Você está na página 1de 495

O testemunho que se segue é a

história de vida de Diana tal como


ela queria contá-la. As suas palavras
são agora tudo o que temos dela, o
seu testamento, o mais próximo que
chegaremos da sua autobiografia.
Ninguém lhe pode negar esse direito.
Antes da sua morte, em março de 1992, o pai da Princesa de Gales, o 8.°
conde Spencer, muito gentilmente concedeu o acesso aos álbuns de foto-
grafias privados da sua família. Muitas das fotografias deste livro foram
reproduzidas desses álbuns. A sua generosa colaboração é muito apreciada.
As fontes de todas as outras fotografias incluídas neste volume são especi-
ficadas nas legendas.
Coordenação editorial
João Pombeiro
Tradução
Cristina Paixão
Revisão
João Alexandre
Capa e paginação
PixelReply.com
Fotografia de capa
Gemma Levine/Getty Images

Diana | A verdadeira história contada pela Princesa


é uma série editada pela Reverso em exclusivo
para a revista SÁBADO.
© Reverso, 2022 | Cofina Media, 2022
Reservados todos os direitos de acordo
com a legislação em vigor.
Título original
Diana: Her True Story – In Her Own Words
© Andrew Morton, 2017
Michael O’Mara Books Limited, 2017
All rights reserved.
Depósito legal: 498343/22
ISBN: 978-989-9080-19-5
Impresso em abril de 2022 na Printer.
ÍNDICE 09 AGRADECIMENTOS
11 PREFÁCIO
37 PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS
123 CAPÍTULO I
«Deveria Ter Nascido Rapaz»
159 CAPÍTULO II
«Chama-me Apenas Sir»
195 CAPÍTULO III
Essa Esperança no Meu Coração
215 CAPÍTULO IV
Lágrimas por Socorro
247 CAPÍTULO V
«Querido, Estou Quase a Desaparecer»
263 CAPÍTULO VI
«A Minha Vida Mudou de Rumo»
289 CAPÍTULO VII
«Eu Não os Provoco»
327 CAPÍTULO VIII
«Fiz o Meu Melhor»
345 CAPÍTULO IX
«Tínhamos Perdido as Energias»
367 CAPÍTULO X
«A Minha Carreira de Atriz Terminou»
397 CAPÍTULO XI
«Vou Ser Eu Própria»
419 CAPÍTULO XII
«Diz-me Que Sim»
443 CAPÍTULO XIII
«A Princesa do Povo»
467 POSFÁCIO
AGRADECIMENTOS

E sta biografia da Princesa de Gales é única, uma vez que o


conteúdo destas páginas nunca teria aparecido se não fosse a
sincera cooperação de Diana. A história é baseada em longas
entrevistas gravadas com a Princesa, complementadas por tes-
temunhos de familiares e amigos. Tal como Diana, falaram com
honestidade e franqueza, embora isso tenha significado pôr de
lado os enraizados hábitos de discrição e lealdade que a pro-
ximidade da realeza invariavelmente engendra. Os meus agra-
decimentos para com a sua cooperação são, por isso, os mais
sinceros e sentidos.
São também sinceros os meus agradecimentos ao irmão de
Diana pelos seus contributos e memórias, particularmente so-
bre a infância e a adolescência da Princesa de Gales.
Agradeço igualmente a: baronesa Falkender, Carolyn Bar-
tholomew, Sue Beechey, Dr. James Colthurst, James Gilbey,
Malcolm Groves, Lucinda Craig Harvey, Peter e Neil Hickling,
Felix Lyle, Michael Nash, Delissa Needham, Adam Russell,
Rory Scott, Angela Serota, Muriel Stevens, Oonagh Toffolo e
Stephen Twigg. Ao Professor John Taylor e ao Dr. Frank Pro-
chaska, muito obrigado pelos suas reflexões sobre o legado e o
futuro da monarquia.
Há outras pessoas cujas posições me impedem de agradecer
formalmente a sua colaboração. A sua generosa orientação foi
inestimável.
Os meus agradecimentos ao meu editor, Michael O’Mara,
pelo apoio e pelo aconselhamento na tortuosa passagem da
conceção à conclusão das diferentes edições deste livro.

9
PREFÁCIO

M esmo decorridos vinte cinco anos, esta é uma história


realmente incrível.
Produtores de Hollywood descartariam o roteiro conside-
rando-o demasiado rebuscado; uma bela Princesa desesperada,
um escritor desconhecido, um intermediário amador e um livro
que transformaria a vida da Princesa para sempre.
Em 1991 a Princesa Diana aproximava-se dos trinta. Estivera
na ribalta durante toda a sua vida adulta. O seu casamento com
o Príncipe Carlos, em 1981, foi descrito pelo Arcebispo de Can-
terbury como um «conto de fadas». No imaginário popular, o
Príncipe e a Princesa, abençoados com dois filhos, os Príncipes
William e Harry, eram o rosto simpático e charmoso da Casa
de Windsor. A simples ideia de que o seu casamento a celebrar
dez anos pudesse estar com terríveis problemas era impensá-
vel – até para os tabloides mais imaginativos. Comentando uma
deslocação ao Brasil, nesse ano, o Sunday Mirror descreveu-os
como «uma frente unida para o mundo», com a sua proximi-
dade a causar «arrepios de emoção» nas fileiras de jornalistas.
Pouco tempo depois, eu viria a conhecer a verdade nua e crua.
O local improvável para essas incríveis revelações foi um café
frequentado por operários no anónimo subúrbio londrino de
Ruislip. Com os trabalhadores ruidosamente concentrados nos
pratos de ovo, bacon e feijão cozido, coloquei um par de fones,

11
liguei um gravador desgastado e escutei com espanto crescente
a voz inconfundível da Princesa, enquanto ela contava uma his-
tória de aflição, numa repentina tomada de consciência. Senti-
-me transportado para um universo paralelo, com a Princesa a
confessar a sua infelicidade, o seu sentimento de traição, as suas
tentativas de suicídio e dois outros assuntos dos quais nunca
ouvira falar: a bulimia nervosa, um distúrbio alimentar, e uma
mulher chamada Camilla.
Saí do café a cambalear, ainda mal acreditando no que aca-
bara de ouvir. Era como se tivesse sido admitido num clube
clandestino que guardava um segredo. Um perigoso segredo.
A caminho de casa, nessa noite, mantive-me afastado da borda
da plataforma do Metro; a minha cabeça rodopiava com a mes-
ma paranoia que contaminou o filme Os Homens do Presidente,
sobre o Presidente Nixon, o assalto ao edifício de Watergate e a
subsequente investigação de Woodward e Bernstein.
Há praticamente dez anos que o meu trabalho consistia em
escrever sobre a Família Real e fazia parte do circo mediático
que narrava o seu trabalho, nas suas deslocações pelo mundo.
Como diziam os membros do chamado «Royal Ratpack»1 esse
era o maior divertimento que conseguiríamos vestidos. Tinha-
-me cruzado com o Príncipe Carlos e a Princesa Diana em inú-
meras ocasiões, durante as receções oferecidas no início das suas
deslocações. As conversas com a Princesa eram leves, alegres e
banais, normalmente focadas nas minhas garridas gravatas.
No entanto, a vida como repórter real não era um mar de ro-
sas. Necessitava de muito trabalho nos bastidores do teatro real
procurando contactos no interior do Palácio de Buckingham e
do Palácio de Kensington, onde os galeses ocupavam os apar-
tamentos oito e nove, a fim de vislumbrar a vida real por bai-

1 «Royal Ratpack»: expressão coloquial que se refere ao conjunto de jornalistas


dedicados à cobertura, por vezes intrusiva, da vida privada das celebridades.
(N. da T.)

12
xo da máscara. Depois de ter escrito livros sobre a intimidade
nos diversos palácios, a saúde da Família Real e a biografia da
Duquesa de York, entre outros trabalhos, eu tinha conhecido
razoavelmente bem alguns funcionários reais amigos e pensava
ter uma boa ideia do que se passava por detrás dos portões reais
de ferro forjado. Nada me havia preparado para isto.
O meu encontro com a verdade chegou-me por cortesia do
homem responsável pela gravação. Conheci o Dr. James Colt-
hurst em outubro de 1986, numa reportagem de rotina, quando
ele acompanhou Diana após a inauguração de um novo scanner
de tomografia computorizada, na unidade de Raio-X do Hospi-
tal de St. Thomas, no centro de Londres. Seguidamente, tomá-
mos um chá com bolachas e questionei-o acerca da inauguração
realizada por Diana. Ficou imediatamente claro que Colthurst,
formado em Eton e filho de uma baronesa, cuja família fora
proprietária do Castelo de Blarney, na Irlanda, por mais de um
século, conhecia a Princesa há anos.
Ele podia vir a revelar-se um bom contacto, pensei. Tor-
námo-nos amigos a jogar squash nos campos de St. Thomas,
antes de nos sentarmos para grandes almoços num restaurante
italiano das redondezas. Conversador, mas difuso, James esta-
va disponível para falar sobre qualquer assunto exceto sobre a
Princesa. Seguramente conhecera-a bem o suficiente, quando
era uma jovem a viver com as amigas em Coleherne Court, para
a visitar e ouvir divagar sobre o Príncipe Carlos. Até tinham
ido esquiar a França com um grupo de amigos. Depois da sua
elevação ao papel de Princesa de Gales, a familiaridade fácil que
caracterizava a sua vida desapareceu, embora Diana ainda falas-
se com ternura do seu apartamento em Coleherne Court, mas
no pretérito.
Colthurst e a Princesa só renovaram a sua amizade depois da
inauguração em St. Thomas, passando a encontrarem-se para
almoçar de vez em quando. Aos poucos, foi também admitido

13
no seu clube secreto, onde pôde vislumbrar a sua vida real, em
vez da fantasia suportada pela Princesa. Era óbvio que o seu
casamento falhara e que o marido tinha um caso com Camilla
Parker Bowles, esposa do seu amigo de armas Andrew, deten-
tor do curioso título de Silver Stick em Waiting the Queen.2 A Sra.
Parker Bowles, que vivia perto de Highgrove, o palácio rural
dos galeses, era tão intíma do Príncipe que recebia regularmen-
te os seus amigos em jantares, entre outras cerimónias, na sua
casa em Gloucestershire.
Embora Colthurst sentisse que estava a ser admitido num
segredo, ele não era o único. Desde o guarda-costas que acom-
panhava o Príncipe nas suas visitas noturnas a casa de Camilla
em Middlewick, até ao mordomo e ao chef encarregados de pre-
parar e servir um jantar sabendo que o Príncipe não comeria
porque fora ver a sua amante, ou ainda o camareiro que mar-
cava programas de televisão no Radio Times, para sugerir que o
Príncipe passara uma tranquila noite em casa – todos eles fo-
ram arrastados para essa farsa, muitas vezes contra sua vontade.
O seu camareiro Ken Stronach acabou por adoecer com as quo-
tidianas mentiras e Dickie Arbiter, o seu assessor de imprensa,
viu-se numa «posição insustentável» ao ter de manter o mundo
na ilusão de uma família feliz, quando era obrigado a fechar os
olhos para o distanciamento que, em privado, existia entre eles.
Quando o Príncipe Carlos fraturou o braço num acidente de
polo, em junho de 1990, e foi levado para o Hospital de Ciren-
cester, o seu staff foi obrigado a ouvir atentamente as comu-
nicações rádio da polícia que acompanhavam a deslocação da
Princesa Diana de Londres até ao hospital. Estavam bem cien-
tes que teriam de apressar a primeira visita – Camilla Parker
Bowles – antes da chegada de Diana.

2 Gold Stick e Silver Stick correspondem a posições na Guarda Real montada.


O detentor do título Silver Stick assume a posição de Comandante e detém a pa-
tente de Coronel. (N. da T.)

14
Os que estavam a par da situação tinham consciência de que
o caldeirão onde ferviam as mentiras, subterfúgios e falsidades
estava prestes a transbordar. Todos os dias se questionavam por
quanto tempo perduraria a conspiração para ludibriar a futu-
ra Rainha. Talvez indefinidamente. Ou até a Princesa enlou-
quecer com aqueles em quem confiava e admirava, e que lhe
diziam, vezes sem conta, que Camilla era apenas uma amiga.
As suas suspeitas estavam equivocadas, pensavam, não passa-
vam de fantasias de «uma rapariga tonta», como afirmava a Ra-
inha-Mãe dentro do seu círculo.
Como Diana viria a explicar, anos depois, na sua famosa en-
trevista para o programa Panorama da BBC: «Os amigos do meu
marido comentavam que eu estava novamente instável, doente,
e que devia ser internada numa clínica apropriada a fim de re-
cuperar. Eu era quase um embaraço.»
Longe de serem delírios de uma mulher louca, as suspeitas de
Diana revelaram-se verdadeiras, e a dolorosa consciência acerca
do modo como fora repetidamente enganada, não apenas pelo
marido, mas por todos os que integravam o Sistema Real, in-
cutiu-lhe uma absoluta e compreensível desconfiança acompa-
nhada de desprezo pelo Establishment. Esta atitude moldaria o
seu comportamento para o resto da sua vida.
Portanto, enquanto comia o seu frango à Kiev, Colthurst
observava Diana a brincar com a sua salada sem viço e a falar
com uma mistura de raiva e tristeza acerca da sua posição cada
vez mais intolerável. Começava a perceber que, se não tomasse
medidas drásticas, enfrentaria uma sentença de prisão perpétua
de infelicidade e desonestidade. O seu primeiro impulso foi fa-
zer as malas e voar até à Austrália com os seus dois filhos. Por
cá, corriam rumores acerca do comportamento da sua própria
mãe, Frances Shand Kydd, que após o acrimonioso divórcio do
pai de Diana, o Conde Spencer, vivia como uma autêntica re-
clusa na desolada ilha de Seil, no noroeste da Escócia.

15
No entanto, esse impulso foi apenas uma bravata e nada re-
solveu. A questão central permanecia: como dar ao público uma
visão do seu lado da história e ao mesmo tempo desfazer o im-
bróglio legal, emocional e constitucional que a mantinha presa
à monarquia. Era um verdadeiro dilema. Se ela se limitasse a
pegar nas malas e partir, o público e a comunicação social, que
acreditavam inabalavelmente no conto de fadas, iriam conside-
rar o seu comportamento irracional, histérico e profundamente
impróprio. No que lhe dizia respeito, ela havia feito tudo para
resolver o assunto. Tinha falado com Carlos, mas foi ignorada.
Foi falar com a Rainha, mas deparou-se com uma parede em
branco.
Não apenas se considerava uma prisioneira encurralada num
casamento amargo e incompleto, como também se sentia acor-
rentada a uma imagem pública irrealista da sua vida e a um anti-
pático Sistema Real governado, de acordo com as suas palavras,
pelos «homens de fato cinzento». Sentiu-se despojada tanto
como mulher quanto como ser humano. Dentro do palácio
era tratada com uma amável condescendência e vista como um
atraente adorno para o seu inquiridor marido. «E, entretanto,
Sua Alteza Real continuará a fazer muito pouco, mas a fazê-lo
bem», comentou um dos secretários particulares, numa reunião
onde se discutiam futuros compromissos.
Lembrem-se que esta era a mesma mulher que em 1987 fez
mais do que qualquer outro ser vivo para acabar com o estigma
em torno do vírus mortal da SIDA, quando apertou a mão a um
doente terminal no Hospital Middlesex (Londres). Embora fos-
se incapaz de o expressar integralmente, Diana tinha uma visão
humanista de si própria que transcendia a monótona e cumpri-
dora ronda das tradicionais visitas reais protocolares.
Olhando para o lado de fora da sua prisão, não passava um
dia em que não ouvisse outra porta a fechar-se com estrondo,
outra fechadura a encerrar-se, à medida que a ficção do conto

16
de fadas era cada vez mais embelezado no imaginário do pú-
blico. «Sentia que a tampa se fechava por cima dela», recordou
Colthurst mais tarde. «Ao contrário de outras mulheres, ela não
tinha a liberdade de partir com os seus filhos».
Como um prisioneira condenada por um crime que não
cometeu, Diana tinha uma necessidade gritante de contar ao
mundo a verdade sobre a sua vida, a angústia que sentia e as am-
bições que nutria. O seu sentimento de injustiça era profundo.
Muito simplesmente, queria a liberdade de poder dizer o que
pensava, a oportunidade de contar às pessoas toda a história
sobre a sua vida e deixá-las julgar em conformidade.
De certa forma, acreditava que se pudesse explicar a sua his-
tória às pessoas, ao seu povo, elas poderiam compreendê-la ver-
dadeiramente, antes que fosse demasiado tarde. «Deixem-nos
ser o meu juiz», disse, confiante que o seu público não a critica-
ria tão severamente como a Família Real ou a comunicação so-
cial. No entanto, o desejo de explicar o seu ponto de vista acerca
da verdade mantinha-se acompanhado do medo persistente de
que, a qualquer momento, os seus inimigos no Palácio a consi-
derassem mentalmente perturbada e a trancassem. Não era um
receio frívolo – quando a sua entrevista no programa Panorama
foi transmitida em 1995, o então ministro das Forças Armadas,
Nicholas Soames, amigo íntimo e antigo assistente do Príncipe
Carlos, descreveu-a como manifestando «um avançado estágio
de paranoia».
Aos poucos, Diana e o seu círculo íntimo começaram a per-
ceber que, a menos que a história completa da sua vida fosse
contada, o público nunca tomaria em conta ou compreende-
ria as razões por trás de qualquer ação que ela levasse a cabo.
Pensou numa série de opções, desde encomendar uma série de
artigos de jornal, a produzir um documentário para a televisão
ou publicar uma biografia da sua vida. Diana sabia o que queria
dizer; estava a lutar por encontrar um meio para o fazer.

17
Como poderia ela, então, contrabandear a sua mensagem
para o mundo exterior? Revendo o ambiente social da Grã-
-Bretanha, percebeu que havia poucas saídas para a sua história.
A Casa de Windsor é a família mais influente do país; os seus
tentáculos cingem firmemente os responsáveis das televisões e
da maior parte da imprensa. Meios de comunicação credíveis,
como a BBC, ITV ou os chamados jornais de qualidade sofre-
riam uma pesada pressão assim que ela manifestasse o seu dese-
jo que publicassem a verdade acerca da sua situação. Por outro
lado, se a sua história aparecesse nos tabloides seria descartada
pelo Establisment e tratada como um disparate exagerado.
O que fazer? No seu pequeno círculo de amigos íntimos ha-
via suficiente alarme a respeito do seu estado de espírito para
que alguns temessem pela sua segurança. Sabia-se que ela tinha
cometido várias tentativas de suicídio no passado e, à medida
que o seu desespero aumentava, acentuava-se a genuína preo-
cupação de que pudesse pôr termo à sua vida; preocupação re-
freada pela crença de que, em última análise, o seu amor pelos
filhos não lhe permitiria escolher esse caminho.
Na altura, Diana sabia que eu andava a pesquisar a sua biogra-
fia e ficara razoavelmente satisfeita com um trabalho anterior,
O Diário de Diana, sobretudo porque irritara o Príncipe de Gales
com a detalhada descrição do interior de Highgrove. Durante a
pesquisa para esse livro, ouvi dicas e rumores de que nem tudo
estava bem no mundo dos Galeses. Este mexerico era apenas o
vulgar aperitivo que antecedia o quase indigesto banquete de
informação que se seguiria.
Sem o meu conhecimento, Diana estava paulatinamente a
testar-me. Deixou claro a Colthurst que não era avessa a que
ele me facultasse algumas informações. Em março de 1991, ele
ligou-me de uma cabine telefónica no extremo sul da Irlan-
da e disse-me que o secretário particular do Príncipe Carlos,
Sir Christopher Airy, tinha sido demitido. O artigo no Sunday

18
Times daí resultante entusiasmou discretamente Diana, sobre-
tudo por saber que ela própria, secretamente, teria disparado
contra o marido. Houve outros testes que, embora não à escala
dos enigmas propostos pela Princesa Turandot de Puccini, tive-
ram de ser resolvidos com sucesso.
Ele queria trocar o seu cabeleireiro de longa data, Richard
Dalton, e dar a oportunidade a outro estilista. Mas qual a me-
lhor forma de dispensar os seus serviços sem que ele corresse
imediatamente para a comunicação social para lhes vender a
sua história? Colthurst e eu aconselhámo-la a escrever-lhe uma
carta sincera, comprar-lhe um presente caro e a mandá-lo à sua
vida. Esta simples estratégia funcionou.
Nesta altura, eu não compreendia que para uma mulher in-
tegrada num sistema onde todas as decisões significativas eram
tomadas por outros, estas pequenas escolhas e desafios lhe da-
vam uma sensação de controlo. Para ela, era tremendamente
libertador.
A dado momento, Diana perguntou a Colthurst: «O Andrew
quer fazer-me uma entrevista?» Era, sob qualquer ponto de vis-
ta, uma sugestão extremamente surpreendente. As Princesas,
por norma, não dão entrevistas, sobretudo quando são as mais
faladas e fotografadas do seu tempo. Isto ocorreu nos dias que
antecederam a sua confissão do programa Panorama e a ida do
Príncipe Carlos à televisão, onde admitiu o seu adultério com a
Sra. Parker Bowles. Era completamente inédito.
Dias depois da sugestão de Diana, Colthurst convocou-me
para o tal café frequentado por operários em Ruislip, para ou-
vir uma amostra da história que ela tinha para contar. Estava à
espera de ouvir algumas palavras sobre o seu trabalho social ou
sobre as suas ambições humanitárias. Estava de novo errado.
Depois de coligir uma notas sobre as suas tentativas de suicí-
dio, o seu distúrbio alimentar, o adultério do marido com a tal
mulher chamada Camilla, fui a correr falar com o meu editor,

19
Michael O’Mara. Apreciando um charuto antes do almoço, ou-
viu o meu resumo sobre o encontro. Depois, suspeitando que
Colthurst não passasse de um vigarista esperto, perguntou: «Se
ela se sente tão infeliz, por que está sempre a sorrir nas foto-
grafias?»
Esse era o cerne da questão. Se eu ia remar contra a maré
do sentimento generalizado sobre a Princesa de Gales e o seu
marido, precisaria de alguma ajuda. Umas notas rabiscadas a
partir de um gravador desgastado não seriam suficientes. Pre-
cisaria da máxima colaboração possível da Princesa para a ela-
boração de uma biografia que relatasse a história de toda a sua
vida, não apenas a descrição do seu percurso real, mas antes a
contextualização das suas ansiedades, esperanças e sonhos. Para
todos os efeitos, o livro que nasceu desta colaboração, Diana:
A Verdadeira História Contada Pela Princesa, era a sua biografia,
o testemunho pessoal de uma mulher que se via a si própria sem
voz e impotente.
O envolvimento de Diana no projeto foi imediato e inge-
nuamente entusiasta, quando perguntava quantos dias seriam
necessários para publicar o livro. Havia um grande empecilho:
como conduzir as entrevistas com Diana. Embora eu quisesse
falar directamente com a Princesa, tal estava completamente
fora de questão. Tendo eu um metro e noventa de altura e sen-
do um escritor conhecido pelos funcionários do palácio, dificil-
mente passaria despercebido. Assim que se soubesse da existên-
cia de um jornalista no interior do Palácio de Kensington – e
nesta altura o Príncipe Carlos passava o seu tempo maioritaria-
mente em casa – os alertas soariam e Diana seria impedida de
mais indiscrições.
Tal como Martin Bashir, o jornalista da televisão que mais
tarde entrevistou a Princesa, viria a descobrir, o subterfúgio era
a única forma de contornar o sistema de vigilância da Casa Real,
sempre presente. Em novembro de 1995, quando conduzia a

20
entrevista, Bashir introduziu sorrateiramente dentro do Palácio
de Kensington a sua equipa de filmagens, aproveitando um do-
mingo tranquilo em que todos os funcionários se encontravam
ausentes.
Da minha parte, Diana foi entrevistada com a intermediação
de James Colthurst, o agente perfeito para realizar esta delicada
missão que, como se veio a revelar, se tornou histórica. Muni-
do com uma lista de perguntas que eu tinha preparado e com o
seu gravador, Colthurst lá partiu na sua bicicleta, atravessando
despreocupadamente a entrada do Palácio de Kensington. Em
maio de 1991, conduziu a primeira de seis entrevistas gravadas,
realizadas durante o verão e até ao outono e que mudariam a
forma como o mundo via a Princesa e a Família Real para sem-
pre.
Colthurst recorda vividamente a primeira sessão: «Sentámo-
-nos na sua sala de estar. Diana vestia-se casualmente, com uns
jeans e uma camisa azul. Antes de começarmos, tirou o telefone
do gancho e fechou a porta. Quando éramos interrompidos por
alguém a bater à porta ela retirava o microfone preso à roupa
e escondia-o debaixo das almofadas do sofá. Durante os pri-
meiros vinte minutos dessa primeira entrevista ela manteve-se
muito alegre e risonha, especialmente quando falava de alguns
episódios ocorridos nos seus dias de escola. Quando passou para
os temas mais dolorosos, as suas tentativas de suicídio, Camilla
e a bulimia, percebeu-se uma inconfundível sensação de alívio,
de desabafo».
Logo no início da primeira conversa, Colthurst disse-lhe:
«Dê-me um grito se houver algum assunto em que não queira
tocar». A sua resposta foi dizer-lhe: «Não, não, não há proble-
ma». Era evidente que desejava dar a conhecer ao mundo toda a
verdade, do seu ponto de vista.
Por vezes, ficava irritada e zangada com o modo como o ma-
rido e o Sistema Real a tinham tratado, no entanto, apesar da

21
crueza do seu estado de espírito, o que a Princesa tinha para
dizer era bastante credível e as muitas peças do puzzle referente
à sua vida começaram a encaixar-se. Sentimentos profundos e
intensos de abandono e rejeição que a perseguiram durante a
maior parte da sua vida vieram à tona. Embora a sua infância
tenha sido privilegiada, também foi infeliz. Diana descreveu
uma sombria paisagem emocional, recordou o seu sentimen-
to de culpa por não ter nascido rapaz de modo a continuar a
linhagem da família, as lágrimas da mãe divorciada, os longos
silêncios do pai e o seu irmão Charles, que à noite adormecia a
soluçar.
Embora este método de entrevista à distância não fosse per-
feito, uma vez que não permitia um acompanhamento imedia-
to, muitas perguntas revelaram-se simplesmente redundantes,
já que Diana, começando a falar, mal parava para respirar e a
sua história jorrava fluentemente. Era um grande alívio e uma
espécie de confissão. «Estava no limite das minhas forças. Esta-
va desesperada», explicou na subsequente entrevista à televisão.
«Creio que estava farta de ser vista como um caso perdido, por-
que sou uma pessoa muito forte e isso causa complicações no
sistema onde vivo».
O simples ato de falar sobre a sua vida despertou em Diana
muitas memórias, umas alegres, outras quase difíceis de colocar
em palavras. Como uma rajada de vento num campo de mi-
lho, as suas emoções variavam constantemente. Embora fosse
sincera ou até mesmo impulsiva relativamente ao seu distúr-
bio alimentar, a bulimia nervosa, e às suas pouco convincentes
tentativas de suicídio, ficava deprimida quando mencionava os
seus primeiros dias no seio da Família Real; referia-se a esse
período como «o tempo das trevas».
Salientava repetidamente a profunda consciência que pos-
suía a respeito do seu destino: a crença de que nunca seria Rai-
nha, mas que tinha sido escolhida para desempenhar um papel

22
especial. No fundo do coração, sabia que o seu destino consistia
em percorrer um caminho onde a monarquia era secundária re-
lativamente à sua verdadeira vocação. Em retrospetiva, as suas
palavras eram notavelmente prescientes.
Por vezes ficava bastante divertida e animada, especialmente
quando falava da sua curta vida de solteira. Referia-se melan-
colicamente ao romance com o Príncipe Carlos, com tristeza
à infância infeliz e com alguma paixão ao impacto que Camilla
Parker Bowles tivera na sua vida. Na verdade, estava tão ansiosa
por não ser vista como paranoica e tonta, como tantas vezes
lhe haviam dito os amigos do marido, que nos mostrou várias
cartas e postais da Sra. Parker Bowles ao Príncipe Carlos, como
prova de que não estava a imaginar a relação entre ambos.
Estes billets-doux, apaixonados, amorosos e cheios de saudade
reprimida, deixaram-me a mim e ao meu editor sem qualquer
dúvida de que as suspeitas de Diana estavam correctas. Ficou
bastante evidente que Camilla, que se referia a Carlos como o
«meu mais precioso queridinho», era uma mulher cujo amor
permaneceu inabalável apesar da passagem do tempo e das di-
ficuldades no encalço do seu objecto de devoção. «Odeio não
poder dizer o quanto te amo», escreveu, relevando quanto o
desejava e declarando que era dele para sempre. Lembro-me
particularmente de uma intensa passagem: «O meu coração e o
meu corpo anseiam por ti».
No entanto, como fomos informados por um proeminente
advogado especializado em crimes de difamação, de acordo com
a rígida lei britânica, o facto de sabermos que uma determina-
da informação é verdadeira não autoriza a sua divulgação. Para
grande aborrecimento de Diana, e apesar das esmagadoras pro-
vas, naquela altura eu ainda não podia escrever que o Príncipe
Carlos e Camilla Parker Bowles eram amantes. Em alternativa,
tive de aludir a «uma secreta amizade» que lançou um manto
de sombra sobre o casamento real. Talvez o mais importante

23
tenha sido o facto de Diana perceber, depois de ler esta corres-
pondência secreta, que qualquer esperança que ainda pudesse
ter relativamente à salvação do seu casamento de dez anos, es-
tava totalmente condenada.
Por muito envolvida e entusiasmada que estivesse com o
projeto, as questões difíceis e irresolúveis em questão, em parti-
cular a relação do marido com a Sra. Parker Bowles, deixavam-
-na frequentemente esgotada.
Como eu trabalhava à distância, tinha de adivinhar qual era
a sua disposição e agir em conformidade. Por regra, as manhãs
eram o período do dia em que Diana se revelava mais loquaz e
enérgica, sobretudo se o Princípe Carlos se encontrasse ausen-
te. Essas entrevistas eram as mais produtivas, Diana falava com
uma rapidez ofegante ao expor a sua história. Conseguia ser
irritantemente alegre, mesmo quando abordava os momentos
mais difíceis e íntimos da sua vida.
Depois de ter falado pela primeira vez nas suas tentativas de
suicídio, naturalmente tive de obter muito mais informações
sobre quando e onde ocorreram. Enviei-lhe de seguida uma
série de perguntas específicas sobre o assunto. Quando as re-
cebeu, tratou-as como uma piada. «Ele escreveu muito bem o
meu obituário», respondeu a Colthurst.
Por outro lado, quando a sessão estava programada para a
tarde e a sua energia se encontrava menos vigorosa, a conversa
tornava-se menos produtiva. Isto era sobretudo evidente se ti-
vesse lido alguma imprensa desagradável ou se tivesse discutido
com o marido. Nessas circunstâncias, era sensato concentrar-se
nos tempos felizes, nas memórias de solteira ou nos dois filhos,
os Príncipes William e Harry. Apesar de todas estas dificul-
dades, ficou claro com o decorrer das semanas o seu crescen-
te entusiasmo e envolvimento com o projeto, principalmente
quando o título do livro foi escolhido. Por exemplo, se Diana
soubesse que eu ia entrevistar um amigo de confiança, fazia

24
todo o possível para ajudar, facultando mais um fragmento de
informação, recordando mais alguma piada ou retificando algu-
mas questões que eu enviara anteriormente.
Embora estivesse desesperada, quase ao ponto da imprudên-
cia, por ver as suas palavras disponíveis para o grande público,
esse sentimento acabava refreado pelo receio de que o Palácio
de Buckingham descobrisse a sua identidade como a fonte de
informação secreta, o «Deep Throat»3, se quiserem, do meu li-
vro. Percebemos que Diana precisava de ter a capacidade de
negar, de modo a que se lhe perguntassem: «Encontrou-se com
Andrew Morton?», ela pudesse responder com um retumbante
«NÃO». Na verdade, a Princesa era a última pessoa a perceber
a importância da negação, mas ao compreender que iria ficar
firmemente protegida nos bastidores tornou-se muito mais en-
tusiasta.
A primeira linha na frente desta estratégia de negação eram
os seus amigos, que foram usados para disfarçar a sua participa-
ção. Ao mesmo tempo que eu elaborava perguntas para a Prin-
cesa, enviava cartas para o seu círculo de amigos solicitando
uma entrevista. Eles, por sua vez, contactavam Diana para lhe
perguntar se deviam ou não colaborar. Era um processo irre-
gular. A alguns encorajava-os, com outros mantinha uma certa
ambiguidade, dependia de quão bem os conhecia.
Muitos dos que conheciam a verdadeira Diana acreditavam
que a sua vida já não podia piorar mais, argumentando que
qualquer coisa seria melhor do que a sua atual situação. Havia
também a sensação de que a represa a qualquer momento re-
bentaria, que a história viria à luz do dia mais cedo do que o
esperado, e se fosse dada a conhecer pelo lado do Príncipe de

3 Deep Throat, Garganta Funda em português, foi o cognome pelo qual ficou
conhecido o informador dos jornalistas do Washington Post que desmascararam o
plano do Presidente Richard Nixon para destruir os rivais do Partido Democrata,
escândalo que ficou conhecido como o Caso Watergate. (N. da T.)

25
Gales seguramente em nada favoreceria Diana. Neste ambiente
febril, os amigos falavam com muita franqueza e honestidade,
corajosamente cientes de que a sua colaboração lhes traria o
indesejável foco da imprensa na sua direção. Posteriormente,
durante este processo, até aceitaram assinar declarações con-
firmando o seu envolvimento na elaboração do livro, de modo
a esclarecer as dúvidas do editor do Sundy Times, Andrew Neil,
que deveria publicar extratos do livro. Mais tarde, Diana expli-
cou por que razão os seus amigos falaram: «Muita gente viu a
angústia em que a minha vida se encontrava e pensaram que me
dariam um grande apoio, ajudando como ajudaram».
A sua amiga Debbie Frank, astróloga, confirmou esta sen-
sação quando falou sobre a vida de Diana nos meses que an-
tecederam a publicação do livro. «Houve alturas em que saía
dos encontros com Diana sentindo-me ansiosa e preocupada,
porque tinha consciência que o seu caminho se encontrava blo-
queado. Quando o livro de Andrew Morton foi publicado fiquei
aliviada, porque o mundo ficou a conhecer o seu segredo.»
À medida que as minhas entrevistas avançavam, os amigos e
conhecidos confirmaram que, por trás dos sorrisos públicos e
da imagem repleta de glamour, havia uma jovem mulher solitá-
ria e infeliz a resistir a uma casamento sem amor, a ser vista pela
Rainha e restante Família Real como uma forasteira e a sentir-
-se frequentemente em desacordo com os objetivos e metas do
Sistema Real. No entanto, um dos aspetos mais animadores da
história era a luta de Diana, com sucesso irregular, para colocar
a sua vida no lugar, transformando a vítima numa mulher com
controlo sobre o seu destino. Tratava-se de um processo que a
Princesa manteve até ao fim.
Depois da primeira entrevista com o Dr. Colthurst, Diana
soube que acabara de atravessar o seu próprio Rubicão. Deitara
fora o mapa tradicional da realeza e caminhava por conta pró-
pria apenas com uma vaga ideia da rota. Na realidade, ela estava

26
a falar remotamente com um homem que mal conhecia, acerca
de assuntos que, se tratados com incúria, poderiam arruinar a
sua reputação. Sob qualquer ponto de vista, tratou-se de um
exercício notavelmente imprudente e potencialmente temerá-
rio. Mas funcionou triunfantemente.
Durante este extraordinário ano de segredos e subterfúgios,
O’Mara, eu e Colthurst demos por nós não apenas a escrever,
pesquisar e publicar o que viria a ser uma besta literária úni-
ca, uma biografia «autorizada não autorizada», como também
a funcionar como o seu tribunal sombra, prevendo as ações e
intenções dos seus consultores oficiais. Tudo, desde gerir pro-
blemas com as equipas, lidar com crises referentes aos media, até
redigir os seus discursos, ficou sob o nosso guarda-chuva.
Como recorda Colthurst: «Os discursos tinham uma grande
importância para ela. Eram uma forma, como se apercebeu, de
fazer passar a sua mensagem. O facto de conseguir que uma au-
diência ouvisse o que ela realmente tinha para dizer, em vez de
se limitarem a avaliar a sua roupa ou o seu penteado, dava-lhe
um verdadeiro sentido de empoderamento e conquista. Costu-
mava telefonar muito entusiasmada quando havia cobertura da
televisão e da rádio, sentindo-se encantada por receber elogios
ou mesmo reconhecimento pelas suas reflexões.
Foram tempos emocionantes e divertidos para todos nós, es-
ses em que ajudámos a moldar o futuro da jovem mulher mais
famosa do mundo, mesmo por baixo dos narizes de Fleet Street
e do Palácio de Buckingham.
Embora tivessem ocorrido momentos mais despreocupados,
este era um jogo de alto risco, de tudo ou nada. Fui informa-
do por ex-colegas da Fleet Street, em duas ocasiões distintas,
que depois da publicação no Sunday Times de uma série de
artigos certeiros sobre a guerra entre os Galeses, o Palácio de
Buckingham andava à procura da minha toupeira. Pouco tem-
po depois de um desses avisos, o meu escritório foi assaltado e

27
os arquivos foram vasculhados, mas nada com grandes conse-
quências, para além de uma câmara roubada. Daí para a frente,
os telefones analógicos com encriptação de sinal e as cabines
públicas eram as únicas formas de comunicação com as quais
Diana se sentia suficientemente segura para falar abertamente.
Para ficar completamente confiante, «varria» a sala de estar do
Palácio Kensington à procura de aparelhos de escuta – nenhum
foi encontrado – e rasgava metodicamente qualquer pedaço de
papel que aparecesse na sua secretária. Não confiava em nin-
guém dentro do Sistema Real. Ou tampouco fora do mundo
real.
Mesmo com James Colthurst nunca foi completamente fran-
ca. Ao mesmo tempo que se enfurecia contra a infidelidade do
marido, escondia a relação amorosa de encontros esporádicos
que perduraram por algum tempo, com o Major James Hewitt,
comandante de um tanque durante a Guerra do Golfo, tal como
o flirt com o velho amigo James Gilbey. Ele foi posteriormen-
te identificado como a voz masculina nas famosas gravações
Squidgygate, as conversas telefónicas entre Gilbey e a Princesa
Diana ilicitamente gravadas na passagem de ano de 1989-90.
Também não tínhamos o menor indício da sua paixão pelo ne-
gociante de arte casado, Oliver Hoare, o alvo do seu amor e de-
voção durante a pesquisa e redação do livro Diana: A Verdadeira
História Contada Pela Princesa.
Em retrospetiva, percebemos que a sua audácia foi empol-
gante e perguntamo-nos se Diana teria como intenção publicar
a sua história primeiro, para escapar à culpabilização do casa-
mento falhado. É uma questão que nunca será cabalmente res-
pondida. Na verdade, uma das características mais persistentes
e talvez intrigantes de Diana era o facto de, independentemente
do quão íntimos os seus amigos se julgavam, ela lhes ocultar
sempre parte da informação, mantendo toda a gente em com-
partimentos diversificados.

28
À medida que o projeto ganhava ímpeto, com inúmeros
telefonemas entre Colthurst e a Princesa para gestão dos
pormenores quotidianos da sua vida, pouco tempo – ou
predisposição – restava para refletir sobre as suas motivações.
A prioridade era produzir um livro que retratasse a sua
personalidade com precisão, simpatia e autenticidade. Con-
siderando a natureza chocante da história de Diana e do segredo
do seu envolvimento, o livro teria de ser credível e verosímil.
O meu primeiro grande teste chegou quando a Princesa leu o
manuscrito. Foi-lhe sendo entregue gradualmente em todas as
oportunidades. Como em tudo o mais neste livro, era uma ope-
ração amadora e fortuita. Um desses casos aconteceu no final de
uma manhã de sábado, quando tive de me deslocar de bicicleta
até à Embaixada do Brasil, em Mayfair, onde a Princesa almoça-
va com a esposa do embaixador, Lucia Flecha de Lima, para lhe
entregar a última oferta.
Tendo tido a oportunidade de escrever a história da mulher
mais amada do mundo, estava obviamente ansioso por saber
se teria interpretado com justiça e rigor os seus sentimentos e
palavras. Para meu grande alívio ela aprovou; numa determina-
da ocasião, Diana ficou tão comovida com a pungência da sua
própria história que confessou ter chorado de tristeza.
Fez algumas alterações relativamente a factos e determina-
dos destaques, mas apenas uma com alguma relevância; a que
revelava o seu respeito pela Rainha. Durante as entrevistas,
ela contou que quando se atirou das escadas de Sandringham,
grávida do Príncipe William, a Rainha foi a primeira a surgir.
No manuscrito, Diana alterou o texto e inseriu o nome da
Rainha-Mãe, presumivelmente por deferência à soberana.
Havia outros obstáculos. Embora alguns amigos íntimos de
Diana tenham aceitado a divulgação do seu nome para garan-
tir a autenticidade do texto, a Princesa considerou que o livro
precisava de uma ligação direta à sua própria família, de modo

29
Diana procedeu a uma série de emendas, pela sua própria mão, no original.

30
a garantir-lhe maior autenticidade. Depois de algum debate, ela
concordou em fornecer os álbuns de fotografias da família Spen-
cer, que continham alguns deliciosos retratos da jovem Diana,
muitos deles tirados pelo já falecido pai, Earl Spencer.
Pouco antes dele morrer, Diana enviou-lhe uma nota a expli-
car por que razão tinha colaborado num livro sobre a sua vida.

Gostaria de lhe pedir um favor especial.


Especificamente, queria pedir-lhe que guarde este se-
gredo entre nós. Por favor, faça-o.
Um escritor que me fez um favor pessoal está neste mo-
mento a escrever um livro sobre mim, a Diana, e não a
PDG [Princesa de Gales]. Confio inteiramente nele – e
tenho todos os motivos para o fazer. Ele sente há muito
tempo que o Sistema tem ofuscado a minha própria vida,
e gostaria de escrever um livro mais completo sobre mim,
enquanto pessoa.
É uma oportunidade para o meu verdadeiro eu vir um
pouco à tona, em vez de se perder no Sistema. Vejo-o real-
mente como um salva-vidas que me impede de afogar e é
muito importante para mim – percebi-o quando estava a
mostrar os álbuns de fotografias aos rapazes – lembrar-
-me destas coisas que sou eu.

Diana pediu então ao pai os álbuns de família para o livro


e rapidamente, alguns dias depois, vários álbuns grandes, ver-
melhos e dourados, chegaram aos escritórios da minha editora
no sul de Londres. Selecionámos e reproduzimos algumas foto-
grafias e os álbuns voltaram à sua origem. A própria Princesa
ajudou a identificar muitas das pessoas que apareciam nas fo-
tografias com ela, um processo de que ela gostou muito, já que
lhe trouxe muitas recordações felizes, principalmente da sua
adolescência.

31
Foram interlúdios tranquilos enquanto as nuvens de tem-
pestade se aglomeravam. O livro deveria ser lançado no dia
16 de junho de 1992, e com a aproximação da data, a tensão
no Palácio de Kensington tornava-se palpável. O seu recém-
-nomeado secretário particular, Patrick Jephson, descreveu o
ambiente «como assistir a uma poça de sangue a espalhar-se
lentamente por baixo de uma porta trancada». Em janeiro de
1992 foi avisada de que o Palácio de Buckingham estava ciente
da sua cooperação na elaboração do livro, embora nessa altura
ainda não conhecessem o seu conteúdo. No entanto, Diana per-
maneceu firme no seu envolvimento com o projeto. Sabia que
havia um cataclismo iminente, mas não tinha dúvidas que lhe
iria sobreviver.
Numa carta a James Colthurst, seis meses antes da publica-
ção do livro, ela escreveu: «Obviamente, estamo-nos a preparar
para a erupção do vulcão e eu sinto-me muito mais apetrechada
para o que estará por vir! Obrigada por acreditar em mim e por
se dar ao trabalho de entender esta mente – é um grande alívio
já não me sentir sozinha e que é okay ser eu própria.»
O vulcão entrou em erupção no dia 7 de junho de 1992,
quando o primeiro extrato foi publicado no Sunday Times com
a manchete: «Diana levada a cinco tentativas de suicídio pelo
"displicente" Carlos». Por baixo, no subtítulo, lia-se: «O colap-
so do casamento levou à doença; a Princesa diz que não será
Rainha.»
Atualmente, quando a narrativa da sua infelicidade já faz par-
te da sabedoria convencional, como ilustra o facto de Príncipe
Carlos e Camilla Parker Bowles estarem casados e felizes há
doze anos, é difícil expressar o choque, o desgosto e o espanto
com que foi recebido este primeiro trecho. As críticas foram
severas e implacáveis. O Arcebispo de Canterbury alertou para
os danos causados aos rapazes, um membro do Parlamento su-
geriu que eu fosse preso na Torre de Londres e o presidente

32
da Press Complaints Commission, Lord McGregor, acusou a
imprensa de andar «a esgravatar com os dedos assuntos da vida
privada de outras pessoas»
No furor que se seguiu, o livro foi condenado e banido em
diversas grandes livrarias e supermercados, tornando-se o livro
mais proibido da Grã-Bretanha nos anos 90. Uma das ironias
em todo este caso foi o facto de uma biografia escrita e produ-
zida com o total e entusiástico envolvimento da personalidade
em causa ter sido devotadamente boicotado pela suspeita de se
tratar de uma falsa versão sobre a vida de Diana.
Quanto à própria visada, sentia-se aliviada por, finalmente,
o seu relato sair a público, mas também desesperadamente an-
siosa para que a sua história fosse validada. Teve de ser capaz
de negar o seu envolvimento quando foi colocada no banco dos
réus pelo Palácio.
Era um papel que Diana desempenhava com desenvoltura.
O autor e estrela televisiva Clive James recorda carinhosamente
o facto de lhe ter perguntado durante um almoço se estava por
trás do livro. Escreveu: «Mas pelo menos uma vez ela mentiu-
-me abertamente. "Não tive nada a ver com o livro de Andrew
Morton", respondeu-me. "Mas depois dos meus amigos terem
falado com ele, eu tive de os apoiar". Olhou-me directamente
nos olhos quando me disse isto, para que eu pudesse ver o quão
convincente ela poderia ser a contar uma mentira.»
Sem dúvida que os primeiros dias após a publicação dos tre-
chos iniciais testaram a determinação de Diana até ao limite.
No entanto, muito rapidamente começou a receber o tipo de
apoio que sempre significou tanto para si, o apoio do público.
Embora a imagem pública de Diana tenha sofrido uma trans-
formação surpreendente quando a sua história foi revelada,
acho que nunca pensou realmente nas consequências das suas
ações. Quando mais tarde foi questionada sobre o assunto, a
sua resposta foi hesitante: «Não sei. Talvez as pessoas com-

33
preendam melhor, talvez existam por aí muitas mulheres com
o mesmo nível de sofrimento, embora num ambiente diferente,
que são incapazes de se defender porque a sua auto-estima está
desfeita.» Mais uma vez, a sua resposta instintiva foi infalível.
Milhares de mulheres, muitas da América, revelaram como ao
lerem sobre a sua vida descobriram e exploraram algo em suas
próprias vidas. As cartas começaram a chegar em catadupa.
Muitas vinham de pessoas que sofriam de distúrbios alimenta-
res e aceitaram a sua sorte em silêncio. Para mim, um dos casos
mais tocantes veio de uma jovem bulímica de Perth, na Austrá-
lia Ocidental, que não sabia ler nem escrever muito bem, mas
prometeu melhorar a sua educação e a sua vida, inspirada pela
coragem pessoal de Diana. Foi uma resposta extraordinária – e
significou muitíssimo para ela.
Ao longo dos anos surgiram inúmeras insinuações de que
Diana se teria arrependido do seu envolvimento no livro, uma
vez que ele terá facultado uma azeda fotografia de um momento
difícil da sua vida. A verdade é que deitou para trás das costas
aquilo a que chamou «o tempo das trevas» na sua vida e estava
ansiosa por seguir em frente em busca de um futuro mais gra-
tificante. Como lembrou Lord Puttnam, o seu amigo cineasta:
«Ela era dona e senhora do que fez. Sabia o que estava a fazer
e assumiu um risco calculado, embora estivesse cheia de medo.
Mas nunca lhe ouvi uma palavra de arrependimento, juro.»
Nos meses que se seguiram a este significativo evento, o livro
não apenas alterou a forma como o público via a monarquia ou
forçou o Príncipe e a Princesa de Gales a assumirem as ruínas
do seu casamento, como também trouxe a única coisa com a
qual Diana sonhara – esperança; a possibilidade de se realizar,
de se libertar e alcançar um futuro onde finalmente seria livre
de ser uma pessoa por direito próprio.
Nos seus últimos cinco anos de vida, em particular nos úl-
timos meses, o mundo testemunhou o florescimento do espí-

34
rito humanitário de Diana, qualidade que, tenho a certeza, te-
ria permanecido subterrada se ela não tivesse tido a coragem
e a determinação de revelar ao mundo a realidade sobre a sua
vida. Diana alcançou esse objetivo e o veredito do público pode
ser medido pela montanha de flores no exterior do Palácio de
Kensington, como em muitos outros lugares, e pela onda de
tristeza que convulsionou não apenas o seus país, como o resto
do mundo, quando morreu prematuramente num acidente de
carro em Paris, no dia 31 de agosto de 1997.
Ela pode ter partido, mas as suas palavras estão connosco
para sempre. A história contida neste livro saiu dos seus pró-
prios lábios. Sem holofotes, ensaios, segundos takes ou tiradas
grandiloquentes. As suas palavras eram sentidas, traçavam gra-
ficamente e por vezes com pormenores agonizantes a triste-
za e solidão sentidas por uma mulher admirada e adorada em
todo o mundo. Quando eu escrevi Diana: A Verdadeira História
Contada Pela Princesa o seu testemunho foi usado sotto voce ao
longo do texto – em pequenas citações diretas ou através de ter-
ceiros. Uma das persistentes tristezas na sua curta vida foi o
facto, como referiu o irmão, de nunca ter tido a oportunidade
de «cantar livremente». Após a sua morte pude finalmente in-
cluir uma transcrição nua e crua das suas palavras numa nova
edição do livro. Não obstante, as limitações tecnológicas impe-
diram-nos de incluir tanto como desejaríamos. Numa ocasião,
por exemplo, Colthurst usou a reportagem sobre o tratamento
ao ombro doloroso da Princesa para conduzir uma entrevista;
infelizmente, o gravador que usou ficou tão perto do microfone
que o ruído interferiu no áudio. Hoje, graças ao avanço da tec-
nologia moderna, conseguimos extrair as suas palavras e agora
posso compartilhar um relato mais abrangente das suas entre-
vistas históricas e verdadeiramente únicas.
Como poderão constatar, este livro está dividido em partes:
a primeira consiste numa transcrição editada das entrevistas

35
dadas por Diana e que serviu de base para a publicação inicial
de Diana: A Verdadeira História Contada Pela Princesa; a segunda
trata da própria biografia; e a parte final é um relato das con-
sequências ocorridas desde a publicação do livro em 1992 até à
atualidade.
Se Diana tivesse desfrutado de uma vida plena, provavel-
mente teria escrito as suas próprias memórias em algum mo-
mento. Infelizmente, isso já não é possível. O testemunho que
se segue é a sua história de vida tal como ela queria contá-la.
As suas palavras são agora tudo o que temos dela, o seu testa-
mento, o mais próximo que chegaremos da sua autobiografia.
Ninguém lhe pode negar esse direito.

36
DIANA, PRINCESA DE GALES

PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Nota do editor: As palavras que se seguem foram selecionadas de entre


as que Diana, Princesa de Gales, facultou a Andrew Morton, em 1991-1992,
para a publicação do livro Diana – A Verdadeira História Contada Pela
Princesa. São todas da sua autoria, à exceção das apresentadas entre parên-
tesis rectos.

INFÂNCIA

[A minha primeira memória] é, realmente, o cheiro


no interior do meu carrinho de bebé. Era de plástico.
E o cheiro da madeira. Vívidas memórias. Nasci em
casa, não no hospital.
A maior alteração deu-se quando a mãe decidiu par-
tir. É a mais viva memória que possuímos – os quatro.
Todos temos as nossas próprias interpretações do que
deveria ter acontecido e do que realmente aconteceu.
As pessoas tomaram um partido. Muitos deixaram de
se falar. Para mim e para o meu irmão foi uma expe-
riência dolorosa e desalentadora.
Charles [o seu irmão] disse-me, noutro dia, que
nunca se apercebera de quanto o divórcio o afectara
até se casar e ter uma vida própria. Mas em relação às
minhas outras irmãs – cresceram longe de mim. Via-as

37
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

nas férias. Não me recordo de que para elas isso tenha


representado um grande problema.
Idolatrei a minha irmã mais velha e habituei-me a
tratar-lhe da roupa quando regressava do colégio. Fa-
zia-lhe a mala, preparava-lhe o banho, fazia-lhe a cama
– quase tudo. Fazia tudo isso e achava-o maravilhoso.
Sempre cuidei do meu irmão. As minhas irmãs eram
muito independentes.
Mudámos imensas vezes de ama. O meu irmão e eu,
quando não gostávamos delas, costumávamos espetar-
-lhes alfinetes nas cadeiras onde se sentavam e atirar-
-lhes as roupas pela janela. Considerávamo-las uma
ameaça porque tentavam ocupar o lugar da mãe. Eram
todas extremamente jovens e bonitas. Eram escolhidas
pelo meu pai. Era uma sensação terrivelmente pertur-
badora chegar da escola e descobrir uma nova ama.
Sempre me senti diferente de toda a gente; muito
desapegada. Sabia que chegaria a qualquer outro lugar,
só não sabia onde. Aos 13 anos disse ao meu pai: «Sei
que vou casar com alguém publicamente conhecido»,
pensando mais em ser mulher de um embaixador –
não muito importante, mas por aí. Foi uma infância
muito infeliz. Os meus pais viviam ocupados tentan-
do entender-se. Via a minha mãe a chorar constante-
mente. E o meu pai nunca falava connosco sobre este
assunto. Nunca perguntávamos nada. Mudávamos de
ama com demasiada frequência; havia muita instabili-
dade e tudo o mais. Sentia-me habitualmente infeliz e
muito afastada dos outros.
Aos 14 anos lembro-me de pensar que não era mui-
to boa em nada, que era um caso perdido. O meu ir-

38
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

mão era o que andava sempre em exames escolares, e


eu era a que abandonara os estudos. Não compreendia
por que motivo parecia ser um empecilho que para ali
estava, mas nos anos seguintes percebi que tudo estava
relacionado com o rapaz; a criança que morreu antes
de mim era um rapaz, e estavam ambos [os pais] lou-
cos por ter um filho rapaz, um herdeiro, e nasce-lhes
uma terceira filha. Que aborrecimento; teriam de ten-
tar novamente. Reconheço-o agora. Sempre o soube,
mas agora reconheço-o sem problemas. Aceito-o.
Adorava animais: porquinhos-da-índia e assim...
Chegava a ter na minha cama 20 animais em cima uns
dos outros, com um espaço minúsculo para mim, mas
eles tinham de lá estar todas as noites. Eram a minha
família. Odiava o escuro e tinha uma obsessão com
isso, tendo de ficar com uma luz acesa do lado de fora
da minha porta até pelo menos às dez horas. Costu-
mava ouvir o meu irmão a chorar na cama, na extre-
midade oposta da casa, a chorar pela minha mãe; ele
também se sentia muito infeliz. E o meu pai na outra
ponta da casa – era sempre uma situação muito difícil.
Nunca consegui reunir a coragem suficiente para me
levantar da cama. Lembro-me disto até hoje.
Recordo-me de ver a mãe chorar copiosamente to-
dos os sábados, quando saíamos para o fim de semana,
todos os sábados, à noite, invariavelmente começava a
chorar. Aos sábados podíamos ambos vê-la a chorar.
«Qual é o problema, mamã?» «Oh, não quero que se
vão embora amanhã», o que, como se pode calcular,
para uma criança de 9 anos era devastador. Lembro-
-me da decisão mais terrível que tive de tomar. Ia ser

39
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

dama-de-honor da minha prima, e para o ensaio tinha


de usar um vestido elegante.
A minha mãe deu-me um vestido verde, e o meu
pai, um vestido branco, e eram ambos tão bonitos!
Não me lembro, até hoje, qual dos dois escolhi, mas
lembro-me de ficar completamente traumatizada por-
que, qualquer que fosse a escolha, mostraria favoritis-
mo.

O meu pai dizia-me sempre:


«Trata toda a gente como seres individuais
e não espalhes o peso do teu poder
à tua volta.»

Lembro-me de haver uma grande discussão acerca


de um juiz que iria ter comigo a Riddlesworth [a es-
cola preparatória de Diana] para me perguntar com
quem preferiria eu viver. Esse juiz nunca apareceu, e,
de repente, o meu padrasto [Peter Shand Kydd] apa-
receu em cena. Charles e eu, o meu irmão e eu, fomos
a Londres e eu perguntei à mãe: «Onde é que ele está?
Onde está o teu novo marido?» «Está na bilheteira», e
lá estava, aquele homem muito bem parecido e belo,
de quem ansiávamos gostar, a quem aceitávamos e
que foi formidável connosco, estragando-nos com mi-
mos. Era muito bom ser estragado porque [os meus]
verdadeiros pais não estavam para aí direcionados.

40
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

No fundo, mal podíamos esperar por ser independen-


tes, Charles e eu, de modo a podermos voar e viver a
nossa própria vida. Tornámo-nos terrivelmente dife-
rentes dos outros, na escola, pelo facto de termos os
nossos pais divorciados, coisa que ninguém tinha na-
quela altura, embora quando acabámos o ensino pre-
paratório, passados cinco anos, todos se encontrassem
na mesma situação. Sempre fui diferente. Sempre tive
qualquer coisa dentro de mim que me distinguia. Não
sabia porquê. Nem sequer conseguia falar sobre isso,
mas, na minha alma, estava lá.
O divórcio ajudou-me a relacionar-me com quem
quer que possuísse problemas familiares; quer se tra-
tasse da síndrome do padrasto, da mãe ou do que quer
que fosse, eu compreenderia. O facto de ter vivido a
situação responderia por si.
Sempre me relacionei bem com toda a gente. Quer
fosse o jardineiro, o polícia de giro ou quem quer que
fosse, eu metia conversa. O meu pai dizia-me sempre:
«Trata toda a gente como seres individuais e não espa-
lhes o peso do teu poder à tua volta.»
Em todos os Natais e aniversários o meu pai sentava-
-nos para que escrevêssemos as nossas cartas de agra-
decimento em 24 horas. E hoje, se não o faço, fico em
pânico. Quando regresso de um jantar ou de qualquer
acontecimento que necessita de uma carta de agradeci-
mento, à meia-noite sento-me a escrevê-la, sem espe-
rar pela manhã seguinte, porque caso contrário pesará
na minha consciência. William, agora, faz o mesmo – é
óptimo. É bom que as outras pessoas, do outro lado, o
apreciem.
41
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Estávamos em preparação para as férias em San-


dringham [a residência da Rainha em Norfolk]. Cos-
tumávamos ir e assistir ao filme Chitty Chitty Bang Bang.
Detestávamos tanto tudo aquilo. Detestávamos ir lá.
O ambiente era sempre muito estranho quando lá ía-
mos, e eu costumava espernear e lutar contra quem
nos obrigasse a ir, mas o pai era bastante insistente
porque seria falta de educação. Aleguei que não queria
ver Chitty Chitty Bang Bang pela terceira vez consecuti-
va em três anos. As férias eram sempre muito depri-
mentes porque tínhamos quatro semanas. Duas com
a mãe e duas com o pai, e o trauma de mudar de uma
casa para outra, com os respectivos pais a tentar com-
pensar-nos materialmente, mais do que afetivamente
– que era o que realmente desejávamos os dois e nunca
tivemos. Quando digo os dois, recordo que as minhas
duas irmãs se encontravam ocupadas na escola prepa-
ratória e, por isso, mais ou menos afastadas de casa; o
meu irmão e eu éramos bastante unidos.

OS DIAS DE ESCOLA

Adorei-a [a sua escola preparatória, Riddlesworth


Hall]. No entanto, senti-me rejeitada porque me ocu-
pava, na maior parte do tempo, a tratar do meu pai, e
de repente apercebi-me de que ia ficar longe dele; por
isso, fazia-lhe ameaças, como: «Se gostasses de mim
não me deixavas aqui», o que, na altura, era muito
cruel para com ele. Na verdade, adorava estar na es-
cola. Era muito marota, no sentido de preferir sempre

42
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

uma boa gargalhada e uma boa chacota em vez de me


sentar direitinha a olhar para as paredes da sala de aula.
[Lembro-me das peças de teatro da escola] e da ex-
citação de me maquilhar. Eram dessas peças de Natal...
Eu era um dos patetas que chegavam e prestavam ho-
menagem ao Menino Jesus. Noutra fui uma boneca
holandesa. Mas nunca me pus à frente para falar numa
peça. Na escola, nunca lia as lições. Preferia ser discre-
ta. Quando me perguntaram se queria participar nas
peças, aceitei com a condição de não ter de falar.
[A primeira competição desportiva] foi de mergu-
lho. Ganhei-a quatro anos consecutivos, para ser ho-
nesta! Ganhei sempre todas as competições de natação
e mergulho. Ganhei todo o género de prémios para o
porquinho-da-índia mais bem tratado. Mas, no aspcto
académico, podes esquecer-te disso! [Risos.]
Na escola era-nos permitido ter apenas um animal
na cama. Eu tinha um hipopótamo verde com os olhos
pintados com tinta luminosa para, durante a noite – eu
detestava a noite – parecer que estava a olhar para mim!
Em breve fui expulsa porque, numa noite, alguém
me perguntou: «Gostarias de um desafio?» Eu pensei:
«Porque não? A vida é tão aborrecida.» Então, às 9 ho-
ras, mandaram-me para o fim da estrada, a 800 metros
de distância; estava escuro como breu. Eu tinha de ir e,
ao portão, aceitar alguns doces de uma pessoa chama-
da Polly Philimore. Fui e não estava lá ninguém.
Escondi-me atrás do portão enquanto aqueles car-
ros da polícia entravam. Não pensei mais nada sobre
isso. Vi as luzes todas entrando na escola. Não pen-
sei nada sobre isso. Recuei desorientada, aterrorizada,
43
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

para descobrir que uma pateta no meu quarto disse


que tinha apendicite. Então, eles perguntaram: «Onde
está Diana?» «Não sei.»
Ambos os pais, então divorciados, foram convoca-
dos. O pai estava horrorizado, e a minha mãe disse:
«Não pensei que fosses assim.» Nada a dizer.
Eu comia e comia e comia. Sempre foi uma excelen-
te piada – vamos deixar a Diana comer três pratos e
seis fatias de pão ao pequeno-almoço, e eu comia tudo
aquilo.
A minha irmã [Jane] era prefeita2 na West Heath
School, e eu fui bastante mazinha no primeiro perío-
do. Era uma desordeira porque pensava ser maravilho-
so ter a minha irmã como prefeita. Sentia-me muito
importante, mas no segundo período todos acertaram
contas comigo, todas as pessoas que tinha aborrecido
e, no terceiro período, estava completamente calma e
escolhera sair.
Há lá um enorme salão. Eu esgueirava-me para aí
durante a noite, quando estava tudo às escuras, punha
a minha música e fazia o meu ballet nesse enorme salão
durante horas e nunca ninguém me descobriu. Todas
as minhas amigas sabiam onde estava quando me afas-
tava, e isso sempre motivou uma tremenda tensão na
minha cabeça. Reconheço-o agora, mas na altura pare-
cia uma boa ideia.
Gostava de todas as disciplinas. Toquei piano. Ado-
rei o piano. Fiz sapateado, de que gostei imenso, ténis,

2 Aluno escolhido entre os mais velhos para ajudar na manutenção


da disciplina. (N. da T.)

44
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

fui capitã da equipa de netball,3 hóquei, nomeio isto por


causa da minha altura. Eu era uma das mais altas. Ado-
rei estar de novo fora de portas, visitar pessoas idosas
uma vez por semana, ir uma vez por semana ao hos-
pital local para doentes mentais. Gostei imenso disso.
Foi uma espécie de introdução para coisas maiores.
Nessa altura, quando cheguei ao fim da escola, todas as
minhas amigas tinham namorados, e eu, não, porque
de certo modo sabia que tinha de me manter «prepara-
da» para tudo quanto surgisse no meu caminho.

Tivemos de nos mudar porque


o meu avô morreu e a nossa vida deu
uma grande volta por causa da minha
madrasta, Raine, que apareceu em cena
supostamente incógnita.

Não era uma criança boa, era mais do género de


ter um diabinho atrás da orelha. Estava sempre à pro-
cura de sarilhos. Sim, era popular. Na sala de aula, não
gritava as respostas porque não pensava que as soubes-
se. Sempre soube como me comportar. Há um tempo
para estar sossegado e um tempo para ser barulhento.
Sempre fui capaz de estar em sintonia com o dever ser.

3 Jogo, geralmente feminino, no qual participam dois grupos de


sete elementos cada. (N. da T.)

45
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Tive conflitos, sérios conflitos, com todo o tipo de


pessoas, especialmente com os namorados das minhas
irmãs. Se alguma vez eram expulsos dessa função, eu
costumava tentar a minha sorte. Lamentei imenso por
eles, porque eram muito gentis. Não passava disso. De
qualquer modo, essa rapariga morreu.

MUDANÇA PARA ALTHORP

Quando tinha 13 anos mudámo-nos para Althorp,


em Northampton, e deixar Norfolk foi uma terrível
separação porque era aí que viviam todos aqueles com
quem cresci. Tivemos de nos mudar porque o meu avô
morreu e a nossa vida deu uma grande volta por causa
da minha madrasta, Raine, que apareceu em cena su-
postamente incógnita. Ela tinha por hábito juntar-se a
nós, descobrir-nos por acaso, chegar, sentar-se e en-
cher-nos de presentes. Todos a detestávamos porque
pensávamos que ela nos ia levar o pai, mas na reali-
dade sofria do mesmo.
Ela queria casar com o pai, esse era o seu único ob-
jetivo. Eu fui correcta e sofri durante anos e anos. Há
dois anos (1989), o meu irmão casou-se e eu disse-lhe
a ela o que pensava, e nunca tinha conhecido uma tal
fúria em mim. Tomei essa tarefa sobre mim para pôr
no ar as razões de queixa de todos na minha família.
Tomei o partido da mamã, e a minha mãe disse-me
que, em 22 anos, era a primeira vez que alguém, algu-
ma vez, tomara o seu partido. Disse tudo quanto tive
possibilidade de dizer.

46
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Lembro-me de me ter atirado ao seu pescoço - eu


estava tão zangada!... Disse-lhe: «Odeio-te tanto, se ao
menos soubesses o quanto todos nós te odiamos pelo
que fizeste; arruinaste a casa, gastaste o dinheiro do
pai, e para quê?»

A DOENÇA DO PAI DE DIANA

E ele sofreu uma hemorragia, uma hemorragia


cerebral. Tinha dores de cabeça, tomava aspirinas e
não dizia a ninguém. Tive a premonição de que ele
iria ficar doente quando estava com uns amigos em
Norfolk e me perguntaram: «Como está o teu pai?»
Eu respondi: «Tenho a estranha sensação de que ele
se vai afundar... e se morrer, morrerá imediatamente;
caso contrário, sobreviverá.» Ouvi-me proferindo es-
tas palavras – embora sem mais comentários. No dia
seguinte, o telefone tocou e eu disse à senhora que
deveria ser um telefonema sobre o meu pai. E era. Ti-
vera um colapso. Eu fiquei estranhamente calma. Re-
gressei a Londres, fui ao hospital e vi que o pai estava
gravemente doente. Disseram-me: «Ele vai morrer.»
Sofreu uma hemorragia cerebral e nós conhecemos
outra faceta de Raine, até então imprevista, já que ela
praticamente nos bloqueou a entrada no hospital, não
nos deixando visitar o pai. A minha irmã mais velha
encarregou-se do assunto e visitou-o algumas vezes.
Entretanto, ele não podia falar porque fizera uma tra-
queoctomia; portanto, não conseguia perguntar onde
estavam os outros filhos. Só Deus sabe o que ele pen-

47
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

sou, porque ninguém lhe explicou nada. De qualquer


modo, melhorou e mudou bastante o seu carácter.
Antes, era uma pessoa e depois, tornou-se segura-
mente uma pessoa diferente. Manteve-se desde então
reservado mas adorável.

SOBRE O IRMÃO

Sempre o vi como o cérebro da família. Ainda vejo.


Tinha notas muito elevadas e assim. Creio que o meu
irmão, pelo facto de ser o mais novo e o único rapaz,
era muito querido, já que Althorp é um lugar muito
grande. Recorde-se que eu era a rapariga que em prin-
cípio deveria ter sido um rapaz – escapei à morte. Era a
favorita do meu pai, não tenho dúvidas a esse respeito.
Ansiei por ser tão boa aluna na escola como o Char-
les. Nunca tive ciúmes dele. Compreendia-o tão bem!
Ele é muito parecido comigo e o oposto das minhas
duas irmãs. Tal como eu, ele sofrerá sempre. Há qual-
quer coisa em nós que atrai o sofrimento, ao passo que
as minhas duas irmãs são ditosamente felizes sendo in-
diferentes a determinadas situações.
Eu sei que, quando estava a terminar a escola [o Insti-
tut Alpin Videmanette, na Suíça], escrevi qualquer coi-
sa como 120 cartas no primeiro mês. Fui tão infeliz ali
– limitei-me a escrever e escrever e escrever. Senti-me
inadaptada. Aprendi a esquiar, mas não era muito boa
para com os outros. Era demasiado claustrofóbico para
mim, embora fosse nas montanhas. Pus termo àquilo.
Quando descobri quanto custava mandar-me para ali,

48
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

disse-lhes que era um desperdício de dinheiro. Manda-


ram-me regressar.
Os meus pais disseram: «Não podes vir para Lon-
dres enquanto não tiveres 18 anos, não podes ter um
apartamento enquanto não fizeres 18 anos.» Eu fui
e trabalhei com uma família em Headley Bordon, em
Hampshire, Philippa e Jeremy Whitaker. Tomava con-
ta da sua filha, Alexandra, e vivia como se fosse parte
da família. Isto era bom. Estava ansiosa por ir para
Londres porque pensava que a relva era mais verde
do outro lado.

RAPARIGA SOLTEIRA EM LONDRES

Foi agradável estar num apartamento com as rapa-


rigas. Adorei – foi óptimo. Diverti-me imenso. Guar-
dei-me para mim mesma. Não estava interessada em
ter uma agenda muito preenchida. Gostava de estar
sozinha, como ainda gosto – é um grande prazer.
[Sobre os seus empregos como ama] Foram frequen-
temente patrões bastante desagradáveis. Fui mandada
para todo o tipo de pessoas pelas minhas irmãs – os
seus amigos estavam a reproduzir-se rapidamente.
Mandavam-me para fora o tempo todo – felicidade.
Solve Your Problems [agência de emprego] mandou-me
em missões de limpeza de que muito gostei, mas pelas
quais nunca ninguém me agradeceu.
Fiz um curso de culinária em Wimbledon. Gostei
muito, mas mais fitas de cabelo de veludo. Fiquei ter-
rivelmente gorda. Adorava molhos, os meus dedos es-

49
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

tavam sempre nas panelas dos molhos, o que muito


me agradava. Não era a minha ideia de divertimento,
mas os meus pais quiseram que eu o fizesse. Na altura
parecia uma alternativa melhor que estar atrás de uma
máquina de escrever – e consegui um diploma!

ENCONTRO COM O PRÍNCIPE DE GALES

Conheci-a [a Rainha] desde quando eu era muito


pequena; por isso não tinha grande importância. Não
tinha qualquer interesse em André ou em Eduardo –
nunca pensei em André. Dava comigo a pensar: «Olha
para a vida deles, que horrível», e lembro-me de quan-
do ele veio ficar a Althorp, o meu marido; o primeiro
impacto foi: «Deus! Que homem tão triste.» Veio com
o seu labrador. A minha irmã estava sempre perto dele
como uma erupção de pele, e eu pensei: «Deus! Ele
deve realmente odiar isto.» Mantinha-me fora do ca-
minho. Lembro-me de ser uma mulher gorda, rechon-
chuda, sem maquilhagem e não muito inteligente, mas
fazia muito barulho e ele gostou disso. Veio ter comigo
depois do jantar, dançámos muito e ele disse: «Queres
mostrar-me a galeria?» Estava prestes a mostrar-lhe a
galeria quando a minha irmã Sarah aparece e me pede
que me afaste, ao que respondi: «Pelo menos deixe-me
explicar-lhe onde estão os interruptores das luzes da
galeria porque não sabe onde ficam», e desapareci. Ele
ficou encantado, e quando, no dia seguinte, fui colo-
cada a seu lado – para uma miúda de l6 anos, receber
alguma atenção de alguém como ele –, fiquei comple-

50
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

tamente espantada. «Por que motivo alguém como ele


se interessaria por mim?», e era mesmo interesse. Foi
tudo o que aconteceu durante dois anos. Via-o de vez
em quando, com a Sarah, e a Sarah ficava muito en-
tusiasmada com toda a história, até que viu acontecer
algo diferente, algo que eu não havia percebido, isto é
quando ele festejou o seu 30.° aniversário também me
convidou para o baile.

«Precisas de compreender que um dia


serás Rainha», afirmou o Príncipe Carlos.
E uma voz dentro de mim disse-me:
«Tu queres ser Rainha, mas terás
um duro papel.»

«Por que motivo a Diana vai também?», perguntou


[a minha] irmã. Respondi: «Bem, não sei. Mas gostaria
de ir.» «Então está bem», ou qualquer coisa assim. Di-
verti-me imenso no baile – foi fascinante. Não fiquei
minimamente intimidada com o ambiente [do Palácio
de Buckingham]. Achei que era um lugar maravilhoso.
Depois, em julho de 1980, fui convidada para passar
uns dias em casa dos Pass, com Philip de Pass, o filho.
«Gostarias de passar uns dias connosco em Petwoth?
É que vamos receber o Príncipe de Gales. Tu és jovem,
talvez o divirtas.» E perante isto respondi: «OK.» As-
sim, sentei-me a seu lado, e Carlos apareceu. Andou

51
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

novamente de roda de mim, e foi uma sensação muito


estranha. Pensei: «Bem, isto não é muito agradável.»
Achava que não era normal os homens serem tão ób-
vios, achava que isto era muito estranho. Na primeira
noite em que nos sentámos na zona do barbecue dessa
casa, ele tinha acabado de romper o namoro com Anna
Wallace. Disse-lhe: «Parecias tão triste quando atra-
vessaste a nave da igreja no funeral de lorde Moun-
tbatten.» Continuei: «Foi o acontecimento mais triste
que alguma vez presenciei. O meu coração ficou des-
troçado quando te vi. Pensei: “Não está certo, ele está
sozinho – deveria ter alguém que cuidasse dele.”»
No minuto seguinte atirou-se praticamente para
cima de mim, o que também achei muito estranho, e
eu não sabia muito bem como lidar com toda esta si-
tuação. Em todo o caso, falámos de muitas coisas, e
foi tudo. Fria não é a palavra. Um F maiúsculo no que
toca a tal assunto. Disse-me: «Tens de vir para Lon-
dres comigo, amanhã. Tenho trabalho no Palácio de
Buckingham, tens de vir trabalhar comigo.» Achei que
isso era de mais. Respondi: «Não, não posso.» Pensei:
«Como poderei explicar a minha presença no Palácio
de Buckingham quando deveria estar com Philip?»
Então convidou-me para os Cowes, no Britannia, onde
tinha imensos amigos de longa data e onde me sen-
ti bastante intimidada, já que se colaram a mim como
urticária. Senti-me muito pouco à-vontade com tudo
aquilo; é óbvio que circulavam comentários.
Apareci, desapareci, apareci, desapareci, até que fui
passar uns dias com a minha irmã Jane a Balmoral, onde
o Robert [Fellowes, marido de Jane] exercia o secre-

52
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

tariado particular [da Rainha]. Estava aterrorizada –


verde de medo. Sentia-me receosa porque nunca tinha
estado em Balmoral e queria que tudo corresse bem.
A antecipação foi pior que a minha estada lá. Fiquei
bem assim que transpus o portão da entrada. Tinha
uma cama de solteiro normal! Sempre fiz e desfiz as
minhas próprias malas de viagem – sempre me espan-
tou o facto de o Príncipe Carlos levar consigo 22 malas
de mão em viagem. Antes do resto do material. Eu ti-
nha quatro ou cinco. Senti-me bastante embaraçada.
Fiquei alojada nas traseiras do castelo por causa da
curiosidade da imprensa. Pensou-se que seria aconse-
lhável. O Sr. e Sra. Parker-Bowles estiveram sempre
presentes em todas as minhas visitas. Eu era de longe
a mais nova entre os presentes. Carlos costumava tele-
fonar-me para perguntar: «Queres vir dar um passeio?
Queres vir ao barbecue?» E eu respondia: «Sim, obriga-
da.» Achava tudo isto maravilhoso.

O NAMORO

Então, tudo nasceu a partir daí; depois, a imprensa


ampliou o caso. Então, a situação tornou-se incompor-
tável dentro do nosso apartamento, mas as minhas três
companheiras foram maravilhosas, autênticas atrizes
de cartaz; incondicionalmente leais. Estava desejosa
de que o Príncipe Carlos se apressasse com o assunto.
A Rainha estava cansada com a situação. Até que Car-
los me telefona dos Kloster e me diz: «Quero pedir-te
uma coisa.» Com o sexto sentido feminino adivinha-

53
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

mos o que estava para vir. De qualquer modo, passei a


noite inteira com as minhas amigas, perguntando: «O
que lhe vou dizer? O que vou fazer?», não me saindo
da cabeça a ideia de que havia mais alguém pelo meio.
Nessa altura já me apercebera de que havia alguém
pelo meio. Estive muitas vezes em Bolehyde com os
Parker-Bowles e não conseguia perceber porque é que
ela [Camilla] passava o tempo a dizer-me coisas como:
«Não o obrigues a fazer isto, não faças isso.» Sabia
tanto da sua vida privada e da nossa vida privada... se
íamos ficar em Broadlands... não conseguia compreen-
der. Acabei por resolver o dilema – pela obra é que se
conhece o artista – e as pessoas ficaram desejosas de
falar comigo.

O meu polícia disse-me na noite que


antecedeu o noivado: «Queria apenas
adverti-la de que esta é a última noite
de liberdade para o resto da sua vida;
por isso, goze-a bem.»

De qualquer modo, no dia seguinte fui a Windsor;


cheguei por volta das 5 horas e ele mandou-me sentar
e disse: «Senti tanto a tua falta.» Mas nunca havia nada
de palpável acerca dele. É extraordinário, mas eu não
tinha nenhum padrão a seguir, porque nunca tinha tido
um namorado. Sempre os mantive à distância, pensan-

54
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

do que eram todos um problema - e, emocionalmente,


não fui capaz de lidar com isso, estava muito confusa.
Pensei. De qualquer modo, ele perguntou: «Queres ca-
sar comigo?», e eu ri-me. Lembro-me de ter pensado:
«Isto é uma brincadeira», e respondi: «Sim, está bem»,
e ri-me. Ele estava mortalmente sério. Disse: «Preci-
sas de compreender que um dia serás Rainha.» E uma
voz dentro de mim disse-me: «Tu queres ser Rainha,
mas terás um duro papel.» Então pensei: «OK», e disse:
«Sim». E acrescentei: «Amo-te tanto, amo-te tanto.»
Ao que ele respondeu: «Seja qual for o significado de
amor». Ele disse isto nessa altura. Eu pensei que era
sensacional! Pensei que ele planeara aquilo! Então ele
correu escadas acima e telefonou à mãe.
Na minha imaturidade, que era enorme, pensei que
ele estava muito apaixonado por mim, o que era ver-
dade, mas sempre teve uma espécie de olhar confuso
acerca de si próprio, retrospetivo, mas não era esta a
verdadeira questão. «Quem era esta rapariga tão di-
ferente?» mas não pôde compreendê-lo porque a sua
imaturidade era, neste aspeto, também muito grande.
Na verdade, para mim foi quase como o cumprimento
de um dever – ir e trabalhar com as pessoas.
Voltei para o apartamento e sentei-me na minha
cama. «Adivinham o que se passou?» Elas disseram:
«Ele pediu-te. Que disseste tu?» «Sim, por favor.»
Toda a gente gritou e uivou, e fomos dar um passeio à
volta de Londres com o nosso segredo. Telefonei aos
meus pais na manhã seguinte. O papá ficou fremente de
emoção. «Que maravilha.» A mamã ficou arrebatada.
Disse ao meu irmão, e ele perguntou «Com quem?»
55
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Dois dias mais tarde fui para a Austrália, por três


semanas, para tomar decisões e organizar as listas e as
coisas com a minha mãe. Foi um desastre completo,
porque eu ansiava por ele, mas ele nunca me telefo-
nou. Pensei que isso era muito estranho, e cada vez
que lhe telefonava ele estava fora e nunca respondia
aos meus telefonemas. Pensei: «OK.» Estava apenas a
ser generosa – «É apenas porque anda muito ocupado,
mais isto e aquilo.» Regressei da Austrália e alguém
me bateu à porta – alguém do seu gabinete com um
ramo de flores, e percebi que elas não tinham vindo
de Carlos porque não traziam cartão. Tratou-se ape-
nas de uma iniciativa de alguém do seu gabinete, com
tacto.

O ASSÉDIO DA IMPRENSA

Tudo se começou então a desenrolar, com a impren-


sa, insuportável, a seguir-me para todo o lado. Com-
preendia que tivessem um trabalho a cumprir, mas as
pessoas não percebiam que eles tinham binóculos em
cima de mim o tempo todo. Arrendaram o apartamen-
to em frente do meu, em Old Brompton Road, que era
uma biblioteca mesmo virada para o meu quarto, o que
não era nada justo para as raparigas. Não podia tirar o
telefone do descanso, pois podia dar-se o caso de al-
gum dos seus familiares adoecer durante a noite. Os
jornais costumavam telefonar-me às 2 horas da ma-
drugada – estavam apenas a acabar de arquitetar outra
história – «Pode confirmar ou desmentir?»

56
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Eu fiquei chumbada uma vez [no exame de con-


dução] e repeti-o. Com os media sempre me esforcei
por passar quase em cima do sinal vermelho, de modo
que eles ficassem presos. Quando conduzo o meu car-
ro perseguem-me por todo o lado. Estamos a falar de
trinta jornalistas - não de dois.
Uma vez, tive de sair de Coleherne Court para es-
tar com ele [Príncipe Carlos] em Broadlands. Tirámos
os lençóis da minha cama e saí pela janela da cozinha,
que dá para uma rua lateral, com uma mala. Dava,
assim, a volta.
Era permanentemente educada, permanentemente
civilizada. Nunca fui mal-educada. Nunca gritei. Cho-
rei como uma criança. Não conseguia lidar com isto.
Chorava porque não tinha qualquer apoio de Carlos
e nenhum apoio do gabinete de imprensa do palácio.
Diziam-me apenas: «Está por sua conta», e eu pensei:
«Está bem.»
[O Príncipe] não era, de maneira alguma, um apoio.
Sempre que me telefonava, dizia: «Pobre Camilla Par-
ker-Bowles. Estive ao telefone com ela esta noite e ela
disse-me que há imensos jornalistas em Bolehyde. Está
a passar um mau bocado.» Nunca lhe fiz queixas dos
jornalistas porque achava que não me cabia fazê-lo.
Perguntei-lhe: «Quantos jornais estão aí?» Ele res-
pondeu: «Pelo menos uns quatro.» E eu pensei: «Meu
Deus, aqui estão 34!», e nunca lho disse.
Era capaz de reconhecer uma secreta determinação
em sobreviver. De qualquer modo, graças a Deus, foi
anunciado [o noivado], e, antes de perceber o que
acontecera, estava em Clarence House [a residência da
57
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Rainha-mãe em Londres]. Não havia lá ninguém para


me receber. Foi como se entrasse num hotel. Depois,
toda a gente me perguntou: «Porque estás em Claren-
ce House?», e eu respondia que me haviam dito que me
aguardavam em Clarence House. Deixei o meu aparta-
mento, pela última vez, e de repente ganhei um polí-
cia. E o meu polícia disse-me, na noite que antecedeu o
noivado: «Queria apenas adverti-la de que esta é a sua
última noite de liberdade para o resto da sua vida; por
isso, goze-a bem.» Foi como se uma espada me tres-
passasse o coração. Pensei: «Meu Deus!»; e soltei uma
risadinha como uma rapariguinha imatura.
Passaram-se cerca de três dias antes de irmos para o
palácio [da Clarence House]. Em Clarence House lem-
bro-me de ser acordada de manhã por uma senhora de
idade, muito querida, que me trazia todos os jornais
que falavam no noivado e mos punha aos pés da cama.

CASAR NO SEIO DA FAMÍLIA REAL

A minha avó [Ruth, Lady Fermoy] sempre me dis-


se: «Querida, tens de compreender que o sentido de
humor deles e o seu estilo de vida são diferentes, e eu
acho que não condizem contigo.»

AS ATRAÇÕES DE ME TORNAR PRINCESA

Eu tinha um estilo de vida muito bom. Ganhava


o meu próprio dinheiro e vivia numa casa grande.
Assim, não foi como se mudasse para algo diferente.

58
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

ESCOLHER O ANEL DE NOIVADO

Apareceu uma mala com o pretexto de André rece-


ber um anel de sinete pelo seu 21.° aniversário e junta-
mente surgem estas safiras. Quero dizer, estas pepitas!
Creio que as escolhi, mas todos nos intrometemos. A
Rainha pagou-as.

O VESTIDO NEGRO

Lembro-me do meu primeiro compromisso [real]


tão bem! Estava tão entusiasmada! Vestido preto do
Emanuels e achava que estava bem porque as rapari-
gas da minha idade usavam estes vestidos. Não tive em
conta o facto de agora ser vista como uma dama real,
embora tivesse ganho apenas um anel em oposição a
outros dois.
O preto era, para mim, a cor que melhor assentava
a uma rapariga de 19 anos. Era um vestido para se-
nhoras crescidas. Eu tinha, na altura, um peito bem
desenvolvido, e ficaram todos tremendamente entu-
siasmados. Lembro-me de me ter encontrado com a
Princesa Grace, de como estava bela e serena, embora
se lhe percebesse alguma inquietação interior; eu pres-
senti-o.
Foi uma ocasião horrível. Não sabia se havia de pas-
sar a porta em primeiro lugar. Não sabia se a mala de
mão devia estar na mão esquerda ou na mão direita.
Estava realmente aterrorizada – na altura estava tudo
em todos os lados.

59
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

O NOIVADO

Tive tantas saudades das minhas companheiras, que


queria lá voltar, sentar-me e rir como habitualmen-
te fazíamos, emprestar-lhes roupas e tagarelar acerca
de coisas insignificantes, voltar de novo para a minha
concha. Um dia tens o Rei e a Rainha da Suécia a ca-
minho para te dar o seu presente de casamento, uns
castiçais de quatro braços, e no minuto seguinte tens
o presidente de qualquer lado para receber. Fui lite-
ralmente atirada aos leões, mas tenho de dizer que a
minha formação esteve à altura da situação. Não foi
como se eu tivesse sido escolhida como My Fair Lady e
me tivessem dito para ir em frente. Eu não sabia como
reagir.
[Sobre as impressões do Palácio de Buckingham]
Não podia acreditar no quanto todos eram frios. Foi-
-me dita uma coisa, mas na verdade passava-se outra.
As mentiras e a fraude. Por exemplo, o meu marido
mandando flores a Camilla Parker-Bowles quando ela
teve meningite. «Para a Gladys, do Fred.»

ENCONTRO COM CAMILLA

[Conheci-a] muito cedo. Fui introduzida no círcu-


lo, mas obviamente eu era uma ameaça. Era uma rapa-
riga muito jovem, mas era uma ameaça.
Contudo, sempre tivemos discussões acerca de Ca-
milla. Uma vez ouvi-o ao telefone na banheira, usan-
do o seu aparelho portátil, e dizendo: «Aconteça o que

60
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

acontecer, amar-te-ei sempre.» Mais tarde disse-lhe


que tinha escutado à porta e tivemos uma grande e feia
discussão.

Ele encontrara a virgem,


o cordeiro sacrificial, e, de certo modo,
estava obcecado comigo. Mas era frio
e caloroso. Nunca sabíamos
qual seria a sua disposição.

Quando cheguei a Clarence House havia uma carta


de Camilla na minha cama, datada de dois dias antes e
dizendo: «Que entusiasmantes notícias sobre o noiva-
do! Almocemos juntas em breve, quando o Príncipe de
Gales for à Austrália e à Nova Zelândia. Ele vai estar
fora durante três semanas. Adorava ver o anel, mui-
to amor, Camilla.» E isso foi «Uau!» Então, organizei
um almoço. Almoçámos, e tendo em mente que era
muito imatura, eu não sabia de ciúmes, depressões ou
qualquer coisa do género. Eu tinha uma maravilhosa
existência como professora de jardim infantil – não
se sofre de uma coisa como esta, fica-se cansado e é
tudo. Não há ninguém em teu redor para te fazer so-
frer. Portanto, almoçámos. Muito astucioso, por sinal.
Perguntou-me: «Não vais caçar, pois não?» perguntei:
«Com quê?» Respondeu-me: «A cavalo. Não vais caçar
quando fores viver para Highgrove, pois não?» Disse-

61
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

-lhe: «Não.» E ela: «Só queria saber», e achei que, no


que lhe dizia respeito, essa era a sua forma de comuni-
car. Ainda muito imatura para compreender todos os
sinais que surgiam no caminho.
De qualquer modo, alguém do seu gabinete me disse
que o meu marido lhe mandara fazer uma pulseira que
ela ainda hoje usa. É uma corrente de ouro com um
disco de esmalte azul. Tem um «G» e um «F» gravados,
«Gladys» e «Fred» – as suas alcunhas. Entrei, um dia,
dentro do gabinete deste homem e perguntei: «Oh! O
que é este embrulho?» Ele respondeu-me: «Oh! Não
devia ver isto.» Eu disse: «Vou ver.» Abri-o e lá estava
a pulseira. Disse: «Sei para onde é que isto vai.» Estava
arrasada. Isto aconteceu duas semanas antes do nosso
casamento. Ele disse: «Bem, ele vai dar-lha esta noite.»
Senti tanta raiva, raiva, raiva! «Porque não és hones-
to comigo?» Mas, não, ele [o Príncipe Carlos] fez de
conta que não me conhecia. Era como se ele tivesse
tomado a sua decisão, e se não resultasse, não resulta-
va. Ele encontrara a virgem, o cordeiro sacrificial, e,
de certo modo, estava obcecado comigo. Mas era frio
e caloroso, frio e caloroso. Nunca sabíamos qual seria
a sua disposição para cima, para baixo, para cima, para
baixo.
Ele ofereceu a pulseira na segunda-feira durante o
almoço, e nós casámos na quarta-feira. Fui ter com o
seu guarda-costas e perguntei-lhe: «John, onde está
o Príncipe Carlos?», ao que ele respondeu: «Oh! Saiu
para almoçar.» Então retorqui: «Porque estás aqui?
Não devias estar com ele?» «Oh! Vou buscá-lo mais
tarde.»

62
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Assim, subi as escadas, almocei com as minhas irmãs


que estavam ali, e disse: «Não posso casar com ele, não
posso ir para a frente com isto, isto é absolutamente
inacreditável.» Elas foram maravilhosas e disseram-
-me: «Bem, azar, duquesa, a tua cara está estampada
em todos os panos de loiça; por isso, é demasiado tarde
para te acobardares.» Assim, arrumámos o assunto.

«Não posso casar com ele,


não posso ir para a frente com isto,
é absolutamente inacreditável.»

Nunca havia lidado com este lado da questão. Dis-


se-lhe apenas: «Tens de ser sempre honesto comigo.»
Na nossa lua-de-mel, por exemplo, decidimos abrir os
nossos diários para conversarmos acerca de diversos
assuntos. Dentro do dele lá estavam duas fotografias de
Camilla. Durante a nossa lua-de-mel tivemos um jantar
de gala para a receção do Presidente Sadat [do Egito].
Apareceu com uns botões de punho na camisa – dois
«CC» entrelaçados, como o logótipo da Chanel. Perce-
bi imediatamente; soube exatamente. «Camilla ofere-
ceu-tos, não foi?» E ele respondeu: «Sim, qual é o pro-
blema? Foram um presente de uma amiga.» E, credo,
se brigámos! Ciumenta, completamente ciumenta – era
uma boa ideia, os dois «CC» mas, de certo modo, não
era assim tão inteligente.

63
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Era a única presente [no planeamento do casamen-


to] porque ele havia partido para a Austrália e a Nova
Zelândia, e lembram-se, claro, da minha figura solu-
çante, num casaco vermelho, quando ele descolou no
avião. Nada teve a ver com a sua partida. O mais terrí-
vel de tudo acontecera antes disso. Eu estava no seu es-
critório a conversar com ele quando o telefone tocou.
Era Camilla, mesmo na véspera da sua partida por cin-
co semanas. Pensei: «Vou ser simpática, ou limito-me
a ficar aqui sentada?» Decidi ser simpática e deixei-os
a conversar. Mas partiu-me o coração.

A CASA DE HIGHGROVE

Disse que queria ficar na vizinhança do condado


[da Cornualha], mas porque ficava apenas a 18 km da
casa dela. Ele escolheu a casa e eu fui lá ter depois. Fui
lá antes de ele a comprar. Mandara pintar as paredes
todas de branco. Queria que eu a decorasse apesar de
ainda não estarmos noivos. Achei que não era muito
próprio, mas ele apreciava o meu sentido estético.

O GRUPO DE HIGHGROVE

Comecei a pensar: «Meu Deus, falam de forma tão


estranha comigo!» Eu agia normalmente, na medida
em que dizia o que pensava porque nunca ninguém me
pedira para me calar. Eram muito aduladores, pratica-
mente beijavam-lhe os pés, e eu achava que era terrível
para alguém ter de aturar tudo aquilo.

64
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

DECORAR DUAS NOVAS CASAS

[Dudley Poplak] decorara a casa da minha mãe 10


anos antes, e era um seu amigo de longa data. Por isso,
perguntei-lhe: «O que achas?», e ela respondeu-me:
«Bem, usa-o, ele tem sido maravilhoso, muito fiel.»
Escolhi a decoração e usufruí de liberdade total para
isso.

ESCOLHER ENTRE ST. PAUL


E A ABADIA DE WESTMINSTER

O Príncipe Carlos afirmou que as pessoas veriam


melhor e que a acústica também era melhor [em St.
Paul]. Houve um grande debate na família sobre isso,
como nunca antes havia acontecido. «Eu quero assim»,
insistiu Carlos. Grande confusão.

PRESENTES DE CASAMENTO

Carlos e eu fomos à General Trading Company


[uma elegante loja de prendas frequentada pela elite
social]. Em retrospectiva, foi bastante divertido – tão
sloane! 4

4 Sloane: expressão inglesa que refere uma jovem londrina de classe


alta, elegante e conservadora, e de intensa vida social. (N. da T.)

65
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

O CASAMENTO

Que grande expetativa. Que felicidade pelo encora-


jamento das multidões – não creio que fosse feliz. Ca-
sámos numa quarta-feira, e na segunda-feira anterior
fomos a St. Paul para o nosso último ensaio, e foi nesse
dia que as câmaras estiveram em pleno e pudemos ter
a noção de como iria ser o dia da cerimónia. Então,
revirei os olhos. Entrei completamente em pânico por
toda a espécie de motivos. O assunto de Camilla a res-
soar-me na cabeça, constantemente, durante o nosso
noivado e eu a tentar, desesperadamente, reagir à si-
tuação com maturidade, mas sem estrutura para tal e
sem ter alguém com quem desabafar.

Tomei consciência de que tinha abraçado


um enorme papel, mas não tinha ideia do
que iria fazer – nenhuma ideia.

Lembro-me de que o meu marido estava muito can-


sado – estávamos ambos muito cansados. Grande dia.
Enviou-me, na noite anterior, para Clarence House,
um lindo anel de sinete com as penas da insígnia do
Príncipe Carlos e um cartão muito amável que dizia:
«Estou tão orgulhoso de ti! Amanhã, quando chega-
res, estarei no altar à tua espera. Olha-os nos olhos e
arrasa-os.»

66
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Eu tivera uma crise muito má de bulimia na noite


anterior. Comi tudo o que pude encontrar, o que di-
vertiu imenso a minha irmã [Jane], que estava a passar
uns dias comigo em Clarence House, e ninguém com-
preendeu o que se estava a passar. Foi altamente confi-
dencial. Nessa noite estive amarela como um papagaio.
Era um óbvio prenúncio do que estava a acontecer.
Estava muito calma, na manhã seguinte, quando nos
levantámos, em Clarence House. Tivemos de acordar
por volta das 5 da manhã. Interessante – puseram-me
num quarto com vista sobre a Mall, o que significa
que não consegui dormir. Estava muito, muito calma,
mortalmente calma. Sentia-me como se fosse um cor-
deiro a caminho do sacrifício. Sabia isso e não podia
fazer nada. A minha última noite de liberdade foi com
Jane em Clarence House.
O meu pai estava tão emocionado, que por gestos
se chamou a si próprio estúpido. Acabámos de chegar
a St. Martin-in-the-Fields e ele pensou que estávamos
em St. Paul’s. Estava pronto para sair. Foi maravilho-
so, isso.
Ao caminhar pela nave da igreja, vislumbrei-a [Ca-
milla]. Sabia que ela estava ali dentro, claro. Olhei para
ela. De qualquer maneira, eu subi até ao topo. Pensei
que tudo aquilo era uma histeria, casar, no sentido em
que isto era, assim, muito adulto, e aqui estava Diana
– uma professora de jardim infantil. Tudo aquilo era
ridículo!
Chorei imenso na segunda-feira, quando fizemos o
ensaio, porque a tensão me atingiu subitamente. Mas
na quarta-feira estava bem e tinha de avançar até ao
67
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

meu pai no topo da nave lateral, e foi nisso que me


concentrei e lembro-me de estar terrivelmente preo-
cupada com os cumprimentos à Rainha. Lembro-me
de estar tão apaixonada pelo meu marido que não con-
seguia tirar os olhos de cima dele. Pensava apenas que
era a rapariga com mais sorte em todo mundo. Ele iria
tomar conta de mim. Bem, estava errada nesta supo-
sição.
Ao descer a nave da igreja fixei Camilla, cinzenta e
pálida, com um chapéu velado pequeno e redondo; vi
tudo, o seu filho Tom sentado numa cadeira. Até hoje,
sabe – é uma memória vívida. Bem, aqui está, é isso,
vamos esperar que esteja tudo acabado. À saída (de St.
Paul’s) foi um sentimento maravilhoso, toda a gente
soltando vivas, toda a gente feliz por nos julgar felizes,
e essa foi a grande questão gravada na minha mente.
Tomei consciência de que tinha abraçado um enorme
papel, mas não tinha ideia do que iria fazer – nenhuma
ideia.
De volta ao Palácio de Buckingham, fiz todas as fo-
tografias, nada de palpável, nada. Estava, no fundo, a
matutar e a tentar descobrir onde deveria estar, agar-
rando a longa cauda do meu vestido com as minhas da-
mas-de-honor e os meus pajens. Dirigi-me à varanda e
senti-me esmagada pelo que vi, tão humilde, estes mi-
lhares e milhares de pessoas felizes. Foi simplesmente
maravilhoso. Sentei-me a seu lado durante o pequeno-
-almoço do casamento, que na verdade foi um almoço.
Nenhum de nós falou com o outro – estávamos tão
exaustos! Sentia-me exausta com tudo aquilo.

68
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

LUA-DE-MEL

Nunca tentei cancelá-la, no verdadeiro sentido de


a anular, mas o pior momento foi quando nos dirigi-
mos a Broadlands. Pensei, sabem, que estava comple-
tamente deprimida. Tinha muita esperança em mim,
esperança essa que, ao segundo dia, se despedaçou.
Fomos para Broadlands. Na segunda noite, aparecem
os romances de Van der Post que ele ainda não havia
lido [Laurens van der Post, o filósofo e aventureiro
sul-africano, muito admirado pelo Príncipe Carlos].
Eram sete romances – no meio da nossa lua-de-mel.
Ele lia-os e tínhamos de os analisar durante a hora de
almoço, todos os dias. Tínhamos de receber, todas as
noites, os convidados do Britannia, constituídos por
toda a elite social, e por isso não restava tempo algum
para nós. Achei isto muito difícil de aceitar. Nesta
altura, a bulimia era aterradora, absolutamente ater-
radora. Era frequente, quatro vezes por dia no iate.
Tudo o que encontrava devorava para vomitar dois
minutos depois – muito cansativo. Isso, está claro,
provocou mudanças de humores, já que num minuto
me sentia feliz, e no minuto seguinte chorava desal-
madamente.
Lembro-me de chorar imenso durante a minha lua-
-de-mel. Sentia-me tão cansada, e completamente pe-
los motivos errados.
Fomos para Balmoral directamente do iate, estavam
todos presentes para nos receber, e a seguir a realidade
instalou-se. Os meus sonhos eram aterradores. Duran-
te a noite sonhava o tempo todo com Camilla. Carlos
69
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

trouxe Laurens van der Post à baila para me ajudar.


Laurens não me compreendia. Todos se apercebiam
de que eu estava a emagrecer e a ficar cada vez mais
doente. No fundo, pensaram que eu me adaptaria ao
papel de Princesa de Gales de um dia para o outro. Seja
como for, fui abençoada: William foi concebido em
outubro. Maravilhosas notícias dominavam os meus
pensamentos.

Fomos para Balmoral e a seguir


a realidade instalou-se. Os meus sonhos
eram aterradores. Durante a noite sonhava
o tempo todo com Camilla.

Andava completamente obcecada com Camilla. Não


confiava nele, já que de cinco em cinco minutos ele lhe
telefonava para se aconselhar a respeito do casamento.
Todos os convidados de Balmoral fixavam os olhos em
mim o tempo todo, tratando-me como se fosse de cris-
tal. No que a mim dizia respeito, eu era Diana, a única
diferença é que as pessoas agora me tratavam por «Mi-
nha Senhora», «Sua Alteza Real», e me faziam vénias.
Era a única diferença, mas eu tratava toda a gente exa-
tamente do mesmo modo.
Carlos costumava querer dar grandes passeios a pé
por Balmoral a toda a hora, durante a nossa lua-de-mel.
A sua ideia de divertimento era sentar-se no topo da

70
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

mais alta montanha em Balmoral. A paisagem é linda.


Eu compreendia-o perfeitamente; ele lia-me Laurens
van der Post ou Jung, e eu ganhava consciência de que
nada sabia a respeito dos poderes da mente e tudo o
mais, mas sabia que havia algo em mim que ainda não
tinha sido despertado e não pensava que isto me fosse
ajudar! Mas, de qualquer modo, líamos estes autores,
eu fazia a minha tapeçaria e ele sentia-se abençoada-
mente feliz, e desde que ele se sentisse feliz, estava
tudo bem.
Ele era muito submisso à mãe e sentia-se muito in-
timidado pelo pai; eu era sempre a terceira pessoa na
sala. Nunca me dizia «Querida, queres uma bebida?»;
era sempre «Mãezinha, quer uma bebida?» «Pai, uma
bebida?» «Diana, queres uma bebida?». Óptimo, não
há problema. Mas foi preciso que me explicassem que
isso era normal, porque sempre pensei que a esposa
vinha em primeiro lugar – que ideia mais estúpida!
Terrivelmente, terrivelmente magra. As pessoas
começavam a comentar: «Tens os ossos à vista!» Es-
távamos, portanto, em outubro, e nós ficámos lá [em
Balmoral] de agosto a outubro.
Em outubro estava capaz de cortar os pulsos. Estava
em muito mau caminho. Choveu, choveu, choveu, e
eu saí de Balmoral mais cedo para receber tratamento,
não porque odiasse Balmoral, mas porque me sentia
muito mal. De qualquer modo, vim para cá [Londres].
Todos os analistas e psiquiatras possíveis e imaginários
apareceram para me tratar. Deram-me elevadas doses
de Valium e tudo o mais. Mas a Diana que ainda estava
bem presente achou que estava na altura; paciência e
71
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

tempo para me adaptar era tudo aquilo de que neces-


sitava. Era eu quem dizia aos médicos de que é que ne-
cessitava. Eles respondiam-me: «Comprimidos»! Isso
deixava-os satisfeitos – podiam ir para a cama e dormir
descansados, sabendo que a Princesa de Gales não iria
esfaquear ninguém.

GRAVIDEZ

Então disseram-me que estava grávida; felicida-


de, grande excitação, e fomos a Gales para uma visita
de três dias como Príncipe e Princesa de Gales. Meu
Deus, meu Deus, aquilo é que foi um choque cultural,
em toda a aceção da palavra. Roupa errada, tudo er-
rado, altura errada, sentia-me terrivelmente enjoada,
carregando esta criança, sem ter dito ao mundo que es-
tava grávida, mas com um ar cinzento, magra e ainda
enjoada. A esforçar-me, desesperadamente, para que
ele se orgulhasse de mim. Discursei em galês. Ele esta-
va mais nervoso que eu. Nunca obtive qualquer elogio
por isso. Comecei a compreender que isso era absolu-
tamente normal. Completamente enjoada, e a chuva
a cair ininterruptamente em Gales. Não foi fácil, cho-
rei imenso dentro do carro, dizia que não era capaz de
sair, que não conseguiria lidar com as multidões. «Por
que razão têm eles de nos vir ver? Alguém me acuda.»
Ele respondeu: «Só tens de conseguir sair e acabar com
isto.» E eu saí. Ele esforçou-se bastante e, neste aspe-
to, muito bem, conseguiu fazer-me sair, e estando eu
na rua fui capaz de desempenhar a minha parte. Mas

72
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

custou-me imenso porque não tinha energia, já que


na altura já estava doente com a minha bulimia – tão
doente; fi-lo para o apoiar, ou vice-versa.
Não conseguia dormir, não comia, o mundo inteiro
despedaçava-se à minha volta. Foi uma gravidez mui-
to, muito difícil, de facto. Andava o tempo todo enjoa-
da, com a bulimia e com os enjoos matinais. As pessoas
tentaram dar-me comprimidos para acabar com os en-
joos. Eu recusei-os. Tão enjoada, enjoada, enjoada, en-
joada. E, nesta família, não havia ninguém que tivesse
tido enjoos matinais anteriormente, e, assim, sempre
que em Balmoral, Sandringham ou Windsor, eu saía
em vestido de noite, ou desmaiava ou vomitava. Era
muito embaraçoso porque eu não sabia nada, não ha-
via lido os meus livros, mas pelo menos sabia que se
tratava de enjoos matinais. Portanto, eu era «um pro-
blema», e eles classificaram Diana como «um proble-
ma». «Ela é diferente, faz tudo o que nunca fizemos.
Porquê? Pobre Carlos, está a passar um mau bocado.»
Entretanto, ele decidiu que não poderia fazer muitas
sugestões. Não lhe competia a ele aconselhá-la.
Acho que sim [que me preocupei com William],
com Harry não foi tão mau [os enjoos matinais]. Com
William foi aterrador quase todas as vezes que me pu-
nha de pé vomitava. Mas havia uma combinação, não
podia definir o que era o quê ou o que o originava, mas
sentia claramente que me tornava um aborrecimento,
e tudo fizeram para que me sentisse assim. De repente,
no meio de uma cerimónia, eu levantava-me e ia vo-
mitar, e quando voltava perguntavam: «Porque não se
foi deitar?» Eu achava que cumpria a minha obrigação
73
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

sentando-me à mesa; o dever estava sempre acima de


tudo. Não sabia, de todo, para que lado me virar.
Atirei-me pelas escadas abaixo [em Sandringham].
Carlos disse-me que eu chorava lágrimas de crocodi-
lo Respondi-lhe que me sentia desesperada e chorava
perdidamente, e ele respondeu-me: «Não quero ouvir.
Estás sempre a fazer-me isto. Vou montar a cavalo,
agora.» Então, atirei-me das escadas abaixo. A Rainha
apareceu, completamente aterrorizada, a tremer – es-
tava muito amedrontada. Eu sabia que não ia perder
o bebé; fiquei bastante magoada na zona do estômago.
Quando Carlos regressou do passeio a cavalo, a sua rea-
ção foi de total rejeição. Limitou-se a bater com a porta.

O NASCIMENTO DE WILLIAM

Quando William nasceu tivemos de procurar na


agenda de Carlos uma data que se encaixasse nos seus
encontros de pólo. O nascimento de William teve
de ser induzido porque eu já não conseguia suportar
a pressão da imprensa durante mais tempo: estava a
tornar-se insuportável. Era como se toda a gente me
vigiasse a toda a hora. De qualquer modo, chegámos
cedo. Eu senti-me enjoada durante todo o trabalho de
parto, um difícil trabalho de parto. Eles queriam uma
cesariana, mas ninguém me falou no assunto senão
depois. Seja como for, o rapaz chegou e houve um
grande entusiasmo. Felicíssimos, todos alegres como
passarinhos – encontrámos uma data em que Carlos
se pôde afastar do pólo para que eu pudesse dar à luz.

74
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Foi muito simpático da parte dele, e eu senti-me mui-


to agradecida! Vim para casa, e a depressão pós-natal
atingiu-me com força, e não foi tanto o bebé que a ori-
ginou, foi apenas o bebé que despoletou tudo o que se
andava a passar comigo. Céus! Se fiquei perturbada! Se
ele não chegasse a casa quando dizia, começava logo
a imaginar que algo de terrível lhe tinha acontecido.
Lágrimas, pânico, e tudo o mais. Ele não se apercebia
do meu pânico porque eu me sentava muito quietinha.
No dia 4 de agosto [no batizado de William, em
1982] fui tratada como se nada tivesse que ver com
o assunto. Ninguém me perguntou qual era a melhor
hora para William – às 11 horas não podia ser pior.
Infindáveis sessões fotográficas com a Rainha, a Rai-
nha-mãe, Carlos e William. Fui completamente ex-
cluída naquele dia. Não me sentia muito bem e desatei
a chorar. William começou a chorar também. Bem, ele
pressentiu que eu não estava muito contente.

VIDA NA REALEZA

Quando entrei pela primeira vez em «cena», bai-


xava a cabeça a toda a hora. Agora que penso nisso,
compreendo que parecesse um amuo. Mas eu nunca
amuei. Andava, na minha fragilidade, aterrorizada.
Nunca amuei em criança, não fazia parte do meu fei-
tio. Estava apenas tão assustada com toda a atenção
que me dispensavam; foram precisos seis anos para me
sentir à-vontade neste papel, e agora estou preparada
para seguir em frente.

75
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Não era ninguém, e no minuto seguinte era a Prin-


cesa de Gales, mãe, brinquedo dos media, membro
desta família, tudo, e foi de mais para uma só pessoa
naquela altura.
Resumindo: o gabinete do meu marido tornou-se
uma barafunda porque num minuto havia um, no mi-
nuto seguinte, dois, e os presentes do casamento que
estavam a chegar eram tão fantásticos – desde uma pis-
cina, a um conjunto de secretária, uma moldura para
fotografias, e seis cadeiras para a sala de jantar. Caos!
Acabei por escrever os meus próprios cartões de agra-
decimento.

Aprendi a pertencer à realeza numa


semana. Fui atirada para uma tarefa para
a qual não tinha preparação. Ninguém me
ajudou. Eles estavam lá para me criticar,
mas nunca para dizer: «Muito bem».

Edward Adeane [secretário particular do Príncipe


Carlos em 1979-1985] era fantástico – dava-me muito
bem com ele. Era um solteirão, e eu estava sempre a
tentar arranjar-lhe a mulher ideal, mas nunca fui bem
sucedida. Ele perguntou: «Conheço umas senhoras
simpáticas que poderão ser damas-de-honor. Quer vê-
-las e conhecê-las?» e eu respondi «sim» a todas, em-

76
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

bora não as conhecesse e uma ou duas se tivessem ido


embora, mas as outras mantiveram-se leais e fiéis e eu,
com o tempo, juntei algumas mais.
Aquilo de que me consigo lembrar é que nada que-
ria fazer por minha iniciativa. Estava demasiado assus-
tada. O pensamento de nada fazer por minha iniciativa
produzia tremores em mim; por isso ficava perplexa
com tudo o que Carlos fazia. Se isso incluía uma es-
posa, eu ia sempre com ele – a qualquer lugar. Mas o
ritmo era fenomenal. Eu sabia que não podia assumir
compromissos e também casar, e ainda mais manter
duas casas.

CRIANDO O SEU GUARDA-ROUPA

No dia em que ficámos noivos eu tinha, literalmen-


te, um vestido comprido, uma camisa de seda, um par
de sapatos finos e era tudo. Subitamente, eu e a minha
mãe tivemos de ir comprar seis unidades de cada coi-
sa. Comprámos tanto quanto pensámos precisar, mas
continuámos sem ter o suficiente. É pensar que tens
de mudar de roupa quatro vezes por dia e repentina-
mente o teu guarda-roupa expande-se para qualquer
coisa de inacreditável. Daí, provavelmente, as críticas
quando pela primeira vez entrei em cena apresentando
sempre roupas novas. Em três temporadas, eu tinha
com que me enfeitar de janeiro a dezembro, à noite,
com chapéus, luvas, tudo. Depois disso, pedi a Anna
Harvey, da Vogue, onde ambas as minhas irmãs traba-
lharam, para me vir ajudar com as coisas básicas, tais

77
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

como três disto, dois daquilo, um do outro. Mas, de-


pois disso, eu estava por minha conta. Após ter fixado
nomes como Victor Edelstein e Catherine Walker, eu
podia fazer isso sozinha, podia telefonar-lhes e falar
com eles. Mas, antes disso, Anna ajudou muito du-
rante o primeiro ano. Tinha de encontrar um nicho
onde fosse feliz com o estilista e com o que tivesse re-
querido. Não pude ter roupas fascinantes porque não
teriam sido apropriadas para o trabalho, mas tive de
ter roupas que durassem o dia todo, cores sensatas, de-
cotes razoáveis e saias compridas. Nunca soube nada
acerca de ter pesos nas bainhas [para evitar que as saias
voassem com o vento]. Com o tempo, acabei por saber
disso. Ninguém ajudou.

PRIMEIROS COMPROMISSOS

Um dos verdadeiramente primeiros compromisso


reais chamava-se The Little Foxes, com Liz Taylor. Era
uma peça de teatro. Lembro-me de ter aparecido num
casaco branco de pele falsa, e todos os anti-uso de peles
se atiraram contra mim para sempre. Por isso, voltou
para o armário para nunca mais voltar a ser visto. Eu
estava grávida de William e foi uma agonia porque
não achei Elizabeth Taylor uma pessoa de trato fácil.
[Na cerimónia de inauguração da iluminação de Na-
tal da Regent Street] lembro-me de usar uma saia-calça
azul-marinho com uma camisola cor-de-rosa e de me
sentir muito enjoada. Não conseguia puxar a saia para
cima porque estava grávida, mas não tinha mais nada

78
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

para vestir. E estava tão nervosa. Tinha de fazer um


discurso diante de toda a Regent Street. Estava cheia
de medo.
Não se tornou mais fácil – apenas me habituei ao
que se exigia da Princesa de Gales. O que Diana pensa-
va não contava para nada – por enquanto. Não possuía
grande experiência no que se esperava que a Princesa
de Gales fizesse. Posso ter-me adaptado, mas demorou
algum tempo.
Frequentei Hareford [o quartel-general da SAS5]
e fiz um treino de condução. Atiravam bombas para
cima de mim. Estava aterrorizada. Graham Smith foi o
meu primeiro segurança e veio da Princesa Ana. Este-
ve ao serviço dela durante uns anos. Ele era amoroso,
mas demorou um certo tempo até me habituar a andar
com um polícia atrás. Meu Deus! Ter, de repente, este
homem no nosso carro, ter de desligar a música, asse-
gurar-me de que ele se alimentava e todas essas coisas
que não temos de fazer mas eu fui educada a preocu-
par-me com os outros.

A PRIMEIRA VIAGEM ALÉM-MAR

Foi, para mim, um período de «ou vai ou racha».


Fomos à [Austrália e à] Nova Zelândia, a Alice Springs.
Este era, na verdade, o osso verdadeiramente duro de

5 Sigla da Special Airforce Service, comando britânico especializa-


do em operações clandestinas, sobretudo antiterroristas. Esta pas-
sagem refere-se a um treino de defesa pessoal recebido por Diana.
(N. da T.)

79
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

roer, a dura finalidade de ser Princesa de Gales. Havia


milhares de jornalistas a seguir-nos. Estivemos fora
por seis semanas e, no primeiro dia, visitámos uma
escola em Alice Springs. Estava calor e eu acusava um
grande cansaço devido à viagem; estava a ficar doen-
te. Estava demasiado fraca. Todo o mundo tinha a sua
atenção centrada em mim todos os dias. Estava em
frente dos papéis. Pensei que isto era muito aterrador,
não tinha feito nada de específico, como escalar o Eve-
reste, ou feito qualquer outra coisa maravilhosa como
essa. Contudo, regressei deste compromisso e, choro-
sa, fui ter com a minha dama-de-honor dizendo-lhe:
«Anne, tenho de ir para casa, não posso fazer frente a
isto.» Ela estava igualmente devastada, já que este era
o seu primeiro emprego. Portanto, esta primeira se-
mana foi traumática para mim – aprendi a pertencer
à realeza, entre aspas, numa semana. Fui atirada para
uma tarefa para a qual não tinha preparação. Nunca
ninguém me ajudou. Eles estavam lá para me criticar,
mas nunca para dizer: «Muito bem».
Quando regressámos da nossa viagem de seis sema-
nas, eu era uma pessoa diferente. Estava mais crescida,
mais madura, mas nada parecido com o que iria pas-
sar nos próximos quatro ou cinco anos. No fundo, a
nossa viagem foi um grande êxito. Quando estávamos
no carro, as pessoas diziam sempre: «Oh! Estamos do
lado errado, queremos vê-la a ela, não queremos vê-
-lo a ele», e era tudo quanto podíamos ouvir quando
descíamos à multidão, e, obviamente, ele não o fazia
habitualmente e eu também não. Ele fazia-me sofrer.
Tinha ciúmes; eu compreendia o ciúme, mas não pude

80
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

explicar-lho porque nunca me perguntou nada acer-


ca disso. Eu continuava a dizer: casaste com alguém,
e seja com quem for que tenhas casado haverá sem-
pre um interesse público pelas suas roupas, pelo modo
como manuseia isto, aquilo e o outro, e tu constróis o
palanque onde a tua mulher se ergue, construindo o
seu próprio palanque. Ele não viu nada disso.

Admiro a Rainha. Há muito que desejo


conversar verdadeiramente com ela.
Sempre lhe disse: «Nunca a deixarei
ficar mal, mas não posso dizer o mesmo
do seu filho.»

Na primeira viagem ao estrangeiro, à Austrália e à


Nova Zelândia, levámos William. Por seis semanas.
Foi maravilhoso – éramos uma família unida. Foi
muito complicado, mentalmente, para mim, porque
as multidões são qualquer coisa a ser levada a sério.
O meu marido nunca tinha visto multidões como
estas, e eu, seguramente, muito menos; toda a gente
dizia que tudo se acalmaria quando eu tivesse o meu
primeiro bebé, mas nunca acalmou, nunca.
Nunca discutimos [a respeito de levarmos William
em viagem]. Quem nunca viu reconhecidos os seus
créditos foi Malcom Fraser, antigo primeiro-ministro

81
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

[mas que na altura da viagem ainda não o era]. Es-


creveu-nos, inesperadamente. Estava tudo preparado
para deixarmos William. Aceitei-o como fazendo par-
te das minhas obrigações, embora soubesse que não
iria ser fácil para mim. Escreveu-me, dizendo: «Pare-
ce-me que, tratando-se de uma tão jovem família, tal-
vez gostasse de trazer consigo o seu filho?» Carlos per-
guntou-me: «O que pensas disto?» Eu respondi: «Oh,
isso seria verdadeiramente maravilhoso!» Então acres-
centou: «Assim poderemos ficar por seis semanas, em
vez de quatro, e visitar também a Nova Zelândia. Seria
perfeito.»
Respondi: «Óptimo.» Foi muito comentado o fac-
to de eu ter tido uma discussão com a Rainha. Nós
nem sequer lhe perguntámos; fizemo-lo e pronto. Foi
muito agradável. Não passávamos muito tempo com
ele [William], mas pelo menos estávamos debaixo do
mesmo céu. Foi uma grande satisfação para mim por-
que toda a gente queria conhecer os seus progressos.

OUTRAS VIAGENS AO ESTRANGEIRO

Com o Presidente da Hungria e a sua esposa pas-


sou-se um pequeno incidente. Eu saí do avião e aper-
tei-lhe a mão. Extraordinariamente, pareceu-me tão
natural fazê-lo... Foi uma história que correu em todos
os jornais ingleses. Lembro-me de pensar: «O que é
que isto tem de extraordinário?» A relação com o pú-
blico tomou-se muito mais intensa depois deste inci-
dente. Uma viragem súbita que eu não consegui com-

82
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

preender. Não tinha ninguém com quem falar sobre


isso. Achei que estava a crescer. A ser posta à prova.
Achei que era muito bom, muito especial [a audiência
com o Papa João Paulo II]. Sentia-me completamente
arrebatada. Sentia-me tão intimidada com o ambiente;
sentámo-nos ali, com este homem de hábito branco.
Foi muito estranho. Disse-lhe qualquer coisa. Enchi-
-me de coragem e perguntei-lhe: «Como estão os seus
ferimentos?» Tinha sido alvejado recentemente. E ele
pensou que eu estivesse a falar do meu útero!6 Pensou
que estivesse grávida! Assim, depois desta confusão fi-
quei muito quietinha.
Em Espanha não me senti nada bem. O cansaço, a
exaustão, o corpo dorido. Dizia a toda a gente que era
cansaço, mas era já a bulimia a impor a sua presen-
ça. Portugal foi o último local onde estivemos juntos
como marido e mulher. Já lá vão seis ou sete anos. De-
pois, Maiorca [umas férias com o Rei e a Rainha de
Espanha]; foi a primeira viagem em que passei o tem-
po todo com a cabeça enfiada na sanita. Odiei tanto
tudo aquilo! Porque andavam todos muito entretidos
a pensar que Carlos era a criatura mais fantástica que
alguma vez existiu, perguntando-se quem era aquela
rapariga que vinha com ele? E eu sabia que havia algo
em mim que ainda não se revelara, e não sabia como
usá-lo, como mostrá-lo. Não me senti minimamente
à-vontade nesta situação.

6 No original wound, que significa «ferimento», e womb, que corres-


ponde à palavra «útero», em português. A semelhança fonética dos
dois lexemas suscita o equívoco relatado. (N. da T.)

83
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

NATAL EM SANDRINGHAM

Foi muito pesado. Não é horrível? Não me recordo


do que me compraram as pessoas. Eu trato de todos os
presentes e o Príncipe Carlos assina os cartões. [Foi]
terrível e muito decepcionante. Não havia agitação,
mas muita tensão, comportamentos tolos, piadas tolas
que os de fora achavam estranhas, mas que os íntimos
compreendiam. Eu era seguramente uma [estranha].

CERIMÓNIA DE SAUDAÇÃO

Toda a gente se misturava. Os que queriam falar uns


com os outros, falavam. Os que não queriam, não fala-
vam. Somos muitos.

O NASCIMENTO DE HARRY

O período que decorre entre o nascimento de Wil-


liam e o de Harry é um vazio completo. Não me recor-
do de quase nada, apaguei tudo, tal foi o sofrimento.
No entanto, Harry apareceu como por milagre. Esti-
vemos muito, muito próximos um do outro nas seis
semanas que antecederam o nascimento de Harry; o
mais próximo que alguma vez estivemos e que alguma
vez estaremos. Depois, de repente, assim que nasceu
foi tudo por água abaixo, o nosso casamento, tudo o
resto, tudo desapareceu. Eu já sabia que o Harry ia ser
um rapaz, porque se viu na ecografia. Carlos sempre
quis uma rapariga. Queria dois filhos e queria uma me-

84
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

nina. Sabia que o Harry era um rapaz e não lhe disse.


O Harry chegou, tinha cabelo ruivo, e era um rapaz.
O seu primeiro comentário foi: «Ó meu Deus! É um
rapaz», e o segundo comentário: «e tem cabelo ruivo».
Alguma coisa dentro de mim se fechou. Nessa altura,
eu sabia que já havia regressado à sua amante, mas seja
como for conseguimos ter Harry. Harry foi uma gran-
de alegria e talvez esteja hoje mais perto do pai do que
William.

Nessa altura, eu sabia que já havia


regressado à sua amante, mas seja como
for conseguimos ter Harry. Harry foi
uma grande alegria e talvez esteja hoje
mais perto do pai do que William.

O Príncipe Carlos foi falar com a minha mãe no


batizado de Harry e disse-lhe: «Estou tão desaponta-
do – achava que ia ser uma rapariga.» A mãe inter-
rompeu-o rudemente, dizendo «Devia era agradecer o
facto de ter tido um bebé normal.» A partir desse dia
fechou-se em si mesmo, e é o que faz quando alguém
lhe responde torto.

85
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

RELAÇÕES COM A FAMÍLIA REAL

A RAINHA

As relações alteraram-se, naturalmente, quando fi-


quei noiva, porque eu representava uma ameaça, não é
verdade? Eu admiro-a. Há muito que desejo conversar
verdadeiramente com ela e fá-lo-ei. Sempre lhe dis-
se: «Nunca a deixarei ficar mal, mas não posso dizer o
mesmo do seu filho.» Ela aceitou-o muito bem. Comi-
go ela consegue descontrair-se. Disse-me que o moti-
vo pelo qual o nosso casamento tinha derrocado era o
facto de o Príncipe Carlos estar a passar momentos tão
difíceis com a minha bulimia. Ela via-o como a causa
dos nossos problemas matrimoniais e não como o sin-
toma. Calei-me. Não lhe pedi conselhos. Agora posso
enfrentar tudo sozinha.
Dou-me muito bem com eles [os sogros] mas não
vou propositadamente beber chá com eles.

O PRÍNCIPE CARLOS

[Fui] acusada desde muito cedo de o impedir de ca-


çar e atirar com armas de fogo – é um disparate com-
pleto. De repente, tornou-se totalmente vegetariano
e deixou de matar. A família pensou que ele estava
louco, e foi, de certo modo, ostracizado no seio dela.

86
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Não percebiam o que acontecera e receavam o futuro –


todas as propriedades têm animais que precisam de ser
abatidos. Se o herdeiro não participava, instalar-se-ia
o pânico. A influência deste comportamento antece-
deu-me bastante mas, eventualmente, terá produzido
os seus efeitos com o decorrer do tempo. Ele tem des-
tas coisas – manias que depois abandona.
[A roupa de Carlos] Tinha imensa, mas ao mesmo
tempo muito pouca. Possuía, por exemplo, uns pija-
mas Aertex7, horrorosos, sinceramente odiosos, e por
isso comprei-lhe um par de seda desse género – bem
como uns sapatos. Sim, foram bem recebidos. Ficou
absolutamente encantado.
[Carlos, como pai] Adorava cuidar dos bebés e mal
podia esperar por voltar para casa, para preparar os
biberões e tudo o mais. Era muito bom, vinha sempre
para casa dar o biberão ao filho. Eu dei de mamar ao
William durante três semanas e ao Harry durante onze
semanas.

A RAINHA-MÃE

[O 90.° aniversário da Rainha-mãe] Deprimente e


pomposo. Eles estão todos contra mim. A minha avó
[Ruth, Lady Fermoy] fez um belo trabalho para me en-
terrar.

7 Aertex: marca registada de um têxtil de algodão, usado em cami-


sas e roupa interior. (N. da T.)

87
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

O PRÍNCIPE FILIPE
E O PRÍNCIPE CARLOS

Muito complicado, muito complicado. O Príncipe


Carlos anseia por umas palmadinhas na cabeça dadas
pelo pai, e o pai anseia que lhe peçam conselhos, em
vez de ser o Príncipe Carlos a dá-los.

O PRÍNCIPE ANDRÉ

André era muito, muito, truculento e barulhento.


Ocorreu-me que pudesse haver alguma coisa a per-
turbá-lo. Não era meu aliado. André ficava feliz o dia
inteiro sentado diante do televisor, a ver desenhos
animados e vídeos, porque não é uma pessoa muito
activa. Não gosta de fazer exercício físico – gosta de
golfe e é muito sensível. Mas é reprimido pela família
durante o tempo todo. É considerado um idiota, mas,
na verdade, tem dentro de si muito para dar. É muito
perspicaz e astuto.
A adorável Koo gostava muito dele. Era muito bom
tê-la por perto. Era muito delicada e tomava conta
dele. Muito calma, devotava-lhe todas as suas energias.
Combinavam muito bem um com o outro. Encontrei-
-a imensas vezes.

A PRINCESA ANA

Sempre se supôs que tínhamos uma relação com-


plicada. Eu admiro-a imenso. Afasto-me do seu cami-

88
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

nho mas, quando ela está presente, nem eu a provoco,


nem ela me provoca a mim; todo o burburinho levan-
tado a respeito de ela ser a madrinha de Harry nunca
suscitou, sequer, quaisquer elucubrações. Pensei para
comigo: «Não faz sentido que os padrinhos sejam al-
guém da família, porque já são ou tios ou tias.» E dis-
se: «A imprensa vai andar atrás disso», ao que Carlos
respondeu: «E depois?» Eles tinham esta ideia de que
nós as duas não nos entendíamos. Entendíamo-nos
muito bem, mas à nossa maneira. Não lhe telefonaria,
se tivesse um problema, nem ia almoçar com ela, mas
quando a via ficava muito contente por estar com ela.
O seu espírito estimula-me, ela fascina-me, é muito
independente e tem a sua própria vida.

OUTROS MEMBROS DA REALEZA

Sempre adorei Margo [Princesa Margarida], como


eu lhe chamo. Gosto muito dela e ela sempre foi mara-
vilhosa comigo, desde o primeiro dia. Toda a gente se
reserva para si própria. Os Gloucesters são, para todos
os efeitos, um casal muito tímido. Tenho pena dela [da
duquesa de Kent]. Trataria dela, se fosse preciso.

A MÃE DE DIANA E A FAMÍLIA REAL

Sempre que menciono o nome da mãe junto da Fa-


mília Real, o que raramente acontece, caem em cima
de mim como uma tonelada de tijolos. Assim, nada
posso fazer sobre esse assunto. Estão convencidos de

89
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

que ela era a mazinha e de que o pobrezinho do John-


nie [o pai] passou um mau bocado.

ANOS DE SOFRIMENTO

Creio que imensas pessoas me tentaram ajudar por-


que percebiam que alguma coisa corria mal, mas eu
nunca confiei em ninguém. Ninguém da minha famí-
lia sabia disto, nem sequer Jane, a minha irmã, cinco
anos depois de estar casada, veio ver como é que eu
estava.
Eu trazia uns calções e uma camisola com decote em
V vestidos. Perguntou-me: «Duch [alcunha de infân-
cia de Diana], que marca é essa no teu peito?» E eu
respondi: «Oh, não é nada.» Mas ela insistiu: «O que
é?» Na noite anterior eu tinha querido falar com Car-
los sobre um determinado assunto. Ele não me ouvia
e acusava-me de estar a ser lamechas. Por isso, agarrei
num canivete que estava em cima do seu toucador e
feri-me profundamente no peito e em ambas as coxas.
Houve muito sangue mas não houve a mais pequena
reação da parte dele.
[Noutra tentativa de suicídio] Andava de um lado
para outro com uma faca, uma daquelas com a lâmina
de dentes cerrados. Estava tão desesperada... Sabia o
que me estava a acontecer, mas ninguém à minha volta
me compreendia. Necessitava de descanso e de alguém
que cuidasse de mim, na minha casa, alguém que com-
preendesse o tormento e a angústia que passava pela
minha cabeça. Era um desesperado grito de socorro.

90
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Não sou uma pessoa estragada com mimos – precisava


apenas de tempo para me adaptar ao meu novo esta-
tuto.
Não sei o que lhe terá dito o meu marido [à Rainha].
Decididamente, contou-lhe da minha bulimia, e ela
comunicou a toda a gente que esse era o motivo que
conduzira ao desmoronamento do nosso casamento:
os problemas de Diana com a comida, e do quanto de-
veria ser difícil para Carlos essa situação.
Estava na Expo [do Canadá] e desmaiei. Lembro-me
de que nunca tinha desmaiado anteriormente. Estáva-
mos a caminhar havia já quatro horas, não tínhamos
comido nada e eu não comia quase nada havia já vá-
rios dias. Quando digo isto, refiro-me a comida que se
mantenha no estômago. Lembro-me de andar às vol-
tas e de me sentir completamente lívida. Não me atrevi
a dizer que me sentia mal porque achava que os outros
iam pensar que eu me estava a lamuriar. Coloquei o
braço por cima do ombro do meu marido e disse-lhe:
«Querido, acho que estou prestes a desaparecer», e es-
correguei até ao chão ali ao seu lado. David Roycroft e
Anne Beckwith-Smith [auxiliares reais], que estavam
connosco nessa altura, levaram-me para um quarto.
O meu marido repreendeu-me. Disse-me que eu po-
dia ter desmaiado calmamente noutro local, atrás de
uma porta. Foi tudo muito embaraçoso. O meu argu-
mento foi que não sabia nada a respeito de desmaios.
Ficaram todos muito preocupados. Desmaiei num pa-
vilhão americano. Enquanto Anne e David tentavam
fazer-me recuperar a consciência, Carlos continuou a
visitar a exposição. Deixou-me sozinha. Regressei ao
91
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

hotel de Vancouver e chorei imenso. No fundo, esta-


va demasiado cansada, exausta e de rastos porque nada
tinha no estômago. Toda a gente dizia: «Ela não pode
sair esta noite, tem de descansar um pouco.» E Carlos
respondia: «Ela tem de sair esta noite, caso contrário
haverá um terrível drama em volta disto e vão pensar
que ela tem alguma coisa grave.» Intimamente, sabia
haver qualquer coisa de errado comigo, mas era dema-
siado imatura para o verbalizar. Veio um médico ver-
-me. Contei-lhe que andava enjoada. Ele não sabia o
que dizer porque o assunto o ultrapassava. Limitou-se
a dar-me um comprimido e a mandar-me calar.
Era tudo muito estranho, eu sentia-me muito in-
feliz. Sabia que a bulimia começara uma semana
após o nosso noivado. O meu marido colocou a mão
na minha cintura e disse: «Oh, somos um bocadinho
rechonchudos aqui, não somos?», e isso fez disparar
qualquer coisa em mim – com a história da Camilla, eu
estava desesperada, desesperada.
Lembro-me da primeira vez em que provoquei o vó-
mito. Fiquei tão satisfeita, achava que estava a libertar-
-me da tensão. Quando tirei as primeiras medidas para
o vestido de noiva, media 73,5 cm em volta do peito.
No dia do casamento estava com 59,5 cm. Encolhe-
ra entre fevereiro e julho até ficar quase transparente.
Encolhera até ficar quase transparente.
Cá fora, as pessoas afirmavam que eu obrigava o meu
marido a passar um mau bocado, que eu me portava
como uma criança mimada, mas eu sabia que precisava
apenas de descanso, paciência e tempo para me adaptar
a todos os desempenhos que de um dia para o outro

92
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

passaram a ser-me exigidos. Nessa altura, havia tam-


bém muita inveja porque não havia um único dia em
que eu não aparecesse na primeira página dos jornais.
Lia dois deles, embora fosse suposto que lesse todos.
Aceitava muito mal as críticas porque me esforçava
tanto para lhes mostrar que não os ia deixar ficar mal
vistos; é óbvio que tal ainda não se tinha evidenciado
na altura. Tivemos algumas tentativas de pulsos corta-
dos, algumas coisas atiradas pela janela, vidros partidos.
Eu atirei-me das escadas quando estava grávida de qua-
tro meses de William, tentando chamar a atenção do
meu marido, tentando que ele me ouvisse.

Tomei o controlo da situação.


O meu marido fazia-me sentir tão incapaz.
Quando a minha bulimia terminou
senti-me psicologicamente tão fortalecida,
que era capaz de enfrentar o mundo.

Mas limitou-se a dizer: «Choras lágrimas de croco-


dilo.»
Assustei toda a gente. Não conseguia dormir, nunca
dormia. Passei três noites seguidas sem dormir rigoro-
samente nada. Não tinha qualquer alento para dormir.
Pensava que a minha bulimia era secreta, mas já bas-
tantes pessoas da casa se apercebiam do que estava a

93
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

acontecer, embora ninguém o mencionasse. Achavam


todos muito curioso o facto de eu comer tanto e nunca
engordar.
Nunca vomitei o meu pequeno-almoço. Não sei o
que era. Eu não tomava vitaminas em comprimido.
Mas recebia ajuda de algum lado – não sei de onde.
Todos os dias nadava, nunca saía de casa à noite, não
fazia nada de especial. Levantava-me muito cedo, so-
zinha, para tratar da minha vida, e deitava-me cedo,
às nove da noite; portanto, embora fosse masoquista
para o meu organismo, não o era para o meu nível de
energia. Sempre tive uma energia terrível, sempre.
Continuei assim. Somente há um ano e meio acor-
dei e me apercebi de que me estava rapidamente a
afundar. Chorava em todas as oportunidades, o que, de
certo modo, animava as pessoas, porque neste sistema
choramos quando estamos fracos e «meu Deus, conse-
guimos lidar com isso». Mas quando nos levantamos
de novo, «Que diabo aconteceu?», perguntamos.
A faceta pública era muito diferente da privada. Pu-
blicamente, as pessoas queriam que uma Princesa de
conto de fadas se aproximasse e lhes tocasse, para que
tudo se transformasse em ouro e todas as suas preo-
cupações ficassem esquecidas. Não perceberam mini-
mamente que essa pessoa se crucificava interiormente,
por pensar que não era suficientemente boa. «Porquê
eu, porquê toda esta publicidade?» Nesta altura, tam-
bém o meu marido começou a sentir muitos ciúmes
e uma grande ansiedade. No interior do sistema era
tratada de modo muito diferente, como se fosse uma
excêntrica, e eu sentia-me uma excêntrica, e daí pensar

94
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

que não era suficientemente boa. Mas hoje penso que


é bom ser a excêntrica, graças a Deus, graças a Deus,
graças a Deus!
Tinha tantos sonhos em adolescente; queria, espe-
rava isto e aquilo, que o meu marido tomasse conta
de mim. Seria um bom pai e apoiar-me-ia, encorajar-
-me-ia dizendo: «Fizeste bem!», ou «Não, não foi su-
ficientemente bom», mas não me calhou nada disso.
Não queria acreditar, não consegui nada disso, foi tudo
ao contrário.
Ele [Príncipe Carlos] ignora-me todos os dias. Te-
nho sido ignorada em todo o lado e há já muito tempo,
e se as pessoas só agora reparam é porque estão atrasa-
das. Ele limitou-se a pôr-me de parte.
[O pior dia da minha vida] foi quando percebi que
Carlos voltara para os braços de Camilla.
[Sobre o seu sentimento de solidão] Decididamen-
te, a separação dos meus amigos. Ficaria demasiado
embaraçada se os convidasse para almoçar comigo.
Não conseguia lidar com isso. Levaria o almoço todo a
pedir-lhes desculpas.

FERGIE

Conheci Fergie quando Carlos se aproximava de


mim, e ela, por qualquer razão, tratou de mostrar o
que sabia, e parecia saber tudo acerca do comporta-
mento da realeza e de coisas assim. De certo modo,
ela encorajou isso. Não sei, ela apareceu subitamente e
sentou-se no banco da frente no nosso casamento – e

95
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

tudo no género. Veio almoçar ao Palácio de Buckin-


gham e não pareceu intimidada com nada.
Eu não sabia exactamente como lidar com tudo isto.
De repente, toda a gente dizia: «Oh, não é maravilho-
sa? Uma brisa de ar fresco; graças a Deus é mais diver-
tida que Diana.» Diana escutava e lia todas as linhas.
Senti-me terrivelmente insegura. Pensei que talvez
fosse aconselhável ser como Fergie, e o meu marido
disse: «Gostava que fosses como Fergie – toda bem-
-disposta. Porque és tu sempre tão amargurada? Por-
que não podes tu ser como Grannie? Porque não podes
tu ser como Grannie?» Agora estou bastante satisfeita
por não ser Grannie. Fiz bastantes disparates tentando
ser como Fergie. Fui a um concerto pop, a um concer-
to dos Spider, David Bowie, com David Waterhouse
e David Linley. David Linley estava à minha direita,
e David Waterhouse à minha esquerda. Fui de calças
de cabedal, que pensei ser a coisa certa a fazer, pondo
completamente de lado que eu era a futura Rainha e
que as futuras rainhas não vestem cabedal como aquele
em público. Portanto, eu pensei que era arrasar «com
isto», terrivelmente agradada por mimar a minha pró-
pria idade. Bati palmas. No mesmo verão, em Ascot,
pus um guarda-chuva sobre o traseiro de alguém. Na
minha carta astrológica, Penny Thornton disse-me
sempre: «Irás pagar por tudo quanto fizeres este ve-
rão.» Paguei, definitivamente. Aprendi imenso.
Tornei-me terrivelmente ciumenta, e ela tornou-se
terrivelmente ciumenta de mim. Ela tratou de me di-
zer: «Não deves preocupar-te, Duch, vai correr tudo
bem, deixa-me fazer isto, deixa-me fazer aquilo.» Eu

96
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

não conseguia compreender, ela estava realmente a


gostar de estar onde estava, enquanto eu estava a lutar
pela sobrevivência. Não conseguia compreender como
podia ela achar tudo tão fácil. Pensei que gostaria de ser
como eu, de baixar a cabeça e ser tímida. Não, era exac-
tamente o oposto! Ela cortejou toda a gente nesta famí-
lia e fê-lo muito bem. Fez com que eu parecesse lixo.
Porém, na Escócia ela costumava fazer tudo quanto
eu nunca fiz. Portanto, pensei: «Isto não pode durar,
a energia desta criatura é inacreditável.» Entretanto,
toda a gente olhava para mim – «É uma pena Diana ter
sido tão introvertida e sossegada; esteve tão ocupada
e a tentar soltar-se», e depois chegou este holocausto.
Eu sabia que ela acabaria por se voltar e dizer: «Duch,
onde foi que sobreviveste todos estes anos?» Há dois
anos que ela tem vindo a dizer isto. Eu nunca expli-
quei. Digo apenas que aconteceu.

O PONTO DE VIRAGEM
[EM KLOSTERS, SUÍÇA, 1988]

Fomos fazer esqui. Eu tive gripe e já estava de cama


havia dois dias. Terceiro dia de cama. Fergie apareceu-
-me às 14h30. Estava, na altura, grávida da Beatrice,
com quatro ou cinco meses de gravidez. Aterrara de
pernas para o ar num fosso e regressara a tremer, pá-
lida e exausta. Meti-a na cama e ficámos as duas no
chalet até que ouvimos um helicóptero por cima de nós.
Disse-lhe: «Houve uma avalanche», e ela respondeu:
«Alguma coisa correu mal.»

97
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Ouvimos Philip Mackie [assessor real] entrar den-


tro do chalet. Não sabia que as duas raparigas estavam
lá em cima. Ouvimo-lo dizer: «Houve um acidente», e
por isso gritei: «Philip, o que aconteceu?» «Oh, nada,
nada, já lhe contamos!» Pedi-lhe: «Diga-nos agora.»
E ele respondeu: «Houve um acidente e alguém do
grupo morreu.» Ficámos ali sentadas, limitámo-nos a
ficar sentadas no cimo das escadas, Fergie e eu, sem
saber quem tinha sido.
Meia hora depois soube-se que tinha sido um ho-
mem, e passados três quartos de hora Carlos telefonou
a Fergie para lhe dizer que não tinha sido ele, que tinha
sido Hugh [major Hugh Lindsay, um antigo funcioná-
rio da Casa Real ao serviço da Rainha]. Isto virou-me
do avesso. Começaram todos a tremer. Ninguém sabia
o que fazer a seguir. Disse a Fergie: «Bem, temos de
ir lá acima e fazer as malas com as coisas de Hugh, e
é melhor fazê-lo agora, enquanto ainda não estamos
atordoadas com a notícia. Temos de descobrir o seu
passaporte e entregá-lo à polícia.» Subimos as escadas
e emalámos tudo. Trouxe a mala para baixo e disse a
Tony [o guarda-costas do Príncipe Carlos]: «Coloquei
a mala debaixo da sua cama. Quando precisar dela es-
tará lá, mas nós gostávamos de que os objetos pessoais
de Hugh fossem devolvidos, de modo a podermos en-
tregá-los a Sarah [a esposa do major Lindsay]: o seu
anel com o sinete, o seu relógio.» Senti-me terrivel-
mente no comando das operações. Disse ao meu mari-
do: «Vamos para casa, vamos levar o corpo para junto
de Sarah, devemos-lhe isso, acompanhar o corpo até
casa.» De qualquer modo, houve enormes discussões

98
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

sobre esse assunto. Eu pedi ao meu segurança que fos-


se buscar o corpo de Hugh ao hospital.
Seja como for, lá regressámos de Klosters. Chegá-
mos a Northolt com o caixão de Hugh nas traseiras do
avião, e Sarah aguardava-nos, grávida de seis meses;
foi uma visão terrífica, arrepiante. Assistimos à saída
do caixão, e a seguir Sarah veio passar uns tempos co-
migo a Highgrove, quando estava sozinha, e chorava
de manhã à noite; a minha irmã juntou-se-nos e sem-
pre que mencionávamos o nome de Hugh havia lágri-
mas, lágrimas, mas eu achava que era bom mencionar
o seu nome porque ela tinha de se libertar e a sua dor
era longa e profunda, porque ele havia morrido num
país estrangeiro, ela não estava perto dele, estavam ca-
sados havia somente oito meses, ela esperava um bebé.
Tudo isto era terrível, e ele era uma excelente pessoa.
De todas as pessoas que lá estavam nunca deveria ter
sido ele.
Fergie e eu éramos mais próximas de Hugh do que
Carlos. Ele era muito bom com todos os membros da
família do meu marido, sempre foi um membro do
grupo.
Neste caso, tomei o controlo da situação. O meu
marido fazia-me sentir, em todos os aspetos, tão in-
capaz, que sempre que eu me levantava para respi-
rar ele me puxava novamente para baixo, e quando
a minha bulimia terminou, há dois anos, senti-me
psicologicamente tão fortalecida, que era capaz de
enfrentar o mundo. Mesmo que comesse muito ao
jantar, Carlos diria: «Isso é tudo para reaparecer da-
qui a bocado? Que desperdício.» Ele falou com a mi-
99
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

nha irmã e disse-lhe: «Estou preocupado com a Di,


ela não dorme, podes falar com ela?» Acho que deve
ter preparado a conversa.

UM LONGO CAMINHO
ATÉ À RECUPERAÇÃO

Creio que a bulimia me acordou realmente. Subi-


tamente, tomei consciência do que teria a perder se
deixasse evoluir a situação, e valeria a pena? Carolyn
Bartholomew telefonou-me, numa noite, e disse-me:
«Tens consciência de que ao rejeitar a comida rejeitas
o potássio e o magnésio, e de que é por isso que ficas
com essas hediondas depressões?» Respondi: «Não.»
«Bem, provavelmente é disso que sofres. Já falaste com
alguém?» «Não», respondi. «Tens de ir a um médico.»
«Não consigo», disse-lhe. Ao que ela me respondeu:
«Tens de o fazer. Dou-te uma hora para ligares ao teu
médico e, se não o fizeres, conto a toda a gente.» Ela
estava tão zangada comigo, que foi assim que acabei
por tratar-me com o psiquiatra chamado Maurice Lip-
sedge. Apareceu, amoroso, muito simpático. Entrou e
perguntou-me: «Quantas vezes tentou suicidar-se?»
E eu pensei: «Não acredito que me esteja a fazer esta
pergunta.» E dei comigo a responder-lhe: «Quatro ou
cinco vezes». Fez-me imensas perguntas às quais con-
segui responder com absoluta sinceridade. Passei umas
horas com ele, até que me disse: «Venho vê-la uma vez
por semana, uma hora, para discutirmos este assunto.»
Ele ajudou-me a recuperar a minha auto-estima e deu-

100
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

-me alguns livros para eu ler. Eu só pensava: «Esta sou


eu, esta sou eu, não sou a única.»
O Dr. Lipsedge disse-me: «Em seis meses deixará
de se reconhecer a si própria. Se conseguir manter a
comida no estômago modificar-se-á completamen-
te.» Devo dizer que desde essa altura me sinto como
se tivesse nascido de novo, estes estranhos acessos,
inúmeros, especialmente em Balmoral (foi muito mau
em Balmoral), em Sandringham e em Windsor. A vo-
mitar o tempo todo. Durante o ano passado aconte-
ceu-me uma vez de três em três semanas, quando me
costumava acontecer quatro vezes por dia, e foi um
grande «viva!» da minha parte. A minha pele nunca se
ressentiu com isso, nem os meus dentes. Se pensarmos
nos níveis de acidez! O meu cabelo espantava-me.
Detestei-me tão profundamente... achava que não
era suficientemente boa para Carlos, que não era sufi-
cientemente boa mãe – ou seja, tinha dúvidas em todos
os passos que dava.
Herdei esta característica da minha mãe. Por muito
mal que nos estejamos a sentir, conseguimos mostrar
o mais surpreendente ar de felicidade. A minha mãe
é perita nisso. Herdei isso dela – saber manter os lo-
bos longe da porta, mas com o que não conseguia lidar
nessa época negra era com os comentários das pessoas
que diziam: «A culpa é dela.» Apanhava comentários
desses em todo o lado, em todo o lado, o sistema, e os
media começaram a afirmar que a culpa era minha -
«Que eu era a Marilyn Monroe dos anos 80 e adorava
sê-lo.» Nunca, em tempo algum, me sentei a exclamar:
«Viva, que fantástico!» Nunca, porque no dia em que
101
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

isso acontecesse estaríamos em apuros no desempe-


nho deste papel. Eu cumpro um dever como Princesa
de Gales, enquanto para tal estiver designada. Se a vida
se modificar, modificar-se-á, mas pelo menos quando
terminar, tal como o vejo, os meus 12 a 15 anos como
Princesa de Gales... Já não os encaro como suficiente-
mente divertidos.

As ocasiões deslumbrantes já não me


agradam – sinto-me pouco à-vontade
com elas. Preferiria estar a fazer qualquer
coisa com pessoas doentes – sinto-me
melhor nesse campo.

Desde o primeiro dia soube que não seria a próxima


Rainha. Ninguém mo disse – eu sabia-o, apenas. Há
seis anos fui a uma astróloga. «Tenho de abandonar
isto, não aguento mais», e ela respondeu-me: «Um dia
ser-lhe-á permitido abandonar, mas na contrapartida
de um divórcio ou coisa do género.» Gravei estas pa-
lavras na memória. Ela disse-mo em 1984; portanto, já
há algum tempo que o sei.
Não havia elogios, ia jantar e ele dizia-me: «Oh, ou-
tra vez esse vestido, não!», ou qualquer coisa do géne-
ro, mas um dos mais corajosos momentos destes dez
anos foi quando fomos à horrível festa de aniversário

102
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

dos 40 anos da irmã de Camilla. Ninguém esperava


que eu aparecesse, mas, mais uma vez, uma voz inte-
rior disse-me: «Vai, só para chatear.» Assim, mentali-
zei-me para uma coisa horrível. Decidi que não a iria
beijar, e em vez disso lhe estenderia a mão. Sentia-me
temerosamente corajosa e arrojada, e basicamente era
como se Diana surgisse para representar o seu papel.
Ele levou todo o caminho até Ham Common, onde se
desenrolava a festa, a espicaçar-me. «Oh, porque vens
esta noite?» – espicaçou, espicaçou, espicaçou durante
todo o caminho. Não me piquei, mas estava mesmo,
mesmo no limite.
Seja como for, entrei dentro daquela casa e estendi
a mão, pela primeira vez, a Camilla, pensando: «Bom,
esta já superei.» Sentaram-se todos e não pude deixar
de ter em mente que todos os convivas eram da idade
do meu marido, e que eu era, absolutamente, um peixe
fora de água, mas mesmo assim decidi que daria o meu
melhor. Iria causar impacto.
E então, a seguir ao jantar estávamos todos no pri-
meiro andar e eu tagarelava descontraidamente quan-
do reparei que Camilla e Carlos não estavam presen-
tes. Isto perturbou-me e, por isso, levantei-me com
a intenção de descer as escadas. Sabia com o que me
iria confrontar. Os outros tentaram dissuadir-me de
descer as escadas. «Diana, não vás lá abaixo!» «Vou
apenas procurar o meu marido, preciso de o ver.» Ti-
nha estado no piso de cima cerca de uma hora e meia;
portanto, estava mais que autorizada a procurá-lo.
Desço as escadas e encontro um alegre trio lá em bai-
xo – Camilla, Carlos e um outro homem, a tagarelar
103
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

alegremente. Então pensei: «Certo, esta é a tua opor-


tunidade», e juntei-me à conversa como se fôssemos
todos grandes amigos, até que o outro homem disse:
«Acho que está na altura de subirmos.» Por isso, le-
vantámo-nos e eu disse: «Camilla, gostaria muito de te
dar uma palavrinha, se possível», ela olhou em volta,
muito pouco à-vontade, baixando a cabeça, e eu dirigi-
-me aos homens: «Senhores, vou dar uma palavrinha
rapidamente a Camilla», e «subirei daqui a um minu-
to.» Subiram as escadas com o rabo entre as pernas e
eu pressenti, lá em cima, o inferno à solta. «O que vai
ela fazer?»
Perguntei a Camilla: «Queres sentar-te?» Sentámo-
-nos; eu estava aterrorizada e disse: «Camilla, queria
apenas que soubesses que eu estou totalmente a par
do que está a acontecer entre ti e o Carlos; não nasci
ontem.» Mandaram alguém lá abaixo para nos separar,
é óbvio: «Vai lá abaixo, elas estão a discutir.» Não foi
uma discussão – foi uma conversa calma, mortalmente
calma, e eu disse a Camilla: «Lamento encontrar-me
no meio do caminho, é óbvio que estou no meio do ca-
minho e deve ser infernal para os dois, mas eu sei o que
se está a passar. Não me tratem como se eu fosse uma
idiota.» E subi as escadas e as pessoas começaram a dis-
persar-se. No carro, de regresso a casa, o meu marido
atirou-se a mim como uma praga, e eu chorei como
nunca chorara anteriormente – sentia raiva, sete anos
de raiva silenciada que então explodia. Chorei, chorei,
chorei, e nessa noite não dormi. Na manhã seguinte,
quando acordei, senti uma grande mudança. Fizera
qualquer coisa, dissera o que sentia, ainda com o velho

104
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

ciúme e com raiva bailando, mas não tão penetrante-


mente como antigamente, e três dias depois, durante
o fim de semana, disse-lhe: «Querido, tenho a certeza
de que gostarias de saber o que disse a Camilla. Não é
nenhum segredo. Podes perguntar-lhe. Disse-lhe ape-
nas que te amava – e não há mal nenhum nisso.» Disse:
«Foi o que lhe disse, não tenho nada a ocultar, sou a
tua esposa e a mãe dos teus filhos.»
Foi o que aconteceu; representou um grande passo
para mim.
Estava desesperada por saber o que ela lhe tinha dito
– não faço a mais pequena ideia, claro! Ele disse a uma
série de pessoas que a razão pela qual o nosso casa-
mento estava tão vacilante residia no facto de eu estar
sempre doente. Nunca se interessaram sobre o que me
estava a fazer a mim.
Jane [irmã de Diana] é uma pessoa maravilhosa-
mente sólida. Se lhe telefonarem a contar um drama,
ela comenta: «Deus do Céu, Duch, que horror, que
tristeza e que terrível desgraçai», e fica furiosa. Já a
minha irmã Sarah pragueja: «Pobre Duch, que coisa
que te havia de acontecer.» O meu pai diz: «Não te es-
queças nunca de que te amamos sempre.»
Mas nesse verão [1988], depois de ter feito tantas
trapalhadas, sentei-me, quando estava na Escócia, du-
rante o outono, e lembro-me de ter dito para comigo:
«Está bem, Diana, não vale a pena, tens de mudar o
que te rodeia, esta publicidade, tens de crescer e ser
responsável. Tens de perceber que não podes fazer o
que as outras raparigas de 26 e 27 anos fazem. Fos-
te escolhida para uma certa posição, e, por isso, tens
105
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

de te adaptar a essa posição e parar de a combater.»


Recordo-me tão bem desta minha conversa, sentada
perto da água. Sento-me sempre perto da água quando
quero meditar.
Stephan Twigg [um terapeuta], ao visitar-me, dis-
se-me numa vez: «Não importa o que os outros pen-
sem a teu respeito, não tens nada com isso.» Isto bas-
tava-me. Numa outra vez, alguém me disse, quando
afirmei que teria de ir para Balmoral: «Bem, tu tens
de os aturar, mas eles também têm de te aturar.» Há
este mito de que detesto Balmoral – eu adoro a Escó-
cia, mas o clima desfaz-me. Parto como «Diana forte».
Volto despojada de tudo porque eles me secam, porque
eu sintonizo em todas as suas ondas – e que correntes
subterrâneas ali há! Em vez de férias, são os tempos de
maior pressão do ano. Gosto de estar fora durante o
dia todo. Adoro passear.
Estou muito mais satisfeita agora. Não estou feliz,
mas muito mais contente que em qualquer outra altu-
ra. Caí realmente fundo, toquei o fundo por uns tem-
pos, voltei ao de cima, e agora é muito agradável en-
contrar pessoas, falar de tai-chi, ouvir as pessoas dizer:
«Tai-chi, que sabes tu de tai-chi?» e responder-lhes:
«Um fluxo de energia» e tudo isso, e elas olham para
mim e dizem: «Ela é uma rapariga que, em princípio,
só gosta de compras e roupas o tempo todo. Não era
suposto saber sobre coisas do espírito.»
Na semana passada (julho de 1991), no hospital para
doentes de sida com a Sra. Bush, foi mais um degrau de
pedra que subi. Sempre quis abraçar pessoas acamadas
em hospitais. Este homem em particular, que estava

106
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

tão doente, começou a chorar quando me sentei na sua


cama e me segurou a mão, e eu pensei: «Diana, fá-lo,
fá-lo apenas», e dei-lhe um abraço enorme, e isso foi
muito comovente porque ele se colou a mim e chorou.
Maravilhoso! Fi-lo rir, está tudo bem.

Se fosse capaz de escrever o meu guião,


diria que esperaria que o meu marido
se fosse embora e me deixasse a mim
e às crianças carregar o nome dos Wales
até William ascender ao trono.

Do outro lado do quarto, um homem muito jo-


vem, que posso descrever apenas como belo, deitado
na sua cama, disse-me que iria morrer pelo Natal, e o
seu amante, um homem sentado numa cadeira, muito
mais velho do que ele, chorava copiosamente. Por isso,
estendi-lhe a mão e disse: «Ninguém supõe que tudo
isto seja fácil. Está a sentir imensa raiva, não está?» E
ele respondeu: «Sim. Porquê ele e não eu?» Disse-lhe:
«Não é extraordinário? Em todos os lugares onde vou,
são sempre aqueles como você, sentados numa cadei-
ra, que têm de passar pelo inferno enquanto os que
aceitam morrer estão calmos.» E o homem retorquiu:
«Não sabia que isso acontecia», e eu disse: «Bem, acon-
tece, você não é o único. Na realidade, é maravilhoso

107
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

que esteja ao lado da cama dele. Vai aprender imenso


velando o seu amigo.» Ele chorava e apertou a minha
mão, e eu senti-me muito confortável ali. Custou-me
muito ter de me ir embora.
Entrou na minha vida todo o género de pessoas –
pessoas de certa idade, pessoas religiosas, acupuncto-
res; todas estas pessoas me apareceram depois de ter
terminado a minha bulimia.
Quando vou ao palácio para uma festa ao ar livre
ou a um jantar oficial sou uma pessoa muito diferente.
Conformo-me com o que de mim é esperado. Não po-
dem apontar-me falhas quando estou na sua presença.
Faço o que esperam de mim. O que dizem nas minhas
costas não é da minha conta, mas saio dali e sei, quan-
do à noite apago a luz, que fiz o meu melhor.

OS VALORES DA NOVA GERAÇÃO

Ela [a falecida condessa Spencer, avó paterna de


Diana] toma conta de mim no mundo espiritual. Sei
que isso é um facto. Costumava ficar em Park House
connosco. Era doce, maravilhosa e especial. Realmente
maravilhosa.
Tenho muito que aprender. Tenho 101 livros re-
pousando sobre livros – pilhas de livros – absoluta-
mente asfixiante.
Nunca o discuti com ninguém, iriam todos pensar
que eu havia enlouquecido. Usei a palavra «espirita»
com os meus seguranças umas quantas vezes, e eles
iam-se passando.

108
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

Acontece-me muitas vezes isso [déjà vu]. Lugares


onde me parece já ter estado anteriormente, pessoas
que conheço.
Conheço-a [Debbie Frank, a astróloga de Diana] há
cerca de três anos. É muito querida. Faz astrologia e
aconselhamento. Não me faz alvitres, discute apenas
o seu ponto de vista com a ajuda da astrologia. Oiço-
-a, mas não acredito completamente naquilo. Trata-se
mais de apontar uma direção e fazer uma sugestão do
que afirmar o que irá acontecer. Tem sido muito queri-
da, especialmente quando eu atravessei um mau perío-
do há dois anos. Disse-me apenas: «Tens de te aguentar
porque as coisas acabarão por melhorar», mas nunca
me forçou com qualquer tipo de informação.
[Numa visita à sua vidente] A minha avó entrou
primeiro, muito forte, a seguir o meu tio, e por fim
Barry [Mannakee, o seu antigo segurança]. Hesitei em
fazer-lhe perguntas sobre Barry porque – bem, não sei
hesitei e pronto, mas sempre me interroguei a respeito
da sua morte, para a qual me foi dada uma resposta, e
assunto encerrado.

A PRINCESA E O POVO

Espero que saibam que adoro crianças e pessoas


simples, mas suponho que isso se tornará público. Sou
louca [pelos meus próprios filhos] e é mútuo. Há um
incrível entendimento.
Top of the Pops, Coronation Street, todas as séries. Men-
cione uma, eu via-a. A razão pela qual as vejo não é

109
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

tanto o meu interesse pessoal; é pelo facto de, quando


saio, quer seja em Birmingham, Liverpool ou Dorset,
ter sempre o assunto da televisão como tema de con-
versa, ficando ao mesmo nível. Isso decidi por mim.
Funciona muito bem. Toda a gente as vê, e eu per-
gunto: «Viu isto e aquilo? Não foi engraçado quando
aconteceu isto ou aquilo?», e estamos imediatamente
no mesmo nível. Não sou a Princesa, e eles, o público
em geral – é o mesmo nível.
Na minha atividade-padrão ainda gosto de fazer
aquilo a que chamo os meus «dias-fora». Faço Birmin-
gham, Liverpool, Manchester; portanto, ninguém me
pode dizer que nunca saio de Londres. Seria muito
mais conveniente ficar sossegada. É um grande esforço
ir para longe, mas vale a pena. Desejaria mudar algu-
mas coisas; por isso gostaria de dar a volta aos hospi-
tais – sida, cancro. Fá-lo-ia a tempo inteiro. Não acho
isto esgotante.
Sempre pensei que as pessoas olhavam apenas para
as minhas roupas, e eu sentia-me desesperada por re-
velar e partilhar com elas a minha outra faceta, e não
sabia como fazê-lo.
Gostaria de mudar o discurso da Rainha pelo Natal
– topo da lista. Faz-me sentir tão embaraçada; pertur-
ba-me a tal ponto, que não há termo de comparação.
Que mais poderei mudar? Promovi festas ao ar livre
para todos os deficientes e carenciados, pessoas que
nunca tinham visto o Palácio de Buckingham e que
puderam estar à-vontade sobre a relva... embora não
fosse autorizada a presença de demasiadas cadeiras de
rodas para não estragar a relva.

110
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

A dimensão da multidão – se isso não me faz pare-


cer uma estrela pop... –, as pessoas a agradecerem-me
por levar alegria às suas vidas; pequenas frases que em
conjunto fazem um dia maravilhoso, um dia muito es-
pecial. Os agradecimentos que me dirigem por estar
presente; o obrigado pelo esforço; o obrigado por ser
assim e todas essas coisas, nunca me habituei a acre-
ditar. Agora sinto-me mais à-vontade recebendo esse
tipo de informação, seja ou não verdadeira. Agora
posso resumir esse tipo de coisas, visto que costumo
passá-las em revista. Nunca ninguém me disse: «Muito
bem!» Como tinha um sorriso na face, todas as pessoas
pensavam que vivia uns tempos maravilhosos. É o que
escolheram pensar – pensar assim fá-las felizes.

OS PRÍNCIPES WILLIAM E HARRY

Sei que houve uma razão para termos dois rapazes.


Éramos os únicos da família a ter dois rapazes. O resto
da família tem um rapaz e uma rapariga; nós fomos os
primeiros a mudar isso, e eu sei que o destino teve o
seu papel – Harry é um apoio no mais belo modo pos-
sível. William irá estar na sua posição muito mais cedo
do que as pessoas pensam agora.
Quero fazê-los crescer com segurança, não anteci-
par as coisas porque ficarão desapontados. Isso torna
a minha própria vida mais fácil. Abraço os meus filhos
quase até à asfixia. À noite vou com eles para a cama,
abraço-os e pergunto: «Quem vos ama mais em todo o
mundo?», e eles respondem sempre: «A mamã.» Ali-

111
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

mento sempre o seu amor e afeto – é muito impor-


tante.
[Preparando o Príncipe William] Estou a alterar
isto para ele, mas de uma forma subtil; as pessoas não
sabem disso, mas eu sei. Nunca irei «abanar» a sua jau-
la, a monarquia, porque quando penso no que a minha
sogra fez durante 40 anos... quem sou eu para chegar
e mudar tudo de repente? Mas William, através da
aprendizagem do que eu faço, e o pai, até certo ponto,
ganhou uma perspetiva do que lhe vem ao caminho.
Ele não está escondido no quarto com a preceptora.

O FUTURO

Penso que vou trilhar um caminho diferente do de


todos os outros. Vou deixar para trás esta encenação
e partir para a ajuda do homem da rua. Odeio dizer
«homem da rua» – soa de forma tão condescenden-
te... Ainda não sei, mas estou a ser empurrada cada vez
mais para este caminho. As ocasiões deslumbrantes
já não me agradam – sinto-me pouco à-vontade com
elas. Preferiria estar a fazer qualquer coisa com pessoas
doentes – sinto-me melhor nesse campo.
Por algum tempo tenho sido positiva acerca do fu-
turo, mas existem, obviamente, infindáveis questões,
por haver tanta gente ao meu redor – oh, depois vejo
os meus amigos a divertir-se e eu nunca...
Sempre me senti tão diferente – como se estivesse
na concha errada. Sabia que a minha vida seria um ca-
minho sinuoso.

112
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

O que faço desde que aprendi a ser firme é deixar


um silêncio a seguir, enquanto tamborilo um pouco os
dedos, dizer que gostaria de pensar no assunto e que
dou uma resposta mais tarde; isso se não estou segu-
ra, mas se estou segura – um fino instinto diz-me que
estou segura –, respondo «não, obrigado» e ninguém
insiste.

Um amigo disse-me que eu casaria com


um estrangeiro, ou com muito sangue
estrangeiro nas veias. Sempre achei isso
interessante. Sei que voltarei a casar
ou a viver com alguém.

Se fosse capaz de escrever o meu próprio guião,


diria que esperaria que o meu marido se fosse embo-
ra, que se fosse com a sua senhora, que saísse daqui e
me deixasse a mim e às crianças carregar o nome dos
Wales até William ascender ao trono. E ficaria atrás
deles o tempo todo; para além de cumprir o meu papel
muito melhor sozinha, não me sinto enganada.
Gostaria de ir à ópera, ao ballet ou ao cinema. Gosto
de tudo tão normal quanto possível. Caminhar pelas
ruas dá-me uma tremenda emoção.
Não sinto amargura quanto a isso, mas seria muito
agradável sair e fazer coisas como um fim de semana

113
PELAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS

em Paris, mas de momento não é para mim. Mas sei


que um dia, se observar as regras da vida – o jogo da
vida –, poderei ter essas coisas pelas quais sempre an-
siei e que serão muito mais especiais porque estarei
mais velha e em melhores condições para as apreciar.
Não quero que os meus amigos se sintam magoa-
dos e pensem que os deixei, mas não tenho tido tempo
para me sentar a partilhar mexericos – tenho coisas a
fazer, e o tempo é um bem precioso.
Adoro o campo, e vivo em Londres por questões de
segurança, mas vejo-me, um dia, a morar no estran-
geiro. Não sei por que o imagino, e lembro-me de Itá-
lia ou de França, o que é muito desconcertante; mas
ainda não. Em agosto passado, um amigo disse-me que
eu casaria com um estrangeiro, ou com muito sangue
estrangeiro nas veias. Sempre achei isso interessante.
Sei que voltarei a casar ou a viver com alguém.

114
Página anterior: Diana,
adolescente, encostada às
grades de uma varanda,
em Althorp.

Nas férias de verão, Diana


nadava todos os dias na piscina
ao ar livre de Park House.
Quando o pai, mais tarde
conde Spencer, se mudou para
Althorp, uma das primeiras
coisas que fez foi construir uma
piscina para os filhos.
Bem dispostas, Diana
e a sua colega de escola
Caroline Harbord-
Hammond fazem
palhaçadas para a fotografia
durante uma viagem de
estudos a Paris.

Mesmo com uma máscara


no rosto e uma toalha
molhada, a jovem Diana
exibe a confiança, perante
a máquina fotográfica, que
se iria tornar a sua imagem
de marca.
Os irmão Spencer,
fotografados pelo
pai, no jardim da
rosas, em Althorp.

Diana e uma colega


de escola com a
madrasta, a condessa
Spencer.
Diana, na sala de visitas de
Althorp, debruça-se sobre um
exemplar da Illustrated London
News, antes de um baile na casa
dos Spencer, no outono de 1979.
Diana posa numa
atitude cómica
durante uma sessão
de fotografia.

Diana e a irmã mais


velha, Jane, bem
dispostas. A Princesa
confiava sempre
na irmã para bons
conselhos.

Página anterior: Diana nos jardins


de Althorp. Sempre quis ser
bailarina, mas era alta de mais.
O fio de ouro com um «D» foi uma
prenda dos colegas de West Heath.
Diana em Althorp.
No inverno, praticava
ballet e sapatiado
no átrio de entrada
marmoreado.

O Natal de 1979,
em Althorp, não foi
muito feliz devido
ao facto de o pai de
Diana se encontrar
em recuperação no
hospital. A filha da
condessa Spencer,
Charlotte Legge, está
junto de Diana.
CAPÍTULO I

«Deveria Ter Nascido Rapaz»

E sta é uma memória indelevelmente gravada na sua alma.


Diana Spencer sentava-se imóvel ao fundo das frias escadas de
pedra da sua casa em Norfolk, agarrada ao corrimão de ferro
forjado, enquanto em seu redor se desenrolava uma frenética
atividade. Pôde ouvir o pai a carregar com malas o porta-baga-
gem de um carro e, em seguida, Frances, sua mãe, a atravessar
a gravilha do pátio, o bater da porta do carro a fechar-se e o ba-
rulho do motor a acelerar e, depois, a desvanecer-se lentamente
à medida que a mãe transpunha os portões de Park House e saía
da sua vida. Diana tinha 6 anos. Um quarto de século depois,
este era um momento que ela ainda conseguia mentalmente re-
ver recordando os dolorosos sentimentos de rejeição, quebra
de confiança e isolamento que a separação dos pais lhe trouxe.
Podia até ter acontecido de forma diferente, mas este era
o modo como Diana guardava na memória o acontecimento.
Havia muitos outros instantâneos da sua infância a povoar-lhe
a memória. As lágrimas da mãe, os solitários silêncios do pai,
as inúmeras amas de quem não gostou, o interminável jogo do
empurra entre os pais, o irmão Charles a soluçar na cama até
adormecer, o sentimento de culpa por não ter nascido rapaz, e
a inabalável ideia fixa de ser um «aborrecimento» no caminho.
Pedia abraços e beijos; davam-lhe um catálogo de brinquedos
dos Hamleys. Foi uma infância marcada por não pedir nada ma-
terialmente e tudo emocionalmente. «Ela provém de um am-

123
biente privilegiado mas teve uma infância difícil», disse a sua
astróloga Felix Lyle.
A honorável Diana nasceu ao fim da tarde de 1 de julho de
1961, como terceira filha do visconde de Althorp, na altura com
37 anos, e da viscondessa de Althorp, 12 anos mais nova que
ele. Pesava 3,400 kg, e enquanto o pai expressava o seu con-
tentamento por este «espécime fisicamente perfeito», a família
não ocultava o seu sentimento de «anticlímax», senão mesmo
de deceção, pelo facto de o membro recentemente chegado não
ser o tão ansiado herdeiro varão que continuaria o nome dos
Spencer. A expetativa por um rapaz era tão grande que o casal
nem pensara num nome feminino. Uma semana depois do seu
nascimento decidiram-se por «Diana Francês», em homena-
gem a um antepassado dos Spencer e à mãe do bebé.
Enquanto o visconde de Althorp, o falecido conde Spencer,
mostrava o seu orgulho pela sua nova filha – Diana era muito a
menina dos seus olhos –, as suas observações a respeito da sua
saúde poderiam ter sido mais diplomáticas. Apenas 18 meses
antes, a mãe de Diana dera à luz John, um bebé tão deformado
e tão doente que sobreviveu apenas 10 horas. Foi um período
horrível para o casal, e havia muita pressão por parte dos mais
velhos da família para que vissem «o que havia de errado com
a mãe». Queriam saber porque é que ela continuava a gerar ra-
parigas. Lady Althorp, então apenas com 23 anos, foi mandada
para vários consultórios de Harley Street, em Londres, a fim de
se sujeitar a uma série de exames íntimos. Para a mãe de Dia-
na, ferozmente orgulhosa, combativa e persistente, esta foi uma
experiência humilhante e injusta, ainda mais se considerarmos
que, como hoje é sabido, o sexo do bebé é determinado pelo pai.
Tal como o seu filho Charles, o atual conde Spencer, observou:
«Foi um período horrível para os meus pais, e esteve provavel-
mente na origem do seu divórcio, porque acho que eles nunca
o superaram.»

124
Embora fosse demasiado nova para o compreender, Diana
captou, certamente, a onda de frustração da família, e, acredi-
tando em que constituía «um incómodo», aceitou carregar um
correspondente sentimento de culpa e fracasso pela deceção da
família, sentimentos que aprendeu, mais tarde, a aceitar e a re-
conhecer.
Três anos após o nascimento de Diana, o tão ansiado filho
nasceu. Ao contrário de Diana, batizada na igreja de Sand-
ringham e cujos padrinhos não possuíam títulos, o seu peque-
no irmão, Charles, foi batizado em grande estilo na Abadia de
Westminster com a Rainha como principal madrinha. O infante
era herdeiro de uma fortuna rapidamente em vias de extinção,
mas ainda assim substancial, acumulada no século XV, quando
os Spencers se encontravam entre os mais ricos comerciantes
de carneiros da Europa. Com a sua fortuna compraram a Car-
los I o título de conde, construíram a Althorp House, em Nor-
thamptonshire, conceberam um brasão com a insígnia «Deus
defende os justos», e reuniram uma excelente coleção de arte,
antiguidades, livros e objets d’art.
Durante os três séculos seguintes os Spencers estavam em
casa nos palácios de Kensington, Buckingham e Westminster,
já que ocuparam vários cargos de Estado e na Corte. Apesar
de os Spencers nunca terem alcançado cargos de grande chefia,
era certo que caminhavam confiantes nos corredores do poder.
Os Spencers tornaram-se Cavaleiros da Ordem da Jarreteira,1
conselheiros privados, embaixadores e primeiro lorde do Al-
mirantado, e o terceiro conde Spencer foi considerado possível
primeiro-ministro. Possuíam laços de sangue com Carlos II,
com os duques de Marlborough, Devonshire e Abercorn, e,
pelas voltas da história, com sete presidentes americanos, in-

1 A Ordem da Jarreteira, Order of the Garter, fundada pelo Rei Eduardo III em
1348, é a mais importante de Inglaterra. A ela pertencem o monarca reinante,
bem como o Príncipe de Gales. (N. da T.)

125
cluindo Franklin D. Roosevelt, com o ator Humphrey Bogart,
e, diz-se, com o gangster Al Capone.
As qualidades dos Spencers como recatados servidores públi-
cos, os valores de noblesse oblige, expressaram-se profundamente
nos serviços prestados ao soberano. Gerações de Spencers, ho-
mens e mulheres, cumpriram papéis de camareiro-mor, de fun-
cionários da Casa Real, de damas-de-honor, bem como outras
posições na corte. A avó paterna de Diana, a condessa Spencer,
foi dama de quarto da Rainha Isabel, a Rainha-mãe, enquanto
a sua avó materna, Ruth, Lady Fermoy, foi uma das suas cama-
reiras durante quase 30 anos. O pai de Diana foi funcionário da
Casa Real tanto do Rei Jorge VI como da atual Rainha.
No entanto, foi a família da mãe de Diana, os Fermoys, com
as suas raízes na Irlanda e relações com os Estados Unidos, a
responsável pela aquisição de Park House, o seu lar de infância
em Norfolk. Como prova da amizade para com o seu segun-
do filho, o duque de York (mais tarde Jorge VI), o Rei Jorge V
presenteou o avô de Diana, Maurice, o 4.° barão Fermoy, com
o aforamento de Park House, uma espaçosa propriedade origi-
nalmente concebida para acomodar o grande fluxo de visitas e
de pessoal da vizinha Sandringham House.
Os Fermoys deixaram, sem dúvida, marcas na região. Mau-
rice Fermoy tornou-se membro conservador do Parlamento
por King’s Lynn,2 enquanto a sua esposa, que desistira de uma
promissora carreira de pianista para casar, fundou o Festival de
Arte e Música de King’s Lynn, que desde o início tem atraído
músicos de renome mundial, como Sir John Barbirolli e Yehudi
Menuhin.
Para a jovem Diana Spencer esta longa herança aristocrática
era mais aterradora que impressionante. Ela nunca apreciou as
suas visitas ao ancestral lar de Althorp. Possuía demasiados re-

2 Cidade histórica de Norfolk. (N. da T.)

126
cantos arrepiantes e corredores muito mal iluminados repletos
de retratos de ancestrais há muito mortos cujos olhos a per-
seguiam enervantemente. Como o seu irmão recordava: «Era
como um clube de idosos com muitos relógios a fazer tique-
-taque. Para uma criança sensível era um lugar aterrador. Nun-
ca nos sentíamos desejosos por ir para lá.»
Este sentimento de mau agouro era fortemente incrementa-
do pela tempestuosa relação entre o seu impaciente avô Jack, o
7.° conde, e o seu filho Johnnie Althorp. Durante muitos anos
limitaram-se, na melhor das hipóteses, a resmungar um com o
outro. Abrupto ao ponto de ser mal-educado e, por outro lado,
protetor feroz de Althorp, o avô de Diana ganhou a alcunha de
«conde curador» por conhecer a história de todos os quadros e
de todas as peças de mobiliário da sua imponente casa. Sentia-se
tão orgulhoso do seu domínio que frequentemente perseguia
as visitas com um pano do pó e, uma vez, na biblioteca, arran-
cou um charuto da boca de Winston Churchill. Por baixo desta
irascível máscara encontrava-se um homem de cultura e gosto
requintados, cujas prioridades contrastavam de forma gritante
com o estilo de vida laissez-faire do seu filho e com os agradáveis
prazeres das tradicionais atividades ao ar livre de um gentleman
inglês do campo.
Embora se sentisse atemorizada com o avô, Diana, em con-
trapartida, adorava a avó, a condessa Spencer. «Ela era amoro-
sa, magnífica e muito especial. Realmente maravilhosa», disse
a Princesa. A condessa era conhecida na região pelas suas fre-
quentes visitas a doentes e inválidos, e por nunca lhe faltarem
gestos ou palavras de generosidade. Embora tenha herdado da
mãe a sua natureza persistente e combativa, Diana foi igual-
mente bafejada com a amabilidade e a compaixão, qualidades de
sua avó paterna.
Em contraste com o fantástico esplendor de Althrop, a sua
casa de Park House, com os seus corredores, recantos e dez

127
quartos, era realmente acolhedora, para não mencionar os alo-
jamentos dos empregados, as enormes garagens, a piscina ao
ar livre, o court de ténis e de críquete, bem como a equipa de
seis empregados a tempo inteiro, que incluía um cozinheiro,
um mordomo e uma governanta.
Vista da estrada por entre as árvores e os arbustos, a casa
mostra-se imponente mas cinzenta, o seu exterior em tijolo
fá-la parecer desanimada e isolada. Apesar da sua inibidora
aparência, os pequenos Spencers adoravam vaguear pela casa.
Quando se mudaram para Althorp, em 1975, após a morte do
seu avô, o 7.° conde, Charles despediu-se de todos os quartos.
A casa foi mais tarde transformada num hotel da Cheshire
Home3 para as férias de pessoas incapacitadas; nas suas visitas a
Sandringham, Diana visitava-a ocasionalmente.
Park House foi um lar com um agradável ambiente e uma
forte personalidade. No rés-do-chão ficava a cozinha lajeada a
pedra e a lavandaria verde-escura, domínios do temperamental
gato ruivo de Diana, chamado Marmalade, bem como a sala de
aula onde a preceptora, Miss Gertrude Allen – conhecida por
«Ally» –, ensinava às meninas os rudimentos da escrita e da
leitura. A porta ao lado era a da sala a que as crianças chama-
vam «A sala dos Beatles», um quarto inteiramente dedicado aos
psicadélicos posters, a fotografias e outras memórias das estrelas
pop dos anos sessenta. Foi uma excecional concessão ao período
do pós-guerra. No resto do espaço, a casa era um espelho da
vida britânica de classe alta, decorada com fotografias formais
dos familiares, um regimento de quadros, bem como placas, fo-
tografias e certificados que testemunhavam uma vida de boas
ações.

3 Organização de misericórdia, fundada em 1948 por Leonard Cheshire, com


o objetivo de providenciar um lar a pessoas incapacitadas. Esta organização está
hoje representada em diversos pontos do mundo.

128
No seu bonito quarto de cor creme, na zona de quartos do
primeiro andar, Diana desfrutava da agradável visão do gado a
pastar, num patchwork de campos abertos e matagal, intercalado
pela densa folhagem de pinheiros, vidoeiros e teixos. Coelhos,
raposas e outras criaturas do campo eram regularmente vistas
nos relvados, e os teixos que frequentemente se enlaçavam nas
janelas de guilhotina provavam que a costa de Norfolk se situa-
va apenas a 11 km.
Era um lugar paradisíaco para as crianças. Alimentavam as
trutas do lago de Sandringham House, escorregavam pelos cor-
rimãos, levavam Jill, o seu springer spaniel, em grandes passeios,
jogavam às escondidas no jardim, escutavam o restolhar do
vento nas copas das árvores e procuravam ovos de pomba. No
verão, nadavam na piscina exterior aquecida, procuravam rãs
e tritões, faziam piqueniques na praia perto da sua cabana pri-
vada em Brancaster e brincavam na sua própria casa de árvore.
E, como nas histórias juvenis dos Famosos Cinco, de Enid Blyton,
havia sempre «montanhas de gasosa» e o aroma de qualquer
coisa apetitosa no forno da cozinha.
Como as suas irmãs mais velhas, Diana começou a montar a
cavalo aos três anos de idade, e depressa desenvolveu a paixão
pelos animais – quando mais pequeno, melhor. Possuía hamsters
de estimação, coelhos, porquinhos-da-índia, o gato Marmalade,
que Charles e Jane achavam repugnante, e, como o recorda a
mãe, «qualquer coisa numa pequena gaiola». Quando um dos
seus animais morria, Diana levava a cabo uma respeitosa ceri-
mónia fúnebre. Embora os peixes dourados fossem despejados
pelo cano, ela colocava os seus outros animais mortos numa
caixa de sapatos, cavava um buraco por baixo do frondoso ce-
dro do jardim e deixava-os em descanso. Por fim, colocava uma
cruz improvisada por cima das suas campas.
As campas encerram um sombrio fascínio. Charles e Diana
visitavam frequentemente a campa coberta de líquenes do seu

129
irmão John, no adro da igreja de Sandringham, e divertiam-se a
especular a respeito do que ele poderia ter sido e se eles teriam
nascido se ele não tivesse morrido. Charles achava que os pais
teriam completado a família com Diana, enquanto a Princesa
pensava que, nessas circunstâncias, ela própria não teria nas-
cido. Era matéria para infindáveis e irresolúveis conjecturas.
No jovem espírito de Diana, a campa do irmão, com o simples
epitáfio «Em Sua Querida Memória», era um permanente lem-
brete, como mais tarde recordou: «Eu era a rapariga que deveria
ter nascido rapaz.»
Tal como os seus divertimentos de infância poderiam ter
provindo das páginas juvenis de um livro de 1930, também a
sua educação refletiu os valores de uma já ultrapassada época.
Tinha uma ama, Kent – nome de baptismo Judith Parnell –, que
levava a pequena Diana a longos passeios pelos relvados num
carrinho bem usado e desengonçado. Na verdade, a primeira
memória de Diana foi «o cheiro a plástico quente» da capota do
carrinho. A rapariga em crescimento não via a mãe tanto como
desejaria, e muito menos o pai. As suas irmãs Sarah e Jane, mais
velhas seis e quatro anos respetivamente, já passavam as ma-
nhãs, quando ela nasceu, na sala de aula do rés-do-chão, e quan-
do Diana estava na idade de se juntar a elas já estas preparavam
as malas para o colégio interno.
As refeições eram passadas com a ama. As refeições simples
eram o lema do dia. Cereais ao pequeno-almoço, carne pica-
da com legumes ao almoço, e peixe a todas as sextas-feiras.
Os seus pais eram uma presença afetuosa —, contudo, distante,
e só quando Charles fez 7 anos se sentou, realmente, a tomar
uma refeição com o pai, na sala de jantar do rés-do-chão. Ha-
via uma formalidade e uma restrição à sua infância, reflexo da
forma como os pais de Diana foram educados. Como Charles
recorda: «Foi uma educação privilegiada com modelos de outra
época, um vida distante da dos nossos pais. Já não conheço nin-

130
guém que eduque as crianças assim. Provocava, sem dúvida, a
carência da figura materna.»
Privilegiada, sim; snob, não. Desde muito cedo que os peque-
nos Spencers tiveram bem marcado o valor da boa educação,
da honestidade e da aceitação das pessoas pelo que elas são e
não pela sua posição social na vida. Charles disse: «Nunca com-
preendemos inteiramente a história do título. Eu nem sequer
sabia que possuía uma qualquer espécie de título até ir para a
escola preparatória e começar a receber cartas que se referiam a
mim como “O Ilustre Charles”. Depois, comecei a inquirir por-
que é que isso acontecia. Não fazíamos a mais pequena ideia de
que éramos privilegiados. Como crianças aceitávamos as cir-
cunstâncias como normais.»
A sua vizinhança real encaixava-se numa paisagem social de
amigos e conhecidos que incluía os filhos do feitor da Rainha,
Charles e Alexandra Loyd, Penelope Ashton, a filha do vigário
local, e William e Annabel Fox, cuja mãe, Carol, foi madrinha
de Diana. As relações sociais com a Família Real eram espo-
rádicas, especialmente porque passavam apenas uma pequena
parte do ano na sua propriedade de 10 mil hectares em San-
dringham. Uma visita real a Park House era um acontecimento
tão raro que quando a Princesa Ana disse que os iria visitar,
num domingo, depois do serviço religioso, a consternação no
lar dos Spencers foi completa. O pai de Diana não bebia, e o
pessoal procurou freneticamente nos armários uma garrafa de
algo adequado para a sua visita real. Por fim, lá encontraram
uma garrafa barata de xerez, ganha numa quermesse da igreja e
que ficara esquecida num roupeiro.
Ocasionalmente, o filho da Princesa Margarida, o visconde
Linley, bem como os Príncipes André e Eduardo podiam apa-
recer para passar juntos a tarde, mas não eram seguramente as
idas e vindas que muitos pressupõem. Na realidade, os pequenos
Spencers viam os convites para a casa de inverno da Rainha com

131
apreensão. Depois de verem uma exibição do filme Chitty Chitty
Bang Bang, de Walt Disney, no cinema privado, Charles teve
pesadelos com uma personagem chamada Apanhador de Crian-
ças. Para Diana era a «estranha» atmosfera de Sandringham em
si que ela detestava. Numa ocasião, recusou-se a ir. Esperneou
e gritou desafiadoramente até o pai lhe ter explicado que seria
considerada uma grande falta de educação ela não se juntar às
outras crianças. Se alguém naquela altura lhe tivesse dito que
mais tarde se juntaria à Família Real, ela teria fugido a sete pés.
Se o ambiente de Sandringham era pouco acolhedor, o de
Park House tornou-se insuportável quando o pequeno mundo
de Diana aparentemente se desmoronou. Em setembro de 1967,
Sarah e Jane foram para um colégio interno em West Heath,
Kent, mudança que coincidiu com o colapso do casamento de
14 anos dos Althorps.
Nesse verão decidiram-se pela separação judicial, decisão que
chegou como um «raio, um terrível choque» para Charles, que
horrorizou ambas as famílias e chocou todo o condado. Mesmo
para uma família com o hábito de transformar um drama numa
crise, este era um acontecimento excecional. Eles recordam
como o seu casamento, em 1954, foi socialmente considerado
«o casamento do ano», tendo a sua união sido marcada pela pre-
sença da Rainha e da Rainha-mãe. Na verdade, nos seus dias de
solteiro, Johnnie Spencer era o grande partido da região. Não
só era herdeiro das propriedades dos Spencers, como também
servira no Royal Scots Greys4, como capitão, durante a Segunda
Guerra Mundial e fora funcionário da Casa Real e da Rainha,
tendo-a acompanhado bem como ao Príncipe Filipe na sua his-
tórica viagem à Austrália, pouco antes do seu casamento.

4 Regimento de Cavalaria ao serviço da coroa britânica que deve o seu nome ao


facto de montar cavalos cinzentos. (N. da T.)

132
A sofisticação emanada por um homem doze anos mais ve-
lho foi sem dúvida parte da atração para a Ilustre Frances Ro-
che, a filha mais nova do 4.° barão de Fermoy, uma debutante
de 18 anos quando o conheceu. Com a sua esbelta figura, a
vivacidade e o amor pelos desportos, Frances captou a atenção
de muitos jovens naquela época, de entre eles o major Ronald
Ferguson, pai de Sarah, duquesa de York. Contudo, foi John-
nie Spencer quem lhe conquistou o coração, e após um curto
namoro casaram-se na Abadia de Westminster, em junho de
1954.
Levaram, obviamente, a sério, as palavras do bispo de Nor-
wich. Apenas nove meses depois de ter declarado no seu casa-
mento: «Estão a enriquecer a vida da região da qual, mais que
qualquer outra, a nossa vida nacional depende», a sua primeira
filha, Sarah, nasceu. Decidiram-se pela vida no campo; John-
nie estudou no Royal Agricultural College, em Cirencester, e,
seguindo o mágico encanto da propriedade de Althorp, muda-
ram-se para Park House. Nos anos seguintes construíram uma
quinta de 650 acres, tendo uma parte considerável sido compra-
da com 20 mil libras da herança de Frances.
As tensões rapidamente surgiram por debaixo da impressão
de harmonia doméstica e de bênção marital. A pressão para ge-
rar um herdeiro do sexo masculino sempre esteve presente, e
havia a crescente perceção, por parte de Frances, de que o es-
tilo de vida que lhe parecera urbano na juventude era, afinal,
com uma amadurecida reflexão, aborrecido e pouco inspirador.
O falecido conde Spencer dissera: «Quantos desses 14 anos fo-
ram felizes? Eu pensei que todos eles, até ao momento de nos
separarmos. Mas estava enganado. Nós não nos separamos,
afundámo-nos cada um para seu lado.»
Enquanto falhas apareciam na fachada de união, o ambien-
te em Park House azedava. Em público, o casal desfazia-se em
sorrisos; em privado, a história era outra. Embora os silêncios

133
gelados, as discussões acaloradas e as palavras amargas possam
apenas ser imaginadas, o seu traumatizante efeito nas crianças
era demasiado evidente. Diana lembra-se de ter testemunhado
uma discussão particularmente violenta entre o pai e a mãe, es-
preitando-os do seu esconderijo por trás da porta da sala.
O agente catalisador a provocar essa indignação foi o apa-
recimento, nas suas vidas, de um bem sucedido homem de ne-
gócios, Peter Shand Kydd, recentemente chegado a Inglaterra
depois da venda de uma herdade de criação de carneiros na
Austrália. Os Althorps conheceram pela primeira vez o extro-
vertido empresário de formação universitária, bem como a sua
esposa artista, num jantar em Londres. Uma posterior combi-
nação para umas férias conjuntas na neve suíça provocou um
fatal ponto de viragem nas suas vidas. Peter, um divertido bon
viveur, com uma atraente faceta boémia, parecia possuir todas as
qualidades que a Johnnie faltavam. Na embriaguez do seu affair,
Lady Althorp, 11 anos mais nova, não se apercebeu dos seus
acessos depressivos nem dos seus ataques de mau humor. Isso
ficaria para mais tarde.
Quando regressaram das férias, Peter, então com 42 anos,
abandonou a sua casa em Londres, deixando para trás a mulher
e três filhos. Ao mesmo tempo, começou a encontrar-se secre-
tamente com Frances numa morada de South Kensington, em
Central London.
Quando os Althorps concordaram com o divórcio, a mãe de
Diana saiu de Park House para morar num apartamento arren-
dado em Cadogan Place, Belgravia. É nessa altura que lhe nas-
ce a fama de «vira-casacas», a ideia de que Frances deixara o
marido e abandonara os seus quatro filhos pelo amor de outro
homem. Foi-lhe atribuído o papel da egoísta vilã no drama, e ao
seu marido o da inocente vítima enganada. Na verdade, quando
saiu de casa, Lady Althorp fizera já uma série de preparativos
para que Charles e Diana vivessem com ela em Londres. Diana

134
estava inscrita num externato para raparigas, e Charles num in-
fantário vizinho.
Quando Frances chegou à sua nova morada para receber,
umas semanas depois, os seus filhos e a sua ama, possuía todas
as esperanças de que os pequenos ficassem relativamente pouco
afetados com a rutura do seu casamento, especialmente porque
Sarah e Jane estavam longe, no colégio interno. No fim do pe-
ríodo escolar, os mais novos regressariam a Park House para
lá passar os fins de semana, enquanto o seu pai, o visconde Al-
thorp, ficaria com eles em Belgravia, quando visitasse Londres.
Eram desoladoras visitas. A primeira memória de Charles é a
de brincar sossegadamente com um comboio no chão enquanto
a mãe soluçava sentada a uma ponta da cama e o pai lhe sorria
timidamente na tentativa de lhe assegurar de que estava tudo
bem. A família reuniu-se em Park House no termo do período,
e de novo nas férias do Natal. Mas, como mais tarde afirmou
a Sra. Shand Kydd: «Foi o meu último Natal ali passado, pois
tornara-se já evidente, naquela altura, que o casamento ruíra
por completo.»
Esta fatal visita ficou marcada por uma evidente ausência de
natalícia boa-vontade ou de futura alegria. O visconde Althorp
insistiu, contra as mais encarniçadas objeções da esposa, que
as crianças regressassem permanentemente para Park House e
continuassem a estudar na Silfield School, em King’s Lynn. «Ele
recusou-se a deixá-las regressar a Londres no Ano Novo», disse
ela.
À medida que a máquina judicial para o divórcio entrava em
ação, as crianças tornaram-se peões de uma difícil e amarga ba-
talha que opôs mãe e filha, marido e esposa. Lady Althorp pediu
a custódia dos filhos, ação que começou com bastantes esperan-
ças de êxito já que, normalmente, as mães ganham – a menos
que o pai seja nobre. A sua posição e o seu título davam-lhe, a
ele, mais credibilidade.

135
O caso, ouvido em junho de 1968, não foi favorecido pelo
facto de dois meses antes Lady Althorp ter sido referida como a
outra mulher no divórcio de Shand Kydd, enquanto, o mais hu-
milhante de tudo, a sua própria mãe, Ruth, Lady Fermoy, se co-
locou contra ela. Esta foi a maior traição da sua vida e algo que
ela nunca perdoou. O divórcio dos Althorps decorreu durante
o mês de abril de 1969, e um mês depois, em 2 de maio, Peter
Shand Kydd e Lady Althorp casaram-se numa pacata cerimónia
de registo civil e compraram uma casa na costa do West Sussex,
onde Peter pudesse gozar o seu prazer pela vela.
Não foram apenas os adultos a sofrer as marcas desta perver-
sa batalha. Embora os pais e a família tenham tentado amor-
tecer a explosão, o seu impacto nas crianças foi, ainda assim,
profundo. Subsequentemente, os amigos da família e os bió-
grafos tentaram minimizar os efeitos. Anunciaram que Sarah e
Jane pouco perturbadas ficaram com o divórcio, já que se en-
contravam no colégio; que Charles, com 4 anos, era demasiado
pequeno para perceber o que se passava, enquanto Diana, com
7 anos, reagira à separação «com a imponderada capacidade de
adaptação própria da idade», ou até mesmo, que lidara com ela
«com uma leve excitação» pela novidade introduzida na sua
jovem vida.
A realidade foi bem mais traumatizante do que o que muitos
julgaram. É significativo que tanto Sarah como Diana tenham,
a dada altura das suas vidas, sofrido perturbações alimentares,
anorexia e bulimia, respetivamente. Estas perturbações en-
raízam-se numa complexa teia de relações entre mãe e filha,
alimentação e ansiedade, e, para usar o jargão, numa «disfun-
cional» vida familiar. Como afirmou Diana: «Os pais andavam
ocupados a resolver os seus próprios problemas. Via a minha
mãe constantemente a chorar. O pai nunca falou connosco so-
bre este assunto. Nunca fizemos perguntas. Demasiadas mu-
danças de ama, muita instabilidade em relação a tudo.»

136
Para as visitas ocasionais, Diana parecia suficientemente fe-
liz. Era uma criança sempre ocupada, arrumada, vistoriava a
casa à noite para se certificar de que todas as cortinas estavam
corridas, e aconchegava o zoo de pequenos animais peludos que
povoavam a sua cama – guardou-os por toda a vida. Fazia corri-
das à volta da entrada da casa no seu triciclo azul, levava as suas
bonecas a passear nos carrinhos – pedia sempre uma nova bo-
neca como presente de aniversário – e ajudava o seu irmão mais
novo a vestir-se. A faceta calorosa, maternal e preocupada que
caracterizou a sua vida adulta estava a tornar-se evidente na sua
vivência diária. Havia visitas mais frequentes aos avós e outras
pessoas. A condessa Spencer ficava frequentemente em Park
House enquanto Ruth, Lady Fermoy, ensinava jogos de cartas
às crianças. Na sua elegante casa, descrita como «um pequeno
recanto de Belgravia em Norfolk», ela explicava as complexi-
dades do mahjong e do bridge. Contudo, não havia dissimulação
para a desorientação que Diana sentia.
Os pesadelos eram o pior. Como crianças, Diana e Charles ti-
nham medo do escuro e insistiam em que se deixasse acesa uma
luz de presença ou um pequeno candeeiro dentro dos seus quar-
tos. Com o vento a assobiar do lado de fora das janelas, o uivo
dos lobos e os sons de outras criaturas, Park House podia ser um
lugar arrepiante para uma criança. Numa noite, quando o pai
mencionou casualmente que havia um homicida à solta na vizi-
nhança, as crianças ficaram tão aterrorizadas que não consegui-
ram dormir, escutando ansiosamente qualquer ruído, chiadeira
ou rangido na escuridão da casa. Diana pintou os olhos do seu
hipopótamo verde de pelúcia com tinta florescente para que à
noite parecesse vigiá-la e tomar conta dela.
Todas as noites, quando se deitava, rodeada pelos seus bo-
necos, ouvia o irmão a soluçar e a chorar pela mãe. Às vezes
ia ter com ele, mas, em certas alturas, o seu medo do escuro
sobrepunha-se aos seus instintos maternais, e ficava no quarto

137
a ouvir Charles, que gritava: «Quero a minha mamã, quero a
minha mamã.» Então, também ela enfiava a cabeça na almofada
e chorava. «Eu simplesmente não suportava aquilo», afirmou
mais tarde. «Não conseguia reunir a coragem necessária para
me levantar da cama. Lembro-me disso ainda hoje.»
Nem possuía muita confiança em muitas das amas que ha-
viam então trabalhado em Park House. Elas mudavam a uma
alarmante velocidade e variavam do amoroso ao sádico. Uma
delas foi apanhada em flagrante pela mãe de Diana, que desco-
briu que a empregada misturava laxantes na comida das filhas
mais velhas para as castigar. Ela andava intrigada com o facto
de as raparigas se queixarem constantemente com dores de es-
tômago até apanhar a mulher em flagrante.
Uma outra ama batia na cabeça de Diana com uma colher de
pau se esta fosse marota, ou, em alternativa, chocava a cabeça de
Diana com a de Charles. Charles lembra-se de fazer um buraco
na porta com os pontapés quando o mandaram para o quarto
sem nenhum bom motivo. «As crianças têm um apurado sen-
tido da justiça, e se achávamos que tínhamos sido injustiçados,
rebelávamo-nos», explicou. Outras amas, como Sally Percival,
eram queridas e amorosas, e ainda hoje recebem cartões de
Boas-Festas das «crianças».
No entanto, a tarefa das amas estava dificultada pelo facto
de as crianças, desorientadas e infelizes, pensarem que as amas
tencionavam ocupar o lugar da sua mãe. Quanto mais bonitas
eram, mais desconfiada ficava Diana. Espalhavam alfinetes nas
suas cadeiras, atiravam as suas roupas pela janela e fechavam-
-nas na casa de banho. De facto, as experiências da sua infância
determinaram que Charles decidisse não empregar, de todo,
uma ama para os seus próprios filhos.
O pai juntava-se-lhes, por vezes, para o chá nos seus aposen-
tos, mas como recorda a sua antiga ama Mary Clarke: «Era uma
situação difícil. Naqueles primeiros tempos, ele não se sentia

138
muito à-vontade com eles.» Johnnie enterrava-se no seu tra-
balho para o Northamptonshire County Council, para a Na-
tional Association of Boys’ Clubs e com a criação de gado da
sua propriedade. Charles recorda: «Ele sentia-se realmente em
baixo depois do divórcio, essencialmente em estado de choque.
Costumava sentar-se no seu escritório o tempo todo. Lembro-
-me de que esporadicamente, muito esporadicamente, jogava
críquete comigo no relvado. Quando isso acontecia, era um dia
muito especial.»
A escola simplesmente moldava os problemas de um outro
modo. Charles e Diana eram «diferentes» e sabiam-no. Eram
os únicos alunos de Silfield School com pais divorciados. Isso
diferenciava-os logo à partida, como o sublinha a sua antiga
chefe de turma, Delissa Needham: «Ela era a única rapariga que
eu conhecia com os pais divorciados. Essas coisas simplesmente
não aconteciam naquela época.»
A escola em si era acolhedora e suficientemente simpática.
Gerida pela reitora Jean Lowe, que tomou o partido de lorde
Althorp durante o processo do divórcio, possuía um ambiente
verdadeiramente familiar. As turmas eram pequenas, e os pro-
fessores, generosos com pontuações e estrelas douradas pelos
progressos realizados na leitura, na escrita ou no desenho. Lá
fora havia um court de ténis, um recinto de areia, um relvado
para jogar netball e rounders, bem como um jardim para pequenas
«caçadas». Diana, pouco habituada ao rebuliço da vida escolar,
era sossegada e tímida embora possuísse a sua amiga Alexandra
Loyd para lhe fazer companhia.
Embora a sua caligrafia fosse regular e lesse fluentemente,
Diana considerava a faceta académica bastante confusa. Miss
Lowe recorda a sua amabilidade para com os mais pequenos,
o seu amor pelos animais e pelos mais desprotegidos em geral,
mas não o seu potencial académico. Ela era boa nas artes, mas
os amigos não conseguiram perceber por que motivo ela um

139
dia rebentou em lágrimas, aparentemente sem qualquer moti-
vo, durante uma aula de pintura numa tarde soalheira. Lem-
bram-se de que ela dedicava todos os seus desenhos à «mamã
e ao papá». Enquanto se perdia nas tabuadas e nos livros Janet
and John, tornava-se cada vez mais invejosa do irmão mais novo,
recordado como uma criança «solene» mas muito bem com-
portada. «Eu ansiava por ser tão boa como ele na escola», disse.
Como entre todos os irmãos, havia lutas, as quais Diana, sendo
maior e mais forte, invariavelmente ganhava. Como ela o belis-
cava, Charles queixava-se. Depressa compreendeu que a podia
ofender com palavras, fazendo troça da irmã, sem piedade. Am-
bos os pais o obrigaram a parar de chamar «Brian» à irmã, uma
alcunha que nascia de uma lenta e pouco perspicaz cobra que
aparecia num popular programa televisivo infantil, intitulado
The Magic Roundabout.
Ele teve a sua vingança com a ajuda inesperada da esposa
do vigário local. Charles recorda, com deleite: «Não sei se um
psicólogo o consideraria um trauma do divórcio, mas ela tinha
uma séria dificuldade em dizer a verdade, no fundo porque gos-
tava de embelezar as coisas. Um dia, quando fazia o caminho
do regresso da escola, a esposa do vigário parou o carro e disse:
"Diana Spencer, se disseres mais alguma mentira obrigo-te a ir
a pé para casa". Claro que me senti triunfante porque ela fora
apanhada.»
Embora a fraterna competição fizesse inevitavelmente par-
te do crescimento, muito menos tolerável era a crescente ri-
validade dos pais, consciente ou não, já que Frances e Johnnie
competiam um com o outro para conquistar o amor dos filhos.
No entanto, enquanto inundavam a prole com dispendiosos
presentes, não os acompanhavam com os abraços e beijos que
as crianças pediam. O pai de Diana, que possuía já a reputação
de organizar fantásticos fogos-de-artifício nas festas do Guy
Fawkes Night, organizou uma extraordinária festa de aniver-

140
sário para os seus 17 anos. Pediu emprestado ao zoo de Dudley
um dromedário chamado Bert para a tarde, e assistiu deleitado à
surpresa das crianças, que foram levadas a passear em cima dele
pelo relvado.
O Natal era apenas um exercício de extravagância. Antes do
grande dia davam a Charles e a Diana um catálogo dos Hamleys,
um grande armazém de brinquedos em Londres, West End, e
pediam-lhes que escolhessem os brinquedos que queriam que o
Pai Natal lhes trouxesse. Num piscar de olhos, no dia de Natal
os seus desejos concretizavam-se, e as meias, aos pés da cama,
encontravam-se repletas de coisas boas. «Tornava-nos muito
materialistas», disse Charles. Houve um presente que obri-
gou Diana à mais agonizante decisão da sua jovem vida. Em
1969, foi convidada para o casamento da sua prima Elizabeth
Wake-Walker com Anthony Duckworth-Chad, que se realiza-
ria em St. James’s Piccadilly. Para o ensaio, o pai ofereceu-lhe
um elegante vestido branco, e a mãe, um elegante vestido verde.
«Não me lembro, até hoje, qual dos dois escolhi, mas lembro-
-me de me sentir completamente traumatizada com a situação
porque a minha escolha revelaria favoritismo.»
Esta situação repetia-se todos os fins de semana em que
Charles e Diana apanhavam o comboio com a ama, de Norfolk
à estação de Liverpool Street, onde a mãe se encontrava com
eles. Pouco depois de chegarem ao seu apartamento em Belgra-
via, o procedimento habitual era a mãe desatar a chorar. «O que
aconteceu, mamã?» perguntavam em coro, ao que ela invaria-
velmente respondia: «Não quero que se vão embora amanhã.»
Era um ritual que tinha como resultado as crianças sentirem-se
culpadas e confusas. As férias, divididas pelos pais, eram igual-
mente amargas.
Em 1969, a vida tornou-se mais descontraída e livre quando
Peter Shand Kydd foi oficialmente introduzido nas suas vidas.
Conheceram-no na plataforma da estação de Liverpool Street,

141
numa das suas regulares viagens entre Norfolk e Londres. Belo,
sorridente e bem vestido, foi um êxito imediato, sobretudo
quando a mãe lhes disse que haviam casado naquela manhã.
Peter, que fizera a sua fortuna com o negócio do papel de
parede, era um homem generoso, expressivo e um padrasto
muito flexível. Passado um pequeno período em Buckingham-
shire, os recém-casados mudaram-se para uma não assumida
casa suburbana chamada Appleshore, em Itchenor, na costa de
West Sussex, onde Peter, um veterano da Marinha, levava as
crianças a velejar. Deixava que Charles usasse o chapéu de al-
mirante, e assim nasceu a sua alcunha de «Almirante». A Diana
alcunhou-a de «Duquesa», alcunha que os seus amigos ainda
usam. Como Charles observou: «Se quiserem perceber por que
motivo Diana não era apenas uma espécie de coquete mimada...
isso deve-se ao facto de termos estilos de vida muito diferentes.
Não eram apenas casas faustosas e mordomos. A casa da minha
mãe era vulgaríssima e nós passávamos sempre metade de todas
as nossas férias com ela, integrando, portanto, na maior parte
do tempo, um ambiente de relativa normalidade.»
Três anos depois, em 1972, os Shand Kydds compraram uma
quinta de 500 hectares na ilha de Seil, no Sul de Oban, em Ar-
gyllshire, onde a Sra. Shand ainda hoje vive. Quando as crianças
vinham passar as férias de verão gozavam o idílico ambiente de
Swallows and Amazons,5 passando os dias a pescar cavalas, a apa-
nhar lagostas, a andar de barco e, nos dias bons, a fazer barbecues
na praia. Diana até teve o seu próprio pónei chamado Soufflé.
Foi montando a cavalo que partiu um braço, ficando, depois
disso, receosa em relação a voltar a montar. Galopava no seu
pónei Romilly, no relvado de Sandringham Park, quando o ca-

5 Swallows and Amazons é o título do primeiro de uma série de romances infantis,


da autoria do escritor britânico Arthur Ransome, publicados na Grã-Bretanha
entre 1930 e 1947. As histórias descrevem as aventuras de um grupo de crianças
de férias em Lake District, onde os barcos estão sempre presentes. (N. da T.)

142
valo tropeçou e ela caiu. Embora ficasse com dores, não havia
sinais de ter fraturado o braço, e, por isso, dois dias depois, foi
para a Suíça esquiar. Durante essas férias sentiu tão pouca força
no braço que foi a um hospital local suíço para fazer uma radio-
grafia. Foi-lhe diagnosticada uma fratura em que os ossos da
criança, por serem muito flexíveis, se dobram mas não se que-
bram. O médico imobilizou-lhe o braço, mas quando ela, mais
tarde, tentou montar a cavalo, perdeu a coragem e desmontou.
Continuou a montar durante a sua vida adulta mas sempre pre-
feriu exercitar-se com a natação ou com o ténis, desportos mais
adequados à vida em Central London.
A natação e a dança eram atividades onde igualmente se dis-
tinguia. Foram-lhe bastante úteis quando o pai a inscreveu no
seu novo colégio, Riddlesworth Hall, a duas horas de carro de
Park House. Aprendeu a gostar da escola, que provou ser, para
120 raparigas, um lar longe do lar. No entanto, a sua primeira
reação quando a mandaram para lá foi o sentimento de traição
e ressentimento. Diana tinha 9 anos e sentia profundamente
a separação do pai. No seu espírito maternalista ela mimava-o
quando ele tentava juntar os fragmentos da sua vida desfeita.
A decisão de a enviar, bem como ao irmão, para fora de casa,
para um mundo estranho, foi interpretada como rejeição. Fez
ameaças do estilo: «Se gostasses de mim não me deixavas aqui»,
enquanto o pai, delicadamente, lhe explicava as vantagens de
frequentar uma escola que lhe oferecia ballet, natação, equitação
e um lugar para o seu querido Peanuts, o porquinho-da-índia.
Ganhara com ele o concurso referente aos animais de pelo e pe-
nas em Sandringham – «Talvez por ser o único concorrente»,
observava ela friamente – e mais tarde ganhou a Taça Palmer
para animais de estimação no seu novo colégio.
O pai também lhe disse que ficaria entre amigos. Alexander
Loyd, a sua prima Diana Wake-Walker e Claire Pratt, a filha da
sua madrinha Sarah Pratt, estavam também no colégio interno

143
perto de Diss, em Norfolk. Mesmo assim, quando a deixou para
trás com a sua mala identificada com uma etiqueta com a inscri-
ção «D. Spencer», agarrada ao seu boneco preferido, o hipopó-
tamo verde – as raparigas só podiam ter um boneco de pelúcia
na cama – e ao Peanuts, foi atacado por um grande sentimento de
perda. «Foi um dia horrível», disse ele, «foi horrível perdê-la.»
Como excelente fotógrafo amador, fotografou Diana antes
de ela sair de casa. As fotografias revelam um rosto doce de
criança, tímido e, contudo, com alegre disposição, vestida com
um uniforme escolar que consistia num casaco vermelho-escu-
ro e numa saia cinzenta pregueada. Guardou também o recado
que ela lhe enviou encomendando «Grande bolo de chocolate,
biscoitos de gengibre, Twiglets6», tal como também guardou os
recortes do Daily Telegraph sobre os seus fracassos académicos
que mais tarde se transformariam em qualidades e êxitos.
Embora se mostrasse calma e aparentemente recatada duran-
te o primeiro período, não era nenhuma flor de cheiro. Preferia
a galhofa e a risota a um consistente esforço, mas podendo ser
barulhenta, fugia da possibilidade de ser o centro das atenções.
Diana não haveria nunca de gritar as respostas na sala de aula
ou voluntariar-se para ler as lições em voz alta para a turma.
Longe disso. Numa das suas primeiras peças escolares só assu-
miu o papel de boneca holandesa com a condição de não ter de
falar.
Barulhenta com as amigas no dormitório, era silenciosa na
sala de aula. Era uma aluna popular, mas, de certa forma, sentia-
-se posta de lado. Diana já não se sentia tão diferente por causa
do divórcio dos pais, mas porque uma voz interior lhe dizia que
ela se afastaria do rebanho. Essa intuição fê-la pressentir que
a sua vida seria «uma estrada sinuosa. Sempre me senti muito

6 Marca de aperitivo inglês em forma de pequenos palitos estaladiços apimenta-


dos e de forte paladar a queijo. (N. da T.)

144
desapegada de toda a gente. Sabia que seguia para um lugar di-
ferente, que me encontrava na concha errada.»
Contudo, juntou-se às atividades escolares com prazer. Re-
presentou a sua casa, Nightingale, na natação e no netball, e
desenvolveu a sua paixão pela dança. Quando se aproximava
a peça de Natal anual divertia-se com o uso da maquilhagem e
do guarda-roupa. «Eu era uma daquelas que entravam em cena
apenas para prestar homenagem a Jesus», recorda, divertida.
Em casa adorava vestir a roupa das irmãs. Uma fotografia anti-
ga mostra-a com um grande chapéu preto e um vestido branco
da irmã Sarah.
Embora respeitasse Jane, o elemento mais sensato dos qua-
tro, adorava como a uma heroína a sua irmã mais velha. Quan-
do Sarah regressava a casa do colégio West Heath, Diana trans-
formava-se numa solícita serviçal, desfazendo-lhe as malas,
preparando-lhe o banho e arrumando-lhe o quarto. O seu gosto
pela vida doméstica foi evidenciado não apenas pelo mordomo
do visconde Althorp, Albert Betts, que se recorda de como ela
engomava os seus próprios jeans e desempenhava outras tarefas
domésticas, como também pela sua reitora em Riddlesworth,
Elizabeth Ridsdale – Riddy para os alunos –, que a premiou com
a Taça Legatt para o espírito de ajuda.
Esse feito foi recebido com grande satisfação pela sua avó,
condessa Spencer, que a manteve debaixo de um afetuoso olhar
desde o divórcio dos pais. O sentimento era recíproco, e quan-
do, no outono de 1972, ela morreu com um tumor no cére-
bro, Diana sentiu-se destroçada. Assistiu à cerimónia fúnebre
juntamente com a Rainha-mãe e com a Princesa Margaret na
Capela Real do Palácio de St. James. A condessa Spencer tinha
um lugar muito especial no coração de Diana, e ela acreditou,
sinceramente, que a avó zelaria por ela no mundo dos espíritos.
Estas especulações espirituais deram lugar a preocupações
bem mais terrenas quando Diana teve de fazer o exame da

145
Common Entrance, que lhe permitiria seguir as pisadas das
irmãs, Sarah e Jane, e ingressar no colégio interno de West
Heath, instalado no interior de um parque e de um bosque com
16 hectares, na vizinhança de Sevenoaks, em Kent. A escola,
fundada em 1865 com uma orientação religiosa, valorizava a
primazia «do carácter e da confiança» tanto quanto da compe-
tência académica. A sua irmã Sarah havia, contudo, evidenciado
demasiado carácter para o gosto da reitora, Ruth Rudge.
Competitiva par excellence, Sarah ultrapassou seis níveis O,7
fez equitação em representação da escola em Hickstead, parti-
cipou em produções dramáticas amadoras e integrou a equipa
de natação da escola. O seu pendor fortemente competitivo
significava que ela deveria ser também a rapariga mais ousada,
mais rebelde e mais indisciplinada da escola. «Ela tinha de ser
a melhor em tudo», recorda uma colega. Enquanto a avó Ruth,
Lady Fermoy, perdoava a exuberante ruiva quando ela mon-
tava o seu cavalo para dentro de Park House durante as suas
visitas, Miss Rudge não podia desculpar outros pormenores do
seu arrebatado comportamento. Sarah queixou-se de que estava
«aborrecida», e então Miss Rudge mandou-a fazer as malas e
abandonar o colégio durante um período.
Jane, que capitaneava a equipa escolar de lacrosse, 8 era o com-
pleto contraste de Sarah. Muito inteligente, ultrapassou uma
enorme quantidade de níveis O e níveis A e, essencialmente
sensata e de confiança, era chefe de turma do sexto ano, quando
Diana chegou ao colégio.

7 Nível O corresponde, no sistema de ensino britânico, ao nível mais básico de


qualquer matéria; o nível A, por sua vez, corresponde ao nível de aprendizagem
mais avançado, e atinge-se, normalmente, dois anos depois de ultrapassado o ní-
vel O. (N. da T.)
8 Jogo originário dos índios americanos, atualmente jogado por duas equipas
que usam compridas raquetas para apanhar e transportar a bola para a baliza do
adversário. (N. da T.)

146
Havia, sem dúvida, grande especulação na sala dos profes-
sores acerca de qual das irmãs imitaria a mais nova Spencer,
recrutada para a turma das mais jovens: Sarah ou Jane. Foi uma
disputa acirrada. Diana sentia-se em dívida para com a irmã
mais velha, e foi apenas tardiamente na sua vida que estabele-
ceu uma relação de proximidade com Jane. Durante a sua ju-
ventude, Jane tinha tendência para se colocar ao lado do irmão
Charles, em vez de da irmã mais nova. A inevitável propensão
de Diana era imitar Sarah. Durante as suas primeiras semanas
era barulhenta e interrompia as aulas. Na tentativa de copiar as
aventuras da sua irmã Sarah, aceitou um desafio que por pouco
não a levou à expulsão.
Numa noite, as amigas, apercebendo-se da escassez das suas
reservas de doces nas respetivas caixas, pediram a Diana que
se encontrasse com outra rapariga no fim do caminho de aces-
so ao colégio a fim de receber mais doces dela. Era um desafio
que ela aceitou. À medida que caminhava pela estrada ladeada
de arvoredo no negrume da noite, ia arranjando coragem para
superar o seu medo do escuro. Quando chegou ao portão da
escola descobriu que não havia lá ninguém. Esperou. E esperou.
Quando dois carros da polícia entraram pelos portões da escola,
escondeu-se atrás de um muro.
Então reparou que as luzes se iam acendendo em todo o co-
légio mas não pensou nisso. Finalmente, regressou ao dormi-
tório aterrorizada não tanto ante a perspetiva de ser apanhada
como pelo facto de ter regressado de mãos vazias. A sorte deter-
minou que uma das suas companheiras de quarto se queixasse
com apendicite. Quando estava a ser examinada, a professora de
Diana reparou que a cama de Diana estava vazia. O jogo estava
no ar. Não foi apenas Diana que teve de ouvir o sermão; os seus
pais também. Foram chamados à presença de Miss Rudge, que
lhes fez um negro relato do sucedido. Os pais sentiram-se secre-
tamente divertidos com o facto de a sua dedicada e doce filha ter

147
revelado esta faceta. «Não imaginei que o possuísses dentro de
ti», disse-lhe a mãe mais tarde.
Embora o incidente tenha mitigado os seus mais ousados
intentos, Diana manteve-se sempre pronta para um desafio.
A comida era a sua aposta preferida. «Era sempre um gran-
de divertimento: “vamos ver se a Diana come três arenques
fumados e seis fatias de pão ao pequeno-almoço”», dizia uma
colega. «E comia.» A sua reputação como glutona fazia que a
sua frequente visita à enfermaria com problemas digestivos
pouco lhe afetasse a popularidade. Num dos seus aniversários
as amigas juntaram-se para lhe comprar um colar decorado
com um «D» de Diana. Carolyn Pride, atualmente Carolyn
Bartholomew, que ocupava a cama ao lado da de Diana no
dormitório e mais tarde ocupou o mesmo apartamento em
Londres, recorda-a como tendo uma «personalidade forte,
alegre e barulhenta».
Ela acrescentou: «Jane era muito popular, simpática, modes-
ta mas incontroversa. Diana, por contraste, tinha muito mais
vida, possuía uma personalidade efervescente.» Carolyn e Dia-
na estavam destinadas uma à outra desde o início porque se en-
contravam entre as únicas alunas cujos pais estavam divorcia-
dos. «Não era uma grande sentença para nós, e não andávamos
a soluçar pelos cantos por causa disso», afirmou, embora outras
alunas se recordem de Diana como uma adolescente «intros-
pectiva e controlada» que não revelava as suas emoções facil-
mente. Era significativo o facto de as duas fotografias, eleitas
como motivo de orgulho, da sua mesa de cabeceira serem não
da sua família, mas dos seus hamsters preferidos, o Little Black
Muff e o Little Black Puff.
No entanto, sentia-se constantemente atormentada com a
exiguidade dos seus dotes académicos. As irmãs revelaram
ser um papel difícil de seguir, enquanto o irmão, na altura em
Maidwell Hall, em Northamptonshire, revelava um potencial

148
académico que mais tarde lhe permitiu ingressar na Univer-
sidade de Oxford. A desajeitada adolescente, com tendência
a curvar-se para dissimular a altura, ansiava por ser tão boa
como o irmão na sala de aula. Tinha ciúmes e via-se como um
fracasso. «Não era boa em nada. Sentia-me inútil, uma falha-
da», disse ela.
Embora se atrapalhasse com a Matemática e com as Ciên-
cias, sentia-se mais à-vontade com assuntos que envolvessem
pessoas. A História, em particular o período dos Tudors e dos
Stuarts, fascinou-a, enquanto na disciplina de Inglês adorou li-
vros como Orgulho e Preconceito e Far from the Madding Crowd. Isso
não a impediu de ler os romances piegas de Barbara Cartland,
que viria a ser, pouco depois, a mãe da segunda mulher do pai
de Diana. Nos trabalhos escrevia interminavelmente, com a
sua distinta e bem desenhada caligrafia cobrindo as páginas.
«Surgia-me instantaneamente, cada vez mais», comentou.
No entanto, quando chegava o silêncio da sala de exames, Dia-
na gelava. Os níveis O que conseguira em Literatura e Língua
Inglesas, História, Geografia e Arte resultaram numa nota «D»,
correspondente a fracassos.
O êxito que fugia dela dentro das salas de aula acabou por
chegar, mas proveniente de uma origem inesperada. West
Heath encorajava o conceito de «boa cidadania» nas raparigas,
expresso em visitas aos idosos, aos doentes e aos deficientes
mentais. Todas as semanas, Diana e outra rapariga visitavam
uma senhora idosa em Sevenoaks. Conversavam com ela du-
rante o chá com bolinhos, arrumavam-lhe a casa e cumpriam
a particular tarefa de lhe fazer as compras. Ao mesmo tempo a
Unidade de Serviço Voluntário organizou passeios a Darenth
Park, um hospital psiquiátrico perto de Dartford. Dúzias de
adolescentes voluntárias foram beijadas numa tarde de terça-
-feira por uma dança com pacientes que sofriam de perturba-
ções psiquiátricas e psicológicas.

149
Outras jovens ajudavam adolescentes hiperativos, tão grave-
mente perturbados que encorajá-los a sorrir já era uma história
de grande êxito.
«Foi onde ela aprendeu a agachar-se e a pôr-se de joelhos
quando se encontra com as pessoas, porque muita da interação
fazia-se rastejando com os pacientes», diz o Dr. Muriel Stevens,
que ajudou a organizar as visitas. Muitos dos novos voluntários
escolares sentiam-se receosos de visitar o hospital, ansiedades
alimentadas pelo medo do desconhecido. No entanto, Diana
descobriu que possuía uma aptidão natural para este trabalho.
Conseguia estabelecer uma relação instintiva com muitos pa-
cientes, e os seus esforços davam-lhe um verdadeiro sentimen-
to de realização. Fazia-lhe maravilhas à auto-estima.
Ao mesmo tempo, era uma boa atleta multifacetada. Ganhou
as taças dos campeonatos de natação e mergulho em quatro
anos seguidos. O seu «Spencer Especial», quando ela mergulha-
va para a piscina sem quase provocar uma única onda na super-
fície da água, conquistava invariavelmente a audiência. Era ca-
pitã da equipa de netball e jogava ténis convincentemente. Mas
vivia à sombra das suas desportivas irmãs e da sua mãe, que fora
«capitã de tudo» quando estudante e que teria jogado no Júnior
Wimbledon se não fosse um ataque de apendicite.
Quando Diana começou a aprender piano, todos os progres-
sos que fazia eram diminuídos pelos feitos da avó, Lady Fermoy,
que actuara no Royal Albert Hall para a Rainha-mãe, e da sua
irmã Sarah, que estudara piano num conservatório de Viena,
depois da sua abrupta saída de West Heath. Por contraste, o seu
trabalho comunitário fora algo que ela conseguira conquistar
sozinha sem se sentir diminuída em relação ao resto da família.
Era uma estreia satisfatória.
A dança deu-lhe mais uma oportunidade de brilhar. Adorava
as suas aulas de ballet e sapateado, e ansiava por ser bailarina,
mas o seu 1,80 m de altura era excessivo. Um dos seus baila-

150
dos preferidos era O Lago dos Cisnes, que viu pelo menos qua-
tro vezes quando as excursões da escola iam ao Coliseu ou aos
teatros de Sadler’s Wells, em Londres. Quando dançava, podia
perder-se nos movimentos. Muitas vezes, arrastava-se silencio-
samente para fora da cama pela calada da noite e esgueirava-se
para o novo salão da escola, para praticar. Com a música de um
gira-discos como suporte, Diana praticava ballet durante horas.
Este esforço extra teve os seus frutos quando ganhou o concur-
so de dança da escola no fim da primavera de 1976. Com alguma
surpresa, durante a preparação do seu casamento convidou a
sua antiga professora, Wendy Mitchell, e a pianista Lily Snipp
para o Palácio de Buckingham, de forma a poder ter lições de
dança. Para Diana, isto significava uma hora longe da pressão e
da fadiga da sua recentemente adquirida posição.
Quando a família se mudou para Althorp, em 1975, Diana
tinha o auditório perfeito. Nos dias de verão podia praticar os
seus arabescos nas balaustradas de arenito da casa, e quando
os visitantes se iam embora ela dançava no mármore branco e
negro da entrada, oficialmente conhecida como Wootton Hall,
sob retratos de ancestrais distintos. Eles não eram a sua única
audiência. Ainda que se recusasse a dançar em público, o irmão
e o pessoal faziam turnos para espreitar pelo buraco da fecha-
dura e vê-la trabalhar no seu maillot preto. «Estávamos todos
muito impressionados», disse Charles.
A família mudou-se para Althorp depois da morte do seu
avô, o 7.° conde Spencer, em 9 de junho de 1975. Embora com
83 anos, era ainda vigoroso, e a sua morte por pneumonia, de-
pois de um breve internamento hospitalar, sobreveio como um
choque. Significou uma considerável convulsão. As raparigas
tornaram-se senhoras; Charles, na altura com 11 anos, tornou-
-se visconde Althorp, enquanto o seu pai se tomava o 8.° conde
e herdava Althorp. Com 5000 hectares de ondulado terreno de
cultivo em Northamptonshire, mais de 100 pequenas casas de

151
campo integradas, uma valiosa coleção de quadros, alguns de
Sir Joshua Reynolds, livros raros, porcelanas do século XVII,
mobílias e pratas, incluindo a Coleção Marlborough, Althorp
era mais que uma casa imponente – era um modo de vida.
O novo conde herdou também uma conta de 2,25 milhões de
libras de imposto sucessório, bem como custo de manutenção
de 80 mil libras por ano. Isso não o impediu de pagar a constru-
ção de uma piscina para divertimento dos filhos, que durante as
férias vagueavam pelos novos domínios. Diana passava os dias a
nadar, a passear pelos jardins, a conduzir o buggy de praia, azul,
de Charles e, é claro, a dançar. Os empregados adoravam-na;
consideravam-na uma boa amiga e despretensiosa, com uma
paixão por chocolates, doces e romances delicados de Barbara
Cartland.
Esperava ansiosamente pelo dia em que a irmã Sarah chega-
ria de Londres com uma multidão de sofisticados amigos. Espi-
rituosa e perspicaz, Sarah era vista pelos seus contemporâneos
como a Rainha da época, especialmente depois de o pai lhe ter
organizado uma fantástica festa de aniversário, em 1973, em
Castle Rising, um castelo normando em Norfolk. Os convida-
dos chegaram em carruagens puxadas por cavalos, e o caminho
para o castelo estava alumiado com tochas a arder. A sumptu-
osa festa ainda hoje é lembrada. Os pretendentes estavam à
altura do seu estatuto. Todos esperavam que o seu relaciona-
mento com Gerald Grosvenor, duque de Westminster e o mais
abastado aristocrata inglês, acabasse em casamento. Ela ficou
tão surpreendida como toda a gente quando ele desviou as suas
atenções para outro lado.
Diana contentava-se a contribuir para a glória da irmã. Lu-
cinda Craig Harvey, que partilhou uma casa com Sarah em Lon-
dres e mais tarde empregou Diana para trabalhos de limpeza a 1
libra a hora, conheceu a sua futura empregada durante um jogo
de críquete em Althorp. As primeiras impressões não foram

152
lisonjeadoras. Diana pareceu-lhe uma «rapariga muito grande
que usava uns aterradores vestidos pré-mamã da Laura Ashley».
Disse ela: «Era muito tímida, corava facilmente e correspondia
exactamente a uma irmã mais nova. Terrivelmente simples,
não era seguramente uma atração para o olhar.» Mesmo assim,
Diana juntou-se às festas, aos barbecues e aos frequentes jogos de
críquete com entusiasmo. Estes concursos entre casa e a aldeia
terminaram com a chegada de uma personagem que poderia ter
sido inventada pela agência de atores Central Casting.
O seu críptico registo no livro de visitas rezava: «Raine in-
terrompeu o espetáculo». Raine Spencer, mais tarde condessa
de Chambrun, não é tanto uma pessoa, mas mais um fenóme-
no. Com o seu cabelo armado, a sua complexa plumagem, com
o seu esfusiante charme e largo sorriso, era uma caricatura de
uma condessa. A filha da badalada novelista romântica Barbara
Cartland possuía já meia página no Who’s Who antes de conhe-
cer Johnnie Spencer. Como Lewisham e, mais tarde, depois de
1962, como condessa de Darmouth, era uma figura polémica da
política em Londres, onde cumpriu funções de conselheira no
London County Council. As suas animadas opiniões depressa
lhe deram uma vasta notoriedade, e ela tornou-se um rosto fa-
miliar nas colunas dos mexericos sociais.
Durante os anos 60 notabilizou-se como uma burlesca con-
selheira «de pérolas e saia-e-casaco» dos Tories, com pontos de
vista tão rígidos quanto o seu penteado. «Eu sei sempre quando
visito casas de conservadores, porque eles lavam as suas garra-
fas de leite antes de as porem à porta», foi uma piada que resul-
tou numa tremenda vaia que a obrigou a sair do palco quando
falava para os estudantes da London School of Economics.
Contudo, a frontalidade das suas opiniões camuflava uma de-
terminação de ferro conjugada com um grande encanto e res-
posta rápida. Ela e o conde Spencer trabalharam juntos num
livro para o Greater London Council, intitulado What is Our

153
Heritage? E rapidamente descobriram que possuíam muita coi-
sa em comum. Raine tinha, então, 46 anos e tinha sido casada
com o conde de Dartmouth durante 28 anos. Tiveram quatro
filhos: William, Rupert, Charlotte e Henry. Durante a sua vida
académica em Eaton, Johnnie Spencer e o conde de Dartmouth
haviam sido bons amigos.
Raine exerceu o seu esmagador encanto tanto sobre o pai
como sobre o filho, conseguindo a reconciliação entre o conde
Spencer e o seu amante durante os últimos anos de vida do con-
de. O velho conde adorava-a, especialmente porque no Natal e
em todos os seus aniversários ela lhe oferecia uma bengala para
a sua coleção.
As crianças sentiam-se menos impressionadas. Como um
galeão de vento em popa, rumou nos seus horizontes, pela pri-
meira vez, em 1970. Na verdade, a sua presença no aniversário
dos 18 anos de Sarah, em Castle Rising, foi motivo de muita
reflexão para a aristocracia de Norfolk. Um «incómodo» jantar
no Hotel Duke’s Head foi a primeira verdadeira oportunidade
de apresentar Charles e Diana à nova mulher do pai. O jantar
fora organizado para, em princípio, celebrar o novo plano de
gestão que salvaria a fortuna da família. Na verdade, foi a opor-
tunidade de Charles e Diana conhecerem a sua futura madrasta.
«Não gostámos dela nem um bocadinho», confessou Charles.
Disseram ao pai que, se ele casasse com ela, eles lhe virariam as
costas. Em 1976, Charles, então com 12 anos, expressou os seus
sentimentos enviando a Raine uma carta «vil», enquanto Diana
incentivou uma amiga a escrever uma carta envenenada à sua
madrasta. O incidente que gerou este comportamento explosi-
vo foi a descoberta, pouco antes da morte do avô de Diana, de
uma carta que Raine enviara ao pai deles, onde discutia os seus
planos para Althorp. As suas particulares opiniões a respeito
do conde não coincidiam com o comportamento que Charles
e Diana a viam desempenhar em público para com o seu avô.

154
Uma vez que a família se opôs completamente ao par, Raine
e Johnnie casaram-se pacatamente no Registo Civil de Caxton
Hall, em 14 de julho de 1977, pouco tempo depois de ele ter sido
mencionado no processo de divórcio pelo conde de Dartmouth.
Nenhuma das crianças foi previamente informada do casamen-
to, e Charles soube que tinha uma madrasta por intermédio do
reitor da sua escola preparatória.
Um redemoinho de mudanças abateu-se imediatamente so-
bre Althorp com a nova senhora empenhada em dar à casa da
família uma organização empresarial de modo que os encargos
que o novo conde contraíra pudessem ser pagos. O pessoal foi
reduzido ao extremo e, de modo a abrir a casa a visitas pagas,
o estábulo foi transformado em salão de chá e loja de brindes.
Ao longo dos anos, numerosos quadros, antiguidades e outros
objets d’art foram vendidos, e muitas vezes, a preços de bagatela
– acusam as crianças, descrevendo desdenhosamente a forma
como a casa foi «remodelada». O conde Spencer defendeu sem-
pre a gestão firme que a esposa aplicou na propriedade, e afir-
mou: «Os custos da remodelação foram imensos.»
Contudo, não houve tréguas nas azedas relações que existiam
entre Raine e os filhos do conde. Ela comentou publicamente,
falando para Jean Rook, repórter de um jornal: «Estou com-
pletamente farta da história da “madrasta bruxa”. Vocês nunca
me retratarão como um ser humano porque as pessoas gostam
de pensar em mim como a mãe do Drácula, mas eu passei um
mau bocado no início e só agora começa a melhorar. Sarah in-
dignou-se comigo, até por eu ter ocupado o lugar à cabeceira
da mesa, e dava ordens aos empregados nas minhas costas. Jane
não falou comigo durante dois anos, mesmo quando chocáva-
mos uma com a outra no corredor. Diana era querida. Metia-se
na sua vida.»
Na verdade, a indignação de Diana para com Raine acumu-
lou-se durante anos até, finalmente, explodir, em 1989, no en-

155
saio da igreja, aquando do casamento do seu irmão com Victo-
ria Lockwood, uma modelo famosa. Raine recusou-se a falar à
mãe de Diana na igreja, embora estivessem sentadas no mesmo
banco. Diana expulsou todos os agravos engolidos durante mais
de dez anos. Raine argumentou: «Não fazes ideia da dor que a
tua mãe causou a teu pai.» Diana, que mais tarde admitiu nunca
ter sentido tamanha fúria, atacou a madrasta. «Dor, Raine, é
uma palavra que nem sequer sabes o que realmente significa.
Nas minhas funções e no desempenho do meu papel, vejo pes-
soas a sofrer como tu nunca verás, e tu chamas dor a isto. Tens
muito que aprender.» Houve muito mais coisas assim. Depois
disto, a mãe de Diana afirmou ter sido aquela a primeira vez,
que alguém da família a defendera.
No entanto, no começo do seu domínio em Althorp, as
crianças tratavam Raine como uma anedota. Troçavam da for-
ma como ela classificava os seus convidados de acordo com o
seu estatuto social. Quando Charles chegou de Eton, onde fre-
quentava, na altura, a escola, convenceu previamente os amigos
a dar nomes falsos. Assim, um dos rapazes disse que se chama-
va James Rothschild, sugerindo pertencer à família do famoso
banqueiro. Raine exultou. «És filho de Hannah?», perguntou.
O amigo de Charles respondeu que não sabia, antes de criar o
equívoco escrevendo erradamente o seu apelido no livro de vi-
sitas.
Num barbecue de fim de semana um dos amigos de Sarah
apostou 100 libras em como Charles não conseguia atirar a ma-
drasta para a piscina. Raine, que apareceu desportivamente ves-
tida, com uns calções e uma T-shirt, aceitou o pedido de Char-
les para uma dança ao redor da piscina. Quando se preparava
para um golpe de judo, ela percebeu a sua intenção e conseguiu
escapar. O Natal em Althorp com Raine Spencer a comandar
as operações era uma comédia bizarra, um gritante contraste
com as extravagâncias de Park House. Ela presidia à abertura

156
dos presentes como um apresentador oficial. As crianças não
podiam abrir senão o presente que ela lhes indicava e somente
depois de ela olhar para o relógio e de lhes dar autorização para
rasgarem os papéis. «Era uma completa loucura», disse Charles.
O único momento agradável aconteceu quando Diana deci-
diu dar um dos seus presentes a um guarda-noturno muito iras-
cível. Embora possuísse uma reputação atemorizadora, Diana
percebeu instintivamente que ele apenas se sentia só. Ela e o
irmão foram procurá-lo, e ele ficou tão sensibilizado com este
gesto que desatou a chorar. Foi um prematuro exemplo da sua
sensibilidade para perceber as necessidades dos outros, quali-
dade evidenciada pela sua reitora, Miss Rudge, que a premiou
com o título de Miss Clark Lawrence, pelos serviços prestados à
escola no último período de 1977.
Diana estava então a desenvolver a sua autoconfiança, qua-
lidade reconhecida pela sua nomeação a prefeita da escola.
Quando deixou West Heath, Diana seguiu as pegadas da irmã
matriculando-se no Instituto Alpin Videmanette, uma dispen-
diosa escola perto de Gstaad, na Suíça, onde assistiu a aulas de
economia doméstica, costura e culinária. Deveria não falar ou-
tra língua senão o francês durante todo o dia. Na verdade, ela e
a amiga Sophie Kimball falavam inglês o tempo todo, e a única
coisa de que ela gostava era o esqui. Infeliz e sufocada pela roti-
na da escola, Diana sentia-se desejosa por escapar dali. Escreveu
pilhas de cartas pedindo aos pais que a mandassem para casa.
Eles finalmente cederam quando ela argumentou que estavam
simplesmente a desperdiçar o seu dinheiro.
Com os dias de escola para trás, Diana sentia-se como se lhe
tivessem retirado um enorme peso dos ombros. Floresceu vi-
sivelmente, tornando-se mais alegre, mais viva e mais bonita.
Diana estava então mais madura e descontraída, e os amigos da
irmã olhavam para ela com novos olhos. Ainda tímida e com
excesso de peso, estava, contudo, a desenvolver uma persona-

157
lidade popular. «Ela era muito divertida, elegante e generosa»,
disse uma amiga.
Contudo, o florescimento de Diana foi visto com apreensi-
vos ciúmes por parte de Sarah. Londres era o seu reino, e ela
não queria que a irmã lhe roubasse as atenções. O choque deu-
-se num dos últimos fins de semana em Althorp. Diana pediu
à irmã uma boleia para Londres. Sarah recusou alegando que
seria demasiado dispendioso em gasolina ter mais uma pessoa
dentro do carro. Os amigos ridicularizaram-na, vendo-se, pela
primeira vez, como a balança dos seus relacionamentos pesava
a favor de Diana.
Diana fora a Gata Borralheira da família durante bastante
tempo. Sentira o seu espírito limitado pela rotina escolar e a
sua personalidade estrangulada pela sua posição subalterna na
família. Ansiava por levantar voo e começar a sua própria vida
em Londres. A emoção da independência vencia. Como o afir-
mou o seu irmão Charles: «De repente, o insignificante patinho
feio iria, obviamente, transformar-se num cisne.»

158
CAPÍTULO II

«Chama-me Apenas Sir»

F oi, em todos os aspectos, um romance invulgar. Só quan-


do Lady Diana Spencer ficou formalmente noiva de Sua Alteza
o Príncipe de Gales é que lhe foi dada autorização para o tra-
tar por Carlos. Até lá tinha de o tratar humildemente por Sir.
Ele tratava-a por Diana. No círculo do Príncipe Carlos esta era
considerada a norma. Quando Sarah, irmã de Diana, desfrutou
de um relacionamento de nove meses com o Príncipe de Gales
fora igualmente formal. «Pareceu-me perfeitamente natural,»
recorda. «Era obviamente correto tratá-lo desse modo porque
nunca fui corrigida.»
Foi durante o romance da irmã que Diana conheceu o ho-
mem então considerado o solteiro mais apetecido. Esse histó-
rico encontro, em novembro de 1977, foi pouco auspicioso.
Diana, em fim-de-semana da West Heath School, foi apresen-
tada ao Príncipe no meio de um terreno lavrado, perto de No-
bottle Wood, na propriedade de Althorp, durante uma caçada.
O Príncipe, que se fizera acompanhar pelo seu fiel labrador, San-
dringham Harvey, era considerado um dos melhores atiradores
da região, por isso, naquela escura tarde, estava mais interessa-
do no seu desporto que em conversas sociais. Diana tinha uma
figura deslavada com a sua irrepreensível camisa, o anoraque da
irmã, calças de bombazina e sapatos de montanha. Mantinha-se
afastada, compreendendo que fora convidada só para fazer nú-
mero. Era essencialmente o espetáculo da irmã, e Sarah estava

159
talvez a ser bastante maldosa quando mais tarde afirmou que
«fizera de Cupido» entre a irmã mais nova e o Príncipe.
Se a recordação que Carlos guarda de Diana desse decisivo
fim-de-semana é a de «uma rapariga de 16 anos muito alegre,
divertida e atraente – repleta de boa-disposição», isso não se fi-
cou a dever, seguramente, à irmã mais velha de Diana. No que a
Sarah dizia respeito, Carlos era, nessa altura, do seu domínio, e
os invasores não eram bem-vindos pela efervescente ruiva que
aplicava os seus instintos de competição ao homem da sua vida.
De qualquer modo, Diana não ficou muito impressionada com
o namorado real de Sarah. «Que homem tão triste», lembra-
-se de ter pensado. Os Spencers deram um baile em sua honra
nesse fim-de-semana, e foi evidente que Sarah reclamou entu-
siasticamente as atenções. Diana disse mais tarde aos amigos:
«Mantive-me afastada. Lembro-me de ser uma rapariga gorda,
deselegante, de cara lavada e pouco brilhante, mas fiz muito ba-
rulho e ele gostou disso.»
Quando o jantar terminou, Carlos havia simpatizado com
Diana o suficiente para lhe pedir que lhe mostrasse a galeria
de quadros com 35 metros, que abrigava, na altura, uma das
melhores coleções de arte da Europa. Sarah quis ser o guia das
«gravuras» da família. Diana percebeu a insinuação, e deixou-
-os entregues a si próprios.
Não obstante o comportamento de Sarah, que dificilmente se
poder considerar o de um potencial Cupido, o interesse de Car-
los pela sua irmã mais nova deixou Diana com muita matéria de
reflexão. Ele era, afinal, o namorado da irmã. Carlos e Sarah co-
nheceram-se em Ascot, em junho de 1977, quando Sarah cura-
va as feridas resultantes do rompimento do seu namoro com
o duque de Westminster. Nessa altura, ela sofria de anorexia
nervosa, a doença do emagrecimento, que os amigos acreditam
ter sido provocada pelo colapso do seu namoro. Como um ami-
go observou: «Sarah tinha de ser a melhor em tudo. O melhor

160
carro, a mais espirituosa e o melhor vestido. As dietas faziam
parte do seu espírito competitivo: ser mais magra que qualquer
outra pessoa.»
Sarah guardou uma fotografia sua em roupa interior de quan-
do estava literalmente em pele e osso. Nessa altura, durante os
meados de 1970, ela considerava-se gorda. Hoje percebe até que
ponto não estava bem. A família, preocupada com a sua saúde,
usou todos os métodos possíveis para a incitar a comer. Por
exemplo, deixavam-na falar com o Príncipe Carlos ao telefone
se ela engordasse um quilo. Em 1977, ela optou por se internar
numa clínica em Regent’s Park, onde foi tratada pelo Dr. Mau-
rice Lipsedge, um psiquiatra que, por pura coincidência, tratou
de Diana uma década mais tarde, quando ela decidiu combater
a sua bulimia.
Como se dedicou à tarefa de superar a sua condição, Sarah
viu o Príncipe Carlos com frequência. Durante o verão de 1977,
viu-o a jogar polo na Smith’s Lawn, em Windsor, e quando,
em fevereiro de 1978, ele a convidou para o acompanhar a uma
festa de esqui em Klosters, na Suíça, houve muita especulação
a respeito de ela poder vir a ser a futura Rainha de Inglaterra.
Contudo, o empenhamento de Sarah em obter publicidade ul-
trapassou a circunspeção esperada por parte de uma namorada
real. Deu uma entrevista a uma revista onde amolgou conside-
ravelmente a imagem do Príncipe como Casanova. «A nossa
relação é totalmente platónica», declarou. «Vejo nele o irmão
mais velho que nunca tive.» Para um melhor esclarecimento,
acrescentou: «Nunca casaria com um homem a quem não amas-
se, quer fosse um varredor do lixo quer fosse o Rei de Inglater-
ra. Se ele me pedisse em casamento, eu recusaria.»
Embora a relação de ambos esfriasse, Carlos ainda convidou
Sarah para a festa dos seus 30 anos, no Palácio de Buckingham,
em novembro de 1978. Para grande surpresa de Sarah, Diana
também foi convidada. A Gata Borralheira ia ao baile.

161
Diana divertiu-se imenso na festa de aniversário, em grande
parte porque obrigou a irmã a descer à terra. Contudo, nunca
lhe passou pela cabeça pensar que o Príncipe estaria remota-
mente interessado num romance. Seguramente, nunca se con-
siderou uma concorrente à altura da atriz Susan George, que o
acompanhou nessa noite. Em todo o caso, a vida era demasiado
agradável para pensar em namoros sérios. Acabara de regressar
da sua amaldiçoada excursão à escola suíça, onde terminaria a
sua formação escolar, desesperada por começar uma vida inde-
pendente em Londres. Os seus pais não eram tão entusiásticos.
Diana não possuía quaisquer habilitações académicas, ne-
nhum talento especial e tinha apenas a vaga noção de querer
trabalhar com crianças. Embora parecesse destinada a empre-
gos pouco qualificados e mal pagos, a sua situação não era in-
vulgar nas raparigas do seu meio social e com o seu ascendente
familiar. As famílias aristocráticas investem tradicionalmente
um esforço e cuidado maiores na educação dos rapazes do que
na das raparigas. Existe a assunção tácita de que as raparigas, de-
pois de passar por uma educação formal em cursos de culinária
e arte, se juntarão aos seus bem-nascidos amigos no mercado
do casamento. No início do reinado da Rainha, este quadro da
vida londrina ainda se formalizava com a apresentação das de-
butantes no Palácio de Buckingham, a que se seguia uma série
de bailes. De facto, os pais de Diana conheceram-se no baile de
apresentação da sua mãe, em abril de 1953, baile onde Raine
Spencer foi eleita a Debutante do Ano.
O casamento era algo em que Diana muito pensava quando
regressou da Suíça. A sua irmã Jane pediu-lhe que fosse a prin-
cipal dama de honor no seu casamento com Robert Fellowes, o
filho do feitor da Rainha em Sandringham, depois seu secretá-
rio pessoal, e que estava previsto para abril de 1978, na Guards
Chapel. Embora não houvesse pressão da família para seguir
uma determinada carreira profissional, havia uma considerável

162
relutância em deixá-la viver sozinha em Londres. Como co-
mentou a sua reitora na Suíça, Madame Yersin: «Era bastante
imatura para uma rapariga de l6 anos.» Se Diana era vista como
tão inocente no estrangeiro, os pais consideravam que uma vida
de clausura num colégio feminino dificilmente constituiria uma
adequada preparação para a ofuscante vida da grande cidade.
Disseram-lhe que não podia ter o seu próprio apartamento an-
tes dos 18 anos.
Como alternativa, foi remetida para uns amigos da família: o
major Jeremy Whitaker, fotógrafo, e a sua esposa Philippa, que
viviam em Headley Bawden, em Hampshire. Viveu com eles
durante três meses e não só tomava conta da sua filha Alexan-
dra, como limpava e cozinhava. No entanto, Diana estava em
pulgas para se mudar para a metrópole, e bombardeava os pais
com subtis e menos subtis exigências. Finalmente, estabeleceu-
-se um compromisso. A mãe permitiu-lhe que ficasse instalada
no seu apartamento de Cadogan Square. Como a Sra. Shand
Kydd passava a maior parte do ano na Escócia, esta passaria a
ser praticamente a sua casa. Seria, de facto, a sua casa durante
um ano, inicialmente partilhada com Laura Greig, uma velha
colega da escola, e, mais tarde, uma das suas damas de honor, e
com Sophie Kimball, a filha de Marcus Kimball, membro con-
servador do Parlamento.
De forma a poder sustentar-se, Diana juntou-se ao grupo a
que, depois, desprendidamente, chamaria a brigada das «fitas
de veludo»: as jovens de classe alta que se embutiam num per-
dido conjunto de valores, modas, etiqueta e atitudes e que eram
vulgarmente conhecidas como as «Sloane Rangers». Inscreveu-
-se em duas agências de emprego: Solve Your Problems e Knights-
bridge Nannies, e trabalhou como empregada de mesa em fes-
tas particulares e como empregada de limpeza em casas parti-
culares. Entre as suas lições de condução – passou no exame à
segunda tentativa –, era muito procurada pelas amigas casadas

163
das irmãs como babysitter, e Sarah pedia-lhe para fazer número
nos seus frequentes jantares de festa. A sua vida em Londres era
calma, quase mundana. Não fumava e nunca bebeu, preferindo
passar o seu tempo livre a ler, a ver televisão, a visitar amigos
ou a sair para jantar em restaurantes modestos. Clubes notur-
nos barulhentos, festas loucas ou pubs cheios de fumo nunca
foram o seu ambiente. A «Disco Di» só existiu na cabeça dos
jornalistas de cabeçalhos com gosto pelas aliterações. Na reali-
dade, Diana era uma solitária por inclinação e hábito.
Os fins-de-semana eram passados no campo, em Althorp
com o pai, na casa de campo da propriedade da sua irmã Jane ou
em festas em casa de alguém do seu crescente grupo de amigos.
As suas amigas de Norfolk e West Heath – Alexandra Loyd,
Caroline Harbord-Hammond, a filha de lorde Suffield, There-
sa Mowbray, a afilhada de Frances Shand Kydd, e Mary-Ann
Stewart-Richardson – viviam agora todas em Londres e consti-
tuíam o núcleo do seu círculo de amigos.
Foi quando estava com Caroline, num fim-de-semana, em
setembro de 1978, na casa de seus pais, em Norfolk, que teve
uma perturbante premonição. Quando delicadamente a inqui-
riram a respeito da saúde do pai, a sua resposta espantou os
presentes. Deu por si a responder que achava que o pai, se iria,
de algum modo, «afundar». «Se ele morrer, morrerá imediata-
mente; caso contrário sobreviverá», disse ela. No dia seguinte
o telefone tocou. Diana sabia que era sobre o seu pai. E era.
Conde Spencer sofrera um colapso no pátio de Althorp, tendo
sido vítima de uma hemorragia cerebral, e fora urgentemen-
te encaminhado para o Hospital de Northampton. Diana fez as
malas e foi juntar-se às irmãs e ao irmão Charles, procedentes
de Eton num carro conduzido pelo cunhado, Robert Fellowes.
O prognóstico médico era pessimista. Não se esperava que o
conde Spencer sobrevivesse àquela noite. De acordo com o seu
filho, Charles, a condessa era uma mulher terra-a-terra. Ele re-

164
corda-a dizendo ao seu cunhado: «Sair de Althorp é a primeira
coisa que farei de manhã.» O reinado de Raine parecia ter acaba-
do. Durante dois dias, os filhos acamparam na sala de espera do
hospital, enquanto o pai se agarrava à vida. Quando os médicos
anunciaram que havia uma réstia de esperança, Raine arranjou
uma ambulância privada para o levar para o National Hospital
for Nervous Diseases, em Queen Square (Londres), onde esteve
em coma por vários meses. Como a família montava vigília, os
filhos viram a pouca distância a determinação obstinada da ma-
drasta. Ela tentou impedi-los de visitar o pai doente em estado
crítico. As enfermeiras foram instruídas no sentido de os im-
pedir de ver o conde Spencer enquanto jazia, indefeso, no seu
quarto privado. Como dissera havia muito: «Sou uma sobre-
vivente, e as pessoas esquecem isso por sua responsabilidade.
Há puro aço na minha coluna vertebral. Ninguém me destrói, e
ninguém destruirá Johnnie enquanto eu me puder sentar ao pé
da sua cama – alguns dos seus familiares tentaram deter-me – e
transmitir-lhe a minha força de viver.»
Durante esta altura crítica, a má-vontade entre Raine e as
crianças ferveu até deitar por fora numa série de rancorosas
agressões mútuas. Houve também dureza na alma dos Spencers
e numerosos corredores de hospital ecoaram o som da temível
condessa e da fogosa Lady Sarah Spencer, grasnando uma à ou-
tra como um par de gansas furiosas.
Em novembro, o conde Spencer sofreu uma recaída e foi
transferido para o Brompton Hospital, em South Kensington.
Mais uma vez, a sua vida estremecia. Quando os médicos es-
tavam na sua fase mais pessimista, a força de vontade de Raine
impôs-se. Ouvira falar de um medicamento alemão chamado
Azlocilina que pensou poder ajudar, e então puxou todos os cor-
delinhos para conseguir um fornecimento. A substância não es-
tava licenciada na Grã-Bretanha, mas isso não a deteve. A droga-
-maravilha foi adquirida na altura certa, e miraculosamente foi

165
bem sucedida. Numa tarde, estava ela na sua vigília habitual ao
lado da cama, quando, com a música de Madame Butterfly tocan-
do em fundo, ele abriu os olhos «e estava de volta». Em janeiro
de 1979, quando finalmente conseguiu obter a alta hospitalar,
ele e Raine reservaram um quarto no Hotel de Dorchester, em
Park Lane, para um dispendioso mês de convalescença.
Durante todo este episódio a pressão sobre a família foi in-
tensa. Sarah, que vivia perto do Hospital de Brompton, visitava
o pai regularmente, apesar de a hostilidade de Raine complicar
uma já perturbante situação. Quando ela não estava presente,
algumas enfermeiras simpáticas permitiam que Diana e Jane o
visitassem, mas como o conde Spencer se mantinha num estado
de semiconsciência, nunca se apercebeu da presença dos filhos.
Mesmo quando estava acordado, o que lhe haviam introduzi-
do na garganta impedia-o de falar. Como Diana recorda: «Não
podia perguntar onde estavam os filhos. Só Deus sabe o que ele
pensava, porque ninguém lhe dava informações.»
Compreensivelmente, foi difícil para Diana concentrar-se no
curso de culinária no qual se matriculara uns dias antes de o pai
sofrer o ataque. Durante três meses, foi de metro a casa de Eliza-
beth Russel, em Wimbledon, onde durante muitos anos esta
ensinou às filhas de nobres, duques e condes as delícias de mo-
lhos, massas e soufflés. Na opinião de Diana, esta era outra faceta
das «fitas de veludo». Matriculou-se no curso por insistência
dos pais, e embora não fosse essa, na altura, a sua ideia de di-
vertimento, sempre era melhor que estar atrás de uma máquina
de escrever. A faceta gulosa de Diana vencia-a com frequência,
e, por isso, era frequentemente repreendida por mergulhar o
dedo dentro das panelas cheias de cremosos molhos. Terminou
o curso uns quilos mais gorda e com um diploma em resultado
dos seus esforços.
Estando o seu pai no começo da luta pela sua saúde, a mãe
de Diana tomou em mãos a orientação da carreira de Diana.

166
Escreveu a Miss Betty Vacani, a lendária professora de dança
que ensinara três gerações de crianças da realeza, e perguntou-
-lhe se não havia uma vaga para uma professora de ballet para o
segundo nível. Havia. Diana passou na entrevista e, no tercei-
ro período, começou a ensinar no estúdio de dança de Vacani,
em Brompton Road. Combinava, na perfeição, o seu amor por
crianças com o seu prazer pela dança. Mais uma vez, porém,
isto durou apenas três meses, embora pela primeira vez não fos-
se por culpa dela.
Em março, a amiga Mary-Ann Stewart-Richardson convi-
dou-a para se juntar à sua família para umas férias na neve nos
Alpes Franceses. Diana caiu em má posição numa rampa de es-
qui e rasgou todos os tendões do tornozelo esquerdo. Durante
três meses andou a colocar e a retirar o gesso, enquanto os ten-
dões saravam lentamente. Foi o fim das suas aspirações como
professora de dança.
Apesar da sua pouca sorte, Diana recorda aquelas férias em
Val Claret como das mais divertidas e descontraídas da sua vida.
Foi também onde conheceu muitas das pessoas que mais tarde
se tornaram os seus amigos e apoiantes mais fiéis. Na altura em
que Diana se juntou aos Stewart-Richardsons, eles estavam a
braços com uma tragédia familiar. Ela sentiu-se, naturalmente,
deslocada no seu chalet, e aceitou o convite de Simon Berry, o
filho de um rico comerciante de vinhos, para se juntar ao seu.
Berry e outros três velhos estudantes de Eton – James Bolton,
Alex Lyle e Christian de Lotbiniere – eram os cérebros por de-
trás da viagem Bob Esqui. Este era o nome de uma companhia,
assim batizada em alusão ao seu reitor de Eton, Bob Baird, e
que se formara quando descobriram ser demasiado novos para
legalmente marcarem férias por si próprios. Assim, estes jovens
empreendedores arrancaram com a sua própria empresa e, en-
tre o núcleo duro dos 20, compreendido maioritariamente por
antigos alunos de Eton, o seu grande trunfo chamar-se-ia Bob.

167
Diana depressa começou a fazer «Bob, Bob»,1 acompanhan-
do-os, movendo-se para cima e para baixo. «Estás a patinar
em gelo fino», gritou ela na sua voz de Miss Piggy, enquanto
patinava atrás e perigosamente perto dos membros do grupo.
Participou nas guerras de almofadas, nas charadas e nas canções
satíricas. Diana foi implacavelmente trocista para com uma fo-
tografia emoldurada do Príncipe Carlos tirada na sua investi-
dura, em 1969, e que estava pendurada no dormitório da sua
escola. «Inocente», disse ela. Foi um presente à escola. Quando
esteve no chalé de Berry dormiu no sofá da sala. Não que tives-
se dormido muito. O estudante de medicina James Colthurst
gostava de regalar o grupo dos adormecidos com madrugadoras
imitações do famoso «I had a dream», de Martin Luther King,
ou com a sua, também nada divertida, imitação de Mussolini.
Adam Russell, o bisneto do antigo primeiro-ministro e en-
tão respeitado agricultor em Dorset, Stanley Baldwin, não ficou
muito impressionado com Diana quando ela ali entrou pela pri-
meira vez. Recorda: «Quando chegou, ela fez um comentário
indelicado seguido de um risinho despropositado. Eu pensei:
“Ó Deus! Uma pateta-alegre, socorro!” Mas, para lá desta apa-
rência, era muito mais calma. Carecia de autoconfiança, quando
devia ter tido muita. Muita leveza, muito riso, mas não des-
provida de sentido.» Quando também ele se magoou, fizeram
companhia um ao outro. Durante as suas conversas viu o lado
reflexivo, mais propriamente triste, do carácter de Diana. Disse
ele: «Aparentemente, ela parecia uma pessoa feliz, mas no fun-
do tinha sido muito afetada pelo divórcio dos pais.»
A sua irmã Sarah, que trabalhava na altura para Savills, um
agente imobiliário líder no mercado, descobriu aquele que se
viria a tornar, por uns tempos, o mais famoso endereço da Grã-

1 No original «... Bob, Bob, Bobbing...», jogo intraduzível para português. A par-
tir do nome Bob, sugere-se a atitude de Diana. «Bobbing» significa mover-se de
cima para baixo, fazer pequenas vénias. (N. da T.)

168
-Bretanha. Um apartamento de quatro assoalhadas num bloco
de apartamentos no n.° 60 de Coleherne Court foi o presente
dos pais de Diana pela sua entrada na maioridade. Em julho de
1979 mudou-se para o apartamento de 50 mil libras e começou
imediatamente a mobilá-la ao estilo Habitat, popular na altu-
ra. As paredes brancas foram repintadas com tons pastel, a sala
tornou-se de um primaveril amarelo-pálido e a casa de banho
brilhante com cerejas vermelhas. Diana sempre prometera à
sua amiga de escola Carolyn Bartholomew um quarto quando
tivesse o seu próprio apartamento. A sua palavra era sagrada.
Sophie Kimball e Philippa Coaker ficaram por uns tempos, mas
em agosto, Anne Bolton, que também trabalhava para Savills,
e Virginia Pitman, o membro mais velho do quarteto, junta-
ram-se a Diana e Carolyn. Foram estas três que ficaram com ela
durante todo o seu romance com o Príncipe Carlos.
Mais tarde, Diana olhou para os dias em Coleherne Court
como os tempos mais felizes da sua vida. Foram juvenis, ino-
centes, sem complicações e quase todos divertidos. «Fartei-me
de rir», disse. A única nuvem negra aconteceu quando o apar-
tamento foi assaltado, e a maior parte das suas joias roubadas.
Como senhoria, cobrava às outras 18 libras e fazia a escala de
limpezas. Naturalmente, tinha o quarto maior, com cama du-
pla. Para que ninguém se esquecesse do seu estatuto, as palavras
«Chefe das Miúdas» foram gravadas na porta do seu quarto.
«Ela trazia sempre postas as luvas de borracha enquanto cacare-
java pela casa», recorda Carolyn. «Mas era a casa dela, e quando
se trata de algo nosso, ficamos incrivelmente orgulhoso disso.»
Pelo menos nunca teve de se preocupar com a lavagem de
pilhas de pratos e copos sujos. As raparigas raramente cozinha-
vam, apesar do facto de Virginia e Diana terem concluído dis-
pendiosos cursos de cozinha.
As duas especialidades de Diana eram os rolos de chocolate
e a sopa russa borscht, que os amigos lhe pediam para fazer e

169
depois entregar nos seus apartamentos. Habitualmente, as ra-
parigas devoravam o rolo antes de este deixar Coleherne Court.
Ou então alimentavam-se de cereais Harvest Crunch e chocola-
te. «Ficámos notoriamente roliças», observou Carolyn.
A adolescente orgulhosa da sua casa era também metódica
na preparação da sua carreira. Pouco tempo depois de se ter
mudado para o apartamento, encontrou um emprego em que
estava verdadeiramente no seu elemento. Durante várias tardes
por semana ia trabalhar para o Young England, jardim infan-
til dirigido por Victoria Wilson e Kay Seth-Smith, na Igreja
de S. Saviour, em Pimlico. Ensinava desenho, pintura e dança
às crianças, e juntava-se aos jogos que elas inventavam. Victo-
ria e Kay estavam tão impressionadas com a sua empatia com
as crianças que lhe pediram para trabalhar também de manhã.
Às terças-feiras e às quartas-feiras tomava conta de Patrick
Robinson, o filho de um executivo americano do petróleo, tra-
balho de que ela «gostava muito».
Ainda havia tempos livres na sua semana de trabalho, por
isso a irmã Sarah tomou a seu cargo a iniciativa de lhos preen-
cher. Contratou-a como empregada de limpeza da sua casa em
Elm Park Lane, Chelsea. A colega de apartamento de Sarah, Lu-
cinda Craig Harvey, recorda: «Diana gostava dela como de uma
heroína, mas Sarah tratava-a como um capacho. Disse-me para
não me inibir de lhe pedir que limpasse isto ou aquilo.» Dia-
na, que aspirava, limpava o pó, passava a ferro e lavava, recebia
1 libra por hora e sentia-se realizada com o trabalho. Quando
ficou noiva do Príncipe Carlos, Diana, em resposta à carta de
felicitações que Lucinda lhe enviou, referiu-se ao seu trabalho
de limpeza. «Foram-se os dias dos detergentes e do aspirador.
Oh, céus! Voltarei a ter dias desses outra vez?»
Libertou-se dos olhares acutilantes da irmã ao voltar à pri-
vacidade do seu próprio apartamento. Talvez tivesse sido o
melhor, já que as divertidas, mas bastante infantis, partidas em

170
que alinhava corriam o risco de não lhe agradar. Diana e Car-
olyn eram capazes de passar uma noite calmamente a telefonar
a pessoas que constavam na lista telefónica com nomes ridícu-
los. Outro passatempo favorito era planear ataques aos diversos
apartamentos e carros dos amigos. Carolyn recorda: «Costumá-
vamos fazer ataques noturnos, corríamos Londres, em opera-
ções sob disfarce, no Mini de Diana.»
Os que de algum modo ofendessem as raparigas recebiam a
desforra com juros. Tocavam campainhas durante a madruga-
da, faziam telefonemas alarmistas de manhã cedo, os carros dos
amigos apareciam com as fechaduras cobertas de fita adesiva.
Num dia, James Gilbey, que trabalhava na altura numa empresa
de aluguer de automóveis em Victoria, acordou e foi encontrar
o seu prezado Alfa Romeu coberto de ovos e farinha, solidifica-
dos como cimento. Por um motivo qualquer, ele falhara a um
encontro marcado com Diana, e, por isso, as duas decidiram a
sua vingança.
Mas não era unilateral. Numa noite, James Colthurst e Adam
Russell ataram à socapa duas placas com a letra «L» à frente e
nas traseiras do Honda Civic de Diana. Conseguiu desatá-las,
mas quando começou a descer a rua foi atacada por uma caco-
fonia de latas presas ao para-choques. Mais uma vez, os ovos e
a farinha foram usados por Diana e Carolyn num exacerbado
espírito de retaliação.
Na verdade, este inocente e ingénuo divertimento manteve-
-se durante o seu namoro com o Príncipe Carlos. «Nós con-
tinuámos a ser as mesmas miúdas espalha-brasas que sempre
havíamos sido, mas, de certo modo, nascia uma certa maturida-
de», afirmou Carolyn. Claro que o constante corrupio de jovens
do sexo masculino à sua volta para um chá, se houvesse algum,
e uma cavaqueira, ou os convites para saírem, eram de amigos
que, só por acaso, eram homens. A maior parte dos acompa-
nhantes de Diana eram antigos alunos de Eton que ela conhe-

171
cera no esqui, ou em qualquer outro lugar: Harry Herbert, filho
de James Boughey, conde de Carnarvon, tenente da Coldstream
Guard e funcionário real, responsável pelas corridas; George
Plumptre, filho de um lavrador, que a convidou a assistir ao
ballet no dia em que ela ficou noiva; o artista Marcus May e
Rory Scott, um espampanante tenente da Royal Scots Guard,
convidavam-na muitas vezes, tal como Simon Berry, Adam
Russell e James Colthurst. «Éramos todos apenas amigos», re-
corda Simon Berry.
Os homens da sua vida eram bem aprumados, bem nascidos,
de confiança, despretensiosos e bons companheiros. «Diana
é uma rapariga da elite da sociedade que nunca se perdeu por
homens da baixa», observou Rory Scott. Se vestissem um uni-
forme ou tivessem sido postos de lado por Sarah, tanto melhor.
Sentia muita comiseração pelos homens que Sarah rejeitava e
tentava frequentemente, sem grande êxito, ser convidada por
eles.
Foi assim que lavou a roupa de William van Straubenzee, um
dos antigos namorados de Sarah, e passou a ferro as camisas de
Rory Scott, que, na altura, aparecera num documentário tele-
visivo sobre a cerimónia Trooping the Colour.2 Diana ficava,
regularmente, durante os fins-de-semana, na quinta dos pais,
perto de Petworth, West Sussex. Continuou a tratar da sua rou-
pa durante o seu namoro real, entregando-lhe, numa ocasião,
camisas acabadas de lavar e passar pela porta das traseiras do
Palácio de St. James, onde Rory estava em serviço, para escapar
à imprensa. James Boughey foi outro militar a levá-la a restau-
rantes e ao teatro, e Diana visitou Simon Berry e Adam Russell
na casa por eles alugada na estância de Blenheim quando eram
estudantes universitários em Oxford.

2 Cerimónia oficial que celebra o aniversário da Rainha e que consiste no desfile


da Guarda Real em sua honra.

172
Houve muitos namorados, mas nenhum se tornou amante.
O sentido de destino que Diana sentiu desde tenra idade mol-
dou, ainda que inconscientemente, as suas relações com o sexo
oposto. Disse: «Eu sabia que tinha de me manter imaculada
para o que viesse a acontecer.»
Como notou Carolyn: «Não sou uma pessoa muito espiri-
tual, mas acredito em que ela estava destinada a fazer o que está
a fazer, e certamente acredita nisso. Estava envolvida por essa
espécie de aura dourada que impede os homens de qualquer
avanço, quer tivessem gostado de o fazer quer não, isso nun-
ca aconteceu. De certo modo, ela estava protegida por uma luz
perfeita.»
Essa era uma qualidade notada pelos seus antigos namora-
dos. Rory Scott disse com ar traquina: «Era sexualmente muito
atraente, e a relação, tanto quanto me apercebi, não era platóni-
ca mas ia dar no mesmo. Ela estava sempre um pouco afastada;
estavas sempre a sentir que havia muita coisa acerca dela que
nunca irias saber.»
No verão de 1979, outro namorado, Adam Russell, comple-
tou em Oxford a sua formação em línguas e decidiu passar um
ano a viajar. Deixou subentendida a esperança de que a amizade
entre ele e Diana poderia ser reatada e desenvolvida depois do
seu regresso. Quando, um ano depois, chegou a casa, era dema-
siado tarde. Um amigo disse-lhe: «Apenas ganhaste um rival, o
Príncipe de Gales.»
Nesse inverno, a estrela de Diana começou a mover-se para
a órbita da Família Real. Recebeu um inesperado presente de
Natal sob a forma de um convite para se juntar a uma festa da
Casa Real em Sandringham, para um fim-de-semana de caça,
em fevereiro. Lucinda Craig Harvey, conhecida por todos os
amigos como Beryl, lembra-se da excitação de Diana e da ironia
da conversa que se seguiu. Estiveram a falar do fim-de-sema-
na em que Diana, sempre a Gata Borralheira, estava de joelhos

173
limpando o chão da cozinha. Diana disse: «Sabes, vou a San-
dringham para uma caçada de fim-de-semana.» Lucinda repli-
cou: «Céus! Talvez venhas a ser a próxima Rainha de Inglater-
ra.» Enquanto torcia um pano que estava a usar para limpar o
chão, Diana brincou: «Beryl, duvido disso. Podes imaginar-me
pavoneando-me por aí em luvas de seda e vestido de baile?»
Enquanto a vida de Diana tomava uma nova direção, a da sua
irmã Sarah estava em crise. Ela e Neil McCorquodale, um anti-
go oficial da Coldstream Guards, haviam abruptamente cance-
lado o seu casamento, planeado em fevereiro para mais tarde.
No verdadeiro estilo Spencer – a timidez não é propriamente
um forte na família –, houve palavras azedas e cartas trocadas
entre as partes interessadas. Enquanto Sarah tentava desfazer
a confusão – eventualmente casar-se-iam em maio de 1980 na
igreja de St. Mary, perto de Althorp –, Diana divertia-se. Pela
primeira vez, inseria-se naquilo a que chamava «um grupo so-
cial de crescidos». Isto representava para Diana o prazer de um
fim-de-semana em Sandringham e não a proximidade com o
Príncipe Carlos. Ela tinha receio do homem, o seu sentimen-
to de respeito misturava-se com um sentimento de profunda
simpatia para com o Príncipe cujo «avô honorário», o conde
de Mountbatten, havia sido assassinado pelo IRA apenas seis
meses antes. Em todo o caso, na segunda-feira seguinte, quan-
do esfregava o chão da irmã, esta aristocrática Gata Borralheira
teve de se beliscar para garantir que o seu fim-de-semana não
fora um sonho.
Embora a tímida voz da sua intuição a alertasse quanto ao seu
destino, o senso comum decretava-lhe que o Príncipe possuía já
uma mão cheia de potenciais candidatas. Viajou até King’s Lynn
e depois até Sandringham com Lady Amanda Knatchbull, a neta
do conde assassinado. Lorde Mountbatten pressionou intensa-
mente não apenas o contacto da neta com o Príncipe de Gales
como também com toda a Família Real. Afinal de contas, foi

174
ele quem, mediante as reservas de Jorge VI, tratou de burilar as
condições para a união da Princesa Isabel com o seu sobrinho,
o Príncipe Filipe.
Enquanto os comentadores a descartaram como pretendente
pouco provável, os que trabalhavam intimamente com o Prín-
cipe Carlos e observavam em primeira mão as maquinações de
Mountbatten estavam convencidos de que o casamento entre
Amanda Knatchbull e o Príncipe Carlos era uma certeza. Um
olhar de relance à sua agenda de 1979 mostra-nos a frequência
com que o Príncipe Carlos ficou em Broadlands, nas acomo-
dações da família Mountbatten, ostensivamente para pescar e
caçar durante o fim-de-semana. No rescaldo do assassínio de
Mountbatten, em agosto de 1979, a amizade de Carlos com
Lady Amanda desenvolveu-se, e ele passou vários fins-de-se-
mana na sua companhia tentando sarar as feridas da sua perda.
Se Mountbatten, o «fazedor de Rainhas» não oficial, tivesse vi-
vido, a história real poderia muito bem ter sido outra.
Embora Amanda fosse considerada a «candidata oficial», com
um nascimento e uma linhagem que a tornavam muito aceitá-
vel para a corte, o Príncipe geria uma conturbada relação com
Anna Wallace, a filha de um proprietário escocês que conhece-
ra numa caça à raposa, em novembro de 1979. Ela era a última
de uma longa série de namoradas, a maior parte proveniente da
aristocracia, que surgiram no seu horizonte romântico. Contu-
do, Anna, impetuosa, obstinada e impulsiva, era temperamen-
talmente inadequada para a disciplinada rotina da realeza. Não
foi por acaso que se tornou conhecida pela «Wallace Chicote».
O Príncipe Carlos, homem que, como o próprio admitiu, facil-
mente se apaixonava, cortejou-a apesar de os seus conselheiros
o avisarem de que ela possuía outros namorados.
A relação de ambos tornou-se tão séria que, de acordo com
pelo menos uma fonte, ele a pediu em casamento. Diz-se que ela
o recusou, mas que esse desaire pouco esfriou o seu entusiasmo.

175
Em maio, foram descobertos por uns jornalistas nas margens
do rio Bee, na propriedade da Rainha em Balmoral, deitados em
cima de uma manta de viagem. O Príncipe ficou furioso com
esta intrusão na sua vida privada, e autorizou o amigo, o lorde
Tyron, presente no piquenique, a gritar um impropério aos jor-
nalistas em questão.
O fim do seu romance, em meados de junho, foi tempestuoso.
Ela queixou-se amargamente quando ele literalmente a ignorou
durante o baile do 80.° aniversário da Rainha-Mãe no Castelo
de Windsor. Anna estava possessa de raiva: «Nunca mais me
ignores desta maneira. Nunca fui tão mal tratada na minha vida.
Ninguém me trata assim, nem mesmo tu.» Na sua aparição pú-
blica seguinte, ele tratou-a precisamente do mesmo modo. Ela
viu-o, com uma fúria crescente, a dançar durante toda a noite
com Camilla Parker Bowles no baile do polo, que decorreu em
Stowell Park, na propriedade de Gloucestershire do lorde Ves-
tey. Carlos estava tão desejoso da companhia de Camilla que
nem pediu à anfitriã, Lady Vestey, a primeira dança. No final,
Anna pediu o BMW de Lady Vestey emprestado e conduziu
noite fora, zangada e humilhada com o seu mau acolhimento
público. No espaço de um mês casou com Johnny Hesketh, o
irmão mais novo do lorde Hesketh.
Usando algum discernimento, é tentador perguntar se a sua
afronta foi dirigida ao Príncipe ou à mulher que o escravizara
daquele modo, Camilla Parker Bowles. Se o Príncipe Carlos ti-
vesse levado a sério o seu casamento com Anna, ela, uma rapa-
riga experiente de 25 anos, ter-se-ia apercebido da sua amizade
com Camilla. Ela teria descoberto, tal como Diana descobriu
demasiado tarde, que o exame de Camilla às namoradas de Car-
los passava não tanto por avaliar o seu potencial como noivas
reais, mas mais por verificar o nível de ameaça que elas confe-
riam à sua amizade com o Príncipe Carlos. Ela também pode,
muito simplesmente, ter-se cansado do papel secundário que

176
lhe cabia nos passatempos do Príncipe. Durante os seus anos
de solteiro – e durante o seu casamento – as suas companheiras
apenas se encaixaram no seu estilo de vida. Eram espectado-
ras interessadas dos seus jogos de polo e caçavam ou pescavam.
Quando jantavam juntos, elas dirigiam-se para o seu aparta-
mento no Palácio de Buckingham, e não o contrário. O seu pes-
soal tratava dos camarotes para os concertos ou para a ópera,
e até se lembrava de enviar flores às suas companheiras. «Um
macho chauvinista encantador» é como uma amiga o descreve.
O seu comportamento, como o evidenciou o constitucionalista
vitoriano Walter Bagehot cem anos antes, era uma prerrogati-
va dos Príncipes. Escreveu: «Todo o mundo, bem como a sua
glória, tudo o que é mais atraente, tudo o que é mais sedutor,
tem sido sempre oferecido ao Príncipe de Gales vigente, e con-
tinuará sempre a sê-lo. Não é racional esperar a mais pura vir-
tude onde a tentação é exercida tão provocadoramente durante
a frágil passagem da vida humana.»
Nesse verão de 1980, o Príncipe Carlos era um homem de há-
bitos arreigados e com uma inflexível rotina. Um antigo mem-
bro da sua Casa Pessoal, analisando o colapso do casamento dos
Príncipes de Gales, acreditava sinceramente em que ele, se ti-
vesse podido optar, teria ficado solteiro. Recorda: «É, na verda-
de, muito triste. Ele nunca teria casado, é claro, porque se sentia
feliz com a sua vida de solteiro. Se tivesse os seus apetrechos de
pesca prontos, os seus cavalos de polo selados e uma nota de 5
libras para a coleta da igreja, sentir-se-ia completamente feliz.
Tinha muita graça. Podiam acordá-lo às seis da manhã e dizer:
“Pronto, Sir, vamos sair agora” e sem esforço podíamos ir.»
A relação com Camilla Parker Bowles, que ardentemente adap-
tou a sua vida à rotina dele, encaixava perfeitamente no seu es-
tilo de vida.
Infelizmente para Carlos, o seu título trazia tanto obrigações
quanto privilégios. O seu dever era casar e produzir um herdei-

177
ro para o trono. Este foi um assunto continuamente discutido
entre o conde Mountbatten e a Rainha durante o chá da tarde
no Palácio de Buckingham, enquanto o Príncipe Filipe deixa-
va conhecer a sua crescente impaciência perante a forma irres-
ponsável como o filho encarava o casamento. O fantasma do
duque de Windsor assombrara ainda os familiares, que sabiam
perfeitamente que, quanto mais velho ficava, mais difícil seria
descobrir uma virgem, aristocrata e protestante para sua noiva.
A sua busca de uma esposa tornou-se um passatempo nacio-
nal. O Príncipe, então perto dos 33, tinha-se, nessa altura, feito
refém da sorte ao declarar que os 30 eram uma boa idade para
assentar. Ele aflorara publicamente os problemas em encontrar
uma noiva apropriada. «O casamento é um assunto muito mais
importante do que apaixonar-se. Penso que devemos conceber
o casamento como sendo essencialmente uma questão de amor
mútuo e respeito de um pelo outro... essencialmente, devem
ser bons amigos, e o amor, estou certo, crescerá à sombra desta
amizade. Tenho uma particular responsabilidade em assegurar-
-me de que tomei a melhor decisão. A última coisa que possivel-
mente posso considerar é divorciar-me.»
Noutra ocasião, declarou que o casamento era uma parceria
em que a sua mulher não casaria apenas com o homem, mas
também com um modo de vida. Como ele disse: «Se estou a
decidir acerca de com quem quero viver por cinquenta anos –
bem, é a última decisão em que quero que a minha cabeça seja
governada pelo meu coração.» Portanto, o casamento era a seus
olhos primeiramente o cumprimento de uma obrigação para
com a sua família e a nação, uma tarefa tornada a mais difícil
por via da natureza imutável do contrato. Na sua busca pragmá-
tica de uma parceira para cumprir um papel, amor e felicidade
eram considerações secundárias.
O encontro que haveria de pôr o Príncipe Carlos e Lady Dia-
na Spencer irrevogavelmente no caminho para a Catedral de St.

178
Paul teve lugar em julho de 1980, num fardo de feno em casa do
comandante Robert de Pass, um amigo do Príncipe Filipe, e da
sua esposa, Philippa, uma dama ao serviço da Rainha. Diana foi
convidada a ficar em sua casa, em Petworth, pelo filho do casal,
Philip. «És sangue jovem», disse-lhe ele, «podes diverti-lo.»
Durante o fim-de-semana deslocou-se ao vizinho Cowdray
Park para ver o Príncipe jogar polo pela sua equipa, Les Diables
Bleus3. No fim do jogo, o pequeno grupo de convidados voltou
a Petworth para um churrasco nos relvados da casa de campo
dos Pass. Diana estava sentada perto de Carlos, num fardo de
feno, e, depois das apresentações habituais, a conversa derivou
para a morte do conde Mountbatten e para o seu funeral na
Abadia de Westminter. Numa conversa que mais tarde recor-
dou a amigos, Diana disse-lhe: «Parecia tão triste quando subia
a coxia no funeral de lorde Mountbatten. Foi a coisa mais trági-
ca que alguma vez vi. O meu coração sangrava por si enquanto
o olhava. Pensei: “Está errado, estás só, devias estar com alguém
que tomasse conta de ti.”»
As suas palavras tocaram um profundo acorde. Carlos viu
Diana com uns novos olhos. De repente, como mais tarde con-
fessou aos amigos, ela começou a sentir-se esmagada com as
suas entusiásticas atenções.
Diana sentia-se lisonjeada, agitada e desconcertada com a
paixão que provocara num homem mais velho doze anos. Re-
tomaram a conversa, tagarelando pela noite dentro. O Príncipe,
que tinha uns documentos importantes a tratar no dia seguinte
no palácio, pediu-lhe que o acompanhasse de carro e fosse com
ele no dia seguinte. Ela recusou alegando que isso seria uma
falta de educação para com os seus anfitriões.
No entanto, a partir daí a sua relação começou a desenvol-
ver-se. A sua colega de apartamento, Carolyn Bartholomew,

3 Os Diabos Azuis, em francês no original. (N. da T.)

179
recorda: «O Príncipe entrava pacatamente em cena. Ela reser-
vava-lhe, claro, um lugar especial no coração. Ele convidou-a
para uma interpretação do Requiem de Verdi – uma das obras
preferidas dela – no Royal Albert Hall. A sua avó Ruth, Lady
Fermoy, acompanhou-os como chaperone até durante o buffet
frio com que se agraciaram no seu apartamento do Palácio de
Buckingham quando regressaram. O seu memorando para o
criado de quarto, na altura o falecido Stephen Barry, relativo a
este encontro é típico dos elaborados planos que antecediam o
mais simples encontro real. Nele podia ler-se: «Por favor, tele-
fone a Anthony Asquith [um antigo funcionário da Casa Real]
e informe-o de que eu convidei Lady Diana Spencer (a neta
de Lady Fermoy) a acompanhar-me ao Albert Hall e a jantar,
em seguida, no PB, domingo à noite. Por favor pergunte-lhe
se pode tratar disso e se ela poderá vir acompanhada da avó
ao Albert Hall. Se isto for possível, por favor, peça-lhe que me
telefone à hora do almoço quando estivermos em casa. C.» [A
casa é o Palácio de Buckingham.]
O problema é que o convite deve ter chegado demasiado tar-
de, como Carolyn recorda: «Eu cheguei por volta das seis horas,
e Diana exclamou: “Depressa, depressa, tenho de me encontrar
com Carlos dentro de 20 minutos.” Bem, vivemos o momen-
to mais divertido de sempre, lavando-lhe o cabelo, secando-o,
indo buscar o vestido; onde está o vestido? Conseguimos des-
pachar-nos em 20 minutos, à justa. Mas, quero dizer, como se
atreve ele a convidá-la tão tarde?»
Ainda mal recuperara a compostura dessa frenética noite já
ele a convidava para o iate real Britannia durante a Cowes Week.
Durante muitos anos, o iate real, o mais antigo barco da Mari-
nha Real até 1997, foi uma visão familiar nas águas do Solent4

4 Estreito do Canal Britânico, entre a costa de Hampshire e a ilha de Wight.


(N. da T.)

180
durante a regata de agosto, e o Príncipe Filipe era o anfitrião de
uma festa que normalmente incluía como convidados os seus
parentes alemães, bem como a Princesa Alexandra, o seu ma-
rido, o mais tarde ilustre Sir Angus Ogilvy e inúmeros amigos.
Nesse fim-de-semana Diana tinha, para lhe fazer companhia,
Lady Sarah Armstrong-Jones, a filha da Princesa Margarida, e
Susan Deptford, que mais tarde se tornou a segunda esposa do
major Ronald Ferguson. Ela fez esqui aquático; o Príncipe fez
windsurf. As histórias de que alegremente o tombou para fora de
bordo do barco não combinam com Diana, que se sentia total-
mente em dívida para com ele. Na verdade, ela sentia-se «bas-
tante intimidada» com a atmosfera a bordo do iate real. Não
apenas os seus amigos eram muito mais velhos do que ela, como
também pareciam ter conhecimento da estratégia do Príncipe
para com ela. Achou-os demasiado simpáticos e informados.
«Andavam em cima de mim como urticária», contou aos ami-
gos. Para uma rapariga que gostava de manter o controlo, isto
era demasiado desconcertante.
Pouco tempo teve para refletir nas implicações, já que o
Príncipe Carlos logo a convidou para passar o fim-de-sema-
na dos jogos Braemar, em Balmoral, no começo de setembro.
O castelo da Rainha em Highland, retiro assente em 6000 hec-
tares de urze e galinhas-bravas, é efetivamente, a casa de cam-
po da família Windsor. Desde que a Rainha Vitória comprou
a propriedade, em 1848, esta tem tido um lugar especial nos
afetos da Família Real. Seja como for, os verdadeiros sarcasmos
e as tradições obscuras da família que têm corrido ao longo dos
anos podem intimidar os recém-chegados. «Não se sente aí»,
dizem em coro a um infortunado convidado, suficientemente
louco para se tentar sentar numa cadeira da sala de visitas usada
pela última vez pela Rainha Vitória. Todos quantos navegam
com êxito este campo de minas social, popularmente conhe-
cido como «teste de Balmoral», são aceites pela Família Real.

181
Os que falham são afastados dos favores reais tão depressa como
a neblina das Highland.
Portanto, a perspetiva da sua estada em Balmoral aumentou
ameaçadoramente na mente de Diana. Ela estava «aterroriza-
da» e procurou desesperadamente comportar-se da maneira
adequada. Afortunadamente, em vez de ficar na casa princi-
pal, pôde ficar com a irmã Jane e o marido, Robert Fellowes,
que, enquanto membro da Casa Real, gozava a graça e o favor
de uma casa de campo na propriedade. O Príncipe Carlos cha-
mava-a todos os dias, sugerindo que se lhe juntasse para um
passeio ou um churrasco. Foram uns dias «maravilhosos» até o
reflexo de um par de binóculos do outro lado do rio Dee ter es-
tragado o seu idílio. Era deles portador o jornalista de assuntos
da realeza James Whitaker, que tinha visto o Príncipe Carlos à
pesca nos bancos do rio. Os caçadores tinham começado a ca-
çada. Diana propôs imediatamente a Carlos fugir, continuando
ele a pescar, e escondeu-se atrás de uma árvore durante meia
hora na vâ esperança de que os jornalistas se fossem embora.
Usou inteligentemente o espelho da sua caixa de pó de arroz
para espiar a ímpia trindade composta por James Whitaker e
pelos fotógrafos rivais Ken Lennox e Arthur Edwards, que se
esforçavam por fotografá-la. Ela frustrou os seus esforços ca-
minhando calmamente por entre os pinheiros com a cabeça co-
berta com um lenço e um chapéu, deixando assim a Fleet Street
sem a mais pequena pista acerca da sua identidade.
Depressa lhe apanharam o rasto, e, a partir de então, a sua
vida privada terminou. Os jornalistas aguardavam à porta do
seu apartamento dia e noite, enquanto os fotógrafos a assola-
vam no jardim infantil Young England, onde ela trabalhava.
Um dia, aceitou posar para os jornalistas com a condição de a
deixarem em paz. Infelizmente, durante a sessão de fotografias,
o projetor de luz colocado atrás de si provocou a transparência
da sua saia de algodão, obrigando-a a revelar as suas pernas ao

182
mundo. «Sabia que as suas pernas eram bonitas, mas não sa-
bia que eram tão espetaculares», diz-se que o Príncipe Carlos
comentou. «Mas tinhas mesmo de as mostrar a toda a gente?»
Enquanto o Príncipe Carlos se podia dar ao luxo de se diver-
tir, Diana descobria o verdadeiro preço de um romance real.
Telefonavam-lhe logo nas primeiras horas da manhã à pesca de
histórias para os jornais, e, no entanto, ela não se atrevia a tirar o
telefone do gancho de descanso, não fosse algum familiar adoe-
cer durante a noite. De cada vez em que saía no seu distintivo
Mini vermelho, era seguida por uma comitiva de jornalistas. No
entanto, nunca perdeu o controlo, respondendo delicada mas
descomprometidamente a infindáveis perguntas a respeito dos
seus sentimentos pelo Príncipe. O seu sorriso cativante, a sua
encantadora forma de estar e o seu comportamento impecável
depressa conquistaram o público. A sua companheira de aparta-
mento comentou: «Ela comportava-se com absoluta correção.
Evitou espalhar a notícia pelos jornais, porque isso arruinara
as hipóteses da irmã. Diana estava muito consciente de que se
alguma coisa de especial se desenvolvesse, ela deveria ocorrer
sem qualquer pressão da imprensa.»
Contudo, havia stress suficiente para levar as suas reservas até
ao limite. Na privacidade do seu apartamento, ela podia dar-se
ao luxo de expressar os seus sentimentos. «Chorei como um
bebé dentro daquelas quatro paredes; simplesmente não me
adaptava àquilo», recorda. O Príncipe nunca se ofereceu para a
ajudar, e quando, desesperada, contactou o gabinete de impren-
sa do Palácio de Buckingham, recebeu a resposta de que estava
entregue a si própria. Tendo eles lavado as mãos de qualquer
envolvimento, Diana mergulhou profundamente nos seus re-
cursos interiores chamando a si a sua instintiva determinação
para viver.
O que piorou tudo foi o facto de o Príncipe parecer menos
preocupado com a sua desagradável situação de que com a de

183
Camilla Parker Bowles. Quando falava com Diana ao telefone
referia-se frequentemente, com comiseração, ao mau bocado
que Camilla estava a passar por ter três ou quatro jornalistas
à porta de casa. Diana mordia o lábio e não dizia nada, nunca
mencionando o verdadeiro assédio em que vivia. Pensava não
lhe competir fazê-lo, nem tão pouco queria tornar-se um fardo
para o homem que amava.
À medida que o romance evoluía, Diana começava a ter algu-
mas dúvidas acerca da sua nova amiga Camilla Parker Bowles.
Ela parecia estar a par de tudo o que Carlos e Diana conversa-
vam nos seus raros momentos de privacidade, e tinha muitos
conselhos para dar sobre qual a melhor forma de lidar com ele.
Era tudo muito estranho. Até mesmo Diana, uma perfeita prin-
cipiante nos assuntos do amor, começava a suspeitar de que este
não era o modo como a maioria dos homens conduzia os seus
romances. Para começar, ela e Carlos nunca estavam sozinhos.
Na primeira visita a Balmoral, quando ficou com a irmã Jane,
os Parker Bowles estavam em proeminência entre os convida-
dos. Quando Carlos a convidava para jantar no Palácio de Buck-
ingham, os Parker Bowles ou os seus companheiros do esqui,
Charles e Patti Palmer-Tomkinson, estavam sempre presentes.
No dia 24 de outubro de 1980, quando Diana foi de auto-
móvel de Londres a Ludlow para assistir à corrida de cavalos
para amadores, no Clun Handicap, onde o Príncipe montava
o seu cavalo Allibar, passaram o fim-de-semana com os Parker
Bowles, no Bolehyde Manor, em Wiltshire. No dia seguinte,
Carlos e Andrew Parker Bowles foram caçar enquanto Camilla
e Diana passaram a manhã juntas. Regressaram a Bolehyde
Manor no fim-de-semana seguinte.
Durante este primeiro fim-de-semana, o Príncipe Carlos
mostrou a Diana os arredores de Highgrove, a casa com cerca
de 150 hectares em Gloucestershire que comprara em julho – o
mesmo mês em que começara a cortejá-la. Enquanto a levava

184
numa visita guiada pela mansão de oito quartos de cama, o Prín-
cipe pediu-lhe para organizar a decoração interior. Ele gostou
do seu sentido estético, contudo, ela sentiu essa sugestão como
«muito imprópria», uma vez que nem sequer estavam noivos.
Portanto, Diana estava profundamente angustiada quando o
jornal Sunday Mirror fez correr uma história de primeira pági-
na afirmando que, em 5 de novembro, Diana saiu de Londres
para um encontro secreto com o Príncipe Carlos a bordo do
comboio real, numa linha de serviço, em Holt, Wiltshire. Por
uma vez, o Palácio de Buckingham veio em sua ajuda. A Rainha
autorizou o seu secretário de imprensa a exigir uma retratação.
Houve uma troca de cartas que o editor, Bob Edwards, publicou
por coincidência no mesmo dia em que o Príncipe partiu para a
Índia e para o Nepal numa visita oficial. Diana insistiu em que
tinha estado no seu apartamento, exausta, após uma noitada no
Hotel Ritz, onde ela e o Príncipe assistiram à festa do 50.° ani-
versário da Princesa Margarida. «Ficou tudo fora de controlo,
sinto-me mais infeliz do que aborrecida», confiou Diana a um
simpático vizinho, que por acaso era jornalista.
A sua mãe, Frances Shand Kydd, também aproveitou a opor-
tunidade para entrar na refrega em favor da sua filha mais nova.
No princípio de dezembro, escreveu uma carta ao jornal The
Times queixando-se das mentiras e da perseguição que Diana
tinha tido de suportar desde que o romance se tornara público.
«Posso perguntar aos editores de Fleet Street se, no exercício
das suas profissões, consideram necessário ou justo perseguir a
minha filha diariamente, desde o amanhecer até depois de o sol
se pôr? É justo aceitar que qualquer ser humano tratado desta
maneira?» Enquanto a sua carta galvanizava 60 membros do
Parlamento a esboçar uma moção «deplorando a forma pela
qual Lady Diana Spencer tem sido tratada pela imprensa» e le-
vou a uma reunião entre editores e o Conselho de Imprensa, o
cerco de Coleherne Court continuou.

185
Sandringham, a fortaleza de inverno da Família Real, estava
também cercada pela imprensa. A Casa de Windsor, protegida
pela polícia, por secretários de imprensa e infindáveis hectares
privados, mostrou menos compostura que a Casa de Spencer.
A Rainha gritou «Porque não se vão embora?» para a multidão
de jornalistas, enquanto o Príncipe Carlos vociferava: «Um Ano
Novo muito feliz, e para os vossos editores um particularmente
sórdido!» Do Príncipe Eduardo chegou mesmo a dizer-se ter
disparado uma espingarda por sobre a cabeça de um fotógrafo
do Daily Mirror.
De volta a Coleherne Court, a guarnição sitiada manobrou
para iludir o inimigo quando necessário. Numa ocasião, quando
Diana era esperada para ficar com o Príncipe Carlos em Broa-
dlands, tirou os lençóis da cama e usou-os para descer a mala
pela janela da cozinha até à rua, fora da vista dos caçadores de
notícias que estavam à espera. Noutra ocasião trepou pelos bal-
des do lixo e entrou pela saída de emergência de uma loja, en-
quanto noutra, ela e Carolyn abandonaram o carro e saltaram
para um autocarro vermelho de dois pisos para escapar aos fo-
tógrafos. Quando o autocarro ficou preso no trânsito, saíram e
fugiram através de uma sapataria da cadeia Russell and Bromley
ali perto. «Foi extraordinariamente divertido», disse Carolyn,
«como estar numa caçada no meio de Londres.»
Elas organizaram uma encenação em que Carolyn conduzia o
carro de Diana para atrair os seus perseguidores da imprensa, e,
depois, Diana podia surgir de Coleherne Court e caminhar em
direção contrária. Até a sua avó Ruth, Lady Fermoy, se juntou
ao subterfúgio. Diana, tendo passado o Natal de 1980 em Al-
thorp, voltou a Londres para passar a noite de Ano Novo com as
suas companheiras de apartamento. No dia seguinte, conduziu
até Sandringham, mas primeiro deixou o seu Mini no Palácio de
Kensington, onde o VW Golf prateado da avó a esperava. Ia-se
embora no VW, deixando os cavalheiros da imprensa para trás.

186
Como a esmagadora histeria dos media empurrava Carlos e
Diana para o altar, ela viu-se obrigada a decidir os seus senti-
mentos e pensamentos referentes ao Príncipe de Gales. Não era
fácil. Ela nunca tivera um namorado real anteriormente, e, por-
tanto, não possuía uma bitola segundo a qual pudesse comparar
o comportamento de Carlos. Durante o seu bizarro namoro,
ela foi o cachorrinho obediente que vinha ao dono sempre que
ele assobiava. Não foi mais do que o que ele esperava. Como
Príncipe de Gales, estava habituado a ser o centro das atenções
e o alvo de lisonjas e louvores. Ele tratava-a por Diana, e ela
dirigia-se-lhe com um «Sir».
Ele despertou os seus instintos maternais. Quando regressava
de um encontro com o Príncipe vinha cheia de simpatia por ele,
remordendo frases como «obrigam-no a trabalhar demasiado»
ou «é espantosa a forma como puxam por ele». A seus olhos era
um homem triste e solitário que precisava de quem tratasse dele.
Estava irremediável e excessivamente embevecida por ele. Era
o homem com quem queria passar o resto da sua vida, e estava
disposta a correr e a saltar qualquer obstáculo para o ganhar.
Diana pedia conselho às colegas de apartamento sobre a maneira
de conduzir o seu romance. Como Carolyn recorda: «É um pro-
cedimento muito normal entre raparigas. Algumas coisas não
posso revelar; outras foram algo nesta linha: “Assegura-te de que
fazes isto ou aquilo”. Era um bocado um jogo.»
Enquanto mergulhava na ardente paixão do primeiro amor,
era ocasionalmente perturbada por algumas dúvida. Surpreen-
dentemente, foi a sua avó Ruth, Lady Fermoy, uma dama de
companhia da Rainha-Mãe, que fez soar um dos primeiros avi-
sos de precaução. Longe de ter engendrado a união, ao contrário
do que foi suspeitado, a sua avó aconselhou-a sobre as dificulda-
des do casamento no seio da Família Real. «Tens de compreen-
der que o seu sentido de humor e estilo de vida são muito dife-
rentes,» advertiu-a ela. «Não penso que seja bom para ti.»

187
Diana estava também perturbada por outras preocupações.
Havia a claque dos aduladores amigos do Príncipe, muitos deles
de meia-idade, demasiado deferentes e servis. Ela sentiu instin-
tivamente que este tipo de atenção não era bom para ele. Depois
havia a sempre presente senhora Parker Bowles, que parecia sa-
ber tudo quanto faziam mesmo antes de o terem feito. Durante
o namoro, Diana perguntou-lhe acerca das suas anteriores na-
moradas. Ele disse-lhe candidamente que tinham sido mulheres
casadas, porque, nas suas palavras, «eram seguras»; tinham ma-
ridos em quem pensar. Diana ainda acreditava verdadeiramente
em que ele estava apaixonado por ela, por causa da forma devo-
tada como se comportava na sua presença. Ao mesmo tempo,
não podia deixar de se surpreender com o facto de, no espaço
de 12 meses, ele ter estado envolvido em três relações: Anna
Wallace, Amanda Knatchbull e ela própria, qualquer das quais
podendo acabar em casamento.
Todas as dúvidas desapareceram depois de um telefonema
que recebeu enquanto o Príncipe estava de férias em Klosters,
na Suíça, para esquiar. Durante o telefonema, feito do chalet dos
seus amigos Charles e Patti Palmer-Tomkinson, ele disse-lhe
que tinha uma coisa importante para lhe perguntar quando re-
gressasse. O instinto disse-lhe o que essa «coisa» era, e, nessa
noite, conversou até altas horas com as suas colegas de aparta-
mento, discutindo o que haveria de fazer. Estava apaixonada e
pensava que ele estava apaixonado por ela, ainda que estivesse
preocupada com a possibilidade de haver outra mulher rondan-
do na retaguarda.
Carlos voltou a Inglaterra em 3 de fevereiro de 1981, pare-
cendo bronzeado e em boa forma. Nessa quarta-feira ele jun-
tou-se ao HMS Invencible, o último avião de carreira da Marinha
Real, para manobras, e voltou a Londres, onde passou a noite,
no Palácio de Buckingham. Arranjou maneira de ver Diana no
dia seguinte, quinta-feira, 6 de fevereiro, no Castelo de Wind-

188
sor. Foi aí que o Príncipe pediu formalmente a Lady Diana
Spencer para ser sua noiva.
O pedido teve efetivamente lugar no viveiro de Windsor.
Ele disse-lhe o quanto sentira a sua falta enquanto tinha esta-
do fora, esquiando, e depois pediu-lhe simplesmente para casar
com ele. Diana recebeu o seu pedido com alegria e teve um ata-
que de riso. O Príncipe estava mortalmente sério, enfatizando
a sinceridade do seu pedido, relembrando-lhe que um dia seria
Rainha. Embora uma pequena voz dentro da sua cabeça lhe dis-
sesse que nunca viria a ser Rainha, antes teria uma vida dura,
viu-se a si própria aceitando a oferta e dizendo-lhe repetida-
mente o quanto o amava. «Seja qual for o significado de amor»,
replicou ele, uma frase que iria voltar a usar durante as entre-
vistas com a imprensa de formalização do noivado.
Deixou-a e subiu as escadas para telefonar à Rainha, que es-
tava em Sandringham, informando-a do feliz desenlace do seu
pedido. Entretanto, Diana ponderava a sua sorte. Apesar da sua
gargalhada nervosa, tinha pensado muito nessa possibilidade.
Ao lado do seu indubitável amor pelo Príncipe, o seu sentido
do dever e o seu desejo profundo de desempenhar um papel útil
na vida foram os fatores determinantes da sua fatídica decisão.
Quando, já altas horas da noite, regressou ao apartamento,
as amigas estavam sedentas de notícias. Deixou-se cair sobre a
cama e anunciou: «Adivinhem.» Elas exclamaram em uníssono:
«Ele pediu-te.» Diana afirmou: «Pediu e eu disse: “Yes, please
[sim, por favor]”.» Depois das felicitações, das lágrimas e dos
beijos, abriram uma garrafa de champanhe e saíram para uma
volta a Londres guardando o seu segredo.
No dia seguinte contou aos pais. Ficaram, naturalmente,
muito emocionados, mas quando falou ao irmão, Charles, dos
seus planos de casamento no apartamento de Londres da mãe,
ele gozou: «Com quem?» Ele recorda: «Quando lá cheguei, ela
estava absolutamente eufórica e irradiava felicidade. Lembro-

189
-me dela perfeitamente extasiada.» Terá ele então percebido se
ela estava apaixonada pelo papel ou pela pessoa? «Desde o batis-
mo de fogo pelo qual passara com a imprensa que sabia também
estar apta para o desempenho do papel. Sentia-se feliz como
nunca a tinha visto. E era genuíno porque ninguém com senti-
mentos pouco sinceros pode ter aquele ar de felicidade. Não era
o ar de quem ganhara o jackpot, mas o de alguém que se sentia
também espiritualmente realizada.»
A sua irmã Sarah, durante tanto tempo a irmã Spencer nas
luzes da ribalta, tinha de abrir agora alas para Diana. Embora
se sentisse feliz pela sua irmã mais nova, admitia sentir inveja
da recente fama conquistada por Diana. Demorou algum tem-
po até se adaptar ao seu novo estatuto de irmã da futura Prin-
cesa de Gales. Jane teve uma reação mais pragmática. Embora
partilhasse da euforia da futura noiva, não podia evitar, como
mulher do secretário particular da Rainha, a preocupação com
a forma como Diana iria lidar com a vida real.
Mas isso era o futuro. Dois dias depois, Diana fez um me-
recido intervalo, o seu último como cidadã anónima. Juntou-
-se à mãe e ao padrasto numa viagem até à Austrália, onde se
encaminharam para a sua herdade de criação de carneiros em
Yass, New South Wales. Ficaram na casa de praia de um amigo
e gozaram dez dias de paz e sossego.
Enquanto Diana e a mãe preparavam a lista dos convidados,
o guarda-roupa e todos os restantes pormenores para o casa-
mento do ano, os media tentavam, em vão, descobrir o seu es-
conderijo. O único homem que o conhecia era o Príncipe de
Gales. À medida que os dias passavam, Diana ansiava pelo seu
Príncipe, mas ele nunca telefonava. Ela desculpava o seu silên-
cio, explicando-o com a pressão das suas obrigações reais. Por
fim, ela telefonou-lhe, para apenas descobrir que ele não estava
no seu apartamento do Palácio de Buckigham. Só depois de ela
lhe ter ligado é que ele lhe telefonou. Reconfortada com esse

190
único telefonema, o orgulho combalido de Diana encontrava-se
momentaneamente apaziguado quando regressou a Coleherne
Court. Bateram-lhe à porta e lá estava um membro da equipa
do Príncipe com um enorme bouquet de flores. No entanto, não
havia nenhum cartão do seu futuro marido, e ela concluiu que
este tinha sido apenas um gesto diplomático do seu gabinete.
Estas preocupações estavam esquecidas uns dias mais tarde,
quando Diana se levantou de madrugada e se dirigiu a Lam-
bourn, a casa de Nick Gaselee, o treinador de Carlos, para o ver
montar o cavalo Alibar. Quando ela e o guarda-costas observa-
vam o Príncipe a instigar o galope do cavalo, Diana foi atingida
por uma nova premonição de desastre. Disse que o Alibar teria
um ataque cardíaco e morreria. Poucos segundos após proferir
estas palavras, Alibar, com 11 anos de idade, levantou a cabeça
e teve um colapso no chão com uma fulminante síncope. Diana
saltou do Land-Rover e correu para o lado de Carlos. Não ha-
via nada a fazer. O casal ficou junto do cavalo até o veterinário
certificar oficialmente a sua morte, e então, para evitar os fo-
tógrafos, Diana deixou a casa dos Gaselees no banco de trás do
Land-Rover, com um casaco por cima da cabeça.
Foi um momento triste, mas havia pouco tempo para refle-
tir na tragédia. As inexoráveis exigências das obrigações reais
conduziram o Príncipe a Gales, deixando Diana a lamentar-se
da sua perda por telefone. Brevemente estariam juntos para
sempre; os subterfúgios e as deceções terminariam. Era quase
tempo de dar a conhecer ao mundo o seu segredo.
Na noite que antecedeu o anúncio do seu noivado, em 24
de fevereiro de 1981, fez a mala, abraçou os seus leais amigos e
deixou Coleherne Court para sempre. Levava consigo um guar-
da-costas armado da Scotland Yard, o inspetor-chefe Paul, um
polícia filosófico fascinado pelas runas, pelo misticismo e pela
vida para além da morte. Quando se preparava para dizer adeus
à sua vida privada, ele disse-lhe: «Só quero que saiba que esta é

191
a última noite de liberdade para o resto da sua vida. Portanto,
tire o melhor proveito possível dela.»
Estas palavras obrigaram-na a recuar. «Foi como se me tives-
sem espetado uma espada no coração.»

192
Diana, sempre a Gata Borralheira,
estava de joelhos limpando o chão da
cozinha. «Sabes, vou a Sandringham
para uma caçada de fim-de-semana.»
Lucinda replicou: «Céus! Talvez
venhas a ser a próxima Rainha
de Inglaterra.» Enquanto torcia
um pano que estava a usar, Diana
brincou: «Beryl, duvido disso.
Podes imaginar-me pavoneando-me
por aí em luvas de seda e vestido
de baile?».
CAPÍTULO III

Essa Esperança
no Meu Coração

A busca do príncipe perfeito estava acabada. Ele tinha en-


contrado a sua encantadora donzela, e o mundo tinha o seu
conto de fadas. Na sua torre de marfim, a Gata Borralheira es-
tava infeliz, fechada longe dos amigos, da família e do mundo
exterior. Embora o público celebrasse a sorte do príncipe, as
sombras da casa-prisão fechavam-se inexoravelmente em tor-
no de Diana.
Apesar da sua educação aristocrática, esta inocente jovem
professora de jardim infantil sentia-se totalmente à deriva na
hierarquia diferenciada do Palácio de Buckingham. Houve mui-
tas lágrimas nesses primeiros três meses, e muitas mais viriam
depois. O peso simplesmente foi-se, a sua cintura passou de
73,6 cm aquando do anúncio do noivado para 59,6 cm no dia do
casamento. Foi durante este período turbulento que a bulimia
nervosa, que levaria cerca de uma década a derrotar, começou.
A nota que Diana deixou às suas amigas em Coleherne Court
dizia: «Por amor de Deus, telefonem-me, vou precisar de vo-
cês.» Provou-se ser dolorosamente exato.
Como a sua amiga Carolyn Bartholomew, que assistiu à fase
do emagrecimento durante o noivado, lembra: «Ela foi vi-
ver para o Palácio de Buckingham, e as lágrimas começaram.
A criaturinha estava tão magra! Eu estava tão preocupada com
ela... Não era feliz, de repente mergulhada em toda aquela pres-
são, e isso era um pesadelo para ela. Estava desorientada com

195
tudo aquilo, atacada por todos os lados. Foi um turbilhão, e ela
estava pálida, cinzenta.»
A sua primeira noite em Clarence House, a residência londri-
na da Rainha-Mãe, foi a bonança antes da tempestade. Quan-
do chegou, foi abandonada aos seus próprios meios, ninguém
da Família Real, e muito menos o seu futuro marido, pensou
que seria necessário dar-lhe as boas-vindas ao seu mundo novo.
O mito popular pinta um quadro doméstico com a Rainha-Mãe
cacarejando em volta de Diana enquanto esta era iniciada nas
subtis artes do protocolo real e a principal dama de companhia
da Rainha, Lady Susan Hussey, puxa a jovem para o lado para a
instruir na história real. Na realidade, a Diana foi dado menos
treino para as suas novas funções que o normalmente dado a
uma operadora de caixa de supermercado.
Diana foi levada ao seu quarto no primeiro andar por uma
criada. Havia uma carta em cima da cama. Era de Camilla Par-
ker Bowles e tinha sido escrita alguns dias antes de o noivado
ter sido oficialmente anunciado. Numa nota amigável, convi-
dava-a para almoçar. Foi nesse encontro, organizado de modo
a coincidir com a viagem de Carlos à Austrália e à Nova Ze-
lândia, que Diana começou a ter suspeitas. Camilla insistiu em
perguntar se Diana iria caçar quando estivesse em Highgrove.
Intrigada por tão estranha pergunta, Diana respondeu negati-
vamente. O alívio no rosto de Camilla foi evidente. Diana mais
tarde compreendeu que Camilla via na paixão de Carlos pela
caça um meio de manter a sua própria relação com ele.
Na altura não era claro. Mas, mais uma vez, nada o era. Diana
rapidamente se mudou para os aposentos do Palácio de Buc-
kingham, onde ela, a mãe e uma pequena equipa se juntaram
para organizar o casamento e o guarda-roupa. Depressa se aper-
cebeu que a única coisa de que a Família Real gostava de mudar
era as suas roupas. Com o ano dividido em três estações oficiais
e muitas vezes exigindo quatro mudanças de roupa por dia, o

196
seu guarda-roupa – composto por um vestido de noite, uma ca-
misa de seda e um par de sapatos elegantes – era totalmente ina-
dequado. Durante o seu namoro havia regularmente corrido os
guarda-roupas das amigas para ter um vestuário apresentável
nos seus encontros. A mãe ajudou-a a escolher o famoso fato de
noivado azul, adquirido no Harrods, e ela pediu a uma amiga da
irmã, Anna Harvey, a editora de moda da revista Vogue, que a
aconselhasse a compor o seu guarda-roupa oficial.
Começou a perceber que a sua roupa de trabalho teria de ser
não apenas a última moda, como teria também de se adaptar
à diversidade dos comentários, à intrusão dos fotógrafos e ao
sempre eterno inimigo, o vento. Aos poucos foi descobrindo os
truques do negócio, como colocar pesos nas bainhas para que as
saias não voassem com o vento, e adquiriu, gradualmente, uma
série de designers, incluindo Catherine Walker, David Sassoon
e Victor Edelstein.
No início não havia um grande plano; tratava-se, simples-
mente, de escolher quem estivesse ao alcance ou quem tivesse
sido recomendado pelos seus novos amigos da Vogue. Escolheu
dois jovens estilistas, David e Elizabeth Emanuel, para a conce-
ção do seu vestido de noiva porque ficara impressionada com
o trabalho deles numa das suas sessões fotográficas, no estúdio
de lorde Snowdon, em Kensington. Desenharam igualmente o
vestido de noite do seu primeiro compromisso oficial, uma gala
de solidariedade em Londres, vestido que causou tanto impacto
como o que viria a agraciar a Catedral de St. Paul uns meses
depois.
O vestido de seda preta de tafetá, sem alças e sem costas,
possuía um arrojado decote, desafiador das leis da gravidade.
O Príncipe não ficou impressionado com o traje. Embora ela
considerasse o preto uma das melhores cores que uma rapa-
riga da sua idade poderia usar, ele pensava de modo diferente.
Quando Diana surgiu à porta do seu apartamento, Carlos teceu

197
um comentário desagradável, afirmando que só as pessoas de
luto se vestiam de preto. Diana respondeu que ainda não per-
tencia à sua família e que, para mais, não possuía mais nenhum
vestido adequado à ocasião.
Esta querela em nada contribuiu para estimular a sua auto-
confiança no momento de enfrentar o batalhão de câmaras que
aguardavam à porta do Goldsmiths Hall. Ela não fora instruída a
respeito dos pequenos pormenores de um comportamento real
e sentia-se completamente aterrorizada com a ideia de poder, de
algum modo, embaraçar o seu noivo. «Foi um momento hor-
rível», confessou aos amigos. No decurso da noite, conheceu a
Princesa Grace do Mónaco, uma mulher que sempre admirara.
Grace apercebeu-se da insegurança de Diana e, ignorando
os restantes convidados, levou-a para o átrio da entrada. Diana
desabafou acerca da publicidade e do seu sentimento de soli-
dão, bem como do receio sobre o que o futuro lhe reservaria.
«Não te preocupes», gracejou a Princesa Grace. «Vai piorar
bastante.»
Nos finais desse importante mês de maio, o Príncipe foi à
Austrália para uma viagem de cinco semanas. Antes de subir
para a ponte de embarque do seu RAF VC10, agarrou-lhe fir-
memente o braço e beijou-a em ambas as faces. Quando viu
afastar-se o avião dele, desfaleceu e chorou. Esta vulnerabili-
dade ainda a tornou mais querida do público. No entanto, as
suas lágrimas não eram o que pareciam. Antes de partir para o
aeroporto, ele fora tratar de uns pormenores de última hora ao
seu apartamento no Palácio de Buckingham. Diana conversa-
va com ele quando o telefone tocou. Era Camilla. Diana ficou
indecisa entre ficar ali sentada e deixá-los para se despedirem
em privado. Deixou o noivo sozinho, mas confessou depois aos
amigos que aquele episódio lhe destroçara o coração.
Estava então sozinha na sua torre de marfim. Para uma rapa-
riga habituada ao barulho e ao caos de um apartamento total-

198
mente habitado por mulheres, o Palácio de Buckingham pare-
cia-se com tudo menos com uma casa. Diana achou-o um lugar
de «energia morta» e começou a desprezar as polidas evasões e
as subtis ambiguidades dos cortesãos, particularmente quando
os inquiriu directamente acerca da anterior relação do noivo,
com Camilla Parker Bowles. Sozinha e cheia de autocomise-
ração, passeava regularmente do seu apartamento no segundo
andar até à cozinha para conversar com os empregados. Numa
famosa ocasião, Diana, descalça e com uns jeans, barrou uma
torrada com manteiga para um espantado empregado.
Encontrou alguma consolação na sua paixão pela dança, con-
vidando a pianista Lily Snipp, da escola West Heath, e a sua
professora de dança, Wendy Mitchell, para o Palácio de Buc-
kingham, para lhe darem aulas privadas. Durante 40 minutos
Diana, vestindo um maillot preto, executava um programa que
combinava ballet com sapateado.
Miss Snipp manteve um diário durante esses importantes
dias, que oferecia uma percepção em primeira mão das inquie-
tações sentidas por Lady Diana Spencer perante a aproxima-
ção do casamento. A primeira entrada no diário de Miss Snipp,
datada de sexta-feira, 5 de junho de 1981, registava os porme-
nores da primeira lição. Escreveu: «Em direção ao Palácio de
Buckingham para a lição de Diana. Todos trabalhámos intensa-
mente durante a aula, não houve tempo desperdiçado. Quando
a aula chegou ao fim, Lady Diana, com a língua de fora, dis-
se: “Suponho que Miss Snipp irá agora diretamente para Fleet
Street.” Ela tem bastante sentido de humor – irá precisar disso
nos próximos anos.»
A lição mais pungente, e que viria a ser a última, teve lu-
gar poucos dias antes do casamento. Os pensamentos de Diana
estavam direcionados para as profundas mudanças que se avi-
zinhavam. Miss Snipp observou: «Lady Diana estava muito can-
sada – demasiadas noitadas. Entreguei-lhe os saleiros de prata

199
– presente da escola West Heath – muito bonitos e muito apre-
ciados. Lady Diana conta os dias de liberdade que lhe restam.
Muito triste. Multidões aguardam em redor do palácio. Espera-
mos retomar as lições em outubro. Lady Diana disse: “Daqui a
doze dias deixarei de ser eu.”»
Mesmo quando proferia estas palavras, Diana devia estar
consciente de que deixara para trás a sua persona solteira assim
que tinha transposto os portões do palácio. Nas semanas que se
seguiram ao noivado crescera em segurança e autoconfiança,
com o seu sentido de humor frequentemente vindo à superfí-
cie. Lucinda Craig Harvey encontrou a sua antiga empregada,
em diversas ocasiões, durante o período do noivado, uma delas
pelo 30.° aniversário do seu cunhado, Neil McCorquodale. «Ela
mantinha uma certa distância, e toda a gente lhe tinha um cer-
to respeito», relembra. E esta era uma característica também
sublinhada por James Gilbey. «Ela sempre foi vista como uma
típica Sloane Ranger1. Mas não é verdade. Sempre se manteve
afastada, sempre possuiu muita determinação e era muito terra-
-a-terra, quase dogmática. Essa qualidade desenvolveu-se hoje
numa tremenda presença.»
Embora sentisse algum receio do Príncipe Carlos, subme-
tendo-se a todas as suas decisões, não parecia esmagada pelo
ambiente envolvente. Interiormente podia sentir-se nervosa,
mas exteriormente parecia calma, descontraída e pronta para se
divertir. No 21.° aniversário do Príncipe André, que decorreu
no Castelo de Windsor, mostrou-se perfeitamente à-vontade
entre amigos. Quando o futuro cunhado lhe perguntou onde
poderia encontrar a duquesa de Westminster, a esposa do aris-
tocrata mais rico da Grã-Bretanha, ela gracejou: «Ó André, pára
de proferir nomes.» A sua capacidade de resposta pronta, acu-

1 Sloane Ranger: uma jovem mulher da classe alta que possui uma casa em Lon-
dres e outra no campo e que veste roupas típicas do campo, informais mas muito
caras. (N. da A.)

200
tilante mas sem maledicência, era uma herança da irmã mais
velha, Sarah, quando esta era o centro da alta sociedade.
«Não faças esse ar tão sério, não está a resultar», brincou
Diana quando apresentou Adam Russell à Rainha, ao Príncipe
e a outros membros da Família Real na receção para o baile
dado no Palácio de Buckingham, dois dias antes do casamento.
Mais um vez, ela parecia de bom humor e descontraída com
este grandioso ambiente. Não havia o mais leve sinal de, poucas
horas antes, ter rebentado em lágrimas e de ter considerado,
muito seriamente, a hipótese de cancelar tudo.
A causa dessas lágrimas foi a chegada de um embrulho, uns
dias antes, ao gabinete do Palácio de Buckingham que ela par-
tilhava com Michael Colbourne, na altura responsável, entre
outros assuntos, pelas finanças do Príncipe. Diana insistiu em
abri-lo, apesar dos protestos do braço direito do Príncipe. Lá
dentro encontrava-se uma pulseira com um medalhão azul
com as iniciais «F» e «G» gravadas. Correspondiam aos nomes
«Fred» e «Gladys», as alcunhas usadas por Camilla e por Car-
los, e das quais Diana tomara conhecimento por intermédio dos
amigos. Chegara-lhe aos ouvidos havia algum tempo, quando
descobriu que o Príncipe enviara um bouquet de flores a Camilla
quando ela estava doente. Mais uma vez, ele usara essa alcunha.
O trabalho no gabinete do Príncipe no Palácio de Bucking-
ham sofreu um interregno quando ela confrontou o seu futuro
marido acerca da pressuposta oferta. Apesar dos seus protes-
tos irritados e lacrimosos, Carlos insistiu em oferecer o pre-
sente à mulher que sempre ensombrara o seu namoro e que
consequentemente provocara uma imensa sombra ao longo de
toda a sua vida de casados. A completa enormidade desta farsa
atingiu-a dois dias antes do casamento, quando participava no
ensaio na Catedral de St. Paul. Assim que as luzes das câmaras
se acenderam, as suas convulsivas emoções dispararam, e ela
desfaleceu e irrompeu num inconsolável choro.

201
O público vislumbrou a sua frustração e o seu desespero no
fim-de-semana anterior ao casamento, quando ela abandonou
um jogo de polo, em Tidworth, numa crise de choro. No entan-
to, naquela altura as câmaras de televisão estavam direcionadas
para o casamento, a massa do bolo havia já sido batida, a mul-
tidão estava já a reservar lugares na rua, e o sentimento de feliz
expetativa era quase palpável. Na segunda-feira anterior ao dia
do casamento, Diana pensou seriamente em acabar com tudo.
À hora do almoço ela sabia que o Príncipe se encontrara com
Camilla para a presentear com a sua oferta, deixando mesmo
para trás o seu agente de segurança mais antigo, o inspetor-che-
fe John McLean.
No momento em que ele se encontrava com Camilla, Diana
almoçava com as irmãs no Palácio de Buckingham e discutia
com elas a sua difícil situação. Sentia-se confusa, perturbada e
desnorteada com o decurso dos acontecimentos. Nessa altura,
quando considerava a hipótese de cancelar o casamento, elas
cercearam os seus receios e premonições de desastre que se lhe
afiguravam no futuro. «Azar, Duch,» disseram-lhe, usando o
nome de família dado à irmã mais nova, «a tua cara está es-
tampada nas toalhas de chá, portanto é tarde de mais para te
amedrontares.»
A sua cabeça e o seu coração estavam num torvelinho, mas
ninguém o poderia adivinhar quando ela e Carlos, nessa noi-
te, receberam 800 convidados, entre amigos e familiares, num
baile oferecido dentro do palácio. Foi uma noite memorável de
desenfreada alegria. A Princesa Margarida prendeu um balão à
sua tiara, o Príncipe André prendeu outro à cauda do casaco do
fraque, e a equipa dos empregados de bar da realeza ofereceu
um cocktail intitulado «Uma longa, lenta e confortável asneira-
da contra o Trono». Rory Scott lembra-se de ter dançado com
Diana diante da então primeira-ministra Margaret Thacher e
de se ter embaraçado por constantemente a pisar.

202
O comediante Spike Milligan sustentou a ideia da existência
de Deus, Diana entregou um precioso colar de pérolas e dia-
mantes a uma amiga para que lho guardasse enquanto ela dan-
çava; por outro lado, a Rainha observava atentamente o progra-
ma e dizia espantada: «Diz aqui que há música ao vivo», como
se esta tivesse acabado de ser inventada. O irmão de Diana,
Charles, acabado de chegar de Eton, recorda-se vivamente de
ter feito uma vénia a um dos empregados. «Ele estava comple-
tamente coberto de medalhas», relembra, «e, nessa altura, com
tanta realeza por ali, eu já estava em modo de piloto automático
para vénias. Fiz-lhe uma vénia e ele olhou-me surpreendido.
A seguir perguntou-me se eu queria uma bebida.»
Para a maioria dos convidados, a noite passou-se num am-
biente de euforia. «Havia uma atmosfera de intoxicante ale-
gria», recorda Adam Russell. «Estavam todos terrivelmente
embriagados a apanhar táxis de madrugada, havia uma névoa,
uma gloriosa e feliz neblina.»
Na véspera do casamento, que passou em Clarence House,
Diana sentia-se muito mais animada, já que Carlos lhe enviara
um anel de sinete com a chancela do Príncipe gravada e um
afetuoso cartão onde dizia: «Estou tão orgulhoso de ti; quan-
do amanha apareceres lá, estarei no altar à tua espera. Olha-os
nos olhos e arrasa-os.» Embora esta nota amorosa a tivesse aju-
dado a debelar as suas apreensões, era difícil controlar as suas
inquietações interiores, acumuladas ao longo dos meses. Nessa
noite, durante o jantar com a sua irmã Jane, comeu tudo o que
conseguiu e rapidamente se sentiu agoniada. O stress e a tensão
acumuladas justificaram, em parte, o incidente, mas este foi já,
também, um prenúncio da bulimia nervosa, que se manifestou
claramente no fim desse ano. Ela mais tarde confessou: «Na
noite anterior ao casamento eu estava muito calma, muito cal-
ma, mortalmente calma. Sentia-me um cordeiro a caminho do
sacrifício. Sabia isso e não podia fazer nada.»

203
Na manhã de 29 de julho de 1981 acordou cedo, o que não era
de surpreender, uma vez que o seu quarto estava virado para o
centro comercial, onde uma enorme multidão ululante se reu-
nia havia já vários dias. Era o começo do que ela mais tarde des-
creveria como «o dia emocionalmente mais confuso da minha
vida». A ouvir a multidão lá fora, sentiu uma ansiedade mortal
combinada com uma grande antecipação do evento prestes a
acontecer.
Kevin Shanley, a sua cabeleireira, bem como a esteticista
Barbara Daly, David e Elizabeth Emanuel rodeavam-na de
modo a garantir que a noiva exibisse o seu melhor aspecto.
E conseguiram. O seu irmão Charles recorda-se da transfor-
mação da irmã. «Ela nunca foi muito adepta do uso de cosmé-
tica, mas estava lindíssima. Foi a primeira vez na minha vida
em que olhei para Diana como uma mulher bonita. Ela estava
realmente espantosa nesse dia e muito calma, ocultando todo o
nervosismo, embora estivesse ligeiramente pálida. Estava cal-
ma e feliz.»
O pai, que a conduziu ao altar, estava encantado. «Querida,
tenho tanto orgulho de ti», disse-lhe quando desciam a escada-
ria de Clarence House. Quando subiu para o coche com o pai,
Diana debateu-se com várias considerações práticas. Os seus es-
tilistas aperceberam-se demasiado tarde de que não haviam tido
em consideração o tamanho da carruagem quando conceberam
o seu vestido de noiva, de seda cor de mármore, com uma cauda
de 7,5 metros. Apesar de todos os esforços de Diana, dificilmen-
te se encaixou para a curta viagem até St. Paul.
Ela também sabia que a sua prioridade era chegar ao pai, fisi-
camente debilitado desde o ataque, e acompanhá-lo ao longo da
nave. «Foi um momento profundamente comovedor quando o
conseguiu fazer», observou Charles Spencer. O conde Spencer
adorou o passeio na carruagem, acenando entusiasticamente
para a multidão. Quando chegaram à igreja de St. Martin-in-

204
-the-Fields, as ovações da população eram tão exuberantes que
ele pensou que tinham chegado a St. Paul e preparou-se para
sair do coche.
Quando finalmente chegou à Catedral, o mundo susteve a
respiração, e Diana, com o pai apoiado pesadamente no seu
braço, caminhou com uma penosa lentidão pela nave da igre-
ja. Teve muito tempo para espreitar os convidados, incluindo
Camilla Parker Bowles. Ao caminhar pela igreja, o seu cora-
ção transbordou de amor e adoração por Carlos. Quando olhou
para ele através do seu véu, todos os receios se desfizeram, e
pensou que era a rapariga com maior sorte do mundo. Tinha
tanta esperança no futuro, acreditava tanto que ele a amaria,
apoiaria e protegeria de todas as dificuldades que os aguarda-
vam a partir deste momento... Este acontecimento foi visto por
mais de 750 milhões de pessoas, agarradas aos televisores, em
mais de 70 países. Foi, nas palavras do arcebispo de Cantuária,
«a matéria da qual se fabricam os contos de fadas».
Porém, naquele momento, ela tinha de se concentrar na cor-
tesia formal que deveria fazer à Rainha, preocupação que muito
lhe exercitara o pensamento nos dias anteriores. Quando a re-
centemente criada Princesa de Gales surgiu da Catedral de St.
Paul para a multidão ululante, a esperança e a felicidade trans-
bordavam no seu coração. Convenceu-se de que a bulimia, que
ensombrara todo o noivado, fora simplesmente um ataque de
nervos pré-nupciais e de que Camilla Parker Bowles passara à
história. Falou, mais tarde, dessas horas de inebriante emoção
num tom de voz sarcasticamente divertido: «Possuía enormes
esperanças no meu coração.»
Provou-se que estava terrivelmente enganada. Na cabeça de
Diana, este irresolúvel triângulo engendrou uma década de an-
siedades, angústia e raiva. Não houve vencedores. Como Dia-
na acutilantemente observou numa frase memorável: «Éramos
três neste casamento; por isso, havia gente a mais.» Um amigo

205
comum, que observou o desenrolar desta desafortunada saga
durante toda a década seguinte, reconheceu: «Lamento toda a
tragédia do ocorrido. Sofro por todos os equívocos, mas sofro
sobretudo por Diana.»
Porém, naquele dia de julho, Diana sentia-se engrandecida
com o afetuoso calor da multidão alinhada ao longo do cami-
nho de regresso para o Palácio de Buckingham, onde a Famí-
lia Real e os seus convidados se juntavam para o copo-de-água
real. Nessa altura sentia-se demasiado exausta para pensar com
clareza, sentindo-se totalmente esmagada com a espontânea
manifestação de afeto daquela patriótica multidão.
Ansiava por alguma paz e tranquilidade, acreditando que,
nesse momento em que o casamento havia terminado, poderia
voltar a descansar numa relativa obscuridade. O casal real en-
controu essa reclusão em Broadlands, na casa do conde Mount-
batten, em Hampshire, onde passaram os primeiros três dias da
lua-de-mel, seguidos por um descontraído cruzeiro pelo Me-
diterrâneo, a bordo do iate real Britannia, ao qual se juntaram
em Gibraltar. O Príncipe Carlos tinha ideias próprias acerca da
vida de casado. Levou consigo o equipamento de pesca, usa-
do no retiro de Hampshire, juntamente com meia dúzia de li-
vros da autoria do seu amigo e mentor, o filósofo e aventureiro
sul-africano Sir Laurens Van der Post. Era sua intenção lerem
aqueles livros juntos e depois discutirem as ideias místicas de
Van der Post durante as refeições.
Diana, por outro lado, queria passar o tempo a conhecer
verdadeiramente o marido. Durante a maior parte do tempo
do seu noivado, as suas obrigações reais haviam-no apartado
dela. A bordo do iate real, com os seus 21 oficiais e 256 ho-
mens, nunca estavam sozinhos. Os jantares eram ocasiões de
cerimónia à qual acorriam os oficiais escolhidos. Enquanto dis-
cutiam os acontecimentos do dia, uma banda da Royal Marine
tocava numa sala contígua. A tensão nervosa que antecedera o

206
casamento deixara o casal completamente esgotado. Durante a
maior parte do tempo dormiam, e quando ela não estava a dor-
mir visitava frequentemente as cozinhas, a região «pantanosa»
dos chefes de cozinha. Eles divertiam-se com a forma como ela
consumia infindáveis taças de gelado ou lhes pedia que lhe fi-
zessem os seus snacks especiais, entre as refeições.
Ao longo dos anos os funcionários da realeza, bem como os
seus amigos, surpreenderam-se com o apetite de Diana, parti-
cularmente porque ela estava sempre tão magra. Era frequen-
temente apanhada de volta do frigorífico noite dentro, em
Highgrove, e, numa vez, deixou de boca aberta um empregado
comendo um bife inteiro e uma tarte de carne quando pernoi-
tava no Castelo de Windsor. O seu amigo Rory Scott lembra-se
de a ver comer um saco de doces de meio quilo num ápice, du-
rante uma noite de bridge, enquanto a sua confissão de ter co-
mido uma taça de creme de leite e ovos antes de ir para a cama
aumentou a perplexidade relativa à sua dieta.
Na verdade, literalmente desde o momento em que se tornou
Princesa de Gales, Diana sofreu de bulimia nervosa, facto que
ajuda a explicar o seu errático comportamento dietético. Como
Carolyn Bartholomew, que muito contribuiu para convencer
Diana a procurar ajuda médica, observou: «Esteve presente du-
rante toda a sua carreira real, sem dúvida. Detesto dizê-lo, mas
receio que pode emergir quando ela está sob grande pressão».
Para Diana, os últimos meses foram uma montanha-russa emo-
cional, porquanto tentou conciliar a sua nova vida como figura
pública e a publicidade sufocante, bem como o comportamento
ambíguo do marido em relação a ela. Foi um cocktail explosi-
vo, e precisou de apenas uma faúlha para que a sua condição se
declarasse. Numa ocasião, já perto do dia do casamento, Carlos
pôs o braço em redor da sua cintura e fez um comentário acerca
do que considerou ser a sua rechonchuda figura. Foi um co-
mentário suficientemente inocente mas que provocou qualquer

207
coisa no íntimo de Diana. Pouco tempo depois deste incidente,
Diana induziu o vómito. Era uma excelente forma de libertar as
tensões, e de um modo vago dava-lhe uma sensação de controlo
sobre si própria, libertando-a da raiva que sentia.
A lua-de-mel não lhe deu qualquer interregno. Na verdade,
tornou-se cada vez pior, com Diana a vomitar quatro e, por
vezes, cinco vezes ao dia. A sombra omnipresente de Camilla
serviu apenas para alimentar o fogo. A sua lembrança estava
em todo o lado. Numa ocasião estavam a comparar os seus com-
promissos com as respectivas agendas quando duas fotografias
de Camilla caíram da agenda de Carlos. Entre as lágrimas e as
palavras magoadas, ela pediu-lhe que fosse honesto com o que
sentia em relação a Camilla e a si própria. Essas palavras caíram
em orelhas moucas. Vários dias depois, receberam o Presidente
do Egipto, Anwar Sadat, e a sua esposa Jihan, a bordo do iate
real. Quando Carlos apareceu para o jantar, Diana reparou que
ele trazia um novo par de botões de punho, com a forma de dois
«CC» entrelaçados. Admitiu terem sido oferecidos por Camilla,
mas considerou-os um simples gesto de amizade. Diana não o
considerava tal. Como, mais tarde, comentaria com os amigos,
zangada, não compreendia por que razão Carlos precisava de
lembrar constantemente Camilla.
No entanto, em público, Diana aparecia feliz e alegre. Jun-
tou-se a uma cantiga na messe dos marinheiros, cantando
«What shall we do with a drunken sailor?» e bebendo de uma
lata de cerveja. «Estávamos todos ligeiramente tocados», re-
corda um marinheiro. Numa noite de luar, divertiram-se com
um barbecue numa baía da costa de Ítaca. Foi organizado pelos
oficiais do iate, que cozinharam tudo. Depois de terem comi-
do, um acordeonista da Royal Marine veio a terra, tocou alguns
temas musicais e a brisa noturna vibrou com o som das cantigas
de escuteiros e dos cânticos de marinheiros. De um modo mui-
to particular, o fim da lua-de-mel traduziu-se no ponto alto da

208
viagem. Durante dias, os oficiais e a restante tripulação ensaia-
ram um concerto de despedida. Havia mais de 14 peças, desde
as mais cómicas às mais vulgares. Carlos e Diana regressaram
à Grã-Bretanha em forma, bronzeados, muito apaixonados, e
correram a juntar-se à Rainha e à restante Família Real na pro-
priedade de Balmoral.
Mas as brumas das Highland pouco contribuíram para o
apaziguamento do espírito perturbado de Diana. Na verdade,
quando chegaram a Balmoral, onde ficaram de agosto a fins de
outubro, o verdadeiro impacto de ser Princesa de Gales come-
çou a atingir o lar. Ela tinha acreditado, como muitos dos mem-
bros da Família Real, em que a fama seria transitória e em que a
sua estrela começaria a desvanecer-se logo a seguir ao casamen-
to. Toda a gente, até mesmo os jornalistas, foi apanhada des-
prevenida com o fenómeno da Princesa Diana. Os seus leitores
nunca tinham Diana que lhes bastasse; o seu rosto estava em
todas as capas de revista, todos os aspectos da sua vida atraíam
comentários, e todos os que a conheceram eram perseguidos a
fim de conceder entrevistas aos vorazes media.
Em menos de um ano, esta estudante desistente insegura en-
trara num processo de deificação pela imprensa e pelo público.
Todas as banalidades eram celebradas; gestos do dia-a-dia como
abrir, por si, a porta do carro, ou comprar um saco de doces
eram aclamados como evidência de uma Princesa muito huma-
na. Todos se sentiam contagiados, até mesmo os convidados da
Família Real em Balmoral, nesse outono. Diana sentia-se abso-
lutamente confusa. Não se modificara assim tanto nesses dozes
meses, desde o tempo em que andava a cobrir os carros com
ovos e farinha e a tocar às campainhas das portas com as suas
esfusiantes amigas.
Ao juntar-se aos convidados da residência escocesa da Ra-
inha compreendeu que deixara de ser tratada como uma pessoa
e passara a ser tratada como uma posição, deixara de ser um ser

209
humano de carne e osso, com pensamentos e sentimentos, e
passara a ser um símbolo, onde o título de «Sua Alteza Real, a
Princesa de Gales» a distanciava não só do vasto público como
dos que pertenciam ao círculo íntimo da realeza. O protoco-
lo decretava que ela deveria ser tratada por «Sua Alteza Real»
no início de uma conversa e por «Minha Senhora» em seguida.
Claro que toda a gente lhe fazia vénias, também. Diana sentia-se
desconcertada. «Não me chamem Minha Senhora, chamem-me
Duch», pediu a uma amiga pouco depois do casamento. Mas
por muito que se esforçasse não podia impedir a mudança de
atitude a seu respeito.
Percebeu que todas a viam com outros olhos, tratando-a
como se fosse uma frágil peça de porcelana a admirar sem to-
car. Diana era tratada com luvas de pelica, quando tudo o que
precisava era de um aconselhamento sensato, um abraço e uma
palavra de consolação. Contudo, a confusa jovem que constituía
a verdadeira Diana encontrava-se no sério perigo de se afun-
dar na onda das mudanças que haviam virado o seu mundo de
pernas para o ar. Para o mundo espectante, ela sorria e largava
gargalhadas, parecendo perfeitamente feliz com o seu marido e
com o seu novo estatuto. Numa famosa sessão fotográfica junto
à ponte de Dee, na propriedade de Balmoral, Diana confessou
aos media então presentes que «aconselhava veementemente» a
vida de casada. No entanto, longe das câmaras e dos microfones,
o casal discutia continuamente. Diana andava constantemente
com os nervos à flor da pele suspeitando da presença de Camilla
em todas as ações de Carlos. Houve tempos em que acreditou
que ele procurava os conselhos de Camilla a respeito do seu ca-
samento ou que procurava uma forma de a encontrar. Como
comentou uma amiga íntima: «Eles tinham sérias guerras sobre
ela, feias discussões, e eu não culpo Diana nem um bocadinho.»
Ela vivia num baloiço emocional, com os seus ciúmes amal-
gamados com uma verdadeira devoção a Carlos. Diana estava,

210
ainda, completamente encantada por ele, e Carlos, à sua manei-
ra, apaixonado por ela. Saíam para longos passeios em volta das
colinas, das quais se avistava Balmoral, e, quando se deitavam
na urze, ele lia passagens de livros de psiquiatras suíços, de Cari
Jung ou de Laurens von der Post. Carlos era feliz, e se ele estava
contente, também Diana o estava. As tocantes cartas de amor
que trocavam davam testemunho dos crescentes laços de afeto.
Mas estes interlúdios românticos eram meras pausas nas
preocupações de Diana acerca da vida pública, ansiedades que
não a ajudavam a dominar o seu estado de bulimia. Ela estava
permanentemente doente; o seu peso diminuiu drasticamente
até ficar literalmente só «pele e osso». Nesta conjuntura crítica
sentiu que não havia ninguém em quem pudesse confiar. Con-
venceu-se, e muito bem, de que a Rainha e outros membros
da Família Real tomariam o partido do marido. Em qualquer
acontecimento, a Família Real, por treino como por inclinação,
desconfia do emocional bater de coração. Vivem num mundo
de sentimentos contidos e atividade regimentada. Convence-
ram-se de que, de uma maneira ou de outra, Diana seria capaz
de assumir o seu rígido código de comportamento de um dia
para o outro.
Sentiu que também não poderia aproximar-se da sua própria
família para pedir auxílio. Os seus pais e as suas irmãs eram
simpáticos, mas esperavam que se conformasse com o estado
de coisas existente. As amigas e, particularmente, as antigas
colegas de apartamento, poderiam ajudar, mas ela não sentiu
que pudesse impor-lhes uma tal carga de responsabilidade. Dia-
na sentiu que, tal como o resto do mundo, queriam que o real
conto de fadas funcionasse. Acreditavam no mito, e Diana não
podia, ela mesma, contar-lhes a terrível verdade. Estava terri-
velmente só e muito exposta. Inexoravelmente, os seus pensa-
mentos viraram-se para o suicídio, não que quisesse morrer,
mas porque procurava auxílio desesperadamente.

211
O marido tomou o assunto nas suas próprias mãos, convi-
dando Laurens van der Post a ir à Escócia para ver o que po-
dia fazer. Os cuidados por ele ministrados tiveram muito pou-
co efeito; por isso, ela voou para Londres, em outubro, para
consultas médicas. Foi vista por vários médicos e psicólogos no
Palácio de Buckingham. Receitaram-lhe vários tranquilizantes
para a acalmar e lhe permitir recuperar o equilíbrio. Contudo,
Diana lutou vigorosamente contra os seus conselhos. No fundo
do coração, sabia que precisava não de drogas mas de descanso,
paciência e compreensão da parte de todos quantos a rodea-
vam. Exatamente na altura em que era atacada por várias vo-
zes dizendo-lhe que aceitasse as recomendações dos médicos,
descobriu que estava grávida. «Obrigada, Céus, pelo William»,
disse ela mais tarde, significando isto que já podia abandonar as
pílulas que lhe eram oferecidas argumentando que não queria
pôr em risco o bebé que trazia consigo.
A sua gravidez foi uma suspensão temporária da sua pena.
Foi um adiamento que não durou muito tempo.

212
Ao caminhar pela igreja, o seu
coração transbordou de amor e
adoração por Carlos. Quando olhou
para ele através do seu véu, todos
os receios se desfizeram, e pensou
que era a rapariga com maior sorte
do mundo. Este acontecimento foi
visto por mais de 750 milhões de
pessoas, agarradas aos televisores, em
mais de 70 países. Foi, nas palavras
do arcebispo de Cantuária, «a
matéria da qual se fabricam
os contos de fadas».
CAPÍTULO IV

Lágrimas por Socorro

O som das vozes cada vez mais alteradas e histéricas podia


ouvir-se perfeitamente vindo da suite ocupada pelo Príncipe e
pela Princesa de Gales em Sandringham. Pouco tempo passara a
seguir ao Natal, mas havia muito pouco espírito festivo entre o
casal real. Diana estava então grávida de três meses, do Príncipe
William, e sentia-se completamente infeliz. A sua relação com
o Príncipe Carlos descarrilava abruptamente. O Príncipe pare-
cia incapaz de compreender ou desejar compreender o tumulto
da vida de Diana. Ela sofria imenso com enjoos matinais, acha-
va-se perseguida por Camilla Parker Bowles e tentava desespe-
radamente adaptar-se ao seu novo estatuto e à sua nova família.
Como mais tarde confessou aos amigos: «Num minuto não
era ninguém; no minuto seguinte passei a ser Princesa de Gales,
mãe, brinquedo dos media, membro desta família, e tudo isto
era demasiado para qualquer pessoa.» Ela havia suplicado, per-
suadido e exigido violentamente a compreensão do Príncipe.
Em vão. Nesse dia de janeiro de 1982, o seu primeiro ano novo
no seio da Família Real, ameaçou acabar com a sua própria vida.
Ele acusou-a de criar falsos dramas e preparou-se para ir mon-
tar a cavalo na propriedade de Sandringham. Ela fez o que pro-
metera. De pé, no cimo da escadaria de madeira, atirou-se de
um salto para o chão, aterrando lá em baixo.
A Rainha foi uma das primeiras pessoas a chegar ao local.
Estava horrorizada, tremendo por todos os lados com o choque

215
do que testemunhara. Chamaram um médico local enquanto
George Pinker, o ginecologista de Diana, viajava de Londres
para ver a sua paciente. O marido limitou-se a abandonar a
esposa e a prosseguir com os seus planos de montar a cavalo.
Felizmente, Diana não ficou seriamente ferida com a queda,
embora tivesse ficado com várias equimoses em volta do estô-
mago. Um exame completo revelou que o feto não tinha sido
minimamente afetado.
Este incidente correspondeu a uma das muitas crises domés-
ticas que atingiram o casal real naqueles primeiros tumultuosos
dias. Em cada momento de viragem aumentavam a distância
entre si. Como observou James Gilbey a respeito da sua tenta-
tiva de suicídio: «Eram mensagens de absoluto desespero. Por
favor, por favor, socorro!» Nos primeiros anos de casados, Dia-
na fez muitas ameaças e inúmeras tentativas de suicídio. Seria
então sublinhado que se tratava não de sérias tentativas de aca-
bar com a vida, mas apenas de pedido de ajuda.
Numa ocasião, atirou-se contra um armário de vidro, em
Kensington Palace, enquanto noutra cortou os pulsos com
uma lâmina de barbear. De uma outra vez cortou-se propo-
sitadamente com a lâmina serrada de uma faca; ainda noutra
altura, durante uma feroz discussão com Carlos, agarrou num
canivete que se encontrava pousado em cima do toucador e
rasgou o peito e as pernas. Embora estivesse a sangrar, o mari-
do desdenhou-a cuidadosamente. Como sempre, Carlos achou
que ela estava a fingir os seus problemas. Mais tarde, a sua irmã
Jane, que a viu pouco tempo depois, reparou nas marcas no
corpo de Diana. Jane ficou horrorizada quando ouviu a expli-
cação.
Como Diana disse mais tarde aos amigos: «Tratava-se de de-
sesperados pedidos de socorro. Eu só precisava de tempo para
me adaptar ao meu novo estatuto.» Um dos seus amigos, que
viu a sua relação deteriorar-se, sublinha o desinteresse e a to-

216
tal falta de respeito do Príncipe por ela, numa altura em que
Diana precisava desesperadamente de ajuda. «A sua indiferen-
ça conduziu-a para o precipício quando ele a podia ter levado,
apaixonadamente, ao fim do mundo. Poderiam ter incendiado
o mundo. Apesar de não ser o culpado, antes o foi a sua própria
ignorância, o meio em que nasceu e a falta de um relacionamen-
to sério com alguém em toda a vida instigaram em Diana todo
este ódio por si própria.»
Esta é uma opinião tendenciosa. Nos primeiros tempos do
casamento, o Príncipe tentou aliviar a esposa da rotina real.
O seu primeiro grande teste foi uma visita de três dias a Gales,
no mês de outubro de 1981. A multidão deixou dolorosamente
claro quem era a nova estrela do espetáculo – a Princesa de Ga-
les. Carlos ficou reduzido a pedir desculpa por não ter esposas
suficientes para toda a gente. Se ele tomava um lado da rua num
passeio a pé, a multidão murmurava coletivamente que era a
sua esposa que tinham ido ver. «Parece que, nestes últimos dias,
não faço mais nada a não ser recolher flores», queixou-se ele.
«Sei qual é o meu lugar.» Por detrás dos sorrisos havia outras
preocupações dissimuladas. A primeira visão da Princesa num
cais, em Gales, debaixo de uma chuvada, resultou num choque
para os espectadores da realeza. Foi a primeira oportunidade de
ver Diana de perto depois da sua longa lua-de-mel, e foi como
descobrir uma nova mulher. Ela não se mostrava apenas magra,
mostrava-se doentiamente escanzelada.
Diana havia perdido peso antes do casamento, o que seria de
esperar – mas a rapariga que se movimentava por entre a mul-
tidão, apertando mãos e aceitando flores, estava absolutamente
transparente. Diana estava grávida de dois meses – e sentia-se
pior do que aparentava. Escolhera a roupa errada para a chuva
torrencial que a perseguia em todos os seus movimentos, esta-
va arrasada com os enjoos matinais e completamente esmagada
pela multidão que saíra para a ver.

217
Diana admitiu que não foi fácil de aturar nesse batismo de
fogo. Irrompia em lágrimas frequentemente enquanto se des-
locavam pelos diversos locais, dizendo ao marido que pura e
simplesmente não era capaz de enfrentar a multidão. Não tinha
a energia nem os meios para lidar com a perspetiva de enfrentar
tanta gente. Houve momentos, muitos momentos, em que de-
sejou regressar ao apartamento de solteira com as suas alegres e
pouco complicadas amigas.
Embora Carlos compreendesse a sua triste mulher, insistia na
ideia de que o espetáculo real tinha de continuar. Estava com-
preensivelmente apreensivo quando Diana fez o seu primeiro
discurso, parte dele em galês, no Cardiff City Hall quando agra-
ciada com a Freedom of City. Embora Diana tenha passado no
teste com grande autodomínio, descobriu outro truísmo acerca
da vida da realeza. Por muito bem que agisse, por muito que se
esforçasse, nunca ganharia uma palavra de louvor por parte do
marido, da Família Real ou dos cortesãos. Na sua tão vulnerável
e isolada situação, um pequeno aplauso teria feito maravilhas.
«Lembro-me de ela dizer que se estava a esforçar imenso e que
só precisava de uma palmadinha nas costas», relembra um ami-
go. «Mas isso não iria acontecer.» Todos os dias lutava contra
os enjoos de modo a cumprir os seus compromissos públicos.
Tinha um medo tão mórbido de deixar ficar mal o marido e
a «firma» da Família Real que desempenhava as suas funções
oficiais mesmo não estando muito bem. Em duas ocasiões, teve
de cancelar os seus compromissos; noutras mostrava-se pálida
e doente, bem consciente de que não estava a ajudar o marido.
Pelo menos, depois de a gravidez ter sido oficialmente anun-
ciada, em 5 de novembro de 1981, Diana pôde discutir o seu
estado publicamente. A extenuada Princesa disse: «Tenho dias
em que me sinto terrivelmente mal. Ninguém me disse que me
iria sentir assim.» Ela confessou ter uma paixão por sanduí-
ches de bacon e tomate, e por receber telefonemas da sua amiga

218
Sarah Ferguson, filha do diretor de polo de Carlos, major Ro-
nald Ferguson. A irrequieta ruiva deixava regularmente o seu
emprego numa galeria de um comerciante de arte londrino e
guiava até ao Palácio de Buckingham para dar coragem à futura
mãe.
Em privado não havia melhoras. Recusava vigorosamente
tomar quaisquer medicamentos, argumentando mais uma vez
que não podia suportar a responsabilidade se o bebé nascesse
deformado. Ao mesmo tempo percebeu que era então vista pelo
resto da Família Real como sendo «um problema». Nos janta-
res formais em Sandringham ou no Castelo de Windsor, teve
frequentemente de abandonar a mesa por estar doente. Em vez
de ir simplesmente deitar-se, insistia em voltar, acreditando ser
seu dever tentar cumprir as suas obrigações.
Se a vida quotidiana era difícil, as obrigações públicas eram
um pesadelo. A visita a Gales fora um triunfo, mas Diana sen-
tiu-se esmagada pela sua popularidade, pelo tamanho das mul-
tidões e pela proximidade da imprensa. Montava um tigre e não
havia como escapar. Nos primeiros meses, tremia só de pen-
sar nos desempenhos pessoais dos seus compromissos oficiais.
Sempre que possível ter-se-ia juntado a Carlos, ficando a seu
lado, silenciosa, atenta mas ainda assim aterrorizada. Quando
aceitou o seu primeiro compromisso individual, acender as lu-
zes de Natal na Regent’s Street, no West End de Londres, ficou
paralisada com os nervos. Sentiu-se doente ao fazer um rápido
discurso em tom monocórdico. No fim da cerimónia sentiu-se
feliz por voltar a casa, para o Palácio de Buckingham.
E as coisas não melhoraram. A rapariga que só aparecia nos
teatros escolares se tivesse um papel sem falas estava agora no
centro do palco. Foram precisos, segundo ela própria admitiu,
seis anos antes de se sentir confortável neste papel de estrela
principal. Felizmente para ela, as câmaras já se tinham apaixo-
nado pela nova figura da Casa Real. Por muito nervosa que se

219
pudesse sentir intimamente, o seu doce sorriso e a sua calma
faziam o deleite dos fotógrafos. Desta vez, as câmaras mentiam,
não a respeito da beldade em que se transformara, mas na ca-
muflagem da sua vulnerável personalidade por detrás da sua
capacidade de fingir.
Diana acreditava ser capaz de sorrir mesmo quando em so-
frimento graças às qualidades herdadas da mãe. Quando os ami-
gos lhe perguntavam como conseguia apresentar publicamente
uma cara tão radiosa, respondeu: «Tenho o que a minha mãe
tem. Por muito mal que nos estejamos a sentir, conseguimos
mostrar o mais surpreendente ar de felicidade. A minha mãe
é especialista nisso, e eu herdei-o. Mantém os lobos longe da
porta.»
A capacidade de conseguir transformar-se nesta personagem
sorridente em público foi ajudada pela natureza da bulimia de
Diana. Ao mesmo tempo, o estilo de vida saudável da Princesa
– com exercício físico regular, pouco consumo de álcool e uma
hora de se deitar muito cedo – dava-lhe energia para prosseguir
com as suas funções reais.
Ao mesmo tempo, o seu profundo sentido do dever e da
obrigação impelia-a a manter as aparências para bem do públi-
co. Um amigo íntimo disse: «O seu lado público era muito dife-
rente do seu lado privado. Queriam uma Princesa dos contos de
fadas para lhes tocar e transformar tudo em ouro. Todas as suas
preocupações seriam esquecidas. Nem se aperceberam de que
a individualidade a estava a crucificar por dentro.» Diana, uma
involuntária celebridade para os media internacionais, teria de
aprender no terreno. Não houve qualquer preparação, qualquer
apoio ou conselho dentro do Sistema Real. Tudo acontecia à
vez e por acaso. Os cortesãos de Carlos estavam habituados a
lidar com um solteiro de hábitos regulares e com uma rotina
estabelecida. O casamento mudou tudo. Durante os preparati-
vos para o casamento houve preocupação por o Príncipe poder

220
não estar preparado para pagar a sua parte da despesa. «Para os
que trabalharam na seleção dos envelopes, foi o caos», recorda
um antigo membro da sua criadagem. O período que se seguiu
ao casamento surpreendeu toda a gente. Apesar de se ter requi-
sitado pessoal extra, Diana tratou de, pessoalmente, sentar-se a
responder a muitas das 47 mil cartas de felicitação e às 10 mil
prendas de casamento que recebera.
Teve de se beliscar frequentemente com o absurdo da situa-
ção. Num dado momento andava a limpar o chão para se sus-
tentar; noutro, a receber um par de candelabros do Rei e da
Rainha da Suécia, ou a tagarelar com o Presidente de um lugar
qualquer. Felizmente, a sua educação dera-lhe a preparação ne-
cessária para lidar com estas situações. Ainda bem que assim
fora, porque a estrutura federal da Família Real significa que
todos se restringem ao seu próprio raio de ação.
Para além de se estar a habituar ao papel de figura pública, a
inexperiente Princesa tinha duas casas para decorar. O Príncipe
admirava o seu estilo e a sua sensibilidade na escolha das cores,
e entregou-lhe a tarefa da decoração. No entanto, necessitou
de ajuda profissional. Aceitou de bom grado a sugestão da mãe
para consultar Dudley Poplak, um discreto designer de interio-
res sul-africano, que mobilara as suas próprias casas. Começou
a trabalhar os apartamentos Oito e Nove do Palácio de Kensin-
gton, em Highgrove.
A principal tarefa foi a de acomodar a maior quantidade pos-
sível de ofertas de casamento nas suas novas casas. Uma cómo-
da do século XVIII oferecida pelo duque e pela duquesa de Wel-
lington, um par de cadeiras georgianas do povo das Bermudas e
uns portões de ferro forjado da cidade vizinha de Tetbury eram
apenas uma amostra da cornucópia de presentes ofertados ao
casal real.
Durante a maior parte da gravidez Diana ficou no Palácio
de Buckingham, enquanto os carpinteiros e os pintores traba-

221
lhavam na nova casa de Londres. Só cinco semanas antes de o
Príncipe William nascer o casal real se mudou para o Palácio de
Kensington, também a casa da Princesa Margarida, do duque e
da duquesa de Glouscester e dos seus mais próximos vizinhos, o
Príncipe e a Princesa Michael de Kent. Nessa altura, Diana atin-
gira já o limite das suas forças. Era constantemente observada
pelos fotógrafos e pelos jornalistas, enquanto os jornalistas co-
mentavam todos os seus gestos. Sem o conhecimento da Prin-
cesa, a Rainha havia já convocado todos os editores jornalísticos
de Fleet Street ao Palácio de Buckingham, a fim de lhes pedir,
por intermédio do seu assessor de imprensa, que deixassem em
paz Diana e lhe dessem um pouco de privacidade. O pedido foi
ignorado.
Em fevereiro, quando Carlos e Diana partiram para a ilha de
Windermere, nas Baamas, foram perseguidos pelos represen-
tantes de dois jornais. A Princesa, então grávida de cinco me-
ses, foi fotografada a fazer surf de biquíni. Ela e Carlos ficaram
furiosos com a publicação das fotografias, enquanto o palácio,
manifestando-se profundamente ultrajado, observou que esse
fora «um dos dias mais negros do jornalismo britânico». A lua-
-de-mel entre a imprensa, a Princesa e o palácio tinha efetiva-
mente terminado.
Esta obsessão diária dos media por Diana contribuiu para
queimar ainda mais as suas já esgotadas resistências, tanto men-
tal como fisicamente. A bulimia, os enjoos matinais, o casamen-
to a desmoronar-se e os seus ciúmes de Camilla juntaram-se
tornando a sua vida insuportável. O interesse dos media no imi-
nente nascimento foi demasiado duro de suportar. Decidiu fa-
zer um parto por indução, embora o seu ginecologista, George
Pinker, tivesse sido citado com a seguinte afirmação: «O parto é
um processo natural e deve ser tratado como tal.» Embora esti-
vesse bem a par do trauma da mãe depois do nascimento do seu
irmão John, os seus instintos diziam-lhe que o bebé estava bem.

222
«Está bem preparado», disse a um amigo antes de ir, acompa-
nhada de Carlos, para a ala privada do Hospital de St. Mary, em
Paddington, na zona ocidental de Londres.
O trabalho de parto pareceu-lhe, como toda a gravidez, in-
terminável e difícil. Diana sentia-se continuamente enjoada e
a certa altura o Sr. Pinker e os seus colegas consideraram a hi-
pótese de proceder a uma cesariana de emergência. Durante o
trabalho de parto, a temperatura de Diana subiu drasticamente,
o que provocou algumas preocupações com a saúde do bebé.
Por fim, Diana, que recebera uma epidural, na base da coluna,
conseguiu dar à luz com o seu próprio esforço, sem o recurso a
fórceps ou à cesariana.
A alegria foi ilimitada. Às 9h30 da noite do dia 21 de junho de
1982 Diana deu à luz o filho e herdeiro, causa de júbilo nacional.
Quando, no dia seguinte, a avó foi visitar o neto, o seu comen-
tário foi típico. Ao observá-lo, comentou, sarcástica: «Graças a
Deus não tem orelhas como as do pai.» O segundo na linha de
sucessão ao trono era ainda oficialmente conhecido como «bebé
de Gales» e o casal ainda necessitou de uns dias de reflexão até
encontrar um nome. O Príncipe Carlos confessou: «Pensámos
em um ou dois. Há uma certa oposição a respeito deles, mas
acabaremos por encontrar um.» Carlos queria chamar Artur ao
seu primeiro filho e Albert ao segundo, em homenagem ao ma-
rido da Rainha Vitória. William e Harry foram as escolhas de
Diana, e as preferências do marido foram usadas para segundo
nome das crianças.
Quando o momento chegou, Diana manteve-se igualmente
firme a respeito da educação dos rapazes. O Príncipe Carlos de-
fendia que eles deveriam ser educados inicialmente por Mabel
Anderson, a sua ama quando criança, e, em seguida, por uma
professora contratada para os primeiros anos de escolarização
dos rapazes, na privacidade do Palácio de Kensington. O Prín-
cipe Carlos fora educado deste modo e queria que os filhos o

223
seguissem. Diana argumentou que os filhos deviam ir para a es-
cola com outras crianças. Ela considerava essencial que as crian-
ças crescessem no mundo exterior e não escondidas no artificial
ambiente do palácio real.
Dentro das restrições da rotina, Diana tentou educar os fi-
lhos de modo tão normal quanto possível. A sua própria in-
fância era a prova suficiente do prejuízo que pode resultar do
facto de a criança passar o tempo de uma figura parental para
outra. Estava determinada a que os seus filhos nunca ficassem
privados dos abraços e dos beijos que ela e o seu irmão Charles
tanto desejaram em jovens. Quando Barbara Barnes, a ama dos
filhos do lorde e de Lady Glenconner, foi contratada, ficou bem
claro que Diana ficaria intimamente envolvida na educação dos
filhos. Inicialmente, amamentou as crianças, um assunto inter-
minavelmente discutido com a irmã Sarah.
Pouco tempo depois da alegria da maternidade, surgiu a per-
turbação alimentar. Carolyn Bartolomew, que a visitou no Pa-
lácio de Kensington três dias depois de William ter nascido,
recorda: «Ela estava encantada com o bebé e consigo própria.
Havia nela uma grande felicidade.» A sua alegre disposição era
contagiante. Durante algum tempo, Carlos surpreendeu os
amigos com o seu entusiasmo pela rotina da puericultura. «Es-
perava poder fazer alguma coisa», disse ele a Harold Haywood,
secretário do Príncipe, uma sexta-feira à tarde. «Mas é difícil.
Por isso, espero pelo menos mudar o babete.» Durante o cresci-
mento de William, apareceram histórias do Príncipe brincando
com o filho no banho, de William limpando os sapatos no la-
vatório, ou de Carlos rompendo compromissos para estar com
a família.
Havia também histórias tristes: que Diana sofria de anorexia;
que o Príncipe estava preocupado com a sua saúde; que ela co-
meçava a exercer demasiada influência sobre os seus amigos e
o seu staff. Na realidade, a Princesa sofria de bulimia e de um

224
grave caso de depressão pós-parto. Os acontecimentos do ano
anterior deixaram-na mentalmente esgotada, enquanto estava
fisicamente exausta por causa da sua doença crónica.
O nascimento de William e a consequente reação psicológica
fizeram disparar os negros sentimentos que albergava a respeito
da relação do marido com Camilla Parker Bowles. Houve lágri-
mas e telefonemas em pânico quando ele não ia para casa a ho-
ras; noites sem dormir quando ele estava fora. Um amigo recor-
da claramente um telefonema da Princesa em lágrimas. Diana
ouviu por acaso o marido a falar a um telefone móvel enquanto
tomava banho. Ficou profundamente perturbada quando o ou-
viu dizer: «Aconteça o que acontecer, amar-te-ei sempre.»
Estava nervosa e chorosa, cheia de ansiedade em relação ao
filho – «Ele está bem, Barbara?» perguntava à sua nova ama –, e
negligente quanto a si própria. Foi um tempo desesperadamen-
te solitário. A família e os amigos estavam então nas margens da
sua nova vida. Ao mesmo tempo, percebeu que a Família Real
a percebia não apenas como um problema, mas também como
uma ameaça. Os seus membros estavam profundamente preo-
cupados com a decisão do Príncipe Carlos de desistir da caça,
bem como com a sua inclinação para o vegetarianismo. Como a
Família Real tinha grandes propriedades na Escócia e em Nor-
folk, onde a caça com armas de fogo e a pesca eram uma parte
integral da gestão da terra, estavam muito preocupados com o
futuro. Diana foi responsabilizada pela mudança de atitude do
marido. Foi uma lamentável e errada leitura da sua posição.
Sentiu não estar em posição de influenciar o comportamen-
to do marido. Mudanças no seu guarda-roupa eram uma coisa;
alterações radicais no código tradicional do campo eram algo
completamente diferente.
De facto, a muito publicitada conversão de Carlos ao vege-
tarianismo pode mais propriamente ser imputada ao seu antigo
guarda-costas, Paul Officer, que, frequentemente, discutiu com

225
ele durante longas viagens de carro acerca das virtudes de uma
dieta sem carne.
Diana começava também a ver o estado das coisas relativa-
mente aos sogros. Durante uma feroz discussão com Diana,
Carlos tornou clara a posição da Família Real. Disse-lhe, sem
equívocos, que o pai, o duque de Edimburgo, tinha concordado
em que, se ao fim de cinco anos o seu casamento não funcionas-
se, podia voltar aos seus hábitos de solteiro. Fossem estes sen-
timentos, denunciados no calor do momento, verdadeiros ou
não, não é a questão. Tiveram o efeito de pôr Diana em guarda
perante todos os assuntos relacionados com os sogros.
Em Balmoral, o seu espírito tornou-se ainda mais depressi-
vo. O tempo dificilmente os animava. Chovia continuamente,
e quando a Princesa foi fotografada a deixar o castelo em dire-
ção a Londres, a imprensa tirou imediatamente a conclusão de
que ela estava aborrecida com o retiro da Rainha nas Highlands
e que queria ir às compras. De facto, retomava ao Palácio de
Kensington para tratamento da sua depressão crónica. Durante
algum tempo foi vista por alguns psicoterapeutas e psicólogos
que adoptaram diferentes abordagens aos seus diversos proble-
mas. Alguns sugeriram medicamentos, tal como quando estava
grávida de William; outros tentaram explorar a sua psique.
Um dos primeiros a tratá-la foi o notável psicoterapeuta
jungiano Dr. Allan McGlashan, um amigo de Laurens van der
Post, que tinha consultório convenientemente perto do Palácio
de Kensington. Tinha curiosidade em analisar os seus sonhos
e incentivou-a a escrevê-los antes de falarem sobre o seu sig-
nificado. Mais tarde, disse não estar convencida quanto a esta
forma de tratamento. Como resultado, ele suspendeu as suas vi-
sitas. Contudo, o envolvimento com a Família Real não termi-
nou aqui e, desde então, discutiu muitos assuntos confidenciais
com Carlos, que o visitou regularmente no seu consultório,
perto da Sloane Street.

226
Outro médico, David Mitchell, estava mais preocupado em
discutir e analisar as conversas de Diana com o marido. Ia vê-la
todas as tardes e pedia-lhe para lhe relatar os acontecimentos
do dia. Ela admitiu francamente que os seus diálogos consistiam
mais em lágrimas do que em palavras. Houve outros conselhei-
ros profissionais que a observaram. Embora tivessem as suas
próprias ideias e teorias, Diana não sentiu que qualquer deles
estivesse sequer perto de compreender a verdadeira natureza
do turbilhão no seu coração e na sua mente.
A 11 de novembro, o médico de Diana, Michael Linnett,
mencionou as suas preocupações acerca da saúde dela à sua an-
tiga pianista em West Heath, Lily Snipp. Ela registou nos seus
diários: «Diana parecia muito bonita e muito magra. (O médico
quer que ela aumente o peso – ela não tem apetite.) Perguntei a
seguir pelo Príncipe William – dormiu 13 horas na noite pas-
sada! Disse que ela e Carlos são pais babados e que o seu filho é
maravilhoso.»
Com uma ironia mordaz, quando Diana estava no mais fun-
do dos desesperos, a corrente publicitária virou-se contra ela.
Já não era a Princesa de conto de fadas mas a compradora com-
pulsiva que esbanjou uma fortuna em intermináveis adornos
e roupa nova. Foi a Diana que se atribuiu a responsabilidade
do permanente fluxo de pessoal da Casa Real que abandonou
o serviço nos anteriores dezoitos meses, e foi a Princesa que
arcou com a acusação de ter forçado Carlos a abandonar os
amigos e a alterar os hábitos alimentares e o guarda-roupa. Até
o próprio assessor de imprensa da Rainha descreveu a relação
de ambos como «turbulenta». Numa altura em que pensamen-
tos negros sobre suicídio lhe passavam constantemente pela
cabeça, o repórter da imprensa de mexericos Nigel Dempster
descreveu-a como «um diabo e um monstro». Embora esta
fosse uma terrível falsificação da verdade, Diana levou muito
a peito a crítica.

227
Mais tarde, o irmão reforçou inadvertidamente a ideia de que
Diana despedira e contratara pessoal, quando disse: «Ela depu-
rou, calmamente, uma série de “penduras” que rodeavam Car-
los.» Embora se referisse aos amigos aduladores do Príncipe,
foi interpretado como um comentário à grande reviravolta do
pessoal no Palácio de Kensington e em Highgrove.
Na realidade, Diana lutava para manter a cabeça acima da
água, sobrecarregada com a responsabilidade de gerir todo um
plano de reestruturação. No entanto, carregou com o ónus do
que os media levemente chamaram «Malícia no Palácio», des-
crevendo a Princesa como «o rato que rugiu». Num momento
de desespero, confessou a James Whitaker: «Quero que com-
preenda que não sou responsável por quaisquer despedimentos.
Eu simplesmente não despeço pessoas.» A sua explosão surgiu
depois do pedido de demissão de Edward Adeane, o secretário
particular do Príncipe e um membro da família que ajudara a
orientar a monarquia desde os dias de Jorge V.
Na verdade, Diana relacionava-se muito bem com Adeane,
que lhe apresentou muitas das mulheres que ela aceitou como
damas de companhia, enquanto desempenhava o papel de alco-
viteira, tentando persistentemente entre jovens descomprome-
tidas arranjar um par para o difícil solteiro. Quando o devoto
camareiro do Príncipe, Stephen Barry, que mais tarde morreu
com sida, se demitiu, as culpas foram bater à porta de Diana.
Ela já o havia previsto, desde que ele lhe falara na ideia de partir,
quando observavam o pôr-do-sol sobre o Mediterrâneo, duran-
te o cruzeiro da lua-de-mel. Ele, tal como o agente de proteção
do Príncipe John McLean, e muitos outros que haviam servido
o Príncipe nos seus tempos de solteiro, sabiam que estava na
altura de se ir embora, uma vez que ele se encontrava bem ca-
sado. Assim foi.
Ao fazer o esforço por se enquadrar com as realidades do ca-
samento e da vida da realeza, houve momentos nesses primei-

228
ros anos em que Diana sentiu que, na realidade, podia lutar e
contribuir positivamente para a Família Real e toda a nação.
Esses primeiros momentos de brilho ainda ténue ocorreram em
trágicas circunstâncias. Quando a Princesa Grace do Mónaco
morreu num acidente de carro, em setembro de 1982, Diana
estava determinada a participar no funeral. Sentia uma dívida
de gratidão para com a mulher que tinha sido tão gentil com ela
durante o traumático primeiro compromisso público, dezoito
meses antes, assim como uma empatia por alguém que, como
ela, entrou no mundo da realeza vindo de fora. Inicialmente,
discutiu sobre o desejo de ir ao funeral com o marido. Carlos
estava indeciso e disse-lhe que tinha de pedir a aprovação do
secretário privado da Rainha. Ela enviou-lhe um memorando
– a forma usual de comunicação na Casa Real – mas ele respon-
deu negativamente, argumentando que não era possível uma
vez que ela estava em funções havia muito pouco tempo. Dia-
na considerou tão importante questão, que, por uma vez, não
aceitou um não por resposta. Desta vez escreveu directamente à
Rainha, que não expressou quaisquer objeções ao pedido. Foi a
sua primeira viagem ao estrangeiro sozinha, em representação
da Família Real, e ao voltar a casa recebeu os elogios do público
pela sua conduta digna no mais alto cargo e nos momentos co-
moventes do serviço fúnebre.
Outros desafios pairavam no horizonte. O Príncipe William
gatinhava ainda quando foram convidados a visitar a Austrália
pelo governo. Houve muita controvérsia na imprensa acerca
de como Diana tinha desafiado a Rainha para levar o Príncipe
William na sua primeira grande visita transoceânica. De facto,
foi o primeiro-ministro australiano Malcolm Fraser que foi o
instrumento dessa decisão. Escreveu ao casal real dizendo que
compreendia os problemas enfrentados por uma jovem família
e convidava-os a levar o Príncipe com eles. Até esse momen-
to estavam de acordo em deixá-lo durante a visita proposta de

229
quatro semanas. O gesto atencioso de Fraser tornou-lhes pos-
sível prolongar a visita de forma a incluir uma viagem de duas
semanas à Nova Zelândia. A autorização da Rainha nunca foi
solicitada.
Durante a visita, William ficou em Woomargama, uma pro-
priedade de 2000 hectares dedicada à criação de ovelhas, na
Nova Gales do Sul, com a ama, Barbara Barnes, e com variado
pessoal de segurança. Ainda que os pais pudessem estar com
ele apenas durante as pausas ocasionais de um programa agita-
do, pelo menos Diana sabia que ele estava sob os mesmos céus.
A sua presença no país foi um utilíssimo motivo de conversa
durante os seus infindáveis passeios para contacto com o públi-
co, e Diana, em particular, deliciava-se a falar do seu progresso.
Essa visita foi um teste de resistência para a Princesa. Desde
então, houve muito poucas ocasiões de um entusiasmo tão sem
remorsos. Num país de 17 milhões de pessoas, cerca de um mi-
lhão viajou para ver o Príncipe e a Princesa de Gales enquanto
peregrinavam de cidade em cidade. Por vezes, a receção tocava
o delírio. Em Brisbane, onde 300 mil pessoas se comprimiram
no centro da cidade, a histeria era tão elevada como os secos
35.°C. Muitos momentos houve em que um acontecimento
inesperado na multidão poderia ter resultado em catástrofe.
Ninguém na comitiva real, incluindo o Príncipe de Gales, havia
alguma vez experimentado este tipo de adulação.
Esses primeiros dias foram traumáticos. Diana estava cansa-
da da viagem, ansiosa e sofria com a bulimia. Após o seu pri-
meiro compromisso, na Alice Springs School of the Air, ela e a
sua dama de companhia, Anne Beckwith-Smith, consolaram-se
uma à outra. Depois da cerimónia, Diana chorou com exaustão
nervosa. Queria William, queria ir para casa, queria estar em
qualquer lugar menos em Alice Springs. Mesmo Anne, mais
madura, quase com 29 anos de idade, estava devastada. Essa
primeira semana foi uma penosa experiência. Foi arremessada

230
para as profundezas, e era uma questão de nadar ou afundar-se.
A Princesa inspirou profundamente, tranquilizou-se e conse-
guiu seguir em frente.
Enquanto Diana olhava para o marido em busca de orienta-
ção, o sentido em que a imprensa e o público reagiram ao casal
real serviu apenas para introduzir uma cunha entre eles. Tal
como em Gales, as multidões mostravam-se insatisfeitas quan-
do o Príncipe se dirigia para o seu lado durante um passeio de
contacto com o público. A imprensa cobria os acontecimentos
centrando-se na Princesa; Carlos era remetido para um papel
de acompanhante. Mais tarde, ainda nesse ano, aconteceu o
mesmo quando visitaram o Canadá por três semanas. Como
explicou um antigo membro da Casa Real: «Ele nunca esperou
este tipo de reação. Apesar de tudo, ele era o Príncipe de Ga-
les. Quando saía do carro, as pessoas deviam soltar murmúrios.
Isto feriu o seu orgulho, e, inevitavelmente, tornou-se ciumen-
to. No fim era quase como trabalhar para duas estrelas pop. Era
tudo muito triste, e essa é uma das razões pelas quais agora fa-
zem tudo separadamente.»
Em público, Carlos aceitou a revisão do seu estatuto com boa
cara; em privado, culpou Diana. Naturalmente, ela argumentou
que nunca tinha feito nada por esta adulação, bem pelo contrá-
rio, e estava francamente horrorizada pela atenção da imprensa.
Na realidade, para uma mulher sofrendo de uma condição di-
retamente relacionada com a imagem, a sua cara sorridente na
capa de todos os jornais e revistas fazia muito pouco para ajudar.
No fundo, o êxito dessa dura viagem marcou uma viragem
na sua vida real. Saiu uma rapariga e voltou a casa uma mu-
lher. Não foi nada comparado com a transformação que viria
a sofrer alguns anos mais tarde, mas assinalou a ressurreição
do seu espírito interior. Durante muito tempo esteve descon-
trolada, incapaz de se haver com as obrigações diárias do seu
novo papel. Depois tinha desenvolvido uma autoconfiança e

231
uma experiência que lhe permitiam evoluir no palco público.
Ainda persistiam lágrimas e traumas, mas o pior tinha passa-
do. A pouco e pouco começou a vencer as sinuosidades da sua
vida. Durante muito tempo não esteve em condições de enca-
rar muitos dos seus amigos. Confinada a uma prisão, sabia que
lhe seria insuportável ouvir notícias do seu anterior círculo de
amigos. Dentro dos seus padrões, falar a respeito das suas fé-
rias, dos seus jantares e dos seus novos empregos parecia de-
masiado mundano se comparado com o seu novo estatuto de
superestrela internacional. Porém, para Diana, esta tagarelice
representava liberdade, uma liberdade que não mais poderia
apreciar.
Ao mesmo tempo, a Princesa não queria que os amigos a
vissem naquele desventurado e infeliz estado. Era como um
animal ferido a querer lamber as feridas em paz e em privado.
Depois da viagem à Austrália e ao Canadá, sentiu-se suficiente-
mente confiante para renovar as amizades, e escreveu algumas
cartas perguntando como estavam todos e o que andavam a fa-
zer. Uma foi para Adam Russell, com quem arranjou maneira
de se encontrar num restaurante em Pimlico.
A mulher que viu era muito diferente da rapariga alegre e
maliciosa que conhecia das pistas de esqui. Mais confiante cer-
tamente, mas por baixo desta Diana zombeteira estava uma
muito solitária e infeliz mulher. «Ela estava realmente a sentir
a fricção das barras da gaiola. Naquela altura ainda não se tinha
adequado a elas», recorda.
O seu grande prazer na vida era sentar-se a comer torradas
com feijão cozido e a ver televisão. «É a minha ideia de paraí-
so», confessou-lhe. O sinal mais evidente da nova vida de Diana
era a presença do seu guarda-costas da Scotland Yard sentado
numa mesa próxima. Foi necessário muito tempo para se habi-
tuar a essa presença; a proximidade de um agente de segurança
armado constituía a mais forte lembrança da gaiola dourada em

232
que ingressara. Eram os pequenos prazeres que perdia, como
aqueles ditosos momentos de privacidade quando ouvia a sua
música preferida no estéreo do carro em alto som. Era obrigada
a ter sempre em conta os gostos pessoais de outros.
Nos primeiros tempos, gostava de deambular de carro du-
rante a noite para «queimar combustível», em redor do centro
de Londres, deixando o seu segurança armado da Scotland Yard
para trás. Uma vez, foi perseguida por um carro cheio de jovens
árabes excitados. Mais tarde, habituou-se a conduzir até uma
das suas praias favoritas na costa sul para apreciar o vento no
cabelo e a brisa do mar no rosto. Adorava estar perto da água,
fosse o rio Dee ou o mar. Era onde gostava de pensar, de comu-
nicar consigo própria.
A presença de um guarda-costas era um constante lembrete
do invisível véu que a separava da família e dos amigos. Tinha a
consciência de poder ser, então, um possível alvo para qualquer
terrorista anónimo ou qualquer louco desconhecido. A sangren-
ta tentativa de rapto da Princesa Ana num centro comercial, a
pouca distância do Palácio de Buckingham, e o bem sucedido
assalto ao quarto da Rainha por um empregado, Michael Fa-
gan, eram a ampla prova do constante perigo que a Família Real
encarava. Diana reagia normalmente muito terra-a-terra com
esta sempre presente ameaça. Visitou o quartel da Special Air
Forces, em Hareford, para frequentar um «aterrorizante» curso
de condução onde aprendeu as regras básicas para lidar com um
possível ataque terrorista ou uma tentativa de rapto. Foguetes e
bombas de fumos foram atirados contra o seu carro pelos seus
«inimigos» para que o curso fosse tão realista quanto possível.
Noutra ocasião frequentou o Lippits Hill, em Loughton, Essex,
local onde a Polícia Metropolitana recebe o seu treino de armas.
Aí aprendeu a usar um revólver Smith and Wesson de calibre 38,
bem como uma pistola automática Hechler e Koch, que corres-
pondiam aos habituais recursos da esquadra de proteção real.

233
Acabou por se reconciliar com a ideia da eterna presença de
uma sombra; descobriu que, longe de serem uma ameaça, os
seus guarda-costas eram muito mais sensatos a determinar os
limites que a maioria dos cortesãos que esvoaçavam à sua volta.
Agentes como o sargento Allan Peters e o inspetor Graham
Smith tornaram-se figuras paternais protetoras, neutralizando
situações perigosas ou exorcizando problemas com uma pia-
da ou um comando ríspido. Também trouxeram à superfície
o seu instinto maternal. Diana lembrava-se das datas dos seus
aniversários, enviava notas com pedidos de desculpa às suas
mulheres quando eles tinham de acompanhar em viagens de
além-mar e assegurava-se de que eles fossem bem alimenta-
dos quando saíam do Palácio de Kensington. Quando Graham
Smith contraiu cancro, ela convidou-o a ele e à sua mulher
para umas férias em Necker, nas Caraíbas, e também para um
cruzeiro no Mediterrâneo, a bordo do iate do magnata John
Latsis.
Quando jantava com os amigos em San Lorenzo, um dos
seus restaurantes preferidos em Knightsbridge, um dos seus
detetives, o inspetor Ken Wharfe, juntava-se à mesa da Prince-
sa no fim da refeição e divertia a assembleia com as suas piadas.
Talvez ela tivesse reservado as suas mais afetuosas memórias
para o sargento Barry Mannakee, que se tornou seu guarda-
-costas numa altura em que ela se sentia perdida e sozinha no
mundo da realeza. Ele compreendeu a sua vulnerabilidade e
transformou-se num ombro onde ela podia encostar-se e, por
vezes, chorar, durante este doloroso período. O afetuoso laço
que cresceu entre ambos não passou despercebido ao Príncipe
Carlos nem aos colegas de Mannakee. Pouco tempo antes do
casamento do duque e da duquesa de York, em julho de 1986,
foi transferido para outras funções, para grande consternação
de Diana. Na primavera seguinte morreu tragicamente num
acidente de mota.

234
Em grande parte por causa deste infeliz capítulo logo no iní-
cio da vida real, Diana afastou-se de todos os que lhe tinham
sido próximos e queridos, embora o Príncipe Carlos ainda con-
tactasse com os seus antigos amigos, especialmente os Parker
Bowles e os Palmer-Tomkinson. O Príncipe e a Princesa foram
à festa de inauguração da casa dos Parker Bowles, quando se
mudaram de Bolehyde Manor para Middlewick House, a cer-
ca de 20 quilómetros de Highgrove. E Carlos via Camilla com
frequência, sempre que havia uma caça à raposa. No Palácio de
Kensington e em Highgrove, o casal recebia poucos convida-
dos, tão poucos que, de facto, o seu mordomo Allan Fisher des-
crevia o seu trabalho para os Príncipes de Gales como «aborre-
cido». Era uma dieta de emagrecimento: um jantar anual para
os amigos do polo de Carlos, uma noite «só para homens», ou
o almoço ocasional com amigas como Catherine Soames, Lady
Sarah Armstrong-Jones e Sarah Ferguson.
As viagens, as casas novas, o bebé e a doença de Diana tor-
naram-se um pesado preço. No seu desespero, consultou Penny
Thornton, uma astróloga apresentada por Sarah Fergunson.
Diana admitiu a Penny já não conseguir suportar durante mais
tempo a pressão da sua posição e que teria de abandonar aquele
meio. «Um dia ser-lhe-á permitido sair, mas ser-lhe-á permiti-
do sair com a contrapartida de um divórcio», disse-lhe Penny,
confirmando a Diana o seu pressentimento de nunca vir a ser
Rainha.
A sua disposição em 1984 não foi ajudada pelo facto de es-
tar grávida do Príncipe Harry. Mais uma vez, sofreu imenso
com os enjoos matinais, embora não fossem tão maus como da
primeira vez. Quando regressou de um compromisso indivi-
dual na Noruega, Diana ainda se encontrava na fase inicial da
gravidez. Ela e o falecido Victor Chapman, o antigo assessor
de imprensa da Rainha, serviram-se à vez da casa de banho no
voo de regresso a casa. Ele sofria, como habitualmente, de uma

235
ressaca, e Diana de enjoos matinais. Foi durante esses meses
de espera que ela soube intimamente que o seu marido anda-
va de novo a visitar Camilla. Sentiu que os sinais estavam aí:
chamadas telefónicas tardias, inexplicáveis ausências e outras
pequenas, mas significativas, alterações da sua rotina habitual.
Ironicamente, durante esse tempo Carlos e Diana gozaram o
período mais feliz da sua vida de casados. Os balsâmicos meses
de verão anteriores ao nascimento de Harry foram um perío-
do de contentamento e mútua devoção. Porém, aproximava-se
uma tempestade. Diana sabia que Carlos estava desesperado
para que o seu segundo filho fosse uma rapariga. Uma ecografia
havia-lhe já revelado que o bebé era um rapaz. Foi um segre-
do que guardou até ao dia do seu nascimento, às 4h20 da tarde
de sábado, 15 de setembro, na ala Lindo do Hospital St. Mary.
A reação de Carlos fechou finalmente a porta a todo o amor que
Diana poderia ter sentido por ele. «Ó meu Deus, é um rapaz»,
disse ele, «e até tem cabelo ruivo» (um traço comum nos Spen-
cers, que eventualmente provocou especulações imprecisas de
que Harry era filho do amante de Diana, o oficial do Exército
James Hewitt, também ruivo). Com estes deselegantes comen-
tários saiu para o Palácio de Kensington. No dia seguinte, foi
jogar polo. A partir desse momento, como Diana confessou aos
amigos: «Qualquer coisa morreu em mim.» Foi uma reação que
marcou o começo do fim do seu casamento.

236
Embora o envolvimento de Diana
no aconselhamento para a sida se
deparasse com alguma hostilidade,
normalmente expressa em cartas
anónimas de ódio, desejava ajudar
as esquecidas vítimas da sociedade.
O seu trabalho com os leprosos, com
os toxicodependentes, os sem-abrigo
e as crianças vítimas de abusos
sexuais puseram-na em contacto com
problemas e assuntos para os quais
não existem soluções simples.
O casamento de Diana com o
Príncipe de Gales, em julho
de 1981, foi como um conto
de fadas visto por milhões de
pessoas em todo o mundo.
(Alpha)

O casal real a sair do


hospital em junho de 1982,
com o Príncipe William
nos braços de Diana.
(REX/Shutterstock)
Diana na sala de visitas,
no Palácio de Kensington,
depois de uma entrevista
para o livro.

Fotografia feita por


Patrick Demarchelier,
o fotógrafo preferido de Diana.
Internacionalmente conhecido,
tinha a capacidade de mostrar o
melhor da Princesa de Gales.
Em 1990, a Princesa recebeu
treino policial, em Essex.
O Príncipe Carlos goza
um momento de calma na
companhia de Camilla Parker
Bowles, depois de um jogo
de polo. Casaram em abril de
2005. (REX/Shutterstock)
Um convite para assistir a
um jogo de polo em Cowdray
Park, em julho de 1980, foi
o ínicio do romance entre
Diana e o Príncipe de Gales.
Foi convidada para ficar em
casa do comandante Robert
e de Philippa de Pass, ao
mesmo tempo que Carlos era o Fotografia feita por
convidado de honra nesse fim- Patrick Demarchelier,
de-semana. o fotógrafo preferido de Diana.
Internacionalmente conhecido,
tinha a capacidade de mostrar o
melhor da Princesa de Gales.
CAPÍTULO V

«Querido,
Estou Quase a Desaparecer»

E ra um pedido de rotina da Rainha à sua nora, a Princesa de


Gales. Aproximava-se a semana das corridas de Ascot e estava
a elaborar uma lista de convidados para a tradicional festa no
Castelo de Windsor. Gostaria a Princesa de recomendar duas
raparigas solteiras de boa educação que pudessem ser convida-
das aceitáveis? Diana prontamente avançou os nomes de duas
amigas, Susie Fenwick e Sarah Ferguson, a filha do diretor de
polo do Príncipe, major Ronald Ferguson.
Sarah, uma ruiva vivaz conhecida por toda a gente como
«Fergie», conheceu Diana durante os primeiros dias do seu ro-
mance com o Príncipe quando esta o via jogar polo em Cow-
dray Park, perto da casa da mãe de Sarah, Susie Barrantes, no
Sussex. Primas em quarto grau pelo casamento, as raparigas
estiveram em contacto uma com a outra durante muito tem-
po e tinham alguns amigos em comum. Depressa se tornaram
boas amigas. Sarah foi convidada para o casamento de Diana e
entreteve a real amiga no seu apartamento, perto de Clapham
Junction, em South London.
Numa das festas de Sarah, na sua casa em Lavender Gardens,
Diana conheceu Paddy McNally, um empresário de corridas
motorizadas que tinha um acidentado e, ultimamente, infeliz
romance com Fergie. Foi Paddy quem, num dia de junho de
1985, deixou Sarah à porta privada do Castelo de Windsor,
onde foi reconhecida por um lacaio e levada para o quarto por

247
uma das damas de companhia da Rainha. Ao lado da sua cama
estava um cartão, com o monograma da Rainha gravado, com
o horário das refeições, os procedimentos à mesa, bem como
uma nota dizendo como os diversos convidados seriam trans-
portados para o recinto da corrida, em carruagens abertas ou
num sedan Daimler preto. Embora a sua família se desse muito
bem com a Família Real havia anos, Sarah sentia-se compreen-
sivelmente nervosa. Chegou rapidamente à Sala Verde para o
cocktail de receção, e deu consigo sentada ao lado do Príncipe
André, que estava de partida para os seus compromissos na
Royal Navy.
Descobriram uma instantânea afinidade. Ele provocou-a ten-
tando comer-lhe os bolinhos de chocolate. Ela recusou, so-
cando-lhe divertidamente o ombro e encetando uma das suas
intermináveis discussões como desculpa. «Há sempre começos
simples, é preciso começar por algum lado», disse André na
entrevista dada acerca do seu noivado, oito meses mais tarde.
Embora Diana fosse vinculada ao papel de casamenteira neste
romance real, a verdade é que ela nunca vislumbrara a faísca
romântica entre o cunhado e uma das suas melhores amigas.
Apesar de tudo, Sarah estava envolvida numa longa relação
com Paddy McNally, enquanto André tinha ainda uma ligeira
fixação por Kathleen «Koo» Stark, uma atriz americana que ti-
nha provocado consideravelmente o interesse da imprensa por
causa da sua participação em filmes soft-porno.
Diana ficou favoravelmente impressionada quando conhe-
ceu Koo durante o seu romance com André. A Princesa conhe-
cia André desde a infância e tinha estado sempre ao corrente de
que, sob a máscara de descarado e espalha-brasas, havia um ca-
rácter muito mais sensato e solitário do que ele ou a sua família
admitiriam. Carlos só ficou com ciúmes do irmão quando este,
com alguma distinção, pilotou um helicóptero durante a guer-
ra com as Malvinas. Quando regressou dessa campanha, mais

248
amadurecido, até os seus melhores amigos seriam incapazes
de o descrever como um homem de grande ambição. Nos seus
tempos livres sentia-se feliz a ver desenhos animados e vídeos
na televisão ou a passear pelos diversos apartamentos reais, ta-
garelando com o pessoal das cozinhas ou observando Diana nos
seus exercícios de ballet no Palácio de Kensington. A Princesa
vira como Koo Stark, doce e calmamente, inteiramente devota-
da, concedera a este homem tão-só o afeto e a amizade que ele
procurava. Portanto, quando André começou a encontrar-se
com Sarah, a Princesa manteve-se na retaguarda. Disse à ami-
ga: «Estou aqui, se precisares de mim.» Pelo modo como o ro-
mance de ambos evoluía, Diana aceitou com alegria o pedido de
André para passar o fim-de-semana com Sarah em Highgrove.
Como afirmou Susan Ferguson, madrasta de Sarah: «As coisas
ficaram cada vez melhores entre eles, à medida que as semanas
passavam. Nunca houve um “Andamos ou não andamos?” Não
era nada complicado porque se entendiam muito bem. Era o
mais simpático da história, uma franca história de amor. É claro
que se Sarah não fosse amiga da Princesa de Gales, a situação
teria sido muito mais difícil nos primeiros tempos. Ela tornou
mais fáceis os encontros de Sarah com ele. É preciso compreen-
der que, com a sua posição, lhe é muito difícil encontrar-se com
mulheres.»
Tal como acontecera com Diana, os acontecimentos começa-
ram a surgir. Em janeiro de 1986, a Rainha convidou Sarah para
ficar em Sandringham; pouco depois, Carlos e Diana foram
para Klosters, na Suíça, para esquiar. Diana emprestara a Sarah
um casaco de xadrez preto e branco quando ela visitou o Prínci-
pe André a bordo do seu navio, HMS Brazen, atracado no porto
de Londres. Diana conduziu Sarah com habilidade durante a
sua primeira aparição pública com membros da Família Real.
Comparada com a ambiciosa recém-chegada, Diana parecia a
talentosa atriz em frente das câmaras. Tinha florescido numa

249
beleza sofisticada cujo inato sentido de estilo foi celebrado por
todo o mundo.
Os traumas da maternidade, da gestão da casa e do casamento
ficavam para trás; parecia ao observador externo que Diana se
tinha finalmente adaptado ao seu papel real. Apesar de tudo, es-
tava ainda a saborear os aplausos que se seguiram à sua primeira
aparição na televisão desde o noivado. Algumas semanas antes,
ela e o Príncipe Carlos tinham sido entrevistados no Palácio
de Kensington pelo veterano locutor Sir Alastair Burnet. Diana
estava feliz por ter respondido calma e claramente às perguntas,
um facto que não passou despercebido a outros membros da
Família Real. Ao mesmo tempo, a alta sociedade estava ainda
comentando a sua atuação espontânea no palco da Royal Opera
House, Covent Garden, com a estrela do ballet Wayne Sleep.
Tinham coreografado secretamente uma canção de Billy Joel,
Uptown Girl, usando a sua sala de visitas no Palácio de Kensing-
ton como sala de ensaios. O Príncipe assistiu à gala do camarote
real, completamente alheado do plano da sua mulher.
Dois números antes do fim deixou-o e vestiu um vestido de
seda prateado antes de Wayne a ter convidado para o palco.
A audiência susteve a respiração atónita enquanto a Princesa
iniciava o seu número. Foram chamados ao palco oito vezes, e
Diana fez ainda uma vénia para o camarote real. Em público, o
Príncipe confessou-se «absolutamente espantado» com a exibi-
ção de Diana; em privado, censurou vivazmente o seu compor-
tamento. Ela fora indigna, com demasiada leveza, demasiado
aparatosa.
Esta atitude totalmente negativa era o que Diana podia então
esperar. Não interessava o seu empenho ou o que fazia; sem-
pre que tentava expressar algo por si mesma, Carlos acabava
por destruir-lhe o espírito. Isso deitou-a abaixo. Durante os
preparativos para o casamento de Sarah e André houve maior
evidência da sua indiferença para com ela quando voaram para

250
Vancouver, para abrir a exposição de mamutes. Antes de irem,
houve muitos rumores acerca da saúde dela e daquilo a que os
tablóides gostam de chamar o seu físico «lápis fino». Circulou
o rumor de que Diana tinha aproveitado o fim-de-semana em
Balmoral para fazer uma operação ao nariz. A sua aparência fí-
sica tinha mudado tanto nos últimos quatro anos que a cirurgia
plástica parecia ser a única explicação credível. Mas a perturba-
ção alimentar crónica assim como a bulimia e a anorexia produ-
zem mudanças físicas, e este era o caso da Princesa. Diana teve
sorte por não ter sofrido de perda de cabelo, doenças da pele
ou problemas dentais como resultado de privar o seu corpo de
vitaminas e minerais essenciais.
A discussão acerca da sua dieta ressurgiu quando desmaiou
durante uma visita ao pavilhão da Califórnia na abertura da ex-
posição. Durante a sua crónica bulimia, Diana arranjou sem-
pre maneira de comer o pequeno-almoço. Antes desta visita,
ela não tinha comido durante dias, mordiscando apenas uma
barra de chocolate durante o voo para a costa do Pacífico, no
Canadá. Sentiu-se extremamente maldisposta quando olhava
em redor os vários pavilhões. Finalmente, pôs o braço no om-
bro do marido, suspirou: «Querido, estou quase a desaparecer»,
e imediatamente deslizou para o chão a seu lado. A sua dama de
companhia, Anne Beckwith-Smith, e o seu secretário privado,
David Roycroft, ajudaram-na a chegar a um quarto onde recu-
perou a compostura.
Quando, finalmente, se juntou ao marido, encontrou escassa
simpatia. Com modos de irritada exasperação, disse-lhe rude-
mente que, se ia desmaiar, devia tê-lo feito em privado. Quando
voltou à suite de luxo com vista para a baía de Vancouver que
ocupavam no Hotel Pan Pacific, Diana teve uma quebra e desa-
tou a soluçar. Estava exausta, não tinha comido e estava abor-
recida com a atitude negligente do marido. Era o que ela tinha a
esperar. Mas o tom reprovador ainda magoava.

251
Embora o resto do grupo insistisse na ideia de que seria sen-
sato a Princesa faltar ao jantar oficial dessa noite para dormir
um pouco, Carlos insistiu em que ela assumisse o seu lugar na
cabeceira da mesa, argumentando que a sua ausência criaria um
drama desnecessário. Nesta altura, Diana compreendera já que
precisava de ajuda para superar o estado em que se encontra-
va, mas sabia que aquele não era o momento nem o lugar para
expressar esses receios. Em vez disso, deixou que o médico que
integrava a comitiva lhe prescrevesse medicação para a ajudar
a suportar a noite. Conseguiu chegar ao fim desta etapa da vi-
sita mas, quando chegaram ao Japão, Diana mostrava-se pálida,
ausente e fraca. A sua disposição não melhorou com o regres-
so ao Palácio de Kensington, pouco antes do casamento real,
com a transferência de Barry Mannakee para outras funções.
Ele tinha sido a única pessoa, no interior do seu círculo mais
íntimo, a quem podia confiar as suas preocupações a respeito
do isolamento que sentia, da sua condição e da posição de quase
uma estranha no seio da Família Real. Com a sua partida, ela
sentiu-se, realmente, muito só.
De certo modo, a chegada da duquesa de York tornou a sua
vida mais tolerável. A recém-criada duquesa saltitava no de-
sempenho do seu novo papel, como um labrador demasiado
excitado. Na sua primeira visita a Balmoral, uma experiência de
férias que habitualmente deixava Diana esgotada e deprimida,
a duquesa parecia desempenhar o seu papel sem esforço. Mon-
tava a cavalo com a Rainha, passeava de carruagem com o du-
que de Edimburgo e fazia questão de passar algum tempo com a
Rainha-Mãe. A duquesa sempre possuíra uma personalidade de
camaleão, confinando-se prontamente aos desejos dos outros.
Fê-lo quando se juntou ao grupo de Verbier: os abastados, so-
fisticados mas muito sarcásticos amigos do seu anterior namo-
rado, Paddy McNally, e fazia-o nesse momento, adaptando-se à
vida no seio da Família Real.

252
Ligeiramente mais velha do que Diana mas infinitamente
mais conhecedora do mundo, a duquesa exibia entusiasmo
onde a Princesa mostrava desânimo; diversão em contraste
com os silêncios de Diana, e uma energia sem limites contra
a constante doença da Princesa. Fergie foi um êxito imediato
na família. Diana continuava a ser vista como uma estranha
enigmática que se mantinha à distância. Quando Fergie chegou
como uma brisa de ar fresco, o Príncipe Carlos não se coibiu
de fazer comparações. «Por que não podes ser um pouco mais
como Fergie?», perguntou ele. Isto foi uma mudança no seu ha-
bitual refrão, que consistia em compará-la com a sua avó muito
amada, a Rainha-Mãe, mas a mensagem era a mesma.
Diana estava muito confusa. A sua face fazia a capa de milhões
de revistas, e o público cantava-lhe louvores enquanto o marido
e a família raramente lhe dirigiam uma palavra de encorajamen-
to, congratulação ou conselho. Menos admirada que isso, Diana,
que na altura não tinha qualquer sentido de auto-apreciação ou
de auto-estima, aceitou o ponto de vista da Família Real segundo
o qual deveria esforçar-se por se parecer mais com a cunhada.
Este ponto foi reforçado quando o Príncipe e a Princesa de Gales
foram a maiorca, como convidados do Rei Juan Carlos de Espa-
nha, ao Palácio Marivent. Embora o público pensasse que Diana
havia arranjado estas férias de «pá e balde» para escapar aos rigo-
res de Balmoral, elas foram uma ideia do Príncipe Carlos. Houve
até ridículos mexericos ligando amorosamente Diana com Juan
Carlos. Na verdade, o Rei era muito mais próximo de Carlos do
que da Princesa, que o achou demasiado parecido a um playboy
para o seu gosto. Nestas suas primeiras férias, Diana passou um
tempo miserável. Esteve doente na maior parte da semana, ao
passo que Carlos era honrado com festas pelos seus anfitriões.
O discurso depressa alcançou o resto da Família Real. Mais uma
vez, Diana era o problema; mais uma vez, o marido perguntou:
«Por que não podes ser um pouco mais como Fergie?»

253
Enquanto a completa falta de apoio e a atmosfera de reprova-
ção e crítica minavam a autoconfiança de Diana, o problema foi
agravado pelas expetativas da sociedade acerca da Família Real.
Essencialmente, os homens da realeza são julgados pelo que
dizem; as mulheres pelo aspecto. Como floresceu numa beleza
natural, Diana era definida pela sua aparência e não pelas suas
realizações. Durante muito tempo, aceitou o papel de esposa
dócil do seu distinto marido. A sua astróloga, Félix Lyle, obser-
vou: «Uma das piores coisas que lhe aconteceu foi ter sido posta
num pedestal que não lhe permitia desenvolver-se na direção
que desejava, mas que a forçava a preocupar-se com a imagem
e a perfeição.»
Diana estava simplesmente grata por existir. Por ser, não
por fazer. Como disse uma das suas conselheiras informais:
«O sistema da realeza esperava dela que fosse apenas um supor-
te para roupas e uma esposa obediente. Se este é o caminho que
nos definem, resta pouco espaço para o prazer além do esco-
lher das roupas. Se as roupas são parcialmente selecionadas por
outros, então nada resta. Não lhe deixaram nada de louvável
para fazer.» A duquesa de York, essa turbulenta, independen-
te e enérgica mulher, era vista pelo Príncipe, a sua família e a
imprensa como uma rival bem-vinda e um modelo adequado
de comportamento para a Princesa de Gales. O mundo inteiro
parecia incentivar Diana a seguir o seu caminho.
O primeiro sinal da sua mudança de comportamento acon-
teceu na festa de despedida de solteiro do Príncipe André, em
que a Princesa de Gales e Sarah Ferguson se vestiram de polí-
cias numa vã tentativa de entrar na festa. Em vez disso, bebe-
ram champanhe e sumo de laranja no clube nocturno Annabel’s
antes de regressar ao Palácio de Buckingham, em cuja entrada
fizeram parar o carro de André quando ele regressou a casa.
Tecnicamente, o mascarar-se de agentes da polícia é um crime,
um ponto não negligenciado pela censura de diversos membros

254
do Parlamento. Por algum tempo, reinou agitação no seio da
Família Real. Quando o duque e a duquesa deram uma festa no
Castelo de Windsor como forma de agradecer a todos quantos
tinham ajudado a organizar o seu casamento, foi Fergie quem
incentivou todos a saltar, completamente vestidos, para a pis-
cina. Houve muitos jantares animados e uma discoteca na sala
Waterloo do Castelo de Windsor no Natal. Fergie encorajou
mesmo Diana para se lhe juntar numa improvisada versão do
cancã.
Isto não foi senão um ensaio para a sua primeira atuação pú-
blica quando as mulheres, acompanhadas pelos seus maridos,
partiram para Klosters para uma longa semana de férias para
fazer esqui. No primeiro dia alinharam perante as câmaras para
a tradicional foto da visita. Por completamente absurdo, este
espetáculo anual é difícil de superar, já que 90 fotógrafos de va-
riadas origens, carregados com escadas e equipamento, trepam
pela neve para adquirir posições. Diana e Sarah levaram esta
tolice em grande conta cedendo a um vulgar espetáculo sobre
o gelo, num alegre conflito, puxando-se e empurrando-se uma
à outra até o Príncipe Carlos anunciar em tom de censura: «Vá
lá, vá lá!» Até aí, o jovial sentido de humor de Diana tinha sido
visto apenas por breves momentos, invariavelmente turva-
do com expressões de embaraço e profundos silêncios. Assim,
foi um surpreendido grupo de jornalistas que arriscou a sorte
atrás da Princesa até ao café Klosters, nessa mesma tarde. Ela
apontou para a medalha que trazia no casaco e gracejou: «Atri-
buí-a a mim própria pelos serviços prestados ao país porque
mais ninguém o fará.» Foi um aparte que muito disse acerca
da sua subjacente insegurança. Este espírito frívolo continuou
com guerras de almofada no seu chalet em Wolfgang, embora
não seja correto caracterizar o ambiente daquelas férias como
uma gloriosa excursão de estudantes. Como o comentou um
dos convidados reais: «Houve muito divertimento, mas sempre

255
comedido. Temos de ter em atenção o comportamento quan-
do a realeza, especialmente o Príncipe Carlos, está presente.
É muito formal e pode provocar bastante tensão.»
Numa ocasião, Carlos, André e Sarah ficaram a ver um ví-
deo no chalet enquanto Diana foi a uma discoteca local onde
dançou com Peter Greenall, membro da família dos fabricantes
de bebidas, e conversou com um antigo aluno de Eton, Philip
Dunne, um dos amigos de infância de Sarah. Na verdade, foi à
duquesa, que sempre possuíra uma agenda repleta, mesmo an-
tes de ingressar no seio da Família Real, que o Príncipe Carlos
pediu para convidar dois homens solteiros que os acompanhas-
sem durante as férias. Queria garantir que a esposa, bem como
outras convidadas femininas, que não praticavam esqui com
tanta perícia como ele, possuíssem uma companhia adequada.
A duquesa escolheu Dunne, um banqueiro mais tarde descrito
como «um sósia do super-homem», e David Waterhouse, en-
tão capitão da Cavalaria da Casa Real. Enquanto a maioria dos
convidados alugava pistas de corrida, os dois homens acompa-
nhavam Catherine Soames, a antiga esposa do membro parla-
mentar conservador Nicholas Soames, e Diana em pistas menos
exigentes. Davam-se muito bem. Diana achou Waterhouse um
homem de grande sentido de humor e com uma personalidade
magnética. Philip era «muito querido», mas não mais do que
isso. Na verdade, ela era muito mais amiga da sua irmã Millie,
que na altura trabalhava na Rádio Capital no apelo «Ajudem
Uma Criança Londrina».
Ironicamente, foi Dunne quem se tornou o centro das aten-
ções quando, nesse verão, o conturbado casamento do Príncipe
e da Princesa de Gales foi sujeito a um rigoroso escrutínio. Co-
meçou com outro convite inocente, desta vez por parte da mãe
de Philip, Henrietta, que vivia com o marido, Thomas Dunne,
o lorde tenente de Hereford e Worcester, em Gatley Park.
Os Dunnes saíram para um fim-de-semana à caça, e, por isso,

256
ficaram felizes por poder oferecer a sua casa para uma festa. Es-
tavam presentes os companheiros de esqui, bem como uma dú-
zia de outros amigos. A dúzia de amigos foi convenientemente
esquecida quando um colunista mexeriqueiro maldosamente
reportou que ela havia estado sozinha com Dunne em casa dos
pais dele.
A preocupação do público com o casamento do Príncipe e
da Princesa de Gales foi desafiado por um sentimento crescen-
te de irritação para com o comportamento dos membros mais
novos da Família Real. O estado de espírito alegre e hedonista
que todos apreciavam nos primeiros anos da vida real de Fergie
começava então a irritar. Diana foi prevenida pela sua astrólo-
ga, Penny Thornton. Quando a visitou na primavera de 1987,
ela disse-lhe que iria pagar por tudo quanto fizera nos últimos
meses. O comportamento frívolo nas pistas de esqui foi segui-
do por críticas em abril, quando Diana foi vista em risadinhas
enquanto passava revista a uma parada de jovens oficiais do
exército em Sandhurst. Mais tarde, explicou que tinham sido
as piadas inadequadas do comandante bem como a ansiedade
antes de fazer um pequeno discurso, o que lhe tinha provoca-
do um riso nervoso. Infelizmente o estrago estava feito, e, em
Royal Ascot, dois meses mais tarde, voltou a ser alvo de críticas.
Alguns fotógrafos captaram o momento em que Diana e Sar-
ah davam pontadas no rabo da sua amiga Lulu Blacker com as
sombrinhas enroladas.
O mundo que acompanha estes acontecimentos fez um coro
de reprovação. «Demasiada frivolidade», fungou o Daily Ex-
press, enquanto outros comentadores acusavam as mulheres de
se comportarem como atrizes numa telenovela. A maior parte
resultava do comportamento de Diana no casamento do filho
do duque de Beaufort, o marquês de Worcester, com a atriz
Tracy Ward. Foi notado que, enquanto o Príncipe saíra cedo,
ela dançou até altas horas com várias pessoas, incluindo Da-

257
vid Kerr, dono de uma galeria de arte, o comerciante de arte
Gerry Farrell e Philip Dunne. O seu estilo de dança provocou
muitos comentários, ainda que menores que o facto de Carlos
ter passado a maior parte da noite fechado com Camilla Parker
Bowles.
O nome de Philip Dunne voltou a aparecer quando foi er-
radamente descrito como seu acompanhante num concerto
de David Bowie no Estádio de Wembley. De facto, era David
Waterhouse o fotografado a conversar com Diana, enquanto o
homem sentado perto dela, o visconde Linley, foi conveniente-
mente cortado da fotografia. Diana ficou em lágrimas quando
viu a fotografia nos jornais de segunda-feira. Ela estava ao cor-
rente do interesse da imprensa pelos seus amigos masculinos, e,
por isso, estava irritada consigo própria por permitir que Da-
vid Waterhouse se sentasse tão perto. Era uma lição salutar,
composta pelo facto de que tinha recebido, nas suas próprias
palavras, «uma reprimenda» por ter vestido um par de calças de
couro para o concerto. Mais uma vez, estava a tentar compor-
tar-se como Fergie, mas os cortesãos no Palácio de Buckingham
não sentiam que o seu vestuário fosse conveniente a uma futura
Rainha.
O pior estava para vir. A 22 de setembro Carlos foi para
Balmoral enquanto Diana e as crianças ficavam no Palácio de
Kensington. Não se veriam um ao outro durante cerca de um
mês. De todas as vezes em que deixou o Palácio de Kensington
tinha a consciência de estar a ser seguida por fotógrafos espe-
rançados em caçá-la num momento de desatenção. A Princesa,
Julia Samuel e David Waterhouse foram fotografados quando
saíam de um cinema do West End. Waterhouse não ajudou a
situação saltando uma barreira pedestre e correndo noite den-
tro. Noutra ocasião, um fotógrafo independente declarou ter
fotografado a Princesa sendo indulgente numa brincadeira tur-
bulenta com David Waterhouse e outros amigos quando saía da

258
casa de Kate Menzies, construída a partir da recuperação de um
estábulo. Ao mesmo tempo, outro fotógrafo estava ocupado na
Escócia. Lady Tryon, conhecida por «Kanga» e uma das confi-
dentes de confiança de Carlos dos seus dias de solteiro, foi foto-
grafada a seu lado. Contudo, ninguém na imprensa mencionou
o nome de Camilla Parker Bowles, que também estava entre os
convidados da casa.
Enquanto o público permanecia ignorante da presença de
Camilla, a Princesa sabia muito bem que Parker Bowles passava
muito tempo com Carlos. Um sentimento de injustiça ardia no
mais fundo do seu ser. Sempre que era vista com um homem
solteiro, ainda que inocentemente, fazia os cabeçalhos dos jor-
nais, enquanto a amizade do seu marido com Camilla provo-
cava apenas um levantar de sobrancelha. Como Philip Dunne,
David Waterhouse e, mais tarde, James Gilbey e o capitão Ja-
mes Hewitt perceberam à sua custa, encontros com a Princesa
de Gales geravam um alto preço em publicidade e uma desagra-
dável atenção sobre si.
A crise na relação entre o Príncipe e a Princesa de Gales tor-
nou-se assunto de comentário não apenas para os tablóides,
mas também para os jornais sérios, a rádio, televisão e os media
estrangeiros. Pela primeira vez, o palácio tornou-se objecto de
uma tempestade mediática. Jimmy Savile [exposto após a sua
morte, em 2011, como um predador sexual], que frequente-
mente agia como um poderoso intermediário dentro do círculo
real, ofereceu os seus serviços. Em outubro, como as especula-
ções a respeito do casamento dos Príncipes de Gales atingiram
o pico, ele sugeriu ao separado casal real que seria um eficiente
exercício de relações públicas visitar Dyfed, no Sul de Gales,
que havia sido devastado por uma inundação. Argumentou que
ajudaria a atenuar os mexericos tão prejudiciais.
Esta curta viagem não foi um êxito, de modo nenhum.
A disposição definiu-se quando Diana se juntou ao marido na

259
RAF, em Northolt, para o curto voo até Swansea. Numa cena
testemunhada por inúmeros elementos da equipa, a separação
do casal ficou bem evidente. Diana já se sentia agitada antes de
se encontrar com o marido, mas não estava preparada para a
sua hostilidade assim que subiu para o jacto BAE 146 da Rai-
nha. Quando tentou explicar que tivera momentos terríveis
com os media, que haviam seguido todos os seus movimentos,
o Príncipe foi completamente antipático. «Ó meu Deus, qual
é o problema?», disse, num tom de voz resignado, quando ela
se queixou da dificuldade em cumprir os seus compromissos
públicos com esse ambiente. Ele recusou-se a ouvir e durante
a maior parte do tempo ignorou a sua presença. «Foi terrível»,
confessou mais tarde aos amigos. «Eu estava a pedir ajuda.»
A distância na sua relação ficou evidenciada quando, no fim da
visita, eles regressaram, mais uma vez, para diferentes lugares
no país.
Estava na altura de a Princesa recuperar energias. Lembrou-
-se bastante dessa ocasião, viajando de automóvel para fora da
claustrofobia do Palácio de Kensington, com as suas câmaras
perscrutadoras, com os seus cortesãos atentos e paredes apri-
sionantes, em direção à sua praia favorita na costa de Dorset.
Quando caminhava sozinha pela areia, Diana apercebeu-se de
que quaisquer esperanças que pudesse ter tido numa reconci-
liação com o marido estavam perdidas. Esta indiferença hostil
tornava completamente irrealistas as esperanças de um novo
recomeço. Ela fazia um esforço por se adaptar a tudo o que ele
queria, mas as tentativas para igualar o comportamento da du-
quesa de York, que o Príncipe tanto admirava, constituíram
um perfeito desastre: não aproximaram Carlos de si e serviram
apenas para ridicularizar a sua imagem pública. Pela sua par-
te, a Princesa sentia-se profundamente desconfortável com o
mundo de frivolidade representado pela duquesa de York. In-
timamente, sabia que para sobreviver teria de encontrar a ver-

260
dadeira Diana Spencer, a rapariga cujo carácter fora, durante
sete anos, perseguido e subjugado. Estava na altura de encarar
os factos da sua vida. Durante muito tempo, estivera fora de
controlo, concordando, submissa, com todos os desejos do ma-
rido, da Família Real e dos media. Naquele longo passeio consi-
go própria começou a aceitar o seu destino e os desafios do seu
estatuto. Estava na altura de começar a acreditar em si própria.

261
CAPÍTULO VI

A Minha Vida
Mudou de Rumo

A Princesa de Gales sentia pena de si própria. As suas férias a


esquiar haviam sido arruinadas por uma forte gripe que a con-
finou à cama durante dias. Na tarde de 10 de março de 1988,
ainda cedo, a figura ensopada da duquesa de York apareceu a
seu lado na cama, no chalet isolado alugado em Wolfgang, perto
da cidade de Klosters. Fergie, na altura grávida da Princesa Bea-
trice, descia em esqui a pista negra Christobel quando deu uma
estranha cambalhota e caiu ignominiosamente sobre o traseiro
num riacho de montanha.
Foi examinada por um médico local e, pálida e tremente, le-
vada de volta ao chalet. Enquanto conversavam, as mulheres ou-
viram um helicóptero voar sobre o local. Estavam ambas com
o pressentimento de que ocorrera uma avalancha que de algum
modo afectaria a sua festa. Mantinham-se em suspense quando,
pouco depois, o porta-voz de imprensa do Príncipe Carlos, Philip
Mackie, entrou no chalet. Não sabia que estava gente no primeiro
andar e as mulheres ouviram-no dizer: «Houve um acidente.»
Assim que acabou o telefonema, elas gritaram-lhe perguntando
o que acontecera. Mackie, um antigo editor do Edinburgh Evening
News, tentou ignorar as perguntas. «Em breve lhes diremos»,
respondeu. Mas desta vez, Diana não admitiria ser posta de lado
por um cortesão palaciano e insistiu até ele lhe contar o que es-
tava a acontecer. Contou-lhes que tinha havido um acidente nas
encostas e que um dos membros do grupo havia morrido.

263
Durante o que lhes parecera uma eternidade, a Princesa e a
cunhada sentaram-se no cimo das escadas, quase não se atre-
vendo a respirar, muito menos a mexer-se, aguardando ansio-
samente mais notícias. Minutos mais tarde chegou um telefo-
nema para dizer que a vítima era um homem. Pouco depois o
Príncipe, parecendo chocado e aflito, telefonou e disse a Philip
Mackie que estava bem, mas que o major Hugh Lindsay, um
antigo funcionário da Rainha, tinha morrido. Todos ficaram
perplexos de dor. Enquanto a duquesa rebentava em lágrimas,
Diana, aflita pela emoção, pensou que o melhor seria resolver
os problemas práticos antes de que o impacto da tragédia os as-
solasse completamente. Embalou os objetos de Hugh, enquanto
Fergie entregava o passaporte dele nas mãos do inspetor Tony
Parker, o guarda-costas de Carlos. A Princesa colocou cuida-
dosamente dentro da mala o anel de sinete, o relógio e a sua
cabeleira preta encaracolada, que, na noite anterior, usara para
uma hilariante imitação de Al Jolson.
Quando a mala estava pronta, Diana levou-a para o andar
de baixo e enfiou-a debaixo da cama de Tony Parker, de modo
a estar prontamente à mão quando partissem. O chalet estava,
nessa noite, num rebuliço, com uma infindável torrente de visi-
tantes. Um médico legista suíço veio fazer perguntas acerca das
circunstâncias em que o acidente ocorrera quando a avalancha
se abateu sobre o grupo, ao esquiarem pelo Wang, uma encos-
ta bastante acentuada onde habitualmente ocorrem acidentes
mortais. Outra das visitas foi a de Charles Palmer-Tomkinson,
cuja esposa, Patti, se submetia a uma cirurgia de sete horas às
pernas, no seguimento dos ferimentos causados pela avalancha.
Diana estava mais preocupada com a ideia de Carlos de regres-
sar à encosta no dia seguinte. O Príncipe não ficou imediata-
mente convencido de que deveriam abandonar as suas férias,
mas Diana impôs-se. Concluiu que ele estava em estado de cho-
que e que, naquele momento, não compreendia a enormidade

264
da tragédia. Por uma vez, Diana sentiu-se em pleno comando
de uma situação que a punha à prova. Na verdade, controlou
a situação, dizendo ao marido que era da responsabilidade de
ambos regressar à Grã-Bretanha com o corpo de Hugh. Era, ar-
gumentou, o mínimo que podiam fazer pela sua esposa, Sarah,
um popular elemento do gabinete de imprensa do Palácio de
Buckingham, casada havia apenas uns meses e que esperava o
seu primeiro filho.
No dia seguinte, o grupo partiu para RAF Northolt, nos ar-
redores de Londres, onde Sarah, então grávida de seis meses,
assistiu à chegada do caixão do marido, com cerimónia militar.
O grupo ficou junto de Sarah, e Diana lembra-se de ter pensa-
do: «Não sabes pelo que vais passar nos próximos dias.» O seu
instinto veio a revelar-se dolorosamente correto. Ficou uns dias
com Diana e a sua irmã Jane, em Highgrove, enquanto tentava
adaptar-se à ideia da morte de Hugh. Havia lágrimas de manhã
à noite enquanto Sarah e Diana conversavam acerca de Hugh e
do que ele significara para ela. A sua perda era ainda mais difícil
de suportar por ter morrido além-fronteiras.
A tragédia causou um profundo efeito em Diana. Ensinou-
-lhe que não apenas seria capaz de lidar com uma situação de
crise, como também poderia assumir o controlo e tomar impor-
tantes decisões em face da oposição do marido. Klosters foi o
começo do lento despertar para as qualidades e as possibilidades
adormecidas no seu íntimo.
Um abrupto telefonema da sua amiga Carolyn Bartholomew
abriu outra janela para si própria. Carolyn andava, há já algum
tempo, preocupada com a bulimia de Diana, e descobrira, para
seu grande horror, que a privação crónica de minerais vitais,
como o crómio, o zinco e o potássio, poderiam conduzir a de-
pressões e a situações de fadiga. Telefonou a Diana e instigou-
-a a consultar um médico. Diana não tinha vontade de discutir
os seus problemas com um especialista. Carolyn elaborou um

265
arguto ultimatum. Ou a Princesa consultava um médico ou ela
contava ao mundo a sua situação, que até então conseguira man-
ter em segredo. Diana falou com o médico da família Spencer,
que lhe recomendou o Dr. Maurice Lipsedge, um especialista
em perturbações alimentares, que trabalhava no Hospital Guy,
em Londres. No imediato momento em que entrou na sua sala
de visitas, no Palácio de Kensington, pressentiu que ele era
um homem muito compreensivo e em quem poderia confiar.
Ele não perdeu tempo com cortesias sociais, perguntando-lhe
imediatamente quantas vezes ela se tentara suicidar. Embora ela
se tivesse acanhado com a abrupta pergunta, a sua resposta foi
igualmente franca: «Quatro ou cinco vezes.»
Disparou perguntas por duas horas antes de lhe dizer que
a poderia ajudar a recuperar em pouco tempo. De facto, tinha
confiança suficiente para afirmar categoricamente que, se Dia-
na conseguisse manter os alimentos no estômago, no espaço de
seis meses seria uma outra pessoa. O Dr. Lipsedge concluiu que
o problema não estava na Princesa, mas no seu marido. Nos
meses seguintes visitou-a todas as semanas. Incentivou-a a ler
livros acerca da sua situação. Ainda que tivesse de os ler secreta-
mente, para o caso de estar a ser observada pelo marido ou por
membros do pessoal, descobriu-se intimamente alegre à medi-
da que passava as páginas. «Eu sou assim, eu sou assim, não sou
a única», disse ela a Carolyn.
O diagnóstico do médico apoiou o seu potencial sentido de
auto-estima. Diana precisava de todo o auxílio possível. Mesmo
quando começou a sua longa viagem para a recuperação, o ma-
rido escarneceu dos seus esforços. À hora das refeições, costu-
mava vê-la comer e dizer: «Isso vai reaparecer mais tarde? Que
desperdício.» A previsão do Dr. Lipsedge revelou-se correcta.
Ao fim de seis meses as melhoras eram notáveis. Sentia-se, disse
ela, como se tivesse nascido outra vez. Antes de ter começado o
tratamento, sentia-se mal quatro vezes por dia. Agora, isso esta-

266
va reduzido a uma vez de três em três semanas. Contudo, sem-
pre que ficava com a Família Real em Balmoral, Sandringham
ou Windsor, as tensões e as pressões provocavam uma recor-
rência mais grave. O mesmo acontecia em Highgrove, a casa de
campo do casal que a Princesa percebeu ser território de Car-
los, onde ele recebia os amigos, tais como os Parker Bowles e
os membros do seu grupo. Desde o princípio tinha detestado a
casa senhorial georgiana, e a passagem do tempo apenas exa-
cerbou esses sentimentos. Cada fim-de-semana que ali passava
com o marido terminava em ansiedade imediatamente seguida
por um ataque de bulimia.
Ao mesmo tempo que, finalmente, se determinou a derrotar
a bulimia, decidiu confrontar a mulher por causa da qual tinha
sentido tanta ansiedade e fúria. A confrontação ocorreu quando
Diana e o Príncipe foram convidados para o 40.° aniversário
da irmã de Camilla Parker Bowles, Annabel Elliot, que foi or-
ganizado em Ham Common, perto de Richmond Park. Havia
a suposição tácita, entre os 40 convidados, de que Diana não
compareceria, e, por isso, houve um frisson de surpresa entre os
reunidos quando ela entrou. Depois do jantar, Diana, que esta-
va a conversar com uns convidados numa sala do piso superior,
notou a falta do marido e de Camilla Parker Bowles. Desceu
as escadas e encontrou o marido, Camilla e outro convidado à
conversa. A Princesa pediu aos outros para se retirarem porque
tinha algo de importante para dizer a Camilla.
Afastaram-se imediatamente, e um silêncio expectante pai-
rou sobre os presentes. Seguiu-se uma conversa viva na qual
Diana deu voz aos seus sentimentos sobre aquilo que acre-
ditava ser a natureza da relação entre Camilla e o marido.
A Princesa estava muito preocupada com a influência do «gru-
po de Highgrove» sobre o marido. Quando estavam no seu re-
tiro de Gloucestershire, pressionava rotineiramente o botão do
«último número marcado» do seu telefone móvel e, invaria-

267
velmente, encontrava-o ligado para Middlewick House, a casa
dos Parker Bowles em Wiltshire. Estava também ao corrente da
correspondência regular entre o seu marido e Camilla. Os en-
contros entre os membros do grupo de Highgrove e o Príncipe
Carlos para caçar raposas ou como convidados em Balmoral e
Sandringham apenas alimentavam as suas suspeitas.
Durante essa conversa, os sete anos de raiva, ciúmes e frus-
tração reprimidos começaram a eclodir. Disse-lhe: «Desculpem
estar no caminho. Obviamente que estou no vosso caminho e
isso deve ser um inferno para ambos, mas eu sei o que está a
acontecer. Não me tratem como uma idiota.» A experiência re-
sultou numa profunda mudança na atitude de Diana. Embora
ainda sentisse um enorme ressentimento em relação ao marido
e a Camilla, bem como ao grupo de Highgrove, já não se tratava
de uma paixão avassaladora.
Foi durante este período que se tornou uma boa amiga de
Mara e de Lorenzo Berni, que nessa altura geriam o restaurante
San Lorenzo, na tão em voga Beauchamp Place, em Knights-
bridge. Mara, que morreu em 2012, possuía a reputação de
mãe-terra italiana, consultava frequentemente os convidados
informando-os a respeito dos seus signos astrológicos, do sig-
nificado dos seus nomes e da importância dos planetas. Embo-
ra Diana já frequentasse o seu restaurante havia alguns anos,
Mara e Lorenzo entraram realmente na sua vida só no início de
1990. Esperava a sua companhia para o almoço quando Mara,
que tendia a ser protetora e atenciosa para com os seus clientes
preferidos, rondou a sua mesa e se sentou. Colocando a mão no
pulso de Diana, disse-lhe que compreendia o que ela estava a
passar. A Princesa reagiu com ceticismo e pediu-lhe que justi-
ficasse a sua declaração. Em poucas palavras, Mara desenhou o
retrato da solidão de Diana, da sua vida sofrida, das mudanças
por que estava a passar e do caminho que iria percorrer. Ficou
bastante admirada com as acutilantes observações a respeito da

268
sua vida, que ela pensava ter conseguido manter afastadas do
mundo exterior.
Colocou a Mara diversas perguntas a respeito do seu futu-
ro, sobre se encontraria a felicidade e se alguma vez consegui-
ria fugir ao sistema da realeza. A partir desse dia, San Lorenzo
tornou-se não apenas um restaurante e passou a ser um lugar
seguro, afastado do Palácio de Kensington. Mara e Lorenzo
tornaram-se reconfortantes conselheiros que ouviam as mui-
tas questões da Princesa. Como observou o amigo deles James
Gilbey: «Mara e Lorenzo estão perfeitamente sintonizados,
são muito percetivos e viram muita frustração e infelicidade
em Diana. Eles ajudaram-na a superar a situação.» O casal en-
corajou o interesse da Princesa por astrologia, pelas cartas de
tarot e por outros domínios da metafísica, como a clarividên-
cia e o hipnotismo. Tais assuntos eram uma espécie de tradição
na Família Real. O autor John Dale traçou aquilo a que cha-
mou «a linhagem psíquica da Família Real» desde os dias da
Rainha Vitória. Ao longo dos anos, anuncia Dale, numerosos
membros da Família Real, incluindo a Rainha-Mãe, a Rainha
e o Príncipe Filipe participaram em sessões espíritas e noutras
investigações de carácter paranormal. Por esta altura, Diana foi
apresentada à astróloga Debbie Frank, que continuou a consul-
tar ao longo dos anos. Tem uma técnica moderada que combina
aconselhamento geral e análise relativa ao presente e ao futuro
por referência à conjunção dos planetas relativa à hora e à data
de nascimento de Diana. Nascida sob o signo de Caranguejo, a
Princesa tinha muitas qualidades típicas desse signo: protetora,
tenaz, emocionalmente afectável e preocupada.
Quando começou a investigar as possibilidades do mundo
espiritual, Diana era muito aberta, quase demasiado aberta,
demasiado crente. Vivia de tal maneira fechada no seu mundo
que se agarrava a qualquer predição, da mesma forma em que
um náufrago se agarra aos destroços do navio. À medida que a

269
confiança em si mesma crescia, começou a ver estes métodos
de auto-análise e adivinhação mais como ferramentas e guias
do que como um salva-vidas a que se agarrar. Achou a astro-
logia interessante, ocasionalmente relevante e tranquilizadora,
mas em nenhum momento a motivação dominante da sua vida.
Como a sua amiga Angela Serota diz: «O autoconhecimento
é o mais importante da vida. Esta era a sua próxima viagem.»
Este interesse foi um ponto de partida vital na sua via para
o autoconhecimento. A sua abertura na abordagem de filoso-
fias fora das correntes dominantes do pensamento ocidental
fazia eco da atitude do Príncipe Carlos. Ao mesmo tempo que
o Príncipe e outros membros da Família Real se associaram às
medicinas alternativas e a crenças holísticas, assim Diana explo-
rou independentemente métodos alternativos de abordagem do
mundo. A astrologia era um desses campos de busca. Durante a
maior parte da sua vida adulta, Diana permitiu-se ser governa-
da por outros, particularmente pelo marido. Consequentemen-
te, a sua verdadeira natureza foi submergida por tanto tempo
que era altura de ressuscitar. A viagem de autodescoberta não
foi uma passagem tranquila. Por cada dia em que se sentiu em
paz consigo mesma, houve semanas de depressão, ansiedade e
dúvida. Durante estes períodos negros, o aconselhamento do
terapeuta Stephen Twigg foi crucial, e a Princesa reconheceu
prontamente a sua dívida para com ele. Depois de se ter dedi-
cado à aprendizagem da massagem sueca, ele desenvolveu uma
coerente filosofia de saúde, a qual, tal como a medicina chinesa,
liga o corpo e a mente em busca do bem-estar. Começou em de-
zembro de 1988 a visitar o Palácio de Kensington com o intuito
de ministrar massagens para relaxamento.
O facto de ela apreciar Stephen Twigg não surpreendeu a ba-
ronesa Falkender, antiga secretária política do primeiro-minis-
tro trabalhista Harold Wilson, uma das suas pacientes durante
algum tempo depois de ter adoecido com um cancro da mama.

270
«Ele deve tê-la ajudado tão extraordinariamente como me aju-
dou a mim. Tem um carácter notável. Para além de extraordi-
nariamente bom como massagista, tem uma completa filosofia
de vida que te desafia e te ajuda a encontrar o teu próprio cami-
nho. Faz-te sentir confiante e descontraída, e isso dar-te-á uma
nova qualidade de vida.»
Durante as suas consultas com Diana, que duravam cerca
de uma hora, ele discutia tudo, desde suplementos vitamínicos
ao significado do universo, enquanto se esforçava por tornar a
paciente capaz de se compreender a si própria e alcançar a har-
monia nas suas componentes física, mental e espiritual. Foi por
sugestão sua que Diana tentou suplementos vitamínicos, usou
processos de desintoxicação e começou a seguir a dieta Hay, um
sistema alimentar com base na ingestão em separado de hidra-
tos de carbono e proteínas numa dieta alimentar definida. Tal
como com todos os seus pacientes, discutiu processos em que
os indivíduos afirmam as suas características positivas e exa-
minam situações ameaçadoras nas suas vidas – por exemplo, as
visitas de Diana a Balmoral, que a faziam sentir tão vulnerável
e excluída. «Lembre-se», disse-lhe ele, «não é tanto estar presa
à Família Real; pelo contrário, é a Família Real que está presa
a si.»
Como disse Twigg: «Pessoas como Diana mostram-nos a to-
dos que não importa o quanto temos ou com que privilégios
nascemos, o nosso mundo pode sempre ser restringido pela in-
felicidade e a doença. É preciso ter coragem para reconhecer
estas limitações, para as enfrentar e mudar de vida.»
Diana experimentou outras técnicas, incluindo hipnoterapia
– com Roderick Lane – e aromaterapia, uma arte antiga que en-
volve o uso de óleos aromáticos para reduzir o stress, promover
a saúde física e a serenidade da mente. «Tem um profundo efei-
to tranquilizante», diz Sue Beechey, uma mulher de Yorkshire
que tem vindo a praticar a arte há vinte anos. Ela costumava

271
preparar os óleos no seu consultório de Chelsea antes de os le-
var para o Palácio de Kensington. Diana combinou também a
aromaterapia com uma sessão de acupunctura, uma arte curati-
va chinesa em que são aplicadas agulhas sobre a pele em certos
pontos definidos para restaurar o equilíbrio da «energia chi»,
essencial à boa saúde. As agulhas estimulam linhas de energia
invisíveis chamadas meridianos e que correm por debaixo da
pele. A acupunctura era praticada por Oonagh Toffolo, uma
experiente enfermeira de County Sligo, na Irlanda, que tratou
também o Príncipe William ocasionalmente, tal como a Prin-
cesa. Tal como Jane Fonda e Shirley MacLaine, também a Prin-
cesa de Gales tinha fé no poder curativo dos cristais.
Durante este período, mantinha a forma física nadando dia-
riamente no Palácio de Buckingham, bem como frequentando
aulas de ginástica e, ocasionalmente, as de manutenção com o
London City Ballet, do qual era mecenas. Também tinha um
instrutor particular para a iniciar nas subtis artes do tai chi chuan,
uma forma de meditação com movimentos lentos, muito popular
no Extremo Oriente. Os movimentos são graciosos e fluentes, e
seguem um padrão regular, permitindo que o indivíduo harmo-
nize a mente, o corpo e o espírito. O seu apreço era sobretudo
maior porquanto a sua longa paixão pelo ballet o favorecia. Esta
delicada atividade física era acompanhada por uma paz interior
encontrada numa calma meditação e na oração, frequentemente
com Oonagh Toffolo, cuja fé católica havia sido temperada com
o seu trabalho na Índia e no Extremo Oriente.
Embora ainda lesse ficção romântica de autores como Dani-
elle Steele, que lhe enviava cópias dos seus últimos livros, mer-
gulhava em ensaios sobre filosofia holística, terapia e saúde
mental. Muitas vezes, de manhã, explorava o pensamento do
filósofo búlgaro Mikhail Ivanov. Era um período de calma me-
ditação num atribulado dia. Prezava um volume encadernado a
pele de O Profeta, de Kahlil Gibran, que lhe fora oferecido por

272
Adrian Ward-Jackson, a quem ajudou a tratar quando estava a
morrer de sida.
As suas preocupações naquela altura pouco se deviam ao ma-
rido, cujo interesse pela medicina holística, pela arquitetura e
pela filosofia é largamente conhecido. Quando, durante as fé-
rias, a viu a ler um livro intitulado Enfrentando a Morte pergun-
tou-lhe, asperamente, o que andava ela a fazer perdendo tempo
a ler aqueles assuntos. No entanto, Diana já não receava con-
frontá-lo com os seus próprios sentimentos, nem confrontar as
desconfortáveis e perturbantes emoções dos outros quando se
aproximavam da morte conseguindo ainda manter algum sen-
tido de humor e de alegria em situações de profunda mágoa.
A sua paixão pela música coral, «porque toca as profundezas»,
era um eloquente testemunho do seu espírito sério e reflexivo.
Se fosse abandonada numa ilha deserta, as suas três primeiras
escolhas musicais para levar consigo seriam Missa em Dó Menor
de Mozart e os Requiem de Fauré e de Verdi.
O aconselhamento, as amizades e as terapias holísticas que
adotou durante este período contribuíram para a ajudar a re-
conquistar a sua personalidade, que havia sido abafada pelo
marido, pelo sistema da realeza e pelas expetativas do público
relativamente à sua Princesa de conto de fadas. A mulher por
detrás da máscara não era uma irresponsável e frívola jovem
nem uma visão de uma perfeição de santa. Era, apesar de tudo,
muito mais sossegada, introvertida e reservada do que muitos
gostariam de ter acreditado. Como disse Carolyn Bartholomew:
«Nunca gostou da imprensa, embora tenham sido amigos dela.
Na verdade, sempre desconfiou da imprensa.»
À medida que amadurecia, as alterações físicas sofridas torna-
vam-se notícia. Quando pediu a Sam McKnight para lhe cortar
o cabelo curto, num estilo desportivo, isso foi uma declaração
pública acerca de como se sentia diferente. A sua voz também
era um barómetro da forma como tinha amadurecido. Quando

273
falou da «idade das trevas», o seu tom era suave e grave, qua-
se a desaparecer, como se coasse pensamentos de um sombrio
recesso do coração que só com alarme visitava. Quando se es-
tava a sentir «centrada» e responsável por si própria, a sua voz
era animada, colorida e possuía uma faceta divertida. Quando
Oonagh Toffolo visitou Diana no Palácio de Kensington pela
primeira vez, em setembro de 1989, reparou que a Princesa era
tímida e que nunca olhava ninguém nos olhos. Afirmou: «Ao
longo dos dois últimos anos ela esteve em contacto com a sua
natureza própria e descobriu uma nova confiança e uma von-
tade de libertação que nunca antes tinha conhecido.» A sua ob-
servação nasceu sem influência de outros.
Como o recorda um amigo que conheceu Diana em 1989:
«A minha primeira impressão foi de estar perante uma pessoa
muito reservada e tímida. Inclinava a cabeça para baixo e olhava
com esforço para mim quando falava. Diana emanava tristeza
e vulnerabilidade tais que eu queria mesmo dar-lhe um abra-
ço. Ela ganhou enorme maturidade desde então. Tem agora um
objetivo na vida e já não é a alma perdida desse primeiro en-
contro.»
O seu voluntarismo para aceitar desafios e causas difíceis, tais
como a sida, é um reflexo da sua confiança reencontrada. Como
os seus interesses se moveram para o mundo da saúde, desco-
briu que tinha menos tempo para devotar à sua pasta de pa-
trocínios, e, algumas vezes, isso tinha resultados embaraçosos.
Por exemplo, suportou uma reunião dolorosa com executivos
de uma companhia de ballet que tornaram claro o seu desejo
de que ela dedicasse mais tempo à sua causa. Como disse mais
tarde: «Há coisas mais importantes na vida do que o ballet, há
pessoas a morrer nas ruas.» Durante o inverno de 1991/1992
fez sete visitas privadas a albergues para sem-abrigo, muitas
vezes acompanhada pelo cardeal Basil Hume, o chefe da Igreja
Católica Romana em Inglaterra e no País de Gales que patroci-

274
na um consórcio para os sem-abrigo. Numa viagem em janeiro
de 1992, Diana e o cardeal Hume passaram cerca de duas horas
com jovens sem-abrigo num albergue no South Bank, junto ao
Tamisa. Alguns adolescentes, muitos com problemas de bebida
e drogas, acolheram a sua presença com perguntas agressivas e
hostis; outros estavam simplesmente surpreendidos por Diana
se ter dado ao incómodo de os ter visitado numa fria noite de
sábado.
Enquanto Diana falava, um escocês bêbado entrou na sala,
cambaleando. «Hei, tu és deslumbrante», atirou, sem a míni-
ma noção de com quem estava a falar. Quando o informaram
a respeito da identidade da Princesa, não ficou preocupado.
«Não quero saber quem é, ela é linda.» Embora o cardeal Hume
se sentisse profundamente embaraçado, Diana, perfeitamente
à-vontade com gente jovem, achou o incidente divertido. Ape-
sar da falta de boas maneiras, ela sentia-se perfeitamente à-von-
tade nestas ocasiões, muito mais do que quando se juntava à
Família Real e aos seus cortesãos. Em Ascot, em 1991, assistiu
apenas a dois dias das corridas, que duravam cinco, antes de
cumprir outros compromissos. No passado, costumava gostar
da parada anual de moda e moscas de cavalos de Ascot, mas
mais tarde veio a considerá-la frívola. Como comentou com os
amigos: «Já não gosto daquele elegante acontecimento. Sinto-
-me pouco à-vontade com eles. Gostaria muito mais de ocupar
esse tempo a fazer qualquer coisa útil.»
Ironicamente, foi a paixão do Príncipe Carlos pelo polo que
permitiu a Diana uma melhor compreensão do seu próprio va-
lor. O Príncipe partiu o braço direito num jogo em Cirencester,
em junho de 1990. Foi levado a um hospital local, mas, ao cabo de
umas semanas de descanso e recuperação, o braço não respondia
ao tratamento, e foi-lhe aconselhada uma segunda intervenção
cirúrgica. Os seus amigos Charles e Patti Palmer-Tomkinson re-
comendaram-lhe o Hospital Universitário de Nottingham.

275
Embora se tratasse de um hospital do Serviço Nacional de
Saúde, o Príncipe estava devidamente resguardado no seu quar-
to, que havia sido recentemente decorado. Levara consigo, do
Palácio de Kensington, o mordomo Michael Fawcet, bem como
o cozinheiro particular. Durante as visitas de Diana ao marido,
ela passava muito tempo com outros pacientes, particularmente
na unidade de cuidados intensivos. Sentava-se junto de Dean
Woodward, que se encontrava em coma desde um acidente de
viação, e quando ele recuperou fez-lhe uma visita particular a
casa dos seus familiares. Foi um gesto espontâneo, mas Diana
ficou horrorizada quando as notícias destas secretas visitas che-
garam a uma vasta audiência, depois de a família ter vendido a
história aos jornais nacionais.
Um dos incidentes que tiveram um grande significado para
Diana ocorreu nesse mesmo hospital, longe das câmaras, dos
sorridentes dignitários e do público atento. O drama começou,
três dias antes, num quintal em Balderton, uma vila perto de
Newark, quando uma dona de casa, Freda Hickling, desfale-
ceu com uma hemorragia cerebral. Quando Diana a viu, pela
primeira vez, por trás dos vidros na unidade de cuidados in-
tensivos, a sua vida estava a ser mantida por uma máquina.
O marido, Peter, sentado junto dela, segurava-lhe a mão. Diana,
que visitava pacientes no hospital, recebeu do assessor a infor-
mação de que havia muito pouca esperança de recuperação. Em
voz baixa, perguntou a Peter se podia juntar-se a ele. Nas duas
horas seguintes esteve sentada segurando as mãos de Peter e
Freda Hickling, antes de o especialista informar Peter de que a
sua esposa estava morta. Diana juntou-se, então, a Peter, ao seu
enteado, Neil, e à namorada de Neil, Sue, num quarto privado.
Sue, muito chocada por ter visto Freda Hickling ligada a uma
máquina, não reconheceu a Princesa imediatamente, pensando
vagamente que seria alguém da televisão. «Chame-me apenas
Diana», disse. Falou dos assuntos do dia-a-dia; do tamanho do

276
hospital, do braço do Príncipe Carlos, e fez perguntas acerca do
negócio de Neil na área florestal. Finalmente, Diana decidiu que
Peter podia querer um grande gin e pediu ao seu detetive para
pedir um. Como ele não conseguiu, a própria Princesa o tentou
arranjar, com êxito.
Peter, um antigo funcionário municipal de 53 anos, recorda:
«Ela tentava manter o nosso moral elevado. Para alguém que
nada sabia acerca de nós, foi uma verdadeira profissional lidan-
do com as pessoas e tomando rápidas decisões sobre elas. Diana
fez um extraordinário trabalho mantendo Neil calmo. Quando
saímos, ele estava a conversar com Diana como se a conhecesse
de toda a vida e deu-lhe um beijo na face enquanto descíamos
as escadas.»
Os seus sentimentos foram defendidos pelo enteado, Neil,
que disse: «Era muito bondosa, compreensiva, alguém em quem
se podia confiar. Compreendia a dor e a morte.»
Enquanto Neil e Peter faziam os preparativos para o funeral,
sentiram-se surpreendidos e tocados ao receber uma carta da
Princesa, em papel de carta do Palácio de Kensington. Enviada
em 4 de setembro de 1990, dizia:

277
Setembro, 4, 1990
Caro Peter,

Nos últimos dias, tenho pensado imenso em ambos – não con-


sigo imaginar o que estarão a passar, a dor e o total desalento.
Foram extraordinariamente corajosos no sábado, mas eu es-
tou continuamente preocupada convosco e como vão enfrentar
o regresso a casa.
Queria que soubessem o quanto estão nos meus pensamentos e
orações e espero que me perdoe por juntar em anexo algo que
lhe trará algum consolo.
Receba-o com o meu amor e sincera simpatia para uma pessoa
muito especial.

Da Diana

Este foi outro momento crítico para uma mulher que duran-
te muito tempo se viu a si própria como inútil, com pouco para
oferecer ao mundo além do seu sentido estético. A vida no seio
da Família Real foi diretamente responsável por ter criado esta
confusão. Tal como dizia o seu amigo James Gilbey: «Quando,
no ano passado, foi ao Paquistão, ficou atónita com o facto de
cinco milhões de pessoas se terem deslocado apenas para a ver.
Na mente de Diana havia este extraordinário conflito: “Como
pode toda esta gente querer ver-me? E depois, à tarde, volto
para casa e começo esta existência de ‘rato.’ Ninguém diz: ‘Bom
trabalho’." Transportava em si esta incrível dicotomia. Fora de
casa, era alvo de toda aquela adulação, e em casa tinha uma vida
extraordinariamente vazia. Não havia lá nada nem ninguém, no
sentido de que ninguém lhe diria coisas agradáveis – exceto,
claro, as crianças. Sentia-se num mundo estranho.»
As pequenas coisas significavam muito para Diana. Não pro-
curava louvores, mas nos compromissos públicos, se as pessoas

278
lhe agradeciam por ter ajudado, isso transformava um dever de
rotina num momento muito especial. Nos primeiros anos nun-
ca acreditou nos aplausos que recebeu, mas, mais tarde, sentia-
-se muito mais à-vontade, aceitando uma palavra gentil ou um
gesto de amizade. Ficava feliz se sentia que a sua presença fazia
diferença. Discutiu com os líderes da Igreja, incluindo o arce-
bispo de Cantuária e vários bispos, o florescimento nela desta
profunda necessidade de ajudar os doentes e os moribundos.
«Em qualquer lado onde veja sofrimento é aí que quero estar,
fazendo o que posso», disse. Visitas a hospitais especiais, tais
como o Stoke Mandeville ou o Great Ormond Street Hospital
para crianças, eram tarefas profundamente gratificantes. Como
a primeira-dama americana Barbara Bush descobriu, quando se
juntou à Princesa numa visita a uma ala para doentes com sida
do Middlesex Hospital, em julho de 1991, nada havia de piegas
na atitude de Diana em relação aos doentes. Quando um acama-
do rebentou em lágrimas enquanto a Princesa falava com ele,
Diana envolveu-o espontaneamente com os braços e deu-lhe
um enorme abraço. Foi um momento chocante que afetou a
primeira-dama e todos os presentes. Embora mais tarde falasse
da necessidade de acarinhar os que sofriam de sida, para Dia-
na este momento foi um empreendimento pessoal. Enquanto
o abraçava, era ela própria em vez de se confinar ao papel de
Princesa.
Embora o seu envolvimento no aconselhamento para a sida
se deparasse com alguma hostilidade, normalmente expres-
sa em cartas anónimas de ódio, desejava ajudar as esquecidas
vítimas da sociedade. O seu trabalho com os leprosos, com os
toxicodependentes, os sem-abrigo e as crianças vítimas de abu-
sos sexuais puseram-na em contacto com problemas e assuntos
para os quais não existem soluções simples. Como afirmou a
sua amiga Angela Serota: «Ela agarrou-se ao problema da sida
porque tomou consciência da existência deste grupo de pessoas

279
por quem nada estava a ser feito para ajudar. É um erro pensar
que se interessa apenas pela sida e por todo o problema que esta
levanta. Preocupa-se com todas as fragilidades e doenças.»
Diana abraçou os problemas pessoais e sociais provocados
pela sida com candura e compaixão. Como afirmou o seu irmão
Charles: «Tem sido bom, para ela, lutar por uma causa real-
mente difícil. Toda a gente pode fazer o seu esforço de caridade,
mas é preciso estar-se genuinamente empenhado e disposto a
dar imenso de si próprio para se envolver em algo que outras
pessoas nem sonhariam tocar.» Ele viu, em primeira-mão, essas
qualidades, quando pediu a um amigo americano, que se encon-
trava a morrer com sida, para ser um dos padrinhos de batismo
da sua filha Kitty. O voo de Nova Iorque deixou-o muito fatiga-
do, e sentia-se compreensivelmente nervoso por estar na pre-
sença de uma dama real. «Diana percebeu imediatamente o que
estava errado», recorda Charles, «e foi direita a ele, começando
a falar-lhe de um modo verdadeiramente cristão. Ela queria sa-
ber se ele estava bem e a aguentar bem o dia. A sua preocupação
teve um enorme significado para ele.»
Foram a sua preocupação e o compromisso com um amigo o
que, em 1991, a envolveu naquele que foi, talvez, o período da sua
vida com mais emoções até esse momento. Durante cinco meses
ajudou secretamente a cuidar de Adrian Ward-Jackson, que ti-
nha descoberto que sofria de sida. Foi um tempo de gargalhadas,
alegria e muita mágoa porque Adrian, uma figura proeminente
no mundo da arte, do ballet e da ópera, sucumbiu gradualmente
à sua doença. Homem de grande carisma e energia, Adrian ini-
cialmente sentiu dificuldades para se acomodar à sua sorte quan-
do, a meio dos anos 80, foi diagnosticado como HIV positivo.
O seu trabalho como vice-presidente do Aids Crisis Trust, onde
encontrou a Princesa pela primeira vez, pô-lo completamente
ao corrente da realidade da sua condição. Finalmente, divulgou
a notícia em 1987 à sua grande amiga Angela Serota, uma bai-

280
larina do Royal Ballet até uma lesão numa perna ter prematu-
ramente acabado com a sua carreira, sendo uma proeminen-
te promotora da dança e do ballet. Durante a maior parte do
tempo, Angela, uma mulher serena, calma e prática, tornou-se
sempre, com o apoio das suas duas filhas adolescentes, enfer-
meira de Adrian.
Ele estava suficientemente bem para receber um CBE1, no
Palácio de Buckingham, em março de 1991, pelo seu trabalho
nas artes – foi diretor do Royal Ballet, presidente da Sociedade
de Arte Contemporânea e diretor da Associação para o Museu
do Teatro –, e foi num almoço de celebração na Galeria Tate
que Angela conheceu a Princesa. Em abril de 1991, a saúde de
Adrian piorou, e ele viu-se confinado ao seu apartamento em
Mayfair, onde Angela se manteve quase em constante vigilân-
cia. Foi nessa altura que Diana o visitou com regularidade, le-
vando consigo, numa vez, os seus filhos, os Príncipes William
e Harry. A partir dessa altura, Angela e a Princesa começaram a
criar um laço de apoio à medida que tratavam do amigo. Angela
recorda: «Eu considerava-a uma pessoa extremamente bonita,
de um modo muito profundo. Possui um espírito irradiante,
embora também se percebesse nela um sentimento de pene-
trante infelicidade. Lembro-me de adorar o modo como sempre
me pedia para não ser formal.»
Quando Diana levou os rapazes para visitar o amigo, reflexo
da firme convicção de que o seu papel de mãe era educá-los de
modo a prepará-los para compreender todos os aspectos da vida
e da morte, Angela viu em William um rapaz muito mais velho
e mais sensível do que a idade poderia prever. Recorda: «Ele
tinha uma visão amadurecida da doença, uma perspetiva que
denotava o seu conhecimento do papel do amor e da entrega.»

1 CBE, abreviatura de Commander (of the Order of the) British Empire, distinção
usada como título. (N. da T.)

281
No início, Angela mantinha-se na retaguarda, deixando Dia-
na sozinha no quarto com Adrian, onde conversavam sobre
amigos comuns e outros aspectos da vida. Muitas vezes levava
a Angela, a quem chamava a «Dama A», um ramo de flores ou
outra oferta semelhante. Recorda: «Adrian gostava de a ouvir
descrever o trabalho do seu dia-a-dia, e adorava igualmente o
lado social da vida. Ela fazia-o rir mas havia sempre um adequa-
do grau de compreensão, cuidado e solicitude. Isto é o essencial
nela. Não é apenas uma figura decorativa que flutua por todo o
lado numa nuvem de perfume.» A disposição em Mount Street
era invariavelmente de alegria, aquele sentimento de felicidade
que compreende a dor. Como afirmou Angela: «Eu não enca-
ro a morte como algo de triste ou deprimente. Ele fazia uma
grande viagem. A Princesa estava em perfeita sintonia com
esse espírito. Também adorava ir sozinha; era uma experiência
muito intensa. Ao mesmo tempo, Adrian sentia-se revitalizado
pela qualidade regeneradora da sua presença.» Angela lia-lhe
excertos de obras de S. Francisco de Assis, de Kahlil Gibran e
da Bíblia, e fazia-lhe frequentes tratamentos de aromaterapia.
Uma chamada telefónica da madre Teresa de Calcutá, que
também lhe enviou um medalhão através de uns amigos india-
nos, deu-lhe um enorme prazer. No seu funeral, Diana recebeu
uma carta da madre Teresa expressando a sua grande vontade
em encontrar-se com ela quando visitasse a Índia. Infelizmente,
a madre Teresa estava doente nessa altura, e, por isso, a Prince-
sa fez uma viagem especial a Roma, onde se encontrava a recu-
perar. No entanto, essa afetuosa nota teve, na altura, um grande
significado para Diana.
Quando Diana não o podia visitar, telefonava para o aparta-
mento a fim de se informar da situação do amigo. No aniversá-
rio dos seus 30 anos usou uma pulseira de ouro que Adrian lhe
oferecera como reconhecimento da sua amizade e da sua soli-
dariedade. No entanto, o simples desejo de estar com Adrian no

282
momento da sua morte quase se desmoronou. Em agosto, a sua
situação piorou, e os médicos aconselharam a sua transferência
para um quarto privado no Hospital de St. Mary, em Padding-
ton, onde poderia ser tratado com maior eficiência. No entanto,
Diana teve de deixar Londres para umas férias num cruzeiro ao
Mediterrâneo, com a família, a bordo do iate do milionário gre-
go John Latsis. Foram feitos planos prévios para que pudesse
voar de helicóptero do iate para um avião particular, de modo
a poder acompanhar o amigo no seu fim. Antes de deixar Lon-
dres, Diana visitara Adrian em sua casa. «Eu esperarei por ti»,
disse-lhe ele. Com estas palavras a exaltar-lhe o coração, voou
para Itália, contando as horas até ao seu regresso.
No fim das férias, foi diretamente do aeroporto ao Hospi-
tal de St. Mary. Angela recorda: «De repente, ouviu-se bater à
porta. Era Diana. Abracei-a e levei-a para o quarto para poder
ver Adrian. Ainda trazia vestida uma T-shirt e um desportivo
bronzeado. Foi maravilhoso para Adrian vê-la assim.»
A Princesa regressou a casa, ao Palácio de Kensington, mas
voltou no dia seguinte com toda a espécie de guloseimas. O seu
cozinheiro, Mervyn Wycherley, embalara um enorme cesto de
piquenique para Angela, enquanto o Príncipe William entrava
no quarto quase esmagado com o seu presente, um enorme
jasmim das estufas de Highgrove. A decisão de Diana de levar
consigo William foi cuidadosamente pensada. Nessa altura,
Adrian suspendera toda a sua medicação e encontrava-se em
paz consigo próprio. «Diana não traria o filho se o aspecto de
Adrian fosse perturbador», disse Angela. A caminho de casa,
William perguntou à mãe: «Se o Adrian começar a morrer
quando eu estiver na escola dizes-me para que eu possa estar
presente?»
Mais uma vez, os deveres reais chamaram-na, e desta vez
Diana foi obrigada a juntar-se à Rainha e à restante família no
seu periódico retiro anual em Balmoral. Foi com a condição de

283
ser avisada assim que a saúde de Adrian se deteriorasse, tendo
previamente estimado que levaria sete horas a chegar de carro
da Escócia a Londres.
Na segunda-feira, 19 de agosto, Adrian começou a apagar-se.
O cónego Roger Greenacre havia-lhe já ministrado a extrema-
-unção, mas durante a noite as enfermeiras ficaram tão alar-
madas com o estado de Adrian que acordaram Angela da sua
pequena sesta e avisaram-na de que seria aconselhável telefonar
a Diana. O último voo para Londres havia já partido, e, por isso,
tentou fretar um voo particular. Não havia nenhum disponí-
vel. Assim, decidiu fazer de automóvel os 965 km de Balmoral a
Londres, com o seu guarda-costas. Depois de conduzir durante
toda a noite, a Princesa chegou ao hospital às 4h da madrugada.
Manteve-se de vigília durante horas, segurando a mão de Adri-
an e afagando-lhe as sobrancelhas.
Manteve uma vigília semelhante durante a terça-feira e a
quarta-feira. «Partilhámos tudo», recorda Angela. «No fim, foi
uma longa marcha.» Não seria, pois, de admirar que na quar-
ta-feira de manhã Diana se sentisse exausta. Encontrava-se no
corredor a descansar um pouco quando num quarto, algumas
portas à frente, soou o alarme. Uma mãe, que acabara de ser
operada ao coração, sofrera um posterior e fatal ataque. Infe-
lizmente, os filhos e a família estavam no quarto na altura. En-
quanto os médicos e as enfermeiras corriam de um lado para
outro com o equipamento electrónico, Diana passou o tempo
a reconfortar os perturbados familiares. Para eles era a dor da
descrença. Num momento a mãe falava com eles; no momento
seguinte estava morta. A Princesa passou bastante tempo com
eles antes de saírem do hospital. Quando se despediram, o filho
mais velho disse-lhe: «Deus levou-nos a nossa mãe mas deixou
um anjo no seu lugar.»
Por volta de quinta-feira, a notícia espalhou-se, e um grupo
de fotógrafos esperava-a à porta do hospital. «As pessoas pen-

284
saram que Diana tinha chegado apenas no fim», disse Angela.
«É claro que não foi nada assim, nós partilhámos tudo.» Nas
primeiras horas de quinta-feira, 23 de agosto, chegou o fim.
Quando Adrian morreu, Angela foi à porta ao lado para tele-
fonar a Diana. Antes de poder falar, a Princesa disse: «Vou já a
caminho.» Pouco depois de chegar rezaram juntas. Diana dei-
xou os amigos para ficar a sós uma última vez. «Não conheço
mais ninguém que se tivesse preocupado comigo em primeiro
lugar», disse Angela. Então, o lado protector de Diana tomou o
comando. Fez uma cama à amiga, aconchegou-a e deu-lhe um
beijo de boas-noites.
Enquanto Angela dormia, a Princesa percebeu que o melhor
para a Angela seria juntar-se à família, de férias em França. Fez-
-lhe a mala e telefonou ao marido, para Montpellier, para lhe
dizer que Angela apanharia um avião assim que acordasse. De-
pois, subiu as escadas a fim de visitar a ala da maternidade, a
mesma unidade onde os seus filhos haviam nascido. Sentiu que
seria importante ver a vida bem como a morte, tentar contraba-
lançar o seu profundo sentimento de perda com um sentimento
de renascimento. Nesses poucos meses, Diana aprendera muito
a respeito de si própria, refletindo no novo começo que desti-
nara para a sua vida.
Foi sobretudo mais satisfatório porquanto não se deixara
submeter à pressão da Família Real. Sabia que havia abandona-
do Balmoral sem procurar a permissão da Rainha, e durante os
dias seguintes insistiram para que regressasse imediatamente.
A família considerava que uma visita teria sido suficiente, e
sentia-se pouco à-vontade com a lealdade e a devoção que
demonstrava, e que claramente ultrapassava o tradicional
cumprimento do dever. O marido nunca mostrou grande
consideração pelos seus interesses, e foi pouco compreen-
sivo com o tempo que Diana passou a tratar do amigo. Não
compreenderam que assumira um compromisso com Adrian,

285
compromisso que estava determinada a cumprir. Pouco im-
portava que estivesse a morrer de sida, cancro ou outra doença
qualquer; Diana dera-lhe a sua palavra de que estaria com ele
até ao fim. Não estava disposta a quebrar a sua confiança. Nesse
momento crítico, a Princesa compreendeu que a lealdade para
com os amigos era tão importante como o dever em torno da
Família Real. Como relembrou a Angela: «Ambos necessitam
de mim. É um sentimento estranho ser desejada pela minha
própria pessoa. Porquê eu?»
Embora a Princesa fosse o anjo da guarda de Angela no fu-
neral de Adrian, segurando-lhe a mão durante todo o serviço
fúnebre, foi durante a missa que a amiga precisou do ombro-
de Diana para chorar. Mas tal não foi possível. Esforçaram-se
bastante para se sentar uma ao pé da outra durante o serviço,
mas os cortesãos do Palácio de Buckingham não o permitiram.
Como o serviço religioso da igreja de St. Paul, em Knightsbri-
dge, era uma ocasião formal, a Família Real teve de se sentar
nos bancos da ala direita, e os familiares e amigos do falecido
na ala esquerda. Na dor, como em quase tudo na vida de Diana,
a pesada mão do protocolo real impediu a Princesa de ter o
seu momento em privado, do modo como gostaria. Durante a
cerimónia, o desgosto de Diana era visível, lamentando o de-
saparecimento do homem cujo caminho para a morte lhe dera
tanta fé em si própria.
A Princesa já não se sentia na obrigação de camuflar os seus
sentimentos do mundo. Podia ser ela própria em vez de se es-
conder atrás de uma máscara. Aqueles meses a tratar de Adrian
relembraram-lhe as suas prioridades na vida. Como escreveu,
pouco tempo depois, a Angela: «Alcancei uma profundidade
interior que nunca julguei possível. A minha visão da vida
transformou-se, e tornou-se mais positiva e equilibrada.»

286
A Princesa dissera aos amigos que
espiritualmente o seu casamento
tinha acabado no dia em que o
Príncipe Harry nasceu, em 1984.
O casal, que tinha quartos separados
em casa havia anos, deixou de usar
o mesmo quarto durante uma visita
oficial a Portugal, em 1987.
CAPÍTULO VII

«Eu Não os Provoco»

E m junho de 1991, a Princesa de Gales almoçava com uma


amiga no restaurante San Lorenzo quando a sua conversa foi
interrompida pelo guarda-costas. Foi dar-lhe a notícia de que o
seu filho mais velho, o Príncipe William, sofrera um acidente no
seu colégio particular. Os pormenores eram vagos, mas parecia
evidente que sofrera uma forte pancada na cabeça quando ele
e outro colega brincavam com um taco de golfe no recreio da
Ludgrove School, em Berkshire. Ao mesmo tempo que se apres-
sava a sair do restaurante, o Príncipe Carlos dirigia-se de carro
de Highgrove até ao Royal Berkshire Hospital, em Reading, para
onde William fora levado para efetuar exames.
Enquanto o Príncipe William fazia uma tomografia compu-
torizada para avaliar as lesões sofridas na cabeça, os médicos
do Royal Berkshire Hospital aconselharam os pais a transferi-lo
para o Great Ormond Street Hospital for Sick Children. En-
quanto a escolta seguia a alta velocidade pela auto-estrada M4,
Diana acompanhava o filho dentro da ambulância, enquanto
Carlos a seguia atrás no seu carro desportivo Aston Martin. En-
quanto William, que se encontrava «alegre e falador» durante
a viagem, era preparado para a operação, o neurocirurgião Ri-
chard Hayward, o médico da Rainha Dr. Anthony Cawson, e
muitos outros médicos rodearam os pais para lhes explicar a
situação. Em inúmeras conversas foi-lhes explicado que o filho
sofrera uma profunda fratura craniana que exigia uma inter-

289
venção cirúrgica imediata sob o efeito de uma anestesia geral.
Deixaram muito claro que havia sérios riscos, embora relati-
vamente pequenos, quer de danos eventualmente sofridos du-
rante a operação, quer de lesões cerebrais causadas inicialmente
pela pancada infligida ao Príncipe.
Convencido de que o filho estava entregue em boas mãos, o
Príncipe Carlos deixou o hospital para assistir à representação
da Tosca, de Puccini, no Covent Garden, onde era convidado
de uma festa com doze representantes da União Europeia, in-
cluindo o comissário do Ambiente, que viajara diretamente de
Bruxelas. Entretanto, o Príncipe William, segurando a mão da
mãe, foi levado para a sala de operações, onde permaneceu nos
75 minutos seguintes. Diana aguardou ansiosamente na sala de
espera mais próxima até Richard Hayward entrar para lhe dizer
que o filho estava ótimo. Foi, confessou mais tarde, uma das
mais longas horas da sua vida. Enquanto permanecia sentada
ao lado de William no seu quarto privado, o pai passava a noite
no comboio real numa viagem ao Norte de Yorkshire, onde o
esperavam para comparecer a um estudo ambiental.
Diana segurou a mão do filho e observou as enfermeiras, que
iam de 20 em 20 minutos examinar a sua pressão arterial, os
seus reflexos, bem como a reação da pupila à luz. Como fora
explicado aos pais de William, uma súbita subida da pressão ar-
terial, que poderia revelar-se fatal, é a reação colateral mais te-
mida numa operação ao cérebro. Por isso os exames regulares.
Estes foram suspensos cerca das 3 horas da madrugada, quando
o período de alarme interrompeu o silêncio noturno.
Na manhã seguinte, Diana, cansada e inquieta, ficou profun-
damente preocupada com um artigo de jornal que discutia as
hipóteses de o Príncipe William sofrer de epilepsia. Esta era
apenas uma das suas preocupações. Quando discutiu o assunto
com uma amiga, observou: «Temos de apoiar os nossos filhos
tanto nos maus como nos bons momentos.» E não estava sozi-

290
nha nesta conclusão. Enquanto o Príncipe Carlos viajava por
Yorkshire Dale na sua verde missão, uma falange de psicólogos,
observadores da Família Real e de mães indignadas condena-
vam-no pelo seu comportamento. «Que espécie de pai és tu?»,
perguntava o cabeçalho do jornal Sun.
A sua decisão de colocar o dever à frente da família pode ter
sido um choque para o público em geral, mas não constituiu
qualquer surpresa para Diana. Na verdade, ela aceitou a deci-
são de Carlos de ir à ópera como algo de pouco extraordinário.
Tratava-se de mais um exemplo dentro de um padrão habitual
e não de uma aberração. Um amigo, que falou com ela minutos
depois de William ter saído da sala de operações, comentou:
«Se isto tivesse sido um incidente isolado seria inacreditável.
Diana não estava surpreendida. Isto apenas confirmava tudo o
que ela pensava a respeito dele, e reforçava o sentimento de que
ele sentia dificuldade em relacionar-se com os filhos. Ela não
teve qualquer apoio, qualquer afago, qualquer afeto, nada.»
Este ponto de vista foi reforçado por James Gilbey, amigo
de Diana: «A sua reação ao acidente de William foi de horror e
descrença. Para todos os efeitos, foi uma fuga tacanha. Ela não
conseguia compreender o comportamento do marido, e, como
resultado, fechou-se em si própria. Diana pensa: “Sei para quem
vai a minha lealdade: para com o meu filho.”»
Quando o Príncipe tomou conhecimento da cólera do públi-
co, a sua reação foi, mais uma vez, pouco surpreendente para a
sua mulher: culpou-a. Carlos acusou-a de provocar um «terrí-
vel disparate» acerca da severidade das lesões e de ter levantado
suspeitas acerca da possibilidade de o futuro herdeiro do trono
vir a sofrer de lesões cerebrais. A Rainha, que havia já sido pos-
ta ao corrente da situação pelo Príncipe, ficou surpreendida e
bastante chocada quando Diana a informou de que, apesar de o
neto estar a recuperar, não se tinha tratado de uma intervenção
cirúrgica simples.

291
Alguns dias depois do acidente, William recuperava o sufi-
ciente para permitir que a Princesa cumprisse o compromisso
de visitar o Marlow Community Hospital. Quando saía, um
idoso no meio da multidão desfaleceu com uma angina de peito.
Diana correu para o ajudar em vez de o deixar em mãos alheias.
Quando o Príncipe viu a cobertura que os media fizeram da sua
generosa reação acusou Diana de se comportar como uma már-
tir. A sua amarga reação era típica do enorme abismo entre eles,
e dava consistência às observações de Diana quando do interes-
se dos media sobre o seu 10.° aniversário de casamento, no mês
seguinte. Perguntou no seu estilo terra-a-terra: «O que há para
celebrar?»
A forma dramaticamente diferente como o casal reagiu pu-
blicamente ao acidente de William evidenciou o que os do seu
círculo mais íntimo já sabiam havia muito tempo: que o casa-
mento de conto de fadas entre o Príncipe de Gales e Lady Diana
Spencer acabara totalmente, excepto no nome. A rutura do seu
casamento e o virtual colapso da sua relação profissional cons-
tituíam uma fonte de tristeza para muitos dos seus amigos. Esta
muito discutida união que começara com tão grandes esperan-
ças chegara, então, a um impasse de mútuas recriminações e fria
indiferença. A Princesa dissera aos amigos que espiritualmente
o seu casamento tinha acabado no dia em que o Príncipe Harry
nasceu, em 1984. O casal, que tinha quartos separados em casa
havia anos, deixou de usar o mesmo quarto durante uma visi-
ta oficial a Portugal, em 1987. Não seria, pois, de admirar que
achasse um artigo na revista Tatler – que fazia a pergunta: «Será
o Príncipe Carlos demasiado sexy para o seu próprio bem?» –
absolutamente hilariante devido à sua involuntária ironia.
Tal não era a antipatia mútua nesta altura que alguns amigos
observaram que até a própria Diana achava irritante e muito
perturbante a presença do marido. Ele, por seu turno, via a es-
posa com uma indiferença matizada de aversão. Quando um

292
número do Sunday comentou a forma como o Príncipe literal-
mente a ignorara num concerto do Buckingham Palace, que ce-
lebrava o 90.° aniversário da Rainha-Mãe, ela observou com os
amigos que achava a sua surpresa muito estranha.
«Ele ignora-me em todo o lado, e fá-lo há já bastante tempo.
Limita-se a afastar-me.» Ela nunca se atreveria, por exemplo,
a fazer qualquer observação a respeito dos seus interesses pes-
soais, como arquitetura, ambiente ou agricultura. A sua peno-
sa experiência avisava-a de que qualquer sugestão seria tratada
com um mal disfarçado desprezo. «Ele fá-la sentir-se intelec-
tualmente insegura e inferior, e constantemente reforça essa
mensagem», observa uma amiga íntima. Quando Carlos levou
a esposa a assistir à peça A Woman of No Importance,1 de Oscar
Wilde, para celebrar o seu 43.° aniversário, a ironia não passou
despercebida aos seus amigos.
Homem de considerável charme e humor, o Príncipe também
possui a cortante capacidade de tratar com gélido desprezo os
que dele discordam. Essa capacidade foi aplicada a um trio de
secretários pessoais que uma vez o contradisseram com dema-
siada frequência, e a inúmeros cortesãos e elementos da equipa
de pessoal, bem como à sua mulher. A mãe de Diana experi-
mentou o seu ataque rude bem como a sua inflexível natureza
no batismo do Príncipe Harry. Quando Carlos se lhe queixou
de que a filha lhe havia dado um rapaz com cabelo ruivo, a Sr.ª
Shand Kydd, uma mulher de grande integridade, respondeu-lhe
firmemente que ele deveria estar agradecido pelo facto de o seu
segundo filho ter nascido saudável. A partir desse momento, o
Príncipe de Gales excluiu, literalmente, a sogra da sua vida. Este
incidente tornou-a muito mais solidária com a luta da filha.
Esta cisão entre o casal real tornou-se demasiado evidenciada
pela imprensa, contrariando assim uma conveniente imagem

1 Uma Mulher Sem Importância. (N. da T.)

293
pública. Antes do Natal de 1991 a Princesa de Gales teve de
viajar até Plymouth a fim de cumprir um já raro compromisso
público comum a ambos. Estivera na véspera, até à meia-noi-
te, com o Príncipe Eduardo num concerto de Mozart, mas na
manhã seguinte cancelou a visita alegando estar com gripe. Em-
bora se sentisse doente depois do concerto, a ideia de passar o
dia seguinte com o marido contribuiu ainda mais para decidir
passar o dia na cama.
A permanente corda bamba em que os cortesãos andavam,
entre a vida privada e a vida pública do casal real, ficou bem
ilustrada quando a Princesa tomou conhecimento da morte
do pai, em 29 de março de 1992, quando passava férias numa
estância de esqui em Lech, na Áustria. Estava preparada para
apanhar um avião sozinha de regresso a casa, deixando o Prín-
cipe Carlos com os filhos. Quando ele insistiu em regressar com
ela, frisou-lhe que era um bocadinho tarde para fazer o papel
de marido preocupado. Na sua dor, não quis fazer parte de um
esquema palaciano de relações públicas. Sentou-se no seu quar-
to de hotel, com o marido, o seu secretário particular e com o
porta-voz da imprensa aliados contra ela. Insistiram em que ele
deveria regressar com ela para o bem da sua imagem pública.
Diana recusou. Por fim, fizeram uma chamada telefónica para
a Rainha, que se encontrava no Castelo de Windsor, para que
arbitrasse esta cada vez mais amarga contenda. A Princesa sub-
meteu-se à sua decisão de que deveriam regressar a casa juntos.
No aeroporto foram devidamente recebidos pelos media ali re-
unidos, que noticiaram o facto de o Príncipe prestar o seu apoio
a Diana nesta hora de aflição. Na realidade, assim que o casal
chegou ao Palácio de Kensington, o Príncipe foi imediatamen-
te para Highgrove, deixando Diana a sós com a sua dor. Dois
dias mais tarde, a Princesa foi para o funeral de carro enquanto
Carlos para lá se encaminhava de helicóptero. O amigo a quem
Diana comentou o facto observou: «Ele regressou a casa com

294
ela apenas para o bem da sua imagem pública. Ela achava que
numa altura em que sofria a morte do pai podia, pelo menos,
ser-lhe dada a oportunidade de se comportar como queria em
vez de se obrigar a passar por toda esta fantochada.»
Como observou um amigo íntimo: «Ela parece temer a pre-
sença de Carlos. Os dias em que se sente mais feliz são aqueles
em que ele está na Escócia. Quando ele está no Palácio de Ken-
sington, sente-se completamente perdida, como uma criança,
de novo. Perde toda a segurança conquistada quando está so-
zinha.»
Nesta altura, as suas mudanças eram físicas. O modo de fa-
lar, normalmente rápido, enérgico, colorido e forte, transfor-
mava-se imediatamente quando Carlos estava com ela. A voz
de Diana tomava-se monossilábica e grave inundada por um
indiscritível cansaço. Era o mesmo tom de voz que afetava o seu
discurso quando falava do divórcio dos pais e daquilo a que ela
chama «o período negro», a época da sua vida no seio da realeza
até ao fim de 1980, durante a qual ela vivia emocionalmente
esmagada pelo Sistema Real.
Na presença de Carlos, voltava a ser a rapariga que fora uma
década antes. Soltava risadinhas por tudo e por nada, começa-
va a tamborilar com as unhas – um hábito que perdera havia
já algum tempo – e assumia o ar de uma corça perseguida e
nervosa. A tensão em casa quando estavam juntos era palpável.
Como observou Oonagh Toffolo: «O ambiente no Palácio de
Kensington é diferente quando ele está presente. É tenso e ela
está tensa. Não possui a liberdade que gostaria de possuir quan-
do está presente. É muito triste assistir a tal estagnação.» Uma
outra visita frequente chamava-lhe, simplesmente, «Uma Casa
de Loucos».
Quando o Príncipe chegou a casa de uma visita particular a
França, Diana achou a sua presença tão opressiva que literal-
mente fugiu do Palácio de Kensington. Telefonou a uma amiga

295
que chorava a morte de um ente querido. Percebeu que a amiga
estava a chorar e disse: «Está bem, vou aí imediatamente.» Como
a amiga recorda: «Chegou imediatamente mas mostrava-se vi-
sivelmente perturbada. Diana disse-me: “Estou aqui por ti mas
também estou por mim. O meu marido apareceu e eu simples-
mente tive de me escapar e vir embora.” Estava nervosíssima.»
Sempre que possível, viviam vidas separadas, unindo forças
apenas para manter uma fachada de unidade. Estes encontros
davam ao público apenas um vislumbre das isoladas existências.
Na final da taça de futebol, em Wembley, em 1991, sentaram-se
ao lado um do outro mas nunca trocaram uma palavra ou um
olhar durante os 90 minutos do jogo. Não muito tempo depois,
no final de um encontro de polo durante uma viagem à Índia,
Carlos falha o rosto da esposa e acaba a dar-lhe um beijo no
pescoço. Até o papel de carta de ambos, que costumava ser tim-
brado com um «C» e um «D» entrelaçados, foi posto de lado e
substituído por papel com cabeçalhos individuais.
Quando Diana estava no Palácio de Kensington Carlos cos-
tumava estar em Highgrove, ou em Birkhall, ou na proprieda-
de de Balmoral. Em Highgrove ela tinha uma enorme cama de
dossel no quarto maior; ele dormia numa cama de ferro que pe-
dira emprestada ao filho, o Príncipe William, porque achava a
sua largura extra mais confortável, depois de ter partido o braço
num jogo de polo. Até estas distantes disposições para dormir
geraram discórdias conjugais. Quando o Príncipe William pe-
diu a sua cama de volta, o pai recusou. «Às vezes não sei quem
é a criança nesta família», comentou Diana causticamente.
Os dias em que ela afetuosamente lhe chamava «Hubcap» ti-
nham acabado havia muito. Como comentou James Gilbey: «As
suas vidas passam-se em absoluto isolamento. Não é do estilo de
se telefonarem e de terem conversas simpáticas no fim da noite,
perguntando: “Querida, que tens feito?” Isso simplesmente não
acontece.»

296
Num almoço com uma amiga íntima que também era mãe de
três filhos, Diana contou um incidente que não apenas eviden-
ciava o estado do seu relacionamento com o marido na altura,
como também mostrava a natureza protetora do Príncipe Wil-
liam. Contou à amiga que a semana em que o Palácio de Buck-
ingham decidiu anunciar a separação do duque e da duquesa de
York foi, compreensivelmente, um período experimental para
ela. Perdera uma companhia amigável e estava perfeitamente
consciente de que a atenção do público recairia de novo sobre
o seu casamento. No entanto, o seu marido parecia indiferente
ao furor que rodeava a separação. Passara uma semana a visitar
diversas mansões, reunindo material para um livro sobre jar-
dinagem que estava a escrever. Quando regressou ao Palácio
de Kensington, não conseguiu compreender por que motivo
a sua esposa se sentia tão tensa e deprimida. Despediu-se ale-
gremente da duquesa de York e lançou, como habitualmente,
um comentário de desaprovação às obras públicas de Diana, em
particular à sua visita à madre Teresa de Calcutá, em Roma. Até
o seu pessoal, nessa altura já habituado a estas altercações, ficou
perturbado com a atitude e sentiu uma certa simpatia quando
Diana disse ao marido que, a menos que ele mudasse de atitude
para com ela e para com o seu trabalho, teria de reconsiderar a
sua posição. Em lágrimas, subiu as escadas para tomar um ba-
nho. Enquanto tentava recompor-se, o Príncipe William em-
purrou uma mão-cheia de lenços por debaixo da porta da casa
de banho. «Detesto ver-te triste», disse-lhe.
Diana sentia-se, todos os dias e de todas as maneiras, ator-
mentada com o dilema da sua posição, continuamente dividida
entre o seu sentido do dever para com a Rainha e para com a
Nação e o desejo de encontrar a felicidade que tanto almejava.
No entanto, para encontrar essa felicidade achava que teria de
se divorciar; se se divorciasse, preocupava-a o facto de inevita-
velmente perder os filhos, para quem vivera e que lhe causavam

297
tanta alegria. Ao mesmo tempo encarava a rejeição do público,
que desconhecia a verdadeira solidão da sua vida e aceitava a sua
imagem sorridente como toda a verdade. Era um argumento
cruelmente circular com infindáveis variações e permutas que
debatia regularmente com os seus amigos e conselheiros.
Os amigos assistiram à deterioração do seu casamento até ao
ponto de o transformar numa guerra sem qualquer clemência.
Em casa, os campos de batalha eram os filhos e a relação de Car-
los com Camilla Parker Bowles. Oficialmente, estas escaramu-
ças transpareciam nos seus desempenhos oficiais como Prínci-
pe e Princesa de Gales. Ela não lhe dava nada, ele oferecia-lhe
ainda menos. Diana tinha uma frase reservada para as suas mais
exacerbadas batalhas. «Lembra-te de que eu sou a mãe dos teus
filhos», dizia-lhe ela. Esta carapaça explodia durante os seus
confrontos sobre Camilla Parker Bowles.
Os cortesãos eram frequentemente apanhados neste fogo
cruzado. Enquanto o Príncipe recuperava depois da condenação
pública pelo seu comportamento aquando da fratura craniana
do Príncipe William, o seu secretário privado, o comandante
Richard Aylard, tentou fazer algumas correções. Numa nota es-
crita à mão, implorou ao Príncipe que fosse visto em público
com os filhos mais vezes para que pudesse passar a imagem de
pai responsável. A título de conclusão desta missiva, sublinhou a
vermelho uma única palavra escrita em maiúsculas: «TENTE».
O estratagema resultou durante uns tempos. O Príncipe foi
visto a levar o Príncipe Harry ao colégio Wetherby e foi foto-
grafado montando a cavalo e a andar de bicicleta com os filhos
na propriedade de Sandringham. Mas o modesto êxito de Ri-
chard Aylard nestas relações públicas foi visto como uma hi-
pocrisia cínica pela Princesa, que conhecia a realidade diária do
seu envolvimento com os filhos.
James Gilbey explicou: «Ela considera-o um mau pai, um pai
egoísta; as crianças têm de se adaptar ao que ele está a fazer.

298
Ele nunca adia, cancela ou altera o que quer que seja que esteja
planeado para seu proveito. É um reflexo do modo como foi
educado, e a história repete-se. É por isso que ela fica tão triste
quando ele é fotografado a montar a cavalo com os filhos em
Sandringham. Quando falei com ela sobre isso, Diana estava
a tentar conter a sua raiva porque pensava que as fotografias
iriam mostrar como ele era um bom pai quando só ela conhecia
a verdadeira história.»
Como as famílias monoparentais são superprotetoras, Diana
inundava William e Harry de amor, abraços e afeto. Eles eram
um foco de estabilidade e de sanidade no seu mundo de altos e
baixos. Amava-os incondicionalmente e em absoluto, fazendo
tudo com o único propósito de se assegurar de que eles não vi-
riam a sofrer do mesmo tipo de infância de que ela sofrera.
Era Diana quem escolhia as escolas, as roupas e quem pla-
neava as saídas. Um olhar pelas páginas da sua agenda oficial
diz-nos muito: as datas das peças de teatro da escola, férias es-
colares e excursões – tudo assinalado a verde. Eles estavam em
primeiro lugar e acima de tudo na sua vida. Portanto, enquanto
Carlos enviaria um empregado à Ludgrove School para entre-
gar a William um cesto de ameixas da propriedade de Highgro-
ve, Diana arranjaria tempo para o incitar da bancada quando
ele jogava futebol como defesa esquerdo pela equipa do colégio.
Embora as ausências de Carlos fossem aceites pelos rapazes, ha-
via, naturalmente, alturas em que se mostravam mais desejosos
de ver o pai. Durante a sua convalescença, depois de ter partido
o braço direito, Carlos passou muito tempo na Escócia, para
grande desgosto do Príncipe William. Diana transmitiu a sua
mágoa ao marido, que resultou no facto de o Príncipe começar
a enviar ao filho faxes escritos à mão relatando-lhe as suas ac-
tividades.
A amizade de Diana com o capitão James Hewitt, que pro-
vocou comentários nos media, floresceu precisamente porque

299
ele representava para os rapazes uma popular figura de «tio».
Hewitt era um talentoso jogador de polo com o lacónico sen-
tido de humor e a reserva características de um ídolo cinema-
tográfico de 1930, que ensinava as melhores técnicas da equi-
tação a William e a Harry durante as suas visitas a Highgrove,
e ajudava Diana a ultrapassar a sua relutância em aperfeiçoar
a sua perícia de amazona. É um homem de grande charme que
providenciou a Diana um companheirismo divertido e agradá-
vel num momento em que ela necessitava de um ombro onde
se apoiar em virtude do total desprezo do marido. Durante a
sua amizade – que, como ela mais tarde admitiu, desembocou
num namoro apaixonado –, Diana ajudou-o a escolher a roupa
e comprou-lhe alguns presentes de muito bom gosto. A Prin-
cesa visitou algumas vezes a residência da sua família, em De-
von, onde foi recebida pelos pais dele enquanto os rapazes iam
montar a cavalo com o capitão Hewitt. Diana considerava estes
interlúdios de fim-de-semana uma pausa de tranquilidade na
sua vida agitada.
Durante algum tempo, Hewitt foi uma figura importante na
vida de Diana. A distância que então separava o casal real ficava
patente no facto de organizarem batalhões de amigos rivais que
os apoiassem. Assim, a Princesa partilhava as mágoas a respeito
do marido com uma escassa falange de amigos que incluía a sua
antiga companheira de quarto Carolyn Bartholomew, Angela
Serota, Catherine Soames, o duque e a duquesa de Devonshire,
Lúcia Flecha de Lima, esposa do então embaixador do Brasil,
a sua irmã Jane, que vivia a poucos metros do apartamento de
Diana, e Mara e Lorenzo Berni. Havia outros amigos, como Ju-
lia Samuel, Julia Dodd-Noble, David Waterhouse e o famoso
actor Terence Stamp, com quem se encontraria para um almo-
ço no seu apartamento londrino, mas tratava-se de amigos de
âmbito social que se opunham aos confidentes que ela procura-
va para ouvir um conselho no seu eterno dilema.

300
Do seu lado, o Príncipe Carlos contava com Andrew e Ca-
milla Parker Bowles; a irmã de Camilla, Annabel, e o seu ma-
rido Simon Elliot; amigos do esqui como Charles e Patti Pal-
mer-Tomkinson; o conservador MP Nicholas Soames; o autor
Laurens van der Post; Lady Susan Hussey, uma antiga aia da
Rainha, lorde e Lady Tryron, bem como o casal holandês Hugh
e Emilie van Cutsem.
Diana referia-se a eles com desprezo como «O Grupo de
Highgrove». Cortejavam o marido e teciam-lhe a ela falsos elo-
gios, aliando-se incondicionalmente em relação ao futuro do
seu casamento, aos filhos e à sua vida dentro da Família Real.
Como resultado, as amizades estabelecidas como relações do
Príncipe e da Princesa degeneraram. Diana, uma vez, descreveu
Emilie van Cutsem, uma antiga campeã de golfe, como sendo
a sua melhor amiga. Inevitavelmente, a suspeita era enorme.
Quando Van Cutsem ofereceu um jantar a Carlos e ao seu cír-
culo no restaurante Covent Garden, mesmo antes do Natal de
1991, a Princesa suspeitou bastante de que a data havia sido
escolhida porque ela possuía um compromisso marcado havia
muito tempo e não poderia comparecer.
A semana do 30.° aniversário da Princesa, em 1991, tornou
evidente que os amigos se tinham envolvido na rivalidade exis-
tente entre o casal. No dia em que uma sondagem nacional re-
velou que Diana era o mais popular membro da Família Real,
recebeu uma bofetada pública no rosto quando uma história,
publicada na primeira página do Daily Mail, revelava que a
Princesa recusara a oferta do marido de uma festa de aniversá-
rio em Highgrove. A implicação evidente, apoiada por citações
de amigos do Príncipe, era a de que ela estava a comportar-se
de forma muito pouco razoável. Quando o Príncipe primeira-
mente sugeriu esta festa, a guerra do Golfo estava em pleno cur-
so. Diana considerava completamente frívolo planear tal festa
numa altura em que as tropas inglesas estavam envolvidas na

301
guerra. Por outro lado, como os amigos bem sabiam, uma festa
em Highgrove com a maioria dos amigos de Carlos dificilmente
corresponderia à sua ideia de divertimento.
As conclusões lógicas a tirar deste artigo de jornal eram as
de que o Príncipe se queixara da mulher aos amigos, que, por
sua vez, decidiram agir em defesa dele. Embora o marido te-
nha protestado aclamando a sua inocência, este episódio lançou
uma sombra sobre o seu aniversário, que acabou por ser discre-
tamente celebrado com a irmã Jane e com as crianças, assinalan-
do uma deterioração significativa na relação do casal real.
Esta publicidade adversa obrigou a uma reaproximação públi-
ca do casal. O Príncipe alterou a sua agenda de modo a poder
comparecer com a esposa em diversos compromissos públicos,
inclusive num concerto no Royal Albert Hall, tal como o fez
para passar pelo menos parte do 10.° aniversário de casamento
em conjunto de modo a aplacar os media. Era demasiado força-
do e durou apenas coisa de umas semanas antes de a verdade
saltar. A sua total separação sintetizada na presença do hostil
«Grupo de Highgrove» foi literalmente formalizada. Mas os
amigos de Carlos não eram o único motivo que lhe fazia sentir
relutância pela sua terra natal. Referia-se às suas viagens à casa
de Gloucestershire como «um regresso à prisão» e raramen-
te convidava a sua família ou os seus amigos. Como afirmou
James Gilbey: «Ela não gosta de Highgrove. Sente Camilla ali
mesmo ao fim da rua e, por muito que se esforce, nunca a sente
verdadeiramente como a sua casa.»
Diana sentiu uma pequena satisfação quando um jornal fez
um relatório minucioso das entradas e saídas de Camilla, re-
ferindo-se até à carrinha Ford não identificada que o Príncipe
costumava conduzir nos 20 quilómetros que o separavam de
Middlewick House. Isto foi depois confirmado por um antigo
polícia de Highgrove, Andrew Jacques, que vendeu a história a
um jornal nacional. «A Sra. Parker Bowles é seguramente uma

302
figura mais presente na vida do Príncipe em Highgrove que a
Princesa Di», defendeu; ponto de vista, aliás, partilhado por
muitos dos amigos de Diana.
Quem era, então, a mulher que exaltava os sentimentos de
Diana? Desde que fotografias de Camilla caíram da agenda do
Príncipe Carlos durante a sua lua-de-mel, a Princesa de Gales
albergou todos os tipos de suspeição, ressentimento e ciúme a
respeito da mulher que o marido amara e perdera nos seus tem-
pos de solteiro. Camilla provém de uma sólida linhagem com
inúmeras raízes na aristocracia. É filha do major Bruce Shand,
um bem sucedido comerciante de vinho, mestre dos Foxhounds
e lorde vice-tenente do East Sussex. O seu irmão, que morreu
em 2014, é o aventureiro e autor Mark Shand, que foi a certa
altura companheiro de Bianca Jagger e da modelo Marie Hel-
vin, antes de se casar com Clio Goldsmith, sobrinha de um mi-
lionário empresário de produtos alimentares, o falecido James
Goldsmith. Camilla é familiar de Lady Elspeth Howe, esposa do
lorde Howe, antigo chanceler do Exchequer, e do milionário
construtor civil lorde Ashcombe. A sua bisavó foi Alice Keppel,
durante muitos anos amante de Eduardo VII. Era casada com
um oficial do exército em funções, e uma vez afirmou que a sua
tarefa era «primeiro fazer uma vénia, e em seguida saltar para
a cama».
Nos seus tempos de solteiro, Andrew Parker Bowles, paren-
te dos condes de Derby e do duque de Marlborough, era um
elegante e popular acompanhante entre as debutantes da so-
ciedade. Antes do seu casamento, na Guards Chapel, em julho
de 1973, o encantador oficial de cavalaria era a companhia da
Princesa Ana e de Charlotte, a neta de Sir Winston Churchill.
Como antigo brigadeiro, detinha o extraordinário título do
«Silver Stick in Waiting to the Queen» e era nesta qualidade
que lhe competia a organização da parada da celebração do 90.°
aniversário da Rainha-Mãe.

303
Carlos conheceu Camilla em 1972 quando se encontrava ao
serviço da Marinha e ela saía com o seu amigo do polo, An-
drew Parker Bowles, então capitão da Cavalaria. Ficou ime-
diatamente impressionado com a vivacidade daquela jovem
mulher que partilhava a sua paixão pela caça e pelo polo. De
acordo com Penny Junor, biógrafo do Príncipe, apaixonou-se
profundamente por Camilla. «Ela estava apaixonada por ele e
teria casado num piscar de olhos. Infelizmente, ele nunca a pe-
diu em casamento. Vacilou, resguardou-se e não conseguiu re-
sistir ao encanto de outra mulher, até que Camilla desistiu dele.
Só quando ela se foi irremediavelmente embora o Príncipe se
apercebeu do que perdera.»
Diana frequentemente confessava a James Gilbey as suas
preocupações a respeito de Camilla. Ele oferecia-lhe uma aten-
ção compreensiva de cada vez que Diana exprimia os seus sen-
timentos de raiva e angústia acerca de Camilla. Gilbey disse um
dia que ela se sentia incapaz de esquecer a antiga relação que
Camilla desfrutara com o Príncipe. «Em consequência, o seu
casamento é uma farsa. Só o pensar em Camilla põe-na furiosa.
Eu compreendo. Quer dizer, que diabo faz aquela mulher den-
tro da sua própria casa? Isto é a maior injustiça desta história.»
Gilbey, um executivo do setor automóvel, conhecia Diana
desde os 17 anos, mas tornou-se muito mais íntimo quando se
encontraram numa festa oferecida por Julia Samuel. Conversa-
ram durante toda a noite acerca das suas vidas amorosas – ele
sobre o seu romance falhado; ela sobre o desfalecimento do seu
casamento. Uma das conversas telefónicas que nesta altura en-
cetavam, noite dentro, sobre os seus problemas amorosos to-
mar-se-ia, mais tarde, embaraçosamente pública. As chamadas
fitas do Squidgygate revelaram que Gilbey e a Princesa eram
mais do que amigos. Contudo, no verão de 1989 ela esforçou-se
por conquistar o marido de volta, forçando-o a romper com
o «Grupo de Highgrove». Gilbey recorda: «Havia um enorme

304
orgulho em jogo. O seu sentimento de rejeição por parte do
marido e do Sistema Real era notório.»
Nessa altura, andava a ser pressionada pela sua própria fa-
mília e pela Família Real para que tentasse um novo começo.
Diana chegou até a aceitar que outro bebé poderia solucionar o
problema. No entanto, o seu ramo de oliveira foi recebido com
a indiferença que caracterizava a relação; numa altura em que
a onda de raiva, frustração, orgulho ferido e sentimento de re-
jeição ameaçava submergi-la. Quando o Príncipe se encontrava
em convalescença do seu braço partido, em 1990, passou os dias
em Highgrove ou em Balmoral, onde Camilla Parker Bowles
era visita regular. Diana permaneceu no Palácio de Kensington,
não desejada, não amada e humilhada. Confidenciou os seus
sentimentos a Gilbey: «James, estou tão farta disto! Se deixo
que isto me atinja ainda fico mais perturbada. Portanto, a única
coisa a fazer é envolver-me no meu trabalho; conseguir sair. Se
eu parar para pensar, endoideço.»
Como observou um amigo comum que testemunhou o gra-
dual afastamento do casal: «Não podemos culpar Diana pela
raiva que ela deve sentir, dado o facto de o seu marido pare-
cer ter esta duradoira amizade com outra mulher. O casamento
está já demasiado deteriorado para que ela o consiga recuperar.
É demasiado tarde.»
No início de 1990, Diana recuperou a sua autoconfiança, e
uma mudança nas suas prioridades, combinada com um bom
aconselhamento, atenuou a raiva que sentia para com Camilla. À
medida que o casamento se desmoronava, começou a ver Camil-
la como uma figura menos ameaçadora e mais como um meio
útil de manter o marido fora da sua vida. Mesmo assim, ainda
havia momentos em que sentia a indiferença de Carlos como
profundamente dolorosa. Quando Camilla e o marido se jun-
taram ao Príncipe numa viagem à Turquia, pouco tempo antes
do seu acidente de polo, Diana não se queixou tanto quanto se

305
aborreceu, cerrando os dentes, com as visitas regulares de Ca-
milla a Balmoral e a Sandringham. Quando Carlos apanhou um
avião para Itália no ano anterior numas férias planeadas, os ami-
gos de Diana repararam que Camilla ficava instalada numa outra
casa, a muito pouca distância. Quando regressou, a Sr.ª Parker
Bowles deixou bem claro que quaisquer sugestões de indecoro
seriam absurdas. Durante umas raras férias de verão familiares,
quando o Príncipe, a Princesa e os filhos se juntaram a outros
convidados no iate de um milionário grego, Diana notou que o
marido se manteve em contacto com Camilla por telefone.
Encontrar-se-iam socialmente em diversas ocasiões, mas
não havia qualquer amor perdido entre estas duas mulheres,
encerradas neste eterno triângulo de rivalidade. Nestas ocasiões
viam-se aflitas para se evitar uma à outra. Diana desenvolveu a
técnica de localizar Camilla em público, tão rapidamente quan-
to possível e, em seguida, dependendo do seu estado de espí-
rito, observava Carlos quando este olhava na direção dela ou
simplesmente fugia do seu olhar fixo. «Era um jogo mórbido»,
confessou a um amigo. Dias antes do concerto na Catedral de
Salisbury para recolha de fundos, Diana soubera que Camilla
iria estar presente. Desabafou a sua frustração em conversas
com amigos, de modo que, no dia do evento, estava preparada
para observar o contacto visual entre Carlos e Camilla com al-
gum divertimento.
Em dezembro de 1991, todos aqueles anos de emoção repri-
mida eclodiram durante a cerimónia fúnebre de Leonora Knat-
chbull, a filha de seis anos de lorde e Lady Romsey, que morrera
de cancro. Quando Diana abandonou a cerimónia, celebrada no
Palácio de St. James, foi fotografada em lágrimas. Chorava de
dor mas também de raiva. Diana estava perturbada pelo facto de
Camilla Parker Bowles, que apenas havia pouco tempo conhe-
cera a família Romsey, também estar presente num momento
tão íntimo como o desta cerimónia familiar. Foi um ponto de

306
vista que defendeu perante o marido quando regressaram ao
Palácio de Kensington na sua limousine com chauffeur. Quando
aí chegaram, a Princesa sentia-se tão perturbada, que ignorou a
festa de Natal do pessoal, que então decorria plenamente, e cor-
reu para a sua saleta a fim de recuperar a compostura. Diploma-
ticamente, Peter Westmacott, o secretário particular dos Prín-
cipes de Gales, enviou o guarda-costas de Diana, Ken Wharfe,
para a ajudar a acalmar.
O incidente na cerimónia fúnebre trouxe à superfície o seu
ressentimento em relação à forma como era tratada pela realeza
e a charada da vida no Palácio de Kensington. Pouco tempo de-
pois, expressou essa raiva e essa frustração a um amigo íntimo.
Deixou bem claro que o seu sentido do dever a impelia a cum-
prir as suas obrigações como Princesa de Gales, mas que as difi-
culdades da sua vida privada a levavam a considerar seriamen-
te a hipótese de abandonar a Família Real. Ainda havia alguns
amigos que, entre as ruínas da sua relação, achavam que a raiva
e o ciúme de Diana pelo marido eram um reflexo do seu ínti-
mo desejo de o reconquistar. Mas esses observadores estavam
em minoria. A maioria sentia-se muito pessimista quanto ao
futuro. Oonagh Toffolo observou: «Eu tinha grandes esperan-
ças até há um ano; agora não tenho esperança absolutamente
nenhuma. Seria preciso um milagre. É uma pena que estas duas
pessoas com tanto que têm para dar ao mundo não se consigam
dar uma à outra.»
Uma conclusão semelhante foi alcançada por uma amiga que
discutiu, com alguma profundidade, os problemas de Diana
com ela: «Se ele tivesse cumprido o seu papel nos primeiros
tempos tendo e demonstrado a devida preocupação pela esposa,
teriam agora muito mais em comum. No entanto, chegaram a
um ponto sem retorno.»
As palavras «não há esperança» eram frequentemente repe-
tidas quando os amigos falavam da vida conjunta dos Prínci-

307
pes de Gales. Como afirmou uma das suas mais íntimas amigas:
«Ela superou com êxito todos os desafios que lhe surgiram pro-
fissionalmente e transformou a sua vida pública numa arte. Mas
a questão central é Diana não se sentir completamente realizada
como mulher porque não possui uma relação com o marido.»
O conflito e a suspeição contínuos da sua vida privada colo-
riram o seu trabalho público. Nominalmente, a Princesa e o
Príncipe formavam uma sociedade mas, na realidade, agiam
independentemente, mais como diretores executivos de duas
empresas rivais. Como afirmou um antigo membro da Casa de
Gales: «Rapidamente se aprende de que lado estamos – se do
dela ou do dele. Não há meio termo. Existe uma linha imaginá-
ria que os cortesãos podem atravessar uma ou duas vezes. Mas,
se a atravessarmos demasiadas vezes, somos excluídos. Não há
uma base para uma carreira estável.»
Sentimentos semelhantes foram expressos pelo pequeno ba-
talhão de executivos que passou pelo Palácio de Kensington. Em
1992, David Archibald, diretor financeiro do Príncipe, conheci-
do como o fiscal, demitiu-se abruptamente. O pessoal dos dois
gabinetes achou que o motivo principal que o levava a aban-
donar funções era a atmosfera de mútua desconfiança e ciúme
entre os dois gabinetes adversários. Como sempre, o Príncipe
de Gales, descrito como «o pior patrão da Grã-Bretanha», cul-
pou o departamento da mulher. Archibald tinha bons motivos
para atirar ao chão a toalha. A rivalidade entre Carlos e Diana
variava entre o mesquinho e o patético. O seu primeiro sinal
público foi a altura em que, no mesmo dia, os dois fizeram im-
portantes discursos: Carlos sobre educação, e Diana sobre sida.
Um, inevitavelmente, roubou impacto ao outro, e este tipo de
comportamento fazia parte de um interminável ciclo. Quando
o casal regressou de uma viagem conjunta ao Canadá, em 1991,
a Princesa escreveu uma série de cartas de agradecimento às di-
versas organizações de caridade e governamentais que haviam

308
organizado a viagem. Quando as passaram ao marido para que
ele pudesse acrescentar os seus próprios sentimentos, pegou em
cada uma das cartas e riscou todas as referências a «nós» e subs-
tituiu-as por «eu», antes de se preparar para as assinar.
Esta não era uma ocorrência fora do habitual. Em janeiro de
1992, quando o Príncipe enviou um ramo de flores à madre
Teresa de Calcutá, que se encontrava a recuperar de problemas
de coração, ordenou ao seu secretário particular Richard Aylard
que se certificasse de que elas eram enviadas exclusivamente em
seu nome e não em nome de ambos. Pouco importou. Diana
conseguiu um encontro especial viajando de avião até ao hospi-
tal em Roma para ver a mulher que tanto admirava. Mais uma
vez, durante uma visita conjunta do casal previamente agenda-
da à Índia, em fevereiro de 1992, sentiu-se que Diana se deveria
concentrar nos temas em torno da promoção do planeamento
familiar. «Creio que iremos alterar o seu perfil da questão da
sida para o tema do planeamento familiar», observou um diplo-
mata que ficara impressionado com o seu desempenho no Pa-
quistão. Quando consultaram o Príncipe Carlos a respeito desta
ideia, este queixou-se de que queria ser ele a tratar este assunto
em particular. Desta vez, Diana ordenou à equipa que ignoras-
se o «menino mimado». Como afirmou uma das amigas mais
íntimas: «Era tempo de ele começar a vê-la como um trunfo,
não como uma ameaça, e de a aceitar como uma companheira
em paridade consigo próprio. Neste momento, a sua posição
dentro da organização está muito isolada.»
As consultas entre o casal eram invariavelmente geradoras
de antagonismos e de um ambiente de recriminações mútuas.
Era tão pouco habitual terem uma discussão calma acerca dos
problemas que, quando o Príncipe se aproximou de Diana para
analisarem um relatório confidencial, preparado por um dos
mais velhos membros da corte, acerca dos abusos do pessoal no
uso do nome real, a Princesa, habituada à indiferença da corte,

309
ficou genuinamente surpreendida. Havia a preocupação de que
o nome real e o papel timbrado dos Príncipes estivesse a ser
usado para a aquisição de descontos em roupas, em bilhetes de
teatro e outras benesses. Embora o assunto necessitasse de ser
tratado com cautela, o aspecto mais surpreendente deste episó-
dio foi a ligação entre o Príncipe e a Princesa.
Apesar de as suas relações de trabalho estarem normalmen-
te impregnadas de uma atmosfera de ressentimentos de intri-
ga e competitividade, Diana ainda sentia que possuía alguma
responsabilidade em relação ao marido. Quando ele voltou ao
desempenho das suas funções oficiais, em 1991, depois da lenta
recuperação da fratura no braço, tencionava levar a cabo uma
bizarra «demonstração» em resposta às intensas especulações
que circulavam sobre a sua lesão. Instruiu o seu pessoal para
que lhe encontrassem um braço falso com um gancho na ponta,
de modo que pudesse aparecer em público como um verdadei-
ro Capitão Gancho. Diana foi consultada pelos cortesãos mais
velhos, que ficaram preocupados com a eventualidade de Carlos
vir a fazer figura de tolo. Sugeriu que lhe arranjassem o braço
falso mas que, depois, imediatamente antes da sua saída para a
consulta em Harley Street, aquele fosse convenientemente per-
dido. Embora Carlos tivesse ficado aborrecido com o subterfú-
gio, a sua equipa ficou aliviada com o facto de a sua dignidade
ter sido preservada graças à pronta intervenção de Diana.
Seria um erro assumir que a concorrência entre o Príncipe e
Princesa de Gales se desenrolava em igualdade de circunstân-
cias. A Princesa pode ter sido a maior atração da imprensa e do
público, mas dentro das paredes do palácio ela estava depen-
dente dos rendimentos do Ducado da Cornualha, controlados
pelo marido, para financiar o seu gabinete pessoal, e o seu es-
tatuto menor dentro da hierarquia real significava que Carlos
teria sempre a última palavra. Tudo o que dizia respeito à sua
presença nos compromissos agendados, à composição das via-

310
gens do casal ao estrangeiro e à estrutura do gabinete era, em
última instância, decidido pelo Príncipe de Gales. Quando ela
sugeriu criar o «Fundo Princesa de Gales» a fim de angariar
dinheiro para as suas diversas obras de caridade, Carlos recu-
sou-se a apoiar a ideia, sabendo que isso lhe iria retirar a glória
e o dinheiro do seu próprio fundo de caridade.
Durante a guerra do Golfo, Diana e a sua cunhada, a Princesa
real, tiveram a ideia de visitar as tropas britânicas estacionadas
no teatro das operações, na Arábia Saudita. Planearam apanhar
um avião juntas e estavam ansiosas por andar de tanque pelo
deserto e por se encontrarem com os homens de caqui. Con-
tudo, o secretário particular da Rainha. Sir Robert Fellowes,
interveio. O esquema foi posto de lado quando se pensou que
seria mais apropriada a visita de um representante mais velho
da Família Real. Assim, o Príncipe Carlos partiu para o Golfo,
enquanto a Princesa de Gales foi designada para a missão de
apoio de viajar até à Alemanha, a fim de se encontrar com as
mulheres e os restantes familiares das tropas.
O constante espicaçar nas suas relações de trabalho era acom-
panhado por um manto de secretismo que os quartéis-generais
atiravam para cima das operações rivais. Diana teve de usar toda
a sua astúcia para arrancar informações do gabinete do marido
antes de viajar para o Paquistão, na sua primeira grande viagem
como figura individual ao estrangeiro, em 1991. Devia parar
em Omã, onde o Príncipe tentava persuadir o sultão a reunir
os fundos necessários para a construção de uma faculdade de
arquitetura. Curiosa por natureza, Diana quis saber mais, mas
percebeu que uma abordagem direta ao Príncipe Carlos ou aos
seus conselheiros mais antigos teria como consequência uma
resposta nebulosa. Em vez disso, escreveu uma pequena nota
ao secretário particular do Príncipe, o comandante Richard
Aylard, e perguntou-lhe inocentemente se não teria, por acaso,
umas notas informativas que ela necessitasse de consultar para

311
a sua breve paragem em Omã. O resultado foi que, como Diana
viajava sob a alçada do Departamento dos Negócios Estrangei-
ros, o Príncipe foi obrigado a mostrar o seu jogo.
Neste ambiente de ameaçadora suspeita, o segredo era com-
panhia constante e necessária. Cautela era a sua palavra de or-
dem. Havia muitos olhos e ouvidos bem como câmaras de vídeo
da polícia para captar o som das vozes iradas ou para vislumbrar
a presença de uma visita pouco familiar. As línguas agitavam-
-se, e as histórias circulavam com uma eletrificante eficácia. Por
esse motivo, quando procurou informação sobre a bulimia, es-
condeu os livros do alcance de eventuais olhares curiosos. Atre-
veu-se a não levar para casa as gravações das suas previsões as-
trológicas e evitou a leitura da revista satírica Private Eye, com o
seu perverso e preciso retrato do marido, não fosse o caso atrair
comentários desagradáveis. O telefone era a sua vida, e passava
horas a conversar com os amigos: «Desculpa o barulho, estava
a tentar colocar a minha tiara», respondeu a um desconcertado
amigo.
Ela era uma refém da sorte, cativa da sua imagem pública,
limitada pela constitucional circunstância da sua posição única
como Princesa de Gales e prisioneira da rotina diária. Os ami-
gos referiam-se ao seu acrónimo PDG como significando «pri-
sioneira de guerra»2. Na verdade, a enjoativa claustrofobia da
vida real serviu apenas para exacerbar o seu genuíno pavor a
ambientes fechados. Isto começou em 1991, quando foi ao Hos-
pital Nacional para fazer uma ressonância magnética porque os
seus médicos desconfiaram de que pudesse ter uma excrescên-
cia cervical, um tumor benigno que frequentemente apanha os
nervos por baixo da omoplata. Tal como muitos pacientes, uma
vez dentro da máquina para ser examinada, sentiu-se apavo-

2 No original POW (Princess of Wales), sigla que em inglês remete para a ex-
pressão «Prisoner of War», que significa, precisamente, «prisioneira de guerra».
(N. da T.)

312
rada e teve de ser acalmada com um tranquilizante. Significa
isto que, uma operação que deveria ter demorado 15 minutos,
demorou duas horas.
Começou a enviar velas aromáticas, em vez de cartas, como
forma de agradecimento a todos os que lhe haviam facultado
bens e serviços evitando que as suas bem intencionadas notas
caíssem em mãos erradas. Mais uma vez, antes de ir à Áustria
esquiar, em 1992, com os filhos e os amigos Catherine Soames
e David Linley, torturou-se com a ideia de convidar o major
David Waterhouse. Ela havia-o consolado no funeral da mãe,
em janeiro, e achou que umas férias o ajudariam a ultrapassar a
perda da mãe. No entanto, Diana, que tinha sido vista regular-
mente na sua companhia, preocupou-se com a eventualidade
de se fazer interpretações erradas a respeito da sua presença e
que, como resultado, a sua própria vida fosse colocada debaixo
de uma injusta vigilância. Por isso, não o convidou. Embora os
filhos lhe dessem uma imensa alegria, também sabia que eles
eram o seu passaporte para o mundo exterior. Podia levá-los ao
teatro, ao cinema e aos parques sem suscitar comentários ad-
versos dos media. No entanto, eram também uma desvantagem.
Quando levou o Príncipe Harry com um grupo de amigos para
verem Jason Danovan no musical Joseph and the Amazing Tecni-
color Dreamcoat, a Princesa teve de se fazer passar despercebida
à porta da casa de banho dos homens, durante o intervalo, es-
perando que as crianças se despachassem.
Tinha de conduzir a sua vida social com cuidado. Embora
Carlos tivesse conseguido conduzir a sua vida privada de forma
recatada durante anos, Diana tinha perfeita consciência de que,
sempre que fosse vista com um homem não comprometido, por
mais inocente que fosse, apareceria nos cabeçalhos das primei-
ras páginas dos jornais, tal como acontecera quando passara o
fim-de-semana na casa de campo dos pais de Philip Dunne. Não
havia tempo para nada. Teve de cancelar um encontro para um

313
almoço com o seu amigo Terence Stamp porque foi avisada de
que o seu apartamento na Albany estava a ser vigiado por fotó-
grafos de jornais.
Os inimigos internos de Diana eram os cortesãos que obser-
vavam e julgavam todos os seus movimentos. Se era a estrela
da moda do espetáculo de Windsor, então os cortesãos mais
antigos eram os produtores que flutuavam atrás de si à espera
da oportunidade de criticar todos os seus deslizes. Quando pas-
sou três dias com a mãe em Itália, era levada a todo o lado por
António Pezzo, um elegante membro da família sua anfitriã.
Quando se despediu dele, deu-lhe impulsivamente um beijo no
rosto. Foi advertida por esse gesto, tal como foi repreendida
pelo facto de ter elogiado o modo como o primeiro-ministro
John Major se comportara durante a guerra do Golfo. Tratara-
-se de uma reação humana para com a difícil posição do novo
primeiro-ministro, mas o secretário particular da Rainha, Sir
Robert Fellowes, achou a observação suficientemente política
para poder vir a ser alvo de desfavoráveis comentários.
A mais pequena falha no seu comportamento era motivo de
queixa. Depois da estreia de um filme, a Princesa foi a uma festa
onde pôde levar a cabo uma longa conversa com Liza Minnelli.
Na manhã seguinte, foi-lhe dito que tais ocasiões não eram para
esse efeito. A festa, contudo, teve um resultado positivo. Diana
sentiu afinidade com a estrela de Hollywood que falou durante
muito tempo acerca da sua vida difícil e simplesmente lhe con-
fessou que, quando se sentia em baixo, pensava em Diana, e que
tal pensamento a ajudava a suportar. Foi uma conversa muito
emocionante e muito honesta entre duas mulheres que muito
haviam sofrido na vida, e estabeleceu a base da sua amizade à
distância.
Pouco seria de admirar que a Princesa, confiante por natu-
reza, confiasse em tão poucos no sistema da realeza. Abria a
maioria do seu correio de manhã, voltando da piscina, regres-

314
sava ao Palácio de Buckingham, para que pudesse medir, em
primeira mão, a opinião do público em geral. Isso queria dizer
que ela não confiava no cauteloso filtro do seu pessoal. Este mé-
todo facultou-lhe diversas satisfações. Uma carta de um pai cujo
filho estava a morrer com sida tocou-a particularmente. Antes
de morrer, o último desejo do rapaz era conhecer a Princesa
de Gales. O pai escreveu a Diana em junho de 1991, mas com
muito poucas esperanças. Depois de ler o seu pedido, a Princesa
arranjou pessoalmente um modo de que aquele filho pudesse
estar presente em Londres, num alojamento para doentes de
sida gerido pelo Lighthouse Trust e onde estava prevista uma
visita sua. O seu gesto atencioso tornou realidade uma última
vontade. Se a carta tivesse seguido o percurso normal, a família
teria provavelmente recebido uma carta simpática mas descom-
prometedora, escrita por qualquer dama de companhia.
Tal não era a sua falta de confiança nestas tradicionais aju-
dantes da realeza, cujos deveres consistiam em acompanhá-la
nos compromissos públicos e proceder a determinadas tarefas
administrativas, que elas foram sendo progressivamente ajus-
tadas. Empregou a irmã mais velha, Sarah, para estas funções
– ela acompanhou a Princesa a Budapeste, na Hungria, numa
visita oficial, em março de 1992 –, e iria com ela naquilo a que
chamava os seus dias de «escape» por sua conta. Como uma
amiga observou: «Tinha estas terríveis discussões com as suas
damas de companhia, particularmente com Anne Beckwith-
-Smith (a sua secretária particular a tempo inteiro). Sentia que
a estavam a segurar, tornando-se demasiado protetoras e muito
integradas no sistema.»
Em sua substituição, preferia consultar os que eram tan-
genciais ao sistema. De vez em quando telefonava para casa do
major-general Sir Christopher Airey, em Devon, para se acon-
selhar. Airey, que fora abruptamente despedido da função de
secretário particular do Príncipe, em 1991, conhecia bem as

315
maquinações do sistema para poder guiar a sua sensibilidade.
Durante algum tempo, Jimmy Savile ajudou-a a atenuar a sua
imagem pública, enquanto Terence Stamp lhe facultou uma
orientação geral nos seus discursos. Também confiava numa
série de conselheiros não oficiais, que preferiram permanecer
anónimos, para sondar ideias e problemas. Eles poliam-lhe os
discursos, aconselhavam-na em problemas triviais e avisavam-
-na de eventuais momentos difíceis em termos publicitários.
Diana sentia-se atraída pelos de fora precisamente por se sen-
tir tão alheada do Sistema Real. Como afirmou James Gilbey:
«Entende-se muito melhor com eles do que com os homens de
cinzento, porque eles (os homens de cinzento) estão empenha-
dos em preservar um sistema que ela considera ultrapassado.
Há aqui um confronto natural. Eles tentam manter algo que ela
tenta ultrapassar.» O seu astrólogo Felix Lyle observou: «Diana
possui um moral elevado e um otimismo que é facilmente der-
rubado. Dominada pelos que possuem uma personalidade forte,
ainda não detém a autoconfiança suficiente para dominar o sis-
tema.»
Era um ponto de vista partilhado por outro amigo, que afir-
mou: «Tudo o que dizia respeito à vida real aterrorizava-a.
Eles não lhe deram nenhuma confiança nem qualquer apoio.»
À medida que a autoconfiança se ia desenvolvendo, começou
a compreender que não conseguiria alcançar o seu verdadeiro
potencial dentro das restrições existentes na realeza. Confessou
aos amigos: «Dentro do sistema eu era tratada de modo muito
diferente, como se fosse uma excêntrica. Eu achava que não era
suficientemente boa. Agora, graças a Deus, considero normal
ser diferente.»
Diana vivia uma duplicidade confusa, celebrada pelo público
mas observada por um duvidoso e frequente silêncio ciumento
por parte do marido e do resto da família. O mundo pensou
que ela se livrara da imagem fora de moda da Casa de Windsor,

316
mas dentro da Família Real, erguida sobre valores de domínio,
distância e formalidade, era vista como uma intrusa e como um
problema. Era sensível, emocional, delicadamente irreveren-
te e espontânea. Para uma imperturbável instituição de luvas
brancas com um enorme letreiro «Não Tocar» pendurado na
sua coroa, a Princesa de Gales constituía uma ameaça. A expe-
riência havia-a ensinado a não confiar nos membros da Família
Real. Percebeu que os laços de sangue eram mais importantes.
Como consequência, manteve uma deliberada distância das
suas cunhadas, contornando determinados assuntos, evitando
confrontos e fechando-se na sua distante torre de marfim. Era
uma espada de dois gumes, já que não conseguiu estabelecer
quaisquer alianças, tão importantes num mundo fechado, infe-
tado por familiares e políticos profissionais. Tinha poucos alia-
dos dentro da Família Real. «Eu não os provoco, e eles não me
provocam», disse.
Assim, embora amasse a Escócia e tivesse crescido em Nor-
folk, considerava os ambientes de Balmoral e de Sandringham
completamente esgotantes para o seu espírito e para a sua vi-
talidade. Era durante estas férias com a família que a sua bu-
limia piorava, bem como quando tentava algum estratagema
para escapar por uns dias. Diana vivia a realidade da inabalável
unidade monárquica por trás da opinião pública. Sabia que, em
privado, a atual corte não era muito diferente dos anteriores
reinados, com os seus conflitos, feudos e pequenas guerras.
Na altura, o coração da Família Real era a apertada união
e implacável troica da Rainha-Mãe e suas filhas, a Rainha e a
Princesa Margarida. Como tão claramente observou o autor
Douglas Keay na sua caracterização da Rainha: «Atraiçoa-se
um, atraiçoam-se todos.» A relação de Diana com estas três per-
sonagens centrais era desigual. Mostrava muita disponibilidade
para a Princesa Margarida, sua vizinha no Palácio de Kensing-
ton, a quem reconheceu como tendo sido um grande apoio na

317
sua aclimatação ao desértico mundo real. «Gostei sempre muito
da Margo», disse. «Gosto muito dela. Tem sido maravilhosa co-
migo desde o primeiro dia.»
A sua relação com a Rainha-Mãe era muito menos cordial.
Diana via a sua casa em Londres, a Clarence House, como a
fonte de todos os comentários negativos sobre ela e sobre a
mãe. Manteve uma desconfiada distância desta figura matriar-
cal, descrevendo os encontros sociais patrocinados por ela
como tensos e demasiado formais. Foi, afinal, a avó de Diana,
Ruth, Lady Fermoy, dama de companhia da Rainha-Mãe, quem
testemunhou em tribunal sobre a incapacidade da filha para
educar os seus quatro filhos. O seu ponto de vista a respeito
de Frances Shand Kydd foi aceite pelo juiz, e a hostilidade e
o azedume dentro da dividida família Spencer permaneceram
durante muito tempo. Simultaneamente, a Rainha-Mãe, desfa-
voravelmente predisposta para Diana e para a sua mãe, exerceu
uma enorme influência sobre o Príncipe de Gales. Tratava-se
de uma sociedade de mútua adoração, da qual Diana estava ex-
cluída. «A Rainha-Mãe cava um fosso entre Diana e todos os
outros», observou um amigo. «Como consequência, ela usa to-
das as desculpas para a evitar.»
A relação de Diana com a Rainha era muito mais amigável.
No entanto, era centrada no facto de ela ser casada com o seu fi-
lho mais velho e futuro monarca. Nos primeiros tempos, Diana
sentia-se simplesmente apavorada com a sogra. Limitava-se às
cortesias formais – fazendo uma enorme vénia de cada vez que
se encontravam – mas em tudo o mais mantendo a distância.
Durante os seus pouco frequentes e bastante frágeis tête-à-têtes
acerca do acidentado casamento dos Príncipes de Gales, a Rai-
nha afirmou que a persistente bulimia de Diana era uma causa,
e não um sintoma, das suas dificuldades.
A soberana deixou igualmente implícita a ideia de que a ins-
tabilidade do casamento deles era uma consideração predomi-

318
nante em quaisquer veleidades que pudesse ter sobre a sua ab-
dicação. Claro que isto não agradou ao Príncipe, que se recusou
a falar com a mãe durante vários dias depois do discurso que ela
emitiu no Natal de 1991, onde falou da sua intenção de servir a
Nação e a Commonwealth durante «os anos vindouros». Para
um homem que tem pela mãe tão grande reverência, esse si-
lêncio foi uma boa medida da sua fúria. Mais uma vez, culpou a
Princesa de Gales. Enquanto se passeava arrogantemente pelos
corredores de Sandringham, o Príncipe queixava-se a todos os
que o quisessem ouvir do estado a que chegara o seu casamento.
Diana acusou-o de ter já abdicado das suas responsabilidades
régias ao permitir que os irmãos, os Príncipes André e Eduardo,
assumissem as funções de conselheiros de Estado, como ver-
dadeiros substitutos da soberana quando esta se encontra no
estrangeiro em missões oficiais. Se o Príncipe mostrara tanta
indiferença para com estes deveres constitucionais nominais,
perguntava-lhe ela sorrateiramente, por que motivo lhe havia a
mãe de passar o cargo?
O princípio dos anos 90 assistiu claramente ao desenvolvi-
mento de uma relação mais descontraída e cordial entre a Rai-
nha e a sua nora. Numa festa ao ar livre, em 1991, a Princesa
sentiu-se suficientemente confiante para dizer uma pequena
piada acerca do chapéu preto da Rainha. Elogiou-a a respeito
da escolha, sublinhando como seria útil em funerais. Num tom
mais sério, mantiveram conversas confidenciais a respeito do
juízo do seu filho mais velho. Em certas ocasiões, a Rainha con-
siderou que a vida do filho tomava uma direção errática, e que o
seu comportamento era estranho e disperso. Também não lhe
passou despercebido que o filho era tão infeliz com a mulher
como ela era com ele.
Embora Diana considerasse a monarquia tal como estava or-
ganizada uma instituição em desmoronamento, tinha um pro-
fundo respeito pela forma como a Rainha se conduzira durante

319
o seu reinado. Na verdade, por muito que ela gostasse de deixar
o marido, Diana sublinhou à Rainha: «Nunca a deixarei ficar
mal.» Antes de irem a uma festa ao ar livre, numa abafada tarde
de 1991, uma amiga ofereceu a Diana um leque para levar con-
sigo. Ela recusou-o, dizendo: «Não posso fazer isso. A minha
sogra vai lá estar de pé com a sua mala de mão, luvas, meias e sa-
patos.» Era um sentimento expresso em tom de admiração pelo
completo autocontrolo da soberana em quaisquer ocasiões, por
mais tentadoras que fossem.
Ao mesmo tempo, a Princesa teve de se adaptar a outras
correntes dentro da família. Embora Diana desfrutasse de uma
amigável relação com o Príncipe Filipe, a quem via como um
solitário, percebeu que o marido se sentia intimidado pelo pai.
Percebeu que a sua relação com o filho mais velho era «compli-
cada, muito complicada». Carlos ansiava por que o pai lhe desse
uma palmadinha no ombro, enquanto o Príncipe Filipe teria
gostado de que o filho o consultasse mais frequentemente e que,
pelo menos, reconhecesse a sua contribuição para o debate pú-
blico. Filipe não aceitava bem, por exemplo, que tivesse sido ele
a iniciar a discussão sobre o ambiente mas que fosse o Príncipe
Carlos a ganhar popularidade.
Tal como acontecia com o seu sogro, Diana desfrutava de
uma relação distante mas perfeitamente amigável com a sua
cunhada, a Princesa real. Diana avaliava em primeira mão as
dificuldades que uma mulher da realeza encarava dentro da or-
ganização, e só lhe restava uma grande admiração pela sua in-
dependência e pelo seu esforço, particularmente em torno do
Save the Children Fund, do qual ela era presidente. Embora os
seus filhos brincassem frequentemente juntos, nunca ocorrera
a Diana confiar na Princesa ou telefonar-lhe para almoçarem
juntas. Ficava contente em vê-la quando se encontravam em re-
uniões familiares, mas a sua relação não ia mais longe. Os media
fizeram uma tempestade na altura em que o Príncipe Harry foi

320
batizado, com a decisão de Diana em não convidar Ana como
madrinha, vendo nisso um sinal das suas relações cheias de ran-
cor. A Princesa não foi convidada simplesmente por já ser tia
dos rapazes, indo o seu papel como madrinha apenas duplicar as
suas funções. Tal como com toda a Família Real, havia sempre
uma cisão entre as duas Princesas. Diana era uma estranha por
nascimento e natural inclinação; Ana nasceu dentro do sistema.
De tempos a tempos, a Princesa real mostrava a quem dedicava
a sua lealdade. Um confronto em Balmoral, em 1991, revelou
o isolamento das duas plebeias, a Princesa de Gales e a duquesa
de York.
Esse confronto numa noite quente de agosto, quando a famí-
lia desfrutava um barbecue nos jardins do castelo de Balmoral,
trouxe à superfície as crescentes tensões e os conflitos inerentes
aos seus estatutos. Houve uma certa preocupação em relação
a um incidente ocorrido quando Diana e Fergie fizeram uma
corrida uma com a outra nas estradas privadas com o Daimler
da Rainha-Mãe e outro carro do Estado. A discussão tornou-se
muito mais personalizada, dirigindo-se, acima de tudo, à du-
quesa de York. Isto resultou na sua emboscada. Diana explicou,
em nome de Fergie, que era muito difícil casar dentro da Famí-
lia Real e que a duquesa estava a sentir cada vez mais dificuldade
à medida que permanecia mais tempo nos seus limites. Suge-
riu à Rainha que seria necessário dar à duquesa maior liberda-
de de ação, sublinhando que ela estava a atingir o seu limite, o
que Fergie confirmou, pouco tempo depois, quando disse aos
amigos que 1991 seria o último ano das suas visitas a Balmoral.
E cumpriu a palavra. Oito meses depois era anunciada a separa-
ção do duque e da duquesa.
Era um contraste gritante com a visita da duquesa de York,
cinco anos antes, nas suas primeiras férias no retiro da Rainha,
quando tanto impressionara a Família Real com o seu entusias-
mo e o seu vigor. Ao longo dos anos, Diana viu, quase sempre

321
com grande compreensão, a sua cunhada ser castigada pela im-
prensa e esmagada pelo sistema da realeza, que gradualmente
lhe destruiu o espírito. Às vezes, o comportamento exuberante
da duquesa de York assemelhava-se menos à vida imitando a
arte do que à vida imitando a sátira. À medida que a sua roupa, o
seu instinto maternal e os seus mal escolhidos amigos eram alvo
de críticas cáusticas, a duquesa rodeou-se de um grupo de vi-
dentes, leitores de cartas de tarot, astrólogos e outros adivinhos
para a ajudar a encontrar uma passagem através do labirinto
real. Foi apresentada a alguns pelo seu amigo Steve Wyatt, o
filho adoptivo de um multimilionário texano do petróleo, mas
a muitos descobriu-os ela própria. As suas frequentes visitas a
madame Vasso, uma espírita que curava mentes e corpos ator-
mentados sentando-os sob uma pirâmide de plástico, eram re-
presentativas das influências que sofria após este incremento de
ansiedade e infelicidade pessoal.
Dias houvera em que era lida a sorte da duquesa e analisada
a sua carta astrológica de poucas em poucas horas. Tentou vi-
ver de acordo com as suas predições, com o seu espírito volátil
aderindo a todo o possível consolo encontrado nas suas medi-
tações. Embora Diana, tal como muitos membros da Família
Real, se sentisse interessada e intrigada pela abordagem new age
da vida, não se deixava guiar por todas as profecias.
A duquesa, contudo, estava escravizada, discutindo as suas
conclusões com os amigos. O resultado era a duquesa inter-
pretar o papel de lago no Otelo de Diana. Era uma voz perma-
nente nos seus ouvidos, sussurrando, suplicando e implorando,
predizendo desastres e perdição para a Família Real e instando
Diana a escapar à instituição. Não é exagerado dizer que nem
uma semana se passava sem que a duquesa de York discutisse os
últimos presságios com a cunhada, com os amigos mais íntimos
e com os seus conselheiros. Em maio de 1991, quando o casa-
mento do Príncipe e da Princesa de Gales voltou a estar debaixo

322
de uma renovada atenção, os «fantasmas» de Fergie – como os
amigos os descreviam – predisseram que, em breve, o Príncipe
André se tornaria Rei, e ela, Rainha.
Embora o duque se tivesse entusiasmado com a previsão, a
esposa tornou-se cada vez mais dececionada com o seu papel.
Para uma mulher habituada a apanhar aviões como outros apa-
nham táxis, a claustrofobia daquele mundo era mais do que po-
deria suportar. Em agosto, os seus profetas previram um pro-
blema envolvendo um carro real; em setembro, disseram-lhe
que um nascimento real iminente provocaria uma crise. Foram
mencionadas datas específicas mas, mesmo quando elas passa-
ram sem quaisquer incidentes, a duquesa manteve a fé nos seus
oráculos. Em novembro, falou-se de uma morte na família e,
como Diana se preparava para passar o Natal em Sandringham
com a Família Real, foi avisada pela duquesa de que iria haver
uma discussão entre ela e o Príncipe. Ele tentaria virar-lhe as
costas, mas a Princesa impedi-lo-ia.
Cheia destes terríveis presságios, o seu dia-a-dia era marcado
pelas constantes súplicas, problemas e prédicas enquanto a du-
quesa implorava à Princesa para se juntar a ela e deixar a Famí-
lia Real. O convite deve ter sido uma perspetiva atraente para
uma mulher numa posição impossível, mas Diana veio a confiar
no seu próprio julgamento.
Em março de 1992, a duquesa decidiu finalmente separar-
-se formalmente do marido e deixar a Família Real. A Princesa
assistiu ao colapso do casamento da sua amiga com tristeza e
preocupação. Viu em primeira mão como os cortesãos da Ra-
inha puderam virar-se contra ela rapidamente. Atacaram cruel-
mente a duquesa, acusando-a de se comportar de uma forma
imprópria para a Família Real e citando vários incidentes quan-
do ela tentou tirar proveito das suas relações. Alguns frequen-
tadores da corte afirmaram até, falsamente, que a duquesa tinha
contratado uma empresa de relações públicas para publicitar o

323
seu afastamento da Família Real. Tal como disse um correspon-
dente da BBC: «No Palácio de Buckingham, as espadas estão
desembainhadas contra a duquesa.» Foi uma amostra do que
Diana teria de suportar se decidisse trilhar o mesmo caminho.

324
A reação de Carlos fechou finalmente
a porta a todo o amor que Diana
poderia ter sentido por ele. «Ó meu
Deus, é um rapaz», disse, «e até tem
cabelo ruivo». Com estes deselegantes
comentários saiu para o Palácio de
Kensington. No dia seguinte, foi
jogar polo. «Qualquer coisa morreu
em mim», confidenciou Diana.
Foi uma reação que marcou o começo
do fim do seu casamento.
CAPÍTULO VIII

Fiz o Meu Melhor

P oucos dias antes de a Rainha celebrar o 40.º aniversário da


sua ascensão ao trono, o duque e a duquesa de York viajaram de
automóvel do Palácio de Buckingham a Sandringham para ver
a soberana. Nessa sombria quarta-feira de janeiro de 1992, o
casal real discutiu formalmente um assunto que o tinha pertur-
bado durante muitos meses: o seu casamento. Tinham acertado
que, após cinco anos de casamento, seria sensato separarem-se.
A duquesa tornara-se cada vez mais desiludida com a vida no
seio da Família Real e estava deprimida pelas críticas contínuas
e ofensivas, tanto no interior como no exterior do Palácio, crí-
ticas que não mostravam sinais de abrandar. A última gota foi a
discussão na imprensa acerca da sua relação com Steve Wyatt,
os cabeçalhos motivados pelo rol de fotografias tiradas quando
a duquesa, Wyatt e outros estavam de férias em Marrocos.
Durante esse encontro em Sandringham, o casal concordou
com a sugestão da Rainha de que deveriam ter um «período de
arrefecimento» de dois meses, para os ajudar a refletir. Conse-
quentemente, a duquesa limitou-se a assumir apenas uns quan-
tos compromissos oficiais, passando o resto do tempo com a
família em Sunninghill Park, ou a discutir as suas opções com
advogados, membros da Família Real, incluindo a Princesa de
Gales e a Princesa Real, bem como os amigos mais íntimos.
Uma das pessoas a receber a notícia em primeira mão foi
o Príncipe de Gales, que permanecia então na propriedade de

327
Norfolk. Falou com ela sobre as dificuldades do seu próprio
casamento, sublinhando que o estatuto constitucional como
herdeiro do trono tornava qualquer veleidade de se separar de
Diana praticamente impensável. Num rebate de consciência a
duquesa respondeu: «Pelo menos, fui verdadeira comigo pró-
pria.» É um sentimento que reside no âmago do dilema vivido
pela Princesa de Gales e que paralisa a instituição da monarquia
moderna.
A instabilidade crónica do casamento dos Príncipes de Ga-
les e o colapso do casamento do duque e da duquesa de York
foram mais do que meras tragédias pessoais. Foram o sinal de
que a necessária experiência nascida de uma mudança das cir-
cunstâncias históricas falhara. Quando Jorge V garantiu ao fi-
lho, o duque de York, a sua autorização para casar com uma
plebeia, Lady Elizabeth Bowes-Lyon, estava a reconhecer o facto
de a Primeira Guerra Mundial ter devastado as monarquias eu-
ropeias e ter limitado a escolha de noivos e noivas adequadas.
O casamento dos Yorks dera início à transição de uma verdadei-
ra casta real, onde a realeza casava dentro da realeza, para uma
abertura a outras classes sociais. Mas a enxertia com plebeus
que se aproximou da árvore hanoveriana, por mais elevado que
fosse o seu nascimento, foi um desastre. À parte os casamentos
da atual Rainha e da Rainha-Mãe, e mais recentemente do Prín-
cipe William, todas as uniões mais significativas entre realeza
e plebe acabaram em divórcio: a Princesa Margarida e Antony
Armstrong-Jones, a Princesa Ana e o capitão Mark Philips, o
duque e a duquesa de York, e o Príncipe e a Princesa de Gales.
Não há uma solução óbvia para o problema.
Neste estado de coisas, basta reflectir nas mudanças da pró-
pria sociedade, ou será também válida a questão acerca do
modo como a Família Real se relaciona com os estranhos?
Certamente, quando Lady Diana Spencer casou com Carlos,
pareceu-lhe também que se casou com uma família tão enrai-

328
zada na tradição e no teor da sua insularidade como qualquer
tribo obscura de uma ilha nos Mares do Sul. Embora as suas
idiossincrasias os ajudem a escudar-se do mundo exterior,
também o fazem para com os recém-chegados, que não co-
nhecem as secretas regras do jogo, literalmente impossíveis.
A Família Real é um testemunho da veracidade da máxima de
Alan Bennett: «Todas as famílias possuem um segredo, e o se-
gredo é que nenhuma é como qualquer outra». A Rainha e a sua
irmã, Princesa Margarida, foram a última geração imunizada
contra a realidade. Desde muito pequenas viveram em palácios,
completamente fechadas do mundo exterior. As suas gaiolas
douradas foram as suas casas e a sua vida. Um passeio pela rua,
uma tarde a fazer compras solitariamente, aguardando em filas
e gerindo os seus orçamentos – estas liberdades, por muito am-
bíguas, nunca fizeram parte das suas vidas. Para todos os seus
privilégios, os batalhões de criados, os chauffeurs para lhes con-
duzir os carros, os iates e os aviões particulares, são prisioneiras
das expetativas da sociedade e bonecos do sistema. Dever, obri-
gações e sacrifícios têm sido as esperadas e aceites ameaças das
suas vidas, e a teia em que se tece a Coroa. A procura da felici-
dade individual, como o descobriu a Princesa Margarida quan-
do se tentou casar com um divorciado, o capitão Peter Town-
send, foi sacrificada no altar da monarquia e do seu sistema de
valores.
A Rainha, treinada para o papel, desempenhou muito bem
essas tradicionais e esperadas funções da Coroa – tão bem,
que deixa um nível de referência inatingível ao seu sucessor.
O molde foi deliberadamente quebrado. Tal como Elizabeth
Longford, amiga da Rainha e sua biógrafa, comentou, uma das
mais importantes conquistas da Rainha foi ter conseguido edu-
car os filhos no sistema da monarquia. Isso quer dizer que os seus
filhos são uma geração híbrida, saboreando a liberdade mas pre-
sa ao mundo dos castelos e do protocolo real. Os comportamen-

329
tos, sobretudo do Príncipe Carlos, demonstram os particulares
perigos de permitir que os futuros soberanos respirem, mesmo
por breves instantes, o ar da liberdade. Ao contrário dos seus
predecessores, a dúvida, a incerteza e as perguntas foram acres-
centadas ao destino herdado e à aceitação das tradições reais.
Nesta altura, entraram na equação todas as expetativas e to-
dos os valores dos plebeus que integraram a família. Provou-
-se um obstáculo impossível de ultrapassar. O lorde Snowdon
e o capitão Mark Philips foram os primeiros a cair, embora
possuíssem as suas carreiras, na fotografia e na arte equestre,
respetivamente, que lhes permitiam sair da rotina da realeza.
A Princesa de Gales e a duquesa de York não desfrutavam de
tal privilégio. Era, portanto, quase inevitável que Diana, que
observava a Família Real por dentro, percebesse um enorme
abismo entre o modo como o mundo evoluía e a forma como
este era percebido pela Família Real. Acreditava que eles ti-
nham sido apanhados por uma interpretação emocionalmente
cristalizada no tempo, sem a visão necessária para se apercebe-
rem das mudanças entretanto ocorridas na sociedade. Isto ficou
impetuosamente demonstrado no tradicional período de Natal
da Família Real, em Sandringham, no ano de 1991. Numa noite,
durante o jantar, Diana tentou levantar a questão do futuro da
monarquia britânica numa Europa federal. A Rainha, o Prín-
cipe Carlos e o resto da Família Real olharam para ela como
se tivesse enlouquecido e continuaram com o seu debate sobre
quem atirara sobre o último faisão do dia, discussão que lhes
ocupou o resto da noite.
Como afirmou um amigo: «Diana considera a monarquia
claustrofóbica e completamente desatualizada, sem qualquer
importância na vida e nos problemas atuais. Considera-a uma
instituição em derrocada e pensa que a família não terá conhe-
cimento do que acontecer nos próximos anos a não ser que ela
própria também mude.»

330
Diana discutiu com o seu conselheiro Stephen Twigg estas
sérias dúvidas acerca dos atuais alicerces da monarquia. Ele ar-
gumentou: «Se a Família Real não mudar e se o seu relacio-
namento com o resto da sociedade não mudar, estará a escon-
der-se para nada. Só se pode deteriorar como um importante
órgão da sociedade. Tem de se manter dinâmica respondendo
aos desafios. Não é apenas a Família Real que tem de mudar: a
própria sociedade, em si, deve analisar a forma como olha para
a Família Real. Queremos venerar a Família Real por causa do
seu estatuto ou, numa sociedade moderna, queremos apreciar
a Família Real pela forma como se relaciona com os traumas e
com os problemas do dia-a-dia e aprender com ela nesse pro-
cesso?»
Embora Diana tenha sacudido com êxito a imagem tradicio-
nal da princesa de conto de fadas, preocupada apenas com as
compras e com o mundo da moda, ainda assim coloriu os pre-
conceitos daqueles que encontrou pela primeira vez. Foi usada
como objeto de uma certa condescendência. Como confessou
a alguns amigos íntimos: «Acontece imensas vezes. É interes-
sante ver a reação das pessoas quando me conhecem. Têm uma
determinada imagem minha e, depois, à medida que falam co-
migo, vejo-a a mudar.» Ao mesmo tempo, as suas lutas com a
Família Real fizeram-na perceber que não se deveria esconder
por trás da máscara convencional da monarquia. A espontanei-
dade, a sensível compaixão e o espírito generoso que mostrou
em público eram muito genuínos. Não se tratava de uma en-
cenação para consumo público. A Princesa, que avaliava bem
como o mundo da realeza anestesiava os indivíduos da socie-
dade, estava firmemente determinada em conseguir que os seus
filhos se preparassem para o mundo exterior de um modo nun-
ca antes conseguido pelas gerações anteriores. Normalmente,
as crianças da realeza eram treinadas para esconder dos outros
os sentimentos e as emoções, construindo um escudo protetor

331
contra quaisquer intrusões inquisitivas. Diana acreditava que
William e Harry se deveriam mostrar abertos e autênticos para
com todas as suas próprias potencialidades e para com a diver-
sidade de possíveis pontos de vista para compreender a vida.
«Quero educá-los com um sentimento de segurança. Abraço-os
com força e levo-os à noite para a cama. Encho-os sempre de
amor e de afeto – é tão importante.»
O código cultural desta classe social arrogante não era para
os seus filhos. Havia-lhes ensinado que não era nenhuma «ma-
riquice» mostrar os sentimentos aos outros. Quando levou o
Príncipe William a assistir ao jogo em que a tenista alemã Steffi
Graff ganhou a final feminina individual de Wimbledon, em
1991, abandonaram o seu camarote real e dirigiram-se aos bas-
tidores para a felicitar pela vitória. Quando Graff abandonava
o campo e se dirigia pelo estreito corredor ao vestiário, mãe e
filho acharam que Steffi parecia demasiado só e vulnerável lon-
ge das luzes da ribalta. Então, primeiro Diana e depois William,
deram-lhe um beijo e um afetuoso abraço.
A forma como Diana apresentou os filhos ao seu amigo mo-
ribundo Adrian Ward-Jackson foi de uma lição prática para a
aprendizagem da realidade da vida e da morte. Quando Diana
contou ao filho mais velho que Adrian tinha morrido, a sua res-
posta imediata revelou a sua maturidade. «Agora, finalmente,
já não sofre e pode encontrar a felicidade.» Ao mesmo tempo,
a Princesa estava perfeitamente consciente do duplo fardo de
educar dois rapazes popularmente conhecidos como «o her-
deiro e o seu substituto». A autodisciplina fazia parte do seu
treino. Todos os dias, às seis da tarde, os rapazes sentavam-se
para escrever notas de agradecimento ou cartas aos amigos e
familiares. Tinha sido uma disciplina instigada pelo pai a Diana,
de tal forma que, se ela regressasse de um jantar à meia-noite,
não conseguiria dormir antes de escrever as suas cartas de agra-
decimento.

332
William e Harry estavam conscientes do seu destino. Numa
ocasião, os rapazes conversavam com Diana acerca do seu fu-
turo. «Quando for grande, quero ser polícia para tomar conta
de ti, mamã», disse William, afectuosamente. Rápido como um
foguete, Harry respondeu com um certo tom de triunfo na voz:
«Oh não, não podes, tens de ser Rei.»
Como recorda o seu tio conde Spencer, as suas personali-
dades eram muito diferentes da imagem pública. «A imprensa
sempre tem descrito William como um terror e Harry como
um segundo filho bastante calmo. Na verdade, William é um
rapaz muito controlado, inteligente e maduro, e até bastante
envergonhado. E muito formal e tenso, parecendo muito mais
velho quando atende o telefone.» Harry é o traquina da família.
O seu temperamento endiabrado manifestou-se ao tio durante
a viagem de regresso de Necker, a ilha nas Caraíbas proprieda-
de de Richard Branson, o patrão da Virgin Airlines. Recorda:
«Serviram o pequeno-almoço a Harry. Tinha os headphones nos
ouvidos e um jogo de computador à sua frente, mas estava de-
terminado a comer o seu croissant. Demorou cerca de cinco mi-
nutos até conseguir manobrar toda a parafernália electrónica, a
faca, o croissant e a manteiga. Quando finalmente lá conseguiu
dar uma dentada, os seus olhos irradiaram a mais completa sa-
tisfação. Foi um momento verdadeiramente maravilhoso.»
A sua madrinha Carolyn Bartholomew dizia, sem qualquer
tipo de preconceito, que Harry era o rapazinho «mais carinho-
so, mais extrovertido e o mais amoroso», enquanto William era
muito parecido com a mãe, «intuitivo, o mais sensível e o mais
compreensivo». Inicialmente, achava que o futuro Rei era «um
pequeno terror». «Era maroto e fazia birras», recorda. «Mas
quando eu tive os meus dois filhos percebi que até certo pon-
to eles são todos iguais. Na verdade, eles são generosos, muito
parecidos com Diana. Ele seria capaz de nos oferecer o seu úl-
timo doce. Na verdade, fê-lo uma vez. Estava a apreciar muito

333
os seus doces, restava-lhe apenas um e deu-mo.» Outras provas
da sua generosidade ocorreram quando juntou todo o dinheiro
da sua semanada, que perfazia alguns pence, e solenemente lhos
entregou.
Mas não era nenhum anjo, como Carolyn comprovou quan-
do visitou Highgrove. Diana acabara de sair da piscina desco-
berta e vestiu um roupão branco de turco enquanto esperava
que William a seguisse. Em vez disso, começou a esbracejar
dentro de água, como se se estivesse a afogar, e deixou-se afun-
dar lentamente até ao fundo da piscina. A mãe, sem saber se
ele estava a fingir ou não, apressou-se a tentar despir o roupão.
Então, apercebendo-se da urgência da situação atirou-se à água
mesmo vestida. Nessa altura, ele surgiu à superfície a rir e a
gritar com o êxito da sua partida. Diana não achou divertido.
De modo geral, William era um jovem com um sentimento
de responsabilidade e de ponderabilidade que excedia a sua ida-
de, e desfrutava de uma relação muito íntima com o irmão mais
novo, cujos amigos acreditavam que poderia vir a ser um exce-
lente conselheiro nos bastidores quando William se tornar Rei.
Diana sentiu que, de algum modo, eles viriam a suportar juntos
o fardo da monarquia nos anos vindouros. A sua abordagem
foi condicionada pela firme convicção de que nunca se tornaria
Rainha e de que o marido nunca chegaria a ser Carlos III.
Os rapazes foram sempre um salva-vidas de amor para a Prin-
cesa na sua isolada posição. «Eles são tudo para mim», gostava
de dizer. No entanto, em setembro de 1991, quando o Príncipe
Harry se juntou ao irmão na escola preparatória de Ludgrove,
Diana teve de encarar a perspetiva do seu ninho vazio no Palá-
cio de Kensington. «Compreendeu que eles estavam a crescer
e a expandir-se, e que brevemente um capítulo da sua própria
vida estaria terminado», observou James Gilbey.
A perda dos seus filhos, pelo menos durante os períodos
letivos, servira apenas para sublinhar a sua cruel previsão –

334
especialmente quando a duquesa de York já havia abandonado o
cenário real. O mundo de Diana pode ter sido caraterizado por
um instável equilíbrio; a infelicidade do seu casamento contra-
balançou com a satisfação que encontrou no seu trabalho, par-
ticularmente entre os doentes e os moribundos; e as sufocantes
convicções do Sistema Real equipararam-se à sua crescente au-
toconfiança no uso da organização em benefício das suas causas.
Durante 1991 e 1992, a sua opinião a respeito da posição
que ocupava no seio da realeza mudava todos os meses, mas, de
modo geral, estava mais inclinada para a ideia de ficar do que
para a de deixar a organização. Sentia-se mais impaciente do
que desesperada com a enferrujada máquina da monarquia, in-
diferente para com o Príncipe Carlos, em oposição à sua antiga
tímida deferência, e possuía um frio desprezo por Camilla Par-
ker Bowles em vez de enraivecidos ciúmes. Não era, de modo
algum, um desenvolvimento consistente, mas o seu crescente
interesse em controlar e reformar o sistema, bem como o sé-
rio empenho em usar o seu estatuto para fazer algo de bom no
mundo, apontavam mais para a decisão de ficar do que de partir.
Ao mesmo tempo, a partida da duquesa contribuiu apenas para
juntar outro elemento de incerteza à sua já precária situação.
Não era um assunto passível de complacência. A Princesa
podia ser uma rapariga volátil e impaciente, cuja disposição
rapidamente mudava do otimista para o desesperado. Como
afirmou o astrólogo Felix Lyle: «Ela tem tendência para a de-
pressão, é uma mulher facilmente derrotada e dominada pelos
que possuem uma personalidade forte. Diana possui uma faceta
autodestrutiva. Em qualquer altura poderia afirmar “vão todos
para o diabo” e partir. O potencial está lá. É uma flor que aguar-
da o seu desabrochar.»
Numa noite poderia mostrar-se muitíssimo madura, discu-
tindo com George Carey (na altura o novo arcebispo de Can-
tuária) a morte e a vida depois da morte, e, na noite seguinte,

335
passar o serão às risadinhas num encontro de bridge. «Por vezes
é possuída por um espírito diferente como resposta à necessi-
dade de se libertar do jugo que sobre ela pesa», observou Rory
Scott, que continuou a encontrar-se socialmente com a Prin-
cesa.
Como afirmou o seu irmão: «Ela fez muito bem em conser-
var o sentido de humor, é o que descontrai as pessoas à sua vol-
ta. Não é de todo empertigada, e é capaz de dizer uma piada tão
facilmente a seu respeito como a respeito de qualquer coisa ri-
dícula em que todos tenham reparado mas sobre a qual seja de-
masiado embaraçoso falar.» Deslocações reais, esses exercícios
estupidificantes e aborrecidos de antigos cerimoniais, eram um
rico filão para o seu finamente sintonizado sentido do ridículo.
Depois de um dia passado a observar um grupo de dançarinos
nativos numa insuportável humidade, ou depois de beberricar
um líquido de sabor forte, telefonava frequentemente às amigas
para as regalar com os últimos disparates. «As coisas que eu faço
por Inglaterra», era a sua frase preferida. Divertiu-a particular-
mente a ocasião em que, numa audiência privada no Vaticano,
perguntou a João Paulo II como estavam as suas feridas, pouco
tempo depois de o Papa ter sido ferido. Pensou que ela se esta-
va a referir ao seu útero e congratulou-a pela chegada do novo
filho. A sua intuição e o seu instinto estavam finamente aguça-
dos: «Compreende a natureza das pessoas, o que as pessoas são
e não o que elas representam», disse a sua amiga Angela Serota.
Diana reconheceu que o seu campo intelectual precisava de se
desenvolver. A rapariga que abandonara os estudos sem uma
nota elevada associada ao seu nome agora albergava a pacata
ambição de estudar psicologia e saúde mental. «Tudo o que diga
respeito às pessoas», disse.
Embora tivesse tendência para se deixar impressionar pelos
que possuíam habilitações académicas, Diana admirava mais as
pessoas que agiam do que as que pontificavam. Richard Bran-

336
son, o cérebro das Virgin Airlines, o barão Jacob Rothschild, o
banqueiro milionário que recuperou a casa dos Spencer, e o seu
primo, o visconde Linley, que dirige um bem sucedido negócio
de mobílias, encontravam-se no topo da sua lista. «Aprecia o
facto de David ter conseguido rejeitar o molde da monarquia
fazendo alguma coisa positiva», disse uma amiga. «Também lhe
inveja a sorte de poder andar na rua sem um detective atrás.»
Durante anos, a sua baixa auto-estima em termos intelectuais
manifestou-se numa instintiva deferência para com os juízos do
marido e dos cortesãos mais velhos. Agora que melhor definira
o seu rumo, estava preparada para discutir política de uma for-
ma que teria considerado impensável alguns anos antes. Os re-
sultados foram palpáveis. Os diplomatas do Ministério dos Ne-
gócios Estrangeiros, limitados nas suas perceções, começaram a
compreender o seu verdadeiro valor. Ficaram impressionados
pelo modo como Diana realizou a sua primeira visita sozinha
ao Paquistão, e discutiram, subsequentemente, futuras viagens
ao Egipto e ao Irão. Foi, como a Princesa teria afirmado, um
momento «muito adulto» da sua vida entre a Família Real.
Os discursos que, nesta altura, fazia quase todas as semanas
eram mais um passo para a realização da sua vida entre a reale-
za. Alguns foram escritos por si própria; outros por um peque-
no grupo de cortesãos conselheiros, incluindo o seu secretário
pessoal, Patrick Jephson, um firme aliado da realeza, como a
própria o anunciou em novembro de 1991. Era um grupo fle-
xível e informal que discutia com a Princesa os pontos de vista
que ela queria defender, que fornecia estatísticas e, então, lhe
escrevia os discursos.
O contraste entre os seus interesses e o papel para ela desig-
nado pelos «mentores» do Palácio ficou amplamente demons-
trado em março de 1992, quando no mesmo dia foi convidada
de honra da Exposição da Casa Ideal e, à noite, fez um apaixo-
nado e revelador discurso sobre a sida. Havia um interessante

337
simbolismo nestes compromissos, separados apenas por uma
questão de horas mas também por toda uma geração de filosofia
pessoal. A sua visita à exposição foi organizada pelos burocratas
do palácio. Eles organizaram tudo, desde as oportunidades para
ser fotografada e a lista de convidados, enquanto as restantes
coberturas mediáticas se concentraram nas improvisadas ob-
servações que a Princesa fez sobre a impossibilidade de comen-
tar os seus planos para a «Semana Nacional da Cama» por este
ser «um espetáculo da família». Foi leve, animado e trivial o
que habitualmente o palácio oferecia aos media nas suas saídas
rotineiras. A Princesa desempenhou perfeitamente o seu papel,
conversando com os diversos elementos da organização e sor-
rindo para as câmaras. No entanto, a sua atuação era apenas
isso: um papel que o palácio, os media e o público dela espera-
vam.
Uma amostra da verdadeira Diana esteve patente mais tar-
de, nessa noite, quando, na companhia do professor Michael
Adler e Margaret Jay, ambos especialistas em sida, falou para
uma audiência de executivos dos media num jantar oferecido
em Claridges. O seu discurso foi claramente baseado nos seus
sentimentos e na sua própria experiência. Em seguida, respon-
deu a diversas perguntas de fôlego da plateia, a primeira ocasião
na sua vida real em que se submetia a este tipo de provação.
O episódio passou sem o mais leve murmúrio na imprensa, em-
bora tenha representado um significativo marco na sua vida.
Ilustrava as consideráveis dificuldades que tinha em encarar a
alternância na orientação do seu trabalho como Princesa, den-
tro e fora dos muros do Palácio.
A sua família, em particular as irmãs, Jane e Sarah, bem como
o irmão, Charles, estavam ao corrente dos terríveis problemas
que Diana enfrentava. Jane sempre lhe dera conselhos sensatos,
e Sarah, por ter duvidado do êxito da irmã mais nova era, então,
muito protetora. «Nunca critiques Diana diante dela», observou

338
uma amiga. As suas relações com a mãe e com o pai, quando ele
era vivo, estavam mais apaziguadas. Embora Diana desfrutasse
de uma esporádica mas afeiçoada relação com a mãe, foi firme
na reação às notícias de que o seu segundo marido, Peter Shand
Kydd, a deixara por outra mulher. No verão de 1991, os laços
com o seu pai passaram por um período difícil que se seguiu à
publicidade que fazia acerca da venda secreta dos tesouros de
Althorp House. Os filhos, incluindo a Princesa, escreveram ao
pai opondo-se à venda dos bens da família. Houve algumas tro-
cas de palavras amargas, mais tarde lamentadas, que magoaram
profundamente a Princesa de Gales. Até o Príncipe de Gales
interveio, expressando a sua preocupação a Raine Spencer, que
foi tipicamente firme na resposta. No outono, a reconciliação
entre pai e filha foi consumada. Durante uma calma volta ao
mundo, o falecido conde Spencer ficou profundamente como-
vido com o afeto demonstrado pela sua filha mais nova por tan-
tos estrangeiros. Telefonou da América só para lhe dizer como
se sentia orgulhoso dela.
O apoio da família era igualado pelo encorajamento de um
pequeno grupo de amigos e conselheiros que conheciam a ver-
dadeira Diana e não a ofuscante imagem apresentada para con-
sumo público. Não tinham quaisquer ilusões de que, embora
a Princesa fosse uma mulher de consideráveis virtudes, a sua
personalidade era dada ao pessimismo e ao desespero, qualida-
des que aumentavam as probabilidades de abandonar o sistema.
A partida da duquesa de York do cenário real exacerbara essa
faceta derrotista da sua personalidade.
Como admitiu aos amigos: «Toda a gente afirmou que eu
era a Marilyn Monroe dos anos 80 e adorava sê-lo. Na verdade,
nunca me sentei a exclamar: “Viva, que fantástico!” Nunca. No
dia em que isso acontecesse estaríamos em apuros. Desempe-
nho um papel como Princesa de Gales enquanto para tal estiver
designada, mas não prevejo que dure mais de 15 anos.»

339
Embora tivesse o direito de sentir pena de si própria, alcan-
çava muitas vezes um auto-imposto sentimento de martírio.
Como afirmou James Gilbey: «Quando se sente confiante, ela
liberta-se e afasta todos os obstáculos. Assim que descobre uma
fissura na armadura, abandona a luta.» Por vezes, era quase
como se quisesse provocar uma dor ou a rejeição antes de ser
abandonada por aqueles de quem gostava e em quem confiava.
Desta forma, acabava por impedir a aproximação dos seus alia-
dos em momentos da sua vida real em que mais precisava de
apoio.
À medida que a Princesa interpretava esta representação de
equilíbrio impossível que a sua vida, nesse momento, requeria,
deixou-se arrastar inexoravelmente para a obsessão, discutindo
continuamente os seus problemas. A sua amiga Carolyn Bar-
tholomew argumentou que era difícil não se ser auto-absorvi-
do quando o mundo observava tudo o que ela fazia. «Como se
pode não ficar obcecado consigo próprio quando meio mundo
observa tudo o que fazemos; a sonora gargalhada quando uma
pessoa conversa com alguém famoso deve tornar-nos muito,
muito cínicos.» Debatia interminavelmente os problemas com
que se deparava na relação com o marido, com a Família Real
e com o sistema. James Gilbey equacionou o dilema de Diana:
«Nunca poderá ser feliz a não ser que corte os laços, mas não
o fará se o Príncipe também não o fizer. Ele não o fará pela
sua mãe; portanto, nunca serão felizes. Continuarão debaixo da
burlesca proteção da Família Real, mas, no entanto, prossegui-
rão com vidas completamente afastadas.»
A amiga Carolyn Bartholomew, um sensor sensato ao lon-
go da vida adulta de Diana, percebeu como esse ponto fulcral
toldara o seu carácter. «Ela é boa, generosa, triste e, de certa
forma, bastante desesperada. Contudo, conseguiu manter o seu
auto-depreciativo sentido de humor. Uma senhora muito pers-
picaz mas muito triste.»

340
O seu futuro na realeza não estava, de todo, definido. Se
pudesse escrever o seu próprio guião, a Princesa teria gostado
de ver o marido partir com com Camilla tentando conquistar
a felicidade que não conseguira conquistar com ela, deixando
Diana livre para educar o Príncipe William para o seu even-
tual destino como soberano. Era uma mera utopia, na altura,
tão impossível de realizar como o desejo do Príncipe Carlos em
renunciar ao seu estatuto real para dirigir uma quinta em Itália.
Ela tinha outras ambições, mais modestas: passar um fim de se-
mana em Paris, fazer um curso de psicologia, fazer os últimos
anos de piano e começar novamente a pintar. O ritmo da sua
vida transformava estas esperanças em gloriosas metas, apesar
de a repetida visão do futuro, imaginando-se a instalar-se, um
dia, no estrangeiro, provavelmente em França ou em Itália.
O caminho mais provável era o da perspetiva do seu trabalho
social de caridade e de intervenção na comunidade, que lhe fa-
cultava um sentimento de mérito e de realização pessoal. Como
afirmou o irmão: «Ela possui uma personalidade forte. Sabe o
que quer e creio que ao fim de dez anos atingiu uma estabilidade
que continuará a manter durante muitos anos.»
Em criança, pressentiu o seu especial destino; em adulta
manteve-se fiel aos seus instintos. Diana continuou a carregar o
fardo das expetativas públicas resistindo consideravelmente aos
seus problemas pessoais. A sua grande conquista foi ter encon-
trado o seu verdadeiro eu em face de esmagadores estranhos.
Continuou a pisar um caminho diferente do do marido, da Fa-
mília Real e do seu sistema, e, contudo, manteve-se conforme
às suas tradições: «Quando vou para casa e apago a luz à noite,
sei que fiz o meu melhor.»

341
«Partirei e conquistarei o mundo...
farei a minha parte como sei fazer
e deixá-lo-ei para trás», afirma de
forma significativa – senão profética
– quando se queixava de que
o marido lhe tornava a vida uma
«verdadeira, verdadeira tortura».

343
CAPÍTULO IX

«Tínhamos Perdido as Energias»

N a urgência de deificar Diana, a Princesa de Gales, pode ser


difícil lembrarmo-nos de que ela nem sempre foi vista como o
epítome de tudo o que uma Princesa moderna deveria ser. De-
pois do brutal choque inicial da sua morte e das demonstrações
de amor e de saudade, não apenas através de toda a Inglater-
ra como por todo o mundo, esquecemo-nos de que ela fora,
durante um certo tempo, largamente vista como uma destru-
tiva influência para toda a estrutura da monarquia britânica e
muitas vezes referida em termos muito menos simpáticos que o
cliché «falta de princípios». Mesmo antes da sua separação ofi-
cial do Príncipe Carlos, o establishment e os apoiantes do marido
entraram em ação. Houve muito interesse pessoal e misoginia
nas declarações oficiais que passaram para o exterior, mas não
deixaram de ter o efeito de induzir no público uma visão cínica
das suas ações e intenções, e nos media, algo geralmente menos
que benevolência.
Muito disto, claro, resultou da publicação de Diana – A Ver-
dadeira História Contada pela Princesa. Para ela foi simultanea-
mente um salva-vidas e um passaporte. Foi o seu testemunho, a
declaração evidente de não estar já preparada para continuar a
viver uma mentira, a tolerar a sua vida infeliz dentro da Família
Real. Esta era a oportunidade de fugir da prisão do seu casa-
mento e de dar a sua própria versão dos factos. Embora receas-
se a sua publicação, era também algo que desejava fortemente:

345
uma oportunidade de expor o seu caso, de falar para as pes-
soas passando por cima dos que estavam a dirigir o Palácio. No
entanto, o efeito causado pelo aparecimento do livro foi ainda
mais esmagador do que o que alguém alguma vez pôde prever.
O Palácio ficou horrorizado, os media indignados, e o público
profundamente chocado. O que se seguiu nem sempre foi edifi-
cante, muito menos justo.
O Sunday Times começou a publicar em episódios a edição
original desta obra em 7 de junho de 1992, com o título na pri-
meira página: «Diana conduzida a cinco tentativas de suicídio
pelo “insensível” Carlos.» Os excertos da história impressa fize-
ram três sensacionais asserções: que a Princesa de Gales sofrera
de uma perturbação alimentar, a bulimia nervosa; que por di-
versas vezes, embora com pouco entusiasmo, se tentara suici-
dar; e que o marido, o Príncipe Carlos, desfrutara de uma rela-
ção secreta com outra mulher, Camilla Parker Bowles, durante
todo o casamento com Diana.
No dia seguinte, o casal real encontrou-se no Palácio de
Kensington para discutir o futuro do seu casamento. Embora
estivessem com um estado de espírito sombrio, pelo menos o
Príncipe e a Princesa foram capazes, pela primeira vez, de se
sentar, fria e calmamente, para analisar as repercussões de uma
separação. Foi nessa altura que tomaram a decisão de acabar
com a farsa através de uma separação formal. Diana confessou
mais tarde que se sentiu «muito, muito, profundamente triste.
Porque lutámos para manter a situação, mas tínhamos ambos,
obviamente, perdido as energias.»
Mas com o primeiro obstáculo – o confronto com o Prínci-
pe Carlos – ultrapassado com êxito, também sentiu uma pro-
funda paz interior. Nessa noite, pela primeira vez em muitos,
muitos meses, dormiu profundamente. Também houve, entre
o seu círculo de amigos, um sentimento de alívio, sabendo que
a Princesa havia embarcado numa difícil viagem, mas uma que,

346
ao menos, lhe dava a esperança de um final feliz. Mas havia
também o receio de que Diana não possuísse a resistência sufi-
ciente para aguentar a intensa pressão que se aproximava, quer
do interior, quer do exterior da Família Real.
Sem o conhecimento de Diana, o Príncipe fizera já o seu pri-
meiro lance. No dia anterior, estivera reunido com a Rainha, no
Castelo de Windsor, e havia discutido as consequências de um
divórcio. A Rainha estava há muito tempo a par da derrocada do
relacionamento do filho com a mulher, mas acima de tudo esta-
va preocupada com o impacto do divórcio nos seus netos, com a
imagem pública do Príncipe Carlos e da monarquia.
Enquanto o público absorvia as voltas e reviravoltas que a
crise deste casamento suscitava, os acontecimentos progrediam
inexoravelmente até ao clímax dentro dos círculos palacianos.
No dia em que começou a publicação em episódios pelo Sunday
Times, a Rainha foi convidada de honra no Windsor Great Park
para assistir a um jogo de polo onde o Príncipe jogava. O seu
gesto de convidar Camilla Parker Bowles e o marido, Andrew,
para se juntarem no camarote real, precisamente no dia em que
a nação digeria as implicações do infeliz casamento dos Prín-
cipes de Gales, foi entendido pelo círculo de Diana como uma
gritante admoestação à Princesa.
Na mesma altura, o establishment e os media seus aliados esta-
vam em franca perseguição da presa. Lorde McGregor, o pre-
sidente da Comissão de Queixas contra a Imprensa, fez uma
declaração condenando a histeria que o livro imediatamente
provocou, dizendo tratar-se de «uma odiosa exibição de jorna-
listas a remexerem nos problemas de outras almas.» Na verda-
de, esta crítica nunca foi dirigida ao livro em si; lorde McGregor
disse-me mesmo na altura que este assunto foi o mais difícil do
seu mandato. O arcebispo de Cantuária mostrou publicamente
a sua preocupação sobre os efeitos da publicidade nos Príncipes
William e Harry; o lorde St. John de Fawsley condenou a publi-

347
cação do livro, enquanto um pot-pourri de polícias se mostrava
ansioso por me fechar na Torre; foi também um período difícil
para os apoiantes de Diana.
Os fiéis apoiaram a bandeira, ignorando a mensagem e ri-
dicularizando o mensageiro; o público começou gradualmente
a aceitar a veracidade do livro por intermédio das declarações
dos amigos de Diana, mais tarde confirmadas quando visitou
a sua velha amiga Carolyn Bartholomew, que falara acerca da
bulimia da Princesa. Infelizmente, essa visita casual a uma ve-
lha amiga de confiança teve amargas consequências para Diana.
Os cortesãos mais antigos, incluindo o secretário particular da
Rainha, Sir Robert Fellowes, apontaram dedos acusadores a
Diana quando viram a cobertura jornalística da visita nas pri-
meiras páginas.
Injuriada e magoada, a Princesa viajou de helicóptero até
Merseyside para uma visita a um hospital psiquiátrico, o seu
primeiro compromisso oficial desde que Diana - A Verdadeira
História Contada pela Princesa chegara aos cabeçalhos dos jor-
nais. Acabou por ser um emocionado encontro entre Diana e
o seu público, já que, emocionada pela exibição de carinho dos
seus espectantes admiradores, irrompeu em lágrimas, esma-
gada pelos perturbantes ecos do seu encontro matinal com os
oficiais do palácio, e pela evidente tensão que a sua decisão e
do Príncipe provocava. Como mais tarde contou a uma amiga:
«Uma senhora idosa da multidão acariciou-me o rosto, e isso
fez disparar qualquer coisa dentro de mim. Eu simplesmente
não conseguia parar de chorar.» As lágrimas públicas não sur-
preenderam os amigos íntimos, que conheciam muito bem a
angústia da sua solitária posição, a tensão que suportava havia
18 meses. Como um deles observou: «É uma atriz brilhante que
tem disfarçado muito bem o seu sofrimento privado.»
Porém, embora Diana fosse apoiada pela simpatia do público
na sua luta, percebeu que teria de enfrentar sozinha a Família

348
Real numa série de compromissos de verão, a começar com a
cerimónia Trooping the Colour. Se a maioria desses compro-
missos oficiais se apresentava como um dia de tensão e ansie-
dade, aguardava com muito mais alarme a longa estada de uma
semana no Castelo de Windsor para o encontro da corrida de
Royal Ascot. Diana e o Príncipe decidiram, enquanto lá esti-
vessem, discutir a situação do casamento com a Rainha e com
o duque de Edimburgo. A ansiedade de Diana a respeito deste
encontro era partilhada pelo corpo dos seus leais amigos, que
conheciam de muitos anos as dificuldades que encarara dentro
da Família Real, e que eram bem sabedores da pressão que a
Princesa teria de suportar nos dias e nas semanas vindouras.
Também sabiam que Diana não era nem tão astuta, nem tão
manipuladora como alguns dos seus detratores pretendiam, e
que necessitaria de todo o seu espírito lutador e de toda a sua
força interior para as muitas batalhas que a aguardavam.
Esse confronto com a Rainha, com o Príncipe Filipe e com
o Príncipe Carlos nos apartamentos privados do Castelo de
Windsor facultou a Diana uma vívida perspetiva do que a
aguardava. Foi saudada com a peremptória recusa de aceitar se-
quer a ideia de uma separação, sob qualquer forma, sem que an-
tes ela e o marido tentassem por um determinado período – que
se pensou durar cerca de três meses – resolver as suas divergên-
cias. Entretanto, a fachada da normalidade – ou o que passa por
normalidade num casamento da realeza – era para ser mantida.
Porém, se até ali apenas o desentendimento entre o Príncipe e
a Princesa era evidente para a imprensa e para o público, os sinais
de divisão dentro da própria Família Real desmascararam-se nas
tradicionais cerimónias de Ascot. Num palanque ligeiramente
ridículo, senão mesmo humilhante, a duquesa de York, agora
separada do Príncipe André, assistia das linhas laterais, com as
duas filhas e outros espectadores, ao desfile das carruagens reais.
Por duas vezes Carlos e Diana deixaram o hipódromo juntos no

349
seu Aston Martin, para, apenas a alguns quilómetros de distân-
cia, Diana apanhar o seu próprio carro. Mais evidente ainda, o
duque de Edimburgo foi visto a ignorá-la ostensivamente quan-
do passou por ele no camarote real em Ascot. Pela primeira vez,
a imperturbável máscara da monarquia caía em público, o que
dava bem a medida da confusão e do conflito dentro da Família
Real ao tentar lidar com a crise.
À medida que o sistema da monarquia absorvia a gravidade
da situação, os pontos de vista da Rainha e dos seus mais próxi-
mos familiares filtraram-se gradualmente através da hierarquia
do palácio e espalharam-se como ondas até aos círculos exterio-
res da realeza. A frieza para com a Princesa e para com aqueles
que se lhe mantinham leais era então demasiado evidente. Em-
bora não fosse recebida com o silêncio dos cortesãos, não podia
haver qualquer engano acerca da sua falta de simpatia ou da sua
reprovação.
Para o seu sogro, contudo, um silêncio humilhante em Ascot
não era, aparentemente, sinal suficiente da sua reprovação. Du-
rante as semanas seguintes, Diana recebeu quatro cartas mes-
quinhas do duque de Edimburgo: uma, ressentida; outra, re-
preensiva; a terceira, conciliatória (de certo modo), e a última,
condenatória. A agressividade destas cartas deixou-a chocada e
paralisada, mas enquanto antes teria rebentado em lágrimas e
ter-se-ia recolhido à sua concha, já não estava pronta para acei-
tar tal investida da Família Real. Por uma vez, estava determi-
nada a defender o seu caso. Através de um amigo, contactou um
advogado; depois, com a ajuda do seu secretário privado, Pa-
trick Jephson, um dos seus poucos aliados de confiança, despa-
chou respostas formais ao Príncipe Filipe, pondo efetivamente
em «pratos limpos» a forma como sentiu ter sido tratada pelo
marido, pela família dele e pelos seus cortesãos, incluindo a sua
exigência de que, como condição da sua permanência na Famí-
lia Real, Carlos abandonasse o Palácio de Kensington.

350
As cartas foram a primeira salva do que veio a revelar-se um
longo verão quente de intrigas e insinuações. A imagem da Casa
de Windsor como a de uma respeitadora, sóbria e industriosa
família havia há muito captado a imaginação do público. Então,
a repentina e dramática revelação de que o seu comportamento
não era melhor do que o de qualquer outra família – e muitas
vezes até bem pior – chegou como uma desagradável surpresa
para muitos dos que aceitaram incondicionalmente a asséptica
versão do palácio, tal como era transmitida por editores, escri-
tores, entrevistadores e criadores de programas de confiança.
Dos diversos choques inaugurados com a publicação de Diana
– A Verdadeira História Contada pela Princesa, e confirmados ao
fim de apenas umas semanas depois da sua divulgação, o con-
traste entre a Família Real do domínio público e os Windsors
em privado foi um dos mais dramáticos.
Dentro do palácio, uma campanha de boatos contra a Prin-
cesa começou com tanto mais zelo quanto mais cerradas eram
as posições da Família Real contra ela. Tanto Diana como a
duquesa de York se convenceram de que havia inúmeros con-
luios e conspirações contra elas, muitas vezes com o objetivo
de reduzir o seu apoio público. Por vezes, tornaram-se vítimas
de grandes e absurdos exageros; outras vezes, contudo, as suas
suspeitas provaram ser bem fundamentadas. Entretanto, um
clima de paranoia prevaleceu dentro da própria Família Real.
Acusações amargas, interrogatórios de «caça às bruxas» e du-
ras investigações – as últimas envolvendo periodicamente ofi-
ciais do Corpo de Proteção Real – tornaram-se ocorrências de
rotina. Não é de admirar, portanto, que conversas codificadas,
os misturadores de voz nos telefones, bem como os tritura-
dores de papel se tornassem figuras diárias na vida de Diana.
No Palácio de Kensington tinha os quartos inspecionados em
busca de aparelhos de escuta, e destruía todos os pedaços de
papel que escrevia, sabendo que haveria quem secretamente

351
procurasse no cesto dos papéis alguma coisa que pudesse ser
usada contra ela.
À medida que o verão avançava, os aliados de Carlos começa-
ram a reorganizar-se mais zelosamente. Amigos que, uma dúzia
de anos antes, opinaram contra a ideia de ele casar com Diana
questionavam agora a sanidade mental dela, aconselhando-o
a «livrar-se imediatamente» da mulher e a tratar do divórcio.
Descrevendo Diana – A Verdadeira História Contada pela Princesa
como «o pedido de divórcio mais longo da história», instigaram
o Príncipe a autorizar um assalto à integridade da sua esposa.
Embora o próprio Príncipe tenha deixado ficar claro que não
participaria em qualquer tipo de campanha contra Diana, os seus
simpatizantes, a pouco e pouco, tomaram a seu cargo o contacto
com os media, dando-lhes a sua versão da história. Diana, supos-
tamente de acordo com a fonte do meu livro, seria pintada como
uma mulher doente, dificilmente mantendo um ténue contac-
to com a realidade. Esta ofensiva, enraizada no desdém, senão
mesmo no escárnio pela Princesa, recebeu o voluntário conluio
de muitos diretores de jornais. (Um dos mais antigos diretores
chegou até a enviar ao Príncipe Carlos, por fax, para Highgrove,
um artigo apologético. Embora ele inicialmente o tivesse veta-
do, isso não impediu a sua publicação umas semanas mais tarde.)
Quando o gotejar de artigos críticos sobre Diana, muitas vezes
completamente abusivos, se tomou uma forte chuvada, a Prin-
cesa aprendeu gradualmente a reconhecer quem estava a tentar
enegrecer o seu nome e a envenenar a opinião pública contra
si. No início não quis acreditar, mas acabou por ser forçada a
aceitar, embora relutantemente, que amigos íntimos do mari-
do – amigos que ela achara simpáticos para consigo – davam
entrevistas aos media quase todos os dias. No entanto, se se sen-
tia doente, não estava disposta a ceder à pressão: «Porque não
poupas uma chamada telefónica e não ligas diretamente para os
jornais?», perguntou ao Príncipe numa breve conversa.

352
Apesar da sua eficácia, esta campanha de desmoralização não
chegou a ser uma vingança do Príncipe de Gales. A tarefa coube
largamente ao seu secretário particular, Richard Aylard, que no
fim de junho convocou uma reunião com os amigos do Príncipe
para tentar salvar a sua reputação. Mais uma vez, diversos res-
ponsáveis da imprensa foram usados como veículo de divulga-
ção de várias histórias positivas acerca do Príncipe, bem como
da sua válida contribuição para a vida do país; foi igualmente
retratado como um pai dedicado, segundo se dizia, de uma tran-
quila devoção parental, em gritante contraste com o sufocante
afeto da mulher pelos filhos. Na verdade, Diana era acusada de
se opor de forma tão eficiente às tentativas do Príncipe para
estar com os filhos, que este era obrigado a agir como um pai
divorciado para conseguir estar com eles. Um dos comentado-
res da realeza, Penny Junor (biógrafo do Príncipe), descreveu a
conduta de Diana como «irracional, insensata e histérica»; ou-
tros jornais foram informados por amigos de Carlos de que a
sua mulher era uma «megalómana que quer estar no topo da
montanha. Quer ser vista como a mais importante mulher do
mundo. O seu comportamento está a pôr em perigo o futuro do
seu casamento, o país e a própria monarquia.»
Com a declaração de guerra aberta entre o casal, o Palácio de
Buckingham num torvelinho e as discussões sobre o divórcio
em curso, a grotesca charada da normalidade ainda se manti-
nha. Foi anunciado um cruzeiro de verão, tolamente classifi-
cado como «uma segunda lua-de-mel» para o Príncipe e para a
Princesa. Para Diana foram umas férias no Inferno. Ela possuía
demasiadas más recordações de anteriores férias a bordo do Ale-
xander, um dos 11 iates de luxo possuídos pelo multimilioná-
rio grego John Latsis. A distância entre o casal era demasiado
evidente para os restantes elementos do grupo, que incluíam a
Princesa Alexandra e o marido, o honorável Sir Angus Ogilvy,
o lorde e Lady Romsey. Diana fechou-se em si própria, man-

353
tendo pouco contacto com o marido, dormindo num camarote
separado e preferindo tomar as refeições com os filhos. A ten-
são subjacente não diminuiu quando atendeu um telefonema
para terra e escutou a conversa do marido com Camilla Parker
Bowles. Não ficou surpreendida, embora as suas desconfianças
acerca deste relacionamento fossem ridicularizadas como fanta-
sias de uma mulher doente. «Por que não te vais embora com a
tua amante e pões um fim nisto tudo?», perguntou, cansada, ao
marido. «O casamento terminou», afirmou um dos presentes
no iate depois de o grupo real se ter ido embora. Para a Prince-
sa, as férias foram simplesmente mais um exemplo da duplici-
dade da realeza e da sua própria hipocrisia.
Entretanto, o verão tornou-se repentinamente demasiado
quente para a duquesa de York, em férias no Sul de França com
as filhas e o seu «gestor financeiro», John Bryan. Fotografias,
tiradas a longa distância, de Bryan a chupar os dedos dos pés e
a beijar uma Fergie em topless correram as primeiras páginas de
todo o mundo. O episódio foi devastador para a imagem públi-
ca da duquesa, e efetivamente acabou com qualquer hipótese de
reconciliação entre ela e o Príncipe André. A presença das filhas
aumentou o escândalo, enfurecendo de igual modo deputados,
imprensa e o público, e houve pedidos para que lhe fosse retira-
do o título e para que a expulsassem da Família Real.
As repercussões deste episódio ainda se faziam sentir quan-
do, em agosto de 1992, Diana foi apanhada num escândalo se-
melhante. Sob o título «A minha vida é uma tortura», o Sun
transcreveu uma gravação telefónica entre uma mulher, alega-
damente a Princesa de Gales, e um admirador misterioso, que
se pensou ser o seu amigo James Gilbey. Veio a ser um dos epi-
sódios mais embaraçantes na carreira de Diana.
Existiam realmente duas fitas, ambas gravadas ilicitamente
– na verdade, ilegalmente – por radio-amadores que, na altura,
contactaram o Sun, embora houvesse um ano de diferença entre

354
os seus contactos com o jornal. As conversas eram semelhan-
tes; a primeira fora gravada na véspera de Ano Novo, em 1989,
quando a Princesa estava em Sandringham. O admirador falava
do seu carro estacionado à beira de uma estrada em Oxford-
shire; no decorrer de uma longa conversa em que a mulher
se mostrava uma pessoa profundamente perturbada, solitá-
ria e vulnerável, quase pateticamente agradecida pela atenção
dispensada pelo seu admirador, ele chamou-lhe «querida» 53
vezes, e «squidgy» ou «squidge»114 vezes. Inevitavelmente, o es-
cândalo ficou conhecido como o Squidgygate.
Durante a ousada, e talvez desconexa conversa, a Princesa la-
mentou-se da sua impossível vida com Carlos e da solidão den-
tro da Família Real que, sentia ela, se distanciava cada vez mais
de si. Falou do seu receio em engravidar (embora esta parte da
gravação não tenha sido publicada senão cinco meses depois,
na véspera da sua visita sozinha ao Nepal), da ansiedade em se
encontrar clandestinamente com o seu admirador e dos seus
sonhos a respeito do futuro: «Partirei e conquistarei o mun-
do... farei a minha parte como sei fazer e deixá-lo-ei para trás»,
afirma de forma significativa – senão profética – quando se
queixava de que o marido lhe tornava a vida uma «verdadeira,
verdadeira tortura».
Depois de muita cavaqueira sobre amigos comuns, horósco-
pos e moda – Diana admitiu ter vestido «da cabeça aos pés»
um outro admirador, o capitão James Hewitt, da Life Guards –,
passou à discussão sobre a Família Real. Descartou as tentativas
da duquesa de York para remediar a sua manchada reputação e
recordou o «estranho olhar» que vira na Rainha-Mãe durante o
almoço – «não é ódio, é uma espécie de interesse e piedade... foi
muito mau ao almoço, e eu quase comecei a soluçar. Senti-me

1 «Squidgy» poderá corresponder, em português, ao carinhoso tratamento por


«fofa»; significa igualmente «húmido», «molhado». (N. da T.)

355
profundamente triste e vazia: “Raios os partam, depois de tudo
o que fiz pela porcaria desta família”... É tão desesperante. Ser
alvo de uma permanente insinuação, do facto de estar a cometer
algo dramático por já não conseguir suportar o aprisionamento
a este casamento.»
A Princesa, tão obviamente só, desmoralizada e negligen-
ciada, conseguia obter um grande conforto do seu embotado
admirador. Os galanteios à distância, numa altura em que mal
começara a combater a bulimia e definia a relação do marido
com Camilla Parker Bowles, demonstravam claramente a sua
crónica carência de auto-estima, bem como uma crescente am-
bição em usar as suas indubitáveis qualidades fora do perímetro
do Sistema Real.
O tratamento de primeira página dado à gravação «squidgy»
arrasou Diana, enquanto Gilbey se tornou, por uma única vez,
o homem mais procurado de Inglaterra, perseguido dia e noi-
te por equipas de jornalistas; no entanto, recusou-se sempre,
determinantemente, a comentar, quer em público quer em
privado, aquela conversa. A Princesa tinha a certeza de que a
publicação daquela gravação fazia parte da campanha para a de-
sacreditar: «Foi feito para me prejudicar muito seriamente, e
esta foi a primeira vez em que senti o que é estar fora da rede,
por assim dizer, e não pertencer à família.» Tentou mostrar um
ar corajoso diante da Família Real, mas a sua disposição muda-
va facilmente. «Não vou a lado nenhum. Não tenho um único
apoiante nesta família, mas eles não me vão deitar abaixo», disse
aos seus ansiosos amigos. O seu sentimento de isolamento nes-
te clima hostil era completo; na verdade, no pico do escândalo
considerou seriamente a hipótese de fazer as malas e abandonar
a Família Real e a vida pública para sempre. Por vezes, também
essa fachada de coragem caía. Muitos amigos confirmaram que
se sentia «destruída» pela cobertura mediática dizendo a uma
pessoa do seu círculo: «Se este é o preço da vida pública, então

356
é um preço que já não estou disposta a pagar». De acordo com
o mesmo amigo, a Princesa nunca parecera tão deprimida ou
desesperadamente desamparada. No entanto, encontrou um
aliado no palácio, talvez pouco provável, na figura da Rainha,
cuja compreensão e atitude de auxílio encorajaram Diana para a
luta. Apesar disso, a Princesa tinha poucas ilusões acerca da Fa-
mília Real, dos seus cortesãos e apoiantes; como relembrou um
dos amigos mais chegados: «Mesmo que eles não tivessem ma-
nobrado para matar a galinha que punha os ovos de ouro para
a imprensa, teriam certamente êxito em torná-la maravilhosa.»
Parecia que a Família Real não estava disposta a aprender
essa lição, completamente incapaz de ver que uma campanha
orquestrada para desacreditar a Princesa de Gales era intrinse-
camente autodestrutiva e, em última análise, afetava profunda-
mente a monarquia. Até então, a cobertura da imprensa oscilou
entre o histérico e o sinistro, enquanto cada dia parecia trazer
o seu próprio novo escândalo real. No meio desta especulação
frenética, desenvolveu-se no interior do círculo de Diana a sus-
peita de ter havido uma conspiração entre os amigos mais che-
gados do Príncipe, o aparelho do palácio ou mesmo o serviço
secreto, o MI5, para desacreditar a Princesa de Gales.
Contudo, a negra propaganda pode conseguir muito. O as-
sunto do casamento de Carlos e Diana tinha ainda de ser dis-
cutido, e com esse fim foi negociado um acordo, numa reunião
íntima em Balmoral, entre a Rainha, o Príncipe Filipe e o Prín-
cipe e a Princesa de Gales. O tema central discutido foi uma
separação informal, solução que a Rainha havia há muito de-
fendido, segundo a qual Diana poderia viver uma vida indepen-
dente dentro da Família Real, juntando-se ao marido apenas
para os compromissos oficiais, como o Trooping the Colour.
O Príncipe concordou em sair do Palácio de Kensington, e
Diana, determinada a alcançar uma relação de trabalho com a
família de acordo com as suas próprias regras, aceitou tacita-

357
mente. Durante um tempo, foi estabelecido um instável equi-
líbrio.
Ultimamente, a Princesa mostrava-se sempre leal para com
a Coroa e sempre pronta a submeter-se à-vontade da Rainha.
Estava, também, especialmente sensibilizada para as dificulda-
des da Rainha num ano que a soberana, ela própria, descreveria
como o seu annus horribilis: o seu solicitador, Sir Matthew Far-
rer, andava a negociar com Downing Street algumas propostas
secretas para o pagamento dos impostos sobre o rendimento;
respeitadas figuras da Igreja criticavam a Família Real por não
oferecer um exemplo saudável da vida em família; e as sonda-
gens de opinião registavam um aumento generalizado do des-
crédito da monarquia.
No outono de 1992, e contra este fundo de inquietação pú-
blica e privada, a Princesa de Gales iniciou uma série de reu-
niões com o seu secretário particular, Patrick Jephson, e com o
seu advogado. Paul Butner, para discutir a sua separação oficial
do marido e para planear o seu futuro dentro da Família Real.
Todos os que se viram envolvidos nestas delicadas negociações
recordam a sua evidente vulnerabilidade. «Estava aterrorizada
com a ideia de a família lhe retirar as crianças e de a conduzir ao
exílio», recorda um conselheiro. «Era a sua maior ansiedade, e
estava preparada para desistir de tudo, ou fazer qualquer coisa
para se manter com os rapazes.» Diana não necessitava de que
a recordassem do difícil divórcio dos seus pais, durante o qual a
própria mãe, Frances Shand Kydd, perdera a custódia dos seus
quatro filhos a favor do pai de Diana, o conde Spencer.
As reuniões entre os Príncipes de Gales para a discussão dos
problemas que uma separação formal envolvia eram invaria-
velmente muito emocionais e cheias de nervosismo, acabando,
e por vezes começando, com o bater de portas, tons de voz al-
terados e olhos lacrimejantes. Trouxe-se uma venerável figura
legal, na considerável pessoa do lorde Goodman, para arbitrar

358
as questões constitucionais levantadas com a perspetiva de uma
separação formal. Em diversas fases, o primeiro-ministro John
Major foi questionado acerca dos efeitos, se algum houvesse, de
uma separação formal na governação do país. Respondeu que
não haveria quaisquer consequências.
Na sua maior parte, a discussão centrou-se nas crianças, nas
habitações do casal e nos seus gabinetes. Ao mesmo tempo
que pedia a Carlos que abandonasse o Palácio de Kensington,
Diana queria também afastar o pessoal do seu gabinete do do
dele, já que estavam ambos sediados no Palácio de St. James, e
deslocar os seus funcionários para alojamentos no Palácio de
Buckingham. Esta exigência era inaceitável para o Príncipe.
Como recorda um dos seus conselheiros: «O Príncipe sentia-se
relutante em assumir até às últimas consequências uma separa-
ção formal e um divórcio, não apenas pelo bem dos seus filhos,
como também pela barafunda constitucional que daí adviria.»
As reuniões continuaram, todas com a sua carga de argu-
mentos e raiva. Tentada até ao limite da sua resistência numa
destas discussões, Diana jogou, desesperadamente, o seu trunfo.
A sua frustração em relação ao Sistema Real era tão grande que
ameaçou levar as crianças e ir viver com elas no estrangeiro,
começando uma vida nova na Austrália. Em vão. Foi-lhe recor-
dado, com muita veemência, que os rapazes eram os segundo
e terceiro na linhagem de sucessão ao trono, e que, como tal,
teriam de ser educados no interior da corte a fim de aprender os
deveres reais. Diana foi também friamente advertida acerca das
cruéis realidades legais subjacentes às suas exigências. Leis que
se aplicam exclusivamente à Família Real negam efetivamente
à mãe qualquer interferência relevante na educação dos filhos.
O seu trunfo foi compreensivelmente superado.
Apesar daquele tenso outono de 1992, a constante torrente de
histórias pró-Carlos continuou, histórias evidenciadas quando
se anunciou que ele havia contratado o locutor Jonathan Dim-

359
bleby para escrever a sua biografia, descrita como uma «respos-
ta cabal» a Diana – A Verdadeira História Contada pela Princesa.
A imagem de um leal empregador, de um afetuoso, senão mes-
mo frustrado, pai, e a de uma incompreendida figura pública
que ali estava para ficar – tudo isto começou a emergir.
Quando, em novembro, os preparativos para uma viagem de
ambos à Coreia terminaram, o secretário privado do Príncipe
informou diversas redações de jornais de que esta seria a «via-
gem da união». Nesta altura, as negociações sobre a separação
haviam chegado a um ponto crítico, e a Princesa não estava dis-
posta a prolongar esta farsa. Pouco antes, nesse ano, numa in-
feliz viagem à Índia, Diana usou a sua linguagem corporal com
um efeito devastador quando posou sozinha junto do Taj Ma-
hal, o monumento ao amor perdido, enquanto Carlos dirigia
uma reunião de negócios. A distância entre o casal ficou bem
patente no momento em que a Princesa virou deliberadamente
a cara quando o Príncipe a tentou beijar depois de um jogo de
polo em Jaipur. Usou as mesmas táticas na Coreia, determinada
em mostrar ao mundo o que realmente se estava a passar, de-
cisão que vários amigos, incluindo Rosa Monckton, presidente
da Tiffany, questionaram. Cabeçalhos como «Os sorumbáticos»
e «Quanto mais tempo durará esta tragédia?» indicavam que a
estratégia tinha tido êxito.
A viagem foi igualmente perseguida por exageradas repor-
tagens acerca do conteúdo da edição em paperback de Diana –
A Verdadeira História Contada pela Princesa, que sumariamente
aludia às cartas de tom azedo que recebera do Príncipe Filipe.
Quando tudo isto começou a ser explorado pelos tabloides,
pareceu ter sido mais um escândalo arquitetado por Diana, e,
no fim, foi forçada a fazer uma declaração pública explicando
a sua relação com a Rainha e com o duque de Edimburgo. «A
insinuação de que eles se comportaram de outro modo que não
com compreensão e facultando-me todo o apoio não é falsa,

360
e é particularmente dolorosa», disse. Foi, de qualquer modo,
apenas uma questão de tempo até a separação ser oficialmen-
te anunciada pelo primeiro-ministro. A Princesa pedira que
o anúncio fosse feito quando os rapazes ainda estivessem no
colégio, protegidos, e a data escolhida foi 9 de dezembro de
1992. Na semana anterior, Diana visitara os Príncipes William
e Harry no colégio de Ludgrove, em Berkshire, para lhes poder
dar a notícia em primeira mão e também segurança em relação
ao futuro.
Durante esse choroso encontro, Diana prontamente se abste-
ve de referir o nome da mulher que, segundo ela, destruíra o seu
casamento. Estava perfeitamente consciente da perturbação que
causaria nas crianças se lhes dissesse que a causa do colapso do
seu casamento era a existência de «outra mulher». Para a Prin-
cesa, os filhos estavam em primeiro lugar – custasse o que cus-
tasse. O anúncio em si foi, explicou Diana, «muito, muito triste.
Verdadeiramente triste. O conto de fadas chegara ao fim...»
Não fora apenas o conto de fadas pessoal de Diana que chega-
ra ao fim. Os acontecimentos de 1992, o annus horribilis, despe-
daçaram efetivamente o mito da Família Real. Esse ano assistiu
à colisão entre fantasia e realidade, quando a crueza dos factos
venceu o romance doméstico. «O simbolismo do fogo no Cas-
telo de Windsor não passou despercebido a nenhum membro
da família», disse Diana aos amigos.
Um golpe fatal atingira a imagem da Família Real como «fa-
mília perfeita». Durante demasiados anos, Diana fora uma in-
voluntária participante para a hipocrisia que rodeava a sua vida
no clã real. Deixara-a emocionalmente esgotada e fisicamente
exausta. Agora, a verdadeira história viera a público e não ha-
via mais necessidade de continuar a mentir ou a esconder-se da
verdade.
Apenas um ano antes, parecera-lhe um sonho impossível,
mas neste momento a Princesa estava preparada para deixar o

361
passado para trás. Uma nova vida acenava-lhe: uma existência
mais livre sem os grilhões de um casamento desesperadamente
infeliz. Estava a preparar um recomeço sozinha, e embora ain-
da pertencesse à Família Real e vivesse debaixo das restrições
do sistema, chegara ao ponto de desprezar e desconfiar. Não
era um compromisso fácil e não levaria muito tempo para que
Diana se enervasse, mais uma vez, com as grades da sua gaiola
doirada. Como confessou aos amigos: «Eu pactuei, concordei
em pagar a conta, por agora. O mais divertido ainda está por
vir, talvez daqui a dois ou três anos.»
«Estou a aprender a ser paciente.»

362
Não levaria muito tempo para que
Diana se enervasse, mais uma vez,
com as grades da sua gaiola doirada.
Como confessou aos amigos:
«Eu pactuei, concordei em pagar
a conta, por agora. O mais divertido
ainda está por vir, talvez daqui a
dois ou três anos. Estou a
aprender a ser paciente.»

365
CAPÍTULO X

«A Minha Carreira de Atriz


Terminou»

D urante muitos anos, poucas gargalhadas e ainda menos


sorrisos existiram naqueles apartamentos do Palácio de Ken-
sington onde o Príncipe e a Princesa estabeleceram a sua casa.
As visitas rapidamente se apercebiam da gélida atmosfera, e ex-
pressões como «energia dos mortos», «sombrio» e «tenso» tor-
naram-se lugares-comuns nas suas descrições. «Sinto que morri
naquela casa muitas, muitas vezes», disse Diana aos amigos. Até
o seu quarto tinha uma atmosfera de tristeza. «Posso imaginá-la
deitada na cama, à noite, acariciando o seu ursinho e a chorar»,
observou um antigo elemento da equipa a respeito do seu quar-
to de menina, com toda a sua população de expectantes animais
de pelúcia procedentes de uma igualmente infeliz infância.
Agora estava separada não apenas do marido mas de mui-
ta da infelicidade para a qual o casamento a arrastara. Talvez
simbolicamente, a sua primeira decisão foi a de deitar fora a
cama de casal de mogno, onde dormira no Palácio de Kensin-
gton desde o seu casamento, 11 anos antes. A seguir, pintou o
quarto, colocou-lhe fechaduras novas e mudou o número do
seu telefone privado. A sua nova vida a sós começara.
Durante o inverno de 1992, houve muitas idas e vindas entre
Highgrove, o Palácio de Kensington e o Palácio de St. James,
com os bens do casal a ser transportados para as suas novas casas
de separados. «Foi», afirmou um dos funcionários do palácio,
«um final muito triste e muito pouco dignificante para o conto

367
de fadas». O Príncipe e a Princesa, que haviam recebido uma
gruta de Aladino repleta de presentes durante o seu casamento,
despojados de qualquer sentimentalismo, consignaram às cha-
mas o que não queriam. Fez-se uma fogueira das suas vaidades
nos jardins de Highgrove; bens valiosos foram atirados para as
arrecadações do Castelo de Windsor ou oferecidos a obras de
caridade. No Palácio de Kensington ficaram apenas uns quantos
objetos a lembrar a presença do Príncipe Carlos.
Para o Príncipe, nem essa pequena lembrança da mulher foi
consentida. Nos meses seguintes, qualquer sinal de que a mulher
ali vivera, em Highgrove, foi sistematicamente varrido. Foi, en-
tão, contratado um decorador para redecorar completamente a
casa, bem como a nova habitação do Príncipe no Palácio de St.
James. As visitas de Highgrove não podiam deixar de reparar
em que, entre as fileiras de fotografias da família, não havia uma
única da agora separada esposa do Príncipe.
Nos meses que se seguiram à separação, as visitas mais fre-
quentes ao Palácio de Kensington começaram a reparar na mu-
dança dos anteriormente sombrios apartamentos Oito e Nove.
O pessoal parecia mais amistoso, menos formal; a atmosfera
mais leve e mais descontraída. Também houve pequenas altera-
ções na decoração: as paredes foram pintadas, apareceram vasos
de barro com arranjos de ramos e musgo, e os severos quadros
militaristas e arquiteturais do Príncipe foram substituídos por
outros, com agradáveis paisagens e bailarinas. Os convidados
eram saudados com música em alto som e com o perfume de
frésias ou de lilases brancos. O espírito prevalecente era inevi-
tavelmente feminino, apesar de Diana nunca se ter decidido a
seguir o seu impulso inicial de redecorar completamente a casa.
Na verdade, tinha uma relação de amor-ódio com a sua casa
no Palácio de Kensington, a que se diz possuírem os reféns
pelos seus raptores. Para Diana, o Palácio representava muita
infelicidade acumulada e muitos desgostos, e no entanto, disse

368
aos amigos: «Sinto-me segura aqui.» Durante todo o seu ca-
samento, a sua sala no primeiro andar fora, de acordo com as
suas próprias palavras, «o meu retiro, o meu império e o meu
ninho.» Na verdade, era um santuário para os dois homens da
sua vida, os Príncipes William e Harry. Diante da lareira havia
um coxim com 1,50m, de pele de rinoceronte, para os filhos
se deitarem quando viam televisão, e em todas as superfícies
possíveis estavam à vista fotografias, em molduras de prata ou
de madeira, dos rapazes a andar de kart, em piscinas, montados
a cavalo, a andar de bicicleta, a pescar, em motas da polícia ou
em uniforme escolar. Mais fotografias emolduradas, desta vez
do seu falecido pai, o conde Spencer, das irmãs, Jane e Sarah, e
do irmão, Charles, o atual conde, adornavam o friso da lareira.
Nesta galeria, também havia fotografias da própria Princesa:
uma fotografia a preto e branco, assinada, dançando com o rea-
lizador Richard Attenborough; outra, com o cantor Elton John;
uma terceira, com Liza Minneli, e fotografias pessoais dela a
imitar Audrey Hepburn, com o guarda-roupa do filme Breakfast
at Tiffany’s.
Povoada com reconfortantes grupos de animais de cerâmica,
caixas de esmalte e figuras de porcelana, a sala dava-nos a im-
pressão de pertencer a uma mulher que se tentava proteger das
incursões do mundo exterior. «É como a sala de uma senhora
de idade», observou uma amiga. «Está completamente cheia de
bugigangas... Quase não nos conseguimos mexer.» Um outro
amigo explicou um pouco a mentalidade por trás desta profu-
são: «É muito comum as pessoas que provêm de um lar desfeito
quererem rodear-se de bens materiais. Estão a construir o seu
próprio ninho.» O claustrofóbico ambiente geral era, contudo,
aliviado pelas amostras do delicado e por vezes autocrítico sen-
tido de humor de Diana. Em cada cadeira havia almofadas com
humorísticas frases bordadas, tais como: «As boas raparigas vão
para o céu; as más vão para todo o lado», «Temos de beijar mui-

369
tos sapos antes de encontrarmos o Príncipe», e «Tenho pena
dos que não bebem porque quando acordam, de manhã, é o que
de melhor vão sentir durante todo o dia». A casa de banho e os
lavabos estavam decorados com bandas desenhadas de jornal
retratando o Príncipe Carlos a falar com as suas plantas, e a visi-
ta de ambos ao Papa, no Vaticano; também isto dava outra ideia
daquilo a que Diana achava piada.
Porém, mesmo estes leves toques não deixavam esconder o
seu generalizado sentimento de insatisfação, manifestado na
sua ambivalente atitude em relação à sua casa. Durante meses,
depois da separação, a Princesa vacilou entre ficar no Palácio
de Kensington e mudar-se para uma casa própria no campo.
A sensação de viver dentro de uma prisão aberta no Palácio de
Kensington, constantemente debaixo da vigilância do pessoal e
da polícia, atormentava-a. Ansiava por libertar-se, mas ao mes-
mo tempo previa qual a interpretação que a imprensa e o pú-
blico dariam ao facto de comprar uma casa para si; revelar-se-ia
uma tão óbvia rutura com tudo o que acontecera antes, desde
o seu casamento, em 1981. Como observou uma amiga: «Uma
das coisas que mais a preocupam é um profundo receio de vir
a ser condenada ou censurada. Assim, como sempre, ela volta
atrás.»
Na primavera de 1993, Diana sentia-se já cada vez mais infeliz
por ter de viver no Palácio de Kensington. Por isso, quando, em
abril, o seu irmão Charles, o conde Spencer, lhe ofereceu a Gar-
den House, uma casa de quatro assoalhadas na propriedade de
Althorp, ficou «excitada e encantada». Tratava-se de uma ofer-
ta que também punha claramente de lado o problema de poder
ser vista como extravagante. «Finalmente, posso construir um
aconchegante ninho para mim», disse aos amigos, cheia de en-
tusiasmo com a ideia de mobilar e decorar a sua própria casa; na
verdade, o desejo de tornar o lugar «aconchegante» tornou-se
o seu permanente refrão. Pela primeira vez, podia expressar-se

370
sem ter de olhar à volta sentindo-se culpada, ou sem ter quem
lhe lembrasse acontecimentos tristes. Contactou um amigo da
família, Dudley Poplak, um decorador nascido na África do Sul
que decorara o interior dos apartamentos que ela partilhara
com o Príncipe Carlos no Palácio de Kensington. Juntos discu-
tiram as cores, os materiais e o papel de parede – azuis-claros e
amarelos foram a escolha provisória. Abriu-se-lhe a excitante
perspetiva de uma nova vida. Mais ainda, a Garden House tra-
zia outra vantagem: não estava rodeada de outras casas, per-
mitindo-lhe absoluta privacidade, e, melhor de tudo, o ubíquo
guarda-costas armado não teria de se intrometer na sua nova
casa, já que havia uma pequena casa nas redondezas onde ele
poderia ficar instalado.
Apenas três semanas depois, o fantástico novo mundo de
Diana desmoronou-se à sua volta. O conde Spencer telefonou-
-lhe e disse-lhe que já não se sentia à-vontade com a ideia. Ar-
gumentou que a presença de mais polícias, as inevitáveis câma-
ras e outros tipos de vigilância implicariam inaceitáveis níveis
de intrusão. Com Althorp aberto ao público, teriam de lhe ser
feitas várias restrições na sua liberdade de movimentos. Dia-
na ficou espantada, pela primeira vez completamente sem pa-
lavras. Embora os argumentos do irmão fossem perfeitamente
válidos, para ela a sua decisão representou muito mais que a
simples perda de uma casa. O seu «aconchegante ninho» consti-
tuía para ela tanto um desafio como um recomeço; mais do que
isso, contudo, a Garden House tinha sido, literalmente, a casa
dos seus sonhos. Durante muitos meses houve uma certa frieza
entre a Princesa e o irmão.
As relações entre o clã Spencer nunca tinham sido fáceis.
O divórcio dos pais e o subsequente casamento do pai com Rai-
ne, a condessa de Dartford, filha da novelista romântica Barbara
Cartland, deixara a família irritada e dividida. Diana nunca per-
doou à avó Ruth, Lady Fermoy, uma das damas de companhia

371
da Rainha-Mãe, pela sua decisão em testemunhar contra a sua
própria filha – e mãe de Diana – Frances, no amargo processo de
divórcio. Quando o Príncipe Carlos e a sua neta se separaram.
Lady Fermoy, mais uma vez, traiu o lado dos do seu próprio san-
gue. Foi, portanto, com uma surpresa muito próxima do espan-
to que a família ouviu falar nas duas visitas que Diana fez a Lady
Fermoy, no seu apartamento em Eaton Square, em junho de
1993, exatamente três semanas antes do falecimento da senhora.
Em vez de permitir que os seus ressentimentos emergissem, a
Princesa decidiu simplesmente confrontar a mulher que tanto a
prejudicara. Foram encontros compreensivelmente difíceis, por
vezes glaciares, com Lady Fermoy visivelmente retraída com a
corajosa decisão de Diana em levantar os problemas que as sepa-
rara, em vez de – como é habitual entre a realeza – enveredar por
uma conversa ligeira, acerca de coisas pouco relevantes, deixan-
do as questões importantes por discutir. Seria exagero afirmar
que estes encontros trouxeram a reconciliação, mas conduziram
a um esclarecimento entre as duas partes em disputa.
A sua vontade em construir pontes foi um sinal da determi-
nação de Diana em abandonar os fantasmas do passado. Esta
sua nova resolução esteve no centro da reconciliação com a sua
madrasta, em maio de 1993. Não era nenhum segredo que Dia-
na, as irmãs e o irmão pouco amor sentiam pela mulher a quem
chamavam «Acid Raine».1 Quando o seu pai morreu, a Princesa
tinha uma desculpa para atirar a madrasta para o caixote do lixo
da sua vida, mas optou por não o fazer, convidando Raine e o
seu novo marido, um aristocrata francês, conde Jean-François
de Chambrun, para um almoço. Foi um encontro emocionan-
te que assinalou uma viragem na sua relação, embora os seus
posteriores e frequentes encontros fossem recebidos com frieza

1 «Chuva Ácida». Trocadilho com o nome «Raine», que pode ser foneticamente
compreendido como «rain», que significa «chuva». (N. da T.)

372
pelo resto dos Spencers e conduzissem, uma vez, a um zangado
confronto com a mãe, Frances Shand Kydd. Durante esta dis-
cussão, Diana sublinhou que ela fora quem mais odiara Raine,
e, mesmo assim, fora capaz de esquecer e perdoar; portanto, o
mesmo devia fazer o resto da família.
O êxito de Diana em limpar o lodaçal de emoções do passado
deixou-a liberta para lançar os alicerces de uma nova vida. Uma
casa nova fora a pedra-de-toque do seu sonho, e o colapso dessa
ambição provocou-lhe um rude golpe. As suas esperanças es-
moreceram: a Princesa passou muitos meses a lamber as feridas,
resistindo, embora sem apreço, à vida no Palácio de Kensing-
ton, que, por esta altura, possuía um tal ambiente, que um dos
empregados a baptizou como a «Casa Sombria». Tornara-se,
num certo sentido, prisioneira do que ela própria construíra,
cativa da sua própria psique. Ganhara uma certa liberdade, se-
não mesmo uma total emancipação. A porta da gaiola dourada
estava aberta. Teria de arranjar vontade para começar uma vida
nova por si própria. Porém, em vez disso, parecia viver metade
da antiga.
Era, na verdade, uma vida calma, quase monástica. A rotina
diária da Princesa praticamente não variava. O seu dia começa-
va exactamente às 7 horas da manhã. Depois de um pequeno-
-almoço ligeiro — de frutos vermelhos, muesli caseiro ou tor-
radas de pão integral, ou fruta fresca com iogurte e café –, saía
para o seu treino diário no Chelsea Harbour Club. Nunca to-
mava duche no clube, preferindo mudar-se em casa, longe de
olhares curiosos – e eventuais máquinas fotográficas. Por volta
das 9 horas o seu exuberante cabeleireiro, Sam McKnight, apa-
recia. Era um dos poucos homens na sua vida que podiam dei-
xar a Princesa à espera — mantendo-lhe um sorriso nos lábios.
Enquanto ele lhe tratava do cabelo (uma mudança de estilo as-
sinalava invariavelmente uma mudança no rumo da sua vida),
a Princesa mantinha-se ocupada com o telefone do seu quarto,

373
pois os amigos sabiam que esta era uma boa ocasião para a en-
contrar. Nesta altura do dia estava normalmente faladora e ale-
gre. À noite, pelo contrário, quando os acontecimentos do dia
a haviam esgotado, deixando-a sem baterias, conversar poderia
ser, como observou uma amiga, «como tentar arrancar uma ca-
mada de cola».
Todos os dias havia um monte de correspondência a tratar
com a ajuda do seu secretário particular, Patrick Jephson, e das
assistentes. Diana insistia em abrir, ela própria, a maior parte
do correio. Juntamente com a correspondência relativa às suas
obras de caridade, havia outras do público em geral. Estas, ge-
ralmente diferentes no estilo, continham homilias, felicitações
e descrições de experiências pessoais difíceis. A Princesa ficava
profundamente sensibilizada com muitas delas, e muitas vezes
respondia pessoalmente. Era, para todos os efeitos, uma cor-
respondente assídua, lembrando-se de dúzias de aniversários
todos os anos, e, de acordo com as palavras da sua amiga Rosa
Monckton, «escrevia cartas de agradecimento mais rapidamen-
te que qualquer outra pessoa que eu conheça». Jephson recorda:
«Depois de uma viagem era capaz de escrever às nossas mulhe-
res pedindo-lhes desculpa por nos ter levado. Podia ser uma pa-
troa tão estimulante quanto exigente, e demonstrava frequen-
temente grandes atos de generosidade para os que trabalhavam
com ela.»
A partir das 10 horas gostava de telefonar aos amigos. Te-
lefonemas regulares incluíam os de lorde Palumbo, os do seu
advogado lorde Mishcon, da duquesa de York e, depois da sua
reconciliação, os da sua madrasta, Raine. Se se sentia deprimida,
aborrecida ou sozinha, ia às compras para se animar um pouco.
Também fazia breves visitas à sua terapeuta, Susie Orbach, à sua
casa na zona Norte de Londres, e os dias que ela própria designa-
va como os de «Diana Apaparicada» correspondiam àqueles em
que ela experimentava uma série de terapias de «nova geração».

374
À hora do almoço ou se encontrava com amigos num restau-
rante, ou ocasionalmente, encomendava uma refeição para sua
casa. Na maior parte das vezes, no entanto, almoçava sozinha
uma modesta refeição no Palácio de Kensington. Depois do al-
moço, podia receber visitas oficiais relacionadas com progra-
mas de caridade ou com as organizações com as quais estava
envolvida, ou passava cerca de uma hora a pôr em dia a cor-
respondência, deixando os mordomos a atender os constantes
inquéritos telefónicos. Por vezes visitava os seus gabinetes no
Palácio de St. James ou dirigia-se à escola dos filhos para os ver
jogar nos desportos de equipa. Nas tardes de verão, passava ho-
ras sentada no jardim absorvida pelo último romance de êxito.
Diana sabia que, na sua fortaleza do Palácio de Kensington,
de cada vez que se aventurava a atravessar a segurança da porta
da rua se tomava cativa da sorte. Ocasionalmente ia ao cinema
com um grupo de amigas, mas cancelou uma ida a What’s Love
Got To Do With It? – sobre a violenta relação de Tina Turner
com o marido –, não fosse a escolha do filme ser mal interpreta-
da. Passava muitas vezes as noites sozinha levando para a cama
um tabuleiro com uma refeição ligeira e vendo televisão.
A sua cada vez mais solitária existência tornou-se preocu-
pante para o seu círculo de amigos. «Tanta solidão, ela não sabe
em quem pode confiar», afirmou a sua amiga Lúcia Flecha de
Lima, esposa do antigo embaixador do Brasil na Grã-Bretanha.
A generalização da sua celebridade só potenciou este sentimen-
to de isolamento emocional. «Ela sente-se numa prisão, não
apenas como um peixe dourado num aquário mas, com a sua
própria experiência, numa prisão sem saída e sem um ombro
amigo em quem se apoiar. É um espaço terrível para se estar»,
afirmou um dos conselheiros.
Sentia imenso a falta dos filhos, particularmente nas festas
tradicionalmente celebradas em família. No dia de Natal de
1993, pouco mais de ano depois de a separação ter sido anun-

375
ciada, a Princesa ficou na véspera com os rapazes em San-
dringham, no retiro da Rainha em Norfolk, mas partiu, sor-
rindo corajosamente, para o Palácio de Kensington na manhã
do dia de Natal. De regresso a Londres passou o seu almoço de
Natal sozinha, antes de ir nadar, de novo sozinha, na piscina
do Palácio de Buckingham. No dia seguinte apanhou um avião
para Washington a fim de passar uma semana com Lúcia Fle-
cha de Lima. Como a própria recordou: «Chorei durante todo
o caminho para lá e durante todo o caminho para cá; senti pena
de mim própria.»
Os seus fins-de-semana eram ainda mais calmos que os dias
de semana, exceto quando os rapazes iam passá-los com ela. De
acordo com os termos da separação, a Princesa via os rapazes
em fins-de-semana alternados, desde que as férias escolares o
permitissem. Diana iria buscá-los a Ludgrove, e mais tarde a
Eton, e levava-os de carro para Londres a fim de tomar chá no
seu quarto. Como a maioria dos jovens, sentavam-se colados
aos últimos filmes de ação que passavam na televisão por sa-
télite, que a Princesa mandou instalar para que os filhos não
perdessem os seus preferidos. Depois do jantar, os rapazes viam
um filme alugado, como Rambo, ou jogavam um jogo da Nin-
tendo antes de se deitarem.
Nas manhãs de sábado e de domingo, por volta das 8h30,
William e Harry tomavam o pequeno-almoço com a ama. A
Princesa mantinha a sua rotina, mesmo quando os jovens Prín-
cipes estavam presentes, e competia à ama tratar da roupa deles.
Quando estavam prontos, podiam juntar-se à mãe no ginásio,
onde aprendiam a jogar ténis, ou ficavam em casa, andando nas
suas bicicletas BMX nos jardins do Palácio de Kensington ou
descarregando energias em vigorosas batalhas de pistolas de
água, molhando-se um ao outro com mangueiras ou deixando-
-os envolver-se em intensas batalhas de bombas de água com
amigos da escola. Também havia outras diversões, especial-

376
mente quando os planos da mãe lhe permitiam sair com eles.
O passatempo favorito de Harry era andar de kart num circuito
de Berkshire. Como desportista, era bastante destemido, sem-
pre ávido por competir no terreno com William. O Príncipe
mais velho preferia montar a cavalo ou fazer tiro ao alvo com
os amigos, atividades nas quais não se sentia constantemente
frustrado com a sua inépcia em bater o irmão mais novo. Ele
era, em todo o caso, o mais sério dos dois; Harry era mais ágil e
irrequieto, tanto no desporto como a conversar. Contudo, em-
bora Harry implicasse com o irmão incessantemente, precisa
desesperadamente dele.
Quando os rapazes estavam com o pai, ou iam para a esco-
la, os apartamentos do Palácio de Kensington voltavam ao seu
habitual sossego. A monástica atmosfera era perturbada apenas
pela campainha do telefone, instrumento que fora, em tempos,
o confessionário da Princesa, o seu melhor amigo e a sua ocasio-
nal perdição. A divulgação da gravação squidgy causara a Diana
embaraço e preocupação profunda. Neste momento, contudo,
era a vez de o Príncipe Carlos lastimar a invenção do telefone.
A imagem do Príncipe ficou seriamente afetada nos meses
que antecederam a separação, e em janeiro de 1993 sofreu um
golpe ainda mais duro, quando alguns jornais publicaram a
transcrição da gravação de uma conversa telefónica, alegada-
mente entre o Príncipe e Camilla Parker Bowles, e que supos-
tamente teria ocorrido a 18 de dezembro de 1989. O seu con-
teúdo, simultaneamente íntimo e repugnante, forçou muitas
proeminentes figuras do establishment, tradicionalmente leais à
Coroa – notáveis membros da Igreja, das forças militares e do
Parlamento – a questionar a competência do Príncipe Carlos
para reinar.
A tardia chamada telefónica tornou evidente o eterno afeto
de um pelo outro, em grande parte pela sua por vezes infantil
e lasciva intimidade. Depois de várias palavras carinhosas por

377
parte da mulher, o homem diz: «A tua grande proeza é amares-
-me», acrescentando: «Sofres todas estas indignidades, torturas
e calúnias.» A mulher responde: «Eu sofreria tudo por ti. É o
amor. É a força do amor.» O homem diz uma piada grosseira
sobre o transformar-se num tampão para poder estar constan-
temente unido à sua amante, que, se realmente se tratava de
Camilla Parker Bowles, era também a mulher de um dos mais
antigos amigos dele. Mesmo antes de desligar o telefone avi-
sa que «vai carregar na teta», referindo-se a um dos botões do
telefone. A mulher responde: «Quem me dera que carregasses
nas minhas.» Ele responde: «Amo-te, adoro-te», e a mulher ge-
nerosamente replica: «Eu amo-te.» Significativamente, nem o
Príncipe de Gales nem a Sra. Parker Bowles alguma vez nega-
ram que a gravação fosse genuína.
Durante algum tempo, os amigos do Príncipe Carlos tenta-
ram explicar as sussurrantes chamadas telefónicas, os encon-
tros clandestinos e os presentes secretos entre Carlos e Camilla
como uma mera amizade. Diana, no entanto, preferiu sempre
confiar no seu poder de observação e no seu instinto. Conhe-
cia igualmente um monte de cartas de amor escritas em papel
timbrado de Camilla, prova de que não podia facilmente ser
repudiada. Porém, embora não tivesse dúvidas de que a gra-
vação era genuína, estava ainda chocada com os sórdidos por-
menores ali impressos a preto e branco. Estarrecida e enojada,
leu a transcrição com crescente fúria à medida que reconhecia
os nomes de tantos amigos, pessoas que conhecia e em quem
confiara durante anos, e que haviam conspirado para a enganar
providenciando histórias que encobrissem os amantes ou casas
seguras para que o Príncipe e Camilla se pudessem encontrar
em segredo.
A gravação aumentou a contínua obsessão da Princesa com
este relacionamento que tanto ensombrara o seu casamento.
Embora se mostrasse indiferente ao destino do Príncipe e de

378
Camilla Parker Bowles, observava todos os seus movimentos
como um falcão. Fazia a carta de Camilla com a sua astróloga – é
Caranguejo, como Diana –, cismando sobre o destino do casal
com um fascínio ao mesmo tempo mórbido e pouco saudável.
Em público, a Princesa mostrava uma cara valente aos proble-
mas, mas em privado era uma mulher em sofrimento, chorando
a sua inocência perdida, a relação fracassada e os anos perdidos
da sua vida adulta. Em momentos de otimismo, Diana sentia
que poderia vencer o Sistema Real e usar a sua posição de forma
mais positiva. Noutras alturas, irrompia subitamente em lágri-
mas, inexplicavelmente comovida por um filme sentimental, ou
por qualquer observação inocente que lhe relembrasse toda a
infelicidade do passado. Era igualmente significativo que tivesse
começado a vestir cores escuras, especialmente o preto, um há-
bito contrastante em alguém que apresentava tanta variedade de
cores. Isolada e sozinha no seu casulo do Palácio de Kensington,
sentiu-se uma presa das contingências e da indecisão.
O colapso do seu casamento, a consciência da hostilidade que
muitos – e especialmente o Príncipe – lhe dirigiam no círculo
em que se movimentava, a sua tantas vezes insignificante vida
dentro da depressiva atmosfera de sua casa, tudo isso contri-
buiu para uma profunda solidão e uma destrutiva diminuição
da sua auto-estima. Houve, no entanto, um outro fator para o
profundo e crescente isolamento da Princesa, já que ainda luta-
va por cumprir um papel público. Em março de 1993 apanhou
um avião para o Nepal, onde, durante cinco dias, cumpriria a
sua primeira viagem oficial ultramarina depois da separação.
Os media insistiram nos sinais que estava a ser tratada como
uma figura real de segunda linha, incapazes de compreender
que o pouco impacto e a natureza informal da visita fora algo
que a própria Diana pedira.
Inadvertidamente, a Princesa estabelecera para si própria uma
personagem que viria, com o tempo, a ser um fenómeno. Quase

379
exclusivamente entre os membros liderantes da Família Real,
Diana havia compreendido o desejo popular de uma monarquia
mais modesta e relevante, desejo que coincidia cabalmente com
o seu objetivo de reformular a vida dentro da Família Real de
acordo com o seu próprio desígnio. Achava estimulante o tra-
balho além-fronteiras, não apenas porque lhe dava um estatuto
diferente do ocupado pelo marido, mas também porque a afas-
tava do olhar penetrante do Palácio de Buckingham. Nos pri-
meiros dias que se seguiram à separação, tanto a Princesa como
o Palácio não possuíam certezas quanto aos seus planos futuros.
A sua situação em termos constitucionais limitava-se ao papel
de mãe do futuro Rei; isso, pelo menos, ninguém lhe podia ti-
rar. Mas o seu papel em termos públicos era pouco claro. Como
a própria afirmou: «As agendas das pessoas mudaram de um dia
para outro. Eu era agora a mulher separada do Príncipe de Ga-
les, um problema, um obstáculo. “Como vamos lidar com ela?
Isto nunca aconteceu anteriormente.”»
Fossem quais fossem os sentimentos dos homens da Rainha
em relação a Diana, a sua primeira tarefa era servir a soberana e
o seu filho, e manter o statu quo. Com este fim, também eles, tal
como os amigos do Príncipe de Gales, tentaram a difícil tarefa
de reanimar a imagem pública do Príncipe reduzindo o estatuto
da Princesa, que, como imediatamente perceberam, ainda era a
estrela cintilante no desmaiado firmamento real. Se a sua visão
do papel para o Príncipe se atravessava diante das ambições da
sua afastada mulher, paciência. Diana começava então a suspei-
tar de que as visitas ao estrangeiro estavam a ser obstruídas, e
que as cartas se andavam misteriosamente a perder. Quando,
por exemplo, expressou o seu desejo de visitar as tropas britâ-
nicas e os refugiados na Bósnia, sob os auspícios da Cruz Ver-
melha, foi-lhe dito que os planos do Príncipe Carlos para lá ir
tinham precedência. Depois, em setembro de 1993, foi-lhe dito
que «por questões de segurança» não poderia efetuar uma visita

380
a Dublin para se encontrar com a Presidente da Irlanda, Mary
Robinson – no entanto, dois meses depois, assistiu às cerimó-
nias do Remembrance Day,2 em Enniskillen, na Irlanda do Nor-
te, uma viagem muito mais perigosa.
Em privado, a Princesa suspeitava de que o establishment não
queria que gozasse de um elevado nível de popularidade, o que,
inevitavelmente, ofuscaria a imagem do Príncipe. Mais do que
isso, não tinha dúvidas de que estava em curso uma campanha
contra si, conduzida por pessoas que designava por «o inimigo».
«O inimigo era o gabinete do meu marido, porque eu conseguia
sempre muito mais publicidade», dizia. No entanto, a Princesa
não era nenhuma rebelde da realeza. Aprendera o suficiente du-
rante a década em que viveu dentro da «Firma» para andar na
linha. Reconhecia que a sua popularidade era vista como uma
ameaça para o Príncipe de Gales pelos «homens de cinzento»
do palácio. «Mas eu queria fazer coisas boas. Nunca iria magoar
ninguém. Não ia desapontar ninguém.»
Era uma situação frustrante, exacerbada pela sua exasperação
com um sistema que subtilmente a colocara num colete-de-for-
ças ou punha de lado as suas propostas e ambições. A sua frus-
tração chegou ao cúmulo nesse outono, depois de uma série de
artigos de jornal favoráveis acerca de uma mudança no rosto
da monarquia, baseados nas conferências de imprensa presta-
das por Sir Robert Fellowes e outros oficiais do Palácio. Num
dos artigos citou-se o comentário paternalista de um cortesão
anónimo: «Diana é obstinada, mas nós temos de lhe mostrar
amor e compreensão afastando-nos para não criar uma cliva-
gem na primeira fase; se ela se tornar torcida e amarga, será in-
tolerável para as crianças.» Furiosa com este retrato de criança
tonta, conversou muito irritada com Fellowes, o seu cunhado,

2 Domingo mais próximo do 11 de novembro, celebrado na Grã-Bretanha e no


Canadá, que tem como finalidade recordar e homenagear todos os que morreram
na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais. (N. da T.)

381
dizendo-lhe que não apenas estava farta de ser usada pelo Palá-
cio como forragem para os jornais, como também que este tipo
de histórias apenas acirrava as chamas da especulação a respeito
da sua vida.
Era verdade, para todos os efeitos que, durante o ano de 1993,
a batalha dos Príncipes de Gales se fez muito mais nos media do
que nos bastidores, com o Príncipe e a Princesa a disputarem
igualmente os corações e as cabeças do público. Na altura do
verão, havia nove funcionários a trabalhar direta ou indireta-
mente tanto no portfólio do Príncipe como nos seus bem pu-
blicitados interesses, e ainda no melhoramento da sua imagem.
Por contraste, a Princesa, cuja equipa era paga pelos proventos
do Ducado da Cornualha, auferidos pelo Príncipe, contentava-
-se com um funcionário de imprensa em part-time. No entanto,
foi acusada de ser uma viciada nos media, saltitando de sessão
fotográfica em sessão fotográfica: em férias nas Caraíbas, a re-
mar uma canoa no centro de lazer de Thorpe Park, ou a esquiar
com os filhos. Para uma Princesa habituada a ser adorada pela
imprensa, esta mudança no seu destino minou ainda mais a sua
já precária auto-estima e alimentou as suas já existentes ansie-
dades. Acreditava, por vezes completamente, nas previsões da
sua astróloga, revelando quão pouco valor dava ao seu instinto
e à sua capacidade de análise.
Foi, para Diana, um verão muito infeliz. Começara o ano
com uma explosão de energia mas, à medida que os meses fo-
ram passando, atravessando constantes críticas, tanto dentro
como fora do Palácio, foi ficando desgastada, o que se tomou
visível na insípida resposta aos seus fúteis deveres reais. A con-
tínua ronda de apertos de mão, de plantação de árvores, de con-
versa fútil e de crianças pequenas era, para o seu espírito, tanto
repetitiva como inútil. No fim de junho, a Princesa decidiu que
os seus «dias longe», as suas visitas fora de Londres teriam de
acabar. Uma sessão fotográfica no decorrer de uma viagem ao

382
Zimbabué, em julho, durante a qual foi fotografada a distribuir
comida a crianças, simbolizou a sua grande insatisfação com
este circo vazio. Achou que a experiência mostrava superiori-
dade para com as crianças e reforçava a imagem de África como
a de uma «caixa de esmolas». Jurou que tal nunca mais voltaria
a acontecer.
Durante um longo interregno de verão, primeiro no Bali, e
depois com os filhos, na América, Diana pensou bastante acerca
do seu futuro. Regressou a casa, refeita, com hostis cabeçalhos
na imprensa e perturbadoras notícias do Palácio. O Príncipe
Carlos contratara uma «mãe substituta» para ocupar o seu lugar
quando os rapazes estivessem com ele.
Diana mal pôde conter a sua fúria. Já posta de lado nas suas
funções, era então subjugada no papel que mais a realizava e
melhor cumpria. Observou num efervescente silêncio o modo
como Alexandra «Tiggy» Legge-Bourke organizava saídas com
os rapazes, os levava às compras e os mantinha entretidos. As-
sustou-se quando viu nos jornais fotografias de Harry sentado
ao seu colo, e estremeceu perante a ideia de Tiggy tratar os ra-
pazes por «os meus meninos». Para além do mais, Tiggy era
uma ameaça por ser sensivelmente da sua idade e do mesmo
estatuto social de Diana, e de facilmente conviver com os ami-
gos do Príncipe Carlos.
O ressentimento, já antigo, tinha chegado ao máximo mais
de três anos antes, quando Diana, numa festa de Natal, fez um
reparo à ama dos rapazes acerca da relação que esta mantinha
com o Príncipe Carlos. Tiggy desfez-se em lágrimas, e subse-
quentemente mandou uma carta de solicitação à Princesa exi-
gindo uma desculpa para as «falsas alegações». Foi um incidente
desagradável. De forma bastante inocente, Tiggy parecia repre-
sentar na mente de Diana todos os seus ressentimentos acerca
do sistema da realeza e o que ela viu como as suas tentativas
para lhe retirarem os filhos. Felizmente, antes de morrer, Diana

383
compatibilizou-se com o envolvimento ativo de Tiggy na vida
dos seus filhos. Na altura, contudo, ela sentia que os lobos fe-
chavam o seu círculo de morte. Os seus inimigos tinham-lhe ar-
ruinado o estatuto, a personalidade e a posição. Agora queriam
a coisa que lhe era mais querida na vida, a sua condição de mãe.
Durante o outono, Diana começou a planear o seu afasta-
mento da vida pública. Confusa com a hostilidade da imprensa,
que antes lhe tinha tecido louvores, fustigada pela máquina do
Palácio e olhando constantemente por cima do ombro para o
campo do Príncipe Carlos, a Princesa estava no limite das suas
forças. A infelicidade da sua vida privada derramou-se em pú-
blico num acesso de fúria. «Transformaram a minha vida num
inferno», atirou ela a um fotógrafo enquanto este a fotografava
e aos seus filhos à saída de um cinema do West End. Bateu-lhe
no peito e enfiou-lhe o dedo na face antes de regressar para per-
to de William e Harry. O incidente foi apenas uma das muitas
pouco amenas discussões com os fotógrafos profissionais.
Foi, contudo, um fotógrafo amador que provou ser a última
gota. Se antes tinha sido hesitante quanto a retirar-se dos olha-
res do público, ficou decidida quando viu na primeira página
do Sunday Mirror, no início de novembro, uma fotografia sua
de página inteira a fazer exercício físico no seu antigo ginásio.
Havia muito tempo que desconfiava da existência destas foto-
grafias mas, mesmo assim, foi um choque ver-se em maillot,
explorada deste modo. As fotografias haviam sido secretamen-
te tiradas pelo gerente do ginásio, o empresário neozelandês
Bryce Taylor. A sua publicação constituía uma flagrante vio-
lação da privacidade, mas foi uma violação que rendeu a Tay-
lor um milhão de libras. O Palácio de Buckingham, deputados,
outros jornais, bem como lorde Mcgregor, o presidente da Co-
missão de Queixas contra a Imprensa, expressaram a sua fúria
contra o ofensivo grupo jornalístico. A Princesa sentia-se traída
e violada. «Bryce Taylor empurrou-me para a decisão de me re-

384
tirar», disse ela. «As fotografias eram horríveis, simplesmente
horríveis.»
Ficou de novo furiosa quando Taylor teve o descaramento de
afirmar que ela, no fundo, tinha querido que lhe tirassem as fo-
tografias. Era tal a hostilidade para com Diana por parte das ins-
tituições, que vários colunistas políticos influentes insinuaram
que havia um grão de verdade nas acusações de Taylor de que a
Princesa estava a manipular a imprensa. E em nada contribuiu
o facto de a Princesa ter dado o passo de instruir os seus advo-
gados para que processassem Taylor e o grupo jornalístico do
Mirror, ainda seus críticos. Era mais um sinal para Diana de que,
por mais que se esforçasse, por mais inocentes que as suas ações
fossem, o cancro do cinismo estava a corromper, gradualmen-
te, a perceção que o público tinha de si. Tudo isto fortaleceu a
firme decisão em cortar as amarras dos inconstantes e maldosos
media que, por tanto tempo, a mantiveram em seu poder. Meses
depois, a sua posição foi vingada, e o jornal pagou um enorme
montante de dinheiro para a caridade.
Na sexta-feira, 3 de dezembro de 1993, num almoço de soli-
dariedade para com a Associação Nacional para a Compreensão
das Lesões Cerebrais, a Princesa anunciou o seu afastamento da
vida pública. Numa voz por vezes trémula, mas mesmo assim
desafiadora, apelou para «tempo e espaço» depois de mais de
uma década sob as luzes da ribalta. Durante o discurso de cinco
minutos fez uma implacável descrição acerca da sua exposição
aos media: «Quando comecei a minha vida pública, há 12 anos,
compreendi que os media poderiam estar interessados no que
eu fizesse. Percebi, então, que a sua atenção estaria inevitavel-
mente focada tanto na nossa vida privada, como na nossa vida
pública. Mas não estava consciente do quão esmagadora essa
atenção se iria tornar; nem da sua extensão e da forma como ela
iria afectar tanto os meus deveres públicos como a minha vida
pessoal, de um modo que tem sido difícil de suportar.»

385
Como mais tarde afirmou: «A pressão, na altura, era insu-
portável, e o meu trabalho, as minhas funções, estavam a ser
afectadas. Eu queria dedicar-me a 110 por cento ao trabalho e só
conseguia fazê-lo a 50... Devia-o ao público dizer-lhes: “Obriga-
da, vou desaparecer por um bocadinho, mas voltarei.”»
Revelando que deveria continuar a apoiar um pequeno nú-
mero de obras de caridade enquanto se aplicava na reconstru-
ção da sua vida privada, a Princesa acentuou: «A minha pri-
meira prioridade continuará a ser os nossos filhos, William e
Harry, que merecem tanto amor, carinho e atenção quanto eu
lhes consiga dar, assim como uma avaliação da tradição no inte-
rior da qual nasceram»
Ao mesmo tempo que realçava a Rainha e o Duque de Edim-
burgo pelo «apoio e gentileza», Diana nunca mencionou o ma-
rido. Em privado foi inequívoca acerca de onde residia a culpa
pelo seu abandonar do palco. «Durante o último ano, os paren-
tes do meu marido tornaram a minha vida um inferno», disse
a uma amiga.
Quando, nessa tarde, alcançou o sossego relativo do Palá-
cio de Kensington, Diana sentia-se aliviada, triste, mas paci-
ficamente orgulhosa. A sua retirada dar-lhe-ia a oportunida-
de de refletir e de dar novo rumo à sua vida. Se a separação
lhe trouxera a esperança de uma nova vida, a sua retirada das
funções que exercia dar-lhe-ia a oportunidade de transformar
essa esperança numa nova e vibrante carreira, onde pudesse
empregar completamente as suas indubitáveis capacidades de
compaixão e dedicação de um modo mais amplo e de nível in-
ternacional.
Poucos meses depois, numa receção na Galeria Serpentine,
da qual ela era patrocinadora, a Princesa estava em excelente
forma. Mostrava-se descontraída, espirituosa e alegre entre os
seus amigos. Os acontecimentos de 1993 pareciam uma som-
bria e deprimente recordação. Quando conversava com a estre-

386
la de cinema Jeremy Irons, este disse-lhe: «Retirei-me durante
um ano da minha vida de ator.»
Diana sorriu e replicou: «Eu também.»

387
Os temas que andava a abordar
– sida, mulheres vítimas de violência
doméstica, dependência de drogas,
loucura e solidão – eram um
desafio não apenas para Diana
mas também para a sociedade.
Estava a aprender pela via mais
difícil: a da escola da vida.

389
Diana posa, sozinha, junto ao Taj Mahal, durante uma visita oficial do casal real à Índia,
em fevereiro de 1992. (David Hartley/REX/Shutterstock)
Animada pelo êxito da
campanha contra o uso
de minas antipessoais
em Angola (em cima, PA
Images), a Princesa discutiu
a possibilidade de visitar
outros países, como Camboja,
Tailândia, Afeganistão, Iraque e
Bósnia (à direita, Alpha).
Embora a sua vida tenha sido breve,
deixou uma marca indelével
na Família Real, na monarquia
e na nação. Diana, Princesa de
Gales, vive não apenas na nossa
memória, como também na vida
e na obra dos Príncipes William
e Harry. «Espero que ela esteja a
olhar cá para baixo com lágrimas
nos olhos, incrivelmente orgulhosa
do que alcançámos.»

No féretro de Diana, rosas


brancas e um envelope escrito
pela mão de Harry: «Mummy».
(REX/Shutterstock)
CAPÍTULO XI

«Vou Ser Eu Própria»

D urante toda a sua vida Diana foi dominada por homens: o


Príncipe Carlos moldou a sua vida privada; os «homens cinzen-
tos», a sua vida pública, e os editores dos jornais, a sua imagem
internacional. Em mais nenhum aspecto era esta sua ambígua
relação mais evidente do que com os guarda-costas pessoais.
Eles eram, ao mesmo tempo, os seus carcereiros e os seus ami-
gos, protegendo-a não apenas das inconvenientes atenções dos
paparazzi, mas atuando também como vigias nas suas contínuas
batalhas com o Palácio.
Eles punham-na a par dos últimos mexericos do Palácio, apa-
gavam-lhe as suas pistas e mantinham-na informada de piadas
picantes. Ao longo dos anos, vários deles, como Barry Manna-
kee, Graham Smith e Ken Wharfe, tornaram-se figuras pater-
nais, escutando os seus problemas e dando-lhe conselhos – ros-
tos amigos num mundo hostil. Não foi coincidência ter ido ver
o filme O Guarda-Costas, de Kevin Costner, assim que estreou.
Embora fossem aliados, os guarda-costas eram também parte
do sistema, um clube do qual estava a tentar demitir-se. Se pre-
tendia reformular a sua vida, exercitar a sua liberdade, teria de
o fazer sozinha. Muito simplesmente, Diana queria ter o direito
de crescer, de aprender com os seus próprios erros, de alcan-
çar alguma coisa pelos seus próprios meios. Ao mesmo tempo,
queria desfrutar dos pequenos prazeres que a maioria das pes-
soas tem como garantidos. Como uma vez observou: «Gosto de

397
viver tão normalmente quanto possível. Passear pelas ruas sem
guarda-costas dá-me muita emoção.»
Agora, que estava meio afastada da Família Real, acreditava
no seu direito de ser tratada como um cidadão comum. Não era
uma tarefa fácil. A Polícia Metropolitana, que protegia a Famí-
lia Real, ficou horrorizada com a ideia de deixar a Princesa, um
dos rostos mais conhecidos no mundo, abandonada a si própria,
ao sabor da atenção de terroristas, de fotógrafos agressivos e
loucos solitários. Embora tivessem concordado, apesar de com
grande relutância, em retirar a sua proteção pessoal, continua-
ram a monitorizar os seus movimentos – mas a uma discreta
distância.
Não iria ser uma opção fácil, mas mais uma vez nada na vida
de Diana era alcançado sem esforço. Os paparazzi que lhe perse-
guiam os passos foram rápidos em perceber a sua oportunidade.
«Porque não vão abusar de outra pessoa?», gritou a diversos
cameramen quando fazia compras anonimamente. Depressa se
habituaram às suas táticas de fuga – a expressão azeda, a cabeça
afastada e a mala estrategicamente colocada diante do rosto – e
a alcunharam de «Lady mala real». Teve de provar aos muitos
céticos da Polícia Metropolitana que conseguiria sobreviver
sem uma sombra permanente. Mais do que isso, no entanto,
também queria que simplesmente a deixassem em paz.
Nos bastidores, longe dos persecutórios olhos dos media, a
Princesa prosseguia o seu trabalho de caridade. Andava, desde
muito tempo antes, a explorar secretamente certas visitas reais
que a levavam tão perto das pessoas quanto possível, sem os
desnecessários sorrisos dos funcionários e os ubíquos fotógra-
fos. Durante o verão de 1992, quando a atenção do público so-
bre o seu casamento estava no auge, Diana havia começado uma
série de visitas privadas a hospitais. Visitou também um refúgio
para mulheres vítimas de violência doméstica e instalações para
sem-abrigo, e recebeu igualmente representantes de organiza-

398
ções de caridade no Palácio de Kensington, juntando-se a eles,
também, em diversos grupos de discussão.
Durante anos, a Princesa fora homenageada apenas pelo fac-
to de existir. Agora queria ser julgada pelo que fazia, em pala-
vras e actos, uma ideia que fortemente conduziu a sua vontade
de fazer mais dentro do trabalho de solidariedade. Tratava-se
de uma ambição que, independentemente do seu valor, exigia
que Diana efetuasse alguns ajustes, até mesmo sacrifícios, que
aprendesse novas técnicas, que se adaptasse às circunstâncias,
por vezes até a uma notícia pontual. No entanto, em tudo isto,
manteve-se perseverante, servindo-se de amigos e dos seus
contactos para a ajudar a erguer uma fundação sólida que a per-
mitisse lançar-se na sua nova carreira. Determinada a polir os
seus discursos, Diana procurou, diversas vezes, a ajuda do rea-
lizador Richard (agora lorde) Attenborough, do ator Terence
Stamp e do treinador de voz Peter Settelen. Os seus discursos,
embora inicialmente hesitantes, ganharam gradualmente reco-
nhecimento e elogio, evidenciando-se a sua sinceridade e a sua
coragem em lidar com temas emocionalmente difíceis. Para al-
guém que odiava falar em público, o seu treino a fazer discursos
deu-lhe uma verdadeira capacidade de controlo. Contudo, nem
sempre a sua audiência lhe era favorável. Claire Rayner, que
mantinha uma coluna de aconselhamento, acusou-a de glamou-
rizar perturbações alimentares, e, em junho de 1993, a colunista
conservadora Mary Kenny, uma católica romana, criticou o seu
«auto-indulgente jargão psicológico» depois da Princesa ter fei-
to um discurso focando os problemas enfrentados pelas mulhe-
res dependentes de tranquilizantes e outras drogas. Diana ficou
chocada e preocupada pela hostilidade. Os temas que andava a
abordar – sida, mulheres vítimas de violência doméstica, de-
pendência de drogas, loucura e solidão – eram um desafio não
apenas para ela mas também para a sociedade. Estava a apren-
der pela via mais difícil: a da escola da vida.

399
A infelicidade que sofrera na sua própria vida deu-lhe uma
genuína empatia com as pessoas em dificuldades. A sua amiga
Rosa Monckton descreveu o seu «carácter intuitivo», e a pró-
pria Diana falou da intuitiva capacidade que tinha para quase
«ver o interior da alma das pessoas» assim que as conhecia.
Nisto acreditava estar a ser protegida pela avó, Cynthia Spen-
cer, do mundo dos espíritos. As suas capacidades psíquicas e
a sua estranha empatia com os que se encontravam na última
viagem espiritual fortaleceram a sua convicção de que noutra
encarnação teria sido freira. Talvez tenha sido por este motivo
que se sentiu tão atraída – na verdade, venerava-a – pela madre
Teresa, que um dia disse a Diana: «Para curar outras pessoas,
temos nós próprios de sofrer também», sentimento com o qual
a Princesa concordava profundamente. A própria disse numa
vez: «A morte não me assusta.» O padre Alexander Sherbrooke,
que viu Diana partir para o seu trabalho na Casa da Madre Te-
resa para os Agonizantes, em Calcutá, foi uma das muitas pes-
soas a ficar impressionadas com a capacidade da Princesa para
lidar graciosamente com o sofrimento, para assistir com dis-
cernimento e coração aberto aos doentes e moribundos. Veri-
ficou que a maioria das pessoas considera que lidar com muitos
incapacitados e aflitos requer uma espécie especial de coragem,
daquelas que muita gente não consegue obter facilmente. «Mas
a Princesa era totalmente intuitiva e via qualquer coisa de espe-
cial em todos os seres humanos», disse ele.
Os exemplos são muitos. Quando os amigos lhe pediram que
visitasse uma pensionista que estava a morrer com um tumor
no cérebro, Diana ficou satisfeita por ajudar. Possuía igualmen-
te uma sincera alegria em ajudar um amigo com problemas.
Numa outra vez, quando a sua dama de companhia Laura Lons-
dale perdeu Louis, o seu filho de dois meses de idade, vítima da
síndrome de morte súbita, a Princesa passou meses a apoiá-la
na sua dor. A sensibilidade e a compreensão que demonstrou

400
foram bastante apreciadas pela família. «A Princesa de Gales é
o que existe de mais próximo de um anjo na terra», disse um
familiar. «Ela possui a qualidade única de conseguir reconfortar
alguém sem se tornar intrometida ou excessiva. Tem um toque
mágico muito próprio.» Poucas semanas depois do falecimen-
to de John Smith, líder do Partido Trabalhista, Diana convi-
dou a viúva e as três filhas para um almoço privado no Palácio
de Kensington, para lhe poder expressar as suas condolências
pessoalmente, e ainda teve tempo de escrever aos pais do bebé
Debbie Humphries, raptado do hospital apenas com quatro ho-
ras de vida. Como Oonagh Toffolo, uma das amigas de Diana,
disse: «A sua imagem pública é de beleza, graciosidade e preo-
cupação pelos outros. A sua vida privada é simples e humilde.
Ela tem tempo para todos: para os velhos, para os doentes e
para os carenciados.»
Na verdade, Diana movimentava-se facilmente no papel de
anjo em exercício de funções. Como Rosa Monckton observou:
«Tinha o talento único de identificar os infelizes, e conseguia
colocar-se ao mesmo nível que eles, afastando curiosos e es-
pectadores.» Este ponto de vista era inteiramente partilhado
pelo irmão: «Vejo-a como uma personagem de grandeza cristã,
e possui a força que, penso eu, todos os verdadeiros cristãos
possuem; a direção da sua vida é um exemplo a seguir; a convic-
ção dos seus propósitos e a determinação do seu carácter, bem
como a decisão de praticar tanto bem.»
As muitas visitas privadas que fez, conduzidas sem burburi-
nho e sem formalidades, não poderiam causar maior contraste
com as cuidadosamente forjadas e artificialmente trabalhadas
visitas tradicionais da realeza. Finalmente, Diana tinha a opor-
tunidade de desempenhar significativamente e satisfatoriamen-
te o seu trabalho. «Quero entrar num quarto, seja num hospital
para doentes terminais, seja num hospital pediátrico, e sentir
que faço falta. Quero fazer, não apenas ser», disse ela. A difi-

401
culdade residia no facto de a sua posição lhe facultar um papel
que a tornava eficaz – a presença da Princesa era uma garantia
para conseguir financiamentos –, mas que também a deixava
pessoalmente incompleta. Por contraste, o seu trabalho priva-
do era compensador, mas ultimamente ineficaz sem a larga au-
diência do palco do mundo. Era um dilema para o qual Diana
ainda não encontrara uma solução.
A Princesa estava ansiosa para que os seus filhos vissem al-
guma coisa do mundo real para além dos colégios internos e
dos palácios. Como afirmou num discurso sobre a sida: «Estou
muito ciente da tentação de evitar a desagradável realidade; não
apenas por mim mas pelos meus filhos também. Estarei eu a
fazer-lhes um favor se lhes esconder o sofrimento e as coisas
desagradáveis até ao último minuto? Os últimos minutos que
eu poderei escolher para eles poderão ocorrer demasiado tar-
de. Apenas lhes posso oferecer uma escolha baseada no que sei.
O resto é com eles.»
Diana considerava isto particularmente importante para
William, o futuro Rei. Como uma vez afirmou: «Através do
que faço, e até certo ponto do que o pai faz, ele tem uma noção
do que o espera. Não está escondido no primeiro andar com a
precetora.» Ao longo dos anos, levou ambos os rapazes a visitas
a refúgios para os sem-abrigo e a doentes graves em hospitais.
Quando levou William, acompanhada pelo cardeal Basil Hume,
a uma visita secreta a um centro de dia para os sem-abrigo em
Central London, o seu orgulho foi bem visível quando o apre-
sentou aos que muitos considerariam os destroços da sociedade.
«Ele adora-o, e isso realmente baralha as pessoas», disse, or-
gulhosa, aos amigos. O arcebispo de Cantuária foi igualmente
efusivo. «Que criança extraordinária», disse-lhe. «Possui tanta
dignidade com tão pouca idade.» Esta educação ajudou Wil-
liam a relacionar-se com um grupo de crianças com deficiências
mentais que se juntou a um grupo de colegas de escola para uma

402
festa de Natal. Diana assistiu com satisfação à forma como o
futuro Rei atenciosamente ajudava estas crianças diminuídas a
juntar-se ao divertimento. «Eu estava tão entusiasmada e tão
orgulhosa. Uma grande quantidade de adultos não teria sido ca-
paz de o fazer», contou aos amigos.
Mais uma vez, durante uma semana de Ascot, época de
champanhe, salmão fumado e muita frivolidade na alta socie-
dade, a Princesa levou os filhos a um refúgio noturno para ca-
renciados. William jogou xadrez; Harry entrou num torneio de
cartas. Duas horas mais tarde, os rapazes estavam de regresso ao
Palácio de Kensington, um pouco mais velhos e um pouco mais
sábios. «Eles adquiriram um conhecimento», disse Diana uma
vez. «Podem nunca vir a usá-lo, mas a semente está lá; espero
que cresça, porque saber é poder. Quero que eles compreendam
as emoções das pessoas, as suas inseguranças e preocupações,
bem como as suas esperanças e os seus sonhos.»
O seu esforço silencioso conquistou gradualmente muitos
dos céticos que a viram como uma ameaça para a monarquia,
ou como uma mulher sem talentos e amargurada à procura de
problemas, especialmente evidenciando-se e embaraçando o
marido e a sua família. A perspetiva da mulher que, na altura,
era ainda tecnicamente a futura Rainha, sem adornos e com-
pletamente só, a misturar-se com os mais pobres da sociedade,
com os mais perturbados ou mais ameaçados, confundiu muitos
dos seus críticos.
Havia ainda uma outra vantagem, igualmente acidental mas
não menos benéfica. A diminuição das obrigações protocola-
res que rodeavam a Princesa significou um muito maior envol-
vimento na determinação do seu dia-a-dia, de um modo que
nunca antes acontecera. A sua equipa de 12 membros diminuiu
gradualmente à medida que Diana reduziu as suas funções reais
adoptando uma intervenção mais direta. Ela e o seu secretário
particular, Patrick Jephson, começaram discretamente a movi-

403
mentar os seus muitos contactos influentes em prol da caridade.
Por algum tempo, a Princesa tratava das suas próprias relações
de imprensa com algum êxito.
Nada disto, contudo – nem mesmo o mais satisfatório traba-
lho de caridade ou o seu mais atraente aspecto –, podia escon-
der o facto de a sua vida se encontrar no limbo – oficialmente
separada, contudo não divorciada; oficialmente um membro
da Família Real, contudo não mais uma desejada ou bem-vin-
da parte dela. Deixara um mundo sem uma ideia clara de para
onde ir a seguir. Apesar de todos os elogios que o seu trabalho
de caridade lhe mereceu, havia uma certa impaciência para que
se definisse: que forjasse uma nova vida para si própria, ou que
fracassasse, perdendo as boas graças. Muitos se sentiam pouco
confortáveis ou intolerantes com este contínuo hiato, enquanto
Diana, calma mas sinceramente, se esforçava por encontrar um
novo estilo de vida. Agora tudo, desde o que usava – era acusada
de parecer uma dona de casa suburbana pela revista Tatler – até
às suas batalhas com os fotógrafos, começara a ficar debaixo de
um hostil escrutínio.
Era a injustiça o que mais a magoava. Habituada a uma im-
prensa que a adorava, ficou espantada com a rapidez com que
a reverência e o respeito se evaporaram assim que se descar-
tou do invisível mas protector manto da realeza. Entretanto,
observava com preocupação crescente a forma como a estrela
do marido se tornava cada vez mais brilhante. A tarefa dele
era muito mais fácil. Ao contrário da Princesa, o Príncipe não
agitava as águas, limitava-se a esperar a sua vez de assumir a
capitania do «bom barco Windsor». Com o loquaz apoio do
primeiro-ministro, do gabinete, da Igreja, do resto da Famí-
lia Real, dos jornais arregimentados e de todos os «grandes
e bons», e ainda preparado por uma equipa de profissionais,
Carlos estava, por definição, habilitado a jogar o jogo que o
aguardava.

404
O fulcro do longo esforço para a credibilização do Príncipe
Carlos, depois do colapso do seu casamento e das gravações do
«Camillagate», foi um documentário televisivo conduzido pelo
famoso locutor Jonathan Dimbleby, que marcava o 25.° aniver-
sário da sua investidura como Príncipe de Gales. Assim que o
Príncipe informou Diana do seu projeto, no verão de 1992, a
Princesa ficou em suspense, preocupada com o facto de o seu
papel de mãe vir a ser questionado, e com a eventualidade de
o seu marido separado poder vir a usar as crianças como apoio
inocente ao seu exercício.
A própria Princesa mal apareceu no documentário, trans-
mitido em junho de 1994, que se concentrou no trabalho do
Príncipe Carlos. No entanto, foi a angustiada confirmação da
sua infidelidade que fez as primeiras páginas dos jornais no dia
seguinte. Em resposta à pergunta «Tentou ser fiel e honrar a
sua esposa quando proferiu os votos do casamento?», o Prín-
cipe respondeu: «Sim, completamente.» Dimbleby continuou:
«E foi-o?» «Sim», respondeu Carlos, mas, depois de uma breve
pausa, acrescentou: «Até tudo se ter irremediavelmente desmo-
ronado, depois de ambos termos tentado.» Quando lhe pergun-
taram a respeito da sua relação com Camilla Parker Bowles, o
Príncipe confirmou que ela se manteve o pilar principal da sua
vida e que continuaria a sê-lo apesar do proeminente papel no
colapso do seu casamento. Camilla foi, disse Carlos, «uma gran-
de amiga minha... tem sido uma grande amiga desde há muito
tempo e continuará a sê-lo por muito mais tempo.»
Diana decidira que não iria ver a gravação do programa an-
tecipadamente e, na noite da sua emissão, que foi vista por
13 milhões de pessoas, saiu não apenas para se divertir, mas
também para ser vista a fazê-lo. Ela tinha já de muito antes
um compromisso na Galeria Serpentine. Tratava-se de um
jantar de um sofisticado evento internacional, onde se encon-
trou entre amigos. O seu sedutor pequeno vestido preto não

405
podia ter sido uma escolha mais apropriada, com o seu estilo
a bradar a mensagem «Faça Carlos o que fizer, eu estou num
baile.» No entanto, em privado, Diana não estava assim tão
calma. O seu comentário ao programa foi: «A minha primeira
preocupação foram as crianças. Eu queria protegê-las.» De-
pois acrescentou: «Fiquei bastante arrasada. Mas no fim ad-
mirei a honestidade.»
Se o Príncipe mostrou candura em relação ao seu affair com
Camilla Parker Bowles, o que ficou menos claro foi a questão
do divórcio. Na entrevista a Dimbleby foi evasivo, dizendo que
isso seria «lá muito para o futuro» e «não uma consideração em
mente». Mas a sua admissão pública de ter cometido adultério
– na verdade, uma admissão que o culpabilizava – quebrou in-
dubitavelmente o impasse que marcava as discussões a respeito
do divórcio.
Desde o início, Diana foi firme na decisão de não ser ela a dar
início aos procedimentos, e isso foi a base de qualquer diálogo
acerca daquilo a que chamava «D». No que lhe dizia respeito,
fora Carlos quem lhe pedira para casar; portanto, deveria ser
ele a pedir-lhe o divórcio. «Eu não vou para lado algum, não me
mexo daqui», frisou, insistindo em que a iniciativa teria de par-
tir do lado do marido. Um ponto de vista mais tarde reiterado
na sua famosa entrevista ao programa Panorama.
Uma amiga que regularmente discutia o assunto com a
Princesa explicou o que esta pensava: «Diana partiu sempre
do princípio de que não seria ela a provocar a crise porque
pensava que isso se refletiria de forma negativa sobre si. Tinha
um receio patológico de vir a ser responsabilizada. Ao mesmo
tempo, ter-se-ia sentido atraiçoada depois de todo o bom tra-
balho e do esforço que tem vindo a desenvolver. Queria deixar
a marca da sua presença ao fim do dia, e se simplesmente se
afastasse, seria a perdedora. Todos diriam que não fora capaz
de suportar a pressão. A Família Real continuaria a ocupar o

406
seu lugar, e Diana teria aguentado 13 anos, antes de optar pela
renúncia, para nada.»
Contudo, a sua compreensível precaução, especialmente
no que dizia respeito ao acesso aos filhos, preocupava alguns
dos seus amigos, que se mantinham apreensivos quanto à sua
tendência para vestir a familiar farda psicológica da vítima, a
do impotente refém incapaz de determinar o curso dos acon-
tecimentos, em vez da personagem principal no desenrolar do
drama. Se Diana, argumentavam eles, estava genuinamente à
procura de um novo papel e de uma nova vida, então fazia
pouco sentido que continuasse a marcar passo nas franjas da
Família Real. Os adeptos do «pega-nas-malas-e-vai-te-embo-
ra» achavam que quanto mais a Princesa hesitava, mais com-
prometia a liberdade que tão claramente ambicionava. Outros
amigos e conselheiros, em particular a sua equipa de advoga-
dos chefiada por lorde Mishcon, defendiam que taticamente
deveria obter um justo legado financeiro – discutiu-se muito
a respeito de casas apropriadas – mas dominando todas as ou-
tras preocupações estavam as exigências para com os filhos,
que constituíam a sua primeira preocupação, e o seu estatuto
real, particularmente o direito de usar o título honorífico de
Sua Alteza Real.
Em muitos aspectos, foi ambígua quanto à manutenção do
título, e por vezes até falou em voltar a usar o seu nome de
solteira, Lady Diana Spencer. Não apenas considerou que o tí-
tulo real interferiria na sua relação com o público – o modo
humilde como conduzia os seus compromissos, sem um séquito
a acompanhá-la, sublinhava o seu pouco interesse em dar nas
vistas – como também possuía muito mais orgulho nas raízes da
sua própria família, sendo os Spencers muito mais ingleses que
os Windsors, do que nas raízes da Família Real. Embora quase
nada relacionado com o estilo que acompanha a realeza, Diana
tinha consciência de que a posição concede um estatuto que lhe

407
permitiria promover as causas em que acreditava. Um divórcio
implicaria deixar de ser brindada com essa magia especial que a
realeza confere, diminuindo radicalmente de uma só assentada
quer o seu prestígio, quer as suas hipóteses de atuar com alguma
eficiência no palco mundial.
Talvez os verdadeiros sentimentos de Diana tenham vindo
à superfície no dia em que levou o Príncipe William a almoçar
a um restaurante familiar da moda, o Smollensky’s Ballon, em
Londres, e onde o mágico John Styles pegou na sua aliança, a
colocou num lenço de seda e, num gesto, a fez desaparecer. Dia-
na teve um ataque de riso e gritou: «Boa.» Infelizmente, contu-
do, sabia muito bem que não haveria passe de mágica capaz de
fazer desaparecer o sofrimento da última década, nem de resol-
ver facilmente as consequências constitucionais e financeiras de
um divórcio real.
Pior do que isso, enquanto o assunto não se resolvia, a Prin-
cesa mantinha-se suscetível às críticas dos seus inimigos no in-
terior e no exterior do Palácio. Por exemplo, quando o Príncipe
Carlos se queixou, em privado, da conta de 3000 libras por se-
mana para os gastos de Diana, o seu agravo encontrou muito
convenientemente o caminho para dois jornais nacionais co-
nhecidos por lhe serem hostis. A crítica, que transmitia uma
imagem de frivolidade e excesso, deixou a Princesa perplexa,
e ao mesmo tempo que ridicularizou a acusação, verificou que
uma campanha com um rumor semelhante foi encabeçada con-
tra a duquesa de York quando também ela estava em luta com
as negociações do divórcio.
Este era o aspecto negativo de fazer o jogo da espera. Não
apenas adiou o dia em que poderia ir à luta sozinha, deixando
para trás a Família Real e todas as suas armadilhas de prestígio
e privilégio, como a fez refém do destino, presa de contínuas
ferroadas hostis. Como mais tarde reconheceu: «Eu era a esposa
separada do Príncipe de Gales. Era um problema. Ela não se irá

408
embora sossegadamente, esse é o problema. Lutarei até ao fim
porque acredito que tenho um papel a cumprir e porque possuo
dois filhos para criar.»
Era uma luta solitária. Frustrada por aqueles a quem chama-
va «os homens de cinzento» na sua tentativa de redefinir o seu
papel como «Princesa do mundo» em vez de Princesa de Gales,
frustrada pelas transgressões do divórcio e continuamente jul-
gada pelo volúvel juri da imprensa e do público, Diana sentiu,
mais uma vez, a necessidade de clarificar as suas posições. Em
1992, usara-me a mim como forma de articular a verdadeira
natureza da sua vida no interior da Família Real. Três anos mais
tarde decidiu abandonar o fingimento e falar com o seu público
pessoalmente. Esta decisão foi tão corajosa quanto demonstra-
tiva do seu amadurecimento durante aquele período intermé-
dio. Pela primeira vez, estava preparada para assumir a respon-
sabilidade das suas próprias palavras, das suas próprias ações e
da sua própria vida.
Contudo, isso veio a mostrar-se mais fácil de ser dito que
feito. Enquanto qualquer outro elemento da Família Real, es-
pecialmente o seu marido, usou a televisão para promover as
suas causas e lateralmente falar das suas vidas privadas, Diana
sabia que essa liberdade nunca lhe seria permitida pelo Palácio.
Teve inúmeros convites dos mais proeminentes profissionais
de televisão, incluindo Barbara Walters e Oprah Winfrey, e em
1994 andou em negociações secretas e pormenorizadas para um
documentário sobre a sua vida para a ITV. No fim, acabou por
relutantemente decidir contra a sua realização, não apenas por-
que o Príncipe Carlos estava na altura a trabalhar com Jonathan
Dimbleby para o programa sobre si próprio, mas também por
causa da oposição dos cortesãos. «Era o tiro certo na altura erra-
da», recorda o produtor Mike Brennan. «Também não ajudou
o facto de o Palácio ter continuamente tentado pôr o projeto de
lado.»

409
Decorrido um ano, a cada vez mais irritada Princesa decidiu
tomar o assunto nas suas próprias mãos, aceitando secretamente
ser entrevistada por Martin Bashir, um jornalista então vincu-
lado à condução do programa televisivo de atualidades da BBC
intitulado Panorama. Ironicamente, Bashir foi o último de uma
longa lista de jornalistas que, durante algum tempo, tentaram,
sem grande entusiasmo, produzir uma emissão sobre a monar-
quia. Desta vez, no entanto, ele quebrara a regra. Tal como eu,
depressa compreendeu que o segredo era essencial para o êxito
do projecto – em qualquer momento, apenas com um simples
telefonema, o Palácio poderia acabar com a intencionada en-
trevista. Apenas com sofisticados subterfúgios Bashir e a sua
equipa conseguiriam gravar as palavras de Diana. Usaram câ-
maras compactas especiais para não atrair as atenções quando
chegassem ao Palácio de Kensington, naquele calmo domin-
go, no início do mês de novembro de 1995. Como precaução,
Diana dera folga a todo o seu pessoal naquele dia, sabendo que
não poderia confiar em ninguém. Mesmo quando o programa
estava já completo, os executivos da BBC, receando a censura
proveniente do topo, mantiveram os administradores da em-
presa na ignorância. O facto de a Princesa de Gales, uma figura
internacional da maior importância, e de a BBC, uma cadeia de
televisão líder de audiências, terem de passar por tão extraordi-
nários esforços para gravar uma entrevista escarnece da noção
que possuímos de que vivemos numa sociedade aberta. De fac-
to, se o programa tivesse sido sobre o testemunho escondido de
uma Princesa do Médio Oriente teríamos assistido a indignados
protestos sobre a repressão do regime.
Esta tão britânica jogada televisiva, transmitida em novem-
bro de 1995, causou sensação, em todos os sentidos da palavra.
A Princesa, usando uma vibrante maquilhagem de sombra pre-
ta nos olhos, falou da sua vida, dos seus filhos, do seu marido e
da sua esperança no futuro com uma notável franqueza. Inevi-

410
tavelmente, a entrevista recordou muitos dos aspectos focados
em Diana – A Verdadeira História Contada pela Princesa quando
falou abertamente dos seus problemas alimentares, das depres-
sões, dos pedidos de ajuda, dos inimigos no interior do Palácio
e da relação do marido com Camilla Parker Bowles. Numa fra-
se que incisivamente captava os problemas da sua relação com
Carlos, disse: «Havia três pessoas neste casamento; por isso,
havia pessoas a mais.» Ao mesmo tempo admitiu a sua própria
infidelidade com o antigo oficial da Guarda da Rainha, James
Hewitt, que já anteriormente divulgara a história do seu affair
num livro. «Sim, eu adorava-o; sim, estava apaixonada por ele»,
disse, acrescentando que se sentiu «absolutamente arrasada»
com a sua traição, quando as notícias do livro de que ele fora
co-autor lhe chegaram aos ouvidos. Enquanto lançava dúvidas
acerca do perfil do marido para governar e da sua eventual as-
censão ao trono, falou das suas ambições, não apenas para si
própria, como também para os seus filhos e para a monarquia.
«Gostaria de ser a Rainha do coração das pessoas... alguém tem
de sair para a rua, amar as pessoas e demonstrá-lo.» O progra-
ma atraiu a maior audiência de qualquer documentário televisi-
vo na história da televisão.
No furor subsequente à sua admissão de infidelidade e aos
seus comentários sobre Camilla Parker Bowles, pouca atenção
se deu ao desejo de Diana em ser uma embaixadora da Grã-
-Bretanha, como tanto ambicionara. Foi uma falha de ênfase
que veio mais tarde a lamentar. No início, contudo, parecia que
antes de a Princesa poder assumir qualquer novo papel como
embaixadora da boa vontade, tanto Diana como o Palácio te-
riam de aprender que a diplomacia começa em casa. O estado
de guerra aberta entre os Príncipes de Gales, imensamente da-
nosa para a monarquia, não se poderia permitir que continuas-
se, e, portanto, não surpreendeu ninguém que, apenas quatro
semanas depois da entrevista, a Rainha, depois de consultar o

411
primeiro-ministro e o arcebispo de Cantuária, tenha escrito
pessoalmente quer ao Príncipe quer à Princesa de Gales pedin-
do-lhes que se divorciassem mais cedo do que previsto.
A intervenção da soberana deu finalmente início às nego-
ciações, com ambas as equipas de advogados a trabalhar no
sentido de conseguir soluções para os labirínticos pormenores
deste divórcio. Mais tarde, numa quarta-feira, 28 de fevereiro
de 1996, data que descreveu como «o dia mais triste da minha
vida», a Princesa anunciou a sua decisão de aceitar um divórcio
amigável. Seguiu-se uma reunião de 45 minutos no Palácio de
St. James com o Príncipe Carlos, que ficou desconcertado quan-
do Diana tomou a decisão de divulgar, ela própria, a notícia ao
mundo. Na sua declaração, disse: «A Princesa de Gales aceitou
o pedido de divórcio do Príncipe Carlos. A Princesa continuará
envolvida em todas as decisões relacionadas com as crianças e
permanecerá no Palácio de Kensington, com gabinetes no Palá-
cio de St. James. A Princesa de Gales manterá o título e passará
a ser conhecida como Diana, Princesa de Gales.»
A sua declaração era, para a Rainha, apenas uma das suas
muitas irreverências. Esta autorizou os cortesãos a manifestar
uma rara e glaciar repreensão à sua nora, dizendo que se mos-
trou «muito interessada» em ouvir que a Princesa de Gales acei-
tava o divórcio. De acordo com Sua Majestade, os pormenores
respeitantes ao acordo, o futuro papel da Princesa e o uso do
seu título permaneciam assuntos a ponderar. «Isto leva tem-
po», anunciou, ameaçadoramente, um porta-voz do Palácio de
Buckingham.
Diana sentia-se compreensivelmente perturbada, dizendo
aos amigos: «Não quis este divórcio mas aceitei-o. Agora jo-
gam pingue-pongue comigo.» Ao que parece, as suas inabalá-
veis exigências para com o marido eram a deslocação dos seus
gabinetes para o Palácio de St. James, agora a sua residência de
Londres – o Príncipe preferia que Diana continuasse sediada no

412
Palácio de Kensington –, e o seu desejo de receber uma quantia
global em vez dos variáveis montantes provenientes do ducado
da Cornualha. Ao mesmo tempo, o campo de Carlos deu indi-
cações de não possuir objeções quanto à manutenção do título
de Sua Alteza Real por parte de Diana. As negociações man-
ter-se-iam durante mais quatro meses até, finalmente, em 15
de julho de 1996, lhe ter sido outorgada a sentença condicional
de divórcio. Seis semanas mais tarde, em 28 de agosto, o casa-
mento do conto de fadas terminou com o decreto do divórcio
consumado. Embora a Princesa tenha ganho as exigências dos
seus gabinetes no Palácio de St. James e do pagamento de uma
soma global estimada em 17 milhões de libras, foi destituída do
seu título honorífico, uma ação considerada maldosa e mesqui-
nha pelo público.
Apesar da pouca importância que Diana atribuiu ao assunto,
a sua amiga Rosa Monckton fez eco da opinião de muita gente
quando afirmou: «Penso que é uma pena que lho tenham retira-
do. Sempre achei estranho que a Família Real afirmasse que ela
continuava a fazer parte da família mas que não permitisse que
a nação a reconhecesse como parte dessa família. Ela não ficou
ressentida porque não era pessoa que desse importância a esses
formalismos.»
De muito maior importância pessoal era o facto de o divórcio
finalmente lhe permitir fazer uma limpeza geral à sua vida. Du-
rante muito tempo considerou a hipótese de abandonar grande
parte das suas obras de caridade para se poder dedicar àqueles
que realmente lhe interessavam. Mesmo antes da separação,
andava desanimada com o facto de as suas intermináveis rondas
de jantares e bailes de caridade a impedirem de se encontrar as
pessoas que realmente a preocupavam, as que sofriam de sida,
cancro, lepra e marginalização social, e, consequentemente, de
aprender mais e de as compreender mais profundamente. Não
foi nenhuma surpresa que Diana, que sempre se vira a si mesma

413
como uma estranha, tenha escolhido manter-se a trabalhar com
cinco associações – a Missão para a Lepra, o Centrepoint (uma
organização de apoio aos sem-abrigo), o National Aids Trust
(para a sida) o Royal Marsden NHS Trust (um hospital de onco-
logia) e o Great Ormond Street Children’s Hospital – dedicadas
a ajudar os mais marginalizados, tanto da sociedade como da
própria vida. Exceptuando o English National Ballet, mais de
uma centena de outros trabalhos de caridade, incluindo a Cruz
Vermelha Britânica, foram afastados do seu portfólio.
Enquanto alguns observadores argumentaram venenosa-
mente que a sua decisão era uma vingativa resposta à decisão
da Rainha de a destituir do seu título honorífico, a verdadeira
razão residia no âmago da sua personalidade. Durante anos
personificou um papel que lhe permitisse contribuir para a
vida nacional e, ao mesmo tempo, realizar a aspiração de fazer
uso das suas qualidades únicas de compaixão e empatia para
ajudar os indivíduos mais necessitados, bem como a de usu-
fruir da experiência pessoal dos aspectos mais desafiadores do
trabalho caritativo. Concentrando-se em menos obras de ca-
ridade, Diana esperava marcar a diferença, tanto para si como
para os que verdadeiramente necessitavam das suas especiais
capacidades.
Em muitos aspectos, a concretização do divórcio concedeu
a Diana a possibilidade de se libertar. Não apenas acabou com
o casamento, como também cortou os laços do jugo da rea-
leza, já que nos anos que se seguiram à separação se manteve
inextricavelmente ligada ao Príncipe Carlos e à sua família.
O divórcio encerrou esse capítulo infeliz da sua vida, com as
difíceis decisões que tomara durante os turbulentos anos 90 a
conceder-lhe a única coisa com a qual nunca se atrevera a so-
nhar – esperança. Finalmente, poderia ser ela própria; mais do
que isso, pela primeira vez na sua vida possuía a oportunidade
de explorar exaustivamente os talentos com que nascera.

414
No entanto, enquanto pairava atormentadamente nas franjas
de uma nova vida, os seus pensamentos eram frequentemente
atingidos com uma compreensível raiva e com um sentimento
de traição pelos anos perdidos que passara a sufocar dentro de
um casamento infeliz e de um sistema asfixiante.
Desde a sua separação, levara a cabo, lenta e cautelosamente
– talvez até mesmo inconscientemente –, uma espécie de strip-
tease, despindo os véus das convenções que a haviam rodeado.
Durante os anos 80 fora vista apenas pelo seu vestuário, como
uma deslumbrante modelo da moda, uma adjunta real, esposa
e mãe. Desde a separação, contudo, o seu régio guarda-roupa,
que definia a sua mística como personagem da realeza, ficara
guardado no armário. Na verdade, a sua decisão, inspirada pelo
Príncipe William, de fazer um leilão, em Nova Iorque, no verão
de 1997, do seu guarda-roupa para angariação de fundos, como
solidariedade para com as vítimas da sida, constituiu um adeus
público à antiga vida. Não mais queria ser vista como um bo-
nito modelo de roupas caras. Mais do que isso, durante os seus
dias semivinculados à realeza, descartara-se deliberadamente de
outros laços da monarquia, como os seus empregados, as suas
damas-de-companhia, as limousines e, mais polemicamente, os
seus guarda-costas. A libertação do seu título foi um passo de
gigante nessa viagem.
Havia despendido demasiado tempo a lamentar uma relação
fracassada; as suas esperanças e ambições perdidas. Uma vez
disse: «Tinha tantos sonhos quando era jovem! Ambicionava
por um marido que zelasse por mim, que constituísse para mim
uma figura paternal, que me apoiasse, encorajasse e dissesse:
“Bom trabalho”, ou “Não foi suficientemente bom”. Não tive
nada disso. Não pude acreditar.»
Os dias da traição, da angústia e do sofrimento ficavam para
trás. Era tempo de prosseguir, de tirar o máximo partido da sua
posição e da sua personalidade. A oportunidade acenava-lhe.

415
Como a Princesa admitiu: «Tenho aprendido muito nestes últi-
mos anos. Daqui para a frente vou ser pertença apenas de mim
própria e ser verdadeira comigo mesma. Não quero mais viver a
ideia de outrem acerca do que devo e de quem devo ser.»
«Vou ser eu própria»

416
As muitas visitas privadas que fez
não poderiam causar maior contraste
com as cuidadosamente forjadas
e artificialmente trabalhadas visitas
tradicionais da realeza.
«Quero entrar num quarto,
seja num hospital para doentes
terminais, seja num hospital
pediátrico, e sentir que faço falta.
Quero fazer, não apenas ser»

417
CAPÍTULO XII

«Diz-me Que Sim»

T al como tantos dos cruciais acontecimentos na vida de


Diana, também este começou por acaso. Uma conversa casual
com a solicitadora do seu divórcio, Maggie Rae, resultou numa
reunião secreta com o então líder da oposição, Tony Blair, e,
finalmente, na resolução de um assunto que dominara os seus
pensamentos durante meses, concretamente a determinação
em tornar-se uma embaixadora humanitária.
Tratava-se de uma ambição que se enraizava dentro de si
muito antes de tornar pública esta sua vontade durante a única
entrevista televisiva, em 1995. O longo empenhamento em en-
contrar um lugar como «Princesa do Mundo» em vez de como
Princesa de Gales dizia bastante a respeito dos seus sentimen-
tos sobre os deveres para com a nação, e ilustrava claramente
o desenvolvimento que adquirira como mulher e, talvez sur-
preendentemente, como feminista. Durante os primeiros anos
da vida pública, sentia-se feliz em conformar-se às expetativas
da sociedade – e da monarquia – como Princesa. Os homens da
realeza são essencialmente julgados pelo que dizem; as mulhe-
res pela sua aparência. Como florescera numa beleza natural,
Diana era apreciada pela sua aparência e não pelos seus feitos.
Durante muito tempo aceitou o papel de uma dócil assistente
do marido. Era elogiada pelo simples facto de existir. Por exis-
tir, não por fazer. Como uma das suas amigas observou: «O sis-

419
tema esperava que se limitasse a ser um modelo para exibição de
roupas e uma esposa obediente.»
A separação, em dezembro de 1992, mudou tudo. Ao contrá-
rio do Príncipe Carlos, cuja posição constitucional como futuro
Rei está claramente definida, a Princesa não tinha qualquer pa-
pel predeterminado, nenhuma estrela polar que a guiasse. Meio
afastada da monarquia, pela primeira vez na sua vida adulta en-
contrava-se a voar sozinha e estava consciente de que seria uma
viagem traiçoeira. «Cometerei erros», afirmou, «mas isso não
me impedirá de fazer o que eu penso ser correto.»
Tratava-se de um processo que implicava a libertação do seu
passado, bem como um reconhecimento das próprias limita-
ções e capacidades.
Uma das perplexas contradições em Diana era o facto de não
se ter em grande conta como indivíduo, mas compreender o
seu valor como figura pública, percebendo que a sua posição na
sociedade, tanto no seu país como no estrangeiro, lhe oferecia
um trampolim insubstituível no apoio às causas e aos assuntos
que acarinhava. No entanto, estava profundamente desencan-
tada com o protocolo, com os disparates e artifícios que ine-
vitavelmente rodeavam a realeza. O desafio era o de reinven-
tar a sua figura pública, de afastar-se do manto oficial, embora
mantendo a sua autoridade. Como observou uma amiga íntima:
«Achava que estava a ser travada pelo sistema e impossibilitada
de utilizar plenamente o seu verdadeiro potencial.»
O âmago do seu descontentamento residia no estilo e nos
modos da monarquia britânica, na frágil formalidade e na en-
tediante irrelevância do modo de vida da realeza. A Princesa
percebeu instintivamente que se pudesse mudar o estilo da sua
vida pública poderia melhorar a sua contribuição para o país.
«Eu quero ajudar o homem da rua», disse uma vez, sentimento
que refletia o facto de, no seu coração, ser uma mulher mais
feliz junto da gente do que com a sua gente. «Sinto-me muito

420
mais próxima do fundo da hierarquia do que do topo e eles [a
Família Real] não me perdoam por isso», afirmou pouco antes
da sua morte.
O êxito que tinha na vida pública era a intuitiva capacidade
de usar o seu gabinete para promover as suas causas, ao mesmo
tempo que a sua natureza a conduzia para junto dos doentes
terminais, de todos os enfermos e dos despojados. Tratava-se
de uma poderosa combinação. «Nunca mais me voltarei a quei-
xar», afirmou à saída de uma minúscula e abafada cabana, numa
vila de montanha no Nepal, durante a sua primeira viagem ao
estrangeiro sozinha, em 1993.
Aspirava a um estilo mais informal na realeza, descontraído
e acessível. «Isto requer um toque feminino» era o seu refrão,
um ponto de vista que evidenciava um feminismo em desen-
volvimento tanto na sua vida privada como na pública. No fun-
do, na sua opinião, muitos dos problemas e das questões neste
mundo dominado pelos homens derivavam frequentemente
da agressividade, do secretismo e do insensível ego masculino.
Os problemas poderiam ser mais eficazmente tratados, sentia,
quando as qualidades femininas da intuição, da compaixão, do
compromisso e da harmonia fossem acrescentadas à equação.
A sua visão, influenciada por conselheiros da nova geração, es-
tava igualmente enraizada na fatigada conceção da monarquia
como uma instituição dominada por homens, no seu indiscu-
tível cinismo em relação ao sexo oposto depois do fracasso do
seu casamento, bem como nas frequentes visitas privadas a
Chiswick, um abrigo para mulheres vítimas de violência do-
méstica.
O seu interesse pelas questões femininas era acompanhado
pela crescente consciência de ter individualmente um papel a
cumprir no palco mundial. Era entusiasmante e estimulante.
O trabalho que desenvolveu para a sida e para a lepra mostrou-
-lhe que poderia atravessar as fronteiras do país, enquanto a

421
sua coragem em admitir os seus problemas alimentares levaram
milhares de doentes em todo o mundo a procurar ajuda. Muitos
enviaram-lhe cartas de agradecimento por os ter ajudado a en-
frentar os problemas da sua própria vida, reação que considera-
va tão embaraçosa quanto gratificante.
Foi contra esta filosofia em desenvolvimento que a Prince-
sa discutiu com o então primeiro-ministro John Major e com
o secretário dos Negócios Estrangeiros, Douglas Hurd, as suas
ideias para um papel futuro. Queria uma posição de embaixa-
dora itinerante com um pendor humanitário, mais que de ên-
fase política. Diana pensava que demasiados conflitos surgem
pela incapacidade de estabelecer comunicação entre as partes
em causa. A sua solução consistia em acreditar em que o «toque
feminino» pode deitar água na fervura e ajudar a desbloquear
linhas de discussão entre desavindos. Certamente simplista,
possivelmente grandiosa, esta ideia da Princesa agindo como
embaixadora humanitária ganhou uma resposta construtiva
por parte do primeiro-ministro, que pôs a proposta à conside-
ração do Palácio de Buckingham. Este informou delicadamente
Downing Street1 de que este era o tipo de papel talhado para
o Príncipe de Gales. «Queremos o herdeiro, não a ela», era o
choro demasiado familiar dos «homens de cinzento.»
Um pequeno milagre, em seguida, aconteceu quando Diana
viu Nigel Short jogar com Boris Kasparov no Campeonato do
Mundo de Xadrez e pensou no jogo como uma parábola da sua
própria vida. «Gosto imenso do jogo, é a minha vida. Sou ape-
nas um peão empurrado pelos poderosos», observou. Mesmo
pensando que sentia frustradas as suas ambições pelo aparelho
político-social britânico, o seu trabalho não passava sem ser
notícia em qualquer outro sítio. Em dezembro de 1996, Hen-
ry Kissinger presenteou-a com o Prémio Humanitária do Ano

1 Trata-se da residência oficial do primeiro-ministro inglês. (N. da T.)

422
numa cerimónia em Nova Iorque, com o veterano diplomata
reconhecendo a sua força e a sua «personalidade luminosa»,
enaltecendo a forma como «se colocou ao lado dos doentes, dos
sofredores e dos humilhados».
Louvada no estrangeiro mas marginalizada em casa, Diana,
como outros antes dela, viu-se como um profeta sem crédito
no seu próprio país. Esta frustração revelou-se cedo, na famosa
entrevista televisiva ao programa Panorama, quando apelou ao
público. Lamentando-se, disse: «Eu gostava de ser uma embai-
xadora deste país. Uma vez que recebo toda esta atenção dos
media, não vamos ficar sentados aqui e ser fustigados por isso.
Vamos pegar nelas, nessas pessoas, para representar o país e as
suas boas qualidades no estrangeiro... Tenho estado numa po-
sição privilegiada há 15 anos. Adquiri enormes conhecimentos
acerca das pessoas e de como comunicar, e quero usá-los.»
Embora as suas palavras tenham caído em orelhas moucas no
governo e no Palácio, outros as ouviram. Como as negociações
relativas ao divórcio ganharam ritmo no seguimento da inter-
venção da Rainha em dezembro de 1995, Diana passava inevi-
tavelmente muito tempo com os seus solicitadores, construindo
um laço forte com Maggie Rae, a sua conselheira legal, que na al-
tura a guiava no intrincado caso. Por coincidência, Maggie, an-
tiga companheira de quarto de Cherie Blair, e grande amiga dos
Blairs, incentivada por Diana, concordou em agir como uma via
informal entre a Princesa e o líder da Oposição. Ao observar o
seu desenvolvimento a uma certa distância, Tony Blair percebeu
que Diana possuía potencial para se tornar uma representante da
Grã-Bretanha no palco mundial. «Era o rosto da Nova Grã-Bre-
tanha que queríamos construir», recorda um adjunto de Blair.
Contudo, foram necessários grandes cuidados na realização dos
seus contactos pessoais, já que qualquer fuga de informação se-
ria politicamente embaraçosa tanto para Tony Blair como para
Diana. Organizaram-se diversas reuniões, ficando Blair cada vez

423
mais impressionado com a sua propensão humanitária e o seu
poder de atração internacional.
Ao tornar-se primeiro-ministro, em maio de 1997, Blair teve
a oportunidade de empregar oficialmente os evidentes talentos
de Diana, organizando, no verão, uma reunião de fim de sema-
na em Chequers, a casa de campo oficial do primeiro-ministro.
Enquanto o Príncipe William jogava futebol nos relvados com
os filhos de Blair, a Princesa e o primeiro-ministro discutiram
os pormenores do seu papel informal de embaixadora. Diana
estava encantada, observando posteriormente: «Acho que fi-
nalmente terei alguém que saberá como aproveitar as minhas
capacidades. Disse-me que queria que eu prosseguisse com al-
gumas missões. Eu gostaria muito de ir à China. Tenho facilida-
de em perceber o que se passa na cabeça das pessoas.»
Na verdade, o que mais impressionava o jovem primeiro-mi-
nistro era o fantástico dom para ir direita ao âmago de uma
questão difícil sem provocar excessivos ressentimentos políti-
cos. Tal como comentou depois da morte da Princesa: «Ela ti-
nha uma capacidade tremenda – tal podemos ver na questão das
minas antipessoais – para entrar numa área muito controversa
e, subitamente, tomar claro para as pessoas qual a coisa justa a
fazer. Era, em si mesmo, um extraordinário atributo, e eu senti
que havia uma série de vias que podiam ter sido exploradas e
usadas para o bem das pessoas.»
Mais do que qualquer outra coisa nas últimas semanas da sua
vida, o aplauso entusiástico e o encorajamento do primeiro-
-ministro ao seu trabalho, bem como o êxito da sua campanha
contra o mal das minas antipessoais, deram-lhe uma renova-
da sensação de automerecimento, assim como uma orientação
mais centrada e perspicaz da sua vida pública. Foi a sua equipa
que primeiro notou a mudança de estilo. «O entusiasmo dela
era permanente e contagioso», recorda a sua secretária, Louise
Reid-Carr.

424
Tal como com a aproximação a Blair, o seu envolvimento na
questão das minas antipessoais foi um caso de lançamento certo
no tempo certo. Por uma feliz coincidência, um amigo de Dia-
na, o realizador cinematográfico lorde Attenborough, convi-
dou-a para uma estreia de beneficência do seu In Love and War,
um documentário acerca da destruição causada pelas minas
antipessoais em civis, particularmente em mulheres e crianças,
ao mesmo tempo que o director-geral da Cruz Vermelha Bri-
tânica, Mike Whitlam, visitava o Palácio de Kensington para
tentar obter a renovação de um compromisso relativo às obras
de caridade.
O filme, centrado no trabalho da Cruz Vermelha, ocupou a
imaginação de Diana, que aceitou alegremente ajudar a reco-
lher fundos na campanha para libertar o mundo das minas an-
tipessoais. Além disso, decidiu acompanhar os oficiais da Cruz
Vermelha e uma equipa de reportagem da BBC para publicitar
o trabalho de caridade na Angola dividida pela guerra. Foi, tal
como a Princesa apresentou a questão, uma missão «que reque-
ria muita maturidade».
Num encontro no Palácio de Kensington antes de voar para
África, Diana expressou preocupação por as suas ações pode-
rem ser vistas como políticas. Lorde Attenborough recorda:
«Ela estava consciente da possibilidade de haver consequências
políticas, mas decidida a correr o risco nos lugares que, dado
o sofrimento causado pelas minas antipessoais, devem ser tra-
zidos à atenção do público.» Inevitavelmente, por liderar a
luta pelo banimento das minas antipessoais, Diana provocou
ressentimentos políticos – um ministro pouco importante do
então governo conservador descreveu-a como sendo «algo des-
controlada», enquanto as objeções dos deputados tories 2 evita-
vam que comparecesse a uma reunião na Câmara dos Comuns

2 Do Partido Conservador. (N. da T.)

425
com todo o grupo do partido para a erradicação das minas an-
tipessoais. Simbolicamente, a Princesa manteve-se trocista e
afastada dos seus acusadores. «Sou uma humanitarista. Sempre
o fui e sempre serei», disse, simplesmente.
Mais do que isso, ao juntar o seu peso à campanha, Diana
estava claramente a marcar uma diferença. Imagens suas cami-
nhando num campo minado em Angola forçaram o mundo a
sentar-se e a tomar conhecimento – «O impacto que ela teve foi
absolutamente fenomenal», disse a Cruz Vermelha Britânica.
Animada por este êxito inicial – o novo governo britânico
respondeu proibindo a exportação e o uso de minas antipes-
soais, enquanto a administração Clinton era empurrada para
uma política semelhante –, a Princesa discutiu visitas a outros
países, como Camboja, Tailândia, Afeganistão, Iraque e Bósnia.
No fim, após conselho do Ministério dos Negócios Estrangei-
ros, decidiu fazer uma visita de três dias à Bósnia, ainda em
lenta recuperação da guerra civil, na companhia do distingui-
do jornalista lorde Deedes, que recorda não só o seu delicado
sentido de humor, mas também a sua aptidão para ouvir e para
comunicar o incomunicável. Quando caminhava no maior ce-
mitério de Sarajevo, encontrou uma mãe a cuidar da campa do
filho. «Não houve barreiras linguísticas», escreveu. «As duas
mulheres abraçaram-se com doçura. Observando esta cena à
distância, pensei: Quem mais poderia ter feito isso. Ninguém.»
Contudo, os 40 cameramen e jornalistas que a perseguiam
pelas ruínas da anteriormente orgulhosa nação não estavam
tão preocupados com as graves questões relacionadas com o
problema das minas, como com o explosivo interesse de Dia-
na no novo homem da sua vida, Dodi Fayed, o playboy filho
do controverso proprietário da cadeia de lojas Harrods, Moha-
med al-Fayed. Era uma forma de lembrar Diana, como se ainda
precisasse, de que, embora tivesse conseguido escapar do sufo-
cante jugo da Família Real e tivesse conseguido reinventar o

426
seu perfil como figura pública, nunca se conseguiria libertar da
duradoira e resistente imagem de uma bela, descomprometida
e disponível jovem mulher. Quer gostasse quer não, com quem
iria casar era uma questão muito mais fascinante do que o que
iria ela dizer.
Mais do que isso, desde a sua separação, em dezembro de
1992, a Princesa tivera de aprender a lidar com uma sociedade
adversa a mulheres fortes e determinadas. Alguns comentado-
res observaram que a separação de Carlos e Diana libertou «um
retrocesso de misógina indignação, verdadeiramente chocan-
te». A Princesa sabia que, se fosse apanhada numa carícia ou
num inocente abraço a outro homem, a campanha de boatos
começaria imediatamente. Isto não era exagero, como ficou
provado com a quase ritual humilhação da separada duquesa de
York quando foram publicadas fotografias do seu conselheiro
financeiro, John Bryan, a lamber-lhe os dedos dos pés.
Até à concretização do divórcio e à definição dos termos do
acordo, a grande preocupação de Diana era a de que os filhos lhe
fossem retirados pela família mais influente e mais temida da
Grã-Bretanha. Portanto, foi obrigada a uma precaução extre-
ma, nunca realizando, por exemplo, jantares no Palácio de Ken-
sington, porque poderiam ser mal interpretados, não fosse
qualquer homem descomprometido servir de pretexto para os
sempre vigilantes media. Na verdade, quando queria convidar
alguém do sexo masculino para o Palácio de Kensington, insis-
tia para que ele, gostasse ou não, viajasse no porta-bagagens, de
forma a evitar os sempre vigilantes fotógrafos paparazzi. Como
frequentemente se queixou: «Quem me quereria levar? Trago
tanta bagagem! Quem me convidar para jantar terá de aceitar o
facto de no dia seguinte isso estar espalhado pelos jornais. Creio
que estou mais segura sozinha.»
Tinha uma profunda e, por vezes, irritada consciência de que
as suas pegadas seriam seguidas pelos fotógrafos paparazzi es-

427
faimados pela primeira fotografia jackpot de Diana com o novo
homem da sua vida. O seu cuidado era, por isso, compreensível.
Por mais inocentes que as suas amizades fossem, a Princesa sa-
bia, através de amargas experiências, que as companhias mas-
culinas sofriam uma prolongada, senão eterna, agonia com as
atenções dos media. Perdera já o conto ao número de homens –
e muitas vezes das suas próprias mulheres – que se viram expos-
tos na primeira página dos jornais do dia seguinte só pelo facto
de terem, casualmente, passado consigo uma noite no cinema,
no teatro ou num restaurante.
Era uma situação pouco saudável, dada a sua natureza emo-
cional. A Princesa era uma mulher sensível, afectiva e carente,
que ansiava pelo calor e pelo companheirismo que uma rela-
ção amorosa lhe poderiam facultar, mas que até então lhe tinha
sido negada. Fechada num frio e distante casamento durante
a maior parte da sua vida adulta, Diana era forçada a canalizar
os seus afetos para outro lado, comprando generosos presen-
tes a amigos e rodeando-se de bens materiais que lhe mitigas-
sem a solidão. Por isso, era demasiado protetora com os filhos,
como acontece com muitas mães separadas, demasiado familiar
com os seus empregados porque se sentia só, e enervantemen-
te aberta a completos estranhos no seu trabalho de caridade.
Como observou uma amiga: «Estava sempre a fazer tudo para
os outros; precisa de começar a fazer qualquer coisa para si pró-
pria. Quer o elogio e a adulação por ser uma mártir, dada a sua
enorme insegurança.»
A sua imagem de sofisticada elegância e intocável sensua-
lidade apenas disfarçava a sua mais íntima necessidade de um
homem que a acarinhasse, que a protegesse e a amasse. Não
desejada enquanto bebé, não amada como esposa, queria ape-
nas um homem em quem pudesse confiar, um companheiro
de confiança. Contudo, tudo o que Diana conhecera fora uma
vida romântica de traição, quer pelas circunstâncias quer pelos

428
desígnios, e de deslealdade. Quando confiou foi decepcionada;
quando amou foi cruelmente exposta. Foi rejeitada pelo Prín-
cipe Carlos em prol de outra mulher; Barry Mannakee, o seu
antigo guarda-costas, com quem ela sempre contara, foi tragi-
camente morto; a amizade com James Gilbey foi viciosa e pu-
blicamente exposta no escândalo Squidgygate com a divulgação
das gravações, enquanto o seu amante, o capitão James Hewitt,
vendeu a história. A sua amizade com o antigo capitão de râ-
guebi inglês Will Carling acabou quando a mulher dele, Julia,
uma figura televisiva, a acusou de ser a responsável pela rutura
do casamento de ambos, enquanto a relação com o negociante
de arte Oliver Hoare terminou abruptamente depois de uma
investigação policial a uma série de aborrecidos telefonemas
para a casa dele. Apenas a amizade com o Dr. Hasnat Khan, um
cardiocirurgião, e Christopher Whalley, um construtor civil,
pareceram escapar ilesas. A relutância em atirar-se de alma e
coração para uma grande relação não era surpreendente.
Apesar da dor e do sofrimento, a Princesa, que no fundo era
uma jovem franca e bastante ingénua, manteve uma visão ro-
mântica do seu futuro, sonhando com um cavaleiro numa ar-
madura cintilante que a capturasse para uma vida nova. «A ra-
zão diz-lhe que ela gostava de ser uma embaixadora do mundo;
o coração diz-lhe que gostava de ser galanteada por um adorável
milionário», comentou prescientemente um amigo. Ao mesmo
tempo, Diana também tinha consciência da turbulência que
uma nova relação iria criar, tanto no interior da Família Real,
como com os seus dois filhos. Como uma vez dissera ao marido:
«Se eu me apaixonar por outra pessoa, as faíscas espalhar-se-ão,
e Deus nos ajude.» Acima de tudo, no seu espírito, estava a con-
sideração pelos filhos. Qualquer pretendente à sua mão teria de
conquistar primeiro a aprovação deles antes de conquistar ver-
dadeiramente o seu coração. Na verdade, uma das atrações de
James Hewitt era o facto de se entender tão bem com William

429
e Harry. Embora desejasse mais dois filhos, de preferência rapa-
rigas – ficou entusiasmadíssima quando a sua astróloga previu
que teria outro bebé em 1995 –, os seus desejos eram contraba-
lançados pelo impacto que isso teria na sua família.
Assim, a eterna esperança de encontrar um homem com
quem partilhar a vida era apaziguada com a precaução nascida da
experiência da posição social e da família atual que tinha. «Levei
demasiado tempo a livrar-me de um casamento infeliz para me
meter imediatamente noutro», disse a Taki Theodoracopulos,
uma repórter dos tabloides. Esta tensão íntima manifestava-se
nas frequentes consultas a astrólogos, na procura de uma espé-
cie de sinal, de alguma noção de para onde se encaminharia o
futuro. Pedia-lhes constantemente que lhe previssem qual a es-
pécie de homem com quem deveria um dia casar. «Quem quer
que sejas, vem cá», dizia alegremente. Embora muitas das pro-
fecias estivessem completamente erradas, as previsões do essen-
cial, aquelas em que verdadeiramente acreditava, hoje possuem
uma estranha e transversal precisão. Uma das mais recorrentes
profecias era a de que se iria casar com um estrangeiro ou, pelo
menos, com um homem de origem estrangeira. A França apa-
recia frequentemente nas previsões astrológicas tanto como o
local da sua futura residência, quanto como o país de origem do
novo homem da sua vida. Na verdade, uma das razões pela qual
Diana considerava a ideia de viver em França, na África do Sul
ou nos Estados Unidos era não apenas a indesejada atenção dos
media, mas também o facto de os seus astrólogos lhe anteverem
um futuro amor, uma nova felicidade e esperança longe do seu
país natal.
As conjeturas acerca do futuro acompanhavam a sua cis-
ma no passado. Discutia interminavelmente com os amigos as
questões que a irritavam; se Carlos e Camilla alguma vez en-
contrariam felicidade juntos ou se ele teria a coragem de aban-
donar o trono pela mulher amada. O seu espírito de obcecada

430
curiosidade era acompanhado de uma certa simpatia pela luta
deles. «Ele não desistirá dela, e eu desejo-lhe sorte», disse uma
vez a uma amiga. «Gostaria de lhe dizer isso um dia.» À medida
que os anos passavam, Diana foi-se reconciliando com Camilla,
enquanto castelã de Highgrove, e começou a compreender que
a sua lealdade e a sua descrição seriam recompensadas com o
reconhecimento público, por parte do Príncipe, da relação de-
les. Contudo, esse espírito depressa se transformou em repro-
vação ou autocomiseração, lamentando uma juventude e uma
inocência perdidas. Assim, quando em julho de 1997 o Príncipe
anunciou que iria conduzir a festa do 50.º aniversário de Camil-
la em Highgrove, Diana decidiu desaparecer. Embora se tivesse
mostrado corajosa com o evento – «Não seria engraçado se, de
repente, eu saísse de dentro do bolo de aniversário?», brincou
–, sabia que a cobertura dos media iria reabrir velhas feridas e
reanimar velhas mágoas.
Foi neste contexto que decidiu aceitar o convite de Mohamed
al-Fayed, o dono da cadeia de lojas Harrods, para que ela e os
filhos se juntassem a ele, à sua mulher, Heini, e aos seus qua-
tro filhos, para umas férias na sua villa em St. Tropez, no Sul
de França. Mesmo apesar de Fayed – uma controversa figura
cujos pagamentos a certos membros do Parlamento ajudaram a
derrubar a administração conservadora – conhecer a família
Spencer havia anos, vários dos seus amigos, incluindo Rosa
Monckton, mulher do editor do Sunday Telegraph, aconselha-
ram-na a não aceitar. O multimilionário egípcio – a quem foi
recusada a cidadania britânica, apesar dos frequentes protestos
referentes ao que ele considera a injustiça da sua exclusão – em-
pregou a madrasta de Diana, a condessa de Chambrun, na sua
loja, e tornou-se tão íntimo do falecido conde, o pai de Diana,
que chegaria a proclamar que eram como irmãos. Embora seja
implacável e ditatorial no trabalho, como atestam todos os que
contactaram com ele, Diana conheceu apenas a sua faceta afável,

431
generosa e afetuosa. Sentiu-se feliz por ser fotografada com o
braço dele à sua volta quando estavam na coberta de um dos
seus iates, perto de St. Tropez. Pela primeira vez, Diana pare-
cia descontraída e liberta, mostrando-o obviamente à imprensa
quando fazia jet-ski ou nadava na praia defronte à villa de Fayed.
No entanto, as afirmações dos media de que teria escolhido
um duvidoso e inadequado anfitrião irritaram-na. Dirigiu-se a
uma quantidade de jornalistas britânicos e queixou-se de que
tinham sido cruéis com Fayed, a quem considerava desde muito
antes um amigo da família, e injustos para com ela e os filhos,
perguntando-lhes se os podiam deixar a todos em paz. E num
aparte disse: «Esperem uma grande surpresa nas próximas duas
semanas.»
Foi um incidente que parece simbolizar a sua inocência não
sofisticada bem como a sua constante vulnerabilidade. Era in-
génua em esperar anonimidade na companhia de um homem
que era um espinho na carne das instituições britânicas, na mais
fascinante estância do Sul de França e no pino do verão. Ao
mesmo tempo, estava sempre à procura de um refúgio seguro,
particularmente durante as férias escolares, onde ela e os filhos
pudessem passar algum tempo juntos antes de a Princesa vol-
tar para casa do pai, em Balmoral. Se tivesse comprado a sua
própria propriedade rural – durante algum tempo procurou
propriedades em Berkshire, perto da escola pública de William,
Eton – ou tivesse concretizado o seu sonho de viver na herdade
de Althorp, talvez tivesse tratado com mais cuidado os convites
para férias de amigos bem intencionados.
Quatro dias depois do início dessas decisivas férias de julho,
juntou-se ao grupo o filho mais velho de Fayed, Emad, conheci-
do por Dodi, que tinha encontrado a Princesa pela primeira vez
dez anos antes, quando jogava polo ao lado do Príncipe Carlos.
Houve poucos indícios da sua posterior intimidade quando foi
apresentado a Diana. Membros do grupo repararam em que ele

432
se inclinara para a frente e lhe chamara «minha senhora», tra-
tando-a com a deferência devida à sua posição social. Na ver-
dade, Dodi tinha o seu próprio iate atracado perto do Jonikal,
o barco do pai, e era nele que ficava com a sua namorada de
então, a modelo californiana Kelly Fisher.
À primeira vista o playboy de 41 anos, produtor de filmes
em Hollywood, era um pretendente inverosímil à mão da Prin-
cesa, uma mulher que tinha passado a vida a pôr a nu o falso
esplendor da realeza para poder passar tempo com as pessoas
no limiar da sobrevivência e compreendê-las verdadeiramente.
Nascido num luxo descarado, Dodi, o único filho de Mohamed
al-Fayed e da sua primeira esposa, a falecida Samira Khashoggi,
cujo irmão Adnan é um multimilionário comerciante de armas,
teve o seu próprio Rolls-Royce com motorista e guarda-cos-
tas quando tinha apenas 15 anos. Educado numa série de es-
colas privadas na Suíça, em França e no Egito, a sua formação
foi completada com um período na Sandhurst Royal Military
Academy para «o tornar mais forte», antes de se juntar à Força
Aérea dos Emirados Árabes Unidos.
Sendo um homem jovem com predileção por carros rápidos
e mulheres bonitas, era inevitável que estivesse cansado do es-
plendor já gasto de Hollywood, onde se tornou produtor, e cujo
mais notável filme foi o vencedor de Óscares Chariots of Fire.
Depois do fracasso do seu casamento de oito meses com a mo-
delo Suzanne Gregard, esteve ligado a uma série de cintilantes
namoradas, incluindo Brooke Shields, Joanne Whalley, Cathy
Lee Crosby e Julia Roberts. A sua companheira de férias, Kelly
Fisher, era a última de uma longa lista de amores. Embora uma
vez tenha dito que o seu primeiro casamento o tinha posto fora
da instituição para o resto da vida, parecia estar pronto para as-
sentar com a modelo californiana. Mais tarde, esta afirmou que
ele tinha discutido seriamente a perspetiva do casamento e da
compra de uma casa juntos, em Malibu. Chegou mesmo a com-

433
prar-lhe um anel de 200 mil euros e a dar-lhe um cheque de igual
valor – que não tinha provisão – como prova das suas intenções.
Para fora, na altura, Dodi Fayed era o arquétipo do playboy
frívolo, deslizando à superfície da vida, comprando fama e ami-
zades como comprou os seus cinco Ferraris, com uma suposta
mesada de 100 mil dólares por mês que recebia do pai. De novo,
Diana estava pronta para sondar para além da superfície da sua
personalidade para descobrir qualidades que lhe devem feito re-
cordar o seu primeiro amor, o Príncipe Carlos.
Para além do gosto em comum pelo polo, os homens tinham
outras similitudes notáveis, vivendo como viviam na sombra
de pais fortes e dominadores. Isso levou-os a participar em
desportos perigosos, como se tivessem de se pôr à prova e de
agradar aos pais. Enquanto Dodi era indubitavelmente negli-
gente como um inseto sem destino, pelo menos até conhecer
Diana, o Príncipe Carlos vivia na indecisão e à deriva, com dis-
cursos confusos e pensamento sem direção. Foi uma vida ar-
ruinada, também, pela dor sentida pelo assassínio do seu «avô
honorário», lorde Mountbatten. «Que homem tão triste», foi a
primeira impressão de Diana acerca do futuro Rei, uma quali-
dade que indubitavelmente o tornou atraente para ela. Todos
quantos conheciam bem Dodi dizem que, sob a aparência do
cavalheiro encantador e cortês, qualidades que Diana admirou
no Príncipe Carlos, havia um homem com a tristeza na alma.
A sua suscetibilidade era atribuída às calamidades que viveu,
nomeadamente as mortes da sua mãe, a quem adorava, e de ou-
tros parentes chegados. Esta combinação de sofrimento e sus-
cetibilidade era atrativa para Diana, que reagia com um reflexo
intuitivo quando via dor nos outros.
Tão importante como a sua química pessoal foi a relação de
Dodi com os rapazes. Alugou uma discoteca por duas noites, e
Diana e as crianças puderam dançar em privado, ao mesmo tem-
po que todos quantos o viram com William e Harry no pequeno

434
restaurante La Renaissance, em St. Tropez, notaram que pare-
ciam à-vontade na sua companhia. Mais tarde foram todos a um
parque de diversões, onde brincaram nos carrinhos de choque.
Por esta altura, a formalidade e a distância que caracterizaram
os primeiros dias que passaram juntos mudara para uma inti-
midade sorridente; o casal conversava amigável e descontraida-
mente. «Eles estavam descontraídos, mostravam cumplicidade e
um óbvio conforto juntos», comentou um membro do pessoal.
O veredicto de Diana, antes de voar para Milão para se juntar a
Elton John e outras celebridades no funeral de Gianni Versace,
foi simples e diretor: «Foram as melhores férias da minha vida.»
À medida que a sua amizade ganhava forças, Mohamed al-
-Fayed incentivou a potencial relação do seu filho, tornando
despudoradamente claras as suas ambições relativamente ao fi-
lho mais velho e à mulher mais famosa do mundo. «Dei-lhes a
minha bênção», disse, enquanto a possibilidade da ligação entre
a sua dinastia familiar e as mais altas esferas da sociedade britâ-
nica se tornava excitantemente próxima.
Durante todo o tempo, a sombra do Príncipe Carlos dominou
na obscuridade. De um modo curioso, a sua decisão de «sair»
em público com Camilla para preparar a festa do 50.° aniversá-
rio dela parece ter dado a Diana possibilidade para também ser
aberta relativamente à sua vida amorosa. À medida que a sua
hostilidade para com Camilla se desvanecia, também a amisto-
sidade equilibrada que tinha alcançado com o Príncipe Carlos,
juntamente com a nova direção e o êxito da sua vida pública,
apontava o mesmo caminho – Diana estava não apenas a co-
meçar a encontrar paz interior, mas estava também preparada
para o homem que tão ardentemente aguardara ver entrar na
sua vida. Em suma, estava pronta para o romance.
Como uma trovoada num dia de verão, a súbita erupção do
seu caso amoroso apanhou toda a gente de surpresa. «Não se
preocupem, eu não vou fugir e casar em segredo», disse a uma

435
amiga quando voava num jacto da Harrods para um cruzeiro
na costa da Sardenha a sós com o novo homem da sua vida.
Pela primeira vez desde a sua separação, Diana não sentiu a ne-
cessidade de se esconder, de conduzir o seu caso amoroso sob
disfarce, acompanhando com serenidade as notícias de que os
vigilantes paparazzi haviam conseguido fotografias à distância
do casal abraçado e aos beijos. Confessou aos amigos que em
Dodi, tão caloroso, afetuoso e incansavelmente atencioso, en-
contrara, finalmente, um homem que a apreciava por si própria
e que nada queria a não ser fazê-la feliz.
Até mesmo as queixas televisionadas de Kelly Fisher de que
Dodi a havia deixado por Diana, o que seria suficiente para
fazer soar os alarmes, em nada afetaram os seus sentimentos.
Depressa surgiram preocupantes notícias dos Estados Unidos
e diversas das suas antigas namoradas falaram indiscretamente
das suas idiossincrasias, tendo uma delas inclusivamente alega-
do que ele a ameaçara com uma pistola, mas Diana manteve-se
tranquila. Durante o tempo todo, sombrias personagens ajuda-
vam os jornalistas, dando-lhes citações atribuídas a «amigos»
que realçavam a crescente proximidade do casal.
Quando viajou até à Bósnia no decorrer da sua campanha
contra o uso de minas antipessoais, mais uma vez num jacto
da Harrods, por sua cortesia, o casal manteve-se em contacto
através dos telemóveis. «Ela ria e ria com ele», afirmou San-
dra Mott, anfitriã da Princesa na sua viagem de três dias. Como
confessou Dodi à sua ex-mulher, Suzanne Gregard: «Diana
e eu estamos a ter um romance, um verdadeiro romance.»
Estes sentimentos marcaram uma mudança na sua personalidade.
Os amigos de longa data repararam que Dodi parecia estar mais
sério e mais responsável, determinado a juntamente com Diana
garantir o êxito da sua relação. «Nunca, nunca mais terei outra
namorada», confessou a Michael Cole, porta-voz de Fayed, que
depressa revelou essa pequena conversa.

436
O que começara como uma tola história de verão era então
levado mais a sério, facto evidenciado quando o casal voou no
helicóptero de Dodi para consultar a sua vidente, Rita Rogers,
uma conselheira fulcral para Diana e para a duquesa de York.
Os seus amigos intímos ficaram perplexos com o facto de Diana
revelar aspectos tão íntimos da sua vida a um homem que co-
nhecera havia tão pouco tempo. Enquanto Dodi viajava até Los
Angeles para remendar os estragos do fiasco causado por Kelly
Fisher, a Princesa dirigia-se secretamente até às Ilhas Gregas
com Rosa Monckton, mais uma vez por cortesia, no jacto da
Harrods. Embora não tivesse tomado quaisquer decisões acerca
do seu futuro, era evidente para a sua amiga que, pela primeira
vez em muitos anos, Diana se encontrava feliz, apreciando a
companhia de um homem que obviamente, tanto em privado
como em público, se preocupava com ela.
Contudo, sentia-se infeliz com a forma como Dodi a estra-
gava com presentes. «Não é isso que eu quero, Rosa, põe-me
pouco à-vontade. Não quero ser comprada, tenho tudo aquilo
de que necessito. Só quero alguém que fique do meu lado, que
me faça sentir protegida e segura.» Sem dúvida ter-lhe-ão vin-
do à memória dolorosas recordações dos seus dias de criança,
em que nada desejava de material, apenas todo o apoio emocio-
nal, bem como a lembrança da sua relação com o falecido pai.
Apesar de o pai a inundar de presentes, sentia que ele não estava
presente quando necessitava dele. Uma vez, lembrou-se de uma
conversa em 1991, quando o pai decidiu apanhar um avião para
Paris a fim de lhe comprar um presente de aniversário. «Eu não
quero isso, só te quero a ti», disse-lhe.
Fosse qual fosse a ansiedade que o extravagante comporta-
mento de Dodi lhe provocasse, a Princesa, ela própria reconhe-
cidamente generosa com os amigos, ofereceu ao namorado uma
guilhotina de charutos da casa Aspreys, joalheiros londrinos,
com a seguinte inscrição: «Com amor, de Diana». Como mais

437
um sinal do seu afeto ofereceu-lhe um par de botões de punho
que haviam pertencido ao pai. «Disse que o pai ficaria feliz por
saber que eles estavam em mãos tão seguras e tão especiais»,
disse o porta-voz de Fayed no dia anterior ao funeral.
Se os furacões impulsionam o romance, isto era um tomado.
O casal mal passara uma semana a sós já os mass media, com
a sua voracidade saciada, mais uma vez, com fugas de fontes
anónimas, falavam de casamento. Não era de forma alguma
injusta a instintiva precaução e a reprovação de Diana pelos
manifestos dispêndios devidos ao evidente afeto de Dodi à
sua consideração e sensibilidade. Com ele, a Princesa já não se
sentia só. «Elsa, eu adoro-o. Nunca fui tão feliz», confessou à
amiga Lady Elsa Bowker. Chegou a telefonar para o seu aten-
dedor de chamadas só para ouvir a sua «maravilhosa voz». Em
21 de agosto, o casal voou para o Mediterrâneo, onde estava
o iate de Fayed, o Jonikal, para passar as suas segundas férias a
sós naquele mês. Mais uma vez, alguns jornalistas obtiveram
pormenores dos aproximados horários das chegadas e partidas,
com fotógrafos a captar Diana e Dodi caminhando na praia de
St. Tropez.
No divertimento com um jet-ski, Diana com a perna por cima
do ombro de Dodi, a intimidade e o calor da sua linguagem cor-
poral indicavam claramente a proximidade da sua relação. Mais
do que isso, conseguiram afastar os media para ir ver as montras
a Monte Carlo. Diana ficou particularmente interessada num
anel de diamantes na montra da joalharia de Alberto Repossi,
na Place Beaumarchais. O anel, que possuía um enorme bri-
lhante rodeado de incrustrações de outras pequenas pedras, va-
lia 130 mil libras e pertencia a uma coleção de anéis de noivado
chamada «Diz-me que sim». «É aquele que eu quero», diz-se
que Diana afirmou. Não ficou claro se o anel simbolizava uma
união mais duradoira, um sinal de que sim; por fim encontrara
paz e felicidade verdadeiras.

438
Embora se pudesse sentir feliz, a paz era mais ilusória. Quan-
do o casal atravessou Portofino, os negros batedores do jorna-
lismo, os famosos paparazzi, fotografaram-no numa vasta folia
no convés do Jonikal, de 59 metros. As suas intromissões provo-
caram o alarme, mas isso não impediu que fotografias da Prin-
cesa a apanhar sol na prancha de mergulho do iate tenham sido
publicadas em todo o mundo. «Diz-me só isto, é felicidade?»,
perguntou Rosa Monckton quando telefonou a Diana do seu
telemóvel, em 27 de agosto, apenas uns dias antes da sua morte.
A sua resposta disse tudo: «Sim, felicidade. Adeus.»
Diana parecia ter tudo. Êxito no palco do mundo como agen-
te humanitária; contentamento e amor na sua vida privada. En-
quanto passeava pelo convés do Jonikal, pela primeira vez o ba-
rómetro do seu coração mantinha-se num nível agradável. Por
uma qualquer curiosa alquimia o público percebeu esta trans-
formação; que este solitário e vulnerável barco sem leme havia,
ao menos, encontrado uma âncora na vida, um porto seguro
onde se abrigar dos perigos das profundezas.
Por poucos dias, saboreou um estado de graça numa tempes-
tuosa existência. Depois o céu abriu-se – e reclamou-a.

439
Quando caminhava no maior
cemitério de Sarajevo, Diana
encontrou uma mãe a cuidar
da campa do filho. «Não houve
barreiras linguísticas», escreveu
o jornalista. «As duas mulheres
abraçaram-se com doçura.
Observando esta cena à distância,
pensei: Quem mais poderia ter
feito isso? Ninguém.»

441
CAPÍTULO XIII

«A Princesa do Povo»

«Viver no coração dos que deixamos


para trás não é morrer»
Thomas Campbell, 1777-1844
Inscrição nos portões do Palácio de Kensington
nos dias de luto que antecederam o funeral
de Diana, Princesa de Gales.

E stava finalmente em paz, com o seu rosto sereno, quase an-


gélico. Vestida com um simples vestido negro desenhado pela
sua amiga Catherine Walker, vestido que nunca usara, estava
linda. Nos pulsos, várias pulseiras; nos dedos, um par de simples
alianças.
No fim de tudo, um homem que nunca a decepcionara, o ho-
mem a quem chamava o «meu rochedo», o seu mordomo Paul
Burrell, ficou junto de Diana para que, nas horas que antece-
diam a sua partida para a viagem final, não ficasse sozinha. Ao
rezar e chorar silenciosas lágrimas ao lado da sua urna jacente
no Palácio de Kensington, o mundo chorou com ele, ainda não
acreditando, ainda não compreendendo, o violento e chocante
facto de Diana, Princesa de Gales, estar morta.
Apenas dias antes, o público apreciara as suas fotografias des-
contraídas captadas durante as férias no Mediterrâneo, com o
novo homem da sua vida, Dodi Fayed. Parecia à-vontade con-
sigo própria; o público maravilhava-se calmamente com o fac-
to de uma mulher que tanto sofrera parecer ter alcançado uma

443
certa felicidade pessoal e contentamento. A sua entusiasmada
atenção para causas humanitárias, notoriamente a sua campa-
nha contra o uso de minas, e a perceção de que resolvera muitas
das dificuldades que a haviam assaltado desde a sua saída da Fa-
mília Real, constituíam fontes de silencioso prazer para muitos
dos seus apoiantes. No começo daquele verão, a sua decisão de
vender o seu guarda-roupa real num leilão em Nova Iorque,
para fins de beneficência, foi um sinal público de que a Prin-
cesa estava decidida a seguir em frente, de que a sua nova vida,
a sua verdadeira vida, estava apenas no começo. Na verdade,
admirada com o êxito do leilão, escrevera a diversas amigas pe-
dindo-lhes que lhe devolvessem roupas que ela lhes havia dado.
Algumas receberam o seu pedido na manhã que se seguiu à sua
morte.
O público sentiu esta enorme mudança, uma consciência que
tornou o inesperado da sua morte mais difícil de suportar. Esse
foi um estado de espírito captado pelo escritor Adam Nicolson:
«A asfixiante e esmagadora tristeza sentida pelo mundo foi o
conhecimento de que esta longa e dura luta, tão corajosamente
e, em certo sentido, tão às cegas combatida, como alguém que se
afoga lutando por ar, por chegar à superfície, pela luz, teria sido
cortada e terminada pela terrível banalidade de um acidente de
automóvel. Foi um fim desproporcionado relativamente a tudo
quanto acontecera antes. É por isso que isto dói.»
Há muito pouco consolo no conhecimento de que os últimos
dias da sua vida foram realmente idílicos, gozando as suas se-
gundas férias a sós com Dodi Fayed, cruzando a costa da Sarde-
nha no iate Jonikal. Planearam terminar as suas férias com uma
noite em Paris antes de Diana regressar à Grã-Bretanha para
ver os filhos. Embora os paparazzi sempre a reboque fossem
um aborrecimento, discutindo abertamente com a tripulação
do iate, a partida do casal para Paris foi antecipada. Nem por
isso melhorou. Quando chegaram ao aeroporto de Le Bourget,

444
fora de Paris, numa quente tarde de sábado, os paparazzi espe-
ravam-nos, demasiados, no mesmo local que os condutores e os
homens da segurança do Hotel Ritz, propriedade de Mohamed
al-Fayed.
No caminho para o hotel de cinco estrelas pararam na antiga
residência parisiense do duque e da duquesa de Windsor, ou-
tra joia na coroa de Fayed, de modo que Dodi pôde mostrar à
Princesa a bela mansão restaurada e os seus magníficos jardins.
Nessa viagem a partir do aeroporto foram perseguidos por uma
série de fotógrafos em motos que rasavam o seu Mercedes com
o fito de fotografar o casal. O guarda-costas, Kes Wingfield, que
viajava atrás num carro de segurança com Henri Paul, que tem
um papel decisivo nas mortes, recorda que a Princesa, apesar de
irritada com as atenções dos fotógrafos, estava mais preocupada
com a eventualidade de algum cameramen cair e magoar-se, de
tal ordem era a incansável perseguição.
O comportamento dos paparazzi não era a única coisa em que
pensava naquela tarde fatal. Quando chegaram ao Hotel Ritz, a
Princesa recebeu um telefonema ansioso do Príncipe William,
a quem fora pedido que comparecesse numa sessão fotográfica
em Eton, onde deveria iniciar o seu terceiro ano. Apesar de o
pedido de Buckingham fazer parte de um compromisso entre a
imprensa e o Palácio, que em troca de deixar os jovens Prínci-
pes em paz devia ter, ocasionalmente, oportunidades oficiais de
conseguir fotografias, William estava preocupado com o even-
tual perigo de o seu irmão mais novo, o Príncipe Harry, ser
ofuscado – uma preocupação partilhada por Diana.
Enquanto lhe arranjavam o cabelo, meditou certamente nes-
ta conversa, a sua última com o filho mais velho. Entretanto,
por volta das 6h30, Dodi visitou a joalharia vizinha de Alberto
Repossi, que havia alterado o anel «Diz-me que sim», que Dia-
na havia escolhido enquanto faziam compras em Monte Carlo,
durante o seu cruzeiro pelo Mediterrâneo. Mais tarde, nessa

445
noite, planearam visitar o esplêndido apartamento de Dodi nos
Campos Elísios depois de jantar no restaurante Le Benoît, perto
do Centro Pompidou.
Terá sido aqui que Dodi planeou fazer a sua declaração de
amor, oferecer-lhe o anel mais tarde encontrado no aparta-
mento, e pedir Diana em casamento? Na verdade, a sua última
conversa com os seus confidentes naquela noite sugeria que o
seu curto affair estava prestes a tomar um curso significativo e
talvez permanente. Antes, Diana telefonou a Richard Kay, um
jornalista do Daily Mail que veio a conhecê-la bem depois da
Princesa ter feito a sua primeira viagem a solo ao Nepal, em
1993. Quando falaram, ficou com a sensação de que Diana esta-
va apaixonada por Dodi e de que ele estava apaixonado por ela.
Estavam, presumiu, «em estado de graça». Nessa mesma noite,
Dodi falou com o milionário da Arábia Saudita Hassan Yassin,
irmão do padrasto de Dodi, que também estava, na altura, no
Ritz, e disse-lhe: «É sério. Vamos casar.» Hassan, mais tarde,
recordou: «Senti-me muito feliz por ele, pelos dois.»
Mesmo depois das 19 horas, o casal deslocou-se até ao apar-
tamento de Dodi, onde ficou cerca de duas horas. Mais uma
vez, os repórteres fotografaram-nos a sair do hotel e a entrar
no apartamento, onde os seus sinais de afeto, a guilhotina de
charutos e os botões de punho do pai viriam a ser descobertos.
A presença dos persistentes jornalistas levou-os a cancelar a sua
marcação no restaurante e, em vez disso, a regressar ao Ritz
para jantar. Quando chegaram, às 21h50, Diana, vestida com
um blazer preto e umas calças brancas, e Dodi, com um casa-
co de camurça castanho, pareciam desconfortáveis, disposição
agravada pelos olhares fixos de quem jantava no Restaurante
Espadon, de duas estrelas. Em alternativa, optaram por regres-
sar à suite Imperial de 6000 libras por noite, onde Diana comeu
uns ovos mexidos com espargos seguidos de um linguado. En-
tretanto, Henri Paul, o chefe da segurança do hotel, que estivera

446
fora de serviço durante três horas, foi chamado para organizar o
regresso do casal ao apartamento de Dodi, onde deveriam pas-
sar a noite. Esperando por ela no seu apartamento estava um
poema de amor escrito por Dodi e inscrito numa placa de prata.
Tinha-a cuidadosamente colocado debaixo da sua almofada. Ela
nunca a veria.
Entretanto, o grupo de jornalistas que esperava o casal à por-
ta do hotel crescia à medida que o tempo avançava e, de vez em
quando, Henri Paul, que conhecia muitos pelo nome, saía para
conversar e espicaçá-los sobre o momento em que o casal apa-
receria. O seu patrão, Dodi Fayed, tinha outras ideias. De acor-
do com o guarda-costas Kes Wingfield, Dodi aparecera com o
plano de montar uma operação que deixaria os repórteres de
mãos vazias. Era um plano bastante simples: carros que servi-
riam de isca sairiam do Ritz atraindo os paparazzi, assim permi-
tindo que Dodi e Diana escapassem da perseguição e regressas-
sem sem estorvos ao apartamento dele. Às 00h20 o Mercedes
220SL, levando Diana, Dodi, Henri-Paul como condutor e um
outro guarda-costas, Trevor Rees-Jones, arrancaram da porta
de serviço do hotel. Quando Henri Paul alegadamente gritou
ao grupo de paparazzi: «Não tentem seguir-nos, não nos alcan-
çarão», os fotógrafos que estavam a pé conseguiram tirar algu-
mas fotografias da Princesa escondendo o rosto com os braços,
quando o carro abandonou a zona do hotel.
Os pormenores dos minutos seguintes permanecerem obs-
curos, com porta-vozes de todo o lado a espremer qualquer
prova disponível na tentativa de evitar a responsabilidade do
fatal evento daquela noite. Do que não restam dúvidas é de que
o condutor, Henri Paul, estava embriagado, de facto tão em-
briagado, que excedia três vezes o limite legal de álcool no san-
gue permitido para conduzir. Tinha também uma mistura de
drogas, um antidepressivo, e uma outra usada no tratamento
do alcoolismo.

447
Com a quantidade de álcool que possuía no sangue, as proba-
bilidades de ter um acidente eram 600 vezes mais do que estan-
do sóbrio. Com muita bebida, drogas e adrenalina, desesperado
por assegurar que a artimanha de Dodi resultasse, Henri Paul
conduziu como um louco, voando por uma zona cheia de casas
a uma imprudente velocidade. Como observou Dominic Law-
son, editor do Sunday Telegraph e amigo da Princesa: «Embria-
gado ou sóbrio, nenhum motorista teria conduzido a mais de
160 km/h num túnel com um limite de velocidade de 50 km/h,
a menos que o seu patrão lhe ordenasse que o fizesse.»
Na Place de la Concorde, Paul foi visto por um fotógrafo que
os procurava, a passar um sinal vermelho e projetava-se em di-
reção à passagem desnivelada da Place d’Alma, na margem nor-
te do Sena, a alta velocidade. Por volta das 00h24, o Mercedes,
conduzido a uma velocidade que rondava os 140 ou 150 km/h,
entrou no obscuro túnel. Henri Paul perdeu o controlo do car-
ro, colidindo com um pilar de cimento sem quaisquer prote-
ções, que separava as faixas de rodagem, derrapando e dando
uma volta em sentido contrário.
O motorista e Dodi morreram instantaneamente, enquanto
o guarda-costas, o único ocupante que usava cinto de seguran-
ça, ficou em estado crítico, só recuperando consciência duas
semanas mais tarde. A Princesa ficou presa no espaço entre
os bancos da frente e de trás, fatalmente ferida e inconsciente.
Os primeiros a chegar ao local foram os fotógrafos que os per-
seguiam a cerca de 300 metros e que afirmaram ter ouvido um
estrondo tão grande, que pensaram que Diana fora vítima de
uma bomba de qualquer tentativa de assassínio.
Um médico francês que ia a passar, Frédéric Maillez, pres-
tou os primeiros socorros, dificilmente reconhecendo a mulher
que mal respirava e que nas suas palavras se encontrava «in-
consciente, a gemer e a gesticular em todas as direções». Até à
chegada de outra ajuda médica, vários paparazzi colaram-se em

448
volta do carro tirando-lhe fotografias. Um dos fotógrafos, Ro-
muald Rat, um treinado socorrista, abriu a porta das traseiras,
alegadamente para verificar o pulso de Diana e para a recon-
fortar em inglês. Os outros foram menos caridosos, alegando
que a porta já estava aberta e por isso podiam tirar fotografias
da sangrenta cena. O que repugnou muitas pessoas, assim que
os primeiros relatos surgiram, foi o facto de o fotógrafo não
ter conseguido consolar a Princesa nem ter conseguido telefo-
nar a pedir uma ambulância. Os primeiros relatórios da polícia
descreviam a cena como um caos com «os flashes das máquinas
a disparar como metralhadoras em volta das traseiras do lado
direito do veículo, onde a porta estava aberta». Os primeiros
polícias a chegar ao local foram, até, obrigados a chamar refor-
ços para lidar com os truculentos paparazzi, cuja perseguição a
Diana indicava, na altura, que a atirara para a morte. Sete jorna-
listas foram consequentemente presos e sujeitos a investigação
oficial sob a acusação de homicídio involuntário e por falta de
assistência às vítimas do acidente.
Uma das muitas terríveis ironias numa vida cheia de tragé-
dia foi o facto de, quando ainda casada com o Príncipe Carlos,
Diana acarinhar como uma das suas maiores ambições a ideia
de passar um fim de semana em Paris sem guarda-costas nem
fotógrafos, perdendo-se na multidão. Em vez disso, fugindo-lhe
a vida, com a buzina do Mercedes zunindo tristemente noite
dentro como uma macabra «mensagem final», a sua vida termi-
nou tal como começara, no metálico e staccato abraço dos flashes
das câmaras fotográficas. Mesmo na cidade dos sonhos, Diana
não conseguia fugir ao passado.
As equipas de salvamento demoraram uma hora a estabili-
zá-la e a retirá-la da amálgama de destroços antes de ser lenta-
mente levada para o Hospital La Pitié-Salpêtrière a fim de ser
sujeita a uma cirurgia de emergência. Na altura, era demasiado
tarde. Sofrera profundas lesões na cabeça e no tórax, e embo-

449
ra a equipa médica tivesse feito todo o possível, sabia tratar-se
de uma causa perdida. Às 4h da madrugada, 3h em Londres,
foi dada como morta. Um relatório post-mortem indicava que a
Princesa, que não voltou a recuperar a consciência, teria pro-
vavelmente morrido uns 20 minutos após o impacto. Como
a mãe, Frances Shand Kydd, afirmou dias depois: «Conheço a
extensão dos seus ferimentos e juro a todos que ela não se aper-
cebeu de nada. Não sofreu nada.» E acrescentou: «As minhas
informações chegaram-me em primeira mão», parecendo uma
censura a Mohamed al-Fayed, que, na noite anterior ao funeral,
divulgou o facto de ter transmitido as alegadas últimas pala-
vras e instruções de Diana à sua irmã mais velha, Lady Sarah
McCorquodale, numa reunião no Harrods. A rejeição da Sra.
Shand Kydd das suas «últimas palavras» foi apoiada pelas de-
clarações do primeiro médico que chegou à cena do acidente.
Pouco tempo depois do acidente, a Rainha e o Príncipe Car-
los, que estavam em Balmoral, foram acordados pelos seus as-
sistentes e informados de que Diana estava gravemente ferida.
O Príncipe ouviu os noticiários da rádio durante toda a noite,
mas não acordou os filhos senão de manhã, quando lhes deu
a conhecer as horríveis notícias. «Eu sabia que havia qualquer
coisa errada, passei a noite toda a acordar», diz-se que terá afir-
mado o Príncipe William. As mesmas notícias foram transmi-
tidas ao primeiro-ministro Tony Blair e às irmãs de Diana, Lady
Sarah McCorquadale e Lady Jane Fellowes, esposa do secretário
particular da Rainha, Sir Robert Fellowes. Às 4h41 da madruga-
da foi dada ao mundo a terrível notícia num breve flash noticio-
so. «De acordo com fontes britânicas, soube a Press Association
esta manhã que Diana, Princesa de Gales, morreu.»
Num momento em que a nação, perplexa, procurava com-
preender a dimensão da sua perda, a necessidade de repartir
proporcionalmente a culpa foi o inevitável recurso da sua dor.
Antes de ter sido descoberto que o condutor estava bêbedo e sob

450
o efeito de drogas, eram os paparazzi que estavam no banco dos
réus. Falando da África do Sul, o conde Spencer foi o primeiro a
apontar o dedo. Visivelmente enfurecido pela perda da vida da
sua irmã, disse: «Sempre acreditei em que a imprensa acabaria
por matá-la. Mas nem mesmo eu pude imaginar que viria a ter
uma tão direta intervenção na sua morte, como parece ser o
caso. Aparentemente, todos os editores e todos os proprietários
das publicações que pagaram por fotografias dela, incómodas e
exploradoras, encorajando indivíduos ambiciosos e sem regras
a arriscar tudo em perseguição da imagem de Diana, têm hoje
as mãos cheias de sangue.»
E continuou: «Finalmente, a única consolação é a de que Dia-
na está agora num lugar onde nenhum ser humano pode voltar
a tocar-lhe. Rezo para que descanse em paz.»
A família Fayed também estava em movimento, com os ad-
vogados a levantarem um processo civil contra os fotógrafos
que foram presos no local. O seu porta-voz denunciou imedia-
tamente as suas atividades: «Não há dúvida de que esta tragédia
não teria ocorrido se os fotógrafos da imprensa não tivessem
perseguido o sr. Fayed e a Princesa durante semanas.» Os pa-
parazzi, disse ele, comportaram-se como «índios Apache con-
gregando-se em volta de uma diligência da Wells Fargo, dispa-
rando não flechas, mas flashes nos olhos do condutor.» O cerne
da discussão era se os paparazzi tinham causado o acidente como
resultado direto das suas ações ou de forma indireta, como re-
sultado da sua presença indesejável.
Enquanto as recriminações continuaram por toda uma sema-
na que provou ser um momento crítico na história da Grã-Bre-
tanha, nas primeiras horas houve a questão prática de organizar
o funeral de Diana e a triste tarefa de levar o corpo de França.
Como a Princesa de Gales era divorciada e sem um título real,
os cortesãos do Palácio ficaram inicialmente confusos quanto ao
seu título e ao seu estatuto, incertos quanto a se haviam de a tra-

451
tar na morte como em vida. Certamente não podia ser tratada
como qualquer cidadão que tivesse sido morto no estrangeiro,
e a Rainha, o Príncipe de Gales e os seus conselheiros aceitaram
plenamente, ao contrário de alguns relatos, que Diana devia ter
conformidade com um estatuto real completo.
Antes de ter partido para Paris com as irmãs de Diana, o
Príncipe juntou-se ao resto da Família Real, incluindo os Prín-
cipes William e Harry, no serviço religioso de domingo, na
igreja de Crathie, perto da herdade de Balmoral. Os rapazes,
a quem foi dada a opção de assistir, insistiram em tomar par-
te no serviço. Embora tivesse durado uma hora, não foi feita
qualquer menção à morte de Diana nem houve orações em sua
memória. Em vez disso, o pastor atacou o seu sermão original
acerca das alegrias dúbias de mudar de casa, repleto de piadas
do comediante escocês Billy Connolly. Esta foi a primeira de
muitas divergências de tom e ênfase entre o povo e o Palácio,
primeiramente um desacordo e depois conduzido a ressenti-
mento aberto.
Enquanto a Família Real rezava, o mordomo de Diana, Paul
Burrell, foi um dos vários funcionários reais a partir para Pa-
ris para organizar o regresso do corpo. Levava uma pequena
mala de viagem contendo roupas da Princesa e maquilhagem e
despendeu imenso tempo preparando o corpo para a chegada
iminente do Príncipe de Gales e das duas irmãs de Diana. Quan-
do a comitiva real chegou, já tarde avançada, foi conduzida à
sala de emergências do primeiro andar, onde estava colocado
o caixão de Diana. Cada um dos membros do grupo passou al-
guns minutos a sós, fazendo as suas próprias despedidas, tendo
o Príncipe de Gales ficado com a sua antiga esposa durante 30
minutos. Quando reapareceu, ficou claro que muitas lágrimas
tinham sido derramadas.
No dia em que milhões de pessoas em todo o mundo não pu-
deram ou, literalmente, não quiseram acreditar que a sua Prin-

452
cesa estava morta, foi apenas quando o BAel46 da Esquadra da
Rainha fez a aproximação final à base da RAF, em Northolt, às 7
da tarde de domingo, dia 31 de agosto, que a dimensão da perda
se começou a fazer sentir. O seu caixão, coberto com o Estan-
darte Real e encimado por uma simples coroa de lírios brancos
posta pela família, foi transportado em silêncio pelo macadame
por oito membros da RAF, observado pelo primeiro-ministro
e por uma quantidade de outros dignitários militares e gover-
namentais. Enquanto o seu corpo era levado, primeiro para um
necrotério privado e, depois, para o Palácio de St. James, o cor-
po do companheiro, Dodi Fayed, foi enterrado no Brookwood
Cemetery, em Woking, seguindo-se um serviço religioso na
mesquita de Regent’s Park.
O primeiro-ministro, que esteve em estreito contacto com a
Rainha e com o Príncipe Carlos, captou os sentimentos de per-
da e desespero quando falou à nação, no começo do dia, a partir
de Sedgefield, o seu distrito eleitoral. Falando de improviso, a
voz cortada pela emoção, descreveu Diana como sendo um «um
ser humano maravilhoso e apaixonado».
«Tocou a vida de tanta gente na Grã-Bretanha e por todo o
mundo com alegria e conforto. Tenho a certeza de que pode-
mos apenas conjeturar quão difíceis eram as coisas para ela por
vezes. Porém, por todo o lado, não apenas aqui, na Grã-Breta-
nha, as pessoas eram leais para com a Princesa Diana. Gostavam
dela, amavam-na, viam-na como uma pessoa do povo. Era a
Princesa do Povo, e é assim que ficará, que permanecerá para
sempre no coração e na memória de todos nós.»
Embora este fosse o primeiro de muitos tributos que che-
garam de figuras de todo o mundo, captou perfeitamente o
estado de espírito da nação numa semana histórica que viu o
povo britânico, com sóbria intensidade e irada dignidade, co-
locar sob julgamento o ancien régimé (antigo regime), uns mass
media notavelmente elitistas e exploradores, com uma imprensa

453
dominada por homens e uma monarquia apática. Durante uma
semana, a Grã-Bretanha sucumbiu ao poder das flores, ao aro-
ma e à visão de milhões de bouquets, um silencioso e revelador
testemunho do amor que o povo sentia por uma mulher que
foi, durante a sua vida, escarnecida pelas instituições.
Por isso, foi inteiramente apropriado o anúncio do Palácio de
Buckingham de que o funeral seria «um serviço único para uma
pessoa única». Os ramos de flores, os poemas, as velas e os car-
tões que foram colocados nos Palácios de Kensington, de Buck-
ingham e em todo o lado falaram por si acerca do espírito da
nação e do estado da Grã-Bretanha moderna. «A Família Real
nunca te respeitou, mas o povo, sim», dizia uma das mensagens,
quando milhares de pessoas, a maioria sem nunca ter falado com
ela, se dirigiram em silenciosa homenagem ao Palácio de Kens-
ington para expressar a sua dor, o seu lamento, a sua culpa e o
seu arrependimento. Pessoas abraçaram-se e reconfortaram-se;
outros aguardaram pacientemente a sua vez para deixar o seu
tributo; outros ainda rezavam em silêncio. Quando a noite caiu,
os jardins ficaram banhados pelo etéreo brilho de milhares de
velas, transformando-se num lugar de respeitável peregrinação
que Chaucer deveria ter reconhecido. Eram todos bem-vindos
e todos apareceram, uma coligação arco-íris de jovens e velhos
de todas as cores e nacionalidades, de East End a West End, re-
fugiados, deficientes, sofredores de solidão, curiosos e, inevita-
velmente, as multidões de turistas. Diana era a única pessoa no
mundo que conseguia contactar com os britânicos empurrados
para as margens da sociedade e com os que os governavam.
De certo modo, a vida de Diana, a vulnerabilidade, a força, a
delicadeza, a beleza, a compaixão e a procura de realização pes-
soal que mostrou, inspirara-os e, por fim, comovera-os talvez
mais do que qualquer outra coisa nas suas vidas. Não apenas
captou o espírito da época espelhando a sociedade como, em
tempos, a monarquia fizera, mas também, mais do que isso, a

454
forma como viveu e morreu são parte de um ciclo religioso de
pecado e redenção, uma mulher cristã e genuinamente boa que
foi martirizada pelos nossos pecados, simbolizando o nosso es-
tranho apetite por celebridade. A cantora Madonna confessou:
«Por mais que queira culpar a imprensa, todos temos as mãos
cobertas de sangue. Todos nós, mesmo eu, compramos estas re-
vistas e as lemos.» Mesmo as T-shirts apressadamente impressas
com o sentimento piegas «Nasceu uma Princesa, morreu uma
santa» tinham um sentido preciso do estado de espírito popular
pouco mais de mil dias antes do novo milénio.
Aqueles dias após a sua morte aprisionaram para sempre o
contraste entre a Princesa e a Casa de Windsor: a abertura dela,
a distância deles; a afeição dela, a frieza deles; a espontaneidade
dela, a inflexibilidade deles; o encanto dela, o entorpecimento
deles; a modernidade dela, a dureza ritual deles; a generosida-
de emocional dela, a altivez deles; a coligação arco-íris dela, a
corte de aristocratas deles. Como escreveu o comentador Polly
Toynbee: «Diana, a Difícil, foi um problema que o Palácio pôde
resolver, mas Santa Diana é qualquer coisa com a qual o palácio
nunca poderá lutar... Se algum dia a monarquia chegar final-
mente a um fim pacífico, o espírito de Diana terá desempenha-
do a sua parte.»
Passando a semana em reclusão em Balmoral, a Família Real
assemelhava-se a um perturbado clã ultrapassado pelos acon-
tecimentos, afastando-se do país em vez de o conduzir no luto.
Embora esta fosse uma presunção completamente injusta, a
crescente irritação com o seu comportamento não era nada de
novo. Durante os finais dos anos 80, quando a Inglaterra sofreu
uma série de surpreendentes desastres, nomeadamente a tragé-
dia no estádio de futebol de Hillsborough, o acidente de aviação
da Pan Am em Lockerbie e o afundamento do barco de cruzei-
ros turísticos Marchioness, a Família Real evidenciou-se com a
sua ausência, preferindo continuar em férias a assistir a ceri-

455
mónias evocativas. Nessa altura, foi alvo de diversas críticas,
embora se tratasse de uma fúria rapidamente dissipada. Desta
vez, a força dos sentimentos ameaçou emergir. Talvez tenha
sido uma sorte que a festa da caça ao veado, planeada para essa
semana na propriedade de Balmoral, tenha sido desmarcada.
Embora o serviço religioso de Crathie tivesse causado uma
certa agitação, o ressentimento cresceu porque o Palácio pare-
cia mais preocupado com o protocolo do que com o desejo das
pessoas. O público irritou-se com uma série de pequenas coisas;
a polícia inicialmente recusou autorização para que se colocas-
sem bouquets de flores às portas do Palácio de Buckingham, onde
a bandeira, ao contrário do que acontecia em praticamente to-
dos os edifícios públicos da Grã-Bretanha, nem estava, sequer, a
meia haste. Os que lhe queriam prestar homenagem esperavam
mais de 12 horas para assinar um dos cinco livros de condolên-
cias no Palácio de St. James – este tempo de espera aumentou
para 43 horas depois das queixas públicas. Mais importante que
a resposta inadequada da Família Real às manifestações da dor
pública era a impressão de que estava a virar as costas à nação
quando a nação mais precisava da Família Real. A decisão da
Rainha de chegar a Londres no sábado, na manhã do funeral,
levou até o historiador lorde Blake a criticar os cortesãos por
se manterem demasiado agarrados ao livro de protocolo da
realeza. «Nunca mais haverá outra Princesa Diana», afirmou.
O jornal Sun foi tipicamente duro: «Onde está a Rainha quando
o país precisa dela? Está a 850 km de Londres, o centro nevrál-
gico do sofrimento nacional.»
Desta vez, isto não era apenas sensacionalismo jornalístico.
De certa forma, ia diretamente à questão da utilidade de uma
monarquia num estado moderno democrático; as pessoas gos-
tariam de ver os chefes de Estado unidos e consolidados, to-
mando as suas posições no centro do palco nacional, em vez
de ficarem de lado a observar. Assim, houve um forte aplauso

456
da multidão no exterior do Palácio de Buckingham quando foi
anunciado que a Rainha regressaria à capital e faria uma co-
municação ao país na véspera do funeral. «A nossa mãe está de
regresso a casa», disse um homem de meia-idade, mal contendo
as lágrimas. A sensibilidade, o calor humano e a generosidade
do tributo da Rainha, feito da varanda do primeiro andar com
vista sobre a alameda, acalmou muitas vozes críticas. Disse à
sua audiência televisiva: «O que agora vos digo como vossa Ra-
inha e como avó, digo-o do coração. Primeiro, quero eu mesma
prestar tributo a Diana. Ela foi um excecional e talentoso ser
humano. Nos bons como nos maus momentos, nunca perdeu
a capacidade de rir e sorrir, de estimular os outros com o seu
calor humano e a sua bondade. Admirei-a e respeitei-a pela sua
energia e entrega aos outros, e especialmente pela sua devoção
para com os seus dois filhos.» E começou a explicar que, em
Balmoral, a Família Real tinha passado essa semana a tentar aju-
dar os Príncipes William e Harry a conformar-se com a «perda
tremenda» que haviam sofrido.
A decisão sem precedentes de colocar a bandeira a meia has-
te no Palácio de Buckingham depois de a Rainha ter saído para
assistir ao serviço fúnebre, o acordo para dobrar a extensão do
percurso do funeral e a caminhada a pé da Rainha e do Príncipe
Filipe até ao exterior do Palácio de Buckingham e do Príncipe de
Gales e dos filhos até ao exterior do Palácio de Kensington de-
mostraram que a soberana, o seu herdeiro e o primeiro-ministro
eram sensíveis ao que a Rainha chamou uma «extraordinária e
comovente reação» à morte de Diana, e respondeu a isso.
Ainda que a Rainha tenha emergido esplendidamente das
sombras, foi a presença do Príncipe William, o porta-estandarte
do legado de Diana, o verdadeiro foco da afeição. Quando se
juntou ao pai e ao irmão no exterior dos portões do Palácio de
Kensington, sorrindo timidamente, o digno jovem foi tratado
com o tipo de êxtase adulador mais próprio de uma visita pa-

457
pal, tendo algumas mulheres rebentado em lágrimas quando lhe
beijaram a mão.
Este estado de espírito devoto foi o reflexo do modo como
Diana partiu. O seu funeral foi, à vista e ao ouvido, mais medie-
val que moderno; foi o lúgubre som do sino tenor dobrando a
cada minuto em que o caixão de Diana, colocado numa carre-
ta puxada a cavalos, percorria o seu sombrio caminho desde o
Palácio de Kensington até à Abadia de Westminster; o silêncio
tenso da multidão; a solenidade antiquada do serviço cristão e o
derramamento de flores ao longo da estrada enquanto o corpo
de Diana era levado para Althorp onde, após uma cerimónia
privada, foi enterrado numa ilha chamada Round Oval, na an-
cestral propriedade da família.
E mesmo quando o conde Spencer, trespassando a Família
Real durante a sua oração fúnebre, com sentimentos que arran-
caram gemidos de aprovação da multidão postada no exterior,
foram reminiscências da temeridade de um impudente conde
de Essex desafiando Isabel I em frente de toda a Corte. A vi-
são dos Príncipes William e Harry seguindo o carro funerário
expressava claramente a intimidade da sua perda, revelando os
Spencers e os Windsors não como figuras afastadas, trémulas,
mas como duas famílias sofrendo juntas.
Ainda que o estilo fosse antigo, quase tribal, o que se passou
neste dia, 6 de setembro de 1997, será visto pelos historiado-
res como marcando o quebrar do velho regime hierárquico e
o advento de uma era mais igualitária. Quando a Rainha se in-
clinou perante o caixão de Diana enquanto este passava pelo
Palácio de Buckingham, estava a prestar homenagem não ape-
nas a Diana, mas a tudo quanto ela representava; valores que
expressam muito da moderna Grã-Bretanha – «A tensa e ele-
vada insolência contra o trémulo baixar da insolência», como
alguém, a brincar, apresentou o problema. Se o desempenho
emocional de Candle in the Wind, por Elton John, reescrito para

458
integrar uma homenagem a Diana, expressava os sentimentos
de toda a gente, o conde Spencer deu corpo aos pensamentos da
nação com uma honestidade cortante e sem remorsos. Desafiou
a soberana e a sua família, bem como a unida congregação do
Quarto Estado, censurando implicitamente a Família Real por
ter retirado o título a Diana e pela forma como educaram os
seus filhos. A irmã, afirmou, «não necessitava de qualquer títu-
lo real para continuar a gerar a sua mágica marca pessoal», uma
referência ao facto de a Rainha ter privado a Princesa do direito
a ser tratada por «Sua Alteza Real» quando se divorciou. Não
houve qualquer surpresa no facto de, quando o seu cunhado, o
secretário privado da Rainha, Sir Robert Fellowes, transmitiu,
horas mais tarde, a oferta para reinstituir o título honorífico de
Diana, o seu irmão ter recusado categoricamente.
O conde Spencer também não poupou os Windsors quanto
à forma de educar os Príncipes. «Em nome da vossa mãe e das
suas irmãs prometo que nós, a vossa família de sangue, faremos
todo o possível para continuar o imaginativo e afetuoso modo
como estes dois excecionais rapazes têm sido guiados, de modo
que as suas almas não se limitem simplesmente a afundar-se
no dever e na tradição, mas possam abrir-se livremente como
estava planeado.»
Tendo calmamente espicaçado os Windsors acusando-os de
ser uma família disfuncional, continuou, distribuindo estocadas
aos mass media. «A minha única explicação [para o tratamento
que Diana recebera dos media] é a de que a genuína bondade
ameaça aqueles que se encontram no extremo oposto do espec-
tro moral. É preciso que nos lembremos que de todas as ironias
acerca de Diana, talvez a maior seja esta: a rapariga a quem foi
dado o nome da antiga deusa da caça foi, no fim, a pessoa mais
perseguida dos tempos modernos.»
Embora fossem estes os sentimentos que provocaram um
espontâneo aplauso da multidão, falou com grande perspicácia

459
do carácter da irmã, a quem chamou «a única, complexa, ex-
traordinária e insubstituível Diana, cuja beleza, tanto interior
como exterior, nunca se extinguirá do nosso espírito.» Elogiou
a sua compaixão, o seu estilo, os seus talentos intuitivos e a sua
sensibilidade, ao mesmo tempo que admitia que os íntimos
sentimentos de insegurança e desmérito lhe haviam provocado
tantos problemas de saúde.
O irmão, tal como a Família Real, os amigos e conselheiros,
ficou surpreendido com a efusão de assoladora dor resultante
da sua morte e emitiu uma advertência contra a canonização
da sua memória. «És suficientemente grande como ser humano
pelas tuas qualidades únicas para precisares de ser vista como
santa», disse ele.
É uma vã esperança. À medida que um fundo em sua memó-
ria vai atraindo milhões de euros, que o disco de Elton John em
homenagem a Diana se toma o mais rápido e o maior recorde de
vendas de todos os tempos, à medida que livros, vídeos, revistas
e outras memórias vão emergindo, Diana junta-se ao panteão
dos imortais. Tal como Graceland, a morada de Elvis Presley,
a sua última morada em Althorp transformar-se-á num lugar
de peregrinação e homenagem. Será, sem dúvida, galardoada
com inúmeras distinções póstumas – o prémio Nobel da Paz
seria particularmente apropriado –, o seu nome será atribuído a
inúmeros hospitais, instituições de apoio e outras causas de fins
caritativos em todo o mundo, enquanto o seu trabalho e a sua
memória inspirarão muitas pessoas nesta geração a viver vidas
mais meritórias e mais realizadas.
Ficou claro que existem duas Dianas: a individual – conheci-
da pelos amigos e pela família –, e o venerado ícone, a projeção
de milhões de fantasias, esperanças e sonhos. Muitos dos que
a conheceram enquanto jovem rapariga, como Princesa per-
turbada e como uma divorciada em busca da felicidade ainda
se sentem perplexos com a manifestação generalizada de dor.

460
A sua morte provocou não aquela espécie de histeria de massas
que frequentemente se vê nos concertos pop, mas algo muito
mais profundo. Muitos médicos falam da «síndrome de Diana»
quando lidam com elementos do público que se lhe dirigem em
busca de auxílio porque a morte da Princesa despertou neles
dolorosas memórias profundamente enterradas no seu íntimo.
Como poderemos, então, explicar Diana, a pessoa, e Diana,
o fenómeno? Em vida foi uma complexa teia de contradições;
destemida mas frágil; não amada mas adorada; necessitada mas
generosa; obcecada consigo própria mas altruísta; inspiradora
mas desesperante; carente de conselhos mas detestando críticas;
honesta mas dissimulada; intuitiva mas pouco mundana; muito
sofisticada, no entanto constantemente hesitante; manipulado-
ra mas ingénua. Podia ser obstinada, exasperante, uma perfe-
cionista imperfeita que se conseguia desarmar com uma obser-
vação espirituosa a respeito de si própria; os seus penetrantes
olhos azul-violáceo seduziam com um olhar. A sua linguagem
não conhecia limites; o seu léxico era o do sorriso, do afeto,
do abraço e dos beijos, não o das declarações ou discursos. Era
infindavelmente fascinante e permanecerá eternamente enig-
mática.
Ao longo de toda a sua vida foi guiada não por argumentos
ou discussões, mas pelo instinto e pela intuição. Foi um rio que
a levou numa viagem ao mundo dos astrólogos, dos médiuns,
dos videntes e dos terapeutas. Aqui se encontram as chaves que
abrem as portas entre a sua personalidade e a sua universal se-
dução. É por isso que, mesmo que Diana vivesse eternamente,
os media nunca a compreenderiam ou apreciariam. Ela não per-
tencia ao mundo deles, nem partilhava os seus valores. Quando
observava uma rosa apreciava a sua beleza; eles contavam-lhe
as pétalas.
No seu trabalho, Diana abraçou os marginalizados da socie-
dade – os que sofriam de lepra, as vítimas de sida e tantos outros.

461
O seu apelo dirigia-se mais à nossa inteligência emocional que
à intelectual, sendo que a sua natureza intuitiva e acalentadora,
tal como o modo como fora usada e explorada pelos homens
durante a sua vida, fossem eles Príncipes ou fotógrafos, refletia
a forma como muitas mulheres viam as suas próprias vidas. No
seu coração, era uma feminista que disputou valores femininos
em vez de, simplesmente, almejar a sua aceitação num mundo
dominado pelos homens. A sua importância reside agora não
apenas naquilo que disse durante a vida, mas no próprio signifi-
cado da sua vida, no estímulo que ofereceu a outros, particular-
mente a mulheres, para que procurassem a sua própria verdade.

462
É preciso que nos lembremos que
de todas as ironias sobre Diana,
talvez a maior seja esta: a rapariga
a quem foi dado o nome da antiga
deusa da caça foi, no fim,
a pessoa mais perseguida
dos tempos modernos.»

465
POSFÁCIO

“Pensamos nela todos os dias”

E stava tudo em silêncio, agora. O seu apartamento no Palá-


cio de Kensington, que antes vibrava ao som de gargalhadas e
conversas, estava agora vazio e taciturno. Era como se Diana
nunca tivesse existido. O seu quarto, a sala de estar, o berçá-
rio, como todos os restantes lugares, estavam despidos, até o
papel de parede fora arrancado. A sua mobília fora levada para
o Palácio de St. James, para ser entregue a William e Harry, ou
entregue à coleção real do Castelo de Windsor. As suas roupas,
cartas e outros papéis foram queimados, rasgados ou empacota-
dos e enviados para Althorp, a casa da família Spencer. Quinze
anos de correspondência – cartas para instituições de caridade
e departamentos governamentais – desapareceram sem deixar
rasto, deixando o seu ex-secretário particular, Patrick Jephson,
completamente perplexo. Até o mata-borrão da sua secretária
estava cortado em pedacinhos.
O receio de que os coletores de souvenirs resgatassem os per-
tences de Diana e os vendessem fez com que tudo – os tapetes, o
papel de seda de parede, as plantas, até as lâmpadas – fossem re-
movidos, deixando os apartamentos oito e nove vazios e anóni-
mos. O seu mordomo Paul Burrell foi formalmente notificado;
os sacos cheios de correspondência enviados para sua casa fo-
ram abertos, a correspondência respondida e arquivada. Para
cúmulo, por volta do primeiro aniversário da sua morte, a placa
no exterior que assinalava a residência dos Galeses foi apagada.

467
Seguramente, havia aqueles que dentro e fora dos palácios
reais desejavam que a sua memória fosse facilmente apagada,
permitindo que os holofotes se voltassem a focar na Rainha e na
sua família. O seu irmão Charles captou o espírito: «Acho que
há um sentimento comum entre aqueles que nunca apoiaram
Diana: “Vamos tentar marginalizá-la e dizer às pessoas que ela
realmente nunca importou”.» Era mais fácil dizê-lo que fazê-lo.
A sua morte deu origem a uma notável obra de solidariedade,
o Fundo Memorial de Diana, Princesa de Gales, que nasceu da
extraordinária tristeza, expetativa e esperança que se sucede-
ram à sua morte. Num movimento espontâneo por parte do
seu público, milhares de libras foram enviadas para o Palácio de
Kensington, transformando temporariamente as garagens reais
em escritórios de triagem improvisados. As lágrimas de tristeza
transformaram-se num tsunami de doações, já que todos os dias
chegavam 6000 cartas contendo cheques, notas, moedas e vales
postais.
Nos meses que se seguiram à sua morte, o Fundo transfor-
mou-se em algo muito maior que uma simples instituição de
caridade; os escritórios passaram a funcionar como um canal
para receção de muitas angústias dolorosas e não resolvidas.
A enjeitada caridade foi inundada com poemas, cartas comoven-
tes e telefonemas chorosos. Numa dessas cartas lia-se: «Espero
que estejas OK no céu e que o papá tome conta de ti». Era acom-
panhada por uma nota da professora do remetente, onde expli-
cava que o pai daquela criança morrera no mesmo dia que Diana.
Desde o momento da sua criação, houve quem criticasse e
desdenhasse este trabalho, na ânsia de abafar a caridade infantil.
Como recorda Vivienne Parry, uma das primeiras administra-
doras da instituição de caridade: «Sem dúvida, o Palácio de St.
James [residência do Príncipe Carlos em Londres] queria que o
Fundo Memorial de Diana fosse encerrado o mais rapidamente
possível».

468
Para além das críticas negativas dos seus opositores, a neó-
fita instituição de caridade foi também perseguida com outros
problemas, mesmo antes de dar os primeiros passos. A decisão
de processar Franklin Mint, a empresa que produzia bonecas
de Diana sem a aprovação do Fundo acerca dos direitos de ima-
gem, foi um maná caído do céu para os críticos. Não só o Fun-
do perdeu o processo, como a amarga disputa legal lhe custou
milhões de libras em custos processuais. Este caso judicial, a par
da decisão de licenciar o uso do nome de Diana em embala-
gens de margarina, chegou a trazer o irmão a terreiro descre-
vendo o acordo como «de mau gosto». Os apoiantes do Prín-
cipe Carlos divulgaram prazenteiramente a carta confidencial
do conde Spencer dirigida ao Fundo, onde pedia que o mesmo
fosse encerrado na primeira oportunidade. «A sua motivação
era óbvia», sublinhou Vivienne Parry; «o Fundo veio ocupar
o vazio mediático provocado com a morte de Diana e quanto
mais depressa nós encerrássemos atividade, mais depressa ela
desapareceria».
O foco da Família Real, contudo, não estava nos mortos, mas
nos vivos, particularmente em Camilla Parker Bowles, a pen-
dura do casamento real. O Príncipe Carlos, que considerou a
presença de Camilla na sua vida futura como «não negociável»,
instruiu os seus conselheiros a apresentarem a companheira ao
público de forma cuidadosa e discreta. Ao mesmo tempo que
Camilla se mantinha recatada, o novo assessor de imprensa do
Príncipe, Mark Bolland, apelidado por William e Harry como
Blackadder, em alusão ao nobre calculista da série de televisão
homónima, concebeu formas de alcançar os objetivos do seu
amo. Usou um encontro no Palácio de St. James entre o Prín-
cipe William, visto como o legado vivo da falecida Princesa,
e Camilla, para mostrar a sua aceitação pelos filhos de Diana.
Os repórteres reais foram informados sobre a reunião, tendo
Bolland assinalado que Camilla precisou de um cigarro e de

469
um gin tónico forte depois desse encontro fatídico. Quando
William finalmente percebeu que tinha servido de isco para
melhorar a imagem de Camilla, ficou compreensivelmente fu-
rioso com o facto de uma reunião familiar íntima e privada ter
sido usada daquela forma. Não é de admirar que a biógrafa do
Príncipe Carlos, Catherine Meyer, tenha descrito a atmosfe-
ra no escritório do Príncipe como semelhante à da série Wolf
Hall, que retrata o mundo traiçoeiro e oportunista de Henrique
VIII, ambiente brilhantemente evocado pela romancista Hilary
Mantel.
Apesar de tudo, a estratégia funcionou: o Príncipe de Gales e
a sua companheira conseguiram voar juntos para a Grécia nas
suas primeiras férias em família, sem atrair manchetes nega-
tivas. O facto de William ter sido fundamental no convite de
Camilla para a festa – como foi convenientemente revelado na
altura – foi interpretado como um perdão pelas transgressões
do passado, uma versão moderna do ritual litúrgico da Impo-
sição das Mãos. O subtexto enviado ao público era óbvio: se o
William podia perdoar, o resto do mundo também.
As férias foram acompanhadas por um photocall cuidadosa-
mente coreografado, no Hotel Ritz, em janeiro de 1999, onde
uma multidão de fotógrafos apareceu quando o casal entrou no
edifício. Mais tarde, nesse ano, Bolland serviu de guia a Camilla
para a introduzir na sociedade nova-iorquina; tratou-se de uma
curta viagem que, para todos os efeitos, consistia numa visita
real no seio de pessoas que a tratavam por “senhora”. Quando
foi convidada para se juntar à Rainha na Abadia de Westmins-
ter, para a Celebração do Jubileu de Ouro, em junho de 2002, a
sua aceitação dentro dos círculos reais parecia estar completa.
O casamento de ambos em abril de 2005 foi o culminar de
um processo ponderado, terrivelmente adiado, inicialmente
por causa da imprevista morte da Princesa, depois pela avalan-
che de manchetes revelando estranhos e injuriosos incidentes

470
envolvendo os franceses e finalmente pelas inesperadas investi-
gações britânicas sobre o trágico acidente de Diana.
Acrescentemos a tudo isso o julgamento no Tribunal de
Old Bailey de Paul Burrell, ex-mordomo de Diana, acusado e
posteriormente absolvido de roubar a sua propriedade. Depois
houve falsas alegações de estupro masculino, envolvendo um
elemento da equipa do Príncipe, que culminaram numa inves-
tigação formal do então secretário particular Michael Peat. No
cúmulo das histórias chocantes estava uma carta, supostamente
escrita por Diana em outubro de 1996 ou 1995, onde revelava
as suas suspeitas sobre a existência de uma conspiração, orga-
nizada pelo seu ex-marido, para a matar através de um acidente
de carro forjado. Inevitavelmente, o Príncipe tornou-se assun-
to das manchetes de jornal, como «Carlos: Quanto mais posso
aguentar».
A extraordinária decisão de fazer uma segunda investigação
britânica sobre a morte de Diana, mesmo depois de os france-
ses – que destacaram trinta detetives e entrevistaram trezen-
tas testemunhas – terem concluído ter-se tratado de um mero
acidente, não agradou ninguém – nem as autoridades france-
sas que se sentiram insultadas, nem o Príncipe de Gales, nem o
Conde Spencer e restante família. O único homem encantado
com a decisão do investigador Michael Burgess ao instruir Sir
John Stevens, comissário da Polícia Metropolitana, a abrir o seu
próprio processo de inquirição, em vez de carimbar as desco-
bertas do exaustivo esforço francês, que perdurou dois anos, foi
Mohamed al-Fayed. Já tinha despendido cinco milhões de libras
e centenas de milhares de horas de trabalho a tentar provar que
o seu filho e Diana tinham sido assassinados. «É absolutamente
claro como preto no branco, tratou-se de um assassinato hor-
rendo», afirmou. Foi uma visão que se repercutiu no mundo
árabe, onde se acreditava amplamente que o casal teria sido as-
sassinado porque o sombrio establishment não queria que um

471
muçulmano se casasse com uma Princesa. Quem Matou Diana?
Ordem do Palácio foi um best-seller no Egipto, enquanto o então
líder líbio, coronel Kadhafi, difundiu publicamente a sua opi-
nião de que agentes secretos ingleses e franceses teriam organi-
zado o assassinato.
Ao mesmo tempo que Fayed acumulava conjeturas sobre ale-
gações e acusações, muitos alinharam nas suas teorias da cons-
piração. Os serviços secretos, a Família Real, o Príncipe Filipe
– todos eram vistos como potenciais assassinos. As teorias da
conspiração mais populares, entre as que corriam entre 36 mil
sites, eram as que envolviam espiões da Grã-Bretanha. Esse cli-
ma foi reforçado com o testemunho dos ex-agentes dos serviços
de informação britânicos Richard Tomlinson e David Shayler,
quando mencionaram um plano anterior, não relacionado com
este assunto, para matar o ex-presidente Sérvio Slobodan Mi-
losevic num acidente de carro provocado aquando da sua visita
a Genebra, na Suíça. Nem todos estavam convencidos, no en-
tanto. Um agente da KGB, o serviço de espionagem da Rússia,
chegou a dizer ao escritor Philip Knightley: «É preciso ser um
génio para fazer passar por acidente um homicídio com um car-
ro.»
Havia outros concorrentes nesta grande corrida às teorias da
conspiração, incluindo os que alegavam que Diana fora morta
por traficantes internacionais de armas devido ao seu apoio à
proibição de minas terrestres, os que defendiam que Osama
bin Laden a mandara matar porque a Princesa era um mau
exemplo para as mulheres muçulmanas, e os que adiantavam
que fora morta pela estranha Irmandade Babilónica (os cren-
tes desta tese acreditam que os membros dessa Irmandade são
humanóides reptilianos que controlam a Humanidade) já que
o seu nome advém da deusa Lua e a Pont de I’Alma, o local
onde o acidente ocorreu, é um local de passagem para a deusa
da Lua.

472
Como muita gente sublinhou, se Diana estava genuinamente
convencida de que poderia ser assassinada num premeditado
acidente de automóvel, como alegadamente terá escrito, por
que razão não colocou o cinto de segurança naquela fatídica
noite? A conclusão da investigação criminal britânica, publi-
cada em dezembro de 2006, foi exatamente a mesma do rela-
tório francês, declarando que quaisquer teorias da conspiração
eram infundadas e que todas as evidências apontavam para que
as mortes tivessem resultado de um trágico acidente. Alguns
meses depois, em abril de 2007, o juri da investigação criminal
proferiu o veredicto de que Diana e Dodi foram ilicitamente
mortos, como resultado de uma negligência grosseira do moto-
rista do Mercedes, Henri Paul, e dos paparazzi. «Quando tudo
isto acabar», comentou Dr. John Burton, o ex-médico legista da
casa real, «95 por cento das pessoas ainda irão desconsiderar os
factos e voltarão às suas teorias da conspiração».
A verdade, é que, no fundo, o público tem dificuldade em
acreditar que uma deusa moderna possa ter encontrado o seu
criador num acidente de carro banal, com um motorista em-
briagado a conduzir em excesso de velocidade. Precisamos de
teorias da conspiração para, de alguma forma, racionalizarmos,
ordenarmos e tornarmos suportável aquilo que é caótico e
inexplicável. Como observou Dr. Patrick Leman, do Royal Hol-
loway College, da Universidade de Londres, que conduziu pes-
quisas sobre teorias da conspiração: «Quando um grande acon-
tecimento ocorre, preferimos ter uma grande causa. Perturba a
nossa visão do mundo não termos uma explicação significativa
e poderosa.» Como resultado, grandes eventos mundiais como
o assassinato de John F. Kennedy, a morte de Elvis Presley ou
o ataque ao World Trade Center estão envoltos em teorias da
conspiração.
Estas lúgubres alegações, intermináveis teorias da conspira-
ção e maldosas especulações nada fizeram para melhorar a re-

473
putação do Príncipe ou da Princesa de Gales. A carta de mau
presságio de Diana, que era simultaneamente patética e cómica,
fez com que parecesse, como observou o The Times, como «uma
Rainha do drama ou uma Princesa trágica». A mulher espiri-
tuosa, auto-depreciativa, corajosa, carinhosa e humana lem-
brada pelos amigos de Diana, aquela que o mundo reconheceu
quando morreu, estava a desvanecer-se rapidamente. Durante
a vida receou ser desacreditada como sendo mentalmente instá-
vel; na morte, estava a ser cada vez mais descrita como imper-
feita, por vezes até mesmo louca, uma mulher que preservou a
sua reputação morrendo jovem.
Com o passar dos anos houve uma reavaliação massiva da
sua personalidade, à medida que os seus críticos se sentiam
mais à-vontade para falar. «Acho que ela estava fora de con-
trolo e teria piorado», disse Robert Lacey, o biógrafo da Rai-
nha, ao apresentador de talk-show Larry King; também Hugo
Vickers, o respeitado escritor da realeza, estava convencido de
que Diana tinha entrado «numa espiral de caos». «Poderia ter
sido uma meia idade muito triste para ela», opinou. Penny Ju-
nor, a biógrafa do Princípe Carlos, construiu o perfil de Diana
com a ajuda dos cortesão da casa real e afirmou que a Princesa
ameaçou matar Camilla e foi a primeira a desviar-se do casa-
mento. Até amigos da Rainha entraram em cena; Lady Penn,
uma dama de companhia, disse a William Shawcross, biógrafo
oficial da Rainha-Mãe: «A Rainha considerava a doença ou a
instabilidade mental de Diana muito difícil de entender porque
ela é uma pessoa muito pragmática.»
O facto de haver apenas um punhado de buquês no exterior
do Palácio de Kensington nos anos que se seguiram à sua morte,
foi considerado um sinal de que a reputação de Diana estava a
esmorecer e que a sua memória por parte do público se desva-
necia. Era mais uma munição para aqueles que achavam que a
expressão de pesar pela sua morte fora exagerada e histérica,

474
uma aberração temporária da sociedade antes de voltar a abra-
çar o bom senso e a razão. A adoração de Diana era simples-
mente uma moda, como o Pokémon.
Os planos grandiosos para honrar a sua morte falharam. Ime-
diatamente após o seu falecimento, políticos com altas respon-
sabilidades sugeriram a renomeação do Aeroporto de Heathrow
e do feriado de agosto em sua memória. Estes projetos foram
silenciosamente arquivados e até mesmo as propostas que se se-
guiram foram inundadas de controvérsia. Uma fonte de três mi-
lhões de libras em Kensington Gardens, para celebrar a sua vida,
foi alvo de muitas indecisões e discussões. O Comité Memorial
de Diana, presidido pela obstinada Rosa Monckton, não se con-
seguia decidir entre um projecto oferecido pela paisagista ame-
ricana Kathryn Gustafson e um de Anish Kapoor, escultor bri-
tânico nascido na Índia. No final, a então secretária de Estado da
Cultura, Tessa Jowell, foi chamada para decidir, tendo escolhido
o projecto americano. Desde que foi inaugurado em 2004 pela
Rainha, tem sido alvo de inúmeras reclamações, quer relativas
aos seus elevados custos de gestão, estimados em mais de milhão
desde que foi concluído, quer aos seus frequentes encerramentos
para manutenção até a problemas de saúde e segurança.
Um parque infantil e um passeio memorial de Diana em
Kensington Gardens deram melhor resultado e ainda hoje são
ambos apreciados pelo público. É digno de nota o facto de ne-
nhum membro da Família Real, nem mesmo William ou Har-
ry, ter estado presente quando os projetos foram inaugurados
pelo conde Spencer e por Gordon Brown, respetivamente.
A Família Real parecia muito feliz em deixar Diana descansar
em paz, manter a sua memória despercebida, a sua vida e rea-
lizações esquecidas. Tornaram-se ostensivos na sua ausência
em qualquer evento relacionado com a falecida Princesa. Foi
assim que uma unidade hospitalar na periferia de Cardiff, um
hospital em Grimsby, numa casa de repouso comunitária para

475
crianças doentes e outros projetos, todos os programas obtive-
ram o nome da falecida Princesa sem quaisquer comentários ou
aparições da Casa de Windsor.
A enorme participação do público no funeral da Rainha-Mãe
em março de 2002 e a resposta calorosa ao Jubileu de Ouro da
Rainha no final daquele ano demonstraram que a Rainha ainda
desfrutava do carinho da nação, apesar do atrito durante a se-
mana do funeral de Diana. No desfile que constituiu a atração
central das celebrações do Jubileu de Ouro, Diana foi relegada a
uma figura de passagem, representada num dos carros alegóri-
cos que desfilaram pelo Mall acompanhando a celebração real,
na qual participava Camilla Parker Bowles. Como observou o
romancista Robert Harris: «Desde a expulsão de Trotsky da
União Soviética em 1929, nunca uma figura pública proemi-
nente foi tão amplamente apagada da vida pública do país.»
O que dizer então do seu legado vivo, os Príncipes William
e Harry? As suas intervenções durante a grande polémica so-
bre Diana foram esporádicas: em 1998, pedindo ao público que
parasse de sofrer e seguisse em frente; e mais tarde, acusando o
mordomo da mãe, Paul Burrell, de cometer uma traição «fria e
aberta» quando publicou as suas memórias. Havia outros mo-
tivos para o seu notável silêncio. O pai sentiu-se animado e sa-
tisfeito com a enorme onda de simpatia que surgia pelo facto de
ser visto como um pai solteiro, a criar dois filhos adolescentes
sozinho. Instintivamente, os rapazes não quiseram fazer nada
que pudesse abalar o barco da família e, por esse motivo, toca-
vam com pinças no que dizer e como recordar a mãe.
Havia também a questão de Camilla para enfrentar. Embo-
ra William se sentisse descontente com o facto de ser usado
para ajudar a reabilitar a sua imagem pública, as suas alternati-
vas eram limitadas. Muito simplesmente, não queria aborrecer
o pai. Como Penny Junor, a biógrafa do Príncipe, observou:
«Apesar de amarem o pai, ele é um homem complexo de quem

476
é difícil ser filho. Eles são muito cuidadosos com as suas sensi-
bilidades e giram muito em tornos delas».
Também não se sentiam à-vontade para desabafar sobre a
dor privada em público. Dos dois irmãos, foi William, em par-
ticular, quem desenvolveu uma aversão visceral aos media pelo
papel percecionado na morte de sua mãe. Decididamente, não
estava disposto a discorrer sobre a sua perda em público. No que
se transformou numa mini-crise para a monarquia, logo após
a morte de Diana, o futuro Rei chegou a considerar retirar-se
completamente da vida pública. Foi necessário muito trabalho
para o convencer a manter-se no caminho traçado e a compro-
meter-se novamente com o seu destino. O Príncipe Filipe foi a
mão orientadora nesta situação. Na semana da morte de Diana,
o avô de William estava profundamente preocupado com o es-
tado emocional do futuro Rei. Numa audioconferência entre
Balmoral e Downing Street, intrometeu-se e disse aos ouvintes
chocados: «A nossa preocupação agora é William. Ele subiu a
colina e não conseguimos encontrá-lo.» Acabou eventualmente
por ser persuadido pelo seu compreensivo avô. Como comen-
tou o então primeiro-ministro, Tony Blair, nas suas memórias:
«Se ainda não o sabia, ficou a saber naquele momento o que
significava ser um Príncipe e um Rei. Apesar do grande sentido
de dever, os muros da prisão que representa a tradição heredi-
tária devem ter parecido um preço demasiado elevado a pagar.»
Pior ainda, os dois Príncipes pareciam não ter qualquer tipo
de privacidade, mesmo quando não estavam em funções. Estra-
nhamente, todos os seus movimentos e planos eram monitori-
zados pelos media. Preparativos pessoais, ideias para presentes
de aniversário e até consultas médicas eram divulgadas por um
jornal em particular, o News of the World, e pelo seu correspon-
dente para os assuntos da casa real, Clive Goodman. William
e Harry ficaram com a suspeita de que tinham vários amigos
dentro dos seus diferentes círculos a informar a comunicação

477
social sobre os seus movimentos. Para um jovem que gosta de
controlar a sua vida, William sentiu-se cercado. Tornou-se
desgastante, os irmãos passaram a desconfiar de toda a gente,
um sentimento que contagiou a então namorada de William,
Catherine Middleton, que passou a temer que a sua família e
amigos pudessem ser responsáveis pelas fugas de informação.
Em novembro de 2005, por um golpe de sorte, descobriram
que as suas mensagens telefónicas estavam a ser intercetadas
por Goodman, entre outros. Este acontecimento foi o espoletar
do infame escândalo de escutas telefónicas, que eventualmen-
te levou ao encerramento do News of the World, à detenção de
Goodman, bem como ao inquérito Leveson sobre liberdade de
imprensa e ética.
Embora as implicações públicas deste caso fossem considerá-
veis, do ponto de vista pessoal a perceção de que os seus amigos
não os traíam revelando as suas confidências foi tanto uma li-
bertação, quanto uma revelação para os jovens Príncipes. «Foi
um momento transformador nas suas relações com o mundo
exterior», comentou um amigo que acompanhou a investiga-
ção policial. «Daí para a frente puderam descontrair-se; foram
finalmente capazes de distinguir a sua vida privada da sua vida
pública.»
Deixando de ser os irmãos sombrios, surgiram como empre-
sários alegres e joviais a organizar um concerto no Estádio de
Wembley, em 2007, em memória de sua mãe, para assinalar o
décimo aniversário da sua morte. O bom humor de William
podia ter algo a ver com a sua reconciliação com Catherine, de-
pois de uma breve interrupção do namoro. Recordando com
carinho a mãe a dançar descalça na sua sala de estar ao som de
Michael Jackson, os Príncipes quiseram dar a conhecer o seu
amor pela vida, boa disposição e paixão pela dança e musicais.
O concerto não só arrecadou 1,2 milhões de libras para insti-
tuições de caridade apoiadas por Diana, como também marcou

478
uma grande mudança pública: a partir de então os Príncipes
passariam a honrar, de forma consistente e ativa, o seu legado.
Quando crianças seguiram as pisadas da Família Real e mal
falavam, se é que falavam, da sua mãe. Como jovens maduros to-
maram as suas próprias decisões, talvez desafiando a vontade da
Rainha e seguramente a de seu pai, no sentido de honrar a mãe
tal como eles consideravam que devia ser lembrada. Esta cami-
nhada cautelosa pelo campo minado em que consistia o legado
de Diana teria divertido a sua mãe. Quando morreu já não fazia
parte da Família Real, mas os seus valores ecoavam na Grã-Bre-
tanha moderna e mais além. Os seus filhos, agora jovens, que-
riam honrar esse facto. Ninguém mais do que o Príncipe Harry.
Numa cerimónia evocativa realizada na Capela dos Guardas
de Londres, com a presença da Rainha e da família Spencer,
Harry fez uma intervenção comovida sobre a sua mãe. Foi uma
homenagem sentida, onde o Príncipe explicou que as suas vidas
foram divididas em duas partes – aquela em que a sua mãe estava
viva e os dez anos posteriores à sua morte. Quando estava viva,
eles davam como certo «o seu amor pela vida, alegria, diversão
e loucura. Era a nossa guardiã, amiga e protetora». Resgatan-
do-a do lamaçal da controvérsia, com a sua memória em risco
de ser apagada ou deturpada, Harry queria que o mundo recor-
dasse a mãe que perdeu e em quem pensava todos os dias. Era
uma mensagem positiva sobre um ser humano extraordinário,
«divertido, generoso, realista, inteiramente genuíno», que os
fez a eles e a muitos outros felizes. Era assim que queria que a
mãe fosse lembrada. Anos mais tarde, Harry confessou que gos-
tava de ter falado sobre ela muito, muito antes. «Eu nunca lidei
realmente com o que aconteceu. Foram muitas emoções repri-
midas. Durante grande parte da minha vida não quis realmente
pensar no assunto».
Talvez o dia em que Diana se cimentou no coração da mo-
narquia para as gerações vindouras tenha ocorrido na Entrée

479
Room do Palácio de St. James, a 16 de novembro de 2010, quan-
do Catherine Middleton e o Príncipe William deram a conhe-
cer ao mundo o seu noivado. As comparações entre Diana, a
mulher que disse que nunca subiria ao trono, e a jovem que um
dia será coroada Rainha eram inevitáveis – e abundantes. Era
tudo estranhamente parecido com o grande dia de Diana em
1981: o vestido azul, as vozes nervosas, a linguagem corporal
hesitante. O destaque foi o anel de noivado de Catherine, a mes-
ma safira com diamantes usada pela mãe de William. Foi o sinal
mais claro de que, embora Diana tivesse partido, ela não estava
esquecida. «Esta foi a minha forma de a manter perto de tudo»,
explicou William.
O que não foi dito foi o facto do fracasso no casamento dos
pais ter facultado a William a liberdade de despender muito
tempo a encontrar uma parceira que pudesse ser simultanea-
mente amante, companheira e apoiante, independentemente
da sua classe social. Catherine tornou-se a primeira plebeia em
quatrocentos anos a casar-se com um membro da Família Real.
Os dias em que o Príncipe Carlos foi pressionado para se casar
com uma virgem aristocrática protestante anglo-saxã branca,
como Diana, tinham desaparecido para sempre. No momento
em que escrevo, Harry está num relacionamento sério com Me-
ghan Markle, uma atriz de Hollywood, ativista, divorciada, três
anos mais velha e com uma mãe negra que vive numa comuni-
dade pobre de Los Angeles. Se termina ou não em casamento1
é um sinal de quão longe a Família Real chegou. Não há muito
tempo, o Príncipe Andrew foi desencorajado a continuar o na-
moro com outra atriz americana, Koo Stark, por causa da sua
aparição num filme onde a roupa era um extra opcional.
Se o noivado de William garantiu que Diana permanecesse
no coração da sua família, o casamento do Príncipe e Cathe-

1 Harry e Meghan casaram em maio de 2018. (N. da. T.)

480
rine Middleton na Abadia de Westminster, no dia 29 de abril
de 2011, marcou uma genuína transição para a Família Real e
para o público. A memória de Diana estava presente no espírito
de muita gente – uma espectadora comentou: «Quando Kate
chegou ao altar e o sol a iluminou, sabíamos que era Diana»
– e o casamento marcou um novo capítulo na história real em
curso. As lembranças daquele dia de setembro de 1997, quando
William e Harry caminharam solenemente atrás do cortejo fú-
nebre da mãe, estavam agora sobrepostas pela visão do Príncipe
sorridente e da sua noiva encantadora, prontos para iniciarem
uma nova vida juntos. O facto de William e Catherine terem
nomeado o seu segundo filho como Princesa Charlotte Elizabe-
th Diana foi um inequívoco gesto para com as duas mulheres
que ele respeitava e amava acima de todas as outras.
William, Harry e agora Catherine assumiram a batuta do tra-
balho de caridade pelo qual Diana é mais admirada. Durante os
seu dezasseis anos de história, o Fundo Memorial, apesar do
seu turbulento início, doou a impressionante quantia de 138
milhões de libras para mais de quatrocentas instituições de ca-
ridade, principalmente para pessoas desfavorecidas à margem
da sociedade; os mesmos grupos que Diana havia defendido du-
rante a sua vida. «O impacto das suas ações de solidariedade»,
de acordo com um respeitado angariador de fundos, «tornou-
-se mais relevante do que o de qualquer outra pessoa no século
XX.» Como recorda Andrew Purkis, o ex-director executivo:
«Penso que a Princesa foi vista por muitos como alguém dis-
posto a alcançar grupos estigmatizados e marginalizados pela
sociedade, como doentes terminais, os que sofrem de lepra, de
HIV/AIDS e assim por diante.»
Embora o Fundo tenha encerrado em 2013, em março da-
quele ano a Fundação Real, do duque e duquesa de Cambridge,
bem como do Príncipe Harry, assumiu a propriedade legal da
instituição de caridade. Mais importante, o trio continuou a de-

481
senvolver então o seu trabalho; uma nova geração, com novas
ideias, mas o mesmo sistema de valores. Por esse motivo, Harry
visitou campos minados em Moçambique, em 2010, e Angola,
em 2013, para testemunhar o trabalho da HALO, a agência hu-
manitária responsável pela remoção de minas terrestres, apoia-
da apaixonadamente pela falecida Princesa. A imagem de Dia-
na caminhando sozinha por um campo minado, recentemente
limpo, é uma das representações mais vívidas da sua missão
humanitária. Para Harry, a viagem foi uma oportunidade de
seguir as pisadas da mãe. O seu apoio ao National Aids Trust
e à instituição de caridade Sentebale, no Lesoto, organização
que ajuda crianças orfãs, muitas delas vítimas de AIDS, era um
testemunho da sua determinação em manter viva a chama de
sua mãe.
À imagem da mãe que estendeu a mão aos marginalizados,
William focou a sua atenção no ciberbullying a jovens nas redes
sociais, especialmente aqueles que se assumiam gays, lésbicas,
bissexuais ou transgénero. Organizou um encontro de jovens
LGBT no Palácio de Kensington e até apareceu na capa da re-
vista gay Attitude. Harry, que serviu o exército por uma década,
realizando duas missões no Afeganistão, abraçou com entusias-
mo a instituição de caridade Help for Heroes, que apoia soldados
feridos na reconstrução das suas vidas. Seguiu o exemplo da
mãe e despendeu de tempo em visitas particulares à unidade de
recuperação de Headley Court, onde encontrou pessoalmente
soldados feridos em missões de investigação da Nações Unidas.
«É importante fazer coisas nos bastidores», afirmou. «É algo
em que a nossa mãe se empenhou e é um momento em que
realmente aprendemos e alcançamos o âmago das pessoas».
O Príncipe também foi fundador dos Invictus Games, um evento
desportivo internacional onde militares feridos e doentes parti-
cipam numa série de competições desportivas, onde se incluem
o basquetebol em cadeira de rodas e o remo seco. Em 2017, os

482
jogos tiveram lugar em Toronto, no Canadá, onde Harry co-
nheceu Meghan Markle.
Assim como a mãe, os dois Príncipes estão dispostos a abor-
dar assuntos tabu ou impolurares, com o objetivo de suscitarem
debate e conscienlização. William, Harry e a duquesa de Cam-
bridge uniram-se para fundar a instituição de caridade Heads
Together com o objetivo de ajudarem a combater o estigma
daqueles que sofrem de depressão ou outras doenças mentais
não resolvidas. A sua própria vontade de falarem sobre os seus
sentimentos relacionados com a mãe, os seus arrependimentos e
memórias ajudou-os a envolverem-se e conectarem-se emocio-
nalmente com outras pessoas a sofrerem de perda, luto e trauma.
No imaginário popular, William e Harry são vistos como
puxando mais à mãe do que ao pai, continuando o seu traba-
lho e respeitando a sua essência; jovens que, como a mãe, são
abertos, francos e humanos. Não há nenhum dos sentimentos
estrangulados do pai – «O que quer que o amor signifique» – ou
do estoicismo impassível da Rainha, frequentemente descrito
como «muito rígido». Neste aspecto, a determinação de Diana
em educar os filhos para que não tivessem medo de expressar
os seus sentimentos ou mostrar que são humanos valeu a pena.
A sua amiga Julia Samuel, co-fundadora da Child Bereavement
Trust, testemunhou-o em primeira mão, lembrando-se de ter
ficado «incrivelmente comovida e tocada» pela honestidade de
William quando, em apoio à instituição de caridade, escreveu
algumas palavras sobre a mãe: «A vida mudou, como sabe, e
não se passa um dia em que não pensemos no que perdemos.
Sei que com o tempo é possível aprender a conviver com o que
aconteceu e que, com o passar dos anos, conseguiremos reter ou
redescobrir memórias queridas.»
Todas as evidências sugerem que os saltos altos número qua-
renta, a que chamava os seus “trotadores de gata”, ficarão indele-
velmente registados na monarquia por várias gerações. Quando

483
a Rainha morrer, o reinado do Príncipe Carlos será uma espécie
de interregno, como o breve reinado de Eduardo VII. Teve uma
vida inteira para refletir na imagem e no trabalho da monar-
quia que pretende projetar. Considerando os seus interesses em
matérias constitucionais, particularmente a sua influência sobre
políticos, bem como o seu foco na arquitetura, meio ambiente e
agricultura orgânica, será muito diferente em substância e estilo
da monarquia imaginada pela falecida Princesa humanitarista.
O seu impacto revelar-se-á com o Rei William e seus herdeiros,
o Príncipe George e a Princesa Charlotte.
Apesar dos filhos terem continuado o seu trabalho, há aque-
les que, como a escritora Anne Applebaum, vencedora de um
Pulitzer, defendem que o legado da Princesa é do tamanho de
uma ervilha e o seu impacto é transitório. Numa comparação
histórica, Diana é frequentemente vista como a Princesa Caro-
lina de Brunswick, casada com o Príncipe de Gales, mais tarde
Rei George IV. Tal como Diana, foi rejeitada pela corte e até
impedida de assistir à cerimónia de Coroação do seu marido em
1821, vítima da desonesta Família Real. Também como Dia-
na, era muito popular, sendo a primeira «Princesa do povo»,
facto que contribuiu para a dissidência. Quando morreu, três
semanas após a Coroação, milhares de pessoas se juntaram no
seu cortejo fúnebre. Agora ela é apenas uma curiosa nota de
rodapé na história. Contudo, ao contrário de Diana, não deixou
um legado vivo para continuar o seu trabalho. Diana segura-
mente deixou-o. Mesmo quando eram membros da casa real a
tempo parcial – Harry como piloto de um helicóptero Apache,
William como piloto de uma ambulância aérea – era evidente
que o legado da Princesa estaria no centro do seu trabalho de
caridade.
Embora seja verdade que a sua morte não mudou o país, foi
um alerta para a monarquia, forçando a Rainha e a sua família
a reconhecer que o país estava a mudar e que os Windsor não

484
estavam a representar essa transformação. Tornou-se evidente
que muitos, particularmente aqueles que viviam nas sombras
da sociedade, se sentiam mais representados por Diana do que
pela Casa de Windsor. Muitos se sentiram excluídos do tradi-
cional modelo de monarquia que, como explicou o Professor
John Taylor, historiador, é definido pelo lar e pela família.
Se, como defende o sociólogo francês Émile Durkheim, a so-
ciedade tem um conjunto de valores comumente partilhados e
conhecido como consciência coletiva, então pode dizer-se que
Diana desempenhou um papel a expandi-lo, ou a ideia pode ser
melhor formulada como tendo expandido o eleitorado coletivo.
Durante a sua vida, e certamente após a sua morte, ampliou o
que podia ser dito e feito e por quem. Neste processo fez com
que a monarquia, ou pelo menos a sua versão daquela venerável
instituição, parecesse mais inclusiva.
A psicoterapeuta Nicole Gehl observou: «O seu impacto no
mundo tem muito a ver com a forma como as pessoas se iden-
tificavam com ela. Viam-na como alguém rebelde e vítima ao
mesmo tempo, que abalou a monarquia. Na sua fragilidade ha-
via muita força.» Durante a semana histórica e indisciplinada
do seu funeral, Diana foi lembrada como uma pessoa acolhedo-
ra e acessível; já a Família Real foi vista como exclusiva, distante
e altiva. Em suma, Diana era vista como uma nobre forasteira e
a Casa de Windsor como o ignóbil clube.
O fracasso em hastear a bandeira da Grã-Bretanha a meia
haste, a decisão da Rainha em ficar em Balmoral em vez de ir
para a capital do país e a falha da Família Real em fazer qualquer
declaração substantiva sobre a Princesa indignaram muitos.
No momento em que era necessária liderança, a Casa de Wind-
sor perdeu a batuta, deixando a outros, como ao primeiro-mi-
nistro Tony Blair, a função de gerir o profundo sentimento de
perda da nação. A intervenção da Rainha no final da semana
do funeral, quando falou à nação como soberana e avó, a partir

485
da sala chinesa do Palácio de Buckingham, acalmou as dúvidas
em muitos corações. Não obstante, o mal estava feito: o pacto
duradouro e profundamente enraizado entre a monarquia e o
povo estava fraturado e fragmentado. Pelo menos, por algum
tempo. O seu discurso foi, em parte, uma expiação por ter fi-
cado à margem, por não ter conseguido consolar a população
enlutada com rapidez suficiente. Foi a Rainha quem liderou
as homenagens e que, mais importante, reconheceu a necessi-
dade de a antiga instituição que dirige aprender com a jovem
Princesa.
Mais ou menos como numa briga de amantes, ambas as par-
tes, monarquia e público, acabaram por se reconciliar, embora
fosse tácito o reconhecimento de que as coisas não voltariam
a ser as mesmas. A situação levou a uma reavaliação tardia do
relacionamento. Como admitiu mais tarde Mary Francis, a
secretária particular da Rainha, algumas «duras lições» foram
assimiladas pela Casa de Windsor. A instituição sofreu um aba-
não na sua complacência e foi obrigada a olhar para si mesma
com um olhar muito mais crítico. Algumas mudanças subtis de
estilo e de abordagem ocorreram muito mais rapidamente do
que seria o caso noutras circunstâncias. Quanto ao povo, defen-
deu-se que mantinha o respeito pela Rainha, mas descartando
a deferência à moda antiga. Tornaram-se cidadãos leais em vez
de súbditos fiéis; a adoração irracional foi substituída por um
respeito lúcido.
Em muitos aspectos, o público estava bem mais avançado do
que a monarquia no que respeita à apreciação da missão huma-
nitarista de Diana. É irónico que aquilo em que a Família Real
se transformou – nas palavras do historiador Frank Prochaska,
uma «monarquia assistencial», definida mais pelo seu traba-
lho cívico e caritativo do que pelo seu significado simbólico ou
constitucional – foi o ethos instintivamente abraçado e desen-
volvido pela Princesa.

486
A feminização da monarquia – as mulheres dominaram a
Casa de Windsor quase por dois séculos – juntamente com o
ênfase dado ao trabalho de solidariedade social envolvido no
glamour de celebridade encontraram o seu apogeu na Princesa.
Diana foi o único membro da Família Real capaz de projetar
essa indescritível combinação à escala global. O facto do Prín-
cipe Harry ter conseguido convencer a Rainha, assim como o
Presidente Barack Obama e a primeira-dama Michelle a parti-
ciparem no vídeo promocional do seu projeto, Invictus Games,
que decorreu na Florida, em 2016, mostra que a magia única de
Diana foi herdada pelo seu filho mais novo.
Estava muito longe da sua infância, altura em que se imagi-
nava esposa de um embaixador, ou dos seus primeiros dias na
Família Real, quando Diana se mostrava genuinamente tímida
e temia encontrar-se com as suas multidões de adoradores. No
final, transformou-se no que poderia ser chamado «uma Prin-
cesa Presidente», parte mas independente da Família Real, uma
mulher por conta própria que encontrou o seu papel público
no cenário mundial. Como afirma Sarah Bradford, biógrafa de
Diana: «Representava um aspecto importantíssimo da monar-
quia, a capacidade de fazer o bem para as pessoas, promover o
seu bem-estar e defender boas causas, fazendo-as sentirem-se
bem consigo próprias.»
Como alguém que vem de fora, foi capaz de realizar muitos
dos seus objetivos profissionais, embora a felicidade pessoal lhe
parecesse escapar. Queria casar-se novamente e ter mais filhos.
A família tinha um grande significado para ela e, se fosse viva,
estaria a deliciar-se com o seu papel de a mais encantadora avó
do mundo. Mas não estava destinado que assim acontecesse.
Em janeiro de 2017, os Príncipes decidiram comemorar a vida
de sua mãe encomendando uma estátua para os jardins públicos
do Palácio de Kensington. «Já se passaram vinte anos desde a
morte da nossa mãe e este é o momento certo para reconhecer o

487
seu impacto positivo no Reino Unido e em todo o mundo com
uma estátua permanente. A nossa mãe tocou muitas pessoas.
Esperamos que a estátua ajude todos os que visitam o Palácio de
Kensington a reflectir sobre a sua vida e o seu legado.»
Embora a sua vida tenha sido breve, Diana deixou uma mar-
ca indelével na Família Real, na monarquia e na nação. Diana,
Princesa de Gales, vive não apenas na nossa memória, como
também na vida e na obra dos Príncipes William e Harry.
Como afirma o Príncipe Harry: «Espero que ela esteja a olhar cá
para baixo com lágrimas nos olhos, incrivelmente orgulhosa do
que alcançámos.» Diana pode ter morrido, mas os filhos terão
certeza de que nunca será esquecida.

Andrew Morton
2017

488
Como observou o romancista
Robert Harris: «Desde a expulsão
de Trotsky da União Soviética em
1929, nunca uma figura pública
proeminente foi tão amplamente
apagada da vida pública do país.»

491

Você também pode gostar