Você está na página 1de 449

STEPHANIE LAURENS

Domada por Amor


8° da Série The Bastion Clube

Tradução/Pesquisa: GRH
Revisão Inicial : Ana Mayara
Revisão Final: Cristy B.
Formatação: Ana Paula G.
ARGUMENTO:
Os solteiros mais cobiçados e aventureiros de Londres se uniram para
formar o Clube Bastion, uma sociedade de elite para cavalheiros dedicada a
determinar o futuro de seus membros no referente ao casamento.
Os homens do Clube Bastion demonstraram seu valor lutando secretamente por
seu país. Agora seu líder enfrenta a mais perigosa de todas as missões: encontrar
uma noiva.
Agindo como o misterioso líder do Clube Bastion conhecido como «Dalziel»,
Royce Henry Varisey, X duque do Wolverstone, serviu a seu país durante
décadas, enfrentando a inomináveis perigos. Mas, como possuidor de um dos
títulos de nobreza mais augustos da Inglaterra, agora deve cumprir com o
trabalho mais crucial de todas: o casamento.
Não obstante, as jovens e as grandes damas que poderiam ser apropriadas são
previsivelmente aborrecidas. Muito mais tentadora resulta a teimosa e distante
governanta de seu castelo, Minerva Chesterton. Sob seu sereno exterior se
esconde uma mulher de ardente sensualidade, que encheria seus dias de
comodidades e suas noites de puro prazer. Decidido a reclamá-la, embarca-se em
uma sedução para demonstrar sua mestria sobre cada centímetro de seu corpo…
e cada fibra de seu coração.

Comentário da Revisora Inicial Ana Mayara:


Finalmente o livro do Daziel, aquele cara sinistro que assustou muita
gente nos livros anteriores. Logo pela sinopse o livro promete: o malvadão é um
duque! Um duque, minha gente!!! E a mocinha da vez ninguém menos que a
governanta dele. Quando eu vi isso, tive certeza que o livro seria dos bons. E foi.
Royce (ex-Dalziel) é um fofo bastante safadinho. Ele e a Minerva ficaram lindos
juntos. Ela tenta fugir do malvadão, mas quem resiste? Adorei a história, o
suspense foi diferente dos livros que já li da autora, pois neste temos a visão do
vilão. E as cenas hot foram bem legais, esse casalzinho tem bastante amor para
dar. Detalhe para o trecho nas muralhas...

2
CAPÍTULO 01

Setembro, 1816
Coquetdale, Northumbria.

Isto não teria de ser assim.


Envolto em sua capa, sozinho no assento de sua bela carruagem, Royce Henry
Varisey, o décimo duque de Wolverstone, virou o último par na sucessão de cavalos de
posta que tinha posto ao galope pela estrada de Londres até o caminho secundário
que levava a Sharperton e Harbottle. Os contrafortes ligeiramente arredondados das
colinas Cheviot o rodearam como os braços de uma mãe; o castelo Wolverstone, o lar
de sua infância e sua recém-herdada propriedade, estava perto da vila de Alwinton,
além de Harbottle.
Um dos cavalos rompeu o ritmo; Royce o examinou, conteve o outro até que
estiveram ao mesmo tempo, e depois os incitou. Estavam desfalecendo. Seus próprios
puro sangues negros o levaram até St. Neots na segunda-feira; a partir de então, havia
pegado um par novo cada quinze milhas aproximadamente.
Agora era quarta-feira pela manhã, e estava muito longe de Londres, entrando
de novo, depois de dezesseis longos anos, nos terrenos de sua propriedade. Naqueles
terrenos ancestrais. Em Rothbury e as escuras clareiras de seus bosques; a frente das
extensas planícies sem árvores de Cheviot, salpicadas aqui e ali com as inevitáveis
ovelhas, pulverizadas sobre as ainda mais baldias colinas, até a fronteira com a Escócia,
mais adiante.
As colinas, e essa fronteira, desempenharam um papel vital na evolução do
ducado. Wolverstone fora criado depois da Conquista como um senhorio para
proteger a Inglaterra da depredação dos escoceses que rondavam por ali. Os
sucessivos duques, popularmente conhecidos como os Lobos do Norte, desfrutaram
durante séculos de privilégios reais no interior de seus domínios.
Muitos afirmavam que ainda os tinham.

3
Certamente, seguiam sendo um clã extremamente poderoso, cuja riqueza
aumentara graças a sua valentia no campo de batalha e fora protegida por seu êxito ao
convencer os sucessivos soberanos de que era melhor deixar em paz os tão ardilosos e
politicamente poderosos fazedores de reis, para que dirigissem o Middle March como
tinham feito desde que, pela primeira vez, posassem seu elegantemente calçado pé
normando em terra inglesa.
Royce estudou os arredores com um olho aguçado pela ausência. Lembrando-
se de seu pai, perguntou-se de novo se sua tradicional independência (pela qual
originalmente lutaram e ganharam, que lhes foi reconhecida por costume e garantida
por um foro real, mais tarde legalmente rescindido, mas nunca realmente retirado, e
inclusive menos realmente renunciado) não tinha escorado distanciamento entre seu
pai e ele.
Seu pai pertencia à velha escola do senhorio, uma que incluía a maioria de
seus iguais. De acordo com suas crenças, a lealdade a um país ou a um soberano era
uma mercadoria que se podia trocar e vender, algo pelo que tanto a Coroa como o país
tinham de oferecer um preço adequado antes que fosse concedida. Mais ainda, para
os duques e os condes do tipo de seu pai, isso de “país” tinha um ambíguo significado;
como reis em seus próprios domínios, tais domínios eram sua principal preocupação,
enquanto o reino possuía uma existência mais nebulosa e distante, e era certamente
uma reivindicação menor em sua honra.
Embora Royce admitisse que jurar lealdade a atual monarquia (o demente rei
George e seu dissoluto filho, o príncipe regente) não era uma proposição atraente, não
duvidava em jurar lealdade, e serviço, a seu país... A Inglaterra.
Como único filho de uma poderosa família ducal e, portanto, acostumado a
servir no campo de batalha, quando, à tenra idade de vinte e dois anos, lhe
propuseram criar uma rede de espiões ingleses em terra estrangeira, aceitou
rapidamente a oportunidade. Isto não só oferecia a ocasião de contribuir com a
derrota de Napoleão, mas também, devido aos extensos contatos pessoais e familiares
misturados com sua habilidade inerente para inspirar e estar no comando, o trabalho
foi fácil; desde o começo encaixou nele como uma luva.

4
Mas, para seu pai, aquele posto era uma desonra para o sobrenome e o título,
uma mancha no escudo familiar; sua visão passada de moda etiquetava a espionagem
como algo sem dúvida desonroso, inclusive embora estivessem espiando inimigos
militares ativos. Aquele era um ponto de vista que, nesse momento, compartilhavam
muitos de seus iguais de mais idade.
Se por acaso fosse pouco, quando Royce se negou a declinar o encargo, seu
pai lhe organizou uma emboscada. Uma pública, no White's, em um momento da noite
em que o clube estava sempre abarrotado. Junto a seus comparsas, seu pai submetera
Royce a um julgamento público, em termos estridentes e desprezíveis.
Como peroração, seu pai havia declarado triunfalmente que, se Royce se
negasse a ceder ante seu decreto e, em vez disso, servisse no posto para o que o
recrutaram, então seria como se ele, o nono duque, não tivesse nenhum filho.
Inclusive na fúria cega que o ataque de seu pai provocara, Royce foi
consciente do "como se". Ele era o único filho legítimo de seu pai; sem importar o
quanto estivesse furioso, seu pai não o deserdaria formalmente. A proibição,
entretanto, desterraria-o das terras familiares.
Enfrentado seu enfurecido pai sobre o tapete escarlate do exclusivo clube,
rodeado por um exército de encantada aristocracia, esperou, sem responder, até que
seu pai terminara seu bem ensaiado discurso. Esperou até que o espectador silêncio
que os rodeava se fez espesso e então pronunciou duas palavras: Como deseja.
Então se virou e saiu do clube e, desde esse dia em adiante, deixou de ser o
filho de seu pai. Desde aquele dia, era conhecido como Dalziel, um nome tirado de um
obscuro ramo da árvore familiar de sua mãe, suficientemente adequado devido a que
foi seu avô materno, já falecido, quem lhe ensinara o credo pelo qual ele escolheu
viver. Embora os Varisey fossem senhores belicistas, os Debraigh não eram menos
poderosos, mas suas terras jaziam no coração da Inglaterra e serviram ao rei e ao país
(principalmente ao país) desinteressadamente durante séculos. Os Debraigh eram
tanto guerreiros como homens de Estado, mãos direitas de incontáveis monarcas; o
serviço a seu povo estava profundamente enraizado neles.
Embora lamentassem a briga com seu pai, os Debraigh aprovaram a postura
de Royce. Mas este, consciente inclusive então da dinâmica do poder, tinha-os

5
dissuadido de lhe mostrar um apoio ativo. Seu tio, o conde de Catersham, escrevera-
lhe, perguntando se havia algo que pudesse fazer. Royce respondeu com uma
negativa, assim como fizera à pergunta similar de sua mãe; sua luta era com seu pai, e
não devia envolver ninguém mais.
Aquela fora sua decisão, uma que manteve durante os dezesseis anos
seguintes; nenhum deles esperava que derrotar Napoleão levaria tanto tempo.
Mas o tinha feito.
Durante aqueles anos recrutou os melhores combatentes de sua geração, os
organizou em uma rede de operações secretas e os introduziu com êxito nos
territórios de Napoleão. Seu triunfo se converteu em uma lenda; aqueles que o
conheciam creditavam a sua rede a salvação de incontáveis vidas britânicas e
afirmavam que esta contribuíra diretamente à queda de Napoleão.
Seu êxito nesse cenário foi doce. Entretanto, quando Napoleão partiu para St.
Helena, havia dissolvido seu grupo, liberando-os a suas vidas civis. E, desde segunda-
feira passada, ele havia deixado, também, sua vida anterior (a vida de Dalziel), para
trás.
Entretanto, não esperava ostentar nenhum título mais à frente de que
ostentava por cortesia: marquês de Winchelsea. Não esperava assumir imediatamente
o controle do ducado, nem tudo o que isto suportava.
Seu vigente desterro (nunca esperou que seu pai cedesse, como tampouco ia
ceder ele mesmo), efetivamente, tinha-o separado das casas, as terras e o povo do
ducado e, sobretudo, de um lugar que tinha um grande significado para ele... O próprio
Wolverstone. O castelo era muito mais que um simples lar; os muros de pedra e as
muralhas possuíam algo (algo mágico) que ressonava em seu sangue, em seu coração,
em sua alma. Seu pai também conhecia aquela sensação; lhe ocorrera o mesmo.
Apesar de se passarem dezesseis anos, enquanto os cavalos galopavam, Royce
ainda sentiam a atração, o puxão visceral que só se fazia mais forte quando
atravessava Sharperton, aproximando-se cada vez mais de Wolverstone. Sentia-se
ligeiramente surpreso pelo fato de que fosse assim, de que, apesar dos anos, a disputa,
seu próprio e suscetível temperamento, ainda pudesse sentir-se... Em casa.
Que seu lar ainda significasse o mesmo de sempre.

6
Que ainda comovesse sua alma.
Não esperava isso, como tampouco esperava voltar assim... Sozinho,
apressadamente, através das desabitadas milhas, sem a companhia sequer de seu leal
servo, Henry, outro pária de Wolverstone.
Na segunda-feira, enquanto ordenava os últimos documentos de Dalziel em
seu escritório, esteve planejando sua volta a Wolverstone. Imaginou-se viajando de
Londres por agradáveis paisagens e chegando ao castelo fresco e descansado... Em um
estado adequado para caminhar até a presença de seu pai... E ver o que aconteceria a
seguir.
Imaginou que uma desculpa de seu pai poderia, possivelmente, ter lugar nesse
momento; tinha curiosidade por descobrir o que aconteceria, embora isto não tirasse
seu sonho.
Mas agora nunca saberia.
Seu pai morreu no domingo.
Deixara a briga entre eles (desumano e profundo, já que ambos pertenciam à
família Varisey) sem curar. Sem resolver. Inacessível ao descanso.
Não sabia se amaldiçoar seu pai ou ao destino por deixar cauterizar a ferida.
Entretanto, o passado já não era o assunto mais urgente que tinha. Segurar as
rédeas de um extenso e amplo ducado depois de uma ausência de dezesseis anos ia
demandar toda sua atenção e todas suas habilidades, com a exclusão de qualquer
outra coisa. Teria êxito (não havia nenhuma dúvida ou opção nesse aspecto), mas
quanto tempo demoraria, quanto custaria e como demônios ia fazer isso... Não sabia.
Isto não teria de ser assim.
Seu pai estava suficientemente saudável e são para um homem de sessenta
anos. Não estava doente; Royce confiava em que, se estivesse, alguém quebraria a
proibição de seu pai e lhe enviaria uma mensagem. Em vez disso, sua morte o pegou
de surpresa.
Em sua versão de sua volta, seu pai e ele fariam as pazes, uma trégua, algum
acordo; e então começaria a refrescar seu conhecimento sobre a propriedade,
enchendo o lapso entre seus vinte e um anos e seus atuais trinta e sete.

7
Em vez disso, seu pai se foi, lhe deixando as rédeas com uma carência de
dezesseis anos de conhecimento pendurando como uma pedra de moinho ao redor de
seu pescoço.
Embora tivesse total confiança (a confiança dos Varisey) em poder fazer o
papel de seu pai mais que adequadamente, não estava desejando assumir o mando
urgentemente sobre aquelas tropas desconhecidas em um terreno que poderia haver
mudado de modos imprevistos durante os últimos dezesseis anos.
Seu temperamento (como o de todos os Varisey, especialmente os homens)
era formidável, uma emoção que levava a mesma borda afiada que seus sabres de
antigamente. Aprendeu a controlá-lo e a mantê-lo dominado bem melhor que seu pai
e o converteu em outra arma que podia ser usada para conquistar e dominar; nem
aqueles que o conheciam bem podiam detectar a diferença entre a suave irritação e a
fúria assassina. Não a menos que ele desejasse que o fizessem. O controle de suas
emoções se converteu fazia muito em sua segunda natureza.
Mas, desde que se informara do falecimento de seu pai, seu temperamento
estava emergindo, inquieto, irracional e violentamente faminto de alguma liberação,
porque sabia que a única liberação possível que o satisfaria foi, por cortesia do
inconstante destino, negada para sempre.
Não ter nenhum inimigo com quem empreendê-la a golpes ou em quem
tomar vingança deixava-o caminhando pela corda bamba, com seus impulsos e
instintos fortemente amarrados.
Com expressão pétrea, atravessou Harbottle. Uma mulher que caminhava pela
rua o olhou com curiosidade. Embora se dirigisse claramente a Wolverstone, porque
não havia outro destino ao qual um cavalheiro de sua classe pudesse chegar através
dessa estrada (já que tinha numerosos primos e que todos compartilhavam mais que
uma leve semelhança), inclusive se a mulher se inteirasse da morte de seu pai, não era
provável que se percebesse quem era ele.
Desde Sharperton a estrada seguia a borda de Coquet; sobre o trovejar dos
cascos dos cavalos escutava o murmúrio do rio sobre seu leito rochoso. Agora a
estrada virava ao norte; uma ponte de pedra se estendia sobre o rio. A carruagem

8
estralou ao cruzá-lo; Royce lançou um profundo suspiro enquanto entrava nas terras
de Wolverstone.
Sentiu aquela indefinível conexão capturando-o e esticando-se.
Ergueu-se em sua cadeira, estendendo os longos músculos de suas costas,
diminuiu o passo dos cavalos e olhou a seu redor.
Bebeu as familiares paisagens, cada uma delas ornamentado em sua memória.
A maioria era o que esperava... Estavam exatamente como as recordava, mas
dezesseis anos depois.
Uma entrada de veículos jazia mais adiante, expandindo o rio Alwin; parou os
cavalos e deixou que escolhessem seu caminho. Quando as rodas se liberaram da
água, sacudiu as rédeas e fez com que o casal de corcéis subisse o ligeiro declive, onde
a estrada se curvava de novo, desta vez para o oeste.
A carruagem superou a elevação, e Royce diminuiu a velocidade dos cavalos
até pô-los a passeio.
Os telhados de lousa1 de Alwinton estavam justo em frente a ele. Mais perto,
a sua esquerda, entre a estrada e o Coquet, assentava-se a igreja de pedra cinza, com
seu vicariato e suas três casinhas. Mal parou para olhar a igreja, e seu olhar a deixou
atrás, sobre o rio, para posar-se no enorme edifício de pedra cinza que se elevava com
majestoso esplendor mais à frente.

O castelo Wolverstone.
A gigantesca fortaleza normanda mantinha, acrescentadas em uma
reconstrução pelas sucessivas gerações, suas muralhas, que continuavam a ser o traço
central e dominante. Estas se elevavam sobre os telhados mais baixos das primeiras
asas Tudor, ambas caracteristicamente curvadas: uma para o oeste e depois para o
norte, e a outra para o este e depois para o sul. A torre dava ao norte e olhava
diretamente a um estreito vale através de Clennell Street, uma das passagens

1
Nesse caso, lousa se refere a um tipo de pedra usada em telhados.

9
fronteiriças, descia das colinas. Nem assaltantes nem comerciantes podiam cruzar a
fronteira por aquela rota sem passar sob os sempre vigilantes olhos de Wolverstone.
Daquela distância, pouco podia discernir além dos principais edifícios. O
castelo se elevava em uma terra ligeiramente inclinada sobre o desfiladeiro que
Coquet escavara ao oeste da vila de Alwinton. As terras do castelo se estendiam ao
leste, ao sul e ao oeste, e a propriedade continuava para elevar-se, convertendo-se ao
final nas colinas que protegiam o castelo no sul e o oeste. Os próprios Cheviots
protegiam o castelo pelo norte; apenas do este, a direção pela que se aproximava a
estrada, o castelo era vulnerável inclusive aos elementos.
Esta foi sempre sua primeira visão de seu lar. Apesar de tudo, sentiu a eclusa
de conexão, sentiu a maré crescente de afinidade.
Puxou das rédeas e fez com que os cavalos parassem; depois as agitou e pôs
aos animais ao trote para poder observar tudo aquilo inclusive melhor.
Os campos, as cercas, os cultivos e as casinhas apareceram em uma razoável
ordem. Atravessou a vila (não muito mais que uma aldeia) a bom passo. Os aldeãos o
reconheceram; alguns inclusive o saudaram, mas ainda não estava preparado para
trocar boas vindas, nem para aceitar condolências pela morte de seu pai... Ainda não.
Outra ponte de pedra salvava o profundo e estreito desfiladeiro através do
qual o rio fervia e rodava. Aquele canhão era a razão pela qual nenhum exército
tentara jamais tomar Wolverstone; o único modo de aproximar-se era através da
ponte de pedra, que era facilmente defensável. Devido às montanhas no outro lado,
era impossível colocar catapultas ou qualquer outro tipo de maquinaria de assédio em
nenhum lugar que não estivesse sob a fila de um arqueiro decente das muralhas.
Royce cruzou a ponte, com o estalo continuado dos cascos dos cavalos
afogado sob o tumultuoso rugido do fluir das águas, turbulento e selvagem, debaixo.
Justo como seu temperamento. Quanto mais se aproximava do castelo, ao que o
esperava lá, mais poderosas se faziam suas emoções. Mais incômodas e
perturbadoras.
Mais ansiosas, vingativas e exigentes.

10
As enormes grades de ferro estavam diante dele, tão amplas como sempre
foram; a representação de uma cabeça de lobo grunhia no centro de cada uma das
estátuas de bronze sobre as colunas das que pendiam as portas.
Com um movimento das rédeas, enviou os cavalos ao galope. Como se
sentissem o final de sua viagem, inclinaram-se contra o arnês; passaram rapidamente
junto às árvores, os majestosos carvalhos antigos que margeavam as terras que
deixavam a cada lado. Royce mal se fixou, porque sua atenção (e todos os seus
sentidos) estavam fixos no edifício que se elevava frente a ele.
Era tão majestoso e estava tão ancorado ao chão como os carvalhos.
Manteve-se assim durante tantos séculos que se converteu em parte da paisagem.
Diminuiu o passo dos cavalos enquanto se aproximavam do pátio dianteiro,
bebendo a pedra cinza, os pesados dintéis2, as profundas janelas, com diamantinos
vitrais chumbados colocados nos grossos muros. A porta dianteira descansava no
interior de um elevado arco de pedra; originalmente fora uma grade levadiça, não uma
porta. O vestíbulo dianteiro, com seu teto abobadado, fora em origem um túnel que
conduzia até o muro interior do castelo; o muro exterior fora desmantelado fazia
muito tempo, embora a torre se mantivesse no interior da casa.
Deixou que os cavalos caminhassem em paralelo à fachada, e Royce permitiu a
si mesmo um momento no que deixou que a emoção o embargasse durante apenas
um instante. Mesmo assim, a indescritível alegria de estar em casa de novo estava
profundamente escurecida, capturada e enredada em uma teia de sombrios
sentimentos; estar tão perto de seu pai (do lugar onde seu pai devia estar, embora já
não fosse assim) apenas servia para estimular a já afiada borda de sua inquieta fúria,
incapaz de perdoar.
Era uma raiva irracional... Uma raiva que não tinha objeto. Mas, mesmo assim,
a sentia.
Tomou fôlego, enchendo seus pulmões com o frio e revitalizante ar, apertou a
mandíbula e enviou os cavalos trotando ao redor da casa.

2
Dintel: “Verga superior de porta ou janela. Cada um dos degraus ou suportes laterais sobre os quais
assentam as prateleiras de uma estante.” (Fonte: http://www.dicio.com.br/dintel/)

11
Enquanto rodeava a asa norte e os estábulos apareciam ante sua vista,
recordou a si mesmo que não ia encontrar um oponente adequado no castelo com
quem pudesse perder os estribos, com quem pudesse liberar seu profunda e
perdurável ira.
Resignou-se a outra noite de insônia coalhada de pensamentos.
Seu pai havia falecido.
Isto não teria de ser assim.
Dez minutos depois, entrou na casa através de uma porta lateral, a que
sempre utilizara. Os poucos minutos que passara nos estábulos não o ajudaram a
tranquilizar seu temperamento; o cavalariço, Milbourne, o saudara de longe, devotara
suas condolências e dera as boas vindas.
Havia acolhido aquelas palavras bem-intencionadas com um assentimento
seco, deixou os cavalos de posta aos cuidados de Milbourne e então recordou algo e
parou para dizer que Henry (o sobrinho de Milbourne) chegaria logo com os cavalos de
Royce. Queria perguntar quem mais do pessoal de antigamente estava ainda lá, mas
não o fez; Milbourne se mostrava muito pormenorizado, e isto o fez sentir-se...
Exposto.
Não era uma sensação que gostasse.
Com a capa formando redemoinhos ao redor de suas panturrilhas embotadas,
dirigiu-se às escadas ocidentais. Tirou as luvas de montar, guardou-as em um de seus
bolsos e logo subiu os pouco profundos degraus de três em três.
Passara as últimas quarenta e oito horas sozinho, acabava de chegar e... Agora
precisava estar sozinho de novo, para absorver e submeter de algum modo os
inesperadamente intensos sentimentos que sua volta provocava. Precisava tranquilizar
seu agitado temperamento e segurá-lo com maior firmeza.
A galeria do primeiro andar se estendia frente a ele. Subiu os últimos degraus
apressadamente, entrou na galeria, virou à esquerda para a torre oeste... E tropeçou
com uma mulher.
Escutou seu grito afogado.
Sentiu-a cambalear e a segurou... Fechou suas mãos sobre seus ombros e a
estabilizou. Sustentou-a entre os seus.

12
Inclusive antes de olhar seu rosto, soube que não queria soltá-la.
Seu olhar se fechou sobre seus olhos, grandes e resplandecentes, de um
majestoso castanho com bolinhas douradas e emoldurados por luxuriosos cílios
escuros. Seu longo cabelo era lustrosa seda da cor dourada do trigo, torcido e preso na
parte superior de sua cabeça. Sua pele era de uma cremosa perfeição, seu nariz nobre
e reto, seu rosto com forma de coração, seu queixo arredondado. Depois de detalhar
estes traços com um olhar, seus olhos se concentraram em seus lábios. Eram rosados
como a pétala de uma rosa e estavam separados pela surpresa. Seu lábio inferior era
tão exuberantemente tentador que a urgência de esmagá-lo sob os seus foi quase
entristecedora.
Ela o pegou de surpresa; ele não tinha nem o menor indício de que ela
estivesse ali, deslizando para frente, com o grosso tapete amortecendo seus passos.
Ele, evidentemente, também a surpreendera; seus olhos totalmente abertos e seus
lábios separados diziam que ela tampouco o escutou subir as escadas... Royce
certamente se moveu silenciosamente, como habitualmente fazia.
A mulher retrocedeu; apenas um centímetro separava o duro corpo do duque
do dela, muito mais suave. Sabia que era suave, havia sentido sua amadurecida figura
contra a dele, abrasando seus sentidos naquele instante de fugaz contato.
A um nível racional, se perguntou como era possível que uma dama de sua
classe estivesse rondando por aqueles corredores, enquanto em um plano mais
primitivo combatia a urgência de agarrá-la nos braços, levá-la até seu quarto e aliviar a
repentina e esmagadoramente intensa dor entre suas pernas... E distrair seu
temperamento do único modo possível, um que nem imaginou que estivesse
disponível.
Aquele lado mais primitivo seu achava correto que aquela mulher (quem quer
que fosse) estivesse caminhando justo por ali, e justo nesse momento, e que fosse
justo a mulher adequada para lhe prestar aquele singular serviço.
A fúria, inclusive a raiva, converteu-se em luxúria; estava familiarizado com
essa transformação, embora nunca o golpeasse com tanta velocidade ou força. E
nunca antes o resultado tinha ameaçado seu controle.

13
A apaixonada luxúria que sentia por ela nesse momento era tão intensa que
inclusive o surpreendeu.
Conteve-se o suficiente para reter a urgência, apertar a mandíbula, e afastá-la
de si à força.
Teve de obrigar a suas mãos a que a liberassem.
—Minhas desculpas — Sua voz era quase um grunhido. Com um assentimento
seco, sem olhá-la aos olhos de novo, continuou adiante, pondo rapidamente distância
entre ambos.
ÀS suas costas, escutou o vaio de uma inalação, escutou o sussurro de seu
vestido enquanto balançava, olhando-o fixamente.
—Royce! Dalziel... Como quer que se chame agora... Pare!
Ele continuou afastando-se.
—Maldita seja não vou a... Nego-me a correr atrás de você!
Ele se deteve. Levantou a cabeça e considerou a lista daqueles que ousariam
dirigir-se a ele com tais palavras, e com esse tom.
A lista não era longa.
Lentamente, virou-se e olhou à dama, que evidentemente não sabia em que
perigo estava. Correr atrás dele? Deveria estar fugindo na direção contrária. Mas...
As lembranças de antigamente finalmente se conectaram com a situação
atual. Aqueles suntuosos olhos castanhos foram a chave. Franziu o cenho.
—Minerva?
Aqueles fabulosos olhos já não estavam abertos pela surpresa, a não ser
entreabertos pela irritação; seus luxuriosos lábios se apertaram até formar uma severo
linha.
—Efetivamente — Ela duvidou e depois, entrelaçando as mãos em seu colo,
elevou o queixo. — Deduzo que não sabia, mas eu sou agora o governanta deste lugar.
Ao contrário do que esperava Minerva, esta informação não suavizou o pétreo
rosto que a olhava. Não aliviou a rígida linha de seus lábios, nem houve um brilho de
reconhecimento em seus olhos escuros... Nada sugeria que percebeu que ela era
alguém que precisava que lhe ajudasse: Minerva Miranda Chesterton, a filha órfã da
amiga da infância de sua mãe. Posteriormente fora a secretária, dama de companhia e

14
confidente de sua mãe, e mais recentemente o mesmo para seu pai, embora aquilo
seja algo que ele certamente não sabia.
Dos dois, ela sabia precisamente quem era, o que era e o que tinha de fazer.
Ele, ao contrário, certamente não estava seguro do primeiro, inclusive menos do
segundo, e quase com segurança não tinha nem ideia do terceiro.
Entretanto, Minerva estava preparada para isso. Para o que não estava
preparada, o que não tinha previsto, era o enorme problema ao que agora enfrentava.
Um problema de mais de metro oitenta, maior e imensamente mais poderoso em vida
que a imagem que havia criado dele em sua imaginação.
Sua elegante capa pendurava de uns ombros que eram mais amplos e
musculosos do que ela recordava, mas era certo que o vira pela última vez quando
tinha vinte e dois anos. Era um pingo mais alto, também, e havia uma dureza nele que
não via antes e que envolvia os austeros planos de seu rosto, seus cinzelados traços e
seu corpo duro como a rocha, que quase a fizera voar.
Que a fizera voar, e não só fisicamente.
Seu rosto era tal como recordava, exceto por uma coisa: havia desaparecido
qualquer sinal de seu disfarce civilizado. Tinha uma ampla fronte sobre a que
destacavam as sobrancelhas negras que se inclinavam ligeira e diabolicamente para
cima, nos extremos exteriores; um afiado nariz, lábios finos que garantiam a perigosa
fascinação de qualquer mulher e olhos bem colocados de um castanho escuro, tão
escuro que geralmente eram indecifráveis. Os longos cílios negros que margeavam
esses olhos sempre a fizeram sentir-se invejosa.
Seu cabelo era ainda espesso, com os cachos elegantemente cortados para
que caíssem em ondas sobre sua bem formada cabeça. Suas roupas também eram
elegantes e na moda, sóbrias e caras. Inclusive apesar de que esteve viajando, sem
fazer outra coisa mais que galopar durante dois dias, seu lenço era uma delicada obra
de arte e, sob o pó, suas botas brilhavam.
Entretanto, esta elegância não ofuscava sua inata masculinidade, nem
obscurecia a aura perigosa que qualquer mulher com olhos no rosto poderia detectar.
Os anos o aperfeiçoaram e poliram, revelando, mais que escondendo, o poderoso
macho predador que era.

15
Em qualquer caso, essa realidade parecia realçada.
Royce continuava a vinte pés de distância, franzindo o cenho enquanto a
examinava, sem mover-se para aproximar-se, e dando a seu derretidos e embevecidos
sentidos inclusive mais tempo para babar por ele.
Pensava que superara sua fascinação por Royce. Dezesseis anos de separação
deveriam havê-la feito morrer.
Aparentemente não era assim.
Sua missão, como ela a via, tornou-se infinitamente mais complicada. Se ele
descobrisse sua ridícula suscetibilidade (possivelmente desculpável em uma garota de
treze anos, mas espantosamente vergonhosa em uma dama amadurecida de vinte e
nove) usaria este conhecimento, sem piedade, para evitar que ela o pressionasse para
fazer algo que ele não desejasse fazer. Naquele momento, o único aspecto positivo da
situação era que fora capaz de disfarçar sua reação ante ele, simulando uma
compreensível surpresa.
A partir de então, precisaria continuar escondendo essa reação.
Não seria fácil.
Os Varisey eram uma estirpe difícil, mas Minerva esteve rodeada deles desde
os seis anos e aprendeu a aguentá-los bem. A todos, exceto este Varisey... OH, aquilo
não era bom. Desgraçadamente, não só uma, a não ser duas promessas efetuadas no
leito de morte a uniam a seu caminho.
Limpou a garganta e tentou com todas suas forças esclarecer sua mente da
desconcertante distração de seus ainda excitados sentidos.
—Não o esperava tão cedo, mas me alegra que tenha uma boa viagem — Com
a cabeça erguida e os olhos cravados em seu rosto, Minerva caminhou para frente. —
Terá que tomar uma grande quantidade de decisões...
O duque se virou, lhe dando as costas, e depois, com inquietação, voltou a
virar-se para ela.
—Suponho que sim, mas neste momento preciso me limpar — Seus olhos
(escuros, incomensuráveis, seu olhar impossivelmente afiado) estudaram seu rosto. —
Devo entender que você é quem está a cargo?
—Sim. E...

16
Royce se virou de novo, e suas longas pernas começaram a atravessar
rapidamente a galeria.
—Procurarei você dentro de uma hora.
—Muito bem. Mas seu quarto não está nessa direção.
Royce parou. Uma vez mais, se manteve sem olhá-la durante o lapso de três
batimentos e depois, lentamente, virou-se.
De novo, Minerva sentiu o sombrio peso de seu olhar, desta vez penetrando-a
com maior segurança. Desta vez, em vez de falar através do enorme fosso que os
separava, uma distância que ela preferia agora manter, Royce, indignado, caminhou
lentamente para ela.
Continuou caminhando até que não ficaram mais que uns centímetros entre
eles, que o deixaram elevando-se sobre ela. A intimidação física era uma segunda
natureza para os Varisey masculinos; aprendiam-na ainda no berço. Ela queria dizer
que aquela tática não tinha efeito, e na verdade não tinha o efeito que ele pretendia.
O efeito era outro totalmente distinto e mais intenso e poderoso do que ela já
imaginou. Seu interior tremeu, estremeceu; Minerva conteve seu olhar e,
tranquilamente, esperou.
Primeiro assalto.
Royce baixou a cabeça ligeiramente para poder olhar diretamente seu rosto.
—A torre não rodou em todos os séculos desde que foi construída — Sua voz
havia baixado o tom também, mas sua dicção não perdera nada de seu fio letal, que se
fez mais afiado. — O que significa que a torre oeste está do outro lado da galeria.
Os olhos de Minerva se encontraram com o sombrio olhar de Royce, coisa que
sabia que era melhor que assentir. Com os Varisey, alguém nunca deve conceder
menor vantagem; eram do tipo que, caso se rendesse um centímetro, tomariam o
condado inteiro.
—A torre oeste está nessa direção, mas seu quarto já não está lá.
A tensão o percorreu; o músculo de sua mandíbula se esticou. Sua voz,
quando falou, converteu-se em um grunhido de advertência.
—Onde estão minhas coisas?

17
—Nos aposentos ducais — Na parte central da torre, ao sul; não se incomodou
em contar o que ele já sabia.
Minerva retrocedeu, justo o suficiente para fazer um sinal para que se unisse a
ela enquanto, com tremenda ousadia, dava-lhe as costas e começava a caminhar para
a torre.
—Agora é o duque, e esses são seus aposentos. O serviço trabalhou muito
duro para ter tudo preparado lá, e o dormitório da torre oeste foi convertida em uma
habitação de convidados. E antes que o pergunte — Escutou que a seguia a contra
gosto, com suas longas pernas cortando a distância que os separava em um par de
pernadas, — Tudo o que estava no quarto da torre oeste está agora nos aposentos do
duque... Incluindo, devo acrescentar, todas as suas esferas armilares3. Tive de
transladá-las eu mesma uma de cada vez. As criadas, e inclusive o lacaio, negaram-se a
tocá-las por medo de que se desarmassem entre suas mãos.
Royce acumulara uma preciosa coleção de esferas astrológicas; Minerva
esperava que mencioná-las o animasse a aceitar a necessária recolocação.
Depois de um momento durante o que caminhou em silencio detrás dela,
disse:
—E minhas irmãs?
—Seu pai faleceu no domingo, pouco antes do meio-dia. Enviei um
mensageiro imediatamente, mas não estava segura do que desejava, assim esperei
vinte e quatro horas antes de informar suas irmãs — Ela o olhou. — Você era quem
estava mais longe, mas o precisávamos aqui o primeiro. Espero que elas cheguem
amanhã.
Royce a olhou aos olhos.

3
Esfera armilar: “Antigo instrumento de astronomia que representa o conjunto da esfera celeste e o
movimento dos astros. O globo central representa a terra e os vários anéis concêntricos (armilas) os
corpos celestes . A seta aponta para o polo. Com a esfera os antigos astrônomos procuravam
compreender o mecanismo do universo e o movimento dos astros. Era utilizada para ensinar
astronomia, fazer cálculos de geometria esférica, e reconhecer a posição dos astros em diferentes
épocas do ano. A concepção das esferas e seu posicionamento mudavam de acordo com o sistema
cosmológico do autor. Sua invenção é atribuída ao filósofo grego Anaximandro de Mileto (611-547 a.
C.)” (Fonte: http://www.astrosurf.com/diniz/esfera_armilar.html)

18
—Obrigado. Agradeço pela oportunidade de me acomodar antes de ter que
lidar com elas.
O que, é óbvio, era a razão pela qual ela fizera assim.
—Enviei uma carta com o mensageiro a Collier, Collier & Whitticombe,
pedindo que me ajudassem aqui, com a vontade, o mais breve possível.
—O que significa que também chegarão amanhã. A última hora da tarde,
certamente.
—Em efeito.
Viraram uma esquina até um pequeno vestíbulo justo quando o lacaio fechava
a enorme porta de carvalho em seu extremo. O lacaio os viu, fez uma reverência e se
retirou.
—Jeffers subirá sua bagagem. Se precisar de algo mais...
—Chamarei. Quem é o mordomo agora?
Ela sempre se perguntou se tinha alguém na casa que lhe subministrasse
informação; obviamente, não era assim.
—O jovem Retford... O sobrinho do velho Retford. Antes era o valete.
Royce assentiu.
—Recordo.
A porta dos aposentos do duque estava perto. Minerva parou junto a ela.
—Unirei-me a você no escritório em uma hora.
Royce a olhou.
—O escritório está no mesmo lugar?
—Não se moveu.
—Já é alguma coisa, suponho.
Minerva inclinou a cabeça e, estava a ponto de partir quando percebeu que,
embora a mão do duque estivesse fechada sobre o pomo, não o tinha girado.
Estava olhando a porta.
—Se por acaso lhe serve de algo, faz mais de uma década desde a última vez
que seu pai usou esse quarto.
Royce franziu o cenho.
—Que quarto usava?

19
—Mudou-se para o quarto da torre oeste. Esta não foi tocada desde que
morreu.
—Quando se mudou para lá? — Olhou a porta em frente a ele. — Daqui.
Não era o papel de Minerva esconder a verdade.
—Faz dezesseis anos — Se por acaso não fazia a conexão, acrescentou: —
Quando voltou de Londres depois de desterrar você.
O duque franziu o cenho, como se a informação não tivesse sentido.
Isso fez com que Minerva se surpreendesse, mas conteve sua língua e não
disse nada. Esperou, mas ele não perguntou nada mais.
Bruscamente, Royce assentiu, despedindo-a, girou o pomo e abriu a porta.
—Verei você no escritório dentro de uma hora.
Com uma serena inclinação de cabeça, Minerva voltou-se e se afastou
caminhando.
E sentiu seu sombrio olhar sobre suas costas, sentiu-o deslizar-se desde seus
ombros até seus quadris e ao final até suas pernas. Conseguiu para conter um calafrio
até que esteve fora de sua precisa vista.
Então apressou o passo e caminhou rapidamente, com determinação, para
seus próprios aposentos... A habitação matinal da duquesa. Tinha uma hora para
encontrar uma armadura o suficientemente grossa para proteger-se do inesperado
impacto do décimo duque de Wolverstone.

Royce parou no interior dos aposentos do duque, fechou a porta e olhou a seu
redor.
Haviam passado décadas da última vez que viu aquele quarto, mas ele mal
mudara. A tapeçaria era nova, mas os móveis eram os mesmos, todos de um polido
carvalho maciço, que brilhava com uma majestosa pátina dourada, com as beiradas
arredondadas pela idade. Rodeou a sala de estar, passando seus dedos sobre as
polidas bordas dos aparadores e os curvados respaldos das cadeiras e depois entrou
no dormitório. Era amplo e espaçoso, com uma gloriosa vista ao sul sobre os jardins e
o lago até as distantes colinas.

20
Estava de pé ante a ampla janela, deleitando-se com aquela vista, quando uma
chamada à porta o fez virar-se. Elevou sua voz.
—Adiante.
O lacaio que vira antes apareceu na soleira da sala de estar levando uma
enorme vasilha de porcelana chinesa.
—Água quente, sua Excelência.
O duque assentiu e depois observou ao homem enquanto cruzava a habitação
e desaparecia através da porta que conduzia ao armário de roupas e ao banheiro.
Quando o lacaio reapareceu, havia voltado a olhar pela janela.
—Desculpe, sua Excelência, quer que desempacote suas coisas?
—Não — Royce olhou ao homem. Era vulgar em tudo... Altura, constituição,
idade, cor de pele. — Não são muitas coisas... Jeffers, é assim?
—Efetivamente, sua Excelência. Eu era o lacaio do falecido duque.
Royce não estava seguro de precisar um lacaio pessoal, mas assentiu.
—Meu homem, Trevor, chegará logo... certamente amanhã. É londrino, mas
esteve comigo durante muito tempo. Embora já esteve aqui antes, precisará de ajuda
para recordar tudo.
—Será uma honra ajudá-lo e assisti-lo no que possa, sua Excelência.
—Bem — Royce se virou de novo para a janela. — Pode se retirar.
Quando escutou que a porta se fechou, separou-se da janela e se dirigiu ao
armário. Despiu-se e depois tomou um banho; enquanto se secava com a toalha de
linho que deixara preparada junto à tina, tentou pensar. Deveria estar fazendo uma
lista mental com todas as coisas que tinha de fazer, fazendo malabarismos com a
ordem em que fazê-las... Mas o único que parecia capaz de fazer era sentir.
Seu cérebro parecia obcecado com o intranscendente, com assuntos que não
eram de importância imediata. Como o de por que seu pai se mudou dos aposentos
ducais imediatamente depois de sua confrontação.
Aquele ato cheirava a abdicação, embora... Não podia entender como tal
proposição podia entrelaçar-se com a realidade; não se encaixava com a imagem
mental que tinha de seu pai.

21
Sua bagagem continha uma muda completa de roupa limpa: camisa, lenço,
colete, jaqueta, calça, meias e sapatos. Vestiu-se e imediatamente se sentiu mais capaz
de ocupar-se dos desafios que o esperavam detrás da porta.
Antes de voltar do dormitório até a sala de estar, olhou a seu redor, avaliando
as instalações.
Minerva (sua governanta) fazia bem. Aqueles aposentos não só eram
apropriados devido a que agora era o duque, mas sim a atmosfera geral era boa... E
tinha a suspeita de que seu velho quarto já não encaixava com ele. Certamente,
apreciava o espaço mais amplo e as vistas.
Caminhou até o dormitório e seu olhar recaiu sobre a cama. Estava seguro de
que a apreciaria, também. A maciça cama de carvalho com dossel, com um decadente
colchão grosso, lençóis de seda e grossos travesseiros, dominava o enorme quarto.
Estava em, frente à janela; a vista sempre seria aprazível e interessante.
Nesse momento, entretanto, tranquilidade não era o que precisava; quando
seu olhar voltou para a colcha escarlate com bordados dourados e se deteve nos
lençóis de seda escarlate, sua mente lhe proporcionou uma visão de sua governanta,
reclinada ali.
Nua.
Considerou a visão, deleitando-se nela deliberadamente; sua imaginação
estava mais que disposta para aquela tarefa.
A pequena Minerva já não era tão pequena...
Como fora a protegida de sua mãe, e portanto esteve sob o amparo de seu
pai, também, isto normalmente a colocaria fora de seu alcance, a não ser porque tanto
seu pai como sua mãe estavam agora mortos, e ela estava ainda lá, em sua casa, uma
solteira estabelecida de sua classe, e tinha... Quantos? Vinte e nove anos?
Entre os de sua classe, sob a avaliação de qualquer, ela seria agora pão
comido, a não ser que... Embora Royce tivesse desenvolvido uma imediata e intensa
luxúria por ela, ela não mostrara nenhum indício de corresponder a seu interesse;
parecera fria, tranquila, como se sua presença não a afetasse.
Se reagisse ante ele como ele o fizera ante ela, Minerva estaria lá agora... Mais
ou menos como Royce a estava imaginando, risonha e sonolenta, com um sorriso de

22
satisfação curvando seus exuberantes lábios enquanto jazia estendida, sem roupa e
completamente encantada, em sua cama.
E ele se estaria sentindo muito melhor do que se sentia agora. A indulgência
sexual era a única distração capaz de afastar a violência de seu temperamento, o único
capaz de adormecê-la, de esgotá-la, de drená-la.
Dado que seu temperamento estava tão inquietamente excitado e que
procurava desesperadamente uma saída, não o surpreendia haver-se fixado
imediatamente na primeira mulher atraente que se cruzou seu caminho, convertendo-
se em um segundo em uma luxuriosa paixão. O que o surpreendia era a intensidade, a
incrível clareza com a qual todos seus sentidos e todas as fibras de seu ser
concentraram-se nela.
Possessiva e absolutamente.
Sua arrogância conhecia poucas ataduras, embora de todas as mulheres que
alguma vez chamaram sua atenção... Ele teve todas elas. Desejar Minerva e que ela
não o desejasse a ele, o desconcertou.
Desgraçadamente, o desinteresse da mulher e seu consequente estado de
perturbação não apagava seu desejo por ela nem um pouco.
Só tinha de sorrir e aguentar... Continuar controlando seu temperamento,
negando a liberação que procurava, enquanto punha tanta distância entre eles como
fosse possível. Ela era sua governanta, mas uma vez que descobrisse quem era seu
administrador, seu agente e o resto de homens que eram responsáveis por velar por
seus interesses, poderia reduzir seu contato com ela.
Olhou o relógio sobre o suporte da lareira . Tinham passado quarenta
minutos. Era o momento de ir ao escritório e acomodar-se nele antes que ela chegasse
para conversar.
Precisaria de um par de minutos para acostumar-se à poltrona atrás da
escrivaninha de seu pai.
Caminhando pela sala de estar, levantou o olhar... E viu suas esferas armilares
alinhadas ao longo do suporte da lareira oposta, com um espelho detrás que criava o
lugar de exposição perfeito. Examinou a coleção, acariciando despreocupadamente
com seus dedos os seus esquecidos amigos de antigamente, e se deteve ante um, com

23
os dedos detidos em uma curva dourada enquanto as lembranças de seu pai, dando-o
de presente em seu aniversário de dezoito anos, se deslizavam através de sua mente.
Depois de um momento, libertou-se da lembrança e seguiu adiante,
estudando cada esfera com suas entrelaçadas curvas de metal gentil.
As criadas, e inclusive os lacaios, negaram-se a tocá-las por temor a que se
desarmassem em suas mãos.
Parou e olhou com profundamente, mas não estava equivocado. Não só
limpara o pó de cada esfera; todas foram cuidadosamente polidas.
Olhou de novo a fileira de esferas e depois se virou e caminhou até a porta.

24
CAPÍTULO 02

Uma armadura como a que ela precisava não era fácil de encontrar.
Olhou o relógio dos aposentos da duquesa e disse a si mesma que somente
tinha de aguentar. Havia passado apenas uma hora desde que deixara Royce; não
podia esconder-se para sempre.
Suspirou e se levantou, alisando seu vestido negro. Usaria suas roupas de luto
durante os próximos três meses; felizmente, a cor combinava muito bem com ela.
Era um pequeno consolo ao que aferrar-se.
Segurou os documentos que tinha preparado e se dirigiu à porta. Royce
deveria estar no escritório, já acomodado; saiu ao corredor, esperando haver dado
tempo suficiente. Graças à sua fascinação por ele e a consequente observação
minuciosa a qual o submetia sempre que estavam no mesmo lugar (o que abrangia
todo o tempo que Royce passara em Wolverstone ou na mansão de Londres desde que
ele tinha quatorze anos, quando ela se uniu à casa, aos seis anos, e se sentiu
instantaneamente apaixonada ao colocar seus olhos sobre ele, até que cumpriu os
vinte e dois), conhecia-o muito melhor do que ele certamente imaginava. E conhecia
seu pai inclusive melhor; os assuntos que tinham de discutir, as decisões que deveria
tomar naquele dia, e nos que seguissem, não seriam fáceis e certamente teriam um
alto custo emocional.
No momento do enfrentamento no White's, Minerva estava em Londres com
sua mãe; ambas escutaram suficientes notícias da briga para ter uma ideia bastante
clara do que ocorrera em realidade, apesar das palavras que se dissessem. Dado o
desconcerto de Royce ao ouvir que seu pai se mudara dos aposentos ducais, não
estava totalmente segura de que ele (Royce) tivesse uma visão tão clara da antiga
ruptura como ela. Além de qualquer outra coisa, naquele momento estava furioso.
Embora seu intelecto fosse formidável e seu poder de observação, no geral,
desconcertantemente preciso, quando estava sob a fúria dos Varisey, suspeitava que
suas faculdades mais elevadas não trabalhavam totalmente bem.

25
As de seu pai, certamente, não o faziam, como aquele dia tinha demonstrado.
Entretanto, era o momento de meter-se na boca do lobo. Ou, neste caso, de
incomodar o novo lobo em seu escritório.
Os corredores da enorme casa estavam frequentemente tranquilos, mas nesse
momento o serviço trabalhava inclusive mais silenciosamente; nem sons distantes
perturbavam a paz.
Caminhou tranquilamente através daquela artificial quietude.
Passara a última hora convencendo a si mesma de que o inoportuno
ressurgimento de sua fascinação fora devido à surpresa... Porque ele apareceu de
repente e quase a derrubou. Que sua reação se devia unicamente ao inesperado do
sentimento que suas fortes mãos sobre seus ombros provocaram... E que depois a
levantou, literalmente, de seus pés, e a afastou.
E que, a seguir, continuou caminhando.
Aquele era o ponto chave que precisava recordar... Que tudo o que havia
sentido estava em sua cabeça. Enquanto o mantivesse lá, e ele continuasse sem saber,
tudo iria bem. Só porque sua antigo fascinação (que ela acreditava morta) escolheu
este tremendamente inconveniente momento para voltar para a vida, não significava
que ela tivesse de recrear-se nele. Tinha vinte e nove anos; era muito velha para
caprichos. Era, total e inegavelmente, muito prudente para obcecar-se com um
cavalheiro e menos ainda com um nobre (e ela conhecia bem a diferença) como ele.
Se Royce chegava a imaginar sequer sua suscetibilidade, a usaria sem
compaixão para seus próprios fins, e então ela e sua missão estariam em graves
problemas.
A porta do escritório estava logo adiante. Jeffers estava de pé,
obedientemente, junto a ela. Ao olhar a porta fechada, Minerva não se surpreendeu
totalmente ao sentir certa cautela forjando-se em seu interior. A verdade era que... Se
fosse livre para fazer o que quisesse, em lugar de agir como a obediente governanta de
Royce e ajudá-lo em seu novo posto, passaria a tarde escrevendo cartas a seus amigos
da região perguntando se seria conveniente que os visitasse. Mas não podia partir
ainda... Ainda não era livre para fugir.

26
Fez uma promessa... Duas promessas, em realidade, embora fossem a mesma,
de modo que era como se tivesse feito apenas uma. Primeiro à sua mãe, quando esta
morreu três anos antes, e fez a mesma promessa no domingo anterior, a seu pai.
Pareceu-lhe interessante (revelador, de fato) que duas pessoas que não
compartilharam muito durante os últimos vinte anos tivessem o mesmo desejo ao
morrer. Ambos pediram que ajudasse Royce até que estivesse adequadamente
estabelecido como o próximo duque de Wolverstone. O que pretendiam dizer com
"adequadamente estabelecido" estava bastante claro: queriam que se assegurasse de
que Royce estava totalmente informado de todos os aspectos que concerniam ao
ducado e de que entendia e colocava em seu lugar tudo o que precisava para
assegurar sua posição.
Assim, sobretudo, precisava vê-lo casado.
Este sucesso marcaria o final de sua dívida com os Varisey. Sabia quanto lhes
devia e a obrigação que tinha com eles. Fora uma menina de seis anos perdida (não
pobre, porque tinha tão bom berço como eles, mas sem familiares que cuidassem
dela), e eles se encarregaram dela, fazendo-a uma parte da família em todos os
aspectos exceto no sobrenome e incluindo-a de um modo que não tinha direito de
esperar. Não fizeram isso esperando nada dela em troca... E essa era uma das razões
que a levavam a cumprir os últimos desejos do duque e da duquesa muito bem.
Mas, uma vez que a esposa de Royce estivesse estabelecida como sua
duquesa e fosse capaz de tomar as rédeas que ela dirigia atualmente, seu papel lá
terminaria.
O que faria a seguir, o que faria de sua vida, era uma perspectiva que, até a
noite do domingo anterior, não tinha meditado. Ainda não tinha nem ideia do que
faria quando seu tempo em Wolverstone chegasse a seu fim, mas tinha economias
mais que suficientes para manter-se no luxo ao que, graças aos Varisey, estava agora
acostumada, e havia um mundo inteiro além de Coquetdale e Londres para explorar.
Todas eram excitantes perspectivas que devia considerar, mas faria isso mais tarde.
Justo agora tinha um lobo (possivelmente machucado e inclinado a mostrar-se
agressivo) com o que tratar.

27
Parou ante a porta do escritório, saudou Jeffers com uma inclinação de
cabeça, chamou uma vez e entrou.
Royce estava sentado atrás da enorme escrivaninha de carvalho. A mesa
estava tão limpa que parecia pouco natural, desprovida dos papéis e documentos de
acordo com o que se espera do que deve ser o coração administrativo de uma
propriedade tão grande. Tinha as palmas de suas mãos de longos dedos repousadas
sobre a mesa, e levantou o olhar quando Minerva entrou; durante um fugaz instante, a
garota pensou que parecia... Perdido.
Fechou a porta e caminhou sobre o tapete olhando o documento que tinha
nas mãos... E falou antes que ele o fizesse.
—Tem de aprovar isto — Parou ante o escritório e estendeu a folha de papel.
— É uma nota para a Gazette. Também temos que informar o palácio e os Lordes.
Royce a olhou com expressão impassível e depois estendeu uma mão e pegou
a nota. Enquanto a lia, Minerva se sentou em uma das cadeiras em frente à
escrivaninha, ajeitou a saia e depois organizou em seu colo os documentos que
preparara.
O duque se moveu, e ela levantou o olhar... Observou como pegava uma
pluma, abria o tinteiro, molhava-a, e depois a aplicava sobre sua nota, tachando lenta
e deliberadamente uma das palavras.
Depois de secá-lo, inspecionou o resultado e estendeu a nota de volta a
Minerva.
—Sairá no jornal com esta correção.
Tachara a palavra "muito amado" na frase "muito amado pai de". Minerva
conteve o impulso de elevar as sobrancelhas; deveria ter antecipado aquilo. Os
Varisey, como diziam frequentemente e como ficou demonstrado através das décadas,
não amavam. Podiam ferver caldeirões de emoções no resto de aspectos, mas nenhum
deles afirmava nunca ter sentido amor. Ela assentiu.
—Muito bem.
Pôs essa folha de papel no fundo de seu montão, levantou a próxima, elevou o
olhar... E viu que ele a estava olhando enigmaticamente.
—O que?

28
—Não utiliza "sua Excelência" para se dirigir a mim.
—Tampouco utilizava "sua Excelência" para me dirigir a seu pai — Minerva
hesitou e então acrescentou: —E você não gostaria que o fizesse.
O resultado foi um ronrono quase desumano, um som que deslizou através de
seus sentidos.
—Tão bem me conhece?
—Muito bem, sim — Apesar de ter o coração na garganta, Minerva manteve
um firme controle sobre seu tom de voz. Estendeu o próximo documento. — Agora,
para os Lordes — Tinha de mantê-lo concentrado e não permitir que a desconcertasse;
aquela era uma tática que os Varisey usavam para distrair e depois tomar as rédeas.
Depois de um momento cheio de significado, Royce estendeu a mão e pegou a
folha. Era uma notificação para os Lordes e uma comunicação para palácio
aceitavelmente redigida.
Enquanto trabalhavam, Minerva era consciente de que ele a olhava, com seu
sombrio e penetrante olhar, como se estivesse examinando-a... Minuciosamente.
Com firmeza, ignorava o efeito que tinha em seus sentidos... E rezava para que
parasse logo. Tinha de fazê-lo ou ficaria louca.
Ou derreteria, e ele o notaria, e então ela morreria de vergonha.
—Bem, assumindo que suas irmãs cheguem amanhã, e que o pessoal do
Collier também o faça, dado que esperamos que seus tios e tias cheguem na sexta-
feira pela manhã, então, se estiver de acordo, poderíamos ler a vontade na sexta-feira,
e assim tiraríamos isso de cima de nós — Levantou o olhar de seus documentos e
arqueou uma sobrancelha.
Royce tinha desabado, aparentemente relaxado, na enorme poltrona; olhou-a
impassivelmente durante vários longos minutos e depois disse:
—Poderíamos (se estiver de acordo) celebrar o funeral na sexta-feira.
—Não, não podemos.
Suas sobrancelhas se elevaram lentamente.
—Não? — Havia um rico e positivo excesso de intimidação encerrado naquela
única palavra que tinha pronunciado brandamente. Neste caso, por muitas razões,
estava fora do padrão.

29
—Não — Minerva o olhou aos olhos e manteve seu olhar. — Recorda o funeral
de sua mãe... Quantas pessoas assistiram?
Sua imobilidade era absoluta; seu olhar não se separou da dela. Depois de
outro longo silencio, disse:
—Não o recordo — Seu tom era equilibrado, mas Minerva detectou nele uma
ligeira debilidade; honestamente não o recordava, porque possivelmente não gostava
de pensar naquele difícil dia.
Estava banido das terras de seu pai, mas a igreja e o cemitério de Alwinton
estavam no interior dos limites de Wolverstone, de modo que cumprira literalmente o
decreto de seu pai; seu lacaio conduzira sua carruagem até o pórtico da igreja, e pisara
diretamente em solo santificado.
Nem seu pai nem ele falaram com ninguém (sequer trocaram um olhar)
durante o longo serviço e o subsequente enterro. Que não pudesse recordar quantas
pessoas foram à igreja testemunhava que não esteve olhando a seu redor; estava tão
afetado que suas faculdades, que eram extremamente observadoras, não estavam
funcionando.
Tranquilamente, Minerva enumerou:
—Assistiram mais de duzentos, contando apenas familiares e membros da alta
sociedade. Para seu pai, esse número aumentará certamente a trezentos. Haverá
representantes do rei e do Parlamento, além dos familiares e amigos... Para não falar
de todos os que quererão tirar vantagem vindo até aqui só para certificar sua conexão,
embora indireta, com o ducado.
Royce fez uma careta e depois, em uma explosão de movimento, sentou-se.
—Quando poderia preparar-se?
O alívio correu pelas veias da Minerva.
—A notícia da morte sairá na Gazette na sexta-feira. Amanhã, uma vez que
suas irmãs estejam aqui para consultá-las, poderíamos enviar a nota sobre o funeral...
Que então sairia nas edições do sábado. Sendo realistas, dado que tantos virão do sul,
a data mais próxima em que poderíamos celebrar o funeral seria a seguinte sexta-feira.
O duque assentiu, resistente, mas aceitando.

30
—Na sexta-feira, então — Hesitou e depois perguntou: — Onde está o
cadáver?
—Na casa do gelo4, como sempre — Sabia que aquilo era melhor que sugerir
que visse o corpo de seu pai; ou o fazia por vontade própria, ou não o faria. Seria
melhor que o fizesse, mas havia algumas áreas nas que, com ele, não estava preparada
para perder-se; era, simplesmente, muito perigoso.
Royce a olhou enquanto ordenava os papéis em seu colo... Olhou seu cabelo,
lustroso e brilhante. Perguntou-se que aspecto teria envolvendo sua branquíssima
pele, quando tal pele estivesse nua e rosada pela paixão.
Moveu-se em sua cadeira. Precisava desesperadamente uma distração. Estava
a ponto de pedir uma lista do pessoal (ela era tão malditamente eficiente que sua
prudência fraquejaria se tivesse uma em seu montinho de papéis) quando umas fortes
pisadas se aproximaram da porta. Um segundo depois, esta se abriu, admitindo um
majestoso mordomo.
O olhar do mordomo se fixou nele. Ainda na soleira da porta, fez uma
reverência.
—Sua Excelência — Levantou-se e voltou a inclinar-se mais ligeiramente para
Minerva, que se levantou. — Senhorita.
Voltou a concentrar-se em Royce, que, como Minerva, também se levantara,
entoada pelo majestoso personagem.
—Sua Excelência, meu nome é Retford. Sou o mordomo. Em nome de todo o
serviço, eu gostaria de mostrar nossas condolências pela morte de seu pai e lhe dar
nossas boas vindas em sua volta.
Royce inclinou a cabeça.
—Obrigado, Retford. Acredito recordar que antes foi assistente. Seu tio
sempre o fazia polir a prataria.
Retford relaxou perceptivelmente.

4
No arquivo em espanhol, tem essa nota explicando “As casas de gelo eram edifícios que eram usados
para armazenar alimentos antes da invenção da geladeira. Câmaras subterrâneas eram geralmente
construídas perto de fontes de água naturais”.

31
—Efetivamente, sua Excelência — Olhou de novo para Minerva. — Pediu-me
que a informasse quando o almoço estivesse preparado, senhorita.
Royce notou o significativo olhar que se trocaram antes que sua governanta
dissesse:
—Sim, Retford. Obrigada. Desceremos imediatamente.
Retford fez uma reverência, e com outro "sua Excelência", retirou-se.
Ainda de pé, Royce olhou a Minerva aos olhos.
—Por que vamos descer imediatamente?
Ela piscou.
—Tenho certeza que está com fome — Como ele continuou imóvel,
obviamente esperando, continuou: — E tem de permitir ao serviço que lhe dê as boas
vindas formalmente.
Ele pôs uma expressão de horror não totalmente fingida.
—Todo o maldito grupo de criados?
Ela assentiu e virou em direção à porta.
—Até o último deles. Darão seus nomes e postos... Já sabe como funciona.
Esta é uma residência ducal, depois de tudo — Ele observou enquanto rodeava o
escritório. — E se não estiver com fome agora, garanto que terá uma desesperada
necessidade de sustento para quando tivermos terminado.
Passou junto a ela e abriu a porta.
—Está desfrutando disto, não? Vendo-me sem saber o que fazer.
Enquanto a seguia até o corredor, Minerva negou com a cabeça.
—Saberá o que fazer... Eu sou sua governanta. Não vou deixá-lo sozinho em
um momento assim... Esse é meu trabalho.
—Já vejo — Sufocou a necessidade de segurar seu braço; ela, claramente, não
esperava que ele o fizesse... Já estava caminhando rapidamente para a escada
principal. Colocou as mãos nos bolsos de sua calça e fixou o olhar no chão ante seus
pés. — E como, exatamente, propõe-se fazer seu trabalho?
Sussurrando em seu ouvido.

32
Minerva permaneceu justo à sua esquerda durante toda a longa linha de
entusiastas serventes, murmurando seus nomes e postos enquanto ele assentia ante
cada um.
Poderia havê-lo feito sem a distração. Sem a tentação. Sem a constante
zombaria, embora fosse intencionada, de seu ser menos civilizado.
A governanta, a senhorita Cranshaw (embora ele sempre a tinha chamado
Cranny) ruborizou-se quando lhe sorriu e a chamou por seu apelido de antigamente.
Além de Retford e Milbourne, não se encontrara com ninguém mais desde a última vez
que esteve lá.
Finalmente chegaram ao final da longa fila. Depois que a última donzela da
cozinha se ruborizou e fez sua reverência, Retford, que os tinha seguido por trás
irradiando aprovação, adiantou-se e os fez passar com uma reverência à pequena sala
de jantar.
Royce se acomodaria em sua cadeira de costume, na metade da mesa, mas
Retford deslizou até a enorme cadeira na cabeceira e a separou... Assim continuou e se
sentou no lugar de seu pai.
Agora era o seu... Aquele era um fato ao que teria de acostumar-se.
Jeffers sentou Minerva à esquerda; a julgar pelo comportamento da
governanta e de Jeffers, aquela era sua posição costumeira.
Recordou sua necessidade de criar distância entre ambos, recordou sua
pergunta sobre o serviço, mas ela tinha deixado seus papéis no andar de cima.
Felizmente, logo que colocaram os pratos ante eles e a maioria dos lacaios se
retirou, ela perguntou:
—Uma coisa que Retford, Milbourne, Cranny e eu precisamos saber é que
pessoal tem e que membros da casa deseja manter.
Um tema sensível.
—Tenho um valete... Trevor. Estava comigo antes.
Minerva entreabriu os olhos.
—É menor que você... Ao menos assim era.
Uma razoável, embora breve, descrição de Trevor.

33
Olhou para Retford, que estava atrás, à direita de Royce; o mordomo assentiu,
indicando que ele, também, se lembrava de Trevor.
—Isto é fortuito, já que duvido que Walter, o valete de seu pai, se encaixasse
com você. Entretanto, deixa-nos com o assunto do que fazer com Walter... Ele não
quer deixar Wolverstone, nem o serviço da família.
—Deixe isso comigo — Royce aprendera fazia muito a apreciar a experiência.
—Tenho uma ideia sobre um posto em que poderia se encaixar.
—OH? — Esperou sua resposta, mas, ao não obtê-la, quando Royce começou
a servir-se de uma bandeja de carnes irlandesa5, franziu o cenho e depois perguntou:
— Henry ainda é seu cavalariço?
Assentiu.
—Já falei com Milbourne... Henry deveria chegar amanhã. Ele seguirá sendo
meu cavalariço pessoal. O único outro membro que se unirá à casa será Handley —
Olhou a Minerva aos olhos. — Meu secretário.
Royce se perguntou como Minerva tomaria essa notícia. Um pouco para sua
surpresa, ela sorriu.
—Excelente. Isso me liberará de me ocupar de sua correspondência.
—Efetivamente — Era um bom primeiro passo para evitá-la em sua órbita
diária. — Quem se ocupava da correspondência de meu pai?
—Eu o fazia. Mas são tantas as comunicações que cruzam o escritório de um
duque, e é tanto o que tenho que fiscalizar como governanta, que, se nos entretemos
um pouco, poderíamos ter problemas. Nem sempre me ocupei das coisas tão
eficientemente como gostaria.
Royce se sentiu aliviado porque ela realmente estivesse preparada para deixar
que sua correspondência escapasse de suas mãos.
—Direi a Handley que fale com você se tiver alguma pergunta.

5
No original está “carnes Irías”.

34
Minerva assentiu, absorta enquanto cortava um figo. O duque a observou dar
a primeira mordida, viu seus lábios brilharem... Rapidamente baixou o olhar até a
maçã de que estava tirando o caroço.
Quando voltou a levantar o olhar, ela estava olhando para o outro lado da
mesa, franzindo o cenho de um modo abstraído. Como se notasse seu olhar,
perguntou, ainda sem olhá-lo:
—Há alguém mais a quem devemos alojar?
Levou um momento para captar o que queria dizer; foi a palavra "alojar" que
finalmente lhe deu a chave, confirmada pelo tênue rubor que tingiu suas bochechas.
—Não — Só para deixar muito claro (e ao Retford, também), acrescentou: —
Não tenho nenhuma amante. Atualmente.
Fez ênfase em "atualmente" para assegurar-se de que eles acreditariam.
Examinando rapidamente as possíveis eventualidades, acrescentou:
—E a menos que os informe do contrário, deverão agir com o encargo de que
esta situação permanece sem mudanças.
As amantes, para ele, constituíam um perigo seguro, algo que tinha aprendido
antes de completar os vinte anos. Por ser o herdeiro de um dos ducados mais
enriquecidos, suas amantes (devido a seus gostos, indevidamente escolhidas entre a
classe alta) mostraram uma marcada tendência a desenvolver ideias pouco realistas
sobre sua relação.
Sua declaração picou a curiosidade da Minerva, mas ela simplesmente
assentiu, ainda sem olhá-lo aos olhos. Terminou de comer seu figo e deixou a faca da
fruta sobre seu prato.
Ele se separou da mesa.
—Preciso uma lista dos administradores e agentes de cada uma das distintas
propriedades.
Minerva se levantou quando Jeffers puxou a cadeira.
—Tenho uma lista preparada... Deixei-a em meu escritório. Levarei ao
escritório.
—Quais são seus aposentos?
Ela o olhou enquanto se dirigiam para as escadas.

35
—A sala matinal da duquesa.
Royce não disse nada, mas caminhou a seu lado enquanto subiam as escadas e
no interior da torre, até a sala que, séculos antes, fora um solário. Sua janela
avarandada dava ao sudoeste da torre, sobre o jardim de rosas.
Seguiu-a até sua sala e parou na soleira. Enquanto ela se aproximava de uma
escrivaninha que estava colocada contra uma das paredes, examinou a habitação,
procurando alguma sinal de sua mãe. Viu as almofadas bordadas que sua mãe adorava
bordar colocadas despreocupadamente sobre os sofás, mas, exceto isso, a habitação
continha poucos sinais mais dela. Era leve, etérea, claramente feminina e tinha dois
vasos de flores frescas aromatizando o ar.
Minerva se virou e caminhou para ele, lendo umas listas. Estava tão viva, tão
ancorada no presente, que duvidava que algum fantasma pudesse persistir a seu
redor.
Ela elevou os olhos, olhou-o; ele franziu o cenho. Olhou o sofá de dois lugares,
o único lugar onde poderiam sentar-se, e depois olhou para Royce de novo.
—Acredito que será melhor que examinemos isto no escritório.
Sentia-se incômoda tendo-o em seus aposentos. Mas tinha razão: o escritório
era a convocação mais adequada. Além disso, lá havia uma escrivaninha atas da qual
podia esconder a pior de suas reações ante ela.
Deu um passo para o lado e assinalou a porta. Seguiu-a pela galeria, mas, ao
não poder afastar seu olhar de seus quadris, que se agitavam ligeiramente, apressou o
passo para caminhar a seu lado.
Uma vez estiveram de novo no escritório (uma vez mais firmemente em seus
papéis de duque e governanta) repassou sua lista de administradores e agentes,
extraindo dela todos os detalhes que considerou úteis... Além de seus nomes e postos,
suas descrições físicas e a opinião pessoal de Minerva sobre cada homem. Ao princípio,
ela tentara não pronunciar-se neste último aspecto, mas, quando ele insistiu, lhe
proporcionou um exaustivo e ardiloso estudo de caráter sobre cada um deles.
Suas antigas lembranças de Minerva não eram muito detalhadas; sempre teve
a impressão de que era uma garota prudente que não tinha inclinação ao ridículo nem
aos voos de imaginação, uma garota com os pés firmemente plantados na terra. Sua

36
mãe acreditava nela incondicionalmente, e, pelo que estava descobrindo, o mesmo
ocorrera com seu pai.
E seu pai não confiava facilmente nas pessoas, não mais que ele mesmo.
Para quando chegaram à última de suas listas, estava convencido de que ele,
também, poderia confiar nela. Incondicionalmente. O que era um enorme alívio.
Inclusive mantendo-a a distancia física, precisaria sua ajuda para passar os próximos
dias, certamente as próximas semanas. Possivelmente inclusive os próximos meses.
Saber que sua lealdade estava firmemente com o ducado (e, portanto, também com
ele, já que era o duque) era tranquilizador.
Quase como se pudesse confiar nela para que protegesse sua vida.
E era estranho que um homem como ele tivesse uma ideia assim de uma
mulher. Sobretudo de uma dama como ela.
Sublinhando inconscientemente sua conclusão, depois de reunir de novo seus
papéis pulverizados, exceto os que ele pegara, Minerva hesitou. Quando Royce a olhou
e arqueou uma sobrancelha, disse:
—O homem de negócios de seu pai é Collier... Não o mesmo Collier do Collier,
Collier & Whitticombe, a não ser seu primo.
Ele entendeu sua mensagem por seu tom de voz.
—E você não confia nele.
—Não é tanto que não confie nele como que não acredito que saiba muito
sobre dirigir dinheiro. Vi os rendimentos dos investimentos do ducado e não são
impressionantes. Eu consigo resultados significativamente melhores de minhas
economias, que estão dirigidos por outra firma.
Royce assentiu.
—Eu tenho meu próprio homem de negócios... Montague, na cidade.
Consegue retribuições impressionantes. Pedirei que contate Collier para que repasse
os livros e que mais tarde assuma o controle.
Minerva sorriu.
—Excelente — Olhou as listas que tinha ante ele. — Se não precisar de mim
para nada mais...

37
Não desejava fazê-lo, mas tinha que saber, e ela era a única a quem podia
perguntar. Concentrou-se na pena que tinha na mão... Era a de seu pai.
—Como morreu meu pai?
Minerva ficou imóvel. Royce não levantou o olhar, mas esperou; notava que
ela estava ordenando seus pensamentos. Depois disse:
—Sofreu um ataque. Estava em perfeito estado antes (reunimo-nos depois do
café da manhã), e depois foi à biblioteca como sempre fazia os domingos pela manhã
para ler os jornais. Não sabemos quando ocorreu, mas, quando não pediu seu lanche
das onze, como invariavelmente fazia, o cozinheiro enviou Jeffers para comprovar o
que ocorria. Jeffers o encontrou no chão junto à sua mesa. Tinha tentado alcançar o
badalo da campainha, mas caíra.
Deteve-se e depois continuou:
—Retford me chamou. Eu fiquei com seu pai enquanto enviavam alguém para
procurar o médico e faziam uma maca para levá-lo ao seu dormitório. Mas não
aguentou tanto.
Royce levantou o olhar. Seus olhos estavam muito longe.
—Estava com ele quando morreu?
Minerva assentiu.
O duque baixou o olhar e girou a pena entre seus dedos.
—Disse algo?
—Esteve inconsciente quase até o final. Então despertou e perguntou por
você.
—Por mim? — Levantou o olhar. — Não por minhas irmãs?
—Não... Parecia havê-lo esquecido. Pensava que estava aqui, em
Wolverstone. Eu disse que não estava. Morreu totalmente em paz... Se houve alguma
dor, foi antes que o encontrássemos.
Royce assentiu, sem olhá-la aos olhos.
—Obrigado — depois de um momento, perguntou: — Contou a outros?
Ela sabia a quem se referia... Aos filhos ilegítimos de seu pai.
—As mulheres estão em uma ou outra das propriedades, assim que lhes enviei
cartas ontem. Exceto a Ou'Loughlin, a quem enviei uma nota, os homens estão em

38
paradeiro desconhecido... Escreverei quando conhecermos o legado, e você pode
assinar as cartas — O olhou. — Ou poderia fazê-lo Handley, se o desejar.
—Não. Eu gostaria que você se ocupasse disso. Você os conhece... Handley
não. Mas deixe a Ou'Loughlin a mim. Não quero assustar a ovelha perdida.
Ela se levantou.
—Não se assustaria, não?
—Faria-o, embora fosse só para ganhar minha atenção. Eu me ocuparei dele.
—Muito bem. Se não precisar de mim para nada mais, começarei a preparar o
funeral, para que quando chegarem suas irmãs possamos proceder sem demora.
Royce assentiu com brutalidade.
—Deus o queira.
O duque escutou um débil estalo de língua enquanto ela se dirigia à porta.
Então partiu, e ele pôde, por fim, concentrar-se em agarrar as rédeas do ducado.
Passou as próximas duas horas repassando as listas de Minerva e as notas que
tinha tomado, e depois escreveu cartas... breves, notas que iam diretamente ao ponto;
já estava sentindo falta de Handley.
Jeffers demonstrou ser inapreciável, já que conhecia a rota mais rápida para
mandar suas comunicações a cada um de seus destinatários; parecia que precisava de
um lacaio pessoal, depois de tudo. Através de Jeffers dispôs uma reunião com o
administrador de Wolverstone, Falwell, e com Kelso, o agente, à manhã seguinte;
ambos viviam em Harbottle, de modo que tinham de ser chamados.
Depois disso... Uma vez que Jeffers partiu com a última de suas cartas, Royce
se deteve frente à janela junto à mesa, que dava ao norte, para os Cheviots e a
fronteira. O desfiladeiro através de que corria o Coquet era visível de vez em quando
através das árvores. Seu leito fora cortado na borda ao norte do castelo, para dirigir a
água até o moinho do castelo, cujo telhado de ardósia era o único visível do escritório.
Depois do moinho, o leito se ampliava em uma corrente ornamental, uma série de
lagoas e lagos que diminuíam a velocidade da corrente até que este se derramava
tranquilamente no enorme lago artificial ao sul do castelo.
Royce seguiu a linha do riacho, com o olhar fixo no último lago antes que a
vista ficasse cortada pela asa norte do castelo. Em sua mente, continuou ao longo da

39
borda, até onde o rio alcançava o lago, e depois mais à frente, ao redor da borda
oeste... Até onde a casa de gelo se levantava junto à água em um bosquezinho de
salgueiros chorões.
Ficou ali um momento mais, sentindo mais que pensando. Então, aceitando o
inevitável, caminhou até a porta. Saiu e olhou para Jeffers.
—Vou dar um passeio. Se a senhorita Chesterton perguntar por mim, diga que
a verei no jantar.
—Sim, sua Excelência.
Virou-se e começou a caminhar. Supunha que devia acostumar-se àquela
fórmula de cortesia, mas... aquilo não teria de ser assim.
Naquele entardecer, embora fosse alegremente tranquilo, notava algo
semelhante à calma antes de uma tormenta; depois de jantar, enquanto estava
sentado na biblioteca vendo Minerva bordar, Royce sentiu a pressão reunindo a seu
redor.
Ver o corpo de seu pai na casa do gelo não mudou nada. Seu pai havia
envelhecido, embora fosse reconhecível o mesmo homem que o banira (a seu único
filho) durante dezesseis anos, o mesmo homem de quem herdara o sobrenome, o
título e as propriedades, sua altura e seu rude temperamento, e não muito mais.
Embora o caráter, o temperamento, fizessem o homem; olhando o rosto morto de seu
pai, seus duros traços inclusive falecido, perguntou-se se eram tão diferentes
realmente. Seu pai fora um déspota desumano; em seu coração, era ele assim
também.
Fundo na enorme poltrona ante a lareira , onde um pequeno fogo ardia
incongruentemente brilhante, bebeu o delicado uísque de malte que Retford servira e
simulou que os antigos e luxuosos, embora confortáveis, arredores o relaxavam.
Inclusive se não houvesse sentido a tormenta em seu horizonte, ter sua
governanta na mesma sala lhe garantia o não poder relaxar.
Seus olhos pareciam incapazes de afastar-se muito tempo dela; seu olhar se
pousou sobre ela logo que esta se sentou na cadeira. Ao observá-la ali, com os olhos
em seu trabalho, enquanto a luz da lareira iluminava seu cabelo recolhido e projetava
um rubor rosado em suas bochechas, surpreendeu-se de novo ante o estranho (e

40
inconveniente) feito de que ela não se sentisse atraída por ele, de que ele
aparentemente não provocasse nada nela, apesar de que ele se sentia atraído por ela
cada vez mais.
Deu-se conta da arrogância daquele pensamento, embora em seu caso não
fosse mais que a verdade. A maioria das damas o achava atraente; ele geralmente só
precisa escolher entre as que se ofereciam. Fazia um sinal com o dedo, e essa dama
era sua durante todo o tempo que a quisesse.
Desejava sua governanta com uma intensidade que o surpreendia, embora
seu desinteresse descartasse que pudesse tê-la. Ele nunca perseguira uma mulher,
nunca seduzira ativamente uma dama, em toda a sua vida, e na sua idade não tinha
intenção de começar.
Depois de vestir-se para o jantar (agradecendo mentalmente a Trevor por
prever a necessidade) foi ao salão armado com um catecismo desenhado para distrair
a ambos. Ela se mostrava disposta a ajudá-lo a recordar as famílias locais, tanto da
classe alta como da burguesia, dos Alnwick aos Percy, e depois prosseguiu
descrevendo as mudanças da sociedade local... Quem eram agora os principais
criadores de opinião e que famílias desapareceram na escuridão. Assim ocuparam os
minutos antes que Jeffers os chamasse para que fossem ao salão e o resto do jantar.
Não é que a situação tivesse mudado muito; com alguns ajustes menores, sua
visão prévia daquela parte do mundo ainda prevalecia.
Quando Retford retirou os pratos, Minerva se levantou com a intenção de
deixá-lo com uma solitária taça de porto. Em lugar disto, ele optou por segui-la até a
biblioteca e pelo uísque que seu pai guardava lá.
Decidiu prolongar a tortura de estar em sua presença, porque não queria ficar
sozinho.
Quando perguntou por que usava a biblioteca em lugar do salão, ela
comentou que, depois da morte de sua mãe, seu pai preferia que ela se sentasse com
ele ali... De repente, ao recordar que era ele, e não seu pai, que caminhava junto a ela,
deteve-se. Antes que pudesse perguntar se preferia que ficasse no salão, Royce disse
que tinha de fazer algumas pergunta mais,e fez um gesto para que continuasse.

41
Quando chegaram à biblioteca, sentaram-se; enquanto Retford servia o
uísque, perguntou pela casa de Londres. Esse tema não demorou muito em esgotar-se;
exceto o mordomo, que já não era Hamilton, todo o resto era como supunha.
Um estranhamente confortável silencio tinha seguido então; ela era,
aparentemente, uma dessas estranhas mulheres que não precisam encher cada
silêncio com falatório.
Aparentemente, de novo, Minerva passara as noites dos três últimos anos
sentada com seu pai; não era surpreendente que se acostumou aos longos silêncios.
Infelizmente, embora o silêncio normalmente o agradasse, aquela noite o fazia
presa de pensamentos cada vez mais ilícitos sobre ela; os quais, nesse momento,
despiam-na lentamente, desembrulhando suas curvas, suas esbeltas pernas e
investigando seus ocos.
Tudo aquilo parecia estar terrivelmente errado e ser quase desonroso.
Interiormente franziu o cenho... Minerva era a pura imagem do decoro
feminino, totalmente inconsciente da dor que lhe estava provocando, com sua agulha
cintilando enquanto trabalhava em um trabalho do mesmo tipo de bordado que sua
mãe tinha preferido; petit point, acreditava que se chamava. Tecnicamente, deixá-la
viver sem companhia sob seu teto poderia considerar-se escandaloso, mas levando em
conta seu posto e o tempo que levava vivendo ali...
—Quanto tempo leva sendo o governanta aqui?
Ela levantou o olhar e depois voltou para seu trabalho.
—Onze anos. Assumi o cargo quando fiz dezoito anos, mas nem sua mãe nem
seu pai consentiram que me considerasse governanta, não até que cumpri os vinte e
cinco e finalmente aceitaram que não ia casar.
—Esperavam que se casasse — E ele também. — Por que não o fez?
Ela levantou o olhar de novo, sorrindo com doçura.
—Não é que me faltassem ofertas, mas não considerei que nenhum dos
candidatos fosse o suficientemente bom para lhe ceder minha mão... nem para trocar
a vida que tinha aqui.
—Então, sente-se satisfeita sendo a governanta de Wolverstone?

42
Sem surpreender-se pela pergunta tão banal, Minerva encolheu os ombros.
Responderia de boa vontade qualquer pergunta que ele tivesse... Qualquer coisa para
obstaculizar o efeito que provocava estar sentada junto a ele, o efeito que sua
despreocupada e lânguida postura que era tão essencialmente masculina (ombros
largos contra o alto respaldo da poltrona, antebraços descansando sobre os apoios
acolchoados, os longos dedos de uma mão brincando com um copo de cristal, suas
poderosas coxas separadas) estava tendo em seus intumescidos sentidos. Seus nervos
estavam tão tensos que sua presença os fazia tremer e vibrar como se fossem cordas
de violino.
—Não vou ser o governanta deste lugar para sempre... quando você se casar,
sua duquesa tomará as rédeas, e então planejo viajar.
—Viajar? Onde?
A algum lugar muito longe dele. Minerva estudou a rosa que acabava de
bordar; não recordava havê-lo feito.
—Ao Egito, possivelmente.
—Ao Egito? — Não parecia impressionado por sua escolha. — Por que lá?
—Pelas pirâmides.
O sombrio olhar pensativo que tinha antes lhe perguntar quando se converteu
em governanta voltou para seu rosto.
—Pelo que ouvi, a zona ao redor das pirâmides está em conflito com as tribos
berberes, bárbaros que não duvidariam em assaltar uma dama. Não pode ir para lá.
Imaginou o informando que sempre sonhara em ser sequestrada por um
bárbaro, atirada sobre seu ombro e arrastada até o interior de sua tenda, onde a
deixaria sobre um pallet forrado de seda e a violaria completamente (é óbvio, ele seria
o bárbaro em questão), e depois assinalando que ele não tinha autoridade sobre
aonde ia ela ou deixava de ir. Em lugar disso, deu uma resposta de que Royce gostou
inclusive menos. Sorrindo levemente, voltou para seu trabalho.
—Veremos.
Não, não veremos. Ela não ia a nenhum sítio perto do Egito, nem a nenhum
outro país cheio de perigos. Royce refletiu sobre a possibilidade de exortá-la com que
seus pais não a tinham criado para que jogasse sua vida pela amurada em uma

43
aventura equivocada... Mas se sentia inseguro e, como soubesse que sua resposta só
serviria para aumentar a tensão, manteve seus lábios fechados e engoliu as palavras.
Para seu intenso alívio, Minerva deslizou a agulha no trabalho e depois a
enrolou e a guardou em uma bolsa de bordados que aparentemente vivia sob um
extremo da cadeira. Inclinou-se e voltou a colocar a bolsa em seu lugar, logo se
levantou e o olhou.
—Vou retirar-me — levantou-se. —Não se incomode em se levantar... Verei
você amanhã. Boa noite.
Royce grunhiu um "boa noite" em resposta. Seus olhos a seguiram até a
porta... Enquanto lutava para permanecer na poltrona e deixá-la partir. Sua ideia sobre
o Egito não tinha ajudado a tranquilizá-lo e agitava algo primitivo (inclusive mais
primitivo) em seu interior. O desejo sexual se converteu em uma dor tangível quando a
porta se fechou brandamente atrás dela.
Sua habitação estava na torre, não muito longe de seus novos aposentos;
apesar da sempre crescente tentação, não ia até lá.
Ela era sua governanta, e ele precisava dela.
Até que estivesse solidamente estabelecido como duque, com as rédeas
firmemente em suas mãos, Minerva era sua fonte de informação melhor informada e
mais confiável. Devia evitá-la tanto como fosse possível (Falwell e Kelso o ajudariam
com isso), mas ainda precisaria vê-la e falar com ela, diariamente.
Veria-a durante as refeições, também; aquele era seu lar, depois de tudo.
Seus pais a criaram; ele tinha a intenção de honrar esse ato inclusive embora
houvessem falecido. Embora não fosse formalmente uma pupila do ducado, Minerva
estava na mesma posição... Possivelmente podia considerar-se como in loco parentis6?
Isso poderia desculpar o quanto protetor se sentia... E que sabia que
continuaria sentindo-se assim.
Entretanto, deveria acostumar-se a tê-la sempre ao redor até que, como ela
assinalara, se casasse.
Isso era algo mais que precisaria resolver.

6
Do latim: no lugar dos pais.

44
O casamento, para ele, como para todos os duques de Wolverstone de fato, e
para todos os Varisey, seria um assunto negociado com sangue-frio. Os casamentos de
suas familiares e irmãs foram assim, e funcionavam como as alianças que pretendiam
ser; os homens tomavam amantes sempre que desejavam, e, quando se produziam os
herdeiros, as mulheres faziam o mesmo, e as uniões permaneciam estáveis, e suas
propriedades prosperavam.
Seu casamento seguiria esse curso. Nem ele nem nenhum outro Varisey se
sentia partidário da última moda das uniões por amor, porque, como reconheciam
todos aqueles que os conheciam, os Varisey não sentiam amor.
É óbvio, uma vez se casasse, seria livre para buscar uma amante, uma de longa
duração, uma que pudesse manter a seu lado...
O pensamento reviveu todas as fantasias que durante a última hora havia
tentando suprimir.
Com um grunhido aborrecido, esvaziou o líquido âmbar de seu copo, então o
deixou, levantou-se, ajeitou as calças e se dirigiu à sua cama vazia.

45
CAPÍTULO 03

Às nove da manhã seguinte, Royce já estava sentado na cabeceira da mesa no


salão de café da manhã e, sozinho, terminou seu jejum. Dormira melhor do que
esperava (profundamente e sem insônia), e seus sonhos não foram sobre seu passado,
a não ser fantasias que nunca se fariam realidade.
Todos incluíam sua governanta.
E se neles não estava totalmente nua, poderíamos dizer que tampouco estava
totalmente vestida.
Despertou para descobrir Trevor cruzando seu dormitório para levar água
quente ao banho. A torre fora construída em uma época em que manter o mínimo de
portas era uma inteligente defesa; nesse momento, colocar uma porta a que
pudessem chamar entre o corredor e seu armário e banheiro era uma necessidade
urgente. Fez a nota mental de dizer isso à sua governanta.
Perguntou-se se ela perguntaria por que.
Enquanto esperava deitado que o inevitável efeito de seu último sonho
desvanecesse, ensaiou várias respostas possíveis.
Caminhou até o salão do café da manhã com uma entusiasta sensação de
antecipação, mas se sentiu decepcionado quando descobriu que, apesar da hora que
era, ela não estava lá.
Possivelmente era uma dessas mulheres que tomam o café da manhã chá e
torradas em seu quarto.
Pôs freio a sua inadequada curiosidade sobre os hábitos de sua governanta,
sentou-se e permitiu que Retford o servisse, suprimindo com decisão qualquer
pergunta sobre seu paradeiro.
Estava dando boa conta de um prato de presunto e salsichas quando o objeto
de sua obsessão apareceu... Vestido com um traje de montar de veludo dourado sobre
uma blusa de seda negra com um laço negro atado sobre um de seus cotovelos e um
gorro de subida negro sobre seu cabelo dourado.

46
Algumas mechas de cabelo tinham escapado de seu coque, criando um
delicado nimbo sob o gorro. Suas bochechas brilhavam com alegre vitalidade.
Viu-o e sorriu, deteve-se e tirou rapidamente as luvas. Levava um chicote sob
um de seus braços.
—Dois endemoninhados cavalos negros chegaram aos estábulos com Henry. É
incrível, mas o reconheci imediatamente. Todo o pessoal do estábulo está lá, tentando
dar uma mão para conseguir tranquilizar suas bestas —Arqueou uma sobrancelha. —
Quantos cavalos mais estamos esperando?
Royce mastigou lentamente e então engoliu. Recordava que ela gostava de
montar; havia uma tensa flexibilidade em sua postura enquanto se mantinha de pé na
soleira, como se seu corpo estivesse ainda vibrando pelo golpear dos cascos dos
cavalos, como se a energia que tinha agitado a subida ainda corresse por suas veias.
Vê-la o estimulou até um grau que incomodava.
O que perguntara? Olhou-a aos olhos.
—Nenhum.
—Nenhum? — Olhou-o fixamente. — O que conduzia em Londres? Um cavalo
de aluguel?
Seu tom tingiu estas últimas palavras como se fosse algo totalmente
impensável.
—As únicas atividades que alguém pode levar a cabo a cavalo na capital não
podem, em minha opinião, qualificar-se como subida.
Minerva enrugou o nariz.
—Isso é verdade — O estudou um momento.
Royce dirigiu sua atenção de novo a seu prato. Ela estava debatendo-se entre
dizer algo ou não; o duque já aprendera o que significava aquele olhar concreto de
avaliação.
—Assim não tem cavalo próprio. Bom, exceto o velho Conquistador.
Ele levantou o olhar.
—Ainda está vivo? — Conquistador era seu cavalo no momento de seu
desterro, um poderoso garanhão cinza de só dois anos de idade.
Minerva assentiu.

47
—Ninguém mais pôde montá-lo, assim que se destinou à manada de éguas.
Agora está mais cinza que nunca, mas ainda pulula por aqui com suas éguas — De
novo vacilou e depois se decidiu. — Temos um dos filhos de Conquistador, outro
garanhão. Sabre tem três anos agora, mas, embora haja sido domado, nega-se a ser
montado... Bom, até agora — O olhou aos olhos. — Possivelmente você gostaria de
tentar.
Com um brilhante sorriso (ela sabia que acabava de apresentar um desafio ao
que não seria capaz de resistir), deu a volta e abandonou a sala.
Deixando a ele pensando (uma vez mais) em outra subida que não se
importaria em tentar.
—Então, Falwell, não há nada que requeira nossa atenção urgente na
propriedade? — Royce dirigiu a pergunta a seu administrador, que, depois de enrugar
a frente, pensativo, finalmente, assentiu.
—Eu diria, sua Excelência, que embora existam os usuais detalhes menores
que atender aqui e ali, não há nada extraordinário que me venha à mente como algo
que seja necessário fazer nos próximos meses.
Falwell tinha uns sessenta anos e era um indivíduo bastante indefinido, que
falava pausadamente e balançava a cabeça constantemente... Fazendo com que Royce
se perguntasse se desenvolvera aquele hábito em resposta à violenta agressividade de
seu pai.
Fazia com que parecesse que sempre estava de acordo, inclusive se não
estivesse.
Tanto o administrador como o agente responderam à sua chamada e estavam
sentados ante a escrivaninha de seu escritório, enquanto ele levava a cabo o que
rapidamente se converteu em um interrogatório hostil. Não é que eles fossem hostis,
mas esse sentimento se acrescentou nele progressivamente.
Suprimindo um incipiente franzir de cenho, tentou provocar um melhor
entendimento entre eles.
—Em alguns meses chegará o inverno, e então não poderemos levar a cabo
nenhuma tarefa de caráter estrutural até março ou mais possivelmente até abril —
Encontrava difícil acreditar que entre todas as construções e estruturas de suas

48
propriedades, nada precisasse ser reparado. Olhou para seu agente. — E o que tem
nossos investimentos, Kelso?
O agente era de uma colheita similar a de Falwell, mas era um homem muito
mais severo, mais seco e mais grisalho. Entretanto, era igualmente sério.
—Nada urgente que precise da intervenção do castelo, sua Excelência.
Usaram a frase "intervenção do castelo" várias vezes, e aparentemente
significava "ajuda das arcas ducais". Mas estavam falando de celeiros, cercos e casas
em suas terras que pertenciam à propriedade e que se proporcionavam aos granjeiros
arrendatários em troca de seu trabalho e de uma importante porção das colheitas.
Royce se permitiu franzir o cenho.
—O que tem que as situações que não precisam da "intervenção do castelo"?
Necessita-se de alguma reparação ou trabalho de algum tipo com urgência nelas? —
Seu tom se feito mais preciso, e sua dicção mais cortante.
Ambos trocaram olhares... Quase como se a pergunta os confundisse. Royce
estava tendo uma péssima sensação sobre aquilo. Seu pai era antiquado no sentido
geral, era o típico senhor de antigamente; tinha a crescente suspeita de que estava a
ponto de entrar em um caminho de silvas7 onde ia ser difícil viver.
Ao menos, sem sentir suas espetadas constantemente.
—Bom — disse finalmente Kelso — tem o assunto das casas de Usway Burn,
mas seu pai deixou claro que consertá-las era obrigação dos arrendatários. Se não o
fizessem até a próxima primavera, tinha a intenção de demolir as casas e lavrar a zona
para plantar mais milho, sendo o preço do milho o que é.
—Na realidade — Falwell tomou a palavra —seu falecido pai haveria, e de
fato deveria havê-lo feito, reclamado a terra para plantar milho este verão...
Aconselhamos tanto Kelso como eu. Mas temo — Falwell agitou a cabeça,
afetadamente condescendente — que a senhorita Chesterton interveio. Suas ideias
realmente não são recomendáveis (se a propriedade se ocupasse desses assuntos,
teríamos que estar sempre consertando coisinhas), mas acredito que seu falecido pai

7
Silva-de-são-francisco é um tipo de arbusto

49
se sentia... Obrigado, dada a posição da senhorita Chesterton, a dar ao menos a
impressão de que considerava seus pontos de vista.
Kelso bufou.
—Tinha carinho por ela. Foi a única vez em todos os anos nos que lhe servi em
que não fez o que era melhor para a propriedade.
—Seu falecido pai tinha um sólido entendimento de todo o referente às
propriedades e às obrigações dos inquilinos nesse aspecto — Falwell sorriu levemente.
— Estou seguro de que não desejará se desviar desse bem-sucedido e tradicional
caminho.
Royce olhou a ambos... E esteve totalmente seguro de que precisava de mais
informação e (maldição!) de que precisava consultar a sua governanta para consegui-
la.
—Posso assegurar que qualquer decisão que tome estará guiada pelo que é
melhor para o ducado. E quanto a essas casas — Olhou aos dois homens
alternativamente — devo assumir que essa é a única situação pendente deste tipo?
—Até onde eu sei, sua Excelência — Kelso parou e depois acrescentou: — Se
houver outras questões que exijam atenção, ainda não chegaram a meu
conhecimento.
Royce lutou para não entreabrir os olhos; Kelso sabia, ou ao menos
suspeitava, que eram necessárias outras reparações ou retificações, mas o povo do
ducado não ia ir a ele para isso. Separou-se da escrivaninha.
—Não tomarei nenhuma decisão até que tenha tempo para me familiarizar
com os detalhes.
Levantou-se; ambos os homens se levantaram rapidamente.
—Chamarei na próxima vez que deseje vê-los.
Havia suficiente frieza em seu tom de voz para que ambos murmurassem seu
consentimento, fizessem uma reverência e, sem protestar, dirigissem-se à porta,
inclusive apesar de que Falwell informara antes que seu pai se reunia com eles na
primeira segunda-feira de cada mês. Para Royce, isso era muito pouco frequente. Seu
pai possivelmente não tinha necessitado reuniões mais frequentes, mas ele precisava
de informação para trabalhar e odiava fazê-lo sem ela.

50
Ficou olhando a porta depois de que o som de seus passos desapareceu. Teve
a esperança de que lhe proporcionassem um baluarte entre sua governanta e ele em
todos os aspectos relacionados com o ducado, embora, depois de falar com eles
durante uma hora, não estava preparado para aceitar seus pontos de vista como a
história completa de qualquer tema. Certamente, não no caso das casas de Usway
Burn.
Perguntou-se qual seria a opinião de Minerva... E por que seu pai, que nunca
sentira afeto por ninguém em sua vida, e nem muito menos mudara seu
comportamento para contentar a ninguém, finalmente esteve de acordo com ela,
apesar de sua própria opinião.
Teria de perguntar a Minerva.
Ao ver que seu plano para mantê-la a distância se convertia em pó, não pôde
conter um grunhido. Rodeou a mesa e se dirigiu à porta. Abriu-a e saiu, surpreendendo
Jeffers, que imediatamente voltou para a realidade.
—Se alguém perguntar, saí a montar a cavalo.
—Sim, sua Excelência.
Antes de solicitar o conselho de sua governanta sobre as casas, teria de provar
seu conselho sobre o cavalo.
Minerva tinha razão.
Sem dúvida alguma. Cavalgando através da agradável paisagem, deixando que
o garanhão cinza guiasse o passo, notando o ar açoitando seu rosto, sentiu um regozijo
que sentia falta de sentir em suas veias, sentiu a seu redor as montanhas e os campos
de seu lar ficando atrás a uma velocidade de vertigem... E abençoou a intuição da
Minerva.
Seu pai era um excelente cavaleiro, mas nunca teve paciência para montar a
um cavalo teimoso. Ou, por outro lado, desfrutava de do desafio que supunha fazer-se
com um cavalo, persuadi-lo de que guiá-lo era seu melhor interesse... Para que ambos
pudessem voar com o vento.
Sabre era agora dele. Poderia levá-lo com ele sempre que quisesse e aonde
quisesse, só para ter a oportunidade de correr assim. Sem restrições, sem limitações,

51
voando sobre as cercas, saltando rochas e riachos, a toda velocidade entre as colinas,
em seu caminho para os campos de pasto.
Ao deixar o gabinete, tinha acudido diretamente ao estábulo e perguntado a
Milbourne pelo garanhão. Ao escutar que pretendia montar a recalcitrante besta,
Milbourne e Henry o acompanharam até a cerca atrás dos campos que circundavam ao
castelo. Observaram-no enquanto trabalhava com o garanhão, pacientemente,
embora exigente; o par havia sorrido com prazer quando Sabre finalmente trotou ao
redor da cerva com Royce sobre ele, e então Royce levou o cavalo até a porta e saiu
com uma ovação.
Como contara a Minerva, em Londres não tinha cavalo. Quando visitava seus
amigos da região, cavalgava sobre os cavalos que eles lhe proporcionavam, embora
nenhum fosse do tipo de Sabre... Um enorme cavalo de caça de bom peso, forte,
sólido, mas mesmo assim de pés leves. Com suas coxas obstinadas ao amplo lombo do
garanhão, cavalgou principalmente com suas mãos e joelhos, sem esticar as rédeas
exceto o necessário.
Apesar de sua falta de experiência, Sabre obedecia imediatamente todas as
indicações de Royce, quase certamente porque Royce era forte o bastante para
imprimi-las nele com toda a clareza. Mas para isso era necessário concentrar a força e
ter uma consciência do cavalo e de suas inclinações que poucos cavaleiros possuíam;
quando os campos de pasto apareceram ante sua vista, Royce já não se surpreendia
pelo fato de que nem Milbourne fosse capaz de cavalgar para garanhão.
Agarrou as rédeas, deixou que Sabre sentisse o freio e diminuiu a velocidade
pouco a pouco até que estiveram ao trote.
Queria ver Conquistador; não sabia por que. Não era um homem sentimental,
embora as lembranças que tinham saído à luz ao montar ao filho de seu velho cavalo o
levaram até lá. Sobre os estribos, examinou o amplo campo e então escutou um
distante embora suave relincho; Sabre respondeu com um bufo e apressou o passo.
Um grupo de cavalos emergiu de uma colina, trotando e depois galoparam
para a perto.

52
Conquistador ia à frente. Era quase do mesmo tamanho que seu filho, embora
a idade o deixara mais pesado e o cinza de sua pelagem mais intenso. Agitou as orelhas
para trás e para frente quando viu Royce.
O duque parou Sabre junto à perto, inclinou-se adiante e estendeu sua mão,
com uma maçã seca em sua palma.
—Tome, menino.
Conquistador relinchou e se adiantou, agarrou a maçã da mão de Royce,
mastigou-a e depois se inclinou sobre a grade (ignorando seu filho) para aproximar a
cabeça a Royce.
O duque sorriu e deu uns tapinhas na enorme cabeça.
—Lembra-se de mim, não é?
Conquistador agitou a cabeça, com suas crinas dançando e então notou o
interesse de Sabre nas éguas que o seguiram até a cerca.
Com um ensurdecedor bufo, Conquistador se adiantou, afastando às éguas e
agrupando-as trás.
Depois de colocarem Sabre em seu lugar (era o segundo na linha sucessória do
harém de Conquistador), Royce se sentou e observou como a pequena manada se
afastava.
Sentou-se de novo na sela, acariciou o esbelto pescoço de Sabre e então olhou
a seu redor. Estava no topo da Colina do Castelo, ao norte da mansão; se olhasse o
vale abaixo, podia ver a enorme silhueta de seu lar banhada na brilhante luz do sol. Era
quase meio-dia.
Virou-se e percorreu o vale em direção norte, observando o escuro caminho
de Clennell Street enquanto este se abria passo entre as colinas. A tentação sussurrou.
Não tinha nenhum encontro para aquela tarde.
A agitação tomou conta dele inclusive antes de saber sobre a morte de seu pai
e era provocada, suspeitava, por ter de terminar o reinado de Dalziel sem ter uma vida
alternativa organizada e o esperando, e que depois se viu acrescentada por ver-se
empurrado, sem preparação, para o arnês ducal, ainda o irritava e se agitava em seu
interior e se incrementava em momentos estranhos para distraí-lo e tentá-lo.

53
Para minar inesperadamente a confiança natural dos Varisey e deixá-lo na
incerteza.
Não era um sentimento de que alguma vez tivesse gostado e, a seus trinta e
sete anos, irritava-o. Poderosamente.
Olhou para Sabre e depois agitou as rédeas.
—Temos tempo suficiente para fugir.
Fixou seu caminho para a fronteira e Escócia.
Havia dito que ele se ocuparia de Ou'Loughlin.
Royce encontrou a granja com facilidade: as montanhas não mudaram, mas o
que sim mudara era a granja em si. Quando a viu pela última vez, era pouco mais que
um minifúndio com uma casinha com um pequeno celeiro encostado. Agora era maior
e fora redesenhada, longa e baixa, com uma fachada de pedra cortada, grossas vigas e
uma boa ardósia no telhado. A casa (que agora definitivamente era uma granja)
parecia cálida, tranquila e próspera e estava embalada contra uma encosta protetora,
com um novo celeiro de bom tamanho a cada lado.
Um muro baixo de pedra rodeava o pátio; quando Royce entrou com o
cansado Sabre, um cão começou a ladrar.
Sabre se agitou e empinou.
O cão estava preso no interior da porta aberta do celeiro.
Royce puxou as rédeas, deteve-se e esperou sentado pacientemente até que
se acalmasse; quando Sabre notou sua falta de reação e se tranquilizou, o duque
desmontou.
Justo quando a porta da granja se abria e uma montanha de homem saía a
pernadas.
Royce encontrou os olhos azuis de seu meio-irmão; além da altura e da
amplitude de seus ombros, a única semelhança física jazia no conjunto de olhos, nariz
e queixo. Os cachos castanhos de Hamish estavam começando a ficar grisalhos, mas de
resto parecia ter a mesma rude saúde que sempre. Royce sorriu e deu um passo
adiante, estendendo sua mão.
—Hamish.

54
Sua mão foi engolida, e depois ele mesmo foi arrastado ao interior de um dos
abraços de urso de seu meio-irmão.
—Ro! —Hamish o liberou com um golpe nas costas que não esperava... E que
fez com que cambaleasse. Segurou-o dos ombros e examinou seu rosto. — Seja qual
seja a razão pela que está aqui, estou contente de tê-lo de volta.
—E eu estou contente de estar de volta — Hamish o deixou escapar, e Royce
olhou as colinas e a paisagem desde suas cúpulas até Windy Gyle. — Sabia que tinha
sentido falta de você... Mas não percebi o quanto.
—Ouch, bom, agora está de volta, embora fosse preciso o velho bastardo
morresse para que o fizesse.
"O velho bastardo" era o modo como Hamish se referia a seu pai, não como
um insulto, mas sim como um apelido afetivo.
Os lábios de Royce se curvaram.
—Sim, bom, faleceu, essa é uma das razões pelas que estou aqui. Há coisas...
—Das que temos que falar... Mas antes tem que entrar e saudar Molly e as
crianças — Hamish olhou o estábulo e depois assinalou um pequeno rosto que tinha
aparecido na porta. — Ouça... Dickon! Venha e se ocupe do cavalo — Hamish olhou
para Sabre, que se agitava nervosamente ao final da rédea.
Royce sorriu.
—Acredito que será melhor que ajude Dickon.
Hamish caminhou a seu lado enquanto Royce guiava a Sabre até o estábulo.
—Não é este o garanhão que não deixava que o velho bastardo o montasse?
—Isso ouvi. Eu não tinha cavalo, assim agora é meu.
—Sim, bom, você sempre teve boa mão com os mais teimosos.
Royce sorriu ao menino que o esperava na porta do estábulo; os olhos azuis
de Hamish o olharam em resposta de seu rosto.
—Este não conhecia.
—Não — Hamish se deteve junto ao guri e alvoroçou seu cabelo. — Este
chegou enquanto você estava fora — Olhou ao menino, que contemplava Royce com
os olhos muito abertos. — Este daqui é o novo duque... o chamará de Wolverstone.
Os olhos do menino se dirigiram a seu pai.

55
—Não "o velho bastardo"?
Royce riu.
—Não... Mas, se não haver outro em sua família, pode me chamar Tio Ro.
Enquanto Royce e Dickon acomodavam a Sabre em um estábulo vazio, Hamish
se inclinou sobre o muro e pôs Royce em dia sobre os Ou'Loughlin. Quando Royce
esteve pela última vez em Wolverstone, Hamish, que era dois anos mais velho que ele,
falou-lhe de seus dois filhos através das cartas ocasionais que trocaram; agora era o
orgulhoso pai de quatro, e Dickon, de dez anos, era o terceiro.
Deixaram o estábulo e cruzaram o pátio para entrar na casa; tanto Hamish
como Royce tiveram de agachar-se sob o dintel.
—Olá, Moll! — Hamish guiou o caminho até um amplo salão. — Venha ver
quem veio.
Uma redonda mulher de pouca estatura (mais volumosa do que recordava),
saiu da cozinha secando as mãos no avental. Tinha uns brilhantes olhos azuis
colocados em um doce rosto redondo sob um arbusto de cabelo vermelho acobreado.
—De verdade, Hamish, esse não é modo de me chamar. Qualquer pensaria
que é um pagão... — Seus olhos se acenderam ao descobrir Royce, e parou. Então
gritou (fazendo com que ambos os homens estremecessem), e se lançou para o Royce.
Ele a acolheu em seus braços, rindo enquanto ela o abraçava com força.
—Royce, Royce! — Tentou agitá-lo, o que era impossível para ela e depois
olhou seu rosto, satisfeita. — Alegro-me tanto em vê-lo de novo.
O sorriso do duque se ampliou.
—Eu também me alegro muito, Moll — Progressivamente, estava dando-se
conta de como aquilo era certo, de que profundo era o sentimento de volta a casa que
tinha alcançado. Sentia-se comovido. — Está tão atraente como sempre. E aumentou a
família desde a última vez que estive aqui.
—OH, sim —Molly olhou travessamente para Hamish. — Estivemos ocupados,
poderíamos dizer — Seu rosto se suavizou e olhou para Royce. —Ficará para comer,
não?
Fez isso. Almoçaram uma espessa sopa, guisado de cordeiro e pão, além de
queijo e cerveja. Sentou-se na longa mesa na cálida cozinha, aromatizada com

56
suculentos aromas e cheia de um constante falatório, maravilhado ante os filhos de
Hamish.
Heather, a mais velha, uma peituda garota de dezessete anos, era uma
menina pequenina na última vez que a vira, enquanto Robert, de dezesseis, que
apontava ser tão grande como Hamish, fora um bebê de cujo nascimento Molly ainda
não se recuperou totalmente. Dickon era o seguinte, e depois vinha Georgia, que com
sete anos se parecia muito com Molly e parecia igualmente determinada.
Enquanto tomavam assento, os quatro o olhavam com os olhos totalmente
abertos, como se o examinassem com seus confiáveis e cândidos olhares (uma
combinação da sagacidade de Hamish e da honestidade de Molly), e depois Molly
colocou a sopa sobre a mesa e sua atenção mudou; a partir de então o trataram
alegremente como um familiar mais, o "tio Ro".
Escutando seus bate-papos, Robert informando a Hamish sobre as ovelhas em
algum campo, e Heather contando a Molly que uma galinha estava poedeira, Royce
não pôde evitar dar-se conta do cômodo que se sentia com eles. Pelo contrário, seria
difícil nomear os filhos de suas irmãs legítimas.
Quando seu pai o desterrou dos domínios de Wolverstone e proibiu qualquer
comunicação com ele, suas irmãs seguiram os desejos de seu pai. Apesar de as três já
estarem casadas e de serem senhoras de seus próprios domínios, não fizeram nenhum
movimento por ficar em contato com ele, nem por carta. Se o fizessem, Royce
houvesse, ao menos, respondido, porque sempre soube que aquele dia teria de
chegar... O dia em que fosse o cabeça da família e estivesse a cargo das arcas do
ducado, das quais suas irmãs ainda dependiam e, através delas, seus filhos também.
Como todos outros, suas irmãs haviam assumido que a situação não ia durar
muito. Certamente, não dezesseis anos.
Manteve uma lista de seus sobrinhos e sobrinhas selecionada das notas de
nascimento da Gazette, mas com a pressas a deixara em Londres; esperava que
Handley se lembrasse de levá-la.
—Mas quando chegou ao castelo? — Molly fixou seu brilhante olhar nele.
—Ontem pela manhã.
—Sim, bom, estou segura de que a senhorita Chesterton terá tudo preparado.

57
Notou a aprovação de Molly.
—Conhece-a?
—Vem aqui para discutir suas coisas com Hamish de vez em quando. Sempre
toma o chá conosco... É toda uma dama, em todos os sentidos. Imagino que se estará
ocupando de tudo tão eficientemente como sempre — Molly o olhou com fixidez. —
Decidiu quando será o funeral?
—Na sexta-feira da semana que vem — Olhou para Hamish. — Dado o
inevitável interesse da classe alta, era impossível fazê-lo antes — Se deteve e depois
perguntou: — Virá?
—Moll e eu iremos à igreja — Hamish trocou um olhar com Molly, que
assentiu, e depois olhou para Royce e sorriu. — Mas terá que se arranjar sozinho no
velório.
Royce suspirou.
—Esperava que lhes apresentar a um gigante escocês pudesse distraí-los.
Agora terei que pensar em outra coisa.
—Não... Acredito que você mesmo, o filho pródigo que tornou, será distração
suficiente.
—Isso espero — disse Royce.
Hamish riu e deixou o tema de lado; Royce encaminhou a conversação às
condições da agricultura local e a seguinte colheita. Hamish tinha seu orgulho, algo
que Royce respeitava; seu meio-irmão nunca colocara um pé no interior do castelo.
Como esperava, sobre o tema da agricultura conseguiu uma informação mais
pertinente de Hamish que de seus próprios administradores e agentes; as granjas da
zona mal sobreviviam, não estavam prosperando precisamente.
Com Hamish ia bastante melhor. Tinha sua própria propriedade; sua mãe fora
a única filha do proprietário de um feudo franco. Casou-se tarde, e Hamish era seu
único filho. Este havia herdado a granja, e com o estipêndio que seu pai fixara para ele,
teve o capital para expandir e melhorar seu gado; agora era um pastor bem
estabelecido.

58
Ao final da refeição, Royce agradeceu a Molly, deu-lhe um beijo na bochecha
e, seguindo Hamish, pegou uma maçã da tigela que havia no vestíbulo e continuaram
com seu bate-papo do lado de fora.
Sentaram-se no muro de pedra, com os pés pendurando, e olharam as
montanhas.
—Sua remuneração seguirá vigente até sua morte, mas isso já sabe — Royce
deu uma mordida em sua maçã; rangeu sonoramente.
—Sim. Como morreu?
—Minerva Chesterton estava com ele — Royce contou o que tinha contado a
ele.
—Conseguiu contatar todos outros?
—Minerva escreveu às garotas... Todas estão em uma ou outra das
propriedades. Isso são onze dos quinze — Seu pai tivera quinze filhos ilegítimos de
criadas, taberneiras e moças das granjas e as aldeias; por alguma razão sempre
escolhia suas amantes nas classes inferiores locais. — Os outros três homens estão na
marinha... Escreverei para eles. Embora sua morte materialmente não mude nada.
—Não, mas mesmo assim têm que saber — Hamish o olhou um momento e
depois perguntou: —E você, vai ser como ele?
Jogou o caroço de sua maçã, e Royce o olhou com os olhos entreabertos.
—Em que sentido?
Imperturbável, Hamish sorriu.
—Exatamente no mesmo sentido no que acha que disse. Vai ter a uma filha
em cada granja da região?
Royce bufou.
—Definitivamente não é meu estilo.
—Sim, bom — Hamish puxou do lóbulo de uma orelha. —Nunca foi o meu,
tampouco — Durante um momento pensaram na promiscuidade sexual de seu pai, e
depois Hamish continuou: — Era quase como se se visse como um desses antigos
senhores, com o direito de senhor feudal e tudo. No interior de seus domínios via,
queria e pegava... Embora não é que, pelo que ouvi, nenhuma das moças resistisse

59
muito. Minha mãe, certamente, não o fez. Contou-me que nunca se arrependeu... Do
tempo que passou com ele.
Royce sorriu.
—Estava falando de você, tolo. Se não passasse esse tempo com ele, ela não
teria você.
—Possivelmente. Mas, inclusive em seus últimos anos, costumava a ter um
olhar nostálgico nos olhos sempre que falava dele.
Passou outro minuto, e então Royce disse:
—Ao menos se ocupou de todos.
Hamish assentiu.
Ficaram sentados um momento, desfrutando da sempre mutável vista, do
jogo de luzes sobre as montanhas e vales, dos distintos tons do sol enquanto se
aproximava do oeste, e depois Hamish se voltou e olhou para Royce.
—Então, estará sobretudo no castelo ou Londres e as damas inglesas o
atrairão ao sul?
—Não. A respeito disso, seguirei seus passos. Viverei no castelo, exceto
quando meu dever com o ducado, a família ou os Lordes me chamem ao sul — Franziu
o cenho. — Falando de viver aqui, o que ouviu do agente do castelo, Kelso, ou do
administrador, Falwell?
Hamish encolheu os ombros.
—Foram os olhos e os ouvidos de seu pai durante décadas. Ambos são... Bom,
já não são patrícios. Vivem em Harbottle, não no ducado, o que provoca algumas
dificuldades. Ambos nasceram aqui, mas se mudaram à cidade faz anos, e por alguma
razão seu pai não pôs nenhuma objeção... Suspeito que pensou que ainda
conheceriam a terra. Não é algo que se esqueça tão facilmente, depois de tudo.
—Não, mas as coisas, as condições, mudam. As atitudes mudam também.
—OH, bom, seria impossível que esses dois mudassem rapidamente. Estão
muito assentados em seus caminhos... Que é pelo que sempre pensei que encaixavam
tão bem com o velho bastardo. Ele também estava muito situado em seu caminho.
—Assim é — depois de um momento de reflexão sobre a resistência ante as
mudanças de seu pai e o longe que chegara nessa cegueira dele, Royce admitiu: —

60
Deveria fazer que substituíssem a ambos, mas não quero fazê-lo até que tenha a
oportunidade de sair e avaliar as coisas por mim mesmo.
—Se precisar de informação sobre as propriedades, sua governanta pode
ajudar. Todo mundo acode a Minerva quando há algum problema. A maioria se cansou
de acudir a Falwell ou Kelso, ou não confiam, de fato. Se tiverem uma queixa, ou não
acontece nada ou ocorre algo pior.
Royce olhou diretamente para Hamish.
—Isso não soa bem.
Era uma pergunta, uma que Hamish entendeu.
—Sim, bom, escreveu-me me contando que seu trabalho havia terminado, e
eu sabia que viria para casa... Não pensava que houvesse necessidade de lhe escrever
e dizer que as coisas não iam totalmente bem. Sabia que o veria quando voltasse, e
Minerva Chesterton estava fazendo bastante bem guardando o forte — Encolheu seus
enormes ombros; os dois homens olharam ao sul, sobre as cúpulas, em direção a
Wolverstone. — Ao melhor não está bem que eu diga isto, mas possivelmente seja
bom que haja falecido. Agora você tem as rédeas, e já é hora de uma revolução no
ducado.
Royce teria sorrido ante aquela expressão, mas o que estavam discutindo era
muito sério. Olhou na direção em que suas responsabilidades, que se faziam maiores a
cada hora, jaziam e depois desceu do muro.
—Devo ir.
Hamish caminhou a seu lado enquanto ia ao estábulo e selava Sabre, e depois
o montou e tirou o enorme cavalo ao pátio.
Parou e estendeu a mão.
Hamish a segurou entre as suas.
—Veremo-nos na sexta-feira na igreja. Caso se ver obrigado a tomar uma
decisão sobre alguma questão do ducado, pode confiar na opinião de Minerva
Chesterton. O povo confia nela e respeita seu critério... Qualquer coisa que aconselha,
será aceita por seus arrendatários e trabalhadores.
Royce assentiu; interiormente, fez uma careta.
—É o que pensei.

61
É o que temia.
Despediu-se, agitou as rédeas e dirigiu Sabre para Clennell Street e
Wolverstone.
Para seu lar.
Afastou-se da paz das colinas... Só para descobrir, quando cavalgou até os
estábulos do castelo, que suas irmãs (as três, assim como seus maridos) tinham
chegado.
Decidido, caminhou para a casa; suas irmãs podiam esperar... precisava ver
Minerva.
A confirmação de Hamish de que ela era, efetivamente, a defensora atual do
bem-estar do ducado lhe deixava pouca opção. Ia ter que confiar nela, passar horas
aprendendo dela tudo o que pudesse sobre suas propriedades, cavalgar com ela para
que pudesse lhe mostrar o que estava acontecendo... Em resumo, deveria passar mais
tempo com Minerva do que desejava.
Do que era prudente passar.
Entrou na casa pela porta lateral e escutou um revoo mais adiante, enchendo
o cavernoso vestíbulo dianteiro, e se armou de coragem. Sentiu que seu mau caráter
aumentava outro ponto.
Suas irmãs mais velhas, Margaret, condessa de Orkney, e Aurelia, condessa de
Morpeth, concordaram, implícita, se não explicitamente, com seu pai sobre sua antiga
ocupação; elas apoiaram seu desterro. Mas ele nunca se deu bem com nenhuma delas;
no máximo as tolerava, e elas o ignoravam.
Royce era, sempre fora, muito mais íntimo de sua irmã mais nova, Susannah,
viscondessa de Darby. Ela não esteve de acordo nem em desacordo com seu desterro;
ninguém lhe perguntara, e ninguém a escutaria, assim que ela, prudentemente,
manteve a boca fechada. Não o surpreendeu. O que o surpreendeu, e inclusive doeu
um pouco, foi que ela nunca tentou entrar em contato com ele durante os passados
dezesseis anos.
Por outro lado, Susannah era bastante inconstante; Royce sabia disso inclusive
quando ambos eram muito mais jovens.

62
Perto do vestíbulo, trocou seu passo, deixando que os saltos de suas botas
golpeassem o chão. No momento em que pisou no chão de mármore do vestíbulo,
seus passos ressonaram, silenciando efetivamente o clamor.
A seda rangeu quando suas irmãs se viraram para olhá-lo. Pareciam aves de
caça sobre seus ramos, com os véus jogados para trás sobre seu escuro cabelo.
Parou, examinando-as com uma curiosidade impessoal. Envelheceram;
Margaret tinha quarenta e dois anos e era uma alta e exigente déspota de cabelo
escuro, com rugas que começavam a marcar suas bochechas e fronte. Aurelia, de
quarenta e um, era mais baixa, mais clara de pele, e tinha o cabelo castanho e lábios
que pareciam haver-se feito inclusive mais severos e desaprovadores com os anos.
Susannah... tirou um melhor proveito à idade; tinha trinta e três, era quatro anos mais
jovem que Royce, mas seu escuro cabelo estava recolhido em um penteado de
cacheado, e seu vestido, embora era negro, era elegante. De longe, poderia passar por
uma filha adulta de alguma de suas duas irmãs mais velhas.
Imaginando o quão bem esse pensamento os sentaria a elas, olhou de novo às
outras duas e percebeu que estavam lutando com o perigoso assunto de como dirigir-
se a ele agora que era o duque, e que já não era simplesmente seu irmão mais novo.
Margaret tomou fôlego profundamente, seus seios se elevaram incrivelmente,
e deu um passo adiante.
—Aqui está, Royce! — Seu tom de reprimenda deixava claro que deveria estar
esperando sua chegada. Levantou uma mão enquanto se aproximava... Tentando
segurar seu braço e agitá-lo, como era seu costume quando queria que ele fizesse algo.
— Eu...
Deteve-se... porque o olhou aos olhos. Com o fôlego estrangulando-se em sua
garganta, parou-se em seco, com a mão no ar, ligeiramente surpresa.
Aurelia fez uma reverência (uma superficial, não o suficientemente profunda)
e se adiantou com maior cautela.
—Um assunto terrível. Deve ter sido uma grande comoção.
Não "Como está?". Não "Como esteve nestes últimos dezesseis anos?".
—É óbvio, foi uma comoção — Susannah se aproximou, olhando-o aos olhos.
— E me atrevo a dizer que foi inclusive mais difícil para você, considerando tudo o que

63
ocorreu — Aproximando-se mais a ele, sorriu, abraçou-o e beijou sua bochecha. —
Bem-vindo a casa.
Isso, ao menos, foi sincero. Respondeu com um assentimento.
—Obrigado.
Com a extremidade do olho, viu que as outras duas trocavam um olhar
irritado. Examinou o mar de lacaios que estavam dispersos entre os montões de caixas
e baús, preparados para subi-los ao andar de acima, e viu Retford olhar em sua
direção, mas ele estava procurando Minerva.
Encontrou-a no centro do tumulto, falando com seus maridos. Ela o olhou aos
olhos; os homens se viraram, viram-no olhando em sua direção, e se aproximaram
para saudá-lo.
Com um sorriso agradável, Peter, conde de Orkney, ofereceu-lhe a mão.
—Royce. Alegro-me em vê-lo de novo.
Deu um passo adiante e apertou a mão de Peter, respondendo com a mesma
suavidade, e depois se afastou ainda mais de suas irmãs para trocar um apertão de
mãos com David, o marido de Aurelia, e por último para trocar uma agradável boas
vindas com Hubert, o visconde de Darby... Perguntando-se, enquanto o fazia, por que
Susannah se casou com aquele tipo um pouco torpe e inefavelmente bom. Só podia
ser por sua fortuna. Por isso e por sua disponibilidade para permitir a Susannah fazer
qualquer coisa que a agradasse.
Sua manobra o levara junto à Minerva. Olhou-a aos olhos.
—Estão organizadas os dormitórios de todos?
—Sim — A governanta olhou para Retford, que assentiu. — Tudo está a ponto.
—Excelente —Olhou a seus cunhados. — Se me perdoarem, minha
governanta e eu temos assuntos do ducado que atender.
Assentiu, e eles inclinaram suas cabeças em resposta e depois se afastaram.
Mas, antes de poder virar-se e subir as escadas, Margaret se aproximou dele.
—Mas acabarmos de chegar!
Royce a olhou.
—Efetivamente. Sem dúvida, precisarão descansar e se refrescar. Verei vocês
no jantar.

64
Com isto, virou-se e subiu as escadas, ignorando o grito afogado de indignação
de Margaret. Um instante depois, escutou as sapatilhas de Minerva subindo atrás dele
e diminuiu o passo; um olhar a seu rosto foi suficiente para saber que ela desaprovava
sua brutalidade.
Sabiamente, não disse nada.
Mas, ao alcançar a galeria, Minerva deteve um lacaio que se dirigia escada
abaixo.
—Diga a Retford que ofereça chá às damas e aos cavalheiros também, se o
desejarem, no salão. Ou, se os cavalheiros o preferirem, há licores na biblioteca.
—Sim, senhorita — Com uma inclinação, o lacaio se apressou escada abaixo.
Minerva se voltou para Royce com os olhos entreabertos e os lábios
apertados.
—Suas irmãs vão deixar isso suficientemente difícil... Não precisa alfinetá-las
mais.
—Eu? Eu as alfinetei?
—Sei que são irritantes, mas sempre são. Antes costumava a ser muito melhor
as ignorando.
Royce chegou à porta do estudo e a abriu.
—Isso foi antes que eu fosse Wolverstone.
Minerva franziu o cenho enquanto o seguia ao interior do gabinete, deixando
que Jeffers, que os seguira escada acima, fechasse a porta.
—Suponho que isso é certo. Margaret, sem dúvida, tentará dirigir você.
Royce se deixou cair na poltrona atrás da mesa e lhe dedicou um sorriso que
era todo dentes.
—Pode tentar se quiser. Não terá êxito.
Minerva se sentou em sua cadeira habitual.
—Suspeito que ela já imagina.
—A esperança é o último que se perde — Olhou-a com uns olhos que, apesar
da rica escuridão, eram surpreendentemente agudos. — Fale-me das casas de Usway
Burn.

65
—Ah... Teve uma reunião com o Falwell e Kelso. Disseram que as casas
deveriam ser demolidas?
Quando assentiu, ela tomou fôlego e então hesitou.
Royce apertou os lábios.
—Minerva, não preciso que seja educada, nem diplomática e menos ainda
modesta. Preciso que me conte a verdade, suas conclusões, incluídas suas suspeitas...
E sobretudo seus pensamentos sobre como se sente e pensa o povo do ducado —
Royce duvidou um momento, e depois continuou: — Já me dei conta de que não posso
confiar em Falwell ou Kelso. Tenho planejado retirá-los (aposentá-los e obrigado) logo
que encontre substituições adequadas.
Ela exalou.
—Isso são... Boas notícias. Inclusive seu pai se deu conta de que seus
conselhos não estavam lhe dando os resultados que queria.
—Assumo que por isso não fez o que sugeriram com essas casas? — Quando
ela assentiu, pediu: —Conte-me o desde o começo.
—Não estou segura de quando começaram os problemas... Faz mais de três
anos, no mínimo. Não comecei a trabalhar com seu pai até a morte de sua mãe, assim
que meu conhecimento começa então — Tomou fôlego. — Suspeito que Kelso,
respaldado por Falwell, decidiu, faz mais de três anos, que o velho Macgregor e seus
filhos (eles mantêm a granja de Usway Burn, e vivem nas casas) davam mais problemas
do que valiam, e que deixar que as casas se viessem abaixo e depois lavrar a terra,
incrementando assim os acres, e então deixando que outros inquilinos a trabalhassem,
era uma opção preferível a reparar as casas.
—Você não estava de acordo — Não era uma pergunta; entrelaçou os dedos
sobre sua escrivaninha, sem afastar seus escuros olhos dos dela.
Minerva assentiu.
—Os Macgregor trabalharam essa terra desde antes da Conquista... Despejá-
los provocaria um montão de agitação no ducado... Porque, se pode acontecer a eles,
quem está a salvo? Isso não é algo de que precisamos nesta época tão incerta. Além
disso, a questão não é tão singela como Falwell acha. Sob o acordo de aluguel, a
reparação do dano por desgaste provocado pelo uso cai sobre o inquilino, mas o

66
trabalho estrutural e as reparações necessárias para compensar os efeitos do tempo e
o clima... Isso sem dúvida é a responsabilidade do ducado.
»Entretanto, em um aspecto Falwell e Kelso têm razão... O estado não pode
reparar o primeiro tipo de dano, o de desgaste provocado pelo uso. Se fizéssemos isso,
nos veríamos transbordados por petições de cada inquilino com a mesma
consideração... Mas as casas de Usway Burn estão em tal estado atualmente, que não
é possível reparar a estrutura sem reparar simultaneamente os elementos desgastados
pelo uso.
—Então, o que sugere?
—Os Macgregor e Kelso não se dão bem, nunca o fizeram, devido à situação
atual. Mas os Macgregor, caso se aproximarem corretamente, não são nem irracionais
nem intratáveis. A situação, tal como está agora, é que as casas precisam de reparação
urgentemente, e que os Macgregor querem continuar trabalhando essa terra. Eu
sugeriria um compromisso... Algum sistema segundo o qual tanto o ducado como os
Macgregor contribuam ao resultado e aos subsequentes benefícios.
Royce a examinou em silêncio. Ela esperou, sem sentir-se minimamente
incômoda por seu escrutínio. Sentia-se mais distraída pelo encanto que não tinha
diminuído nem quando, como antes com suas irmãs, via-se em dificuldades. Sempre
encontrara fascinante o perigo que subjazia nele... a sensação de tratar com um ser
que não era totalmente seguro. Que não estava domesticado, que não era tão
civilizado como parecia.
Seu ser real vigiava sob seu elegante exterior... Estava em seus olhos, no
conjunto de seus lábios, na disfarçada fortaleza de suas mãos de comprimentos dedos.
—Corrija-me se me equivocar — Sua voz era um grave e hipnótico ronrono —
mas qualquer esforço de colaboração seria ir além dos laços do que me recordo sobre
os acordos de aluguel costumavam a ser em Wolverstone.
Minerva inalou profundamente para eliminar a constrição que aprisionava
seus pulmões.
—Os acordos têm de ser renegociados e redesenhados. Francamente,
precisam uma revisão que reflita melhor as realidades desta época.
—Meu pai estava de acordo?

67
Minerva desejou poder mentir.
—Não. Ele era muito dele, como já sabe. Além disso, era inimigo das
mudanças — depois de um momento, acrescentou: — Por isso é que postergou a
tomada de qualquer decisão sobre as casas. Sabia que despejar os Macgregor e
derrubar as casas era um equívoco, mas não podia trair a si mesmo resolvendo a
questão alterando a tradição.
Royce levantou uma sobrancelha.
—A tradição em questão implica a viabilidade financeira do ducado.
—Que só poderia fortalecer-se conseguindo que se fizessem acordos mais
equitativos, que animem os inquilinos a investir em seus terrenos, a fazer melhoras
eles mesmos, em lugar de deixar tudo ao latifundiário... Que em propriedades tão
grandes como Wolverstone geralmente significa que nada se faz e que a terra e os
edifícios se deterioram lentamente, como neste caso.
Outro silêncio seguiu, e depois Royce baixou o olhar. Sem pensar, deu uns
tapinhas sobre o cartapácio8.
—Esta não é uma decisão que possamos tomar superficialmente.
Minerva hesitou um momento e logo disse:
—Não, mas devemos tomá-la logo.
Sem levantar a cabeça, o duque a olhou.
—Você evitou que meu pai tomasse uma decisão a respeito, não é certo?
Mantendo seu escuro olhar, vacilou sobre o que dizer... Mas ele conhecia a
verdade; seu tom o dizia.
—Assegurei-me de que recordasse os resultados previsíveis de estar de
acordo com o Falwell e Kelso.
Royce levantou ambas as sobrancelhas, e Minerva se perguntou se estava tão
seguro como seu tom sugeria ou se revelara algo que ele não sabia.
O duque olhou sua mão, que agora tinha estendida sobre o cartapácio do
escritório.
—Preciso ver essas casas...
8
Cartapácio: Carta grande. Livro grande e antigo em mau estado; calhamaço. Coleção de papéis
manuscritos, em forma de livro. Alfarrábio. (Fonte: http://www.dicio.com.br/cartapacio/)

68
Uma chamada à porta o interrompeu. Royce franziu o cenho e levantou o
olhar.
—Adiante.
Retford entrou.
—Sua Excelência, o senhor Collier, do Collier, Collier & Whitticombe, chegou.
Está esperando-o no vestíbulo. Deseja que o informar que está totalmente a seu
serviço.
Royce fez uma careta interiormente. Olhou a sua governanta, que estava
revelando profundidades inesperadas de fortaleza e determinação. Fora capaz, não de
manipular, mas sim de influenciar seu pai... O que fazia com que se sentisse incômodo.
Não é que não acreditasse que ela agisse por outra razão que não fosse a mais pura
das motivações; seus argumentos estavam movidos por sua visão do que era melhor
para Wolverstone e seu povo. Mas o fato de que ela se impôs contra a violenta, e
frequentemente perseguidora, vontade de seu pai (sem importar quanto tivesse
envelhecido, isto não mudaria) combinada com sua própria obsessão por ela, que não
só continuava, mas sim crescia... Tudo isto agravava sua necessidade de confiar nela,
de mantê-la perto e de interagir com ela diariamente.
Suas irmãs, em comparação, eram uma irritação menor.
Minerva era... Um grave problema.
Sobretudo porque tudo o que dizia, tudo o que exortava, tudo o que era, o
agradava... Não ao frio, tranquilo e calculista duque, a não ser à outra parte dele, a
parte que cavalgava jovens garanhões recém-domados sobre as colinas e os vales a
uma velocidade louca.
O lado que não era frio, nem tranquilo.
Não sabia o que fazer com ela, como aguentá-la com segurança.
Olhou o relógio sobre a escrivaninha junto à parede, e depois para Retford.
—Diga a Collier que suba.
Retford fez uma reverência e se retirou.
Royce olhou a Minerva.

69
—É quase a hora de vestir-se para o jantar. Verei Collier e disporei que leia a
vontade depois de jantar. Poderia fazer com que Jeffers lhe prepare um quarto e que
sirva o jantar?
—Sim, é óbvio — Minerva se levantou e o olhou enquanto ele também se
levantava. — Verei você no jantar.
Virou-se e caminhou até a porta; Royce a olhou enquanto a abria, e, quando
saiu, o duque exalou e se afundou de novo em sua poltrona.
Comeram o jantar em uma atmosfera sóbria embora civilizada. Margaret e
Aurelia decidiram ser precavidas; ambas evitaram os temas que poderiam irritá-lo e,
no geral, contiveram suas línguas.
Susannah pediu que guardassem silêncio quando começaram a relatar uma
série das últimas fofocas, censuradas em deferência à morte de seu pai. Entretanto,
acrescentou um bem-vindo toque de animação ao que seus cunhados responderam
com um agradável bom humor.
Jantaram no salão familiar. Embora fosse muito menos que o salão principal, à
mesa ainda podiam sentar-se quatorze; já que eram apenas oito repartidos com o
passar do tabuleiro, ainda ficava muito espaço entre cada um, o que ajudou Royce a
conter seu gênio ruim.
A refeição, a primeira que compartilhava com suas irmãs depois de dezesseis
anos, foi melhor do que esperava. Quando se retiraram as bandejas, anunciou que a
leitura da vontade teria lugar na biblioteca.
Margaret franziu o cenho.
—O salão seria mais conveniente.
Royce levantou as sobrancelhas e deixou seu guardanapo junto a seu prato.
—Se desejam, podem ir ao salão. Eu, entretanto, vou à biblioteca.
Margaret apertou os lábios, mas se levantou e o seguiu.
Collier, um pulcro indivíduo de uns cinquenta anos com óculos, estava
esperando-os um pouco nervoso, mas, quando se acomodaram nos sofás e cadeiras,
limpou garganta e começou a ler. Sua dicção era suficientemente clara e precisa para
que todo mundo ouvisse enquanto lia cláusula detrás cláusula.

70
Não houve surpresas. O ducado por completo, sua propriedade particular e
todos os investimentos eram para Royce; além de alguns legados e anuidades
menores, algumas novas e outras já outorgadas, tudo era dele para que fizesse o que
desejasse.
Margaret e Aurelia se mantiveram em silêncio. Suas generosas anuidades
estavam confirmadas, embora não fossem incrementadas; Minerva duvidava que
esperassem algo mais.
Quando Collier terminou e perguntou se havia alguma pergunta, não recebeu
nenhuma; então a governanta se levantou da cadeira de respaldo reto que havia
ocupado e perguntou a Margaret se queria ir ao salão para tomar o chá.
Margaret pensou e depois negou com a cabeça.
—Não, obrigado, querida. Acredito que me retirarei... — Olhou a Aurelia. —
Seria possível que Aurelia e eu tomássemos o chá em meu dormitório?
Aurelia assentiu.
—Com a viagem e este triste assunto, estou realmente cansada.
—Sim, é óbvio. Farei com que subam uma bandeja — Minerva se dirigiu agora
a Susannah.
Esta sorriu brandamente.
—Acredito que eu também me retirarei, mas não quero chá — Fez uma pausa,
enquanto suas irmãs mais velhas se levantavam e se dirigiam à porta, e depois se
dirigiu de novo a Minerva. — Quando chegará o resto da família?
—Esperamos a seus tios e tias amanhã, e o resto sem dúvida chegarão a
seguir.
—Bem. Se for ficar presa aqui com a Margaret e Aurelia, vou precisar
companhia — Susannah olhou a seu redor e então suspirou. — Estou morta. Verei
você amanhã.
Minerva falou com o Hubert, que pediu que mandassem uma infusão a seu
quarto, e depois se retirou. Peter e David se serviram uísque do tântalo, enquanto
Royce falava com Collier junto a sua escrivaninha. Minerva os deixou com seus
assuntos e partiu para pedir a bandeja de chá e a infusão.
Quando terminou, dirigiu-se de volta à biblioteca.

71
Peter e David se encontraram com ela no corredor; trocaram um boa noite e
continuaram seus respectivos caminhos.
Ante a porta da biblioteca, Minerva vacilou. Não tinha visto Collier partir.
Duvidava que Royce precisasse de ajuda, embora precisava assegurar-se de se o duque
requeria algo mais dela aquela noite. Girou o pomo, abriu a porta e entrou
silenciosamente.
O brilho dos abajures da escrivaninha e dos que estavam junto aos sofás não
chegava até a porta. Parou nas sombras. Royce estava ainda falando com Collier,
ambos no espaço entre a enorme mesa e a janela junto a este, olhando o noturno
exterior enquanto conversavam.
Aproximou-se, silenciosamente, tentando não interromper.
E escutou Royce perguntar ao Collier sua opinião sobre os acordos de aluguel
das casas.
—Os fundamentos do país, sua Excelência. Todas as grandes propriedades
dependem deste sistema... Que foi provado durante gerações, e é, falando totalmente,
sólido e confiável.
—Tenho uma situação — disse Royce — em que me sugeriu que algumas
modificações da fórmula tradicional de arrendamento seriam benéficas para todos os
implicados.
—Não se deixe tentar, sua Excelência. Fala-se muito hoje em dia sobre alterar
os modos tradicionais, mas esse é um caminho perigoso e potencialmente destrutivo.
—De modo que seu conselho é que deixe as coisas como estão e que me
mantenha à antiga fórmula padrão?
Minerva se introduziu nas sombras à costas do Royce. Queria escutar aquilo,
preferivelmente sem chamar a atenção sobre sua presença.
—Efetivamente, sua Excelência. Se posso ser claro — Collier inchou o peito —
não poderia fazer nada melhor que seguir o caminho de seu falecido pai em tais
assuntos. Era rigoroso com a correção legal e preservou e fez crescer o ducado
significativamente durante sua ocupação. Era ardiloso e inteligente e nunca tentou
mudar o que funcionava bem. Meu conselho é que, sempre que surgir alguma

72
questão, sua melhor opção será perguntar-se o que faria seu pai e fazer precisamente
isso. Tome-o como modelo, e tudo irá bem... É o que ele desejaria.
Royce, com as mãos entrelaçadas a suas costas, inclinou a cabeça.
—Obrigado por seu conselho, Collier. Acredito que já foi preparado seu
quarto... Se encontrar alguma dificuldade para localizá-la, pergunte a algum dos
lacaios.
—Assim o farei, sua Excelência — Collier fez uma reverência. — Espero que
tenha uma boa noite.
Royce assentiu. Esperou até que Collier teve fechado a porta a suas costas
antes de dizer:
—Ouviu?
Sabia que ela estava ali, nas sombras. Soube desde o mesmo momento em
que Minerva entrou na sala.
—Sim, ouvi.
—E? — Não fez nenhum movimento, nem se separou da janela e da vista da
escura noite no exterior.
Minerva se aproximou da escrivaninha, exalou um profundo suspiro e depois
afirmou:
—Está equivocado.
—Né?
—Seu pai não desejava que fosse como ele.
Royce ficou imóvel, mas não se virou. Depois de um momento, perguntou,
tranquilamente embora com gravidade:
—A que se refere?
—Em seus últimos momentos, quando eu estava aqui, na biblioteca, com ele,
deu-me uma mensagem para você. Estive esperando o momento adequado para
contar isso para que pudesse compreender o que queria dizer.
—Diga agora — Era uma áspera demanda.
—Disse: “diga a Royce que não cometa os mesmos enganos que eu cometi".
Seguiu-se um longo silencio, e depois o duque perguntou em um tom de voz
baixo e tranquilamente mortífero.

73
—E o que é, em sua opinião, o que devo entender disso?
Ela engoliu a saliva.
—Falava em termos gerais. Sabia que se estava morrendo, e isso foi o único
que sentiu que devia me dizer.
—E acha que ele desejava que o usasse como conselho no assunto das casas?
—Não posso saber... É você quem tem que decidir e interpretar. Eu apenas
posso contar o que ele disse aquele dia.
Minerva esperou. Royce tinha os dedos tensos e as mãos entrelaçadas com
força. Inclusive de onde estava, a governanta podia sentir a perigosa energia de seu
caráter, os torvelinhos formando redemoinhos e açoitando em uma tempestade que
estava reunindo-se a seu redor.
Sentiu uma louca necessidade de aproximar-se mais dele, de estender uma
mão e pousá-la em seu braço, nos músculos que estariam tão tensos e que seriam
mais ferro que aço sob sua palma. De, se pudesse, tentar tranquilizá-lo, drenar parte
dessa inquieta energia, de trazer alguma liberação, alguma paz, algum desenlace a sua
inquietação.
—Deixe-me — Sua voz era átona, quase irritante.
Inclusive apesar de que não podia vê-la, Minerva inclinou a cabeça e depois se
voltou e caminhou, com tranquilidade e firmeza, até a porta.
Tinha a mão sobre o pomo quando Royce perguntou:
—Isso é tudo o que disse?
Ela o olhou. Não se movera de seu lugar junto à janela.
—Isso foi tudo o que me disse que lhe dissesse. "Diga a Royce que não cometa
os mesmos enganos que eu cometi". Essas, exatamente essas, foram suas últimas
palavras.
Como o duque não disse nada mais, Minerva abriu a porta, saiu e a fechou às
suas costas.

74
CAPÍTULO 04

Na manhã seguinte, Royce entrou no salão do café da manhã cedo e caçou a


sua governanta justo quando esta estava terminando seu chá.
Com os olhos muito abertos, fixos nele, baixou sua xícara; sem afastar seu
olhar do duque, deixou-a sobre o pires.
Seus instintos eram excelentes. Percorreu-a com o olhar.
—Bem... Está vestida para montar — Retford dissera que estaria enquanto
tomava o café da manhã, antes. — Pode me mostrar essas casas.
Minerva elevou as sobrancelhas, considerando-o um momento, e depois
assentiu.
—De acordo — Deixou o guardanapo junto a seu prato, levantou-se, pegou
suas luvas de montar e seu chicote e tranquilamente uniu-se a ele.
Aceitando seu desafio.
Decidido, sofreu enquanto seguia a sorridente governanta até o pátio oeste.
Sabia que suas irmãs tomariam o café da manhã em seus dormitórios e que seus
maridos desceriam bem mais tarde, o que lhe permitia raptá-la sem ter de ocupar-se
de nenhum deles.
Tinha ordenado que selassem seus cavalos. O duque rumou para o exterior da
casa; enquanto cruzavam o pátio para os estábulos, olhou para Minerva que,
aparentemente imperturbável, caminhava a seu lado. Evitou fazer nenhum comentário
sobre sua conversação da noite anterior, mas ela diria algo, com segurança. Para
reafirmar sua opinião de que ele não tinha de dirigir o ducado como seu pai.
De que ele devia romper com a tradição e fazer o que acreditava que estava
certo.
Como fizera dezesseis anos antes.
Apesar de seu silêncio, sua opinião lhe chegava com clareza.
Royce se sentia como se Minerva estivesse manipulando-o.
Chegaram ao estábulo e encontraram Henry sustentando Sabre enquanto
Milbourne esperava com o cavalo da governanta, um zaino castrado.

75
Enquanto se aproximava de Milbourne, Minerva olhou o nervoso cavalo cinza.
—Vejo que o domou.
Royce segurou as rédeas das mãos de Henry, plantou uma bota sobre o
estribo e passou sua perna sobre o amplo lombo.
—Sim.
Do mesmo modo que queria domá-la.
Apertou os dentes e reuniu as rédeas, contendo Sabre enquanto contemplava
como Minerva se acomodava em sua sela. Depois assentiu, agradecendo a Milbourne,
levantou as rédeas e saiu trotando.
Royce a olhou aos olhos e assinalou as colinas com a cabeça.
—Guie-nos.
Ela o fez, a um passo que eliminou parte da tensão de seu estado de ânimo.
Era uma magnífica amazona, com uma excelente montaria. Uma vez que se convenceu
de que a jovem não ia cair, encontrou outro lugar onde fixar seu olhar. Minerva o
guiou sobre a ponte, depois através dos campos, saltando muros baixos de pedra
enquanto se dirigiam ao norte da vila. Sabre manteve o passo com facilidade; teve de
conter o garanhão para evitar que tomasse a liderança.
Mas, uma vez que alcançaram o caminho que serpenteava ao longo das
bordas de Usway Burn, um afluente do Coquet, diminuíram a velocidade, deixando
que os cavalos encontrassem seu próprio passo ao longo do rochoso e irregular
campo. Já que tinha menos experiência que o zaino, Sabre parecia satisfeito de seguir
seus passos. O caminho era apenas suficientemente largo para uma carreta; seguiram
sua rota para as colinas.
As casas se levantavam no centro do campo, no lugar onde o vale se ampliava
em um prado de razoável tamanho. Era uma propriedade pequena, embora fértil.
Como Royce recordava, sempre fora próspera. Era uma das poucas propriedades do
ducado dedicadas ao milho. Com a incerteza do fornecimento daquele alimento básico
e o consequente incremento em seu preço, podia compreender o interesse de Kelso e
Falwell por incrementar os acres de cultivo, mas... O ducado sempre produzira
suficiente milho para alimentar sua população; isso não mudou. Não precisavam
plantar mais.

76
O que precisavam era conservar granjeiros como os Macgregor, que
conheciam a terra que trabalhavam.
Três casas (uma maior e duas menores) foram construídas na ladeira de uma
colina que dava ao oeste. Quando se aproximaram dos edifícios, a porta da maior se
abriu; um homem ancião, curvado e curtido pelo sol saiu. Apoiado em uma firme
bengala, observou-os sem expressão enquanto Royce puxava as rédeas e desmontava.
Minerva se liberou dos estribos e desceu ao chão; com as rédeas em uma
mão, saudou o ancião.
—Bom dia, Macgregor. Sua Excelência veio para dar uma olhada às casas.
Macgregor inclinou a cabeça educadamente para ela. Enquanto guiava seu
zaino até uma cerca próxima, pegou as rédeas de Royce.
O duque caminhou adiante e se deteve ante Macgregor. Seus velhos olhos da
cor de um céu tormentoso mantiveram seu olhar com uma tranquilidade e uma
arraigada segurança que somente a idade pode proporcionar.
Royce sabia que seu pai teria esperado, silenciosa e intimidatoriamente, um
reconhecimento de sua posição social e que depois, possivelmente, assentiria com
secura antes de exigir a Macgregor que mostrasse as casas.
Ofereceu sua mão.
—Macgregor.
Seus velhos olhos se arregalaram. O olhar de Macgregor baixou até a mão de
Royce; depois de um instante de dúvida, mudou sua bengala de mão e segurou a mão
que lhe estendia com um apertão surpreendentemente forte.
Macgregor levantou o olhar enquanto suas mãos se separavam.
—Bem-vindo a casa, sua Excelência. Alegro-me em vê-lo.
—Recordo-me de você... Sinceramente, surpreendeu-me que ainda esteja
aqui.
—Sim, bom, alguns de nós ficamos mais velhos que outros. Eu também me
lembro de você... Estava acostumado a vê-lo cavalgando como um louco sobre aquelas
colinas.
—Temo que meus dias de selvageria passaram.
Macgregor fez um som que denotava uma abjeta incredulidade.

77
Royce olhou os edifícios.
—Entendi que há um problema com essas casas.
Minerva se encontrou seguindo a dupla, totalmente supérflua, enquanto
Macgregor, conhecido por seu mau humor, mostrava a Royce os arredores,
assinalando as gretas nos muros e os lugares nos que as vigas e o teto já não se
encontravam.
Saíram da casa maior e cruzaram para a pequena, a cuja esquerda ouviram o
longínquo som dos cascos de um cavalo. Minerva parou no pátio. Royce ouvira o
cavalo aproximando-se, mas não afastou sua atenção de Macgregor; ambos entraram
na casa menor. O governanta elevou uma mão para proteger os olhos e esperou no
pátio.
O filho mais velho de Macgregor, Sean, apareceu cavalgando um de seus
animais de carga. Diminuiu a velocidade, parou no interior do pátio e desmontou,
deixando as cordas que tinha usado como rédeas penduradas. Aproximou-se
rapidamente de Minerva.
—Os rapazes e eu estamos trabalhando nas terras de acima. Vimos vocês
chegarem cavalgando — Olhou a casinha menor. — Está o novo duque aqui, com
papai?
—Sim, mas... — antes que pudesse assegurar que seu pai e o duque estavam
entendendo-se à perfeição, Royce saiu da casa, agachando-se para evitar o dintel.
Olhou às suas costas enquanto Macgregor o seguia e depois se aproximou deles.
—Este é Sean Macgregor, o filho mais velho Macgregor. Sean, Wolverstone —
Minerva escondeu um sorriso ante a surpresa de Sean quando Royce assentiu e,
aparentemente sem pensar, ofereceu-lhe a mão.
Depois de um momento de assombro, Sean a aceitou rapidamente e a
apertou.
Liberado, Royce se dirigiu à última casa.
—Deveria ver todas já que estou aqui.
—Sim — Macgregor estava perplexo. — Vamos, então. Não há muita
diferença com as demais, mas esta tem um canto torto.
Fez um sinal a Royce para que o seguisse, e este o fez.

78
Sean ficou com a boca aberta, olhando como Royce agachava para atravessar
a porta da casa detrás de seu pai. Depois de um momento, disse:
—Está olhando tudo de verdade.
—É óbvio. E quando sair, suspeito que quererá falar sobre o que pode fazer-se
— Minerva olhou a Sean. —Pode falar por seus irmãos?
Levantou o olhar até o rosto da governanta e assentiu.
—Sim.
—Nesse caso, sugiro que esperemos aqui.
Sua profecia resultou ser correta. Quando Royce saiu da penumbra da terceira
casa, seus lábios formavam uma linha determinada. Olhou a Minerva e depois se
dirigiu a Macgregor, que o seguira até o ensolarado exterior.
—Falemos.
Royce, Minerva, Macgregor e Sean se sentaram na mesa de negociações na
casa grande e desenharam um acordo que satisfazia a todos. Embora não aprovasse a
solução de Kelso e Falwell, Royce deixou claro que não podia permitir o precedente
que se criaria se reparava as casas sob o contrato de arrendamento atual; em vez disso
lhes ofereceu criar um novo contrato. Levou uma hora para entrarem em acordo com
os princípios básicos; decidir como fazer o trabalho apenas levou uns minutos.
Para surpresa de Minerva, Royce se fez cargo de tudo.
—Seus rapazes precisam dedicar seu tempo à colheita, antes de mais nada.
Depois disto, podem ajudar você com o edifício. Você — Olhou ao Macgregor — o
fiscalizará. Seu trabalho será se assegurar de que o trabalho se realiza como é devido.
Eu virei com Hancock — Olhou a Minerva — ainda é o construtor do castelo? —
Quando ela assentiu, continuou. — O trarei aqui e mostrarei o que precisamos que se
faça. Temos menos de três meses antes das primeiras neves... Quero as três casas
demolidas e que se construam três totalmente novas antes que chegue o inverno.
Macgregor piscou; Sean ainda parecia aturdido.
Quando deixaram a casa, Minerva estava sorrindo, igual a Macgregor e Sean.
Royce, ao contrário, tinha posta sua inescrutável máscara.

79
A governanta se apressou a procurar seu cavalo, Rangonel. Havia um tronco
muito conveniente junto à cerca para facilitar a subida; subiu em sua sela e se ajeitou
bem a saia do vestido.
Depois de trocar um aperto de mãos com os Macgregor, Royce deu um olhar a
Minerva, recuperou Sabre e o montou. A garota apressou Rangonel enquanto Royce
descia o caminho.
Por último, despediu-se dos Macgregor com a mão. Ainda sorrindo, eles lhe
devolveram a saudação. Olhou para o duque.
—Posso dizer que estou impressionada?
Royce grunhiu.
Sorrindo, Minerva o guiou de volta ao castelo.

—Maldição!
Com os sons de um entardecer londrino (o estalo continuado das rodas, o
golpear dos cascos dos cavalos, os estridentes gritos dos choferes enquanto desciam a
elegante Jermyn Street) enchendo seus ouvidos, leu a breve nota de novo e depois
pegou o brandy que seu homem acabava de colocar na mesa fortuitamente junto a
seu cotovelo.
Tomou um longo gole, leu a nota de novo e depois a jogou sobre a mesa.
—O duque morreu. Tenho que ir ao norte para assistir a seu funeral.
Não havia remédio; se não aparecesse, sua ausência se notaria. Mas não
estava muito entusiasmado pela perspectiva. Até aquele momento, seu plano de
sobrevivência girava ao redor de uma total e completa evasão, mas um funeral ducal
na família erradicava aquela opção.
O duque estava morto. E mais, seu nêmeses era agora o décimo duque de
Wolverstone.
Teria de acontecer em algum momento, mas por que demônios agora? Royce
mal teve tempo de sacudir o pó de Whitehall dos elegantes saltos de suas botas...
Certamente não se esqueceu do único traidor que não conseguira entregar à justiça.

80
Soltou um palavrão, e deixou que sua cabeça caísse para trás contra a cadeira.
Sempre deu por sentado que o tempo (o simples transcurso deste) seria sua salvação.
Que o tempo nublaria as lembranças de Royce e que seu passo o distrairia com outras
coisas.
E agora, de repente...
Levantou-se e tomou outro gole de brandy. Possivelmente ter um ducado que
dirigir (um ao que se viu obrigado imediatamente depois de um exílio de dezesseis
anos) era precisamente a distração que Royce precisava para afastar sua atenção do
passado.
Royce sempre teve poder; herdar o título mudava pouco nesse aspecto.
Em realidade, possivelmente foi bom que ocorresse aquilo.
O tempo, como sempre, diria, mas, inesperadamente, esse tempo era agora.
Pensou, considerou; ao final soube que não tinha escolha.
—Smith! Faça minhas malas. Tenho que ir a Wolverstone.

No salão do café da manhã, a manhã seguinte, Royce estava desfrutando de


sua segunda taça de café e examinando despreocupadamente as últimas notícias do
jornal quando Margaret e Aurelia apareceram.
Ambas estavam arrumadas e usavam touca. Com vagos sorrisos em sua
direção, dirigiram-se ao aparador.
Royce olhou o relógio sobre o suporte da lareira , confirmando que era cedo,
não precisamente o amanhecer, mas para elas...
Seu cinismo cresceu quando se aproximaram da mesa, com os pratos na mão.
Ele estava na cabeceira da mesa; deixando um espaço vazio a cada lado, Margaret se
sentou à sua esquerda, e Aurelia à sua direita.
Tomou outro gole de café e manteve sua atenção no jornal, porque com
segurança descobriria o que queriam, antes ou depois.
As quatro irmãs de seu pai e seus maridos, e os irmãos de sua mãe e suas
esposas, assim como os distintos primos, haviam começado a chegar no dia anterior; a
maré continuaria durante vários dias. E, uma vez que a família estivesse na residência,

81
os conhecidos e amigos convidados a permanecer no castelo para o funeral
começariam a chegar; o pessoal estaria ocupado durante toda a semana seguinte.
Felizmente, a torre estava reservada para a família imediata; nem seus tios
paternos possuíam quartos na asa central. Aquele salão de café da manhã, também no
térreo da torre, era apenas para a família, e isso lhe proporcionava um ápice de
privacidade, uma área de relativa tranquilidade no centro da tormenta.
Margaret e Aurelia beberam seu chá e mordiscaram torradas. Conversaram
sobre seus filhos, com a presumível intenção de informá-lo da existência de seus
sobrinhos e sobrinhas. Royce, aplicadamente, manteve o olhar no jornal. Finalmente
suas irmãs aceitaram que, depois de dezesseis anos de desconhecimento, não ia
desenvolver um interesse nessa direção repentinamente.
Inclusive sem olhar, sentiu o olhar que trocaram e escutou que Margaret
tomava ar para uma de suas prodigiosas exalações.
Sua governanta entrou no salão.
—Bom dia, Margaret, Aurelia — Seu tom sugeria que a surpreendeu encontrá-
las lá embaixo tão cedo.
Sua entrada desequilibrou suas irmãs; murmuraram um bom dia e ficaram em
silêncio.
Com os olhos, Royce seguiu Minerva até o aparador, detendo-se em seu
singelo vestido verde. Trevor o tinha informado que, aos sábados pela manhã, se
abstinha de montar a favor de dar um passeio pelos jardins acompanhando o
jardineiro chefe.
Royce dirigiu de novo seu olhar ao jornal, ignorando a parte dele que
sussurrava: "É uma pena". Não é que não estivesse contente com ela; somente era que
então, quando saísse a cavalgar, não poderia encontrar-se com ela ao percorrer as
colinas e vales, nem poderia ficar com ela a sós, na intimidade do bosque.
Mas um encontro assim não faria nada para aliviar sua constante dor.
Enquanto Minerva tomava assento mais à frente, na mesa, Margaret limpou
garganta e se dirigiu a Royce.
—Perguntávamo-nos, Royce, se tinha alguma ideia concreta sobre a dama que
poderia ocupar o posto de duquesa.

82
Ele ficou imóvel durante um instante e então fechou o jornal, olhou primeiro a
Margaret e depois a Aurelia. Nunca tinha ficado boquiaberto, em sua vida, mas...
—Nosso pai não está ainda embaixo da terra, e já estão falando sobre meu
casamento?
Royce olhou para sua governanta. Tinha a cabeça encurvada, com o olhar fixo
em seu prato.
—Terá que pensar nessa questão antes ou depois — Margaret deixou seu
garfo no prato. — A classe alta não vai permitir que o duque mais casadouro da
Inglaterra permaneça solteiro!
—A sociedade não terá escolha. Não tenho planos imediatos de me casar.
Aurelia se inclinou um pouco mais.
—Mas Royce...
—Se me desculparem — Se levantou, atirando o jornal e seu guardanapo
sobre a mesa — vou montar — Seu tom deixava claro que não havia outra
possibilidade.
Rodeou a mesa e olhou a Minerva quando passou a seu lado.
Deteve-se; quando o governanta levantou o olhar, ele apanhou seus olhos
outonais. Com os seus entreabertos, assinalou.
—Verei você no escritório quando voltar.
Quando cavalgou para longe o suficiente, forte o suficiente, para recuperar o
controle da tempestade de raiva e luxúria que o embargava, voltou para os estábulos.

Para o meio-dia do domingo já estava a ponto de estrangular a suas irmãs


mais velhas, seus tios e os maridos de suas tias, já que nenhum tinha, aparentemente,
nenhum pensamento no que ocupar suas cabeças que não fosse quem, que dama,
seria mais adequada para ser sua esposa.
Para ser a próxima duquesa de Wolverstone.
Tomara o café da manhã ao amanhecer para evitá-los. Agora, na esteira dos
mal educados comentários que tinha feito a noite anterior, silenciando qualquer bate-
papo na mesa, conceberam a alegre ideia de discutir sobre as damas, que todas

83
resultavam ser jovens, de boa família e casadoiras, comparando suas características,
sopesando suas fortunas e contatos, aparentemente com a errônea crença de que
omitindo as palavras "Royce", "casamento" e "duquesa" de seus comentários
evitariam que se zangasse.
Estava muito, muito perto de perder as estribeiras... E se aproximava mais a
seu limite cada segundo que passava.
No que estavam pensando? Minerva não podia conceber o que as tias de
Margaret, Aurelia e Royce esperavam conseguir... Exceto uma devastadora reprimenda
que parecia aproximar-se mais cada minuto.
Se alguém possuía pelo menos um pouco de juízo, não provocava um Varisey.
Não mais além do ponto no que ficam totalmente em silêncio, e seus rostos se
tornavam pedras e (a advertência final) seus dedos se esticassem sobre o que seja que
estejam agarrando até que seus nódulos ficarem brancos.
A mão direita de Royce estava apertada sobre sua faca com tanta força que
seus quatro nódulos brilhavam.
Minerva tinha de fazer algo... Embora não é que seus familiares merecessem
que os salvasse. Se fosse por ela, o deixaria atacá-los, mas... Tinha duas promessas às
que honrar, o que significava que precisava vê-lo casado... E seus equivocados
parentes estavam convertendo o assunto de seu casamento em um que estava a
ponto de declarar inominável em sua presença.
Podia fazer isso (e o faria), e esperaria, e insistiria, e se asseguraria de que esta
advertência fosse obedecida.
E isso faria sua tarefa muito mais difícil.
Pareciam ter esquecido quem era ele... Pareciam ter esquecido que era
Wolverstone.
Minerva olhou a seu redor; precisava de ajuda para desviar a conversação.
Não havia muita ajuda à mão. A maioria dos homens fugira, haviam pegado
armas e cães e saído para uma sessão matinal de tiro. Susannah estava lá; sentada à
direita de Royce, contendo sua língua prudentemente e não contribuindo com a ira de
seu irmão não.

84
Infelizmente, estava muito longe do lugar onde estava Minerva e não podia
atrair sua atenção.
O único conspirador potencial restante era Hubert, que estava sentado em
frente a Minerva. Não tinha uma opinião muito elevada sobre a inteligência de Hubert,
mas estava desesperada. Inclinou-se para frente e o olhou aos olhos.
—E diz que viu a princesa Charlotte e o príncipe Leopold em Londres?
A princesa era muito querida na Inglaterra; seu recente casamento com o
príncipe Leopold era o único tema que Minerva pensava que podia afastar a atenção
da noiva de Royce. Imbuiu a pergunta com todo o interesse que pôde fingir... E foi
recompensada com um instante de silêncio.
Todas as cabeças se viraram para o centro da mesa, todos os olhos femininos
seguiram seu olhar até Hubert.
Este a olhou, com seus olhos mostrando a surpresa de um coelho assustado.
Silenciosamente, pediu que respondesse com uma afirmativa; ele piscou, e logo sorriu.
—Vi-os, efetivamente.
—Onde? — Estava mentindo (ela sabia), mas estava desejando dançar ao som
que Minerva marcasse.
—Em Bond Street.
—Em uma das joalherias?
Lentamente, Hubert assentiu.
—Em Aspreys.
A tia Emma, que estava sentada junto à Minerva, inclinou-se para diante.
—Viu o que estavam olhando?
—Passaram um pouco de tempo olhando os broches. Vi que o pingente que
tirou uma bandeja.
Minerva se inclinou para trás em seu assento, com um sorriso vazio em seu
rosto, e deixou que Hubert continuasse. Ia arrojado, e com uma esposa como
Susannah, seu conhecimento sobre as joias que podem encontrar-se em Aspreys seria
extenso.
Toda a atenção estava sobre ele.

85
E Royce pôde terminar sua refeição sem maior irritação; não precisou que o
animassem para concentrar-se na tarefa.
Hubert acabava de passar aos colares que o casal real supostamente tinha
examinado quando Royce afastou seu prato, recusou com um gesto a tigela de fruta
que lhe oferecia Retford, jogou seu guardanapo junto a seu prato e se levantou.
O movimento rompeu o feitiço de Hubert. Toda a atenção voltou a passar para
Royce.
Não se incomodou em sorrir.
—Se me desculparem, senhoras, tenho um ducado a governar — Começou a
atravessar a sala em seu caminho para a porta. Sobre as cabeças das demais, assentiu
para Hubert. — Continue — um pouco mais adiante seu olhar se cravou em Minerva —
Verei você no escritório quando estiver livre.
Era livre nesse momento. Enquanto Royce saía da sala, limpou os lábios com o
guardanapo, separou sua cadeira e esperou que o lacaio a retirasse para ela. Sorriu
para Hubert enquanto se levantava.
—Sei que me arrependerei de não escutar o resto de sua história... É como um
conto de fadas.
Ele sorriu.
—Não se preocupe. Não há muito mais que contar.
Minerva conteve uma gargalhada e lutou por parecer adequadamente
decepcionada enquanto se apressava a sair atrás dos passos de Royce.
Este já tinha desaparecido escada acima; Minerva as subiu e caminhou
rapidamente até o gabinete, perguntando-se por que parte do ducado escolheria
interrogá-la aquele dia.
Desde sua visita a Usway Burn na sexta-feira, a fizera sentar-se ante sua
escrivaninha um par de horas cada dia, para que falasse das granjas arrendadas do
ducado e das famílias que as ocupavam. Não perguntou por benefícios, colheitas ou
produção, nenhuma das coisas das que Kelso ou Falwell eram responsáveis, mas sim
pelas granjas em si mesmas, pela terra, pelos granjeiros e suas esposas, por seus filhos.
Quem interagia com quem, as dinâmicas humanas do ducado; sobre aquelas coisas era
que perguntava.

86
Quando lhe transmitiu as últimas palavras de seu pai, não sabia se realmente
tinha em si mesmo a possibilidade de ser diferente; os Varisey tendem a ser
geneticamente puros, e, junto ao resto de suas características principais, sua teimosia
era lendária.
Era por isso pelo que não entregara a mensagem imediatamente. Queria que
Royce visse e soubesse o que seu pai desejava dizer, em vez de que só ouvisse as
palavras. As palavras fora de contexto são fáceis de desprezar, de esquecer... E de
ignorar.
Mas agora que ele as ouvira, agora que as absorvera e tinha feito o esforço,
respondeu à necessidade e procurou um novo caminho no problema com os
Macgregor. Minerva foi muito prudente em não comentar nada, sequer para animá-lo;
Royce esperava que ela dissesse algo, mas a governanta retrocedeu e o deixou definir
seu próprio caminho.
Com habilidade e sorte, se pode guiar os Varisey; mas é impossível dirigi-los.
Jeffers estava no exterior do escritório. Abriu a porta, e Minerva entrou.
Royce estava caminhando de um lado a outro ante a janela junto à mesa,
olhando suas terras, com cada uma de suas pernadas investida da graça letal de um
lince enjaulado, com os músculos ligeiramente tensos, movendo-se sob a fina malha
de sua jaqueta e suas apertadas calças de couro.
Minerva se deteve, incapaz de afastar o olhar; o instinto não lhe permitia
afastar os olhos de tal visão predatória.
E olhar não era uma condenação.
Podia sentir seu fustigante temperamento, sabia que podia explodir, embora
estava totalmente segura de que nunca lhe faria mal. Nem a ela, nem a nenhuma
outra mulher. Embora os turbulentos sentimentos de seu interior, que formavam
redemoinhos em poderosas correntes a seu redor, fizessem com que a maioria das
mulheres — e a maioria dos homens —se afastassem dele.
Mas ela não. Ela se sentia atraída por sua energia, pelo selvagem e irresistível
poder que era uma parte tão intrínseca do duque.
Aquele era o perigoso secreto de Minerva.

87
Esperou. A porta se fechou; o duque sabia que estava lá. Como não fez
nenhum sinal, a governanta avançou e se sentou na cadeira.
De repente, Royce se deteve. Inspirou profundamente e depois se virou e se
deixou cair em sua poltrona.
—A granja de Linshields. Quem a ocupa agora? Ainda são os Carew?
—Sim, mas acredito que certamente recordará ao Carew pai. Quem leva agora
a granja é seu filho.
O duque manteve Minerva falando pela hora seguinte, pressionando-a e
fazendo perguntas rapidamente.
Royce tentava manter sua mente totalmente concentrada no trabalho (na
informação que obtinha dela), embora suas respostas fluíssem tão
despreocupadamente que tinha tempo para escutá-la de verdade, não só o que estava
dizendo, mas também sua voz, o timbre, a tênue aspereza, a ascensão e a queda das
emoções enquanto ela as deixava colorir suas palavras.
Minerva não tinha reticência nem couraças, nem naquele aspecto nem em
nenhum outro. Não precisava procurar sinais de falsidade nela, nem de reserva.
De modo que seus sentidos mais amplos tiveram tempo de parar na subida e
na descida e de seus seios, no modo que um cacho errante caía sobre sua fronte; teve
tempo de notar os brilhos dourados que cobravam vida em seus olhos quando sorria
ao narrar algum incidente.
Finalmente, suas perguntas terminaram. Com seu gênio ruim dissipado,
inclinou-se para trás em sua poltrona. Fisicamente relaxado e interiormente pensativo.
Com o olhar sobre ela.
—Não a agradeci por me salvar durante o almoço.
Minerva sorriu.
—Hubert foi toda uma surpresa. E foram seus familiares quem salvei, não
você.
Royce fez uma careta e estendeu a mão para recolocar um lápis que tinha
rodado sobre o cartapácio.

88
—Têm razão em que preciso me casar, mas não entendo por que estão tão
obcecadas em falar sobre isso neste momento — A olhou, com uma pergunta em seus
olhos.
—Eu tampouco tenho nem ideia. Esperava que adiassem esse tema durante
ao menos um par de meses, pelo luto e tudo isso. Embora suponha que, se casasse
durante este ano, não se levantaria nenhuma sobrancelha.
Seu olhar se fez mais afiado enquanto golpeava o cartapácio com os dedos de
uma mão.
—Não tenho intenção de deixar que ditem, nem que sugiram, meu futuro.
Entretanto, possivelmente seria inteligente pegar algumas ideia sobre as potenciais...
Candidatas.
Minerva hesitou e depois perguntou:
—Em que estilo de candidata está pensando?
Royce lhe dedicou um olhar que dizia que ela sabia melhor que ninguém.
—O estilo acostumado... Uma típica esposa Varisey. Isso o que quer dizer? Boa
linhagem, posição, contatos, uma fortuna adequada, uma beleza passável e uma
inteligência opcional — Franziu o cenho. — Esqueci algo?
Minerva lutou por manter seus lábios retos.
—Não. Essa é mais ou menos a descrição completa.
Não importava que pudesse diferir de seu pai no modo em que dirigia as
pessoas e o ducado, não se diferenciava em nada em suas exigências para uma esposa.
A tradição dos casamentos dos Varisey antedatava ao ducado em incontáveis gerações
e, inclusive mais, encaixava-se com seu temperamento.
Não viu nenhuma razão para estar em desacordo com sua valoração. A nova
moda das uniões por amor entre a nobreza tinha pouco que oferecer aos Varisey. Eles
não amavam. Minerva havia passado mais de vinte anos entre eles e nunca foi
testemunha de uma evidência do contrário. Eram assim, simplesmente; o amor fora
eliminado de seus genes fazia séculos... Se é que alguma vez esteve misturado com
eles.
—Se desejar, posso fazer uma lista com as candidatas que seus familiares (e
sem dúvida as grandes damas que virão para o funeral) mencionem.

89
O duque assentiu.
—Ao menos assim suas fofocas serviriam para algo. Acrescente algo relevante
que descubra ou que ouça de fontes confiáveis — A olhou aos olhos. — E, sem dúvida,
acrescente sua opinião, também.
Minerva sorriu docemente.
—Não, não o farei. No que a mim concerne, escolher sua esposa é assunto seu
por completo. Eu não vou viver com ela.
Royce lhe dedicou outra de seus olhares carregados de intenção.
—Eu tampouco.
A governanta inclinou a cabeça, reconhecendo esse fato.
—Entretanto, sua noiva não é um tema no que eu deva influenciar.
—Suponho que não quer promulgar esse ponto de vista entre minhas irmãs.
—Sinto muito, mas devo declinar essa oferta... Seria uma perda de tempo.
O duque grunhiu.
—Se não houver nada mais, deveria descer e ver quem mais chegou. Cranny,
Deus a abençoe, precisa saber quantos seremos para jantar.
Quando o duque assentiu, Minerva se levantou e se dirigiu à porta. Ao chegar
até ela, olhou às suas costas e o viu esparramado sobre sua poltrona, com aquele
pensativo olhar em seu rosto.
—Se tiver tempo, poderia revisar o dízimo dos imóveis menores. Atualmente,
está estabelecido como uma quantidade absoluta, mas uma percentagem das lucros
seria mais proveitoso para todo mundo.
Royce arqueou uma sobrancelha.
—Outra de suas ideias radicais?
Minerva encolheu os ombros e fechou a porta.
—Só é uma sugestão.
De modo que estava em Wolverstone, sob o mesmo teto que seu nêmeses.
Sobre o mesmo e amplíssimo teto, naquele canto distante da Northumbria9, que era
um ponto, agora percebia, que trabalhava em seu favor.

9
Northumbria: se refere a uma região que hoje é localizada no norte da Inglaterra e sul médio da
Escócia. (Fonte: http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-

90
O ducado estava tão longe de Londres que muitos dos visitantes, sobretudo
aqueles que eram da família, ficariam um tempo; o castelo era tão grande que poderia
acomodar um pequeno exército. De modo que tinha — e continuaria tendo —
cobertura de sobra; estaria suficientemente seguro.
Estava junto à janela do agradável quarto que lhe deram nesta asa, olhando os
jardins do castelo, belamente apresentados e transbordantes de colorida vida no
último fôlego do curto verão nortista.
Sabia apreciar as coisas belas, tinha um olho que o guiara a acumular uma
deliciosa coleção com os artigos mais valiosos que os franceses tinham para oferecer.
Em troca, ele lhes dera informação, informação que, sempre que podia, jogava
diretamente contra a comissão de Royce.
Sempre que foi possível, tentara machucar Royce... Não diretamente, a não
ser através dos homens sob seu mando.
Mas, pelo que podia deduzir, havia fracassado, infelizmente. Assim como
fracassara, através dos anos, todas as vezes que conspirou contra Royce, todas as
vezes que se comparou com seu maravilhoso primo e não estava apto. Ante seu pai,
ante seu tio e, sobretudo, ante seu avô.
Seus lábios se curvaram; seus atraentes traços se distorceram em um
grunhido.
O pior de tudo era que Royce conseguira seu prêmio, seu tesouro
cuidadosamente escondido. Roubara-o, lhe negando inclusive isso. Durante todos seus
anos de serviço para os franceses, não recebeu nada concreto...
Nem a satisfação de saber que causou dor a Royce.
No mundo dos homens, e sobre tudo entre a classe alta, Royce era um êxito
celebrado. E agora Royce era Wolverstone, se por acaso fosse pouco.
Enquanto que ele... Ele era um ramo sem importância na árvore familiar.
Não devia ser assim.

BR&sl=en&u=http://en.wikipedia.org/wiki/Northumbria&prev=/search%3Fq%3DNorthumbria%26espv%
3D210%26es_sm%3D122)

91
Tomou fôlego e exalou lentamente, para que seus traços voltassem a
converter-se na atraente máscara que mostrava ao mundo. Virando-se, olhou a seu
redor.
Seu olho recaiu em uma pequena tigela que estava sobre a lareira . Não era de
Sévres, mas sim de porcelana chinesa, bastante delicada.
Atravessou a sala, pegou a tigela, sentiu seu peso e examinou sua beleza.
Depois abriu seus dedos e a deixou cair.
Golpeou o chão, fazendo-se em pedacinhos.

Na quarta-feira, à última hora da tarde, toda a família estava na residência, e


os primeiros convidados que foram convidados a ficar no castelo começaram a chegar.
Royce fora instruído por sua governanta para que estivesse à mão no
momento de receber os mais importantes; quando Jeffers o chamou, apertou os
dentes e desceu ao vestíbulo para receber a duquesa de St. Ivés, lady Horatia Cynster e
lorde George Cynster. Embora o ducado de St. Ivés estivesse no sul, os dois ducados
compartilhavam uma história similar, e as famílias se apoiaram mutuamente através
dos séculos.
—Royce! — Sua Excelência, Helena, a duquesa de St. Ivés (ou a duquesa
regente, como ouvira que preferia chamar a si mesma) tinha-o visto. Aproximou-se
para recebê-lo enquanto ele descia as escadas. — Mon ami, que momento tão triste.
Royce tomou sua mão, fez uma reverência e pousou um beijo sobre seus
nódulos... Somente para escutá-la amaldiçoar em francês, fazer com que se levantasse,
elevar-se sobre as pontas dos pés e pressionar um primeiro beijo em uma de suas
bochechas e logo na outra. Royce permitiu e depois sorriu.
—Bem-vinda a Wolverstone, sua Excelência. Os anos a têm feito mais bela.
Os enormes e pálidos olhos verdes o olharam.
—Assim é — Sorriu, com uma gloriosa expressão que iluminou todo seu rosto,
e depois deixou que seu olhar o percorresse atentamente. — E você... — Murmurou
algo em francês coloquial que ele não entendeu e depois voltou ao inglês para dizer. —
Esperávamos tê-lo logo de volta em nossos salões... Em vez disso, agora está aqui e

92
sem dúvida planeja ficar aqui escondido e só — Agitou um delicado dedo ante ele. —
Não permitirei. É mais velho que meu rebelde filho e deve casar logo.
Virou-se para incluir a dama junto a ela.
—Horatia... Diga-lhe que deve nos deixar que escolhamos a sua esposa tout de
suíte.
—E me emprestará tanta atenção como o fará com você — Lady Horatia
Cynster, alta, morena e decidida, sorriu-lhe. — Minhas condolências, Royce... Ou
deveria dizer Wolverstone? — Estendeu-lhe a mão e, como Helena, aproximou-o para
roçar suas bochechas. — Apesar do que você possa desejar, o funeral de seu pai vai
atrair inclusive mais atenção sobre sua urgente necessidade de esposa.
—Deixe que o pobre menino se adapte — Lorde George Cynster, o marido de
Horatia, ofereceu a Royce sua mão. Depois de um firme apertão, afugentou sua esposa
e sua cunhada. — Ali está Minerva, aflita, tentando pôr em ordem sua bagagem...
Deveriam ajudá-la ou acabarão cada uma com os vestidos da outra.
A menção aos vestidos atraiu a atenção das damas. Enquanto se moviam para
onde Minerva se encontrava, rodeada por um esmagador lote de baús e caixas,
George suspirou.
—Têm boa intenção, mas é justo adverti-lo que isto é o que o espera.
Royce levantou as sobrancelhas.
—St. Ivés não veio com vocês?
—Vem em seu próprio cavalo. Tendo em conta o que acaba de experimentar,
compreenderá por que preferiu a chuva, o granizo e inclusive a neve, a passar vários
dias na mesma carruagem que sua mãe.
Royce riu.
—Verdade — Por trás das portas abertas, viu que se aproximava uma
procissão de três carruagens. — Se me desculpar, chegaram alguns mais.
—É óbvio, filho — George lhe deu um tapinha nas costas. — Escape enquanto
pode.
Royce o fez, saiu através das enormes portas que estavam abertas para as
boas vindas e desceu os degraus até o lugar onde as três carruagens estavam deixando
sua passageiras e sua respectiva bagagem em um caos de lacaios e moços.

93
Uma formosa loira com uma elegante capa estava dirigindo-se a um lacaio
para que se encarregasse de seus baús, alheia a que Royce estava aproximando-se.
—Alice... Bem-vinda.
Alice Carlisle, viscondessa de Middlethorpe, voltou-se, surpreendida.
—Royce! — Abraçou-o e o puxou para plantar um beijo em sua bochecha. —
Que fato tão inesperado... E antes que houvesse tornado, além disso.
Gerald, seu marido, herdeiro do condado de Fyfe, desceu da carruagem, com
o xale de Alice em uma mão.
—Royce — Lhe estendeu a outra mão. — Sinto muito, amigo.
Outros o ouviram e rapidamente se reuniram, oferecendo as condolências
com mãos fortes ou cheirosas bochechas e quentes abraços... Milhares Folliot, barão
de Sedgewíck, herdeiro do ducado de Wrexham, e sua esposa, Eleanor, e o honorável
Rupert Trelawny, herdeiro ao marquesado de Riddlesdale, e sua esposa, Rose.
Eram os melhores amigos de Royce; os três homens estiveram em Eton com
ele, e os quatro permaneceram perto através dos seguintes anos. Durante seu exílio
social auto-imposto, os deles foram os únicos eventos (jantares e veladas seletas) aos
que tinha assistido. Durante a última década, encontrara todas as suas numerosas
amantes em uma ou outra das casas destas três damas, um fato de que estava seguro
que sabiam.
Estes seis constituíam seu círculo íntimo, as pessoas em que confiava, aqueles
aos que conhecia fazia mais tempo. Havia outros (os membros do clube Bastion e
agora suas esposas), em quem também confiava com o coração, mas estes três casais
eram as pessoas que tinham um vínculo mais íntimo com ele; eram de seu círculo e
compreendiam as pressões às que enfrentava, seu temperamento... Compreendiam-
no.
Agora podia acrescentar Minerva a este círculo; ela também o compreendia.
Infelizmente, como recordava cada vez que a via, precisava mantê-la à distância.
Com Milhares, Rupert e Gerald lá, sentia-se muito mais... Ele. Muito mais
seguro de quem era em realidade, de quem era realmente. Do que era importante
para ele.

94
Durante os próximos minutos, deslizou na usual cacofonia que resultava
sempre que os três casais e ele estavam juntos. Guiou-os ao interior, os apresentou à
sua governanta e se sentiu aliviado quando se fez óbvio que Minerva e Alice, Eleanor e
Rose se dariam bem. Asseguraria que seus três amigos tivessem entretenimento, mas,
dado o modo no que se apresentavam os seguintes dias, estava planejando evitar
todas as reuniões de mulheres; saber que Minerva cuidaria das esposas de seus
amigos significava que seu entretenimento estava, além disso, assegurado e que sua
estadia em Wolverstone seria tão cômoda quanto as circunstâncias permitissem.
Estava a ponto de acompanhá-los pela escada principal quando o estalo
continuado das rodas de uma carruagem fez com que olhasse para o pátio.
Lentamente, uma carruagem apareceu e depois se deteve; reconheceu o brasão da
porta.
Apertou o braço de Miles.
—Lembra-se da sala de bilhar?
Milhares, Gerald e Rupert o visitaram antes, fazia muito tempo. Miles arqueou
uma sobrancelha.
—Como vou esquecer o lugar onde o venci tantas vezes?
—Falha sua memória... Essas derrotas eram suas — Royce viu Gerald e Rupert
olhando-o, com uma pergunta em seus olhos. — Estarei lá com quando tiverem se
acomodado. Chegou alguém mais, e tenho que recebê-lo.
Com assentimentos e sinais, os homens seguiram suas esposas escada acima.
Royce voltou para vestíbulo dianteiro. Estavam chegando mais convidados; Minerva
tinha as mãos ocupadas. O vestíbulo estava alagado continuamente de baús e caixas,
apesar de que um grupo de lacaios estava constantemente transportando-os até as
novelo superiores.
Royce saiu ao exterior. Vira o casal que estava descendendo da última
carruagem apenas um par de semanas antes; perdeu seu casamento,
deliberadamente, mas sabia que iriam ao norte para apoiá-lo.
A dama se virou e o viu. Ele estendeu uma mão.
—Letitia.

95
—Royce — Lady Letitia Allardyce, marquesa de Dearne, tomou sua mão e
beijou sua bochecha; era o suficientemente alta para fazê-lo sem precisar que ele se
agachasse. — A notícia foi uma comoção.
Retrocedeu enquanto trocava uma saudação com seu marido, Christian, um
de seus antigos companheiros, um homem de tendências similares às suas, um que
tinha lutado com segredos, violência e morte, na defesa de seu país.
Os três caminharam para os degraus de entrada do castelo, com ambos os
homens flanqueando Letitia. Esta olhou o rosto de Royce.
—Não esperava conseguir o ducado deste modo. Como está?
Era uma das poucas pessoas que se atreveriam a perguntar isso. Jogou um
olhar de reolho pouco animador.
Ela sorriu e lhe deu uns tapinhas no braço.
—Se quiser algum conselho sobre como conter seu gênio, pergunte à perita.
Royce agitou a cabeça.
—Seu gênio é dramático. O meu... Não.
Seu temperamento era destrutivo e muito mais poderoso.
—Sim, bom — Fixou seu olhar na porta, que se aproximava deles
rapidamente. — Sei que isto não é o que quer ouvir, mas os próximos dias vão ser
muito piores do que imagina. Logo descobrirá por que, se ainda não descobriu. E a
respeito disso, querido Royce, meu conselho é que aperte os clientes e que reforce as
rédeas sobre seu gênio, porque logo vão pôr você a prova como nunca antes.
Ficou olhando-a fixamente, sem expressão.
Ela sorriu brilhantemente em resposta.
—Continuamos?
Minerva viu a entrada do trio e caminhou em direção a eles para dar as boas
vindas aos recém chegados. Letitia e ela se conheciam bem, o que, deu-se conta,
surpreendeu Royce. A governanta não conhecia Dearne, mas tinha boa opinião dele e
especialmente de sua declaração de que estava ali em parte representando os antigos
companheiros de Royce de seus anos em Whitehall.
—Os outros nos pediram que lhe déssemos suas condolências — disse,
dirigindo-se a Royce.

96
Royce assentiu; apesar de sua perpétua máscara, Minerva sentiu que estava...
Comovido. Que apreciava o apoio que ofereciam.
Já atribuíra habitações a todos os que esperavam; deixou que Retford guiasse
Letitia e Dearne escada acima, e os observou enquanto subiam. Sentia o olhar de
Royce sobre seu rosto.
—Conheço Letitia dos anos que passei com sua mãe em Londres.
O duque assentiu quase imperceptivelmente; aquilo era o que queria saber.
Minerva conhecia Miles, Rupert e Gerald quando visitaram o castelo há anos e
os encontrara com suas esposas em momentos mais recentes, embora apenas de
passagem, em entretenimentos da classe alta. Havia-se sentido intrigada e aliviada, ao
descobrir que mantiveram contato com Royce através dos anos. Frequentemente se
perguntava se não estaria sozinho. Não completamente, graças a Deus, embora
estivesse começando a suspeitar que, com exceção de seus amigos, não era tão hábil
socialmente como ia precisar ser.
Os próximos dias iam ser uma prova para ele, em mais sentidos dos que ela
acreditava que Royce esperava.
Deu as costas às escadas e examinou o vestíbulo, que ainda era um enxame de
atividade. Ao menos, já não tinha convidados esperando que os recebessem; no
momento, Royce e ela estavam sozinhos entre o mar de bagagem.
—Deveria saber — murmurou — que há algo em marcha a respeito de seu
casamento. Ainda não descobri o que é exatamente... E as esposas de seus amigos não
sabem, tampouco, mas manterão os olhos abertos. Estou segura de que Letitia o fará
— Olhou seu rosto. — Se me inteirar de algo concreto, o farei saber isso.
Os lábios do duque se curvaram em uma careta parcialmente suprimida.
—Letitia me advertiu que algo de que não ia gostar estava a caminho... Não
especificou o que. Soava como se ela tampouco estivesse totalmente segura.
Minerva assentiu.
—Falarei com ela mais tarde. Juntos possivelmente possamos descobrir.
Outra carruagem parou além dos degraus; Minerva olhou para Royce, e depois
saíram a receber a seus convidados.

97
Mais tarde naquela noite, ao voltar para seu dormitório depois de derrotar
flagrantemente Miles no bilhar, Royce tirou a jaqueta e a jogou a Trevor.
—Quero que esteja atento a qualquer conversa sobre o assunto de meu
casamento.
Trevor levantou as sobrancelhas e pegou seu colete.
—Concretamente — Royce dedicou toda sua atenção a desfazer o laço de seu
lenço — sobre minha noiva — Procurou o olhar do Trevor no espelho sobre a cômoda.
— A ver do que pode inteirar-se... Esta noite, se for possível.
—É óbvio, sua Excelência — Trevor sorriu. — Amanhã lhe levarei toda a
informação pertinente com a água do barbeado.
O dia seguinte era o dia antes do funeral. Royce passou a manhã cavalgando
com seus amigos; ao voltar para os estábulos, deteve-se para falar com Milbourne
enquanto os outros se adiantavam. Um par de minutos depois os seguiu de volta ao
castelo, aproveitando o momento sem companhia para examinar a informação que
Trevor transmitira aquela manhã.
As grandes damas estavam obcecadas com a necessidade de que se casasse e
tivesse um herdeiro. O que nem Trevor nem sua governanta, a quem vira depois do
café da manhã, descobriram ainda era o motivo de tal intensidade, quase um ar de
urgência sob a posição das damas de mais idade.
Algo definitivamente estava em marcha; seu instinto, aperfeiçoado por anos
de conspirações, evasões e destrezas militares, era mais que afiado.
—Bom dia, Wolverstone.
O determinado tom feminino o tirou de seus pensamentos. Seu olhar se
encontrou com um par de impressionantes olhos avelã. Precisou de um instante para
localizá-los... Um fato que a dama notou com algo parecido à exasperação.
—Lady Augusta — Se aproximou dela, tomou a mão que ofereceu e fez uma
rápida reverência.
Ao cavalheiro junto a ela, ofereceu a mão.
—Senhor.
O marquês de Huntly sorriu benignamente.

98
—Passou muito tempo, Royce. É uma lástima que tenhamos que nos
encontrar de novo em tais circunstâncias.
—Assim é — Lady Augusta, marquesa de Huntly, uma das damas mais
influentes da classe alta, olhou-o calculadamente. — Mas, deixando de lado as
circunstâncias, precisamos conversar, moço, sobre sua esposa. Deve se casar e logo...
Leva adiando a decisão toda uma década, mas agora chegou o momento e tem que
escolher.
—Estamos aqui para enterrar meu pai — O tom de Royce fez com que a
afirmação parecesse uma reprimenda não muito sutil.
Lady Augusta bufou.
—Sim — cravou um dedo em seu peito. — Esse é precisamente meu ponto de
vista. Nada de luto para você... Nestas circunstâncias, a sociedade o desculpará e de
boa vontade.
—Lady Augusta! — Minerva desceu correndo a escada principal. —
Esperávamo-la ontem, e me perguntava o que acontecera.
—Hubert foi o que aconteceu, ou melhor chamemo-lo Westminster. Atrasou-
se, de modo que nos pusemos em caminho mais tarde que o que eu teria desejado —
Augusta se virou para envolvê-la em um quente abraço. — E você como está, menina?
Arranjado-se com o filho tão bem como o fazia com o pai, né?
Minerva jogou a Royce um olhar e rezou para que mantivesse a boca fechada.
—Não estou segura disso, mas subamos as escadas — Enlaçou seu braço com
o de August, e depois fez o mesmo com Hubert no outro lado. — Helena e Horatia já
chegaram. Estão no salão do andar de acima, o da asa oeste.
Conversando despreocupadamente, empurrou o casal escada acima com
determinação. Enquanto entravam na galeria, Minerva olhou para baixo e viu Royce de
pé onde o deixara, com uma expressão que era como nuvens carregadas sobre seu
geralmente impassível rosto.
Quando seus olhos se encontraram, a governanta encolheu os ombros e
elevou as sobrancelhas; ainda precisava descobrir o que estava alimentando o ávido
interesse das grandes damas no assunto de sua esposa.

99
Interpretando seu olhar, Royce contemplou como guiava ao casal até perdê-
los de vista e esteve inclusive mais seguro de que Letitia tinha razão.
Fosse o que fosse o que se aproximava, não ia gostar.

100
CAPÍTULO 05

Aquela noite, Royce entrou no salão principal de mau humor; nem ele, nem
Minerva, nem Trevor, conseguiram descobrir o que estava acontecendo exatamente.
O amplo salão estava abarrotado, não só pela família, mas também pela elite da classe
alta, incluindo representantes da Coroa e dos Lordes, todos reunidos para o funeral do
dia seguinte, falando em sussurros enquanto esperavam a chamada para jantar.
Royce se deteve justo na soleira e examinou a assembleia... E
instantaneamente percebeu a resposta a sua necessidade mais entristecedora. A dama
mais poderosa de todas elas, lady Therese Osbaldestone, estava sentada entre Helena
e Horatia no sofá ante a lareira. Poderia ser uma simples baronesa em companhia de
duquesas, marquesas e condessas, mas tinha mais poder, político e social, que
qualquer outra dama da classe alta.
Mais ainda, estava em excelentes termos com as mencionadas duquesas,
marquesas e condessas; qualquer coisa que decretasse, elas apoiariam. Aí jazia grande
parte de seu poder, especialmente sobre a metade masculina da sociedade.
Royce sempre a tratara com respeito. O poder, sua consecução e manutenção,
era algo que ele entendia; criou-se naquele ambiente... E isso era algo que aquela
senhora apreciava.
Devia haver chegado enquanto ele estava fora montando.
Caminhou até o sofá, inclinou a cabeça ante suas companheiras e depois para
ela.
—Lady Osbaldestone.
Uns intensos olhos negros (de verdadeira obsidiana) concentraram-se em seu
rosto. A dama assentiu, tentando lê-lo, mas sem conseguir.
—Wolverstone.
Era a primeira vez que ela o chamava assim... A primeira vez que ele sentia o
peso do comando sobre seus ombros. Tomou a mão que oferecia e fez uma
reverência, com cuidado de não exagerar: ela respeitava aqueles que conhecem seu
lugar, os que sabiam o que se esperava deles.

101
—Minhas condolências pela morte de seu pai. Infelizmente, é um dia que tem
de tocar a todos, embora neste caso o momento poderia ser melhor.
Royce inclinou a cabeça.
Ela murmurou um suave "humph".
—Precisamos conversar... Mais tarde.
O duque respondeu com uma ligeira reverência.
—Mais tarde.
Tragando sua impaciência, afastou-se, deixando que se aproximassem dele
seus familiares e conhecidos, aos que esteve evitando até então. Suas boas vindas e
condolências crispavam seus nervos; sentiu-se aliviado quando Minerva se uniu ao
círculo a seu redor e começou a distrair aqueles com os que já tinha falado, fazendo
com que se afastassem, sutil, embora efetivamente.
Quando Retford anunciou que o jantar estava servido, Minerva o olhou aos
olhos e sussurrou enquanto passava a seu lado: "Lady Augusta".
Assumiu que se referia a que devia guiá-la até o salão; localizou a marquesa...
Embora seus sentidos, enfeitiçados por Minerva, continuaram seguindo-a. Não estava
fazendo nada para atrair sua atenção. Devido ao luto que vestia, devia haver-se
esfumado no mar de negro que o rodeava; em lugar disso, ela (apenas ela) parecia
brilhar em sua consciência. Fez um esforço para afastar a mente de sua governanta,
rendeu-se ao dever e guiou lady Augusta, enquanto tentava afastar o persistente,
elusivo e lascivo aroma feminino de Minerva de seu cérebro.
As conversas no salão se calaram. Continuando a tendência, o jantar resultou
em uma refeição inesperadamente sombria, como se todo mundo recordasse de
repente por que estavam ali... E quem não estaria já mais. Pela primeira vez desde que
viu o corpo, sentiu-se comovido pela ausência de seu pai, sentado na grande cadeira
onde seu pai estava acostumado a sentar-se, olhando a longa mesa, compartilhada
com mais de sessenta pessoas, e com a Margaret sentada no outro extremo.
Uma perspectiva distinta, uma que não tivera previamente.
Seu olhar voltou para Minerva, que estava sentada no centro da mesa, frente
a Susannah, e rodeada por seus primos. Eram nove primos, de ambos os lados de sua

102
família, Varisey e Debraigh; dado o número de participantes, não esperavam suas
primas mais jovens.
Seu tio materno, o conde de Catersham, estava sentado à direita da Margaret,
enquanto a mais velha de suas tias paternas, Winifred, condessa de Barraclough,
estava sentada à esquerda de Royce. Mais à frente se sentava seu herdeiro, Lorde
Edwin Varisey, o terceiro irmão da geração de seu avô, enquanto que à sua direita,
perto de lady Augusta e frente a Edwin, estava seu primo, Gordon Varisey, o filho mais
velho do falecido Cameron Varisey, o irmão mais novo do Edwin; depois de Edwin,
que não tinha filhos, Gordon era o próximo na linha sucessória do ducado.
Edwin era o clássico janota. Gordon era sinistro e adulto, mas estava longe de
ser um homem sensato. Nenhum deles esperava herdar o ducado, e faziam bem;
apesar de sua resistência a discutir o tema com todo mundo, Royce tinha a intenção de
casar-se e engendrar um herdeiro a quem pudesse passar o título. O que não entendia
era por que precisava da ajuda das grandes damas para conseguir esse objetivo, nem
por que tinha de consegui-lo com tal urgência.
Felizmente, o ambiente do jantar, com as damas de estrito negro, cinza ou
intenso púrpura, sem joias nem leques ou babados, e os cavalheiros com jaquetas
negras, muitos com lenços negros também, suprimia qualquer bate-papo sobre seu
casamento. As conversações continuaram sendo em voz baixa, constantes, embora
sem risadas, nem sorrisos que não fossem melancólicos; em frente a ele, Augusta,
Winifred e Edwin trocavam histórias sobre seu pai, às que o duque fingia prestar
atenção.
Quando se retiraram as bandejas, Margaret se levantou e guiou as damas até
o salão, deixando os homens para que desfrutassem do porto e do brandy em uma
relativa paz. Algumas das formalidades diminuíram enquanto os cavalheiros se
moviam para formar grupos ao longo da mesa. Os primos de Royce se congregaram no
centro, enquanto os homens mais velhos gravitaram para flanquear seu tio Catersham
no extremo oposto.
Seus amigos se uniram a ele, ocupando as cadeiras que as damas, Edwin e
Gordon deixaram livres. Unindo-se a eles, Diabo Cynster, duque de St. Ivés, passou
atrás de sua cadeira, segurando brevemente seu ombro. Seus pálidos olhos verdes se

103
encontraram com os de Royce quando levantou o olhar. Diabo perdera seu pai e
tornou-se o sucessor do ducado quando tinha quinze anos. Com um assentimento,
Diabo continuou adiante, deixando Royce pensando em que, ao menos, ele estava
assumindo o cargo a uma idade significativamente maior; entretanto, Diabo tivera seu
tio, George, em quem confiar, e George Cynster era um homem prudente, culto e
capaz.
Diabo tomou assento junto a Christian e se deslizou com facilidade na
camaradagem do grupo; todos optaram por uísque e ficaram saboreando o fumegante
licor, trocando preguiçosamente as últimas notícias esportivas e um par de sugestivas
fofocas.
Impaciente por descobrir o que lady Osbaldestone ia dizer, logo que foi
razoável guiou os cavalheiros de volta ao salão. Diabo caminhou tranquilamente a seu
lado; pararam ao entrar na sala, deixando que o resto de homens os adiantasse.
Royce examinou a reunião; pelos olhares que lhe dedicaram, muitas
conversações giraram em torno do assunto de sua esposa.
—Ao menos ninguém está esperando que você se case amanhã.
Diabo levantou suas negras sobrancelhas.
—É evidente que ainda não falou com minha mãe sobre esse tema.
—Ela o qualificou como "teimoso".
—Sim. E tem que recordar que é francesa, que é a desculpa que usa para ser
tão extravagante como lhe agrada para perseguir seu objetivo.
—Ainda é jovem — respondeu Royce. Diabo era seis anos mais jovem que ele.
— E tem uma longa série de aceitáveis herdeiros. Por que tanta pressa?
—Essa é precisamente minha pergunta — ronronou Diabo, com seus olhos
verdes fixos sobre alguém da reunião. Então jogou um olhar a Royce, com uma
sobrancelha levantada. — Sua governanta...?
Um punho se abateu sobre seu coração. O esforço para não reagir (para não
grunhir e mostrar seus dentes) quase roubou seu fôlego. Esperou um segundo, com os
olhos cravados nos de Diabo, e depois, tranquilamente, murmurou:
—Não — depois de um instante, acrescentou: — Acredito que está
comprometida.

104
—Sério? — Diabo manteve seu olhar um instante mais e depois procurou com
o olhar a seu redor... Até encontrar Minerva. — Antes, o único que fez foi franzir o
cenho e pedir para que partisse.
—Diferente da maioria das mulheres, certamente falava sério — Royce não
pôde evitar acrescentar: — Se eu fosse você, faria conta. Deus sabe que o faria —
Inculcou estas últimas palavras com o suficiente sofrimento masculino para fazer que
Diabo sorrisse uma vez mais.
—Ah, bom... Não estarei aqui por tanto tempo.
—A abstinência, dizem, é boa para a alma.
Diabo o olhou como se perguntando a quem pensava que estava enganando e
depois se uniu à multidão.
Royce o observou afastar-se e murmurou para si mesmo:
—Entretanto, a abstinência é um inferno para o temperamento — E o seu era,
em princípio, pior que o da maioria.
Procurando alívio, localizou a lady Osbaldestone e imediatamente se colocou a
seu lado, a não ser pelos numerosos convidados que se alinharam para abordá-lo.
Não eram família, a não ser a elite da classe alta, incluindo lorde Haworth,
representante da Coroa, e lorde Hastings, representante dos Lordes. Não eram
pessoas que pudesse descartar com apenas uma palavra, sequer com uma palavra e
um sorriso; precisava interagir, cercar um intercâmbio social muito frequentemente
impregnado de múltiplos significados... Estava perto de tropeçar socialmente quando
Minerva apareceu a seu lado, tranquila e serena, com um sorriso em seus lábios, e as
pistas que precisava preparadas em sua língua.
Depois de algumas palavras, percebeu que ela era hábil em seu círculo e com
gratidão, embora relutante, segurou-se aos laços de seu avental. A alternativa era
muito condenável para permitir-se qualquer outra pretensão.
Precisava dela. Assim tinha apertado seus dentes metaforicamente e
aguentado a abrasão sexual de sua proximidade... Era isso ou fracassar socialmente, e
estaria condenado se o fizesse. Fracassar em algo nunca foi uma opção para ele,
embora aquele arena não era uma na qual tivesse experiência real. Embora agora

105
fosse Wolverstone, as pessoas esperavam que ele assumisse o papel sem mais;
pareciam ter esquecido os dezesseis anos que passara fora de seus limites.
Durante a próxima meia hora, Minerva foi sua âncora, sua guia, sua salvadora.
Devido às suas promessas, ela devia sê-lo, ou ele afundaria nos bancos de
areia sociais, ou fracassaria nas afiadas rochas das conversações políticas.
Minerva fiscalizou os intercâmbios com a metade de seu cérebro... A outra
metade estava totalmente consumida por algo parecido ao pânico. Uma frenética
consciência do que aconteceria se ele roçasse seu ombro com o braço ou se, por
alguma desconhecida razão, segurasse sua mão. Sob seus sorrisos, sob suas rápidas
respostas, havia a espera do desastre que esticava seus pulmões, deixando-a quase
sem fôlego, com todos os nervos crispados, preparada para pular com uma reação
hipersensível.
Em certo momento, depois de desculpar-se de um grupo em que a conversa
parecia haver-se voltado muito aguda para seu bem (ou para o dela), ele aproveitou o
instante de fugaz privacidade para baixar sua cabeça e, baixando também a voz,
perguntar:
—Meu pai era bom nisto?
Suprimindo bruscamente o efeito da sutil carícia de seu fôlego sobre sua
orelha, Minerva o olhou.
—Sim, era.
Os lábios de Royce se curvaram em uma careta.
—Então vou ter de aprender a me dirigir nestas questões, também.
Foi o olhar em seus olhos enquanto olhava a seu redor, mais que suas
palavras, o que fez com que Minerva sentisse pena por ele; tinha assumido o jogo sem
preparação, fazia e estava fazendo um enorme esforço nesse aspecto, e estava tendo
êxito. Mas aquela arena de jogos políticos e sociais era um que precisava confrontar, e
para isso seu exílio (dos vinte e dois aos trinta e sete anos) o deixara inclusive menos
preparado.
—Agora é Wolverstone, assim sim, terá de aprender — Minerva estava segura
de que, caso se aplicasse (com seu incrível intelecto, sua excelente memória e sua

106
depurada vontade) teria êxito. Para assegurar-se de que aceitava o desafio,
acrescentou: — E eu não estarei para sempre a seu lado.
Ele a olhou com os olhos tão escuros que Minerva não pôde ler nada neles.
Depois assentiu e olhou adiante enquanto a próxima onda de convidados se
aproximava deles.
Na seguinte vez que continuaram adiante, Royce murmurou:
— lady Osbaldestone me pediu que a atenda — A dama estava conversando
com um de seus primos no lado da sala em frente a eles. — Posso me ocupar dela se
você mantiver o resto controlado. Preciso falar com ela a sós.
Minerva o olhou.
—Sobre o assunto de sua esposa?
Royce assentiu.
—Ela conhece a razão... E, quando me prostrar ante ela, estará encantada de
me informar, sem dúvida.
—Nesse caso, vá — Brandamente, adiantou-se para interceptar o seguinte
casal que procurava uma audiência com o duque.

Lady Osbaldestone o viu aproximar-se, e com um par de palavras se despediu


de seu primo Rohan; com as mãos entrelaçadas sobre a bengala que em realidade não
precisava, esperou ante uma das longas janelas que ele chegasse.
Arqueou uma sobrancelha quando Royce se deteve ante ela.
—Suponho que já o informaram que a necessidade de que se case a toda
velocidade.
— Sim. De vários modos, por muitas de suas conhecidas — A olhou fixamente
aos olhos. — O que não compreendo é a razão que há detrás de tão suprema urgência.
Olhou-o um momento e depois piscou. Contemplou-o um instante mais e logo
murmurou:
—Suponho que, depois de seu exílio social... E depois de que o chamaram para
que voltasse... — Comprimiu os lábios e entreabriu os olhos. — Suponho que é

107
concebível que, apesar do onisciente que se diz que é, não foi alertado sobre os
recentes acontecimentos.
—Obviamente não. Estaria eternamente agradecido se pudesse arrojar um
pouco de luz.
Ela soprou.
—Não estará agradecido, mas é evidente que alguém estará. Considere estes
fatos. Primeiro, Wolverstone é um dos ducados mais ricos da Inglaterra. Segundo, foi
criado como um senhorio de apoio. Terceiro, seu herdeiro é Edwin, que já está apenas
a um passo da velhice, e atrás dele, Gordon, que embora sem dúvida é um herdeiro
legal, entretanto é o suficientemente longínquo para que pudesse ser desafiado.
Royce franziu o cenho.
—Por quem?
—Efetivamente — Lady Osbaldestone assentiu. — A fonte da ameaça —
Sustentou seu olhar. — A Coroa.
Os olhos do duque se entreabriram.
—Prinny10? — Sua voz era átona, e seu tom de incredulidade.
—Está afogado em dívidas e se afunda cada vez mais rápido. Não o
aborrecerei com os detalhes, mas tanto eu como outros ouvimos que fontes confiáveis
próximas a nosso querido príncipe que está desesperado procurando recursos e que
Wolverstone foi mencionado, concretamente no sentido de que, se algo acontecesse
com você, Deus não queira, então, tal como estão as coisas, seria possível pressionar
pelo título e a riqueza que suporta para que reverta à Coroa como herança vacante.
Podia compreender o raciocínio, mas...
—Há uma diferença importante entre que Prinny, ou mais certamente, entre
que um desses alcoviteiros próximos a ele, faça tal sugestão, e que esta realmente se
leve a cabo, inclusive se algo me ocorresse misteriosamente.
Lady Osbaldestone franziu o cenho; algo parecido a um exasperada alarme se
mostrou brevemente em seus olhos.

10
No arquivo em espanhol, está: “Prinny é o ânodo de George IV, que era o rei do Reino Unido e de
Hanôver e Duque de Brunswick-Lüneburg 1820-1830. Antes de se tornar rei, foi príncipe regente
durante nove anos.”.

108
—Não faça caso omisso disto. Se estivesse casado, Prinny e seus abutres
perderiam o interesse e procurariam em qualquer outra parte, mas enquanto não
esteja... — Fechou uma mão parecida com uma garra sobre seu braço. — Royce, os
acidentes ocorrem... E sabe com que facilidade. Pense em todos os que estão ao redor
do Regente, nos que sempre estiveram esperando o dia em que se converta em rei, e
em como recompensaria a todos aqueles que tenham uma dívida com ele.
Como continuou olhando-a impassivelmente, a dama o liberou e arqueou uma
sobrancelha.
—Haworth disse algo sobre os comentários que se fez ante o falecimento de
seu pai?
Royce franziu o cenho.
—Perguntou se tinha recebido alguma ferida durante meu serviço à Coroa.
—Pensava que havia servido um escritório de Whitehall.
—Nem sempre.
Levantou as sobrancelhas.
—Não? E quem sabe isso?
—Só Prinny e seus conselheiros mais próximos.
Ela sabia a resposta sem que ele a pronunciasse. Assentiu.
—Precisamente. Tome cuidado, Wolverstone. Isso é o que é agora, e seu
dever está claro. Tem que se casar sem demora.
Royce examinou seus olhos, seu rosto, durante vários segundos, e depois
inclinou a cabeça.
—Obrigado por me advertir. — Virou-se e se afastou.

O funeral (o evento que ele e todo o serviço do castelo passaram na semana


anterior preparando e para o que uma boa parte da classe alta tinha viajado desde a
Northumbria para assistir) foi algo decepcionante.
Tudo transcorreu como a seda. Royce dispusera que se desse assento a
Hamish e Molly na parte dianteira da capela lateral, em frente àqueles reservados para
os membros mais antigos do serviço e os distintos dignitários locais. Viu-os ali, e

109
trocaram assentimentos. A nave da igreja estava cheia com a nobreza e a aristocracia;
inclusive usando os corredores laterais, assim que havia espaço suficiente para todos
os visitantes.
A família estava repartida pelos bancos dianteiros de ambos os lados do
corredor central. Royce estava no centro do primeiro banco, consciente de que suas
irmãs e seus maridos estavam junto a ele e de que as irmãs de seu pai e Edwin
estavam no banco que cruzava o corredor. Apesar de que as damas levavam véu, não
poderia encontrar uma única lágrima em todas elas; todos os Varisey vestiam seus
rostos de pedra, sem mostrar nenhuma emoção.
Minerva também vestia um delicado véu negro. Estava no centro do banco
uma fila mais atrás, em frente a ele. Podia vê-la, observá-la, pela extremidade do olho.
Seu tio Catersham e sua esposa estavam junto a ela; seu tio dera a Minerva seu outro
braço ao entrar na igreja, antes de atravessar o corredor.
Enquanto o serviço funerário tinha lugar, notou que a cabeça da governanta
permanecia inclinada e que sua mão permanecia tensa sobre um lenço... Fazendo
afiadas rugas no murcho e úmido quadrado de linho bordado de renda. Seu pai era um
déspota arrogante, um tirano com um temperamento letal. De todos os que havia ali,
ela vivera mais perto dele e havia visto exposta com maior frequência seus defeitos,
mas mesmo assim era a única que realmente estava chorando, a única cuja dor era
profundamente sentida e sincera.
À parte, possivelmente, dele mesmo, mas os homens de seu tipo nunca
choravam.
Como era habitual, somente os cavalheiros assistiram ao enterro no cemitério
da igreja enquanto uma procissão de carruagens levava as damas de volta ao castelo
para o velório.
Royce estava entre os últimos que voltaram; com Miles a seu lado, entrou no
salão e descobriu que tudo estava transcorrendo com a mesma tranquilidade que o
funeral. Retford e o serviço tinham tudo controlado. Procurou Minerva e a encontrou
agarrada do braço de Letitia, olhando por uma janela, com as cabeças juntas.
Vacilou e então lady Augusta o chamou e se aproximou para escutar o que
tivesse a dizer. Não sabia se as grandes damas estabeleceram alguma diretriz, mas

110
nenhuma retornara a mencionar o casamento, nem uma candidata elegível — ao
menos não em sua presença — em nenhum momento daquele dia.
Agradecido, circulou, imaginando que sua governanta diria que deveria fazê-
lo... Tinha saudades de escutar suas palavras, tinha saudades de tê-la a seu lado,
dirigindo-o com delicadeza.
O velório não demorou muito em dissolver-se. Alguns convidados, incluindo
todos aqueles que precisavam apressar-se em voltar para a vida política, tinham
disposto suas partidas a seu termo; partiram quando suas carruagens foram
anunciadas. Apertaram-se as mãos, despediram-se, e observou com alívio que seus
carros diminuíam.
Aqueles que pretendiam ficar (uma parte da classe alta incluindo a maioria das
grandes damas, assim como muitos de seus familiares) desapareceram em grupos de
dois ou três, para passear pelos jardins ou para sentar-se em grupos e lenta,
gradualmente, deixou que suas vidas habituais, que seus usuais interesses,
reclamassem-nos.
Depois de despedir-se da última carruagem, depois de ver a Minerva sair ao
terraço com Letitia e Rose, Royce escapou à sala de bilhar, sem surpreender-se por
encontrar seus amigos, Christian e Diabo já ali.
Jogaram um par de partidas, mas seus corações não estavam nisso.
Enquanto o sol caía lentamente, sulcando o céu com serpentinas vermelhas e
violetas, acomodaram-se nas confortáveis poltronas junto à lareira , salpicando o
silêncio com o ocasional comentário sobre isto ou aquilo.
Foi naquele envolvente e prolongado silêncio quando Diabo murmurou por
fim:
—Sobre seu casamento...
Desabado sobre uma poltrona, Royce virou lentamente a cabeça para Diabo
com um olhar imperturbável.
Diabo suspirou.
—Sim, eu sei... Sou o menos indicado para falar. Mas George e Catersham têm
de partir... E a ambos, aparentemente, pediram que comentasse sobre o tema. Ambos
me pediram também que assumisse seu encargo. É estranho, já sei, mas aqui me tem.

111
Royce olhou os cinco homens que estavam acomodados em distintas poses a
seu redor; a todos eles confiaria sua vida. Deixou que sua cabeça caísse para trás e
fixou seu olhar no teto.
—Lady Osbaldestone me contou uma história sobre uma hipotética ameaça
para o título que as grandes damas colocaram na cabeça que é algo grave... Por isso
acreditam que devo me casar o antes possível.
—Diria que a ameaça não é totalmente hipotética.
Foi Christian quem falou; Royce sentiu que um calafrio percorria suas costas.
Nesse tema, Christian era quem melhor podia apreciar como se sentia Royce sobre tal
ameaça. Além disso, ele possuía a melhor informação sobre os sombrios feitos que se
conjuravam na capital.
Mantendo o olhar no teto, Royce perguntou:
—Alguém mais ouviu algo disto?
Todos ouviram. Cada um esteve esperando um momento para falar com ele
em particular, sem saber que os outros tinham advertências similares que entregar.
Então Diabo tirou uma carta de seu bolso.
—Não tenho nem ideia do que é ou o que há dentro. Montague sabia que ia
vir ao norte e me pediu que entregasse isso, pessoalmente, depois do funeral.
Especificou que fosse depois, o que parece ser agora.
Royce tomou a carta e rompeu o selo. Outros se mantiveram em silêncio
enquanto lia as duas folhas que continha. Ao chegar ao final, dobrou as folhas
lentamente; olhando-os, informou:
—Segundo Montague, Prinny e seus alegres homens estiveram fazendo
perguntas sobre como efetuar o retorno de um título de senhorio e suas propriedades
em caso de herança vacante. As boas notícias são que tal manobra, inclusive se
executada com êxito, demoraria certo número de anos em ter efeito, dado que a
reclamação obteria resistência e que a vacância seria impugnada ante os Lordes. E,
como todos sabemos, a necessidade de Prinny é urgente, e sua visão a curto prazo.
Entretanto, apelando à devida deferência, a sugestão de Montague é que seria
prudente que meu casamento ocorresse nos próximos meses, pois alguns dos homens
de Prinny não são tão limitados quanto seu mestre.

112
Royce levantou a cabeça e olhou para Christian.
—Em sua opinião profissional, estou em perigo de ser assassinado para
reafirmar as arcas de Prinny?
Christian sorriu.
—Não. Sendo realistas, para que Prinny reclamasse a propriedade a sua morte
precisaria que parecesse um acidente, e enquanto estiver em Wolverstone, isto seria
quase impossível de organizar —Olhou nos olhos de Royce. —E menos ainda com
você.
Apenas Christian e os outros membros do clube Bastión sabiam que um dos
róis menos conhecidos de Royce nos últimos dezesseis anos tinha sido verdugo secreto
para o governo; dadas as suas habilidades particulares, assassiná-lo não seria fácil.
Royce assentiu.
—Muito bem... Então parece que a ameaça é potencialmente real, mas que o
grau de urgência possivelmente não é tão enorme como pensam as grandes damas.
—Certo — Miles olhou Royce nos olhos. — Mas isso não supõe uma diferença
tão grande, não? Ao menos não para as grandes damas.

O dia finalmente chegou ao seu fim. Minerva tinha um último dever a realizar
antes de retirar-se à cama; sentia-se exausta, mais emocionalmente esgotada do que o
esperado, e, embora todos outros se retirassem a seus quartos, obrigou a si mesmo a
ir aos aposentos matinais da duquesa para pegar a pasta e depois caminhou através
dos escuros corredores da torre até o escritório.
Estava a ponto de segurar o pomo da porta quando se deu conta de que
alguém estava no interior. Não se via luz sob a porta, mas a tênue luz da lua estava
rota por uma sombra, uma que se movia repetitivamente para diante e para trás...
Royce estava lá. Andando de um lado a outro uma vez mais.
Zangado.
Minerva olhou a porta... E soube, simplesmente, como se de algum modo
pudesse sentir seu estado de ânimo inclusive através do painel de carvalho. hesitou,

113
sentiu o peso das folhas em sua mão... Levantou a mão livre, tocou uma vez, então
segurou o pomo, abriu a porta e entrou.
Royce era uma densa e escura sombra ante a janela sem cortinas. Virou-se
quando ela entrou.
—Saia...
Seu olhar a golpeou. Sentiu seu impacto, a escura intensidade com a que seus
olhos se cravaram nela. Deu-se conta de que, graças a tênue luz da lua que entrava
pela janela, ele podia vê-la, seus movimentos, sua expressão, muito melhor do que ela
podia vê-lo.
Movendo-se com deliberada lentidão, fechou a porta às suas costas.
Royce ficou imóvel.
—O que é isso? — Seu tom era letal, furioso, quase sem contenção.
Embalando as folhas em seus braços, resistindo a necessidade de apertá-la
contra seu peito, disse:
—Lady Osbaldestone me contou a razão pela que as grandes damas acreditam
que precisa se casar assim que seja possível. Disse que também lhe contara.
Ele assentiu laconicamente.
—Sim.
Minerva podia sentir a profundidade da raiva que estava, temporariamente,
suprimindo; para ela, perita como era no caráter dos Varisey, parecia maior que a que
a situação poderia provocar.
—Sei que isto deveria ser o último que esperaria enfrentar, ver-se obrigado a
casar neste momento, mas... — Entreabriu os olhos, tentando ver sua expressão
através das envolventes sombras. — Esperava se casar... Quase certamente antes de
um ano. Isto adianta um pouco a questão, mas materialmente não a muda tanto, não?
Royce sabia que estava tentando compreender sua fúria. Minerva estava lá,
sem o menor medo quando a maioria dos homens aos que conhecia estariam
retrocedendo para a porta... E mais, nem se atreveriam a entrar.
E de todos os que considerava amigos, ela era a única que podia entender,
que certamente entendia...

114
—Não é isso — Se virou para olhar pela janela... Às terras que era seu dever
proteger. Manter. — Considere isto — Escutou a gravidade em sua voz, a amargura,
sentiu toda sua raiva frustrada acumulada; agarrou o batente com força. — Passei os
últimos dezesseis anos de minha vida no exílio... Um exílio social que aceitei que era
necessário para poder servir à Coroa, que a Coroa me pediu e que o país precisava. E
agora... No momento em que demito de meu posto e inesperadamente herdo o título,
descubro que tenho de me casar imediatamente para proteger esse título e minha
propriedade... Da Coroa.
Deteve-se, inspirou profundamente e deixou o ar escapar com um "Poderia
ser mais irônico?". Precisava mover-se; começou a caminhar, virou-se e passou uma
mão pelo cabelo com ferocidade.
—Como se atrevem? Como podem ser tão...? — As palavras falharam;
gesticulou bruscamente.
—Ingratos? — Minerva terminou sua frase.
—Sim! — Aquilo era o núcleo que alimentava sua fúria. Havia servido com
lealdade e correção, e assim era como o recompensavam? Parou e olhou o exterior de
novo.
O silêncio desceu.
Mas não era o frio e indiferente silêncio vazio ao que estava acostumado.
Ela estava ali com ele; aquele silêncio tinha uma calidez, um consolo
envolvente, que nunca antes conhecera.
Minerva não se moveu; estava a mais de dez passos de distância,
prudentemente separada dele pela escrivaninha, mas ainda podia senti-la... Como se
tão apenas por estar lá, escutando-o e entendendo-o, estivesse lhe proporcionando
algum bálsamo para sua abrasada alma.
Esperou, mas ela não disse nada, não tentou subtrair importância do que
dissera... Não fez nenhum comentário que provocasse, que lançasse sua ira
(atualmente, a de uma besta raivosa) sobre ela.
Minerva realmente não sabia o que fazer... E o que não. Nem quando.
Royce estava a ponto de dizer que partisse, que o deixasse com seus agora
menos angustiados pensamentos, quando a governanta falou com tom prático.

115
—Amanhã começarei a fazer uma lista das candidatas possíveis. Enquanto as
grandes damas estejam aqui, e dispostas a servir de ajuda, poderemos também usar
seus conhecimentos.
Era o tipo de comentário que ele teria feito e pronunciado com a mesma
inflexão cínica. Inclinou a cabeça.
Esperava que Minerva partisse, mas ela vacilou... Recordou a pasta que
sustentava entre suas mãos justo enquanto dizia:
—Vim trazer isto para você.
Virou a cabeça e a observou caminhar para frente e deixar a pasta sobre seu
cartapácio. Retrocedeu e entrelaçou as mãos a suas costas.
—Pensei que deveria ficar com você.
Royce franziu o cenho; deixou a janela e afastou a poltrona para olhar a pasta
negra.
—O que é isto?
Pegou-a, abriu a coberta frontal e depois a moveu até que a luz da lua caiu
sobre a primeira página. A folha estava inscrita com seu nome completo e o título que
usava previamente. Passou essa página e encontrou a seguinte coberta com seções
atalhos de folhas de jornal, ordenadamente colocadas, com datas escritas debaixo com
uma mão que reconheceu.
Minerva suspirou, e disse:
—Começou com sua mãe. Estava acostumado a ler os jornais depois de que
seu pai terminava com eles. Colecionava qualquer notícia que mencionasse você.
Embora os detalhes de seu trabalho fossem secretos, esta, em geral, não tinha
sido, e ele sempre reclamou reconhecimento para os homens que serviam ao seu lado.
Wellington, em concreto, fora assíduo a mencionar o valor da informação
proporcionada, e da ajuda emprestada, pelo comando de Dalziel; notícias de elogios
cobriam as páginas da pasta.
Passou mais páginas. Depois de um momento, disse:
—Esta é sua letra.
—Eu era sua escrevente... Pegava os recortes e anotava as datas.

116
Royce fez o que Minerva pensou que faria e passou as páginas até onde
terminavam as entradas. Parou.
—Esta é a notícia da Gazette anunciando o final de meu trabalho. Isto saiu...
— Deu uns tapinhas na data com o dedo. — Faz duas semanas — A olhou. —
Continuou depois da morte de minha mãe?
Os olhos de Minerva se adaptaram à escuridão; manteve seu olhar. Aquela era
a parte difícil.
—Seu pai sabia — Seu rosto se converteu em pedra, mas... Continuou
escutando. — Acredito que sempre soube, ao menos durante muitos anos. Eu era
quem guardava a pasta, assim sabia quando a moviam. Alguém a folheava... Ninguém
do serviço. Sempre ocorria tarde, durante a noite. Assim vigiei e o descobri. De vez em
quando, ia aos aposentos matinais, muito tarde, sentava-se e a folheava, lendo as
últimas notícias sobre você.
Royce baixou o olhar, e ela continuou.
—Depois da morte de sua mãe, insistiu para que seguisse atualizando-o.
Rodeava qualquer menção enquanto lia o jornal, para que não perdesse nenhum
artigo relevante.
Um longo silêncio prosseguiu; a governanta estava a ponto de retroceder e
deixá-lo com a lembrança de seus pais de seus últimos dezesseis anos, quando disse,
com voz baixa e suave:
—Sabia que ia voltar para casa.
Ainda estava olhando abaixo. Minerva não podia ver seu rosto.
—Sim. Estava... Esperando você — Se deteve, tentando encontrar as palavras
adequadas. — Não sabia como se sentiria, mas queria... vê-lo. Estava... Ansioso.
Acredito que por isso é pelo que se confundiu e pensou que estava aqui, que já tinha
chegado, porque esteve vendo-o vendo aqui, de novo, em sua mente.
Sua garganta se fechou. Não tinha que dizer nada mais.
Obrigou a si mesma a murmurar:
—Amanhã trarei a lista, quando a fizer.
Virou-se e caminhou para a porta sem olhar atrás, deixando-o com as
lembranças de seus pais.

117
Royce a escutou partir e, apesar da dor que fluía através dele, desejou que
ficasse. Embora se o fizesse...
Minerva faria sua lista, mas havia apenas uma dama que queria em sua cama.
Medindo a seu redor, encontrou sua poltrona, aproximou-a, sentou-se e olhou
fixamente a pasta. Na tranquila escuridão, ninguém poderia vê-lo se chorasse.
Às onze da manhã seguinte, Minerva já tinha feito um excelente começo em
uma lista de candidatas potenciais para o posto de duquesa de Wolverstone.
Sentada na sala matinal da duquesa, escreveu o que sabia até esse momento
sobre as jovens damas e por que fora sugerida cada uma em particular.
Sentia-se predisposta e, depois da última noite inclusive mais, a levar a cabo o
assunto do casamento de Royce tão rapidamente como fosse possível. O que sentia
por ele era ridículo, e ela sabia, embora sua teimosia-obsessão não fazia mais que
crescer e aprofundar-se. As manifestações físicas (e suas consequentes dificuldades)
eram já suficientemente más, mas a tensão em seu peito, ao redor de seu coração, a
afiada dor que sentiu na noite passada, não por seu falecido pai, mas sim por ele, a
quase entristecedora urgência de rodear sua maldito mesa e pousar uma mão sobre
seu braço, de consolá-lo... Inclusive no perigoso estado no que estava, lhe devotaria
um consolo imprudentemente.

—Não, não, não e não! — Apertou os lábios e acrescentou o último nome que
lady Augusta sugeriu para sua lista.
Ele era um Varisey, e ela, melhor que ninguém, sabia o que isso significava.
Bateram na porta.
—Adiante! — Levantou o olhar enquanto Jeffers entrava na sala.
Sorriu.
—Sua Excelência pergunta se poderia atendê-lo. Em seu escritório.
Minerva olhou sua lista; no momento estava completa.
—Sim — Se levantou e a pegou. — Irei agora mesmo.

118
Jeffers a acompanhou através da torre e abriu a porta do gabinete. Minerva
entrou e encontrou Royce sentado atrás de sua mesa, franzindo o cenho ante o singelo
espaço.
—Falei com Handley esta manhã... Disse que, até onde ele sabe, não há
assuntos pendentes no ducado. Isso não pode ser verdade.
Handley, seu secretário, chegara no começo da semana, e, para seu imenso
alívio, demonstrava ser um homem de uns trinta anos tremendamente confiável,
extremamente eficiente, exemplarmente leal; fora uma enorme ajuda durante os
preparativos e no mesmo funeral.
—Handley tem razão — Se sentou na poltrona ante a ampla escrivaninha. —
Ocupamo-nos de todos os assuntos pendentes na semana passada. Como tivemos
tantos visitantes no castelo, pareceu-me prudente limpar seu escritório — Olhou o
vazio em questão. — Não há nada que requeira nossa atenção até a semana que vem.
Olhou a lista que tinha na mão.
—Exceto, é óbvio, isto — A estendeu.
Royce duvidou e depois, a contra gosto, a pegou.
—O que é isto?
—Uma lista das candidatas potenciais para o posto que precisa cobrir — deu
um momento para que olhasse a página. — É apenas uma lista parcial (ainda não tive a
oportunidade de contrastá-la com Helena e Horatia), mas poderia começar a
considerar a estas damas, se por acaso há alguma que destaque...
Royce jogou a lista sobre seu cartapácio.
—Não desejo me ocupar deste tema agora.
—Pois terá de fazê-lo — precisava conseguir que se casasse para poder
escapar. — Além de todo o resto, as grandes damas ficarão até segunda-feira, e tenho
a forte suspeita de que esperam ouvir sua declaração antes de partir.
—Podem ir-se ao diabo.
—O diabo não ficaria com elas, como bem sabe — Inspirou, tentando reunir
paciência. — Royce, sabe que precisa escolher uma esposa. Nos próximos dias. Sabe
por que — Deixou que seu olhar caísse na lista ante ele. — Tem que começar com isso.

119
—Hoje não — Royce a silenciou com um olhar, um o suficiente poderoso para
fazer com que ela pressionasse com força seus lábios contra as palavras que ele sentia
que estavam em sua língua.
A situação era insuportável. Completamente. Royce se sentia tenso, nervoso;
sua agitação desenvolveu um fundo com o que estava familiarizado... Levava sem estar
com uma mulher muito tempo.
Mas aquele não era, exatamente, o problema. Seu problema estava sentado
em frente a ele, do outro lado de sua escrivaninha, com a intenção de exortá-lo sobre
a necessidade de escolher a alguma estúpida como esposa. Como a dama que
compartilharia sua cama.
Em vez dela.
Precisava afastar-se dela antes que seu gênio ou seu desassossego (ambos
eram igualmente perigosos) escapasse de suas correntes. Antes que Minerva tivesse
êxito ao empurrá-lo para esse extremo. Por desgraça, seus amigos e suas esposas
partiram aquela manhã; quis suplicar para que ficassem, mas não o fez... Todos eles
tinham jovens famílias esperando-os em casa e estavam ansiosos por voltar.
Diabo partira, também, pela Grande Estrada do Norte. Tivesse desejado poder
ir-se ele também; cavalgariam juntos até Londres... Se tudo o que queria, tudo o que
precisava agora, não estivesse ali, em Wolverstone.
Uma boa parte do que queria estava sentada ao outro lado da escrivaninha,
esperando ver o que ele ia fazer, preparada para rebatê-lo, para pressioná-lo com o
fim de que fizesse sua escolha.
Entreabriu os olhos enquanto olhava seu rosto.
—Por que está tão disposta a ajudar as grandes damas nesta questão... —
Deixou que sua voz se fizesse mais suave, e mais tranquila, enquanto falava —
inclusive contra meus desejos? — Olhou-a fixamente aos olhos e levantou as
sobrancelhas. — Você é minha governanta, não?
Ela sustentou seu olhar e depois levemente, como por instinto, levantou o
queixo.
—Eu sou a governanta de Wolverstone.

120
O duque era um mestre interrogador; sabia quando tocava uma fibra. Pensou
por um momento e logo, sem alterar a voz, disse:
—Eu sou Wolverstone, um fato que parece ter esquecido, assim, a que se
refere exatamente?
Saiu à superfície sua expressão de pensando-o-que-dizer; Royce esperou,
aparentemente paciente, sabendo que ela terminaria o que tinha de terminar.
Finalmente, Minerva tomou ar.
—Fiz uma promessa... Duas promessas. Ou melhor dizendo, a mesma
promessa duas vezes. Uma a sua mãe antes que morresse, e depois, antes de morrer,
seu pai me pediu que fizesse a mesma promessa, e eu a fiz — Seus olhos, uma
composição de castanhos outonais, sustentaram os seus. — Prometi que o deixaria
situado e adequadamente estabelecido como o décimo duque de Wolverstone.
Minerva esperou para escutar sua resposta àquilo, a seu indiscutível desculpa
para pressioná-lo a que seguisse o conselho das grandes damas e escolhesse uma
esposa imediatamente.
Desde o instante no que começou a lhe perguntar, seu rosto (que antes não
era tampouco muito expressivo) converteu-se em algo impossível de ler. Sua
expressão era toda pedra e não revelava nenhuma pista de seus pensamentos e muito
menos de seus sentimentos.
De repente, se separou da mesa.
Assombrada, piscou, surpresa pelo repentinamente que se levantou. Ficou de
pé enquanto ele rodeava a escrivaninha.
—Vou sair a montar.
Aquelas palavras grunhidas a deixaram congelada no lugar.
Durante um segundo, os olhos de Royce, cheios de um sombrio fogo e de uma
ilegível emoção, penetraram-na, e depois passou junto a ela, apressou-se até a porta e
desapareceu.
Totalmente aturdida, Minerva olhou a porta aberta. E escutou como seus
passos, zangados e rápidos, desvaneciam-se.

121
Hamish riu tão forte que caiu do muro. Aborrecido, por seu meio-irmão
continuar rindo, deu-lhe um tapa no ombro.
—Se não parar, vou descer e lhe dar uma surra.
—OH, sim — Hamish inalou e secou as lágrimas dos olhos. — Você e o que
exercito inglês?
Royce o olhou.
—Nós sempre ganhamos.
—Isso é verdade — Hamish se obrigou a conter a alegria. — Vocês ganham as
guerras, mas não todas as batalhas — ficou de pé, respirando com dificuldade; voltou
a sentar-se junto a Royce com uma mão no lado.
Ambos olharam as colinas.
Hamish agitou sua cacheada cabeça.
—Ainda tenho vontade de rir... OH, não pelo fato de que precise procurar uma
esposa com tanta urgência (é o tipo de coisas pelas que seus ancestrais foram à
guerra), mas sim pela ideia de que você... Você... Esteja sendo perseguido por todas
essas anciãs damas, todas agitando listas e pedindo que escolha... Hey, moço, tem de
admitir que é divertido.
—Não de onde eu estou sentado. E, por agora, Minerva é a única que agita
uma lista — Royce olhou as mãos, despreocupadamente entrelaçadas sobre seus
joelhos. — Mas isso não é o pior. Escolher uma esposa, casar-se... Fazer tudo isso
agora... É uma irritação. Embora... Não estou seguro de poder dirigir o ducado e tudo o
que suporta (a sociedade, a política, os negócios, a população) sem Minerva, mas ela
não vai ficar uma vez que eu me case.
Hamish franziu o cenho.
—Seria uma grande perda — Passou um minuto, e depois disse: — Não... Não
pode ser. Ela é mais Wolverstone que você. Leva vivendo ali, quanto? Vinte anos? Não
a imagino partindo, não a menos que você queira que o faça.
Royce assentiu.
—Isso pensava eu, mas agora a conheço melhor. Ao princípio, quando voltei,
disse que não seria minha governanta para sempre, que, quando me casasse, passaria
as chaves a minha esposa, e ela partiria. Isso me pareceu razoável naquele momento,

122
mas após descobri como ela é importante para o ducado, o muito que contribui a sua
administração inclusive fora do castelo, e o vital que é para mim... Honestamente, não
poderia sobreviver aos últimos dias sem ela, não socialmente. Fracassaria mais de uma
vez se ela não estivesse lá, literalmente ao meu lado, para me ajudar a superar o lance
— Royce já tinha explicado a desvantagem social com a que o carregara seu exílio.
Olhou as colinas, para o ponto onde estava o castelo.
—Esta manhã, me falou das promessas que fez a meus pais em seus leitos de
morte... A promessa de ver-me estabelecido como duque, o que incluía estar
apropriadamente casado. Elas são o que a mantêm ainda aqui. Eu pensava que ela não
era contra ser minha governanta, e que, se pedisse, ficaria.
Royce pensou que a Minerva gostava de ser sua governanta, que ela
desfrutava do desafio que supunha para suas habilidades administrativas, mas...
Depois de descobrir sobre suas promessas, já não sentia que tivesse nenhum peso
nela, em sua lealdade, em seu... Afeto.
Devido a seu contínuo desejo por ela e a sua continuada falta de desejo por
ele, a notícia desta promessa o perturbou... E não estava acostumado a esse tipo de
perturbação. Nunca antes havia sentido tal vazio, tal desolação em seu estômago.
—Não acha — sugeriu Hamish, olhando para Wolverstone ele também — que
há uma solução mais fácil para isto?
—Que solução?
—Não poderia o nome de Minerva abrir caminho em sua lista?
—Poderia, mas nem ela nem ninguém o porá lá. A lista desta manhã continha
seis jovens damas, todas com importantes fortunas e procedentes das famílias mais
nobres do reino. Minerva é de bom berço, mas não joga nessa liga, e sua fortuna não
pode comparar-se. Não é que isso me importe , mas importa à sociedade, e portanto a
ela, devido a seus malditos votos — Inalou e conteve o fôlego. — Mas além disso (e
juro que se rir agora lhe darei uma surra), ela é uma dessas estranhas mulheres que
não têm absolutamente nenhum interesse por mim.
Pela extremidade do olho viu que Hamish mordia os lábios, tentando com
todas suas forças que não o batesse. Passou um longo momento muito tenso, e então
Hamish inalou ar profundamente e o expulsou.

123
—Possivelmente se é resistente ao encanto dos Varisey devido a tanto tempo
vivendo entre eles.
Sua voz tremeu apenas um pouco, não o suficiente para que Royce tomasse
represálias. Passou-se décadas desde a última vez que havia sentido que ter alguns
rounds com Hamish (um dos poucos homens com os que precisava esforçar-se para
ganhar) fariam-no sentir-se melhor. Possivelmente poderia liberar parte da tensão em
seu interior.
Esta tensão cantava em sua voz enquanto respondia:
—Suponho. Entretanto, todos estes fatos descartam esse caminho fácil... Não
quero uma noiva expiatória e relutante. Ela não se sente atraída por mim, ela quer que
me case apropriadamente para que possa partir, embora se ofereço, nestas
circunstâncias poderia acreditar, contra todas suas esperas e inclinações, que tem que
aceitar. Não poderia suportar isso.
—OH, não — A expressão de Hamish sugeria que ele tampouco poderia
suportá-lo.
—Desgraçadamente, sua resistência ao encanto dos Varisey descarta o
caminho não tão fácil, também.
Hamish franziu o cenho.
—Qual é esse?
—Uma vez que cubra o posto de duquesa, serei livre para tomar uma amante,
uma a longo prazo que possa manter ao meu lado.
—Tem pensado converter Minerva em sua amante?
Royce assentiu.
—Sim.
O silêncio que seguiu não o surpreendeu, mas, quando se prolongou, franziu o
cenho e olhou para Hamish.
—Supõe-se que deveria me agarrar da orelha e dizer que não posso ter
pensamentos tão libidinosos sobre uma dama como Minerva Chesterton.
Hamish o olhou e depois se encolheu de ombros.
—Nesse sentido, quem sou eu para julgá-lo? Eu sou eu, você é você, e nosso
pai era outra coisa. Mas... — Inclinou a cabeça e olhou para Wolverstone. — É

124
estranho, mas posso imaginar... Que se casasse com uma dessas presunçosas
senhoritas da classe alta e tivesse Minerva como seu amante e governanta.
Royce grunhiu.
—Seria perfeito, de não ser porque lhe sou indiferente.
Hamish franziu o cenho.
—Sobre isso... Tentou?
—Seduzi-la? Não. Pense... Preciso trabalhar junto a ela, preciso interagir com
ela diariamente. Se fizer um avanço e me rechaça, isso faria com que o dia a dia daí em
adiante fosse um inferno para ambos. E o que acontece se, depois disso, decide a
partir imediatamente, apesar de suas promessas? Não posso me arriscar a ir por esse
caminho.
Moveu-se intranquilo sobre o muro.
—Além disso, se quiser a honesta verdade, não seduzi uma mulher em toda
minha vida... Não tenho nem a menor ideia de como fazê-lo.
Hamish perdeu o equilíbrio e caiu do muro.
Onde estava Royce? O que estaria planejando seu nêmeses?
Embora a maioria dos convidados partissem — Allardyce, graças a Deus, entre
eles — restavam suficientes para que se sentisse seguro de ter ainda suficiente
cobertura, mas a diminuição dos convidados deveria deixar seu primo mais fácil de
ver... E de seguir.
Na sala de bilhar com seus primos, jogava, ria e brincava e interiormente dava
voltas ao que Royce estaria fazendo. Não estava com Minerva, que se encontrava
sentada com as grandes damas, e não estava em seu escritório, porque seu lacaio não
estava junto à porta.
Não tinha querido ir a Wolverstone, mas, agora que estava lá, aproveitaria a
oportunidade de ficar mais tempo, misturado com o resto de seus primos que, junto às
irmãs de Royce, estavam planejando formar um grupo de convidados seletos para tirar
proveito do fato de estar ali, juntos e fora da vista da sociedade, e, mais importante,
de seus cônjuges.
Embora seu medo (que se Royce o visse, se o olhasse muito frequentemente,
aqueles negros olhos deles que tudo viam transpassariam sua máscara e veriam a

125
verdade) permanecia, a proximidade de seu nêmeses se mantinha sempre bulindo em
uma parte de seu cérebro.
Desde o primeiro passo que dera pelo longo caminho até converter-se no
bem-sucedido (e ainda vivo) espião traidor que era, soube que a quem devia temer
sobre todos outros era Royce. Porque, uma vez que Royce soubesse, o mataria sem
remorso. Não porque fosse um inimigo, um traidor; não porque tivesse arremetido
contra ele, mas sim porque era parte de sua família. Royce não duvidaria em apagar
uma mancha assim do escudo familiar.
Royce era muito mais parecido com seu pai do que ele acreditava.
Durante anos carregou aquele medo em seu interior, um ulcerado carvão que
ardia lentamente, e para sempre, fazendo um buraco em suas vísceras.
Embora agora a tentação lhe sussurrava. Enquanto tantos de seus primos
permanecessem em Wolverstone, ele, também, ficaria.
E, durante os anos que levava vivendo com seu medo, havia chegado a
conhecê-lo tão intimamente que se deu conta de que era, de fato, um modo de fazer
que aquela tortura vivo terminasse.
Durante anos pensou que aquilo somente poderia terminar com sua morte.
Recentemente, percebeu que ele poderia acabar com a de Royce.

126
CAPÍTULO 06

Royce entrou no salão aquela noite mais inseguro sobre uma mulher do que já
esteve em sua vida.
Depois que Hamish cair uma segunda vez, fez uma série de sugestões, nem
todas de brincadeira. Mas, no momento em que o olhar de Royce aterrissou sobre
Minerva, rechaçou a tese principal de Hamish... Que sua governanta não era mais
imune a ele que o resto das damas, mas sim estava escondendo suas reações.
A ele? Julgar os outros era um de seus pontos fortes, um que exercitara
diariamente durante os últimos dezesseis anos; ela tinha de possuir o controle mais
incrível para lhe esconder algo assim.
Como se sentisse seu olhar, Minerva se virou e o viu; deixou o grupo com o
que estava conversando e se aproximou dele.
—Viu a lista mais detalhada de candidatas que deixei em seu escritório?
Sua voz era tranquila, serena. Estava aborrecida por como tratou sua lista
inicial.
—Sim — Em seu tom, não havia nada perceptível.
Minerva o olhou aos olhos.
—Leu?
—Não.
Seus lábios se esticaram, mas não continuou tentando a sua sorte. O salão
estava ainda comodamente abarrotado; Royce pensava que o número de pessoas que
partiriam seria maior.
Por um instante, a governanta seguiu olhando-o aos olhos, depois olhou ao
redor.
Retrocedeu, graças a Deus. Royce não se deu conta antes de como excitante
era ter uma disputa com uma dama; nenhuma outra se atreveu antes.
Durante um momento, seguiu olhando-a, deixando que seus olhos, seus
sentidos, deleitassem-se, e depois limpou garganta silenciosamente e seguiu seu
olhar...

127
—Maldita seja! — murmurou. — Ainda estão todas aqui!
—As grandes damas? Disse que ficariam até na segunda-feira.
—Pensava que referia a Therese Osbaldestone e possivelmente a Helena e
Horaria, não o maldito grupo inteiro.
Minerva o olhou e depois deu uma olhada a seu redor.
—Entretanto, aí está Retford — O olhou aos olhos um momento. — E também
tem lady Augusta, é óbvio.
—É óbvio — Engoliu os ácidos comentários que ardiam na ponta DAE sua
língua; não tinha sentido esbanjar energia em algo que não podia mudar. Além disso,
enquanto as grandes damas ficassem, também o fariam muitos de seus primos e
alguns dos amigos de suas irmãs. Dois de seus tios e suas esposas estavam ainda ali;
mencionaram que partiriam no dia seguinte.
Ainda havia suficientes cavalheiros para poder escapar com eles depois do
jantar. Até então, utilizaria suas consideráveis habilidades em desviar qualquer
interrogatório do tema de sua esposa.
Localizou lady Augusta e se aproximou para reclamar sua mão. Royce praticou
a arte da evasão durante o resto da velada. Não desapareceu, mas ficou em um
segundo plano.

Na manhã seguinte, surpreendeu a todo mundo unindo-se ao grupo que ia à


igreja; nenhuma das grandes damas era devota à religião. Durante o serviço, perdeu o
tempo, conversando com o vigário e os assistentes locais, e programando sua volta
para poder chegar ao castelo quando chamassem para o almoço.
Foi um anfitrião cordial durante a refeição informal, conversando
despreocupadamente sobre os assuntos da região. Como era um anfitrião
considerado, no instante em que as bandejas se retiraram sugeriu um passeio a cavalo
até um salto de água local.
Sua governanta o olhou, mas não disse nada.
Voltaram à última hora da tarde. Arranjara tudo para não ter que falar muito;
outros pensavam que, quando ficava calado, estava meditando sobre a morte de seu

128
pai. Não com dor (porque, para isso, teria que poder amar), a não ser com fúria,
porque lhe tivesse negado sua longamente esperada confrontação com seu pai.
Caminhou com os outros até o vestíbulo dianteiro. Ao não ver sinal algum das
grandes damas (nem de sua governanta), separou-se do resto e subiu as escadas
principais até o interior da torre.
Dirigiu-se a seu escritório. Ninguém mencionara as palavras "casamento",
"esposa" ou "núpcias" em sua presença em todo o dia; sentia-se o suficientemente
tranquilo para perguntar-se se sua governanta teria deixado outra lista corrigida. Se o
fez, encontraria sua segunda lista junto à primeira sobre seu cartapácio. Leria, mas em
seu momento, não a instâncias de um grupo de damas, nem se estas eram grandes
damas.
Pousou a mão sobre o pomo da porta do gabinete e a abriu, antes de dar-se
conta de que Jeffers não estava em seu posto. Não é que tivesse que estar lá quando
Royce não estava no gabinete, mas aquele homem tinha um misterioso instinto que
parecia dizer quando iria àquela sala. Abriu a porta, entrou...
E se deteve. Colocou-se em uma emboscada.
Sete grandes damas estavam sentadas em semicírculo ante sua escrivaninha,
com as cadeiras cuidadosamente dispostas de modo que não poderia vê-las, não até
que avançasse muito para retroceder.
Uma só delas (Therese Osbaldestone) voltou a cabeça para olhá-lo.
—Boa tarde, Wolverstone. Nós gostaríamos que pudesse nos dedicar uns
minutos de seu tempo.
Não era uma pergunta, e tinha utilizado seu título, não seu nome; tenso,
inclinou a cabeça.
Therese olhou para a porta, onde Jeffers estava com as costas contra a
parede.
—Pode se retirar.
Jeffers olhou para Royce. Obedeceu a ordem com um assentimento brusco.
Enquanto a porta se fechava silenciosamente às costas de Jeffers, Royce
caminhou para frente. Passou junto a uma linha de cadeiras e rodeou a mesa, detendo
seu olhar em cada decidido rosto. Horatia, Helena, Therese, Augusta, a princesa

129
Esterhazy, lady Holland e lady Melbourne. Atrás das cadeiras, em um extremo,
estavam Letitia e Minerva.
Combinando seus distintos contatos, e com a Letitia como representante
tanto dos Vaux como dos Dearne, o grupo contava com o poder coletivo dos degraus
superiores da classe alta.
Aquelas eram as mulheres mais importantes da sociedade.
Inclinou a cabeça.
—Senhoras.
Sentou-se, totalmente relaxado, e as contemplou impassivelmente.
Lady Osbaldestone era sua oradora.
—Já discuti com você a razão pela qual tem que casar sem demora — Seu
olhar de obsidiana desceu até o cartapácio, no que três folhas (com uma nova lista
mais longa) estavam estendidas. — Unimos nosso conhecimento... Acreditam que essa
lista inclui todas as damas às que deveria considerar para o posto de duquesa, além de
seus antecedentes, sua fortuna esperada e diversas informação que pensamos que
seria de utilidade.
Seu olhar se elevou da lista quando o fez o de Royce; olhou-o aos olhos.
—Agora tem toda a informação que precisa para escolher a sua esposa, que,
como todas tentamos recalcar, tem que ser o antes possível. Entretanto, o que pode
que não entenda é o que ocorrerá se não agir imediatamente. Se a sociedade não tiver
notícia logo de seu juramento, então você e este castelo serão propensos a ser
assaltados por todas as solteiras disponíveis na cristandade — Bateu a bengala contra
o chão. — E posso assegurar que serão muito mais difíceis de repelir que qualquer
exército!
Com as costas retas, olhou-o aos olhos.
—Isso é o que quer? Porque, se não agir, isso é precisamente o que ocorrerá.
A visão era suficientemente má para fazê-lo empalidecer, mas... Por que
estava ameaçando-o!
Lady Augusta se moveu inquieta, atraindo sua atenção.

130
—Isto não é uma ameaça... Ao menos, não nossa. Entretanto, ocorrerá
exatamente o que diz Therese, a menos que façamos algo, ou, efetivamente, que você
faça algo para que o anúncio de seu casamento seja o antes possível.
Vacilou e depois continuou, com um tom mais conciliador.
—Se seu pai estivesse vivo, as coisas seriam diferentes. Mas morreu, e agora
você é Wolverstone, solteiro e sem filhos, e sem nenhum herdeiro direto... Seu
casamento é urgente, pense o que pense. Mas pelas razões que já sabe, essa urgência
se fez extrema. O assunto da escolha de sua esposa está agora crítico. E enquanto nós,
e outros que também sabem, já conheçamos a urgência, a sociedade por completo
descobrirá (sua necessidade de uma esposa) cedo ou tarde.
—Efetivamente — disse a princesa Esterhazy, com sua acentuada voz — é um
milagre que ainda não tenha uma inundação de carruagens depois das portas.
—É de supor — disse Lady Osbaldestone — que esperarão ao menos até uma
semana depois do funeral.
Royce examinou seu rosto e comprovou também o das demais; não estavam
de brincadeira.
Helena, com seus olhos habitualmente claros escurecidos pela preocupação,
inclinou-se adiante.
—Deveríamos deixar claro, possivelmente, que não estamos o apressando
para que faça algo que em algum momento não fosse fazer por vontade própria. O
único que muda é o tempo — Pôs um rosto expressivo. — Sua família sempre viu o
casamento como um caminho para a aliança, para favorecer o ducado. Todos sabemos
que os Varisey não se permitem as uniões por amor. E embora isso pode não ser do
gosto de todas nós, não estamos sugerindo que mude seu ponto de vista. Não. O único
que estamos dizendo é que deve fazer sua escolha... Exatamente a mesma escolha que
iria fazer em algum momento, n'estce ps? Simplesmente, a escolha tem que fazer-se
com maior rapidez do que esperava, não? — Estendeu as mãos. — Isso é tudo.
Tudo? Antes que pudesse responder, Therese assinalou as listas.
—Minerva proporcionou nossas recomendações iniciais, mas estas são mais
extensas. Quebramos a cabeça, e incluímos todas as candidatas potenciais — O olhou
aos olhos. — Nenhuma dama dessa lista rechaçaria a possibilidade de ser sua duquesa.

131
Sou consciente (todas somos) de que está se vendo obrigado a esta situação, e de que
estas damas não estão presentes para que as conheça. Entretanto, tendo em conta a
decisão que deve tomar, nenhum destes fatos é relevante.
Exalou ar profundamente, manteve seu olhar, com o seu carregado pelo poder
que brandia.
—Sugiro que faça sua escolha entre estas damas... Qualquer delas seria uma
esposa totalmente aceitável — Se deteve e continuou: — Não tem sentido lhe dar um
sermão, a você menos que a ninguém, sobre o conceito do dever. Aceito que sabe
inclusive mais que eu sobre essa virtude. Seja como for, não há uma razão justificável
para que demore uma atuação a este respeito — Suas mãos se esticaram sobre a
cabeça de sua bengala. — Faça-o, e tudo terá terminado.
Levantou-se, e todas as demais a imitaram. Royce as olhou, e depois, tensa e
lentamente, levantou-se.
Nenhuma delas era cega, nenhuma era tola. Todas notaram seu estado de
ânimo, todas inclinaram as cabeças ante ele com um coro de "sua Excelência",
viraram-se e partiram.
Royce ficou lá, com o rosto como a pedra, totalmente inexpressivo, com todos
os instintos e todas as reações rigidamente suprimidos, olhando como partiam.
Minerva seguiu olhando-o. Era a última na fileira para a porta; tentou ficar
atrás, mas lady Augusta, que ia por diante dela, retrocedeu, pousou seu braço com
força e a arrastou com ela.
Jeffers, em seu posto habitual no corredor, estendeu a mão e fechou a porta;
olhando por cima de seu ombro, Minerva captou uma última olhada de Royce, ainda
de pé atrás de sua escrivaninha, olhando sua lista.
Viu que seus lábios se curvavam em um grunhido baixo.
Advertira que não fizessem isso (a emboscada das grandes damas), firme e
taxativamente, mas não a escutara.
E então deixou de discutir porque, de repente, não estava segura de suas
razões, de suas motivações para não querer que elas o pressionassem desse modo.
Estava discutindo devido a seus crescentes sentimentos por ele? Estava
tentando protegê-lo? E, se fosse assim, do que e por quê? Ou tinha razão ao pensar

132
que apresentar-se em grupo ante ele, daquele modo, seria interpretado pelo duque
quase com toda segurança como um ultimato, o que era pouco prudente, por não
dizer uma má ideia?
Ela agora sabia a resposta. Foi uma muito má ideia.

Ninguém o via desde aquela reunião em seu estudo na tarde anterior. Não
descera para jantar, decidiu jantar sozinho em seus aposentos, e, naquela manhã, se
levantou ao amanhecer (isso lhe contaram), tomara o café da manhã na cozinha,
depois fora ao estábulo, pegara Sabre e desaparecera.
Podia estar em qualquer parte, inclusive na Escócia.
Minerva estava no vestíbulo dianteiro rodeada pelas malas e baús das grandes
damas e soube, pelos rostos determinados e obstinados das mesmas enquanto se
pousavam sobre os mencionados baús e malas, que pretendiam cumprir sua promessa
de não abandonar aquele lugar até que Wolverstone (nenhuma delas o chamava já por
seu primeiro nome) comunicasse sua decisão.
Levavam ali sentadas uma hora e meia completa. Suas carruagens estavam
alinhadas no pátio dianteiro, preparadas para levá-las a seus destinos, mas, se não
partissem logo, nenhuma chegaria a nenhuma das cidades principais antes do
anoitecer, de modo que deveriam permanecer ali outra noite. Minerva não sabia se
seus temperamentos, ou o dela, suportaria; não queria nem pensar no de Royce.
Seu ouvido era mais agudo que o delas; escutou um rangido distante, depois
uma batida... A porta do pátio oeste abrindo-se e fechando-se. Tranquilamente, virou-
se e deslizou pelo corredor junto a ela, o único que conduzia à asa oeste.
Uma vez que esteve fora da vista do vestíbulo dianteiro, segurou a saia do
vestido e pôs-se a correr.
Virou uma esquina a toda velocidade... E mal conseguiu não tropeçar com ele
de novo. Seu rosto ainda era de granito esculpido; olhou-a e depois a rodeou e seguiu
adiante.
Contendo o fôlego, Minerva deu a volta e se apressou inclusive mais para ficar
a sua altura.

133
—Royce... As grandes damas estão esperando para partir.
Não diminuiu o passo.
—Para que?
—Para que comunique sua decisão.
—Que decisão?
Minerva o amaldiçoou mentalmente; seu tom de voz era muito suave.
—O nome da dama que escolheu para que seja sua esposa.
O vestíbulo dianteiro estava em frente a eles. Os corredores levavam as vozes;
as damas ouviram. Esticaram-se, ficaram de pé e o olharam com espera.
Ele olhou para Minerva e depois impassivelmente para elas.
—Não.
A palavra era uma negativa absoluta e incontestável.
Sem romper o passo, inclinou a cabeça com frieza enquanto passava junto à
força feminina reunida da classe alta.
—Que tenham uma boa viagem.
Dito isso, dirigiu-se às escadas principais, subiu-as rapidamente e desapareceu
na galeria mais à frente.
Deixando Minerva e todas as grandes damas, olhando-o.
Prosseguiu um momento de assombrado silêncio.
Minerva inspirou e se virou para as grandes damas... E descobriu que todos os
olhares estavam postos nela.
Augusta assinalou as escadas.
—Quer? Ou o fazemos nós?
—Não — Não queria que ele terminasse dizendo algo irrecuperável e
alienante a nenhuma delas; apesar de tudo, foram com boa intenção, e seu apoio seria
de um valor incalculável (para ele e inclusive mais para sua esposa) em anos vindouros.
Virou-se para as escadas. — Eu falarei com ele.
Levantou suas saias, subiu rapidamente e depois se apressou atrás dele pelo
interior da torre. Precisava aproveitar o momento, falar com Royce nesse instante e
conseguir que fizesse alguma declaração aceitável, ou as grandes damas ficariam. E
ficariam. Estavam tão decididas como teimoso era o duque.

134
Assumiu que se teria dirigido ao gabinete, mas...
—Maldição! —Escutou seus passos trocar a rota para seus aposentos.
Seus aposentos particulares; Minerva reconheceu a advertência implícita, mas
tinha de ignorá-la. Não foi capaz de dissuadir às grandes damas, de modo que ali
estava, perseguindo um violento lobo até sua cova.
Sem escolha.
Royce entrou em seu salão e deixou a porta aberta. Parou no centro do
tapete, escutou com atenção, então soltou uma maldição e deixou a porta aberta; ela
ainda o seguia.
Uma decisão muito pouco acertada.
Todas as turbulentas emoções da velada anterior, mal acalmadas até níveis
manejáveis por seu longo passeio a cavalo, voltaram para a furiosa e agressiva vida
com um bramido, ao ver as grandes damas acampadas em seu vestíbulo dianteiro (em
suas portas, metaforicamente), tentando obrigá-lo a aceitar um casamento com uma
das candidatas de sua infernal lista.
Examinara a maldita lista. Não tinha nem ideia de como eram pessoalmente
aquelas mulheres (e todas eram significativamente mais jovens que ele), mas como...
Como? Como podiam as grandes damas imaginar que ele, simplesmente, e, com um
sangue tão frio, ia escolher uma e passar o resto de sua vida preso a ela, depois de
condenar a uma vida unida à sua?
Condenando-os a ambos a viver (não, a existir), exatamente no mesmo tipo de
vida matrimonial que seu pai e sua mãe tiveram.
Não a vida matrimonial da que desfrutavam de seus amigos, não as uniões de
apoio que seus ex-companheiros forjaram, e nada parecido ao casamento que tinha
Hamish.
Não. Porque ele era Wolverstone deveria renunciar a uma comodidade assim,
e estava condenado, em seu lugar, à união sem amor a que se entregava
tradicionalmente sua família, unicamente porque esse era o sobrenome com o que
carregava.
Porque eles (todos eles) pensavam que o conheciam, pensavam que, devido a
seu sobrenome, sabiam que tipo de homem era.

135
Ele mesmo não sabia que tipo de homem era em realidade... Como eles
saberiam?
A incerteza se fez presa dele no mesmo momento em que se afastou da
personalidade criada de Dalziel e depois o embargou completamente devido a seu
acesso ao título tão inesperadamente e com tão pouca preparação. Aos vinte e dois
anos, esteve totalmente seguro de quem era Royce Henry Varisey, mas olhasse atrás
dezesseis anos... Nenhuma de suas certezas prévias encaixava já com ele.
Já não se encaixava com o homem, com o duque, que pensou que seria.
O dever, entretanto, era uma luz de guia que sempre reconheceu, e ainda o
fazia. Assim que tentou. Passou toda a noite repassando a lista, tentando obrigar-se a
transpassar a linha, tal como esperavam.
Fracassou. Não podia fazê-lo... Não podia obrigar-se a escolher uma mulher
que não queria.
E a razão principal pela que não podia fazê-lo estava a ponto de entrar em
seus aposentos.
Inalou profundamente e logo se deixou cair em uma das grandes poltronas
ante as janelas, olhando a porta aberta.
Justo quando ela entrou.
Minerva sabia por sua longa experiência com os Varisey que aquele não era
momento para ser precavida e muito menos submissa. A visão com a que se
encontraram seus olhos quando se deteve no interior da habitação ducal (o muro de
fúria que assaltou seus sentidos) confirmou que saltaria sobre ela e a estrangularia, se
lhe desse a oportunidade.
Olhou-o com um olhar irritado e exasperada.
—Precisa tomar uma decisão, tome-a e comunique-a... Ou me dê algo com o
que possa descer as escadas e satisfazer às damas; se não, não vão partir — Cruzou os
braços e o olhou. — E disso você gostará menos ainda.
Seguiu um longo silêncio. Minerva sabia que Royce usava os silêncios para
miná-la: não retrocedeu um centímetro e esperou.
Os olhos do duque se entreabriram. Finalmente, levantou uma escura e
diabolicamente inclinada sobrancelha.

136
—Realmente tem interesse em explorar o Egito?
Minerva franziu o cenho.
—O que? — Então entendeu e apertou os lábios. —Não tente mudar de tema.
Que, se por acaso esqueceu, é o de sua noiva.
Seu olhar permanecia fixa em seu rosto, em seus olhos.
—Por que está tão interessada em que declare com quem vou casar? — Tinha
baixado a voz, a suavizado, e seu tom se tornou estranha e insidiosamente sugestivo.
— Tão ansiosa está por escapar de Wolverstone e de suas obrigações e do resto das
coisas daqui?
A implicação cravou em um ponto que, até esse momento, Minerva não sabia
que era sensível. Entrou em cólera, tão rápida e completamente que não pôde conter-
se.
—Como sabe condenadamente bem — Sua voz gotejava raiva, seus olhos, ela
sabia, seriam como carvões ardendo — Wolverstone é o único lar que conheci. Esta é
minha casa. Pode ser que você conheça cada pedra e cada rocha, mas eu conheço cada
homem, cada mulher e cada criança deste ducado — Sua voz se fez mais grave,
vibrando com a emoção. — Conheço as estações e como nos afeta cada uma delas.
Conheço cada uma das facetas das dinâmicas da comunidade do castelo e como se
levam a cabo. Wolverstone foi minha vida durante mais de vinte anos, e a lealdade e o
amor para ele e seu povo é o que me manteve aqui tanto tempo.
Inspirou profundamente. Os olhos de Royce caíram um momento até seus
seios, acumulados sobre seu decote; indiferente, ela apanhou seu olhar enquanto a
dirigia de novo até seu rosto.
—De modo que não, não estou ansiosa por partir. Preferiria ficar, mas devo ir.
—Por quê?
Minerva levantou as mãos.
—Porque tem que se casar com uma das damas dessa maldita lista! E, uma
vez que o faça, aqui não haverá lugar para mim.
Se sua explosão o pegou de surpresa, Minerva não via nenhum sinal disso; seu
rosto permanecia impassível, com seus traços cinzelados em pedra. A única sensação
que obtinha ao olhá-lo era uma de implacável e imutável oposição.

137
Seu olhar passou de Minerva à lareira, seguindo a longa fileira de esferas
armilares que ela manteve polida e sem pó. Seu olhar descansou nelas um longo
momento, e depois murmurou:
—Sempre me disse que devo seguir meu próprio caminho.
Minerva franziu o cenho.
—Este é seu próprio caminho, que você tomaria naturalmente... O único que
mudou é o momento.
Royce a olhou; ela o tentou mas, como sempre, não pôde ler nada em seus
sombrios olhos.
—O que acontece — perguntou, em voz muito baixa — se esse não for o
caminho que eu quero tomar?
Minerva suspirou através de seus dentes.
—Royce, deixa de pôr as coisas difíceis. Sabe que vai escolher a uma das
damas dessa lista. A lista é extensa, diria que completa, de modo que essas são suas
opções. A única coisa que tem de fazer quer dizer o nome, e eu o levarei ao térreo e o
comunicarei às grandes damas antes que decidam irromper aqui.
Royce a examinou.
—O que acontece com sua alternativa?
Levou-lhe um momento entender a que se referia e depois levantou as mãos,
lhe dando a razão.
—De acordo... me dê algo que possa dizer e que as satisfaça, em vez do nome
de sua noiva.
—De acordo.
Minerva evitou franzir o cenho. O olhar do duque estava fixo nela, e parecia
que estava pensando, que as rodas de sua diabólica mente estavam girando.
—Pode anunciar às damas de abaixo — falou lentamente, com um tom
perigosamente suave — que já decidi com que dama me casarei. Podem esperar o
anúncio de nosso casamento para dentro de uma semana, aproximadamente, quando
a dama que escolhi concorde.

138
Sem afastar os olhos dos do duque, repassou a declaração; esta, efetivamente,
satisfaria às grandes damas. Soava sensível, racional... De fato, exatamente o que ele
haveria dito.
Mas... Conhecia-o muito bem para tomar-se suas palavras a sério. Estava
planejando algo, mas não podia imaginar o que poderia ser.
Royce se levantou antes que pudesse perguntar algo. Tirando a jaqueta,
caminhou para seu dormitório.
—E agora, se me desculpar, devo me trocar.
Minerva franziu o cenho, aborrecida por sua negativa a deixá-la assegurar-se,
mas, já que não tinha escolha, inclinou a cabeça, virou-se e partiu, fechando a porta
detrás de si.
Enquanto afrouxava o lenço do pescoço, Royce olhou a porta fechada e entrou
em seu quarto. Ela descobriria logo a resposta a sua pergunta.

139
CAPÍTULO 07

Na manhã seguinte, vestida com roupa de montar, Minerva estava sentada no


salão de café da manhã particular, comendo sua torrada com geleia tão rapidamente
como podia; pretendia sair a dar um passeio com o Rangonel logo que fosse possível.
Não via Royce desde que a tinha enviado com sua resposta à demanda das
grandes damas. Não se unira aos convidados que ainda permaneciam ali para o jantar;
não a surpreendeu. Mas não tinha nenhuma pressa por encontrar-se com ele, não até
que voltasse a ser ela mesma, assim, devido a sua cautela, terminou a torrada, bebeu
seu chá, levantou-se e se dirigiu aos estábulos.
Retford confirmou que sua Excelência tomara o café da manhã antes e que
sairá cavalgando; certamente já estaria longe, mas Minerva não queria encontrar-se
com ele se terminasse de cavalgar cedo e voltasse para a torre. Evitou o pátio oeste,
sua rota favorita, e saiu pela asa leste do castelo, atravessando os jardins. Havia
passado uma tarde intranquila, e uma inclusive mais agitada noite, repassando em sua
mente as damas da lista, tentando predizer a quem escolheria. Conhecera várias delas
durante as temporadas que ela e sua mãe passaram na capital; embora não pudesse
imaginar nenhuma delas como sua duquesa, essa falta de entusiasmo não explicava o
sentimento de vazio que, nos últimos dias, estava crescendo em seu interior.
E que se intensificou grandemente depois de entregar sua declaração às
grandes damas e de despedir-se delas.
Certamente, haver-se visto obrigada a declarar em voz alta a infelicidade que
lhe causava deixar Wolverstone, dar voz ao que sentia realmente, não serviu de ajuda.
Quando se retirou a seus aposentos naquela noite, aquela inesperada emoção estava
aproximando-se da desolação. Como se algo estivesse horrivelmente errado.
Não fazia sentido. Ela fez o que tinha de fazer (o que suas promessas a
obrigaram a fazer) e obteve êxito. Embora suas emoções fossem alocadamente na
direção contrária; não sentiu que ganhava, mas sim perdia.
Que perdia algo vital.

140
Era uma tolice. Sempre soube que chegaria o momento no que precisaria
deixar Wolverstone.
Tinha de ser algum giro irracional de suas emoções provocado pela cada vez
mais tensa batalha que mantinha para que suas frustrantes e irritantes reações físicas,
causadas pelo teimosia obsessiva que sentia por Royce, permanecessem totalmente
ocultas... Tanto que nem ele pudesse ver.
Os estábulos estavam em frente a ela. Caminhou até o pátio e sorriu quando
viu Rangonel selado e esperando-a junto ao degrau de subida, com um cavalariço
junto à sua cabeça. Minerva se aproximou dele... E um relâmpago cinza e o som de uns
cascos a fizeram olhar a seu redor.
Sabre saltava no lado oposto do pátio, selado... E esperando. Tentou
convencer que Royce acabava de voltar, mas o garanhão parecia fresco e impaciente
por sair.
Então viu Royce, afastando-se do muro contra o que esteve apoiado enquanto
conversava com Milbourne e Henry.
Henry se afastou para acalmar Sabre e desatar suas rédeas.
Milbourne se levantou do banco no que se sentava.
E Royce caminhou para ela.
Apressando o passo, apoiou-se no degrau e subiu, sem fôlego, em sua
montaria.
Royce parou a alguns passos de distância e a olhou.
—Preciso conversar com você.
Sem dúvida sobre sua esposa. Seus pulmões se comprimiram; sentiu-se
totalmente doente.
Royce não esperou nenhum acordo, mas sim tomou as rédeas que Henry
oferecia e subiu ao lombo de Sabre.
—Ah... Temos de falar sobre o moinho. Temos que tomar alguma decisão.
—Poderemos falar quando nos detivermos para que os cavalos descansem —
Seu escuro olhar a percorreu, e depois conduziu Sabre até a arcada. — Vamos.
Desta vez, ele guiava o passeio.

141
Não tinha mais opção que segui-lo. Devido ao passo que marcou, precisou de
toda sua concentração; apenas quando diminuiu a velocidade e começaram a subir
Lorde's Seat, pôde começar a perguntar-se o que era o que ia dizer exatamente.
Royce a guiou até um posto de observação, uma plataforma coberta de grama
na ladeira da colina onde um retalho de bosque rodeava uma clareira semicircular.
Tinha uma das melhores vista da zona: olhava ao sul do desfiladeiro através do qual o
Coquet serpenteava, até o castelo, banhado pela luz do sol e localizado contra as
montanhas de Fundo mais à frente.
Royce escolheu aquele ponto deliberadamente; tinha a melhor e mais
completa vista da propriedade, dos campos, assim como do castelo.
Conduziu Sabre até as árvores, desmontou e amarrou as rédeas a um ramo.
Sobre seu zaino, Minerva o seguiu mais lentamente. Deu-lhe tempo para que
deslizasse de sua sela e prendesse seu cavalo e cruzou a exuberante erva na borda da
clareira; olhou suas terras e aproveitou o momento para ensaiar seus argumentos uma
vez mais.
Ela não queria deixar Wolverstone e, como atestava a antiga condição de
esferas armilares, sentia algo por ele. Pode que não fosse equivalente ao desejo que
ele sentia por ela, mas Minerva ainda não vira o suficiente dele para desenvolver uma
admiração e uma apreciação de seu talento recíprocas às dele por ela. Mas era
suficiente.
Suficiente para trabalhar com isso, suficiente para que pudesse sugeri-lo como
base para seu casamento. Era muitíssimo melhor que a que possivelmente existia
entre ele e qualquer das senhoritas da lista das grandes damas.
Estava preparado para persuadi-la.
Minerva tinha vinte e nove anos e admitiu que nenhum homem lhe devotara
nada que valorasse.
Valorava Wolverstone, e ele podia oferecer isso. Efetivamente, estava ansioso
em oferecer algo que estivesse em seu poder proporcionar, se é que desse modo
conseguisse que aceitasse ser sua duquesa.

142
Possivelmente não teria tão bons contatos ou tão bom dote como as
candidatas da lista, mas seu berço e sua fortuna eram mais que suficientes para que
não tivesse que temer que a sociedade considerasse que a sua era uma má união.
Além disso, ao casar-se com ele, cumpriria as promessas que fez a seus pais,
indiscutivelmente, do modo mais efetivo... Era a única mulher que alguma vez o
encarou, que alguma vez opôs a ele.
Como tinha demonstrado no dia anterior, diria algo que acreditasse que
precisava ouvir apesar de que ele não queria ouvi-lo. E o faria sabendo que podia fazê-
la em pedaços, sabendo o violento que podia ser seu gênio. Ela já sabia, mostrou-se
segura de que ele nunca o perderia com ela, nem sobre ela.
Minerva sabia tudo dele. E que tivesse coragem para agir, apesar desse
conhecimento, dizia inclusive mais dela.
Precisava de uma duquesa que fosse algo mais que uma cifra, que um
ornamento social para seu braço. Precisava de uma companheira, e ela era a única que
estava qualificada.
Sua preocupação pelo ducado, sua relação com ele, era o complemento ao
dele; juntos, dariam a Wolverstone (ao castelo, ao ducado, ao título e à família) a
melhor administração que poderia ter.
E no que se referia à questão crítica de seus herdeiros, tê-la em sua cama era
algo que ansiava; desejava-a... Mais do que poderia desejar a qualquer das candidatas
das grandes damas, sem importar o quando fossem belas. A beleza física era o menos
importante dos atrativos para um homem como ele. Tinha de haver algo mais, e, nesse
aspecto, Minerva estava extremamente bem dotada.
No dia anterior, enquanto a governanta insistia em que agradasse às grandes
damas, Royce finalmente aceitara que, se quisesse um casamento como o de seus
amigos, então, sem importar o que tivesse que fazer para convertê-lo em realidade,
era Minerva de quem precisava como sua esposa. Que, se quisesse algo mais que um
casamento sem amor, precisaria agir e, como fizera com sua ajuda em outras
questões, tentar encontrar um novo caminho.
Com ela.

143
A certeza que isto lhe infundira não tinha empalidecido; com o transcorrer das
horas tornava-se mais intensa. Nunca se havia sentido mais seguro, mais concentrado
em seu caminho, com maior confiança de que aquilo era o melhor para ele.
Sem importar o que tivesse de fazer... Sem importar os obstáculos que ela
pudesse colocar em seu caminho, sem importar aonde o guiasse aquele caminho ou o
perigoso que pudesse ser a viagem, sem importar o que ela ou o mundo pudessem lhe
exigir... Tinha de conseguir Minerva.
Não podia sentar-se e esperar que acontecesse; se esperasse mais, precisaria
casar-se com outra pessoa. Assim faria o que fosse necessário, engoliria as partes de
seu orgulho que precisasse engolir, tentaria persuadi-la, seduzi-la, atraí-la... Fazer o
que fosse necessário para convencê-la de que fora dele.
Sua mente e seus sentidos voltaram para o presente, preparados para
conversar; então a buscou... e se deu conta de que não se uniu a ele.
Virou-se e a viu ainda montada em seu cavalo. Tinha virado o enorme animal
para apreciar a vista. Com as mãos entrelaçadas ante ela, contemplava o vale.
Royce se moveu, intranquilo, e captou sua atenção. Fez um sinal para que se
aproximasse.
—Desça. Quero falar com você.
Minerva o olhou um momento e depois guiou seu cavalo para frente. Deteve-
o junto ao duque e o olhou de sua sela.
—Estou cômoda aqui. Do que quer falar?
Royce a olhou. Declarar-se enquanto ela o olhava de acima era absurdo.
—De nada que possamos discutir enquanto está aí em cima.
Minerva tirou as botas dos estribos. O duque estendeu os braços e a ajudou a
descer de sua montaria.
Minerva afogou um gritou. Royce se moveu tão rápido que não teve tempo
para bloqueá-lo... Para evitar que fechasse suas mãos ao redor de sua cintura e a
levantasse.
Desceu-a até o chão lentamente.
O olhar de seu rosto (de uma total e assombrada incredulidade) não teria
preço se ela soubesse o que o colocara ali.

144
Minerva reagia ante seu roce. Decisiva e definitivamente. Esticou-se. Seus
pulmões se contraíram; sua respiração tornou se agitada. Concentrado nela, com as
mãos apertando com força sua cintura, Royce não perdeu nenhum destes reveladores
sinais.
Muito antes que seus pés tocassem o chão, ele já adivinhara seu segredo.
Sabia sem dúvida nenhuma.
Ela leu tudo isso na sutil mudança de seus traços, na repentina resolução (na
implacável resolução), que agora flamejava em seus olhos.
Entrou em pânico. No momento em que seus pés tocaram o chão, obrigou-se
a inspirar, abriu os lábios...
Royce inclinou a cabeça e a beijou.
Não brandamente.
Forte. Vorazmente. Seus lábios se separaram, e sua língua encheu sua boca
sem pedir permissão.
O duque a assaltou e tomou posse dela. Seus lábios exigiam, demandavam...
Esticando avidamente suas entradas. Capturando seus sentidos.
O desejo a percorreu como uma ardente tontura.
O dele, deu-se conta fugazmente, não só o dela.
A descoberta a aturdiu totalmente; desde quando a desejava?
Embora a habilidade para pensar, para raciocinar, para fazer algo que não
fosse sentir e responder, cessasse.
Ao princípio não se deu conta de que estava devolvendo o beijo; quando o fez,
tentou deter-se... Mas não pôde. Não pôde afastar seus sentidos de sua fascinação, de
sua ávida excitação; aquilo era melhor do que esperava. Apesar de toda sua prudência,
não era capaz de separar-se, nem dele, nem daquilo.
Royce deixou mais difícil quando inclinou a cabeça, enviesou os lábios sobre os
dela e aprofundou o beijo... Não gradualmente, a não ser em um audaz salto que a fez
estremecer.
As mãos de Minerva caíram até seus ombros; apertou-os com força enquanto
suas bocas se fundiam, enquanto o duque, implacavelmente, abria caminho, assolava
suas defesas e a arrastava com ele para aquele abrasador e íntimo intercâmbio. Não

145
podia compreender como seus ansiosos beijos, seus duros e famintos lábios, sua audaz
língua, tinham-na capturado, apanhado, e depois feito prisioneira de sua própria
necessidade de responder. Não era a vontade de Royce a que a fazia beijá-lo com tal
ansiedade, como se, apesar do bom julgamento, não pudesse conseguir suficiente de
sua levemente oculta posse.
Minerva sempre soube que o duque seria um amante agressivo; o que não
sabia, o que nunca imaginou, era que responderia tão flagrante, tão sedutoramente...
Que receberia aquela agressão com boas vindas, que a aceitaria como se lhe
pertencesse e demandaria mais.
Embora isso fosse precisamente o que estava fazendo... E não podia parar.
Sua experiência com os homens era limitada, mas não inexistente, mesmo
aquilo sendo algo que estava totalmente além de seu conhecimento.
Nenhum outro homem fez com que seu coração galopasse, nenhum fez com
que seu sangue cantasse, enviando-o a toda velocidade através de seu corpo.
Com seus lábios sobre os dela, com apenas um beijo, Royce a transformou em
uma mulher ávida e lasciva... E alguma parte de sua alma cantava.
Royce sabia. Sentia sua resposta em cada fibra de seu ser. Queria mais... Dela,
de sua luxuriosa boca, de seus descaradamente convidativos lábios. Embora além de
sua própria ânsia jazia a surpresa ante a dela, uma tentação como nenhuma outra, em
cada um dos instintos primitivos que possuía, concentrou-se, apressando-se com passo
inquebrável pela rota mais direta e segura para apaziguar suas próprias e já
tumultuosas necessidades.
Fundo em sua boca, não estava pensando. Apenas através dos sentimentos,
registrou (com uma espetada de incredulidade quando percebeu o que ela esteve
escondendo) que ela, efetivamente, respondia ante ele vibrantemente,
instintivamente, e, o que era mais importante, sem poder evitar.
Apesar de sua experiência, de suas habilidades, o enganou totalmente. Sentiu
uma onda de raiva, porque as agonias que havia sofrido durante as últimas semanas,
enquanto submetia sua luxúria por ela, foram desnecessárias. Se tivesse se rendido e a
beijado, ela cederia.
Como cedia agora.

146
Estava escravizada irremediavelmente pelo desejo, pela paixão que entrou em
erupção entre eles, mais poderosa, mais intensa por havê-la negado antes.
O alívio o atravessou; já não precisaria continuar suprimindo seu desejo por
ela. A espera ardeu ante a perspectiva de soltá-lo. De deleitar-se profundamente. Com
ela. Nela.
Um instante antes de beijá-la, olhou seu rosto, os esplêndidos olhos
outonais... E os vir arregalarem-se. Não só pela consciência de que ele tinha
descoberto o que ela estava escondendo, não só com apreensão pelo que ele poderia
fazer a partir desse momento, mas também com uma comoção sensual. Aquilo era o
que fez seus olhos arderem, enchendo-os de ricos tons ocres e dourados; com mais da
experiência suficiente para reconhecê-lo, instantaneamente aproveitou.
Viu que seus lábios se separavam, começando a formar alguma palavra; não
tinha interesse em escutá-la. E agora... Agora que estava presa na teia de seus desejos,
Royce só estava interessado em uma coisa. Em possuir o que desejava tomar nos
últimos dias.
Em possuí-la.
Ela estava pendurada em seus lábios, tão profundamente presa em seu beijo
como ele. Os joelhos de Minerva se debilitaram; Royce tinha as mãos ao redor de sua
cintura, com as duras palmas contra o veludo de seu vestido, e deslizou as mãos, lenta
e deliberadamente, para cima, sobre suas costelas, e as fechou possessivamente sobre
seus seios.
Rompeu o beijo, deixou que seus lábios famintos se separassem apenas o
suficiente para captar o delicioso vaio interior de seu fôlego enquanto diminuía a
pressão em suas mãos e depois as fechava de novo, amassando provocativamente.
Justo o suficiente para saborear seu tênue gemido quando encontrou seus mamilos e,
através do tecido, rodeou os tensos topos com seus polegares.
Então voltou para beijo, reclamou sua boca, fez virar suas vísceras de novo
enquanto preparava suas mãos para aprender tudo o que precisavam saber para
reduzir a mulher sensual que tinha toda a intenção de tirar dela.
Minerva a tinha em seu interior. Royce sabia.

147
Inclusive através desse beijo, o duque soube sem dúvida que não só era mais
receptiva que qualquer outra mulher que conhecera, a não ser concretamente mais
receptiva a ele. Se a dirigisse corretamente, se a educasse adequadamente, de boa
vontade cederia ante ele em tudo, em qualquer coisa e em tudo o que quisesse dela;
sabia em seu interior.
Não havia nada que o antigo senhor em seu interior encontrasse mais sedutor
que a perspectiva de uma rendição absoluta.
Saqueou sua boca e se deleitou no conhecimento de que, logo, ela seria sua.
De que, muito em breve, ela jazeria em sua cama junto a ele, quente e obediente
enquanto Royce se introduzia nela.
Quando tomasse, a reclamaria e a faria sua.
Nem precisaria ir lentamente; ela não se sentiria surpresa por suas demandas.
Conhecia-o bem, sabia o que podia esperar dele.
Fechou as mãos possessivamente ao redor de seus seios, apertando seus
dilatados mamilos entre seus dedos, e moveu seus quadris para que o longo músculo
se movesse mais definitivamente contra a suave carne no vértice das dela, captando
seu atenuado gemido, e sustentando-a, com os lábios e a língua apertando-a inclusive
com mais força no cada vez mais explícito intercâmbio.
Atraindo-a inclusive com mais força pelo caminho até seu objetivo.
Minerva conhecia esta direção, sentia (e lhe doía) com cada músculo, com
cada tenso nervo, enquanto a maior parte de sua mente estava seguindo-o
delirantemente, abandonando-se lascivamente a seu desejo e ao dela, e uma pequena
parte permanecia lúcida, separada, e gritando que aquilo era mais que perigoso, mais
que desastroso... Que era uma desgraça a ponto de ocorrer.
Não importava; não podia afastar-se dele. Sua mente estava aflita, seduzida
em todos os sentidos.
Ele, seu beijo, era todo poder e paixão, entrelaçado, entrecruzado,
inseparável.
O sabor dele, da combinação de seus sentidos, invalidava seu bom julgamento
com uma facilidade devastadora. O afiado desejo que havia em seu beijo, perigoso e
inflexível, a atraía. Ele a devorava, a prendia, a reclamava... E ela o beijava, querendo

148
mais, convidando a mais; suas mãos sobre seu corpo, duras e possessivas, tinham
provocado um fogo em seu interior que sabia que ele sufocaria.
Precisava senti-lo, aquele fogo, aquela vida... precisava arder em suas chamas.
Minerva sabia, desejava-o, apesar de que sabia que, com ele, esse fogo
abrasaria, ulceraria e, por último, deixaria cicatriz e marcaria para toda a vida.
Embora o fato de que Royce a desejasse — e ela sabia o suficiente para saber
que seu desejo era tão honesto e real como o dela — venceu e destruiu totalmente
suas cuidadosamente construídas defesas. Sua necessidade, sua crua ânsia, era a arma
mais poderosa que podia brandir contra ela... Se é que precisava de alguma.
Minerva sabia que era tola por permitir que o beijo a inflamasse. Mas não
tinha nem ideia do que poderia fazer para detê-lo. Inclusive sabendo o quanto era
imprudente aceitar tão lascivamente cada potente carícia e despreocupadamente
(abandonando o bom julgamento) pedir mais, não podia evitar usufruir aquilo, daquele
momento, com ambas as mãos, e tirar dele tudo o que pudesse. Estava atada ao
duque, saboreando cada matiz, cada sugestivo e provocante roce de sua língua, de
seus dedos, tomando tanto como se atrevia, rendendo-se a qualquer coisa que ele
pedisse. Tirando dele, nesse momento, tanto como podia.
Porque aquilo não ia voltar a ocorrer.
Foi ele quem rompeu o beijo, quem levantou seus lábios dos dela. Ambos
estavam ofegando rapidamente. Depois de várias inalações, seus sentidos voltaram o
suficiente para informá-la de quanto quente, maleável e fraca que se tornou.
Do quanto estava necessitada entre seus braços.
Royce olhou à esquerda, logo à direita. Depois soltou um palavrão.
—Aqui não.
Suas vísceras se precipitaram quando percebeu o que ele queria dizer. Seu
pânico se elevou enquanto olhava onde estava e percebia que sua saída se devia ao
pesado orvalho que tinha deixado a exuberante erva empapada.
Se não fosse por isso...
Sufocou um calafrio enquanto ele se virava.
Royce o sentiu (sentiu-o em suas costas), mas tomou medidas drásticas sobre
sua inevitável reação. A erva estava muito molhada, e todas as árvores tinham a casca

149
áspera e profundamente esculpida; mas, além dessas dificuldades logísticas, que
poderia haver superado, essa parte dele governada por seu ser mais primitivo estava
insistindo, ditatorialmente, em que, na primeira vez que se afundasse em sua
governanta, ela deveria estar deitada, nua, sob seu corpo, em sua cama ducal... Na
enorme cama com dossel de seu quarto. Depois de sua abstinência das semanas
anteriores, que resultou ser desnecessária, não estava com humor para privar-se de
nada.
Retrocedeu e esperou até que ela estivesse de pé, depois a guiou até seu
cavalo e a subiu até sua sela.
Surpresa, Minerva tentou desesperadamente reordenar seus sentidos e suas
emoções. Enquanto Royce desatava as rédeas de Sabre e subia ao lombo do garanhão
cinza, ela deslizou suas botas nos estribos e pediu suas rédeas.
Com apenas um olhar que dizia claramente "Siga-me", virou Sabre e guiou o
caminho. Felizmente, tiveram de descer lentamente a ladeira; quando alcançaram o
plano e os cavalos começaram a galopar, Minerva já se recuperou o suficiente para
arranjar-se sozinha.
Entretanto, se surpreenderia se fosse capaz de voltar para castelo sem um só
tropeço. Quando os estábulos se elevaram ante eles, limpara sua mente, e suas
vísceras voltaram a reunir-se. Tinha os lábios ainda inchados e o corpo ainda quente e,
se pensasse muito, se recordasse muito, se ruborizaria, mas sabia o que precisava
fazer.
Chegaram ao estábulo, e Royce desmontou agilmente. Quando ela deteve
Rangonel e liberou seus pés dos estribos, ele já estava a seu lado; Minerva se rendeu
ao inevitável e deixou que ele a descesse.
E descobriu que, se não estivesse tensa, lutando para suprimir sua reação, a
sensação de suas mãos obstinadas a sua cintura, esse instante de estar totalmente em
seu poder enquanto ele a elevava continha mais delícia que trauma.
Recordou a si mesma que, no que se referia ao duque, já não tinha nada a
esconder. Mesmo assim, quando segurou sua mão, envolvendo-a com a dele, a puxaria
para recuperá-la... Se não fosse porque Royce a apertou mais, lançou-lhe um olhar e

150
procedeu a caminhar com ela a seu lado, enquanto saíam do pátio e saudavam
Milbourne com um assentimento seco.
Decidindo que ter uma luta de posse sobre sua mão com sua Excelência, o
duque de Wolverstone, em seu próprio estábulo, enquanto eram observados por
vários empregados de seu serviço, não era um esforço do que fosse conseguir nada,
conteve sua língua e caminhou para a torre a seu lado.
Tinha de escolher o momento, seu momento. Seu campo de batalha.
Ele a guiou até a casa pelo pátio oeste; mas, em vez de tomar sua rota habitual
até o vestíbulo frontal e as escadas principais, virou para o outro lado; Minerva se deu
conta de que se dirigiam à escada oeste da torre, uma escada que mal se usava e da
que podiam chegar à galeria, que não estava longe de seus aposentos.
Até que se dirigiu para lá, Minerva não estava segura do que Royce pretendia,
mas dada sua preferência pela escada secundária... Estava-a levando a seu quarto.
Minerva escolheu o pequeno vestíbulo aos pés da escada da torre para opor
resistência. Ali perto não havia serventes, nem ninguém que pudesse vê-los e nem
muito menos interrompê-los. Quando chegou à escada, parou. Manteve-se firme
quando ele tentou atraí-la para frente. Royce olhou a seu redor, e depois a seus
olhos... E viu sua determinação. Arqueou uma sobrancelha.
—O que tem em mente não vai ocorrer — Fez aquela afirmação claramente,
sem alterar a voz. Não era um desafio, a não ser a afirmação de um fato. Queria que
soltasse sua mão, perder a sensação de seus longos e fortes dedos fechados sobre os
seus, mas sabia o melhor modo de provocar esta reação. Em vez disso, olhou-o aos
olhos decididamente. — Nem voltará a me beijar.
Os olhos de Royce se entreabriram; virando seu rosto para ela, abriu a boca...
—Não. Não o fará. Talvez me deseje, mas isso é, como ambos sabemos,
apenas uma reação por ser obrigado a nomear sua esposa. Durará um dia ou dois, no
máximo, e depois o que? É possível que a única razão pela que se fixou em mim seja
que sou uma das poucas damas da casa que não formam parte de sua família. Mas não
vou cair em sua cama só porque você decidiu que gosta. Sou sua governanta, não sua
amante — Inspirou e sustentou seu olhar. — Assim vamos fingir, vamos comportar-nos
como se o que acaba de acontecer em Lorde's Seat... Não tivesse ocorrido.

151
Aquele era o único modo no que podia pensar para sobreviver, com o coração
intacto, ao tempo que lhe subtraía sendo sua governanta, para cumprir com a
promessa de seus pais, e depois deixar Wolverstone e começar uma nova vida.
Em alguma parte.
Em alguma parte muito longe de Royce, para que nunca pudesse encontrá-la
de novo, sequer pôr seus olhos outra vez nele. Porque, depois do que acabava de
ocorrer em Lorde's Seat, ia arrepender-se por não deixar que as coisas seguissem seu
curso, ia arrepender-se por não deixar que ele a levasse a sua cama.
E esse arrependimento duraria para sempre.
Royce viu que sua negativa se formava em seus lábios... Lábios que acabava de
beijar, de possuir, e que, agora sabia sem dúvida, que eram deles. Escutou as palavras,
encontrou sentido nelas, mas as reações que pediam o deixaram cambaleando
interiormente. Como se Minerva tivesse levantado um sabre e o brandido sobre sua
cabeça.
Não podia estar falando sério... Embora via que assim era.
Royce deixou de pensar racionalmente no mesmo instante em que possuiu
seus lábios, no momento em que se introduziu em sua boca e a beijou. Quando a
reclamou. Passou o caminho a casa antecipando sua reclamação sobre ela de um
modo mais absoluto e mais bíblico... E agora ela se negava.
Mais ainda, insistia que ignorassem aquele incendiário beijo, como se não
tivesse correspondido.
E, o que era pior, acusava-o de seduzi-la sem desejá-la... De que a levaria a sua
cama sem nenhum sentimento, como se ela fosse só um corpo feminino para ele.
Interiormente, franziu o cenho. Sentia-se ofendido, embora...
Era um Varisey, até agora, em sua esfera, arquetipicamente... Minerva tinha
razões para acreditar que qualquer mulher lhe serviria.
Mas não serviria nenhuma outra. Sabia em seu interior.
Manteve seu olhar.
—Deseja-me tanto como eu desejo você.
Minerva levantou o queixo.

152
—Possivelmente. Mas recorde a razão pela que não aceitei nenhuma oferta
(de nenhum tipo) de nenhum cavalheiro? Porque não me ofereceram nada que eu
desejasse — O olhou diretamente aos olhos. — Neste caso, nada que eu deseje o
suficiente.
Sua última palavra ressonou no oco da escada, enchendo o silêncio que caíra
entre eles.
Era um claro e inequívoco desafio.
Um que o chamava um nível que não podia negar, mas podia ver em seus
olhos, em seu semblante de tranquila resolução, que não era consciente de que ele o
aceitaria.
O antigo senhor em seu interior ronronou de antecipação. Interiormente,
sorriu; exteriormente, manteve sua expressão incompreensível.
O desejo, a luxúria e a necessidade ainda galopavam através de suas veias,
mas libertou as tempestuosas emoções de seu interior. Desejava-a e estava decidido a
tê-la. Fora ao mirante totalmente decidido a fazer qualquer coisa que fosse necessária
para convencê-la de que fosse sua... Em todas as esferas relevantes, da que aquilo era
apenas uma. Sua primeira prova, aparentemente, era convencê-la de que o desejava o
suficiente... Ou seja, muito mais do que ela acreditava.
A perspectiva de esforçar-se para conseguir uma mulher era estranha, mas
decidiu deixar de lado suas inquietações.
Pretendia lhe oferecer o ducado, o posto de sua duquesa; brincou com a ideia
de perguntar se isso seria suficiente. Mas o desafio que expusera estava apoiado no
físico, não no material; devia responder no mesmo plano. Haveria tempo suficiente
uma vez que ela estivesse ocupando sua cama para informá-la da posição permanente
que pretendia que ela cobrisse.
Seu olhar desceu até sua mão, que ainda descansava sobre a de Royce. Tinha
de deixá-la ir... Por agora.
Obrigando a seus dedos a aliviar a pressão, deixou que sua mão, seus dedos,
escapassem de entre os seus. Viu, porque estava observando-a atentamente, que
havia libertado o fôlego que esteve mantendo. Não retrocedeu; baixou seu braço, mas,
de resto, permaneceu imóvel. Observando-o.

153
Acertadamente; seu lado mais primitivo não estava satisfeito deixando-a ir, e
estava esperando apenas uma desculpa para fazer caso omisso de seus desejos e do
conselho de seu eu mais prudente.
Muito consciente do ser primitivo que rondava sob sua pele, obrigou-se a
virar-se e começou a subir as escadas. Falou sem voltar-se.
—Verei você no escritório em meia hora, para falar do moinho.

Aquela tarde, o último traidor de Royce jazia nu sobre suas costas na cama da
irmã mais nova de Royce.
Igualmente nua, Susannah estava sobre seu estômago, junto a ele.
—Enviei essa nota com o último correio de ontem... Chegará à cidade hoje.
—Bom — Levantou um braço e percorreu com seus dedos a deliciosa curva de
seu traseiro. — Será divertido ver se nossa querida Helen aceita seu amável convite.
—Pobre Royce, obrigado pelas grandes damas a escolher uma esposa... O
menos que posso fazer é lhe proporcionar um pouco de diversão.
—Com um pouco de sorte, a bela condessa estará aqui no domingo.
—Uhm — Susannah parecia pensativa. — Realmente não posso imaginá-lo
correndo para anunciar seu casamento; não se não se vê obrigado a isso. Quando ela
chegar, postergará isso indefinidamente.
—Ou pode que mude de ideia. De verdade, não tem nem ideia de quem
escolheu?
—Não. Ninguém sabe. Nem Minerva, o que, como pode supor, está irritando-
a.
—Você não pode tirar isso dele? Depois de tudo, é sua irmã favorita.
Susannah bufou.
—Estamos falando de Royce Varisey. Pode ser que me olhe com mais
amabilidade do com Margaret ou Aurelia (e de verdade, quem não o faria?), mas “tirar
isso dele" algo seria literalmente o equivalente a tirar sangue de uma pedra.
—OH, bom... Parece que teremos de esperar com todos outros para escutar.
Uma semana, mais ou menos... Não é tanto.

154
Susannah se sentou.
—Espere um momento. Disse que a demora de uma semana era para
conseguir o acordo da dama — Se virou para ele. — Se soubéssemos com que dama
contatou...
Foi sua vez de bufar com ironia.
—Nem eu sugeriria que induzisse Retford para que contasse para quem está
escrevendo seu novo senhor.
Susannah bateu em seu peito com o dorso da mão.
—Eu não, tolo... Minerva. Aposto que ela já pensou nisso — Sorriu e depois
deslizou sinuosa e sensualmente entre seus braços. — Eu pedirei... Depois.
Ele a atraiu sobre seu corpo, lambeu seus lábios e deslizou uma mão entre
suas coxas.
—É óbvio. Depois.

155
CAPÍTULO 08

Naquela noite, Royce entrou no salão e, tranquilamente, examinou a quantos


convidados ainda restavam. Suas irmãs se ficaram, embora seus maridos partiram; as
três decidiram, aparentemente, dar uma pausa de um par de semanas, aproveitando-
se da estrutura mais livre e menos restritiva de seu lar de solteiro.
As três estavam permitindo-se aventuras sob seu teto... Aurelia e Susannah
com dois de seus primos, Margaret com o marido de uma de suas "amigas", que
estava, além disso, convenientemente atada com outro de seus primos.
Felizmente, ele não era responsável em nenhum sentido por eles, nem de seus
pecados ou casamentos. No momento, ao menos, podiam fazer o que quisessem; eles
(suas irmãs, suas primos e seus distintos amigos) proporcionavam-lhe uma cobertura
para a sedução de sua governanta.
Por isso, os tolerava... Ao menos por agora. Estava suficientemente tranquilo
em sua companhia; podia interagir com eles ou ignorá-los, o que escolhesse.
Alguns mencionaram que ficavam para a feira de Alwinton, algumas semanas
depois. Era uma festividade anual da localidade; sua mãe frequentemente tinha
celebrado festas coincidindo com o sucesso. Quando olhou a seu redor, notou olhos
brilhantes, bochechas avermelhadas e olhares cheias de significado; parecia que suas
irmãs e primos estavam tentando recuperar aquela época juvenil e mais
despreocupada.
Ele, pelo contrário, estava tentando capturar Minerva. Com sorte, a feira e a
companhia distrairia suas irmãs de qualquer interesse em seus assuntos deslocados.
Apesar a frustração que suportara até então não tinha um propósito real, essa
frustração ainda continuava. Embora não duraria muito. Obrigou a si mesmo a acatar
sua disciplina nas poucas horas nas que desfrutava de sua companhia, discutindo do
moinho e de outros assuntos do ducado... Adormecendo-a em uma sensação de
segurança.
Para que acreditasse que estava segura com ele. Dele.

156
Nada podia estar mais longe da verdade, ao menos não respeito a seu ponto
de contenção atual. Ela ia terminar em sua cama (nua) antes ou depois; estava
decidido a assegurar-se de que aquilo ocorresse.
Localizou-a no centro de um grupo junto à lareira; ainda levava luto, como
suas irmãs, embora o resto das convidadas femininas trocaram o negro por vestidos de
cor lavanda ou cinza. Minerva ainda brilhava como um farol ante ele. Caminhou
através dos convidados, dirigindo-se para ela.
Minerva o viu aproximar-se; continuou sorrindo para Phillip Debraigh, que
estava entretendo o grupo com uma história, e se obrigou a tomar lentas e profundas
inalações e um controle mais férreo sobre sua compostura. Royce se comportou, sem
dúvida, precisamente como ela estipulara, durante o resto da manhã e da tarde,
quando estiveram abstraídos na correspondência e seus ditados. Não havia razão para
imaginar que repentinamente fosse mudar de tática...
Se não fosse porque ela não acreditava totalmente que ele houvesse aceitado
sua negativa tão facilmente.
E por isso se esticava, e seus pulmões se contraíam, quando ele se
aproximava. Phillip terminou seu relato e se desculpou, afastando-se para unir-se a
outro grupo. O círculo se moveu, ajustou-se, e Royce se colocou a seu lado.
Saudou outros com seu costumeiro e gélido ar urbano; depois, olhou a
Minerva... E sorriu.
Um autêntico lobo. Que tinha um algo planejado estava totalmente claro pela
expressão de seus sombrios olhos.
Os lábios de Minerva se curvaram ligeiramente e inclinou a cabeça
serenamente em resposta.
Uma das damas começou a contar a última fofoca da classe alta.
Com os nervos aguçados e os pulmões muito tensos, Minerva aproveitou o
momento para murmurar:
—Se me desculparem...
Retrocedeu...
E parou, com os nervos crispados, quando dedos longos e fortes se fecharam
(amavelmente, embora com força) sobre seu cotovelo.

157
Royce se virou para ela, com uma sobrancelha arqueada.
—Aonde vai?
Longe dele. Olhou a sala a seu redor.
—Deveria ver se Margaret precisa de algo.
—Acreditava que, como minha governanta, você devia permanecer a meu
lado.
—Se precisar de mim.
—Definitivamente, preciso de você.
Não se atreveu a olhar o rosto dele. Seu tom já era suficientemente mau; o
tom de sua profunda voz enviou um calafrio por suas costas.
—Bom, então, certamente, deveria falar com seus primos com os quais passou
menos tempo. Henry e Arthur, por exemplo.
Liberou-a e fez um sinal para que continuasse adiante.
—Você primeiro — Caminhou a seu lado enquanto ela deslizava através dos
convidados para o grupo no que se encontravam os dois Varisey mais jovens.
Enquanto se aproximavam, Royce murmurou: — Mas não tente escapulir de mim.
A manifesta advertência havia coberto o rosto de Minerva com um sorriso.
Saudou Henry e Arthur e permaneceu junto a Royce enquanto conversavam.
Rapidamente se deu conta de por que tinha aparecido no salão meia hora
antes do jantar... Para poder usar aquele tempo para torturá-la com um milhar de
pequenos toques. Nada mais que os costumeiros e educados gestos sem importância
que um cavalheiro outorga a uma dama, como segurá-la do cotovelo, um roce no
braço, a sensação de sua mão pululando pela parte de atrás de sua cintura e depois
acariciando-a ligeiramente...
Seu pulso pulava cada vez; quando Retford apareceu, por fim, para anunciar o
jantar, estava desejando ter levado seu leque. Depois do anúncio do mordomo, olhou
para Royce, entreabrindo seus olhos. Apesar de que seu impassível semblante não se
suavizou, arranjou-se para expressar com seus olhos uma suprema inocência.
Os olhos de Minerva se converteram em duas diminutas linhas.
—Não é inocente desde que nasceu.
Ele sorriu (um gesto que, para ela, era um mau sinal), e a puxou pelo braço.

158
Esmagou desesperadamente sua reação e assinalou uma dama ao outro lado
da sala.
—Deveria acompanhar Caroline Courtney até o salão.
—Lady Courtney pode encontrar seu próprio acompanhante. Isto não é um
jantar formal — A olhou de modo sugestivo. — Eu desfrutarei de muito mais
acompanhando você.
Omitiu deliberadamente "até o salão", deixando que ela subministrasse o
contexto... Algo que a parte menos sensível de sua mente estava feliz de fazer.
Maldição. Maldito Royce.
Chegaram à mesa de jantar, e Royce a sentou à esquerda de sua enorme
cadeira. Enquanto ele mesmo tomava assento, Minerva aproveitou a oportunidade
que lhe proporcionava o ruído do resto de cadeiras ao arrastar-se para murmurar:
—Este seu estratagema não vai funcionar — O olhou aos olhos. — Não vou
mudar de ideia.
Royce manteve seu olhar, deixou que passasse um segundo, e depois,
lentamente, arqueou uma sobrancelha.
—É?
Minerva afastou o olhar, repreendendo a si mesma interiormente. Sabia que
era melhor do que confrontá-lo
Previsivelmente, ele aceitou.
Minerva pensou que estaria razoavelmente segura na mesa (o número de
comensais se reduziu, assim não se sentavam muito perto uns dos outros), mas ela
rapidamente descobriu que não precisava tocá-la fisicamente para afetá-la.
O único que precisava fazer era fixar seu olhar sobre sua boca enquanto bebia
sua sopa ou enquanto fechava os lábios sobre um delicado bolinho de peixe; não sabia
como era possível que lhe comunicasse seus lascivos pensamentos com apenas um
olhar, mas o fazia.
Minerva se inclinou para trás em sua cadeira, limpou a garganta e pegou sua
taça de vinho. Tomou um gole, sentiu seu olhar em seus lábios, depois a sentiu descer
enquanto engolia... Como se seguisse o percurso do líquido enquanto este deslizava
por sua garganta e viajava até o interior de seu peito.

159
Desesperada, virou-se para o cavalheiro (Gordon Varisey) que estava sentado
a seu outro lado, mas este estava distraído em uma discussão com Susannah. Do outro
lado da mesa, Caroline (lady Courtney) estava mais interessada em flertar com Phillip
Debraigh que em distrair sua anfitriã.
—Ainda não funciona meu estratagema?
As suaves e tentadoras palavras deslizaram por seu ouvido como uma carícia;
virou-se para olhar Royce enquanto este se reclinava de novo em sua cadeira, com a
taça de vinho na mão, enquanto lutava para conter um calafrio, sem ter êxito
totalmente.
Seu único consolo é que ninguém parecia haver dado conta da sutil batalha
que estava tendo lugar na cabeceira da mesa. Sendo assim, entreabriu os olhos, e
sucintamente, declarou:
—Vá ao diabo.
Os lábios de Royce se curvaram em um sorriso totalmente genuíno e
devastadoramente atraente. Seu olhar se concentrou na dela, levantou sua taça de
vinho e bebeu um gole.
—Espero fazê-lo.
Minerva afastou o olhar; não tinha necessidade de ver o brilho do vinho tinto
nos lábios com os que passara sonhando uma boa parte de sua adolescência. Pegou
sua taça de vinho.
Justo quando ele acrescentava:
—Se não por outra coisa, pelo que estou imaginando fazer com você.
Seus dedos falharam ao segurar a taça de vinho, bateram no longo pescoço da
taça, que se inclinou... Royce a agarrou, estendendo a mão esquerda sobre as mãos de
Minerva e depois curvando-se sobre estas enquanto pressionava o pescoço contra
seus adormecidos dedos.
Sua mão descansava, dura e forte, sobre as dela, até que ela agarrou a taça, e
Royce retirou sua mão lentamente, com os dedos acariciando sua mão e seus nódulos.
Os pulmões de Minerva se paralisaram fazia muito.
Royce se moveu e usou o movimento para aproximar-se dela e murmurar:
—Respire, Minerva.

160
Fê-lo, inspirou profundamente... Negando-se a notar que, enquanto o duque
voltava a sentar-se corretamente, seu olhar descera até seus seios, meio expostos por
seu vestido de noite.
Quando a refeição terminou, estava a ponto de cometer um assassinato.
Levantou-se com o resto de damas e seguiu Margaret até o salão.
Royce não ia deixá-la em paz. Minerva se viu perseguida por cavalheiros
(inclusive nobres) antes; podia ficar, simplesmente, em seu lugar, segura de sua
habilidade de truncar qualquer movimento que ele fizesse, porque ela conhecia seus
limites. Precisava escapar enquanto pudesse. Royce guiaria os cavalheiros de volta
para que se reunissem com as damas muito cedo.
Ao chegar ao salão, as damas entraram; Minerva parou na porta, esperando
até que as demais se acomodassem. Então falaria com Margaret...
—Aqui está — Susannah deslizou seu braço no dela e puxou Minerva para um
canto da sala. — Queria perguntar uma coisa... — Susannah se aproximou mais. — Não
tem ideia para com que dama está escrevendo Royce?
Minerva franziu o cenho.
—Escrevendo?
—Disse que anunciaria seu casamento quando a dama a que escolhera
aceitasse — Susannah se deteve e fixou seus olhos (de um castanho mais claro que os
de seu irmão) sobre o rosto de Minerva. — Assim suponho que, se está lhe
perguntando, e já que ela não está aqui, deve estar lhe escrevendo.
—Ah, compreendo. Eu não o vi escrevendo nenhuma carta, mas usa Handley
para ocupar-se da maior parte de sua correspondência, assim que eu não tenho por
que saber— Para alívio dele, sobretudo naquele tema.
—Handley? — Susannah deu uns tapinhas no lábio com a ponta de um de seus
dedos e depois deu uma olhada com o canto do olho para Minerva. — Não o conheço,
mas acredita que poderíamos convencê-lo de contar o que sabe?
Minerva negou com a cabeça.
—Eu não me incomodaria em tentar. Além de todo o resto, contaria a Royce
— hesitou e depois acrescentou: — De fato, todo o pessoal de serviço de Royce é

161
totalmente leal a ele. Não encontrará ninguém que esteja disposto a conversar sobre
seus assuntos particulares.
Incluindo ela.
Susannah suspirou.
—Suponho que logo descobriremos a verdade.
—Sim — Deu um tapinha ao braço de Susannah enquanto liberava o seu. —
Preciso falar com Margaret.
Susannah assentiu e se afastou para unir-se às demais enquanto Minerva se
encaminhava para Margaret, entronada solenemente no sofá em frente à lareira.
Susannah tinha razão: Royce devia ter algum tipo de comunicação com a
dama que escolhera como sua duquesa... Esse era um ponto que ela não devia
esquecer. Típico dos Varisey, enquanto esperava que sua noiva concordasse ser sua,
tentava meter-se na cama de sua governanta.
Se precisasse de algum aviso de como seria imprudente deixar-se seduzir por
ele, recordar que algum dia conheceria a que deveria ser sua duquesa a ajudaria a
afiançar sua resolução.
Realmente não queria conhecê-la; o pensamento esticava seu estômago.
Concentrada de novo em seus planos para manter-se fora de seu alcance e de
sua cama, deteve-se junto a Margaret.
—Dói-me a cabeça — mentiu. — Poderia fazer as honras com a bandeja do
chá?
—Sim, é óbvio — Com aspecto de estar mais relaxada que quando seu marido
estava presente, Margaret se despediu dela com um gesto da mão. — Deveria dizer a
Royce que não a faça trabalhar tanto, querida. Precisa de tempo para alguma
distração.
Minerva sorriu e se dirigiu para a porta; compreendia perfeitamente a
"distração" que Margaret estava recomendando... Precisamente uma do mesmo tipo
da que seu irmão tinha em mente. Estes Varisey!
Não perdeu o tempo; não confiava em que Royce não abreviasse o tempo da
taça dos homens e voltasse para salão antes com algum pretexto. Saiu da sala e se
dirigiu ao vestíbulo dianteiro, de onde subiu as escadas principais rapidamente.

162
Não havia ninguém ao redor. Não escutou o som das vozes masculinas; os
cavalheiros deviam estar ainda no salão. Aliviada, entrou na torre, vacilou e então se
dirigiu à sala matinal da duquesa. Era muito cedo para dormir, e seu bastidor de bordar
estava lá.
Os aposentos matinais eram o território pessoal da falecida duquesa; suas
filhas só entravam lá quando as havia convidado. Desde sua morte, não colocaram um
pé ali. Os Varisey tinham pouco interesse nos mortos; nunca se aferravam às
lembranças.
Aquela sala se encaixava com Minerva. Nos últimos três anos, se converteu
em dela.
Presumivelmente seria assim... Até que chegasse a próxima duquesa.
Abriu a porta e entrou. A sala estava às escuras, mas ela a conhecia bem.
Caminhou para a mesa que estava atrás do sofá mais próximo, parou, voltou para a
porta e a fechou. Não tinha sentido arriscar-se.
Sorrindo para si mesma, caminhou até a mesa junto ao sofá e acendeu o
lampião. O pavio piscou; esperou até que ardeu estavelmente e logo colocou o vidro
em seu lugar, ajustou a chama... E de repente sentiu (soube) que não estava sozinha.
Levantou o olhar do abajur e viu... Royce, sentado com sua descuidada postura no sofá
oposto. Olhando-a.
—O que está fazendo aqui? — As palavras foram a seus lábios enquanto sua
aturdida mente calculava as opções.
—Esperando você.
Havia fechado a porta. Olhando-o aos olhos, tão escuros, com seu olhar
decidido e firme, soube que, apesar de estar no sofá mais afastado, se tentasse chegar
à porta, ele chegaria lá antes dela.
—Por quê?
Mantê-lo falando parecia sua única opção.
Assumindo, é óbvio, que ele queria fazê-lo.
Não o fez. Em vez disso, levantou-se lentamente.
—Obrigado por fechar a porta.

163
—Não estava tentando ajudar — O observou enquanto caminhava para ela,
engoliu o pânico e recordou a si mesma de que correr não fazia sentido. Não se deve
dar as costas a um predador.
Royce rodeou o sofá, e ela se virou para olhá-lo. Deteve-se ante ela, olhando
seu rosto... Como se estudasse seus traços, como se memorizasse os detalhes.
—O que foi o que disse... Que não ia voltar a me beijar?
Minerva se esticou.
—O que tem isso?
Os lábios do duque se moveram de forma mínima.
—Que eu não estou de acordo.
Minerva esperou, tensa até não poder mais, que ele a apanhasse, que a
beijasse de novo, mas não o fez. Ficou olhando-a, observando-a, com seu intenso
olhar, como se aquilo fosse algum jogo, e esse fosse seu turno para mover.
Presa em seu olhar, sentiu que o calor se agitava, que se elevava entre eles;
desesperada, procurou algum modo de distraí-lo.
—E o que acontece com sua esposa? Supõe-se que deveria estar preparando o
anúncio de seu casamento enquanto falamos.
—Estou negociando. Enquanto isso... — Deu um passo adiante;
instintivamente, Minerva deu um passo atrás. — Vou beijar você de novo.
Aquilo era o que Minerva temia. Royce deu outro passo, e ela retrocedeu de
novo.
—De fato — murmurou, cortando a distância entre eles — Vou beijar você
mais de uma vez e possivelmente mais de duas. E não só agora, a não ser mais tarde...
Cada vez que queira fazê-lo.
Outro passo adiante dele, outro passo atrás dela.
—Tenho intenção de fazer que beijar você seja um costume.
Minerva deu outro passo para trás rapidamente enquanto ele continuava
avançando. Seu olhar desceu até seus lábios e logo revoou até seus olhos.
—Vou passar bastante tempo saboreando seus lábios, sua boca. E depois...
As costas de Minerva bateram na parede. Surpresa, elevou as mãos para
mantê-lo afastado dela.

164
Brandamente, Royce as segurou, uma com cada uma das suas, e deu um
último passo. Segurando as mãos da moça na parede, de cada lado de sua cabeça,
baixou a sua e a olhou nos olhos. Manteve seu olhar implacavelmente, a apenas uns
centímetros de distância.
—Após isso — Sua voz se tornou mais grave, quase como um ronrono que
acariciava seus sentidos — vou passar inclusive mais tempo saboreando o resto de seu
corpo. Todo o seu corpo. Cada centímetro de pele, cada oco, cada curva. Vou conhecer
você imensamente melhor do que você mesma se conhece.
Minerva não podia falar, não podia respirar... Não podia pensar.
—Vou conhecê-la intimamente — Royce saboreou a palavra. — Tenho a
intenção de explorar você até que não fique nada mais a descobrir... Até que saiba o
que a faz ofegar, o que a faz gemer, o que a faz gritar. E então farei isso tudo de uma
vez. Frequentemente.
Tinha as costas esmagadas contra a parede; Royce não estava apoiando-se
nela (ainda), mas com os braços levantados, sua jaqueta se abriu; mal havia um
centímetro separando seu torso de seus seios... E ela podia sentir seu calor. Por todo
seu corpo, podia sentir sua proximidade e sua insinuada dureza.
Tudo o que seu ansioso ser precisava para sentir-se aliviado.
Mas... Engoliu a saliva, obrigou-se a sustentar seu olhar e elevou o queixo.
—Por que está me contando tudo isto?
Seus lábios se curvaram. Seu olhar baixou até seus lábios.
—Porque acredito que é justo que saiba.
Minerva forçou uma gargalhada. Uma sem fôlego.
—Os Varisey nunca jogam limpo... Nem estou segura de que esteja "jogando".
Seus lábios se curvaram.
—Certo — Seu olhar voltou até seus olhos.
Minerva manteve seu olhar.
—Então por que me conta isso?
Levantou uma sobrancelha maliciosamente.
—Porque tenho intenção de seduzir você e acredito que isto ajuda. Não está
funcionando?

165
—Não.
Sorriu então, lentamente, com seus olhos fixos nos dela. Moveu uma mão,
virou-a, e, quando ela seguiu seu olhar de soslaio, viu que tinha as pontas de seus
longos dedos sobre as veias de seu pulso.
—Seu pulso diz outra coisa.
Sua absoluta e imperturbável arrogância enviou faíscas a seu temperamento.
Voltou a olhar seu rosto e entreabriu os olhos.
—É o mais presunçoso, diabólico, desumano...
Royce a interrompeu, rodeando seus lábios com os seus, saboreando sua
fúria... Convertendo-a com implacável e diabólica eficiência em algo inclusive mais
ardente.
Algo que fundia seus ossos, com o que Minerva lutava, mas sem poder contê-
lo; o calor líquido explorou e fluiu em seu interior, consumindo suas intenções, suas
inibições e todas as suas reservas.
Erradicando seu sentido comum.
Deixando apenas desejo (procurando um alívio descarado, explícito) em sua
esteira.
O duro impulso de sua língua, o pesado e firme peso de seu corpo enquanto
se aproximava mais e aprisionava seu corpo contra o muro, era o único que seus
inconscientes sentidos precisavam. Sua língua se encontrou com a de Royce em uma
flagrante união; seu corpo se esticou, não para afastá-lo a não ser, com todos seus
sentidos acordados, para pressionar-se contra ele.
Para unir sua ânsia com a dela.
Para alimentar seu desejo com o dela.
Para mesclar-se com ele até que o poder se fizesse muito para que nenhum
deles suportasse.
Esta, agora, era sua única opção; sua parte racional se rendeu e a deixou livre
para aproveitar o momento, para tirar dele tudo o que pudesse.
Para espremer cada gota de prazer.
Royce não lhe deu escolheu.
Ela lhe deixou inclusive menos.

166
Durante longos minutos, amaldiçoando mentalmente, Royce manteve suas
mãos fechadas sobre as dela, as pressionando contra a parede de cada lado de sua
cabeça, pela única razão de que não confiava em si mesmo. E, tendo em conta como
estava ela, extasiada pela paixão, confiava nela inclusive menos.
Seu corpo era uma quente almofada feminina pressionada contra o dele, com
seus seios firmes contra seu torso, suas longas pernas contra as dele, tentadoras e
provocadoras, com a suave tensão de seu ventre acariciando seu já torcido membro,
como se pedisse que se apressasse em entrar.
Royce não sabia que ela responderia como estava fazendo... Mergulhando
instantaneamente no fogo. O duque reconheceu as chamas, mas, com ela, a
conflagração ameaçava descontrolar-se, escapando de seu controle.
Aquele descobrimento fora o suficiente surpreendente para quebrar o lago
que a luxúria e o desejo combinados reuniram... Suficiente para lhe permitir reafirmar
esse elemento essencial. O controle, seu controle, era vital, não só para ele, a não ser
inclusive mais para ela.
Assim que se conteve, lutou com a tentação, até que sua mente se elevou
sobre a névoa de seus atormentados sentidos.
Então, por fim, soube o que devia fazer.
Não apaziguou a paixão, a posse de seus beijos... De maneira nenhuma.
Inclinou sua cabeça e, deliberadamente, apertou-a com mais força e mais
profundamente. Não lhe deu piedade e não aceitou concessões.
Não se surpreendeu totalmente quando, em lugar de retroceder para um
ponto seguro, correspondeu-o, tomando toda sua paixão, absorvendo-a, e depois
devolvendo.
Desta vez, Royce estava preparado. Movendo-se contra ela, usou seus quadris
para prendê-la contra a parede; liberou suas mãos, desceu seus braços e levou os
dedos até os pequenos botões que corriam da parte superior de seu vestido negro até
a cintura.
Estava tão absorta no beijo, em incitá-lo e excitá-lo, que não percebeu que
Royce abrira seu vestido. Um movimento aqui, outro lá, e os nós do laço de sua regata
estavam desfeitos. O duque colocou ambas as palmas em seus ombros, abrindo o

167
corpo do vestido, empurrando o delicado tecido de sua regata para baixo com as
mãos, para depois rodear seus seios com elas. Minerva ofegou, tremendo literalmente
enquanto ele a possuía descaradamente... Enquanto se encarregava de novo do beijo,
enchendo sua boca outra vez e deixando que sua atenção passasse às cálidas e firmes
colinas sob suas mãos.
Para fazer o que desejasse com eles, saboreando tatilmente a fina pele,
usando a ponta de um de seus dedos para percorrer a auréola de cada mamilo e
excitando-a ainda mais.
Então fechou as mãos de novo, sentiu que ela puxava o ar e o continha
enquanto brincava, possuía, amassava. Minerva se moveu, insinuantemente; ele
sentiu que algo no interior da jovem (na tensão de seu esbelto corpo) relaxava,
mudava. Suas mãos revoaram até colocar-se de cada lado da cabeça de Royce, e então
uma deslizou até sua nuca, com os dedos enrolando-se em seu cabelo, agarrando-se a
ele convulsivamente enquanto fechava o dedo e o polegar sobre seus mamilos e os
retorcia. Com a outra mão, o acariciou brandamente, percorreu-o, e depois embalou
sua bochecha e sua mandíbula.
Segurando-o brandamente.
Primeira capitulação. Mas Royce queria muito mais, apesar de que, naquela
noite, não pegaria tudo o que queria dela.
Rompeu o beijo. Antes que ela pudesse reagir, com sua cabeça empurrou a de
Minerva para o lado, e colocou seus lábios sobre o sensível ponto junto a sua orelha e
desceu pela longa linha de sua garganta, parou para lamber o ponto em sua base onde
seu pulso pulsava freneticamente, depois desceu mais, com seus lábios e sua boca,
com sua língua e seus dentes, reclamando o que suas mãos já tinham.
Com a cabeça contra a parede e os olhos fechados, Minerva ofegou e
estremeceu; sentia sua mente e seus sentidos fragmentarem-se sob o assalto de
Royce. A sensação de seus duros lábios sobre sua pele, o úmido calor de sua boca
aplicado a seus doloridos mamilos, o rude roce de sua língua, a quente tortura quando
a sugou, rasgando a prudência que ainda ficava e pulverizando-a longe.
Mordiscou-a; o prazer e a dor se combinaram brevemente, ardendo
calorosamente.

168
Estava ofegando, excitada e abandonada, incapaz de pensar, com seus
sentidos nublados por uma rajada de calor; necessidade, desejo e paixão eram um
desejo penetrante em seu ventre.
Royce se afastou e levantou a cabeça. Suas mãos reclamaram seus seios, seus
dedos substituíram a seus lábios, e continuou brincando, para distraí-la enquanto
estudava seu rosto através da cálida penumbra, avaliando-a...
Minerva sentiu o peso de seu olhar, sentiu seu domínio, mas não queria abrir
os olhos... Levantou os pesadas pálpebras apenas o suficiente para, através de seus
cílios, vê-lo olhando-a.
Seu rosto era mais duro, mais severo do que nunca fora, com a luxúria e o
desejo gravados em seus já afiados traços.
Royce a olhou aos olhos.
Passou um segundo, e então uma de suas mãos deixou seu seio e, com a
palma pressionada contra seu corpo, desceu lentamente. Royce manteve seu olhar
enquanto, com a mão estendida, detinha-se em sua cintura para pressionar... Logo
essa mão desceu ainda mais, e o sussurro de seu vestido foi uma provocadora
advertência enquanto pressionava seus longos dedos no oco entre suas coxas.
Minerva estremeceu, mordeu o lábio e fechou os olhos, teria cambaleado se
ele não estivesse sustentando-a contra parede.
Seus dedos a acariciaram e após pressionaram com mais força, mais
profundamente; seu vestido fez pouco para atenuar o efeito da carícia íntima. A mão
que tinha em seu seio continuava brincando despreocupadamente, exaltando seus
sentidos, embora a maior parte da consciência que tinha encerrada em sua excitação
emanava do lugar que estava acariciando entre suas coxas.
Minerva liberou seu lábio, engolindo o fôlego desesperadamente... Sentiu que
os dedos dele a sondavam, e se cravou os dentes sobre o lábio inferior de novo
enquanto seus sentidos literalmente davam voltas e voltas.
Royce se inclinou mais sobre ela, com um duro quadril tocando-a enquanto
seus dedos continuavam acariciando sua suave carne. Baixou a cabeça e sussurrou em
seu ouvido:
—Geme para mim, Minerva.

169
Estava totalmente segura de que não o faria, de que aquela era uma rendição
que ele não ia conseguir. Com os olhos ainda fechados, negou com a cabeça.
Apesar de não poder vê-lo, soube que seus lábios se curvaram enquanto dizia:
—Dê-me tempo. Você fará.
Tinha razão; o fez. E não apenas uma vez.
Royce sabia muito, era muito perito, tinha muita experiência, para que ela se
mantivesse firme ante ele. Seus dedos acariciaram, beliscaram, sondaram
languidamente até que esteve total e insensivelmente desesperada por algo que ela
não podia compreender totalmente, não até que, com sua ansiosa aceitação, ele
levantou sua saia e colocou sua mão, seus dedos, pele contra pele, contra sua úmida e
torcida carne.
Então soube. Então descobriu que podia fazê-la gemer, que podia fazer que
seus sentidos se esticassem ainda mais, até o sensual limite no que, tremendo,
esperassem uma liberação.
Royce empurrou seus dedos, primeiro um, logo outro, audazmente, no
interior de sua vagina; introduziu-os profundamente e lhe deu o que queria.
Mais prazer, mais sensação, mais delícia; a penetração íntima, seus duros
dedos escorregadios e sua paixão, penetrando-a repetitiva e profundamente,
enchendo-a, dirigindo-a e fazendo-a gemer.
Não havia volta atrás; seus sentidos, seus nervos, começaram a desenredar-se.
Royce fechou seus lábios sobre os dela, tomou seu fôlego enquanto seus
dedos a acariciavam profundamente... E sua palavra se despedaçava. Minerva se
desfez, seus nervos se quebraram, o calor e a sensação se fragmentaram, voando
através de seu corpo, descendo por suas veias como pedacinhos de cristal líquido,
flamejando quente e brilhante em todas partes sob sua pele, antes de reunir-se em
seu ventre.
Passaram longos minutos antes que seus sentidos voltassem. Seu primeiro
pensamento foi que, se não a tivesse beijado ao final, haveria gritado.
Então percebeu que Royce retrocedera, que tinha retirado sua mão de entre
suas coxas e deixado que sua saia caísse. Estava junto a ela, apoiado na parede com
um de seus ombros. Sua outra mão ainda acariciava languidamente seu seio nu.

170
Minerva se obrigou a abrir as pálpebras e virou a cabeça para olhá-lo. Ele
estava observando sua mão sobre seu seio, mas sentiu o olhar de Minerva e levantou
os olhos.
Ela olhou no interior dos seus, e o que viu... Fê-la estremecer.
Royce não tentou esconder suas intenções; deixou-as viver em seus olhos e
permitiu que ela as visse.
Franziu o cenho. Umedeceu seus inchados lábios.
Antes que pudesse dizer algo, Royce se separou da parede e se colocou em
frente a ela; retirou a mão de seu seio e começou a abotoar rapidamente os botões
que abrira antes.
O duque sentiu seu olhar sobre seu rosto, mas não a olhou, porque sabia sem
olhá-la o que estava passando por sua mente... Que ela estaria chegando à conclusão,
corretamente, de que ele estava jogando um longo jogo.
Não só a queria sob seu corpo, não só queria aliviar sua dolorosa ereção na
suave carne que acabava de explorar e reclamar como dele. Queria-a em sua cama,
disposta e desejosa. Não porque tivesse afligido seus sentidos até o ponto de que
sabia o que estava fazendo. Queria vê-la estendida sobre seus lençóis, queria que
estendesse seus braços, que separasse suas longas pernas e que o recebesse em seu
corpo.
Conscientemente. Com conhecimento total de suas ações e de suas
repercussões.
Desejava aquilo (sua completa, absoluta, inequívoca e desejosa rendição) mais
do que precisava de um alívio temporário. Tomá-la agora não proporcionaria esse
prêmio.
Era um estrategista, um homem de táticas, sobretudo, inclusive naquele
arena.
Quando terminou de abotoar o vestido, olhou-a no rosto, e descobriu que
tinha o cenho franzido. Estava seguro de que, quando chegasse a manhã, ela calcularia
sua tática.

171
Era parte de sua família desde os seis anos; agora tinha vinte e nove. Não
havia possibilidade de que, nos últimos anos, não tivesse algum amante, certamente,
animada por sua própria mãe.
O que significava que o interlúdio que acabavam de compartilhar deveria ter
despertado de novo sua paixão.
As mulheres, inclusive aquelas com necessidades sexuais tão fortes como as
suas próprias, podiam aguentar muito mais tempo que os homens sem alívio. Quase
como se pudessem fazer com que suas paixões hibernassem.
Mas, uma vez que voltavam a despertar, uma vez que a liberação sexual
pendia de novo ante seus sentidos...
A única coisa que precisava fazer era aumentar a pressão, e ela iria a ele por
vontade própria.
Guiar e planejar o interlúdio que seguiria lhe permitiu retroceder, escoltá-la
(ainda aturdida e assombrada) de sua sala através do corredor até a porta de seu
dormitório.
Abriu-a e deu um passo para trás.
Minerva parou e o olhou aos olhos.
—Não vai entrar.
Seus lábios se curvaram, mas inclinou sua cabeça.
—Como deseja. Nada mais longe de minha intenção que forçá-la.
Minerva sentiu que suas bochechas ardiam. No que acabava de acontecer,
embora ele pudesse ser o instigador, ela foi igualmente participante. Mas de maneira
nenhuma ia discutir com a veia cortês que o havia possuído. Tão arrogantemente
como pôde, inclinou a cabeça.
—Boa noite.
—Até a próxima vez.
O sombrio murmúrio a alcançou enquanto atravessava a porta. Virou-se e
olhou atrás. Com decisão, declarou:
—Não haverá uma próxima vez.
Sua suave e sombria risada deslizou como um pecado sobre sua avermelhada
pele.

172
—Boa noite, Minerva — A olhou aos olhos. — Durma bem.
Com isto, afastou-se, caminho de seus aposentos.
Minerva fechou a porta, e apoiou as costas contra ela.
Durante um minuto deixou que as sensações que lhe proporcionara se
reproduziram de novo em sua mente.
Sentiu de novo seu poder.
Que o céu a ajudasse... Como ia manter-se firme ante ele?
Mais ainda, como ia manter-se firme ante ela mesma?

173
CAPÍTULO 09

Apesar das frustrações físicas daquela noite, Royce estava em um humor


equânime enquanto, na manhã seguinte, repassava sua correspondência com Handley
no escritório.
Embora não tivesse experiência seduzindo damas inseguras ou pouco
dispostas, sua governanta, graças a Deus, não era nem um nem o outro. Convencê-la
de que se metesse em sua cama não exigiria palavras doces, bajulações ou longos
olhares, não tinha que brincar com sua sensibilidade; na noite anterior, fora
simplesmente o homem, o antigo senhor que ela já sabia que era e obteve êxito.
Surpreendentemente.
Talvez não terminasse em sua cama, mas apostaria o ducado que tinha
pensado nisso. Que o tinha considerado.
Seu caminho adiante estava agora claro como o cristal, e, uma vez que
desfrutasse de sua cama exaustivamente, uma vez que ela fosse sua até a
profundidade de sua alma, ele a informaria que ia ser sua duquesa. Poderia enquadrar
sua oferta como o pedido por mão, mas se mantinha firme em que, por então, não
seria uma pergunta real; sobretudo, não em sua mente.
Quanto mais meditava sobre seu plano, mais gostava; com uma mulher como
ela, quanto mais cordas tivesse enlaçando-a a ele antes de mencionar casamento,
melhor; menos possibilidades teria de que pusesse alguma objeção. As grandes damas
possivelmente estavam seguras de que qualquer das damas de sua lista aceitaria sua
oferta sem duvidar, mas o nome de Minerva não estava em sua lista, e (apesar de
comentar o contrário) ele não era tão vaidoso, tão arrogante, para dar seu
consentimento como coisa segura, nem agora.
Mas não tinha a intenção de deixar que negasse.
—Isto é tudo o que temos a fazer hoje — Handley, um tranquilo e decidido
homem, um órfão que foi recomendado a Royce pelo diretor da Winchester Grammar
School, que demonstrara continuar a ser merecedor da considerável confiança que
Royce depositava nele, recolheu as diferentes cartas, notas e documentos com os que

174
esteve trabalhando. Olhou para Royce. — Pediu que lhe recordasse sobre Hamilton e a
casa de Cleveland Row.
—Ah, sim — Precisava decidir o que fazer com sua casa da cidade agora que
herdara a mansão familiar de Grosvenor Square. — Diga a Jeffers que chame a
senhorita Chesterton. E será melhor que fique. Terei de enviar cartas e instruções ao
sul, sem dúvida.
Depois de enviar Jeffers à procura de Minerva, Handley voltou para a cadeira
de respaldo reto que preferia, localizada em um extremo do escritório de Royce.
Minerva entrou. Ao ver Handley, dedicou-lhe um sorriso e depois olhou para
Royce.
Ninguém veria algo incomum naquele olhar, mas Royce sabia que ela se sentia
cautelosa, atenta a qualquer sinal de agressão sexual de sua parte.
Royce devolveu o olhar e assinalou que tomasse assento em sua cadeira
habitual.
—Precisamos discutir o assunto do serviço da mansão Wolverstone, e o
melhor modo de unir o serviço de minha casa de Londres com o pessoal do ducado.
Minerva se sentou e notou que Handley, acomodado em sua cadeira, com
uma folha nova de papel em cima de seu montão e um lápis na mão, estava escutando
atentamente. Virou-se para Royce.
—Mencionou um mordomo.
Assentiu.
—Hamilton. Está comigo há dezesseis anos, e eu não gostaria de perdê-lo.
—Que idade tem?
Royce olhou para Handley, levantando uma sobrancelha.
—Quarenta e cinco?
Handley assentiu.
—Mais ou menos.
—Nesse caso...
Minerva lhes proporcionou informação sobre as propriedades Wolverstone
existentes, enquanto Royce, com as observações adicionais de Handley, dava uma
visão geral do pequeno grupo de criados que acumulara durante seus anos de exílio.

175
Dado que não tinha desejo de conservar a casa de Cleveland Row, Minerva sugeriu que
a maior parte do serviço se enviasse à casa Wolverstone.
—Uma vez que se case e tome seu lugar entre os Lordes, você e sua esposa se
entreterão muito mais ali do que foi o caso na última década... Precisará desse serviço
extra.
—Sim — Os lábios de Royce se curvaram como se algo o divertisse, mas então
viu que ela notava e deu uma olhada a suas notas. — Isso só nos deixa o destino de
Hamilton sem resolver. Sinto-me inclinado a atribuí-lo à mansão Wolverstone como
assistente para o velho Bridgehorpe. Com o tempo ficaria aqui, mas até que
Bridgehorpe esteja preparado para retirar-se, dependendo do quanto que precise
viajar entre as distintas propriedades, poderia usar Hamilton como mordomo pessoal.
Minerva elevou as sobrancelhas.
—Um que viajasse com você?
—Ele conhece minhas preferências melhor que nenhuma outra pessoa.
Ela inclinou a cabeça.
—Certo. E isso permitiria que o resto dos mordomos permanecessem em seus
postos sem provocar tensões.
Royce assentiu e olhou para Handley.
—Há algo mais?
Handley negou com a cabeça e olhou a Minerva.
—Nada mais sobre o pessoal — disse ela — mas me pergunto se pensou no
que disse sobre o moinho.
Royce franziu o cenho.
—Preciso falar com Falwell e suponho que também com Kelso, antes de tomar
qualquer decisão — Olhou para Handley. — Envie uma nota dizendo que desejo vê-los
amanhã pela manhã.
Handley assentiu, tomando nota.
À distância, soou um gongo.
—O almoço — Minerva se levantou, surpresa e aliviada por sobreviver a duas
horas completas na companhia de Royce sem ruborizar-se nenhuma só vez. Além

176
disso, excetuando aquele primeiro olhar, ele foi totalmente neutro ao interagir com
ela.
Sorriu a Handley enquanto ele e Royce se levantavam.
Handley devolveu o sorriso. Reuniu seus papéis e assentiu para Royce.
—Terei essas cartas preparadas para que as assine um pouco mais tarde.
—Deixe sobre a escrivaninha. Logo voltarei por elas — Royce olhou a Minerva
e assinalou a porta. — Adiante... Me unirei a você na mesa.
Ela inclinou a cabeça e partiu... Sentindo-se como Chapeuzinho Vermelha;
evitar caminhar sozinha pelos corredores da torre com o grande lobo mau era,
obviamente, uma ideia prudente.
Ficou surpresa quando Royce escolheu sentar-se entre lady Courtney e
Susannah na mesa do almoço. A refeição era estritamente informal, uma seleção fria
jazia em um aparador do que os convidados se serviam eles mesmos, ajudados por
lacaios e fiscalizados por Retford, antes de tomar o assento que desejavam na longa
mesa.
Flanqueada por Gordon e Rohan Varisey, com o surpreendentemente atraente
Gregory Debraigh a frente, tinha distração suficiente sem ter de preocupar-se com
Royce e suas maquinações. Aparentemente, durante o dia, enquanto ele era
Wolverstone e ela sua governanta, tinha a intenção de comportar-se com cautela.
A refeição terminou, e estava passeando com os outros pelo vestíbulo
dianteiro, quando Royce se colocou a seu lado.
—Minerva.
Quando ela parou e se virou, com as sobrancelhas levantadas, disse:
—Se tiver um momento, eu gostaria de dar uma olhada no moinho.
Possivelmente conseguiria uma melhor compreensão do problema antes de ver
Falwell e Kelso amanhã.
—Sim, é claro — Ela era a que esteve colocando pressa naquele assunto para
que fosse tratado imediatamente. — Agora?
Assentiu e assinalou a asa oeste.

177
Atravessaram os corredores, e as vozes de outros se desvaneceram à medida
que se introduziam na asa norte. Um vestíbulo lateral no extremo norte os conduziu a
uma porta que dava aos jardins mais à frente.
As terras e os sebes abriam caminho a extensões mais amplas que alojavam
árvores maiores e mais amadurecidas. Um riacho ornamental fervia junto a eles
conforme seguiam o caminho de cascalho ao longo de sua borda. Por diante, o moinho
estava construído sobre a corrente: parcialmente escondido por um grupo de
salgueiros, estava o bastante longe da casa para ser discreto, embora se encontrasse a
um passeio de distância.
Enquanto se aproximavam, Royce estudou o edifício, em parte de pedra, em
parte de madeira. Estava sobre a profunda concha, em um ponto com apenas um par
de jardas de amplitude, através do qual os diversos afluentes do Coquet corriam com
força suficiente para fazer girar a pesada roda que movia a enorme pedra de moinho.
O chão tinha uma leve inclinação, afastando do castelo até as colinas ao
noroeste, de modo que a borda oeste do rio era bastante mais alta que a borda leste.
Portanto o moinho estava construído em dois níveis. O superior, e o mais amplo, era a
seção oeste, e continha a pedra de moinho e as vigas, alavancas e engrenagens que a
conectavam à roda sobre a corrente.
O nível oeste, mais estreito e baixo, pelo qual Minerva e o duque entraram,
continha as vigas e as polias que elevavam e desciam a enorme roda; devido às partes
de gelo que desciam do Coquet com o degelo, era essencial que a roda pudesse ser
elevada por completo da corrente. A seção leste também continha cubos e aparadores
de armazenagem colocadas contra o corrimão de madeira que corria pela borda da
corrente.
A primeira colheita de milho já fora moída; a segunda ainda tinha de ser
recolhida. No momento, o moinho se mantinha em silêncio e vazio, com a roda
levantada sobre a corrente por meio de enormes vigas.
—O problema não é difícil de ver — Minerva guiou o caminho até o interior
das débeis sombras. O edifício não tinha janelas, mas a luz entrava através das três
portas abertas: pela que tinham entrado, assim como as duas a cada extremo da seção
superior oeste.

178
Royce a seguiu ao longo da continuação do caminho, agora pavimentado;
barris e aparadores formavam uma fileira a sua esquerda, deixando o muro exterior de
pedra e madeira a sua direita. O ruído da água se amplificava no interior, enchendo
seus ouvidos. Os aparadores eram de grande tamanho; quando olhava sobre as partes
superiores, seus olhos estavam ao nível do chão da seção oeste.
Adiante, além de onde terminavam os aparadores, Minerva parou aos pés de
uma prancha inclinada que conectava as duas seções do moinho.
Assentiu, assinalando a prancha.
—Isso é novo — Ali sempre houve uma prancha, mas as que recordava eram,
literalmente, pranchas, não aquela tabela de madeira com pregos e um robusto
corrimão em um de seus lados. Deteve-se junto a Minerva, examinou as dobradiças, as
cordas e as polias unidas à prancha, que a conectavam com o chão da seção oeste e o
corrimão. — E inclusive sai do caminho.
Para que a roda pudesse ser descida e elevada, a prancha normalmente
precisava ser deslocada também.
—Depois de substituir a velha prancha três vezes (já sabe com que frequência
caía ao rio quando tentavam levantá-la), Hancock desenhou isto — Minerva começou
a cruzar a estreita plataforma. — Não teve de repará-la após.
—Uma estimável melhora — Royce a seguiu.
—Que é o que podemos fazer com isto — Abandonou o extremo superior da
prancha, e Minerva estendeu os braços, abrangendo toda a seção oeste com chão de
madeira em cujo centro estava a circular pedra de moinho apoiada por um pedestal de
pedra; o pedestal continuava através do chão até a terra debaixo.
Royce caminhou até a pedra de moinho, deixando que seu olhar vagasse ao
redor da área que de outro modo estaria vazia e logo levantou uma sobrancelha.
—Como expliquei — continuou — como precisamos manter as portas abertas
todo o tempo, no verão e no inverno, é impossível armazenar nada aqui. O milho se
mói, recolhe-se e se ensaca... E depois, todos os dias, tem de ser transladado, ou até os
porões do castelo ou até os celeiros dos granjeiros. Se fecharmos as portas para evitar
que os animais entrem, o milho começa a mofar em apenas um dia. Além disso,
preservar a pedra de moinho durante o inverno é uma batalha sem fim. Dá igual o que

179
tenhamos tentado, precisam-se semanas de preparação cada primavera antes que
possamos usá-lo sem arriscar o milho.
—O mofo, de novo? — Retornou ao corrimão junto ao rio.
—O mofo, os cogumelos... Chegamos a ter inclusive cogumelos crescendo
nele.
Passou uma mão pelo corrimão e fez uma careta.
—Muita umidade.
—Se fecharmos as portas, às vezes é tanta que se formam gotas.
Olhou-a.
—E qual é sua solução?
—Hancock está de acordo comigo em que, se pusermos um muro de madeira
ao longo da corrente, podemos alcatroá-lo e deixá-lo impermeável. Além disso,
teríamos que arrumar as gretas dos muros exteriores e o telhado e ao redor do
pedestal e pôr tábuas extra nas portas, para evitar que o ar úmido entre. E Hancock
recomenda energicamente, como eu, pôr painéis de vidro nas portas do sul, de modo
que o sol possa entrar e manter quente e seco o que haja no interior.
Royce olhou a seu redor.
—Feche essas portas — Assinalou o par no extremo norte do edifício e
caminhou até o conjunto maior no lado sul. Esperou até que Minerva, franzindo o
cenho, teve fechado as portas do norte, cortando a luz que entrava desde essa
direção.
O sol que entrava pelas portas da zona este não chegava ao lado oeste. Royce
fechou uma das portas do sul, bloqueando a metade do sol que estava entrando e
depois, mais lentamente, fechou a outra, contemplando como o raio de sol se
estreitava até que era um magro fio.
Fechou a porta completamente e percorreu a linha que o sol tinha percorrido
até onde terminava justo ante a pedra de moinho. Parou e voltou a olhar as portas e o
muro sobre elas, que chegava até o teto.
Minerva se colocou a seu lado.
—Em quanto vidro está pensando Hancock?
O vidro era caro.

180
—Ao menos dois painéis, um sobre cada porta, ao menos da metade da
amplitude de cada porta.
Observou Royce enquanto estudava o muro e depois se virou e olhou a pedra
de moinho.
—Deveríamos cobrir de vidro tanto daquele muro como fosse possível.
Minerva piscou.
Royce a olhou e arqueou uma sobrancelha.
Rapidamente, ela assentiu.
—Isso, definitivamente, seria o melhor — Não o sugeriu porque não
acreditava que ele fosse estar de acordo.
Uma sutil curva em seus lábios sugeriu que havia imaginado, mas tudo o que
disse foi:
—Bem — Se virou, olhou a pedra de moinho e logo a rodeou, examinando-a.
Minerva olhou a zona sobre a porta, estimando o tamanho, e então decidiu
que deveria voltar a abrir as portas do norte, voltou-se e caminhou... até Royce.
Até seus braços.
Não se surpreendeu.
A ele tampouco.
Soube... O malicioso brilho de seus olhos, o sorriso triunfante de seus lábios, e
o fato de que estavam sozinhos no moinho, a muita distância do castelo, com as portas
fechadas...
Beijou-a. Apesar de seus rápidos pensamentos, ela não teve mais que uma
advertência instantânea. Tentou resistir, tentou esticar-se enquanto seus braços a
rodeavam, tentou fazer com que suas mãos, instintivamente colocadas contra o peito
do Royce, afastassem-no...
Mas não ocorreu nada. Ou melhor dizendo, durante um longo momento só
ficou ali, deixando que ele a beijasse... Saboreando de novo a pressão de seus lábios
sobre os dela e o sutil calor de seus corpos. Minerva quase não podia acreditar que
estivesse acontecendo de novo. Que ele a estivesse beijando de novo.
Em uma onda de surpreendente clareza, percebeu que realmente não chegou
a acreditar no que acontecera na noite anterior. Fora precavida, manteve-se todo o dia

181
vigilante, mas realmente não se permitiu reconhecer, não conscientemente, o que
ocorrera na sala matinal na noite anterior.
E agora ia ocorrer de novo.
Antes que o pânico pudesse reunir-se em seu ventre e sua vontade, o fez
retroceder para tentar mostrar uma resistência efetiva a seus lábios firmes, duros e
famintos... Mas foi inútil. No momento em que o duque entrou, como um
conquistador, em sua boca, ela sentiu toda sua intenção... E teve a absoluta certeza de
que não tinha esperança alguma de detê-lo porque mais da metade dela não queria
fazê-lo.
Porque uma parte muito grande dela o desejava. Desejava descobrir,
experimentar, saborear a ele e tudo o que pudesse mostrar, abraçar o momento e o
prazer e a delícia que este proporcionaria.
Desejava abrir-se àquilo e a Royce, para explorar as possibilidades que havia
sentido a noite anterior, para seguir a persistente necessidade de sua teimosia por ele
e de todos os sonhos que sempre tivera sobre um momento tão ilícito como aquele.
Com ele.
Inclusive enquanto este pensamento ressonava em seu interior, sentiu a
escura seda do cabelo de Royce deslizando entre seus dedos e percebeu que, uma vez
mais, estava devolvendo o beijo, de que obteve êxito, uma vez mais, excitando-a, com
aquele desejo interior que apenas ele havia tocado alguma vez, desejando sair à
superfície para brincar.
Porque aquilo era um jogo. Uma súbita sensação de regozijo a apanhou e se
moveu contra ele, e depois, de um modo totalmente descarado, acariciou sua língua
com a dela.
Royce devolveu o favor, e sua boca, seus lábios e sua língua fizeram coisas que
Minerva sabia perfeitamente que deviam ser pecado. Os braços do duque se
esticaram, como bandas de aço fechando-se para levar seu ardente corpo contra o
dela, e suas mãos revoaram, percorrendo-a, esculpindo provocadoramente suas
curvas, delineando seus quadris, e mais embaixo, atraindo-a mais perto, moldando
seus quadris contra suas duras coxas, com a rígida haste de sua ereção imprimindo-se
em seu muito mais suave ventre.

182
Já perdida no beijo, em seu abraço, sentiu que seu fogo interior saltava de
uma chama a um incêndio completo. Sentiu-se quente e depois se mesclou com isso,
converteu-se em parte disso conforme se estendia e a consumia.
Sentiu-se como uma amalucada criatura enquanto se deixava escapar, com os
sentidos alerta, compenetrada, enquanto deixava que o feroz vórtice que ele estava
orquestrando a arrastava.
Em certo momento, os braços de Royce aliviaram sua pressão; suas mãos
seguraram sua cintura, a fez virar e a recostou sobre a pedra de moinho.
O próximo que Minerva soube (o próximo momento no que seus sentidos
saíram à superfície da tormenta de fogo e prazer que estava provocando) foi que
estava recostada sobre suas costas, com a tosca rocha sob seus ombros, quadris e
coxas, seu vestido totalmente aberto, e que o duque estava dando um festim com seus
seios nus inclusive mais sugestivamente, mais intensamente e com maior habilidade,
do que como fizera na noite anterior.
Quando Royce se retirou para olhar a carne que tão profundamente possuíra,
Minerva foi capaz de levantar-se sobre a névoa de prazer em que ele a envolvera.
Estava presa nela... Embora não pudesse negar que não fosse uma prisioneira muito
disposta.
Estava ofegando, respirava com dificuldade; sabia que havia gemido. Suas
mãos descansavam murchas sobre os braços de Royce; perderam toda a sua força com
o que lhe estava fazendo. Seus escuros olhos a percorriam; podia sentir o calor de seu
olhar, muito mais quente que sua própria e nua pele.
Mas foi seu rosto o que, nesse momento, sustentou-a: os duros traços, os
compridos ocos de suas bochechas, o queixo quadrado e a ampla fronte, seu afiado
nariz, a decidida linha de seus lábios... A expressão que, durante um instante sem
restrição, gritou com possessiva luxúria.
Foi isso, tinha que ser; o reconhecimento a fez retorcer-se ansiosamente em
seu interior. Sob sua mão, agitou-se inquieta.
O olhar de Royce subiu; seus olhos se encontraram com os dela um instante, e
depois voltou a olhar seus seios, baixou a cabeça... E com calculada intensidade a
lançou de novo para as chamas.

183
Minerva não protestou quando Royce levantou as capas de seu vestido até
sua cintura. O roce do ar em sua pele deveria ser frio, mas em lugar disso Minerva
estava já ardendo.
Desejando já o toque de sua mão entre suas coxas. Quando chegou, suspirou.
Mas não podia relaxar, conteve seu fôlego em um meio gemido, com os dedos
agarrando a manga de sua camisa enquanto seu corpo se arqueava, suplicando
ansiosamente enquanto a acariciava.
Queria os dedos de Royce em seu interior de novo. Isso ou... Ela sempre se
perguntou por que, como podiam deixar-se convencer as mulheres para acomodar a
dura e forte realidade da ereção de um homem, que loucura as possuía para permitir,
e muito menos convidar, que tal coisa as penetrasse lá... Agora sabia.
Definitivamente, sabia; definitivamente, ardia com um desejo que nunca
pensara em sentir.
Sem fôlego, com uma voz que já não era dela, lutou para encontrar um modo
de comunicar aquele fogo, aquele desejo que cada vez se tornava mais urgente,
quando o duque liberou o torturado mamilo que esteve sugando e deslizou para o
lado, colocando sua cabeça sob a borda de sua enrugada saia... Minerva ofegou,
estremeceu, quando sentiu a carícia de seus quentes lábios sobre seu umbigo.
Então sentiu que sua língua a acariciava, que a provava e que depois
começava a empurrar e retroceder lentamente; estremeceu e, com os olhos fechados
com força, afundou uma mão em seu cabelo enquanto, entre suas coxas, os dedos de
Royce a acariciavam com o mesmo ritmo.
Estava tão profundamente presa naquela teia de quente delícia, de quente
prazer que ele estava enviando por suas veias, que mal percebeu que Royce retrocedia
e separava suas coxas.
O que quebrou aquela neblina foi o roce de seu olhar quando, sentindo-a,
quase incrédula, abriu seus olhos e o viu estudando-a, examinando, a úmida e torcida
carne que as pontas de seus dedos estavam percorrendo.
Os olhos de Minerva se cravaram em seu rosto, cativos pelo que viam... A
absoluta necessidade, a abrasadora intenção de possuí-la, de possuir tudo dela, que
estava gravada tão claramente em seus traços.

184
A visão roubou o pouco fôlego que restava encerrado em seus pulmões e a fez
sentir-se enjoada.
—Está pronta para gritar?
Royce não levantou o olhar, não a olhou nos olhos. Minerva franziu o cenho;
ainda não gritara ou só o fizera em sua mente.
O duque a olhou um breve instante e logo baixou sua cabeça. E substituiu seus
dedos com seus lábios.
Minerva ofegou, arqueou-se, e, se afastaria se ele não a tivesse bem presa,
com os lábios cravados sobre ela para poder lambê-la e sugá-la.
E saboreá-la. Pensar nisso levou um gemido a seus lábios. Fechou as
pálpebras, deixou que sua cabeça caísse para trás e tentou respirar, tentou fazer frente
àquilo; não tinha outra opção mais que, com os punhos fechados sobre seu cabelo,
cavalgar a onda de aguda delícia que ele estava enviando através de seu corpo.
Que com perita habilidade converteu em uma poderosa e ensurdecedora
força que a percorreu com uma feroz tempestade de prazer.
Tentou conter um grito quando a ponta de sua língua rodeou e acariciou o
tenso botão de seu desejo, mas apenas teve êxito parcialmente. Suas coxas tremiam
enquanto sua língua continuava acariciando-a...
Suas costas se arquearam sem remédio enquanto ele a deslizava em seu
interior.
Minerva estremeceu e gritou enquanto Royce introduzia sua língua mais
profundamente em seu interior.
Desfez-se com um calafrio, com ondas de gemidos enquanto sua boca se
exercitava sobre ela, nela.
Enquanto a tormenta passava por ela, atravessando-a, deixando-a totalmente
necessitada e esgotada, Royce continuou lambendo o néctar enquanto saboreava a
gradual distensão de suas coxas, a lenta maré de relaxação que a estava atravessando.
Ao final retrocedeu, olhou seu rosto (o de uma mulher totalmente satisfeita) e
sorriu.

185
Procurou os botões de seu vestido e cuidadosamente os fechou. Um
movimento de suas mãos enviou suas saias abaixo de novo, cobrindo suas longas e
ágeis pernas. Não fazia sentido seguir atormentando-se; aquilo não era sua cama.
Era uma tática, uma estratégia, e estava ganhando a guerra.
Levantou-se e abriu as portas do norte, e então, uma vez que se assegurou de
que seu vestido estava totalmente em seu lugar, abriu as grandes portas do sul
também. O sol da tarde entrou; ficou ali um momento, ignorando a persistente dor em
suas virilhas, e olhou o castelo. Podia ver as muralhas da torre, particulares e proibidas
para todos os convidados, mas as janelas inferiores estavam escondidas pelas árvores.
Ao voltar para o castelo, estariam longe de qualquer olho interessado até que
estivessem perto de seus muros.
Por querer que ela consentisse em casar-se com ele porque o desejasse tanto
como ele a desejava, manter sua relação em segredo era imperativo; decidira que, na
equação, não haveria pressão social de nenhum tipo. Depois de assegurar-se, virou-se
para ela.
No instante no que ela se recompôs, tomou sua mão e a ajudou a ficar em pé,
segurando-a até que, com seu braço apoiado no dele, pôde caminhar a seu lado.
Guiou-a para o interior, dirigindo-se ao castelo através do caminho ao longo
da borda oeste da corrente.
Minerva se sentia... Distante. Leve, como flutuando. Tinha as extremidades
deliciosamente relaxadas.
Se nada mais, agora sabia, sem dúvida, que Royce era um perito naquele
jogo... O que a fez perguntar-se por que não se aproveitou e procurou sua própria
liberação em seu desejoso e ofegante corpo.
O corpo que ele reduziu a uma desejosa disposição com carícias que, durante
o resto de sua vida, fariam-na ruborizar-se.
À medida que o calor crescia em suas bochechas, franziu o cenho
interiormente; seus traços estavam ainda muito afetados para que pudesse controlar
sua expressão.

186
—Porque quero ter você nua em minha cama ducal — Fez essa afirmação com
total naturalidade enquanto caminhava a seu lado, olhando o castelo. — É lá onde
pretendo me afundar em seu interior e enchê-la, pela primeira vez.
Uma onda de irritação lhe deu a suficiente força para virar a cabeça e
entreabrir os olhos até que ele, com os lábios ligeiramente curvados, olhou-a.
Minerva o olhou nos olhos, tão sombrios como o pecado e ainda muito
frágeis, e descobriu que não tinha nada a dizer. Chegaram a uma ponte que cruzava a
corrente, que agora era um riacho mais largo; soltando o braço de Royce, apoiou-se no
corrimão e começou a cruzar. Precisava pôr espaço entre ambos.
—Com o risco de soar muito arrogante, tenho a impressão de que não estava
acostumada a... Às pequenas delicadezas da vida.
Seu tom deixou claro a que se estava referindo: às pequenas delicadezas da
vida, é óbvio!
—É óbvio que não. Fui a confidente de sua mãe e a governanta de seu pai
durante os últimos onze anos. Como ia conhecer tais coisas?
Olhou-o e viu que estava ligeiramente surpreso.
—Precisamente essas mesmas razões motivaram a minha pergunta.
Ela olhou para frente, embora sentisse seu olhar em seu rosto.
—Suponho que seus amantes passados não eram tão... Digamos,
imaginativos.
Seus amantes passados eram inexistentes, mas não ia dizer isso a ele... Que
tinha conhecido mais mulheres do que se podia contar. Literalmente.
Que ele, perito como era, não detectasse sua inexperiência, deixou-a
sentindo-se levemente satisfeita. Procurou em sua mente uma resposta adequada.
Enquanto abandonavam a ponte e entravam no caminho, cada vez mais perto do
castelo, começou a sentir-se ela de novo e inclinou a cabeça em sua direção.
—Suspeito que poucos homens são tão imaginativos como você.
Estava segura de que aquilo era a verdade, e, se provocava que ele se sentisse
orgulhoso e pensasse que avançava em sua empresa, muito melhor.
Depois da derrota da tarde precisaria evitá-lo mais ainda. Ele pensava que ela
teve amantes.

187
Além disso, os Varisey são sorrateiros, dissimulados e pouco dignos de
confiança no referente a qualquer coisa que quiseram; Royce era totalmente capaz de
fazer um elogio indireto como esse com a esperança de abrandar seu cérebro.
Que, no que concernia ao duque, já estava suficientemente brando.

Mais tarde, naquela noite, tão tarde que a lua estava cavalgando o negro céu
sobre os Cheviots, projetando um opalescente brilho sobre todas as árvores e rochas,
Minerva estava na janela de seu dormitório e, com os braços cruzados, olhava sem ver
a sugestiva paisagem.
A porta estava fechada; suspeitava que Royce sabia abrir as fechaduras, assim
deixou a chave na fechadura e a girou totalmente, e depois passou um lenço a seu
redor, só para assegurar-se.
Passara a tarde com o resto de damas, pendurada em suas saias,
metaforicamente. Embora sua sala estivesse na mesma torre, frente aos aposentos
matinais da duquesa, não muito longe dos aposentos ducais e da cama de Royce,
escoltara os convidados pelas escadas principais da torre e assim conseguiu chegar à
sua porta enquanto as damas com quartos nesta asa passavam junto a ela.
Royce percebera sua estratégia, mas, além de um sorriso em seus lábios, não
fez nenhum outro gesto.
Ela, entretanto, ia tomar medidas contra ele.
A especulação das damas reunidas depois do jantar, no salão, antes que os
homens se unissem a elas, ressaltara o que não precisava que lhe recordassem: todas
estavam esperando descobrir a quem escolhera como sua esposa.
E, um dia destes, descobririam.
E então onde ficaria ela?
—Malditos sejam todos os Varisey... Sobretudo ele! — O sentimento
murmurado aliviou um pouco de sua ira, mas a maior parte estava dirigida contra ela
mesma. Sabia tudo o que precisava saber; do que não se deu conta é de que tomaria
sua estúpido teimosia e, com um par de luxuriosos beijos e um par de carícias ilícitas, a
converteria em um entristecedor desejo.

188
Em um abrasador desejo... O tipo de desejo que queima.
Sentia-se como se estivesse a ponto de entrar em combustão. Se a tocasse, se
a beijasse, faria... E sabia aonde conduziria isso. Inclusive ele o havia dito... A sua cama
ducal.
—Uhm! — Apesar do desejo (que agora, graças a ele e à sua habilidade, era
um desejo desesperado) de experimentar em sua própria pele tudo o que sempre
tinha sonhado, apesar de seu abrasador desejo de jazer sob seu corpo, havia uma
igualmente poderosa consideração que, sem importar aquele maldito desejo, a fazia
manter-se firme em sua decisão original de não ocupar nunca sua cama.
Se o fizesse... Não se converteria sua teimosia, sua obsessão, seu desejo, em
algo mais?
Se o fizesse...
Se alguma vez fizesse algo tão estúpido como apaixonar-se por um Varisey (e
por ele, em concreto) mereceria toda a devastação emocional que estava garantido
que seguiria.
Os Varisey não amavam. Todo mundo sabia.
No caso de Royce, se sabia que suas amantes nunca duravam muito, que
indevidamente passava de uma a outra, e depois a outra, sem compromisso de
nenhum tipo. Ele era um Varisey dos pés à cabeça e nunca simulara ser outra coisa.
Apaixonar-se por um homem assim seria uma estupidez injustificável.
Suspeitava que, em seu caso, seria uma espécie de auto imolação emocional.
Assim não ia arriscar (não podia permitir-se) cair em sua sedução, em seu jogo
sexual.
E, embora possivelmente estivesse lutando contra um mestre, tinha uma boa
ideia de como evitar seus assaltos... De fato, ele mesmo lhe dera a pista.
Considerou o modo e os métodos. Pensando bem, não possuía tão poucas
defesas como pensava.

189
CAPÍTULO 10

Na manhã seguinte, começou sua campanha para proteger seu coração da


tentação de apaixonar-se por Royce Varisey.
Sua estratégia era singela; tinha de manter-se tão longe como fosse possível
da cama ducal.
Minerva o conhecia; era inflexível, por não dizer teimoso. Dado que declarou
que a primeira vez que a teria seria na enorme cama, sempre que se mantivesse longe
de seu quarto, e daquela cama, estaria a salvo.
Depois de tomar o café da manhã com o resto de convidados em vez de fazê-
lo no salão particular da torre, enviou uma mensagem aos estábulos para que
preparassem a carruagem, desceu à cozinha e encheu uma cesta com uma seleção de
conservas de fruta dos hortas do castelo e logo se encaminhou para os estábulos.
Estava esperando que terminassem de preparar a carruagem quando Sabre
chegou cavalgando, com Royce em sua garupa.
Deteve o cavalo e a estudou.
—Aonde vai?
—Tenho de visitar algumas granjas familiares.
—Onde?
—Perto de Blindburn.
O olhar do duque desceu até Sabre. Estava cavalgando no garanhão há
bastante tempo e precisaria de outro cavalo se decidisse ir com ela; a pequena
carruagem não podia levar a ambos e a cesta.
Olhou-a.
—Se esperar enquanto preparar minha carruagem, iremos ambos nela. Eu
gostaria de conhecer essas granjas.
Minerva considerou e assentiu.
—Está bem.

190
Royce desmontou, com um par de ordens dispôs que Henry e dois cavalariços
preparassem seus dois corcéis negros e a carruagem, enquanto outros tiravam os
arreios do velho cavalo da carruagem de Minerva.
Quando esteve tudo preparado, a governanta deixou que ele pegasse sua
cesta e a colocasse sob o assento, depois a ajudou a subir; ela se lembrava de seus
endemoninhados cavalos... Com eles ao final das rédeas, o duque não poderia lhe
dedicar nenhuma atenção.
Nem poderia tentar seduzi-la.
Royce subiu junto a ela e, com um giro de seu pulso, pôs os cavalos a galope; a
carruagem saiu do pátio do estábulo, entrou no caminho e se dirigiu a Clennell Street.
Vinte minutos mais tarde, chegaram a um grupo de casas baixas de pedra
agrupadas contra uma colina. Royce se sentiu aliviado quando seu par de corcéis
conseguiu subir o inclinado declive sem quebrar nenhuma pata.
Parou os cavalos na borda de uma zona plana entre as três casinhas.
Instantaneamente, apareceram crianças em cada abertura, alguns inclusive saindo das
janelas. Todos tinham os olhos arregalados pelo assombro. Rapidamente, reuniram-se
a seu redor, olhando os cavalos.
—Oooooh! — Exclamou um menino. — Aposto que correm como loucos.
Minerva desceu e pegou sua cesta. Olhou para Royce.
—Não demorarei muito.
Um súbito sentimento (poderia ser pânico) assaltou-o ante a ideia de que o
deixassem à mercê de um grupo de crianças durante horas.
—Quanto tempo é "muito"? — Com um sorriso, Minerva se dirigiu às casas.
Todos as crianças fizeram coro de um educado "bom dia, senhorita Chesterton", ao
que ela respondeu com um sorriso, mas os meninos imediatamente voltaram a fixar
sua atenção em Royce... Ou melhor dizendo, em seus cavalos.
Viu que o grupo cada vez se aproximava mais; havia crianças que mal
aprenderam a andar, e outras o suficiente grandes para trabalhar nos campos...
Fossem quais fossem as idades às que estas descrições pudessem ser traduzidas. O
duque teve pouca relação com crianças de qualquer tipo, ao menos desde que ele
mesmo fora um deles; não sabia o que dizer, nem o que fazer.

191
Seus brilhantes e curiosos olhares foram de seus cavalos a ele, mas, no
instante no que o descobriam olhando-os, voltavam a olhar os cavalos. Revisou sua
primeira conclusão; estavam interessados nele, mas era mais fácil aproximar-se dos
cavalos.
Ele era seu duque; eles eram seus futuros trabalhadores.
Preparou-se mentalmente e, movendo-se lenta e deliberadamente, amarrou
as rédeas e depois desceu e acariciou as cabeças dos cavalos. Algumas das crianças
eram muito pequenas, e os corcéis, embora no momento estivesse tranquilos, não
eram de confiança.
O grupo retrocedeu um passo ou dois, e os meninos e as garotas mais velhos
fizeram reverências. Os menores não estavam seguros do que fazer, nem por que.
Uma garota sussurrou a seu irmão pequeno:
—É o novo duque, tolo.
Royce fingiu que não ouvira. Assentiu cordialmente (um assentimento geral
que os incluía a todos) e depois estendeu a mão e a passou pelo longo pescoço de seu
cavalo.
Passou um minuto, e depois...
—Sua Excelência, você os monta? Ou são apenas para puxar a carruagem?
—Ganhou alguma corrida com eles, sua Excelência?
—A que velocidade podem correr, sua Excelência?
Estava a ponto de dizer que deixassem de chamá-lo "sua Excelência", mas
percebeu que poderia soar como uma reprimenda. Em vez disso, respondeu suas
perguntas de modo tranquilo.
Para sua surpresa, a aproximação que usava com os cavalos funcionava com as
crianças também. Relaxaram, e teve a oportunidade de virar o jogo e aprender um
pouco sobre o pequeno assentamento. Minerva contara que havia cinco famílias
vivendo nas três casas. Os meninos confirmaram que só a mulher mais anciã estava em
casa; o resto dos adultos e jovens estava nos campos ou trabalhando na forja que
estava um pouco mais longe por aquele caminho. Os próprios meninos não estavam
no colégio porque não havia nenhuma escola perto; aprendiam as letras e os números
da anciã mulher.

192
Depois de um par de intercâmbios, as crianças sentiram claramente que o gelo
se quebrara e que se estabeleceu a suficiente confiança para perguntar.
—Ouvimos contar — disse o moço que pensava que era o maior — que esteve
trabalhando em Londres para o governo... Que era um espião!
Isso o surpreendeu; pensava que seu pai se assegurou de que sua ocupação
permanecesse sendo um escuro secreto.
—Não seja tolo! — A garota mais velha se ruborizou quando Royce e outros a
olharam, mas continuou: —Mamãe diz que foi o espião chefe (que manda mais) e que
foi o responsável por derrubar Boney.
—Bom... Não fiz isso sozinho. Os homens que organizei fizeram coisas muito
perigosas, e sim, contribuíram com a queda de Napoleão, mas foi necessário o
trabalho de Wellington, do exército inteiro e de Blucher e outros.
Naturalmente, tomaram como um convite para afligi-lo com mais perguntas
sobre as missões de seus homens; apropriando-se livremente de façanhas que de
outro modo estariam classificadas, foi fácil manter a espectadora horda satisfeita,
embora não estivessem dispostos a acreditar que na realidade não tivesse visto como
levavam Napoleão algemado.
Depois de entregar as conservas que havia trazido e de que lhe apresentassem
o último membro da família, com o bebê em seus braços, enquanto este brincava com
seu cabelo, Minerva se aproximou da janela para ver melhor os olhos do menino,
olhou o exterior... E a ponto esteve de devolver o bebê a sua avó para poder sair
correndo para resgatar seus irmãos.
Ou Royce, o que quer que fosse... Mas, depois de olhar um instante, fixando-
se no lugar em que estavam os cavalos negros, a carruagem e o duque mais poderoso
da Inglaterra, que parecia estar contando alguma história... Relaxou e, sorrindo, virou-
se para o bebê e o arrulhou.
A avó do menino se aproximou da janela; ela, também, fixou-se na cena no
exterior. Levantou as sobrancelhas. Depois de um momento, disse:
—Vendo isso, se não estivesse vendo com meus olhos a semelhança com o
falecido senhor, pensaria que algum cuco se colocou no ninho ducal.
O sorriso de Minerva se ampliou; a ideia de Royce como um bastardo...

193
—Definitivamente é um Varisey, de nascimento e berço.
A velha mulher assentiu.
—Sim, teremos de vigiar nossas filhas, sem dúvida. Mesmo assim... — virou-se
e voltou para seu trabalho. — Se esse aí fosse seu pai, teria grunhido para as crianças e
as espantaria... Só porque podia fazê-lo.
Minerva estava de acordo, embora o velho Henry nunca pensaria sequer em
sair com ela durante suas rondas.
Entretanto, não ia tentar o destino; devolveu o bebê a sua avó, pegou sua
cesta e estava despedindo-se quando uma enorme presencia escureceu a entrada.
Royce precisou agachar para entrar.
As três mulheres imediatamente fizeram uma reverência; Minerva fez as
apresentações antes que ele pudesse pedir bruscamente que partissem.
Royce saudou as mulheres e depois a olhou, notando a cesta vazia que tinha
na mão. Mas, uma vez mais, antes que pudesse dizer nada, a matriarca, que
aproveitara o momento para avaliá-lo, aproximou-se para mostrar seu neto.
Minerva conteve o fôlego, sentiu que ele se esticava e que estava a ponto de
retroceder (de afastar o bebê), mas depois se recompôs e se manteve em seu lugar.
Assentiu formalmente ante as palavras da matriarca e depois, quando estava a ponto
de virar-se para partir, hesitou.
Estendeu a mão e roçou com um de seus longos dedos a suave bochecha do
bebê. O menino balbuciou e agitou seus pequenos punhos. O rosto da mãe se desfez
em sorrisos.
Minerva fez um sinal com sua cesta.
—Deveríamos ir.
Royce assentiu e inclinou a cabeça para as mulheres.
—Senhoras — Se voltou e saiu da casa.
Depois de trocar olhares impressionados com as mulheres da granja, Minerva
o seguiu. Cruzou o pátio até a carruagem e viu e escutou o suficiente para saber que as
crianças haviam perdido todo o medo do duque; seus olhos agora brilhavam com uma
espécie de adoração para seu heroi mais pessoal do que a simples devoção.

194
Seu pai não tivera uma relação real, não tivera nenhuma interação pessoal,
com seus aldeãos; os administrara a distância, através de Falwell e Kelso, e falara com
eles diretamente unicamente quando era absolutamente necessário. Portanto, apenas
chegara a falar com os homens adultos.
Royce — ou isso parecia — seria diferente. Certamente, carecia da insistência
de seu pai sobre que se preservasse uma distância adequada entre seu ser ducal e as
massas.
Uma vez mais, Royce pegou a cesta, guardou-a e então a ajudou a subir. O
mais velho dos meninos entregou as rédeas, e logo se acomodou junto à Minerva. Ela
conteve sua língua e deixou que ele fizesse as crianças recuarem. Com os olhos muito
abertos, obedeceram-no, observaram como virava com cuidado o par de corcéis e se
despediram com gestos e gritos enquanto guiava a carruagem pelo caminho.
Quando as casas ficaram para trás, a paz, a serenidade (e a solidão) das colinas
se fecharam ao redor deles. Recordou seu objetivo, pensou rapidamente e disse:
—Já que estamos aqui, há um poço perto de Shillmoor que está dando
problemas — O olhou enquanto voltava a cabeça para olhá-la. — Poderíamos dar uma
olhada.
Royce manteve seu olhar um momento e depois teve de olhar de novo para
seus cavalos. A única resposta que deu foi um grunhido, mas, quando chegaram ao
final do atalho, virou os cavalos para o oeste, em direção a Shillmoor.
Em vez do mirante mais solitário e próximo.
Inclinou-se para trás e escondeu um sorriso. Enquanto evitasse estar a sós
com ele, estaria a salvo, e Royce não poderia ser capaz de avançar em sua causa.

Na primeira hora da tarde, Royce entrou em seu closet e começou a tirar a


roupa enquanto Trevor derramava o último de uma sucessão de baldes de água
quente no banheiro mais à frente.
Estava especialmente contente. Sua governanta enchera com êxito seu dia
inteiro; deixaram a pequena aldeia perto de Shillmoor apenas com tempo suficiente
para voltar para castelo e tomar um banho antes do jantar.

195
E, após fiscalizar as últimas fases da reconstrução das gretadas paredes do
poço e sua vencida cobertura e de tomar parte ativamente na montagem e o correto
funcionamento do mecanismo para tirar água das profundidades do poço, precisava
de um banho.
Os aldeãos tomaram o dia livre do trabalho em seus campos e se reuniram
para reparar o velho poço, uma necessidade antes do inverno; quando ele e Minerva
chegaram, já levavam as reparações dos muros bem avançadas. Suas ideias para
escorar o teto, entretanto, eram uma receita para o desastre; abriu caminho e usou
sua indisputável autoridade para redesenhar e dirigir a construção de uma estrutura
que tinha alguma esperança de suportar o peso da neve que usualmente
experimentavam naqueles lares.
Longe de sentirem-se aborrecidos por sua interferência, os homens, e as
mulheres também, se sentiram aliviados e sinceramente agradecidos. Almoçaram
todos juntos (cidra, grossas fatias de queijo e pão de centeio recém assado que ele e
Minerva aceitaram gentilmente), e foi muito mais incrível quando, depois de observar
como os homens arranhavam as cabeças e murmuravam sobre o mecanismo que
desmontaram, Royce tirou a jaqueta, subiu as mangas e começou a trabalhar com eles,
ordenando as distintas partes e ajudando-os a montá-las de novo, alinhá-las e a
colocar o mecanismo (ele era mais alto e forte que todos outros que havia lá), e ao
final conseguiram um poço rejuvenescido e totalmente funcional.
Produziram-se ovações e aplausos a seu redor quando uma das mulheres tirou
o primeiro balde cheio.
O duque e Minerva partiram com uma cacofonia de agradecimentos
ressonando em seus ouvidos, mas não escapara de sua atenção o quanto surpresos e
intrigados ficaram os aldeãos por ele. Evidentemente, seu modo de lidar com eles era
bastante diferente do que tinha sido o de seu pai.
Minerva disse que não precisava ser como seu pai; parecia que estava
demonstrando que ela estava certa. Deveria sentir-se satisfeita... E estava. Suas
excursões asseguraram a vitória do dia... Ela triunfara naquela batalha em que ambos
estavam lutando.

196
Para ele, o resultado era uma conclusão previsível; não tinha nenhuma dúvida
de que ela terminaria em sua cama. Permanecia sendo um mistério por que se estava
resistindo tão energicamente... Um mistério e um desafio.
Tirou as botas, levantou-se e tirou as calças e as meias. Nu, entrou no
banheiro e ficou olhando o vapor que emergia da superfície da água.
Sua governanta era a primeira mulher pela que teve de lutar. Apesar dos
incômodos, das frequentes irritações, do constante chateio do rechaço sexual, não
podia negar que encontrava o desafio (a caçada) intrigante.
Olhou abaixo. Era igualmente impossível negar que seu desafio, e ela mesma,
resultavam-lhe excitantes.
Entrou na banheira, inundou-se, inclinou-se para trás e fechou os olhos.
Possivelmente o dia fora dela, mas a noite seria dele.
Caminhou até o salão sentindo-se como um lobo antecipando-se à sua
próxima refeição. Localizou sua governanta, de pé ante a lareira com seu vestido negro
de decote modesto, e corrigiu o pensamento: um faminto lobo babando pela espera.
Dirigiu-se a ela. Quando estava a menos de dois passos de distância, deu-se
conta de que estava tramando algo; suas irmãs, suas primos e o resto de convidados
que ainda restavam no castelo estavam ruidosos e nervosos, e a agitação de suas
conversações era um zumbido a seu redor.
Começou a formar uma suspeita antes de chegar junto à Minerva. Margaret
estava a seu lado; sua irmã mais velha se virou enquanto ele se aproximava, com o
rosto iluminado de um modo que tinha esquecido que podia apresentar.
—Royce... Minerva fez a sugestão mais maravilhosa.
Inclusive enquanto Margaret tagarelava, soube que não ia compartilhar sua
impressão.
—As obras... As obras de Shakespeare. Os que decidimos ficar somos mais que
suficientes para realizar uma representação cada noite... Para nos entreter até a feira.
Aurelia e eu acreditamos que, já que passou uma semana do funeral, e dado que isto
será uma festa particular, ninguém porá objeções nos terrenos da propriedade —
Margaret o olhou, com seus escuros olhos cheios de vida. — O que acha?

197
A ideia de sua governanta era tremendamente inteligente. Olhou-a; lhe
devolveu o olhar, sem um pingo de regozijo em sua expressão.
Sobretudo Margaret e Aurelia, embora Susannah também, eram viciadas nas
representações teatrais de aficionados; enquanto viveram no sul de Eton e depois em
Oxford, tiveram de suportar muitos longos invernos presas no castelo... Daí sua paixão.
Esquecera-se disso, mas sua governanta não.
Seu respeito por ela como oponente cresceu.
Olhou para Margaret de novo.
—Não vejo nenhuma objeção.
Não via nenhuma alternativa; se objetasse e vetasse as obras, suas irmãs se
zangariam e o acossariam até que mudasse de ideia. Com expressão afável, arqueou
uma sobrancelha.
—Com que obra vão começar?
Margaret se iluminou.
—Romeo e Julieta. Ainda temos todos os guias abreviados e os disfarces de
quando estávamos acostumados a fazer isto faz tanto tempo — Pousou uma mão
sobre o braço de Royce, agradecida, e depois o liberou. — Vou contar a Susannah... Ela
será Julieta.
Royce a observou enquanto se afastava; pelas perguntas que faziam e as
expressões que provocavam suas respostas, todo mundo estava disposto e ansioso
para deleitar-se com aquele entretenimento.
Minerva permanecia, como sua leal governanta, a seu lado.
—Suponho — disse — que vamos ser obsequiados com Romeo e Julieta esta
noite.
—Isso é o que planejaram.
—Onde?
—Na sala de música. É onde sempre ocorrem as obras. O cenário, e inclusive o
pano de fundo, estão ainda lá.
—E — A questão mais importante — quando lhes fez esta brilhante sugestão?
Minerva hesitou um momento, notando o subjacente desgosto de sua voz.

198
—Esta manhã, no café da manhã. Estavam queixando do quanto estavam
aborrecidas.
Royce deixou que se passasse um minuto e depois murmurou.
—Se posso fazer uma sugestão, na próxima vez que considere o quanto
aborrecidas podem estar, deveria primeiro considerar o quanto aborrecido eu posso
estar.
Virou-se e a olhou aos olhos, apenas para vê-la sorrir.
—Hoje não se aborreceu.
Não fazia sentido mentir.
—Possivelmente não, mas vou estar tremendamente aborrecido esta noite.
Seu sorriso se ampliou enquanto olhava para a porta.
—Não pode ter tudo.
Retford os chamou para o jantar. Com irresistível deliberação, Royce a puxou
pelo braço. Notou o súbito salto de seu pulso. Baixou a cabeça para murmurar
enquanto a guiava para a porta.
—Mas tenho intenção do ter tudo de você. Tudo e mais.
De novo a situou a seu lado no jantar e se vingou como pôde, passando a mão
por sua cintura conforme a conduzia até sua cadeira e acariciando sua mão com os
dedos enquanto a deixava.
Minerva resistiu a esses momentos com toda a força que pôde reunir; os
nervos crispados e os sentidos agitados eram um preço que estava disposta a pagar se
assim evitasse sua cama ducal.
Era frustrante, mas ninguém (sequer Margaret) parecia pensar que o fato de
que Royce monopolizasse sua companhia era estranho. Além disso, devido a que
estava reclinado para trás em sua enorme cadeira, fazendo com que ela tivesse que
voltar-se para olhá-lo, sua conversa permanecia em particular; outros,
presumivelmente, pensavam que estavam discutindo assuntos do ducado. Em vez
disso...
—Suponho que Romeo e Julieta não foi sua escolha — Se inclinou para trás,
virando sua taça de vinho entre os dedos.

199
—Não. É a favorita de Susannah... Estava desejando interpretar a protagonista
— Tentou manter sua atenção em seu prato.
Transcorreu um minuto.
—Quantas obras de Shakespeare têm amantes como protagonistas?
Muitas. Estendeu a mão para pegar sua taça de vinho... Lentamente, para
assegurar-se de que Royce não ia dizer nada que a fizesse sacudir-se; como se manteve
em silêncio, a segurou agradecida e tomou um grande gole.
—Tem intenção de fazer parte... De assumir algum dos papéis no cenário?
—Isso dependerá de quantas obras representemos — Deixou sua taça e fez
uma nota mental para comprovar quais obras eram seguras para apresentar-se como
voluntária.
Então, tentou atrair sua atenção às conversas mais à frente na mesa; com a
informalidade em incremento, estas se estavam fazendo mais gerais... E mais
escandalosas.
Efetivamente, mais lascivas. Alguns de seus primos estavam fazendo
sugestões a Phillip (que interpretava Romeo) sobre como levar seu Julieta ao leito
amoroso.
Para sua consternação, Royce se inclinou para frente, emprestando atenção à
jocosa conversação. Então murmurou, em voz tão baixa que apenas ela pôde ouvir:
—Eu poderia lhe fazer algumas sugestões.
A mente de Minerva imediatamente conjurou todas as sugestivas lembranças
de seu último intento de colocá-la em sua cama; quando seu intelecto saltou a um
primeiro plano e deixou de lado sua mente, esta simplesmente passou ao momento
antes disso, a seus lábios sobre os dela, ao prazer que seus longos dedos realizaram
enquanto a segurava contra a parede na luxuriosa escuridão...
Precisou fazer um esforço para liberar sua mente e concentrar-se em suas
palavras.
—Mas você não conseguiu.
Teria engolido essas palavras no momento em que as pronunciou; soaram
serenas e tranquilas... Nada parecido a como se sentia.

200
Lentamente, o duque virou a cabeça e a olhou aos olhos. Sorriu... Essa curva
de seus lábios levava uma promessa de reação letal mais que qualquer afirmação
consoladora.
—Não. Ainda.
Deixou cair suas tranquilas palavras como pedras no ar entre eles; ela sentiu
como se acumulava a tensão e estremeceu. Sentiu que algo em seu interior tremia...
Não com apreensão, a não ser com uma maldita antecipação. Obrigou-se a arquear
uma sobrancelha e depois deliberadamente dirigiu sua atenção de novo à mesa.
Assim que tomaram a sobremesas, Margaret enviou Susannah, Phillip e o
resto do elenco à sala de música, para que se preparassem. Todos outros
permaneceram à mesa, terminando seu vinho, conversando... Até que Margaret
declarou que os atores tiveram tempo suficiente, e todo o grupo se dirigiu à sala de
música.
A sala de música estava na asa oeste, no lugar onde se unia com a asa norte.
Parte de ambas as asas, a sala tinha uma forma estranha e duas portas, uma que se
abria à asa norte e outra que dava aos corredores da asa oeste, e só uma janela... Uma
janela ampla localizada entre os dois muros exteriores. O pouco profundo estrado que
formava o cenário enchia o chão em frente à janela, um trapezoide que se estendia
pela sala. O próprio cenário era o retângulo frente à janela, enquanto as zonas
triangulares de cada lado tinham sido empenadas, bloqueando para a audiência
sentada na zona principal da sala, criando asas nas que os atores podiam vestir a roupa
que compunha seus disfarces e se podia armazenar os equipamento do cenário.
Grossas cortinas de veludo escondiam o cenário. Diante dele, os lacaios
colocaram quatro fileiras de cadeiras. O grupo as ocupou, conversando e rindo,
fixando-se nas cortinas fechadas e na penumbra criada por ter apenas três candelabros
sobre pedestais iluminando a ampla sala; um candelabro, totalmente aceso, projetava
sua luz sobre o, nesse momento, escondido cenário.
Minerva nem tentou afastar-se de Royce enquanto a guiava até um assento na
segunda fileira, à direita do corredor central. Sentou-se, agradecida por sobreviver à
viagem do salão sem nenhuma decomposição mais que a sensação de sua mão em sua
cintura e a curiosa aura que projetava ao rondar sobre ela e a seu redor.

201
Tanto protetora como possessivamente.
Deveria haver tomado alguma medida a respeito desse costume envolvente,
mas se sentia intrigada e tentada pela sugestiva atenção.
O resto do grupo tomou assento rapidamente. Alguém deu uma olhada
através das cortinas, e depois, lentamente, o pesado pano de fundo se abriu para dar
passo à primeira cena.
A obra começou. Em tais situações, era uma prática aceita que a audiência
fizesse comentários, sugestões, e que desse indicações aos atores (que poderiam
responder ou não. Fosse qual fosse o verdadeiro tom da história, o resultado sempre
era uma comédia, algo que os scripts eram projetados para fortalecer; esperava-se que
os atores exagerassem em seus papéis.)
Embora a maioria dos assistentes fizesse seus comentários suficientemente
alto para que todos ouvissem, Royce fazia os seu apenas para Minerva. Suas
observações, sobretudo sobre Mercutio, interpretado com consciência por seu primo
Rohan, eram tão mordazes, tão agudas e tão graciosas, que logo a teve rindo sem
remédio... algo que observava com genuína e transparente aprovação e que lhe
parecia motivo de alarde.
Quando Susannah apareceu como Julieta, dançando uma valsa na festa de sua
família, ela devolveu o favor, o fazendo sorrir e finalmente lhe provocando uma
gargalhada; Minerva descobriu que se sentia satisfeita por isso, também.
A cena do balcão os fez tentar superar um ao outro, justo quando Susannah e
Phillip competiam pelas ridículas honras sobre o cenário.
Quando a cortina finalmente se fechou, e o público aplaudiu um trabalho bem
feito, Royce descobriu que, de um modo totalmente inesperado, divertiu-se.
Desgraçadamente, quando olhou ao redor enquanto os lacaios se apressavam
para acender mais velas, percebeu que todo o grupo se divertiu muito... o que não era
um bom augúrio para ele. Queriam fazer uma obra cada noite até a feira; levou-lhe um
instante dar-se conta de que não tinha esperanças de alterar isso.
Teria de encontrar algum modo de esquivar aquele obstáculo para chegar até
sua governanta.

202
Tanto Minerva como ele se levantaram com outros, conversando e trocando
comentários. Junto ao resto de atores, reapareceu Susannah, descendo do cenário
para unir-se ao grupo. Lentamente, abriu caminho até chegar a seu lado.
Virou-se enquanto ele se aproximava e levantou uma escura sobrancelha.
—Gostou da minha atuação?
Royce levantou uma sobrancelha.
—Era uma atuação?
Susannah arregalou os olhos.
Minerva se afastou de Royce. Estava elogiando Rohan por sua representação
de Mercutio; achava-se a apenas uns passos de distância de Susannah quando Royce
se aproximou.
O suficiente perto para ouvir e ver como elogiava a sua irmã e depois, em voz
mais baixa, dizia:
—Parece que Phillip foi o último que atraiu sua atenção. Não pensei que fora
seu tipo.
Susannah sorriu e acariciou a bochecha de seu irmão.
—É evidente, meu irmão, que nem sabe qual é meu tipo, nem conhece Phillip
— Cruzou até onde Phillip estava rindo com outras pessoas. — Efetivamente —
Susannah continuou — ambos nos encaixamos à perfeição — Olhou para Royce e
sorriu. — Bom, ao menos no momento.
Minerva franziu o cenho interiormente; não suspeitara de nenhuma relação
entre Phillip e Susannah... Efetivamente, pensou que o interesse de Susannah estava
em outra parte.
Com um sorriso cada vez mais amplo, Susannah se despediu de Royce com a
mão e se afastou.
Royce a observou enquanto partia e encolheu os ombros; depois de seus anos
de exílio social, ela tinha razão... não conhecia seus gostos adultos tão bem.
Estava a ponto de olhar a seu redor procurando sua governanta quando
Margaret elevou a voz, dirigindo todo mundo de volta ao salão. Royce preferia
qualquer outra localização, mas, ao ver que Minerva se adiantava no braço de Rohan,
colocou-se na parte de atrás da multidão.

203
A reunião no salão foi tão tranquila como de costume; em vez de recordar a
sua governanta suas intenções, conversou com seus primos e manteve um olho nela,
que estava ao outro lado da sala.
Infelizmente, ela não estava tranquila. Uniu-se ao grupo das mulheres,
incluindo Susannah, que tinham aposentos nesta asa; partiu com elas, as dirigindo com
destreza pelas amplas escadas principais... Royce não se incomodou em segui-las. Não
teve oportunidade de pousar suas mãos sobre ela e de dirigi-la a seu quarto, antes que
ela alcançasse o dela.
Retirou-se pouco depois, considerando suas opções, enquanto subia as
escadas principais. Se uniria a Minerva em sua cama. Ela armaria um alvoroço e
tentaria ordenar que partisse, tentaria afugentá-lo, mas, uma vez que a tivesse em
seus braços, qualquer rechaço terminaria.
Havia um certo atrativo em uma aproximação direta desse tipo. Entretanto...
caminhou diretamente até seu quarto, abriu a porta, entrou e a fechou firmemente às
suas costas.
Entrou em seu dormitório e olhou a cama.
E aceitou que, daquela vez, ela tinha triunfado.
Ela ganhara a batalha, mas não ganharia a guerra.
Entrou em seu closet, tirou a jaqueta e a deixou de lado. Enquanto se despia
lentamente, voltou para a razão pela que não foi ao quarto dela.
Em Londres, sempre fora às camas de suas amantes. Ele nunca tinha levado a
nenhuma dama à sua. Minerva, entretanto, queria em sua cama, e em nenhuma outra.
Nu, voltou para o quarto e olhou de novo a cama. Sim, aquela cama. Levantou
as luxuosas mantas e, depois de deslizar entre os lençóis de seda e recostar-se sobre
os grossos travesseiros, olhou o dossel do teto.
Ali era onde a queria, jazendo sob ele, afundada no colchão.
Aquela era sua visão, seu objetivo, seu sonho.
Apesar da luxúria, do desejo e de toda aquela debilidade da carne, não ia
conformar-se com nada menos.

204
CAPÍTULO 11

No dia seguinte, à hora do almoço, Royce estava acalorado, avermelhado,


suarento... inclinado contra um corrimão com um grupo de homens, todos
trabalhadores do ducado, em um campo de uma de suas granjas arrendadas,
compartilhando uma cerveja, pão e partes de um queijo curado local.
Os homens a seu redor quase esqueceram que ele era seu duque; ele quase
esquecera, também. Sem a jaqueta nem o lenço, com as mangas levantadas, seu
cabelo negro e todo o resto coberto pela inevitável sujeira de cortar e empacotar o
feno, a não ser pela qualidade de suas roupas e feições, poderia passar por um
granjeiro que se deteve a ajudar.
Em lugar disso, era o proprietário ducal, atraído até lá por sua governanta.
Perguntou-se o que teria planejado Minerva aquele dia... Que caminho
escolheu para evitá-lo. Sentiu saudades dela no café da manhã mas, enquanto
caminhava ante a janela do gabinete, ditando a Handley, a viu cavalgando pelos
campos.
Depois de terminar com Handley, a seguiu.
É óbvio, ela não esperava que ele aparecesse na ceifa do feno, e muito menos
que o dia evoluísse como o fizera, devido ao impulso que surgiu no duque de oferecer
sua ajuda.
Já cortara feno antes, fazia tempo, quando fugia do castelo e, contra os
desejos de seu pai, trabalhava ombro com ombro com os lavradores do ducado. Seu
pai era muito rigoroso quanto ao protocolo e a propriedade, mas ele nunca sentiu a
necessidade de manter-se fiel a isso e insistir em cada privilégio a todo momento.
Alguns dos homens o recordavam de fazia tempo e se sentiram encantados de
aceitar sua ajuda... oferecida, tinha que admitir, mais para ver a reação de Minerva
que para qualquer outra coisa.
Ela o olhou aos olhos e depois se virou e ofereceu sua ajuda às mulheres.
Trabalharam junto a eles pelas próximas horas, Royce brandindo uma foice em uma

205
fileira com os homens, e Minerva seguindo-os com as mulheres, reunindo o feno e
amarrando-o habilmente em feixes.
O que começara como uma competição não expressa evoluiu em um dia de
exaustivo, mas satisfatório trabalho. Royce não trabalhara fisicamente tão duro em
toda sua vida, mas ele e seu corpo estavam inesperadamente relaxados.
De onde as mulheres estavam reunidas, Minerva viu Royce inclinado contra a
grade que fechava o campo que quase tinham terminado de segar, observou sua
garganta (a longa coluna nua) trabalhar enquanto engolia cerveja de um copo cheio de
uma jarra que os homens estavam passando entre si... e se surpreendeu.
Era muito diferente de seu pai em muitos e variados aspectos.
Estava entre os homens, compartilhando a camaradagem induzida por
compartilhar o trabalho, sem a menor preocupação por sua camisa, úmida com
verdadeiro suor, aberta até o peito, delineando os poderosos músculos de seu torso,
flexionando-se e movendo-se com cada movimento. Seu cabelo negro não só estava
revolto, a não ser poeirento, e sua pele estava fracamente queimada pelo sol. Suas
longas e magras pernas, vestidas com as botas que seu prezado Trevor não duvidaria
em chiar ao ver mais tarde, estavam estendidas ante ele; enquanto o observava,
mudou de postura, colocando uma dura coxa contra a grade detrás dele.
Sem casaco e com a camisa grudada a seu corpo, podia ver claramente seu
corpo... podia apreciar melhor seus largos ombros, o amplo e musculoso peito, os
estreitos quadris e as longas e fortes pernas de cavaleiro.
Para qualquer mulher a este lado da tumba, a vista dava água na boca; não era
a única que estava babando. Com o traje ducal tirado, restante apenas o homem
debaixo, parecia o macho mais abertamente sexual que já vira.
Obrigou-se a afastar o olhar, a dedicar sua atenção às mulheres e a mantê-la
lá, fingindo estar absorta na conversa. Os rápidos olhares que as mulheres mais jovens
davam para a grade romperam sua resolução... E se encontrou de novo olhando em
sua direção. Perguntou-se quando aprendera a usar uma foice; utilizá-la não era algo
que se aprendesse em um momento.

206
Quando terminaram o almoço, os homens continuaram falando com ele
vorazmente; por seus gestos e os do duque, estava em um de seus interrogatórios
disfarçados.
Se não outra coisa, havia incrementado sua opinião de sua inteligência e de
sua habilidade para colher e catalogar feitos... E essa avaliação já era alta. Embora
ambas as coisas fossem atributos que sempre teve, os desenvolvera significativamente
com o passar dos anos.
Em contraste, sua habilidade com as crianças era uma habilidade que nunca
imaginou que possuísse. Certamente, não a tinha herdado; seus pais se aderiram à
máxima de que as crianças devem ver-se e não ouvir-se. Embora, quando pararam
para descansar antes, Royce percebeu que os meninos dos trabalhadores estavam
olhando Sabre, que esperava preso não muito pacientemente em um poste próximo;
deixando de lado as recomendações de suas mães para que não o chateassem,
aproximou-se e deixou que os meninos fizessem exatamente isso.
Respondeu às suas perguntas com uma paciência que ela encontrava
destacável, e depois, para surpresa de todos, montou e subiu cada criança, uma a uma,
para dar um passeio curto com ele.
As crianças agora pensavam que era um deus. A estimativa de seus pais não
estava muito por baixo.
Minerva sabia que Royce não tivera muito contato prévio com crianças;
sequer com os filhos de seus amigos. Não podia imaginar onde teria aprendido a lidar
com os pequenos, e muito menos, onde teria adquirido a paciência que era necessária,
um traço que ele, em geral, possuía muito pouco.
Percebeu que estava ainda olhando-o e se obrigou a dirigir seu olhar às
mulheres que a rodeavam. Mas seu bate-papo não podia manter seu interesse, não
podia afastar seus sentidos, nem sua mente, dele.
Tudo isso corria diretamente contra suas intenções; fora do castelo e rodeado
por seus trabalhadores, Minerva pensava que estaria a salvo de sua sedução.
Fisicamente, estava certa, mas, em outros aspectos, sua atração por Royce
estava se aprofundando e ampliando em modos que não poderia predizer. E o que era

207
pior: o inesperado encanto era involuntário, imprevisto. Não estava em sua natureza
alterar radicalmente seu comportamento para impressionar.
—Ah, bom — A maior das mulheres se levantou. — É o momento de voltar
para trabalho, se queremos ter todos esses feixes empacotados antes do anoitecer.
O resto das mulheres se levantou e sacudiu os aventais; os homens as viram,
guardaram seus copos e a jarra, subiram as calças e voltaram para campo. Royce foi
com um grupo até uma das grandes carroças; aproveitando o momento, Minerva foi
dar uma olhada em Rangonel.
Satisfeita ao comprovar que estava cômodo, dirigiu-se onde outros estavam
preparando uma área para a primeira ceifa. Rodeando uma carreta cheia de feixes,
deteve-se... Ante uma fascinante visão.
Royce estava a uns cinco passos dela, lhe dando as costas, olhando uma
pequena menina de não mais de cinco anos que se havia interposto diretamente em
seu caminho, quase inclinada para trás enquanto o olhava no rosto.
Minerva observou Royce enquanto se agachava ante a menina e esperava.
Totalmente tranquila, a menina examinou seu rosto com aberta curiosidade.
—Como se chama? — perguntou finalmente.
Royce hesitou; Minerva pôde imaginá-lo repassando as diversas respostas que
podia dar. Mas, finalmente, respondeu:
—Royce.
A pequena inclinou a cabeça e franziu o cenho enquanto o estudava.
—Minha mamãe diz que é um lobo.
Minerva não pôde resistir a mover-se um pouco, tentando ver o rosto do
duque. Seu perfil confirmou que estava tentando não sorrir... Como um lobo.
—Não tenho os dentes suficientemente grandes.
A garotinha o olhou, avaliando-o, e depois assentiu.
—Seu focinho não é o suficientemente longo, tampouco, e não é peludo.
Minerva comprimiu os lábios e viu como a mandíbula de Royce se esticava,
contendo uma gargalhada. Depois de um instante, assentiu.
—É verdade.

208
A menina estendeu a mão e com seus pequenos dedos segurou dois dos de
Royce.
—Deveríamos ir ajudar. Pode vir comigo. Sei como se fazem os montes de
feno... Ensinarei você.
Puxou-o, e Royce, obedientemente, levantou-se.
Minerva viu como o duque mais poderoso de toda a Inglaterra permitia a uma
garotinha de cinco anos que o guiasse até onde seus trabalhadores estavam reunidos e
que lhe ensinasse alegremente como preparar os feixes.

Os dias passaram, e Royce não avançava em sua causa nenhum pingo. Não
importava o que fizesse, Minerva o evadia todas as vezes, rodeando-se com o povo do
ducado ou com os convidados do castelo.
As peças teatrais foram todo um êxito; agora enchiam as noites, e Minerva
usava a companhia do resto das damas para evitá-lo cada noite. Chegou ao ponto de
questionar sua não totalmente racional, mas inquestionavelmente honrada, aversão a
segui-la a seu dormitório, pisoteando sua privacidade para levar a cabo sua sedução.
Embora os jogos longos fosse seu forte, a passividade era outra coisa; a falta
de progressos em qualquer frente sempre era irritante.
A falta de progressos naquele frente lhe doía.
E aquele dia, o grupo completo tinha decidido ir à igreja, presumivelmente
para expiar os muitos pecados que cometiam. Apesar nenhum desses pecados ser
dele, sentiu-se obrigado a assistir, também, sobretudo porque Minerva ia, assim, o que
outra opção tinha?
Ficar até tarde na cama, se essa cama estivesse vazia (desprovida de uma
suave, cálida e desejosa mulher) nunca o agradara.
Sentado no primeiro banco, com a Minerva a seu lado e suas irmãs a seguir,
não prestou atenção ao sermão, mas sim liberou sua mente para que ir aonde
quisesse... A última espetada de sua crescente frustração foi sua primeira parada.
Escolheram O sonho de uma noite do verão como sua obra para aquela noite,
e Minerva sugeriu que fizesse o papel de Oberon, uma sugestão que logo foi repetida

209
pelo resto do grupo a todo pulmão. Uma reviravolta do destino fez com que Minerva
se visse presa pela brilhante ideia daquele mesmo grupo de que ela interpretasse
Titânia, rainha para seu rei.
Dada sua natureza, dada a situação, inclusive apesar de que seus intercâmbios
no cenário serem indiretos, a evidente tensão entre eles deixou desconcertada a
grande parte de sua audiência.
Aquela tensão, e seus inevitáveis efeitos, havia desencadeado outra noite
quase sem dormir.
Olhou a sua direita, onde ela, sua obsessão, sentava-se, com o olhar
formalmente concentrado no senhor Cribthorn, o vigário, que exortava em seu púlpito
sobre uns coríntios que levavam muito tempo mortos.
Minerva sabia quem era ele e o que era; ninguém sabia melhor. E mesmo
assim tinha apresentado batalha deliberadamente... E até o momento estava
ganhando.
Aceitar a derrota em qualquer cenário nunca lhe resultou fácil; seu único
fracasso recente foi entregar à justiça o último traidor que ele e seus homens sabiam
que se escondia no governo. O destino não permitia algumas coisas.
Fosse como fosse, aceitar a derrota contra Minerva estava... Totalmente fora
de suas expectativas. De um modo ou outro, ela finalmente ia ser sua... Primeiro sua
amante e depois sua esposa.
Sua rendição em ambos os aspectos ocorreria (tinha de ocorrer) logo. Pedira
às grandes damas uma semana, e essa semana estava a ponto de terminar. Embora
duvidava que voltassem para Northumbria se não vissem uma nota na Gazette na
semana seguinte, não duvidava que começariam a enviar candidatas ao norte... Em
carruagens desenhadas para quebrar suas rodas e eixos assim que se aproximassem
das portas de Wolverstone.
O vigário pediu à congregação que se levantasse para a bênção; todo mundo
se levantou. Continuando, quando o vigário atravessou o corredor, Royce se levantou
do banco, retrocedeu para deixar que Minerva passasse antes que ele, e depois a
seguiu, deixando suas irmãs atrás recolhendo seus xales e bolsas.

210
Como era habitual, ele foi o primeiro a sair da igreja, mas localizou um de seus
granjeiros mais prósperos entre os assistentes; enquanto saíam, inclinou a cabeça para
falar com Minerva.
—Quero falar um momento com Cherry.
Ela olhou sobre seu ombro e depois para Royce.
E o tempo se deteve.
Como Margaret e Aurelia estavam distraindo ao vigário, eles eram os únicos
que estavam no cemitério... E estavam muito perto, com seus lábios separados por
apenas uns centímetros.
Seus olhos, de um majestoso castanho salpicado de ouro, aumentaram-se;
conteve o fôlego. Seu olhar baixou até os lábios de Royce.
O de Royce caiu até os dela...
O duque tomou fôlego e se esticou.
Ela piscou e se separou dele.
—Ah... devo falar com a senhora Cribthorn e com algumas das damas.
Royce assentiu e se obrigou a afastar o olhar. Justo quando o resto da
congregação aparecia baixando as escadas.
Procurou Cherry e se decidiu. Logo. Minerva ia jazer sob seu corpo muito em
breve.
A governanta deixou passar um minuto enquanto seu coração diminuía a
velocidade e sua respiração se normalizava, e então inspirou profundamente, fixou um
sorriso em seu rosto e foi falar com a esposa do vigário sobre os preparativos para a
feira.
Estava despedindo-se da senhora Cribthorn quando Susannah se aproximou
dela.
—Aqui está! — Susannah assinalou o lugar onde os convidados do castelo
estavam amontoando-se em várias carruagens. — Vamos voltar já... Você quer vir, ou
tem que esperar Royce?
Royce a levara até lá em sua própria carruagem.
—Eu... — Não posso partir ainda. Minerva engoliu as palavras. Como
reconhecida representante do castelo, da mansão mais ampla e socialmente

211
dominante da zona, não podia partir sem conversar com seus vizinhos; seus
concidadãos veriam isso como um desprezo. Nem ela nem Royce podiam partir ainda,
e isso era um fato que Susannah deveria saber. — Não. Esperarei.
Susannah deu de ombros e colocou o xale.
—Seu trabalho é elogiável... Espero que Royce aprecie e que não a aborreça
muito — Com uma careta de comiseração, dirigiu-se às carruagens.
Seu último comentário tinha sido totalmente sincero; as filhas do falecido
duque adotavam o ponto de vista de seu pai. O velho Henry estranha vez ia à igreja;
preferia que fosse sua mulher, e depois só Minerva, quem levasse a bandeira do
castelo.
Os comentários de Susannah confirmaram que, apesar do que acontecera na
apresentação da noite anterior, a luxúria que ardia nos olhos de Royce, que ressonava
sob o suave tom de sua voz, o sufoco que a assaltou, a consciência da que estava
investida todas suas ações, passaram totalmente despercebidas... Nem um só
convidado se deu conta de que seu interesse nela era algo além dos assuntos ducais.
A verdade era que todos os convidados estavam distraídos com suas coisas.
Isso, entretanto, não explicava a dominante cegueira. A verdade era que,
apesar de sua perseguição, Royce se assegurou de que, sempre que não estivessem
sozinhos, sua interação projetasse a imagem de um duque e sua leal governanta e
absolutamente nada mais. Todos os convidados, e inclusive mais suas irmãs, agora
tinham essa imagem firmemente fixada em suas mentes e ignoravam alegremente
qualquer coisa que apontasse ao contrário.
Olhou à congregação e localizou sua escura cabeça. Estava em um grupo de
granjeiros, cuja maioria não eram seus inquilinos; como estava convertendo-se em um
costume, estavam conversando, e ele escutando. Com aprovação Minerva inspecionou
a reunião, e depois se dirigiu a um grupo de esposas de granjeiros para escutar
também.
Deixaria que ele a encontrasse quando estivesse preparado para partir. Ao
final, o fez e lhe permitiu que o apresentasse à esposa do oficial de polícia local e a
outras duas damas. Depois de trocar as palavras adequadas, despediram-se, e Royce

212
caminhou a seu lado pelo caminho até onde Henry os esperava com a carruagem e os
dois impressionantes corcéis negros.
Minerva o olhou com curiosidade.
—Parece estar... — Agitou a cabeça. — Inesperadamente cordial, socializando
e deixando que o povo do ducado o conheça.
Royce encolheu os ombros.
—Tenho intenção de viver aqui o resto de minha vida. Estas são as pessoas
que vou ver todos os dias, com as que vou trabalhar. Eles possivelmente querem saber
mais de mim, mas eu, definitivamente, preciso saber mais deles.
Deixou que Royce a ajudasse a subir à carruagem. Quando se acomodou,
considerou suas palavras. Seu pai...
Rompeu o pensamento. Se havia uma coisa da que já se deu conta era de que
Royce não era como seu pai no que se referia a seu trato com as pessoas. Seu caráter,
sua arrogância, e muitos coisas mais, eram muito familiares, mas suas atitudes com os
outros eram completamente diferentes. Em alguns aspectos (por exemplo, as crianças)
eram diametralmente opostos.
Estavam na estrada além da aldeia quando disse:
—Kilworth me contou que não há nenhuma escola na zona, nem do nível mais
elementar.
O pusilânime senhor Kilworth, o diácono, nunca mencionaria tal assunto, não
sem que perguntassem.
—Suponho que deveria haver imaginado — continuou — mas nunca me
ocorreu antes.
Minerva o olhou com uma sensação próxima à fascinação... Tranquila, porque
sua atenção estava concentrada em seus cavalos enquanto os dirigia para a ponte.
—Está pensando em construir uma escola aqui?
Royce lhe deu uma olhada rápida.
—Ouvi falar com outros... Há uma ideia cada vez mais assentada de que ter
trabalhadores melhor educados beneficia todo mundo.
E, nos últimos dias, vira um montão de crianças nas granjas e campos.
—Estou de acordo — Seu pai tinha vociferado quando ela sugerira.

213
—O colégio não deveria ser somente para as famílias ducais... Precisaria
meninos de toda a zona, por isso precisaríamos recrutar um apoio mais amplo, mas...
— Fez com que os cavalos cruzassem a ponte de pedra —acredito que é uma empresa
que vale a pena.
Enquanto os cavalos cavalgavam através das amplas portas e as rodas giravam
com maior suavidade no caminho, Royce a olhou.
—Anote qualquer ideia que tenha — Seus olhos se pousaram nos de Minerva.
— Quando resolver o assunto de minha esposa, começarei com isso.
Minerva, por uma parte, sentia-se extasiada, e pela outra, incômoda e
estranhamente deprimida.
Não teve tempo para examinar seus contraditórios sentimentos; Royce e ela
entraram no castelo justo quando soou o gongo do almoço, e durante a refeição se
propôs uma expedição de pesca no Coquet que instantaneamente contou com a
aprovação de todos os homens.
E de todas as mulheres, embora nenhuma tivesse a intenção de segurar uma
vara de pesca. Mas o dia era bom, ensolarado e com uma agradável brisa, e todos
estiveram de acordo em que um passeio lhes faria bem.
Minerva se sentiu tentada a recusar o convite, de usar seus deveres como uma
desculpa para ficar para trás e tentar desembaraçar suas emoções, mas Royce parou
junto a ela enquanto o grupo se levantava da mesa.
O duque falou em voz baixa, apenas para que o ouvisse ela.
—Vigie as damas... Assegure-se de que as mais aventureiras não tentarão
investigar o desfiladeiro.
Amaldiçoou para si e assentiu. Era o tipo de tolice que algumas das damas
presentes poderiam fazer, e o desfiladeiro era perigoso.
As varas de pescar e os apetrechos estavam guardados no varadouro11 junto
ao lago; Royce guiou os homens até ali para que escolhessem suas equipes enquanto
as mulheres se apressavam para reunir chapéus, xales e guarda-sóis.

11
Varadouro: “s.m. Lugar onde se fazem encalhar os navios para limpeza, reparos etc.
Fig. Ponto onde várias pessoas conversam e descansam.
Bras. (AM) Vereda que se abre rapidamente entre dois rios, a fim de evitar acidentes do curso.

214
Do lago, com as varas ao ombro, os homens seguiram o caminho para o norte
ao longo do rio. Sentindo-se como um cão pastor, Minerva reuniu as mulheres e as
guiou pelas asas norte e oeste e para o exterior seguindo o atalho em direção ao
moinho.
Os homens estavam um pouco mais adiante; as mulheres os chamaram. Os
homens olharam atrás, saudaram-nas, mas seguiram caminhando.
Entre as damas, Margaret e Caroline Courtney guiavam o caminho, com as
cabeças juntas enquanto compartilhavam segredos. O resto de damas caminhavam em
grupos de dois ou três, conversando enquanto passeavam sob os quentes raios do sol.
Minerva se manteve na parte de atrás, assegurando-se de que ninguém
ficasse atrasado. Os homens cruzaram a ponte sobre a corrente; as damas os
seguiram.
Depois de deixar o moinho para trás, os dois grupos chegaram ao final da
corrente onde começava o desfiladeiro, que continuava em direção norte. Minerva
teve, efetivamente, que dissuadir três damas de sua intenção de descer o desfiladeiro
para investigar as lacunas que se formavam entre as rochas.
—Sei que não podem saber daqui, mas as rochas são terrivelmente
escorregadias, e o rio traiçoeiramente profundo.
Assinalou o lugar onde o rio fluía com força, derramando-se abundantemente
sobre seu leito de rochas.
—Nas últimas semanas, choveu muito no Cheviots, e a corrente será
surpreendentemente forte. O maior perigo, se caírem, é que baterão até morrer
contra as rochas.
Segundo sua experiência, sempre era melhor ser explícita; as damas soltaram
um "OH" e continuaram caminhando.
Os homens seguiam adiante; as mulheres se entretiveram, assinalando isto,
aquilo examinando, mas sem desviar-se da direção correta. Minerva ficou atrás,
caminhando inclusive mais lentamente, em seu papel de pastora. Finalmente, teve um
momento para pensar.

(PA) Canal de comunicação entre um rio e um lago.


(AM e MT) Caminho aberto na mata.” (Fonte: http://www.dicio.com.br/varadouro/).

215
Seus pensamentos não eram claros.
Surpreendeu-lhe que Royce quisesse estabelecer uma escola na aldeia;
aplaudia-o por isso. Além disso, sentia-se estranhamente orgulhosa dele, de que um
Varisey, em tantos sentidos, tivesse essa ideia sozinho. Sentia-se satisfeita por havê-lo
animado a afastar-se do exemplo de seu pai e seguir seu próprio caminho, suas
próprias indicações; estavam resultando ser muito adequadas.
Mas não poderia estar lá para ver os resultados... e isso a irritava. A decepção,
a recusa curvavam-na, como se a recompensa pela que trabalhara e que merecia fosse
negada por um capricho do destino. Além disso, essa recompensa seria para outra,
que não a apreciaria dado que não conhecia Royce.
Sua esposa ainda era um mistério, e portanto, algo nebuloso; não podia pôr
um rosto à mulher, de modo que não podia dirigir sua raiva contra ela.
Não podia culpá-la.
Parou ante esse pensamento.
Surpresa pela triste emoção a que acabava de nomear.
É absurda, repreendeu a si mesmo; sempre soube que sua esposa chegaria
algum dia... E que então, logo, ela teria de partir.
Partir do lugar que sempre fora seu lar.
Apertou os lábios e afastou esse pensamento. As outras estavam muito a
frente; chegaram ao final do desfiladeiro e continuou caminhando, seguindo o
caminho do rio até prados mais abertos. Levantou a cabeça, inspirou profundamente e
apressou seu passo para alcançá-las.
Não se permitiu nenhum pensamento mais.
Ao norte do desfiladeiro o rio se alargava, em sua descida das colinas através
das férteis pradarias. Era profundo no centro, e nessa zona corria rapidamente, mas as
bordas fluíam mais tranquilamente.
Havia um ponto concreto no que o rio rodeava uma curva e depois se estendia
em um amplo lago que era especialmente bom para a pesca. Os homens desceram a
inclinada borda; dispersando-se em uma fileira ao longo da margem do lago, lançaram
as iscas na água e falaram apenas em murmúrios enquanto esperavam.

216
Royce e seus primos (Gordon, Rohan, Phillip, Arthur, Gregory, e Henry)
estavam ombro com ombro. Todos altos, de cabelo escuro e atraentes, eram uma
visão arrebatadora e reduziam ao resto de convidados masculinos a um simples
contraste.
As damas se reuniram perto deles. Sabiam que precisariam atenuar suas
vozes; em um distendido grupo, desfrutaram do sol e da leve brisa, conversando
tranquilamente.
Minerva se uniu a elas. Susannah perguntou de novo se descobrira que Royce
escolheu como esposa; Minerva agitou a cabeça e depois se separou um pouco do
grupo; seu olho tinha captado um brilho de cor rio acima.
De onde estavam, a terra se elevava brandamente; pôde ver outro grupo
desfrutando de um agradável dia nas bordas corrente acima.
Uma das famílias de granjeiros arrendados, junto às famílias de seus
trabalhadores também; estreitando os olhos, viu um bando de meninos brincando
junto à borda da água, rindo e gritando, ou isso parecia, enquanto brincavam de pega-
pega. A brisa soprava em direção norte, assim não chegava até ela nenhum som,
embora se perguntou quantos peixes pescariam os homens com tal cacofonia
duzentas jardas rio acima.
Estava a ponto de afastar o olhar quando uma menina que estava junto à
borda do rio de repente agitou os braços... E caiu para trás na corrente. A borda se
derrubou sob seus pés; caiu com um mergulho de cabeça. Contendo o fôlego, Minerva
observou, esperando ver algo.
O chapeuzinho branco da menina flutuou até a superfície, no centro do rio. A
corrente prendeu seu vestido; inclusive enquanto os adultos se apressavam até a
borda, foi arrastada rio abaixo até a próxima curva.
Minerva olhou aos homens.
—Royce!
O duque a olhou, instantaneamente alerta.
A governanta assinalou rio acima.

217
—Há uma menina na água — Olhou de novo e localizou a sombra branca. —
Duas curvas acima. Está no centro, e a corrente a está arrastando rio abaixo muito
rápido.
Antes que a última palavra tivesse abandonado seus lábios, Royce estava
dando ordens. Abandonaram as varas; seus primos e outros se reuniram a seu redor, e
depois o grupo inteiro se virou e correu rio abaixo.
Royce parou somente para gritar a Minerva:
—Grita quando chegar a essa curva — Assinalou a última curva antes do lago e
correu atrás dos demais.
Do lugar no que estavam, as damas o observaram com horrorizada fascinação.
Minerva desceu até a borda tanto como pôde sem perder de vista a menina. Susannah
e duas amigas se uniram a ela, olhando os homens.
—O que estão fazendo? perguntou Susannah.
Minerva deu um rápido olhar rio abaixo, viu aonde se dirigiam os homens...
Royce mais à frente do lago, outros ainda correndo, saltando rochas e escorregando
sobre zonas úmidas em seu caminho ainda mais abaixo. Depois olhou de novo à
garota.
—Royce vai colocar se naquela saliência mais próxima... E pegará. Mas
certamente perderá o equilíbrio ao fazê-lo (a corrente vai com muita força), e arrastará
os dois. Os outros formarão uma cadeia humana mais abaixo. Estará pronta para
apanhar Royce e a menina.
Susannah conhecia o rio; empalideceu.
Uma de suas amigas franziu o cenho.
—Por que vão tentar agarrá-lo? É muito forte, certamente será capaz de...
—É o desfiladeiro — Susannah a interrompeu bruscamente. — OH, Deus. Se
não conseguirem agarrá-lo...
Levantou as saias do vestido, abandonou a borda e começou a correr rio
abaixo.
—O que acontece? — gritou Margaret.
Susannah se virou e gritou algo em resposta. Minerva deixou de escutar. A
menina, ainda lutando fracamente, chegou à curva.

218
Virou-se e olhou rio abaixo.
—Royce! Já vem!
De pé nas águas pouco profundas ao redor da curva seguinte, apenas visível
de onde ela estava, levantou uma mão em resposta; já não vestia a jaqueta e se meteu
mais profundamente no rio.
Minerva se apressou pela borda e depois ao longo da margem, onde os
homens estiveram. A outra amiga de Susannah, Anne, conteve sua língua e foi com ela.
Minerva correu, mas a corrente arrastava a menina ainda mais rápido; com suas longas
tranças flutuando de cada lado de seu pequeno e branco rosto, a pobre menina estava
quase exausta.
—Aguente! — gritou Minerva e rezou por que a menina pudesse ouvi-la. —
Pegarão você em um minuto!
Escorregou e quase caiu; Anne, junto a ela, a pegou e a segurou, e logo ambas
seguiram correndo.
A boneca de trapo em que a menina se converteu percorreu a curva e se
perdeu de sua vista. Ofegando, Minerva correu ainda mais rápido; Anne e ela
rodearam a curva tempo de ver que Royce, fundo na água até o peito embora se
mantivesse em uma saliência no leito do rio, inclinava-se à direita, e depois se
impulsionava nessa direção, ao interior da agitada e rápida corrente; esta o apanhou
no mesmo momento em que agarrou a menina e a subiu sobre seu peito, e depois
sobre seu ombro direito, onde sua cabeça estava ao menos parcialmente a salvo das
águas cada vez mais turbulentas.
Minerva diminuiu o passo e se levou os dedos aos lábios quando viu o que se
estendia ante o par. O rio começava a estreitar-se, adquirindo forma de funil à medida
que se aproximava do desfiladeiro, com as agitadas águas batendo.
Só havia um ponto, outra saliência, onde o par, arrastado rio abaixo, poderia
ser apanhado, uma única oportunidade antes que a pressão da água os varresse até o
desfiladeiro e a uma morte quase segura. Na saliência, os primos Varisey e Debrnigh
de Royce estavam unindo seus braços, formando uma cadeia fumaça, ancorada por
Henry e Arthur, o mais leve, na borda. Ambos seguravam um dos braços de Gregory,

219
Gregory tinha seu outro braço engrenado ao de Rohan, que a sua vez esperava que
Gordon unisse seu braço ao dele, deixando Phillip ao final.
Minerva se deteve e colocou as mãos na boca.
—Rápido! — gritou. — Estão quase aí!
Phillip a olhou e depois empurrou Gordon para Rohan, que agarrou um dos
braços de Gordon e se meteu na corrente.
O rio girou ao redor da saliência, levando Royce e sua carga ao longo da outra
borda da corrente. Rohan gritou, e todos os homens se estiraram... Phillip gritou para
Gordon que se segurasse em sua jaqueta. Logo que o fez, Phillip se lançou mais à
frente, estirando-se tanto como pôde.
Quando parecia que não foram poder pegar a dupla, o braço de Royce saiu da
água... e agarrou o de Phillip. Ambos se seguraram com força.
—Puxem com força! — gritou Phillip.
O peso que tinham que arrastar (não só o de Royce e a menina, a não ser
agora também o de Phillip, todos empapados) pôs a prova ao resto de homens. Henry
e Arthur asseguraram seus pés; ambos puxavam para trás, com uma careta em seus
rostos enquanto arrastavam seus parentes.
Então tudo terminou. Royce e Phillip conseguiram pôr os pés na saliência.
Royce se levantou, ofegando, e depois agitando a cabeça como um cão, tirou a
menina da água. Sustentando-a contra seu peito, caminhou, lenta e cuidadosamente,
sobre o rochoso leito. Phillip se levantou cambaleando, após o seguiu pela borda.
Estendeu a mão e afastou o cabelo da menina de seu rosto, deu uns tapinhas em sua
bochecha... E ela tossiu. Fracamente ao princípio, mas, quando Royce alcançou a borda
e a colocou de lado, deu umas arcadas, tossiu com força e começou a chorar.
Minerva caiu de joelhos junto a ela.
—Não passa nada. Seus pais estão a caminho... Estarão aqui muito em breve
— Olhou para Royce, seu peito se elevava e caía como um fole, e estava empapado,
mas ileso, sem danos. Vivo.
Minerva olhou o resto de damas, reunidas em um ansioso nó na borda mais
acima. Anne se colocou junto a ela. Minerva assinalou os xales que algumas das damas
levavam.

220
—Xales... os de lã.
—Sim, é óbvio —Anne se aproximou delas e estendeu a mão, pedindo-os.
Duas damas entregaram seus xales rapidamente, mas Aurelia a desdenhou:
—O meu não.
Royce estava agachado, com as mãos sobre seus joelhos. Não se incomodou
em levantar o olhar.
—Aurelia.
Sua voz cortava como um chicote; Aurelia estremeceu. Empalideceu. Seu rosto
se decompôs, mas tirou o xale e o jogou em Anne... Que o pegou, virou-se e se
apressou em voltar junto à Minerva.
A governanta tirou o chapeuzinho da menina e o avental empapado e estava
tentando esquentar as pequenas mãos da menina. Parou para tomar um dos xales... O
de Aurelia, que era o maior e quente. Com a ajuda da Anne envolveu a menina nele
com força e logo colocou outros ao redor de suas mãos e pés.
Então chegaram os familiares da menina e o resto do grupo de granjeiros;
precisaram retroceder para cruzar o rio por uma ponte de madeira que havia mais
acima.
—Está bem — exclamou Minerva assim que viu os rostos angustiados dos pais.
Ambos correram pela borda, com os olhos cravados em sua menina.
—Mary! — A mãe caiu de joelhos em frente a Minerva. Colocou uma mão
carinhosamente na bochecha da menina. — Querida?
A menina piscou e tentou mover as mãos.
—Mamãe?
—OH, graças a Deus — A mãe atraiu a menina até seu colo. Olhou para
Minerva e depois para Royce. — Obrigada... Obrigada, sua Excelência. Não sei como
poderíamos recompensá-lo.
Seu marido pousou uma mão trêmula sobre a escura cabeça de sua filha.
—Nem eu. Pensávamos que estava... — deteve-se e piscou rapidamente.
Agitou a cabeça e olhou para Royce. Com a voz grave, disse: —Jamais poderei
agradecer o suficiente, sua Excelência.

221
Um de seus primos havia trazido a jaqueta de Royce; esteve usando-a para
secar seu rosto.
—Se querem agradecer por isso, levem-na para casa e a aqueçam... Depois de
tirá-la de lá, não quero que pegue um resfriado.
—Sim... sim, faremo-lo — A mãe ficou de pé com dificuldade, com a menina
nos braços. Seu marido rapidamente pegou menina.
—E pode estar seguro — disse a mãe — de que nenhum deles voltará a
brincar muito perto da borda —Dirigiu um severo olhar ao grupo de crianças, que
olhavam da borda com os olhos arregalados, com seus pais e o resto de adultos detrás.
—Deveria recordar — disse Royce — que, se o fizerem, não é provável que
estejamos aqui, no lugar adequado, no momento preciso, para tirá-los.
—Sim. Diremos, pode estar seguro — O pai inclinou a cabeça tão baixo como
pôde. — Com sua permissão, Excelência, vamos levar a casa.
Royce se despediu deles enquanto se afastavam.
A mãe suspirou e agitou a cabeça. Trocou um olhar com Minerva.
—Falam e falam, mas nunca escutam, não é? — Dito isto, seguiu seu marido
margem acima.
Royce os observou enquanto partiam, viu como o resto de granjeiros e suas
esposas se reuniam ao redor deles, oferecendo consolo e apoio enquanto rodeavam o
casal e a sua quase perdida filha.
Junto a ele, Minerva se levantou lentamente. Esperou, enquanto agradecia a
Anne sua ajuda, e depois perguntou:
—Quem eram?
—Os Honeyman. Têm a granja de Green Sede — Fez uma pausa e
acrescentou: — Devem haver visto você na igreja, mas não acredito que foram
apresentados a você antes.
Não foram. Assentiu.
—Voltemos — Estava empapado até os ossos e não havia forma humana de
vestir jaqueta sobre suas empapadas roupas.
Anne se reunira com outros, mas agora voltou. Roçou o braço de Minerva.

222
—Susannah e algumas das demais damas retornaram com Phillip... O pobre
estava tiritando. Pensei em me adiantar e advertir o serviço —Embora estivesse na
casa dos trinta anos, Anne era magra, esbelta e de pés ligeiros.
—Obrigada — Minerva apertou ligeiramente os dedos de Anne. — Se puder,
diga a Retford que precisaremos de um banho quente para sua Excelência e outro para
o Phillip, e água quente para outros, também.
—Sim — Anne olhou a Royce, inclinou a cabeça e depois se virou e se afastou
pela encosta.
Com Minerva a seu lado, Royce começou a caminhar lentamente.
Olhando a algumas das damas, que estavam ainda pululando por ali
inconsequentemente, com as mãos apertadas contra o peito, exclamando como se o
incidente tivesse ultrapassado seus delicados nervos, murmurou:
—Ao menos algumas pessoas mantém a cabeça fria durante as crises.
Referia-se a Anne. Royce a olhou e sorriu.
—Assim é.
Arthur e Henry, junto ao resto de convidados que não chegou a molhar-se,
reornaram para recolher as varas e apetrechos.
Enquanto Royce e Minerva subiam o declive, as damas restantes,
aparentemente decidindo que o alvoroço havia terminado definitivamente,
reagruparam-se e empreenderam a volta ao castelo.
Com Minerva caminhando a seu lado, Royce estava quase na retaguarda do
grupo,e desejou que pudessem caminhar mais rápido. Precisava continuar movendo-
se ou começaria a tiritar como Phillip. Já tinha a pele gelada, e o frio estava
introduzindo-se em seus ossos.
Margaret o olhou sobre seu ombro um par de vezes; Royce assumiu que era
para assegurar-se de que não desmaiaria.
Não se surpreendeu totalmente quando se separou do grupo e esperou até
que Minerva e ele chegaram até ela.
Mas foi Minerva com quem falou.
—Podemos conversar um momento?
—Sim. É óbvio.

223
Minerva se deteve.
Royce seguiu adiante, mas diminuiu o passo. Não gostava do olhar que vira
nos olhos de Margaret, nem sua expressão, e muito menos seu tom. Minerva não era
uma criada, nem para a família. Não era um familiar pobre, nem nesse estilo.
Era sua governanta, e muito mais, embora Margaret não soubesse ainda.
—Sim?
Minerva olhou para Margaret, que até então permanecia em silêncio.
Margaret esperou até que Royce deu dois passos mais antes de dizer, em um
sussurro:
—Como se atreve? — Havia fúria e um terrível veneno em sua voz. — Como se
atreve a pôr a todo o ducado em risco pelo filho de um granjeiro?
Royce bufou.
—Os Honeyman são os arrendatários de seu irmão, mas, apesar disso, salvar
essa menina era o correto.
O duque se voltou.
Viu Margaret tomando fôlego. Avermelhada, com os olhos fixos na Minerva,
gritou:
—Por uma estúpida, por uma tola menina, arriscou...!
—Margaret — Royce caminhou de volta para ela.
Margaret se voltou para olhá-lo.
—E você! Você não é melhor! Parou para pensar um momento em nós, em
mim, Aurelia e Susannah? Em suas irmãs! Antes de...
—Já é suficiente.
Seu tom era gélido aço; fez com que ela apertasse os punhos e engolisse o
resto de sua enxurrada. Parou ante ela, suficientemente perto para que precisasse
levantar a cabeça para olhá-lo no rosto... Suficientemente perto para que se sentisse
intimidada, como deveria sentir-se.
—Não, não pensei em você, nem em Aurelia, nem em Susannah... Todas têm
maridos ricos que as mantêm, apesar de minhas continuadas retribuições. Não a pus
em perigo salvando essa menina. Sua vida estava na corda bamba, e me sentiria

224
tremendamente decepcionado se Minerva não me avisasse. Estava em disposição de
salvá-la... Uma menina que nasceu nas minhas terras.
Olhou o intransigente rosto de sua irmã.
—O que Minerva fez estava certo. O que eu fiz estava certo. O que você
parece haver esquecido é que meu povo (inclusive as meninas pequenas e tolas) é
minha responsabilidade.
Margaret inspirou profundamente.
—Papai nunca haveria...
—Sim —Esta vez sua voz era cortante. — Mas eu não sou papai.
Por um momento, manteve Margaret em silêncio com seu olhar e então, lenta
e deliberadamente, voltou-se para o castelo.
—Vamos, Minerva.
Rapidamente ficou a sua altura e começaram a caminhar.
Royce apressou seu passo; o resto de damas não estava muito longe.
—Preciso tirar estas roupas molhadas — Falou coloquialmente, tentando
deixar cena Margaret para trás, tão metafórica como fisicamente.
Minerva assentiu, com os lábios apertados.
—Exato — Passou um segundo e continuou: — Na realidade, não sei por que
Margaret não pôde esperar um pouco para gritar comigo... Não é que vocês não fosse
estar por perto. Se realmente estava preocupada com sua saúde, faria melhor não o
atrasando — olhou para Royce. — Pode ir mais rápido? Não deveria correr um pouco?
—Por quê?
—Assim entrará se aquecerá — Estavam aproximando-se do moinho. Minerva
levantou uma mão e empurrou seu ombro. —Vá por ali... Através do moinho. É mais
rápido que descer até a ponte e cruzar.
Geralmente evitava tocá-lo, embora agora seguisse empurrando-o, assim
Royce se desviou até o caminho pavimentado que guiava ao moinho.
—Minerva...
—Precisamos chegar ao castelo para que possa tirar essas roupas molhadas e
tomar um banho quente o antes possível — O empurrou para a prancha. — Assim se
mova!

225
Royce quase lhe fez uma saudação militar, mas fez o que ordenou. De
Margaret, que não pensava em ninguém mais que nela mesma, a Minerva, que estava
totalmente centrada...
Em seu bem-estar.
Levou um instante assimilar isso.
Olhou-a enquanto, com as mãos agora sobre um de seus cotovelos, apressava-
o a sair do moinho. Estava concentrada no castelo, em levá-lo para lá tão rápido como
fosse possível. Sua intensidade não era apenas a de uma governanta cumprindo com
seu dever; era bastante mais.
—Não vou pegar uma febre mortal por um mergulho no rio — Tentou
diminuir o passo até um passeio rápido.
Minerva apertou a mandíbula e o apressou.
—Você não é médico... Não pode saber isso. O tratamento prescrito depois da
imersão em um rio gelado é um banho quente, e isso é o que vai ter. Sua mãe nunca
me perdoaria se o deixo morrer porque não levou algo assim com a suficiente
seriedade.
Sua mãe, que nunca tinha passado um momento preocupando-se com sua
saúde. Os homens Varisey se supõe que devem ser duros, e, efetivamente, são. Mas
cedeu à petição de Minerva e voltou a caminhar rapidamente.
—Estou levando a sério.
Não tão a sério como ela.
Ou, como resultou, não tão a sério como seu pessoal de serviço.
No momento em que Minerva o empurrou através da porta que dava à asa
norte, Trevor se equilibrou sobre ele.
—Não! — Seu valete estava totalmente apavorado. —Outro par de Hobys
arruinados... Dois pares em três dias. E, OH, Por Deus! Está empapado!
Absteve-se de dizer o que já sabia.
—Está preparado o banho?
—Isso espero — Trevor trocou um olhar com Minerva, ainda junto a Royce. —
Subirei e me assegurarei disse — Trevor se virou e saiu correndo pelas escadas da
torre.

226
Royce e Minerva o seguiram, pegando o atalho até seus aposentos.
Minerva se deteve no exterior da porta de seu salão; ele seguiu caminhando, e
a prática nova porta até seu closet e o banheiro mais à frente que Hancock, o
carpinteiro do castelo, estava testando nesse momento.
Hancock assentiu.
—A nova porta que ordenou, sua Excelência. Bem a tempo, parece — Hancock
abriu a porta. — O banho o espera.
Royce assentiu.
—Obrigado —Olhou a porta enquanto entrava no closet e assentiu de novo
para Hancock. — É exatamente o que queria.
Hancock fez uma reverência, pegou sua caixa de ferramentas e partiu.
Minerva apareceu na porta... Olhou com surpresa a porta e depois seu marco. A seguir
olhou para Royce.
—Agora Trevor e os lacaios não precisam atravessar o dormitório para chegar
a estes aposentos.
—OH — ficou ali, digerindo, enquanto Royce começava a difícil tarefa de
desatar seu empapado lenço.
Trevor apareceu na porta oposta, pela qual o vapor emanou quando o lacaio
despejou o que tinha que ser o último balde de água fervendo na enorme banheira; se
a enchesse mais, transbordaria quando Royce se metesse dentro. O duque fez um sinal
ao lacaio para que parasse.
Seu valete, enquanto isso, estava franzindo o cenho enquanto segurava duas
garrafas de vidro.
—O que seria melhor? Menta ou hortelã?
—Menta — Saindo de seu transe, Minerva entrou para unir-se a Trevor. — O
que precisa é menta poejo12... é o melhor para evitar os resfriados — Se deteve junto a
Trevor, deixou que o lacaio se afastasse um pouco e depois assinalou um grupo de
potes similares que havia sobre uma mesa de madeira. — Deve estar aí.

12
O poejo (Mentha pulegium), também conhecido no Brasil como hortelãzinho, é uma das espécies
mais conhecidas do género Mentha. (Fonte: Wikipedia)

227
—Menta poejo. Bem — Trevor voltou. — Aqui está. Quantas gotas? —
Entreabriu os olhos, tentando ler a diminuta etiqueta.
—Aproximadamente uma colherzinha, possivelmente duas. O suficiente para
que possa cheirá-la com força.
Trevor tirou o plugue e despejou um pingo de azeite na água. Minerva e ele
cheiraram o vapor. Ambos franziram o cenho.
Royce entrou no banheiro e jogou seu lenço úmido, que por fim conseguira
desatar, no chão; caiu com um sonoro "plaf!", mas nem seu valete nem sua
governanta reagiram.
Olhou ofegante a água quente, sentindo que o frio se infiltrava em sua
medula... Escutou os outros dois discutindo os benefícios de acrescentar hortelã
também.
Tirou-se a barra da camisa da cintura da calça, desatou os cordões em seus
punhos e pescoço e depois olhou para sua governanta.
—Minerva.
Ela levantou a cabeça e o olhou aos olhos.
—Vá. Agora — Agarrou a prega de sua camisa.
—OH, sim... é óbvio.
Tirou a camisa, escutou o som de seus passos e após a porta do banho ao
fechar-se. Sorriu. Mas foi difícil liberar-se das úmidas dobras da roupa; Trevor teve de
ajudá-lo... Com isso, com as botas e com suas calças, desenhados para que se
ajustassem a suas pernas incluso quando estavam secos.
Por fim nu, entrou na banheira, sentou-se, se inclinou para trás e então
afundou. Sentiu o calor da água fundindo lentamente o gelo de sua carne. Sentiu a
calidez penetrando nele.
Sentiu a calidez de outro tipo expandindo-se lentamente por seu corpo.
Com o olhar na porta pela que fugira sua governanta, descongelou
lentamente.

228
Muito tarde aquela noite, com o ombro apoiado contra a parede na escuridão
de uma porta da galeria da torre, Royce olhava pensativamente a porta do quarto de
Minerva.
O único pensamento em sua mente era se sua preocupação por ele era
desculpa suficiente para o que estava a ponto de fazer.
Compreendia perfeitamente bem por que a necessidade de deitar-se com ela
subira repentinamente a um nível que estava fora de seu controle. Brincar com a
morte tivera aquele efeito: o fizera muito consciente de sua mortalidade e acendera
sua necessidade de viver, de demonstrar que estava vitalmente vivo do modo mais
fundamental.
O que estava sentindo, o modo no que estava reagindo, era totalmente
natural, normal, lógico. Era de esperar. Não estava tão certa de que ela o visse desse
modo. Mas aquela noite precisava dela. E não só por razões egoístas.
Embora no assunto do resgate tivessem razão, também a tinha Margaret.
Aceitara a necessidade de assegurar a sucessão; não podia seguir adiando falar com
Minerva e ganhar sua aprovação para ser sua esposa.
Para ser a mãe de seu filho... O décimo primeiro duque de Wolverstone.
Naquele momento, todos os caminhos de sua vida conduziam àquele lugar e o
impulsionavam a agir, a dar o próximo passo.
O castelo ficou em silêncio; todos os convidados estavam na cama, embora
não todos na própria. No interior da torre, só permaneciam Minerva e ele; todo o
serviço se retirou fazia muito. Não fazia sentido adiar mais.
Estava a ponto de afastar-se da parede, esticou-se para dar o primeiro e
desgraçado passo para a porta, quando esta se abriu.
Parou, e através da escuridão, viu que Minerva saía. Estava ainda totalmente
vestida; amarrando um xale sobre os ombros, olhou à direita e depois à esquerda. Não
o viu, já que estava totalmente imóvel nas envolventes sombras.
Fechou cuidadosamente a porta e se afastou pelo corredor.
Tão silencioso como um fantasma, seguiu-a.

229
CAPÍTULO 12

A lua cheia cavalgava a noite; Minerva não precisava de uma vela para deslizar
pelas escadas principais e seguir o corredor da asa oeste até a sala de música. Uma vez
no térreo, caminhou rapidamente; todos os convidados estavam no andar de cima.
Emprestara a Cicely, uma prima longínqua de Royce, o broche de pérolas de
sua mãe para prender o xale que Cicely usara como a princesa da França na
representação daquela noite de Trabalhos de amor perdidos... e se esqueceu de
recuperá-lo. O broche tinha um valor incalculável, e muito mais, era uma das poucas
lembranças que tinha de sua mãe; não estava disposta a arriscar-se a deixá-lo revolto
com o resto de peças de bijuteria da caixa de disfarces, nem até o dia seguinte.
Não é que se imaginasse que alguém pudesse roubá-lo, mas... Não poderia
dormir até que recuperasse o broche.
Chegou à sala de música, abriu a porta e entrou. A luz da lua entrava através
da ampla janela, enchendo o cenário e proporcionando luz mais que suficiente.
Enquanto atravessava o corredor entre as fileiras de cadeiras, sua mente vagou até o
Royce... E até o agudo medo, de força quase paralisante, que a apanhou quando o vira
no rio, sendo arrastado junto à menina longe do ponto onde esperavam os que teriam
de resgatá-los.
Durante um cristalino momento, pensou que ia (que iam) perdê-lo. Inclusive
agora... Diminuiu o passo, fechou os olhos, inspirou lenta e firmemente. Tudo tinha
saído bem. Agora estava acima, a salvo, e a menina estava em sua casa, sem dúvida
agasalhada e quentinha em sua cama.
Exalou e abriu os olhos e continuou mais rapidamente até o cenário. O baú de
disfarces estava na parte de atrás da asa esquerda. Junto a ele havia uma caixa cheia
de xales, cachecóis, lenços, mesclados com sabres falsos, boinas, uma tiara e uma
coroa e o resto de artigos pequenos que completavam os disfarces.
Agachou-se junto à caixa e começou a rebuscar entre os materiais,
procurando o xale de lentejoulas.

230
Com as mãos e os olhos ocupados, seus pensamentos, provocados pelas
palavras de Margaret e pelos comentários que escutara após, não só das damas mas
também de alguns dos homens, perambulando, dando voltas à questão de se fizera
bem ou não ao advertir Royce do perigo da menina.
Nem todos os que tinham feito algum comentário esperavam que resgatasse a
menina, mas ela o fez. Esperava que ele agisse precisamente como fizera... Não nos
atos concretos, a não ser no sentido de que faria tudo o que pudesse para salvar a
menina.
Ela não esperava que ele arriscasse sua vida, não até o ponto de que sua
morte fosse uma possibilidade real. Não acreditava que Royce previsse, tampouco,
mas em tais situações nunca há tempo para fazer cálculos a sangue frio, para sopesar
cada possibilidade.
Quando se enfrenta situações de vida ou morte, precisa-se agir... E confiar em
que suas habilidades o farão sair vitorioso. Como Royce fizera. Havia dado ordens a
seus primos, e estes o obedeceram; agora possivelmente questionassem a prudência
de seu ato, mas nesse momento fizeram o que ele pedira.
Isso era o que importava. Para sua mente, o resultado final foi totalmente
satisfatório, embora de todos os que estavam escada acima, somente ela, Royce e
alguns de outros, viam o assunto sob tal luz. Outros pensavam que ele, e ela,
equivocaram-se.
É óbvio, não pensariam assim se a garota tivesse bom berço.
Nobreza obriga; os que discrepavam claramente interpretavam a frase de um
modo distinto que Royce e ela.
O xale de lantejoulas não estava na caixa. Franziu o cenho e colocou as coisas
de novo dentro, depois levantou a tampa do baú.
—Aqui.
Desdobrou-o e, como suspeitava, Cicely deixara o broche parecido no xale; o
pegou e o colocou no bolso. Deixou o xale no baú, baixou a tampa e se levantou.
Justo quando o som de uns passos ressonou no corredor além da porta
aberta.
Passos lentos, firmes, deliberados... Os passos de Royce.

231
Detiveram-se na soleira.
Royce normalmente se movia impossivelmente silencioso. Estava permitindo
que se ouvissem seus passos porque sabia que ela estava lá? Ou porque pensava que
não havia ninguém ao redor que pudesse ouvi-los?
Escondeu-se no fundo do painel; o grosso pano de fundo de veludo, que
estava fechado, dava-lhe cobertura extra e assegurava que sua silhueta não se visse
recortada pela luz da lua no chão ante o cenário. Deslizou os dedos entre o pano de
fundo e o painel e deu uma olhada.
Royce estava na soleira. Olhou a sala e depois entrou lentamente, deixando a
porta aberta.
Tensa, olhou-o enquanto caminhava pelo corredor central. Parou na metade
de distância do cenário e se sentou em uma cadeira ao final de uma fileira; as pernas
de madeira rangeram quando se moveu, e esse mínimo som ressonou na noite.
Estendeu as extremidades e entrelaçou as mãos. Com a cabeça inclinada, parecia estar
estudando seus dedos entrelaçados.
Royce pensou (de novo) no que tinha pensado em dizer, mas a necessidade
era um clamor que enchia sua mente, que a afogava, afastando todas as suas reservas.
Apesar de sua indiferença, sabia perfeitamente bem que esteve a ponto de
morrer aquele dia. Dançara perto da Morte antes; sabia como era o roce de seus
dedos gelados. Arependeu-se de várias coisas no momento em que Phillip parecia
estar muito longe.
Seu principal arrependimento fora sobre ela. Se morresse, não chegaria a
conhecê-la. Não só biblicamente, a não ser em um sentido mais profundo e amplo,
algo que poderia pôr a mão no coração e jurar que nunca quis antes de nenhuma outra
mulher.
Essa era outra razão pela que se decidiu a fazê-la sua esposa. Teria anos para
aprender, para explorar, todas suas distintas facetas, seu caráter, seu corpo, sua
mente.
Aquela tarde, enquanto se esquentava em seu banho, pensara no estranho
impulso que tinha provocado o fato de que ela o obrigasse a voltar depressa para
castelo. Desejou rodeá-la com o braço e aceitar abertamente sua ajuda, apoiar-se nela

232
(não só fisicamente), mas por alguma outra razão, algum outro consolo. Não só por
ele, mas sim por ela, também. Aceitando sua ajuda, reconhecendo-a... Mostraria que a
recebia de bom grado, que estava agradecido, que se sentia honrado de que ela se
preocupasse.
Não o fizera... Porque os homens como ele nunca mostram tal debilidade.
Através de sua infância, de seus anos no colégio, através da pressão social o
moldaram; ele sabia, mas isso não significava que pudesse escapar de seus efeitos,
apesar do poderoso que era como duque.
Efetivamente, devido a que estava destinado a ser tal poderoso duque, o
condicionamento inclusive se aprofundou.
Mas como, em muitos sentidos, explicava o que ocorrera aquela noite.
Sob o fluir de seus pensamentos, esteve avaliando, calculando, decidindo.
Inspirou profundamente, levantou a cabeça e olhou à esquerda do cenário.
—Saia. Sei que está aí.
Minerva franziu o cenho e saiu de seu esconderijo. Tentou sentir-se irritada;
em vez disso... Descobriu que era possível sentir-se tremendamente vulnerável e
irresistivelmente fascinada simultaneamente.
Desceu do cenário e disse a si mesma, a seus descontrolados sentidos, que se
concentrassem no primeiro e esquecessem o último. Que se concentrassem em todas
as razões que tinha para sentir-se vulnerável junto a ele. Para sentir-se vulnerável ao
aproximar-se muito a ele, em qualquer sentido.
Previsivelmente, enquanto caminhava com fingida tranquilidade pelo
corredor, seus sentidos, saltando com uma agitada espera, ganharam altura. Estar a
menos de quatro pés dele não era uma boa ideia. Mesmo assim...
A luz da janela atrás dela caiu sobre Royce, iluminando seu rosto enquanto,
sentado, olhava-a.
Havia algo em sua expressão, geralmente tão pouco expressiva. Não cansaço,
mas sim mas bem resignação... Assim como uma sensação de... Tensão emocional.
Tal observação a desconcertou, justo quando tinha lugar outro desconcertante
feito. Minerva fixou seu olhar em seus escuros olhos.
—Como sabia que estava lá?

233
—Estava no corredor junto a seu quarto. Vi você sair e a segui.
Minerva se deteve no corredor junto a ele.
—Por quê?
A luz da lua não chegava a seus olhos; estes examinaram seu rosto, mas
Minerva não pôde lê-los, não mais do que podia adivinhar de seus pensamentos pela
cinzelada perfeição de seus traços, embora estes ainda continham essa tensão, uma
necessidade, possivelmente, ou um anseio; à medida que o silêncio se estendeu, o
sentiu com mais clareza... Honesto, sincero, direto.
Real.
Um cacho de negro cabelo caíra sobre sua fronte; sem pensar, Minerva
estendeu a mão e o separou de seu rosto. Com seus dedos seduzidos pela rica
suavidade e o matiz sensual, hesitou e depois começou a retirar a mão.
Ele a agarrou, prendendo-a com a dele.
Minerva o olhou aos olhos, surpresa.
Royce a manteve enfeitiçada por um longo momento e depois, entrelaçando
seus dedos com os dela, virou a cabeça e, lenta e deliberadamente, pressionou seus
lábios contra sua palma.
O surpreendente calor saltou como uma faísca em seu interior; o
descaradamente íntimo toque a fez estremecer.
Royce moveu a cabeça; seus lábios vagaram até seu pulso, para outorgar ali
uma igualmente íntima carícia de amante.
—Sinto muito — As palavras a alcançaram em um sombrio sussurro enquanto
seus lábios abandonavam sua pele. Seus dedos se moveram sobre os dela, encerrando
sua mão na dele. — Não pretendia que fosse assim, mas... Não posso esperar mais.
Antes que seu cérebro pudesse decifrar o significado daquelas palavras, e
muito menos reagir, Royce ficou de pé e, colocando seu ombro contra sua cintura e
usando o impulso para elevá-la... com um único e suave movimento a colocou sobre
seu ombro.
—O que...? — Desorientada, olhou suas costas.
Royce se virou para a porta.
Minerva se agarrou à parte de atrás de sua jaqueta.

234
—Pelo amor de Deus, Royce... Desça-me! — Lhe daria um tapa ou tentaria
descer de seu duro ombro, mas ele passou um braço de aço sobre a parte de atrás de
seus joelhos, fixando-a em sua posição.
—Farei isso. Mas fique quieta por alguns minutos.
Alguns minutos? Já tinha saído ao corredor.
Agarrando a parte de atrás de seu casaco com ambas as mãos, olhou a seu
redor e depois se segurou com força quando começou a subir; através da penumbra
reconheceu o vestíbulo ante as escadas oeste da torre... E as viu afastar-se.
Um aterrorizante pensamento se formou em sua mente.
—Aonde me leva?
—Já sabe. Quer que diga isso?
—Sim!
—À minha cama.
—Não!
Silêncio. Não houve resposta, nem reconhecimento de nenhum tipo.
Chegou à galeria e virou para seus aposentos. Qualquer dúvida sobre o que
pretendia fazer se evaporou com o que havia dito. Percebeu como estava necessitada;
não poderia evitar que aquilo ocorresse simplesmente porque não seria capaz, não
uma vez que ele a rodeasse com seus braços e a beijasse.
Só o pensamento de suas mãos (suas inteligentes e maliciosas mãos) sobre
sua pele de novo a fez estremecer pela antecipação.
Desesperada, agarrou-se às suas costas, lutando por separá-lo o suficiente
para conseguir colocar ar em seus pulmões.
—Royce, pare! — Despejou cada onça de domínio que pôde reunir em seu
tom de voz. Como não se deteve, rapidamente continuou. — Se não me descer neste
mesmo instante, gritarei.
—Deixe-me aconselhar uma coisa... Nunca ameace com algo que não esteja
disposta a fazer.
Furiosa, inalou ar profundamente, conteve-o... Esperou.
Suas pernadas não fraquejaram.
Mas então se deteve.

235
A esperança ardeu... Apenas para ser sufocada por uma onda de decepção.
Antes que pudesse descobrir o que sentia realmente, ele continuou
caminhando e se virou. Seu olhar pousou na fileira de suas esferas armilares. Estavam
em seu sala de estar. Sua última oportunidade de ser salva, por qualquer método,
morreu quando ouviu que a porta se fechava.
Esperou, sem fôlego, a que a descesse. Em vez disso, caminhou até a próxima
porta, fechou-a atrás deles e continuou cruzando seu dormitório.
Até os pés de sua enorme cama com dossel.
Parou e a agarrou pela cintura; inclinou seu ombro e a desceu brandamente,
com seus seios contra seu torso, até que seus pés tocaram o chão.
Ignorando corajosamente a súbita precipitação de seu pulso e seus ávidos
sentidos, fixou seus olhos entreabertos nos de Royce, enquanto este se levantava.
—Não pode fazer isto — Sua afirmação era absoluta. — Não pode me trazer
aqui sem mais e — Gesticulou alocadamente — me violar!
Era a única palavra em que pôde pensar que se encaixava com a intenção que
agora via em seus olhos.
Examinou-a um instante, depois elevou as mãos, enquadrando seu rosto.
Inclinou-o enquanto se aproximava, de modo que seus corpos se tocaram, roçaram-se
enquanto, com os olhos fixos nos dela, inclinava sua cabeça.
—Sim. Posso.
Sua afirmação a desarmou. Soou com uma convicção inata, com a
entristecedora confiança que era sua de nascimento.
Fechou as pálpebras e se preparou para o assalto.
Não chegou.
Em vez disso, ele bebeu de seus lábios, com uma suave, tentadora e sedutora
carícia.
Os lábios de Minerva já estavam famintos, e seu corpo pulsou com
necessidade quando Royce levantou sua cabeça apenas o suficiente para apanhar seus
olhos.
—Vou violar você... Exaustivamente. E garanto que aproveitará cada segundo.

236
Faria; sabia que o faria. E já não sabia nenhum modo de evitar... Estava
perdendo rapidamente de vista a razão pela que deveria fazê-lo. Procurou seus olhos,
seu rosto. Umedeceu seus lábios. Olhou os de Royce e não soube o que dizer.
Que resposta queria expressar.
Enquanto o olhava, ele sorriu. Seus lábios, magros, duros, embora móveis,
cujos extremos se curvavam para cima ligeiramente, eram convidativos.
—Não precisa dizer nada. Apenas tem que aceitar. Apenas tem que deixar de
resistir... — Sussurrou as últimas palavras enquanto seus lábios baixavam até os dela.
— E deixar que ocorra o que nós dois queremos.
Seus lábios se fecharam sobre os de Minerva de novo, ainda suaves, ainda
persuasivos, embora a governanta sentisse a quase desatada ânsia nas mãos que
acariciavam seu rosto. Levantou uma mão e a fechou sobre o dorso de uma das de
Royce... E soube de coração que sua suavidade era uma fachada.
Havia dito violação, e isso era o que pretendia.
Para lhe dar a razão, seus lábios se endureceram e se fizeram mais firmes; ela
sentiu sua ânsia, provou sua paixão. Esperava que ele separasse seus lábios,
reclamando sua boca sem mais convite... Mas de repente controlou a paixão que
estava a ponto de liberar-se.
O suficiente para separar seus lábios dos de Minerva um centímetro e pedir:
—Se não querer saber como é deitar-se comigo, diga agora.
Minerva havia sonhado com isso, fantasiado sobre isso, passado longas horas
perguntando-se, olhando a rica escuridão de seus olhos e o calor que já ardia em suas
profundidades, sabia que não o rechaçaria, que aproveitaria a oportunidade.
—Se não me desejar, diga-me agora.
Suas palavras chiaram, profundas e graves.
Seus lábios pairaram sobre os dela, esperando uma resposta.
Uma das mãos de Minerva jazia sobre seu peito, estendida sobre seu coração;
podia sentir seu pulsar pesado e rápido, podia ver em seus olhos, sob toda aquela
paixão, uma singela necessidade... Uma que lhe suplicava, que a afetou.
Que precisava que ela a apaziguasse.
Se não me desejar...

237
Ele a desejava.
Levantou o rosto, cortando a distância, e o beijou.
Sentiu um fugaz momento de surpresa, e então assimilou a permissão
implícita.
Seus lábios se fecharam sobre os dela... Vorazmente. Royce encheu sua boca,
capturou sua língua e a acariciou, capturou seus sentidos, unindo-os aos dele. Exigiu,
demandou; inclusive enquanto suas mãos se separavam de seu rosto e seus braços se
fechavam a seu redor, como bandas de aço atraindo-a até ele, prendendo-a
inflexivelmente contra seu duro corpo, Royce a atraiu a um quente intercâmbio que
aumentou rapidamente, em ânsia e urgência, para outro plano.
Ele alimentou seu fogo, sua paixão, e mais. Deu-lhe, pressionou nela, um
toque de crua posse, um augúrio sem disfarçar e surpreendentemente explícito do que
estava por vir, de sua ânsia desatada e de sua própria embriagada resposta.
De sua rendição definitiva.
De que em realidade nunca houve nenhuma dúvida.
O xale deslizou de seus ombros até o chão. Mal pôde encontrar um pouco de
prudência naquela tormenta de sentimentos e pouco pôde fazer naquela primeira e
turbulenta rajada de paixão e desejo provocada pelo beijo.
Porque aquilo era muito mais do que compartilhara com ele antes. Royce
tinha deixado cair as rédeas que normalmente sustentava e deixado livre seu desejo
para que a devorasse.
Parecia assim agora, quando ele fechou uma mão sobre seu seio. Não havia
nada doce em seu toque; Minerva ofegou através do beijo, sentindo como se arqueava
sem remédio pela carícia... Toda possessiva paixão, habilmente exercida. Seus dedos
se fecharam, e ela estremeceu, sentiu que a palma da mão de Royce ardia através das
capas de tecido que protegiam sua pele. Sentiu uma ardente rajada de desejo, que se
combinava com o dele, retorcia-se, subia e a enchia.
E tomava. Forçava-a. Esmagava-a.
Nesse instante, Minerva deixou de lado todas as suas reservas e se preparou
para aproveitar o momento e tudo o que este podia proporcionar. Liberou-se para
tomar tudo o que oferecia, para deleitar-se com qualquer coisa que ficasse em seu

238
caminho. Para aproveitar o momento que o destino proporcionava para viver seus
sonhos... Inclusive se fosse apenas por uma noite.
A decisão ressonou em seu interior.
Aquilo era o que desejara por toda a sua vida.
Estendeu a mão para prendê-lo. Deslizou seus dedos no cabelo de Royce,
esticando-os sobre seu crânio... E beijando-o. Deixou que seu próprio desejo crescesse
e respondesse ao de Royce... Deixou que sua própria paixão fosse livre para responder
a do duque. Para equilibrar a escala tanto como pudesse.
Tanto como fosse possível.
A resposta de Royce foi tão poderosamente apaixonada que fez que sua pele
se arrepiasse. Inclinou a cabeça, aprofundando o beijo e tomando completa e absoluta
posse da boca de Minerva. A mão fechada sobre seu inchado seio aliviou sua pressão;
deslizou-a para baixo, sobre sua cintura, seu quadril, ao redor e abaixo para fechar-se,
descaradamente possessiva, sobre seu traseiro.
Levantou-a até colocá-la sobre ele, até que a dura haste de sua ereção se
esmagou contra seu púbis. Presa pelo beijo, apanhada em seus braços, não pôde
conter a maré de sensações que enviou através dela quando, com um deliberado e
praticado movimento de seus quadris, empurrou contra ela.
Apenas capaz de respirar, agarrou-se a ele enquanto, com esse singelo e
explícito movimento repetitivo, avivou seu fogo até que incinerou sua mente e logo
continuou movendo-se deliberadamente contra ela com a quantidade exata de
pressão para alimentar as chamas... Até que ela pensou que ia gritar.
Royce queria estar em seu interior, queria afundar seu vibrante membro
profundamente em seu luxurioso corpo, sentir sua úmida vagina fechar-se com força a
seu redor e liberar sua feroz dor, depois de possuí-la totalmente; precisava disso mais
do que de qualquer coisa em sua vida.
O desejo e a necessidade pulsavam em suas veias, agitados e exigentes; seria
muito fácil levantar as saias, levantá-la, liberar seu membro e atravessá-la... Mas,
enquanto a desejasse com aquela urgência cega, algum instinto igualmente forte,
igualmente violento, desejava demorar o momento. Desejava fazer que durasse...
Estender a antecipação até que nenhum dos dois pudesse mais.

239
Nunca esteve assim, uma mulher nunca o reduzira a esse estado... Seu lado
mais primitivo sabia que a mulher que estaria em seus braços aquela noite o faria.
Não foi o controle o que o permitiu retroceder, não foi nada parecido a um
pensamento o que o conduziu enquanto a descia até seus pés, prendendo seus
sentidos uma vez mais com seus beijos (uma união sugestivamente explícita e cada vez
mais quente de suas bocas), e a guiou ao redor dos pés da cama.
Um segundo depois, as mãos de Minerva se separaram da cabeça de Royce,
deslizaram-se para baixo sobre seus ombros e mais ainda, até chegar até os botões de
sua jaqueta.
Royce tinha curiosidade sobre o quanto ela seria direta, sobre o abertamente
demandante que se mostraria, assim deixou que a desabotoasse; quando Minerva
deslizou a mão para cima e tentou tirar o casaco dos ombros, ele se viu forçado a
soltá-la para tirar ele mesmo e deixar que caísse enquanto encontrava os laços de seu
vestido e os desabotoava.
Em nenhum momento, permitiu que ela rompesse o beijo... Seu faminto,
avaro e devorador beijo. Levou-a de novo até o calor e as chamas, atraiu-a contra ele
enquanto afastava seu vestido, deslizava uma palma debaixo e encontrava a delicada
seda de sua regata como última barreira, separando sua mão da pele.
Um impulso o aguilhoou para que rasgasse o tecido; constrangeu-o, mas a
ideia agiu como uma espora. Não perdeu tempo e afastou o vestido de seus ombros e
por seus braços, empurrando-o sobre seus quadris, deixando que caísse até o chão
enquanto desatava os laços nos ombros de sua regata e a enviava abaixo também.
Levantou a cabeça, conteve o fôlego e retrocedeu.
Surpresa (por seu repentinamente exposto estado, mas inclusive mais pela
perda do duro calor e do desejo elementar de sua boca), Minerva retrocedeu até a
cama e tentou permanecer vertical enquanto seus sentidos giravam.
Estavam concentrados nele, alto, de ombros largos, de constituição poderosa,
atraente como o pecado e duas vezes mais perigoso... A um passo de distância.
Uma parte de sua mente dizia para que corresse; outra sentia que devia
esticar-se, usar suas mãos para cobrir-se, ao menos fazer alguma demonstração de
pudor (estava totalmente nua em frente a ele), mas o calor em seus sombrios olhos

240
enquanto examinavam seu corpo era suficientemente quente para abrasar, para
queimar todas as suas inibições e deixá-la ansiosamente curiosa.
Ansiosamente fascinada.
Estendeu a mão até o colete que já tinha aberto, mas o duque a bloqueou,
afastando sua mão com um gesto que dizia "Espere".
Seus olhos não haviam abandonado seu corpo. Seu olhar continuou
percorrendo suas curvas, a fenda de sua cintura, o brilho de seus quadris, as longas e
suaves linhas de suas coxas. Detiveram-se, abrasadores, avaliando-a, descaradamente
possessivos sobre os cachos na união de suas coxas.
Depois de um momento, seu olhar desceu.
E ela percebeu que não estava totalmente nua; tinha postas as ligas, as meias
e os sapatos.
Royce tirou o colete e o deixou cair enquanto ajoelhava ante ela. Agarrou um
quadril nu, inclinou-se e pressionou seus lábios nos cachos que examinara. Minerva
sentiu que suas vísceras se fundiam e procurou detrás com as mãos para apoiar-se na
cama, deixou cair sua cabeça para trás enquanto o calor de seus lábios se afundava
nela e a lambia com destreza... Um habilidoso gasto de sua educada língua sobre sua
carne mais sensível.
Arqueou-se, conteve seu fôlego... Para sufocar um grito. Inspirou e olhou
abaixo, enquanto ele retrocedia, e recordou a si mesma que o duque pensava que
tinha experiência.
Royce não a olhou para ver sua reação a não ser para colocar seus dedos em
uma liga e baixá-la lentamente junto à meia. Inclinou sua cabeça enquanto o fazia e,
com os lábios, riscou uma linha de pequenos e tentadores beijos pela face interna de
sua perna, da coxa até o joelho.
Para quando terminou de tirar as meias e os sapatos, a única coisa que a
mantinha em pé eram seus braços.
Tinha as pálpebras pesadas; por baixo dos cílios, observou como a olhava e
logo se levantava lentamente.

241
Tirando o broche dourado de seu lenço, jogou-o à cômoda próxima e desfez as
dobras, com tensão em seus movimentos. O tirou, desatou os nós de sua camisa no
pescoço e os punhos, e depois segurou e atirou do fino linho para cima, para tirá-la.
Revelando seu peito.
Minerva salivou. Apenas o vira antes por um momento, no banheiro. Seus
olhos o percorreram, bebendo naquela visão, e então se detiveram, deleitando-se em
cada elemento sugestivamente masculino... Os amplos e mais definidos músculos que
se estendiam sobre a parte de acima de seu peito, as esculpidas saliências de seu
abdômen, a banda de encaracolado pelo negro que manchava sua amplitude e a linha
mais estreita que assinalava abaixo e que desaparecia sob a cintura de sua calça.
Observou o jogo de seus músculos sob sua tensa pele enquanto ele se
inclinava e tirava os sapatos e as meias.
Então se levantou, e seus dedos desabotoaram os botões de sua calça.
Minerva sentiu a urgência de levantar uma mão e dizer que parasse, apanhada
pelo pânico. Ou ao menos que diminuísse o ritmo e lhe desse tempo para preparar-se.
Com os olhos sobre o corpo de sua governanta, o duque tirou as calças e as
jogou para o lado, levantou-se e caminhou para ela.
Seu olhar se cravou em seu pênis, comprido, grosso e muito ereto, elevando-
se de um ninho de pelos negros em sua virilha; sua boca secou completamente. Seu
coração pulsava nas orelhas, mas ele não parecia ouvi-lo.
Como a maioria dos homens, Royce não parecia ter conceito de modéstia...
Além disso, com um corpo como o seu, por que deveria sentir acanhamento?
Ela se sentia... Aflita.
Royce era todo músculo... E era grande. Definitivamente grande.
Estava segura de que ele sabia o que estava (estavam) fazendo, o que iam
fazer, mas não podia imaginar como ele (aquilo) ia encaixar-se em seu interior.
Só o pensamento a fez sentir-se enjoada.
Parou ante ela, tão perto como pôde devido a ela não tinha desviado seu
olhar. Minerva não levantou a cabeça, não podia separar seus olhos daquela
impressionante demonstração de desejo masculino.
De um desejo que lhe provocava.

242
Lambeu os lábios, estendeu a mão até o sólido membro e o envolveu com
uma mão até a metade de sua longitude. Sentiu como se endurecia sob seu roce.
Sentiu que seu corpo se esticava, mais duro, também, e levantou o olhar a
tempo para ver que fechava os olhos. Seus dedos não se encontravam, mas ela
deslizou a mão para baixo, absorvendo a contraditória textura do veludo sobre o aço,
percorrendo-a até a base, e olhou abaixo para ver sua mão acariciando seus pelos, e
depois mudou de direção, ansiosa por explorar a ampla glande. Royce chiou pelo
prazer quando ela o alcançou, e depois o liberou e percorreu com as pontas de seus
dedos inchados contornos.
Royce segurou sua mão... Com força; quando Minerva levantou o olhar até
seu rosto, ele suavizou seu aperto.
—Depois — Sua voz era um grave grunhido.
Minerva piscou.
Royce apertou a mandíbula enquanto elevava a mão de Minerva até seu
ombro.
—Poderá me tocar e sentir tudo o que quiser depois. Agora, eu quero sentir
você.
Suas mãos deslizaram ao redor de sua cintura até suas costas. Separou-a da
cama... Para ele.
Nada a tinha preparado para aquela comoção tátil. Para a sacudida de pura
sensação que a atravessou como um raio, deixando seus nervos esgotados, deixando-a
ofegando, lutando por conseguir colocar ar em uns pulmões que estavam fechados.
Era tão bonito! Sua pele a abrasava, mas tentadora... Nunca tinha suficiente.
Suficiente de seu duro torso contra seus seios, de seu pelo encaracolado circulando
seus mamilos levemente, de um modo inexplicavelmente delicioso. Suficiente da
sensação da longa longitude de suas coxas de aço contra os dela, suficiente da
promessa do rígido pênis entre suas coxas, pressionado contra seu ventre.
A falta de ar quase a fez desvanecer, mas o instinto a empurrou para ele
enquanto seus braços a rodeavam, um instinto lascivo que fez com que se retorcesse
contra o duque, procurando instintivamente a melhor postura, desejando o máximo
contato, todo o possível de seu calor masculino.

243
Queria banhar-se nele.
Royce inclinou a cabeça e tomou sua boca de novo, encheu-a, reclamou-a,
possuiu a deliciosa suavidade justo como pretendia possuir seu corpo... Lentamente,
repetitivamente, e exaustivamente.
Ao fim, tinha-a onde a queria: nua em seus braços. O primeiro pequeno passo
para a realização. Não precisava pensar para ter o resto de sua campanha adornada
em seu cérebro; seu primitivo instinto já o gravara lá.
Queria-a nua, necessitada, estremecendo, gemendo e suplicando que a
tocasse.
Queria-a tombada, totalmente nua, sobre seus lençóis de seda, com os seios
inchados e eretos, com as marcas de sua posse claras sobre sua imaculada pele.
Queria-a ofegando, com suas brancas coxas totalmente abertas, seu sexo
rosado e inchado, brilhando com convite enquanto suplicava que a enchesse.
Queria-a retorcendo-se sob seu corpo enquanto o fazia.
Queria-a até o orgasmo, mas não até que a penetrasse... Queria que se
desfizesse no momento em que a embainhasse. Queria que recordasse aquele
momento, que ficasse gravado em sua memória sensual... O momento em que a
penetrou pela primeira vez, o momento em que a encheu, em que a possuiu.
Era Wolverstone, o todo-poderoso e indisputável senhor de seus domínios.
O que queria, conseguia.
Assegurava-se disso.
Assegurou-se de que, usando suas mãos, seus lábios e sua língua, despertasse
qualquer terminação nervosa que ela possuísse, excitando-a, alimentando sua fome,
armazenando seu desejo, atraindo sua paixão, embora sem satisfazê-lo nem um
pouco.
Com habilidade, fez com que crescessem, que brotassem, que aumentassem e
que a enchessem.
Até que, em um estremecedor gemido, ela agarrou sua mão e a atraiu até seu
seio. Pressionou seus dedos com força contra sua firme carne.
—Pare de brincar, malvado.

244
Royce teria estalado a língua, mas sua garganta estava muito tensa pelo
desejo reprimido; em vez disso, fez o que ordenou e deu uma palmada em seu seio,
amassou-o evocativamente e então a recostou sobre a cama para poder usar ambas as
mãos nela ao mesmo tempo.
Até que soluçou e estendeu a mão até sua ereção.
Ele agarrou sua mão, sustentou-a enquanto jogava para trás as mantas da
cama e depois a liberou, a pegou nos braços e a estendeu sobre os lençóis de seda
escarlate. Deixou-a no centro da cama, com a cabeça sobre os travesseiros, e se
estendeu junto a ela, levou os lábios e a língua até seu seio e torturou a si mesmo
torturando a ela.
Quando começou a gemer incontrolavelmente, com as mãos afundadas em
seu cabelo, puxando com força enquanto se retorcia e o sustentava contra ela, Royce
baixou, degustando sua pele úmida pela paixão enquanto o fazia, separando suas
coxas, acomodando-se entre eles para lambê-la levemente e percorrendo seu sexo
com as pontas dos dedos.
Até que, ofegando, Minerva levantou a cabeça, olhou-o e, com os olhos
brilhando pelo insaciável desejo, suspirou:
—Pelo amor de Deus, me toque direito.
Seus traço eram granito, mas, interiormente, sorriu enquanto retrocedia.
Então lhe deu o que pedia, inserindo um dedo, e após dois, em sua tensa vagina,
profundamente, mas evitando cuidadosamente que obtivesse sua liberação.
Minerva estremeceu; respirar era uma batalha enquanto lutava para absorver
cada lasciva carícia íntima, enquanto seus sentidos, totalmente concentrados,
absorvidos, apanhavam avidamente tudo o que podiam de cada lento empurrão de
seus dedos no interior de seu corpo... Descobrindo que isso nunca era suficiente.
Não era suficiente para fazer brotar seus já liberados sentidos, não era
suficiente para encher o vibrante vazio aberto em seu interior.
Minerva sentia toda sua pele avivada. As chamas da paixão lambiam seu
interior avidamente, famintas, por debaixo de sua pele; mas, sem importar como
ardesse, o forno em seu interior só flamejava quente, esperando.

245
Uma parte distante de sua mente sabia o que Royce estava fazendo... Era
suficientemente consciente para sentir-se agradecida; se ele ia (e sabia que o faria) a
introduzir seu inchado pênis em seu interior, queria estar tão preparada como fosse
humanamente possível.
Mas... Já estava molhadíssima... E desesperada. Totalmente desesperada por
sentir e experimentar todo o resto. Desejava-o sobre ela, queria sentir como se unia
com ela.
Finalmente compreendeu o que guiava às mulheres prudentes a desejar um
amante como ele.
Seu corpo se retorceu sob as mãos do duque. Mal pôde encontrar ar suficiente
para ofegar:
—Royce...
Um gemido expressou o resto de sua súplica sem palavras.
Uma que ele entendeu; uma que ela entendeu, de repente, que esteve
esperando. Royce deixou os dedos enterrados em seu sexo, levantou-se, e seu longo
corpo se deslizou sobre o dela, apoiou-se em um de seus cotovelos e colocou seus
lábios entre suas coxas abertas.
Tirou os dedos de sua escorregadia vagina, colocou a ampla cabeça de sua
ereção entre seus lábios, na entrada, e se colocou sobre ela olhando a no rosto.
Com os olhos entreabertos, olhou os olhos escuros de Royce.
—Deseja-me dentro de você? — Sua voz era tão grave que mal pôde entender
as palavras.
Soltou os lençóis que suas mãos agarravam, estendeu-as, e afundou seus
dedos na parte superior dos braços de Royce, atraindo-o para ela... Ou tentando.
—Sim — sussurrou. — Agora!
Seus traços, gravados pela paixão, não mudaram, mas Minerva sentiu sua
imensa satisfação. Então (para sua também imensa satisfação), obedeceu-a em ambas
as petições.
Deixou que seu corpo caísse sobre o dela, e seus sentidos cantaram com uma
delirante delícia... Todo aquele calor, todo aquele sólido músculo, todo aquele pesado
corpo cravando a à cama. Mas então baixou a cabeça, e tomou sua boca de novo,

246
encheu-a de novo... Algo que não estava esperando e que momentaneamente a
distraiu.
Então flexionou seus quadris, e nada pôde distrair a da pressão enquanto a
penetrava (lenta e inexoravelmente), e então parou.
Minerva quase gritou; gemeu, e o som ficou atenuado por seus lábios
fechados. De repente mais desesperada que jamais pensou que estaria, afundou as
unhas nos braços de Royce, retorcendo-se e arqueando-se contra ele, inclinando seus
quadris, tentando acolhê-lo mais profundamente, necessitada, suplicante...
O empurrou com força em seu interior. Encheu-a completamente com aquela
única investida.
E não pôde absorvê-lo toda de uma vez. O breve brilho de dor, a
entristecedora comoção da sensação de tê-lo tão sólido e duro em seu interior, a
consciência de que aquilo estava acontecendo realmente... Seus sentidos começaram
a desenredar-se.
Royce ficou imóvel por um longo momento e se retirou, quase até sua
entrada, depois empurrou com mais força, inclusive mais profundamente... E os nervos
de Minerva se romperam. Gritou enquanto se desfazia; Royce se deleitou com aquele
som.
E Minerva se viu arrastada por uma espiral de êxtase infinito, com seus
sentidos expandindo-se e expandindo-se, brilhantes, agudos, cristalinos, enquanto
onda de sensações, cada vez mais intensas, atravessavam-na... Enquanto ele enchia
sua boca e a reclamava, enquanto seu corpo se movia sobre o dela, e o seu respondia
e dançava sob o de Royce, respondendo instintivamente ao profundo ritmo enquanto
a possuía totalmente (enquanto a violava exaustivamente) e todas as suas vísceras
cantavam.
Então o êxtase se fez mais agudo, a pegou de surpresa e a empurrou inclusive
mais alto... O duque grunhiu, capturou sua língua com a sua, acariciou-a, e a empurrou
profundamente em sua boca enquanto entrava inclusive com mais força em seu corpo.
E Minerva se desfez de novo.
Todos os seus sentidos, cada partícula de sua consciência, implodiram.
Fragmentaram-se. Agulhas de prazer tão intensas que pareciam estar atravessando

247
suas veias, mesclando-se e fazendo-a arder sob seu corpo, fizeram-na agarrar-se a ele
e abraçá-lo enquanto a penetrava uma última vez, inclusive mais profundamente, e
então se esticou, grunhiu, estremeceu enquanto a liberação o percorria, tão profunda
e intensa como a dela, deixando-o exausto e necessitado entre os braços de Minerva.
Toda a tensão se libertou, desapareceu, e ficaram flutuando em um feliz vazio,
rodeado por uma glória dourada a qual Minerva não podia nomear.
Apanhou-os, embalou-os, protegeu-os enquanto lentamente voltavam à terra.
Aquele arroubo dourado se filtrou em seu corpo, estendeu-se por suas veias,
por seu corpo, e se afundou profundamente em seu coração, infundindo sua alma
lenta e brandamente.
Royce se perdera nela.
Aquilo nunca acontecera antes; o deixou com certo sentimento de cautela.
Algo havia mudado. Não sabia o que, mas ela abrira alguma porta, o guiara
por um novo caminho, e sua visão de uma atividade da que levava anos desfrutando se
viu alterada.
Sua experiência daquele ato se viu reescrita, redesenhada.
Estava familiarizado com a satisfação sexual, mas aquilo era muito mais. A
liberação que encontrou nela, em seu interior, era infinitivamente mais satisfatória; a
satisfação que encontrou com ela tinha alcançado sua alma.
Ou isso parecia.

Royce estava junto à janela sem cortinas de seu quarto e olhou o exterior, à
noite iluminado pela lua. Levantou o copo de água que sustentava, bebeu e desejou
que aquele gole pudesse esfriar o ainda fumegante calor de seu interior.
Mas apenas uma coisa podia fazê-lo.
Olhou sua cama, onde Minerva dormia. Seu cabelo era um mar dourado
rompendo sobre seus travesseiros, seu rosto o de uma tranquila Madona, e um de
seus brancos braços caía elegantemente sobre a colcha dourada e escarlate que
estendera para que não tivesse frio.

248
Memorizou a visão de Minerva nua e saciada sobre seus lençóis escarlate
antes de cobri-la. Ela sangrou bastante ao final, apenas um par de fios no interior de
suas coxas, o suficiente para confirmar seu prévio estado imaculado, mas não, como
esperava, o suficiente para fazê-la hesitar sobre aceitá-lo sobre ela de novo.
Seu lado mais primitivo estava deleitado; desejava-a de novo, queria despertá-
la, mas decidiu ser civilizado e lhe dar um pouco de tempo para recuperar-se. Não
esteve em seu interior por muito tempo; seu sexo estava tão incrivelmente apertado
que seu orgasmo provocara o dele. Incapaz de manter o controle, não pôde conter-se,
mas isso também significava que não a tinha penetrado por muito tempo; com sorte
não estaria muito dolorida para deixar penetrá-la de novo.
Ao menos estava ali, onde se supunha que devia estar.
Mantê-la ali, assegurar-se de que permanecia, era seu próximo passo. Um que
nunca dera (que nunca desejou dar) com nenhuma outra mulher.
Mas ela era sua. Tinha intenção de deixar isso claro (de propô-lo e ser aceito)
quando ela despertasse.
Considerando essa proposição, e como seria melhor pronunciá-la, sua mente
voltou para a surpresa que ela tivera para ele... O pequeno segredo que esteve
escondendo tão surpreendentemente bem.
Ela nunca tivera um amante. Apesar de estar tão concentrado nela, apesar de
sua experiência, não detectara sua inexperiência; em vez disso, o tinha dado por
sentado e se equivocou.
Fundo em sua boca, enquanto se unia a ela tanto como era possível, foi
consciente do instante de dor enquanto a penetrava pela primeira vez; tinha muita
experiência para não reconhecer quando uma mulher sob ele se esticava pela dor, em
vez de pelo prazer.
Mas, inclusive enquanto assimilava o assombroso feito de que ela fosse
virgem, ela começou a ter um orgasmo. Exatamente o que ele pretendia.
A inesperada onda de primitivos sentimentos ao saber que levou sua
virgindade, combinada com a intensa satisfação de saber que obteve êxito no último
detalhe de seu plano, o despojaram de todo o controle. Desde esse momento, não
tinha nenhum; operava apenas por instinto... O mesmo poderoso e primitivo instinto

249
que inclusive agora rondava sob sua pele, satisfeito até certo ponto, embora ainda
ansioso dela.
Afastou seus olhos da cama e tentou concentrar-se na paisagem banhada de
noite do exterior. Se soubesse que era virgem... Não é que tivesse muita experiência
com virgens (só duas, ambas quando tinha dezesseis anos), mas ao menos tentaria ser
menos rude, menos vigoroso. Deus sabia que não era o homem mais regulável,
embora... Olhou a cama de novo e tomou outro gole de água.
Como fizera com ele no resto das circunstâncias, ao deitar-se com Royce, sabia
arranjar-se bem.
Bastante bem, de fato.
O pensamento trouxe para sua mente sua fascinação anterior por sua
ereção... Uma fascinação que agora entendia melhor; ela quis tocá-la, examiná-la... A
lembrança de sua pequena mão e seus delicados dedos rodeando seu pênis teve o
inevitável efeito.
Apertou a mandíbula e esvaziou seu copo. Mais tarde, havia dito; agora era
mais tarde.
Ela despertou antes que ele chegasse à cama. Deixou o copo vazio na mesa
junto ao leito, olhou-a aos olhos enquanto deixava que a bata de seda que pôs caísse
de seus ombros; levantou a colcha, meteu-se na cama e se recostou. Ela deslizou para
ele; esperando-o, Royce levantou um braço, atraindo-a; ela hesitou e depois se deixou,
acomodando-se indecisa contra ele. Royce esperou, avaliando ainda as possíveis
táticas que poderia tomar na conversa que estava a ponto de iniciar.
Minerva encontrou seu calor, a solidez de seu corpo e o calor que emanava
sua musculosa carne, ambas as coisas confortantes e atraentes. Os nervos que tinha
esticado ligeiramente relaxaram de novo. Minerva se afundou mais profundamente
em seu leve abraço; seu braço se esticou a seu redor, e parecia natural que levantasse
a cabeça e a acomodasse no oco sob seu ombro, deixando que sua mão descansasse
sobre seu peito.
Minerva conteve um impulso de aninhar sua bochecha contra seu músculo;
ele não era dela, na realidade não... Deveria recordar isso.
Royce afastou uma mecha de seu cabelo de seu rosto.

250
A governanta se perguntou se devia dizer algo (algum comentário sobre sua
atuação, possivelmente), quando ele falou.
—Deveria me haver dito que era virgem.
No momento em que estas palavras saíram de seus lábios, Royce soube que
escolhera a frase incorreta a dizer, a tática errônea para introduzir sua proposição.
Minerva se esticou, gradual, mas definitivamente, levantou a cabeça e
entreabriu os olhos enquanto o olhava.
—Entenda isto, Royce Varisey... Não quero ouvir nenhuma palavra,
absolutamente nenhuma palavra, sobre casamento. Se mencionar essa palavra em
relação a mim, considerarei o mais indesculpável insulto. Apenas porque fui a
protegida de sua mãe, e resulte (embora não seja minha culpa nem sua) que ainda
fosse virgem, não é razão para que se sinta obrigado a pedir minha mão.
OH, Deus.
—Mas...
—Não — Apertou os lábios e assinalou o nariz de Royce. — Cale-se e escute!
Não tem sentido que peça minha mão (nem que pense nisso), porque, se o faz, o
rechaçarei. Como bem sabe, aproveitei este — Se deteve e depois continuou,
gesticulando — ... interlúdio imensamente e sou adulta o suficiente para assumir a
responsabilidade de minhas próprias ações, inclusive se nossos atos recentes foram
mais seus que meus. Entretanto, contrário a popular ideia equivocada, o último, o
último que quer escutar uma dama como eu depois de deitar-se com um homem pela
primeira vez é uma proposição de casamento provocada por uma equivocada noção
de honra masculina.
Sua voz ganhara intensidade. Olhou-o com os lábios tensos.
—Assim não cometa esse engano.
A tensão que havia em seu corpo, recostado parcialmente sobre o de Royce,
era do tipo equivocado. Com traços impassíveis, examinou seus olhos; havia cometido
um engano garrafal e precisava fazer uma retirada estratégica. Assentiu.
—Está bem. Não o farei.
Minerva entreabriu os olhos inclusive mais.
—E não tentará me manipular?

251
Royce levantou ambas as sobrancelhas.
—Manipular você para que se case comigo porque tirei sua virgindade? —
Negou com a cabeça. — Posso assegurar isso inclusive prometerei isso com minha
honra.
Com os olhos fixos nos dele, Minerva vacilou, como se detectasse a evasiva
em suas palavras. Royce lhe devolveu firmemente o olhar. Finalmente, a jovem
pronunciou um suave "uhm" e se virou.
—Bem.
Escapou de seus braços e começou a lutar para livrar-se dos lençóis.
Royce estendeu a mão e segurou brandamente sua pulso.
—O que está fazendo?
Minerva o olhou.
—Vou ao meu quarto, é óbvio.
Os dedos de Royce se fecharam com força.
—Por quê?
Ela piscou.
—Não é o que se supõe que devo fazer?
—Não — Com os olhos fixos nos de Minerva, colocou a mão que sustentava
de novo sob os lençóis... Para onde sua ereção se elevava. Fechando os dedos de
Minerva ao redor de sua rígida carne, observou que sua expressão mudava para uma
de fascinação. — Isto é o que se supõe que tem que fazer. O que se supõe que tem
que atender.
Minerva o olhou. Estudou seus olhos, e depois assentiu.
—Está bem — Se voltou para ele e trocou a mão direita pela esquerda,
acariciando sua longitude com a palma de sua mão, enquanto se inclinava para o
duque. — Se insistir...
Royce se arranjou para afirmar:
—Insisto — Deslizou uma mão sob sua nuca e aproximou seus lábios até os
seus. — Insisto em que aprenda tudo o que quiser saber.
Ela tomou sua palavra e o acariciou, tocou, apertou e percorreu tanto como
quis. A sensualidade inconsciente e descuidada de seu rosto enquanto, com os olhos

252
fechados, para imaginar sua longitude, grossura e forma em sua mente, explorava o
que queria, pôs seu controle até o limite e mais à frente.
Agarrou-se a sua prudência imaginando o que viria depois. Estava a favor de
sentá-la sobre ele, de penetrá-la e então de lhe ensinar a montá-lo, mas descobriu que
carecia da força necessária para rebater os impulsos que sua inocente carícia estava
provocando. Logo o incitou e entrou em ignição.
Minerva conectava com seu lado mais primitivo melhor que nenhuma outra
mulher com quem já esteve.
Reduzido até o ponto no que o controle era um fino véu, afastou suas mãos, a
fez virar-se, separou suas pernas, acariciou-a e a encontrou molhada uma vez mais.
Inspirando profundamente, colocou seus quadris entre suas coxas e a penetrou
(lentamente, lentamente, lentamente, lentamente), firme e inexorável até que seu
fôlego ficou estrangulado em seu peito e se arqueou sob seu corpo, com um gemido
quebrando-se em seus lábios enquanto com uma curta investida final se metia
completamente em seu interior.
Deixando cair sobre ela, segurou seu quadril com uma mão, encontrou seu
rosto com a outra e, baixando a cabeça, cobriu seus lábios com os seus, enchendo sua
boca e marcando o mesmo ritmo com ela que o que tinha fixado sobre seu corpo.
Passou um segundo, e então ela estava com ele, com as mãos estendidas
sobre suas costas, sustentando-o, segurando-se a ele, com seu corpo ondulando-se,
acariciando-o, e seus quadris elevados para encaixar com seu ritmo. Liberou seu
quadril, encontrou seu joelho, e a levantou sobre seu quadril.
Sem mais indicação, ela subiu esse joelho mais, e depois fez o mesmo com a
outra perna, abrindo-se para que Royce pudesse afundar-se nela com maior
profundidade, sem nenhuma limitação que os separasse de seu caminho cada vez mais
forte, cada vez mais rápido, para a inconsciência.
Fê-lo; quando ela se desfez sob ele, tentou conter-se, estender a união e
tomar mais dela, mas a tentação de voar com ela era muito grande... Deixou-se ir e
seguiu os passos do orgasmo de Minerva, até que seus sentidos se fizeram pedacinhos
em uma glória de clímax.

253
Rodeado por seus braços, com ela envolta pelos seus, e seus corações
pulsando com força, ofegando, voltaram gradualmente para a realidade.
Quando Minerva relaxou sob seu corpo, Royce viu que um sutil sorriso
aparecia em seus lábios inchados pelo beijo. A visão o comoveu estranhamente.
Observou-a até que se desvaneceu quando ela deslizou, saciada, no sonho.

254
CAPÍTULO 13

Despertou em algum momento antes do amanhecer, com tempo suficiente


para satisfazer seus sentidos e os dela em uma última, breve e intensa união, e depois
deixou que se recuperasse o suficiente para vestir seu vestido e voltar para seu
dormitório.
Royce se levantou e a ajudou com o vestido, depois a contemplou enquanto
saía pela porta de sua sala de estar. Preferiria escoltá-la até seu quarto, mas, se algum
outro estivesse voltando para sua cama e a visse, era melhor que a visse sem ele.
Era a governanta do castelo; havia inumeráveis razões pelas quais poderia
levantar-se cedo.
Depois de escutar como se desvaneciam seus passos, voltou para o dormitório
e para sua cama. Enfiou-se sob os lençóis, sentindo a persistente calidez de Minerva a
seu lado, consciente de que seu suave perfume envolvia tudo a seu redor, cruzou os
braços sob a cabeça e fixou o olhar na janela ao outro lado do quarto.
E agora o que? Fazia progressos, reais e definitivos, mas então ela o tinha
bloqueado de um modo que não foi o bastante rápido em predizer. Embora a partir de
agora pudesse tê-la (e a teria) em sua cama, já não podia pedir simplesmente que
fosse sua esposa. Não havia nenhum argumento que tivesse alguma possibilidade de
convencê-la de que desejava casar-se com ela antes de tomar sua virgindade. De que
não saber que era virgem não significava nada, e que, sem importar quanto precisasse
esperar, que visse sua proposição como um insulto não implicava que ele não fosse
oferecer-lhe.
E ela negaria. Rispidamente. E quanto mais a pressionasse, mais se obcecaria.
Tinha de admitir que durante um estúpido momento considerou usar o velho
argumento da virgindade e a honra como uma possível razão de apoio para seu
casamento. Deveria haver imaginado como ia ela a reagir.
Ficou olhando o vazio enquanto o serviço lentamente despertava, fazendo
malabarismos com as possibilidades, avaliando as possíveis táticas. Se a pedisse
casamento quando o pensou ao princípio, em vez de deixar que o distraísse com seu

255
desafio para seduzi-la primeiro, não estaria enfrentando esta complicação, embora
não fizesse sentido lamentar-se pelo que não podia mudar.
Só via uma saída. Teria de guardar silêncio sobre sua intenção de casar-se com
ela e, em vez disso, fazer tudo o que estivesse em seu poder para guiá-la à conclusão
de que casar-se com ele era seu verdadeiro e natural destino. E, mais ainda, seu
desejado destino.
Uma vez que se desse conta disso, pediria sua mão, e ela aceitaria.
Caso se aplicasse na tarefa, quanto poderia demorar para consegui-lo? Uma
semana?
As grandes damas aceitaram a semana que originalmente havia estipulado
rapidamente. Aquela semana já se passara, mas duvidava que nenhuma delas viajasse
até o norte para castigá-lo... Ainda não. Caso se atrasasse muito, alguém iria para lhe
dar um sermão de novo e exortá-lo para que passasse à ação, mas certamente podia
contar com outra semana.
Uma semana que dedicaria a convencer Minerva de que devia ser sua
duquesa.
Uma semana para deixar claro que já era, embora ainda percebesse.
Sorriu, justo quando Trevor entrou.
Sua ajuda viu seu sorriso, e viu a cama. Levantou as sobrancelhas
inquisitoriamente.
Royce não viu nenhuma razão para esconder isso.
—Minha governanta... Que logo será sua senhora — Fixou seu olhar no rosto
de Trevor. — Um fato que ela não sabe ainda, assim que ninguém deve dizer.
Trevor sorriu.
—É óbvio que não, sua Excelência — Sua expressão era de total
equanimidade, e começou a recolher as roupas de Royce.
O duque o estudou.
—Não parece muito surpreso.
Levantando-se, Trevor sacudiu a jaqueta de seu senhor.

256
—Tem que escolher uma dama, e, considerando tudo, me resulta difícil
imaginar que ninguém pudesse fazer o melhor que a senhorita Chesterton — deu de
ombros. — Não há nada pelo que surpreender-se.
Royce suspirou e saiu da cama.
—É óbvio, eu gostaria de saber qualquer coisa que descubra e que pudesse ser
pertinente. Conhece sua donzela?
Dobrando o colete de Royce, Trevor sorriu.
—Uma jovem chamada Lucy, sua Excelência.
Amarrando a bata, Royce entreabriu os olhos ante esse sorriso.
—Um conselho. Possivelmente eu me esteja deitando com a senhora, mas não
seria boa ideia que você fizesse o mesmo com a donzela. Pendurará suas bolas em
uma vara... A senhora, não a donzela. E, nessas circunstâncias, eu teria que deixá-la
fazê-lo.
Os olhos de Trevor se arregalaram.
—levarei isso em conta, sua Excelência. Bom, deseja barbear-se?

Minerva despertou quando Lucy, sua donzela, entrou correndo no quarto.


Depois de deixar Royce, voltara para o quarto sem ver ninguém; despiu-se,
vestiu a camisola, escovou o emaranhado cabelo, colocou-se na cama... E, para sua
surpresa, dormiu profundamente.
Bocejou, se esticou... E sentiu ferroadas em lugares onde nunca as sentira
antes. Viu como Lucy abria as cortinas e depois sacudia seu vestido; quando Lucy se
virou para o armário, clandestinamente olhou a parte dianteira de sua camisola.
Piscou e olhou a seu redor.
—O negro com os botões no decote, Lucy. Deixe-o sobre a cadeira. Levantarei
logo, mas não tem que esperar. Posso pôr esse vestido sozinha.
E a inocente Lucy não precisava ver as reveladoras marca de seus seios. Não
queria pensar o que poderia descobrir ainda mais abaixo.
—Trouxe a água para o banho. Precisa de mim para algo mais, senhorita?
—Não, obrigada, Lucy. Pode ir e tomar o café da manhã.

257
—Obrigado, senhorita — Com um alegre sorriso e uma reverência, Lucy se
retirou. A porta se fechou às suas costas.
Minerva exalou e se afundou nas colchas, deixando que seus pensamentos
voltassem ao que ocorrera na noite anterior e seus sucessos totalmente inesperados.
Que Royce agisse tão diretamente (e que ela respondesse tão definitivamente) nunca
lhe passou pela cabeça. Mas o fizera, e ela também, e agora o que acontecia com eles?
Sempre assumiu que seria um vigoroso amante. Nesse sentido, excedera suas
esperas; seu ser inexperiente nunca imaginara tudo o que, sob suas mãos,
experimentou. Apesar de sua inexperiência, conhecia-o... Foi consciente de sua ânsia,
da necessidade real que o dirigia enquanto a tomava.
Enquanto a possuía.
Repetidamente.
Quando despertou antes do amanhecer, a penetrara por trás e tinha
procedido a lhe demonstrar ainda outro modo que podia possuí-la (seu corpo, seus
sentidos, e sua mente) total e completamente, com seus lábios no oco sob sua orelha.
Minerva, seus sentidos, foram livres para absorver os matizes de seu amor.
Que a desejava, desejava-a, aceitava-o sem dúvida.
Nunca havia imaginado ser o foco desse grau de desejo, ter tanta paixão
masculina concentrada nela; a lembrança enviou um delicioso calafrio através de seu
corpo. Não podia negar que achara profundamente satisfatório; mentiria se dissesse
que não estaria contente de deitar-se com ele de novo.
Se o pedisse, e o faria. Não terminara com ela, e Minerva sabia; tinha deixado
claro nos momentos finais dessa manhã.
Graças a Deus tinha suficiente cérebro para aproveitar a oportunidade e
deixar claro que não esperava nem queria receber um oferecimento dele.
Não esqueceu a outra oferta que tinha que fazer... À dama que escolhesse
como sua duquesa. Não sabia se fizera uma petição formal já ou não, precisava
assegurar-se de que não decidiria usar sua virgindade como razão para casar-se com
ela em algum maquiavélico momento.
Para ele, casar-se com ela seria preferível a ter que lidar com alguma jovem
desconhecida que soubesse pouco sobre ele.

258
Ela (Minerva) era uma opção cômoda.
Não precisava pensar para saber sua resposta a isso. Seria um marido
aceitável para qualquer dama que aceita nem a união sem amor que lhe oferecia;
enquanto dita dama não esperasse amor ou fidelidade, tudo iria bem.
Para si mesma, o amor, real e permanente, era a única moeda pela qual
trocaria seu coração. A extensa experiência das uniões dos Varisey reforçava sua
postura; seu tipo de casamento não era para ela. Evitando-o, se fosse necessário
resistindo ativamente, qualquer sugestão de casamento com Royce permanecia sendo
um inalterável objetivo; nesse sentido nada tinha mudado.
E, para seu imenso alívio, passar a noite em sua cama não seduzira seu
coração convertendo-o em amor; seus sentimentos para ele não mudaram em
nenhum sentido... Ou só no lado luxurioso, não em termos de amor.
Pensando em como se sentia agora respeito a ele... Franziu o cenho. Apesar
de sua resistência, sentia algo mais por ele... Inesperados sentimentos se
desenvolveram desde sua volta. Os sentimentos que a fizeram entrar em pânico no dia
anterior, quando pensou que podia morrer.
Esses novos sentimentos cresciam ao vê-lo com sua gente, por suas atitudes e
ações para aqueles que estavam a seu cuidado. Por todas as decisões e ações que o
diferenciavam tão definitivamente de seu pai. O prazer físico ao que a introduziu não a
influenciava tanto como todas essas coisas.
Entretanto, embora diferisse de seu pai em muitos sentidos, no que se referia
a sua vida e a seu casamento, reverteria esse modelo. Tinha-o demonstrado em sua
aproximação a sua futura esposa.
Caso se deixasse intimidar e se casasse com ele, arriscava-se a apaixonar-se
por ele (irrevogavelmente, irremediavelmente) e então, como Caro Cordeiro,
adoeceria, murcharia e finalmente ficaria louca quando ele, ao não estar apaixonada
por ela, deixasse-a por outra. Como indevidamente ocorreria.
Não era tão tola para acreditar que poderia mudá-lo através de seu amor.
Não; se casasse com ele esperaria que se mostrasse submissa enquanto ele se
satisfazia com uma interminável sucessão de outras mulheres.
Bufou e, retirando a colcha, tirou os pés da cama.

259
—Isso não vai acontecer.
Não importava o que sentisse por ele, apesar do modo em que tinha evoluído
sua paixonite. Não importava que novos aspectos de atração se desenvolvesse durante
as muitas noites que passaria em sua cama, não se apaixonaria por ele e, portanto, não
se casaria com ele.
Ao menos ambos já esclareceram esse último ponto.
Levantou-se e se aproximou da bacia e a jarra que havia em seu closet;
despejou a água na bacia e deixou que seus pensamentos se ordenassem. Tal como
estavam agora as coisas...
Deixou a jarra e olhou a água enquanto seu imediato futuro se esclarecia em
sua mente.
Sua aventura com Royce seria breve por necessidade... Ele se casaria logo, e
depois ela partiria. Alguns dias, uma semana. Duas semanas no máximo.
Muito pouco tempo para apaixonar-se.
Colocou as mãos na bacia e jogou água no rosto, sentindo-se cada vez mais
otimista. Mais alerta que espectadora, quase intrigada pelo que proporcionaria o dia...
Segura e tranquila de que não havia nenhuma razão pela que não pudesse desfrutar
dele de novo.
O risco era insignificante. Seu coração estaria a salvo.
O suficiente a salvo para que pudesse aproveitar sem preocupar-se.
Ao entardecer, a espera se transformou em impaciência. Minerva estava
sentada na sala de música, aparentemente vendo outra peça de teatro de Shakespeare
enquanto meditava sobre os defeitos de seu dia.
Um dia totalmente normal, sem nada mais que os costumeiros
acontecimentos... O que era um problema. Tinha pensado... Mas estava equivocada.

Royce a chamou a seu escritório para sua reunião matinal habitual com
Handley; exceto pelo breve momento no que entrou na sala e seus olhos se
encontraram, e ambos se detiveram, suspeitava, ao lembrar-se de repente da
sensação da pele do outro contra a própria... Mas então ele piscou, baixou o olhar, e

260
ela seguiu caminhando e se sentou, e ele a seguir a tratou exatamente igual a como
fizera no dia anterior.
Durante o dia, se encontraram várias vezes, e ela estava convencida de que
em algum momento se encontrariam em particular... Mas já não estava segura de que
isso fosse acontecer. Nunca teve uma aventura antes; não conhecia o script.
Ele sim, mas estava sentado duas filas diante dela, conversando com Caroline
Courtney, que reclamara a cadeira junto a ele.
Sob a cobertura das conversações do jantar, perguntara se Cranny ainda tinha
a essência de frango que estava acostumado a lhes administrar quando de pequenos
estavam resfriados. Ela não sabia com certeza, mas, quando sugeriu que ia mandar um
pote aos Honeyman para sua filha, deteve-se para ver a governanta antes de unir-se
ao grupo da sala de música, perdendo assim sua oportunidade de sentar-se a seu lado.
Entreabriu os olhos e desejou poder ver o interior. O que estaria pensando?
Concretamente, o que pensava sobre ela? Estava pensando nela?
Ou uma noite fora suficiente?
A parte mais segura de si mesma zombou dela descaradamente, mas uma
parte mais vulnerável não podia evitar perguntar-se
Ao final da obra, aplaudiu educadamente e olhou para Royce por um instante,
depois se desculpou e se retirou, deixando que Margaret se ocupasse da bandeja de
chá. Pôde fazê-lo sem passar a próxima meia hora rodeada pelo lascivo grupo com ele
na mesma sala, consciente de que seu olhar se pousava nela ocasionalmente e lutando
por afastar o seu dele... Enquanto cada centímetro de sua pele ardia pela antecipação.
Chegou a seu quarto, com sua mente ocupada pela pergunta "Fará-o?", tirou a
roupa, vestiu sua camisola, envolveu-se em sua bata e depois chamou Lucy.
Tinha algumas fracas marcas na parte de acima de uma de suas coxas que não
ia poder explicar.
Sentada frente a sua penteadeira, estava escovando o cabelo quando Lucy
entrou.
—Vai à cama cedo esta noite — Lucy se inclinou para recolher seu vestido. —
Não gostou da obra?
Minerva pôs uma careta.

261
—Estão-se voltando bastante aborrecidas... Menos mal que a feira começa
semana que vem, ou teria de procurar outro entretenimento — Olhou para Lucy
enquanto a donzela se aproximava do armário. — Você se inteirou de algo?
Abriu o armário e negou com sua escura cabeça.
—O senhor Handley é muito calado... É amável e me sorri, mas não fala muito.
E é óbvio se senta na cabeceira da mesa. Trevor está mais perto de mim e é um bom
conversador, mas embora fale muito, nunca diz nada, não sei se me entende.
—Posso imaginar — Na realidade, não pensava que Royce empregaria gente
que não mantivesse seus segredos.
—O único que pudemos tirar deles é que sua Excelência esta ainda
negociando com a dama que escolheu — Fechou o armário e se virou. — Não temos
nenhuma pequena pista sobre que dama é. Suponho que teremos de esperar até que
o diga.
—Sim — Interiormente, fez uma careta.
Lucy desfez a cama e depois voltou e se deteve junto a ela.
—Precisa de algo mais, senhorita?
—Não, obrigada, Lucy... Pode ir.
—Obrigada, senhorita. Boa noite.
Minerva murmurou "boa noite", e sua mente de novo repassou os nomes da
lista das grandes damas. Qual escolhera Royce? Uma das que conhecia?
Sentia-se tentada de perguntar a ele diretamente... Seria de ajuda saber a
preparação com a que conta a garota para saber se ia precisar ajudá-la muito antes
que pudesse arranjar-se sozinha. O pensamento de ter que entregar suas chaves a
alguma risonha tola provocou uma resposta muito próxima ao asco.
Levantou-se e apagou o candelabro do penteadeira, deixando apenas a vela
que ardia junto a sua cama. fechou a bata e a atou enquanto caminhava para a janela.
Se Royce desejasse passar a noite com ela, iria a seu quarto; não tivera
nenhuma aventura antes, mas disso sabia.
Viria. Ou não o faria.
Possivelmente teve alguma notícia da família da dama a que tinha devotado
casamento.

262
Cruzou os braços e olhou a paisagem envolta de noite.
E esperou.
E duvidou.
—Royce!
Deteve-se sob o arco que guiava até as escadas da torre e deixou cair a cabeça
para trás, fechando os olhos pela frustração.
Essa era a voz de Margaret; podia escutá-la ofegando enquanto subia as
escadas principais detrás dele, junto a várias damas mais.
Contendo seu temperamento, voltou-se e viu que Aurelia estava com
Margaret.
—Estupendo.
Margaret ouviu o murmurado sarcasmo enquanto subia, mas isto a confundiu.
Ele descartou seu olhar desconcertado.
—O que acontece?
Parou passo de distância, olhou para Aurelia enquanto se unia a ela, e depois,
agarradas pelas mãos ante ele, olharam-no.
—Queríamos perguntar se está de acordo em que convidemos algumas
pessoas para a feira.
—Costumava ser uma das festividades mais importantes do ano quando
vivíamos aqui — Aurelia levantou o queixo, com os olhos fixos em seu rosto. — Nós
gostaríamos de ter sua permissão para celebrar uma festa em casa, justo como mamãe
estava acostumada fazer.
Royce olhou os duros e arrogantes rostos aristocráticos de suas irmãs; sabia o
que essas singelas palavras custavam. Ter de pedir permissão a seu irmão mais novo, a
quem sempre desaprovaram, para celebrar uma festa no que fora lar.
Seu primeiro impulso foi dizer que preferiria que todos os convidados
partissem... Deixando-o livre para perseguir Minerva tanto de dia como à noite. Mas
sem importar a visão que tivesse de suas irmãs, aquele fora seu lar, e não se sentia
bem as jogando dali... O que significava que ter outros era necessário para distraí-las e
cobrir-se.

263
Nem Margaret nem Aurelia eram tão observadoras, e embora Susannah fosse,
nem ela tinha adivinhado a natureza de seu interesse por Minerva. Ela era sua
governanta; suas irmãs assumiam que esta era a razão sob cada palavra que trocavam.
Aurelia estava impaciente.
—Não tínhamos pensado convidar mais que dez pessoas mais... Os que já
estão aqui ficarão.
—Se você permitir — Se apressou a acrescentar Margaret.
Os finos lábios da Aurelia se apertaram; inclinou a cabeça.
—Sim. Pensamos...
Embora fosse tentador deixá-las continuar com aquela situação tão violenta,
preferia escutar Minerva ofegando, gemendo e suspirando. Falou sobre a voz de
Aurelia.
—Muito bem.
—Está de acordo? — perguntou Margaret.
—Que seja algo razoável... Não mais do que mamãe estava acostumada fazer.
—OH, sim — Os olhos de Aurelia se iluminaram, e seu rosto se suavizou.
Não queria sentir a faísca de lástima que ardeu enquanto as olhava; estavam
casadas, tinham posição, casas e famílias e mesmo assim estavam procurando... A
felicidade. Assentiu bruscamente e se virou.
—Falem com Retford e depois contem a Minerva o que querem fazer. Eu a
porei de sobre aviso.
Os agradecimentos de suas irmãs se desvaneceram atrás dele enquanto
entrava na torre e se dirigia a seus aposentos.
Quando, mais de uma hora mais tarde, fechou a mão ao redor do pomo da
porta de Minerva, a frustração o embargava. Assumiu que ela deixara a reunião logo
para poder entrar em seus aposentos sem que a vissem; esperava encontrá-la ali, em
sua cama, esperando. Enquanto atravessava sua sala de estar, a imagem que esperava
ver enchia sua mente...
Em lugar disso, por alguma razão equivocada, retirou-se a sua cama. Girou o
pomo, entrou rapidamente e fechou a porta. Estava inclinada contra a janela, com os
braços cruzados, olhando a noite.

264
Enquanto cruzava o quarto, Minerva se afastou da janela, com uma mão
afastou seu pesado cabelo e depois delicadamente dissimulou um bocejo.
—Pensei que subiria antes.
Parou ante ela; com as mãos nos quadris, olhou-a. Ela parecia tenuemente
despenteada e tinha os olhos entreabertos pelo sono. O único que queria era tê-la
entre seus braços, mas...
—Subi antes — disse tranquilamente, mas seu tom a fez piscar. — Esperava
encontrar você em minha cama. Mas não estava lá. Então precisei esperar que o resto
fosse à cama antes de poder vir aqui. Pensava que havia deixado claro que cama íamos
usar.
Ela se esticou; olhou-o com os olhos semicerrados.
—Isso foi ontem à noite. Corrija-me se me equivocar — Sua dicção continha a
mesma precisão aguda que a dele — mas, quando se tem uma relação ilícita, o normal
é que seja o cavalheiro quem se uma à dama em seu quarto. Em sua cama — Olhou a
cama e depois o olhou com mordacidade.
Franziu os lábios, manteve seu olhar, e assentiu.
—Possivelmente. Neste caso, entretanto — Caminhou brandamente a seu
redor e a segurou nos braços.
Ela ofegou, agarrou-se à jaqueta dele, mas não se incomodou em perguntar
aonde a levava quando se dirigiu à porta e estendeu a mão para o pomo.
—Espere! Alguém poderia me ver.
—Todos estão na cama. Na cama de quem quer que seja — Desfrutando.
Agarrou o pomo.
—Mas devo voltar para cá pela manhã! Não posso andar pelos corredores só
com a bata.
Royce olhou a seu redor e viu a capa que estava no canto. Levou-a até ela.
—Pegue sua capa.
Minerva o fez. Antes que pudesse fazer alguma objeção mais, a levou até a
porta e atravessou a ampla galeria e baixou o curto corredor até seus aposentos. As
profundas sombras os esconderam durante todo o caminho; entrou em sua sala de
estar, fechou a porta às suas costas, e então a levou até seu dormitório.

265
Até sua cama.
Deixou-a sobre a colcha dourada e escarlate e então a olhou.
Com os olhos entreabertos, Minerva franziu o cenho.
—Por que é tão importante que use sua cama?
—Porque é aqui onde a quero — Isso era absolutamente verdade... Por uma
vez seu instinto mais primitivo coincidia com a melhor estratégia.
Minerva escutou sua convicção. Arregalou os olhos.
—Por que, pelo amor de Deus?
Porque este é seu lugar. No que concernia a seu ser mais primitivo, não havia
dúvida disso, e usar sua cama podia sublinhar subliminalmente o que pensava dela,
que seu verdadeiro lugar era junto a ele... Uma frente em sua campanha para imprimir
esse verdadeiro papel nela. Os acontecimentos habituais da vida do castelo ajudariam
esta causa, mas o dia fora desesperadoramente tranquilo; tomara medidas para
assegurar-se de que o dia seguinte fosse distinto. Enquanto isso...
Descalçou-se, tirou a jaqueta e o colete, jogou ambos para o lado e logo
agarrou seus esbeltos tornozelos e a atraiu para si até que seus joelhos estivessem na
beirada da cama. Deixando suas panturrilhas e seus pés pendurados, prendeu suas
pernas entre as dele e se inclinou sobre ela; colocou suas mãos espalmadas de cada
lado de seus ombros e a olhou em seus enormes olhos.
—Porque a quero aqui, nua em minha cama, cada noite de agora em diante. E
eu sempre consigo o que quero.
Minerva abriu a boca, mas ele não tinha interesse em falar mais. Abateu-se
sobre ela e cobriu seus lábios com os dele, capturou-os, saboreou-os atentamente e se
inundou em sua ofegante boca.
Desfrutando das boas vindas que não podia lhe negar; não importava o que
pensasse, já era sua. Embora Royce tivesse de esforçar-se mais do que pensara para
conseguir a supremacia; apesar de sua inexperiência, ela o desafiava descaradamente,
inclusive naquele campo de batalha em que nunca esperou encontrar-se com ele.
Utilizando habilidades que aperfeiçoara através das décadas, alimentou seu desejo,
atraiu seus sentidos até ele e após os acorrentou, apagou-os, submeteu-os à sua
vontade.

266
Porque eram deles.
Quando o fez, se separou do apaixonado intercambio o suficiente para apoiar
seu peso em um braço, com a outra mão capturou o nó de sua bata.
Minerva não podia acreditar em como estava desesperada... Não podia
acreditar que Royce, sem nenhum esforço, a reduzisse a tal estado de licencioso
desejo, onde o desejo, quente e urgente, fluía por suas veias; onde a paixão se
estendia sob sua pele e ardia mais profundamente em seu interior.
Esperando entrar em erupção, emanar... E prendê-la.
Precisava sentir as mãos de Royce sobre sua pele... Precisava sentir seu corpo
sobre o dela.
Precisava, com um urgente desespero que não podia decifrar, senti-lo em seu
interior, engrenado e unido a ela.
E essa necessidade não era de Royce; era dela.
E era uma sensação maravilhosa.
Era maravilhoso entregar-se ao calor, sem reservas, sem dúvidas, retorcer-se e
ajudá-lo a lhe tirar a bata, ajudar suas inteligentes mãos a despojá-la de sua camisola.
E então adormeceu sobre sua cama bordada... E de repente sentiu uma razão
sob sua insistência de tê-la ali.
Sabia que tipo de nobre era na realidade... Conhecia os impulsos de antigo
senhor que ainda corriam por suas veias. Sabia, sentia, que sempre, em algum nível,
reconhecia a primitiva posse sexual e a depredação que era uma parte inata dele.
Desenvolta como um presente, nua sobre sua cama, para seu deleite, para que a
usasse do modo que desejasse... Um sutil calafrio a percorreu. Uma parte dela sentiu
um feminino medo; o resto, uma ilícita excitação.
Royce sentiu sua consciência através do beijo, sentiu esse sugestivo calafrio;
fechou uma mão ao redor de seu quadril, segurando-a, com seu polegar percorrendo a
sensível pele de seu estômago. Sua pele queimava, estava marcada; Minerva sabia
que, naquela noite, a marcaria a fogo, inclusive mais profundamente, antes que a noite
terminasse. Que sua intenção era exatamente essa.
Sua respiração se deteve. A antecipação e uma estranha e alheia necessidade
se chocaram e depois a atravessaram, cambaleando e saltando através dela.

267
Inclinando-se mais, liberou seu quadril e se apoiou em um cotovelo para
segurar sua cabeça entre suas grandes mãos enquanto a beijava de forma profunda,
voraz e faminta, convertendo seu julgamento em uma tormenta de sensações. Tinha
de continuar com ele; Royce não lhe dava opção. Teve de responder, que
corresponder ao desafio de sua língua, de seus lábios, a cálida umidade de sua boca.
Encerrado com ela no beijo, introduziu os dedos em sua cabeça, estendendo-
os e afastando os desta, deixando que seus longos cabelos fluíssem através de seus
dedos.
Parecia tão fascinado com a sedosa textura de seu cabelo como ela o estava
com o seu; instintivamente afundou as mãos em seu cabelo, percorrendo a escura
seda com seus dedos.
Seu corpo estava perto; o dela o sentiu e reagiu, e sua necessidade cresceu
como um enxame em seu interior; aquela crescente tontura era um sólido pulsado em
suas veias. O calor de Royce estava perto, embora atenuado por suas roupas; ainda
tinha posta a camisa e as calças.
Minerva retirou as mãos de seu cabelo, deslizou-as para baixo pela longa
coluna de sua garganta, colocou as mãos sobre seu peito e as baixou até que pôde
agarrar a barra de sua camisa e liberá-la da cintura da calça. Quando conseguiu,
passou suas mãos para cima sob o tecido, com as palmas e os dedos ávidos pela
incomparável sensação de sua pele, quente e tentadora sobre as cristas e planícies de
seu magnífico peito.
A ponto de ronronar, deixou que seus sentidos se deleitassem; tinha tempo,
podia saboreá-lo durante horas, mas aquela complexa, complicada, cada vez mais
urgente necessidade a afligia. Insistia em passar as mãos por debaixo de seu cinto e a
encontrar e liberar os botões que havia lá.
Desabotoou apenas um antes que Royce rompesse o beijo, movendo-se
brandamente para capturar suas mãos, uma em cada uma das suas.
—Depois — murmurou a palavra contra a garganta de Minerva, e deixou que
seus lábios percorressem sua arqueada linha.

268
Quente, urgente, a boca de Royce inflamou seus sentidos. Com pequenos
beijos, captou sua atenção, e a manteve sem esforço com beijos que pulverizou sobre
sua pele. Aqui, ali, onde queria.
Minerva já estava quente e dolorida quando chegou a seus seios.
Estava retorcendo-se freneticamente quando, depois de reclamá-los com
perícia, seguiu adiante, com seus maliciosos lábios descendo para explorar seu umbigo
e ainda mais baixo, até o vértice de suas coxas.
Quando se retirou, agarrou seus joelhos e os separou, ela estava já muito mais
à frente do pudor; não queria nada mais que senti-lo lá, que tomasse, que a possuísse,
como quisesse.
Sentiu o olhar de Royce em seu rosto. Ardente além de toda medida, sentiu
seu domínio, conteve o fôlego e abriu levemente os olhos. O suficiente para que ele
apanhasse seu olhar, para que ela visse a sombria promessa nas profundidades dos de
Royce, e então ele baixou o olhar, até seu corpo, exposto, libidinosamente úmido e
ansioso, escorregadio e inchado, lhe suplicando. A ele.
Então Royce se inclinou, colocou sua boca contra sua carne e rasgou os nervos
que restavam, tomando rudemente tudo o que oferecia, tudo o que tinha nela... E
depois pedindo mais.
Gemeu e, enquanto a segunda onda de inimaginável glória atravessava suas
veias, gritou seu nome.
Através das quentes nuvens de sua liberação, sentiu sua satisfação.
Sentiu-a no roce de suas mãos enquanto se levantava, segurava seus quadris e
a fazia girar sobre seu estômago. Atraiu-a contra ele até que seus quadris descansaram
na beirada da alta cama.
Alagada pelas sensações, com a pele ruborizada e úmida, perguntou-se o
que... Como...
Royce se deslizou em seu interior por trás, profundamente, e depois
pressionou inclusive mais profundamente. Minerva estremeceu, ofegou, sentiu, que
seus dedos se fechavam sobre a colcha bordada. O duque agarrou seus quadris e a
moveu, colocou-a, retrocedeu, quase saindo de sua vagina, e empurrou de novo.
Com força. Mais poderosamente.

269
Seu fôlego entrecortou em um superficial ofego; seus dedos se esticaram
sobre a colcha. Retirou-se e empurrou de novo; fechou os olhos e gemeu. Podia senti-
lo completamente em seu interior, alto, quase como se estivesse tocando seus
pulmões.
Então começou a possuí-la, rudemente, implacavelmente, penetrando
profundamente, com força, em seu totalmente ofegante corpo. Em seu corpo
totalmente vencido. Moveu-se fracionadamente sob a força das constantes investidas,
a sutil aspereza do bordado se converteu rapidamente na abrasão atroz contra as
cúpulas de seus seios.
Até que não pôde acolher mais. As mãos de Royce se fecharam ao redor de
seus quadris e a manteve cativa para cada enérgica penetração. Tinha a pele ardendo,
podia sentir sua virilha encontrando-se com suas nádegas, sentia seu testículo contra a
parte de atrás de suas coxas enquanto a penetrava mais e mais profundamente. O
áspero tecido de suas calças erodia suas pernas; a barra de sua camisa formava
redemoinhos sobre suas costas nuas.
Uma repentina visão do aspecto que teriam (ela totalmente nua, ele quase
vestido) tomando-a assim, explorou em sua mente.
Seus sentidos se liberaram. Desembaraçados, fragmentados, fizeram-se
pedacinhos em uma liberação de implosivo calor e tensão.
Continuou penetrando-a, e o orgasmo seguiu, e seguiu... Até que caiu do topo
com um último ofego, e o bendito vazio se reuniu nela.
Royce tinha outros planos.
Planos mais profundos. Planos que vinham daquele primitivo ser que, em
relação a ela, já não podia continuar negando. Que já não queria continuar negando.
Quando ela finalmente se derrubou, com o corpo totalmente bambo, saiu de
seu interior, reuniu suas roupas em um segundo e a levantou. Retirou a colcha,
ajoelhou-se na cama e a colocou sobre suas costas, com a cabeça e os ombros
apoiados nos travesseiros.
Aproveitou o momento enquanto se colocava a seu lado para deleitar-se com
a visão... Dela totalmente encantada, rendida, possuída.
Totalmente sua.

270
Com esse pensamento, elevou-se sobre ela, separou suas coxas e se colocou
entre elas. Cobriu-a. Deslizou-se em seu interior, baixou a cabeça, capturou seus lábios
e se afundou nela. Em sua boca, profundamente em seu corpo, recebido no interior do
abraço de seda de sua ardente vagina.
Começou a montá-la lentamente, sem pressa, deleitando-se em cada ápice de
sensação. Na inexprimível delícia de seu corpo, na suave aceitação de sua dureza, nos
inumeráveis contrastes entre seus corpos mesclados.
Sentia seus nervos tensos, procurando, desejando, necessitando. Sua mente
estava aberta, receptiva, devastadoramente consciente da amplitude, a profundidade
e o incrível poder da necessidade que crescia e fluía em seu interior.
Então ela se uniu a ele.
Com suas pequenas mãos ao redor de seu rosto, enquadrou-o um momento e
as desceu para estendê-las por seus ombros.
À medida que o ritmo de sua inexorável união crescia, ela se agarrou a ele,
com o corpo ondulando-se sob o dele, dançando com um ritmo que era tão antigo
como o tempo.
Um que o marcava, mas ela estava com ele, dançando no calor e nas chamas,
no cintilante fogo de sua paixão compartilhada.
E aquilo era tudo o que queria que fosse o momento... conhecimento,
satisfação e rendição, tudo em um.
Ela era tudo o que precisava... Sua amante, sua noiva, sua esposa.
Seu tudo.
No momento em que ambos subiram à última cúpula e encontraram o êxtase
esperando-os, ele soube sem dúvida nenhuma que tinha tudo o que precisava da vida
entre seus braços. Por isso, ela era a única mulher para ele, uma que se submetia a ele,
que se rendia a ele.
Que o derrotava.
Agora e sempre.
A tormenta os pegou, e ele se rendeu, também; seus dedos se fecharam sobre
os dela enquanto a fúria de sua união os capturava, os fazia balançar-se. Rompeu-os e

271
os esvaziou, depois deixou que seus sentidos lentamente se enchessem de novo... Com
os do outro.
Royce nunca se sentira tão perto de nenhuma mulher antes, nunca
compartilhara o que acabava de compartilhar com ela, com nenhuma outra.
Quando finalmente reuniu suficiente força e vontade para mover-se, separou-
se dela e a acolheu entre seus braços, ficando tranquilo quando ela acudiu
imediatamente, enrolando-se a seu lado.
Na escuridão, roçou suas têmporas com os lábios.
—Durma. Despertarei você a tempo para partir.
Sua única resposta foi que a última tensão que ainda perdurava se aliviou e
logo desapareceu.
Fechou os olhos e, totalmente estabelecido nas profundidades de sua alma
primitiva, deixou que o sono o reclamasse.

272
CAPÍTULO 14

Royce despertou antes do amanhecer de um modo que era previsível;


Minerva chegou a seu quarto com apenas o tempo suficiente para cair em sua cama e
recuperar-se antes que Lucy entrasse para retirar as cortinas.
Depois de lavar-se e vestir-se, uma vez que se livrou da ajuda de Lucy,
concentrou-se em sua rotina habitual com mais confiança que no dia anterior. Se
Royce a desejava o suficiente para insistir em que abençoasse sua cama, então não ia
perder o interesse por ela ainda. Efetivamente, a julgar pela noite anterior, seu desejo
por ela parecia estar aumentando e não desvanecendo-se.
Pensou nisso, e em como a fazia sentir-se, durante o café da manhã, e após,
deixando suas irmãs e convidados com suas próprias coisas, retirou-se aos aposentos
matinais da duquesa para preparar-se para sua habitual reunião no escritório... E para
considerar o que poderia pedir.
Se ele demandava e insistia em sua rendição física, então, ela sentia que tinha
de receber algo em troca. Alguma prova de sua avaliação.
Quando Jeffers chegou para chamá-la, sabia o que pediria; a petição que poria
a prova o desejo de Royce, mas quem sabia quanto podia durar este interesse? Pediria
isso agora; com os Varisey era melhor ser audaz.
Jeffers abriu a porta do escritório. Minerva abriu e viu que tanto Falwell como
Handley estavam presentes; o administrador estava sentado na segunda cadeira ante a
escrivaninha.
Royce lhe assinalou sua cadeira habitual.
—Falwell esteve me descrevendo o estado atual dos rebanhos e as tosquias. A
qualidade de alguns parece ter caído verticalmente.
—Nada grave, é óbvio — disse Falwell rapidamente, dando uma olhada,
surpreso, a Minerva. — A senhorita Chesterton escutou sem dúvida as queixa dos
boiadeiros...

273
—Sim — Cortou o resto da justificação de Falwell por não fazer nada nos anos
anteriores. — Compreendo que o problema reside na linhagem dos animais — Se
sentou e olhou para Royce.
—Sendo assim — disse Falwell — para conseguir novos exemplares teríamos
que ir até o sul, e o custo...
—Não poderia nos ajudar Ou'Loughlin? — Fez a sugestão tão inocentemente
como pôde. Royce a chamara para que se unisse à conversação; presumivelmente
queria sua opinião.
Falwell se incomodou; não gostava de Hamish, mas, por sua parte, Hamish
não tinha tempo para ele.
Abriu a boca, mas, antes que pudesse falar, Royce o fez.
—Falarei com Ou'Loughlin na próxima vez que passe por lá. Possivelmente
tenha algumas cabeças de gado que possamos comprar.
Falwell engoliu suas palavras, como era de esperar.
Royce olhou a folha de papel em que estava tomando notas.
—Preciso falar com a senhorita Chesterton, Falwell, mas, se ficar, quando
terminar, podemos ir ver os rebanhos do castelo.
Falwell murmurou seu consentimento, levantou-se, e retrocedeu sob a
indicação de Royce até uma cadeira de respaldo reto que havia contra a parede.
Minerva amaldiçoou em seu interior. Não queria que Falwell escutasse sua
petição.
—Bem, do que temos que nos ocupar hoje?
A pergunta de Royce captou de novo sua atenção. Olhou sua lista e o
informou da advertência de Retford de que, depois do funeral, precisariam preencher
a adega, e a petição de Cranny de lençóis de linho novos para os dormitórios da asa
norte.
—E já que falamos de malhas, há duas salas na asa sul que precisam de
cortinas novas — Devido ao isolamento do castelo, esses artigos normalmente se
traziam de Londres.
Royce olhou para Handley enquanto seu secretário verificava suas notas.

274
—Hamilton pode nos ser útil... Conhece os vinhos que prefiro, e, quanto ao
resto, poderia consultar a governanta de minha casa de Londres — Olhou a Minerva.
—A senhorita Hardcastle — disse.
Roce olhou para Handley.
—Envie uma nota a Hamilton sobre o vinho e os tecidos e sugira que peça a
ajuda da senhorita Hardcastle para este último. Entretanto, deverá comprar os artigos
contando com a aprovação da senhorita Chesterton e da senhora Cranshaw.
Handley assentiu e começou a escrever.
—As cortinas têm que ser de damasco, com verde maçã como cor
predominante — disse Minerva.
Handley assentiu de novo.
Royce arqueou uma sobrancelha ante ela.
—Algo mais?
—Não quanto à casa — Duvidou um momento; preferiria não ter ao Falwell
presente, mas tinha de golpear enquanto o ferro ainda estivesse quente. Tomou
fôlego. — Entretanto, há um assunto que eu gostaria de trazer a sua atenção.
Royce lhe deu passo.
—Há uma ponte sobre o Coquet, em direção sul, um pouco além de Alwinton.
Permitiu-se sua deterioração e agora está em muito más condições; é um grave perigo
para todos os que têm que usá-la...
Falwell ficou em pé.
—Isso não está nas terras do castelo, sua Excelência — Se aproximou da mesa.
— É responsabilidade de Harbottle, e, se eles decidem deixar que caia, essa será sua
decisão, e não a nossa.
Royce viu que Falwell jogava um olhar em Minerva, que estava sentada em
sua cadeira com o olhar fixo nele, não no administrador. Falwell inclinou a cabeça em
sua direção.
—Com o devido respeito para a senhorita Chesterton, sua Excelência, não
podemos estar arrumando coisas além dos limites do ducado, coisas cuja obrigação de
arrumar não é nossa.
Royce olhou a Minerva. Ela manteve seu olhar e esperou sua decisão.

275
O duque sabia por que o pedia Minerva. Outras damas cobiçavam joias; ela
pedia uma ponte. E se estivesse em suas terras, a outorgaria alegremente.
Infelizmente, Falwell tinha razão, sem dúvida. O último de que precisava o
ducado era que o vissem como um salvador geral de último recurso. Sobretudo nas
vilas, que se supõe que financiam suas necessidades dos impostos que coletam.
—Neste assunto, tenho de estar de acordo com o Falwell. Entretanto, farei
chegar esta questão pessoalmente às autoridades apropriadas — Olhou para Handley.
— Inteire-se de quem preciso ver.
—Sim, sua Excelência.
Olhou de novo a Minerva.
—Algo mais?
Ela manteve seu olhar o tempo suficiente para fazer com que Royce se
perguntasse o que estava passando por sua cabeça, mas depois respondeu:
—Não, sua Excelência. Isso é tudo.
Baixou o olhar, reuniu seus papéis, se levantou, inclinou a cabeça, virou-se e
caminhou até a porta.
Enquanto esta se fechava às suas costas, Royce estava já considerando como
usar a ponte para sua melhor conveniência.
Há mais de um modo de fazer as coisas... Minerva se perguntou que tática
estava considerando Royce. Quando o gongo do almoço ressonou através dos
corredores, dirigiu-se ao salão, esperando que tivesse entendido corretamente.
Não se surpreendera pelos comentários de Falwell; seu papel era administrar
o ducado como se fosse um negócio, em vez de preocupar-se com seus habitantes.
Isto último era, em parte, seu papel e, em parte, do duque. De Royce. Disse que se
ocuparia daquele assunto... Apresentando sua petição ante as autoridades. Enquanto
se aproximava da sala de jantar, Royce saiu do salão oposto. O duque escutara seus
passos; esteve esperando-a. Parou, olhou-a; quando ela ficou a sua altura, sem uma
palavra fez um sinal para que entrasse no salão diante dele.
O resto do grupo estava já na mesa, distraído em uma discussão sobre os
planos de Margaret e Susannah para os seis dias que restavam antes da feira. Royce e
ela foram ao repleto aparador e se serviram de uma variedade de carnes frias,

276
presuntos e distintos manjares dispostos em bandejas e pratos, e depois Royce a
conduziu até a cabeceira da mesa, até a cadeira junto à sua. Jeffers saltou para separá-
la para ela.
Para quando Minerva se sentou e acomodou suas saias, Royce estava sentado
já também em sua ampla cadeira, separando-os dos outros com o ângulo dos olhos e
sua absoluta atenção sobre ela. Os demais leram os sinais e os deixaram em paz.
Começaram a comer, e depois Royce a olhou aos olhos.
—Obrigado por sua ajuda com as ovelhas.
—Você sabia que Hamish era o melhor fornecedor de gado... Não precisava
que eu dissesse isso.
—Precisava que dissesse a Falwell. Se eu mesmo sugerisse Hamish, ia fechar
os ouvidos considerando que minha preferência pelo gado de Hamish era devido a
nossa relação — Tomou um gole de sua taça de vinho. — Mas você não tem nenhuma
relação com Hamish.
—Não, mas Falwell sabe que o aprovo.
—Mas nem Falwell sugeriria que você (a defensora dos granjeiros) me urgiria
a comprar gado de um lugar que não fosse o melhor — Royce olhou seus olhos e
deixou que seus lábios se curvassem ligeiramente. — Usar você para que sugerisse
Hamish, tendo sua reputação para apoiar a ideia, economizou-nos tempo e uma
considerável quantidade de arrevesada discussão.
Minerva sorriu, satisfeita com o elogio disfarçado.
Deixou que se orgulhasse um momento e depois continuou:
—Isso levanta outra questão relacionada... Tem alguma sugestão para
substituir Falwell?
Minerva tragou saliva e assentiu.
—Evan Macgregor, o terceiro filho do Macgregor.
—E por que seria adequado?
Minerva pegou sua taça de água.
—É jovem, mas não muito, uma alma sociável que nasceu no ducado e que
conhece todo mundo que vive nele. Quando era mais jovem, era um diabinho, mas
sempre teve bom coração e é rápido e inteligente... Mais que a maioria. Agora que é

277
mais velho, já que é o terceiro filho, e que Sean e Abel são mais que capazes de tomar
o posto de Macgregor entre ambos, Evan tem pouco a fazer — Engoliu e depois o
olhou aos olhos. — Tem quase trinta anos e está ainda ajudando na granja, mas não
acredito que fique muito mais se encontrar uma ocupação melhor.
—Assim atualmente é um talento esbanjado, e você acha que deveria usá-lo
como administrador.
—Sim. Trabalharia duro para você e, embora possa cometer enganos,
aprenderia deles; e o que é mais importante: nunca daria um conselho equivocado
sobre nada que tenha a ver com o ducado ou seu povo — Deixou sua taça. — Não
pude dizer isso do Falwell há mais de uma década.
Royce assentiu.
—Entretanto, apesar dos defeitos de Falwell, acredito que no que disse sobre
a ponte levava toda a razão.
Minerva o olhou aos olhos, estudou-os e levantou levemente as sobrancelhas.
—E...?
Royce deixou que seus lábios se curvassem com apreciação; Minerva estava
começando a entendê-lo bastante bem.
—E que preciso que me dê alguma razão urgente, preferivelmente dramática,
para subir em meu cavalo ducal e intimidar os vereadores de Harbottle para que a
consertem.
Minerva manteve seu olhar; o seu próprio se fez distante, voltou a enfocar-
se... E sorriu.
—Posso fazê-lo — Depois arqueou uma sobrancelha e respondeu
brandamente: — Acredito que temos que cavalgar nessa direção esta tarde.
Royce considerou a logística e depois olhou os outros.
Quando voltou a olhar para Minerva, esta, com as sobrancelhas elevadas,
assentiu.
—Deixe isso comigo.
Inclinou-se para trás em sua cadeira e observou com apreciação como se
inclinava para frente e, com um comentário aqui, e outro ali, deslizava-se
brandamente nas conversações que haviam, até então, ignorado. Nunca se fixara em

278
como se ocupava Minerva de suas irmãs; com uma hábil pergunta seguida de uma
vaga sugestão, conduziu com destreza Susannah e Margaret (as líderes) para que
organizassem um passeio de todo o grupo até Harbottle aquela tarde.
—OH, antes que esqueça, aqui tem a lista de convidados que queria, Minerva
— Susannah ondeou uma folha de papel; os demais a passaram a Minerva.
Esta a examinou e depois olhou a Margaret, aos pés da mesa.
—Terei de abrir mais quartos. Falarei com Cranny.
Margaret deu uma olhada a Royce.
—É óbvio, não sabemos quantos destes assistirão.
Royce deixou que seus lábios se curvassem cinicamente.
—Dados os... Entretenimentos que oferecem, suspeito que todos os
convidados pularão de alegria ante a oportunidade de unir-se à festa.
Porque poderiam descobrir de primeira mão quem escolhera como esposa. A
compreensão invadiu o rosto de Margaret que, fazendo uma ligeira careta, inclinou a
cabeça.
—Tinha esquecido, mas sem dúvida tem razão.
O aviso de que logo faria tal anúncio, além de assinalar o final de sua conversa
com ela, reafirmou a determinação de Minerva em agir, decisivamente, naquele dia.
Enquanto seu desejo por ela fosse ainda forte possuía uma excelente oportunidade de
assegurar seu proveito; quando começasse a debilitar-se, sua habilidade para
influenciá-lo decairia.
Susannah estava ainda expondo as delícias de Harbottle.
—Poderíamos passear pelas lojas e depois tomar o chá em Ivy Branch —
Olhou a Minerva. — Está ainda lá, não é?
Ela assentiu.
—Ainda servem um excelente chá com massas.
Margaret estava contando as cabeças e as carruagens.
—Bem... Não somos muitos — Olhou a Minerva. — Via vir?
Minerva assinalou a lista de convidados.
—Tenho de dar uma olhada nisto e em algumas outras coisas. Cavalgarei até
lá mais tarde e possivelmente me uma a vocês para tomar o chá.

279
—Muito bem — Margaret olhou a cabeceira da mesa. — E você, Wolverstone?
Apesar de que esteve de acordo com a festa na casa, Margaret e Aurelia
estavam fazendo um esforço para lhe dar toda a devida deferência.
Royce negou com a cabeça.
—Eu também tenho assuntos dos que me ocupar. Verei vocês no jantar.
Acordado aquele assunto, o grupo se levantou da mesa. Consciente do
sombrio olhar de Royce, Minerva ficou atrás, deixando que outros se adiantassem;
Royce e ela deixaram o salão na retaguarda do grupo.
Pararam no vestíbulo. Ele a olhou aos olhos.
—De quanto tempo precisará?
Estava sua lista de tarefas.
—Preciso ver o fornecedor de madeira de Alwinton... Seria melhor que se
encontrasse comigo no prado junto à igreja às... — Entreabriu os olhos, fazendo uma
estimativa. — Insisto depois das três.
—A cavalo, junto à igreja, logo depois das três.
—Sim — Se virou e lhe sorriu. — E, para chegar a tempo, devo me apressar.
Verei você lá.
Ajustando suas ações a suas palavras, apressou-se pelas escadas... Antes que
ele perguntasse como planejava motivá-lo para intimidar os vereadores a que
aceitassem sua proposta. O que tinha em mente funcionaria melhor se ele não
estivesse preparado.
Depois de falar com Cranny sobre os quartos para os convidados que se
esperavam e com Retford sobre a adega e a depredação que esperava sofrer durante a
festa, comprovou com Hancock suas exigências para o moinho, cavalgou até Alwinton
e falou com o fornecedor de madeira. Terminou antes do esperado, assim passeou
pela vila até justo depois das três, antes de montar de novo em Rangonel e dirigir-se
ao sul.
Como esperava, Royce estava esperando-a no prado designado, tanto o
cavaleiro como o cavalo mostrando sua habitual impaciência. Virou Sabre em direção a
Harbottle.
—Realmente planeja que nos unamos com outros em Harbottle mais tarde?

280
Olhou adiante, com um sorriso, e encolheu os ombros ligeiramente.
—Há um joalheiro interessante que eu gostaria de visitar.
Ele sorriu e seguiu seu olhar.
—Está muito longe a ponte?
Minerva sorriu.
—A uma meia milha — Com um movimento de suas rédeas, pôs Rangonel a
meio galope. Royce manteve Sabre a seu lado apesar de que o garanhão obviamente
desejar correr.
Um desejo compartilhado por seu cavaleiro.
—Podemos galopar.
Minerva agitou a cabeça.
—Não. Chegaríamos lá muito cedo.
—Por quê?
—Já o verá — Minerva ouviu seu bufo de desgosto, mas não se sentiu
pressionada. Cruzaram o Alwin no vau, com a água formando espuma nos joelhos dos
cavalos, e continuaram trotando através dos pastos.
Uma rajada branca a frente deles era o primeiro sinal de que chegavam a
tempo. Ao subir uma leve inclinação viu duas meninas jovens, com seus aventais
ondeando, e os livros amarrados em pequenas trouxas em suas costas, rindo,
enquanto pulavam por um caminho que guiava para uma ravina pouco profunda que
desaparecia depois da próxima inclinação à sua esquerda.
Royce também as viu. Deu a Minerva um suspeito olhar, quase um incipiente
franzir de cenho, e depois seguiu com o olhar a dupla enquanto desciam a encosta. As
garotas desapareceram da vista na seguinte colina; minutos mais tarde, os cavalos as
alcançaram.
Quando o fizeram, Royce olhou abaixo, ao longo da ravina... E amaldiçoou. Fez
com que Sabre se parasse e olhou abaixo com uma careta.
Inexpressivamente, Minerva puxou as rédeas a seu lado e observou um grupo
de crianças cruzando o Coquet, inchado pelas águas adicionais do Alwin e formando
um turbulento e tempestuoso rio, usando os desvencilhados restos da ponte.

281
—Pensava que não havia nenhuma escola na zona — Seu acento sublinhou o
temperamento que estava contendo.
—Não há, assim que a senhorita Cribthorn faz o que pode para ensinar as
crianças a ler. Usa uma das casas perto da igreja — Era a esposa do vigário quem a
advertira do execrável estado da ponte. — As crianças pertencem a algumas das
famílias arrendatárias de Wolverstone, nas que as mulheres têm que trabalhar os
campos junto aos homens. Seus pais não podem permitir o tempo para levar as
crianças à escola pela estrada, e a pé não há outra rota viável que possam tomar.
As meninas que vira antes se uniram ao grupo no extremo mais próximo da
ponte; as crianças maiores organizaram as menores em uma linha antes que, um a um,
atravessassem a única viga que restava, sustentando a última madeira horizontal que
ficava do corrimão original da ponte.
Alguém estendera uma corda ao longo do corrimão, que dava às pequenas
mãos dos meninos algo ao que podiam agarrar com mais força.
Royce grunhiu outra maldição e levantou as rédeas.
—Não — Minerva agarrou seu braço. — Assim os distrairá.
Não gostava, mas se deteve; afastando a mão do rígido aço no que se
converteu seu braço, Minerva sabia o quanto lhe custava
Apesar de seu pétreo rosto, podia sentir que soltava fumaça ao ver-se forçado
a observar o potencial drama da distância... Uma distância muito grande para poder
ajudar se alguma das crianças escorregasse e caísse.
—O que aconteceu à ponte prejudicada e quando?
—Uma grande enchente a primavera passada.
—E leva assim após?
—Sim. Só a usam os meninos das granjas para chegar à escola, assim... — Não
precisou dizer que o bem-estar dos meninos das granjas não interessava muito aos
vereadores de Harbottle.
No instante em que a última criança chegou a salvo na margem oposta, Sabre
baixou o declive e cavalgou para a ponte. As crianças o ouviram; caminhando com
dificuldade pelo prado, viraram e olharam, mas, depois de observá-lo com curiosidade
durante vários minutos, continuaram em direção a seus lares. Quando Minerva e

282
Rangonel chegaram ao rio, Royce tinha descido do cavalo e estava subindo pela
margem, estudando a estrutura de abaixo.
Da garupa de Rangonel, Minerva o observou enquanto agarrava a viga que
restava, usando seu peso para prová-la. Rangeu; amaldiçoou e a abandonou.
Quando por fim voltou a subir o declive e chegou andando a pernadas para
ela, sua expressão era negra.
O olhar que pousou sobre ela era de uma furiosa frieza.
—Quem são os vereadores de Harbottle?
Royce sabia que Minerva o manipulara; soube no instante em que viu as duas
meninas. Apesar disso, sua irritação com ela era relativamente menor; deixou-a de
lado e se ocupou do assunto da desvencilhada ponte com uma fúria que trouxe para
sua mente fantasmas de seu passado ancestral.
Havia um lobo no norte, de novo, e estava de um humor de cães.
Apesar de não ter muitas expectativas, Minerva estava impressionada.
Cavalgaram juntos até Harbottle; lá o apresentou ao mais velho dos vereadores, que
rapidamente entendeu a conveniência de chamar seus companheiros. A governanta
ficou atrás e observou Royce, que, com minuciosa exatidão, imprimiu naqueles
inconscientes cavalheiros em primeiro lugar seus defeitos e depois suas expectativas.
Destas últimas, Royce não se deixou absolutamente nenhuma dúvida.
Fizeram uma reverência e partiram, e prometeram que revisariam a questão
da ponte minuciosamente.
Royce os olhou com frieza, e informou que voltaria três dias depois para ver
seus progressos.
Então se virou e partiu; totalmente satisfeita, Minerva o seguiu.
Royce marcou um furioso passo de volta ao castelo. O sombrio olhar que lhe
deu enquanto subia na garupa de seu cavalo deixou claro que não tinha esquecido que
ela brincara com seu temperamento, mas ele pedira uma dramática e urgente razão
para ter uma justificativa para pressionar os vereadores para que arrumassem a ponte,
e lhe deu uma. Sua consciência estava limpa.

283
Algo que suspeitava que ele já sabia, porque quando chegaram a Wolverstone,
deixaram seus cavalos com Milbourne e se dirigiram ao castelo, não disse nada, e só
lhe deu um de seus olhares sombrios e penetrantes.
Quando chegaram à asa oeste e se aproximaram das escadas da torre, deixou
de esperar alguma reação dela. Sentia-se satisfeita, totalmente contente com seus
lucros do dia, e então os dedos de Royce se fecharam ao redor de seu cotovelo e a
atraiu até o sombrio vestíbulo ao pé das escadas. Esmagou-a contra a parede.
Surpresa, seus lábios se afastaram quando ele os esmagou sob os seus e a
beijou... Enchendo sua boca, prendendo sua mente e tomando por assalto seus
sentidos.
Era um tipo de beijo duro, doloroso, conquistador, um ao que ela respondeu
com condenado ardor.
Suas mãos estavam afundadas na escura seda do cabelo de Royce quando este
se afastou abruptamente dela, deixando-a ofegando e com seus sentidos
cambaleando.
De apenas uns centímetros de distância, seus olhos a perfuraram.
—Da próxima vez, conte-me — Era uma ordem direta.
Não havia recuperado ainda o fôlego suficiente para falar e se arranjou para
assentir.
Royce entreabriu os olhos, apertou os lábios, e retrocedeu um pouco... Como
se percebesse que para ela era difícil pensar quando ele se encontrava tão perto.
—Algo mais que esteja tão mal em minhas terras? Ou não em minhas terras,
mas afetando meu povo?
Esperou enquanto, ela se recompunha e pensava.
—Não.
Royce exalou.
—Algo haverá, suponho.
Separou-se dela e a separou da parede, logo se apressaram a subir as escadas.
O coração de Minerva pulsou um pouco mais rápido sabendo que ele estava bem
detrás dela e em um humor que não era previsível.

284
Mas, quando chegaram à galeria, e ela se voltou para caminho de seu quarto,
ele a deixou partir. Deteve-se o pé da escada.
—A propósito... — Esperou até que ela parou e o olhou sobre seu ombro; ele
apanhou seus olhos. — Amanhã pela manhã quero que cavalgue comigo até Usway
Burn... Temos de comprovar os progressos, e quero falar com Evan Macgregor.
Minerva sentiu que amanhecia nela o mais brilhante dos sorrisos, sentiu que
iluminava seus olhos.
—Sim, de acordo.
Com um assentimento, Royce se dirigiu aos seus aposentos.
Totalmente satisfeita com seu dia, Minerva continuou caminho do seu.
Voltaram encontrar-se no salão, rodeados pelo demais, que conversavam
sobre os acontecimentos do dia e faziam planos para o dia seguinte. Royce entrou na
ampla sala e localizou Minerva conversando em um grupo com Susannah, Phillip,
Arthur e Gregory. Encontrou seus olhos justo quando Retford apareceu às suas costas
anunciando o jantar; retrocedeu e deixou que outros se adiantassem, esperando até
que ela se uniu a ele para reclamá-la.
Queria que estivesse com ele, mas ainda não decidira o que queria dizer... Ou
melhor dizendo, como o diria. Sentou-a a seu lado. Enquanto ele mesmo tomava
assento na cabeceira da mesa, ela o contemplou com tranquilidade, então se voltou
para Gordon, à sua esquerda, e lhe perguntou algo.
O grupo relaxou, e todos os membros estavam totalmente cômodos na
companhia uns dos outros. Royce se sentia cômodo ignorando-os; inclinou-se para
trás, com os dedos na base de sua taça de vinho. Enquanto o bate-papo sem final fluía
a seu redor, ele deixava que seu olhar descansasse sobre a cabeça dourada de sua
governanta e repassava o dia em sua mente.
Tudo o que teve lugar foi um êxito, embora não se havia sentido (ainda não se
sentia) satisfeito pelo modo que ela usara deliberadamente para provocar seu mau
gênio no assunto da ponte. Em certo modo lhe pedira que o fizesse, mas não imaginou
que teria êxito até o ponto no que o fizera.
Manipulara-o, efetivamente, embora com seu consentimento implícito. Não
podia recordar a última vez que alguém havia conseguido fazer isso; que ela

285
conseguisse isso, e com tal facilidade, deixou-o sentindo-se terrivelmente vulnerável...
Não era um sentimento com o qual estivesse familiarizado, nenhum que aprovasse
realmente de maneira nenhuma.
Entretanto, contra isso se elevavam os êxitos do dia. Primeiro ao lidar com
Falwell, depois decidindo a substituição do administrador e finalmente sobre a ponte.
Ele queria ilustrar um ponto, demonstrar de um modo que, sendo a mulher racional
que era, veria sem dúvida nenhuma, e com isto obtiveram êxito brilhantemente.
Entretanto... Deixou que seu olhar se fizesse inclusive mais intenso, até que
Minerva o sentiu e olhou para ele. Royce se virou para ela; Minerva se voltou e se
desculpou com Gordon, depois olhou ao duque e levantou as sobrancelhas.
Royce a olhou fixamente aos olhos.
—Por que não me contou simplesmente sobre as crianças que usam a ponte?
Ela sustentou seu olhar.
—Se fizesse isso, o efeito seria... Distante. Você me pediu algo dramático, que
desse algo urgente para levar aos vereadores... Se não visse as crianças, se apenas lhe
contasse, não seria o mesmo — Sorriu. — Você não seria o mesmo.
Royce hesitou um momento e depois, ainda olhando-a aos olhos, inclinou a
cabeça.
—É certo — Levantou a taça e a saudou com ela. — Fazemos uma boa equipe.
Aquele era o ponto que estava tentando ilustrar.
Podia atá-la a ele com paixão, mas, para assegurar-se de que a tinha,
precisaria de mais. Uma dama como ela precisava de ocupação... Algo a conseguir.
Como sua esposa, poderia alcançar inclusive mais que agora; quando chegasse o
momento, não ia duvidar em assinalar aquilo.
Minerva sorriu, levantou sua taça e roçou a borda contra a da Royce.
—Assim é.
Royce a contemplou enquanto bebia, engoliu e sentiu que algo em seu interior
se esticava.
—A propósito... — Esperou até que o olhar de Minerva voltou até seus olhos.
— É habitual que, quando um cavalheiro oferece a uma dama um sinal de avaliação,
essa dama mostre sua avaliação em resposta.

286
Minerva levantou as sobrancelhas, mas não afastou o olhar. Em lugar disso,
um débil sorriso apareceu nos cantos de seus lábios.
—Pensarei nisso.
—Faça-o.
Seus olhares se tocaram, fecharam-se a um sobre o outro; a conexão se fez
mais intensa. A seu redor o grupo falava muito alto, o agitação dos lacaios ao servir, o
tinido dos talheres e o repico da porcelana chinesa era uma cacofonia de som e muito
colorido movimento girando a seu redor, embora tudo se desvanecesse, se fizesse
distante, enquanto entre eles essa indefinível conexão se fazia mais tensa.
A espera e a antecipação piscavam e faiscavam.
Seus seios cresceram enquanto tomava fôlego e logo afastou o olhar.
Royce olhou abaixo, a seus dedos curvados ao redor da taça de vinho; deixou-
a e se moveu em sua cadeira.
Ao menos o grupo se cansou do teatro amador, em seu interior agradeceu. A
refeição terminou, e Minerva se separou de seu lado; Royce reduziu o tempo do porto
ao mínimo e guiou as cavalheiros para que se reunissem com as damas no salão.
Depois de trocar um olhar, não tentou unir-se a ela; sua acrescentada paixão
estava arqueando-se entre eles, era simplesmente muito perigoso... Embora seu grupo
estivesse cego. Cordial, conversou com algumas das amigas de suas irmãs, até que
Minerva saiu da sala.
Não voltou. Royce lhe deu meia hora, depois deixou a loquaz reunião e a
seguiu pelas escadas até a torre. Diminuiu a velocidade e olhou as sombras que
povoavam o corredor até seu quarto, duvidou um momento e continuou. Até seus
aposentos, até seu dormitório.
Ela estava lá, sobre sua cama.
Parou na soleira, sorriu, e esse gesto se viu carregado com cada ápice de
impulsos predatórios que percorriam suas veias.
Não tinha deixado acesa nenhuma vela, e a luz da lua entrava pela janela,
brunindo seu cabelo, que estava estendido sobre seus travesseiros, dourando as
curvas de seus ombros nus com um brilho opalescente.
Percebeu que não usava a camisola.

287
Estava recostada entre os travesseiros; devia estar olhando a noite empapada
de lua, mas havia virado a cabeça para vê-lo. Através da escuridão, Royce sentiu que o
olhar de Minerva deslizava sobre ele... Sentiu que a antecipação crescia, esticava-se.
Permaneceu onde estava e deixou que aumentasse.
Deixou que crescesse e se fortalecesse até que, quando finalmente se moveu
e caminhou para ela, sentiu como se uma invisível corda de seda se enredasse a seu
redor e estivesse puxando-o.
A visão dela ali, um desejado presente, uma recompensa, alimentou a fome
em seu interior um grau mais e deixou uma primitiva vibração em seu sangue.
Ela era sua. E podia tomá-la como seu ser ducal decretasse.
Sua ofegante rendição estava implícita em seu silêncio à espera.
Caminhou até o aparador junto à parede. Tirou a jaqueta, a jogou em uma
cadeira próxima, desabotoou o colete enquanto planejava como aproveitar melhor a
oportunidade para avançar em seu propósito.
Para avançar em sua campanha.
Despir-se era um óbvio primeiro passo; aumentando deliberadamente os
momentos antes de unir-se a ela com uma atividade que sublinhasse que sua intenção
era incrementar sua já aumentada consciência, dele e de tudo o que fariam logo.
Tirou o alfinete de diamante de seu lenço e o deixou sobre o aparador, após
desatou sem pressa o tecido de linho.
Quando tirou a camisa, escutou que ela se agitava sob os lençóis.
Quando jogou suas calças para o lado e se virou, ela deixou de respirar.
Caminhou lenta e deliberadamente até seu lado na cama. Por um instante,
manteve-se olhando-a; o olhar de Minerva subiu lentamente da virilha de Royce até
seu peito e finalmente até seu rosto. Prendendo seus enormes olhos, estendeu a mão
até os lençóis e os levantou enquanto fazia um sinal com a mão.
—Venha. Levante-se.
A antecipação a percorreu, como uma afiada e feroz onda estendendo-se sob
sua pele. Com a boca seca, Minerva examinou seu rosto, os duros ângulos e os
sombrios traços, a implacável e pouco informativa expressão que estabelecia: um

288
homem primitivo. Umedeceu os lábios e viu que os olhos de Royce seguiam aquele
pequeno movimento.
—Por quê?
Os olhos do duque voltaram até os de Minerva. Não respondeu, simplesmente
manteve levantados os lençóis e esperou.
O ar frio deslizou sob os lençóis levantados e encontrou sua pele. Royce,
Minerva sabia, estaria radiando calor; o único que tinha a fazer para evitar o frio era
levantar-se e deixar que ele a atraísse até seu corpo.
—E então o que?
Um calafrio de antecipação inclusive maior (um sinal revelador que, para
Royce, não passou despercebido) ameaçou afligindo-a. Levantou a mão, pousou os
dedos sobre os do duque e deixou que a tirasse da cama.
Royce caminhou para trás, atraindo-a para ele, até que ambos estiveram sob o
feixe prateado da lua, até que ambos estivessem banhados pelo pálido brilho. O fôlego
de Minerva se suspendeu, preso em seu peito; não podia afastar seus olhos dele... Um
magnífico macho, poderoso e forte, com cada musculosa curva, cada crista e cada
linha, gravada com prata fundida.
Seus dedos se esticaram sobre os dela, a puxou para si, atraiu-a inexorável e
irresistivelmente entre seus braços. Em um abraço que era tão frio como quente; suas
mãos deslizaram habilmente sobre sua pele, acariciando-a, percorrendo-a, enquanto
seus braços se fechavam lentamente e a prendiam, depois a rodeavam ainda mais,
contra a quente dureza de seu totalmente masculino corpo.
Suas mãos se estenderam sobre as costas de Minerva; seus escuros olhos a
observaram, beberam de sua expressão enquanto seus corpos se encontravam, os
seios nus contra o nu torso, seus quadris contra suas coxas... Minerva fechou os olhos
e estremeceu.
A dura haste de sua ereção era como um ferro de marcar contra seu tenso
ventre.
A governanta inalou, abriu os olhos, apenas para encontrar Royce fechando a
distância. Seus lábios encontraram os dela, cobriram-nos, possuíram-nos, não só com
força conquistadora, a não ser com uma lânguida paixão, uma mais sugestiva,

289
totalmente irresistível... Uma declaração de intenções que não tinha por que fazer
mais estridente; ela seria sua sempre que desejasse... Ambos sabiam.
O conhecimento a penetrou enquanto dava seus lábios, e depois sua boca, e
depois se uniam em um quente duelo de línguas; Minerva fora a sua habitação com o
pensamento de gratificá-lo na mente. Gratificá-lo não requeria nenhuma ação ativa
dela; ela podia simplesmente deixá-lo tomar tudo o que desejasse, seguir sua guia, e
ele se sentiria satisfeito.
Mas e ela?
A passividade não era seu estilo, e ela queria que aquilo, aquela noite, fosse
um presente seu... Algo que ela queria dar, não algo que se visse obrigada a entregar.
Porque ele não havia tomado as rédeas, e era a oportunidade de Minerva.
Assim que ela as tomou... Deslizou uma mão entre suas coxas e a fechou firmemente
sobre o haste de sua ereção. Sentiu que a certeza brotava quando ele se esticou, como
se seu roce tivesse o poder de distraí-lo por completo.
Aproveitando o momento, deslizou a outra mão para que se unisse com a
primeira, as unindo ao redor de seu rígido membro em uma comemoração tateante...
E através do beijo sentiu cada partícula de sua consciência centrando-se no lugar que
ela acariciava.
Rompendo o beijo lentamente, Minerva moveu as palmas de suas mãos...
Observou o rosto de Royce, confirmando que seu tato, suas carícias, possuíam o poder
de capturá-lo. Seus braços relaxaram enquanto sua atenção mudava; seu abraço se
debilitou o suficiente para que ela se afastasse um pouco.
O suficiente para olhar abaixo e poder ver o que estava fazendo e
experimentando melhor.
Royce a deixara tocá-lo antes, mas, nesse momento ,se havia sentido aflita...
Havia muito dele que explorar. Agora, mais familiarizada com seu corpo, mais cômoda
estando nua em sua presença, menos distraída pelo milagre de seu peito, pelos
pesados músculos de seus braços, pelas longas e poderosas colunas de suas coxas;
agora que já não se sentia escravizada por seus beijos, podia estender suas
explorações ao que mais desejava aprender... O que o agradava.

290
Minerva o acariciou e então deixou que seus dedos perambulassem; seu peito
se inchou enquanto tomava fôlego profundamente.
Olhou seu rosto, seus olhos, o sombrio desejo que ardia nele, brilhando
debaixo da espessa cortina de seus cílios. Apertou a mandíbula, e os músculos se
esticaram com uma tensão que estava estendendo-se lentamente por seu corpo.
Sabia que não podia deixá-la por muito tempo.
Em uma rajada de lembranças, Minerva recordou uma tarde em Londres fazia
muito tempo, e os ilícitos segredos compartilhados por seus companheiros mais
selvagens.
Sorriu... E deixou que o olhar de Royce se aguçasse sobre seus lábios. Sentiu
que o pênis entre suas mãos se movia ligeiramente.
Olhando esses escuros olhos acesos pela abrasadora paixão, soube
exatamente o que estava pensando.
Soube exatamente o que queria fazer, o que precisava fazer, para equilibrar a
escala de concessões mútuas entre eles.
Retrocedeu um passo, baixou seu olhar dos olhos de Royce até seus lábios,
correu pela coluna de sua garganta e a longitude de seu peito, até onde as palmas de
suas mãos e seus dedos estavam colocadas com firmeza, uma mão sobre a outra, um
polegar acariciando o sensível bordo da ampla e bulbosa cabeça.
Antes que Royce pudesse detê-la, ficou de joelhos.
Sentiu sua surpresa... Acrescentada quando inclinou o duro membro contra
seu rosto, separou os lábios e os deslizou sobre a luxuriosa e delicada carne, tomando-
o lentamente na cálida boas vindas de sua boca.
Escutara o suficiente da teoria para saber o que devia fazer; a prática foi um
pouco mais difícil... Era grande, comprido e grosso, mas ela estava decidida.
Royce finalmente conseguiu pôr a funcionar seus pulmões, para tomar uma
desesperada inalação, mas não pôde afastar seus olhos dela, da visão de sua dourada
cabeça inclinada contra sua virilha enquanto aplicava sua boca sobre sua
impressionante ereção.
A dor em sua virilha, em seu testículo e seu pênis, intensificava-se com cada
doce carícia de sua língua, com cada lenta e longa sucção.

291
Sentiu que devia detê-la, que devia fazer uma pausa momentânea. Não é que
não gostasse do que estava fazendo... Adorava cada segundo de delícia tátil, adorava a
visão de Minerva de joelhos ante ele, com seu pênis enterrado entre seus luxuriosos
lábios... Aas... Ele não estava acostumado a fazer que as damas o servissem deste
modo e não o esperava, tampouco.
Geralmente estavam muito exaustas depois que ele terminava com elas... E
sempre terminava com elas antes.
Devia detê-la, embora não o fez. Em vez disso, aceitou: aceitou o prazer que
lhe proporcionava, deixou que suas mãos se fechassem sobre a cabeça de Minerva e
que seus dedos percorressem seu sedoso cabelo e a guiassem brandamente...
Ela o sugou mais profundamente, então mais profundamente ainda, até que
sua inchada glande esteve em sua garganta. Sua língua envolveu lentamente sua
longitude.
Royce fechou os olhos e deixou que sua cabeça caísse para trás, lutou para
conter um grunhido... E a deixou que continuasse, que fizesse o que quisesse.
Deixou-a que o tivesse.
Mas apenas pôde deixar-se levar até certo ponto. Apenas pôde suportar o
úmido céu de sua boca durante certo tempo.
Com as mãos ao redor da base de seu pênis, Minerva encontrou seu ritmo;
sua confiança crescia, e, com isso, sua dedicação. Com os pulmões gritando e os nervos
destroçados, lutou para lhe dar um momento mais... E depois se obrigou a deslizar um
polegar entre seus lábios e a tirar sua vibrante longitude de sua boca.
Ela levantou o olhar, lambeu os lábios e franziu o cenho.
Royce se inclinou e, agarrando-a pela cintura, levantou-a.
—Rodeie minha cintura com suas pernas.
Minerva já o tinha feito. Royce deslizou suas mãos para segurar seus quadris e
a colocou de modo que a quente cabeça de sua ereção separasse o escorregadio fogo
de seus lábios e se pressionasse contra sua entrada.
Olhou seu rosto, capturou seus grandes olhos obscurecidos pelo desejo...
Observou-a enquanto a baixava e, firme e inexoravelmente, a penetrava. Observou
que seus traços relaxavam enquanto a consciência girava para onde a estava

292
estendendo e enchendo. Suas pálpebras baixaram, e ela se estremeceu em seus
braços, cativa em sua afiada rendição. Royce a agarrou mais firmemente, atraindo seus
quadris bruscamente contra seu corpo, inclinando-a para poder entrar até o último
centímetro e enchê-la completamente.
Possuí-la completamente.
Viu, sentiu, ouviu o ofego de seus pulmões. Tomou o peso de Minerva sobre
um braço, levantou a outra mão até seu rosto, segurou sua mandíbula e a beijou.
Avidamente.
Ela lhe deu sua boca, aberta a seu ataque, e entregou, cedeu, tudo o que ele
desejava. Durante um longo momento, fundo em seu corpo, somente a devorou, e
então ela tentou mover-se, usar seu corpo para satisfazer a desenfreada demanda de
Royce... E descobriu que não podia.
Não podia mover-se a menos que ele permitisse. Penetrada como estava,
encontrava-se totalmente em seu poder.
O resto do guia só podia escrevê-lo ele... E ela apenas podia experimentá-lo,
suportá-lo.
Royce o demonstrou... Demonstrou que podia levantá-la tanto ou tão pouco
como desejasse, e depois baixá-la, tão lenta ou tão rapidamente como quisesse. Que o
poder e a profundidade de sua penetração em seu corpo era totalmente decisão dele.
Que sua viagem ao topo o guiaria ele.
Minerva se entregara a ele, e agora Royce pretendia tomá-la... Tudo o que
pudesse dela.
Levantou-a, e logo a baixou, com uma mão ainda em seu traseiro, o braço
envolvendo ainda seu corpo, pressionando-o contra o seu enquanto o movimento de
sua união fazia que seus seios cavalgassem contra seu torso. Com um braço ao redor
de suas cabeças, e essa mão estendida sob suas nádegas, as pernas de Minerva
rodeando, agora com força, sua cintura, e os braços ao redor dos ombros de Royce, as
mãos estendidas em suas costas, o duque podia senti-la a seu redor, e ela estava
totalmente encerrada em seu abraço.

293
Um nu e primitivo abraço que encaixava à perfeição com ele. Que entregava
Minerva, que fazia com que esta se rendesse a ele, em um nível mais profundo e
primitivo.
Minerva se separou do beijo com um gemido ofegante, levantou a cabeça
enquanto, com o peito inchado, lutava por encontrar fôlego.
Royce a deixou, e após, com a mão afiançando-se em seu traseiro, atraiu-a de
novo.
Beijou-a de novo.
Tomou, a prendeu, a devorou de novo.
Suas mãos eram de repente muito mais demandantes, seu abraço era como
fogo enquanto a movia sobre ele, contra ele, esfolando seus sentidos em todos os
modos possíveis dentro e fora até que se arqueou, deixou que sua cabeça caísse para
trás, e se entregou a ele.
Às chamas que ardiam entre eles, reunindo-se e crescendo, então entrando
em erupção em uma paixão fundida tão quente que abrasava e queimava, que
marcava e assinalava.
As chamas, famintas e ávidas, cresceram e os varreram, apanhando-os,
estendendo-se sob sua pele e os consumindo enquanto o insistente, persistente ritmo
de sua posse escalava e a reclamava de novo.
Fez com que Minerva ardesse de novo, fez com que se fragmentasse e
gritasse, a fez gemer e ofegar ao tempo em que Royce se unia a ela.
Enquanto, por fim, ela o sentia, duro e quente e inegavelmente real,
inegavelmente ele, enterrado profundamente em seu interior, mais profundamente do
que já estivera.
Suficientemente profundo para tocar seu coração.
Suficientemente profundo para reclamá-lo como dele, também.
O pensamento atravessou a mente de Minerva, mas o deixou ir, deixou-o
desvanecer enquanto ele a levava até sua cama e se paralisava junto a ela sobre esta.
Sustentando-a contra seu coração.
Por último, Minerva escutou que ele sussurrava:
—Sobretudo nisto fazemos uma equipe excelente.

294
CAPÍTULO 15

Duas noites depois, Minerva se deslizou nos aposentos de Royce e agradeceu


a Trevor por não ficar nunca esperando. Quanto a seu hábito recente, deixara Royce e
o resto do grupo abaixo e escapuliu... Para chegar lá, a seus aposentos, a sua cama.
Passeando pelo agora familiar dormitório, surpreendeu-se pelo facilmente que
se assentou sua aventura, pelo cômoda que se sentia depois de tão pouco tempo com
ele.
Os últimos dias passaram em um torvelinho de preparativos, tanto para a
festa na mansão como para a própria feira. Já que era a maior propriedade da zona, o
castelo sempre era o primeiro em doar e participar da celebração, uma associação que
o pessoal de serviço mantinha apesar do interesse de seus senhores.
Minerva sempre tirava tempo para a feira. Celebrada sob a proteção da igreja
local, a feira arrecadava recursos tanto para a manutenção da igreja como para os
numerosos projetos para as melhoras locais. Melhorias nas quais o ducado sempre
teve um interesse pessoal, um ato que Minerva usava para justificar o gasto de tempo
e bens que envolvia.
Tirando o vestido, foi consciente de uma inesperada satisfação. Dada a
participação de Margaret, Aurelia e Susannah, as coisas poderiam ser muito pior, mas
tudo estava progredindo brandamente tanto no fronte da festa como no da feira.
Nua, com o cabelo ao redor de seus ombros, levantou os lençóis escarlate e
deslizou sob a fria seda. Se fosse honesta, sua satisfação, a profundidade desta, tinha
uma fonte mais próxima, mais profunda... E mais poderosa. Sabia que sua aventura só
duraria um pouco mais (em realidade, seu tempo com ele já tinha de haver quase
terminado), mas em vez de fazê-la precavida e reticente, este conhecimento de que
sua oportunidade de experimentar tudo o que tinha estava estritamente limitado
servia para incitá-la. Estava decidida a viver, total e completamente, a abraçar o
momento e aproveitar a oportunidade de ser toda a mulher que podia ser, até que o
interesse de Royce durasse. Até que ele a quisesse.

295
Não seria tempo o suficiente para que ela se apaixonasse por ele, para que se
visse presa por uma emoção não correspondida. E, caso se sentisse fracassada porque
nunca teria a oportunidade de conhecer o amor em toda sua glória, aceitaria e viveria
com isso.
Escutou que se abria a porta da sala e se fechava, escutou seus passos sobre o
chão... E então ele chegou, poderoso e dominante, escurecendo totalmente a soleira
da habitação sem iluminar. Royce a olhou aos olhos; Minerva sentiu, mais que viu, seu
sorriso, sua apreciação pela visão dela nua sobre sua cama.
Royce caminhou para o aparador para despir-se; Minerva umedeceu os lábios
e esperou. Aquele era um dos muitos momentos individuais que saboreava: observar
como se despia, ver seu poderoso corpo sendo revelado elemento a elemento sob seu
faminto olhar.
Devotado para o deleite de Minerva.
Royce sabia. Ela sabia que o fazia. Embora nunca desse nenhum outro sinal
(nunca havia um gesto muito óbvio ou a olhava para ver como estava reagindo)
artificialmente estendia aquele momento até que, quando já estava nu e se unisse a
ela na cama, ela estava mais que se desesperada por pôr as mãos sobre ele.
Por senti-lo contra ela, todo aquele glorioso músculo, todos aqueles pesados
ossos, para sentir o poder inerente a seu enorme estrutura.
Para que esta a possuísse, a fizesse em pedacinhos e proporcionasse uma
delícia desatada e sem limites. Um prazer sem restrições nem tensões.
Minerva sabia que aquilo chegaria quando Royce, por fim nu, cruzasse a
habitação e levantasse os lençóis. Esperou, com a respiração agitada e os nervos
tensos, esse momento no que o colchão se afundava sob seu peso, e se aproximava,
reunia-se com ela, e seus corpos se encontravam.
Pele contra pele, calor contra calor, desejo contra paixão, anseio contra ânsia.
Ela se aproximou dele, e Royce a atraiu para seu corpo, quase debaixo do seu
enquanto se inclinava sobre ela. A mão de Minerva roçou a bochecha de Royce, dando
as boas vindas, animando-o, refletindo as mensagens que seu corpo dava enquanto se
afundava contra o dele, sua suavidade amoldando-se instintivamente a sua dureza, a
seu maior peso, amortecendo-o e lhe fazendo sinais com encanto de sereia.

296
Sem duvidar, sem pensar, ele se inclinou sobre sua boca e a encontrou
esperando-o ali, também. Esperando para unir-se a ele, para encontrar-se com Royce e
satisfazer todas as suas demandas... Para desafiá-lo, ela sabia, com a facilidade com a
que o saciava sem esforço.
Inclusive depois de possuí-la mais vezes das que já tivera com outra mulher,
Royce ainda não teve o suficiente dela... Não pôde resolver a adivinhação de como era
possível que tê-la se convertesse em um ato tão cheio de sorte.
Por que este consolava sua alma, tanto a de homem como a da besta, a do ser
primitivo que morava no mais profundo de seu interior.
Minerva o abraçou e lhe pôs fim; em seus braços, encontrou um céu terrestre.
Para buscá-lo de novo, retirou a mão de seu seio, deslizou-a para baixo,
apanhou seu joelho e o levantou. Inclinou seus quadris e se introduziu em seu interior,
logo mais profundamente. Acomodado completamente em seu interior, voltou-se e se
colocou totalmente sobre ela; envolto em seus braços e nos lençóis de sua cama,
saboreou sua boca e seu corpo, balançando ambos com lentas e profundas investidas,
levando-os em um lento rodeio ao paraíso.
Ao final, ela se arqueou debaixo de Royce enquanto seu nome rasgava sua
garganta; o duque enterrou sua cabeça na doce curva de seu ombro e se sumiu em um
longo e intenso orgasmo que o varreu e o varreu.
Depois disso, quando se recuperou o bastante para mover-se, separou-se
dela, colocou-se a seu lado e a atraiu a si, e ela acudiu, enrolando-se contra ele, com a
cabeça sobre seu ombro e a mão sobre seu peito, estendida sobre seu coração.
Royce não sabia se Minerva sabia que o fazia cada noite, que dormia com sua
mão justo aí. Com seu calor contra o dele, liberados já de toda tensão, o duque se
afundou mais profundamente no colchão e deixou que a tranquila alegria que sempre
encontrava nela penetrasse lentamente em seus ossos. Em sua alma.
E se perguntou, de novo, por que. Por que o que encontrava com ela era tão
diferente. E por que se sentia como se sentia por ela.
Minerva era a mulher que queria como sua esposa... Assim que ele a tinha
deixado aproximar-se, mais do que já permitira a alguém, e portanto ela significava
mais que nenhuma outra pessoa para ele.

297
Nunca se havia sentido tão possessivo com nenhuma outra mulher como com
ela. Nunca se havia sentido tão consumido, tão concentrado, tão conectado com
ninguém como o fazia com ela. Minerva se estava convertendo rapidamente
(converteu-se rapidamente) em alguém de quem precisava e queria em sua vida para
sempre...
O que sentia por ela, como se sentia por ela, era um reflexo do que seus
amigos sentiam por suas esposas.
Dado que era um Varisey dos pés à cabeça (estava totalmente seguro disso),
não compreendia como era possível, mas era. Em seu coração de Varisey, não
aprovava seus sentimentos por ela mais do que aprovaria qualquer outra
vulnerabilidade; uma vulnerabilidade era uma debilidade, uma greta em sua
armadura... Um pecado para alguém como ele. Mas... No mais profundo de seu
interior, havia um grito que só começou a reconhecer recentemente.
A morte de seu pai foi o catalisador, a mensagem que deixara com Minerva
uma revelação não pretendida. Se não tinha de ser como seu pai na administração do
ducado, possivelmente não tinha de ser como ele em outros aspectos. Depois seus
amigos chegaram para consolá-lo e o recordaram o que encontraram, o que possuíam.
E viu suas irmãs e seus casamentos ao estilo Varisey... E aquilo não era o que queria. Já
não.
Agora queria um casamento como o que tinham seus amigos. Como o que
forjaram seus ex-companheiros do clube Bastion. Aquele desejo, aquela necessidade,
floresceu e cresceu durante as últimas noites, e inclusive mais durante os últimos dias,
até que era uma dor (como uma dor de estômago) registrada em seu peito.
E, na escuridão de sua cama, nas profundidades da noite, podia admitir que
essa necessidade o assustava.
Não sabia se poderia consegui-lo... Se poderia mantê-lo quando chegasse a
alcançá-lo.
Havia poucos campos de batalha na vida nos que duvidasse de si mesmo, mas
aquela arena recém descoberta era um deles.

298
Embora o único que agora precisava acima de tudo era uma mulher entre seus
braços que o amasse. Queria o que seus amigos encontraram... Cobiçava seu carinhoso
afeto mais intensamente do que desejava seu corpo.
Mas, se pedisse seu amor, e ela o desse, ela poderia pedir, e esperar, seu amor
em troca. Assim é como funcionava o amor; isso sabia.
Mas ele não sabia se podia amar.
Ele podia ver até aí, mas não mais a frente.
Se no mais profundo de sua alma de Varisey, tão profundo que nenhum outro
Varisey já encontrara, estava escondido o amor, uma nascente possibilidade...
Seu problema é que não acreditava que fosse assim.

—Senhorita?
Minerva levantou o olhar de sua escrivaninha na sala matinal da duquesa.
—Sim, Retford?
O mordomo entrara e estava junto à porta.
—A condessa Ashton chegou, senhorita... Uma das convidadas de lady
Susannah. Infelizmente, lady Susannah está fora, montando.
Minerva fez uma careta interiormente.
—Eu descerei — Deixou de lado sua pluma e se levantou. Royce tinha
cavalgado até a fronteira para visitar o Hamish, presumivelmente para discutir sobre as
ovelhas e o gado que ia vender-lhe; Minerva esperava aproveitar o tempo para ficar
em dia com sua correspondência, que deixara de lado ultimamente.
Mas o dever a chamava.
Consultou a lista que havia em um dos extremos de sua mesa e se voltou para
a porta.
—Poremos à duquesa na asa oeste... Estou segura de que Cranny terá o
quarto preparada. Por favor, peça que envie uma donzela, ou a duquesa trouxe
alguma?
—Não, senhorita — Retford se retirou para o corredor. — Falarei com a
senhora Cranshaw.

299
Retford seguiu Minerva enquanto atravessava o corredor e descia as escadas
principais. No enorme vestíbulo debaixo, uma dama, curvilínea e de cabelo escuro,
estava examinando seu reflexo em um dos grandes espelhos.
Um chapéu muito moderno coroava a elegante cabeça de lady Ashton. Seu
vestido era a última moda, luxuoso e belamente cortado em seda cor marfim com fios
de seda; suas saias sussurraram enquanto, com um despreocupado sorriso curvando
seus delicadamente coloridos lábios, a dama se adiantou para encontrar-se com
Minerva.
Descendo o último degrau, Minerva sorriu.
—Lady Ashton? Sou a senhorita Chesterton... A governanta. Bem-vinda ao
castelo Wolverstone.
—Obrigada —Embora fosse de altura simular a Minerva, lady Ashton possuía
traços clássicos, uma compleição de porcelana e um porte agradável e decidido. —
Suponho que Susannah está perambulando por aí, me deixando para que importune
você.
O sorriso de Minerva se ampliou.
—Não me importuna, asseguro. Passaram já alguns anos desde a última vez
que o castelo deu uma festa... O pessoal está desejando que chegue.
A condessa inclinou a cabeça.
—Uma festa?
Minerva duvidou.
—Sim... Não a mencionou Susannah?
Com um suave sorriso nos lábios, a condessa baixou o olhar.
—Não, mas não havia razão para que o fizesse. Ela me convidou por outra
razão.
—OH — Minerva não estava segura da que se referia. — Estou segura de que
Susannah falará da festa quando voltar. Enquanto isso, se me acompanhar, mostrarei
sua habitação.
A condessa consentiu em subir as escadas junto a Minerva. Na metade, deu-se
conta do olhar de soslaio de lady Ashton e virou a cabeça para olhá-la.
A dama sorriu com ironia.

300
—Não quis perguntar ao mordomo, mas Royce... Embora suponha que deveria
chamá-lo Wolverstone, não é assim? Está por aqui?
—Acredito que saiu a cavalgar.
—Ah — A condessa olhou para diante e depois encolheu os ombros. — Terá
que fazer frente a que nos encontremos de novo com outras pessoas ao redor, então...
Se o vir, deveria mencionar que estou aqui. Susannah me mandou a chamar faz uma
semana, mas eu não estava em Londres, assim demorei mais em chegar.
Minerva não estava segura do que entender disso. Agarrou-se ao fato mais
relevante.
—Conhece Royce.
A condessa sorriu, e seu rosto se transformou no de uma perturbadora
sedutora.
—Sim, é óbvio — Sua voz baixou até converter-se em um ronrono. — Royce e
eu conhecemos muito bem um ao outro — Olhou a Minerva. — Estou segura de que
em realidade não se surpreende, querida... Já deve saber como é Royce. E, embora
seja Susannah quem me escreveu o convite, deixou claro que me chamava devido a
Royce.
Um frio punho de ferro apertou o coração de Minerva; sua cabeça girava.
—Sim... Entendo — A condessa devia ser a dama a que Royce escolhera. Mas
Susannah perguntou a Minerva se ela sabia... Embora possivelmente isso foi antes que
Royce pedisse a Susannah que escrevesse à condessa.
Mas por que Susannah, em vez de Handley?
E certamente a condessa estava casada... Não, não estava; Minerva recordava
ouvir que o conde do Ashton havia morrido vários anos antes.
Atravessaram o curto corredor que conduzia aos aposentos ducais e a asa
oeste. Deteve-se ante a porta do dormitório que se atribuiu à condessa, prendeu o
fôlego sobre a constrição que apertava seu peito e se voltou para a dama.
—Se gostar de chá, farei com que subam uma bandeja. Se não for assim, o
gongo do almoço soará em uma hora aproximadamente.
—Acredito que esperarei. Wolverstone voltará para o almoço?
—Não poderia dizê-lo.

301
—Não importa... Esperarei e verei.
—O lacaio subirá sua bagagem. Uma donzela estará com você breve.
—Obrigada — Com uma inclinação de cabeça e um elegante sorriso, a
condessa abriu a porta e entrou.
Minerva se virou. A cabeça girava, mas isso era o último de seus mal-estares.
Sentia-se doente... Porque seu coração estava congelado e doía... E isso não devia
estar ocorrendo.
Nem Royce nem Susannah nem o resto do grupo retornaram para o almoço,
por isso Minerva teve de ocupar-se só da condessa.
Não é que fosse uma tarefa difícil; lady Ashton (Helen, como pediu que a
chamasse) era uma dama extremamente bela e sofisticada, com temperamento e
maneiras ainda mais delicados e um sorriso fácil.
Sem importar as circunstâncias, sem importar as súbitas agonias de seu
estúpido, estúpido coração, sem importar sua instintiva inclinação, Minerva
encontrava difícil que Helen lhe desgostasse; era, em toda a essência da palavra,
encantadora.
Ao deixar o salão, Helen sorriu com nostalgia.
—Pergunto-me, Minerva, se posso incomodá-la e pedir um percurso rápido
por este enorme edifício, se é que algo assim pode ser rápido —Levantou o olhar para
o teto abobadado do vestíbulo dianteiro que se abria ante elas. — É desalentador
considerar...
Deteve-se, deu um olhar em Minerva, depois suspirou.
—Nunca me gostou de me andar com disfarces, assim serei franca. Não tenho
nem ideia do que esperar de Royce e admito que estou um pouco nervosa... O que
certamente não é meu estilo.
Minerva franziu o cenho.
—Eu acreditava... — Não estava segura do que pensar. Guiou o caminhou para
o salão principal.
A condessa caminhou junto a ela. Quando se detiveram no interior da ampla
sala, Helen continuou:

302
—Assumo que conhece sua regra inviolável... A de que nunca passa mais de
cinco noites com nenhuma dama.
Sem expressão, Minerva negou com a cabeça.
—Não ouvi.
—Asseguro-lhe que é certo... Há inumeráveis damas da classe alta que podem
testemunhar sua negativa a passar dessa cifra, sem importar o estímulo. Cinco noites é
tudo o que se permite com qualquer mulher — A condessa fez uma careta. — Suponho
que é um modo de assegurar-se de que nenhuma faça ilusões, poderíamos dizer, sobre
sua situação.
Clandestinamente, Minerva contou com seus dedos; a última noite fora sua
quinta (e portanto última) noite. Nem sabia disso. Sentindo-se enjoada, saiu ao
vestíbulo e depois guiou a duquesa para o salão.
Helen manteve o passo.
—Eu era sua amante antes que deixasse Londres... Durante só quatro noites.
Esperava uma quinta, mas então desapareceu da cidade. Mais tarde me inteirei da
morte de seu pai e acreditei que nossa aventura terminara... até que recebi a nota de
Susannah. Ela parecia pensar... E, quando me inteirei sobre as grandes damas e seu
decreto... Mas não chegou nenhum anúncio... — Olhou a Minerva. — Bom, não soube
o que pensar — Deu de ombros. — Assim aqui estou, decidida a tomar parte na luta
pelo anel; se é que há um anel, claro. Mas ele tem de casar-se, e nos damos
suficientemente bem... E eu quero me casar de novo. Ashton e eu não estávamos
apaixonados, mas nos gostávamos. Agora que já não o tenho, poderia dizer muitas
coisas sobre o companheirismo que descobri.
Helen riu cinicamente.
—É claro, tudo depende de Royce Varisey, mas acredito que deveria saber que
o resto das alternativas são mocinhas aturdidas.
Guardando seus cambaleantes sentimentos profundamente em seu interior e
dando uma portada mental sobre eles, Minerva se obrigou a considerar as palavras de
Helen. E quem era ela para responder por Royce? Pelo que sabia, ele poderia sentir
alguma conexão real com Helen; não era difícil imaginá-la em seus braços, como sua
duquesa.

303
Tomou ar, conteve-o, e após sorriu.
—Se quiser, posso mostrar as estadias principais do castelo — Se Royce tinha
de casar-se com alguém, preferia que fosse com Helen que com alguma jovem sem
cérebro.

Mais tarde, aquela noite, Minerva estava sentada no centro da longa mesa do
salão, conversando alegremente com os que estavam a seu redor enquanto
dissimuladamente contemplava como Helen brilhava, fervia e cativava de sua posição
à esquerda de Royce.
A adorável condessa tinha usurpado seu lugar lá e parecia que a deslocara em
outros sentidos, também. Royce não lhe dedicou um único olhar desde que havia
entrado no salão e pousado seus olhos sobre Helen, uma impactante imagem em seda
de cor rosa.
Sentindo-se insípida e sem graça em seu vestido de luto, manteve-se junto à
parede e observou, sem estar já segura de sua posição com Royce e, portanto, sem
saber o que fazer.
Começara seu percurso com Helen pensando que, no assunto da esposa de
Royce, não havia pior candidata que uma moça aturdida. Depois de uma hora
escutando os pontos de vista de Helen sobre o castelo e o ducado e, o que era mais
importante, sobre os aldeãos, revisou essa opinião.
Helen nunca seria a duquesa de Royce em Wolverstone. Além de qualquer
outra coisa, não queria. Assumia que Royce passaria a maior parte do tempo em
Londres, mas ele já declarara que seguiria os passos de seu pai e seu avô (e inclusive
de seu bisavô). Seu lar estaria aqui, e não na capital.
Quando o mencionou, Helen deu de ombros, sorriu e disse:
—Já veremos.
Helen não podia pensar que mudaria a opinião de Royce, o que deixou
Minerva perguntando-se que tipo de casamento estava imaginando Helen...
Possivelmente um que também encaixasse com Royce.

304
O que compunha um problema mais grave, já que Helen não possuía
absolutamente nenhum sentimento, nem empatia, com o ducado em geral e muito
menos com o povo que o habitava. Já assinalara que tinha dado por sentado que
Minerva ficaria como governanta. Minerva não o faria, não poderia, mas sempre se
imaginou entregando suas chaves a alguma mulher com coração, com compaixão e
interesse pelo pessoal de serviço e pela ampla comunidade de que o castelo era o
centro.
Olhou a cabeceira da mesa de novo, viu Royce, com um sutil sorriso,
inclinando sua cabeça para a condessa em resposta a alguma brincadeira. Forçando
seu olhar para Rohan, sentado em frente a ela, sorriu e assentiu; não ouvira uma só
palavra de sua última história. Precisava deixar de torturar a si mesma; devia ser
realista... Tão realista como a condessa. Mas o que demandava a realidade?
Em um nível totalmente terrestre, devia afastar-se silenciosamente para o
lado e deixar que Helen reclamasse Royce, se ele estivesse disposto. Ela já passara suas
cinco noites com ele, e, diferente dela, Helen poderia ser uma excelente esposa sob os
parâmetros que ele fixasse para seu casamento.
Em outro nível, entretanto, apoiada nas instigações emocionais de seu
imprudente coração, gostaria de espantar Helen e que partisse do castelo; era
inadequada (totalmente inadequada) para o posto de esposa de Royce.
Ainda quando se levantou e, com o resto das damas, desfilou atrás de
Margaret para a porta, deixou seus sentidos abertos... E soube que Royce nem a
olhara. Na porta, olhou às suas costas brevemente e viu a condessa despedindo-se
dele; seus sombrios olhos eram apenas para ela.
Minerva tivera suas cinco noites; ele já tinha esquecido sua existência.
Nesse instante, soube que não importava quão tolo pudesse pensar que era se
aceitasse o transparente convite de Helen e lhe oferecesse sua coroa de duquesa; ela
não diria uma só palavra contra sua decisão.
Nesse tema, já não podia oferecer uma visão imparcial.
Virou-se e se perguntou quanto tempo teria de aguentar no salão até que
chegasse a bandeja do chá.

305
A resposta foi muito mais do que ela queria. Mais que suficiente para que
desse tempo em pensar sobre a injustiça de Royce; por como a estava ignorando, seu
tempo com ele chegara a um absoluto final... Que ele esquecera de dizer. Desalmado.
Minerva não estava de bom humor, mas se uniu às conversações dos outros,
que conversavam disto e daquilo, e escondeu sua reação o melhor que pôde; não fazia
sentido deixar que alguém mais notasse ou o suspeitasse. Ela mesma desejava não ter
que pensar sobre isso, poder, de algum modo, distanciar-se de si mesma e da fonte de
sua aflição, mas mal podia excluir seu próprio coração. Contrário às suas equivocadas
esperanças e crenças, já não podia fingir que não chegou a envolver-se com ele.
Não havia outra explicação para o insensibilizante sentimento que havia no
mais profundo de seu peito; não havia outra razão para o triste nó em que se
converteu esse rebelde órgão.
Era culpa dela, é óbvio, mas isso não faria com que a dor fosse menor. Desde o
começo foi consciente dos perigos de apaixonar-se (inclusive um pouquinho) por ele;
não esperava que ocorresse tão rapidamente, nem percebeu o que acontecera.
—Disse-lhe, Minerva.
Concentrou-se em Henry Varisey, que se aproximou conspiratoriamente a ela.
Tinha o olhar fixo no outro lado da sala.
—Acha que a formosa condessa tem alguma possibilidade de saber o que
ninguém mais sabe ainda?
Levou um momento para dar-se conta de que estava aludindo no nome da
noiva de Royce. Seguiu o olhar de Henry até onde Helen estava pendurada do braço de
Royce.
—Desejo-lhe sorte... Nesse tema sua Excelência teve a boca tão fechada como
uma ostra.
Henry a olhou e arqueou uma sobrancelha.
—Você não ouviu nada?
—Nenhuma só pista.
—Bom — Levantando-se, Henry olhou às suas costas na sala. — Parece que
nossas esperanças estão em lady Ashton.

306
Assumindo que lady Ashton não fosse o nome em questão... Minerva franziu o
cenho. Henry, ao menos, não via que Helen tivesse sequer uma possibilidade de ser a
escolhida de Royce.
Ao outro lado da sala, Royce obrigava a si mesmo a manter o olhar sobre
Helen Ashton, ou sobre qualquer outra pessoa que estivesse perto, e não permitir que
seus olhos vagassem para Minerva, como constantemente queriam fazer. Tinha
entrado no salão antes do jantar, antecipando outra deliciosa noite desfrutando de sua
governanta, apenas para encontrar-se cara a cara com Helen. A última mulher que
esperava ver.
Em seu interior amaldiçoou, pôs no rosto uma expressão serena e lutou para
não procurar ajuda da única pessoa na sala que realmente queria ver. Precisava
ocupar-se primeiro de Helen. Uma irritação que não previra e que não desejava; não
compreendia por que demônios chegara ali antes que ele se inteirasse.
Susannah. Em que demônios estava pensando sua irmã? Descobriria mais
tarde. Naquela noite, entretanto, teria que marcar uma linha fina; Helen e o resto
(todos os que sabiam que fora sua última amante) esperavam que lhe prestasse
atenção agora que estava ali.
Porque, até onde eles sabiam, não estava com uma mulher durante semanas.
Não tinha uma amante em Wolverstone. Isso era certo, e ainda não a tinha.
Com todo mundo olhando para ele e Helen, se em seu lugar olhasse para
Minerva, alguém se daria conta... Alguém poderia descobrir. Enquanto trabalhava para
convencê-la e poder fazer pública sua relação, não estava seguro de ter êxito, e não
tinha intenção de arriscar seu futuro com ela devido a suas ex-amantes.
Assim precisaria lhe dedicar tempo até que pudesse confirmar o status de
Helen diretamente com ela. Como era a dama de mais idade entre as presentes, não
teve mais remédio que escoltá-la até o salão e sentá-la a sua esquerda... Em certo
sentido uma bênção, porque isto mantinha Minerva a distância.
Esperava (rezava) para que ela o entendesse. Ao menos, uma vez que lhe
explicasse...

307
Não estava esperando essa conversa porque, além disso, Minerva o conhecia
muito bem. Não se surpreenderia ao descobrir que Helen fora sua amante e que agora
era sua ex-amante. Em seu mundo, era o ex o que contava.
Inclusive com sua atenção externa em outra parte, inteirou-se de quando
Minerva deixou a sala. Um rápido olhar o confirmou, e aguçou a agitação interior que
o impulsionava a segui-la.
Mas, primeiro, tinha de deixar as coisas claras com Helen.
E Susannah. Sua irmã passou junto a Helen; olhou-o aos olhos e lhe deu uma
piscada. Escondendo sua reação detrás de uma expressão tranquila, deixou Helen
conversando com Caroline Courtney; fechou os dedos sobre o cotovelo de Susannah e
a levou com ele enquanto caminhava alguns de passos.
Uma vez que estiveram o bastante separados de outros para poder falar em
particular, liberou-a e a olhou.
Ela sorriu com infantil delícia.
—Bom, querido irmão, está mais contente agora?
Em seus olhos leu sinceridade. Interiormente, suspirou.
—A verdade é que não. Helen e eu nos separamos quando parti de Londres.
O rosto de Susannah se abateu quase comicamente.
—OH — Parecia totalmente desconcertada. — Não tinha nem ideia — Deu
uma olhada em Helen. — Pensava...
—Se posso perguntar, o que é o que lhe disse exatamente?
—Bom, que estava aqui, sozinho, e que precisava tomar a temida decisão de
com quem casar e que, se ela viesse, possivelmente poderia fazer sua vida mais fácil e,
bom... eEse tipo de coisas.
Royce grunhiu em seu interior e então suspirou entre dentes.
—Não importa. Falarei com ela e deixarei tudo esclarecido.
Ao menos agora sabia que seu instinto estava correto; Helen não estava lá
apenas para compartilhar uma noite de paixão. Graças a pobre redação de Susannah,
Helen agora tinha aspirações mais altas.

308
Deixou Susannah, bastante desanimada, e voltou junto a Helen, mas teve que
esperar até que todos outros decidiram, por fim, retirar-se para lhes dar um espaço
onde pudesse falar a sós.
Ao abandonar o salão, na retaguarda do grupo, roçou o braço de Helen e
indicou o corredor que saía do vestíbulo.
—Por aqui.
Conduziu-a até a biblioteca.
Passou através da porta que manteve aberta para ela e se deteve um
momento; tinha muita experiência para não dar-se conta do significado daquele lugar
de reunião. Mas então se ergueu e seguiu caminhando. Ele a seguiu e fechou a porta.
No suporte da lareira, havia um candelabro aceso; um pequeno fogo ardia
alegremente. Assinalou a Helen a poltrona que havia junto à lareira. Caminhou diante
de Royce até esta e depois deu a volta para olhá-lo, com as mãos entrelaçadas.
Abriu a boca, mas o duque levantou uma mão, detendo suas palavras.
—Primeiro, me deixe dizer que me surpreendeu vê-la aqui... Não tinha nem
ideia de que Susannah escrevera — parou do outro lado da lareira e sustentou o olhar
azul da Helen. — Entretanto, devido ao que minha irmã lhe escreveu, entendo que
pode ter chegado a alguma conclusão errônea. Para deixar as coisas claras... —deteve-
se e deixou que seus lábios se curvassem cinicamente. — Para ser brutalmente franco,
nestes momentos estou negociando a mão da dama que escolhi para que seja minha
duquesa e não tenho absolutamente nenhum interesse em nenhuma aventura.
E se pensara que tinha alguma oportunidade de uma conexão mais
permanente, agora sabia melhor.
Devia reconhecer que, como esperava, Helen assimilou a realidade à
perfeição. Era uma natural sobrevivente em seu mundo. Com os olhos sobre o rosto de
Royce, inalou ar profundamente enquanto digeria suas palavras, depois inclinou a
cabeça, com os lábios curvados em uma aflita careta.
—Deus santo... Que embaraçoso.
—Só tão embaraçoso como desejamos fazê-lo. Ninguém se surpreenderá se
nos separamos amigavelmente e seguimos adiante.
Ela pensou, e depois assentiu.

309
—Certo.
—Eu, naturalmente, farei tudo o que esteja a meu alcance para me assegurar
que não se sinta incomoda enquanto esteja aqui e espero que, no futuro, siga me
contemplando como um amigo — Continuou olhando-a, totalmente seguro de que ela
entenderia a oferta atrás de suas palavras e de que a valorava adequadamente.
Não ia decepcioná-lo. Estava longe de ser estúpida e, se não pudesse tê-lo
como amante ou marido, então como um poderoso e bem disposto conhecido era a
melhor opção. De novo inclinou a cabeça, desta vez com reverência mais profunda.
—Obrigado, sua Excelência — Duvidou e levantou a cabeça. — Se não for
inconveniente para você, acredito que ficarei um par de dias... Possivelmente até a
festa.
Royce sabia que tinha de guardar as aparências.
—É óbvio.
Sua conversa chegou a seu fim; Royce assinalou a porta e a acompanhou
enquanto saía da sala.
Deteve-se na soleira e esperou até que ela o olhou.
—Posso perguntar se veio a Northumbria procurando apenas distração ou...?
Helen sorriu.
—Susannah, aparentemente, acreditava que eu tinha alguma oportunidade de
me converter em sua duquesa — O olhou aos olhos. — Se for totalmente sincera, eu
não acreditava possível.
—Desculpe Susannah... É mais jovem que eu e não me conhece tão bem como
acredita.
Helen riu.
—Ninguém o conhece tão bem como acredita — Se deteve e logo sorriu...
Com um de seus encantadoramente gloriosos sorrisos. — Boa noite, Royce. E boa sorte
com suas negociações.
Abriu a porta e saiu.
Royce contemplou a porta enquanto se fechava atrás de Helen; ficou olhando
os painéis, com a mente imediatamente concentrando-se no único tema que

310
atualmente dominava sua existência... As negociações com a dama que escolhera
como sua duquesa.
Sua campanha para assegurar-se de que Minerva dizia que sim.

Minerva estava sozinha em sua cama... Uma boa cama em que dormira
confortavelmente durante anos e anos, mas que agora parecia totalmente deficiente.
Sabia do que sentia falta, a carência que de algum modo fazia impossível que
adormecesse; mas por que a simples presença de um corpo masculino durante um
punhado de dias deveria fazer tal impressão em sua psique até o extremo de que ela
(seu corpo) se inquietasse por sua ausência não podia compreender.
Se seu corpo estava inquieto, sua mente estava muito pior. Devia deixar de
pensar em tudo o que descobrira... Devia deixar de perguntar-se se Helen teria já cinco
interlúdios ou cinco momentos de intimidade; em ambos os aspectos, ela e Royce já
excederam o limite. Embora possivelmente ele, que era um homem, somente contasse
as noites.
A triste verdade que precisava aceitar era que, de acordo com seu imutável
regra (e agora podia entender por que ele, herdeiro de um ducado enormemente rico
e poderoso, havia instituído tal regra), seu tempo com ele chegou a seu final.
Menos mal que Helen havia chegado e o explicado; ao menos agora sabia.
Levantou-se e golpeou com os punhos seu travesseiro, depois se derrubou e
jogou as mantas sobre seus ombros. Fechou os olhos. Tinha de conseguir dormir um
pouco.
Tentou recompor seus traços, mas não podiam relaxar. Seu cenho se negava a
suavizar-se.
Em seu coração, em suas vísceras, algo parecia estar errado. Terrivelmente
errado.
O som do fecho de sua porta fez com que abrisse os olhos. A porta se abriu
(com bastante violência) quando Royce entrou no quarto e logo fechou a porta
silenciosamente.

311
Dirigiu-se à cama. Depois de deter-se junto a ela, olhou a Minerva; o único que
podia ler da expressão de Royce era que seus lábios estavam apertados, formando
uma linha fina.
—Suponho que deveria esperar isto — Negou com a cabeça e estendeu a mão
para agarrar os lençóis.
Puxou. Ela os apertou com as força.
—O que...?
—É óbvio, esperava que meu decreto de que estivesse em minha cama fosse o
suficientemente forte para que o seguisse, mas parece que não foi assim — Sua dicção
era seca, um indicador claro de que estava contendo seu mau gênio. Puxou das mantas
e as afastou.
Parou e a olhou.
—Pelo amor de Deus, voltamos para as camisolas.
O desgosto de sua voz, em outras circunstâncias, a teria feito rir. Entreabriu os
olhos, depois se virou para escapar pelo outro lado da cama... Mas Royce foi muito
rápido.
Apanhou-a, atraiu-a para ele e a levantou em seus braços.
Dirigiu-se à porta.
—Royce!
—Cale-se. Não estou de bom humor. Primeiro Susannah, depois Helen, e
agora você. A misoginia começa a me parecer tentadora.
Minerva o olhou no rosto, a sua expressão decidida, e fechou os lábios. Como
não podia evitar que ele a arrastasse a seu quarto, discutiria uma vez que estivesse lá.
Royce parou junto à sua capa.
—Pegue a capa.
Minerva o fez e rapidamente colocou suas dobras sobre ela; ao menos ele se
acordou disso.
Ele a segurou nos braços, abriu a porta, fechou-a brandamente às suas costas,
a levou através das sombras até seus aposentos e até seu dormitório. Todo o
caminhou até sua cama.
Minerva o paralisou com um pétreo olhar.

312
—O que acontece com a condessa?
Royce se deteve junto à cama e a olhou com olhos duros.
—O que tem ela?
—É sua amante.
—Ex-amante. O ex é importante... Define a relação.
—Ela sabe?
—Sim, sabe. Sabia antes de vir aqui, e acabo de confirmar que a situação não
mudou — Sustentou seu olhar firmemente. — Alguma pergunta mais a respeito?
Minerva piscou.
—Não. Não neste momento.
—Bem — A jogou sobre a cama.
Ela ricocheteou uma vez. Antes que pudesse agarrá-la, Royce lhe tirou a capa
e a jogou do outro lado do quarto.
Parou e depois retrocedeu. Suas mãos desceram até os botões de sua jaqueta,
tirou os sapatos; com os olhos sobre ela, tirou a jaqueta e assinalou sua camisola.
—Tire isso. Se o fizer eu, não sobreviverá.
Minerva hesitou um momento. Se estivesse nua e ele também, a conversação
racional não teria lugar em sua agenda.
—Primeiro...
—Minerva... Tire a camisola.

313
CAPÍTULO 16

—Minerva... Tire a camisola.


As palavras ressonaram na penumbra entre eles. Tinha-as envolto em mais
poder destilado, mais ordem direta, da que nunca usara com ela antes; sua voz encheu
seus ouvidos femininos com primitiva ameaça e tácita promessa.
Um aviso não muito sutil de que era o tipo de nobre que ninguém pensa
sequer em contradizer. Certamente, não uma mulher. Por vontade própria, seus dedos
percorreram a delicada malha que envolvia suas pernas.
Deu-se conta e os deteve, e depois, introduzindo ar em uns pulmões que
estavam repentinamente tensos, levantou-se, com as pernas flexionadas, olhou-o e
entreabriu os olhos.
—Não — Apertou a mandíbula, se não tão forte, ao menos tão beligerante
como ele. — Nem me olhou em toda a noite e agora quer me ver nua?
Sua inexorabilidade não cedeu nem um ponto. Tirou o lenço e o jogou.
—Sim — Passou um segundo. —Nem queria olhar... E sou bem consciente de
que foi assim durante toda a maldita noite, porque todo mundo, absolutamente todo
mundo, estava me olhando, estava observando como interagíamos Helen, minha
última amante, e eu, e, se em vez disso olhasse para você, todo mundo o faria
também. E então se perguntaria por que... Por que em vez de olhar para minha
recente amante estava olhando para você. E já que não estão privados de inteligência
por completo, adivinhariam, corretamente, que minha distração em um momento
como esse se deve a que você está compartilhando minha cama.
Tirou a jaqueta.
—Não a olhei nem uma vez em toda a noite porque queria evitar a
especulação que sabia que se seguiria, e que sei que você não gostaria disso — Baixou
o olhar enquanto deixava cair o colete sobre sua jaqueta; fez uma pausa, então
levantou a cabeça e a olhou aos olhos. — Além disso não queria que meus primos
fizessem ideias equivocadas sobre você... E as fariam se soubessem que está
compartilhando minha cama.

314
Certo... Era tudo certo. Escutou que a verdade ressonava em cada precisa
vogal e consonante. E o pensamento de seus primos aproximando-se dela (todos eles
eram homens sexualmente agressivos como ele) foi o que o afetou mais
poderosamente.
Antes que ela pudesse considerar o que isso significava, com um puxão Royce
tirou a barra da camisa do cinto.
Seu olhar baixou até o corpo de Minerva, à ofensiva camisola.
—Tire essa maldita camisola. Se ainda a tiver posto quando chegar até você, a
farei em pedaços.
Não era uma advertência, nenhuma ameaça, nem uma promessa... Apenas
uma afirmação pragmática de um fato.
Estava apenas a duas jardas de distância. Minerva se virou para retirar a
colcha e poder deslizar debaixo desta.
—Não. Fique onde está — Sua voz tinha baixado o volume e ficado mais grave;
seu tom enviou um primitivo calafrio por seu espinho dorsal. Falou cada vez mais
lentamente. — Tire o vestido. Agora.
Minerva se virou para olhá-lo. Seus pulmões se estreitaram de novo. Inalou
profundamente, logo segurou a barra da delicada camisola e a subiu, expondo suas
panturrilhas, seus joelhos, suas coxas e depois, ainda sentada, com os olhos fixos no
Royce, retorceu-se e puxou até que a longa camisola pareceu um novelo ao redor de
sua cintura.
A aspereza de sua colcha brocada raspou a pele nua de suas pernas e seu
traseiro... E de repente lhe ocorreu por que poderia querê-la nua sobre a cama, em
lugar de sob os lençóis.
E ela não ia discutir.
Da cintura para baixo já não estava coberta pela camisola, mas as dobras
protegiam seus quadris, seu estômago e o resto dela, de seu olhar.
Com a boca repentinamente seca, Minerva tragou saliva e disse:
—Tire a camisa, e eu tirarei a camisola.
O olhar de Royce subiu de suas coxas nuas a seus olhos, onde ficou um
instante, então segurou a borda de sua camisa e a puxou pela cabeça.

315
Minerva aproveitou o instante (o instante mais fugaz) para deleitar-se na
excitante visão de seu amplamente musculoso peito. Então Royce se livrou das mangas
e jogou a camisa. Com seus dedos trabalhando com os botões de sua cintura, dirigiu-se
à cama.
Minerva agarrou as dobras de sua camisola, a puxou e a tirou.
Royce esteve sobre ela antes que pudesse liberar suas mãos. Com uma onda
de músculos a deixou deitada sobre a cama.
Antes que Minerva pudesse piscar estava estendida, nua, sobre suas costas,
sobre a colcha dourada e escarlate, com ele em cima dela, e uma pesada mão fechada
sobre as suas segurando-a e deixando-a com os braços estendidos sobre sua cabeça.
Elevou-se sobre ela e colocou seu quadril junto ao de Minerva; apoiando-se no
braço que mantinha suas mãos cativas, olhou o corpo da governanta enquanto esta
jazia à vista, nua e necessitada, para seu deleite.
Para sua posse.
Levantou a mão livre e a colocou sobre sua carne. Usou-a para excitá-la de
forma rápida, eficiente, implacável, até que ela se retorceu, até que seu corpo se
arqueou e se elevou sem poder evitar sob aquela mão muito conhecida, desejando,
procurando.
Com a mão cavada entre suas coxas, ocupada em seu escorregadio e inchado
sexo, com dois longos dedos enterrados em sua vagina profundamente, baixou a
cabeça e pousou sua boca sobre um seio.
Lambeu, chupou, mordiscou, depois atraiu o dolorido mamilo até sua boca e o
sugou tão ferozmente que, arqueando o corpo, Minerva gritou.
Liberou sua torturada carne e a olhou no rosto, apanhou seus olhos e
introduziu os dedos com força em seu interior... Observou como ofegava e
instintivamente levantava os quadris, querendo, desejando, alcançar a conclusão.
Através do pulsar de seu coração em seus ouvidos, escutou que murmurava
algo profundo, sombrio e gutural... Minerva não pôde decifrar as palavras.
Sua pele estava tão dolorida, tão insuportavelmente sensível, que parecia que
estava ardendo... Ardendo totalmente com insaciável desejo. Passaram-se apenas

316
alguns minutos desde que Royce a estendera sobre a cama, e já a tinha reduzido
àquilo... A precisar dele em seu interior mais do que precisava respirar.
Seus dedos se retiraram dela. Minerva abriu os olhos que não sabia que
fechara enquanto ele se movia sobre ela.
Minerva puxou, tentando liberar suas mãos, mas Royce não permitiu.
—Depois — grunhiu.
Então seu corpo baixou sobre o de Minerva, e seus pulmões ficaram
paralisados.
Royce estava nu até a cintura (o pelo em seu torso erodia seus seios,
mantendo seus mamilos dolorosamente eretos) mas ainda tinha as calças postas. O
tecido de lã, embora estivesse delicadamente trabalhado, raspou a pele nua de suas
pernas e a fez ofegar enquanto lhe arranhava o interior das coxas quando Royce, com
suas pernas, separava as de Minerva e colocava seus quadris entre elas.
A pele de suas costas já estava em carne viva, acariciada pela rude textura da
colcha. Seus sentidos cambalearam sob o impacto consertado de tanta estimulação
sensorial... De seu peso cravando-a à cama, da antecipação que aumentava enquanto
sentia que ele se movia entre suas coxas e liberava sua ereção.
Colocou a amplo glande em sua entrada, agarrou seu quadril e empurrou com
força para ela. Encheu-a com uma única e poderosa investida, logo saiu e a penetrou
de novo inclusive mais profundamente.
Sustentou-a abaixo e a cavalgou, com longas, poderosas e fortes investidas;
cada empurrão a movia em parte sob ele, cada centímetro de sua pele, cada nervo,
erodia-se cada vez.
Royce a observou, observou seu corpo ondulando-se sob o seu, tomando-o
em seu interior, desejoso e receptivo. Contemplou seu rosto, viu a paixão
transbordando o desejo, viu-o reunir-se e atravessá-la, capturá-la em seus quentes
volutas, viu-os esticar-se, prender-se, dirigir-se.
Esperou até que Minerva esteve perto do clímax. Liberou seu quadril, fechou
sua mão sobre seu seio, baixou a cabeça e tomou sua boca, reclamou-a, possuiu-a, ali,
também, enquanto seu corpo se movia sobre o dela.
Minerva chegou ao orgasmo sob ele com mais intensidade que nunca antes.

317
Ofegou, gemeu enquanto seu mundo se quebrava, mas o clímax continuou e
continuou. Royce o manteve assim, introduzindo-se com força em seu interior,
fazendo que seu corpo se movesse levemente contra o áspero tecido, deixando que
seus nervos ardessem inclusive enquanto a satisfação interior a atravessava.
Não se parecia com nada que tivessem compartilhado juntos antes. Mais
evidente e mais poderoso.
Mais possessivo.
Minerva não se surpreendeu totalmente quando, depois de derrubar-se,
esgotada e exausta, embora com os nervos e os sentidos vivos, ainda vibrando, ele
diminuiu o ritmo, parou e saiu dela.
Abandonou a cama, mas Minerva sabia que não terminara ainda com ela; não
reclamara ainda sua liberação. Pelos sons que chegaram, Royce estava ocupando-se de
suas calças.
Fechou os olhos e ficou ali estendida, nua e satisfeita, sobre sua cama,
esperando. Não liberou as mãos de sua camisola, não pode reunir ainda a energia
suficiente.
E então ele voltou.
Ajoelhou-se sobre a cama, agarrou seus quadris e a virou. Minerva deu a volta,
perguntando-se como... Flexionando suas pernas, deslizou uma enorme mão sobre o
ventre de Minerva, então levantou seus quadris e suas costas de modo que ficou
ajoelhada ante ele. Com as mãos ainda presas, ele puxou seus braços para que
pudesse apoiar-se em seus antebraços. Pressionou-se atrás dela, com seus joelhos
contra a parte de atrás dos dela, e Minerva sentiu a torcida cabeça de sua ereção
empurrando em sua entrada.
Continuando, penetrou-a.
Penetrou-a mais profundamente que nunca. Minerva estremeceu, então ele
se retirou e a penetrou de novo, acomodando-se inclusive mais profundamente em
seu interior.
Minerva lutou para recuperar o fôlego e perdeu tudo o que tinha ganhado
quando ele a penetrou de novo com força.

318
Sustentando-a contra seu corpo, aberta e indefesa, marcou um firme ritmo
que fez com que precisasse se segurar à colcha enquanto ele a investia, logo variou a
velocidade, logo a profundidade, logo o movimento de seus quadris, acariciando de
algum modo seu interior.
Minerva juraria que o sentia na garganta.
Não estava segura de que fosse sobreviver àquilo, não àquele grau de
arrepiante intimidade. Àquele grau absoluto de posse física. Podia sentir o trovão em
seu sangue, podia sentir a onda de quente necessidade e desespero físico levantar-se e
edificar-se.
Quando quebrasse, arrastaria aos dois.
Ofegando freneticamente, Minerva se agarrou à realidade quando ele se
apoiou contra ela, com um punho afundando-se na cama junto a seu ombro. Ainda
mantinha seus quadris acima, segurando-a, mantendo-a cativa para sua implacável
penetração.
Seu ventre se curvou sobre a parte de atrás de seus quadris; Minerva podia
sentir o calor de seu peito ao longo de suas costas enquanto Royce inclinava a cabeça.
Seu fôlego cortou seu ouvido e se afundou na curva de seu pescoço.
—Deixe-se levar.
Minerva escutou essas palavras de muito longe; soavam como um rogo.
—Deixe que aconteça... Deixe-se levar.
Escutou que sua respiração se detinha, depois se pressionou profundamente
em seu interior, suas investidas se fizeram mais breves até que mal se retirava dela.
O orgasmo a golpeou com força, em tantos níveis, que gritou.
Seu corpo parecia vibrar, e vibrar, e vibrar com as sucessivas ondas de glória,
cada uma delas mais brilhante, mais nítida, mais resplandecente enquanto a sensação
se movia em espiral, entrava em erupção, cindia-se, piscava através de cada nervo,
afundava-se e se mesclava sob cada centímetro de sensibilizada pele.
A terminação nunca foi tão absoluta.
Royce a sustentou através dela. Sua ereção se afundou mais profundamente
no interior de sua convulsionada vagina, sentiu cada onda, cada glorioso momento de

319
sua liberação; com os olhos fechados a saboreou, saboreou a Minerva, saboreou a
realização que encontrou em seu corpo e nela.
Sua própria liberação o chamava, tentava-o, apanhava-o, mas embora
quisesse tomá-la assim, ainda queria mais.
Sediciosamente, mas...
Precisou de um esforço para conter seu excitado e faminto corpo, para
diminuir gradualmente a velocidade de suas profundas embora curtas investidas até
que ficou imóvel em seu interior. Tomou um último momento para deleitar-se na
sensação de sua vagina agarrando sua ereção ao longo de toda sua rígida longitude, a
ardente luva de veludo que era a fantasia de todos os homens.
Só quando esteve seguro de que tinha seu corpo sob controle se arriscou a
sair dela.
Abraçou seu corpo com uma mão e com outra puxou as colchas, logo a
levantou e a tombou de barriga para cima. Sua delicada e rosada pele se sentiu
aliviada pela fria seda de seus lençóis.
Sentou-se sobre seus tornozelos e a olhou, com uma primitiva parte de sua
psique deleitando-se nela. Fixou essa imagem em sua mente... Seu cabelo que era um
enrugado véu de seda estendido sobre seus travesseiros, seu luxurioso corpo murcho
e satisfeito, sua pele ainda rosada, seus mamilos ainda eretos, seus quadris e seus
seios levando as marcas delatoras de sua posse.
Exatamente como sempre quis vê-la.
Inclinou a cabeça levemente sobre os travesseiros; sob seus longos cílios, seus
dourados olhos brilharam quando viu Royce estudando-a. Seu olhar percorreu
lentamente seu corpo.
Então Minerva levantou uma mão, estendeu-a e fechou seus dedos sobre sua
dolorosa ereção. Acariciou-o lentamente para baixo e depois para cima.
Então o liberou, acomodou-se nas almofadas, estendeu os braços para ele e
separou as pernas completamente.
Ele foi a ela, entre seus braços, colocou-se entre suas coxas separadas, e se
afundou, tão facilmente em seu corpo, em seu abraço.
Lá aonde pertencia.

320
Já não havia dúvida disso; enterrou seu rosto no oco entre seu ombro e sua
garganta e com longas e lentas investidas, entregou-se a ela.
Sentiu que ela o aceitava, com seus braços rodeando seus ombros, e as mãos
estendidas sobre as costas, suas pernas elevadas para prender seus lados enquanto ele
inclinava seus quadris e se introduzia nela ainda mais profundamente.
Enquanto ela se abria a ele, para que pudesse perder-se em seu interior
inclusive mais profundamente.
Seu orgasmo o percorreu com longas e vibrantes onda.
Com os olhos fechados, Minerva o abraçou, sentindo a dourada sorte de tal
apaixonada intimidade fluir e transbordá-la. E soube em seu coração, em sua alma,
que deixar que Royce partisse ia acabar com ela.
Ia devastá-la.
Sempre soube que aquele seria o preço por apaixonar-se por ele.
Mas o fizera.
Podia amaldiçoar sua própria estupidez, mas nada mudaria a realidade. Sua
realidade juntos, o que significava que se separariam.
O destino não se muda com facilidade.
Royce se derrubou sobre ela, mais pesado do que imaginava, mas Minerva
encontrou seu peso curiosamente consolador. Como se sua anterior rendição física
ficasse equilibrada com a dele.
O calor misturado de suas peles se dissipou, e o ar da noite soprou sobre suas
peles. Retorcendo-se, se arranjou pra pegar a borda da colcha e, puxando, conseguiu
subi-la até que os cobriu.
Fechou os olhos e deixou que a familiar calidez a envolvesse, mas quando ele
se agitou e se separou dela, Minerva estava totalmente acordada.
Royce o notou. Olhou-a aos olhos, se deixou cair nas almofadas junto a ela,
estendeu a mão para atraí-la para ele, para seu lado, sua cabeça sobre seu ombro.
Assim era como dormiam normalmente, mas enquanto ela o deixava envolvê-
la em seus braços, ela se levantou para poder olhá-lo aos olhos.
Ao fazê-lo, sentiu certa cautela, embora, como sempre, seu rosto não
mostrasse nada.

321
Recordou a si mesma que estava lidando com um Varisey (um nu, além disso),
e que portanto as sutilezas eram um desperdício, assim foi direto à pergunta que
queria fazer.
—O que aconteceu com sua regra das cinco noites?
Royce piscou. Duas vezes. Mas não afastou o olhar.
—Isso não se aplica a você.
Minerva arregalou os olhos.
—Sim? E que regra se aplica para mim? A das dez noites?
Os olhos de Royce se entreabriram parcialmente.
—A única regra que se aplica a você é que minha cama (esteja onde esteja) é a
sua. Não há nenhum outro lugar onde vá permitir dormir, exceto comigo — Levantou
uma escura sobrancelha, abertamente arrogante. — Está claro?
Minerva o olhou fixamente em seus escuros olhos. Não era tolo; ele tinha de
casar-se... E ela não ficaria ali; Royce sabia.
Mas o tinha aceitado?
Depois de um longo momento, perguntou:
—O que é o que não me está contando?
Não foi seu rosto o que delatou; foi a tênue embora definitiva tensão que
embargou o duro corpo sob o seu.
O duque deu de ombros e tentou que ela se recostasse entre seus braços de
novo.
—Antes, quando não estava aqui, pensei que aborrecido você.
Uma mudança de tema, não uma resposta.
—Depois de me inteirar de sua regra das cinco noites e de que me ignorou
durante toda a velada como se eu não existisse, pensava que havia terminado comigo
— Seu tom deixava muito claro como se sentia sobre isso.
Depois de aliviar a raiva que ainda perdurava, Minerva se deixou cair em seus
braços e colocou a cabeça sobre seu ombro.
—Não — Sua voz era grave; seus lábios acariciaram suas têmporas. — Isso
nunca.

322
As últimas palavras foram suaves, mas definitivas... E a tensão delatora não o
abandonou.
Alguma vez?
O que estava planejando?
Dado como se sentia agora, precisava saber. Colocou as mãos sobre seu peito
e se levantou de novo. Tentou, mas os braços de Royce não a deixaram. Minerva se
retorceu e não conseguiu nada, assim que o beliscou. Com força.
Royce se agitou, murmurou algo que era pouco adulador, mas deixou que ela
levantasse seus ombros o suficiente para olhá-lo no rosto.
Estudou seus olhos, repassou tudo o que dissera e como dissera. Seu plano
para ela, fosse o que fosse, girava em torno de uma pergunta. Entreabriu os olhos ao
olhá-lo.
—Com quem decidiu se casar?
Se conseguisse que contasse aquilo, aceitaria, reconheceria como um fato e se
prepararia para entregar as chaves, para ceder seu lugar em sua cama a outra e deixar
Wolverstone. Aquele era seu destino, mas enquanto ele se negasse a nomear a sua
noiva, poderia arrastar sua aventura indefinidamente, e ela se veria presa em um amor
inclusive maior... De modo que quando devesse partir, ficaria destroçada.
Tinha de conseguir que ele definisse o final de sua aventura.
Royce manteve seu olhar, totalmente inexpressivo. Totalmente implacável.
Minerva se negou a retroceder.
—Lady Ashton me confirmou que seu fracasso ao fazer o prometido anúncio
foi amplamente notado. Terá de fazer isso logo, ou teremos a lady Osbaldestone de
volta aqui e de mau humor. E, em caso de que esteja perguntando isso, seu mau
humor será maior que seu mau gênio. Fará você sentir tão pequeno como uma ervilha.
Assim deixe de fingir que pode mudar seu destino e me diga o nome para que
possamos anunciá-lo.
Para que possa organizar sua separação dele.
Royce era muito hábil lendo entre linhas para não dar-se conta de seus
pensamentos subjacentes... Mas tinha que dizer. Ela acabava de proporcionar a

323
introdução perfeita para dizer e propor mas... Mas não queria fazê-lo ainda. Não
estava seguro de sua resposta. Não estava seguro dela.
Sob as colchas, Minerva se moveu e deslizou uma longa perna sobre a cintura
de Royce, depois se impulsionou e se sentou sobre ele, para olhar melhor seu rosto.
Seus olhos, da cor do glorioso outono, estavam ainda obscurecidos pela recente
paixão, entreabertos e enterrados nos dele, com brilhos dourados de vontade e
determinação ardendo em suas profundidades.
—Escolheu a sua esposa?
Isso podia responder.
—Sim.
—Contatou-se com ela?
—Estou negociando com ela agora mesmo.
—Quem é? Conheço-a?
Não ia deixar que escapasse sem responder de novo. Com decisão, com os
olhos fixos nos de Minerva, grunhiu:
—Sim.
Como não disse nada mais, Minerva agarrou seus antebraços como se fosse
agitá-lo... Ou como se o sustentasse para que não pudesse escapar.
—Como se chama?
Seus olhos o prenderam. Ia ter que falar nesse momento. Ia ter que pedir
agora. Ia ter que encontrar algum outro modo... Algum caminho mais através do
pântano... Examinou seus olhos, desesperado por encontrar alguma pista.
Os dedos de Minerva se esticaram, suas unhas se cravaram em sua carne e
então pronunciou um som de frustração; liberou-o e levantou as palmas, assim como
seu rosto, para o teto.
—Por que demônios está fazendo tudo isto tão difícil?
—Porque é difícil.
Minerva baixou a cabeça; cravou seus olhos nos de Royce.
—Por que, pelo amor de Deus? Quem é ela?
Royce apertou os lábios e fixou seu olhar na da Minerva.
—Você.

324
A expressão fugiu de seu rosto, de seus olhos.
—O que?
—Você — Verteu cada grama de sua certeza, de sua determinação, naquela
palavra. — Escolhi você.
Arregalou os olhos; Royce não pôde decifrar sua expressão. Minerva começou
a retroceder, a afastar-se do duque; ele a segurou pela cintura.
—Não — A palavra foi débil, e tinha os olhos ainda completamente abertos.
Sua expressão era estranhamente sombria. Abruptamente, tomou ar e agitou a
cabeça. — Não, não, não. Disse...
—Sim, sei — pronunciou as palavras suficientemente lacônicas para
interrompê-la. — Mas há algo, algumas coisas, que você não sabe — A olhou aos
olhos. — Levei você ao mirante de Lorde's Seat, mas não cheguei a dizer por que. Levei
você lá para pedi-la em casamento... Mas me distraí. Deixei que me distraísse com o de
colocar você em minha cama primeiro... E depois converteu sua virgindade, o fato de
que eu a tomei, em um obstáculo ainda maior.
Minerva piscou.
—Ia me pedir isso então?
—Tinha-o planejado... Em Lorde's Seat e depois aqui naquela primeira noite.
Mas sua declaração... — deteve-se.
Os olhos de Minerva se entreabriram de novo; seus lábios se estreitaram.
—Você não se rendeu... Nunca se rende. Está tentando me manipular... Isso é
o que é — Agitou os braços, assinalando a enorme cama, — não? Esteve tentando me
fazer mudar de ideia!
Com um bufo de desgosto, Minerva tentou afastar-se dele. Royce segurou
melhor sua cintura, mantendo-a exatamente onde estava, sobre ele. Minerva tratou
de liberar-se, de afastar as mãos do duque, agitou-se e retorceu.
—Não — O duque pronunciou a palavra com a suficiente força para fazer que
ela o olhasse de novo... E ficasse quieta. Apanhou seu olhar e o sustentou. — Não é
assim... Eu nunca tentei manipular você. Eu não quero tê-la à força... Eu quero que
aceite por vontade própria. Tudo isto foi para convencê-la. Para mostrar como se
encaixa bem no posto de minha duquesa.

325
Através de suas mãos, sentiu que ela se tranquilizava, sentiu que havia
captado sua atenção, embora a contra gosto. Royce inalou.
—Agora que me obrigou a dizê-lo, o mínimo que pode fazer é escutar. Escute
por que acredito que nos encaixaríamos. .. Por que quero que você, e só você, seja
minha esposa.
Apanhada em seus escuros olhos, Minerva não sabia o que pensar. Não sabia
o que era o que sentia; as emoções giravam e tropeçavam e formavam redemoinhos
em seu interior. Sabia que Royce estava dizendo a verdade; havia veracidade em seu
tom de voz. O duque estranha vez mentia e estava falando em termos que eram
totalmente inequívocos.
Tomou seu silêncio como consentimento. Ainda mantendo-a cativa, ainda
sustentando seu olhar, continuou:
—Quero você como minha esposa porque você (e só você) pode me dar tudo
o que preciso, e quero, em minha duquesa. Os aspectos socialmente prescritos são o
de menos... Sua origem é mais que adequada, assim como sua fortuna. Embora o
anúncio de nosso casamento pegasse muitos de surpresa, em nenhum caso seria
considerada uma má união... Da perspectiva da sociedade, é totalmente adequada.
Parou, agarrou fôlego, mas seus olhos nunca deixaram os de Minerva; ela
nunca antes se sentira um foco tão absoluto de sua atenção, de sua vontade, de todo
seu ser.
—Embora haja muitas damas que seriam adequadas tendo em conta ambos
os aspectos, é no resto de questões nas que você destaca. Eu preciso (e ficou
demonstrado) de uma dama a meu lado que compreenda a responsabilidade política e
social e as dinâmicas do ducado que, graças a meu exílio, eu não compreendo. Preciso
de alguém em quem posso confiar para que me guie através dos bancos de areia...
Como fez no funeral. Preciso de uma dama em que possa confiar para que tenha
coragem para enfrentar-me quando estiver equivocado... Alguém que não tenha medo
de meu temperamento. Quase todo mundo tem, mas você nunca teve... Entre todas as
mulheres, essas coisas se fazem únicas só em você.
Royce não se atreveu a afastar seus olhos dos de Minerva. Ela estava
escutando-o, seguindo-o... Compreendendo-o.

326
—Também preciso (e quero) uma duquesa que esteja em consonância com os
interesses do ducado e com meus próprios. Que esteja dedicada ao ducado, ao seu
povo, à comunidade. Wolverstone não é apenas um castelo... Nunca foi. Preciso de
uma dama que entenda isso, que esteja tão comprometida com isso como eu mesmo.
Como você já está.
Inspirou uma vez mais; tinha os pulmões tensos, sentia o peito comprimido,
mas precisava dizer o resto...
—Por último, eu... — Examinou seus olhos outonais — Preciso, e quero, de
uma dama a que proteger. Não quero a habitual esposa Varisey. Quero... Tentar ter
um casamento mais completo... Embasado em algo mais que o interesse e a
conveniência. Para isso, preciso de uma dama com a qual possa passar minha vida,
uma com a qual possa compartilhar minha vida de agora em diante. Não quero visitar
ocasionalmente a cama de minha duquesa... Eu a quero em minha cama, nesta cama,
cada noite, durante todas as noites que estejam por vir — Se deteve e logo disse: —
Por todas estas razões, preciso de como minha esposa. De todas as mulheres que
poderia ter, não valeria nenhuma outra. Não me posso imaginar... Sentindo isto por
nenhuma outra. Nunca houve outra com quem dormi durante a noite, nunca houve
outra que quis ter comigo até o alvorada — Manteve seu olhar. — Quero você, desejo
você... E só você pode sê-lo.
Olhando seus escuros olhos, Minerva sentiu que suas emoções cresciam
repentinamente; estava em águas muito profundas, e havia perigo de que a
engolissem. A atração de suas palavras, de seu estímulo, era tão forte...
Suficientemente forte para tentá-la, inclusive a ela, apesar de conhecer o preço...
Franziu, o cenho.
—Está dizendo que permanecerá fiel a sua duquesa?
—A minha duquesa não. A você, sim.
OH, uma resposta inteligente; seu coração pulou um batimento. Olhou-o aos
olhos, viu sua implacável e imutável vontade... E o quarto girou. Inalou com
dificuldade; os planetas acabavam de realinhar-se. Um Varisey estava prometendo
fidelidade.
—Por que decidiu isto?

327
Que demônio fora forte o suficiente para provocar esta mudança nele?
Royce não respondeu imediatamente, mas seus olhos permaneceram firmes
sobre os de Minerva.
Finalmente, disse:
—Através dos anos vi que Rupert, Miles e Gerald encontravam Rose, Eleanor e
Alice. Passei mais tempo em seus lares que aqui... E o que eles têm é o que eu quero.
Recentemente vi que meus ex-companheiros encontravam suas esposas... E eles,
também, encontraram mulheres e casamentos que lhes ofereciam mais que
conveniência e avanço dinástico.
Moveu-se levemente embaixo dela e esticou a mandíbula.
—Quando as grandes damas vieram e deixaram claro o que esperavam... E
ninguém pensou que eu poderia querer, ou que poderia merecer, algo melhor que o
habitual casamento Varisey — Sua voz se fez mais dura. — Mas estavam equivocadas.
Quero você... E quero mais.
Minerva estremeceu. Poderia jurado que não o tinha exteriorizado, mas suas
mãos, até então cálidas e fortes ao redor de sua cintura, deixaram-na, agarraram a
colcha e a estenderam até cobrir seus ombros. Minerva segurou as bordas e as puxou.
Não tinha frio; estava tiritando emocionalmente.
Dos pés à cabeça.
—Eu... — Voltou a concentrar-se nele.
Royce estava olhando suas mãos enquanto ajustava a colcha ao redor de
Minerva.
—Antes que diga qualquer coisa... Hoje fui ver Hamish, pedi conselho sobre o
que poderia dizer para convencê-la a aceitar minha proposta — Levantou os olhos e os
fixou nos de Minerva. — Disse que deveria dizer que a amo.
Minerva não podia respirar; estava presa na insondável escuridão de seus
olhos.
Estes permaneciam concentrados nos dela.
—Disse que você quereria que dissesse isso... Que afirmasse que a amo —
Inspirou e continuou: — Eu nunca vou mentir... Se dissesse que a amo, faria. Farei

328
qualquer coisa que seja necessária para fazê-la minha, para que seja minha duquesa...
Exceto mentir.
Royce parecia ter tantos problemas para respirar como ela. Exalou enquanto
seus olhos examinavam os de Minerva.
—Preocupo-me com você de um modo e com uma profundidade com a qual
não me preocupei com ninguém mais. Mas ambos sabemos que não posso dizer que a
amo. Ambos sabemos por que. Sou um Varisey e não sei nada sobre amor, muito
menos sobre como fazer que aconteça. Nem sei se essa emoção existe em meu
interior. Mas o que sim posso prometer, e o farei, é que tentarei. Por você, tentarei
dar tudo o que tenha em mim, mas não posso prometer que vá ser suficiente. Posso
prometer que o tentarei, mas não posso prometer que terei êxito — Manteve seu
olhar inabalavelmente. — Não posso prometer que a amarei porque não sei se posso
fazê-lo.
Os minutos se passaram; Minerva permaneceu inundada em seus olhos,
vendo, escutando, descobrindo. Finalmente, inalou lenta e profundamente, voltou a
concentrar-se no rosto de Royce, olhou de novo esses escuros e tempestuosos olhos.
—Se aceito me casar com você, prometerá isso? Prometerá que permanecerá
fiel e que tentará?
A resposta foi imediata, inflexível.
—Sim. Por você, prometerei isso, do modo e com as palavras que deseje.
Minerva se sentia emocionalmente tensa... De pé em um arame sobre um
abismo. Avaliar sua tensão a fez ser consciente da de Royce; debaixo de suas coxas, de
seu traseiro, os músculos do duque eram aço... Se não fosse por isso, teria escondido
bem sua incerteza.
Minerva inspirou e se separou de Royce.
—Preciso pensar — Repassou suas palavras e arqueou uma sobrancelha. — Na
realidade não me propôs isso.
Royce ficou em silêncio um momento e depois declarou sucintamente:
—Proporei quando estiver preparada para aceitar.
—Ainda não estou.
—Sei.

329
Minerva o examinou, sentiu sua incerteza, mas inclusive mais sua inquebrável
determinação.
—Surpreendeu-me — Minerva tinha pensado em casar-se com ele, fantasiado
e sonhado com isso, mas nunca pensou que chegaria a fazer-se realidade... Não mais
do que pensou em compartilhar sua cama, e muito menos regularmente, mas lá
estava. — Uma grande parte de mim quer dizer sim, por favor, peça-me, mas me
converter em sua duquesa não é algo que possa decidir por um impulso.
Royce lhe devotava tudo o que seu coração podia desejar... Exceto prometer o
seu. Em um arrogante movimento, a deixava em uma paisagem que nunca imaginara
que poderia existir... E na qual não havia edifícios conhecidos.
—Deixou-me na mais completa das confusões mentais — Seus pensamentos
eram caóticos, suas emoções mais ainda; sua mente era um caldeirão cheio em que os
medos bem conhecidos batalhavam com inesperadas esperanças, desejos sem
catalogar e necessidades insuspeitadas.
Royce não disse nada, era muito prudente para pressioná-la mais.
Efetivamente. Minerva não ia deixar que a empurrasse para aquilo... Um
casamento que, se desse errado, garantia a obliteração emocional.
—Precisa me dar tempo. Preciso pensar.
Royce não protestou.
Minerva tomou fôlego, jogou um olhar de advertência, então se separou dele
e voltou para seu lado da cama; virou-se para seu lado, lhe dando as costas, puxou as
colchas sobre seus ombros e se enrolou.
Depois de um momento contemplando-a na escuridão, Royce se virou e se
deslizou na cama, abraçando-a por trás. Deslizou seu braço ao redor de sua cintura e
se enrolou com suas costas contra seu peito.
Minerva suspirou brandamente, se moveu para trás, colocando seus quadris
contra seu abdômen. Voltou a suspirar e relaxou ligeiramente.
Royce estava ainda tenso, seu ventre seguia girando. Uma grande parte de sua
vida, de seu futuro, dependia daquilo, dela; acabava de colocar sua vida em mãos de
Minerva... Ao menos, não a havia devolvido.
O que, sendo realista, era tudo o que podia pedir naquele momento.

330
Afastou seu cabelo para o lado e beijou sua nuca.
—Durma. Pode tomar todo o tempo que precise para pensar.
Depois de um momento, murmurou:
—Mas, quando lady Osbaldestone voltar e exigir o nome da mulher que
escolhi como esposa, terei de dizer.
Minerva soprou. Sorrindo, contra toda expectativa, fez o que Royce pedia e
adormeceu rapidamente.

331
CAPÍTULO 17

—Hamish Ou'Loughlin, maldito escocês sarnento... Como se atreve a dizer a


Royce que diga que me ama?!
—Huh? — disse Hamish, levantando a vista da ovelha que estava examinando.
Cruzando seus braços sobre seu peito, Minerva começou a caminhar
lentamente pelo curral.
Hamish estudou atentamente seu rosto.
—Não queria ouvir dizer que a amava?
—É óbvio que me encantaria ouvi-lo dizer que me amava. Mas como ia dizer
tal coisa? Ele é um Varisey, por amor de Deus!
—Hmmm...
Deixando que a ovelha escapasse, Hamish se aproximou dela, apoiando-se na
cerca.
—Pode ser que da mesma maneira que eu disse a Moll que a amava.
—Mas você é diferente, você não foi...
Nesse ponto, Minerva se calou, levantou a cabeça, olhou-o fixamente e piscou
várias vezes.
Devolveu-lhe um sorriso.
—Bom, pense nisso, mas tenha em conta que eu sou tão Varisey como ele.
Ela franziu o cenho.
—Mas você não foi... — repetiu ela, fazendo um gesto com a mão para
assinalar em direção ao sul, além das colinas.
—Criado no castelo? É certo, mas talvez precisamente por isso eu nunca
acreditei poder me apaixonar, até que me encontrei com a mulher adequada — disse,
estudando de novo seu rosto. — Então, não disse, não?
—Não, não me disse, foi honesto comigo. Diz que tentará, que quer mais de
seu casamento, mas que... — disse, aspirando em profundidade — não pode me
prometer que me amará, porque não sabe se poderá.
Hamish estalou sua língua mostrando seu desgosto.

332
—São o casal perfeito. Você se apaixonou por ele, ou ao menos, está à espera
de se apaixonar por ele, há décadas, e agora tem...
—Não pode estar certo disso — disse ela, o olhando.
—É óbvio que posso. Não é que ele me disse, mas posso ler claramente nas
entrelinhas, tanto nas deles como nas suas, e ao fim e ao cabo, está aqui, não?
Ela pareceu zangar-se ainda mais.
—Exatamente, tal e como pensei — disse Hamish enquanto saía do curral,
fechando a porta detrás de si. Apoiando-se com as costas contra esta, ficou olhando-a.
—Ambos precisam estudar o um ao outro. O que acha que fez com que ele
chegue sequer a considerar ter outro tipo de casamento? Um casamento por amor,
não é assim como chamam? Por que imagina que o chamam assim?
Ela o olhou ainda com o cenho franzido.
—Faz com que soe muito fácil.
Hamish assentiu com sua grande cabeça.
—E assim é o amor. Simples, direto e singelo. Simplesmente, passa. Quando se
complica é quando se pensa muito, quando se tenta racionalizar, encontrar um sentido
ou diferenciá-lo. Não funciona assim.
Seguidamente se separou da porta e começou a caminhar pelo caminho. Ela o
seguiu.
—Mas, se quer continuar pensando, pense então nisto. O amor aparece sem
avisar, às vezes, quase como uma enfermidade, e como tal, a melhor maneira para ver
se alguém está contagiado é simplesmente observando os sintomas. Conheço Royce
faz mais tempo que você e vi nele todos e cada um dos sintomas. Talvez não saiba que
a ama, mas age como se o fizesse.
Finalmente, chegaram ao ponto onde deixaram Rangonel. Hamish se deteve e
a olhou.
—A verdade é, moça, que pode ser que nunca seja capaz de dizer, honesta e
deliberadamente, que a ama, mas isso não quer dizer que não o faça.
Ela sorriu, dando-se tapinhas na têmpora com um dedo enluvado.
—Apenas me deu mais coisas em que pensar.
Hamish sorriu ao ouvir aquilo.

333
—Bom, se precisa pensar, o mínimo que pode fazer é pensar em fazer as
coisas bem.
Minerva cavalgou rumo ao sul, seguindo a fronteira, e logo através das colinas,
com tempo de sobra para pensar em Royce e seus "sintomas", ponderando no que
Hamish dissera.
Enquanto a ajudava com a sela, recordou que a última duquesa fora
cegamente fiel, não a seu marido, a não ser em seu amante de toda a vida, Sidney
Camberwell.
A duquesa e Camberwell estiveram juntos por vinte anos. Recordando tudo o
que vira desse casal, e pensando em seus "sintomas", chegou à conclusão de que
ambos estavam muito apaixonados.
Pode ser que Hamish tivesse razão. Royce podia amá-la, e de fato, pode ser
que o fizesse.
Entretanto, precisava ordenar seus pensamentos, e logo, já que ele não
brincava quando mencionou lady Osbaldestone, e essa era a razão pela que saíra a
cavalgar. A granja de Hamish lhe parecia um destino óbvio.
Tome o tempo que precise para pensar.
Conhecia Royce muito bem para não saber a que se referia. Tome todo o
tempo que precise para pensar, sempre que termine aceitando ser minha esposa.
Ele faria qualquer coisa que estivesse em sua mão para assegurar-se de que o
faria. De agora em diante, se sentiria completamente justificado fazendo o que
precisasse para que ela aceitasse.
Em seu caso, "o que precisasse" cobria um amplo campo, e tal e como
demonstrara aquela manhã, com resultados desastrosos. Ela conseguira escapar
simplesmente porque o sol já tinha saído. Se não o fizesse, ainda estaria a sua mercê.
Em público, entretanto, durante o café da manhã e mais tarde em sua reunião habitual
em seu escritório na presença do Handley e Jeffers, comportou-se com um decoro
exemplar. Não podia permitir-se falhar naquilo. Enquanto que, em particular, a
pressionava para que se decidisse rapidamente em seu favor, depois não fazia nada
para não levantar suspeitas nos outros.

334
—Pelo que — assegurou às colinas — estarei eternamente agradecida. O
último que preciso é Margaret, Aurelia e Susannah me intimidando. Nem sei que lado
apoiariam e contra qual lutariam.
Aquela era uma questão interessante, mas também estava além do que era o
assunto. Não se importava com o que pensassem, e Royce ainda menos. Pela
nonagésima vez, voltou a pensar nas razões que lhe dera. A maioria confirmava o que
ela percebera na primeira vez. Casar-se com ela seria a melhor opção para ele,
especialmente dado seu compromisso com Wolverstone e com o ducado ao completo.
O que não se encaixava com a conveniência e o conforto que ele procurava era seu
desejo de tomar outro tipo de casamento. Ela não podia pôr em dúvida a realidade
daquilo. Ele precisou fazer um esforço para revelar isso, e, para ela, aquela
sinceridade, chegou ao seu coração.
Ele se preocupava por ela, a sua maneira altiva e arrogante. Conseguira um
inegável e sedutor triunfo em ser a única mulher em fazer que um Varisey pensasse
em algo vagamente próximo ao amor e especialmente que Royce a reclamasse como
sua, mas aquilo também fora uma manobra de auto-sedução.
Se ao final chegasse a amá-la, quanto duraria?
Se ele a amava como ela o amava...
Ao pensar aquilo, franziu o cenho ante as orelhas de Rangonel.
—Apesar da opinião de Hamish, ainda tenho muito no que pensar.

Royce estava em seu escritório trabalhando em sua correspondência com


Handley quando Jeffers chamou e abriu a porta. Ele olhou para cima, arqueando uma
sobrancelha.
—Três damas e um cavalheiro acabam de chegar, sua Excelência. As damas
insistem em vê-lo imediatamente.
Ele estranhou isso.
—Como se chamam?
—A marquesa de Dearne, a condessa de Lostwithiel e lady Clarice Warnefleet,
sua Excelência. O cavalheiro é lorde Warnefleet.

335
—O cavalheiro não pediu para me ver também?
—Não, sua Excelência. Apenas as damas.
Aquela era a maneira em que Jack Warnefleet o advertia qual era o assunto
que sua esposa e suas duas acompanhantes queriam discutir.
—Obrigado, Jeffers. Deixe que entrem as damas e diga a Retford que se ocupe
de que lorde Warnefleet se sinta cômodo na biblioteca.
Quando a porta se fechou, olhou para Handley.
—Teremos de continuar com isto mais tarde. Mandarei chamá-lo quando
estiver livre.
Handley assentiu, recolheu todos os papéis e, ficando em pé, partiu. Royce
olhou como a porta se fechava. Não tinha muito sentido perguntar-se qual seria a
mensagem que Letitia, Penny e Clarice traziam. Logo saberia.
Menos de um minuto depois, Jeffers abriu a porta, e as damas, três das sete
esposas de seus ex-companheiros do clube Bastion, entraram. Levantando-se, ele
respondeu a suas reverências de costume, e logo assinalou com um gesto de sua mão
as cadeiras que Jeffers tinha disposto para elas ante a mesa do despacho.
Esperou até que estiveram sentadas, e logo, ordenou a Jeffers que se retirasse
com um assentimento de sua cabeça, tomando ele seu próprio assento. Quando a
porta se fechou, passou seu olhar pelos três contundentes rostos que havia ante ele.
—Senhoritas, me permitam que adivinhe... Devo o prazer de sua visita a lady
Osbaldestone.
—E a todas as demais — disse Letitia, abrindo seus braços amplamente — a
todo o panteão de grandes damas.
Royce elevou ambas as sobrancelhas em assombro.
—Digam-me então, se é que posso perguntar... Por que enviaram vocês três,
concretamente?
Letitia fez uma careta.
—Estava visitando Clarice e Jack Gloucestershire enquanto Christian atendia
alguns assuntos em Londres. Penny veio para ficar conosco por alguns dias, e então
Christian teve de atender uma chamada de lady Osbaldestone insistindo em que tinha

336
de me reunir imediatamente com ela em Londres, em referência a um assunto de
grande importância.
—Naturalmente — continuou Clarice dizendo — Letitia precisou partir, e
Penny e eu decidimos que podíamos passar a semana em Londres, assim decidimos ir
também.
—Mas — disse Penny, participando da história — no momento em que lady
Osbaldestone nos viu, fez com que vários emissários acompanhassem Letitia para levar
uma mensagem coletiva de todas as grandes damas até seus ouvidos.
—Acredito — continuou Clarice — que suspeitava que tentaria evitar Letitia,
mas que não seria capaz de evitar às três.
Clarice olhou nesse momento a suas acompanhantes, que devolveram o
elogio, e logo os três pares de olhos femininos se voltaram para ele, com as
sobrancelhas levantadas.
—E sua mensagem é...?
Foi Letitia quem respondeu:
—Com nossa visita anunciamos que, a menos que faça o que lhe corresponde
e anuncie quem vai ser sua futura duquesa, terá de fazer frente a todo um batalhão de
carruagens que chegarão ante suas portas, e, é óbvio, às ocupantes destas carruagens,
que de maneira nenhuma são do tipo que poderá despistar com facilidade. A versão da
mensagem de sua Excelência a duquesa era muito mais formal, mas basicamente dizia
isso.
Penny mostrou certa moléstia em seu gesto.
—De fato, parece que tem já bastante gente hospedada no castelo e mais
chegarão.
—Minhas irmãs vão preparar uma festa que coincidirá com a feira paroquial.
Costumava celebrar-se como tradição, mas a deixaram de fazer depois da morte de
minha mãe. — Olhando a Letitia, continuou: — Há algum limite para essa "ameaça"
das grandes damas?
Letitia olhou para Clarice.
—Dá-nos a impressão de que o limite é hoje mesmo — disse Clarice, abrindo
muito os olhos para fazer notar suas palavras — ou mais exatamente, seu período de

337
graça expirará quando uma missiva assinada por você, anunciando sua discordância,
chegue até lady Osbaldestone.
Ele pousou um dedo sobre seu mata-borrão, deixando que seu olhar passasse
de novo por aqueles rostos. Lady Osbaldestone escolhera bem. Com aquelas três, a
intimidação não funcionaria, e embora poderia ter despistado, subversivamente, a
Letitia, com as três apoiando umas às outras, não tinha nenhuma oportunidade.
Com os lábios firmemente apertados, assentiu.
—Muito bem, podem informar a esse grupo de pessoas de velhas bruxas, que,
de fato, já escolhi uma esposa.
—Excelente! — exclamou Letitia. — Então, poderá realizar um anúncio, assim
nós poderemos voltar para Londres.
—Entretanto — continuou dizendo, como se a mulher não tivesse falado, — a
dama em questão ainda não aceitou minha proposição.
As três ficaram olhando fixamente.
Claire foi a primeira que recuperou a fala.
—O que é o que tem ela? É cega, é surda, talvez muda? As três coisas?
Aquilo fez com que ele soltasse uma gargalhada e logo negou com a cabeça.
—Ao contrário, para meu gosto, é muito intuitiva, e por favor, não inclua este
último em seu relatório, alegraria o dia a sua Excelência. Não obstante, um anúncio na
Gazette neste momento poderia prejudicar nossa meta comum.
As três damas fixaram seus olhares repletos de intriga sobre ele. Royce as
considerou impassivelmente.
—Algo mais?
—Quem é ela? — exigiu saber desta vez Letitia. — Não pode nos soltar um
conto como esse e não nos dar seu nome.
—De fato, sim que posso, e vocês não precisam saber seu nome.
Faziam suas hipóteses muito rápido. Royce confiava muito na inteligência,
tanto de cada uma por separado como de todas em grupo. Tanto como confiava na de
seus maridos.
Penny foi a que finalmente falou:

338
—Temos ordens de ficar aqui, sob seu teto, até que possamos mandar a
notícia a Gazette.
Que permanecessem lá bem poderia trabalhar em seu favor. Ao fim e ao cabo,
seus maridos não diferiam, e Minerva estava desejando poder desfrutar de companhia
feminina em que pudesse confiar e escutar conselho, e aquelas três certamente
estariam mais que dispostas a ajudá-la naquela causa.
É óbvio, elas o veriam como uma ajuda ao Cupido. Enquanto tivessem êxito,
não importava o que fizessem.
—São mais que bem-vindas a ficar e a se unir à festa que minhas irmãs estão
planejando.
Ficando em pé, aproximou-se para puxar da campainha de chamada.
—Acredito que minha governanta, Minerva Chesterton, não está neste
momento, mas voltará logo. Enquanto isso, estou seguro de que meus criados farão
todo o possível para que se sintam como em casa.
As três lhe lançaram um olhar de desconfiança.
Retford chegou, e deu as ordens para acomodar às três novas convidadas.
Estas se levantaram de seus assentos, com uma atitude totalmente altiva e arrogante,
e bastante suspeita.
Royce as acompanhou até a porta.
—Deixarei que se acomodem. Sem dúvida, Minerva as procurará assim que
retornar. Verei vocês no jantar. Até então, se me perdoarem, o trabalho me reclama.
As garotas estreitaram os olhos, olhando-o fixamente, mas consentiram em
seguir Retford.
Letitia, a última em partir, olhou-o aos olhos.
—Sabe perfeitamente que nunca o deixaremos em paz, até que nos diga o
segredo insondável que é o nome dessa mulher.
Imperturbável, Royce fez uma reverência. Elas já se inteirariam do nome da
dama antes que ele se sentasse para jantar ao salão essa mesma noite. Com um
irritado "Humph!", Letitia saiu da sala.
Fechando a porta, voltou a sentar-se depois da mesa do gabinete.

339
E, por fim, pôde relaxar. Lady Osbaldestone e as outras harpias seriam de
muita ajuda.

De volta de sua cavalgada, Minerva entrou no saguão principal para encontrar


com um bonito cavalheiro admirando as pinturas que havia nas paredes da sala.
Ao ouvir o som de pegadas de botas, o homem se virou, sorrindo
encantadoramente.
—Bom dia!
Apesar de sua atitude elegantemente campestre e aquele sorriso, Minerva
pôde perceber uma rudeza atrás daquela fachada que lhe fez muito familiar.
—Posso ajudar?
O inclinou a cabeça.
—Sou Jack Warnefleet, senhora.
Minerva olhou a seu redor, perguntando-se onde estaria Retford.
—Acaba de chegar?
—Não — disse, sorrindo de novo. — Deixaram-me na biblioteca, mas saí para
admirar as pinturas. Minha esposa e duas amigas estão acima, tratando uns assuntos
com Dal..., com Wolverstone, acima em sua guarida — disse, piscando um olho. —
Pensei que devia sair se por acaso fosse preciso realizar uma retirada de emergência.
Quase o chamara de Dalziel, o que significava que aquele homem estava
relacionado com Whitehall. Minerva estendeu uma mão.
—Eu sou a senhorita Chesterton. Sou a governanta.
Ele segurou sua mão, inclinando-se.
—Encantado, querida. Devo admitir que não tenho nem ideia de se ficaremos
o... — E agora olhou para a parte alta das escadas. — OH, aqui vêm.
Ambos se voltaram na direção das três damas que precediam Retford
descendo as escadas. Minerva reconheceu Letitia e sorriu. A seu lado, Jack Warnefleet
murmurou:
—Pela expressão que trazem, suspeito que vamos ficar.

340
Não teve oportunidade de esperar para perguntar a que se referia. Letitia,
olhando-a, aliviou seu rosto e veio correndo a abraçá-la.
—Minerva, justo de quem precisávamos.
Letitia se virou enquanto as outras duas damas se uniam a ela.
—Não posso acreditar que tenha conhecido a lady Clarice... Lady Warnefleet
para sua desgraça, já que é esposa desse fracassado — disse fazendo um gesto com
sua mão a Jack, que simplesmente sorriu.
—E esta é lady Penélope, condessa de Lostwithiel. Seu marido, Charles, é
outro dos ex-companheiros de Royce, como Jack.
Minerva tomou as mãos das outras duas damas.
—Bem-vindas a Wolverstone. Alegro-me de que nos acompanhem por alguns
dias — disse, olhando para Retford. — Acredito que precisaremos dos quartos prontos
da asa oeste, Retford.
O resto dos convidados estava hospedados nos dormitórios das alas leste e
sul, que estavam portanto ocupadas por completo.
—Em seguida, senhorita. Levarei a bagagem das damas e o cavalheiro ao
andar de cima.
—Obrigada.
Cruzando seu braço com o seu, Letitia se inclinou sobre ela para lhe falar mais
intimamente.
—Há algum lugar onde possamos falar mais em particular?
—É claro — disse Minerva e, olhando de novo para Retford, disse: — Poderia
depois trazer o chá à sala da duquesa, por favor?
—Agora mesmo, senhorita.
Minerva olhou para Jack Warnefleet.
—Senhor?
Ele sorriu.
—Me chame de Jack, e acredito que seguirei a nossa bagagem, para assim
saber onde está nosso quarto. Verei vocês no almoço — disse ele.
—Poderá ouvir claramente o gongo de chamada — assegurou ela.

341
Inclinando a cabeça para todas, começou a subir as escadas, seguindo os dois
criados, que estavam carregando um baú.
Fazendo um gesto com a mão, Minerva também indicou às damas que a
seguissem para cima.
—Vamos, acima estaremos mais cômodas.
Na habitação matinal da duquesa, sentaram-se em cômodos sofás. Alguns
minutos depois, Retford entrou com uma bandeja. Depois de servir as xícaras de chá e
as massas, Minerva também se sentou, tomou um gole de sua taça e olhou a Letitia,
levantando as sobrancelhas.
Letitia deixou sua xícara na mesinha.
—A razão pela qual estamos aqui é que as grandes damas perderam a
paciência e insistem que Royce anuncie de uma vez a quem vai desposar — disse com
um sorriso pícaro. — É óbvio, agora nos diz que a dama a que o pediu ainda não
aceitou. Aparentemente, ele tem suas reservas, mas mesmo assim nega-se a nos dizer
quem é.
Cravando seu brilhante olhar em Minerva, perguntou:
—Você conhece seu nome?
Minerva não sabia o que dizer. Royce lhe havia dito que o diria, mas
aparentemente não fizera isso, e não se atrevia a indagar mais sobre aquela questão.
O olhar de Letitia se começou a converter em um de estranheza, mas foi
Clarice que pôs sua xícara no pires e, olhando no rosto de Minerva, disse:
—Vá! Assim que ela. É você! —disse, elevando as sobrancelhas. —Vá, vá...
Os olhos de Letitia se arregalaram. Clarice viu a confirmação de sua hipótese
no rosto de Minerva, e a satisfação mais brilhante iluminou seu rosto.
—É você! Escolheu você! Bem! Nunca acreditei que teria tanto sentido
comum.
Levantando a cabeça, Penny disse:
—Não nos estamos equivocando, não é? Pediu que se converta em sua
esposa?
Minerva sorriu levemente.
—Não exatamente... Ainda não, mas sim, quer que seja sua duquesa.

342
O gesto de dúvida voltou para rosto de Letitia.
—Por favor, me perdoem se me equivocar, mas sempre pensei que você...
Bom, que nunca rechaçaria sua proposição.
Minerva ficou olhando a mulher.
—Por favor, me digam que nunca fui tão óbvia.
—Não, não foi, é apenas a maneira em que emprestava toda sua atenção cada
vez que alguém o mencionava — disse Letitia, encolhendo os ombros. — Suponho que
percebi porque, nesse momento, eu me sentia igual a respeito de Christian.
Ao ouvir aquilo, Minerva se sentiu medianamente aliviada.
—Então — perguntou Clarice — por que se sente tão dúbia na hora de aceitar
a proposta?
Minerva olhou um por um todos os rostos que tinha ante ela.
—É que é um Varisey.
O rosto de Letitia empalideceu.
—OH.
—Ah — disse Penny, com uma careta.
Lentamente, Clarice assentiu.
—Já vejo. Não quer ser uma atordoada com mais cabelo que inteligência,
quer... — disse, agora olhando para as outras duas. — O que todas nós tivemos a sorte
de encontrar.
Minerva exalou.
—Precisamente.
Essa foi uma resposta que as demais compreenderam.
Depois de um momento, Penny franziu o cenho.
—Mas mesmo assim tampouco o rechaçou.
Minerva olhou Penny aos olhos, e, deixando sua xícara na mesa, ficou em pé.
Passando entre o sofá, começou a passear pelo salão.
—Não é tão singelo.
Disse aquilo apesar do que Hamish pensava.
As outras ficaram olhando-a, esperando.

343
Precisa de ajuda. Letitia era uma antiga amiga, e todas se casaram por amor, e
todas compreendiam sua situação. Detendo-se, fechou seus olhos brevemente.
—Não me importaria em me apaixonar por ele.
—Não é questão de que se importe ou não — murmurou Clarice. —
Simplesmente, ocorre.
Abrindo os olhos, Minerva inclinou sua cabeça.
—Dei-me conta — disse, andado agora mais devagar — desde que ele voltou...
Bom, queria-me para ele, e eu já tenho vinte e nove anos. Acreditava que talvez
pudesse estar perto dele durante um curto período de tempo, sem pôr em risco meu
coração, mas me equivoquei.
—Que se equivocou? — disse Letitia, negando com pesar a cabeça. — Esteve
encantada por Royce Varisey durante décadas e pensou que podia estar com ele, caso
que se refere a compartilhar sua cama, sem se apaixonar por ele? Minha querida
Minerva, isso não só é estar equivocada.
—Não, sei. Fui uma idiota, mas me apaixonar por ele não importaria se ele não
tivesse decidido me fazer sua duquesa.
Leticia voltou a franzir o cenho.
—E quando tomou essa decisão?
—Faz umas semanas. Depois de sua reunião com as grandes damas em seu
escritório, mas — E aqui, Minerva teve que fazer um grande esforço para poder
continuar — esse não é o único problema.
Ela continuou passeando pela sala, ordenando os pontos de sua explicação em
sua mente.
—Sempre acreditei que me casaria por amor. Tive outras ofertas com
antecedência, uma boa quantidade, se me permite dizê-lo, mas nunca senti a menor
tentação. O casamento de meus pais foi por amor, e eu sempre desejei que o meu
fosse igual. Ao princípio, não tinha nem ideia de que havia chamado a atenção de
Royce. Pensei que poderia, simplesmente, esconder o interesse que eu sentia por ele,
e me dedicar a ser uma governanta voluntariosa, para que depois sua esposa tomasse
as rédeas de tudo. Logo, ele me quis, e eu pensei que isso seria suficiente, aceitaria sua
proposta, e que depois o amor nasceria com o tempo... Mas finalmente não foi assim.

344
Letitia assentiu.
—Pode nascer em qualquer momento.
—Ouvi, mas nunca acreditei verdadeiramente. Entretanto, uma vez que
percebi que o amo, ainda penso, já que o casamento se tem que dar em pouco tempo,
que eu deveria partir, se não por meu coração, ao menos sim por dignidade. Nunca
antes estive apaixonada, e, se alguma vez estiver de novo, ninguém mais saberá,
exceto eu.
Minerva diminuiu de novo seu passo, levantando a cabeça.
—Royce disse que eu era a dama que queria como duquesa.
—É claro que disse — disse isso Penny.
Minerva assentiu.
—Já sei, mas eu sempre soube que o último, a última coisa que eu deveria
fazer, se o que quero é um casamento por amor, é me casar com Royce ou qualquer
Varisey. Nenhum casamento Varisey na história se fez por amor ou de qualquer outra
maneira em que o amor estivesse incluído.
Tomando uma profunda inspiração, passeou seu olhar pela sala.
—Até ontem à noite, acreditava que, se me casasse com Royce, o nosso seria
o típico compromisso Varisey, e ele, e todos outros, toda a alta sociedade, de fato,
esperariam de mim que me mantivesse calada e submissa, enquanto ele se deixava
levar pelas tentações de qualquer dama elegante.
Com o desgosto em seu rosto, Leticia assentiu com a cabeça.
—A típica união Varisey.
Minerva inclinou sua cabeça.
—Eu não poderia fazer isso. Inclusive antes de me apaixonar por ele, sabia que
nunca seria capaz de suportar. Saber que ele não me amaria como eu o amaria e que
iria de cama em cama, me murcharia, logo me faria adoecer, como Caro Cordeiro.
As mulheres olharam as umas às outras, compreendendo.
—O que é o que aconteceu ontem à noite? — perguntou Clarice.
Para explicar, precisou tomar outra profunda inspiração.
—Ontem à noite, Royce me jurou que, aceitasse ser sua duquesa, ele seria fiel.
Ao cabo do momento, Penny falou:

345
—Agora vejo que tudo isto... Muda as coisas.
Clarice fez uma careta.
—Se não fosse de Royce de quem estivéssemos falando, perguntaria se
acreditam.
Letitia soltou um suspiro.
—Se ele disse que o fará, mais ainda havendo-o jurado, fará.
Minerva assentiu.
—Exato. Á primeira vista, aquilo fazia com que minha decisão fosse muito fácil
de tomar, mas, enquanto ia dando conta da situação quando tive tempo de pensar
nela, embora sua fidelidade jurada eliminasse um dos problemas, à sua vez criava
outro.
Afundando seus dedos na parte de atrás do sofá, fixou seu olhar na bandeja
do chá que havia na mesa baixa entre as poltronas.
—Também disse que nunca mentiria, e eu o aceitei. Disse que se preocuparia
comigo como ninguém o faria, e isso também o aceitei. Mas, o que é o que nos
aconteceria se casássemos e, depois de uns quantos anos, ele não voltasse para minha
cama?
Minerva elevou a vista, encontrando-se com a de Clarice, logo a de Penny, e
finalmente, com a de Letitia.
—Como se supõe que deveria me sentir então? Sabendo que nunca mais me
desejaria, mas que, por causa de seu juramento, estaria lá —disse, tentando gesticular
—existindo, mas em abstinência. Ele, precisamente, de entre todos os homens.
Nesse momento, não se apressaram em confortá-la.
Ao cabo de um momento, Clarice pôs uma expressão de desgosto. Penny
também.
—Se ele me amasse — disse Minerva — este problema não existiria, mas é
terrivelmente honesto, e não posso culpá-lo por isso. Ele prometeria tudo o que
estivesse em sua mão, mas não pode prometer o amor. Simplesmente, não pode. De
fato, admitiu que nem sabe se tem amor para dar a ninguém.
Clarice falou:
—Não é tão estranho; de todas formas, não costumam saber.

346
—O que me leva a perguntar — disse Letitia, virando-se para olhá-la — é
possível que a ame, mas que ainda não saiba?
Penny se inclinou para diante.
—Se não esteve apaixonada antes... Como está então tão segura de que
notaria se ele estivesse?
Minerva ficou em silencio durante um bom momento.
—Alguém me disse recentemente que o amor é como uma enfermidade e que
a melhor maneira de saber se alguém está contagiado é olhar os sintomas.
—Um conselho excelente — disse Clarice.
Penny assentiu mostrando sua conformidade.
—O amor não é uma emoção passiva, obriga-o a fazer coisas que
normalmente não faria.
—Obriga-o a tomar riscos que, em outras circunstâncias, não tomaria — disse
Letitia, olhando a Minerva — Assim, o que é o que acha? É possível que Royce esteja
apaixonado por você, mas que não saiba?
Todo um catálogo de incidentes sem importância, comentários, pequenos
detalhes, e todas essas coisas sobre ele que a surpreenderam, correram por sua
mente, mas era o eco do comentário de Hamish o que tinha mais peso em todo aquele
redemoinho de pensamentos. O que era aquilo tão forte que fizera reagir um homem
como ele? O que tinha tanta influência que fizera romper uma tradição e procurar,
ativamente, um tipo de casamento diferente? Um em que, se ela entendera tudo
corretamente, inclusive poderia ter amor?
—Sim, poderia ser.
Se aceitasse ser a duquesa do Royce, desde o instante em que pronunciasse a
palavra "Sim", não haveria possibilidade de retorno.
O gongo do almoço interrompeu a discussão com as damas. Nem Royce nem
Jack Warnefleet apareceram ainda, mas sim o resto dos visitantes, tornando
impossível que pudessem continuar com seu debate. Não em meio daquele alvoroço.

347
Minerva passou a maior parte do almoço enumerando mentalmente os
sintomas de Royce, que, embora fossem indicativos, não eram, nem em solitário, nem
em conjunto, totalmente concludentes.
Retford a interceptou de volta aos aposentos matinais. Os outros se
adiantaram enquanto ela desviava para ver como estava a despensa de bebidas.
Depois de falar com Retford, Cranny e Cook, quase por ato reflito foi procurar Trevor.
Sorriu ao encontrá-lo na sala de engomar, muito ocupado tentando arrumar seu lenço
do pescoço. Ele a viu o entrar, e rapidamente, escondeu a prancha, virando-a.
—Não, não — disse ela, fazendo um gesto com a mão para que continuasse
trabalhando — não pare porque eu estou aqui.
Duvidando, voltou a pegar a prancha do suporte da pequena lareira sobre a
que estava.
—Posso ajudá-la em algo, senhorita?
—Pois a verdade é que sim. Certamente deve saber se houver algo na forma
em que Royce se comporta comigo que difira da maneira como se comportou com
outras damas no passado.
O homem ficou congelado, segurando a prancha na metade do ar. Trevor a
olhou e piscou várias vezes.
A vergonha se aferrou com força em seu peito, assim que ela se apressou a
dizer:
—É óbvio, entenderei completamente o fato de que sua lealdade com sua
Excelência o impeça de me responder.
—Não, não, posso responder livremente — disse Trevor, piscando de novo e
com a expressão mais aliviada. — Minha resposta, senhorita, é que não saberia dizer
com segurança.
—OH — disse ela, com desilusão. Todo aquele esforço de coragem para nada.
Mas Trevor ainda não terminara de falar.
—Nunca soube que a existência de outras damas. O duque nunca trouxe para
nenhuma a casa.
—Não?

348
Sua concentração sobre a listra do lenço não diminuiu, mas mesmo assim
negou com a cabeça.
—Nunca. É uma regra oficial. Sempre na cama dela, nunca na sua.
Minerva olhou o valete durante alguns instantes, logo assentiu e virou.
—Obrigada, Trevor.
—Sempre a seu serviço, senhora.
—Bem! Isso é bom!
Sentada sobre o braço de um dos sofás, Clarice observava como caminhava
Minerva.
—Especialmente, se foi tão insistente em usar a cama dele e não a sua.
Letitia e Penny, sentadas no outro sofá, assentiram, mostrando estar de
acordo.
—Sim, mas — disse Minerva — quem diz que isso não era simplesmente
porque já me via como sua duquesa? Já se aferrara à ideia de que eu me casaria com
ele antes de me seduzir, assim vai implícito em seu caráter insistir em me tratar como
se já fosse o que ele quer que seja: sua esposa.
Letitia fez um ruído muito rude.
—Se Royce decidisse ignorar seus desejos e entregar-se plenamente a suas
amantes, aos cavalos e às armas, simplesmente mandaria uma nota à Gazette e depois
a informaria da impossibilidade de mudar a situação. Isso sim seria agir com caráter.
Não, sem lugar a dúvidas, este modo de agir é bom, mas — disse, levantando a mão ao
ver que Minerva queria dizer algo — estou de acordo com as demais: para conseguir
seu propósito, precisa de algo mais definitivo.
Penny assentiu.
—Um pouco mais claro e conciso.
—Algo — disse Minerva veementemente —que seja mais que uma simples
indicação ou sugestão. Algo que não possa estar aberto a outras interpretações. — E
detendo-se aqui, elevou suas mãos. — Neste momento, isto é o equivalente
sentimental a estar lendo folhas de chá. Preciso de algo que ele não pudesse fazer de
nenhuma das maneiras, a não ser que me amasse.
Clarice exalou o ar entre os dentes.

349
—Bom, há algo que poderia tentar, se fosse jogadora...

Mais tarde, naquela mesma noite e depois de uma reunião final com suas
mentoras, Minerva se apressou em voltar para seu quarto. O resto dos convidados se
retirara fazia algum tempo. Ela chegava tarde; Royce se estaria perguntando onde
estava.
Se perguntasse onde esteve, não poderia dizer que estava recebendo
instruções na sutil arte de como fazer que um nobre lhe abrisse seu coração.
Ao chegar à porta, abriu-a, entrando rapidamente em seu interior, chocando-
se contra o peito dele.
Suas mãos rodearam seus ombros, tentando evitar que caísse, enquanto que a
porta se fechava sozinha atrás dela. Ele a olhou com expressão aborrecida.
—Onde...?
Ela elevou uma mão.
—Se lhe interessa saber, estive conversando com as esposas de seus amigos.
Minerva se desfez de seu aperto, inclinando-se para trás e desabotoou o
vestido.
—Vá ao dormitório, seguirei você assim que seja possível.
Ele hesitou um momento.
Minerva tinha a impressão de que ele queria ajudá-la com seu vestido, mas
parecia que não confiava em si mesmo. Despediu-se com um movimento de mão.
—Vá! Quanto antes o faça, antes chegarei eu.
A porta se fechou atrás dele silenciosamente, ao mesmo tempo em que
Minerva recordava que deveria havê-lo avisado para que não se despisse.
—Maldita seja! — disse enquanto lutava com seus laços, apressando-se ainda
mais.
Não era feliz de maneira nenhuma. Passara as últimas semanas perambulado
daqui para lá sem nenhuma satisfação real.
lady Ashton levara mais do que esperava para chegar até lá, e então, em lugar
de criar dificuldades para Royce, não fez a menor ceninha. Ainda por cima, aquela

350
mulher havia, aparentemente, aceitado sua dispensa sem sequer um chilique.
Demônio, nem se contrariou!
Isso era uma coisa, mas que o rechaçasse era outra muito diferente.
Furioso, foi andando para a asa oeste, metendo-se entre as sombras do
corredor que levava à torre de menagem13.
Ele foi ao quarto dela supondo que, já que Royce recusara compartilhar a
cama dela, um fato do que ela notou ante sua sutil pontada, Susannah tinha reagido.
Depois de tudo aquilo, a deliciosa lady Ashton seria muito mais dócil. Tinha uma boca
com a qual fantasiava desde que fixou seu interesse nela.
Em vez disso, a encantadora condessa recusou deixá-lo passar da porta. Disse
padecer uma enxaqueca e deixou clara sua intenção de partir ao dia seguinte, por isso
precisava dormir essa mesma noite.
Ele apertou seus dentes. Que o enganassem daquela maneira com aquelas
desculpas tão tolas fazia ferver seu sangue. Decidiu voltar para seu dormitório por um
bom gole de brandy, mas em realidade precisava de algo mais potente que o álcool
para apagar a afabilidade de lady Ashton.
Ela o olhara e o despachara tranquilamente, como se não merecesse substituir
o lugar de Royce.
Para conseguir afastar-se aquela imagem, precisava de algo para substituí-la. A
imagem de Susannah, a irmã preferida de Royce, de joelhos ante ele. Ele a olharia de
acima, primeiro de frente, logo por trás, enquanto ela estava totalmente às suas
ordens. Se a empurrasse com suficiente força, poderia fazer com que esquecesse a
condessa. Imaginando que faria à irmã de Royce o que havia planejado fazer a amante
de Royce, cruzou o corredor. Os aposentos de Susannah estavam nesta asa.
Passava por uma das profundas frestas das muralhas da torre quando o som
de uma porta abrindo-se apressadamente o fez meter-se entre as sombras,
escondendo-se.

13
A torre de menagem, em arquitectura militar, é a estrutura central de um castelo medieval, definida
como o seu principal ponto de poder e último reduto de defesa, podendo em alguns casos servir de
recinto habitacional do castelo. (Fonte: Wikipedia)

351
Guardando silêncio, esperou que passasse quem quer que fora o que tivesse
saído pela porta.
Passos ligeiros passaram junto a ele. Era uma mulher, com pressa.
Passou junto a um dos vãos da janela, e a luz da lua acariciou seu cabelo. Era
Minerva.
Vê-la com aquela pressa não o surpreendeu, inclusive àquelas horas da noite.
Vê-la com aquela pressa em camisola, com uma leve capa sobre os ombros, sim o fez.
Saiu de entre as sombras e a seguiu mantendo distância, detendo sua
respiração quando ela deu a volta para o pequeno corredor que chegava aos
aposentos ducais. Chegou à esquina a tempo de dar uma olhada ao redor e ver como
abria a porta para a sala de descanso de Royce.
Silenciosamente, fechou-a às suas costas.
Apesar das óbvias implicações, não podia acreditar. Assim esperou. Esperou
para vê-la sair com Royce, já que a teria chamado para tratar algo de suma urgência,
mas...
Em camisola?
Um relógio em alguma parte marcou os quartos. Passou-se ali olhando a porta
outros quinze minutos, mas Minerva não saiu do dormitório.
Aquela era a razão pela que Royce fazia com que a condessa se fosse.
—Bem, bem, bem, bem... — disse, curvando seus lábios em um sorriso. E com
isso, virou-se e se encaminhou para o quarto de Susannah.

352
CAPÍTULO 18

Minerva se deteve dentro da sala de estar de Royce para inspirar e temperar


seus nervos. Uma sombra na sala mudou de forma. Seus sentidos se aguçaram de
repente.
Royce surgiu da penumbra, deixando para trás as sombras. Tirando sua capa e
o colete. Ia descalço, mas ainda tinha posta camisa e calças. Soltou uma taça vazia em
uma mesa auxiliar.
—Já era hora.
Não é que estivesse de mau humor, mas pôs ênfase em cada uma das palavras
à medida que se ia aproximando dela.
—Ah... — disse, captando a mensagem, mas levantando as mãos para manter
a distância.
Mesmo assim, ele chegou a seu lado, mas não fez o que ela esperava. Suas
mãos a seguraram por trás da cabeça, inclinou-a para trás e desceu a sua para capturar
sua boca com seus lábios.
Aquele beijo a sobressaltou transbordando todos os limites, inundando
qualquer vestígio de racionalidade que ficasse na maré ardente do desejo. A paixão se
desatou. As chamas do fogo da atração os lamberam, chispando, famintas.
Ela, como sempre, caiu na delícia de sentir-se desejada com tanta força,
daquela maneira, naquele nível. Suas mãos se fecharam atrás de sua cabeça, enquanto
que sua boca, seus lábios, sua língua, reclamavam-na e a possuíam, vertendo tal
quantidade de paixão desenfreada, de desejo desatado, através dela, que não fez a
não ser afundá-la no prazer, para que ela instantaneamente respondesse com o
arqueio de seu corpo.
Suas mãos apertaram seu torso, através do fino tecido de sua camisa, e sentiu
o calor de seu corpo e sua dureza. Implacável, exigindo, quase dirigindo-a, sentindo
que ele era todo chamada e luxúria.
Através de seu toque e o aperto de suas mãos, surpreendentemente, parecia
que a desejasse ainda com mais paixão que a noite anterior. Longe de minguar, aquela

353
ânsia se foi assentando gradualmente, e o apetite de ambos apenas cresceu e cresceu.
De maneira escalada e profunda. Seus dedos se introduziram por sua camisa, o
beijando de novo, com uma intensidade equânime ao primeiro. Se parecia que ele
jamais poderia saciar-se dela, para ela ocorria o mesmo.
Aquele pensamento a fez recordar que era o que precisava nas horas
noturnas. Que era o que mais desejava dele. As outras lhe deram direções, não
instruções. Já sabia o que precisava conseguir, assim como também sabia que deveria
improvisar.
Mas como?
Antes de sequer poder pensar, Royce levou a mão até sua cabeça, estendendo
com suas mãos o cabelo de Minerva, para deixar que se intrometesse entre seus
longos dedos. A capa de Minerva deslizou de seus ombros, caindo para formar um
monte de tecido atrás dela. Ele se separou daquele dominante beijo para tocar seu
corpo, justo no momento em que ela se estava ficando sem tempo para planejar seu
próximo movimento.
—Não! — disse, dando um passo atrás, empurrando com sua mão o torso
dele, tentando escapar de seu abraço.
Ele parou e a olhou.
—Hoje quero ser eu a quem conduz este baile.
Aquele foi um ponto crítico; tinha de deixá-la fazer, aceitar o rol passivo, em
vez do dominante, ceder as rédeas voluntariamente... E deixar que ela fosse quem
conduzisse.
Ele nunca compartilhara as rédeas com ela, não por vontade própria. A deixara
explorar, mas sempre sob sua supervisão e permissão, por um tempo limitado, todo
sujeito a suas regras. Ele era um suserano, um rei de seus domínios; ela nunca
esperaria que ele fizesse algo parecido àquilo.
Mas aquela noite estava pedindo, exigindo, que não compartilhasse, mas sim
cedesse sua coroa. Aquela mesma noite, em seu quarto, em sua cama.
Royce entendeu muito bem o que estava pedindo. Algo que nunca concedera
a outra, e que nunca concederia, nem a ela, se tivesse opção, mas não era muito difícil

354
de imaginar de onde ela tirou aquela ideia, nem o que, tanto em sua mente como na
das que a aconselharam, significava. Em resumo, o que significaria aquela capitulação.
E acertaram em cheio.
O que significava que não tinha opção. Não se quisesse que ela levasse seu
diadema de duquesa.
O desejo já se encerrou em seu corpo. Sentia como crescia em seu interior,
como sua mandíbula se esticava enquanto mantinham o olhar, o forçando a assentir.
—Está bem.
Ela piscou. De todas as formas, ela queria que deixasse de agarrá-la sempre
nos braços para levá-la até a cama. Poderia despedaçar sua determinação e seu
discernimento, mas aquela era uma prova, uma que teria de acontecer. Afastando-se,
estendeu ambos os braços.
—Bom, e agora o que?
A parte mais cerebral dele estava intrigado por ver o que é o que ela faria a
seguir.
Ela, sentindo aquele desafio tão sutil, estreitou seus olhos, segurou uma mão
dele e o puxou para seu dormitório.
O olhar de Royce se cravou em seus quadris, com aquele suave bamboleio que
marcavam sob a quase translúcida popelina 14de uma camisola branca resplandecente.
Nenhuma de suas outras camisolas era tão provocante como aquela, com aquelas
longas e entalhadas mangas e aquele pescoço fechado até seu queixo com pequenos
botões, parecia-lhe extremamente recatado... E erótico.
Já que conhecia tão bem o corpo que havia baixo aquela camisola, que aquele
envoltório tão fechado apenas disparava sua imaginação ao pensar no que escondia.
Ela o conduziu até o pé de sua cama.
Soltando-o, empurrou-o sem mediar palavra para que caísse de costas, com
suas coxas justamente na borda do colchão. Ela o posicionou no centro da cama de

14
Popelina: tecido de qualidade superior, de algodão, feito com fios finos e com
a trama bem apertada, macio e
de bom caimento, apropriado para camisas, vestidos, blusas etc.; popeline. (Fonte:
http://pt.wiktionary.org/wiki/popelina)

355
quatro postes, e, agarrando um braço, o levantou, fazendo com que sua mão se
posasse contra a talha que tinha o poste mais próximo de um de seus lados.
—Segure-se aí e não solte.
Fez o mesmo com o outro braço, pondo a mão à altura do ombro, contra o
outro poste esculpido. A cama era larga, mas seus ombros também, e seus braços
igualmente largos. Podia chegar a ambos os braços com facilidade.
Ela logo deu um passo para trás, vendo a imagem, e assentiu.
—Bem, assim está bem.
Para que? Ele estava profundamente intrigado com que ela planejava. Em
tudo o que levava já percorrido neste campo, nunca havia considerado nada da
perspectiva da mulher. Aquela era uma experiência totalmente nova,
inesperadamente intrigante, intrigante de uma maneira muito pouco usual.
Ele já estava excitado desde o momento que fechara suas mãos ao redor de
sua cabeça, desde que seus lábios se encontraram. Ele a tomaria contra a porta de sua
sala de descanso se ela não o parasse, e, apesar de que finalmente o fez, aquela
peculiar proposição que tinha realizado fez o fogo de seu sangue não se apagar.
Ela prendera em mais de uma maneira.
—Não deve soltar desses postes sob nenhuma circunstância, não até que eu o
deixe ir.
Dando a volta, afastou-se dele, e o fogo de seu interior ardeu ainda com mais
força. Seguiu-a com o olhar ao longo de todo o quarto, precavendo-se de como sua
fome aumentava. A curiosidade se equilibrou chegando a certo nível, deixando-o
esperar com um gesto de paciência.
Avançando até onde ele deixara suas roupas penduradas em uma cadeira,
agachou-se para rebuscar entre elas, para logo endireitar-se de novo.
O claro contraste entre as sombras que alagavam o dormitório e a brancura da
luz da lua iluminando-o como se fora um foco impediam de ver o que era o que ela
trazia em suas mãos até que esteve perto.
Seu lenço, um metro e meio do mais fino e branco linho. Instintivamente,
carregou seu peso em seus calcanhares, para sair da cama.

356
Ela se deteve, olhando-o aos olhos, esperando; então ele retificou, inclinando-
se de novo para trás e agarrando os postes mais firmemente.
Ela soltou um pequeno "humph" de desaprovação e caminhou até ficar em um
dos lados da cama. Os edredons produziram um pequeno ruído enquanto ela subia, e
logo se fez o silêncio. Ela estava na cama, um pouco separada dele, fazendo algo. Seu
olhar não estava posto sobre ele.
—Esqueci dizer... Que não está permitido falar. Nenhuma palavra. Esta
história a escrevo eu, e você não tem nenhuma linha de diálogo.
Ele bufou para si. Raras vezes falava nestas situações. As ações falam mais que
as palavras em segundos.
Então ela se aproximou dele. Este sentiu como ela ia subindo por seus joelhos.
Seu fôlego roçou sua orelha ao murmurar:
—Acredito que será mais fácil se... — disse, enquanto seus braços se elevavam
sobre sua cabeça — não pode... — Agora, pôde ver seu lenço, dobrado, formando uma
banda — ver.
Minerva pôs a banda sobre os olhos dele, para logo enrolar o longo lenço
várias vezes ao redor de sua cabeça antes de amarrá-lo na parte de trás.
Aquele lenço o deixou totalmente às cegas. O material tampava
completamente sua visão, lhe apertando os olhos. Nem podia abrir as pálpebras.
Cego como estava, seus outros sentidos se expandiram, fazendo-se mais
agudos.
Voltou a falar em seu ouvido.
—Recorde: nem pensar em se soltar dos postes.
Sua essência. Seu quente fôlego no lóbulo de sua orelha. Interiormente, riu de
maneira cínica. Como ia conseguir ela para tirar sua camisa?
Ela deslizou fora da cama, ficando ante ele.
Aquele sutil calor corporal. A leve fragrância de seu perfume. A ainda mais
sugestiva, embora mais primitiva, e imensamente mais excitante fragrância dela, a
única que desejava com todo seu corpo, e que é a que a mulher desprende para
indicar que está pronta para ele. Ainda tinha aquele sabor em sua boca e gravado a
fogo em seu cérebro.

357
Cada um dos músculos de seu corpo se endureceu. Sua ereção se fez ainda
mais rígida.
Ela estava apenas a um metro e meio de distância. Para ele, com suas mãos
presas a seus postes, era impossível alcançá-la.
—Mmmmm... Como começamos?
Por meu cinto, e logo abaixo.
—Pois com o mais óbvio.
Aproximando-se dele, apoiou parte de seu corpo sobre o seu, e puxando sua
cabeça para trás, o beijou.
Não dissera que não podia devolver os beijos, assim entrou em sua boca com
todas suas forças, aceso por aquele sabor que tanto ansiava. Por um momento, as
pernas dela fraquejaram, caindo, sem remédio, na paixão que ele tinha desatado,
enquanto que seu corpo caía irremediavelmente contra o dele, dobrando-se,
prometendo liberar a tensão que ele sentia na parte baixa de seu ventre. Sem fôlego,
ela se inclinou para trás, rompendo o beijo.
Incapaz de ver, não pôde retomar o que ela havia afastado.
Ela respirava rapidamente.
—Está faminto.
Aquele era um fato irrefutável.
Ele sufocou um grunhido quando o corpo dela se separou do dele, apertando
suas mandíbulas para controlar o impulso de agarrá-la e trazê-la de novo para ele.
Pousando suas mãos em seus ombros, foi descendo-as por seu torso
lentamente, até seu abdômen, medindo-o provocativamente. Para finalmente parar
em seus quadris e continuar, até suas calças, contornando sua ereção, até chegar a seu
amplo zênite com seus dedos, para logo segurá-lo com toda sua palma, cálida e
flexível, em toda seu pulsante longitude.
—Impressionante — disse apertando-a com firmeza e depois soltando-a.
Ele soltou um vaio, enquanto seus dedos se incrustavam no poste esculpido.
—Espere.
Ela o deixou, ficando na parte de trás da cama, justo detrás dele. Puxou da
parte de baixo de sua camisa, subindo-a da cintura, tirando-a do cinto. Sem abri-la,

358
colocou suas mãos por baixo do tecido, passando suas mãos por suas costas, muito
lentamente, até seus ombros e logo por seu torso. Os topos de seus peitos turgentes
acariciavam a parte de atrás de sua camisa, enquanto que com os joelhos se segurava
aos quadris.
Ela ainda estava totalmente vestida, ao igual a ele, embora ele, totalmente
cego, e com seu outros sentidos alerta, aquelas carícias se faziam imensamente mais
eróticas.
Ele era um escravo, e ela sua ama, tentando possuí-lo pela primeira vez. Ele
tomou uma longa aspiração, enquanto seu torso suava copiosamente sob suas mãos.
Pulverizando-o por ambos os lados, percorreu a parte superior de seu peito até chegar
a sua cintura.
Ela seguiu acariciando sua sensibilizada pele, passando suas mãos por todo
seu corpo, livres debaixo de uma camisa que agora estava totalmente solta de sua
cintura.
Cego como estava, ele tentou virar sua cabeça para senti-la melhor. Vendo
aquele movimento, ela sorriu. Ainda detrás dele, sentou-se sobre seus tornozelos e,
segurando a costura lateral de sua camisa, disse:
—Sabia que inclusive os melhores alfaiates sempre usam um fio muito fraco
nas costuras de suas camisas, assim, se a camisa se engancha ou sofre um puxão, o
que cede é a costura em vez do tecido?
Ele ficou totalmente quieto. Ela deu primeiro um puxão de prova, e a costura
cedeu, com um som que lhe pareceu muito satisfatório. Puxando mais, rompeu a
costura lateral e a da manga, até o punho. Desfazendo os cordões, já tinha um dos
lados da camisa aberto.
Repetiu o exercício no outro lado, para logo dar a volta na cama, afastando os
recortes soltos que ficaram dos lados da camisa.
—Pergunto-me o que é o que pensará Trevor quando a vir.
Totalmente satisfeita, ela agora desatou os laços que ficavam em seu pescoço.
A excitação chispou em seus olhos quando ela finalmente pôs ambas as mãos sobre a
costura central.
—Bom, vejamos agora...

359
Pegando um forte puxão, a camisa se partiu em duas, de cima abaixo.
—OH, sim — disse ela, deleitando-se ante a visão de seu torso nu, enquanto
que deixava que os restos do agora destroçado objeto deslizassem, emoldurando toda
aquela superfície musculosa.
Banhado pela chapeada luz da lua, cada uma de suas curvas brilhava, e cada
perfil de osso e tendões ficava claramente marcado.
Ele aspirou, e seus músculos se esticaram, enquanto que suas mãos se
seguravam ainda com mais força.
Lentamente, ela voltou a subir na cama, ficou de novo de joelhos detrás dele
e, agarrando a camisa pelos ombros, lançou-a ao chão.
Apesar de que suas costas estarem entre sombras, havia luz suficiente para
poder vê-lo. Os enormes músculos, flexíveis e poderosos, a quinta essência da
escultura masculina esculpida em músculo e osso e coberta de pele cálida. Ela
repassou com um dedo cada uma das partes. Sua tensão aumentou. Abraçando suas
costas, tocou com seus lábios seu ombro, seguindo uma linha de novo com seus dedos
até chegar a sua cintura.
Seu estômago se contraiu, deixando que seus dedos desabotoassem os
botões. Enquanto que os lábios seguiam a curva de seu ombro, abriu por fim a metade
alta da calça, deixando livre sua ereção. Tendo muito cuidado de não tocá-la, puxou
suas calças para baixo, além de seu quadril, até suas coxas, até que finalmente, caíram
ao chão.
Com seu corpo nu à luz da lua, com os braços estendidos, e os músculos
tensos enquanto ele seguia preso aos postes. A única coisa que ainda levava era
aquela enfaixa sobre os olhos.
De repente, seus pulmões se esticaram quando ela acariciou lentamente seus
ombros, seguindo os enormes músculos; de sua coluna até chegar à curva que
começava a formar seu traseiro. Passando agora suas mãos através das tensas
nádegas, levou-as mais à frente, apoiando seus braços no colchão para chegar e
acariciar suas coxas até onde pôde chegar.
Royce jogou sua cabeça para trás, com a respiração entrecortada.

360
Agora, retirando suas mãos, agarrou os lados de seus quadris, fazendo que
suas coxas se relaxassem, aproximando-se ainda mais às suas costas. Apoiou sua
bochecha contra seu ombro, acariciando agora além de seu abdômen. Fechando os
olhos, encontrou sua ereção, fechando sua mão ao longo de toda sua longitude.
O duque ficou sem respiração, em uma exalação curta e seca, enquanto ela
subia e descia sua mão, enquanto com a outra, chegava ainda mais a frente,
acariciando seu duros testículo, sopesando-os.
Os pulmões de Royce incharam e seu corpo ficou tão tenso como sua ereção,
enquanto ela seguia ocupada nela com uma mão enquanto que a outra seguia em sua
masculinidade, as acariciando e brincando com elas. A sensação de posse foi
crescendo. Apertou os dentes, reprimindo uma maldição.
Nunca havia sentido nada parecido. Sem poder ver nada, todas as suas
reações eram provocadas por seus toques e sua imaginação. Seus atos lascivos o
faziam imaginar a figura de uma lasciva e sedutora sereia, que se apropriava de sua
vontade e que podia fazer com seu corpo o que ela quisesse, com total impunidade.
Foi ele quem lhe outorgou esse poder, com suas mãos firmemente incrustadas
nos postes, sem movê-las, enquanto que seus dedos pareciam fundidos com a
madeira, acrescentando com aquilo outra capa a já de por si transbordante
sensualidade.
Sua mão se fechou firmemente. Seu corpo estremeceu, enquanto que suas
mandíbulas voltavam a apertar-se dolorosamente, lutando contra o impulso de
bombear com seus quadris, fazendo com que sua ereção se movesse em sua mão
apertada. Ansiava desesperadamente rasgar sua camisola, deixando exposta toda sua
anatomia de sereia, antes de ficar em cima dela e penetrá-la.
Royce ardia de desejo de possuí-la com a mesma intensidade calculada com a
que estava possuindo a ele. Ao longo das noites passadas, ela tinha aprendido quais
carícias e coisas lhe causavam mais prazer e agora estava aplicando esse
conhecimento... Muito bem.
Jogando a cabeça para trás, lutou, com cada músculo em tensão.
—Minerva! — disse em uma súplica que não pôde reprimir.

361
Seu cabo se aliviou, assim como suas carícias. Sua mão deixou seu testículo e
assim pôde respirar de novo.
—Não se pode falar, recorde-se, a menos que queira suplicar.
—É o que estou fazendo — disse ele, quase sem voz.
Fez-se um silêncio, e logo ela riu. Uma risada potente, abafadiça, de sereia.
—OH, Royce, que mentiroso. O único que quer é tomar o controle, mas, desta
vez, não.
Minerva mudou de posição, mudando também seu aperto.
—Não esta noite. Esta noite, você me cedeu o controle — Levantando a
cabeça, murmurou no ouvido dele. —Esta noite, você é meu — Seus dedos se
fecharam definitivamente sobre sua ereção. — Meu para tomar, meu para me saciar.
Seu fôlego agora refrescava sua orelha, enquanto repassava com o polegar a
cabeça de seu membro.
—Todo meu.
As sensações dispararam em seu interior. Royce juntou seus joelhos em um
espasmo, aspirando profundamente. Aceitara aquilo, e agora, o único que podia fazer
era tentar resistir.
Afrouxando seu aperto, mas sem deixar de sustentar sua ereção, deslizou por
debaixo de seu braço e subiu à cama. Tomando o membro ferreamente de novo, ficou
ante sua virilidade. As pregas de sua camisola oscilavam sobre seus pés. Aproximando-
se mais para ele, chegou até sua cabeça, o beijando profundamente. Entre eles, sua
mão seguia agarrando sua ereção. Ele a deixou seguir comando, sem fazer nada salvo
segui-la. Ela sorriu dentro de sua boca, para logo juntar de novo seus lábios.
Em um movimento sinuoso, flagrante e claramente erótico, seus seios, quadris
e coxas o acariciaram, enchendo seus sentidos com imagens de suas contorções,
libertinas, cheias das mesmas ânsias, com a mesma urgência e o mesmo desespero
que ele sentia.
Minerva separou seus lábios e foi descendo, marcando seu caminho com seus
lábios, e ele, com a cabeça para trás e as mandíbulas apertadas, esperou, rezando,
desejando... e temendo.

362
A governanta começou a baixar seus lábios lentamente por sua ereção, muito
devagar, introduzindo-a lentamente no interior de sua boca, cada vez mais
profundamente, até que ele sentiu as úmidas qualidades de sua garganta até seu
testículo.
Lenta e deliberadamente, ela o reduziu a um mero corpo desesperado e
trêmulo.
E não podia detê-la.
Ele seguia sem ter o controle. Estava a sua mercê, completa e absolutamente.
Com as mãos sobre os postes, incapaz de ver, tinha de render-se a ela, ceder
seu corpo e seus sentidos para que ela fizesse o que quisesse com ele.
A um batimento do coração do ponto de não retorno, ela diminuiu seu ritmo e
se separou.
Seu peito exalou de novo. O ar da noite estava frio contra sua pele úmida e
cálida. Ela o liberou, deu a volta e se elevou. Os dedos finalmente soltaram sua erguida
ereção, subindo de novo para cima para jogar sua cabeça para trás, o beijando, mas
brevemente, mordendo levemente seu lábio inferior, puxando-o com suavidade e
trazendo de novo sua atenção sobre ela.
—Deve escolher. Prefere ver ou prefere tocar?
Ele queria com todas suas forças pôr suas mãos sobre ela, queria sentir sua
pele, suas curvas, mas se não pudesse ver...
—Tire a venda dos olhos.
Minerva voltou a sorrir. Se apenas olhasse, a coisa duraria, mas com suas
mãos livres, o controle que tinha sobre ele não duraria muito.
E ela queria mantê-lo durante mais tempo.
O ambiente se estava condensando, a essência da paixão e o desejo formavam
um miasma a seu redor. O sabor salgado de seu despertar deixava um frescor em sua
língua. Queria tentá-lo até seu ápice, mas aquela dor oca que tinha entre suas coxas
era já irresistível. Ela precisava dele já, desesperadamente, e ele queria que ela se
sentasse sobre sua ereção. Um precisava do outro para completar sua culminação.
Minerva subiu até sua boca até que ele baixou sua cabeça. Agarrou o nó da venda de

363
seus olhos, e, segurando uma de suas pontas, puxou, desenredando-o, e deu um passo
para trás. Ele piscou, tentando recuperar a visão.
Seus olhos ardiam e ferroavam.
Ela o tomou, tentando não pensar em sua força, de que era seu controle o que
outorgava a ela certos momentos de controle.
—Junte os pulsos e coloque-os à sua frente.
Lentamente, ele soltou os postes que até agora esteve agarrando com aquela
força, flexionou seus braços, e logo juntou os pulsos, tal e como pedia.
Amarrou ambas as mãos com o lenço. Logo, abrindo sua palmas, pousou seus
rastros sobre seu peito, empurrando levemente.
—Sente-se e então se deite suas costas.
Ele se sentou, depois se inclinou de costas sobre a colcha escarlate bordada
com ouro.
Segurando-se sobre um dos postes e levantando a camisola, subiu sobre ele,
com os joelhos em ambos os lados de seu corpo, olhando-o de acima.
—Agora ponha suas mãos na parte superior da cama, por cima da cabeça.
Em poucos segundos, ele jazia totalmente estirado sobre a cama, com as mãos
acima de sua cabeça, com os pés saindo do colchão.
Jazia ali, nu, delicioso, totalmente excitado, preparado para que ela o tomasse.
Olhando-o fixamente, voltou a segurar sua ereção com uma mão e com a
outra se levantou a camisola para poder sentar-se sobre seu quadril. Baixando seus
joelhos, abriu a camisola. As dobras caíram sobre seu ventre. Ele seguia todas as suas
ações enquanto ela guiava o palpitante topo de sua virilidade entre aquelas dobras de
sua roupa, e logo se inclinou um pouco para trás. Ela foi descendo pouco e para trás,
introduzindo lentamente toda aquela túrgida longitude em seu corpo.
Ela baixou mais ainda, até que o tomou completamente, sentada sobre seus
quadris, empalada, cheia dele. Ele a empurrou com o quadril, completou-a. A
longitude e fortaleza dele a fazia sentir incrivelmente bem em seu próprio coração.
Ela voltou a olhá-lo nos olhos, levantou-se lentamente e lentamente voltou a
descer.

364
Seus dedos se cravaram em seu peito, e ela mudou de ângulo e de ritmo, até
que encontrou o que ela queria, um que pudesse manter, deixando que ele se
introduzisse nela profundamente e depois deixando que saísse quase completamente.
Ele apertou a mandíbula e os punhos. Seus músculos se endureceram, esticando-se,
enquanto que ela se dedicava a dar cada ápice de prazer que podia dar.
Mas não era suficiente.
Presa em sua vista, totalmente alerta de tudo o que podia ver nas escuras
profundidades de seus olhos, enquanto que seu corpo se estirava, lutava contra seu
controle, enquanto também o fazia contra seus próprios instintos para não dar tudo o
que realmente desejava dar.
Nesse momento, ela sabia. Tanto por ela, como por ele, que nunca teriam o
suficiente. Ela tinha que dar, que mostrar tudo o que ela era, tudo do que era capaz e
tudo o que ele podia ser por ela.
Tudo o que podia lhe outorgar.
Tudo o que estava florescendo em seu interior.
Agarrando sua camisola, a puxou, tirando-a por cima e lançando-a ao ar. Sua
vista imediatamente desceu para o ponto pelo que estavam unidos. Ela não podia ver
o que ele sim via, mas podia imaginar o suficiente. O calor entre suas pernas quase a
queimava. Entre eles, ele cresceu, endurecendo-se. Sentiu a mudança entre suas
coxas, na profundidade de suas vísceras. Olhou-o brevemente em seu rosto, logo
voltou a baixar a vista. Seus quadris ondulavam sob os dela. Ela deveria dizer que
parasse, que se ficasse quieto, mas não o fez. O fôlego se secava em sua garganta,
arqueando-se para trás. Levantando a cabeça, cruzou os braços detrás dela, com o
cabelo caindo em cascata sobre seus ombros, os olhos fechados, deixando-se levar por
aquele prazer assustador, cavalgando-o cada vez com mais e mais força.
E ainda não era suficiente. Precisava dele mais em seu interior.
Ela gemeu, desesperada.
Ele blasfemou. Passou suas mãos atadas por detrás da cabeça dela,
prendendo-a entre seus braços. Virando suas palmas, as pôs contra suas costas,
olhando-a fixamente aos olhos, movendo-se entre suas coxas, logo acelerando seu
movimento, penetrando-a cada vez mais, elevando-a com a força de seu impulso.

365
Então se assentou em um ritmo forte. Seu olhar baixou até seus lábios, a
centímetros dos dele.
—Ainda tem o controle — disse, a olhando de novo nos olhos. — Diga se você
gostar.
Royce se inclinou, pondo seus lábios sobre seu mamilo. Minerva gemeu de
prazer. O duque a lambeu, e ela ficou sem ar. Afundando suas mãos em seu cabelo,
atraiu-o ainda mais para seu corpo. Segurou-o enquanto continuava com aquele
movimento de bombeamento, agradando-a, enquanto aproximavam-se juntos, e os
sons e as essências de sua união enchiam seu cérebro, excitando-os ainda mais,
reconfortando-os.
Ela queria mais.
Mais dele.
Tudo dele.
Queria o que lhe estava fazendo.
Agarrando a cabeça dele entre as mãos, obrigou-o a olhar para cima.
Quando o fez, seus olhos escuros flamejavam, e seus lábios estavam formando
uma careta pícara e suja. Ela murmurou:
—Suficiente. Por favor, tome e termine com isto.
Seu ritmo entre suas pernas não diminuiu. Ele olhou a penetração.
—Está segura?
—Sim.
Estava mais segura do que de qualquer outra coisa no mundo. Ela, diminuindo
seu próprio ritmo, decidiu perder-se em seus olhos.
—Quando o desejar, quando quiser.
Por um longo instante, ele manteve seu olhar.
E então ela se tombou de costas, deixando cair sobre a cama, pendurando da
prudência enquanto suas coxas apertavam ainda com mais força, enquanto ele
mantinha suas mãos enlaçadas detrás de sua cabeça, enquanto ele empurrava mais
forte e mais profundamente em seu interior.
A prudência finalmente se quebrou enquanto ela chegava ao clímax.

366
Royce ficou sem ar, lutando por aguentar, para que ele pudesse saborear sua
liberação, mas as contrações eram tão fortes, tão bruscas, que o provocaram, até que
em um amortecido rugido ele a seguiu ao êxtase, liberando-se, depois de reprimir-se
durante tanto tempo, rodando, arrastando-se, explorando, deixando-o totalmente
sem forças, um casca de ovo vazio em uma maré emocional, voltando para a vida
enquanto a glória se escorria, o enchendo.
Enquanto seu coração voltava a ter um ritmo normal, e ele recuperava a
respiração, através das neblinas de seu cérebro, ele sentiu como seus lábios beijavam
brandamente sua têmpora.
—Obrigada.
As palavras eram meros sussurros, mas ele as ouviu e lentamente sorriu.
Era ele o que tinha que agradecer.
Um tempo depois, finalmente conseguiu reunir as forças suficientes para
levantar-se de cima dela, rodar e ficar de costas e, com os dentes, soltou as mãos.
Ela jazia junto a ele, mas não estava dormindo. Ainda sorrindo, ele a elevou,
tirando-a de entre os lençóis, para deixá-la cair entre os travesseiros, sustentando-a
ainda entre seus braços, e jogar os cobertores por cima deles. Sem mediar palavra, ela
se acomodou em seu peito, totalmente relaxada.
O prazer, de um uma profundidade e uma qualidade que jamais poderia
imaginar que pudesse sentir, atravessou-o de novo, assentando-se em seus ossos.
Inclinando sua cabeça, olhou ao rosto dela.
—Passei na prova?
—Humph, eu diria mais que isso — disse, indo muito devagar até o outro
extremo da cama. — Dei-me conta que mas bem era uma prova para mim que para
você.
Seus lábios se curvaram formando um sorriso mais profundo. Ele se perguntou
se ela seria capaz de vê-lo. Com a cabeça muito mais lúcida, recordou tudo o que
acontecera e, mais ainda, o que sentira, tudo o que haviam compartilhado, utilizado e
revelado nesta última hora.
Ela ainda estava acordada, esperando ouvir o que ele queria dizer.
Então foi ele quem a beijou na têmpora.

367
—Tem que saber — disse em um tom de voz que fazia que escutasse tudo o
que ele queria dizer — que lhe darei isso tudo, tudo o que tenho para dar. Não há nada
que me possa pedir que não lhe queira outorgar. Tudo o que tenho e tudo o que sou é
teu.
Cada uma daquelas palavras soou com um absoluto e imutável
convencimento.
Passou outro longo momento em silêncio.
—Acredita em?
—Sim.
Ela deu a resposta sem hesitar.
—Bem — disse sorrindo e deixando cair sua cabeça no travesseiro, abraçando-
a. — Agora durma.
Sabia que aquilo parecia uma ordem, mas não importava. Ouviu seu suspiro,
sentindo como ela tinha o último estremecimento, até que o sono a acolheu.
Fazendo caso de seu próprio conselho, estirou suas pernas e se deixou levar
pelo sono.

368
CAPÍTULO 19

Alguns minutos antes do amanhecer, Minerva voltou sem fazer ruído a seu
quarto e, após meter-se na cama, lançou um longo suspiro. Não podia deixar de sorrir.
Royce tinha passado com acréscimo sua prova. Inclusive sem que pudesse prometer
amor eterno, o que prometera lhe assegurava mais que um consolo. Ele lhe deu tudo o
que pedira. E agora o que?
Ainda não estava plenamente segura de que o que agora ardia com tanta
intensidade entre eles não morrera em um futuro. Poderia então ela aceitar a oferta
que propunha? Ou era melhor não arriscar?
Ela piscou, sentindo como um frio calafrio percorria seu corpo, ao pensar
realmente na alternativa a aceitar que tinha, que era a de rechaçá-lo. Dar as costas a
tudo o que poderia ser e partir. A ideia se formou pela primeira vez em sua mente, e a
verdade ficou clara.
—Maldito escocês — disse deixando cair nos travesseiros. — Tinha razão!
Por que demorou tanto para perceber?
Porque estava olhando para Royce e não a mim. Amo-o, pensou das
profundidades de sua alma. Não importa os sintomas de amor que ele tenha, agora sei
que meu coração nunca mudará.
O amor e a obsessão cresceram até converter-se em algo mais, algo mais
poderoso, algo mais profundo, sem possibilidade de negá-lo, imutável. Todos os
estados pelos quais passou não fizeram mais que reafirmá-la em sua postura. Cômoda,
esclarecedora, pormenorizada... Sim, no fundo, amava-o, e, tal e como Penny disse, o
amor não era uma emoção passiva. O amor nunca a deixaria abandoná-lo e deixá-lo
lado, nunca a deixaria comportar-se de maneira tão covarde como para não pôr seu
coração em risco.
O amor exigiria, de fato, seu próprio coração.
Se queria amor, precisaria arriscar-se. Devia dá-lo e teria de render-se ante
ele.
O caminho que a esperava de repente se fez claro como o cristal.

369
—Sua Excelência, estarei encantada de aceitar sua oferta.
Seu coração, literalmente, subia aos céus para ouvir suas próprias palavras,
palavras que acreditava que nunca ia pronunciar. Seus lábios se curvaram e se
curvaram ainda mais. Seu sorriso era glorioso.
A porta se abriu. Lucy entrou.
—Bom dia, senhorita. Preparada para o grande dia? Todo mundo está já
reunido abaixo nas escadas.
—OH, sim — disse ela ainda sorrindo.
Mas, para si, amaldiçoou. Faltava um dia para os festejos. O único dia do ano
no que não teria nem um só momento de descanso.
Ou para Royce.
Amaldiçoou de novo e se levantou.
E assim começou o dia, em um torvelinho de atividade concernente aos
preparativos. O café da manhã foi um bocado no ar. Royce, de maneira muito sábia,
levantou-se cedo e saíra. Todos os convidados tinham já chegado. O salão era muito
bate-papo e saudações. É óbvio, suas três mentoras estavam ansiosas de ouvir sua
notícias. Dadas as circunstâncias, o melhor que podia fazer era esboçar de novo seu
radiante sorriso. Elas perceberam, interpretaram devidamente e se aproximaram.
Letitia lhe deu um tapinha no ombro.
—É maravilhoso! Mais tarde tem de nos contar os detalhes.
E mais tarde deveria ser por força, já que fazia muito tempo que o serviço não
se ocupava de um festejo tão grande, e o pânico ameaçava em mais de uma frente.
O chá e as torradas desapareceram, assim Minerva correu para o salão
matinal. Ela e Cranny mantiveram um ritmo frenético durante uma hora, assegurando-
se de que entre as tarefas do dia se incluíssem tudo o que precisavam. A governanta
apenas teve uma pausa quando Letitia, Penny e Clarice entraram pela porta.
—OH.
Ao encontrar o brilhante olhar de Letitia, Minerva tentou centrar sua mente.
—Não, não — disse Letitia, sorrindo e dando a entender com suas mãos que
não se esforçasse. — Por muitas vontades que tenhamos de escutar cada mínimo

370
detalhe, agora está claro que não é o momento. A propósito disso, vínhamos a
oferecer nossa ajuda.
Minerva piscou, enquanto Letitia se sentava, olhando para Penny e Clarice.
—Não há nada pior — disse Penny — que estar sem ter nada a fazer,
esperando.
—Especialmente — acrescentou Clarice — quando há tanto em que nossos
talentos podem ser de utilidade, digamos, por exemplo, na feira — disse, sentando-se
no sofá — assim nos diga, o que há em sua lista em que possamos ajudar?
Minerva se precaveu de suas expressões de desejo e olhou a lista de tarefas.
—Há vários torneios de arco e flecha e...
Uma vez divididas as tarefas, ordenou que trouxessem o landau15, enquanto
as outras pegavam suas mantas e gorros, pegando ela mesma os seus e indo correr a
falar com Retford. Ele e ela discutiram diferentes divertimentos para os convidados do
castelo, a maioria dos quais ficariam durante todo o dia, para logo apressar-se a reunir-
se com os outros no salão principal.
No caminho à zona de festejos, que não era outro que o que estava além da
igreja, concretizaram os detalhes dos trabalhos que cada uma delas realizaria. Ao
chegar ao campo, que já transbordava de atividade, trocaram olhares e colocaram
mãos à obra. Inclusive delegando trabalhos tal e como fez, cumprindo a lista de tarefas
que se atribuiu, organizando e discutindo tudo, coisa que levou horas. A feira de
Alwinton era a maior da região, aonde granjeiros de todo o condado vinham desde
quilômetros de distância, de além das colinas e os vales da Fronteira, assim como
viajantes, comerciantes e artesãos que vinham desde Edimburgo para vender seu
gênero. Além de todo isso, a zona dedicada à agricultura também era enorme. Apesar
de Penny estar fiscalizando os preparativos para as lutas de animais, Minerva deixara a
zona produtiva sob sua própria supervisão. Havia muitos postos envoltos, muitas
rivalidades para mediar.

15
No original, está landó, que se refere a um tipo de carruagem puxada por cavalos, com cabotas
dianteira e traseira, que podem ser usadas abertas ou fechadas (Fonte:
http://lema.rae.es/drae/?val=fibra).

371
Logo estavam as discussões. A feira era um dos eventos nos que o povo da
Fronteira aproveitava tradicionalmente para comprometer-se ante um sacerdote,
depois pular sobre um cabo de vassoura16 e deixar bem patentes suas intenções de
continuar juntos, vivendo e compartilhando durante o próximo ano, assim Minerva foi
procurar entre aquela gritaria o reverendo Cribthorn.
—Este ano temos nove casais — comunicou ele. — Sempre é uma satisfação
ver o começo de uma nova família. Para mim, é um dos prazeres de meu trabalho.
Depois de confirmar o lugar e o momento no que iam tomar lugar as
cerimônias, voltou de novo para os outros afazeres. Através de um oco no meio do
bulício, viu a figura de Royce. Estava rodeado de uma multidão de crianças, todos o
chamando e tentando captar sua atenção.
Esteve todo o dia ocupado, dirigindo e, para seu assombro, ajudando vários
grupos de homens que estavam trabalhando montando tendas e toldos, cenários e
postes. Apesar de que, entre eles, tivessem trocado multidão de olhares, ele evitou
aproximar-se dela e assim... Distraí-la.
Mesmo assim, ela continuava sentindo seu olhar, notando inclusive como às
vezes passava perto através da multidão.
Ao momento ele estava bastante ocupado absorto no trabalho, assim que ela
se permitiu dar uma pausa e ficar olhando-o um momento, recreando-se em vê-lo
realizar o que ela se precaveu que eram suas primeiras responsabilidades de
juventude.
Ele não se esqueceu da ponte de passagem, e, portanto, os encarregados de
Harbottle tampouco. Hancock, o carpinteiro do castelo, deslocou-se até lá para
fiscalizar a reconstrução e dar um relatório a Royce.
Cada um dos vizinhos, ao vê-lo pela primeira vez ali, com seu porte dirigente,
sua altura, sua capa de perfeito corte, suas calças de camurça e aquelas botas altas,

16
Sobre pular sobre um cabo de vassoura, encontrei issa aqui: "Pular a vassoura" é uma tradição pagã ,
na qual o noivo e a noiva pulam juntos por cima do cabo da vassoura é uma antiga forma de cerimônia
comum de casamento, praticada em certas regiões da Escócia, Dinamarca e China, e muito popular
entre os ciganos. Pular vassoura é um ritual para noivos terem vida cheia de alegria. Simbolicamente as
vidas de solteiro são varridas para o passado.
(http://magiasefaznacozinha.blogspot.com.br/2009/07/pular-vassoura-casamento-pagao.html)

372
ficavam quietos, olhando-o. Durante o momento que ela o esteve observando, a
senhora de Critchley, que vinha de além de Alwinton, parou, boquiaberta.
Seu pai nunca atendeu daquela maneira os festejos, e mais, seu pai nunca
houvesse sequer assistido e muito menos ser um mais entre a comunidade. Fora seu
governante, mas nunca um deles. Royce governaria sobre sua gente da mesma
maneira que seus ancestrais fizeram, mas não de maneira tão distante, tão afastada.
Agora, ele era um mais entre aquela horda ruidosa que o rodeava. Ela já não precisava
pensar mais sobre as expectativas dele. O sentido de dever que tinha aquele homem
para aqueles os que governava, para seu povo, mostrou tudo o que ele tinha feito. Era
uma parte essencial do que ele era.
Reservado, arrogante, seguro de si, era um Wolverstone, um suserano em
toda regra e, utilizando o poder que fora concedido por nascimento, reescreveu seu
papel de senhor, de uma maneira muito mais conscienciosa, mais fundamental e
progressista, que ela nunca imaginaria.
Vendo-o rodeado de crianças ou como girava a cabeça para rir de um
comentário do senhor Cribthorn, sentiu que em seu coração quase nasciam asas.
Esse era o homem que ela amava.
Ele era quem era, ainda com suas falhas, mas o amava com todo seu coração.
Tinha que voltar para seus afazeres, assim teve de esforçar-se por reprimir
aquelas emoções que alagavam seu interior, para assim poder seguir sorrindo
enquanto cumpria devidamente com suas obrigações. Assim, com seu perene sorriso,
levantou a cabeça, inspirou profundamente e voltou para multidão, inundando-se em
tudo o que tinha por diante para fazer.
Mais tarde.
Mais tarde poderia falar com ele, aceitar sua oferta e oferecer seu coração,
sem reservas.
—Sem dúvida, é graças à ajuda que me outorgaram o que posso voltar para
casa antes do anoitecer, a tempo para o chá.
Afrouxando o avental, Minerva sorriu a Letitia, Clarice e Penny, todas, ao igual
a ela, totalmente exaustas, mas satisfeitas com o que realizaram durante o dia.

373
—Foi um prazer para nós — respondeu Penny. — De fato, acredito que
sugerirei a Charles que fique com algumas ovelhas desse boiadeiro, Ou'Loughlin.
Ela sorriu, mas não mencionou a opção que era Hamish, distraída pelo relato
de Clarice sobre o que vira entre os postos de artesanato. Quando chegaram ao
castelo, estava mais que segura de que suas ajudantes não encontraram suas tarefas
muito onerosas. Desmontando dos carros que as traziam de volta, entraram no castelo
para unir-se aos demais no chá de meia tarde.
Todas as damas estavam presentes, mas havia apenas um punhado de
homens, já que a maioria pegara armas e montarias, ou as varas de pescar, e
desaparecera nas primeiras horas do dia.
—Ao final foi boa ideia animá-los a que se fossem — disse Margaret —
sobretudo, se quisermos que nos peçam para dançar na feira de amanhã.
Sorrindo para si, Minerva deixou a reunião e subiu pelas escadas principais.
Não estava segura de haver acabado com todos os preparativos do castelo em si, assim
foi verificar o tudo nas listas que deixara na habitação matinal da duquesa.
Havia quase alcançado o pomo da porta, quando esta se abriu por si só.
Royce estava justo ao outro lado.
—OH, assim aqui está.
—Acabo de voltar, ou quase — disse assinalando com um gesto de sua cabeça
para a parte inferior — Acabamos de tomar o chá. Tudo parece ir bem.
—Tal e como resolve tudo sempre que está você como guia — disse,
segurando-a carinhosamente pelo braço, atraindo-a para ele enquanto fechava a porta
às suas costas — Já que estamos, demos um passeio.
Ele enlaçou seu braço com o dela, pondo sua mão também sobre a dela.
Olhando a seu rosto, tão pouco informativo como sempre, enquanto ela caminhava a
seu lado.
—Onde...?
—Pensei... — disse, dando as costas à torre, e, sem que o fato a pegasse de
surpresa, saíram para um pequeno corredor que levava a seus aposentos.

374
Mas ele se deteve alguns passos antes de chegar, olhando a parede e
medindo-a com a mão, até que pressionou sobre um ponto. Uma porta para as
muralhas da torre de menagem se abriu no muro.
—Pensei — voltou a repetir enquanto cruzavam a porta olhando-se aos olhos
— que uma vista do entardecer das muralhas seria um bonito espetáculo para
aproveitar.
Ela riu.
—Junto ao feito da tranquilidade que aqui se respira e também o fato de que
este lugar seja completamente particular?
Talvez tivesse agora a melhor oportunidade para informá-lo de sua decisão?
—Efetivamente — disse Royce, conduzindo-a através das escadas esculpidas
na parede da torre.
Uma vez as subiram por completo, empurraram a porta de entrada, deixando
que a luz entrasse, para logo voltar para a que tinha deixado aberta no corredor,
fechando-a. Então, subindo as escadas de três em três, Royce voltou a aparecer para
reunir-se com ela nas muralhas da torre.
Aquelas eram as muralhas originais, na parte mais alta do castelo. A vista era
espetacular, mas, por uma longa tradição, somente podiam ser desfrutadas pela
família e, mais particularmente, por aqueles que residiam no castelo. Aos convidados
nunca era permitido subir ali, e, durante séculos, os guardas de mais confiança da
família vigiavam o horizonte em busca da presença do inimigo.
Lá, a brisa era mais fresca que na parte baixa. Acariciou e enredou a juba de
Minerva, enquanto ela se mantinha quieta entre as separações que havia nas
castelhanas17, olhando para o norte, além dos jardins, a ponte, o moinho e o
desfiladeiro.
Quando ele se aproximou, ela levantou a cabeça, colocando para atrás o
cabelo.
—Tinha esquecido o frio que faz aqui. Tem frio? — disse pondo as mãos sobre
seus ombros.
17
No arquivo em espanhol, está: “É o nome dado ao projeto distinto, feito com blocos de pedra, que
sempre coroa das muralhas dos castelos murados”.

375
—Não, a verdade é que não.
—Bem, mas no caso de...
Deslizando seus braços ao redor dos dela, ele a atraiu para si, dando suas
costas contra seu peito, envolvendo-a em seu calor. Ela suspirou, relaxando naquele
abraço, quase apoiando-se nele, cruzando seus braços, entrelaçando suas mãos com
as dele enquanto olhava o horizonte. O queixo de roçava o cocuruto de sua cabeça,
enquanto que, também, admirava seus domínios.
Aquele impulso não satisfeito que o fez levá-la até o mirante de Lorde's Seat
semanas antes o provocou agora levá-la até aquelas muralhas, pela mesma razão.
—Tudo o que vê — disse ele — até onde alcança sua vista e as terras de mais à
frente ainda são minhas. Tudo o que permanece sob nossos pés, isso também é meu.
Minha herança, sob meu comando, sob minha absoluta autoridade. O povo é também,
para protegê-lo, para vigiá-lo, seu bem-estar é minha responsabilidade, formando todo
parte de um.
Nesse ponto, ele tomou uma profunda inspiração e continuou.
—O que vê diante de você é parte do que será minha vida. O que a englobará,
e você por si já é uma parte integral dela. Isto era o que queria mostrar no dia em que
a levei a Lorde's Seat. Isto é tudo o que queria compartilhar com você.
Depois de dizer isto, ele ficou um momento olhando sua figura.
—Quero compartilhar minha vida inteira com você, não só a parte material,
não só o fundo social e familiar, a não ser tudo isto também.
Esticando seus braços e apoiando sua mandíbula contra seu cabelo, encontrou
as palavras que durante tanto tempo havia procurado.
—Quero que esteja ao meu lado para tudo, não que seja apenas minha
duquesa, a não ser minha companheira, minha ajudante e minha guia. Agradecerei
que se envolva em qualquer parte de minha vida em que deseje entrar. Se finalmente
aceitar ser minha esposa, não só lhe outorgarei voluntariamente meu afeto, mas
também meu amparo e o direito de estar ao meu lado acima de tudo. Como minha
duquesa, não será apenas uma anexa, a não ser uma parte integral de tudo, que
juntos, poderemos chegar a ser.

376
Minerva não podia apagar o sorriso de seu rosto. Ele era quem era
manipulador até os ossos. Tinha disposto ante ela de maneira muito eloquente o que
ele sabia que seria o maior atrativo que pudesse oferecer... Mas também era sincero.
Total e indiscutivelmente, estava falando desde seu coração.
Se precisava de mais prova para convencer-se, ter fé e seguir adiante e de que
podia aceitar aquele trato e converter-se em duquesa, já as conseguira. Tudo o que
disse estava apoiado no "afeto". Acreditou que suas palavras eram sólidas, tão
imutáveis como os alicerces da torre em que estavam.
Ela sabia que aquela emoção já vivia, retida, mas forte e cheia de vida, em seu
interior. Para assumir aquele a não ser, aquele desafio, destino que ofereciam tão
livremente e que jamais se atreveu sequer a imaginar.
Virando-a, olhou-a ao rosto, fixamente a seus escuros olhos. Eram tão
indecifráveis como sempre, mas seus lábios se torceram em uma careta.
—Sei que não deveria... Que não deveria pressionar você — disse sustentando
o olhar. — Sei que precisa de tempo para assimilar tudo o que disse, tudo o que
aconteceu entre nós, mas eu gostaria que soubesse o quanto significa para mim, para
que assim, sua deliberação se realizasse... De maneira completa.
Ela sorriu ante aquilo. Apesar de sua indubitável inteligência, ainda não se deu
conta de que o amor não precisava de longas horas de meditação.
Ele devolveu o sorriso.
—E agora, vou deixar para você todo o tempo do mundo para que decida. Não
direi mais, não até que me diga que quer voltar a falar sobre este tema.
Baixando sua cabeça, acariciou muito levemente seus lábios com ternura.
Não era algo que pretendesse, mas em seu tom ela percebeu algo que a
recordou de que, em um homem como aquele, conceder tempo era todo um presente.
Sua declaração impactou totalmente em sua mente. Aquele presente não
solicitado, e totalmente desnecessário, merecia entretanto um reconhecimento.
Vendo como seus lábios se separavam, ela ficou nas pontas dos pés, pressionando seus
lábios contra os dele. Estavam sozinhos, ninguém podia vê-los.
Elevado seus braços, envolveu seu pescoço com eles, apertando-se ainda mais
contra ele. As mãos dele se deslizaram até sua cintura, sustentando-a durante um

377
instante. Logo riu levemente, inclinando sua cabeça e lhe dando um beijo ainda mais
profundo.
E se deixou cair nesse prazer que era o desejo mútuo.
Por um longo momento, saborearam o um ao outro, intercambiando a calidez
de seus corpos, aquele bem-estar inerente.
Imediatamente, o fogo da paixão se apoderou deles.
Nenhum dos dois o invocara, mas de repente as chamas apareceram,
lambendo luxuriosamente seus corpos, tentando-os, atraindo-os...
Ambos estavam excitados, sentindo-se, vendo qual era a direção que tomava
o outro.
Ambos se renderam, agarrando-se, capturando-se.
As mãos dele se moveram rapidamente, acariciando suas costas com um
toque de segurança e paixão. Ela afundou suas mãos em seu cabelo, segurando-o
enquanto se davam um voraz beijo, enquanto exigia mais e mais.
Amassando seus seios, beijando-a lentamente, aprisionou-a contra os
inquebráveis muros das muralha.
Em necessidade mútua, seu sangue fervia, e, enquanto ela depositava suas
mãos em sua virilha, lhe levantava as saias. A paixão mútua os estava deixando sem
fôlego, famintos, e, enquanto ele a elevava, segurando-a contra a pedra, afundando-se
nela, e depois aprofundando ainda mais.
O prazer de ambos os prendeu, respirando a baforadas, assumo contra tórax,
e assim ficaram, paralisados, fronte contra fronte, compartilhando até a mesma
respiração, enquanto seus luxuriosos olhares se cruzavam, bebendo da deliciosa
sensação que produzia aquela união, deixando que os empapasse até os mesmos
ossos.
Logo ele fechou seus olhos e rugiu, enquanto ela gemia, um procurando os
lábios do outro, deixando que uma rendição mútua se batesse sobre eles, apanhando-
os.
Um pequeno estalo foi toda a advertência que puderam perceber.
—Meu Deus!
Aquela exclamação foi como se jogassem um jarro de água gelada sobre eles.

378
Ao grito, se seguiu um coro de suspiros e outras expressões de atordoamento.
Com a cabeça levantada e as costas eretas, Royce pensou mais rápido que
nunca em sua vida.
Mulheres, damas e um número indeterminável de pessoas estavam
empilhados na porta pela que eles entraram, a uns quatro metros de distância.
Alguém os levara até ali, mas aquilo não era agora mesmo sua principal
preocupação.
Presa entre seus braços, apoiada em uma mão que a estava segurando pelo
traseiro, e no fato de que a tivesse profundamente penetrada, Minerva estava
totalmente rígida. Suas mãos estavam fechadas em dois punhos nas lapelas dele, com
sua cabeça escondida em seu peito.
Ele se sentia como se acabassem de lhe dar um golpe com uma maça de
combate.
Seus ombros, largos, impediam que as mulheres que estavam atrás dele
pudessem ver sua acompanhante, ao menos não seu rosto, nem seu corpo. O que sim
poderiam ver era seu coque, com um delator adorno feito de espigas brancas, sobre o
ombro dele, e ainda mais irrecusável, as inconfundíveis meias que se seguravam ao
redor das coxas dele.
Não haveria maneira de dissimular a situação, absolutamente.
Um beijo já seria suficientemente mau, mas aquilo já...
Apenas havia uma maneira de proceder.
Deixando Minerva livre de seu apoio, ele se separou dela. Dada a sua
envergadura, precisou de uma manobra que, inclusive vendo o espetáculo por trás,
não deixou dúvida do que estavam fazendo. Seus joelhos deslizaram por suas coxas até
pousarem no chão, enquanto suas saias voltavam para seu lugar.
—Não se mova — disse ele em um murmúrio, fechando rapidamente os
botões de suas calças.
Ela o olhou com os olhos muito abertos, totalmente aturdida.
Sem emprestar atenção ao grupo de pessoas, ele inclinou sua cabeça,
beijando-a firmemente, para logo ficar totalmente firme e encarar seu destino.

379
Sua expressão era fria, seu olhar, puro gelo, e, com ele, encaminhou-se para o
grupo de damas, as quais tinham os olhos arregalados, com uma mão no peito e uma
expressão tão pasmada como a de Minerva... Exceto a de Susannah. Ela se mantinha
atrás de tudo, olhando através de outros.
Centrando-se de novo entre aquelas que estavam adiante do grupo, composto
em sua maioria pelas irmãs de seus amigos de Londres, respirou fundo e disse o que
tinha que dizer:
—Senhoras, a senhorita Chesterton acaba de me conceder a honra de
converter-se em minha esposa.
—Bom! É a senhorita Chesterton! O que quer que tenham pensado os outros
— disse Caroline Courtney, cheia de desejo, enquanto circundava a mesa de bilhar,
fazendo chegar as novas notícias. Com os outros homens presentes, a maior parte
primos de Royce, ele se deteve, atento enquanto Caroline soltava de maneira abrupta
e precipitada todos os suculentos detalhes de como Royce e sua governanta foram
pegos em flagrante nas muralhas.
—Não há dúvida — assegurou. — Todos vimos.
Ele, entretanto, franziu o cenho para ouvi-la.
—Estão segura de que Royce já tinha decidido casar-se com ela?
Caroline deu de ombros.
—Quem pode dizer? Decidisse quando o decidisse, ela é a escolhida para o
casamento.
Também suspicaz, Gordon afirmou:
—Não posso acreditar que Royce se deixou apanhar dessa maneira — Logo,
dando-se conta do que havia dito, avermelhou: —Não quero dizer que Minerva não
possa ser uma duquesa mais que aceitável...
Sorriu, agradecendo a Susannah. Por fora, permaneceu tranquilo, para logo
voltar para a mesa e saborear sua vitória.
As notícias viajariam a Londres tão rápido como o carteiro pudesse levá-las. Só
precisava levantar um dedo.
Assim agora, Royce ia se casar com sua governanta ou se via forçado a casar-
se com ela, melhor dizendo, e daquilo não gostava. E ainda pior seriam os rumores, os

380
sussurros detrás dos sorrisos sarcásticos, as risadas de dissimulação, as insanas
especulações contra a duquesa.
Inevitáveis na alta sociedade.
E, para Royce, tudo aquilo tampouco gostaria de maneira nenhuma.
Sorrindo, inclinou-se sobre a mesa e golpeou uma das bolas, colocando-a
limpamente na fresta. Então se elevou de novo, e lentamente, deu uma voltas na
mesa, sopesando as possibilidades.

Na sala matinal da duquesa, Letitia olhava como Minerva ia de um lado a


outro.
—Entendo que era a última coisa que queria que acontecesse, mas me
acredite, nessas circunstâncias, não havia nada que pudesse fazer.
—Sei.
Falou em um tom cortante, logo girou sobre seus calcanhares.
—Estava ali, e foi horrível.
—Toma — Penny lhe passou um copo com ao menos três dedos de brandy. —
Charles assegura que isto costuma a ajudar — disse, tomando um gole do copo — e
acredito que tem razão.
Minerva pegou o copo, tomando um longo gole, sentindo como aquele líquido
abrasador atravessava sua garganta, mas depois o calor se estendeu por seu corpo,
derretendo algum iceberg de sua gelada fúria.
—Sinto-me tão inútil! Nem posso pensar!
—Vindo de uma Vaux, aquela cena ultrapassaria todas as minhas capacidades
ridículas.
Letitia também estava tomando brandy em pequenos goles. Sacudindo a
cabeça, continuou:
—Não havia nada que pudesse fazer para que não ocorresse o que ocorreu.
Estando mais alterada do que já esteve, Minerva nem recordava de haver
deixado as muralhas. Com uma voz da que se puderam ver cair pedaços de gelo de
gelo, Royce fazia saber às ali congregadas, sem nenhuma sutileza, que aquelas

381
muralhas e a torre inteira eram uma zona particular. Imediatamente, todos se
apressaram a deixar o lugar descendo as escadas com bastante celeridade. Uma vez se
foram, deu-se a volta, e, tomando-a da mão, levou-a abaixo, trazendo-a até ali.
Agora ela estava tremendo... De raiva.
Estava incandescente de fúria, mas, como era normal, pouco se via no
exterior. Ele a beijou levemente, apertando sua mão.
—Espere aqui — disse, para logo partir.
Minutos depois, Letitia chegou, muito preocupada, disposta a dar consolo e
ajudá-la. Foi uma pessoa que a escutava quando Minerva precisava desabafar,
negando-se a não ouvir tudo o que ela tinha de contar, sobretudo, aquele momento
supremo quando ela aceitou Royce, rendendo-se a seu amor.
Penny se unira a ela fazia apenas alguns minutos, levando uma bandeja com
uma garrafa de brandy e quatro copos. Escutou durante um momento, mas agora
deixou a bandeja na mesa e apurou um dos copos.
A porta se abriu, e Clarice entrou. Penny lhe passou um quarto copo. Clarice
agradeceu, assentindo com a cabeça, e. enquanto tomava em goles, sentou-se no sofá
que estava frente a Letitia. Ela as olhou aos olhos.
—Entre nós, Royce, Penny, Jack e eu, e, para mais surpresa, Susannah,
acredito que conseguimos aliviar as coisas. Dissemos que nós três já sabíamos da
existência do compromisso, o que, dado seu estado esta manhã e o que naturalmente
se seguiu, é verdade, e também dissemos que, de fato, é por isso estamos aqui, para
ser testemunhas do compromisso ante as grandes damas.
Minerva franziu o sobrecenho e tomou outro gole.
—Lembro-me de Royce murmurando algo sobre torcer o pescoço de Susana.
Então não foi ela quem levou as damas até as muralhas? Se na verdade foi ela e não o
faz ele, farei isso eu mesma.
—Sim, o fez — disse Penny — mas, acredite ou não, acreditou que estava
ajudando. Acreditava que era a ajudante do Cupido, ou algo assim — disse Penny
encolhendo os ombros.
Minerva sorriu.

382
—Ela e eu estamos agora muito mais unidas que quando fomos jovens.
Sempre nos damos bem, mas agora, nossa conexão ficou um pouco... Distanciada.
Suspirando, deixou-se cair ao sofá que estava junto ao de Letitia.
—Suponho que isso explica tudo.
Charles tinha razão. O brandy ajudava, mas a fúria ainda sulcava suas veias.
Graças a Susannah, Royce e ela perderam o que até então foi um maravilhoso
momento.
—Maldição! — disse zangada, tomando outro gole.
Graças a Deus, o incidente das muralhas e suas consequências não mudavam
nada daquilo. Literalmente, dava as graças a Deus por poder ordenar seus
pensamentos. Se ela não houvesse...
Letitia ficou em pé.
—Preciso ir falar com Royce.
—Sabe? — disse Clarice. — Sempre pensei que nossos maridos o tratavam
com um respeito que, em certo modo, era quase exagerado, como se fosse alguém
com mais poder, mais habilidade, da que talvez ninguém pudesse ter, mas, depois de
vê-lo agir antes, já não penso assim de maneira nenhuma — disse, levantando as
sobrancelhas.
—Agiu com muita fúria? — perguntou Letitia.
Clarice considerou antes de responder.
—Quase. Foi como se todo mundo de repente recordasse o emblema da
família Wolverstone e de que a figura representada tinha dentes.
—Bom — disse Penny — acredito que tinha todo o direito de ficar assim.
—E pode apostar a que o fez — respondeu Letitia — e agora sou eu a que tem
de enfrentar o lobo.
—Está trancado em seu escritório — disse Clarice. — Cuidado com seus
latidos.
—Ladrará, mas não acredito que vá morder. Ao menos, a mim não — disse
Letitia antes de deter-se na porta. — Ou ao menos, isso espero.
E, com aquele comentário, abandonou a sala.

383
Minerva olhou com expressão preocupada o copo, já meio vazio, e o deixou
sobre a mesa. Passado um momento, levantou-se e puxou da campainha de serviço.
Quando um dos serventes chagou à sala, disse:
—Por favor, diga a lady Margaret, lady Aurelia e lady Susannah que desejo
falar com elas. Aqui. Agora.
O criado fez uma reverência, mais baixa do normal. Certamente, já saberia da
mudança de papel do governanta. Seguidamente, retirou-se.
Atendendo agora o inquisitivo olhar de Clarice, Minerva sorriu.
—Acredito que é o momento de que me ocupe de meus afazeres. Além de
tudo, tenho um casamento ducal a organizar, e os festejos terminam amanhã à noite.
Royce estava juntou à janela quando Jeffers entrou, anunciando Letitia,
virando-se quando ela finalmente entrou.
—Como está Minerva?
Letitia arqueou uma sobrancelha.
—Bastante alterada, é óbvio.
O aborrecimento que mantinha no limite, bem obstinado em seu interior,
surgiu ante a confirmação do que já temia.
Virou-se de novo para olhar seus domínios sem lhes emprestar atenção
realmente. Depois de um momento, em que Letitia, sabiamente, guardou silêncio, ele
falou:
—Supõe-se que não deveria ter acontecido nada disto.
Cada palavra ia coberta de uma ira fria e cortante.
Aquelas mesmas palavras que estiveram ressonando na cabeça de Royce
enquanto voltava para Wolverstone, depois de tantos anos.
Quando voltou para casa, para enterrar seu pai.
Mas, nesta ocasião, a ira era ainda maior.
—Não posso acreditar, nem entender, por que Susannah fez uma coisa como
esta, inclusive acreditando, tal e como ela afirma, que o que tentava fazer era ajudar.
Esse era outro feito que o estava carcomendo por dentro, fez com que se
passasse uma mão nervosamente pelo cabelo.

384
—Pretendia nos ajudar... nos obrigando a casar?
Letitia viu o tremor de sua mão, mas não o confundiu com um gesto de
debilidade. Aquilo era pura raiva destilada.
Mas não se sentiria assim, tão zangado, tão enfurecido, se não se importasse,
profundamente, com os sentimentos de Minerva e se ele não albergasse da mesma
forma sentimentos igualmente profundos.
Ela era uma Vaux, uma perita nas situações emocionais, em ler entre linhas, as
paixões que jaziam sob as aparências; mas, caso se atrevesse a dizer o satisfeita que se
sentia ao vê-lo tão alterado, ele arrancaria sua cabeça com uma mordida.
Além disso, seu trabalho lá era outro. Levantando sua cabeça, perguntou
imperiosamente:
—O anúncio... Já está escrito?
Ela esperava que seu tom ao menos reconduzisse sua atenção.
Ele continuou olhando o exterior. Passou um minuto, em que ela esperou.
—Não — disse depois de um momento — Mas o farei.
—Faça — disse em um tom de voz muito mais suave — Sabe que deve fazer e
com urgência.
Dando-se conta de que ele estava à beira do mar, disposto a sulcar um oceano
tormentoso de sentimentos que, de entre todos os homens, ele era o menos
preparado para a tarefa, prosseguiu:
—Faça com que seu secretário o escreva e então mostre-o a Minerva para que
dê seu consentimento. Seja como for, deve estar a caminho de Londres esta mesma
noite.
Ele não respondeu imediatamente, mas assentiu, de forma cortante.
—Assim se fará.
—Bem — disse enquanto fazia uma mínima reverência e dava a volta para sair
pela porta.
Ele a olhou de uma maneira comovedora.
—Pode dizer a Margaret que ela será a anfitriã esta noite?
Com a mão no pomo, ela virou sua cabeça para olhá-lo.
—Claro, é óbvio.

385
Seu peito suava, e, pela primeira vez, olhou-a aos olhos.
—Diga também a Minerva que irei vê-la dentro de pouco, uma vez que o
anúncio seja redigido.
Uma vez que pudesse controlar seu temperamento. Como Vaux, Letitia sabia
tudo sobre o temperamento, precavendo-se totalmente do significado do movimento
de seus olhos.
—Eu jantarei em meus aposentos — disse finalmente.
—Eu farei companhia a ela até então. Clarice, Jack e Penny sairão, para
assegurar-se de que não há nenhum... Bate-papo inapropriado que embainha rumores.
Reunir-me-ei com elas uma vez venham a pela Minerva.
—Obrigado.
Voltando-se para a porta, ela sorriu, sabendo que agora ele não a podia ver.
—Acredite, para mim é todo um prazer.
Uma vez mais, deteve-se com a mão no pomo.
—Falaremos sobre o casamento amanhã.
Ele respondeu com um grunhido.
Ao menos, não foi uma mordida. Finalmente, saiu da sala, fechando a porta
atrás dela. Vendo os criados de Royce, com seus rostos pálidos como a parede devido
ao medo, sorriu de novo, desta vez de maneira exultante.
—Apesar de tudo isto, tudo vai sair muito bem.
E com aquilo, apressou-se a deixar a sala matinal, para contar a Minerva tudo
o que tinha visto, ouvido... E deduzido.
Já havia passado grande parte do aborrecimento de Minerva quando Royce foi
reunir-se com ela no salão matinal. Tendo falado com as irmãs de Royce, depois com
as damas, para assegurar-se de que todos soubessem o quanto estava decepcionada
com a inadequada intromissão de Susannah, havendo-se feito já suas expectativas
como próxima duquesa de Wolverstone e as poucas repercussões que todo aquilo
havia trazido, agora se sentia muito mais tranquila e serena, enquanto olhava pela
janela, simplesmente, fiscalizando que tudo fosse bem nos domínios do Royce.
O olhar de Royce se fixou nela no instante em que abriu a porta, mas ela não
se voltou.

386
Letitia, que estava sentada no sofá frente à porta, levantou-se ao vê-lo entrar.
—Já ia descer — disse enquanto se dirigia à porta.
Royce esperou que saísse, mantendo a porta aberta. Ela pousou sua mão
carinhosamente em seu braço, para logo virar-se para Minerva.
—Verei você pela manhã.
Ainda sem afastar o olhar da janela, Minerva assentiu, de uma maneira curta e
seca.
Finalmente, Letitia deixou a sala.
Ele fechou a porta, hesitou e rezou a todos os deuses que pusessem escutar,
pedindo que Minerva não começasse a chorar. As lágrimas femininas normalmente
não costumavam afetá-lo, mas as dela o fariam perder o controle, destroçando a
moderação que até agora conseguiu estar guardando, e só esses deuses saberiam
contra o que, ou contra quem, arremeteria. Não contra ela, é óbvio, mas...
Respirando profundamente, reforçando suas defesas, inclusive aquelas
emocionais que estranha vez utilizava, caminhou até ficar a seu lado.

Eram as primeiras horas da tarde. Além da janela, as sombras se estendiam,


criando um quase transparente banho de cor púrpura sobre suas terras. Com as costas
muito retas, com os braços cruzados, Minerva contemplava o panorama, mas ele diria
que não estava olhando a nenhum lugar em concreto.
Parando junto a ela, inclinou sua cabeça para poder admirar melhor suas
feições. Ela virou sua cabeça e o olhou nos olhos. Sua expressão era comedida, serena,
e era mais do que ele esperava. Seus olhos, entretanto, tinham um olhar inusualmente
cortante, duro, mais indecifrável do que ele já pôde ver, mas mesmo assim não pôde
perceber nenhuma suspeita de lágrimas.
Com a mandíbula firme, fez um leve gesto com a cabeça para a porta.
—São realmente amáveis. Refiro-me a Letitia, Penny, Clarice e Jack. Estou
segura de que manterão todo mundo em ordem para amanhã de manhã.
Seu tom era nervoso, quase como o de um homem de negócios. Determinado.
A mais firme das confianças brilhava atrás daquela tranquila fachada. Naquele

387
momento, a confusão o engoliu. Acaso se sentia... Traída? Pelo destino? Por sua irmã,
talvez inclusive pelas circunstâncias? Por ele?
Ele respirou com profundidade.
—Perdoe-me — disse enquanto sentia como sua mandíbula se esticava —
Supõe-se que tudo isto não deveria ter ocorrido. De todas formas, por muito que
desejássemos que as coisas acontecessem de outra maneira, devemos de encarar a
situação tal como é e fazer o melhor que possamos. Tomar o controle e fazer que
trabalhe a nosso favor, e não em nosso contrário.
Ele, mentalmente, piscou aturdido. Ela se comportava como se encontrassem
com pequeno buraco no caminho. Um desafio ao que deveriam enfrentar e esquivar-
se para logo deixá-lo para trás.
Não podia ser tão compreensível. Deveria sentir-se forçada, ressentida com
aquela situação ao menos tanto como ele. Com certeza estava acontecendo com algo.
Ele não tentava esconder seu aborrecimento.
—Está muito menos zangada do que esperava.
Entretanto, o semblante que refletia seu rosto era frio e duro, como o aço. As
feições dele se endureceram, e a dicção ela se fez mais precisa.
—Não estou satisfeita, nem muito menos. Estou zangada, quase furiosa, mas
não me importa em deixar que Susannah se precipite em seus atos e jogue com nossas
vidas.
De repente, ele percebeu uma força que supunha ali, mas que nunca vira nela
antes. Uma força do tipo que estava acostumado a associar com lady Osbaldestone,
que radiava diretamente de seu interior.
—Não vou deixar que Susannah tire o que nós, tanto você como eu,
merecemos. Sei que não entende, mas explicarei isso logo. — Cheios de propósito,
Minerva desceu os olhos. — É esse nosso compromisso?
Ele olhou uma folha de papel que esquecera que segurava entre seus dedos.
—Sim.
Ela estendeu sua mão, com os dedos trêmulos.
Passou-lhe o documento que, de uma maneira minuciosamente genérica, fora
redigido por ele e Handley.

388
Dando a volta, ficou parada justo onde a luz da tarde a banhava por completo.
—Royce Henry Varisey, décimo duque de Wolverstone, filho de Henry Varisey,
nono duque de Wolverstone, e de lady Catherine Debraigh, filha do quarto conde de
Catersham, anuncia seu compromisso matrimonial com a senhorita Minerva Miranda
Chesterton, filha do tenente Michael Chesterton e de Marjorie Dalkeith.
Ela franziu o cenho.
—Tem um montão de lado — disse ela, com o rosto iluminada, devolvendo-
lhe — Mas por mim está perfeito.
—Então, por que razão, exatamente, não estão satisfeita? O que é o que
acontece que eu não entendo?
De pé, diante da enorme janela do dormitório do Royce, divisando as colinas,
envoltas de noite, Minerva deixou que a tensão fosse desaparecendo, finalmente.
Finalmente estavam sozinhos, e finalmente ela poderia fazê-lo saber seus
próprios termos, tal e como pretendia.
A pedido dela, jantaram na privacidade de seus aposentos particulares. Ela foi
um momento ao dormitório para permitir assim Jeffers limpasse a mesa e pusesse a
sala em condições. Royce a seguiu, fechando a porta ante o som dos pratos e o
faqueiro. Avançou lentamente até ficar atrás dela.
Ela suspirou profundamente.
—Sei que pensa que, o mantendo à parte, eu me encarregarei da difícil tarefa
de encarar nossos convidados, ávidos de curiosidade, e que aceito não porque me
sinta frágil e angustiada, mas sim porque seu temperamento está sempre tão ao
limite, que não confio que suas irmãs ou qualquer de seus amigos pudesse fazer ou
dizer algo que o desatasse, e isso não ajudaria nossa causa — Nesse ponto, virou-se
para olhá-lo no rosto. — Sim, nossa causa. Desde esta manhã, é nossa causa.
Ela inclinou sua cabeça, olhando-o. Quando se uniu no salão matinal, sua raiva
era quase evidente, ressonando nas palavras que tinha gravado em fogo:
Supõe-se que não deveria ter acontecido nada disto.
—Entendo que se sentisse furioso. Sentir-se forçado, preso no casamento, não
deveria importar, mas o afeta. Porque sabe que sim me importa. Estava enfurecido por
mim; também por você, mas menos.

389
Aquele incidente lhe outorgou exatamente o que queria e para o que esteve
trabalhando, que não era outra coisa que o acordo matrimonial. Mas, em vez de sentir
prazer, ele, todo um nobre que poucas vezes se desculpava, desculpou-se
abertamente por algo que não era sua culpa. Porque aquilo era algo que ela não
desejava, e o protetor que havia em seu interior dizia que deveria fazer algo para
evitar que tudo aquilo se produzisse, mas não o fez.
Durante todo o dia, Minerva apenas viu nele o amor em ativo. Desde o
acontecido nas muralhas, vira como o amor reduzia um homem acostumado a dar
ordens durante toda sua vida a uma besta ferida e empinada.
Enquanto uma parte feminina muito remarcada dela se satisfazia por vencer
aquele campeão tão impetuoso, também era verdade que deveria ir desmontando
paulatinamente aquele temperamento tão impetuoso que tinha, em vez de provocá-
lo. Estava esperando a que as coisas se acalmassem para pegá-lo com um humor em
que fosse mais fácil que acreditasse no que ela tinha a dizer.
Ela o olhou aos olhos, tão escuros e indecifráveis como sempre.
—Tinha planejado falar com você agora, que já caíra o sol, quando
estivéssemos sozinhos — disse, olhando a seu redor — aqui, em seus aposentos.
Naquele momento, olhou-o no rosto.
—Em seus aposentos ducais.
Dando um passo adiante, seus olhos se cravaram nos dele, pondo uma mão
sobre seu coração.
—Ia dizer isso justo esta manhã, quando decidi... Decidi aceitar sua proposta,
assim que me fizesse, e ia dizer isso para que se sentisse livre de fazê-lo quando
acreditasse oportuno, sabendo que eu ia aceitar.
Passaram vários minutos. Ele mantinha sua quietude.
—Esta manhã?
A esperança estava batalhando com o ceticismo, mas parecia que a esperança
ia ganhando. Ela sorriu.
—Pode perguntar a Letitia, Clarice ou Penny e confirmarão isso, posto que
elas já sabiam, e é por isso pelo qual não me sinto desgostada nem aflita. Não estou
acostumado a me pôr assim nunca. Sim, estou furiosa, mas contra isso... — disse

390
marcando ainda mais seu sorriso, deixando que ele deduzisse a profundidade de suas
palavras, assim como a alegria e a segurança da que transbordava seu coração. —
Estou entusiasmada, encantada, extasiada. Não me importa o que fez Susannah, nem
o que possa estar por vir; na realidade, entre nós, nada mudou.
Suas mãos deslizaram para sua cintura. Ela elevou as suas, para agarrar seu
rosto e olhar na profundidade de seus olhos.
—A única coisa que é possível que tenhamos perdido é precisamente esse
momento, mas tampouco me importa muito havê-lo perdido, ou melhor dizendo, que
nos tenham tirado. A partir desta manhã, no que diz respeito a mim, o importante
somos nós, nossa causa, e, desde esse momento, agora que já sabe, apenas haverá
uma causa: a nossa. É a melhor causa que podemos seguir por nosso bem, pela qual
dar nossas vidas, se fosse preciso. Ambos sabemos. Desde este momento,
dedicaremos nossa vida a ela, de trabalhar por ela, de inclusive lutar por ela, por uma
vida conjunta.
Perdida em seus olhos, ela deixou que passassem alguns segundos.
—Eu queria, precisava, dizer que, se era isso o que queria, que se isso era o
que podia me oferecer, eu aceitaria sem pensar, porque isso é o que eu quero
também.
Passaram-se vários minutos mais. Seu tórax se inchou quando ele tomou uma
longa baforada.
—Então, está de acordo em deixar atrás esse "buraco", deixar que passe à
história, e seguir adiante?
—Sim, isso é exatamente o que deveríamos fazer.
Ele sustentou seu olhar durante um momento, notando-se então em seus
lábios, em seus traços, sentindo-se cada vez mais aliviado e tranquilo. As mãos dela
pousaram em seus ombros. Ele tomou uma delas, levando-a aos lábios. Seus olhos
ainda seguiam presos nos de Minerva, enquanto beijava a ponta de seus dedos.
Lentamente.
O instante foi realmente fascinante. Ela não podia afastar seu olhar das
chamas que rodeavam os dele.
—Minerva, minha amante, minha dama, meu coração, casará comigo?

391
Ela piscou uma, duas vezes, notando como seu coração, literalmente, inchava.
—Sim.
Uma palavra tão curta, e, mesmo assim, sopesou cada grama de seu
convencimento, sua resolução e sua satisfação ao sabê-lo. Havia mais que queria dizer.
Elevando sua outra mão livre, pousou seus dedos sobre sua magra bochecha,
ligeiramente perfilada pelas angulosas maçãs do rosto de um rosto que mostrava tão
pouco de seu interior, inclusive em momentos como este.
Ela sentiu seu coração palpitar a um ritmo frenético quando voltou a fixar-se
em seus olhos, sorrindo.
—Casarei com você, Royce Varisey, e estarei sempre ao seu lado. Criarei seus
filhos, e juntos enfrentaremos qualquer coisa que o futuro possa nos trazer, fazendo o
melhor que possamos por Wolverstone e por você.
Ele era um Wolverstone, mas aquilo não era tudo o que ele era. Sob aquilo
havia um homem que merecia ser amado. Assim que ela o faria e deixaria que ele
soubesse com apenas ao olhá-la nos olhos.
Royce estudou aquelas tonalidades outonais, aqueles dourados brilhantes, os
apaixonados marrons, aquelas misteriosas nervuras verdes, sabendo à perfeição o
quanto significava para ele, e ele sabia que era o homem mais afortunado do mundo.
Lentamente, abaixou seu rosto até o dela, esperando que ela se aproximasse, para
logo descer seus lábios até os dela.
E aquele simples beijo selou seu pacto.
O sentimento de amor que seguiu aquilo refletiu seu beijo. De maneira
simples, sem complicações, sem dissimulações... E, sobretudo, ela tinha razão. Nada
mudara. A paixão, o ardor, o calor eram os mesmos. Se algo mais profundo, mais
amplo, mais intenso, nascia através da aceitação, das simples declarações que ambos
realizaram, e que os uniam em mente, corpo, coração e alma, confrontando seu
futuro, juntos...
Aquilo os levava à aventura de confrontar algo novo, algo que nunca antes
acontecera em sua família e que não era outra coisa que ter um casamento forjado no
amor.

392
Tombando-se nua atrás dele entre aqueles lençóis de seda escarlate,
envolvendo com seus braços seu pescoço, enquanto se arqueava incitando-o. Em cima
dela, tão quente e excitado como ela, deslizou até o casaco de seu corpo, notando
como ela se abraçava a ele com força, agarrando-se.
Ficando boquiaberto e, levantando sua cabeça, fechou seus olhos, mantendo
o aperto, com os músculos tensos, reprimindo-se enquanto lutava consigo mesmo por
conceder-se aquele momento, aquele instante impossível de descrever enquanto seus
corpos se enganchavam, aquele instante de flagrante intimidade antes que começasse
a dança.
De repente, notou que sua parte lombar deslizava, deixando de lado o apoio
que ele mantinha, segurou uma ampla baforada de ar e olhou para baixo. Olhou-a a
aqueles olhos dourados que tinha detrás dos cílios.
Amo você.
Queria pronunciar aquelas palavras, esteve a ponto de dizê-las, mas não sabia,
nem nesse momento, se verdadeiramente as sentia e eram certas. Ele queria que fosse
assim, mas...
Ela sorriu, compreendendo-o. Elevando uma de suas mãos, agarrou-o pela
nuca, atraindo seus lábios para os dela, beijando-o, como um convite descarado a que
se abandonasse.
Ele aceitou o convite e se deixou ir, deixando que a paixão se apoderasse
deles. Deixou que seus corpos se fundissem, rendendo-se ao desejo, à necessidade, à
fome.
Abrindo seus olhos, ele a olhou no rosto, reluzente de paixão, extasiada em
sua claudicação. Era o rosto de sua mulher, sua dama, sua próxima esposa. Sua para
sempre.
Entregue inteiramente a ele.
Esqueceu por completo as preocupações do dia, deixando que sua paixão os
cobrisse como se fosse uma onda, afundando-os nas profundidades. Deixou ir, selando
seu pacto.
E se entregou completamente a ela.

393
CAPÍTULO 20

À manhã seguinte, Minerva estava de pé junto a Royce, enquanto as


saudações e aclamações que a multidão proferia aos nove casais gradualmente se
dissolviam, ele avançou até sacada de onde, anteriormente, dava-se por inaugurada a
feira. Em silêncio, os ali reunidos esperaram espectadores a que falasse. Deixou que
seu olhar passasse por todos aqueles rostos, para logo dizer:
—Wolverstone também tem um anúncio a fazer — disse olhando-a, atraindo-
a. Seu sorriso era tudo o que ela queria ver. A calidez de seus olhos a sustentou, até
que segurou uma mão, levando-a a seus lábios e, a plena luz do dia ante todos os
presentes, beijou-lhe os nódulos.
—A senhorita Chesterton me concedeu a honra de aceitar ser minha duquesa.
Não disse em voz alta, embora sua voz se escutou claramente sobre aquela
multidão em silêncio.
De repente, a multidão estalou em vivas, hurras e gritos de alegria. O estrondo
se elevou como uma onda de felicidade transbordada, varrendo a cena. Minerva olhou
alegre para os congregados, vendo Hamish e Molly, com quem se encontrou e falou
antes, saudando-a com a mão. Todo o pessoal do castelo estava lá também. Retford,
Cranny, Cook, Jeffers, Milbourne, Lucy, Trevor e o resto, todos regozijando-se ante
aquela demonstração de alegria e orgulho.
Olhando mais à frente, viu os rostos de muitos dos Wolverstone, todos
emocionados, deleitados. Viu-os felizes e joviais, com a satisfação em seus rostos,
aplaudindo, rindo, e alguns, inclusive, chorando de felicidade. Inclusive aqueles que
vieram para a festa, dispersos aqui e ali entre a multidão, pareciam felizes de ser parte
daquele borbulhante regozijo.
Royce elevou uma mão, os vivas e assobios cessaram.
—Nosso casamento se celebrará na igreja que temos aqui, dentro de apenas
três semanas. Como sabem, retornei para tomar as rédeas do ducado. Em algumas
semanas, aprendi muito sobre tudo o que mudou estes anos e o que ainda precisa

394
mudar. Ao igual a realizo estes votos com a duquesa, e ela comigo, ambos fazemos
outro com vocês, os Wolverstone, para forjar juntos nosso futuro.
—Wolverstone! — disse uma voz entre a multidão, e, em seguida, esta
respondeu com o mesmo ânimo. — Wolverstone! Wolverstone!
Minerva olhou aquele mar de rostos felizes, sentindo como a candura do povo
chegava até ela, abraçando-a, imbuindo-a. Virando sua cabeça, olhou nos olhos de
Royce e sorriu.
A mão dele apertou fortemente a sua, enquanto lhe devolvia um sorriso
aberto, honesto, e finalmente baixava aquele escudo protetor, de uma vez por todas.
Não, não, não, não, não, não! Como poderia estar acontecendo aquilo?
Misturado na multidão, rodeado e empurrado por aquela estrondosa
aglomeração de gente deleitada com as novas sobre o casamento de Royce,
permanecia ali, de pé, totalmente pasmado, incapaz de pensar nem de afastar a
imagem de Royce e Minerva de pé na sacada, perdidos em seus olhares.
Royce era um excelente ator quando queria, e ele sabia. Minerva tampouco
ficava atrás...
Negando com a cabeça, desejou poder ignorar o que seus olhos estavam
dizendo a gritos. Nenhum dos dois estava atuando. O que estava vendo, o que todos
estavam celebrando e respondendo, era real.
Royce queria casar-se com Minerva.
E ela queria casar-se com ele.
Ela estava apaixonada por ele, nenhuma outra coisa podia deduzir-se da
suavidade da expressão em seu rosto.
E, mesmo sendo quase impossível que Royce a amasse, ela sim que lhe
importava, de uma maneira mais profunda e cálida do que jamais pudesse imaginou
possível.
Minerva não era, nem fora, nem nunca seria, uma mais entre a legião de
amantes de Royce. Era a escolhida, durante todo este tempo, a dama que desejara,
durante toda sua vida.

395
—Supõe-se que não deveria ter acontecido nada disto — disse, deixando que
cada uma das palavras saísse de entre seus dentes apertados, lutando por poder
conservar aquela máscara impávida que mantinha sobre seu rosto.
Pensou que aquele casamento ia ser uma farsa, uma comédia, inclusive se
supunha que tinha que ser doloroso. Em vez disso, todas as manobras que esteve
realizando entre o subterfúgio outorgaram a Royce precisamente o que queria.
Ele, através de Susannah, foi o instrumento que fez com que Royce
conseguisse a última coisa que precisava para completar a tapeçaria de uma por si só
existência rica e satisfatória. Ele foi uma peça indispensável na hora de dar a Royce
algo que desejava ardentemente, algo que ansiava fazia tempo.
De repente, soube. De repente, viu.
Suas feições se aliviaram.
E logo, lentamente, esboçaram um sorriso.
Incrementando sua alegria, começou a rir a gargalhadas, dando uma palmada
nas costas de Rohan quando passou ao seu lado.
É óbvio, agora via com clareza.
Royce foi o responsável de mostrar seu tesouro, para então tirá-lo de baixo do
seu nariz e levá-lo.
Assim, agora encaixava perfeitamente que ele fora o responsável por levar a
Royce seu tesouro mais prezado, para assim poder devolver o favor.
Royce levara seu tesouro.
Agora ele se levaria o de Royce.
Aquela tarde, Royce, Minerva, Letitia, Clarice, Penny e Handley se reuniram na
sala matinal da duquesa. Devido ao enorme êxito que tivera o início da feira, que não
fez a não ser aumentar em fama depois do anúncio feito, o jantar foi uma coisa
bastante mais informal. Depois de refrescar-se, deixaram o relaxado e aparentemente
aprazível, mas exausto, grupo de convidados escada abaixo e se retiraram para
preparar a logística que suportava um casamento ducal.
Enquanto outros tomavam assento, Royce, junto a Minerva, em um dos sofás,
observou sua futura esposa.

396
—Disse algo aos outros lá embaixo? Pareciam estranhamente relaxados ante o
anúncio de nosso compromisso.
—Simplesmente expliquei que a intervenção de Susannah foi interpretada mal
e, como sua duquesa, estaria muito decepcionada se alguém pontuasse nosso
compromisso como algo que não fosse interpretado sob uma luz correta.
Deixando cair no sofá oposto, Penny riu entre dentes.
—Foi genial. Fez com que a ação de Susannah parecesse a travessura de
criança, uma dessas ocorrências que são tão torpes que foi inclusive enternecedor
para Susannah simular que nunca aconteceu.
Unindo-se a Penny no sofá, Letitia acrescentou:
—Somente precisou que falar com as damas, já que Jack nos informou que,
dado que nenhum dos homens esteve nas muralhas, agiriam como se nunca tivesse
acontecido nada. Mas transformar o assunto e refleti-lo na ação do Susannah foi um
toque de mestre. Eu nunca pensaria em algo assim, mas funcionou incrivelmente bem.
—Sem dúvida — disse Clarice, sentando-se ao final do sofá — sua perícia sem
dúvida vem de estar lidando com Varisey durante décadas.
—Sem dúvida — disse Minerva agora voltando-se para Royce, olhando-o aos
olhos. — Agora, nos ponhamos com o assunto da obra.
Aquela manhã muito cedo, ele sugerira que se realizasse o antes possível, para
depois ser informado do que não estava em suas cartas. Quando ele protestou,
informou com mais detalhe.
—Então são três semanas o que propõe?
Os olhos dele se acenderam.
—Exato, três semanas, e precisaremos de cada um dos minutos que as
compõem a partir de agora.
Ela olhou para Handley, que estava sentado atrás da escrivaninha.
—Qual é a data que procuramos então?
Resignado, e interiormente, mais feliz do que já esteve em sua vida, Royce se
inclinou para trás e deixou que outros se ocupassem de organizar. Seu único trabalho
era a de dar sua conformidade quando fosse preciso, o que fez sem nenhum problema.
Eles eram peritos. Letitia sabia tudo sobre preparar eventos para a alta sociedade.

397
Apesar de seu semi retiro, Clarice era uma renomada manipuladora de tendências da
alta sociedade. Penny, igual a Minerva, entendia a dinâmica dos altos cargos, tanto a
nível local como nacional, e Minerva sabia tudo o que deveria saber em relação aos
Wolverstone e aos Varisey.
Juntos, faziam uma equipe formidável e, em pouco tempo, já tinham tudo
preparado.
—Assim — disse Minerva, olhando Handley aos olhos — os proclamas serão
lidos ao longo dos próximos três domingos, e nos casaremos à quarta-feira seguinte.
Handley assentiu com a cabeça, anotando uma coisa.
—Pedirei ao senhor Cribthorn que faça a petição amanhã — disse olhando
para Royce.
—Eu estarei aqui todo o dia. Temos muito que trazer até aqui — toda a
parafernália do casamento, entre outras coisas. — Melhor que chame Montague.
Handley escreveu a toda velocidade.
—E os representantes?
—Eles também — disse Royce olhando para Minerva. — Estive quebrando a
cabeça, mas não posso pensar em ninguém melhor. Quem me proporia você? Tal e
como não para de me recordar, este é um casamento ducal, assim, quem quer que
represente você no casamento?
Ela piscou aturdida.
—Tenho que pensar antes — disse olhando Handley. — Darei a você os nomes
e endereços de meus representantes, para que assim possa dizer a Royce quem
contatar.
—Sim, senhorita.
Seguidamente, discutiram-se e se decidiram outros detalhes. A redação dos
diferentes anúncios terminou, e Handley saiu no ferry que o levaria a Retford para
começar com as tarefas.
—A lista de convidados — advertiu Clarice — vai ser o mais difícil de fazer.
—Só de pensar nisso me dá vertigem — disse Letitia negando com a cabeça.
— E eu que acreditava que meu segundo casamento foi grande, mas este supera...

398
—Simplesmente, precisaremos ser extremamente seletivos — disse Minerva
— o que, para mim, não é nada mal.
Olhando agora para Penny, prosseguiu:
—Proponho que disponhamos do número de convidados segundo o tamanho
da igreja.
Penny considerou a proposta e então negou com a cabeça.
—O problema não se solucionará dessa maneira, não se pretende convidar
todos os vizinhos.
—E é o que pretendia — disse Minerva, suspirando. — Quantos acha que
seriam?
Puderam reduzir o número até quinhentos, quando Royce decidiu que já tinha
ouvido suficiente.
—Quinhentos?
Ficando de pé, inclinou sua cabeça.
—Minhas queridas damas, acredito que poderei deixar este tipo de detalhes
em suas mais que capazes mãos — E a seguir, olhou para Minerva. — Se precisar de
mim, estarei no escritório, e, mais tarde, em meus aposentos.
Esperando-a.
Ela sorriu.
—Sim, é óbvio.
Sorrindo para seu interior, ele deixou a sala.
Minerva observou como se afastava, sentindo sua paz interior, e depois
totalmente maravilhada interiormente, voltou-se a concentrar na lista.
—Bom, nos centremos. Quantos de nós está a favor de prescindir da casa
Carlton?
Uma hora depois, com os maiores grupos de convidados já estimados, deram
uma pausa. Retford, de fato, já havia trazido o chá. Enquanto se sentaram ao redor da
bandeja, Letitia enumerou as partes que já realizaram.
—Não acredito que haja muito mais no que possamos ajudar, não por agora,
ao menos — disse olhando Minerva aos olhos. — Estamos pensando em partir
amanhã, à alvorada.

399
—Antes dos outros, assim não nos veremos envoltas no caos — acrescentou
Penny.
Clarice olhou seriamente para Minerva.
—Mas se realmente precisa de nós, só tem que dizê-lo.
Ela sorriu, negando com sua cabeça.
—Vocês foram — Incluindo as outras duas mulheres em seu olhar — de uma
ajuda imensa e de um apoio ainda maior. Honestamente, não sei como faria tudo isto
sem sua ajuda.
Letitia sorriu.
—Pois fazendo. Dado que está mais que demonstrado que pode lidar muito
bem com seu futuro marido, vejo difícil acreditar que haja alguma situação que não
possa resolver.
—Tenho que perguntar — disse Clarice. — Como conseguiu que aceitasse de
uma maneira tão terminante em apenas três semanas? Nós viemos até aqui com uma
lista de argumentações prontas para fazer que aceitasse.
—Royce é muito previsível em algumas coisas. Simplesmente, assinalei o fato
de que nosso casamento deveria ser um evento maior na localidade, por direito, e o
quanto o povo se sentiria decepcionado se não se celebrasse assim.
Letitia voltou a sorrir.
—Já vejo que sua estratégia funcionou — disse vibrando de alegria. — Não
sabe o quanto me alegra ver o mestre manipulador finalmente manipulado.
—Mas ele já sabia que o estava fazendo — apontou Minerva.
—Sim, e isso unicamente o faz ainda mais divertido — disse Letitia deixando
sua xícara na bandeja. — Querida, há algo mais que possamos fazer antes de partir? O
que quer que seja.
Minerva pensou durante uns instantes.
—Talvez, que respondam a esta pergunta: O que moveu seus maridos a
reconhecer que as amavam?
—Quer dizer o que foi o que arrancou as palavras de seus lábios? — disse
Letitia sorrindo maliciosamente. — Eu estava pendurando no abismo, literalmente, o

400
cabo de sua mão era o único que me separava da morte, e só então se atreveu a
pronunciar essa palavra, assim não recomendo que chegue tão longe.
Clarice franziu o cenho.
—Em meu caso, a situação também era mortal, por culpa daquele capanga do
traidor. Eu tampouco aconselho que chegue a esses extremos.
—Segundo lembro — disse Penny — foi depois que ajudou Royce a capturar
aquele mortífero espião francês. Corremos um grande perigo. Graças a Deus, não
aconteceu nada, mas aquilo me abriu os olhos, assim, sem pensar, disse que me
casaria com ele, dando-se ele conta então de que eu não pretendia que me realizasse
uma grande declaração de seu amor. Convenceu-se de que eu assim o desejava, mas
se equivocava.
Sorrindo, tomou outro gole de chá.
—De todas as formas, ao final sim fez uma grande declaração — E, baixando
sua xícara, acrescentou: —depois de tudo, é meio francês.
Minerva estava decidida.
—Parece que há só uma via a seguir com nosso tipo de homens.
Clarice assentiu.
—Parece que precisam de uma situação de vida ou morte para obrigá-los a
escutar a seu coração.
Penny franziu agora o cenho.
—Mas você já sabia, ou ao menos intuía, que Royce estava apaixonado por
você, não? Isso ao menos era bastante óbvio.
—Sim, sabia — disse Minerva suspirando. — Eu sabia, você sabia, inclusive
suas irmãs estavam começando a perceber, mas a única pessoa que ainda não sabe é o
próprio décimo duque de Wolverstone, e realmente, não tenho nem ideia de como
fazê-lo abrir os olhos.
Passaram-se três semanas completas. Sentado na varanda para cafés da
manhã da torre de menagem, Royce estava bastante impressionado. Durante todos
aqueles dias, tinha pensado que lhe faltaria tempo, quando, em realidade, estava
sobrando. À sua esquerda, com um raio de sol iluminando o cabelo, Minerva estava
absorta em mais e mais listas. Ele sorriu, sentindo, tal e como fazia incontáveis vezes

401
ao dia, aquela calidez e comodidade que sentia cada vez que se lembrava da nova vida
que lhe proporcionava o futuro. Sua vida como décimo duque de Wolverstone seria
radicalmente diferente da que teve seu pai, e a pedra angular daquela diferença era
seu iminente casamento.
—Graças a Deus, Prinny não vai vir. Acomodar a ele e seus aduladores seria
um pesadelo.
Subindo seu olhar, Minerva sorriu enquanto Hamilton deixava um bule de chá
recém feito ante ela.
—Terminaremos com a atribuição de quartos durante a manhã, já que Retford
precisa de uma lista ao anoitecer.
—Assim é, senhorita. Retford e eu concebemos um plano para o interior do
castelo que talvez pudesse ajudar.
—Excelente! Se vierem à sala matinal uma vez terminem, deveria me dar
tempo a terminar com Cranny e comprovar a correspondência e assim me assegurar
de que não vamos ter algum convidado inesperado — E, virando-se para Royce,
prosseguiu: — A menos que precise de Hamilton.
Ele negou com a cabeça.
—Preciso terminar uns assuntos com Killsythe esta manhã.
Seus padrinhos, Killsythe e Killsythe, conseguiram finalizar os últimos assuntos
legais concernentes aos ducados de Collier, Collier e Whitticombe, assim que todos
aqueles assuntos finalizassem resolveriam sem nenhum tipo de problemas.
—Incidentalmente — disse dando uns tapinhas indicativos em uma carta que
tinha lido com antecedência — Montague já avisou que tudo está correto. Foi muito
adulador com os trabalhos realizados por seus anteriores agentes, mas acredita que
ele pode fazer esta tarefa ainda melhor.
Minerva sorriu.
—Tenho altas expectativas com ele.
Alcançando o bule, seguiu revisando as sete listas que havia ante ela.
—Mal posso recordar quando foi a última vez que tive tempo para pensar em
coisas tão mundanas como em investimentos.

402
Royce elevou sua xícara de café, escondendo seu sorriso atrás dela. Uma coisa
que aprendera de sua futura algema era que adorava os desafios. Igual ao funeral de
seu pai, os convidados principais ficariam no castelo, assim como a maioria dos
membros de sua família, os quais avisaram de sua chegada com premeditação.
Enquanto que ele esteve muito ocupado em assuntos legais e de negócios, alguns
ainda pendentes desde o falecimento de seu pai, mas a maioria concernentes aos
preparativos necessários para os acordos núpcias, Minerva estava até o pescoço com
os preparativos do próprio casamento.
Hamilton demonstrou ser uma ajuda enviada do céu. Depois de falar com
Minerva e Retford, Royce se encaminhou para o norte para fazer os trabalhos
concernentes a seu secretário, para assim deixar Retford livre e que se ocupasse dos
assuntos do castelo, muito mais importantes, os quais tinham aumentado
dramaticamente depois do anúncio do casamento. Embora Hamilton fosse mais jovem
e poderia chegar a atrasar Retford, finalmente os preparativos iam bem, em benefício
de todos.
Royce se dirigiu à página de sociedade da Gazette do dia anterior. Lera
religiosamente cada uma das colunas dedicadas a seu próximo casamento. Longe de
sentir-se adulado, começou a sentir-se bastante incômodo com o fato de que
começasse a considerar-se como "a notícia romântica do ano".
—Bom, o que é o que dizem hoje? — perguntou Minerva, sem afastar o olhar
das lista. Quando assinalou com a cabeça o montão de exemplares de imprensa que
tinha a seu lado, respondeu: — Perguntava-me o que é que elas terão a ver em tudo
isso —disse referindo-se às grandes damas.
Royce leu atentamente a coluna dedicada ao casamento e então bufou.
—Esta ainda vai mais à frente. Lendo-a parece que você tem nas mãos o meu
conto de fadas, com uma menina de bom berço, mas órfã, escravizada durante
décadas como governanta de um castelo ducal para então, com a morte do velho
duque, chamar a atenção de um misterioso filho exilado do duque, que é agora seu
novo senhor. Mas, em vez de sofrer a indignidade que conduz uma situação assim, tal
e como se deve esperar, ela triunfa na hora de ganhar o duro coração do novo duque e
termina convertendo-se em sua duquesa.

403
Com um som muito parecido a um "Pse", Royce soltou o jornal em cima da
mesa, falando com um tom de marcado desgosto.
—Embora seja possível que parte do que diz aqui seja certo, reduziram tudo
até um ponto muito bizarro.
Minerva sorriu. Perguntava-se quando perceberia a verdade fundamental que
jazia atrás de todas as reportagens e que dissecar as futilidades poderiam fazê-lo
descobrir o que ela e outros já sabiam sobre ele, mas nunca aconteceu. Os dias
passavam, e parecia que tão apenas a profunda, frequente e duradoura exposição de
suas próprias emoções era o único que abriria seus olhos.
Aqueles olhos eram muito observadores quando se fixavam em algo ou
alguém, mas, quando os utilizava sobre si mesmo, para olhar-se interiormente,
simplesmente, não viam nada.
Recostando-se contra o respaldo, Minerva considerou seus próprios esforços.
O casamento ducal daquele país estavam no topo da lista de coisas complexas de
dirigir. Levantou-se para deixar a sala, olhando para cima, olhou-o diretamente aos
olhos.
—Esta noite tem que estar disponível e ao longo de todo o dia de amanhã, já
que começarão a chegar os convidados mais importantes.
Ele sustentou seu olhar por uns instantes, para logo olhar para Jeffers e
Hamilton, de pé junto à parede que havia detrás à cadeira da Minerva.
—Mande um criado, um que possa reconhecer brasões, às muralhas, com
uma luneta.
—Sim, sua Excelência — disse Jeffers.
Depois de hesitar um pouco, sugeriu.
—Senhor, se me permite dizer, poderíamos enviar também outro à ponte,
com uma lista daqueles de que convém conhecer sua chegada, nos fazendo um sinal
com uma bandeira, por exemplo. Deveria ser facilmente visível das muralhas.
—É uma ideia excelente!
Vendo como Royce aceitava a ideia, Minerva se virou para Hamilton.

404
—Uma vez termine com os dormitórios, Retford e você podem confeccionar
uma lista. Eu a repassarei e a daremos a Handley para que faça cópias — disse
Minerva, olhando para Royce com as sobrancelhas levantadas.
Ele assentiu em resposta.
—Handley estará comigo no escritório a maior parte do dia, mas acredito que
sobrará tempo à tarde para fazer as listas.
Minerva sorriu. Letitia tinha razão: havia pouco do que ela não pudesse
encarregar-se, seja Royce ou a casa inteira. Havia algo bastante satisfatório no fato de
ser o general na primeira linha de tropas. Sempre o encantara seu papel de
governanta, mas, chegado àquele ponto, acreditava que o de duquesa iria gostar ainda
mais. Royce a olhou aos olhos; um último olhar, uma saudação e abandonou a
varanda. Alcançando sua xícara, ela voltou a fiscalizar as listas.
À manhã seguinte, saíram da cama na primeira hora e, juntos, cavalgaram até
Usway Burn. Contra todas as expectativas de Royce, as barracas e tendas estavam
quase terminadas de montar.
Depois de comprovar as melhorias, Minerva se sentou em uma cadeira em
frente à parede de uma das barracas maiores, enquanto Royce fazia uma inspeção
mais minuciosa acompanhado do velho Macgregor.
Um dos maiores projetos que Royce tinha aprovado desde que se fez com o
ducado, que não era outra coisa que a ponte sobre o Coquet, foi uma prioridade para
Hancock. A ponte, agora uma ponte com meio-fio, já estava acabada, reconstruída e
reforçada. O próximo foram as barracas, e agora estavam quase terminadas. Em uma
semana, as veriam acabadas. Depois daquilo, Hancock e sua equipe começariam com o
moinho, não antes; mas, com sorte, o clima os acompanharia, e o mais importante,
toda a madeira e, ainda mais importante, todo o vidro de que precisavam. Selariam o
moinho antes de inverno, o qual, além do resto, era um lucro que Minerva pensara em
poder cumprir antes que o antigo duque morresse.
Elevando seu olhar, olhou para Royce e Macgregor, inundados em uma
discussão, enquanto caminhavam lentamente ao longo dos tendas, cabines e barracos
do lado esquerdo. Ela sorriu enquanto iam desaparecendo e então deixou que sua
mente se deslizasse de novo para suas preocupações atuais.

405
Os primeiros convidados, toda a família, haviam chegado ao dia anterior. Hoje,
chegariam seus amigos e os dele. Royce escolheu Rupert, Milhares, Gerald e Christian
como seus padrinhos. Ela escolheu Letitia, Rose, sua velha amiga Ellen, lady Ambervale
e Susannah como suas damas de honra. Sentiu-se obrigada a escolher uma das irmãs
de Royce, e, apesar daquele estúpido intento de manipulação por parte de Susannah,
não fora mal intencionada, e Margaret e Aurelia não estariam cômodas.
As três irmãs chegaram ontem. As três foram muito discretas em sua
presença, precavendo-se não só de que agora ela tinha o benefício de todo o poder de
seu irmão, mas sim de que também conhecia todos os seus segredos. Não é que ela
fosse fazer nada com aquele conhecimento, mas disso elas não sabiam.
Uma parte da lista de convidados que ele passara lhe agradeceu
enormemente o convite. Eram oito de seus ex-colegas. Tanto pela boca de Letitia,
como pela de Clarice e Penny, ouvira muito sobre aquele grupo, que incluía os
membros do clube Bastion, além de Jack, lorde Hendon, e todas as suas esposas.
Ouvira que Royce tinha destinado o convite a seu casamento, e agora resultava não ser
o único surpreso ao receber a confirmação de suas respectivas esposas. Suspeitava
que queriam lhe dar uma lição dançando alegremente no casamento dele.
De todas as formas, fazia tempo que queria conhecer todas, aquelas que
estiveram cotovelo a cotovelo profissionalmente com Royce durante os últimos anos.
Durante as seguintes horas, tentaram passar um tempo para eles, no que ela
tentou que lhe contasse mais sobre o que fez durante aqueles anos nos que esteve
sem paradeiro conhecido, aqueles anos que eram totalmente desconhecidos para ela e
para seus pais. Depois de hesitar um pouco, foi gradualmente baixando a guarda,
enquanto começava a falar cada vez mais livremente de várias missões que realizou e
sobre os muitos fios que teve que tecer em uma rede em que solicitar informação,
tanto militar como civil. Ele havia descrito suficientemente bem para agora saber mais
dele, de poder sentir algo mais por ele e para entender como e de que maneira
impactavam nele os acontecimentos daqueles anos. Admitiu ter matado a sangue frio,
não só em terras estrangeiras, mas que aquelas mortes foram essenciais para a
segurança nacional, assim que ela simplesmente piscou e assentiu.

406
Falou sobre as recentes aventura dos membros do clube Bastion. Também
falou sobre o homem que ele batizara como "o último traidor", o inimigo de que
Clarice havia falado anteriormente, um inglês, um cavalheiro da alta sociedade, alguém
com contatos no Ministério de Guerra, que traíra a seu país por uma recompensa
francesa e tinha assassinado de novo para escapar de Royce e seus homens.
Ao terminar a guerra, Royce perambulou por Londres, seguindo qualquer
rastro que pudesse ter deixado o último traidor. Foi a única falha que admitiu.
Para seu alívio, também admitiu que esquecera essa perseguição. Falou dela
como se já fosse parte da história, não como uma atividade recente. Como se pudesse
admitir que aquela falha apenas o fortaleceu. Sabia o suficiente para poder apreciar
tudo aquilo, que um homem tão poderoso como ele soubesse quando retirar-se,
vendo isso como um gesto de força e não de debilidade.
Durante as próximas semanas, falou de uma maneira aberta e, em troca,
pediu para saber também detalhes de como passara ela aqueles mesmos anos,
deixando entrever o quanto poderoso podia chegar a ser aquele casamento, mais
ainda na realidade que se suporia ter seu amor.
Um amor que ele ainda não era capaz de dar.

Emergindo de entre as barracas, trocou uma despedida com Macgregor,


apertando a mão do ancião. Voltou-se para ela, que o olhou aos olhos e arqueou uma
sobrancelha.
—Está preparada?
Ela sorriu, levantou-se e o segurou pela mão.
—Sim.
Estava de novo de volta a Wolverstone, sob o teto de seu inimigo. Apesar
inclusive de ter que compartilhar o quarto com Rohan, não se importava. Ali estava
ele, invisível entre a multidão congregada. Todo mundo podia vê-lo, mas em realidade
ninguém o via; não a seu verdadeiro eu, ao menos. Estava escondido, para sempre
encoberto.
Nunca ninguém poderia descobri-lo.

407
Seus planos estavam já muito avançados, ao menos em teoria. Agora, tudo o
que precisava fazer era encontrar o lugar preciso para contemplar sua vitória final.
Não deveria ser muito difícil. O castelo era enorme, e havia várias construções
nos jardins às que as pessoas emprestariam pouca atenção. Tinha dois dias para
encontrar o lugar perfeito.
Dois dias antes de poder agir.
Dois dias para poder-se ver livre por fim da tortura.
Do tortura daquele negro e corrosivo terror.
Quando chegou a quarta-feira, o castelo estava a transbordar literalmente até
o teto. Com tantos membros da alta sociedade que atender, a quantidade de criados
visitantes fez com que o número de alojamentos sob as escadas, ou melhor dizendo,
nos apartamentos de cobertura, chegasse a seu limite.
—Inclusive temos a gente na sala de engomar — disse Trevor a Minerva
quando se encontraram no corredor enquanto ele levava uma pilha de lenços de seda
perfeitamente engomados. — Estamos levando as tábuas ao tanque. Não acredito que
vamos ter muita roupa suja nos próximos dois dias.
Ela sorriu.
—Ao menos, agora todo mundo se irá ao dia seguinte.
—Isso espero — disse Trevor com expressão irônica — o tempo em que
podemos sustentar a tanta gente é limitado.
Ela riu ante o comentário e se virou. Em realidade por agora estavam
resistindo bastante bem, inclusive estando o castelo mais repleto de gente do que já
esteve. Todos os quartos para convidados estavam ocupados, inclusive os da torre. Os
únicos dormitórios daquele andar que ficaram livres eram sua sala matinal, a sala de
descanso de Royce e o escritório.
Sua sala matinal. Royce começara a chamá-la assim fazia umas semanas, e a
ela pegou o hábito.
Sorrindo, seguiu pela galeria. Eram as últimas horas da tarde, quase de noite
já, e os convidados já estavam descansando ou conversando de maneira tranquila em
qualquer parte, esperando que desse a hora do jantar. Pela primeira vez durante
aquele dia, teve a oportunidade de dar-se cinco minutos de descanso.

408
—Minerva.
Para ouvir seu nome, deteve-se e deu a volta com um sorriso nos lábios. Royce
estava ante o corredor que levava a seus aposentos.
Naquele momento, não tinha nada a fazer, assim, sorrindo profundamente, foi
a seu encontro. Aquele sorriso se via refletido nos olhos dele. Segurando-a pela mão,
ele voltou de novo pelo corredor, detendo-se ante a porta das muralhas. A igual à vez
anterior, abriu a comporta oculta, deixando que ela passasse na frente para logo segui-
la.
Ela caminhou pelas muralhas, estendendo os braços e respirando fundo,
depois voltou-se para ele, aproximando-se todo que pôde.
—Justo o que precisava, um pouco de ar fresco.
Seus lábios se dobraram em uma careta.
—O castelo está fervendo de humanidade. Em uma colmeia que vive e respira.
Ela riu e se virou de novo para o horizonte, pousando suas mãos sobre a
antiga rocha que compunham aquela torre de menagem, e sentiu como se aquele
toque a unisse com a terra do mesmo chão. De lá, divisou e se encontrou com aquelas
vistas, aquela paisagem que se fazia tão familiar.
—Quando me trouxe aqui e me mostrou tudo isto, me contando que isto é o
que ia compartilhar, apesar de eu ser sua governanta durante dez anos... Não sei,
agora, de algum jeito, vejo-o diferente — Suas mãos deslizaram por seus quadris, ela
se voltou e o olhou ao rosto — agora que vou ser sua duquesa...
Royce assentiu, e ela voltou a olhar para as colinas, e ele a beijou atrás da
orelha.
—Antes que aceitasse a responsabilidade, ainda estava um degrau abaixo,
mas agora começará a ver os campos como os vejo eu — disse levantando a cabeça,
olhando suas terras. — Começará a sentir o que eu sinto quando olho meus domínios,
começará a sentir o que realmente importa.
Ela se apoiou sobre ele, que pousou seus braços sobre ela, sentindo seus
braços, sentindo-se cômodo tendo-a agarrada assim. Por um momento, ficaram em
silêncio, observando, escutando, sentindo; logo, Royce falou:

409
—A mensagem que meu pai me deixou foi que não precisava que eu fosse ele.
Em seu dia você me disse que se referia ao ducado em si e a maneira em que eu o
dirijo, mas cada dia me dou mais e mais conta de quanto me pareço com ele, e
portanto, quão parecido era para mim. E penso... acredito, que seu comentário
abrangia muito mais que aquilo.
Ela inclinou a cabeça, ainda escutando, mas sem interromper.
—Acredito — Seguiu dizendo, aterrando-a com mais força com os braços,
sentindo-a e a aquela calidez que o prendia lá — que, durante aqueles últimos
minutos, tentou lembrar-se de tudo o que se arrependia em sua vida, e, depois de
tudo o que agora sei, o ducado não estava em um posto muito alto naquela lista.
Acredito que se arrependia da maneira como vivera. Acredito que o fez, com sua
última expiração, sem fazer um último esforço para melhorar sua vida. Teve
oportunidades que não aproveitou. Não pretendeu fazer mais que outros Varisey com
sua vida. Uma vida que lhe tinha sido servida em uma bandeja de prata.
»Nunca tentou criar o que estou tentando criar com você. Cada dia que passa,
cada hora que passamos juntos, já seja sozinhos ou com nosso povo, trabalhando em
nossas responsabilidades, é como pôr outro tijolo, outra parte de nossos alicerces
firmemente construída. Estamos construindo juntos algo que não existia, e acredito
que é isso a que se referia. Não queria que seguisse seus passos, nem queria que me
casasse da mesma maneira que ele o fez, nem tampouco que desse as costas à
oportunidade de poder construir algo mais forte, mais resistente, mais duradouro.
»Algo no que apoiar-se.
Ela se virou em seus braços, olhando-o diretamente no rosto, em seus olhos.
Ficou um momento pensando, para então assentir com a cabeça.
—Pode ser que tenha razão. Lembro que ele queria falar com você, esteve
meditando a respeito durante semanas, e logo... Soube que não ficava muito tempo.
—Assim me disse o mais importante.
Ela voltou a assentir.
—Ele se referia a sua vida em geral, não só ao ducado — e, duvidando antes
uns segundos, continuou: — Sei que nunca percebeu, mas aquele abismo que havia
entre vocês abriu os olhos dele. Que você se mantivesse firme foi o catalisador, foi o

410
que o fez começar a mudar. O que o fez começar a pensar no problema. Sua mãe se
deu conta, eu também. Ele nunca foi tão introspectivo.
Os lábios de Royce se torceram em um meio sorriso.
—Ao menos se pode sentir satisfeito de que, ao final, fiz conta.
Minerva sorriu, de uma maneira quente e profunda.
—Estaria muito orgulhoso.
Ele elevou ambas as sobrancelhas, cético.
O som apagado de um gongo ressonou a seu redor.
Ele se manteve ante ela, olhando-a ao rosto.
—Parece que deveríamos ir vestir nos para o jantar.
Ela assentiu.
—Sim, deveríamos.
Ele suspirou, inclinou a cabeça e a beijou, de maneira ligeira.
Ao cabo de um momento, seus lábios se separaram, quase a contra gosto. Ele
elevou sua cabeça somente uns centímetros, respirando contra seus lábios.
—Suponho que não podemos chegar tarde, não?
Sua mão permanecia aberta sobre seu peito.
—Não, não podemos — respondeu ela.
O olhar dele enquanto se endireitava foi mais que sincera.
—Ao menos amanhã todos partirão.
Ela riu, tomou sua mão e o conduziu escada abaixo.
—De todas as formas, esta noite não chegue tarde.
Detendo-se o princípio das escadas, cruzaram seus olhares.
—De fato, a tradição dita que a noiva e o noivo devem passar a noite antes de
seu casamento separados.
—Caso de não tenha percebido ainda, não é que esteja muito ligado às
tradições e, além disso, há algo que quero lhe dar. A não ser que queira voltar pelo
corredor de novo, esta vez com todos os quartos ao redor ocupados, sugiro que
encontre um caminho a meus aposentos rápido, antes que fique tarde.
Ela manteve seu olhar, semicerrando seus olhos, e logo, esforçando-se para
não rir, suspirou e desceu pelas escadas.

411
—Caso que não tenha percebido ainda, há várias tradições Varisey às que está
definitivamente ligado.
Sorrindo para si, Royce a seguiu escada abaixo.
—E o que é o que queria me dar? — disse Minerva enquanto reunia seu
cabelo, lutando por recolher-se o suficiente para poder fazer um coque. — Ou já me
deu?
Royce riu, abraçando-a brevemente.
—Não, há algo, de verdade.
Ele se sentou na beirada da cama por um momento, até que seu sangue
encontrou a maneira de voltar a fluir para sua cabeça. Levantando-se de novo,
avançou até um gaveteiro de grande tamanho que tinha ante ele. Abrindo a primeira
das gavetas, tirou um pacote que fora entregue como um envio especial de correios
nas primeiras horas daquela manhã. Levando-o até a cama, deixou-o sobre os lençóis
ante ela.
—Este é um presente que ofereço, com motivo de nosso casamento.
Minerva o olhou e, ignorando o fato de que estivesse nua, sentou-se entre os
edredons, desembrulhando aquele misterioso pacote. Era quase triangular em um de
seus lados.
—Meu Deus...
A última capa de pacote caiu, deixando-a totalmente aniquilada.
—É... Maravilhoso...
Aquele comentário não fazia justiça à coroa que repousava sobre várias
camadas de papel. Ao longo de sua banda tinha filigranas de ouro de uma delicadeza e
complexidade que nunca antes vira, elevando-se em uma pletora frontal de...
Diamantes?
As joias estavam incrustadas com fogo incandescente.
—Fiz com que as limpassem e polissem — disse Royce, deixando-se cair na
cama, olhando a à cara. — Você gosta?
—OH, claro — Minerva pôs reverentemente suas mãos ao redor da coroa,
elevando-a e admirando-a. — Posso colocá-la?
—É sua.

412
Elevando seus braços, pôs a coroa cuidadosamente sobre sua cabeça.
Encaixou-se perfeitamente, ajustando-se por cima de suas orelhas. Ela virou sua
cabeça.
—Encaixa perfeitamente.
Seu sorriso se aumentou.
—Perfeito, sabia que ficaria bem.
Ainda se importar em estar nua, saiu da cama e se aproximou de um dos
espelhos do quarto para assim poder admirar a coroa. O ouro era apenas um tom mais
escuro que a cor de seu cabelo, que caía solto sobre seus ombros.
Virando-se, tirou a coroa. Sustentando-a entre suas mãos, examinou-a
novamente, desta vez mais de perto, enquanto voltava para a cama.
—Não é nova, é muito antiga — disse olhando-o. — Sei que não é a coroa da
duquesa de Wolverstone, ao menos, não a de sua mãe. Onde a obteve?
Ele a olhou aos olhos.
—Prinny.
—Prinny? — disse, olhando a diadema fixamente. — Mas isto deve custar uma
pequena fortuna. Não posso imaginá-lo desfazendo-se de uma coisa como esta de
maneira voluntária.
—Bom, não o fez exatamente por vontade própria, mas... Me havendo
pressionado como o fez para que encontrasse esposa, deveria ao menos me dar sua
coroa de casamento.
Ela voltou a sentar-se sobre a cama, devolvendo cuidadosamente a coroa a
seu ninho de papel.
—Ironias à parte, me diga, como conseguiu uma preciosidade como esta?
Royce se deitou de costas, cruzando os braços por detrás de sua cabeça.
—Recorda da fortuna com a que se fez o último traidor de mãos das
autoridades francesas?
Ela assentiu.
—O pagamento por espiar.
—Exato. Não se pôde recuperar tudo de entre os restos do naufrágio do navio
de contrabandistas que o trazia para a Inglaterra, mas sim se encontraram algumas

413
peças, e, entre elas, esta coroa. Quando as autoridades a comprovaram com uma lista
de antiguidades que os franceses tinham perdido, descobriram que, de fato, era
propriedade dos Varisey — disse, olhando-a a seus surpreendidos olhos. — Foi feita
para Hugo Varisey, no século XIV. Permaneceu nas mãos da principal linha da família
na França, até que caiu em mãos das autoridades revolucionárias. Pouco depois, se
considerou como propriedade do Estado francês, até que foi dada como recompensa
ao último traidor, que sabemos que é inglês. Agora que a guerra terminou, os
franceses, é óbvio, querem que lhes devolva a coroa, mas o governo não vê razão para
fazê-lo.
»Entretanto, para que qualquer tipo de discussão ficasse resolvida e para que
me sentisse como merecedor de qualquer reconhecimento para com meu serviço,
fizeram que Prinny me desse, à cabeça do único ramo dos Varisey ainda não extinta.
Ela sorriu.
—Assim Prinny não teve realmente escolha?
—Eu diria que certamente protestou, mas não, não teve.
Royce a olhou enquanto ela pegava de novo a coroa de entre os papéis.
—E agora é minha, a peça mais antiga de joalheria na família Varisey. Você me
deu.
Minerva deixou repousar finalmente a coroa na mesa que havia junto à cama,
para logo virar-se e aproximar-se de novo a ele, com um sorriso em seus lábios.
Quando chegou até ele, segurou seu rosto entre suas mãos e o beijou. Um beijo longo,
enquanto que ela o rodeava lentamente com uma perna. Logo se montou
escarranchada em cima dele.
—Obrigada.
O sorriso dele se ampliou enquanto ela o olhava diretamente aos olhos.
—De nada.
Mas por aquele nada, ela decidiu agradecer naquele preciso momento, no alto
de sua cama.
Mais tarde, quando ela jazia placidamente exausta a seu lado, plenamente
satisfeita, murmurou:
—Sabe? Se não fosse pelo Prinny e suas maquinações...

414
Royce meditou durante uns instantes e logo negou com a cabeça.
—Não, inclusive se demorássemos mais em perceber tudo, ainda poderia ter
disposto meu coração para você.

Tudo estava disposto. Tinha encontrado o lugar apropriado, repassando todos


e cada um dos pontos de seu plano. Nada poderia dar errado.
Amanhã seria o dia de seu triunfo. Amanhã veria como triunfaria.
Amanhã partiria Royce em dois.
E logo o mataria.

415
CAPÍTULO 21

O clamor foi ensurdecedor.


Royce se inclinou adiante para falar com Henry.
—Pare.
Vestido com sua melhor uniforme, levando inclusive a insígnia branca, igual à
carruagem aberta em que iam, Henry fez com que aqueles pesados cavalos de tiro
parassem na metade do caminho que levava ao Alwinton.
A multidão se aproximou um pouco mais, saudando com suas mãos e
aclamando.
Royce lançou a Minerva um olhar, logo um sorriso e a seguir ficou em pé,
atraindo-a para ele. Segurando uma de suas mãos, levantou-a em alto.
—Apresento a sua nova duquesa!
Os ali agrupados explodiram de alegria.
Minerva lutou para conter a corrente de sentimentos que a percorria.
Observando os que os rodeavam, viu muitos rostos familiares, todos encantados de
que ela fosse a prometida de Royce.
Sua esposa.
Ela o seguiu, saudando com a mão. O luminoso sorriso de seu rosto tinha
decidido ficar ali fazia um bom momento, quando ele decidiu levá-la do altar até a
entrada da igreja.
O povo agradeceu por pararem para cumprimentar.
Quando ela se voltou a sentar, pediu a Henry que seguissem adiante.
Ainda sorrindo, relaxou-se sobre o ombro de Royce, enquanto recordava a
cerimônia, para então sair para o almoço de casamento que tinham disposto.
Aquela mesma carruagem, recém pintada com o brasão dos Wolverstone nas
portas e vários laços tecidos nas rédeas, tinha-a levado a ela, a condessa de
Catersham, e suas damas de honra, até a igreja. Seu vestido, feito com os tecidos e
rendas mais finos de Bruxelas, produzia um vaio amortecido ao andar. O delicado véu
se mantinha preso pela coroa Varisey, enquanto ela caminhou no braço do duque,

416
abstraída pela horda que se congregou às portas da igreja, já que estava sendo
conduzida por aquele par de olhos escuros.
Em um esplêndido fraque de verão, Royce esteve esperando-a em frente ao
altar. Apesar de tê-lo visto apenas umas horas antes, parecia que algo nele mudara,
como se seus mundos, suas vidas, mudassem justo no instante em que ela depositou
sua mão sobre a dele, para logo virar-se para o senhor Cribthorn.
A cerimônia transcorreu sem problemas; ao menos, isso é o que ela
acreditava. Mal podia recordar muito, já que em todo momento esteve embargada por
uma onda de emoções, uma maré de felicidade que permaneceu enquanto trocavam
os votos e que chegou a seu ponto máximo quando Royce introduziu aquele anel de
ouro em seu dedo e ouviu as palavras "E os declaro marido e mulher".
Duque e duquesa.
O que era o mesmo, mas aumentado. Um fato que ficou rapidamente
ilustrado no instante em que Royce lhe deu aquele casto e puro beijo. Um beijo
repleto de compreensão e promessa, de aceitação e compromisso.
Seus olhos se encontraram, e então, como se fossem um, ambos viraram suas
cabeças, encarando ao futuro. Primeiro olharam à assembleia de pessoas que ali se
congregaram, todas e cada uma das quais desejavam poder felicitá-los pessoalmente.
Com sorte, os outros, seus amigos e os casais do clube Bastion, formaram uma espécie
de guarda a seu redor, que os ajudou a mover-se e sair da entrada da igreja com
relativa facilidade.
O estrondo que se formou quando saíram da igreja sob aquela débil luz
matutina ressonou em forma de eco pelas colinas. Hamish e Molly estavam os
esperando nas escadas. Ela abraçou Molly, para logo virar-se e ver Hamish hesitando,
retendo-se ao ver a delicadeza de seu vestido e o brilho de sua coroa de diamantes. Foi
ela quem o abraçou. Sem jeito, ela deu uns tapinhas em suas grandes mãos.
—Tinha razão — disse ela em um sussurro. — O amor é muito singelo, não se
precisa pensar.
Ele riu entre dentes, beijando-a na bochecha, e deixou que fosse com todos
outros, enquanto ele estreitava a mão de Royce e lhes desejava um bom futuro.

417
Passou uma hora antes que fossem capazes de sair do exterior da igreja. Os
convidados e o resto dos assistentes ao casamento se adiantaram ao café da manhã de
que os esperava no enorme salão de baile do castelo, uma reforma que fora realizada
fazia já muitos anos na parte de atrás da torre da menagem.
A carruagem agora avançava pelo caminho pavimentado da ponte. Um minuto
mais tarde, passaram junto às robustas portas duplas coroadas por aquelas
ameaçadoras cabeças de lobo. O castelo se elevava ante eles. Já era tão lar dela como
do Royce. Ela ficou olhando, para ver que seu olhar estava cravado na pedra cinza da
fachada do castelo.
Retford, Hamilton, Cranny e Handley estavam esperando justo na porta de
entrada. Todos estavam felizes e radiantes, mas tentavam manter a compostura.
—Sua Excelência — disse Retford fazendo uma reverência.
Minerva levou uns instantes dar-se conta de que se estava referindo a ela.
Hamilton, Cranny e Handley também, todos lhe deram as boas vindas.
—Tudo está preparado, senhora — disse Cranny.
—Suponho que já chegou todo mundo.
Handley assentiu.
—Lorde Haworth e lorde Chesterfield deverão nos deixar em um par de horas.
Me assegurarei de saudá-los.
Royce olhou a Minerva.
—Há algum outro convidado ao que devamos emprestar atenção agora?
Minerva mencionou outros cinco. Representantes do rei, regentes, membros
do Parlamento... Todos deviam partir mais tarde nesse mesmo dia.
—A parte desses, deveríamos dedicar também algum tempo às grandes
damas.
Ele bufou.
—Sempre é sábio dedicar um pouco de atenção às grandes damas.
E dizendo isto, segurou-a pelo braço, conduzindo-a até o salão de baile.
—Acredito que deveria informar, Excelência, que desde hoje, eu sou uma
destacada entre as grandes damas — disse rindo de maneira pícara. — Sou minha
própria grande dama, o que significa que agora apenas terei que responder ante você.

418
Ela ficou olhando-o aos olhos, justo à porta do salão de baile.
—Não posso me queixar.
Jeffers, totalmente uniformizado, orgulhoso e transbordante de felicidade,
esperava-os para abrir a porta. Royce elevou o rosto dela, olhando aqueles olhos de
cor outonal que o olhavam, a todo ele, e compreendiam. Elevando uma de suas mãos,
beijou-a na ponta dos dedos.
—Está preparada?
Ela sorriu de uma maneira um tanto misteriosa.
—Claro, Excelência. Entremos.
E assim o fizeram, cerimonialmente. Ele a conduziu ao enorme salão de baile,
enquanto todos os presentes ficavam em pé e aplaudiam. Continuaram caminhando
até a mesa que se encontrava ao final da enorme sala. Havia um sorriso em cada rosto.
Os aplausos seguiram até que ele a acomodou no centro da mesa principal, sentando-
se a seu lado, e depois o resto de convidados, dando-se por iniciados os festejos.
Foi um dia de enorme felicidade. A cordialidade os envolveu durante aquele
longo estipêndio, as conversações de costume e a primeira valsa. Após aquilo, as
pessoas se dispersaram livremente.
Voltando para seus deveres para com os representantes da Coroa e o governo,
Royce se levantou de sua cadeira da mesa principal. Contido, desfrutando de uma paz
interior da que nunca desfrutara, olhou à multidão, sorrindo ante a aparente felicidade
que refletiam tantos rostos. Um momento para saborear, para deixar retido em sua
memória. Os únicos amigos que sentia falta de ali eram Hamish e Molly. Tanto ele
como Minerva queriam que ambos tivessem assistido, mas tampouco insistiram,
entendendo que, naquele ambiente, Hamish e Molly se sentiriam um pouco
incômodos.
Em vez disso, ele e Minerva planejavam cavalgar até a fronteira no dia
seguinte.
Perguntou-se quanto tempo passaria antes que cavalgar, sobretudo grandes
distancia, se converteria em uma ação imprudente. Olhou-a um momento, sentada a
seu lado; já que Minerva dissera nada, suspeitava que seria melhor morder a língua, ao
menos até que o fizesse.

419
Sem prévio aviso, um calafrio de intranquilidade percorreu suas costas. Não
tinha nenhuma experiência com mulheres de condição delicada. Entretanto, conhecia
muitos homens que sim a tinham. Inclinando-se sobre Minerva, imersa em uma
conversação com Rose e Alice, tomou seu pulso.
—Vou saudar. Mais tarde nos encontraremos.
Ela o olhou, sorrindo, para logo voltar para o bate-papo com as esposas dos
amigos de seu marido. Ele se dirigiu para seus ex-colegas.
Encontrou-os formando um amontoado em um dos cantos do salão. Todos
levavam copos em suas mãos, bebendo enquanto conversavam animadamente, com
seus olhares pousados em suas damas, as quais estavam dispersadas pela sala.
Aceitando um copo de um de seus criados, uniu-se a eles.
—Ah! Só homens! — bramou Jack Hendon. — Por fim une a nós, já era hora.
—Frequentemente me pergunto — disse Tony em voz baixa — se evita todos
os casamentos ou só os dos seus amigos.
—O primeiro — disse Royce tomando um gole de sua bebida. — A desculpa de
não ser um Winchelsea é muito conveniente. Costumo utilizá-la para evitar todas as
grandes celebrações da alta sociedade.
Todos riram ante aquele comentário.
—Qualquer um de nós — disse Tristan — faria o mesmo.
—Mas a verdade é que sempre temos uma desculpa para acudir e brindar —
disse Gervase.
—Qual é a de hoje? — perguntaram todos olhando para Charles, quem sorriu
maliciosamente sem poder reprimir. Levava tempo esperando aquele momento.
Elevou seu copo para Royce, enquanto os outros o imitaram.
—Pelo final do mandato de Dalziel — começou a dizer — e pelo começo do
nosso, e ainda mais importante, pelo começo do seu — disse assinalando com o copo a
Minerva.
Os outros aclamaram e beberam de uma vez.
Royce sorriu, bebeu e olhou a todos.
—Suponho que me estarão vendo na posição daquele que procura conselho
da experiência de seu coletivo.

420
Todos o olharam.
—Bom, pois sim. Têm razão... E esta é uma de minhas muitas perguntas...
Como...? Como... Controlam e reprimem suas esposas, quando estão no que
normalmente chamamos... "uma situação íntima"?
A única de suas esposas que não tinha sido já desflorada, e da que ele tinha
suspeitas de que ainda não fora. Para sua surpresa, todos pareceram bastante
angustiados frente à pergunta. Olharam para Jack Hendon.
—Você é um cão velho. Tem algum truque?
Jack fechou os olhos, encolheu os ombros, então os abriu, para negar com a
cabeça.
—Não me lembre disso, nunca descobri como fazê-lo.
—O difícil — disse Jack Warnefleet — é ser suficientemente sutil quando o
que realmente quer fazer é se impor e deixar bem claro que, categoricamente, não
pode fazer isso, seja o que seja que seja "isso" nesse momento.
Deverell assentiu.
—Não importa o que diga, nem o tático que comece sendo. Veem-nos com a
inteligência de uma pulga. Assim sempre fazem o que têm vontades.
—Por que é que nós — perguntou Christian — como parte da equação, somos
considerados como aqueles que não têm opinião neste tipo de matéria?
—Provavelmente porque — respondeu Tony — nossa informação não é
correta, já que em sua maior parte está apoiada em uma carência total de inteligência.
—Sem mencionar — acrescentou Gervase — aqueles de nós que não têm
experiência no campo.
Royce ficou olhando.
—O que mais me preocupa, é o que vem depois — disse Tristan.
Todos olharam para Jack Hendon.
Ele os olhou também, negando logo lentamente com sua cabeça.
—Não acredito que queiram saber o que acontece depois.
Todos consideraram perguntar, mas nenhum o fez.
—Que covardes que somos — disse Royce sorrindo zombadoramente.

421
—Quando se chega aí... é para ser — disse Christian enquanto apurava seu
copo. Logo retomou a conversação em relação às mudanças realizadas sobre as leis do
milho. Todos eles eram dirigentes, todos mandavam sobre um domínio, todos
possuíam comunidades que proteger. Royce escutou, aprendeu e contribuiu com seus
conhecimentos, enquanto que seu olhar se pousava continuamente sobre Minerva,
que seguia conversando com Letitia e Rose justo na metade do salão.
Outra dama se aproximou. Era Ellen, uma amiga de Minerva, uma de suas
madrinhas. Ellen se uniu ao grupo dela, para logo falar diretamente com Minerva
enquanto assinalava uma das portas laterais. Minerva assentiu e se desculpou ante
Letitia e Rose, para ir, a sós, à porta indicada.
Royce se perguntou que tipo de emergência a requereria em um dia como
aquele; mas, se não fosse importante, por que Cranny, Retford ou qualquer dos outros
se incomodou em enviar uma mensagem? Aquilo não tinha a ver com nenhum
problema que pudesse surgir durante o festejo, certamente...
Tentou dizer a si mesmo que aquilo era produto de sua anterior conversa
sobre as "situações íntimas", e aquelas primitivas respostas que recebera que estavam
brincando com ele, mas, com uma simples sacudida de cabeça, desculpou-se e
começou a caminhar para o centro do salão. Sentiu como Christian o olhava, como o
seguia com o olhar enquanto ele abria passo para onde Letitia e Rose ainda estavam
falando. Elas elevaram o olhar ao vê-lo aproximar-se.
—Onde está Minerva?
Letitia sorriu.
—Acaba de sair por alguém.
—Tinham que lhe dar uma mensagem de seu meio-irmão, ou algo assim —
disse Rose enquanto inclinava sua cabeça assinalando à porta. —Estão falando fora.
Sem olhar por trás da porta, sabia perfeitamente que Minerva não estava no
vestíbulo. Todos os seus instintos estavam alerta, quase zumbindo. Deixando as damas
sem despedir-se, avançou para a porta.
Christian estava ali para abrí-la.
O vestíbulo estava, efetivamente, vazio.

422
Caminhou olhando a seu redor. À sua direita estava o corredor que levava ao
interior, enquanto que à sua esquerda havia um pequeno corredor junto ao salão de
baile que terminava em uma porta para os jardins. O sentido comum sugeria que
Minerva se foi para os aposentos interiores. Entretanto, foi para a esquerda, atraído
por um pequeno objeto branco que havia no chão.
Christian o seguiu.
Royce se parou para pegar uma tira adornada, coberta de flores de seda
branca. Aquilo era um detalhe do traje de Minerva, que pertencia a sua mãe. Minerva
o costurara a seu pulso. Agachando-se para recolhê-lo, ele ficou gelado, enquanto o
cheirava. Voltando sua cabeça, seguiu agachado, riscando uma linha reta da base do
bengaleiro que ali se encontrava, encontrando um lenço.
Sem sequer levantarem suas cabeças, tanto Royce como Christian
reconheceram o aroma.
—Éter.
Levantando-se, olhou através da porta de vidro que dava aos jardins, mas
estavam em silêncio e tranquilos.
—Levaram-na — disse, sem quase reconhecer sua voz.
Seu punho fechado apertou fortemente o lenço. Seus lábios se retorceram em
um gesto feroz, dando-a volta.
Christian o agarrou pelo braço.
—Espere! Pense, isto foi planejado. Quem tem como inimigo? Quais tem ela?
Ele franziu o cenho, tentando concentrar-se. Custou-lhe um verdadeiro
esforço poder pôr sua mente em marcha. Nunca havia sentido uma ira tão quente,
nem um terror tão frio.
—Não temos nenhum, não que eu conheça. Aqui não.
—Tem um, e é muito possível que esteja aqui.
Royce olhou Christian aos olhos.
—O último traidor?
—Ele é o que mais razões tem para temer você.
Royce negou com sua cabeça.
—Já não sou Dalziel. Ganhou a partida e desapareceu.

423
—Dalziel se foi, sim, mas você está aqui, e você nunca se rende. Ele, de algum
jeito, sabe, assim nunca estará seguro.
Christian soltou o aperto que ainda mantinha sobre seu ombro.
—Ele é quem a levou, mas não é ela quem busca.
Aquilo era inegavelmente certo.
—Ela é a isca — disse Christian com urgência. — Ele a manterá viva até que
apareça, mas, se alertar qualquer um ou mandar a qualquer um procurá-la, então a
matará antes que possa fazer algo por ela.
Aquela possibilidade o ajudou a manter no controle aquela ira conduzida pelo
medo, a prendê-la como se fosse uma besta, nas profundidades de seu interior,
deixando que sua mente e suas capacidades tomassem as rédeas.
—É certo, tem razão.
Aspirando profundamente, elevou a cabeça.
—Mesmo assim, teremos que procurar.
Christian assentiu.
—Mas apenas com aqueles que sejam capazes de resgatá-la se derem com
ela.
Royce olhou ao exterior.
—Ele não pode ter previsto que perceberíamos tão cedo.
—É certo. Temos tempo suficiente para fazer isso da maneira apropriada e
trazê-la de volta com vida.
—Vocês sete — disse ele. — Hendon, Cynster, Rupert, Miles e Gerald.
—Eu os reunirei — disse Christian olhando-o aos olhos. — Enquanto eu me
encarrego disso, você tem que pensar. É o único que conhece este território e o que
melhor conhece inimigo que vamos enfrentar. É o melhor planejando estratégias como
esta, assim pense.
A vida de Minerva e a de seu filho por nascer dependiam disso.
Royce assentiu firmemente. Christian o deixou, voltando com agilidade ao
salão de baile.
Dois minutos mais tarde, Royce voltou também para salão. Viu Christian
movendo-se com habilidade entre a multidão, dando tapinhas dissimuladamente em

424
alguns ombros. Seu plano já tomava forma em sua mente, mas ainda havia algo que
precisava saber.
A última vez que cruzou espadas com o traidor, este ganhara. Aquilo não ia
ocorrer naquela ocasião. Não com o que estava em risco. Queria conhecer todos os
dados que fosse possível antes de ir em busca de sua esposa.
Letitia, que ainda estava junto a Rose, já fora também alertada. Tinha uma
expressão de preocupação e intranquilidade quando Royce passou a seu lado.
—Poderiam você e Rose encontrar Ellen e trazê-la ao vestíbulo que há detrás
da porta lateral? — disse, olhando-a brevemente aos olhos. — Não me pergunte, mas
se apresse e não digam nada a ninguém, salvo às outras esposas dos membros do
clube Bastion — E olhando para Rose, terminou dizendo — ou a Alice e Eleanor, mas a
ninguém mais.
Ambas queriam perguntar por que, mas nenhuma o fez. Com os lábios
apertados, ambas assentiram, trocando olhares, para logo separar-se e desdobrar-se
entre a multidão, procurando.
Ele também ficou a procurar, mas cada vez ia lhe custando mais e mais manter
aquela expressão impassível, assim deixou a busca de mulheres e voltou para
vestíbulo.
Minutos depois, Leonora atravessou a porta.
—Encontraram-na, mas está falando com alguém. Eleanor, Madeline e Alicia
estão tentando trazê-la para cá.
Ele assentiu, enquanto não parava de andar acima e abaixo, muito nervoso
para ficar quieto.
Em pouco tempo, as outras damas se uniram a ele, entrando no vestíbulo uma
a uma, todas conscientes de que algo acontecia. Olharam-no, mas nenhuma
perguntou nada. As últimas a unir foram Eleanor, Alicia e Madeline, que traziam Ellen,
com um gesto de surpresa em seu rosto.
Ela não o conhecia, mas pôde sentir a ira que estava tentando conter. Estava
muito assustada.
—Ignore-o se ladrar — advertiu Letitia. — Não morde.
Os olhos de Ellen se abriram ainda mais.

425
—Não tenho tempo de explicar nada — disse Royce, falando a todos — mas
preciso saber com quem ia se encontrar Minerva aqui.
Ellen piscou.
—Um de seus primos me pediu que dissesse que o filho de seu meio-irmão
desejava poder falar com ela. Aparentemente, tinha um presente a dar. Disse que
estavam esperando-a nos jardins — disse ela, assinalando com a cabeça o final do
corredor. — Aí fora.
Royce sentiu uma súbita inevitabilidade.
—Qual primo?
Ellen negou com a cabeça.
—Não sei, não saberia dizer. Não os conheço, todos se parecem entre eles.
Phoebe falou:
—Que idade teria?
Ellen olhou para Royce.
—Mais ou menos a de sua Excelência.
Letitia olhou ao Royce.
—Quantos tem que essa idade?
—Três.
Mas, em realidade, ele já sabia quem era.
A porta do salão de baile se abriu de novo. Susannah olhou a seu redor.
Primeiro olhou para as damas e logo se fixou nele.
—O que é o que acontece?
Ele não respondeu. Em seu lugar, disse:
—Quero me reunir com Gordon, Phillip e Gregory no salão. Não lhes diga
nada, simplesmente vá olhar se estiverem, vamos.
Ela o olhou, fechou a boca e se foi de novo para dentro.
Clarice, Letitia e Penny foram para a porta.
—Nós também os conhecemos — disse Penny.
Alguns minutos depois, as quatro voltaram.
—Gordon e Gregory sim estão — disse Susannah — mas não encontro Phillip.

426
Royce assentiu, dando-se meia volta, enquanto seu cérebro funcionava a toda
velocidade.
Alicia falou.
—Isso não é concludente, Phillip pode estar em qualquer lugar, este castelo é
enorme.
Totalmente aturdida, Susannah olhou os outros. Letitia explicou que estavam
tentando descobrir qual dos primos de Royce levou a Minerva.
—Tem de ser Phillip — disse Susannah, categoricamente.
Quando Royce a olhou interrogativo, ela continuou falando:
—Não sei que inseto o picou com você, mas, durante anos, sempre quis saber
tudo sobre você e o que estava fazendo. Recentemente foi ele quem sugeriu que
convidássemos Helen Ashton. Ele foi quem me disse que Minerva era sua amante e
que... Você não estava apaixonado por ela — Nesse ponto se deteve, empalidecendo.
— OH Deus, Royce... Foi ele quem a levou, não?
Durante um momento que se fez eterno, não respondeu, até que finalmente,
Royce assentiu.
—Sim, o fez.
E, dizendo isso, olhou para Alicia.
—Recordam o último traidor, que estivemos perseguindo todo este último
ano? Determinamos que tinha alguma conexão com o Ministério da Guerra. De todos
os meus primos, de todos os que estão aqui, Phillip é o único qualificado para ter esse
tipo de conexão.
De repente, sentiu como a segurança enchia seu interior. Sempre era um
avanço saber a quem ia caçar.
Minerva lutou por despertar entre as névoas da inconsciência. Sua cabeça
doía, e se sentia muito aturdida. Os pensamentos se esboçavam em sua mente, para
depois ver como se escorriam, afundando-se nas trevas. Não podia chegar a pensar,
não podia concentrar-se, nem perguntar-se nada coerente, muito menos, abrir seus
olhos; mas, em seu interior, um frio glacial de pânico oferecia uma sujeição à
realidade.
Alguém a sequestrara.

427
Fora à porta, em busca do filho de Hamish, e alguém, um homem, agarrou-a
por trás. Ela o havia sentido um instante antes que a agarrasse, tentando virar a
cabeça para ver quem a atacava, mas pôs um lenço sobre sua boca e seu nariz e...
O aroma era algo assim como adocicado.
A realidade ia fazendo mais clara muito pouco a pouco, filtrando-se em sua
mente. Ela aspirou com precaução, mas aquele aroma nauseabundo havia
desaparecido.
Alguém, o homem, estava falando, mas sua voz soava distante, aparecendo e
desaparecendo.
Teria franzido o cenho se seus músculos faciais respondessem. Estava de
barriga para cima, sobre a pedra, já que sentia sua áspera textura nos dedos de uma
de suas mãos. Já esteve ali antes, jazendo desta mesma maneira, não faz muito...
O moinho. Estava sobre a pedra do moinho.
Deduzir aquilo a fez ficar alerta. As neblinas se foram dissipando, até que
finalmente, esteve plenamente acordada.
Em seguida, percebeu que tinha a alguém ao lado. Sentiu como a olhava de
cima, apesar de que seu instinto a mantinha totalmente inerte.
—Maldita seja, desperte já!
Falava através dos dentes, mas mesmo assim, pôde reconhecê-lo. Era Phillip.
Que demônios queria?
Com outra maldição silenciosa, afastou-se. Seu sentido do ouvido por fim se
ajustou, ao que se seguiu o resto de sua mente. Ainda estava muito fraco para mover-
se, assim que ficou quieta, escutando como caminhava de cima abaixo, falando
consigo mesmo.
—Está bem, ainda tenho muito tempo para preparar a cena. Posso violá-la,
golpeá-la e então matá-la, talvez cortando o pescoço, deixando que seu sangue emane
artisticamente sobre a pedra... Sim!
Uma vez mais, sentiu como a estudava, para logo caminhar de novo.
—Sim, isso ficará muito bem. Farei seu vestido em pedacinhos, baterei na sua
cabeça, depois no ventre e logo deixarei essa maldita coroa entre o sangue — disse
gargalhando. —Sim! Definitivamente, isso causará o efeito. Tenho de destroçá-lo.

428
Quebrá-lo totalmente. Tem que ver que, finalmente, eu sou mais poderoso que ele. Já
que ele levou meu tesouro, eu tomarei dele algo do mesmo valor.
»Porque, em nosso jogo, eu sempre ganho.
»Eu sou sem lugar a dúvidas o mais inteligente dos dois. Quando vier aqui e
ver o que fiz à sua nova duquesa, à mulher que esta manhã jurou proteger e honrar,
saberá que ganhei. Imaginará que todo mundo saberá o quanto é inútil, e que nunca
pôde ser suficientemente poderoso, forte e inteligente para protegê-la.
Novamente, aquelas longas pernadas o levaram junto à pedra do moinho. De
novo, Minerva sentiu como a percorria com o olhar. Diferente de Royce, aquilo fazia
com que corresse um desagradável calafrio por todo seu corpo. Ela lutou para manter-
se com o corpo lânguido, resistindo à compulsão de esticar-se, de reter o fôlego e de
abrir as pálpebras para poder ver algo.
Quase suspirou de alívio quando o homem disse:
—O tempo está ao meu lado, tenho mais de uma hora antes que o criado dê a
nota a Royce. Tenho mais que tempo para aproveitar e matá-la e depois dispor tudo
para dar as boas vindas.
Os fatos se fizeram evidentes assim que desapareceu o enjoo mental que
esteve sofrendo desde que despertou.
Tesouro. Phillip havia dito a palavra tesouro. Ele era o último traidor de Royce.
Disso tratava todo aquilo. Tinha pensado que, acabando com ela, quebraria
Royce em dois.
O esforço que teve que fazer para reprimir sua reação, para não deixar que
sua mandíbula, que suas feições, esticassem-se, para não deixar que suas mãos se
fechassem em um punho, alcançar a faca que tinha, por uma razão totalmente
diferente, presa a sua coxa, foi imensa.
Ela poderia matá-lo com aquela faca, mas Phillip era forte, era da mesma
compleição que Royce. Embora ainda acreditasse que estava inconsciente, parecia que
por agora poderia continuar com aquela pantomima. Sempre que ele acreditasse que
ainda restava tempo, sua melhor estratégia era deixá-lo ali esperando e conversando.
E assim dar a Royce o tempo suficiente para que chegasse.
Ela sabia que o faria.

429
Durante quanto tempo esteve inconsciente? Quando tempo fazia que deixara
o salão de baile? O plano de Phillip tinha um grande buraco, um que ele não previra.
Pode que não fosse um Varisey, mas, igual a Royce, não compreendia o que era o amor
em realidade.
Não compreendia que Royce simplesmente saberia o que acontecera, que ele
sempre a protegia, inclusive em um salão de baile repleto de gente. Nunca esperaria
uma hora para comprovar aonde foi. Ela duvidava muito que tão sequer houvesse
esperado dez minutos, o que significava que o plano de resgate já estava em marcha.
Agora, Phillip tagarelava sobre seu pai, seu avô, de como sempre elogiaram
Royce e a ele nunca,e de como agora veriam que Royce não era nada.
O avô de Royce fazia muito tempo que estava morto.
Minerva não precisava de mais prova para conhecer o estado mental de
Phillip.
Ela se esforçou em escutar, para assim poder seguir seus movimentos.
Quando esteve segura de que estava a certa distância, abriu os olhos rapidamente,
para imediatamente voltar a fechá-los, lançando um suspiro mental de alívio.
Tinha fechado as portas do moinho.
Resistindo a sorrir de alegria, lutou para continuar mantendo todos seus
músculos flácidos.
Não foi muito simples quando Phillip deixou de falar, para logo posicionar-se
junto à pedra do moinho. Agora, ela estava plenamente consciente, sentindo sua
proximidade. Igual a Royce, ele era alto, musculoso e irradiava calor, e reprimir a
repulsão que sentiu naquele momento foi o mais difícil que teve de fazer em sua vida.
Logo ouviu um som. Seus braços se moviam.
Ele se inclinou sobre ela.
—Vamos, maldita, acorde!
E então ela descobriu que havia coisas piores que a repulsão por reprimir.
O instinto chegou a seus limites. Ela apenas teve um instante de aviso, um só
instante para gritar a si mesma que relaxasse, e que pelo amor de Deus, não reagisse.
Foi então quando ele cravou em braço a agulha de seu lenço.

430
Royce esperou no vestíbulo até ter todos os seus homens reunidos. As damas
também estavam presentes. Todos estavam muito preocupados para voltar para salão
de baile.
Christian apareceu pela porta.
—Já estamos todos.
Royce passou seu olhar por aquela série de rostos mortalmente sérios.
—Meu primo, Phillip Debraigh, sequestrou Minerva. É nosso último traidor,
esse que eu não pude apreender. Tal e a meu ver, isto tem de ser uma vingança contra
mim. A coroa que levava Minerva e que eu lhe presenteei, era parte de seu tesouro de
trinta peças. Pelo visto, a levou a algum lugar no exterior.
»Embora o castelo seja enorme, está abarrotado de convidados, e os criados
não param de dar voltas continuamente por todos lados. Disso ele sabe e não quererá
arriscar-se a fazer um pouco de portas para dentro —disse olhando ao exterior — mas
lá fora há um número determinado de lugares onde pôde esconder-se, e isso nos dá
uma oportunidade de resgatar Minerva e capturá-lo.
Voltou a olhar aqueles rostos de expressão preocupado.
—A levou faz menos de quinze minutos, assim não esperará que nos
tenhamos precavido de sua ausência tão rápido, portanto temos um pouco de tempo
para realizar um plano.
Rupert, à sua esquerda, olhou nos olhos de Royce.
—Seja o que seja que façamos, a discrição deve ser absoluta. Não importa que
ele seja o traidor e que mereça morrer como um cão. Não pode acabar lançar ao
desprestígio toda a família Debraigh. Você, especialmente, não pode fazê-lo.
E dizia aquilo porque os Debraigh eram família de sua mãe e sempre os
apoiara. Dizia aquilo porque seu avô Debraigh foi uma coluna em sua vida formativa.
Royce assentiu.
—Enquanto seja possível, tentaremos manter isto em segredo, mas não
arriscarei a segurança de Minerva, nem pelos Debraigh.
Olhou de novo o grupo de mulheres, Letitia, Clarice, Rose e o resto.
—As damas nos darão cobertura. Deverão voltar para salão e expandir algum
tipo de história, de que fomos a uma reunião de última hora ou algo que possam

431
inventar como desculpa. Precisarão esconder sua preocupação, façam ver como se
fosse irritação, aborrecimento, resignação... Qualquer coisa, mas saibam uma coisa
importante. Nunca poderemos resolver isto com êxito sem sua ajuda.
Clarice assentiu.
—Nós nos ocuparemos, vocês partam — disse fazendo um gesto com a mão.
—Façam isso em que são tão bons e tragam Minerva de volta.
O tom bélico que empregou reforçou os olhares das outras damas.
Royce assentiu de novo e olhou os homens.
—Vamos às muralhas.
Conduziu-os até as escadas que conduziam às muralhas a passo ligeiro.
Apenas para precaver-se da possibilidade de que se equivocou com Phillip e este
estivesse oculto em algum lugar da casa, Handley, Trevor, Jeffers, Retford e Hamilton
também foram alertados, realizando uma discreta busca por todo o castelo; mas,
enquanto se dirigia às muralhas, esperando que os outros unissem a ele, sabia que não
se equivocou. Phillip estava lá fora, em algum lugar nas proximidades, e os pontos mais
relevantes destas eram perfeitamente visíveis de uma vista com perspectiva.
Agarrando com suas mãos a pedra, olhou o horizonte.
—Tem que haver a levado a uma das estruturas. Não há muitas, ali está...
De repente, emudeceu. Fora ao mesmo lugar onde esteve anteriormente com
Minerva, duas vezes. A vista dava ao norte, com o desfiladeiro que levava a Cheviots, e
à Escócia, mais à frente.
O moinho estava à vista.
Endireitou-se, fixando sua vista naquela estrutura.
—Ele a levou ao moinho.
Todos se amontoaram contra as muralhas, tentando divisar algo.
Antes que qualquer um pudesse perguntar, ele falou:
—Não há ninguém em todo o condado que possa fechar essas portas. Por
razões óbvias, sempre as deixamos meio abertas.
Christian estava inspecionando o terreno, ao igual aos outros.
—Tem dois andares.
—Podemos sulcar a corrente?

432
—Não com facilidade nem segurança.
—Então — disse Diabo Cynster, ficando firme e levantando uma sobrancelha
— como vamos fazer?
Em um par de frases, ele contou seu plano.
Não é que lhes parecesse de todo bem, mas não protestaram.
Minutos depois, saíram do interior para os jardins, e, silenciosamente, uma
pequena força de homens mortífera se propôs fazer uma única coisa.
Acabar com a existência do último traidor.
Royce ia na cabeça do grupo, com o resgate de Minerva sã e salva como único
propósito.

433
CAPÍTULO 22

Minerva sentiu a espetada da agulha do lenço de Phillip, mais como onda de


terror que como outra coisa.
Tentou não saltar, mas seus músculos se esticaram. Phillip percebeu.
Esbofeteou-a, sacudiu-a, mas, quando ela se moveu, balbuciando, para logo cair de
novo em estado comatoso, pronunciou uma obscenidade e se afastou uma vez mais
zangado.
Havia começado a caminhar de novo, mas esta vez mais perto, olhando-a todo
o tempo.
—Maldita seja cem vezes. Acorde de uma vez! Quero que esteja acordada
para que saiba o que é o que estou fazendo, quero que ofereça resistência. Quero
ouvi-la gritar enquanto abro caminho para dentro de você. Trouxe-a aqui
especificamente para isso, para mantê-la suficientemente afastada da casa, e que o
ruído da água impedisse que ninguém ouvisse nenhum tipo de som, e assim poder
aproveitar seus choros e súplicas.
»E seus gritos, acima de tudo, seus gritos.
»Quero ver seus olhos, quero sentir seu medo. Quero que saiba tudo o que
vou fazer antes de acabar com você.
De repente, se aproximou muito para dizer o seguinte.
—Não vai morrer rápido.
Ela afastou o rosto de seu fôlego, tentando dissimular como um gesto de
sonho intranquilo.
Ele virou seu rosto de novo, para olhá-la fixamente ao rosto.
—Está simulando dormir. Não é assim, Minerva?
Seu tom era de brincadeira e a esbofeteou de novo. Logo, novamente com um
tom zombador, disse:
—Vejamos se desperta com isto.

434
Manuseando seus seios, procurou com uns dedos que cravavam um mamilo,
rodeando-o. Seus seios eram quentes e brandos, e ela abriu os olhos, olhando o que
tinha em frente a ela.
Viu-o inclinado sobre ela, com um joelho apoiado na pedra de moinho, e suas
feições distorcidas em uma máscara de pura maldade, com a vista posta fixa onde sua
mão estava apertando sua carne. Seus olhos estavam acesos, sua outra mão estava
elevada, sustentando a agulha.
Ela, reunindo todas suas forças, empurrou-o com ambas as mãos.
Soltando seu seio, ele se inclinou para trás, rindo triunfante. Antes que ela
pudesse fazer outro movimento, agarrou seu braço. Puxando-o, meio a levantou,
sacudindo-a como um boneco.
—Puta! Chegou a hora de seu castigo.
Ela lutou, mas ele a sacudiu de novo e depois a esbofeteou.
O estalo de sua palma sobre sua bochecha ressonou por todo o moinho.
Algo caiu ao chão.
Phillip ficou quieto. Ali de pé, com seus joelhos contra a pedra de moinho,
suas pernas apanhadas, atadas com o laço de seu vestido de noiva, e um de seus
braços preso em um doloroso aperto, ela reteve a respiração e olhou para o andaime
com cordas que unia ambos os andares.
O som vinha da parte oriental baixa do moinho. Naquela parte do edifício não
havia portas. Se alguém se aproximava sem querer ser visto, devia fazê-lo por aí.
—Royce? — disse Phillip, esperando a seguir, mas ninguém respondeu.
Nem tampouco se escutou nada mais.
Ele a olhou, mas imediatamente afastou a vista para olhar para cima, fixando-
se no corrimão do andaime que unia os dois andares. Seus olhos procuraram algum
espaço aberto na parte baixa que havia mais à frente.
Minerva notou como mudava seu peso de um pé a outro. Não estava seguro
do que estava acontecendo. Aquilo não entrava em seu plano.
Ela fixou seu olhar e seus sentidos nele, esperando sua oportunidade.

435
Royce estava em alguma parte no andar de baixo. Seus sentidos também
diziam que ele estava ali, mas Phillip não podia vê-lo porque havia várias despensas ao
longo do corrimão. Não o veria a menos que Royce quisesse que o visse.
Dando-se conta aparentemente disto, Phillip grunhiu, agarrando o braço dela
com ambas as mãos. Levando-a da pedra de moinho, elevou-a, com suas costas sobre
seu tórax. Com uma mão, sustentou-a justo nessa posição. Agarrava-a com tal força
que ela mal podia respirar. Com sua outra mão, ele rebuscava em seu bolso. Quando
ela conseguiu virar a cabeça, viu que estava tirando uma pistola.
Manteve-a abaixo, a seu lado. Ela sentiu em suas costas como seu peito se
esticava, igual ao resto de seu corpo.
Estava-a utilizando de escudo, e ela não podia fazer nada. Seus braços
estavam presos em uma presa contra seu corpo. Se ela lutava, ele somente teria que
elevá-la. Tudo o que podia fazer era apertar as mãos em suas saias, as mantendo tão
em alto como pudesse, ao menos para que seus pés estivessem livres, e esperar uma
oportunidade. Esperar o momento certo.
Phillip estava murmurando algo. Ela se obrigou a concentrar-se para escutar.
Novamente, falava consigo mesmo, reestruturando seu plano. Ignorava-a como se
fosse um peão sem escapatória, sem que lhe supusesse nenhuma ameaça.
—Ele está em alguma parte, aí abaixo, mas está bem, não passa nada.
Enquanto saiba que eu fui o causador da morte dela, sigo ganhando. E logo, matarei a
ele.
Ele a elevou para levá-la enquanto rodeava a enorme pedra circular.
—Por-me-ei na posição idônea, primeiro dispararei nela e então a atirarei pelo
andaime, para que caia a seu lado. Ele estará tão emocionado, já que não se esperava
isso... Terei acabado com tudo quando ela chegar ao chão.
Sua sussurrante voz ressonava entre os dois enquanto que ele seguia
desenquadrado.
—Depois recarrego e atiro nele quando vier por mim.
Ela notou que ele olhava para cima. Ela olhou também nessa direção, os
enormes postes que sustentavam a roda do moinho.

436
—Ele virá por mim, seguro. Pode ser que não a ame, mas não me deixará ir
tendo matado assim sua duquesa. Assim sim, virá por mim, e eu terei tempo mais que
suficiente para recarregar e disparar, antes que possa me alcançar.
Agora ela percebeu um tom triunfante em sua voz.
—Sim! Isso é o que farei! Assim primeiro, adotemos posições.
Com uma renovada confiança, voltou a esticar seu braço, levantando os pés
dela do chão, e caminhou adiante, para o oco do andaime.
Minerva estava ficando sem tempo, mas com seu braço retendo-a naquele
perto, não havia nada que pudesse fazer.
Por cima de sua cabeça, Phillip continuava murmurando, assim que ela mal
podia escutar.
—Perto o suficiente, mas com tempo para recarregar e disparar.
Ela não podia usar seus braços, mas certamente, poderia chutar o suficiente
para impedir que carregasse a arma ou para desviar o disparo. Fizesse o que fizesse,
então só ficaria um disparo, só poderia matar uma pessoa.
Se disparasse nela, não poderia matar Royce. Phillip tentou ficar em posição;
ela calculou a distância, tentando preparar sua patada...
Algo passou rapidamente a frente deles, de esquerda para a direita,
golpeando o chifre de pólvora, lançando-o pelos ares.
Algo bateu no chão de madeira. Tanto ela como Phillip olharam
instintivamente do que se tratava.
E então ela viu a faca. A faca de Royce.
Como a maioria dos cavalheiros, tinha uma, mas ele era o único que conhecia
que sempre a levava consigo.
Um golpe seco fez com que suas cabeças dessem a volta.
Royce tinha saltado à parte inferior do andaime. Estava justo diante deles,
com seu olhar fixo no rosto de Phillip.
—Deixa-a ir, Phillip, é para mim quem quer.
Phillip grunhiu de novo. Inclinando-se para trás, pôs a pistola sobre a temporal
de Minerva.
—Vou matá-la, e você vai ver como o faço.

437
—Só vai poder dar um tiro, Phillip. A quem vai matar, a ela ou a mim?
Phillip se deteve, balançando-se para trás e para frente sobre seus
calcanhares, indeciso.
Seu peito suava.
Com um rugido, lançou a Minerva para o lado, apontando com a pistola a
Royce.
—Você, vou matar você!
—Corra, Minerva! — disse Royce sem olhá-la. — Pela porta, os outros estão lá
fora esperando!
E dizendo isto, começou a subir pelo andaime a toda velocidade.
Caindo a um lado da pedra de moinho, ela rebuscou presa de seu nervosismo
pelo interior de suas saias.
Sentada, viu como Phillip segurava o braço com o que sustentava a pistola
com sua outra mão. Seu rosto reluzia com um sorriso maníaco, rindo, enquanto
apontava ao peito de Royce.
Os dedos de Minerva roçaram o fio de sua faca. Ela não pensou, nem piscou.
Simplesmente, lançou-a.
A faca se cravou no pescoço de Phillip.
Ele tossiu afogado e então disparou.
O disparo encheu aquele lugar tão fechado com uma fumaça, enquanto Phillip
dava tropeções.
Minerva desceu da pedra de moinho. Seus olhos se cravaram em Royce
quando este apareceu, detendo-se ante Phillip, olhando como seu primo se derrubava
sobre o chão. Ela examinou o corpo de seu amado em um segundo, procurando a
ferida de bala, e quase desmaiou de alivio ao comprovar que não havia nenhuma.
Phillip tinha errado o disparo.
Minerva voltou a olhar Phillip ao rosto. Por trás de sua máscara, estava muito
aturdido. Naquele instante, ela soube que ele não tinha nenhuma esperança de poder
sobreviver. Podia ter ido cobrir-se, mas em vez de fazer isso, correu para Phillip para
dar a ela tempo suficiente para afastar-se e assim assegurar-se de que Phillip atiraria
nele.

438
Aspirando profundamente, foi a seu encontro.
Enquanto, as portas do moinho se abriram, e Christian e Miles apareceram na
parte baixa do andaime.
Chegando até Royce, pôs uma mão em seu braço. Ele olhou então a ela,
diretamente aos olhos, para logo fixá-los na faca que ainda estava cravada no pescoço
de Phillip.
Os outros se reuniram a seu redor. De suas expressões se deduzia uma alegria
incomensurável, vendo logo como guardavam de novo suas pistolas nas cartucheiras e
desapareciam os brilhos das facas.
Royce respirou tranquilo, quase incapaz de acreditar que pudesse fazê-lo e
que Minerva estivesse a seu lado, que pudesse senti-la ali, sã e salva, e que ele
continuasse vivo para poder sentir seu reconfortante abraço e sua presença vital.
As emoções que formavam redemoinhos em seu interior eram muito fortes,
mas ele conseguiu reduzir a intensidade e deixá-la para mais tarde.
Havia uma coisa mais por fazer.
Algo que apenas ele podia.
Os outros formaram um círculo a seu redor. Phillip jazia retorcido, com o
corpo dobrado, e sua cabeça não muito longe do pé de Royce. Aquela ferida que lhe
produzira a faca deveria havê-lo matado, mas pelo visto, não o fizera ainda.
Royce se agachou a seu lado.
—Phillip. Pode me ouvir?
Os lábios de Phillip se retorceram.
—Quase o venço... Quase...
Aquelas palavras mal eram um sussurro, mas, naquele silêncio, foram o
suficientemente audíveis.
—Você é o traidor, não, Phillip? Que estava no Ministério de Guerra. O único
que mandou Deus sabe quantos ingleses à morte e a quem os franceses pagaram com
um tesouro que agora jaz no fundo do Canal.
Apesar de seus olhos ainda permanecerem fechados, os lábios de Phillip se
fecharam em um blasfemo sorriso.
—Nunca saberá o êxito tão grande que obtive.

439
Sentiu como Minerva se aproximava, já que com a extremidade do olho pôde
ver o laço de marfim de seu vestido. Ele virou a cabeça para falar com ela.
—Não olhe.
Phillip respirou no que logo que era um vaio, apertando o rosto.
—Dói.
Royce o olhou de novo.
—Desgraçadamente, nem a metade do que merece.
E, com uma manobra abrupta, quebrou seu pescoço.
Quando o soltou, seu rosto relaxou.
Agarrando a faca, tirou a lâmina do pescoço. Da ferida emanou apenas um
pouco de sangue, já que o coração de Phillip tinha deixado de pulsar.
Limpou a lâmina na calça de Phillip e se elevou, pondo a faca em seu cinto.
Minerva o segurou pela mão, entrelaçando os dedos com os dele e apertando-
os.
Christian deu um passo adiante, igual a Miles e Diabo Cynster.
—Deixem que nos ocupemos disto — disse Christian.
—Já se ocupou o suficiente de nós, deixa agora que devolvamos o favor.
Houve um murmúrio de apoio à proposta entre todos os membros do clube
Bastion.
—Eu não gosto de soar como uma grande dama — disse Diabo — mas
acredito que deveria voltar para a celebração de seu casamento.
Miles olhou para Rupert e Gerald.
—Gerald e eu ficaremos para ajudar; conhecemos a zona bastante bem. O
suficiente para simular um mortal acidente. Suponho que é o que precisamos, não?
—Sim — responderam Rupert, Diabo e Christian de uma vez.
Rupert olhou para Royce nos olhos.
—Minerva e você têm que voltar.
Finalmente fez conta. Diabo, Rupert, Christian, Tony e os dois Jack
acompanharam Royce e a Minerva de volta ao castelo, deixando os outros preparando
o "acidente" de Phillip. Royce sabia que era o que fariam. O desfiladeiro era mais que
conveniente para um caso como esse e ocultar a ferida de uma faca como aquela não

440
seria muito difícil, mas apreciou muito o gesto de não determinar os detalhes na
presença de Minerva.
Ela se apressou atrás dele, com as saias recolhidas em um braço para poder ir
mais depressa.

No instante em que o castelo se fez visível, as damas, a quem proibiram


categoricamente pôr um pé nos jardins até que seus maridos voltassem, e que, por
uma vez, obedeceram, romperam filas e correram para o norte a seu encontro.
Estiveram alternando-se, algumas vigiando, enquanto que outras ficavam no
salão de baile. Letitia, Phoebe, Alice, Penny, Leonora e Alicia faziam os turnos de
guarda. Rodearam Minerva, e, enquanto iam dando parte de que tudo estava sob
controle e que, apesar de que as grandes damas suspeitavam algo, nenhuma tinha
exigido que contasse o que era o que acontecia. Continuando, perceberam que o
vestido de Minerva poderia delatá-los, assim teria de trocar-se.
—E isto — disse Leonora — é nossa desculpa perfeita para dizer onde esteve.
Este vestido é tão delicado, que ninguém se surpreenderá ao ver que o trocou,
inclusive no meio de um café da manhã de casamento.
—Mas devemos nos apressar — disse Alice, indo de novo para a casa. —
Venha, vamos!
Em uma nuvem de sedas e cetim, as damas conduziram Minerva de volta às
escadas da torre ocidental.
Royce e seus companheiros trocaram olhares, suspirando logo
profundamente, para, por último, dirigirem-se para o salão. Detendo-se ante a porta,
adquiriram expressões tranquilas e relaxadas, e então, depois de Royce assentir com a
cabeça, conduziu-os de novo para os congregados.
Ninguém sabia nada, ninguém se perguntava nada. Gradualmente, todos os
que estiveram envoltos na batida voltaram em joviais grupos de três ou mais pessoas.
As damas trouxeram Minerva de volta, pronta para dar explicação de sua longa
ausência. E, quando as grandes damas chegaram a perguntar por que Royce mantinha
a sua esposa tão perto atrás dele, por que a rodeava tanto com o braço e por que ela

441
não se separava dele, mas sim, pelo contrário, parecia estar sempre presa a seu braço,
ninguém deu uma explicação concreta de nada. O casamento, as celebrações do
décimo duque — e duquesa — de Wolverstone, aconteceram de uma maneira alegre,
entretida e, para desgraça dos fofoqueiros, sem nenhum incidente destacável.
Um terço dos convidados ficaram até última hora aquela tarde. Era a tarde
antes que Royce e Minerva desaparecessem, de que fechassem a porta de seu salão ao
mundo... E finalmente avaliassem-se.
Ela se deteve no centro da sala, ficou ali um momento, inalou e levantou a
cabeça, virou-se... E cravou seu punho contra o braço de Royce.
—Não se atreva a fazer algo assim nunca mais!
Tão imóvel como uma rocha e igualmente impassível, apenas a olhou de cima,
arqueando uma arrogante retrocede.
Ela não havia terminado. Entreabriu os olhos, aproximou-se mais a ele e
apontou seu nariz com um dedo.
—Não se atreva a fingir que não sabe do que estou falando. Que tipo de
maníaco convida um assassino transtornado a que lhe dispare?
Durante um longo momento, Royce a olhou e depois, com os olhos fixos nos
dela, agarrou sua mão, levantou-a e plantou um beijo contra sua palma.
—Um maníaco que a ama. Até o mais profundo de seu frio, endurecido e
ignorante coração.
Os pulmões de Minerva pararam. Examinou os olhos do duque, repassou suas
palavras... Saboreou a certeza que ressonava nelas. Então tomou uma tremente
inalação e assentiu.
—Alegro-me de que tenha percebido isso. Phillip foi útil nesse aspecto, ao
menos.
Royce sorriu, mas depois ficou sério.
—Phillip — Agitou a cabeça, e sua expressão se fez severa. — Suspeitava que o
último traidor era alguém que conhecia, mas...
—Nunca imaginou que o traidor se converteu nisso por sua culpa, assim nunca
suspeitou de alguém tão próximo — Minerva retrocedeu e, com a mão que ele
sustentava, atraiu-o para ela. — Há mais... Phillip destrambelhou um montão

442
enquanto esperava que me recuperasse. Eu já o tinha feito, mas fingi estar
inconsciente, assim que ouvi tudo. Venha e sente-se, contarei tudo. Tem que ouvi-lo.
Royce se afundou em uma das poltronas e atraiu a Minerva até seu colo.
—Conte.
Apoiando-se contra seu peito, com os braços do duque a seu redor, Minerva
relatou tanto como podia recordar.
—Assim era a atenção de seu pai e meu avô o que desejava?
—Não só sua atenção... Sua apreciação e o reconhecimento de que era igual a
você. Sentia-se... Impotente, no que se referia a eles. Não importava o que fizesse,
nem o que conseguisse, porque eles nunca se fixaram nele.
Royce negou com a cabeça.
—Nunca percebi — Fez uma careta. — Ao menos, não de que me elogiassem e
não a Phillip, mas eu estranha vez estava ali para ouvi-los — Agitou a cabeça de novo.
— Meu tio e meu avô estariam horrorizados se soubessem que foram a causa de tais
atos de traição.
—Essa era a causa subjacente — O corrigiu Minerva. — Mas eles eram
totalmente inconscientes... Tudo fazia parte da obsessão de Phillip. Ele o deturpava em
sua mente. Ninguém pode ser culpado.
Royce arqueou uma sobrancelha.
—Nem eu?
—Você menos que ninguém.
A ferocidade em seu tom de voz e em seus olhos quando virou a cabeça para
olhar os seus o consolou.
Minerva franziu o cenho.
—Há uma coisa que me desconcertou... Se Phillip o queria morto, por que o
resgatou do rio? Certamente seria fácil não segurá-lo, e então sua morte seria um
triste acidente.
Royce suspirou.
—Pensando-o agora, acredito que tinha intenção de deixar que me afogasse.
Não pôde fazê-lo durante o resgate porque todos outros estavam ali, mas sendo o
último da fileira... — Apertou seus braços ao redor de Minerva, como se precisasse

443
segurar-se a seu calor, a sua presença física. — Naquele momento, pensei que não ia
ser capaz de alcançar sua mão. Estava fora de meu alcance... Ou isso acreditei.
Desesperado, fiz um esforço hercúleo... E consegui agarrar seu pulso. E, uma vez que o
fiz, ele não podia haver-se solto com facilidade de mim, não sem que parecesse óbvio.
Assim teve que puxar-me. Que perdesse essa oportunidade foi simplesmente questão
de sorte.
Minerva moveu a cabeça contra a jaqueta do Royce.
—Não. Você não tinha que morrer... Ele sim. Seu tempo detrás ser o último
traidor se esgotou.
Royce deixou que sua certeza penetrasse em seu interior, acalmando-o,
ressegurando-o. Então se moveu, inquieto.
—A propósito... — Procurou em seu bolso e tirou sua faca. Tirou-o para que
ambos pudessem vê-lo. — Isto, se não recordar mal, uma vez foi meu.
Minerva a pegou e a girou em suas mãos.
—Sim, era.
—Por que diabos a levava hoje, precisamente?
Royce inclinou a cabeça para poder ver seu rosto. Os lábios de Minerva se
curvaram com puro afeto.
—Algo velho, algo novo, algo emprestado, algo azul. Tinha a tiara, como um
pouco muito velho; meu vestido, como algo novo; o adorno de casamento de minha
mãe, como algo emprestado; mas não tinha nada azul —Assinalou a safira de cor azul
que havia no punho da adaga. — Exceto isto... E parecia encaixar-se estranhamente —
Seu sorriso se ampliou, e o olhou aos olhos. — Pensava que o descobriria quando
voltássemos aqui para continuar com nossa celebração.
Royce riu; não acreditaria possível depois de tudo o que acontecera, mas o
olhar nos olhos de Minerva (a singela sugestão) o fez rir. Voltou a concentrar-se na
adaga.
—Dei a você quando tinha, quanto? Nove anos?
—Oito. Você tinha dezesseis. Deu-me isso naquele verão e me ensinou a
lançá-la.
—Havia um suborno envolvido, acredito recordar.

444
Minerva bufou.
—Você tinha dezesseis anos... Havia uma garota envolvida. Não era eu.
Royce recordou e sorriu.
—A filha do ferreiro. Já me lembro.
Minerva olhou seu sorriso, esperando... Royce a viu olhando-o e levantou uma
sobrancelha arrogantemente divertida. Ela sorriu... Travessamente.
—Continue recordando.
Ela o observara enquanto o fazia. Seu sorriso fraquejou e depois desapareceu.
Com uma expressão inescrutável, olhou-a aos olhos.
—Nunca me contou o quanto viu em realidade.
Foi seu turno de sorrir com carinho ante a lembrança.
—O suficiente — e acrescentou. — O suficiente para saber que sua técnica
melhorou significativamente após.
—Isso espero. Foi faz vinte e um anos.
—E não esteve vivendo em um monastério?
Royce ignorou o comentário. Franziu o cenho.
—Outra coisa que nunca perguntei... Nessa época, seguia-me muito
frequentemente?
Minerva encolheu os ombros.
—Quando cavalgava não... Teria-me visto.
Prosseguiu um breve silêncio, e depois o duque perguntou:
—Com que frequência me espiava?
Minerva o olhou no rosto e arqueou uma sobrancelha.
—Está começando a parecer tão aturdido como estava no moinho.
Olhou-a aos olhos.
—É a reação normal ante a revelação de que sou o único e involuntário
responsável pela extensa educação sexual de minha esposa a uma idade precoce.
Minerva sorriu.
—Não parece ter nenhuma objeção ante o resultado.
Royce vacilou e depois disse:
—Só me diga uma coisa... Eu era o único, não?

445
Ela riu, e se tornou para trás em seus braços.
—Pode ser que fosse precoce, mas apenas estava interessada em você.
O duque suspirou e a abraçou com força.
—Possivelmente é o momento de recordá-la de algumas das melhorias
técnicas que assimilei através dos anos.
—Uhm... Possivelmente — Se moveu sinuosamente contra ele, acariciando
sua ereção com seu traseiro. — E possivelmente poderia incluir algo novo, um pouco
mais inovador e atrevido — Ele olhou sobre seu ombro. — Possivelmente deveria
estender meus horizontes.
Seu tom fez daquele último uma imperativa demanda ducal.
Royce riu e se levantou, agarrando-a nos braços. Levou-a até o dormitório;
deteve-se junto à cama e a olhou.
—Amo você... Amo você de verdade — As palavras foram doces, de coração, e
estavam cheias de sentimento... De descobrimento, de alegria, e de fé. — Inclusive
quando se nega a fazer o que digo. Possivelmente inclusive porque se nega a afastar o
olhar, a não ver meu lado violento.
As palavras de Minerva foram tão sentidas como as de Royce.
—Amo tudo o que é... O bom, o mau, e tudo o que há no centro — Colocou
uma palma contra sua bochecha e sorriu olhando-o aos olhos. — Inclusive eu gosto de
seu gênio ruim.
Royce bufou.
—Deveria obrigá-la pôr isso por escrito.
Minerva riu e atraiu sua cabeça contra a dela. O duque a beijou e a deixou
sobre a cama, sobre a colcha escarlate e dourada.
Dela. Sua duquesa.
Sua vida. Seu tudo.

Tarde, muito mais tarde, Minerva estava nua nos lençóis de seda escarlate,
observando a última luz desvanecer-se nas longínquas colinas. Junto a ela, Royce

446
estava deitado sobre suas costas, com um braço metido sob sua cabeça e o outro
abraçando-a.
Estava tranquilo, igual a ela. Minerva estava precisamente onde tinha que
estar.
Seus pais, pensou ela, haveriam-se sentido satisfeitos. Cumpria suas
promessas... Possivelmente, do modo que eles sempre desejaram. Conheceram-na
bem, e, conforme chegou a perceber, compreendiam Royce inclusive melhor do que
ele acreditava.
Minerva se agitou e se aproximou mais de seu musculoso corpo... Um corpo
que tinha explorado completamente e que agora considerava totalmente seu. Com os
olhos ainda na longínqua paisagem, murmurou:
—Hamish me disse que o amor era uma enfermidade e que podia saber-se
quem o tinha procurando os sintomas.
Apesar de que não podia vê-lo, soube que Royce sorriu.
—Hamish é, frequentemente, uma fonte de sabedoria. Mas não lhe conte que
disse isso.
—Amo você — Uma afirmação que já não era uma grande revelação.
—Sei.
—Quando soube? — Uma coisa que ela ainda não tinha descoberto. — Tentei
negar com todas as minhas forças, tentei esconder... Chamar de outro modo — Se
virou em seus braços para olhar seu rosto. — O que foi o que fiz que o fez suspeitar
pela primeira vez que sentia algo por você?
—Soube... — Baixou seu olhar para corresponder seus olhos. — Na tarde em
que cheguei aqui, quando percebi que tinha polido minhas esferas armilares.
Minerva arqueou as sobrancelhas, considerou e persistiu.
—E agora sei que você sabia que me queria.
—Uhm... — O som era um ronrono.
—Confesse... Quando percebeu pela primeira vez?
Royce sorriu; tirou o braço de detrás de sua cabeça, agarrou uma mecha
perdida de seu cabelo e a colocou carinhosamente atrás de sua orelha.

447
—Soube que sentia algo, mais ou menos, desde essa primeira noite.
Continuou fazendo-se mais forte, mas não percebi, sequer imaginei, por razões óbvias,
que isso pudesse ser amor. Pensava que era... Ao princípio luxúria, depois carinho,
depois um montão de emoções similares conectadas que não estava acostumado a
sentir. Embora soubesse o que eram e pudesse nomeá-las, não sabia que era o amor o
que me fizera senti-las — A olhou aos olhos. — Até hoje, não soube que a amava...
Que, sem dúvida nenhuma, daria minha vida por você.
Apesar de sua felicidade, Minerva franziu o cenho.
—A propósito, falo sério. Nunca, nunca, volte a fazer isso... De pôr sua vida
depois que a minha. Como poderia querer viver eu, se você morresse? — Entreabriu os
olhos. — Embora aprecie o sentimento, me prometa que nunca entregará sua vida em
troca da minha.
Royce manteve seu olhar com firmeza, tão sério como ela.
—Se me prometer que não deixará que um maníaco assassino a pegue.
Minerva pensou e depois assentiu.
—Prometo que tentarei.
—Então, eu também prometo que tentarei.
Minerva olhou seus escuros olhos e soube que isso nunca ocorreria.
—Uhm!
Royce fez uma careta, inclinou-se lhe deu um beijo no nariz.
—Durma.
Aquela era uma ordem que ele sempre parecia ter a ponto. Como se escutasse
seus pensamentos, Minerva suspirou, se enrolou no interior de seu braço, com a
cabeça sobre seu ombro e sua mão sobre seu coração.
Royce sentiu que relaxava, sentiu a consoladora calidez de sua pele contra seu
corpo, quase acariciando o primitivo ser de seu interior.
Na agora tranquila quietude de sua mente, pensou que era estranho que,
semanas antes, apressou-se a voltar para Wolverstone para enterrar seu pai e assumir
o mando do ducado e se lembrou de que as incertezas e a solidão ficaram para trás.
Após, graças a Minerva, o Destino tinha pousado suas mãos sobre ele. Agora
podia render-se; por fim estava em paz.

448
Por fim podia amar, encontrara o amor, e seu amor encontrara a ele.
Isto não teria que ser assim.
Aquilo era o que pensara, mas agora sabia mais.
Assim era precisamente como tinha que ser.

FIM

Série The Bastion Club


1 – A Noiva Perfeita
2 – A Honra de um Cavalheiro
3 – A Lady of His Own
4 – A Fine Passion
5 – To Distraction
6 – Beyond Seduction
7 – O Limite do Desejo - DISPONIVEL DIGITALIZADO no skydrive
em PASTA DE DIGITALIZADOS
8 – Domada por Amor

Se gostou deste livro, comente, incentive as revisoras.


Link do Blog GRH
http://grhistoricos.blogspot.com.br/

Ebooks distribuídos sem fins lucrativos e de fãs para fãs.


A comercialização deste produto é estritamente proibida

449

Você também pode gostar