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SINOPSE

A vida dela está apenas começando.

A dele terminou antes de começar.


 

Isabel Gardner sabe de duas coisas com certeza.

Primeiro, ela lutou como o inferno para ter uma vida digna de ser
vivida. Segundo, nada de bom virá do irmão de sua melhor amiga, ficar no
sofá depois de ser libertado da prisão. Sua paixão pelo festeiro arrogante já
era ruim o suficiente no ensino médio. Depois de quatro anos em uma
penitenciária estadual, quem sabe o caos que seu charme perigoso trará?
Se ela pudesse odiá—lo tanto quanto o quer.
 

Tristan Haverford adorava ser o notório bad boy de Suncrest Valley –


até que um trágico acidente destruiu sua vida. Ele pode ter mudado, mas o
mundo que ele deixou, não o quer de volta. Pior ainda, as faíscas proibidas
com Isabel tornaram—se uma chama indomável que ele terá que controlar
mais do que nunca.

Porque Tristan também sabe uma coisa com certeza:

Sua história dolorosa pode ser construída sobre mentiras, mas é a


verdade devastadora que irá destruí—los.

Capítulo Um

ISABEL
—Você não pode estar falando sério, — eu estalo, fazendo uma careta
para minha colega de quarto que claramente perdeu a cabeça.

Kim cruza os braços e olha de volta. —Para onde mais ele poderia ir?
Nossos pais nem falam com ele, e ninguém vai alugar para um ex—
presidiário desempregado. Inferno, será um milagre se ele conseguir um
emprego nesta cidade estúpida.

—Então talvez ele não devesse ter cometido um crime e ficado preso
por quatro anos. Já pensou nisso?

Seu olhar se estreita, e eu resmungo com o olhar obstinado que


conheço tão bem. Já que é o nome dela no contrato, não há como eu ganhar
essa discussão, mas isso não significa que eu não possa lutar e consolidar
minha posição no registro oficial do Apartamento 11F.

—Ele é meu irmão, — ela sussurra.

—Então? Muitos irmãos decidem não ser criminosos e arruinar suas


vidas antes de começar.

—Quando você se tornou tão crítica?

—Talvez quando você me informou que um criminoso iria ficar no


nosso sofá?

—Ele não é um criminoso. Ele é uma boa pessoa.

Eu balanço minha cabeça e pego meu iogurte no balcão. — Que seja.


Obviamente, não importa o que eu penso.

—Iz...

Passo por ela em direção ao meu quarto.

—Iz!
Batendo a porta, solto um suspiro frustrada e caio na minha cama.
Depois de colocar o lanche na mesa de cabeceira, eu me inclino para frente
e seguro meu cabelo em minhas mãos. Isso não pode estar acontecendo. Já
estou fazendo malabarismos com dois cursos online, um emprego em tempo
integral e a última explosão com Pierce. A última coisa que preciso agora é
o irmão falido de Kim vindo morar conosco. Eu já não o suportava quando
era o irmão mais velho e arrogante da minha melhor amiga. Agora, ele é um
assassino condenado de 24 anos.

Assassino? Sério, Isabel?

Tudo bem. Homicídio veicular não é exatamente um assassinato a


sangue frio, mas as pessoas que matam alguém e fogem do local do
acidente ainda não são as pessoas que quer que vivam com você.
Especialmente depois de passar quatro anos na prisão e ficar ainda mais
distorcido por Deus sabe que maldade. Já fiz algumas aulas de psicologia.
Não sou especialista, mas não é preciso um grau avançado para saber que a
prisão não faz grandes coisas para um cérebro adolescente em
desenvolvimento. Sem falar... Estremeço só de pensar como seria aquele
lugar para um garoto privilegiado como Tristan Haverford.

Kim disse que seus pais não o visitaram nenhuma vez enquanto ele
estava preso e o repudiaram completamente. Isso deve ser uma boa dica,
certo?

Aparentemente não.

—Iz!

Olho para minha porta e tento acalmar meu pulso acelerado. Não me
surpreendo quando Kim entra sem ser convidada. No entanto, a dor em seu
rosto mexe com a minha raiva, e tenho que trabalhar muito duro para mantê
—la controlada.

—Por favor, apenas confie em mim nisso, — diz ela calmamente. —


Eu sei que você não gosta de Tristan, mas ele é meu irmão. Ele precisava de
uma casa residencial para conseguir liberdade condicional, e eu não poderia
deixá—lo passar mais um dia lá tendo a chance de sair. Não depois de tudo
que ele passou.

—Ele fez suas próprias escolhas. Más escolhas. Horríveis, que


mataram Amber Hubert. Ele tem sorte de estar saindo. Você não deve nada
a ele.

Ela se encolhe como se eu tivesse batido nela, e não tenho ideia do


porquê. Eu entendo a coisa de família, mas alguns crimes são imperdoáveis
– literalmente, neste caso.

—Por favor, Isabel. Não é... —Ela para e se livra de um pensamento.


—Apenas alguns meses. Apenas até que ele possa descobrir as coisas e se
reerguer.

Eu solto um suspiro. —Que seja. Já foi decidido, obviamente.

—Eu só quero que você entenda. Que o aceite. Ele não tem ninguém,
e… você não pode nem imaginar como isso foi para ele os momentos
difíceis que passou lá.

—Você acha? Esse é o ponto da prisão.

Ela parece frustrada, como se houvesse algo que ela quisesse dizer e
não pudesse. Ou não quer. É sempre assim quando se trata do que aconteceu
naquela noite. Não tenho certeza de como ela espera que eu —entenda algo
que ela nem mesmo explica.
—Está bem. Faça o que você quiser. Apenas diga—lhe para ficar bem
longe de mim.

Kim hesita na porta, mas me recuso a deixá—la me culpar por sentir


—me mal. Cheguei onde estou quase inteiramente por conta própria. Eu
sobrevivi a julgamento após outro, desgosto após desgosto para chegar tão
longe. Sofri demais para ter simpatia por alguém que só tem a si mesmo
para culpar por suas adversidades. Kim pode ser minha irmã em todos os
aspectos, exceto sangue, mas isso não significa que eu tenha que aceitar o
irmão dela.

—Apenas... dê uma chance a ele. Por favor?

Eu escuto seu apelo. —Eu realmente não tenho escolha, tenho?

—Você não o conhece, Iz. Ele não é o que todos pensam.

Sim, eu costumava pensar assim também. Olha onde isso me levou.

Ela empurra o batente da porta e me deixa sozinha para olhar para o


espaço vazio com os punhos cerrados.

Não. Eu não o conheço. E não quero conhecer.


 

Na manhã seguinte, vozes ecoam do lado de fora da porta principal,


me tirando de meus estudos. Uma que reconheço como de Kim. A outra…
Eu tento manter minha irritação sob controle enquanto me mexo no
sofá que está prestes a ser a cama de alguém. Como posso cumprimentá—
lo? Eu aceno? Dou um abraço? Dou um sorriso desajeitado? Ou ignoro—o
completamente e finjo que isso não está acontecendo (opção favorita).
Eu resolvo algo entre o sorriso e o aceno quando a porta se abre. A
conversa deles para abruptamente, e Kim parece nervosa. Tristan parece…

Uau.

Lábios carnudos se torcem em um sorriso arrogante que não vejo há


quase cinco anos. Cílios grossos piscam sobre olhos castanhos escuros
perigosos que eu tinha esquecido. Esses olhos externam – humor, raiva,
ressentimento – praticamente tudo o que eles querem e podem passar em
um único olhar. Neste momento, eles estão concentrados em mim, e tento
não notar que tudo sobre ele foi ampliado cem vezes em minha consciência.
Nossa, ele está tentando ser um diagrama de anatomia masculina? Quatro
anos de exercícios fazem muito com o corpo de um adolescente,
aparentemente.

Quatro anos trabalhando na prisão, Iz. Imagine o que isso fez com
tudo dentro dessa concha repugnantemente atraente.

—Ei. Que bom te ver, Isabel. Você não é mais uma garotinha nerd, —
ele diz, movendo—se em minha direção.

Deus, até a voz dele soa... diferente. Eu me recuso a usar a palavra —


sexy para descrever o tom profundo e grave.

—Engraçado, porque você parece exatamente o mesmo, — eu digo


secamente.

Seu sorriso se espalha abertamente, que dispara direto no meu


estômago. Velhas faíscas ganham vida, resquícios da paixão de uma garota
de dezessete anos pelo irmão de sua melhor amiga. Achei que tinha
apagado aquelas brasas perigosas há muito tempo.

Você sabe, quando ele a rejeitou?


Humilhou você?

Traiu e abandonou você?

Ele não está aqui nem um minuto, e eu já desejo que ele vá embora.
Em vez disso, ele abre os braços, e dou a Kim um olhar duro, enquanto me
levanto e deixo que ele me puxe para um abraço.

Grande erro.

Meu sangue bombeia com força ao sentir os músculos sólidos e


definidos através de sua camiseta fina. Eu odeio que meus dedos
instintivamente cavam em seus ombros, e meus quadris roçam... merda, isso
é ruim. Ele até cheira a tentação. Limpo e masculino, como couro que foi
lavado e esfregado com especiarias sutis e ar fresco da montanha.
Eu odeio você , Tristan Haverford.

—Bom ter você de volta, — eu minto, afastando—me do calor


tentador de seu corpo.

Seus lindos olhos procuram meu rosto em diversão enquanto recuo


ainda mais e cruzo meus braços. Minha pele ainda formiga com seu toque,
seu cheiro permanece em minha consciência.

—Obrigado por me deixar ficar aqui por um tempo. Kim disse que
você não era exatamente fã da ideia.

Meu olhar se fixa em Kim, que levanta as mãos e murmura um pedido


de desculpas. O sorriso de Tristan é mortal quando ele dá de ombros e passa
a mão pelo cabelo escuro que estão compridos, a franja caindo no seu rosto.
As pequenas covinhas são visíveis, tornando seu sorriso uma perigosa
mistura de adorável e diabólico. Não me lembro de suas tatuagens o
suficiente para saber se alguma é nova. Ele já tinha várias quando foi preso,
mas tatuagem na prisão é uma coisa certa, não?

Mesmo que não seja, sua tinta também pode ser nova pela forma
como se molda aos planos duros de seu corpo esculpido. Meu olhar pousa
na sugestão de cores espreitando através do decote em V de sua camiseta,
apenas o suficiente para deixá—la desesperada para rasgá—la e ver o resto.
Todas. Cada. Centímetro. Sim, se eu estivesse escalando um filme de prisão
e precisasse de um ator para interpretar um ex—presidiário lindo, eu ligaria
para o agente de Tristan e imploraria para ele assumir o papel.

Tão estupidamente irritante.

Pior ainda, ele definitivamente notou que fiquei boquiaberta com base
no olhar escaldante atirado de volta para mim. Seus olhos estão cheios de
diversão presunçosa enquanto afasto meu olhar. E daí se ele é gostoso? Ele
também é arrogante e agora um criminoso condenado.

Graças a Deus eu tenho namorado, então não serei tentada a fazer


algo estúpido.

—Sim, bem, ela não me deu exatamente uma escolha, —murmuro,


pegando meu laptop do sofá e enfiando—o na minha bolsa carteiro. —
Desculpe, eu tenho um trabalho enorme para amanhã.

Eu saio em direção ao meu quarto, ignorando seu silêncio atordoado.


Por que eu deveria me importar com o que eles pensam? Ele é problema de
Kim, não meu.

—Ela me odeia, — ouço Tristan dizer baixinho. Mas não há sarcasmo


ou humor em seu tom desta vez. A tristeza resignada meio que faz meu
estômago revirar.
—Ela vai se acostumar, — diz Kim. —Estou feliz que você esteja em
casa.

—É bom estar em casa. Eu... —Sua voz falha, e quando olho para
trás, vejo a dor em seu rosto quando ela o puxa para um abraço.

—Ei, está tudo bem, ela murmura, segurando—o perto. —Vai ficar
tudo bem agora.
 

Acordo cedo na manhã seguinte. São vinte minutos de


carro até o meu trabalho como estagiária em uma empresa de engenharia,
mas será uma hora se não sair de madrugada para pegar a rodovia. Como
sempre, faço o meu melhor para não incomodar Kim quando rastejo pelo
corredor até o…

Ah Merda!

Eu pressiono uma mão sobre meu coração, tentando estabilizar minha


respiração, enquanto examino a figura sombreada no sofá.

Espere.
Certo.

Nosso hóspede.

Vai demorar um pouco para me acostumar com isso.


Mas meu coração continua seu ritmo acelerado enquanto observo
nosso visitante no escuro. Tristan está dormindo de costas com nada além
de uma boxer, deixando seu corpo forte e musculoso à mostra como se
estivesse intencionalmente tentando me torturar. Meus olhos traçam cada
linha de seu corpo como se eu fosse uma estudante de medicina estudando
um espécime masculino perfeito. Como alguém pode parecer tão perfeito
por fora e ser uma bagunça por dentro? Precisamos estabelecer regras de
nudez se quisermos ter homens morando aqui.

Homens, ou aquele homem? Porque não há dúvida de que meus


hormônios rebeldes estão gostando de tudo sobre essa vista. Exceto…

Calafrios percorrem minha pele.

Eu me aproximo, apertando os olhos para a luz fraca quando ele se


ajusta a uma posição não natural. Ele cobre a cabeça com os braços como se
estivesse se preparando para um ataque. Nunca vi ninguém dormir assim.
Ele está dormindo? O cobertor que Kim deu a ele está amontoado no chão
como se tivesse sido chutado em uma luta.

A ansiedade gira em meu estômago enquanto estudo a cena


contraditória. Este homem, tão fisicamente forte e confiante na noite
passada, parece vulnerável e assustado agora. Isso desencadeia um estranho
impulso de puxar o cobertor sobre ele e aconchegá—lo como uma criança.
Para ficar de guarda e protegê—lo de quaisquer fantasmas invisíveis que o
estejam torturando na escuridão. Ridículo, mas antes que eu saiba o que
está acontecendo, estou me movendo em direção a ele.
Acabei de me curvar para pegar o cobertor quando ele se levanta e
prende a mão no meu pulso. Eu grito quando me puxa para ele, mas há um
terror ausente em seu olhar intenso. Será que ele me reconhece? Eu
congelo, esperando enquanto ele pisca várias vezes desorientado, seu peito
subindo e descendo em respirações rápidas. Quando seu olhar clareia, ele a
solta abruptamente.

—Merda —ele murmura, esfregando as mãos no rosto. Ele está


tremendo? —Sinto muito, Isabel.

—Está tudo bem.


Eu dou um passo para trás, abalada também. Não sei o que foi, mas
não quero fazer parte disso. Não posso desperdiçar tempo.

—Estou prestes a fazer café. Você quer? —Eu pergunto.


Ele ainda parece perdido enquanto balança a cabeça. —Não. Quero
dizer, sim. Quero dizer…

Ele pressiona as palmas das mãos contra os olhos, e sinto o medo


persistente enquanto ele luta para se equilibrar.

—Sonho ruim? —Eu pergunto.

Ele olha para cima novamente, olhos assombrados piscando os


resquícios da dor recente, antes de abaixar o olhar para o chão.

—Algo parecido. Um café seria ótimo. —Isso vem com um sorriso


fraco que se aloja no meu peito.

Não é bom. Então, não é nada bom.


Eu devolvo uma torção de lábio rígido e continuo até a cozinha antes
que meu coração mole cause mais danos.

Ele é um criminoso! Um criminoso. Ele matou outra pessoa e correu


como um covarde sem coração.

Ele. Feriu. Você.


Sim, mas agora tudo em mim quer segurá—lo.

Eu cerro meu punho e caminho em direção ao armário para remover o


saco de grãos de café.

—Isabel, eu sei... — Ele para, e meus dedos apertam a alça da


garrafa. Eu olho para ele enquanto esfrega a mão sobre a cabeça. —Eu sei
que você não me quer aqui. Prometo que farei tudo o que puder para
encontrar um novo lugar. Eu só... não tenho muitas opções agora. Meus
pais...

—Deserdaram você. Sim, eu sei.


Ele estremece, e me concentro em encher a jarra com água. Uma
conversa educada exigia uma resposta diferente, mas ainda estou em
conflito com essa mistura desconfortável de ódio e simpatia. Eu odeio como
ele desencadeia o oposto do que eu quero sentir. Eu quero raiva, não
compaixão. Repulsão, não atração.

Eu quero não querê—lo . A última vez que o fiz, foi tanto que quase
me quebrou.

Isso quebrou você.

—Sim. A ovelha negra, certo? —ele diz com um sorriso fraco.

—Acho que é isso que acontece quando você mata alguém.

Ele recua novamente, e até eu me encolho com a minha declaração


dura, mas não retiro. Não posso. Não estou errada e não devo nada a ele.
Ele está estudando o linóleo gasto quando olho para cima, e tento
controlar o aperto no meu peito.

—Vou fazer o meu melhor para ficar fora do seu caminho, —ele
murmura enquanto se vira.

Tristan, espere.
Mas eu não digo isso. Eu apenas o encaro, observando os músculos
tensos de suas costas ondularem a cada passo. Forte e bonito e... marcado
por grandes cicatrizes irregulares que nunca vi antes. O que aconteceu com
ele lá?
Ele fez suas próprias escolhas.

Eu forço meu olhar de volta para a cafeteira. Provavelmente é melhor


se eu não fizer extra depois de tudo.

Ele é o problema de Kim.

Não. Meu.
 

Capítulo Dois

TRISTAN

Corredores abertos.
O cheiro de grãos de café moídos na hora.

Janelas.

Bem, mais especificamente, janelas que você pode ficar ao lado e


olhar por horas. Ou minutos. Ou segundos — quanto tempo você quiser,
porque você pode fazer escolhas como essa agora.
—Você está bem?— Kim pergunta, espreguiçando—se enquanto se
move para a sala de estar.

Eu deixo a cortina cair e me viro para ela.


—Bem. Você sabia que tem uma visão direta das lixeiras daqui? Você
pode até ver o que há nelas quando as tampas estão levantadas.

—Sim, é nojento, —diz ela, movendo—se em direção à cozinha.


Nojento? Estou assistindo a atividade há mais de uma hora. É incrível
o que as pessoas jogam fora. Ainda mais divertido é o que eles fazem
quando pensam que estão sozinhas.

Privacidade. Outra coisa que você toma como garantida até que ela se
vá.

—Ei, hum... —Eu paro, sem saber como perguntar isso. Não tenho
certeza se quero a resposta que já sei.

—Você acha que mamãe e papai ainda têm alguma das minhas
coisas? Eu meio que preciso... —Porra, isso é difícil. —Bem, tudo.

Eu forço um sorriso rápido, odiando a forma como seu rosto cai. Isso
é exatamente o que eu estava com medo. Quatro anos de culpa seguidos por
mais uma vida inteira.

—Eles não têm, —diz ela calmamente. —Suas coisas se foram, —ela
esclarece, como se eu estivesse confuso.
Eu não estou. De forma alguma. Claro que se livraram de tudo. Acho
que havia uma pequena parte de mim que ainda tinha esperança. Eu sinto
que ela fracassa como tudo na minha alma desgastada e cansada. Vinte e
quatro, e sinto que minha vida acabou, não recomeçou.

—Eles provavelmente jogaram fora no segundo em que fui


condenado, —murmuro.

Meu queixo endurece quando ela baixa o olhar. Não estou surpreso,
apenas…
—Tristan, eu...

—Não, —eu digo, balançando a cabeça. —Vamos apenas... seguir em


frente. Começar de novo, ok?
Eu a sinto me olhar quando passo por ela para encher minha caneca.
—Eu fiz café se você quiser.

É a verdade, porque Isabel não deixou nenhum para mim, apesar de


sua oferta. Acho que não fiquei surpreso ao encontrar a cafeteira vazia
quando me atrevi a entrar na cozinha assim que ela saiu. Eu tentei ficar fora
do caminho dela até então, lendo uma hostilidade ainda maior do que me
lembrava. Ela me odeia. Entendo. Ela me odiava antes de eu dar a todos
uma razão para me odiarem.

Eu sabia que ela tinha uma queda por mim desde que éramos
crianças, mas como minha irmã, aquela garota estava indo para algum
lugar. Ela tinha merda suficiente em seu prato, com seu pai tóxico, mãe
caloteira e desejo ardente de ser melhor do que eram. Os avós dela me
puxaram de lado e me avisaram para ficar longe, que eu era uma má
influência e acabaria sendo mais um obstáculo em sua vida.
Eles não estavam errados, então eu fiz. Parti seu coração da pior
maneira possível para que ela me odiasse em vez de me perseguir.
Funcionou, o que provavelmente foi bom, pois dois meses depois…

Inferno.

—Estou trabalhando apenas meio dia, —diz Kim, interrompendo meu


caminho bem percorrido pela estrada da memória. Ficar perdido na minha
cabeça – outra coisa em que me destaquei nos últimos anos.
—Vamos fazer compras, comprar algumas roupas e outras coisas.
Suas antigas provavelmente não caberiam de qualquer maneira. Você é,
tipo, um homem feito, agora.

Ela puxa minha manga com um sorriso, e forço um de volta. As


roupas não são o que eu queria.
—Eles destruíram... tudo?

A maneira hesitante que passei anos filtrando, está de volta. Parece


estranho, e me vejo tenso com o deslize, instintivamente no limite e
preparado para o ataque. Você aprende rápido a ser o que você tem que ser,
não o que você é.

Quando ela não responde, eu tenho minha resposta.


Meu estômago afunda, e eu enterro a picada fresca junto com o resto.

—Sinto muito, — diz ela, apertando meu braço. —Eu tentei impedi—
los. Eles simplesmente se perderam quando você foi preso e...

Eu levanto minha mão e balanço minha cabeça. —Está bem. Só... vou
tomar banho.

—Tristan…

Que parte do não agora ela está perdendo? Não posso mais no
momento.

—Não deveria ser assim, — ela diz em uma voz fraca atrás de mim.
—Não é justo.
Fecho os olhos com força, forçando o ar em meus pulmões.

—Você tem uma toalha que eu possa usar? —Pergunto quando posso
falar novamente.
Depois de uma longa pausa, sinto sua rendição. Ela não entende que
está dificultando as coisas? Passei um sexto da minha vida cumprindo pena
pelo que aconteceu. Eu não quero ser punido pelo resto também.

Mas você será. Você sabia disso.


Pode ser. Mas realmente não. Como eu poderia?

—Há uma pilha na prateleira acima do banheiro que está limpa, —diz
ela.

Cortinas de chuveiro. Outra coisa que aprendi a esquecer rápido.


 

—De jeito nenhum. Esse é o Tristan Haverford?

Merda.
Eu sinto a ira de Kim do outro lado da mesa, enquanto Jack Benson
vem em nossa direção como se ainda fôssemos veteranos do ensino médio,
que se preocupam em enfrentar quarterbacks e namorar líderes de torcida.
Tenho certeza de que minha jaqueta do time do colégio está em um aterro
sanitário, junto com tudo o que eu costumava ser. Não precisava disso na
SCI Burlington.

—Ei, Jaque. É bom ver você, —minto com um sorriso rápido.

— Quando você saiu? —ele pergunta, deslizando ao lado de Kim e


pegando uma de suas batatas fritas. O desgosto aberto em seu rosto quase
vale a intrusão.
—Ontem.

—Droga. — Ele olha ao redor, e me preparo quando ele se aproxima.


—Então. É verdade?
—O que é verdade?

—Prisão, cara!
—Prisão? Tipo, isso existe?

Ele revira os olhos como se eu fosse o único a perder as células


cerebrais nesta conversa.

—Isso não. A outra merda. Brigas de gangues, facadas e merda?


Espere, você não conseguiu... você sabe... deixar cair o sabão e tudo mais?
—Seus olhos viram sugestivamente, e Kim dá um tapa em seu braço.
—Ai!

—Você está falando sério? —ela sibila.

Ele olha de volta, esfregando a manga.


—O que? Estou apenas fazendo uma pergunta.

—Sim, bem, não é da sua conta. Que tal isso como resposta?

Suas brincadeiras de distração ajudam a aliviar o ardor no meu


estômago, e tento engolir o resto da ansiedade quando Jack se inclina para
frente.
—Ei. Então... —Ele lança um olhar ao redor do restaurante antes de
se concentrar novamente no meu rosto.

—Se você precisar de alguma coisa – qualquer coisa – eu posso te


ligar.

—O que eu precisaria? —Eu pergunto, estreitando meus olhos.


Ele balança as sobrancelhas, claramente não dissuadido pela minha
falta de interesse.
—Você sabe, cara. Garotas, festas, substâncias, o que você quiser.
Você deve estar coçando por alguma gatinha.

—Ow! —Ele esfrega o braço do segundo golpe de Kim no encontro.


—Ele está em liberdade condicional, seu idiota.

—Estou apenas dizendo. Muita coisa muda em quatro anos. Se


precisar de ajuda para voltar...

—Ele não.
Ela me dá um olhar de advertência, e eu limpo minha garganta.

—Isso é legal de sua parte, cara, mas acho que estamos bem.

Jack cruza os braços. —Você sabe, Candace ficou com Trey, tipo, no
segundo em que você foi preso, certo?
—Sim, —eu digo, cerrando os dentes. Outro lembrete não tão
agradável. Eu não esperava que ela esperasse de três a seis anos por mim,
mas de três a seis horas teria sido bom.

—Ok, então se você precisar de buceta. Ow!

—Ele está bem, —Kim retruca.


Jack olha para ela, e ela arregala os olhos em desafio.

—Que seja, —diz ele. —Apenas tentando ser um bom cidadão para o
meu colega.

—Sim, bem, tenho certeza de que há muitos outros caras no Dude


Kingdom que adorariam sua ajuda. Este está bem.
Ela enfia uma batata frita na boca, e eu não consigo parar de sorrir
com sua provocação. Kim nunca gostou de Jack. Ainda não, eu acho. É
bom saber que uma coisa não mudou enquanto estive fora.

Iz ainda me odeia.

Duas coisas.

Assim como todos os outros.

Três coisas.

—Bem bem. Bem, você tem meu número se mudar de ideia — diz
ele, levantando—se da mesa. Acho que o número dele também não mudou?

—Obrigado por parar, —eu digo, aliviado quando ele oferece uma
saudação estranha e caminha para o outro lado do restaurante. Shelton Barn
and Table é novo desde a última vez que morei em Suncrest Valley. É um
lugar legal. Talvez eles estejam contratando? Se os donos também forem
novos, talvez eu tenha uma chance.

—Jack ainda está por aqui, — Kim diz secamente.


Eu sorrio através de um longo gole do meu chá gelado.

—Finalmente. Algo que eu não perdi.


 

Cinco horas depois, eu me encontrei com meu oficial


de condicional, comprei algumas necessidades básicas e peguei vários
pedidos de emprego, não há como eu entrar nesta parte da cidade que
conhece — e se deleita — de todos os detalhes sangrentos do que
aconteceu.

Eu poderia tentar a sorte nos distritos mais ricos de Suncrest Valley,


mas acho que a tolerância deles para ex—presidiários escaneando suas
compras e servindo sua comida provavelmente é ainda menor. Eu precisava
de um plano de emprego para conseguir liberdade condicional, mas as
pessoas por aqui não são exatamente conhecidas por sua capacidade de
perdoar e esquecer, especialmente quando você foi a maior manchete da
década.

O otimismo incomum de Kim durante todo o dia tem tido o efeito


oposto, então, quando subimos as escadas para o sexto andar do prédio de
Rosewood, estou completamente esgotado. Senti alguma tensão durante a
minha adaptação ao mundo exterior, mas até agora a tarefa avassaladora de
absorver e adaptar—me a cada detalhe minucioso cobrou seu preço. Meu
cérebro já está desligando quando passamos pela porta e encontramos
Isabel na mesa com... um cara.
—Ei, Pierce, —Kim diz para ele.

O cara acena de volta antes de fixar seu olhar frio em mim.

—Esse é seu irmão? —ele pergunta.


Eu largo as sacolas e vou em direção a ele, já sentindo uma vibe ruim
de Pierce. Eu me forço a não olhar para Isabel enquanto aperto sua mão
com força. Pelo olhar gélido em seus olhos, ele também não está animado
em me conhecer.

—Tristan, sim, —eu digo, retornando um olhar direto.

—Pierce. Ouvi dizer que você está cumprindo pena.


—Não comece, querido, —Isabel avisa, mas o cara nem a olha.

Dou de ombros e volto para o outro lado da sala.

—Sim. Acabei de sair ontem.


— Homicídio veicular, certo?
Olho para trás, surpreso com a provocação aberta. Sério? É assim que
estamos jogando isso?

Eu permito um rápido olhar para Iz, e não gosto do jeito que ela está
tensa. Seu punho está fechado em torno de uma caneta, e ela está fazendo
tudo o que pode para ficar em segundo plano.

—Tecnicamente, acidente envolvendo morte e algumas outras coisas,


por quê? —Eu digo, endireitando—me para meus 1,90m. Isabel pode se
sentir intimidada pelo namorado, mas eu não dou a mínima para o que esse
punk pensa.

—Onde você cumpriu?

—SCI Burlington.
Um leve sorriso desliza em seus lábios, e eu adoraria acariciá—lo
com meu punho.

—Ouvi dizer que é um lugar difícil.

—Você ouviu corretamente.


—Revisamos um artigo de jornal sobre os presos da SCI Burlington
na minha aula de Processos Criminais no semestre passado. Eles disseram
que a taxa de agressão violenta entre detentos era quase quinze pontos
acima da média nacional.

Seus olhos piscam, me desafiando a reagir.

—Pare com isso, —Iz estala, puxando sua manga.


Ele afasta o braço com um olhar duro para ela, e meu sangue ferve.
Ela não vai aceitar essa besteira, certo? Pelo menos uma surra verbal
patenteada de Isabel Gardner bastaria. Olho para Iz, cujas bochechas estão
coradas, seus ferozes olhos castanhos abaixados e focados na mesa. Espere,
isso é real? Esse idiota não sabe o que tem? Como diabos você pode
namorar essa mulher e não apreciar seu fogo magnífico? Isso me faz odiar o
idiota ainda mais.

—Sim? O que esses artigos dizem sobre a taxa de agressão por


detentos após a libertação? —Eu pergunto com um sorriso. Os deuses da
humildade vão me perdoar por enfiar as mãos nos bolsos traseiros e me
inclinar em uma postura arrogante. Até onde você quer levar isso, cara?

Ele me examina, avaliando o desafio antes de finalmente recuar. —


Deve ser bom estar fora.

—Até agora.

É isso? Não sei se posso responder isso ainda.


—Baby, podemos apenas...

Isabel para em seu olhar sombrio, encolhendo—se ainda mais em sua


cadeira. Calor queima em meu peito. Ela não pode estar namorando sério
esse cara. Essa garota incrível é uma guerreira que não aceita merda de
ninguém. Como ela acabou com um idiota ciumento e controlador?

Lanço um olhar para Kim, que devolve um aviso silencioso. Ela


tolera esse pau também? O que diabos aconteceu com essas duas fodonas?
—Eu não estou interrompendo nada, estou? —Eu pergunto quando é
óbvio que estou. Eu sinto a repreensão silenciosa da minha irmã, mas
vamos lá. Esse cara está implorando por uma briga.

—Não, apenas discutindo planos para o jantar, —diz ele, descansando


a mão no ombro de Isabel.
Algo aperta no meu estômago enquanto estudo a conexão por um
minuto. Proteção, certo? Sempre fui amaldiçoado com isso. Também sou
bom em ler as pessoas, uma habilidade que me ajudou a sobreviver nos
últimos quatro anos.

—Nós íamos fazer o pedido, mas acho que vamos sair, —diz ele.
Seu olhar trava em mim novamente, como se me desafiasse a
protestar. Porque, eu não sei. Que diabos me importa onde ele come com a
namorada?

Porém , eu faço.

Eu caio no sofá e pego o controle remoto com um encolher de ombros


desdenhoso. Sinto a atenção de todos na sala, principalmente de Isabel, cujo
olhar agora está grudado em mim. Como ontem, o calor que irradia de seu
olhar intenso agita meu sangue em ondas dolorosas.

E eu gosto. Muito.

Eu não sou o único que mudou. Seu cabelo parece mais brilhante e
grosso, as feições em seu rosto mais maduras e marcantes. Seus olhos, no
entanto. Esses são os mais perigosos. A maneira como eles brilham com
inteligência e força deixam você desesperado pelo que não pode ter.

A oferta estranha de Jack no almoço volta rugindo no silêncio tenso.


Ele não está muito distante, mas não é uma conexão aleatória que desejo
após meu retorno a Suncrest Valley. É a sirene desafiadora, impetuosa e
sensata do outro lado da sala que está consumindo meus pensamentos e me
torturando com sua presença constante.
A única mulher a quem jurei resistir.
 
—Quer algum? — Eu pergunto, adicionando os ovos à panela.
Droga, eu senti falta de salchicha com ovo.

Isabel olha para minha oferta antes de seu olhar se desviar para meu
peito nu. Uma carranca se espalha em seu rosto, mas ela não desvia o olhar.
Se alguma coisa, seu olhar se intensifica no que parece ser um zumbido
elétrico sobre minha pele.
Kim está no trabalho, deixando Iz e eu sozinhos pela primeira vez
desde que cheguei. Não vou mentir, meu pau está muito mais interessado
nesse fato do que ela parece estar. É como se ela estivesse se esforçando
para me evitar, mas mesmo as rainhas guerreiras precisam eventualmente
comer.

—Isso é coisa de ovos com cachorro—quente fatiado? —ela


pergunta.

Um sorriso lento rasteja em meu rosto, atraindo seu foco para meus
lábios. Ela acabou de lamber o dela?
—Tecnicamente, é a coisa do cachorro—quente com ovo. Almoço
tardio.

Meu sorriso se transforma em um meio sorriso, e vejo algo próximo a


desejo antes que ela afaste seu olhar para longe do meu. Hum. Interessante.

—Que seja, — ela murmura. —Kim não falou com você sobre usar
roupas?
—Estou vestindo roupas, —eu digo, desligando o queimador.

Eu me viro para dar a ela uma visão completa e não perco como suas
bochechas coram. Suas sobrancelhas escuras se unem em um cruzamento
entre aborrecimento e concentração, enquanto ela me examina lentamente,
absorvendo cada detalhe do meu corpo até o cordão da minha calça de
moletom. Eu sei que ela gosta do que vê, quando inspira profundamente e
morde o lábio. Ela não está ajudando a situação naquelas calças atléticas
justas e camisa cortada. Também estou gostando muito da visão.

Eu me inclino para trás para expor mais meu corpo, amando como seu
olhar pousa no cabelo grosso logo acima do cós da minha calça. Seus dedos
apertam o puxador da geladeira, mas seus olhos gritam sobre o que ela
gostaria de estar segurando.
—Então, não ao salchicha con huevo?— Eu provoco.

—Não,— ela diz rigidamente. —Vou jantar cedo com Pierce.

Meu maxilar aperta, toda a diversão desaparece enquanto me reajusto


e me concentro na minha tarefa. Agarrando um prato do armário ao meu
lado, luto para suprimir a ira crescente.
— Você não gosta dele, não é? —ela diz.

Eu olho, surpreso que ela se importe com o que penso. Com um


encolher de ombros, recosto—me no balcão, agarrando a borda de cada
lado de mim.

—Por que você deixa ele te tratar assim?— Eu pergunto.


Ela abre a porta da geladeira. —Eu não sei do que você está falando.

—Você sabe exatamente do que estou falando. Por que você deixa ele
te tratar como merda?

—Ele não trata, —diz ela, puxando um iogurte da gaveta.


—Não? Então você gosta de ser humilhada e controlada? —Golpe
baixo, mas ela está me irritando. Essa mulher deve aceitar nada menos que
a perfeição de qualquer cara que ela permita perto dela. —A Isabel que eu
conhecia não aceitaria merda de ninguém, muito menos do cara a quem ela
deu seu coração.

—Sim? Bem, adivinhe? Não sou a Isabel que você conhecia.


Ela tem esse direito.

—E honestamente? Não tenho certeza se você já fez isso,— ela


continua com um veneno impressionante.

—Você estava muito cheio de si mesmo para ver alguém que não
estava se olhando em um espelho.

Ah, lá está a garota—mulher— que eu lembro. Acho que sou eu


quem desencadeia o fogo dela.

Ela bate a porta e marcha em minha direção, provavelmente para


pegar uma colher na gaveta que estou bloqueando.

—Eu não vejo como eu ter sido um idiota cinco anos atrás, significa
você ter que ficar com um agora,— eu digo.

—E eu não vejo como isso é da sua conta,— ela sussurra, cruzando os


braços.

Ela olha para mim, esperando que eu me mova.

Eu fico firme no lugar, desafiando-a com um olhar direto. Grunhindo,


ela empurra o meu lado para chegar atrás de mim, mas não me mexo. Para
não ser impedida, a teimosa se empurra ainda mais contra mim, me
forçando a encostar nos armários com a força de seu peito e quadris. Ela
deve notar a reação instantânea do meu corpo, porque suas bochechas
queimam com mais do que raiva. Mas ela não recua. Não, em vez disso, me
provoca pressionando seus quadris ainda mais na minha virilha, como se
procurasse mais evidências do que está dolorosamente óbvio.

Sim, eu quero você. Talvez, tanto quanto você me quer.

Meu pulso bate em cada respiração difícil, e agarro o balcão atrás de


mim. Ela afunda contra minha ereção, e assobio enquanto ela me roça com
uma pressão deliberada. Ela me toca repetidamente, até que meu corpo
inteiro esteja duro e queimando por ela.

Pelo seu olhar, ela sabe exatamente o que está fazendo. Isso é
punição. Eu nem sei por qual dos meus muitos pecados.

—É da minha conta porque você é minha colega de quarto e


aconteceu na minha presença,— eu digo, forçando minha voz a ficar firme.
—Se eu vir, é problema meu.

Seu olhar colide com o meu, brilhando com fogo. Velho e novo.
Segundos, minutos, anos de tensão não resolvida, nascida tanto da paixão
quanto do ódio, ardem entre nós. O tempo transformou nossa complexa
história em uma perigosa e crescente tempestade.

Meu sangue ferve enquanto ela observa meu rosto com luxúria, seu
corpo ainda fundido ao meu em um convite, que nós dois sabemos que não
tenho permissão para aceitar. Quantas vezes eu fantasiei sobre esse
momento? Imaginei as mãos dela em mim. As minhas mãos nela. Roupas
voando, respiração pesada e tensa em desespero para aliviar uma fome
insaciável.

Antes que eu possa reagir, seus dedos afundam no músculo tenso do


meu abdômen inferior. Ela vai ainda mais para baixo, provocando uma onda
de calor enquanto explora antes de se curvar ao meu lado em uma
afirmação ousada. Ela me puxa para mais perto e se move em pulsações
lentas e profundas, que acendem uma dor crua em todo o meu corpo. É pura
tortura.

—Isabel,—,eu digo quando ela deixa o iogurte no balcão para que sua
outra mão possa se juntar à diversão. Se não tivéssemos roupas agora...
—O que?— ela pergunta inocentemente.

—Não faça isso.

—Fazer o que? Só estou pegando uma colher.


—Não, você está brincando comigo.

—Você quer que eu pare?

—Não,— eu expiro.
Merda, eu nem me importo que ela esteja me atormentando. É muito
bom, mas quando estou pronto para entrar em combustão, as chamas
esfriam em gelo.

—Então, qualquer coisa que vemos é um jogo justo?— ela pergunta,


dando um passo para trás.

Parece frio sem ela e a raiva me percorre com sua crueldade. Ela sabe
o que sua mini sedução faria comigo depois de todo esse tempo. Estarei
sofrendo esta noite.

Eu dou de ombros e enfio meus dedos no cós da minha calça. Eu


empurro para baixo por vingança e sinto alguma satisfação em sua
inspiração rápida. Ela examina cada centímetro da pele recém - exposta – a
pequena tatuagem no meu quadril, o V seguro por um cordão fraco que mal
esconde o que ela claramente quer.

Cobiça. Essa é a chama em seus olhos agora. Pura luxúria.


Não importa que ela pareça se livrar disso e voltar ao ressentimento.

—Ok,—diz ela com um olhar presunçoso. —Então, como você


conseguiu essas cicatrizes nas costas que vi ontem à noite.

Meu sangue fica frio.

A escuridão invade a cozinha, nublando minha visão e enchendo


meus pulmões com ar espesso. Eu pisco de volta para ela, procurando
palavras, qualquer coisa para parar o súbito ataque de violência invisível.
Sua expressão muda quanto mais ela me estuda, suavizando de uma forma
que teria sido um alívio apenas um minuto atrás. Agora? Deus, eu não
consigo respirar.

Eu fecho meus olhos e luto para puxar uma respiração rasgada, antes
de me endireitar do balcão.

—Desculpe, você está certa, — murmuro, voltando para o meu prato.


—Não é da minha conta.

—Tristan…—

Sua voz é suave, tão suave quanto seu toque quando pousa no meu
braço. Um formigamento percorre minha pele, mas não posso agora. Eu não
poderei, nunca.

Eu me livro de seu aperto e pego um garfo e uma colher da gaveta.


Depois de lhe entregar a colher, passo por ela até a sala de estar fingindo
que poderei comer.
Capítulo Três

ISABEL

Não consigo parar de pensar em Tristan. Mais especificamente, o


olhar em seu rosto quando perguntei sobre suas cicatrizes. Sua expressão
mais do que assombrada. Torturado. Como se a causa do dano estivesse
acontecendo novamente naquele momento.

Sim, ele estava magnífico de se ver. Doloroso até, parado ali como
uma estátua grega, moldada a partir de cada fantasia na minha cabeça. E
aquela breve sensação dele contra mim... Meu corpo ainda vibra com o
calor dele, mas tudo derreteu no flash de agonia com a minha pergunta.

Eu forço minha atenção para o que Pierce está dizendo sobre...


alguma coisa. Algo chato e egocêntrico que envolve apenas ele, claro.
—Você está mesmo ouvindo?— ele pergunta, acenando a mão na
frente do meu rosto. Eu odeio quando ele faz isso. Eu não sou uma criança.

—Você tirou um A em seu exame de responsabilidade civil. Entendi,


— eu digo.

Seus olhos se estreitam para mim.

—Que diabos está errado com você? Você tem sido uma vadia nos
últimos dias. É sobre aquele animal que mora com você?

Meu peito se aperta de raiva, mas eu sei por experiência, que revidar
não vai me levar a lugar nenhum.

—Ele não é um animal.

E eu não sou uma vadia.


Eu aperto meu punho no meu colo, desejando ser corajosa o suficiente
para dizer isso. Um dia serei. Um dia eu vou jogar suas palavras tóxicas de
volta na cara dele, apenas... hoje não.

—Pessoas como ele são a razão de termos que fazer metade das aulas
que fazemos. Aquele filho da puta é um lixo humano.

—Não o chame assim,— eu digo, minhas unhas arqueando na minha


pele. —Você não sabe nada sobre ele.

O medo borbulha em meu peito com o olhar frio em seu rosto. Ele já
está chateado, mas eu não consegui parar as palavras desta vez. Tristan é
um monte de coisas, mas não isso. Nem mesmo perto. Ele é...

—Eu não preciso saber nada sobre ele para saber que ele não vale o
seu tempo. Na verdade, eu não gosto de você morando com ele. Você
precisa encontrar outro lugar para ficar, até que ele se vá.

—O que? Você não pode me dizer... —Ai!

Eu estremeço com a pressão no meu pulso quando Pierce me puxa por


cima da mesa. Eu bato na superfície, derrubando seu copo de água.

—Que diabos?!— ele grita, pulando de pé.

Nós dois estamos molhados quando me levanto e me esgueiro de


volta para minha cadeira. Meu pulso lateja, junto com o meu lado com o
impacto da mesa. Pierce sentiu o impacto da água gelada, porém, e me
mexo nervosamente no meu lugar.

—Que diabos está errado com você?— ele sibila, limpando a mancha
encharcada em suas calças. —Eu lhe disse para não deixar aquele criminoso
entrar!

—É o apartamento de Kim. Eu não tinha uma...


—Encontre um novo lugar para morar, — ele retruca, saindo da
cozinha.
 

A raiva ferve dentro de mim quando empurro a porta


da frente. Furiosa com Pierce pela forma como me tratou. De mim mesma
por deixá-lo fazer isso e estar com muito medo de revidar. Em Tristan por
causar todo o confronto em primeiro lugar. As coisas estavam bem, antes
dele chegar e agitar as coisas. Ok, talvez não bem, mas melhor. Pierce
nunca me machucou fisicamente antes. Gritou, insultou e repreendeu, claro,
mas nunca violência física.

Uma vez que ele esfriou, se desculpou por ser um idiota e até me deu
uma massagem improvisada no ombro enquanto assistíamos a um dos -
meus- shows que ele odeia. Ele parecia sincero em sua promessa de que foi
um acaso e não aconteceria novamente, que era culpa de Tristan por deixá-
lo louco. Ele não suportava a ideia de algum —predador— morando
comigo e potencialmente me machucando. Pierce se acalmou ainda mais
quando prometi começar a procurar uma nova moradia.

Mas uma vez que estava sozinha e voltei para Rosewood, nossa
trégua frágil se desfez na minha cabeça. Não quero me mudar. Eu não posso
pagar outra —mudança — de qualquer maneira. Eu sei que não estou
cobrindo minha parte total das contas, porque Kim nunca cobrou, mesmo
quando tudo aumentou para ela. É porque quer que eu fique aqui com ela.
Ela é minha melhor amiga, praticamente uma irmã. É apenas…

Tristan.

Ele olha para cima do sofá quando entro, rapidamente voltando sua
atenção para o que quer que esteja lendo. Livro? Não me lembro dele lendo
no ensino médio. Por outro lado, também não lembro dele dando a mínima
para mim e como vivi minha vida depois que ele me rejeitou, então acho
que muita coisa mudou.

Mas não o suficiente. Eu ainda tenho sentimentos por ele.

Sentimentos? Mais como se eu estivesse magnetizada por ele.

Tento não olhar para ele enquanto passo, ignorando o baque no meu
peito que rivaliza com o latejar no meu pulso. Não acho que esteja
quebrado ou torcido, mas tem uma marca que terei que esconder. Se
Tristan não gostou do jeito que Pierce falou comigo, definitivamente vai
gostar menos ainda disso. Quem se importa com o que ele pensa? Eu não.

—Teve um bom jantar?— ele murmura.


Faço uma pausa ao passar pelo sofá, surpresa por ele perguntar depois
do que aconteceu mais cedo na cozinha.

—Ótimo, —eu minto.

Ele assente e contrai o queixo.

— Lendo um bom livro?— Eu pergunto, dando uma sugestão de


sorriso.

Seus lábios se curvam de uma forma que puxa meu coração. Ele
sempre teve o melhor sorriso. É por isso que estava constantemente
cercado por pessoas. Você não poderia estar perto dele e não ser envolvido
por sua energia poderosa. A maior parte disso foi sugada, no entanto. Muito
dele se desvaneceu, não consigo pensar no porquê.

—Ótimo,— ele ecoa.


Eu devolvo seu sorriso, feliz em vê-lo de volta numa breve aparição.
—Acho que nunca vi você com um livro antes. Nem sabia que você sabia
ler.

—Hilário,— ele diz com um adorável revirar de olhos. —Foi


praticamente tudo o que fiz enquanto estava preso. Meio que cresceu em
mim.

—Oh. Certo. Desculpe, eu estava brincando.

—Eu sei. Você está bem?— ele pergunta, seu humor desaparecendo.

Meu estômago cai quando vejo sua atenção fixa no meu pulso que
estive esfregando distraidamente. Oh-oh.

Enfio as mãos nos bolsos de trás e dou de ombros. —Tudo bem, por
quê?

Seu olhar trava em mim.

—Você sabe por quê,— diz ele, balançando a cabeça para onde
escondi minhas mãos.

—Oh sim. Eu tropecei nas escadas subindo. É uma dor estar no sexto
andar.

Pela forma como sua expressão escurece, ele não acredita em mim.

—Pierce fez isso?

—Fez o que?

—O que você está escondendo de mim.

—Achei que tínhamos superado isso. Não estamos ficando fora dos
negócios um do outro? A menos que você queira me contar o que aconteceu
com suas costas.
Seu queixo retrai, e me encolho com a minha resposta. Eu não estou
sendo justa. Ele está perguntando porque se importa comigo. Estou
machucando-o. Eu me odeio por isso, mas não sei como lidar com essa
sensação no estômago toda vez que estou perto dele. Eu pensei que tinha
superado minha paixão estúpida. Eu tinha que ter, certo? O amor de
cachorrinho do ensino médio não dura até a idade adulta. Eu estava
contando com isso para sobreviver a essa situação terrível. Quanto mais
cedo ele encontrar um novo lugar, melhor.

Estou me preparando para sair quando sua voz me para.

—São marcas de queimadura, — diz ele calmamente.

Meus olhos disparam para os dele com surpresa, mas ele não está
olhando para mim. Ele segura borda de uma página em seu livro.

—Da prisão?— Eu pergunto quando ele não continua.

Ele acena com a cabeça, tenso de uma forma que me faz querer
envolver meus braços ao redor dele.

Enfio os dedos ainda mais nos bolsos.

—Kim disse que você teve momentos difíceis. Era disso que ela
estava falando?

Seu olhar levanta para o meu por alguns segundos, antes de se afastar
novamente.

Fico aliviada e desapontada quando ele parece se desligar.

—Vou dar uma corrida, —diz ele, levantando-se do sofá.

—Sim, você é bom nisso, hein. Fugir das pessoas? —Eu brinco antes
que eu possa parar. Eu tenho assistido ele fugir de mim toda a minha vida.
A última vez, ele fez isso na frente de toda a escola e me humilhou.

Ele não responde enquanto calça seus tênis em movimentos bruscos.


Eu vejo a frustração em seu rosto antes dele se virar para a porta.

—Você não está feliz que eu fiz?— ele pergunta friamente. —


Certifique-se de colocar gelo no pulso.
 

Ainda estou fumegando quando ouço a porta da frente abrir uma hora
depois. Supondo que seja Tristan voltando de sua corrida, permaneço
escondida no meu quarto, debruçada sobre a tarefa de física atômica com a
qual estou lutando há dois dias. Pierce mandou três mensagens de texto com
mais desculpas, mas não respondi, ainda com raiva do que aconteceu.

Eu sei que Kim não gosta dele. Ela nunca o fez, mesmo quando
começamos a nos ver e tudo era arco-íris e unicórnio. Ela acha que ele é
narcisista e controlador, mas ela não o vê quando ele é doce. Como a vez
em que ele pagou as passagens de avião para visitar minha avó em sua casa
de repouso na Flórida ou a vez em que ele mandou entregar flores em cada
local que fui ao longo do dia, em nosso aniversário. Ainda não sei como
conseguiu isso.

Ele vem de um mundo diferente, uma existência onde o privilégio


mimado lhe ensinou outras regras e valores. Eu não sou ingênua. Eu sei que
ele pode ser um idiota e às vezes cruza a linha, mas ninguém é perfeito. Ele
me aceita como sou, com defeitos e tudo, então eu faço o meu melhor para
aceitar os deles.

Mas isto... não sei. Esta noite foi diferente. Eu tenho muito em que
pensar, e por isso minha briga com Tristan não ajudou meu humor azedo.
Minha porta está entreaberta, então minhas suspeitas sobre Tristan são
confirmadas quando ele passa e entra no banheiro, do outro lado do
corredor. Ele não olha na minha direção, acho que ele não percebe que
estou aqui. Definitivamente para melhor, já que não tenho interesse em
outro confronto.

Eu balanço meus pés para fora da cama para fechar minha porta e
congelo.

Imóvel, observo pela abertura quando Tristan puxa sua camisa suada
pela cabeça. Ele a joga no chão, se torcendo apenas o suficiente para
mostrar um torso definido, digno de qualquer comercial de colônia, mesmo
que não seja criativo. Este é um daqueles anúncios bregas com cavalo
desnecessário e frases aleatórias em francês. Você sabe, onde o cara é muito
gostoso a ponto de não parecer real? Exceto que este é real. Tão
fodidamente real.

Meus pulmões se contraem quando ele se vira para o chuveiro e


abaixa seu short e cueca boxer, expondo tudo por trás. A prisão o fez
esquecer as portas?

Você não deveria estar fazendo isso, Iz.

Eu não deveria, mas estou. Ele deveria ter fechado a porta, mas não o
fez.

E assim como eu temia, o homem é a perfeição. Meu Deus. Como é


possível ser tão bonito? Ombros largos e musculosos afinando para uma
cintura estreita e uma bunda tonificada por muito mais do que corrida.

Isto é tão errado. Você é tão esquisita.


Pode ser. Eu também fantasiei sobre esse momento toda a minha vida.
Os sulcos definidos se flexionam mesmo com os movimentos mais
leves, como quando ele abre a cortina do chuveiro... e liga a água.

Minha boca fica seca enquanto estudo o perfil feito sob medida para
um pôster de filme adulto. Tristan Haverford, galã adolescente, tornou-se
uma obra-prima.
—Ei, existe algum truque para nivelar a temperatura da água?— ele
chama, inclinando a cabeça na minha direção. Olhos castanhos vibrantes
acendem com calor e humor quando ele encontra meu olhar através de duas
portas abertas que deveriam estar fechadas.

Exceto. Elas. Não. Estão.Fechadas.

Eu engulo e faço o meu melhor para formar uma resposta gelada, mas
não faz sentido. Ele sabe que estou hipnotizada. Muito em chamas para
qualquer reação fria que eu queira.

—Você quer dizer, como muito quente ou muito fria?— Eu digo.

Ele balança a cabeça, endireitando-se e... não. Por favor, por favor,
não.

Ele faz.
Estou paralisada quando ele se vira para exibir um peito bem
definido, abdominais sulcados, coxas fortes e musculosas e todas as partes
gloriosas no meio. Não há proteção para meus olhos e coração acelerado,
que o bebe como se nunca tivesse visto um homem nu antes.

Porque eles não viram. Não um homem assim, de qualquer maneira.

—Sim, foi isso que eu quis dizer.


Ele se inclina casualmente para o lado, esperando minha resposta
como se estivesse esperando um ônibus.

O sangue queima através de mim, se acumulando quente no meu


centro. Eu cerro meus punhos contra a queimadura. Uma dor profunda se
instala na minha barriga, arranhando as paredes cuidadosamente erguidas
que passei anos construindo. Eu o odeio por fazer isso comigo, usando meu
desejo por ele ao longo da vida, contra mim. É cruel, e quanto mais nos
enfrentamos, o ressentimento começa se misturar com o pulsar violento em
meu núcleo. Ele sabe que é perfeito. O quanto está me torturando. Minha
eterna paixão. Minha fantasia.

Meu pesadelo.

—Não. Você só tem que aceitar isso,— eu minto. —E nós temos


portas, você sabe,— eu estalo, indo em direção à minha.

Seu sorriso sexy é a última coisa que vejo antes de fechá-la.


 

—Ele precisa sair. —Eu digo, encurralando Kim em seu quarto no


segundo que ela volta do trabalho.
—Uau. Olá para você também.

Ela puxa a alça de sua bolsa sobre a cabeça e a joga no chão ao lado
de sua mesa de cabeceira.

—Estou falando sério, Kim. Já é suficiente. Eu entendo que ele é seu


irmão, mas não está funcionando. Ele é... ele é... gah!

Estou tão chateada que não consigo nem pronunciar as palavras. Eu


tinha todo esse discurso planejado, raciocinado e refinado, mas agora que
ela está aqui, só quero gritar e jogar coisas. Isso é o que Tristan faz comigo.
Me deixa completamente louca.

—Ok, acalme-se. Vamos apenas sentar e discutir.


—Já discutimos! Discutimos até que não havia mais nada para
discutir. Eu disse que daria uma chance e dei. Não está funcionando. Ele
precisa ir!

—Ele não pode ir, —diz ela, seu próprio temperamento subindo. —
Como eu te disse um milhão de vezes, ele não tem para onde ir. Além disso,
seu plano de casa já foi aprovado como parte de seu processo de liberdade
condicional. Eu nem sei se ele tem permissão para morar em outro lugar.

—Isso não é problema seu!


—É meu problema. Ele é meu irmão!

—Quem fez escolhas horríveis! Ele precisa viver com as


consequências.

—E quatro anos e meio de inferno não são suficientes?!


—Você acha que a família de Amber pensa que é o suficiente? Ele é
um criminoso, Kim. Eu sei que o ama, mas você precisa acordar e aceitar a
verdade. Seu irmão é um insensível...

—Pare!— Lágrimas se acumulam em seus olhos, nublando uma dor


tão profunda que me balança para trás.

—Apenas... pare,— ela respira, enxugando-os. Depois de um longo


silêncio, ela olha para cima novamente, e eu estremeço com a dor em seu
rosto.
—Por favor, apenas confie em mim nisso. Por favor, dê uma chance a
ele. Estou te implorando como melhor amiga, uma irmã.

Eu pisco para ela, seu pedido desesperado registrado de uma maneira


totalmente nova. Sim, vem de um coração que ama profundamente seu
irmão, mas há algo mais. Algo arranhando logo abaixo da superfície e
fazendo meu estômago doer.

Não o que ela está dizendo; o que ela não está.

—Kim...— Minha voz está resignada.

—Por favor, Iz. Eu sei... eu desejo...

Apenas diga!

Espero mais alguns segundos, implorando silenciosamente para ela


me fazer entender. Eu quero entender, mas não sei como esperam que eu
aceite algo se me mantêm no escuro. Ela balança a cabeça em frustração, e
logo essas palavras não ditas ficam guardadas de volta em seu cérebro,
seguras e escondidas de mim.

—Está tudo bem,— murmuro, magoada por ela não confiar em mim.
Eu. A pessoa que ficou ao lado dela mágoa após mágoa. A pessoa que
manteve sua vida unida durante sua implosão após o acidente e a prisão de
Tristan. Mas acho que isso ainda não é suficiente. Talvez eu não seja
suficiente.

—Iz, por favor. É complicado.

—Tenho certeza que é, —eu digo uniformemente. —Eu tenho que


assistir aquela palestra de física atômica.

Eu não espero por uma resposta antes de deslizar pela porta e escapar
de volta para o meu quarto.
Derrotada e sozinha, desabo na cama e me deixo chorar pela primeira
vez em meses.
Capítulo quatro

TRISTAN

Aparentemente, além de deixar as portas abertas, ninguém bate neste


apartamento mesmo quando estão fechadas. Eu olho para a penteadeira,
com o coração pulsando com o pensamento de que pode ser Isabel. Mas
claro que não. Depois do que fiz com ela esta noite, será um milagre se ela
voltar a falar comigo. Eu me sinto mal por mexer com ela, mas estou tão
cansado de ver os restos diluídos daquela mulher espirituosa e emburrada.
Eu precisava vê-la explodir, mesmo que fosse apenas em um breve flash e
resultando em me odiar mais. Eu precisava lembrá-la que a vida – paixão –
ainda corre em suas veias.

Agora, porém, é o fogo da minha irmã que irrompe na sala. Ela fecha
a porta atrás dela, virando-se para mim como se eu tivesse estragado tudo
de novo. Merda, Iz disse a ela o que eu fiz? Não é à toa que ela está
chateada.

—Eu sei, ok? — Eu digo com a boca cheia de pasta de dente. —Eu...
—Precisamos contar a ela.

Merda.

Eu me preparo contra o golpe e me concentro em escovar os dentes


para ganhar tempo. Ela não pode estar falando sério. Mas cara, ela parece
séria agora.

Depois de enxaguar a boca, eu me inclino contra o balcão e cruzo os


braços.

—Não,—eu digo com firmeza.


—Não? Ela está me implorando para te expulsar! Exigindo,
realmente. Ela despreza você pelo que acha que você fez.

Eu reprimo um estremecimento e permaneço estóico, fiquei bom


nisso. Esconder merda. Tudo enterrado e seguro, que ninguém pode usar
contra mim.

—Bom. Ela deveria me odiar.

A raiva de Isabel é melhor para nós dois e provavelmente a única


maneira de sobrevivermos a isso. Eu não consigo ficar longe dela, então
preciso que ela seja a mais forte.

—Como você pode dizer isso? Ninguém deve te odiar. Se eles


soubessem...

Eu resmungo e tento passar por ela para a porta.

—Você vai apenas...— Ela agarra meu pulso e o deixa cair de volta ao
meu lado. Apertando meu punho, forço respirações calmantes.

—Ela não pode saber a verdade, —eu digo com naturalidade.

—Ela tem que saber!

—Eu disse não.

—Não é apenas a sua história para contar.

Eu a encaro, meu sangue fervendo. Ela está falando sério? Ela está
questionando minha escolha? Tomando uma parte da verdade para si,
depois que eu brutalmente paguei todo o preço?

—Foram quatro anos,—eu assobio para ela. —Quatro malditos anos.


Eu decido como essa história se desenrola e estou lhe dizendo, ninguém
pode saber. Nem uma alma ou foi tudo por nada! Você não entende isso?
—Mas todo mundo te odeia! Culpa você. As coisas que dizem, a
maneira como tratam você... está me matando! Eu sei o que aconteceu lá,
Tristan. Você não vai me dizer, mas eu sei.

Eu aperto meu queixo, tentando respirar através da dor esmagadora


no meu peito. Era uma arma na prisão, combustível para a raiva que me
mantinha vivo. Agora? Eu apenas me sinto perdido. Mal podia esperar para
estar livre, e acontece que minha prisão me seguirá para sempre.

Eu pressiono as palmas das minhas mãos nos meus olhos, apertando-


os. Eu não posso quebrar. Assim não. Não quando preciso fazer o que posso
para convencê-la de que esse show de horrores é o melhor.

—Eles me odiavam antes de tudo isso. Me culpavam por tudo de


qualquer maneira, — eu consigo em uma voz dura.

—Não diga isso, —diz ela, esvaziando.

—Por que não? Você sabe que eu estou certo. Eu sempre fui a ovelha
negra. O filho odiado.

—Pare!

—Aceite isso. Você era a criança de ouro, eu era o fodido. Isso é tudo
que eu sempre fui e tudo que sempre serei. É por isso que fizemos isso em
primeiro lugar!

—Não! Você não é um merda. Você... Você é uma pessoa incrível, e


eu sinto muito.

Suas lágrimas se libertam quando ela joga os braços em volta do meu


pescoço e puxa com força.

—Kim...
—Desculpe-me. Eu queria te dizer isso todos os dias nos últimos
quatro anos. Nós éramos tão ingênuos. Se pudéssemos voltar atrás...

—Não. Não podemos fazer de novo. Está feito e, em última análise,


foi minha escolha, não sua.

Ela engasga com um soluço e enterra o rosto na minha camisa. —Eu


sei, mas foi o errado, e deixei-o fazer isso. Está me matando ver você se
machucar de novo e de novo depois de tudo que já passou. Isso não está
certo.

Fecho os olhos, querendo dizer a ela que está tudo bem. Estou bem.
Mas eu não estou. Eu nunca vou estar bem.

—Por favor. Apenas deixe uma pessoa entrar,— ela diz, inclinando—
se para trás para procurar meu rosto. —Isso é tudo que estou pedindo.
Deixe apenas uma pessoa saber a verdade, ver o verdadeiro você. Te amar
como você merece ser amado. Ela não vai contar a ninguém, eu juro. É Iz.

Exatamente. É Iz.

Piscando através das lágrimas, eu uso cada pedaço de força que tenho
para fingir que não estou quebrando por dentro. Que não estou desde o dia
em que as algemas apertaram meus pulsos.

—Não é sobre isso,—eu digo baixinho. — Nós a amamos, não


podemos fazê-la carregar isso também. Isabel nunca poderá saber a
verdade.

—Tristan, me escute..., —ela implora, agarrando meu braço. —Você


já perdeu tanto, e agora toda a sua vida está arruinada. Apenas deixe uma
pessoa não te odiar por isso. Deixe uma pessoa saber quem você realmente
é. Você não merece isso!
Ela acha que está ajudando? Que eu não sei tudo isso? Eu vivo com
esse peso a cada segundo de cada maldito dia. Eu forço uma respiração em
meus pulmões pesados.

—Não. É minha vida, minha história, minha decisão, e a resposta é


não. Ninguém pode saber o que realmente aconteceu.
 

Eu me equilibro no braço do sofá enquanto termino de


amarrar meus tênis. Deverá ser uma manhã excepcionalmente quente, então
decidi fazer meu treino mais cedo hoje. Bônus, se eu puder desaparecer
antes que Iz volte da cozinha.

Eu me endireito e equilibro os dois pés no chão, assim que um som


farfalha atrás de mim. Torcendo-me em alarme, dou um suspiro de alívio
com o olhar confuso de Iz.

—Você está bem?— ela pergunta.

—Tudo bem, por quê? —Eu me viro completamente e me apoio no


braço para encará-la.

—Hum, a coisa toda nervosa?

Ela acena para mim, e forço um sorriso apertado.

—Sim. É...— Eu não tenho uma resposta, então fico grato quando ela
limpa a garganta.

—Você quer um pouco de café?— ela pergunta.

Eu olho para ela, surpreso ao ver duas canecas em suas mãos. Isso é
uma piada?

—EU…—
—Apenas pegue,—ela murmura.

Eu faço e olho para o meu reflexo na xícara. Estou tão confuso agora.
Ela cuspiu nele?

—Eu não cuspi nele,—diz ela, e não consigo evitar um sorriso torto.

—Não? Como posso ter certeza?

—Porque isso é nojento. Além disso, você nunca lava seus pratos,
então eu teria que limpar isso também.

Meu sorriso cresce, e ela desvia o olhar.

—Ei, desculpe por ontem,— eu digo. —Eu não deveria ter feito isso.
Apenas, desculpe.

Ela relaxa um pouco. —Acho que houve ofensas piores no curso da


história humana do que um cara gostoso mostrando sua beleza.

—Você acha que eu sou gostoso?

—Todos não acham?

Eu desvio o olhar, e o clima se acalma novamente. —De qualquer


forma, não vou fazer isso de novo. Respeitarei seus limites.
—E eu vou parar de agir como uma idiota.

—Idiota pode ser uma palavra forte. Precisa, mas forte,— eu digo,
abrindo outro sorriso.

Seu olhar trava em meus lábios, então cai para o meu short. Um leve
rubor floresce do pescoço até as bochechas enquanto engulo minha própria
onda de excitação. Sim, não tenho certeza de quem levou a pior daquela
cena ontem à noite. Quinze minutos em um fluxo escaldante não foram
suficientes para expurgar a memória da luxúria contida queimando em seus
olhos. Seu olhar era tão quente quanto um toque quando percorreu meu
corpo. Mesmo agora eu sou um inferno furioso de... Não vá lá, Tristan.

Corrida.

Café.

Eu tomo um gole disso.

—O que você está fazendo hoje?— ela pergunta, limpando a


garganta.

—Indo para uma corrida,— eu digo secamente.

O revirar de olhos dela é tão fodidamente adorável. Estou na merda se


eu não ficar no lado ruim dela novamente. Essa trégua repentina está
mexendo com a minha cabeça.

—Depois disso, gênio,—diz ela.

Eu dou de ombros. —Não tenho certeza ainda. Pensei que talvez vá


procurar emprego novamente. Não foi humilhante o suficiente ontem.

Ela torce um sorriso. —Quer companhia?

—Você não tem que trabalhar?


—Não, apenas de segunda a sexta. Eu trabalho em uma empresa de
engenharia.

—Engenharia, hein? Eu sabia que você ia arrasar um dia.

Sua expressão fica nublada quando ela enfia as mãos nos bolsos. —
Sou estagiária. Estou quase tirando meu diploma, no entanto.
—Provavelmente a melhor estagiária que eles já tiveram.
Sua postura suaviza enquanto me estuda, e olho para o chão,
sentindo-me nu novamente sob sua avaliação aberta. Por que ela está
agindo tão estranhamente? Ontem pensei que ela ia arrancar minha cabeça.
Agora é café e sair?

Espere.
Meu coração bate mais rápido.

Oh não. Kim não contou a ela, contou?!

Eu tento controlar minha respiração enquanto leio seu rosto, sua


linguagem corporal – qualquer pista que ela saiba.

—Tristan, hum...

Não não não. Isso não pode estar acontecendo.

Eu forço uma expressão uniforme através do pânico crescente.

Ela morde o lábio. —Eu... eu sinto muito.

—Pelo que?— Eu pergunto, pulso acelerado.

—Tudo.

—Tudo? Como discórdia política e poluição do oceano?

Ela devolve um sorriso fraco. —Não. Por... julgar você mal.

—Sobre?

Por favor, não diga isso. Por favor por favor.

—Eu sei, ok?

Seu olhar levanta para o meu, e eu fico entorpecido.

—Você sabe?
É tudo o que posso dizer.

Isabel estende a mão para mim, eu me afasto, ainda em choque.


Quase cinco anos guardando um segredo. Cinco malditos anos! E ainda
mesmo…nem sei o que dizer. Eu nunca estive nessa posição antes, não
estava nem remotamente preparado para isso.
—Quanto... Hum... O que ela te disse?— Não consigo olhar para ela e
me concentrar no chão novamente.

—Sem detalhes. Apenas, posso dizer que há mais nessa situação que
vocês dois não estão me contando.

Oh! Graças a Deus.


Fecho os olhos com força, respirando fundo de alívio, mesmo quando
a dor antiga e a nova se misturam em uma corrida repentina.

—Tristan?

Eu estremeço com a mão no meu braço e abro os olhos para encontrar


o rosto bonito e preocupado de Isabel a centímetros do meu.

—O que é tudo isso? O que realmente está acontecendo?— ela


pergunta.

—Eu...— Minha voz está rouca de emoção, e eu limpo minha


garganta. —Nada. Eu não quero falar sobre isso.

Não posso.
Ela deixa cair o braço quando me forço a sair.

—Ok, mas...

—Você está lendo demais,—minto, dando-lhe um olhar duro. —Eu


preciso ir. Já perdi tempo suficiente.
Seu olhar se estreita como eu esperava. Bom.

—Ok, bem, desculpe por desperdiçar seu tempo, eu acho.


Eu forço um encolher de ombros casual e vou em direção à porta.
Melhor ela desperdiçar meu tempo do que a vida dela.
 

Não sei por que Isabel decidiu vir comigo se ainda estava chateada.
Às dez horas, estou começando a desejar ter insistido que ela ficasse em
casa para me odiar em privado. Eu nem sabia que havia tantas maneiras de
ser passivo-agressivo.

—Você precisa se inscrever aqui,— diz ela, me puxando para uma


parada na frente do Abe's Hardware.

É a primeira coisa que ela fala em vinte minutos, então é alguma


coisa, eu acho.

A placa desgastada acima da porta não mudou nada desde que saí, o
que também significa que Abe Hernandez provavelmente ainda me odeia
por namorar – e largar – sua filha. Ah, e houve aquela coisa com as pás de
neve, mas pedi desculpas e paguei por aquilo.

Claro, tudo isso foi antes do acidente. Sua filha também era muito
amiga de Amber Hubert.

— Não acho que seja uma boa ideia — digo.


Eu continuo andando, mas Iz me puxa de volta.

—Ele está contratando, viu? Você está em boa forma e estamos nos
aproximando da temporada de paisagismo. Tenho certeza de que ele tem
trabalho manual que você poderia fazer.
—Ele me odeia ainda mais do que você,— murmuro, me esquivando
de seu aperto.

Ela revira os olhos. —Vamos. Vamos ao menos perguntar. Eu irei com


você.
—Iz...— Eu dou a ela um olhar suplicante, o que só parece fortalecer
sua determinação.

Ela abre a porta e me empurra para dentro.

Três pares de olhos pousam em nós quando o sino toca. Dois parecem
chocados. Um parece assassino.

Merda. Eu sabia que isso era uma má ideia.

—O que você está fazendo aqui?— Abe late, vindo de trás do balcão.

Reconheço vagamente os dois clientes, embora não consiga


identificá-los.
—Nada,— eu digo. —Desculpe. Eu só estava…

Eu me viro para sair, mas Isabel bloqueia minha saída. —Oi, Sr.
Hernandez. Vimos que você está contratando. Tristan está...

—Nem uma maldita chance. Saia da minha loja!— Abe ruge.


Eu estremeço, meu estômago em nós quando volto para a porta.

—Eu sinto Muito. Sério...

—Fora! Por que você voltaria aqui depois de todo o dano que causou?
Você é tão arrogante ou apenas um idiota completo?
—Senhor. Hernandez,— Iz diz em choque. —Ele apenas...

—Fora! Sai fora!— ele grita, me empurrando com força.


Eu tropeço na porta, minha cabeça batendo no vidro, mas é a
maçaneta na minha lateral que me tira o fôlego.

Isabel agarra meu braço para me ajudar a levantar, mas a afasto e abro
a porta. Escapando para a calçada, dou alguns passos à frente e apoio minha
mão na parede para recuperar o fôlego.
—Tristan…

Eu balanço minha cabeça e dou um olhar de advertência.

—Não diga nada.


—Eu realmente pensei...

—Simplesmente pare!

Eu descanso minha testa no meu braço contra o tijolo frio e tento


respirar através da dor no meu peito. Eu não posso nem dizer se é do ataque
físico ou emocional.

—Tristan…

—Ninguém vai me contratar nesta cidade. Ninguém. Você não


entende isso?— Eu pergunto, virando-me para ela. —Só estou me
candidatando para deixar meu oficial de condicional feliz.

—Sinto muito,—diz ela, olhando para seus sapatos. —Eu estava


apenas tentando ajudar.
Ela? Eu ouço o toque de amargura em sua voz.

—Eu não tenho chance aqui, Iz. Esta cidade me despreza. Eles me
toleravam antes por causa da minha família, mas não precisam mais. Até
meus próprios pais não querem nada comigo.
Imagens do rosto de papai quando ele finalmente pagou a fiança
depois da minha prisão, passam pela minha cabeça. Meu pai ficou tão bravo
que esperou mais de uma semana antes de pagar a fiança, só para me
manter preso. Ainda posso sentir o cheiro da cela, de mim mesmo depois de
dias de confinamento. Deus, eu estava com tanto medo. Achei que fosse a
pior semana da minha vida. Alguns meses depois, aprendi o que realmente
era o medo.

—Você entende o porquê, certo?— ela diz uniformemente. —Por que


eles não gostam de você? Você foi horrível para muitas pessoas, Tristan. E
então você matou alguém que todos amavam, de uma maneira terrível. Você
arruinou muitas vidas.
Suas palavras batem em mim, e fecho meus olhos. Ela honestamente
acha que eu não sei tudo isso? Você pensaria que eu estaria acostumado
com isso agora, a culpa, o ódio. Talvez eu esteja, mas ouvindo isso dela...
Como todo mundo, ela acha que eu sou apenas um pirralho arrogante, que
se tornou um assassino arrogante. Eles nem percebem o quanto estou
sofrendo. Como, embora nada tenha mudado para eles, tudo mudou para
mim.

Era isso que eu queria, certo?

Eu começo a andar novamente.


—Tristan...

Eu nem percebo que estou tremendo até sentir uma mão no meu
braço. Recuando, me viro em direção a pessoa e colido com a parede.

Sua expressão muda quanto mais ela me estuda. Eu não posso dizer o
que ela está pensando, mas não pode ser bom. Por quanto tempo esse medo
constante vai me seguir? Quando poderei virar as costas sem pânico?
Fechar os olhos sem preocupação? Baixar minha guarda por mais de alguns
segundos? Estou tão fodidamente exausto de tudo isso.

Humilhado, me afasto do prédio e começo a descer a calçada


novamente.
—Por que você fez isso?— ela pergunta.

Eu congelo, o ar frio do inverno penetra profundamente em meus


poros.

—Por que você fugiu depois do acidente?— ela continua.


Eu não posso falar quando olho para trás e encontro olhos castanhos
quentes com acusação.

—Por que você não ficou e tentou ajudá-la? Ela poderia ter
sobrevivido! Por que você não assumiu a responsabilidade pelo que fez?

—Eu…

Meu coração dispara quando a história do roteiro borbulha na minha


língua. Já contei tantas vezes. É instintivo agora, então por que não consigo
recitá-lo? A confusão em seus olhos escurece com ressentimento quanto
mais eu hesito.

—Tudo o que você tinha que fazer era mostrar um pingo de remorso e
as pessoas teriam mostrado misericórdia em troca. Mas você não fez. Você
a deixou lá para sangrar. Você acabou deixando-a lá, Tristan. Que tipo de
pessoa faz isso?

Sua expressão pisca com raiva e frustração, mas é o desgosto que dói
mais. Estou acostumada com esses olhares, o desprezo e o ódio, mas não de
Iz. Não da única pessoa a quem secretamente me apeguei todos esses anos,
para passar pelos momentos mais sombrios da minha vida. Ela não sabia
que era meu anjo da guarda, mas seu rosto era uma tábua de salvação
quando achava que não poderia sobreviver mais um dia, mais um minuto de
merda.

E agora ela está olhando para mim como os outros. Como se eu fosse
o que eles dizem que sou.
—Eu... não é...

O apelo de Kim na noite passada chacoalha na minha cabeça. Eu


poderia contar-lhe a verdade. Talvez não doesse tanto se ela soubesse.
Talvez eu pudesse respirar novamente.

Procuro os olhos arregalados e feridos de Isabel. Ela quer acreditar


em mim. Vejo isso agora tão claro quanto há cinco anos. Algumas palavras
são o suficiente para enganá-la. Ela poderia ser minha. Ela deixaria aquele
idiota do Pierce e... o quê? Amarrar-se a um cara que é tão odiado que não
pode nem entrar em uma loja de ferragens, muito menos trabalhar lá?
Não. É exatamente por isso que a empurrei e tenho que manter minha
distância ainda mais agora. Se me importo com ela, não posso deixá-la se
envolver comigo.

—Eu não tenho uma boa resposta para você,—eu digo, andando
novamente.

Sinto a fúria de Isabel enquanto me afasto.


—É isso?— ela chama de volta. —É tudo que você tem a dizer?

Eu dou de ombros e continuo me movendo.

—É por isso que todo mundo te odeia!— ela chora atrás de mim. —
Abe está certo. Você é um pirralho arrogante e egocêntrico!
Suas palavras machucam, mas não me viro. Não posso. Ela não pode
saber que eu não sou nenhuma dessas coisas. Ela não pode saber que estou
muito danificado para ser qualquer coisa.
Capítulo Cinco

ISABEL

Tristan não sabe que o vi ontem à noite, mas foi impossível não saber
quando ele deixou a porta do banheiro aberta novamente. Eu não acho que
ele estava jogando dessa vez. Ele estava muito angustiado para se importar,
e assisti por vários minutos enquanto ele examinava brevemente seu peito
em busca de ferimentos, então olhava para seu reflexo como se estivesse
enfrentando um monstro.

Fico repetindo o terrível encontro com Abe enquanto me preparo para


o trabalho no dia seguinte – a dor no rosto de Tristan; o puro ódio de Abe. E
a pior parte? Não consigo decidir de que lado estou. A reação de Abe foi
terrível – e talvez justificada. De qualquer forma, eu me culpo, já que fui eu
quem empurrou Tristan para entrar na loja em primeiro lugar. Talvez ele
esteja certo. Talvez ele precise fazer isso sozinho. Ele obviamente, não quer
minha ajuda e, depois de ontem, não tenho certeza se poderia fazer muito de
qualquer maneira. Eu nem tenho certeza se eu deveria.

Eu dei uma chance a ele, não foi? À queima-roupa, dei-lhe a deixa


para explicar seu lado do que aconteceu, e ele não me deu nada. Quatro
anos e meio depois, ele não mudou e não parece arrependido. Não é à toa
que o promotor e o juiz não tiveram nenhum problema em dar-lhe uma
sentença de três a seis anos. Se essa é a posição dele, provavelmente
merecia mais.

Eu afasto a amargura enquanto faço café. É segunda-feira, o que


significa que terei um dia agitado, especialmente com meus chefes em uma
conferência, mas é assim que eu gosto. Os sócios da empresa já deram a
entender que estou concorrendo a um cargo permanente assim que me
formar em maio. Quando isso acontecer, as coisas finalmente chegarão ao
ritmo que gosto. Terei uma carreira e um futuro para me orgulhar, segurança
pela primeira vez na vida – minha própria cerca branca que venho
perseguindo desde o ensino médio.

Esse drama com Tristan é a última coisa que preciso agora.

Um som da sala chama minha atenção e saio da cozinha para


investigar. Provavelmente, Tristan tendo outro pesadelo. Minhas suspeitas
se confirmam quando vejo seu agito. Ele raramente dorme e, quando
dorme, nunca parece em paz. Uma pontada de simpatia me atravessa das
suas feições torturadas. O que está acontecendo em sua mente aterrorizada
agora?

Como sempre, o cobertor foi tirado e coloco minha caneca na mesa de


centro para que eu possa recuperá-lo. Está congelando hoje, e sua pele está
gelada quando meus dedos roçam seu braço. Eu tomo cuidado para não
acordá-lo, já que isso parece assustá-lo ainda mais.

Ele fez suas próprias escolhas.

Pode ser. Mas ele merece isso?

Já estou atrasada quando batem na porta. Esquisito. Kim ficou na casa


do namorado e é muito cedo para um entregador. Um vizinho talvez?

Tristan se mexe quando atravesso a sala para atender, esfregando os


olhos tentando acordar.
Eu abro a porta e enrijeço em choque.

—Senhor Haverford? —Eu digo, olhando para o pai de Kim e Tristan


em confusão.

—Oi, Isabell. Desculpe incomodá-la. Tenho correspondência para


Kim que chegou lá em casa. Parecia importante. Deixei uma mensagem
para ela dizendo que passaria a caminho do trabalho, mas ela não
respondeu. Ela está aqui?

—Ah... ah. Não, ela está com Piper. Se você quiser deixar comigo...

Ele empalidece, depois fica vermelho. —Tristan? Que diabos?

Porcaria.

Eu me viro, e meu estômago afunda com o olhar desorientado no


rosto de Tristan.

—Por quê você está aqui? Quando você saiu?— O Sr. Haverford late.

Eu estremeço com seu tom áspero.

—Alguns dias atrás,— diz Tristan, levantando-se.

—Quantos? Você ainda deveria ter mais alguns anos!

—Estou em liberdade condicional.

—Acho que isso explica por que Kim não nos queria aqui. Não
acredito que ela deixou você morar com ela.

—Bem, ela fez. Vamos avisá-la que você passou por aqui,— Tristan
murmura.

—Não há necessidade. Vou ter uma longa conversa com ela. O ponto
fraco dela por você foi longe demais. Uma coisa era visitar, mas isso? Você
vai encontrar um novo lugar para morar, entendeu?

Tristan levanta as mãos com um olhar incrédulo. —Para onde mais


devo ir?

—Não é problema nosso, mas não quero você perto da minha família!
Tristan cerra os punhos, e saio lentamente para fora da cena. Os dois
homens estão tão absortos em sua disputa que não parecem me notar.

—Ela é adulta. É a decisão dela,— Tristan diz, olhando de volta. —


Você não pode ditar a vida dela para sempre.

—Eu posso se estou pagando as contas dela, e agora que sei que ela
está desperdiçando meu dinheiro com você, vou ter que fazer alguns
ajustes. Isabel também.

Espere o que?

—Você não pode fazer isso,— diz Tristan, medo em sua voz.

—Eu absolutamente posso.

—Não. É... para onde mais devo ir? — ele chora, agora desesperado.

—Não é problema nosso,— diz o Sr. Haverford, indo para a porta.

—Pai, por favor...

—Eu não sou seu pai,—o homem sussurra, virando-se para ele. —
Nunca mais me chame assim.

Tristan se encolhe, e uma pedra se aloja no meu peito. Ele parece


abalado ao olhar para o homem que deveria ter sido seu maior campeão. O
homem que deveria ter sido seu pilar quando seu mundo desabou. Em vez
de…

—Eu sei. Sinto muito,— Tristan diz baixinho. —Eu… vou tentar
encontrar um novo lugar. É apenas...

—Você não vai tentar. Você irá. Você já causou danos suficientes a
esta família. Saia de nossas vidas e fique de fora!

Com isso, seu pai sai e a fecha atrás de si.


 

Não posso me mexer depois que o Sr. Haverford sai.


Tristan parece ter se esquecido de mim enquanto olha para a porta em um
silêncio atordoado. Finalmente, ele cai no braço do sofá e abaixa a cabeça
em derrota. Não consigo ver seu rosto, mas a maneira como seu peito sobe
e desce deixa claro que ele está passando pelo inferno.

Eu não sei o que fazer quando o vejo quebrar. Devo interrompê-lo ou


deixá-lo em paz? Conhecendo-o, ele prefere morrer do que ser lembrado de
que alguém acabou de testemunhar aquele embate. Decido dar-lhe espaço,
mas meu movimento chama sua atenção. Ele olha para cima pela primeira
vez, e o que vejo me tira o fôlego.

—Isabel,—ele sussurra. —Merda, eu...

Sua expressão ferida ainda está tão fresca e crua, e de repente não
consigo me lembrar por que estava brava com ele. Tudo o que sei é que
ninguém deveria ter que passar o que ele acabou de experimentar.

—Ele está errado,— eu digo com firmeza, olhando para ele.

Ele desvia o olhar, apertando os punhos. —Ele não está.

—Ele está.
Eu cubro a distância entre nós e fico diante dele.

—Ei.— Eu pego suas mãos e puxo até que ele olha para mim. —Ele
está.

Seus olhos estão vermelhos, como se estivesse chorando, mas não há


lágrimas. Nunca existem. É estranho como o artista sensível de que me
lembro não parece mais capaz de chorar.
—Ele não deveria ter dito essas coisas para você.
Ele desvia o olhar novamente, e o aperto de seu queixo deixa claro
que minhas palavras não estão ajudando.

—O que ele quis dizer em ter que fazer alguns ajustes em relação a
mim também?

—Não importa.

—Importa muito.

Ele não responde, e meu sangue bate mais forte enquanto a conversa
horrível ecoa em minha mente. —Por que ele teria algum controle sobre
minhas finanças? O que isso significa?

Ele balança a cabeça.

—Tristan!

Ele se afasta, e aperto seu braço em frustração. Mas não há


recompensa quando o forço a voltar novamente. O que eu recebo é uma dor
que me sufoca. Oh meu Deus.

Atordoada, eu me inclino para frente e envolvo meus braços ao redor


dele. Não tenho ideia do que está acontecendo, mas sei que essa pessoa
precisa ser amada por cinco malditos segundos. Seus braços apertam ao
meu redor, e me acomodo perto até que possa envolvê-lo completamente.
Pela maneira como se retrai, não posso deixar de me perguntar quando ele
foi abraçado, abrigado e protegido pela última vez. Nunca?

—Eu não acho que possa fazer isso, Iz,—ele sussurra.

Eu o puxo mais apertado. —Fazer o que?

Ele não responde, e calafrios percorrem minha espinha.


Quando ele ainda não diz nada, fecho meus olhos e luto contra a
vontade de enterrar meu rosto em seu pescoço. Eu não deveria tocá-lo.
Inferno, eu nem deveria estar falando com ele depois de tudo, mas...

—Você deveria ir, —diz ele fracamente. —Você vai se atrasar.

Eu forço uma respiração profunda, provocada pelo estranho pânico


que toma conta de mim com a perspectiva de deixá-lo sozinho.

—Já estou atrasada,— digo.

Ele se afasta, e não gosto de quão errado parece sem ele em meus
braços.

O que há de errado com você, Isabel? Você odeia essa pessoa.

Eu deveria. Eu faço. Eu acabei de…

Ele tem razão. Eu devo ir.

Pego minha caneca de viagem e a bolsa do laptop, antes de me perder


na atração familiar que esse garoto problemático tem sobre mim. Cheguei
tão longe desde que o isolei da minha vida. Por mais que doeu ser rejeitada
no ensino médio, provavelmente me fez um favor. Essa raiva não apenas
alimentou minha independência e luta por um futuro melhor, mas também
me protegeu quando o inferno começou e ele se tornou a pessoa mais
odiada em Suncrest Valley. Aparentemente, ele ainda é, então
provavelmente é bom mantermos distância.

—Você vai ficar bem?— Eu pergunto quando chego à porta. Ainda


não parece certo ir embora depois do que acabou de acontecer. Talvez seja
exatamente por isso que preciso correr o mais longe e rápido que puder.

—Vou ficar bem,— diz ele, mas é difícil acreditar quando ele não
encontra meus olhos.
—Ok.

Eu realmente não tenho escolha, tenho? Tenho minha própria vida,


meus próprios desafios e responsabilidades. Ele tem o dele e deixou claro
que não me quer envolvida em nenhuma parte dela.
—Eu... se você precisar de alguma coisa, me ligue,— eu digo,
sabendo que ele não vai.

—Claro. Obrigado.

Ele ainda não olha para mim quando eu finalmente abro a porta e
fujo. É o melhor. Eu não posso ajudá-lo. Ele não quer mesmo.

Esse não é o verdadeiro problema.

Não.

A verdade é que foi bom demais abraçá-lo. Minha pele ainda formiga
com o contato com seu corpo quente e duro. Meu coração ainda dispara
com o cheiro de seu sabonete e com a sensação de seus braços sólidos
cruzados ao meu redor. Eu teria ficado naquela posição o dia todo com ele...
depois me odiaria por isso.
Meu telefone toca quando chego ao estacionamento, eu atendo, feliz
pela distração. Não tenho ideia de como vou passar o dia com um começo
assim.

—Ei, linda, —diz Pierce.

—Ei. Você acordou cedo.

A culpa passa por mim, e não sei porque. Eu não fiz nada de errado.
Confortei um amigo. Nem mesmo um amigo. Um colega de quarto - um
pensionista, realmente. Qualquer um teria feito o mesmo.
—Sim. Eu tenho que terminar um trabalho antes da aula,— diz ele. —
Você está indo trabalhar?

—Sim. Começando tarde, mas ainda vou tentar sair às quatro, como
discutimos.

—Bom. Você vem assistir aquele documentário de Direito


Constitucional?

—Ah, sim. Parece interessante.

Ele ri. —Tenho certeza. Eu prometo que vou fazer valer a pena.
—Sim? O que você tem em mente?— Eu pergunto brincando.

—Bem, eu estava pensando em comida mexicana, mas se você tiver


uma ideia melhor...

—Não. Comida mexicana parece ótima — eu provoco de volta,


depois suspiro.
—Oh, merda. Eu não posso. Eu tenho que lavar a roupa hoje à noite.

—Você está falando sério?

—Eu sei. Desculpe. Eu queria fazer isso ontem, mas não consegui
chegar lá.

Muito ocupada, seguindo Tristan por aí.

—Basta trazê-la para minha casa e Sandra fará isso para você.

Eu reviro os olhos. —Não vou deixar sua governanta lavar minha


roupa.

—Ela não vai se importar. Ela te ama.

—Eu me importo.
—Por que você é tão teimosa? Um dia teremos nossa própria equipe.
É melhor se acostumar com isso, princesa.

—Nós teremos?

Meu coração pulsa com a implicação. Já falamos sobre o futuro antes,


mas nunca tão descaradamente.

—Claro. Também teremos uma babá para as crianças, um chef... —


Uma onda fria passa por mim. Ele realmente nos vê casados e com filhos?
E por que o pensamento me deixa enjoada em vez de excitada? —Então,
basicamente, vamos pagar outras pessoas para viver nossas vidas por nós,—
digo, tentando manter meu tom casual.

—Vamos. Você está sendo dramática.


—Você está descrevendo a mesma vida que seus pais vivem.

—Isso é tão ruim?

Eu aperto meus dedos ao redor do volante. Toda essa conversa está


acabando com minha paciência.

—Apenas deixe-me lavar minha própria roupa, ok?— digo


finalmente. —Gosto de lavar roupa.

E cuidar de mim. E muitas outras coisas que Pierce parece não


entender.

Eu posso ouvir seu suspiro através do telefone.

— Bem. Enfim, que seja. Eu te encontro na sua casa para que você
possa lavar roupa a noite toda, se quiser.

—Perfeito, —eu digo tão levemente quanto posso controlar. —Ah,


mas ainda traga comida mexicana.
 

A pasta Conforme-Construído no servidor contém


desenhos de projeto a serem atualizados. Aparentemente, a inicialização do
grande Centurion Campus Retrofit está em pleno andamento, então os
engenheiros me deixaram com muito o que fazer.

Estou revisando o nono desenho do dia quando Vicky se aproxima.


Meu pulso acelera quando meu chefe para ao meu lado. Com o drama desta
manhã e o pesadelo de trânsito subsequente, acabei me atrasando mais de
uma hora. Além disso, apenas Tim foi a essa conferência, o que significa
que Vicky estava trabalhando diligentemente em seu escritório quando
cheguei. Se ela percebeu o quão atrasei, não disse nada... até agora.

—Como estão indo os Conforme-construídos? —ela pergunta.

—Bom. Oito menos. Faltam seis mil.

Ela ri e se inclina contra a divisória do meu cubículo.

—Você tem um segundo para conversar?

Porcaria.

—Ah. Sim, claro,— eu digo, forçando um sorriso.

Ela devolve, e me levanto da minha mesa para segui-la.

Dentro de seu escritório, ela me pede para fechar a porta e sentar.

Esta é a primeira vez que me atraso e, honestamente, com nosso


horário de trabalho flexível, não achei que seria um grande problema. A
maioria de nós fica depois de fechar e atende chamadas fora do horário de
expediente o suficiente, para justificar um atraso eventual ou partida
antecipada. Eu vejo outros fazendo isso o tempo todo. Realmente me meti
em problemas por isso? Espere, estou sendo demitida?
—Você está fazendo um ótimo trabalho, Isabel,— ela diz, e eu respiro
de alívio.

—Obrigada. Adoro trabalhar aqui.


Vick assente. —E nós amamos ter você aqui. Na verdade, achamos
que é hora de você começar a sair em campo e experimentar o trabalho no
local. O que você acha?

—Eu adoraria isso,— eu digo.

Ela deve ouvir a excitação na minha voz porque seu sorriso cresce. —
Excelente. Vamos revisar seu treinamento de segurança esta tarde e entrar
em contato com Colin para coordenar uma visita à HSU amanhã.

—O projeto do hospital?

Ela acena. —Eles poderiam usar uma mão extra com as verificações
de loop. Parece bom?

—Parece bom.

—Oh, mais uma coisa,— diz ela, quando me movo para me levantar.

Eu me acomodo no meu lugar, engolindo em seco.

—Também queremos aumentar seus honorários a partir do próximo


período de pagamento. Contanto que as coisas continuem indo bem, vamos
nos ajustar novamente e transferir para o salário quando você se formar.
Isso funciona para você?
Eu mordo meu lábio através de outro sorriso. —Sim, isso funciona
para mim.

—Bom. Continue com o bom trabalho e você terá um futuro brilhante


conosco.
 

Mandei uma mensagem para Pierce logo após a


reunião com Vicky, para que ele soubesse que eu teria que trabalhar até
mais tarde do que pensava. Ele não ficou empolgado, é claro, mas disse que
ainda me encontraria na minha casa mais tarde. Quando ele chega, pouco
depois das sete, já tenho minha roupa lavada e a TV ligada com seu
documentário chato.

—Isso está cheirando incrível,— eu digo quando ele entra com um


saco de comida.

—Tenho seus favoritos. Guaca extra também.

—Incrível. Obrigada.

Tecnicamente, minha comida mexicana favorita é feita pela minha


mãe virtual, Yolis Haverford. Eu poderia viver no menu dela, mas tenho
certeza que Pierce não iria gostar nada.

Ele se inclina para um beijo rápido antes de deixar nosso jantar na


mesa de café.

—Você realmente vai poder usar o sofá esta noite?— ele murmura,
puxando os recipientes da bolsa.
—Sim. Não tenho certeza de onde Tristan está. Provavelmente à
procura de trabalho.

—Parece meio inútil, não? Quem o contrataria?

Eu controlo minha irritação enquanto vou para a cozinha. Eu ainda


não entendo o problema de Pierce com Tristan. Ele nunca lhe deu uma
chance, mas acho que posso ver como seria ameaçador para sua namorada
viver com outro homem. Estou definitivamente feliz por ele não saber que
eu era apaixonada por por Tristan.

Era?
Afasto o pensamento ridículo e pego alguns utensílios da gaveta.

—Alguém vai lhe dar uma chance, eventualmente,— eu digo,


entregando-lhe um garfo.

Ele resmunga e abre um recipiente de batatas fritas.


—Eu não gosto que você fique perto dele, Isabel. Você está
procurando outro lugar para morar, certo?

—Sim,—eu minto. —Mas vai ser difícil. Eu realmente não posso


pagar nada por conta própria. Eu mal posso pagar por este lugar, e Kim nem
está me cobrando o valor total.

—Você poderia ficar em um dos quartos de hóspedes na casa dos


meus pais.
Eu endureço. —Não, obrigada.

—Por que não? Eles têm muito espaço. Inferno, você provavelmente
poderia ter sua própria asa.

—Morar com seus pais? Você nem mora lá.


Ele dá de ombros. —E daí? Eles quase nunca estão lá.

Eu balanço minha cabeça. —É uma viagem extra de vinte minutos até


The Hills.

—Vinte minutos de onde? Se você morasse lá, nunca precisaria estar


neste lixão. Sério, eu cruzo os dedos toda vez que estaciono no seu prédio.
Não consigo parar meu olhar enquanto meus dedos apertam meu
garfo.

—Esta lixeira é minha casa, Pierce. Eu nasci e cresci aqui. A casa em


que cresci fica na mesma rua.
—Casa? Reboque, você quer dizer.

A raiva dispara através de mim.

—Se meu passado é tão desagradável para você, então por que você
está aqui? Eu nunca me inscrevi para ter um sugar daddy rico para me
salvar. Eu amo quem eu sou e de onde vim.
Levantando-me do sofá, corro para a cozinha disfarçando em pegar
uma bebida. Seu esnobismo se mostra com frequência, mas raro tão
descaradamente. Ou talvez eu esteja hoje apenas mais sensível a isso por
algum motivo.

—Isabel, vamos. Você está exagerando, como sempre,— Pierce diz,


me seguindo. —Só estou tentando ajudar.

Eu pesco na geladeira um refrigerante.


—Você sabe que eu não me importo com o seu passado. Na verdade,
eu gosto que você esteja tentando melhorar a si mesma.

Melhorar, eu? Ele está falando sério? vou gritar.

—Como deixar minha melhor amiga e casa deveria ajudar a melhorar


a mim mesma?— Eu digo a ele.
Ele recua surpreso, e tenho que admitir, é bom me defender às vezes.
Minha conversa com Tristan neste mesmo lugar há alguns dias tem me
assombrado. Fiquei chateada naquele dia quando ele criticou como Pierce
me tratou, mas quanto mais pensava sobre isso, mais percebia a verdade. Eu
não sei como ou quando aconteceu, mas de alguma forma eu caí no hábito
de ser cordata. Nunca fui assim, sou aquela que se encarregou de superar
todas as dificuldades. Sempre cuidei de mim mesma porque aprendi desde
cedo que ninguém mais o faria. Talvez este tenha sido o problema. Foi bom
ter alguém cuidando de mim pelo menos uma vez e tomando as decisões.

Mas, de repente, estou vendo meu relacionamento com Pierce sob


uma luz totalmente nova. Ele está cuidando de mim ou me controlando?
Repetidamente ao longo dos anos, me senti mais como sua empregada do
que sua igual. Sou apenas um acessório em sua vida? Pior, sou um projeto
de caridade para fazê-lo se sentir bem consigo e exibir para seus amigos?

—Não estou sendo dramática,—eu digo, me endireitando na


geladeira. —Você não está sendo razoável em esperar que eu mude minha
vida inteira, só porque você não gosta da pessoa dormindo no nosso sofá.

Uma vez que o choque passa, o olhar de Pierce escurece. —Não acho
irracional não querer sua namorada morando com um criminoso. Tenho
certeza que nenhum cara deixaria sua garota ficar nessa situação.

—Primeiro de tudo, eu não sou sua garota. Eu não pertenço a


ninguém. Ninguém me diz o que fazer. Segundo, Tristan não é um
criminoso.
—Não?— ele diz com desprezo. —Então, como você chama uma
pessoa condenada por um crime?

Eu balanço minha cabeça, terminando com essa conversa. Agarrando


uma lata de refrigerante, fecho a porta da geladeira e volto para o sofá.

—Então é isso? Não vamos nem falar sobre isso?— ele cospe,
correndo atrás de mim.
—O que há para falar?

Enfio um chip de tortilha na boca e pego o controle remoto.


Ele pega o aparelho da minha mão, e eu olho para ele.

—Que tal por que você está tão mal-humorada esta noite. Qual é o
seu problema?

—Talvez eu não goste de ser insultada em minha própria casa,—


digo.
—Insultada? Se alguém se sentiu insultado, sou eu. Você se tornou
uma pessoa totalmente diferente desde que aquele filho da puta se mudou.

Sim, me tornei uma pessoa mais forte. Me tornei mais eu.

Uau. Isso é verdade? Eu não sei se é, mas ter Tristan de volta na


minha vida certamente me desafiou e reacendeu um fogo antigo, que eu não
tinha percebido que tinha perdido. Ele ama a parte de mim que Pierce odeia.
O maxilar de Pierce pulsa, e me preparo para a guerra. Depois de
vários segundos tensos, fico surpresa quando ele suspira.

—Olha, eu não quero brigar,—diz ele. —Vamos apenas assistir ao


filme e comer, ok?

Eu forço uma respiração profunda, chocada que ele recuou. Ele não
faz isso com frequência. Talvez seja porque não me defendo o suficiente e
não dou-lhe motivos para isso.

—Sim. Desculpe, por ficar tão chateada, — murmuro.

—Está tudo bem,— diz ele, apertando meu joelho.

Olho para sua mão bonita que repousa sobre meu jeans – unhas feitas,
relógio caro, pele lisa que não viu um dia de dificuldade em sua vida. Eu
costumava admirar o mundo dele. Sempre pensei que ele e sua família rica
representavam o que eu queria na vida, o futuro que um dia ganharia
trabalhando duro. Eu mostraria aos meus pais do que sou capaz, provaria
que eles não conseguiram me ferrar tanto quanto pareciam querer. Eu
provaria para todo o maldito universo que eu poderia ser quem e o que
queria ser, incluindo uma engenheira de sucesso no braço de um milionário.

Mas não parece certo de repente. Nada disso. Comecei a namorar


Pierce porque gostava dele ou porque estava lisonjeada por ele ter me
escolhido, em vez de todas as socialites que se jogavam nele? Ainda estou
com ele porque quero ou porque tenho medo de como seria meu futuro sem
ele no plano que construí nos últimos dois anos?
Quando terminamos de comer e nos aconchegamos para aproveitar a
festa da soneca que é —um relato detalhado do processo legislativo,— meu
estômago se sente inquieto por mais do que feijões fritos.

Se Pierce Harrison é meu futuro, por que estou desejando que o braço
ao meu redor pertencesse a outro alguém do meu passado?
Capítulo Seis

TRISTAN

Candidatei-me hoje a mais quatro empregos, que sei que não vou
conseguir. Até olhei três apartamentos que não posso pagar sem um
emprego. Estou fazendo sucesso nesse retorno à sociedade civilizada.

Meu dia abismal só fica melhor, quando eu volto de um desfile de


inutilidade para encontrar Isabel e seu namorado babaca, enrolados no sofá
assistindo a um filme. Algum documentário sobre… procedimentos do
Congresso? Não faço ideia, mas Iz parece tão interessada quanto eu quando
meu colega de cela Arlen recitava cada detalhe dos encontros que ele teve
com sua namorada, antes de ser encarcerado. Eu não tinha que conhecer a
mulher para escrever sua biografia.

Escrever... uma carreira que eu não tinha considerado. Pena que a


única parte da minha história que a tornaria remotamente interessante é a
única coisa que eu nunca poderia publicar.
A trágica história de um homem condenado por matar alguém com
seu carro, provavelmente não despertaria muito interesse entre os editores.

A trágica história de um Rei do Baile que voluntariamente cumpriu


quatro anos por um crime que não cometeu, pode ser mais interessante.

Então, novamente... quem se importa com uma história triste de um


ninguém de Suncrest Valley? Certamente ninguém em Suncrest Valley, ao
que parece.

—Tristan, ei, —diz Isabel, saindo do abraço do seu namorado. Eu


tento não sentir muito prazer no fato de que ela está desconfortável em ser
afetuosa com ele, na minha presença.
—Ei.

—Como foi? — ela pergunta, corando quando meu olhar se volta para
o olhar frio de Pierce.
—Ótimo,— eu minto.

Deixo cair minha bolsa carteiro na porta e penduro meu casaco no


gancho acima dela.

—Ah, hum, você quer que a gente se mude?

Meu coração se aquece quando ela parece genuinamente preocupada


que eles estejam ocupando minha pequena fatia deste mundo.

—É o seu sofá, querida. Lembre-se disso, — Pierce diz, colocando o


braço mais apertado em volta dos ombros dela. Seu olhar está em mim, no
entanto, então não há nada de afetuoso nesse abraço, apenas uma postura
mais agressiva. Quão inseguro é esse cara? Nossa.

—Sim mas...

—Então eu tenho certeza que seu hóspede entende que ele não tem
direito a isso – ou qualquer coisa – neste apartamento. Mas você
provavelmente está acostumado com isso, não é? —ele se dirige a mim. —
Você ficou com o beliche de cima ou o de baixo?

—Por que? Você está procurando recomendações?

—Há. Ah. Espere, eles ainda têm beliches na solitária?

Meu estômago revira enquanto mantenho uma expressão dura.

—Não. Eles também podem usar qualquer desculpa de merda que


quiserem para te colocar lá.
—Eu preciso comer de qualquer maneira, —eu digo, indo em direção
à cozinha. Esse idiota não merece discussão.

—Você já informou Kim sobre suas intenções de se mudar, Isabel?

Meu sangue fica frio.

Eu me viro lentamente para encará-los.

—Você está se mudando?— Eu pergunto a ela.

Isabel empalidece, os lábios abertos como se ela estivesse falando,


mas não consegue decidir o que dizer.

—Eu…

—Sim. Ela está,— Pierce interrompe. —Ela precisa, dadas as


circunstâncias.

Eu o ignoro e me concentro na minha amiga. —Iz.

Ela ergue os olhos para mim, e vejo. Imediatamente. Sem dúvida. É o


que aquele idiota está forçando, não o que ela quer.

—O diabos, você está se mudando,— eu digo.

—Não fale com ela assim,— diz Pierce.

—Você pode ficar fora disso,— eu estalo, virando-me para ele. —Isso
não tem nada a ver com você.

—Tem tudo a ver comigo quando minha namorada está vivendo com
um maldito predador!

Eu corro para a frente, fervendo enquanto me elevo sobre ele. —Diga


isso de novo.

Ele olha para mim com um sorriso cortante no rosto.


—Você me ouviu. Disseram que você estava completamente sóbrio na
noite em que atropelou Amber Hubert. Desviou até o acostamento e a
pegou atropelando-a. E então fugiu. Correu para casa para mamãe e papai
para se esconder como um covarde, enquanto a pobre garota sangrava na
rua.

Raiva nubla minha visão enquanto eu o puxo pela camisa. Isabel grita
algo ao fundo, mas tudo o que ouço é o sangue pulsando em meus ouvidos.
Meu punho paira sobre ele, pronto para fazer o que tive que fazer tantas
vezes nos últimos anos para me manter vivo. Mas eu não estou lá. Eu não
sou mais ele, a estátua que se solidificou em granito para sobreviver. Pelo
menos, não acho que sou. Nem sei mais o que sou.

—Vá em frente. Faça isso,— ele provoca. —Eu adoraria ter um


motivo para chamar a polícia.

Aposto que sim, seu idiota.

Com uma respiração profunda, eu libero sua camisa e o empurro de


volta para o sofá. Ele ri com ar arrogante, mas eu leio o medo e a incerteza
por baixo disso. Por um segundo, ele estava realmente com medo de mim.
Parte dele acha que sou um animal violento.

— Você está em liberdade condicional, não está?— ele pergunta em


um tom sombrio.

Não consigo respirar enquanto as palavras ficam suspensas no ar.

—É melhor você ter muito cuidado para seguir as regras,— continua


ele. —Não gostaria de ver você sendo enviado de volta para onde você
pertence.
 
Eu corro do apartamento sem nenhuma direção em mente. Não sei
para onde vou, só que não posso estar lá – aquele lugar claustrofóbico que
não é meu, como qualquer outro lugar deste planeta.

Não tenho para onde ir, ninguém a quem recorrer, exceto uma irmã
que está muito envolvida em culpa para me ajudar a resolver meu próprio
trauma. Ela estava certa. Nós fomos ingênuos. Tão estúpidos e sem noção
sobre um mundo que com merda o suficiente que devíamos saber melhor.

E como se não bastasse conviver com a dor de cada cicatriz, agora


tenho que conviver com o medo constante de voltar. Pierce armaria para me
tirar do caminho? Sem pestanejar. Passei a maior parte da minha vida adulta
na mira de idiotas sádicos como Pierce, e só há uma maneira de jogar sujo.
Os últimos quatro anos e meio me ensinaram que não há limite para a
capacidade da crueldade humana.

Afasto as lembranças das mãos frias e hálito quente, enquanto corro


pela calçada rachada. Forçando um ritmo constante, faço o meu melhor para
parecer que estou me exercitando, não fugindo, mas não estou vestido para
uma corrida casual de inverno. Ninguém vai acreditar que o cara de jeans e
moletom preto está malhando enquanto acelera no escuro. Parando, tento
ignorar os olhares estranhos de todos por quem passo em meu caminho.
Uma mulher puxa seu filho para mais perto de seu lado, e uma onda de
vergonha se instala no fundo do meu estômago. É como se eles pudessem
ver o traste imundo e danificado da humanidade que me tornei.

Tremendo e enjoado, vou até um espaço entre dois prédios e entro


para me esconder. Eu me inclino contra a parede e forço respirações
profundas para acalmar o pânico crescente. Não é o suficiente, e logo estou
deslizando pelo tijolo gasto para pousar no cascalho. Puxando minhas
pernas para cima, coloco minha testa contra meus joelhos e envolvo meus
braços firmemente ao redor deles. Está tão frio. O ar, o chão, tudo dentro de
mim. Sinto o frio profundo de fevereiro entrando nas minhas roupas e
penetrando na minha pele. Quanto tempo até a hipotermia se instalar? Me
assusta que o pensamento venha com um lampejo de antecipação em vez de
medo.

—Ei! Durma em outro lugar!— um homem grita à minha direita.

Olho para ver Bill Castle segurando um saco de lixo em cada punho.
Seus olhos se arregalam quando ele me reconhece, e me levanto do chão.

—Porra? Haverford?

Eu me afasto. —Desculpe. Eu só estava...

—Vá ficar chapado em outro lugar. Fique longe da minha loja,— ele
rosna.

—Não, eu...

A defesa congela na minha língua com seu olhar frio. Eu sei como
isso termina.

Meu coração bate rapidamente enquanto eu consigo acenar e me


mover em direção à rua.

—Assassino do caralho,— ouço atrás de mim.

A picada se espalha como veneno enquanto me forço para frente.


Encosto-me à fachada do prédio vizinho para me recuperar. Apenas o
suficiente para recuperar o fôlego e encontrar um pingo de força para
continuar.

Eu pensei que eu poderia fazer isso. Que algum interruptor mágico


iria virar no segundo em que eu saísse e redefinisse minha vida, no curso
que deveria ter sido. Redefinir-me na pessoa que eu deveria ser. Em vez
disso, tudo o que consegui foi o mesmo pesadelo em um novo cenário. Toda
a minha vida adulta foi passada em uma cela de prisão, me criando no medo
e na violência, assombrada por fantasmas e monstros que eram tão reais
quanto imaginários. Eu nem sei quem ou o que eu sou sem ele, e talvez essa
seja a pior tortura de todas: perceber que você foi moldado em um vaso
quebrado e irreparável. Que isso, bem aqui, é quem você é agora.

Meu peito está pesado e dolorido enquanto cambaleio para frente


novamente. Os demônios estão girando agora, batendo no meu coração e
pulmões, mas eu não choro. Eu não poderia nem se quisesse. Eu nem sei se
me resta alguma emoção, exceto raiva e medo. Era como se quanto mais
motivos me dessem para chorar, menos eu poderia. No final, eu virei pedra,
apenas uma concha que comia, dormia e tentava revidar.

Dizem que o que não te mata, te fortalece, mas isso não é verdade. Às
vezes, o que não te mata faz você acreditar que já está morto.
Capítulo Sete

ISABEL

Já se passaram duas horas desde que Tristan fugiu. Como é frequente


desde que ele se mudou, minhas entranhas passaram todo esse tempo em
nós. Mas é mais do que seu olhar assombrado e os sentimentos conflitantes
que ele desperta desta vez. Sou eu. É Pierce. É a minha vida que não parece
tão simples como parecia há apenas alguns dias.

Desde que olhos castanhos profundos me tiraram o fôlego, nada fez


sentido.

—O que há de errado com você? Você ainda está brava por aquele
perdedor?— Pierce pergunta, olhando para mim do outro lado do sofá.

Desde a briga, tenho me afastado cada vez mais, incapaz de aguentar


estar perto dele. O documentário chato se transformou em um evento
esportivo igualmente chato, com o qual nenhum de nós se importa, apenas
tendo um amortecedor contra a tensão.

Acho que ele se cansou da nossa trégua frágil e está pronto para se
lançar no ataque.

Encaro olhos frios que não reconheço mais. Ele mudou ou eu? Eu não
sei, mas o que está claro é que algo estalou dentro de mim, no momento em
que ele ameaçou Tristan. O medo no rosto de Tristan me abalou com força,
e foi um esforço não correr atrás dele para ter certeza de que ele estava
bem. Apenas um monstro terminaria uma partida de mijo juvenil usando o
trauma de alguém contra eles. Talvez eu sempre soube que Pierce era um
valentão, mas foi preciso testemunhar aquela tendência viciosa direcionada
a outra pessoa, para aceitar completamente.
—Não o chame assim. Ele não é um perdedor,— eu digo, me
preparando para uma luta.

—Por que você o defende o tempo todo? Estou começando a pensar


que há algo acontecendo.

Uma vibração irrompe no meu estômago com o pensamento. —Não


está acontecendo nada. Só não acho certo atacar alguém que você nem
conhece.

—Eu não preciso conhecê-lo para saber que ele é um lixo. Seu
registro fala por si.

—Ele cometeu um erro quando era um garoto de dezenove anos. Um


erro não define uma pessoa.

Espero que não, ou estamos todos ferrados. Interessante como o cara


em seu cavalo branco agora é aquele que me pede perdão o tempo todo.
Não que eu fosse cega aos seus defeitos, apenas me sentia confortável com
eles. O conforto levou à negação que levou a... isso.

—Você está se mudando,— diz ele. —Amanhã. Acabei com isso.

Um fogo que eu não sentia há muito tempo cresce dentro de mim. —


Não. Eu não estou.

Ele endurece. —Sim. Você está...

—Não estou! Você não pode ditar minha vida. Na verdade, talvez seja
a hora...— Minha voz desaparece quando seu olhar fica frio.

Uau. De onde veio isso?

Você está prestes a terminar com ele?


—Na verdade, o que, princesa? Não pare agora,— ele provoca, e meu
pulso martela com seu olhar desafiador.

Faça isso! Tristan está certo. Você se tornou complacente. Você


merece o melhor!

Eu estudo as feições rígidas de Pierce. Ele me machucaria? Meu pulso


ainda está formigando de ontem. Talvez eu devesse esperar até Tristan
voltar. Posso não gostar dele, mas confio e sei que ele não deixaria Pierce
chegar perto de mim.

Pense sobre isso. Você confia em um condenado que não vê há anos


mais do que em seu próprio namorado – um namorado que você teme que
possa ser violento. Como você chegou aqui?

Medo e antecipação rodopiam dentro de mim quando abro a boca


para falar.

Diz! Você pode ficar livre disso.

—Oktudo bem. Eu acho que devemos...

A porta se abre, e o alívio se mistura com o pavor na esperança de que


seja Tristan. Mas é um Haverford menor e curvilíneo na entrada, quando
olho para cima.
—Oi, Iz. Tudo certo?— Kim pergunta, examinando a cena com uma
expressão cautelosa.

Eu sinto o vapor emanando de Pierce. Ele deve saber o que eu estava


prestes a fazer.

—Sim,— eu digo, me endireitando do sofá. —Acabamos de jantar.


Pierce estava saindo.
Ele dispara um laser em mim, e me movo em direção à cozinha para
colocar mais espaço entre nós.

—Oh sim?— Kim diz com alegria forçada. —Tenha uma boa noite.

Ele se levanta também, cruzando um olhar entre Kim e eu em


descrença.

—Onde está Tristan?— ela pergunta. —No banho?

Eu me encolho quando a expressão de Pierce escurece ainda mais. Ela


provavelmente estava tentando mudar de assunto, mas não poderia ter
escolhido pior.

—Não, ele saiu,— eu digo, engolindo em seco.

—Ele fugiu como um covarde algumas horas atrás,—diz Pierce.

Eu olho para ele enquanto Kim fica tensa.

—Algumas horas atrás?— ela dirige para mim.

Eu dou de ombros. —Sim, eles brigaram e ele foi embora.

—Foi para onde?

—Quem se importa? Provavelmente para conseguir algumas drogas


ou uma prostituta ou algo assim,— Pierce diz, pegando o casaco do encosto
do sofá. Ele me dá outro olhar duro como se esperasse que eu me rendesse,
mas não posso. Eu não vou. Não estou errada em querer algum espaço
agora.

Na verdade…

—Vejo você amanhã,— diz ele em um tom severo.

Eu pisco para ele. —Estarei ocupada amanhã.


Seu rosto fica vermelho quando ele aperta seu casaco. —Não, você
não estará.

—Ela disse que estará, —diz Kim, olhando para ele.


O olhar de Pierce me perfura, e um vapor gelado passa por mim.

—Tenho certeza que ela não estará, —ele sibila, caminhando em


direção à porta. Ele a abre e me lança um olhar de advertência antes de
fechá-la atrás dele.

Estou tremendo quando Kim vira uma expressão atordoada para mim.
—O que foi isso?

Minha boca se abre para responder, mas não sei como. Como explicar
a complexidade do que acabou de acontecer? Ainda mais difícil, a ameaça
silenciosa que estou tentando processar?

—Nada. Ele está apenas sendo Pierce,— eu digo.

—O que, um pau enorme?— ela murmura, deixando cair sua bolsa na


porta.

Uma defesa familiar sobe à minha língua, mas não a expresso desta
vez. Ela está certa. Ele é um idiota. Pior do que isso, e nunca me senti tão
presa na minha vida. Ele causaria problemas para Tristan se eu terminasse
com ele? Sem dúvida. Esse foi o significado por trás daquele olhar cruel
quando saiu.

—Como foi o trabalho?— Eu pergunto em vez disso.

Suas sobrancelhas se juntam enquanto ela me estuda. —O trabalho


estava bom. Turno da manhã. Sobre o que eles brigaram? Será que...— Ela
para, de repente empalidecendo. —Tristan não pegou seu casaco. Ou sua
bolsa. Para onde ele disse que estava indo?
—Ele não disse. Ele acabou saindo.

Ela pega o telefone da bolsa e o leva ao ouvido. Seus olhos se


arregalam quando ouvimos um zumbido na outra bolsa. Abaixando-se, ela
abre a aba e tira o telefone dele junto com a carteira.

Merda.

—Talvez ele esteja em um bar ou restaurante ou algo assim,— eu


digo, com uma voz fraca.

—Sem a carteira dele? Ele ficou chateado?

—Obviamente.— Eu tento parecer irritada com a inquisição, mas


agora tenho meu pulso batendo um pouco mais forte. Ele está bem, certo?
Ele encontrou algum lugar quente para se esconder e desabafar, nada
demais.

A preocupação de Kim está em todo o seu rosto quando ela joga a


bolsa de volta no ombro e fecha o zíper do casaco. Ela puxa um gorro de
tricô e pega o casaco de Tristan do gancho.

—Onde você está indo?— Eu pergunto, embora eu saiba a resposta.

Para fazer o que você deveria ter feito duas horas atrás. A culpa se
infiltra em mim, o que me deixa mais na defensiva. Ele deixou claro desde
que éramos adolescentes que não tenho lugar em sua vida.

—Encontrá-lo, —diz Kim.

—Tenho certeza que ele está bem. Ele é adulto. Ele não precisa de
alguém cuidando dele vinte e quatro / sete.

—Você está falando sério? Ele absolutamente precisa disso. Ele não
pode ficar sozinho consigo mesmo agora. A cabeça dele é um desastre
completo.

Seus olhos terminam a reprimenda por ela. Você não deveria ter
deixado ele ir. Isto é culpa sua.

—Vamos. É Tristan,— eu digo. —Ele é tão duro quanto vemos.

Seu olhar endurece quando ela abre a porta. —Ele não está bem, Iz.
Você não pode ver isso? Não é o meu irmão que voltou daquele lugar. É um
fantasma. Uma porra de uma casca!

Nossa porta bate pela segunda vez em cinco minutos, e eu me esforço


para encontrar meu próprio casaco.

Uma casca. Sim. Essa é uma boa descrição do homem cuja alma
vibrante já foi dona da minha. Então esmagou. Em seguida, trocou por uma
noite imprudente que arruinou tantas outras.

Você não deve nada a ele.

Eu não. Então, por que parece que devo tudo a ele?


 

Procuramos a pé. Tristan não tinha carro, telefone ou


dinheiro, então ele não estaria em um lugar que não pudesse ir sem ser
caminhando. Não há muitos prédios na nossa parte da cidade que dariam
boas-vindas a um andarilho sem um tostão, e percebo com uma sensação de
que ele provavelmente não está dentro de casa. Está excepcionalmente
quente para uma noite de inverno na Pensilvânia, mas não é aconselhável
estar só de jeans e um moletom.

Nós duas estamos pensando a mesma coisa, mas nenhuma diz isso
enquanto vasculhamos Waverley Park em busca de qualquer sinal dele. Ele
tem feito muitas trilhas aqui, mas a escuridão está dificultando nossa busca.
—Lá! Perto da árvore,— diz Kim. —É ele?

Eu olho na direção que ela aponta. —Não, é apenas uma lata de lixo,
eu acho.
À medida que nos aproximamos, eu a sinto esvaziar.

—Estou com medo, Iz,— ela sussurra depois que desistimos do


parque e atravessamos a rua até a fila de lojas e restaurantes.

Eu aperto meu queixo contra a dor no meu peito. Isso não é minha
culpa, mas parece ser. Ou talvez seja minha culpa. Talvez, se eu tivesse sido
corajosa o suficiente para enfrentar Pierce mais cedo, se eu tivesse forçado
Tristan a ficar ou ido atrás dele...

Não vá por esse caminho. Você não é aquela que saltou um meio-fio e
matou a garota de ouro da comunidade. Você não é aquela que dirigiu com
a carteira suspensa quando isso aconteceu. Não é quem fugiu do local de
um acidente fatal, deixando-a para morrer. E você definitivamente não é
quem humilhou uma garota apaixonada, na frente de toda a escola no que
deveria ter sido a melhor noite de sua vida.

Exatamente. Ele fez sua própria bagunça. Só porque não acho que ele
seja um -monstro- por cometer um erro, não significa que tenha que deixá-
lo entrar na minha vida.

Kim está claramente chateada, porém, o que me puxa algo de dentro.


Não importa o quão difícil minha história com Tristan possa ter sido,
também não quero que ele morra congelado.
Procuramos por mais meia hora, mas não encontramos nenhum sinal
dele. Minhas próprias extremidades estão dormentes de frio, e neste
momento é seguro dizer que ele está escondido em algum lugar dentro ou
ainda andando, caso que não iremos alcançá-lo a pé.

—Vamos voltar. Não podemos ajudá-lo, se estivermos congeladas


também, —digo.

Ela vira um olhar para mim. —Você está desistindo?

—Não estou desistindo, mas acho que devemos voltar e nos


reagrupar. Vamos descongelar e bolar um plano melhor para encontrá-lo.

—Se ele está por aqui, não temos tempo para nos reagruparmos.
—Kim, vamos. Tenho certeza que ele está bem. Ele sobreviveu à
prisão. Tenho certeza de que ele será capaz de aguentar algumas horas nas
ruas de Suncrest Valley.

—Pierce é a razão de estarmos aqui!

—Você está me culpando por isso?


—Não, eu estou culpando o seu namorado idiota.

—Olha, eu sei que ele está difícil ultimamente...

—Difícil? Ele é um idiota, Iz! Ele sempre foi um idiota. E se ele


estiver implicando constantemente com Tristan, não o quero mais em nosso
apartamento.

A raiva queima através de mim, e não sei por quê. Eu nem discordo
dela. Talvez seja esse o problema. Talvez eu esteja com raiva de mim por
não aceitar isso antes e por permitir que chegasse até onde chegou. Por que
agora? Agora estou em uma situação impossível. Se eu terminar com
Pierce, vai parecer que é por causa de Tristan e causará uma tempestade. Se
eu não…
Estremeço com a memória da expressão gelada de Pierce esta noite.
Eu nem quero vê-lo novamente, muito menos tocá-lo. As palavras estão na
minha língua para confessar a Kim, mas paro quando vejo a preocupação
em seu rosto. Ela já está consumida lutando as batalhas de Tristan. Eu não
posso dar a ela a minha também.

Isso só me deixa mais chateada com ele por jogar isso em sua irmã.
Ele não percebe o quão difícil tudo foi para ela? Como destruiu a vida dela
também? Ela tinha um futuro incrível, alinhado, que foi arrancado quando
ela entrou em coma de dor naquele primeiro ano. Toda vez que ia visitá-lo,
ela voltava completamente destruída. Esmagou-a vê-lo, mas nenhuma
quantidade de súplicas poderia convencê-la a abandoná-lo como todos os
outros fizeram.

Eu fiz o meu melhor para juntar os pedaços e mantê-la unida, mas


mesmo eu não conseguia entender sua lealdade a alguém, que só tinha a si
mesmo para culpar por suas lutas. Ele cavou sua própria cova, e nunca vou
perdoá-lo por arruinar a vida da minha melhor amiga também. Ela deveria
estar estabelecendo recordes de pontuação em Baker State. Em vez disso,
ela se trancou em um limbo auto-imposto da existência que a está
destruindo constantemente.

—E se ele voltar para o apartamento e estivermos aqui procurando


por ele?— Eu pergunto, tentando uma nova tática.

Ela para, sua expressão suavizando em pensamento.

—Isso é um bom ponto,—diz ela. —Ele checaria seu telefone, certo?

Ela pega o dela e envia uma mensagem. —Bom. Agora ele saberá que
deve nos ligar.

—E se ele não checar seu telefone?


Seus olhos se estreitam em mim. —Claro que irá. Eu não posso
acreditar que ele foi embora sem isso em primeiro lugar. Quero dizer, é o
seu telefone. É praticamente toda a sua vida.

—Não para alguém que não tem um há anos.


Minha raiva derrete com a nova dor em seu rosto. Lágrimas brotam
em seus olhos, e meu coração se parte por ela quando a puxo para um
abraço.

—Você está fazendo tudo o que pode,—eu digo, suavemente.

—Eu não estou,— ela responde, angústia em seu tom.

—Está.Você está dando a ele um lugar para morar. Pagando suas


despesas. Você está fazendo tudo o que pode para ser uma boa irmã.

—Eu não sou!— ela sibila, puxando para trás.

Eu estremeço com o ódio em seu rosto, mas não acho que seja para
mim. Algo não está certo. Com ela. Com esta situação. Na verdade, tudo
parece errado desde que Tristan apareceu em nossa sala de estar.
—Kim, o que é isso? O que você não está me dizendo?

Ela balança a cabeça, desalojando algumas lágrimas pelo rosto.

—Eu não posso,— ela sussurra.


—Você não pode o quê?

—Eu não posso te dizer.

—Diga-me o quê? É sobre Tristan? Sobre o que aconteceu?


Quando ela não responde, meu sangue bate nas veias.

—Kim, por favor. O que está acontecendo?


Seus olhos se fecham quando as lágrimas se tornam soluços. Eu a
alcanço, mas ela se afasta, lançando um olhar furioso para mim.

—Não me conforte,— ela engasga. —Eu não mereço ser consolada.


—Kim, vamos. Você está fazendo tudo o que pode. Não é sua
responsabilidade...

—Não foi ele, Isabel,— ela deixa escapar, e meu coração para.

—O que?
—Não foi ele,— ela repete com uma voz assombrada.

Não consigo respirar enquanto olho para ela. —Eu não... O que você
está dizendo?

Ela pisca através da agonia molhada e salgada e encontra meu olhar.


—Eu era a motorista naquela noite. Fui eu quem matou Amber.
 

Não sei o que fazer com a confissão de Kim. Ele gira em torno da
minha cabeça durante toda a caminhada de volta ao apartamento,
arranhando e rasgando tudo o que eu achava que sabia. Não apenas sobre a
situação, mas também sobre minha melhor amiga e seu irmão. Nenhuma de
nós diz uma palavra, como se num acordo silencioso precisássemos de
tempo para processar o que acabou de acontecer.

As perguntas se acumulam enquanto subimos as escadas para o nosso


apartamento. Anos de dor e traição colidem em arcos confusos que fazem
minha cabeça doer e meus pulmões arfarem. Se ela estava dirigindo, então
o crime foi dela, o que significa que Tristan... não. Apenas não.
A náusea passa por mim quando entramos e nos sentamos em
cadeiras opostas na mesa da cozinha. Kim tira as luvas e o gorro e enfia as
mãos no cabelo. Eu a encaro em silêncio, ainda muito entorpecida para
liberar qualquer um dos pensamentos tempestuosos disparando através de
mim.

—Foi na noite depois do baile,— ela começa baixinho. Há um timbre


fantasmagórico em sua voz, que me faz tremer. —Lembra daquela festa na
casa de Ryan?

—Eu não fui porque tinha que terminar meu trabalho de inglês.

Ela assente e desvia os olhos. —Eu roubei o carro de Tristan. Ele não
me deixaria dirigir para uma festa, especialmente com uma licença júnior.

Lágrimas enchem seus olhos novamente. Eu quero lhe dar a mão mas
não consigo. Meus braços não se movem. Meu estômago está uma bagunça.

—Eu... eu estive bebendo. Eu não deveria ter dirigido, eu sabia disso,


mas precisava devolver o carro antes que seus amigos o deixassem e ele
percebesse que o peguei.

Seus olhos se fecham, as lágrimas agora escorrendo por suas


bochechas.

—Pensei que fosse um veado!— ela chora. —Estava escuro e


realmente não vi em que bati depois da curva, era aquela parte da
Callowhill Road com a floresta. Há sempre veados, e não sei. Entrei em
pânico, então, em vez de parar, continuei.
O ar na sala fica espesso e sufocado. Eu a vejo respirar sofregamente
para acalmar seus soluços o suficiente, para falar. Talvez eu devesse
confortá-la, mas ainda estou paralisada.
—Quando cheguei em casa, Tristan estava lá. Ele... ele tentou me
acalmar, e contei a ele o que aconteceu. Ele disse para não se preocupar,
que se descobrissem que era o carro dele, apenas diria que foi ele. Eu tinha
aquela bolsa de estudos de hóquei pronta e à minha frente. Decidimos que
ele assumiria a culpa, já que não estava embriagado e não tinha um futuro
brilhante para arruinar. Ele já estava com problemas com papai por escolher
a coisa da música em vez da bolsa de futebol para a Penn State. Além disso,
sua licença já estava suspensa por excesso de velocidade. O que eles iam
fazer por atropelar um cervo? Suspender novamente?

Oh Deus. Agora não consigo respirar.


—Mas não era um cervo,—eu termino com uma voz rouca.

Seu olhar quebrado trava no meu, enquanto ela balança a cabeça.

—Nós fomos tão ingênuos, Iz,— ela sussurra. —Tão estúpidos...—


Sua voz desaparece enquanto a encaro com horror.
Isso não pode estar acontecendo. Não!

Ela se inclina para frente com uma expressão séria em seu rosto
manchado de lágrimas. —Eu queria dizer a verdade, eu juro. Mas quando a
história real veio à tona, ele já havia confessado. Eles vieram procurá-lo
como pensávamos, já que o carro estava registrado no nome dele.
Aparentemente, outro motorista pegou parte do número da placa, mesmo
que ela não pudesse ver quem estava dirigindo. E quanto pior ficava para
Tristan, menos alguém acreditaria em nossa nova história. Além disso, era
Tristan. Ele sempre cuidou de mim. Ele não teria recuado, mesmo que eles
acreditassem em nós.

Ela esfrega os olhos, forçando uma respiração irregular. —Exceto,


com todas as circunstâncias agravantes, o que pensávamos ser apenas algo
leve se transformou em uma série de acusações que o levaram a enfrentar
até vinte anos. Vinte malditos anos, Iz. Ele não teve escolha!

Estou enjoada. Enojada. Culpada. Chocada. Brava. Frustrada. E


assim, dilacerada com um coração despedaçado que não sabe o que fazer
com nada disso.
—Então ele aceitou o acordo,— eu forço.

Ela assente e desvia o olhar. —Três a seis anos na SCI Burlington.

Por um crime que não cometeu. Oh Deus. Eu vou ficar doente.


Eu pressiono as palmas das minhas mãos em meus olhos, tentando
absorver até mesmo um pedaço dessa realidade horrível. Cada segundo de
nossa interação desde seu retorno se repete na minha cabeça. A maneira
horrível como o tratei, as coisas que eu disse, o abuso de todos ao seu redor
– e o tempo todo ele aceitou sem dizer uma palavra. Tomou como esteve há
quase cinco anos, junto com Deus sabe o que mais naquele lugar horrível.

E de repente, tudo se junta em uma história coesa e doentia. A


implosão de Kim após a prisão. Seus colapsos subsequentes toda vez que
ela o visitava. Como foi ver alguém que você ama passando pelo inferno e
sabendo que deveria ter sido você? Viver com a culpa de matar uma pessoa
física e outra figurativamente? Porque ela estava certa anteriormente.
Tristan está morto. Pelo menos, o festeiro arrogante que governava uma
escola se foi. Leva apenas um vislumbre de seus olhos assombrados, para
ver que está vazio e despido. Ele é apenas uma bela carcaça viva agora.

Eu tenho tantas outras perguntas, emoções e pensamentos para filtrar,


mas agora, nada parece tão importante quanto encontrá-lo. Não tenho ideia
do que fazer além dessa tarefa, mas o pensamento de não envolver meus
braços ao redor dele nos próximos dez segundos parece intolerável.
—Vamos,— eu digo, me levantando.
Kim olha para mim com os olhos inchados, e dou a ela
um olhar duro. Eu não posso resolver meus sentimentos pela
minha melhor amiga agora. Toda essa situação está mais do que fodida, mas
terá que esperar. Temos um homem inocente para encontrar.
 

Nós nos dirigimos para a saída dos fundos, para podermos ir na


direção oposta para procurar Tristan, desta vez. Acabamos de contornar a
curva final na escada quando Kim suspira.
—Tristan!— ela grita, virando a nossa direita.

Eu me viro, e meu estômago cai. Escondido no pequeno espaço


abaixo da escada está um moletom preto e jeans que reconheço bem. Ele
criou sua própria cela minúscula para se esconder. Deus, meu coração.

Kim corre para o lado dele, e eu engulo um nó na garganta, quando o


vejo pela primeira vez nesta nova realidade.
—Tristan!— ela diz, sacudindo-o. Olhos vidrados piscam para ela. —
Vou chamar uma ambulância!

—Estou bem—, ele murmura, puxando o braço para longe.

—Você nos assustou,—diz ela. —Você não pode simplesmente


desaparecer assim. Vamos levá-lo para cima. Está frio aqui embaixo.

Ele balança a cabeça e resiste a outra tentativa de puxá-lo de seu


esconderijo.

—Eu só quero ficar sozinho.


Meus olhos queimam enquanto vejo a fúria em seu rosto. Não consigo
imaginar com o que ele está lidando agora. Ele parece dizimado, caído no
chão como se nunca pretendesse se levantar novamente. Kim ainda está
discutindo com ele, fazendo-o recuar ainda mais, e puxo sua manga.

—Está bem. Ele vai ficar bem. Por que você não sobe e nos faz um
café ou algo assim?
Ela vira um olhar torturado para mim, gelo correndo através de mim
com um significado que entendo pela primeira vez.

—Deveria ser eu.

Deveria. Mas deveria significa merda agora.


Eu aceno um encorajamento rápido e silenciosamente imploro para
ela ouvir. Tristan não deveria ser incomodado. Ele... eu não sei o que ele
precisa. Como diabos você conserta algo assim?

Ela finalmente se rende e joga sua jaqueta para mim enquanto se volta
para as escadas. Ouvimos seus passos por vários segundos antes de me
aproximar dele lentamente e cair no chão ao lado dele. Ele me olha, e
estremeço com outra onda de dor pela angústia em seus olhos. Depois de
uma breve conexão, ele olha para a frente novamente, para a parede oposta.

—Kim me contou,— eu digo baixinho.


Ele fecha os olhos, seu peito subindo em uma inspiração ofegante.

— Tenho certeza que você não queria que eu soubesse.

Ele não responde, mas vejo seus dedos se apertarem na manga.


—Desculpe, Tristan. Me desculpe por tudo que eu disse a você desde
que voltou. Pelo que eu senti por você durante todo o tempo que esteve
fora. Sinto muito por nunca ter questionado a história.

—Ninguém fez,— ele sussurra. —Ninguém pensou por um segundo


que poderia não ter sido eu.
Deus, a dor em sua voz. Ninguém. Nenhuma pessoa acreditou nele o
suficiente para lutar por ele. Não é à toa que ele não tentou mudar sua
história.

Não aguento mais e pego sua mão. Ele vacila, mas relaxa quando eu
fecho sua palma gelada entre as minhas quentes. Ele esteve sentado aqui
esse tempo todo? Seus jeans e sapatos estão molhados, e sua pele está
gelada. Ele deve ter ficado fora por pelo menos algum tempo. Ele está
tremendo tanto que é visível.

Solto sua mão e pego seu casaco.


—Pelo menos coloque isso, ok?

Eu abro e seguro para ele. Seus olhos castanhos escuros procuram os


meus antes que ele se incline para frente e me deixe envolvê-los em seus
ombros. Ele enfia os braços nas mangas e aperta o tecido ao seu redor. Tudo
em mim deseja que fosse eu. Meus braços ao redor dele. Meu coração
batendo em ondas de calor contra o dele, como deveria ter sido desde a
primeira vez que o vi, doze anos atrás.

—Kim não deveria ter contado a você,— diz ele. —Ninguém pode
saber a verdade.
A tensão dá um nó em meus ombros com o aviso em seu tom.

—Não é justo,— eu digo.

—Nem uma garota pode perder a vida por voltar de uma festa para
casa. A maior parte da merda que acontece neste mundo não é justa.
—Posso te perguntar uma coisa?

Eu vejo o escudo assentar sobre seu rosto, mas eu tenho que dizer
isso. —Se você soubesse, se todos os fatores sobre o que realmente
aconteceu estivessem claros desde o início, você ainda teria feito isso? Você
ainda teria confessado algo que não fez?
Ele fecha os olhos novamente. Depois de um longo silêncio, acho que
ele vai ignorar minha pergunta até que...

—Não sei.

A simples honestidade de sua resposta me tira o fôlego. Quem é essa


pessoa? Demônio ou santo? Vítima ou herói? Eu não tenho mais ideia.
—Se eu soubesse, teria reagido de forma diferente,—digo.

Ele solta um suspiro pesado.

—Sim? O que você teria feito?


—Isto.

Eu me ajusto de joelhos e cruzo meus braços ao redor dele.

—Eu teria feito isso, —eu sussurro contra seu ombro.


Seu vacilo instintivo me diz que ele não está acostumado ao afeto,
então o seguro firme até que seus músculos comecem a relaxar. Há tantas
coisas a dizer, tantos erros horríveis a serem corrigidos, mas não sei por
onde começar. Se eu posso começar. Como diabos seguir em frente com
isso?

Fechando os olhos, absorvo o máximo que posso, seu cheiro, sua


essência, o que resta da bela alma que temos de reencontrar novamente.
Porque talvez essa seja a parte mais trágica de tudo. O fato de que ele não
apenas desistiu de sua liberdade naquela noite, mas pagou um preço para
toda a sua vida, que duas crianças ingênuas não compreenderam.

E então, meu estômago revira com um novo pensamento.

Se ele esteve disposto a suportar anos de prisão por sua irmã, o que
faria por sua amiga? Minha paixão por ele não surgiu do nada. Suspeitei
que os sentimentos fossem recíprocos e foi a única razão pela qual tive
coragem de convidá-lo para o baile. Isto é, até que ele demonstrou –
publicamente – como eu estava errada.

—O jogo de futebol,— eu digo.

Ele fica tenso novamente, e não consigo respirar. Oh não. E se tudo


isso também for uma mentira? E se eu o odiei por anos porque...
—Você realmente sentia que “preferia rastejar em vidro quebrado do
que ir ao baile comigo?”— Eu mal consigo dizer as palavras.

Ele não responde, e me inclino para trás para ler sua expressão.
Lágrimas queimam meus olhos com o olhar em seu rosto. Oh Deus.

—Tristan,— eu respiro.
Ele abaixa o olhar, e uma pedra se aloja no meu peito.

—Por que?— Eu pergunto, me afastando dele. —Se você gostava de


mim também, por que me fez te odiar?!

Ele balança a cabeça, e um novo tipo de raiva queima dentro de mim.


O tipo de raiva que vem de eventos que não deveriam ter acontecido.
—Responda-me! — Eu choro, empurrando seu ombro.

Ele olha para cima novamente, sua garganta se movendo em um gole


grosso.
—Porque você fez isso? Por que humilharia a melhor amiga da sua
irmã só porque ela gostava de você?! Diga-me!

—Porque você não podia, — diz ele com a voz quebrada.

—Não podia? Que diabos isso significa?

—Isso significa que você não podia. Você não poderia gostar de mim,
Iz. Não podíamos estar juntos. Você era a garota esperta, sempre estudando,
dando aulas particulares, honrando a sociedade, o negócio todo. Você tinha
tudo pela frente, e estar comigo... Eu via você se esgueirando enquanto me
seguia para festas e outras merdas estúpidas, as quais você não deveria
mexer. Eu tinha que me certificar de que você se concentrasse em si e em
seu futuro, e a única maneira que eu podia pensar era fazendo você me
odiar, para me evitar e toda a merda destrutiva que depois aconteceu
comigo.

—Isso não!— digo, furiosa. —Não era sua decisão a tomar!— Eu


choro, empurrando-o novamente.
Ele recua, mas não revida. Não, apenas olha para baixo, esperando.
Pelo que? Para mais. Para eu machucá-lo novamente. Para absorver minha
raiva. Minha dor.

—Eu pensei que estava apaixonada por você,—eu digo, agarrando


sua manga.

—Eu sei, —ele sussurra, levantando aqueles olhos cavernosos para


mim, novamente.

Eu procuro, agarrando qualquer resquício de sua alma quebrada que


possa encontrar. Ninguém lutou por ele quatro anos e meio atrás. Quem vai
lutar por ele agora?
Meu olhar cai para sua boca, lábios com os quais fantasiei por anos.
Beijos que seriam traiçoeiros à luz do que ele fez comigo. Exceto, ele não
fez isso. Ele fez isso por mim e de alguma forma é pior. Se assim é ser
protegida, à custa de outra pessoa, não consigo imaginar como Kim se
sente.

Ele aceitou o ódio sobre o amor, a culpa sobre a gratidão. Deu sua
vida para que pudéssemos ter uma que valesse a pena viver. O que devo
fazer com isso? Ser grata? Estou furiosa!
—Você não pode continuar tomando decisões por todos os outros,—
eu digo, olhando para ele.

Ele desvia o olhar.

—Ei!— Eu cutuco seu ombro. —Olhe para mim!


Ele olha, e eu respiro fundo.

Ele é tão lindo. Tão puro e quebrado ao mesmo tempo. Eu o odeio por
destruir o que ele deveria ter sido.

—Eu não sinto muito, Isabel. Não sei se faria isso de novo, mas nunca
vou me desculpar por fazer isso.
Eu balanço minha cabeça, piscando para conter as lágrimas de raiva.

Tudo em mim agora, quer dar um tapa nele . Mas também quero me
inclinar para enquadrar seu rosto lindo exasperante e provar o que eu desejo
desde que era uma adolescente apaixonada. Já vi muitas garotas beijando
esse garoto, muitos sorrisos radiantes e olhares sedutores que derreteram
minhas entranhas em uma obsessão pegajosa. Ele não mudou apenas seu
futuro naquele dia, porque não há dúvida em minha mente, se ele tivesse
cedido a mim, eu o teria seguido. Esperado por ele. Eu teria me tornado
tudo o que ele não queria que eu fosse: uma adolescente apaixonada
transformada em adulta ainda apaixonada, sofrendo, colocando minha vida
em espera por ele. Ele tem razão. Eu o teria seguido até o outro lado do
estado pairando do lado de fora de uma prisão. Ao contrário de Kim, eu
provavelmente não teria terminado o ensino médio, muito menos estaria a
meio semestre de um diploma de engenharia.

E em vez disso, você tem Pierce.

A saudade corre através de mim enquanto estudo cada detalhe do que


deveria ser meu. Seu rosto perfeito, seu corpo requintado. Sua alma cheia
de chagas, que de alguma forma está mais cativante do que nunca, agora
que conheço a profundidade e o preço de suas cicatrizes.

Meus dedos apertam em torno de sua jaqueta, e nenhum de nós se


move enquanto exploramos o desejo não dito. Eu nunca traí ninguém,
nunca pensei que o faria, mas aqui estou eu, lutando contra o que parece ser
inevitável. É traição se você não pode terminar com alguém, porque está
sendo extorquida?

Pierce pensaria assim, o que significa que Tristan pagaria o preço. Dói
mais saber que ele pagaria de bom grado. De jeito nenhum vou deixar isso
acontecer.
Minha garganta e peito estão cheios de frustração quando solto sua
manga e me afasto. Ele parece igualmente perturbado, mas não diz nada
quando me levanto. Se alguma coisa, seu suspiro resignado me diz que ele
não tem ideia do quanto lutei para resistir a ele. Eu nem mesmo ofereço
minha mão para ajudá-lo, porque tenho medo do que acontecerá se eu tocá-
lo novamente.

—Você quer um pouco de café?— Eu pergunto em vez disso.


Ele olha para cima, o mais leve sorriso piscando em seus lábios.

—Você acha que Kim cuspiu nele?


Eu devolvo o sorriso e espero ser cem vezes mais forte do que penso
ser.
 

Seus lábios são fogo, sua língua pura luxúria


enquanto invade minha boca e me queima por dentro e por fora. Não
consigo ter o suficiente e agarro suas costas para arrastá-lo para mim.
Meus gemidos ecoam entre nós enquanto coloco minhas pernas ao redor de
suas coxas e moo contra ele, até que seus próprios gemidos me fazem
perder o controle. Não me importo com as consequências. Passado,
presente, futuro, nada disso importa neste momento. Esperei muito,
aguentei demais sem ele, para desperdiçar um único segundo desse êxtase
com arrependimento.
—Tristan...— Eu expiro, ofegante quando ele empurra em mim. —Ah!

Minha cabeça volta, e ele beija meu pescoço, beliscando e sugando


em sincronia com nossos quadris. De novo e de novo, mais forte, mais
rápido, e oh Deus. Preencha-me. Faça-me queimar. Acalme a dor que sofro
cada vez que te vejo, te toco, te desejo.

Por favor, por favor, me dê tudo de você ...


Acordo abruptamente, meu coração acelerado, meus lençóis úmidos
de suor. Não me movo a princípio, desesperada para permanecer no sonho o
maior tempo possível. Ele estava bem ali, tão real que meu corpo ainda está
queimando com a fantasia.

Mas à medida que a cena desaparece, a fria realidade se instala.


Ele está bem aqui — e simplesmente não posso tê-lo. Não até que eu
garanta que Pierce não irá machucá-lo. A apenas alguns metros de
distância, minha fantasia está adormecida em um sofá que seria o paraíso se
eu pudesse me aconchegar com ele. Eu sei como é ter um torno rígido e
possessivo apertando meus ombros, mas se fosse Tristan...

Já estou me derretendo na cena fictícia, aninhada no seu peito quente,


nossas pernas em contato profundo. Eu exploraria cada músculo definido de
suas costas, até aquela bunda dura, e na frente um mais forte...—eu gemo
no travesseiro.
—O que você está fazendo?— eu murmuro.

Torturando-me, é isso. Meus dedos coçam para deslizar pelo meu


corpo e liberar a enxurrada de desejo que se acumula entre minhas pernas.
Não levaria quase nada para desencadear isso. Apenas algumas memórias
de seu corpo nu, algumas revisões da minha resposta quando ele o exibiu
naquela noite fatídica. Desta vez, quando ele rasgasse a roupa, eu me
levantaria. Atravessaria o corredor. Correria minhas mãos sobre cada plano
esculpido e sulco definido. Provar, tocar, traçar, espremer…

Pare!
Eu suspiro longamente, acalmando-me e me mexo para olhar para o
teto. Não estou me fazendo nenhum favor alimentando fantasias ridículas.
O que preciso descobrir é como purgar a dor proibida. Um banho frio
ajudaria, mas não vou conseguir voltar a dormir depois disso. Um copo de
água. Isso funcionaria.

Eu empurro os lençóis para trás e me forço a sair do calor. O ar frio


me atinge enquanto me aproximo da porta, e envolvo meus braços nus para
me proteger da corrente de ar. Deve levar apenas um segundo para pegar
uma água.

Meu pulso acelera quando me aproximo da sala de estar, meus olhos


instintivamente correndo para o sofá onde espero ver uma tentação
adormecida. Em vez de…
—Você está bem?— Eu pergunto, estudando a forma rígida de
Tristan.

Ele está sentado, bem acordado e olhando para o nada.

—Tudo bem,— diz ele.

Nós dois sabemos que é mentira. Por que ele se deu ao trabalho de
contar?

—Há quanto tempo você está acordado?

—Não dormi.
Tanto para uma bebida rápida. Eu faço o meu caminho para o sofá em
vez disso.

Ele não responde quando me abaixo ao lado dele e espelho sua pose –
embora seja uma versão mais casual e confortável de sua postura ereta.

—Você já tentou dormir?— Eu pergunto.


—Sim.

—Você acabou de dizer...

—Eu disse que não dormi. Eu não disse que não tentei.
Reviro os olhos e me acomodo mais fundo nas almofadas. —Bem.
Espertinho.
Sinto uma leve elevação na tensão e relaxo. Mil perguntas vêm na
minha cabeça, mas não quero arrastar o momento de volta para o inferno.
Passamos muito tempo lá, recentemente.

—Ei, quer ver alguma coisa?— Eu pergunto, levantando do sofá.


Ele parece surpreso, talvez cético, difícil dizer na penumbra. Eu
acendo o pequeno abajur na mesinha ao passar. Pegando meu laptop do meu
quarto, volto para encontrá-lo acomodado mais confortavelmente no sofá, e
algo relaxa no meu peito. É alarmante o quanto o estado dele afeta o meu.

Depois de cair ao lado dele, ligo o computador e abro o aplicativo de


música. Deveria demorar mais para encontrar a lista de reprodução, mas eu
estaria mentindo se dissesse que não a escutei desde que meu eu
adolescente compilou uma coleção de tudo sobre Tristan Haverford. A
verdade é que escutei apenas alguns meses atrás. Ok, talvez tenha sido
algumas semanas. Ou dias, tanto faz. Essa não é a questão.

Eu começo a primeira música e ele inspira rápido.

—Quão…?—

Meu sorriso surge com o choque em seu rosto. Seu próprio sorriso
cresce a cada segundo que passa, e nunca fiquei tão feliz por não ter
deletado um arquivo na minha vida.

—Esta é a minha música. Você ainda tem?

—Eu tenho todos elas, —eu digo, virando minha tela para que ele
possa ver a lista de sete títulos.

—Eu... uau.— Ele solta um suspiro. —Eu não posso acreditar que
você guardou isso. Achei que apagaria o máximo de mim que pudesse,
depois do que fiz com você. E depois, você sabe...— Sua voz desaparece, e
meu humor desaparece.

—Nunca,— eu digo. —Sua música era incrível. Nada que você faça
ou diga vai mudar isso.

Não sei o que ele está pensando quando desvia o olhar, mas quando
seus dedos se apertam em torno de um objeto imaginário, não consigo
deixar de imaginar uma guitarra em seu colo. Crescendo, eu quase nunca o
vi sem uma. Ele provavelmente, se sentiu perdido sem isso na prisão. Por
que esse pensamento dói tanto?

—Você chegou a tocar enquanto estava... em Burlington?— Não


consigo dizer ‘preso’.

—Não.

—Oh.

—Algumas prisões têm programas de música, mas a SCI Burlington


não.

Eu engulo e aceno, sem saber o que dizer a seguir. Eu finalmente


resolvo —Aposto que você está morrendo de vontade de tocar de novo. —
Eu forço um sorriso tenso, mas ele não retribui.
—Eu estava no começo,— diz ele calmamente.

—Mas você não está agora?

Ele pega o tecido de sua calça de moletom. —É inútil. Levou apenas


dois dias para aprender que tudo é inútil. Isso é o que eu sou agora.
—E o que é isso?

—Eu nem sei.


A desolação em sua voz dói, enquanto estudo a casca forte e lascada
de uma pessoa. Suas mãos apertam os joelhos quando se perde em um lugar
distante novamente. Não sei onde fica, mas sei que ele não pertence a esse
lugar.

—Bem, eu sei de uma coisa que você não é,— eu digo, puxando seu
olhar de volta para mim.
—E o que é isso?— Uma pequena curva puxa seus lábios.

—Uma boa máquina de lavar louça.

Seu sorriso se quebra, e talvez eu veja a menor faísca ganhar vida.


Capítulo Oito

TRISTAN

Ontem foi difícil, não vou mentir. Hoje, porém. Não sei. Talvez, hoje
seja o dia.

Sinto-me mais brilhante do que há muito tempo quando entro no


Shelton Barn and Table para uma entrevista. Sim, está certo. O querido
restaurante orgânico de Suncrest Valley me ligou de volta. Quando a mulher
começou a falar, fiquei preocupado por ter marcado a caixa errada em ‘Você
já cometeu um crime?’ Como de costume, eu tinha muito a dizer sobre a
parte ‘Se sim, por favor explique’— que se seguiu. Lembro-me claramente
de explicar, então talvez eu tenha uma chance?

A garota no estande do anfitrião sorri quando me aproximo.


—Oi. Eu sou Tristan Haverford. Estou procurando por Stacie,— digo.

—Oh! Está para uma entrevista?— ela pergunta.

—Sim, às três.

—Excelente. Eu sou a Lia. Prazer em conhecê-lo. Agrade um


momento.

Ela segura um funcionário quando ele passa e sussurra algo. O cara


olha para mim, mas não não fala nada.

—Ok, por aqui,— Leah diz para mim.

Eu a sigo por um labirinto de mesas, tentando ignorar os olhares. Eles


me reconhecem ou o julgamento coletivo está na minha cabeça? Deve haver
algumas pessoas nesta cidade que não conhecem meu passado, não é?
Então, novamente, importa se há alguém disposto a me dar uma chance?
De qualquer forma, não posso me dar ao luxo de outra distração no
momento, então me forço a concentrar na tarefa em mãos: lutar pela minha
primeira chance real na vida.

Há cinco anos, este restaurante era uma pizzaria. Meus amigos e eu


costumávamos vir depois dos jogos e antes das festas. Eu fiquei com várias
garotas em uma cabine, bem onde um grupo de pessoas estão sentados.

A conversa para quando passamos, e sinto a atenção indesejada.


Parecem ter a minha idade, mas não reconheço nenhum deles. Com base na
maneira como estão vestidos, provavelmente não teriam frequentado a
escola pública de Suncrest Valley de qualquer maneira. Os moradores ricos
de The Hills tiveram o cuidado de criar um sistema escolar particular, livres
de nós, pessoas comuns.

Ironicamente, o estilo de vida de classe média alta dos meus pais


significava que Kim e eu éramos as crianças ricas da escola. Não fiquei
surpreso com a satisfação presunçosa da comunidade, quando o príncipe
rebelde dos Haverford foi preso. É difícil lembrar que eu costumava me
importar com popularidade e status social. É difícil lembrar que eu
costumava me importar com qualquer coisa.

Leah bate na porta aberta de um pequeno escritório, e uma mulher


olha por trás de uma mesa. Seu sorriso quando me vê, alivia um pouco da
minha tensão, e aperto a mão que ela oferece.

—Você deve ser Tristan—, diz ela. —Eu sou Stacie. Obrigado, Lia.

A outra garota sorri e desaparece, deixando-me sozinho com minha


primeira chance de emprego.

Não estrague isso.


—Feche a porta e sente-se,—diz ela, acenando para uma cadeira na
frente de sua mesa.

Faço como instruído e tento acalmar meus nervos.

—Tristan Haverford. Não tem muita experiência de trabalho,— diz


ela, examinando o que deve ser minha inscrição.

Meus punhos se fecham no meu colo.

—Não. Hum, não realmente. Quer dizer, eu trabalhava na cozinha em,


uh…

Deus, por que eu pensei por um segundo que isso ia funcionar?

—Na SCI Burlington?— ela termina para mim.

Eu olho para cima bruscamente, meu estômago em nós. Ela estuda


meu rosto com uma expressão ilegível, e eu forço um aceno de cabeça.

—Sim,— eu digo baixinho.

—Vou arriscar e dizer que você não recebeu muitas ofertas desde a
sua libertação.

Eu balanço minha cabeça e olho para ela.

—Não há muito em mim que excitaria um potencial empregador.

Ela inclina a cabeça e sinto seu olhar intenso.

—Não muito pelo seu currículo, pelo menos.

Espere, ela está sorrindo?

Eu me mexo na minha cadeira.

—Não. Acontece que não há muito mercado para garotos do ensino


médio transformados em criminosos condenados.
Seus lábios se espalham em um sorriso, e permito que o menor
indício de diversão penetre na minha ansiedade.

— Homicídio veicular, certo? — ela pergunta, e meu humor


desaparece.

—Tipo. Foi…

Eu nem sei como terminar essa frase. Escrevi tudo no formulário. Ela
não pode simplesmente ler? Ela me chamou aqui apenas para me torturar
com uma rejeição pessoal?

—Perguntei por aí quando vi sua inscrição. As pessoas desta cidade


não são grandes fãs de você, eu conclui.

—Não.

Desvio o olhar e enfio a ponta dos dedos no meu jeans. Como pude
ser tão ingênuo ao pensar que alguém realmente me daria uma chance? Não
fui pisado o suficiente para saber melhor?

Limpando minha garganta, forço um sorriso tenso.

—Ok, bem, hum, obrigado de qualquer maneira.

Eu me levanto da cadeira e vou em direção à porta.

—Você pode trabalhar à noite e nos fins de semana?

Eu volto. — O que?

Ela levanta uma sobrancelha. —Noites e fins de semana. Você está


disponível? Perdi um servidor fantástico há alguns meses e não consegui
substituí-lo, realmente. Você teria que começar um pouco mais de baixo,
dada a sua falta de experiência, mas subirá assim que observamos como as
coisas irão.
Sem palavras, procuro em sua expressão firme por qualquer sinal de
uma piada cruel. Crueldade se tornou meu normal, mas ela parece uma
gerente ocupada que está ansiosa para verificar mais um item de uma lista
de tarefas.

Eu poderia realmente ser capaz de trabalhar nesta cidade?

—Bem, eu não preciso de uma resposta neste segundo, mas se você


puder me avisar nos próximos dois...

—Sim,— eu corro a dizer. —Sim claro. Estou disponível para o que


for, a qualquer hora. Pratos, limpeza, qualquer coisa.

Um sorriso divide sua fachada rígida, e começo a respirar pelo que


parece ser a primeira vez em horas.

—Com base em sua inscrição, percebi que essa seria sua atitude.
Verdade? Eu aceitarei um garoto do ensino médio transformado em um
criminoso condenado, disposto a fazer o que for preciso em qualquer dia.
Você pode começar amanhã às quatro?

Eu aceno, ainda sem acreditar que isso está acontecendo.

—Sim. É claro. E, hum, obrigado. Sério.— Eu balanço minha cabeça.


—Vejo você amanhã.

—Ei, Tristan?

Eu me viro para encontrar um olhar sincero e compassivo de um


estranho que não vejo há tanto tempo.

—Todos nós cometemos erros. O que importa é o que eles nos fazem.
 

 
Pasta de dente, pão, cereal... havia mais alguma coisa na lista, mas
não consigo me lembrar enquanto olho para o longo corredor de comida
enlatada. Talvez iogurte? Não posso comprar muito, pois tenho que carregar
mais de um quilômetro até em casa. Iz ama seu iogurte, no entanto, alguns
recipientes minúsculos não devem pesar.

Vou até a seção de laticínios e procuro nas prateleiras a marca e o


sabor que vi na geladeira. Framboesa. Ela adora framboesas, vermelhas e
pretas. Eu me lembro disso do ensino médio. Não importando quais os
sabores, ela sempre escolheria framboesa, se fosse uma opção.

Houve uma vez que eu trouxe para casa uma torta de framboesa de
um jantar de arrecadação de fundos, sabendo que ela provavelmente, estaria
em nossa casa com Kim. Ela estava, e o olhar em seu rosto quando
entreguei a ela ainda está gravado em minha memória. Esse pode ter sido o
momento em que fiquei viciado em seu sorriso.

—Ei, olha quem foi solto de sua jaula.

Eu enrijeço ao encontrar Trey Mettler me encarando como no dia em


que tirei sua vaga de titular no segundo ano.

—Oi, Trey.

Volto a puxar potes de iogurte da prateleira, esperando que ele


entenda a dica e vá embora.

—Seis anos, não foi? E parece que você nem fez isso. Deve ser legal
matar alguém e só levar um tapa no pulso, mas acho que isso que acontece
quando garotos ricos cometem esses crimes.

Eu fecho meus olhos e sugo uma respiração calmante.


—Não vamos fazer isso,— eu digo, estudando as prateleiras de
queijo.

—Você sabia que eu fiquei com Candace no segundo em que você foi
embora?

Não se envolva. Não se envolva.

Eu o ignoro e começo a andar.

—Ei, estou falando com você!

Ele agarra meu braço, e eu giro para trás, adrenalina correndo através
de mim quando instintivamente me preparo para uma luta. Os olhos de Trey
se arregalam antes que ele solte o braço.

—Uau. Irritado, hein?— ele diz com um sorriso de escárnio.

Eu tento respirar através da pressão no meu peito, endurecendo meu


olhar através do medo como aprendi a fazer tão bem.

—Não me toque,— eu digo.

—Ou o que? Você vai me atropelar no estacionamento?

Eu olho para ele e seguro a alça da minha cesta para evitar que meus
punhos façam algo que me coloque em apuros. Ele não pode saber que
chegou até mim. A dor é poder. Ou eu seguro ou eles fazem.
Balançando a cabeça, eu me movo na direção oposta.

—Todo mundo ficou aliviado quando você foi mandado embora,—


ele grita atrás de mim.

Hesito um passo, mas não respondo. O que há para dizer? Ele não
está errado.
—Confie em mim, idiota. Ninguém quer você de volta.

Eu aperto meu queixo e vou para frente.

Ele está certo sobre isso também. Repetidamente ficou provado que o
conselho de liberdade condicional não me fez nenhum favor quando
concedeu meu pedido. Ninguém me quer aqui.

Ninguém me quer, ponto.


 

—Como foi?— Kim pergunta.

Eu olho para cima da geladeira quando ela entra na cozinha. —Bom.


Eu consegui o emprego.

—Você conseguiu? Isso aí! Quando começa?

—Amanhã. Você pode me deixar um pouco antes das quatro?

—Na casa de Shelton?— Ela torce o nariz. —Merda. Eu tenho que


estar meia hora na outra direção.

—Oh.— Eu forço um sorriso apertado. —Ok sem problemas.

—Espere. Deixe-me fazer algumas ligações e ver se consigo mudar as


coisas.

—Não, não. Está bem.

—Tristan…

—Vou pegar o ônibus. Nada demais.

—O ônibus não vai para o Shelton’s.

—Ele vai para Fourth and Dawson Street, que fica a menos de um
quilômetro de distância.
Não aguento mais sua expressão de pena e me concentro em empilhar
os iogurtes.

—Vamos tentar conseguir um carro para você em breve,— diz ela. —


Talvez ainda esta semana possamos...

Ela para no meu olhar duro.

—Oh, certo. Você não tem permissão para dirigir,— ela diz baixinho.

—Nunca mais,—murmuro, e ela estremece.


—Sinto muito, Tristan. Sério.

—Tudo bem.— Volto para a estante.

—Não está. Talvez possamos ligar...


—Kim? Está tudo bem,— repito com uma voz severa. Estou tão
cansado de —talvez — que se tornam embaraçosos — os nãos.

Ela suspira. —Esse é o favorito de Iz,— ela diz enquanto eu termino


com os iogurtes.

—Eu sei.
Eu deslizo o leite de volta para a prateleira e me endireito, esperando
escapar antes que as coisas piorem. Não consigo lidar com minha irmã
quando ainda estou me recuperando do confronto com Trey. Mesmo uma
milha de caminhada não foi suficiente para resolver a tempestade que ele
desencadeou. Não é raiva dele, no entanto. Eu nunca dei a mínima para o
que ele pensava. É o fato de que ele está certo. Que ele confirmou o que eu
suspeitei várias vezes enquanto caminhava pelo Shelton's mais cedo. O
banco, o posto de gasolina, o compartilhamento de carona... Você escolhe,
fui lembrado do quanto sou odiado.
Ninguém quer você aqui.

Kim muda seu peso, e sinto a próxima inquisição. Porcaria.


—Nós nunca conversamos sobre isso, Tristan.

—Sobre o que?

—Você sabe o que. Sobre o que aconteceu lá.


—E o que foi isso?

Eu pego a esponja. Muitos pratos para lavar, balcões para limpar.


Qualquer coisa que não envolva falar sobre merda, eu não quero falar.

—Tristan.

Eu abro a torneira o mais alto possível, mas ainda não é alto o


suficiente.

—Por favor fale comigo.

—Não há nada para falar,— eu digo quando está claro que a água
corrente não vai acabar com essa conversa.
—Eu acho que você deveria ver alguém.

Eu olho para ela antes de balançar a cabeça e me concentrar


novamente no pote.

—Não estou interessado.


—Estou falando sério. Você deveria falar com alguém. Resolver as
coisas, sabe? Você não está certo.

Meu punho se aperta ao redor da maçaneta.

—Aconselhamento é para todos, Trist. Inferno, eu tenho visto um


terapeuta há anos.
—Não.

—Sério, eu estava lendo sobre Síndrome Pós—Encarceramento, e é


exatamente o que...
—Eu disse não!— Eu grito, virando-me para ela. —Eu não preciso
ver ninguém, não preciso falar. Não há nada para resolver. Não é
complicado, Kim. Eu vivi na porra do inferno na terra por quatro anos.
Então não, eu não estou certo. Eu nunca estarei certo, e quanto mais cedo
você aceitar isso, mais cedo podemos fingir que tenho alguma chance de ter
uma vida!

Eu bato a esponja na pia e saio correndo. Tremendo, ando pelo


corredor, mas não sei para onde ir. Eu não tenho um quarto aqui. Ou uma
cama. Ou até mesmo um maldito armário para guardar as três roupas que
tenho em meu nome. Eu não tenho nada. Eu não pertenço a lugar nenhum.
Eu não sou ninguém.

Ninguém quer você.

Termino no banheiro e tranco a porta. Kim me seguiu, mas não posso


encará-la agora. Ela acha que está ajudando. Ela acha que o que eu preciso
é de esperança, mas o que eu preciso é voltar no tempo e refazer a pior noite
da minha vida.

Não foi a pior noite. Nem mesmo perto.

Não consigo respirar enquanto afundo no chão e descanso a testa nos


joelhos. Memórias correm, preenchendo o vazio com escuridão pior do que
nada. Isso é o que Kim não entende. Isabel. Algum terapeuta inútil. A cura
para a dor é a dormência. Quando a gente tem dor de cabeça, a gente
adormece, não é? Não falamos sobre isso e despejamos nos outros. Não a
analisamos e achamos que podemos dissolvê-la abraçando a dor. Tomamos
uma droga de pílula e vamos dormir.

Eu pressiono as palmas das minhas mãos em meus olhos.


Dormir. Deus, estou cansado. Fisicamente, mentalmente,
emocionalmente. Espiritualmente. Estou cansado de viver, de tentar
sobreviver. Estou apenas... Uma batida soa e olho para a porta.

—Vá embora!

—Tristan, por favor. Apenas fale comigo.


—Eu não quero falar.

—Eu sei, mas você precisa. Você não pode manter tudo guardado.
Está te matando.

Rosnando, eu me levanto do chão e puxo a maçaneta do chuveiro para


abafá-la. Eu a ouço vagamente através do trovão da água, mas seu
resmungo é alegremente ininteligível.

Fale com alguém. Certo.

Porque é disso que este mundo precisa para combater o mal horrível e
a injustiça desenfreada – mais conversa. Mais hipócritas fingindo se
importar até que ninguém esteja olhando. Mais alpinistas sociais fingindo te
amar até que seja melhor te odiar. Mais predadores falando, falando,
falando enquanto tiram seu corpo e alma.

Não. Acabei de falar.

Eu estou. Porra. Feito.

Eu me inclino contra a lateral da banheira e fecho meus olhos. O


vapor gira em torno de mim, e eu respiro, imaginando os vapores macios
queimando meus pulmões. Quanto seria necessário para limpar a sujeira de
dentro? Quão quente precisa ser para eliminar a infecção invisível que está
ficando impossível de conter? Está tomando conta. Eu pensei que atravessar
aquele portão para a liberdade seria o antídoto, mas tudo o que fez foi
provar que eu sou a doença.
A exaustão rasteja sobre mim no calor pegajoso. Eu
também não posso lutar contra isso, e logo sinto a névoa do
sono me puxando para o único lugar seguro que resta para alguém como eu:
a inconsciência.
 

Uma sombra se aproxima. Eu não tenho tempo para reagir antes que
isso esteja me rasgando. O suspiro de medo não pode ser meu, mas talvez
seja quando é seguido por uma dor lancinante na minha cabeça.

Gemendo, esfrego o local que acabou de colidir com a banheira.

—Porcaria. Você está bem? Eu sinto muito.

Eu pisco para encontrar olhos castanhos familiares arregalados de


preocupação.
—Isabel?

—Você precisa de gelo? Você bateu a cabeça muito forte. Desculpe


por assustá-lo.

—Estou bem.— Mas ela parece cética quando estremeço ao tentar me


sentar.
Ela pega meu braço, e eu a afasto. Isso é embaraçoso o suficiente.

—Como é que você entrou?— eu murmuro. —Eu tranquei a porta.


Seu sorriso astuto seria irritante se não fosse tão fofo.

—Eu sou engenheira. Bem, quase. Uma fechadura de porta desse


nível não vai me parar.
Eu balanço minha cabeça, o menor sorriso escapando.

—Que horas são?— Eu pergunto.

—Quase dez.
—Sério? Merda.— Eu esfrego uma mão sobre o meu rosto. —Kim
está no trabalho, eu acho?

Isabel acena com a cabeça e estende as mãos para me ajudar a


levantar.

—Você tem alguma ideia de quanta água você deve ter desperdiçado?

—Ah, foda-se.

Eu me viro, mas a torneira está fechada.

—Ey fechei,—diz ela. —Eu entrei três horas atrás quando cheguei em
casa do trabalho. Você realmente parecia estar dormindo bem pela primeira
vez, então eu não queria acordá-lo.

—Eu estava? Então por que você me acordou agora?

Sua expressão cai, e eu suspiro.

—Porque eu não estava mais,— eu concluo.

—Quem é Felton?

Meu coração para, suor brotando sobre minha pele.

—Ninguém,— eu forço para fora. —Ei, desculpe pelo drama. Eu vou


sair do seu caminho. Você provavelmente precisa do banheiro.
Sinto sua atenção enquanto me aproximo da porta, mas desta vez é
diferente. Não é pena ou preocupação, é – intenso. Eu tento ignorar, com
medo do que sua luxúria faz com o meu corpo, que a deseja há quase uma
década.

—Eu trouxe mais iogurte para você,— eu digo, me espremendo em


volta dela em direção à porta.
—Eu vi. Obrigada.

Seu olhar trava no meu, enviando uma onda de calor através de mim.
Engraçado como me sinto morto, até ela acender aquela faísca escondida. É
a única parte de mim que não pode ser destruída porque pertence a ela.

—Tristan.

Ela descansa a mão no meu braço em um apelo silencioso.

O que ela esta fazendo? Ela não deveria estar me tocando. Eu não
deveria permitir isso. A guerra se enfurece na tensão que se segue. Nela.
Em mim. Em um momento nós dois ganhamos por uma vida inteira de dor,
mas não podemos ter pelo mesmo motivo.

Seu aperto aumenta em torno do meu bíceps. Seus olhos brilham com
fome.
—Não,—eu digo, balançando a cabeça. —Você vai se arrepender.

—E se eu não fizer?— ela sussurra, deslizando os dedos sob a manga


da minha camisa.

—Você irá.
—E se eu não me importar?
Prendo a respiração enquanto ela acaricia a pele que passei anos
querendo dar a ela. Não parece como nas minhas fantasias, no entanto. Lá,
não temos consequências ou história lutando contra nós.

Mas eu não a impeço, e logo a frente de seu corpo está alinhada com
o meu. Suas curvas pressionadas contra mim enquanto ela emoldura meu
rosto e me força a enfrentar o quero resistir. Eu fui ruim para ela antes. Eu
sou veneno agora. Manchado. Carbonizado. Sujeira humana que... —
Espero que você saiba como é lindo,— ela sussurra. —Você sempre foi,
mas agora?

Eu fecho meus olhos, tentando respirar através da dor de suas


palavras.

—Tristan. Olhe para mim.

Não posso.

Eu não vou.

—Olhe. Para. Mim.

Eu balanço minha cabeça. Ela não sabe. Ela acha que sim, mas não.
Ninguém sabe. O sujo. Como quebrado e desgastado. O calor se espalha em
meus lábios, e fico paralisado pela sensação suave de sua boca. Estranho e
emocionante, me beijando, me abençoando com algo que eu nunca pensei
merecer.
Ela me segura no lugar, aprofundando a conexão com um gemido.
Seus dedos se entrelaçam atrás do meu pescoço para me prender contra ela
enquanto seu beijo suave se torna mais frenético. A fome reprimida me
inunda também, e a apoio contra o balcão, enfiando as mãos em seu cabelo.
Ela tem um gosto tão bom. Mais doce que as framboesas mais maduras.
Intoxicante.

Eu a levanto para o balcão, e ela apoia as pernas atrás das minhas


coxas para me atrair. Ofegante, começa a se balançar lentamente contra
mim. Repetidamente, seus quadris liberam ondas de prazer através do meu
corpo faminto.
——Eu queria você há tanto tempo,— ela respira através de outro
beijo exigente, e sua urgência deixa claro que ela pretende pegar o que quer
agora. Ela agarra minha camisa, e a deixo arrancá-la sobre minha cabeça.
Suas mãos correm pelo meu peito e pelas minhas costas enquanto eu pego
um punhado de seu moletom.

Eu deveria parar com isso. Eu preciso parar. Não está certo. Ela está
com Pierce. Ser um idiota não justifica a traição, e não sou melhor para ela.
Ela merece um príncipe. Nenhum de nós chega perto.

Mas não posso parar. Faz tanto tempo que não sinto nada além de
medo e dor.

Seus dedos arranham minhas costas enquanto ela se contorce contra


mim, provocando onda após onda de calor intenso. Eu já estou duro, e
quando sua palma desliza para a frente e desliza em meu jeans, eu me
rendo. Ela pode me ter. O que ela quer. O que eu queria por tanto tempo.
Nós...

—Eu quero você, Tristan.

—Eu quero você também,— murmuro contra seu pescoço.


—Não, quero dizer de verdade. Eu quero estar junto. Oficialmente.

Eu me encolho e puxo para trás.


—O que?

Seu olhar suave dói quando pousa em mim.


—Eu queria desde que éramos crianças. Tentei te odiar, mas não
consegui. Você estava certo. Eu teria esperado por você. Eu vou te esperar.
Você é isso para mim. Você é o...

—Não.— Eu me afasto, respirando com dificuldade.

—Sei que vai ser difícil, mas vamos conseguir. Nós temos que porque
eu amo...
—Não.

Não ouse dizer!

—Não o quê? Espere, você está bravo? Eu pensei…


Ela não termina, e eu me afasto ainda mais, travando minhas mãos na
minha cabeça.

Coração batendo forte, eu luto contra meus pensamentos acelerados.

Ela me ama? Não não não não.


Não!

Luxúria, tudo bem. Amor? Nunca.

—Eu devo ir. Sinto muito, Iz.


Sua expressão me estripa quando me volto para a porta.

—Você está arrependido? Sente muito pelo que, exatamente?

—Desculpe, eu te beijei, fiz você pensar...


—Você não fez. Eu beijei você.
—Eu não deveria ter te beijado de volta.

—Por que?

—Porque você está com alguém.— Como se esse fosse o motivo.

—Só porque não tenho escolha.

Ela empalidece no segundo que sai.

Eu endureço e deixo cair minhas mãos.

—O que você quer dizer com isso?— Eu pergunto.

Ela balança a cabeça. —Deixa para lá.

—Não importa. O que você quer dizer com não ter escolha? Pierce
está ameaçando você?

Eu pego seu braço enquanto ela tenta escapar, e ela o puxa.

—Não é da sua conta. Você sente muito, lembra?


—Iz...

—Não.— Lágrimas de raiva brilham em seus olhos, e meu peito


parece que está desmoronando.

—Então, o que foi isso agora? Você estava bem brincando comigo,
desde que não houvesse sentimentos envolvidos, é isso? Enquanto eu for
apenas um pedaço de bunda que você pode usar e jogar fora? Você deve
estar com uma grande coceira para depois de quatro malditos anos!
Ela invade o corredor, e eu sinto como se tivesse sido esfolado e
enforcado. A vida se esvai de mim enquanto suas palavras arranham minha
cabeça. Seu ressentimento é justo. Sua amargura e raiva. Eu a machuquei
tantas vezes, é claro que seria brutal depois de lhe dar esperança. É
exatamente por isso que eu não podia deixar isso acontecer. Exatamente por
isso que lutei contra no segundo em que percebi o quão perigosamente
quente nossas chamas ainda queimavam um pela outro. Foi um jogo nos
primeiros dias, mortal desde então.

Fui preso por um crime que não cometi. Isso não significa que foi um
castigo que eu não merecia.
Capítulo Nove

ISABEL

Eu o odeio! Eu odeio ele, eu odeio ele, eu odeio ele!

Já joguei todos os objetos macios que pude encontrar. Agora, estou


apenas batendo meu punho no travesseiro ao ritmo do meu novo hino
favorito: Eu. Odeio. Tristan. Haverford.

Por que estou chorando mesmo? Ele não vale as lágrimas. Ele é
exatamente o que todos pensam. Arrogante, egoísta, insensível e eu o
odeio!
Eu enterro meu rosto no travesseiro, enquanto luto contra o caos
dentro de mim. Arrependimento, culpa, raiva, humilhação... Luxúria.
Porque vamos ser sinceros, aqueles dois minutos que ele foi meu, aqueles
poucos segundos eufóricos de explorar seu corpo quente, esculpido e
inspirar seus beijos viciantes vão me assombrar. Não meus sonhos — ele já
possuía esses — não, isso vai ser pior. Esta será uma constante punhalada,
toda vez que eu tiver que olhar para ele, pensar nele, ouvir seu nome – gah!

Eu odeio ele, eu odeio ele, eu odeio ele!

E o quero tanto que não consigo respirar.

Eu me viro e olho para o teto. Mesmo agora, estou desejando-o, me


esforçando para ouvir evidências de seus movimentos. Apenas a menor dica
de que ele está perto. Ele ainda está no banheiro? Ele se mudou para a sala
de estar? Ele saiu do apartamento?

Um calafrio percorre meu corpo quando penso na última vez que o


deixei fugir. Deus, a devastação completa quando o encontramos. Ele foi
obliterado naquela escada fria, dobrado como se estivesse com dor física, e
ainda não sabemos por quê. Bem, nós imaginamos, mas não realmente. Ele
não vai falar conosco. Kim tentou. Ela me contou sobre a discussão deles
antes de sair para o trabalho, sobre como ele se recusa a obter ajuda,
embora claramente precise dela. O que eles dizem sobre cavalos? Você
pode levá-los à água, mas não pode obrigá-los a beber?

E a pior parte? Eu faria de novo. Sem um pensamento ou fôlego


desperdiçado, eu o beijaria, tocaria, abraçaria, se ele me deixasse. Ele é
minha dor de cabeça e minha fraqueza, e terei que viver com essa tentação a
poucos metros de distância por Deus sabe quanto tempo. Talvez Pierce
estivesse certo. Talvez eu precise me mudar, mesmo que apenas para
preservar minha própria sanidade.

—Eu odeio você, Tristan Haverford,— eu sussurro.

Desejo de todo o coração que isso seja verdade.


 

Eu não falto por motivo de doença há meses, então


não me sinto culpada por ficar em casa hoje. Estou cansada. Exausta, na
verdade, e tenho que decidir o que fazer em relação a Pierce e Tristan, dois
homens que preciso eliminar da minha vida por razões opostas.

Eu mal dormi na noite passada, fato agravado pelo movimento


frequente na sala indicando que ele também não estava dormindo. Isso não
é novidade. O que mudou foi minha reação, como, por um breve momento,
fiquei feliz por ele estar sofrendo. Minha raiva instintiva se regozijando
com seu trauma sentindo que ele merecia tudo o que aconteceu com ele.
Então, me lembrei das cicatrizes em suas costas e da agonia em seu rosto
quando o encontramos embaixo da escada. Como tendo alguns restos
remanescentes do que ele costumava ser, de alguma forma ele foi quebrado
e esvaziado. Ser idiota não justifica o que passou e continua a carregar na
prisão interna escondida que ainda tem consigo.

Não estou orgulhosa da minha breve onda de hostilidade, mas talvez


seja isso que acontece quando a paixão explosiva encontra a rejeição aguda.

É quase meio-dia quando finalmente estou pronta para enfrentar o


mundo fora do meu quarto. Eu nunca fico tanto tempo na cama, mas não
estava pronta para enfrentar Tristan sozinha. Kim saiu para a academia e
depois almoçou com os amigos, não nos deixando margem para um
confronto após o desastre da noite passada.

As coisas horríveis que eu disse a ele afundam no meu estômago


enquanto entro no corredor. Eu sabia que não eram verdadeiros, mesmo
quando vomitados da minha boca, mas naquele momento eu queria
machucá-lo como ele me machucou uma e outra vez. Achei que não poderia
haver nada pior do que ser rejeitada na frente de toda a sua escola. Então fui
rejeitada na frente de um espelho de maquiagem arranhado que me viu
possuir minha obsessão por um segundo fugaz.

Aproximo-me da sala, mas paro no corredor quando ouço sua voz.

—Eles podem fazer isso?— ele diz ao telefone, claramente chateado.


—Foram quase cinco mil dólares!

Do meu ponto de vista nas sombras, eu o vejo se inclinar para frente e


passar a mão no rosto.

—Eu entendo isso, mas... não, eu sei, é só...

Ele balança a cabeça, apertando o telefone com mais força.

—Acho que não,— ele murmura e desliga com uma maldição.


Ele joga o telefone na mesa de centro, depois volta para o sofá e olha
para o teto. Pelo olhar derrotado em seu rosto, ele acabou de receber outro
golpe.

Eu deveria perguntar se está bem. Ele não está

Eu deveria perguntar se posso ajudar. Não posso.

Eu deveria fazer algo reconhecendo sua clara aflição, mas não o faço
enquanto atravesso a sala até a cozinha. Eu sinto sua surpresa nas minhas
costas. Ele provavelmente não sabia que eu ainda estava aqui.

—Você não tem que trabalhar hoje?— ele pergunta.

Olho para a silhueta na porta antes de voltar minha atenção para a


geladeira. A pilha de iogurtes de framboesa me provoca ao estudar os
pequenos recipientes que representam seu grande gesto. Meu coração
derreteu quando os vi e percebi que ele não apenas se importava o
suficiente para notar o que gosto, mas usou um pouco do pouco dinheiro
que tem, comigo. Então sim, mais uma vez me encontrei afundando na
ilusão de que meus sentimentos eram recíprocos, que quando me beijou de
volta havia esperança.

E mais uma vez pareci uma idiota.

—Estou doente,— digo, puxando um recipiente de sopa da prateleira.

—Precisas de alguma coisa?

—O que eu precisaria?

Sinto uma pontada de arrependimento pelo meu tom curto quando ele
desvia o olhar.
—Desculpe. Eu sei que você pode cuidar de si mesma,— ele
murmura, virando-se para sair.

—Tristan, espere.— Eu alcanço seu braço e o puxo de volta.


Seu olhar encontra o meu, e a confusão em seus olhos é demais. Sua
pele é quente na minha mão. Eu quero correr meu polegar sobre seu pulso e
não soltá-lo, por isso que eu o libero imediatamente.

—Quem estava no telefone?— Eu pergunto com uma voz mais suave.

Ele considera minha oferta de trégua antes de soltar um suspiro.

—O banco. Eu tinha uma conta no ensino médio e esperava ter acesso


a ela.

—Mas você não pode?

Ele balança a cabeça.

—Eu era menor quando foi aberta, então está no nome dos meus pais.
Eles fecharam anos atrás, aparentemente. Eu oficialmente não tenho nada
agora. Vai ser difícil pagar minhas multas e taxa de condicional sem nada.

Nada. Ao crescer, eu achava que não tinha nada, mas mesmo no meu
pior, eu tinha mais do que um sofá que não era meu e algumas peças de
roupa. Com minha mãe fazendo Deus sabe o que, às vezes por semanas a
fio, e meu pai desmaiado de bêbado ou chapado no quarto, muitas vezes eu
tinha o resto do trailer para mim. Tecnicamente, nenhum dos pratos e
móveis me pertenciam, mas parecia que eu tinha meu próprio playground
de adulto, quando criança. Meus amigos adoravam -brincar de casinha- e eu
pude brincar de verdade. Meus avós tentaram o seu melhor, mas foi só
quando os Haverfords me incorporaram à família deles, que aprendi a
diferença entre uma casa e um lar.
—Quanto você deve?— Eu pergunto.

Eu nunca pensei sobre as multas que acompanhavam sua sentença.


Ele tem que lidar com isso também?

—Mais de onze mil—, ele murmura. —Além disso, cinquenta por


mês pela liberdade condicional.

—Nossa. Como diabos você vai pagar isso?

—Nenhuma porra de pista,— ele suspira. —Kim está tentando ajudar.


Ela já fez um pequeno pagamento, mas acho que você sabe que ela também
não está exatamente com muito.

—O que acontece se você não pagar?

—Meu Agente de Condicional pode me atingir com uma violação


técnica.

—Sério?— Eu pergunto, meu estômago caindo.

Ele dá de ombros. —Sim, mas eu duvido que ele faça. Brian parece
bem tranquilo. Ele está muito mais preocupado com drogas e violência e
essas merdas. Ainda assim, não estou muito ansioso para testar essa teoria.

Minha frequência cardíaca acelera. Nem eu.

—Bem, Kim disse que você conseguiu um emprego. Isso é ótimo,—


eu digo, forçando um sorriso.

Ele retorna um fraco.

—Sim, eu começo em algumas horas.

—O Shelton's é um lugar agradável. Já comemos lá antes.


—Sim.
Não tenho certeza do que dizer em seguida e limpo minha garganta.
—Eu deveria, hum, terminar de fazer meu almoço.

—Claro. É claro.— Ele se endireita da porta. —Eu vou deixá-lo


sozinha.

Seu olhar trava em mim por tempo suficiente para sugerir algo mais,
mas depois de alguns segundos tensos, ele oferece outro sorriso e
desaparece.

Fechando meus olhos, eu puxo uma respiração profunda. Por que


cada encontro com ele é tão exaustivo?

Porque você quer devorá-lo e bater nele ao mesmo tempo.

Porque você odeia que você o ama.

Acabei de voltar para minha sopa quando ouço uma batida na porta.
Não é o pai dele de novo, é? Barulho na sala me diz que Tristan está se
movendo para atender.

—Onde ela está?— alguém rosna.


Pierce! Merda.

—Uau. Acalme-se, — diz Tristan.

—Não me diga para me acalmar. Isabell!


Meu estômago está em nós enquanto me preparo para a guerra e entro
na sala.

—Ei, Pierce,— eu digo o mais casualmente possível.

Seu rosto fica vermelho de raiva. —Por que você não está no
trabalho? Eu vi seu carro no estacionamento. É para você poder brincar com
ele? — Ele sibila, acenando para Tristan.
Que diabos? Ele é de verdade?

—Não. Eu não estou me sentindo bem.— Não gosto do tremor de


medo na minha voz.
Eu nunca o vi tão bravo e dou um passo para trás.

—Você está doente,— ele zomba. — Certo. Você disse que estaria
ocupada hoje. Ocupada transando com ele, você quis dizer.

—Ei!— Tristan late, movendo-se entre nós. —Não fale com ela desse
jeito.
—Fique fora disso, idiota. Você já causou dano suficiente.

—Que tal você simplesmente ir embora? Na verdade...— Tristan olha


para mim. —Você quer acabar? Você pode acabar com isso agora. Basta
dizer a palavra.

Acabar. Uma palavra tão simples. Uma vibração de alívio passa por
mim com o pensamento de ser livre. Isso deve ser o suficiente para uma
resposta.
Olho de volta para Pierce, que está fervendo. Sua ameaça no outro dia
permanece tóxica entre nós. Tristan cumpriu quatro anos por alguém que
amava. O que estou disposta a fazer?

Dou outro passo para trás e não percebo o quanto estou tremendo até
o olhar de Tristan pousar em minhas mãos. Ele se concentra de volta em
Pierce, bloqueando-o da vista.

—Você deveria ir,— diz ele. —Agora.

—Você não pode me obrigar. Você nem mora oficialmente aqui.


—Eu posso, na verdade. Pergunte ao Estado da Pensilvânia. Vá ou
chamaremos a polícia.

—Faça isso,— Pierce provoca. —Eu ficaria feliz em contar a eles


sobre todas as violações de condicional que testemunhei.

—Eu não fiz merda nenhuma. Você não tem provas.

—Não?

Antes que eu saiba o que está acontecendo, Tristan está cambaleando


para trás.
—E essa briga?— Pierce zomba, empurrando-o.

—Pare com isso!— Eu grito, mas Pierce nem me ouve.

—Bata-me, seu filho da puta!— ele grita para Tristan.


Tristan apenas se endireita e olha para ele, sua bochecha já inchando.

—Bata em mim!— Pierce repete, empurrando-o novamente.

Tristan balança a cabeça. — Você adoraria isso, não é?


Pierce ruge e se lança para ele, e eu grito quando ele acerta outro
golpe no rosto de Tristan. Eu corro para frente, mas Tristan levanta a mão
com um olhar de advertência. Estou furiosa quando ele calmamente se
levanta como se não tivesse intenção de revidar. O que ele está fazendo?!

—Bata em mim!— Pierce grita. —Ou você é a buceta que todo


mundo diz?

—Não vai acontecer,— Tristan diz uniformemente.

Pierce corre para ele com um rosnado, desta vez derrubando-o no


chão.
—Pare!— Eu grito, me jogando em Pierce.

Eu puxo seu braço, mas ele me afasta com um rosnado. Tristan tenta
se levantar, mas Pierce o manda de volta ao chão com um chute forte nas
costelas. Eu grito e empurro meu futuro ex o mais forte que posso.

Graças a Deus a porta se abre, interrompendo a cena violenta.

—O que diabos está acontecendo?— diz Kim.

Seus olhos se arregalam quando ela vê seu irmão, mas seu choque
rapidamente se transforma em fúria.

—Fora!— ela grita com Pierce. — Agora. Fora!

—Tudo bem, mas Isabel vai comigo—, ele retruca.

—Com diabos ela vai. Saia e nunca mais volte.


—Obrigue-me! Seu irmão idiota certamente não vai.

Os olhos de Tristan estão em chamas enquanto ele estuda seu inimigo.


Por que não revidou? Eu sei que ele poderia.

—Estou ligando para a polícia,— diz Kim, pegando o telefone.


Pierce examina sua vítima antes de lançar um olhar duro para mim.
Sua atenção muda para Kim, que levanta o telefone em advertência.

—Isso não acabou,— ele sibila, apontando para mim.

Depois de bater o pé no sofá, ele atravessa a porta e a bate atrás dele.


—Estou chamando a polícia de qualquer maneira,— diz Kim.

—Não! Não,— Tristan diz, agarrando o encosto do sofá para se


firmar.
Corro para ajudá-lo, mas ele me empurra para longe enquanto tenta se
endireitar.

—Estou bem—, ele murmura.


—Sim? Você parece bem,— eu retorno. —É por isso que você não
consegue nem se levantar?

Ele olha para mim, e cruzo os braços em desafio.

Agarrando seu lado, ele quer ficar de pé. Eu posso ver o comando
irradiando de seu cérebro teimoso.

—Isso já foi longe o suficiente—, Kim retruca. —Alguém precisa


acabar com esse bastardo.

—Não—, Tristan repete.

Ela o encara incrédula. —Não podemos deixá-lo escapar dessa. Se os


papéis fossem invertidos, ele não hesitaria em te algemar.
—Exatamente. Por favor—, diz ele, implorando desta vez.

Meu coração dói ao vê-lo lutar contra a dor e outra coisa. É outra
coisa que me deixa no limite.

— Então por que você não fez nada? Kim pergunta. —Eu conheço
você, Trist. Pierce não estaria andando se você tivesse se defendido. Por
que você deixou ele te machucar?

Boa pergunta.

Sua expressão endurece, e... oh meu Deus.

—Ele não pode revidar—, eu digo, sentindo-me doente. Kim aperta os


olhos para mim e, quando sinto o olhar de Tristan, sei que estou certa. —
Ele nunca teria o benefício da dúvida em um debate ele-disse-eu-disse. Ele
não poderia dar a Pierce nenhuma lesão para exibir como prova.

Eu odeio a gratidão silenciosa de Tristan. Nada sobre isso está certo.


—Mas você pode corroborar a história dele!— Kim argumenta.

—Contra um Harrison? Nesta cidade?— Eu digo. —Você sabe que


não temos chance contra alguém de The Hills. Especialmente, o filho de
Randall Harrison, o rei da defesa criminal.

Kim resmunga de frustração e enfia o telefone de volta no bolso. —


Isso não está certo. Aquele idiota não deveria ser capaz de fazer o que quer
só porque tem dinheiro.

Ela não está errada. Mas também não está ajudando.

—Você está bem?— Eu pergunto a Tristan enquanto ele se equilibra


em seus pés.

—Tudo bem—, ele mente.

—Vamos limpar você—, diz Kim, indo em direção à cozinha.

—Estou bem—, ele retruca.

Há uma dureza em seu rosto que eu nunca vi, e estremeço com a


mudança. Por alguns segundos, não reconheço nenhum dos garotos
artísticos por quem me apaixonei. Vejo um homem desapegado e
impenetrável.
—Você está muito machucado—, diz ela, alcançando sua bochecha.

Ele se afasta e balança a cabeça.

—Vamos, Trist. Pelo menos um pouco de gelo.


—Estou bem. Apenas…

Ele levanta as mãos para nos manter longe, e eu lanço um olhar


impotente para Kim enquanto ele manca pelo corredor. Ouvimos a porta do
banheiro se fechar. Água correndo.
—O que diabos aconteceu?— ela pergunta, exasperação em sua voz.

Não tenho ideia de como responder a isso. —É complicado.

—Obviamente. Dê-me fatos.


—Tudo bem—, eu suspiro. —Pierce entrou, armas em punho. Ele
deve ter visto meu carro no estacionamento e sabia que eu estava aqui. Ele
me xingou. Tristan interveio. Você entrou.

Seus olhos brilham quando travam em mim. —O fato de que ele a


perseguiu no estacionamento para checá-la é fodido. Você entende isso,
certo?

Eu engulo uma onda de náusea. —Ele provavelmente estava apenas


na área.
—Certo, ele estava na Comunidade Cedar Lake Apartment? Agora
que você mencionou, ouvi dizer que o herdeiro do império da Advocacia
Harrison estava entregando comida para viagem.

Eu reviro os olhos.

—OK tudo bem. Sim, é estranho e estou apavorada, mas o que devo
fazer?
—Uh, que tal uma medida para uma ordem de proteção?

—E como faço isso sem trazer Tristan pagar?


Ela se acalma, mas não sinto satisfação em vencer esse debate
terrível.

—Ele apenas ficou lá, Kim—, eu digo baixinho. —Apenas ficou


parado. Como se ele já tivesse feito isso antes.
Kim desvia o olhar, apertando o queixo. —Eu sei. Toda vez que eu
visitava…

Quando ela encontra meu olhar novamente, lágrimas enchem seus


olhos.

—Isso será o resto de sua vida? Isso é tudo o que ele tem que esperar?

Eu quero dizer não. Eu quero um monte de coisas que não são


verdade.

—Eu vou ver como ele está,— eu digo suavemente.

—Não é justo—, ela sussurra, procurando meus olhos. —Deveria ser


eu.
Eu mordo meu lábio para controlar uma súbita onda de raiva. Eu a
amo, mas sim. Deveria ser. Deveria ser suas costas marcadas com
cicatrizes, seus olhos vazios e assombrados, seus pesadelos torturando-a no
escuro. Deveria ser ela que não consegue um emprego, uma pausa ou um
momento de alívio, mas recebe muitos abusos abertos a cada momento.
Deveria ser sua vida que terminou antes de começar, seu corpo e alma se
contorcendo em um inferno do qual ela não pode escapar.

Eu ainda acho que eles precisam dizer a verdade, mas não é a minha
verdade para dizer.

—Vou pegar gelo—, digo, indo em direção à cozinha.


Pego uma toalha e um saco de legumes do freezer antes de ir para o
banheiro. Não me surpreendo quando a voz interior me diz para ir embora.

—Você sabe que eu posso passar pela fechadura—, eu chamo de


volta.
—Não está trancado—, ele retorna.

Eu tomo isso como um convite rude para entrar. Seu olhar deixa claro
que não era. Ele volta sua atenção para o espelho e continua encarando seu
próprio reflexo. Sua camisa está amontoada no chão, e eu respiro no vergão
no peito do sapato de Pierce.

—Kim está certa. Pelo menos gelo seu olho para que você não acabe
com uma contusão visível.

Seus dedos apertam a borda do balcão enquanto ele se inclina, cada


músculo da parte superior de seu corpo ensinado e exposto.

—Você quer ter que explicar seus ferimentos para seu novo chefe?—
Eu pergunto, mudando de tática.

Talvez funcione quando ele exala mais ou menos.


—Tudo bem—, ele murmura, pegando o saco de gelo improvisada da
minha mão. Ele o segura ao lado de seu rosto, e eu me encolho em seu
nome.

Isto é culpa sua.

Não é.
É isso?

—Você não deveria ter feito isso—, eu digo.

—Feito o que?
—Enfrentar Pierce. Deixar que ele te machucasse.

—Eu deveria ter deixado ele te machucar? Agora você acredita em


mim sobre ele? Conheço monstros quando os vejo, Iz. Confie em mim.
Meu coração aperta com a implicação quando seus olhos escuros
encontram os meus. Quantos ele enfrentou? Quantos ele enfrentaria por
mim? Eu sei a resposta e eu odeio isso.

—Você poderia tê-lo nivelado —, eu digo, segurando seu olhar.

—Facilmente.
—Ele nem sempre foi assim.

—Ele é. Ele apenas escondeu isso de você.

—Você se arrepende de ter me beijado?


Ele se encolhe de surpresa. —Sim.

—Você está mentindo.—

Seu queixo aperta.


Eu me aproximo, mas ele não recua.

Ele sibila em uma respiração quando eu corro meus dedos sobre as


marcas do seu lado, mas ele não me impede. Eu arrasto meu toque em seu
peito, apreciando o calor sólido de seu corpo no caminho para seu rosto.
Meus dedos roçam a barba por fazer em seu queixo antes de cobrir sua mão
segurando o bloco de gelo no lugar. Eu abaixo o gelo enquanto meu olhar
afunda em seus lábios.

—Eu não me arrependo—, eu digo suavemente. —Na verdade, não


consigo parar de pensar nisso.
Eu encontro seus olhos novamente, e meu coração dispara com a
fome que me ataca.

—Eu sonhei com isso ontem à noite—, eu digo, correndo meu dedo
sobre seu lábio inferior. Eu estudo o movimento com precisão cuidadosa. —
E agora, eu fantasio sobre isso.
Seu olhar está queimando quando eu olho para cima novamente.

—Eu não sou bom para você, Iz —, diz ele com uma voz rouca. —Eu
não era antes. Eu sou veneno agora.

Meu estômago vibra com suas palavras contra meus dedos. Como
seria o resto dele? Agora que comecei, nunca mais quero parar de tocá-lo.
—Hmm...— eu digo, fingindo pensar. —Outra coisa que você não é.
Vou adicioná-lo à lista.

O mais leve sorriso surge através da nuvem escura em seu rosto.


Essas covinhas... nem mesmo justas. Eu espalhei minha palma sobre uma
delas, acariciando o lado direito de seu rosto.

Ele fecha os olhos e se inclina para o meu toque. O calor de sua pele e
o raspar da barba de dois dias são tão incríveis, tão certos. Como ele não é
meu?

—Eu pensei que você me odiasse—, diz ele, encontrando meu olhar
novamente.

—Eu faço.

Seu sorriso se transforma em um sorriso malicioso, mas desaparece


quando eu corro meu polegar sobre o arco suave de seus lábios. Depois de
uma pausa escaldante, ele se afasta e eu deixo cair meu braço com um
suspiro.
—Você precisa de uma carona para o trabalho hoje?— Eu pergunto.

—Seria ótimo. Obrigado.


Eu concordo. —Deixe-me saber a que horas.
Capítulo Dez

TRISTAN

Eu estava constrangido por aparecer no meu primeiro dia no Shelton


parecendo que tinha caído no caminho? Não particularmente, mas até agora
ninguém deu muita importância à marca vermelha ao redor do meu olho.
Recebi alguns olhares, mas é impossível dizer se são por causa de novos
hematomas ou antigos. Pelo menos os piores dos meus ferimentos não são
visíveis sob a camisa do meu uniforme.

É estranho pensar que este é meu primeiro trabalho de verdade, mas


tenho a sensação de que estou prestes a encontrar muitas estreias que virão
mais tarde para mim do que a maioria das pessoas. No ensino médio,
esportes e clubes ocupavam todo o meu tempo, então, enquanto eu cumpri
meu dever como atleta estrela (e aluno aceitável), meus pais cobriram
minhas despesas. Tecnicamente, trabalhei enquanto estava na SCI
Burlington, mas isso parece completamente diferente. Então, sim, para
todos os efeitos, Stacie é minha primeira chefe e Shelton é meu primeiro
local de trabalho não pertencente ao estado.

—Boa noite. Eu sou Mandie, e este é Tristan. Ele está me seguindo


hoje. Você decidiu por bebidas ou um aperitivo?
O jovem casal sorri e faz seu pedido, assim como todas as outras
mesas diante deles. Duas horas depois, e nenhum drama ainda. Isso tem que
contar como uma vitória, certo?

Sigo Mandie até a estação de pedidos, onde ela insere o pedido de


uma amostra de bolinho na tela sensível ao toque como se fosse algum
segredo nuclear.
—Você tem que ter cuidado porque o botão ‘um’ gruda e você não
quer acabar com onze. Ou cento e onze—, acrescenta ela com uma risada.

Eu sorrio de volta. —Entendi. Então o suco virá da cozinha, mas a


cerveja virá de...

—Oh meu Deus. Tristan?

Meu estômago cai com a voz familiar, e olho para trás para
encontrar... Candace?

O cara ao lado dela não é Trey, então acho que esse romance de conto
de fadas não deu certo.

—Ei, Candace. Como você está? Oi, eu sou Tristan,— eu digo para o
cara em frente a ela.

Ele estende a mão. — Joe.

Eu agito e me concentro de volta na minha ex.

— Quando você saiu? — ela pergunta.

Eu engulo meus nervos, encolhendo-me por dentro com a pergunta


recorrente. Talvez eu devesse começar a usar uma placa com todos os dados
pertinentes. Um boletim informativo?

Mesmo sabendo que está na minha cabeça, parece que o restaurante


inteiro congelou em antecipação à minha resposta. A vergonha toma conta
de mim quando enfio as mãos nos bolsos traseiros.

—Hum, apenas alguns dias atrás, na verdade.

—Você deve estar feliz por estar em casa.

Ela parece sincera sobre sua resposta também comum, então tento
retribuir alguma aparência de —alegria— em seu benefício.
—Sim. Você tem um filho agora?— Eu pergunto, apontando para a
criança na cadeira ao lado dela.

Ela sorri. —Eliza. Ela fará dois anos em maio.

—Isso é ótimo. Estou feliz por você.

—Nós precisamos ir,— Mandie sussurra atrás de mim.

Eu dou a Candace um olhar de desculpas. —Desculpe. Eu deveria


voltar ao trabalho.

—É claro. Boa sorte com tudo!

Eu aceno de volta e me viro para seguir Mandie.

—Meu ex,— Candace diz em voz baixa. —Ele matou alguém. Louco,
certo?

—Droga—, diz o homem.

Eu sinto seus olhares nas minhas costas, junto com todos os outros
enquanto nos afastamos. Até Mandie está me olhando estranhamente em
nosso caminho para o bar para pegar um pedido.

Ela não diz nada enquanto pega as bebidas para uma de suas mesas,
mas é difícil não notar que ela está deixando muito mais distância entre nós
do que antes.

—Leve isso para a Mesa Oito,— ela diz em um tom cortante. —


Aquele da janela.

Eu pego a bandeja. —Devo ver se eles estão prontos para pedir?

—Não. Você ainda não está liberado para isso. Basta entregar as
bebidas.
Eu forço uma respiração profunda através da repreensão e me viro
para entregar as bebidas.

—É verdade—, eu a ouço dizer ao barman.


Bem, foda-se.
 

—Você não deveria estar fumando?

Olho para minha colega de trabalho enquanto ela se encosta na parede


ao meu lado. Leah, acho que o nome dela é.

—Com licença?— Eu digo.


É meu último intervalo da noite e gostaria de poder dizer que meu
primeiro dia de trabalho foi um sonho. Não foi exatamente um pesadelo —
pelo menos, não como eu conheço pesadelos — mas os olhares sussurrantes
e desagradáveis de funcionários e clientes não foram ótimos para minha
confiança. É por isso que fico tenso com o comentário dela até que ela me
examina com um olhar divertido.

—Você é um criminoso, certo?— ela diz, acenando para mim. —


Então, você não deveria estar remoendo todo duro em sua jaqueta de couro,
cabelo penteado para trás... talvez um cigarro pendurado em seus lábios
carnudos?

Eu dou uma risada. —Isso é 1950?

Ela sorri e dá de ombros. —Ei, você é quem roubou um banco e


assassinou um ônibus cheio de freiras.

Eu engasgo com a água que acabei de engolir. —Eu sinto muito?


—Ou eram órfãos? Os detalhes ficaram nebulosos no momento em
que foram passados para a décima pessoa.— Ela inclina a cabeça e franze a
testa. —Espere. Então você não matou um ônibus cheio de gente?

—Desculpe por desapontá-la.

—Droga. Eu estava pronta para postar a atualização mais foda de


todos os tempos na minha história para hoje.

Eu rio novamente e balanço a cabeça.

—Então, o que você realmente fez? Espere, você não cortou a


etiqueta Não remova sob pena de lei em um colchão, não é? Esse aviso não
poderia ser mais claro, Tristan.

—Não exatamente—, eu digo, ainda sorrindo. Cara, é bom conversar


com alguém sem ser despedaçado. É quase como se eu fosse um ser
humano real.

—De qualquer forma, desculpe, provavelmente foi rude da minha


parte perguntar. Você não precisa me dizer. Você é apenas o primeiro
criminoso de verdade que eu conheci.

Ela está certa. Eu não tenho que dizer a ela, mas ela vai descobrir
antes que a noite acabe de qualquer maneira.

—Bata e corra—, eu digo, chutando o cascalho abaixo de nós.

—Sério? Droga.

—Sim.

O clima se acalma, e eu espero que ela dê uma desculpa para sair.


Aposto que ela está se arrependendo de ter dado uma pausa ao mesmo
tempo que eu. Ela definitivamente está se arrependendo de ter falado
comigo.

—Foi com um ônibus?

Meu olhar se volta para ela com surpresa, e vejo um sorriso se


espalhando em seus lábios.

—Não. Apenas um carro comum.

—Ah. Bem, tudo bem.

—Você está desapontada?— Eu pergunto com uma risada.

—Quero dizer... seria uma história melhor.

—As pessoas não precisam da verdade para contar histórias. Você


pode inventar o que quiser. Estou surpreso que você não conheça esta da
tradição local. Em que ano você se formou?

—Acabei de me mudar para cá há três anos.

—Ah. Isso explica. Bem, um conselho? Não seja legal comigo. Eles
vão te odiar também.

Ela franze a testa, e eu inclino minha cabeça contra a parede.


—Foi um acidente?— ela pergunta depois de uma pausa.

—Claro—, eu digo baixinho.

—E eles mandaram você para a prisão por isso?

—Eles determinaram que era o resultado de condução imprudente.


Além disso, eu tinha uma licença suspensa, entre outras coisas. Você ficaria
surpresa com quantas leis você pode quebrar com uma ação.

—Oh.
—Sim.

—Isso foi estúpido da sua parte.

—Sim.

—Aposto que você se sente mal por isso.

Mal?

—Fodidamente horrível—, eu digo em uma expiração.

Ela assente e fica quieta.

Enfio minhas mãos congeladas nos bolsos enquanto olho para o


estacionamento. Engraçado como não cometer o crime não aliviou
nenhuma culpa.

—Não leve a mal, mas você é um criminoso decepcionante.

Eu olho para ela com diversão. —Sim?

Ela torce o nariz. —Você é legal demais. E fofo. Tipo, muito fofo,
mas não crie expectativas. Eu tenho um namorado.

Eu sorrio e balanço a cabeça.

—Anotado—, eu digo. —Ele é um cara de sorte.

—Ele é, não é?— Ela cruza os braços. —Na verdade, se eu lhe der o
número dele, você pode dizer isso a ele?

Eu sorrio e me acomodo contra a parede. —Você acha que é uma boa


ideia um cara aleatório mandar uma mensagem para o seu namorado sobre
você?

—Sim. Isso o manteria na ponta dos pés. Especialmente, se aquele


cara fosse um criminoso endurecido. Você pelo menos anda de moto?
—Não.

—Droga.
 

Estou exausto quando caminho os últimos 800 metros


do ponto de ônibus e subo os seis lances de escada até nosso apartamento.
Com todo o drama de Pierce e o estresse de um novo trabalho, parece que
três dias foram embalados em um.

O apartamento está escuro quando empurro a porta da frente. Kim


deve estar no trabalho e Isabel deve estar dormindo, mas não me importo de
voltar para casa em silêncio. Não tenho interesse em ser interrogado sobre o
estado dos meus ferimentos ou sobre meu primeiro turno de montanha-
russa no Shelton's. No geral, foi realmente melhor do que o esperado, e
talvez esse seja o problema. Quando suas expectativas são tão baixas,
melhor é uma perspectiva deprimente.
Pego minha última calça de moletom limpa e vou para o banheiro
para um banho rápido antes de dormir. Talvez eu realmente consiga dormir.
Até os demônios devem se cansar de seu constante tormento e precisam
fazer uma pausa, certo?

Eu tiro meu uniforme e franzo a testa para a imagem no espelho.

Olhos cansados me encaram de um reflexo que estou odiando mais a


cada dia que passa. Não é que eu pareça diferente, é que eu não sou. Nada
mudou desde que saí da SCI Burlington, e agora voltei a ser marcado pelos
sinais reveladores de violência que definiram meu tempo atrás das grades.
A frustração ferve em meu peito. Raiva e exaustão. Memórias brutais
vêm correndo, e eu aperto meus olhos para bloqueá-las. Mas não funciona.
Isso nunca acontece, porque nada interrompe o eco uma vez que ele
começa. As provocações cruéis, o gosto metálico do sangue, o medo
paralisante de saber que é o começo e não o fim.

Meus dedos ficam brancos ao redor da borda do balcão.

Achei que os monstros ficariam naquela cela quando eu saísse. Eu


ganhei a guerra, não ganhei? Construi uma fortaleza mental forte o
suficiente para sobreviver e se tornar um ser humano funcional. Então, por
que parece que estou mais vulnerável do que nunca? Como você luta contra
fantasmas do passado com a intenção de assombrar seu presente? Como
você deve se curar quando você é a doença?

Eu me afasto do balcão e abro a torneira do chuveiro. Kim finalmente


me mostrou o segredo para controlar a temperatura desse antigo aparelho.
Observo o jato borrifar as paredes e o chão da banheira enquanto aquece.
Chuveiros podem ser um saco misto para almas ansiosas – às vezes um
oásis de alívio, outras vezes uma armadilha sufocante para um cérebro
cativo. Qual será este? Eu nunca sei até que o mundo exterior se dissolva
sob a torrente protetora.

Depois de tirar minha cueca, passo por baixo do spray e fecho os


olhos.

A água quente pica quando atinge minhas feridas, mas uma vez que
me adapto à dor, estou livre para aproveitar o calor em cascata. Houve um
tempo em que um banho quente era o ponto alto do meu dia, mas isso foi
antes de eu ser carbonizado com o que sou agora. Minha cabeça já está
girando, o que significa que estou em um curso perigoso se não me distrair
o mais rápido possível. A limpeza de hoje terá que ser rápida.

Acabei de ensaboar meu corpo quando alguém bate na porta.

—O que?— Eu chamo.
—Posso escovar os dentes?— Isabel grita de volta. Pela proximidade
de sua voz, ela deve ter aberto a porta.

—Claro—, eu digo.

—Obrigado. Eu vou demorar apenas um minuto.

Não estou em condições de lidar com mais coisas agora, então me


concentro em me enxaguar para distrair meu cérebro do fato de que estou
completamente nu com Isabell a poucos metros de distância. Eu tenho tido
muitos pensamentos proibidos sobre essa mulher ultimamente.

—Afaste-se—, ela avisa.


—Huh? Ah!

Eu recuo quando a água fica escaldante.

—Eu te avisei.
Na verdade, não.

Ela fez isso de propósito? Ela ainda está brava comigo? Acho que eu
estava acabado de qualquer maneira.

Eu alcanço a corrente fervente e desligo a água.


—Você pode me passar minha toalha?

Alguns segundos depois, uma toalha azul pende do lado de fora da


abertura da cortina do chuveiro.

—Obrigado.

Eu o agarro de sua mão e corro sobre minha cabeça antes de prendê-


lo em volta da minha cintura. Abrindo a cortina, saio da banheira e vou para
o tapete.
Isabell olha da pia e... merda. Ela parece um maldito sonho molhado
com o menor short de dormir e top já feito. Seus olhos permanecem
grudados em mim também, e eu sinto seu toque remoto em cada centímetro
de pele exposta. Quando seu olhar pousa na borda da toalha em meus
quadris, eu sei que estamos na merda.

Ela morde o lábio e não consigo me mexer enquanto ela me estuda no


silêncio escaldante.

—Você não deveria estar me olhando assim—, eu digo. Eu estava


indo para brincalhão, mas meu tom sai exigente em vez disso.

Seus olhos brilham quentes, o oposto do que eu estava tentando.

—Você não deveria estar olhando para mim assim—, ela responde.
Ela não está errada. Eu só... não posso evitar. Eu também não posso
evitar a reação do meu pau quando a atenção dela diminui. Não é bom.

—Você está quase terminando?— Eu pergunto, interrompendo sua


competição de olhar com minha ereção.

—Oh. Hum... certo.


Suas bochechas coram enquanto seu olhar viaja de volta pelo meu
corpo. Uma carranca se instala em seu rosto quando roça meu peito.

—Parece pior—, diz ela.

—As contusões sempre curam. Vai parecer ainda pior amanhã.

Seus lábios pressionam juntos, e eu me preparo para uma palestra.

—Lamento que isso tenha acontecido—, diz ela em vez disso.

Surpreso, encontro seu olhar. —Está bem.


—Não, não está.

Eu desvio o olhar e dou de ombros. —Realmente, está tudo bem.


Estou acostumado com isso.
—Besteira.

Eu olho para seu tom áspero e encontro seus olhos se estreitando com
raiva. —Não se atreva a me dar essa porcaria—, diz ela, olhando para mim.

—Iz, apenas...
—Não. Você não pode desculpar um ataque porque está acostumado.
Os crimes não são definidos por alguma falsa escala de vitimização. O que
está errado está errado, seja a primeira ou a centésima vez. Seja você um
escoteiro ou um criminoso ao longo da vida.

Meu peito está apertado enquanto suas palavras se acomodam ao meu


redor. Ela não tem ideia de quão forte ela está batendo agora, como minha
cabeça está bagunçada pela vitimização que ela não poderia imaginar.

—Quantas vezes?— ela continua quando eu não respondo.


—O que?— Eu pergunto, mesmo que meu estômago já esteja doente
com a resposta.

Ela cruza os braços. —Você está acostumado com isso, certo? Então,
quantas vezes você praticou ser agredido?

Eu balanço minha cabeça, encontrando minha raiva novamente. —


Que diabos você está falando?

—Você sabe do que eu estou falando. Vamos ouvir, Tristan. Quantas


vezes uma pessoa tem que ser machucada antes que não conte mais?

—Isso é estúpido—, murmuro, passando por ela.


Ela agarra meu braço e me gira de volta.

—Cinco? Dez? Cem?

Eu puxo meu braço e olho para ela. —O que você está tentando
provar?

—Por que você não me responde?

—Porque não é da sua conta!

—Não? Bem, ‘está acontecendo na minha frente’, então, por sua


definição, é da minha conta.

—Você sabe que não foi isso que eu quis dizer.

—Isso é exatamente o que você quis dizer. A regra simplesmente não


se aplica a você, aparentemente. Você pode bancar o herói e o mártir o dia
todo, mas não temos permissão para cuidar de você, lutar por você e
protegê-lo, é isso? Por que você não consegue dormir, Tristan? Que
monstros estão esperando por você no escuro? Quem diabos é Felton?

Oh Deus.

Não consigo respirar quando volto para a porta.

—Eu não vou fazer isso—, eu cuspo, tateando atrás de mim para
pegar a maçaneta. Eu a abro e fujo para o corredor.
—Quem é Felton?— Isabell me chama enquanto me afasto.

—Pare!— Eu grito de volta.

—Por que você não pode responder a uma pergunta simples?— ela
retorna, tão chateada.
—Porque não tem nada a ver com você!
—Tem tudo a ver comigo como alguém que se preocupa com você.

—Se preocupa? Você me odiava até dois dias atrás.


—Isso não é justo, e você sabe disso—, ela grita, correndo atrás de
mim.

Ela está certa. Não importa.

—Já cansei de falar sobre isso.


—Cansou? Você nem começou a falar sobre isso!— ela chora, me
encurralando na sala de estar. Não tenho para onde ir enquanto ela bloqueia
o corredor, e me preparo para a batalha.

—E eu não vou falar sobre isso. Por que você não pode simplesmente
aceitar isso?

—Porque a dor não desaparece magicamente ignorando-a! Tudo o


que você está fazendo é dar mais poder.

—Por que? Porque não vou compartilhar meu trauma com você?

—Porque você não vai compartilhar isso com você mesmo!

O golpe bate baixo e forte. Não consigo falar enquanto olho para ela,
sugando o ar fraturado.
—Você está se mantendo trancado em uma prisão emocional, e isso
vai quebrar você, Tristan—, diz ela, mais suave. —Isso vai quebrar você.

Não importa se ela está certa, porque eu não quero essa conversa.
Não, não isso. Eu não posso lidar com essa conversa.

Sua raiva derrete ainda mais quando ela dá um passo à frente.


—Tristan, por favor.
Eu balanço minha cabeça e dou um passo para trás.

—Você vai apenas...


—Eu não vou fazer isso, Isabel.

—Por favor, apenas...

—Não!— Eu me viro e pego minhas roupas, apenas para perceber


que minhas calças de moletom ainda estão no banheiro. Porra!
Eu tremo com a pressão no meu braço e giro para trás em terror.

Porra, porra, porra!

—Ei. Está tudo bem — diz Iz, erguendo as mãos. Ela dá um passo
hesitante como se estivesse se aproximando de um animal ferido. —Eu
sinto muito. Você tem razão.
Respirando com dificuldade, eu acompanho cada movimento dela
com vigilância aguda. Meu pulso bate em meus ouvidos, e eu
instintivamente dou um passo para trás quando ela se move novamente. Ela
para, a dor nublando seu rosto com a minha reação. Para mim ou para ela?
Não importa. Vou me acalmar.

Respire, Tristan. Que diabos está errado com você?

—Eu quero dizer isso—, diz ela suavemente. —Você tem razão. Se
você não está pronto para falar sobre isso, então não é o momento certo.
Eu balancei minha cabeça, irritado com a coisa toda. Essa merda é
exatamente porque eu não quero falar. Não há nada a dizer. Nenhuma
palavra vai consertar o que aconteceu. Nenhuma palavra fará com que os
pesadelos parem e o reflexo que eu odeio desapareça. As palavras são um
desperdício de energia melhor usado para a sobrevivência.
—Eu só... não posso—, eu digo, implorando a ela.

Ela oferece um sorriso triste. —Eu sei. Está bem.


É isso? Pode ser. Não sei.

Eu fecho meus olhos e respiro através da dor no meu peito.

—Boa noite, Tristan—, diz ela suavemente.


—Boa noite—, eu forço para fora.

Mas nenhum de nós sai, e quando abro os olhos para encontrar a


mulher mais linda que já conheci, não quero que ela saia. Não quero ficar
sozinho agora, e quanto mais tempo ficamos em silêncio, mais a energia na
sala começa a mudar.

Seus olhos mudam enquanto ela me examina. A minha também deve,


porque de repente o fogo que acende minhas veias não é de raiva. Não é o
medo que me deixa rígido e alerta. É algo muito mais perigoso, muito mais
tentador e viciante.

E desta vez não consigo me forçar a correr.


 

 
Capítulo Onze

ISABEL

É errado eu estar olhando para Tristan como estou.

Com tudo o que aconteceu, eu deveria estar fazendo chocolate quente


para ele, não querendo arrancar aquela toalha de seus quadris. Mas
acabamos de estabelecer que a vida não é justa e o universo está
desequilibrado, então me perdoe por pensar que a pessoa que eu deveria
estar abraçando nu e em cima de mim não me pertence.

Dou outro passo em direção a ele, encorajada pela mudança repentina


em sua expressão.
—Eu quero ficar com você—, eu digo.

Ele engole em seco, e estou hipnotizada pelo movimento de sua


garganta. Anseio por espalhar minha palma sobre ele, apertando apenas o
suficiente para fazer seus olhos incendiarem como fogo. Ele sente isso
também, essa tensão repentina nos arrastando juntos. Eu sei que ele sabe.

—Você foi meu primeiro, você sabia disso?— Eu pergunto,


procurando em seu lindo rosto em conflito.

—Seu primeiro o quê?

—Meu primeiro orgasmo.

Ele solta um suspiro. —Iz...

—Era você na minha cabeça quando eu descobri.

Eu dou outro passo.

Sua testa franze, mas ele não se move desta vez. —Você não está
bravo comigo? Um minuto atrás você estava gritando comigo.
—Eu estava desafiando você.

—Existe alguma diferença?

—Uma grande diferença.

—Qual é?

—Uma leva a uma discussão. A outra leva a... isso.

—E o que é isso?

Ótima pergunta. Não tenho uma resposta, exceto que, de repente, não
consigo pensar além da maneira magistral que cada um de seus abdominais
definidos se entrelaça com o próximo. Oito, pelas minhas contas, ainda
brilhando molhado de seu banho. Uma gota de água escorre pelo sulco entre
seus peitorais, queimando as chamas realistas que consomem o lado
esquerdo de seu peito. Eu o traço com meus olhos, desejando fazer o
mesmo com meu dedo. Ou minha língua. Ou... Deus, eu nunca quis tanto
tocar em algo na minha vida. Eu preciso. Apenas o menor sabor para domar
o fogo. Eu posso explodir se ele não me deixar nos próximos dez segundos.

—Esta é uma má idéia—, diz ele quando eu dou um passo mais perto.

—Muito ruim—, eu digo.

—OK, então…

Ele não termina quando meus dedos pousam em seu abdômen. Claro
que ele parece como uma fantasia, pedra quente e cumes tentadores. Eu
quero mais. Preciso disso. Eu pressiono mais forte, amando como seu corpo
responde a mim.

—O que você está fazendo?— ele pergunta em um tom de


advertência.
—Tocando em você—, eu digo, arrastando meus dedos ao longo da
pele sensível logo acima da toalha.

Sua expressão é torturada enquanto eu contorno cada músculo com


precisão lenta. Listras quentes irradiam por todo o meu corpo. Eu cavo
mais, massageando lentamente para tirar um belo tormento de seu rosto. Ele
solta um suspiro trêmulo, e eu sei que ele está sofrendo tanto quanto eu.
—Tudo bem, mas...

—Você quer que eu pare?— Eu levanto meu olhar para o dele,


provocando-o com tudo o que sei que ele quer. Como eu disse, não é justo,
e não me arrependo.

—Eu deveria querer que você pare —, diz ele calmamente.

—Mas você não quer?

Eu me aproximo ainda mais, aliviada quando ele se submete com um


suspiro. Ele não percebe o quão perigoso é ceder? Depois que eu começar,
não vou conseguir parar. Meus dedos pressionam mais para baixo,
deslizando logo abaixo da costura da toalha. Ele fica tenso, fazendo seu
corpo duro parecer tão magnífico e perigosamente fora dos limites.

—Não. Não quero que você pare—, diz ele.


—Bom, porque eu não quero.

Não sei se poderia.

Eu espalhei minha palma sobre seu estômago, abrindo meus dedos


para reivindicar mais dele. Minha outra mão se junta a ela, e logo ambas
estão varrendo cada centímetro duro e quente de seu peito. Ele é uma droga,
e do pior tipo. Um golpe não satisfaz o desejo, apenas desencadeia um
desespero por mais.
Eu engancho meus braços atrás de seu pescoço e me acomodo contra
ele. Meu olhar pousa em seus lábios, e eu observo enquanto ele os molha.
Tão incrivelmente quente. Eu preciso parar de tocá-lo assim. Eu deveria
estar correndo na direção oposta, mas estou cimentada a ele. Cada célula
queimando quente.

—E quanto a Pierce?— ele pergunta em voz baixa.

—E ele?

—Vocês dois terminaram?

—Tanto quanto podemos nos separar.

Ele não gosta da minha resposta enigmática e procura meu rosto. —O


que isso significa?

—Isso significa que você não precisa se sentir culpado por me beijar.

—Ah, eu vou te beijar?

—Sim. Você vai remover a toalha também.

—Sério?— ele pergunta com um sorriso.

Eu concordo.

—E quando essa parte vai acontecer?

—Agora.

Eu puxo sua cabeça para baixo e explodo. Seu beijo de retorno me faz
esquecer todas as razões pelas quais isso não deveria estar acontecendo, e
quando ele inclina minha cabeça para aprofundar, estou perdida. Minha
língua já estava procurando a dele quando elas colidem, e eu gemo com o
tão esperado alívio de finalmente tê-lo. Ele tem um gosto tão bom e foram
muitas horas brutais tentando me controlar. Tranco meus dedos atrás de sua
cabeça e ando em direção ao sofá, chupando, me contorcendo, agarrando
tudo o que eu não podia ter até este momento.

Isto é um erro.
Nós precisamos parar.

Eu puxo a toalha e o empurro sobre as almofadas.

—Você tem certeza disso?— ele diz, olhando para mim com lindos
olhos castanhos que me assombram desde que me lembro.

—Muita—, eu digo, tirando minha blusa.

—Merda, Iz. Você vai me matar.

—Eu sou o que você imaginou?

—Perfeita? Sim. Muito perfeita.

Não, a perfeição está ancorada entre minhas coxas quando subo em


cima dele.

Eu amo seu olhar de dor enquanto me acomodo nele e começo a


balançar lentamente contra seus quadris. Ele molda as palmas das mãos
sobre os meus seios, e eu suspiro com as explosões de prazer mergulhando
dos meus mamilos ao meu núcleo ardente. Quando eu o sinto endurecer
debaixo de mim, meus quadris instintivamente empurram mais forte,
desejando o resto.

Seus olhos se fecham com a fricção, agonia e desejo forçando seu


lindo rosto.

—Você tem alguma ideia de quanto tempo eu fantasiei sobre isso?—


Eu expiro, me inclinando para prová-lo novamente.
Não sei por que perguntei, porque ele não consegue responder quando
os beijos frenéticos recomeçam. Com nossos lábios e línguas lutando pelo
controle, eu dirijo meus quadris para ele novamente, absorvendo golpe após
golpe de tentação excruciante. Ele geme e combina com o meu ritmo para
uma fricção mais dura. Ainda não é o suficiente, e estou em chamas quando
ele nos vira para se apoiar em cima de mim.

É um momento que eu esperei a maior parte da minha vida, olhando


para os olhos profundos e hipnotizantes de Tristan Haverford, seu corpo de
dar água na boca fundido com o meu e rendido à minha vontade. Ele
empurra novamente, aplicando uma pressão gloriosa entre as minhas
pernas, e eu deslizo minhas mãos pelas suas costas para agarrar sua bunda e
nos unir. Cada empurrão, eu sigo, provocando onda após onda de calor
elétrico. Seu corpo está rígido com a necessidade enquanto o meu aperta
contra ele, buscando mais.

—Por favor, me diga que você tem um preservativo—, eu digo. Sai


como um gemido, e talvez seja. Talvez eu entre em combustão se não puder
tê-lo completamente e totalmente neste segundo.

—Sim. Kim me fez agradecer por uma conversa com Jack—, diz ele
com um sorriso brincalhão.

—Jack Benson?— Eu pergunto, franzindo o nariz.

—Você não quer saber.

—Não, eu realmente não. Onde elas estão?

—Bem aqui.

Ele se ajusta para alcançar sua bolsa ao lado do sofá, e mesmo


enquanto procura, não consigo parar de tocá-lo. Cada lugar que meus dedos
pousam se torna um novo playground para desfrutar. Suas costas, seus
ombros, suas coxas, aquela bunda dura e tonificada que eu babei, com e
sem roupa. Não importa com ele. Eu o quero sempre, mas posso ficar com
ele.

Fico aliviada quando ele volta à posição com um pacote na mão. Eu


nem espero pela confirmação antes de tirar meu short enquanto ele abre a
embalagem. Minha respiração deixa meus pulmões enquanto ele se
endireita para colocar, e eu juro que ele fez uma aula sobre como destruir
uma garota apenas com essa ação. Por que tudo sobre ele é tão sexy?
No momento em que ele se prepara para mim novamente, eu sou uma
bagunça carente.

—Você está...

Ele não consegue terminar sua pergunta quando eu arrasto sua boca
de volta para a minha, sugando e devorando seus lábios como se eu nunca
tivesse a chance de prová-lo novamente. Talvez eu não vá. Não deveríamos
fazer isso uma vez, muito menos de novo.

Nada disso importa quando meu cérebro fica em silêncio na primeira


onda de euforia. Explode em estrelas no segundo. E o terceiro. E a quarta.
E…

—Ahh.— Eu arqueio para trás, levantando meus quadris para


encontrar cada impulso dele. Seu nome ecoa pela minha cabeça, mas não
consigo tirá-lo dos suspiros, completamente perdida em onda após onda de
prazer intenso. Meu corpo inteiro vibra, e eu curvo meus braços ao redor de
seus ombros, ansiando por alívio.

—Você está bem?— ele pergunta.


—Desde que você não pare.

Seus olhos queimam com a minha súplica, e eu suspiro quando ele


empurra ainda mais forte. Mais profundo. Todo o caminho para o centro do
meu ser. Eu faria qualquer coisa para sustentar essa névoa de antecipação.
Cada onda me leva mais perto da borda, cada vez mais forte, subindo,
forçando, implorando – até que o ar e a luz e cada coisa brilhante explode
em euforia caótica. Raios de calor abrasador me inundam quando
finalmente me rendo, e permito que me envolva. Por vários segundos
gloriosos, estou totalmente consumido por uma paixão que venho
restringindo – reservando – para essa pessoa incrível sem nem mesmo
saber.
Ou talvez eu fiz.

Tristan desaba contra mim, respirando com dificuldade quando sua


bochecha roça a minha. Eu intensifico meu aperto, recusando-me a soltar.
Parece tão certo estar aqui assim, saciado e conectado. Tranquilidade – é o
que estou sentindo quando seus lábios descansam no meu pescoço em um
beijo suave.

Eu corro meus dedos ao longo de suas costas, desejando que nunca


tivéssemos que deixar este oásis tranquilo. Dor e luta nos esperam fora da
bolha deste momento perfeito, mas eu sofreria cem horas de turbulência por
apenas um minuto de paz com Tristan.
E eu vou ter que protegê-lo de um mundo com a intenção de quebrá-
lo. Talvez já tenha.

Ele empurra um pouco para cima e descansa seu olhar no meu. No


silêncio, eu alcanço seu rosto corado, então corro meu polegar sobre seus
lábios. Já estou com vontade de prová-los novamente. Ele é tão bonito que
dói.

—Kim estará em casa em breve—, ele murmura, beijando a ponta do


meu polegar.

—Eu sei—, eu suspiro.

—Você tem que acordar cedo amanhã.

—Eu sei.
Seu sorriso não está ajudando seu caso se ele está tentando me
convencer a soltá-lo. Essas covinhas são criminosas.

Eu forço sua cabeça para baixo para que eu possa beijá-los. Só mais
uma vez, mas uma vez que meus lábios fazem contato com sua pele, o
feitiço vertiginoso toma conta. Eu encontro sua boca e o tranco contra mim
enquanto a necessidade insaciável me domina mais uma vez. Ele geme em
nosso beijo, e uma onda de desejo dispara através de mim quando ele se
rende à sua própria luxúria.

Nós nos beijamos por mais alguns minutos, tocando e explorando um


ao outro com uma urgência nascida de nossa compreensão silenciosa de que
uma vez que deixamos essa fantasia, a realidade pode impedir um retorno.
Você pode torcer uma vida inteira com uma pessoa a partir de um único
momento?

Já é muito cedo quando temos que parar para respirar. Ainda não
estou pronta para deixá-lo ir, e ele também parece hesitante. Eu corro
minhas mãos ao longo de seus braços como se isso fosse mantê-lo aqui para
sempre.
—O que você queria para o seu futuro?— Eu pergunto, apreciando os
contornos duros e quentes de seus braços. —Antes do acidente. Se nada
disso tivesse acontecido, quais eram seus sonhos? Seus objetivos?

Seu olhar abaixa, e eu tento não me distrair com o efeito de seus


longos cílios deste ângulo. Conheço gente que gasta uma fortuna para ficar
com metade da beleza dele enquanto pensa.
—Eu não..., — diz ele finalmente.

—Você não o quê?

—Sonho.
Ele empurra para cima em um empurrão abrupto, e eu sinto falta de
seu corpo contra o meu antes mesmo que ele esteja totalmente separado de
mim. Eu assisto com decepção quando ele pega a toalha e a entrega para
mim. Acho que deveria limpar, mas parece errado apagar o que acabou de
acontecer entre nós, como se estivéssemos apagando algo que nunca mais
voltaremos. Além disso, não gosto da resposta dele à minha pergunta. De
forma alguma.

—Vamos. Isso não pode ser verdade,— eu digo. —Você era um


linebacker de todos os estados. Você está me dizendo que, quando
adolescente, você não sonhava com as grandes ligas? Algum carro veloz e
modelo quente em seu braço?

Ele dá de ombros, e eu relutantemente sigo sua liderança quando ele


me joga meu short e camiseta. Acho que não conseguiria convencê-lo a
passar a noite no meu quarto...

—Na verdade não, não—, diz ele. —Esse era o sonho do meu pai.
Pela expressão séria em seu rosto, eu acredito nele. Esquisito. Fosse
música ou futebol, eu juraria que o jogador arrogante que conheci no ensino
médio se imaginava em um mundo glamoroso que girava em torno dele.

—Seu pai fez parecer que o sol, a lua e as estrelas orbitavam ao seu
redor,— eu digo.

—Meu pai me odiava.

Eu estremeço e o estudo enquanto ele se endireita e começa a andar


em direção ao corredor. —Eu só tenho que limpar rápido e pegar minhas
roupas no banheiro. Então você pode usá-lo.

—Ok—, eu digo, olhando para ele. Quero me perder na imagem nua


se movendo pelo corredor, mas agora estou perturbada com suas confissões.
Seu pai o odiava? Isso não pode ser verdade. Quase todas as
lembranças que tenho de Ben Haverford envolvem ele se gabando de seus
filhos incríveis. Pensando melhor, cada memória envolve ele se gabando de
alguma coisa.

Eu vejo Tristan desaparecer no banheiro, meu coração pesado


enquanto reescrevo tudo o que eu achava que sabia sobre o relacionamento
deles. Claro que os dois discutiam o tempo todo, mas que adolescente e pai
não brigavam? Pelo menos eles não estavam jogando coisas um no outro e
desaparecendo por dias como na minha casa. A maioria das minhas
memórias de adolescente com os Haverfords envolvia rir com Kim e tentar
fabricar brigas com Tristan toda chance que eu tinha. Nem uma vez me
lembro de algo próximo ao ódio naquela casa antes do acidente.

Partiu meu coração quando o trágico evento também quebrou minha


família virtual. Sempre assumi que os Haverford deserdaram Tristan por
raiva pela perda e traição de um filho querido. Poderia ser mais
complicado?

—Ninguém pensou por um segundo que poderia não ter sido eu...,
disse ele.
Até mesmo seus próprios pais?

Tristan está ajustando sua calça de moletom em torno de seus quadris


quando chego à porta do banheiro. Ele olha, e eu engulo uma pontada de
dor com a expressão perturbada em seu rosto. Ele está chateado com a
memória de seu pai? O que acabamos de fazer? Alguma coisa– tudo –
mais?

Uma coisa é certa, ele está incorporado em minha alma novamente.

—Pensei em outra coisa que você não é—, digo com um sorriso.

Sua expressão conflitante se transforma em confusão. —Sim? O que é


isso?

—Ruim no sexo.
Seu sorriso sozinho torna isso impossível.
 

Acordo com um sobressalto. Coração acelerado, procuro a ameaça,


apenas para encontrar um quarto vazio. A luz entra por debaixo da porta do
banheiro do outro lado do corredor, e verifico meu telefone para ver que são
quase três horas.

Tristan ainda está acordado? Ele prometeu que dormiria depois que
me convencesse a ir para a cama. Eu não queria deixá-lo sozinho no sofá,
especialmente depois do que aconteceu, mas ele jurou que estava bem.
Talvez ele estivesse... então.

Gemendo, eu rolo para fora da cama e me arrasto para o corredor.


Aproximando-me da porta do banheiro, escuto pistas sobre quem está lá
dentro.
É possível que Kim tenha chegado em casa mais tarde do que o
normal se ela fechou o bar hoje à noite, mas não há nenhum som vindo de
dentro. Sem água corrente ou descarga do banheiro – nenhum dos ruídos
associados à rotina noturna bem documentada do meu colega de quarto.

Eu bato suavemente.

—Vou sair em um segundo—, Tristan chama de volta.

Merda.

—Tudo certo?— Eu pergunto.

—Bem.—

Ouço água agora, mas não faz sentido depois do longo silêncio
anterior. Tudo em mim quer forçar meu caminho para dentro, mas eu tenho
que respeitar sua privacidade desta vez. Uma coisa era me intrometer
quando estava preocupada com a saúde dele. Sua resposta calma acabou de
tirar essa licença.

Ele abre a porta e sou recebido por um sorriso fraco.

—Desculpe—, diz ele. —Todo seu.—


A água perdura em seus cílios e peito nu. Bordas vermelhas
circundam seus olhos, somando-se ao olhar desgastado e derrotado em seu
rosto.
—Ei.— Eu agarro seu braço para impedir sua retirada. —O que está
acontecendo?

—Nada. Bastava usar o banheiro.


Olho para o banheiro antigo que não mostra sinais de reabastecimento
de uma descarga recente.

—Essa coisa está quebrada—, eu digo, acenando para o acessório. —


Demora, tipo, uma hora para preencher. Pare de mentir para mim.

—Uma hora, hein?— ele diz com um meio sorriso.


—Pequeno exagero. Meu ponto permanece.

Ele pisca e desvia o olhar. —Não conseguia dormir. Nada demais. Por
que você está acordada?

—Não conseguia dormir. Não é grande coisa,— eu ecoo.

Seu sorriso fraco me atravessa, e eu enrosco meus dedos com os dele.


De jeito nenhum eu vou deixá-lo voltar para a sala fria e escura sozinho.

—O que você está fazendo?— ele pergunta enquanto eu apago a luz e


o levo de volta para o meu quarto.

—Estou congelando—, eu digo.


—Ok?

Fecho a porta atrás de nós e o arrasto para a cama.

—Isabel,— ele diz em tom de advertência. —Está tarde. Você precisa


dormir.
—Você também.

Eu caio no colchão e puxo sua mão.


—Fique comigo—, eu digo.

Ele fica rígido ao lado da cama. Não consigo ler seus olhos no escuro,
mas a rigidez de sua postura deixa claro que ele está em guerra consigo
mesmo.
—Por favor?— Eu tranco sua palma em ambas as minhas mãos,
recusando-me a deixá-lo escapar.

—É uma má ideia, Iz. Você sabe disso.

—Não. O que eu sei é que eu ficaria acordada a noite toda me


preocupando com você, então é melhor você estar aqui.
—Você não precisa se preocupar comigo.

—Eu sempre vou me preocupar com você. Apenas durma comigo.

—Tenho certeza que já fizemos isso.


—Você sabe o que quero dizer, espertinho.

Meus olhos se ajustaram o suficiente para ver seu sorriso, e não há


absolutamente nenhuma chance de essas covinhas não passarem o resto da
noite ao alcance. Eu puxo sua mão, e ele cede com um gemido.

—Bem. Mas eu ainda acho que isso é uma má ideia,— ele diz,
subindo atrás de mim. —Não pode ser uma coisa normal.

Eu puxo os cobertores sobre nós e me afundo nele de costas para sua


frente. Ele passa o braço em volta de mim, e eu prendo nossas mãos unidas
contra o meu peito. Com um suspiro contente, me derreto em nossa
conexão, desfrutando da segurança de estar perto. É como se nada pudesse
nos tocar se ficarmos encasulados na segurança um do outro. Talvez ele
também sinta quando seu corpo relaxa e sua respiração fica mais lenta.
Levo nossas mãos aos meus lábios e beijo seus dedos.

—Isso não está certo, Iz,— ele diz baixinho.


Eu ouço a dor em seu aviso e aperto sua mão com mais força.

—Na verdade, essa pode ser a única coisa que parece certa
ultimamente.

—Não é. Se você soubesse de tudo...— Suas palavras desaparecem, e


meu estômago se revira com a implicação.
—Se eu soubesse tudo, nada mudaria porque eu sei. Nós sabemos,
ok?

—Iz... Você não..., —ele sussurra. —Você não...

Seus braços apertam ao meu redor, e eu sinto o calor de sua


respiração no meu pescoço enquanto ele enterra seu rosto na minha pele.
Sua dor silenciosa é brutal, mas não sei o que fazer. Estou desesperada para
recorrer a ele. Para abraçá-lo, para tocar seus lábios e se perder em seus
olhos. Para provar tudo com um único olhar, mas sei que o anonimato
sombrio de nossa posição está diminuindo as paredes que ele construiu.
Não vou arriscar esse pequeno milagre.
Não tenho certeza de quanto tempo ficamos assim – agarrados,
respirando, existindo juntos em um momento arrancado da felicidade e
depois forjado pela tragédia. Não importa, porque não será longo o
suficiente. Até recuperarmos os anos que nos foram roubados, nada será
suficiente. Por muito tempo eu vivi em um mundo que não deveria existir,
um mundo fabricado por escolhas equivocadas e más decisões. Durante
anos amei a pessoa certa da maneira errada, odiando-a pelas mesmas
razões. Eu poderia passar dias perguntando -e se-, mas no final, tudo o que
temos é o que é. E o que é, é um final trágico que pode ser danificado além
do reparo.

—Eu... eu lutei de volta no começo,— ele diz fracamente.


Oh Deus.

Não consigo respirar enquanto sua confissão assombrada quebra o


silêncio.

Por favor, não deixe que seja verdade.


—Eu simplesmente não os deixei. Juro que lutei, mas depois da água
quente, eu simplesmente... não dava mais. Achei que iam me matar.

Ele está tremendo tanto que seu terror penetra pela minha pele.

Não podia ser verdade!


—Eu estava com tanto medo, Iz. Sempre tão fodidamente assustado
porque eu nunca sabia quando ou quão ruim seria. Eu… Pelo menos com
Felton era previsível e eles me protegeram em troca. O que eu deveria
fazer?

Sua voz se quebra. O quarto escuro torna-se uma massa sufocante em


nossos pulmões.

Não é sua culpa.

Prometo que não é.

Eu prometo, eu prometo, eu prometo.

—Mas isso nunca vai parar, Iz—, ele diz entre lágrimas
estranguladas. —Mesmo agora, eu os sinto. Na minha cabeça, nas sombras.
Deus, eles estão na porra dos meus poros! Em todos os lugares e em
nenhum lugar e eu estou... tão cansado. E se eles nunca forem embora? E se
eles fizerem parte de mim agora?

Eu engasgo com um soluço enquanto me agarro em seu braço, mas


não é suficiente. Como isso poderia ser? O que poderia ser suficiente? Eu
sou inútil. Ele tem razão. As palavras não fazem nada.
—Tristan...— Eu mal consigo dizer o nome dele.

Você vai ficar bem.

Você está seguro agora.


Você está... —A resposta é seis.—

Não!

—Você queria saber quantas vezes antes de parar de contar? Apenas


seis.
Meu coração se estilhaça. Os fragmentos irregulares me cortam
enquanto eu sugo o ar tóxico.

Não não não não!!

Lágrimas queimam minhas bochechas. Eu quero gritar, mas não


posso. Eu quero lutar, mas eu nem conheço o inimigo. Eu quero amar sua
linda e fraturada alma de volta, mas como diabos eu deveria fazer isso
quando foi violado em um mundo defeituoso que nem deveria existir?!
—Deveria ter sido mais, certo?— ele sufoca. —Sinto muito, Iz.
Deveria ser...—

—Tristan, não.

Ele desmorona, e eu desmorono.


Capítulo Doze

TRISTAN

Eu nunca chorei até dormir antes. Nunca. E nunca mais vou.

Não tenho ideia de como devo enfrentar Isabel depois do desastre da


noite passada. Ainda não sei o que diabos aconteceu e, enquanto corro pelo
Waverly Park pela terceira vez esta manhã, procuro em meu cérebro algum
tipo de explicação. Foi como uma vez que a porta se abriu para deixá-la
entrar, a maldita coisa toda caiu de suas dobradiças. Eu não posso acreditar
que eu contei essa merda pra ela, muito menos quebrei na frente dela.

E ela foi tão fodidamente gentil sobre isso. Tão compassiva e


compreensiva, o que só torna a coisa toda pior. Então, sim, assim que meus
olhos se abriram às cinco horas, joguei água fria neles para aliviar a
queimadura e corri para fora da porta. São quase sete agora, então deve ser
seguro voltar em mais ou menos uma hora.

Meus pulmões estão arfando enquanto contorno o aglomerado de


árvores imitando um pequeno pedaço de floresta. Não sei quantos
quilômetros corri desde que saí do apartamento, mas não é suficiente se
ainda estou de pé. Minha mente e meu corpo não merecem descanso depois
de me trair na noite passada. Estou furioso comigo mesmo por ser tão fraco.
Qual é o próximo? Eu passo pela delegacia e confesso a verdade sobre o
que aconteceu? Inferno, talvez eu devesse visitar a família de Amber
Hubert e deixá-los saber que estão odiando a pessoa errada há quase cinco
anos. Tenho certeza de que eles adorariam descobrir que o motorista que
realmente matou sua filha estava andando livremente pela cidade,
comprando mantimentos e servindo bebidas no Palisades 47.
Eu afasto os pensamentos amargos e me concentro na dor em meus
membros e peito. Está congelando esta manhã, o que tornou esta corrida
particularmente difícil. Bom. Eu só posso esperar que eu me esforce até
minhas pernas cederem e eu morrer de hipotermia no deserto vicioso que é
o pequeno parque comunitário de Suncrest Valley.

O pobre rapaz era muito estúpido para encontrar o caminho para


sair de um pequeno trecho de árvores.

Profecia auto-realizável é uma merda quando meus próximos passos


são difíceis e desajeitados, me fazendo tropeçar para frente. O cascalho
corta minhas palmas e bochechas quando bati no chão, mas mal o sinto
quando rolo de costas e olho para o céu nublado. Minha respiração pesada
ecoa pelas árvores mortas enquanto detritos molhados encharcam minha
calça de moletom e se agarram à minha nuca como amarras geladas. Até o
ar cheira a morte.

Eu levanto minha mão e estico meus dedos para examinar o dano. É


difícil dizer através das listras de sujeira, mas rapidamente perco o interesse
em favor do contraste com o céu cinza acima. Eu alcanço minha palma em
direção ao céu, observando como a perspectiva de ambos muda a cada
ajuste. Quando eu aperto os olhos no ângulo certo, quase posso confundir
minha mão em harmonia com os galhos rígidos que se agarram ao sol
oculto. É triste, realmente, esses membros solitários. Eles agarram o céu
como se estivessem apenas uma fração abaixo dele, sem perceber que o que
eles querem está infinitamente fora de alcance.

Lembra daquela vez que eu não conseguia respirar E você sentou nos
meus pulmões, arfando Todo o ar restante? Alcançando o que não estava lá
Um sol que não se atreve a mostrar graça A atravessar o espaço Para
poupar um lampejo de luz enquanto você sangra. Com uma risada amarga,
eu pressiono as palmas das minhas mãos rasgadas e sujas em meus olhos.
Até a poesia e a música estão mortas.

Você é uma piada, Tristan Haverford.

Você não é nada e ninguém quer você aqui.

Ninguém. Quer. Você.

Por que diabos eles iriam?

Eu ignoro a dor no meu peito enquanto me empurro de volta aos meus


pés. Tudo dói, por dentro e por fora, mas isso não me atrasa. Se alguma
coisa, eu me sinto revigorado enquanto absorvo a queimadura. Mais uma
volta deve ser suficiente para deixar meu corpo de joelhos, talvez até
literalmente. Se isso não funcionar, existem muitas outras maneiras de
encontrar alívio nesta cidade esquecida por Deus. Eu tenho o dia inteiro
para caçar a única coisa que pode silenciar os demônios uma vez que eles
possuem você.

Porque há apenas uma arma para combater todas as outras. Uma


liberdade que não pode ser arrancada ou mantida como refém. Há apenas
uma coisa que você realmente controla, então talvez eu saiba quem e o que
sou agora. Eles podem aguentar tudo, exceto aquilo que você se tornou:
Dor.
 

Volto para o apartamento com frio, fome e dor.


Estranhamente, parece certo. Eu não tenho que trabalhar por mais algumas
horas, então eu paro na cozinha para checar com Kim e ver o que ela está
fazendo hoje. Minha adrenalina aumenta quando encontro Isabel.
—Ei. Bom dia—, diz ela com um sorriso suave. —Oh droga, seu
rosto. O que aconteceu?—

Eu pisco para ela, parada na porta. —Estou bem. Você não deveria
estar no trabalho?

Ela encolhe os ombros. — Eu liguei novamente. Você quer alguns


ovos? Nada de cachorros-quentes ou jalapeños, no entanto, desculpe. — Ela
adiciona um sorriso malicioso, então eu sei que ela está pensando na vez em
que discutimos sobre meu lanche favorito neste mesmo lugar.

—Você ligou? Por quê? Você simplesmente faltou ontem.

Seu sorriso desaparece quando seus olhos se estreitam para mim. —


Eu sou uma garota crescida, Tristan. Posso tomar minhas próprias decisões.
Você é mais importante do que um trabalho estúpido.

—Trabalho estúpido? Você está falando sério?— Agora, estou apenas


chateado. —Este trabalho é o seu futuro. Você trabalhou duro para chegar
aqui.

—Eles não vão me demitir porque eu precisei de dois dias de licença


médica seguidos.

Eu balanço minha cabeça. —Essa não é a questão!

—Qual é o seu problema?— ela pergunta, desligando o fogo e se


virando para mim. —Por que você está tão louco?

—Porque! Você...— Meus punhos se fecham ao meu lado, e eu luto


para controlar minha raiva. Por que estou tão bravo? Estou furioso agora.

Porque ela está estragando a vida dela novamente por você.


—Você precisa ir trabalhar, Isabel—, eu digo através de uma
respiração controlada. —Vocês estavam todos empolgados com essa nova
oportunidade para o projeto do hospital ou qualquer outra coisa.

—Sim, e eu tenho que ir ao local por um tempo na terça-feira. vou ter


outra chance. Você é mais importante. Você realmente acha que eu seria
capaz de me concentrar depois do que aconteceu ontem à noite?

—O que você está falando?— Eu digo, fechando meus dedos sobre


minha cabeça em exasperação.

—O que você está falando?— ela dispara de volta. —Por que você
está fingindo que ontem à noite não foi grande coisa?

—A noite passada não tem nada a ver com isso!

—A noite passada tem tudo a ver com isso!— ela grita, movendo-se
em minha direção. —Você não entende? Você é tudo para mim. Temos
muito o que resolver depois do que aconteceu. Eu finalmente consegui você
de volta e quero estar aqui para você como deveria ter estado desde o início.

Ela estende a mão para me tocar, e eu me afasto. O olhar magoado em


seus olhos arde, mas o que ela está dizendo é muito pior.

—Estar aqui para mim? Eu não preciso que você esteja aqui para
mim, Iz. Eu preciso que você viva sua vida e esteja lá por si mesmo. Seja
algo especial. Persiga a merda, encontre a felicidade e vá para a porra do
seu trabalho quando você deve!

Eu não espero por uma resposta antes de ir pelo corredor até o


banheiro. Eu bato a porta e me apoio no balcão, respirando com dificuldade.

Ela quer estar aqui para mim? O que diabos isso significa mesmo? Ela
esperava que ficássemos sentados à mesa da cozinha o dia todo discutindo
meu trauma durante o chá? Aconchegar-se no sofá enquanto eu a presenteio
com histórias sobre ter minha vida destruída e ser agredido física e
sexualmente na prisão? Porra, não.

Ela já sabe mais do que deveria e mais do que qualquer outra pessoa
jamais saberá.

Exceto por eles.

Eu afasto as memórias e me concentro em estabilizar minha


respiração. O reflexo no espelho quando olho para cima é pior do que eu
esperava. A sujeira mancha o lado direito do meu rosto da queda. Pequenas
listras vermelhas espreitam através da sujeira, provocando uma queimadura
que eu nem senti até este momento. Meus olhos estão vermelhos, os
círculos escuros abaixo parecem hematomas na luz fraca do banheiro.
Talvez um deles seja. Pierce conseguiu algumas boas fotos ontem.

Este é o rosto pelo qual ela quer estragar sua vida?

Eu lavo a sujeira e o sangue da minha pele o máximo possível. Depois


de secar a área, verifico novamente o dano. Não é tão ruim. Alguns
pequenos arranhões ainda estão na minha bochecha, mas nada facilmente
visível se eu não me barbear. Não que eu estivesse planejando de qualquer
maneira.

Uma porta bate ao longe. Esperançosamente, era Isabel voltando a si


e indo para o trabalho.

Saio do banheiro e volto para a sala. Não há sinal de Isabel, mas há


uma irmã grogue com um olhar irritado no rosto.

—Sobre o que era tudo isso?— ela pergunta. —Isabel está chateada.
E por que ela não está no trabalho?
—Ótima pergunta—, murmuro, empurrando-a para a cozinha.

Eu preciso de café. Seriamente. Todo dia vai ser uma maratona?

—Tristan, estou falando sério. Eu não sei o que está acontecendo com
vocês dois, mas ela tem agido estranho nos últimos dias. Ficar acordada até
tarde? Sair do trabalho sem motivo? Ela nunca faz isso. Ela é a pessoa mais
responsável do planeta.

—Eu sei que sim. Confie em mim.

A panela está vazia, então eu a encho com água para preparar outra.

—Ok, então conserte!

—Consertar o quê?— Eu pergunto, irritado.

—O que diabos está bagunçado entre vocês dois. Ela tem merda
suficiente em seu prato com Pierce. Ela não precisa estar brigando com
você também.

Meu punho se fecha em torno do cabo da panela.

Claro que ela acha que eu sou o problema.

—Eu não sei o que você quer que eu faça—, eu digo com os dentes
cerrados. —Ela não vai me ouvir.
—Sim ela vai! Deus, Tristan, você é realmente tão sem noção? Ela
esteve apaixonada por você a vida inteira!

Meu peito cede. A panela de repente pesa mil quilos em meu punho.

—Você não pode continuar brincando com o coração dela, — ela


continua. —Era malvado no ensino médio, mas agora é absolutamente
cruel.
Eu não sei o que dizer enquanto olho para o balcão. Meu estômago
rola com cada respiração, como se fosse o próprio oxigênio que está me
envenenando. Eu quero argumentar, mas que defesa há? É muito
complicado de explicar, e estou muito cansado para classificar as palavras
que filtram. Eu só quero desaparecer e encontrar o abismo novamente. Eu
sou bom em não ser nada e ir a lugar nenhum.

—Eu não estou brincando com ela—, eu digo finalmente, despejando


os grãos na cafeteira.

—Eu vi a camisinha no lixo. Não minta para mim. Como você pôde
fazer sexo com ela depois de tudo? Como você pôde usá-la assim?!

Eu balanço minha cabeça, sem palavras. Anos de erros se aproximam


de uma vez, me esmagando. Culpa, vergonha, está tudo lá enquanto eu
estudo o riacho escuro pingando na cafeteira.

Porque você é fraco.


Egoísta.

Um monstro.

Há uma razão para ninguém te querer de volta.


—Você tem razão. Sinto muito — digo baixinho. —Não vai acontecer
de novo.

Ela hesita, e eu sinto sua resposta inicial desaparecer.

—Tristan—, diz ela gentilmente, aproximando-se.

Eu aperto meu queixo quando ela coloca a mão no meu braço. —Eu
sei como as coisas têm sido difíceis. Eu não posso nem imaginar o que você
está passando tentando se ajustar e viver com tudo isso. Eu gostaria de
poder tirar isso de você, você sabe disso. Eu gostaria que pudéssemos voltar
e fazer as coisas do jeito certo, mas não podemos, e só estou dizendo essas
coisas porque me importo muito com vocês. Eu entendo porque vocês dois
ficaram, mas nada de bom virá disso. Vocês dois vão se machucar. Eu sei
que você sabe disso.

Eu fecho meus olhos, tentando respirar através da dor.


—Você não pode usá-la para curar suas feridas, Tristan.

—Eu sei—, eu forço com uma voz rouca.

—Sabe? Você destruiu o coração dela no ensino médio. Você entende


isso, certo? O quanto você a machucou? Ela teria feito qualquer coisa por
você.

Eu não posso responder enquanto a escuridão se espalha ao meu redor


novamente. Eu a machuquei? Eu me destruí. Eu diria que rejeitá-la naquele
dia foi a coisa mais difícil que já fiz, mas não chega nem perto. Acordar
todas as manhãs. Enfrentando os demônios à noite. Arrastando-me todos os
dias quando parece que o universo inteiro está tentando me arrastar de volta
para o inferno. É aí que mora a dor. O que é negar a si mesmo uma coisa
boa quando toda a sua vida é um monumento ao mal?

Eu poderia contar a verdade a Kim sobre o que realmente aconteceu


naquela noite no jogo de futebol, mas qual é o objetivo? Não muda nada.
Eu ainda seria o fodido que quebra tudo que eu toco, incluindo sua melhor
amiga.

—Eu sei—, eu respiro. —Eu sinto muito.

Sua expressão fica suave, e eu forço meu olhar de volta para o balcão.
—Não é comigo que você precisa se desculpar—, diz ela, apertando meu
braço. —Olha, eu sou a última pessoa que tem o direito de dizer essas
coisas, eu entendo, mas é exatamente por isso que vou fazer tudo o que
puder para ajudá-lo a recuperar sua vida. Parte disso significa amor duro
quando é necessário. Eu sei que você não está tentando machucá-la,
apenas... reserve um segundo para pensar nas consequências de suas ações,
ok? Ela provavelmente ainda está apaixonada por você. O sexo significará
muito mais para ela do que para você. Pense no que é melhor para ela, não
em você mesmo.

Meu queixo aperta enquanto absorvo o golpe. Meus pensamentos


estão confusos demais para continuar essa conversa e minhas emoções
estão uma bagunça completa. Eu poderia dizer a verdade a ela, mas não
tenho mais ideia do que é isso.

—Você está certa—, eu digo. —Vou conversar com meu AC sobre


encontrar um novo lugar para morar.

—Tristan, isso não é...

Eu me desvencilho dela e vou em direção ao corredor. —Tudo bem.


Entendo. Você tem razão. É melhor se eu não estiver aqui.
É melhor se eu não estiver em lugar nenhum.
 

—Você precisa parar de se barbear com um ralador de


queijo,— Leah diz enquanto eu chego para o meu turno.

Ela roça sua bochecha no mesmo lugar que meu arranhão, e eu lanço
um sorriso para ela.

—Não consegui encontrar minha navalha hoje, desculpe. Parecia uma


boa idéia naquele momento.
Ela sorri. —Você está bem? Parece novo.

—Sim, acabei de cair na minha corrida esta manhã.— Eu levanto


minhas palmas para mostrar a ela os arranhões lá também.
—Foi isso também o que aconteceu com seu olho ontem? Você pode
querer escolher um novo hobby. Você não é muito bom nisso.

Eu dou uma risada. —Claro. Alguma sugestão?

—Xadrez?

—Como o xadrez se encaixa na sua narrativa de criminoso perigoso?

—Hum. Bom ponto.— Ela bate no queixo. —Criação de formigas.

—O que?— Eu tusso. —Criação de formigas?

Ela encolhe os ombros. —Claro, quero dizer, todos os túneis e


porcaria? O que é um criminoso mais perigoso do que abrir um túnel?

—Bom ponto. Vou investigar isso.

Ela sorri. —Ouvi dizer que as formigas são ótimos animais de


estimação.

—Isso não pode ser verdade.

—Só estou dizendo o que eu ouvi.

—Ouviu de quem? Quem você conhece quem tem formigas de


estimação?
—Eu não disse que conheço alguém, só que ouvi. Não lembro onde.
Mas faz sentido, certo? Elas seriam fáceis de alimentar.

Eu soltei um bufo. —A facilidade de alimentação é seu único critério


para um bom animal de estimação?
—Não é o único. Apenas tentando pensar em coisas que atrairiam
criminosos perigosos.

Rindo de novo, eu a deixo para começar meu turno.


Em circunstâncias normais, eu ainda estaria treinando por pelo menos
mais alguns dias, mas Stacie está com falta de pessoal hoje e perguntou se
eu poderia tentar por conta própria. Depois de seguir Mandie por seis horas
ontem, definitivamente estou disposto a tentar.

As primeiras horas vão bem na maior parte. Eu tive que perguntar


sobre alguns itens especiais do menu, onde encontrar alguns utensílios e
condimentos, e o que fazer com uma mulher que insistiu em pagar com
cheque, mas fora isso, não houve eventos devastadores.

Até agora.
—Não—, diz a mulher quando me aproximo de sua mesa.

—Oi. Eu sou Tristan. Posso ajudar você...

—Eu disse não. Você não está nos servindo. Arrume outra mesa.
Meu estômago cai. Oh.

—Eu, hum...

—Amber era minha sobrinha. Você sabia disso?


—Não, senhora—, eu digo baixinho.

—Ela deveria ir para Harvard. Você sabia disso?

Eu aceno, olhando para o meu bloco de notas.


—Ela foi voluntária no abrigo de animais. Você sabia disso?

Eu aceno novamente, ainda incapaz de olhar para ela.


Confie em mim, todos se certificaram de que o mundo inteiro
entendesse o quão perfeita a vítima era e quão horrível era o perpetrador.
Espantou-me como os promotores e a imprensa encontraram falhas em
todos os aspectos da minha existência. Coisas que eu nem fiz de repente se
tornaram marcas contra mim. E as coisas que eu tinha feito? Eu não teria
uma chance no julgamento.

—Você está mesmo me ouvindo?


Eu forço meu olhar para encontrar uma mesa de olhares hostis.

—Você é estúpido? Vá chamar o seu gerente,— o homem ao lado


dela sibila.

Eu engulo uma pedra na garganta enquanto me viro e vou até Leah.


—Hum, a mesa oito gostaria de um servidor diferente—, eu digo.

—O que? Por que?

Eu não sei o que dizer enquanto meu coração bate em meus ouvidos.
—Eles, uh...— Eu olho para trás, sentindo o ódio deles me esfaqueando do
outro lado da sala. Porra, isso é tão embaraçoso.

Os olhos de Leah se arregalam com a compreensão, e eu não consigo


olhar para ela quando ela suspira. —Certo. Sim. Ok. Eu cuidarei disso.
—Obrigado—, eu murmuro.

Estou tremendo quando vou verificar em outra mesa. Eu tento manter


minha voz firme, mas é difícil quando os convidados estão lançando olhares
curiosos entre mim e a mesa que acabou de me rejeitar. Eles vão solicitar
um novo servidor também?

Eles não pedem, mas no momento em que eu entrego a comida e


verifico minhas outras mesas, parece que o restaurante inteiro está colado
nas minhas costas.

—Oh merda, Tristan, certo?


Eu estremeço com o meu nome, não tenho certeza se posso lidar com
outra repreensão pública agora. Ainda assim, não tenho escolha a não ser
reconhecer e forçar um sorriso quando me viro para ver um rosto familiar.
Tenho certeza que o nome dele é Ashton. Estávamos no mesmo ano no
ensino médio, mas definitivamente corremos em turmas diferentes. Ele
tinha mesmo uma turma? Eu meio que me lembro dele sendo um garoto
esperto e solitário que trabalhava o tempo todo. Notei que ele entrou esta
noite. Foi difícil não quando praticamente todos os meus colegas de
trabalho estavam rondando sua mesa.

—Sim. Oi. Ashton?

Ele acena com a cabeça e acena para a mulher ao lado dele. —Esta é
minha namorada, Iris.
—Ei,— ela diz com um sorriso caloroso que combina com o de seu
namorado.

Eu relaxo um pouco. Eles não parecem hostis. Talvez eles não me


chamaram para me destruir? Isso seria uma reviravolta.

—Sua mesa parecia ocupada esta noite—, digo a Ashton. —Eu não
poderia nem dizer quem era o seu servidor. Você é um cara popular.
Ele ri e dá de ombros. —Eu trabalhei aqui por um tempo. É bom ver
todos quando voltarmos.

—A comida deve ser boa se você ainda comer aqui.

—Este é o melhor. Então, há quanto tempo você trabalha no


Shelton's?
—Comecei ontem.

—Sim? Parece que você está indo muito bem apenas no seu segundo
dia. Stacie já está com você por conta própria?
—Sim, estávamos com pouco hoje.

—Sério? Interessante.

A mulher puxa sua manga e lhe dá um olhar duro. —Nem pense


nisso, Ashton Morgan. Você não está preenchendo. Stacie não deixaria você
de qualquer maneira.
—Pode ser divertido—, diz ele com um sorriso tímido.

Ela revira os olhos, mas sua afeição subjacente está em todo o seu
rosto. É fofo quanto amor eles colocam em uma interação, e meu estômago
afunda quando penso em Isabel. Isso nunca poderia ser nós. Essa é a outra
parte que ela não parece entender. Toda a sua vida e futuro está aqui. Assim
que minha liberdade condicional terminar, estarei fora de Suncrest Valley o
mais rápido que o ônibus ou o trem puderem me levar.

—Bem, só queria dizer olá. Tenho certeza de que você tem muito o
que fazer—, diz Ashton.
Espera, é isso? Ele realmente só queria dizer oi?

—Ah, sim. É bom ver você,— eu digo.

E talvez eu esteja falando sério. Enquanto me afasto, percebo que ele


não perguntou uma vez sobre a prisão. Seu sorriso nem parecia forçado.
Fomos para a escola juntos, então ele deve estar ciente da minha história.
Inferno, Amber com seu tudo perfeito provavelmente era um membro
proeminente de seu clube de cérebros.
Olho para trás em busca de qualquer sinal de ressentimento, mas eles
parecem estar envolvidos em uma conversa que não tem nada a ver comigo.

Eu respiro mais fácil quando paro na mesa vizinha.


—Posso servi lo em algo mais?— Eu pergunto ao casal mais velho.

—Só a conta—, diz o homem rigidamente.

Eu aceno e engulo minha resposta.


E no outro extremo do espectro… esta mesa.

Eles disseram talvez vinte palavras para mim durante todo o tempo
em que os servi, todos envolvendo itens do menu e instruções específicas.

Depois de entregar a conta, vou até a cozinha perguntar sobre outro


pedido e pego as recargas para a mesa quatorze.
—Você conheceu Ashton?— Leah pergunta quando passo pelo
estande do anfitrião.

Faço uma pausa com as bebidas. —Nós fomos para a escola juntos.

—Oh sério? Acho que isso faz sentido. Ele é um grande cara.
—Parece ser, sim.

Eu aceno atrás de mim para sinalizar que estou ocupado, e ela me


manda embora.

—Certo, vá trabalhar. Pare de afrouxar.


Eu rio levemente e entrego as recargas. Sinto a atenção de Ashton e
Iris quando volto à seção deles para pegar a conta da outra mesa, mas desta
vez não os reconheço. Ele parecia genuíno, e é exatamente por isso que não
vou abordá-los novamente. Seria bom pensar que há uma pessoa nesta
cidade que não me odeia. Eu não quero arruiná-lo.

Pego a carteira de contas da mesa vizinha e abro.


Meu coração para.

Porra.

No lugar da ponta, a palavra —ASSASSINO— é escrita em letras


maiúsculas com vários sublinhados violentos.
Sinto como se tivesse levado um chute no estômago enquanto olho
para a palavra feia por vários segundos. Não sei o que fazer. O que dizer.
Minhas mãos estão tremendo enquanto pisco em silêncio atordoado.

—Ei, você está bem?

Eu estremeço com a interrupção e olho para ver Ashton me estudando


com preocupação.
—Oh, uh, sim, tudo bem. Apenas...— Fecho a carteira e a segura com
um sorriso forçado. —Gorjeta ruim.

—Merda. Eu sinto muito. Eu entendo, acredite em mim.

Eu tento sorrir de volta, mas não posso desta vez. O que diabos eu
devo fazer com isso? Não posso entregá-lo e fazer com que os outros o
vejam. Eles já me julgam. Ninguém fala comigo, exceto Leah e Stacie. E se
Stacie vir e decidir que não valho a responsabilidade? Eu já tenho tantas
marcas contra mim esta noite.

Eu deixo cair a carteira da conta na mesa, ainda tremendo enquanto


me afasto. Parece que as paredes estão encolhendo. Todo o restaurante é um
buraco negro de ar ausente.
—Eu vou, uh, fazer uma pausa,— eu digo para Leah enquanto passo.

Não espero pela reação dela antes de passar pelas mesas e escapar
para o ar frio da noite. Eu me inclino contra a parede de tijolos e fecho
meus olhos, tentando acalmar meus nervos. O ar fresco deveria ajudar, mas
meus pulmões parecem ainda menos certos do que fazer com ele.
Deus, por que estou aqui? O que eu achava que ia acontecer? Eles
estão bem. Eu não deveria ter voltado para Suncrest Valley, mas não tinha
para onde ir. Nenhum parente me acolheria depois do que aconteceu.
Ninguém me queria, exceto a única pessoa que sente culpa suficiente para
tolerar minha presença tóxica.

Eu esfrego meu rosto, tentando respirar através da dor em meu peito.


Talvez haja uma casa de apoio em algum lugar ou... não sei. Tem que haver
alguma brecha para este requisito de arranjo de vida para liberdade
condicional. As pessoas devem fazer isso o tempo todo. Meu AC1 está
chegando amanhã para minha visita inicial em casa. Posso perguntar então.

Você realmente quer agitar o pote para fora do portão?


Não, claro que não. A última coisa que quero é dar alarmes antes que
a tinta seque nas minhas condições de condicional. Eu vou ter que... A porta
se abre, mas eu a ignoro. Não tenho certeza de quem mais está descansando
agora, mas não estou com disposição para conversa fiada. Eu deveria ter me
escondido mais nas sombras e me afasto para deixar claro que quero ficar
sozinho. A pessoa parece não entender a dica, porém, e eu sinto que eles se
movem em minha direção.

Sério? Agora não. Deus, não aguento mais no momento.

—Ei—, diz o intruso, e eu não tenho escolha a não ser enfrentá-los.


Aguente. Ashton?

Ele não está mais sorrindo enquanto espelha minha pose contra a
parede, e eu enfio meus punhos nos bolsos.
—Passei muito tempo nessa posição—, diz ele com uma risada seca.
—Traz de volta memórias.

Eu não respondo, agora confuso além de tudo. Por que diabos ele me
seguiria até aqui? Ele mal me conhece.

—Eu não posso nem dizer quantas vezes fui tratado como merda na
minha vida—, continua ele. —Na verdade, a razão pela qual eu conheci Iris
foi porque sua irmã e amigos tornaram minha vida miserável por nenhum
motivo além de sua própria diversão doentia quando eu trabalhava aqui. Os
humanos podem ser incrivelmente cruéis.
Ele chuta as pequenas pedras abaixo de nós. —Eles também podem
ser incrivelmente gentis.

Respiro fundo e pressiono as unhas ainda mais nas palmas das mãos.

—Eu vi a conta,— ele diz quando eu ainda não falo.


Eu fecho meus olhos enquanto minhas entranhas se torcem
novamente.

—Me desculpe por procurar. Não era da minha conta, mas já estive
nessa posição tantas vezes e precisava saber com que nível de
comportamento idiota você estava lidando.

—Sim?— Eu suspiro. —Então, qual era o nível?

Ele parece surpreso que eu tenha falado e oferece um sorriso rápido.


—Esse foi um gráfico totalmente novo, meu amigo.
Eu consigo uma torção fraca dos lábios e olho de volta para o céu
escurecendo. Parte de mim quer me defender, implorar a ele que não sou o
que todo mundo diz. A outra parte reconhece que não faz sentido. Tudo o
que vi desde o meu retorno é que quem você é não significa nada. É quem
eles pensam que você é que controla sua existência. Além disso, talvez eu
seja o que eles dizem. Eu não sou um assassino, mas em algum momento
são apenas detalhes técnicos.

Um objeto flutua na minha periferia, e eu olho para ver um pedaço de


papel na mão de Ashton. Parece uma conta de jantar? Ele o estende, e eu o
pego, meu estômago revirando com a visão.
Ele pegou a conta da mesa? Por quê?

—Falei com Stacie—, diz ele. —Expliquei o que aconteceu.

O que? Por que diabos ele faria isso?! Estudo a palavra dramática
rabiscada no papel. Não tenho ideia do que dizer, do que sentir agora.
—Eu entendo se isso te irrita. Mais uma vez, desculpe por interferir
na sua merda,— ele diz.

—Você sente?— Eu pergunto uma vez que eu possa falar novamente.


—Você não parece arrependido.

Seu sorriso genuíno meio que puxa um de mim. —Pego. Eu


realmente não sinto muito.
—E eu não estou realmente bravo.

—Bom.

O silêncio se instala sobre nós, e tento processar a montanha-russa


dos últimos minutos. Combinado com todo o resto ultimamente, nem sei
por onde começar. Eu só quero ir para casa e me enroscar no sofá. Eu
poderia me esconder por dias e ainda não querer ver ninguém. No ensino
médio eu era a alma da festa, sempre querendo atenção. Agora, faço tudo o
que posso para evitar as pessoas.

Ashton limpa a garganta, e eu olho. —Então, hum, isso vai soar...


Merda, eu não sei como dizer isso.

Ele esfrega a nuca com uma risada nervosa.

Eu levanto uma sobrancelha, esperando. Como pode ser pior do que


qualquer outra coisa que aconteceu esta noite?

Ele solta um longo suspiro e se endireita da parede para me encarar.


—Ok, então me ouça. Minha namorada queria que eu te convidasse para
sair. Eu sei que é incomum, mas ela é... persistente.
—Sua namorada quer sair comigo?

Ele ri e balança a cabeça. —Não, assim não. Com nós dois. E sua
parceira, se você tiver uma. Tipo, como amigos. Ela está preocupada com
base no que vimos esta noite que talvez você não tenha muitos amigos na
cidade.

Muito? Tente, sem amigos. Mas ainda assim, isso é estranho. É


estranho, certo?
—Eu não, mas...

Minha cabeça está girando. O que exatamente está acontecendo


agora?

—Eu sei. Desculpe por torná-lo estranho, mas você parece muito
legal e podemos não nos encontrar novamente. Eu juro que isso não é uma
coisa secreta de conexão de swinger.
Eu não posso deixar de rir. É tudo tão absurdo... e sincero. Eu posso
dizer pela expressão dele que ele preferia fazer qualquer coisa além de
propor a um quase estranho sobre sermos melhores amigos, mas fazemos
coisas estranhas para as pessoas que amamos.

—De qualquer forma, se você está procurando algo para fazer ou quer
sair, fale conosco.

Ele estende um cartão de visita, e eu aceito por instinto.

Olho para baixo, surpresa ao ver que estou falando com o Diretor de
Marketing da The Alexander Company. Espere, Alexandre. Tipo, Iris
Alexander?! Por que a filha de um bilionário se importaria com o que
acontece comigo? Ashton deve ter contado a ela minha história, que eu não
sou ninguém que você quer em seu palácio.

—Ok, bem, eu vou deixar você ir. Eu prometo, não somos tão
estranhos quanto parecemos quando você nos conhece—, diz ele com uma
risada.
—É legal. Obrigado,— eu digo, segurando o cartão em
reconhecimento.

Ele acena com a cabeça, e eu observo enquanto ele desaparece no


prédio.

Uau. Eu não tenho absolutamente nenhuma idéia do que fazer com


isso. Talvez ele realmente seja a única pessoa em Suncrest Valley que não
se lembra do que aconteceu? Mas mesmo que não o fizesse, ele ouviu os
outros convidados agora mesmo, viu a conta horrível ainda presa em meu
punho.

Certo. Isso. Ainda não sei o que diabos eu devo fazer com isso.
Depois de estudar o cartão de visita por mais alguns segundos, eu o
enfio no bolso e volto para dentro. Não adianta arrastar isso.

—Ei, Tristan! Você tem um segundo? Stacie pergunta quando passo


por seu escritório.
Merda.

Eu engulo minha ansiedade e forço um olhar calmo quando entro.

—Feche a porta—, diz ela.


Dupla merda.

Eu faço isso e pairo na frente dele.

—Como vai?— ela pergunta.


Surpresa, eu pisco em confusão. —Estou bem.

—Você está? Eu ouvi sobre o que aconteceu com os Ludlows.

Eu desvio o olhar e dou de ombros. —Está tudo bem—, eu digo


baixinho. —Isso acontece o tempo todo.

Quando olho para cima, seu rosto se derreteu em preocupação. —


Primeiro de tudo, não está tudo bem, e sinto muito pelo que aconteceu com
você. Em segundo lugar, só porque algo acontece o tempo todo não
significa que está tudo bem.

—Você soa como Isabel—, murmuro antes que eu possa me impedir.

—Quem é Isabel?
—Minha garota... colega de quarto. Desculpe. Você tem razão.

—Porque você está se desculpando?


Eu dou de ombros. Eu honestamente não tenho idéia. Metade das
coisas que faço e digo agora, não consigo explicar. Eu sou uma pessoa
completamente diferente do pirralho que foi preso quatro anos e meio atrás.
Também me sinto uma pessoa completamente diferente do cara que saiu da
prisão há uma semana. Não tenho absolutamente nenhuma ideia do que
fazer com o que aconteceu nos últimos vinte minutos.

—Ok, bem, você deveria saber que eu não me importo com o seu
passado. Você cumpriu seu tempo, então isso é entre você, a família da
vítima e o Estado da Pensilvânia. No presente, você é meu empregado, o
que significa que eu te apoio. Algo assim acontece de novo, você vem a
mim imediatamente, entendeu? Se eu tiver que quebrar cabeças, considere-
as quebradas.
Eu luto contra um sorriso enquanto eu aceno.

—Bom. Mais uma coisa. Eu vi você conversando com Ashton.

—Sim, uh...
—Estou feliz. Continue falando com ele. Ele vai ser o melhor amigo
que você já teve, entendeu?

Agora, eu realmente não consigo evitar que um sorriso se espalhe


pelos meus lábios. —Entendi. Obrigado.

Ela sorri de volta e estende um pedaço de papel.


—O que é isso?— Eu pergunto, pegando o que parece ser outra conta
do jantar.

—A conta revisada para a Mesa Doze. Vá entregá-lo e voltar ao


trabalho.
Olho para baixo e minha respiração fica presa na garganta. O nome no
cartão de crédito não é mais Ludlow, mas Alexander. E no lugar de —
ASSASSINO— há um quatro e dois zeros.
Capítulo Treze

ISABEL

Tristan e eu trocamos cinco palavras desde nossa discussão. Ele está


fazendo o possível para me evitar, e eu estou facilitando as coisas fazendo o
mesmo. Ainda não entendo sua frieza. Como você passa de compartilhar
seu corpo e alma com uma pessoa um dia para fingir que ela não existe no
dia seguinte? Porque é assim que me sinto cada vez que nossos caminhos se
cruzam, o que, em nosso minúsculo apartamento, é muito.

Além dos meus problemas com Tristan, a situação de Pierce é...


inquietante. Depois daquela briga com Tristan, eu esperava violência e
raiva. Em vez disso, recebi flores. Não é mentira. Ambas as manhãs desde
então, um buquê apareceu à nossa porta. O pedido de desculpas no cartão
corresponde aos textos e mensagens de voz que ele está enviando. Estou tão
confusa e magoada e... nem sei o que sinto. Nada em mim quer mais ser sua
namorada, mas ainda tenho medo do que ele fará se eu não o aceitar de
volta. Sua bondade é quase mais alarmante do que a hostilidade.

Estou presa em um triângulo amoroso do inferno e, agora, não quero


nenhum deles.

A pior parte é que por uma noite incrível meu caminho estava claro:
Tristan Haverford era meu presente e meu futuro. Eu teria feito qualquer
coisa por ele, escalado qualquer montanha, atravessado qualquer pântano, o
que fosse preciso para ter uma vida com aquele homem. Ele teve todo o
meu coração e alma por sete horas. Então amanheceu e ele os jogou no lixo
junto com a borra de café velha.

Eu me preparo para um confronto enquanto subo o último lance de


escadas para o nosso apartamento. O trabalho foi difícil hoje, o que eu acho
que é um final adequado para esta semana tumultuada. Pierce queria se
reunir hoje à noite —para conversar—, mas eu disse a ele que tinha
trabalho a fazer. Não era nem mentira. Mal estou conseguindo ler, muito
menos fazendo um bom progresso em meus projetos. Estou desejando um
moletom confortável e silêncio total para estudar.

Mas é claro que percebo o contrário quando abro a porta e encontro


um estranho sentado no sofá com Tristan. Kim observa da entrada da
cozinha, roendo a unha como faz quando está nervosa.

—Ei, Iz—, diz Tristan. Ele parece tenso também, e minha atenção se
volta para o homem corpulento perto dele. —Hum, este é Brian, meu AC.

—Oi—, eu digo com um breve aceno.

O homem devolve um sorriso rígido. —Amiga? Colega de quarto?—


ele pergunta a Tristan.

—Colega de quarto,— Kim entra na conversa. —Esta é Isabel


Gardner. Ela deveria estar listada aí.

O homem olha para algo em uma pasta e acena com a cabeça. —Ah
ok. Oi,— ele diz antes de voltar para Tristan. —Tudo bem, antes de
fazermos uma verificação, há alguma arma de fogo no local?

—Não—, diz Tristan, lançando um rápido olhar para Kim para


verificação.
—Nenhuma—, ela confirma.

—Bom. Drogas? Álcool?

Kim e Tristan balançam a cabeça. Acho que isso explica por que Kim
descarregou toda a nossa coleção alguns dias antes de Tristan se mudar.
—Tudo bem, então vamos ver o lugar—, diz Brian, levantando-se.

Merda, eu esqueci que isso estava acontecendo hoje.

Quando a verificação começa, não tenho certeza do que devo fazer.


Eu realmente não posso seguir, mas é estranho ir para o meu quarto
enquanto eles estão inspecionando. Eu acabo ficando na sala, pairando
desajeitadamente na porta. Meu coração está acelerado de tensão, e isso
nem me envolve. O cara parecia legal o suficiente, mas quando ele desabafa
regras e regulamentos que soam oficiais, a situação de Tristan se torna real
de uma maneira totalmente nova.

Eles acabaram de entrar no quarto de Kim nos fundos do apartamento


quando nossa porta bate. Eu a abro e...

Merda.
Pierce está esperando com uma garrafa de vinho em uma mão e um
saco de comida na outra.

Que diabos de verdade?!

Eu forço um sorriso apertado através do pânico crescente. —Oi, uh, o


que você está fazendo aqui?

—Olá bébé. Você disse que teve uma longa semana, então pensei em
lhe trazer o jantar. O que você disse? Vamos conversar sobre um pouco de
frango com parmesão e pinot grigio?

—Hum, isso é muito gentil de sua parte, mas não é um bom


momento.

Sua expressão azeda quando ele tenta espiar além de mim. —Por que
não? Você tem convidados ou algo assim? Você me disse que tinha
trabalhos escolares.
Eu balanço minha cabeça, enviando um olhar urgente atrás de mim.
—Eu tenho. É só que... Por favor, eu te ligo mais tarde, ok? Eu...

—Bem, tudo parece bem. Estarei passando para verificar…— Brian


para quando vê Pierce na porta.

Oh não. Não não não.

Minha preocupação muda para alarme quando Pierce sorri e passa por
mim no apartamento. Isso não pode estar acontecendo.

Eu sinto a confusão de Kim e Tristan, como se de alguma forma eu os


traí ao trazer Pierce aqui. Como se eu quisesse tudo isso. Eu gostaria de
poder explicar, mas vai ter que esperar.

—Brian Trellis?— Pierce pergunta.

—E ai, como vai? Pierce, certo?— o homem diz. — Como está seu
pai?

Eles apertam as mãos, e minha raiva de Tristan se dissolve em


preocupação quando ele fica pálido.

Isso não é bom.

—Ele está indo muito bem. Falando em se aposentar em breve, mas


você o conhece. Ele nunca vai realmente parar.

Brian sorri educadamente. —Acabamos de nos encontrar há alguns


dias para um dos meus casos. Eu gosto do novo escritório. Muito
impressionante.

—Sim? vou avisá-lo. Espero um dia poder executá-lo.

—Oh? Você está entrando nos negócios da família como seu irmão?

—Último ano da faculdade de direito.


—Bom para você.

—Obrigado. Você está aqui para Tristan? — Pierce pergunta com


falsa indiferença. Eu ouço o tom de regozijo, mas Brian lê direto e acena
com a cabeça.

—Vocês dois são amigos?— Brian pergunta.

—Com Tristan? Não,— Pierce diz com uma risada. —Eu estou com
ela.

Ele gesticula para mim, e eu engulo meu protesto. A última coisa que
precisamos é de drama. Eu já posso dizer pelo jeito que Pierce continua
lançando olhares discretos para Tristan que ele está tramando algo. Ele
definitivamente está gostando de seu poder e dessa chance de atormentá-lo.
Tristan deve sentir isso também, porque seus punhos estão cerrados, junto
com o que parece ser cada músculo de seu corpo. Ele parece um gladiador
prestes a entrar na arena, enquanto Pierce zomba de volta como o
aristocrata em seu camarote particular.

Que os jogos comecem.

—Acabei de trazer o jantar para todos, se você quiser ficar por aqui
—, diz Pierce a Brian. —Eu até tenho o vinho que você pediu—, ele dirige
a Tristan.

Oh Deus.

A expressão de Brian escurece quando ele lança um olhar para


Tristan. —Você não pode consumir álcool. Eu te disse isso na semana
passada.

—Eu sei. Eu...


—Sério?— Pierce pergunta inocentemente. —Ei, cara, desculpe. É só
que eu vi você bebendo e festejando no Palisades ontem à noite, então eu só
assumi...—

O que?!

Estou furiosa quando Tristan fica visivelmente vermelho de raiva.

—Que diabos você está falando?— ele estala.

—Você estava em um bar bebendo?— Brian pergunta em um tom


severo.

—Não!— diz Tristan.

Meu coração dói com o medo em seu rosto. Kim parece pronto para
socar alguém.

—Ele não estava—, diz Kim, olhando para Pierce. —Ele está
inventando isso.

—Sério? Eu poderia jurar que era você—, diz Pierce. —Houve até
aquela briga, não?— Ele aponta para o hematoma que causou no rosto de
Tristan.

—Você estava em uma briga?— Brian pergunta.

—Não! Nada disso é verdade—, Tristan repete.

—Então, como você conseguiu isso?— Brian pergunta.

—Eu…—

Ele parece tão indefeso enquanto procura uma resposta, e agora eu


quero dar socos também. Nada disso é justo, e eu não tenho ideia de como
consertar isso. O que quer que eu faça só vai provocar Pierce e piorar as
coisas. Eu fecho meus dedos em punhos e os enfio nos bolsos do meu
casaco.

—Além disso, você bebeu um pacote inteiro de seis cervejas quando


eu estava aqui na outra noite, então eu assumi que estava tudo bem para
você beber como nos velhos tempos,— Pierce diz.

—Maldito mentiroso—, diz Tristan. —Ele me odeia—, ele diz a


Brian em um tom urgente. —Ele está tentando me enganar.—

—Odeio você? nem te conheço. Acho que poderia ter sido cerveja
sem álcool—, ele dirige a Brian. —Eu não olhei de perto.—

Brian olha entre a falsa inocência de Pierce e a carranca gelada de


Tristan. Depois de vários segundos, ele suspira.
—Ok, bem, podemos esclarecer isso bem rápido.

Ele enfia a mão na bolsa e tira um pequeno copo de plástico.

—Você tem que estar brincando comigo—, Tristan chora, jogando as


mãos para cima.
Eu me sinto enjoada quando Brian se move em direção ao corredor e
acena para Tristan.

—Vamos lá. Você sabe o que fazer — diz ele, entregando—lhe o


copo.

—Isso é uma merda!— diz Tristan.

—Cuidado—, Brian avisa.

Tristan tira o copo de sua mão, lançando um olhar assassino para


Pierce.
Brian o segue até o banheiro, e eu poderia gritar com a injustiça de
tudo isso. Qualquer boa vontade que eu tinha em relação a Pierce se
transformou em ressentimento. Eu nunca vou perdoá-lo por isso.

—O que você está fazendo?— Eu assobio para ele.


—Apenas certificando-se de que nossas ruas sejam seguras para as
crianças—, ele retorna com um olhar superficial.

Eu balanço minha cabeça em descrença, sem ter ideia do que dizer.


Kim está fumegando, e eu só sei que fogos de artifício estão prestes a
explodir nos próximos minutos.

—Você é um idiota—, ela rosna, apontando para ele. —Ele não fez
nada com você. Ele não machucou ninguém. Por que você não pode
simplesmente deixá-lo em paz?!

—Bem, ninguém, exceto a garota que ele matou, certo?— ele diz
antes que seu olhar fique frio. —Você quer saber qual é o meu problema? E
o fato de que seu irmão inútil está tentando roubar minha namorada? Ele
tem sua mente doentia fixada nela desde o segundo em que se mudou. Eu
tenho o direito de defender o que é meu.

—Eu não sou sua—, eu estalo. —Eu não pertenço a ninguém. Isso
acabou, Pierce. Você acabou de arruinar qualquer chance que você tinha de
voltar a ficar juntos.

—Juntos novamente? Nós nem terminamos, princesa,— ele sussurra.

—Inferno, sim, nós terminamos—, eu atiro de volta.

Ele solta uma risada amarga. —Tem certeza que é assim que você
quer jogar? Confie em mim, fazer seu namorado fazer xixi em um copo não
é nada comparado ao que eu posso fazer.
—Faça—, Kim ferve. —Não temos medo.— Mas qualquer resposta é
interrompida quando os homens voltam do banheiro.

Meu coração está batendo descontroladamente enquanto tento ler suas


expressões. Tristan parece furioso, não assustado, então espero que isso
signifique que ele passou no teste de drogas. Nenhuma surpresa. Eu sei o
que ele tem feito todas as noites esta semana e nada disso envolveu
substâncias proibidas.
—Bem, já que estamos no tópico de testes de drogas, aqui está o seu
cartão—, Brian diz a ele. —Sua cor será azul. Você liga todos os dias e
quando está azul, você entra, entendeu?

—Sim—, ele murmura.

—Excelente. Bem, vamos terminar esta papelada para que possamos


encerrar. Estarei fora uma vez por mês para fazer o check—in, mas você me
liga se algo acontecer. Lembre-se, qualquer contato policial, mesmo que
esteja ajudando seu amigo a trocar um pneu, você liga. Você não quer que
eu descubra com eles, entendeu?
Tristan acena com a cabeça novamente, e eu sinto seu sangue
fervendo do outro lado da sala. Eles se sentam no sofá enquanto o AC pega
uma pasta e começa a revisar mais regras e condições. Toda vez que ele diz
a palavra —violação—, meu estômago se revira. Posso dizer que Tristan
está humilhado por todos estarmos testemunhando isso. Pior ainda, Brian
está praticamente entregando a Pierce um manual de instruções sobre como
colocar Tristan em apuros, mas não sei o que fazer. Tenho medo de
empurrar meu ex mais. Sua ameaça paira no ar, nos provocando com cada
nova possibilidade. Ele vai levar isso adiante esta noite? Ele acertou o jab e
venceu esta rodada, então talvez seja o suficiente.
Meu desejo é concedido quando Brian termina seu discurso e Tristan
assina a papelada sem incidentes.

—Brian. Ótimo ver você,— Pierce diz quando o homem passa. Ele
estende a mão, e eles se cumprimentam.

—Diga ao seu pai que eu disse oi—, diz Brian. —Ah, e desculpe, mas
você vai ter que levar isso de volta para casa com você,— ele acrescenta,
acenando para a garrafa de vinho ainda na mão de Pierce.

—Certo, claro. Vai fazer.

Um silêncio tenso segue quando estamos sozinhos. A tensão latente


dos últimos minutos está prestes a transbordar, e não sei como difundir a
situação. É minha culpa. Pelo menos, parece minha culpa, mesmo que eu
não saiba como eu teria evitado isso. Eles estão certos, Pierce é um idiota
obsessivo e controlador, mas reconhecer isso não ajuda em nada agora.
Parte de mim quer explodir isso de uma vez por todas e deixar escapar que
dormi com Tristan. Diga a Pierce que Tristan não pode roubar meu coração
porque ele sempre o teve. Ele provavelmente sempre o fará, não importa o
quanto nenhum de nós pareça querer essa realidade.
A outra parte teme que tal declaração resulte em um cadáver no chão
da nossa sala – e eu nem sei qual seria.

—Então Brian é seu AC. Mundo pequeno — diz Pierce, quebrando o


longo silêncio. —Por outro lado, meu pai é um dos principais advogados de
defesa na área dos três estados, então ele conhece a maioria dos oficiais de
condicional deste condado. Ele e Brian são muito antigos.

Tristan olha para ele. —Você não pode me intimidar. Eu não me


importo se Brian é seu irmão gêmeo, eles não podem fazer nada comigo se
eu não violar minha liberdade condicional.
—Talvez,— Pierce diz em um tom presunçoso. O pavor penetra em
mim quando ele deixa por isso mesmo. Eu vejo seu cérebro cruel
planejando, mas me sinto mais impotente do que nunca quando ele limpa a
garganta e se vira para mim. —Bem, parece que você estava certo. Não é
uma boa noite para conversar. Vamos remarcar. Te ligo amanhã?

Eu o encaro em um silêncio atordoado. —Pierce, por favor... Não faça


isso.— Eu odeio que isso saia como um apelo, eu só não sei mais o que
fazer.
—Está bem, querida. Você descansa um pouco. Eu sei que você está
sob muito estresse e disse algumas coisas que você não quis dizer esta
noite.

Meu sangue gela quando ele sorri. —Vou ver o que Brian está
fazendo. O homem parecia que precisava de uma bebida, não? Seria ótimo
recuperar o atraso.

Não consigo respirar quando ele dá um sorriso malicioso e segue o


agente da condicional de Tristan até a porta.
 

—Foda-se—, Tristan exala enquanto cai no sofá.

Ele passa as mãos pela cabeça, claramente angustiado. Cotovelos nos


joelhos, ele fecha os olhos com força e descansa a testa nos punhos. Meu
coração dói, meu corpo inteiro, realmente. Não consigo imaginar o que está
passando pela cabeça dele agora, mas é como se pudéssemos ver
fisicamente o peso do mundo caindo sobre ele.

—Nós vamos descobrir isso—, diz Kim suavemente, abaixando-se ao


lado dele.
Ele não olha para cima, apenas balança a cabeça em arcos lentos.

—Eu não posso voltar, Kim—, ele murmura com a voz quebrada. —
Não posso.
—Você não vai—, diz ela, colocando o braço em volta dele. —Não
vamos deixar isso acontecer.

—Como você disse, ele não pode te machucar se você não quebrar as
regras,— eu acrescento.

Ele dispara um olhar para mim. —Vamos. Isso foi uma porra de
frente. Claro que ele pode me machucar.

Eu estremeço com sua resposta dura, e sua expressão cai.

—Merda, Iz. Eu sinto muito. Eu só... — Ele esfrega o rosto.

—Está tudo bem—, eu digo baixinho. —Eu entendo.

Seu olhar de desculpas trava no meu, apagando qualquer raiva


restante que eu tinha. Como ele pode parecer tão quebrado e tão bonito ao
mesmo tempo? Vulnerável e forte? Tão perdido, e ainda assim é exatamente
onde ele pertence. Por que ele não pode ver o quanto eu poderia me
importar com ele se ele me deixasse? Que estou desesperada para lutar suas
batalhas ao lado dele? Em vez disso, ele parece decidido a afastar todos,
então é forçado a enfrentar o impossível sozinho.

E assim, as brasas da frustração acendem novamente. Sim, ele


recebeu uma mão ruim, mas é ele quem está escolhendo desistir agora. Em
que ponto o sofrimento se torna egoísta?

—Merda, estou atrasado para o trabalho—, diz Kim. —Devo ligar?


Tristan parece irritado com a pergunta. —Claro que não. Eu vou ficar
bem.

—Ok, mas... estou preocupado com você. Isso foi duro.

Ele dá de ombros e se endireita do sofá. —Não é mais difícil do que


qualquer outro dia desta semana.

Kim não parece convencida, e a expressão de Tristan endurece ainda


mais. Uh—oh.

—Estarei aqui se ele precisar de alguma coisa—, digo rapidamente


para evitar outra discussão. Tudo com Tristan é uma discussão nos dias de
hoje.

—Tem certeza que? E quanto a Pierce? — Kim pergunta.

—Você o ouviu. Ele está com Brian esta noite,— eu digo secamente.

Tristan abre o menor sorriso, e é incrível como esse pequeno milagre


relaxa meus pulmões.

—Acho que posso espioná-los se forem para Palisades—, resmunga


Kim.

—Para onde mais ele iria, já que ele sai tanto por aí? — Tristan
murmura.

Kim bufa uma risada. —Vinte dólares dizem que ele pede um Cosmo.
—Ele nunca esteve lá, —eu digo. —Desculpe, Tristan. Por tudo isso.
Eu disse a ele para não vir esta noite.

—O que praticamente garantia que ele faria, — Kim diz baixinho.

—Está tudo bem, Tristan suspira, levantando-se do sofá. Ele parece


exausto. —Você precisa do banheiro? —ele pergunta a Kim.
—Não. Estou prestes a sair. Tem certeza que está bem?

—Nunca estive melhor, — ele murmura.


Ele se move pelo corredor, e Kim me lança um olhar preocupado.

—Estou com medo, Iz, — ela diz quando estamos sozinhas.

Olho para o corredor para ver sua silhueta desaparecer no banheiro. A


porta se fecha um segundo depois.
—Por causa de Pierce? — Eu pergunto, meu próprio estômago em
nós.

—Por causa de tudo. Ele está sumindo. Você vê isso, certo? Pesquise
Síndrome Pós—Encarceramento. Isso é totalmente ele, não é? A cada dia é
pior, e eu não sei o que fazer.

—Ele não tem esperança, —eu digo baixinho, olhando para o


corredor escuro. —Ele desistiu.

—Todo mundo o trata como merda, é por isso. Você ouviu o que
aconteceu no Shelton ontem?

—Enquanto ele estava trabalhando?

Ela acena. —Kristy estava no mesmo turno.


A tristeza enche seus olhos, e eu já preciso que ela pare. Não ouvi o
que aconteceu e não quero.

—Kristy disse que as pessoas estavam pedindo um servidor diferente


quando ele tentou ajudá-las. Aparentemente, uma pessoa até escreveu algo
desagradável na conta. Ela não sabia o que porque a chefe deles cuidou
disso, mas ela disse que ele estava muito chateado. Não está certo, Iz.
Deveria ser eu, —ela diz, piscando para conter a emoção.
Sim. Deveria.

Respiro fundo e finalmente liberto a pergunta que me assombra desde


que descobri a verdade.
—Então por que você não diz nada? Ele já cumpriu o tempo. Por que
não absolvê-lo agora?

Seus olhos assombrados encontram os meus. —Porque eles iriam


processar. Eles viriam atrás de mim também.

Certo. Sim, isso complica as coisas. Ainda…


Ela balança a cabeça. —Honestamente, alguns dias eu meio que quero
isso. Ir para a prisão deve ser melhor do que viver com essa culpa, certo?

Eu dou de ombros, querendo discutir, mas não posso. É impossível


assistir o que aconteceu com uma pessoa inocente que já passou pelo
inferno e voltou e não deseja que a justiça seja feita. Claro, ela é minha
melhor amiga, mas não sei como conciliar isso com essa nova realidade.

—Então faça. Entregue-se, —eu digo, me surpreendendo.

Isso a pega desprevenida também, e seus olhos se arregalam quando


eu a olho. Eu me sinto mal, eu acho, mas estou tão confusa com toda essa
situação. O que é justiça? Quem são os bons e os maus? nem sei mais.

—Eu não posso, —ela diz finalmente. —Não cabe a mim.

—O que você quer dizer? Claro que sim.


Ela balança a cabeça, um olhar duro em seu rosto. —Não. Depende
dele, —diz ela, apontando o polegar para o corredor. —Ele nunca me
perdoaria se eu fosse contra sua vontade e, honestamente, depois de tudo
que ele passou, que direito eu tenho de tomar essa decisão?
Pode ser. Não sei. O que eu sei é que o plano atual não está
funcionando. Teremos que encontrar outra solução, porque não vou ficar
parado enquanto Tristan é agredido pelo resto da vida.

Sigo seu olhar para o corredor vazio e encaro a escuridão que acabou
de engolir um enorme pedaço do meu coração.
 

No momento em que Tristan sai do banheiro, Kim saiu


para o trabalho, e eu decidi convencê-lo a corrigir cinco anos de erros.

Talvez não seja da minha conta, mas esses dois tiveram muito tempo
para fazer a coisa certa e aqui estamos, não mais perto da verdade.
Mas meu discurso vai para a merda quando Tristan desce o corredor
vestindo aquelas calças de moletom. Ele faz isso de propósito, eu juro. Isso
meio que me irrita, e espero que meu olhar esteja distraindo a baba.

—Precisamos conversar, —eu digo, enquanto ele se pavoneia em


minha direção como uma maldita modelo de passarela fazendo um teste
para uma abertura de deus romano. O que, Apollo está se aposentando ou
algo assim?

—Sobre? —ele pergunta, passando por mim. Claro que ele também
cheira a sexo e tentação. Por que ele não iria?
Nossa! Eu o odeio agora. Isso é sério.

—Você pode colocar uma camisa primeiro?

—Por que? —Mas pelo seu olhar de retorno, ele sabe exatamente por
quê. Ele também vai me torturar, o que só me irrita mais.
—Eu preciso treinar um pouco, —diz ele em um tom casual. —Aviso
justo, se você não está feliz com minha roupa, você definitivamente não vai
gostar dessa parte.

E por não gostar, ele quer dizer vontade. Porque quando ele começa a
fazer flexões no chão da sala como se não fosse nada para suportar todo o
peso do seu corpo com seus braços perfeitos, de repente não consigo me
lembrar do discurso magnífico que passei os últimos dez minutos
preparando.
Tudo bem, eu vou improvisar.

—Você precisa contar a todos a verdade sobre o que aconteceu.

—Não, — diz ele sem pausar seu treino.


Nossa, ele acha que está sendo cronometrado? Eu nem sabia que as
pessoas podiam fazer flexões tão rápido.

—Ok, bem, você sabe. Você já foi punido o suficiente por algo que
não fez. É hora de acertar as contas.

Ele hesita no meio do empurrão para olhar para mim. —Eu disse não,
Iz. O que faz você pensar que eles acreditariam em nós? Se não o fariam,
com certeza não o farão agora. E se por algum milagre o fizessem,
processariam Kim.

—E deveriam!

— Achei que você fosse amiga dela.

—Eu sou, mas justiça é justiça.

Ele balança a cabeça através da flexão número mil ou o que quer que
seja. Droga, seus ombros e costas são fortes. Como cada linha de seu corpo
é tão definida e artística?

Eu preciso encerrar isso.


—A justiça é uma ilusão, —ele bufa. —É subjetivo e muitas vezes
determinado por aqueles menos justificados para fazê-lo.

Pelo menos ele está suando levemente agora. Além disso, por que ele
tomava banho antes de malhar? Isso apenas apoia minha teoria de que esse
show é apenas para me provocar e me tirar do caminho dele.
—Então é justificado que você teve sua vida inteira arruinada por
algo que você não fez?

—Não. Mas minha vida está arruinada de qualquer maneira. Como


destruir a Kim conserta alguma coisa?

—Porque foi o crime dela!


—E ainda estarei no inferno, mas agora com o conhecimento
adicional de que tudo foi por nada!

Eu me calo, engolindo minha resposta enquanto ele desvia o olhar e


se concentra em seu treino.

—Eles não vão mudar de ideia sobre mim, Iz, — ele diz baixinho. —
A verdade não reverte magicamente o dano causado por uma mentira. Além
disso, pense no que isso faria com a família Hubert. Você realmente quer
reabrir essa ferida para eles? Para que? Ninguém ganha com a verdade, Iz.

Eu poderia.

Eu respiraria mais fácil sabendo que você não precisava mais passar
por isso.

Mas eu não posso me forçar a dizer isso.

Meu peito dói enquanto eu o estudo na penumbra. Acima. Abaixo.


Acima. Abaixo. Seu rosto é uma máscara ilegível de concentração. Ele está
se esforçando tanto para fingir que não está quebrando por dentro. Eu
acreditaria nele se não fosse por aqueles poucos minutos brutais em que fui
cortada pelos cacos na outra noite.

—Eu só estou tentando ajudá-lo, eu digo. —Eu só quero corrigir um


erro.
—Então concentre seus esforços em convencer Kim a parar de viver
na estagnação porque ela é muito culpada para usar sua segunda chance.
Essa é a verdadeira farsa de tudo isso. O objetivo era concentrar a merda em
mim, para que pelo menos um de nós pudesse ter um futuro, e o que ela
fez? Absolutamente nada, porque ela é muito culpada para aceitar o
presente. Ela não está me traindo por ter a vida que eu nunca terei. Ela está
me machucando ao se recusar a aceitar.

—Tristan…

Ele solta um suspiro e aparece para uma posição sentada. Passando os


braços em volta dos joelhos, ele olha para mim. Mesmo sob essa luz
terrível, sinto a atração de seus olhos através daqueles cílios longos e
escuros. Minha barriga está apertada de desejo enquanto traço cada detalhe
de sua forma impecável. Lembro-me do gosto de seus lábios. Sua pele
quente e corpo duro. Lembro-me da dor de desejá-lo e da onda quente de
alívio quando ele me enche.
—Não podemos, Iz, — ele diz com uma voz grave e grave que torna
essas duas palavras insuportáveis.

—Eu sei. —Minha resposta é apenas um sussurro. Eu também


acredito. Há tantas razões pelas quais não podemos. Mas minhas pernas
parecem não entender o aviso enquanto fecham a lacuna.

—Isabel, ele respira quando eu me abaixo no chão para encará-lo.


—O que? — Eu sussurro de volta. —Certo e errado é subjetivo,
certo?

Meus dedos têm vontade própria quando percorrem seu braço e


sobem seu bíceps duro ainda enrolado em seu joelho. Seus olhos pousam
nos meus, famintos e torturados enquanto procuram por algo. Eu quero
tanto dar a ele, seja o que for. Por que ele não pode aceitar? Eu também
quero ele agora mais do que eu já quis qualquer coisa. Bem, desde este
mesmo local há dois dias, de qualquer maneira.
Ele solta as pernas para criar uma abertura para mim enquanto meu
toque passa por seu ombro e sobe pelo pescoço. Eu amo a sensação da
superfície áspera de seu queixo. Sua bochecha. Seus lábios macios quando
meu polegar os roça em uma afirmação ousada.

—Iz, não, —diz ele.

Deus, dói, seu apelo. É brutal quando eu sei que o machucou. Eu sei
que ele me quer. Eu sei que ele não tem permissão. O que não consigo
entender é o porquê.
Eu retiro minha mão, mas parece errado. Meus dedos queimam com a
necessidade de tocá-lo novamente. Minha própria expressão está
implorando para ele me deixar, e ele prende a respiração enquanto lê meu
desejo. Eu olho para a evidência de sua luxúria enchendo aquelas calças de
moletom que eu odeio amar.

—Por que você luta tanto? —Eu pergunto. —Por que não podemos
simplesmente fazer funcionar?

—Porque não pode funcionar. Você... — Ele balança a cabeça em


frustração. —Eu não tenho futuro, Iz. Isso não vai melhorar para mim. O
que você vê é o que você recebe.
—Mas e se isso é tudo que eu quero? Eu não preciso de todo o conto
de fadas. Eu só quero o príncipe.

Eu descanso minha mão em sua perna, apertando até que ele feche os
olhos.

—Porra, Iz.

Mas ele não me para quando minha mão desliza por sua coxa. Na
verdade, seu peito duro e nu expõe sua respiração rápida quando ele se
inclina para trás em suas mãos, praticamente oferecendo seu corpo para
mim.

—Você quer que eu pare? — Eu sussurro, empurrando ainda mais


para cima em sua perna.
Ele balança a cabeça, assobiando quando chego à protuberância
espessa. Eu amo seu gemido quieto enquanto trabalho seu corpo através do
tecido macio. Quando ele se acomoda ainda mais, eu queimo para pegar o
que quero.

Sua cabeça se inclina para trás quando chego lá dentro. Respirando


com dificuldade, ele é a imagem do meu próprio Adonis pessoal quando eu
o liberto de suas calças e observo cada detalhe do meu príncipe ferido.
Quem precisa de um conto de fadas quando você pode viver sua maior
fantasia?

Eu tiro minha blusa e me contorço para fora do meu jeans, amando o


olhar de dor em seu rosto enquanto ele me observa. Eu sei como ele se
sente. Por mais que eu queira tocá-lo novamente, vê-lo ali assim, exposto e
vulnerável – tão confiante – é quase uma satisfação maior do que tê-lo em
minhas mãos.
Quase.

Eu subo em seu colo, montando nele com um estremecimento de


consciência. Ele inspira bruscamente quando eu começo a me mover contra
ele, ainda olhando nos meus olhos e me dizendo o que ele não pode com
palavras. Olho de volta, aceitando silenciosamente tudo o que ele está
disposto a compartilhar, tudo o que ele é. Meu olhar cai para seus lábios, o
que pode ser a coisa mais deliciosa que eu já desejei.

Eu me inclino para prová-los. Puro êxtase.

Nós nos derretemos no beijo, e eu agarro sua cabeça em minhas mãos


para devorá-lo completamente. Nossas línguas se encontram e batalham ao
ritmo instintivo de nossos corpos famintos. Um fogo aumenta com a
intensificação da cadência, e a pressão entre minhas coxas é quase demais
para aguentar.

—Por favor, Tristan, —eu suspiro através de um beijo desesperado.


—Só mais uma vez.
Ele parece magoado enquanto assente. Me mata que ele tenha que se
torturar para aceitar o que quer. Que ele se odeia tanto, qualquer coisa boa
se torna ruim. Incluindo isso. Eu deveria ser a pessoa mais forte. Eu deveria
ter misericórdia e evitar outro arrependimento por ele, mas ele não entende
o que é olhar para ele. Para tocá-lo. Para segurá-lo em seus braços e fingir
por uma fração de segundo que ele é seu.

—Você é tão bonito, por dentro e por fora, —eu digo, devorando seus
lábios. Seu queixo. O pescoço dele. Em qualquer lugar que eu possa
alcançar, enquanto ele ainda é meu. —Eu não vou parar até que você
acredite nisso.
Ele não responde, mas a maneira como ele trava seu aperto no meu
cabelo e combina com minha agressividade diz tudo.

—Na minha cama desta vez, —eu digo, puxando-o para cima,
enquanto ainda o beijo.
Ele hesita por apenas um segundo antes de pegar algo em sua bolsa.

Eu o arrasto para o meu quarto, impaciente enquanto fecho a porta e o


empurro na minha cama. Subindo em cima, retomo nosso beijo
desesperado, como se aquela pequena demora fosse demais. Talvez fosse.
Já sinto o relógio mágico marcando meia-noite.

—Você está bem? —Eu pergunto, procurando seus olhos enquanto


emolduro suas bochechas com as palmas das mãos.

—Sim. Você?

Eu sorrio e o beijo novamente em resposta. Eu ouço o rasgo de papel


alumínio e meu corpo carente já está quente com antecipação. No momento
em que me encaixo nele, estou além do desespero.

Meus quadris se movem devagar no início, explorando-o, buscando


picos afiados de prazer. Rapidamente não é suficiente, pois a necessidade de
mais assume e nos leva a um ritmo frenético. Ele passa as mãos sobre
minhas coxas, apertando em seu caminho para meus quadris. Agarrando
com força, ele combina com o meu ritmo até que as faíscas intermitentes se
tornem um fogo constante na minha barriga. Meus dedos dos pés se
curvam, minha respiração é difícil, enquanto abasteço o fogo crescente. Eu
quero que isso me queime. Incinere-me, até que não haja mais nada fora
deste momento.
Ele desliza as palmas das mãos sobre meus seios, e eu moldo minhas
mãos em cima para uma pressão perfeita. Meus membros se movem em
harmonia, cada libra do meu coração e nervo do meu corpo disparando em
uníssono.

—Eu quero isso para sempre com você, —eu suspiro, gemendo
quando as raias de prazer se tornam demais.
Se ele responde, é perdido na explosão que se segue. Calor, luz, amor,
parece que todo o universo me inunda de uma vez enquanto me arqueio em
seu calor. Eu deixo isso me consumir, esperando que apenas uma pequena
partícula de eternidade se incorpore em minha alma, um pedaço dele – de
nós – que eu possa segurar muito depois de nosso conto de fadas
desaparecer de volta à realidade.

Estou em alta quando descemos, trêmula e fraca da melhor maneira


possível. Tudo parece tão certo. Como se eu fosse livre e invencível.

Até eu ver seu rosto.


—O que há de errado? —Eu pergunto, preocupada quando ele desvia
o olhar.

—Nada, —ele murmura.

Ele se ajusta para rolar para longe, mas eu forço seu ombro de volta
para o colchão. Nossos olhos se encontram, e meu peito dói.
—Tristan, o que é? —Eu digo suavemente, tocando sua bochecha. —
Você é…?

Alarme passa por mim. Oh Deus. Eu perdi um sinal? Fizemos algo


que ele não queria? Eu quebro meu cérebro tentando pensar no que perdi.
Tudo o que acabou de acontecer corre em uma repetição gráfica pela minha
mente, mas nada parecia errado no momento. Se alguma coisa…

Eu respiro mais fácil quando o canto de sua boca se inclina.


—Relaxa. Eu estou bem, —ele diz, puxando uma mecha do meu
cabelo. Seu olhar fica pensativo enquanto ele o enrola em seu dedo. —Você
se preocupa demais comigo. Eu não sou de vidro.

—Alguém precisa.

Seu sorriso fraco perfura meu coração, e eu me inclino para um beijo


suave. Desta vez eu o libero e me acomodo ao lado dele, onde continuo
traçando sua pele enquanto ele olha para o teto.
—Então, o que está acontecendo nessa sua cabeça? —Eu pergunto
quando ele não fala.

Ele pisca com força, seu queixo apertando antes que a nuvem sobre
seu rosto desapareça. —Estou morrendo de fome. É isso que está
acontecendo na minha cabeça. Você acha que esse treino rendeu uma pizza?

Eu odeio sua deflexão, mas forço um sorriso de qualquer maneira. Eu


sei melhor do que empurrá-lo.

—Eu não sei sobre esse treino, mas as seis mil flexões que você fez
antes provavelmente.

Seu sorriso parece genuíno desta vez, e sim. Tem que beijar isso
também.
Capítulo Quatorze

TRISTAN

Fodido de novo. Eu sei isso. Soube disso no segundo em que


começamos, mas, como sempre, eu estava fraco demais para pará-la. E
enquanto vejo Isabel dormir como um anjo ao meu lado, não consigo nem
deixá-la desta vez. Eu deveria. Não tenho nada que fazer na cama dela, mas
não tenho certeza de como abrir mão da única coisa boa da minha vida.

Exatamente por isso que você precisa deixar ir.

Comemos nossa pizza. Depois nos aconchegamos, conversamos e


assistimos a um filme como um casal ridículo de faz de conta. Mas
naquelas poucas horas não era fingimento. Esqueci que era a pessoa mais
odiada de Suncrest Valley. Esqueci que minha vida foi revirada e
despedaçada. Eu até esqueci que não poderia realmente tê-la, porque por
algumas horas incríveis eu tive.

Eu não quero deixar ir, mas o texto no meu telefone é exatamente o


motivo pelo qual eu preciso.

Brian (AC): Ligue-me o mais rápido possível.

Chegou horas atrás, atingindo como estilhaços que eu


convenientemente ignorei pelo máximo que pude. Agora é uma da manhã,
também convenientemente tarde demais para ligar. Acho que vou ter que
esperar até de manhã para que meu mundo desmorone. Novamente.

Eu me apoio no meu braço, estudando as feições de Isabel. Suas


sobrancelhas grossas e escuras, seu nariz pequeno, aqueles lábios rosados
perfeitos entreabertos enquanto ela dorme. Eu corro meus dedos por seu
cabelo e coloco alguns fios soltos atrás de sua orelha. Por uma noite, isso
pode ser real. Por uma noite, sou um homem livre que pode fingir.

Ligue-me o mais rápido possível.


—Ei, —ela murmura. Um sorriso adorável desliza em seu rosto
grogue quando ela me vê e se espreguiça. —Que horas são? Por que você
esta acordado?

—É logo depois de uma. Não conseguia dormir.

Suas sobrancelhas bonitas se juntam, e eu aliso meu polegar sobre


uma para acalmá-la.

—Você está bem?— ela pergunta.

Ela pega meus dedos e os leva aos lábios, selando para sempre meu
destino. Eu nunca vou superar essa mulher.

—Estou bem—, minto. —Volta a dormir. Desculpe por te acordar.

—Está tudo bem—, ela murmura, aconchegando-se mais perto do


meu lado.

Eu não tenho defesa contra isso, e envolvo meu braço ao redor dela
quando ela se vira para dobrar seu corpo no meu. Instintivamente, meus
lábios descansam contra seu cabelo, enquanto respiro o aroma cítrico de seu
xampu. Há alguns momentos que você precisa capturar e preservar para
sobreviver. Isso, aqui. Fecho os olhos e tento incorporar cada detalhe em
minha memória para quando precisar mais tarde.

Ligue-me o mais rápido possível.

Eu forço o pensamento para longe. Essa é a batalha de amanhã. Por


enquanto, preciso aproveitar esse oásis de felicidade.
Ela pega minha mão e pressiona sua palma contra a minha. Não sei o
que ela está fazendo enquanto examina nossas mãos unidas, mas não
importa. Eu pertenço a ela esta noite.

—Lembra como você costumava me trazer todas as coisas com sabor


de framboesa que você podia encontrar?

Eu engulo em seco para limpar a emoção da minha garganta. —Sim.


É claro.

—Eu sabia então que você não era o que todos pensavam.— Eu posso
ouvir o sorriso em sua voz, e eu puxo uma respiração firme.

—Eu era, só não quando se tratava de você.

Ela move a palma da mão para que ela possa entrelaçar nossos dedos.
—Não, você não era. Você desempenhou o papel que as pessoas esperavam
de você. O atleta arrogante. O menino da festa. No fundo, não é quem você
era. Você sabe como eu sei disso?

—Como?— Eu pergunto, minha voz abafada contra seu cabelo


enquanto eu a beijo novamente.

Ela puxa nossas mãos para o peito e as aperta com força. —Sua
música, duh. Atletas rasos não escrevem música como a sua.
Não consigo responder quando fecho os olhos e finjo que não estou
rachando por dentro.

—Foi uma das razões pelas quais me apaixonei tanto por você—, ela
continua. —Eu vi uma versão sua que ninguém mais viu.

—Ninguém mais queria—, eu digo baixinho.


Suas mãos apertam ao redor das minhas. —O que aconteceu com seu
pai? Você disse que ele te odiava, mas eu nunca vi isso no ensino médio.

Eu respiro fundo. —Isso é porque eu me conformei com o que ele


queria na época.

—Com futebol?

—Com tudo. Ele nunca entendeu quem eu realmente era ou o que eu


queria. Ele não se importou. Ninguém fez. Futebol, rei do baile, toda essa
merda era para fazer ele e todos os outros felizes. Aprendi desde cedo que
as pessoas não se importavam comigo, apenas com o que eu poderia fazer
por elas. Foi confirmado quando decidi seguir a música em vez do futebol
depois de me formar. Eu não significava nada para ele depois disso. Eu
tinha sido apenas uma ideia, não uma pessoa. Uma vez que essa ideia se
dissolveu, eu também.

—Nem todo mundo pensou isso,— ela diz baixinho. Eu ouço a dor
em sua voz e a puxo para mais perto. —Eu sempre vi você. Eu sempre via o
menino com o violão.

—Até que eu quebrei seu coração—, murmuro.

Sinto sua respiração afiada, mas não me arrependo de dizer isso. Ela
precisa se lembrar de quem eu sou. O que eu fiz. Por que todo esse
momento não é real e nem deveria estar acontecendo.

—Foi realmente porque você não queria que eu te seguisse e


arruinasse meu futuro?— ela pergunta.

—Sim.

—Então você realmente não queria dizer não? Você queria ir ao baile
comigo?
Solto uma risada amarga. —Porra, Iz. Recusar você foi uma das
coisas mais difíceis que tive que fazer até então. Você foi a única pessoa
que me viu. A única que deu a mínima para mim. Nem Kim…

Não consigo terminar. Não posso contar a parte sobre como, depois
que papai desistiu de mim quando recusei a bolsa de futebol para a Penn
State, ele colocou toda a sua esperança e atenção em sua filha perfeita.
Como ele também me culpa por sua eventual queda. De uma forma irônica,
isso é preciso.

—E levando a culpa pelo acidente? Foi pelo mesmo motivo?

Eu olho para a parede oposta, afastando o trauma daquela noite. —


Não sei. Pode ser. Eu era tão insignificante naquele momento. Ninguém
precisava de mim ou mesmo me viu. Eu estava fodidamente invisível
quando deixei de ser útil, e acho que pensei que assumir a culpa por Kim
me tornaria importante para eles, me daria um propósito, sabe? Pela
primeira vez na minha vida eu podia me sentir como um herói em vez de
um fracassado. Como se minha vida significasse algo e talvez...

Minhas palavras quebram, e eu fecho meus olhos.

—Tristan... —Eu ouço a dor em sua voz enquanto ela se agarra à


minha mão.

Forçando uma respiração fraca, eu descanso minha testa contra seu


cabelo.

—Eu não sabia o que realmente tinha acontecido até que fosse tarde
demais, —eu digo fracamente. —Kim pensou que ela tinha atropelado um
cervo. Ela não deveria estar dirigindo com uma carteira júnior, além de
estar bêbada. Ela tinha tudo a seu favor, e eu não tinha nada a perder
naquele momento. Papai teria implodido se seus dois filhos se tornassem
grandes decepções, então parecia fazer sentido eu dizer que fui eu.

—Mesmo quando você descobriu que não era um cervo? Que alguém
foi morto?

Ela traça seus dedos ao longo do meu braço, e eu deixo seu toque
aliviar a dor no meu peito. Essa história soa ridícula em voz alta,
especialmente depois do que aconteceu a seguir, mas na época, nossos
cérebros adolescentes ingênuos achavam que era a única opção que fazia
sentido.

—Não sabíamos que era uma pessoa até depois que eu já havia
confessado. Os policiais apareceram. Perguntado se era meu carro na
garagem e se eu estava dirigindo naquela noite. Eu disse que sim, como
Kim e eu tínhamos planejado. Eu deveria saber então que algo estava
errado. Eles não vêm à sua casa por causa de um cervo, mas nós éramos
jovens, estúpidos e assustados. Quando nos disseram que era uma pessoa,
quase vomitei. Eles me prenderam no local. Dado meu histórico e
confissão, foi um caso fácil.

Ela se vira para mim, e eu estremeço com o reflexo em seus olhos.


Não deveríamos estar falando sobre isso. Nada disso importa, e já quebrou
tanto da minha vida. Eu não quero desistir mais.

Ligue-me o mais rápido possível.

—Então, quando você descobriu que era Amber, por que não disse a
verdade?

Eu me encolho com a raiva em sua voz. Por Kim? Por mim? Para o
universo? Não faço ideia, mas reconheço bem. Ela quer reescrever o
passado. Como se entender a resposta a essa pergunta de alguma forma
apagasse os últimos quatro anos.

—Não teria adiantado nada, — digo em um tom áspero. —Eles não


teriam acreditado em mim e é muito provável que eu tivesse perdido no
julgamento. Eu não podia arriscar. Eles me acusaram de homicídio por
veículo, imprudentemente colocando outra pessoa em perigo, deixando a
cena de um acidente, dirigindo com a carteira suspensa... Qualquer coisa ,
eles me acusaram.
Eu pisco com força, a emoção fechando minha garganta novamente.
—O que eu deveria fazer, Iz?

Ela passa os braços em volta de mim e enterra o rosto no meu peito.


Eu a seguro perto enquanto minha pergunta despedaçada ecoa ao nosso
redor. Eu me torturei com isso tantas vezes. Eu deveria ter lutado mais? Eu
deveria ter me arriscado? E mesmo se eu tivesse ganhado, eu seria capaz de
viver comigo mesmo se Kim tivesse meu destino – um pior desde que ela
estava bêbada e mentiu para a polícia. Três a seis parecia uma negociação
na época. Como eu poderia ter entendido o preço catastrófico que eu estaria
pagando?

Ficamos em silêncio por um tempo, cada um de nós perdido em suas


próprias cabeças. Não sei o que ela está pensando, mas estou tentando
desesperadamente não voltar àquela noite horrível ou às inúmeras outras
que se seguiram. Tudo que eu quero é deixar esta dominar todos eles.

—Eu nunca vou esquecer o dia em que você enfrentou meus pais, —
diz ela em um tom pensativo. —Eu sei que todos te culpam pelo que
aconteceu em seguida, mas eu nunca vi isso do jeito que os outros viram.
Você não era o vilão; você era meu cavaleiro.
Eu fico tenso através de uma mortalha de raiva antiga, a mesma fúria
que senti na noite em que finalmente disse aos pais dela o que eu pensava
deles e para onde eles mereciam ir (inferno). Posso ter feito algumas
ameaças, mas, como sempre, minha tentativa de fazer a coisa certa saiu pela
culatra de maneira espetacular. Isso desencadeou uma sequência de eventos
que ainda me assombra.

Ela acha que eu sou seu cavaleiro? Eu quase a matei.

—Como você pode dizer isso? Eles te machucaram e te expulsaram


por minha causa.

—Não, eles aprenderam que eu era especial para alguém. Que eu era
importante. Eu sei que você se culpa, mas eu nunca vi dessa forma. O
trauma daquele fim de semana me fez perceber quem era minha família e
quem não era. Você. Você era minha família. Kim e seus pais, claro, mas foi
sua compaixão, sua bravura que me libertou. Mesmo meus avós nunca
enfrentaram meus pais porque eles não queriam irritá-los. Você foi a única
pessoa que realmente lutou por mim. Você não precisava aceitar o castigo
de Kim para ser um herói. Você já era meu.

Eu a aperto com força através do novo golpe no estômago. Outro


fragmento da história distorcida. Outro segredo que não posso contar a ela.
Porque esse também foi o dia em que seus avós descobriram o que eu sentia
por ela e me disseram para recuar. Que eu estava apenas piorando as coisas
para ela interferindo. Eles disseram que eu arruinaria a vida dela e eles
estavam certos.

—Você vai ficar bem, não importa o que aconteça. Você sabe disso,
certo? —digo com firmeza. —Você não precisa de mais ninguém para ter
sucesso. Você é tão forte, Iz. Você só precisa confiar em si mesma. Afaste-
se de Pierce. Encontre alguém que a valorize. Prometa-me.
Ela se afasta e procura meus olhos com preocupação. —Por que isso
soa como um adeus?

—Não é, —eu minto.

—Tristan. O que você não está me dizendo?

—Nada, —eu digo, dando um beijo em sua testa e puxando-a para


perto novamente. Talvez não seja mentira porque eu não vou me despedir se
eles me mandarem de volta. Não posso.

Eu a sinto relaxar em meus braços, e isso parte meu coração, mas


talvez seja esse o ponto. Eu nunca serei a pessoa que ela construiu em sua
cabeça ou uma certeza com a qual ela pode contar. Eu não sou um maldito
príncipe. Eu sou o diabo segurando a maçã.

—Vamos apenas dormir, ok? —Eu digo suavemente. Não consigo


tolerar a ideia de passar nossas últimas horas brigando – ou pior ainda, ser
uma decepção.

Sua respiração quente roça meu peito, e eu luto para manter minhas
emoções sob controle.

Você não pode tê-la. Você não pode ter isso. Amanhã você ligará para
o seu AC e tudo estará acabado.
—Não amado, —ela diz suavemente. —Isso é outra
coisa que você não é.
 

Meu AC está sentado em nosso sofá pela segunda vez em dois dias. A
expressão em seu rosto gela meu sangue, mas ele não quis falar ao telefone.
Estou ainda mais nervoso com o fato de que ele me disse para ter certeza de
que Isabel não estava por perto, então deu uma reviravolta completa
quando eu o informei que ela não estava namorando Pierce. Ele foi ainda
mais insistente para que ela estivesse presente depois que soube que
estávamos juntos e ela era a razão pela qual Pierce me odiava tanto. Esse
pedaço de informação deve ter sido uma peça que faltava, porque aqui
estamos nós, uma grande família feliz prestes a ser despedaçada.

Brian toma um gole de café e limpa a garganta.


—Eu poderia ter muitos problemas por estar aqui, — diz ele. —Tudo
o que estou prestes a dizer está fora do registro e nunca aconteceu,
entendeu?

Eu aceno, meu coração batendo contra minhas costelas. Merda, isso


deve ser ruim.

—Claro, —eu digo.


Ele olha para Isabel e Kim para confirmação, então se concentra em
mim.

—Olha, eu vou ser direto com você. Você parece um cara decente, e
eu tenho feito isso há muito tempo. Aquele cara Pierce? Ele tem uma coisa
por você, cara. Tipo, vingança obsessiva, vingança de nível obsessivo. Já vi
muitos ex—namorados e rivais tentando criar problemas para meus presos,
mas nunca algo assim.

Eu engulo em seco e tento suprimir o pânico crescente.


—Eu sei, —eu digo. —Ele deixou claro desde o início que me quer
de volta ao norte do estado.

Brian balança a cabeça. —Não, eu não acho que você sabe. E agora
que eu sei sobre vocês dois, ele acena entre Isabel e eu, —tudo faz sentido.
Desculpe, cara, mas você não poderia ter escolhido um inimigo pior. Seu ex
é problema, — ele diz para Isabel. —Você seria sábia para cuidar de suas
costas também.

Ela empalidece, e vejo a mensagem silenciosa no rosto de Brian


quando ele se concentra em mim.
Tem certeza que ela vale a pena?

Ela vale.

—Você deveria saber alguma coisa, — ele continua. —Aquele idiota


me localizou ontem à noite e falou todo tipo de merda, pensando que de
alguma forma eu estava do lado dele porque eu conhecia seu pai.

Espere um pouco. Meu AC não é Team Pierce? A Fortune sabe que


estragou tudo ao me jogar um osso pela primeira vez?

—Então vocês não são amigos? Ontem parecia que... —Deixei minha
declaração demorar, e com certeza sua carranca responde por ele.

—Amigos? Com esses idiotas? O pai dele também é um idiota. Não é


de surpreender que o filho tenha sido o mesmo. Mas é por isso que estou
aqui. Randall Harrison também é um advogado muito bom e bem
relacionado. Se essa família quer você de volta na SCI Burlington, eles vão
te pegar de volta.

Uma onda de náusea passa por mim enquanto suas palavras penetram.

Não posso voltar. Não posso. Não posso. Não posso.

—Mas se você sabe de tudo isso, não pode ajudá-lo? — Isabel


pergunta.

O medo em seu rosto me esmaga quando olho para cima. Eu quero


puxá-la em meus braços e dizer a ela que vai ficar tudo bem. Isso sim,
vivemos em um mundo imparcial como ela pensa. A justiça depende da
verdade. Os mocinhos vencem no final e os finais felizes existem. Mas não
posso mais mentir para ela. Já fiz o suficiente disso por toda a vida.

Brian balança a cabeça, parecendo frustrado. —Na verdade, não. Há


algumas coisas a meu critério. Violações técnicas – testes de drogas
reprovados, toque de recolher, pagamentos de multas, merdas assim. Mas
muito está fora das minhas mãos. —Ele se vira para mim. —Se eles
puderem te acusar de algo – qualquer coisa – você está feito. Eu não posso
te ajudar.
—Porra.

Eu descanso minha cabeça em meus punhos enquanto analiso o que


ele está dizendo. Meus pensamentos estão girando com cenários
apocalípticos. Provavelmente há muitas pessoas com autoridade nesta
cidade que gostariam de me ver de volta na prisão. Não deveria ser difícil
para os Harrison convencer seus amigos a fazer da minha vida um inferno.

—Mas eles têm que condená-lo, certo? Eles ainda precisam de


provas, — diz Kim, claramente preocupada.

Brian balança a cabeça. —Ter sua liberdade condicional oficialmente


revogada, sim. Mas eles podem prendê-lo até suas audiências. Tudo o que
os Harrisons precisam fazer é dar à polícia o suficiente para acusá-lo.

—Como isso é justo? —Kim grita.

—Não estou dizendo que é.


Ele suspira, e eu leio o pedido de desculpas em todo o seu rosto. —Eu
só vou colocar isso para fora. Se você tiver alguma conexão, algum favor
para pedir, agora é a hora de fazê-lo. É uma droga, mas é isso. Estou tão
farto e cansado de ver aqueles idiotas privilegiados de The Hills se safarem
sem nada, enquanto meu número de casos está lotado de moradores dos
Cedar Lake Apartments que recebem suas bundas entregues a eles. Você
está fodido. Não há como adoçar isso.

—Isso não está certo, —diz Isabel, seus olhos castanhos arregalados
de preocupação e indignação.
—Não, não está, mas eu já vi isso muitas vezes.

—Obrigado pela atenção, — eu digo, esfregando os olhos e me


endireitando.
—Desculpe, cara. Eu gostaria que houvesse mais que
eu pudesse fazer. O melhor que tenho é arranjar algum
dinheiro e arranjar um bom advogado. O dinheiro será sua saída dessa
situação . Se o estado prender você por outro crime, você não apenas
voltará para lá,como provavelmente terá ainda mais tempo.
 

—Temos que ligar para o papai, —diz Kim, assim que Brian sai.

—Não adianta. Ele não vai me ajudar, — eu digo, esfregando minhas


mãos no meu rosto. —Ele provavelmente os ajudaria.
—Nós podemos pelo menos tentar! Ele também é advogado. Aposto
que ele conhece tantas pessoas quanto Randall Harrison. Ele poderá
ajudar...

—Ele nem me considera mais da família, — eu digo, encontrando seu


olhar. —Ele não vai ajudar, Kim.

Sua expressão se despedaça quando ela recua. Vejo as lágrimas em


seus olhos, mas não sei o que fazer a respeito. Ela se sente culpada, eu
entendo. Eu me sinto fodidamente quebrado.
—Então nós dizemos a ele, —ela sussurra.

—O que? —Eu pergunto, meu coração batendo forte.


—Nós dizemos a ele a verdade. Que era eu.

Eu balanço minha cabeça, irritado que ela tenha sugerido isso. —Nós
já conversamos sobre isso. Não podemos fazer isso. Não podemos contar a
ninguém.

—Ele não é ninguém. É nosso pai.


—Que me odeia!

— Porque ele acha que você fez isso!

Meus punhos apertam ao lado do meu corpo. —Ele já me odiava


antes do acidente. Você sabe disso.

Seus olhos se estreitam em mim. —Não. Ele ficou desapontado.


Vocês dois brigaram a vida inteira porque são a mesma pessoa, Tristan.
Vocês dois são tão teimosos e têm um complexo de heróis distorcido, onde
é seu trabalho governar todos os outros para seu próprio bem. Ele estava
chateado porque ele construiu todo esse futuro para você e você o jogou
fora. É por isso que ele estava bravo, mas ele nunca odiou você. Se ele te
odiasse, ele não teria te socorrido ou te ajudado a conseguir aquele acordo
judicial.

—O apelo era para salvar a pele dele, e você sabe disso. Ele não
queria mais má imprensa com um julgamento.

—Não. Ele queria fazer o melhor que pudesse por você.


—Não. Ele queria fazer o melhor que pudesse por todos vocês! Você
quer provas? Que tal a correspondência ?
Eu odeio que a emoção tenha corrompido minha voz, mas é demais.
Por que eu tenho que continuar lutando as mesmas batalhas repetidamente?
Se eles estão realmente do meu lado, por que não podem me deixar fazer
isso?

—Que correspondência? —ela pergunta.


—No início desta semana ele apareceu com sua correspondência, mas
ele me pegou. Kim, ele poderia ter me assassinado de tão furioso por me
encontrar aqui. Ele nunca me visitou enquanto eu estava preso. Ele
formalmente me deserdou. É como se ele quisesse fingir que eu nunca
existi!

—Porque ele se sente culpado!

Minhas palavras param na minha língua. — O que?

Ela solta um suspiro. —É tão óbvio, Tristan. Mamãe também vê isso .


Ele está se retraindo. Ele se sente tão culpado por tudo, pelo jeito que ele te
tratou depois que você disse não para a faculdade, pelo jeito que ele
praticamente te abandonou depois de sua prisão... Ele estava ferido, mas
como aquele macho alfa teimoso que ele finge ser, ele não podia admitir
isso. Ele não podia dizer que estava arrependido ou dizer que te amava. E
ele com certeza não podia ver você sofrendo, então era mais fácil apagar
você da vida dele. Por que você acha que ele ainda está me apoiando,
embora também não esteja feliz com minhas escolhas de vida? Ele sabe que
errou e está tentando se absolver pelo que aconteceu com você! Ele
deposita mil dólares na minha conta todo mês e pagou as mensalidades da
Isabel como você queria. É dinheiro de sangue, Tristan. Alguma restituição
doentia por falhar com você.

Iz suspira, e eu cubro meu rosto.


Kim também está fazendo isso. Reescrevendo a história. Contando o
conto de fadas que ela quer acreditar.

—O que você quer dizer com ele pagou minha mensalidade? Estou
com uma bolsa de estudos, diz Isabel.
—Não, —diz Kim. —Você não está. Desculpe, Isabel, mas papai é
quem está por trás daquela bolsa falsa. Tristan implorou para ele usar
qualquer dinheiro reservado para ele em você quando ele foi embora. É o
fundo da faculdade dele que está pagando o seu.

—O que? —Eu ouço o choque em sua voz, mas não consigo olhar
para ela. É demais, muito rápido ,vindo de uma só vez.

—É a isso que ele estava se referindo naquele dia em que esteve aqui?
—ela pergunta. —A ameaça de fazer ajustes? Responda-me! —ela sibila
quando eu não respondo.

Ainda não consigo olhar para ela, mas forço um aceno de cabeça.

—Porra, Tristan! Como…? Nem estávamos juntos! Por que você faria
isso?!

—Você sabe por quê, — eu sussurro.

Ela se abaixa ao meu lado, mas em vez de ressentimento vejo dor. Ela
envolve seus braços em volta dos meus, e eu sinto o choque de Kim quando
Iz beija meu ombro. Qualquer que seja. Não estou em condições de lidar
com a desaprovação da minha irmã agora. Não sei lidar com o que já está
na mesa.

—Se tudo isso for verdade, eu concordo com Kim, —diz Isabel. —
Você precisa contar a verdade ao seu pai.
Ferido, eu nivelo meu olhar sobre ela. —Como você pode dizer isso?
Você estava lá. Você viu o que aconteceu quando ele passou por aqui.

Ela acena. —Sim. Foi terrível. Também faz todo o sentido quando
você olha da maneira que Kim disse. Quanto mais isso durasse e pior
ficasse para você, mais difícil seria para ele ser honesto consigo mesmo e
admitir seus erros.
—Não! Isso não faz sentido.

—Faz todo o sentido, —diz ela, apertando os braços em volta dos


meus. —Você pode não querer reconhecê-lo, mas você é como ele, Tristan.
Assim teimoso e hipócrita. Você sempre sabe o que é melhor, certo? Você
toma as decisões não apenas para si mesmo, mas para todos ao seu redor. É
do seu jeito ou de jeito nenhum. Você não pode tolerar estar errado. Você
prefere cavar uma centena de novas covas para si mesmo do que admitir
que precisa de ajuda ou estragar tudo.

Eu a encaro e me afasto, mas ela não recua.

—Você decidiu que não era bom o suficiente para mim e qual deveria
ser o meu futuro. Você decidiu que Kim não poderia lidar com as
consequências de suas ações, então você deve assumi-las. E agora você está
decidindo que não é digno de nos deixar ajudá-lo, que você não merece um
futuro ou qualquer coisa boa em sua vida. Tenho novidades para você,
Tristan Haverford. Você não é Deus e não tem o direito de tomar decisões
pelo resto de nós.

Sinto que fui atingido por um bastão. Meu sangue está fervendo
quando ela me supreende pegando minhas mãos. Mas seu rosto se suaviza
com tanto amor e compaixão que não consigo me afastar.
—Já lhe ocorreu que as pessoas podem não lutar por você porque
você não as deixa?

Eu não posso falar enquanto ela se inclina e aperta os braços em volta


de mim.
—Você já sofreu o suficiente, — ela sussurra. —Deixe-nos salvá-lo
de uma vez por todas.
Capítulo Quinze

ISABEL

Tristan chuta distraidamente o tapete enquanto esperamos que seus


pais atendam a porta. É um milagre que o tenhamos tão perto de sua casa de
infância. Kim e eu tivemos que arrastá-lo chutando e gritando (ou no caso
dele, xingando e pensando) depois de decidir que esta era nossa única
escolha para lutar contra a ameaça de Pierce.

Foi a decisão certa, mas dói ver o como assustado ele está. Ele
disfarça bem, é claro. Se eu não estivesse atenta a todos os detalhes sobre
esse homem, duvido que reconheceria sua ansiedade. É assustador o quanto
ele deve estar escondendo naquela cabeça torturada. Um arrepio percorre
meu corpo que eu só vi uma fração dele.

Eu coloco minha mão na dele e aperto. Seus olhos percorrem para os


meus, e eu pego os anos de dor acumulando naquelas íris marrom escuras.

—Você precisa estar aqui, — eu o lembro. —Você passou muito de


sua vida sendo incompreendido e silenciado. Você precisa ter uma voz
quando Kim contar a verdade aos seus pais.

Ele acena com a cabeça, mas não há convicção nisso. Não o culpo
depois de testemunhar aquele encontro perturbador quando o Sr. Haverford
deixou a correspondência. Esse confronto provavelmente será pior, mas não
consigo imaginar contar sua história para seus pais sem ele presente. Ele
tem o direito de testemunhar as consequências e se defender. Estou cansada
de vê-lo absorver golpe após golpe em silêncio.

A porta se abre e a mão de Tristan aperta a minha.

—Mija2, sua mãe diz para Kim surpresa. —Está tudo bem?
Então ela vê seu filho.

—Tristan, —ela sussurra, e eu juro que detecto alívio e desejo em sua


expressão antes que ela lance um olhar preocupada para trás dela. —Você
não deveria estar aqui, mijo, ela diz em um tom urgente. —Você sabe disso.

—Sim, ele deveria, —diz Kim. —Ele tem que estar. Temos que lhe
dizer uma coisa. Papai está em casa?

A testa de Yolis Haverford franze, mas Kim não espera a resposta de


sua mãe. Ela entra na casa e acena para nós atrás dela.

Dou um passo à frente, mas paro quando minha mão não se move.
Olhando para trás, vejo Tristan congelado no lugar, silenciosamente me
implorando para não obrigá-lo a fazer isso. Deus, isso é brutal. Levo sua
mão aos meus lábios para um beijo suave, ignorando a inspiração surpresa
de sua mãe.

—Você pode fazer isso, —eu digo, procurando seus olhos.

Ele suaviza por apenas um segundo antes de sua atenção mudar para
algo atrás de mim. Preparando-me, sigo seu olhar para a figura lívida
visível através da porta aberta.

Kim está discutindo com o homem, mas duvido que ele ouça o que
ela está dizendo. Seu foco está voltada em seu filho.

—Pai, por favor, —diz ela, bloqueando nossa visão. —Você tem que
ouvir. É extremamente importante.

—Deixe-me adivinhar. Ele precisa de dinheiro ou se meteu em mais


problemas. O que você fez dessa vez? —ele grita para Tristan.

—Não, —Kim diz em frustração. —Apenas... vamos sentar e


conversar.
—Ele não vai entrar na minha casa.

Eu sinto Tristan se retrair atrás de mim, e meu peito queima de raiva


tanto quanto simpatia. Por que esses dois homens teimosos não podem ter
uma simples conversa pelo menos uma vez?

Tristan já está voltando para o carro com um olhar de pedra quando


eu puxo sua mão. Ele dispara um olhar para mim, e eu devolvo um muito
feio. Cansei de me fazer de boazinha. Chega de segredos e mentiras. Chega
de pessoas quebradas cuidando de suas feridas em vez de curá-las.

Eu agarro seu pulso e o arrasto para frente, meu sangue pulsando com
fúria justa. Espero que estejam prontos, porque agora que o fusível está
aceso, estou no modo fera.

—Você precisa ouvir, Sr. Haverford, —eu digo, passando pela soleira.
Tristan ainda resiste quando eu o puxo atrás de mim, e eu viro um
olhar duro para ele. Depois de um breve impasse, ele suspira e me deixa
puxá-lo para dentro de casa. Continuo em frente, meu olhar fixo em Ben
Haverford.

—Sua família já sofreu o suficiente com segredos e mentiras, —eu


digo. —Nenhum de vocês é inocente nesta farsa, então todos vocês
precisam fazer parte da solução.

O olhar assustado de Ben para minha explosão rapidamente se


transforma em ressentimento. —Não há nada que você possa dizer ou fazer
que resolva isso, —diz ele. —Você deveria saber disso melhor do que
ninguém, Isabel. Ele quase arruinou sua vida também.

Ai. Eu aperto a mão de Tristan, sabendo o quanto isso o machucou.

—Não estamos pedindo nada, apenas para você ouvir, —eu digo.
—Apenas nos dê dez minutos. Por favor, papai? —Kim diz.

—Tudo bem, —ele sibila. —Mas isso é uma perda de tempo. Você
nem deveria estar livre. Por que eles deixaram você sair está além de mim.

Tristan se encolhe, e meu coração se parte quando ele abaixa o olhar,


maxilar tenso. É como se eu pudesse vê-lo empurrando sua dor em um
cofre distante para que pudesse torturá-lo mais tarde. E vai. Eu sei que vai.
Eu já vi isso várias vezes, e estou tão enjoada disso!

—Ótimo, — eu digo, indo em direção à cozinha.

Não gosto da carranca hostil que o homem mais velho lança para
Tristan, mas pelo menos ele murmura para si mesmo em vez de nos
expulsar.
Os outros não têm escolha a não ser seguir enquanto eu marcho pela
casa deles. Conheço bem o layout, tendo passado metade da minha infância
e basicamente toda a minha adolescência aqui. Minha vida em casa foi um
desastre enquanto crescia, então a —cerca branca— de Kim se tornou meu
porto seguro. É por isso que doeu tanto quando essa família se despedaçou.
É também por isso que não é uma opção deixar uma mentira separá-los por
mais tempo.

Uma vez na cozinha, eu me sento na mesa e puxo Tristan para a


cadeira ao meu lado. Ele olha para o jogo americano decorativo, completo
com um anel de guardanapo e um guardanapo de pano imaculado,
meticulosamente exibido em cada talher como se um jantar formal pudesse
acontecer a qualquer momento. Tudo à vista é arrumado e organizado.
Sempre achei que a residência deles poderia ser um set de filmagem ou uma
daquelas revistas caseiras.

A casa perfeita para a família perfeita.


Kim se senta do meu outro lado, enquanto seus pais ocupam as
cadeiras à nossa frente. A expressão de Ben é assassina enquanto ele olha
para a mesa.

— O que você precisa nos dizer? — Yolis pergunta à filha.

É então que me lembro de como isso deve ser difícil para Kim
também. Tristan já enfrentou o pior da punição da tragédia. A sentença de
Kim nem começou, exceto por sua culpa autoimposta. Seu olhar se volta
para mim, e ofereço o olhar mais encorajador que consigo.

—É sobre o acidente, —ela começa calmamente.

—De jeito nenhum. Não, —Ben sibila, levantando-se de sua cadeira.

—Temos que falar sobre isso, — rebate Kim.

—Eu disse não! O que está feito está feito. Fim da história!

Ele se vira para sair, e Yolis agarra seu braço. —Por favor, Ben.
Apenas deixe-os falar. Faz tanto tempo que todos nós...

—Pode apostar que faz muito tempo! —ele ruge. —Já se passaram
quatro malditos anos, porque aquele idiota não poderia fazer uma boa
escolha se sua vida dependesse disso! Deus sabe como você sobreviveu à
prisão!

—Ben! —Yolis chora.

—O que? —ele fala, centrando sua raiva em Tristan. —Você tinha


todo o seu futuro planejado em uma bandeja de prata, mas isso não foi bom
o suficiente para você, foi? Não, você teve que jogar tudo fora. Primeiro
para uma carreira musical ridícula, e depois, o quê? Diga-me! O que era tão
importante que você teve que destruir tantas vidas naquela noite? Uma
festa? Outra chance de beber sua vida?
Tristan apenas olha para a mesa.

—Diga-me!

Tristan estremece, mas não olha para cima.

—O que? Nenhuma resposta? Você teve cinco malditos anos para


inventar alguma coisa!

—Ben, por favor, — Yolis diz fracamente.

—Não, Iolanda! Isso foi longe o suficiente. Vocês todos querem


conversar? Vamos conversar. Explique-me como devo perdoar e esquecer.
Fiz tudo o que pude para te dar a vida que nunca tive. Cada maldita coisa!
Você sabe o quanto nós sacrificamos para lhe dar tudo isso? —Ele joga a
mão ao redor da sala em um aceno forte.

—Tudo o que você tinha que fazer era pegar! Tudo o que você tinha
que fazer era não ser imaturo e egoísta. Se você tivesse ido para a faculdade
como deveria, se você apenas... —Sua voz falha enquanto lágrimas enchem
seus olhos. —Porra, filho! Por que você não pode simplesmente fazer o que
lhe foi dito por um maldito segundo de sua vida?!

Suas palavras desmoronam como ele faz.

Oh Deus. Kim estava certa. Ele não está amargurado; ele está
quebrado.

—Pai, Tristan —sussurra, e Ben se vira para ele com um olhar


venenoso.

—Não, —ele avisa. —Eu não quero ouvir. Não quero desculpas
inúteis ou lamentações sobre o seu tempo na prisão. Foi difícil? Espero que
tenha sido brutal se lhe deu um alerta! Você queria fazer as coisas do seu
jeito? Bem, bem-vindo ao mundo real...
—Ele não fez isso! —Kim chora.

A sala fica quieta.

Todos os olhos se voltam para Kim, cujos próprios estão arregalados.

—Ele não fez isso, papai, —ela sussurra, encontrando seu olhar
atordoado. —Fui eu.

Ninguém se move enquanto Ben olha para Kim com uma expressão
vazia.

Ele balança a cabeça.

—Fui eu, pai, —diz ela, piscando as lágrimas manchadas de rímel


pelo rosto.

—Não, —ele grita.

—Sim! Fui eu. Eu estava dirigindo. Eu matei Amber.

—Pare!

—É verdade! Tristan levou a culpa porque você já o convenceu de


que ele estragou sua vida. Ele não queria prejudicar nossa família e meu
futuro em cima disso. Mas ele não fez isso, papai. Tudo o que ele queria
fazer era ajudar. Todo mundo tem que parar de machucá-lo. Por favor, pare
de machucá-lo, —ela soluça.
Lágrimas escorrem pelo seu rosto enquanto seus pais olham em um
silêncio entorpecido. O queixo de Tristan está tenso, seu olhar ainda fixo na
mesa. Ele não se moveu, como se tivesse desligado e desaparecido. Pego
sua mão, mas ele a afasta e apoia os cotovelos na mesa. Ele descansa a testa
em seus punhos, e eu sei que ele está quebrando por dentro. Sozinho. Em
silêncio. Como sempre.
—Não, —Ben diz com uma voz rouca enquanto seu olhar cruza para
seu filho. —Não, você está mentindo. Você está tentando me fazer...

—Eu não estou mentindo, —Kim engasga. —Ele não fez isso. Ele
não merecia ir para a prisão. Ele não merece nada disso! Ele perdeu quatro
anos de sua vida por algo que não fez. Quatro anos no inferno pensando que
todos o odeiam...
—Não! —Ben grita, ficando de pé. Ele empurra a cadeira e coloca as
mãos na cabeça. —Porra!

Lágrimas furiosas cobrem seus olhos enquanto ele anda


violentamente – assim como Tristan faz quando está chateado. Kim estava
certo sobre isso também. Eles são muito parecidos, demais.

—Ah! —Ben grita, chutando a cadeira.

Ele bate na parede com um som horrível. Ele vira para trás, furioso,
até que seus olhos se fixam em seu filho.

Imediatamente, sua raiva se transforma em faixas molhadas de


agonia. Tristan ergue o olhar com uma dor tão profunda que arranca um
soluço sufocado do homem responsável. Anos de discussões e mentiras
pairam no ar ao seu redor. Anos de traição cruel.

—Tristan... —Ben respira. —Oh Deus. Oh meu Deus.

Tristan pisca de volta, mal se segurando. —Sinto muito, pai, — ele


sussurra. —Eu não... eu só...

—Não, —grita Ben. —Não não não. —Ele espreita ao redor da mesa e
puxa seu filho da cadeira em seus braços. Ele segura firme quando Tristan
cai contra ele e enterra o rosto em seu ombro.
— Por que você não nos contou, filho? —Ben diz com a voz abafada.
—Por que você passou por isso sozinho? Nós… Por quê?!

—Você não teria acreditado em mim.

Ben cede com o golpe e fecha os olhos com força.

—Meu Deus, Tristan. Eu não posso... sinto muito. Sinto muito, filho.

Ele beija o lado de sua cabeça e o puxa para mais perto como se ele
nunca pretendesse soltar.
—Me perdoe. Me desculpe.

Tristan acena contra seu ombro, e Ben aperta os punhos na parte de


trás de sua camisa.

Eu enxugo meus olhos, desesperada para segurá-lo também. Minha


garganta dói enquanto vejo a verdade esmagar pai e filho em um
monumento vivo ao amor fraturado. Foram necessários tantos erros para
fazer uma bagunça tão grande, e eu odeio que a maior parte da punição
tenha recaído sobre a pessoa menos merecedora, aquela que estava apenas
tentando torná-la melhor. Tudo em mim quer escondê-lo. Para guardá-lo
perto e protegê-lo de mais mágoa. Não consigo suportar a ideia de que algo
o machuque novamente, e uma onda de náusea me percorre quando me
lembro por que estamos aqui. Oh Deus, e se eles o mandarem de volta?
Eu engulo uma nova onda de medo com o pensamento. Seria matá-lo
ser arrancado depois de recuperar uma fração de sua vida.

Por cima do meu cadáver ele está voltando para a prisão por algo que
ele nem fez.

Ninguém quer interromper o que está acontecendo entre pai e filho,


mas sinto a pressão do tempo enquanto esperamos. Minha imaginação
hiperativa tem Pierce e seu pai em uma mesa de conferência chique em seu
escritório chique, planejando maneiras de destruir essa pessoa linda que já
perdeu muito para recuperar. Ben pode estar arrependido, mas ele não
consegue nem começar a entender o que foi roubado de seu filho.

Quando eles finalmente se separam, ambos os rostos estão manchados


e molhados de lágrimas, mas há uma leveza no ar. Tristan até me envia um
sorriso tímido que aperta meu coração. Eu lutaria contra o céu e a terra para
mantê-lo lá.
Ben agarra os ombros de Tristan e o encara nos olhos.

—Eu fui um pai terrível para você, —diz ele.

Tristan olha para baixo, e Ben balança suavemente os ombros para


trazê-lo de volta. —Eu fui. Eu sabia, eu só… Deus, eu te amo tanto, filho.
Eu sinto muito.

Ele o puxa de novo, e eu pisco para afastar as lágrimas frescas.


—Nós vamos resolver isso, ok? ele diz. —Eu prometo
a você, Tristan. O que for preciso.
 

Uma hora atrás eu odiava Ben Haverford. Meia hora atrás, pensei em
perdoá-lo um dia. Agora, eu poderia beijá-lo. (Metaforicamente, é claro.)
Ele ainda tem a mesma expressão séria que tinha desde que voltou ao seu
lugar para examinar o resto da história distorcida, mas ele apenas disse a
única coisa que eu nunca esperava ouvir: —Pode haver um saída disso.

Não tenho certeza de onde está a cabeça de Tristan quando pego sua
mão novamente, mas ele me deixa pegá-la desta vez. Nós entrelaçamos
nossos dedos e tudo parece mais suportável do que um segundo atrás.
—Você está certo de que, se disser a verdade agora, eles vão atrás de
Kim, —diz Ben, olhando para a filha. —Você também está certo de que é
muito improvável que eles acreditem em você. Mas se pudermos encontrar
provas para provar que Tristan não fez isso, podemos entrar com um pedido
de anulação de sua condenação.

Talvez Ben esteja bravo e magoado com o papel de Kim em tudo isso,
mas ele deve ter aprendido a lição com seu outro filho, porque mostrou uma
contenção surpreendente desde a confissão. Sua personalidade de advogado
imediatamente entrou em ação, e a conversa manteve um ar calmo e formal,
como se Tristan e Kim fossem clientes, não seus filhos. Randall Harrison
com seu escritório estúpido e suas conexões estúpidas pode não ser um
sucesso , afinal.

—Mas é o que eu mereço, —diz Kim. —Eu preciso acertar as contas.


Fui eu que fiz. Eu deveria ir para a cadeia.

—Não, —responde Tristan de volta. —Não há nenhuma maneira no


inferno que você está passando por isso.

Os olhos de Ben se enchem de tristeza quando se fixam em seu filho.


Todos nós ouvimos o medo na voz de Tristan, a dor que ele tenta tanto
esconder. Eu só posso imaginar o que Ben está pensando agora que ele sabe
que abandonou seu filho quando ele mais precisava dele. O ressentimento
está me implorando para atacar com cada detalhe sangrento do que Tristan
sofreu sozinho enquanto seus pais fingiam que ele não existia.

Mas não é minha história para contar ou minha vingança para


executar. De alguma forma eu sei que ele nunca vai dizer a eles, o que torna
ainda pior.
—É uma situação complicada, —diz Ben. —Tenho certeza de que
muitos diriam que Kim ainda deveria ser punida, mas argumentos também
podem ser feitos naquele momento e, portanto, a justiça foi feita. Se
aconteceu de ser servido voluntariamente por outra pessoa, bem, isso é das
partes envolvidas. Mas sim, por outro lado, legalmente e talvez eticamente,
Kim deveria cumprir pena.

Tristan esfrega as mãos na cabeça antes de deixá-las cair sobre a mesa


em frustração. —Então os anos que eu cumpri não significaram nada? Eu
tive minha vida inteira arruinada por nada?
—Eu não estou dizendo isso, —diz Ben, surpreendentemente calmo
para alguém que parecia que poderia dar um soco em seu filho há pouco
mais de uma hora. —Tudo o que estou dizendo é que muitos erros foram
cometidos e precisamos considerar todos os ângulos enquanto decidimos
para onde ir a partir daqui. Temos que considerar a família de Amber
também.

—Você acha que desenterrar toda essa merda de novo seria bom para
eles? —Tristan pergunta em um tom acalorado. —Ouvi dizer que levou
dois anos até que eles reabrissem o café e começassem a seguir em frente
com suas vidas. — Ele balança a cabeça em um movimento conclusivo. —
Eles têm seu vilão. Eles têm o seu encerramento. Acham que a justiça foi
feita. Não é o suficiente?

Ben o estuda enquanto Kim pisca em meio a mais lágrimas.


—Mas é o vilão errado, —ela sussurra. — Se formos pelo caminho da
desculpa, eles descobrirão e terão essa ferida reaberta de qualquer maneira.

Tristan solta um suspiro forte. —Exatamente. Então nós apenas


deixamos. Vamos ficar quietos e seguir em frente como sempre
pretendemos fazer.

—Não. Não era isso que pretendíamos, —diz Kim. — Não tínhamos
ideia do que aconteceria e não podemos fazer com que você passe o resto
da vida pagando por algo que nem se quer fez. Você já sofreu o suficiente!
—Minha vida está fodida, não importa o que aconteça, — diz ele.

Eu estremeço com a certeza em seu tom. Ele realmente acredita nisso.


Ele realmente desistiu.

—Eu acho que vocês dois estão certos, — eu interrompo.


Fiquei em silêncio durante toda a conversa, decidindo que esse
esqueleto familiar deveria ser resolvido em seu próprio armário. Mas eles
não sabem o que eu faço sobre o verdadeiro custo da mentira, e Tristan não
vai contar a eles. O que ele passou não pode ser em vão. Ele não
sobreviveria a isso.

Temos de aceitar que não existe uma solução limpa. Ninguém ganha e
todos perdem quando as mentiras se tornam verdade.

—Talvez não seja ‘ético’ ou ‘legal’ ficar calado, mas isso é um


pecado que teremos que suportar como aqueles que causaram o dano inicial
— eu olho para Kim — e acrescentou mais dano. —Eu descanso meu olhar
em Tristan. Ele não diz nada, mas vejo seu cérebro funcionando. Duro.
Volto a me concentrar em Bem novamente. —Ficar calado pode ser
errado, mas é a coisa certa para todos os envolvidos, incluindo a família de
Amber. Iria esmagá-los saber que mentiram para eles e agora eles têm que
passar por todo o trauma novamente, desta vez sem justiça para se
apoiarem.

Kim suspira, e eu me viro para ela.


—Você estragou tudo, — eu digo. —Não há como adoçar. Você
matou alguém, mentiu sobre isso e, além disso, tem que assistir alguém que
você ama receber sua punição repetidamente. Sim, você merece ser punida,
e você está sendo. Essa é uma frase muito horrível para carregar para o
resto de sua vida. Isso não pode ser suficiente?

Eu descanso minha mão na coxa de Tristan quando ele pressiona os


punhos nos olhos. Sua cabeça e coração devem estar uma bagunça agora.
De jeito nenhum eu vou deixá-lo enfrentar a escuridão sozinho esta noite.

—Então, o que fazemos? —Yolis pergunta. —Não podemos deixar


Tristan sofrer o estigma pelo resto da vida. Isso também não está certo. O
preço que ele pagou também não é suficiente?

Sim. Mais do que o suficiente. E eles nem sabem sobre os Harrisons e


sua ameaça ainda.

Eu aperto sua perna em apoio quando vejo como ele está tenso. Ele
está pensando nisso também? Sobre o quão precária sua situação é agora, e
será pelo resto de sua vida com antecedentes criminais?
Tudo o que os Harrisons precisam fazer é dar à polícia o suficiente
para acusá-lo.

E essa farsa seria por minha conta. É minha culpa Pierce estar em
busca de sangue.

—Temos outro problema, — digo, piscando para a mesa antes de


levantar os olhos para encontrar os Haverfords. —Há uma razão pela qual
finalmente decidimos ser honestos.
 
Alguém está surpreso que Tristan nunca mencionou que conheceu
Ashton Morgan e Iris Alexander até que ele não teve escolha? O —casal
perfeito— de Suncrest Valley é apenas sua melhor chance de encontrar uma
saída para isso. Eu poderia gritar quando o garoto teimoso relutantemente
puxa o cartão de visita que Ashton deu a ele do bolso e entrega para seu pai.

Ben balança a cabeça, e em qualquer outra situação eu riria do olhar


irritado em seu rosto.

—Para referência futura, quando um bilionário quer sair e se tornar


seu amigo, você diz sim, —diz Ben.

—O pai de Iris é bilionário. Duvido que ela seja, —diz Tristan. —


Além disso, não há como eles ajudarem. Eles provavelmente estão no ‘Rich
Club’ com Pierce.

Meu estômago afunda quando considero sua declaração. A verdade é


que conheci Iris e Ashton – em eventos em que eu era o acompanhante de
Pierce. Ela parecia doce, ambos pareciam, mas Tristan tem razão. Então,
novamente, só porque eles frequentam os mesmos círculos, não significa
que eles valorizam as mesmas coisas.
—Vale a pena tentar, — eu digo. —Iris administra o setor de caridade
sem fins lucrativos das empresas Alexander, e Ashton não cresceu com
dinheiro. Há uma chance de que eles sejam simpáticos.

—Mesmo que isso seja verdade, eu não gosto de usá-los. Isso parece
uma merda, diz Tristan.

—Acho que eles entraram em contato com você porque esperavam


que você precisasse de ajuda um dia. — Eu puxo sua mão e o forço a olhar
para mim. —Basta falar com eles.
Eu não posso te perder de novo, meus olhos concluem para mim.

Ele exala uma respiração trêmula e pega o cartão de volta de seu pai.
—Pelo menos deixe-me fazer contato primeiro. Eu não posso simplesmente
ligar para eles e dizer: 'Ei, você quer pagar minha fiança?'... literalmente.
—Você não tem tempo para brincar de pega-pega , filho, — Ben
repreende.

Nós lhe damos um olhar penetrante, e ele suspira. Acho que velhos
hábitos custam a morrer.

—Desculpe, — ele resmunga.


Tristan estuda o cartão novamente, então pega seu telefone. Seus
dedos pairam um pouco sobre a tela, e fico aliviada quando ele finalmente
começa a digitar. Ele vira a tela o suficiente para que eu possa ver seu texto.

E aí cara. É Tristan Haverford. Do Sheltons? Aqui está o meu número


também.

Tristan parece tão surpreso quanto eu quando as bolhas de texto


aparecem imediatamente. Coletivamente prendemos a respiração enquanto
esperamos.

Ashton: Yooo. Graças a Deus. Estamos tentando encontrar uma


maneira de entrar em contato com você. Nós precisamos conversar. Você
conhece Pierce Harrison? Esse pau não gosta de você, cara.

Ah! Sabia. Eu forço um sorriso.

—Nem uma palavra, —Tristan murmura para mim.


—O que? Eu não disse nada. — Eu mordo meu lábio.

Ele me dá um olhar irritado, mas eu vejo o alívio em seu rosto.


— O que está acontecendo? — Ben pergunta. —Ele respondeu?

Tristan assente. —Talvez Pierce não seja tão popular quanto ele gosta
de pensar.
Seu telefone vibra, e eu olho para a tela.

Ashton: Vamos nos encontrar o mais rápido possível. O pai de Iris


tem algumas ideias.

Solto uma risada, e os outros me encaram enquanto Tristan revira os


olhos.
— O que? — Kim pergunta. —O que ele disse?

—Nada, — murmura Tristan.

Eu sorrio e o empurro. — Sim. Nada. Bem, exceto que o gênio dos


negócios bilionário Kyle Alexander também quer ajudar.
Capítulo Dezesseis

TRISTAN

Esta noite foi brutal. Libertadora, mas cansativa. Quando voltamos


para o apartamento, não tenho escolha a não ser ligar e pedir dispensa do
trabalho. Eu me sinto péssimo com isso, mas não há como lidar com
clientes mais rudes ou olhares de reprovação agora. Kim e Iz devem
entender, porque nenhuma delas me repreende quando eu desligo e vou
para o banheiro para tomar banho. Assim que Kim sair para o turno dela,
vou dormir cedo. Como todos os outros dias da semana passada, este parece
interminável.

A água quente me esgota ainda mais e, quando saio do banheiro,


estou praticamente mancando de cansaço. Kim se foi quando volto para a
sala, e fico surpreso ao encontrar Isabel parada ali com uma caneca
fumegante.

—Aqui, — diz ela, entregando-me.


Suspiro e balanço a cabeça. —Obrigado, mas não posso. Sem café.
Eu só quero dormir.

Ela o empurra ainda mais para mim. —É chá de camomila. Você teve
um dia muito difícil. Isso o ajudará a relaxar.

Atordoado, eu pego a xícara e olho para o líquido aromático.

— O que há de errado? — ela pergunta.

Eu não sei como responder, enquanto o calor e a tristeza me inundam.


Não me lembro da última vez que alguém cuidou de mim assim. Não desde
que eu era criança. Droga, devo estar exausto porque minha garganta está
fechando.
—Tristan?

Eu levanto meus olhos para ela e forço um sorriso fraco. —Não é


nada. Obrigado por isso.
Tomo um gole, tenho certeza de que não vou gostar, mas o próprio
diabo não conseguiu me impedir de beber. Eu começo em direção ao sofá,
mas uma mão firme pousa no meu braço.

Isabel balança a cabeça quando olho para trás, seus dedos prendem no
meu cotovelo.

— Não, — ela diz suavemente.

— Não?

Ela começa em direção ao corredor, me puxando atrás dela. — Você


não vai dormir sozinho esta noite.

Meu coração acelera, mesmo quando meu estômago se revira. — Iz,


eu... Não é uma boa noite.

— Não para sexo, — ela resmunga enquanto me arrasta para seu


quarto.

Confuso, fico em silêncio enquanto ela me leva para sua cama e pega
a caneca da minha mão. Depois de colocá-la na mesa de cabeceira, ela me
empurra para uma posição sentado.

—Deite-se, ela diz. — Do seu lado.

—O que?

Seus olhos se estreitam para mim. —Você pode apenas ouvir uma vez
sem discutir?

Eu retraio de volta um sorriso. — Como você faz?


Ela revira os olhos, mas eu obedeço. Não adianta lutar contra ela. Nós
dois sabemos que ela pode me obrigar a fazer o que ela quiser.

Eu sigo suas instruções e imediatamente me aconchego nos lençóis


macios. Cara, isso é bom. O cansaço já está tomando conta. Não tenho
certeza se seria capaz de me levantar de novo se quisesse.

O colchão afunda quando ela sobe atrás de mim.

—Isso é sobre o quê? —Eu pergunto. —Está tudo bem?

— Não.

Eu tento me virar, mas ela apoia a palma da mão no meu ombro, e eu


relaxo novamente com seu toque. Seus dedos deslizam pelos meus ombros
enviando calafrios sobre minha pele. Para cima e para baixo, lento e
constante, até que eles se movem para as cicatrizes largas e feias na parte
inferior das minhas costas.

—Eu não quero que você fique mais sozinho, — diz ela baixinho. —
Estou tão cansada de ver você sozinho.

Fecho os olhos e respiro suas palavras.

—Eu não me importo.

—Você costumava, — diz ela. —Você odiava ficar sozinho. Você


sempre esteve cercado de pessoas. Esse é o problema. Aquele lugar mudou
você.

Eu sei que ela está estudando minhas cicatrizes na penumbra do


corredor. Seus dedos deslizam em movimentos deliberados como se ela
estivesse traçando cada uma. Eu só as vi uma vez, mas você não precisa ver
algo para saber que está lá. Eu as sinto a cada segundo de cada dia.
—É por causa dessas cicatrizes que você gosta de ficar sozinho
agora?

Um suor frio cobre meu corpo.

—Por favor, me diga, — diz ela, estendendo as mãos. De alguma


forma eu sei que ela está cobrindo minhas imperfeições com as palmas das
mãos. Mas as mãos de ninguém são grandes o suficiente para esconder meu
dano.

Apertando os olhos, tento controlar minha respiração enquanto as


memórias voltam. Só contei a história duas vezes — ao guarda que me
encontrou e à enfermeira na enfermaria. Ambos me avisaram para nunca
mais contar se tivesse alguma esperança de sobreviver naquele lugar.

—Em parte, —eu digo baixinho.

Seu toque para nas minhas costas, e eu sei que ela está surpresa por eu
estar falando. Francamente, eu também estou.

—Eles... eu passei mais de um mês na solitária após o ataque.

—Eles puniram você por isso?

—Não foi um castigo, — eu digo em uma expiração. —É considerado


prisão preventiva. Uma das muitas razões pelas quais ninguém fala.

—É por isso que você nunca contou o resto a ninguém? —Eu ouço o
tremor em sua voz.

—Em parte, — repito, quase inaudível.

Minhas costas aquecem quando um corpo se aconchega em mim, e


logo seu braço envolve meu corpo para me puxar para perto. Eu pego sua
mão e beijo seus dedos antes de agarrá-la firmemente na minha.
—Prometa-me que você vai contar a alguém um dia, — ela murmura
contra a minha pele.

Seu hálito quente aquece meu ombro em um beijo suave.


—Tristan?

Fecho os olhos com força, tentando me concentrar em seu toque para


aliviar o pânico crescente.

—Não precisa ser eu. Apenas alguém. Por favor, me prometa.

—Eu não sei se eu posso, — eu sussurro. —Eu não sei mais nada, Iz.

Seu abraço se aperta, e eu me deixo me perder na cadência suave de


sua respiração.

Depois de um longo silêncio, acho que ela está dormindo até que ela
se aconchega ainda mais.

—Bem, eu sei de uma coisa, — diz ela. —É outra coisa que você não
é.

—Sim? O que seria isso?— Eu pergunto, abrindo um sorriso.


—Sozinho.
 

Papai e Kim queriam vir, mas eu disse que não. Primeiro, embora
nossa recente descoberta tenha significado muito, será preciso mais do que
um abraço e algumas lágrimas para desfazer décadas de danos. Dois, é
estranho o suficiente estarmos invadindo o castelo de um rico estranho,
quanto mais arrastando meu pai e minha irmã conosco. Isso é mais sobre
Pierce do que sobre o acidente de qualquer maneira, então Isabel era a única
que poderia me convencer de que ela precisava vir. Quando chegamos ao
portão da propriedade de Kyle Alexander em The Hills, meu coração bate
contra minhas costelas.

—O que estamos fazendo? —Eu murmuro, olhando para a


monstruosidade ornamentada projetada para manter pessoas como eu fora.

—Estacionando, —diz Iz, avançando ao longo do meio-fio. Ela


estaciona o carro e se vira para mim. —Nada de ficar pensando esta noite,
ok?

Eu tento sorrir por ela, mas não consigo fazer funcionar. Seu humor
desaparece enquanto ela estuda meu rosto.

—Ei, — ela diz suavemente. —Olhe para mim.

Ela solta o cinto de segurança e se move em minha direção. Eu não


tenho defesa quando ela se inclina sobre o console e puxa minha camisa até
eu encará-la. Ela prende meu rosto nas palmas das mãos e força meu olhar
para o dela.

—Não importa o que aconteça, lembre-se de que não estamos lutando


por nada que você não mereça. — Seus polegares correm sobre minhas
bochechas enquanto ela procura meus olhos. —Mesmo se você argumentar
que o tempo que você cumpriu foi sua culpa, já que foi sua escolha, isso, o
que está acontecendo agora, não é. Você não merece voltar, ok? Você
merece ter alguém do seu lado pelo menos uma vez, então me prometa que
não vai sabotar isso.

—Sabotar isso?

Ela me dá um olhar severo. —Você sabe do que eu estou falando. Não


mais, esta é a minha vida agora. Eu não valho a dor. Você merece, Tristan.
Você vale muito a pena a dor.
Ela se inclina, e eu respiro seu beijo como se pudesse ser o suficiente
para sobreviver a outro dia. Minhas mãos instintivamente se enroscam em
seu cabelo, acendendo o ar ao nosso redor. Ela sobe no console para montar
em mim, seus olhos suaves e penetrantes quando encontram os meus no
silêncio. Fragmentos de luz do portão de segurança próximo piscam sobre
suas íris em uma exibição hipnotizante. Eu poderia sentar aqui por horas
olhando para sua alma linda e complexa.

Mas não temos horas. Não temos minutos. O tempo nunca foi um
jogo que pudéssemos ganhar.
Sua expressão é sombria enquanto ela traça meu lábio com o dedo
indicador.

—Eu não posso te perder de novo, — ela diz baixinho.

Meu coração aperta em seu apelo suave.


—Você não vai. Eu prometo, — eu digo, puxando-a para mais perto.

Eu vejo o medo em seus olhos antes que ela se ajuste para descansar a
cabeça no meu ombro.

—Você não pode prometer isso, — ela sussurra.

Seus braços se apertam ao meu corpo, e eu estremeço com outra


pontada de dor. Ela está certa, eu não posso. Não só isso, parece quase certo
que serei arrastado de volta em algum momento. Vamos lutar, mas as cartas
estão tão empilhadas que não há chance de vencermos.

—Bem, então que tal irmos invadir este castelo e recrutar nosso
exército, — eu digo com uma voz provocante.

Ela se endireita com um sorriso fraco, e eu afasto o cabelo de seu


rosto. Ficamos olhando em silêncio, os segundos passando como se
soubéssemos que o destino está prestes a escolher nosso próximo caminho e
não podemos confiar em suas decisões.

Com uma respiração profunda, ela encosta a testa na minha e fecha os


olhos. Eu faço o mesmo, absorvendo a subida e descida constante de seu
peito contra mim. Por este breve momento, pelo menos, estamos vivos e
livres. Podemos respirar o mesmo ar e sentir o calor da pele um do outro.
Ainda temos um pouco de esperança.

Quem sabe o próximo?

Depois de outro beijo suave, ela volta ao seu lugar, e eu mando uma
mensagem para Ashton para que ele saiba que estamos aqui. Pouco tempo
depois, o portão se abre.

—Esta pronta? — Eu pergunto.

As sobrancelhas de Isabel franzem enquanto ela examina a barreira de


metal ornamentada.

—Sim, — diz ela com determinação. —Vamos fazer isso.

Descemos do carro e andamos em direção a ele como se


estivéssemos nos aproximando do próprio paraíso. Comparado com o
portão de onde vim, provavelmente estamos.
Isabel pega minha mão, e eu aperto enquanto começamos a ir em
direção à casa.

—Nossa. Qual será o comprimento dessa entrada de carros? — ela


pergunta.

—Nós provavelmente deveríamos ter subido de carro.


—Você acha? A família de Pierce nunca quis carros de outras pessoas
em sua propriedade. Eu sempre estacionava na rua quando passava.

—Por favor, me diga que você está brincando.

Ela dá de ombros, e eu adiciono isso à enorme lista de coisas que vou


socá-lo por um dia.

Ashton e Iris nos encontram no meio do caminho, e eu respiro um


pouco mais aliviado quando eles parecem relaxados e felizes em nos ver.

—E aí cara. Que bom que você conseguiu vir, — Ashton me diz.


—Isabel? Íris pergunta surpresa. —Espere, vocês dois estão juntos?

Não tenho ideia de como responder a isso, mas não preciso quando a
mão de Isabel aperta a minha.

—Sim, — ela diz. —Pierce e eu terminamos.


Ashton vira seu olhar de volta para mim com um assobio baixo. —Oh
garoto. Agora eu entendi.

—Que ele é um babaca total? — diz Íris. Eu mordo um sorriso


quando ela dá de ombros para o olhar de advertência de Ashton. —O que?
Você o odeia ainda mais do que eu.

Ashton balança a cabeça, mas a diversão puxa seus lábios.

—Sem ofensa, Isabel, mas nunca conseguimos descobrir por que você
estava namorando ele, — diz Iris. —Você foi boa demais para ele.

Uh-oh. Sinto a tensão de Iz e passo o polegar sobre o dela.

—É difícil de explicar, — ela murmura. —Ele foi ótimo no começo.


Eu não entendi quem ele realmente era até que fosse tarde demais.
—E então você se sentiu presa, certo? — Iris pergunta com uma
expressão simpática. —Ele é uma cobra. É o que ele é.

—Estávamos brigando constantemente antes mesmo de Tristan entrar


em cena, —diz Isabel. —Acho que ele nem me quer. Ele só não quer que
mais ninguém me tenha.

—Comportamento de pau clássico, — Iris diz.

—Sim, porque ele é um idiota, — diz Ashton, e Iris dá um tapa em


seu braço. —O que? Você acabou de dizer que ele era um babaca.

—Exatamente! Então eu não posso chamá-lo de babaca, mas você


pode chamá-lo de idiota?
—É que...

—Eles são a mesma coisa! Literalmente!

—Mais ou menos
—Meio que não é. Procure a definição, gênio.

—Tudo bem, eu vou. Me passa seu telefone.

—Por que tem que estar no meu telefone?


—Eu não estou procurando pau contra pau no meu.

Isabel e eu trocamos um olhar na discussão mais fofa de todos os


tempos. Deus, mesmo quando brigam, são nauseantes.

Mas meu humor desaparece quando nos aproximamos da casa — se é


que você pode chamar assim. Castelo? Vila pequena? Droga. Ainda não faz
sentido que eu esteja aqui.
—Não se preocupe. O interior é ainda mais intimidante do que o
exterior, — Ashton diz com um sorriso. —Eu diria que você vai se
acostumar com isso, mas não vai.

Iris revira os olhos, mas ela não pode estar muito irritada porque ela
passa o braço ao redor de Ashton e agarra sua mão. Ele dá um beijo no
cabelo dela quando ela se acomoda contra ele no que parece ser uma
interação instintiva. Como eu disse, nauseante.

E eu faria qualquer coisa para ser Iz e eu.

Ela pode estar pensando a mesma coisa quando ela inclina a cabeça
no meu ombro enquanto caminhamos os passos restantes para a mansão.

Iris nos leva por uma porta chamada —The Laundry Entrance
(Entrada da Lavanderia) que também vem com uma risadinha de Ashton e
um tapa brincalhão de Iris.
Eu sou Team Ashton quando entramos em um auditório ridículo que
tem que rivalizar com a própria Olympus.

Os olhos de Isabel estão arregalados enquanto ela observa o lindo


espaço, mas os meus imediatamente travam em um violão Martin vintage
encostado em um suporte como se fosse apenas mais uma decoração.

—O que há de errado? — Iz pergunta quando eu congelo. Ela segue


meu olhar e seu sorriso diz tudo. —Eu sabia. Você ainda tem o bichinho da
música.
—Não. É só que é pelo menos uma guitarra de vinte mil dólares, —
murmuro.

—Vinte e dois, na verdade. Bom palpite, — diz uma voz, e meu pulso
acelera com a aparição do Kyle Alexander. Ele não se parece nada com o
que eu esperava, no entanto. Bem, fisicamente ele parece. Cabelo curto
grisalho com barba combinando, constituição atlética, características
distintas que o fazem parecer um deus dos negócios com quem você não
gostaria de mexer. Mas há uma suavidade e luz em sua expressão para a
qual eu não estava pronto. O cara parece... gentil.

—Você toca? — ele pergunta.

—Na verdade não, — eu digo ao mesmo tempo que Isabel diz, —


Sim.

Eu dou a ela um olhar duro, e ela levanta as sobrancelhas em desafio.

—Eu costumava, — eu esclareço. —Não faço há anos.

—Oi, eu sou Kyle. Você deve ser Tristan e Isabel.

Nós acenamos com a cabeça e apertamos a mão que ele oferece, então
assistimos em silêncio atordoado enquanto ele remove o violão do suporte.

—Comprei em um leilão de caridade há algum tempo pensando que


aprenderia, mas nunca cheguei a fazer isso.
Ele me entrega, e eu não tenho escolha a não ser pegá-lo.

—Tenho certeza de que está morrendo de vontade de ser tocado de


verdade, — diz ele com um sorriso.

Meu estômago está tremendo enquanto eu seguro a guitarra na minha


mão, sem saber o que fazer a seguir. —Oh. Hum, como eu disse, eu não
toco há anos. Perdi todos os meus calos, —digo, flexionando os dedos da
minha outra mão.

—Apenas tente. Deve ser como andar de bicicleta, — diz Isabel.


Eu olho para ela, piscando com força enquanto me preparo para uma
onda de emoções misturadas. Ela está agindo como se fosse tão fácil. Tipo,
eu posso simplesmente continuar de onde parei e terminar as músicas que
comecei a escrever há cinco anos. Mas não é apenas a música que eu perdi.
Foi uma era inteira. Uma identidade. Uma paixão. Uma proposta. Tocar de
novo não seria como andar de bicicleta. Seria como ser ressuscitado da
sepultura.

E isso me assusta pra caralho. Se eu abrisse o cofre, o que sairia de


lá? Um milagre ou um zumbi?

Não estou pronto para a resposta quando quatro olhares expectantes


se fixam em mim, mas que escolha eu tenho? Eu realmente vou fazer uma
cena recusando a gentileza de um estranho que se ofereceu para ajudar a
salvar minha vida?

Não há alça para o violão, então me abaixo em direção ao sofá de


couro mais branco que já vi, parando no meio da poltrona com uma careta.

—Você se importa? — Eu pergunto.


—É claro. Sente-se, — Kyle diz, acenando para mim.

Eu me acomodo na almofada e equilibro o violão na minha coxa.


Uma dedilhada, e eu me encolho com o quão desafinada ela está.

— Não deveria soar assim, não é? —Kyle diz com uma risada.
—Não, — eu digo, lutando contra um sorriso. —Espere.

Eu faço o meu melhor para sintonizar de ouvido sob o olhar atento de


todos na sala. A tensão aumenta no silêncio, e sinto a pressão crescendo
dentro de mim no teste que estou esperando e temendo desde que voltei
para casa. Naquele primeiro dia, eu mal podia esperar para segurar uma
guitarra novamente. No segundo, eu estava feliz por meus pais terem se
livrado dela. Todo o resto tinha ido para o lixo, e eu não tinha certeza se
poderia lidar com a descoberta de que também tinha perdido a música.
Ainda não estou pronto para descobrir, mas não há como sair dessa situação
sem drama que eu não quero.

A afinação provavelmente está um pouco errada, mas contanto que as


cordas estejam afinadas umas às outras, deve ser bom para esta pequena
demonstração. Quem sabe se eu posso até tocar a coisa? Eu não toquei em
uma guitarra desde a noite anterior que tive que me apresentar para a minha
sentença.
Meus dedos naturalmente encontram um acorde G, no entanto, e
quando eles instintivamente mudam para um acorde C, depois um E menor,
os nós no meu estômago se suavizam em uma corrida emocionante. Os
acordes tornam-se ritmos e os ritmos se unem em uma música improvisada.
Logo, eu me aventuro para longe do tom Sol fácil e flexiono para o tom Si.
Fico aliviado quando isso também parece natural. D, A, não importa o que
eu tente, o dedilhado volta, até mesmo os acordes da barra, embora eles não
estejam tão limpos quanto deveriam ser desde que perdi a força dos dedos
que eu tinha.

—Toque algo de verdade, — Isabel diz em uma voz suave. —Uma de


suas músicas.

Estou quase assustado com a interrupção. Eu tinha esquecido meu


público e onde eu estava por um segundo. Nos últimos minutos, fui
transportado para um tempo e lugar diferentes. Não o passado, mas um
futuro alternativo. Algum mundo de fantasia onde a música me fez algo
diferente de um criminoso fodido que todos desprezavam. Então, a picada
na ponta dos meus dedos me traz de volta à realidade. Bolhas já estão se
formando na pele que sabe que isso não é real.

Acontece que não sou um milagre ou um zumbi. Eu sou um


holograma.
—Eu não me lembro de nenhuma das minhas músicas, —minto, me
levantando do sofá.

Não consigo olhar para Isabel enquanto volto para o suporte e coloco
suavemente o violão no lugar certo. Seu pedido tinha sido preenchido com
tanta esperança. Tanta porra de maravilha. Odeio tê-la desapontado, mas
este sou eu agora, outro fracasso que ela terá que aceitar. Eu não sou mais
aquele cara. O artista em mim foi despojado e quebrado junto com todo o
resto.

—Bem, talvez outra hora, — diz Kyle, limpando a garganta. —Soou


ótimo, no entanto. Talvez você possa me ensinar alguns acordes mais tarde?
Eu devolvo um sorriso forçado. —Claro. Você provavelmente vai
querer mudar as cordas também.

—Eu acho que você teria que me mostrar isso também, — diz ele
com um sorriso divertido.

—Eu ficaria feliz, — eu digo, sabendo que isso nunca vai acontecer.
Ele está sendo educado. Essa coisa toda é uma aula de etiqueta. —É um
belo instrumento. Obrigado por me deixar tocar.
—Provavelmente está agradecendo mais a você.

Eu pressiono meus lábios e olho para longe. Duvido disso. Meus


dedos ainda queimam de seu breve choque com as cordas. Eu costumava
ser capaz de tocar por horas sem uma pontada de dor. Mesmo se eu quisesse
tocar de verdade novamente, levaria um tempo para condicionar minhas
mãos de volta para onde deveriam estar. Esse obstáculo por si só parece
esmagador e impossível.

—Ok, temos muito o que discutir, — diz Iris, batendo palmas.


—Você gostaria de uma bebida antes de começarmos? Cerveja, vinho,
algo mais forte? — Kyle pergunta.

—Ele está em liberdade condicional, pai, — Iris resmunga.

—Oh, certo. Desculpe. Limonada?


Iris revira os olhos, e ele sorri de volta.

—Que tal algumas caixas de suco?— ela murmura.

—Nós provavelmente os temos para quando os filhos de Braydon e


Charmaine estiverem aqui.
—Hum, você viu meu irmãozinho quando colocamos o filme para
ele? — diz Ashton. —Bray está no limite de caixas de suco hoje. Que tal
tomarmos apenas água?

Kyle ri. — Justo. Você se importa de ajudar? — ele me pergunta.

—Claro, senhor, — eu digo.

—Kyle, — ele corrige com um sorriso.

Não tenho certeza de como responder, então não digo nada enquanto
o sigo até a cozinha.

—Então Iris e Ashton me dizem que você está tendo alguns


problemas com Pierce Harrison.

Eu tento lê-lo na penumbra. —Sim. Ele não está feliz com Isabel e eu.
—Aquele garoto não está feliz com muitas coisas, — diz ele, tirando
algumas garrafas de água com gás da geladeira.

Eu luto contra um sorriso, mas o deixo que ele se desfaça quando o


dele se abre. Quem diria que o bilionário Kyle Alexander não seria
arrogante?
—Então, qual é especificamente o problema com Pierce? Eu não
recebi muito das crianças. Eles só ouviram algumas ameaças gerais, sem
detalhes.

—Estou em liberdade condicional, — eu digo baixinho. —Ele está


fazendo tudo o que pode para me mandar de volta para a prisão.

—Não, merda. Sério?


Eu aceno, forçando outro sorriso em sua resposta casual. Como esse
cara é tão legal e pé no chão?

—Onde você cumpriu pena?

—SCI Burlington.
—Droga.

—Você conhece?

—É claro. Patrocinamos alguns programas lá ao longo dos anos. A


biblioteca foi uma que fizemos recentemente. Iris surtou quando soube que
o livro mais moderno era mais velho do que ela.

Eu rio e dou de ombros. —Uau. Bem, então eu agradeço. A biblioteca


foi o que me manteve lúcido nos últimos quatro anos.

—Você lê muito então?


—Isso é praticamente tudo o que eu fiz. Ler, malhar, preparar
comida... — Eu paro, a ansiedade girando no meu estômago novamente.

Ele devolve um sorriso simpático, e eu desvio o olhar.


—Você, uh, precisa de ajuda para carregar isso? — Eu pergunto,
apontando para os copos.

—Eu vou precisar em um segundo. Queria falar com você


pessoalmente primeiro. — Ele limpa a garganta e apoia os cotovelos na ilha
para me estudar. —Vou ser direto com você, Tristan. Não tenho interesse
em tornar sua vida mais difícil do que é, mas se vou ajudá-lo, preciso da
verdade e preciso que seja direto. Peço desculpas pela franqueza das
perguntas que estou prestes a fazer, mas você parece uma criança
inteligente. Você tem que saber que minhas apostas são altas, e não posso
me dar ao luxo de agir sem entender a situação e quaisquer possíveis
ramificações. Voce entende?

Eu engulo em seco e forço um aceno de cabeça. —Claro senhor.

—Kyle.

—Certo. Desculpe. Serei o mais franco que puder.


Ele parece relaxar enquanto se endireita novamente.
—Excelente. Então vamos começar. Quais eram exatamente
suas acusações?
 

É oficial. Eu tenho uma queda por Kyle Alexander. Acabamos


conversando tanto, que os outros vieram nos procurar para checar suas
bebidas. Kyle os mandou embora com seus copos para que pudéssemos
continuar em particular. Iris, especialmente, não estava feliz em ser
excluída, então quando eles voltaram meia hora depois, Kyle permiteu que
eles ficassem. Estamos praticamente terminados de qualquer maneira.

—Ok, não vou mentir. Você está em uma situação difícil, —diz ele.
—Eu sei. — Esfrego um arranhão na bancada de granito, sentindo o
peso de sua atenção.

—Lembro-me bem de todo aquele caso. Você foi uma grande notícia
em Suncrest Valley. Você não terá muitos aliados nesta cidade.

—Foi um acidente, e ele cumpriu sua pena, — diz Iris. —Ele merece
uma segunda chance.
—Não estou discutindo isso, — responde Kyle. —Mas, como seu AC
disse, há muito espaço de manobra para jogos legais se alguém estiver
motivado o suficiente.

—Você não pode simplesmente falar com Randall? — Íris pergunta.


—Ele não é um santo de forma alguma, mas ele não é um idiota. Ele tem
uma reputação no escritório para manter. Ele não arriscaria tudo isso pela
vingança mesquinha de seu filho. Se você explicasse a ele seu apoio a
Tristan, ele recuaria, certo? Ele não iria querer irritar você.

Kyle se cala, e vejo sua mente trabalhando. Meu estômago afunda


quando ele franze a testa, mas eu entendo. Ele tem tudo a perder e nada a
ganhar me ajudando.

—Não é tão simples, infelizmente, — diz ele. —Tristan, você parece


um cara decente que cometeu um erro. Eu concordo com as crianças que
você não merece a situação delicada em que está agora. Mas também tenho
que ter cuidado com o quanto me envolvo. Seu caso é muito notório. Seria
uma grande notícia para mim intervir, então qualquer coisa que eu fizesse
estaria sob os holofotes. Como Randall Harrison, também tenho uma
reputação a manter, não apenas para mim, mas para o bem de muitas
empresas e milhares de funcionários que dependem de mim.

—Espere, você está falando sério? — Íris estala. —Você não vai fazer
nada? Você vai deixar os Harrisons intimidarem alguém sem motivo?
—Eu não disse que não faria nada, — diz Kyle em um tom severo. —
Eu só tenho que ser cuidadoso e estratégico sobre quando e o que isso será.
Sinto muito, filho, mas vou ter que pensar sobre isso e consultar meus
próprios advogados.

—Pai! — Íris exclama.

—Está tudo bem. Eu entendo, — eu digo, forçando um sorriso. E eu


faço. O fato de ele estar disposto a fazer isso é mais do que eu poderia
esperar.
Seus olhos se enchem de simpatia , e eu desvio o olhar. Mas quando
meu olhar pousa em Isabel, meu coração parte com a devastação em seu
rosto. Eu alcanço sua mão, e seus dentes afundam em seu lábio como fazem
quando ela está segurando as lágrimas. Me mata que sua esperança foi
esmagada pela segunda vez esta noite. Iris e Ashton deveriam ser seus
cavaleiros de armadura brilhante que nos levaram ao castelo. Kyle deveria
ser o padrinho das fadas que balançaria sua varinha mágica e faria tudo ir
embora. Eu gostaria de poder dizer a ela que está tudo bem. Que eu não
esperava nada disso.

—Não podemos pelo menos contratar um advogado para ajudá-lo? —


Íris pergunta. —Tem que haver alguma coisa!

—Eu sei que não é a resposta que você queria, — Kyle diz para sua
filha. —E talvez essa seja uma de nossas abordagens, mas como eu disse,
não posso fazer nada até falar com meus advogados e pensar em todas as
possíveis ramificações. Não estou dizendo não para nada, mas também não
posso dizer sim. Não quero lhe dar falsas esperanças, — ele me diz.

—Isto é tão errado! — Iris chora, batendo com o punho no balcão.

Ashton envolve seus braços ao redor dela por trás e a puxa contra seu
peito. —Nós vamos ajudar, ok? Nós apenas temos que ser inteligentes e
pacientes. Seu pai está certo. Há muitas variáveis ocultas e consequências
inesperadas a serem consideradas. Também não queremos piorar a situação
de Tristan.

Ele beija o cabelo dela, e ela parece relaxar um pouco.

—Isso é uma merda, — ela murmura. —Sinto muito, — ela me diz.


Eu dou um sorriso rápido. —Está tudo bem. Obrigado por ouvir e
considerar.

Kyle coloca a mão no meu ombro e aperta. —Isso eu posso prometer,


filho. Definitivamente vou considerar todas as possibilidades que puder.
Capítulo Dezessete

ISABEL

Deixo Tristan no trabalho no caminho de volta da casa dos


Alexanders. Ele está se mostrando corajoso, mas posso dizer que ele
também está com medo. Talvez ele estivesse mais pessimista do que eu
sobre a reunião, mas ele deve ter tido alguma esperança de que terminaria
melhor do que terminou.

Eu entendo a postura de Kyle, e até faz sentido. Eu simplesmente


odeio que isso faça sentido. Eu odeio que vivemos em um mundo onde essa
situação existe. Eu particularmente odeio que Tristan nunca jogue seu
trunfo e diga a Kyle que ele é inocente. Eu sei que se os outros soubessem a
verdade, teríamos saído com um resultado diferente. Talvez o elemento
cauteloso não tivesse mudado, mas a urgência certamente teria. Em vez
disso, tudo o que podemos fazer é esperar que o homem incrivelmente
ocupado marque uma conversa de dez minutos com seus advogados em
algum momento do próximo mês. Até lá, será tarde demais.

Tristan pega a maçaneta da porta e eu agarro sua camisa para detê-lo.


Ele se vira para trás, sua expressão suavizando quando ele olha para mim.

—Vai ficar tudo bem, — diz ele com um sorriso fraco.

Meus dedos apertam sua jaqueta. Meus pulmões parecem


sobrecarregados enquanto eu o seguro, de repente com medo de soltá-lo. O
medo se infiltra em mim, e eu não sei por quê. Começa no meu peito e
escorre para todas as extremidades. Não é apenas preocupação, é certeza de
que estou prestes a perdê-lo. Que se eu deixá-lo sair deste carro, ele não vai
voltar. É ridículo, e eu sei que é a minha ansiedade que está tomando conta
de mim, mas eu não posso deixar ir.
—Ei, vamos descobrir isso. Eu prometo, — ele diz, acariciando
minha bochecha com o polegar.

Encaro seus lindos olhos castanhos, paralisados pelo medo. Minha


garganta se fecha quando tento falar, e não sei mais o que fazer a não ser
puxá-lo para mim e envolvê-lo em meus braços. Eu enterro meu rosto em
seu pescoço, desejando que pudéssemos desaparecer em algum outro tempo
e lugar onde ninguém poderia tirá-lo de mim.

Ele suspira e emaranha os dedos no meu cabelo enquanto me


aconchego contra ele.

—Eu vou perder você. — Minha voz é um sussurro entrecortado ,e


ele me abraça com mais força.

Ele nem sequer mente para mim e faz promessas que nós dois
sabemos que ele não pode fazer. Ele apenas passa os dedos pelo meu cabelo
enquanto lágrimas silenciosas queimam em meus olhos.

—Eu te amo, — eu desabafo. —Eu sei que você não quer ouvir isso,
mas eu quero. Eu sempre amei.

—Eu sei, — ele sussurra de volta, beijando meu cabelo. —Eu


também te amo, Iz. Eu sempre amei.

Um soluço sufocado corre da minha garganta enquanto eu me seguro.


É tão injusto. Tudo isso. O passado, presente, futuro, a própria vida. É tudo
uma farsa distorcida que deveria ter sido diferente. Nossa história de amor
épica tem sido um show de horrores, e apenas quando vislumbramos o
menor pedaço de luz, temos que viver com o medo constante de que ele seja
apagado.

—Eu tenho que ir, — diz ele suavemente.


—Eu não quero que você vá. Algo vai acontecer, — eu digo,
segurando mais forte. Meu coração está acelerando. Por favor por favor. Eu
não posso perdê-lo. Não posso!

—Não vai. Estarei no trabalho a noite toda e vou direto para casa, ok?

Eu balanço minha cabeça contra seu ombro. Eu sei que estou sendo
irracional. Eu não sei explicar, eu só...

Ele se afasta e segura meu rosto. —Estou voltando para casa hoje à
noite. Eu prometo.

Seus olhos procuram os meus, e eu tento tanto acreditar nele. Eu


quero. Tenho que acreditar.

Ele se inclina, e eu me dissolvo no beijo. Algo entre um gemido e um


soluço me escapa enquanto deslizo minhas mãos atrás de sua cabeça para
segurá-lo . Nosso beijo se aprofunda, e meu sangue pulsa com uma mistura
de paixão e pânico.

Ele se afasta rapidamente, seu olhar suave com tudo que eu sei que
ele sente, mas raramente diz. É o amor que eu esperei uma vida inteira para
ver em seus olhos. Ele acaricia minha bochecha e, com outro beijo rápido,
abre a porta do carro antes que eu possa impedi-lo novamente.

—Tristan, espere! — Eu falo depois que ele sai.

Ele se inclina para trás, e eu ignoro a batida rápida do meu pulso. —


Eu vou esperar por você. Eu sempre vou esperar por você, não importa o
que aconteça. Eu preciso que você saiba disso.

Seu sorriso triste machuca. —Eu sei, mas não vamos dizer adeus, ok?

Eu mordo meu lábio e aceno. Não estamos dizendo adeus.


Também não nos despedimos da última vez.
Ele começa em direção ao prédio e se vira com um
aceno final. Meu coração afunda no estômago quando ele
abre a porta e desaparece.
 

Com todo o drama recente, estou muito atrasada nos meus trabalhos
escolares. É domingo à noite, o que significa voltar ao trabalho amanhã e
ainda menos tempo para recuperar o atraso. Eu preciso da distração de
qualquer maneira e me dedico aos meus estudos. Ainda tenho muito o que
fazer para o meu projeto principal e um grande exame chegando em
algumas semanas.

Mas estou tendo um tempo terrível para manter o foco. Minha


preocupação com Tristan é ruim o suficiente, e agora eu tenho que enfrentar
a realidade de que toda a minha educação foi financiada com uma mentira.
Dinheiro sujo, Kim o definiu. Estou perseguindo um futuro que pertenceu a
outra pessoa.

Eu sei que há mais do que isso. Os Haverfords sempre me trataram


como sua própria filha, então, de uma maneira distorcida, me dar dinheiro
destinado a Tristan não é tão absurdo quanto parece. Essa —bolsa— foi
uma saída para mim tanto quanto uma chance de estudar. É provável que
Tristan tenha pensado nisso também e usado para garantir que eu ficasse
aqui e não o seguisse até a prisão.

Eu nem falei com meus pais biológicos em dois anos. Eu não queria
nada com eles quando saí de casa. Eu nem sei se eles ainda moram em
Suncrest Valley e, honestamente, não me importo. São meus avós que
praticamente me criaram, e talvez seja disso que eu precise agora.
Eu fecho meu laptop e me levanto da mesa. Pegando minhas chaves e
uma jaqueta, vou para o meu carro. É uma curta viagem de carro até o
estacionamento de trailers onde cresci, um que faço algumas vezes por mês
para ver meus avós. Eles moravam a poucos lotes de nós, então era uma
situação conveniente para uma garota que precisava de fugas frequentes de
um ambiente desagradável.

Fico aliviada ao ver algumas luzes acesas e o velho Buick estacionado


ao lado do trailer. Não que seja surpreendente que eles estejam em casa. Já
não se aventuram muito.

Estaciono no meu lugar de sempre e subo os poucos degraus até a


pequena varanda que ajudei vovô a construir quando era pequena. Vovó
responde depois de uma batida rápida e me puxa para um abraço.

—Bem, isto é uma surpresa. É bom ver você, querida.

Eu retribuo seu abraço, um pouco da tensão anterior diminuindo com


o cheiro familiar de especiarias do outono. O cheiro enjoativo é um
potpourri que ela usa desde antes de eu nascer.

—Ei, squirt3, vovô diz de sua poltrona.

Eu dou um sorriso e sento no sofá enquanto ele silencia a TV.

—Está tudo bem? — Vovó pergunta. —Faz tempo que não vemos
você.

—Sim, desculpe por não ter vindo antes. Tenho muita coisa
acontecendo.

Eles trocam um olhar, e meu estômago se aperta.

—Isso não teria nada a ver com um certo jovem voltando para casa,
teria? —Vovó pergunta.
Eu tento não reagir ao seu tom crítico. Eu sei que eles não gostam de
Tristan. Eles nunca fizeram. Como todo mundo, eles só viam a fachada
superficial que ele exibia.

—Não apenas isso. Escola, trabalho, tudo. Eu terminei com Pierce


também.

Os olhos da vovó se arregalam quando o vovô solta um resmungo.

—Sério? O que aconteceu? — ela pergunta.

Eu mordo meu lábio, sem ter ideia de como responder a isso. Eles
realmente gostaram de Pierce pela mesma razão que não gostam de Tristan
— eles só viram a fachada brilhante que ele exibia.

—Ele não era o que eu pensava. Foi a decisão certa porque ele está
mostrando suas verdadeiras qualidades.

—Ele está ameaçando você? — Vovô pergunta com um olhar


sombrio.

—Mais ou menos, — eu digo baixinho. —Ele está ameaçando


Tristan.

Eu sinto a desaprovação deles quando eles relaxam, mas eles não


dizem nada.

—Tristan não é o que vocês pensam, — eu digo, dando-lhes um olhar


duro.

—Querida, nós te amamos. Você sabe disso, certo? Só queremos o


melhor para você. Isso é tudo que sempre quisemos. Mas aquele garoto não
é bom. Achávamos que você veria isso depois do que ele fez com aquela
pobre garota.
Meus punhos se fecham no meu colo. A defesa está na ponta da
minha língua, e me mata não poder dizer. Como diabos ele faz isso o dia
todo, todos os dias? Por tantos anos, ficar quieto enquanto as pessoas o
despedaçavam com mentiras?

—A prisão o mudou. Ele está completamente diferente agora, — eu


digo em vez disso. Isso nem é mentira.

—Tenho certeza que sim. As pessoas saem da prisão com muitos


demônios, Izzy, — diz vovô, usando o apelido que eu odeio. Eles são os
únicos autorizados a me chamar assim. —Não é algo que você queira se
envolver. Meu conselho? Corra para longe e rápido.

Tarde demais para isso.

—Espero que seus problemas com Pierce não tenham nada a ver com
o retorno de Tristan, — diz vovó. —Eu nunca vou entender seu apego a
esse garoto. Graças a Deus ele nos ouviu e deixou você em paz. Depois de
sua prisão, você provavelmente teria fugido e se casado com ele na prisão
se ele não tivesse feito isso.

Meu sangue fica frio. —O que você acabou de dizer?

—Sobre o que? — ela pergunta.

—O que você quer dizer com ele ouviu você e me deixou em paz?

Há aquele olhar que eles trocam novamente, e meus punhos apertam.

—Querida, tivemos que intervir. Você estava em um caminho tão


destrutivo por causa daquele encrenqueiro.

—O que você disse a ele? — Eu exijo, ficando tensa no meu lugar.


Vovô dá de ombros. —O que precisava ser dito. Ficou claro depois
daquela briga com seus pais que ele estava interessado em você além da
afeição de um amigo. Nós dissemos a ele a verdade para o seu próprio bem,
que ele era ruim para você e se ele realmente se importasse com você, ele
recuaria e deixaria você prosperar. Ele pareceu concordar, na verdade. Uma
surpreendente demonstração de altruísmo daquele garoto.

—Ele obviamente concordou, porque você o superou rapidamente.


Você nunca mais o mencionou alguns dias depois disso.

Porque ele destruiu meu coração!

Os detalhes daquela noite horrível voltam correndo. O show antes do


jogo. Tristan parado lá como um ex aluno recente parecendo um deus grego
em sua jaqueta do time do colégio sem camisa por baixo. Eu odiava aqueles
eventos estúpidos, mas participei deste. Sim, eu fui contra tudo em que
acreditava para entrar na brincadeira e dar um lance em um baile de
formatura com Tristan Haverford porque ele me fez pensar que ele queria
isso também. Ganhei a licitação e perdi tudo em dois minutos.

—Isabel Gardner? Sem chance. Prefiro rastejar por vidro quebrado


do que ir ao baile com ela, disse ele depois que o microfone foi desligado.
Exceto que não estava desligado. Estava no ar, e na época eu pensei que era
um erro que acabou sendo uma bênção quando revelou a horrível verdade
sobre uma situação e uma pessoa que eu havia interpretado completamente
errado. Mas olhando para trás, ele provavelmente sabia que o microfone
estava ligado. Não foi um deslize fortuito. Ele queria que eu (e todos)
ouvisse isso. Ele queria que eu o odiasse, e funcionou muito bem.

Sim, ele destruiu meu coração. E ele destruiu os seus porque eles o
fizeram.
A dor parece fresca quando olho para meus avós, sem saber o que
dizer. Eu sei que eles se importam comigo. Eu sei que eles achavam que
estavam fazendo a coisa certa. Talvez fossem. Tristan certamente pensa
assim.

—Você está chateada, — diz vovó com um suspiro triste.


Ela passa o braço em volta dos meus ombros, e desvio o olhar para o
tapete velho e desgastado de que me lembro tão bem. Estou, mas nem sei
por qual das muitas razões que tenho para estar chateada.

—Lamentamos se isso te machucou, querida. Às vezes temos que


fazer coisas difíceis pelas pessoas que amamos.

E às vezes eles fazem coisas ruins por nós.

—Ele não é o que vocês pensam, — eu sussurro. —Ele não é o que


todo mundo pensa.

Eu posso dizer que eles não concordam, e é frustrante que eu não


possa defender o caso dele. Enquanto me sento aqui impotente para
defendê-lo, a ironia não passa despercebida para mim que apenas algumas
semanas atrás era Kim na minha posição enquanto eu reclamava contra uma
pessoa e situação que eu não entendia.

Não é à toa que ela reagiu da maneira que reagiu. Ela deve estar
desesperada para me dizer a verdade e corrigir um erro enorme também.

—Eu deveria ir, — eu digo, me levantando do sofá.

—Izzy... — Vovó diz.

Eu dou a ela um sorriso rápido. —Está tudo bem. Eu entendo porque


você fez isso. Mas não sou mais uma adolescente apaixonada. Eu tenho
meus motivos para vê-lo de forma diferente, mas eles não são meus
segredos para contar. Você me amou e cuidou de mim como pais, e eu
sempre serei grata por isso. Então, por favor, confie em mim agora. Confie
que a garota forte que você criou é uma mulher que pode fazer suas
próprias escolhas. Eu vou fazer as ruins, não há dúvida, mas elas são
minhas para fazer, ok?

—Claro, querida, — Vovó diz, me dando um abraço. —Nós só


queremos que você esteja segura e feliz.
—Eu sei, mas muito da minha vida e futuro foi determinado pela
visão de outras pessoas sobre o que é melhor para mim. Eu quero fazer isso
sozinha. Eu preciso fazer isso sozinha.
Eu vou fazer isso por conta própria.
 

Apesar das últimas revelações sobre outras pessoas comandando


minha vida no ensino médio, estou me sentindo melhor depois de uma
visita aos meus avós. Eles pareciam entender minha posição e até me
disseram para trazer Tristan para uma visita para que pudessem conhecê-lo
melhor. Talvez eu vá em algum momento, mas agora minhas mãos estão
cheias de outros desafios.

Tento dormir quando volto para casa, mas minha mente não para. À
meia-noite, estou verificando meu telefone a cada poucos segundos para
uma mensagem de Tristan. Ele sai às onze, então deve estar entrando pela
porta a qualquer minuto. Eu tento mandar uma mensagem para ele, mas ele
não responde. Minha ligação vai direto para o correio de voz. Eu tento Kim
também, mas ela também não ouviu falar dele. Ela disse para não se
preocupar, que ele provavelmente só ficou até tarde para ajudar a fechar o
restaurante, o que acontece com ela o tempo todo. Talvez, mas ela não tem
um inimigo poderoso e bem relacionado tentando destruir sua vida.

Não sei a que horas finalmente adormeço, mas já passa das três
quando acordo com um zumbido no telefone. Meu corpo inunda com alívio,
então medo quando vejo o nome de Pierce em vez de Tristan. Meu ex está
estranhamente silencioso desde o confronto com o AC de Tristan.
Esperávamos pelo menos alguns avistamentos ou ameaças.

A hora tardia também me deixa no limite. Tristan definitivamente


deveria estar em casa agora. Kim também, e eu me levanto da cama para
verificar.

Kim está dormindo em sua cama, então vou para a sala, tentando
acalmar minha respiração.

Você está exagerando. Ele estará lá e você pode abraçá-lo e arrastá-lo


para a cama e abraçá-lo a noite toda.

Mas não há sombra no sofá. Nenhum sinal de que alguém esteve lá


desde que partimos esta manhã. Meu pulso está acelerado enquanto olho
para a notificação de Pierce e desbloqueio meu telefone. Oh Deus. Não
pode ser coincidência.

Por favor por favor por favor.

Pela visualização, vejo que ele enviou uma imagem. Minha mente
inunda com possibilidades, nenhuma das quais estou ansiosa para ver. Mas
nada poderia ter me preparado para o que encontro.
Pierce não enviou apenas uma imagem. Ele também enviou um emoji
de sorriso. Ele fica acima de um close de alguém empurrado para o capô de
um veículo com as mãos algemadas atrás das costas.
Capítulo Dezoito

TRISTAN

O policial me empurra para baixo na cadeira em uma sala de


interrogatório. Espero que removam as algemas — na verdade, não. Eu
esperava isso assim que chegamos à delegacia. Meu sangue fervendo gela
quando eles abrem uma, apenas para prendê-la na barra da mesa.

—Não tenho direito a um telefonema? — Eu estalo, olhando para o


cara encostado na parede. O outro dá a volta na mesa e cai no assento à
minha frente.

—Não. Você não está preso, — diz ele.


Meu olhar volta para as algemas que me prendem na mesa, então
volta para ele.

—Então, o que diabos é isso?

—Só queríamos conversar. Alguma ideia de por que encontramos a


carteira de Pierce Harrison com seus pertences?

Ele bate uma carteira na mesa, e eu olho para ela em confusão.

—Você está falando sério?

— Então você nunca viu isso antes?

—Não!

—Huh. Interessante. Então, como foi parar no seu armário no


Shelton's?

—Provavelmente porque Pierce Harrison colocou lá, — eu digo.


—Então ele simplesmente entrou em seu local de trabalho, encontrou
seus pertences e colocou a carteira dentro, — diz ele em um tom seco.

—Sim! Foi exatamente isso que aconteceu. Ou ele mandou outra


pessoa fazer isso, não sei. Isso é besteira. Ele está tentando me prender
desde o dia em que nos conhecemos!

Os oficiais trocam um olhar, e minha respiração acelera quando a


realidade se instala. Merda. Isso nem é uma prisão real, é?

—Mas você sabe disso, não sabe. Você sabe que isso é besteira!

Eu descanso minha cabeça em minhas mãos, esfregando meu couro


cabeludo com força. Metal frio arranha meu pulso em uma provocação
silenciosa com cada movimento.

—Quanto eles estão pagando a você? — Eu digo, olhando de volta


para eles. —Ou é mais uma coisa de extorsão? Qual é o preço hoje em dia
para ter alguém no seu bolso?

Ele bate o punho na mesa, mas eu mal estremeço quando meus olhos
se estreitam nele.

—Isso está ligado? — Eu pergunto, apontando para a câmera no canto


da sala.

O homem se recompõe e se recosta com um encolher de ombros


casual. —Não precisa estar. Você não está preso.

Eu balanço minha cabeça com uma risada amarga. —Certo. Então


isso não está acontecendo, não é? Por isso não fui processado. É por isso
que você me pegou no meio da noite quando ninguém estava por perto.

Eles não respondem, e eu puxo as algemas em frustração. —Então,


qual é o plano? Você vai me manter aqui e o quê? Esperar que eu morra de
velhice? Me matar de fome? Plantar mais evidências para que você possa
realmente me acusar de alguma coisa?

Eles trocam outro olhar, e meu pulso acelera quando o cara à minha
frente se levanta. Ele se move em direção à porta.

—Ei! Você não pode simplesmente me deixar aqui! — Eu grito para


eles.

Ele devolve um olhar venenoso. —Amber era minha namorada, seu


filho da puta. Você nem deveria estar aqui. Você ainda deveria estar preso
com todo o outro lixo!

Com isso, ele abre a porta e a fecha atrás deles.

Uma vez que estou sozinho, a adrenalina é drenada em uma névoa


gelada que não consigo me livrar. Eu descanso minha cabeça em minhas
mãos novamente, tentando controlar minha respiração enquanto o pânico
familiar retorna. De repente, o metal ao redor do meu pulso parece que está
cortando minha circulação. O ar na sala é fraco e irrespirável. A luz é muito
forte. Não brilhante o suficiente. As paredes estão encolhendo, o chão
pressionando para cima e o teto pressionando para baixo.

Se eles me mandarem de volta... Porra, não consigo respirar.

Eu esforço para respirar e tento acalmar o pânico crescente.

Não posso voltar. Não posso voltar.

Eu puxo as algemas novamente, cada vez mais forte enquanto minha


respiração se torna rápida e ineficiente. A sala começa a girar.

Não posso voltar. Não posso. Não posso. Não posso.


Minha cabeça cai para meus braços na mesa quando ela fica pesada
demais para meu pescoço suportar. Cada músculo do meu corpo dói. Meus
braços formigam. Meus olhos ardem de exaustão, e eu os fecho com força
enquanto começo uma contagem silenciosa como eu fazia toda vez que o
medo tomava conta enquanto eu estava no Norte do Estado.

Um. Dois. Três.

E quando isso não era suficiente, eu traçava mentalmente as letras da


própria palavra.

Q.U.A.T.R.O.

C.I.N.C.O.

O máximo que consegui foi 782.

S. E.T.E.C.E.N.T.O.S. E.O.I.T.E.N.T.A .E .D.O.I.S.


Foi o dia em que parei de contar.
 

Olho para o som da porta. Não tenho ideia de que horas são ou há
quanto tempo estou aqui. Estou com fome e desidratado e tenho que mijar
como você não acreditaria. Meu pulso parece estar pegando fogo e,
honestamente, espero que eles voltem para uma prisão formal, mesmo que
seja apenas para me afastar desta maldita mesa.

Mas o oficial que entra não tem cara de quem está aqui para me
registrar. Talvez me torturar com base na garrafa de água e barra de granola
em suas mãos. Não digo nada enquanto o vejo se aproximar. Qual é o
ponto? Não estou aqui por uma razão legítima, então não há nada que eu
possa dizer ou fazer para me ajudar. Talvez eu tenha sorte de não ter sido
pior. Não havia nada que os impedisse de bater em mim. Então, novamente,
a noite é uma criança.

Fico surpreso quando o homem coloca a água e o lanche na minha


frente e oferece um olhar solidário. Ele parece jovem, ainda mais novo do
que o namorado de Amber, que não poderia ser muito mais velho do que eu
se ele estivesse namorando uma estudante do ensino médio há cinco anos
atrás.

Eu não me movo a princípio, confuso e cauteloso com este último


jogo. A qualquer segundo, espero que o outro volte e tire os doces enquanto
ri na minha cara. Ou talvez este seja um cenário de policial bom e policial
ruim só para mexer comigo. Não seria um estratagema para uma confissão.
Eles nem estão tentando fingir que estou aqui por uma razão que não seja
vingança pessoal.

—Sinto muito, — diz o oficial baixinho. —Isso não está certo. Eu


acabei de…

Ele olha para a porta com uma expressão ansiosa antes de se


concentrar novamente em mim.

—O que você vai fazer comigo? — Eu pergunto, encontrando seu


olhar. —Quanto tempo isso vai durar?

Ele desvia o olhar. —Não sei. Ninguém sabe que você está aqui.

—Foda-se, murmuro, esfregando meu rosto novamente. —Que horas


são?

—Quatro e meia.

Eu estremeço e puxo uma respiração profunda. Já faz mais de quatro


horas desde que eles me pegaram na minha caminhada para casa do ponto
de ônibus.

—Você pode pelo menos me deixar usar o banheiro? Eu juro, não vou
causar problemas.

O cara lança outro olhar rápido para a porta antes de soltar um suspiro
pesado. —Sim. Claro. Apenas... se você se enrolar e fizer uma cena, não
posso ajudá-lo.

—Eu não vou. Por favor, cara.

Ele se aproxima e tira uma chave para remover a algema. No segundo


em que se abre, sinto que posso respirar novamente. Seu olhar trava no meu
pulso, e eu o sigo para o horrível sinal vermelho das minhas lutas em
pânico nas últimas horas. Esfrego cautelosamente a pele machucada com a
outra mão, enquanto o olhar do oficial se afasta desconfortavelmente.

Ele verifica o corredor antes de me levar para fora da sala. Eu não


tento correr. Isso não vai me levar a lugar nenhum, e eu sei por experiência
própria que se eu trair a confiança desse cara, não há como ele me ajudar
novamente. Minha melhor chance é convencê-lo a deixar alguém saber que
estou aqui.

Depois que termino no banheiro, fico mais alguns segundos na pia,


dando ao meu corpo a chance de se esticar e meu pulso a chance de ficar
relaxado. A água fria acalma a queimadura enquanto deixo escorrer sobre
as marcas, e também respingo algumas gotas no rosto. É bom se
movimentar. Quem sabe quando terei outra chance se o aliado de Pierce
conseguir o que quer. Mas enquanto vejo a água escorrer pelo meu rosto,
flashbacks começam a rastejar pelo meu cérebro.

Meus punhos se apertam ao redor da borda da pia enquanto luto para


controlar minha respiração e mantê-la afastada.
Não posso voltar. Não posso!

Uma batida na porta me assusta, e eu desvio minha atenção naquela


direção. O pavor escorre através de mim com o pensamento de estar preso a
essa mesa novamente. Mas terei que me acostumar se meu caminho
continuar nessa trajetória. Pierce não vai descansar até eu sair do seu
caminho para sempre. Se eu quero Isabel, esta é a minha vida agora.

A porta se abre, e eu me forço a me endireitar.

—Precisamos voltar, — diz o oficial.

Sua expressão dura suaviza quando ele me examina. Sinto muito, seus
olhos dizem silenciosamente.

Com um suspiro forte, eu me afasto do balcão e o sigo pelo corredor.


Quando chegamos a sala, eu instintivamente hesito na cadeira. O pânico me
inunda novamente. Parece que meu corpo é feito de chumbo.

O oficial aponta para a cadeira, e eu me abaixo lentamente, minha


mão tremendo enquanto a forço em direção às algemas. Ele se move para
prendê-las e para. Seu queixo aperta quando seu foco pousa no meu pulso
ferido e dedos trêmulos. Eu os envolvo em um punho e forço respirações
calmantes.

—Você não vai causar nenhum problema, certo? — ele diz, se


afastando.

—Não, senhor, — eu digo com alívio. Graças a Deus.

—Bom. Beba e coma alguma coisa, — diz ele, apontando para a


garrafa de água e o lanche.

Eu torço a tampa e tomo um longo gole. A água fria acalma minha


garganta ardente enquanto nos avaliamos em silêncio.
—Você está em um monte de problemas, — diz ele. —E não do tipo
que um advogado pode consertar.

—Eu sei, — eu digo baixinho. Olhando para cima, tento ler sua
expressão. —Eu sei que você não pode me deixar ir, mas você pode pelo
menos dizer a alguém que estou aqui?
Ele fica tenso e encara a porta por um segundo antes de soltar um
longo suspiro. —Sim. Você nem deveria estar aqui, — ele murmura para si
mesmo. —Para quem você quer que eu ligue?

Ótima pergunta. Meu coração imediatamente diz Iz, mas essa é a


última pessoa que quero arrastar para isso. Ela ficará arrasada e
provavelmente enlouquecerá. Eu me importo demais com ela para isso.
Kim? Não. Se ela estiver perto de Iz quando a ligação chegar, ela a
envolverá. Ela poderia fazer isso de qualquer maneira. Meus pais? Papai
perderia a cabeça se descobrisse sobre isso, e não tenho certeza se estou
pronto para isso. Ainda não. Eu tenho inimigos suficientes no momento.
Meu AC? Eu não posso nem prever as consequências disso.

Eu pressiono as palmas das minhas mãos nos meus olhos enquanto


tento pensar. Quem mais está aí?

Stacie? Ashton? Leah? Essa é basicamente toda a lista de humanos


neste planeta que podem se importar se eu viver ou morrer.

—Eu não... foda-se, — murmuro, passando a mão pelo rosto


enquanto me inclino para trás.

O outro homem suspira, e eu posso dizer que ele quer dizer algo que
não pode. Depois de uma longa pausa, ele se endireita com determinação e
vai em direção à porta. —Foda-se. Deixe-me ver se...
Ele é interrompido pelo reaparecimento de seu parceiro, e eu fico
tenso com a expressão furiosa em seu rosto.

—Vamos lá, — ele rosna, espreitando em minha direção.

Ele me puxa da cadeira e me arrasta em direção à porta.

—O que

—Cala a boca, — ele estala.

—Daniels… — o outro oficial diz em tom de advertência, mas se


acalma com o olhar aquecido disparado em sua direção.

Meu estômago está embrulhado enquanto marcho pelo corredor, mas


não é uma cela que me espera – é o ar fresco do início da manhã. Ele abre a
porta de uma viatura e me força a entrar.

—Ei, o que... — O outro policial é interrompido novamente por um


olhar sombrio de seu parceiro.
—Relaxe, ok? Vamos levá-lo para casa.
 

Já passa das cinco da manhã quando subo as escadas


para o sexto andar. Estou tão cansado que mal estou funcionando quando
empurro a porta da frente. Nunca obtive uma explicação para a falsa prisão,
a não ser a fraca teatralidade da ‘carteira roubada’. Mas eu não preciso de
uma. A mensagem era clara: há muitas maneiras para as pessoas que me
odeiam tornarem minha vida um inferno. A única parte confusa é por que
eles me deixaram ir.

—Tristan! — Isabel chora quando me vê. — Graças a Deus.


Ela está uma bagunça quando ela joga os braços em volta de mim,
mas no segundo que eu sinto seu calor, o horror das últimas horas
desaparece.

—Eu estou bem, — eu digo, descansando meus lábios contra seu


cabelo. Apenas o cheiro dela acalma a dor em minha alma.

—Eu estava com tanto medo, — diz ela com a voz trêmula.

Eu também.

Eu a puxo com força. Tudo em mim quer dizer a ela que vai ficar tudo
bem, mas esse era o ponto principal disso. Tudo não vai ficar bem. Tudo
nunca vai ficar bem para mim. Sinto as paredes da minha fortaleza
escorregando enquanto a adrenalina passa e a realidade da minha situação
se instala em seu lugar.
—Eu vou tomar banho, — eu digo, gentilmente me retirando de seus
braços.

Mas ela não solta minha mão. Enormes olhos castanhos procuram os
meus na penumbra. Algo não está certo.

—Onde está Kim? — Eu pergunto, meu sangue gelando.

Isabel desvia o olhar, e eu enrijeço.

—Onde ela está, Iz? — Eu pergunto em um tom mais duro.

—Ela está com seu pai. Eles estão discutindo a situação dela.

—A situação dela?

Mas não estou confuso. Isso é... Porra!

Eu me afasto dela e coloco minhas mãos na minha cabeça.


—Tivemos que fazer isso, — diz ela em uma voz desesperada. —
Tivemos que contar a verdade ao Kyle para que ele nos ajudasse. E ele fez.
Nós nem sabíamos onde você estava ou quem o levou desta vez. Nós vamos
encontrar evidências que o exonerem e inocentá-lo. Isso tem que parar,
Tristan. Temos que consertar isso!

Eu olho para frente em um silêncio entorpecido. Não sei nem o que


pensar, o que sentir ou fazer. Meus olhos ardem de exaustão e Deus sabe o
que mais enquanto eu os fecho.
—Eu preciso tomar banho, — murmuro, indo pelo corredor.

É a única coisa certa no meu cérebro em espiral.

—Tristan, por favor. Nós tivemos que dizer!


Eu aceno, mas não me viro. Pode ser. Talvez não. Talvez nem importe
mais.

Eu puxo a cortina para ligar a água. O uniforme do Shelton parece


uma piada quando eu o tiro. Parecem dias, não horas, desde que servi mesas
em uma hilária tentativa de ter uma vida normal.

Sinto Isabel na porta quando entro na água. Eu sei que deveria estar
processando tudo, classificando, criando estratégias, buscando vingança,
mas estou tão cansado. Cansado de viver. Cansado de lutar. Cansado de ser
o que eu sou.
O ar frio bate nas minhas costas, e eu me viro para ver Isabel entrando
na banheira atrás de mim. Seu corpo nu é tão artístico e perfeito como
sempre, mas estou cansado demais para isso. Eu olho para frente novamente
e inclino minha cabeça em direção ao fluxo quente. É tão bom, tão seguro
aqui onde tudo faz sentido por alguns minutos. Água morna e sabão. Isso é
tudo o que importa neste momento.

Braços macios envolvem em volta da minha cintura, e eu fecho meus


olhos com a pressão dela contra minhas costas. Ela não diz nada, não faz
nada, exceto apertar seu abraço em torno de mim. Ficamos assim por um
tempo, nenhum de nós tem certeza do que vem a seguir. Quando ela se
afasta, eu tremo de frio, mas em vez de soltar, ela agarra meu braço para me
virar em sua direção.

Ela ainda não fala enquanto seus dedos correm pelos meus braços e
meus ombros. Descendo pelo meu peito e voltando. Carícias lentas e gentis
cheias de ternura, não de luxúria. Compaixão, não posse. Um calor que eu
nunca senti floresce do meu coração e se espalha pelo resto de mim. Ela me
ama tanto, e eu não tenho ideia do porquê.

As pontas dos dedos deslizam pelo meu braço, onde hesitam nas
marcas vermelhas no meu pulso. Com uma inspiração rápida, ela vira
minha palma da mão e cuidadosamente traça a ferida. Eu vejo o tremor em
seu lábio, sinto o aperto na minha mão apertar. Quando ela olha para cima,
seus olhos estão molhados com mais do que a água do chuveiro.

Pelo seu olhar cansado, espero que ela diga alguma coisa, mas ela não
diz. Em vez disso, ela desliza os braços em volta da minha cintura e se
acomoda contra o meu peito. Eu a puxo para mim e beijo seu cabelo antes
de descansar minha bochecha em sua cabeça.
Não precisamos de palavras. Nós nunca fazemos. Adoramos jogá-los
um no outro, mas no fundo, nossas almas sempre entenderam o outro de
uma maneira que ninguém mais consegue. É por isso que fomos capazes de
seguir em frente, mas não deixá-lo ir.
—Eu sei outra coisa que você não é, — diz ela, sua voz quase
inaudível através da água batendo.

Eu fecho meus olhos. —Sim? O que seria isso?

—Livre.
Capítulo Dezenove

ISABEL

Todo mundo insistiu que eu fosse trabalhar hoje. Eles disseram que
não há nada que eu possa fazer para ajudar e que a distração seria boa para
mim. Eu me convenci a concordar, mas agora que estou aqui, foi claramente
um erro. Não é surpresa que eu não consiga me concentrar enquanto me
preocupo com meus colegas de quarto e a enorme e complicada bagunça
que temos em nossas mãos.

Meus nervos também estão à flor da pele com dois textos enigmáticos
de Pierce. Um diz que me perdoa pela maneira como agi, que sabe que fui
manipulada por Tristan. Mas é o segundo que plantou uma pedra
permanente no meu estômago: Não se preocupe, querida. Tudo vai acabar
em breve.

Não ajuda que toda vez que eu verifico meu telefone para uma
atualização sobre Tristan e Kim, não recebo nada. Sim, tenho todas as
mensagens que não quero e nenhuma das que quero.
Na hora do almoço, nem estou compreendendo os documentos de
design que deveria estar revisando.

—Você está bem? — Vicky pergunta, parando na minha mesa. —


Parece que você está se estressanda hoje.

Eufemismo. Mesmo as cem xícaras de café que tomei não foram


suficientes para me manter.

Eu forço um sorriso. —Só cansada. Tive um fim de semana difícil.

Sua carranca parece sincera. —Sinto muito por ouvir isso. Ainda não
está se sentindo bem por estar doente?
— Em parte.

É meio verdade. Só porque minha —doença— não foi causada por


um vírus cientificamente reconhecido não significa que eu não estava
doente. De certa forma, me sinto —mais doente— do que nunca.

—Ok. Bem, se você tiver que sair mais cedo, poderá trabalhar no
SDS em casa.

—Obrigada, — eu digo. —Talvez eu precise. Vou ver como vai ser


esta tarde.

Ela oferece um sorriso rápido e continua para seu escritório.

Meu telefone vibra alguns minutos depois, e olho para baixo para ver
uma chamada recebida de Iris. Levanto da minha mesa e vou em direção à
sala reservada para reuniões e conversas privadas.

—Ei, Iris, — eu digo, fechando a porta.

—Oi, Isabel. Desculpe, não liguei com uma atualização antes, mas
não ouvi muito desde a última vez que conversamos. Acabei de receber as
últimas e queria te contar.

Meu coração dispara quando me inclino contra a porta. —Eu entendo.


E aí?

—Primeiro, Tristan chegou bem em casa?

—Sim. Desculpe por não avisá-la. Eu deveria ter mandado uma


mensagem para você.

—Está tudo bem. Fico feliz em ouvir isso. O que ele te falou?

—Nada, realmente, — eu digo com um suspiro. —Ele nunca faz.


—Bem, aqui está o que meu pai descobriu. Tristan estava sendo
detido para interrogatório sobre um suposto roubo. Supostamente, eles
encontraram a carteira de Pierce em seu armário no trabalho.

—O que?!

—Eu sei,certo? Ridículo. De qualquer forma, achamos que foi tudo


fingimento. Pierce está fazendo, provavelmente.

—Definitivamente. Foi ele que me mandou a foto, lembra? Ele estava


obviamente envolvido.

—Sim. No entanto, nenhuma acusação foi apresentada, então não


deve haver mais nada relacionado a isso. Meu pai conversou com o pai de
Tristan esta manhã e, por mais zangados que estejamos, eles acham que é
melhor deixar isso para lá por enquanto. Não só eles temem causar mais
problemas para Tristan, temos que considerar o impacto potencial em Kim
quando ela se apresentar.

—Quando? Achei que não estávamos fazendo isso. E quanto a toda


essa coisa de ‘provas de defesa’?

—Bem, esse é o problema. Há... — Ela se cala, e eu não gosto da


mudança repentina em seu tom.

—O que seria isso? O que há de errado?

Ela suspira ao telefone. —Meu pai aprendeu outra coisa.

Eu mastigo meu lábio. —O que? Apenas me diga.

Ela limpa a garganta. —Os Harrisons não são os únicos com


conexões com autoridades da cidade. Meu pai sabe muito também. Levou
apenas algumas ligações para encontrar Tristan e libertá-lo. Essa mesma
ligação revelou outra coisa. Algo…
Ela hesita novamente, e meu pulso acelera. —Íris?

—Eles já sabiam que ele não fez isso, diz ela calmamente. —Alguém
encontrou imagens de câmera mostrando o veículo enquanto passava pelo
posto de gasolina na Fifth, pouco antes da curva para Callowhill. É muito
granulado para ver os detalhes do motorista, mas definitivamente não
parecia ser um homem de 1,90m. Mas a promotoria na época determinou
que não era suficiente reabrir o caso bem fechado e ninguém queria lidar
com isso, então eles o enterraram.

—Quando eles o encontraram?

—Há dois anos atrás.

Abalada, eu me abaixo até a mesa, minha mão tremendo. Eles fizeram


Tristan ficar mais dois anos depois de suspeitarem que ele não era o
motorista?!

—Eles ainda têm a filmagem? — Eu forço para perguntar.

—Não sei. Provavelmente não.

Claro que não.

—Quem mais sabe sobre isso?

—Não sei. Mas prova que será difícil inocentar Tristan sem que outra
pessoa se apresente e, mesmo assim, o novo promotor pode não acreditar
neles sem nenhuma evidência sólida. Isso nos coloca em uma situação
difícil. Se formos atrás das pessoas por causa da falsa prisão e deste vídeo,
isso pode repercutir em Kim. Faremos tudo o que pudermos, mas a melhor
coisa pode ser não fazer nada.

Certo. Nada. O melhor é não fazer nada. Tristan perde tudo por um
crime que não cometeu, e outros não enfrentarão uma única consequência
por um que cometeram. Iris provavelmente está certa de que nada é a
resposta aqui, e isso me enfurece.

—Desculpe, Isabel. Isso deve ser difícil de ouvir.


Difícil? Não. Arrastar-me para o trabalho hoje foi difícil. Isto é…

Eu pressiono meu punho na mesa. Deus, eu vou ficar doente.

—Obrigada pelas informações e tudo o que você fez para nos ajudar.

—É claro. Eu queria que tivesse mais. Meu pai ainda está trabalhando
nisso.

—Obrigada. De verdade.

—Cuide-se e diga a Tristan que faremos o que pudermos para obter


justiça.

Justiça... ah. Estou perdendo a fé na justiça. Tristan estava certo. É tão


inconstante e subjetivo quanto todo o resto.
Assim que desligamos, ligo para Tristan. Quando ele
não responde, volto para minha mesa para arrumar as coisas
para terminar o dia.
 

Kim ainda não está em casa quando chego ao apartamento, mas


Tristan está. Meu pulso acelera ao vê-lo, recém-banhado e vestindo apenas
sua calça de moletom como de costume. Não tenho ideia de como devo
contar a ele o que descobri com Iris. Duvido que alguém mais tenha,
temendo seu temperamento impulsivo e a probabilidade de resolver o
problema com as próprias mãos.

Eles também não querem ser o único a machucá-lo novamente. Sorte


minha.
—Ei, — diz ele, olhando surpreso para o fogão.

O que quer que ele esteja cozinhando cheira muito bem. Aposto que
ele também. Se é mesmo uma fração de quão bom ele parece agora, estou
em apuros.

—Você está bem? — ele pergunta. —Você não deveria estar no


trabalho?

Concordo com a cabeça, de repente incapaz de tirar os olhos dele.


Não é só que ele é bonito. Nossa cozinha parece tão certa com ele ali
parado como se fosse apenas mais um dia. Como se ele fosse meu hoje,
amanhã e para sempre. Meu próprio normal – algo que sempre quis.

Não posso perdê-lo novamente.

—Meu chefe disse que posso trabalhar em casa. É verdade, —


acrescento defensivamente ao seu olhar cético. —E eu vou em um minuto,
eu só...
Tinha que ver você. Tocar em você. Abraçar você.

Dizer algo que vai doer como o inferno.

Seu rosto cai enquanto ele me estuda, e ele desliga o fogão. —O que
há de errado? Você teve notícias de Pierce?

Merda. O que agora? Ele está com problemas suficientes. A última


coisa que quero fazer é dar a ele uma razão para encontrar mais. Mas seus
olhos ansiosos procuram meu rosto, e eu não sei mais como guardar
segredos dele.

—Sim. Apenas a porcaria de sempre, — eu digo em um tom desdém.


—O que você está fazendo? Cheira bem. Deixe-me adivinhar. Mais sobras
que você vai jogar em uma tortilha?
Eu me aproximo dele para verificar a frigideira, mas me distraio com
a perfeição bloqueando meu caminho. Ele me encara com uma expressão
dura, e eu solto um suspiro resignado.

—Tudo bem, — eu murmuro, tirando meu telefone do bolso de trás.

Eu puxo os textos e entrego a ele. Seus olhos ficam escuros enquanto


ele lê através deles, e eu percebo que ele está lendo os anteriores também.
Dupla merda. Quando ele toca a tela, eu deslizo para o telefone, mas ele se
vira.

—O que você está fazendo? Eu estalo, agarrando-o. —Dê-me meu


telefone!

Ele se vira para trás, parecendo tão zangado quanto eu estou agora.
—Há quanto tempo isso vem acontecendo? — ele pergunta. —Há
quanto tempo aquele bastardo está assediando você?

— Está tudo bem. Ele não vai me machucar.

—Não? Como você sabe disso?


—Estou lidando com isso. Não é seu problema. Agora, me devolva o
telefone.

—Não é problema meu? Como diabos isso não é problema meu?

—Pierce é minha bagunça e meu erro e eu vou consertar isso.


—E como você vai consertar isso de uma maneira que ele não faça
mal a você?

Ele cruza os braços sobre o peito nu em uma postura arrogante que eu


deveria desprezar. E eu faço, eu juro. Mas meu desejo sexual claramente
discorda da minha cabeça em Tristan Haverford em modo alfa, porque...
Gah! Ele é irritante.

—Se eu me machucar, eu me machuco, — eu assobio. —Mas é minha


decisão como lidar com isso. Estou tão cansado de todos pensarem que
sabem o que é melhor para mim.
—O que você está falando?

—Você sabe do que eu estou falando! — Pego o telefone de sua mão


e o enfio no bolso.

—Iz...

—Não! Toda a minha vida você e todos os outros tiraram minhas


escolhas me manipulando, e estou farta disso!

—Manipular você? Isto é o que você pensa?

—Isso é o que eu sei!

—Porque eu fiz você me odiar?

—Porque você me fez seu peão!

Seu olhar ferido está me matando, mas não posso deixar que aqueles
olhos tristes e cheios de alma me atraiam novamente.

—Você sabe onde eu estava ontem à noite? — Eu pergunto. —Fui ver


meus avós. Eles me disseram que praticamente forçaram você a ficar longe
de mim. É por isso que você fez essa façanha no jogo. Não foi só você que
pensou que não era bom o suficiente para mim. Todos pensavam isso. Foi
como uma grande conspiração para nos manter separados, não foi?

—Sim, exatamente! Todos pensavam isso porque era a verdade.

—Não! Era a sua verdade. Era a verdade deles. Nunca foi minha.
Ele balança a cabeça, cada músculo rígido pronto para atacar
enquanto ele fica lá como uma estátua de bronze. Eu odeio que meu corpo
reaja com luxúria em vez de fúria. Estou com tanta raiva e, no entanto, tudo
o que quero fazer é empurrá-lo contra o balcão e dominá-lo. Eu sei como
ele se sente, tem gosto, o que faz com que cada segundo em sua presença
seja uma tortura quando não posso tê-lo.

—Eu era um câncer, — diz ele em voz baixa e áspera. —E agora eu


sou um maldito veneno. Então não, não vou me desculpar por fazer o que
fiz. Eu faria de novo. De novo e de novo se isso significasse que você teria
a vida que deveria ter.

—A vida que você escolheu para mim!

—A vida que você merece! Olhe ao seu redor, Isabel. Antes de eu


voltar, você tinha tudo a seu favor. Uma carreira planejada, um bilhete
dourado para The Hills... Pela primeira vez em sua existência, tudo que
você tinha que se preocupar era consigo mesma e seus sonhos. Sem pais
tóxicos ou encargos e responsabilidades injustas. Apenas você e seu incrível
potencial. Você estava fazendo isso, Iz. Tudo o que você sempre quis, tudo
que todos nós sabíamos que você poderia se tivesse a chance.

Eu alcanço seu braço, mas ele se afasta. Eu não acho que a raiva dele
seja para mim, no entanto. É para ele mesmo, para o monstro que ele pensa
que é.
—Então eu apareço, e é o ensino médio de novo. Mais uma vez, você
está colocando em risco tudo pelo que trabalhou por causa do meu drama,
meus erros. Escolhendo-me acima de tudo, e para quê? Qual é a grande
recompensa por jogar tudo fora?
—Você! — Eu grito, seguindo em frente. —Minha recompensa é
você, Tristan.

Sua resposta congela em seus lábios enquanto seus olhos se enchem


com o oposto do que eu quero. Não amor ou alegria — dor. Isso é o que
meu amor é para ele — agonia — e algo racha dentro de mim. Ele não acha
que me merece, mas eu não sei viver sem ele.
—Tristan, — eu digo baixinho, me aproximando dele.

Ele fecha os olhos, seu peito subindo e descendo em respirações


difíceis. Como alguém pode parecer tão impressionante e trágico ao mesmo
tempo?

—Eu não posso ser seu príncipe, Isabel, — ele diz com a voz
quebrada. —Eu sou a razão pela qual essas histórias de terror de contos de
fadas existem em primeiro lugar.

—Não. Você não é nenhuma dessas coisas. E eu não sou uma princesa
indefesa que precisa ser salva.

Sua expressão suaviza enquanto ele me estuda. Eu olho em seus


olhos, deixando-me perder desta vez. É tudo que eu quero. Por que ele não
pode ver isso? Sempre foi ele, sempre será. Não importa qual de nós está
certo sobre esse argumento inútil.

—Isso não termina bem, Iz, — ele sussurra em um tom derrotado.


—Isso é porque não deveria acabar, — eu sussurro de volta.

Eu estendo a mão e espalho minha palma sobre sua bochecha. Calor e


luz explodem em mim quando o vejo perdendo a batalha consigo mesmo.

—Isabel.
Não. Esta não é apenas a história dele.

Eu puxo sua cabeça para baixo e o beijo antes que seus demônios
possam pará-lo. Sua rendição imediata me diz tudo que eu preciso saber, e
eu pressiono mais perto, apoiando-o no balcão. Seu corpo é o céu contra o
meu. Quente, duro, forte e vulnerável ao mesmo tempo. Nosso beijo se
intensifica enquanto deslizo minha outra mão sobre seu peito e descendo
por seu estômago. Ele já está tão duro, tão desesperado por isso – por nós.
Eu sei isso.
Eu empurro meus dedos sob o cós de sua calça de moletom e empurro
para baixo. Ele agarra a borda da minha camisa, e eu o ajudo a puxá-la
sobre minha cabeça. Esta é a maneira que deve ser. Pele sobre pele. Meus
contornos adaptados aos dele. Por que ele não pode ver como nos
encaixamos perfeitamente?

Seus lábios, sua língua, eu quero tudo enquanto o devoro, ambas as


mãos segurando sua cabeça e guiando-o onde eu preciso dele. Ele nos vira
até ficar de costas contra o balcão, e um leve gemido me escapa de como é
bom tê-lo pressionado em mim. Ele empurra seus quadris nos meus, e eu
suspiro com a onda de excitação que não é suficiente. Eu respondo com o
mesmo movimento, de novo e de novo, até que ele está sem fôlego e
desesperado também.

—Vamos para o meu quarto, — eu digo através de nossos beijos.

Parece machucá-lo fisicamente quando ele se afasta e me estuda. Eu


traço sua bochecha, seu queixo, seus lábios lindos enquanto ele procura
meu rosto. Prendendo a respiração, imploro silenciosamente para que ceda.
Depois de uma pausa excruciante, ele acena com a cabeça, embora ainda
pareça hesitante. Eu me afasto do balcão e o arrasto para o meu quarto antes
que ele mude de ideia.
Fecho a porta atrás de mim, mas minha excitação desaparece com a
expressão em seu rosto.

—O que é isso? O que há de errado? — Eu pergunto.


Ele não diz nada, apenas continua me estudando como se estivesse
tentando memorizar cada detalhe do meu rosto. Isso envia um calafrio
através de mim.

—Tristan?

—Nada, — diz ele com um sorriso triste. —Você é tão incrível,


Isabel. Nunca se esqueça disso e nunca se contente, ok?
Suas palavras devem me aquecer, mas em vez disso
meu sangue parece gelo quando ele segura meu rosto e
pressiona um beijo gentil em meus lábios. É o beijo de todo conto de fadas,
o beijo que muda os destinos. É o tipo de beijo que diz que eu sempre vou
te amar… logo antes de um adeus trágico.
 

Eu olho para a tela do meu laptop, tentando o meu melhor para me


concentrar no meu trabalho. Tristan está certo sobre uma coisa — eu
preciso intensificar meu jogo na VT Engenharia. Lutei como o diabo por
esta carreira, e pretendo mantê-la. Embora, hoje pode não ser o melhor
exemplo da minha motivação.
Eu deveria estar revisando esta especificação de design e sentindo o
conteúdo e a formatação. Um dia eu mesmo estarei escrevendo isso, mas
agora, tudo em que consigo pensar é na estranha mudança que ocorreu em
Tristan quando fomos para o meu quarto terminar o que começamos na
cozinha – exceto que não terminamos.

Após o beijo estranho, ele decidiu que tinha que comer e se preparar
para o trabalho. Eu não poderia argumentar exatamente, já que eu deveria
estar trabalhando também, mas não vou fazer nada se não conseguir me
concentrar. Além disso, estou com fome. Talvez eu precise comer alguma
coisa no Shelton's. Apenas ver Tristan seguro e em ação deve ser suficiente
para deixar minha mente à vontade e me ajudar a me concentrar. Também
seria divertido surpreendê-lo e oferecer algum apoio.

São apenas quinze minutos de carro até o restaurante. Eu odeio que


Tristan leve uma hora em cada sentido sem um carro. Tentei conduzi-lo
hoje, mas ele não me deixou. Não surpreendente, dado o fato de que seu
complexo de macho alfa protetor estava em pleno andamento esta tarde. O
cara pode ser tão exasperante às vezes.

Ao passar pelo Waverly Park, minha adrenalina aumenta com a


presença de um carro que parece perturbadoramente semelhante ao de
Pierce. Obviamente não é, já que ele não seria pego nesta parte da cidade,
mas é o suficiente para me lembrar que preciso ter cuidado. Ele ainda está à
espreita, e seus textos esta manhã vêm à tona na minha mente. Não há
dúvida de que ele está ainda mais irritado depois que sua façanha com a
carteira não resultou em nada além de um leve susto e falta de sono para seu
alvo.

Afastando os pensamentos perturbadores, coloco a música e abafar a


energia negativa.

Shelton's não parece cheio quando entro no estacionamento, o que


deve facilitar o check-in com Tristan. Eu também não deveria ter problemas
em conseguir uma mesa em sua seção. Mas depois de examinar a área de
jantar, não o vejo e me aproximo do estande do recepcionista.
—Quantos? — a mulher pergunta com um sorriso agradável no rosto.

—Apenas um. Você pode me colocar na seção de Tristan, por favor?


Seu sorriso vacila. —Oh. Hum. Ele não está hoje. Acho que ele não
trabalha até quarta-feira.

O que?
Eu a encaro através do rápido aumento do meu pulso. —Tem certeza?

Porque ele saiu para o trabalho há mais de uma hora.

Um olhar simpático cobre seu rosto. —Sim eu tenho certeza. Você


prefere a área do bar ou a área de jantar?
—Na verdade, não importa. Obrigada de qualquer maneira, — eu
digo com um sorriso rápido.

—Espere, — ela diz quando eu começo a me afastar. —Você é...


quero dizer, você não é Isabel, é?

Surpresa, eu volto para ela. —Sim porque?

—Nada, apenas... ele fala de você o tempo todo. Ele tem sua foto na
tela de bloqueio do telefone dele.

—Ele tem?

Sua expressão suaviza quando ela assente. —Sim. Ele está sempre tão
triste, mas não quando fala de você. Ele realmente te ama.
Meu coração se aquece, aquecendo meu corpo inteiro a cada batida.

—Eu realmente o amo, — eu digo baixinho.

Ela sorri. —No fundo, não acho que ele seja o que todo mundo diz.
Eu o ouvi cantando ontem. Ele não sabia disso. Ele estava do lado de fora
em seu intervalo, e eu estava virando a esquina. Foi muito suave, mas eu
poderia dizer que ele tem uma ótima voz. A coisa toda me surpreendeu. Ele
não parece o tipo de cantor, — diz ela com uma risada.
Eu tento sorrir de volta.

Ele costumava ser.


De repente, estou de volta na casa de Kyle Alexander, vendo Tristan
tocar guitarra pela primeira vez em anos. Foi lindo e de partir o coração.
Todos nós sentimos. Por um breve momento, o véu se levantou e
vislumbramos o que ele poderia ter sido. Talvez o que ele poderia ser se
pudesse escapar da prisão de sua própria cabeça. Por alguns segundos
gloriosos, sua alma floresceu para a vida — depois murchou com a mesma
rapidez.

Meu mundo escureceu quando a porta invisível se fechou novamente


bem na nossa frente. Ele praticamente jogou a guitarra de volta no suporte,
parecendo que nunca pretendia tocar em uma novamente. Tentei falar com
ele no caminho para casa, mas ele não disse nada enquanto olhava pela
janela com um olhar duro no rosto.

—Ele é um músico talentoso, — eu digo.


—Sério? Ele nunca mencionou isso.

—Ele não menciona muitas coisas, — murmuro.

— É verdade, — diz ela com uma risada. —Espero ouvi-lo tocar um


dia.
Eu também.

—Tenha uma boa noite, — eu digo.

Com um sorriso fraco, saio do restaurante e volto para o meu carro.


Lá dentro, tranco a porta e tento acalmar o pânico crescente.
Se ele não está no trabalho, ele mentiu para mim. Se
ele mentiu para mim é porque pretendia fazer algo estúpido.
 

Eu ligo para Kim em seguida. Não falo com ela desde a conversa
perturbadora com Iris, optando por deixar ela e seu pai resolverem esse lado
das coisas, enquanto eu resolvo Tristan. Porque esse plano deu tão certo...

Ela não atende, e eu mando uma mensagem para ela me ligar o mais
rápido possível. Enquanto isso, eu saio do estacionamento para caçar meu
namorado impetuoso.

Eu não tenho ideia por onde começar. Eu nem sei o que ele está
fazendo. Com ele, poderia ser qualquer coisa, desde iniciar uma guerra de
gangues até alimentar os sem-teto. Como essa ação em particular envolveu
uma mentira tão flagrante, estou me inclinando para o lado da guerra de
gangues.E então, meu coração para.

O carro.

Não.

Ele não iria!


Minhas mãos tremem enquanto seguram o volante. Por favor, esteja
errada.

Eu já estava indo em direção ao parque, já que fica perto do nosso


prédio. Isso tem que ser onde eles estão, e de repente, cada luz parece uma
eternidade. Cada motorista na minha frente deve estar infringindo alguma
lei de trânsito com seu ritmo lento. Por que ninguém pode dirigir nesta
cidade?!

Espero estar errada sobre isso. Eu tenho que estar, certo? Tristan
nunca confrontaria Pierce diretamente. Ele…
O incidente na cozinha pisca em detalhes vívidos na minha cabeça. O
que ele tinha feito no meu telefone? Não vi nenhuma mensagem nova
depois que a recebi de volta, então ele não estava enviando nada. Ele
estava…

Procurando um número.
O número de Pierce.

Não não não!

O pânico toma conta de mim quando faço a última curva à direita na


Main. O parque deve estar logo à frente.
Entro no estacionamento, examinando os poucos carros espalhados.
Quando meu olhar pousa no que eu estava procurando, meu corpo fica
dormente. Há um amassado familiar na porta do lado do motorista e um
adesivo da Lei Salisbury no vidro traseiro.

Capítulo Vinte

TRISTAN
Escolhi um lugar público para nosso confronto. Eu já sei que Pierce é
hostil e não consegue lidar com sua merda. Se as coisas ficarem violentas,
eu queria ter certeza de que desta vez há muitas testemunhas. O parque
parecia uma boa ideia, mas o clima ruim significa que está mais vazio do
que deveria para o final da tarde. Algumas pessoas passaram, mas não o
suficiente para garantir um espectador. Se Pierce for esperto o suficiente,
ele pode cronometrar as coisas e me colocar em muitos problemas,
especialmente porque ele tem provas de que fui eu quem iniciou este
encontro.
Foi estúpido desafiá-lo diretamente? Provavelmente. Definitivamente,
mas eu já estava no limite com a notícia de que a evidência de desculpa que
estávamos perseguindo havia sido encontrada e descartada quando Iz me
mostrou os textos de Pierce. Algo explodiu , e eu sabia que tinha que acabar
com isso de uma vez por todas.

Um de nós vai para a prisão esta noite. Não tenho certeza qual.
—Você honestamente acha que há algo que você possa dizer ou fazer
para me fazer recuar? — ele zomba.

Estamos a cerca de três metros de distância na beira da água do


pequeno lago. Normalmente, este lugar está cheio de atividade, mas agora
está deserto como se tivéssemos reservado este local para nossa briga.

—Você honestamente acha que eu não sei que você trouxe reforços?
— Eu digo, balançando minha cabeça em direção aos dois caras encostados
na árvore próxima. Eles nem estão tentando ser discretos. Os três
praticamente entraram juntos. —O que, com muito medo de me enfrentar
sozinho?

—Eu não sou um idiota. Como eu sei que você não veio aqui para
atirar em mim? — ele pergunta.

—Como eu sei que você não veio aqui para atirar em mim? — eu
rebato.

—Talvez eu tenha, — diz ele. —Todo mundo acreditaria que foi


legítima defesa. — Ele levanta o telefone e acena com a tela na minha
frente. —Você me chamou aqui, lembra?
—Sim, porque estamos terminando isso. Chega de brincadeiras e de
assediar Isabel. Você vai deixá-la em paz. Ela não quer você. Ela nunca vai.
Eu não sei com quem diabos ela vai acabar, mas não vai ser nenhum de nós.
Ela merece muito melhor.

—Melhor que um Harrison? Aquele lixo do trailer? — Sem chance.


Eu me aproximo , o sangue fervendo. Sua boca se abre em um sorriso
irônico, e eu sei que isso é exatamente o que ele queria. Estou jogando o
jogo dele. Ele vai me provocar até eu explodir e acabar com uma acusação
de agressão.

Não. Não está acontecendo.

Eu me forço a ficar calmo. Enfrentei ameaças dez vezes isso quase


todos os dias desde o minuto em que entrei na SCI Burlington.
—O fato de você dizer isso sobre ela, mesmo que seja apenas para me
provocar, prova que você realmente não se importa com ela. Você ainda
quer um relacionamento ou é apenas que você não suporta a ideia dela me
escolher em vez de você?

Seu rosto fica vermelho de fúria, e permito um sorriso de retaliação.

—É isso, não é? — Eu continuo agora que eu o encurralei. —Isso


nem é sobre ela. É sobre mim. É sobre o garoto rico chorão que não
conseguiu o que queria provavelmente pela primeira vez em sua vida. Pior
ainda, você perdeu para um ninguém com antecedentes criminais. Deve ser
difícil viver na frente de seus amigos. — Eu aponto para os caras perto da
árvore.

—Você quer acabar com isso, seu filho da puta? Vamos, diz.

Meu sangue gela quando ele enfia a mão no casaco e tira um canivete.

Ah Merda. Esse cara é de verdade. Mas mesmo ele não pode ser
estúpido o suficiente para usá-lo. Tenho certeza de que é apenas mais uma
exibição, uma suspeita que é confirmada quando seus amigos se endireitam
em alarme e vêm em nossa direção. Claramente, eles não se juntaram para
matar ninguém.

Pierce dá um passo à frente, e eu dou um passo para trás.

—O que, você está com medo? Um cara grande e durão como você?
— Ele gesticula com a faca, e eu levanto minhas mãos.

—Vamos lá. Podemos resolver isso sem armas. Você quer lutar? Eu
sou a favor, mas ninguém precisa se machucar seriamente.

—Você realmente acha que eu lutaria com você? — ele rosna. —Não,
idiota. Você vai me atacar e conseguir uma passagem só de ida de volta para
onde você pertence.
Ele lança um olhar conhecedor para seus amigos, e seu plano entra
em foco.

Porra. Os outros caras já estão com seus telefones para filmar esse
confronto. Eles estão planejando encenar algo e armar para mim. Vou ter
que ter muito cuidado.

Olho de volta para um rosto tão consumido pelo ódio que é quase
irreconhecível como humano. Esta é a pessoa perseguindo Isabel? Isso é o
que ela terá que temer pelo resto de sua vida?
Não. Isso não pode acontecer. Prefiro voltar para a prisão.

Meu olhar cai para a faca, e meus pulmões se enchem de ar tóxico


quando percebo o que tenho que fazer. Só há uma maneira de garantir que
ele nunca a machuque. Estou cuidando dela desde o momento em que me
apaixonei pela melhor amiga da minha irmã. Nossa história não passou de
tragédia, construída sobre mentiras e dor. Há apenas um final para um amor
como o nosso de qualquer maneira.

Eu engulo meu medo e me endireito. Quando noto os amigos


filmando à minha esquerda, me aproximo de Pierce com o olhar mais duro
que posso reunir.

—Ah, canivete bonito. Você roubou do seu sobrinho? — eu provoco.


—O que você vai fazer, me cortar até a morte?

Seus olhos se arregalam quando ele aperta o cabo.

—Você nem saberia o que fazer com uma arma de verdade, — ele
retruca. —São apenas escovas de dentes e parafusos fixados na prisão,
certo?
Eu dou de ombros. —Venha descobrir.

—E ficar preso eu mesmo? Não, obrigado.

—Ok, então qual é o plano, exatamente? Você obviamente veio aqui


com a intenção de me machucar. Vamos fazê-lo. Você está desperdiçando
meu tempo.
— Você adoraria saber disso, não é?

—Isso é o que eu acabei de perguntar, não é? Eles não ensinam


interpretação de linguagem básica em sua faculdade de direito? Vai ser
difícil ganhar um caso se você não consegue compreender perguntas
simples.

Sua mão treme no espaço tenso entre nós, provavelmente tanto de


raiva quanto de medo. Bom. Eu o tenho exatamente onde eu o quero. Onde
eu preciso dele se... —Pare! O que você está fazendo?!
Eu congelo com a voz inesperada. Oh não. Porra! Ela não pode estar
aqui!

—Volte para o carro, Isabel! — Eu grito, sem desviar o olhar de


Pierce. De jeito nenhum eu vou deixá-lo fora da minha vista com uma arma
na mão e Isabel por perto. —Saia daqui!

—Não! — Ela corre e se empurra entre os amigos de Pierce para nos


alcançar.

Eu não consigo respirar enquanto ela fica muito perto daquele


monstro.

—Guarde o canivete, — diz ela para Pierce. —Este não é você. Eu sei
que não é você.
E é. Esse é o problema. Ela também sabe disso, mas está tentando
fazer a última coisa que deveria ser: raciocinar com uma pessoa que está
além da razão. Já vi essa situação mais vezes do que posso contar, mas
nunca com uma pessoa que amo no meio dela. Isso muda tudo.

—Vocês vai ficar aí parados? — Pergunto aos amigos, mudando de


tática. —Vocês percebem que se algo acontecer, vocês também vão cair,
certo?

É o suficiente para deixar todos desprevenidos e eu uso a distração


para agarrar o braço de Isabel e empurrá-la para trás de mim. Estendo o
meu para bloqueá-la de Pierce.
— Saiam. Agora, — eu assobio para ele. —Isto acabou.

—Eu só estou saindo com ela!

—Nunca vai acontecer.


Eu me aproximo dele, rezando silenciosamente para que ele esteja
blefando. Eu me faço o mais intimidante possível, e talvez esteja
funcionando quando ele dá um passo para trás.

—Acabou, Pierce. Volte para o seu palácio dourado e nos deixe em


paz — digo.
—Não, não acabou. Eu vou te matar antes de deixar você ficar com
ela!

—Como você não está entendendo? Ela não quer você!

—Ela quer Ela só...

—Eu nunca vou escolher você, Pierce. Nunca, — Isabel interrompe


com uma voz firme atrás de mim.

Uau. Eu nunca a vi enfrentar ele. Definitivamente não esperava que


ela fizesse isso agora e por mim. Apesar da tensão, o alívio passa por mim.
Se nada mais, a Isabel que conheço e amo está de volta para assumir o
controle de sua vida. Não importa o que aconteça comigo, ela vai ficar bem.
É tudo que eu sempre quis.

—Tristan.
Contra todos os instintos, viro as costas para o inimigo para enfrentá-
la. Essa é a atração dela. Ela pode até mesmo romper meus medos mais
profundos, minhas sombras mais escuras. O olhar em seu rosto confirma
todas as minhas esperanças. Ela está decidida, confiante. Tão fodidamente
forte.

—Eu te amo. Eu sempre amei você, — ela diz, encontrando meu


olhar. —Sempre será você, Tristan. Sempre.
Meu coração se aquece, meu mundo ilumina em uma das primeiras
vezes que me lembro. Sempre será ela para mim também. Tristan e Isabel.
O que é aquela famosa história de amor de novo?

Tristan e Isolda. Como ela terminou?


Se ao menos...

Meu corpo estremece com uma sensação de frio, seguido por uma dor
lancinante que se espalha pela parte inferior das minhas costas. Eu
estremeço quando um segundo atinge um pouco mais acima.

—Porra! — alguém diz.


Os dois amigos se afastam em choque, e é então que eu sei. Eu sei.

Mas ainda não me viro. Quero que meu fim seja com Isabel. Ter seu
rosto gravado no meu para sempre. De sua posição na minha frente, fico
feliz que ela não possa ver o que aconteceu nas minhas costas. Eu forço um
sorriso através da dor, e ela aperta os olhos com confusão quando os amigos
de Pierce correm em direção ao estacionamento. Ela parece ainda mais
confusa quando Pierce os segue.

—Que diabos? ela pergunta. —Onde eles estão indo? Será que...
—Ei, está tudo bem. Acabou. Isso é tudo que importa.

—Mas eles estão entrando em seus carros. Eles realmente vão


embora! Graças a Deus.

—Venha aqui, — eu digo, apontando para ela.


Sua expressão oscila entre raiva, medo e amor enquanto ela avança.
Não poderia ser mais perfeito, mais Isabel.

Mais nós.
—Isso foi tão incrivelmente estúpido. Você sabe disso, certo? — ela
murmura, deslizando os braços em volta de mim e se enterrando no meu
peito. Eu envolvo o meu em torno dela e beijo seu cabelo. Uma onda de
náusea e tontura toma conta quando eu fecho meus olhos, e eu tenho que
segurar mais forte para ficar de pé. Ficamos em silêncio, nada além do
suave fio de água em movimento ao nosso lado. Minha respiração já está
desacelerando. Eu sinto a fraqueza se instalando.

Sim. É assim que eu devo ir. O final perfeito para o nosso conto
trágico.
—Eu sei, mas funcionou, — eu digo. —Você vai ficar bem agora, Iz.
Ele não será capaz de machucá-la uma vez que... — Não consigo terminar
quando uma onda aguda de dor se espalha pelo meu corpo.

—Uma vez que ele é, o quê? — ela pergunta. —Ei... sua camisa está
molhada.

Ela se afasta, e eu abro meus olhos.


—Uma vez que ele for preso. Está tudo bem, — murmuro com o
terror em seu rosto. —Seu…

Eu tropeço, minhas pernas muito fracas para me segurar mais.

—Tristan!
—Você vai ficar bem, — eu digo com uma voz fraca. —Eu te amo
tanto, Iz. Eu faria isso de novo e de novo. Nunca esqueça isso.

E então eu sorrio.

Como não posso quando um anjo está pairando sobre mim enquanto
eu desapareço no meu final perfeito?
Capítulo Vinte e Um

ISABEL

As próximas horas são um borrão. Há uma ambulância e um hospital,


interrogatorios e policiais, telefonemas, abraços e tantas lágrimas. Perdi a
conta desses. Seria mais fácil contar os segundos em que o líquido salgado
não estava escorrendo dos meus olhos.

Os Haverford nem tentam me dizer para ir para casa enquanto nos


amontoamos na sala de espera do hospital. Os policiais estão procurando
por Pierce, enquanto esperamos impotentes por notícias de sua vítima.

Achei que conhecia a dor. Não. Este é um buraco negro debilitante


que suga o ar dos meus pulmões e a vida das minhas veias. Quatro anos
atrás, Tristan desistiu de sua liberdade por sua irmã. Quatro horas atrás, ele
deu sua vida por mim. Desde que descobri a verdade sobre o acidente, me
perguntei como Kim poderia viver sob o peso dessa realidade. Agora eu sei.
Eu faria qualquer coisa para ser a única lutando pela minha vida em uma
cama de hospital, enquanto ele estava sentado aqui desesperado por boas
notícias.

Seu estranho adeus esta tarde ecoou na minha cabeça sem parar. Ele
devia saber que isso era uma possibilidade quando decidiu confrontar
Pierce. Pierce deve ter pensado o mesmo com base em suas ações. Talvez o
canivete fosse apenas um adereço, mas o ódio a transformou em uma arma
que destruiu várias vidas hoje.

Tristan foi esfaqueado por mim.

Eu ainda não consigo envolver meu cérebro em torno disso. Nada


disso parece real. Tudo isso parece um pesadelo amargo causado por
fantasias distorcidas nas quais eu acreditava demais.
Finalmente consegui minha história de amor.

Meu precioso beijo de conto de fadas.

O coração do príncipe que venho perseguindo desde o momento em


que vi sua beleza.

Este é o meu H.E.A.4 — o ar abafado do hospital que se torna menos


respirável a cada repetição daquela cena horrível na minha cabeça. É
completamente diferente agora que eu sei o final. Cada palavra, expressão e
ondulação da água do lago tem um novo significado. Não consigo afastar a
imagem do corpo de Tristan deitado imóvel nas pedras frias e manchadas
de sangue.

Mas são seus olhos nesses últimos momentos que me assombram. Eu


finalmente vi o amor e a esperança que eu queria há tanto tempo – e é a
esperança que dói mais. É a esperança que fez meu peito ceder e meu corpo
desmoronar em uma cadeira. Ele finalmente acreditou em nós, em si
mesmo. Eu tive todo o seu coração por alguns segundos preciosos, apenas
para tê-lo arrancado. Talvez para sempre.

Eu sufoco um soluço com as lembranças do sorriso em seu rosto


enquanto ele desaparecia. Ele estava tão lindo naquele momento. Tranquilo
de um jeito que eu nunca vi. Suas últimas palavras, seus últimos
pensamentos, foram sobre mim, e foi o suficiente para fazê-lo encarar a
morte com um sorriso. Eu sei em minha alma que ele pensou que estava
morrendo e ele quis dizer o que ele disse. Ele daria sua vida por mim. De
novo e de novo.

E estou furiosa.

—Iz, — diz Kim, estendendo a mão para mim.


Eu me afasto, lançando um olhar raivoso através das minhas lágrimas.
—Não deveria terminar assim. Não pode. Depois de tudo que passamos...
eu não aceito isso!

—Eu sei, — diz ela, seus próprios olhos cheios de tristeza. —Ele vai
ficar bem, Iz. Eles só têm que costurá-lo e...

—Você não sabe disso! Como você pode saber disso?! Você não viu.
Você não o viu deitado lá como... como...

Como se ele tivesse ido.

Como se o tivéssemos perdido para sempre desta vez.

Como se eu nunca pudesse abraçá-lo e dizer o quão bonito ele é.

Eu o amo muito, Tristan. Por favor, por favor, por favor, volte para
mim. Você me prometeu. Você prometeu porra!

Ela desvia o olhar, e eu já estou uma bagunça quando meu olhar


lacrimejante pousa em seus pais. Ben e Yolis parecem abatidos e
angustiados ao lado dela. Eles não disseram quase nada esse tempo todo,
muito entorpecidos e em choque para conversar. Eu deveria sentir
compaixão por duas pessoas que uma vez vi como família, mas em vez
disso tudo o que tenho é raiva. Será que eles sabem que esta não é a
primeira vez que ele é hospitalizado por um ataque? Eles têm alguma ideia
de que ser esfaqueado provavelmente não é a pior coisa que seu filho
suportou?!

—Isso é besteira, — eu digo. —Tudo isso. — Eu aceno para os dois


quando eles me olham surpresos. —Você não pode ficar sentado aí agindo
como se seu mundo tivesse acabado de se despedaçar! Você não pode
lamentar um relacionamento que nem teve devido às suas próprias escolhas
ruins! Você não pode decidir agora que Tristan é uma pessoa incrível que
você quer em suas vidas e lamentar os anos perdidos que você jogou fora.
Onde você estava quando ele estava sofrendo no hospital da prisão?
Quando ele foi jogado na solitária depois de ter sido agredido? Onde você
estava quando ele precisava de apenas uma maldita pessoa para acreditar
nele e lhe dar esperança? Dizer que ele valia tudo, mesmo tendo sido
reduzido a nada? Ele precisava de você mais do que nunca, e você acabou
de deixá-lo lá! Você acabou de deixá-lo porra...

Eu desmorono e caio na cadeira. Todos os anos roubados e jogados


fora. Toda a luz foi desviada das almas radiantes. Todos os futuros
desprovidos de esperança e possibilidades. Há tanto mal neste mundo, tanta
escuridão e dor. Tantas razões para desistir e decidir que não vale a pena
salvar.

E então o garoto que você odiava troca a vida dele pela sua. Para a
irmã dele. Para quem ele ama, porque mesmo neste lugar escuro e horrível
ainda há um lampejo. Ainda há altruísmo, bondade e sacrifício. Ainda há
esperança de que o mais irredimível possa ser redimido e, às vezes,
milagres acontecem no coração da tragédia.

Um braço forte circula minhas costas, mas não pertence a Kim ou


Yolanda Haverford. Pertence a uma pessoa que tem sido mais um pai para
mim do que seu próprio filho.

—Você está certa, — diz Ben, sua voz embargada de emoção. —Nós
falhamos com ele – eu falhei com ele. Nós o abandonamos quando ele mais
precisava de mim. Nós o deixamos lá para sofrer sozinho. Foi preciso muita
dor de cabeça para eu perceber o quanto eu errei. Não, eu não mereço ficar
aqui rezando pela chance de amá-lo como deveria.
Lágrimas escorrem pelo seu rosto com essas palavras bonitas.
Palavras bonitas e sinceras que significam merda se ele nunca tiver a
chance de prová-las. E se…

Deus, eu não posso nem pensar nisso.

—Ele perdeu tanto, — eu sussurro. —Mais do que você sabe. Mais


do que ele jamais lhe dirá.

Ele esfrega os olhos, parecendo torturado enquanto interpreta minhas


palavras. Mas não sinto satisfação em machucá-lo, apenas temo que não
haja final feliz para esta história. Como pode haver quando cada capítulo foi
tão distorcido além do reparo?

—Eu sei, — ele diz baixinho. —Eu podia ver isso em seus olhos. Eu
sei que ele está escondendo uma dor incrível.

—E se for demais? E se não pudermos trazê-lo de volta?

Não espero que ele responda, então fico surpresa quando ele exala
uma respiração trêmula e limpa a garganta.

—Então nós o encontraremos onde ele está e o amaremos lá. Nós o


seguiremos até o inferno como deveríamos ter feito cinco anos atrás.

Eu sofro com a dor de suas palavras e esfrego meu rosto molhado.

Segui-lo para o inferno.

Parece tão simples, tão certo. Mas onde é isso? Como o alcançamos?
Ben não entende que há lugares na cabeça de seu filho que ele pode nunca
nos deixar ir. Depois do que acabou de acontecer, só posso adivinhar as
novas paredes que ele construirá. Ben não tem ideia de quão bem seu filho
pode se esconder à vista de todos. Ele acha que entende, mas não.
Ele não pode. Nenhum de nós pode, e talvez seja esse o ponto. Talvez
não seja sobre Tristan. Talvez seja sobre mim e o que venho insistindo que
queria o tempo todo – uma escolha.

Tristan pode escolher se esconder.


Posso optar por continuar a encontrá-lo.
 

Não consigo respirar quando me aproximo da porta de seu quarto de


hospital. Será que ele vai se parecer com o garoto vibrante que eu amo ou
com o fantasma que está me assombrando desde o segundo em que vi o
sangue dele em meus dedos. Essa imagem está embutida em minha mente,
bem ao lado de seu sorriso viciante que eu faria qualquer coisa para tocar
novamente.

Assim que eu vejo, meu mundo se inunda de luz.

Graças a Deus!

—Iz, — ele diz com uma voz rouca quando me aproximo da cama do
hospital.

Mesmo se eu estivesse preparada, eu teria perdido qualquer palavra


quando eu pego sua mão e a aperto nas minhas. Sua pele está tão quente,
seu aperto tão seguro e vivo. Eu descanso meus lábios em seus dedos e
seguro firme.

—Ei, está tudo bem, — diz ele quando lágrimas irritantes brotam dos
meus olhos novamente. Como isso é possível? Eu tinha certeza de que
ficaria sem elas nas últimas vinte e quatro horas.
Meu olhar traça cada detalhe de seu rosto, tomando-o com nova
urgência agora que sei o quão preciosas são essas chances. Ele está mais
pálido do que o normal, mas fora isso, parece o mesmo garoto de parar o
coração que eu amei desde que tinha idade suficiente para amar.

—Eu... eu pensei... Deus, Tristan. — Minha voz falha quando me


agarro à mão dele como se estivesse me afogando. Como se ele estivesse se
afogando. Eu nunca vou deixá-lo ir novamente.

Seu olhar suaviza, e ele aperta meus dedos. —Estou bem. Eu vou sair
daqui em breve. Pierce também é péssimo em matar pessoas,
aparentemente. Um dos furos nem atingiu nada, e o outro... Quem precisa
de um baço, afinal?

Eu balanço minha cabeça, ainda incapaz de falar.

—É decepcionante, realmente. Quero dizer, o nome dele é Pierce,


certo?5 Além disso, quem pode dizer que eles foram literalmente
esfaqueados pelas costas?

—Não é engraçado, — eu digo através de um pequeno sorriso em seu


sorriso adorável. Os olhos brilhantes, as covinhas encantadoras que não
fazem sentido com o resto de seu exterior duro — é fascinante, e meu peito
aperta enquanto prendo essa imagem inestimável também.

Ele se move para que eu possa sentar na beirada da cama, e eu odeio


que seu rosto se contorça com o leve movimento.

—Você está com muita dor? — Eu pergunto, procurando por pistas


escondidas.

—Não.

—Mentiroso.
—Sem mentira. Estarei de volta às flexões em uma semana, — ele
brinca, e eu dou a ele um olhar com seriedade.

—Oh sério? Estarei analisando isso pelo seu médico.


—Tudo bem. Duas.

Eu balanço minha cabeça, já visualizando as próximas lutas prestes a


acontecer no 11F nas próximas semanas. De alguma forma, acho que
Tristan Haverford não será um paciente obediente. Ainda bem que terei a
família dele como apoio.

—O que você fez foi realmente estúpido. Eu mencionei isso? — Eu


digo, passando minha mão sobre o lado esquerdo de seu rosto. Meu polegar
instintivamente roça os contornos de seu doce sorriso.

—Você pode ter mencionado isso. — Seu olhar se fixa com o meu e
fica sério. —Eu me lembro de tudo, porém, Iz, e mantenho o que disse. De
novo e de novo.

Meu corpo aquece e esfria ao mesmo tempo. Eu sei que ele quer dizer
isso. Esse é o problema.

—Bem, eu vou ficar chateada se isso acontecer de novo, então não


vamos, ok? Tente ficar longe de problemas pelo resto de sua vida?
Seu sorriso não é um bom presságio. — Sem promessas.
 

—Eles já foram embora? pergunta Tristan.

Eu sei que ele está aborrecido, então eu tento reprimir meu sorriso,
mas secretamente estou adorando ver sua família dar atenção a ele. Ben e
Yolis imploraram para que ele ficasse em sua casa após a alta do hospital,
mas ele recusou. Aparentemente, isso significa que eles praticamente
viverão em nossa casa. Não foi tarefa fácil convencê-los a ir para casa
durante a noite.

—Você provavelmente deveria se acostumar com isso, — eu digo. —


Você tem sorte que eles estão deixando você fora de vista por algumas
horas.
Eu me acomodo perto dele no sofá, tomando cuidado para mover as
almofadas o mínimo possível. Eu gostaria que ele descansasse no meu
quarto, mas ele diz que está cansado de ficar preso em uma cama. Ele está
até insistindo em sentar em vez de deitar no sofá, embora eu possa dizer que
é desconfortável para ele. Ainda não vi suas feridas, mas tenho certeza que
terei o prazer em algum momento. Ele vai precisar de ajuda com o dreno
cirúrgico. Para ser honesta, estou apavorada ao ver o dano e fiquei feliz por
sua mãe ter insistido em fazer isso antes de partirem.

—Vamos comer caldo de pollo6 por três meses, — ele murmura.

—Não como caldo de pollo da sua mãe há anos. Não há queixas de


mim se ela quiser nos alimentar.

—Você se lembra da primeira vez que ela serviu para você? — ele
pergunta com um sorriso malicioso.

Olho para ele com surpresa. —É claro. Mas como você se lembra
disso?

—Como não posso? Você ficou lá por dez minutos fingindo comer
antes de finalmente perguntar a Kim como. Você pensou que era muito
discreta também. Foi tudo o que pude fazer para não cair na gargalhada.
Dou-lhe um olhar de reprovação, mas o calor se espalha através de
mim. É difícil acreditar que ele tenha notado isso, muito menos lembrado.
Há quanto tempo ele está prestando atenção em mim? Talvez seja desde que
eu o tenha notado.

—Sim, bem, você ainda nunca vai me fazer comer aquela coisa
esquisita de cachorro-quente que você ama. Nem sua mãe conseguiu me
convencer.

—Salchicha con huevo? — ele pergunta com uma risada. —Sua


perda. É delicioso.

—Qualquer coisa que você diga.

—Você come bacon e salsicha com ovos. Qual é a diferença?


Ele tem um ponto.

—Os jalapeños crus que você come com ele? — eu brinco.

Seu sorriso é demais, e eu me inclino para senti-lo. Agora isso eu


poderia provar o dia todo.
Mas o que deveria ser um beijo carinhoso se torna muito mais quando
minha mente, corpo e alma lembram o quão perto cheguei de perder isso.
Coloco minhas mãos sobre suas bochechas para forçá-lo a se aproximar e
aprofundar o beijo. Ele retribui meu beijo, entrelaçando os dedos no meu
cabelo e puxando-o do jeito que eu tanto amo. Acabei de me mexer para
subir em seu colo quando ele estremece.

Merda. Esqueci disso.

Eu suspiro e caio de volta na almofada.


—Desculpe, — ele murmura. — É que...

—Não se atreva a se desculpar, — eu aviso.


Um sorriso fraco contrai seus lábios, e eu o traço com meu dedo em
vez disso.

—Como você está? De verdade, Tristan. E não estou falando das suas
costas.
Ele desvia o olhar, e eu tenho minha resposta. Ele não disse quase
nada de substancial desde o ataque, então só posso adivinhar o que está
ocorrendo em sua cabeça .

Nós o seguiremos até o inferno.

Pego sua mão e enfio nossos dedos para segurar firme para o que
tenho certeza que será uma conversa difícil.
—Assustado, — diz ele, me surpreendendo com sua honestidade.
Será que ele realmente vai se abrir de uma vez?

—De Pierce? Não há como ele vir atrás de você novamente.

—De tudo. Eu entendo porque Kim quer confessar. O esfaqueamento


a assustou, mas tudo pode acontecer, Iz. E se tudo sair pela culatra? E se
nós dois acabarmos com novas acusações e…
Seus olhos estão cheios de medo quando pousam em mim. —Não é
só isso. Você ouviu a atualização do papai. Pierce saiu sob fiança tão rápido
que provavelmente não valeu a pena ir até a delegacia. Seu pai é o rei da
defesa criminal, e Pierce está alegando legítima defesa. E se eles
acreditarem nele? A qualquer minuto, os policiais podem estar na porta para
me pegar.

A ansiedade se espalha através de mim com o pensamento. Quero


discutir com ele, mas como posso quando tudo o que vi apoia suas
preocupações? Ainda assim, ele precisa que eu seja forte agora. Depois de
tantos anos lutando sozinho, devemos a ele ser uma rocha em que possa se
apoiar pelo menos uma vez.

—Ele esfaqueou você por trás, — eu digo, apertando sua mão. —Não
há como alguém em sã consciência acreditar que foi legítima defesa.
—Mas foi eu quem convocou o confronto. Ele poderia argumentar
que estávamos lutando e simplesmente aconteceu dessa maneira, ou ele
pensou que eu estava me virando para minha própria arma. — Ele balança a
cabeça e esfrega os olhos. —Neste momento, é minha palavra contra a dele,
então tudo se resume ao que seus amigos dizem. Por que diabos eles
ficariam do meu lado?

—Você contou aos policiais sobre o vídeo, — eu o lembro.

—Sim, mas e se eles já destruíram os telefones ou não mostra o que


deveria? Sem provas concretas, não tenho chance. Ninguém acredita em
mim, Iz. Você sabe disso.
—Então nós os fazemos. Você está esquecendo uma grande parte da
equação.

Eu puxo sua mão até que ele olha para mim.

—Você não está mais sozinho. Você tem seu próprio exército de
pessoas atrás de você prontas para lutar por você. Seus pais, eu, até mesmo
os malditos Alexanders. Você disse que daria sua vida por mim, uma e outra
vez. Bem, adivinhe, há muitos outros que fariam o mesmo por você.

Eu me inclino para frente e prendo seu rosto em minhas mãos. —Eu


te disse, minha vida é minha escolha, e eu vou escolher você de novo e de
novo. Você sabe porque?

Seus lábios se erguem. —Por que?


—Porque junto com todas as coisas que você não é, eu também sei a
única coisa que você é.

—Oh sim? O que seria isso?

Eu pressiono meu sorriso no dele. —Meu.


Capítulo Vinte e Dois

TRISTAN

As cicatrizes nas minhas costas puxam com mais força o tecido da


minha camisa enquanto nos sentamos desajeitadamente no sofá dos Huberts
em sua sala de estar. Para o registro, eu ainda não estou confortável com
isso. Não quero que Kim se entregue e confesse, mas estou cansado de
lutar. Isabel tem razão. Eu tenho bastante dificuldade em lidar com minhas
próprias escolhas. Eu não posso continuar fazendo para os outros também.
Se Kim precisa fazer isso, então eu preciso aceitar.

Uma coisa em que concordamos? Temos que reduzir os danos à


família de Amber o máximo possível. Concordamos que isso significa que
devemos contar a verdade antes de qualquer outra pessoa. Papai queria vir
como pai e advogado, mas Kim insistiu que isso era algo que tínhamos que
fazer sozinhos. Ela não estava preocupada em dizer qualquer coisa que
pudesse machucá-la legalmente. Afinal, ela vai dizer a mesma coisa ao
promotor quando terminarmos. Inferno, ela nem deixou Iz vir. Eu
concordei.

—Obrigada por concordar em se encontrar com a gente, — diz Kim,


sua voz surpreendentemente calma. Talvez haja mérito na ideia de que —a
verdade o libertará.

—Como podemos te ajudar? — Marty Hubert pergunta, lançando um


rápido olhar para mim. Espero ódio em seu rosto, mas o que recebo é
quase... tristeza? —Nós ouvimos que você foi atacado recentemente. Você
está bem?

Surpreso, me mexo na almofada. —Sim. Hum, eu só…


—Ele foi esfaqueado, — Kim termina em uma voz uniforme. —Ele
ainda está com muita dor, e os médicos disseram que ele teve uma sorte
incrível que o dano foi tão mínimo comparado ao que poderia ter sido. Ele
também foi falsamente preso, ameaçado, humilhado e agredido física e
verbalmente várias vezes desde que voltou para casa por causa do
ressentimento persistente pelo acidente.

Eu olho para o chão, meu rosto ficando vermelho sob a atenção dos
Huberts. Não quero saber o que eles estão pensando. Por que ela está
contando essas coisas para eles? Ela realmente acha que eles se importam
com o que está acontecendo comigo?
—O esfaqueamento é em parte o motivo de estarmos aqui, —
continua Kim. —Eu estava querendo fazer isso há um tempo, mas essa foi a
gota d'água. Isso tem que parar.

Ela respira fundo e fixa o olhar nos Huberts.

—A vida de Tristan tem sido um inferno desde o dia do acidente, —


diz ela. —Primeiro, ele teve que suportar o ódio de uma cidade inteira,
depois vários anos brutais de prisão, e agora é apenas um golpe após o
outro. Ele está se esforçando tanto para colocar sua vida em ordem e não
consegue.
Marty e Nina Hubert trocam um olhar tenso, e eu olho para Kim. O
que ela esta fazendo? Ela espera que essas pessoas simpatizem comigo?
Eles perderam a porra da filha deles.

—Não estou dizendo que alguém não merece todas essas coisas por
matar sua filha, — continua Kim, como se estivesse lendo nossas mentes.
—Só estou dizendo que essa pessoa...
Ela cerra os punhos e, quando vejo o reflexo em seus olhos, estendo a
mão para pegar a dela.

—Essa pessoa não é Tristan, Sr. e Sra. Hubert. Essa pessoa deveria
ser eu. Fui eu que dirigi naquela noite. Eu sou aquela que vocês deveriam
odiar. Eu vou contar isso para as autoridades também, mas eu queria que
vocês ouvissem isso de mim primeiro. Sentimos muito pela dor que
causamos à sua família. Sabemos que não há nada que possamos fazer ou
dizer para consertar as coisas, apenas, estou implorando para vocês
direcionarem sua raiva para mim, não para ele. Sou eu que mereço. Ele
estava apenas tentando me proteger e pagou muito por isso.

Eu olho para o chão novamente, meu corpo tenso e dolorido. Feridas


antigas e novas parecem estar queimando minha camisa sob a avaliação
intensa dos Huberts. O que eles estão pensando? Por que eles não dizem
nada? Eles deveriam estar jogando coisas, soluçando, nos atacando.

—Obrigada por nos dizer a verdade, — diz Nina.

Como Marty, seu tom é quase... gentil.

Eu levanto meu olhar para cima e encontro sua atenção fixa em mim.

—Amber tinha uma queda por você. Ela falava de você o tempo todo.
O garoto bonito com a guitarra dourada, — Nina diz com um sorriso triste.

O que? Sinto um aperto no meu coração. Eu não fazia ideia. Eu mal a


conhecia, mas não estou surpreso. Todo mundo tinha uma queda por mim
naquela época. Eu era um especialista em ser o que as pessoas queriam que
eu fosse. É meio irônico que todos agora me odeiem pelo mesmo motivo.
Eles ainda vêem o que querem, não o que eu sou.

Mas espere... Isso não pode estar certo.


—Eu... ela não estava namorando aquele policial? — Eu pergunto
hesitante.

Seus olhares confusos fazem meu estômago revirar.

—Policial? — diz Marty.

—Sim, hum... Meu rosto aquece quando me mexo no meu assento. —


Aquele que me prendeu no outro dia. Daniels ou algo assim?

Nina puxa uma respiração afiada. —Você quer dizer Cooper Daniels?
Ele prendeu você?

Eu dou de ombros. O cara não me deu exatamente seu cartão de


visita.

—Eu acho? Ele disse que era namorado de Amber quando ele, uh, me
pegou para…

Merda. Como eu explico isso?

Eu não preciso quando uma carranca se espalha pelo rosto de Marty.

—Não. Eles não estavam juntos, — diz ele. —Eles terminaram meses
antes do acidente, e ele não aceitou bem.

Acho que isso explica ainda mais a vingança pessoal. Ele tinha várias
razões para me odiar.

—Oh. Ok, — murmuro, sem saber o que mais dizer.

Nina cruza as mãos no colo, centrando o olhar em mim. —Ela não


estava namorando Cooper na época. Ela foi à festa naquela noite esperando
que você estivesse lá com sua banda. Ela estava lá para você, Tristan.

Eu estremeço com o golpe. Porra.


Minha pele parece estar pegando fogo, meu pulso está acelerado
descontroladamente, mas me forço a enfrentar os Huberts e sua ira. Eles
merecem isso. Eles merecem a chance de nos acertar com o que eles têm
depois de todo esse tempo.

—Nós não aprovamos, é claro. Dissemos a ela que você era uma má
notícia. Que você era – o que eles dizem, um jogador? e mesmo que
estivesse lá, provavelmente não falaria com ela, mas ela não se importava.

—Sra. Hubert— Kim interrompe, mas Nina levanta a mão e se


concentra em mim.

— Mas você não estava lá, estava? — ela me pergunta.

—Não, eu olho para baixo.

—Não, porque ela me mandou uma mensagem sobre o quão


desapontada ela estava por sua irmã estar lá, mas não você. Foi a última
coisa que ouvimos dela.

Oh Deus.

—Eu sinto muito, — eu sussurro, sem saber mais o que dizer. O que
mais está lá? Eu entendo o ponto deles. Está batendo fresco e violento como
se fosse aquela noite terrível de novo. Eu não estava dirigindo, mas talvez
eu a tenha matado, afinal. Talvez tudo isso seja minha culpa. Talvez eu
mereça o que aconteceu comigo. Talvez eu seja o que eles dizem.

Eu pressiono as palmas das minhas mãos em meus olhos, tentando


respirar. Mas eu não posso. Não posso fazer nada a não ser sentar aqui e
absorver mais golpes nessa história interminável de erros.

Mas Nina e Marty ainda estão sentados com uma calma estranha
quando finalmente consigo olhar para eles novamente. Eles estão me
observando com expressões pensativas, como se estivessem avaliando, mas
não julgando.

—Na hora do acidente, estávamos muito dilacerados para nos


importarmos com os detalhes, — continua Nina. —Você disse que fez isso.
Você estava indo para a prisão. Isso é tudo o que importava.

Eles trocam outro olhar e, desta vez, é Marty quem se inclina para
falar. —Mas esse texto nos assombrou ao longo dos anos. Nós nunca
poderíamos descobrir como você bateu na nossa garotinha quando o carro
estava com sua irmã naquela festa. Talvez você tenha chegado mais tarde e
a tenha levado para casa? Talvez alguém estivesse mentindo? E se não
tivesse sido apenas um acidente como você disse? E se ela conseguiu o que
queria e vocês dois tiveram uma interação que terminou horrivelmente?

—Quando conseguimos voltar a nossa vida novamente, começamos a


investigação. Tínhamos que saber a verdade. Você entende, certo? Você
precisa de respostas para perguntas ou elas o consomem. Eventualmente,
eles vão destruir você.

—Foram vocês que descobriram o vídeo do posto de gasolina, — eu


digo com uma voz rouca.

Eles retornam um olhar surpreso e acenam com a cabeça. — Então


você sabe disso.

—Acabei de descobrir há alguns dias.

Lá está aquele olhar triste novamente. Tão estranho.

—Alguns dias... — Marty murmura para si mesmo, balançando a


cabeça. Nina descansa a mão na perna dele, depois se concentra em mim.
—Sim. Fomos nós que o encontramos, — confirma. —E quando
vimos que não era você dirigindo, ficamos tão aliviados. Isso significava
que provavelmente foi apenas um acidente e não um jogo sujo. Entregamos
à polícia e ficamos surpresos quando você não foi liberado e nunca mais
ouvimos nada. Seguimos com a promotora alguns meses depois e ela disse
para não se preocupar com isso, que estava sendo tratado.

— Mas não foi tratado, foi? — diz Marty. —Ninguém nunca veio te
ajudar.
Eu engulo em seco e olho para meus sapatos. —Não.

Meus pulmões se solidificaram em pedra. O que diabos eu deveria


dizer?

Ninguém nunca veio te ajudar. Não. Eles te deixaram lá por mais dois
anos. Mais dois anos de terror, dor e solidão. Mais dois anos querendo
morrer e sabendo que ninguém daria a mínima se você morresse.
—Está tudo bem, — eu digo calmamente. —Eu teria cumprido a pena
de qualquer maneira.

—Não, não está tudo bem, — Nina diz com uma voz firme, trazendo
meu foco de volta para ela. —Não está tudo bem, Tristan. O que
deveríamos ter feito era lutar mais para expor a verdade. O que deveríamos
ter feito era tentar tirar um homem inocente da prisão, mas estávamos tão
magoados, tão zangados, que não nos importamos. Não sabíamos por que
você confessou, mas, no que nos diz respeito, já fizemos mais do que
deveríamos para encontrar as evidências e entregá-las. O que aconteceu
depois disso não dependeu de nós. Alguém teve que pagar pela morte de
Amber, e se não pudesse ser a pessoa certa, tudo bem que fosse a errada.
—Mas fomos nós que estávamos errados, — diz Marty, encontrando
meu olhar. —Quando soubemos que você estava solto , trouxe tudo isso de
volta. Meu irmão nos contou sobre seu encontro com você no Shelton's,
como eles o repreenderam publicamente em nosso nome, e percebemos que
a justiça não foi feita. Também queríamos falar com você. Para lhe dizer
que sentimos muito por combater uma injustiça com outra.

Ele se vira para Kim. —Você tem razão. Nada pode trazer Amber de
volta e consertar as coisas novamente. Mas devemos a ela e à sua memória
muito mais do que raiva e ódio. Nossa família sofreu, e a sua também. Não
realizamos nada causando mais para todos nós. Sentimos falta de Amber a
cada segundo de cada dia. Mas Tristan não é um assassino, e nem você. Eu
posso ver isso em seus olhos. A culpa e a dor que você carrega. Isso é
justiça suficiente para nós.
A mão de Kim aperta a minha, e eu pego o tremor em seu lábio.

—Você cometeu um grande erro que teve consequências catastróficas,


— diz Nina. —Mas todos nós erramos até certo ponto. Amber não deveria
ter tomado a decisão irresponsável de beber e tentar voltar para casa
sozinha. Seus amigos não deveriam tê-la deixado. Não deveríamos ter
criado um ambiente em que ela preferisse arriscar sua vida do que nossa
raiva nos chamando para uma carona. Você não vê? A espiral da culpa
nunca termina. É um veneno que se infiltra e impede a cura. Se realmente
queremos honrar sua memória, temos que usar essa tragédia para sermos
melhores. Para fazer melhor para nós mesmos e nossa comunidade.
Queremos que o legado de Amber seja um farol de luz, não atolado em ódio
e hostilidade. Então sim, nós te perdoamos. E Tristan?

Eu olho para eles através de uma névoa de lágrimas.


—Você vai nos perdoar?
Atordoado, não sei o que fazer quando Nina vem até mim e me puxa
para um abraço. Estou tremendo enquanto seus braços se apertam ao meu
redor.

—Nós podemos ver por que Amber gostou de você, — ela diz
suavemente. —O que você fez por sua irmã foi errado – e também prova
que você é exatamente o tipo de homem que sempre esperamos que ela
encontrasse.
Kim e eu estamos mental e fisicamente exaustos após
nosso encontro com os Huberts. Nem em um milhão de
suposiçõe, eu não teria escolhido esse cenário como resultado do encontro.
Depois de anos sendo bombardeado com coisas ruins, havia esquecido que
ainda existem coisas boas por aí, pessoas como os Alexanders, Ashton,
Stacie e os Huberts. Ainda há perdão, bondade, compaixão, misericórdia e
redenção. Ainda há esperança de que mesmo as piores feridas possam
começar a cicatrizar.

As palavras dos Huberts me assombram enquanto voltamos para o


apartamento. A culpa é um veneno. Assim como o ódio, a raiva, a
vingança... Enquanto a feiúra estiver apodrecendo em suas veias, que
esperança você tem de encontrar a paz? Como ficar preso na espiral da
culpa corrige um erro? Eu penso em Pierce e como ceder ao seu veneno não
deu a ele o que ele queria, mas fez com que ele perdesse tudo. Bem, acho
que a extensão do que ele perdeu ainda não foi determinado. No mínimo,
não pegou Isabel, que é tudo.

Sinto que posso respirar de novo quando ela me abraça assim que
entramos no apartamento. Mamãe e papai também se levantam do sofá,
parecendo muito preocupados. Iz aperta os braços em volta da minha
cintura, com cuidado para evitar meus ferimentos. Eu beijo seu cabelo e
fecho meus olhos, apenas querendo respirá-la por um momento e encher
minha alma. Qualquer minuto pode trazer mais mágoa, então aprendi a
valorizar o presente. Posso não ter muito, mas ainda tenho tudo.

—Como foi? — Papai pergunta.

Não tenho ideia de como responder a isso, então fico grato quando
Kim começa a contar a história.

Ela mal começa a falar, no entanto, antes que o telefone do papai


toque. Ele olha a tela e se endireita abruptamente.

—Desculpe interrompê-la, querida, mas eu deveria atender a isso. —


Seu olhar cruza para mim, e prendo a respiração.
—Oi, Kyle, é Ben.

O leve suspiro de Isabel reflete a batida do meu coração.

—Sim... Realmente... Interessante.


Eu tento ler sua expressão, mas seu rosto está estampado em modo de
advogado ilegível.

—Entendo. Bem, obrigado pela atenção. Vamos dar uma olhada


formal nisso hoje à noite. Certo, sim, eu entendo. Obrigado. Falamos em
breve.

Ele desliga e fica olhando para o telefone por um instante. Ninguém


se move enquanto esperamos.

—Era Kyle Alexander, — papai diz. —Ele acabou de receber uma


informação de seu contato. Finalmente recebemos declarações e o vídeo
dos amigos de Pierce, Joseph Halstaff e Karter Mapleton. —Ele olha para
mim, e eu tento respirar.
Não posso voltar. Por favor, não me faça voltar.

—Eles confirmaram sua história, Tristan. O vídeo também. Por causa


da premeditação e de sua ameaça direta, eles estão acusando Pierce de
tentativa de homicídio em vez de agressão agravada. Kyle acha que é quase
certo que os Harrisons tentarão apelar de volta ao ataque, mas nem mesmo
Randall Harrison será capaz de vencer este completamente.

—Graças a Deus! — Yolis diz.

Isabel se inclina para mim, e eu a puxo com força.

—Eles acreditaram em você, — ela sussurra.

Eles fizeram. Eles acreditaram em mim.

—Pierce vai cumprir pena? — Kim pergunta.

Papai suspira. —Espero que sim. Farei tudo o que puder para que ele
o faça. Por enquanto, vamos ficar felizes por Tristan estar bem e Pierce
enfrentar pelo menos algumas consequências por suas ações. Também
quero ouvir o resto do que aconteceu com os Huberts. Conte-me todos os
detalhes que você pode lembrar exatamente como você se lembra. Eu ainda
gostaria que você tivesse me deixado estar lá.

Kim resmunga e se acomoda em seu assento. —Foi melhor do que


seu cérebro de advogado aceitaria de qualquer maneira.

Eu abro um sorriso que se alarga quando papai faz uma careta . Ele
se cala, porém, e deixa Kim continuar a história.

Eu provavelmente deveria ficar e participar, mas honestamente, tudo


que eu quero é uma cama e uma mulher teimosa e mandona em meus
braços. Ela deve estar pensando o mesmo quando me leva para o corredor.
A conversa para em nosso repentino recuo, mas os outros devem
entender quando retomarem rapidamente e nos permitirem sair.

—Você parece cansado, — Iz diz quando nos aproximamos de seu


quarto.
—Sim. Tem sido um longo dia. Essa visita foi difícil. Incrível, mas
muito difícil.

—Incrível?

Meus lábios se apertam com a memória. —Eu vou te contar sobre


isso mais tarde. Agora, eu só quero absorver tudo. Eles me deram muito em
que pensar.

Coisas como quanto veneno está preso dentro de mim que está
impedindo qualquer tipo de cura. Como posso ter alguma esperança de um
futuro se continuar preso em um estágio de decadência? Talvez Iz e Kim
estejam certas. Talvez eu precise de ajuda para sair da minha prisão e
exorcizar os demônios em vez de fugir deles. Talvez uma vez que eu
comece a limpar todas as coisas que eu não sou, eu possa começar a
descobrir quem eu sou.

Por enquanto, o sorriso gigantesco de Isabel quando ela abre a porta


me deixa preocupado.

Entro e paro de repente.

—O que é isso? — Eu pergunto, absorvendo o espaço redecorado. Há


outra cômoda pequena que não estava lá antes e seu edredom roxo agora é
preto. Há também... oh meu Deus.

—Eu quero que você compartilhe este quarto comigo, — diz ela
suavemente. —Eu quero você aqui comigo todas as noites e todas as
manhãs.

Seu olhar está cheio de amor e emoção quando repousa sobre mim. —
E eu quero especialmente ouvir você tocar isso.

Ela acena para a guitarra Taylor em um suporte ao pé da cama. Não é


um Martin vintage de vinte e dois mil, mas deve ter custado pelo menos
dois ou três. —Você está... espere... como...?

Ela encolhe os ombros com um olhar malicioso. —Eu conheço


pessoas.

—Você conhece agora... — eu digo, andando com ela em direção à


cama.

—Sim.Muitas, muitas pessoas.

—Uh—hum.

Ela cai de costas no edredom novo e se torna uma maldita obra-prima


quando ela estende a mão para me juntar a ela. Eu pego seus dedos e aperto,
mas não a deixo me puxar para baixo.
—Eu vou. Eu só preciso fazer a merda do dreno. Me dê um segundo?

Sua expressão se transforma em preocupação e ela se levanta.

—Vou ajudar você.


—Está tudo bem. Minha mãe ainda está aqui. Ela pode...

—Tristan? Eu estou fazendo isso. Vamos lá.

Eu retraio um sorriso quando ela pega minha mão e me arrasta pelo


corredor até o banheiro.
—Tire sua camiseta, ela ordena depois de fechar a porta.
—Ah, então é por isso que você insistiu em fazer isso, — eu digo com
um sorriso.

Ela aperta os olhos com irritação fingida – o que é fofo pra caramba,
só para constar.
Eu puxo minha camiseta sobre minha cabeça como um bom paciente
e pego o espelho para ajudar a guiá-la. Ela tira o curativo velho, e eu odeio
o olhar em seu rosto. Ela viu o dano várias vezes agora e é sempre o
mesmo. Culpa. Remorso. Todas as coisas que eu nunca quero que ela sinta
quando se trata de mim. Como ela ainda não conseguiu depois de tudo?

Seus dedos roçam minha pele, traçando as extremidades das


cicatrizes.

—Eu nunca vou me acostumar a ver isso, — diz ela calmamente. —


Todas as suas costas estão danificadas por nossa causa. Kim, eu... Cicatrizes
em cima de cicatrizes.
Acompanho o movimento de seu toque no espelho. Cicatrizes
vermelhas e doloridas interrompem as listras prateadas das queimaduras,
criando uma faixa feia de pele danificada. Muito da minha história está
nessas marcas. Tudo que eu sofri. Tudo o que perdi e nunca mais vou
recuperar. Mas essa não é toda a história. Não pode ser.

E então eu vejo.

Isabel franze a testa para o meu sorriso repentino quando meu olhar
fixa no espelho.
—O que é tão engraçado? — ela pergunta.

—Eu não acredito nisso, — eu digo baixinho.

—Crer no que?
—Olhe para as marcas. Não parecem letras?

Ela aperta os olhos e se aproxima. —Pode ser? Eu acho que um tipo


se parece com um eu.
—Sim. E ao lado? — Meu sorriso se alarga com sua inspiração
surpresa.

—Oh meu Deus.

A emoção enche seus olhos quando ela os levanta para mim.


— Está escrito Iz, — ela sussurra.

Eu me viro para encará-la, e ela olha de volta com grandes olhos


castanhos que me lembram por que lutamos. Por que sacrificamos tudo
pelas coisas que importam, porque é nesses momentos que esquecemos as
coisas que não somos e descobrimos todas as coisas que somos.

Talvez eu não seja um monumento à dor como pensava.

Talvez minhas costas provem que sou outra coisa.

Apenas algumas semanas atrás eu pensei que minha vida tinha


acabado. Agora, eu sei que está apenas começando.

—Essas cicatrizes foram esculpidas pelo ódio, — eu digo, puxando-a


para perto. —Mas foi o amor que deixou as cicatrizes.
Epílogo

ISABEL

Um ano depois…

Como é aquele ditado? Uma panela vigiada nunca ferve? ( significa


que o tempo parece passar mais devagar quando alguém está antecipando
algo ou esperando que algo aconteça) não saberia. Cozinhar é mais o estilo
de Tristan do que meu. O que eu sei? Uma porta vigiada nunca se abre. De
verdade, onde eles estão?!

Dou outra rápida passada pelo apartamento para ter certeza de que
tudo está de acordo com meus padrões. Novas luminárias de piso nos cantos
da sala facilitam a visualização do novo sofá em forma de L em frente da
grande TV. A área de alimentação está impecável, assim como a cozinha
com microondas e pratos novinhos em folha. Mas a geladeira é a mesma
merda, porém, porque Tristan não me deixou substituir. Algo sobre
economizar para um carro. Que seja.
Mas a melhor parte do nosso apartamento? O quarto de Kim.

Eu fico na entrada do quarto que costumava ser meu e procuro


qualquer detalhe que esteja faltando. As paredes ainda cheiram a tinta
fresca e sua cama nova parece tão confortável quanto parece. Yolis até
pendurou luzes LED ao longo das bordas do teto para dar uma vibração
calma e artística. Eu disse a Tristan que quero fazer isso em nosso quarto no
corredor.

Tristan e eu nos mudamos para o antigo quarto de Kim (com sua


permissão) depois que ela saiu para cumprir sua pena pelo acidente. Com os
Huberts e Tristan apoiando sua declaração, o novo promotor acabou
acreditando em sua história, apesar do ceticismo inicial. Os Huberts
pediram misericórdia, dado tudo o que já havia acontecido, e todas as partes
concordaram com onze meses de prisão e cinco anos de liberdade
condicional. O promotor e a defesa também entraram com uma moção
conjunta para anular a condenação de Tristan.

Assim que foi oficializado, meu namorado sarcástico se virou para


mim e perguntou se eu ainda o amava agora que ele não era um condenado
durão. Resposta: Sim. Eu também dei um tapa no braço dele. Que idiota.

Pierce, no entanto, não se saiu tão bem. Sua equipe jurídica de


estrelas conseguiu reduzir suas acusações de tentativa de assassinato a
agressão agravada, mas isso ainda lhe rendeu um mínimo de seis anos de
prisão, uma multa de vinte mil dólares e uma mancha infernal no nome da
família. Adivinha quem não vai assumir o império legal do papai. Tristan
confirmou que seria difícil administrar um escritório de advocacia da
prisão.

O barulho da porta da frente me manda correndo de volta para a sala


de estar, e eu posso soltar um leve grito quando vejo o sorriso da minha
melhor amiga. Nós nos movemos uma em direção a outra, colidindo em um
abraço no meio da sala.

—Eu senti sua falta, — diz Kim, me abraçando com força.


—Também sentimos sua falta. Bem-vinda ao lar .

Eu espio por cima do ombro dela para Tristan e os Haverfords que


assistem com sorrisos suaves em seus rostos. Tristan parece especialmente
introspectivo, mesmo para ele, e me pergunto se ele está pensando em seu
próprio momento nesta mesma posição há pouco menos de um ano. Eu
certamente estou.

Kim e eu nos separamos, e eu pego a mão dela.


—Venha ver o seu quarto, — eu digo.

Ela me puxa para uma parada, seus olhos se arregalando enquanto ela
observa seus arredores. —Uau. Isso parece incrível. Seu olhar pousa no
sofá. —Droga. Tem certeza de que não posso simplesmente dormir aqui?
Quando você conseguiu todas essas coisas?

—Algumas semanas atrás, — eu digo. —Foi um presente de


promoção para nós mesmos.

—Você foi promovida? — Kim pergunta, apertando as mãos.

—Não. Ainda sou apenas uma engenheira de sistemas regular.


Aquele garoto fez. — Eu aponto meu polegar para Tristan, que retorna um
sorriso tímido. —Você está olhando para o novo gerente assistente do
Shelton Barn and Table.
—De jeito nenhum! — Kim suspira.

É assim que os gritos são feitos quando ela se lança em seu irmão.
—Isso é tão incrível! — ela diz, abraçando-o.

Ela não o solta, e Tristan sussurra algo em seu ouvido. Kim assente e
enxuga os olhos. Seus próprios olhos também enquanto eles se abraçam, e
meu coração se aquece com o quão feliz e aliviado ele parece. O que ele
deve estar sentindo para finalmente ter toda a sua família reunida e segura?
Todo mundo que ele ama amando ele de volta e pronto para enfrentar as
provações da vida juntos? Ele ganhou esse momento mil vezes.

Até Ben tem lágrimas nos olhos enquanto observa seus filhos. Yolis
tem um punhado de lenços no rosto.

E eu? Eu não estou chorando. Não. São apenas os dois zilhão de


cebolas que Yolis me fez cortar o dia todo para me preparar para a festa de
boas-vindas de hoje à noite. Bem, —festa pode ser um exagero. Somos
apenas sete — os Haverfords, meus avós e eu. Uma grande família feliz
(exceto o vovô que não ficará —feliz— com a comida apimentada. Yolis fez
uma versão suave de tudo para ele.) Tristan e Kim finalmente se separam, e
engulo o nó na garganta.

—Ótimo, — eu digo. —Agora que os abraços terminaram, podemos


te mostrar seu quarto?
 

Quatro horas. Merda, eu tenho que sair daqui se eu


quiser chegar ao Shelton às cinco. O tempo voa quando você está
projetando plantas de resfriamento.

—Ooh, alguém tem grandes planos hoje à noite, — Vicky diz


enquanto eu enfio meus pertences na bolsa do meu laptop.

Eu sorrio e jogo por cima do meu ombro. —Sim, Tristan está se


apresentando esta noite. Será a primeira vez em anos.

—Sério? Isso é fantástico! Onde ele está tocando?

—No restaurante onde ele trabalha.

Eu deixo de fora a parte sobre como ele queria começar uma noite de
microfone aberto e seu gerente concordou com uma condição: ele tinha que
ser a primeira pessoa a se apresentar. Eu sorrio para mim mesma lembrando
do beicinho de Tristan quando Stacie tomou uma posição dura sobre isso.
Ela é uma espécie de minha heróina.

—Bem, divirta-se. Diga a ele que dizemos oi e esperamos que ele não
estrague tudo.
Eu rio e me movo em direção à saída. De jeito nenhum eu vou contar
a ele essa última parte. Ele já está mais nervoso do que eu já o vi, com base
na quantidade de mensagens que ele enviou esta tarde jurando que vai
desistir da performance. Eu estaria mais preocupada, se não fosse por
Stacie, que nunca vai deixar isso acontecer.

O trânsito está pior do que eu esperava, então vou direto para o


Shelton em vez de parar em casa para trocar de roupa como planejei.
Verifico a hora enquanto saio do carro e corro para a entrada. Ainda tenho
quinze minutos para encontrar Tristan e dar-lhe uma conversa estimulante.

Meu plano de puxá-lo silenciosamente para o lado e sussurrar


algumas palavras encorajadoras fracassa quando abro a porta da frente para
enfrentar uma parede de pessoas. Nunca é tão movimentado às 4:45!

Eu tento ir em direção ao estande da recepcionista, mas Leah está


ocupada, então eu desvio para a área de jantar em vez disso. Assim que
tenho um vislumbre de toda a sala, vasculho o espaço em busca de qualquer
sinal de Tristan. Meus olhos são atraídos para o canto mais distante, onde
um pequeno palco improvisado foi montado, completo com microfone,
monitores e... meu namorado.

Minha pulsação sempre dispara quando o vejo, mas esta noite é


absolutamente letal enquanto vejo aquele homem lindo ajustar o microfone
com um violão preso ao corpo como se ele tivesse feito isso mil vezes. Ele
provavelmente tem, mas não nos últimos seis anos.

Ele tem tocado constantemente desde que compramos aquele Taylor,


então eu sei que ele está mais do que pronto. Seus pais ficaram
desapontados por não poderem comparecer esta noite devido a outras
obrigações, e Kim teve que trabalhar. Ela acabou de conseguir seu emprego
de volta em Palisades 47, e Tristan se recusou a deixá-la faltar ao trabalho
tão cedo. Prometi gravar a apresentação de todos eles, mas não esperava um
público tão grande. Não é à toa que ele está tão nervoso.

E então isso me atinge.

Meu estômago afunda quando vejo todos os rostos curiosos ao meu


redor, me esforçando para ver aquele canto do restaurante também. Não é
só que ele não toca há algum tempo que o deixa no limite. Ele tem que
tocar para essas pessoas. Pessoas que até poucos meses atrás o desprezavam
e faziam de sua vida um inferno.

Acontece que ele estava certo quando disse que a verdade não
conserta as coisas magicamente. Mesmo depois que as grandes notícias da
confissão de Kim circularam, muito poucos acreditaram na nova história. O
promotor também estava cético e, sem a declaração de Huberts sobre o
vídeo e a comunicação com Amber, é improvável que ele tivesse
prosseguido com os arquivamentos. A maior parte da cidade assumiu o que
a promotoria fez no início, que Kim só confessou para liberar Tristan.

Muitos ainda acreditam nisso. Não é tão ruim quanto era, mas houve
muitas vezes no ano passado quando meu namorado me implorou para
retirar minhas garras depois que hipócritas arrogantes o insultaram. Porque
eles são tão perfeitos? Porque não poderiam ter sido eles em alta velocidade
estrada secundária? Tenho certeza de que nenhum deles jamais infringiu
uma lei de trânsito…

Meu coração dói ao vê-lo examinar a multidão com angústia.


Instintivamente, eu sei o que ele está pensando. Ele está preocupado que
essas pessoas não estejam aqui para celebrá-lo, mas zombam dele quando
ele falha. Ele está deixando essas velhas dúvidas se infiltrarem. Os
demônios que ele está trabalhando tão duro com seu terapeuta para matar
estão voltando para seu cérebro.
Não. Não no meu tempo.

Abro caminho para fora da multidão de clientes esperando e caminho


em direção ao palco. O alívio de Tristan quando ele me vê mexe com meu
interior. Eu odeio que seja porque ele sabe que tem pelo menos uma pessoa
ao seu lado se as coisas correrem mal. Parte meu coração que depois de
todo esse tempo, ele ainda enfrenta essa incerteza.

Mas não há tempo para isso agora. Eu nem hesito enquanto me


aproximo dele e o abraço para um beijo. A guitarra paira entre nós, e tomo
cuidado para não pressionar muito.

—Não sei se consigo fazer isso, — diz ele.

Seu olhar ansioso percorre o salão, e eu pego sua mão.


—Não só você pode fazer isso, como você fará .

—Sim mas…

Ele para e eu me viro para seguir sua atenção para o casal mais velho
tomando seus assentos em uma mesa com uma placa reservada. O garçom
entrega os menus e eles sorriem de volta. O foco deles muda para nós, e
sinto o choque de Tristan. Não posso culpá-lo exatamente.

Os três não reagem e ficam olhando um para o outro . Eu não posso


nem imaginar o que Tristan está pensando agora. Os Huberts devem ter
reservado aquela mesa neste momento por apenas uma razão. A questão é:
qual motivo?

—Não se preocupe com os Huberts, — eu digo, apertando seus dedos


para puxá-lo de volta. —Você consegue fazer isso.

Seus olhos ansiosos procuram os meus, e eu chego para passar meu


polegar sobre sua bochecha. Já faz um tempo desde que eu o vi tão
vulnerável. Comecei a esquecer como ele ainda é inseguro.

—Nada que alguém neste salão diga ou faça muda o fato de que você
é um músico incrível. A reação deles não terá nada a ver com o que você
toca e tudo a ver com seus próprios preconceitos, entendeu?
Ele acena com a cabeça, mas não há convicção nisso.

—Sim. Hum... — Ele respira fundo e tenta se livrar de algo.

—Olhe para mim, — eu digo, puxando sua mão. Ele faz, e eu procuro
seus lindos olhos assustados. —Sempre será você para mim. Sempre.
Seus ombros finalmente relaxam. —Sempre será você para mim
também.

—Você tem isso, — eu digo com uma voz firme.

Com outro beijo rápido, eu o deixo e pego a cadeira que ele deixou
para mim perto da parede. Ele tem uma boa visão do palco, e meus próprios
nervos se agitam quando ele limpa a garganta e se aproxima do microfone.

—Boa noite a todos. Obrigado por vir à primeira noite de microfone


aberto de Shelton Barn and Table.

Aplausos educados se espalham pela sala. Meu coração está batendo


descontroladamente, e tenho certeza que o dele também. Ele examina a
platéia novamente, claramente nervoso.

Vamos lá, querido. Você consegue fazer isso!


Ele limpa a garganta e dedilha a guitarra uma vez, provavelmente
testando a afinação. —Meu nome é Tristan Haverford e...

—Nós sabemos, idiota!

Tristan se encolhe com o grito.


Lanço um olhar furioso na direção do agressor, mas não tenho chance
de responder antes que outra pessoa se junte a ele.

—Volte para a prisão!

—Ninguém quer te ouvir!

—Isso é uma piada!

Lágrimas de raiva queimam em meus olhos quando Tristan


visivelmente desanima e dá um passo para trás. Ele parece arrasado, sua
alma definha bem na nossa frente. Deus, meu coração. As vaias continuam
enquanto Stacie corre pelo restaurante para assumir o controle da situação.
Quando Tristan se vira para a parede dos fundos para esconder o rosto, não
aguento mais. Levanto-me de um salto e vou em direção ao palco para dizer
a essas pessoas horríveis que vão se foder.

Mas não tenho chance. Alguém me bate no microfone.

Eu congelo quando um silêncio atordoado se instala sobre a sala. É


como se ninguém sequer respirasse enquanto o Sr. Hubert fica em pé na
frente da multidão. Há um suspiro coletivo quando a Sra. Hubert se
aproxima de Tristan e coloca o braço em volta dele. Ela se inclina para
sussurrar algo, e ele se encolhe com um aceno de cabeça.

Mas nosso foco rapidamente volta para o Sr. Hubert quando sua voz
firme ecoa pela sala.

—Oi, eu sou Marty Hubert. Não preparei nada para esta noite. Achei
que não precisaria, mas aqui vai.

Ele examina a multidão com um olhar duro. —Esta é a comunidade


onde criei minha filha? É assim que você mostra apoio a uma família
enlutada?
Ele balança a cabeça com decepção e tristeza. —Conhecemos muitos
de vocês há anos, alguns há décadas, e sei que podemos fazer melhor. Você
realmente quer homenagear minha filha? Em seguida, doe para as
instituições de caridade favoritas de Amber. Seja voluntário no abrigo de
animais que ela tanto amava. Abrace seus entes queridos como se fosse a
última chance que você terá, porque pode muito bem ser. É assim que você
honra minha garotinha. Isso, — ele grita acenando ao redor do salão, —
Não é assim que você mostra amor pela minha Amber. Não é assim que
você traz cura. Mesmo antes daquele garoto ser inocentado das acusações
pelo sistema legal, ele foi inocentado por Nina e por mim. Vim aqui esta
noite para vê-lo prestar homenagem à minha filha, trazendo algo bonito ao
mundo e mostrando a todos vocês a pessoa que ela admirava.

Ele limpa a garganta e se endireita. —Agora, se vocês não se


importam, minha esposa e eu gostaríamos de fazer uma boa refeição,
enquanto apreciamos uma boa música, então, por favor, mostre algum
respeito à minha família e deixe um homem inocente honrar a memória da
minha filha fazendo algo que ela amava.

Esfrego em meus olhos enquanto o Sr. Hubert se afasta para tomar


seu lugar. Tristan parece chocado quando a Sra. Hubert o abraça antes de se
juntar ao marido. Seu olhar pousa no microfone, deixando claro que ele não
tem ideia do que fazer.

Quando seu olhar ansioso cruza para mim, tento dar-lhe o olhar mais
amoroso e encorajador que posso reunir. Ele então estuda os Huberts em
sua mesa, que fazem o mesmo.

Ele está visivelmente tremendo enquanto respira fundo e prende a


mão esquerda ao redor do braço do violão. Meu pulso está acelerado. Eu me
sinto tão impotente ao vê-lo parado ali, confuso e assustado. Tudo em mim
quer resgatá-lo, mas não faço ideia de como. Claro, ele está abalado. Muitas
pessoas já teriam fugido do palco. É uma prova de seu caráter e bravura que
ele ainda esteja lá depois do que acabou de acontecer.

Ele se inclina para o microfone novamente. —Ok, então, uh...


Ele olha para os Huberts mais uma vez. Quando eles sorriem de volta
com um aceno de cabeça, ele retribui com uma leve movimento dos lábios.

Sua atenção se volta para a multidão. A tensão é palpável enquanto


todos nós nos perguntamos o que acontecerá a seguir. Posso dizer que
Tristan está esperando por mais provocações e abusos, mas o restaurante
está estranhamente silencioso.

Ele pisca algumas vezes e parece prestes a dar um passo para trás
novamente quando o Sr. Hubert grita: —Toque ‘Never Again’! Era o
favorito de Amber.
Tristan enrijece com a menção de sua velha canção, parecendo
assustado enquanto trava o olhar com o homem.

—Sim! Não ouvimos isso há uma eternidade, — alguém ecoa.

Seu olhar cruza para aquela pessoa, depois para outra que assobia um
encorajamento.

Ele finalmente olha para mim, e eu aceno de volta. —Eu amo essa.
Mas faça a versão mais recente, — eu digo.

Um leve sorriso inclina seus lábios. Não existe uma versão mais
recente. Ele sabe que estou dando a ele uma saída caso ele não se lembre
muito bem da música antiga.

—Toque. Toque. Toque. Toque, — alguém começa a cantar. Outros se


juntam, e até mesmo os Huberts adicionam suas vozes à mistura após
alguns segundos.

Tristan balança a cabeça com um sorriso tímido, e meu coração


praticamente derrete no meu peito.
—Ok, — ele diz finalmente.

Uma ovação irrompe da platéia quando ele pega um capo e o fixa no


braço do violão. Depois de algumas cordas de teste, meu príncipe ferido me
dá um sorriso, então começa a música.

E nesse momento, eu vejo tudo. Tudo que eu sempre quis, bem aqui
na minha frente. Um parceiro amoroso e solidário, um bom emprego onde
sou valorizada e respeitada, uma família unida (mesmo que tecnicamente
não sejamos todos parentes) e um sofá ridiculamente confortável. Sim, é
isso. Este é o meu sonho realizado, o meu felizes para sempre. Depois de
uma vida inteira de instabilidade e luta, este é o meu próprio normal.
Porque eu nunca disse que queria viver um conto de fadas.
Eu só quero viver.
 

FIM
Notes

[←1]
AC Agente de Condicional
[←2]
Filha.
[←3]
Esquilo.
[←4]
HEA é acrônimo de "Hoje eu aprendi", uma tradução direta da sigla TIL, "Today I learned". A sigla é comum
nos títulos de sites de aprendizagem, por razão do limite curto de caracteres no título da postagem no site,
sendo uma forma de linguagem padronizada para postar em determinados subreddits.
 
[←5]
Pierce quer dizer, perfurar, penetrar. Aqui a autora fez um trocadilho com o nome e com o que
aconteceu.
[←6]
Frango em espanhol

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