meu ventre, embalando o solavanco como uma
bola. — Agrada-me que todo mundo saiba que fiz isso com
você.

Quase cuspi minha bebida. — Você gosta que todo


mundo saiba que você me engravidou?

Ele se inclinou ainda mais perto, mantendo as mãos em


volta da minha barriga. Meu joelho estava perto de sua
virilha. — Não, que todo mundo sabia que sou eu quem te
fode.

Meus olhos se fecharam e a respiração escapou da


minha boca rapidamente. — Esqueça a pizza. Vamos para
casa.

— Por que em casa? Eles têm um quarto dos fundos.

Afastei-me dele, tentando avaliar seu rosto. Ele estava


falando sério.

A garçonete pousou nossas saladas com


um tinido alto, contra o balcão velho. Um segundo depois, um
homem com um avental amarrado à cintura deslizou nossa
pizza entre as duas tigelas.

— Bom apetite! — Disse a garçonete, e então se apressou


na direção oposta para receber mais pedidos.

O serviço de atendimento ao cliente deles não tinha


sutileza, mas ei, a comida era incrível. Era como ter um
médico idiota sem modos gentis, mas que era o melhor
médico idiota sem modos gentis?

Meus olhos se alternavam entre a refeição na minha


frente – o homem – e a refeição real na minha frente – a pizza
e as saladas.

Ele sentou-se, rugindo de tanto rir. — Você acabou de


quebrar minhas bolas.

Sem esperar, dei uma facada na minha salada. Às vezes


gostava de colocar alface em cima da minha pizza e enrolá-
la. Mamma tinha o melhor molho italiano. — Não toquei suas
bolas, Capo.

— Exatamente. Você escolheu isso — ele acenou com a


mão em direção à mesa — ao invés de mim. Você machucou
minhas bolas sem nem tocar nelas.

— Não escolhi um sobre o outro. — Dei uma mordida na


pizza, quase gemendo. — Você é a sobremesa.

Ele se inclinou muito devagar, e a mordida da salada que


eu acabara de esfaquear estava a caminho de chegar à minha
boca. Lentamente, oh, tão devagar, ele lambeu meu lábio
inferior, removendo um pouco do molho restante. — Tudo
tem um gosto melhor na sua boca.

Foi difícil eu encontrar emoção na comida novamente,


mas depois de um minuto ou dois, quando ele começou a
comer, minha fome voltou ainda mais forte. Ele nem
perguntou. Pediu outra pizza, percebendo o quanto eu estava
comendo.
— A salada aqui também é muito boa — disse.

Ele pediu outra.

— Foi assim que conheci o velho Gianelli. — Ele limpou a


boca com um guardanapo. Ainda nos encaramos, e ele
estendeu a mão e limpou meu rosto também. — Vim aqui
para comer pizza.

— Vocês se conectaram por causa da pizza?

Ele estendeu a mão e pegou um menu em pé. Ele


apontou para um ponto no fundo.

— Todos os ingredientes são cultivados localmente ou


importados da Itália — li em voz alta.

— O velho Gianelli costumava fornecer alho da sua


horta. Os antigos donos eram amigos dele. Meu avô veio da
Itália e eu o trouxe aqui. Eles se conheceram. Se
acertaram. Durante muito tempo, jogaram xadrez por
correspondência. Eles pararam de falar depois que deixei
você com eles. Não era seguro manter contato.

— Nonno confiava em Pops?

— Sim. — Ele tomou um gole de água. — Ele os conhecia


bem. Foi assim que soube de todos os problemas de
Jocelyn. Você era procurada. Talvez até fosse necessária em
suas vidas.

Peguei minha pizza em pedaços. — Eu... pareço minha


mãe?
Às vezes me sentia culpada por isso, mas meu pai
raramente passava pela minha cabeça. O culpei por ter
matado minha mãe. Ele sabia que tipo de pessoas os
Scarpones eram e ainda tentara dominá-los. Mesmo quando
estava correndo, ainda estava conspirando.

O que mais me impressionava era a foto que encontrei


dele saindo do tribunal depois que os Scarpones o tiraram de
problemas, quando ainda estavam em boas condições.

Minha mãe, porém – nada surgiu quando a procurei.

O mau comportamento de Corrado foi notícia de primeira


página. Para Maria, minha mãe, sua bondade, seu amor a
haviam levado a uma cova rasa.

Mesmo que eu não conseguisse me lembrar da aparência


dela, pensava nela frequentemente. Especialmente quando
tocava seu rosário. Mesmo quando criança, ela tentou me
ensinar como aliviar minha ansiedade com fé.

Capo olhou para o meu rosto, talvez pensando em


voltar. Ele passou o dedo pelo meu nariz novamente. — Seu
nariz. Seus olhos. Até seus lábios pertencem a ela. A cor dos
seus olhos... Ele inclinou a cabeça. — Eles parecem ser uma
mistura. Seus olhos eram âmbar, como uísque em um copo
logo ao pôr do sol. Ela era uma mulher bonita. — Ele ficou
quieto por um momento. — Seu pai costumava enterrar
merda. Armas. Dinheiro. Joias. Papéis. Quando o encontrei,
ele estava em um bairro ruim. Do tipo em que as pessoas
mantêm a cabeça baixa, os olhos desviados.

— Estou familiarizada.
Ele assentiu uma vez. — Não havia nada na casa além de
móveis velhos. Quando ele fugiu, fugiu com muito pouco. Ele
não teria jogado a merda fora. Acreditava que ia fazer um
nome para si mesmo. Ele acreditava que seria o novo capo da
cidade.

— Você acha que ele pode ter enterrado fotos?

— Bingo.

— Eu gostaria. — Bebi a última bebida em torno do


copo. — Eu amaria vê-las. Significaria muito para mim se
tivesse fotos dela. — Toquei minha barriga. — Talvez eu veja
um pouco dela nele.

Ficamos calados quando a garçonete voltou para encher


nossas bebidas, mas eu só tinha uma coisa em mente.

Estendi a mão e peguei a mão de Capo, descansando-a


no meu ventre. — Aqui está uma reviravolta que eles
provavelmente nunca viram. Duas famílias que se odiavam
agora são unidas por um laço. Amor. Esse garotinho os reúne
em paz, querendo ou não.

Mesmo que Capo nunca falasse as palavras, esse bebê


foi criado a partir do amor. Ter filhos nunca me passou pela
cabeça quando estava lutando para sobreviver, mas
quando Capo me deu a escolha, nunca quis mais nada. Ser
capaz de segurar meu sangue nos braços parecia o sonho
mais incrível. Ver alguém que talvez se parecesse um pouco
comigo parecia irreal. Desejava sentir essa conexão especial.

Capo pegou uma fatia de pepino da tigela e colocou na


frente da minha barriga. Então colocou outro próximo a
ele. Como se meu ventre tivesse olhos. — Aqui está uma
reviravolta. Ele está do tamanho de uma manga agora,
mesmo que deva ser do tamanho de um pepino. Ele vai ser
um menino grande.

O sorriso que veio ao meu rosto era lento. — Como o


papá dele.

Capo chamou a garçonete. — Não vamos deixá-lo


esperando para comer então. — Ele pediu bolo de spumoni e
sorvete. Olhou para mim e completou: — Faça isso duplo.

— Ei! — Comecei a rir, mas comi os pepinos que ele


colocara no meu ventre. Então ele começou a rir. Levantei-
me, passando a mão pelo meu vestido. — O banheiro chama
antes da sobremesa.

O sorriso no meu rosto permaneceu enquanto eu


caminhava pelo restaurante. Quando cheguei aos fundos,
onde ficavam os banheiros, notei um quarto ao lado. A sala
dos fundos que Capo estava falando. Cheirava a alho e
tomate. Gostaria de saber se poderíamos dar uma olhada
depois que comecemos nossos spumonis...

A viagem ao banheiro não demorou muito, e ainda estava


limpando as mãos em uma toalha de papel quando saí e corri
direto para o braço de Capo. Ele estava em pé na frente da
porta do banheiro. Outro homem estava parado na sala de
armazenamento. Ele era muito mais baixo, mas com peito de
touro. Eles se encararam.

O guardanapo na minha mão caiu no chão quando notei


a tatuagem na mão dele.
— Bobby, você está com um cigarro?

Os olhos do homem voaram para os meus. Depois, de


volta aos de Capo.

— Que porra é essa? Vittorio? — A voz do homem saiu


baixa, e um leve brilho de suor borbulhou em seu lábio
superior. Ele estava pálido, seus lábios muito vermelhos pela
falta de cor no rosto. Perguntei-me se os homens que Capo
haviam matado, aqueles que tentaram matá-lo, tiveram a
mesma reação quando pensaram ter visto seu fantasma.

Capo não disse nada, mas assentiu de uma maneira que


me disse que me queria atrás dele. Mudei-me, mas coloquei a
mão ao lado dele, tentando espiar.

— Diga-me uma coisa, garota. — Levei um momento


para perceber que Bobby estava falando comigo. — Você o vê
também?

Eu não sabia o que dizer. Capo se recusou a responder, e


não tinha certeza do que esse cara faria se eu confirmasse
que era o homem que todos pensavam estar morto. Bobby
puxaria uma arma e mataria a nós dois? Se eu ficasse quieta
e ele ficasse chateado? O que então?

— Ver quem? — Menti.

— O homem parado na sua frente. Aquele que você


está tocando. Ele deveria estar seis pés abaixo do chão. Sua
garganta foi cortada.
— Você fez isso com ele? — Fiquei surpresa com a
quantidade de veneno na minha voz destinada a esse homem
que eu não conhecia, mas odiava.

Bobby balançou a cabeça, mas seus olhos nunca


deixaram os de Capo. Eu não tinha certeza se ele estava
avaliando meu marido, com medo de que ele fosse atacar ou
ainda estivesse em choque ao vê-lo. — Não, não fui eu,
garota. Não tive mão no assassinato dele. Ao mesmo tempo,
estávamos perto.

Capo riu, mas estava baixo. — Essas são as mentiras


que estamos contando hoje em dia, Bobby?

Bobby estremeceu com o som da voz de Capo, e, então,


levantou as duas mãos. — Juro pela cabeça da minha mãe,
Vittorio. Ouvi coisas, sabia? Mas isso ficou entre Arturo e
Achille. Todos suspeitávamos, mas você sabe como é. O que
está feito, está feito. Não podemos ir contra o chefe,
cara. Achille admitiu isso para alguns de nós há alguns
anos... Estava implícito que nosso destino seria o seu se não
fizéssemos o que nos foi dito sem questionar.

Capo sorriu e tremi desta vez. — Você nunca deveria ter


me procurado, Bobby. Você deveria ter ficado dentro da
proteção do bando que chama de famiglia.

Antes que eu pudesse respirar, Capo o atacou, batendo


sua cabeça contra a parede. A parte mais assustadora foi que
tudo levou menos de um segundo e ele mal emitiu um
som. Quando Bobby caiu, Capo o pegou pelo colarinho da
camisa e começou a arrastá-lo em direção ao depósito.

— Mariposa. — A voz de Capo era cortante. — Mova-se.


Levei um segundo para me concentrar, mas uma vez que
fiz isso, me apressei para acompanhar. Quando estávamos lá
fora, ele pegou Bobby e o jogou por cima do ombro.

— Você não pode matá-lo!

— Considere-o morto.

— Mas ele não fez isso, Capo! Ele é inocente.

— Fique parada e observe, considero-o mais culpado do


que aquele que usa a faca. Ele é um maldito poltroon. E a
esposa dele fala demais.

— A segunda razão não é boa o suficiente! — Além disso,


eu não sabia o que era um poltroon... Talvez um covarde?

— É um bônus. Talvez ela feche a boca por cinco


segundos, tempo suficiente para derramar uma lágrima falsa.

Passamos pela lateral do prédio, indo direto para o carro


estacionado em frente ao Mamma's.

— Alguém pode ver! — Assobiei.

— Estou morto. Deixe-os tentarem me encontrar.

Assim que Capo abriu as portas, dois carros pararam ao


lado de nosso carro.
— Entre, Mariposa! Adesso!35

Joguei, exatamente enquanto balas ecoavam no exterior


do carro. Cobri minha barriga, com medo de que alguém
penetrasse na camada à prova de balas.

Capo estava dentro do carro um segundo depois. Ele


engatou o carro e saiu, passando a lateral de um dos carros
enquanto acelerava. Os carros que pararam em frente ao
restaurante bloquearam o fluxo de tráfego. Buzinas soaram.

— Onde está Bobby? — Perguntei, sem fôlego.

— Ele acabou sendo valioso no final.

— O quê?

— Ele levou essas balas por mim. Chamaremos isso de


vingança por não me dizer que cortariam minha garganta e
depois ficaria parado assistindo.

— Justo. — Segurei firme o cinto de segurança. — Foram


eles? Os Scarpones?

— Sim, mas não Arturo ou Achille. Caras jovens. Faça


backup de Bobby. — Ele verificou o espelho. — Aguente.

Para quê? Quase gritei, mas não o fiz. Ele entrou e saiu
do trânsito, nem se importando se houvesse apenas uma
lufada de ar entre o carro à nossa frente ou atrás de nós.

35
Agora.
— Eles viram você?

— Eles viram você.

— Mas pensei que você queria... merda! Capo! — Ele


desviou, mal escapando de um motociclista. — Pensei que
você queria fazer uma grande entrada. Tipo 'Boo, filhos da
puta, estou de volta!' Então você serviria a eles o que
merecem.

— Você não está muito errada, mas isso não é mais


sobre mim. Seu rosto já foi visto muitas vezes. Aconteceram
muitas coincidências para que eles não percebessem algo. A
única coisa de que não têm certeza é como Cash Kelly está
envolvido nisso. Eles estão tentando conectar você a mim ou
descobrir se é uma deles.

— Itália — eu disse.

— Sim. O funeral do meu avô. Se eu estivesse em


qualquer lugar, estaria lá. Isso se destaca deles.

— Você estava. — Fechei os olhos, subitamente sentindo


enjoo. — Você sabia... você estava tentando se matar?

— Eu estava pronto para acabar com isso. Eles


morreriam. Eu morreria de novo. Nós todos estávamos indo
para morrer. — Ele rapidamente virou à direita e meu ombro
bateu na lateral do carro. — Eles não me viram agora, no
entanto. Bobby bloqueou meu rosto, e os caras nesses carros
são jovens. Eles não me conheceriam. Não apenas pelo
corpo. Eles estavam atrás de você.
— Todos esses homens para mim? Por que Bobby não
podia lidar comigo sozinho?

— O que mais te assustaria, Mariposa? Um homem ou


alguns?

— Um ou alguns... meu medidor de susto estaria aqui. —


Levantei minha mão acima da minha cabeça.

— Bobby entrou pelas costas, então ele não sabia se você


estava sozinha. Essa é outra razão pela qual ele ligou. Uma
vez que viu você, pediu apoio. Esse foi o fim da sua margem
de conhecimento antes de eu sair em campo aberto. Se
descobrirem quem você realmente é, Marietta, as coisas
ficarão mais perigosas. No momento, há apenas uma
conexão. Nada mais. Mas é o suficiente.

Ele desviou no último segundo, parando na entrada de


uma garagem, mas levou menos de uma inspiração. Assim
que ele se aproximou, o braço levantou-se e quase não
acertou na cauda do carro quando desceu enquanto
acelerávamos a inclinação. No último andar – sete ou oito? –
ele estacionou na área descoberta, sob a luz direta do sol.

Ele me disse para ficar parada até que veio e me


pegou. Quando abriu minha porta, tentei enxugar uma
lágrima que deslizou pela minha bochecha, mas ele percebeu.

— Mariposa. — Ele me puxou do carro, usando a mão


vazia para deslizar um chapéu de baseball na cabeça. Minha
mochila de couro estava nas costas dele. Eu tinha deixado no
carro quando entramos na pizzaria. Ele me entregou um par
de óculos de sol antes de colocar um par. — Vou terminar
isso. Está na hora.
— A foto do bebê. — Mal saí. Nós tínhamos deixado para
trás no balcão.

Corremos para descer a ladeira até os


elevadores. Quando os alcançamos, ele me entregou algo do
bolso.

Minhas lágrimas se acumularam dentro dos óculos,


quase os embaçando, mas o tesouro na minha mão estava
tão claro quanto o dia. — Você pegou.

— Paguei a conta também.

— Você pagou?

— Você gosta de lá, e eles têm uma memória melhor do


que os Scarpones quando os clientes saem. Então, peguei a
foto, deixei duzentos dólares e segui você até o
banheiro. Circunstâncias imprevistas. Faça uma regra para
considerar todos os cenários com antecedência, Mariposa.

— Bobby estava nos seguindo?

— Não. Ele gosta de comer lá, mas tenho certeza de que


ligou para eles quando viu você. Estava transando com uma
das garçonetes. Ela é muito quieta. Teve um vislumbre seu
antes de você ir ao banheiro. Fiquei escondido até bem antes
de você sair.

Parecia não haver mais nada a dizer. Fizemos o resto da


viagem em silêncio. Uma vez lá fora, na frente, ele abriu outro
carro e segurou a porta para mim. Antes de eu entrar, houve
uma grande explosão no andar mais alto da garagem que
tínhamos acabado de sair.
— Eles saberão que... quero dizer, esse é o seu carro,
Capo.

— Não. — Ele pegou um computador no banco de trás e


brincou com algumas coisas. — A papelada afirma que
pertence a um cara que foi morto por... — Ele olhou para o
relógio antigo. — Uma hora atrás. Os Scarpones o atacaram.

— Quanto tempo? — Perguntei, minha voz calma. Olhei


para a foto do bebê em minhas mãos. — Em quanto tempo
você vai acabar com isso?

— Eles vão caçar você. — Ele colocou o carro na estrada


e partiu. Estávamos em um passeio panorâmico pela cidade,
como se a última hora não tivesse acontecido.

— Porque eles sabem que você virá para mim.

— Ou espero que sim... se eu ainda estiver vivo. — Ele


verificou seu retrovisor. — Se eles estão caçando você, estão
vindo atrás de mim. Eles já pegaram minha voz. Vou
encontrá-los no inferno antes que eles tomem meu coração.
Capo
Minha esposa passou o rosário por cima do meu pescoço
antes de eu sair.

Um ritual.

Um rito de passagem.

Um símbolo de seu amor e sacrifício para levar comigo


para a batalha.

Depois que o assassino fez um corte profundo o


suficiente para que meu ar saísse da minha garganta em vez
do meu nariz ou boca, peguei o rosário e o agarrei nas mãos
antes de descer.

Cada respiração era uma luta.

Cada batida do meu coração foi travada.

Eu pensava que o lugar onde Mariposa encontrara seu


paraíso, “seu rosário”, me tocaria. Porque sabia para onde
estava indo. Inferno. Antes do meu último suspiro, queria
tocar o lugar onde ela encontrava paz. Para tocar o que o
outro lado fez antes de dar o último suspiro.

Fé.

Houve apenas alguns momentos da minha primeira vida


que ficaram comigo ao longo dos anos. Uma delas era a mãe
de Mariposa, Maria, antes de eu puxar o gatilho.

Maria foi a primeira pessoa que matei que me ofereceu


perdão pelo que estava prestes a fazer. Ela me disse que
sabia que eu não tinha escolha. Ela me disse que o que eu
estava fazendo estava mostrando misericórdia. Conhecia os
selvagens com quem eu estava relacionado. O que eles fariam
com ela quando a encontrassem.

Naquele momento, porém, tentei pensar em maneiras de


salvar as duas. Uma garota deveria ter sua mãe.

No final, nós dois sabíamos que era inútil. Se eu fosse


salvar sua filha, a menininha que ela chamava de Marietta,
todos os laços com sua vida original tinham que ser cortados.

— Sei para onde estou indo, Vittorio. Eu poderia ter


cometido erros na minha vida – casei-me com um homem que
não era homem de Deus – mas, ainda assim, sou uma mulher
de fé. Não tenho medo da morte, porque estou em uma nova
vida. Cuide do meu bebê.

O único medo que Maria demonstrava era pela


filha. Onde quer que Maria sentisse que estava indo, era para
um lugar melhor. Seguiu o marido durante as noites mais
escuras, os dias mais frios e os lugares mais sujos que seus
pés poderiam ter tocado. Quando os encontrei, eles estavam
quase morrendo de fome. Eles não podiam deixar o lugar
imundo em que estavam vivendo. Nem sequer podiam pedir a
um vizinho que lhes trouxesse comida com medo de serem
descobertos.

Ainda os encontramos.

Havia matado homens que choravam como mulheres,


cagavam e mijavam nas calças, ajoelhavam-se e imploravam
quando a morte batia. Um homem até ofereceu sua esposa
em vez dele. Uma vida era uma vida. Um corpo um corpo.

Maria não. Ela tinha fé, e sua fé lhe deu coragem. Seu
corpo pereceu, mas sua alma continuou viva.

Ela estava ensinando isso a Mariposa o tempo


todo. Quando ela estava com medo, podia tocar sua fé para
encontrar a paz. Mariposa tinha algo que a confortaria para
sempre.

Para alguns, eram contas em uma corda. Mas para


Maria, era uma representação física de seu sistema de
crenças inabalável. Não importa o quão perto seus medos
chegassem, ela tinha algo maior do seu lado para conquistá-
los.

Queria morrer com a mesma paz. Queria prová-la em


meus lábios, senti-la em minhas veias, conquistá-la antes
que meus pecados viessem me recolher. Senti a escuridão se
partir, quebrando como vidro e, a partir dele, todas as
sombras monstruosas me sugando.

Um.
Dois.

Três.

Sem mais respirações.

Então, acordei. Tito sentou ao meu lado. Não consegui


falar. Ainda sentia que não conseguia respirar. Sabia que
estava vivo, porque podia sentir. Tito enrolou o rosário em
volta da minha mão e me disse para esperar.

Lá estava eu, no sentido metafórico, ainda me


segurando.

Talvez esse fosse meu último suspiro.

O quarto final.

Era noite de família em Dolce. O restaurante fechou para


todos, menos para os Scarpones. Eles comiam como reis e
rainhas, riam como se o palhaço tivesse acabado de
apresentar o programa mais engraçado, e contavam aos
novos príncipes histórias sobre o que seus ricos futuros
tinham. Quão poderosos eles seriam quando se tornassem
reis.

Tudo. Porra. Besteira.

— Atenção, filhos da puta, queria dizer aos filhos de


Achille, isso facilita a faca quando o assassino corta sua
garganta. Porque notícias de última hora: Só pode
haver um rei. Essas histórias? Sim, elas são bem altas. Alta o
suficiente para que apenas um de vocês consiga chegar ao
topo.
Depois que as esposas saíam, com casacos de peles
sobre os ombros, joias nos pulsos, os melhores sapatos nos
pés que não mereciam, os homens ficavam para trás e
jogavam pôquer. Achille podia ter uma de suas prostitutas
esperando para lhe dar um beijo de sorte. Somente as
afortunadas deixariam os apartamentos onde ele as instalou
e seriam vistas em público ao lado dele.

Adivinha quem vai jogar hoje à noite, pessoal?

Eu finalmente estaria ocupando o lugar que eles


reservaram para mim um domingo por mês.

Ri, o som rouco e baixo. Sim, e quanto a isso? Eles me


reservariam um lugar na mesa de pôquer uma vez por mês,
incluindo um copo de uísque. Eu nem gostava da porra do
jogo. Ao longo dos anos, o jogo de xadrez do velho se
transformou no jogo de pôquer de Achille. Mais rápido e
menos pensamento envolvido. Era um sinal dos tempos.

Três membros da equipe ficaram do lado de dentro para


esperar a família. O resto eram Scarpones, incluindo os
homens que juraram dar a vida pelo rei e por seu filho
brincalhão. Os príncipes bebês também estavam lá.

O garoto gênio pensou que tinha um controle sobre a


segurança deles. Liguei os monitores, sendo mais chique que
ele. Tudo o que viam era o restaurante, mas não a mim, de
pé, ao lado dele, relaxando no beco. A coisa mais brilhante
em mim era o rosário em volta do meu pescoço, mas estava
escondido dentro da minha camisa.

Então meu telefone se acendeu.


Andei para o outro lado do prédio, ao ar livre, puxando a
gola da minha jaqueta. O ar ainda continha o frio de
fevereiro, apesar de estarmos em março, mas o frio raramente
me tocava. Era mais para me manter escondido até a hora
certa.

As ruas estavam lotadas e me perdi na selva de concreto


para poder verificar meu telefone. Estava na frente da loja
que vendia as estatuetas que minha esposa queria para o
nosso filho.

Sua esposa: Ei, você esqueceu algo importante em casa.

Eu: Duvido. Tudo o que é importante está em casa. Mas


me diga assim mesmo. O que deixei para trás?

Sua esposa: Eu.

Um segundo depois, meu telefone vibrou.

Sua esposa: Por favor, volte para casa. Ainda nem o


nomeamos.

Respirei fundo, e ele saiu da minha boca em uma nuvem


branca.

Eu: Saverio Lupo. Saverio significa “novo lar”. É um


cognato de Xavier ou Javier. Lupo significa “lobo” em italiano.

Sua esposa: Saverio é o nosso novo lar. O novo lar do


lobo com sua farfalla.

Eu: Sim.
Sua esposa: Não sei mais o que dizer e, antes de você
sair, eu não podia. Você me encontrou e me deixou quando
eu era criança. Então te encontrei anos depois. Em um
mundo cheio de todas essas pessoas e todas essas palavras,
encontrei você. Assim como você me encontrou.

Alguns segundos se passaram. A vibração disparou


novamente.

Sua esposa: Não me deixe de novo, Capo. Eu não tinha


ideia do que estava perdendo toda a minha vida até que você
me tocou. Eu não estava morrendo de fome por coisas. Bem,
eu estava, mas era mais profundo. Era você. Eu estava
faminta por você. Nada pode te substituir na minha vida.

Ela estava dançando isso desde o que aconteceu no


Mamma's. Três dias se passaram desde então. Ela me disse
para esperar um dia, mas outro dia era igual a eles terem
mais horas para descobrir quem ela era.

Eu era um maldito fantasma. Eles já tinham me


matado. Mas minha esposa, ela era a garota que salvei uma
garota que tinha um batimento cardíaco. Eles não parariam
em nada para usá-la contra mim.

Se eles descobrissem que ela estava grávida do meu filho


– o pensamento por si só fez meu sangue esfriar e depois
subiu quente.

Achille a rasgaria em pedaços, se ele chegasse


primeiro. Arturo a manteria viva por tempo suficiente para ter
o bebê. Então ele a mataria e criaria meu filho como seu.
A traição final, mesmo matando sua carne e sangue, e
um último foda-se, meu filho lindo. Se houvesse alguma paz
na morte, ele sabia que eu nunca a encontraria com meu
filho nos braços.

Isso precisava terminar. Havia muitas circunstâncias


imprevistas.

Colocando o telefone no bolso depois de desligá-lo, olhei


para o relógio.

É hora do jogo começar, filhos da puta.

Desci um pouco, esperando na frente de Dolce. O cheiro


de vitela parmigiana invadiu minhas narinas e apertou minha
garganta.

Bem na hora, dois homens mascarados saltaram de um


carro à espera, correndo para o beco.

Gritos. Tiros. Os funcionários da cozinha estavam


mortos.

Vaia. Bam. Vaia. Três a menos.

Mais tiros. Os dois homens mascarados correram de


volta do beco. Três homens correram atrás deles.
O carro que estava esperando acelerou com os dois
homens mascarados. Os três idiotas correram pela rua até a
garagem. Eles estavam tentando persegui-los.

— Sim, — respirei. – E como isso funcionou para você da


última vez? Todo musculoso e sem cérebro.

Andei casualmente pelo beco, de cabeça baixa. Fiquei ao


lado da porta da cozinha ouvindo. Arturo estava gritando. Em
todos os seus anos como rei de Nova York, apenas uma alma
já o havia experimentado.

Corrado Palermo.

Era uma reviravolta nos eventos a que ele não estava


acostumado.

Eu ri um pouco, ouvindo-o repreender Achille. Depois


que o velho se aposentasse, ele assumiria. O palhaço insano
governaria um reino de desajustados.

Mais dois homens Scarpone saíram correndo pela porta,


um de cada vez. Quando o primeiro parou, o outro parou e o
primeiro atingiu o segundo no peito – um sinal que
significava manter os ouvidos e os olhos abertos e a boca
fechada. O outro cara assentiu.

Esses homens não fizeram nada comigo, exceto trabalhar


para a família lá dentro. Então isso não era pessoal. E cortar
a garganta de uma pessoa, isso era pessoal. Sem uma
palavra, tirei cada uma deles com uma bala na parte de trás
do cérebro. Isso fez uma bagunça, mas o sangue saiu da
cozinha de qualquer maneira. A arma estava mais silenciosa
do que os dois corpos que atingiram o chão.
Entrei na cozinha como se fosse o dono do lugar. Como
previsto, três corpos estavam caídos no chão.

Parecia que Cash Kelly havia se vingado, mesmo que ele


não tivesse sido capaz de tocar os principais jogadores. Ele
teria alguma influência nesta cidade, mesmo que seus dois
caras fugissem depois.

Os Scarpones estavam enfraquecidos, mas sabiam que


comiam as patas sépticas para salvar o corpo inteiro. Por
causa disso, Cash conquistaria algum respeito dos italianos,
mesmo que os italianos fossem mais cautelosos com ele e
seus motivos. Em geral, irlandeses e italianos trabalhavam
juntos em harmonia ou ficavam afastados um do outro.

Até eu começar.

Antes que os príncipes recém-coroados pudessem pular


em mim, atirei nos dois filhos de Achille. Um deles caiu
contra a parede e deslizou, a arma ainda na mão. O outro
pareceu chocado por um momento, sua arma ainda
levantada, antes de cair sobre a mesa de cartas.

Achille e o filho caçula haviam ido à frente do


restaurante. Imaginei que sim, para verificar as coisas.

Sentei-me ao lado de Arturo depois de recolher as armas


do príncipe, minhas costas contra a parede, e colocar minha
arma no meu colo. Este era meu assento honorário, o copo de
uísque intocado.

— Importa-se se eu me juntar a você? — Deslizei uma


pilha de cartas no meu caminho e depois tomei um gole do
meu uísque. Era em minha homenagem, afinal. Coloquei as
cartas viradas para baixo, olhando Arturo nos olhos. —
Parece que recebi uma mão de merda. Exijo que acabe.

Seu coldre de ombro segurava duas armas e, mesmo que


ele desejasse usá-las, me esperou. Isso era bom demais para
ele deixar passar. Afinal, do que tinha medo? Um fantasma
com uma arma? Um homem que estava em menor número de
três para um?

Está certo, minha borboleta. O diabo vem em três.

— Vá embora agora. — Ele revirou os dentes sobre o


lábio inferior. — E vou deixar você viver.

Inclinei-me para frente, pegando mais cartas da


pilha. Deslizei a mão de merda em sua direção. — Deixar-me
viver? — Eu sorri — Depois que você teve a gentileza de
cortar minha garganta e me deixar morrer como um animal,
sozinho e no cimento frio, bem ao lado do lixo.

— Você me enganou. Ninguém me engana e vive para


contar sobre isso.

— Ah. Mas eu fiz. — Minha garganta se apertou e minha


voz saiu aguda e áspera. Às vezes, o tecido da cicatriz fazia
minha voz fazer coisas engraçadas. — Estou falando sobre
isso. — Acenei com a mão, pegando uma carta e a
substituindo por outra na pilha. — Essas são todas notícias
antigas. Está na hora de colocar um velho fantasma para
descansar.

— O que você quer, Vittorio?


— O que eu quero? — Estou acostumado. — Diga-me
você.

Ele olhou ao redor da sala. — Você conseguiu matar a


maioria de nossos herdeiros. Sei agora, com certeza, que você
está fazendo guerra entre as outras famílias e a nossa. Você
também armou os irlandeses para nós. Você está roubando
de nós. Você se vingou. O que mais você quer?

— Você — eu disse — no Hudson. Seus pés pesados de


concreto. O Joker ao seu lado. Os Scarpones a serem limpos
desta terra. E tenho certeza de que você está curioso para
saber por que quero você e seu filho brincalhão no fundo do
Hudson, do que perto da lixeira. Há lixo nesta terra e
depois há lixo que precisa ser enterrado abaixo de sua
superfície.

Ele ficou de pé sobre mim. Olhando para mim. Velhos


tempos. Exceto neste momento, ele era mais velho. Seu
cabelo preto tinha ficado cinza nas laterais. Seu rosto estava
desgastado. O nariz dele estava maior. Seus ombros
começaram a ceder com o fardo de carregar a vida por
quantos anos ele esteve nesta terra. O tempo avança e
aparece no corpo, mas algumas pessoas nunca superam seus
papéis.

Finalmente, encontrei seus olhos novamente. Quando


estava pronto.

— Por que você me desobedeceu, Vittorio? Por que você


escolheu a filha de Palermo em vez de seu próprio pai? Ele
tentou me matar! Ele ia cortar minha garganta! Você tinha
ordens!
— Suas ordens não significaram nada diante de uma
criança inocente.

— Criança inocente? — Ele expirou. — Ela é a cria de


Lúcifer!

— Não. Eu sou a semente do diabo. Quantos anos eu


tinha quando tirei a vida de um homem por seu
pedido? Quando fiz meus ossos. Quinze? Dezesseis? — Puxei
as cartas para mais perto de mim, batendo com o dedo na
parte superior. Uma. Duas. Três vezes. — Você já assistiu
uma criança colorir? Ou ouviu como a palavra blue36 parece
como “boo”? Ou viu como ela esfregava um rosário cru porque
estava com tanto medo? Com medo de todo barulho. Toda
sombra.

Ele ficou quieto por um longo período. Ouvi passos se


aproximando, e Achille começou a dizer algo quando entrou
na sala, mas parou quando me viu sentado lá. Ouvi o martelo
da arma dele voltar, mas Arturo levantou a mão para impedi-
lo de usá-la. Achille sempre empatou primeiro e não se
preocupou com as consequências depois.

Ele matou o cara errado? Oh fodidamente bem. Isso é


vida.

Arturo sabia o tipo de homem que Achille era. Era por


isso que ele o chamava de Joker. Achille era um simples
soldado de pé que não era capaz de pensar sozinho. Ele tinha

36
Mantive no original para dar sentido a sequência da frase. Blue, quer dizer azul.
que ser conduzido. Direcionado. Encomendado. Ossos cruéis
eram necessários para viver neste mundo, o que ele possuía
em sua essência, mas um cérebro estratégico era ainda mais
importante.

A violência era menos da metade da batalha. A estratégia


superava o derramamento de sangue. Se sua mente estivesse
ferrada, o derramamento de sangue de seus homens poderia
ser reduzido ao mínimo, enquanto seus adversários seriam
atingidos.

Arturo sabia disso também, mas havia mais fatores em


jogo. Ele me matou porque não matei a filha de Palermo. Mas
ele também me matou porque sabia que o venci de todas as
maneiras que contavam em seu jogo. Levei-o a se foder, dia
após dia, ano após ano. Paciência e estratégia foram dois dos
meus maiores pontos fortes.

Xeque-mate.

Quando chegou a hora certa, olhei para os três.

A boca de Arturo se transformou lentamente em um


sorriso, e então o sorriso se transformou em um riso, e então
ele começou a gargalhar. Ele riu tanto que uivou. Os dois
homens ao lado dele olharam entre nós, sem saber o que
diabos estava acontecendo.

Depois que o humor de Arturo diminuiu, ele enxugou os


olhos, suspirando. — Você sentiu pena da filha de
Palermo. Algo que você nunca sentiu antes. Antes daquela
putinha lançar seu feitiço em você, você não tinha
sentimentos. E agora você está apaixonado por ela.
Ele olhou para Achille. — Esqueça de mandar os
cachorros para a cadela que conhecemos na Itália. Sei quem
ela é, Marietta Palermo. Eu deveria saber. Aquele maldito
nariz. Até aqueles olhos de bruxa. Ela se parece com sua mãe
prostituta.

Achille sorriu, mas ele ainda segurava a arma. — Não


brinca!

Vito, filho de Achille, me olhou. Não havia sorriso no


rosto. Nada apareceu em seus olhos. Ele já estava morto por
dentro. Entendi como ele se sentiu antes mesmo da minha
morte. Nada poderia me tocar. Nada existia dentro.

A inocência de Marietta me colocou em um caminho


diferente, mas foi preciso o beijo da morte para me fazer
sentir vivo. Se a faca nunca tocasse minha garganta, nunca
seria capaz de realmente sentir seu amor.

Amor. Havia um novo conceito de merda. Era o lugar


mais terrível que já estive, mas, ao mesmo tempo, mesmo
sem matar esses três, eu era um rei intocável.

Que viagem.

Ainda. De volta ao ponto.

Chutei a cadeira na minha frente, iniciando esta


reunião. Arturo sentou-se primeiro, seguido por Achille. Vito
ficou mais tempo, mas depois que seu pai lhe disse para se
sentar, ele fez. Ele me olhou com um vazio nos olhos.

— Não vou sentar aqui e jogar uma merda de jogo com


você, Vittorio. — Achille jogou as cartas para mim. — Você
esteve brincando conosco esse tempo todo. Brincando de
merda como um fantasma, não como um homem. Como isso
é justo?

Joguei a cabeça para trás e ri. — Como isso é justo?

No espaço de quatro batimentos cardíacos, duas cadeiras


gritaram e todas as armas foram sacadas. Fui o mais rápido e
minha arma apontou para a cabeça do velho Arturo, Achille e
seu filho estavam com as armas apontadas para mim.

— Não importa se eu morrer. — Passei os dentes pelo


lábio inferior. — Já estou morto.

— Marietta não está. — Arturo sorriu. — Quando você


estiver morto, não haverá segunda chance, Vittorio. Vamos
encontrá-la e matá-la. Não será uma morte fácil.

Eu sorri, mas estava longe de ser agradável. — Desta vez


não tenho um assento na primeira fila para assistir?

Achille sorriu, sua semelhança com o coringa nunca tão


forte como quando sua loucura aumentou um pouco. — Você
vai assistir, Príncipe Bonito. Desta vez, porém, sou eu quem
vai fazer a merda. Vi sua garota. Bela bunda. Boa boca
também.

Tive que manter minha cabeça ereta, manter a calma, ou


ele venceria.

— Você não a encontrou antes. Você nunca a encontrará


agora.
— Vamos encontrá-la – disse Arturo. — Nós sabemos
como ela é agora. Conhecemos os amigos dela.

— Ela está sob a proteção dos Faustis. Mate-me. — Dei


de ombros. — Ela ainda estará segura.

— Você é bom em fazer acordos com o diabo,


Vittorio. Tenho certeza de que alguém lhe custará sua alma.

— Não me custou nada, já que sou a semente do diabo


— disse em italiano. O rei e o Joker só tinham certas
palavras. Ambos odiavam quando eu falava a língua da
minha mãe. — Mas chega de mim. Vamos conversar sobre
Palermo.

— E Palermo? — Os pensamentos de Arturo trabalharam


atrás de seus olhos. Ele estava questionando tudo o que
achava que sabia sobre a morte de Corrado Palermo — Ele
ainda estava vivo?

— Pergunte ao Achille — eu disse.

— Achille. Do que ele está falando?

Achille olhou para mim com tanto ódio que fiquei


surpreso que a arma não disparasse apenas com o calor
dela. — Ele está falando bobagem, pai. Você vai ouvir um
fantasma covarde?

Nenhum deles percebeu o leve movimento que fiz, até


que tirei o papel do bolso e o coloquei na mesa. Um segundo
depois, Vito ficou um pouco excitado demais e apertou o
gatilho. A bala roçou meu braço, meu casaco foi atingido e
depois preso na parede de tijolos.
Uma coisa sobre o garoto esperto, ele tinha uma mira
terrível. Havia uma razão pela qual Arturo o mantinha atrás
da tela do computador. Era aí que ele se destacava em armas.

— Que porra é essa, Vito? — Achille lhe deu um tapa


com tanta força na cabeça que os óculos do garoto
escorregaram pelo nariz.

As bochechas de Vito esquentaram, antes que seus olhos


se tornassem ainda mais cruéis... para mim. Eu estava
errado. Ele tinha um sentimento por ele. Ressentimento.

O acidente com a arma deu a Arturo a chance de ler a


nota que eu tinha lhe dado. O olhar em seu rosto alimentou
minha vingança.

Arturo levantou o jornal. — Você estava conspirando com


Palermo.

— O quê? — O rosto de Achille se enrugou. Ele foi pegar


o diário, mas Arturo o segurou. — Deixe-me ver, pai.

Arturo olhou para ele mais um segundo antes de


entregá-lo. Os olhos de Achille examinaram a página. — Isso
é besteira!

— É? – Meu tom era tão leve e despreocupado. – Palermo


era um tesouro. Ele criou o hábito de escrever tudo. Ele
manteve diário após diário. Veja bem, ele pensou que
conseguiria sobreviver com vida. Dizia-se que ele estava
tentando se tornar o novo rei de Nova York, mas a verdade
era que não estava tentando se tornar rei, mas o conselheiro
mais confiável do novo rei.
— Besteira! — Achille rugiu, a arma começando a
tremer.

— Palermo não tinha motivos para mentir. Está tudo


aí. — Balancei a cabeça para o papel em sua mão. — Ele
tinha informações privilegiadas, as quais você culpou Carlo, o
rato jogando dos dois lados, por dar a ele. Era você o tempo
todo. Você deu a faca a Palermo e ordenou o golpe nele. — Fiz
que sim com a cabeça para Arturo, cuja mente era clicar,
clicar, clicar, todas as peças se encaixando.

Arturo estava tão ocupado sendo cegado pela minha


aparência de menino bonito e minha mente afiada que nunca
viu a verdadeira cobra em sua casa.

Achille foi a razão pela qual Palermo colocou sua família


em perigo. Ele queria governar ao lado de Achille, e baseou
suas decisões em promessas construídas a partir de
mentiras. Então, quando tudo deu errado para Palermo,
Maria soube que ela era o único elo vivo que poderia
esclarecer a situação – e, uma vez que Palermo se fosse,
Achille se asseguraria de segui-la. A filha também, por uma
boa medida.

Depois que voltei para a casa que Palermo possuía


quando ele trabalhava para Arturo, comecei a cavar. Meu
principal objetivo era encontrar uma ou duas fotos de Maria
para dar a Mariposa. Se algo acontecesse comigo, queria ter
certeza de que ela tinha essas memórias.

Descobri muito mais.

Afinal, Mariposa recebeu algo do pai – a necessidade de


manter um diário.
Essencialmente, Achille havia convencido Arturo de que
eu precisava desaparecer depois de deixar Marietta viver. Ele
convencera Arturo que, desde que salvei a filha de Palermo,
mentiria para salvar minha vida. No entanto, olhando para
trás, sabendo o que fiz depois de ler as lembranças de
Palermo, percebi que Achille não só me queria morto para
que pudesse ter todo o reino, como também me queria morto
porque não fazia ideia do que a mãe de Mariposa havia me
dito antes de morrer. Ou o próprio Palermo para esse
assunto.

Achille não tentou outro golpe em Arturo porque teria


sido muito suspeito. O grupo de confiança de Arturo era
pequeno e suas localizações não eram conhecidas até ele já
ter chegado. Teria sido um movimento muito franco. Sem
mim, as coisas eram simples. Tudo o que ele tinha que fazer
era esperar seu tempo.

Todos ficamos com as armas apontadas, esperando, a


arma de Arturo apontando diretamente para o meu
coração. Então a mão de Arturo se moveu e sua bala atingiu
Vito direto no coração. O garoto bateu na parede, escorregou,
os óculos torcidos, a boca aberta.

Arturo apontou a arma para Achille, mas com a


velocidade da juventude, Achille apontou a arma para a
cabeça de Arturo e apertou o gatilho. Os joelhos de Arturo
cederam e ele caiu no chão. Não perdi o olhar em seu rosto
antes que ele perdesse a batalha com a morte – raiva. Ele
sempre foi tão odioso, e nem mesmo a morte poderia roubá-la
dele.

Achille e eu nos circulamos, nossas armas ainda


empatadas.
— Mesmo para um homem morto, você perde, Vittorio. —
Ele cheirou. — Você sempre me considerou o idiota. Posso
não ser tão inteligente quanto você, mas a merda acontece
por um motivo, e sou bom em juntar as coisas. Tive uma
visão enquanto estava no hospital hoje cedo, vasculhando o
necrotério, procurando meu filho desaparecido. Tito Sala. Ele
te salvou naquela noite.

— Um tiro, Achille — eu disse, cansado do jogo. Mas a


menção do nome do meu tio me fez hesitar em puxar o
gatilho. Se ele tinha Tito, não havia como dizer que tipo de
jogo doentio ele estava jogando. — Um de nós vai terminar
isso. Um disparo. É tudo o que você tem para me matar desta
vez.

Achille deu um passo atrás, indo para a cozinha. Mudei-


me com ele, passo a passo. Ele parou do lado de fora da sala,
onde havia um armário para pendurar casacos. Arturo o
colocou porque não gostava de alguém tocando suas
coisas. Depois de Palermo, ele pensou duas vezes sobre o que
ou quem poderia derrubá-lo. — Circunstâncias imprevistas
são uma merda, Vittorio.

Ele abriu o armário e Tito caiu. Ele estava amarrado e


amordaçado. Achille segurou-o com uma mão, colocando a
arma na têmpora. Os óculos de Tito se foram e seus olhos
piscaram para mim antes que eles se abrissem
completamente. Depois que a situação chegou à sua mente,
ele balançou a cabeça, tentando falar. Eu sabia o que queria
sem ele ter que usar palavras. Ele estava tentando me dizer
para não sacrificar minha vida pela dele.

Não consegui acertar.


Circunstâncias imprevistas.

Não havia como sacrificar a vida de Tito pela minha. O


homem era o anjo que estava entre a morte e eu. Se alguém
merecia viver a vida, mesmo que fosse para salvá-los, era
esse homem.

— Abaixe a arma, Vittorio — ordenou Achille,


pressionando a arma contra a têmpora de Tito ainda mais. —
Agora. Ou seu bom tio será tão bom quanto, morto.

Levantando minhas mãos em sinal de rendição, deixei a


arma cair no chão. Tito começou a lutar, mas não
adiantou. Eu já tinha me rendido.

Minha esposa estava em segurança. Meu filho estaria


seguro.

Achille me mataria, mas ele nunca os tocaria. Rocco


cuidaria disso. Especialmente depois que sacrifiquei minha
vida por Tito.

— De joelhos, Vittorio — Achille ordenou. — De joelhos! –


Ele rugiu quando me recusei a obedecer

Mantive minhas mãos para cima, colocando-as atrás da


cabeça, mas me recusei a me ajoelhar. Ele ia me matar de
qualquer maneira. Eu seria condenado se me ajoelhasse por
qualquer homem. Apenas me curvei, quebrei e caí para uma
pessoa nesta terra – uma mulher, minha esposa.

Lentamente, peguei minhas mãos, pegando o rosário em


volta do meu pescoço. Puxei e guardei perto do meu coração.
A arma pressionou a parte de trás da minha cabeça e,
mais uma vez, encontrei a paz na minha hora mais escura.
Mariposa
Antes de Capo partir, ele me deu uma caixa azul
amarrada com um laço azul. Ele me disse para abri-la depois
que ele saísse. Assim que ele saiu, não perdi tempo.

A primeira coisa que encontrei foi uma nota em cima de


papel de seda azul.

Mariposa,

Naquela noite, na noite em que te levei ao velho Gianelli e


Jocelyn, você me disse que sua cor favorita era azul. Exceto
que você disse boo em vez de blue. Foi a primeira vez desde
que minha mãe me deixou que lembrei de sorrir e sentir. A
última vez será o momento em que saio pela porta de nossa
casa e penso em você – você não diz mais nada, mas ainda faz
algo comigo que não tem palavras para defini-lo.

Por isso, te devo minha vida. Não fui eu quem te salvou


naquela noite, mas você que me salvou.
O que está além da superfície desta caixa não pode trazer
de volta o que você perdeu pelas minhas mãos, mas talvez
essa parte perdida possa começar a encontrar o caminho de
volta.

Capo

Sob o lenço havia um álbum cheio de fotos. Fotografias


que eu nunca pensei que veria. Minha mãe. Minha mãe me
segurando como uma recém-nascida. Inúmeras fotos minhas
até os cinco anos. Parecia que ela só mantinha suas
favoritas. Fotos importantes o suficiente para enterrar e
manter ocultas.

Mandei uma mensagem para Capo depois, derramando


minhas entranhas. Estava com muito medo de contar
pessoalmente todas as coisas que eu precisava que ele
soubesse, com medo de que talvez minhas palavras
estragassem alguma coisa, e ele nunca voltasse para mim.

Ele não me disse o que ia fazer, mas eu sabia. Havia algo


diferente nele o dia inteiro.

O jeito que ele olhou para mim.

Como se fosse a última vez.

O jeito que ele me beijou.

Como se fosse a última vez.

A maneira como ele me tocou, como se fosse a última vez.

Mais do que palavras.


Rocco tinha terminado, e os dois tiveram uma reunião no
escritório de Capo. Não gostei da maneira como Rocco olhou
para mim antes de sair. Como se ele estivesse olhando para
uma viúva pela qual logo seria responsável.

Mais uma vez, mais que palavras.

Antes de Rocco sair, coloquei uma nota na palma da mão


dele. Foi um gesto natural, um adeus ao aperto de mão, e
esse foi o fim. Não tive problema em usar todas as minhas
palavras.

Não conseguia ficar parada, no entanto. Havia dado a


Capo meu rosário para levar com ele, e sentia falta de poder
esfregar as contas entre os dedos para aliviar minha
ansiedade. Pela primeira vez desde que me casei com Capo, o
diabo se aproximou novamente.

Vestindo um par de tênis, cruzei para o outro prédio,


encontrando Giovanni na cozinha.

— Alguma palavra do meu marido?

Ele balançou sua cabeça. — Desde que ele saiu.

Mordi o lábio e assenti. — Quero sorvete.

Ele apontou para o congelador. —– Está abastecido.

— Não. Eu quero baunilha. Temos todos os outros


sabores, exceto baunilha.

Ele me observou por um momento e depois chamou


Stefano, seu segundo encarregado, para a cozinha. — A
Sra. Macchiavello gostaria que você corresse para a loja para
pegar sorvete de baunilha.

— Vou dirigindo — eu disse, pegando as chaves no


gancho em uma sala que abrigava a maioria das chaves do
carro. Era necessária uma senha para entrar. O restante das
chaves estava do nosso lado, no quartel dos bombeiros. Capo
pensou em tudo.

Capo disse a Giovanni que não tinha nenhum problema


comigo saindo hoje à noite, desde que um dos homens fosse
comigo. O que levantou outra bandeira vermelha. Por que ele
tinha tanta certeza de que os Scarpones não estariam em
busca de mim?

Giovanni assentiu, e Stefano e eu fomos para a


garagem. O alarme tocou na Ferrari vermelha e nós dois
entramos. Antes de abrir a garagem, enviei uma mensagem
para Capo.

Eu: Vou com Stefano tomar sorvete. Podemos assistir a


um filme antigo e beber floats de cerveja à noite. Você voltará
para casa, Capo.

Mais uma vez, ele não me mandou uma mensagem de


volta. Ele não tinha respondido, não desde antes. Depois de
ter derramado meus sentimentos sobre ele por um dispositivo
eletrônico. De repente, pareceu... tão necessário contar a ele
todas as coisas.

Verdade seja dita, não dava a mínima para


sorvete. Estava indo para Dolce para ver onde estava meu
marido. Para ter certeza de que meu pesadelo não estava se
tornando realidade — meu marido sangrando no cimento,
segurando o rosário nas mãos enquanto ele me deixava.

Stefano percebeu que não estávamos indo para a loja.

— Sra. Macchiavello, estamos indo na direção errada. —


Ele apontou para o outro lado com o dedo. — A loja é ali.

Ignorei-o. Ele tentou de novo. Ainda o ignorei. Comecei a


ir mais rápido, uma pressão dentro de mim que nem
conseguia explicar pressionando meu pé com mais força no
acelerador. Eu estava em pânico.

— Sra. Macchiavello!

Antes que eu pudesse entender o que estava


acontecendo, o resto das palavras saiu da boca de Stefano em
uma espécie de câmera lenta suspensa: — um caminhão!

Essas foram as últimas palavras de sua boca antes que


um caminhão enorme saísse do nada e batesse na porta do
lado do passageiro da Ferrari.

Aconteceu tão rápido que, enquanto o carro rodava,


minha mente nem teve tempo de recuperar o atraso. Depois
disso, fomos acertados, mas tudo ao meu redor parecia
distorcido. Embaçado. Estendi a mão e toquei minha
cabeça. Assobiei. O sangue correu pela minha testa, ardendo
nos meus olhos.

— Stefano — resmunguei.

Sem resposta.
Eu disse seu nome novamente, tateando por ele, mas
ainda não havia resposta. Então, coloquei a mão na minha
barriga, me perguntando se o impacto havia machucado o
bebê.

Meu bebê.

Mesmo que as lágrimas não viessem – talvez eu estivesse


em choque – algo veio de uma parte de mim que nunca tinha
conhecido antes. Que era preocupação diretamente das
profundezas do meu coração e alma.

O pensamento de algo acontecendo com meu bebê me


levou a um pânico oco e silencioso. Então senti uma
vibração, um leve movimento, e relaxei, mas não me senti
totalmente à vontade.

A respiração sussurrou em mim quando fui me mover,


para tentar abrir a porta. Minha costela estava
quebrada? Tossi e doeu ainda mais.

De onde veio o caminhão? Embora estivesse indo rápido,


estava prestando atenção. Sem luzes. Não havia luzes
acesas. Era um demônio batendo em uma luz brilhante.

No segundo seguinte, minha porta se abriu e um homem


entrou e me cortou do cinto de segurança. Depois que ele fez,
puxou-me para a rua pelos meus cabelos. Gritei sem
querer. Meu peito estava pegando fogo.

O senso finalmente chegou ao meu cérebro. O homem


não estava lá para me ajudar. Ele estava lá para me matar. O
homem começou a lutar comigo pelo relógio no meu
pulso. Eu sabia que era um homem por causa de seus braços
peludos.

Ele estava me roubando?

— Dê para mim, sua puta! — Ele me deu um tapa forte


no rosto. — Se você continuar lutando comigo, vou cortar seu
pulso por isso!

Congelei com o som da sua voz. Concentrei-me nele,


realmente focada nele, e a respiração me deixou
completamente. Ele arrancou o relógio, jogou-o no banco do
motorista da Ferrari e depois esvaziou uma lata de gasolina
ao redor do carro. Talvez até dentro dele. Ele se aproximou de
mim depois, com a bota na minha cara.

Ele sabia sobre o relógio.

Ele sabia que essa era minha linha direta com a


segurança, com alguém vindo para mim.

Capo me encontrando.

Salvando-me.

Capo... ele estava morto? Eu não aguentava nem pensar.

Tentei me arrastar para longe, mas não adiantou. O


louco me arrastou pelos cabelos até a caminhonete que
estava esperando, me jogando para dentro. Minha cabeça
girou, meus olhos continuaram entrando e saindo de foco, e
nem podia chamá-lo pelo nome dele. Estava na ponta da
minha língua, mas minha mente se recusou a alimentar as
palavras na minha boca.
Ele continuou murmurando coisas, o que ia fazer
comigo, para onde estava me levando, o quanto eu sofreria,
mas sua voz continuava entrando e saindo de água fervente.

A última coisa que me lembro foi de ver a Ferrari em


chamas enquanto partíamos. O diabo finalmente me pegou, e
ele estava me levando para o inferno com ele.
Capo
Um único tiro ecoou no ar. Não era alto, mas alto o
suficiente para ouvi-lo. Meu aperto no rosário ficou mais
forte, mas depois de um segundo, tudo o que ouvi foi um
corpo cair no chão.

Meus olhos se voltaram para a esquerda e depois para a


direita.

Não era o meu corpo.

Eu ainda estava de pé, o rosário cortando minha palma.

— Amadeo — disse Rocco — me ajude a desamarrar esta


donzela em perigo antes que ele receba os vapores.

Levei um momento para compreender o que tinha


acontecido. Rocco estava desatando Tito. Achille estava
deitado no chão atrás de mim, com sangue escorrendo pela
cabeça. Ele estava morto.
A morte estava ao meu redor. E mesmo que suas mortes
me satisfizessem porque eles não estavam mais incomodando
os meus, isso era tudo, alívio por não poderem machucar
minha família.

— Você! — Tito rugiu depois que Rocco arrancou a fita


da boca. — Vou machucá-lo quando Rocco soltar essas mãos.
— Ele as mexeu, como se mal pudesse esperar para colocá-
las em volta do meu pescoço.

Rocco sorriu para mim. — Devemos colocar a fita de


volta?

— Não ouse! — Tito rosnou. — Castrarei vocês dois!

— Tio, — disse Rocco. — Você não deveria ter feito isso


para... — ele acenou com a cabeça em direção a Achille —
antes de permitir que ele o sequestrasse?

— Eu estava cansado! Tive um paciente muito instável


no hospital. Achille surgiu do nada na garagem. Quando eu
não esperava nada, ele me bateu na cabeça e depois me
amarrou! Aconteceu que ele me sequestrou na noite em que
você buscou sua vingança!

— Rocco. — Minha voz saiu tensa, pedindo-lhe para


explicar a razão pela qual ele estava aqui.

Sob nenhuma circunstância queria que os Faustis se


envolvessem nos meus negócios. Quando essa noite
aconteceu, foi nos meus termos. Se um dos Scarpones tivesse
chegado ao topo, era assim que os dados rolariam.

Jogos. Tantos jogos de merda. Todos eles terminaram.


Tive essa conversa com Rocco em muitas ocasiões. Eu
havia trazido isso à tona novamente depois que ele me deu
sua palavra de que os Faustis aceitariam minha esposa se
algo acontecesse comigo. Mariposa não sabia disso, mas
mesmo antes de concordar em se casar comigo, pedi para ele
cuidar dela. Ela era a única herdeira de tudo o que me
pertencia.

Rocco parou de lutar com Tito e se concentrou em


mim. Ele cavou no bolso, puxando uma folha de papel. Fora
arrancado de um diário. Ele entregou para mim.

Dolce. Esta noite. Não faça isso como um favor para mim,
faça como um favor para o amor. Não te devo uma, mas o amor
vai.

Mariposa. Minha esposa. Eu reconhecia a letra dela em


qualquer lugar, especialmente depois de ler o diário de frente
para trás. Levantei o papel.

Rocco assentiu. — Sua esposa. Ela colocou na minha


mão antes de eu sair da sua casa mais cedo. — Ele encolheu
os ombros. — Ela falou com o romântico em mim.

— Liberte-me, sobrinho!

Nós dois olhamos para Tito, que lutou para se libertar o


resto do caminho. Não tivemos tempo, no entanto. Sirenes
tocavam a distância. Cada um de nós pegou um braço e o
levantou, carregando-o com os pés levantados do chão. Ele
amaldiçoou o caminho inteiro, mas ficou quieto quando o
colocamos no carro. Então ele apenas murmurou e olhou pela
janela, como se ele se recusasse a falar com qualquer um de
nós.
Peguei meu computador, certificando-me de que todas as
precauções que eu adotara ainda estavam lá. A câmera havia
gravado apenas alguns trechos da noite.

O que mostrou de dentro foram os homens mascarados


entrando e matando a equipe da cozinha, os homens
Scarpone correndo atrás deles, Arturo matando Vito e Achille
matando Arturo. A nota de Corrado Palermo ainda estava
com Arturo.

A polícia nunca veria imagens, então teria que adivinhar


quando se tratava de Achille. A lista de seus inimigos não
podia estar contida em uma página. Eu duvidava que a lei se
esforçasse muito para encontrar o assassino de Achille. Rocco
fez um favor a eles.

— Velho — eu disse, ainda olhando por cima do meu


computador, falando com Tito. — Você salvou minha vida
uma vez. Você me deu uma segunda chance. Minha vida pela
sua foi o mínimo que pude fazer.

Ele me deu um tapa na parte de trás da


cabeça. Duro. Pelo canto do olho, vi Rocco sorrir.

— Exatamente! Sou um homem velho comparado a


você! Sua esposa! O que faria sem você?

— Eu não teria uma esposa se não fosse por você.

— Seu filho? Quem o teria criado?

— Você — eu disse. — E novamente, sem você, eu não


teria filho.
Ele começou a xingar em italiano. Mesmo que estivesse
chateado comigo pelo que eu estava disposto a sacrificar por
ele, realmente pensei que estava chateado consigo mesmo por
ter sido sequestrado por um idiota como Achille. Os homens
provavelmente começariam a chamá-lo de Tito Amarrado ou
algo parecido para lhe dar dificuldade. De jeito nenhum
Rocco o deixaria passar por isso.

Então meu telefone tocou. Giovanni.

— Mac. — Ele estava sem fôlego, como se estivesse


correndo. Ele era um cara grande e sua voz era naturalmente
profunda.

— Fale comigo, G.

— É. — Ele respirou fundo. — Sua esposa. — Ele


começou a divagar palavras. Saiu com Stefano. A loja. Sorvete
de baunilha. Levando muito tempo. Não foi possível obter sinal
para Stefano ou sua esposa. Saiu para procurá-los. Vidro na
rua. Ferrari. Queimado até ficar crocante. Um corpo nele. Lado
do passageiro. Não tenho certeza de quem. Não sabia dizer se
era homem ou mulher. Bombeiros e policiais em cena.

Sem dizer uma palavra, desliguei e peguei meu telefone


do bolso e liguei.

Novo texto.

Sua esposa: Vou com Stefano tomar sorvete. Podemos


assistir a um filme antigo e beber floats de cerveja à
noite. Você voltará para casa, Capo.
— Besteira de merda — eu disse. — Ela estava indo na
direção errada. Indo em direção a Dolce. Ela estava vindo me
checar. — Então, disse ao Rocco para parar o carro. Puxei
um programa diferente no meu computador que eu havia
projetado, dei a eles a essência da situação. Minha voz saiu
calma, controlada, talvez até fria, mas por dentro o Monte
Vesúvio havia disparado.

Giovanni estava certo. O relógio não mostrava sinal e o


telefone comercial de Stefano também não. Até rastreei seu
dispositivo pessoal, e ele também não pôde ser
localizado. Nem o telefone de Mariposa.

— Vamos, minha pequena borboleta —


sussurrei. Troquei de marcha, verificando meu último
recurso, era o jeito que sempre a rastreava. Até para a casa
de Harry Boy.

O anel de casamento dela.

Ela nunca tirava. Havia um dispositivo localizado no


metal atrás do diamante. O anel dela também, se decidisse
usar uma sem a outra. Se quem fizesse isso não estivesse
fazendo isso para roubá-la, ele não teria pensado em pegar o
anel dela. O relógio dela. Sim. O carro dela. Sim. Mas o
anel? Era discreto como um dispositivo.

Assim que o coração começou a bater na tela, fechei os


olhos e apertei o rosário em volta do
pescoço. Stefano. Stefano havia sido morto. Mas então uma
mão fria tocou meu pescoço e minha voz estava baixa e tensa
quando falei. — Rocco. Leve-me para o Hudson. Eu disse a
ele a área. — Tão rápido quanto você puder. E no caminho,
ligue para Brando.
Brando Fausti já esteve na Guarda Costeira. Ele havia
sido um mergulhador de resgate no Alasca. Ele era o melhor
dos melhores. O filho da puta era como um tubarão na
água. Ele tinha todo o equipamento certo e podia ver em
condições quase cegas.

O segundo homem necessário, o médico, já estava no


banco de trás, atento à frente, ouvindo. Ele murmurou
coisas, coisas médicas.

Quem levou minha esposa a levou para o rio Hudson. Eu


podia ver o coração na tela, aproximando-se cada vez mais da
água. Quem levou minha esposa, o homem morto, iria afogá-
la.
Mariposa
Sicília. Fiquei pensando no meu tempo na água
lá. Afundando apenas para aparecer de volta. Minha cabeça
quebrando a superfície antes que o som chegasse aos meus
ouvidos.

Minha cabeça. Estava fazendo a mesma coisa.

Mãos tatearam em mim. Lutei contra elas o melhor que


pude. Arranhei, mordi e gritei. Não tinha certeza se os gritos
eram altos o suficiente. Eu estava embaixo e tudo estava
distorcido.

Alguém me ouviria?

Se não fosse pelo meu bebê, teria desistido. O diabo


tinha me pego, e meu marido provavelmente estava morto.

Eu terminei. Estava doente e cansada da luta, da


perseguição.

Minha vontade de viver havia se esgotado.


Estava tão cansada quando encontrei Capo. E depois que
ele me levou, me deu abrigo, comida e proteção, sem
mencionar o que eu estava perdendo há tanto tempo – amor e
segurança – dormi. Refugiei-me. Mas minha vontade de viver
ainda estava cansada, ainda desejava dormir, descansar em
uma casa segura, uma cama confortável e ser segurada em
braços fortes.

No entanto não era só eu que lutava. Ele merecia a


chance de viver uma vida que ainda não tinha provado. Não
apenas para sobreviver, mas para viver. Uma vida que eu
estava disposta a vender meu corpo para ter.

Acabou que eu tinha dado em vez disso.

Capo. Meu bebê. Saverio. Nem tinha dito a Capo o quanto


amava o nome e o significado por trás dele. Novo lar. Saverio
era a casa que sempre compartilharíamos. Ele foi nosso voto
de sangue em forma física.

Agarrei ainda mais. Esperava que meus dentes


parecessem ainda mais afiados. E meu grito – mesmo que
saísse rouco, talvez alguém ainda me ouvisse.

Minhas costas bateram contra algo duro, a respiração


escapando da minha boca em um whoosh. Perdi ainda mais
foco, ainda mais controle sobre meus membros. Meu corpo
inteiro estava pegando fogo.

Resmungando. Havia tanto murmúrio.

Cale-se! Eu queria gritar. Minha voz estava muda, mas a


dele não. Estava no meu ouvido, gritando dentro do meu
crânio quebrado. Pareceu saltar de um lado para o outro,
fazendo minha cabeça doer ainda mais.

Senti-me doente. Nauseada.

A queimadura estava tão quente.

Meus pés. Eu não conseguia mexer os pés. Minhas


mãos. Também não consegui mexer.

Não tinha nada, absolutamente nada para lutar com ele.

O fogo se aproximou, lambendo cada centímetro da


minha pele, e então houve uma queda livre no nada, um tapa
duro de água gelada contra a carne abrasadora, e então me
levou para baixo. Chupando-me para baixo, para baixo, para
baixo, mais rápido do que eu podia respirar.

A pressão era imensa. Tudo consumia. Apagando o fogo,


mas me enviando em outra espiral.

Braços congelados me seguraram apertado, e milhares


de mãos me apunhalaram com centenas de punhais afiados e
frios. Então a água escorreu pela minha boca, invadiu meu
nariz e consumiu meus pulmões. Um tipo diferente de
queimadura, mas ainda uma queimadura, que se agarrou em
vez de carbonizar.

Não adiantava lutar contra isso. Estava presa. Sendo


arrastada para o inferno através de uma cova
aquosa. Rápido. Era pior do que quando Capo apertou o
velocímetro em um de seus carros, quase como se
estivéssemos voando em vez de andar de carro.
Perguntava-me se tocar o inferno me levaria a um
caminho para o céu?

Tinha que ser mais fácil do que isso, mais


pacífico. Talvez seja por isso que a morte seja tão
difícil. Tínhamos que pagar por nossos pecados antes de
termos paz completa.

Pensei no rosário, na segurança que encontrei ao


acariciar as pérolas entre os dedos e depois me soltei,
cedendo a algo maior que eu.
Capo
Antes que o carro parasse completamente, pulei,
correndo em direção ao píer que se estendia até uma
plataforma com equipamentos de construção.

A água estava escura e não conseguia ver além da


superfície. Uma pequena luz acendeu a plataforma, mas uma
luz maior estava centrada em uma área específica do rio. Um
homem estava ao lado de uma escada que havia sido presa
no píer e tocou a ponta do Hudson.

Romeu esperou pelo irmão. Brando já havia


mergulhado. Equipamentos de mergulho foram dispostos no
píer próximo a Romeo, junto com equipamentos de
emergência.

A cabeça de Romeu levantou quando me ouviu. Ele


estendeu a mão e, quando nos conectamos, ele me chamou.
— Amadeo. — Ele recuou, seus olhos escuros sólidos nos
meus. — Meu fratello37 entrou atrás da tua moglie. Ouvimos o
barulho enquanto corríamos. Brando pôde ver aonde
Mariposa estava. Isso é uma coisa boa. Alguns segundos
depois, ele teria que procurar em toda a área.

Rocco e Tito nos alcançaram. Tito olhou para a água por


um minuto antes de ir procurar nas coisas que Brando e
Romeo haviam trazido.

Rocco olhou além de Romeo para um homem sentado no


píer. Suas mãos e pernas estavam amarradas. Sua boca
estava cheia de sangue, manchas brancas nas pernas. Os
dentes dele. A área ao seu redor estava cheia de blocos de
cimento, linhas de corda, facas, tesouras, pacotes de cimento,
moldes e fita adesiva.

Ele ia fazer moldes específicos para caber nos pés da


minha esposa, colocá-la neles e depois garantir que ninguém
fosse capaz de puxá-la. Tempo. Ele ficou sem tempo.

Bruno. Aquele filho da mãe bateu na minha esposa com


um caminhão, a sequestrou, fez quem sabe o que com ela
enquanto estava a caminho e depois a jogou no Hudson com
blocos de cimento amarrados nas pernas. E ele matou um
homem bom. Stefano.

Romeu assentiu. — Tenho certeza que você tem planos


para ele. Consegui detê-lo antes que desaparecesse. A menos

37
Irmão.
que quisesse pular na água, não tinha outra escolha senão
me encarar. Ele era covarde demais para dar o
salto. Portanto. — Ele revirou os ombros. — Ele me deixou
pegá-lo.

Revirei os dentes sobre o lábio inferior. — A água teria


sido a escolha mais gentil — eu disse em italiano.

Romeu concordou. — Ele sofrerá por isso.

Então, não dissemos mais nada quando nos viramos e


esperamos que Brando rompesse a superfície com minha
esposa. Tito chegou ao meu lado, colocando a mão no meu
ombro, apertando. Eu não tinha percebido o quanto tremia
até que ele me tocou. A mão dele era firme em um mundo
inclinado. Cada segundo parecia pior do que cortar minha
garganta mil vezes. Meu coração parecia que ia explodir do
meu peito.

A qualquer momento, Fausti, a qualquer segundo, eu


cantava baixinho. Quanto mais tempo ela ficava, menos
chance ela tinha...

Recusei-me a alimentar os pensamentos cruéis que


atacavam minha sanidade desgastada. De repente, meus
joelhos cederam e caí sobre eles, o píer tomando meu
peso. Fechei os olhos, segurando o rosário em volta do meu
pescoço, me perguntando se isso era uma vingança pelos
meus pecados. O custo de vida em um corpo que tinha uma
alma feita de ódio e vingança.

Até que ela apareceu.


Ela me colocou em um caminho diferente e, quando
colidimos, nós dois nos despedaçamos em um milhão de
pedaços do impacto. Ela esgueirou-se pelas minhas
rachaduras e passou por todas as faixas de chumbo que
coloquei para me manter unido. Suas cores sangravam com
as minhas e o vitral não mostrava mais uma figura solitária,
mas uma com uma borboleta no ombro, o coração na manga.

Não sou mais capaz de me curvar ou vou quebrar,


levantei-me, chutando minhas botas.

Qualquer maldito segundo se


transformou agora. Recusei-me a esperar mais um segundo
para levar minha esposa para casa. De volta para
mim. Mesmo que isso significasse que eu me afogaria no
fundo do Hudson com ela. Esse era o meu destino. Tinha sido
feito para mim. Nós compartilharíamos. Ela seria minha
Julietta e eu seria o Romeu dela.

Rocco colocou a mão no meu ombro, Romeu o outro, e


eles me seguraram enquanto Tito estava parado na minha
frente.

— Sobrinho. — Sua voz era tão séria quanto quando ele


estava salvando minha vida. — Você não fará nenhum favor
à sua esposa se for atrás dela e tivermos que tirá-la daqui.

— Não sou Brando Fausti — falei — mas sei nadar. —


Bati no meu peito. — Recuso-me a ficar aqui e esperar que
ele traga minha esposa de volta para mim.

— Você está tão perto de mim quanto um irmão. —


Rocco apertou meu ombro. — Então confie em mim quando
digo isso. Brando a encontrará. Ele irá recuperá-la. Ele é o
melhor que existe. Deixe-o fazer o trabalho dele.

O trabalho dele. Minha esposa.

Assim que o pensamento me ocorreu, o som mais bonito


que já ouvi pareceu explodir ao meu redor. Brando quebrou a
superfície com minha esposa nos braços. Ele parecia se
mover mais rápido que um tubarão na água. Depois que a
carregou pela escada, colocou-a no píer.

Tito foi direto para ela. Brando atirou a máscara e,


depois que Romeu o ajudou com o tanque, foi direto para
Tito, e os dois começaram a trabalhar.

— Hipotérmica — Tito murmurou enquanto verificava o


pulso dela. — Temos que ter muito cuidado. Brando. Tire-a
dessas roupas. Então coloque os cobertores quentes
nela. Agora!

Minha esposa não tinha vida no píer. A pele dela não


tinha cor. Seus lábios eram azuis. Ela tinha um corte na
testa. Era fundo e vermelho, mas não havia sangue.

Arrastei-me para o seu lado, pegando seu pulso na


minha mão, verificando. — Tio. – Minha voz estava tensa,
crua, baixa. — Ela não tem pulso.

Tito observou meu rosto enquanto Brando lhe tirava as


roupas, depois a cobria com cobertores. — A água. Tivemos
um inverno difícil. Está muito fria. Ela está com muito
frio. Precisamos elevar a temperatura do seu corpo.
— RCP38 — eu disse, limpando a garganta. —
Compressões torácicas. Faça-as...

— Vou iniciar a RCP, mas não até a ambulância chegar


aqui. Preciso continuar assim que começar. Não haverá
parada até que eu possa trazê-la de volta. No momento, seu
pulso está muito baixo para ser detectado. Mas isso não
significa que não possamos recuperá-la.

Sirenes tocavam a distância. Uma ambulância estava a


caminho. Mas se Tito não poderia salvá-la, sabia que
ninguém poderia.

Romeu levou Bruno até o carro antes da polícia


chegar. Nossos olhos se encontraram quando ele passou. Ele
sorriu para mim, sem mais dentes na boca, mas nada além
de satisfação no rosto. Eu o esfolaria vivo, da cabeça aos pés,
e depois o encaixaria para blocos de cimento. Depois,
passearia até as entranhas do rio Hudson. Os caranguejos
podiam deleitar-se por dentro. Eles não precisariam se
preocupar com a pele dele. Eles comeriam um lanche
descascado.

— Sobrinho! — Tito rugiu.

Levei um minuto para me voltar para ele, para me


concentrar em qualquer coisa, menos na minha raiva. Meu
desejo de matar tinha gosto de sangue na boca, e eu era um
animal faminto. O choro do morto quando sua pele

38
Reanimação Cardiopulmonar.
descascasse, polegada por polegada, representaria o que
estava acontecendo com meu coração e alma.

— Mantenha seu foco aqui! — Tito assentiu em direção a


minha esposa. — Fale com ela!

Fale com ela.

Minha esposa.

Ela não tinha pulso, mas eu era o homem morto.

Não queria pensar no porquê de Tito ter me ordenado


que falasse com ela.

Recusei-me.

Mas se fosse isso, o final, seria o final para nós dois.

Nunca a veria novamente.

Ela estaria no céu. Eu estaria no inferno.

Nunca fomos feitos para durar mais do que estávamos


nesta terra.

Levantei a mão dela na minha boca, soprando ar quente


nela, meus lábios fechados. — Mariposa. — Minha voz
falhou. — Você deixou algo importante para trás,
Butterfly. Você me deixou para trás para morrer a pior
morte. Você estar longe de mim é a pior morte. É mais
doloroso do que qualquer coisa que já conheci. Mas as
palavras são inúteis. Ouça- me, Mariposa.
Houve um tempo em que eu não sabia se seria capaz de
falar, a faca tinha me cortado tão fundo. Sabia então como
eram inúteis as palavras. Exigi mais do que palavras, e foi
isso que prometi dar a ela.

Sinta minha dor e deixe-a te trazer de volta para


mim. Você é a única que pode me salvar disso. Minha vida e
minha morte. Meu traço no meio...

A voz de Brando cortou meus pensamentos, um


amontoado de palavras se
destacando: Temperatura. Água. Muito tempo. Corda. Corte
para liberá-la dos blocos de cimento. Hipotermia. Sem
pulso. Grávida.

As palavras deslizaram em minha mente, empurrando


tudo para fora, envenenando minha alma, enquanto os
homens discutiam minha esposa e seu estado atual de vida.

Sem vida.

Ela não tinha vida.

Tudo o que ela tinha deixado de fazer nesta terra me


agrediu. Tudo o que havia perdido me esfaqueou como mil
facas. Todos os dias e noites que sofreu. Ela me disse que
nunca havia tocado a verdadeira paz até que nos
casamos. Pela primeira vez em sua vida, conseguiu dormir,
descansar e não era apenas físico. O diabo em seus
calcanhares estava muito atrás para pegá-la – seus sapatos
finalmente se ajustaram e a mantiveram firme.
Ela lutou muito com a vida. Lutou para mudar de
sobreviver para viver. E ela se foi. Minha borboleta se foi
depois de conseguir suas asas.

Quando os homens se aproximaram, a puxei para mais


perto, sem perceber que a tinha pressionada contra o meu
peito, balançando-a.

Recusava-me a desistir dela.

Recusei-me a permitir que eles a tirassem de mim. Eu


arrancaria as mãos deles com os dentes.

Ela estava com tanto frio. Podia sentir o gelo da água


escorrendo pela minha camisa. Sua pele estava ainda mais
fria, como se todo o seu sangue tivesse sido drenado.

Nosso filho. Ele não teria vida se ela não tivesse.

Meu tudo indo em questão de minutos.

Uma circunstância imprevista. Um homem por vingança.

Minha própria vingança me levou lá quando ela precisou


de mim aqui.

— Sobrinho. — Tito se inclinou, me olhando nos


olhos. — Dê ela para mim. Cuidarei dela. Confie em mim. —
Ele bateu no coração.

Permiti que os paramédicos a levassem, enquanto Tito os


dirigia a cada passo do caminho.

— Sou o doutor! Você me escuta!


Tito continuou dizendo que havia uma chance de seu
pulso estar muito baixo para ser detectado. Se ela se
aquecesse o suficiente, havia uma chance de que ainda
pudesse viver.

Chance. Chance. Chance. A vida da minha esposa,


a minha, dependia de uma porra de chance.

Os paramédicos não discutiram, mas eles já a


declararam morta em suas cabeças.

Eles me observaram com cautela, um deles olhando


minha tatuagem, enquanto eu os acompanhava até a
ambulância. Recusava-me a deixá-la. Eles a conectaram a
monitores uma vez lá dentro e... nada. Nada além de uma
linha plana e o som de um alarme de máquina.

Caos controlado seguiu-se.

Tito latiu ordens como um soldado em um campo de


batalha. Eles estavam fazendo compressões torácicas
enquanto usavam outro cobertor aquecido para tentar
aumentar a temperatura dela.

— Nada – disse um dos paramédicos, verificando os


monitores e depois olhando para Tito. — Ainda sem pulso.

— Nós continuamos! — Tito estalou. — Mariposa.


Vamos, borboleta. Vamos. Respire por mim.

Desviei o olhar, meu coração recém-batido morrendo mil


mortes separadas ao vê-la. O som da máquina entrando em
pânico porque não conseguia detectar a vida parecia ecoar a
inquietação em minha alma.
— Mariposa — Tito sussurrou.

O som de sua voz arrancou o último fragmento de


esperança do meu peito.

— Diga-me — eu disse. Recusei-me a olhar para ele,


porque não tinha certeza do que ia fazer quando encontrasse
seu olhar lamentável. O tom de sua voz confirmou meu pior
pesadelo. Minha borboleta se foi.

— Farfalla — disse Tito um pouco mais alto. Um ou dois


segundos se passaram. — Eu tenho! — Ele quase gritou. —
Um pulso!

Meus olhos se ergueram. O paramédico começou a


brincar freneticamente com suas máquinas e, como observar
o pico de uma montanha atravessar um terreno difícil, as
linhas começaram a subir, subir, subir. Seu pulso estava
acelerando. Até o corte na cabeça começou a sangrar.

Ela gemeu e, um segundo depois, quando atingimos um


buraco, gritou de dor. Então, sem abrir os olhos, apertou
minha mão e, assim, vivi para contar cerca de mil mortes – e
a única vida que ainda me restava para viver. Com ela.
Capo
5 meses depois

Meu filho tinha apenas algumas horas de vida, mas já


dominava nossos mundos.

Ele era o que Tito chamava de bebê milagroso. Ele havia


sobrevivido apesar das circunstâncias. Puxou sua
mãe. Também puxou a mim.

Ele tinha cabelos pretos e grossos, olhos castanhos que


pareciam claros o suficiente para um dia ficar âmbar e pele
cor de amêndoa. Os ombros eram largos e os braços e pernas
longos. Um garoto grande.
Mariposa disse que tinha os traços do meu rosto e minha
constituição, mas não tinha o nariz nem os olhos, as duas
coisas que ambos queríamos que ele tivesse. Mas entre a
importância de obter certas características ou ter força para
sobreviver a este mundo cruel, fiquei agradecido por ele ter
assumido a última.

Um homem sábio me disse uma vez que geralmente não


conseguimos o que queremos, mas o que precisamos.

Já desejei ser rei. Uma vez desejara governar tudo. Não


desejado, mas exigido.

Peguei as duas coisas, mas de maneiras que nunca


soube que precisava. Eu era o rei do coração de minha
esposa e o governante deste mundo que havíamos criado
juntos. Se estivesse ao meu alcance, meu filho teria tudo o
que precisava.

Levando-o até a janela, abrindo-a, deixando o sol de


Milão brilhar em seu rosto, permiti que o mundo visse pela
primeira vez esse príncipe recém-nascido.

Meu filho.

Saverio Lupo Macchiavello.

Ele era o novo príncipe, mas o príncipe do nosso


mundo. Não teria que provar sua crueldade para
governar. Ele acabou de fazer. Independentemente de seus
passos, os caminhos que seguiria, as escolhas que faria,
sempre teria um reino ao qual retornar. Um lugar seguro
para onde fugir quando o diabo estivesse atrás dele.
— Ele é tão bonito quanto seu pai.

Virei-me para encontrar minha esposa olhando para


nós. Ela estava dormindo, mas por onze horas de trabalho de
parto, ela parecia... totalmente nova. Alguém que nunca tinha
conhecido antes. Ela era macia por fora, flexível o suficiente
para entregar um filho ao mundo, mas sua alma era de uma
rainha guerreira. Ela era uma mulher que havia encontrado
uma fé inquebrável, uma força desconhecida pelo homem
mais forte do mundo. Sua carne e osso podiam se dobrar,
quebrar, mas sua alma era insuperável, inquebrável.

Foi preciso essa mulher para me mostrar o quanto eu era


homem. O suor ainda revestia minha pele e roupas da
intensidade de tudo isso.

— Ele também será do tamanho do seu papá. — Ela


estremeceu. — Ele machucou seriamente minha oonie.

Eu ri e meu filho piscou para mim, bocejando depois. —


Guarde a memória para mais tarde, quando ele estiver mais
velho, quando você não quiser que ele faça alguma coisa. —
Dei de ombros. — Estrada da culpa.

Ela sorriu um sorriso cansado, mas o sol iluminou seu


rosto inteiro. Parecia tão saudável. Viva. Deu um tapinha na
cama e depois abriu os braços. —– Mais perto. Quero vocês
dois mais perto.

As enfermeiras continuaram entrando, querendo levá-lo,


mas nós dois nos recusamos a deixá-lo. Depois do que
aconteceu com minha esposa, queria minha família o mais
perto possível de mim. A chance de deixá-la ir por algumas
horas não valia a pena.
Mariposa pegou Saverio de mim, aproximando-o de seu
peito, inalando seus cabelos como ar. Ele tinha tanto que
poderíamos pentear. Sorri enquanto passava minhas mãos
por ele, fazendo-o se levantar.

— Capo — ela sussurrou.

Levei um momento para olhá-la. Era difícil não ficar


olhando para ele. Perguntei-me se seria capaz de parar.

— Mariposa. — Inclinei-me e beijei sua testa. Ela fechou


os olhos, mas seu rosto não estava totalmente em paz. Ela
tinha algo em mente. — Use todas as palavras.

Ela assentiu. Abriu os olhos. Brincou com o cobertor. —


Eu ia perdoá-lo, sabia? Bruno. Logo antes de afundar. Senti
que deveria. Mas não pude. Logo antes de dar meu último
suspiro... eu não podia. Eu poderia perdoá-lo por me matar,
mas não ao nosso filho. — Ela pressionou Saverio para mais
perto do peito, apoiando os lábios na cabeça dele. — Não
poderia perdoá-lo por matar meu bebê.

Suas palavras eram firmes, mas aos meus ouvidos,


assustadoras, como se sua mãe tivesse falado através
dela. Maria me perdoou, mas não teria se eu tivesse
machucado sua filha. Não era minha intenção machucar
Mariposa – estava determinado a salvá-la. Portanto, Maria me
perdoou por tirar a vida sem tremer a voz.

Acariciei o lado do rosto de Mariposa com o polegar. —


Você foi feita para isso. Para ele. Você mataria por
ele. Morreria por ele.
— Fui feita para você também. — Sua voz era suave e ela
se recusou a olhar para mim. Arrumou o cabelo dele. — Você
morreu por mim. Você matou por mim. Você me ama,
nós, isso, além do que você pode entender. É por isso que ele
está aqui, porque é nosso, porque você nos amou o suficiente
para sacrificar tudo por esse momento.

Ela olhou para mim, encontrou meus olhos e tocou


minha garganta. — Amo você, Capo. Sempre vou te
amar. Você está preso comigo para sempre.

Peguei a mão dela e a trouxe para a minha boca,


beijando seu pulso por mais tempo do que o habitual.

Ela sorriu. - Più delle parole, mio marito — ela sussurrou


em italiano. Mais que palavras, meu marido. Então, começou
a cantarolar enquanto olhava para o nosso filho.

Uma batida veio à porta. Mariposa nem se deu ao


trabalho de erguer os olhos. Estava além de cansada e
apaixonada pelo bebê em seus braços – estava delirantemente
com vida.

Pouco tempo depois de Saverio nascer, levei nossa


família pela porta. Mariposa precisava descansar, e queria
tempo para estudar suas feições sem ter que compartilhá-
lo. Então, não tinha ideia de quem poderia ser – talvez fosse
uma das enfermeiras, mas elas geralmente batiam e depois
entravam.

Keely, Cash Kelly e Harry Boy estavam do outro lado da


porta. Keely tinha presentes nos braços.
Estreitei os olhos para os dois homens depois que Keely
passou por mim, indo direto para Mariposa e Saverio.

Harry Boy assentiu para mim. — Você se importa se... —


Ele acenou com a cabeça em direção a minha esposa.

Mariposa olhou para cima quando ele perguntou. Keely


já tinha pegado Saverio nos braços, fazendo caretas, mas ela
também olhou para cima. Todos os olhos estavam em mim.

Balancei a cabeça uma vez, mas não disse nada. Ele


pensou que estávamos legais depois que salvei sua irmã, mas
sempre estaria no gelo fino comigo. Ainda estava apaixonado
por minha esposa, mesmo depois de demonstrar algum
interesse em minha prima, Gigi.

Cash estava parado na porta, sem entrar. — Você tem


um minuto de sobra, Macchiavello?

Virei-me para Mariposa. Ela estava mordendo o lábio,


apertando os cobertores que cobriam as pernas, os olhos
cautelosos. Ela não gostou que Cash estivesse aqui.

— Um minuto — disse a ela.

Ele assentiu uma vez, mas não disse nada. Keely disse
algo, mas ela não desviou o olhar de mim até que soube que
seu argumento havia sido compreendido e levado a sério –
não se comprometa com nada que o afaste de nós.

Depois de fechar a porta, nos destacamos no corredor, de


costas para a parede. Cash estava ao meu lado.
— Parabéns — disse ele, colocando as mãos nos
bolsos. — Sua esposa fez um bom trabalho. Seu filho é um
menino grande e saudável.

Ele não tinha um forte sotaque irlandês, mas a força


estava lá.

Assenti. — Você veio até aqui para conversar sobre


minha família? Duvido. Vamos discutir negócios.

Ele suspirou. — Diga-me onde estou com o novo rei de


Nova York. Ouvi rumores. Depois que Arturo e Achille foram
mortos, não há filhos para reivindicar o trono, dizem os
boatos de que você é o homem que assumiu o papel de
rei. Geralmente não corremos nos mesmos círculos. — Ele
sorriu. — Mas circunstâncias imprevistas, a gravidade,
talvez, tenha nos sugado para esta área cinzenta ao mesmo
tempo.

— Você fica exatamente onde está. Estou aqui. Não


somos amigos nem inimigos. Fiz um favor para você. Você me
fez um. Estamos quites agora. Mas não estou assumindo a
família Scarpone. Esse legado morreu com os homens que
conseguiram o que era. O que era? Depende de quem você
pergunta, mas se me perguntar, aqui está a minha
resposta. É algo que não quero fazer parte. Fiz minha própria
vida. Vou governar da maneira que achar melhor. Trabalho
para uma família além da minha – os Faustis. Fora isso... –
Dei de ombros.

Possuía meus investimentos, meus negócios, muito para


os meus viverem confortavelmente pelo resto de nossas vidas.
Tinha sido minha intenção ser o novo rei de Nova York, o
novo rei lobo, mas circunstâncias imprevistas – minha
esposa, meu filho – mudaram a direção dos meus passos. E
esses passos me levaram de volta à porta onde, além dela,
meu reino esperava que eu voltasse.
Mariposa
10 anos mais tarde

— Peeeeeassse39. Mamãe, peeeeeassse! —

Meu corpo inteiro se inclinou para a esquerda, meu


braço sendo puxado, meu ombro tremendo para cima e para
baixo.

— Evelina, criança, acalme-se. — Sorri para a minha


corajosa criança de cinco anos. Ela era nossa terceira filha
em quatro e nossa única filha. Dizer que era a menina dos
olhos de seu pai seria uma mentira – ela era tudo. E a coitada
tinha meu nariz. Pelo menos puxou os olhos de seu pai.

39
Está como no original; A criança quis dizer Please: Por favor.
Ela parou de me sacudir e vi os pensamentos se
moverem atrás dos olhos de safira como mel. Seu cabelo
preto os fez aparecer contra sua pele bronzeada. Seus lábios
estavam cheios e rosados, e ela os enrugou. Aprendeu desde
cedo que era preciso açúcar para pegar borboletas, não sal.

— Mamãe. — Sua voz era tão suave, tão doce, e ela


colocou minha mão na boca, colocando um beijo carinhoso
no meu dedo. — Posso peeeeeeassse ver a aliança? — Ela
levantou a mão que segurava, mostrando para mim.

Ela queria experimentar minhas alianças. Havia chegado


a um estágio em que amava princesas e, se era brilhante,
como algo que elas usavam, queria ou, pelo menos,
experimentava.

Raramente tirava meus anéis. A última vez foi quando fiz


almôndegas, mas só para que a carne não ficasse presa entre
as facetas. Coloquei-o em um lugar especial até minhas mãos
serem lavadas. Levou dez minutos, no máximo, e elas
voltaram. Às vezes até deixava minha aliança de casamento e
usava uma escova para esfregar o anel depois.

No nosso nono aniversário, Capo me deu uma anel de


diamante para usar na minha mão direita, no terceiro dedo, e
nunca tirei esse também. Quatro borboletas circulavam em
volta do meu dedo, como se fossem para sempre em volta do
meu coração. Cada borboleta representava um de nossos
filhos.

Evelina costumava pedir para usar essa, mas era a


primeira vez que pedia para usar minhas alianças. Eles eram
símbolos dos quais eu nunca me cansaria.
Ele. Nós. Passando essa vida juntos. Vivendo isso.

— Eu os devolvo logo. — Ela golpeou seus cílios grossos


para mim. – Querida, peeeeeeassse.

Eu ri de como ela estava sendo doce. Senhorita


Sutileza. Essa era a nossa filha – Evelina Noemi Maria. —
Tudo certo. — Suspirei. — Mas você tem que se sentar na
mesa da cozinha. E só pode usá-las por um segundo. Esses
anéis são como roupas importantes para a mamãe. Preciso
que eles se sintam vestidos e prontos para o dia.

Ela riu, pegando minha mão e me levando para a


mesa. Peguei-a antes que pudesse subir... era pequenina.

Estávamos na vila nos arredores de Modica. Não era uma


casa grande, mas a era confortável para nossa
família. Transformamos isso em uma casa. A cozinha era
meu lugar favorito. Passamos a maior parte do tempo lá.

Tirei os dois anéis e deslizei-os no dedo dela. Eles eram


tão grandes que quase escorregaram, mas ela os manteve
juntos. Beijei sua mão antes de me levantar, vendo seus
olhos brilharem com o quão bonitos eles eram.

— São tão fofinhos, mamãe — ela suspirou. — Eu os


amo. — Então ela se abraçou, como se não pudesse ficar
mais feliz do que estava naquele momento.

O cronômetro tocou no forno e me virei por um segundo,


lembrando que tinha que pegar a torta de pimenta
vermelha. A família vinha jantar no nosso jardim no nosso
aniversário.
— Evelina. — Minha voz estava afiada com aviso. —
Sente-se ali e não se mexa. Você ouve a mamãe? Só vou tirar
a torta do forno.

Ela assentiu freneticamente, animada por eu deixá-la


usar os anéis por mais um segundo. Peguei a torta
apressadamente, colocando-a no fogão, calculando
mentalmente o que mais eu tinha que fazer.

— O que isso diz? — Evelina perguntou.

Virei-me para encontrá-la olhando para o meu anel de


noivado. Ela havia tirado e estava segurando a luz.

— Aqui. — Estendi minha mão, dando-lhe meu dedo


esquerdo. — Hora de colocá-los de volta. Não posso ficar sem
calças, posso?

Ela riu, como se fosse a coisa mais engraçada do mundo,


me beijando no nariz quando me inclinei para que deslizasse
os anéis de volta. Ela colocou minha aliança em primeiro
lugar, mas antes de deslizar o anel de noivado, mostrou-me o
metal.

— O que isso diz? — Ela perguntou de novo. Os olhinhos


dela se estreitaram no que quer que visse, as sobrancelhas
franzidas. Quando ela fez isso, poderia jurar que Capo a
possuía.

Ela não sabia ler, mas reconheceu as palavras. Não tinha


certeza do que ela estava falando, no entanto. — Não diz.

Eu diria qualquer coisa, mas parei quando notei o que ela


havia apontado.
Pela primeira vez em dez anos, notei uma inscrição no
interior do meu anel de noivado.

— Foda-me — respirei.

— O que é isso, mamãe?

Ah. Percebi o que tinha dito. — Fudge me.

— Eu amo fudge!

Dei-lhe beijos altos em suas bochechas, tentando brincar


com o meu humor repentino. — Sei que sim, menina! Que tal
agora? Que tal encontrarmos Papá e seus irmãos? Aposto que
você verá uma borboleta no jardim!

Ela se recusou a ficar do lado de fora com os meninos


porque queria me ajudar a cozinhar. Amava sujar as mãos na
cozinha, mas era mais do que isso. Queria o primeiro pedaço
dos doces.

— Ooh! — Ela disse animadamente, pulando da cadeira


antes que eu pudesse detê-la. Partiu em direção à porta,
parando apenas quando Capo a abriu e a levantou, virando-a
de cabeça para baixo, fazendo-a gritar de alegria.

— Diga, Evelina. Diga a palavra mágica.

— Boo! — Foi o que ela disse em vez de azul. Era sua cor
favorita no momento. — Boo, papá, boo!

Capo a endireitou, e ela puxou seu rosto para mais perto


do dela, apertando-o com tanta força que seus olhos se
contraíram.
Sempre que tirava meus anéis, ele fazia uma aparição
não muito tempo depois. Era estranho, como se estivesse
esperando que os perdesse para poder devolvê-los.

— Onde estão os garotos? — Perguntei.

Saverio era o mais velho. Salvatore foi o nosso


segundo. Evelina foi a nossa terceira. E chegando de inopino,
estava nosso bebê, Renzo. Ele tinha três anos e, se alguém o
chamava de bebê em voz alta, franzia as sobrancelhas e
mostrava o rosto de Capo, de estou severamente chateado.

Capo estreitou os olhos para mim, notando como eu


parecia sem fôlego, antes que olhasse para as minhas
mãos. — Saverio levou Salvatore e Renzo para encontrar os
Faustis. O Zie andou com eles. — Ele me observou por um
segundo a mais antes de assentir, dizendo sem palavras para
segui-lo.

Ao longo dos anos, a necessidade de palavras entre nós


se tornou cada vez menor, porque às vezes sua voz se tornava
cada vez mais baixa. Suas ações eram sempre mais altas que
suas palavras.

Ele pegou minha mão quando eu estava perto o


suficiente, puxando meu pulso até sua boca, colocando os
lábios sobre o meu pulso. Olhou para os meus anéis
novamente. Desta vez, parecia que ele estava checando se as
posições deles estavam certas. Mais uma vez estranho.

— Beije-me aqui também. — Evelina deu-lhe o pulso.


Sou sua princesa, papá.

— Você é minha princesa. Per sempre.


Assim que estávamos no jardim, ele colocou Evelina no
chão, deixando-a correr livre. Ela foi direto para uma das
estações de água açucarada que montamos, observando
algumas borboletas esticarem as asas no ar da tarde,
absorvendo o néctar e a luz do sol dourada. Embora Evelina
fosse uma criança zelosa em geral, ao redor das borboletas,
fora ensinada a ficar quieta, ser gentil e respeitá-las.

Afastei-me e admirei tudo o que meus meninos fizeram.

Luzes de borboleta estavam penduradas sobre a mesa,


de limoeiro a limoeiro, prontas para mais de vinte pessoas, e
música suave tocava ao fundo – o que Saverio chamava de
música de gente velha. Como os tempos mudaram. Se eu era
velha, meu marido era antigo e não gostava mais do que eu
quando nossos filhos nos chamavam assim.

O jardim que plantamos com Nonno nunca foi tão bonito


quanto naquele momento. As cores explodiram à luz da noite
e as borboletas estavam em constante movimento,
desfrutando de todos os lugares seguros.

Raízes. Elas tinham raízes aqui. Assim como eu. E


sempre que a chance se apresentava, contávamos aos nossos
filhos histórias do homem que nos mostrara como plantá-las
e nutri-las. Cada um de nossos filhos conhecia a história do
lobo e da borboleta melhor do que nós.

Brinquei com minhas alianças, desejando, esperando


que os Faustis levassem um tempo para chegar à nossa
região. Tinha dificuldade em me concentrar em alguém,
qualquer coisa, além do meu marido.
O tempo tinha sido bom para ele. Ele só se tornou mais
atraente ao longo dos anos. Ele estava tão em forma como
sempre, nem um pingo de gordura em seu corpo, e quaisquer
linhas que ganhava apenas aumentavam seu fator – homem
maduro e quente. Algumas linhas grisalhas riscavam os lados
de seu cabelo preto, algumas mechas em sua barba captavam
a luz e acendiam prata, mas isso apenas o fazia parecer mais
sábio.

Ele ainda tinha suas coisas juntos.

Ele ainda me fazia sentir segura.

Ele ainda me deixava sem fôlego.

Ele ainda fazia meu coração fazer coisas más e as


borboletas no meu estômago palpitarem loucamente.

Ainda me fazia querer ele, ansiar por ele, sentir fome por
ele – todos os dias, todas as noites, às vezes a cada segundo
da minha vida. O espaço vazio que preencheu nunca foi
realmente preenchido. O espaço cresceu apenas para
acomodar uma fome maior. Satisfeito, mas não totalmente
saciado.

Ainda o amava, mas não era o mesmo. Eu o amava ainda


mais, de todas as maneiras diferentes. O meu melhor
amigo. Meu amante. Meu coração. O pai dos meus
filhos. Meu rei lobo. Meu chefe. Meu tudo.

A cada dia que passa, nosso amor apenas cresce. Como o


jardim ao nosso redor, nossas raízes se aprofundavam cada
vez mais em um solo que sempre nos recebia em casa. O que
foi necessário, fizemos, para nos acertar.
— Se não é isso que você quer. — Ele deu um passo mais
perto de mim e minha respiração ficou presa na garganta. O
sol se abateu sobre seus olhos e me lembrou de nadar nua no
mar no verão, apenas nós dois, corpo deslizando contra
corpo. — Fale agora ou para sempre mantenha sua paz,
Mariposa.

— Um pouco tarde demais para arrependimentos, não é,


Capo? — Dei um passo mais perto dele, passando a mão pelo
peito, parando na cicatriz ao redor da garganta.

— Você tem algum desses, Escudeira?

Ele às vezes me chamava assim. Depois que Saverio


nasceu, voltei para a escola e me tornei advogada. Trabalhei
com Rocco, cuidando dos negócios da família de tempos em
tempos. Também doei meu tempo para crianças que eram
como eu – precisando de ajuda quando o sistema
falhava. Principalmente queria cuidar dos meus filhos, mas
era bom ter algo para mim do lado de fora também.

— Arrependimentos? — Balancei minha cabeça. — Não


tenho. Nada.

Viramo-nos para olhar. Evelina estava em seu próprio


mundo. Estava brincando com seu pequeno mundo de fadas
lá fora. Sussurrando coisas para as fadas, não querendo
perturbar as borboletas que se agitavam.

Capo sorriu, mas antes que pudesse falar, me levantei


por seus ombros e bati minha boca contra a dele, desejando-
o tanto que doeu. Precisava dele dentro de mim, não me
dando uma chance de escapar de sua intensidade.
Quando ele interrompeu o beijo, mantive meus olhos
fechados, inclinando minha cabeça contra seu peito. Seu
coração batia lentamente no meu ouvido. — Ti amo —
respirei, segurando sua camisa em minhas mãos, recusando-
me a deixá-lo ir. Duas palavras que significavam vida ou
morte para mim – as duas palavras que ele gravou no meu
anel de noivado.

Ele se afastou, estudando meu rosto. — Depois de dez


anos. — Ele balançou sua cabeça. — Você finalmente leu.

— Dez anos? — Pisquei para ele. — Você tinha as


palavras gravadas antes de nos casarmos?

— Desde que fiz o anel para você.

A risada que escapou da minha boca saiu suave – a


admiração por ele a engrossar. — Antes tarde do que nunca.

Ele era um homem paciente – em vingança e amor.

— Já era hora, porra. — E bateu a boca contra a minha,


retornando todas as coisas que compartilhei com ele sem
usar nenhuma palavra. — Se eu não conseguia tatuar as
palavras no peito, fiz a segunda melhor coisa. Inscrevi-a no
seu anel e a coloquei no seu dedo – preso. Você tira meu anel,
mesmo depois de dez anos, eu sei.

— E o seu corpo? — Levantei minhas sobrancelhas. —


Eu não deveria estar lá também, Capo?

Ele sorriu e colocou a mão em volta do meu pescoço, logo


acima do pulso frenético. — Nós dois sabemos que é um
acordo, Mariposa. Você está em mim, em mim, de todas as
maneiras. Você é minha. Hoje. Amanhã. Per sempre.

Ele havia tatuado uma pequena borboleta azul na mão,


logo acima da cabeça do lobo. Era tão elétrica quanto a cor
dos olhos do animal. Mas se a cicatriz em torno de sua
garganta não era suficiente para marcar, não tinha certeza do
que era. Ele agiu como se a tatuagem fosse um negócio
maior, porém, como se o custo de me salvar não tivesse sido
o mais alto de sua vida.

Algo me ocorreu então. Eu o conhecia bem o suficiente


para juntar dois e dois após a revelação da grande inscrição
no anel. — Nosso acordo. — Deixei essas duas palavras
pairarem entre nós por um segundo. — Se você soubesse que
me amava antes disso...

Um sorriso de lobo apareceu em seu rosto. — As outras


mulheres? — Ele encolheu os ombros. — Sim, teria sido um
acordo, nada mais. Os termos teriam sido definidos e não
havia como movê-los. A única razão pela qual fiz um acordo
com você... — Ele me observou por um minuto ou dois,
prolongando o momento, antes de exalar. — Precisava
contornar sua aversão à bondade. Que maneira melhor do
que com termos? Era real em um sentido – você conseguiria
tudo se eu morresse – mas, fora isso, não significava
nada. De acordo ou não, esse anel estava em seu dedo para
sempre.

Ele sempre foi meu – per sempre.

— Você se lembra de quando jogamos vinte perguntas


depois do casamento?
— Não há nenhum homenzinho correndo por aí com um
jarro de notas. — ele zombou da minha voz.

— Sim — eu disse, nada surpresa com sua memória. —


Perguntei se você alguma vez esteve apaixonado.

— Eu te disse não.

— Próxima pergunta — eu disse, lembrando o que ele


havia dito.

— Você não me perguntou se eu estava apaixonado, você


me perguntou se eu já estive apaixonado. E não. Não antes
de você. Mariposa, as palavras devem ser usadas com
sabedoria.

— Foda-se — sussurrei, e então uma risada explodiu na


minha boca.

Evelina me silenciou com um dedo nos lábios. — Você


acabou de assustar uma boo, mamãe!

Capo e eu nos aproximamos ainda mais, rindo


baixinho. A cada ano, o sol com ele só ficava melhor. Eu mal
podia esperar para ter mais cem.

— Mia! — Evelina sussurrou, correndo para encontrar a


menina. Saverio caminhou ao lado dela. Tinha a mesma
idade que Evelina.

Não nos mexemos até o grupo estar perto o suficiente


para eu abraçar e para Capo apertar as mãos. Nosso grupo,
nossa famiglia, havia crescido ao longo dos anos, não apenas
nossa família triplicando de tamanho. Nós éramos uma festa
embutida.

Onde eu me encontrava na vida era mais do que jamais


poderia desejar. Foi além do que ousei esperar. Mais do que
sempre sonhei que queria. Era, o tempo todo, o que sempre
precisei.

Houve momentos em minha vida que não pensei que


sobreviveria a outros dez minutos, muito menos a dez anos.

Um milhão de anos com meu capo e nossos filhos não


seriam suficientes apenas para sempre, desde que vivesse
com eles.
Capo
Agora você sabe...

O amor dela por viver a vida.

Seu riso selvagem que não pode ser enjaulado.

O sorriso contagiante dela.

O nariz real.

Seus lábios macios como travesseiro.

Seu perfume irresistível.

Sua paixão feroz.

Sua lasanha ao forno e sua cerveja de raiz flutuam.

Seu amor por filmes antigos.

Seu amor por livros infantis para colorir.


Seu amor pelos diários, por coletar palavras.

Seu amor por músicas antigas e novas.

A voz dela quando canta para os nossos filhos.

O toque dela – mais que palavras.

Suas pernas quando estão em volta de mim e ela está


gritando meu nome enquanto me enterro profundamente
dentro dela.

Nela.

Minha esposa.

Minha amante.

A minha melhor amiga.

Meu correr ou morrer.

Minha rainha.

Minha conselheira e confidente mais confiável.

Meu coração.

Meu rosário

Meu vitral, meu mosaico.

Minha borboleta, mia farfalla, minha Mariposa.

Meu tudo.
Eu a amo.

A mãe dos meus filhos.

Eu a amo...

Diga a alguém o nosso segredo, e vou te matar.

Fim

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