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Mary Balogh

Uma Aventura
Secreta

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Nascida plebeia, Hannah Reid tem sido Duquesa de Dunbarton
desde seus dezenove anos, quando casou com o velho Duque, a quem, segundo
os rumores, era constantemente infiel. Agora seu marido morreu e mais bela
que nunca aos trinta anos, Hannah conseguiu a liberdade que tanto
desejava. Para o choque de sua convencional amiga, anunciou sua intenção
de ter um amante – e não um amante qualquer senão o mais perigoso e
atraente de toda a alta Sociedade londrina: Constantine Huxtable.
A ilegitimidade de Constantine negou o título de Conde a ele, então
agora não nega nada a si próprio. Dizem que leva uma vida fácil e de
prazer carnal em sua casa de campo e que sempre escolhe como amantes às
viúvas mais recentes. Hannah se enquadra perfeitamente dentro de suas
expectativas.
Mas uma vez que estes dois apaixonados e escandalosos personagens se
cruzam descobrem que não é tão fácil se libertarem das chamas do desejo, sem
saírem chamuscados.

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CAPÍTULO 1

Hannah Reid, Duquesa de Dunbarton, era livre por fim. Livre da carga de um
matrimônio que durara dez anos e livre do interminável tédio que foi o ano de luto posterior
à morte do Duque, seu marido.
Era uma liberdade que estava esperando há muito tempo.
Uma liberdade que merecia uma celebração.
Casara-se com o Duque cinco dias depois de conhecê-lo.
Sua Excelência, impaciente por celebrar as bodas, comprou uma licença especial em
vez de esperar que corressem os proclamas. Hannah tinha dezenove anos e o Duque, setenta
e tantos. Ninguém sabia exatamente, embora alguns assegurassem que se aproximava
perigosamente dos oitenta.
Naquela época, a Duquesa possuía uma beleza encantadora, uma figura fina e esbelta,
olhos azuis que rivalizavam com o céu estival, um rosto alegre sempre disposto a esboçar um
sorriso, e uma cabeleira longa e ondulada, tão loira que quase parecia branca. Uma loira
platina lustrosa.
O Duque, pelo contrário, tinha um porte e um rosto que mostravam os estragos do
passar do tempo e da má vida que possivelmente levara. Além disso, sofria de gota. E de uma
doença cardíaca que fazia que seu coração não pulsasse com um ritmo estável.
Hannah se casara com ele por seu dinheiro, é claro, já que esperava se converter em
uma viúva muito rica em questão de um par de anos quando muito. Conseguira ser uma
viúva rica, incrivelmente rica, de fato, embora tivesse que esperar mais do que pensara a
princípio, para obter a liberdade e desfrutar de tal riqueza.
O velho Duque adorara até o chão que ela pisava, tal como rezava o dito popular.
Dera-lhe tantas roupas que se alguma vez ocorresse vestir todas de repente, acabaria
asfixiada sob seu peso. A fim de acomodar todas as sedas, cetins e peles, inclusos restos das
roupas e acessórios – muito dos quais só usara uma ou duas vezes, antes de descartá-los por
outros novos – viram-se obrigados a converter em um segundo roupeiro, o dormitório de
hóspedes adjacente ao seu roupeiro de Dunbarton House, a residência ducal situada em
Hanover Square, em Londres.
O Duque mandou construir não um, nem dois, nem três, mas até quatro cofres de
segurança nas paredes do dormitório ducal, para guardar as joias que foi dando de presente
a sua amada ao longo dos anos, embora ela gozasse da liberdade para abrir e fechá-los ao
seu desejo e para escolher as peças que desejava usar em cada ocasião.
Foi um marido devoto e indulgente.
A Duquesa sempre se vestia de maneira impecável. E sempre ia coberta de joias
ostentosas e grandes. Normalmente coalhadas de diamantes. Levava diamantes no cabelo,
nas orelhas, no decote, nos pulsos e em mais de um dedo de cada mão.

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O Duque mostrava seu troféu por aonde ia, sorrindo orgulhoso e olhando-a com
adoração.
Em seus anos de juventude devia ser mais alto que ela, mas a idade o tinha curvado,
necessitava de bengala para caminhar e passava a maior parte do tempo sentado.
Sua Duquesa se mantinha perto dele sempre que estavam juntos, mesmo que se
tratasse de uma festa e abundassem os pares de dança.
Hannah o atendia com um característico meio sorriso em seus lindos lábios.
Projetando a imagem da esposa devota nessas ocasiões. Ninguém podia dizer o contrário.
Quando era impossível o Duque sair, uma situação cada vez mais frequente conforme
passavam os anos, outros Cavalheiros acompanhavam a sua Duquesa aos eventos nos quais
a alta Sociedade se entretinha sempre que invadia a capital. Havia três Cavalheiros em
particular que serviam de acompanhantes, Lorde Hardingraye, Sir Bradley Bentley e o
Visconde de Zimmer. Os três eram bonitos, elegantes e simpáticos. Era evidente que os três
desfrutavam da companhia da Duquesa e vice-versa.
E ninguém duvidava nunca do que incluía tal desfrute.
A única dúvida que abrigava a alta Sociedade e que se perguntavam com frequência,
embora jamais se obtivesse uma confirmação cortante, era se o Duque estava a par ou não,
do muito que desfrutava sua esposa. Inclusive havia quem se perguntasse se o Duque dera
seu beneplácito à situação. Entretanto, por mais delicioso que fosse o escândalo – no caso de
serem verdadeiros – quase todos sentiam simpatia pelo Duque, sobretudo porque dada sua
idade, despertava a pena de seus pares, e preferiam duvidar antes de vê-lo como a um pobre
ancião corno.
Essas mesmas pessoas gostavam de referir-se à Duquesa como a buscadora de ouro
carregada de diamantes, frequentemente com o adendo, que vai de cama em cama.
Tais pessoas costumavam ser mulheres.
E de repente a deslumbrante vida social da Duquesa, seus escandalosos namoricos e o
espantoso encarceramento que supunha ser seu matrimônio com um homem velho e
doente chegaram ao fim numa manhã cedo, com a inesperada morte do Duque, que sofrera
um ataque do coração. Entretanto, não foi tão cedo quanto esperava, quando aceitou casar-
se com ele, claro. Por fim, tinha a fortuna que ansiava, embora pagasse com acréscimo por
ela. Pagara com sua juventude.
Quando o Duque morreu, Hannah completara vinte e nove anos. E tinha trinta quando
abandonou o luto, depois de passar os Natais em Copeland, sua residência campestre
situada em Kent. Um presente do Duque a fim de que não se visse obrigada a partir, quando
seu sobrinho tomasse posse do título e das propriedades vinculadas ao ducado.
Seu nome completo era Copeland Manor, uma Mansão em toda regra, rodeada por
uma extensa propriedade, e não uma residência mais modesta como a palavra Manor dava a
entender. E dessa forma, aos trinta anos, passada a flor da juventude, a Duquesa de
Dunbarton conseguiu por fim a liberdade. E uma fortuna imensa.

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Estava desejando celebrar tal liberdade. Depois que passou a Semana Santa foi para
Londres, disposta a desfrutar da temporada social.
Instalou-se em Dunbarton House, já que o novo Duque era um agradável homem de
meia idade, que preferia viver no campo contando suas ovelhas a estar na capital ocupando
seu lugar na Câmara dos Lordes. Lugar ao qual deveria escutar os intermináveis discursos de
seus pares, sobre assuntos talvez fossem cruciais para o país ou inclusive para o mundo, mas
que não o interessavam o mínimo.
Os políticos eram uns chatos de fio a pavio, costumava dizer a qualquer um que
puxasse o assunto em conversa. E posto que fosse um Cavalheiro solteiro, não tinha ninguém
que assinalasse que suas obrigações na Câmara não eram a única razão para ir para Londres
na primavera.
De modo que a Duquesa podia instalar-se em Dunbarton House e celebrar todos os
bailes que quisesse com seu beneplácito. Assim o fez saber. Desde que, especificou, não
enviasse as faturas. O último comentário era fruto de sua mesquinharia.
A Duquesa, é claro, não precisava enviar as faturas a ninguém. Tinha uma imensa
fortuna em seu nome. Ela mesma poderia pagá-las. Certamente deixara para trás a flor da
juventude, os trinta anos era uma idade espantosa para uma mulher, mas continuava sendo
muito bonita. Ninguém poderia discutir esse fato, embora mais de uma gostasse.
Na realidade, a essa altura da vida era mais bonita que aos dezenove anos.
Ganhara peso durante esses anos e tais quilos se assentaram nos lugares precisos.
Ainda era magra, mas possuía curvas generosas. Seu rosto, menos alegre e confiante que
antigamente, contava com uma estrutura óssea e cútis perfeitas. Sorria com frequência,
embora fosse uma expressão algo arrogante, sedutora e muito misteriosa, como se sorrisse
por algum motivo pessoal, que não tivesse nada a ver com o mundo que a rodeava. Seu olhar
tinha uma expressão quase sensual que sugeria quartos, sonhos e segredos. E seu cabelo,
graças às mãos dos melhores peritos, sempre estava na última moda, com penteados calmos
e um pouco alvoroçados que mais pareciam estar a ponto de desfazer-se a qualquer
momento. O fato de que jamais acontecesse suscitava ainda mais curiosidade.
O cabelo era seu melhor traço físico, diziam muitos. Salvo possivelmente por seus
olhos. Ou por sua figura. Ou por seus dentes, que eram muito brancos e bonitos. Assim era
como a alta Sociedade via a Duquesa de Dunbarton, seu matrimônio com o velho Duque e
sua volta a Londres convertida em uma viúva rica, que por fim, era livre. Mas ninguém sabia
nada, é claro. Ninguém compartilhou seu matrimônio, nem sabia se tinha funcionado ou não.
Ninguém, salvo o Duque e ela, é claro.
O Duque se encerrara cada vez mais em sua casa, sobretudo durante seus últimos anos
de vida, e a Duquesa contava com uma horda de conhecidos, mas se ignorava que tivesse
amizades de verdade. Contentara-se escondendo atrás da fachada de luxo e mistério que
projetava.

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A alta Sociedade, que jamais se cansara de especular sobre ela durante os dez anos de
seu matrimônio, voltou a fazê-lo depois do intervalo de um ano. Na realidade, converteu-se
no tema de conversa preferido nos salões e durante os jantares.
A alta Sociedade se perguntava o que ia fazer a Duquesa com sua vida uma vez livre.
Ninguém esquecera que quando pescara o Duque de Dunbarton e o convencera por fim a se
casar, não era ninguém. Ninguém a conhecia.
O que faria a seguir?

Alguém mais se perguntava o que ia fazer a Duquesa com seu futuro, mas esse alguém
o fez em voz alta e perguntou diretamente a única pessoa que podia satisfazer sua
curiosidade.
Barbara Leavensworth era amiga da Duquesa desde que eram meninas, porque ambas
viviam na mesma localidade de Lincolnshire.
Barbara era a filha do vigário e Hannah era a filha de um latifundiário medianamente
rico e de boa família. Barbara ainda vivia no mesmo povoado com seus pais, embora fizesse
um ano que deixara o vicariato, depois de seu pai se aposentar. Ela acabava de se
comprometer com o novo vigário. Iriam se casar em agosto.
As duas amigas de infância tinham continuado a manter a estreita amizade, apesar da
distância. A Duquesa nunca voltara para seu lar natal depois das bodas, e embora Barbara
tivesse recebido numerosos convites para passar longas temporadas com ela, não costumava
aceitar frequentemente. E as poucas vezes que aceitou, suas visitas foram muito mais curtas
do que a Hannah gostaria.
Barbara se sentia intimidada pelo Duque. De modo que tinham continuado com sua
amizade por correspondência. Enviavam-se cartas longuíssimas, ao menos uma vez por
semana, e foram constantes durante onze anos. Nesse momento Barbara aceitou um
convite para passar uma temporada em Londres com a Duquesa.
Hannah a convenceu assegurando que adquiririam seu enxoval no único lugar da
Inglaterra onde valia a pena comprar. Coisa que para Barbara parecia perfeita, tal como
reconheceu enquanto lia a carta meneando a cabeça, desde que se tivesse tanto dinheiro
como tinha sua amiga, que não era precisamente seu caso. Entretanto, Hannah estava
sozinha e necessitava de sua companhia, e gostaria de ter o prazer de passar umas semanas
visitando Igrejas e Museus antes de estabelecer-se em seu novo lar.
O reverendo Newcombe, seu noivo, a animara a aceitar, a passar bem e a dar seu
apoio a sua pobre amiga viúva. E depois, quando por fim decidiu ir, insistiu em que aceitasse
uma assombrosa quantidade de dinheiro, para comprar alguns vestidos bonitos e talvez um
par de chapéus. E seus pais, que eram da opinião de que passar um mês com Hannah, a
quem sempre tiveram um enorme carinho, seria maravilhoso para sua filha, antes de
começar uma vida como a esposa do vigário. Também ofereceram uma generosa soma de
dinheiro.
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Barbara se sentiu escandalosamente rica quando chegou a Dunbarton House, depois
de uma viagem durante a qual teve a impressão de que desconjuntavam todos os ossos do
corpo.
Hannah a estava esperando no saguão, onde se abraçaram entre gritinhos e alegres
exclamações durante uns minutos, falando ao mesmo tempo, sem se escutarem, rindo pela
alegria de voltarem a estar juntas. A alta Sociedade não teria reconhecido a Duquesa se a
visse, um engano justificável dado o caso.
Tinha as faces coradas, os olhos totalmente abertos e brilhantes, um sorriso de orelha
a orelha, e uma voz aguda pela emoção e a alegria. A aura de mistério desaparecia por
completo.
Até que reparou na silenciosa presença da governanta, que aguardava certa distância,
e deixou Barbara em suas competentes mãos. Entreteve-se passeando nervosa de um lado
para outro do salão, enquanto sua amiga era conduzida ao seu dormitório para que se
asseasse, trocasse de vestido, se penteasse e empregasse ao seu gosto a meia hora que
faltava até que se servisse o chá.
Quando desceu, voltava a ser a Barbara composta e serena de sempre.
Sua leal e estimada Barbara, a quem queria mais que a ninguém no mundo, pensou
Hannah com um sorriso enquanto atravessava o salão para voltar a abraçá-la.
— Estou muito contente de que tenha vindo Babs — disse. Soltou uma gargalhada —
Se por acaso não ficou claro depois de minha recepção.
— Bem, pareceu-me ver certo entusiasmo sim — comentou Barbara, depois ambas
puseram-se a rir outra vez.
Hannah tentou recordar nesse momento quando foi a última vez que riu, mas foi
incapaz de lembrar-se de uma só ocasião. Não importava. Ninguém ria enquanto guardava
luto. Poderia pontuar-se de crueldade. Conversaram sem cessar durante uma hora, nessa
ocasião prestando atenção uma à outra, antes que Barbara perguntasse aquilo que rondava
sua mente desde a morte do Duque de Dunbarton, embora tivesse evitado o assunto nas
cartas.
— Hannah, o que vai fazer agora? — inclinou-se para diante em sua poltrona — Deve
se sentir terrivelmente só sem o Duque. Adoravam-se.
Barbara era das poucas pessoas que havia em Londres, ou talvez em toda a Inglaterra,
que acreditava de coração em algo tão surpreendente. Talvez fosse a única, inclusive.
— Adorávamo-nos, sim — ela reconheceu com um suspiro.
Estendeu os dedos de uma mão sobre o colo e cravou a vista nos três anéis que
adornavam seus dedos, rematados por uma bela manicura. Passou a palma da mão pela
delicada musselina branca de seu vestido.
— Sinto falta dele. Passei o dia pensando nessas tolices que sempre corria para
compartilhar com ele, e de repente me lembro de que já não está aqui para me escutar.

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— Sei que sofreu muito por culpa da gota — comentou Barbara com voz séria pela
compaixão — e que o coração deu muitos problemas e sustos durante os últimos anos.
Suponho que foi uma bênção que tenha tido um final tão rápido depois de tudo.
Hannah achou divertido o comentário, por mais inapropriada que fosse sua reação.
Barbara exerceria à perfeição o papel de esposa do vigário se contava com um bom
repertório de tópicos como o que acabava de soltar.
— Todos nós deveríamos contar com essa bênção quando nos chegar o momento —
replicou — Mas suponho que seu ataque ao coração foi provocado em parte pelo enorme
filé de vitela e taças de clarete, que desfrutou na noite anterior a sua morte. Já tinham
proibido semelhantes excessos dez anos antes que eu o conhecesse, e seguiram recordando,
ao menos... Hum... Uma vez ao ano durante nosso matrimônio. Sempre dizia que deveria
estar criando malvas quando eu brincava com minhas bonecas. De vez em quando se
desculpava por viver tanto.
— Hannah! — exclamou Barbara, meio escandalizada e com um tom de recriminação.
Era evidente que não sabia o que dizer como réplica.
— Afinal consegui que deixasse de fazê-lo — Seguiu Hannah — depois de compor uma
ode, muito má por certo titulada Ao Duque que deveria ter morrido. Quando a li, riu tanto
que sofreu um ataque de tosse e esteve a ponto de morrer, naquele mesmo momento.
Ocorreu-me escrever outra para acompanhá-la, intitulada A Duquesa que deveria ser viúva.
Mas não consegui achar uma palavra que rimasse com viúva, salvo possivelmente ajuda,
referida a sua gota. Mas me pareceu que ficava um pouco coxo...
Ao ver que Barbara reparava na piada e punha-se a rir, esboçou um leve sorriso.
— Ai, Hannah! — Exclamou sua amiga — Você é tão má!
— Sim — admitiu.
E ambas estalaram de novo em gargalhadas.
— O que vai fazer de verdade? — insistiu Barbara, que a olhou de forma penetrante à
espera de sua resposta.
— Vou fazer o que a alta Sociedade espera de mim, é claro — respondeu ela ao
mesmo tempo em que estendia os dedos da outra mão sobre o braço da poltrona, para
admirar também os anéis que usava nos dedos anular e mindinho. Adiantou um pouco a mão
a fim de que a luz da janela se refletisse nos diamantes e os brilhos que viu foram muito
satisfatórios — Vou arranjar um amante, Babs.
Dito em voz alta parecia um pouco... Pecaminoso. Mas não o era. Porque era uma
mulher livre. Já não devia nada a ninguém. E o fato de que uma viúva se buscasse um
amante, desde que a relação se levasse em segredo e com discrição, era irrepreensível. Bem,
talvez estivesse exagerando ao pontuar de irrepreensível. O termo aceitável era mais
acertado.
Entretanto, Barbara pertencia a um mundo muito diferente do seu.
— Hannah!

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Exclamou enquanto o rubor se estendia por seu pescoço, faces e por sua fronte até
desaparecer debaixo do nascimento do cabelo.
— Não vai! Disse isso para me deixar escandalizada, e a verdade é que conseguiu.
Quase me deu um choque. Fale a sério.
Hannah arqueou as sobrancelhas.
— Estou falando a sério — assegurou — tive um marido que já não existe. Jamais
poderei substituí-lo. Tive acompanhantes cuja presença sempre me foi agradável, mas esse
acerto não consegue me satisfazer. Todos me parecem muito fraternais. Necessito alguém
novo, alguém que acrescente um pouco de... Não sei um pouco de sal e pimenta na minha
vida! Necessito deu um amante.
— O que precisa é alguém a quem amar — corrigiu sua amiga com voz já mais firme —
De forma romântica, refiro-me. Alguém por quem se apaixone. Alguém com quem se case e
tenha filhos. Sei que amava o Duque, Hannah, mas isso não era... — Guardou silêncio e
voltou a ruborizar-se.
— Um amor romântico? — disse Hannah, que completou a frase por ela — Babs, de
qualquer forma doeu. Perdê-lo, quero dizer. Aqui — colocou uma mão sob o peito — Além
disso, o amor romântico me serviu bem pouco antes de conhecê-lo, não é verdade?
— Só era uma menina — recordou Barbara — E o que se passou não foi culpa sua. O
amor chegará ao seu devido tempo.
— É possível. — Hannah deu de ombros — Mas não tenho a intenção de esperar que
apareça. E tampouco tenho a intenção de buscá-lo desesperada, para acabar me
convencendo de que o encontrei e me descobrir apanhada em outro matrimônio, quando
acabo de me libertar de um. Sou livre e vou seguir sendo até que resolva deixar de ser, o que
talvez não aconteça até dentro de muito tempo. Talvez não aconteça nunca. A viuvez tem
suas vantagens, sabe?
— Hannah, fale sério — reprovou Barbara.
— Assim vou arranjar um amante — insistiu — Já o decidi e estou falando muito a
sério. Será um acerto por pura diversão, sem nenhum tipo de compromisso. Procurarei um
homem muito bonito e pecaminosamente atraente. Experiente e muito habilidoso nas
batalhas amorosas. Alguém sem um coração para ferir e sem desejos de contrair
matrimônio. Acha que existirá semelhante modelo?
Barbara voltara a sorrir e o gesto parecia sincero.
— Diz-se que na Inglaterra abundam os libertinos atraentes — respondeu Barbara — E
conforme ouvi, é quase obrigatório que sejam bonitos. De fato, acredito que há uma lei que
o exige. Além disso, quase todas as mulheres se apaixonam por eles... E se deixam levar pela
convicção generalizada de que serão capazes de reformá-los.
— Por que gostam de acreditar nisso? — Perguntou Hannah — Por que deseja uma
mulher converter um pecaminoso libertino em um Cavalheiro respeitável e aborrecido?
Ambas acabaram dobradas em risos.

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— Suponho que o Senhor Newcombe não é um libertino, não é verdade? — quis
saber.
— Simon? — perguntou Barbara por sua vez entre gargalhadas — Hannah é um
clérigo, e muito respeitável, além disso. Mas não é... Asseguro que não é um homem
aborrecido. Nego-me a aceitar a insinuação de que os homens só podem ser ou chatos ou
libertinos.
— Eu não insinuei nada — protestou Hannah — Estou muito segura de que seu vigário
é um exemplar maravilhoso e perfeito de um romântico Cavalheiro.
As gargalhadas de Barbara se converteram em um risinho tolo.
— Imagino o rosto que se poria nele se contasse o que acaba de me dizer!
— A única coisa que quero de um amante — explicou Hannah — além das qualidades
que já mencionei – e que é claro, são obrigatórias – é que só tenha olhos para mim durante
todo o tempo que permita me olhar.
— Um cãozinho de salão, em outras palavras — declarou sua amiga.
— Babs, insiste em por um sem fim de palavras ridículas em meus lábios — protestou
Hannah, que ficou em pé para fazer soar a campainha da criadagem a fim de que levassem a
bandeja do chá — Quero... Ou melhor, exijo justamente o contrário. Procurarei um homem
dominante e muito viril. Alguém a quem é uma provocação controlar.
Barbara meneou a cabeça com o sorriso ainda nos lábios.
— Bonito, atraente, escandaloso e devotado — enumerou ao mesmo tempo em que
estendia os dedos para fazer a conta — dominante e muito viril. Deixei algo para trás?
— Habilidoso — respondeu.
— Experiente — acrescentou Barbara, que voltou a ruborizar-se — Por Deus! Acredita
que esse tipo de homens cresce em árvores, Hannah. Tem alguém em mente?
— Então, sim — respondeu, mas guardou silêncio enquanto esperava que a criada
levasse a bandeja e fechasse a porta ao sair — Embora não sei se este ano estará em
Londres. Costuma aparecer todas as primaveras. Se este ano não aparecer, será um
inconveniente, mas tenho outros candidatos, caso seja necessário. Deveria ser uma tarefa
simples. Pareceria uma vaidosa se disser que todos os homens se voltam para me olhar por
onde vou?
— É uma afirmação vaidosa, sim — respondeu uma sorridente Barbara — mas
verdadeira. Sempre causou esse efeito neles, inclusive quando era uma jovenzinha. Neles e
nelas. Os homens o fazem por desejo e as mulheres por inveja. Ninguém se surpreendeu ao
ver que o Duque de Dunbarton decidiu fazê-la sua Duquesa de repente, apesar de ser um
solteirão reconhecido. Embora as coisas não fossem realmente assim.
Barbara esteve a ponto de trazer à tona um tema proibido fazia onze anos.
De fato, tinha-o ventilado algumas de suas cartas ao longo desses anos, mas Hannah
jamais respondera.
— É claro que foi assim — disse — Acha que teria me olhado duas vezes se não fosse
bonita, Babs? Mas era um bom homem. E eu o adorava. Quer sair? Está muito cansada
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depois da viagem? Você não gostaria de tomar ar fresco e estirar as pernas? A essa hora o
Hyde Park deve estar um formigueiro de gente, ao menos a área da moda do parque, porque
todos vão se mostrar e observar os outros. É obrigatório quando se está em Londres.
— Lembro-me de uma das minhas visitas, que há mais gente no parque na hora do
passeio que em nosso povoado, no dia da feira de maio — comentou Barbara — Não
conhecerei ninguém e ao seu lado me sentirei como uma provinciana, mas não importa.
Vamos passear de qualquer forma. Necessito de exercício com desespero.

CAPÍTULO 2
12
Recolheram seus chapéus e deram um passeio pelo parque.
Fazia um dia estupendo, mais até, tendo em conta que não começou o verão. Havia
espaços claros e nuvens, e corria uma ligeira brisa.
Hannah se cobriu com a sombrinha branca embora os períodos de sombra fossem
mais prolongados que os de sol, afinal, para que ter uma sombrinha tão bonita se não ia se
mostrar em todo seu esplendor?
— Hannah — disse Barbara com voz hesitante, enquanto atravessavam as portas do
parque — não falava a sério enquanto tomávamos o chá, não é verdade? Sobre o que
planejou, digo.
— É claro que o dizia a sério — respondeu — Já não sou uma jovenzinha em busca de
marido nem uma mulher casada. Sou uma criatura invejada por todas as mulheres, uma
viúva rica com boa posição social. E continuo jovem. Virtualmente se espera que as viúvas da
alta Sociedade tenham um amante... Desde que tal amante também seja da alta Sociedade,
claro. E seja solteiro.
Barbara suspirou.
— Tinha a esperança de que estivesse brincando — disse — embora temesse muito
que não fosse assim. Vejo que adotou os costumes e a moral do licencioso mundo que
entrou quando se casou. Não aprovo o que quer fazer. De fato, desaprovo-o por imoral,
Hannah. Mas, sobretudo, por irrefletido. Você não é tão desalmada nem tão... Ai! Como se
diz? Nem tão cínica, nem tão apática como se acha. É capaz de sentir muito afeto e amor.
Uma aventura só provocará insatisfação, no melhor dos casos, e partirá seu coração, no pior.
Hannah soltou uma risadinha.
— Vê toda esta gente que há aqui? — Perguntou à sua amiga — Babs, qualquer deles
dirá que a Duquesa de Dunbarton não tem coração para que o rompam.
— Não a conhecem — replicou Barbara — Eu sim. É claro, nada do que diga a fará
mudar de opinião. De modo que só vou dizer uma coisa, amo você de qualquer forma.
Sempre a amarei. Nada do que faça fará que deixe de amá-la.
— Pois eu gostaria que ao menos deixasse de falar — respondeu Hannah — porque do
contrário a alta Sociedade presenciará o incrível espetáculo de ver a Duquesa de Dunbarton
chorando e abraçada a sua acompanhante.
Barbara soprou com muito pouca elegância e as duas puseram-se a rir uma vez mais.
— Nesse caso, pouparei saliva e me limitarei a desfrutar desta maravilhosa paisagem
— disse Barbara — Está certo, seu homem dominante, que pode ou não estar em Londres,
tem nome?
— Que estranho seria se não tivesse — respondeu — Seu sobrenome é Huxtable.
Constantine Huxtable. O Senhor Constantine Huxtable. É um pouco humilhante, não acha?
Mais que nada porque durante estes últimos dez anos só me relacionei com Duques,
Marqueses e Condes. Inclusive com o Rei. Quase me esquecia do que significava a palavra
Senhor. É claro, significa que é um plebeu. Embora não de todo. Seu pai era o Conde de
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Merton... E ele é seu primogênito. Sua mãe, e digo isso para que não tire conclusões
precipitadas, era a Condessa. Tudo foi fruto de uma tremenda idiotice, ao menos por parte
da Condessa e de sua família.
— Embora suponha que o Conde também faria alarde de uma tremenda oposição. No
final acabaram se casando sim, mas uns dias depois do primogênito nascer. Pode imaginar
um desastre pior para ele? Acredito que foram dois dias. Dois dias que negaram a
possibilidade de converter-se no Conde de Merton, um título que ostentaria a estas alturas,
e que o converteram no humilde Senhor Constantine Huxtable.
— Que desgraça — concordou Bárbara.
Diante delas a alta Sociedade se reunira em massa e fingia fazer um pouco de
exercício. As carruagens de todas as classes e cores, os cavaleiros sobre uma grande
variedade de montarias e os transeuntes na última moda perambulavam por um pedacinho
de terra ridículo, tendo em conta a superfície total do parque, em seu esforço por ver e
mostrar-se, contar as últimas fofocas e inteirar-se dos rumores que outros divulgavam.
Era primavera e a alta Sociedade estava em plena ebulição.
Hannah fez virar sua sombrinha.
— O Duque de Moreland é seu primo — comentou — Se parecem muito, embora em
minha opinião o Duque só seja bonito enquanto que o Senhor Huxtable é pecaminosamente
bonito. O atual Conde de Merton também é primo dele, embora o contraste entre eles seja
notável. O Conde é loiro e bonito, com um ar angélico. Parece agradável e tão perigoso como
uma mosca. Além disso, casou-se com Lady Paget faz um ano, quando os rumores de que
esta tinha assassinado seu primeiro marido com um machado corriam por todos os salões.
Chegaram inclusive a mim, e eu estava no campo. Talvez o Conde não seja tão submisso e
insípido como aparenta. Espero que não seja pobrezinho. Porque é muito bonito.
— O Senhor Huxtable não é loiro? — quis saber Barbara.
— Ai, Babs! — Exclamou Hannah ao mesmo tempo em que fazia virar de novo sua
sombrinha — Viu os bustos dos deuses e dos heróis gregos esculpidos em mármore branco?
São lindos, mas também muito enganosos, porque os gregos viveram à beira do
Mediterrâneo e é impossível que tivessem essa cor a menos que fossem fantasmas. O Senhor
Huxtable é um deus grego de carne e osso... De cabelo negro, tez escura e olhos escuros. E
um corpo... Enfim, julga-o por si mesma. Aí o tem.
E ali o tinha, sim, acompanhado pelo Conde de Merton e o Barão Montford, o cunhado
do Conde. Estavam a cavalo.
Sim, não se enganara, decidiu Hannah enquanto observava o Senhor Huxtable com
olho crítico.
Sua memória não a enganara, mesmo que fizesse dois anos sem vê-lo, já que na
primavera anterior passara no campo, para cumprir seu período de luto. Tinha um corpo
perfeito, ressaltado ao ir a cavalo. Era alto e magro, mas bem formado e com todos os
músculos em seu lugar. Tinha pernas longas e fortes, o que sempre era uma grande
vantagem em um homem. Talvez suas feições fossem algo mais duras e angulosas do que
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recordava. E esquecera do detalhe do nariz, que devia ter quebrado em algum momento de
sua vida e que não colocaram bem no lugar. Entretanto, não mudou de opinião com respeito
ao seu rosto. Era bastante bonito para que sentisse uma agradável moleza nos joelhos.
Pecaminosamente bonito.
Tinha o bom gosto de se vestir de negro, salvo pelas calças de montar e a camisa
branca, é claro.
Sua jaqueta de montar era negra e se amoldava aos poderosos músculos de seu peito,
ombros e braços como uma segunda pele. As botas também eram negras, assim como a
cartola. Inclusive seu cavalo era negro.
Mãe de Deus parecia muito perigoso! Pensou Hannah com aprovação.
Parecia inalcançável. Parecia uma fortaleza inexpugnável. Parecia capaz de agarrá-la
com uma mão, enquanto ela tentava assaltar a fortaleza e esmagar todos os ossos do corpo.
Certamente era o eleito. Ao menos para esse ano. No ano seguinte escolheria outro.
Ou talvez no ano seguinte pensasse de verdade em procurar alguém a quem amar, alguém
com quem assentar a cabeça. Entretanto, ainda não estava preparada para isso. Esse ano
estava preparada para algo totalmente diferente.
— Ai, Hannah! — exclamou Barbara com voz hesitante — não parece um homem
muito agradável. Tomara...
— Mas me diga, quem quer um homem agradável como amante, Babs? — Perguntou
ela enquanto entrava na multidão com um leve sorriso nos lábios — Um homem assim
parece um chato insuportável, seja quem for.

Ali estava ele de novo, pensou Constantine Huxtable.


De volta a Londres para outra temporada social. De volta ao Hyde Park, rodeado pela
maioria da alta Sociedade, com seu primo Stephen, o Conde de Merton de um lado e Monty
Jasper, o Barão Montford casado com sua prima Katherine do outro.
Parecia que só passara um dia desde que pisara no Hyde Park pela última vez. Custava
acreditar que tivesse transcorrido outro ano. Em algum momento chegou a pensar que não
se incomodaria em aparecer por Londres nessa primavera. Pensava-o todos os anos, claro.
Mas todos os anos, voltava.
Havia certa atração irresistível que o levava de volta a Londres cada primavera,
admitiu em silêncio, enquanto os três saudavam um par de anciãs, com enormes chapéus
que passeavam devagar em um velho cabriolé, com um cocheiro ainda mais velho na boleia.
As damas devolveram a saudação com idênticos gestos da mão e assentimentos de cabeça.
Como se fossem da realeza.
Ele adorava ficar em casa, em Ainsley Park, em Gloucestershire. Jamais se sentia tão
feliz como quando estava em casa, imerso na ocupada vida da granja ou nas igualmente
ocupadas tarefas domésticas. Mal tinha um momento de tranquilidade quando se achava no
campo. E não se podia queixar de solidão. Seus vizinhos sempre estavam ansiosos para que
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participasse das celebrações que organizavam, por mais que tivessem suas reservas a
respeito das atividades ocorridas em Ainsley Park.
E quanto à Mansão em si... Enfim, a casa estava tão lotada de gente que fazia dois
anos que se mudara para a residência da viúva, para desfrutar de um mínimo de intimidade...
E também para que seus aposentos ficassem livres e pudessem alojar os que fossem
chegando.
O acerto funcionou maravilhosamente até o inverno anterior, quando um grupo de
meninas descobriu a estufa adjacente à residência da viúva e a converteu em sua sala de
brinquedos.
Depois, como não, invadiram a cozinha em busca de pratos e água para fazer festa do
chá de suas bonecas. E...
Bem, um dia, aproveitando a ausência do cozinheiro, Con se descobriu saqueando a
cozinha em busca do pote de bolachas para elas... E então se juntando à festa do chá, pelo
amor de Deus!
Era normal que escapasse para Londres todas as primaveras. Um homem necessitava
um pouco de paz e tranquilidade em sua vida. Para não mencionar um pouco de prudência.
— Sempre é maravilhoso retornar à cidade, não é verdade? — perguntou Monty com
tom jovial.
— Sim, mesmo que acabem de me expulsar de minha própria casa — respondeu
Stephen.
— Mas as damas precisam admirar o herdeiro sem a interferência masculina —
comentou Monty — Não quererá estar presente, não é verdade, Stephen? Sobretudo
quando suas irmãs tiveram o trabalho de convidar uma dúzia de damas, para que admirem
com elas o menino e para que o tratem com atenção e presentes, que Cassandra terá de
admirar e todas terão de examinar e... ah... Elogiar com encantamento... — estremeceu de
forma teatral.
Stephen sorriu.
— Nisso tem razão, Monty — respondeu o Conde.
Sua Condessa acabava de dar a luz a um filho varão. Seu primogênito. Um herdeiro. O
futuro Conde de Merton.
Con não se importava absolutamente. Depois de seu pai, o papel de Conde coube a
seu irmão Jonathan, que o ocupou durante uns anos, e nesse momento o desempenhava
Stephen. E com o tempo o título recairia ao filho de Stephen. Nos anos vindouros Cassandra
e ele poderiam ter um monte de filhos varões para curar em saúde, se assim o desejavam.
Para ele não mudaria nada. Nunca poderia herdar o título.
Dava no mesmo. Sempre o soube. Não importava.
Detiveram-se para saudar uns conhecidos. O parque estava cheio de rostos familiares,
percebeu Con quando deu uma olhada ao redor. Quase não havia caras novas, e as únicas
que havia eram as das jovenzinhas, a nova fornada de jovens com aspirações de contrair um
grande matrimônio.
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Havia algumas belezas entre elas, sim. Entretanto, Con se surpreendeu, embora não foi
alarmante, descobrir o asséptico que era sua análise. Não sentiu a menor atração por
nenhuma delas. Poderia expressar seu interesse sem temor de parecer presunçoso. Sua
ilegitimidade era uma mera formalidade legal. Impedia-o de herdar o título e as propriedades
vinculadas a este, certo, mas não afetava sua posição social como filho de um Conde. Tinha
crescido em Warren Hall. Recebera uma herança considerável com a morte de seu pai.
Poderia participar do mercado matrimonial e contrair um matrimônio bastante vantajoso.
Entretanto, em seus trinta e cinco anos tinha a incômoda impressão de que todas essas
belezas eram meninas.
A maioria teria dezessete ou dezoito anos.
Na realidade, era alarmante. Porque não ia rejuvenescer, não é verdade? E nunca quis
ficar solteiro. Nesse caso, quando pensava se casar? E o mais importante, com quem ia se
casar? É claro, ele mesmo tinha diminuído suas possibilidades de contrair matrimônio ao
comprar Ainsley Park uns anos atrás e encher a propriedade com indesejáveis nobres,
vagabundos, ladrões, antigos soldados, atrasados mentais, prostitutas, mães solteiras com
seus filhos e outras muitas categorias.
Ainsley Park era um enxame de atividade e para sua satisfação a propriedade era
muito próspera depois dos primeiros anos de gastos... E trabalho duro.
Não obstante, uma jovem esposa, em particular se procedia de berço nobre, não
apreciaria que a levasse a viver, rodeada de semelhantes pessoas e em semelhante lugar...
Onde, além disso, teria que alojar-se na residência da viúva. Fazia um mês que seu salão foi
designado como aposento infantil para as bonecas, que estavam muito cansadas para
manter os olhos abertos, depois de tomar o chá na estufa.
— Deixe-me adivinhar — disse Monty ao mesmo tempo em que se inclinava para ele
— a de verde?
Nesse momento Con percebeu que esteve olhando fixamente duas jovenzinhas
acompanhadas por criadas de rostos longos, que caminhavam uns passos atrás, e as quatro
se deram conta. As jovens estavam rindo baixo, muito orgulhosas, enquanto que as criadas
se apressavam a cortar a distância que as afastava.
— É a mais bonita das duas — reconheceu, afastando o olhar — Embora a de rosa tem
melhor corpo.
— Pergunto-me qual das duas terá um pai mais rico — declarou Monty.
— A Duquesa de Dunbarton voltou para a cidade — disse Stephen enquanto os três
empreendiam a marcha — Tão bonita como de costume. Já deve ter abandonado o luto.
Parece-lhes bem que vamos apresentar nossos respeitos?
— É claro — respondeu Monty — desde que pudermos nos aproximar sem que nos
atropelem as seguintes seis carruagens e nos desviemos dos seguintes seis transeuntes.
Insistem em abandonar o caminho apesar do perigo para sua segurança.

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Dito isto passou a avançar com habilidade entre as carruagens e os cavaleiros até que
chegaram aos transeuntes, a maioria passeava tranquilamente pelo atalho habilitado para
eles.
Con por fim viu a Duquesa.
Que homem com dois olhos no rosto não ia se fixar nela? Era alta e magra, com uma
cútis de alabastro, faces e lábios rosados e olhos azuis, insondáveis e sempre entreabertos.
Se tivesse escolhido ser uma cortesã em vez de esposa de Dunbarton, a essas alturas
seria a mais aclamada de toda a Inglaterra. E teria amealhado uma fortuna. Embora, é claro,
conseguiu a fortuna de qualquer forma, ao convencer a esse velhote, para que se casasse
pela primeira e única vez em sua vida. E depois passou a espremê-lo, para ficar com tudo o
que não estava vinculado ao título.
Ao seu lado caminhava uma acompanhante de aspecto respeitável. Ao seu redor se
reuniu um bom número de pessoas, homens em sua maioria, para render homenagem.
A Duquesa se deixava adorar com esse enigmático meio sorriso e um ou outro gesto
de uma de suas mãos, com luvas brancas, em cujo indicador brilhava um diamante tão
grande para abrir a cabeça do homem que tivesse a ousadia de se ultrapassar.
— Ah! — Exclamou a Duquesa, desviando o lânguido olhar de seu séquito, que em sua
maior parte se viu obrigado a seguir caminho, empurrado pela multidão — Lorde Merton.
Tão angélico e bonito como de costume. Espero que Lady Paget valorize o troféu que levou.
Falava com um tom suave e agradável. Era evidente que não precisava elevar a voz.
Cada vez que abria a boca para dizer algo, todo aquele que a rodeava guardava silêncio para
escutá-la.
Concedeu a Stephen a honra de sua mão e ele a levou aos lábios, antes de olhá-la com
um sorriso.
— Agora é Lady Merton, Senhora — replicou Stephen — E eu valorizo o troféu que
levei.
— Bem dito — disse a Duquesa — destes a resposta correta. E Lorde Montford. Parece
muito... Domesticado. Lady Montford fez um trabalho excelente — acrescentou ao mesmo
tempo em que estendia a mão.
— Absolutamente, Senhora — respondeu Monty com um sorriso depois de beijar o
dorso de sua mão — bastou olhar e fui... Domesticado a primeira vista.
— Alegra-me ouvi-lo — ela comentou — embora isso não fosse o que me disse certo
passarinho. E o Senhor Huxtable. Como vai?
Olhou-o com algo vizinho ao desdém, embora o fizesse com as pálpebras entreabertas
e o efeito ficou um tanto embaciado... Desde que sua intenção fosse a de olhá-lo com
desdém, é claro. Não estendeu a mão.
— Muito bem, Duquesa, obrigado por perguntar — respondeu ele — muito melhor
agora que comprovamos que voltou para a cidade.
— Lisonjeiro — replicou ela, que descartou o comentário com um gesto da mão,
fazendo reluzir o anel. Voltou-se para sua companheira, que guardava silêncio — Babs, tenho
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o prazer de apresentar o Conde de Merton, o Barão Montford e o Senhor Huxtable.
Cavalheiros, a Senhorita Leavensworth é minha melhor amiga. Teve a amabilidade de me
acompanhar à cidade e de ficar uns dias comigo antes de retornar ao campo, para se casar
com o vigário do povoado onde ambas crescemos.
A Senhorita Leavensworth era alta e magra, tinha feições muito nórdicas, os dentes
ligeiramente para fora e o cabelo loiro. Não era uma mulher desagradável à vista. Saudou-os
com uma reverência. E os Cavalheiros a corresponderam de suas montarias.
— É um prazer conhecê-la, Senhorita Leavensworth — disse Stephen — vai se casar
logo?
— Em agosto, Milorde — respondeu a aludida — Mas até então tenho a intenção de
conhecer bem Londres. Ao menos, espero ver todos os Museus e as galerias de arte.
A Duquesa estava examinando seu cavalo, percebeu Con. E depois fez o mesmo com
suas botas. E com suas coxas. E com seu... Rosto. Viu-a arquear as sobrancelhas quando
descobriu que ele também a estava olhando.
— Devemos prosseguir, Babs — disse a dama — Receio que estejamos bloqueando o
caminho destes Cavalheiros e estão detendo os outros cavaleiros. São tão... Grandes.
Disse isso, deu meia volta e se pôs a andar para a seguinte onda de admiradores que
se aproximavam para saudá-la e para dar a boas vindas à cidade.
— Por Deus — murmurou Monty — Aí vai uma dama muito perigosa. Que acaba de se
livrar das correntes.
— Sua amiga parece muito sensata — comentou Stephen.
— Parece que só os Cavalheiros com título podem desfrutar da imensa honra de beijar
sua mão — disse Con.
— Eu se fosse você não daria importância — aconselhou-o Monty — Talvez os
Cavalheiros sem título sejam os únicos que têm a honra de receber um escrutínio exaustivo
em vez de uma mão.
— Ou talvez sejam só os Cavalheiros solteiros, Monty — acrescentou Stephen — Con,
é possível que agrade à dama.
— E também é possível que não me agrade a dama — replicou ele — Nunca
ambicionei compartilhar amante com a metade da alta Sociedade.
— Mmm — murmurou Monty — Acha que esse foi o caso do pobre Dunbarton? Por
certo, isso me recorda que de jovem tinha fama de ser muito perigoso. A verdade é que
nunca pareceu um corno enquanto esteve casado, não acham? Sempre o vi como um gato
satisfeito que acabava de comer a terrina de creme com prazer.
— Acabo de me dar conta de uma coisa... — disse Stephen — o ano passado, talvez
por estas mesmas datas, e neste preciso lugar, foi quando vi Cassandra pela primeira vez.
Você estava comigo, Con. E se a memória não me falha, Monty, você se aproximou à cavalo
com Kate enquanto a olhávamos e comentávamos que incômoda deveria se sentir vestida de
negro e com véu tendo em conta o calor que fazia.

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— E no final acabaram felizes e comendo perdizes — replicou Monty. Voltou a sorrir —
Está vaticinando um futuro similar a Con ao lado da muito bela Duquesa?
— Hoje está nublado — comentou Con — e não faz nem pingo de calor. E a Duquesa
não está de luto. Nem passeia sozinha com sua acompanhante totalmente inadvertida para a
multidão. Além disso, não estou pensando no matrimônio, assim não comece Monty.
— Mas naquela época — afirmou Stephen, meneando as sobrancelhas — eu
tampouco.
Os três se puseram a rir... E nesse instante viram Timothy Hood às rédeas de um
reluzente faetonte novo puxado por dois tordos. Esqueceram-se depressa da viúva vestida
de branco que o olhara, nem tanto de forma desdenhosa como provocante, percebeu Con,
uma vez que se deteve analisá-lo com tranquilidade. Não o interessava o mínimo.
Cada ano, quando ia à cidade, escolhia suas amantes pensando em sua comodidade
durante o que restava da temporada social.
Uma mulher cujo passatempo diário consistia em reunir o maior número de
adoradores possíveis, para o que possuía uma habilidade pasmosa, não daria muita
comodidade.
Não gostava de dançar ao som que ditava uma mulher.
Nem ser uma marionete cujos fios movessem outra pessoa.
Muito menos se tratasse da infame Duquesa de Dunbarton.

CAPÍTULO 3

Com o passar dos dias, Barbara se reafirmou na convicção de que o mundo que
Hannah se transladara era desconcertante e perturbador, muito diferente daquele que
compartilharam no povoado de Lincolnshire. Um mundo muito mais imoral. Durante esses
primeiros dias Hannah soltou um par de embustes tremendos, embora se negasse a
reconhecer que fosse mentira.
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Ou que tivessem importância.
A primeira ocasião teve lugar uma manhã enquanto saíam de uma chapelaria, situada
na Bond Street, seguidas por um lacaio cuja cabeça ficava oculta atrás das quatro caixas que
levava nos braços. Sua intenção era que o lacaio deixasse as caixas bem seguras na
carruagem, antes de ir a uma confeitaria situada nessa mesma rua para tomar um refresco.
Mas o destino tinha outros planos e lhes pôs na mesma calçada que o Senhor Huxtable.
Quando o viram estava a uma distância suficiente para evitar o encontro, sobretudo porque
não reparara nelas, dada a multidão de transeuntes que entravam e saíam das lojas.
Entretanto, Hannah se atrasou para dar tempo para que se aproximasse e as visse.
Quando o fez, o Senhor Huxtable levou a mão à aba do chapéu, antes que trocassem
as saudações de rigor.
— Estamos há horas comprando — comentou Hannah com um suspiro cansado.
Essa parte pelo menos não era uma mentira propriamente dita senão um exagero,
pensou Bárbara. Afinal, uma hora e meia era mais que uma hora.
— E estamos mortas de sede — acrescentou sua amiga.
O rumo da conversa começou a incomodar Barbara. Hannah estava tentando atrair a
atenção do Senhor Huxtable, mas por que o fazia de forma tão evidente?
Entretanto, o grande embuste estava por chegar, embora Barbara não o esperasse.
O Senhor Huxtable replicou com a galanteria que um verdadeiro Cavalheiro devia
mostrar em tais circunstâncias.
— Há uma confeitaria ou uma padaria aqui ao lado — disse — Assim, Senhoras,
concedem-me a honra de acompanhá-las a tal estabelecimento para convidá-las a um chá?
E então, em vez de parecer agradecida ou inclusive envergonhada, Hannah se mostrou
penalizada. O gesto pegou Barbara de surpresa.
— Senhor Huxtable, é muito galante — disse — mas esperamos visita e devemos voltar
para casa sem demora.
De modo que o cocheiro se viu obrigado a pegar as rédeas apressadamente, e o lacaio
correu a abrir a portinhola, enquanto o Senhor Huxtable aceitava a negativa com uma
reverência, antes de ajudá-las a subir ao veículo.
Hannah se despediu com um elegante gesto da cabeça quando a carruagem se pôs em
marcha.
— Hannah? — disse Barbara.
— Nunca deve parecer ansiosa — disse sua amiga.
— Mas virtualmente suplicou que a convidasse a um chá — indicou ela.
— Limitei-me a comentar que estava morta de sede — precisou Hannah — Coisa que
era verdadeira.
— Esperamos visita? — quis saber Barbara.
— Não, que eu saiba — reconheceu Hannah — mas alguém poderia aparecer de
improviso.

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Em outras palavras, tinha mentido. Barbara reprovava as mentiras. Entretanto,
guardou silêncio. Hannah estava imersa em um jogo, que ela também reprovava, mas sua
amiga era uma mulher adulta. Estava em seu direito escolher o caminho que queria seguir na
vida.
O segundo embuste foi pronunciado uns dias depois, na noite do baile dos
Merriwether. Barbara não queria ir. Era um baile da aristocracia e o mais elegante que ela
conhecia eram as festas nos salões de reunião do povoado.
— Tolices — disse Hannah quando comentou sua inquietação — Babs, mostre-me os
pés.
Barbara levantou as saias à altura dos tornozelos e Hannah contemplou carrancuda
seus pés.
— Tal como suspeitava— disse — Tem dois. Um direito e outro esquerdo. Perfeitos
para dançar. Teria permitido que ficasse em casa se só tivesse um, minha pobrezinha.
Embora haja pessoas que são uma negação para dançar até tendo dois, normalmente,
costuma acontecer aos homens. Virá ao baile comigo. E não discuta isso. Não há mais que
falar. Diga que sim.
Barbara, é claro, foi ao baile e chegou à conclusão de que se não tomasse cuidado,
acabariam saindo os olhos das órbitas. Nunca tinha imaginado que existisse semelhante
esplendor. As cartas que pensava escrever no dia seguinte seriam imensas. Depois que
puseram um pé no salão de baile, a multidão rodeou-as. Ou melhor, rodeou Hannah e
Barbara com ela. A transformação que sofria sua amiga, quando estava em público era
surpreendente e em parte engraçada. Porque nem sequer se parecia fisicamente à pessoa
que ela tinha conhecido durante toda a vida.
Parecia uma... Bem, uma Duquesa.
O Senhor Huxtable também estava no salão de baile. Ao seu lado se achavam os dois
Cavalheiros com quem esteve cavalgando no parque e duas damas. Não obstante, afastou-se
logo deles para circular entre os convidados e conversar com diferentes grupos.
E Hannah, conforme percebeu pôs especial cuidado em colocar-se de forma que
sempre ficasse bem à vista do Cavalheiro. Cada vez que seus olhares se cruzavam, Hannah se
abanava muito devagar com seu leque de penas brancas e em um par de ocasiões deu um
jeito para parecer desolada. Como se sentisse desamparada entre a multidão e necessitasse
que a resgatassem.
Possivelmente, pensou Barbara, houvesse um bom número de mulheres na sala
desejando sentir-se tão desamparadas e necessitadas como sua amiga... O poder que
Hannah ostentava sobre os homens era assombroso, sobretudo porque não parecia esforçar-
se absolutamente para que assim fosse. Claro que já atraía os olhares dos homens quando
mal era uma menina. Era uma das poucas criaturas realmente formosas, que abençoavam o
mundo com sua presença.
O Senhor Huxtable acabou por agradar sua silenciosa súplica e atravessou a distância
que os afastava.
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Saudou primeiro Barbara com uma reverência e depois fez o mesmo com Hannah.
— Duquesa — disse — Seria amável de me conceder a primeira dança da noite?
Hannah voltou a parecer desolada.
— Temo que não possa fazê-lo — respondeu — Já prometi a outro.
Como? Exclamou Barbara para si mesma, piscando.
Sua amiga explicou a caminho do baile que nunca concedia nenhuma dança a um
homem com antecipação. Só o fazia com o Duque, antes que deixasse de dançar. E desde
que tinham chegado a casa dos Merriwether, Barbara não a viu conceder uma dança a
nenhum Cavalheiro. Entretanto, o pior estava por vir.
— A segunda, então? — Insistiu o Senhor Huxtable — Ou a terceira?
— Sinto muito, Senhor Huxtable — respondeu Hannah com voz pesarosa — As tenho
todas comprometidas. Possivelmente em outra ocasião.
O Cavalheiro se despediu com uma reverência e se afastou.
— Hannah? — disse Barbara.
— Dançarei todas as peças — assegurou sua amiga — Nunca deve parecer ansiosa,
Babs.
E nesse momento voltou seu séquito, competindo por chamar sua atenção.
Que embustes mais descarados e estranhos, pensou Barbara.
Podia-se atrair a um homem chamando sua atenção para depois desdenhá-lo? Assim
se obtinha que um desconhecido se convertesse em um amante?
Esperava que não. Porque estava convencida de que Hannah cometeria um erro
enorme se arrumasse um amante. E o Senhor Huxtable, embora parecesse o perfeito
Cavalheiro, também parecia muito perigoso. O tipo de homem que se cansava depois que
jogassem com ele.
Tomara que acabasse por dar as costas a Hannah quando chegasse o momento.
E nesse instante seus pensamentos se viram interrompidos pela chegada de um
Cavalheiro que se mostrou interessado em conhecê-la. Assim que Hannah os apresentou, o
Cavalheiro fez uma reverência sem soltar sua mão e a convidou para dançar a peça
inaugural.
Esteve tentada a dar uma olhada nos pés para comprovar que, efetivamente, seguia
tendo dois. De repente, secou a boca, o coração começou a pulsar com muita força e desejou
estar com Simon.
— Obrigado — respondeu com um sorriso sereno, enquanto colocava a palma da mão
no braço que o Cavalheiro oferecia. Não recordava seu nome.
Enquanto isso, Hannah fazia alarde do atributo mais importante que adquiriu ao longo
dos últimos onze anos, a paciência. Nunca devia mostrar-se ansiosa.
Por nada. Muito menos quando estava empenhada em conseguir algo. E estava
empenhada em conseguir Constantine Huxtable. Descobriu que era mais atraente do que se
recordava, e estava segura de que seria um amante satisfatório. Possivelmente o termo
satisfatório fosse pouco, de fato. E também sabia que ele não desejava tê-la como amante.
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Esse fato ficou muito claro durante o encontro no Hyde Park. Limitou-se a olhá-la com
expressão glacial, da posição vantajosa que oferecia seu cavalo e ela chegara à conclusão de
que a desprezava. Como muitos outros, é claro, que nem sequer a conheciam.
Embora, para ser justo, a culpa era só dela. Entretanto, seguiam-na. E não podiam
afastar os olhos dela.
O Duque a ensinara não só a fazer-se notar, mas também a ser irresistível.
Ninguém admira o acanhamento nem o recato, meu amor, disse em uma ocasião, no
começo de seu matrimônio, quando Hannah possuía um excesso de ambas as qualidades.
Meu amor era sua forma de referir-se a ela. Nunca a tinha chamado de Hannah. Da
mesma forma que ela sempre o tinha chamado Duque.
Aprendeu a não se mostrar tímida em nenhuma situação.
A não ser recatada em nenhuma circunstância.
A ser paciente.

Três noites depois do baile, Hannah e Barbara se achavam em um concerto particular


na casa dos Heaton. Estavam com o resto dos convidados que chegaram cedo, em uma sala
de espera oval, desfrutando de uma taça de vinho, enquanto aguardavam o momento de
ocupar seus assentos na sala de música. Como sempre, rodeava-as um séquito de
admiradores e amigos de Hannah. Dois deles rivalizavam pela honra de ocupar um assento
ao seu lado durante a noite. Poderia ter recordado que na realidade havia dois lugares para
ocupar junto a ela, mas talvez o argumento não satisfizesse a nenhum dos dois.
Hannah se abanava o rosto devagar quando reparou na chegada dos Condes de
Sheringford, um casal cujo matrimônio celebrado fazia vários anos, foi a culminação de um
escândalo monumental, embora o casal parecesse ter encontrado a felicidade.
A Condessa a viu e a saudou com um sorriso. O Conde também o fez, embora
acrescentasse uma breve saudação com a mão. Com eles se achava o Senhor Huxtable. Claro,
pensou, era da família da Condessa, que por sua vez, era a irmã do Conde de Merton.
O Senhor Huxtable saudou a Barbara e a ela, com uma inclinação de cabeça, mas sem
sorrir.
O resto dos ocupantes da sala perdeu o brilho em sua presença. Tinha que ser seu
amante. Seria. Negava-se a duvidar disso.
Se desejar algo, meu amor, jamais o conseguirá. Desejar é uma palavra pacata,
desprezível. Implica que se está seguro de não poder conseguir o que se deseja, implica a
certeza de saber-se pouco merecedor de tal desejo e de que só terá uma possibilidade se
produzir-se um milagre. O que deve fazer pelo contrário é se esforçar em obter as coisas e as
conseguirá. Os milagres não existem.
— Temo que não possa me sentar com você, Lorde Netherby — disse com a intenção
de por fim à disputa entre seus dois admiradores — embora agradeça o convite.

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Não foi preciso elevar a voz. Todos os que se achavam ao seu redor guardaram silêncio
para escutar o que estava a ponto de dizer.
— Nem tampouco sentarei ao seu lado, Sir Bertrand. Sinto muito. Vou me sentar com
o Senhor Huxtable. Há uma semana foi impossível aceitar seu convite de tomar chá quando
nos encontramos em Bond Street. E tampouco pude dançar com ele na festa dos
Merriwether há umas noites. De modo que hoje sentarei ao seu lado.
Fechou o leque e levou a extremidade aos lábios franzidos enquanto olhava ao Senhor
Huxtable.
O aludido não mostrou reação alguma. Nem surpresa, nem desdém, nem satisfação.
Era evidente que não se pavoneava como costumavam fazer os outros homens, os muito
tolos. Embora tampouco desse as costas e se afastasse.
O que foi um alívio.
— Boa noite, Duquesa — a saudou uma vez que se aproximou dela, depois que seu
séquito se afastasse para deixá-lo passar — Isto está muito concorrido, não parece? Vejo que
a sala de música está mais vazia. Quer dar um passeio até ali?
— Parece-me bem — respondeu ela ao mesmo tempo em que oferecia sua taça a um
Cavalheiro situado a sua esquerda a fim de tomar o braço do Senhor Huxtable.
Os Park estavam falando com Barbara, comprovou, depois de terem sido
apresentados. Seu segundo filho era clérigo, se mal não recordava.
Nesse momento reparou na solidez do braço que aceitara. Um braço vestido de negro
salvo pelo engomado punho branco que se via no pulso. A mão era morena, de dedos longos
e unhas bem bonitas, embora não tivesse nada de suave. Bem o contrário. Parecia ter
desempenhado algum trabalho duro em algum momento. O dorso dessa mão estava
salpicado de pelo escuro. Era mais alto que ela, de modo que seu ombro ficava acima do seu.
Usava uma colônia que saturou seu olfato de um modo muito agradável. Não pode
identificá-la.
A sala de música estava certamente quase desocupada. Este tipo de entretenimento
nunca começava na hora disposta. Deram um passeio tranquilo pelo perímetro da sala.
— De modo — começou ele, voltando a cabeça para olhá-la — que me oferece o
assento ao seu lado esta noite, como compensação por seus anteriores desprezos. Não é
assim, Duquesa?
— Sentiu-se desprezado? — perguntou ela por sua vez.
— Mais divertido — respondeu o Senhor Huxtable.
Hannah voltou a cabeça para olhar os olhos tão escuros cuja expressão era impossível
de decifrar.
— Divertido, Senhor Huxtable? — Arqueou as sobrancelhas.
— É divertido ver um títere dirigir os fios de sua marionete e comprovar que não se
move porque tais fios não existem — respondeu ele.
Ahhh! Exclamou Hannah para si mesma.
Um conhecedor do jogo que se negava a seguir as regras.
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Minhas regras, precisou.
Sua resposta melhorou a imagem que tinha dele.
— Mas não é curioso ver como a marionete acaba se movendo apesar de tudo,
demonstrando assim que não é uma marionete, mas que se move porque adora dançar? —
replicou.
— Duquesa — disse o Senhor Huxtable — acontece que a marionete não gosta de
dançar no coro. Acha-o muito... Ordinário. De fato, nega-se a ser mais uma insignificante do
corpo de baile em questão.
De modo que estava colocando suas próprias normas...
— Poderia se arrumar o assunto para que a marionete dançasse em solitário, Senhor
Huxtable. Ou talvez, em um dueto. Sim, definitivamente um dueto seria perfeito. E se
demonstrar ser um par excelente, como estou segura de que será o caso, poderia conseguir
o posto de primeiro bailarino, em exclusivo para toda a temporada. Já não haveria
necessidade de um corpo de baile. De fato, seria despedido.
Chegavam à parte dianteira da sala de música e seguiram caminhando entre o estrado,
onde descansavam os instrumentos da orquestra e a primeira fila de cadeiras douradas com
assentos de veludo.
— Isso quer dizer que a princípio terá um ensaio? — perguntou ele — uma espécie de
audição?
— Não acredito que seja necessário — respondeu Hannah — Não o vi dançar, mas
estou convencida de que possui um talento superlativo.
— Duquesa, é muito benévola e confiante — replicou o Senhor Huxtable — Talvez o
bailarino se mostre mais precavido. Afinal, se for fazer parte de um dueto, deveria oferecer a
oportunidade de examinar seu futuro par, para descobrir se é uma bailarina tão experiente
como ele, e se seu estilo se ajusta ao que procura para toda uma temporada, a fim de evitar
aborrecer-se às primeiras mudanças.
Hannah abriu o leque com a mão livre e começou a movê-lo diante de seu rosto. A sala
de música não estava concorrida, mas o ambiente era carregado e quente.
— Aborrecer, Senhor Huxtable — repetiu — é uma palavra que a bailarina não
contempla em seu vocabulário.
— Ah, mas ele sim!
A réplica poderia tê-la ofendido, indignado ou ambas as coisas ao mesmo tempo.
Entretanto, sentia-se muito contente.
O verbo aborrecer ocupava um lugar importante em seu vocabulário, de modo que
acabava de soltar outra mentira. Barbara se zangaria com ela se a escutasse. Menos mal que
não ouvira nenhuma palavra da conversa. Sua amiga teria morrido da impressão.
Quase todos os Cavalheiros que Hannah conhecia eram aborrecidos. No fundo não
deveriam colocá-la em um pedestal nem adorá-la. Os pedestais podiam ser lugares ermos e
solitários, e adorar alguém era ridículo, quando se tratava de uma simples mortal.
Viraram ao chegar ao extremo e continuaram pelo lado da sala.
26
— Ah! — Exclamou Hannah — Ali estão os Duques de Moreland. Quer que os
saudemos?
O Duque era primo do Senhor Huxtable, que se parecia tanto a ele. De fato, poderiam
passar facilmente por irmãos.
— Parece que não fica outro jeito — Ouviu-o murmurar enquanto a impelia a
aproximar-se do casal.
Os Duques se mostraram muito amáveis com ela, mas muito frios com ele. Hannah
acreditou recordar que havia algum tipo de distanciamento entre os primos. Entretanto,
conteve-se antes de censurá-los por ter discutido sendo família.
Afinal, seria como se a frigideira dissesse à chaleira que se afastasse para não sujá-la...
Sua primeira impressão foi acertada. O Duque era o mais bonito dos dois.
Seus traços tinham uma perfeição clássica e contava com o surpreendente azul de uns
olhos que a priori se esperavam castanhos. Entretanto, o Senhor Huxtable era o mais
atraente.
Em sua opinião, é claro, o que era perfeito, tendo em conta que o Duque era casado.
— O Senhor Huxtable e eu vamos ocupar nossos assentos — disse Hannah antes que a
situação se tornasse mais tensa ainda — Estou cansada depois de passar tanto tempo em pé.
Todos se despediram com sorrisos e gestos de cabeça, e o Senhor Huxtable a levou até
uma cadeira situada no centro da quarta fila.
— Não é muito prometedor que a uma bailarina doam os pés por não ter se sentado
durante uma hora.
— Ouviu-me dizer que seja uma bailarina? — replicou ela — Por que está zangado com
o Duque de Moreland?
— A risco de parecer descortês, Duquesa — respondeu — sinto-me obrigado a dizer
que não é da sua conta.
Hannah suspirou.
— Mas é. Ou o será. Insistirei em conhecer tudo que se refere a sua pessoa.
Os olhos escuros se cravaram nos seus.
— Desde que ofereça o papel de bailarina depois da audição, não?
— Senhor Huxtable — replicou ela ao mesmo tempo em que dava uns golpes com o
leque no braço — depois da audição me suplicará que aceite o papel. Embora não seja
preciso que eu o diga, porque já sabe. Da mesma forma que eu sei que em seu caso a
audição é desnecessária. Espero que seja um homem misterioso, com mais segredos por
descobrir, além do motivo do distanciamento com seu primo. Espero-o de todo coração.
Claro que estou muito segura de que não me decepcionará.
— Já vejo Duquesa — respondeu ele — que é um livro aberto. Terá que engenhar de
algum jeito a fim de me manter interessado, já que não poderei revelar seus inexistentes
segredos.
Hannah esboçou um leve sorriso e entreabriu as pálpebras.

27
— A sala começa a encher — comentou — Acredito que o concerto começará dentro
de um quarto de hora mais ou menos. Entretanto, ainda não falamos de nada importante,
Senhor Huxtable. O que acha do clima que estamos desfrutando ultimamente? Muito bom
para esta data, não é verdade? Acredita que pagaremos com um verão rude? Essa é a crença
popular, certo? O que acha você?
— Em minha opinião, Duquesa — respondeu — um calor excessivo para a época do
ano em que estamos não a assusta. Sua natureza otimista, sem dúvida espera que venham
mais dias quentes à medida que a primavera dê passagem ao verão.
— Sim, devo ser um livro aberto — replicou ela — pois me entendeu por completo.
Não me diga que é dos que preferem uma primavera fresca, com a esperança de que o verão
seja medianamente quente. É grego!
— Meio grego — precisou o Senhor Huxtable — e meio inglês. Deixarei que decifre o
que pertence a cada parte.
Os convidados começaram a ocupar as cadeiras que tinham ao seu redor e a conversa
se generalizou entre a audiência até que Lorde Heaton subiu no estrado e se fez silêncio a
espera do começo do concerto.
Hannah deixou que o leque pendesse de seu pulso e colocou uma mão com
dissimulação no braço do Senhor Huxtable.
Tudo foi muito desconcertante. Depois de tê-lo recusado premeditadamente tanto na
Bond Street como na festa dos Merriwether, decidiu dar um passo a frente nessa noite e
retroceder na seguinte vez que se encontrassem.
A verdade era que não tinha pressa. As preliminares podiam ser tão emocionantes
como o jogo em si. Entretanto, o Senhor Huxtable se negou a deixá-la jogar a sua maneira. E
em vez de dar um passo para frente, Hannah tinha a sensação de ter avançado ao menos um
quilômetro nessa noite. Sentia-se quase sem fôlego.
E transbordante de emoção.
Não obstante, não ia permitir que fosse ele quem dissesse a última palavra. Não tão
cedo. De fato, jamais o permitiria.
— Vejo que o Senhor Minter chegou tarde — comentou uma hora depois, durante o
intervalo, enquanto os assistentes ficavam em pé para conversar e ir em busca de uma taça
de vinho — Devo ir repreendê-lo. Suplicou-me que sentasse ao seu lado esta noite e como
me deu pena, aceitei. Suponho que será melhor que me sente com ele durante o resto da
noite. O pobre está muito só.
— Sim — concordou o Senhor Huxtable, falando ao ouvido — suponho que será
melhor que se vá Duquesa. Se seguir ao meu lado, é possível que acabe vendo-a como uma
petulante.
Hannah o repreendeu dando umas batidinhas com o leque no braço e se lançou atrás
do incauto Senhor Minter, que certamente nem sequer estaria a par de sua presença nessa
noite no concerto.

28
CAPÍTULO 4

As amantes primaveris de Con, como Monty as apelidara em uma ocasião, eram


selecionadas quase exclusivamente dentre as viúvas da alta Sociedade. Tinha como regra não
visitar os bordéis, nem pagar pelos serviços de uma cortesã ou de uma atriz. É claro,
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tampouco olhava às Senhoras casadas, embora uma surpreendente quantidade de damas
em tal estado civil se incomodasse em indicar sua disponibilidade. Tampouco olhava às
solteiras.
Afinal Con queria uma amante, não uma esposa.
Conforme descobriu, muitas viúvas não tinham pressa para voltar a se casar. Embora a
maioria acabasse fazendo-o, estavam encantadas de passar uns anos desfrutando de sua
liberdade e dos prazeres sensuais de uma relação ocasional.
Ele quase sempre buscava uma amante para a temporada social. Raramente mais de
uma, e nunca ao mesmo tempo. Suas amantes costumavam serem mulheres bonitas, mais
jovens que ele, embora não considerasse que a beleza ou a idade fossem requisitos
indispensáveis. Gostava das mulheres discretas, elegantes e bastante inteligentes, para
conversarem diversos assuntos interessantes. É claro, procurava certo grau de
companheirismo em uma amante, além de gratificação sexual.
E esse ano?
Ele se achava na Mansão Fonteyn, em Richmond, concretamente no amplo terraço
pavimentado situado atrás da casa, embora atrás e frente fossem termos relativos nesse
caso.
A fachada dianteira estava orientada para o caminho o qual chegavam as carruagens, e
não era nada do outro mundo. A parte posterior, pelo contrário, tinha vistas para o Rio
Tâmisa, e entre o rio e a Mansão havia um amplo espaço ocupado pelo terraço, por uma
ampla escadaria ladeada por canteiros de flores de um prado em ligeiro declive, delimitado
de um lado por um caramanchão e um pequeno pomar e do outro por uma fileira de estufas
e outro terraço, esse pavimentado, paralelo ao rio. Um pequeno embarcadouro se internava
na água para a comodidade de quem queria usar algum dos botes, que estavam amarrados
de cada lado.
E nesse momento a parte posterior da Mansão, que poderia ser considerada a
verdadeira fachada, estava banhada pela luz do sol embora a brisa fria impedisse que fizesse
calor, como era de esperar nessa época do ano. Era uma imagem muito pitoresca e
decididamente agradável.
Os Fonteyn se arriscaram muito ao organizar um almoço no jardim ao começar a
temporada social, muito antes que alguém se atrevesse a contar com o tempo. É claro, a
Mansão contava com um espaçoso salão de baile e com um salão igualmente espaçoso, e
sem dúvida haveria outras salas bastante grandes para acomodar todos os convidados, no
caso de piorar o tempo ou que chovesse.
Nesse ano havia uma viúva nova na cidade, e estava se oferecendo virtualmente numa
bandeja e com pouca sutileza para ocupar o posto de sua amante. Desde que se evitasse a
evidente trapaça de fazê-la inalcançável, é claro. Achou muita graça no seu comportamento
na Bond Street e no baile dos Merriwether.

30
Nesse instante a dama voltava à carga. Estava no prado não muito longe do pomar,
segurando o braço de Lorde Hardingraye, um de seus antigos amantes, que chegou fazia
meia hora.
Achavam-se rodeados por outros convidados, tanto homens como mulheres, e a
Duquesa estava totalmente concentrada no grupo enquanto fazia girar uma sombrinha
muito elegante. Indevidamente, era branca, como o resto de seu traje. Vestia-se quase
sempre de branco, embora jamais repetisse vestido. Impressionante realização.
Não olhara nenhuma só vez para onde ele estava. Um detalhe que só podia ter duas
explicações, ou não o vira ainda ou já não tinha interesse em ter uma relação de qualquer
tipo com ele. Sabia perfeitamente que nenhuma dessas explicações era a verdadeira.
Estava decidida a apanhá-lo. E certamente o vira. Não estaria dando as costas com
tanto empenho se não o tivesse visto.
Achou graça da situação.
Deu um gole em sua bebida e seguiu a conversa que mantinha com seu grupo de
amigos. Não tinha pressa em se aproximar dela. De fato, não tinha intenção de dar o
primeiro passo. Se quisesse lhe dar as costas toda a tarde não se importava.
Entretanto, começou a dar voltas à pergunta que estava preocupando-o nesses três
dias enquanto ria com seus amigos e observava os recém-chegados, saudando uns com uma
mão e outros com um sorriso.
De verdade queria à Duquesa de Dunbarton como amante?
Respondera com um não terminante a essa pergunta no Hyde Park, e disse a sério.
A maioria dos homens teria considerado que essa pergunta era ridícula, é claro. A
Duquesa era, afinal, uma das mulheres mais bonitas que viu na vida e, no caso de ser
possível, tinha melhorado com a idade. Continuava relativamente jovem e sexualmente
atraente. Era uma mulher solicitadíssima... E ficava aquém. Poderia escolher qualquer
homem como amante, os casados inclusive.
Mas...
Algo o fazia hesitar, e não sabia muito bem por que.
Pelo fato de ser ela quem o escolheu? Entretanto, não havia razão para que uma
mulher não perseguisse o que desejava como um homem. Quando ele se encantava por uma
mulher, sempre a perseguia com insistência até que capitulasse... Ou não. Além disso, não
era lisonjeiro que uma mulher bonita e atraente, que poderia ter qualquer um, escolhesse a
ele?
Devia-se então que parecesse muito disposta? Acaso não teve um sem fim de amantes
em vida do falecido Duque? Não era normal que seguisse com a mesma tônica quando por
fim era livre, não só do Duque, mas sim do obrigatório ano de luto? Não obstante, nunca se
amedrontou pela competência. Além disso, se no final a Duquesa decidisse entreter mais
amantes além dele, sempre podia cortar a relação. Afinal, não procurava amor nem nada que
se parecesse com um compromisso conjugal. Só procurava uma amante. Seu coração não se
envolveria.
31
E durante o concerto dos Heaton insinuara que enquanto fosse sua amante, não
haveria lugar para nenhum mais.
Então ela era como um livro aberto, tal como disse durante o concerto? Todo mundo a
conhecia. Apesar do olhar lânguido e do leve sorriso que não abandonava seus lábios, a
Duquesa não encerrava nenhum mistério, não se ocultava debaixo de múltiplas camadas que
iria afastando, como as pétalas de uma rosa.
Salvo por sua roupa.
Era impossível saber que aspecto teria uma mulher nua, sem importar as vezes que se
admirasse seu corpo vestido. Era impossível saber o que se sentiria ao tocá-la, como se
moveria, que sons emitiria quando...
— Constantine — chamou sua tia, Lady Lyngate, a irmã de sua mãe, que se aproximou
dele por trás e colocara uma mão no braço — me diga que ainda não foi até a margem. Ou se
o fez, minta e diga que ficará encantado em me acompanhar.
Cobriu a mão com a sua e a olhou com um sorriso.
— Não mentiria tia Maria, embora estive uma dúzia de vezes na margem, coisa que
não aconteceu — disse — Sempre é um prazer acompanhá-la aonde queira ir. Não sabia que
estava na cidade. Como se encontra? Os anos e as cãs assentam maravilhosamente.
Outorgam uma grande elegância.
Tampouco mentia ao dizer isso. Sua tia devia rondar os sessenta anos e ainda se
voltavam para olhá-la.
— Enfim — replicou ela com uma gargalhada — acredito que é a primeira vez que
elogiam minhas cãs.
Continuava com o cabelo muito escuro, mas suas têmporas começavam a branquear
de um modo muito atraente. Era a mãe de Elliott, o Duque de Moreland, mas nunca deixara
de saudá-lo apesar de seu filho mal falar com ele. E o mesmo acontecia com as irmãs de
Elliott.
— Como está Cece? — perguntou — enquanto conduzia sua tia a escadaria que se
descia até o prado. Referia-se à Cecily, a Viscondessa de Burden, a caçula da família e sua
prima preferida — Terá logo seu filho?
— Tão logo que Burden e ela ficaram no campo este ano — respondeu sua tia — para
o deleite de seus outros dois filhos, estou certa. É uma ideia magnífica a de colocar as mesas
no terraço junto ao rio. Assim se pode desfrutar dos refrescos junto à margem.
Fizeram justo isso. Estiveram uns dez minutos sentados até que se uniram a eles três
amigos de sua tia, uma dama e dois Cavalheiros.
— Lady Lyngate, teria a amabilidade de ter piedade de mim? Desde que seu sobrinho
possa prescindir de sua presença — perguntou o Cavalheiro solteiro depois de um momento
de conversa. — Desçamos ao terraço para dar uma volta de bote, mas sou da opinião de que
três é multidão. Por favor, nos acompanhe para assim sermos quatro.
— É claro! — aceitou ela — Que ideia mais maravilhosa! Constantine desculpa-me?
— Muito a contra gosto — respondeu, piscando um olho para sua tia.
32
Observou-os subir em um bote que acabava de ficar livre e um dos Cavalheiros se
encarregou dos remos para afastar-se pelo rio.
— Está só, Senhor Huxtable? — Perguntou uma voz conhecida as suas costas — Seria
um desperdício deixar só um Cavalheiro tão disponível.
— Estava esperando que você me visse e tivesse piedade de mim — replicou ao
mesmo tempo em que ficava em pé — Sente-se comigo, Duquesa.
— Não tenho fome nem sede, nem tampouco necessito de um descanso — disse ela —
Leve-me às estufas. Quero ver as orquídeas.
Alguma vez alguém disse que não? Perguntou-se Con enquanto oferecia o braço.
Quando anunciou no serão musical dos Heaton que se sentaria com ele durante o
concerto, ocorreu que podia acabar muito envergonhada se ele se negasse? Claro, por que
temer a recusa quando até o ranzinza e arisco Duque de Dunbarton tinha sucumbido aos
seus encantos, depois de ter resistindo aos das demais mulheres mais de setenta anos?
— Sinto-me ofendidíssima — ela comentou quando aceitou seu braço — Não se
aproximou para me saudar ao chegar.
— Parece-me que eu cheguei antes, Duquesa. E você não se aproximou para me
saudar.
— Agora é a mulher que deve deixar o que estiver fazendo para saudar o homem?
— Tal como acaba de fazer? — perguntou por sua vez, olhando-a.
Não usava chapéu nesse dia, senão um absurdo chapeuzinho, inclinado de forma
muito sofisticada sobre a sobrancelha direita e que ficava, é claro, perfeito. Os cachos loiros
o rodeavam com um estilo desenvolto, que sua criada possivelmente teria demorado uma
hora para conseguir. O vestido de musselina branca, conforme comprovava de perto, estava
bordado com botões de rosas em um tom muito claro.
— Senhor Huxtable, é muito feio que me jogue isso no rosto — replicou ela — Que
outra alternativa me deixou? Teria sido muito aborrecido voltar para casa sem falar com
você.
Passearam pelo prado em diagonal, em direção às estufas. Con se deixou levar pela
sensação de inevitabilidade. A Duquesa estava decidida a conquistá-lo. E apesar de suas
dúvidas, reconhecia que a ideia de ser conquistado não era desagradável.
Deitar-se com ela seria uma aventura cheia de emoções fortes, não cabia a menor
dúvida. Uma luta por fazer-se com o controle, talvez? E um enorme prazer mútuo enquanto
lutavam?
Às vezes, pensou, as perspectivas de um prazer sensual extraordinário bastavam para
começar uma relação. Os segredos de uma personalidade digna de explorar poderiam
esperar até o ano seguinte, até a seguinte amante.
Estava rendendo-se sem mal opor resistência, disse-se. O que queria dizer que a
Duquesa era uma perita na arte da sedução. Nada surpreendente é claro.
E não deveria virar o rosto quando começava a desfrutar ao se deixar seduzir.
— Onde está a Senhorita Leavensworth esta tarde? — perguntou.
33
— O Senhor e a Senhora Park a convidaram para visitar algum Museu — respondeu ela
— e preferiu acompanhá-los a vir comigo a esta festa. Pode acreditar Senhor Huxtable?
Depois da visita a levarão para jantar e depois irão à ópera.
Notou-a estremecer-se com delicadeza.
— Alguma vez esteve na ópera, Duquesa? — Quis saber — Nem em um Museu?
— É claro que sim — respondeu ela — Já sabe que não se pode parecer uma ignorante
nem idiota aos olhos de nossos pares. Deve se demonstrar interesse nos temas culturais.
— Mas alguma vez desfrutou dessas visitas? — insistiu.
— Gostei muito de ver a carruagem de Napoleão Bonaparte em... Bem, em algum
Museu — respondeu Hannah, agitando a mão que segurava a sombrinha para tirar
importância do assunto — A carruagem que usou para transladar-se à batalha de Waterloo,
quero dizer. Não pode ir montado a cavalo porque sofria de hemorróidas. Sabia? O Duque
me contou isso e também me explicou o que eram as hemorróidas. Parecem muito
dolorosas. Talvez o Duque de Wellington ganhou a batalha pelas hemorróidas de Napoleão.
Pergunto-me se os livros de história contarão esse pequeno detalhe.
— Certamente não — replicou ele com ironia — Sem dúvida alguma a história
preferirá perpetuar a versão atual, segundo a qual Wellington aparece como um herói
grandioso e invencível que ganhou a batalha graças à força de sua grandeza e de sua
invencibilidade.
— Nisso acredito também — concordou ela — É o que me disse o Duque. Meu Duque,
refiro-me. Uma vez me levou a ver as estátuas de Lorde Elgin e não me escandalizei ao ver
todos esses corpos nus. Nem sequer me impressionaram. Só era pálido mármore. Preferiria
ver um homem de carne e osso. Um grego, quero dizer. Com a pele morena pelo sol, não
uma fria estátua de pedra. É claro, nenhum homem real poderia ter uma beleza tão perfeita.
— Suspirou e sua sombrinha voltou a girar.
Bruxa, pensou Constantine.
— E o que me diz da ópera? — perguntou.
— Nunca entendi o italiano — respondeu ela — Seria aborrecidíssimo se não fosse por
toda essa paixão e pela tragédia de ver que todo mundo morre sobre o palco. Deu-se conta
de que os personagens moribundos cantam maravilhosamente bem antes de perecer? Que
desperdício. Preferiria ver toda essa paixão dedicada à vida.
— Entretanto, isso é precisamente o que acontece, dado que as óperas se escrevem
para cantores vivos e para uma audiência composta por pessoas vivas mais que para um
personagem moribundo — respondeu Huxtable — A paixão se dedica à vida.
— Jamais voltarei a ver uma ópera com os mesmos olhos — afirmou a Duquesa, que
fez girar a sombrinha uma vez mais antes de fechá-la ao chegar a primeira estufa — Nem a
escutar da mesma maneira. Muito obrigado, Senhor Huxtable, por sua explicação. Deve me
levar uma noite para poder desfrutá-la corretamente em sua presença. Convidarei algumas
pessoas.

34
Havia muita umidade e fazia calor dentro da estufa. A parte central estava ocupada
por enormes suportes de vasos coalhados de samambaias e o perímetro, rodeado por
laranjeiras que se erguiam diante das paredes de vidro. O lugar estava deserto.
— Que bonito! — Exclamou ela, que seguia junto às samambaias do centro com a
cabeça para trás, para desfrutar do aroma da vegetação — Não acredita que seria
maravilhoso viver para sempre em uma terra tropical, Senhor Huxtable?
— Um calor abrasador — ele indicou — Insetos. Enfermidades.
— Ah! — A Duquesa abaixou a cabeça e o olhou — A fealdade em meio a beleza. É da
opinião de que sempre há fealdade? Embora algo seja muito, muito formoso?
De repente, seus olhos pareceram enormes e insondáveis. E tristes.
— Nem sempre — respondeu Huxtable — De fato, prefiro pensar o contrário, que
sempre há uma beleza indestrutível em meio à escuridão.
— Indestrutível — repetiu ela em voz baixa — Isso quer dizer que você é otimista.
— Que outra coisa se pode ser se pretendemos levar uma existência tolerável? —
replicou.
— É muito fácil cair na desesperança. Sempre vivemos à beira da tragédia, não parece?
— Sim — respondeu ele — O segredo consiste em não ceder nunca ao impulso de
saltar voluntariamente por esse precipício.
A Duquesa seguiu olhando-o nos olhos. Não entreabriu as pálpebras, percebeu. Seus
lábios não esboçaram nenhum sorriso. Mas estavam ligeiramente entreabertos.
Parecia... Diferente.
A parte racional de seu cérebro disse que não havia ninguém mais nessa estufa em
concreto e que se achavam ocultos à vista dos outros.
Inclinou a cabeça e roçou os lábios com os seus. Tinha-os quentes e suaves,
ligeiramente úmidos, e rendidos ao seu beijo.
Percorreu com a língua a estreita abertura que havia entre eles, o contorno do lábio
superior e por último o lábio inferior, depois introduziu a língua na boca. Seus dentes não
impediram o caminho. Acariciou o céu da boca com a língua antes de retirá-la e afastar a
cabeça dela.
O beijo o deixou com um gosto de vinho e mulher sensual.
Olhou-a nos olhos e devolveu o olhar uns instantes até que se produziu uma sutil
mudança em sua expressão. Viu-a entreabrir as pálpebras de novo e esboçar um sorriso,
recuperando assim sua habitual compostura.
Teve a sensação de que estava se colocando uma máscara.
O que supunha uma possibilidade muito interessante.
— Senhor Huxtable, espero que cumpra a promessa implícita nesse beijo. Levaria uma
tremenda decepção se não fosse assim.
— Comprovaremos esta noite — replicou.
— Esta noite? — Arqueou as sobrancelhas ao escutá-lo.

35
— Não deve ficar só — disse — enquanto a Senhorita Leavensworth janta fora e vai à
ópera. Certamente se sentiria sozinha e aborrecida. Assim jantará comigo.
— E depois? — Manteve as sobrancelhas arqueadas.
— E depois desfrutaremos de uma suculenta sobremesa em meu dormitório —
respondeu Constantine.
— Oh! — Parecia estar considerando a possibilidade — Mas tenho outro compromisso
esta noite, Senhor Huxtable. Que contrariedade. Talvez outro dia.
— Não — respondeu ele — nada de outro dia. Nada de jogos, Duquesa. Se me quiser,
será esta noite. Não em outro momento, quando considerar que já me torturou o bastante.
— Sente-se torturado? — quis saber ela.
— Virá esta noite — disse — Ou não o fará nunca.
A Duquesa o olhou em silêncio um instante.
— Pelo amor de Deus! Acredito que o diz a sério — comentou ela.
— Assim é — assegurou.
E falava a sério. Já tinha advertido que não seria sua marionete. E embora a paquera
fosse divertida, não podia alongar-se indefinidamente.
— Caramba! — exclamou ela — eu adoro os homens dominantes e impacientes. É
muito emocionante, sabe? Embora não tenha intenção de me deixar dominar, Senhor
Huxtable. Muito menos por um homem. Jamais. Mas acredito que vou ter que decepcionar o
Cavalheiro a quem prometi ver esta noite. O certo é que só me convidou para jantar, mas
sem sobremesa. Ou sem sobremesa suculenta, para ser mais exata. Soa tão delicioso que
não posso resistir.
— É uma sobremesa que só pode consumir-se em casal — respondeu ele — E o
consumiremos esta noite. Enviarei...
A Duquesa o interrompeu justo quando percebia que alguém abria a porta.
— Mas só são samambaias — a ouviu dizer com voz desdenhosa — Posso ver
samambaias em qualquer caminho da Inglaterra. Quero ver as orquídeas. Leve-me para vê-
las, Senhor Huxtable.
— Será um prazer, Duquesa — replicou ao mesmo tempo em que ela pegava seu
braço.
— E depois pode me levar para tomar chá no terraço superior — continuou ela antes
de trocar as saudações de rigor, com o grupo de convidados que entrava nesse momento na
estufa.
— As orquídeas estão na terceira estufa, Excelência — informou a Senhorita Gorman.
— Ah, obrigada. Muito amável — A Duquesa sorriu — começamos pelo extremo
errado.
E assim foi como fecharam o trato, pensou Con, enquanto saíam ao sol primaveril em
busca das orquídeas.
Tinha uma amante para essa temporada social. Um acordo muito satisfatório em
muitos aspectos, sobretudo porque a relação se consumaria nessa mesma noite.
36
Estava celibatário há muito tempo.
Mas... Não em todos os aspectos?
Apesar de a Duquesa ser uma criatura formosa, atraente e fascinante que
aparentemente o desejava tanto como ele a ela?
Não sabia por que esse ano parecia diferente dos outros.

Sempre deve contar com o poder do inesperado, meu amor, disse o Duque em uma
ocasião a Hannah.
Também deve ter em conta que não se deve usar com muita frequência, ou do
contrário já não será inesperado.
— As esmeraldas, é claro, Adele — disse Hannah a sua criada.
Tinha roupa e joias de todas as cores alegres imagináveis, embora raramente usasse
algo que não fosse branco.
Era o que as pessoas esperavam dela, roupa branca e diamantes.
E, é claro, o branco, inclusive todas as tonalidades possíveis, sempre era mais
chamativo entre a multidão que qualquer cor forte que outros usassem para exibir-se.
O Duque também ensinara isso. Nessa noite, entretanto, não estaria no meio de uma
multidão.
E nessa noite faria algo inesperado que desequilibraria o sempre seguro Constantine
Huxtable.
Nessa noite usaria um vestido de cetim verde esmeralda. Tinha um decote muito
pronunciado e escandaloso e brilhava à luz das velas a cada movimento, criando um halo
reluzente ao seu redor.
E nessa noite ia usar esmeraldas em vez de diamantes.
E nessa noite, o que era ainda mais inesperado, não recolheu o cabelo no alto da
cabeça como costumava, e como costumavam a maioria das damas. Tinha recolhido na nuca
com um passador de esmeraldas. Por debaixo do passador, seu cabelo caía solto pelas
costas, em uma desordenada cascata de cachos e ondas.
— Não me espere acordada, Adele — disse enquanto se levantava do tamborete que
ocupava em frente ao toucador, uma vez que comprovou que todas as joias estavam tal
como ela queria — Voltarei muito tarde. E recorde que deve dar minha nota à Senhorita
Leavensworth em mãos, quando retornar da ópera.
— Farei isso, Excelência. — A criada fez uma reverência e saiu do roupeiro.
Hannah se estudou com olho crítico no espelho em pé. Ergueu as costas, endireitou os
ombros, levantou o queixo e esboçou um sorriso.
Até então o penteado não conseguia convencê-la. Mas nesse momento pensou que
tinha acertado. Embora se não tivesse, tampouco importava. Assim era como escolhia
apresentar-se diante de seu amante. De modo que era o acertado.
37
Seu amante. Seu sorriso adquiriu um matiz quase zombeteiro.
Constantine Huxtable não a olharia com sua habitual expressão inescrutável quando a
visse essa noite. Em seus olhos veria o desejo que sabia que sentia.
O demônio estava a ponto de ser domesticado.
Uma ideia espantosa se parasse para considerá-la. Se o domesticasse, que interesse
poderia ter para ela?
Um demônio domesticado seria a criatura mais patética e miserável do mundo.
Queria um amante. Queria tudo. Queria tudo o que podia oferecer esse mundo de
prazeres sensuais, embora para consegui-lo tivesse que descer aos infernos em busca do
próprio demônio. Tinha trinta anos. Por que pareciam muito pior que os vinte e nove?
O que diria Barbara se a visse nesse momento? Perguntou-se enquanto dava as costas
ao espelho e recolhia sua capa branca, que estava dobrada sobre o espaldar de uma
poltrona. Pô-la e a abotoou ao pescoço antes de cobrir a cabeça com o capuz.
A seguir pegou sua bolsa. Não levaria leque essa noite. Não ia necessitar.
Provavelmente Barbara não teria dito nada. Não seria preciso.
Olharia para ela com expressão recriminatória e ligeiramente doída. Certamente
pontuava de imoralidade o que estava a ponto de fazer. Embora não fosse da mesma
opinião. Já não era uma mulher casada. Além disso, sua amiga pensava que estava a ponto
de empreender um caminho que partiria o coração. Uma opinião que tampouco
compartilhava.
Só ia se deitar com um homem atraente, muito atraente, e também muito experiente.
Envolveria todo seu corpo, não seu coração.
E seu corpo se alegraria muito.
Não estava a ponto de cometer um erro. Certo que estava ocorrendo mais depressa do
que planejara. Talvez não devesse ter capitulado tão logo nessa tarde.
Sua ameaça de não voltar a relacionar-se com ela se não fosse vê-lo nessa noite
seguramente não era real. Além disso, se o fosse, o que importava? Havia outros homens.
Entretanto, capitulara. Porque afinal queria um homem dominante, não um
cachorrinho mulherengo, como Barbara dissera.
Não, não estava a ponto de cometer um erro.
Contemplou de novo seu reflexo. Sim. Coberta com a capa voltava a ir toda de branco.
A carruagem que ele enviara já a esperava na porta quando Adele saiu em busca das
esmeraldas. Chegara muito pontual.
O que queria dizer que ela ia alguns minutos atrasada. Como devia ser.
Saiu do roupeiro e desceu as escadas até o vestíbulo, onde um criado vestido com sua
elegante libré esperava para abrir a porta.

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CAPÍTULO 5

Ao contrário do que faziam muitos Cavalheiros quando passavam temporadas em


Londres, Constantine Huxtable não tinha por costume alojar-se na área de Saint James, onde
se achavam os clubes mais seletos.
O que fazia era alugar a mesma casa, todos os anos, em uma área respeitável da
cidade de acordo com sua posição social, mas não muito em voga, a fim de evitar que sua
intimidade se visse invadida. Ou isso supôs Hannah uma vez que o cocheiro a ajudou a
apear em frente à porta da casa dele, enquanto observava a rua com curiosidade.
Ainda era dia. Iriam jantar relativamente cedo.
Um criado abriu a porta da casa.
Hannah ergueu as bainhas da capa e do vestido, subiu os degraus e passou ao lado do
criado. No interior descobriu um vestíbulo de planta quadrada muito espaçoso, com o chão
axadrezado e paisagens com rebuscadas molduras douradas nas paredes.
Constantine Huxtable a esperava no centro da sala, vestido de negro como sempre e
com uma aparência realmente demoníaca.
— Duquesa? — Saudou enquanto fazia uma elegante reverência — Bem vinda ao meu
lar.
— Espero que seu chef tenha se esmerado. Não provei nada desde o almoço ao ar livre
e estou esfomeada.
— Se não o fez, o despedirei amanhã mesmo, sem referências — replicou ele ao
mesmo tempo em que se aproximava para tirar a capa.
— É um homem cruel — comentou sem se mover, a uns passos da porta.
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O Senhor Huxtable franziu ligeiramente os lábios e se aproximou um pouco mais para
abaixar o capuz e soltar o broche que mantinha a capa fechada.
Uma vez que a tirou, estendeu ao silencioso criado sem afastar os olhos dela. Uns
olhos que nesse momento a percorreram de forma deliberada de cima a baixo e de baixo
para cima até voltar a pousar nos seus olhos.
Não pareceu se surpreender. Mas Hannah vislumbrou algo. Um indício de paixão,
possivelmente. No fundo o surpreendera.
Nesse momento desejou ter levado um leque depois de tudo.
— Duquesa, esta noite está especialmente bonita — disse enquanto oferecia o braço.
Conduziu a uma sala pequena e acolhedora de planta quadrada. As grossas cortinas
que ocultavam a janela impediam a passagem da mortiça luz do entardecer.
A única fonte de luz era o fogo que chispava na lareira, mais duas velas altas situadas
em candelabros de cristal sobre uma mesinha colocada no centro. Uma mesinha disposta
para dois comensais.
Essa não era a sala de jantar, supôs Hannah.
Escolhera um lugar mais íntimo.
Viu-o se aproximar de um aparador para servir duas taças de vinho, depois puxou o
cordão da campainha. Ofereceu uma das taças a ela.
— Com o estômago vazio, Senhor Huxtable? — perguntou — Quer me ver dançar em
cima da mesa?
— Não estava pensando na mesa, precisamente, Duquesa — respondeu ele, que
aproximou sua taça à dela como um silencioso brinde.
Hannah provou o vinho.
— Necessito de pouco incentivo para dançar seja onde for — assegurou — Estará
esbanjando o vinho.
— Nesse caso, espero que ao menos pareça delicioso — replicou o Senhor Huxtable.
Estava delicioso, é claro.
O mordomo e um criado entraram nesse momento com a comida, e eles ocuparam
seus respectivos lugares à mesa.
O chef era excelente, descobriu Hannah quase imediatamente. Durante uns minutos
comeram quase em silêncio.
— Senhor Huxtable — disse ela ao final — conte-me sobre seu lar.
— Refere-se a Warren Hall?
— Esse foi seu lar no passado — ela indicou — Mas agora pertence ao Conde de
Merton. Dá-se bem com ele?
Afinal, o viu cavalgando com o Conde no parque.
— Maravilhosamente — respondeu.
— Onde vive agora? — perguntou Hannah.
Ele fez um gesto com a mão que abrangeu a sala.
— Aqui.
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— Não todo o ano, suponho — replicou — Onde vive quando não está na cidade?
— Tenho uma casa em Gloucestershire — respondeu.
Observou-o em silêncio enquanto retiravam as terrinas da sopa e serviam o peixe.
— Não pensa em me falar dela, não é verdade? Que irritante você é. Outro segredo a
acrescentar àquele seu distanciamento com o Duque de Moreland. E ao mistério de sua
maravilhosa relação com o Conde de Merton, depois de roubar o título que pertencia a você
por direito.
O Senhor Huxtable soltou seus talheres sobre o prato sem fazer ruído. Olhou-a nos
olhos do outro lado da mesa. Suas íris pareciam negras.
— Duquesa, está mal informada — respondeu — o título jamais poderia ser meu. Não
havia a menor possibilidade de que pudesse ser. Pertenceu ao meu pai e depois ao meu
irmão mais novo, e agora é de meu primo. Não tenho motivos para guardar rancor a nenhum
deles. Amei muito ao meu pai e ao meu irmão. Tenho carinho por Stephen. Todos fazem
parte da minha família. E se deve amar a família.
Ahhh! Exclamou Hannah para si mesma. Acabava de por o dedo em uma ferida.
Embora sua voz e seus gestos fossem serenos, pareciam...
Muito serenos?
— Salvo o Duque de Moreland — acrescentou ela.
O Senhor Huxtable seguiu olhando-a, desprezando por completo a comida. Retiraram
os pratos para servir o seguinte.
— O que me diz de sua família, Duquesa?
Hannah encolheu os ombros.
— Há o Duque — respondeu — me refiro ao atual. Um homem irrepreensível,
inofensivo e tão interessante como o milho e as ovelhas que adora. O Duque, meu falecido
marido, tinha um exército de parentes com quem mal se relacionava.
— E sua família? — insistiu ele.
Hannah pegou a taça e a fez virar muito devagar para contemplar o reflexo da luz das
velas no cristal antes de levá-la aos lábios.
— Não a tenho — respondeu — Assim não posso contar nada. Não há segredos para
ocultar nem descobrir. Mas falarei de Copeland Manor, minha casa em Kent. O Duque a
comprou para mim há cinco anos como um presente. Dizia que era minha rústica casinha de
campo, mas não é rústica e nem uma casinha. É uma Mansão em toda regra. Rodeada por
uma imensa propriedade que estende seu esplendor nas quatro direções, com terrenos de
trabalho e outras áreas não cultiváveis, mas bem atendidas. Há arvoredos, pastos e um lago
natural. Mas não há caramanchões, nem jardins de canteiros, nem atalhos agrestes. Tudo é
muito... Rústico. Nesse sentido, o Duque não podia ter mais razão ao pontuá-la assim.
Hannah guardou silêncio enquanto cortava um pedaço de vitela, que por seu aspecto e
sua brandura parecia ter sido cozida à perfeição.
— Não será talvez muito simples para você, Duquesa? — perguntou o Senhor
Huxtable.
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— Às vezes receio que sim — reconheceu — Acredito que deveria impor minha
vontade humana para embelezá-la um pouco, para obter o mesmo efeito que tinha esta
tarde o jardim.
— Mas...? — incentivou-a explicar, esquecida de novo a comida.
— Mas confesso que eu gosto dela tal como está — respondeu — A natureza precisa
ser domesticada às vezes, em altares da civilização. Mas devemos obrigá-la a ser algo
diferente do que deveria ser em altares da beleza? O que é a beleza?
— A pergunta do século — replicou ele.
— Deveria vê-la com seus próprios olhos e me dizer o que parece — sugeriu.
— Deveria vê-la? — O Senhor Huxtable arqueou as sobrancelhas — está me
convidando a Kent?
— Organizarei uma breve festa campestre, embora seja mais adiante, quando as
pessoas começarem a se cansar dos intermináveis bailes — respondeu — asseguro que tudo
será muito respeitável, embora então todo mundo saberá, é claro, que somos amantes. As
pessoas sempre sabem, embora às vezes não seja verdade. Que não será nosso caso. Assim
me dirá o que acha da propriedade.
— E terá em conta minha opinião? — perguntou ele.
— Possivelmente não — respondeu Hannah — Mas, de qualquer forma, escutarei o
que tenha a me dizer.
— Sinto-me honrado.
— E eu me sinto satisfeita — anunciou — Seria amável de felicitar o chef de minha
parte, Senhor Huxtable?
— Sim — disse — o alegrará muito saber que não será despedido amanhã de manhã.
Aceita um pouco de queijo ou uma xícara de café? Chá, talvez?
Não queria nada. Estava toda a noite tentando se distrair com a conversa. E tentando
fingir que tinha fome, coisa que deveria ser verdadeira porque não comeu desde o almoço
ao ar livre, quando o Senhor Huxtable ofereceu um prato com antepastos no terraço
superior.
Apoiou um cotovelo sobre a mesa, colocou o queixo na mão e olhou seu rosto. O seu
ficava emoldurado pelas duas velas.
— Só a sobremesa, Senhor Huxtable — respondeu ao mesmo tempo em que sentia a
deliciosa emoção do que tinha sonhado durante a segunda metade do ano de luto e do que
planejara durante os meses posteriores ao Natal.
Emoção e nervosismo. Não devia mostrar o último. Pareceria uma reação imprópria
dela.
Alegrava-se muito que fosse ele. Teria se sentido desiludida se o Senhor Huxtable não
tivesse ido esse ano à cidade. Mas não desolada. Porque tinha outras alternativas, magníficas
também. Embora nenhuma pudesse se comparar ao Senhor Constantine Huxtable.
Tinha-o por um amante extraordinário. Estava convencida de que não a desiludiria a
esse respeito.
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Não faltava muito para descobrir se suas hipóteses eram certas.
O Senhor Huxtable se levantou, afastara a cadeira com as pernas e estava rodeando a
mesa para oferecer a mão. Era uma mão cálida e firme, descobriu ao aceitá-la. E pareceu
mais alto e mais corpulento quando ficou em pé. Sua colônia, a mesma que usava na outra
ocasião, voltou a saturar seus sentidos.
— Nesse caso, vamos desfrutar dela sem mais demora — sugeriu.
Hannah o olhou com as pálpebras entreabertas.
— Espero que este chef em concreto tampouco me desiluda — disse.
— Se o fizer, Duquesa — replicou ele — não só o despedirei pela manhã, o levarei a
algum lugar remoto e lhe darei um tiro.
— Uma medida um tanto drástica — respondeu ela — E um desperdício de toda esta
beleza grega. Não acredito que seja necessário chegar a esses extremos, porque não me
decepcionará. Não o permitirei.
O Senhor Huxtable a convidou a tomar seu braço e a conduziu para fora da sala.
As palavras frequentemente eram insuficientes para expressar os pensamentos, fato
do qual Con foi muito consciente durante toda a noite. Que palavras podiam descrever algo
que era mais belo que a beleza e mais perfeito que a perfeição?
Sempre teve a Duquesa de Dunbarton por uma mulher de beleza perfeita, por mais
que nunca tivesse se sentido atraído minimamente por ela.
Nessa noite até um superlativo seria pouco.
Não recordava tê-la visto nunca com outra cor que não fosse o branco. E sempre tinha
pensado que era um recurso muito engenhoso fazer de tal cor sua assinatura, para chamá-lo
de algum jeito. Entretanto, o abandono da norma era igualmente engenhoso... E opressivo.
A Duquesa de Dunbarton estava...
Enfim, não achava as palavras adequadas para descrevê-la. Talvez opressiva fosse a
única palavra que conseguia remotamente defini-la.
Seu cozinheiro bem poderia ter servido couro e cascalho para jantar, dada a atenção
que prestara à comida. E para cúmulo teve que fazer o supremo esforço de não passar todo
o jantar contemplando-a boquiaberto.
A cor de seu vestido e de suas pedras preciosas a transformava de uma rainha de gelo
em uma espécie de deusa da fertilidade. E seu cabelo, que possivelmente todos os
Cavalheiros sem exceção teriam sonhado vê-lo soltos sobre seus ombros, estava recolhido
com um passador na nuca e caía por suas costas em uma cascata de ondas alvoroçadas.
O decote de seu vestido deixava bem pouco à imaginação, mas despertava de todas as
formas. Porque se fosse um só centímetro mais baixo...
Monty a classificara de perigosa na tarde que a viram no Hyde Park.
Era mais perigosa que as sereias da mitologia.
A Duquesa levara o peso de uma conversa carente das habituais insinuações que
estavam acostumados a prodigalizar. De fato, quando descreveu sua casa em Kent foi...
Próxima. Como se de verdade gostasse da propriedade.
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Era uma mulher esperta, muito esperta. Teria que ser muito cuidadoso com ela, pensou
enquanto a conduzia em silêncio pela escada em direção ao seu dormitório.
Embora não conseguisse entender do que teria que se cuidar. Afinal, estavam a ponto
de se converterem amantes e possivelmente seguiriam sendo durante toda a temporada
social.
Esse seria o limite, é claro. Se a Duquesa não quisesse prolongar tanto sua relação...
Pois muito bem. Ele não acabaria com o coração feito em pedacinhos, não é?
Situado no baú que ocupava um dos cantos de seu dormitório havia um candelabro
com as velas acesas. A roupa da cama estava afastada, as cortinas, corridas. Junto à cama
tinham disposto uma bandeja com uma garrafa de vinho e duas taças. Tudo estava
preparado.
Fechou a porta atrás dele.
A Duquesa de Dunbarton suspirou enquanto soltava o braço e se voltava para olhá-lo.
O som recordou o ronronar de uma gata satisfeita.
— Não há nada como o prazer da espera, não é verdade? — perguntou ela — me corre
pelas veias desde esta tarde, confesso. Não me arrependo o mínimo de ter cancelado minha
entrevista para aceitar seu convite.
Colocou um dedo no queixo que passou a mover com delicadeza enquanto o seguia
com os olhos.
— Eu tampouco me arrependo — assegurou Con.
— Espero que desfrute de cada minuto — Seguiu ela — Confio em que não se pareça
com esses homens que demonstram sua virilidade mediante a velocidade que empregam na
corrida. — Olhou-o nos olhos, embora não movesse a cabeça.
— Caramba, Duquesa! — exclamou — Minha ideia era correr. Mas em meu caso será
uma maratona. Conhece a história grega?
— Muitos quilômetros? — Perguntou ela por sua vez — Muitas horas? Uma resistência
quase sobre humana?
— Vejo que a conhece — respondeu.
A Duquesa desceu a mão até colocá-la sobre seu ombro ao mesmo tempo em que
fazia o mesmo com a outra.
— Nesse caso, será melhor que não consuma mais energia falando, Senhor Huxtable —
aconselhou — Será melhor que comece com esta corrida de resistência, comece essa
maratona, sem mais demora.
E seus sensuais olhos azuis o olharam com expressão sonhadora.
Con inclinou a cabeça para beijá-la nos lábios.
Colocou as mãos de ambos os lados de sua estreita cintura enquanto ela unia as mãos
em sua nuca e devolvia o beijo.
Estava excitada, muito, apesar da clara advertência de não esquecer a importância das
preliminares.

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Não esperava descobrir uma mulher apaixonada, e talvez sua primeira impressão fosse
verdadeira, uma vez metidos no assunto. Possivelmente, depois de tudo fosse uma amante
experiente, habilidosa, sensual e dominante que esperava que fosse. E possivelmente fosse
bastante inteligente, bastante segura de si mesma, para acrescentar umas gotas de paixão à
mescla.
Nesse momento pensou que apesar de desfrutar da paixão, raramente a achava com
suas amantes. A paixão requeria certos sentimentos, certa emoção, certo risco. A maioria das
mulheres com quem se deitava só procurava companhia e sexo suarento. Fins que o
satisfaziam plenamente. A ausência de paixão era melhor que um excesso de paixão
exaltada.
Porque a paixão podia levar a estabelecer um vínculo emocional indesejado. E ele não
queria ataduras desse tipo com nenhuma mulher. Não queria fazê-las sofrer.
Entretanto, seus pensamentos racionais se dissolveram imediatamente.
A Duquesa tinha encostado seus seios em seu peito, e também notava seu abdômen e
suas coxas apoiadas nele. Além de seus lábios, que estavam colados aos dele.
Sentiu uma intensa onda de desejo.
Por fim!
Passara muitos meses desde a última vez que esteve com uma mulher. Não tinha
percebido quanto estava desesperado.
Levantou as mãos para tomar o rosto entre elas e a afastou um pouco, pondo fim ao
beijo. Deslizou as mãos até sua nuca para tirar o passador de esmeraldas que segurava o
cabelo e o deixou cair sobre o tapete. Introduziu as mãos no cabelo para ordená-lo com
prazer. A abundante cabeleira não necessitou que fizesse nada, porque rapidamente se
estendeu por suas costas e por cima de seus ombros como uma reluzente nuvem de
delicadas ondas.
A imagem esteve a ponto de arrancar um gemido.
Parecia dez anos mais jovem. Parecia... Inocente. Com essas pálpebras entreabertas e
esses olhos que até a suave luz das velas eram azulíssimos. Uma sereia inocente... Um
incitante paradoxo.
— Eu não posso fazer o mesmo — comentou a Duquesa — embora alguns afirmam
que já não se usa o cabelo tão longo. De qualquer forma, não o corte. Proíbo-o.
— Devo ser seu escravo sexual, sempre dócil? — perguntou enquanto inclinava a
cabeça para beijá-la atrás de uma orelha, para o que afastou o cabelo com um dedo.
No último momento decidiu passar a língua suavemente por essa área tão delicada e
teve a satisfação de sentir seu estremecimento.
— Absolutamente — respondeu ela — mas fará o que me agradar porque agradará me
satisfazer. Tirarei sua jaqueta já que não leva nenhum passador no cabelo.
Não era fácil. Seu valete suava muito pondo as jaquetas que, tal como ditava a moda,
deviam ficar como uma segunda pele. Entretanto, ela só teve que passar os dedos por

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debaixo das lapelas e deslizá-los por seus ombros e seus braços para que o traje seguisse
sem protestar o caminho marcado por suas mãos até acabar no chão, as suas costas.
Não era a primeira vez que o fazia, pensou Con.
Os olhos azuis passearam por sua camisa e sua gravata, justo antes de suas mãos
atacarem a essa última para tirá-la com destreza. Desabotoou os botões do pescoço e
afastou a camisa.
Observou-a todo o tempo, enquanto ela trabalhava com o olhar cravado no que suas
mãos faziam e com os lábios entreabertos. Não havia pressa. Nenhuma. Tinham toda a
noite e não havia nenhum prêmio dependendo do número de vezes que a possuísse.
Possivelmente uma fosse suficiente, já que era sua primeira vez juntos.
— É magnífico em mangas de camisa — a ouviu dizer — Másculo e viril. Tire-a.
Não ia fazê-lo ela mesma?
Ele tirou as abas da calça sem afastar o olhar de seus olhos, e depois passou a
desabotoar os punhos antes de cruzar os braços para tirar a camisa pela cabeça.
A Duquesa o observou com atenção e depois seus olhos percorreram devagar seus
ombros, seus braços e seu torso antes de descer até o cinto de suas calças. Apoiou as pontas
dos dedos em seu peito.
Ele as afastou com o dorso das mãos, depois do que desceu o vestido pelos ombros.
Em seguida, seus polegares seguiram a borda do decote e se detiveram no centro. Uma vez
ali segurou o tecido com ambos os dedos e o desceu até deixar seus seios de fora. Passou
todo o jantar desejando fazer justo isso.
Seus seios não eram muito generosos, mas erguidos, bonitos e firmes, com a ajuda do
espartilho. Além disso, eram do tamanho perfeito para suas mãos.
Quentes e suaves. Tinha a pele muito branca, quase translúcida em comparação com a
sua. Seus mamilos eram rosados e o desejo os tinha endurecido. Inclinou a cabeça e levou
um à boca. Acariciou-o com a língua.
Sentiu e escutou como ela aspirava o ar com força.
Desviou a atenção de seus lábios ao outro mamilo.
— Mmm... — Ouviu-a murmurar.
Um som rouco e satisfeito que surgiu do fundo de sua garganta enquanto passava os
dedos pelo cabelo antes de levantar a cabeça.
A Duquesa tinha jogado a cabeça para trás. Tinha os olhos fechados e o cabelo caía
pelas costas enquanto aproximava os seios ao peito, enquanto se colava por completo a ele.
Incentivou-o a aproximar a cabeça e afastou os lábios justo antes que os seus os roçassem.
Abraçou-a para estreitá-la com força e se entregou ao momento com abandono. Suas
línguas se debateram, acariciaram-se e se exploraram. A tensão se apoderou de seus braços.
A respiração se acelerou. Em um dado momento, ela o abraçou e notou que cravava os
dedos em suas costas. Essas mãos desceram até deter-se em sua cintura, onde deslizaram
por debaixo das calças e dos calções para acariciar as nádegas.

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— Tire — a ouviu dizer contra seus lábios enquanto esticava o dorso das mãos contra o
tecido.
Uma ordem mais.
Tampouco pensava tirá-la ela mesma?
Claro que a essa alturas já tinha demonstrado dominar a arte do inesperado.
Observou-o enquanto tirava primeiro os sapatos e as meias, e depois as calças e os calções.
Tudo isso segurando o vestido sob o peito... Até que o viu nu. Nesse momento afastou as
mãos e o cetim verde esmeralda deslizou até o chão, deixando-a tão só com o espartilho, as
meias de seda e o calçado. Certamente a teria possuído nesse mesmo momento, sem mais
preâmbulos, se não tivesse uma ligeira ideia de quanto opressivo devia ser o espartilho e se
não tivesse prometido uma maratona, claro. Pelo contrário, desatou as fitas e o asfixiante
objeto acabou sobre o vestido.
A moda era um conceito estranho. Não seria de estranhar que se sentisse nua sem o
espartilho, embora na realidade não o necessitasse. Seu corpo era magro, firme e bem
formado. Seus seios, erguidos e juvenis. Suas pernas, longas e torneadas. Embora desse a
impressão de não ser muito alta, isso era uma ilusão.
Viu-a sentar-se na beira da cama e inclinar-se para trás com as mãos apoiadas no
cobertor. Em seguida levantou uma perna e ofereceu o pé. Tirou a meia e depois a outra
quando ela repetiu o movimento. Inclinou-se sobre ela, impelindo a estender-se na cama, e
a beijou de forma apaixonada e veemente, enquanto acariciava os seios e se acomodava
entre suas coxas, que ela já tinha separado, assim como os braços que estavam estendidos
sobre a cama.
— Quanto se demora a completar uma maratona? — perguntou a Duquesa quando
por fim se afastou de seus lábios.
Conforme viu, tinha as faces rosadas.
— Toda a noite se for necessário — respondeu ele — Embora sempre se possa fazer
trapaça, tomar um atalho se ninguém olhar, chegar à meta muito antes que a noite acabe.
— Estou a favor de fazer coisas escandalosas quando ninguém olha — replicou
enquanto passava os dedos indicadores e médios pelos ombros como se estivessem
caminhando.
— Pois vamos lá.
No fundo foi um alívio. Porque estava tão excitado que chegava a ser desconfortável.
Endireitou-se para colocar as mãos sob as costas e a levantou a fim de deitá-la ao
longo da cama, e não ao largo como estava até esse momento. Depois de deixar os lençóis e
o cobertor aos pés, deitou-se ao seu lado de flanco e se apoiou em um cotovelo para olhá-la.
A Duquesa estava imóvel, com as mãos estendidas.
Segurou o queixo para beijá-la enquanto sua outra mão deslizava entre seus seios,
sobre o abdômen tão plano, sobre o monte de Vênus e entre as coxas. Descobriu que estava
quente e molhada. Depois de explorar com os dedos, penetrou-a ligeiramente com dois
deles.
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E voltou a escutar esse murmúrio rouco que brotava do fundo de sua garganta.
Ele se colocou sobre ela, afastou as coxas e depois de levar de novo as mãos sob suas
costas, penetrou-a até o fundo. Seu calor, sua umidade, a tensão de seus músculos e a
suavidade de seu corpo foram um impacto aos seus sentidos.
Ele se obrigou a controlar a respiração e as reações de seu corpo. O momento de
alcançar o prazer mais sublime tinha chegado, por fim, e não queria apressá-lo, apesar do
estímulo que dera e ao urgente desejo que o embargava. Manteve-se imóvel e notou que a
rigidez que de repente tomou conta dela começava a desaparecer à medida que se relaxava.
Esperou-a.
A Duquesa de Dunbarton.
A Hannah.
De repente, recordou-a tal como a vira no parque aquela tarde com Stephen e Monty.
Nesse momento ela o abraçou pela cintura. Suas pernas se moveram para colocar-se
sobre as dele. Seu corpo irradiava calor.
Levantou a cabeça para olhá-la.
O desejo obscurecia os olhos. Estava mordendo o lábio inferior.
— A linha de meta já se vê — murmurou — embora ainda estejamos a certa distância.
Ela não disse nada. Viu-a fechar os olhos e notou como o aprisionava em seu interior.
Saiu dela e escutou uma espécie de murmúrio de protesto, mas voltou a penetrá-la
imediatamente, com força e rapidez. Repetiu o movimento até imitar o ritmo de seu próprio
coração, até que todo seu ser pareceu inundar-se nessa ardente umidade.
Era uma mulher deliciosa.
O momento era delicioso.
Entretanto, o momento, o sexo, não se podia desfrutar a menos que se fosse
consciente da pessoa com quem se estava compartilhando tal momento.
E a Duquesa demonstrou ser esperta até o final. Em vez de exibir a experiência que ele
esperava, e que até esse momento achava desejar, limitou-se a deixar-se fazer, a jazer quase
de forma passiva sob seu corpo.
Con se preparara para resistir durante as preliminares, mas o tinham indultado. Claro
que também teria desfrutado ao máximo se não tivesse obtido tal indulto. De modo que
empregou a energia entesourada e o controle que tinha invocado nesse momento, no
momento da verdade, com a mulher que seria sua amante durante os próximos meses.
O ritmo e a profundidade de suas investidas continuaram até que nublou o
pensamento. Até que só ficou o doloroso prazer de afundar-se e sair dela. O abandono
completo da mulher a quem possuía.
O abandono de Hannah.
Seu interior estava quente e molhado, assim como o resto de seu corpo pelo efeito do
suor e do desejo. Escutava-a respirar de forma superficial.
Em um momento sua resistência fraquejou e o desejo físico se transbordou até acabar
com o controle. Introduziu as mãos debaixo dela para imobilizá-la e aumentou a força e a
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rapidez de seus movimentos, afundar-se até o fundo e pressionar e... Derramar-se em seu
interior. Derramar-se em seu interior!
Notou que a tensão abandonava por completo seu corpo enquanto relaxava sobre ela.
A Duquesa tinha a cabeça sob seu ombro com o rosto voltado para o outro lado. Ainda o
abraçava pela cintura e o rodeava com as pernas, de modo que também a notou relaxar.
Saiu dela e ao sentir o frescor do ar sobre seu corpo suarento, estendeu um braço para
puxar os lençóis e o cobertor. Uma vez agasalhados, voltou a cabeça para olhá-la. Tinha o
cabelo úmido, encaracolado e alvoroçado. Seus olhos azuis voltavam a estar serenos à luz da
vela enquanto o olhavam por sua vez.
— Minhas hipóteses sobre você não podiam ser mais certas — concluiu ela.
— Isso é bom ou é ruim? — replicou.
— Para ser sincera — acrescentou — não eram de todo verdadeiras. Você é muito
melhor do que eu esperava, Senhor Huxtable.
— Constantine — corrigiu ele — Con para a maioria. Deixemos as formalidades.
— Sempre o chamarei Constantine — assegurou a Duquesa — Por que cortar um
nome tão maravilhoso e perfeito? Superou a audição com honras. O papel de bailarino é seu
para uma longa temporada.
Longa? Perguntou-se ele.
— Até o verão, refiro-me — explicou a Duquesa — Até que volte para Kent para me
instalar de novo no campo e você vá para sua propriedade em Gloucestershire — E como
sabe que você superou a audição?
A pergunta fez que ela arqueasse as sobrancelhas.
— Não seja tolo, Constantine — replicou.
E de repente se percebeu de que não sabia se ela alcançara o clímax ao mesmo tempo
em que ele. Certamente não o fez nem antes nem depois desse momento.
Teve um orgasmo ou não?
E se a resposta era negativa, significava que ele falhara? Não obstante, suas palavras
indicavam justo o contrário. Veria a Duquesa o sexo como um âmbito mais onde impor seu
poder e controle? E onde desfrutar, claro. Porque era evidente que tinha desfrutado do
momento. Entretanto, preferiria saber se desfrutara ao máximo ou não. Isso sim, não
perguntaria.
— Mais tarde repetirei a audição — disse — De momento me esgotou, Duquesa.
Preciso recuperar as forças.
— Hannah — corrigiu ela — pode me chamar de Hannah.
— Sim, sei — respondeu enquanto se voltava para estender-se de costas. Cobriu os
olhos com o dorso de uma mão — Duquesa.
Não queria ter uma relação íntima com ela. Uma ambição absurda, dadas as
circunstâncias. Não ia iniciar uma relação emocional.
A Duquesa de Dunbarton não ia controlá-lo.
Nem por sonho.
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A verdade era que estava esgotado. Mas era um cansaço agradável. Relaxou satisfeito
entre os lençóis. Sentia o calor que irradiava do corpo feminino quentinho ao lado. O aroma,
uma mescla de perfume caro e suor. Um aroma muito erótico e agradável.
Dormiu quase no ato.
E despertou sem saber o tempo que passara, para descobrir a cama vazia ao seu lado e
as cortinas abertas.
A Duquesa de Dunbarton, vestida com a camisa branca que ele tirara e a cabeleira loira
platinada solta pelas costas, estava sentada no peitoril abraçando a cintura, com as pernas
dobradas em frente a ela e o olhar cravado no exterior. Podia considerar-se afortunada,
muito afortunada, de que as velas se consumaram em algum momento. Porque com a luz as
suas costas e apesar de levar a camisa, teria sido um interessante ornamento para se
contemplar da rua.
O fato de que as velas se apagaram significava, é claro, que passara quase toda a noite
dormindo. Entretanto, comprovou ao olhar para o lugar que na realidade as velas não se
consumaram. Compreendeu que ela teve o bom senso de apagá-las, antes de sentar-se no
peitoril.
— Há algo interessante aí fora? — perguntou ao mesmo tempo em que entrelaçava os
dedos sob a cabeça.
Ela se voltou para olhá-lo.
— Não, nada — respondeu — o mesmo que aqui dentro.
Enfim...
Isso acontecia por perguntar.

CAPÍTULO 6

No exterior só se via o negrume da noite, comprovou Hannah quando abriu as cortinas


para olhar pela janela. Não havia carruagens, nem transeuntes, nem luzes nas janelas das
casas de frente, salvo um breve resplendor em uma janela do andar térreo da sexta casa da
fileira. Antes de abrir as cortinas, apagara as velas.
Correu de novo e se aproximou do pé da cama onde se demorou um instante.
Constantine estava adormecido como um tronco, com um braço sobre os olhos. Sua
respiração era profunda e regular. Tinha uma perna dobrada pelo joelho, de forma que a
roupa de cama se assemelhava a uma tenda. Apesar da penumbra, via-o com total clareza.
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Ela se perguntou se dormiria durante o que restava da noite e esboçou um sorrisinho.
Conforme tinha assegurado, tinha-o esgotado, coisa que não a surpreendia.
Afinal, tinham feito uma maratona.
Ela se sentia muito dolorida. Mas não era uma sensação de todo desagradável.
O frio da noite provocou um calafrio e deu uma olhada em busca de seu vestido. Viu-o
no chão, debaixo do espartilho, e devia estar terrivelmente amassado. Percebeu que a
camisa de Constantine também descansava no chão. Agachou-se para agarrá-la e a levou ao
nariz um instante. Cheirava a sua colônia, a ele.
Passou-a pela cabeça, colocou os braços pelas mangas e se abraçou com ela posta.
Por Deus, que homem grande! Exclamou para si mesma. Claro que não tinha nada que
objetar sobre seu tamanho...
Considerou a ideia de voltar para a cama, agasalhar-se e aninhar-se ao seu lado para
desfrutar de seu calor corporal. Mas não queria dormir com ele. Dormir implicava uma perda
de controle. E era impossível saber o que se podia dizer em sonhos ou ao despertar, antes de
espreguiçar por completo. Ou o que se podia sentir durante essas horas, indefesa.
De modo que retornou junto à janela, afastou as cortinas com o dorso das mãos e
examinou o peitoril. Não estava desenhado exatamente para ser um assento, de fato nem
sequer era acolchoado, mas era bastante largo para sentar. Abriu as cortinas por completo e
se sentou subindo os pés ao peitoril, com as pernas dobradas e abraçando-se para se
aquecer. Apoiou a cabeça no vidro.
Tudo estava em silêncio. E escuro. E tranquilo.
Escutava a respiração compassada de Constantine. Era um som reconfortante. Porque
evidenciava a proximidade de outro ser humano. Não se arrependia. Nunca se arrependia
do que fazia, mais que nada porque jamais agia por impulso. Em sua vida tudo era planejado
e controlado. Como gostava.
A única coisa que jamais poderá planejar nem controlar, meu amor, é o amor em si
mesmo, advertira o Duque em uma ocasião.
Quando o achar, deve se render a ele. Mas só no caso de que se converta na única e
verdadeira paixão de sua vida. Jamais faça acordo com menos ou a vida a consumirá.
Mas como vou distingui-lo? Perguntado ela.
Distinguindo, foi a única resposta que se dignou a oferecer.
A ideia de não achar jamais o amor a assustava um pouco. Ao menos esse tipo de
amor. Esse amor envolvente que só se apresentava uma vez na vida, mencionado pelo
Duque, dado que ele o conhecia por experiência própria. Com certeza que não acontecia
com todo mundo. Não podia acontecer a muitas pessoas. Talvez ela nem sequer o
conhecesse.
Amou o Duque. Estremeceu-se e se abraçou com mais força. Às vezes pensava que era
a única pessoa a que amou na vida. Mas isso não era de todo verdade, e havia diferentes
tipos de amor. Amava Barbara.
Não, não se arrependia dessa noite.
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E não se sentia culpada. Não havia nenhuma razão de peso pela qual não pudesse
estar com seu amante, em seu dormitório, depois de ter mantido relações conjugais com ele.
Claro que na realidade não eram cônjuges. Seu vocabulário pecava por um excesso de
puritanismo às vezes. Devia solucionar isso. Era uma mulher livre, sem compromisso, assim
como ele. Podiam manter todas as relações que quisessem porque não havia capacidade
para a culpa.
Deveria ter percebido que já não escutava sua respiração. Sua voz tomou-a de
surpresa.
— Há algo interessante aí fora?
Voltou a cabeça para olhá-lo, mas seus olhos se acostumaram a suave penumbra do
exterior e só foi capaz de distinguir uma silhueta escura.
— Não, nada — respondeu — o mesmo que aqui dentro.
— Está se queixando porque utilizei tanta energia que fiquei adormecido, Duquesa?
— Está procurando outro elogio, Constantine? — perguntou por sua vez — Acredito
ter dito que superou com acréscimo minhas expectativas.
Constantine afastara o lençol e o cobertor para sair da cama. Uma vez em pé, agachou-
se para rebuscar entre a roupa que descansava no chão, pegou os calções e depois as calças.
Viu-o dar as costas e escutou o tinido do cristal. Aproximou-se dela com duas taças de vinho.
Ofereceu uma antes de apoiar um ombro num batente da janela. A postura enfatizava sua
altura, sua força e sua virilidade.
Atributos que ela contemplava com franca aprovação enquanto bebia um gole de
vinho. Seria impossível ter escolhido um espécime mais perfeito por mais que tivesse
tentado. Estava muito mais esplêndido nu, e inclusive meio nu, que vestido. Muitos
utilizavam a roupa para dissimular um sem fim de imperfeições. Certamente, Constantine
superava com acréscimo suas expectativas.
Por mais idiota que parecesse, dado que ainda se sentia muito dolorida, notou um
palpitante formigamento só pensando no grande, duro e o satisfatório que pareceu.
Constantine cruzou uma perna em frente da outra e tomou sua taça, depois a deixou
no outro extremo do peitoril.
— É espantosamente bonito — disse, enquanto o observava cruzar os braços.
— Espantosamente? — Perguntou ele, arqueando as sobrancelhas — Inspiro espanto?
Hannah voltou a levar a taça aos lábios.
— Muitos se referem a você como ao demônio — respondeu — Suponho que sabe.
Causa certo espanto ter feito uma maratona com o próprio demônio.
— E ter sobrevivido — acrescentou ele.
— Ah, mas eu sempre sobrevivo! — Exclamou Hannah — E eu adoro as coisas
espantosas, porque nada me dá medo.
— Sim — ele comentou — Suponho que é verdade.
Observaram a rua em silêncio uns minutos enquanto ela tomava o vinho. Constantine
tirou a taça vazia dela e a deixou junto à sua.
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— Seu irmão, o Conde, era seu único irmão? — quis saber.
— O único vivo — respondeu ele — o primogênito e o caçula fomos os únicos bastante
fortes para sobreviver à infância. Embora Jon morresse aos dezesseis anos.
— Por quê? Qual foi a causa de sua morte? — perguntou.
— Deveria ter morrido quatro ou cinco anos antes, segundo os médicos — respondeu
— Desde pequeno foi diferente dos outros, refiro aos seus traços faciais e seu físico. Meu pai
o chamou de imbecil desde o começo. Igual a muitos outros. Mas não o era. A mente de Jon
era mais lenta, sim, mas não era tolo muito menos. Mas bem ao contrário. E era todo amor.
Hannah seguiu sem se mover, abraçando-se com força obstinada à camisa.
Constantine tinha o olhar cravado do outro lado da janela, como se a tivesse esquecido por
completo.
— Não me refiro a que quisesse a todo mundo, que também o fazia — precisou — Era
o amor em si mesmo. Um amor livre, incondicional e total. E morreu. Tive-o durante quatro
anos mais do que o previsto.
Hannah suspeitava que sua sinceridade se devia à hora, à escuridão da noite e ao fato
de acabar de despertar e de não ter tido tempo para levantar por completo suas defesas
habituais. Fez bem em não adormecer.
— Queria-o muito — sussurrou.
Os olhos escuros se cravaram nela. Pareciam muito negros.
— E também o odiava — confessou — Porque tinha tudo o que deveria ter sido meu.
— Salvo a saúde — acrescentou ela.
— Salvo a saúde — repetiu — E salvo a inteligência. Porque queria a todos, inclusive a
mim. Sobretudo a mim.
Hannah estremeceu outra vez, e ele se inclinou para segurá-la pelos braços e levantá-
la do peitoril como se não pesasse nada. Assim que seus pés tocaram o chão Constantine a
estreitou com todas suas forças, uniu a ele e a beijou com ferocidade e paixão.
Paralisada pela surpresa em um primeiro momento, chegou à conclusão de que
qualquer tentativa de resistir seria em vão. Além disso, sempre era aconselhável não
provocar uma briga que não se pudesse ganhar. Na realidade, apresentaria batalha se de
verdade não gostasse de nada do que estava fazendo, mas...
Enfim, era melhor deixar de pensar. E dedicar-se a desfrutar. Porque gostava dele.
Desejava-o.
Ela se aproximou até que seus pés descalços roçaram os de Constantine, abraçou-o e
devolveu o beijo com apaixonado ardor. Havia algo diferente nesse beijo.
Não era o mesmo jogo que jogaram às primeiras horas da noite, antes de meter-se na
cama. Havia algo mais... Mais real. Mais sincero.
Deixou de pensar.
Ela se achou de repente sem camisa, e a roupa de Constantine voltou a acabar no
chão. Retornaram à cama, entrelaçados e rodando sobre o colchão. Tão logo se achava em

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cima dele como giravam e investiam as posições em um frenesi de bocas, mãos e inclusive
dentes. Aquilo não era um jogo. Era paixão pura e dura.
E a havia possuído por completo. Aquilo era...
Deveria por fim nisso, pensou.
Deveria dizer que não e Constantine se deteria imediatamente. Sabia que o faria. Não
tinha medo. Não precisava ter medo. Era seu amante. Tinha-o escolhido precisamente para
isso. Mas...
Nesse instante se colocou sobre ela, afastou as pernas e o momento de detê-lo
passou. De fato, não pode dizer nada.
Penetrou-a de repente.
Foi como se a tivessem apunhalado em uma ferida aberta. Deu um pulo, ofegou,
tentou relaxar-se e...
E ele se afastou. Bem, não se afastou de todo. Saiu dela, mas continuou sobre seu
corpo, apoiado em um cotovelo e olhando-a. Alegrou-se de ter apagado as velas. Embora
uma vez que os olhos se acostumavam à escuridão era impossível ocultar algo.
— O que acontece? — perguntou ele.
Hannah levantou uma mão e acariciou o peito com a ponta de um dedo.
— Isso digo eu — respondeu.
— Fiz mal a você?
— Era hora de parar — disse — Uma vez por noite é suficiente, Constantine. Devo
voltar para casa. Não espere que fique com você toda a noite agora que somos amantes.
Seria aborrecido.
— Não seria virgem, não é verdade?
A pergunta foi feita em tom malicioso, claro. Entretanto, Hannah demorou um tempo
para responder, e quando o fez arqueou as sobrancelhas de forma arrogante, embora o
efeito de tal gesto ficasse oculto pela escuridão.
— Era virgem?
Nessa ocasião, Constantine disse muito a sério. Nem sequer foi uma pergunta em toda
regra.
Tinha trinta anos. Não houve barreira física. Não houve sangue. Entretanto, continuava
sendo virgem no verdadeiramente importante.
— Há alguma lei contra a virgindade? — replicou — Nunca tive um amante até que o
escolhi, Constantine. Sabia que seria magnífico e o é. É certo que não tenho ninguém com
quem compará-lo, mas seria idiota se o pontuasse de medíocre.
— Esteve casada — indicou ele — Durante dez anos.
— Com um ancião que não estava absolutamente interessado nesse aspecto de nosso
matrimônio — respondeu Hannah — o que me parecia estupendo, porque eu tampouco
estava. Casei-me com ele por outros motivos.
— Converteu-se em Duquesa — aventurou Constantine, trazendo à tona as únicas
razões aparentes — em uma Duquesa muito rica.
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— Incalculavelmente rica — concordou — E é pouco provável que acabe com esse
horrendo título de Duquesa viúva porque é quase impossível que o atual Duque se case.
Tem uma amante e dez filhos, cujas idades vão dos dois aos oito anos, mas a tirou de um
bordel e, obviamente, não pode se casar com ela.
— Um detalhe bastante acidentado para que uma dama esteja a par — replicou
Constantine.
— Por sorte, o Duque... Meu Duque — especificou — nunca me ocultou os detalhes
mais suculentos de qualquer notícia. Sempre que escutava alguma fofoca picante corria para
casa para me contar.
— De modo, Duquesa, que não manteve relações conjugais — indicou Constantine —
Mas o que me diz da horda de amantes que teve durante seu matrimônio? Aparentemente
ao menos.
— Põe muita atenção aos falatórios — respondeu Hannah — Bem, isso acontece com
todos, assim melhor dizer que lhes dá muito crédito. De verdade acha que rompi meus votos
matrimoniais?
— Tendo em conta que seu marido não a satisfazia? — disse ele.
— Constantine, agora sou uma viúva alegre, sim — reconheceu — De fato, tenho a
intenção de passar muito bons momentos com você durante o resto da primavera, embora
por esta noite tive o suficiente. Como ia dizendo, embora agora seja uma viúva alegre, fui
uma esposa fiel. E antes que chegue a horrível conclusão, não o fiz porque meu marido me
obrigasse a ser fiel. Porque isso teria sido espantoso. Meu Duque não era um tirano
absolutamente, ao menos comigo. Eu mesma decidi ser fiel, assim como agora decidi
procurar um amante. Sempre levei as rédeas de minha vida.
Constantine a olhou em silêncio um instante e pela primeira vez Hannah compreendeu
que devia custar um tremendo esforço afastar-se dela, dada sua excitação, e deitar-se ao seu
lado só para falar. Se tivesse negado a tempo, ele se teria detido antes e a conversa que
estavam mantendo não teria lugar. Talvez o episódio a ensinasse a não voltar a titubear.
De qualquer forma, não importava. Nada mudara. Ao menos em seu caso. No de
Constantine, talvez sim. Porque supôs que contava com uma amante experiente.
— Bem — o ouviu dizer em voz baixa — a rosa acaba de perder uma de suas pétalas
exteriores. Ficarão muitas no centro? Pergunto eu.
Era uma pergunta retórica. De modo que Hannah não a respondeu. De qualquer
forma, tampouco sabia muito bem a que se referia.
— Se soubesse, poderia ter feito a maratona de forma um pouco menos... Vigorosa —
Seguiu ele — Poderia...
— Constantine — interrompeu-o — se alguma vez ocorrer mostrar-se condescendente
ou delicado comigo como se fosse uma dama frágil, eu...
— você...?

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— Deixaria você — concluiu — Como se fosse um par de sapatos velhos. E no dia
seguinte já teria outro amante, o dobro de bonito e o triplo de viril mais que você. Apagarei-
o por completo de minha memória.
— Isso é uma ameaça? — perguntou Constantine, que não parecia se sentir muito
ameaçado.
— É claro que não — respondeu com desdém — Nunca faço ameaças. Para que fazê-
las? Limito-me a informá-lo de um fato. O que acontecerá se alguma vez tentar me tratar
como a um ser inferior.
— Minha intenção só era a de comentar que não é o mesmo fazer o amor com uma
virgem que com uma mulher experiente — precisou ele — o prazer não teria sido menor,
Duquesa, talvez tivesse desfrutado mais se puder.
Ela percebeu que Constantine estava acariciando o abdômen com a mão livre. Notava
mais quente que sua pele.
— Suponho que fará amor com uma virgem ao menos cada quinze dias.
Distinguiu a brancura dos dentes de Constantine na escuridão e compreendeu que
tinha arrancado um sorriso. Um lucro extraordinário. Pena que não estivessem à luz do dia
para vê-lo bem.
— Não gosto de fanfarronar, nem exagerar — ele assegurou — Uma vez ao mês —
Inclinou a cabeça para beijá-la com delicadeza nos lábios — Sinto muito — murmurou.
Hannah deu uns tapinhas na face, talvez um pouco mais fortes.
— Nunca se desculpe por algo que tenha feito — aconselhou — Nunca se arrependa.
Se fizer as coisas de forma intencional, não deve se arrepender. E se o fizer de forma
acidental, não há nada pelo que desculpar-se. Em meu caso, não vou me desculpar por ter
sido virgem até há umas horas. Eu escolhi sê-lo. E não vou desculpar-me por ter ocultado
essa informação. Era um detalhe que não precisava conhecer. Parafraseando as palavras que
me disse a noite do concerto, quando perguntei por seu distanciamento do Duque de
Moreland, não era da sua conta. E, já que estamos falando do assunto, asseguro que serei
fiel durante o resto da primavera, enquanto estivermos juntos. E espero que seja recíproco.
Vou para casa.
— Talvez não haja mais pétalas na rosa — comentou Constantine — mas certamente o
caule está cheio de espinhos. Duquesa pode estar tranquila com respeito a minha fidelidade
durante os próximos meses. Fisicamente careceria de resistência para satisfazer outra
mulher como você... Ou embora não fosse como você, na verdade. Continue deitada um
momento enquanto eu aviso meu cocheiro. Não vai achar muito bom. Esperava que
requerêssemos seus serviços à primeira hora da manhã, mas receio que continua sendo mais
de madrugada que outra coisa.
Saiu da cama enquanto falava e se vestiu.
Hannah seguiu deitada até que o viu abandonar o dormitório.
A noite foi interessante, pensou. E não de todo relaxante. Certamente, não foi
absolutamente como planejara.
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Em primeiro lugar porque a... A experiência propriamente dita foi muito mais carnal do
que imaginava. E o dobro de prazerosa, além disso! Embora a tivesse deixado bastante
dolorida.
E em segundo lugar porque abrigava a incômoda suspeita de que ter um amante ia
implicar algo mais que lançar indiretas subidas de tom e pular alegremente entre os lençóis.
Um detalhe que não tinha esperado nem desejado. Suspeitava que o caso com Constantine
Huxtable acabaria enredando-a em uma espécie de relação, como aconteceu com seu
matrimônio.
E não queria uma relação. Dessa vez não.
Ou talvez sim. Uma relação unilateral ou rodeada as suas próprias condições.
Compreendê-lo produziu certa surpresa. A verdade era que desejara conhecer mais
coisas dele desde o começo, conhecê-lo a fundo, de fato. E o deixara claro. Era um homem
enigmático e misterioso. Sabiam-se certas coisas sobre ele. Mas não sabia de ninguém que o
conhecesse de verdade. Seu Duque não o conheceu, embora falasse dele de vez em quando.
Conforme suspeitava seu marido, o caráter sombrio e taciturno de Constantine se devia ao
ódio, e suas agradáveis maneiras, quando se desembrulhava em Sociedade se deviam ao
amor. Portanto, assegurava que se tratava de um homem complexo e perigoso, possuidor de
uma atração envolvente. Assim tal qual o havia dito. Possivelmente esse comentário fosse a
semente de sua decisão de conseguir o Senhor Constantine Huxtable como amante.
Nessa noite admitiu odiar seu atrasado irmão mais novo. Entretanto, estava
convencida de que também o amara muito. Até um ponto vizinho à dor.
O que não se dera conta até essa noite, crasso engano de sua parte, era de que não se
podia manter uma relação unilateral.
Constantine descobriu mais coisas sobre ela que ela sobre ele.
Pelo amor de Deus!
Sua reputação acabaria feita em farrapos se ocorresse a Constantine comentar entre a
alta Sociedade o que descobriu nessa noite. Embora não o faria, claro. Entretanto, o certo
era que estava a par.
E isso era muito irritante.
Não queria uma relação. Só queria... Bem, devia aprender a empregar a palavra. O
Duque a tinha utilizado sempre em sua presença e ela não era dissimulada muito menos. A
única coisa que queria de Constantine Huxtable era sexo.
E a verdade era que a noite, quanto ao sexo, foi gloriosa. Nem sequer notara a dor até
que tudo passou. O momento em questão poderia ter se alongado durante toda a noite pelo
que a ela se referia. Pobre Constantine. Teria acabado morto.
Soltou um sopro muito pouco elegante enquanto passava as pernas pela beira da cama
e começava a procurar as meias.

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A Duquesa não queria que a acompanhasse, mas Con passou por cima de seus
protestos. Ajudou a subir à carruagem e a seguiu ao interior. Uma vez sentados, pegou sua
mão e a colocou na coxa.
Vestida com a capa branca e com a cabeça coberta pelo amplo capuz, parecia a de
sempre.
Não obstante, jamais voltaria a vê-la dessa forma. O que era compreensível, claro.
Vira-a sem roupa e sem seus artísticos penteados. Havia possuído seu corpo. Mas não era só
isso. Ao menos em um aspecto concreto, não era a mulher que todos achavam e que todos
supunham que fosse. O tipo de mulher a quem custara à própria vida para aparentar que o
era.
O matrimônio com o Duque não foi consumado. Um detalhe absolutamente
surpreendente. Porque, de fato, especulou-se muito sobre o assunto. Entretanto, todos
esses amantes com quem passeara orgulhosa, Zimmer, Bentley, Hardingraye para nomear
alguns ...
Não foram seus amantes.
Ele foi o primeiro.
Era uma ideia desconcertante. Nunca tinha desvirginado uma mulher. Nunca quis fazê-
lo. Deus santo!
— Duquesa, necessitará de alguns dias para se recompor — disse quando a carruagem
se aproximava de Hanover Square — Fixamos um encontro para a próxima terça-feira,
depois do baile dos Kitteridge?
Ela, é claro, jamais permitiria dizer a última palavra, embora cedesse no almoço ao ar
livre do dia anterior. De modo que era sua vez para decidir.
— Melhor na segunda-feira à noite — respondeu — o Duque tem um camarote no
teatro, mas ninguém o usa salvo eu. Prometi a Barbara que iríamos uma noite. Convidarei o
Senhor e à Senhora Park e talvez também seu filho, o clérigo, se continuarem na cidade.
Você será meu acompanhante.
— Um grupo perfeito — ele comentou — Um clérigo, a noiva de um clérigo, embora
não o do anteriormente mencionado, os pais do tal clérigo e a Duquesa de Dunbarton com
seu novo amante, a quem chamam demônio, às vezes.
— É agradável promover temas de conversa interessantes nos salões — replicou ela.
Con pensou que seria uma boa meta sempre e quando se tratasse da Duquesa de
Dunbarton. Levou sua mão aos lábios ao perceber que a carruagem dobrava na esquina,
depois que diminuiu a velocidade até se deter. Nesse momento inclinou a cabeça e a beijou
na boca.
— Esperarei a chegada da segunda-feira à noite com ansiedade — disse.
— Mas não da segunda-feira à tarde? — perguntou ela.
— Terei que tolerar — comentou — Afinal, a sobremesa sempre é mais apetecível
depois de um jantar, tal como descobrimos esta noite.

58
Deu umas batidinhas à portinhola para indicar ao cocheiro que estavam preparados
para apear.
Alguém se tinha levantado já na casa da Duquesa. A porta se abriu justo quando ele
pisava na calçada e se voltava para estender a mão a ela.
Observou-a subir os degraus, sem pressa, com as costas erguidas e a cabeça no alto. A
porta se fechou em silêncio atrás dela.
Aquilo distava um pouco de sua costumeira aventura primaveril, pensou.
Era um pouco menos cômoda. Mas um pouco mais erótica.
Que demônios quis dizer com isso de que também o odiava?
Nunca tinha odiado Jon. Jamais. Tinha-o amado muito. Ainda chorava sua morte. Às
vezes tinha a impressão de que nunca deixaria de fazê-lo. Havia um negro e enorme vazio ali
onde antes estava Jon.
Também o odiava.
Confessou essas palavras à Duquesa de Dunbarton, nem mais nem menos.
Que demônios quis dizer?
E que mais ocultava a Duquesa, além do pequeno e já descoberto detalhe de sua
virgindade?
A reposta era nada, é claro. Confessara abertamente que se casara com Dunbarton
pelo título e pelo dinheiro. E nesse momento estava usando a liberdade e poder que
ostentava para desfrutar do prazer sensual. Não era o mais indicado para recriminar algo.
Voltou-se e olhou carrancudo seu cocheiro, que aguardava que voltasse a subir à
carruagem.
— Vá para casa — Ordenou — Eu irei caminhando.
O cocheiro meneou a cabeça devagar enquanto fechava a portinhola.
— Como quiser, Senhor — replicou.

CAPÍTULO 7

O filho do Senhor e da Senhora Park, o clérigo, não se achava na cidade.

59
Entretanto, o irmão mais novo da Senhora Park estava passando uma temporada com
eles e adorou a ideia de ir como convidado ao camarote da Duquesa de Dunbarton na
segunda-feira a noite, acompanhando sua irmã e seu cunhado.
Hannah também convidou os Barões Montford depois que Barbara e ela os
encontraram na biblioteca de Hookham na segunda-feira pela manhã e se detiveram a
conversar com o casal.
Lady Montford era prima do Senhor Huxtable.
— Uma ópera e uma peça de teatro na mesma semana — disse Barbara enquanto
viajavam uma ao lado da outra na carruagem na segunda-feira à noite — Para não mencionar
as galerias de arte, museus, bibliotecas e compras. Todos os dias, escrevo um livro aos meus
pais e a Simon em vez de uma simples carta. Vou ficar sem tinta, Hannah.
— Tem que vir mais frequentemente à cidade — replicou ela — Embora suponha que
seu insuportável vigário não deixará que escape uma vez que se casem.
— Certamente não quero escapar uma vez que nos casemos — replicou Barbara —
Estou ansiosa para empreender a vida de esposa de um vigário e de retornar ao vicariato.
Embora convença Simon a me trazer de vez em quando e assim nos veremos outra vez. E
talvez você possa vir a... — Entretanto, guardou silêncio de repente e se voltou para olhá-la
na penumbra da carruagem. Desculpou-se com um sorriso — Não, é claro que não virá —
continuou — Mas tomara o fizesse. Talvez já seja hora de que...
— É hora de ir ao teatro, Babs — interrompeu.
A carruagem diminuiu a marcha até se deter em Drury Lane, onde contemplaram à
multidão que perambulava pelo lugar, muitos à espera que chegassem mais pessoas para
poder entrar.
Constantine Huxtable se achava entre elas, com aspecto elegante e demoníaco, devido
ao seu fraque negro e sua cartola.
— Olhe, ali está — disse Barbara — Hannah, está certa de que...?
— Estou, sua tonta — assegurou — Somos amantes, Babs, e ainda não terminei com
ele. Apostaria o que fosse de que esse detalhe não comentou com seu vigário nas cartas.
— Nem com meus pais — acrescentou sua amiga — se preocupariam muito. É possível
que levem mais de onze anos sem vê-la, Hannah, mas continuam tendo muito carinho por
você.
Deu uns tapinhas no joelho de Barbara.
— Ele nos viu — disse.
E de fato foi Constantine quem abriu a portinhola da carruagem e desdobrou os
degraus em vez do cocheiro.
— Senhoras, boa noite — saudou-as — Temos sorte de que a chuva desta tarde tenha
cessado, ao menos de momento. Senhorita Leavensworth?
Constantine ofereceu a mão a Barbara, que a aceitou e o saudou com cortesia.
As maneiras de sua amiga, é claro, sempre eram impecáveis.

60
Hannah inspirou fundo. Era a primeira vez que o via desde a semana anterior. A noite
passada em sua casa parecia quase um sonho, salvo pelos efeitos físicos que sentiu durante
os dias posteriores. E salvo pela alarmante pontada de desejo que a atravessou assim que
voltou a vê-lo. E pela emoção do que estava por vir nessa noite.
Meu Deus, ele é muito bonito! Pensou.
Em questão de minutos, é claro, todos os espectadores que viessem nessa noite ao
teatro saberiam, ou acreditariam saber, que Constantine era seu novo amante. Um a mais
em sua longa lista de amantes.
No dia seguinte a essa mesma hora, todos que não tivessem ido ao teatro também
saberiam.
O Senhor Constantine Huxtable era o novo amante da Duquesa de Dunbarton.
Entretanto e pela primeira vez, estariam certos.
Barbara já estava sã e salva na calçada.
— Duquesa? — Estendeu a mão e seus olhos se encontraram.
Jamais vira uns olhos tão escuros. Nem tão hipnóticos. Nunca vira uns olhos que
tivessem esse efeito tão letal em seus joelhos.
— Espero que alguém tenha secado a calçada — disse ao mesmo tempo em que
aceitava sua mão — Não gostaria de molhar a bainha do vestido.
Era evidente que alguém o fez. E que também se encarregaram de controlar a
multidão. E abrira um caminho para lhes permitir entrar no teatro.
Hannah conteve um sorriso ao entrar, levada pelo braço direito de Constantine.
Barbara ia segurando o braço esquerdo.
O camarote ducal, que se achava no primeiro andar dos três que rodeavam o pátio de
poltronas com forma de ferradura, estava situado perto do cenário. Entrar no camarote era
quase como sair a cena. Duvidava muito que algum dos presentes não se voltasse para vê-los
entrar e saudar o resto dos convidados, que chegaram antes e estavam em pé, conversando,
à espera de se sentar. Certamente todos repararam no detalhe de que a amiga da Duquesa
se sentara entre a Senhora Park e o irmão desta, enquanto que ela o fazia junto ao Senhor
Constantine Huxtable.
Seu novo favorito. O primeiro desde a morte do velho Duque e sua volta à cidade. Seu
novo amante.
Foi fácil interpretar os cochichos que se escutaram por todo o teatro.
Também foi fácil lançar um lento olhar ao redor com despreocupação, tal como fez em
incontáveis ocasiões enquanto o Duque era vivo. Ele a ensinara a olhar ao seu redor em vez
de cravar a vista no colo. A única diferença era que nesse momento não sentia a alegre
curiosidade que sempre a acompanhava ao saber que as especulações a respeito de seu
acompanhante masculino eram errôneas.
Nessa noite não eram errôneas.
E se alegrava muito.
Colocou uma mão enluvada no braço de Constantine e se inclinou um pouco para ele.
61
— Viu a escola do escândalo? — perguntou— É uma obra muito antiga. Devo tê-la
visto dez ou doze vezes, mas sempre acho graça. Acredito que não achará muito aborrecida,
nem muito longa.
— Diz caso eu esteja impaciente para que isso termine o quanto antes, para por fim
proceder com o verdadeiro assunto desta noite, Duquesa?
— Nada disso — replicou — Mas achava que interessariam mais as tragédias.
— Em consonância com meu aspecto demoníaco? — quis saber ele.
— Precisamente — respondeu — Embora, é claro, já me explicaram que as tragédias
das óperas não são realmente tragédias. Fiquei mais tranquila. Suponho que o próximo será
me dizerem que os heróis de tais tragédias não morrem no final.
— Também é tranquilizador, não é verdade? — replicou ele — Está linda esta noite,
vestida de branco. De fato, resplandece.
Tinha um brilho estranho nos olhos... Zombeteiro, talvez.
— De alegria? — inquiriu — Nunca resplandeço de alegria. Seria vulgar. Com certeza se
refere as minhas joias. — Levantou a mão esquerda — O diamante do dedo do meio foi um
presente de bodas. Em seu momento não achei que fosse de verdade. Não sabia que
pudessem ser tão grandes. O que uso no mindinho foi um presente de aniversário —
Mostrou ambas as mãos — Recebi um anel por cada aniversário depois desse, para os
diferentes dedos, até que fiquei sem dedos e tivemos que começar de novo, já que me
parecia um pouco incômodo usar anéis nos pés. E também recebi um anel por cada
aniversário de bodas e por um sem fim de ocasiões memoráveis.
— E pelo Natal? — perguntou Constantine.
— Sempre recebia um colar e brincos no Natal — respondeu — e um bracelete para o
dia de São Valentim, que o Duque sempre celebrava, o grande tolo. Era muito generoso.
— Como todo mundo pode ver — ele indicou.
Hannah desceu as mãos ao seu colo e voltou a cabeça para olhá-lo de frente.
— As joias são usadas para que os outros as vejam, Constantine — respondeu — Assim
como a beleza. Não penso me desculpar por ser rica ou bonita.
— Ou vaidosa? — acrescentou ele.
— Dizer a verdade me converte em vaidosa? — perguntou — Fui bonita desde a
infância. Certamente seguirei sendo bonita quando envelhecer, se viver até então. Disseram-
me que tenho uma boa estrutura óssea. Não presumo ser responsável por minha beleza, da
mesma maneira que um ator ou um músico não presume ser responsável por seu talento.
Mas todos nós temos a responsabilidade de usar os dons com os que viemos a este mundo.
— A beleza é um dom? — quis saber Constantine.
— É — assegurou — A beleza deveria ser fomentada e admirada. Há muita fealdade na
vida. A beleza pode trazer alegria. Por que decoramos nossas casas com quadros, vasos e
tapeçarias? Por que não escondemos todas essas coisas em armários escuros, para que não
se danifiquem com o tempo?

62
— Detestaria que se escondesse em um armário escuro, Duquesa — replicou ele — A
menos que eu pudesse me esconder com você, é claro.
A resposta esteve a ponto de arrancar-lhe uma gargalhada. Mas a risada não fazia
parte de seu personagem público e não cabia a menor dúvida de que seria objeto de muitos
olhares.
— A função está a ponto de começar — disse Constantine, de modo que ela se
concentrou no cenário.
Não se explicara bem, não é verdade?
O Duque a tinha ensinado a não amaldiçoar sua beleza, a não desconfiar dela, a não
tentar ocultá-la. E a não negá-la. Coisas que fazia em maior ou menor medida quando se
casara com ele. Tinha-a ensinado a elogiar sua beleza e a celebrá-la. E a tinha celebrado.
Durante dez anos foi a menina de seus olhos, e isso bastava.
Ou quase.
Nesse momento se perguntava quanta alegria trouxe sua beleza. Ao seu Duque sim
trouxe alegria. Mas a alguém mais? Importava que não tivesse sido assim? O Duque era seu
marido. Foi seu dever e seu gozo proporcionar alegria a ele.
Quando foi a última vez que experimentou verdadeira alegria? Esse tipo de alegria que
levava às pessoas a virar com os braços estendidos e o rosto para o sol entre a relva e as
flores do campo. Esse tipo de alegria que levava às pessoas a se colocarem a correr pela praia
com o vento alvoroçando o cabelo.
A beleza era um dom como o talento musical?
E de onde procedia esses pensamentos tão deprimentes quando estavam
representando uma comédia no palco? Os espectadores riram em uníssono e ela abanou o
rosto. Desfrutara muito no dormitório de Constantine na semana anterior. Mas
experimentara alegria?
Essa noite o faria. Talvez ficasse com ele toda a noite. Seria estranho dormir com um
homem. Despertar ao seu lado. E...
— Duquesa — ele sussurrou e seu quente fôlego roçou a orelha — está sonhando
acordada?
— Constantine — murmurou sem afastar o olhar do palco — está me observando em
vez de ver a peça?
Constantine não respondeu.

Con manteve uma breve conversa com Monty no camarote antes de retornar ao
vestíbulo para esperar a chegada da Duquesa e da Senhorita Leavensworth. Enquanto isso,
Katherine estava falando com o Senhor e a Senhora Park e com o irmão desta, que também
faziam parte do grupo.

63
— Deixa que adivinhe, Con — disse Monty — A Senhorita Leavensworth, não é
verdade? Não está mau, certo, mas... Que vergonha! Acredito recordar que está
comprometida. Com um vigário.
— A Senhorita Leavensworth não, Monty, como muito bem sabe — replicou ele.
O aludido retrocedeu, fingindo surpresa.
— Não irá dizer-me que se trata da Duquesa, não é verdade? — perguntou — depois
do que disse no parque quando o olhou de cima a baixo, mas não estendeu a mão para que a
beijasse?
— Um homem está em seu direito de mudar de opinião de vez em quando — replicou.
— De modo que a Duquesa vai ser sua amante durante esta temporada social —
Monty sorriu e meneou a cabeça — Perigoso, Con. Perigoso.
— Acredito que sou capaz de me desviar dos perigos que me ponha no caminho —
assegurou.
— Ah! — Exclamou Monty arqueando as sobrancelhas — Mas poderá ela se desviar de
tudo o que você ponha no seu, Con? Vai ser uma primavera muito interessante.
Sim, seria, pensou Con no final da noite enquanto sua carruagem seguia a da Duquesa
até Hanover Square, já que ela insistia, como era lógico, em retornar a Dunbarton House com
sua amiga. Subiria a sua carruagem assim que chegassem ali.
Sim, seria uma primavera interessante. Ao menos seria gratificante do ponto de vista
sensual, não cabia a menor dúvida. A espera desde a semana anterior foi interminável, e
estava convencido de que seu apetite sexual pela Duquesa de Dunbarton ficaria satisfeito,
antes que chegasse o momento de cada um retornar as suas respectivas casas campestres
para passar o verão. Não retomariam sua aventura no ano seguinte, é claro. Nenhum dos
dois iria querer fazer isso.
Mas estava cometendo um erro esse ano?
Era bonita, desejável e vaidosa. Era rica, arrogante e deliciosamente superficial.
Até esse momento não se tinha por um homem capaz de evitar esse tipo de
considerações em altares da luxúria. Entretanto, a luxúria era o único motivo pelo qual
aceitara a Duquesa como amante. Embora também o movesse certa fascinação. Uma
fascinação que compartilhava com a metade da população masculina da alta Sociedade, é
claro, e também com uma grande parte da metade feminina, embora por diferentes motivos.
Não obstante, só conhecia um fato muito interessante sobre ela, que chegara aos trinta anos
de idade sem manter relações sexuais.
Ainda custava a acreditar.
Sua carruagem se deteve atrás da Duquesa, e viu como as duas damas entravam na
casa. A porta se fechou. A carruagem da Duquesa desapareceu, de modo que a sua se
aproximou mais dos degraus de entrada. A porta principal permaneceu fechada durante
dezoito minutos. Recostou-se no assento e se perguntou quanto tempo teria que esperar e
quantas pessoas o estariam observando ocultas atrás das cortinas das janelas às escuras de
toda a praça, preparadas para convertê-lo no bobo do dia seguinte.
64
A ideia o divertiu em vez de pô-lo furioso.
A Duquesa não ia ceder nem um ápice de controle, não é verdade?
Ele se perguntou se teria levado o falecido Duque pela rua da amargura. Isso sim, não
foi infiel.
Quanto tempo ia esperar? Perguntou-se.
Ao fim de dezoito minutos a porta de Dunbarton House voltou a se abrir e a Duquesa
saiu, vestida com a capa branca da semana anterior e com a cabeça coberta pelo capuz.
Ela trocara de roupa?
Saiu da carruagem, estendeu uma mão e a ajudou a subir. Subiu atrás dela e se sentou
ao seu lado. O cocheiro fechou a portinhola e a carruagem se inclinou um pouco quando o
homem retornou à boleia. Em seguida se pôs em marcha, rodeando a praça e pegando uma
rua.
Ele se virou para olhá-la na escuridão. Nenhum deles tinha falado. Estendeu as mãos
para desabotoar a capa, depois tirou o capuz e afastou o mesmo.
Outra vez levava o cabelo solto, que mantinha afastado do rosto com uns passadores
coalhados de pedras preciosas, colocados por cima das orelhas. O vestido era de cor escura,
azul ou púrpura, possivelmente. Azul marinho, viu quando um raio de luz procedente de uma
das luzes o iluminou ao passar junto a ela. Tinha um decote muito pronunciado e o talhe
alto. Os diamantes tinham desaparecido de seu pescoço e de suas orelhas.
Era uma mulher preparada para receber a seu amante.
Inclinou a cabeça e a beijou. Seus lábios estavam quentes e ligeiramente entreabertos,
rendidos.
Passou uma mão pelas costas e a outra sob os joelhos para levantá-la e colocá-la no
colo.
Voltou a beijá-la e ela o abraçou.
Sim! Pensou. Havia luxúria de sobra.
E talvez algo mais?
Seus esforços para racionalizar o que acontecia eram os culpados de estar imaginando
coisas. A relação com a Duquesa não se apoiava, embora fosse de forma parcial, no
companheirismo, como costumava acontecer com suas aventuras. No seu caso era pura
luxúria.
Sexo.
Algo que iriam desfrutar com vigor em questão de uma hora. Isso bastava. O verão, o
outono e o inverno foram longos. De modo que não seria tão desatinado que sentisse um
pouco de luxúria desatada durante a primavera.
Não trocaram uma só palavra desde que saíram do teatro.

65
Não ia levá-la carregada ao seu dormitório e atirá-la sobre a cama sem mais, descobriu
Hannah quando entraram em sua casa e Constantine disse ao mordomo que se retirasse por
essa noite, já que não ia necessitar dele.
Constantine a pegou pelo cotovelo e a levou a mesma sala onde jantaram na semana
anterior. A mesa estava posta uma vez mais, com frios, queijo, pão e vinho nessa ocasião.
Uma solitária vela brilhava no centro da mesa. E o fogo crepitava de novo na lareira.
Era um alívio e uma decepção ao mesmo tempo, pensou.
Embora não tivesse muita fome. Nem necessitasse de uma taça de vinho. E estivesse
desejando-o com loucura toda a noite. Mal pode se concentrar na representação, uma de
suas preferidas. Além disso, o desejo se desatara na carruagem, sobretudo depois de que a
sentou em seu colo.
Que maravilhosamente forte tinha que ser para tê-la levantado sem mais, sem ofegar
sequer pelo esforço. Afinal, não era, como se diz, uma pena. Alegrava-se de que o desejo
não tivesse prevalecido de todo. Uma ideia muito estranha.
Porque estava fazendo tudo isso por luxúria, não?
Nessa primavera era livre para buscar um amante, decidiu procurar um com toda
deliberação e escolheu com supremo cuidado Constantine Huxtable.
Só para descobrir que a luxúria não bastava em si mesma.
Que irritante!
Uma pessoa deveria ser capaz de tomar uma decisão com respeito a um objetivo em
concreto e seguir trabalhando inexoravelmente até consegui-lo, sobretudo uma vez que
escolhera tal objetivo e pusera um empenho diligente e cuidadoso em sua consecução. Seu
objetivo era desfrutar da pessoa de Constantine Huxtable até que o verão a impelisse a
voltar para Kent e a levasse a retornar a esse ponto indeterminável de Gloucestershire onde
se situava seu lar.
Que grande segredo ocultava esse lugar que Constantine se negava a falar?
Perguntou-se.
E nesse momento começava a se dar conta de que sua pessoa, tão formosa e perfeita
como era, talvez não fosse suficiente. Talvez estivesse cansada. E também continuasse
excitada. E se alegrava de que fossem jantar algo antes... Embora não comesse nada.
Constantine tirou a capa, para o que se colocou atrás dela. Suas mãos quase não a
tocaram.
— Duquesa — ele disse ao mesmo tempo em que assinalava a cadeira em que se
sentou na semana anterior — quer se sentar?
Serviu o vinho enquanto ela se sentava e enchia o prato com um pouco de tudo.
— Gostou da representação? — perguntou.
— Estive distraído durante a maior parte — respondeu Constantine — Mas acredito
que foi divertida.
— Barbara estava muito contente — comentou — É claro, ela vê o cenário que é
Londres através de olhos inocentes.
66
— Alguma vez esteve na cidade? — quis saber ele.
— Sim, esteve antes — respondeu Hannah — Enquanto estive casada consegui
convencê-la alguma ou outra vez para que passasse um par de semanas comigo, embora
quase sempre me visitasse no campo, não na cidade. E nunca ficou muito tempo. O Duque a
aterrava.
— Tinha motivos para isso? — perguntou ele.
— Era um Duque — replicou — Ostentava o título desde os doze anos. Foi Duque
durante mais de sessenta anos quando me casei com ele. Claro que tinha motivos para estar
aterrada, embora ele sempre se esforçasse por ser amável com ela. É a filha de um vigário,
Constantine.
— Mas você não tinha medo?
— Eu o adorava — respondeu Hannah ao mesmo tempo em que pegava a taça com a
mão e fazia virar seu conteúdo.
— Como o conheceu?
Como era possível que a conversa tivesse tomado esse rumo? Esse era o problema das
conversas.
— Tinha uma família a que adorava descrever como prodigiosamente extensa e
aborrecida — respondeu ela — Evitava-a sempre que podia o que era grande parte do
tempo. Mas também tinha um enorme sentido do dever. Foi às bodas de um parente, que
era o décimo quarto na linha sucessória ao título. Em uma ocasião me explicou que se sentia
obrigado por qualquer um que estivesse acima do vigésimo posto na linha sucessória. Eu
também fui ao casamento. Conhecemo-nos ali.
— E se casaram pouco depois — concluiu ele — Deve ter sido amor a primeira vista.
— Se não tivesse detectado o tom irônico de sua voz — replicou — teria dito que não
fosse tolo.
Constantine a olhou em silêncio um bom tempo.
— Sua juventude e beleza frente a sua posição e riqueza? — sugeriu.
— Uma explicação aplicável a milhares de matrimônios — comentou Hannah ao
mesmo tempo em que dava uma mordidinha no queijo — Faz que o Duque e eu pareçamos
muito comuns, Constantine.
— Estou convencido de que não necessita que assegure que foram um casal muito
extraordinário, mas o farei de qualquer forma.
— Era esplêndido, não é verdade? — perguntou ela — Cerimonioso, elegante e
aristocrático até dizer chega. E com um porte que atraía os olhares, mas que mantinha a
maioria das pessoas a certa distância. Poucos se atreviam a aproximar-se dele.
Seguramente foi magnífico quando jovem! Acredito que teria me apaixonado sem remédio
por ele se o tivesse conhecido naquele tempo.
— Sem remédio? — repetiu ele.
— Sim — Suspirou — Teria sido uma absoluta perda de tempo. Não me teria olhado
sequer.
67
— Custa-me acreditar, Duquesa — respondeu — Mas suponho que de qualquer forma
estava um pouco apaixonada por ele.
— Amava-o — ela corrigiu — E ele me amava. Não acha que a alta Sociedade se
assombraria se soubesse que desfrutamos de um matrimônio feliz? Mas não, não se
assombraria. Simplesmente não daria crédito. As pessoas acreditam no que querem...
Mesmo você.
— Já demonstrou que me enganava de parte a parte faz pouquíssimo tempo —
concordou Constantine.
— Esta noite disse que sou vaidosa — replicou — quando na realidade só sou sincera.
— Seria absurdo que fosse pela vida dizendo que é feia.
— E uma mentira tremenda — acrescentou ela.
Bebeu a taça enquanto Constantine a olhava do outro extremo da mesa.
— E esta noite me chamou avarenta — continuou.
Viu-o arquear as sobrancelhas.
— Duquesa, espero ser bastante cavalheiresco para não acusar outra pessoa de
avarenta, muito menos à dama que é minha amante.
— Mas o insinuou — insistiu — No teatro, enquanto examinava minhas joias com
atitude zombeteira e me escutava falar delas. E agora mesmo acaba de supor que conhece os
motivos que me impulsionaram a me casar com o Duque.
— E me engano? — perguntou ele.
Hannah estendeu as mãos de ambos os lados de seu prato, sobre a mesa. Tirara todas
as joias ao chegar em casa e as guardou em suas respectivas caixas fortes. Entretanto,
colocou outros anéis. Para falar a verdade, sempre se sentia estranha sem eles. Todos seus
dedos reluziam, à exceção dos polegares.
Tirou-os um a um e os deixou no centro da mesa, junto ao candelabro.
— Quanto vale no total? — perguntou a Constantine quando tirou todos — Só as
pedras preciosas.
Constantine olhou os anéis, olhou-a e voltou a olhar os anéis. Estendeu uma mão e
pegou o maior. Sustentou-o entre o polegar e o indicador, fazendo-o virar para que captasse
a luz.
Por Deus! Pensou Hannah. Que inesperadamente erótico era ver essa mão morena de
dedos longos pegar um de seus anéis.
Constantine deixou esse anel e pegou outro. Viu-o separar os anéis com a ponta de
um dedo a fim de estendê-los sobre a mesa. E depois deu uma cifra que demonstrava que
estava familiarizado com os diamantes.
— Não — replicou.
Constantine dobrou a quantidade.
— Frio, frio — assegurou ela.
Viu-o encolher os ombros.
— Rendo-me — disse ele.
68
— Cem libras.
Constantine se encostou para trás e a olhou nos olhos.
— São falsos? — perguntou — Imitações em cristal?
— Estes sim — respondeu — Alguns são autênticos, os que recebi nas ocasiões mais
especiais. Todos os diamantes que usava esta noite no teatro eram autênticos. Uns dois
terços das pedras preciosas que possuo são falsas.
— Dunbarton não era tão generoso como parecia?
— Era a generosidade personificada — assegurou — teria me dado a metade de sua
fortuna, e certamente o fez, embora a maior parte estivesse vinculada ao título, é claro.
Bastava eu admirar algo para que fosse meu. Bastava eu não admirar algo para que fosse
meu.
Constantine não tinha nada a dizer. Olhou-a em silêncio.
— Eram autênticas quando me deu de presente — continuou Hannah — Fiz que
substituíssem os diamantes com imitações de cristal. São umas imitações muito boas.
— De fato, é possível que tenha dado uma cifra muito baixa por esses anéis. É possível
que valham duzentas libras. Talvez um pouco mais. Fiz com o conhecimento do Duque.
Consentiu isso a contra gosto, mas como ia negar-se? Tinha me ensinado a ser independente,
a pensar por mim mesma, a decidir o que queria e a me negar a aceitar um não por resposta.
Acredito que estava orgulhoso de mim.
Constantine tinha o cotovelo apoiado na mesa e o queixo, entre o polegar e o
indicador.
— Há certos... Projetos nos que estou interessada — acrescentou ela a modo de
explicação.
— Doou a pequena fortuna que obteve pela venda de seus diamantes a certos
projetos, Duquesa? — perguntou — Embora não acredito que fosse pequena, na verdade.
Ela encolheu os ombros antes de responder.
— Uma gotinha insignificante em um oceano enorme. Constantine, neste mundo sobra
sofrimento para satisfazer as inclinações filantrópicas de milhares de ricos, que gostam de
acreditar que têm consciência e que podem aplacá-la doando um pouco de dinheiro.
Hannah mordeu a língua para não continuar falando. Sem dúvida alguma não a
entenderia. Ou acreditaria ser uma sentimental sem remédio. E talvez o fosse. Por que havia
sentido a necessidade de compartilhar com ele o pouco que havia dito? Constantine a via
como uma mulher frívola, rica e mimada, como todos outros. Achava que era uma caça
fortunas, uma mulher que utilizava sua beleza para enriquecer.
Embora, em certo sentido, era assim.
Mas havia muito mais.
Até o momento não havia sentido a necessidade de se justificar diante de ninguém. Ao
menos, não nos últimos onze anos. Sentia-se muito segura de sua personalidade. Gostava-se
o bastante. O Duque também gostara dela. Importava um nada o que os outros pensassem
dela. De fato, sempre desfrutara muito enrolando e enganando a alta Sociedade.
69
Constantine era diferente porque se tratava de seu amante?
Dele só esperava a mútua entrega de seus corpos.
Não procurava nada mais.
Entretanto, colocou esses anéis com toda deliberação. Tinha desejado que ele
soubesse. Ele a chamara de vaidosa e virtualmente também a chamou avarenta. Importava o
que ele pensasse? Que irritante se fosse assim. Resultaria essa aventura primaveril menos
prazerosa do que tinha pensado?
Constantine ficou em pé e rodeou a mesa. Estendeu uma mão.
— Não viemos aqui para falar de causas filantrópicas nem de consciências, Duquesa —
disse.
— Achava que se esquecera — replicou ao mesmo tempo em que ficava em pé.
E ao fim de um momento a estava beijando com determinação, colando ao seu corpo
do rosto até os joelhos.
Hannah jogou os braços ao pescoço e se converteu em uma participante ativa.
Tinha um corpo tão forte, masculino e jovem...!
Não se arrependia de nada. Isso era o que desejava acima de todas as coisas, ao menos
durante essa primavera. Tinha que recuperar muito tempo perdido, tinha muitos prazeres
para explorar.
Constantine ergueu a cabeça e a olhou, e nesse momento ela voltou a fixar-se em
quão escuros eram seus olhos e quão bem ocultavam sua verdadeira identidade. Não era
preciso conhecê-lo. Entretanto, sempre quis fazê-lo. Afinal, Constantine não era só um corpo
masculino a ser utilizado para seu prazer. Tomara que fosse. A vida seria muito mais simples.
E também teria muito menos estímulo.
Percorreu o nariz dele com um dedo.
— Como aconteceu? — perguntou.
— O nariz quebrado? — precisou ele — Uma briga.
— Constantine — repreendeu-o — não comece. Não me faça insistir.
— Com Moreland, embora ainda não fosse Moreland — explicou — Com meu primo.
Elliott. Éramos crianças.
— E você levou a pior parte? — quis saber.
— Meu primo passou todo um mês com pinta de salteador de caminhos com máscara
— respondeu — Por desgraça, os hematomas não necessitam que alguém os endireite
porque se vão sozinhos. As fraturas de nariz sim o necessitam, e a minha não endireitaram
bem. O médico era um médico rural ruim.
— É mais bonito precisamente pelo nariz — assegurou Hannah — Talvez esse médico
ruim soubesse muito bem o que estava fazendo. Por que brigaram?
— Deus saberá — respondeu ele — Recorremos aos punhos em mais de uma ocasião
enquanto crescíamos. Essa briga foi uma das melhores.
— Isso quer dizer que sempre foram inimigos? — perguntou — Ou que foram amigos?

70
— Vivíamos a poucos quilômetros de distância — respondeu ele — e tínhamos quase a
mesma idade. Elliott era... É, na realidade, três anos mais velho que eu. Fomos muito bons
amigos, salvo quando brigávamos.
— Mas em um dado momento brigaram e não fizeram as pazes — indicou.
— Algo assim — replicou Constantine.
— O que aconteceu?
— Comportou-se como um imbecil pomposo e, eu me comportei como um idiota
teimoso. E certamente não devo usar o passado. Segue sendo um imbecil pomposo.
— E você segue sendo um idiota teimoso?
— Ele me chamaria algo pior.
— Não deveriam se falar? — Olhou-o com o cenho franzido.
— Não — respondeu com firmeza — Não deveríamos nos falar absolutamente,
Duquesa. E você tampouco deveria estar falando. Deveríamos estar na cama, concentrados
em nos dar prazer.
— Ah, mas assim estamos desfrutando da emoção que supõe a espera.
— Ao diabo com a espera — replicou ele, que desceu as mãos, pegou-a nos braços e
saiu da sala com ela.
— Um homem dominante — comentou com aprovação ao mesmo tempo em que o
abraçava pelo pescoço uma vez mais — Estou certa de que me arrastaria pelos cabelos
escada acima se resistir.
— Com uma clava na mão livre — acrescentou ele — Quer resistir?
— Nem pensar — respondeu Hannah — Poderia andar mais depressa? Ou subir os
degraus de dois em dois?
Suas respostas conseguiram arrancar uma gargalhada, por fim!
— Terá sorte se ficarem forças quando chegarmos ao meu dormitório — advertiu
Constantine.
— Nesse caso economize o fôlego, idiota — Ordenou.
Entretanto, não pareceu que faltassem as forças nem o fôlego quando por fim a deixou
no chão de seu dormitório.
Hannah se agarrou a ele e o abraçou com força antes de suspirar de contentamento. O
desejo e a emoção aceleravam o coração de forma que o sangue corria pelas veias como
uma corrente.
— Se quiser, pode continuar se mostrando dominante e me atirar à cama para me
devorar. E se não quiser, também.
Constantine voltou a pegá-la nos braços e a obedeceu.
Literalmente. Ricocheteou três vezes sobre o colchão antes de ficar deitada.
Sim, certamente que escolhera o homem adequado.
Passou a devorá-la sem se preocupar com a roupa, salvo ali onde era imprescindível
tirá-la.
— Mmm — murmurou quando Constantine se afastou dela.
71
Quando tudo terminou, Hannah pensou que valeu a pena sacrificar seu vestido de
noite azul marinho, embora fosse um de seus preferidos. Devia ter ficado em um estado
lamentável.
E ela estava infelizmente envolvida em sua aventura primaveril.
Ao fim de um instante tinha a cabeça apoiada em seu ombro e estava aninhada contra
ele, agasalhada com o lençol e o cobertor, apesar de não saber como tinham chegado até ali.
Adormeceu na hora.

CAPÍTULO 8

72
Hannah estava sentada no peitoril acolchoado de seu gabinete particular em
Dunbarton House, com as pernas dobradas na frente. Era uma de suas posturas preferidas
quando não se achava em público, mas fez recordar a primeira noite que passou em casa de
Constantine na semana anterior. Seu peitoril era mais largo e era acolchoado, além disso, era
dia e a janela dava para um extenso jardim, com coloridos canteiros de flores, não à rua.
Fazia um dia estupendo... E ela e Barbara estavam encerradas em casa.
— Tem certeza de que não quer sair, Babs? — perguntou ao mesmo tempo em que
voltava a cabeça para olhar a sua amiga.
Como era habitual, enquanto ela se sentava sem fazer nada, Barbara estava direita
como um pau, diligentemente ocupada com um complicado bordado.
— Estou culpada por mantê-la encerrada.
— Estou encantada — replicou Barbara — Tudo foi um torvelinho de atividade desde
que cheguei à cidade, Hannah, e me sinto quase aflita pelos acontecimentos. Agrada-me
passar um dia tranquilo.
— Mas esta noite será o baile dos Kitteridge — recordou — Está certa de que quer ir?
— É claro — respondeu sua amiga — Se eu não for, você não poderá ir.
— Porque não teria acompanhante? — perguntou Hannah com um sorriso.
— Nem sequer você se atreveria a ir a um baile sozinha — replicou sua amiga,
erguendo a vista.
— Poderia mandar uma nota urgente ao Lorde Hardingraye ou ao Senhor Minter, ou a
um bom número de Cavalheiros, e teria um acompanhante disposto em seguida — replicou.
— Não ao Senhor Huxtable? — Barbara arqueou as sobrancelhas.
— Depois de termos aparecidos juntos no teatro, apesar da companhia do Senhor e
Senhora Park e seu irmão, dos Barões Montford e também de você, estou muito certa de que
todas as conversas que se mantiveram esta tarde, em todos os salões londrinos, nos
catalogaram como amantes. Devemos nos rodear disso que chamam decoro, Babs. O Senhor
Huxtable não me acompanhará esta noite, bem como ninguém mais, assim estou condenada
a ficar em casa.
— Ah! Por Deus, então irei — disse Barbara, que retomou seu trabalho — Não há
necessidade de que escreva a nenhum Cavalheiro.
— Só se quiser de verdade — indicou — Não é minha dama de companhia, Babs. É
minha amiga. E se quer ficar esta noite em casa, eu também o farei.
— Devo confessar que depois de ter ido a um baile da alta Sociedade com você —
respondeu Barbara — estou ansiosa para ir a outro. Acha que me estou convertendo em
uma pessoa... Imoral?
Hannah olhou o alto da cabeça de sua amiga com um sorriso.
— Fica muito caminho para percorrer antes de poder aplicar-se esse qualificativo —
assegurou — Que não é o meu caso.

73
Estava um pouco sonolenta devido ao calorzinho do sol, que entrava em torrentes pela
janela. Despertou às cinco da manhã e despertara Constantine para que a levasse a casa, mas
eram mais das seis quando por fim se puseram em marcha.
Esteve certa sobre os perigos de dormir com um homem, sobretudo se esse homem se
levantasse a noite sem despertá-la e se despisse. De modo que pela manhã se acharam
muito quentinhos, sonolentos e amorosos. E abraçados. Demoraram uma hora muito
prazerosa para sair da cama.
— Foi muito difícil deixar para trás à mulher que foi para se converter no que é agora,
Hannah? — perguntou Barbara depois de uns minutos de silêncio, com a cabeça inclinada
sobre a costura — Refiro-me a depois de se casar.
Demorou um momento em responder. Barbara nunca tinha feito essa pergunta antes.
— Absolutamente — respondeu afinal — Tive um professor excelente. O melhor, de
fato. Eu não gostava da minha antiga forma de ser. Gostava da pessoa em que me converti.
O Duque me ensinou a amadurecer, a me valorizar enquanto me formava. E me ensinou a
ser uma Duquesa, esse foi seu presente. Ensinou-me a ser independente e autossuficiente.
Ensinou a não necessitar de ninguém.
Essa última parte não era estritamente verdadeira. Não foi consciente do muito que o
necessitava até que morreu. Seu Duque nunca disse que não necessitava de ninguém. Mas
bem foi ao contrário. Havia dito que necessitava de amor e ao precioso grupo de pessoas que
acompanharia o amor quando o encontrasse, uma pequena comunidade unida pela
sensação de pertença, tinha-o chamado. Tinha assegurado que algum dia o acharia. Ensinou
a não ser dependente enquanto esperava, mas utilizar sua força interior para não cair na
tentação de aferrar-se a um pálido substituto do amor.
Como o sexo, pensou nesse momento, fechando os olhos um instante.
Era muito mais aditivo do que tinha imaginado. Seria muito simples aferrar-se a ele,
viver para as horas que passava na casa de Constantine, para esses momentos nos quais via
satisfeitas todas suas necessidades.
Bem, não todas. Não devia esquecê-lo. Não devia cometer o erro de acreditar que as
necessidades que Constantine satisfazia eram as necessidades fundamentais de seu ser.
Porque tais necessidades não tinham nada que ver com o amor.
Constantine não tinha nada a ver com o amor.
— Eu gostava, Hannah — disse Barbara — De fato, amava-a muito. Lembro-me muitas
vezes de que era maravilhoso tê-la sempre tão perto, a um simples passeio através de um
campo semeado e um prado. E adoraria que continuasse vivendo ali.
— Pois se esse fosse o caso, não demoraria a me ver abandonada — replicou — vai se
casar com seu vigário dentro de pouco tempo.
— Não é exclusivamente meu vigário — recordou sua amiga com um sorriso, sem
afastar o olhar da costura — embora seja exclusivamente meu Simon. Amo-o muito, sabe?
Adora ler, é inteligente e quase incapaz de manter uma conversa frívola, embora o

74
pobrezinho o tente. Usa óculos e começa a ter entradas nas têmporas, embora ainda não
tenha completado trinta e cinco anos.
— Talvez seja um par de centímetros mais baixo que eu, embora quando use botas de
montar, fique da mesma altura. E tem o sorriso mais doce do mundo inteiro... Todos dizem
isso. Mas para mim tem um sorriso especial. Que me chega justo ao coração — Barbara
deixou a agulha no ar.
Seguiu com a vista cravada no bordado, com as faces um pouco ruborizadas e os olhos
brilhantes, contemplando um homem que fisicamente se achava muito longe dali.
Hannah sentiu uma pontada de inveja.
— Me alegro muito por você, Babs — disse — Sei que até agora a via conformada com
o celibato, apesar dos pretendentes adequados que teve ao longo dos anos. Mas esperou até
achar o amor.
— Hannah, alguma vez desejou ter esperado? — perguntou sua amiga, com a agulha
ainda suspensa no ar.
O rubor se estendeu por suas faces e desceu uma vez mais a agulha.
— Não — respondeu em voz baixa — Nunca, em nenhum momento.
— Mas... — Barbara deixou o tecido em seus joelhos sem ter dado um só ponto mais
— Mas não estava em condições de tomar uma decisão tão importante naquele preciso
momento. Estava muito alterada. E com toda a razão do mundo.
— Tive um anjo da guarda — explicou — que era o Duque de Dunbarton. Em uma
ocasião o disse. E quase se engasgou com o Porto.
— Mas, Hannah — insistiu sua amiga — era tão... Velho. Ai, por Deus, me perdoe!
— Só tinha cinquenta e quatro anos a mais que eu — recordou com um leve sorriso —
Apenas bastante velho para ser meu avô. De fato, uma vez me mostrou umas contas nas
quais demonstrava que poderia ter sido sua bisneta. Deixa-o já, Babs. Nunca admitirei ter me
casado com ele sem refletir e ter me arrependido depois. Casei-me com ele muito depressa e
jamais me arrependi, em nenhum momento. Por que ia me arrepender? Mimou-me e me
cobriu de ouro, e subi até entrar neste mundo — Abrangeu a sala com um gesto da mão — E
agora sou livre.
Voltou a rosto para a janela a toda pressa.
Lágrimas? Lágrimas?
— Hannah, deveria voltar para casa — aconselhou Barbara — Deveria...
— Já estou em casa — interrompeu e sua amiga a olhou com expressão triste.
— Venha ao meu casamento — suplicou — Pode ficar com meus pais. Nossa casa não
é absolutamente com o que está acostumada, mas sei que adorariam acolhê-la. E o dia de
minhas bodas seria perfeito se minha melhor amiga estivesse presente. Sei que Simon quer
conhecê-la. Por favor, venha.
— Perderão a vontade de me conhecer quando souber no que me converti —
assegurou — Além disso, estaria enganando seus pais se ficasse sob seu teto tal como sou.

75
Seu mundo é diferente do meu, Babs. Vivem em um mundo mais inocente, em um mais
decente.
— Venha de qualquer forma — insistiu sua amiga — Irão querer você por si mesma,
assim como eu. Sou muito puritana e dissimulada, Hannah. Sigo sendo uma solteirona que
cresceu junto à Igreja. Estive a ponto de ficar para vestir Santos, mas em meu caso o dito
quase é certo. Detesto o que se tem feito durante estes últimos dias, porque não acredito
que seja feliz. E acredito que sua infelicidade crescerá à medida que sua relação com o
Senhor Huxtable progredir. Acha que quer prazer, quando na realidade quer achar o amor.
Mas já falei muito e tinha prometido não dar sermão. Venha ao meu casamento de qualquer
forma. Não parece que é hora de retornar? Passaram-se mais de onze anos.
— Precisamente por isso — replicou — Babs, agora levo uma vida totalmente
diferente, em um universo diferente. Todo o anterior deixou de existir para mim. Não quero
que exista.
— E no que me converte isso? — Perguntou sua amiga — Em um fantasma?
— Ai, Babs! — Exclamou, e teve que voltar de novo a cabeça para ocultar as lágrimas
que inundavam os olhos — Não me abandone nunca.
Escutou o frufrú da seda as suas costas e, em seguida, viu-se envolvida em um forte
abraço.
Agarraram-se uma à outra um bom tempo, enquanto ela se sentia como uma idiota. E
por estranho que parecesse, tão penalizada como no dia que o Duque morreu.
— Olhe que é tonta — disse Barbara com uma voz um tanto trêmula — Como quer
que deixe de ser sua amiga quando é tão rica e me leva aos bailes da alta Sociedade e insiste
em comprar um frívolo chapéu, cada vez que a enrolo para que me convide a vir a Londres?
Hannah desceu as pernas do peitoril da janela e alisou as saias do vestido de
musselina.
— Era um chapéu esplêndido, não é verdade? — replicou — se não tivesse me deixado
comprá-lo ontem, teria comprado eu, e onde o teria metido? Já tenho todo o roupeiro e o
quarto de hóspedes adjacente arrebentando de roupa... Ou isso se murmura, e todo mundo
sabe quão confiáveis são os rumores.
— Estou no quarto de hóspedes adjacente ao seu roupeiro — comentou Barbara ao
mesmo tempo em que se endireitava e virava para dobrar o tecido.
— Pois me compadeço de você — disse — Deve ser dificílimo passar pela porta,
mesmo se vai de lado.
Barbara soltou uma gargalhada.
— Virá ao meu casamento? — perguntou em voz baixa.
Hannah suspirou em silêncio. Tinha abrigado a esperança de que tivesse esquecido o
tema.
— Não posso, Babs — respondeu — Não voltarei. Mas talvez você e seu vigário
possam passar parte de sua lua de mel comigo em Kent.

76
Uma criada entrou nesse momento, levando o chá, e a conversa derivou para outros
temas.
Não era infeliz, disse-se Hannah. Barbara estava muito enganada. E sua infelicidade
não aumentaria. Como iria fazê-lo quando nem sequer era infeliz? Estava desejando que
chegasse a noite, o momento posterior ao baile.
O desejo que sentia talvez fosse superficial, mas também era muito poderoso.
A possibilidade de chegar a se cansar, algum dia, da forma como Constantine fazia
amor, era inconcebível. Claro que tudo teria que acabar assim que terminasse a temporada
social. Mas para isso faltava muito tempo. Nem sequer valia a pena pensar nisso nesse
momento. Ficou de pé e serviu o chá.
Na primeira hora da tarde chegou uma nota a casa de Con, da parte de Cassandra, a
Condessa de Merton e esposa de Stephen, para convidá-lo para jantar em Merton House
antes do baile dos Kitteridge. Não tinha compromissos prévios, de modo que se alegrou de
responder que iria.
Ao longo dos anos tentara muitas vezes guardar rancor, inclusive odiar Stephen, que
tinha herdado o título de Jon e que se apresentara aos dezessete anos em Warren Hall como
seu novo proprietário, acompanhado de suas irmãs. Os quatro eram então uns
desconhecidos para ele, e nem sequer sabia de sua existência, até que Elliott e seus
advogados estudaram a árvore genealógica, em busca de um herdeiro longínquo. E,
inclusive, depois de ter localizado esse ramo familiar, não foi nada fácil encontrá-los no
lugarejo perdido de Shropshire, onde viviam.
O ódio o consumiu antes de conhecê-los. Iriam invadir seu lar, pisotear suas
lembranças, apoderar-se de algo que deveria ter sido dele. Mas o pior era que Jon estava
enterrado nas terras que pertenciam a um desconhecido.
Odiou-os durante um tempo antes de conhecê-los.
Mas como odiar Stephen uma vez que o conhecia? Seria como odiar os anjos. E
igualmente difícil era odiar suas irmãs. Os quatro se alegraram muito quando descobriram
sua existência. Acolheram-no como a um filho pródigo. Todos compreenderam como devia
se sentir pela sucessão.
Ao chegar a Merton House, Con descobriu que Margaret e Duncan, o Conde de
Sheringford, também foram convidados ao jantar. Margaret era a mais velhas das três irmãs,
a que se ocupara para que a família continuasse unida depois da morte de seus pais. Tinha
mantido seu celibato com teimosia até que seus irmãos ficaram maiores.
E então se casara. Sua escolha de marido pareceu desastrosa em seu momento, mas
logo o matrimônio tinha sobrevivido e também parecia ter florescido.
Con relaxou e desfrutou do jantar. A comida era boa e a companhia e a conversa,
agradáveis. Não suspeitou sequer que pudesse existir um motivo oculto para tê-lo
convidado, até que se retiraram ao salão depois de jantar, uma hora antes de chegar o
momento de sair para o baile.

77
— Cassandra e eu fomos à casa de Kate, esta manhã — comentou Margaret enquanto
Cassandra servia o chá — Nessie nos acompanhou. Kate está grávida outra vez depois de
tanto tempo. Sabia, Constantine? Está muito contente e também um pouco enjoada de
manhã — Disse que Jasper e ela passaram uma noite muito agradável.
Ah! Pensou Con.
— Não estava a par de sua gravidez — respondeu — Suponho que os dois estão muito
contentes.
Tinham falado dele durante essa visita matinal, não coube a menor dúvida. Esperou
que o confirmassem.
— Estivemos falando de você — continuou Margaret.
— De mim? — Repetiu, fingindo assombro — Devo me sentir adulado?
— Já tem mais de trinta anos — indicou Margaret.
Perguntou-se como abordariam o tema. Não podiam dar um sermão abertamente por
aceitar à Duquesa de Dunbarton como amante, não é verdade? Como damas de boa
educação, não podiam admitir estar a par de semelhante acerto, nem sequer de suspeitá-lo.
É claro, Margaret era a encarregada de falar.
Cassandra fingia estar muito ocupada com o bule. Stephen e Sherry tratavam de
aparentar que a conversa não tinha nada de extraordinário.
— Enfim — replicou ele com um suspiro — Deus não quer que fiquemos parados nos
vinte anos, Margaret. Que pouca consideração de sua parte.
Todos se puseram a rir, Margaret inclusive, mas sua prima não se deixou desviar de
seu objetivo, fosse qual fosse.
— Constantine, todos estamos de acordo em que deveria começar a pensar no
matrimônio. É nosso primo e...
— Segundo primo — corrigiu com ênfase — E no caso de Cassandra, só por lei.
— Esta noite está de bom humor, Meg — comentou Cassandra — Não está taciturno,
assim não pensa tomar nada a sério.
Stephen bebeu um gole de chá. Con trocou um olhar exasperado com Sherry.
— Tomo muito a sério a ideia do matrimônio — assegurou — Sobretudo do meu. E,
sobretudo quando a ideia parte de um comitê formado pelas mulheres de minha família.
Porque há um comitê, não? Há também alguma dama em particular que queiram que tenha
em conta?
Margaret abriu a boca para falar e voltou a fechar.
Cassandra se limitou a sorrir. Seus respectivos maridos se limitaram a seguir bebendo
chá.
— Ou uma em particular que queiram que não tenha em conta? — corrigiu-se.
Cassandra soltou uma gargalhada.
— Disse que cheiraria logo do que ia tudo isto, Meg — comentou — Mas, Con,
asseguro— que só pensamos em sua felicidade. Nem sequer levo um ano nesta família, mas
também quero vê-lo feliz.
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— Cuidado com uma mulher felizmente casada — disse ele — Confabulará e intrigará
até obter que todos os outros também sejam felizes.
Stephen sorriu e Sherry se pôs a rir.
— O que tem isso de mau? — perguntou Margaret, claramente aborrecida.
Estava olhando para Sherry.
— Katherine percebeu do assunto ontem à noite no teatro, não é verdade? —
perguntou Con — Não gostou do que viu. E todas deram a razão esta manhã. Seria
interessante saber se Vanessa também o fez.
— Todos os anos tem uma favorita, Constantine — recordou Margaret quando se
sentou em sua poltrona, com a xícara e o pires nas mãos — até agora, todas foram damas
agradáveis. Agradou-me muito a Senhora Hunter, no ano que Duncan e eu nos casamos.
Margaret ficaria vermelha se pedisse que explicasse a que se referia exatamente com
"favorita", pensou Con.
— Também me agradava — replicou — Por isso foi minha favorita nesse ano. Mas
espero que não vá pedir-me que pense nela como minha futura esposa. Casou-se com Lorde
Lund há dois verões.
— E deu-lhe um herdeiro no ano passado, acredito — disse Sherry — Fez bem em
esquecê-la, Con.
Margaret lançou um olhar indignado ao seu marido.
— A Duquesa de Dunbarton é bonita — disse — Ninguém pode negar. Atrai todos os
olhares aonde vai, e não é só por sua beleza. É uma mulher fascinante.
— Acredito que agora vem um ‘mas...’ — disse Con.
Cassandra tomou a palavra.
— Kate está convencida de que a Duquesa decidiu convertê-lo em seu favorito, Con —
disse — E se a Duquesa quer algo, ao que parece costuma conseguir. Embora se diga que é
muito inconstante em suas preferências. Na semana que vem ou na seguinte poderia ter
outro favorito. — Cassandra parecia muito desconfortável.
Olhou com o cenho franzido para Stephen, que por sua vez a olhava com um sorriso.
— Constantine, não me negará que tem reputação de promíscua — atravessou
Margaret — E acredito que bem merecida.
O que diriam se lhes contasse que a Duquesa fora virgem até fazia pouco mais de uma
semana e que perdera tal virgindade com ele? Perguntou-se.
— E teme que acabe ferido e com o coração destroçado se sucumbir as suas más artes
nesta semana e talvez na seguinte? — Quis saber — Teme que não seja rival para alguém a...
Experiência da Duquesa, embora digam que sou a personificação do demônio? Comove-me
sua preocupação.
A situação era muito engraçada.
— Ai, Deus! — Exclamou Cassandra ao mesmo tempo em que soltava a xícara e o pires
com mais força do que a conta — Não tínhamos planejado falar do assunto desta maneira,
não é, Meg? Kate vai se zangar muito conosco. É claro que foi capaz de dirigir Sua Excelência
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e se converter-se em sua... Isto... Favorita. De fato, estou certa de que há várias pessoas que
estão aconselhando não relacionar-se com você. O que queríamos dizer, ou sugerir ou
insinuar, movidas pelo afeto que temos, não tenha a menor dúvida, é que talvez tenha
chegado a hora de se deixar de paqueras e relações esporádicas e se concentre no
matrimônio. É um grande partido. E muito bonito, além disso, embora não esteja certa de
que seja a palavra adequada para descrevê-lo. Converte-se no centro dos olhares aonde vai...
Assim como a Duquesa.
— Estragamos tudo, Constantine — admitiu Margaret — Queríamos dar um sutil
empurrãozinho para que empreendesse o caminho para o matrimônio em vez de... Enfim.
— Talvez deveríamos falar do tempo que fará amanhã, meu amor — sugeriu Sherry —
Ou do que fará a semana que vem. Ou o mês que vem.
Margaret sorriu um instante antes de soltar uma gargalhada que parecia sincera.
— Que tal lhes parece que nos esqueçamos dos últimos cinco minutos e comecemos
de novo? — perguntou.
— Não, Por Deus! — disseram Sherry e Stephen ao mesmo tempo.
— Pois eu quero saber o que disse Vanessa a respeito — disse Con.
Vanessa, a segunda das irmãs, era uma boa amiga dele até se casar com Elliott, o
Duque de Moreland. Pouco depois das bodas e em seu esforço de vingar-se de Elliott, de
forma tão estúpida e pueril, como encarava naquele tempo o longo enfrentamento que os
afastava, tinha feito mal sem querer, embora de um modo previsível e a humilhara. E
Vanessa mal tinha dirigido a palavra depois.
Aquela não foi sua melhor época. De fato, admitia que foi uma das piores de sua vida.
Para falar a verdade, cada vez que via Vanessa ou que pensava nela se sentia afligido pela
culpa e pela vergonha.
— Na realidade ela estava no quarto das crianças enquanto falávamos do assunto. Foi
levar um presente ao Hal e admirar Jonathan — comentou Margaret — Cassandra o levou
consigo.
Hal era o filho de Katherine e Monty, que já tinha quatro anos.
Stephen tinha escrito uma carta depois do nascimento de seu próprio filho para
perguntar se incomodaria muito que chamassem Jonathan ao bebê. Con se incomodara
muito, tanto que quase lhes respondeu negando-se em redondo. Mas se deteve ao pensar
no muito que teria gostado seu irmão. Imaginou suas alegres e escandalosas gargalhadas
com tal clareza que foi como se as escutasse. De modo que o novo herdeiro do título se
chamava Jonathan.
Por estranho que parecesse, a ideia foi reconfortante quando depois de chegar a
Londres foi conhecer o bebê.
— Não deveríamos ter dito nada — continuou Margaret — Duncan e Stephen estão
todo este tempo rindo descaradamente, e você não se comportou muito melhor,
Constantine. Levou isso na brincadeira.
— Muito melhor que exagerar a importância, Maggie — comentou Sherry.
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— Verá, Con, o problema é que minhas irmãs esperavam se fazer de casamenteiras,
durante anos, comigo — explicou Stephen — Mas tive a falta de vergonha de me apaixonar
por Cassandra o ano passado, com apenas vinte e cinco anos, quase um bebê, virtualmente.
Você é o único parente que fica, embora só seja um primo de segundo grau, de modo que vai
ter que suportar todo seu... Afeto, até que se case com uma mulher digna de você e viva feliz
para sempre. Se fosse inteligente se casaria este ano e viveria em paz para sempre.
— Salvo pelo detalhe de que estaria casado — indicou Constantine.
— Já basta! — Margaret ficou em pé de um salto — Temos que ir a um baile e
detestaria chegar tão tarde que os anfitriões já não estivessem na porta para nos receber.
E com isso, pensou Con, resolvia-se o assunto.
De momento, ao menos. Mas sua família não aprovava sua amante primaveril.
Ou a sua favorita, para empregar o eufemismo com o que as damas poderiam sentir-se
medianamente confortáveis.

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CAPÍTULO 9

Chegaram tarde ao baile dos Kitteridge, mas não foram os últimos. A Duquesa de
Dunbarton chegou depois deles, embora isso fosse o normal.
Con estava falando com um grupo de conhecidos quando percebeu a chegada dela
pela leve mudança nas conversas. O comentário de Margaret não podia ser mais acertado.
A Duquesa atraía os olhares aonde ia, e essa noite não foi exceção. Só teve que passar
em frente à linha de recepção com sua amiga para que todo mundo se voltasse e a olhasse.
Voltava a ir de branco resplandecente. Rendas com fios prateados sobre seda branca.
Levava o cabelo encaracolado e recolhido em um complicado coque, embora algumas
mechas caíssem pelas têmporas e pelo pescoço, a fim de atrair olhares e incitar à
imaginação. O penteado era coroado por uma pequena tiara de reluzentes diamantes. Os
diamantes que adornavam suas orelhas, decote, pulsos e dedos enluvados cintilavam e
resplandeciam a luz das velas. Percebeu-se de que também levava diminutos enfeites de
diamantes bordados nas laterais de seus sapatos brancos.
Ou talvez não fossem diamantes...
Na noite anterior desfolhara outra pétala da rosa, de modo que se perguntou se
haveria mais depois de tudo. Vendera dois terços de seus diamantes, sem dúvida alguma em
troca de uma soma exorbitante, porque queria contribuir em certos projetos de seu
interesse. Projetos beneficentes, se não tivesse entendido mau. A dama tinha um
coraçãozinho, portanto, e consciência social.
A seu modo também foi uma revelação surpreendente, do mesmo modo que foi sua
virgindade. Porque abrigava a inquietante suspeita de que julgara mal a Duquesa, de que
talvez não fosse uma pessoa superficial depois de tudo. Entretanto, não era o único que
achava isso dela, tal como demonstraram as palavras de Margaret. De modo que não podia
recriminá-la.
Atravessou o salão de baile em direção à Duquesa, consciente de que seu avanço
suscitava o interesse dos convidados. Muito poucos dos presentes ignorariam que a Duquesa
era sua nova amante ou que ele era o novo amante da Duquesa, segundo a perspectiva de
cada um. Era impossível que dois membros da alta Sociedade mantivessem uma aventura em
segredo.
Saudou as damas com uma reverência, convidou a Duquesa para dançar uma das
valsas da noite e a Senhorita Leavensworth, a primeira dança. Então o séquito de
admiradores habituais se reuniu em torno dela.
Acompanhou à Senhorita Leavensworth à pista assim que viu que se formavam as filas.
Convidou-a para dançar porque era amiga da Duquesa, sua convidada, e também porque
conversara uns minutos com ela na noite anterior, durante a noite no teatro, e descobriu que
82
o agradava. Parecia uma mulher sensata e inteligente. A verdade era que não tinha nenhum
motivo oculto para dançar com ela, ao menos não a princípio. Perguntou por seu lar ao
pensar que talvez sentisse nostalgia, sobretudo porque seu noivo se achava no povoado que
deixara atrás.
— O problema de passar a temporada social em Londres é que por muito que alguém
se divirta — comentou enquanto esperavam que a música soasse — Sempre se sente
nostalgia pelo campo. Acontece-me isso. Com você também?
— Certamente, Senhor Huxtable, embora pareça um tanto ingrato admitir isso —
respondeu ela com seriedade — É maravilhoso estar aqui e nunca esquecerei que vim a
bailes da alta Sociedade, assisti ao teatro e à ópera, e que visitei os Museus e as galerias de
arte mais famosas durante minha vinda. E o melhor é que o fiz com Hannah, a quem vejo
muito pouco. Até ir às compras foi mais emocionante do que imaginava. Mas tem razão,
confesso que sinto muito a falta de minha família e de meu noivo.
— E seu povoado? — perguntou.
— Também sinto falta do povoado — admitiu — Londres é tão... Grande.
E nesse momento viu a forma de satisfazer uma vaga curiosidade. Ou possivelmente
não fosse tão vaga. Todos sabiam que a Duquesa utilizara sua beleza para sair do anonimato
e converter-se na esposa de um Duque, que continuava solteiro aos setenta anos. Um conto
de fadas em toda regra, salvo pelo detalhe de que a enorme diferença de idade tinha privado
à história de romantismo, convertendo-a em algo sórdido. Não obstante, nada se sabia sobre
a vida anônima de onde tinha saído a Duquesa. E quando perguntou por sua família, ela se
limitara a encolher os ombros e a responder que não tinha. Porém, em algum momento de
sua vida teve família.
— De que povoado é você? — perguntou à Senhorita Leavensworth.
— De Markle — respondeu ela — fica em Lincolnshire. Ninguém ouviu falar dele, salvo
os que vivem a menos de vinte quilômetros ao redor. Mas é tranquilo e muito bonito, e é
meu lar.
— Seus pais ainda vivem?
— Sim. Tenho essa sorte. Meu pai era o vigário, mas já se aposentou e vivemos em
uma casinha nos subúrbios do povoado. É menor que o vicariato, mas muito acolhedora.
Meus pais são muito felizes nela. E eu também, embora me mude para o vicariato quando
casar em agosto.
— E nessa ocasião será a Senhora da casa — comentou Huxtable — não a filha.
— Sim — Sorriu — irá me parecer estranho. Embora esteja desejando com todas
minhas forças que chegue o momento.
— Markle... — disse Con, carrancudo — me lembra algo. A que aristocrata pertencem
as terras?
— Conhece Sir Colin Young? — Perguntou ela por sua vez ao mesmo tempo em que
oferecia a resposta — Vive em Elm Court, muito perto do povoado. Com Lady Young e seus
cinco filhos. De fato, Lady Young é... — Guardou silêncio de repente e se ruborizou.
83
Con esperou um instante e arqueou as sobrancelhas, mas ela não acrescentou nada
mais.
— Acho que a dança está a ponto de começar — disse.
— Sim! — Exclamou sua companheira com alegre entusiasmo — Tem razão. Olhe
todas essas flores! E todas as velas que há nos lustres. Haverá centenas. E tantos
convidados... Sonharei com este momento quando voltar para casa.
Con supôs que não era das mulheres que se deixavam levar pelo entusiasmo. Algo a
tinha chateado. Suas perguntas, possivelmente, sobretudo a última. E as respostas que dera.
Inclusive a que deixara pela metade. Teria percebido que na realidade tentava surrupiar-lhe
informação?
Foi um gesto muito feio de sua parte.
Mas quem era Lady Young? Jamais ouvira falar de Markle, nem de Sir Colin Young.
Provavelmente era um Baronete, mas o homem não devia ter se relacionado muito com a
Sociedade londrina.
A peça inaugural era uma elegante contradança de passos complicados e majestosos.
A Senhorita Leavensworth era uma boa bailarina.
A Duquesa devia ter crescido também em Markle. Seria ali onde conheceu Duque de
Dunbarton? E de quem era o casamento a que o Duque fora? De Young?
A essas alturas tinha conseguido incomodar à Senhorita Leavensworth. E se tinha
recriminado por isso. De modo que não tinha desculpas para seguir indagando.
Mas continuou.
— Sir Colin Young... — disse quando os passos da dança os uniram ao menos um
minuto — Não é parente do Duque de Dunbarton?
— Um primo longínquo, acredito — respondeu ela.
O décimo quarto na linha de sucessão, se não estava enganado.
Era impossível perguntar como era o sobrenome de solteira da Duquesa. Entretanto,
supôs que sua família devia ocupar um posto mais baixo na escala social que o de Young,
porque do contrário, a Senhorita Leavensworth a teria mencionado como a família mais
importante da área. A menos que a Duquesa fosse uma irmã ou uma filha do tal Young. Uma
possibilidade que não podia descartar. De qualquer forma, teria ultrapassado todas as
esperanças depositadas nela ao caçar um Duque, embora fosse um ancião. Ou talvez
precisamente por isso. Casar-se com ele foi um modo muito engenhoso de ganhar posição e
fortuna, além da promessa da iminente liberdade.
É claro, essa era a opinião generalizada que se tinha sobre a Duquesa de Dunbarton.
Entretanto...
Entretanto, vendera a maior parte das pedras preciosas que Dunbarton lhe dera para
doar esse dinheiro a certos projetos de seu interesse. E conservava o resto das joias por seu
valor sentimental. No caso de poder acreditar nela, claro. Mas acreditava.
Seria a Duquesa uma mulher misteriosa depois de tudo?
Por que estava se fazendo todas essas perguntas?
84
Que interesse podia ter ele em descobrir quem era de verdade... Ou quem foi? Nunca
havia sentido semelhante compulsão com nenhuma de suas amantes. E nesse momento
percebeu algo. Como se sentiria ele se a Duquesa remexesse nos cantos secretos de sua
vida?
Não devia fazer mais perguntas.
Acabavam de chegar à cabeça de suas respectivas filas, e era sua vez de passar entre
ambas virando para voltar para o final e começar de novo. A Senhorita Leavensworth riu a
gargalhadas enquanto giravam, e Con sorriu.
Não obstante, foi incapaz de deter o rumo de seus pensamentos. A Duquesa e a
Senhorita Leavensworth eram amigas de infância. Um detalhe ao qual não dera importância
até esse momento. A Senhorita Leavensworth era uma mulher de família e aspirações
modestas, a filha de um vigário aposentado, noiva de um vigário em ativo.
Entretanto, a Duquesa tinha mantido sua amizade ao longo dos dez anos do
matrimônio que a elevara até uma posição imensamente mais elevada que a que ocupava a
filha do vigário. Ocorreu outra pergunta.
— Mantém a Duquesa e você correspondência quando não se vêem? — perguntou
assim que os passos da dança voltaram a brindar a oportunidade de falar.
— Escrevemos uma vez por semana, no mínimo! — exclamou — Às vezes mais se
houver algo interessante que contar. Hannah e eu somos umas consumadas redatoras de
cartas.
— A Duquesa não a visita?
— Não — respondeu.
Sem acrescentar mais explicação.
— Mas estou tentando convencê-la de que vá ao meu casamento em agosto —
declarou ao fim de um momento — Para mim significaria muito contar com a presença de
minha melhor amiga. Disse-me que não, mas ainda não perdi a esperança.
De modo que não pensava voltar para Markle, nem sequer para a ocasião das bodas
de sua amiga... A Duquesa de Dunbarton que ele tinha acreditado conhecer, a que todo
mundo achava conhecer, ficaria encantada em voltar para casa com um séquito de criados,
para exibir título e fortuna diante dos toscos entre os quais tinha crescido.
Seria verdade então que não tinha família?
— Não tem família com a que alojar-se? — perguntou.
— Pode ficar com meus pais — respondeu a Senhorita Leavensworth — Ficariam
encantados de que o fizesse.
O que podia ser um sim ou um não. Devia deixá-lo já. Sentia-se um pouco culpado.
Possivelmente mais que um pouco. Estava bisbilhotando.
— Já visitou a Torre de Londres? — perguntou mudando de assunto.
— Ainda não — respondeu ela — Mas espero fazê-lo antes de retornar a casa.
— Se parecer bem, ficaria encantado de acompanhá-las uma tarde.

85
— Oh, é muito amável, Senhor Huxtable! Entretanto, não sei se Hannah irá se
interessar...
— Recordarei que poderá se colocar no mesmo lugar que cortaram a cabeça de Ana
Bolena, entre muitas outras pessoas ao longo dos anos. Estou certo de que isso despertará
seu interesse.
O comentário a fez rir.
— Possivelmente tenha razão — reconheceu — Entretanto, eu evitarei esse lugar de
forma intencional.
— Falarei com a Duquesa para organizar a visita — disse.
E se concentrou nos passos da dança. Uma atividade que sempre gostara. Deu uma
olhada pela fila das damas e viu que estavam todas suas primas, Vanessa inclusive, e também
Averil e Jessica, as irmãs de Elliott. A única ausente era Cecily, que se achava no campo,
esperando sua terceira gestação.
A Duquesa também dançava, e sua beleza era espantosa.
Ao seu lado se achava a Condessa de Lanting, a irmã mais nova de Monty. E é claro,
também estavam todas as jovenzinhas que foram apresentadas nessa temporada em
Sociedade e lançadas ao mercado matrimonial. Algumas pareciam alegres e contentes,
outras fingiam a expressão enfastiada que estava tão em voga, como se a situação fosse
cotidiana para elas e se aborrecessem como ostras.
Na fila da qual ele fazia parte se achavam os Cavalheiros.
A orquestra tocava uma melodia muito alegre. Os pés dos bailarinos ressonavam sobre
o assoalho, um som que sempre o incitava a seguir o ritmo com o pé embora não se
encontrasse na pista, mas observando em um lado. O ambiente estava carregado com o
aroma das flores, perfume e suor.
Os Kitteridge deviam estar respirando aliviados. Sua filha, bastante jovem, estava
dançando com o Visconde de Douram, um jovem candidato que não cabia dúvidas, foi
escolhido conscientemente para a ocasião. De modo que podiam considerar o baile como
um grande êxito.
Nesse momento, tanto ele como a Senhorita Leavensworth, se aproximavam de novo
à cabeça da fila.

Hannah dançou a peça inaugural com Lorde Netherby, a segunda com Lorde
Hardingraye, um amigo íntimo com quem podia relaxar e falar em confiança. Estava nervosa
e emocionada. Porque depois dançaria uma valsa com Constantine. Só dançaria essa peça
com ele, mas seria suficiente. Não havia dança mais fascinante que a valsa quando se
contava com um par atraente, e ninguém era mais atraente que Constantine Huxtable.
Dançaria a valsa com ele e depois, quando a festa acabasse, iria segui-la em sua
carruagem como na noite anterior e partiria com ele para passar a noite em sua casa, ou o
que restasse da noite.
86
Essa seria a tônica de seus dias, e de suas noites, durante o resto da primavera.
Tomara fosse para sempre! Desejou.
Pela primeira vez na vida não ansiava a chegada do verão. Que demorasse tudo o que
quisesse. E tampouco se sentia culpada com respeito à Barbara. Afinal, não ia desatendê-la.
Passariam todos os dias juntas.
Que maravilhoso parecia tudo, depois da tristeza do ano anterior! Porque foi muito
triste.
O Duque não teria gostado que fingisse o contrário.
Tinha-o chorado, ainda o fazia, mas chorá-lo em solidão, literalmente falando e levar
luto durante um ano inteiro foi aborrecidíssimo. O Duque teria aconselhado que saísse para
desfrutar da vida, estava convencida disso. Entretanto, só saíra para cavalgar pela
propriedade e pelos terrenos próximos a Copeland Manor, e para visitar seus amigos do Fim
do Mundo em todos os poucos dias. Foi uma esposa fiel em vida do Duque. E foi uma viúva
fiel durante o ano de luto.
E nesse momento... Pois estava se divertindo muito. Não pensava fingir o contrário.
Tinha sonhado com isso, tinha-o planejado e estava acontecendo. E o melhor de tudo era
que o Duque a aplaudiria. Estava muito segura.
— Excelência, poderia dizer-se que está resplandecente desde sua volta a Londres —
disse Lorde Hardingraye — De fato, se resplandecesse um pouco mais, me veria obrigado a
proteger os olhos com uma tela e me acusariam de ser um excêntrico.
— Já é um excêntrico — replicou ela com um sorriso — Todo mundo o diz.
Os olhos de Lorde Hardingraye a olharam com um brilho alegre.
Constantine estava dançando com Lady Fornwald.
Barbara estava... Barbara não estava no salão de baile. Lançou um olhar pela sala, mas
não viu sua amiga em nenhum lado. Nem sequer escondida em algum canto tranquilo.
Recordava que se desculpara depois da peça inaugural para ir ao toucador de Senhoras, mas
isso fazia séculos.
A música chegou ao seu fim e Barbara continuava sem aparecer. Olhou a multidão
para assegurar-se de que não a via antes de ir a sua busca no toucador. Era impossível que
ainda estivesse ali.
Entretanto, estava.
Sentada em um canto de costas à porta, ignorando a um grupo de jovenzinhas
faladeiras que por sua vez a ignoravam enquanto riam e falavam com gritinhos.
Em outro canto viu uma silenciosa criada que aguardava se, por acaso, alguém
necessitasse ajuda com uma bainha descosturada ou com algum cacho que devia devolver ao
seu lugar.
— Babs? — Hannah se sentou junto a sua amiga — Encontra-se mau?
Barbara nem sequer a olhou. Tinha um lenço nas mãos que não parava de retorcer.
Não havia rastro de lágrimas em suas faces, mas parecia estar à beira do pranto.
— Vai me odiar — assegurou — Não voltará a confiar em mim.
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— Babs? — repetiu Hannah.
— Traí você — confessou Barbara — Sei quanto valoriza sua privacidade e a traí.
Que afirmação mais estranha! Esperou que sua amiga terminasse de se explicar.
— Disse ao Senhor Huxtable o nome de nosso povoado — Seguiu Barbara — Falei que
o S... Sir Colin Young. Estive a ponto de falar sobre... Sobre Dawn! Mordi a língua no último
momento. E disse que Sir Colin era um primo longínquo do Duque de Dunbarton.
— A isso chama traição? — Perguntou Hannah depois de uma breve pausa — Deu toda
essa informação por iniciativa própria?
— Não — reconheceu sua amiga — Ele me perguntou. E eu respondi. Sinto muito,
Hannah. Sei que não poderá me perdoar. Sei que esses nomes estão proibidos, inclusive
entre nós. E de qualquer forma os soltei alegremente... Ao Senhor Huxtable.
— Foram perguntas à ligeira? — Quis saber — Refiro às que ele fez.
— Não acredito — respondeu Barbara enquanto enchiam os olhos de lágrimas que
acabaram escorregando por suas faces — Não, não acredito. Queria informação, assim
interrogou uma camponesa recém-chegada do campo, que ignora por completo as argúcias
da alta Sociedade. Sinto muito.
— Que idiota que é — disse ao mesmo tempo em que colocava uma mão sobre sua
nuca, já que sua amiga tinha inclinado a cabeça
— O que disse só são dados básicos que poderia ter averiguado com suma facilidade
por qualquer outro meio. Nem que houvesse dito que sou uma assassina, uma bígama ou
uma... Que outra coisa poderia ter dito que fosse uma terrível revelação?
— Um salteador de estradas? — sugeriu Barbara entre soluços.
— Uma bandoleira — corrigiu-a — Apenas não disse nada. E a verdade é que
tampouco há muito que dizer, não parece? Um monte de tolices bastante sórdidas. Não é
um terrível segredo. Protegi os detalhes de meu passado porque gostava disso. Não tenho
nada que ocultar. Nem do que me ocultar.
— Então, por que...? — perguntou Barbara.
— Não estou me ocultando, Babs — a interrompeu — Agora tenho uma vida nova que
eu gosto imensamente mais que a anterior. Decidi não olhar para trás, fazer ouvidos surdos
às lembranças, evitar algo que possa revivê-la.
— Está zangada — indicou Barbara, cujo pranto se intensificou.
— Estou — admitiu — Mas não com você — Esfregou a nuca com mais força — Estou
zangada por você. Estou zangada com certo Cavalheiro que esta noite terá que buscar outra
para dançar a valsa. Porque certamente que comigo não vai dançá-la.
Barbara enxugou as lágrimas e assou o nariz.
— Deveria ter voltado antes ao salão de baile com um sorriso nos lábios — disse —
Sabe que não aprovo sua relação com o Senhor Huxtable, mas não gostaria de ser a
causadora de alguma desavença entre vocês.
— Se produzir alguma desavença — replicou — você não será a causadora, Babs.
Minha mãe! Tem os olhos vermelhos. Até o nariz está como um tomate.
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— Sempre evito chorar — assegurou Barbara — Porque no final me acontece isto.
Sobretudo o nariz.
Hannah soltou uma súbita gargalhada.
— Lembra-se de como nos aproveitávamos disso quando éramos pequenas? Como
quando quebramos a janela da estufa porque estávamos jogando muito perto com a bola e
vimos que o jardineiro se aproximava soltando fumaça pelas orelhas?
— Lembro que me disse que chorasse — Barbara sorriu apesar das lágrimas.
— Ficou com o rosto vermelho quase imediatamente — continuou — Todo mundo se
compadecia de você. Assim era impossível que me castigassem, enquanto a consolavam e
diziam que foi um acidente e que não se preocupasse.
— Ai, Deus, éramos um par de descaradas!
Ambas se se puseram a rir. De fato, por uns instantes se assemelharam muito ao grupo
de jovenzinhas que já retornara ao salão de baile. A música voltava a soar. A terceira peça
tinha começado.
Hannah ficou em pé. Tinha conseguido tranquilizar Barbara, mas continuava zangada.
Melhor, furiosa.
— Iremos para casa — disse — Estou cansada e você tem o nariz como um tomate. São
motivos mais que suficientes.
— Mas Hannah... — protestou Barbara com expressão contrita.
Entretanto, ela estava falando com a criada que não demorou a sair do toucador para
comunicar que a Duquesa requeria sua carruagem na porta principal.
— Vamos para casa — repetiu ao mesmo tempo em que se voltava para Barbara com
um sorriso — Tomaremos um chá e desfrutaremos de um tempinho prazeroso antes de
irmos para a cama. Não a terei ao meu lado por muito tempo mais, a menos que queira
escrever ao seu vigário para dizer que mudou de opinião com respeito a se converter em sua
esposa e decidiu ficar comigo para sempre, claro.
— Ai, Hannah!
— Ora — replicou ela com um suspiro teatral — Sabia que não quereria fazê-lo. Assim
tenho que desfrutar de sua companhia enquanto possa.
— Vai... Vai por fim a sua relação com o Senhor Huxtable? — perguntou Barbara.
— Amanhã me encarregarei dessa relação e do Senhor Huxtable — respondeu
enquanto saía da sala.
Barbara a seguiu.

A Duquesa de Dunbarton tinha voltado aos joguinhos, decidiu Con. Viu-a abandonar
cedo o salão de baile e quando foi à sala de jogos em sua busca antes que desse começo a
quarta peça, a valsa que tinha prometido, descobriu que tampouco se achava ali.
Tampouco havia rastro da Senhorita Leavensworth.

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Ele ficou até o final. Dançou todas as peças, inclusive a valsa. E depois se foi direito
para casa e dormiu durante o que restava da noite.
Que jogasse o que quisesse.
Isso sim, a bola estava em seu telhado. Não pensava ir atrás dela.
A Duquesa madrugou para fazer seu movimento seguinte.
Na manhã seguinte, Con achou uma nota junto ao prato de seu café da manhã, além
do extenso informe semanal do Harvey Wexford, o administrador de Ainsley Park.
Descobriu que a letra da Duquesa era grande e de traço grosso. E que por escrito se
expressava tal qual falava. A saudação de cortesia brilhava por sua ausência, a única coisa
que tinha escrito era seu nome no título.

“Espero vê-lo entre meus restantes convidados ao chá desta tarde. Depois me levará a
dar um passeio de carruagem pelo parque.
H.DUQUESA de Dunbarton”

Franziu os lábios. Aquilo não era um convite. Era uma ordem. Teriam recebido os
outros convidados, notas similares à sua? Obedeceram-na todos?
Ele obedeceria?
É claro que sim. Ainda não estava disposto a renunciá-la. Estava desfrutando muito de
sua aventura, apesar do surpreendente descobrimento da primeira noite, e ainda restavam
muitos prazeres sensuais para compartilhar, antes de seguir cada qual por seu caminho. Mas
a razão primitiva era que o intrigava, e isso o pegou de surpresa. Queria descobrir o que
escondia debaixo desse aparentemente frívolo exterior.
Que sentido tinha que uma mulher entregasse dez anos de sua vida em troca de
posição e riqueza, para acabar doando parte de tal riqueza a certos projetos? Por que se
manteve sempre fiel, se seu matrimônio fora uma farsa? Por que criar a impressão de que
inclusive se afeiçoara ao velho Duque? O que levara uma mulher sensata como a Senhorita
Leavensworth a manter-se fiel a sua amizade durante todos esses anos? Por que escrevia a
Duquesa todas as semanas, mantendo dessa forma uma amizade que não contribuía nada do
ponto de vista material?
E por que se fazia tantas perguntas?
Não. Não estava preparado para renunciá-la.
Obedeceria a ordem e iria essa tarde a tomar o chá em Dunbarton House. E depois a
levaria em sua carruagem a dar um passeio pelo parque.
E a noite... Enfim, já veria o que fariam.
Até então se concentrou no informe de Wexford, que sempre devorava com um puxão
antes de relê-lo com atenção, detendo-se nos detalhes.

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CAPÍTULO 10

Quando Con chegou a Dunbarton House, descobriu que já havia vários convidados no
salão, a quem conhecia em maior ou menor profundidade. Entretanto, só viu realmente dois,
Elliott e Vanessa, os Duques de Moreland.
Hannah se aproximou dele com a mão direita estendida. Esboçava seu característico
sorriso arrogante e tinha as pálpebras entreabertas.
— Senhor Huxtable — saudou-o — é uma gentileza que tenha vindo.
— Duquesa. — Fez uma reverência enquanto aceitava sua mão, apesar de ela tê-la
soltado antes que pudesse levar aos lábios.
— Suponho que já conhece todos — comentou — Por favor, sirva-se um pouco de chá
e massas.
Assinalou com gesto vago a mesa, onde uma criada estava servindo o chá. E se afastou
para reunir-se com Elliott e Vanessa, com quem se sentou e conversou, desentendendo do
resto dos convidados.
Era uma atitude deliberada? Perguntou-se Constantine. É claro que era.
Elliott, que se esticara grandemente ao vê-lo entrar, somou-se com presteza à
conversa. Parecia relaxado, interessado e feliz. Certamente sorria muito mais do que o
costume. Embora fosse inevitável que se encontrassem com relativa frequência na mesma
sala, durante a temporada social e que inclusive se vissem obrigados de vez em quando a
manter um bate-papo cordial, Con raramente olhava para seu primo, seu antigo amigo, de
um tempo a essa parte. Mas sua impressão era certa, já que se tinha percebido muito antes,
embora não o analisara. Elliott era feliz. Estava há nove anos casado, tinha três filhos que iam
dos oito anos até uns poucos meses de vida, e estava contente.
Recordava uma época em que Elliott considerava o matrimônio como uma tortura a
evitar na medida do possível. Até que chegasse o momento se limitava a desfrutar da vida ao
máximo. Os dois o tinham feito. Quanto mais perigosa era uma aventura, mais gostavam. A
morte do pai de Elliott mudou tudo... E também mudou para seu primo. Porque de repente
se converteu em Visconde, no herdeiro a um ducado... E no tutor legal do Jonathan, o Conde
de Merton. E de um dia para outro se transformou em um homem sério e sem senso de
humor, em um homem consumido por uma devoção absoluta pelo dever.
Con pegou um prato e uma xícara de chá e se uniu ao resto dos convidados, como
haviam dito que fizesse. Dava-se bem em relacionar-se com os outros. Claro que dama ou
Cavalheiro bem educado não se dava bem? A habilidade para ter conversas banais era um
atributo indispensável entre as classes altas. O problema das conversas banais, entretanto,
era que permitiam que a mente divagasse e ficasse pensando em algo que gostasse.
Vanessa estava envelhecendo bem. Já teria passado dos trinta. Não era tão bonita
como suas irmãs, mas sempre foi carinhosa, vivaz e simpática, e todas essas qualidades
transcendiam a beleza física.
91
Agradou-lhe desde o começo. Quando chegou a Warren Hall com Stephen e suas irmãs
pouco depois da morte de Jon, ele se achava consumido pelo ódio e ressentimento. Ficou
para recebê-los só porque Elliott ordenou que se fosse. Entretanto, sentia algo estranho com
respeito à morte de Jon, e era como se seu irmão não desaparecera quando enterraram seu
corpo no cemitério. Transladou-se a uma parte de si mesmo que receava muito que era seu
coração, de modo que era impossível olhar certas coisas ou certas pessoas sem vê-las tal
como Jon as teria visto. Jon teria se encantado em descobrir que tinha novos primos. Novas
pessoas para amar. E foi muito fácil se afeiçoar a Vanessa porque era impossível odiá-la.
Fazia anos tentando não pensar nela. Tinha feito mal a ela. Apresentara-a com toda
deliberação à antiga amante de Elliott no teatro, pouco depois de se casar, e depois
acompanhou essa mulher a um baile a casa de Elliott e Vanessa. A alta Sociedade em cheio
foi testemunha do momento. Fizera para envergonhar seu primo, é claro. Mas no final
humilhara Vanessa e provocara um sofrimento inexprimível. Depois, Elliott contou
barbaridades sobre ele, e com a mesma resolução e franqueza com que parecia abordar
todos os problemas da vida, Vanessa o levou a uma parte dos jardins de Vauxhall numa noite
e soltou sem papas na língua o que pensava dele, acrescentando que esperava não voltar a
vê-lo nunca e que não voltaria a dirigir a palavra por vontade própria a ele, no que lhe
restasse de vida. Uma promessa que tinha mantido.
A lembrança daquela conversa seguia remoendo a consciência. E não podia fazer
absolutamente nada para mudar. Em seu momento se desculpou por tê-la exposto
deliberadamente a semelhante humilhação. Vanessa se negou a perdoá-lo. Não havia nada
mais que dizer a respeito.
Por que havia convidado a Duquesa aos Duques nessa tarde se sabia que não se
falavam? A que estava jogando? E durante quanto tempo ia permitir ele que ela seguisse o
jogo?
Não muito, decidiu. Deixaria isso bem claro mais tarde, quando a acompanhasse ao
parque. Embora ali não pudesse manter uma conversa em particular. Assim teria que
procurar a oportunidade de fazê-lo.
A Duquesa não passou todo o tempo com Elliott e Vanessa. Circulou entre o resto de
seus convidados e demonstrou ser uma anfitriã amável e acolhedora. Con tinha assistido a
algum ou outro baile organizado por ela no passado, mas nunca esteve em uma de suas
reuniões mais íntimas. Lorde Enderby a convidou com grande deferência a levá-la a dar um
passeio pelo parque mais tarde.
— Sinto muito recusar seu convite, Lorde Enderby — recusou ela — Já aceitei o convite
do Senhor Huxtable.
Con percebeu que todos os olhares se cravavam nele. No caso de alguém ter
descartado por impossível o rumor que devia estar circulando desde uma semana,
certamente já não teria dúvidas a respeito. Porque não a tinha convidado durante esse chá e
todos se deram conta. De modo que ficou claro que o tinham acordado de antemão.
— Talvez em outra ocasião — disse ela a Enderby.
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Suas palavras atuaram a modo de sinal para que os convidados partissem.
Con ficou junto a uma das janelas, com a vista cravada no exterior e as mãos
entrelaçadas às costas enquanto a Duquesa se despedia de seus convidados.
— Vou por meu chapéu e nos vemos na calçada — disse ela quando ficaram as sós.
E partiu antes que ele pudesse dar meia volta.
Era imaginação sua ou havia um tom gelado em sua voz?
Que sentido tinha semelhante atitude?
Entretanto, soube de repente. Ou esteve quase certo de saber. Que idiota foi ao não
se dar conta antes, de fato... Nessa mesma manhã, assim que recebeu sua parca nota. Ou na
noite anterior, assim que desapareceu sem dirigir a palavra.
Fizera umas perguntas indiscretas a sua amiga durante o baile e ela descobriu de
algum jeito.
Além disso, onde estava a Senhorita Leavensworth nessa tarde?
Desceu as escadas. Percebeu que seu tílburi já estava diante da porta.

— Onde está a Senhorita Leavensworth esta tarde? — perguntou Constantine


enquanto a ajudava a subir ao alto assento de seu tílburi, depois que rodeou a carruagem,
para se sentar junto a ela e tomar conta das rédeas.
Hannah adorava passear em tílburi. Mas o passeio dessa tarde não era por diversão.
Estava de mau humor. Abriu a sombrinha e se cobriu com ela.
— Esta manhã recebeu uma carta de uns parentes do reverendo Newcombe, seu noivo
— respondeu — vão passar uns dias na cidade e a convidaram para visitar os jardins de Kew
com eles e com seus filhos.
— Será uma excursão agradável — replicou ele — E o tempo não podia ser mais
propício. Não faz muito calor, nem muito vento.
— Suponho que poderíamos falar do tempo até que cheguemos ao parque, Senhor
Huxtable — disse Hannah assim que Constantine saiu da praça — Eu, pelo contrário, prefiro
deixar perceber como me sinto aborrecida com você.
— Sim — replicou ele, que voltou a cabeça para olhá-la — Já tinha me dado conta.
— Ontem à noite, no meio da festa, encontrei Barbara à beira do pranto no toucador.
— Ah — disse ele antes de cravar a vista à frente.
— Achava ter traído minha confiança — explicou — Temia que desse por terminada
nossa amizade. Mas, como é uma dama de moral inquebrável e rígida, sentia-se na obrigação
de me confessar o que tinha feito em vez de me ocultar isso.
Constantine não perguntou a que se referia. Limitou-se a guiar com habilidade os
cavalos para se adiantar a uma carreta que circulava mais devagar que eles.
— Cresci no povoado de Markle, em Lincolnshire — Seguiu — Era a filha do Senhor
Joseph Delmont, um Cavalheiro de escassa importância social ou fortuna. Tinha uma irmã,
Dawn. Agora é Lady Young, a esposa de Sir Colin Young, um Baronete. Foi nas bodas de um
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primo dele, agora falecido, onde conheci o Duque de Dunbarton, com quem me casei cinco
dias depois. Não voltei para Markle nem mantive contato algum com nenhum membro de
minha família depois. Quer saber algo mais, Senhor Huxtable?
Constantine seguia com o olhar fixo à frente. Uma enorme e antiga carruagem
avançava para eles pelo centro do meio fio, apesar dos impropérios que proferiam os
transeuntes ao distraído cocheiro. De modo que se viu obrigado a se afastar para evitar uma
colisão. Tinha os lábios apertados.
— Sobre o motivo pelo qual nunca voltei para casa, por exemplo? — sugeriu.
Sentia os fortes batimentos do coração no peito. Estavam troando nos ouvidos.
Nesse momento Hannah percebeu que a carruagem pertencia à Condessa viúva de
Blackwell e de que a dama em questão a saudava com um régio gesto da cabeça de uma das
janelas. Devolveu a saudação com um sorriso e um gesto da mão.
— Pois direi o porquê — disse, falando intimidadora de novo e disposta a responder a
pergunta embora ele não a fizesse — Durante tais bodas, descobri que Colin Young, meu
noivo, achava-se atrás do caramanchão com minha irmã, em uma situação que só poderia
qualificar-se de comprometedora se não quer ferir a sensibilidade do interlocutor com uma
linguagem mais descritiva. E depois de se... Separarem e se arrumarem, ambos se mostraram
desafiantes e na defensiva em vez de envergonhados e contritos, ou horrorizados, por tê-los
descoberto. Dawn me disse que se cansou de estar sempre a minha sombra, de que nunca se
fixassem nela porque todo mundo queria olhar a mim. Que estava farta de se sentir feia.
— Queria Colin e Colin a queria, e me assegurou que eu não podia fazer nada para
mudar esse fato. Colin me disse que minha irmã tinha razão. Chegara fazia relativamente
pouco à vizinhança e minha beleza o cegou a princípio, antes de conhecer Dawn e de dar-se
conta de que a personalidade era muito mais importante que qualquer outra coisa. E que o
amor também era. Acrescentou que sentia muito, mas que decidiu que queria a uma mulher
de verdade, em vez de uma simples beldade. Sua intenção não era a de me ofender, claro.
Porque realmente eu era bonita. Colin esperava que compreendesse sua situação e que o
liberasse de uma obrigação que se convertera em uma carga para ele. Como se eu não fosse
real. Como se eu fosse incapaz de sentir amor ou companheirismo. Como se fosse incapaz de
me sentir doída porque era bonita. E, depois, quando arrastei meu pai à biblioteca e me
joguei em seus braços em busca de consolo e apoio, disse-me com um suspiro que minha
beleza levava toda a vida sendo uma pesada carga para ele... Ao menos desde que minha
mãe morrera quando eu tinha treze anos. Disse-me que sempre fui a preferida de minha
mãe, mas que ele era muito consciente de que tinha duas filhas. Que todas as jovens me
admiravam e queriam ser minhas amigas, de modo que virtualmente evitavam Dawn, e que
todos os jovens me rondavam e brigavam para chamar minha atenção, sem reparar sequer
em minha irmã.
— Perguntou-me que por que devia invejar sua felicidade quando acabara
encontrando o amor depois de tudo. Assegurou-me que se me preocupasse minimamente
por minha irmã, teria percebido a situação semanas atrás. Perguntou-me se ia ser egoísta,
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como sempre, e me ia negar a liberar Colin Young de uma promessa que fez sem pensar e da
qual se arrependera quase imediatamente, se não era capaz de pensar em outra pessoa que
não fosse eu mesma ao menos uma vez na vida. Porque, segundo ele, eu acharia outro
homem quando quisesse.
— Entretanto, eu levava toda a vida tentando me parecer com as demais. Queria a
minha irmã e tentava que outros a quisessem também. Nunca entendi por que as pessoas
não a apreciavam. Além disso, não a obrigava a estar a minha sombra. De verdade que não.
De vez em quando conseguia me tirar amigos e admiradores, e desfrutava depois. Nem
sempre nos dávamos bem. Tivemos algumas brigas memoráveis, e estou certa de que fui tão
irritante como ela. Mas era minha irmã. Amava-a! Jamais pensei que pudesse arrebatar meu
noivo. Existia um compromisso. Os jogos se acabaram. Talvez eles tivessem razão. Talvez
tudo fosse culpa minha. Talvez... — Hannah se deteve para tomar ar. De fato, estava
ofegando. A porta de entrada do parque se achava muito perto.
— Duquesa — disse Constantine.
Entretanto, ergueu uma mão para silenciá-lo. Ainda não tinha terminado.
— Amava-o — afirmou — Não pensei que tivesse que proteger meu coração. Só tinha
olhos para ele. Sabia que minha beleza podia ser uma desvantagem às vezes. Sabia que às
vezes as demais jovens me invejavam. Tentei não ser bonita. Tentei-o inclusive de menina
porque me envergonhava que minha mãe elogiasse minha beleza diante de Dawn e de
outras meninas, que me olhasse agradada e me aparasse os cachos para me por mais bonita.
Quando fui bastante maior para escolher minha própria roupa, tentei ter vestidos discretos e
me pentear com simplicidade. Tentei abaixar a cabeça e me manter calada quando estava
com mais pessoas. Tentei demonstrar que não era vaidosa. Mas com o Colin, me achei livre
para amar e para ser eu mesma por fim. Não tenho palavras para descrever como me senti
quando meu pai me deixou sozinha e me disse que devia por bom rosto e sorrir... O vazio, a
solidão, o pânico... E nesse momento descobri que não estávamos sós na biblioteca. O Duque
de Dunbarton esteve presente todo o tempo. Retirara-se para a biblioteca, aborrecido pela
celebração e estava sentado em uma poltrona que tinha aproximado a uma janela,
colocando-se de costas à sala. Não percebi sua presença até que fiquei chorando com tanta
força que achei que ia morrer. Mas morrer de verdade.
Constantine fez passar o tílburi pela porta do parque, mas tinha diminuído a marcha.
— Sempre recordarei as primeiras palavras que me dirigiu — continuou ela, fechando
os olhos — querida Senhorita Delmont, disse-me com essa voz enfastiada e algo rouca tão
sua, nenhuma mulher pode ser muito bonita. Vejo que vou ter que me casar com você e
repetir essa lição até que a acredite com convicção. Será você meu último projeto na vida. E
por estranho que pareça, por incrível que soe, pus-me a rir e a chorar ao mesmo tempo. A
presença do Duque nas bodas tinha aterrados a todos. Tínhamos evitado na medida do
possível por medo de que nos matasse com um só olhar se nos atrevíamos a cruzar em seu
caminho ou a pousar os olhos em sua ilustre pessoa. Entretanto, ali estava me dizendo que ia
ter que se casar comigo, que ia se encarregar de minha educação e que me ia converter no
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último projeto de sua vida, me dando seu delicado lenço de linho com uma expressão
bastante triste.
Constantine tinha diminuído tanto o passo que os cavalos quase se detiveram.
— Já está satisfeito? — perguntou.
— Sim — respondeu ele com um suspiro — me pôs em meu lugar, Duquesa. De fato,
não poderia ter encontrado melhor maneira de me castigar que responder todas as
perguntas que o tato e a delicadeza não me deixaram fazer ontem à noite. E conseguiu que
me pese muito a rabugice das perguntas que fiz. Peço desculpas, embora seja consciente de
que as desculpas costumam ser inadequadas. Estaria pedindo perdão se não me tivessem
descoberto? Não sei, embora já me arrependesse em seu momento, quando me dei conta de
que a Senhorita Leavensworth se sentia desconfortável com minhas perguntas e de que eu
não estava sendo muito cavalheiresco ao fazer a ela em vez de a você.
Hannah achou que eram desculpas bastante decentes.
— Se me permitir, irei ver a Senhorita Leavensworth amanhã e me desculparei com ela
em pessoa — continuou Constantine.
Apesar do passo de tartaruga que levavam, logo se achariam imersos em meio da
multidão que se congregava pela tarde no parque.
— E agora o que? — Quis saber Constantine — Quer que a leve de volta a casa?
Prefere que não sigamos com nossa relação?
Essa última pergunta a sobressaltou.
Preferia?
A noite anterior ou essa mesma manhã teria respondido que sim. Inclusive a primeira
hora dessa tarde. Mas no fim de contas, a única coisa que fez Constantine foi formular umas
quantas perguntas sobre sua vida. Tão diferentes eram? Ela também queria saber coisas
sobre Constantine.
Embora sempre pensara surrupiar em pessoa.
— Não! — Exclamou com um giro decidido de sua sombrinha — Necessito de uma
aventura. Não um matrimônio. Ainda não, ao menos, e talvez nunca o necessite. Não posso
me libertar da convicção de que continuo casada com o Duque, embora esteja morto há mais
de um ano.
— Amava-o — afirmou ele.
Voltou a cabeça para olhá-lo, em busca de um gesto irônico. Entretanto, não achou
rastro de ironia em sua expressão nem tampouco escutara um tom estranho em sua voz.
— Amava-o sim — confessou — com todo meu coração. Foi minha âncora e minha
segurança durante dez anos. Ele me queria de forma incondicional, com toda a alma.
Adorava-me, e eu adorava a ele. Ninguém acreditará, é claro, mas a verdade é que não me
importa — percebeu-se com horror de que tremia ligeiramente a voz.
— Eu acredito em você — assegurou em voz baixa.
— Obrigada — replicou — Necessito de um amante, Constantine. É muito cedo para
algo mais... Amor, matrimônio ou o que seja. E em certo sentido, em um sentido muito
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concreto, os anos de meu matrimônio me deixaram esfomeada. Se deixá-lo agora, terei que
começar do zero para achar outro amante, e isso seria muito tedioso.
— Isso quer dizer que me perdoou? — quis saber ele — Não voltarei a fazer perguntas,
Duquesa. Pode conservar os segredos que restam se acaso restar algum. Não tentarei
desentranhá-los.
— Não quer me conhecer? — Perguntou Hannah — Não quer averiguar tudo o que se
pode saber sobre mim?
— Assim como você Duquesa — respondeu ele — só quero uma amante, não uma
esposa. Não voltarei a me deixar levar pela curiosidade.
— Pois eu quero averiguar tudo o que se pode saber sobre você — assegurou — Afinal,
um amante não é um objeto inanimado. Nem só um corpo, embora definitivamente seja um
corpo esplêndido e faça o amor de forma mais que satisfatória.
Quando o olhou, percebeu-se de que Constantine estava sorrindo, algo que não fazia
frequentemente.
Essa expressão alterou de forma muito estranha a sua respiração.
— O perdão tem um preço, Constantine — continuou — Está em dívida comigo. Vai
responder a algumas perguntas esta noite depois de me fazer amor.
— Venha para casa comigo, agora. — Voltou a cabeça para olhá-la.
— Barbara estará de volta para o jantar — explicou — e não aceitei nenhum convite
para esta noite. Vamos passar uma maravilhosa noite em casa, conversando e desfrutando
de nossa mútua companhia. Amo-a mais que a ninguém no mundo agora que o Duque
morreu, sabe? Envie-me sua carruagem às onze.
— Alguém a desobedece alguma vez, Duquesa?
Olhou-o com um sorriso arrogante.
— Não quer me ver esta noite? — Perguntou por sua vez — Nem me fazer amor?
Constantine sorriu de orelha a orelha.
— Enviarei minha carruagem às onze — respondeu — Estará preparada à hora em
ponto. Se não estiver em minha casa às onze e quinze, eu pessoalmente fecharei com chave.
Soltou uma gargalhada ao escutá-lo.
E se viram envolvidos pela multidão.
De repente, Hannah se sentiu incrivelmente feliz.

Barbara estava cansada depois de sua excursão aos jardins de Kew, embora tivesse
desfrutado muito e descrito tudo a Hannah, em especial a arquitetura, que era uma das
estruturas mais bonitas que vira na vida. E também passara maravilhosamente bem com os
primos de Simon, a quem não conhecia. Tinham-na tratado como se já fizesse parte da
família, e ela os fez rir procurando semelhanças entre Simon e eles. Tinha brincado de
esconder com as crianças, embora já tivessem doze anos. Eram gêmeos, um menino e uma
menina. Estava ansiosa por escutar os detalhes do chá que Hannah realizara, uma ideia
97
organizada a toda pressa pouco depois do café da manhã. E escutou com expressão desolada
que Constantine se apresentaria em casa na manhã seguinte para se desculpar por seu
comportamento da noite anterior.
— Deve dizer que está perdoado — disse Barbara — porque está. Estou certa de que
não tinha más intenções, Hannah. Só queria saber mais coisas sobre você, e o admiro por
isso, já que sugere que a valoriza como pessoa. Talvez esteja apaixonado por você. Talvez...
Entretanto, Hannah se pôs a rir.
— Embora diga ser uma solteirona que ficou a ponto de vestir Santos, não me engana.
Continua a mesma romântica empedernida de sempre. Por que foi esperar até rondar os
trinta para escolher seu companheiro? Os sentimentos de Constantine Huxtable por mim não
têm nada a ver com o romantismo, asseguro. E me parece perfeito, que saiba, porque o meu
para ele tampouco.
— Não deixe que deva falar comigo amanhã — suplicou sua amiga — Morreria de
vergonha.
— Tentarei convencê-lo de que não o faça — prometeu carinhosamente Hannah.
Barbara se deitou pouco depois das dez.
A carruagem chegou às onze menos cinco.
Hannah, que estava preparada desde as dez e meia, esperou quinze minutos antes de
sair de casa.
Quando a carruagem chegou à casa de Constantine pouco depois das onze e quinze, a
porta estava fechada com chave.
Tentou abri-la ela mesma ao se dar conta de que não se abria como sempre assim que
chegasse e que a discreta chamada do cocheiro tampouco recebia resposta.
— Ah! — exclamou dividida entre a risada e a mortificação.
E, como se acabasse de pronunciar a palavra mágica, a porta se abriu de par em par.
Entrou na casa e Constantine fechou a porta atrás dela. Quando se voltou para olhá-lo, viu-o
sustentando uma enorme chave com a ponta de um dedo.
— Tirano! — replicou.
— Bruxa!
Os dois puseram-se a rir e Hannah se aproximou para passar os braços pelo pescoço e
beijá-lo com paixão.
Constantine a abraçou pela cintura com força e devolveu o beijo, com mais paixão se
fosse possível.
Seus pés mal tocavam o chão quando terminaram. Ou quando terminaram com as
preliminares, para ser mais exato.
— Cometeu um erro tático — disse Hannah — se queria deixar firme sua postura, não
deveria ter aberto a porta.
— E se você queria deixar firme a sua — replicou Constantine — não deveria ter
descido da carruagem nem subir nas pontas dos pés os degraus para tentar abrir a porta.
— Não subi nas pontas dos pés — protestou — Subi com elegância.
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— Seja como for, demonstrou que estava desesperada por chegar até mim —
respondeu ele.
— E exatamente o que fazia atrás da porta com a chave na mão? — perguntou —
Porque não queria que chegasse até você? E por que abriu a porta?
— Tive piedade de você — respondeu.
— Ah! — E nesse momento seus pés abandonaram o chão quando voltaram a se beijar
— Quero fazer algumas perguntas — disse assim que pode — Pensei em fazer uma lista, mas
não encontrei uma folha suficientemente grande.
— Mmm — murmurou ele enquanto a deixava no chão. — Pergunte o que queira,
Duquesa. — Seus olhos escuros adotaram uma expressão ligeiramente suspicaz.
— Ainda não — replicou — Podem esperar até depois.
— Depois? — Arqueou as sobrancelhas.
— Depois de me fazer amor — respondeu — depois de eu ter feito amor. Depois de
termos feito amor.
— Três vezes? Que aspecto terei amanhã, Duquesa? Preciso descansar.
— Estará muito mais atraente e bonito sem fazê-lo — assegurou Hannah.
Constantine deixou a chave no console do vestíbulo e estendeu a mão. Uma vez que a
aceitou, caminharam de mãos dadas para a escada.
Por Deus! Exclamou Hannah para si mesma, continuava sentindo-se feliz.
Deveria alegrar-se por isso. Passou todo o inverno desejando essa aventura primaveril
com grande emoção.
E no plano físico superava todas suas expectativas com acréscimo.
Então, por que não se alegrava? Pelos sarcasmos, brincadeiras e risadas que
compartilhavam? Porque tinha a estranha sensação de que nesse dia transpassaram a
barreira que afastava os simples amantes das pessoas mergulhadas em uma espécie de
relação?
Porque se sentia feliz?
Acaso não podia ser feliz e alegrar-se por isso ao mesmo tempo?
Pensaria nisso depois, decidiu ao entrar no dormitório em penumbra, enquanto
Constantine fechava a porta atrás deles.
Às vezes havia coisas melhores que fazer que pensar.

CAPÍTULO 11

99
Na primeira vez fizeram amor com frenesi. Na segunda, com sensual frouxidão, se
acaso podia se aplicar o termo frouxidão ao ato em si. Em todo caso, ambos estavam
exaustos quando acabaram.
Hannah se colocou de lado sobre a cama, dando-lhe as costas, e ele se aninhou atrás
dela, passando um braço sob a cabeça e o outro pela cintura.
Hannah se colou a ele e colocou sua mão sob a face.
Ao fim de um momento ficou adormecida.
Con não dormiu. Os remorsos de consciência eram a semente perfeita para a insônia.
Perguntou se todo mundo era como ele. Se todo mundo cometia terríveis enganos ao
longo de sua vida dos quais depois se arrependia. Se a vida dos outros consistia em uma
confusa e contraditória mescla de culpa e inocência, ódio e amor, naufrágio e tranquilidade,
e demais sentimentos diametralmente opostos. Ou se a maioria das pessoas se catalogava
dentro de uma descrição concreta, boa ou má, alegre ou irascível, generosa ou miserável,
etc., etc..
Em sua juventude odiara Jon, seu irmão mais novo. A pessoa a quem mais amou na
vida. Tinha odiado Jon por seu caráter alegre e carinhoso, pela inocência que demonstrava
apesar da dificuldade de sua vida, porque era um menino gordo, torpe e de traços faciais que
o assemelhavam mais aos asiáticos que aos ingleses. E porque seu cérebro trabalhava mais
devagar. E porque morreria cedo. Odiava-o porquê não podia fazer nada para melhorar sua
vida. E porque era algo que ele de qualquer forma nunca tinha ambicionado. O herdeiro.
Como era possível odiar de forma tão atroz e ao mesmo tempo amar tão
profundamente? Partira de casa quando teve idade suficiente e fizera todas as loucuras da
juventude que foi possível, a maioria com Elliott. Naquele tempo não gostava de como o
tratava a vida e nem lhe importavam as pessoas que deixara para trás.
Que motivos tinha para que não fosse assim? Entretanto, sabia que Jon sentia muito
sua falta e por isso o odiou mais que nunca, mas voltou para casa porque o queria mais que a
sua vida e sabia que não desfrutaria dele durante muito tempo mais.
Seria a vida dos outros um amálgama de contradições como a sua? Certamente que
não. Do contrário, a prudência brilharia por sua ausência no mundo.
Quando seu pai morreu e Jon se converteu no Conde de Merton aos treze anos de
idade, Con se encarregou do manejo da propriedade, assim como do resto de suas
responsabilidades, embora seu pai, fazendo demonstração de sua questionável sensatez,
tivesse nomeado seu cunhado, o pai de Elliott, como tutor legal de Jon. Mas o pai de Elliott
morreu dois anos depois e Elliott herdou o título e a responsabilidade de ser o tutor de Jon.
Assim foi como Elliott, seu primo e melhor amigo, converteu-se em seu pior adversário.
Porque decidiu tomar seu papel com grande seriedade e o obrigou a pôr-se de lado, ao
contrário do pai dele, que cedeu as rédeas desde o começo. E assim começou a grande
inimizade, o amargo distanciamento que durou depois disso. Porque Elliott se negou
peremptoriamente a confiar em que ele pudesse levar as rédeas da propriedade como era
devido e ocupar-se adequadamente de seu próprio irmão.
100
Intrometeu-se e não demorou a descobrir que faltava uma enorme fortuna em joias,
embora nenhuma delas estivesse vinculada ao título. De modo que não teve que refletir
muito para chegar à conclusão mais óbvia e começaram a voar as acusações.
Con o mandou ao diabo.
Não quis explicar nada, não quis confiar em seu primo. Isso teria sido muito fácil. Além
disso, Elliott não perguntara nada a respeito do que aconteceu, nem tinha convidado a se
explicar. Limitou-se a chegar a uma conclusão lógica, ou ao que ele pensava que era uma
conclusão lógica. E o chamou de ladrão, um ladrão da pior índole. Um ladrão capaz de roubar
um irmão com atraso mental, que o amava com loucura e que confiava nele cegamente e
porque o pobre não viveria por muito tempo.
A verdade seja dita, já guardava rancor de Elliott antes que fizesse o mencionado
descobrimento e a acusação. Porque seu primo, que acabava de ser nomeado Visconde de
Lyngate depois da morte de seu pai, era um cruel aviso de que ele não se converteria no
Conde de Merton depois da morte do seu irmão, embora também fosse o primogênito.
Em qualquer caso, mandou Elliott para o diabo.
E diferente do que aconteceu em outras ocasiões depois de uma briga, foram
incapazes de se dar murros e acabar sorrindo, enquanto admitiam que o passasse bem.
Embora sangrassem o nariz e levassem os dedos aos olhos para aliviar a dor do inchaço.
Porque não era desse tipo de disputas. Era uma situação irremediável.
Em vez de recorrer aos punhos, Constantine decidiu converter a vida de Elliott em um
inferno, ao menos sempre que estivesse em Warren Hall. E ia frequentemente.
Utilizou Jon para que brincasse com seu primo, embora este achasse sua atitude
aborrecida, frustrante e em mais de uma ocasião humilhante. Ao Jon, pelo contrário, parecia
divertidíssima. De modo que esses jogos alongaram a brecha existente entre eles. Às vezes,
por exemplo, dizia a Jon que se escondesse quando Elliott chegava, de modo que seu primo
perdia um tempo valioso enquanto o buscava. Ele se limitava a observar a cena de braços
cruzados, apoiado na ombreira de alguma porta, sorrindo com desdém.
As rixas conseguiam que aflorasse o pior das pessoas. Ao menos, assim era em seu
caso.
Nem sequer a essas alturas se arrependia, embora devesse fazê-lo, por ter se
comportado de forma tão pueril. Porque Elliott, que o conhecia desde que eram pequenos,
tinha acreditado e ainda o acreditava capaz de roubar seu próprio irmão, pela simples razão
de que era fácil aproveitar-se dele. Essa súbita falta de confiança doera muito. Ainda doeria
se não tivesse transformado essa dor em ódio.
Entretanto, em muitos aspectos ele era tão mau como Elliott. A essa altura, com o
corpo morno e relaxado de Hannah colado ao dele e os olhos cravados na parede situada
frente à cama, nem sequer tentava negá-lo. Em vez de sentar com Elliott para discutir sobre
a tutela de seu irmão como o fariam dois homens, dois amigos que tinham chegado aos vinte
anos, mostrara-se frio, distante e sarcástico muito antes inclusive de terem sentido falta das
joias. E Elliott se mostrara frio, distante e despótico.
101
Na realidade, tudo foi muito pueril. De ambas as partes. Possivelmente o tivessem
superado se não fossem pelas ditosas joias. Umas joias que evidentemente tinham
desaparecido, de modo que Elliott e ele jamais superaram o problema.
Os dois eram culpados em partes iguais.
Mas nem por isso Con odiava menos seu primo.
Afundou o nariz no cabelo de Hannah. Era suave, fragrante e morno, como ela. Pensou
em despertá-la com um beijo para ver se dessa forma punha fim aos seus pensamentos, mas
estava adormecida como um tronco. A noite anterior a alterou. Nessa mesma tarde
continuava alterada por seu comportamento. E também tinha alterado a Senhorita
Leavensworth, que era de todo inocente.
Da mesma forma que alterara Vanessa pouco depois de se casar com Elliott.
Fazia as pessoas esse tipo de coisas? Tinham outros vergonhosos e incômodos
esqueletos em seus respectivos armários?
Era um monstro. Era a encarnação do demônio. As pessoas tinham razão ao compará-
lo com ele.
Talvez um de seus piores pecados, um muito recente, fosse sua negativa a aceitar tudo
o que sabia que era inerente à condição humana. As pessoas, todas as pessoas, eram um
complexo produto, fruto de sua herança, de seu entorno, de sua infância, de sua educação e
do amontoado de experiências que conferia a vida, da mesma maneira que eram fruto de
seu caráter e da personalidade com que se nascia. Todo mundo possuía uma infinidade de
pétalas superpostas. E todo mundo possuía algo no mais profundo de seu interior de valor
incalculável.
Ninguém era superficial. Não de todo.
Entretanto, tinha decidido acreditar que a Duquesa de Dunbarton era diferente do
resto dos seres humanos. Tinha decidido acreditar que sob a beleza, vaidade e a arrogância
externa não havia nada para descobrir. Que era um recipiente vazio, não de todo humana.
Isso era o que as pessoas tinham decidido acreditar dela durante toda sua vida. Salvo,
aparentemente, o falecido Duque, seu marido. Comportara-se tão mal como os membros
de sua própria família, os quais possivelmente a teriam querido ao seu modo, mas quem
também tinha suposto que sua beleza tirava a sensibilidade, outorgava mais autossuficiência
que a sua irmã, uma jovem normal e comum. O pai se compadecera de sua filha menor,
achando que a primogênita estaria melhor preparada para se desviar, por si mesma, das
vicissitudes da vida.
Por que supunham as pessoas que os mais bonitos só necessitavam de sua beleza para
alcançar a felicidade?
Por que supunham que por trás da beleza não havia nada, salvo um recipiente vazio e
insensível?
Por que o tinha suposto ele?
Ele se negara a reconhecer a totalidade de sua pessoa porque era bonita?

102
Começava a doer a cabeça. E começava a ficar adormecido o braço sobre o que
descansava a cabeça de Hannah. E precisava coçar o ombro porque sentia uma repentina
irritação. Não ia dormir nada. Era evidente. Nem tampouco iria fazer amor outra vez. Não até
que tivesse refletido a fundo.
Afastou a mão com cuidado debaixo de sua face e fez o mesmo com o braço sobre o
que descansava sua cabeça. Escutou-a murmurar em sonhos enquanto colocava a cabeça
sobre o travesseiro.
— Constantine... — Ouviu-a dizer, mas não despertou.
Saiu da cama em direção ao roupeiro. Vestiu-se, embora não pôs a jaqueta nem
tampouco se incomodou em meter a camisa pelas calças. Depois se aproximou da cama para
olhar Hannah. Estava meio acordada e piscou várias vezes enquanto o olhava.
— Fique aqui — disse — Já volto — inclinou-se para beijá-la nos lábios.
Devolveu-o beijo com frouxidão.
— Aonde vai? — perguntou.
— Já volto — repetiu, e partiu para a cozinha, o que teve que descer dois lances da
escada.
Acendeu o fogo avivando as brasas da noite anterior, encheu até a metade o pesado
bule de ferro e pôs a água a ferver. Fez uma incursão na despensa em busca de algo para
comer, e colocou algumas bolachas em um prato. Não demorou muito a subir de novo as
escadas, com uma bandeja em que levava um enorme bule de porcelana, coberto por uma
grossa toalha para evitar que o chá esfriasse, uma jarra de leite, açúcar, xícaras, pires,
colheres e o prato com as bolachas. Deixou a bandeja no gabinete adjacente ao seu
dormitório e foi em busca de Hannah.
Continuava meio adormecida.
Con voltou para o roupeiro e saiu com um longo robe de lã que só usava nas noites
mais geladas quando estava só em casa e a única coisa que queria era esticar-se em uma
poltrona com um bom livro.
— Venha — disse solícito.
— Aonde?
Apesar da pergunta, levantou-se e se sentou na beira da cama. Ao ver que ele
levantava o robe, ficou em pé. Colocou os braços pelas mangas e a envolveu com ele antes
de atar o cinto. A roupa parecia tê-la tragado.
— Mmm — murmurou enquanto aproximava o nariz do pescoço — Cheira a você.
— E isso é bom?
— Uhum — murmurou de novo como resposta.
A culpa voltou a assaltá-lo. Pegou o candelabro e a precedeu ao gabinete. As poltronas
da sala eram grandes, escolhidas com cuidado. Grandes, macias e cômodas. Porque nessa
sala a elegância e a pose não importavam. Era um lugar onde se deitava a vontade, sem
arriscar de sofrer um dano irreparável nas costas.
Ali era onde relaxava.
103
Por estranho que parecesse, jamais convidou alguém a esse gabinete. Nenhuma de
suas antigas amantes tinha posto um pé ali.
Hannah se sentou em uma fofa poltrona de couro, dobrou as pernas para colocá-las no
assento, apoiou-se no espaldar e se envolveu com o robe. Enquanto ele servia o chá,
observou-o com as pálpebras entreabertas, embora não com a expressão habitual nela.
Nessa ocasião estava sonolenta de verdade. Era uma expressão satisfeita, ou assim parecia.
— Leite? Açúcar? — perguntou.
— Ambos — respondeu ela.
Colocou sua xícara e seu pires na mesinha que tinha ao lado e ofereceu o prato de
bolachas.
Hannah pegou uma para provar.
— Constantine, é um anfitrião estupendo — disse — Viril. E generoso. Encheu-me a
xícara até a borda. Vamos ver se consigo não derramar nada.
Nunca vira o sentido no costume de encher uma xícara pela metade. Para começar, as
xícaras já eram muito pequenas por si mesmas.
Sentou-se em frente a ela, muito perto, com uma bolacha em uma mão e a xícara na
outra. Acomodou-se na poltrona e cruzou as pernas, colocando o tornozelo em cima do
joelho contrário.
Fingia que estava relaxado.
— Bem Duquesa — disse — me diga o que quer saber.
De repente pareceu abrir-se em seu interior um buraco negro, enorme e vazio. E
sentiu uma imensa vulnerabilidade. Entretanto, essa era a única maneira de se redimir.
Hannah estava impressionada. A maioria dos homens teria demorado o assunto
quanto fosse possível. E quando Constantine saiu da cama, estava adormecida. Certamente
teria continuado dormindo toda a noite. Entretanto, tinha decidido recordar que estava em
seu direito de perguntar sobre ele e de esperar uma resposta.
Suspeitava que fosse um homem cheio de segredos e duvidava que tivesse dito algum
de forma voluntária alguma vez, nem sequer aos seus próximos ou a seus seres queridos. Era
um homem muito reservado.
Quem seriam seus próximos e seus seres queridos? Seus primos? Os que tinham
usurpado o que deveria ter sido seu por direito? Seria um homem solitário?
De repente, suspeitava que o fosse. E, ao que parecia, também era um homem de
palavra. Comportara-se mal com a pobre Barbara, sabia e se arrependia disso. E nesse
momento pensava se redimir da única forma que sabia. Respondendo a todas suas
perguntas.
Dadas as circunstâncias seria uma crueldade fazê-lo, obrigá-lo a desvelar os segredos
de uma vida que com tanto zelo tinha guardado. Nesse instante não parecia tão enigmático,
elegante e perigoso como de costume. De fato, estava sentado de forma muito pouco
elegante... Como ela. Estava muito bonito.
Sentiu algo batendo em seu coração. Mas negou a entrada.
104
Comeu a bolacha.
— Deveria saber que responderia com surpreendente astúcia a minha oferta de contar
tudo — disse ele.
Hannah arqueou as sobrancelhas ao escutá-lo.
— Guardando silêncio — concluiu Constantine.
E nesse momento compreendeu que se escolhera Constantine Huxtable para que fosse
seu primeiro amante, não o fez só por seu atraente físico, por muito considerável que este
fosse. Sentiu-se atraída por essa reserva, que deixava transparecer a profundidade de seu
caráter e que, embora indicasse uma segura escuridão em seu interior, também podia
ocultar um universo de luz.
Sentiu-se atraída pelo mistério que irradiava, embora carecesse de evidências de que
realmente existisse algum mistério.
Foi consciente de tudo isso desde o começo, é claro. Antes que se convertessem em
amantes tinha assegurado que insistiria em conhecer tudo o que devia conhecer sobre ele.
Entretanto, naquele momento não compreendia o que dizia. Porque pensava que seu
principal interesse em Constantine radicava no plano físico. Já não era assim? Carecia de
experiência para compará-lo com outro. Mas estava certa de que não havia nenhum homem
que pudesse agradá-la tanto como ele. Uma ideia nada esperançosa para os anos vindouros.
Tinha começado com o melhor, de modo que... O que chegaria depois?
Não tinha suficiente no plano físico?
Esse afã por conhecê-lo... Não deveria ter refletido a respeito antes que fosse muito
tarde?
Muito tarde para que?
— Ainsley Park — o ouviu dizer de repente ao mesmo tempo em que soltava a xícara e
o pires na mesa que tinha ao lado — Assim se chama minha propriedade em Gloucestershire.
A Mansão e os terrenos circundantes não podem comparar-se com Warren Hall, mas
também são impressionantes. Até a residência da viúva tem um tamanho considerável. A
granja que abastece à propriedade também é grande. Além disso, ampliei-a ao não arrendar
duas das partes que tinham ficado vazias. É uma propriedade próspera, um formigueiro de
atividade.
— Era de seu pai? — quis saber Hannah.
— Não — respondeu ao mesmo tempo em que negava também com a cabeça —
Todas as propriedades de meu pai estavam vinculadas ao título. São de Merton.
— E pôde se permitir comprá-la?
Constantine esboçou um lento sorriso.
— Essa é a pergunta que todos meus conhecidos querem que responda desde que a
comprei — respondeu — Sobretudo Moreland, que sabe. Ou melhor, acredita saber.
— E? — incentivou-o, ao mesmo tempo em que soltava a xícara para depois introduzir
as mãos nas mangas do robe, cruzando os braços.
— Não a comprei — respondeu Constantine — Ganhei.
105
— Ganhou?
— Quando parti de casa, dediquei-me a apostar nas mesas de jogo, tal como
costumam fazer os Cavalheiros ociosos — explicou — Sempre acabava perdendo tudo, salvo
a roupa que levava posta, entretanto, não era tão idiota para apostar mais do que levava em
cima, que tampouco é que fosse muito. Tinha uma atribuição mensal, mas meu pai me trazia
em rédeas curtas. Entretanto, a aposta a que me refiro teve lugar depois de sua morte,
quando Jon já era Conde, e dessa vez procurei de forma deliberada uma mesa onde as
apostas fossem altas e não se desse quartel, para dizê-lo de algum jeito. E apostei com
dinheiro que na realidade não me pertencia, mas que consegui pela venda de certa joia. Algo
de que ambos sabemos muito, Duquesa. Tal dinheiro não me pertencia, e acho que jamais
senti um terror semelhante ao que senti quando me sentei à mesa para jogar e apostei a
quantidade que meus competidores esperavam de mim.
Hannah fechou os olhos.
— Ao fim de dez minutos — Seguiu Constantine — ganhara Ainsley Park. Não era a
casa Senhorial vinculada ao título do homem que a jogou e perdê-la por uma má mão não
pareceu incomodá-lo em excesso.
— O que o incomodou, tanto a ele como a seus amigos, foi que pegasse meus lucros e
abandonasse a partida. Ameaçaram-me não voltar a me incluir jamais em seu venerado
círculo. Não sei se teriam cumprido a ameaça ou não. Certamente sim. Depois disso não
tornei a apostar, salvo quantidades pequenas em bailes e em festas particulares, suponho.
— E o dinheiro da venda da joia? — perguntou ela.
— Empregou-se para o que se supunha que se devia empregar — respondeu.
— E ninguém sabe como adquiriu Ainsley Park?
— Que pensem o que quiserem— respondeu.
— E o que é que costumam pensar?
— Que a comprei com dinheiro ilícito, suponho — respondeu ao mesmo tempo em
que dava de ombros — Não andam muito desencaminhados.
— Vive só na propriedade? — quis saber.
Parecia muito triste que se afastasse de sua família e de seus amigos dessa maneira.
Constantine soltou uma breve gargalhada.
— Não precisamente — respondeu — De fato, a casa... Ou melhor, a Mansão, está tão
lotada de gente, que não resta nenhum aposento livre para mim. Assim vivo na residência da
viúva. E inclusive esse remanso de paz está sendo invadido de forma lenta, mas inexorável.
Hannah moveu as pernas de modo que as plantas de seus pés ficaram apoiadas no
assento. Abraçou as pernas e colocou o queixo sobre os joelhos.
— Constantine, vai ter que me explicar isso ou passarei toda uma semana sem dormir
pela curiosidade. Além disso, deve-me isso. Quem são essas pessoas que vivem em sua
propriedade?
— Comecei levando mulheres — respondeu — Mulheres cujo caráter e reputação
estavam pelo chão, porque aqueles para quem trabalhavam ou seus superiores, do ponto de
106
vista social, consideravam entre os direitos que Deus lhes outorgou, o de dispor à vontade
das mulheres que desejavam muito. Mulheres acompanhadas por seus filhos bastardos. Em
Ainsley Park têm um lar e um trabalho honesto para desempenhar na casa ou na granja.
Além disso, recebem formação como costureiras, chapeleiras, cozinheiras ou qualquer outra
profissão que seja interessante, desde que achem alguém que compartilhe esses
conhecimentos em troca de um alojamento, de um prato de comida e de um salário módico.
Ao final buscamos um posto de trabalho com pessoas que estão dispostas a aceitá-las. A elas,
aos seus bastardos e as suas reputações.
— Por quê? — Quis saber Hannah — Por que esse tipo de mulher em concreto?
A expressão de Constantine se tornou séria e meditabunda.
— Digamos que... — começou — Digamos que conheci algumas mulheres nessas
circunstâncias e o homem que lhes tirou tudo, salvo a vida. Sabia o que elas perderam,
trabalhos, famílias, o respeito de todos os conhecidos dela. Sabia o que padeceram, o
ostracismo. E sabia que com o pouco dinheiro que eu podia dar de vez em quando, não as
ajudava a mudar tais circunstâncias. Tinha muito claro que não podia oferecer minha ajuda
abertamente, porque as pessoas chegariam a certas conclusões, e isso teria piorado a
situação delas. Se acaso pudesse piorar, claro. Eu conheci o homem que lhes ocasionou tudo
isso e que foi despedindo-as uma a uma de seus postos de trabalho e esquecendo-as ao
substituí-las por outras, que possivelmente acabaram sofrendo o mesmo destino.
Hannah se abraçou as pernas com mais força.
Deus santo! Exclamou para si mesma. Seu pai?
Abriu a boca para perguntar em voz alta, mas era impossível perguntar algo assim.
— Elliott, o Duque de Moreland, diria que esse homem era eu — continuou ele.
— Chegou a acusá-lo?
— Sim.
— E você não o negou?
— Não.
Por Deus! Voltou a exclamar para si. Tirar informação era como tentar obter sangue
espremendo uma pedra.
— Por que não?
Constantine lançou um olhar muito sério.
— Foi meu amigo — respondeu — Era meu primo, quase meu irmão. Nossas mães
eram irmãs. Nem sequer deveria ter me exposto isso. Eu jamais teria perguntado algo assim.
Porque seria muito claro que a resposta era não. Fizemos muitas selvagerias em nossa
juventude, mas jamais tomamos uma mulher contra sua vontade.
— Mas não negou quando perguntou — indicou isso ela.
— Não perguntou — precisou Constantine — Afirmou. Não sei como, mas descobriu o
que tinha acontecido a essas mulheres e seus filhos. Assim me jogou isso na cara. Quando se
faz uma acusação, nem sempre, ou melhor, nunca, pergunta-se de forma educada, Duquesa.
— Que idiota é — replicou — E esse é o motivo de sua rixa?
107
— Entre outras coisas.
Hannah decidiu não indagar mais.
— Poderiam ter esclarecido tudo com uma simples negativa de sua parte — recordou
— mas seu orgulho impediu isso.
— A situação não deveria ter requerido nenhuma negativa — concluiu ele — Moreland
era, e continua sendo, um imbecil pomposo.
— E você um idiota teimoso — acrescentou Hannah — Você mesmo usou essas
descrições em uma ocasião, e agora vejo que estava certo.
Constantine ficou em pé, afastou a toalha e encheu de novo ambas as xícaras. Quando
voltou a sentar, recordou que Hannah gostava com leite e açúcar, de modo que voltou a
levantar-se para acrescentar ambos à sua xícara. Uma xícara transbordando de chá. Mais
inclusive que a primeira. Ofereceu uma bolacha, mas ela o recusou.
— Disse que começou levando mulheres a Ainsley Park — recordou.
— Um dia vi um rapaz aqui em Londres, em um açougue — disse Constantine — me
detive na calçada, fora do estabelecimento, porque o menino me recordava muito Jon. Tinha
os mesmos traços faciais e o mesmo físico, e supus que seus pais também haveriam dito
quando nasceu que não ultrapassaria os doze anos de vida.
— Teria seguido meu caminho, mas no minuto escasso que me detive reparei em dois
detalhes, que o rapaz se esforçava para agradar, mas que não agradava absolutamente.
Nesse breve lapso de tempo, recebeu duas bofetadas. Uma da parte de um cliente e outra da
parte do açougueiro por desgostar o cliente. De modo que entrei e paguei o açougueiro uma
soma estipulada pelo aprendiz. Ele por sua vez tirara o menino de um orfanato, virtualmente
grátis, suponho. Uns dias depois, quando voltei para Ainsley Park, levei a criança, Francis,
comigo. Demos a ele trabalho na cozinha e na granja, e se converteu em objeto de adoração
de todas as mulheres, sobretudo da cozinheira. Morreu ao fim de um ano, aos treze anos de
idade, mais ou menos, porque o pobre desconhecia sua data de nascimento. Acredito que foi
um ano muito feliz para ele.
Guardou silêncio para tomar um gole de chá com a vista cravada na xícara.
Hannah se entreteve com sua própria xícara a fim de conceder uns minutos para que
recuperasse a compostura. O brilho que tinha acreditado ver em seus olhos era muito real,
assim como a nota trêmula de sua voz. Tinha chorado por causa do menino do açougue,
Francis. O menino que tanto recordara seu irmão.
— Descobrir Francis me fez compreender que para conseguir que o projeto de Ainsley
Park se financiasse por si mesmo e não fosse um constante peso, para meus limitados
recursos econômicos, deveria conseguir que a granja funcionasse com pleno rendimento. Os
terrenos tinham sofrido anos de negligência. Para pô-la em marcha e para que fosse
rentável, necessitava de trabalhadores, em sua maior parte homens, que realizassem as
tarefas mais pesadas. E como devia contratar homens, decidi que escolheria aqueles a quem
fosse impossível achar emprego em outro lugar. Duquesa se surpreenderia saber quantos
homens há em tais circunstâncias. Homens com falhas físicas ou mentais, soldados
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aposentados ou licenciados que perderam algum membro ou algum olho ou inclusive a
prudência na guerra e já não são úteis para ninguém em tempos de paz, salvo para si
mesmos. São vagabundos ou inclusive ladrões que se vêem obrigados a delinquir porque não
encontram trabalho, mas que precisam comer. Se quisesse, poderia encher vinte
propriedades como Ainsley Park.
Não, não se sentia surpresa absolutamente.
— Alguns são capazes de realizar outros trabalhos além de trabalhar nas terras, e de
fato aspiram a fazer algo mais. Assim, os instrui para que sejam ferreiros, carpinteiros,
pedreiros e inclusive contadores e secretários. E depois buscam um emprego de modo que
fiquem estabelecidos em Ainsley Park. Alguns dos homens e das mulheres se casam, e os
casais partem em busca de uma nova vida.
— E não falou a ninguém sobre isto? — perguntou ela — Só a mim?
Constantine meneou a cabeça antes de sorrir.
— Bem, sim — respondeu — Disse-o ao Rei.
— Ao Rei?

— Foi antes que se convertesse em Rei, na verdade — explicou — Ainda era Príncipe
de Gales. Prinny. Uma noite, já de madrugada, estávamos os dois sentados nesse ostentoso
Palácio que tem em Brighton, depois dos outros se deitarem. Não recordo exatamente como
surgiu o tema. O caso é que nó dois estávamos bêbados e uma coisa levou a outra e no final
acabei falando de Ainsley Park. Acredito que... Não, não acredito porque o recordo bem.
Abraçou-me com tanta força que achei que me ia partir todos os ossos e que acabaria me
esmagado contra sua bojuda figura. Esteve a ponto de me afogar com suas lágrimas. É um
sentimental.
— Declarou-me um santo, um mártir. Porque me acreditou um mártir, não me
explicou. E acrescentou um sem fim de elogios mais, cada qual mais exagerado. Depois
prometeu me ajudar, me recompensar e informar a todo o reino do que fazia, entre outras
coisas espantosas. Por sorte, depois que recuperou a sobriedade, esqueceu-se de tudo.
Acredito que inclusive se esqueceu de minha pessoa.
— Conheço-o bem — disse Hannah — O Duque era seu amigo apesar de o Príncipe,
agora o Rei, tirar-lhe do sério. É impossível que não agrade, por mais que seja ridículo às
vezes. O que mais anseia na vida, acima de qualquer outra coisa, é que o queiram. Se o
antigo Rei e a Rainha o tivessem querido desde o começo, hoje seria uma pessoa diferente.
Um homem muito mais seguro de si mesmo.
— E mais magro? — acrescentou ele — Sua necessidade de comer seria menor?
Olhou-o com um sorriso. E acabou soltando uma gargalhada. Constantine também
sorriu e depois arqueou as sobrancelhas. Foi um momento estranho.
Passara onze anos adquirindo conhecimentos e exercitando a disciplina, dez deles às
mãos de um homem que ganhara ambos os atributos graças às experiências de uma longa
vida. Conhecimento e disciplina. Onze anos escondendo sua verdadeira personalidade, essa
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valiosa criatura que era na realidade, como uma larva em um casulo de serenidade oculta
debaixo de milhares de máscaras.
A vida mesma se convertera em um segredo. Ninguém estava a par da vida que levava
por trás das aparências. Porque as aparências eram tudo para aqueles que a rodeavam. Era
a única coisa que conheciam. Entretanto, em seu caso o importante era a realidade oculta
atrás da fachada. Mas de repente essa larva se via ameaçada. Tinha escolhido um homem
só pelos prazeres sensuais que podia oferecer e se havia... Que palavra podia empregar para
definir o que Constantine era para ela? Não se tinha apaixonado por ele, mas...
Bem, de algum modo estavam envolvidos de uma forma íntima. Era seu amante, sim.
Entretanto, um amante se podia descartar, esquecer, substituir. Podia-se manter a uma
distância segura do coração. Os amantes eram para o prazer, para divertir.
Constantine era mais que seu amante.
Desde o começo desse ano se havia dito que ia entregar se ao prazer e que não ia
procurar o amor e a felicidade permanente. Havia-se dito que despacharia Constantine, que
o esqueceria assim que acabasse a temporada social. E o faria, é claro. Porque não restava
mais remédio, na realidade. Sabia muito bem que ele procurava uma amante diferente cada
ano.
Mas...
Mas suas emoções tinham acabado implicadas de alguma forma no que supostamente
ia ser uma experiência só física.
O casulo de serenidade que protegia à larva, a seu coração, agitou-se.
O Duque tinha razão. Tinha advertido de que algum dia aconteceria, de que os casulos
só serviam para proteger a fragilidade de uma nova vida, até que estivesse pronta para sair e
florescer com todo seu esplendor.
Deveria ter pensado melhor antes de escolher um homem misterioso que a intrigava.
Porque, evidentemente, sua personalidade estava oculta sob um sem fim de camadas.
Uma parte de tal personalidade não era nada agradável. Como exemplo bastava o
impertinente interrogatório ao qual tinha submetido a Barbara no baile dos Kitteridge. Ou
esse ridículo orgulho que durante anos tinha perpetuado de forma desnecessária numa rixa
com seu primo, que também era seu melhor amigo. Mas outra parte... Enfim, poderia chegar
a amar o homem cuja compaixão pelos desafortunados era tão profunda que lhes abriu seu
lar, o coração de sua privacidade e de sua paz. E tudo pela simples satisfação de fazer o
correto. Em vez de procurar elogios, não tinha falado a ninguém de seu lar nem do que
estava fazendo nele. Salvo ao Rei, em um momento de embriaguez compartilhada. E nesse
momento a ela, porque o devia.
Ai, que perto estava de cometer um erro absurdo do qual se arrependeria o resto de
sua vida! Porque Constantine Huxtable não era o homem adequado para algo permanente.
De repente, a ausência do Duque se converteu em um enorme vazio. Tomara que pudesse
voltar para casa, zombá-lo, deixar que zombasse dela, e colocar sua mão sobre essa mão
anciã e artrítica que tanta segurança oferecia. E pedir conselho. Ou sua opinião sobre o que
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estava acontecendo. Entretanto, tinha a ensinado a ser autossuficiente, e até esse momento
pensava que tinha aprendido bem a lição. O Duque não quereria que dependesse sempre
dele. Nem tampouco o quereria ela.
Eles estavam se olhando nos olhos em silêncio, Constantine e ela, e nenhum dos dois
sorria ainda.
— Poderiam nos pendurar por traição se nos ouvisse falar assim — disse.
— Ou acabar com a cabeça cortada — acrescentou ele — Por certo, disse à Senhorita
Leavensworth que falaria com você para organizar uma visita à Torre de Londres porque
ainda não esteve nela. Virá?
— Faz anos que eu tampouco vou — respondeu. — Passará alguns dias em Copeland
Manor se organizar uma breve festa campestre?
— Está me convidando, Duquesa? — Perguntou Constantine por sua vez — Não é uma
ordem?
— Bem, você me convidou a ir à Torre, assim eu não vou ser menos quanto à
amabilidade.
— Não estará pensando em convidar Moreland e sua esposa, não é verdade?
— Não — respondeu e negou também com a cabeça — Mas não deveria falar com ele
de qualquer forma, algum dia?
— Fazer as pazes e nos dar a mão? — Replicou Huxtable — Acredito que não.
— De modo que seguirá vivendo com essa tristeza e só por uma simples questão de
orgulho.
— Vê-me triste? — perguntou Constantine.
Abriu a boca para responder, mas voltou a fechá-la.
— E você, Duquesa, vai voltar para Markle possivelmente para as bodas da Senhorita
Leavensworth e falar com seu pai, com sua irmã e com seu cunhado? Seguirá afastada deles
por uma questão de orgulho?
— São dois temas diferentes — respondeu ela.
— Ah, sim?
Durante um instante se olharam em silêncio e com seriedade, ou melhor, com fúria, e
nenhum dos dois quis ser o primeiro em afastar o olhar. Ao final foi Constantine quem o fez.
— E assim seguirá vivendo com essa tristeza e só por uma simples questão de orgulho
— sussurrou.
Touchée, pensou Hannah. Entretanto, Constantine ignorava a magnitude do que
estava pedindo.
— Quero ir para casa, a Dunbarton House — disse — É tarde. Ou cedo, conforme se
olhe.
Constantine ficou em pé e se aproximou dela. Apoiou-se nos braços da poltrona,
inclinou-se e a beijou.
Foi um beijo horrível por sua ternura e sua delicadeza. Horrível porque ainda era de
noite, porque tinha feito amor com ele e tinha adormecido ao seu lado, e porque se sentara
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a falar com ele e a essas alturas não sabia onde estavam suas defesas. Se pudesse achá-las,
armaria de novo e se envolveria com elas para ficar outra vez a salvo. Mas a salvo do que?
Perguntou-se.
Constantine levantou a cabeça e a olhou nos olhos. Os seus pareciam muito escuros e
tinham uma expressão velada.
— Nesse caso será melhor que se vista — disse — meu cocheiro poderia se
escandalizar se a visse dessa maneira, embora vá coberta do queixo até a ponta dos pés.
— Constantine, se me visse obrigada a sair assim — replicou — Seu cocheiro só veria a
Duquesa. Acredite-me. Eles só veem o que eu quero que veja.
— Isso ensinou Dunbarton?
— Sim, e foi um grande professor — respondeu Hannah.
— Acredito que sim — reconheceu Constantine — Sempre que a vi ao longo dos anos,
vi à Duquesa. Uma Duquesa muito bela e muito rica. Agora é quando começo a descobrir
quão equivocado estava.
— Isso é bom? Ou ruim?
Constantine se endireitou.
— Ainda não decidi — respondeu — Via-a como uma rosa, mas sem múltiplas pétalas.
Acabo de compreender que estava enganado. Tem mais camadas que a rosa mais
exuberante. Mas ainda não cheguei ao coração da rosa. Começo a acreditar que há um
coração. De fato, sei que há. Vá se vestir, Duquesa. É hora de levá-la para casa.
E por estranho que parecesse, dado que foi ela quem o tinha dito em primeiro lugar,
sentiu-se recusada. Como se ele não quisesse que ficasse. E se sentiu comovida. Via-a como a
uma rosa e pouco a pouco, pétala a pétala, estava descobrindo o caminho do seu coração. Se
ela o permitisse. Mas... Como ia impedi-lo se onze anos de disciplina e de firmeza corriam o
perigo de desmoronar apenas umas semanas depois de ter tomado seu caminho solitário na
vida.
Não aconteceria. Porque Constantine não podia ser ele. Não podia ser esse homem
que o Duque tinha prometido que algum dia acharia. Quando por fim encontrasse esse
homem, seu coração teria que estar intacto. Talvez não devesse ter ficado tonta com a
sensualidade. Ficou em pé e se aproximou da porta.
— Pela mãozinha, como se fosse uma menina? — Replicou com altivez — vim sozinha
em sua carruagem. Voltarei sozinha nela. Assegure-se que esteja na porta dentro de dez
minutos.
Seu gesto triunfal ficou um pouco deslustrado por culpa de certo risinho.

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CAPÍTULO 12

Como no dia seguinte esteve chovendo, Con passou grande parte da manhã
escrevendo a Harvey Wexford, o administrador de Ainsley Park. Tinha que responder
algumas perguntas e decidir sobre alguns detalhes insignificantes. Mas o mais importante
era enviar uma série de mensagens particulares a vários residentes de Ainsley Park, coisa que
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fazia todas as semanas. Embora deixasse sua gestão, sua formação e seu bem estar nas mais
que capazes e compassivas mãos de Wexford, não se esquecia de sua gente quando se ia de
casa, e estava decidido a se fazer saber.
Nessa ocasião tinha que felicitar à Megan, a filha de Phoebe Penn, por seu quinto
aniversário... E tinha que mandar o livro que tinha comprado antes do almoço porque tanto
mãe como filha estavam aprendendo a ler. E tinha que felicitar Winford Jones, um antigo
trombadinha, a quem tinham declarado apto como ferreiro e que conseguiu um posto como
ajudante em uma ferraria de Dorsetshire. E também tinha que felicitar Jones e Bridget Hinds,
que iriam se casar antes de partir com o pequeno Bernard, o filho de Bridget. Pensava enviar
outro livro para Bernard, porque em seus sete anos já sabia ler.
Além disso, tinha que expressar seu pesar a Robbie Atkinson, que tinha caído do
mezanino onde armazenavam o feno e quebrado um tornozelo. E dar seus bons desejos à
cozinheira, que chegara ao inusitado extremo de ficar dois dias de cama por culpa de um
forte resfriado, embora tivesse continuado dirigindo a cozinha com mão de ferro de seu
leito. Como o tempo melhorara um pouco, passou a tarde nas corridas com alguns amigos,
e a noite transcorreu em um serão em casa de Lady Carling, a sogra de Margaret, em Curzon
Street.
Foi uma dessas ocasiões nas quais encontrou Vanessa e Elliott, mas como Lady Carling
tinha habilitado mais de uma sala para seus convidados, puderam ficar em diferentes
aposentos a maior parte do tempo, evitando sua mútua existência de um modo muito
efetivo. Recordou que Hannah aconselhara na noite anterior que falasse com Elliott... Para
que não estivesse tão triste.
Achou engraçado imaginar a reação de seu primo se fosse em sua busca e sugerisse
que se sentassem para solucionar suas diferenças nesse preciso momento. Não tinham
nada do que falar. Elliott acreditava o pior dele e Con não se importava.
Um imbecil e um idiota. Duas caras da mesma moeda. Era assim simples.
Hannah não foi ao serão.
Con partiu depois, considerou a ideia de passar um momento no White’s, mas no final
foi para sua casa. Ter uma amante podia causar esse efeito em um homem, escolher uma
noite de sono em vez de passar uma noite com os amigos quando se apresentava a
oportunidade.
Na manhã seguinte foi a Dunbarton House. Receava muito que as damas continuassem
deitadas ou que tivessem saído às compras. Entretanto, achavam-se em casa.
O mordomo, que foi em pessoa comprovar se as damas estavam disponíveis,
conduziu-o à biblioteca, um lugar insólito onde achar a Duquesa. Descobriu-a com um livro
aberto no colo enquanto sua amiga estava sentada na escrivaninha, escrevendo certamente
uma carta ao seu vigário.
A Duquesa fechou o livro, soltou-o e ficou em pé.
— Constantine — saudou-o ao mesmo tempo em que se aproximava dele com uma
mão estendida.
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— Duquesa — Fez uma reverência e permitiu pela primeira vez que levasse sua mão
aos lábios — Senhorita Leavensworth.
A aludida soltou a pena e se voltou para ele, com as faces muito rosadas.
— Senhor Huxtable — replicou com seriedade.
— Senhorita Leavensworth, quero que saiba que a convidei a dançar no baile dos
Kitteridge porque desejava dançar com você — assegurou — Minha mal educada indagação
a respeito das origens da Duquesa foi fruto do momento e também foi uma ideia espantosa.
Rogo que me desculpe por tê-la alterado.
— Obrigada, Senhor Huxtable — disse a Senhorita Leavensworth — Foi um prazer
dançar com você.
— Que saiba que não me esqueci que deseja ver a Torre de Londres antes de retornar
a Markle, e que a Duquesa faz séculos que não a vê. O tempo melhorou muito hoje. De fato,
acredito que o sol está a ponto de abrir caminho entre as nuvens. Quer me acompanhar a
visitá-la esta tarde? Talvez pudessem tomar um sorvete no Gunter’s depois.
— Um sorvete? — A Senhorita Leavensworth arregalou os olhos — Ah, não os provei
na vida, mas ouvi que são deliciosos.
— Pois assunto arrumado, iremos ao Gunter’s depois — Sentenciou e olhou Hannah.
É claro, ela diria que tinham um compromisso prévio essa tarde.
— Estaremos prontas às doze e meia — disse ao contrário
O que certamente queria dizer que estariam prontas às treze e quarenta e cinco.
— Não as entretenho mais, vou para que possam seguir com a leitura e com a carta —
disse, enquanto se despedia com um gesto da cabeça.
Partiu sem dizer nada mais.
Enquanto deixava a praça para trás, Con rememorou a aparência da Duquesa. Levava
um simples vestido de algodão em cor azul clara, um tom mais claro que seus olhos. Sem
joias. E com o cabelo recolhido em um simples coque na nuca.
Simples e sem adornos.
Estava arrebatadora.
A Duquesa é claro.
Quando voltou para sua porta às doze e meia em ponto, seu aspecto era o de sempre.
Nessa ocasião foi em sua carruagem, já que os três iriam mais cômodos que no tílburi e havia
bastante distância até a Torre de Londres.
As duas damas estavam preparadas. Talvez se a excursão fosse para ela sozinha, a
Duquesa o teria feito esperar por questão de princípios, mas não era assim, e a Senhorita
Leavensworth parecia emocionada e alegre. Chegou à conclusão de que a Duquesa de
Dunbarton queria muito à sua amiga.
Havia muito que ver na Torre de Londres. Não obstante, nenhuma das damas se
mostrou interessada nas velhas masmorras, nem nas câmaras de tortura nem nos
instrumentos de execução. De fato, a Duquesa estremeceu com o que parecia verdadeiro
espanto quando um dos guardas reais os convidou a visitar a exposição.
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De modo que visitaram o zoológico e passaram muito tempo admirando os exóticos
animais selvagens, em especial os leões.
— São esplêndidos — disse a Senhorita Leavensworth — Agora entendo por que dizem
que são os reis da selva. E você, Hannah?
Entretanto, a Duquesa não era tão fácil de agradar.
— Mas onde está a selva? — Perguntou por sua vez — Pobres criaturas. Como podem
ser reis quando estão encerrados em uma jaula? É preferível ser um humilde coelho, uma
tartaruga ou uma toupeira e ser livre.
— Mas suponho que os alimentam bem — replicou a Senhorita Leavensworth — E
aqui estão protegidos dos elementos. E são muito admirados.
— E é claro tal admiração compensa uma multidão de pecados — respondeu a
Duquesa.
— Pois eu me alegro de tê-los visto — declarou a Senhorita Leavensworth, negando-se
a aceitar as críticas de sua amiga — até agora só pude ler sobre eles nos livros e vê-los em
desenhos. E os livros nunca transmitem os aromas, não é? Uf!
— vamos ver as joias da Coroa? — ele sugeriu.
A Senhorita Leavensworth ficou fascinada ao vê-las.
E por casualidades da vida, os parentes de seu noivo, junto com seus filhos,
apareceram cinco minutos depois deles chegarem. Houve exclamações de surpresa e deleite,
e também alguns abraços, depois dos quais se produziram as apresentações. De modo que
Con conheceu o Senhor e a Senhora Newcombe e Pamela e Peter, já que a Duquesa os tinha
conhecido uns dias antes quando foram a sua casa para recolher a Senhorita Leavensworth a
caminho aos jardins de Kew.
— Necessito um pouco de ar fresco — anunciou a Duquesa ao fim de uns minutos —
Constantine prometeu me levar às ameias da Torre Branca, Babs, e agora é o momento
perfeito, já que você tem pânico de alturas. Voltaremos em seguida.
— Ficaremos com Barbara enquanto você admira as vistas, Excelência — assegurou a
Senhora Newcombe — Tome seu tempo. Só ficam por ver as masmorras, por insistência de
nossos filhos, e não temos pressa.
A Duquesa pegou seu braço e subiram juntos até as ameias da Torre Branca, o ponto
mais alto à exceção das quatro torres situadas nas esquinas.
— Esta noite? — perguntou assim que puderam afastar-se de outros.
— Sim — respondeu ela — me virá muito bem. Esta noite tenho que ir a um jantar e a
uma recepção no Palácio de Saint James e seguramente será um aborrecimento. Mas já sabe
que quando se recebe um convite real, não se pode recusar porque parece ruim, embora
seja a Duquesa de Dunbarton. Barbara vai jantar com os Park. Pode me enviar sua carruagem
às onze.
Saíram às ameias da Torre e descobriram que todas as nuvens tinham desaparecido,
deixando um céu azul e um sol radiante.

116
A Duquesa abriu sua sombrinha e se cobriu com ela. Nesse dia levava um chapéu,
amarrado com uma fita debaixo do queixo. Menos mal, porque o vento soprava bastante
forte nessa altura.
Percorreram o perímetro das ameias, admirando as diferentes vistas da cidade e da
campina que se estendia além dos edifícios, e depois se detiveram para contemplar o
Tâmisa.
A Duquesa jogou a sombrinha para trás e ergueu o rosto para o céu. Um dos corvos
pelos que era tão famosa a Torre de Londres voava sobre eles nesse momento.
— Constantine, alguma vez pensou que seria maravilhoso voar? Estar só na imensidão,
com o vento e o céu?
— A única dimensão que o homem ainda não conquistou? — replicou — Seria
interessante admirar o mundo da perspectiva de um pássaro. Claro que sempre pode montar
em um globo aerostático.
— Mas isso tira a liberdade — replicou Hannah — Eu quero ter asas. Mas não importa.
De momento este lugar está bastante alto. Não é lindo?
Con voltou a cabeça para sorrir. Não era muito habitual escutar semelhante
entusiasmo por parte da Duquesa, nem ver uma expressão tão emocionada em seu rosto.
Apoiara os braços nas ameias e tinha a vista cravada no rio. Sua sombrinha estava apoiada
contra a muralha.
— Talvez devesse partir para algum lugar exótico e distante — continuou ela — o
Egito, a Índia, China... Alguma vez quis vê-los?
— Escapar de mim mesmo? — precisou.
— Não, não de você mesmo — respondeu a Duquesa — Mas com você. É impossível
deixar sua essência para trás, vá aonde vá. É uma das primeiras coisas que me ensinou o
Duque depois de nos casar. Disse-me que nunca poderia escapar da jovem que fui. Que só
podia convertê-la em uma mulher em cujo corpo e mente me sentisse feliz.
E, entretanto, comportava-se como se tivesse escapado de sua infância. Negava-se
inclusive a voltar para seu lar, a retornar junto às pessoas que deixara para trás quando se
casara com Dunbarton.
— Quando era jovem — confessou — expus-me a ideia de me fazer ao mar. Mas ficaria
ausente durante meses, inclusive anos. Não podia me separar tanto tempo de Jon.
— O irmão a quem odiava?
— Não o...
— Não — o interrompeu a Duquesa — Sei que não o odiava. Queria-o mais do que quis
a alguém na vida. E o odiava porque foi incapaz de mantê-lo com vida.
Ele se apoiou nas ameias junto a ela. Afinal a Duquesa não era tão superficial como
parecia. Como tinha chegado a ser tão intuitiva?
— Ainda tenho a impressão de que o abandonei — confessou — Quando passo um dia,
ou mais tempo, sem pensar nele. Vou a Warren Hall de vez em quando para visitá-lo. Está

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enterrado junto à capela que há na propriedade. É um lugar muito tranquilo. Alegro-me de
que esteja ali. Vou falar com ele.
— E para escutá-lo? — perguntou ela.
— Isso seria absurdo.
— Não mais absurdo que falar com ele — indicou a Duquesa — Acredito que está vivo
em seu coração, mesmo que não pense nele de forma consciente. Acredito que sempre
ocupará esse lugar. E é uma boa parte de você.
Con se inclinou mais para frente para ver o que tinham justo debaixo e depois voltou a
cravar a vista no rio.
— Isto não tem sentido — comentou — Nunca falo de Jon. Por que o faço com você?
— Conhecia a existência de Ainsley Park? — quis saber ela.
O que estava acontecendo? Também nunca falava de Ainsley Park. Soltou um
profundo suspiro.
— Sim — respondeu — Foi ideia dele... Não o de apostar nas mesas de jogo, é claro,
mas sim o de comprar um lar seguro para mulheres e crianças que ninguém mais queria. Um
lugar onde pudessem trabalhar e formar-se para procurar um trabalho permanente no
futuro. Estava tão entusiasmado pela ideia que havia noites que nem dormia. Queria vê-lo
com seus próprios olhos. Mas morreu antes que houvesse algo tangível para ver.
Nesse momento se deu conta de que a Duquesa tinha movido a mão para colocá-la em
cima da sua... E de que tirara a luva.
— Foi uma morte dolorosa? — perguntou.
— Dormiu e não despertou — respondeu — Foi na noite de seu décimo sexto
aniversário. Tínhamos brincado de esconder durante umas horas de tarde e riu tanto que
certamente debilitou seu coração. Quando fui apagar sua vela me disse que me queria mais
que a ninguém no mundo. Disse-me que me queria muito, muito, muito. Amém. Uma tolice
que sempre achava muita graça. E morreu em poucas horas.
— Sim, mas esse amor ainda perdura. Seu irmão o queria como o Duque me queria. O
amor não morre com a pessoa. Apesar da dor que sofre os que seguem vivendo.
Como demônios chegaram a esse ponto? Perguntou-se Constantine.
Menos mal que se achava em um lugar público, embora de momento desse a sensação
de que tinham as ameias para seu uso exclusivo. Se tivessem em um lugar particular, era
muito possível que a tivesse abraçado e se pusesse a chorar em seu ombro. Uma ideia
alarmante, certamente. Para não dizer humilhante.
Voltou a cabeça para olhá-la. Ela também o estava olhando, com os olhos totalmente
abertos e sem sorrir, sem rastro de suas habituais máscaras. E nesse instante se deu conta de
que gostava dela. Não era uma revelação transcendental... Ou não deveria sê-lo. Mas o era.
Quando a Duquesa de Dunbarton se convertera em sua amante, esperava abrigar todo
tipo de sentimentos por ela. O fato de que gostar dela não era um deles.
Cobriu a mão com a sua.

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— Estou convencido de que a Senhorita Leavensworth e os parentes de seu noivo
ficaram sem assunto de conversa. E também estou convencido de que as crianças estão a
ponto de subir pelas paredes que protegem as joias da Coroa. Será melhor que voltemos
para resgatá-los... E para levá-la a tomar seu primeiro sorvete no Gunter’s.
— Sim — concordou ela — Seria horrível chegar e descobrir que já fecharam. Babs
ficaria desconsolada. Claro que nunca o admitiria. Diria-nos com um sorriso que não se
importa absolutamente, que a tarde foi maravilhosa embora não tenha provado seu primeiro
sorvete. É uma mártir.
Con ofereceu o braço depois que ela calçou a luva e colocou um enorme anel de
diamantes, verdadeiros ou não, no indicador e recolheu sua sombrinha.

Quase era meia noite quando Hannah chegou à casa de Constantine.


Sua intenção não era a de chegar tarde, entre outras coisas porque decidiu que se
acabaram os jogos com ele. Entretanto, não se podia abandonar o Palácio de Saint James
antes do tempo, com a desculpa de que se tinha um encontro com o amante às onze. Muito
menos se mantinha uma conversa em particular com o Rei durante dez minutos,
precisamente quando o relógio marcava essa hora.
Constantine não fechara com chave. Mas abriu a porta em pessoa quando sua
carruagem se deteve diante da casa. Não havia nem rastro dos criados. Provavelmente os
tivesse mandado à cama.
Hannah não ofereceu explicação sobre seu atraso... Não pensava chegar tão longe.
Limitou-se a jogar os braços em seu pescoço e beijá-lo, e ele a levou para a cama sem mais
demora. Pouco mais de uma hora depois estavam de novo em seu gabinete.
Constantine usava uma camisa e calças, e ela, seu robe. Na mesinha auxiliar situada
entre eles descansava uma bandeja com chá, pão, manteiga e queijo. Poderia acostumar-se
a isso, pensou ela... A esse agradável companheirismo depois da extenuação e o prazer de
fazer o amor.
Poderia acostumar-se a ele.
No ano seguinte ele teria outra amante, e talvez ela também o tivesse, embora não
estava segura de querer repetir a experiência. A ideia surgiu em sua cabeça sem
premeditação alguma. Haveria outra mulher sentada em seu lugar, talvez vestida com esse
mesmo robe. E ele também estaria ali, olhando a essa mulher com uma expressão sonolenta,
em uma postura relaxada e com o cabelo alvoroçado.
Franziu o cenho... E nesse momento sorriu.
— O Rei não se esqueceu do Ainsley Park — comentou — nem de você.
— Por Deus! — Exclamou ele com uma careta — Não terá ocorrido recordar-lhe, não é
verdade?
— Estava se queixando do Palácio de Saint James, que diz aborrecê-lo com todas suas
forças, e perguntando se Buckingham House poderia converter-se em uma residência real
119
muito mais imponente. Sugeri a Torre de Londres e mencionei que a visitara hoje mesmo
com minha melhor amiga e com você, como acompanhantes.
— Prinny como amo e Senhor da Torre de Londres — murmurou ele — A ideia em si
mesmo provoca suores frios. Certamente reabriria a Porta do Traidor e faria que todos seus
inimigos desfilassem por ela a caminho das masmorras.
— A Inglaterra ficaria vazia — acrescentou ela — Não ficaria ninguém para levar as
rédeas do governo, salvo o próprio Rei. O Parlamento seria pasto de morcegos e fantasmas.
E a Torre de Londres estaria cheia, transbordando.
Os dois se puseram a rir ao pensar nisso e Hannah, que já dera boa conta de seu pão
com manteiga, queijo e chá, cruzou os braços introduzindo as mãos nas mangas do robe.
Nenhum dos sonhos nem dos planos que esboçara durante o inverno, incluía alegres
brincadeiras e gargalhadas por um tema que se poderia considerar como traição à Coroa.
Constantine era muito bonito quando ria, mais ainda com essa expressão sonolenta.
— E como passaram de falar da Torre de Londres a falar de Ainsley Park? —
perguntou.
— Quando mencionei seu nome, o Rei franziu o cenho e fez expressão pensativa —
respondeu — e depois pareceu recordar quem era. Uma pena, disse-me, que não pode se
converter em Conde de Merton, embora afirmasse ter muito afeto ao Conde atual. Disse-me
que tinha algo importante que recordar sobre você. De fato, esteve procurando lembrar até
que mencionou o nome de Ainsley Park sem necessidade de que o recordasse, estava
encantado consigo mesmo, como se acabasse de achar uma ameixa no pudim de Natal. Um
homem maravilhoso declarou... E se referia a você, Constantine. Que saiba que tem intenção
de oferecer sua ajuda em seus projetos beneficentes e de honrá-lo pessoalmente quando
considerar mais adequado.
Constantine meneou a cabeça.
— Estava bêbado?
— Não até o ponto de ficar ridículo — respondeu Hannah — Mas bebeu uma
quantidade alarmante diante dos meus olhos. E estou certa de que bebeu o mesmo, pode
ser que mais, enquanto não o olhava.
— Nesse caso só cabe esperar que se esqueça... De novo.
— Estava acabando de dizer a última frase justo quando se iluminou seu olhar ao ver
uma mulher gordinha com um vestido passado de moda e saiu correndo. Esqueceu-me por
completo. Abandonou-me. Era como se eu não existisse. Que humilhante Constantine.
— O Rei sempre teve um gosto um pouco excêntrico em questão de mulheres —
replicou ele — para dizê-lo delicadamente. Peculiares seria um qualificativo menos delicado.
Estranhos seria a verdade. Todo mundo evitou sua existência?
— Claro que não — respondeu — Sou a Duquesa de Dunbarton.
— Assim eu gosto, Duquesa — disse ele, e esses olhos muito escuros a olharam com
um sorriso.

120
Foi muito desconcertante e perturbador. Porque o resto de seu rosto não sorriu.
Entretanto, não tinha a sensação de que estivesse zombando dela. Tinha a sensação de que
estava brincando... De que o agradava estar com ela. Gostava de Constantine?
E ele gostava dela? Gostar, não apenas desejar.
— Se tivesse roubado todas as joias da Coroa esta tarde e as tivesse dado à Babs, em
vez de comprar um sorvete no Gunter’s — comentou — não teria dado nem a metade de
contentamento.
— Estava contente, não é verdade? — Replicou Constantine — conheceu seu vigário?
Merece-a?
— Entre outras virtudes menores — respondeu Hannah — tem um sorriso especial que
reserva para ela. Um que chega justo ao coração.
Olharam-se por cima da mesa.
— Acredita no amor? — perguntou — Refiro a essa classe de amor.
— Sim — respondeu ele — Em outro tempo teria dito que não. É fácil ser um cínico, a
vida nos oferece muitas evidências, de que não se pode ser outra coisa e continuar sendo
honesto. Mas tenho quatro primos, primos de segundo grau, que cresceram no campo,
virtualmente na pobreza e, que irromperam na cena social depois da morte de Jon. Uns
camponeses, nem mais nem menos, que esperava que fossem mal educados, ridículos e
vulgares. Odiei-os inclusive antes de vê-los, sobretudo ao flamejante Merton. No final
aconteceu que não eram nada disso, e um a um contraíram matrimônios, que deveriam ter
sido um desastre. Entretanto, todas as provas apontam de que meus primos, converteram
seus respectivos matrimônios em uniões por amor. Todos eles. É inegável e extraordinário.
— Inclusive a prima que se casou com o Duque de Moreland? — perguntou.
— Sim — respondeu ele — inclusive Vanessa. E sim, acredito no amor.
— Mas não para você?
Constantine deu de ombros.
— Devo trabalhar para encontrá-lo e consolidá-lo? — Perguntou por sua vez — As
experiências de meus primos parecem sugerir que é assim. Não estou certo de estar
preparado para fazer o esforço necessário. Como saber que não será em vão? Se o amor
chegar aos meus braços, completamente formado, me alegrarei muito. Mas não lamentarei
se não aparecer. Estou contente com minha vida tal qual é.
Não obstante, Hannah teve a impressão de que Constantine parecia melancólico
enquanto falava. Tinha, pensou com certa tristeza, muito amor em seu interior para oferecer
à mulher adequada. Um amor que moveria montanhas ou universos.
— E você, Duquesa? Amou um homem quando era muito jovem e sofreu muito por
isso. Amou Dunbarton, embora não acredito que se tratasse de um amor romântico.
Acredita no tipo de amor que a Senhorita Leavensworth achou?
— Acredito que aos dezenove anos estava apaixonada pelo amor — respondeu —
Entretanto, não me deram a oportunidade de descobrir que profundo, ou superficial, teria
sido tal amor. Todas as coisas acontecem por um motivo, ou isso me ensinou o Duque. E eu
121
estou de acordo. Talvez descobrir Colin e Dawn juntos fosse o melhor que me pode
acontecer.
Que estranho, pensou. Jamais tinha considerado essa ideia antes.
O que teria se passado se não tivesse descoberto a verdade até que fosse muito tarde?
Como teria sido sua vida? E o que teria acontecido se Colin não tivesse amado Dawn?
Seguiria amando-o a essas alturas? Estaria contente ao seu lado? Era impossível saber.
Entretanto, percebeu-se de que já não sentia a dor de sua perda. Possivelmente a teria
superado há muito tempo. A única coisa que sentia era a dor da traição e da recusa. Essa
ainda perdurava.
— Mas mesmo que não contasse com o exemplo de Barbara, saberia que o verdadeiro
amor existe — assegurou — Refiro a esse amor único, a essa comunhão de almas, que
pouquíssimas pessoas encontram e que à maioria costuma negar. O Duque o conhecia de
primeira mão e me contou sua experiência.
— Dunbarton esfregou uma antiga amante? — perguntou ele — Caso fosse antiga,
claro.
— Estava há um ano de luto quando o conheci e me casei com ele — respondeu — o
pior já deveria ter acontecido e talvez fosse assim. Mas nunca deixou de chorar sua perda.
Nem um só instante. Foi um amor que sobreviveu mais de cinquenta anos, um amor que
definiu toda sua vida. Permitiu querer a mim.
Constantine cruzou os braços e a olhou fixamente durante um bom tempo.
— Apesar de tudo não se casou com ela — indicou — E a manteve tão em segredo que
não houve nem um só rumor sobre sua existência entre a alta Sociedade.
— Seu amante era seu secretário pessoal — disse Hannah — e foi durante toda sua
vida de adulto. Por isso puderam estar juntos e viver sob o mesmo teto sem despertar
suspeitas. Embora deviam ser muito discretos. Nem sequer os criados estavam a par da
verdade, ou eram tão leais ao Duque que nunca falaram fora de casa do que sabiam.
Continuam sendo.
— Dunbarton te falou disso?
— Sim, antes de nos casarmos. Enquanto me explicava que não tinha motivos ocultos
para casar-se comigo salvo me afastar dali e me ensinar a ser uma Duquesa e a ser uma
beleza orgulhosa e independente no pouco tempo que restava de vida. Disse-me que foi
incapaz de afastar os olhos de mim durante as bodas, não porque despertasse sua luxúria,
mas sim porque tinha um aspecto tão angelical que não conseguia assimilar que fosse
humano. Segundo suas próprias palavras, um grupo de caipiras não tinha direito a romper o
coração de um anjo... Sua história me escandalizou profundamente. Nem sequer sabia que
podia existir algo como o que ele descrevia. Mas acreditei em sua bondade. Talvez fosse uma
tolice... Sem dúvida alguma, eu era uma idiota. Mas às vezes é bom ser tolo. Durante os anos
que estivemos juntos me falou livremente do amor de sua vida. Acredito que para ele era um
consolo poder fazê-lo depois de tantos anos de segredos e silêncio. E me prometeu que
algum dia acharia esse tipo de amor, embora não com alguém de meu mesmo sexo.
122
— E você acreditou nele?
— Acreditei na possibilidade de que isso acontecesse, embora fosse pouco provável.
Constantine, meu mundo é artificial. Inclusive eu. Sobretudo eu. Ensinou-me a ser uma
Duquesa, a ser uma fortaleza inexpugnável, a ser a guardiã de meu próprio coração.
Entretanto, admitiu que não podia me ensinar nem como nem quando permitir que alguém
penetrasse na fortaleza, nem em que momento libertar meu coração. Disse que aconteceria
sem mais.
— De fato, prometeu-me que aconteceria sem mais. Mas como vai me achar o amor
na suposição de que esteja me procurando? — Sorriu.
Que conversa mais estranha para manter com seu amante! Ficou em pé e rodeou a
mesa.
— Mas enquanto isso, não penso esperar sentada algo que talvez nunca aconteça. Tê-
lo como amante é algo que desejava que acontecesse... Não, algo que decidi que aconteceria
assim que finalizasse o ano de luto. E o que me oferece é mais que suficiente para esta
primavera.
— Já tinha decidido antes de retornar a Londres que eu seria o eleito? — perguntou—
Constantine, arqueando as sobrancelhas.
— Sim — respondeu — Não se sente adulado?
Desatou o cinto do robe, abriu a roupa e se colocou escarranchada sobre ele na
enorme poltrona enquanto se inclinava para beijar nos lábios.
— Assim Dunbarton ensinou a conseguir tudo o que quer, não? — perguntou ele ao
mesmo tempo em que deslizava o robe pelos ombros e braços, depois do que o jogou no
chão.
— Sim. E consegui você. — Olhou-o nos olhos e esboçou um sorriso deslumbrante.
— Como uma marionete — apostilou.
— Não — meneou a cabeça — A condição era que você também o desejasse. E o
deseja. Diga-me isso.
— Não posso demonstrar isso sem mais? — perguntou, e o brilho risonho voltou a
aparecer nesses olhos escuros.
— Diga-me — ordenou.
— Vulnerável Duquesa? — Formulou a pergunta sussurrando junto aos seus lábios,
um gesto que provocou em Hannah um calafrio — Desejo-a. Muito. Desejo-a. Muito.
E passou a desabotoar as calças, a agarrá-la pelos quadris para levantá-la um pouco e a
afundar-se nela de uma só investida.
Hannah sempre tinha achado que os encontros em sua cama provocavam um prazer
quase insuportável. Nessa ocasião o quase não fez ato de presença. De joelhos na poltrona,
escarranchada sobre ele, fez amor com tanto desenfreio e paixão como demonstrava.
Sentiu-o no mais profundo de seu ser, escutou o som de seus corpos ao unir-se, contemplou
os traços afiados desse rosto tão moreno, enquanto ele apoiava a cabeça no espaldar da
poltrona, com os olhos fechados e o cabelo revolto.
123
Entretanto, quando a dor chegou a um ponto quase crítico durante o qual Constantine
deveria tê-la segurado com força para por fim ao seu clímax, não terminou, mas sim se
intensificou até tornar-se insuportável... E converter-se em uma glória tão absoluta que não
haveria palavras para descrevê-la embora as tivesse procurado.
Limitou-se a gritar.
E depois, trêmula e estremecida, desabou-se sobre ele, apoiou a cabeça em seu ombro
e sentiu uma irresistível necessidade de dormir.
Constantine a abraçou com força enquanto recuperava o fôlego e depois saiu dela e a
pegou nos braços, cobrindo-a ao mesmo tempo com o robe, para levá-la até seu dormitório.
Beijou-a antes de deixá-la na cama.
— Diga que foi tão bom para você como acho que foi — disse.
— Necessita adulações? — perguntou com voz sonolenta — foi bom. Constantine foi
estupendo!
Escutou-o rir entre dentes.
Aninhou-se na cama e já estava quase adormecida quando ele se deitou ao seu lado e
a agasalhou.
Joias, pensou Hannah antes de atravessar a barreira do sono.
As joias da Coroa que havia dito, em brincadeira, que roubasse para Barbara.
Suas próprias joias vendidas para financiar o que desejava de todo coração.
As joias meio roubadas e convertidas em dinheiro que contadas e sonantes, que
Constantine apostou para ganhar Ainsley Park.
De quem eram as joias? De Jonathan?
Para que as tinha vendido? Para financiar a ideia de Jonathan de criar um lar para
mães solteiras com seus filhos? Teriam perseguido Jonathan e Constantine o mesmo
objetivo que ela? Não só com a venda de uma joia, mas com mais?
Tanto se pareciam Constantine e ela?
Tudo acontecia por um motivo, havia dito o Duque, e ela tinha chegado a acreditar
nele.
Não existiam as coincidências, tinha repetido muitas vezes. Mas ela não conseguia
acreditar nele.
O amor a acharia no dia menos pensado, quando não estivesse pendente, tinha
assegurado.
Não o esperava. Tinha medo de esperá-lo.
Entretanto, sua mente era incapaz de lutar com o que a primeira vista pareciam tantas
coincidências seguidas.
Ela dormiu logo que Constantine a abraçou e a colou ao seu corpo.

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CAPÍTULO 13

Hannah era muito consciente de que a alta Sociedade chegara há muito à conclusão de
que o novo amante da Duquesa de Dunbarton era o Senhor Constantine Huxtable. Teria
chegado a tal conclusão embora não fosse verdadeira, tal como o tinha feito com muitos
outros homens que o precedeu, quase todos amigos seus ou do Duque. Também era
consciente que se esperava que se fartasse dele ao fim de uma semana ou duas no máximo e
que o substituísse por outro.
Sua reputação não importava. De fato, esforçara-se para fomentá-la ao longo dos anos
de seu matrimônio. Fazia parte do casulo em cujo interior se ocultava e nutria seu verdadeiro
ser.
Na realidade, não achava que a alta Sociedade fosse por completo hostil, nem sequer
as damas. Convidavam-na a todas as partes, e seus convites eram aceitos quase em sua
totalidade. Nas festas que ia acolhiam em qualquer grupo que estivesse conversando e a cujo
bate papo queria somar-se. De modo que foi uma surpresa receber a recusa ao seu convite a
breve festa campestre que ia fazer em Copeland Manor, em primeiro lugar dos Condes de
Merton, em segundo dos Barões Montford e em terceiro dos Condes de Sheringford. Os
únicos membros dessa família de quem não recebeu uma negativa foram os Duques de
Moreland, e talvez se devesse ao fato de que não foram convidados.
As coincidências não existem, costumava dizer o Duque. Teria que ser imbecil para
atribuir essas recusas a uma coincidência.
Constantine confessara sentir carinho por seus primos. Eles pareciam corresponder
aos seus sentimentos. Por isso os havia convidado, embora pensando melhor, talvez não
tivesse sido uma boa ideia mesmo que tivessem aceitado. Sobretudo se tivessem aceitado.
Afinal, Constantine não a estava cortejando. Eram amantes.
125
Devia ser precisamente esse fato o motivo da recusa generalizada. Quase os imaginava
falando em particular, com as cabeças muito juntas, decidindo que o convite padecia um
terrível mau gosto. Ou que era ela quem padecia de tal mau gosto. Possivelmente temiam
que corrompesse Constantine. Ou que fizesse mal a ele. Ou que o convertesse em um bobo.
Possivelmente se devesse à última opção.
Entretanto, tinham-na ensinado, e o aprendera muito bem, a não dar importância ao
que outros pudessem opinar dela. Salvo no caso do Duque, claro. Possivelmente a olhara
com expressão reprovadora duas ou três vezes, durante os dez anos de seu matrimônio,
embora nunca levantasse a voz, e em cada uma de tais ocasiões Hannah havia sentido que o
mundo se desmoronava ao seu redor. E salvo no caso da criadagem de Dunbarton House e
de suas outras propriedades campestres, os criados sempre sabiam como eram de verdade
seus Senhores, quem eram, e para ela era importante ganhar sua apreciação. Achava tê-lo
conseguido.
E nesse momento descobria, com grande irritação, que não gostava de ser recusada
por três famílias que tinham importado um nada, até que seu primo se convertera em seu
amante.
O porquê de não gostar era um mistério, além do desconforto de ter que convidar
outras pessoas em seu lugar.
— A terceira negativa — disse enquanto segurava no alto a nota da Condessa de
Sheringford durante o café da manhã. — E agora nenhum deles virá a Copeland Manor, Babs.
Faz-me sentir um pouco como se fosse uma leprosa. Acha que se deve ao meu costume de
vestir sempre de branco? Dá-me um aspecto doentio?
Barbara levantou a vista com expressão distraída da carta que estava lendo. Uma carta
muito longa. Devia ser do reverendo Newcombe.
— Não vai ninguém? — perguntou — Mas, Hannah, achava que já tinha recebido
algumas respostas aceitando o convite.
— Nenhuma da família de Constantine — precisou — Do ramo paterno da família,
refiro-me. Parecem ser os mais chegados a ele. Mas todos recusaram o convite.
— É uma lástima — comentou Barbara — Convidará outras pessoas em seu lugar?
Ainda há tempo, não?
— Acreditarão de mau gosto ir a Copeland Manor porque Constantine e eu somos
amantes? — perguntou-se Hannah enquanto observava carrancuda, o ofensivo pedaço de
papel que tinha na mão — Sempre houve falatórios sobre meus amantes, embora não
fossem verdadeiros, mas jamais me deram as costas. Nem sequer enquanto estava casada.
Barbara soltou a carta, resignada à interrupção.
— Está alterada? — perguntou.
— Eu nunca me altero por nada — respondeu Hannah, que soltou a carta e deu de
presente a sua amiga um sorriso abatido — Bem, um pouco, sim. Tinha muita vontade de
que fossem todos.

126
— Por quê? — quis saber Barbara — Por que se for levar seu amante a sua festa
campestre quer que traga também sua família?
Era uma boa pergunta e ela mesma a tinha feito fazia escassos minutos.
— Não parece que é um pouco como convidar a família à lua de mel? — perguntou ela
por sua vez.
Ambas se puseram a rir.
— Mas nos comportaríamos com suma discrição, é claro — afirmou — Por Deus! Como
não íamos fazê-lo? Você estará lá e outros muitos convidados igualmente respeitáveis.
— Nesse caso, os primos de Constantine perderão uns agradáveis dias no campo —
Sentenciou Barbara ao mesmo tempo em que colocava uma mão sobre a carta — Eles
perdem.
— Mas desejo que venham — Hannah replicou, consciente no último momento de que
petulante tinha parecido.
De novo usara essa palavra contra a qual o Duque a advertira. Desejar algo embora
não se pudesse obter.
Enfim, nem sempre pode conseguir o que deseja, esperava que dissesse Barbara antes
de seguir lendo a carta de amor de seu vigário. Entretanto, sua amiga disse outra coisa.
— Hannah, não está se comportando como o modelo que quer imitar, a aristocrata
cínica que desfruta de um novo amante. Está se comportando como uma mulher
apaixonada.
— Como? — exclamou quase gritando.
— Não parece um tanto peculiar que esteja preocupada em causar uma boa impressão
à família de seu amante? — perguntou Barbara, que de repente parecia a filha de um vigário
da cabeça aos pés.
— Não me preocupa... — começou a protestar, mas se deteve — Não estou
apaixonada, Babs. Grande tolice! Acha que porque você está eu também devo estar?
— Acaba de dizer que sempre houve falatórios sobre seus amantes, embora fossem
falsos. Alguma vez foi verdade, Hannah? Jamais teria acreditado em você. A Hannah que eu
conhecia nunca teria desonrado seus votos matrimoniais, embora as circunstâncias de seu
matrimônio fossem... Incomuns.
Suspirou ao escutá-la.
— Não, é claro que jamais houve um ápice de verdade nos rumores — assegurou.
— Nesse caso, o Senhor Huxtable é seu primeiro amante — continuou Barbara. Era
uma afirmação, não uma pergunta — Não acredito que a Hannah que eu conhecia, ou a
Hannah que agora conheço, possa assumir esse fato à ligeira. Além disso, vi vocês juntos na
Torre de Londres e na sorveteria. Tem carinho por ele.
— Bem, é claro que tenho carinho — reconheceu com uma nota zangada na voz.
Desde quando se permitia mostrar-se zangada? Perguntou-se.
— Não poderia desprezar, desdenhar, nem me mostrar distante com meu amante,
fosse quem fosse, não parece?
127
Mas por que não mostrar um pouco de distanciamento ao menos? Era o que pensava
fazer a princípio.
— Não conheço quase nenhum aristocrata e conheço muito pouco o Senhor Huxtable
— disse Barbara — mas descobri que gostei muito mais do que esperava, quando nos
acompanhou à Torre de Londres. Deu-me a impressão de que ele também lhe tem carinho,
Hannah. Embora não sei. Assusta-me tudo isto. Assusta-me que acabe ferida. Com o
coração quebrado.
— Babs, nunca acabo ferida — assegurou — E nunca, jamais dos jamais, acabo com o
coração quebrado.
— Eu não gostaria que acontecesse qualquer uma dessas duas coisas — replicou
Barbara — Mas gosto muito menos do fato de que isso seja impossível. Porque isso
significaria que não entendeu absolutamente o motivo pelo qual o Duque de Dunbarton se
casou com você e a quis tanto.
Hannah cravou os olhos em sua amiga. De repente, estava gelada. E tinha medo de
mover embora fosse um só músculo.
— O motivo? — perguntou em voz baixa.
— Sim, ajudá-la a se recompor — respondeu Barbara — E prepará-la para o amor, para
o amor verdadeiro, quando aparecesse. Hannah, o Duque não só viu sua beleza. Disse que
era um anjo, não? Percebeu sua bondade inata, e a alegria que ficou destroçada no dia que
descobriu a verdade sobre Dawn e Colin. Continua sem ver que especial você é, não é
verdade? O Duque sim o viu.
A figura de Barbara se tornou imprecisa de repente, momento que compreendeu que
tinha os olhos coalhados de lágrimas. Ficou em pé com tanta brusquidão que esteve a ponto
de derrubar a cadeira em seu afã por retirá-la.
— Vou sair — disse — Irei a casa da Condessa de Sheringford. Preferiria ir sozinha. Não
se importa, não é verdade?
— Ontem só tive tempo para escrever umas poucas linhas a papai, mamãe e a Simon
— comentou sua amiga — Esta manhã tenho que escrever cartas mais longas. Começo a me
sentir como uma egoísta e uma ingrata.
Hannah se apressou a sair da sala.
Ir à casa da Condessa do Sheringford? Para que?

Tobías Pennethorne, Toby, o filho de oito anos de Sheringford e de Margaret por


adoção, tinha desenvolvido um interesse insaciável pela geografia do mundo, e Con
descobriu o presente perfeito na vitrine de uma loja em Oxford Street, embora seu
aniversário ficasse bastante longe.
Não importava. De qualquer forma comprou o enorme globo terrestre.
E como não podia demonstrar o menor favoritismo por uma criança tendo três, à
pequena Sarah, que tinha três anos, comprou um colorido pião, e acrescentou um
128
estrondoso chocalho de madeira para o caçula, Alexander, que tinha um ano. Levou seus
presentes à residência do Marquês de Claverbrook, situada em Grosvenor Square, onde
Margaret e Sheringford se alojavam durante suas estadias na capital.
Sherry era o neto do Marquês e seu herdeiro. Ali passou uma hora muito agradável no
quarto das crianças, com a Margaret e as crianças, já que Sherry não estava em casa.
Começou a ter dúvidas a respeito da idoneidade do chocalho, quando Sarah se apropriou
dele e decidiu que o jogo dessa manhã consistiria em perfurar os tímpanos de todos os
presentes, inclusive os mesmos. O bebê, por sua parte, parecia fascinado pelo pião, embora
detivesse seu agradável movimento e zumbido cada vez que alguém o fazia virar em seu afã
por agarrá-lo. Cada vez que o pião se detinha, punha-se a chorar.
Toby localizou todos os continentes, os países, os rios, os oceanos e as cidades do
mundo, para não mencionar os polos, as cordilheiras, os paralelos e os meridianos, e insistiu
em que tanto sua mãe como seu tio Con se aproximassem, para observar cada um de seus
descobrimentos. O globo começava a assemelhar-se a um instrumento de tortura.
Em comparação, os chás que se faziam na estufa de Ainsley Park eram muito
tranquilos, pensou com ironia. E dadas às circunstâncias, descobriu, como uma assombrosa
revelação, que gostava das crianças.
Claro que por acaso não tinha brincado horas e horas de esconder com Jon, esse
menino eterno?
Umas batidinhas na porta, que ouviram de forma milagrosa, precederam a chegada de
um criado que lhes anunciou que Sua Excelência a Duquesa de Dunbarton solicitava ver Lady
Sheringford e que Sua Senhoria o Marquês a tinha convidado a passar ao salão.
A Duquesa? Em Claverbrook House? Perguntou-se Con.
— Ai, Deus! — Exclamou Margaret — O avô jamais recebe alguém. Isto é irritante.
— Irritante?
Arqueou as sobrancelhas e viu que Margaret se ruborizava e que não era capaz de
confrontar seu olhar.
— Convidou-nos a passar quatro dias em sua casa de Kent — explicou ela — E
recusamos seu convite, com uma desculpa.
— Por quê?
Quis saber Constantine enquanto o som do chocalho se erguia em um crescendo
acompanhado pela expressão inocente de Sarah, por um alarido de protesto por parte de
Alex que havia tornado a deter o pião e por um emocionado convite de Toby, para que se
aproximassem para ver Madagascar.
— Não queremos deixar as crianças durante tanto tempo — disse Margaret enquanto
fazia virar de novo o pião e Sarah se aproximava para ver Madagascar armada com o
chocalho.
A Duquesa reagira a essa negativa apresentando-se em pessoa em Claverbrook House?
Certamente não tolerava bem a recusa. Embora não era algo que experimentasse
frequentemente.
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Conseguiria ganhar Margaret? Era esse o motivo de sua visita?
Sarah estava fazendo virar o globo terrestre sob o atento olhar de Toby e o bebê tinha
encontrado outro brinquedo potencial pelo que caminhava desviando-se dos móveis, já
esquecido a manha de criança... E o pião.
— Constantine — disse Margaret, que por fim o olhou nos olhos — não podemos viver
sua vida por você, nem sequer desejamos fazê-lo. Mas podemos nos negar a aceitar sua
relação com uma mulher que é uma desumana... Depredadora.
Con levou as mãos às costas e entrelaçou os dedos.
— São umas palavras muito duras — disse.
— Sim — reconheceu ela — são.
— Lembra uma época em que diziam coisas assim duras sobre Sherry — replicou — e
que isso não a impediu que se relacionasse com ele, que se comprometesse com ele e que
acabasse sendo sua esposa.
— Isso foi diferente — protestou Margaret — Não era culpado de nenhuma das
acusações que se verteram em contra ele.
— Talvez a Duquesa de Dunbarton tampouco o seja — indicou Con — Culpada das
acusações que se verteram contra ela, refiro-me.
— Não me venha com essas! — exclamou ela.
Con percebeu que estava a ponto de perder o controle. Afastou o olhar de Margaret. O
bebê pegou um dos livros de Toby e estava disposto a comê-lo Assim atravessou a sala a
toda pressa, resgatou o livro e evitou o iminente desastre, colocando Alex sobre os ombros.
— Deve estar preso dela se pensar assim — comentou Margaret — E vejo que temos
motivos para nos preocupar.
— Temos — repetiu, recalcando o uso do plural — Os outros também receberam
convites?
— Nessie e Elliott não — respondeu Margaret — Mas os outros sim.
— Vou ver se adivinho, também recusaram seus respectivos convites?
Margaret teve o bom tino de voltar a afastar a vista.
— Sim — respondeu.
Alex estava puxando o cabelo enquanto gritava de alegria.
— Vamos deixar um par de coisas claras — disse enquanto escapava das mãos do bebê
e o deixava junto a uma caixa que continha blocos de madeira — Monty era o maior
descarado da Inglaterra. Afirmo-o porquê sei de primeira mão. Katherine se casou com ele.
Já comentamos o caso de Sherry. Casou-se com ele. Cassandra a acusavam de ter
assassinado seu primeiro marido... Com um machado, embora na realidade Paget morreu
com um tiro, não com a cabeça cortada. Stephen se casou com ela. E agora acredita com
convicção em tudo que foi dito da Duquesa de Dunbarton, mesmo que não tenha nenhuma
só prova que o demonstre?
— Como sabe que não temos provas? — perguntou Margaret por sua vez.

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— Porque não há prova alguma — respondeu — Amava o Duque de Dunbarton
embora não fosse um amor romântico. Foi fiel aos seus votos matrimoniais até o dia da
morte de seu marido, e continuou sendo fiel durante o ano de luto. Sei Margaret, porque eu
tenho a prova.
A fúria o fez falar de forma irrefletida.
Margaret mordeu o lábio superior.
— Ai, Constantine! — exclamou — Afeiçoou-se a ela. Precisamente é isso o que
temíamos. Mas... Tem certeza de que não caiu em suas redes? — Con não respondeu nem
tampouco afastou o olhar de sua prima. — Tem a prova.
Margaret fechou os olhos e quando os abriu tinha recuperado a compostura. Voltava a
estar serena e à altura da situação. A irmã mais velha que tinha criado virtualmente sozinha
seus irmãos e que fez um magnífico trabalho com todos eles antes de procurar sua
felicidade.
— Será melhor que eu desça para vê-la — disse — Ai, Meu Deus! O avô a terá comido
a estas alturas. É o tipo de mulher superficial que o tira do sério. Isso também é uma ilusão?
Sua frivolidade?
— Prefiro deixar que seja você quem faça certas descobertas — respondeu ele.
Margaret puxou o cordão da campainha do serviço e a babá apareceu imediatamente.
Toby pediu que se aproximasse para ver a Índia, Sarah levantou o chocalho e o agitou
com um floreio e Alex começou a golpear dois blocos de madeira entre si enquanto ria.
Con saiu do quarto infantil com Margaret. Esteve a ponto de partir, mas não pôde
resistir a tentação de ver Hannah enfrentando um dos aristocratas mais ásperos e
resmungões de toda a Inglaterra. Além de um ermitão.
Esperava que não a tivesse comido viva. Embora apostasse por ela.

Que fazia exatamente nesse lugar? Perguntou-se Hannah uma vez que o criado a
convidou a passar a Claverbrook House e viu como um velho mordomo afastava seu
subordinado virtualmente com uma cotovelada no abdômen ao escutar seu nome.
Saudou-a com uma reverência... Que suscitou um rangido. Uma tolice levar espartilho
nessa idade, que seria compreendida entre os setenta e os cem.
Para que fora? Para rebaixar-se? Para exigir uma explicação? Para tratar de convencer
a Lady Sheringford de que trocasse de opinião?
Não a fizeram esperar muito. O criado que evitara por um fio de cabelo a cotovelada
no abdômen subiu para comprovar se Lady Sheringford se achava em casa, e realizou seu
encargo com grande agilidade. Apareceu ao fim de uns instantes para informar ao mordomo
em voz baixa de que Sua Excelência devia esperar no salão.
Hannah seguiu o mordomo a uma velocidade que se assemelharia a de uma tartaruga
reumática. Alegrou-se de ter colocado a armadura completa composta por um vestido de
musselina branca, uma jaquetinha branca e um chapéu também branco. Inclusive levava
alguns de seus diamantes autênticos nas orelhas e nos dedos. Tudo fazia parte da fachada
131
atrás da qual se ocultava. Embora se seu objetivo fosse o de impressionar a Condessa,
talvez devesse ter escolhido um traje mais simples e inclusive mais colorido.
Já era tarde para ter semelhantes pensamentos. O salão só tinha um ocupante,
conforme comprovou quando a convidaram a passar depois que o mordomo a anunciasse
com sua voz solene e pomposa como se dirigisse a uma numerosa audiência. O ocupante em
questão não era a Condessa de Sheringford.
— Sim, sim, Forbes — disse com impaciência o velho Cavalheiro que ocupava uma
poltrona próxima à lareira — já sei quem é. Disse-me isso Bindle. Onde está?
Hannah procurava ter sua famosa dignidade e se envolveu com ela a fim de estar
preparada para seu encontro com a Condessa. Entretanto, abandonou-a assim que escutou a
voz, já que se apressou a atravessar a sala para plantar-se diante da poltrona do Marquês de
Claverbrook.
Uma vez ali, estendeu ambas as mãos enluvadas e esboçou um sorriso carinhoso.
— Aqui estou — disse — E aqui está o Senhor. Devem ter passado anos.
O Marquês foi um dos amigos de Duque.
Hannah o vira em algumas ocasiões antes que o ancião se encerrasse em sua casa
depois do enorme escândalo protagonizado por seu neto. Após isso o Marquês se convertera
em um recluso que nem saía, nem recebia visitas. Sempre foi um homem áspero e
impaciente, mas nunca com ela. Porque cada vez que a olhava e conversava com ela, o fazia
com um brilho alegre nos olhos. Hannah sempre acreditara que a apreciava. Da mesma
forma que ela apreciava a ele.
O Marquês afastou as mãos do cabo de prata de sua bengala e aceitou as suas.
Hannah se percebeu que tinha os dedos rígidos e dobrados. Deu um afetuoso aperto
com muito cuidado para não fazer mal. Evitou inclusive roçá-lo com os anéis.
— Hannah — disse ele — aqui está sim. Mais bonita inclusive que quando era uma
menina e o velho Dunbarton a achou em algum lugar perdido da mão de Deus e se casou
com você. Esse velho vagabundo. Nenhuma outra mulher conseguiu interessá-lo em sua
vida, até que você apareceu quando já mal podia andar.
— Algumas coisas são obra do destino — replicou ela.
O Marquês resmungou enquanto dava um aperto em suas mãos.
— Suponho que se casou com ele por seu dinheiro. Que por certo tinha a cestas.
— E também porque era um Duque e assim eu me convertia em Duquesa —
acrescentou ela — Que não se esqueça.
— Nesse caso suponho que eu não teria a menor oportunidade mesmo se a tivesse
visto antes — comentou o ancião — Só sou um Marquês.
— E seguramente não tão rico como o Duque — acrescentou com um sorriso.
O Marquês tinha pouco cabelo e o pouco que ficava era branco. Ao contrário de suas
sobrancelhas, que embora brancas eram muito grossas. Tinha o cenho permanentemente
franzido, uns olhos que pareciam dispostos a fulminar a qualquer e o nariz aquilino. Seu
aspecto era o típico de um ancião ranzinza.
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— Amei-o muito — reconheceu — E ainda choro por ele. Se pudesse conhecer meus
avós, teria gostado que fossem como meu Duque. Mas como não tinha nenhum e tive a
imensa sorte de conhecer meu Duque, casei-me com ele.
O Marquês resmungou algo de novo.
— E com certeza o fez dançar ao som que tocava durante seus últimos anos, não é
verdade, Hannah?
— É claro que sim! — reconheceu — Embora se negasse a seguir dançando depois de
completar os setenta e oito, uma decisão muito pouco alegre de sua parte. Entretanto, todos
os dias achávamos algo de que nos rir. A risada é o melhor remédio, sabe?
— Hum! — Resmungou outra vez o ancião — De qualquer forma morreu no final.
— Conforme me disseram, seu remédio chegou pelas mãos de sua neta por lei — ela
comentou — me disseram que não consente nenhuma tolice e que se converteu em sua
pessoa preferida. Além disso, sei de boa fonte que adora seus bisnetos e me disseram que se
alojam aqui durante a temporada social. Grande ermitão parece! Eu diria que isso é fazer
embustes.
— Hannah lembro que era uma coisinha tímida quando Dunbarton se casou com você
— respondeu o Marquês — Desde quanto é tão desembaraçada?
— Desde que me casei com ele — respondeu — me ensinou que as pessoas como o
Senhor são só gatinhos fingindo ser leões.
O comentário arrancou uma gargalhada do Marquês e Hannah o olhou com expressão
maliciosa.
— Dunbarton era um tipo estupendo em sua juventude — afirmou o ancião — Falou
daquela época alguma vez? Ele sim não era um gatinho, Hannah. Walsh, que há muito nos
deixou, cruzou o rosto com uma luva numa manhã no meio da sala de leitura do White’s e o
desafiou a duelo por tê-lo feito um corno com sua esposa. Se encontraram em algum
páramo ermo, não recordo o lugar com exatidão. Coisas da velhice... Mas lembro que estive
lá. A mão de Walsh tremia como se fosse uma folha no meio de um vendaval, e errou o tiro
pelo menos em um quilômetro.
— Dunbarton o apontou com mão firme e levou seu tempo, mas no último instante
dobrou o braço e disparou para o ar. Teria sido uma completa decepção se não fosse pela
elegância do momento. O pobre Walsh se manteve dois ou três anos oculto no campo com o
rabo entre as pernas. Teria gostado mais que Dunbarton atravessasse um ombro com uma
bala ou que voasse a parte superior de uma orelha. E poderia tê-lo feito, bem sabe Deus.
Tinha uma pontaria endemoniada.
— Era muito compassivo para disparar no pobre homem — ela indicou.
— Compassivo? — O Marquês estava muito animado a essas alturas da conversa —se
decantou pela solução mais cruel de todas, Hannah. Demonstrou o desprezo que sentia por
Walsh. Humilhou-o. Inclusive sugeriu que o cirurgião o deitasse sobre a relva e administrasse
alguns sais para reanimá-lo. Foi um magnífico espetáculo. Além disso, todos nós sabíamos
que quem desfrutava dos favores de Lady Walsh era Jackman, não Dunbarton. Certamente
133
que o próprio Walsh sabia, mas Jackman era um homem baixinho e magricela, e desafiá-lo a
duelo cruzando a rosto com uma luva o teria convertido em um bobo. Assim esperou até que
Dunbarton dançou uma noite com sua esposa e na manhã seguinte fez o numerozinho no
White’s Suponho que teria vontade de morrer. Ou que tinha uma pedra por cérebro.
Possivelmente se devesse ao último.
Hannah seguiu olhando-o com um sorriso.
— Ah, que tempos aqueles! — Exclamou o Marquês com um suspiro — Dunbarton era
um homem dos pés à cabeça. O próprio demônio. Todas as jovenzinhas o queriam, e não
porque fosse um Duque e possuísse uma fortuna descomunal, asseguro. Mas ele não queria
saber nada de nenhuma. Deveria tê-lo conhecido naquele tempo...
— Parece-me que meus pais nem sequer se conheciam... — replicou ela.
E o Marquês estalou de novo em gargalhadas.
— Mas no final o pescou — disse — Domesticou-o, Hannah. Estava caidinho por você.
— Sim — ela reconheceu — é verdade. A partir dos oitenta se esquecem as boas
maneiras além da convocação dos antigos. Não vai me convidar a me sentar nem a tomar
uma xícara de chá?
O Marquês voltou a dar um aperto nas mãos.
— Pode se sentar aonde quiser — respondeu — mas se quiser chá, é melhor que antes
puxe o cordão da campainha. Se tiver que esperar que eu chegue até ali, em vez do chá
trarão o almoço.
— Já ordenei que tragam o chá, avô — disse uma voz da porta.
Lady Sheringford entrou no salão.
Constantine estava no vão da porta.
Hannah não sabia há quanto tempo estavam ali.
Sentou-se em um sofá.
— Sinto muito tê-la feito esperar, Excelência.
Desculpou-se Lady Sheringford, dirigindo-se a ela,
— Estava ocupada com as crianças no quarto infantil.
— Precisamente as crianças são o motivo de minha visita — assegurou Hannah —
Tenho a impressão de que não fui bastante específica ao redigir o convite que enviei há uns
dias. Seus filhos estão incluídos. Assim como os do resto dos convidados. Nada mais longe de
minha intenção de separar os pais de seus filhos, embora só seja durante quatro dias.
Copeland Manor tem uma extensa galeria em uma das plantas superiores, que estou certa
que foi desenhada para o uso das crianças durante os dias chuvosos. Além disso, há os
prados, os bosques e o lago, um paraíso para as crianças se não chover. Vários de meus
vizinhos também têm filhos para quem seria uma maravilha poder brincar com outras
crianças. Estou a um tempo ocupada planejando uma festa infantil. Será divertidíssimo. Não
estou suplicando que reconsidere sua resposta. Talvez tenha outros compromissos prévios
para esses dias, que não se sente livre de cancelar. Entretanto, se sua preocupação se deve
exclusivamente às crianças, por favor, reconsidere-o.
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— Copeland Manor — disse o Marquês — Não recordo essa propriedade, Hannah.
— Fica em Kent — indicou ela — o Duque me comprou para que tivesse um lar próprio
quando ele não estivesse.
— É muito amável — disse Lady Sheringford — Importa-se que fale com meu marido?
— E possivelmente também com Katherine e Monty, e com Stephen e Cassandra —
atravessou Constantine ao mesmo tempo em que entrava na sala e se sentava em uma
poltrona não muito longe de Hannah — Acaba de me dizer que eles também aborrecem a
ideia de separar-se das crianças.
— Farei-o — assegurou a Condessa — Avô, conhece Constantine, não é verdade?
— Constantine Huxtable? — Precisou o Marquês — o neto de Merton? Conheci seu
avô. Um bom homem. Embora ele não dissesse o mesmo de seu filho. Seu pai, suponho. Não
se parece com ele, o que é uma sorte. Deve ter saído a sua mãe. Grega, não é verdade? A
filha de um Embaixador?
— Sim, Senhor — respondeu Constantine.
— Estive na Grécia quando era jovem — Seguiu o Marquês — E na Itália e em todos
esses lugares que se supunha que os jovens deviam ir antes que as guerras danificassem
tudo. O Grand Tour pela Europa, como o chamávamos. Eu gostei muito do Parthenon. Não
recordo muitos detalhes, salvo a imensidão do mar azul. E o vinho, claro. E as mulheres,
embora evite o assunto em presença das damas.
A conversa se prolongou de forma amigável durante meia hora, até que Hannah se
levantou para partir.
— Tem que vir me ver outra vez, Hannah — disse o Marquês — Ver seu precioso rosto
me alegra o coração. E não deixe que esse velho tolo que tenho por mordomo lhe diga que
não estou em casa.
— Se alguma vez ocorrer semelhante disparate — replicou ela enquanto se
aproximava para tomar uma mão entre as suas — darei um empurrão para penetrar, subirei
correndo as escadas e aparecerei sem me anunciar. E depois, quando partir, poderá dar um
bom sermão e ameaçá-lo com a demissão.
— Não se iria — assegurou o ancião — tentei que se aposente oferecendo uma
generosa pensão e uma casa onde viver. Tentou Duncan. Tentou Margaret. Despedi-lo não
serviria de nada. Nega-se a ser despedido.
— Cuidar e proteger sua casa de qualquer invasão é o que o mantém ativo e com
vontade de viver, avô — aduziu Lady Sheringford — Excelência, agradeço muito que tenha
vindo nos ver. Enviarei uma resposta definitiva amanhã a primeira hora se puder. Todos o
faremos.
Hannah se inclinou sobre a poltrona que ocupava o Marquês do Claverbrook e o beijou
na face, depois do que se endireitou e soltou a mão.
— Obrigada — disse a Lady Sheringford.
— Duquesa, irei acompanhá-la em casa, se me permitir — ofereceu Constantine —
Embora tenha vindo a pé.
135
O que ele estava fazendo ali? Perguntou-se Hannah.
A Condessa acabava de abandonar o quarto infantil. Constantine esteva também com
elas? Com as crianças?
— Obrigada, eu também — disse, e o precedeu para abandonar o salão.
Uma vez na rua, pegou seu braço e caminharam um momento em silêncio.
A manhã foi estranha, pensou.
Ainda não tinha muito claro o motivo de sua visita a Claverbrook House. Mas foi
estupendo voltar a ver o Marquês. Um dos contemporâneos do Duque.
— O Marquês me falou sobre um duelo no qual o Duque participou há uma batelada
de anos — disse afinal — pela honra da esposa de outro homem que o acusava de ter
cometido adultério. Engraçado, não é? O Marquês me assegurou que meu Duque era o
próprio demônio naquele tempo...
— Mas acrescentou que o domesticou — replicou Constantine — Escutei.
— Isso também é engraçado — comentou ela — Quando decidi fazê-lo meu amante,
disse-me que ia domesticar o demônio. Ignorava que já o tinha feito... Com outro homem.
E se pôs a rir.
— Também me domesticou? — quis saber ele.
— Caramba, Constantine! — exclamou — o mais exasperante de tudo isto é que no
final resultou que não é um demônio. Assim não posso domesticar algo que não existe.
Voltou a cabeça para sorrir.
— Desiludi você?
Tinha-o feito? Perguntou-se.
A vida seria muito mais fácil, imensamente mais fácil, tal como tinha planejado que
fosse, se na realidade fosse o demônio cruel, perigoso e sensual por quem o tomara. Dessa
maneira se teria encontrado com o desafio que representava uma luta de engenhos, uma
conquista e o desfrute em geral. Dessa forma, deixá-lo e esquecê-lo quando chegasse o
verão teria sido o mais fácil do mundo.
Mas a tinha desiludido? Ou tinha encontrado outras provocações inesperadas? A
provocação de conquistá-lo, afinal. E a provocação de conquistar-se a si mesma, à pessoa em
que até esse momento acreditava ter-se convertido.
Já não estava segura de quem era. Não era a jovenzinha que uma vez foi, isso com
certeza. Essa jovenzinha desapareceu há muito. Mas tampouco era a mulher em que
acreditava ter se convertido. E descobriu a vida pertencente a essa mulher assim que
começara a viver a sós. Não era tão dura como devia ser essa mulher. Nem tampouco estava
tão segura de seu destino nem da rota exata que devia tomar para alcançá-lo. Entretanto, o
Duque não ensinara nem a ser dura nem a estar segura além de toda dúvida. Ensinara a
querer-se a si mesma, a fazer-se responsável por sua vida, a ser imune às invejas e aos
falatórios que certamente a seguiriam aonde fosse.
A esperar a esse homem que daria significado a sua vida.
Era Constantine esse homem?
136
Entretanto, sua mente se deteve, consternada, com o rumo de seus pensamentos.
Pelo amor de Deus! Depois de onze anos seguia sem desenvolver o instinto de
sobrevivência?
Claro que Constantine não era o demônio.
Dava a impressão de ter a cabeça feita uma confusão.
— Isso é um sim? — perguntou Constantine a fim de obter uma resposta.
À pergunta de que se sentia desiludida.
— Absolutamente — respondeu — prometi-me o melhor amante da Inglaterra e não
tenho motivos para pensar que não o encontrei. Durante este ano, ao menos.
— Bem dito, Duquesa — a elogiou enquanto a olhava com uma expressão risonha
embora o resto de seu rosto permanecesse em repouso.
Não era um gesto zombeteiro, decidiu, era mais...
Afetuoso?
Ora! Exclamou. Afetuoso?
Uma vez mais, assaltou a sensação de ter a cabeça feita uma confusão.
— Diga-me, o que é tudo isso de festa infantil em Copeland Manor? — Ouviu-o
perguntar.
Ah, sim! A festa infantil. Um plano fruto da improvisação que devia se tornar realidade.
Ela nunca recorria ao improviso. Jamais fazia algo de forma impulsiva.
Salvo visitar a Condessa de Sheringford. E se assegurar de organizar uma festa infantil
em Copeland Manor.
Constantine soltou uma leve gargalhada.
— Duquesa — disse — tomara que pudesse ver o rosto que pôs.
— Será a melhor festa da história — replicou ela com altivez.
E Constantine riu de novo.

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CAPÍTULO 14

Hannah partiu para Copeland Manor com Barbara três dias antes que começassem a
chegar os convidados à festa campestre. Embora sua presença não fosse necessária, é claro.
A governanta era uma mulher muito competente que tinha um férreo controle sobre a
criadagem e o manejo da casa. Claro que contava com a vantagem de ser uma pessoa muito
agradável e querida por todos os criados.
Enquanto perambulava nervosa pela casa durante esses três dias, Hannah era muito
consciente de que certamente estaria incomodando todo mundo e pondo-os nervosos. Na
realidade, foi muito irritante descobrir que sua casa funcionava tão bem, mesmo com a
pressão de uma festa campestre iminente, que sua presença não era necessária. Em alguns
momentos tinha a impressão de que seria feliz se achasse um pedacinho de chão para poder
esfregar.
Grande surpresa levaria a alta Sociedade, e quantas risadas daria às suas costas, se
soubesse que a Duquesa de Dunbarton estava nervosa.
E emocionada.
O Duque a presenteara com Copeland Manor quando já era muito mais velha. Tinham
passado algumas temporadas na propriedade. Inclusive convidado alguns vizinhos para
tomar o chá. Hannah também recebera convidados durante o ano de luto que passou ali,
mas não foi algo frequente nem tampouco foram ocasiões formais.
Naquele tempo estava muito triste e muito contente em passar quase todo o tempo
sozinha. Essa ia ser sua primeira festa campestre em Copeland Manor.
Queria que tudo fosse perfeito.
Invejava a tranquila e alegre atitude de Barbara, embora também a irritasse um pouco.
Juntas passearam pelo exterior e também pelo interior durante o terceiro e chuvoso dia, o
último antes que chegassem os convidados. Sua amiga passava horas e horas bordando,
lendo ou escrevendo.
— E se chover amanhã? — perguntou Hannah enquanto passeavam pela galeria nesse
último dia.
A chuva golpeava os vidros das janelas de ambos os lados da galeria.
— Pois todo mundo se apressará a entrar em casa assim que descer das carruagens —
respondeu Barbara com muito bom senso — É impossível que chova tanto que os caminhos
fiquem impraticáveis.
— Mas quero que todos vejam Copeland Manor em todo seu esplendor — replicou
Hannah.
— Nesse caso levarão uma agradável surpresa quando o sol brilhar no dia seguinte de
sua chegada — respondeu Barbara — Ou no seguinte.
138
— E se chover todos os dias? — insistiu.
Barbara voltou a cabeça para olhá-la com atenção e pegou seu braço.
— Hannah, Copeland Manor é um lugar lindo em qualquer circunstância. Você é linda
em qualquer circunstância. É bonita, simpática e inteligente. Certamente a esta altura já
organizou infinidade de festas.
— Mas nunca aqui— disse — Babs, como será ter crianças em Copeland Manor?
Nunca fiz festas com crianças.
— Serão maravilhosas — assegurou Barbara — E em última instância será
responsabilidade de seus pais, não sua.
— Mas a festa... — resmungou em voz baixa — Nunca na a vida organizei uma festa
infantil.
— Mas foi a um bom número delas quando éramos meninas — recordou sua amiga, e
não pela primeira vez — E eu estive a cargo de algumas enquanto meu pai continuava sendo
o vigário, quando minha mãe não se achava bem para organizar. Fez preparativos de sobra
para mantê-los a todos ocupados e entretidos em cada minuto da festa.
— Tenho a cabeça confusa — disse.
Barbara a conduziu a um banco que estava situado perto de uma das janelas, obrigou a
sentar, acomodou-se a seu lado e pegou a mão.
— Lamento vê-la tão nervosa, Hannah — assegurou — Mas não sei, embora pareça
estranho, também me alegra vê-la assim. Acredito que estou presenciando como se converte
na pessoa que sempre devia ser. Nos dias que passaram desde que cheguei a Londres tem
melhor cor de rosto, brilham os olhos e sua expressão é alegre. Vai celebrar uma festa a que
virão famílias, não um grupo de aristocratas privilegiados, e quebrou a cabeça procurando a
forma de entreter a todos e fazer que estejam contentes. E acredito que...
Hannah arqueou as sobrancelhas.
Barbara suspirou.
— Não deveria dizer — acrescentou sua amiga — Vai se zangar. Nem sequer estou
certa de querer dizê-lo. Acredito que está se apaixonando. Ou que já fez isso.
Hannah afastou as mãos na hora.
— Tolices! — Exclamou com secura — Olhe Babs! Enquanto estávamos sentadas,
descampou. E olhe, o sol brilha por trás das nuvens. Amanhã vai brilhar o sol e a relva, as
árvores e as flores brilharão, e tudo parecerá mais fresco graças à chuva — ficou em pé e se
aproximou da janela.
Estava tentada a passar por cima do que Barbara havia dito a respeito das mudanças
que tinha experimentado, mas nesse momento recordou que o Duque sempre quis que
chegasse ao ponto no qual por fim poderia revelar sua verdadeira personalidade. E ser ela
mesma.
Por fim se atrevia a ser a pessoa que o Duque queria que fosse, ainda um pouco
nervosa e insegura de si mesma, mas disposta e ansiosa por achar a vida e a alegria em vez
de proteger-se atrás da máscara de Duquesa.
139
Por fim se estava convertendo na pessoa que ela escolhia ser.
— Babs, o que ponho amanhã? — perguntou — me refiro à cor. Branco? Ou algo
mais... Colorido?
E por que perguntava?
Era algo que devia decidir por si mesma. Era algo que estava debatendo há três dias,
ou talvez mais. Como se o rumo do mundo dependesse dela tomar a decisão correta.
Pôs-se a rir.
— Não é preciso que me responda — disse — o decidirei eu. O que vai por você? Um
de seus vestidos novos?
— Quero que Simon seja o primeiro a me ver com eles — respondeu Barbara com um
tom sonhador — Embora esteja certa de que deveria estreá-los aqui, rodeada de tantos
convidados ilustres.
— Seu vigário deve ser o primeiro a vê-los — Sentenciou Hannah, voltando-se para
olhar para sua amiga com carinho — Tem uns vestidos muito bonitos além dos novos.
Não ia pensar no que Barbara acabava de dizer, decidiu. Negava-se a pensar nisso.
Tinha passado três dias e três noites desde a última vez que vira Constantine. E sabia
que embora quisesse que tudo fosse perfeito para os convidados, que vissem Copeland
Manor em todo seu esplendor quando chegassem no dia seguinte, também queria que tudo
fosse um pouquinho mais perfeito para ele.
A perfeição não podia se aperfeiçoar.
Mas isso era o que ela queria. Para ele.
Não se atreveu a analisar os motivos.
— Morro de fome — disse — vamos tomar um chá.

Copeland Manor se achava a vários quilômetros ao norte de Tunbridge Wells, em Kent.


A carruagem atravessou campinas, pomares, campos de cereais e pastagens com seus
rebanhos.
Con se fixou mais do que o costume na paisagem enquanto viajava com Stephen e
Cassandra. Embora devesse ter deixado o bebê com sua babá, que viajava em outra
carruagem, parecia-lhes muito pequeno e valioso para estar afastados dele, salvo quando era
estritamente necessário.
Stephen o levou nos braços grande parte do caminho enquanto falava como se fosse
um adulto em miniatura. O bebê o olhava com expressão solene, até que seus olhos
fecharem e ele adormecer. Cassandra o agasalhou com a manta, colocou bem o gorrinho e
olhou para Stephen com um sorriso.
A situação era um pouco desconcertante. Não porque fosse testemunha das evidentes
e embaraçosas manifestações de afeto entre marido e mulher, mas talvez porque não as
vivenciasse.

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Stephen e Cassandra se sentiam comodíssimos um com o outro, e saltava à vista que o
pequeno Jonathan era todo seu mundo. A cena era incrivelmente... Doméstica.
E Stephen, segundo seus cálculos, teria uns vinte e seis anos. Era nove anos mais novo
que ele.
Assaltou-o uma vaga sensação de inquietação. E de inveja.
Deveria meditar a sério o assunto de procurar uma mulher adequada com quem se
casar. Talvez no ano seguinte. Esse ano estava muito enredado com a Duquesa. Mas se
queria ter filhos, nesse ano, talvez pela primeira vez, sentia um ligeiro interesse por ter filhos
próprios, seria melhor que começasse com sua família antes de completar os quarenta anos.
Já era mais velho do que gostaria.
Distraiu-se com um pouco de conversa e com uma leitura mais exaustiva do último
informe sobre Ainsley Park que Harvey Wexford tinha enviado e que só pode olhar durante o
café da manhã.
Um dos cordeiros tinha morrido, já tinha nascido muito fraco. Os outros cresciam com
normalidade. Assim como os bezerros, salvo por dois que tinham nascido mortos. Haveria
uma boa colheita, já que fez calor durante um mês e a chuva apareceu quando era
necessária, embora viria bem que chovesse um pouco mais nesse momento.
Roseann Thirgood, a professora que em outra época trabalhou em um bordel londrino,
comprara alguns livros novos para a sala de aula já que vários de seus alunos, tanto crianças
como adultos, podiam ler quase de cor os textos elementares, que compraram no ano
anterior. A Kevin Hurdle, tiraram um molar estragado e depois disso perambulava pela casa e
pela granja com um enorme lenço que cobria o queixo e amarrara na cabeça, e que
começava a amarelar.
Dotty, a filha pequena de Winifred Baker, tinha percorrido todo o caminho do
galinheiro à cozinha dando saltos, com a cesta dos ovos na mão, e disso resultou que o chão
da cozinha que Betty Ulmer acabava de esfregar, ficara cheio de gema e clara de ovo, e a
cesta ficou para jogar fora. Uma raposa estava realizando visitas noturnas à granja, embora
de momento tivesse que partir com a fome que chegou. Um dos cavalos de tiro começara a
coxear, mas tinham encontrado e extraído o ditoso espinho debaixo de sua ferradura, de
modo que o animal estava se recuperando. Winford Jones e sua flamejante esposa
agradeciam enormemente o presente de bodas que o Senhor Huxtable lhes enviara, em um
pacote à parte a última vez que escreveu.
Fechou os olhos e, assim como o bebê, dormiu um momento.
E pouco depois chegaram. A carruagem tomou uma curva pronunciada e passou entre
os pilares de pedra da entrada, fazendo que todos despertassem, ou isso acreditou, com
exceção de Stephen, que segurava seu filho com grande concentração, enquanto mantinha o
ombro quieto para que a face direita de Cassandra descansasse sobre ele.
A carruagem prosseguiu por uma avenida muito reta, flanqueada por olmos, que se
alinhavam como soldados em um desfile. O caminho transcorria plano um bom tempo antes
de subir ligeiramente pela saia de uma colina em cujo topo se erguia a casa de pedra cinza.
141
Uma casa, uma Mansão... Poderia chamar-se das duas maneiras.
Era mais ou menos do mesmo tamanho que Ainsley Park, de planta quadrada, com um
pórtico no centro da fachada e um terraço delimitado por uma balaustrada de pedra
esculpida. As janelas altas e estreitas foram minguando de tamanho conforme subia do
primeiro ao segundo andar e do segundo ao terceiro. Era uma bonita e curiosa mescla dos
estilos jacobino e georgiano. As paredes estavam cobertas de hera.
Os terrenos da propriedade se estendiam da casa em todas as direções. Prados,
terrenos semeados e arvoredos cheios. Ao longe se via o brilho da água. De momento a
avenida de entrada, com seus olmos, era o único toque formal que se apreciava em
Copeland Manor.
Gostava do que via.
— É tudo lindo! — Exclamou Cassandra — Parece um lugar muito tranquilo.
— O paraíso para um menino — comentou Stephen — Agora entendo ao que se
referia a Duquesa quando o disse à Meg. Também é o paraíso para um adulto. Embora goste
muito de Londres, agrada-me escapar ao campo de vez em quando. Esta festa campestre foi
uma genialidade por parte da Duquesa. Não parece Con?
— Certamente. O ar cheira a limpo — ele comentou — embora levemos as janelas
fechadas.
A avenida terminava em um pátio quadrado com cascalho situado aos pés da ampla
escadaria e das impressionantes colunas.
A Senhorita Leavensworth estava no prado que se estendia de um lado do pátio, com
os Park e os Newcombe, a quem Con conhecera na Torre de Londres.
Katherine e Monty se achavam do outro lado do pátio, com o pequeno Hal sentado
nos ombros de seu pai.
Sherry estava a pouca distância deles, segurando as mãos de Alex por cima de sua
cabeça enquanto o menino dava uns passinhos pela relva com o destino incerto. Margaret e
algumas pessoas a quem não conhecia, não, uma delas era sua filha, Sarah passeavam rumo
a água. Toby, o filho maior de Margaret e Sherry, estava trepado em uma árvore com um
menino maior, o filho dos Newcombe.
Seu grupo era, supôs, o último a chegar.
Hannah se achava no meio da escadaria. Levava um vestido amarelo. E um penteado
que parecia a ponto de desfazer-se a qualquer momento... Embora apostasse o que fosse
que os cachos ficariam em seu lugar. E também tinha um sorriso deslumbrante, as faces
rosadas e os olhos reluzentes.
Tomou uma repentina baforada de ar e desejou que ninguém se desse conta. Estava
há três dias sem vê-la. Partira para o campo com antecedência para se assegurar de que tudo
estava preparado para seus convidados. Entretanto, tinha a sensação de que tinha passado
três semanas.
Parecia uma jovem. Não, uma dama muito jovem recém-saída para mundo e cheia de
otimismo, esperança e alegria.
142
Viu-a descer ao pátio enquanto o cocheiro abria a portinhola da carruagem,
desdobrava os degraus e ajudava Cassandra a descer.
— Lady Merton — a saudou Hannah — Bem vinda a Copeland Manor. Embora
estivesse muito preocupada com vocês, tranquilizei-me quando Lady Montford me explicou
que tinham que fazer mais paradas no caminho que o resto dos convidados já que está
amamentando seu filho. Alegra-me muito que meus últimos convidados chegaram sãos e
salvos.
Estendeu a mão direita e Cassandra a aceitou.
— Eu também me alegro muito de estar aqui — replicou Cassandra — Que acertado
escolher este lugar para construir uma casa. Não imagino um lugar mais maravilhoso.
— Eu tampouco — concordou a Duquesa e se voltou para Stephen — Lorde Merton,
bem vindo. Oh, o bebê! — aproximou-se do menino e o olhou com cautela — Que bonito é!
Exclamou com sinceridade, e não porque essa reação fosse a esperada em uma mulher
que observasse o bebê de outra.
— É mais bonito ainda se pega-lo nos braços — assegurou Stephen com um sorriso
antes de colocar seu filho nos braços.
Hannah pareceu se surpreender, assustar-se e... De repente Con viu uma expressão
tão sincera e nua em seu rosto que ficou sem palavras.
A Duquesa já não sorria.
Não era preciso. Depois voltou a sorrir... Muito devagar.
— É uma riqueza! — exclamou ela — Acho que me apaixonei. Como se chama?
— Jonathan — respondeu Stephen.
— Oh! — A Duquesa olhou seu primo e depois a ele.
— Com a permissão de Con — acrescentou o pai do pequeno, que voltou a tomar
conta do bebê — meu predecessor, o irmão de Con, também se chamava Jon. Ele contou?
— Sim — respondeu ela. E por fim se voltou para ele e estendeu ambas as mãos —
Constantine. Bem vindo.
— Duquesa — disse — obrigado.
Pegou as mãos e a beijou em uma face. E sorriu.
Ela devolveu o sorriso.
E... Por Deus! Exclamou para si mesma. Por Deus!
Soltou as mãos e deu uma olhada ao seu redor. Inspirou fundo muito devagar.
— Agora entendo por que gosta tanto de Copeland Manor e por que quer alardear sua
propriedade — comentou — É um lugar estupendo.
— Sim — sussurrou ela com uma nota ansiosa na voz.
Sarah apareceu correndo a frente de Margaret e de seu grupo, levando um ramalhete
de margaridas em uma mão.
— Tio Con! — gritou — Para você, Excelência — Obrigou Hannah a aceitar as
margaridas — Tio Steve. Deixe-me ver o bebê.

143
Con olhou de novo para Hannah, que estava contemplando suas margaridas com um
sorriso. Um sorriso que assentava melhor que os diamantes que costumava exibir. Quando
levantou a vista e seus olhos voltaram a se encontrar, ambos sorriram.
Depois de tudo, talvez não fosse uma boa ideia, pensou ele.
Não se perguntou a que se referia.

A Hannah pareceu que passara um século, uma eternidade desde a última vez que viu
Constantine.
E depois, quando por fim o viu, percebeu o muito que mudara com o tempo, a
percepção que tinha dele. Já não era esse desconhecido tão atraente, sombrio, misterioso e
possivelmente perigoso, de que foi consciente durante anos, esse homem que durante o
inverno decidira que fosse seu primeiro amante, esse homem distante e um tanto malicioso
que conheceu no Hyde Park nos princípios da primavera, cavalgando com Lorde Montford e
o Conde de Merton. Já não era essa provocação emocionante e difícil que achou durante
seus primeiros escândalos, antes que ele se fizesse com o controle no terceiro encontro e a
obrigasse a iniciar sua aventura naquela mesma noite, muito antes do prazo que ela fixara
para a consumação.
Como em Londres o via todo o dia, não percebeu muito como mudara, desde aquela
noite, a percepção que tinha dele. Nesse dia em concreto observou a chegada da carruagem
do Conde de Merton sabendo que Constantine se achava em seu interior e sentiu como
acelerava o coração. E conforme saudava primeiro a Condessa e depois o Conde, inclusive
enquanto segurava nos braços o milagre que era seu primogênito recém-nascido, sentia a
presença de Constantine como um quente brilho em seu interior.
E então, por fim, pode voltar-se para ele, olhá-lo e estender as mãos.
E só viu o Constantine.
Não se achava em situação de analisar esse pensamento tão pouco profundo. De fato,
não queria analisá-lo. Mas sentia uma queimação no peito e na garganta, como se estivesse
contendo o pranto.
Deu as boas vindas, sorriu e se alegrou de não ter analisado seus sentimentos nem
graças a Deus, de ter derramado umas lágrimas quando se afastou dela com frieza e elogiou
educadamente a propriedade. Por um instante desejou ter posto um vestido branco depois
de tudo e ter se adornado com diamantes, para interpretar à pessoa que vivia salva graças à
máscara da Duquesa de Dunbarton.
Mas não, no fundo não o desejava. Durante esses quatro dias escolheu ser ela mesma,
libertar à larva do casulo que a protegia. Por estranho que parecesse, era importante para
ela causar uma boa impressão aos familiares de Constantine.
Não como a Duquesa de Dunbarton, mas sim como Hannah.
Como ela mesma.

144
Custava admitir que a recusa inicial ao seu convite doera, sobretudo porque fazia
muito tempo que decidira não se deixar ferir pelo comportamento ou a opinião ou a recusa,
dos outros. Mas talvez nessa ocasião tivesse ardido um pouquinho. Não sabia muito bem por
que.
Entretanto, mudaram de opinião e aceitaram. Devido a sua visita a Claverbrook
House? Supunha que esse era o motivo. Devido ao fato de ter incluído também as crianças?
Haveria dito o Marquês algo depois de ela ter partido? Haveria dito Constantine algo?
Impossível. Muito temia que o desagrado que sentiam por ela se devia aos seus desejos de
que Constantine encontrasse uma mulher menos notória.
Fosse o que fosse, tinham dado uma segunda oportunidade e queria impressioná-los.
Demonstrar que era... Humana. Demonstrar-lhes que não era a adventícia arrogante,
desalmada e fria que se murmurava que era. Demonstrar que podia ser uma anfitriã
carinhosa e amável.
E justo depois de saudá-lo o Conde de Merton pôs nos braços seu bebê. E a filha
pequena de Lorde Sheringford deu de presente o ramalhete de margaridas que recolheu
junto ao lago antes de sair correndo atraída pela presença de seu primo, como se ela não
fosse nada do outro mundo.
Era maravilhoso ser alguém que não era nada do outro mundo.
Alguém a quem uma menina não ficava olhando embevecida.
Poria as margaridas em um vaso e as colocaria em sua mesinha de noite. Pareciam
muito mais valiosas que as rosas... Ou os diamantes.
— Ordenarei que os acompanhem aos seus aposentos — disse aos Condes e a
Constantine — E depois nos reuniremos no terraço ocidental para tomar o chá. Faz uma
temperatura bastante agradável e as crianças podem comer conosco e brincar no prado se
preferirem ao quarto infantil.
Aceitou o braço que oferecia Constantine e precederam ao resto do grupo pela
escadaria. Por que nunca tinha ocorrido incluir crianças em suas festas, fosse na cidade ou no
campo? Além de ter chegado aos trinta anos sem ter filhos, evitava todo contato com
crianças.
Até esse preciso momento nem sequer percebera do muito que tinha desejado ter
filhos durante todos esses anos. Claro que, do que teria servido admiti-lo? Estava casada
com um ancião que só teve um amante em toda sua vida... Um homem, aliás.
— Espero que o trajeto de Londres tenha sido agradável — disse a Constantine.
— Muito agradável, obrigado, Duquesa — replicou ele.
Como se fossem um par de desconhecidos muito educados.
Seria da mesma maneira quando se encontrassem no ano seguinte? Pensaria nisso
quando chegasse o ano seguinte. De momento viveria o presente.
— Alegra-me sabê-lo — disse.

145
A Duquesa, pensou Con, parecia ter rejuvenescido dez anos nos três dias que tinham
passado desde a última vez que a vira. E ter tirado dez camadas de armaduras e máscaras.
Seu vestido resplandecia com a cor do sol. Seus sorrisos deslumbravam. E ao vê-la
nesse entorno rural, descobriu com surpresa que parecia mais a vontade do que estava em
Londres.
Era impossível que estivesse mais bonita. Mas assim era.
Todos se reuniram no terraço adjacente ao salão para tomar o chá, um momento onde
Hannah brilhou como anfitriã e depois, uma vez terminado o chá e as massas, Toby, o filho
de Margaret, e Thomas Finch, o filho do meio de Hugh Finch, exigiram jogar bola. Ao que
parecia, havia uma bola... Que Margaret e Duncan levaram.
As crianças que chegaram com seus pais, cujas idades estavam compreendidas entre
os poucos meses do filho de Stephen e Cassandra e os doze anos dos gêmeos dos
Newcombe, não se contentaram jogando entre eles, como era de esperar. Não quando havia
um grupo de adultos ociosos sentados respeitavelmente no exterior e ardendo com desejo
de fazer algo enérgico e divertido. Os pais, ao menos, deviam jogar com eles.
E como os pais concluíram que não deviam ser os únicos em sofrer as consequências
só pelo fato de ter engendrado seus filhos sem saber o que os esperava, exigiram que outros
Cavalheiros se somassem ao exercício, Con, Sir Bradley Bentley e Lawrence Astley.
Afinal, estiveram encerrados em suas respectivas carruagens quase todo o dia e ali
estavam, sentados de novo como se não tivessem nada melhor que fazer.
Chegados a esse ponto algumas das mães se sentiram ofendidas porque as
consideravam incapazes de lançar uma bola sem cair no ridículo e a Senhorita Julianna
Bentley, a irmã de Sir Bradley, indicou que ela também passara quase todo o dia sentada em
uma carruagem, igual aos Cavalheiros. A irmã de Astley, a Senhorita Marianne Astley,
apoiou-a em voz baixa. A Senhorita Leavensworth recordou à Duquesa todas as partidas de
criquet que tinham jogado no prado do povoado quando eram pequenas e também que a ela
sempre a colocavam no extremo mais afastado do campo de jogo quando a sua equipe
tocava apanhar a bola, já que escapavam muito poucas, e, além disso, era muito boa
lançadora. E a Duquesa apontou que ela também era uma boa lançadora embora aqueles
odiosos meninos só a tinham permitido lançar de vez em quando.
— Sim — concordou a Senhorita Leavensworth — foi capaz de lançar a bola com um
efeito estranho de modo que não havia alguém a rebater. Ninguém conseguia porque todos
pensávamos que seria uma bola reta, e de repente traçava uma curva e derrubava os alvos.
— Venha, vamos jogar — disse ao mesmo tempo em que ficava em pé.
A Duquesa de Dunbarton? Jogando bola?
Con percebeu que Katherine e Sherry a olhavam com certa surpresa antes de desviar o
olhar para ele.
Puseram-se a andar pelo suave declive que partia do terraço até chegar a uma área
bastante plaina para jogar. Toby e Thomas, que tinham ido à busca da bola, voltaram
correndo, salvo por aqueles que insistiram em se fazerem de espectadores para que o jogo
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não desmerecesse. Todos formaram um enorme círculo ao redor de um centro que Toby se
apressou a ocupar porque, afinal, a bola era sua. Foram atirando a bola uns aos outros
enquanto tentavam golpear as pernas de Toby no processo. A pessoa que o conseguia
passava a ocupar o centro e o jogo voltava a começar.
Con pensou que possivelmente fora um dos jogos mais idiotas que jamais se
inventaram. Entretanto, provocou muitos gritos, vivas e risadas... E algum ou outro pranto
quando Sarah se colocou no centro e foi golpeada pela primeira bola que lançaram. Esteve
chorando até que Hannah correu a socorrê-la e a pegou nos braços.
— Isso foi embuste — exclamou com uma voz muito pouco adequada para uma
Duquesa — golpeou Sarah no joelho, não por debaixo do joelho. Vamos ver se agora podem
me dar.
E demonstrou ser bastante ágil apesar dos gritos de Sarah, que se tinha agarrado a seu
pescoço como se fosse sua tábua de salvação, e apesar de não parar de rir de tal forma que
mal podia respirar. Saltou e esquivou-se da bola até que Lawrence Astley deu no tornozelo.
Se tivesse apostado com alguém, Con teria perdido. Um cacho escapou das forquilhas e
outro mais caiu sobre o ombro da Duquesa enquanto esta deixava Sarah no chão, na parte
externa do círculo e Astley se dispunha a ocupar seu lugar. Viu-a colocar a mecha rebelde
debaixo das outras, mas ao fim de um instante voltou a soltar-se.
Tinha o rosto corado.
Como todos os outros, salvo os espectadores.
O jogo terminou de forma natural quando Sir Bradley Bentley, a quem acabavam de
golpear, estendeu-se na relva no centro do círculo e declarou que se alguém pronunciasse a
palavra exercício npelo resto do dia, iria se retirar ao seu dormitório e só sairia dois dias
depois.
Se saísse!
O pequeno Hal, o filho de Monty, saltou sobre ele. A pequena Valerie Finch, que tinha
cinco anos, imitou-o. Em um abrir e fechar de olhos Bentley tinha desaparecido sob uma
maré de crianças que gritavam e riam.
— Acho que necessitamos de mais chá no salão — disse a Duquesa — Ou algo mais
forte. Definitivamente, algo mais forte. Babs, importa-se de se encarregar? Vou arrumar um
pouco o cabelo.
Todos subiram a encosta até a casa... Salvo a Duquesa, que ficou onde estava tentando
arrumar o penteado enquanto os observava afastar-se.
E salvo ele, que ficou onde estava olhando-a.
— Pareço um desastre — comentou Hannah enquanto se voltava para olhá-lo.
— Pois sim — concordou ele.
— Isso não foi muito galante — replicou ela com um sorriso.
— Era um elogio.
— Ah! — Hannah baixou as mãos e inclinou a cabeça — Nesse caso foi muito galante.
Não acredito que precise passar pelo salão para fiscalizar o chá. Babs irá se encarregar de
147
que todo mundo beba algo e depois os convidados irão querer se retirar aos seus aposentos
para descansar um pouco antes que chegue a hora do jantar. Deixe-me mostrar o lago.
— Senti sua falta — confessou Con em voz baixa.
Tanto que a ideia o assustava.
— E eu a sua — disse ela — Não tinha nem ideia de que ter um amante seria tão...
Maravilhoso. Sempre é assim?
Olhou-a com um sorriso.
— Ou quer que dê de presente os ouvidos, Duquesa, ou acaba de me fazer uma
pergunta impossível de responder.
— Venha ver o lago — repetiu ela e pegou seu braço antes mesmo que pudesse
oferecer.
Quem em seu perfeito juízo teria pensado que a Duquesa de Dunbarton, nada mais e
nada menos, seria uma ingênua?
Não tinha nem ideia de que ter um amante seria tão... Maravilhoso. Sempre é assim?
Era? Perguntou-se.
Era maravilhoso nessa ocasião? Era sempre maravilhoso? Não tinha por costume
comparar amantes. Nem analisar o que só eram sensações físicas.
— Vê a que me refiro? — Perguntou ela enquanto caminhavam entre os troncos das
antigas árvores a caminho do lago.
— Deixei que as árvores ladeassem o caminho. Deveria ter mandado derrubar algumas
para que se pudesse construir uma avenida como Deus manda, unindo a casa com o lago.
Flanqueada por rododendros para conseguir uma vista linda da casa. Com um embarcadouro
no lago para rematá-la. E barcos flutuando na água, é claro. E uma bonita ilha artificial no
centro do lago. Também deveria ter modificado a forma do lago como se fosse um rim ou um
ovalóide, ou algo assim.
— Com um pequeno templo ou cabana ornamental na outra margem — acrescentou
ele — Colocada de tal forma que da Mansão parecesse estar no centro da avenida e pudesse
ver-se seu reflexo sobre a água.
— Sim.
— Mas não o fez.
— Não o fiz — admitiu com tristeza — Constantine, gosto de me deixar guiar pela
natureza. Por que destruir um carvalho que está crescendo nesse lugar há trezentos ou
quatrocentos anos para obter uma bela vista da casa?
— Certamente, por quê? — concordou — Sobretudo porque a casa está há menos
tempo aqui que a árvore, segundo meus cálculos.
— E por que levantar uma construção ornamental sem sentido? Para que? Nunca
entendi. É um...
— Sem sentido? — sugeriu Con quando a viu descrever círculos no ar com a mão
direita como se fosse incapaz de achar a palavra que procurava.

148
— Você o disse. As construções ornamentais sem sentido são isso, um sem sentido.
Está rindo de mim, Constantine.
— Sim — admitiu quando chegaram à borda do lago e se detiveram.
A Duquesa se pôs a rir.
— Mas tenho razão ou não? — quis saber.
— Você gosta de Copeland Manor tal como é? — perguntou por sua vez.
— Sim — respondeu ela — Rústico e natural desse jeito. Eu gosto. E embora o terreno
e a paisagem sejam perfeitas para o traçado de um atalho agreste, resisti com unhas e
dentes a desenharem e construírem um. Como vai considerar agreste algo feito pelo
homem? É uma contradição.
— E ao escolher entre a agreste e a arte, fica com o agreste — respondeu.
— Sim — respondeu — Tenho razão ou não?
— Estou desconcertado — disse — A Duquesa de Dunbarton está perguntando a outra
pessoa, a mim, para ser exato, se tem razão ou não?
Hannah suspirou.
— Verá, Constantine, o caso é que necessito algo agreste e selvagem em minha vida.
Assim, bem pode ser meu jardim. Ai está, decidi-me. Não terão avenidas, pequenos templos
sem sentido, paisagens artificiais nem atalhos novos em Copeland Manor. Agradeço sua
opinião e seu conselho.
Impeliu a virar-se para ele, abraçou-a e a beijou com força, separando os lábios.
Ela arrojou os braços no pescoço e devolveu o beijo.
Senti-la de novo contra ele era uma sensação maravilhosa. Saboreá-la. Cheirá-la.
— Enfim — disse quando ergueu a cabeça — se houvesse uma avenida da casa, agora
mesmo estaríamos perfeitamente emoldurados no centro e todos seus convidados estariam
grudados às janelas do salão admirando a vista.
— Certamente — replicou ela, e deu de presente um de seus deslumbrantes sorrisos
— Mas como não há...
Voltou a beijá-la, introduzindo a língua na boca enquanto ela afundava os dedos em
seu cabelo e arqueava o corpo para amoldar-se a ele quando a estreitou pela cintura.
Ele se perguntou o que aconteceria caso se apaixonasse por Hannah, a Duquesa de
Dunbarton.
Não tinha a menor ideia. Talvez sua vida se convertesse em um caos.
Ou em um paraíso.
Para não mencionar o que poderia acontecer ao seu coração.
Sem dúvida alguma seria mais sensato não comprovar isso.

149
CAPÍTULO 15

Os convidados de Hannah ficariam durante três dias completos. Tinha decidido não
sobrecarregar tais dias de atividades. Afinal, todos chegavam de Londres, onde a temporada
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social estava em pleno apogeu e abundavam os entretenimentos. E tinha a impressão de que
todos precisavam relaxar sem mais, no tranquilo entorno rural.
De qualquer forma, para o primeiro dia tinha programado algumas atividades. Um
passeio matutino até o vilarejo para os que queriam ver a Igreja e fazer um pouco de
exercício, um lanche campestre no lago, e uma partida de cartas a noite motivo pelo qual
convidara vários vizinhos. Alguns membros do grupo os entreteriam com uma interpretação
musical. Tiveram a sorte de desfrutar de um dia quente e ensolarado.
Quando chegou ao fim e os últimos vizinhos partiram, Hannah pensou que o dia
completo foi um êxito. Sir Bradley Bentley, seu amigo e mais frequente acompanhante
durante seu matrimônio, o Duque foi amigo do avô deste, passou o dia inteiro paquerando
Marianne Astley, e Julianna Bentley passou grande parte de seu tempo com Lawrence Astley.
Tal como ela esperava. Embora sua intenção não fosse a de exercer de casamenteira, tinha
ocorrido convidar Sir Bradley depois que Barbara e ela tomaram um chá com o Cavalheiro
uma manhã na Bond Street e ele contara que sua irmã tinha debutado em Sociedade no ano
anterior, mas que ainda não encontrara um pretendente sério. A melhor amiga da jovem era
Marianne Astley, cujo irmão rondava os vinte e cinco.
De modo que decidiu que sua festa campestre necessitava de gente jovem. Adultos
jovens, solteiros e sem compromisso. E convidou os quatro.
O resto do grupo parecia achar-se muito cômodo entre si, embora alguns dos
convidados nem sequer se conhecessem ao chegar. Tratava-se dos Park, os Newcombe, o
casal Finch, que foram vizinhos do Duque toda a vida, assim como seus respectivos pais antes
deles, e os jovens já mencionados. Além de Barbara, é claro. E de Constantine, seus primos e
seus cônjuges. E de dez crianças e algum ou outro bebê.
A tarde do terceiro dia era dedicada à festa infantil, de modo que seria uma jornada
muito ocupada. Entretanto, o segundo dia não havia nada planejado a fim de que os
convidados se entretivessem como quisessem. Durante a manhã Hannah passeou pelo
jardim, que se estendia pelas fachadas, oriental e setentrional da casa, com a Senhora Finch,
a Condessa de Merton e Lady Montford, que estava branca como o leite.
Alarmada, Hannah perguntou por seu estado de saúde, e a dama soltou uma
gargalhada não muito alegre.
— Não é para preocupar-se, Excelência — respondeu — Não é meu estado de saúde o
que me faz ter náuseas. É meu estado em geral. Estou esperando outro bebê.
— Oh! — exclamou Hannah, que de repente sentiu uma dolorosa pontada de inveja.
— Tínhamos a intenção de ter outro filho quando Hal completasse os dois anos —
explicou Lady Montford — Mas o Senhor dispôs outra coisa. Alegro-me de que por fim tenha
cedido.
— Deve ser de minha idade ou mais jovem — comentou Hannah — E se lamenta por
ter tido que esperar tanto para ter seu segundo filho? — De repente, compreendeu com
mortificação que tinha feito a pergunta em voz alta.

151
A Senhora Finch estava inclinada sobre uma rosa, que segurava com cuidado entre as
mãos. Lady Merton e Lady Montford se voltaram para olhá-la, ambas com idênticas
expressões...
Compassivas? Perguntou-se.
— Tenho trinta anos — acrescentou, sentindo-se ainda mais tola.
— Eu tinha vinte e oito quando me casei com Stephen no ano passado — comentou
Lady Montford enquanto tomava Hannah pelo braço... Um gesto que a surpreendeu muito
— Também era viúva, Excelência. E não tinha filhos, só quatro bebês mortos pelos quais
seguia chorando. Sempre os chorarei, mas agora tenho Jonathan e esperamos encher o
quarto infantil de crianças, antes que chegue aos quarenta. A esperança sobrevive inclusive
nos momentos de maior desespero, quando parecemos estar à beira de perdê-la para
sempre.
A Senhora Finch se endireitou.
— Tinha dezessete quando me casei — disse — e dezoito quando tive Michael.
Thomas chegou dois anos depois e Valerie dois anos depois do segundo. Agora tenho vinte e
sete. Adoro meus filhos, e meu marido, mas às vezes me assalta o horrível pensamento de
que perdi minha juventude muito cedo. Talvez não exista um caminho fácil para trilhar a
vida. Cada qual deve trilhar o seu e tirar o máximo proveito.
— Sábias palavras — disse Lady Montford ao mesmo tempo em que dava a Hannah
uns tapinhas no braço.
Continuaram passeando, desfrutando da vista e do aroma das flores, para o que
empregaram uma hora embora o jardim não fosse muito extenso.
Hannah se sentia... Como se sentia?
Abençoada?
Tinha acabado compartilhando seu tempo com um grupo de mulheres que falavam
sobre as alegrias e as penas do matrimônio, da maternidade e do passar do tempo. A
conversa foi breve, mas se havia sentido incluída. Durante os anos que durou seu
matrimônio fez parte da Sociedade, sempre rodeada de admiradores, quase sempre do
gênero masculino. Entretanto, não recordava nenhuma outra ocasião em que tivesse
passeado por um jardim pelo braço de outra mulher que não fosse Barbara. E duas dessas
mulheres tinham recusado seu convite em um primeiro momento.
— Mmm — murmurou Lady Merton depois de respirar fundo, justo antes de retornar
ao interior da casa. — Isto é perfeito. Não imagino melhor modo de passar alguns dias entre
baile e baile.
— Sente-se melhor? — perguntou Hannah a Lady Montford.
— Sim — respondeu a aludida — Ao sair pensei que tinha cometido um erro ao
passear entre as flores, por seu aroma. Mas o ar fresco me assentou bem. Ficarei
perfeitamente bem durante o resto do dia. Até amanhã pela manhã. Embora tantas
perturbações são por uma boa causa. As náuseas matinais remeterão breve.
Lady Sheringford estava descendo as escadas quando elas entravam no vestíbulo.
152
— Acabo de deitar Alex para que durma uma sesta — disse — Está cansado, fez um
arranhão no joelho e ficou chateado. Depois do curativo, anticéptico com o beijo
correspondente e de secagem de lágrimas com beijos, ficou impaciente. Kate tem melhor cor
de rosto. Encontra-se melhor?
— Sim — respondeu Lady Montford — Sua Excelência nos esteve mostrando o jardim
e me assentou maravilhosamente.
Lady Sheringford olhou para Hannah, que nesse momento estava pensando em que
maravilhoso seria poder beijar um joelho arranhado e umas faces úmidas pelas lágrimas.
— Deveria usar cores mais frequentemente — disse a recém-chegada, dirigindo-se a
ela. — Não me refiro de que o branco assente mau, mas assim parece mais... Mmm, como o
diria?
— Acessível? — Sugeriu a Senhora Finch, talvez não com muito tato — Estou pensando
o mesmo desde que a vi ontem com esse lindo vestido amarelo, Excelência.
— Enfim — atravessou Lady Sheringford — o caso é que parece algo mais. Algo bom,
refiro-me. Esse tom de verde em particular assenta muito bem com seu cabelo loiro.
— Entramos para tomar um café — comentou Hannah com um sorriso — Quer unir-se
a nós?
Percebeu que estava feliz. Nunca teve amigas, salvo Barbara, que sempre estava longe.
Nunca tinha pensado que possivelmente as necessitasse ou que as desejasse sequer.
Nesse dia podia viver com a ilusão de que essas mulheres eram suas amigas.

As nuvens apareceram na última hora da manhã e o gelado vento que aumentou de


repente obrigou a todo mundo a entrar na casa antes do esperado. Um prolongado temporal
os manteve no interior depois do almoço, embora ninguém parecesse especialmente
aborrecido pelo contratempo.
As crianças menores acabaram no quarto infantil para dormir a sesta, enquanto os
outros foram conduzidos à galeria, para que se entretivessem com um jogo idealizado pelo
Senhor Newcombe e o Conde de Sheringford.
Alguns adultos permaneceram no salão conversando e outros foram à biblioteca para
ler ou escrever cartas. De alguns não havia nem rastro, e Hannah supôs que tinham subido
aos seus aposentos para descansar. O grupo mais numeroso se achava na sala de bilhar. Ali
se dirigiu em busca de Constantine.
Não estava jogando. Encontrou-o em pé bem ao lado da porta, com os braços cruzados
diante do peito, observando os outros.
— É uma lástima que só tenha uma mesa de bilhar — ela comentou.
— Não se preocupe por isso, Excelência — a tranquilizou o Senhor Park — Sou muito
melhor jogador quando observo os outros que quando jogo. De fato, jamais erro e acabo
colocando todas as bolas.
O comentário suscitou um coro de gargalhadas.
153
— Eu vim para comprovar com meus próprios olhos que as bolas que Jasper me
assegurou ter metido são verdadeiras e não um produto de sua imaginação — disse Lady
Montford.
— Meu amor! — Exclamou o aludido a modo de protesto de certa distância, já que sua
esposa não se incomodou em abaixar a voz — Alguma vez exagero? Alguma vez me vanglorio
de algo?
— Kate — atravessou nesse momento o Conde de Merton enquanto esfregava com o
giz o extremo de seu taco, depois de ter se inclinado sobre a mesa para se concentrar — esse
é o tipo de momento que se aplica a máxima de que em boca fechada não se entra moscas.
— Enfim, Stephen, não é para se vangloriar na vida — disse Lorde Montford um tempo
depois quando viu que o Conde errava o tiro — se não for capaz de superar isso, mereço
qualquer insulto que Kate resolva me dedicar.
Hannah roçou levemente o braço de Constantine.
— Você gostaria de dar um passeio a cavalo? — perguntou em voz baixa.
— Agora? Não está chovendo?
Arqueou as sobrancelhas ao mesmo tempo em que olhava para a janela e comprovou
que efetivamente não chovia, antes de segui-la ao corredor.
— Sempre tenho cavalos preparados para montar no estábulo — disse enquanto
Constantine fechava a porta da sala de bilhar — Suponho que deveria ter perguntado se a
alguém gostaria de nos acompanhar, mas todos parecem contentes com o que estão fazendo
e eu gostaria de mostrar uma coisa.
— A mim só? — perguntou Constantine com um olhar risonho.
— Direi a Barbara que se encarregue de servir o chá mais tarde — comentou Hannah
sem responder.
— Só — respondeu a si mesmo e acrescentou depois de inclinar a cabeça para ela —
Que sorte tenho.
— Subirei para me trocar — disse ela — Nos vemos no estábulo dentro de quinze
minutos.
E se voltou para subir a toda pressa.
Vestiu um de seus trajes de montar mais velhos e simples, seu preferido, de fato. Sua
cor original era celeste. Nesse momento era um azul esvaído. Disse a Adele que recolhesse o
cabelo com um simples coque na nuca de modo que pudesse colocar bem o chapéu. Depois
de calçar as luvas, olhou-se satisfeita no espelho do roupeiro. Não levava nenhuma só joia.
Nessa tarde era importante parecer uma pessoa simples, não a Duquesa de
Dunbarton, diante da qual todo mundo devia inclinar-se e fazer reverências. Começava a
desejar voltar a ser uma pessoa simples, mas com todas as vantagens que outorgavam a
confiança, a disciplina e a autoestima que aprendeu do Duque. Ou, mais concretamente, do
amor do Duque.

154
Esperava que Constantine apreciasse o que ia mostrar, que não se aborrecesse nem se
sentisse incomodado. Que não interpretasse mal e achasse que era uma sentimental ou, pior
ainda, uma pessoa superficial que gostava de fazer grandes gestos.
Entretanto, não achava que isso iria acontecer. Sabia que se acaso alguém pudesse
entendê-la, seria ele. Mas estava terrivelmente nervosa. Um milhar de mariposas revoava
em seu estômago enquanto atravessava o terraço e percorria o caminho de cascalho que
conduzia ao estábulo. Desejou não ter comido tanto durante o almoço.
Esse era justo o motivo, pensou, por que queria que Constantine fosse ao seu lar. Esse
era o motivo por que tinha planejado a festa campestre, de modo que o fato de convidá-lo
não suscitasse falatórios. Isso era importante para ela. Sua reação era importante para ela.
Quando chegou ao estábulo, Constantine já estava ali, selando no cavalo que ela
costumava montar, enquanto um cavalariço colocava seus arreios de amazona em outro.
Não obstante, teve que admitir que Jet era o único cavalo bastante grande para que ele o
montasse.
Constantine se trocara e usava a calça de montar de cor bege, jaqueta negra, botas de
montar negras e uma cartola. Tinha o mesmo aspecto que no dia que o viu no Hyde Park
pela primeira vez nessa primavera. Mas tudo era diferente.
Nesse momento era Constantine. Seu amante.
Embora levassem uma semana sem manter relações íntimas. E seguiriam sem manter
até retornar a Londres, porque seria uma falta de respeito para cm seus convidados, retomar
sua aventura sob seu próprio teto. Parecia uma eternidade ter que esperar tanto. Não
obstante, sua menstruação teve o detalhe de aparecer justo no dia que partira de Londres.
Faltava um mês para que voltasse a repetir-se.
— Duquesa? — perguntou ele enquanto se voltava para observá-la da cabeça aos pés.
Soube que a admiração que leu em seus olhos e em seus lábios franzidos era genuína.
Foi estranha, sobretudo porque ia muito desalinhada. Imitou seu escrutínio, incluindo
o gesto de franzir os lábios, e viu como ele sorria.
— Bruxa — disse.
Ao fim de uns minutos abandonaram a cavalo o pátio do estábulo e rodearam a casa
para continuar através do prado em vez de tomar a avenida e o caminho, tal como teriam
feito se tivessem viajado de carruagem. Não parecia que fosse chover... De momento. As
nuvens se afastavam e o azul ia ganhando terreno no céu.
— Aonde vamos? — Perguntou Constantine — A algum lugar em concreto?
— Ao Fim do Mundo — respondeu — Mas não pense que vamos cruzar a Inglaterra a
galope até chegar em Devon ou na Cornualha, fique tranquilo. O Fim do Mundo é o nome
que alguém sugeriu para uma casa em ruínas que comprei faz uns anos e que converti em
um lugar muito decente, com jardins tão elegantes para satisfazer aqueles que gostam de
impor a arte à natureza. A primeira sugestão para o nome foi O Fim da Vida, mas ninguém
secundou a ideia, de modo que insisti em que fossem os primeiros inquilinos da casa, os que
decidissem seu nome por maioria. E quando um deles propôs O Fim do Mundo e explicou
155
que além da terra firme, se achava a paz eterna do fundo marinho, todos aceitaram. De
minha parte, confesso que nunca vi o mar dessa forma e que tampouco sei nadar.
Entretanto, como meu voto não contava, a propriedade ficou com o nome do Fim do Mundo.
— É um lar para anciões? — perguntou Constantine.
— Sim — respondeu ela.
Cavalgaram em silêncio durante uns minutos.
— Este é o projeto para o que vendeu os diamantes?
—Sim.
— Você gosta dos anciões?
Hannah sorriu.
— Sim. Quis muito a um ancião. Ao final de sua longa vida desfrutou de todas as
comodidades possíveis por se sentir bem. Há milhares que não estão no mesmo caso.
— Duquesa, você é uma fraude — replicou ele.
— É claro que não! — exclamou, irritada — o que eram esses diamantes para mim a
não ser um aviso do muito que me quiseram durante dez anos? Conservo os suficientes para
que me sigam recordando isso, por mais que no fundo não necessite de nenhum aviso,
porque para isso existem as lembranças.
Tinham chegado a uma ampla clareira, uma extensa planície a que sempre ansiava
chegar cada vez que cavalgava até O Fim do Mundo.
Percebeu que Constantine a estava olhando. Entretanto, não virou a cabeça para
devolver o olhar. Não era uma sentimental. Queria a essas pessoas. Durante o ano anterior
fora vê-las em todos os poucos dias, antes de partir para Londres, passada a Semana Santa, e
tais visitas tinham aliviado sua dor. Já tinha estado cinco dias antes, justo depois de retornar
da capital. Tinha-o feito porque gostava, porque o necessitava, não porque quisesse aplausos
ou elogio.
Que tolice pensar algo assim, Por Deus!
— Este lance do caminho é aborrecido para ir a trote — disse — mas muito
emocionante se galopar. Vê o pinheiro alto ali ao longe? — Assinalou a árvore com o chicote.
— O que tem a copa torcida? — precisou ele.
— Desafio-o a uma corrida até ali — disse a modo de resposta e esporeou seu cavalo a
galope mesmo antes de acabar de falar.
Se tivesse montado Jet teria tido uma oportunidade de ganhar, até com o
impedimento da sela de amazona. Entretanto, montava Clover, uma égua que gostava de
galopar, mas que não tinha um só fio de competitiva. Perderam a corrida de forma
vergonhosa.
Quando chegou junto a Constantine, recebeu-a com um sorriso.
— Duquesa, isso a ensinará a não me desafiar com outra corrida — disse — Nem
sequer tínhamos combinado o prêmio antes que tentasse se aproveitar do elemento
surpresa para ganhar uma vantagem injusta. Isso significa, segundo leis internacionais, que
acredito poder reclamar o prêmio que mais desejar.
156
— Existem leis internacionais? — Perguntou ela entre gargalhadas — o que escolheria
se de verdade contasse com o apoio da lei?
— Fique quietinha enquanto penso — respondeu Constantine, que impeliu seu cavalo
a aproximar-se dela.
Hannah notou que cravava o joelho na coxa e nesse momento se inclinou para ela e a
beijou nos lábios.
Jet soprou e se afastou.
O beijo possivelmente foi o mais breve e decepcionante de todos os que tinham
compartilhado. Mas foi precisamente o que a informou do que já sabia há um tempo e tinha
evitado reconhecer.
Estava apaixonada.
Um descuido e uma imprudência de sua parte. Que talvez ocasionassem certo
sofrimento ao final da temporada social se não conseguisse então desenamorar-se dele.
Não obstante, era incapaz de lamentar-se. Tinha a sensação de que os últimos onze
anos de sua vida tinham desaparecido e voltava a ser jovem e feliz. E voltava a estar
apaixonada. Não apaixonada por amor nessa ocasião, mas sim de um homem real a quem
apreciava como pessoa e a quem poderia amar profundamente se decidisse fazê-lo. Um
amor incondicional, dos que chegavam até a alma.
Não cometeria semelhante erro.
Mas que maravilhoso era ter um amante e estar apaixonada durante a primavera!
Dava vontade de descer de um salto de Clover para ficar a dançar no prado, sob o pinheiro,
olhando ao céu com os braços estendidos.
Que maravilhoso era ser jovem!
— Pode sorrir — Ouviu que dizia Constantine — foi o prêmio mais lamentável que
recebeu o ganhador de uma carreira hípica, Duquesa. E antes que o dia acabe, vou exigir um
beijo muito mais satisfatório que esse.
Hannah adotou seu porte de Duquesa para lançar seu olhar mais altivo.
— Senhor Huxtable, terá que me apanhar primeiro — disse — Olhe. Daqui se pode ver
O Fim do Mundo.
Indicou à frente e se puseram em marcha ao mesmo tempo e cavalgando ao mesmo
tempo e ao mesmo passo.
Vislumbrava-se a propriedade entre as árvores. Uma Mansão compacta,
absolutamente destacável por seu desenho arquitetônico, mas que para ela era tão valiosa
como Copeland Manor.
— Como financia Ainsley Park? — perguntou.
— Não vivo na pobreza — respondeu Constantine, dando de ombros — meu pai me
deixou uma grande herança.
— Mas apostaria o que fosse de que não o bastante grande — replicou — Tenho certa
ideia a respeito do que custa manter um projeto deste tipo. Ajudou seu irmão? Conforme
disse, a ideia foi totalmente sua.
157
Num primeiro momento acreditou que não responderia. Por um instante sua
aparência voltou a ser sombria e taciturna. Mas acabou soltando uma boa gargalhada.
— O mais engraçado de tudo é que o fizemos exatamente igual a você, Duquesa —
disse — Salvo que você o fez com a bênção de Dunbarton, embora desse isso a contra gosto.
Nós não consultamos o tutor de Jon, cuja bênção indubitavelmente não teríamos contado.
Refiro ao meu tio antes de sua morte e depois a Elliott, que possui um sentido do dever
bastante mais estrito e que é muito mais perspicaz.
— Fala em plural — indicou — Mas de quem foi a ideia de vender as joias, de Jonathan
ou sua?
Constantine voltou a cabeça para olhá-la com seriedade.
— As joias dos Huxtable não eram minhas para que eu tomasse essa decisão ou para
sugerir que se vendessem — respondeu — Eram de Jon, e embora eu não fosse seu tutor
legal, tomava tal responsabilidade muito a sério. Meu irmão não era idiota muito menos,
mas às vezes via as coisas de uma forma diferente do resto do mundo. Assim que descobriu a
verdade sobre nosso pa... Vá Por Deus! Embora suponha que já o tinha adivinhado sozinha.
Assim que Jon descobriu a verdade sobre essa pessoa a que tinha querido durante toda sua
vida e cuja morte tinha chorado, perdeu a alegria, a vontade de comer e passou vários dias
sem dormir. Nunca o vira assim. E se negava a me falar de seu sofrimento. A única coisa que
fazia era me exigir uma e outra vez que guardasse o segredo. Porque se negava de que
outros conhecessem a verdade sobre nosso pai. Entretanto, não queria que a dor que tinha
ocasionado ficasse impune. Como Jon era muito consciente de sua condição de Conde de
Merton, chegou à conclusão de que seu dever era arrumar as coisas. Fui incapaz de parar os
pés, embora deva acrescentar que eu mesmo levava anos sentindo o mesmo, além de muita
impotência, por certo.
— Tomara que o tivesse conhecido — disse ela em voz baixa — Refiro a Jonathan.
— E então chegou uma manhã ao meu dormitório dando saltos e despertou me
sacudindo. Asseguro que não exagero. Estava louco de contentamento, transbordante de
alegria, rindo sem parar. Teve uma ideia genial. E nada o satisfaria até que tivesse dado com
o modo de fazer realidade seu sonho. Eu fui o eleito para pô-lo em marcha. Era impossível
raciocinar com ele quando colocava algo na cabeça, Duquesa. E isto era muito mais
importante para ele que qualquer outra coisa na vida. Era tão teimoso como...
— Como seu irmão? — supriu ela — Não se parecia por acaso ao seu irmão mais
velho?
— Era dez vezes pior — respondeu Constantine — Só poderia detê-lo se tivesse ido
com meu tio até ele. Mas, enfim, eu também queria o mesmo que Jon e minha posição era
muito fraca para fazer o que sem dúvida era o correto. Tinha passado anos, enojado pelo que
Jon acabava de descobrir. Acredito que toda a vida. Via como minha mãe adoecia pela
tristeza e pela contínua perda de seus filhos, enquanto meu pai abusava de tudo que levasse
saias. Não era um homem agradável, Duquesa. E odiava Jon, a quem chamava imbecil, às
vezes em sua própria cara. Perdoe-me. Não se deve criticar os pais diante de outras pessoas.
158
Em qualquer caso, nenhuma das joias que vendi estava vinculada ao título. Claro que várias
delas estavam há gerações na família e todas estavam devidamente registradas nos arquivos
da propriedade. Se tivesse apresentado uma reclamação formal, Jon teria perdido, já que na
realidade não tinha direito de dispor de tais joias sem o consentimento de seu tutor. E
mesmo que tivesse chegado a sua maioridade, o teriam declarado incompetente para tomar
decisões por si mesmo.
— Estava-se roubando a si mesmo? — perguntou Hannah.
— Jon sabia muito bem o que fazia — respondeu ele — Não era imbecil. Às vezes tinha
a impressão de que era o único inteligente entre todos nós. O que é mais importante, essas
joias antigas que estavam bem guardadas em Warren Hall? Ou as pessoas que vivem em
Ainsley Park?
Hannah soltou uma gargalhada.
— Acredito que já sabe qual é minha resposta, não é verdade?
Estavam se aproximando do Fim do Mundo. Só lhes faltava cruzar um pasto e
chegariam ao prado que se estendia até um dos lados da casa.
— Não falou de tudo isto a ninguém? — quis saber ela — Só a mim?
— Caramba— respondeu ele — Nem sequer ao Rei.
— De modo que todos acreditam em um vilão que roubou seu necessitado irmão a fim
de comprar uma propriedade em Gloucestershire, onde vive rodeado de luxos.
Constantine deu de ombros.
— Acredito que Elliott manteve a boca tão fechada como eu, salvo para contar a
Vanessa. Do contrário, não acredito que nem Stephen nem suas irmãs iriam querer me dirigir
a palavra, não parece?
— Nem tampouco tentariam protegê-lo de mim — acrescentou ela.
Constantine a olhou e sorriu antes de inclinar-se para abrir a grade que afastava o
pasto da propriedade. Entraram em passo tranquilo e ele se voltou para fechar.
— Talvez devesse contar ao Conde de Merton o que me contou — sugeriu Hannah —
me parece um homem honrado e compreensivo.
Constantine arqueou uma sobrancelha com gesto zombeteiro e a olhou de esguelha.
— Acha que me perdoaria?
— Acho que diria que não há nada a perdoar — respondeu ela — Em qualquer caso,
Jonathan seria a pessoa a quem teriam que perdoar, certo?
Sua pergunta fez que Constantine atiçasse seu cavalo para que apertasse o passo,
adiantando-se de modo que ela teve que fazer o esforço de alcançá-lo.
— Isso é o que dá medo? — Quis saber — Que ninguém seja capaz de perdoar seu
irmão? Talvez devesse ter um pouco mais de fé neles.
Constantine se voltou para olhá-la nos olhos com expressão muito tensa. Seus olhos
pareceram muito negros.
— Falou a alguém disto? — Perguntou, assinalando a casa com a cabeça — Só contou
a mim?
159
— Só a você — respondeu Hannah.
— Por quê? Por que não convidou os outros a vir esta tarde?
— Constantine, tenho uma reputação a proteger — disse.
— Exato. Eu também. O demônio e a Duquesa. Somos iguais.
Perante os olhos do mundo ou... Referia-se a parecerem feitos um para o outro?
Perguntou-se em silêncio.
— Se não estivéssemos tão perto da casa — Seguiu Constantine — enumeraria todas
as razões pelas quais deveria voltar para casa, Duquesa. Refiro-me a Markle.
Hannah se inclinou para dar uns tapinhas no pescoço de Clover quando se pararam
frente ao estábulo. Um cavalariço se apressou a atendê-los.
— Touchée — replicou.

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CAPÍTULO 16

Enquanto observava Hannah durante a hora e meia seguintes, Con tentou vê-la como
a Duquesa de Dunbarton que sempre tinha conhecido, que encontrou no Hyde Park nos
princípios da primavera, no baile dos Merriwether, no concerto dos Heaton e no almoço no
jardim dos Fonteyn. Era muito desconcertante dar-se conta de que não podia.
Era incapaz de vê-la como se fosse a mesma pessoa.
Não era só porque levava um traje de montar desgastado, quase estragado, de cor
azul. Nem porque tinha o cabelo recolhido de forma simples e um pouco alvoroçado depois
de tirar o chapéu para entrar na casa. Tampouco era porque colocou um enorme avental,
que a aguardava pendurado num gancho atrás da porta do escritório da encarregada. Não
tinha absolutamente nada a ver com seu aspecto.
Tinha a ver com a mulher que se ocultava atrás da fachada, a mulher a quem não vira
até depois de se converterem em amantes e que só tinha vislumbrado de vez em quando. No
Fim do Mundo essa mulher estava a plena vista, como uma mariposa que revoava fora de seu
casulo, formosa, enérgica, reluzente de alegria e distribuindo tal alegria em qualquer parte.
Estava, simples e sinceramente, enfeitiçado.
Também, e para sua consternação, estava apaixonado.
Sua beleza, sua energia e sua alegria não eram dedicadas a ele, embora sorrisse cada
vez que o olhava e o incluía em sua aura de magnético encanto.
Apresentou-o à Senhora Broome, a encarregada, uma dama de meia idade, de
presença agradável e gestos serenos, e juntos começaram o percurso pela casa. Entretanto,
não durou muito. Um ancião sentado no salão dos residentes pegou o braço da Duquesa,
chamou-a de Senhorita Hannah, como faziam todos, e passou a contar as últimas travessuras
de seus netos. Eram imaginações suas, explicou a Senhora Broome, enquanto prosseguia
caminho com ele, deixando atrás à Duquesa, mas ao ancião agradava contar essas histórias a
quem estivesse disposto a escutá-las. Pouco depois, duas anciãs que estavam sentadas
juntas no amplo vestíbulo do andar de cima quiseram saber, depois de serem apresentadas,
se o Senhor Huxtable tinha acompanhado à Senhorita Hannah, já que tinham escutado que
acabava de chegar. Quando admitiu que assim era, quiseram saber se ia se casar com ela.
A Senhorita Hannah merecia a alguém tão jovem e tão bonito como ele, decidiram as
anciãs, que se puseram a rir quando ele lhes sorriu, piscou um olho e disse que teria que
perguntar a ela. Enquanto isso, alguém reclamou a atenção da Senhora Broome para uma
emergência.

161
A partir desse momento Con perambulou sozinho, ficando no primeiro andar, onde
quase todos os quartos pareciam ser comuns e estavam abertos para o uso de todos os
residentes, embora a Senhora Broome explicara que todos tinham quartos próprios, onde
podiam desfrutar de intimidade e onde não se podia entrar a menos que se chamasse e se
recebesse permissão. Era uma das poucas regras da casa.
— É um verdadeiro lar —acrescentara a encarregada — Não é uma instituição de
caridade, Senhor Huxtable. Há muito poucas regras, e todas têm que ser primeiro propostas
pelos residentes e depois submetidas a votação.
— Talvez pareça um método destinado ao caos, e eu tinha minhas dúvidas quando Sua
Excelência insistiu que assim fosse, mas devo confessar que por algum motivo funciona às
mil maravilhas. Suponho que as pessoas são menos propensas a burlar as regras que elas
mesmas impõem, ao contrário do que acontece com as regras impostas por alguma figura
despótica completamente alheia por ela.
Deteve-se em várias ocasiões para conversar com os anciões enquanto passeava e
também com alguns membros do pessoal que atendia as necessidades deles.
A Duquesa continuava escutando o velho Cavalheiro com seus netos imaginários
quando retornou ao andar térreo. Tinha-o pegado por uma mão e o olhava com muita
atenção.
Na vez seguinte que a viu, estava em uma estufa cheia de plantas, dando de comer
com infinita paciência a uma anciã de olhar perdido, e nessa ocasião era ela quem falava,
sorria e gesticulava como se a mulher pudesse entendê-la e replicar. Quem poderia dizer o
contrário? Talvez a entendesse. Pouco depois a viu no terraço que havia junto à estufa,
passeando pelo braço de um ancião muito magro. Tinha a cabeça inclinada para ele e ria. O
ancião se deteve para olhá-la e também se pôs a rir.
À medida que uma pessoa se fazia mais velha, pensou Constantine, mais simples era
acreditar que todas as vidas estavam traçadas desde o início, que todas as coisas aconteciam
por um motivo. Não por obra do destino exatamente. Porque nesse caso não haveria
capacidade para o livre arbítrio e a vida se converteria em uma farsa. Mas sim era verdade
que uma força invisível conduzia cada pessoa para a lição que precisava aprender, para a
vida que devia levar, para a plenitude que tinha que alcançar. E talvez para a felicidade
suprema. Os desastres da vida, uma vez que se olhava para trás, podiam considerar-se
frequentemente verdadeiras bênçãos.
Tinham quebrado o coração da Hannah aos dezenove anos, de um modo
especialmente cruel. Perdera ao mesmo tempo o homem que amava, o futuro que planejara
com ele e a confiança que depositara em sua única irmã. E seu pai tinha falhado, embora o
homem se achasse de repente em uma situação muito difícil. E depois se casara com alguém
muito mais velho, com idade para ser seu avô, que morreu dez anos depois, quando a flor da
juventude a tinha abandonado.
Entretanto, durante todo esse processo não só tinha aprendido a proteger-se daqueles
que queriam aproveitar-se de sua beleza ou que a invejavam sem ver a pessoa que havia por
162
trás dela, e a controlar sua vida em vez de deixá-la em mãos de outras pessoas que depois
acabariam culpando-a por ser tão bonita e tão vulnerável. Também descobriu o que
possivelmente fosse o verdadeiro propósito de sua vida, um profundo amor pelos que eram
mais necessitados que ela, em especial pelos anciões.
E essa descoberta tinha libertado essa parte de seu ser que talvez tivesse permanecido
oculta atrás de sua beleza ou depois de seu casamento com Young, caso se casassem. Uma
parte de seu ser que, tinha muita certeza, era muito mais terna e vital que a pessoa que foi
quando se comprometera com Sir Colin Young.
Ao longo dos últimos onze anos, a vida da Duquesa tinha seguido um caminho muito
bem esboçado, coisa que jamais teria imaginado nem planejado doze anos antes. Esses anos
não foram um lapso em sua vida, não tinham significado a perda de sua juventude. Ao
contrário, foram uma parte integral de tal vida e uma juventude muito bem investida. Não
foi uma coincidência que Hannah descobrisse a verdade a respeito de seu noivo e de sua
irmã nessas bodas em concreto, nem que Dunbarton tivesse ido e se escondido na sala onde
ela procurou o consolo de seu pai. Tudo foi como uma representação teatral disposta de
antemão.
Uma representação orquestrada pelo professor dos produtores. Com um enredo que
não estava acabado.
É claro, Hannah continuava tendo medo. Medo de acabar escondendo-se atrás da
máscara de sereia que era a Duquesa de Dunbarton. Entretanto, isso fazia parte do caminho
esboçado. Continuava frágil. Como se fosse uma pessoa apanhada em um edifício em
chamas que se aferrasse à cornija de um dos andares superiores, dava medo dar esse último
salto para a segurança da manta que seguravam em pé na rua.
Necessitava que dessem tempo para fazê-lo a seu ritmo, quando estivesse preparada.
Mas quem era ele para julgá-la?
Além disso, seria uma lástima que a Duquesa de Dunbarton desaparecesse por
completo. Era uma criatura magnífica e fascinante.
Nesse momento retornou ao interior com o ancião e, ao vê-lo ali em pé, deu de
presente um cálido sorriso.
— Quer sentar-se um momento na estufa para desfrutar do sol, Senhor Ward? —
perguntou ao homem.
— vou me retirar ao meu aposento para descansar um pouco — respondeu o aludido
— me esgotou, Senhorita Hannah. Acho que vou dormir e sonhar com você e que volto a ser
um homem jovem, como este Cavalheiro.
— Conhece o Senhor Huxtable? — quis saber ela — veio comigo. É meu amigo.
— Senhor — Con saudou-o inclinando a cabeça — Quer que o ajude a chegar ao seu
quarto?
— Posso chegar sozinho, jovem — assegurou o Senhor Ward — só tem que me dar a
bengala que está apoiada nessa cadeira. Agradeço sua amabilidade, mas eu gosto de fazer as
coisas sozinho, enquanto puder. Poderia ter dado o passeio com minha bengala, mas não ia
163
recusar fazê-lo pelo braço de uma dama, não é? Muito menos depois de ter sido um humilde
estivador.
Soltou uma gargalhada e Con sorriu.
— É hora de ir — disse a Duquesa enquanto o ancião se afastava devagar — Espero
que não tenha se aborrecido.
— Absolutamente — afirmou.
Dez minutos depois voltavam a cavalo para Copeland Manor. Não falaram até que
deixaram para trás o prado, fecharam o portão e se internaram no pasto.
— Duquesa, acho que essa casa está cheia de gente feliz — disse.
Ela se voltou para olhá-lo com um sorriso.
— A Senhora Broome é a encarregada perfeita — comentou — E seu pessoal é
magnífico.
E ela era feliz quando se achava nessa casa, pensou Con.
O matrimônio com o velho Duque era o que a levara até ali.
Uma vida traçada.
No caso de Jon, sua vida o tinha conduzido até Ainsley Park, embora não tivesse vivido
para vê-lo.
E em seu caso? Tinha chegado ao mundo dois dias antes do tempo, antes que seus pais
se casassem, com o fim de nascer ilegítimo e não poder herdar o título? Tinha encontrado
dessa forma um propósito muito mais profundo e proveitoso que se tivesse convertido em
Conde de Merton? Estava melhor, era mais feliz que se sua vida tivesse sido outra? Era uma
ideia esmagadora.
Depois de tudo, talvez as circunstâncias de seu nascimento não tivessem embaciado
toda sua vida. Talvez a secreta relação que mantinha com o sonho de Jon era justo o que a
vida devia lhe proporcionar. Talvez se tivesse se beneficiado de Ainsley Park na mesma
medida que as pessoas que passaram por lá.
— Está muito pensativo — a ouviu dizer.
— Absolutamente. É meu aspecto mediterrâneo.
— Que é esplêndido, por certo — replicou ela, com um tom mais próprio da antiga
Duquesa — Sem seu aspecto, é impossível parecer tão pensativo.
Suas palavras arrancaram uma gargalhada.
Cavalgaram mergulhados em um silêncio cômodo até que se aproximaram de
Copeland Manor.
— Agora vou levá-lo por outra rota — disse ela — Quero que veja algo.
— Outro projeto? — perguntou Constantine.
— Melhor não — respondeu — Justamente o contrário. É um capricho em toda regra.
E em vez de entrar na propriedade e tomar a rota mais curta para a casa, rodearam
pelo perímetro de modo que se afastaram bastante da Mansão, segundo seus cálculos.
— A partir deste ponto é melhor ir caminhando — disse ela depois de deter sua
montaria — e levar os cavalos pelas rédeas.
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Antes que pudesse desmontar para ajudá-la, Hannah já o tinha feito. Deu uns tapinhas
no focinho do cavalo, enganchou-se as rédeas em uma mão e passou a internar-se entre as
árvores. Seguiu-a e depois teve a sensação de achar-se no meio do nada, muito longe da
civilização.
Hannah se deteve afinal e ergueu o rosto para os altos ramos que tinha por cima.
Ficaram mais de cinco minutos sem dizer nada.
— Preste atenção e me diga o que escuta — disse ela.
— Silêncio? — comentou ao cabo de um momento.
— Não! — exclamou ela — Nunca há silêncio absoluto, Constantine, e a maioria das
pessoas nunca o aceitaria se houvesse. Parece-me que seria aterrador, como a escuridão
absoluta. Seria uma espécie de vazio. Tente de novo.
E nessa ocasião escutou um sem fim de sons, a respiração de seus cavalos, os gorjeios
dos pássaros, o zumbido dos insetos, o movimento das folhas balançadas pela suave brisa, o
distante mugido de uma vaca e outros sons da natureza que não conseguia identificar.
— É o som da paz — sussurrou ela pouco depois.
— Acho que tem razão.
— O atalho agreste, em caso de que houvesse algum, passaria por aqui — Seguiu
Hannah — o lugar é perfeito para esse tipo de traçado. Haveria bancos, construções
ornamentais, coloridas plantas, vistas e só Deus sabe o que mais. Seria fácil de transitar e
lindo. Mas não seria um lugar sereno. Não tanto como é agora. Agora mesmo fazemos parte
deste lugar, Constantine. Não somos uma espécie dominante. Não o controlamos. Já há
bastante controle em minha vida. Aqui venho em busca de paz.
Con atou as rédeas a um ramo baixo e tirou as suas da mão para fazer o mesmo. Em
seguida, pegou-a pelo braço, a fez virar até que apoiou as costas dela no tronco de uma
árvore e se juntou a ela. Tomou o rosto entre as mãos e a beijou na boca.
Maldição , estava apaixonado por ela!
Acreditou-se a salvo com ela. Mais a salvo que com qualquer outra amante. Tomara-a
por uma mulher vaidosa e superficial. A seu lado só esperava achar luxúria e paixão.
Havia luxúria a cestas.
E paixão, certamente que sim. Mas não estava a salvo absolutamente. Porque era mais
que luxúria.
Dava medo admitir que pudesse ser muito mais.
A Duquesa devolveu o beijo, jogou os braços no seu pescoço e em questão de
segundos já não estava apoiada na árvore, senão entre seus braços, e os beijos se tornaram
mais urgentes e febris. Deu uma olhada ao chão do bosque e se deu conta de que como
cama seria tão incômodo como qualquer outro chão. Segurou-a pelo traseiro e a juntou a sua
ereção. Ouviu a suspirar contra sua boca antes que afastasse a cabeça.
— Constantine, seria uma falta de respeito para meus convidados que fizesse amor
com você em Copeland Manor.

165
— Fazer amor? — Repetiu, olhando com eloquência o chão — Nesta cama? Acho que
não. Só reclamei o meu prêmio. E admito que foi um prêmio muito generoso. Estarei
encantado de desafiá-la em outra corrida, quando quiser, Duquesa.
— Da próxima vez eu montarei Jet e você montará Clover. E veremos quem ganha.
— Nem em um milhão de anos. E se ganhar, se lhe permitir ganhar, que prêmio
reclamará? — Olhou-a com um sorriso indolente.
— Se me permitir ganhar? — De repente, voltava a ser a altiva Duquesa — se me
permitir isso, Constantine?
— Esquece o que disse — disse — Que prêmio reclamaria?
— Iria obriga-lo a publicar uma nota na imprensa londrina na qual informaria à alta
Sociedade que a Duquesa de Dunbarton ganhou de você em uma corrida equestre por seus
próprios méritos, não porque você deixou.
— Iria me converter em um bobo?
— Se um homem tiver medo de que uma mulher o ganhe alguma vez, não é digno dela
em nenhum sentido. Nem sequer como seu amante.
— Acaba de me pôr em meu lugar, Duquesa — comentou — Assim que peço
humildemente perdão. Estou perdoado?
Hannah se pôs a rir e o estreitou com força enquanto voltava a beijá-lo.
— Alegro-me de que estejamos aqui — disse — Cada vez sou mais consciente de que a
vida rural me faz mais feliz que a vida na capital. Estou desfrutando muito destes dias. E
você?
— Bem, a verdade é que estão sendo uns dias muito sem sexo, mas de qualquer
forma, estou passando bem.
Abraçou-a pela cintura com mais força, levantou-a do chão e a fez virar um par de
vezes antes de soltá-la de novo e olhá-la com um sorriso. Efetivamente, para sua desgraça
não havia sexo.
Nesse caso, por que se sentia tão animado? Tão... Feliz?
Olharam-se um bom tempo e de repente a tensão das palavras que tinham deixado
sem pronunciar crepitou no ar. Umas palavras que Constantine temia pronunciar se por
acaso depois descobrisse que se apressara. Umas palavras que ela poderia ter pronunciado
em voz alta, mas que não disse.
Estaria imaginando que ela tinha algo para dizer?
Haveria algo mais que a simples euforia de estar apaixonado?
Não sabia. Nunca esteve apaixonado.
E não estava familiarizado com esse algo mais, com o amor que excedia a euforia. Com
esse sentimento supostamente eterno.
Como se sabia que tinha chegado a esse sentimento?
As dúvidas fizeram com que não pronunciasse as palavras. Ao menos da parte dele. E
talvez também da dela. Voltaram a pegar as rédeas e caminharam entre as árvores até sair
a campo aberto em um dos extremos do lago.
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Andavam cotovelo com cotovelo, embora teria sido mais fácil caminhar em fila. Foram
de mãos dadas. Com os dedos entrelaçados.
Era muito mais íntimo que um abraço.

Hannah não tinha planejado nada em concreto para essa noite. Supunha que seus
convidados agradeceriam por uma noite tranquila na qual fariam o que quisessem.
Entretanto, Marianne Astley sugeriu jogar charadas depois que os Cavalheiros se reunissem
às damas no salão, após o jantar, e todo mundo ficou encantado de participar.
Estiveram jogando um par de horas até que alguns convidados desistiram e declararam
sua intenção de limitar-se a observar.
Lady Merton se aproximou de Hannah.
— Se não se importar, vou sair ao terraço em busca de ar fresco — disse Cassandra ao
mesmo tempo em que assinalava as janelas francesas que estavam abertas — quer me
acompanhar?
Hannah deu uma olhada ao redor. Sua presença não seria necessária durante um bom
tempo.
Barbara, ruborizada e sorridente, interpretava nesse momento uma frase para sua
equipe, cujos membros gritavam suas respostas, arrancando gargalhadas e alguns
comentários inteligentes aos da equipe contrária.
— Faz um pouco de calor aqui, sim — concordou.
O terraço era fresco, mas não era tão desagradável sobre os braços nus para fazê-las
retornar ao interior em busca de seus xales.
Lady Merton pegou seu braço enquanto passeavam pelo terraço, inclusive desceram
ao prado, mas não se afastaram muito, só até onde chegava a luz procedente do salão.
— A Senhorita Leavensworth é uma dama encantadora — disse Cassandra — Antes
nos contou que vocês são amigas de toda a vida.
— Sim — replicou Hannah — tive muita sorte.
— Mas vive muito longe de você grande parte do ano — continuou a Condessa — É
uma pena. Minha melhor amiga foi minha preceptora durante uma época de minha vida e
depois se converteu em minha dama de companhia. Mas foi minha amiga todo tempo, a
única pessoa em quem podia confiar por completo. Casou-se o ano passado, justo antes que
Stephen e eu. É um matrimônio por amor, pelo que me alegro muito, e vivem em Londres
quase todo o ano. Mesmo assim, sinto falta dela. As amigas íntimas precisam estar perto.
— Eu estarei eternamente agradecida aos inventores do papel, da tinta, da pena... E da
escrita — disse Hannah.
— Certo — concordou Cassandra — Mas na primavera passada me teria sentido muito
só se não tivesse contado com a companhia constante de Alice. Eu era viúva, todo mundo
achava que tinha assassinado meu marido, e a família de meu falecido marido me dera às
costas como meu irmão, embora tenha sido só por um tempo.
167
Nesse momento Hannah percebeu que não era uma conversa superficial.
— Sentia-me sozinha até contando com a companhia de Alice — prosseguiu a
Condessa — Até que conheci Stephen, é claro, e sua família me adotou. Como se pode
imaginar, não me aceitaram de boa vontade de primeira. Mas suas irmãs são umas mulheres
únicas. Cresceram em um vilarejo muito humilde, quase na pobreza, e parecem mais aptas
que o resto da alta Sociedade, na hora de analisar um assunto e reparar no verdadeiramente
importante. E muito mais capazes de mostrar compaixão, compreensão e amizade
verdadeira.
— Teve muita sorte, Lady Merton — disse.
— Pode me chamar de Cassandra se quiser — sugeriu a aludida.
— Cassandra — repetiu — É um nome lindo. Sou Hannah.
Detiveram-se e ambas olharam a lua, que acabava de sair por trás de uma nuvem.
Estava em quarto minguante e parecia um pouco torcida.
— Hannah — disse Cassandra — Cometemos um erro.
— Como diz? — perguntou.
— Stephen e suas irmãs nem sequer sabiam da existência de Constantine até que
chegaram a Warren Hall e o conheceram — Seguiu a Condessa de Merton — Amaram-no
desde o começo e se compadeceram muito dele, porque acabava de perder seu único irmão.
Entenderam que para ele devia ser muito difícil ver como se apropriavam de seu lar e ver
como Stephen herdava o título que até fazia pouco tinha pertencido ao seu irmão. E depois
havia todo esse assunto de ter nascido dois dias antes do tempo, de modo a não poder
herdar. Constantine é um homem muito reservado e misterioso, e mantém uma longa rixa
com Elliott, que também se estende a Vanessa, mas os outros o querem muito e só desejam
vê-lo feliz.
— Não tenho intenção de me casar com ele — assegurou Hannah sem afastar o olhar
da lua — Nem de romper seu coração. Temos uma aventura, Cassandra. Estou certa de que a
família estará a par, mas o coração não tem nada a ver.
Não sabia se era de todo certo, mas no caso de Constantine, certamente era assim, e
isso era o único que importava a sua família. Embora essa tarde...
— Mas esse é o problema — respondeu Cassandra com um suspiro — Estávamos
preocupados, Hannah. Embora Constantine tenha mais de trinta anos e é mais que capaz de
se cuidar, você é diferente de outras mulheres. Acreditávamos que era muito possível que
brincasse com seus sentimentos, que o humilhasse e que inclusive fizesse mal a ele. Não
achamos necessário protegê-lo de você, teria sido absurdo, mas acreditamos que era
necessário demonstrar nosso repúdio sempre que fosse possível.
— E por isso recusaram meu convite — indicou — Estava em seu direito. Não temos
por que aceitar convites que não queiramos. Eu jamais aceito. O Duque me ensinou a
demonstrar minha firmeza nesse tipo de situações. Ensinou a não sofrer um aborrecimento
desnecessário e a não aguentar idiotas por obrigação, quando não há obrigação alguma. Não

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me deve uma explicação sobre os motivos de sua negativa a vir, nem tampouco sobre os que
os levaram a mudar de opinião depois.
— Hannah, as pessoas me julgaram muito mal quando cheguei a Londres no ano
passado, deram-me as costas — respondeu Cassandra — Não há nada pior que isso, por
muito que uma pessoa se diga que não importa. Em seu caso, a Sociedade não lhe dá as
costas. Justamente o contrário, de fato. Mas sim a julga mau.
— Talvez me interesse que as pessoas me julguem mal — replicou Hannah ao mesmo
tempo em que levava a Condessa para um banco situado sob um carvalho próximo — me
consola um pouco saber que tenho um pouco de intimidade, inclusive na situação mais
pública, que me posso esconder a plena vista.
Sentaram-se e Cassandra soltou uma gargalhada.
— Além do que já contei: Quando cheguei a Londres no ano passado estava arruinada
— disse — e tinha outras pessoas a meu encargo. Decidi que a única maneira de sobreviver
era procurar um homem rico que me mantivesse. E por isso fui a um baile para seduzir
Stephen, que me parecia um anjo. Cometi o erro de acreditar que os anjos são por definição,
fracos e fáceis de dirigir... Mas essa é outra história. Lembro que estava no salão de baile,
rodeada por um espaço vazio. Aos olhos dos outros, foi um escândalo que tivesse ido sem
convite, e esse atrevimento me tinha tão mortificada que ardia no desejo de que me
engolisse a terra. Entretanto, tirei forças do fato de que ninguém me conhecia de verdade,
de que ninguém conhecia a pessoa que se ocultava por trás da fachada da assassina do
machado, ruiva que todo mundo via.
— Mas o Conde de Merton dançou com você — ela recordou.
— Essa também é outra história — disse Cassandra — Eu melhor que ninguém deveria
me ter dado conta ao vê-la a princípios da primavera de que não estava vendo a verdadeira
Duquesa de Dunbarton.
— Aí se equivoca — replicou — Eu sou a Duquesa de Dunbarton. Casei-me com o
Duque com dezenove anos, e as pessoas sempre acreditarão que se casou comigo por minha
juventude e minha beleza e que eu me casei com ele por seu título e sua riqueza, fui sua
esposa. E agora sou sua viúva. Ensinou-me a ser uma Duquesa, a manter a cabeça bem alta, a
controlar minha vida e a não deixar que ninguém se aproveitasse de mim, por minha beleza
ou por qualquer outro motivo. Eu gosto da pessoa que ajudou a criar, Cassandra. Sinto-me
confortável como a Duquesa de Dunbarton.
— Expressei-me mal — respondeu a Condessa — Queria dizer que ao olhá-la, deveria
me ter dado conta de que não estava vendo-a por completo. Embora tenha muito presente
que no fundo não a conheço absolutamente, claro. Entretanto, Margaret nos contou quão
amável foi com o avô de Duncan quando foi vê-la em Claverbrook House e que se despediu
dele com um beijo na face. E também nos contou que convidou nossos filhos à festa
campestre, apesar de todos termos recusado o convite. E durante estes dois dias, vi uma
faceta sua que ninguém pode ver quando está na cidade. É uma pessoa amável, hospitaleira,

169
generosa e carinhosa, Hannah, e queria que soubesse que me apressei ao julgá-la. Todas nós
queríamos que soubesse.
— Isso quer dizer que a escolheram para ter esta conversa comigo? — perguntou
Hannah, sem ter muito claro se a situação era divertida ou se sentia um pouco doída.
— Absolutamente — respondeu Cassandra — Mas sim é verdade que falamos do
assunto longa e extensivamente, enquanto você e Constantine estavam fora, aproveitando
que as crianças estavam dormindo ou brincando. E chegamos à conclusão de que devíamos
achar o modo de dizer que estamos muito arrependidas de tê-la recusado com tão poucas
provas.
— Não têm por que se sentirem obrigadas a fazer isso — replicou.
— Claro que não — concordou a Condessa — Mas todas queremos oferecer nossa
amizade, se a aceitar, depois de um começo tão acidentado.
— Com a condição de que não faça mal a Constantine? — perguntou.
— Esse assunto não tem nada a ver com isto — assegurou Cassandra — Constantine
pode se cuidar sozinho. E já sabemos que não é o tipo de pessoa capaz de brincar com seus
sentimentos ou de humilhá-lo. Se ele der por terminada a relação no final da temporada ou
se você o fizer, ou se separam de mútuo acordo, é um assunto que só concernirá a vocês
dois. Mas acredito que eu gostaria de tê-la como amiga, Hannah, e Margaret e Katherine são
da mesma opinião. E se serve de algo, Vanessa nos disse na semana passada que sempre a
agradou e que sempre a admirou, que era muito paraa Constantine. — A Condessa soltou
outra gargalhada.
Isso teria que acabar, essa rixa absurda, pensou Hannah.
O Duque de Moreland teve parte de culpa ao tirar conclusões precipitadas sobre seu
primo, que também era seu melhor amigo, e ao acusá-lo de delitos espantosos, é claro. Mas
Constantine também era culpado de ter-se ofendido até tal ponto que nem sequer tentou
explicar que mau o tinha julgado.
Quão mau o julgaram.
Outra vez esse conceito.
Acabavam de oferecer a amizade de três mulheres que estava convencida de que
agradariam. Talvez de quatro. A Duquesa de Moreland havia dito que a admirava e a
agradava.
E aparentemente estavam oferecendo uma amizade incondicional.
—Alguéns nos descobriram — anunciou Cassandra, de modo que Hannah ergueu a
vista e viu que o Conde de Merton e Constantine cruzavam o prado para elas — Um anjo e
um demônio. Assim foi como os qualifiquei a primeira vez que os vi durante um passeio pelo
Hyde Park no ano passado. E Stephen é um verdadeiro anjo.
Deu um salto o coração... Embora acabava de ver Constantine no salão há menos de
quinze minutos. A abstinência estava fazendo estragos com suas emoções. Não só porque
ansiava fazer amor, que era verdade, mas sim porque a obrigava a pensar em sua relação. E
não gostava do rumo que estavam tomando seus pensamentos.
170
Enfim, gostava sim, mas...
Mas o que ele esteve a ponto de dizer no bosque essa tarde, por mais que no fim
tivesse guardado silêncio? Foi mais que evidente que tinha as palavras na ponta da língua.
Assim como ela.
No final acabaria destroçada. Fazia mal ao acreditar que podia brincar com fogo sem se
queimar. Ou que talvez não acabasse destroçada. Talvez...
— Viemos em busca de felicitações por ganhar — disse o Conde quando estiveram
bastante perto para que o escutassem — Embora aqui as damas presentes não tenham sido
testemunhas da vitória.
— Os perdedores nos acusaram de ganhar só porque tínhamos à Senhorita
Leavensworth em nossa equipe. Mas isso soa a pura inveja.
— Eu estava na equipe perdedora — recordou Cassandra — Não acredito que nenhum
de meus companheiros sejam invejosos. E qualquer equipe que conte com a Senhorita
Leavensworth em suas filas teria uma vantagem injusta.
— Ah! Por Deus! — Exclamou seu marido — Cass, não está sendo objetiva. Assim será
melhor que mudemos de assunto antes de chegar aos punhos. — Colocou um pé no banco
junto a sua esposa e apoiou um braço na perna levantada.
Constantine apoiou um ombro no tronco da árvore, junto a ela, e cruzou os braços
diante do peito.
— Que maravilhoso é este silêncio — comentou o Conde de Merton ao fim de um
momento.
— Não há silêncio, Stephen — contradisse-o Constantine — se prestar atenção,
escutará o sussurro do vento entre as árvores, o gorjeio de um rouxinol e as risadas
procedentes do salão, entre outros sons. Todos contribuem à sensação de paz e bem estar.
Hannah me ensinou isso esta tarde enquanto dávamos um passeio pelo bosque.
Todos aguçaram os ouvidos.
Salvo Hannah.
Acabava de chamá-la por seu nome de batismo. Pela primeira vez.
Ali estava ela, fazendo parte de um grupo relaxado, desfrutando da calidez do
momento. Não se achava no centro, como uma rainha rodeada de sua corte, como
costumava acontecer.
Era parte dele.
Se evitasse os últimos vestígios de suas defesas, até podia acreditar que fazia parte de
um grupo composto por dois casais.
Apertou as mãos com força sobre seu colo. Era incapaz de abandonar totalmente suas
defesas. A potencial dor da perda e a possibilidade de acabar com o coração destroçado,
seria muito para ela.
O outro casal estava casado. Seu filho recém-nascido dormia no quarto infantil.
Quando acabasse a festa campestre, retornariam a Londres juntos.
Quando acabasse a primavera, retornariam para casa juntos.
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Inclusive nessa noite dormiriam abraçados.
— Tem toda a razão do mundo, Con — disse o Conde depois de uns minutos e parecia
surpreso.
Constantine pôs uma mão em um ombro.
Hannah tinha vontade de chorar.
Ou de ficar em pé de um salto e começar a dançar sob a luz da lua.

CAPÍTULO 17

Na manhã seguinte todos os convidados pareciam muito emocionados pela festa


infantil que se faria a tarde, inclusive os que não tinham filhos.
Depois do café da manhã, alguns Cavalheiros, liderados pelo Senhor Park, saíram para
sinalizar um campo de criquet não muito longe do lago.
Julianna Bentley e Marianne Astley partiram com Katherine, que não estava muito
pálida, para reclamar um lugar em um suave declive situado justo ao lado do prado onde se
fariam as corridas.
Barbara Leavensworth encabeçou um comitê criado por ela mesma com o fim de
planejar uma caça ao tesouro. Lawrence Astley e Sir Bradley Bentley se ofereceram para
experimentar o barco, que foi pintado e reparado no ano anterior, mas que na realidade
nunca se usara.

172
Jasper, Lorde Montford, levou as crianças maiores para montar a cavalo com a
intenção de tirá-los um pouco do meio. Algumas mães, acompanhadas por Stephen e pelo
Senhor Finch, ficaram no quarto infantil para entreter os menores.
Um total de vinte e duas crianças de várias idades procedentes dos arredores
chegariam pouco depois do almoço. Seus pais também estavam convidados a tomar o chá ao
ar livre, junto ao lago.
Hannah estava na cozinha consultando-se com a cozinheira, algo desnecessário na
opinião de Con. Ela era a mais emocionada de todos. Durante o café da manhã estava
resplandecente. Tinha as faces ruborizadas e os olhos brilhantes.
Ia a caminho para experimentar o barco com Bentley e Astley, mas teve que atrasar-se
pela chegada de uma carta remetida pelo Harvey Wexford. O carimbo era de Londres.
Poderia ter adiado a leitura, mas como acabava de receber um informe de Ainsley Park
uns dias antes, não esperava receber outro tão cedo. A curiosidade ganhou a partida, assim
se deteve no terraço para lê-la.
Hannah o achou ali mesmo quando saiu do salão pelas portas francesas. Sua intenção
era ir ao lago para ver como iam os preparativos.
Con a olhou com um sorriso e dobrou a carta.
— Sua cozinheira tem tudo sob controle? — perguntou.
— É claro. Ofereceu-me um quente recebimento e me convidou a ficar desde que não
me internasse muito em seus domínios nem a estorvasse. — Soltou uma gargalhada e o
olhou.
Depois olhou o ocupado grupo que se achava um pouco afastado da casa. E depois
cravou o olhar na carta.
— aconteceu algo?
— Não, nada. — Voltou a sorrir.
Hannah se sentou no banco, a seu lado.
— Constantine — disse — O que aconteceu? Insisto que me conte.
— Ah, sim, Duquesa? — replicou, olhando-a com os olhos entrecerrados.
Ela se limitou a olhá-lo em silêncio.
— Assim é impossível manter uma relação — disse ao final.
— A nossa é uma relação? — respondeu ele — Deitamos juntos e nos satisfazemos um
ao outro. Não acredito que isso possa catalogar-se como uma relação.
Hannah o olhou com expressão inescrutável durante um bom momento.
— Deitávamos — disse ela — Satisfazíamos um ao outro. No passado.
Ficou em pé e se pôs a andar em direção ao lago sem pronunciar mais outra palavra e
sem olhar atrás.
Tinha-o gravado na medula dos ossos, não é verdade? Ele se perguntou.
Tinha gravada a profunda necessidade de proteger-se de qualquer dano recorrendo à
introversão. Desde sua mais tenra infância, conforme recordava foi consciente de que não
cumpria as expectativas, de que não era adequado. Tinha abandonado o ventre de sua mãe
173
muito antes, duas semanas antes do esperado, dois dias antes que seu pai pudesse comprar
uma licença especial e se casar com sua mãe. Sua mãe o reprovara, talvez com o
convencimento de que era muito pequeno para entendê-la, que se tivesse esperado um
pouco para nascer quando devia, suas gravidezes anuais, seus abortos e seus partos
prematuros não teriam sido necessários. Seu pai o tinha reprovado, quando era mais que
evidente que era bastante grande para entendê-lo, que os fracassos de sua esposa não
seriam tão fastidiosos se tivesse esperado uns dias mais para nascer como filho legítimo. Até
sua boa saúde foi um defeito. Porque responsabilizava seus pais de seus contínuos fracassos,
para engendrar um herdeiro são e legítimo.
E depois havia Jon, a quem tinha odiado porque ele é quem teria feito melhor papel
como Conde de Merton à morte de seu pai. E o incomensurável amor que sentia por ele. E a
culpa de sentir ódio quando Jon só queria amor. Quando ele só dava amor.
E depois chegou a necessidade de proteger o ambicioso plano de Jon para Ainsley
Park, de assegurar-se que nada, nem ninguém o deteriam, pelo simples motivo de que aos
olhos do mundo era um imbecil. E a negativa de incluir Elliott no segredo, porque seu
primo, surpreso pela precipitação com a que tinha herdado o título de seu pai e suas
responsabilidades, certamente teria escolhido proteger Jon dele.
E depois se produziu a terrível traição de Elliott, suas acusações em vez de suas
perguntas.
Claro que, teria respondido a tais perguntas com sinceridade se as tivesse formulado?
Talvez não. Provavelmente não. De qualquer forma, Elliott teria sentido a necessidade de por
fim ao plano de Jon. Teria considerado oportuno proteger a propriedade, mantê-la intacta.
Nisso consistia o trabalho dos tutores legais.
O problema não era que Elliott carecesse de coração, mas sim depois da repentina
morte de seu pai, tinha submetido tal coração ao dever. Ao menos naquela época. Porque
desde que se casara com Vanessa parecia tê-lo redescoberto. Claro que o dano já
acontecera.
Jon estava morto, e uma amizade de toda a vida tinha acabado destroçada.
De modo que o segredo e a introversão se converteram em parte de sua natureza. E
nesse momento acabava de ser cruel com alguém que não merecia sua crueldade.
Deus santo, amava-a!
Grande forma de demonstrar. Fazia também parte de sua natureza a crueldade e o
desapego? Tanto se parecia com seu pai? Ele ficou em pé para segui-la. Entretanto, não
percebeu que Hannah dera meia volta e estava quase diante dele.
— Sinto muito — se desculpou.
— Não só nos deitamos, Constantine — o corrigiu ela — Não só nos satisfazemos um
ao outro. Há muito mais, queira admitir ou não. Não vou por um nome. Não estou certa de
poder fazê-lo. Mas há mais, e não suporto que me mantenha às cegas, quando se trata da
dor mais enraizada em seu coração. Você conhece a minha. Mas em caso de não ter sido
muito explícita a respeito, esclareço isso agora. Cresci odiando minha beleza porque me
174
distanciava das pessoas a quem só queria amar. Minha irmã me invejava, embora eu
passasse a vida tentando não dar motivos e ao final me fez um dano terrível, talvez porque
eu o fiz antes a ela. Talvez sempre quisesse Colin. Ou talvez o quisesse só porque o amava e o
consegui. Meu pai se achava entre as duas e não soube o que fazer depois de minha mãe
morrer, assim, acabou me defraudando de uma forma espantosa ao ficar do lado de Dawn,
quando deveria ser claro que era ela quem se comportou mau, que acabava de me destroçar
o coração. Sim, reconheço, talvez não sejam vilões de livro, nem sequer Colin! Talvez todos
achavam que estavam fazendo e dizendo o correto. Quem sabe? Mas deveriam ter tido em
conta meus sentimentos, deveriam ter considerado que eu era tão frágil como a jovem mais
feia do mundo, porque a beleza não é um repelente contra a dor e o sofrimento. Estou
agradecida a Deus e não pronuncio seu nome em vão, por ter me dado Barbara, que me
apoiou e me amou durante toda minha vida, e por me ter dado o Duque, que foi capaz de ver
além de meu físico e de reconhecer à menina assustada e destroçada que perturbava a paz
que tinha procurado naquela biblioteca com seus indignos e escandalosos soluços.
— Duquesa... — disse.
— Ensinou-me a resgatar, a cuidar e a fortalecer à pessoa destroçada que vivia em
meu interior para que voltasse a ser forte — Seguiu ela — me ajudou a voltar a me valorizar
e me querer, sem vaidade, senão aceitando à pessoa que existia na realidade por trás desse
físico que sempre tinha atraído os outros de uma forma tão superficial. Assegurou-me que
podia voltar a amar, e de fato amei, e que podia confiar no amor, como acabei confiando no
seu. Ainda sou um pouco frágil, mas estou pronta para estender outra vez as asas. Essa era
minha dor, Constantine. Segue sendo minha dor. Por trás da invulnerável armadura da
Duquesa de Dunbarton, há uma pessoa que bate as asas com insegurança.
Con engoliu em seco para desfazer o nó que tinha na garganta.
— O sonho de Jon está a ponto de converter-se em um pesadelo — disse ao mesmo
tempo em que segurava a carta, que ainda tinha na mão — Jess Barnes, um dos
trabalhadores de Ainsley Park, que sofre um atraso mental, deixou aberta uma noite a porta
do galinheiro. Com a má sorte, entrou uma raposa e matou dez ou doze galinhas. Meu
administrador assegura que a reprimenda não foi muito dura, Jess se esforça tudo o que
pode para fazer as coisas bem e é um dos trabalhadores mais diligentes da granja. Mas
Wexford disse que eu levaria uma decepção ao me inteirar de seu descuido. De modo que na
noite seguinte Jess entrou no galinheiro de meu vizinho mais próximo e roubou quatorze
galinhas. E agora está consumindo-se no cárcere, apesar das galinhas terem sido devolvidas
sãs e salvas, junto com seu valor monetário como compensação e com Jess se desculpando
entre lágrimas. Esse vizinho em particular não nos viu nunca com bons olhos, nem ao meu
projeto nem a mim. Jamais perde a oportunidade de se queixar por algo. E agora tem as
provas que necessita para demonstrar que o projeto supõe um grande risco e que está
condenado ao fracasso.
Hannah tirou a carta e a deixou na mesa, depois pegou as mãos dele. Não se dera
conta do como as tinham frias até que notou o calor das suas.
175
— O que acontecerá ao pobre rapaz? — perguntou.
— O pobre rapaz tem quarenta anos mais ou menos — ele indicou — Wexford o
arrumará. Está claro que Jess não quis roubar, mas sim sua intenção era a de me agradar
emendando o erro que cometera. Além disso, Kincaid foi generosamente recompensado,
embora não o culpo por se zangar. O maior temor de meus vizinhos sempre foi a insegurança
de ter tão perto gente de má reputação. De qualquer forma, não suporto pensar que o pobre
Jess está no cárcere, sem saber sequer muito bem por que está ali. Será melhor que vá a
Ainsley Park quando voltarmos a Londres na semana que vem.
— Quer ir hoje? — ela sugeriu.
— Isso suscitaria muitas perguntas — respondeu olhando-a nos olhos — E quero
passar o resto do dia com você embora insista em que nos abstenhamos de... Satisfazer-nos
um ao outro.
Sorriu.
Mas Hannah não devolveu o sorriso.
— Obrigada, Constantine — disse pelo contrário. — Obrigada por me contar isso.
Maldição! Acabavam de encher os olhos de lágrimas, Por Deus!
Afastou as mãos das de Hannah com brusquidão e se voltou para pegar a carta de
Wexford. Esperava que ela não se desse conta. Isso era o que acontecia quando uma pessoa
se abria um pouco e se desafogava com alguém. Não deveria tê-la arrasado com seus
problemas. Muito menos quando estava preparando uma festa.
— Amo-o — a ouviu dizer.
Con voltou a cabeça com rapidez, esquecidas repentinamente as lágrimas, e a olhou,
perplexo.
— É verdade — sussurrou Hannah — Não tome como algo ameaçador. O amor não
impõe correntes ao ser amado. Está aí sem mais.
E com essas palavras se deu meia volta e atravessou o prado de novo. Nessa ocasião
não voltou.
Maldição!
Até que ponto seria idiota, todo assustado? Não seria fascinante para a alta Sociedade,
a notícia de que o amor dava medo ao próprio demônio? Apesar disso talvez ter um certo
sentido, do ponto de vista teológico, refletiu com sarcasmo.
Amo-o, Con. Quero-o mais que a ninguém no mundo. Quero-o muito, muito, muito.
Amém.
Essas foram as palavras do Jon a noite de seu décimo sexto aniversário. Na manhã
seguinte o achou morto.
Amo-o, acabava de dizer Hannah.
Fechou os olhos. E suplicou a Deus que Wexford tivesse conseguido tirar Jess do
cárcere a essas alturas. E foi uma oração de verdade. A primeira que rezava em muito, muito
tempo.

176
A festa infantil foi longa, caótica e espantosamente ruidosa.
As crianças se divertiram muito, salvo possivelmente o bebê de Cassandra e outro mais
que ainda não sabia andar. Ambos passaram a maior parte do tempo dormindo como se o
que estava acontecendo não tivesse nada de especial.
Os adultos pareciam um pouquinho cansados quando os vizinhos por fim levaram seus
filhos para casa depois de terem recolhido todos os brinquedos e os trastes para voltarem
com seus próprios filhos.
— Se depois de uma festa infantil — disse a Senhora Finch — se acaba tão cansado
que é impossível por um pé diante do outro sem fazer um grande esforço, é que a festa foi
um grande êxito. Sua festa foi magnífica, Excelência.
Todos riram, exaustos, para dar razão.
Hannah estava feliz e orgulhosa de si mesma enquanto se arrumava para o jantar por
volta de uma hora mais tarde. Envolveu-se nos jogos com as crianças durante toda a tarde
em vez de manter-se em um segundo plano, como poderia ter feito se tivesse exercido o
papel de anfitriã elegante. Inclusive tinha participado de uma corrida de três pernas
acompanhando uma menina de dez anos que não tinha parado de gritar em nenhum
momento, deixando-a um pouco surda do ouvido mais próximo e um tanto dolorida em mais
de um lugar pelas numerosas quedas que tinham sofrido. Estava feliz.
Confessara a Constantine que o amava e não se arrependia. Amava-o e era algo que
tinha que dizer. Não esperava nada em troca, ou ao menos tentava convencer-se disso.
Porque ao longo da vida se deixavam muitas coisas no tinteiro que, se dissessem, poderiam
supor um antes e um depois.
Havia dito que o amava.
Mal se tinham falado durante a tarde. E não porque queriam se evitar. Mais porque
tinham passado todo o tempo brincando com as crianças e falando com os vizinhos, de modo
que apenas se cruzaram.
Claro que Hannah tampouco se esforçara para se cruzar com ele. Sentia-se um pouco
envergonhada, na verdade. Sabia que Constantine não zombaria dela por confessar algo
assim, mas...
E se risse? Perguntou-se.
Não pensava dar mais voltas ao assunto. Era a última noite de sua festa campestre, e
embora com certeza todos estivessem cansados, tinha a impressão de que adorariam passar
uma relaxante noite no salão. Estava desejando relaxar com todos eles.
Além disso, tinha a impressão de que contava com umas amigas, que assim
continuariam sendo, uma vez que todos voltassem para Londres. Amigas além de Barbara, é
claro.
Tinha percebido tal amizade essa tarde. Com Cassandra e suas duas cunhadas, e
inclusive com a Senhora Park e a Senhora Finch. Tanto Lady Montford como a Condessa de
Sheringford tinham encontrado um momento para convidá-la para que as chamasse pelo
nome de batismo. A partir de então seriam Katherine e Margaret.
177
Tomara em Londres pudesse achar coragem para ser quem realmente era, além de se
mostrar como a Duquesa de Dunbarton.
A vida era complicada. E emocionante. E incerta. E... Enfim, valia a pena vivê-la.
— Adele, assim está perfeito — disse ao mesmo tempo em que voltava a cabeça de
um lado e ao outro para ver-se no espelho.
Levava o cabelo encaracolado e recolhido de forma muito simples. Tinha escolhido um
vestido de cor rosa escuro. A princípio pensou em descartar as joias, mas o pronunciado
decote da blusa necessitava algo para não parecer muito nua. Decidiu-se por um simples
diamante, autêntico nesse caso, que pendia de uma corrente de prata. Na mão esquerda
ficou seu anel mais prezado, seu presente de bodas, junto com sua aliança.
— Isso é tudo, obrigada — acrescentou e continuou olhando-se no espelho depois que
sua criada partiu.
Tal como costumava fazer de vez em quando, tentou ver-se como a viam outros. Em
Londres, é claro, assegurava-se de que outros a vissem de certo modo. Mas em Copeland
Manor? Tinha percebido amizade durante os últimos dias. Além do fato de ser a anfitriã,
havia se sentido como se ninguém a visse como alguém mais especial que o resto das damas.
Seria pela roupa? Não se tinha vestido de branco nenhuma só vez. Ou talvez fosse o
cabelo? Nessa noite levava um penteado mais sofisticado que nas anteriores noites, mas não
era tão elegante como os que costumava usar em Londres. Ou se devia mais à relativa
escassez de joias? Seria outra coisa? Teriam visto seus convidados ao longo desses dias o
mesmo que ela via nesse instante? A ela mesma?
Seria capaz de inspirar amor, ou ao menos simpatia e respeito, como ela mesma?
Afinal, não era a única mulher bonita do mundo. Nem sequer nesse momento.
Cassandra e suas cunhadas eram espantosas. A Senhora Finch era bonita. Assim como
Marianne Astley e Julianna Bentley. Barbara era linda.
Suspirou e ficou em pé. Alegrava-se muito de ter organizado a festa campestre. Tinha
desfrutado como não recordava ter desfrutado com nada em muito tempo. Além disso,
ainda restava uma noite. No dia seguinte voltaria para Londres.
Constantine e ela poderiam passar a noite juntos. A menos, claro estava, que ele
sentisse a necessidade de ir imediatamente a Ainsley Park para comprovar que o assunto de
seu trabalhador se arrumara.
Esperava pelo bem de ambos, do homem e de Constantine, que a situação se
resolvesse logo.

— Amanhã de noite — disse Con enquanto contemplava as estrelas, tão numerosas


que seria impossível contá-las — Minha carruagem esperará às onze em ponto. Espero-a em
minha casa às onze e quinze. Nem um minuto depois. E a quero em minha cama às onze e
vinte. Não precisamente para dormir. Prepare-se para uma orgia como nenhuma outra.
Hannah riu baixo, com a cabeça apoiada em seu braço.
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Estavam estendidos à margem do lago. Todos estavam agradavelmente cansados
depois da festa infantil e do lanche ao ar livre, assim receberam com agrado a ideia de passar
a noite sentada no salão, conversando ou escutando qualquer um que tivesse a pretensão de
tocar piano ou de cantar.
A Duquesa por sua parte não teve o menor reparo em deixar seus convidados por si
mesmos quando Constantine a convidou a dar um passeio. De fato, seus primos tinham
trocado alguns sorrisinhos indulgentes.
Suas primas, para mais gestos, a chamavam de Hannah e, além disso com intimidade,
conforme se tinha percebido com o passar do dia.
— Não penso protestar absolutamente — replicou ela — Mas o advirto que depois de
semelhante fanfarronada, terá que estar à altura. Exijo que o esteja.
— Irei a Ainsley Park na manhã seguinte — informou — Devo ir. Possivelmente tudo
esteja solucionado a esta altura, mas devo ir pessoalmente para acalmar os ânimos de
Kincaid e de outros vizinhos. E para agradecer a Wexford que se encarregou do assunto em
meu nome. E para assegurar a Jess que não me decepcionou absolutamente. Talvez não nos
vejamos em uma semana.
— Será muito aborrecido — respondeu Hannah — Mas suponho que sobreviverei. E
suponho que você também. Deve ir.
De repente, o final da temporada social parecia muito próximo. De fato, se não tivesse
sido por sua aventura com a Duquesa, possivelmente teria decidido que não valia a pena
voltar para Londres. Entretanto, de momento era incapaz de expor-se a possibilidade de
acabar com a aventura. Porque talvez...
Enfim, concluiria o pensamento em outra ocasião, decidiu.
Nessa manhã tinha confessado que o amava. O que tinha querido dizer exatamente?
Não era uma pergunta que pudesse formular em voz alta, embora adoraria conhecer a
resposta.
— Enquanto isso... — disse enquanto afastava o braço sobre o que descansava a
cabeça de Hannah. Endireitou-se, apoiando-se no cotovelo e olhando-a nos olhos — Não sei,
mas acredito que falta muito para que chegue amanhã. — Inclinou a cabeça e a beijou.
Foi uma exploração lânguida, primeiro com os lábios e depois com a língua, que
introduziu em sua boca.
— Sim — concordou ela com um suspiro quando se afastou de seus lábios.
Con esfregou o nariz com o seu.
— Respeitarei seus desejos, Duquesa — assegurou — embora seja possível que seus
convidados tenham certas ideias com respeito ao que estamos fazendo aqui fora. Permita-
me amá-la sem desonrar seus desejos.
— Como? — Hannah levantou uma mão e colocou o indicador no ponto onde seu nariz
se torcia.
— Não haverá penetração — respondeu — prometo isso.

179
— E dessa forma preservaremos a respeitabilidade — replicou ela — Algo menos a
penetração, e nossos convidados pensando o pior. É a história de minha vida...
Con ficou de joelhos e se colocou escarranchado sobre ela. Abaixou o vestido pelos
ombros, deixando descobertos seus seios que passou a acariciar com delicadeza antes de
capturar seus mamilos com o indicador e o polegar. Ao fim de um momento se inclinou para
levar à boca, primeiro um e depois outro. Voltou a beijá-la na boca enquanto afundava as
mãos no cabelo, introduziu a língua para que a sugasse e a incitou a fazer o mesmo.
Hannah colocou as mãos sob a camisa, e foi abaixando até as deixar por debaixo dos
calções.
Ela ardia de paixão.
E ele palpitava de desejo.
Descobriu que não foi uma boa ideia depois de tudo. Além disso, que diferença haveria
se a penetrava e ambos alcançavam o clímax? Era o que ambos desejavam.
Estavam com muita saudade em muitos dias com suas correspondentes noites.
Moveu-se para deitar-se ao seu lado sem afastar-se de seus lábios, e introduziu uma
mão por debaixo de sua saia. Deixou para trás a suavidade da meia de seda, a ardente pele
da face interna de suas coxas e chegou...
— Não.
Por surpreendente que fosse, essa voz era a sua.
Retirou a mão, desceu a saia e levantou a cabeça.
— Maldito seja, Constantine! — escutou-a exclamar com grande surpresa. E depois
acrescentou — Mas obrigada.
Em seguida, jogou os braços ao pescoço e puxou-o para beijá-lo.
Foi um beijo delicado e terno.
Con sentia como pulsava o coração no peito, percebia o ardor de sua paixão, o grande
esforço que estava realizando para manter o beijo dentro dos limites do decoro.
— Obrigado — repetiu ela ao fim de uns minutos, estreitando-o com força —
Obrigado, Constantine. Não sei se teria sido capaz de me conter. É tão irresistível... Acertei
com você desde o começo.
Queria dizer isso que de ter insistido teriam acabado...? Alegrava não tê-lo feito.
Mas maldição! Merecia-se uma medalha de honra ou algo parecido.
Certamente não havia nenhuma só pessoa no salão que não imaginasse desfrutando
de tudo o que tinha para desfrutar com Hannah.
A Duquesa possuía um estranho, embora ternamente maravilhoso sentido da honra.
Retornaram à casa de braços agarrados, enquanto rememorava as palavras que havia
dito essa manhã. E que não tinha repetido depois. Possivelmente porque não as tinha
correspondido? Poderia corresponder? Faria?
Eram as duas palavras mais perigosas que existiam, se as uniam na mesma frase.
Porque eram irrevogáveis.
Teria que refletir sobre a possibilidade de dizer-lhe.
180
Talvez durante a noite seguinte.
Ou quando voltasse de Ainsley Park.
Ou nunca.
Uma covardia.
Uma amostra de inteligência.
— Terei que subir ao meu dormitório antes de retornar ao salão, assim ordenarei que
levem a bandeja do chá — disse — Com certeza tenho pedaços de relva da cabeça aos pés. E
meu cabelo deve parecer-se com um ninho. Como se tivesse tido uma boa transa.
— Tomara — replicou ele com um sentido suspiro.
Hannah soltou uma gargalhada.
— Amanhã a noite — disse — Não esquecerei a orgia prometida.
Acompanhou-a até seu dormitório e seguiu até o seu a fim de pentear-se e de
assegurar-se que ele tampouco parecia recém-saído de um palheiro.

Hannah sacudiu o vestido, arranjou bem a blusa, lavou as mãos e arrumou o cabelo o
melhor que pode sem desfazer-se o penteado. Uma vez preparada, olhou-se com certas
dúvidas no espelho de sua penteadeira. Teria as faces tão coradas como parecia? Brilhavam
muito os olhos?
Era horrível, mas desejaria que Constantine não se mantivesse fiel a sua promessa.
Dessa forma teria desfrutado do prazer sem ter que aceitar sua parte de culpa. Inclusive
poderia tê-lo repreendido depois.
Um pensamento horrível, na verdade. Alegrava-se muito, muito, de que Constantine
tivesse mantido sua promessa. Como o amava!
Cruzou correndo o roupeiro e estava a ponto de segurar o trinco quando alguém bateu
na porta e a abriu antes que ela pudesse fazê-lo.
Que homem mais impaciente!
Sorriu antes de reparar em dois detalhes.
Constantine estava branco como o leite. E desde que a deixou na porta de seu
dormitório trocara de roupa. Levava um capote longo e botas de montar. Em sua mão viu
uma cartola.
— Duquesa, devo pedir um favor — disse ao mesmo tempo em que entrava no
roupeiro e fechava a porta atrás dele — Não vim em minha carruagem. Vim com Stephen e
Cassandra. Devo pedir emprestado um cavalo. Jet, se não se importar, para voltar para
Londres. Dali seguirei em minha carruagem.
— A Gloucestershire? — perguntou — Já? Agora?
Por absurdo que parecesse, só podia pensar na possibilidade de que Constantine não
desejasse depois de tudo a orgia que tinha prometido.
— Tinha uma carta me esperando no dormitório — respondeu ele — vão enforcá-lo.
— Como? — replicou boquiaberta.
181
— Por roubo. Para dar exemplo a outros possíveis ladrões — Seguiu Constantine —
Tenho que ir.
— O que vai fazer?
— Salvá-lo. Fazer que qualquer dos responsáveis entre em razão. Pelo amor de Deus,
Hannah! Não sei o que vou fazer. Tenho que ir. Posso levar Jet?
Seus olhos pareciam muito negro enquanto a olhava com desespero e passava uma
mão pelo cabelo.
— Irei com você — ela se ofereceu.
— Nem pensar — recusou —empresta seu cavalo?
— A carruagem — o contradisse antes de abrir a porta e sair ao corredor, deixando-o
para trás — Vou dar as ordens precisas. Vá em minha carruagem diretamente a Ainsley Park.
Isso poupará ao menos meio dia de viagem.
Ela mesma foi até o estábulo e a garagem, como se sua presença pudesse contribuir a
acelerar todo o processo. Tanto os cavalos como a carruagem demoraram muito pouco a
estarem preparados, embora para ela foi um processo agonizantemente lento, assim como
para Constantine, que não cessava de passear de um lado para outro como um animal
enjaulado.
Voltou a pegar suas mãos quando viu que a carruagem quase estava preparada, e que
o cocheiro já se aproximava, vestido com seu libré.
Entretanto, não ocorreu nada para dizer. O que se dizia nessas circunstâncias?
Que tenha uma boa viagem ou Espero que chegue a tempo? A tempo do que?
Tomara os convença de que não enforquem Jess. É improvável que o consiga.
Levou suas mãos ao rosto e as deixou sobre suas faces. Voltou a cabeça e beijou as
palmas, primeiro uma e depois a outra. Sentia um doloroso nó na garganta, mas não pensava
chorar.
Olhou-o nos olhos. Ele a olhou com expressão inescrutável. Nem sequer estava segura
de que a estivesse vendo.
— Amo-o — sussurrou Hannah.
Isso fez que Constantine prestasse atenção.
— Hannah... — disse.
Outra vez seu nome. Era quase uma declaração de amor, embora não estivesse
pensando em semelhantes trivialidades de forma consciente, é claro.
Constantine se voltou, subiu à carruagem e assim que fechou a portinhola o veículo se
pôs em marcha e se afastou.
Hannah levantou uma mão, mas ele não apareceu.

A presença de Constantine em Ainsley Park não implicaria nenhuma mudança, refletia


Hannah com a alma nos pés enquanto a carruagem desaparecia a grande velocidade pela
avenida reta. Esse pobre homem morreria enforcado por ter roubado. E Constantine jamais
182
se perdoaria por tê-lo levado a viver em Ainsley Park e depois falhar de algum modo na hora
de evitar qualquer mal. Provavelmente jamais se recuperaria disso por mais que, é claro, não
fosse o responsável.
Tinha que ter um modo de salvar Jess Barnes. Levou quatorze galinhas do galinheiro de
um vizinho, mas as havia devolvido e se desculpara.
O administrador de Constantine tinha pago o valor de tais galinhas mesmo que
tivessem sido devolvidas. E por isso um homem estava a ponto de perder a vida... Para dar
exemplo a outros.
Às vezes o sistema judicial parecia capaz das decisões mais desatinadas e aterradoras.
De repente, recordou um antigo refrão, Se forem pendurar por roubar um cordeiro,
melhor roubar uma ovelha. No final também enforcavam as pessoas por roubar galinhas.
Com certeza havia alguém que pudesse ser de ajuda. Alguém com influência. Apesar
de sua linhagem, Constantine era um plebeu. Mas certamente havia alguém...
Olhou para a casa e se pôs a andar quase correndo, erguendo as saias.
Teria chegado antes se a tivesse rodeado e tivesse entrado no salão pelas portas
francesas, pensou enquanto subia a toda pressa os degraus do pórtico e atravessava a porta
principal.
Deus santo devia ser tarde! Todos estariam perguntando-se por ela e pela bandeja do
chá. Todos estavam cansados. Todos continuavam no salão, comprovou ao entrar, assim um
criado se apressou a cumprir seu encargo ao vê-la abriu a porta. Todos se voltaram para
olhá-la com curiosidade.
Compreendeu muito tarde que devia apresentar um aspecto desalinhado e que estaria
ruborizada... Outra vez.
Alguns dos presentes ficaram em pé. Barbara se aproximou correndo a ela.
— Hannah? — disse — o que aconteceu? Ouvimos uma carruagem.
Agarrou suas mãos.
Hannah deu um forte aperto enquanto procurava o Conde de Merton com o olhar.
— Lorde Merton — disse — eu gostaria de falar em particular com você, se não se
importar. Por favor. Por favor, depressa!
Por sorte havia uma cadeira atrás dela, porque se desabou de repente soltando as
mãos de Barbara. Assaltou-a um tremor incontrolável. Tocavam castanholas os dentes. Sua
cabeça era um formigueiro de pensamentos. Compreendeu, com certa mortificação, que
tinha perdido a compostura.
Nesse momento percebeu que o Conde de Merton estava em frente a ela, com um
joelho fincado no chão e tomando suas mãos com firmeza.
— Excelência — o ouviu dizer — diga o que aconteceu. Trata-se de Con? Teve algum
acidente?
— Há. Se... Se foi — respondeu.
Fechou os olhos um instante a fim de recuperar um pouco de autocontrole.

183
— Sinto muito que não tenham podido tomar o chá ainda. Babs, por favor, importa-se
de ordenar que o traga? Lorde Merton, podemos falar lá fora? — perguntou ao mesmo
tempo em que dava um aperto nas mãos.
Ninguém se moveu.
— Hannah — disse Barbara — nos diga o que aconteceu. Todos estamos preocupados.
Discutiu com o Senhor Huxtable? Não, deve ser algo muito pior.
As mãos do Conde continuavam cálidas e firmes. Hannah olhou os olhos azuis.
— No que posso ajudá-la? — perguntou ele.
O Conde não sabia nada. Nenhum deles sabia nada. Ai, que erro mais idiota o de
Constantine por ter mantido tudo em segredo durante tantos anos!
Não correspondia a ela divulgá-lo.
Mas já não era momento para guardar segredos.
— Foi-se a Ainsley Park — disse — sua residência em Gloucestershire. E a residência de
um bom número de mães solteiras, de pessoas impedidas, de criminosos reformados e de
outros muitos recusados pela Sociedade. Um dos impedidos, acredito que deve sofrer um
atraso mental similar ao do irmão de Constantine, deixou aberta a porta do galinheiro e
quando descobriu que a raposa tinha matado algumas galinhas, tentou remediar a perda
roubando as de um vizinho para as substituir e assim evitar que Constantine se sentisse
decepcionado com ele. Depois as devolveu com uma desculpa, e além disso o administrador
do Ainsley Park indenizou ao dono com o valor das mesmas, mas de qualquer forma
sentenciaram o pobre Jess à forca.
Ofegou em busca de ar. Não estava segura de ter respirado absolutamente durante
sua explicação.
Alguns dos presentes imitaram seu gesto. Algumas damas levaram as mãos à boca e
fecharam os olhos. Hannah não foi consciente de muito mais, entretanto, porque estava
concentrada nos penetrantes olhos do Conde de Merton.
— Assim é isso o que Constantine esteve fazendo em Gloucestershire — sussurrou
Lady Sheringford.
Hannah se inclinou um pouco para o Conde.
— Levou minha carruagem — disse — Acredita que pode salvar o pobre homem, mas é
muito provável que não seja capaz de fazê-lo. Permite-me usar sua carruagem?
Acompanhará-me a Londres?
— Eu mesmo irei a Ainsley Park desde que alguém me diga em que parte de
Gloucestershire se encontra — respondeu o Conde — Farei tudo o que esteja em minha
mão...
— Tinha pensado no Duque de Moreland... — interrompeu-o Hannah.
— Em Elliott? — A expressão do Conde se tornou mais intensa.
— Por Deus! — Exclamou ela, embora mais se parecesse a um lamento — Tomara meu
Duque estivesse vivo. Salvaria Jess com um simples olhar na direção correta. Mas está morto.
A palavra do Duque de Moreland terá muito peso.
184
— Elliott e Con foram inimigos acérrimos desde antes que os conhecesse — indicou o
Conde.
— Porque Constantine vendeu as joias de Merton para financiar o projeto por ordem
de seu irmão — revelou Hannah — Tudo foi ideia de seu irmão, embora ele o apoiasse por
completo. Entretanto, o Duque de Moreland o acusou de roubar a seu próprio irmão e de ser
um relaxado que se aproveitou de muitas mulheres, que nesse momento eram mães
solteiras. Constantine não o contradisse, em parte porque temia que o Duque acabasse com
o sonho de seu irmão, mas principalmente por orgulho. O Duque o acusou em vez de
perguntar.
O Conde de Merton respirou fundo, reteve o ar uns instantes e o soltou lentamente.
— Excelência, não tenho certeza de que Elliott se mostre disposto a ajudar — replicou
— me permita...
Entretanto, Lady Sheringford ficou em pé e atravessou o salão enquanto o
interrompia.
— É claro que ajudará, Stephen — assegurou com brusquidão — É claro que o fará!
Não se teria passado tantos anos zangado com ele se não o quisesse bem. E em caso de que
titubeie, Nessie o convencerá de que o ajude. A ela será mais fácil convencer. Sempre está
disposta em acreditar no melhor dos outros. Estou há anos suspeitando que seria capaz de
perdoar Con em um abrir e fechar de olhos se pedisse perdão pelo que seja que tenha feito.
— Devo ir — disse Hannah, que ficou em pé e afastou as mãos das do Conde — Talvez
já seja muito tarde — levou as mãos às faces — Mas tenho convidados em casa!
De repente, o problema se dissolveu como por arte de magia. Os convidados partiriam
todos juntos, uns a Londres e outros a Ainsley Park, se seguissem o impulso inicial, declarou
alguém.
Talvez fosse Lorde Montford. Entretanto, suporiam um estorvo. De modo que ficariam
em Copeland Manor e Stephen partiria com a Duquesa.
A Condessa de Sheringford afirmou que graças ao seu cuidadoso planejamento tudo
iria muito bem em Copeland Manor e que sua presença não seria necessária até que
partissem, coisa que planejavam fazer no dia seguinte pela manhã. Além disso, acrescentou
que a Senhorita Leavensworth a substituía perfeitamente como anfitriã durante o chá do dia
anterior e que voltaria a fazê-lo durante o café da manhã na manhã seguinte. Conforme
assegurou Lady Montford, seria maravilhoso que a Senhorita Leavensworth voltasse com
eles a Londres no dia seguinte. Um convite que a Senhora Newcombe pontuou de generosa,
embora eles mesmos teriam estado encantados de levar Barbara, embora a pobre tivesse
viajado muito apertada entre eles e os gêmeos.
Barbara acrescentou que podia partir muito tranquila. E incentivou— a fazer isso sem
perda de tempo.
No final aconteceu que o Senhor Newcombe conhecia a localização de Ainsley Park.
Embora nunca esteve na propriedade, mas distava trinta quilômetros de seu lar. Inclusive
ouvira falar muito bem dos aprendizes que saíam de suas oficinas. O que ignorava era que o
185
dono e o Senhor Huxtable, com quem tinha encontrado na festa campestre, fossem a mesma
pessoa. Do contrário, teria encantado falar com ele longo e extensamente sobre o assunto.
Cassandra tinha partido do salão a toda pressa. Ela ia acompanhá-los e devia subir para
avisar à babá de que preparasse o bebê para a iminente partida.
— Vamos, Hannah — disse Barbara, tão serena e eficiente como de costume — Deve
trocar de roupa e ordenar que preparem uma bolsa de viagem. Eu me encarregarei de todo o
resto.
Lorde Sheringford tinha saído para ordenar que preparassem a carruagem de Lorde
Merton.
Uma hora mais tarde Hannah ia a caminho de Londres, sentada em frente do Conde de
Merton e de Cassandra. Sua Senhoria levava nos braços o bebê, que estava adormecido.
Ao que parecia, Cassandra o tinha amamentado antes de partir.
Onde estaria Constantine nesse momento? Quanto caminho teria percorrido?
Chegaria a tempo?
Influiria em algo que o fizesse?
Iria o Duque de Moreland?
Chegaria a tempo?
Seria sua influência tão poderosa para por fim à loucura de enforcar um atrasado
mental cujo único delito foi tentar reparar um erro produzido por um descuido?
Tomara que seu Duque estivesse vivo. Porque ninguém teria ousado contrariá-lo.
Hannah não conhecia ninguém que ostentasse tanto poder como tinha ostentado o
velho Duque de Dunbarton. Salvo o Rei, possivelmente.
O Rei. O Rei!
Deixou-se cair no canto do assento e fechou os olhos com força.
Iria se atrever fazer isso?
Iria se atrever fazer isso?
Era a Duquesa de Dunbarton, não era?

CAPÍTULO 18

O Duque de Moreland estava tomando o café da manhã em sua residência londrina de


Cavendish Square quando informaram que Sua Excelência, a Duquesa de Dunbarton, e o
Conde de Merton se achavam no salão saguão e solicitavam vê-lo para tratar com ele um
assunto urgente.
Sua esposa acabava de sentar-se à mesa.
Era cedo. O Duque tinha que ir à Câmara dos Lordes e gostava de passar sempre uma
hora com seu secretário para discutir os assuntos do dia antes de ir ao encontro.
186
A Duquesa ainda tinha que abandonar a cama a uma hora indecente reclamada por
seu voraz filho de oito meses, que ainda não tinha aprendido a esperar uma hora mais
civilizada para pedir seu café da manhã.
Os dois apareceram no salão antes que Hannah estabelecesse uma rota satisfatória
para passear pela sala. Trocara de roupa ao chegar a Londres fazia umas horas, mas não
tinha dormido. Teria ido bater na porta do Duque muito antes se não se impusesse o bom
senso. O Conde de Merton teve a amabilidade de chegar a Dunbarton House dez minutos
antes do que tinha prometido.
— Stephen — saudou a Duquesa ao seu irmão ao mesmo tempo em que o abraçava.
Quando se afastou, olhou-o no rosto e depois olhou a ela com certa curiosidade.
— Duquesa? Stephen? Bom dia.
O Duque os olhou com expressão penetrante.
Hannah não esperou que terminassem as formalidades.
— Tem que ajudar Constantine — apressou-o, dando uns passos para ele — Por favor.
Tem que fazer isso.
— A Con? — Os olhos do Duque se posaram nela... Uns olhos azuis que brilhavam
nesse rosto moreno de feições austeras e expressão despótica. Tão parecido com o de
Constantine e tão diferente — Tenho que ajudá-lo, Senhora?
— Constantine? — Perguntou a Duquesa de Moreland ao mesmo tempo — Está em
apuros?
— Vão enforcar um homem em Gloucestershire — explicou Hannah, quase sem fôlego,
como se tivesse realizado o trajeto até ali correndo, em vez de na carruagem do Conde — E
Constantine foi para salvá-lo. Mas não poderá fazê-lo. Não tem autoridade alguma. Você sim.
Você é o Duque de Moreland. Tem que ir lá sem demora e ajudá-lo. Por favor.
Para ela a explicação tinha muito sentido.
— Elliott... — disse o Conde de Merton, mas o Duque ergueu uma mão para silenciá-lo.
— Vanessa, teria a amabilidade de pedir que tragam um pouco de café para a
Duquesa? — Perguntou a sua esposa sem afastar os olhos de Hannah — E também para
Stephen, meu amor. Os dois parecem recém-chegados de Kent e acredito que não tomaram
o café da manhã.
— Direi que tragam algumas torradas também — acrescentou a Duquesa antes de
partir.
O Duque pegou Hannah por um cotovelo e indicou uma cadeira próxima. Ela se deixou
cair sobre o assento.
— Fale-me sobre o homem a quem vão pendurar — disse — E sobre sua relação com
meu primo.
O que havia dito até esse momento? Perguntou-se. Certamente não o suficiente. Tinha
querido ser o mais concisa possível para que o Duque partisse para Ainsley Park sem perda
de tempo.

187
— Roubou umas galinhas — explicou — porque temia decepcionar Constantine.
Acontece que deixou a porta do galinheiro aberta e penetrou uma raposa, mas não entendia
que estava roubando até que o explicaram, e depois se desculpou e devolveu as galinhas,
além disso, também compensaram ao dono com o valor dos animais, mas um estúpido juiz
pensou que devia dar exemplo com seu caso e o sentenciou a morrer enforcado. Por favor,
irá impedi-lo?
Onde estava a controlada e loquaz Duquesa de Dunbarton quando mais a necessitava?
Ela se perguntou.
Os olhos do Duque se desviaram para o Conde justo quando Hannah levava a enorme
surpresa de sentir que puxava sua mão e dava um aperto.
— Stephen? — Ouviu-o perguntar.
A Duquesa retornou nesse instante.
— Elliott, parece que Con comprou essa propriedade em Gloucestershire a instâncias
de Jon — explicou o Conde de Merton — para dar proteção a mães solteiras e aos seus
filhos. Desde que se pôs em marcha, expandiu seu alcance a pessoas com atraso mental ou
com problemas físicos, e a outros despejados pela Sociedade. Soube que os formam para
achar um trabalho decente em outra parte. O homem em questão sofre um atraso mental e
tem muito carinho a Con, pelo que me contaram. Foi o responsável pela raposa ter comido
as galinhas, de modo que procurou outras galinhas no galinheiro de um vizinho para
substituí-las. Certamente isso parecia lógico. Mas o prenderam e nem sequer a devolução
das galinhas, nem a compensação econômica, além de uma desculpa, evitaram a
condenação a morte.
— É possível? — Perguntou a Duquesa de Moreland com os olhos totalmente abertos
— Podem enforcar a um homem por algo tão insignificante?
— Não se costuma aplicar a lei de forma tão estrita como poderia se fazer —
respondeu o Duque — Mas as vezes isso acontece e o juiz está em todo seu direito.
Por que estavam perdendo o tempo falando? Perguntou-se Hannah.
Lançou mão da escassa dignidade que ficava, desejando não estar tão cansada nem
tão desconcertada.
— Constantine quer bem a essas pessoas — disse — Dedicou grande parte de sua vida
de adulto. Se enforcarem esse homem, ficará destroçado. Encontrará a maneira de se culpar.
Sei que o fará. Embora esteja certa de que diria que ele não é o importante agora mesmo,
que o que importa é esse pobre desventurado. Excelência, sei que mantêm uma rixa. Mas as
rixas são absurdas em situações como esta. A vida de um homem está em jogo. Sua
influência pode salvá-lo. Estou convencida de que é assim. Sei que a influência de meu
Duque o teria salvado, e em muitos aspectos você recorda a ele. Tem um porte parecido ao
dele. Por favor, irá a Ainsley Park?
O Duque a olhou fixamente.
— Não posso inventar de mudar a lei, Senhora — disse.

188
— Mas a sentença para este tipo de delito é desproporcional — insistiu Hannah —
Você mesmo o disse, embora não com as mesmas palavras. A sentença poderia mudar. Não
tem que morrer por ter roubado umas galinhas, sobretudo quando nem sequer era
plenamente consciente de que estava roubando.
— É muito possível que qualquer juiz argumente que um homem capaz de roubar sem
ser consciente do que faz é um homem perigoso, com muitas probabilidades de reincidir,
inclusive, de ferir alguém no processo.
— Fez isso porque quer bem a Constantine — argumentou Hannah — porque não
suportava a ideia de decepcioná-lo pelo incidente da raposa. Vai me dizer que merece
morrer?
— Estou certo de que não merece, Senhora — respondeu — Mas...
— Não irá nem sequer por Constantine? — Hannah decidiu não voltar atrás — É seu
primo. Foi seu amigo até que, e cito textualmente, você se comportou como um imbecil
pomposo e ele se comportou como um idiota teimoso.
O Duque arqueou as sobrancelhas.
— Suponho que devo agradecer que tenha me descrito de forma tão pejorativa como
fez.
— Elliott — disse sua esposa, que cruzou a sala para colocar uma mão no braço — tem
que ir. Sei que tem que fazê-lo. Se você não for, irei eu. E sabe muito bem que aonde eu vou,
Richard vem comigo, para que o pobre não morra de fome, e que Belle e Sam terão de vir
também para que não se sintam abandonados por sua própria mãe. Entretanto, minha
influência não será maior que a da Duquesa de Dunbarton. Muito menor, de fato. Ela tem
uma personalidade muito mais resolutiva que eu.
— Meu amor, acaba de dizer uma fileira de tolices — respondeu o Duque, que levou a
mão de sua esposa aos lábios — Mas deixou clara sua postura. Con por fim me necessita e
irei ajudá-lo. Certamente me dará um murro no nariz pela perturbação e assim nos
pareceremos ainda mais.
— Eu o acompanharei, Elliott — atravessou o Conde de Merton.
Hannah o olhou surpresa.
— Cass insistiu que o acompanhasse antes que pudesse perguntar se incomodaria
muito que o fizesse — explicou.
Hannah ficou em pé de um salto quando um criado entrou na sala com uma enorme
bandeja nas mãos.
Deus, que não se sentem a tomar o café da manhã agora mesmo! Pensou.
— Vou para casa preparar a bagagem — disse o Conde.
— Passarei para recolhê-lo em uma hora — comentou o Duque.
E ambos abandonaram a sala.
— Tomar o café da manhã possivelmente seja a última coisa que quer fazer agora —
comentou a Duquesa de Moreland — Mas tome uma torrada ao menos. Eu vou fazê-lo.
Acabava de me sentar quando chegaram — disse enquanto servia duas xícaras de café.
189
— Sinto muito tê-los importunado com meus problemas — se desculpou Hannah.
— Não sabia que fosse a culpada dos problemas — replicou a Duquesa, enquanto
deixava a xícara e seu pires em frente a ela, depois do que foi em busca do prato onde tinha
colocado uma torrada com manteiga, cortada pela metade — Ama Constantine?
— Eu...
— Foi uma pergunta muito indiscreta — a interrompeu a Duquesa com um sorriso —
me permita expressá-lo de outra maneira. Quer bem a Constantine. Estava vendo vir desde o
começo da temporada social. Inclusive cheguei a me compadecer um pouco de você.
Hannah a olhou enquanto dava uma dentada a sua torrada.
— Quero-o bem — admitiu afinal — lamento que você não o faça. Disse-me que pouco
depois de se conhecerem fez algo que a machucou.
— Sim — corroborou a Duquesa — E foi algo muito cruel. Algo pensado para
envergonhar Elliott, mas que acabou por humilhar a mim. A verdade é que foi algo muito
infantil, mas os homens podem ser muito infantis às vezes. Claro que as mulheres também.
Neguei-me a aceitar suas desculpas. Decidi que era imperdoável, e é algo que lamentei
depois. Mas quando se desculpou, o achava responsável por algo muito pior que a travessura
que cometera. Elliott se equivocava a esse respeito, não é verdade?
— Sim — respondeu — Mas porque Constantine foi muito orgulhoso e muito
arrogante para explicar-se.
— Os homens raramente tomam o caminho mais simples — comentou a Duquesa —
Embora as vezes recorrem aos punhos, quebrando o nariz e ficando com os olhos roxos em
vez de falar como pessoas civilizadas. Às vezes acredito que o poder da palavra é um
desperdício nos homens. Ai, Por Deus! Não pense que tenho tão má opinião deles, por favor.
Sirvo mais café?
Sua xícara estava vazia, percebeu Hannah. Tinha o gosto do café na boca, mas não se
lembrava de tê-lo bebido.
— Não — respondeu ao mesmo tempo em que ficava em pé — Agradeço, mas devo ir.
Tenho que atender outro assunto urgente esta manhã e tampouco quero impedir que passe
um pouco de tempo com seu marido antes que se vá. Tomara que pudesse ir com ele e com
o Conde de Merton! Mas minha presença só serviria para atrasá-los.
— Certo — A Duquesa sorriu — E não seria apropriado, nem sequer para a Duquesa de
Dunbarton. Elliott pode ser muito despótico quando se propõe, Duquesa. Não aceitará um
não por resposta em Gloucestershire assim simples. Nem Stephen. Às vezes dá a errônea
impressão de que é um homem tímido, inclusive um pusilânime, porque é muito amigável e
tem a aparência de um anjo, mas pode ser um anjo vingador quando se propõe. Ele se
proporá pelo bem de Constantine.
— Obrigada — replicou Hannah.
A Duquesa a acompanhou à porta, quando se deu conta de que seu irmão se fora na
carruagem. Entretanto, Hannah não permitiu que mandasse preparar outro veículo.

190
— Irei andando — insistiu — o ar fresco me assentará bem e corre uma brisa
agradável.
A Duquesa a surpreendeu ao abraçá-la com força antes que se fosse.
— Tem que vir uma tarde tomar chá — disse — Mandarei um convite. Aceitará?
Sempre desejei conhecê-la melhor.
— Obrigada — respondeu — Será um prazer.
Onde estava Constantine nesse momento? Perguntou-se enquanto voltava para casa a
toda pressa. Estava muito certo de que teria viajado toda a noite, detendo-se unicamente
para pagar nas estalagens e trocar de cavalos. Tinha advertido ao seu cocheiro que esperasse
uma viagem sem paradas. Teriam chegado já? Ou seguiria no caminho, perguntando-se se
chegaria a tempo, perguntando-se se poderia salvar a seu protegido?
E a que hora poderia apresentar-se no Palácio de Saint James sem ofender a ninguém
para pedir uma audiência com o Rei?
Ele a receberia?
Chegariam a dizer que fora vê-lo?
Mas é claro que a receberia. Era a Duquesa de Dunbarton, a viúva do Duque de
Dunbarton.
Conte com algo tinha ensinado o Duque, e será seu.
De modo que contou falar pessoalmente com o Rei em breve. Mas primeiro tinha que
chegar a casa para usar sua melhor armadura.
Nem um diamante falso veria a luz essa manhã. E não haveria mais cor que o branco.

Con chegou a Ainsley Park no meio de uma tarde chuvosa, exausto e sem se barbear.
Encontrou todo mundo com rosto muito sério e desconsolado, desde Harvey Wexford até
Millie Carver, a ajudante da cozinheira a quem resgatara aos dez anos de um bordel londrino
a ponto de ser vendida ao melhor proponente para desvirginá-la.
Tinham já passado dois anos disso.
Para Jess Barnes restava uma semana de vida.
Banhou-se, barbeou-se e trocou de roupa, mas não dormiu antes de partir a cavalo a
prisão, situada no vilarejo a uns seis quilômetros de distância. Jess estava sujo, mas salvo por
isso parecia que o cuidavam bem. Pôs-se a chorar ao vê-lo, mas não porque fosse morrer,
mas sim porque tinha falhado ao seu benfeitor e esperava que desse uma boa reprimenda.
Con o abraçou, sem importar a sujeira e os piolhos, e disse que o queria bem acima de
tudo e de todos.
Depois de escutá-lo, Jess o olhou com um sorriso deslumbrante e se tranquilizou.
— Todo mundo manda lembranças — disse — A cozinheira enviou quase todos seus
pratos preferidos, assim ficará como um tonel se comer isso tudo. Vou tirá-lo daqui, Jess, e
levá-lo para casa. Mas hoje não. Tem que ser paciente. Pode fazer isso?
Ao que parecia, Jess podia fazer se o Senhor Huxtable dizia que tinha que fazer.
191
Embora tampouco houvesse outro remédio.
Con passou o dia seguinte tentando inutilmente que retirassem as acusações contra
Jess, que a condenação fosse suspensa, que comutassem a pena, que admitissem a loucura
em sua defesa... Algo que salvasse sua vida e que, se possível, devolvesse-o a Ainsley Park.
Kincaid, o ofendido vizinho que tinha conseguido recuperar suas galinhas e seu valor
em dinheiro todo e sonante, negou-se a olhá-lo na cara, mas reafirmou em que a dureza do
castigo era necessária tanto para erradicar o mal da vizinhança, como para evitar que outros
residentes de Ainsley Park se convertessem em futuras ameaças a paz e a segurança da área.
Acrescentou que se pudesse achar a maneira de demandá-lo pessoalmente por colocar em
perigo de forma tão temerária seus vizinhos ou algo assim, o faria. E por último disse que
estava consultando o assunto com seus advogados.
A maioria dos vizinhos recebeu-o com amabilidade, inclusive com compaixão, mas
nenhum estava disposto a enfrentar Kincaid. Suspeitava que uns poucos inclusive
aplaudissem ao homem em segredo.
Um advogado advertiu de que esgrimir a loucura como defesa não serviria de nada, já
que Jess Barnes não mostrava sinais de loucura, somente de padecer um atraso mental. Não
tinha negado o roubo. Tinha admitido que sabia que roubar era ruim. Na realidade, não tinha
defesa, só podiam pedir clemência.
O próprio juiz o recebeu com cortesia, inclusive com certo bom humor. Mas se negou a
mudar de opinião no caso de Jess Barnes. Segundo ele, era uma ameaça para a Sociedade. O
condado, todo o país de fato, se alegraria de livrar-se dele quando o enforcassem. Assinalou
que poderia tê-lo condenado a vários anos de trabalhos forçados se estivesse em seu são
julgamento, mas que dadas as circunstâncias... E concluiu dizendo que foi muito esperto ao
encher seus campos e sua casa com mão de obra barata e mulheres de pouca moralidade,
para manter todos os homens contentes, incluído ele, e que devia esperar que de vez em
quando acontecessem alguns incidentes desse tipo. Como dois homens de mundo que eram,
acrescentou, não podia pegar nenhum deles de surpresa.
Em casa, Wexford era incapaz de fazer algo produtivo. Disse a Con que se pudesse
trocar-se pelo Jess, faria sem vacilar. Que tudo era culpa sua. Porque havia dito a Jess que o
Senhor Huxtable se sentiria decepcionado acreditando que isso o ensinaria a não voltar a ser
descuidado. Pelo contrário, tinha provocado toda essa confusão... E nem sequer era verdade.
Porque o Senhor Huxtable nunca se sentia decepcionado com nenhum dos habitantes de
Ainsley Park, salvo com aqueles que partiam por própria vontade, relutantes em trabalhar
em troca de sua manutenção e em respeitar as poucas regras necessárias, para que a
comunidade fosse feliz e produtiva.
Con apertou seu braço, era o único consolo que podia oferecer.
Os outros estavam virtual e igualmente desanimados. Jess era o preferido da maioria.
Na manhã seguinte, Con estava desesperado. Nem sequer recordava a última vez que
tinha dormido... Ou comido. Foi ver de novo Jess e depois voltou para casa.
Já não sabia o que fazer. Não recordava ter se sentido tão impotente na vida.
192
Certamente havia algo que pudesse fazer.
Ficou no estábulo para escovar seu cavalo. Escutou a carruagem antes de vê-la. Uma
dolorosa esperança fez que desse um tombo o estômago.
Seria Kincaid?
Teria mudado de ideia depois de tudo? Serviria para que o juiz também mudasse de
opinião?
Aproximou-se da porta do estábulo e olhou para o caminho quando a carruagem ficou
perto. Tentou não ter ilusões. Era uma carruagem impossível de confundir com outra.
Levava um brasão ducal de ambos os lados. O cocheiro e o lacaio que ocupavam a
boleia exibiam as librés ducais. A carruagem devia ter causado sensação enquanto cruzava a
Inglaterra... E enquanto cruzava o povoado a caminho de Ainsley Park.
Era a carruagem do Duque de Moreland.
A carruagem de Elliott.
Con estava muito cansado para se surpreender. A fúria o invadiu, embora foi um
sentimento moderado. Elliott fora desfrutar. Nem sequer tentou analisar o motivo que o
levara a fazer semelhante trajeto só para esse fim.
Pôs-se a andar para a casa, seguindo à carruagem cujas rodas rangiam sobre o
cascalho até que se deteve diante da porta principal.
O lacaio saltou da boleia com agilidade e se dispôs a subir os degraus para bater na
porta.
— Não é preciso — disse Con — Estou aqui.
O homem se voltou, fez uma reverência e retornou junto à carruagem para abrir a
portinhola e desdobrar os degraus.
Elliott saiu da carruagem e a fúria de Con se desatou.
— Perdeu-se — disse com secura — Seu cocheiro se enganou com as direções. Deveria
perguntar na estalagem do povoado o caminho correto.
Elliott permaneceu imóvel e se olharam um momento em silêncio.
— Estou procurando Con Huxtable — replicou seu primo — Você parece uma versão
suja e desalinhada dele.
Alguém mais desembarcou da carruagem.
Stephen.
Con o olhou.
— Não pôde manter a boca fechada, não é verdade? — perguntou com amargura.
— Refere-se à Duquesa de Dunbarton? — Replicou Stephen — Estava morta de
preocupação, Con, não só por você, mas também por esse pobre homem a quem
condenaram. Suplicou-me que a acompanhasse a Londres para poder falar com Elliott.
Achava que ele poderia ajudar. Continuamos não sendo necessários? Pode por fim a esta
loucura sem nós?
— Não — respondeu Constantine — Mas não necessito de ajuda, Stephen. Nem a sua
nem a de Moreland. A casa está cheia. Não há quartos livres. E sugiro que não fiquem na
193
estalagem do povoado, é melhor que sigam caminho até uma casa de postas mais
respeitável.
Estava se comportando mal. Sabia, mas era incapaz de remediá-lo. Estava exausto. E
furioso. E apavorado.
— Um idiota teimoso — comentou Elliott — ele se descreveu bem, Stephen, não
parece? Mas este imbecil pomposo não veio de Londres só para que o mandem à casa de
postas mais próxima. Vai por em prática toda sua influência... Valha o que valer.
Idiota teimoso. Imbecil pomposo.
Hannah esteve falando, não havia dúvida.
— Não o necessito, Moreland — assegurou — E está em minha propriedade. Saia
daqui.
— Sei que você não me precisa — replicou Elliott — Mas talvez Jess Barnes sim. Não
posso prometer que serei de ajuda. Mas vim tentar e penso ficar até que tenha feito isso,
embora para isso tenha que dormir na carruagem do outro lado das portas de sua
propriedade.
— Con — disse Stephen — nos importa. E a muitas outras pessoas também. Por que
não nos falou deste lugar quando chegamos a Warren Hall? Por que convertê-lo em um
assunto tão secreto?
— Stephen, este lugar se levantou graças as suas joias, ou às que se teriam convertido
em suas joias — confessou Constantine — se elas não tivessem sido usadas, agora mesmo
seria muito mais rico do que é.
— Acha que isso teria me importado? — Respondeu Stephen — De verdade, Con?
Acha que teria importado a Meg? Ou à Nessie ou à Kate? Não acha que deveria ter nos
contado isso em honra à lembrança de seu irmão?
— Não — respondeu — Jon não fez isso para impressionar ninguém. Fez porque
queria, porque era o correto. E se houvesse dito isso a você, Elliott teria sido informado e
teria feito tudo o que estivesse em sua mão para desfazer o conseguido. Naquele tempo,
este projeto estava em sua primeira etapa e era muito frágil.
— Não acredito que tivesse reagido dessa forma se o tivesse explicado — contradisse-
o Stephen — Teria feito Elliott?
Ambos olharam seu primo, que tinha a vista cravada no chão e uma expressão tensa.
Produziu-se um longo silêncio.
Seu primo, pensou Con.
Seu melhor amigo durante grande parte de sua vida. Seu companheiro de correrias
quando se mudaram a Londres para desfrutar a vida. Mas depois que o pai de Elliott morreu
de repente, apenas meses depois de que Jon fizesse o espantoso descobrimento sobre as
atividades de seu falecido pai e decidisse tornar realidade seu sonho em Ainsley Park, que o
fez prometer que não o diria a ninguém. Venderam algumas joias, Elliott tinha percebido seu
desaparecimento e ao mesmo tempo se inteirara da existência dessas mulheres e de seus
respectivos filhos na área. De modo que o sórdido escândalo lhes tinha estalado na cara.
194
Um imbecil pomposo e um idiota teimoso.
Con sentiu uma opressão no peito enquanto esperava que Elliott respondesse a
pergunta de Stephen.
— Queria muito Jonathan — disse seu primo ao final, sem levantar a vista — Era um
amor um pouco doloroso. E depois meu pai morreu, me fazendo responsável por ele. Sabia
que era mais que capaz de cuidar dele e de atender seus assuntos, Con. Mas era jovem e
estava afligido pelo dever, e me sentia obrigado a fazer tudo como era devido, a entender
bem os assuntos econômicos de Jon antes de me desentender deles e deixar tudo em suas
mãos tal como meu pai tinha feito. E então foi que descobri que faltavam muitas joias e você
se negou a me explicar por que e me mandou ao diabo quando perguntei isso...
— Não me perguntou — o interrompeu com voz seca.
Seu primo ergueu a vista e o olhou com o cenho franzido e expressão impaciente.
— Claro que perguntei — insistiu — Con, era impossível que passasse por cima de algo
assim.
— Não me perguntou — repetiu — me disse que era um ladrão.
— Eu não disse isso — protestou Elliott.
— Sim, disse. — Sorriu com amargura — Disse, não disse, fez, não fez... Soa algo,
Elliott? Passamos a metade da infância nos dizendo isso. Costumávamos terminar a murros e
depois nos dávamos risadas. Mas desta vez não foi assim. Mas dá no mesmo. Mesmo se me
tivesse perguntado e eu tivesse respondido e você tivesse me acreditado, não teria
permitido que o projeto continuasse. Teria detido Jon e teria arruinado o que aconteceu ser
o trabalho de sua vida. Seu legado.
— Não acredito que... — atravessou Stephen.
Entretanto, Elliott o estava olhando com uma expressão inescrutável.
— É muito provável que o tivesse feito — admitiu o aludido — meu instinto era
proteger Jonathan, inclusive de si mesmo. Sempre me assombrou que o tratasse como a uma
pessoa normal e que se relacionasse com ele pondo-se a seu nível. Assombrava-me que
brincasse horas e horas com ele, mesmo que já não fosse um menino. Pensei que minhas
responsabilidades para ele deviam levar-se ao fim com grande seriedade. Mas você convertia
tudo em um jogo e isso me enfurecia. E o fazia de propósito. Não tem nem ideia do muito
que... — interrompeu-se de repente e meneou a cabeça, apertando e afrouxando os punhos
aos flancos — Tem razão, o teria detido. Teria suposto que não tinha nem ideia do que
estava fazendo. Mas Jon era muito consciente do que fazia, não é verdade? Con, sempre
dizia que Jon era amor. Não que queria bem às pessoas, mas sim era amor em estado puro.
Também tinha razão nesse sentido. E estava em seu direito a não responder a minhas
perguntas... Se é que fiz isso tal como estou convencido de que aconteceu. Tinha direito de
conservar seus segredos. Tinha direito de se comportar como um idiota teimoso.
— Não nos mande embora, Con — disse Stephen — Talvez Elliott possa ajudar. Talvez,
eu também posso ajudar. Ou não. Mas não nos mande embora. Somos sua família e nos
necessita embora não se dê conta. Além disso, a Duquesa de Dunbarton nos enviou e
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acredito que romperá o coração se nos mandar embora sem sequer tentarmos ser de alguma
ajuda.
Con o olhou com expressão pensativa.
Hannah os tinha enviado.
Hannah.
A opressão que sentia no peito se intensificou.
— Há quartos livres na residência da viúva — disse ao mesmo tempo em que apontava
para o Leste, onde se vislumbrava uma casa situada entre as árvores não muito longe do lago
artificial que o anterior proprietário tinha construído — É onde vivo. Se não for muito
humilde para seus gostos, podem ficar.
Fez o convite à contra gosto. Não sabia se ficava alegre de vê-los ou não, por mais que
não importasse como se sentisse. Ele não era importante nesse assunto.
Jess sim.
Poderia Elliott ajudar? Elliott, com seu bendito ducado e seus aristocráticos ares de
grandeza?
Elliott, com sua honestidade?
— Fiquem comigo, por favor — acrescentou antes que seus primos pudessem
responder — antes de nada, necessitam um banho, descanso e um pouco de comida. Por
aqui.
— Quando...? — começou Elliott.
— Quatro dias — respondeu Constantine com secura — Temos todo o tempo do
mundo. — E se pôs a andar pelo caminho de cascalho que conduzia à residência da viúva.
Quatro dias.
Escutou-os caminhar atrás dele.

196
CAPÍTULO 19

Elliott e Stephen foram visitar o juiz na manhã seguinte, ambos vestidos com suma
elegância. Elliott não permitiu que Constantine os acompanhasse. É claro, nem Stephen nem
ele poderiam tê-lo impedido se tivesse querido ir, mas teve que admitir à contra gosto que
certamente seria melhor ficar em casa.
Elliott foi falar com ele a sós antes de partir.
— Estive dando uma olhada por aqui e falei com alguns de sua gente. Vai bem. Faz
tempo que vai bem.
Con o olhou com os lábios apertados.
— Soou condescendente? — Perguntou seu primo com um suspiro — Não era minha
intenção. Estou assombrado e impressionado. E arrependido. E envergonhado. Você não
teve nada a ver com essas mulheres, não é verdade? Foi... Meu tio? Seu pai?
Ele não respondeu.
— O meu não era melhor — Seguiu Elliott — Cresci acreditando que era um modelo de
virtudes, que estava entregue em corpo e alma a minha mãe, as minhas irmãs e a mim. Foi
depois de sua morte que me inteirei da amante que levava anos mantendo e da extensa
família que teve com ela. Sabia de sua existência? Parecia que o resto do mundo estava ao
par, inclusive minha mãe.
— Não — respondeu.
— Depois da vida desenfreada que levara durante vários anos — continuou Elliott —
aterrava-me a ideia de me converter em alguém como ele, de me converter em um libertino,
de decepcionar minha mãe e minhas irmãs como ele tinha feito. De modo que perdi meu
senso de humor e todo sentido de proporção. E quando você se rebelou contra minha
intromissão, tal como a considerava, nos assuntos do Jon e fez tudo o que esteve em sua
mão para me incomodar, a única coisa que conseguiu foi me irritar ainda mais. Sobretudo
quando me dava conta de que as coisas não eram como deveriam ser em Warren Hall,
quando compreendi que meu pai tinha descuidado de seu dever em mais outra faceta de sua
vida.
Con supôs que era uma espécie de desculpa.
— Jonathan descobriu a verdade a respeito de seu pai? — quis saber Elliott.
— Sim. Duas mulheres, duas irmãs, foram falar com ele um dia quando eu não estava
— respondeu — Nunca o vira tão alterado, tão desiludido. Nem tão emocionado como no dia
que idealizou seu grande plano. Duvido muito que tivesse sido capaz de negar minha ajuda
na elaboração do plano, por mais que não estivesse de acordo com ele. O que não era o
caso. Eu sabia da situação fazia anos. Levava anos enojado pela situação. Mas o pouco que
pude fazer equivalia a por uma minúscula atadura sobre um ventre aberto em canal.

197
— Con — disse Elliott depois de um breve silêncio — não é inocente no que diz
respeito ao nosso distanciamento. Estou quase certo de que perguntei isso. Mas mesmo que
não o tivesse feito, teria podido negar as acusações e me obrigar a escutar a verdade. Teria
acreditado. Pelo amor de Deus, éramos amigos! Éramos quase como irmãos.
— Mas não queria que soubesse. Não queria que acreditasse. Admitiu-o ontem.
Porque em qualidade de tutor legal do Jonathan não teria permitido que continuasse
empobrecendo sua propriedade em benefício do que naquele momento parecia uma
loucura. E teria tido razão ao fazê-lo. Não devia permitir que atuasse com essa impulsividade.
— Mas me teria equivocado ao mesmo tempo. Muito. Claro que nenhum dos dois
poderia ter predito naquele momento. Não teria sido fácil para mim, Con. Ao calar a
verdade, possibilitou que Jonathan e você fizessem o correto. Mas no processo aniquilou
nossa amizade e me converteu no vilão da obra. Em um imbecil pomposo.
— Comportou-se como tal — indicou Constantine.
— E você como um idiota teimoso.
Olharam-se em silêncio. Um olhar que ameaçava converter-se em um duelo até que
Elliott danificou a pose ao permitir que tremessem os lábios.
— Alguém deveria nos retratar assim — disse — Seríamos uma caricatura incrível.
— Está fazendo isto só por Jess? — perguntou.
— E pela Duquesa de Dunbarton — respondeu Elliott — E por Vanessa. Está desejando
perdoar e ser perdoada, Con.
— Ser perdoada? — Repetiu com o cenho franzido — Fui eu quem se comportou mal
com ela. Muito mal.
— Mas se desculpou — precisou Elliott — e ela se negou a perdoá-lo. Sei que depois
disso se sente mal pelo que aconteceu. Quando a Duquesa veio nos ver com Stephen,
Vanessa viu uma oportunidade para sua redenção. Talvez para a de todos. Se tiver vindo por
alguém, foi por ela. Amo-a.
— Sei — disse Constantine.
— E também vim por você — acrescentou Elliott, que afastou a vista com brusquidão
— apesar de tudo, é alguém a quem uma vez quis. Talvez alguém a quem ainda quero. Pelo
amor de Deus, Con, senti sua falta! Pode acreditar nisso? Achava-o capaz de todas essas
barbaridades, mas continuava sentindo sua falta.
— Isso está começando a ficar vergonhoso — comentou.
— Certo — concordou Elliott — E Stephen certamente está me esperando. Antes que
me reúna com ele, Con, me dá sua mão?
— Quer as pazes com um beijo? — perguntou.
— Se não se importar, prefiro saltar o beijo — respondeu seu primo, estendendo a
mão direita.
Con a olhou e a estreitou.
— Tal como eu o recordo — disse — não me perguntou, Elliott. Deu-o por certo. Mas
tal como você recorda, perguntou-me e eu o mandei ao diabo. Nunca saberemos quem tem
198
razão. Possivelmente seja melhor assim. Mas você acabava de perder a confiança em seu pai
e eu estava desesperado por proteger o sonho de Jon. Alguma vez nos deu bem falar sobre o
sofrimento, não é certo?
— Um Cavalheiro nunca admite sentir isso — respondeu Elliott enquanto se davam um
forte aperto de mãos — E agora tenho que desdobrar toda minha pomposidade, contudo,
tentarei não me comportar como um imbecil. Farei tudo o que esteja em minhas mãos para
conseguir o indulto do Barnes. Tomara seja suficiente.
— Eu também o desejo — disse seu primo fervorosamente.
Ainda doía ter que ficar em Ainsley Park, de braços cruzados e impotente. Entretanto,
de momento, o melhor era deixar que seus primos fossem ver o juiz e obtivessem o que ele
não tinha conseguido. Ou que ao menos o tentassem.
E se fracassassem?
Pensaria nisso quando chegasse o momento.
Quando chegasse o momento? Não no caso de que chegasse?
Encaminhou-se à granja que abastecia a propriedade com a esperança de achar
alguma tarefa pesada com a qual poderia matar o tempo.

Ao longo das três horas e meia seguintes, Constantine percebeu que se convertera no
centro de atenção de Ainsley Park. Estava cortando madeira junto aos estábulos.
Tirara a camisa e tinha toda sua atenção, sua força e sua energia postas na tarefa.
Nada no mundo importava mais que empilhar madeira suficiente para passar o próximo
inverno... E talvez também o seguinte.
Os lacaios e os cavalariços estavam trabalhando no estábulo. Nenhum tomou um
descanso, nem sequer ao meio dia. Todos e cada um deles acharam um motivo para passar
pelo pátio do estábulo com suspeita regularidade. Ao menos três mulheres estavam
arrancando as ervas daninhas da horta da cozinha, embora um par de dias antes Con tinha
comprovado que não havia nenhuma. Talvez por isso estivessem demorando tanto, porque
lhes custava achá-las. Dois meninos passavam os troncos para que os cortasse, embora era
evidente que um bastava. Millie lhes levou duas vezes uma bandeja com bebidas e bolachas
de aveia, e também ficou para ajudar um dos meninos a empilhar a lenha junto à parede do
estábulo durante sua segunda viagem.
A cozinheira saiu pela porta lateral, supostamente para averiguar por que se atrasava
tanto Millie. Entretanto, em vez de chamar a ou de retornar à cozinha quando se deu conta
de que estava ocupada, ficou um momento onde estava, secando as mãos com o avental.
Seguramente quando terminou eram as mãos mais secas de toda a Inglaterra. Roseann
Thirgood estava dando uma aula de leitura no exterior, possivelmente porque fazia um dia
ensolarado e corria uma suave brisa que os obrigava a segurar os livros com ambas as mãos
para evitar que as páginas voassem. Outra das mulheres achou necessário sacudir o

199
espanador pela janela de um dos lados da casa todos os poucos minutos e aparecer para ver
onde caía o pó.
Todos sabiam, é claro, que Elliott e Stephen tinham ido falar com o juiz, embora não o
havia dito ninguém. E todos sabiam por que Constantine estava cortando lenha com tanta
ferocidade. Ninguém falou. Nem tampouco falaram entre eles. Salvo Roseann com seus
alunos, supôs, embora não escutou nenhum.
E depois todos os que tinham desaparecido um instante, reapareceram, todos os que
tinham estado ocupados ou tinham fingido que o estavam, deixaram o que estavam fazendo,
inclusive, as mulheres que tiravam as ervas daninhas, ficaram em pé. Millie deixou cair os
dois lenhos que levava nas mãos. A cozinheira soltou o avental.
Con se deteve com o machado por cima do ombro.
Cavalos.
E rodas de uma carruagem.
Abaixou o machado muito devagar e se voltou.
A mesma carruagem ducal do dia anterior. O mesmo cocheiro e o mesmo lacaio, com
suas reluzentes librés, escovadas com brio para o novo dia.
Con inclusive se esqueceu de respirar por um instante. Se tivesse dado de refletir sobre
esse detalhe, teria apostado que outros também se esqueceram de fazê-lo.
A carruagem não prosseguiu até a porta principal. Deteve-se junto ao estábulo.
Possivelmente seus ocupantes tinham visto todos concentrados no pátio, em cujo centro
estava Con.
Stephen foi o primeiro em sair, sem esperar que desdobrassem os degraus. Olhou ao
seu redor e depois para Con, que estava parado no chão. Não dera um só passo para a
carruagem.
— A coisa pende de um fio — disse Stephen, erguendo a voz para fazer-se ouvir.
Uma desafortunada escolha de palavras.
Elliott também apeou sem a ajuda dos degraus.
— O juiz vai considerar o assunto — disse, também bastante forte para que todos se
inteirassem — Seu veredicto final ainda não é firme, mas no caso de que indulte a Jess
Barnes, fará-o deixando-o sob minha custódia e com a condição de que o leve bem longe
daqui e de que não retorne jamais a Gloucestershire.
Con estava quase certo de ter escutado um suspiro coletivo. Ou talvez só escutou o
seu. Soltou o machado junto a um monte de madeira sem cortar e se aproximou de seus
primos, que por sua vez se aproximou dele.
— Elliott esteve incrível, Con — disse Stephen — Quase me pus a tremer ao escutá-lo.
— Não nada disso — contradisse Elliott — Estava muito ocupado gotejando seu
legendário encanto, Stephen. Estive a um passo de ficar obnubilado.
— Mas o juiz não se decidiu — disse Con.
— Para ser justo, tem caráter — disse Elliott — me deu a impressão de que se
arrepende cada vez mais da dureza da sentença à medida que se aproxima o fatídico dia,
200
mas que não encontra uma saída digna. Seguramente sua intervenção o abrandou. Queria
nos conceder o que pedíamos, mas se nega a dar a impressão de ter se deixado avassalar por
dois aristocratas sem autoridade real sobre ele.
— Acha que soltará Jess? — perguntou Con.
— Acredito — respondeu — Mas não posso assegurar. Não.
— Disse quando tomará uma decisão? — quis saber.
— Amanhã — respondeu Stephen.
— Mas seja como for, Con — disse Elliott — Jess não voltará para Ainsley Park. Sinto
muito. A melhor solução que me ocorreu foi prometer que o levaria comigo.
Con assentiu com a cabeça. E seus olhos voaram por cima do ombro de Elliott, mais à
frente da carruagem, até o caminho que corria por trás. Um cavaleiro solitário se aproximava
a trote.
Os outros também o tinham escutado. Voltaram-se ao mesmo tempo.
O juiz já tinha tomado uma decisão? Era uma visita ao azar?
Entretanto, conforme se aproximava o cavaleiro, viram que exibia uma brilhante libré
e que parecia estar um pouco cansado. Era evidente que tinha percorrido um longo trajeto,
possivelmente sem fazer paradas salvo para trocar de cavalos e tomar algo.
— Por Deus! — Exclamou Stephen — É a libré real.
Não havia a menor dúvida a respeito. O cavaleiro era um mensageiro do Rei.
O recém-chegado deteve o cavalo atrás da carruagem e olhou ao seu redor com
expressão altiva antes de reparar em Elliott.
— Tenho ordens de entregar uma mensagem ao Senhor Constantine Huxtable — disse.
— Sou eu — Con ergueu um braço, um braço nu salpicado com aparas de madeira, e
deu um passo à frente.
A expressão do mensageiro se tornou mais altiva se fosse possível.
— Dou fé de sua identidade — atravessou Stephen, com certa ironia — Sou Merton.
O mensageiro procurou em seu alforje e tirou dois pergaminhos lacrados com o selo
real.
— Senhor, primeiro devo entregar esta por ordem expressa de Sua Majestade, o Rei.
E ofereceu um dos pergaminhos a Con, que o olhou como se assim pudesse
desentranhar seus segredos. Intercambiou um olhar com o Elliott e Stephen, rompeu o selo e
desdobrou o pergaminho.
O sangue foi aos pés. Umedeceu os lábios. O pergaminho tremeu entre seus dedos.
Ergueu a vista.
— Um perdão — sussurrou. E depois levantou a cabeça, olhou ao seu redor e ergueu a
voz. Sustentou o pergaminho no alto — Um perdão. Um perdão real para Jess. O Rei revogou
a sentença.
— Se me indicar como chegar até o juiz em questão, Senhor — disse o mensageiro —
levarei uma cópia desse documento sem mais demora.

201
Ninguém fez conta. Houve uma onda de vivas, risadas e aplausos. E todo mundo ficou
falando ao mesmo tempo. O volume de suas vozes aumentou ao se dar conta de que
ninguém escutava aos outros porque todos estavam falando ao mesmo tempo. Quase todos.
Duas das mulheres que tiravam ervas daninhas ficaram dançando agarradas pelas mãos,
gritando enquanto davam voltas. A cozinheira havia coberto o rosto com o avental. Millie
estava soluçando sem disfarces enquanto as lágrimas escorregavam por suas faces.
Con fechou os olhos com força e levantou o rosto ao céu.
— Aquela bruxa — murmurou com carinho.
— Enfim — disse Elliott — já vejo que necessária era minha presença, Con.
Entretanto, estava sorrindo quando Con o olhou, aproximou-se e o aprisionou com um
abraço de urso.
— Era necessária — assegurou — É necessário Elliott. Sempre é necessário — E em
seguida caiu no ridículo ao começar a chorar com a testa apoiada no ombro de Elliott.
Sentiu que seu primo colocava uma mão na nuca.
— Maldição! — exclamou ao mesmo tempo em que retrocedia um passo e limpava as
lágrimas com o dorso da mão — Droga!
Elliott pôs um lenço de linho branco na mão.
— O amor é permitido, Con — disse.
Stephen assuou o nariz com seu próprio lenço.
O mensageiro real pigarreou.
— A seguir tenho ordens de dar isso ao Senhor — disse, oferecendo o segundo
pergaminho.
Con olhou ao cavaleiro enquanto o aceitava. Mas só era um mensageiro, não a
mensagem em si.
Que mais tinha que dizer o rei?
Ora, ora, não o disse a sério... Jess Barnes vai morrer! Pensou.
Rompeu o selo, desdobrou o pergaminho e o leu.
E depois o leu uma segunda vez.
E depois soltou um risinho. E depois se pôs a rir enquanto o passava a Elliott, que o leu,
também duas vezes, e o passou a Stephen antes de olhá-lo e somar-se a suas gargalhadas.
— Caramba! — disse Stephen ao cabo de um momento — Caramba!
E os três ficaram a rir muito enquanto os outros os olhavam e se perguntavam no que
achavam tanta graça.

— O que acontece com o tempo, Babs? — Perguntou Hannah que estava sentada em
seu lugar preferido, o peitoril acolchoado de seu gabinete particular — Quando o estamos
passando bem, voa como um pássaro ansioso por chegar ao seu lar depois de um longo
inverno, e assim como o dito pássaro, é impossível detê-lo. Em outras ocasiões se arrasta
como uma tartaruga a quem tivessem dado láudano.
202
Barbara estava bordando.
— Não existe o que chamamos tempo — replicou — Só existem nossas reações ao
inexorável curso da vida.
Hannah cravou a vista no alto da cabeça de sua amiga.
— Babs, acha que se fingisse estar desfrutando de seguir na pobreza receberia notícias
imediatamente? Será tão simples como isso? Por favor, me diga que sim.
Barbara levantou a cabeça e sorriu.
— Temo que não — respondeu — Porque a ilusão do tempo faz que o tempo exista.
Nossas reações são muito fortes para detê-lo de tudo. Somos infelizmente humanos. E
maravilhosamente humanos também.
— Não terá aprendido tudo isto com seu vigário, não é verdade? — perguntou com
receio.
— Pois sim, graças a algumas discussões — admitiu Barbara — E através de minhas
reflexões íntimas e de algumas leituras que Simon me sugeriu.
— Se não posso deter a ilusão do tempo nem tampouco posso deter a realidade —
disse — de nada serve saber que se trata de uma ilusão, não parece? Nem tampouco é
necessário definir essa realidade. Agora me está dando voltas a cabeça, ou isso também é só
uma ilusão?
Barbara se limitou a soltar uma gargalhada e a retomar o trabalho.
— O Rei prometeu ajudar, Hannah — recordou.
— Mas todo mundo sabe que a memória do Rei é muito volúvel — replicou — Tem
boas intenções, mas se distrai muito facilmente. Não fui a única pessoa que pediu algo nessa
manhã, nem a última. O fato de que se pusesse a chorar ao ouvir minha história não quer
dizer nada. Chora por algo que seja minimamente emotivo.
— Deve confiar nele — insistiu sua amiga — E no Duque de Moreland e no Conde de
Merton. E no próprio Senhor Huxtable.
Hannah suspirou e pegou uma almofada que abraçou contra seu peito.
— É muito difícil confiar em outra pessoa que não seja em si mesmo — respondeu.
— Fez tudo o que pode — disse Barbara — Muito mais.
Hannah olhou de novo o alto da cabeça de sua amiga. Considerou a ideia de se
levantar e começar a passear pela sala... Outra vez. Considerou a possibilidade de sair para
dar um passeio vigoroso, mas estava chovendo e o vento soprava com força, e Barbara
insistiria em acompanhá-la. E certamente pegaria um resfriado e teriam que cuidá-la durante
um par de semanas para que não acabasse as portas da morte.
Às vezes, Barbara podia ser um aborrecimento considerável.
— Supunha que ia voltar para casa assim que retornássemos de Kent — comentou —
Ansiava voltar para casa, embora seja muito educada para dizê-lo. Entretanto, aqui está,
calada e paciente, Babs. Eu subiria pelas paredes se estivesse em seu lugar.

203
— Não, não o faria — Sua amiga voltou a levantar a cabeça — É muito melhor pessoa
do que aparenta Hannah. Se estivesse em meu lugar, ficaria comigo todo o tempo que a
necessitasse. Somos amigas. Queremo-nos.
Hannah escutou o soluço que entupia a garganta e engoliu em seco.
Arregalou os olhos para que não enchessem de lágrimas. De uns tempos para cá
custava muito não se pôr a chorar. Convertera-se em uma espécie de reclusa desde sua visita
ao Palácio de Saint James. Embora suas novas amigas tivessem a amabilidade de ir vê-la na
tarde anterior.
Tinham ido todas juntas, as três irmãs Huxtable e sua cunhada, e tinham ficado
durante uma hora e meia, muito mais do que requeria uma visita de cortesia. Estavam quase
tão ansiosas como ela por receber notícias.
— Ama seu vigário — disse — Deveria estar com ele, Babs.
— E estarei — respondeu Barbara — Vamos nos casar em agosto e viveremos juntos o
resto de nossas vidas. Quando receber notícias suas, estou certa de que me dirá que fiz o
correto ao ficar com você. Embora hoje já não receba nada. Com certeza que amanhã sim.
Barbara continuou bordando e ela soltou um profundo suspiro.
E ao fim de um momento conteve o fôlego enquanto Barbara deixava a agulha
suspensa sobre o tecido. Ambas escutaram o distante som da aldrava da porta principal.
— Visitas — disse Hannah em um esforço para fingir despreocupação — Dirão que não
estou em casa.
Entretanto, aguçou o ouvido ao escutar passos do outro lado da porta, e quando os
ouviu, esticou-se e pôs a almofada junto ao corpo como se devesse protegê-lo com sua
própria vida.
— Um Cavalheiro pergunta pela Senhorita Leavensworth, Excelência — disse seu
mordomo quando abriu a porta.
— Diga que... Pergunta por Barbara?
— O reverendo Newcombe, Excelência — respondeu o mordomo, olhando Barbara —
Devo dizer que não se encontra em casa?
— Simon? — perguntou Barbara em voz baixa.
Tinha a agulha suspensa sobre o tecido.
De repente, pensou Hannah, sua amiga estava muito bonita.
— Faça-o entrar, por favor — Ordenou ao mordomo.
Nunca recebia visitas em seu gabinete particular.
Abaixou as pernas ao chão e soltou a almofada quando o mordomo se retirou. Seu
primeiro instinto foi sair da sala a toda pressa, deixar o campo livre para o reencontro dos
apaixonados. Mas foi incapaz de resistir ao impulso de ficar, para presenciá-lo e conhecer o
noivo de Barbara.
Sua amiga recolheu calma e metodicamente seu trabalho, depois comprovou o estado
de seu cabelo e se assegurou de que não ficasse sobre seu vestido, nem rastro das bolachas
que acompanhara o chá. Olhou para Hannah.
204
— Por isso hoje não recebi sua carta — disse — veio pessoalmente.
Sua beleza era radiante. Tinha os olhos enormes e brilhantes.
Era a expressão do amor, pensou Hannah.
Tinha-o visto em seu próprio espelho de uns tempos ate agora. E o que tinha servido...
A porta voltou a se abrir depois da batida de rigor.
— O reverendo Newcombe para ver a Senhorita Leavensworth — anunciou o
mordomo.
E em seguida entrou o Cavalheiro mais comum que Hannah poderia imaginar. Era justo
como Barbara o havia descrito, de fato.
Não era alto, nem forte nem bonito. Seu traje era sóbrio e decente, sem adornos. Mas
assim que seus olhos se posaram em Barbara, sorriu... E Hannah soube por que sua amiga,
que tinha recusado vários pretendentes mais que adequados ao longo de sua juventude,
tinha entregado seu coração a esse homem.
Barbara sorria de orelha a orelha.
Por Deus! Pensou Hannah, se estivesse no lugar de sua amiga teria cruzado a sala
correndo com um grito ensurdecedor para lançar-se sobre ele.
— Barb — disse o reverendo.
— Simon.
Depois dessa enorme demonstração de afeto, ambos recuperaram suas boas maneiras
e se voltaram para ela.
— Hannah tenho a honra de apresentar o reverendo Newcombe — disse sua amiga —
Simon, apresento a Duquesa de Dunbarton.
O vigário fez uma reverência. Hannah correspondeu com uma inclinação de cabeça.
— Veio pessoalmente para levar Barbara para casa — aventurou — Não o culpo
absolutamente, Senhor Newcombe. Fui muito egoísta.
— Excelência, vim porque meu futuro sogro teve a amabilidade de me substituir nos
ofícios do domingo, para assim poder tomar umas curtas férias em Londres, embora
desfrutarei de outras depois de minhas núpcias. Vim porque me parecia que passaram anos,
e não semanas, desde a última vez que vi Barbara. E vim porque você está angustiada e
pensei que talvez possa oferecer consolo espiritual.
Hannah mordeu o lábio inferior. Rir não seria apropriado. Embora fosse certo que em
parte ansiasse fazer isso, outra parte mais nobre de seu ser se sentia comovida.
— Agradeço. É um momento de grande ansiedade. A vida de um homem pende por
um fio e me preocupa muito, embora não o conheça pessoalmente e é provável que nunca
chegue a conhecê-lo. Alguém próximo a mim está muito envolvido emocionalmente neste
assunto, e eu estou muito envolvida emocionalmente com esta pessoa.
Não tinha sido sua intenção se expressar desse modo. Mas já tinha pronunciado as
palavras, e eram verdadeiras. Sempre devia contar a verdade a um clérigo.
— Entendo, Excelência — replicou o reverendo, e teve a impressão de que era
verdade.
205
— Tenho que atender um assunto urgente em outra parte da casa — comentou —
assim receio que não poderei ser uma anfitriã perfeita, já que devo me ausentar agora
mesmo. Mas o deixarei com Barbara. Estou certa de que fará tudo o que esteja em sua mão
para entretê-lo em minha ausência.
— Estou certo de que o fará, Excelência — concordou ele.
Sorriu e o reverendo devolveu o sorriso com tão bom humor que se poderia ter
apaixonado por ele se seu coração fosse livre.
Sorriu-lhe, piscou a Barbara um olho que o reverendo Simon Newcombe não podia ver
e saiu da sala como se na realidade tivesse uma infinidade de tarefas pendentes.
O que estaria acontecendo em Gloucestershire? E por que ninguém escrevia?

206
CAPÍTULO 20

Depois do longo trajeto até Londres, o mais interessante que ocorreu ao reverendo
Newcombe fazer durante seu primeiro dia foi ir a uma livraria situada na Oxford Street que
ainda recordava seus dias de estudante.
Antes passou por Dunbarton House a fim de convidar Barbara e Hannah para que o
acompanhassem. Barbara estava entusiasmada pela ideia.
Hannah observava o casal enquanto tomavam café no salão. Aquilo era extraordinário.
Nem sequer era uma livraria de livros novos. Certamente estava cheia de pó. E
indubitavelmente cheia de antigos volumes, tão deteriorados pelo passar do tempo que suas
folhas estariam se desintegrando para criar mais pó.
— Hannah, tem que vir conosco — suplicou Barbara — Está há vários dias sem
aparecer sequer à rua e hoje faz um dia ensolarado. Se acha que vai estorvar, asseguro que
não é assim. — ruborizou-se.
— Nem me passara pela cabeça — assegurou Hannah — Ambos são muito educados
para admitir em particular, que minha presença seria um estorvo. Esta tarde irei passear no
Hyde Park, receberei meu séquito e me inteirarei de todos os novos falatórios que circulam
para entretê-la durante o jantar. Senhor Newcombe, jantará conosco?
— Obrigado, Excelência — respondeu o aludido, inclinando a cabeça — Mas...
Alguém bateu na porta do salão e o interrompeu.
— Excelência, os Condes de Merton desejam saber se está em casa — disse o
mordomo ao abrir a porta.
Hannah ficou em pé de um salto. Cassandra? E o Conde também?
— Faça-os entrar — replicou.
Custou a própria vida não sair correndo atrás dele e adiantar-se a ele na escada para
chegar ao vestíbulo em primeiro lugar e inteirar-se do que tinha acontecido.
— O Conde de Merton foi a Ainsley Park com o Duque de Moreland para ver se
podiam interceder pelo condenado — explicou Barbara ao seu vigário.
— Sim — replicou o reverendo Newcombe — lembro os nomes porque os mencionou
em sua carta, Barb. E agora o Conde voltou, talvez com notícias. Esperemos que sejam boas
novas. Excelência, a preocupação que demonstra por uma pobre alma desencaminhada é
elogiável. Mas não me surpreende. Barbara me contou...

207
Hannah deixou de escutá-lo nesse ponto. Não por um gesto deliberado de má
educação, se não porque seus pensamentos se converteram em um torvelinho
descontrolado.
Aproximou-se da porta tudo o que pode sem arriscar-se a que dessem com ela no nariz
quando voltassem a abri-la e entrelaçou as mãos à altura da cintura. Tentou recorrer a toda a
dignidade que pode.
O Duque de Moreland não acompanhava o Conde? Nem Constantine?
A porta voltou a se abrir depois de uma batidinha.
— Os Condes de Merton, Excelência — anunciou o mordomo.
A aparência do Conde delatava que tinha realizado uma longa viagem. Embora sua
roupa não estivesse amassada e se barbeara, notava-se o cansaço nos olhos e Hannah teve a
impressão de que se deteve em Merton House, justo para ver sua esposa.
Cassandra, por sua parte, sorria de orelha a orelha.
— Tudo saiu bem — disse ao mesmo tempo em que se apressava a se aproximar dela
para abraçá-la — Tudo saiu bem, Hannah.
Hannah se deixou abraçar e se apoiou na Condessa, aliviada.
— Excelência, suponho que já sabia — disse o Conde — Deve ter sido você quem
convenceu o Rei para que interviesse. Embora imagine que estará ansiosa por saber que o
perdão real chegou a tempo. Três dias antes do prazo final, de fato.
Só três dias? Perguntou-se ela.
— Foi um perdão completo — acrescentou — Jess Barnes é um homem livre. Quando
parti, prometi a Con que a faria saber ao chegar a Londres. Além disso, tomei a liberdade de
voltar em sua carruagem, Excelência. Con voltará com Elliott mais tarde.
— Com o Duque de Moreland? — Hannah arqueou as sobrancelhas — Os dois juntos
na mesma carruagem?
O Conde de Merton sorriu.
— Nem sequer acredito que cheguem aos punhos — comentou — Nem que viajem
sem dirigir a palavra.
— Solucionaram sua absurda rixa? — quis saber.
— Sim — respondeu o Conde — Pela primeira vez desde que os conheço pude vê-los
tal como deviam ser durante grande parte de suas vidas. Não param de falar e de brincar. E
inclusive de discutir. Se por acaso necessitar de algum argumento para convencê-la, direi que
Con escolheu o ombro de Elliott para chorar depois de ler o perdão real e olhe que o meu
estava tão perto e igualmente disponível.
— Oh! — Hannah uniu as mãos e levou as pontas dos dedos aos lábios.
Depois de fechar os olhos imaginou Constantine chorando. Que envergonhado deveria
ter se sentido! E que furioso ficaria se soubesse que seu primo estava contando! Os homens
tinham posturas muito ridículas nessas questões.

208
Que estranho era que alguém pudesse julgar tão mal a outra pessoa. Em seu intimo
sempre o tinha chamado de demônio. Pela aparência sombria e perigosa que justificava o
apelido. E na realidade era justo o contrário.
Era todo luz, amor e compaixão.
Bem, e talvez um pouco de sombra e de perigo. De fato, era uma confusa mescla de
qualidades humanas. Como a maioria das pessoas.
Amava-o tanto que quase doía! Que idiota era.
Pensamentos muito inadequados para o momento em questão. Levantou a cabeça,
sorriu e se voltou para realizar as apresentações entre o reverendo Newcombe e os Condes.
O reverendo e Barbara estavam em pé. Sua amiga tinha os olhos brilhantes pelas
lágrimas, embora não estivesse chorando, quando se aproximou para abraçá-la.
— Sabia que o Rei não o esqueceria — disse Barbara.
Hannah se perguntou se esse seria o final. O Conde acabava de dizer que Constantine
voltaria para a cidade com o Duque de Moreland.
Mas e se mudasse de opinião e ficasse em Ainsley Park já que a temporada social já
dava suas últimas notas? E se precisasse ficar, tal como era sua intenção a princípio, para
consolar Jess e aplacar os ânimos entre seus vizinhos? E se já que estava longe dela decidia
que era um momento oportuno para por fim a sua relação?
Confessara que o amava. Isso deveria persuadi-lo a manter as distâncias com ela ao
menos durante um par de anos.
Voltaria? Retomariam sua relação como se a interrupção não tivesse tido lugar?
Retomaria para ela?
Não pensou até esse preciso instante. Que não era o mais adequado. Tinha dois casais
de convidados para atender, embora Cassandra estivesse dizendo nesse instante que
partiam a fim de informar Vanessa do que acontecera e para dizer que o Duque retornaria
breve.
Continuaria vivendo em sua casa durante o dia e iria a casa de Constantine a noite para
fazer amor?
Ansiava fazer amor. Que Constantine a amasse.
Ela era sua amante.
Ele era seu amante.
Seria suficiente?
Era o que acordaram. Era o que ela tinha desejado para esse primeiro ano de
liberdade. De fato, ela iniciou tudo. Mudara de opinião tão cedo? A essa altura não podia
suportar a idéia de não seguir sendo amantes. Mas tampouco suportava a idéia de seguir
sendo.
Porque o amava. Confessara a verdade, embora talvez não tivesse sido o mais
acertado.
Por que amá-lo e ser sua amante pareciam duas situações mutuamente excludentes?

209
Ai, Deus! Exclamou para si mesma enquanto se despedia dos Condes de Merton e
agradecia a visita. Ao que parecia estava tão nervosa e tão à deriva de suas emoções como
quando tinha dezenove anos. Como se os onze anos que a afastavam daquele momento não
tivessem existido.
Salvo que nesse instante era consciente da alternativa que tinha em frente aos seus
olhos e de que só ela podia escolher. De forma serena e racional. Desde que Constantine não
escolhesse por ela, claro, ao ficar em Ainsley Park.
Continuariam amantes durante o que restava de temporada social?
Ou não?
A escolha não podia ser mais simples. Decidir-se era outra questão.
— Hannah, vem conosco? — perguntou Barbara uma vez que voltaram a ficarem os
três sós no salão.
— Já não tem que permanecer em casa para esperar notícias, não é? Já chegaram e
não podiam ter sido melhores.
— Por que não? — replicou olhando primeiro a um e depois à outra — vamos celebrar
o folheando livros velhos.
O reverendo Newcombe esboçou um sorriso deslumbrante.

Con ficou mais quatro dias em Ainsley Park depois que Jess foi libertado e de que
Stephen partisse para Londres na carruagem da Duquesa.
Sentia a necessidade de estar com sua gente uns dias até que todos se recuperassem
da terrível ansiedade que passaram e retomassem o ritmo cotidiano do dia a dia. Sentia
necessidade de visitar seus vizinhos e de falar com eles pessoalmente sobre a situação de
Ainsley Park.
Não podia lhes prometer que jamais se repetiriam situações incômodas como a
acontecida, mas lhes recordou e enfatizou que o incidente protagonizado por Jess foi o
primeiro desse tipo em todos os anos que o projeto estava funcionando. Além disso,
explicou-lhes que sua gente valorizava a segunda oportunidade que lhes brindava a vida e
que estavam fazendo todo o possível para converter-se em pessoas respeitáveis e
trabalhadoras.
Deixou bem claro que ele não dirigia um ninho de ladrões... Nem um bordel. Nem
sequer o pobre Jess era um ladrão por natureza, senão um homem que tinha tentado
emendar um erro sem refletir sobre o que estava fazendo. E Jess ia partir. Jamais voltaria a
pisar em Ainsley Park. A maior parte de seus vizinhos o recebeu com educação. Alguns
inclusive com simpatia. Outros se reservaram sua opinião.
Kincaid não ocultou seu cepticismo, embora não se mostrasse abertamente hostil. O
tempo o faria mudar, ao menos isso achava, e esperava Constantine.

210
Também quis ficar esses dias para que Jess se recuperasse um pouco do calvário e se
acostumasse à idéia de que sua aprendizagem em Ainsley Park tinha acabado e de que foi
promovido a um posto com o qual sempre tinha sonhado. O de cavalariço.
O Duque do Moreland o tinha oferecido, de modo que partiria para Rigby Abbey, a
casa Senhorial de Sua Excelência.
Con explicou que seria muito duro para todos que partisse, mas o Duque era seu primo
e se fosse obrigado a deixá-lo ir subir em sua vida trabalhista, preferia que partisse com um
parente a que o fizesse com um desconhecido. Além disso, poderia vê-lo de vez em quando,
sempre que visitasse o Duque, e assim levar notícias de todos seus amigos de Ainsley Park.
Con nunca esteve em Rigby Abbey.
Surpreendeu-o que Elliott decidisse ficar também em Ainsley Park, embora saltasse à
vista que o aborrecia estar longe de sua mulher e de seus filhos. Ficou para renovar sua
amizade. Não podia ter mais motivos. E a renovaram, de forma hesitante a princípio e com
crescente facilidade à medida que foram passando os dias.
Ter Elliott de volta era como um presente, como um bálsamo para a alma. Não se dera
conta do muito que sentira falta dele. A perda de seu primo e a perda de Jon se mesclaram
em seu interior até formar um tremendo vazio e uma solidão terrível.
Mas tinha recuperado Elliott. E falaram muito sobre Jon. Compartilharam lembranças.
Não as tristes, mas as anteriores, as que abrangiam os primeiros quinze anos de sua vida.
Esses quatro dias foram para ele cicatrizantes e relaxantes, embora em parte o
afligisse a impaciência por voltar para Londres. Entretanto, tentava manter Hannah o mais
longe possível de sua mente. Ainda não estava preparado para pensar.
Hannah tinha confessado que o amava.
Quando por fim voltou para Londres na luxuosa carruagem de Elliott, com Jess sentado
na boleia junto ao cocheiro, enquanto o lacaio os seguia a cavalo, tinham transcorrido duas
semanas desde que deixara a cidade.
Devia ir agradecer à Duquesa que tivesse intervindo para ajudar Jess, porque não
podia pontuar de intromissão, e que tivesse emprestado a carruagem. Entretanto,
descobriu certa relutância a realizar tal visita.
O que aconteceria a partir desse momento? Voltariam à situação anterior? Voltaria ela
a ser sua amante? Voltaria ele a ser?
Desejava-a. Tinham passado quase três semanas desde a última vez que fizeram amor.
Estavam mantendo uma aventura. Tinham uma relação sexual. Passageira, até o final
da temporada social. Gratificante para ambos.
Pelo amor de Deus! O que tinham na realidade?
Porque pensado assim parecia muito... Que palavra estava procurando? Vulgar?
Sórdido? Insatisfatório? A última opção, certamente. Possivelmente também as duas
primeiras. Mas isso era estranho. Nunca tinha pensado em suas anteriores aventuras nesses
termos. Tinha desfrutado delas pelo que eram, tinha posto fim chegado o momento e
esquecera-as.
211
Uma aventura com Hannah, é claro, não era suficiente.
Amava-a.
Mal tinha pensado nela durante a última semana e meia. Ao menos não de forma
consciente. Entretanto, ela esteve presente a cada momento de cada dia. Fazendo parte
dele.
A bendita ideia era alarmante.
Ou não?
Havia dito que o amava antes de partir de Copeland Manor. Haveria dito isso de
verdade? Referia-se a um amor verdadeiro? Maldição! Nem sequer tinha experiência com o
amor. Com esse tipo de amor, concretamente. Embora talvez isso acontecesse a todo
mundo, até que o amor aparecia de repente e golpeava justo entre os olhos. Que
transpareciam os atos da Duquesa? Demonstravam suas palavras?
O que tinha feito depois de ele partir... Em sua carruagem?
Tinha voltado para Londres arrastando Stephen consigo, tinha abordado Elliott em sua
casa, convencê-los para que fossem os dois a Gloucestershire e depois se preparara para
mobilizar o Rei.
E tudo isso... Por um atrasado mental a quem não conhecia de nada?
Nem pensar, por muito compassiva que fosse, que indubitavelmente era.
Elliott, que estava sentado no assento oposto ao seu na carruagem, bocejou.
— Con, quando dormi tinha o olhar perdido no infinito — comentou — e agora que
acordei vejo que continua igual. Está preocupado com Jess, não é verdade? Foi muito
convincente quando assegurou que se graduou com honras em Ainsley Park e que foi
promovido a Rigby Abbey. Por minha parte, quando me esqueço de me comportar como um
Duque despótico, sou capaz de ser amável com meus empregados.
Con o olhou.
— Estou em dívida com você — disse — Por tudo.
Elliott sorriu.
— Em algum momento chegou a pensar que vou permitir que o esqueça? — replicou
seu primo.
Riu entre dentes ao escutá-lo.
— Não — respondeu — Já nos conhecemos.
— Vai se casar com ela? — perguntou Elliott.
Aí estava. A ideia que sua mente estava evitando há dias.
Queria se casar. Queria ter filhos. Queria todas as coisas que tinha evitado durante
anos. Queria assentar a cabeça. Mas... Com a Duquesa de Dunbarton? Com Hannah?
Era como pensar em duas pessoas diferentes. Não obstante, eram a mesma. Era tanto
a Duquesa que sempre tinha conhecido como a Hannah que descobriu, desde que se fizeram
amantes. Era impossível descrevê-la com uma só palavra ou com uma frase.
Nem sequer com um parágrafo.

212
Nem com um livro nem com uma biblioteca. Era uma mulher enérgica, complexa e
única, e a amava.
— Nem me passou pela cabeça — respondeu.
— Mentiroso! — Elliott continuava sorrindo.
— O que foi que o fez saber sem o menor indício de dúvida que queria se casar com
Vanessa? — perguntou a seu primo.
— O meu não foi assim — respondeu — Foi ela que me propôs matrimônio e me
deixou tão assombrado, que disse sim antes de saber o que estava fazendo. Assim não
restou mais remédio que manter minha palavra.
— Se não queria me contar — respondeu — podia ter dito isso sem mais.
Elliott levantou a mão direita.
— É a pura verdade — assegurou seu primo — Quando descobri que a queria mais que
a minha vida, já estava casado com ela e não sofri a agonia de decidir como, quando, onde e,
sobretudo se me declarava.
— Poderia rir em meu rosto — indicou Constantine.

— É muito possível — reconheceu Elliott depois de meditar uns instantes — É uma


mulher formidável, não é verdade? Para não mencionar sua beleza. Certamente pode
conseguir qualquer solteiro do reino a quem lance o olho. Poderia rir de sua proposta. Ou
também poderia chorar. Esse seria um resultado muito mais prometedor.
— Elliott, é a Duquesa de Dunbarton — recordou — Devo ter perdido a cabeça.
— Por quê? — Replicou seu primo — Con, tem muito que oferecer, e hoje é um
melhor partido do foi que há uma semana — Voltou a sorrir.
Constantine deu de ombros sem dizer nada.
— Vanessa jura que debaixo de toda essa camada branca de gelo há paixão — Seguiu
Elliott — e que quando descobrir algo para chegar a essa paixão, isso será tão constante
como a estrela Polar. E ela conhece muito destas coisas. Jamais me ocorreria contrariá-la em
algo assim. Porque acabaria descobrindo minha falha e evitaria se gabar, sendo cortês. E eu
me sentiria como um idiota.
— Mmm — murmurou.
— Se por acaso serve de esclarecimento — acrescentou seu primo — assegura a ela no
que você se converteu. Por certo, será melhor que venha comigo a Moreland House assim
que cheguemos à cidade e que faça as pazes com Vanessa antes de ir a Dunbarton House.
— De acordo — aceitou antes de apoiar a cabeça no espaldar e de fingir que dormia
para evitar que a conversa prosseguisse.
Dormiu enquanto se perguntava se Hannah riria ou choraria no caso de propor
matrimônio.
Ou se daria a opção de reagir de qualquer das duas maneiras.

213
CAPÍTULO 21

Hannah acreditou estarem certos seus temores de que Constantine ficou em Ainsley
Park para evitar enfrentar o estado de sua relação e às palavras que tão incautamente ela
pronunciara em Copeland Manor. Não retornou a Londres no dia posterior à volta do Conde
de Merton, nem no seguinte. Entretanto, conforme descobriu três dias depois, tampouco o
fez o Duque de Moreland. Ambos continuavam fora da cidade.
Hannah soube uma tarde durante uma visita à Katherine em que se encontrou com a
Duquesa de Moreland, já que ambas estavam preocupadas com a possibilidade de que
continuasse padecendo de náuseas matutinas.
De modo que havia a possibilidade de que retornasse.
214
O Duque certamente que o faria.
Enquanto isso, Hannah se inteirou quase imediatamente de que se cansara de seu
último favorito quase tão rápido como todo mundo tinha prognosticado. Conforme se
assegurava, tinha-o despachado sem piedade. Tanto era assim que ele partira ao campo para
lamber as feridas. Nesse instante procurava um novo amante, que desfrutaria de seu
momento de glória, antes que se desfizesse dele. Todos se perguntavam quem seria.
Não faltavam aspirantes ansiosos.
Esse era o rumor que circulava pelos clubes e salões londrinos. Teria achado graça se
não fosse pela ansiedade que provocava a possibilidade de ser ela a abandonada.
Entretanto, não podia fazer nada salvo interpretar o papel que se esperava dela
enquanto aguardava. Porque não pensava ficar em casa como uma reclusa mais tempo.
Numa ensolarada tarde colocou seu vestido de musselina branca mais deslumbrante e
um chapéu a jogo, acrescentou enormes diamantes muito ostentosos as suas orelhas, em
seus dedos enluvados e em um de seus pulsos, cobriu-se com a sombrinha de renda e saiu
para dar um passeio pelo Hyde Park à hora marcada pela alta Sociedade.
Barbara e o reverendo Newcombe a acompanharam. Ia ser seu último dia em Londres.
No dia seguinte retornariam a Markle. Barbara o faria em carruagem com sua criada, e o
reverendo cavalgaria ao seu lado para guardar as aparências. Hannah tinha sugerido que
saíssem a algum lugar para passar sua última tarde a sós de fato, tinha sugerido Richmond
Park, mas tinham insistido em acompanhá-la.
Depois se viram rodeados de pessoas, a maioria Cavalheiros.
Margaret e Katherine passeavam juntas em um cabriolé e se detiveram para conversar
um momento. Katherine, ao inteirar-se de que Barbara partiria no dia seguinte, insistiu em
que Hannah fosse jantar em sua casa. E Margaret a convidou a ir à ópera com eles na noite
seguinte.
— Quase convencemos o avô de Duncan para que nos acompanhe, mas ainda resiste
— disse — Hannah, se souber que fará parte do grupo, com certeza virá.
— Então terá que dizer que aceito com a condição de que ele também vá — replicou
ela — Diga que se não for, me apresentarei em Claverbrook House na manhã seguinte para
exigir uma explicação.
Barbara e o reverendo Newcombe estavam falando com os Park e com outro casal.
O cabriolé prosseguiu caminho e Hannah se viu rodeada pelo círculo de suas antigas
amizades, algumas das quais também eram possíveis pretendentes, e por algum ou outro
novo admirador. Era muito agradável, pensou ao fim de uns minutos, retomar sua antiga
armadura, interpretar o papel da Duquesa de Dunbarton, ao mesmo tempo em que protegia
a frágil pessoa de Hannah Reid em seu casulo como se tratasse de uma larva.
E, entretanto, era um papel que não podia interpretar indefinidamente. Não se dera
conta desse fato até esse instante. Era um fato que ignorava no começo da temporada social.
Interpretar esse papel foi fácil e inclusive divertido enquanto o Duque estava vivo. Teve sua

215
companhia, seu companheirismo e, sim, seu amor para desfrutar quando não estavam em
público. Mas nesse momento?
A única coisa que achava ao chegar a casa era a solidão. E Babs partiria no dia seguinte.
Seria suficiente com suas amizades, novas e antigas, nos dias e nos meses vindouros...
Nos anos vindouros?
Ai, Constantine! Onde está? Iria me evitar, quando voltar, acaso voltasse?
Estava rindo por algo que havia dito Lorde Moodie e dando uns tapinhas no braço
quando seu séquito se abriu para deixar caminho a um cavalo. De repente, fez-se um
estranho silêncio.
Era um cavalo negro.
O cavalo de Constantine.
Hannah ergueu a vista e virou a sombrinha com tanta força que provocou uma
corrente de ar ao redor de sua cabeça.
Constantine. Vestido todo de negro salvo pela camisa. O rosto alongado. Os olhos
escuros. Sem sorrir. Com aspecto quase sinistro. Quase demoníaco.
Seu amado.
Por Deus! De onde tinham saído essas palavras tão românticas? De umas bodas?
— Senhor Huxtable? — Arqueou as sobrancelhas.
— Duquesa.
Seu séquito estava pendente de suas palavras como se estivessem recitando um longo
monólogo.
— Vejo que por fim se dignou a aparecer de novo por Londres — respondeu ela.
Seu séquito soltou um suspiro satisfeito quase evidente pelo desdém que acabava de
demonstrar ao homem que tinha retornado depois que ela o recusara. Acabara o tempo,
queria dizer esse suspiro quase silencioso.
Quanto antes se afastasse, levando consigo seu coração quebrado e certa dignidade,
melhor para todos os envolvidos.
Constantine se limitou a estender uma mão como resposta, calçada cm uma luva de
couro negro. Os olhos escuros se cravaram nos seus com tal intensidade que foi impossível
afastar o olhar.
— Coloque seu pé em minha bota — disse.
Como? Pensou Hannah.
— Caramba! — protestou um Cavalheiro sem se identificar — Huxtable, não se dá
conta de que Sua Excelência...?
Hannah não estava prestando atenção. Achava-se liberando uma batalha de vontades
com Constantine. Levava um traje muito incômodo para montar a cavalo.
Se queria falar com ela, seria mais simples e imensamente mais galante de sua parte
desmontar. Mas Constantine queria ver e queria que a alta Sociedade visse como caía no
ridículo. Queria dar à alta Sociedade um escândalo do qual falar durante um mês.

216
Queria demonstrar ao mundo inteiro que ele era o amo e Senhor, que só tinha que
estalar os dedos para que ela se aproximasse correndo.
Voltou a virar a sombrinha e o olhou com ironia.
Produziu-se outro suspiro apenas audível em sinal de aprovação. Se tivesse olhado ao
seu redor, teria se dado conta de que seu séquito tinha aumentado em número e de que não
só se compunha de Cavalheiros. Já tinham suscitado bastante isca como para que a conversa
nos salões não decaísse durante duas semanas.
Muito devagar e com movimentos extremamente precisos fechou a sombrinha antes
de dá-la sem mediar palavra a Lorde Hardingraye, que se achava ao seu lado. Deu dois
passos para frente, recolheu a bainha do vestido com uma mão, colocou seu delicado
escarpam branco na reluzente bota de montar negra de Constantine e estendeu o braço livre
para agarrar sua mão.
Seda branca contra couro negro.
Em um abrir e fechar de olhos, sem que tivesse que fazer nada mais, viu-se sentada de
lado diante de Constantine, rodeada por seus fortes braços e bem segura pela frente e por
trás, de modo que mesmo se fosse naturalmente temerosa, teria se sentido protegida.
E ela não era naturalmente temerosa.
Voltou a cabeça e olhou os olhos tão escuros, que quase ficavam à mesma altura que
os seus.
Constantine estava indicando ao cavalo que se voltasse e a multidão se afastou para
deixá-lo passar. A multidão também tinha muito que dizer e o estava fazendo.
Dizia ele a ela ou ela a ele, ou falavam entre si. Hannah nem sequer tentou prestar
atenção ao que se dizia. Não importava absolutamente.
Constantine estava em Londres.
E fora reclamá-la. Ou não?
— Foi muito melodramático — disse.
— Sim, não é verdade? — replicou ele — Ao retornar à cidade, coisa que aconteceu faz
um par de horas, por certo, inteirei-me de que era seu pretendente recusado e desprezado.
Para proteger meu orgulho, tinha que fazer um gesto extravagante.
— Certamente que foi extravagante — concordou enquanto ele deixava para trás
cavalos e carruagens em um caminho meio entupido.
— É verdade? — perguntou.
— Que foi desprezado? — perguntou Hannah por sua vez.
— Recusado.
— É meu pretendente — completou — Gosto de considerá-lo como meu pretendente.
Acabarei com o vestido destroçado, Constantine. Cheirará a cavalo o que restar de
existência.
Ainda não tinham deixado para trás a multidão. Seguiam estando muito à vista. E
certamente seriam muito poucos os que estavam passando por cima a oportunidade de
observá-los com prazer.
217
De qualquer maneira, beijou-a... Nos lábios e com a boca aberta. E não foi um beijo
breve, quase simbólico. Durou um bom tempo, e nas circunstâncias nas quais se achavam foi
quase uma eternidade.
E já que de qualquer forma devia suportá-lo, já que não se achava em condições físicas
de recusá-lo, devolveu-o beijo, prolongando o momento um pouco mais.
— Pronto — disse ele quando ergueu a cabeça, olhando-a fixamente nos olhos.
Foi impossível escapar desse olhar, que chegou à alma e a conquistou. Ela o olhou por
sua vez com a mesma expressão.
— Agora está totalmente comprometida, Duquesa.
— Certo — admitiu com um suspiro — E o que pensa fazer a respeito? — arrependeu-
se de tê-lo perguntado assim que as palavras saíram de sua boca. Pareciam-se muito a um
ultimato.
— Sou um Cavalheiro, Duquesa — respondeu Constantine — vou me casar com você.
Sua resposta foi engolir saliva com enorme dificuldade, tanto que quase engasgou.
Afastou o olhar e percebeu que tinham deixado para trás a multidão e que nesse momento
estavam virtualmente sós no caminho, rodeados de árvores. Tentou colocar-se de novo a
armadura que tinha resultado tão cômoda fazia apenas uns minutos.
— Sério? — Perguntou com frieza — E vai perguntar minha opinião a respeito ou, dado
que se pode dizer que me levou carregada durante o processo, pensou que não é preciso me
consultar.
— Esperava isso — respondeu ele — Suponho que todos os homens temem o
momento de fazer a pergunta em questão, quando estão mergulhados em sua própria
história de amor. Mas já vejo que não vai me deixar as coisas fáceis, nem quer que
prescindamos do momento, Duquesa. Suponho que terei que fincar um joelho no chão, coisa
que não posso fazer neste preciso instante. Embora tenhamos deixado a multidão para trás,
não me cabe a menor dúvida de que acudiriam correndo de todos os cantos do parque se
desmontar, iria ajudá-la a descer e depois passar a me fincar de joelhos aqui mesmo. Assim
vamos ter que deixá-lo para outra ocasião.
Muito a seu pesar, Hannah se pôs a rir.
— Parece muito seguro de seu êxito — replicou.
— Não me conhece muito bem — comentou Constantine — Duquesa, se me
conhecesse melhor, daria conta de que estou tagarelando sem tom nem som e de que meu
coração pulsa a um ritmo errático. Vamos mudar de assunto. Jess está livre e se encontra
muito feliz e muito orgulhoso, e tudo graças a você, acredito. Em circunstâncias normais o
Rei não se teria informado do apuro no qual estava.
Estava mudando de assunto? Depois de dizer que ia se casar com ela, ficava a falar de
Jess Barnes e do Rei? Enfim...
Deu uma olhada a seu redor com expressão distante.

218
— Vi-o por acaso — assegurou — e surgiu a possibilidade de falar do assunto. Pôs-se a
chorar. Claro que se teria posto a chorar se houvesse dito que rasgara meu lenço de renda
preferido.
Constantine soltou uma gargalhada.
— Viu-o por acaso — repetiu — Suponho que enquanto passeava pela Bond Street.
— Constantine — disse ao mesmo tempo em que fechava um instante os olhos — de
verdade está a salvo Jess Barnes? Seus vizinhos não quererão fazer justiça pelas suas mãos?
— Vai a caminho de Rigby Abbey — respondeu — A casa Senhorial de Elliott. Foi
promovido de jornaleiro a cavalariço. E é o homem mais feliz e mais orgulhoso de toda a
Inglaterra.
— Elliott — sussurrou — O Duque. Isso quer dizer que se reconciliou com ele?
— Acredito que chegamos à mútua conclusão de que nós dois nos comportamos como
um par de imbecis de cabo a rabo — respondeu — E admitimos que talvez devesse
acontecer assim para que o sonho de Jon se cumprisse. Tivemos que sacrificar nossa amizade
para conseguir tal fim... E voltaria a fazê-lo de novo se fosse necessário. Assim como Elliott,
que tentaria proteger Jon de si mesmo e também tentaria proteger a herança de Stephen de
sua impulsividade. Mas voltamos a ser amigos. Voltamos a ser primos.
— E quase irmãos? — quis saber Hannah.
— E quase irmãos — respondeu — Sim. Isso também.
Sorriu e ela devolveu o sorriso.
Derreteu-lhe o coração. Constantine abriu a boca para falar.
E um trio de jovens cavaleiros que se aproximava deles assobiou ao passar ao seu lado
e lhes lançou comentários jocosos. Hannah levantou o queixo e desejou ter sua sombrinha
com ela para fazê-la virar.
Constantine olhou com um sorriso aos Cavalheiros, todos conhecidos.
— Será melhor que a leve para casa, Duquesa — disse — Tenho que ir ver Vanessa e
averiguar se está disposta a fazer as pazes. Elliott queria que passasse primeiro por lá, mas
por casualidade escutei os rumores que estavam correndo e, que explicavam minha
repentina marcha de Londres no meio da temporada social, e me senti obrigado a corrigir
essa má impressão, sobretudo depois que seu mordomo me informou que estava dando um
passeio pelo parque.
— Não a faça esperar mais tempo — disse Hannah — Nestas duas semanas nos
fizemos amigas.
E retornaram a Dunbarton House para o assombro e delícia de todas as pessoas com
quem se cruzaram pela rua, das que receberam algum ou outro comentário. Constantine a
deixou diante da porta esperou que subisse os degraus de entrada, viu-a entrar na casa e
partiu.
Sem dizer palavra!
Se tivesse tido consigo sua sombrinha, pensou Hannah enquanto subia as escadas em
direção a seu dormitório, a teria estampado na cabeça antes de afastar-se dele.
219
Um homem não dizia a uma mulher que ia se casar com ela, não a pedindo depois em
casamento.
Não a menos que tal homem fosse Constantine Huxtable.
Suponho que todos os homens temem o momento de fazer a pergunta em questão,
quando estão mergulhados em sua própria história de amor.
Recordou as palavras de Constantine e subiu correndo os últimos degraus.
Sua própria história de amor.
E se deteve de repente. A cena que Constantine tinha interpretado no parque devia
ser a coisa mais extravagante e romântica que tinha acontecido na vida.
Era impossível que o tivesse feito só para demonstrar que a tinha dominada.
Amava-a.
Ela se pôs a rir.

Os gestos românticos não tinham terminado.


Na manhã seguinte, por volta de uma hora depois que Barbara partira e quando
Hannah se sentia um pouco abatida, entregaram uma solitária rosa branca em Dunbarton
House. Ia sem cartão. Ao mesmo tempo chegou um enorme buquê de flores de diversas
cores, adornado com laços amarelos e acompanhado por sua sombrinha e uma florida nota
de Lorde Hardingraye, com quem podia flertar desavergonhadamente e sem temor de que a
levasse a sério, já que Hannah sabia de um detalhe do Cavalheiro, compartilhava os mesmos
gostos que seu Duque.
O ramo foi deixado em um vaso situado no centro do salão, para que todas as visitas
que recebesse nos dias vindouros pudessem desfrutá-lo. A rosa acabou em seu dormitório,
onde só ela poderia desfrutá-la.
Uma hora mais tarde o mordomo entregou uma nota em sua bandeja de prata. Tinha
uma mensagem muito breve e não ia assinada.
Desejo-a.
Talvez não fosse muito romântica, mas Hannah sorriu quando a releu pela enésima
vez... Depois de se assegurar que seu autor não a entregou pessoalmente e que não estava
esperando-a no vestíbulo. Reconheceu o que era o começo de um jogo.
Nessa noite jantou com os Montford e desfrutou de sua companhia e conversa, assim
como do Senhor e Senhora Gooding e os Condes de Lanting, já que as damas eram as irmãs
de Lorde Montford.
Na manhã seguinte chegou uma dúzia de rosas brancas a Dunbarton House, uma vez
mais sem cartão. Acabaram em seu gabinete particular.
Uma hora mais tarde o mordomo levou uma nota em sua bandeja.
De novo ia sem assinar.
Estou apaixonado por você, escrevia nessa ocasião.
Hannah a levou aos lábios, fechou os olhos e sorriu.
220
Vagabundo... Grande vagabundo parecia. Acaso não pensava em seus nervos? Por que
não aparecia sem mais? Embora já conhecesse a resposta. Constantine havia dito a verdade
no Hyde Park.
Duquesa, se me conhecesse melhor, daria conta de que estou tagarelando sem tom
nem som e de que meu coração pulsa a um ritmo errático.
O grande tolo estava nervoso. Que prolongasse o quanto quisesse, por mais que a
espera estivesse parecendo eterna. O nervosismo dava um toque muito romântico.
Nessa noite assistiu à ópera com os Sheringford e o Marquês de Claverbrook, e passou
grande parte da noite com a mão apoiada no braço do Marquês enquanto conversavam. A
beleza da voz da soprano fez que enchessem os olhos de lágrimas.
Ao Marquês, pelo contrário, encheram os olhos de lágrimas por sua beleza, sem mais.
Sua Senhoria riu baixo quando ela soltou uma gargalhada.
— Mas não por sua voz? — perguntou.
— Sua voz só me dá dor de cabeça, Hannah.
Grande parte dos espectadores estava pendente de seu camarote, e Hannah se
perguntou de passada se ao dia seguinte circulariam rumores de que já tinha posto o olho
em outro aristocrata rico e velho. A ideia a divertiu.
Na manhã seguinte recebeu duas dúzias de rosas... Vermelhas. É claro, não havia nota.
Chegou uma hora depois.
Amo-a, minha rosa de múltiplas pétalas.
Sem assinatura.
Hannah chorou e desfrutou de cada lágrima.
Ao meio dia supostamente devia ir ao café da manhã veneziano que celebravam os
Carpenter. Contra o que sugeria seu nome, esse tipo de acontecimentos não se fazia de
manhã. Embora desse no mesmo. Não foi.
Colocou um vestido que só usara em uma ocasião há três anos. Não havia tornado a
colocar porque fazia que se sentisse como uma mulher tão escandalosa, como o vermelho do
tecido com o qual estava confeccionado, e porque era um disfarce muito evidente, inclusive
para ela. De qualquer maneira, o adorava. E nessa ocasião o tom ia de pérolas com o ramo
de rosas. Só colocou um diamante que tinha pendurado ao pescoço, uma lágrima que nem se
secaria nem perderia seu brilho. Não levava mais joias.
Esperou. Era impossível melhorar duas dúzias de rosas vermelhas. Não podia dizer-se
nada mais em papel. Inclusive tinha escrito as duas primeiras palavras de sua última nota em
maiúsculas. O resto devia dizê-lo em voz alta, cara a cara.
Se conseguisse reunir a coragem necessária.
Ai, seu pobre e amado demônio! Domesticado pelo amor. É claro que reuniria a
coragem. E seria esplêndido... Quando fosse vê-la. De modo que esperou.

221
CAPÍTULO 22

Con descobriu ao longo dos últimos dias que todo esse assunto de amor podia
acovardar o mais valente. Agora olhava aos homens casados com renovado respeito, já que
deviam ter sofrido, presumivelmente, o calvário que ele estava sofrendo nesse momento.
Menos Elliott, é claro, a quem tinham proposto matrimônio, afortunado ele.
Reconciliar-se com Vanessa foi fácil.
— Não diga nenhuma palavra — soltou sua prima enquanto atravessava o salão de
Moreland House para ele assim que cruzou a porta.
Elliott seguiu junto à lareira, com um cotovelo apoiado na cornija e uma sobrancelha
arqueada com gesto brincalhão.
— Nenhuma só. Vamos nos perdoar, esquecer e recuperar o tempo perdido. Fale-me
de suas prostitutas.
Elliott riu entre dentes.
— Antigas prostitutas — declarou ela — Não se atreva a rir de mim, Constantine,
muito menos agora que acabamos de nos reconciliar. Fale-me delas e dos ladrões e dos
vagabundos e das mães solteiras.
Pegou seu braço e o impeliu a se sentar junto dela em um sofá, enquanto Elliott os
observava com uma expressão risonha nos olhos e um sorriso nos lábios.
— Se dispuser de tempo... De cinco ou seis horas... — replicou.
— Sete se for necessário. Ficará para o jantar — Ordenou Vanessa — E não há mais
que falar. A menos que tenha um encontro com Hannah.
Uma escolha de palavras algo desafortunada.
Com que Hannah, não? Pensou.

222
— Não — assegurou — Tenho que assimilar a ideia de que vou fincar um joelho no
chão e soltar um apaixonado discurso, assim necessitarei algo mais de tempo. E de coragem,
é claro.
Elliott voltou a rir baixo.
— Mas tudo isso valerá a pena, verá! — exclamou Vanessa com os olhos brilhantes e
as faces rosadas — Elliott estava esplêndido quando o fez. E a relva estava úmida, por certo.
Con lançou um olhar de recriminação a seu sorridente primo.
— Foi depois de ela me propor matrimônio — esclareceu o aludido ao mesmo tempo
em que levantava a mão direita — Não podia permitir que dissesse a última palavra, não?
— Demorou menos que eu em me dar o sim.
A sua devia ser uma história digna de conhecer, pensou Con.
A impulsiva visita a Dunbarton House que fez duas horas depois de sua chegada a
Londres teria solucionado todo o assunto com Hannah.
Entretanto, ao se inteirar de que tinha saído e de que estava no Hyde Park, decidiu ir
em sua busca e descobriu sem necessidade de pensar sequer a forma perfeita de se declarar.
Claro que não tinha ocorrido sequer que ela se negasse a subir a seu cavalo. De fato,
não se negou.
Uma vez que a teve diante dele, nem sequer ocorreu que podia recusar sua proposta
matrimonial enquanto a estava beijando, nem enquanto devolvia o escandaloso beijo em
público.
Mas tampouco o tinha recusado.
O problema era que não tinha perguntado.
E não se percebeu desse detalhe até que ela o indicou.
Maldição! Era muito diferente perguntar de afirmar e ele se limitou a afirmar.
Com a estupidez de um adolescente.
Por que não ensinavam na universidade a melhor forma de pedir em casamento a
mulher escolhida? Acaso todos os homens acabavam embrulhando tanto o assunto como
ele?
De modo que estava há três dias tentando emendar o erro.
Ou melhor, adiando o assunto. Conforme quisesse ser sincero consigo mesmo ou não.
Não obstante, assim que começou com o plano de três dias se viu obrigado a
continuar. Não podia lançar-se para propor matrimônio depois de mandar a solitária rosa e a
nota onde confessava que a desejava, não é verdade?
No caso de Hannah ter a intenção de recusá-lo, levava três dias fazendo o ridículo mais
espantoso. Entretanto, compreendeu que era absurdo pensar nisso enquanto se arrumava
para ir a Dunbarton House na tarde do terceiro dia. A essas alturas já era impossível não por
fim ao calvário, independente do resultado.
E se Hannah não se achasse em casa? Podia ter mil e uma razões para que tivesse
saído. Lanches campestres, festas ao ar livre, excursões aos jardins de Kew ou Richmond

223
Park, compras, passeios pelo parque... Para citar algumas possibilidades. De fato, pensou
enquanto batia na porta, o estranho seria que estivesse em casa.
Uma parte de sua cabeça, a mais covarde, fez desejar que não estivesse.
Isso sim, jamais poderia voltar a passar pelo mesmo.
O mordomo, como era habitual, desconhecia quem se achava em seus domínios. Teve
que ir ao andar superior com toda a tranquilidade do mundo, para ver se a Duquesa de
Dunbarton estava ou não estava em casa.
Estava em casa. E ao que parece ia recebê-lo.
O mordomo o convidou a segui-lo escada acima.
Estaria com a Senhorita Leavensworth?
Deixaram para trás a porta do salão e subiram outro lance de escadas. Detiveram-se
diante de uma porta de uma só folha e o mordomo bateu muito discretamente antes de abrí-
la para anunciá-lo.
Era um gabinete ou uma saleta, não um dormitório. Hannah estava sozinha.
Na mesa situada junto à porta descansava um vaso de cristal com uma dúzia de rosas
brancas. E na que ocupava o centro da sala havia um vaso de prata com duas dúzias de rosas
vermelhas. O perfume adocicado de ambos os ramos flutuava no ar.
A Duquesa estava sentada de lado no peitoril acolchoado de uma janela, com as
pernas dobradas e abraçando a cintura. Estava linda e resplandecente com um vestido
vermelho, cujo tom era quase o mesmo que o das rosas. Seu cabelo, liso e lustroso na parte
superior da cabeça, estava recolhido na nuca com uns delicados cachos.
Algumas mechas caíam pelas têmporas e pelas orelhas. Estava olhando para o interior
da sala. Seus olhos azuis se cravaram nele com expressão sonhadora.
A imagem recordou a de seu próprio dormitório na noite que se converteram em
amantes. Salvo que naquele tempo Hannah usava sua camisa e tinha o cabelo solto.
O mordomo fechou a porta e partiu.
— Duquesa — disse Con.
— Constantine...
Hannah sorriu um gesto também sonhador, ao ver que ele não falava.
— Necessito que me proteja — ouviu-a dizer — estive recebendo bilhetes anônimos.
— Ah, sim? — replicou.
— Alguém diz que me deseja.
— Iria desafiá-lo a um duelo com pistolas ao amanhecer — se ofereceu.
— Também afirma que está apaixonado por mim — acrescentou ela.
— Isso é fácil de dizer — respondeu — É um sentimento pouco profundo, não é
verdade? Todo euforia e romantismo.
— Mas é um dos sentimentos mais bonitos do mundo — ela assegurou —
Possivelmente o mais bonito. Da minha parte, também estou loucamente apaixonada por
ele.

224
— Que tipo mais afortunado — replicou — Definitivamente penso em desafiá-lo a
duelo.
— Diz que me ama — continuou Hannah e sua expressão sofreu uma mudança, quase
imperceptível, mas assombrosa, e passou de sonhadora a radiante.
— O que se supõe que significa isso? — perguntou ele.
— Porque me ama de corpo e, sobretudo, de alma — respondeu ela.
— A parte do corpo também é importante.
— Pois sim — concordou ela com um fio de voz — é.
— Sem defesas — precisou — Sem máscaras nem disfarces. Sem medos.
— Sem nada — respondeu ela, meneando a cabeça — Sem segredos. Dois indivíduos
unidos em um só ser indivisível.
— Isso é o que dizem as cartas anônimas?
— Com letras maiúsculas.
— Um tipo ostentoso.
— Certamente. Só terá que fixar-se na quantidade de rosas que me enviou.
— Hannah... — disse.
— Sim.
Ainda continuava parado junto à porta. Atravessou a sala e Hannah estendeu a mão
direita. Tomou entre as suas e a levou aos lábios.
— Amo-a — confessou — Com letras maiúsculas, com minúsculas e de todas as formas
possíveis. Ou impossíveis.
Ouviu-a tomar ar devagar.
Tinha chegado o momento. E já não estava nervoso. Fincou um joelho no chão sem
soltar sua mão. Seus rostos ficaram à mesma altura. Viu que tinha as faces ruborizadas.
Os lábios, entreabertos. Os olhos, brilhantes e muito azuis. Como o pedaço de céu do
outro lado da janela.
— Hannah — repetiu — quer se casar comigo?
Estava há três longos dias ensaiando uma declaração. Não recordava nenhuma só
palavra.
— Sim — respondeu ela.
Até esse momento estava convencido de que ia torturá-lo, de que representaria o
papel de Duquesa de Dunbarton ao menos durante um momento antes de capitular. Se
acaso capitulasse, claro. De fato, estava tão convencido que mal reparou em sua resposta.
Ao menos com os ouvidos.
Porque com o coração era outra história.
Sim, havia dito, e não havia nada mais que acrescentar.
Olharam-se nos olhos e voltou a levar sua mão aos lábios.
— Costumava-me falar muito disto — disse Hannah — o Duque. Falava-me do amor.
Prometia-me que algum dia eu também saberia o que era. Confiei e acreditei em suas
palavras cada minuto de cada dia de minha vida, desde que nos conhecemos até que exalou
225
seu último fôlego, Constantine, mas nesse sentido jamais fiz muito caso. Sim achava que ele
tinha conhecido um amor extraordinário durante mais de cinquenta anos, mas me dava
medo acreditar que isso mesmo me aconteceria, chegado o momento. Meus medos eram
infundados e suas afirmações, verdadeiras. Amo-o.
— E o fará por mais de cinquenta anos? — perguntou.
— Meu Duque costumava dizer que o amor era para toda a eternidade — respondeu
— E acredito que tinha razão.
Sorriu e Hannah devolveu o sorriso até que inclinou a cabeça para beijá-la nos lábios.
Tinham passado quase três semanas desde a última vez que fizeram amor e teve a
impressão de que a tinha desejado de forma constante durante cada minuto desse tempo.
De qualquer forma, não se beijaram com desejo sexual. Senão com...
Bem, até esse momento sempre tinha beijado com apetite sexual, de forma que não
tinha palavras para descrever o que estava acontecendo.
Afeto?
Muito insosso. Amor?
Um termo muito gasto.
Fosse o que fosse, beijaram-se com esse algo.
E nesse momento se abraçaram e pegou-a para levantá-la do peitoril a fim de sentar-
se com ela no colo. E foi quando descobriu a palavra. Ou ao menos a que mais se
aproximava.
Beijaram-se com alegria.
E quando se separaram e se olharam nos olhos, sorriram como se fossem os primeiros
a beijarem-se desse modo. Com alegria. Com um amor eterno.
— Tem certeza de que está disposta a sacrificar seu título só pelo prazer de se casar
comigo, Duquesa?
— E ser simplesmente a Senhora Huxtable? — acrescentou ela — Dessa forma terá
que me chamar sempre de Hannah e gosto disso.
— Ou Condessa... — sugeriu.
Hannah o olhou sem compreender.
— Isso seria um pouco tolo, na verdade — replicou.
— Nem tanto — assegurou Constantine — O Rei mandou redigir dois decretos reais
depois de sua visita, sabe? Bem, é possível que não saiba. O primeiro era o perdão de Jess.
Hannah se endireitou em seu colo ao ver que guardava silêncio e o olhou com o cenho
franzido.
— E o outro? — perguntou.
— Acaba de aceitar a proposta matrimonial de Constantine Huxtable, primeiro Conde
de Ainsley — respondeu — me concedeu o título pelo extraordinário serviço que prestei aos
mais pobres e queridos súditos de Sua Majestade. Acredito que o citei quase ao pé da letra.
Hannah o olhou, boquiaberta.

226
E depois jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada. O flamejante Conde de
Ainsley se pôs a rir com ela.

Na noite seguinte se realizava um baile organizado pelos Condes de Merton em sua


residência londrina para comemorar o seu baile de compromisso.
Tinham convidado a família para jantar antes que o baile começasse, as três irmãs de
Stephen com seus respectivos maridos, o irmão de Cassandra, Sir Wesley Young, com sua
noiva, a Senhorita Julia Winsmore, Constantine, dado que era primo de Stephen.
E também estava convidada a Duquesa de Dunbarton apesar de não ser da família.
— Stephen — dizia Cassandra ao seu marido enquanto esperavam no salão que
chegassem seus convidados — espero que a esta altura não seja abrupto que a tenhamos
convidado. Con está há quase uma semana em Londres e Hannah está aqui desde que a
trouxemos de Copeland Manor. Ela foi quem persuadiu Elliott para que fosse a Ainsley Park e
depois falou inclusive com o próprio Rei. Virtualmente foi ela quem solucionou o assunto
sem ajuda de ninguém. Mas ainda não aconteceu nada. Acha que se sentirão
desconfortáveis esta noite?
— Por que iriam ficar desconfortáveis? — Perguntou Stephen por sua vez — A
Duquesa é sua amiga e é perfeitamente plausível que se convide para jantar os amigos.
Pensa que nossa intenção é a de anunciar esta noite o novo título de Con, e Hannah
desempenhou um papel essencial nesse assunto. Tenho certeza de que sabe que Con está
convidado, assim suponho que se incomodar sua presença, iria se limitar a enviar suas
desculpas e não viria. Embora acredite que a Duquesa não se incomoda com isso.
— A cena do parque — recordou Cassandra — Para Meg foi muito engraçada e para
Kate, incrivelmente romântica. E depois as pessoas falaram do episódio. Mas... Ainda não
aconteceu nada!
— Que nós saibamos — ele indicou — Ainda não se anunciou nada. Mas não sabemos
se aconteceu algo. Cass, ambos têm direito a desfrutar de um pouco de intimidade.
Cassandra suspirou.
— Todas nos horrorizamos quando descobrimos que tinha uma aventura com ela —
recordou — Claro que supostamente não deveríamos nos inteirar dessas coisas. Esse tipo de
relações devem se manter em segredo. Parecia tão pouco adequada para ele, tão...
— Arrogante? — supriu Stephen.
Cassandra franziu o cenho.
— Sim, na verdade — reconheceu — Mas as aparências enganam em muitas ocasiões,
não é assim? Eu deveria saber melhor que ninguém. Possivelmente sempre foi uma pessoa...
Bem, uma pessoa carinhosa e alegre, uma pessoa a que eu adoro ter como amiga. Uma boa
pessoa. Por que não estão comprometidos?
Stephen se aproximou dela e deu um beijo nos lábios.
227
— Poderia perguntar a eles mesmos assim que chegarem — sugeriu — Poderia falar
do assunto durante o jantar. Estou certo de que minhas irmãs terão algo a dizer a respeito.
Parecem ter tomado à Duquesa sob suas asas, assim como você. Inclusive, Nessie.
Cassandra se pôs a rir enquanto o golpeava de forma brincalhona no braço.
— Seria uma boas vindas maravilhosa — disse — Assim que entrem pela porta,
poderia lhes perguntar, por que não estão comprometidos?. Stephen, não é que me queira
fazer de casamenteira, mas Con está muito só e Hannah está muito sozinha.
— Portanto, parecem feitos um para o outro — acrescentou ele.
— Portanto nem por mais, nem por menos! — Replicou ela com aspereza — É que
parecem feitos um para o outro. Há que ser cego e tolo para não dar-se conta depois de ter
estado com eles em Copeland Manor.
A chegada de Vanessa e Elliott, seguida por Wesley e Julia, evitou que a conversa se
prolongasse. Pouco depois chegaram Katherine e Jasper, e Margaret e Duncan.
— Con virá? — perguntou Elliott enquanto degustavam suas bebidas.
— Disse que sim — respondeu Stephen.
— E Hannah? — perguntou Margaret.
E retomaram o tema.
— Minha mãe diz que não têm mais remédio que se casar depois do modo como a
beijou no parque — comentou Julia Winsmore — Eu o vi com meus próprios olhos. A
verdade é que foi muito escandaloso — ruborizou-se.
— E também muito romântico — acrescentou Sir Wesley — Ou isso foi o que me disse
naquele momento, é claro.
— Não acredito que a Duquesa se deixe levar pelo argumento de que não há mais
remédio a não ser aceitar, seja o que for — replicou Elliott.
— Está claro que ama Constantine — declarou Katherine — o torturará antes de dar o
sim.
Seu marido trocou um olhar aflito com Duncan depois de escutar semelhante mostra
de lógica feminina.
— Ou não — a contradisse Margaret.
— Con não é idiota — recordou Stephen — Não dança ao som que tocam.
— Mas está apaixonado — respondeu Cassandra.
E isso pôs ponto final à conversa. O silêncio se prolongou uns instantes.
O mordomo apareceu então e sussurrou a Cassandra que o jantar estava preparado.
Entretanto, replicou também com um sussurro que devia esperar um pouco.
Supôs que suas palavras provocariam um grande desconcerto na cozinha.
E ao fim de um momento chegaram os dois últimos convidados. Juntos e com algo
mais de cinco minutos de atraso.
Pareciam tão radiantes de felicidade que os outros quase jogaram os sinos no alto. Ao
menos as damas que os tinham estado esperando no salão. E Cassandra os perdoou
imediatamente por tê-la posto em uma situação tensa com a cozinheira.
228
A Duquesa de Dunbarton estava deslumbrante com um vestido de suave cor turquesa
e com muito poucas joias. Não necessitava de nenhuma para brilhar. De qualquer forma
conseguiria atrair os olhares durante toda a noite. O brilho e o resplendor que costumavam
acompanhá-la por fora os irradiava essa noite do interior de sua pessoa.
— Se chegamos tarde é por minha culpa — informou Hannah antes que pudessem
saudá-los — Já estava pronta muito antes que Constantine chegasse, mas justo quando o
ouvi bater na porta decidi que não queria por meu vestido de festa branco preferido. Nem
tampouco os diamantes que fazem jogo com ele. Assim me troquei enquanto ele mordia as
unhas e rilhava os dentes no vestíbulo — Olhou a seu redor com um sorriso deslumbrante.
— Jamais rilho os dentes — protestou Constantine com serenidade — se o fizesse cada
vez que tenho que esperá-la, a esta altura não ficaria nem rastro deles. Terei que cultivar
essa grande virtude que é a paciência. Terei que aprender a achar graça na espera.
Entretanto, desaconselho-a que chegue tarde no dia das bodas. Recordo que traz má sorte.
Desse modo se responderam todas as perguntas sem necessidade de formular
nenhuma.
O jantar se atrasou outro quarto de hora enquanto recebiam abraços, beijos, palmadas
nas costas e apertos de mãos, enquanto Hannah declarava que a situação era degradante,
mas que aceitaria, de qualquer forma, que a degradassem de Duquesa a Condessa.
— Embora também teria assentado maravilhosamente bem ser só Senhora Huxtable
— acrescentou com outro de seus deslumbrantes sorrisos.
Brilhavam os olhos pelas lágrimas e acabava de morder o lábio inferior.
Constantine passou um braço por seus ombros e Cassandra sugeriu que todos fossem
à sala de jantar antes que a cozinheira apresentasse sua renúncia imediata.

CAPÍTULO 23

Estavam discutindo desde o dia anterior sobre o lugar onde se realizaria o casamento.
Embora talvez discutir não fosse o termo correto, já que ambos estavam decididos a ceder
aos desejos do outro.
Constantine achava que deveriam se casar em Copeland Manor, já que se tratava do
lar de Hannah e que era evidente que o adorava. As noivas deviam sair de sua casa no dia das
bodas.
229
Teve o bom tino de não mencionar Markle em nenhum momento.
Hannah achava que deveriam se casar em Ainsley Park, já que se tratava do lar de
Constantine e era evidente que o adorava. Além disso, o mais adequado era que o novo
Conde de Ainsley se casasse em sua casa Senhorial.
Afinal concordaram que a Igreja de Saint George seria o lugar mais conveniente. Estava
situada em Hanover Square, a um tiro de pedra de Dunbarton House. A noiva poderia chegar
andando. A alta Sociedade iria em peso. Talvez inclusive o fizesse o Rei. E era o lugar de
moda para contrair matrimônio.
Entretanto, embora nenhum dos dois estivesse disposto a admitir, não queriam se
casar em Saint George.
Teria que ser em Copeland Manor.
Ou em Ainsley Park.
Ou talvez na Igreja de Saint George.
— Excelência, nos fale das bodas — disse a Senhorita Winsmore assim que estiveram
sentados à mesa em Merton House — Quando e onde se celebrará?
— O antes possível, para responder a primeira pergunta — respondeu Hannah — E
ainda não decidimos o lugar, e isso responde a segunda.
Acabava de tomar ar para acrescentar que preferia que se celebrasse em Ainsley Park,
sabendo de que a família de Constantine a respaldaria, mas o Conde de Merton se adiantou.
— Con, deve se casar em Warren Hall — disse — É seu lar e sempre o será. Lá é onde
nasceu e onde cresceu. A capela particular sempre se usou para as bodas, batismos e os...
Funerais — acrescentou em voz mais baixa.
— Oh, seria lindo! — Exclamou Cassandra enquanto lhes serviam o primeiro prato —
Mas, Stephen, possivelmente Hannah tenha outras ideias. Afinal também é suas bodas, não
só a de Con. — Não obstante, olhou à aludida com expressão suplicante.
— Elliott e eu nos casamos ali — indicou Vanessa — assim como Cassandra e Stephen,
que o fizeram o ano passado. É um lugar lindo para um casamento. A capela está situada em
um lugar muito tranquilo da propriedade, no meio de um arvoredo, e é pequenina, assim
com alguns convidados parece estar transbordando. Além disso, tem uma aura de
intimidade familiar única porque está rodeada pelo cemitério. Ali está a história da família.
Hannah chegou à conclusão de que ali estaria enterrado Jon. E de repente soube que
tinham que se casar em Warren Hall. Sentiu que era o lugar correto antes sequer de olhar o
outro lado da mesa para Constantine e ver a expressão tensa e séria de seu rosto.
— Stephen, agradeço que esteja disposto a nos prestar a capela — o ouviu dizer —
mas acredito que deveríamos permitir a Hannah...
— Que escolha por si mesma? — supriu interrompendo-o — Nesse caso, eu escolho.
Obrigada. Vou escolher — Sabia que o sorriso de Constantine era forçado e que estava
custando muito mantê-lo — Escolho Warren Hall — acrescentou, olhando-o nos olhos, e teve
a impressão de que se afogava neles ao ver que o sorriso desaparecia.
— Tem certeza? — perguntou ele.
230
— Muita certeza — respondeu, e era verdade — Será em Warren Hall. Obrigada, Lorde
Merton. É muito amável.
— Acredito que de agora em diante, será melhor que me chame de Stephen e que fale
com intimidade — replicou o Conde — Acredito que todos deveríamos nos chamar pelo
nome.
E de repente todos começaram a falar ao mesmo tempo, enquanto davam boa conta
do jantar.
Margaret, Vanessa e Katherine tinham decorado o enorme salão de baile de Warren
Hall, assim como a capela, antes inclusive que retirassem o prato principal. Cassandra tinha
organizado o menu para o banquete de bodas, antes que chegasse a sobremesa.
— Con, será melhor que relaxe e as deixe decidir — advertiu Elliott — Já fez seu
trabalho. Pediu Hannah em casamento e ela aceitou. O resto fica nas mãos das damas.
Hannah foi informada que nos dias anteriores às bodas se alojaria em Finchley Park,
uma das propriedades de Duque do Moreland, precisamente em que cresceu, que confinava
com o Warren Hall. Também se alojariam nela outras pessoas, incluindo Vanessa e Elliott,
seus filhos, a mãe e as irmãs de Elliott e a qualquer pessoa que Hannah quisesse convidar.
Vanessa assegurou que não tinha que preocupar-se com a presença de tanta gente.
Disse que também havia a residência da viúva, uma casa linda situada em um lugar isolado à
beira do lago, que foi o lugar onde Elliott e ela passaram a lua de mel. E que seria o lugar
onde a passariam eles. Acrescentou que não conhecia nenhum outro lugar mais romântico
para começar a vida matrimonial.
— Lembra-se dos narcisos? — perguntou a Elliott.
E a pergunta fez que o sério Duque de Moreland piscasse um olho diante de todos.
O olhar de Hannah se cruzou com o de Constantine, sentado do outro lado da mesa, e
trocaram um sorriso que talvez passasse inadvertido para outros. A caminho do jantar,
Constantine a tinha advertido que suas primas formavam um trio de armas tomadas e que
Cassandra estava demonstrando ser uma valiosa adição às suas filas. Segundo ele, se não
andasse com cuidado, tirariam as bodas das mãos dela e se ocupariam de tudo.
E isso antes de saber que o casamento se realizaria em seus domínios, em Warren Hall.
— Ai, Por Deus! — Exclamou de repente Katherine, e seu tom de voz silenciou a todos
os comensais.
— Já estamos outra vez. Hannah, crescemos em um vilarejo pequeno, éramos as filhas
do vigário. Sempre havia coisas que fazer e organizar. E sempre fomos nós as que nos
oferecíamos a fazê-lo. A vida rural pode converter-se em um aborrecimento sem fim a
menos que alguém se ocupe desse tipo de coisas. Entretanto, embora faça muito tempo que
deixamos essa vida atrás, não perdemos o costume de organizar.
— É verdade — admitiu Margaret com um suspiro — Hannah, ninguém a tem por uma
mulher indecisa e necessitada. Suponho que leva todo este tempo rindo de nós em silêncio.
Talvez tenha o casamento preparado e não necessite de nossa ajuda.

231
Hannah era consciente de que todos os olhos estavam cravados nela. Os das damas
com tristeza, os dos Cavalheiros com ironia.
— Não estou rindo — assegurou — Justamente o contrário — E a verdade era que teve
que piscar várias vezes para não acabar chorando — Nunca planejei um casamento, tive um
que planejaram por mim. Ontem aceitei me casar com Constantine, mas vejo que também
vou me casar com sua família, e isso me faz tão feliz que não posso expressar com palavras.
O Duque tinha assegurado que quando encontrasse o amor, acharia também a
sensação de pertença que sempre o acompanhava.

Faltava pouco para que se desse começo ao baile.


Os Cavalheiros não continuaram na sala de jantar quando as damas o abandonaram,
mas as acompanharam ao salão de baile para esperar a chegada dos primeiros convidados.
Hannah sabia que o novo título de Constantine se anunciaria no transcurso do baile. E
também se anunciaria seu compromisso. O começo de uma nova era. Olhou o lindo vestido
turquesa que levava e se alegrou de ter tirado o branco, embora isso a tivesse feito chegar
tarde. Já não tinha que seguir se escondendo. Não tinha que apresentar-se atrás de uma
armadura de gelo e diamantes.
Era a Duquesa de Dunbarton e depois se converteria na Condessa de Ainsley. Mas
acima de tudo, era Hannah. Era ela mesma tal como a tinham moldado a vida, sua
personalidade e suas vivencias. Amava-se. E estava apaixonada.
Era feliz.
Quando os convidados começaram a chegar, Constantine pegou sua mão e a colocou
em seu braço. Passearam juntos pelo salão de baile, detendo-se brevemente com algumas
amizades. Ambos estavam muito sorridentes.
— Notou que todos que entram no salão a olham duas vezes, a primeira com franca
admiração por sua beleza e a segunda, com assombro quando a reconheciam? — perguntou
Constantine.
— Acho que é a você a quem olham — contradisse — Está muito bonito quando sorri.
— Alegra-se de realizar as bodas em Warren Hall? — quis saber Constantine.
— Sim — respondeu — Estará rodeado por toda sua família. Jonathan inclusive.
— Sim, mas e a sua?
Olhou-o enquanto o sorriso desaparecia de seus lábios.
— Estará rodeada por sua família? — insistiu ele.
— Convidarei Barbara e o Senhor Newcombe — respondeu — Talvez queira se por
outra vez a caminho para vir a minhas bodas.
— Quando você não vai à sua? — Assinalou Constantine — Isso é uma verdadeira
amizade?

232
Por que tinha trazido o assunto à baila nesse momento? O salão de baile começava a
encher-se de gente. O ambiente estava um pouco quente. Os membros da orquestra
estavam afinando seus instrumentos.
— Muito bem — claudicou, levantando o queixo e o leque, um gesto que a converterá
na Duquesa de Dunbarton — Convidarei meu pai, minha irmã, meu cunhado e meus
sobrinhos. Inclusive convidarei os Leavensworth. E irei ao casamento de Barbara. Nós dois
iremos. Está satisfeito?
— Estou — respondeu ele e acrescentou — Meu amor.
E deu um beijo fugaz e discreto, embora tenha sido todo um escândalo, ainda mais
porque ainda não se fizera nenhum anúncio.
— Terá que se casar comigo depois disto, Senhor — o ameaçou.
— Maldição! — Exclamou Constantine com um sorriso — Não vai ficar mais jeito se
não o de fazer isso.
— Não virá ninguém — advertiu-o — Salvo Barbara, possivelmente. E inclusive, nem
sequer ela.
— Meu amor, o que conta é que vai estender-lhes a mão — replicou ele — Não pode
fazer outra coisa. É o máximo que podemos fazer. Vamos dançar. E depois acatarei com
grande relutância todas as regras e dançarei só uma peça a mais com você. A posterior à
pausa e ao anúncio. Será uma valsa. Tive que lutar com Stephen e imobilizá-lo contra o chão
até que aceitou que fosse uma valsa.
Ela se pôs a rir ao escutá-lo.
— E se já prometi essa peça em concreto? — perguntou.
— Lutarei com seu par e o imobilizarei contra o chão até que recorde que calça
sapatos novos que provocaram umas terríveis bolhas nos dedos — respondeu.
— Que tolice— replicou Hannah entre gargalhadas.

Outro assunto que também ficaram discutindo desde o dia anterior era o lugar onde
estabeleceriam sua residência uma vez que se casassem. Esse tema foi muito mais fácil de
resolver.
Con tinha abandonado Ainsley Park para instalar-se na residência da viúva a fim de
deixar espaço para novos residentes. A residência da viúva satisfazia perfeitamente suas
necessidades de solteiro, mas, entretanto, seria pequena para acrescentar uma esposa e,
tomara acontecesse, uma família. Além disso, se desalojasse seus aposentos, explicou a
Hannah, também poderiam utilizar-se todas as salas da casa.
Talvez como alojamento para o administrador ou para os instrutores. Eles só
necessitariam de uma suíte em que instalar-se durante suas visitas.
Porque pensava ir a Ainsley Park algumas vezes ao ano, claro. Essas pessoas eram
muito importantes para ele, e achava que seus sentimentos eram correspondidos.

233
Iriam se estabelecer em Copeland Manor como seu lugar de residência, Hannah estaria
perto do Fim do Mundo e dos anciões aos quais tanto carinho tinha. E a propriedade em si
seria seu refúgio particular. Um lugar lindo, com seus terrenos agrestes e a Mansão situada
em uma suave colina de onde se desfrutava maravilhosas vistas em qualquer direção. Nos
anos vindouros seria o paraíso para qualquer criança. E estava perto de Londres.
Que seria, é claro, o lugar onde passariam a primavera todos os anos. Porque no ano
seguinte, Constantine teria que ocupar sua cadeira na Câmara dos Lordes. E se alojariam na
casa que tinha alugada, embora não estivesse na parte mais elegante da capital. Podiam
prescindir da ostentação.
De modo que Copeland Manor seria seu lar.
E se alegrava por isso, pensou Con enquanto dançava e observava Hannah dançar. De
fato, iria se alegrar de viver, inclusive em um chiqueiro com ela. Embora talvez fosse melhor
não comprová-lo.
A hora da pausa chegou em um abrir e fechar de olhos, e Stephen anunciou à alta
Sociedade que seu primo, Constantine Huxtable, seria honrado por Sua Majestade, o Rei,
com o título de Conde de Ainsley antes que a temporada social chegasse ao fim. E que o
novo Conde de Ainsley converteria em sua Condessa à Duquesa de Dunbarton pouco depois
que isso acontecesse, em uma cerimônia particular que se celebraria em Warren Hall.
Con tentou contar as semanas que tinham passado desde o dia que viu Hannah no
Hyde Park depois de dois anos, enquanto cavalgava com Monty e Stephen, e sofreu seu
repúdio. Não eram muitas, mas custava recordar a imagem que tinha dela naquele tempo.
Era surpreendente o muito que mudavam as pessoas quando se conhecia o interior, além do
exterior.
Já naquele momento estava se expondo o assunto do matrimônio. Quem ia dizer
enquanto a observava aquele dia no parque que acabaria se casando com ela?
Que seria ela.
Seu amor verdadeiro.
O baile demorou para começar. Todos queriam felicitá-los e expressar seus bons
desejos. Muitos homens juraram que levariam braceletes negros em sinal de luto no dia
seguinte. Hannah os golpeou com força com o leque no braço.
E chegou o momento da valsa.
Uma dança que Con gostava muito, Desde que pudesse escolher com quem a dançava,
é claro. Por sorte, os homens desfrutavam de um maior controle do assunto.
Entretanto, Hannah não parecia contrariada ao ter que dançar com ele quando a tirou
para pista de dança.
— Está contente? — perguntou enquanto rodeava a cintura com o braço direito e
pegava a mão com a esquerda.
— Sim, estou! — Respondeu Hannah com um suspiro — Embora não sei se vou
desfrutar muito com todos os preparativos para as bodas. Possivelmente deveríamos ter
fugido.
234
— Minhas primas jamais nos perdoariam — replicou ele com um sorriso.
— Sei. Mas a única coisa que quero é estar com você.
De sua parte, levava todo o tempo tratando de evitar esse tipo de desejo.
— Quer vir a minha casa esta noite, depois do baile? — perguntou.
Hannah o olhou nos olhos uns instantes antes de suspirar outra vez.
— Não — respondeu — Já não sou sua amante, Constantine. Sou sua noiva. Há uma
grande diferença.
Sua resposta o decepcionou... E o aliviou. Porque havia uma grande diferença.
— Seremos bons, pois — respondeu — E nos consolaremos com a ideia da noite de
núpcias.
— Sim — concordou ela — Mas não é só isso. É que estou desejando... Ai, não sei
como dizer! Estou desejando ser sua esposa.
Olhou-a com um sorriso.
— E acabo de recordar uma coisa — acrescentou Hannah, cuja expressão recuperou a
alegria — o Duque me ensinou que jamais usasse o verbo desejar, porque implica uma falta
de segurança em mim mesma e é porta à decepção. Não desejo ser sua esposa. Vou ser,
assim me lançarei totalmente a ajudar Margaret e às demais com os preparativos do
casamento, para que o tempo passe mais depressa. Ai, Constantine! É maravilhoso ter uma
família que se preocupe com minhas bodas, embora em parte preferisse fugir.
Nesse instante começou a música. E sem deixar de olharem-se nos olhos dançaram
sob a luz das velas dos lustres, entre os arranjos florais e as frondosas samambaias, entre o
resto dos casais que formavam um reluzente redemoinho de cetins, sedas e joias de variadas
cores.
Con compreendeu que sempre tinha vivido nas margens da vida, observando as vidas
dos outros, ajudando-os inclusive a caminhar por ela. A morte de Jon foi um golpe tão forte
porque tinha tentado viver a vida de seu irmão e tinha acabado descobrindo que era
impossível. Jon tinha que morrer só. E a essa altura era um fato que assumia como natural e
justo. Jon tinha vivido sua vida, viveu-a com intensidade, e morreu quando chegou a hora. E
por fim tinha chegado sua vez, reconheceu. De repente e pela primeira vez, achava-se no
centro de sua vida, vivendo e desfrutando dela.
Amando a mulher que ocupava tal centro ao seu lado. Amando Hannah. Que o olhava
com um sorriso. Fê-la virar ao chegar a um dos cantos do salão de baile e a devolveu.

235
CAPÍTULO 24

O casamento de Hannah Reid, Duquesa de Dunbarton, com Constantine Huxtable,


Conde de Ainsley, era um acontecimento íntimo aos olhos da alta Sociedade. E o mais
surpreendente, ao menos para Hannah, era que se tratava de um acontecimento familiar,
com crianças brincando de correr por toda parte, que iriam tanto à cerimônia que se
celebraria na capela de Warren Hall como ao banquete de bodas que teria lugar depois na
Mansão.
Entretanto, era mais surpreendente se sabia que não só ia a família de Constantine.
Seu pai também fora. Assim como Dawn e Colin, sua irmã e seu cunhado, com seus cinco
filhos, Louisa, de dez anos, Mary, de oito, Andrew, de sete, Frederick, de cinco, e Thomas, de
três.
E Barbara se apresentou com seus pais, já que o reverendo Newcombe não podia
abandonar suas responsabilidades depois de sua recente escapada e antes de suas próprias
bodas e sua lua de mel.
Seu pai mal tinha mudado, descobriu Hannah quando chegou a Finchley Park um dia
antes das bodas. Não podia dizer o mesmo de Colin nem de Dawn, os dois ganharam volume
e pareciam bem mais velhos. Colin tinha perdido muito cabelo e seu aspecto viçoso. Dawn,
pelo contrário, tinha as faces coradas e parecia contente... Embora não no momento de sua
chegada.
Devia ter custado muito tomar a decisão de ir, supôs Hannah.
Tinha decidido de antemão comportar-se como se não tivesse havido distanciamento
algum, e ao que parecia eles tinham tomado a mesma decisão. Abraçaram-se, saudaram-se e
sorriram. E ocultaram a vergonha que deviam estar sentindo todos se concentrando nas
crianças, que nesse momento saíam de outra carruagem.
Tinha duas sobrinhas e três sobrinhos de quem não sabia virtualmente nada, pensou
Hannah enquanto via como iam saudando-a com as reverências de rigor. Nunca tinha
permitido que Barbara falasse de sua família.
Em outras circunstâncias bastante diferentes, estaria casada uns dez anos com Colin.
Nesse momento parecia muito com um estranho a quem tinha conhecido de passagem há
muito tempo.
— Entrem, por favor — disse — Há chá e bolachas para todos.
— Tia Hannah — disse Frederick, que a pegou pela mão quando se voltou para a casa
— tenho sapatos novos para as bodas. São de um tamanho maior que os velhos.
236
— E meus — acrescentou Thomas, que ficou a sua altura quando entraram na casa.
— Nesse caso me alegro muito de realizar um casamento — replicou — Todos
necessitamos de um bom motivo para estrear sapatos novos de vez em quando.
Encolheu-o coração. Muito mais tarde teve por fim uma oportunidade para falar com
seu pai em particular. Viu-o passeando pelo prado junto a casa, depois de tomar o chá,
embora o imaginasse descansando em seu quarto, como faziam quase todos os outros.
Hesitou um momento antes de reunir-se a ele. Tinha chegado até esse ponto na
reconciliação, pensou. Por que deter-se a essa altura?
Seu pai levantou a vista quando a viu aproximar-se e se deteve. Tinha as mãos
entrelaçadas às costas.
— Vejo que está muito bem, Hannah — disse.
— Sinto-me maravilhosamente — assegurou.
— E vai casar-se com outro aristocrata — continuou seu pai — Mas com um homem
mais jovem nesta ocasião. Este Cavalheiro proporcionará um pouco de felicidade ao menos?
Acaso seu pai tinha interpretado mal a situação todos esses anos?
— Amo-o — afirmou — e ele me ama. Espero achar muita felicidade em meu
matrimônio com Constantine. Irá conhece-lo mais tarde. Vem no jantar. Mas, papai, também
encontrei muita felicidade em meu primeiro matrimônio. O Duque foi amável comigo...
Muito mais que amável. E eu o adorava.
— Era velho — insistiu seu pai — Poderia ter sido meu próprio pai. Nunca perdoei
minha parte de culpa nos acontecimentos que levaram a agir de uma forma tão impulsiva, ao
se casar com ele, Hannah. Não fiz nada para impedir isso. Suponho que em seu momento me
pareceu uma solução fácil a um problema desagradável. Minhas duas filhas queriam o
mesmo homem, e eu queria que as duas fossem felizes. Pensava que você se recuperaria
antes e que acharia a felicidade com outra pessoa, porque todos os jovens preferiam a você,
de modo que me pus do lado de Dawn. Fui muito ignorante, não é verdade? Casou-se com
um ancião a quem não conhecia nada, partiu de casa e nunca voltou, nem escreveu nem...
Enfim, tampouco tive coragem de escrever, não é verdade?
— Casar com o Duque foi o melhor que fiz na vida — replicou Hannah — E a julgar pelo
que vi durante o chá, casar-se com Colin foi o melhor que fez Dawn em sua vida.
— Parecem bastante felizes — reconheceu seu pai — E meus netos são minha vida.
Talvez... — interrompeu.
— Sim, talvez — concordou — Só tenho trinta anos, papai. E a única coisa que preciso
é um filho para que minha felicidade seja completa.
— Obrigado — disse seu pai com certo desconforto — por nos convidar as suas bodas,
Hannah.
— Constantine não tem irmãos, mas tem primos de ambos os ramos familiares —
explicou — E todos mantêm uma relação muito estreita. Diria que todos são carinhosos e
muito agradáveis. Abriram suas vidas e seus corações para me incluir. Com certeza pode
comprová-lo durante o chá, com Elliott e Vanessa, os Duques de Moreland, e com sua mãe e
237
suas irmãs. Eles me fizeram ver a importância da família. E Constantine me convenceu para
que me pusesse em contato com vocês de novo. Não estava certa de que viessem. Acho que
esperava que não o fizessem.
Seu pai soltou um suspiro sentido.
— Chorei ao receber sua carta — confessou — Ah, não me achava capaz de admiti-lo
diante de ninguém. Sinto-me... Perdoado.
Hannah deu um passo à frente e apoiou a cabeça no ombro de seu pai. Sentiu que
rodeava a cintura com as mãos e a abraçava.

Não teve oportunidade de falar com Dawn até a manhã seguinte... No próprio dia de
seu casamento. Estava em seu roupeiro, com a cabeça muito quieta para que Adele domasse
um cacho rebelde sobre sua têmpora até deixá-lo como ela queria.
Usava um vestido de cor rosa claro, um tom que não se imaginara escolher para suas
bodas. Mas quando foi às compras em busca do tecido, apaixonara-se por essa tonalidade
em concreto. Usaria um chapéu de palha a jogo, adornado com botões de rosa, raminhos
verdes e fitas rosas um pouco mais escuras que o vestido.
O céu, conforme via pela janela, estava límpido. Não havia nenhuma só nuvem no
horizonte.
E nesse momento os convidados foram vê-la antes de partir à Igreja.
Vanessa, junto com Averil e Jessica, as irmãs de Elliott, exclamaram encantadas ao vê-
la.
Sorriram e afirmaram que não a abraçavam para não amassar o vestido nem danificar
o penteado. Todas concordaram que Cecily, a irmã mais nova de Elliott que estava a ponto
de dar a luz, ia arrancar os cabelos por perder a cerimônia. A Senhora Leavensworth levou as
mãos ao peito e declarou que não foi mais feliz em toda sua vida, embora certamente o seria
ainda mais em questão de três semanas, quando Barbara se casasse.
Barbara importou-se muito pouco em amassar o vestido ou despenteá-la. Abraçou-a
com força e sem dizer nada durante um minuto inteiro. Depois se afastou e a olhou com
atenção.
— Estava há muito tempo esperando isto, Hannah — disse — Inclusive rezei para que
acontecesse. Ria se quiser. Há muito amor em seu interior para que o esbanje com uma
simples paquera. E o Senhor Huxtable... Bem, o Conde de Ainsley é o homem adequado.
Pensei nisso quando estávamos em Copeland Manor. Estava quase certa quando subiu à
garupa de seu cavalo no parque. E quando os vi ontem à noite no jantar... Enfim, não ficou a
menor dúvida. E agora que soltei este sermão, será melhor que vá à Igreja com meus pais,
antes que a noiva chegue. — se pôs a rir.
— Babs — disse e a abraçou de novo — O que teria sido de mim se não a tivesse tido
todos estes anos?

238
— O mesmo que teria sido de mim se não houvesse tido a você, suponho —
respondeu sua amiga — Ah, Dawn, aqui está. Minha mãe e eu já vamos, assim terá mais
espaço.
E todos se foram à exceção de Dawn, que permanecia em pé com expressão
desconfortável junto à porta.
— Já estou preparada, Adele — disse Hannah — Porei o chapéu eu mesma antes de ir.
Sua criada partiu da sala.
— Não sei como o faz, Hannah — soltou Dawn quase zangada — mas está mais bonita
agora do que estava há onze anos.
— Estou apaixonada — replicou com um sorriso — e é o dia de minhas bodas. É fácil
estar bonita nestas circunstâncias.
— Não é só isso — respondeu Dawn — Antes pensava que só era seu aspecto. Mas
sempre foi o que tinha dentro. E agora há ainda mais. O Conde de Ainsley é muito bonito,
não é verdade? Embora seja uma pena aquele nariz. Suponho que deveria chamá-lo
Constantine, como ontem à noite me pediu que fizesse, mas me parece presunçoso fazê-lo.
Foi muito bom, embora certamente que pareceu que o velho Duque ia viver eternamente.
Deve ter sido uma tortura para você.
— Suponho que é nisso que acreditam as pessoas — disse Hannah — Não é verdade,
mas não me importa que não saiba ninguém, salvo eu... E Constantine. E agora vou me casar
com um homem que amo com toda a alma. Se alguma vez olhar para trás e sentir uma
pontada de culpa, Dawn, não o faça. Todas as coisas acontecem por um motivo... Às vezes
por um motivo mais importante do que acreditamos no momento. O que aconteceu me
levou até o Duque e desfrutei de dez anos de surpreendente felicidade. E me casar com o
Duque me trouxe pouco a pouco até este dia.
— Não me sinto culpada — assegurou Dawn — Poderia ter tido qualquer um que
desejasse muito. Escolheu Colin e ele esteve encantado por sua beleza durante um tempo,
como acontece com todos os homens quando a vêem. Mas me amava, e eu o amava. Temos
um bom matrimônio e também uns filhos sadios e estupendos... Que é mais do que você
tem. Não me sinto culpada.
Sorriu ao escutar a sua irmã.
— Estou alegre de que seja feliz — replicou ao mesmo tempo em que dava um passo
para ela — E seus filhos são maravilhosos. Espero poder conhecê-los melhor com o tempo.
Irei a Markle para ir ao casamento de Barbara. Vamos ficar na casa de papai.
— Barbara causará sensação — disse Dawn — ao ter uns Condes por convidados. Não
se falará de outra coisa em um mês.
Hannah deu outro passo à frente e abraçou sua irmã.
Era uma espécie de reconciliação, pensou quando Dawn devolveu o abraço.
Certamente sua relação fraternal nunca seria muito estreita. Talvez Dawn guardasse
um pouco de rancor, embora no final ficasse com Colin, a quem parecia querer de verdade. E
tinha cinco filhos, que eram muito doces e bem educados. Mas ao menos tinham feito as
239
pazes. Ao menos podiam começar a construir uma nova relação a partir desse momento.
Tinham todo o futuro pela frente. Sempre havia lugar para a esperança.
— Será melhor que vá — disse Dawn — Colin e as crianças estarão me esperando.
Hannah a viu afastar-se antes de fechar a porta do roupeiro. Ainda ficava uma coisa
por fazer antes de colocar o chapéu e descer as escadas para reunir-se com seu pai.
Procurou na lateral de sua bolsa de viagem e tirou um pequeno estojo quadrado.
Abriu-o e o deixou na penteadeira enquanto contemplava a aliança que tinha no dedo e a
tirava. Sustentou-a um momento e a levou aos lábios.
— Adeus, meu querido Duque — sussurrou — Hoje se alegraria muito por mim, se
sentiria muito feliz, não é verdade? Predisse que chegaria. E talvez também se sentisse um
pouco triste. Eu sou feliz. E me sinto um pouco triste. Mas agora está com seu amor e eu
estarei com o meu. E uma parte de cada um sempre pertencerá ao outro.
Deixou o anel no estojo, hesitou um instante e fechou a tampa com gesto firme antes
de devolvê-lo ao baú. Pegou seu chapéu.
E de repente a assaltou tal nervosismo que tremeram os dedos enquanto atava as fitas
sob a orelha direita.

A capela estava a transbordar de convidados, como Constantine sabia que estaria


embora quase todos eles fizessem parte de suas respectivas famílias. As suas costas escutava
o murmúrio das conversas, assim como as corridas e as vozes agudas das crianças.
Havia muitas. A família estava crescendo. E ainda continuava a crescer. Katherine e
Monty estavam a ponto de aumentar sua família. Cecily daria a luz a qualquer momento.
E não só aumentava a família.
A esposa de Phillip Grainger estava gravidíssima e tinha outras duas crianças sentadas
ao seu lado. Phillip, um de seus amigos mais antigos, era seu padrinho.
De certa forma, era uma situação muito cômoda. Família. E nesse dia ele mesmo se
converteria em um homem casado. Em um homem de família. Tomara que se convertesse
em um homem de família!
Mas ainda não estava casado sequer.
Hannah se atrasaria? Seria estranho que não o fizesse.
De qualquer forma, ainda restavam cinco minutos antes que pudesse dizer que estava
se atrasando. O que foi que comentou a respeito de cultivar a paciência?
Tomara que tivesse tomado um pouco do café da manhã.
Embora agradecesse não tê-lo feito.
E maldição, mas começava a ficar nervoso.
E se tivesse dúvidas?
E se tivesse aparecido um velho Duque em algum canto de Finchley Park e fugira com
ele?

240
Mas nesse momento escutou as rodas de uma carruagem... Depois de todos os
convidados terem chegado. Só faltavam três minutos para as onze.
A carruagem se deteve. O normal, porque o caminho só conduzia à capela!
Fez-se o silêncio na Igreja. Todo mundo escutou o mesmo que ele. E nesse instante o
vigário apareceu na porta e ordenou aos presentes que ficassem em pé. E depois se pôs a
andar para o altar pelo corredor, deixando livre a porta para Delmont, o pai da noiva, e para
Hannah.
A beleza personificada vestida de rosa claro. Sua noiva.
Por Deus! Sua noiva.
Esteve a ponto de dar um passo para ela, mas se deteve. Supunha-se que devia esperá-
la onde se achava. Que ela devia aproximar-se dele.
De modo que ficou quieto até que chegou a sua altura, caminhando pelo braço de seu
pai e olhando-o com um sorriso através do véu rosa que caía da aba de seu chapéu de palha.
Devolveu o sorriso.
Por que tinham passado tanto tempo discutindo onde se casariam e quantos
convidados iriam? Não entendia. O lugar onde se achavam não importava. E nesse momento
não importava absolutamente quem fosse testemunha da troca de votos que os uniriam
durante o resto de suas vidas a olhos da lei e graças ao amor.
Não importava.
— Sim, quero — respondeu quando o vigário perguntou se queria aceitar Hannah por
esposa.
— Sim, quero — disse ela por sua vez.
E pouco depois estava recitando seus votos, a instâncias do vigário, e depois chegou a
vez de Hannah. E Phillip entregou-lhe a aliança de ouro e ele a colocou no dedo de Hannah.
E de repente...
Caramba! E de repente tudo acabou, a emoção e os nervos, os medos infundados.
Eram marido e mulher.
E o que Deus tinha unido, nenhum homem poderia jamais separar.
— Hannah.
Afastou o véu do rosto e a olhou nos olhos. Devolveu o olhar com expressão aberta e
sincera. Sua esposa.
De repente foi consciente dos murmúrios e dos movimentos, da voz melodiosa de um
menino, de uma tosse discreta. E voltou a ser consciente de onde se achavam e com quem.
Alegrou-se de que a família e os amigos estivessem presentes para celebrar o momento com
eles.
Sentiu um golpe de pura felicidade.
Hannah, sua esposa, olhou-o com um sorriso, e quando quis devolver o gesto, deu-se
conta de que já sorria.

241
Não havia nenhuma carruagem esperando-os às portas da capela. Retornariam todos
caminhando a Warren Hall, com os noivos abrindo a marcha.
Mas não imediatamente.
Quando saíram da Igreja, Hannah olhou seu belo marido e se soltou de seu braço para
agarrar a mão.
— Sim — murmurou como se ele houvesse dito algo.
Seu marido. Era seu marido!
E juntos, como se o tivessem falado de antemão, encaminharam ao cemitério
adjacente à Igreja. Detiveram-se ao pé de um montinho de relva. Estava marcado por uma
lápide em que rezavam cinco linhas,
"Jonathan Huxtable, Conde de Merton, morto em 8 de novembro de 1812, à idade de
16 anos, RIP".
Contemplaram o túmulo com as mãos entrelaçadas, um junto do outro.
— Jonathan, obrigado por levar uma vida cheia de amor — disse ela em voz baixa —
Obrigado por seguir vivendo no coração de Constantine e em seu sonho de Ainsley Park.
Con apertou a mão com tanta força que quase a machucava.
— Jon — disse, com um fio de voz — teria sido muito feliz hoje. Mas você sempre foi
feliz. Vá em paz, irmão. Retive-o muito tempo. Sempre fui muito egoísta. Vá em paz.
Uma lágrima escorregou pela face de Hannah e caiu sobre o decote de seu vestido.
Enxugou os olhos com os dedos enluvados da mão livre.
— Amo-a, Hannah — disse Con sem erguer a voz.
— Eu também o amo — replicou ela.
E juntos retornaram a seus convidados, que os aguardavam no caminho de entrada da
capela, conversando e rindo. As crianças brincavam de correr de um lado para outro e suas
vozes agudas se erguiam sobre as demais.
Con entrelaçou os dedos com os de Hannah enquanto retornavam junto a sua família e
seus amigos, sorridentes e transbordantes de alegria.
E do céu começaram a chover pétalas de rosa.

242
Epílogo

Por volta de um dia outonal perfeito, por mais que não fosse perfeito para a babá. Se
deixassem a babá fazer como queria, os temores dela a impediria de tirar o bebê de casa até
que completasse ao menos um ano. Se a deixassem fazer como queria, iria converter o bebê
em uma planta de estufa. E em muitos outros aspectos se fizesse como queria, já que
contava com uma enorme experiência como babá e era evidente que queria o menino como
se fosse sua avó.
Hannah a tinha encontrado quando sua anterior família prescindiu de seus serviços
porque já não eram necessários e ela solicitou um emprego no Fim do Mundo, embora
durante a entrevista admitiu se dar melhor com as crianças que com os anciões.
Não obstante, acrescentou na ocasião, na falta de pão, boas são as tortas.
O dia era perfeito.

243
O calor do verão tinha desaparecido, mas o vento ainda não estava frio. Não havia
nenhuma só nuvem que pressagiasse chuva no céu, de fato, não havia nuvem alguma à vista.
E o vento estava de férias. Inclusive a ligeira brisa que soprava no dia anterior. O céu era um
caleidoscópio de cor. Não em si mesmo, é claro, já que era de um azul uniforme, mas os
ramos das árvores que se erguiam para ele. Os tons vermelhos se mesclavam com os
amarelos, com os alaranjados, com um sem fim de marrons e com alguns tons de verde.
Entretanto, muito poucas folhas tinham caído no chão.
Teria sido um dia lindo para cavalgar. Para galopar pelo campo e para fazer uma
corrida. Hannah conservava a esperança de ganhar de Constantine algum dia. Embora
estivesse há vários meses sem subir em um cavalo, claro. Nem sequer para dar um tranquilo
passeio.
Constantine não o teria permitido mesmo se ela houvesse se sentido inclinada a correr
o risco. Que não foi o caso.
Viajavam tranquilamente na carruagem. Na carruagem fechada. Os desejos da babá
foram ignorados, embora nem todos. A mulher tinha experiência, eles não.
Era um trajeto que estavam acostumados a fazer com os cães. Pouco depois das
bodas, tinham decidido que um acolhedor cantinho do estábulo se dedicasse aos cães.
Constantine pensava que os anciões que residiam no Fim do Mundo necessitavam mais
estímulos, além de sua companhia e da de outras pessoas. E certamente a visita dos cães era
o ponto alto de seus dias.
Hannah e Constantine os levavam às vezes. Mas o normal era que o fizesse Cyril
Williams. Era um menino de dez anos que tinha roubado a carteira de Constantine em
Londres, pouco depois de retornarem do casamento de Barbara com o reverendo
Newcombe.
Um menino sujo e esfarrapado que não parava de tremer, que tinha perdido uns
meses antes sua mãe, a única família que ficava com vida, e que depois disso passara do
mero desespero à sobrevivência animal.
Cyril e os cães se davam maravilhosamente. Alimentava-os e cuidava deles, tirava-os
para que fizessem exercício, adestrava-os e os queria.
E às vezes os colocava às escondidas em seu dormitório, ocasião nas quais a criadagem
e os Senhores sofriam estranhos episódios de cegueira e surdez.
Os cães o adoravam e o seguiam como se fossem sua sombra. Comportavam-se muito
bem com ele e passavam o dia, abatidos no estábulo, quando o menino estava fora, não por
gosto, mas na escola do povoado.
Nesse dia em concreto não levavam os cães para que alegrassem os anciões.
Nesse dia levavam Matthew Huxtable com seus quatro meses de vida, um bebê que na
opinião de seus pais era o mais bonito do mundo, embora admitissem não serem objetivos.
Tinha herdado o tom escuro de cabelo e de pele de seu pai, e os olhos azuis e o alegre
sorriso de sua mãe.

244
Nesse dia os anciões desfrutaram muito quando Constantine deixou Matthew nos
braços de um para que o embalassem e às vezes lhes dedicava um desdentado sorriso, com
ajuda de seu pai, que fazia cócegas em sua barriguinha.
Enquanto isso, Hannah conversou com aqueles que não podiam pegar o bebê, que não
falavam ou que nem sequer respondiam aos estímulos que os rodeavam.
De qualquer forma, contou a eles algumas coisas sobre as três semanas que suas duas
sobrinhas e um de seus sobrinhos tinham passado em Copeland Manor durante o verão,
depois que sua mãe retornara a Lincolnshire com os dois menores por ter passado uma
temporada com Hannah para ajudá-la durante a última etapa de sua gravidez e durante o
parto.
Também lhes falou da filha dos Barões Montford, a que esperava conhecer antes do
Natal, antes que completasse um ano. E sobre a nova penca de cãozinhos, para os quais Cyril
estava procurando um lar.
Quando a visita acabou, Hannah se sentou ao lado de Constantine na carruagem e o
observou enquanto colocava Matthew no colo, sustentando a cabeça com as mãos, depois
começando a fazer bajulações e a dizer tolices.
O bebê fechou os olhos. Não estava com humor para rir.
Quem ia pensar que um homem como Constantine Huxtable ia se converter em um pai
tão carinhoso e devoto? Perguntou-se Hannah.
O demônio, domesticado.
Salvo que nunca foi um demônio. Nada mais longe da realidade.
Foi um homem cheio de segredos. Um homem cheio de amor.
Colocou a face em seu ombro e ele voltou a cabeça para olhá-la.
— Estava tentando recordar o rosto da Duquesa de Dunbarton — comentou ele —
mas o de Hannah não para de se interpor no meio.
— A Duquesa foi de grande ajuda — confessou.
— Sinto-me alegre de que já não a necessite.
Hannah exalou um suspiro de contentamento.
— Eu também me alegro — reconheceu — Matthew está dormindo. Deixe-me pegá-lo.
Constantine se voltou e o deixou em seus braços sem despertá-lo.
Depois seguiu olhando-os, primeiro ao menino e depois à mãe.
— Disse que a amo? — perguntou.
— Sim — respondeu ela.
Constantine acariciou a cabeça de seu filho com cuidado e se acomodou no assento.
— Mas pode repetir — acrescentou Hannah — De fato, insisto em que o faça agora
mesmo.
Constantine soltou uma gargalhada baixa.

245
FIM

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