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É proibida a reprodução parcial da obra, mesmo que de forma gratuita, sem a indicação
dos créditos autorais.
Essa uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera
coincidência.
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Alerta de gatilhos
Prólogo
Capítulo primeiro
Capítulo segundo
Capítulo terceiro
Capítulo quarto
Capítulo quinto
Capítulo sexto
Capítulo sétimo
Capítulo oitavo
Capítulo nono
Capítulo décimo
Capítulo décimo primeiro
Capítulo décimo segundo
Capítulo décimo terceiro
Capítulo décimo quarto
Capítulo décimo quinto
Capítulo décimo sexto
Capítulo décimo sétimo
Capítulo décimo oitavo
Capítulo décimo nono
Capítulo vigésimo
Capítulo vigésimo primeiro
Capítulo vigésimo segundo
Capítulo vigésimo terceiro
Epílogo #1
Epílogo #2
Nota da autora
Agradecimentos
Sobre a autora
Notes
Prólogo
Alerta de gatilhos
Olá, leitoras!
Antes de começarmos, preciso informar que esse livro possui
alguns gatilhos que podem ser desconfortáveis para pessoas
sensíveis ao tema.
A história tem gatilhos para
- Assédio sexual e
- Violência (descrição gráfica)
O livro é um romance entre pessoas adultas que fazem sexo e,
por isso, contém muitas cenas eróticas descritivas.
Se você entende que esses gatilhos e temas não são obstáculo
para sua leitura, então seja bem-vinda ao mundo dos Eckleys!
Prólogo
Londres, 1889
A E :
mulheres e jogar cartas, e não era por causa de nenhuma delas que
fora convidado para a residência do Duque de Clarence e Avondale 1
naquela tarde.
Apesar de estar sentado em uma mesa de carteado, junto a
outros figurões da aristocracia britânica, bebendo do melhor uísque
e equilibrando uma pilha de fichas à sua frente, o Marquês de
Granville suspeitava que sua presença naquele evento tinha outros
propósitos. Quando um criado discretamente o convocou para o
escritório do duque, suas suspeitas se transformaram em certezas.
O duque estava de costas para a porta de entrada, remexendo
em seus livros quando o convidado entrou. O criado pigarreou e
anunciou a chegada do Marquês de Granville, retirando-se em
seguida.
— Sente-se. Você gosta de ler, Anthony?
— O Kama Sutra sim, mas não o considero exatamente uma
leitura.
Com uma risada sonora, Albert Victor Christian Edward virou-se
e acendeu um charuto na vela que iluminava precariamente a mesa.
Toda a residência Clarence e Avondale era escura e sombria, assim
como as histórias sobre o seu dono.
— É por essa sua honestidade que te considero um dos meus
melhores amigos! E tem quem pense que bons agentes são
dissimulados.
Anthony cruzou as pernas e fitou seu interlocutor por alguns
instantes. Havia muito mistério envolvendo o filho do príncipe e
muitas fofocas se espalhavam pela Inglaterra. Poucas pessoas
entendiam a função do jovem herdeiro ao trono britânico e ele
estava entre elas. Eram quase da mesma idade, estudaram juntos e
compartilharam o mesmo segredo por anos.
— Mas não é por ela que me trouxe aqui hoje. Diga, Eddy, qual é
o problema? Duvido que seja dinheiro, já que seu pai não deixa de
prover sua boa vida.
— Preciso de você. Sua Rainha precisa de você.
— Estou aposentado. — O marquês se levantou e serviu-se de
um copo de uísque. — Sou um marquês agora, minha forma de
servir à Coroa mudou.
— Espiões nunca se aposentam, Tony. Há uma missão perfeita
para você e esperamos que aceite o encargo.
— Missões, espiões, encargos. Não estamos nem mesmo
próximos de uma guerra, por que diabos precisamos disso?
O duque aceitou o drinque que lhe fora servido e encarou por
algum tempo o líquido âmbar tremeluzindo à luz da vela até voltar-
se para o amigo com a expressão mais sombria do que de costume.
— Conhecimento é poder, meu caro amigo. As pessoas
escondem segredos e conhecê-los nos dá poder. Força. Vantagem.
A espionagem nunca acabará ou ficará fora de moda, sempre
haverá quem pague bem por informações que possam evitar ou
iniciar guerras.
— Por que eu?
Anthony sabia que não adiantava discutir com Albert quando ele
tomava uma decisão. Se o duque o queria naquela missão, fosse
qual fosse ele teria que acatar as ordens de seu superior. Apesar da
proximidade das idades, o duque era o neto da rainha e havia
poucas pessoas com mais poder e influência na Inglaterra inteira.
— Porque você é um marquês, é um libertino reconhecido
internacionalmente e adora festejos. O nosso homem é um
perdulário mulherengo e ninguém melhor do que um Eckley para se
aproximar dele.
— Eu o conheço?
— Sim, mas só saberá o nome dele depois, como de costume.
— O que preciso investigar?
— Sabia que não me arrependeria de tê-lo escolhido. — Albert
sorriu e tragou o charuto. — Ele é suspeito de dois crimes graves:
assassinato e traição. Segundo informantes, nosso alvo tem
contrabandeado informações da coroa para países estrangeiros, em
especial a França, e eliminou alguns adversários que cruzaram seu
caminho.
— Onde ele está, agora?
— Paris. Veja como sou seu bom amigo, ainda pretendo enviá-lo
para a cidade da devassidão, o paraíso dos libertinos. Você, melhor
do que eu, sabe como são as mulheres francesas.
— Sei e já provei praticamente todas elas. Não há mais novidade
para mim em Paris, mas não irei para me divertir e Vossa Alteza
sabe que, quando estou trabalhando, concentro-me integralmente
no serviço.
— Perfeitamente, meu amigo. — O duque ergueu o copo de
uísque em um brinde solitário. — E é também por isso que é ideal
para o encargo. Você o aceita?
— Mande para mim as coordenadas. Seja preciso, Eddy, pois
não tenho tempo para desperdiçar. Ainda preciso convencer meus
irmãos inúteis a cuidarem do marquesado enquanto estou fora.
Capítulo primeiro
P ,
lacaio misterioso. Nunca era o mesmo homem que carregava as
correspondências de Eddy — o Duque de Clarence e Avondale —,
cujo apelido era mais conhecido que seu título. Havia um nome e
uma orientação estampados na carta: queime-a.
O nome era a identidade do alvo: o herdeiro do Marquês de
Berkshire, atual Visconde Tinsdale, também conhecido por Lorde
Finley. Anthony entendeu por que fora convocado pelo duque.
Apenas um marquês ou um título mais elevado tinha o mesmo
trânsito de outro marquês. E não havia duques espiões além do
próprio Eddy, ele sabia.
Depois chegou outro bilhete, que também deveria ser queimado
logo após ser lido, e explicava como a missão funcionaria. Anthony
Eckley seria convidado para ficar hospedado na casa do visconde
durante uma estada em Paris e aproveitaria sua estadia para
encontrar provas da traição. Como Eddy conseguiria que o visconde
fizesse aquele convite sem levantar suspeitas era algo que o
marquês ignorava, mas ele nunca fazia perguntas além do que
deveria. O duque sempre conseguia o que queria.
Anthony só achou difícil acreditar que Finley fosse um assassino
cruel. Traidor? Talvez, mas assassino? O homem era um completo
inútil, incapaz até de se casar e prover um herdeiro para quando
precisasse. Como tinha apenas irmãs, havia o risco de o
marquesado mudar de linha familiar quando seu pai falecesse, o
que não parecia preocupar o mandrião.
Mas Eddy era um homem difícil. Se decidira que Finley era um
objeto de interesse da coroa, então caberia a alguém investigar. E
por isso estava lá o Marquês de Granville desembarcando em Paris
para uma temporada na corte francesa alimentando sua fama de
libertino perdulário.
Ele não era perdulário. Apesar de o pai ter criado os filhos
dando-lhes tudo que queriam sem nenhum esforço, Anthony sabia
de onde vinha o dinheiro. Não era de uma caixa mágica como
Nicholas, o irmão mais novo, pensava quando criança, mas do
trabalho. Mesmo sendo um nobre de linhagem refinada, ele era
afeito ao trabalho e sabia que o marquesado Granville não pereceu
apenas por causa da mente estratégica de seu pai e pelo seu
esforço assim que assumira o título, dois anos atrás.
Já libertino... aquela era uma fama à qual fazia jus e da qual se
orgulhava. Todos os Eckleys estavam se tornando exímios
sedutores e colecionavam mulheres em suas camas como os
aventureiros colecionavam milhas viajadas. Os amigos
desbravavam continentes, ele explorava o corpo feminino. Desde
muito jovem, Anthony aprendeu a dar e extrair prazer de todo toque,
suspiro e suor.
— Chegamos, milorde.
Monty colocou a cabeça para dentro da carruagem assim que
ela parou. O valete era o único criado que Anthony carregava de um
lado e para o outro, aquele que sabia tudo sobre ele e que não
revelaria a sua identidade secreta a ninguém. O empregado perfeito
— tinha apenas uma expressão facial, nunca fazia fofoca a não ser
que fosse solicitado e não possuía vícios.
A porta da carruagem se abriu para um palacete no Trocadéro,
uma das mais prestigiosas localizações da 16º Arrondissement 1. Ele
sabia que parte francesa da família de Finley era rica, não
imaginava que fosse tanto. A casa tinha dois andares, colunas de
mármore na entrada, uma magnífica porta de madeira entalhada e
janelas no estilo das catedrais.
— Parece-me que o senhor terá muito trabalho, milorde. —
Monty pegou as duas malas que estavam na parte de cima da
carruagem. — A casa parece ter tantos cômodos quanto um ano
tem dias.
— Não me diga. Descarregue minhas coisas e mande um
mensageiro dar notícias de minha chegada a Pierre. Não poderei
perder tempo.
O criado assentiu e Anthony subiu as escadas para ser recebido
na porta principal por um mordomo vestido a caráter e uma trupe de
empregados. Aparentemente o anfitrião estava ocupado e pediu que
os convidados se dirigissem até o salão de eventos para serem
entretidos com comida e bebida. Ele não estaria sozinho ali, Finley
estava com a casa cheia de gente por causa da Exposition
Universelle 2.
Quando soube, Anthony suspeitou que fosse proposital. Talvez
todas as pessoas que Finley estivesse hospedando ali foram
inseridas meticulosamente pela mente ardilosa de Eddy, pois o
duque sabia que uma residência vazia era mais difícil de se
investigar. Quanto mais gente pela casa, mais oportunidades de se
enfiar em um aposento Anthony teria. Se fosse pego, poderia alegar
que estava procurando sossego ou a oportunidade de fumar um
charuto. Ele tinha um personagem que adorava interpretar e sua
libertinagem era um disfarce que o ajudava a sair de situações
difíceis.
Alguns convidados do visconde já estavam na casa. Lady
Bachour, sua tia preferida — que se casara com um francês e
enviuvara um ano atrás —, um casal inglês, os Thompson, e dois
barões que costumavam puxar o saco de Finley. Anthony conhecia
todos e não tinha vontade de socializar com ninguém, porém pegou
uma taça de champanhe e se aproximou dos nobres. Ao menos
poderia ostentar seu título, coisa que raramente fazia, mas que
servia bem para manter homens como aqueles em seus devidos
lugares.
Estava se obrigando a ouvir o Barão Rondale falar sobre um
acidente com um navio que vinha de Nova Iorque quando ela
chegou. Eram duas mulheres, todavia ele percebeu apenas uma,
mesmo que ela estivesse se esforçando para não ser notada. Vestia
um conjunto cinza e branco, roupas simples, porém com aparência
de bem-feitas, e cabelos presos no alto da cabeça. Ela parecia tão
comum que não chamaria a atenção de ninguém se não fossem
seus olhos.
Anthony conhecia olhos como aqueles, eles eram observadores
e inteligentes. Ela segurava uma bolsa na frente do corpo e tentava
passar despercebida, porém seu olhar investigou cada centímetro
da sala antes mesmo da mulher se sentar em uma poltrona próxima
à lareira, onde estava Lady Bachour. Cumprimentou a senhora mais
velha e se serviu de uma xícara de chá, mas não parou de prestar
atenção ao seu entorno nenhuma vez.
De mulheres, ele entendia, e aquela ali era do tipo que o atraía.
Estava prestes a se aproximar e se apresentar quando o visconde
chegou fazendo algum estardalhaço.
— Olá, meus queridos amigos! Desculpem-me por não os
receber, estive envolvido com uma questão de negócios até agora.
Espero que estejam comendo e bebendo meu melhor Bourbon!
Ele gesticulava e falava alto, parecendo um personagem ainda
mais caricato do que qualquer um já interpretado nos teatros
londrinos. Não era à toa que Eddy desconfiava dele, qualquer
pessoa que agisse de forma tão afetada despertaria a desconfiança
de um bom espião.
Depois de cumprimentar a todos pessoalmente, Finley
agradeceu novamente por aceitarem o convite e pediu que os
criados mostrassem os quartos de cada um, indicando que aquela
pequena reunião estava encerrada. A mulher misteriosa
desapareceu atrás de uma criada de uniforme e ele permaneceu
curioso sobre quem ela era e o que fazia ali. Talvez sua estadia na
casa do visconde não fosse tão desagradável no final.
OV T
P . Rosamund não estava animada
em participar dele, não queria levar horas se arrumando para comer
com pessoas que nem conhecia e precisava descansar para o dia
seguinte. Ninguém na casa sabia que ela estava planejando
frequentar o ateliê de pintura da maior artista da França, então
precisava da mente sã e do espírito leve para se inspirar e enganar.
Foi convencida por Gretha de que fingir indisposição para
permanecer no quarto era falta de educação e que não adiantava
estar na casa de um homem rico se não fosse para usufruir da
riqueza dele.
A prima tinha razão, por isso Rose se banhou, escolheu um
vestido laranja e branco com babados e prendeu os cabelos com
presilhas de ouro e pedras — as que sua mãe dizia que seriam
ideais para conquistar um tolo como pretendente. Não estava
pensando em tolos, nem em pretendentes. Não havia realmente um
homem que fosse desposá-la em Paris, mas ela sabia que
precisava estar bem vestida no jantar de um visconde. Quando
desceu as escadas, com Gretha ao seu lado, confirmou que tinha
razão.
Os convidados de Lorde Finley eram poucos, porém todos muito
finos e elegantes. Sua tia, uma mulher já por volta dos sessenta
anos e que esbanjava arrogância e falta de bom senso, o Barão
Rondale, um nobre falido com quem seu pai já pensara em casá-la,
o Barão Rottschild com sua esposa e outro casal que ela não
conhecia. As mulheres não pareciam acessíveis, todas exatamente
como as damas das temporadas: esnobes e sorridentes, prontas
para falar do clima e se amontoarem sobre o título de seus maridos.
Os homens eram desagradáveis. Mesmo casados, pareciam lobos
famintos que olhavam para toda mulher solteira como um cordeiro
pronto para o abate.
Menos ele. O Marquês de Granville, quem ela conhecia como o
libertino dos libertinos. Mal acreditou que o homem que a inspirara
era o mais notório devasso de Londres. Por mais que Rose
soubesse o quanto ele era volúvel e indecente, não conseguia evitar
que seus olhos fossem atraídos para ele. Havia algo que a fazia
desejar pintá-lo e que quase a impulsionava a pedir que ele posasse
para ela. Claro que jamais faria aquilo. Primeiro, porque era
indecoroso pedir qualquer coisa parecida para um homem com
quem não fosse casada, segundo, porque Lorde Granville
certamente encararia o pedido como um convite para a sua cama.
Mas ele estava tão elegante com um traje completo de noite e
gravata preta que Rosamund precisou que Gretha a cutucasse nas
costelas para parar de encará-lo.
— Ele vai perceber que você está olhando. — a prima rosnou no
ouvido dela — seja mais discreta, sabe a fama que ele tem.
Sim, ela sabia. Depois que o mais belo conjunto de olhos-nariz-
boca-queixo que ela já vira se apresentou naquele café da Saint-
Germain de Prés, ela se recordou precisamente de quem era o
Marquês de Granville, e do quanto ele carregava uma faixa de “não
se envolva comigo” pregada no colete. Nenhuma mulher recatada
se aproximava dele, e nenhuma virgem que quisesse manter a
virgindade ficava sozinha no mesmo cômodo que ele. Aliás, dizia-se
que ele era capaz de seduzir uma mulher em apenas uma dança,
então era aconselhado que também não dançassem com o
marquês.
— Não seja tola, Gretha. Ele não está prestando atenção em
mim, nem lembra que eu existo. Já deve ter se esquecido de que
me viu no café.
O mordomo chamou os convidados para o salão de jantar e o
movimento a distraiu. O primeiro a entrar foi Lorde Granville, pois
ele detinha o título mais elevado. Estavam na França, mas todos ali
eram ingleses e não abandonariam os costumes apenas por
estarem temporariamente em outro país. Depois entrou o anfitrião
com sua tia, os barões, o casal e, por fim, ela e Gretha. Para seu
azar ou desgraça, seu lugar na mesa era ao lado do marquês.
Ela não precisava olhar para ele se não quisesse, pois, o
anfitrião ficava do outro lado. Bastava suportar uma refeição ao lado
do libertino, isso não acabaria com sua reputação. Eles eram os
solteiros da mesa, por isso foram reunidos. Talvez no dia seguinte
ela estivesse ao lado de Rondale.
A perspectiva de se sentar ao lado do barão não a animou. De
frente para ela, Rondale colocava o guardanapo de tecido
pendurado no colarinho e afiava o bigode com os dedos, parecendo
uma caricatura malfeita dos jornais de fofoca. Ela pouco o conhecia
das temporadas fracassadas que frequentara e das tentativas
frustradas de seu pai em aproximá-los quando ele pedira para
cortejá-la, meses atrás. Rosamund recusou e seu pai a ouviu, não a
obrigando a nada.
Ele tinha alergias que o deixavam fungando e um nariz curvado
que o tornava uma imagem nada inspiradora. Sem contar que ele
era pegajoso, já tentara colocar as mãos sobre ela e precisou ser
afastado.
A entrada foi servida e não era nada que Rosamund
conhecesse. Ela falava três idiomas com fluência, entendia outros
dois e se considerava bem-educada, mas a cozinha francesa não
era especialidade de nenhuma cozinheira que tenha passado por
sua casa.
— Isso é sopa. — A voz do marquês ecoou próxima de seu
ouvido esquerdo. — Langue D’oiseaux, uma delícia.
Ela levou uma colherada até a boca, tomando cuidado para não
exagerar na quantidade e não permitir que o caldo vermelho sujasse
seus lábios. Manteve os olhos no alimento quando o respondeu:
— Eu reconheci, apenas esperava porque parecia muito quente.
Rosamund não era orgulhosa, porém não desejava que ele
soubesse acerca de sua ignorância sobre a culinária parisiense.
— Claro, senhorita. Agora que estamos jantando lado a lado,
creio que possa ser agraciado com o seu nome.
— Srta. Taylor! — Lorde Finley falou, quase gritou,
interrompendo a conversa que se estabelecera antes. — Vejo que já
está interagindo com Granville. Vou poupar constrangimentos e
apresentá-los. Marquês de Granville, Rosamund Taylor, filha ainda
solteira de Phillip Taylor, um de meus maiores parceiros comerciais.
A vontade de desaparecer por baixo da mesa foi enorme. Lorde
Finley era um homem desagradável e grosseiro a ponto de perturbar
até mesmo o marquês, que ficou sutilmente irritado. Rosamund
notou que ele segurava a colher com força demais e exibia um
sorriso falso. E tinha um perfil bonito. Muito bonito.
A comida continuou a ser servida, com os criados trocando cada
prato depois de um tempo determinado. Já estavam no quarto tipo
de carne quando o marquês se dirigiu a ela novamente. A conversa
na mesa era enfadonha, com os homens conversando sobre
cavalos e usando metáforas sexuais horríveis. Ela e Gretha eram
solteiras, o que tornava o assunto também inadequado.
— O que traz a senhorita a Paris? — ele perguntou e olhou para
ela.
Rose nunca recebera um contato visual tão incisivo vindo de um
homem e quase entendeu como aquele conseguia seduzir mulheres
tão facilmente. Era difícil não se perder na profundidade de seus
olhos.
— Estou comprometida com um conde francês. — A mentira
teria que continuar sendo contada. — Vim conhecer sua família e
meu pai não pode me acompanhar por ser um homem doente.
— Qual conde?
— Creio que não nos conheçamos o suficiente para isso,
milorde.
— Não imaginei que o nome de seu noivo fosse um segredo,
senhorita.
— Não é, mas prefiro continuar o jantar em silêncio.
Na verdade, ela preferia conversar. O marquês poderia ser um
exímio sedutor e muito perigoso, mas ele ainda não dissera nada
desagradável e parecia incomodado com a conversa de seus
colegas — o que dizia boas coisas sobre ele. Ainda assim, não
queria que ele percebesse que se interessava por ele ou dar
esperanças ao homem — mesmo que ele fosse gentil, Rose não
seria mais uma em sua lista de conquistas.
— Não pretendi ofendê-la — o marquês disse.
Rosamund não quis olhar para ele, mas seu pescoço virou
involuntariamente e o homem estava com os olhos cravados nela.
Sentiu-se como o próprio jantar, como a carne que estava sendo
destroçada no prato que ele comia. Ainda assim, havia uma doçura
naquele olhar que a desarmou, a impediu de sentir medo ou desejar
sair correndo da mesa. Não, homens não eram doces, homens
como aquele eram predadores. Ela não acreditava que poderia
confiar neles.
— Eu apenas não costumo falar enquanto como. — Ela não quis
parecer indelicada ou grosseira. — Espero que esteja tudo bem,
milorde.
— Claro, senhorita.
Ele voltou a se concentrar na comida e ela não conseguiu mais
parar de prestar atenção em Lorde Granville. O que havia nele de
tão interessante? Enquanto cortava o alimento, os olhos mantinham-
se conectados a quase tudo ao redor. Porque ele erguia a
sobrancelha algumas vezes e não controlava um sorriso curto, ela
suspeitou que também estivesse ouvindo tudo que falavam. O
marquês não desligava um segundo dos eventos que aconteciam e
isso, provavelmente, a incluía observando-o sem muita discrição.
Como precisava de muita inspiração para surpreender e agradar
a Madame Beaury-Saurel no dia seguinte, ela não podia reclamar
daquele momento de interação durante o jantar. Mesmo que tenha
sido esquisito, Rose foi para a cama com o coração palpitando, as
mãos trêmulas e um estranho calor subindo por suas pernas até
uma parte peculiar de seu corpo. Não sabia o que era, porém
esperava que servisse para que ela produzisse o melhor retrato de
sua vida.
O F
. Essa era a única informação que Pierre tinha para lhe
passar e Anthony quase esbofeteou o amigo por tê-lo acordado e
feito sair às pressas para nada. Mas, como estava desperto e
precisando de alguma atividade masculina para o dia, decidiu levar
a luta para um lugar mais civilizado — o ringue.
— Não sei esgrima como você. — Pierre reclamou ao ser quase
arrastado para o centro de esgrima de Monsieur Garnier. — Será
um massacre.
— Sem lamentações, esse é um esporte de cavalheiros. Posso
te derrotar, mas não esmurrarei sua cara como em um ringue de
boxe.
— Falando em boxe, haverá uma luta em alguns dias e ouvi
dizer que seu alvo encontrará o contato dele nesse evento.
Anthony parou o que fazia e encarou Pierre com descrença.
— E você decidiu que essa não é uma informação importante e
que poderia me ser falada enquanto estou segurando uma espada?
— Não seja dramático, ao menos é uma boa informação.
Sim, era melhor do que saber que o contato era jovem. Havia
milhares de jovens com potencial na cidade de Paris, qualquer um
poderia ser um espião coletando segredos para usar contra a
Inglaterra em um momento de fragilidade. Se havia a possibilidade
de que se encontrassem naquela luta, mesmo que Anthony não
conseguisse ouvir a conversa, ele descobriria a identidade do
contato.
Isso não impediu que o marquês obrigasse Pierre a praticar com
ele durante quase toda a tarde. Depois do encontro com a Srta.
Taylor, ele precisava se exercitar, mesmo que fosse daquela forma.
Várias partidas simuladas e diversas vitórias depois, despediu-se do
amigo e retornou para a casa onde se hospedara. Suado, não
trocou suas calças, apenas vestiu a camisa e colocou o sobretudo
por cima. Ao ser deixado em seu destino, dirigiu-se à porta dos
fundos e por lá entrou, na expectativa de não ser visto por ninguém
além dos criados.
Mas ele deveria esperar que cruzaria com a Srta. Taylor pelo
caminho. Ao passar pela cozinha encontrou-a sentada na frente de
um prato de biscoitos e um bule de chá, agindo como se estivesse
há dias sem comer. Aquela era uma mulher bastante incomum.
Além de sua presença confrontando-o desde que chegara a Paris,
sem que ele compreendesse por que isso acontecia e já
desconfiando que ela poderia ter sido contratada para vigiá-lo, ela
também não agia como uma dama comum. Sabia que ela não era
nobre, mas era bem-nascida e bem criada, o que a colocaria há pelo
menos dez metros de distância de qualquer cozinha. Mulheres como
aquela geriam as suas casas, tratavam com governantas e não
pisavam na cozinha a não ser que houvesse um incêndio. Nem
assim, elas correriam para bem longe do fogo.
Como ela não o notou de imediato, Anthony sentou-se à frente
dela e a assustou.
— E nos encontramos novamente, senhorita. Assaltando a
comida antes do jantar?
A pobre mulher quase deixou cair a xícara que segurava quando
o percebeu ali. O marquês não estava exatamente apresentável, o
que o tornava tão peculiar quanto ela. Para ele, no entanto, não
havia consequências em ser diferente, as pessoas o consideravam
excêntrico.
— Milorde. — Rosamund Taylor se engasgou. — Estou faminta e
não aguentarei esperar até o jantar. O que houve com o senhor?
Parece que saiu de uma luta com porcos e perdeu.
— Por que não pediu que uma criada lhe preparasse uma
refeição? — Ele ignorou a pergunta provocativa.
— Perguntei por comida e uma delas disse o horário do jantar.
Como não quis esperar, desci até aqui e confisquei esses biscoitos
de nata. Estão deliciosos, quer?
Aquele aparente ato de rebeldia fez com que Anthony sorrisse.
Mesmo que ela fosse fina e educada, estava disposta a ir atrás do
que queria. Ele se levantou, retirou o sobretudo, dobrou as mangas
da camisa já encardida de suor nos cotovelos e começou a remexer
os armários da cozinha de Finley. Esperava que o chef não
aparecesse e o expulsasse aos gritos.
— O que está fazendo, milorde?
A voz de Rosamund saiu esganiçada. Anthony virou-se
novamente para ela e percebeu que o encarava com os olhos azuis
arregalados.
— Vou lhe preparar um sanduíche, senhorita. Esses biscoitinhos
não servem para alimentar uma pessoa.
— E pretende fazer isso usando apenas suas roupas de baixo?
Anthony deu uma gargalhada.
— São minhas calças de esgrima. Eu não pretendia cruzar com
ninguém até chegar ao meu quarto, por isso as mantive. Nunca viu
um homem vestido para o esporte, senhorita?
— Já assisti homens lutando, sim, porém eles estavam mais
distantes de mim.
Ótimo, ela estava assustada com o que via. Ele preferia que
estivesse extasiada, seduzida e excitada, porém a Srta. Taylor não
estava disponível para suas brincadeiras. Isso não o impedia de
divertir-se em provocar nela um rubor nas bochechas que a deixava
ridiculamente sensual.
Ignorando o pudor e o decoro, porque ele raramente se
preocupava em respeitá-los, Anthony cortou pão, colocou fatias de
carne temperada, presunto e folhas de vegetais frescos, besuntou
tudo de mostarda e colocou na frente de Rosamund. Depois,
remexeu também as garrafas de vinho que foram selecionadas para
o jantar, escolheu um branco e o abriu, servindo duas taças.
— Não bebo — ela disse, ao notar que uma das taças era para
ela.
— É vinho branco, mulheres podem beber.
— Eu sei, mas não consumo nenhum tipo de bebida com álcool.
Não gosto da sensação de ter meus sentidos privados.
— Entendo. — O marquês se sentou novamente e pegou
metade do sanduíche para si. — Coma, aposto que está uma
delícia.
Ela obedeceu. Anthony prestou atenção nas mãos dela — dedos
longos, unhas bem lixadas e estranhamente manchadas de azul.
— Não sabia que fazer sanduíches era parte das habilidades de
um marquês. Nem sequer poderia imaginar que um homem como
milorde pisaria em uma cozinha.
Ela estava com a boca meio cheia quando falou, ainda
mastigando uma bocada de pão. Anthony não sabia o que fazia com
o deslumbramento que sentia pela simplicidade de Rosamund
Taylor. Tudo nela o estava fascinando, inclusive os gestos mais
corriqueiros que raramente atraíam a sua atenção.
— Venho de uma família de libertinos e estamos acostumados a
chegar em casa de madrugada, famintos. Entramos pelos fundos e
já permanecemos por lá. Estou habituado a preparar refeições
rápidas e que saciam o corpo e confortam a mente.
— E o senhor não se importa em me contar isso.
— Senhorita, pensei que já tivesse me reconhecido. Homens
como eu não possuem pudores.
As bochechas dela coraram outra vez, mas Rosamund estava
sorrindo enquanto mastigava outra mordida do sanduíche. O chef
apareceu falando francês e reclamando da invasão em sua cozinha,
mas Anthony explicou estar treinando e mostrou sua vestimenta, o
que espantou pelo menos três criadas que acompanhavam o chef.
Resmungando e dizendo que odiava ingleses, o homem decidiu
deixá-los terminar de comer, mas não interrompeu os preparativos
do jantar.
Assim que terminou seu sanduíche, Rosamund se levantou, fez
uma reverência e saiu, deixando o marquês com um inusitado
incômodo em sua virilha. Era a primeira vez que ele ficava duro em
uma interação tão inocente com uma mulher.
E
A E . Ele podia ser um marquês, mas Rosamund não
era do tipo que obedecia em silêncio. Havia batalhas que ela sabia
que não venceria e algumas lutas que decidia abandonar, mas
envolver-se em uma investigação oficial era algo intrigante demais
para desistir. Na próxima noite procuraria Lorde Granville mais uma
vez e não o deixaria afugentá-la.
Mal acreditou quando acordou depois das dez da manhã. Era a
primeira vez em Paris que conseguia dormir mais que uma ou duas
horas. Seu corpo estava descansado e ainda assim ela quase
perdeu a hora para sua aula com Madame Beaury-Saurel. Gretha
entrou barulhenta no quarto, dizendo que o café da manhã já havia
sido retirado e que conseguira uma bandeja de bolinhos e chá para
ela, e Rose quis dizer para a prima que estava muito excitada e que
não era por causa da oportunidade de estudar arte. Não fazia
sentido algum intrometer-se nos assuntos de um homem que ela
mal conhecia, principalmente se ele não a desejava por perto, ainda
assim, Rose estava decidida a tomar parte naquela investigação.
Nem passou por sua cabeça que Lorde Granville estivesse
mentindo ou dizendo qualquer coisa na intenção de amedrontá-la e
afastá-la. Rosamund era, além de impulsiva, sensitiva. Ela percebia
mentira e verdade nas pessoas e aquele homem estava sendo
sincero quando dizia haver documentos importantes escondidos
naquela casa. Por isso, ela fez naquela noite o mesmo
procedimento da noite anterior: enrolou-se em um roupão e,
descalça para não fazer ruído no piso de madeira, desceu as
escadas para encontrar o marquês.
Ele estava ainda na biblioteca. Cansado e desfeito como nas
outras vezes em que o encontrou, o que levou Rosamund a pensar
o que ele fazia durante o dia. Será que dormia enquanto ela estava
no ateliê? Onde havia jantado por três noites seguidas? Sentiu um
calafrio e fechou mais o roupão ao imaginar que ele poderia estar
com uma amante ou em um cabaré com meretrizes. Afinal, ele não
era um libertino devasso e sem vergonha que seduzia todas as
mulheres que passavam por sua frente?
— Boa noite, milorde. — Rose se anunciou assim que entrou e
recostou novamente à porta. — Me mostre onde já procurou.
O marquês pareceu incrédulo ao vê-la. Passou as mãos pelos
cabelos, desalinhando-os — um movimento que fazia com
frequência — e a encarou com os olhos escuros e assustadores.
Rose não sabia se tinha mais medo do que ele poderia fazer com
ela ou do que ela estava sentindo perto dele. Sabia que precisava
desprezar Anthony Eckley e entendia todos os motivos para isso,
apenas não conseguia mais permanecer indiferente à presença
dele.
— Srta. Taylor, volte para seu quarto.
— Não voltarei. Posso me sentar aqui nesse sofá e assistir sua
busca ou pode me dizer o que fazer e aceitar minha ajuda.
— A senhorita é impossível! — ele rosnou, provavelmente
aborrecido por não poder gritar com ela. — Não a quero se
intrometendo no meu trabalho.
— Deixe-me ser útil. Hoje fiquei tão agitada por causa dessa
descoberta que mal consegui me concentrar nos meus afazeres. Se
eu não participar vou continuar assim, curiosa. O senhor quer
atrapalhar meus planos e me fazer voltar frustrada para Londres?
Ele bufou e pegou uma pilha de livros na estante, colocando-a
sobre a mesa próxima de si.
— O seu noivo não gostará disso.
— Não estou noiva.
— E o conde francês?
— Estamos nos conhecendo melhor, é isso.
— Procure nestes livros. — Ele indicou a pilha que acabara de
separar da estante. — Fique em silêncio, fale comigo apenas se
encontrar alguma coisa. Se for uma flor seca, uma carta de amor ou
um desenho erótico, não me interessa. Bem, o desenho me
interessa, sim.
— As pessoas colocam desenhos indecentes dentro de obras
literárias? — Ela se aproximou e começou a folhear alguns livros,
um pouco preocupada com o que encontraria naquela investigação.
— Que tipo de gente faria isso?
— Gente que não quer ter suas perversões descobertas.
— Como o senhor?
— Eu não me importo que conheçam as minhas, senhorita. Se
quiser, posso dar uma demonstração delas aqui, agora, nesse sofá
que está aí atrás. Agora, a não ser que seja para me pedir isso, não
converse comigo.
O fluxo de sangue que correu para suas bochechas deve tê-la
feito corar apesar da escuridão. O marquês conseguiu o que queria,
deixou-a tão horrorizada que perdeu a voz. Ao mesmo tempo, não
conseguiu parar de pensar no tipo de coisa que aquele homem
poderia mostrar a ela. Rose era absolutamente ingênua sobre o
relacionamento de homens e mulheres. Ela se dedicava a estudar
arte e pintura, a produzir quadros escondida de todos, a frequentar
bailes e eventos sociais e a aprender a ser uma excelente esposa,
algum dia. Mulheres não aprendiam nada sobre homens e, ao que
ela considerava, eles também não sabiam nada sobre mulheres.
Sua mãe nunca conversava sobre nada e a única vez que ouvira
falar do que pessoas casadas faziam foi ao espiar as empregadas
fofocando, mas Rose não entendeu nada.
Era dito que mulheres não gostavam de ser procuradas por seus
maridos e ela queria saber por que era tão desagradável interagir de
maneira mais íntima com o homem com quem se casaria. Seria
muito ruim receber um homem em sua cama? O libertino dos
libertinos era ansiado e desejado por muitas, o que ele poderia fazer
de diferente dos outros?
Rosamund percebeu-se folheando o mesmo livro pela terceira
vez e estava sendo encarada pelo homem de seus pensamentos.
Constrangida, colocou aquele livro por sobre a mesa e pegou outro
da pilha. Ele riu. O maldito riu e voltou a se concentrar no que fazia.
Céus, ela estava encrencada. Além de se envolver em coisas que
não deveria se envolver, ainda estava ridiculamente fascinada por
um libertino. Um homem que, apesar das bobagens sedutoras que
dizia, não lhe daria um casamento, a segurança de uma vida estável
e filhos.
E .S
“R , ”, ou “Rose, não faça aquilo”, ela assentia e
obedecia. Por isso, sentiu-se ainda mais ousada quando decidiu que
iria à tal luta e que não se deixaria intimidar pela arrogância do
marquês. Sabendo que teria que dar muitas explicações mentirosas
para Gretha e que estaria provavelmente com sua integridade física
em risco, Rosamund terminou a sua aula com Madame Beaury-
Saurel, pegou um cabriolé de aluguel e pediu que a deixasse no
endereço do local aonde precisaria ir, que não foi difícil de obter.
Aparentemente, aquele era um grande evento na cidade dos
grandes eventos.
O cocheiro a levou até um barracão na Chanoinesse, um lugar
onde ela jamais imaginaria que poderia haver uma luta. Com tanta
gente circulando, bares e cafés, Rosamund surpreendeu-se que
uma das construções amplas e cheias de janelas abrigasse homens
seminus socando uns aos outros. Para sua sorte, era um lugar
aberto — não se precisava de convites para entrar, e ninguém
perguntou o que uma dama sozinha fazia pelas redondezas. Ela
precisava aproveitar aqueles dias em Paris, nunca mais teria tanta
autonomia quando voltasse a Londres.
Não viu ninguém conhecido assim que entrou. O lugar estava
cheio e era composto de duas arquibancadas e um ringue no meio,
onde dois homens já se aqueciam para começar a disputa. Eles
usavam apenas calças marrons, estavam despidos da cintura para
cima e eram uma excelente fonte de estudos de anatomia. A artista
dentro dela a dominou e Rosamund retirou seu bloco de desenhos
para traçar alguns esboços dos músculos e ossos se movendo para
lá e para cá.
Levou uma ou duas trombadas e decidiu afastar-se da multidão.
Homens gritavam o nome de seus favoritos, apontadores recolhiam
dinheiro de apostas e mulheres agiam de forma pouco decorosa,
aquele era exatamente o tipo de ambiente que ela deveria evitar.
Rosamund recostou-se em uma parede e ficou na ponta dos pés
para conseguir ver o ringue mesmo com as cabeças e chapéus à
sua frente. Que tipo de homem não tira o chapéu em um evento?
Depois de rabiscar um bíceps, duas mãos em punhos e os
tendões do pescoço, ela guardou seu bloco e decidiu procurar Lorde
Granville. Se ele a visse, ficaria irritado e ela estava desejando isso.
Aparentemente, provocá-lo era sua nova diversão naquela viagem.
Seus olhos encontraram a figura bonachona de Lorde Finley
conversando com um homem que acabara de interpelá-lo. Se o
marquês e seu amigo estavam ali por causa de alguém, deveria ser
ele. Afinal, foi no escritório dele que ela encontrou o bilhete
misterioso e por ele que o marquês decidira ir até aquela exibição
de boxe. Era razoável que o espião estivesse escondido bem
debaixo do nariz do investigado, levantaria menos suspeitas, mas
era assustador pensar que o visconde fosse um homem perigoso,
mas ela acreditava em Anthony Eckley. Não sabia o porquê.
Os dois desceram da arquibancada e caminharam para os
fundos do barracão, para onde Rose os seguiu. Tentando misturar-
se na multidão para não ser notada, ela se aproximou o suficiente
para ver que eles pararam em um lugar com aparência de
privacidade e continuaram a conversa. Se ela fosse um pouco mais
furtiva conseguiria ficar mais perto e ouvir o que falavam.
Não conseguiu. Foi dominada por braços fortes e arrastada para
um lugar com pouca iluminação e cheiro de mofo. Estava preparada
para gritar e espernear, já imaginando que precisava fugir do seu
captor quando mãos masculinas abafaram seu protesto e ela se viu
com o nariz enfiado no peito de Anthony Eckley. Seu coração
disparou pela proximidade.
— Não grite. — ele murmurou, ela assentiu e ele a soltou. — O
que diabos faz aqui, Srta. Taylor?
— Eu vim ajudar.
— Céus! Eu não preciso de ajuda! Mandei ficar fora disso, onde
você fez curso para dama perfeita não ensinaram a obedecer?
— Ensinaram e eu decidi não aprender.
A boca dele se abriu e permaneceu muda em assombro e
admiração. Rosamund não tinha certeza se ele estava prestes a
estrangulá-la ou beijá-la e desejou sinceramente que fosse a
primeira opção. Se ele a beijasse, ela não conseguiria fingir que não
se importava.
Apesar da ausência de perigo, ela permaneceu grudada ao peito
dele e ele manteve um dos braços envolvendo-a pela cintura. Os
dois corpos estavam próximos demais e ela conseguia sentir a
firmeza da estrutura do marquês. Ele era um nobre de título elevado
que tinha o corpo de um trabalhador braçal. Rosamund suspeitou
que os músculos dele estivessem tão em forma quanto o dos
lutadores do ringue, cuja performance ela abandonou. O cheiro
masculino de colônia, tabaco e Bourbon fez com que ela não mais
sentisse o mofo e a umidade. Com o indicador na frente dos lábios,
o marquês pediu silêncio. Ele estava ali ouvindo a conversa de
alguém, provavelmente de Lorde Finley.
Ela teve certeza de que seria uma péssima espiã, porque não
entendeu nada do que falavam. Era possível ouvir a voz do
visconde, cujo timbre ela nunca confundiria, e de outros dois
homens, mas eles discutiam sobre entregas, sacos de batatas e
especiarias. Parecia uma transação comercial e não uma
conspiração contra a Coroa. Mesmo que falassem em francês, ela
conhecia bem demais o idioma para sentir-se tão confusa. A rigidez
do corpo de Lorde Granville, no entanto, indicava que ele estava
concentrado acompanhando o assunto.
De repente as vozes ficaram mais altas e o marquês enrijeceu
mais. Ela ergueu os olhos e viu que ele analisava os arredores
enquanto as vozes aumentavam, até que a segurou pelo queixo e a
fez olhar para ele.
— A senhorita já foi beijada? — ele disparou.
— Eu…
— Diga logo, ou terei de agir contra meus princípios. Foi ou não?
— Sim, já, mas não entendo o que isso possa…
— Então feche os olhos, Srta. Taylor.
Rosamund não quis desobedecer daquela vez e cerrou as
pálpebras imaginando que algo muito ruim aconteceria. Eles seriam
descobertos e toda a missão estaria acabada, assim como suas
vidas. Os traidores os pegariam e os torturariam e descartariam
seus corpos no oceano, garantindo que nunca fossem encontrados.
O marquês lhe ordenara a fechar os olhos para que não visse o que
aconteceria, poupando-a do horror.
Mas estava enganada. Ela não teve nem tempo de rezar por sua
alma, foi arrebatada pelos lábios macios e quentes de Lorde
Granville sobre os dela.
Seu corpo estremeceu e se tornou rígido como uma estaca de
madeira. As mãos dele acariciaram suas costas e ele a puxou mais
para perto, fazendo com que ela sentisse toda a firmeza dos
músculos que o constituíam. No início foi como um dos beijos que
ela trocara com algum pretendente mais ousado, até que as vozes
se afastaram tanto que ela não mais pôde ouvi-las, e o marquês
aprofundou o beijo.
Com um polegar ele acariciou a maciez de seu lábio inferior e a
fez abrir-se para ele. Com a língua ele a explorou devagar, fazendo
com que suspirasse e soltasse um gemido constrangedor.
Rosamund nunca gemia, ela nunca demonstrara nenhum tipo de
prazer no contato com um homem até aquele momento. Anthony
apoiou sua cabeça com uma mão espalmada, acariciou seus
cabelos com os dedos, desceu a boca até seu maxilar e voltou,
sorvendo cada respiração dela como se fosse uma fonte vital.
E então eles se desencaixaram, deixando-a com uma sensação
estranha de vazio e frio.
Ele a beijou. Mesmo que tenha sido para salvar-lhes a pele, já que o
visconde e seus contatos poderiam vê-los ali e não havia nenhuma
desculpa que explicasse Anthony Eckley em um canto escuro — a
não ser que estivesse com uma mulher. Rosamund Taylor foi uma
conveniência e beijá-la foi necessário para que ninguém se
importasse com eles ali. Mas ele não precisava continuar com ela
em seus braços depois que o perigo passou. Ela já tinha sido
beijada, ele precisou se certificar disso antes de roubar-lhe um
primeiro beijo que causaria muitas memórias depois, mas parecia
tão inexperiente e crua que não resistiu em ensinar-lhe alguma
coisa.
Estúpido! Uma voz interna, a qual Anthony nunca dera muita
atenção, gritou em seus ouvidos. Rosamund estava flácida em seus
braços, encarando-o com os olhos de vidro assombrados e ele não
tinha nada para dizer a ela. Nada que uma mulher entendesse como
justificativa para um beijo.
— Estamos seguros, agora.
Foi o que conseguiu falar depois de um minuto inteiro com a
testa apoiada na dela e outro, encarando-a como se tivesse feito a
melhor coisa errada de sua vida. Não era nada demais, não deveria
ser, ele estava acostumado a beijar mulheres como se fosse um
esporte.
— Estávamos em risco, antes?
— Sim, eles poderiam nos ver.
— E beijar-me foi um disfarce?
— Eu disse que a senhorita não deveria vir, não disse?
— Bem, milorde, se eu não estivesse aqui, quem seria seu álibi?
Anthony deu uma risada baixa e a arrastou para a luz. Ela tinha
as bochechas rosadas e a boca inchada, indícios de que fora
beijada. Pior, indícios de que gostara do beijo. Isto, sim, era um
problema com o qual ele não saberia lidar. Preferia que Rosamund o
estapeasse e saísse indignada dali, que ela não fosse espirituosa o
suficiente para entender o que ele fizera e ainda se achar importante
porque servira de disfarce. Como ele se livraria daquela mulher?
— Ao menos conseguiu entender algo da conversa? — ela
insistiu enquanto ele estava atordoado. — Porque parecia que
falavam de uma carga de batatas.
— Não entendi quase nada, mas o importante é que saibamos
onde a carga será entregue.
— Salpêtrière. — ela repetiu o que ouviram. — Mas, por que eles
entregariam batatas em um hospital? Comida para os doentes?
— Não. Não serão batatas. Seja no que for que Finley estiver
envolvido, ele usará um lugar que ninguém deseja frequentar e onde
ninguém suspeitaria que ele estivesse para fazer negócios escusos.
Ou tem alguém de lá envolvido. Preciso avisar Pierre.
Com dois passos largos, Anthony afastou-se de Rosamund na
direção das arquibancadas, mas, na mesma velocidade, entendeu
que não poderia deixá-la ali. Ela não pertencia àquele lugar e,
apesar de se considerar destemida, ela era apenas uma jovem
impetuosa em busca de aventuras que decidira envolver-se no
trabalho dele. Virou-se, segurou-a pela mão e arrastou-a consigo,
garantindo que estivesse ao menos protegida por uma companhia
masculina. Em uma coisa ela tinha razão, ali ninguém a conhecia e
sua reputação não sofreria danos.
As mãos dela estavam trêmulas ainda que ela não demonstrasse
temor. Anthony puxou-a para o seu lado e fez com que caminhasse
debaixo de seu braço, demonstrando uma intimidade que eles não
tinham, mas que era essencial para demarcar um território — todos
os homens dali saberiam que ela lhe pertencia. Não que ele
quisesse, apenas não via opções para protegê-la.
— A senhorita não precisa levar o que aconteceu a sério. — ele
disse, imaginando que o beijo pudesse tê-la perturbado. Afinal, a
mulher estava comprometida com outro. — Primeiro, não deveria ter
vindo. Mas, como veio, entendeu que precisamos atuar às vezes
para conseguirmos nossos objetivos.
— Não levei a sério.
— Seu noivo jamais saberá.
— Ele não é meu noivo.
Anthony parou de súbito e se virou para ela. Estavam
espremidos na multidão, porém não conversavam nada que não
pudesse ser ouvido.
— Por que desconfio que a senhorita está inventando essa
história de noivo? Quem é o conde Francês com quem a senhorita
está comprometida?
— Isso não é de sua conta.
— Sim, é. A partir do momento que enfiei a minha língua em sua
boca e estou arriscando um homem vir atrás de mim para me
arrancar os órgãos, preciso saber quem enfrentarei em uma
eventual disputa.
— Milorde não enfrentará ninguém já que ninguém saberá.
— O nome, senhorita. Se não me disser, descobrirei de alguma
forma.
— Conde D’Anjour.
Ela quase sussurrou a informação e uma risada explodiu do
peito de Anthony sem que ele conseguisse controlar. Algumas
pessoas olharam curiosas e logo voltaram a ignorar quando viram
que ninguém morreu ou iniciou uma briga. Rosamund se assustou,
mas logo percebeu que ele estava debochando dela e o encarou
com irritação.
— Agora tenho certeza de que a senhorita está mentindo.
— Como pode ter certeza apenas por saber o nome de meu
prometido? Ele não é casado, por que não poderia…
— Rose. — Ele perdeu a compostura e chamou-a pelo apelido.
Bem, eles acabaram de compartilhar um beijo que foi tanto uma
desculpa para não serem vistos quanto um momento de extrema
intimidade. — D’Anjour é uma pessoa ótima, porém ele tem outras
preferências.
— Outras preferências?
Ela o fitou com os olhos franzidos e então se deu conta do que
ele dizia. Anthony conhecia o conde há algum tempo, eles
compartilharam bons momentos de orgias e devassidão, mas nunca
com os mesmos parceiros. Enquanto o marquês era um franco
adorador das mulheres, D’Anjour gostava mais da companhia
masculina. Ao menos Rosamund Taylor não era tão ingênua quanto
ele pensava, já que compreendera, sem muito esforço, o que aquilo
significava.
— Eu não fazia ideia. — ela confessou com a voz tão baixa que
pareceu apenas um eco daquela jovem estridente que o
acompanhava.
— Isso não é uma coisa que se saia revelando por aí, senhorita.
Nenhum homem da sociedade pode deixar que saibam que… bem,
a senhorita entendeu.
Inteligente ela era, não tão ingênua também, mas a conversa
deixou a Srta. Taylor nervosa. Aquilo expunha uma mentira que ela
havia engendrado e ele não sabia por que motivos. Talvez ela
precisasse saber que ele não a exporia realmente.
Antes que conseguisse dizer mais alguma coisa, foi interceptado
por Julienne Delacroix. Deslumbrante, loira e usando um vestido
vermelho que nem sua prima Caroline teria a ousadia de vestir, ela
se aproximou e ignorou a presença de Rosamund. Colocou uma das
mãos na lapela do casaco de Anthony e sorriu.
— Milorde. — Como uma gata, Julienne ronronou. — Que sorte
encontrá-lo por aqui.
— Srta. Delacroix. — Ele fez uma reverência, segurou-lhe a mão
que estava em sua lapela e beijou aqueles dedos desnudos. — É
sempre um prazer revê-la.
— Fiquei sabendo que estava de volta a Paris e quase me
magoei porque não me avisou. Está hospedado no Le Maurice?
— Não dessa vez, estou com amigos. Se me dá licença,
senhorita, preciso encontrar-me com alguns amigos. Estou atrasado
para uma jogatina.
Por sua experiência, se não encerrasse aquela conversa, ela
acabaria com algumas obscenidades sendo proferidas em algum
lugar escuro daquele barracão. Ele conhecia aquela dama. Ela
nunca queria nada além de sexo e, infelizmente, Anthony estava
sem tempo. Evitou desviar o olhar para a mulher trêmula que estava
ao seu lado e tentou manter alguma dignidade ao recusar qualquer
convite que estava implícito no olhar ferino de Julienne, que sorriu
mesmo insatisfeita com a rejeição. Ela certamente esperava que ele
a convidasse para algum tempo a sós e, para isso, deveria saber
onde ele estava hospedado. Talvez também esperasse que ele
agisse mais como ele mesmo, sedutor e irreverente, mas Anthony
não podia. Aquilo deveria preocupá-lo, já que o Marquês de
Granville sempre tinha tempo ou disposição para mulheres. Mesmo
que fosse um encontro rápido entre duas colunas, em um beco
escuro ou no reservado de um banheiro, ele nunca precisava de
desculpas para dispensar uma dama.
— Ela é sua amiga?
A voz ainda frouxa e esganiçada de Rosamund o fez realizar que
fora ela, muito provavelmente, que o fizera afastar-se de Julienne.
Ele sentiu o desconforto dela e não quis prolongar uma situação de
conflito. Se havia algo que Anthony detestava era mulheres
brigando ou disputando-o.
— Sim.
— Pareceu bastante íntima.
— Ela é. — Ele suspirou. — Creio que a senhorita saiba o
suficiente sobre quem eu sou e que fama tenho, portanto, não há
necessidade de meias-palavras ou fingimentos.
— Tenho a sensação de que não sei nada sobre o senhor,
milorde. — Ela baixou o olhar e enfrentou o chão por algum tempo.
— Mas imagino que a sua fama não seja falsa.
— Não, ela não é. Agora vamos sair daqui.
G —
quase desenhando um círculo sobre o tapete vermelho decorado
com arabescos marrons — e esbravejava. Rosamund suspeitava
que ainda não vira a prima tão fora de si.
— Você desapareceu! São quase sete horas, Rose! O jantar está
para ser servido e você chegou agora da rua, desacompanhada, de
uma aula que acabou há três horas!
— Eu tive um contratempo. — Rosamund tentou contemporizar
enquanto abria os botões do vestido. Ela precisava se lavar depois
do desagradável momento vivido no barracão. — Mas estou aqui,
não estou?
— Que contratempo?
— Não posso dizer.
— Como não pode? Você me dispensou de propósito hoje?
Livrou-se de mim para… não sei o que foi fazer. Aliás, esta cidade
está lhe fazendo mal, Rose. Veja seu comportamento, o que seu pai
diria?
Ah! O pai já teria lhe dado uma surra com o cinto e a trancado
permanentemente no quarto, como fazia quando ela era criança. Se
Rose não fosse a única esperança de ele entrar para a aristocracia,
também a mandaria para um convento onde as freiras fizessem voto
de silêncio para que ela nunca mais o desobedecesse. A mãe teria
um ataque apoplético e os irmãos a pressionariam para que ela
revelasse com que homem estava, porque uma mulher só se
perderia do rumo por causa de um homem.
Bem, ela não podia negar que havia um fundo de razão nisso.
Lorde Granville estava envolvido na sua escapada, porém, não era
por causa dele que Rose se enfiara em uma enrascada e se
atrasara para voltar. Ela estava atrás de aventura, sim. Precisava
confessar para si mesma que os longos anos sendo uma filha
perfeita e atendendo a todos os desejos do pai e da mãe a estavam
exaurindo, e a iminência de seu casamento com alguém que ela
nem mesmo conhecia — porque eram esses os planos de seu pai
— a deixaram um pouco desorientada. A mentira para ir a Paris foi o
começo de uma sucessão de loucuras que Rosamund estava
disposta a fazer para ter alguma história a contar — algo além de
dizer que fizera compras e organizara chás por toda a sua vida.
Para algumas mulheres, casar-se bem e viver com segurança
era bom e suficiente. Rosamund descobriu que, para ela, não era.
— Gretha, acalme-se. — Rosamund parou em frente à prima e a
fez parar de girar. — Olhe para mim. Estou intacta e garanto que
minha virtude também está. Você sabia que eu não estava agindo
corretamente quando aceitou me acompanhar, não precisa agir
como se estivesse surpresa por minha insubordinação.
— O problema é que, quando seu pai descobrir, eu serei
culpabilizada. Sou sua acompanhante, meu dever é…
— Você não é uma empregada com deveres, é minha prima!
Estou pagando a você para estar comigo, mas isso é apenas um
incentivo. — Ela passou as mãos pelos braços agitados de Gretha.
— Somos amigas antes de tudo e preciso que você confie que
tomarei as melhores decisões para minha vida.
A prima não pareceu muito convencida, mas assentiu e a ajudou
a despir-se para lavar a sujeira do dia.
— Você está fedendo a tabaco e outras coisas que não sei
nomear. — reclamou — não vai mesmo me dizer onde esteve?
— Fui a uma luta de boxe. — Rose entendeu que poderia revelar
alguma coisa para aplacar a desconfiança sobre si. — Precisava
estudar anatomia humana e não tinha muitos livros à disposição.
— Uma luta? — Gretha arregalou os olhos. — Para ver homens
sem camisa? Céus! Isso é muito escandaloso.
— Tranquilize-se. Ninguém me conhece por aqui e eu estava
acompanhada de Lorde Granville.
— Claro, vou me tranquilizar. O marquês libertino é uma ótima
companhia para damas de respeito. Você enlouqueceu, Rose.
Ela desistiu de convencer Gretha sobre a inocência de suas
atitudes porque nem ela mesma estava convencida. Enquanto sua
parte racional tinha certeza de que ela deveria manter uma distância
segura daquele homem, suas outras partes dançavam o Can Can
quando o viam e sonhavam em sair correndo atrás dele. Deixou que
a prima continuasse a reclamar e criticar enquanto usava uma
banheira portátil para se limpar. Ela tomaria um banho completo se
pudesse, mas deixaria para fazer isso antes de dormir. Disputar o
banheiro com os outros hóspedes era um pouco cansativo.
O marquês estava no jantar. Ele manteve uma postura
indiferente em relação a ela enquanto conversava com o Barão
Rottschild e sua esposa e fingia se importar com o que diziam, mas
ela pôde sentir por duas vezes a intensidade daquele olhar sobre
ela. Uma, quando conversava com Lady Bachour sobre uma visita
que as mulheres planejavam ao Louvre, e outra quando foi
interceptada pelo Barão Rondale. Ela estava farta de homens
pegajosos por um dia, mas não podia simplesmente dispensar o
barão sem um motivo adequado ou passaria por arrogante.
Gretha também a observava e deve ter tido um ataque quando
Lorde Granville deixou o que fazia e se aproximou. Ele olhava
Rondale de cima — Anthony era alto, muito mais alto do que o
diminuto barão, e com uma expressão de que poderia pulverizá-lo
com um estalar de dedos. Era uma presença marcante e um pouco
intimidante, ela precisava concordar. Sua consciência da presença
dele estava cada vez mais apurada.
— Rondale, imagino que você tenha algo para fazer em algum
lugar.
— Na verdade, não tenho…
— Tenho certeza de que tem. — O marquês o interrompeu,
colocou uma mão no ombro do barão e o girou cento e oitenta
graus. — Não queremos que deixe seus compromissos esperando.
Ela imaginou que o barão não entendeu nada, porém não
discutiu com o marquês e se afastou.
— O que acabou de acontecer aqui?
— Ele a estava importunando.
— Milorde, não creio que precise se preocupar tanto comigo. Sei
dispensar um homem inconveniente e Rondale é apenas isso. Ele é
quase inofensivo.
Anthony Eckley assentiu e não insistiu em dizer que ela
precisava da proteção de um homem forte e viril como ele. Por
sorte. Ela nem sequer deveria pensar nele como viril, mas as
manifestações daquela masculinidade estavam por toda parte que
ela olhava. O marquês exalava potência em sua voz, em seu cheiro
e nas calças muito justas que vestia — o que deveria ser uma
agressão à moda, porém, ficavam exuberantes nele.
— Hoje não faremos nenhuma busca. A senhorita já teve muita
aventura por hoje. Amanhã interceptaremos a carga.
— Oh! — Ela arregalou os olhos e escondeu sua excitação
bebericando sua limonada. — Isso deve ser perigoso.
— Espero que não. Pierre irá conosco.
Rose gostaria de conversar mais, porém, foram interrompidos
pelo mordomo que anunciou o jantar. Lorde Granville ofereceu a ela
o braço e foi a primeira vez que uma Taylor precedeu a todos em um
jantar. Apesar de tudo, seu pai ficaria bastante orgulhoso se
soubesse daquilo, contanto que ela se casasse com o marquês em
questão — o que jamais aconteceria.
Ela quase foi pega. Não entendeu o que o marquês estava fazendo
no ateliê e não permaneceu para interrogá-lo, mesmo que ele
estivesse disposto a acompanhá-las. Apressou-se em sair dali com
Gretha antes que as coisas se descontrolassem completamente.
Precisou fingir que não o vira ali até o final da aula e manteve uma
expressão de tédio durante todo o jantar, agradecendo porque a
colocaram afastada de Lorde Granville, mais precisamente ao lado
do Barão Rondale, mais uma vez. Se ela não tivesse contado ao
visconde e sua tia que estava comprometida com um francês,
poderia achar que havia um complô para que o barão a cortejasse.
Enquanto comia e balançava a cabeça para as tolices do
homem, pôde sentir o olhar do marquês sobre si. O maldito nem
sequer se preocupava em disfarçar. O que pensariam dela se
imaginassem que o maior dos libertinos a colocara na lista de
territórios a conquistar? Ela sabia que não era nada disso, mas
outras pessoas desconfiariam de sua virtude, porque não podiam
saber que aquele homem era, também, um espião secreto da
Coroa.
Mas ele havia prometido que iriam interceptar a carga de batatas
do visconde naquela noite e ainda não falara nada sobre o assunto.
O jantar acabou, os homens se recolheram para tomar vinho do
porto e fumar, as mulheres falaram sobre arte e revoluções
femininas durante o chá e tudo que ela conseguia fazer era olhar
para o relógio por sobre a lareira. Quanto mais o tempo passava,
mais nervosa Rosamund ficava. Se o marquês não lhe dera
nenhuma coordenada, como fariam para se encontrar e sair para o
hospital?
Só se ele estivesse planejando enrolá-la e ir sem ela. Já
trancada em seu quarto ela imaginou que toda aquela conversa na
carruagem fora para afastá-la e que a promessa de a levar consigo
era apenas para convencê-la a não aparecer de surpresa em
nenhum lugar outra vez. Como era burra! Devia saber que não se
podia confiar em homens e que marqueses libertinos eram os
piores! Ela girou pelo quarto, nervosa, ouvindo passos pela casa,
portas abrindo e os convidados se recolhendo em seus aposentos.
Talvez devesse agir outra vez e ir atrás dele. Bateria à porta do
quarto de Lorde Granville e despejaria suas descobertas sobre ele,
não permitindo que continuasse a enganá-la.
Era isso. Rosamund arrancou a roupa que vestia, colocou uma
saia cinza-chumbo de tecido grosso, uma camisa preta e um casaco
xadrez — todas as peças escuras que a manteriam quase invisível
na escuridão —, calçou botas de caminhada e, confirmando que o
corredor estava vazio, marchou até a porta que sabia ser do quarto
do marquês.
Claro que ela tentou ser silenciosa, mas a irritação crescia dentro
de si, e a fazia expirar raivosa como um touro em um cabresto.
Bateu de leve na porta uma vez e não obteve resposta. Bateu outra
vez, e mais uma, mas não havia ruído vindo do quarto. Ele não
estava ali, já deveria ter saído e a deixado para trás.
A porta, no entanto, estava aberta. Rosamund tentou a
maçaneta e a madeira rangeu baixinho, permitindo que visse que
havia luz no quarto. Ela colocou a cabeça para dentro e precisou de
todo autocontrole que desenvolvera ao longo dos anos para não
soltar um grito histérico. O marquês estava ali. De costas para ela,
enrolado em uma tolha que o cobria abaixo da cintura e acima dos
joelhos. Ele tinha músculos por todo o corpo e ela precisava afastar-
se, fechar aquela porta e fingir que nunca o vira com tão pouca
roupa. Não, ele estava sem roupas, o que era ainda pior.
Mas ela não se afastou, nem fechou a porta. Arriscando ser pega
ali, Rosamund não conseguiu se mover e nenhuma parte racional
de seu cérebro estava funcionando mais. A fascinação que aquele
espécime masculino exercia sobre ela atingira finalmente limites
impossíveis, e tudo que ela conseguiu fazer foi olhá-lo soltar a
toalha, que jazeu abandonada no chão, e vestir uma ceroula.
A peça de roupa era clara e justa. Marcava as formas esculpidas
do marquês e ela sentiu como se continuasse a vê-lo nu. Também
não houve alívio quando ele vestiu calças pretas por cima — porque
Rosamund gostaria que ele não tivesse se coberto.
— Já se divertiu o suficiente, Srta. Taylor?
A voz dele tinha uma nota de bom humor que a atingiu no
estômago. Então ele sabia que ela estava ali? Sem saber como
manter o mínimo de dignidade, Rosamund entrou no quarto e
fechou a porta atrás dela. Seu coração estava disparado e batia
forte como o tambor de uma orquestra sinfônica.
— O senhor é mesmo tudo o que dizem.
Ele se virou. Estava sem camisa, com os cabelos úmidos e
despenteados, e os pés descalços. Sorria como um predador que
estava prestes a capturar a caça e brincar com ela antes de devorá-
la. Seu peito, contra o qual ela estivera protegida no dia anterior, era
permeado de fios escuros que desciam pela barriga e se escondiam
por baixo da calça. Rosamund sentiu a boca seca. O que ela estava
fazendo? Entrara na toca do leão, entregara-se de bandeja para o
libertino e não teria como sair dali se ele não quisesse.
— E o que dizem sobre mim, Rose?
— Que é um despudorado, sem-vergonha e indecente. — ela
disparou.
— E o que você quer com esse homem indecente?
Lá estava ele demonstrando intimidade novamente. Com mais
dois passos à frente, o marquês estava tão próximo que ela podia
sentir o frescor de sua pele limpa.
— Vim protestar porque milorde iria sair sem me levar quando
prometeu que me levaria. — Ela ergueu os olhos, desafiadora. —
Você disse que eu poderia acompanhá-lo e estava me deixando
para trás!
Ela também abandonou as formalidades e o enfrentou. O sorriso
dele se transformou em uma risada baixa e ele estendeu a mão
para a frente. Rosamund fechou os olhos, certa de que ele a
agarraria ali mesmo e não deixaria sobrar nada de sua honra. O
toque, temido e ansiado, não veio. Ela abriu os olhos novamente e
viu que Lorde Granville pegara uma camisa que estava pendura
atrás dela e já estava vestindo-a.
— Eu não a deixaria, Rose. Estava me preparando para sair,
quando fosse a hora eu a chamaria. Por que está com tanto medo
de mim se veio até aqui me confrontar?
— Não estou com medo. Mas sou impulsiva, como já deve ter
percebido, e não pensei muito bem quando me tranquei aqui nesse
quarto com milorde. Quero dizer, se você quiser me desonrar…
— Preste atenção. — Já com a camisa abotoada, o marquês
segurou-a pelo queixo e a fez olhar diretamente para ele. O escuro
de seus olhos parecia noite líquida. — Eu sou um libertino, eu
seduzo mulheres, eu faço com elas todas as coisas que você já
ouviu que eu faço. Mas nunca, entenda, nunca sem que elas
consintam. Todas as mulheres que estiveram comigo até hoje o
fizeram porque queriam. Eu não tocarei em um fio de seus cabelos
se assim você não quiser, Rose.
Eles estavam muito perto outra vez ou ainda não haviam se
afastado o suficiente. As batidas de seu coração estavam
insuportavelmente altas. Aquela confissão não era o que ela
esperava — para Rosamund, aquele homem era apenas um safado
que não respeitava mulheres. Imaginar que esteve errada sobre ele
a deixou ainda mais nervosa.
— Você me beijou.
— Foi preciso. Não acontecerá novamente até que seja de sua
vontade.
— Então será nunca.
— Que seja nunca.
A boca de Lorde Granville estava a centímetros da sua. Em
algum momento ele dobrou o corpo para falar mais perto de seu
ouvido e ela se projetou para a frente de forma que eles estavam
bastante perto de fazer o que disseram que nunca fariam. Ela
passou a língua pelos lábios, repentinamente secos demais, e ele
piscou lentamente. Ficaram naquela posição por um minuto inteiro e
o marquês não se moveu para tomar nenhuma atitude, indicando
que sua promessa seria cumprida: ele não tocaria nela, a não ser
que ela pedisse.
— Estamos atrasados. Pierre nos espera.
Capítulo sétimo
E . A
tempo de estudar todas as rotas de fuga e passagens por onde não
seriam indevidamente perturbados e sabia os caminhos que
precisaria percorrer até chegar à rua. Como prometido a ela, não
tocou em Rosamund, nem mesmo segurou-a pela mão para garantir
que ela o seguisse. Se ela queria acompanhá-los naquela pequena
missão, deveria manter-se alerta e prestar atenção. Uma carruagem
preta, sem qualquer caracterização, conduzida por cavalos pretos e
um homem de chapéu preto e casaco esperava por eles na quadra
seguinte. Pierre era bastante dramático, mas Anthony gostava do
teatro.
— O que diabos está havendo aqui? — O francês não
demonstrou nenhum constrangimento em soltar imprecações na
frente de uma mulher.
— A Srta. Taylor vem conosco. Ela está nos ajudando.
— Ajudando como?
— Conversaremos depois, Pierre.
— Amanhã. — O francês conferiu seu relógio de bolso antes de
dar a ordem para que a carruagem saísse. — Vocês estão
atrasados.
— E você marcou conosco dez minutos mais cedo porque sabia
que nos atrasaríamos. Vamos?
Pierre assentiu e bateu no teto da carruagem, indicando que
deveriam seguir. Rosamund estava silenciosa desde que ele a
confrontara em seu quarto, mas era até melhor que ela percebesse
o quanto de risco estava correndo ao permanecer em sua
companhia. Provavelmente, depois daquela interceptação, ela
nunca mais iria querer olhar nos olhos de Anthony — o que seria
bom para todos os envolvidos.
Depois que se descobriu sendo o muso do retrato que ela
pintava, a vontade de seduzi-la se amplificou. Ele não sabia
exatamente o que significava ser admirado por alguém a ponto de
se tornar um retrato, mas suspeitava que ela até pudesse aceitar
alguma de suas investidas. Havia dois problemas, no entanto. O
primeiro, ele estava em uma missão e precisava cumpri-la. O
segundo, ela era uma mulher que queria se casar e cumprir os
desejos de seu pai, por mais loucos que fossem. Mesmo que ela
não tivesse dito uma palavra sobre isso, Anthony já descobrira com
as criadas que fofocavam. Se ele a levasse para a cama, ficaria
satisfeito e ela também, mas arruinaria qualquer chance que aquela
mulher tivesse de um bom casamento.
Então, manteria distância. Ao prometer que não a tocaria sem
que ela pedisse, estava colocando um limite intransponível. Ela não
pediria, ele não avançaria, todos ficariam tranquilos e voltariam para
Londres sem maiores prejuízos.
Quando chegaram a Salpêtrière, a rua estava escura o suficiente
para garantir o sigilo de eventuais encontros que acontecessem por
ali. O hospital não ficava em uma região prestigiosa, nenhum deles
ficava, o que significa que o governo não gastava nada além do
necessário para manter as ruas transitáveis. Postes com lâmpadas
a gás ou a óleo eram um enorme desperdício de dinheiro em locais
como aquele. A carruagem em que estavam não mantinha
iluminação, fazendo com que tudo ficasse bastante escuro, dentro e
fora.
Era meia-noite em ponto quando um homem parou na porta do
hospital. Não dava para ver quem era, mas logo outro juntou-se a
ele e os dois conversaram alguma coisa.
— É agora. — Pierre abriu uma das portas da carruagem. —
Vamos, Granville.
— Você ficará aqui. — Anthony olhou para Rosamund. Ela não
parecia apavorada como deveria. — Já retornamos.
— Não quero ficar. É escuro e não ajudarei em nada.
— Ajudará observando qualquer coisa fora do comum e depois
reportando para mim. Entenda, Rose, que a sua inexperiência pode
colocá-la em risco ou atrapalhar a interceptação.
Ela balançou a cabeça, mesmo contrariada. Ele não estava
mentindo, já vira homens com pouca bagagem se envolverem em
situações problemáticas por lhes faltar experiência em combate.
Não que eles pretendessem fazer nada perigoso, mas não desejava
perder a concentração por preocupar-se com o bem-estar dela.
Os dois homens entraram no hospital e eles os seguiram pelo
lado de fora até uma janela que pudesse lhes dar acesso. Entraram
em silêncio em uma sala que parecia um depósito e tinha
venezianas que davam para o corredor de onde vinha alguma luz.
Aproximaram-se e subiram em uma mesa que dava altura a permitir
pouca visão para o lugar onde os homens conversavam.
O plano era esperar que Finley chegasse e interceptar a
transação, fosse o que fosse. Para não serem reconhecidos,
permaneceram nas sombras e com as golas dos casacos para cima,
também enrolaram um xale no rosto. Os dois homens conversavam
em francês e discutiram sobre o valor da negociação. Um deles
achava que deveriam pedir mais dinheiro e outro acreditava que já
tinham o suficiente. Em suas mãos havia um envelope e
provavelmente eles entregariam alguma informação a troco de
alguns francos.
Anthony ficou intrigado. Se Finley era um traidor da Coroa, por
que estaria comprando informações? Ele não poderia ser um agente
duplo, Eddy teria avisado se ele jogasse nos dois lados. Ainda
assim, algo não parecia encaixar na desconfiança do duque e ele
precisaria descobrir quais eram as peças faltando.
Finley chegou pouco tempo depois e se juntou à dupla — o
sotaque e a voz afetada o entregaram. O homem que queria mais
dinheiro disse que não entregaria a carga enquanto não recebesse
mais, o outro escondeu o envelope atrás das costas e uma
discussão se iniciou. Pierre se levantou para ouvir melhor a
conversa e colou os ouvidos nas venezianas. Sons metálicos
precederam a gritos, uma voz feminina disse que aquela era uma
casa de enfermos e que o Senhor os amaldiçoaria. E então vieram
os tiros.
O Duque de Clarence e Avondale tinha razão. Finley era um
assassino frio e cruel que acabara de matar três pessoas dentro de
um hospital. Os dois homens que negociavam com ele e a freira que
os interrompeu, todos alvejados com um tiro cada um. Depois de
limpar a pistola com um lenço, o visconde guardou-a no casaco,
pegou o envelope que estava manchado de sangue e conferiu o
conteúdo. Foi quando Pierre se desequilibrou e derrubou uma
prateleira na qual estavam apoiados — uma prateleira cheia de
vidros.
Os estilhaços atingiram os dois e fizeram barulho capaz de
revelá-los ali.
— Quem está aí?
O visconde puxou novamente a pistola e eles decidiram escapar.
Poderiam matá-lo de onde estavam, pegar o conteúdo do envelope
e dar a missão como encerrada, porém desconfiavam que havia
algo errado em suas suspeitas iniciais. Finley não estava vendendo
informações para aqueles homens, então o que comprava deles?
Voltaram pela mesma janela por onde entraram enquanto outras
pessoas apareciam, alertadas pelos tiros. Ao avistá-los, o cocheiro
colocou a carruagem em movimento e os alcançou em seguida.
— O que aconteceu? — Rosamund perguntou ao vê-los pular
para dentro da carruagem em movimento. — Conseguiram pegar a
carga?
— Não. — Pierre confessou, aborrecido. — Parece que nosso
amigo visconde é mais esperto do que pensávamos e não gosta de
deixar testemunhas.
— Eu ouvi um estampido, foi um tiro? — Ela arregalou os olhos
azuis e eles pareciam mais pálidos sob a fraca luz da rua. —
Alguém se feriu?
— Ele matou três pessoas. — Anthony também confessou. — E
provavelmente fará parecer que tentaram assaltar o Salpêtrière para
que a polícia francesa não desconfie de nada.
— Oh, meu Deus! Ele é um assassino! Estamos hospedados na
casa de um assassino! Eu não posso… — E então ela parou de
falar subitamente, olhando ainda mais horrorizada para Anthony. O
movimento da carruagem ficou mais lento à medida que eles se
afastavam do hospital e a iluminação ficava mais forte. — Você está
ferido!
Rosamund levou a mão até o casaco dele e o puxou. Havia
sangue tingindo a camisa branca e um corte deselegante no colete.
O casaco também estava arruinado e úmido. Por causa da agitação
da fuga, Anthony não percebeu que, talvez os vidros da prateleira
derrubada por Pierre ou talvez a janela quebrada por onde
passaram, lhe causaram um ferimento.
— Não deve ser nada. — Ele levou a mão até a lateral do corpo.
— Nem estou sentindo.
— Tem muito sangue aqui, não pode não ser nada.
— Levarei vocês para minha casa. — Pierre decidiu. — Lá
chamaremos um médico.
— É desnecessário.
O amigo bateu novamente no teto da carruagem e o cocheiro
mudou de rumo, virando à direita. A guinada fez com que ele
finalmente sentisse alguma coisa. Havia um pedaço de vidro em seu
abdômen . De repente, a dor se tornou insuportável.
Não era a primeira vez que ela lidava com ferimentos, mas
Rosamund não estava habituada a tratar de homens adultos depois
que eles se machucavam ao tentar investigar um assassino. Depois
de ajudar o Sr. Prescott a arrastar o marquês da carruagem e de
entrarem pela porta dos fundos para não criarem alarde na
vizinhança, eles estavam no meio de uma sala grande, iluminada e
aquecida por uma lareira com fogo alto. Todas as cortinas foram
fechadas e Lorde Granville foi depositado em um sofá de tecido
estampado.
Com a expressão pálida, ele parecia em choque. Sangue ainda
vertia do ferimento que estava escondido por debaixo de um monte
de tecido.
— Precisamos de um médico. Ele levou um tiro. — ela disparou,
puxando o casaco e vendo em detalhes que o colete estava
dilacerado.
— Não pode ter sido, não atiraram em nossa direção.
— Então ajude-me a tirar as roupas dele, vamos fazer parar de
sangrar e examinar.
Eles tentaram retirar o casaco e o marquês se sentou,
afastando-os com os braços.
— Eu não estou inválido. Afastem-se.
Homens feridos eram sempre criaturas difíceis de lidar. Porque
Rosamund sabia disso, deixou que ele retirasse o casaco por si só e
se enrolasse tentando abrir os botões do colete. Depois que ele
rosnou bastante e seus dedos não conseguiram terminar a tarefa,
ela a assumiu se ajoelhando ao lado do sofá. Forçou o torso do
marquês para trás e o obrigou a deitar-se em algumas almofadas
enquanto afastava o colete e abria a camisa ensanguentada. Seu
pulso esbarrou em algo pontudo que a arranhou e ela desconfiou
que havia estilhaços no ferimento.
— O senhor poderia buscar uma bacia com água limpa, tecidos
e a caixa de primeiros socorros? E uma garrafa de Bourbon.
— Qualquer coisa para não precisar lidar com Granville.
Ninguém precisa saber que sou fraco com sangue.
O Sr. Prescott saiu da sala e Rosamund terminou com os botões
da camisa. Na lateral de Lorde Granville, um pouco abaixo das
costelas, havia uma laceração com um pedaço de vidro dentro. Ela
precisava removê-lo, e ele precisava de um médico.
— Pedirei ao seu amigo que chame um cirurgião. — ela disse,
levantando-se, mas o marquês segurou-a pelo pulso.
— Não preciso de um médico.
— Você tem um ferimento que requer pontos.
— Eu sei costurar.
Claro que ele sabia. O maior libertino, que também era um
espião da coroa e parecia fazer qualquer coisa com bastante
habilidade, também tinha que saber costurar feridas. Talvez ele
pudesse restaurar a vida de pequenos pássaros ou caminhar por
sobre as águas. Rosamund riu de sua comparação, mas logo
reassumiu a expressão rígida de quem não cederia para um sabe-
tudo.
— Milorde, seus dedos estão trêmulos. Se não conseguiu abrir
seu colete, como pensa que cuidará deste machucado? Aliás, como
isso se deu?
— Algum acidente durante nossa fuga, não consigo pensar
agora. — Ele deitou a cabeça para trás, demonstrando dor e
exaustão. — Apenas me dê os materiais e eu me viro.
Homem teimoso. Como o Sr. Prescott acabara de retornar com o
que ela pedira que trouxesse, Rosamund decidiu ignorar o marquês.
Não chamaria o médico se isso o incomodava tanto, mas também
não permitiria que ele se furasse com uma agulha se mal podia
manter os olhos abertos. Pegou um pedaço farto de tecido dobrado,
mergulhou na água da bacia e passou pelo ferimento com cuidado,
evitando o pedaço de vidro. Depois que o excesso de sangue saiu
ela pôde ver que não era um estilhaço muito grande, dando-lhe
coragem para arrancá-lo.
Com um puxão, o vidro saiu em suas mãos e ela precisou
pressionar o ferimento. Lorde Granville gemeu de dor e o Sr.
Prescott desapareceu da sala. Rosamund pegou outro pedaço de
pano, umedeceu-o e descartou o anterior, intensificando a pressão
para que o sangramento diminuísse.
— Você sabe o que está fazendo?
Ele perguntou assim que ela se levantou e encheu um pequeno
copo com uma dose de Bourbon e lhe entregou.
— Tenho três irmãos, dois mais novos. Eles aprontavam muito e
chegavam em casa arranhados, cortados ou rasgados. Adivinhe
quem eles obrigavam a cuidar de suas feridas para que nosso pai
não percebesse?
O marquês olhou para ela com surpresa e desconfiança e
bebeu, em um gole, o que lhe fora oferecido. Ela serviu outra dose e
o fez beber mais.
— Embebedar-me faz parte do tratamento?
— Considerando que enfiarei uma agulha em sua barriga, sim. O
senhor precisa estar calmo e o álcool é sempre um bom amigo
nessas situações.
Com uma risada tensa, ele bebeu a segunda dose e Rosamund
o ajudou a se erguer para que pudesse terminar de retirar o colete,
a camisa e o cinto da calça. Ela precisava de espaço para não
deixar uma cicatriz muito horrenda na pele lisa e bem tratada do
marquês. Apesar de aquela nudez parcial ser intimidante, ela estava
tranquila. Ajoelhou-se outra vez ao lado do sofá, derrubou um pouco
do Bourbon para limpar o local, deu o cinto para o marquês morder
e costurou, com pontos pequenos, todo o ferimento.
Ele gemeu e quase mastigou o couro que estava em sua boca,
mas resistiu firme. Homens como aquele não admitiam fraqueza,
nem dor facilmente. Rosamund pegou a bacia, os panos
ensanguentados, a caixa de primeiros socorros e saiu da sala onde
estava, procurando o Sr. Prescott. Encontrou-o girando pelo saguão
enquanto segurava um copo vazio.
— Ele está bem, mas precisa descansar. Talvez seja prudente
que fique aqui.
— Claro, eu o levarei para um dos quartos no primeiro andar. E a
senhorita? Devo mandar levá-la para casa?
Rosamund olhou para um relógio de pé que fazia um tique-taque
abafado e suspirou ao perceber que passava das duas da manhã.
Ela estaria em grandes apuros se fosse descoberta. Gretha já não
confiava mais nela e um escândalo era tudo que não precisava
naquele instante.
— Não gostaria de ser um estorvo, mas sim, preciso retornar. Ao
contrário do que possa parecer, eu e Lorde Granville…
— Sem julgamentos nesta casa, senhorita. — O francês sorriu.
— Meu cocheiro pode conduzi-la até os fundos da casa do
visconde, porém preciso que tome cuidado. Hoje nós o vimos matar
três pessoas sem hesitar.
Aquela informação a estava assombrando desde que fugiram do
local da missão. Não havia o que fazer a não ser fingir que ignorava
que seu anfitrião pudesse ser um assassino. Como ela não lhe era
uma ameaça, imaginava que Lorde Finley não fosse se importar
muito com o que fazia ou não fazia — mesmo porque ele não fazia
um bom trabalho prestando atenção nela enquanto estavam em
Paris.
— Serei cuidadosa.
O Sr. Prescott assentiu e deu a ordem para que ela fosse levada
em segurança. Rosamund tinha dúvidas se conseguiria dormir
depois daquela agitação toda, porém, precisava ao menos fingir,
para o bem de sua reputação.
S , L G . A ,
lugar, desde que ela entrara no quarto e o vira dormindo sem
camisa e com a expressão serena como se não estivesse envolvido
com um assassino, ela acabou presa no encantamento que ele fazia
para garantir que todas as mulheres lhe dissessem sim. Porque
tinha que ser magia, ela não agiria assim se não fosse algo místico
que lhe tivesse retirado completamente o juízo.
Ela estava de costas, todavia sentiu quando ele se aproximou.
Virou-se de súbito e quase trombou com a figura magnífica do
marquês que, sem roupas, era ainda mais perturbadora do que
quando estava vestida. Não havia para onde olhar. Qualquer parte
dele era capaz de causar nela uma combustão espontânea.
— Você quer saber o que eu faria?
Ah! Ela queria. Desde que o conhecera queria descobrir por que
aquele homem era considerado o melhor e o pior, um deus e um
demônio. Parte disso era por causa de sua aparência física
impressionante, seu porte aristocrático, suas roupas perfeitamente
talhadas e seu olhar que seria capaz de provocar uma pessoa a
matar ou morrer. Mas ela sabia que não era tudo. Havia mais, havia
algo secreto que ela não teria como descobrir se não perguntasse.
— Sim. Hipoteticamente, claro.
— Pois bem. Eu hipoteticamente começaria retirando os
grampos do seu cabelo, um a um, e assistiria cada mecha
despencar desse penteado imperfeito por sobre seus ombros. — Ele
levou a mão até os cabelos dela e os tocou, mas não fez nada além
disso. — Depois, eu a viraria de costas e abriria cada um dos botões
do seu vestido. — Granville fez como disse que faria, porém não
retirou nenhum botão de sua casa, apenas passou os dedos por
sobre eles. — E, depois que seu vestido estivesse frouxo,
trabalharia nos laços do seu espartilho.
O polegar direito dele traçou uma linha de baixo para cima em
sua coluna e a fez arfar. Por Cristo! Rose não conseguia nem
controlar a respiração. Ele mal a estava tocando e ela sentia como
se estivesse nua em sua frente. O marquês a virou de frente outra
vez e os dois corpos quase se chocaram.
— Então eu a beijaria. — A boca dele estava quase em sua
orelha e ela pode sentir o hálito quente em seu pescoço. — Bem
lentamente para que você não se assustasse enquanto eu estivesse
tocando seus seios desnudos.
Rosamund arregalou os olhos. Não conseguiu evitar, o choque
por ouvir as palavras indecentes saindo da boca dele foi imediato,
mas não se comparou ao que viria a seguir. Mantendo o rosto
próximo ao dela e os lábios a centímetros da pele de seu pescoço,
Anthony deslizou as costas das mãos pela frente do vestido,
fazendo com que roçassem de leve em seus mamilos. Ela soltou um
gemido involuntário e corou no mesmo instante.
— Sim, você reagiria exatamente assim. — Ele se divertiu com o
constrangimento dela. — E permitiria que eu a segurasse em meus
braços e a conduzisse para aquela cama, onde eu a deitaria de
costas e terminaria de retirar o vestido. É suficiente para você ou
quer saber também o que eu faria depois?
Era suficiente, deveria ser, mas ela não conseguiu dizer para que
ele parasse. Rosamund nunca se sentira daquela forma antes. Seu
coração estava acelerado, sua respiração sôfrega e seus músculos
mal conseguiam mantê-la de pé. Talvez os ossos estivessem
flácidos como pudim e ela teve medo de desabar no chão e escorrer
pelo assoalho. Por entre suas pernas algo ardia, forçando-a a
comprimir as coxas para procurar algum alívio.
— Certo, entendo. — O marquês riu outra vez. — Retirar um
vestido não é nada demais, ainda sobram tantas peças que fico
exausto só de pensar. Mas é puro deleite desembrulhar uma dama
como se ela fosse um presente, Rose. Eu retiraria o espartilho, a
chemise, as calçolas, as meias e a deixaria nua para minha
apreciação. Também arrancaria minhas roupas, afinal você tem o
direito de me apreciar também, não tem?
Rose fez que sim, movendo a cabeça para cima e para baixo.
Não foi um movimento inteligente porque, ao se permitir descer os
olhos, ela pôde ver que ele estava adorando aquela encenação. Por
baixo das ceroulas que vestia despontava a expressão da excitação
de Lorde Granville. Ela era ingênua, tola e quase nada sabia sobre a
relação entre homens e mulheres, mas tinha bastante noção do que
ficava escondido por dentro das calças dele.
— Eu voltaria a beijá-la, mas não apenas na boca. Beijaria seu
pescoço — ele roçou os lábios no pescoço dela —, seus seios —
subiu novamente a mão e deslizou-a outra vez pelos mamilos que já
respondiam ao toque —, e sua barriga, até encontrar o que estaria
procurando. Você sabe o que seria, Rose?
Daquela vez ela disse que não, porque era verdade. Não
imaginava o que ele iria querer beijar abaixo da barriga dela — as
coxas, talvez?
— Você parece apavorada. Tem certeza de que eu devo
continuar?
O silêncio era suficiente para fazê-lo prosseguir. Anthony, então,
segurou uma das mãos dela e conduziu-a até as saias farfalhantes
do vestido, fazendo-a tocar-se por entre as pernas. Rosamund
gemeu de surpresa.
— O que eu procuro está aqui, Rose. Você consegue sentir
apenas pelo som da minha voz, não consegue? — A mão dela
escorregou e a dele permaneceu, causando um incêndio em sua
pele, mesmo por cima de camadas e mais camadas de tecido. —
Você sente que também quer que eu a toque?
Ela sentia tudo e estava prestes a pedir que ele abandonasse as
palavras e colocasse em prática o que dizia quando ouviu batidas
na porta do quarto.
— Granville? — o Sr. Prescott chamou e Rosamund quase
soltou um grito de pavor.
— Agora não. — Anthony disse em uma voz firme e resoluta
mesmo sem mover um centímetro sequer para distanciar-se dela. —
Seja o que for pode esperar, Pierre.
A porta permaneceu fechada e ela piscou várias vezes tentando
desanuviar a vista que estava turva pelo turbilhão de emoções.
Sensações físicas inéditas, medo e carência disputavam espaço
dentro de Rose, e quase a impediram de perceber que Lorde
Granville continuava com a mão posicionada naquele lugar entre
suas pernas e que ela projetara o corpo sutilmente para frente
ansiando por mais contato.
— Milorde.
Ela balbuciou sem saber o que diria.
— Anthony. — o marquês insistiu. — É suficiente agora, Rose?
Não. Seria suficiente se ele a segurasse e impedisse que ela
derretesse ali mesmo, que ele a deitasse e fizesse a sua cabeça
parar de girar. Ela não poderia pedir isso a ele porque acabara de
ter uma mostra clara de que não sairia a mesma dos seus braços
dele.
P . E
praticamente não se viam durante o dia. Rosamund acordava e o
marquês estava tomando o desjejum com os homens, no almoço ele
não aparecia e os jantares passaram a ser muito desagradáveis
desde que o anfitrião passara a colocá-la sentada ao lado do Barão
Rondale. Havia claramente uma intenção de provocar uma
aproximação, o que ela considerou muito desrespeitoso. Afinal, para
todos os fins, Rosamund Taylor estava comprometida com um
conde e passava as tardes com a família dele, então não era correto
que o visconde permitisse que outro homem tentasse cortejá-la.
Ainda mais Rondale, um homem que já fora previamente
rejeitado por ela. Pensou em falar isso para Lorde Finley, ou para
sua tia, mas desistiu. Estava com medo dele, um pouco apavorada
com o que descobrira e preferia apenas sorrir e fingir ser uma tola.
Mas, depois que todos se recolhiam, ela tinha o Marquês de
Granville integralmente para si. No início ela relutou, consciente de
que estava apenas interessada na aventura do perigo, na ideia de
participar de algo importante antes de sucumbir aos desejos de
casamento de seu pai. Com o passar dos dias e noites, entendeu
que era mais que isso. Ela também estava interessada nele, no
homem que a fascinara desde a primeira olhada e que se mostrara
diferente da fama que carregava. Rose não se enganava, ela tinha
certeza de que Lorde Granville era um libertino de primeira, mas ele
não era só isso. Reduzi-lo à sua libertinagem era ocultar todas as
camadas daquele homem que sabia conversar sobre tudo, que
trabalhava como espião e que a tratava com muito mais respeito
que o arrogante Rondale.
A cada noite com ele, Rose aprendia um pouco mais sobre o
marquês, sobre seus irmãos, sobre a prima que ele adorava como
se fosse a irmã que nunca teve, sobre os negócios do marquesado,
sobre a própria profissão de agente da Coroa em períodos de paz.
Ela contava um pouco sobre si também, mesmo que se
considerasse desinteressante na presença dele. O homem era
ainda muito jovem para ter tanta experiência de vida.
E lá estava ela, vestindo-se para um encontro noturno que não
poderia ser chamado de encontro. Começou usando camisolas e
robes mais resistentes e que escondiam suas formas, até baixar a
guarda e trocar para seus conjuntos de seda — que eram bastante
escandalosos para usar na presença de um homem.
Não podia usar roupas comuns, se a vissem perambulando de
madrugada, ela não poderia estar com saias, anáguas e espartilho
— nenhuma mulher dormia assim. Sentada em frente à penteadeira
com pouca iluminação e escovando os cabelos para prendê-los,
Rosamund se perguntou o que estava fazendo, o que pretendia com
aquela interação. O marquês não era um bom investimento. Apesar
de rico e próspero, ele não seria um marido, não lhe ofereceria nem
a segurança do casamento, nem deixaria seu pai satisfeito. Caso se
interessasse por ela, seria apenas para alguns momentos de prazer
tórrido e nada mais.
Rose não podia pensar naquela hipótese porque estava
começando a gostar dela.
Levantou-se e saiu de seu quarto em busca de seu destino —
que não era nem a biblioteca, nem o escritório, nem outro salão do
interminável primeiro andar da casa do visconde. Rosamund cruzou
o corredor e parou à frente da porta de Lorde Granville. Deu duas
batidas curtas e suaves e girou a maçaneta. Há algum tempo
descobrira que ele não trancava a porta e aproveitou-se para
surpreendê-lo. Daquela vez esperava que fosse encontrar o
marquês vestido — o que ela pretendia era apenas retirar os pontos
do ferimento dele.
Bastou colocar os dois pés dentro do quarto para ser agarrada e
puxada contra uma superfície sólida e quente, que contrastou com o
frio de uma lâmina em seu pescoço. Aquela era a terceira vez que
ela o surpreendia e que ele a imobilizava.
— Rose? — A voz grave e baixa do marquês fez cócegas em
seus ouvidos.
— Sou eu. — Ela levou a mão até o punho fechado dele. —
Creio que seja de conhecimento geral que não lhe ofereço riscos.
Anthony a soltou e fechou a porta, girando a chave. Era para
evitar que entrassem e a vissem, mas Rosamund sentiu um arrepio
percorrer o corpo. Apesar de todas as situações escandalosas que
eles já experimentaram juntos, era a primeira vez que ficava
trancada realmente com ele em algum lugar.
— O que aconteceu? — Preocupado, ele não se lembrou do
decoro ao passar as mãos pelos braços dela à procura de algo
errado. — Alguém te viu? Estão andando pela casa?
— Não! Não aconteceu nada, eu vim retirar os seus pontos.
Ele franziu uma sobrancelha e a encarou ainda confuso,
fazendo-a dar uma risadinha, que precisou abafar na manga do
robe. Ergueu uma caixinha que carregava consigo, contendo seu kit
de costura e uma pequena lupa que usaria para cumprir sua tarefa.
— Não seria melhor fazer isso durante o dia? Com luz e essas
coisas?
— Seria, mas é um pouco difícil conseguir um momento como
este durante o dia, não acha? Esta é a única ocasião em que
ficamos sozinhos.
Um breve silêncio pairou entre eles. Anthony balançou a cabeça
para cima e para baixo, fechou as cortinas das duas janelas de seu
quarto, depois acendeu uma lamparina ao lado de sua cama. O
quarto ficou com uma iluminação branda, porém suficiente.
Rosamund sentiu seu coração acelerar ao vê-lo abrindo os botões
da camisa branca que vestia e retirando-a, como se estivesse
fazendo aquilo de propósito para exibir-se. Por fim, o marquês se
deitou e indicou que ela deveria se aproximar.
A cama estava desfeita. Havia lençóis e travesseiros espalhados
por sobre ela e parecia aconchegante. Ao sentar-se na beirada do
colchão para examinar o ferimento, ela pôde sentir o aroma
masculino que exalava dos tecidos.
— Você com certeza sabe o que está fazendo, não sabe? — ele
perguntou ao vê-la abrir seu kit e retirar uma pequena tesoura de
dentro. — Quero dizer, se soube costurar…
— Eu sei o que estou fazendo. — Ela riu e usou a lupa para
conferir que todos os pontos estavam bem cicatrizados. — Agora
pegue a lamparina e mantenha próxima do ferimento para garantir
que eu veja o que estou fazendo.
Ele obedeceu. Com cuidado, Rose segurou e cortou cada um
dos cinco pequenos pontos que dera antes. Logo em seguida
verificou que o corte, que foi superficial, já estava bem fechado.
— É apenas isso?
— Você agora precisa manter o ferimento limpo, coberto e usar
uma pomada. Não infeccionou, vamos garantir que continue assim.
Rosamund manteve a mão sobre o abdômen dele mesmo depois
de ter terminado o que fazia. Ela tocava a pele com as pontas dos
dedos e pressionava de leve, satisfazendo-se com a firmeza do
tecido humano e a quentura que dele emanava. O marquês era tão
quente que poderia fornecer calor para mantê-la aquecida durante
uma noite fria de inverno — e aquele pensamento era muito, muito
indecente. Porque, na fantasia de Rose, eles estavam abraçados
sobre aquela cama e ela não usava mais seu robe. Ainda havia
roupas entre eles, porém ela não sabia se durariam muito tempo.
Tudo aconteceu depois daquela manhã na casa do Sr. Prescott.
Desde então, ela não conseguia mais parar de pensar no que ele
realmente seria capaz de fazer com uma mulher para que tantas
delirassem apenas ao ouvir o nome dele. Anthony Eckley era a
perdição das damas de boa reputação e precisava haver algum
motivo para isso — se não era magia ou feitiço, se ele não praticava
bruxaria, o que era? — As palavras dele ardiam em seus ouvidos e
ela não conseguia parar de pensar nelas. Não ajudava que eles
ficassem sozinhos todas as noites, e ajudava menos ainda que
estivessem trancados naquele quarto. Era grave também que ela
estivesse um pouco encantada pelo marquês ao percebê-lo como
uma pessoa boa, gentil, educada e protetora.
Oh, céus! Rosamund quase podia acreditar que estava um
pouco apaixonada por aquele homem. Que desperdício!
— Algo mais que eu possa fazer por você, Rose?
Aquela pergunta retirou-a do transe, mas não a fez recolher as
mãos. O marquês a fitava curioso e com uma intensidade matadora
em seus olhos. Rose percebeu que ele tinha apagado a lamparina e
a colocado de volta sobre a mesinha de cabeceira. Eles estavam
iluminados apenas pela luz alaranjada do fogo da lareira e por uma
lamparina menor que ficava sobre uma cômoda. Ela decidiu arriscar.
— Há algum tempo penso na sua fama. — As palavras saíram
baixas e ele se aproximou para ouvir. — No início eu o desprezei ao
saber quem era, mas depois descobri que você não merece meu
desprezo. Ainda assim, é um libertino e a maior parte das mulheres
que conheci desmaiam ao ouvir seu nome. Por que faz isso?
— Por que elas desmaiam?
— Por que as seduz? Você não poupa nem mulheres casadas.
A mão do marquês deslizou por sobre a dela e a segurou. Os
dedos de Anthony começaram a desenhar pequenos círculos em
sua pele e Rosamund precisou ajeitar o corpo para não derreter ali
sobre aqueles lençóis.
— Há bastante engano sobre mim e eu não faço questão de
desmentir os boatos. Ajuda se acreditarem que a culpa é minha.
Acontece que sim, Rose, eu sou um sedutor, um apaixonado por
mulheres e pelo prazer que a junção de nossos corpos pode
provocar. Mas eu as seduzo tanto quanto elas me seduzem. Toda
vez que levei uma mulher para uma cama e fiz amor com ela foi
porque ela quis e estava ciente das consequências. Muitas delas
não se importavam tanto assim com suas virgindades, preferiam
vivenciar a experiência transcendental do prazer físico. Outras eram,
sim, casadas, mas estavam infelizes com seus maridos. Você sabe
que muitas mulheres se casam sem amor e nunca chegam a amar
ou ser amadas, o que torna os momentos de intimidade entre o
casal uma fórmula física para produzir filhos.
— O senhor acha isso certo?
— Não estou fazendo julgamento de valor.
Ele disse tudo aquilo sem olhar para Rose, mantendo os olhos
fixos nos desenhos que traçava em sua mão para, depois, erguê-la
até os lábios e beijá-la. Rosamund soltou outra vez aquele gemido
indecoroso, mas não demonstrou a mesma vergonha. Por algum
motivo ela entendeu o que Anthony quis dizer e imaginou que sabia
por que as mulheres o adoravam. Ele não era um devasso que as
levava para a perdição, ele era um guia que as conduzia ao
caminho do êxtase.
E ela nem mesmo tinha ideia do que isso significava.
— Entendo. — A voz dela continuava baixa. — Eu considerava
que essa intimidade deveria ser reservada para as pessoas
casadas.
— Por pura convenção. Nossos corpos estão prontos desde
agora, por que precisamos desse detalhe?
Nossos corpos estão prontos. Rosamund só entendeu o que
aquilo significava quando deixou seu olhar vagar e percebeu a
vívida excitação do marquês, aprisionada dentro de suas calças
pretas impecáveis. Aquilo era por causa dela? Poderia o
pensamento dele estar nela assim como o dela estava gritando por
ele?
Foi então que sua impetuosidade a impulsionou a tomar uma
atitude corajosa e tola. Rose ergueu novamente os olhos, esticou o
corpo na direção de Anthony e colou seus lábios nos dele.
Ela mal podia acreditar que tudo aquilo fosse por causa dela, mas
parecia que sim. Seus conhecimentos de anatomia não lhe
permitiram imaginar que um homem pudesse ser tão avantajado ali,
naquela região, como era Lorde Granville. Rose não sabia nem
mesmo se podia tocar ou segurar o volume que enchia sua mão,
sabia apenas que era quente e rijo como ferro.
— Se você me deseja e eu o desejo, por que devemos nos
separar agora? Não há nada que possamos fazer para aplacar esse
sentimento? Não conseguirei dormir assim, ansiando para que me
beije outra vez.
O marquês sorriu e fez o que ela implicitamente pediu.
Empurrou-a contra o colchão e deitou a boca sobre a dela,
assaltando-a com os lábios macios e quentes e fazendo com que
ela se movesse por baixo dele para ampliar o contato dos corpos.
Rosamund se percebeu querendo mais do que o beijo, querendo
que as mãos dele deslizassem por sobre a seda e incendiassem
sua pele. Quando se desencaixaram, ela precisou de alguns
minutos para conseguir abrir os olhos e o encarar. O beijo não
serviu para o que esperava, ela ainda o queria. Queria mais.
— Satisfeita, agora?
O maldito perguntou, porém, o divertimento na voz dele indicou
que estava zombando dela. Sua decepção deveria ser perceptível.
— Não.
— Eu posso beijá-la até o raiar do dia se assim quiser, mas
suspeito que, quando você sair por essa porta, continuará
insatisfeita.
— Então me dê o que é preciso para que me satisfazer.
Oh, céus! O que ela estava pedindo? Aquele libertino não tinha
nenhum pudor e pedir a ele qualquer coisa era dar abertura para
que ele fizesse tudo. Rosamund não estava preparada para tudo,
ela nem mesmo sabia o que tudo significava. Queria parar de sentir
vontade de colocar as mãos nele o tempo todo em que estavam
juntos e não ansiar por um sorriso ou olhar sempre que não
estavam. Queria não mais pensar no marquês quando estivesse em
suas aulas de pintura porque, mesmo que ele fosse seu muso e sua
inspiração, ele a distraía. Queria ir para a cama, depois que
passavam a noite procurando agulha em palheiro no meio dos
documentos do visconde, e conseguir dormir.
Ela não sabia como fazer parar aquele jorro de sentimentos,
emoções e sensações que a atordoavam. Não estava acostumada a
sentir tanto. Rosamund era pura emoção, sim, mas nunca estivera
tão descontrolada. Desde que conhecera Lorde Granville, sua vida
estava de cabeça para baixo e tudo que ela queria era voltar aos
eixos. Talvez não fosse possível.
Anthony a observou por alguns segundos e ela pode ver de novo
aquele brilho sombrio em seu olhar sempre lúdico. Ele estava para
tomar uma decisão complicada, para fazer algo do que talvez fosse
se arrepender e Rose já percebera que isso o deixava sério e
distante. Com movimentos lentos, ele enfiou os dedos em seus
cabelos, arrancou os grampos, soltou os cachos castanhos, que se
esparramaram por sobre seu pescoço e colo, e levou a boca até a
sua. Beijou-a devagar com lábios molhados e língua, fazendo-a
quase derreter em seus braços. Depois, deslizou os dedos pelo
braço dela, segurou a mão e a conduziu novamente a seu membro
rígido.
— Mantenha-a aí.
Ele sussurrou, entre os dentes, enquanto descia a boca para seu
pescoço. Rosamund fechou os olhos e seus dedos mais uma vez se
amoldaram ao volume da excitação que pulsava em sua mão.
Anthony soltou um gemido baixo, ao senti-la segurando-o, e aquilo a
fez sentir-se incrível. Tanto poderosa por extrair qualquer reação
daquele homem quanto vulnerável porque sabia que ele a tinha
rendida. Não havia nada que ele pudesse fazer para o que ela não
quisesse dizer sim.
Foi assim que ele deslizou os dedos mais para baixo,
percorrendo suas coxas e joelho por cima da seda até segurar a
barra de sua camisola e erguer, até expor-lhe as panturrilhas. Rose
engoliu o ar. Não soube se foi porque ele a tocava por baixo da
camisola ou porque ele distribuía beijos intermitentes em sua boca,
em seu queixo e seu colo, fazendo com que respirar ficasse muito
difícil. Anthony subiu as carícias novamente e, com a ponta dos
dedos, traçou alguns círculos na parte interna de sua coxa até tocar
no meio de suas pernas. O ar desapareceu de seus pulmões.
— Confie em mim.
As palavras chegaram no mesmo momento em que ele passou
os dedos por entre os cachos que cobriam a sua feminilidade e a
abriu como se afastasse as pétalas de uma flor. Ela gemeu e se
contorceu em contato com a mão dele. Aquele certamente não era o
movimento de uma dama decente, mas estar na cama de um
homem que não era seu marido também não era. Rose já
ultrapassara todas as barreiras do decoro por apenas conversar
com Lorde Granville, deixar-se tocar intimamente por ele era o
bônus que recebia por ser travessa.
Um bônus. O prazer irradiou por cada nervo e músculo, até os
que ela não conhecia e não sabia que existiam, e a fez soltar um
gemido que Anthony abafou em outro beijo. As carícias começaram
suaves e lentas, todas concentradas em um determinado ponto de
sua intimidade, e se tornaram ritmadas e intensas. Ele deslizou um
dedo para a sua abertura e a fez arfar, mas manteve o olhar que
dizia: confie. Seu corpo reagia a cada beijo, a cada círculo que o
polegar dele desenhava em sua feminilidade, e ela nem mesmo
conseguiu notar que repetia nele o carinho que recebia.
— Rose.
Anthony murmurou em seu ouvido com uma voz gutural que
indicava que ele também extraía prazer do que estavam fazendo.
Ela queria olhar para ele, manter os olhos abertos e entender o que
acontecia, mas era arrebatada por ondas cada vez mais fortes que a
derrubavam sempre que tentava se levantar. Até que ela desistiu de
lutar contra o mar de sensações e seu corpo foi carregado por um
êxtase que não era nada como nenhuma coisa que ela já tivesse
sentido antes.
Ele a segurou em seus braços enquanto ela ainda se
recuperava. Rose aninhou-se no peito despido do marquês e sorveu
o cheiro de suor e colônia masculina que ele exalava. Quis dizer
alguma coisa, qualquer coisa, mas as palavras não vieram. Fechou
os olhos novamente e tentou aproveitar o calor que a aquecia antes
que a loucura do que acabara de fazer lhe atingisse como uma bala
de canhão.
Capítulo décimo
A
F , então fingiu para si que aquele momento
de devassidão com a Srta. Taylor fora um acidente. Ela precisava
dormir e ele tinha que se livrar dela, então fez o que foi preciso para
expulsá-la de sua cama. A mesma desculpa que usou quando a
beijou em um canto escuro naquele barracão da Chanoinesse. Foi
uma medida eficaz, já que Rosamund relaxou e ele conseguiu
convencê-la a voltar para seu quarto sem maiores delongas.
Mas era mentira, uma das mais deslavadas que ele já contara e
o ludibriado era ele próprio. O único acidente acontecera dentro de
suas calças, já que ele não conseguiu se controlar e, enquanto
acariciava a mulher em seus braços, entregou-se ao orgasmo
fulminante que ela causou com um simples toque de mão. Ele
estava vulnerável, e Anthony Eckley nunca ficava vulnerável. Ela o
afetava e o desorientava, o que era péssimo para o trabalho. Havia
uma solução: levá-la para a cama, contudo ele teve a chance e lhe
faltou a coragem de deflorá-la — outro sintoma de que algo estava
errado.
Ela queria. Ela o quis, ela pediu por ele, mas tudo que Anthony
conseguiu dar foi uma parcela do prazer que poderiam compartilhar.
Não conseguiu arruinar as chances dela de um bom casamento no
futuro, porque era o que aconteceria.
Irritado, ele adormeceu pensando que precisava manter-se longe
de Rosamund Taylor para o bem dela e que a faria compreender
isso. Não teve nenhum sonho estranho nem acordou excitado de
madrugada. Seu corpo estava satisfeito o suficiente para lhe garantir
uma boa noite de sono e decidiu tirar uma folga naquele dia.
Precisava passear pela cidade, gastar dinheiro e frequentar alguns
lugares de reputação duvidosa para garantir que sua fama não
sofresse nenhum arranhão. E não fugiria da Srta. Taylor daquela
vez. Desceu para o desjejum com os irritantes convidados de Finley
na expectativa de conseguir alguma informação útil.
Também gostaria de vê-la para mostrar que não estava
intimidado, que nada intimidava o lorde libertino, mas as mulheres já
estavam recolhidas ao salão de chá, o que significava que ele só
deveria ir até lá se fosse para salvá-las de um incêndio.
— Bom tê-lo conosco, Granville. — Rottschild disse assim que o
viu entrar no salão onde os homens costumavam comer. — Pensei
que passava todas as noites em bordéis e cabarés.
— Todas, não. Em algumas eu trago o cabaré para casa.
O barão deu uma gargalhada e o outro homem que o
acompanhava, o Sr. Thompson, se engasgou com a obscenidade.
Ele era um burguês amigo de Finley, e era hábito entre os plebeus a
fidelidade para com suas esposas — o oposto do que acontecia na
nobreza.
— Quando eu era jovem como você também esgotava minha
quota de beldades em minha cama. Hoje em dia ando muito
cansado para isso.
A conversa fútil foi interrompida pela chegada do Barão Rondale
e do anfitrião. Um criado serviu café e chá e colocou travessas com
sanduíches, peixe defumado e torta de carne sobre a mesa. Mesmo
na França, Finley parecia manter seus hábitos britânicos durante as
refeições. Os homens começaram uma conversa desagradável
sobre mulheres que seduziram no passado e prosseguiram para
mulheres do presente. Tirando os dois casados, nenhum dos outros
três parecia interessado em contrair matrimônio tão cedo. Nada ali
seria aproveitável para a investigação em andamento, mas Anthony
acabou intrigado quando o assunto passou a ser Rosamund.
— Sei que a Srta. Taylor está enamorada de um francês, mas
ainda pretendo me casar com ela. — Rondale disse.
— Você parece muito empolgado com uma mulher que o
rejeitou, meu caro. — Rottschild desdenhou. — A Srta. Taylor já não
disse não à sua proposta?
— Ela era mais jovem e eu não fiz a aproximação que deveria.
Agora que posso contar com o apoio de nosso anfitrião, imagino que
as coisas sejam diferentes.
— Não imagine, faça acontecer. — Finley disparou. — Eu me
comprometerei com o pai dela para salvar seu baronato falido, mas
o homem é sentimental e ouve o que a filha deseja. Se a Srta.
Taylor não concordar em se casar com você, Rondale, talvez meus
esforços sejam inúteis.
Então aquele era o motivo pelo qual o barão andava se sentando
ao lado de Rosamund e agindo tão cortês quando ela estava
presente. Não era da conta de Anthony, ele não se importava se ela
se casasse com Rondale ou qualquer outro nobre que estivesse
precisando de um dote. Ainda assim, ouvi-los falando dela o irritou.
Por pouco não deixou escapar alguma troça com a reputação do
barão ou se colocou no páreo para seduzi-la. As palavras quase
saíram de sua boca, precisaram ser engolidas de volta com os
pãezinhos de mel que devorava.
— Talvez, se pudéssemos provocar um pequeno escândalo, ela
se veja compelida a aceitar meu pedido.
— Um escândalo? Na minha casa? Eu ficarei com fama de
péssimo anfitrião, não sei se gosto da ideia.
— Não precisa acontecer aqui. Podemos aproveitar que a
acompanhante da Srta. Taylor parece bastante avoada e usar isso a
meu favor. Basta que nos encontrem sozinhos em algum lugar
fechado, em uma posição, digamos, não muito decorosa.
— Rondale, você é uma pessoa horrorosa. — Finley deu outra
gargalhada. — Tudo bem, se precisar vamos conseguir uma
situação em que a pobre Srta. Taylor esteja em desonra e você
precise salvar a reputação dela.
Daquela vez não foram apenas as palavras, Anthony precisou de
um esforço descomunal para não arrancar Rondale e Finley de suas
cadeiras, cada um com uma mão, e chacoalhá-los até que
perdessem a consciência. A ideia de que pudessem armar um
flagrante para arruinar a reputação de Rosamund — a mesma que
ele vinha tentando proteger desde que se conheceram — deixou-o
furioso e ele adoraria socar alguém apenas para deixar clara a sua
fúria.
— Vocês são repugnantes. — o marquês disparou. — Precisam
planejar esse tipo de engodo para conseguir um casamento? A Srta.
Taylor não merece ser enganada desta forma.
— Isso não é assunto seu, Granville. Eu a escolhi como esposa,
então vou me casar com ela.
— A mulher não o quer, Rondale! Isso não é indicativo o
suficiente para se afastar? Céus, eu teria vergonha de me humilhar
dessa forma.
— Nem todos têm a sua facilidade de envolver as damas, meu
caro. — Rottschild se intrometeu. — Alguns precisam de outros
artifícios para conseguir uma boa esposa.
— E minha esposa ideal é a Srta. Taylor. Preciso do dinheiro que
vem com ela para saldar minhas finanças. Tentei negociar com o
pai, mas ele exige que ela me aceite, então farei de uma forma que
ela seja obrigada a me aceitar.
Anthony pressionou as têmporas para se acalmar e não voar por
sobre a mesa e apertar o pescoço de Rondale até que ele não
conseguisse mais respirar. Sua irritação naquele momento era
incompatível com um assunto que, como fora dito, não lhe dizia
respeito. Sabia desde o início que a Srta. Taylor se casaria com um
nobre de interesse de seu pai, portanto se não fosse Rondale, seria
outro.
Mas teria que ser alguém que ela escolhesse. Alguém que a
fizesse suspirar, por quem ela se apaixonasse e desejasse
compartilhar a cama. Por Deus! O simples pensamento de que ela
fosse, em algum momento, dividir a cama com outro homem que
não ele o atordoou. Não tinha o direito de se sentir assim, mas
sentia. Precisava fazer algo sobre isso e queria começar
amassando Rondale até que ele parecesse massa de pão
fermentada.
Ao invés disso, levantou-se, pediu licença e saiu da sala sem
terminar de comer. Se continuasse ali, acabaria colocando seu
disfarce e sua missão em risco, além de provocar um assassino.
Precisava contar a Rosamund o que ouvira e protegê-la daqueles
abutres, mesmo que isso implicasse não a proteger dele mesmo.
O
. Todas as mulheres ali eram como ela, artistas, e não
havia marqueses sedutores com olhares capazes de desarmar um
exército. Rosamund sentiu-se mais calma e controlada segurando
um pincel e vestindo um avental sujo enquanto dava os últimos
retoques no seu retrato de Lorde Granville.
O quadro estava acima do seu padrão de qualidade. Rosamund
sabia que ainda não fizera um retrato com detalhes tão precisos e
todas as suas colegas elogiavam o progresso do trabalho,
principalmente porque ela não tinha um modelo. Mal sabiam o
quanto já havia decorado os traços, as quinas e as sombras do
marquês.
Sua sensação de segurança foi abalada pela chegada do
homem que povoava seus pensamentos e sonhos. Uma hora depois
do início da aula ele surgiu no ateliê de Madame Beaury-Saurel
como se fosse o dono do lugar. A artista nem mesmo o interpelou,
apenas o cumprimentou à distância enquanto conversava com uma
das pupilas.
Anthony recostou o ombro em uma coluna próxima de onde
Rose estava e permaneceu ali, em silêncio, por mais de cinco
minutos. Ela tentou fazer um retoque pelo menos dez vezes até
desistir e encará-lo.
— O que está fazendo aqui? — ela rosnou, saindo de trás do
cavalete e limpando a mão com um pano. — Homens não são bem-
vindos durante as aulas.
— Não são? Bem, espero que Madame Beaury-Saurel faça uma
exceção para o modelo do seu retrato, não estou com fundos
suficientes para comprar outro quadro.
— Outro?
— Na primeira vez que estive aqui, precisei levar a cabo minha
desculpa e Pierre ganhou um novo adorno para sua casa. Hoje
pretendo dizer a verdade, eu vim por você.
Céus, ele não podia falar daquela forma. Não depois de tê-la
beijado tão intimamente na noite anterior e enquanto ela ainda
guardava as sensações de ter as mãos dele sobre seu corpo.
— Não posso sair, preciso terminar o quadro.
— Então termine, eu espero.
— Creio que você aí seja distração demais.
Anthony deu uma risada baixa e olhou para o chão. Quando
ergueu os olhos e a encarou, havia malícia estampada na
expressão mais canalha que ela já vira. Rose estava em grandes
apuros com aquele homem.
— E se eu posar para você? Coloque-me na posição do retrato e
me use para seus propósitos.
Rosamund quase se engasgou sozinha ao pensar em colocá-lo
em qualquer posição que pudesse usar. Ela nem sequer poderia se
imaginar usando Lorde Granville, mas a ideia a deixou zonza e
agitada. Enquanto pensava se deveria ou não aceitar a proposta do
marquês, ele foi até Madame Beaury-Saurel, conversou alguma
coisa com ela e retornou com um sorriso devasso no rosto.
— O que disse a ela?
— Pedi autorização para permanecer no ateliê para fins
artísticos. Ela agradeceu minha boa vontade e isto significa que
estou livre para que faça de mim o que quiser, Rose.
Ele realmente precisava parar de falar coisas como aquela.
— Tudo bem, vamos fazer isto. — ela decidiu — no retrato você
está de pé e... bem, você está sem o paletó.
Sem hesitar, o marquês abriu os botões do seu paletó e o retirou,
pendurando-o nas costas de uma cadeira empoeirada que estava
por ali.
— Devo retirar algo mais?
— Por favor, não. — ela disparou, nervosa. Não pretendia dizer
aquilo em voz alta, mas também não conseguiu resistir. — Agora
vire o pescoço para o lado e olhe para baixo.
Porque ele não entendeu o que deveria fazer, Rose precisou se
aproximar e colocá-lo na posição esperada. Anthony fitou seus pés
por alguns instantes e então olhou-a outra vez, fazendo aquele
movimento que a desorientava toda vez.
— Consegue ficar assim?
Ele assentiu com um sorriso e ela retornou para seu cavalete. A
imagem em sua cabeça era vívida e suficiente, mas tê-lo à sua
frente tornava muito mais fácil reproduzir os detalhes na pintura.
Havia coisas que ela não podia colocar na ponta do pincel porque
eram suas percepções sobre o marquês — e qualquer pessoa que
visse o quadro desconfiaria que ela nutria algum sentimento confuso
por ele.
Era algo nos olhos escuros, que guardavam mistérios que a
impulsionavam a desvendar. Também havia algo no sorriso, que
carregava devassidão e timidez e dizia mais coisas do que as
próprias palavras. E havia algo muito intrigante na forma como ele
olhava para ela, como se Anthony também não soubesse o que
fazer quando estavam juntos.
Rosamund tinha certeza de que ele sabia, mas só faria se ela
pedisse.
Um bom modelo mantinha-se parado e foi o que Anthony fez.
Por uma hora ele quase nem respirou, só sorriu de vez em quando e
a provocou com sua presença singular. Graças a ele ali ela
conseguiu terminar o trabalho e ficou até mesmo orgulhosa de sua
obra de arte. Bem, orgulhosa ela já estava desde que começara a
pintá-la.
— Posso ver?
Anthony se aproximou ao vê-la apoiar o pincel sobre a paleta.
Olhando ao redor, Rosamund viu que tanto sua mentora quanto
suas colegas de classe estavam também ansiosas para ver a
conclusão do retrato, então não havia muito o que fazer. Retirou o
avental, passou um pano úmido por suas mãos manchadas e virou
o cavalete para todas pudessem admirar o quadro.
Por mais que ela admirasse suas próprias criações, Rosamund
não era daquelas que esperava elogios. Poucas pessoas chegaram
a ver suas pinturas, a família não a apoiava e muitas das amigas
achavam que aquela arte deveria servir apenas para conquistar
maridos. Ela tinha ambições maiores. Desejou expor seus quadros,
produzi-los para enfeitar as casas de outras pessoas. Queria sua
assinatura neles, como fazia Madame Beaury-Saurel. Não almejava
riquezas ou fama, apenas não queria mais se esconder.
Porém, aquele trabalho ficou digno de elogios e ela esperou que
eles viessem tanto da mulher cujo trabalho admirava quanto do
homem que lhe serviu de inspiração.
A expressão de Rosamund era similar a dos irmãos mais novos do
marquês quando ansiavam pela aprovação do pai ou pela sua.
Como era muito mais velho que eles, Anthony exercia uma função
paterna eventualmente, principalmente porque o pai passava muito
tempo fora por causa de seus compromissos. Contudo, ele
conseguia ver a diferença: ali estava uma mulher ansiosa pela
opinião sincera do homem que ela provavelmente admirava.
Não que Anthony acreditasse que ela admirasse quem ele era,
mas a performance do sedutor. Em toda a sua vida, ele agiu para
que as mulheres se encantassem por seu sorriso, sua lábia e seu
corpo. Estava acostumado a ser desejado e cobiçado, e era isso
que Rosamund sentia por ele.
— Imagino que eu nunca fui retratado com tanta fidelidade antes.
— Ele sorriu porque pode agradá-la sem mentir. O trabalho era
belíssimo. — Você fez tudo isso de cabeça?
— Sim, mas duvido que seja seu melhor retrato. E o tradicional
quadro que fizeram quando assumiu o marquesado?
— Ele não chega aos pés deste. — Anthony se aproximou da
tela para melhor examinar os detalhes. — Nenhum dos quadros
expostos na Granville House consegue passar emoção.
— E esse consegue? O que sente quando o vê?
— Sinto que estou distraído, pensando em algo importante que
preciso resolver, mas preciso estar nesse evento tedioso do qual
não quero participar.
O rosto de Rose iluminou-se em um sorriso largo. Madame
Beaury-Saurel concordou com a avaliação, assentindo sem
palavras.
— Você está adivinhando. Não pode saber o que estava
pensando apenas ao olhar a pintura.
— Pois eu tenho certeza que estou de corpo presente e alma
ausente nesse exato momento. E há uma festa ao meu redor. Não,
é um evento apenas de cavalheiros, pois estou sem paletó. Está
muito bom, Rose.
Ela baixou os olhos. Estaria envergonhada? Anthony não
imaginava que a Srta. Taylor pudesse sentir vergonha de nada, já
que ela, apesar da castidade, não teve um ataque apoplético nem
ao vê-lo nu.
— Mademoiselle Taylor, não parece educado deixar um homem
como Monsieur Eckley esperando. Como concluiu seu trabalho de
hoje, pode acompanhá-lo se assim precisar.
A mentora se aproximou deles e Rosamund a fitou surpresa, não
esperando que fosse ser dispensada. Mal sabia ela que Anthony
conseguia o que queria apenas com um sorriso sedutor.
— Agradeço, madame. Preciso resolver alguns assuntos e a
ajuda da Srta. Taylor será muito bem-vinda.
— Certamente. Quando sua acompanhante chegar,
mademoiselle Taylor, eu aviso que já foi para a sua residência.
Rosamund concordou e ajeitou suas coisas para sair, mas
Anthony suspeitou que ela não gostou que decidissem o que fazer
por ela. Vestiu o paletó, ofereceu o braço para que ela segurasse e
deixaram o ateliê para as ruas ainda ensolaradas do outono
parisiense. Soprava um ar fresco e muitas pessoas perambulavam
pelos espaços conhecidos da exposição. Sem delongas, ele
chamou um cabriolé de aluguel para conduzi-los até o destino
pretendido.
— Você vai me explicar o que foi tudo isso? — Ela questionou
assim que se acomodou ao lado dele no diminuto espaço do
cabriolé. — Aparecer no ateliê, exibir-se para minhas colegas de
classe e me sequestrar antes do final da aula?
— Eu não estava me exibindo para suas colegas. — Anthony riu.
— Se estivesse não teria mantido minha camisa fechada, Rose.
Quis apenas ajudá-la. E não estou te sequestrando, não é um rapto
se você me segue voluntariamente.
— Aonde estamos indo?
— Salpêtrière.
Ela ficou tensa ao seu lado e Anthony percebeu. Levou a mão
até a dela e segurou os dedos, agora enluvados, entre os seus.
— Por que estamos retornando a esse lugar? Faz parte da
investigação?
— Não vamos lá investigar.
— Você está econômico com as palavras. — Rose reclamou. —
Parece que está me escondendo algo.
— O que queria conversar? — Anthony mudou de assunto. —
Há privacidade suficiente agora, já que duvido que o cocheiro fale
inglês.
Um momento de silêncio se seguiu à pergunta. Rosamund o
encarava e, de súbito, passou a olhar a paisagem cinza dos prédios
e construções, puxando a mão que ele segurava.
— O que aconteceu ontem, imagino que devamos falar sobre
isso.
— Se você quiser.
— Não sei se quero, nem se devo. Não estou acostumada a
esse tipo de interação com alguém. Tudo em relação a você é uma
novidade, milorde. — Os olhos dela estavam então sobre ele outra
vez. — Infelizmente preciso confessar que, mesmo depois de uma
ótima noite de sono, algo que não experimento há dias, fiquei mais
agitada do que antes.
Ele deu uma risada e pegou a mão dela outra vez, abrindo com
destreza os dois botões que mantinham a luva no lugar para depois
retirá-la.
— A sua sinceridade é uma das coisas mais interessantes sobre
você. — Anthony abriu a mão dela e levou a palma até a boca para
beijá-la. — Eu ficaria bastante ofendido se não se sentisse assim,
Srta. Taylor. A grande questão é o que a senhorita fará quanto a
isso.
Não era uma pergunta e ela não ofereceria nenhuma resposta.
Ele sabia que jogos de sedução deveriam estar fora da sua lista de
atividades em Paris e não foi por sua vontade que aquela mulher
cruzou seu caminho, porém, ali estava ela e o marquês não sabia
como livrar-se dela. Ele nem mesmo queria e, depois de saber que
os ratos da casa estavam tramando para desonrá-la e forçá-la a um
casamento com um homem que ela já rejeitara antes, sentiu-se no
dever moral de protegê-la.
Claro que o objetivo não era apenas protegê-la, mas evitar que
ela fosse arruinada por outro que não ele. Se alguém exporia a Srta.
Taylor em um escândalo, esse alguém seria o Marquês de Granville.
— Por que você me disse para não ficar sozinha com nenhum
homem da casa? — Por sorte ela também achou prudente mudar de
assunto. Se tivesse que falar sobre a noite passada, Anthony
acabaria dizendo que desejava repeti-la. — Apesar de meu
comportamento atual, não costumo fazer esse tipo de coisa.
— Eu participei de uma conversa entre Finley e Rondale. Parece
que eles estão pretendendo provocar um escândalo para que se
sinta compelida a se casar com o barão.
A notícia a chocou. Rosamund recolheu as mãos, recolocou a
luva e passou os dedos pelos cabelos, ajeitando qualquer
imperfeição em seu penteado. Não fez nenhum comentário, apenas
voltou a olhar para a paisagem e se manteve em silêncio enquanto
o veículo os levava ao hospital. Em determinado momento ele
percebeu que uma lágrima escorria dos olhos dela e descia
traçando suas bochechas avermelhadas pelo ar frio da cidade.
Ela estava chateada a ponto de chorar e isso o corroeu por
dentro. Anthony poderia dizer que estava envolvido o suficiente para
se importar com os sentimentos dela e a vontade de encher a cara
engomada de Rondale de socos se intensificou.
— Por que eles se dariam ao trabalho? — Ela também notou a
lágrima e tratou de secá-la com as costas da mão. — Depois que
meu pai descobrir tudo que andei fazendo em Paris, ele me casará
com qualquer um que quiser. Basta que Rondale peça.
Outra lágrima rolou pela face dela, e mais uma. Anthony retirou
um lenço do bolso interno do paletó e levou a mão até o queixo
dela, fazendo com que olhasse para si.
— Rose, preste atenção. Esses homens não possuem honra
alguma. Seu pai pode descobrir suas mentiras, mas há outros com
quem poderá se casar. Rondale não é uma opção. De qualquer
forma, estarei por perto. Eles não conseguirão levar adiante esse
plano porque eu não permitirei.
Com um movimento de cabeça ela assentiu e recostou no
banco. A curta viagem não demorou a encerrar e logo eles
chegaram ao destino sem que outra palavra fosse trocada entre
eles.
—E - .— ,
que estavam em silêncio, apenas comendo.
Precisava desesperadamente encontrar algum assunto que o
fizesse parar de olhar para ela, para a boca vermelha do creme de
morangos e para as mechas de cabelo de que se desprendiam do
penteado que ela sempre usava. Anthony precisava de qualquer
coisa para não colocar fim à distância entre eles, tomá-la nos braços
e beijá-la. Não que ele tenha acertado na escolha das palavras,
porém ninguém podia acusá-lo de não tentar.
— Proteger? — Rosamund livrou as mãos e comeu outra fatia da
torta. Até o ato de mastigar era sensual quando realizado por ela.
Anthony nunca imaginou que uma mulher pudesse seduzi-lo
tentando não o fazer. — De Lorde Finley?
— Também. Não deixarei que Rondale leve seus planos adiante
nem que Finley faça nada para feri-la. Você confia em mim?
— Por incrível que pareça, nunca vi tanta sinceridade nos olhos
de alguém como vejo nos seus.
Ela lhe sorriu enquanto levava a xícara de chá até a boca. O
marquês estava sentado em um café de frente para uma das
maiores belezas que ele já vira e toda a sua atenção estava
concentrada em Rosamund Taylor. O Sena não tinha a menor
chance comparado a ela. Nada naquele rio magnífico que atraía os
românticos e casais apaixonados era mais belo do que a mulher
sentada ao seu lado, e ele não entendia aquele sentimento. Quem o
conhecia sabia que Anthony era um apaixonado, ele sempre
deixava suas emoções um pouco à flor da pele demais, mas nunca
as direcionava para nenhuma mulher em específico. Ele amava
todas ao mesmo tempo.
Suspeitava que com Rosamund as coisas fossem diferentes. Ela
tinha o dom de exauri-lo, todos os seus pensamentos iam na
direção dela. A hipótese o assustava e o fascinava ao mesmo
tempo. Por anos ele aprendeu como desafiar seus limites e como
ultrapassá-los, só se sentia completo e pleno se fosse além do que
era esperado. Anthony não temia o desconhecido, ele flertava com o
mistério e o que não podia prever. Então, sentimentos diferentes
também não o assustavam, apenas o desorientavam. Como ele
nunca estivera naquela posição, não sabia como agir e era perigoso
demais lançar-se em uma aventura exatamente naquele momento.
Mas o seu desejo de proteger e manter Rosamund segura era
um indício de que não havia volta do caminho que escolhera.
— Você foi convidada para ir ao Le Chat Noir amanhã?
Ele perguntou, por fim.
— Sim, por Lady Bachour. Lorde Finley ficou de nos
acompanhar, agora precisarei inventar alguma indisposição para
recusar. Vão pensar que sou uma mulher doente.
— Não recuse. Eu também as acompanharei. Ninguém achará
estranho que um Eckley decida ir a um cabaré.
— Por que está fazendo isso? Por que se importa? Toda hora a
oportunidade de livrar-se de mim aparece e você não a aproveita.
Eram ótimas perguntas para as quais Anthony não tinha
respostas. Poderia dizer que gostava dela, seria verdade e faria
sentido, mas também seria muito precipitado. Sabia que gostar não
era um sentimento exagerado, ele gostava de muitas pessoas e
muitas coisas. Gostar de Rose era aceitável. Ainda assim, ele temia
que ela tivesse a impressão errada se ele se revelasse demais.
— Quer que eu me livre de você, Rose?
— Não. — ela respondeu sem hesitar. — Porém, gosto de
compreender as coisas que acontecem ao meu redor. Gosto de
saber os porquês.
— Neste caso, eu lamento frustrá-la. Contra todo bom senso e
razão, tudo que sei é que, apesar de nosso início conturbado, você
se tornou uma parceira valiosa.
Ela sorriu outra vez.
— Gostaria de retornar para casa. Minha prima deve estar
escrevendo uma carta desesperada para meu pai neste instante.
— Eu a levarei de volta. — Anthony levantou-se e ofereceu a
mão para Rosamund. A atendente se aproximou para receber os
valores pela conta e recolher a louça. — Não se preocupe com sua
prima, posso conversar com ela.
— Não sei o que poderia dizer para acalmá-la, mas agradeço a
intenção.
Anthony quis dizer que ela não deveria se preocupar, que
cuidaria de tudo. Sim, ele sempre cuidava de tudo. Cuidou da casa
na ausência do pai, cuidou dos irmãos e da prima, cuidou de
negócios como foi criado para fazer. A vida de um homem como ele
era de responsabilidades. Tomar decisões e assumir consequências
era parte do processo e ele nunca se furtara a nada disso.
Ele queria fazer aquilo por Rose também, mesmo que ela não
estivesse sob seus cuidados. Finley era um criminoso perigoso e
aquela mulher não tinha ninguém para protegê-la durante sua
estada fora do país. Talvez ela não precisasse de proteção, Rose
era capaz de tomar suas decisões e cuidar de si, mas a sociedade
esperava outra coisa — esperava que um homem estivesse ao lado
dela.
Mesmo que ele não fosse vê-la mais depois que retornassem a
Londres, estava decidido a permanecer com ela em Paris se ela
assim quisesse. Chamou um carro de aluguel, ajudou-a a subir e
acomodou-se ao lado dela no assento, tendo muita certeza em suas
convicções e um pouco de dúvida em suas reações. Mesmo que
fizessem todo o trajeto até a casa do visconde em um veículo
aberto, ele manteve a mão sobre a dela e as pernas roçando nas
dela. Rosamund não o repeliu, ao contrário, em determinado
momento, ele pôde jurar que ela acariciou seu braço. Céus! Ele
estava perdido.
Um dia se passara sem que ele tivesse dirigido uma palavra à Srta.
Taylor. Decidiu dar a ela algum tempo de folga e a si mesmo algum
tempo de paz, mas sentiu falta da voz, do cheiro e da presença
dela. O banho morno que acabara de tomar não fez o efeito que
Anthony esperava. Ele continuava estranhamente silencioso e
pensativo enquanto se vestia para o jantar. O dia não saiu como
planejava. Não conseguiu mais pistas sobre onde se deslindaria a
transação de armas do visconde e não achou nada interessante nos
lugares que andou procurando. Estava apostando suas fichas
naquela noite no Le Chat Noir, já que Finley não parecia perder
tempo com nada que não estivesse envolvido em seus negócios.
Monty pigarreou e chamou a sua atenção.
— Milorde, faz alguns dias que o Sr. Prescott não dá notícias.
— Temos nos falado pessoalmente. — Anthony terminou de
abotoar os punhos da camisa. Mesmo que seu valete estivesse ali
do lado ele insistia em fazer determinadas tarefas sozinho. — Hoje
nos encontramos durante o dia. O que tem ouvido por aí, Monty? O
que dizem os criados?
— Parece que o anfitrião chegou sujo de sangue certa noite e as
criadas acham que ele abusou de alguma mulher. Estão todas com
medo dele.
— Deixe que o temam, estarão mais seguras assim. Diga-me,
estou adequadamente vestido para um cabaré?
O marquês girou em seu eixo e exibiu o conjunto de noite
impecável. Apesar de usar quase sempre ternos pretos, ele preferia
gravatas com alguma cor. A escolhida daquela noite era vermelha,
escura como sangue coagulado, e o colete tinha tons de marrom,
cinza e vinho. Com os cabelos penteados para o lado e a barba
feita, ele parecia exatamente o aristocrata indolente que pretendia
encenar.
— Entendo ser adequado até mesmo para um encontro com a
Rainha, milorde. Haverá alguma dama em especial se apresentando
hoje à noite?
— Por que suspeita que uma mulher tenha influenciado a
escolha das minhas roupas?
— Porque trabalho com o senhor há mais de uma década,
milorde. O senhor cuida da aparência, mas, quando está envolvido
em seus… er, jogos, fica muito mais vaidoso.
Anthony olhou-se por mais algum tempo no espelho. Ele não
estava envolvido em jogo algum, mas talvez o criado tivesse razão:
havia uma mulher. Estaria ele se vestindo para agradar a exigente
Srta. Taylor em seu gosto por homens peculiares?
— Você pode tirar o restante da noite de folga, Monty. Depois do
jantar, acompanharei as mulheres da casa a um passeio pelo Le
Chat Noir e Deus sabe a que horas voltarei.
— Tenho certeza que voltará, milorde.
O valete pediu licença com um movimento de cabeça e se retirou
do quarto. Anthony não demorou muito mais, assim que garantiu
que seu anel com o brasão da família estava em seu dedo e que
não havia nem um fio de linha fora do lugar, desceu para o salão
onde aconteceria o jantar. Apesar de tê-lo frequentado por muitos
dias desde que chegara a Paris, naquela noite decidiu que agiria
diferente. Precisava demarcar seu território. Os homens da casa
queriam importunar a Srta. Taylor e teriam que passar por sobre ele
para conseguir. Não importava a vida oculta do visconde ou a sua
própria, nenhum deles chegaria perto de Rosamund ou ele lhes
arrancaria as tripas e penduraria no quintal para secarem ao sol.
Ao descer as escadas, encontrou-a já conversando com a
esposa de Rottschild e sua prima Gretha. Foi a primeira vez que ele
a viu trajada para um evento noturno e o impacto da surpresa quase
o derrubou nos últimos degraus. Rose usava um conjunto vinho feito
de crepe, composto de saia, casaco e uma blusa preta por baixo. Os
cabelos continuavam mal presos, um pouco frouxos com mechas
caindo pela lateral do rosto dela. Ao vê-lo se aproximar, ela sorriu e
seu coração disparou.
— Lady Rottschild. — Anthony cumprimentou a mulher casada
primeiro. — Senhoritas.
Gretha tinha um vinco no meio dos olhos enquanto encarava o
marquês e ele chegou a pensar que ela fosse atacá-lo, assassiná-lo
e esconder o corpo. Manteve a pose de conquistador, segurou a
mão que ela não lhe ofereceu e beijou-lhe os dedos. Se aquele
gesto não derretesse o gelo que envolvia cada fibra do corpo
daquela mulher, ele não sabia mais o que fazer. Suas técnicas mais
elaboradas eram guardadas para as damas que ele pretendia
seduzir, não para as primas que ele pretendia afastar. Depois,
segurou a mão de Rosamund e repetiu o cumprimento, mas daquela
vez fez questão de dedicar uma atenção especial ao beijo. As mãos
dela estavam nuas e frias, e seus lábios quentes a fizeram
estremecer um pouco, quase imperceptivelmente para que alguém
notasse, mas ele não deixou passar.
Quando o mordomo anunciou o jantar servido, Anthony assumiu
sua precedência e ofereceu o braço para que ela o acompanhasse.
Surpreendeu Gretha oferecendo o outro braço para ela, que aceitou
depois de alguma hesitação. Provocá-la era quase tão divertido
quanto provocar Rosamund, mas seus objetivos eram diferentes
com cada uma das primas. Uma ele queria em sua cama, apesar de
saber que não deveria querer. A outra ele queria distante, permitindo
que ele decidisse o quanto valeria arriscar tudo e levar a primeira
para a sua cama. Ao ver que os criados direcionavam as mulheres
para um lado da mesa e ele para outro, Anthony decidiu intervir
outra vez. Chamou o mordomo e estabeleceu que ele se sentaria ao
lado da Srta. Taylor e não importava o que tivesse dito o anfitrião.
Aquele sentimento de posse era novo. Ele não costumava agir
como um leão cuidando de sua família, nunca foi possessivo com
mulheres nem sequer cogitou pedir alguma exclusividade a elas. Se
um homem as importunava, Anthony não intervinha se não
houvesse violência — porque mulheres sabiam se defender, sabiam
seus limites, sabiam até onde queriam ir. Com Rosamund era
diferente. Seus olhos vagaram até Rondale, que acabava de entrar
no salão de jantar, e a expressão dele ao ver que não se sentaria ao
lado da Srta. Taylor o fez sorrir. Era um sorriso predatório, que
indicava que ele fora o responsável pela frustração dos planos do
barão.
Ela pode não ser minha, mas só será sua se ela quiser.
— As pessoas vão perceber. — Rosamund murmurou depois
que o jantar começou a ser servido. Finley falava sobre decoração
com Rottschild e sua tia, e a voz dele era tão estridente que
ninguém conseguia prestar atenção em mais nada. — Você foi
muito incisivo agora, e se julgarem que deseja me cortejar?
— Sou o Marquês de Granville. Quem me conhece sabe que
cortejar mulheres é minha especialidade.
— Então você não se importa em ser associado a mim dessa
forma?
Quem deveria se preocupar ou se importar seria ela. Afinal,
Rosamund Taylor, a pudica única filha de um rico burguês inglês
gostaria de ser associada ao lorde libertino, ao homem mais
devasso da Inglaterra? Anthony tinha certeza que um cortejo
público, desde que resguardado o decoro, não macularia a honra
dela, então aquela demonstração de poder e força não a
prejudicaria. Mas ela poderia não pensar da mesma forma.
— Não, eu não me importo.
Talvez ele estivesse enganado, mas ela sorriu e suas dúvidas
logo desapareceram. Ela pareceu satisfeita pela possibilidade de ser
cortejada publicamente por ele e Anthony não estava preparado
para lidar com aquilo.
N M G ,
quando ele estava embriagado. Ainda assim, apesar de ver
Rosamund se aproximando e de saber que ela viria até ele, Anthony
não estava preparado para tomar um banho de champanhe — e ele
nem sabia o que fizera de errado. Quando uma mulher jogava todo
o conteúdo de uma taça de bebida na cara de um homem, ela
estava muito irritada com o cavalheiro em questão. E, apesar de ele
estar longe de ser um cavalheiro, não achava que tivesse feito nada
que justificasse aquela reação.
Os olhos azuis dela estavam furiosos e os lábios comprimidos.
Rosamund não disse mais nada além de uma ofensa, mandou-o
para o inferno e saiu marchando na direção do reservado feminino.
— Parece-me que alguma de suas conquistas não ficou
satisfeita.
François provocou. O irritante francês, que era parceiro de
negócios de seu pai, o estava impedindo de ir atrás de Finley e
parecia não haver desculpa boa o suficiente para livrar-se do
homem.
— E o pior é não saber no que desagradei. — Anthony deu uma
risada cínica. — Preciso limpar isso antes que manche meu colete
novo.
— Vá, homem. Evite cruzar com ela de novo, nunca se sabe o
que mais essas mulheres vão querer atirar em nós.
— Que não seja uma bala!
Anthony se despediu com um movimento de cabeça e caminhou
para o banheiro. Já havia perdido a pista do visconde, estava com o
casaco ensopado e cheirando a uva doce, mas o que o incomodava
naquele momento era o que levara Rosamund a fazer aquilo. Não
se lembrava de tê-la magoado, não fez nenhum gesto impensado
naquela noite, ela não demonstrou nenhuma insatisfação, antes,
então o que poderia ser? Se ele tivesse novamente cruzado com
Julienne Delacroix ou outra de suas ex-amantes francesas, poderia
entender que ela poderia ter ficado com ciúmes — e se sentiria
lisonjeado.
Com a cabeça fervilhando de hipóteses, ele se trancou no
reservado masculino e retirou o paletó no instante em que ouviu
vozes. Não havia mais ninguém ali com ele, o espaço foi feito para
apenas uma pessoa usar e era muito bem equipado, mas as
paredes do cabaré eram mais finas do que pareciam. Anthony olhou
ao seu redor e percebeu uma pequena janela que estava meio
aberta e dava para o beco atrás do edifício, e era dali que vinha o
burburinho. Ele se aproximou e apurou os ouvidos e descobriu que
era Finley com outro homem e eles falavam em inglês.
Um sorriso involuntário brotou nos lábios do marquês. Ela não
estava brava com ele nem irritada, nem com ciúmes. Rosamund
planejou tudo para que ele pudesse ter uma boa desculpa para se
afastar de François, e era bem provável que ela suspeitasse que ele
conseguiria ouvir Finley do banheiro. Aquilo significava que ela
esteve prestando atenção neles durante todo o tempo e que
arriscou que questionassem seu recato para ajudá-lo na
investigação.
Ele se sentou em uma cadeira e ouviu. Retirou o colete, dobrou
as mangas da camisa e afrouxou o nó da gravata enquanto a
conversa, em voz baixa, discutia sobre a entrega de armas
contrabandeadas para a África e a América do Sul. Então a suspeita
levantada pela freira no Salpêtrière era verdadeira. Anthony fechou
os olhos e esperou até que os homens terminassem sua discussão,
se afastassem e não restasse nenhum ruído que colocasse em risco
sua saída do banheiro. Vestiu o paletó ainda molhado e retornou
para o cabaré. Sua aparência desleixada sugeria que estivera em
alguma atividade durante o tempo que esteve fora — com uma
mulher e em um canto escuro, de preferência. Confirmou que Rose
estava de volta à mesa e tranquilizou-se.
Recostou no balcão, pegou um papel empapado do bolso de seu
colete e uma caneta e escreveu uma única palavra. A tinta borrou
ao entrar em contato com a umidade do papel, que estava se
esfacelando, mas Anthony o deixou debaixo de um recipiente onde
guardavam gorjetas para os atendentes. Colocou uma boa quantia
em dinheiro na caixa e sugeriu ao barman que não deixasse
ninguém tirar o bilhete dali. Poderiam vê-lo, lê-lo, mas não o retirar.
Depois aproximou-se da mesa onde estavam todos novamente,
inclusive Finley.
— Senhores, senhoras, senhoritas. — O marquês fez uma
mesura fingindo embriaguez. — Lamento precisar deixá-los, mas
tenho alguns compromissos urgentes pedindo a minha atenção.
— Compromissos às dez da noite, Granville? — Rondale
provocou.
— Minhas melhores horas começam agora.
Anthony sorriu, deu dois tapinhas no ombro do barão e saiu
cambaleando pelas mesas. Quando já estava em lugar seguro, de
onde não podiam vê-lo, parou de fingir e saiu por uma porta lateral.
Precisava voltar para casa e redigir outra carta para Eddy o mais
rapidamente possível. Além de explicar que estiveram enganados
sobre o visconde, precisava informar que haveria uma entrega de
armas contrabandeadas no Port de l’Arsenal em alguns dias e que
deveriam interceptá-la.
Não podia fazer nada daquilo ainda, precisava manter o controle
e esperar. No dia seguinte daria um jeito de comunicar ao duque o
que estava realmente acontecendo e diria que não tinha provas,
mas que conseguiria alguma coisa que pudessem usar contra
Finley. Se desse um movimento em falso poderia ser pego e isso
não seria bom para ninguém. Ele era o único que detinha a
informação do tráfico de armas e precisava tomar cuidado até que
ela estivesse segura em mãos confiáveis.
Outras coisas ocupavam o pensamento de Anthony naquele
momento e eram coisas cujo domínio ele não possuía. Se a missão
parecia caminhar para um deslinde em breve, mesmo que não da
forma que esperava, a sua relação com Rosamund Taylor estava
fora de controle. Alguma coisa desencaixou dentro dele naquela
noite ao perceber que ela era sagaz, destemida e incrivelmente
corajosa. Isso, somado a todas as outras qualidades que já
observara nela, o deixaram com a certeza de que ele estava um
pouco encantado por Rose a ponto de tomar decisões irracionais.
Biblioteca
O coração dela pulou uma batida, talvez duas. Não podia fazer
como o marquês e sair do cabaré, estava presa ali com as pessoas
com quem dividia a mesa, sem escape e sem ter como retornar para
a casa e atender àquela convocação. Ainda assim, ela não
conseguiu evitar sentir como se um panapaná estivesse dentro de
seu estômago, fazendo-a sentir um fervilhar borbulhante de
sensações desconhecidas, mas esperadas.
Algo estava para acontecer. Ele descobriu o que fazia o visconde
e queria compartilhar com ela. Era perigoso e era excitante e quase
a fez sair correndo pelas ruas de Paris, mas Rosamund aprendeu
por muitos anos como era ser uma dama, como era se portar diante
de qualquer situação. Mesmo sem origem nobre, sua mãe garantiu
que sua educação não devesse a nenhuma filha da aristocracia e,
mesmo que ela nunca tivesse sido aceita por nenhuma delas, seu
comportamento era irretocável.
Voltou à mesa, sentou-se e envolveu-se em uma conversa com
Lady Bachour e a Sra. Thompson, ignorando a falta de educação e
decoro dos homens presentes. Ignorando, mais precisamente, os
olhares de Rondale sobre ela. Precisava lembrar-se do pedido de
Anthony, mas acreditava que, se ele foi embora era porque não a
considerava em risco.
Por que ela confiava sua integridade física ao marquês, não
sabia.
Era meia-noite quando o grupo decidiu retornar para casa. O
mordomo ainda esperava com lamparinas acesas para receber os
anfitriões e convidados. Não havia sinais de Lorde Granville, porém,
Rosamund não esperava que ele estivesse ali na biblioteca fumando
um charuto enquanto a aguardava. Como um fantasma, o marquês
apareceria quando tudo estivesse escuro e todos recolhidos em
seus quartos.
— Precisamos conversar. — Gretha a interpelou na escada. —
Venha até meu quarto.
— Agora? É muito tarde, vamos dormir e amanhã conversamos.
— Não, Rose, tem que ser agora.
Pela forma como a prima a olhava, Rosamund soube que
precisava ir com ela. Se insistisse era capaz de Gretha aparecer na
biblioteca e flagrá-la com Anthony, o que seria um desastre.
Qualquer explicação que precisasse dar naquele momento seria
bem mais simples do que se fosse pega em uma conversa
misteriosa com o libertino.
Depois que se trancaram no quarto, a prima acendeu uma
lamparina, cruzou os braços e a encarou com uma expressão de
escrutínio.
— Comece se explicando. Quero saber, sem mais mentiras, qual
a causa desse seu comportamento e o quanto o Marquês de
Granville está envolvido com isso.
Ah! Se ela pudesse saber! Tudo naqueles dias em Paris estava
conectado ao marquês, mesmo que ela não tivesse planejado nada.
Rosamund não pôde hesitar muito ou a prima desconfiaria, então
ela contou o que poderia contar: uma mentira. Mais uma.
— Lorde Granville está me cortejando.
Gretha arregalou os olhos em espanto. Descruzou os braços, foi
até a cômoda que guarnecia o quarto e serviu um copo de água,
que bebeu em dois goles longos.
— Cortejando.
— Sim. Um marquês não pode demonstrar interesse por mim?
— Pode, mas esse marquês só tem um interesse, Rose. Você
sabe do que ele gosta, o homem é um hedonista.
— Ele é. Mas Lorde Granville tem sido respeitoso comigo e até
um devasso como ele um dia irá se casar, não é mesmo? Afinal, o
homem precisa prover um herdeiro para o marquesado.
— Ele está iludindo você. — Gretha se aproximou dela e
segurou-a nas duas mãos. — Rose, se esse homem a desgraçar,
nenhum outro vai tomá-la como esposa. Sei que sempre agiu com o
coração e que você é uma pessoa boa, que não costuma ver a
maldade nas ações dos outros. Mas tome cuidado, não seja
imprudente com o libertino.
Rosamund sentiu um nó impedindo que o ar passasse por sua
garganta. Seu coração estava disparado porque sua prima tinha
razão. Gretha a conhecia há anos e havia o risco real de que
Anthony a desgraçasse de forma permanente, o que a impediria de
casar-se no futuro.
Ao mesmo tempo, Rose quis dizer que talvez ela não quisesse
se casar tanto assim. Que os desígnios de seu pai para ela não
eram seus desejos, que o casamento era uma convenção que ela
aceitou, mas não tinha certeza de que desejava. Não, ela queria se
casar, ela chegava a sonhar que teria filhos e não agiria como as
mulheres nobres, não relegaria os pequenos aos cuidados de
babás. Queria participar da educação e do crescimento das
crianças, queria ser mãe.
Mas nos seus sonhos nunca havia um marido. Ela se conformou
com a ideia de que se casaria com qualquer um e que esse homem
nem mesmo estaria presente em sua vida, que seria para sempre
reclusa no campo ou no litoral.
Uma coisa que Rose tinha certeza, no entanto, era que aqueles
dias em Paris estavam lhe fazendo bem, faziam-na sentir-se viva.
Rosamund podia pintar, podia fazer o que quisesse e podia
experimentar a liberdade.
— Serei prudente. — Ela soltou uma mão e levou à face da
prima. — Prometo a você, Gretha, que não prejudicarei o meu futuro
por causa de Lorde Granville.
As duas se abraçaram e ela se sentiu culpada por despertar
aquela preocupação na prima. Não queria que ninguém sofresse por
suas escolhas.
— Vamos dormir. Amanhã eu a levarei para visitar a torre, já foi
até ela?
— Não, mas já comecei a ouvir a cidade.
Rosamund caminhou comedida até seu quarto. Não havia ruídos
pela casa nem luz pelo corredor. Abriu sua porta, fez barulho para
indicar que girava a chave, retirou as sapatilhas e saiu outra vez,
procurando indícios de que alguém poderia ainda estar acordado ou
perambulando pela casa.
Pé ante pé, desceu as escadas e circulou pelas áreas comuns. A
porta da biblioteca estava entreaberta e a visão a fez perder o ar
outra vez. Rose não sabia por que estava tão nervosa ou por que
confiava no marquês, mas saber que ele estava ali deu-lhe certeza
que era seguro, e ela foi até onde combinaram.
Ele estava lá, de pé, próximo da janela cujas cortinas estavam
abertas, olhando para o lado de fora. A cidade ainda estava
acordada e era possível ouvir barulho de cavalos e carruagens
passando na rua em frente. A casa de Lorde Finley ficava em uma
região movimentada, significando que eles ficavam comumente
acobertados pelo manto da noite e da ruidosa Paris.
Era impossível surpreendê-lo, ela deveria saber. Anthony se
virou assim que ela passou pela porta e a fechou. Sua gravata
estava solta, pendurada nos ombros, e o colete aberto. Não havia
sinais do paletó e pelo menos três botões da camisa estavam fora
de suas casas. Ele segurava um copo de Bourbon em uma das
mãos e não trocara de roupas — provavelmente ainda cheirava a
champanhe.
— Você sabia? — A voz baixa preencheu a biblioteca inteira. Ela
deu dois passos para frente na intenção de ouvi-lo melhor. — Sabia
que ele estaria ao meu alcance se eu fosse ao banheiro?
— Eu suspeitava.
— Certo. E sabia que eu precisava de ajuda com François.
— Isso não foi uma pergunta.
— Responda assim mesmo.
— Sim. Você estava claramente desejando livrar-se dele, por
isso decidi interferir.
Anthony bebeu o restante do seu drinque e apoiou o copo sobre
uma mesinha. Olhou-a por cinco segundos, cruzou a biblioteca,
segurou-a nos braços e a beijou.
Ele desejou beijá-la desde que se beijaram pela última vez — o que
não havia muito tempo. Quando Rosamund entrou na biblioteca,
Anthony suspeitou que poderia passar horas, um dia inteiro
beijando-a que não se cansaria nem sentiria sede ou fome. Assim
que seus lábios deitaram sobre os dela, teve certeza de que não
saberia mais ficar sem o sabor e a maciez da Srta. Taylor — o que
era uma completa loucura, considerando que os dois tinham planos
bem distintos para o futuro.
Mas era impossível negar que, sim, talvez ele estivesse um
pouco apaixonado por ela. O sentimento não lhe era novo. Anthony
era um homem de paixões fortes e intensas e que costumavam
durar semanas, no máximo. Ele amava suas mulheres, porém não
podia dizer que o que sentia por Rosamund fosse igual. A paixão
que ele conhecia estava ligada ao desejo físico, ao ato de fazer
amor.
Com Rose não havia esse grau de envolvimento, apesar do
desejo pulsar dentro dele desde que se viram pela primeira vez,
talvez não com tanta intensidade, mas Anthony notou aquela
centelha que poderia levá-los a um incêndio. Ainda assim, o que o
seduziu não foi vê-la nua nem saborear seus seios. Ele estava
fascinado por ela. A voz, a inteligência, o espírito aventureiro e a
sagacidade. Por mais mulheres que já tivessem passado por sua
cama, nenhuma era sequer parecida com ela.
Então ele não resistiu quando descobriu que aquela pequena
dama imprudente e audaciosa estivera arriscando sua reputação
para ajudá-lo na investigação. Não havia temor de envolver-se com
Rosamund que o fizesse ficar longe dela naquela noite.
Ela se alvoroçou ao ser assaltada por ele, mas logo se rendeu
aos carinhos. Rose era familiar e uma novidade, era um pecado que
ele já conhecia, mas que ainda ansiava cometer. Seus braços se
amoldaram às formas dela no instante em que os lábios se abriram
para recebê-lo.
A biblioteca era um lugar ruim para dar vazão aos seus
sentimentos, mas era a segurança de que ele não ultrapassaria as
barreiras que não deveria ultrapassar, como jogar a mulher sobre
um sofá e possuí-la.
— O que farei com você, Srta. Taylor?
Ele verbalizou a pergunta que estava em sua cabeça há dias. O
que faria com ela, já que não podia fazer o que queria? Rose estava
ofegante em seus braços e eles tinham as testas coladas.
— Eu não tenho objeções que continue o que estava fazendo.
As bochechas vermelhas indicavam que ela estava
envergonhada ou exausta do exercício de beijar. Anthony deu uma
risada baixa e a puxou para mais perto, erguendo-a parcialmente do
chão.
— Então você quer ser beijada? Por mim?
Os lábios dela se ergueram sutilmente e ela passou os dois
braços ao redor do seu pescoço antes de levar seus lábios até ele.
Ela não apenas queria ser beijada, Rosamund estava disposta a
tomar a iniciativa para ter o que desejava.
Anthony perdeu um pouco do controle do qual se orgulhava de
possuir. Segurou-a pela nuca, forçou a boca contra a dela, deixou
sua língua deslizar para saboreá-la de fora para dentro, levou as
duas mãos até os quadris e puxou Rosamund para cima,
pressionando-a contra sua dureza. Ela gemeu e correspondeu ao
beijo movendo-se para enlaçá-lo com as pernas.
Sabia que mesmo mulheres inexperientes eram capazes de uma
boa performance se estivessem excitadas o suficiente. Anthony não
costumava impedi-las ou restringi-las na paixão, por isso cambaleou
até o sofá que estava atrás de si até sentar-se, um pouco
desajeitado, para acomodar Rosamund em seu colo sem que os
lábios desencaixassem. Apesar da saia e das muitas camadas de
tecido que vestia por baixo, ela abriu os joelhos e se sentou por
sobre as pernas dele. Era uma posição escandalosa, indecente e
que não lhe custaria nem um minuto para arruiná-la por completo.
Os dedos delicados e ávidos dela percorreram e se cravaram em
seus cabelos quando ele subiu os carinhos dos quadris para a
lateral dos seios femininos.
As camisolas davam a ele mais acesso, mas Anthony nunca se
sentiu desafiado por um espartilho, antes. Ele não deveria, mas
queria fartar-se daqueles seios há bastante tempo, e não pretendia
que nenhum tecido estivesse entre eles e sua boca daquela vez.
Aproveitando-se da posição, abriu alguns botões da blusa de
babados que a cobria até o pescoço. Rose arfou ao sentir que ele
roçava os dedos por sua chemise e deslizava para afrouxar os laços
do espartilho.
— Anthony…
— Rose?
Ela riu, afastou-se um centímetro dele, inspirou uma grande
quantidade de ar e ergueu os olhos azuis para encará-lo. Havia uma
súplica nada velada no olhar que pedia algum indício de que ela
poderia confiar nele, mesmo que Anthony não soubesse o que
aquilo significava. Mulheres confiavam nele para lhes dar prazer
sem limites, mas não era exatamente aquilo que pedia a Srta.
Taylor. Ela queria a certeza de que não estava cometendo o maior
erro de sua vida, e essa ele não podia lhe dar.
— Você não tem objeções quanto aos beijos. — ele confirmou e
ela assentiu com um movimento de cabeça. — Quais são suas
objeções?
— Eu não saberia por onde começar a listá-las. Eu não sei… —
Ela baixou o olhar, envergonhada. — Não sei o que acontece.
— Sabe. — Anthony a fez erguer a cabeça segurando-a pelo
queixo. — Ao menos um pouco. Sabe que sente prazer aqui — ele
desceu uma mão e a tocou por entre as pernas, por sobre a saia —
e sabe que eu sinto prazer aqui — pegou a mão dela e a fez sentir
seu membro rígido outra vez. — Eventualmente, essas duas partes
se encontram e o prazer é incomparável. Mas imagino que você
saiba que é assim que se produzem os filhos e que se dá adeus à
virgindade.
— Talvez eu tenha objeções quanto a isso. Eu…
Ele entendia. Lordes costumavam exigir mulheres virgens, claro.
A virgindade era sacrossanta na sociedade britânica e uma
exigência para quase todos os casamentos — apenas mulheres
viúvas poderiam casar depois de defloradas sem serem rejeitadas
por seus maridos e rotuladas pela sociedade. Anthony sabia, no
entanto, que a maioria dos nobres só precisava de duas garantias:
que a dama casadoira tivesse um dote obsceno e que não estivesse
grávida de outro homem. Alguns até aceitariam mulheres grávidas
de outros se fosse possível confirmar que a criança a nascer seria
uma menina. Nobres falidos faziam qualquer coisa para salvar sua
honra e seu patrimônio perante a sociedade, inclusive aceitar
mulheres já violadas.
Mas ele não diria aquilo a Rose. Não havia forma de explicar a
ela aquela situação sem parecer que se tratava de um artifício para
reivindicá-la para si e depois abandoná-la. Sem precisar entender
melhor o que deixava Rosamund apreensiva — ela demonstrava
querer entregar-se a ele, mas sabia das consequências disso —,
Anthony voltou a beijá-la. Manteve as saias dela no lugar, cobrindo a
maior parte das pernas e todas as partes pudendas, e só voltou a
afrouxar o espartilho quando ela relaxou em seus braços. Aquela
mulher confiava nele e ele queria merecer a confiança dela.
À medida que o beijo ficava mais demorado e molhado, ela se
mostrava mais suscetível aos carinhos que ele fazia por baixo da
blusa. Anthony traçou com os dedos pelas partes descobertas,
afastou o espartilho, estimulou os mamilos com os polegares e a fez
gemer e se movimentar na direção dele para receber mais.
— Se nós formos para o seu quarto, poderemos fazer como da
outra vez?
A pergunta o fez parar com a mão sobre os seios fartos que
saltavam para fora da chemise.
— Você quer ir para o meu quarto? Não tem medo de se trancar
na jaula com o leão?
— Já estive nessa jaula antes. Sei que não me fará mal.
— Não deveria ter tanta certeza assim.
— Entendo. Eu estou confusa e talvez exausta. Deve ser por
isso que abandonei o decoro e o juízo aqui, em seus braços. Sinto
muito.
Rosamund levantou-se já fechando os botões de sua blusa e
dando passos para trás para se afastar dele. Céus! Como as coisas
podiam dar tão errado um segundo depois de parecerem tão certas?
Anthony precisava parar de pensar, era por excesso de raciocínio
que seu relacionamento com Rose estava complicado. Aquela era
uma situação na qual importavam os sentidos e os desejos, não o
que a cabeça de cima dizia — por mais estúpido que aquilo
parecesse.
Ele se colocou de pé em um instante e chegou até ela,
segurando-a pelas mãos.
— Se você continua pensando que meu receio refere-se a não
desejar você, Rose, está enganada. Eu estou além do meu controle
para me impedir de colocá-la sobre meu ombro e jogá-la em minha
cama. Por isso disse que não deveria acreditar tanto em mim, não
estou acostumado a ficar tão próximo de mulheres que não se
entregam totalmente para mim.
— E eu não estou acostumada a ficar tão próxima de homem
algum. Você me desorienta, milorde. Eu quero coisas que uma
dama casta não deveria querer, anseio por ser tocada em lugares
que eu não imaginava que pudessem produzir tanto calor e agora
mesmo tudo que preciso é que você me abrace e passe a noite
comigo, mesmo que seja só isso.
Ela desabafou, um tom mais alto do que seria devido, já que era
madrugada e eles podiam ser ouvidos. Os sons da cidade
desvaneciam a cada instante e conversar na biblioteca ficava mais
perigoso com o passar das horas e o avançar da noite. Não havia
decisão certa a se tomar, então ele respirou fundo e assentiu. Sem
dizer nenhuma palavra, deixou a biblioteca e subiu as escadas na
direção de seu quarto.
Capítulo décimo quarto
Q
sorte no instante em que Lorde Granville lhe deu as costas e saiu.
Rosamund não era qualquer mulher, ela sabia que ele a estava
autorizando a ir até ele. Depois de cinco minutos, ela cruzou toda a
distância que a separava da porta de madeira do quarto de Anthony
e entrou. Não bateu, não se anunciou, apenas entrou. Só havia a luz
da lareira para garantir o calor do quarto e todas as janelas tinham
as cortinas fechadas. Ele estava de pé no meio do quarto, de costas
para ela, retirando o colete. A peça de roupa caiu ao chão e foi
seguida pela gravata, que já não estava presa no pescoço do
marquês há algum tempo. Quando Anthony se virou, ele tinha os
olhos escuros como a noite sem estrelas e os lábios comprimidos
em uma linha fina. Os botões da camisa estavam abertos e os pés
descalços. Como ele conseguira retirar tanto de suas roupas em
menos de dez minutos ela não fazia ideia.
Rose estava cercada pelo predador. Aquele homem encarando-a
era um animal selvagem rondando sua presa, mas ela foi até ele
voluntariamente.
— Você está cheirando a champanhe. — ela constatou ao
aproximar-se perigosamente do marquês.
— Talvez eu devesse me lavar. Você pode esperar aqui se
quiser.
Passando por ela, Anthony pegou um roupão pendurado próximo
da porta e saiu. Rosamund olhou ao redor e se sentou na beirada
da cama. Precisava ir embora e ele estava lhe dando outra chance
de fugir, ficar ali implicava deitar-se com ele e permitir mais
intimidade, mas não era isso que a estava preocupando. Seu temor
não era que o marquês pudesse usar seu corpo ou vê-la sem
roupas, era que ele atingisse seu coração pelo caminho. Aquele
homem admirável, bem-humorado e inteligente também era
respeitador e ela já não conseguia mais ver defeitos que
desabonassem Lorde Granville. Se ela pudesse, se casaria com ele
no dia seguinte e não seria pelo título, mas porque queria passar
muito mais tempo conhecendo-o e desvendando-o, além de
suspeitar que ele não a impediria de pintar e exercer sua arte.
Só que ele não queria se casar, ela não sabia o motivo e estava
se perdendo por um caminho sem volta que a levaria à ruína.
A porta do quarto se abriu mais uma vez e ele entrou. Os
cabelos estavam úmidos, mas não molhados, indicando que
Anthony não tomara um banho completo. Não era possível fazê-lo
sem acordar toda a residência, portanto ele se lavou com água fria
do encanamento. Assim que entrou, descartou o roupão atoalhado
pelo chão e ficou diante dela em quase toda a sua exuberância.
Tudo que o marquês vestia eram suas ceroulas, justas o suficiente
para delinear todas as formas masculinas que deveriam ficar
ocultas.
— Vai se deitar assim? — ele perguntou, e um pequeno sorriso
se formou nos lábios perfeitos.
— Eu não tenho roupa de dormir. Não aqui.
— Você não precisa de roupas.
O sorriso aumentou e Anthony se aproximou dela, que levantou
em um sobressalto. Com movimentos lentos, ele levou os dedos aos
seus cabelos e retirou os grampos que prendiam o penteado já há
muito desfeito, permitindo que as mechas caíssem em cascata por
seus ombros. Depois, terminou de abrir a blusa e a retirou,
descobrindo o colo e os braços dela. Rosamund sentiu um calafrio
lhe percorrer, mas ele não interrompeu o que fazia, abriu os botões
da saia e também a fez cair ao chão. Usando anágua e calçolas, ela
não estava nem perto da nudez, porém sentia-se menos protegida
do que quando mantinha suas roupas. Isso não impediu Anthony de
desfazer o laço das anáguas e descartá-las junto ao espartilho.
Logo, tudo que cobria o corpo de Rose era sua chemise, suas
calçolas e as meias pretas de seda que vestira para a ocasião. Ele
se afastou moveu a cabeça para cima e para baixo em
concordância.
— Você é linda. Desde que nos conhecemos eu sonho com suas
curvas e desejo conhecê-las. Perder-me nelas.
Todo o sangue de seu corpo subiu para as bochechas e elas
arderam pela simples constatação de que Anthony Eckley a
desejava de alguma forma.
— Não sou como a maioria das damas que possuem cinturas
finas e seios pequenos.
— Todos os corpos femininos são lindos, cada um à sua
maneira. Você me permite ver o seu, Rose?
— Ver? Quer dizer, despir-me?
Ele assentiu e ela não sabia mais se estava assustada com as
palavras indecorosas ou ansiosa para atender qualquer pedido que
ele fizesse. Mesmo que não se sentisse corajosa, ela não disse não.
Aproximou-se dele com um passo e abriu um botão da chemise,
indicando que ele deveria fazer o restante. Anthony soltou uma
imprecação e devastou a trilha de botões que mantinha sua roupa
íntima no lugar para, em seguida, desamarrar cada laço da calçola.
Ajoelhou-se à sua frente, ergueu-lhe uma perna e enrolou a meia
com mãos habilidosas. Fez o mesmo com a outra perna e só então
desceu a calçola pelos quadris. Naquela posição ele estava olhando
diretamente para sua feminilidade exposta e nunca ninguém se
aproximou dela com tanta intimidade. Nem ela mesma costumava
olhar para suas partes femininas, mas elas estavam estranhamente
quentes e úmidas.
Anthony ergueu-se e fez cair a chemise. Todas as roupas
estavam espalhadas pelo chão, mas isso não era importante. A
forma como ele a olhava, sim.
— Eu posso tocá-la, além de admirá-la?
— Depende. Milorde ficará vestido?
— Para minha sanidade e para sua segurança, é melhor que
haja alguma barreira entre nós, minha querida. Mas eu não tenho
forças para impedi-la se quiser realizar alguma investigação por sua
conta.
— Lembro-me de você dizer que uma dama a quem tentasse
seduzir teria o direito de admirá-lo também.
— Então creio que eu precise manter minha palavra, não é
mesmo?
Rosamund quis rir e seus lábios se esticaram. Ah! Ela adoraria
investigar e explorar o Marques de Granville, principalmente porque
seus olhos não conseguiam parar de imaginar o que estava por
baixo daquelas ceroulas que parecia desesperado para se libertar.
Ela sabia que eram as mesmas partes masculinas que tocara antes,
mas como elas eram? Que formato e, que Deus a perdoasse, que
textura tinham?
— Se você pode admirar e tocar, desejo fazer o mesmo.
Como se dissesse “seja feita a vossa vontade”, Anthony atendeu
o pedido de Rose sem hesitar. Abriu os dois botões da ceroula e a
deixou cair aos seus pés. Em menos de dois segundos ele ficou
completamente nu à frente dela e, mesmo que a luz no quarto fosse
muito fraca e ela enxergasse quase que somente sombras, ainda
assim a visão era impressionante. Ela o vira por partes — o torso,
os braços, o traseiro e as costas —, assim como o tocara em partes.
Aquela era a primeira vez que ela o via por inteiro. Na verdade, era
a primeira vez que Rosamund via qualquer homem por inteiro e ela
nunca imaginou que Michelangelo errara ao estabelecer as
proporções de Davi.
O Marquês de Granville era um homem grande, largo e viril. Não
demonstrou nenhuma vergonha ou constrangimento em despir-se
para ela, mas Rose sabia que ele era um devasso. Ela também não
estava morrendo de constrangimento ou tendo uma apoplexia por
estar nua sozinha com um homem. Naquele momento Rose
entendeu para que serviam as roupas e porque elas cobriam tanto
das pessoas — se as mulheres se acostumassem a ver homens
como aquele, não se sentiriam motivadas a guardar a castidade.
Entendeu também que o marquês a desinibia por completo. Ela
não tinha mais pudores na presença dele e a intimidade que
compartilhavam ninguém poderia nunca saber. Rose teve uma
súbita preocupação de que jamais compartilharia algo assim com
seu próprio marido. Ou que ela não conseguiria mais se casar, pois,
não esperava conseguir ter vontade de estar com outro homem.
Anthony se aproximou dela. Deu dois passos curtos e eles
estavam tão perto que ela ouvia o coração dele bater no peito e o
ruído da respiração ofegante. Com uma das mãos ele tocou os
cabelos dela que caíam por sobre os ombros e desceu
acompanhando os fios até afagar-lhe os seios. Ela arfou. Como que
uma noite tão tumultuada se tornou ainda mais caótica?
— Rose. Eu quero fazer amor com você.
O coração dela retumbou dentro do peito. Ela duvidava ter
entendido corretamente a afirmação, porque não acreditava que
eles pudessem fazer aquilo sem que ela saísse arruinada daquele
quarto. Não que ela já não estivesse.
— Anthony, eu não sei como.
— Você pode confiar em mim? Como fez na outra noite? Confia
que eu saberei o que fazer?
Ela confiou a ele a sua vida, diante das situações que viveram
em Paris. Sem palavras, assentiu e permitiu que ele a tomasse nos
braços e a beijasse. Os lábios se tocaram em dissonância — ela
estava agitada e nervosa enquanto ele estava calmo. Os
movimentos do marquês eram comedidos e cadenciados,
planejados para garantir que ela não se assustasse e se sentisse
confortável.
O beijo era lento e molhado. As línguas se encontraram e o
toque aveludado com sabor de Bourbon a deixou parcialmente
embriagada. Por um momento, ela pensou que pudesse se dissolver
nos braços firmes que a envolveram e no contato do calor do corpo
rígido de Lorde Granville.
Ele a levou para a cama, suspendendo-a do chão e depositou-a
sobre os colchões macios. Ela já esteve naquela posição antes, mas
estava vestida e não havia uma promessa de que eles fossem fazer
amor. Ela entendia o que era, mas ignorava tudo que representava.
Com gestos elegantes como um felino, Anthony subiu na cama e
acomodou-se por sobre ela.
Rose sentiu todo o peso do corpanzil masculino e o calor que
irradiava da pele de Anthony quando ele a envolveu e voltou a beijá-
la. Por sua sorte a conversa pausou, já que ela duvidava ser capaz
de falar alguma coisa enquanto ele descia a boca para seu pescoço
e traçava uma linha sinuosa até seus seios. Usando a língua para
lavar sua sanidade embora, Anthony lambeu os mamilos e os
sugou.
As sensações eram inesperadas e confusas. Ao mesmo tempo
que se sentia atordoada, cada toque dele a levava a um novo grau
de excitação. Era indecente e delicioso a ponto de fazê-la querer
mais.
— Eu quis beijá-los desde a primeira vez na biblioteca. —
confessou.
— Espero não ter se desapontado. — Ela gemeu no instante em
que ele passou a língua pela aréola e mordiscou o mamilo.
— Sinceramente, não esperava que fossem tão deliciosos.
Sem pudor, Anthony desceu os beijos para a barriga dela até
que seus dedos roçassem nos pelos que cobriam sua feminilidade.
Ela sabia o quanto era prazeroso ser tocada ali, ele lhe mostrou
duas noites atrás. Aparentemente o prazer causava a mesma
dependência do ópio, já que ela não se demorou a retornar para a
cama do marquês. Sempre com movimentos lentos e planejados,
ele passou os dedos por sua abertura e a abriu como se ela fosse
uma flor na primavera. Antes que ela pudesse se envergonhar da
forma como Anthony admirava suas partes íntimas, ele desceu outra
vez a boca sobre ela e a beijou. Ali, em seu centro feminino, onde
ela mais queria recebê-lo.
O contato da boca quente fez com que ela arqueasse as costas
e gemesse. Rose quis perguntar o que ele fazia beijando-a em
lugares tão impróprios, mas o marquês era o mestre da sedução.
Ele a acariciou com a boca e a língua, com suavidade e força, até
que uma sensação irresistível crescesse em seu baixo ventre a
ponto de fazê-la querer gritar. Ela não entendia a necessidade de
vocalizar seu desejo, mas não podia. Reprimiu cada gemido e cada
murmúrio enquanto seu corpo convulsionava de prazer, até que a
boca dele voltou para a dela.
E . S
fosse habituada aos vícios masculinos, como beber, poderia dizer
que estivera embriagada e não podia responder por seus atos, mas
Rosamund não bebia nem costumava responsabilizar outrem pelos
erros que cometia. Ao sentir-se nos braços de Anthony Eckley, no
entanto, não conseguiu considerar suas últimas decisões como
erradas.
— Bom dia.
A voz masculina era grave e suave em seus ouvidos. Ele tinha o
mesmo cheiro da noite anterior, indicando que não despertara antes
dela e isso significava que Rose estava muito encrencada. Ainda
assim, ela não pulou da cama em desespero, apenas espreguiçou-
se esticando os membros e aceitou o beijo nos cabelos que ele lhe
dera.
— Por favor, diga que estamos em uma cena de Romeu e Julieta
e que não há uma cotovia cantando do lado de fora da janela, mas
um belo rouxinol.
Uma risada fez com que ela erguesse os olhos e encontrasse os
de Anthony. Ele tinha os lábios esticados em um sorriso e olheiras
da noite pouco dormida. A luz que entrava pelas cortinas ainda
fechadas era o indicador de que sim, era dia e que talvez um final
trágico Shakespeariano estivesse esperando por ela em algum
momento.
— É a cotovia, o arauto da manhã; não foi o rouxinol. — Ele a
encarou e recitou: — Olha, querida, para aquelas estrias invejosas
que cortam pelas nuvens do nascente. As candeias da noite se
apagaram; sobre a ponta dos pés o alegre dia se põe, no pico das
montanhas úmidas.
Rosamund deu uma gargalhada e se ergueu, apoiando o corpo
nos cotovelos, por sobre o peito masculino.
— Milorde não me parece um homem romântico que conhece as
falas de Romeu e Julieta. Estou deveras surpresa e de uma forma
positiva.
— Eu gosto de ler, mesmo que não propague essa informação
pelos quatro ventos. Libertinos não costumam prezar pela erudição.
E pare de me chamar de lorde, Rose, creio que já ultrapassamos
barreiras demais para formalidades.
— Não é formalidade, é diversão. — Ela beijou-lhe a pele
exposta e deixou que os dedos percorressem o torso masculino até
encontrarem a pequena cicatriz que ficara depois do acidente na
interceptação malsucedida da carga. — Mas eu preciso me levantar.
Não serei morta se não fugir para Mântua, porém serei o assunto
principal de todas as rodas de fofocas de Londres se não conseguir
explicar como desapareci de meu quarto.
— É tarde demais. Passa das nove da manhã, mas eu imagino
que tenha conseguido reparar os danos. Se você fugir pela janela
outra vez pode até conseguir enganar sua prima Gretha e dizer que
escapou para um passeio matutino.
— O que você fez?
Ela se sentou, curiosa, e puxou os lençóis para cobri-la. Apesar
do desprendimento na presença do marquês, Rosamund não estava
confortável em exibir-se nua para ele à luz do dia. Na noite anterior
estava tudo escuro e seu corpo não passava de sombras com
movimento, mas naquele momento a claridade era quase incômoda.
Não queria ser vista em suas imperfeições pelo homem mais
perfeito que conhecia.
— Pedi que Monty tomasse algumas providências. Para todos na
casa, você está indisposta. Uma criada tratou de espalhar a notícia.
— Céus, você envolveu os criados?
— Por uma boa quantia em dinheiro eles fazem tudo com muita
discrição.
— Parece-me que está acostumado a precisar que cubram seus
rastros.
— Estou. — ele confessou, passando uma das mãos pelos
cabelos que caíam por sobre seus ombros. — Monty cuida de mim e
não julga nem faz questionamentos. É tão eficiente que
providenciou até o que eu não pedi, mas imaginou que pudéssemos
precisar.
Anthony apontou para uma cadeira e lá estava um vestido limpo
e passado para que ela vestisse. Rosamund sentiu-se
envergonhada por precisar de uma operação tão delicada para
esconder o que fizera. Ela não sabia se queria esconder, não sabia
por que não podia sentir-se um pouco apaixonada por um homem e
demonstrar essa paixão. Ela não era comprometida com ninguém e
seu comportamento não era considerado infidelidade. Não havia um
noivo nem uma pessoa para quem jurara manter-se fiel diante de
um padre.
Bem, para alguns ela estava comprometida com um francês, era
verdade, mas era apenas um compromisso preliminar. Tanto ela
quanto ele podia desfazê-lo a qualquer momento sem maiores
prejuízos. Se a mentira fosse mantida, Rose poderia dizer que
houve uma perda de interesse por parte dele e nenhum orgulho
sairia ferido.
— Sinto-me uma criminosa. — Ela deitou outra vez, desabando
sobre os travesseiros. — Sei que descumpri pelo menos todas as
regras de decoro esperadas para uma dama e me entreguei à
devassidão e à indecência dos prazeres mundanos, mas não quero
acreditar que fiz nada errado. Não é como se eu fosse me deitar
com todo homem que encontro por aí.
— O que a fez se deitar comigo, então? Mesmo que, você sabe,
não tenhamos feito amor em sua totalidade.
Anthony deitou-se ao seu lado e apoiou a cabeça sobre um
braço em uma postura que ela considerou muito máscula.
— Eu gosto de você. — Ela baixou os olhos, incapaz de encará-
lo ao dizer aquilo. — Eu senti coisas com você que nunca senti com
ninguém mais e quis experimentar além. Imagino que seja assim
quando gostamos de alguém, não?
— Sim, é assim quando gostamos de alguém.
Ele se virou sobre ela e a imprensou contra o colchão. Beijou-a
nos lábios e acariciou seus cabelos de uma forma que não a fez
explodir de desejo, mas que a aqueceu por dentro. Ele estava sendo
carinhoso e terno, e Rosamund ainda não tinha visto aquele lado
dele.
— Anthony, qual é sua objeção quanto ao casamento?
A pergunta o fez rir e afastar-se ao mesmo tempo. Deitou-se de
costas e encarou o teto por longos segundos antes de formular uma
resposta, provavelmente certo de que qualquer uma a magoaria.
Não que Rose esperasse se casar com ele quando se trancou
naquele quarto ou estivesse planejando envolvê-lo em um
escândalo para forçá-lo ao casamento, ela apenas tinha curiosidade
sobre os motivos que levavam as pessoas a dizerem que o Marquês
de Granville não se casaria.
— Eu sou o irmão mais velho. Minha diferença de idade para
meus irmãos é grande, minha mãe perdeu dois bebês antes de ter
Leonard. Isso significa que eu vivi mais tempo com meus pais e vi o
que um homem como eu pode fazer com uma esposa.
— Não sei se entendo.
— Sou como meu pai. — Ele se virou para ela outra vez. — Um
libertino. Amo todas as mulheres e elas me adoram. Não sou como
os devassos que você conhece, eu não as uso, nem as magoo,
Rosamund. Eu lembro do nome delas, eu mando felicitações
quando elas se casam ou têm filhos. Mas eu também sei que não
conseguirei dedicar-me a uma esposa como ela merece.
— Ainda não sei se entendo. Se você é tão passional, então
quando se casar vai…
— Os Eckleys não são fiéis. — o marquês disparou,
interrompendo-a. — Nenhum Eckley até hoje foi, mas a minha mãe
não superou a infidelidade de meu pai. Eu a vi sofrer, definhar, se
tornar uma mulher fria e distante porque ele não a amava com
exclusividade. Jamais terei coragem de impor à minha esposa esse
mesmo fardo.
Oh! Rosamund não esperava que ele fosse se abrir, revelar
aquele segredo tão íntimo para ela. Queria saber, claro, estava
curiosa para entender por que ele não seria o nobre com título que
pediria sua mão ao pai e realizaria todos os desejos de sua família
de uma vez. Ainda assim, esperava que ele dissesse algo diferente,
menos sofrido. Um jovem que vira sua mãe atormentada pelas
amantes do marido tinha péssimas impressões sobre o casamento,
parecia bastante sincero.
Mas ele era agora um homem adulto. Não podia mesmo
acreditar naquela bobagem de que “nenhum Eckley era fiel”. Ela não
acreditava.
— Eu sinto muito. — Ela levou uma mão até o rosto dele e o
acariciou. — Porém, você está enganado. Não existe um destino
traçado para a infidelidade nem ela está no sangue da sua família.
— Você não pode saber, Rose.
— Posso, porque isso é improvável. Talvez você não queira
admitir que seu pai não amava a sua mãe acima da vida de
perdição que ele levava, que ele tenha se casado com ela apenas
para atender às exigências sociais e prover herdeiros para o
marquesado.
Ela também não acreditou que falara tudo aquilo para ele. Sim, o
marquês era um perigo, porque ele tirava sua inibição e seus filtros
sociais. Tudo que aprendera a não fazer não se aplicava quando
estava com Anthony. Pensou que, depois de despejar sua opinião
sem que ela fosse solicitada, iria ser expulsa da cama ou que ele
ficaria aborrecido com ela, mas surpreendeu-se outra vez.
Com uma expressão perturbada, porém gentil, Anthony a
segurou nos braços e a beijou, daquela vez com mais intensidade.
Rosamund sentiu sua masculinidade enrijecer por baixo do lençol e
aproximar-se perigosamente do vão entre suas pernas. Ela se
pegou desejando que ele fosse além.
— Eu também gosto de você, Rosamund Taylor. E é por isso que
eu não posso desposá-la. Se eu a machucasse, jamais me
perdoaria.
— Então não me machuque.
Pela forma como ele a olhou, o assunto estava encerrado
mesmo que nenhum argumento saísse vencedor. Anthony não
pretendia ceder, ela não imaginava meios de persuadi-lo a ver as
coisas como ela via. Se ele não estava disposto a magoar os
sentimentos de uma esposa, isso já significava que ele não a trairia
— a não ser que fosse um combinado do qual ela aceitasse.
— Pedirei que Monty providencie um banho e comida. Você só
sairá deste quarto pronta para enfrentar sua prima.
— Gretha?
— Infelizmente não conseguimos fazer com que ela acreditasse
na nossa mentira.
Aquele sim era um desafio para o qual Rosamund não estava
preparada, ainda. Não conseguiria mentir mais uma vez, acabaria
contando a verdade e isso faria com que a prima a detestasse ou a
rejeitasse. Talvez conseguisse que não falasse para seu pai, que
mantivesse seu segredo, mas ela duvidava que Gretha fosse
respeitá-la depois de descobrir sua falha.
Não que ela considerasse uma falha. Olhando para Anthony, que
se levantou e caminhou completamente nu até a janela para abrir as
cortinas, Rose não conseguiu se arrepender em nenhum instante de
nada que tenha feito em Paris.
E
. Londres tinha várias, mas todas aconteciam em bairros pouco
favorecidos e envolviam pessoas com quem seus pais não a
deixariam confraternizar. Eles nem sequer a deixariam frequentar
tais bairros, então Rosamund não ia a tavernas, bares, teatros ou
outros eventos em lugares como Whitechapel ou St. Giles. Foi por
isso que ela decidiu aproveitar quando viu que havia um festival no
caminho para a torta prometida por Lorde Granville.
Não notou que se soltou dele, também demorou a notar que ele
se colocou ao seu lado pouco tempo depois. Manteve uma mão
protetora em suas costas e olhava por cima de sua cabeça para
todos os lados, menos para as apresentações. Apesar da
proximidade, Anthony manteve uma distância respeitosa,
encostando nela o mínimo necessário. Em público ele não agia
como o devasso que era, e isso a confundia. Era por não querer que
pensassem que ele a cortejava, ou porque preferia preservá-la?
Claro que a segunda opção, já que o marquês não a cortejava.
Ele não deu nenhum indício de que queria qualquer envolvimento
com ela além do que já tinham compartilhado, mesmo que tivesse
aparecido no ateliê e a convidado para um passeio.
— Eles são tão talentosos! — Rosamund disse, depois que se
afastaram um pouco da multidão. — Ah! Eu adoro o clima
parisiense. Tanta arte e tantas festividades!
— Londres também é bastante festiva. — ele completou.
— Sim, mas eu apenas frequento as festividades enfadonhas da
nobreza ou dos endinheirados como minha família. Gosto de teatro
e ópera, milorde, mas também gosto de coisas mais simples e
humanas.
— E ópera não é humana, Srta. Taylor?
— O senhor me entendeu, não coloque palavras na minha boca.
— Realmente, há coisas melhores para fazer com essa boca
linda.
Ela quase parou de respirar e se engasgou enquanto o maldito
libertino ao seu lado deu uma risada e apertou seus dedos que
repousavam no braço dele. Anthony parecia gostar de vê-la irritada
ou falando bobagens e perversões. Rosamund ainda não encontrara
ninguém que a fizesse ser tão autêntica e que derrubasse todas as
barreiras que construíra para ser uma dama perfeita da sociedade.
Chegaram ao Café de Flore e ele pediu que servissem a torta do
dia — seria uma surpresa — e café. Ela se sentou de frente para ele
desejando sentar-se ao lado, mas nem mesmo depois do
casamento homens e mulheres costumavam demonstrar tanta
intimidade. Apesar disso, depois de tirar as luvas Anthony segurou
suas mãos entre as dele.
— Você está bem, Rose?
A pergunta a surpreendeu. Esperava que ele fosse começar
falando da investigação, mas ele demonstrou preocupação com ela
— mesmo que não julgasse necessária. A resposta não veio fácil:
ela estava bem, porém confusa. Queria abrir-se com ele e dizer
todas as verdades de seu coração, mas sabia que isso o assustaria
e faria com que o marquês a abandonasse. Rosamund queria que
suas memórias de Paris fossem todas perfeitas.
— Estou um pouco faminta e talvez cansada. Minha cabeça já
doeu bastante, creio que seja porque Gretha está muito aborrecida
comigo.
— Sua prima superará. — Ele levou os dedos dela à boca e os
beijou, fazendo com que calor subisse por seus braços. — Você
quer saber o que descobri ontem quando fui me limpar do banho de
champanhe?
— Sim, eu anseio por isso.
— Confirmei que nosso alvo está traficando armas, não
informações.
Ele disse a frase com calma e em baixa voz, mas o fato de dizê-
la indicava que estavam em lugar seguro.
— E isso é possivelmente pior?
— Sim, e também mais perigoso. Tentarei conseguir alguma
prova do que descobrimos, mas precisamos parar de investigá-lo
ostensivamente. Descobri onde será a entrega e talvez haja outra
interceptação, por isso preciso pedir que se afaste. Não a quero se
arriscando dessa forma.
— Mas, Anthony, se ele é mais perigoso do que pensávamos,
então temos que agir! Posso continuar procurando documentos na
casa. Com cautela, claro, porém não podemos…
— Rose. — Ele virou a mão dela e beijou a palma. Se pretendia
distraí-la, estava fazendo um trabalho excelente. Rapidamente, a
imagem daqueles lábios percorrendo todo o seu corpo a fizeram
estremecer. — É perigoso demais. Eu e Pierre cuidaremos disso.
— Voltará para Londres?
— Não, enquanto não tiver a prova.
Ela assentiu com um movimento brusco de cabeça no momento
em que uma atendente de avental com babados trouxe a comida
que pediram. Sorrindo para Anthony, ela esbarrou propositalmente
nele e encostou-se de forma a provocar um contato inadequado.
Rosamund sentiu vontade de brigar com a mulher, mas era claro
que o marquês conhecia de forma íntima todas as empregadas dos
cafés parisienses.
— Outra conquista sua?
— Isabelle é filha do dono. — Ele pigarreou. — Faz algum tempo
que não venho a Paris, elas estão apenas me cumprimentando.
— Sei. Além da notícia sobre encerrarmos nossas investigações,
há algo mais que tenha motivado esta reunião?
— O que você está pintando agora?
Rosamund olhou para sua torta cheia de creme com chocolate e
morango e suspirou. Deveria ser o rio Sena, mas não se parecia
nem com um rio. Ela tinha uma memória excelente e sabia bem
como pintar paisagens, porém, estava falhando em concentrar-se.
Madame Beaury-Saurel a incentivava, dizia que o talento dela
poderia estar direcionado para retratos, mas Rosamund sabia que o
problema com sua pintura tinha nome e sobrenome: Anthony
Eckley.
— Qualquer coisa que seja uma paisagem. Preciso aprender
outras técnicas e estou me aproveitando de minha mentora. O
problema é que gosto de pintar pessoas.
— Então pinte pessoas, oras. Você não precisa ser ótima em
tudo, Rose.
Ele tinha razão, a própria Madame Beaury-Saurel lhe dissera
aquilo, porém, Rosamund estava acostumada a ser perfeita ou a
fingir perfeição sempre. Era o que esperavam de uma dama da
sociedade, então ela precisava ser. Só por ele achar que não, já o
tornava o melhor homem dentre os aristocratas.
Foi então que ela pensou em uma forma de não encerrarem o
contato. Com o fim da participação dela nas investigações, ela
suspeitava que eles não teriam mais momentos sozinhos, que não
se encontrariam mais pela madrugada e não estava preparada para
afastar-se de Anthony. Sabia que precisava, apenas não queria.
Não ainda.
— Você poderia posar para mim outra vez?
— Preciso posar? Você disse que tem boa memória.
— Se eu estiver olhando para o que vou pintar, consigo ir mais
rápido.
— Certo, eu poso para você, Rosamund Taylor. Onde vamos
fazer isso, no ateliê?
Não, Lorde Granville. Para um homem tão esperto, ele dava
muito crédito à inocência dela. Por certo Rose não desejava pintá-lo
no ateliê, porque ela não pretendia pintá-lo vestido.
— Em seu quarto. O meu não é nada discreto, empregadas
entram e saem o tempo todo e o seu parece guardado por seu
valete.
— Durante o dia?
— O melhor horário para pintar é com o sol da manhã. E à tarde
e tenho aulas. Milorde tem as manhãs disponíveis para mim?
Pela forma como ele sorriu ela entendeu que sim, ele teria para
ela todo tempo que quisesse. Rosamund só precisava ter certeza
que estava pronta para aguentar as consequências de continuar
envolvida com o marquês. Quanto mais tempo eles passassem
juntos, mais risco corria a sua virgindade.
E
Anthony e observou o movimento de convidados chegando. Não
sabia onde estava o visconde e suspeitava que a chegada súbita do
Sr. Prescott tivesse o dedo do marquês envolvido.
— Não vai haver dança, vai?
— Não sei, mas você não dançará com Rondale.
— E se eu quiser?
Anthony virou-se para ela com a confusão estampada em seu
rosto.
— Você quer?
— Pare de responder uma pergunta com outra, milorde. Se eu
quiser dançar com o barão, o senhor me impedirá?
— Claro que não. — Ele voltou a olhar para frente. O Sr. Prescott
vinha na direção deles. — Nunca a atrapalharia se estivesse
interessada em Rondale, porém preciso avisá-la que ele quer
apenas o seu dote.
— Todos os nobres que se aproximam de mim querem apenas o
meu dote.
— Por Deus, Rose! Você quer casar com Rondale?
Ela não suportou e caiu na risada. Precisava manter a pose e
agir como uma dama, porém, eles estavam em Paris, e nenhuma
mulher ali guardava os trejeitos afetados da aristocracia britânica.
Ela poderia dar uma gargalhada audível o suficiente para
constrangê-la que ninguém se importaria.
— De jeito algum, eu prefiro morrer solteira. Mas eu precisava
saber se respeitaria minhas escolhas.
— Eu jamais desrespeitaria você, mesmo que sua escolha fosse
equivocada.
O Sr. Prescott interrompeu a conversa. Ela estava mais que
satisfeita em saber que ele, mesmo tendo objeções quanto ao
barão, não a impediria de fazer o que desejasse. Aquela era uma
experiência nova para Rosamund, que se acostumou a fazer o que
mandavam e era proibida de quase tudo. Cada hora que passava
fazia com que o marquês se tornasse o candidato ideal a marido.
Depois dos cumprimentos de praxe, o Sr. Prescott serviu-se de
Bourbon e juntou-se a eles em definitivo.
— Estamos esperando alguma coisa?
— Talvez. Desconfio que ele tenha armado esse espetáculo para
nos entreter e poder fazer seus negócios.
— Mas a entrega já não foi programada? Por que ele precisaria
de mais encontros arriscados para tomar decisões que já foram
tomadas?
— Algo pode ter dado errado ou pode ter precisado mudar?
Ela respondeu mesmo sem achar que poderia interromper a
conversa dos homens. Preparou-se para ser repreendida, mas o Sr.
Prescott coçou o queixo e refletiu por alguns segundos.
— Pode ser. Vamos manter nossa atenção no anfitrião.
— Chamei-o por isso. Preciso garantir que a Srta. Taylor não
seja molestada por um pretendente inconveniente que não aceita a
rejeição que sofreu, então tenho duas missões hoje à noite.
— Você não precisa garantir nada. — ela interferiu outra vez. —
Se Rondale se aproximar de mim, darei um jeito de lidar com ele.
O marquês fez uma careta e resmungou alguma coisa
ininteligível. Pela risada do Sr. Prescott, ela imaginava que o
comportamento de Anthony estivesse atípico. Gostou de despertar
qualquer coisa nele — quer fosse desejo, alegria ou fúria, ela
gostava quando ele sentia algo ao seu lado.
O mordomo circulou pelos convidados informando que não
haveria jantar formal e que uma mesa com iguarias estava
disponível para quem quisesse se servir. As portas laterais da casa
estavam abertas, permitindo que os convidados fossem para os
jardins e caminhassem pelos caminhos de pedra, por entre arbustos
de flores. Estava frio, ventava um pouco e a noite não estava das
mais agradáveis para o ar livre, mesmo assim a oferta era
tentadora.
Com a movimentação de pessoas por entre dois salões, aquele
em que eles estavam ficou menos cheio. Foi quando ela viu Lorde
Finley descendo as escadas, tentando ser discreto para que
ninguém o notasse se ele não quisesse. Ninguém o anunciou, então
ele poderia passar quase despercebido por seus convidados já que
havia muita gente na casa.
Anthony também o percebeu e ela o sentiu hesitar. Queria
planejar uma forma de aproximar-se do visconde sem ser visto, mas
não queria sair do lado dela. Aquilo era ridículo.
— Eu não irei a lugar algum e prometo não dançar com o barão.
— Ela segurou no braço dele e acariciou-o por cima do casaco. —
Faça o que precisa fazer, saberei me cuidar.
Ele assentiu, porém, a música começou a tocar em algum lugar.
Portas duplas se abriram e eles puderam ver um salão de baile
ornamentado, onde o quarteto de cordas estava então posicionado
tocando composições tradicionais. Começaram com uma valsa
vienense, uma das preferidas de Rosamund.
— Farei tudo que precisar depois que me conceder uma dança,
Srta. Taylor.
Alguns casais formados já caminhavam para o salão. Anthony
lhe estendeu a mão para que ela aceitasse e o acompanhasse.
Rosamund gostava de valsar e não se importaria em passar algum
tempo nos braços do marquês. Não vendo motivos para recusar,
segurou a mão enluvada de Lorde Granville e o seguiu na direção
da música.
S , A
Rosamund. Como prometeu a ela, todas as valsas e quadrilhas
seriam dele, mas aquela não era uma opção. O maldito traficante de
armas que respondia por Visconde Tinsdale estava perambulando
por aquela festa com algum estrangeiro para negociar a guerra nas
colônias e ele precisava descobrir por quê. Se a entrega da carga já
estava marcada, não havia motivos para mais negociações. O que
indicava que eles estavam mudando os planos.
Sem se envolver com Pierre, pois eles não podiam ser vistos
como amigos, o marquês ouviu o burburinho dos convidados e
perguntou aos criados onde poderia encontrar seu alvo. Alguns
disseram que ele ainda não havia aparecido no próprio evento,
outros disseram que estava no escritório. A casa tinha mais de cem
cômodos e pelo menos três escritórios em posições opostas,
distantes demais para que ele pudesse cobri-los sem arriscar perder
o rastro.
Era como procurar agulha em um palheiro. Segurando um copo
de Bourbon nas mãos, Anthony saiu perambulando pelos corredores
daquela mansão enquanto apurava os ouvidos para captar qualquer
conversa suspeita até que, já desanimando e achando que se
enganara sobre haver uma transação acontecendo na casa,
percebeu movimento no jardim e foi investigar.
Anthony não saberia dizer como se controlou para não matar
Rondale, mas, ao vê-lo agarrado à Srta. Taylor enquanto ela se
debatia para soltar-se dele, voou furioso para cima do barão e fez o
que desejava há dias: arrebentou-o com socos. Não foi o suficiente,
sua vontade era bater tanto no maldito que ele não pudesse ser
reconhecido nem depois que os ferimentos curassem. Não o fez
para não assustar Rosamund e porque ela precisava dele.
O problema era que, depois daquilo, não podiam mais continuar
na casa. Se eles saíssem, Finley descobriria que eles sabiam de
algo, mas, se eles ficassem, ela estaria em risco. Se o barão não
estivesse envolvido nos crimes do visconde, ele seria um perigo
para a virtude de Rosamund, mas, se estivesse, então a vida dela
estaria em risco.
— Monty. — Ele encontrou o criado parado como uma estátua
observando o movimento. — Você viu o visconde?
— Ele está entre seus convidados, milorde.
Era possível ver Finley realmente envolvido com as conversas
espalhafatosas de um grupo de cavalheiros. Anthony suspeitou que
seu valete estivesse prestando atenção específica no homem para
poder lhe prestar informações, mas precisava de outro tipo de ajuda.
— Temos que fazer uma evacuação. — falou em baixa voz. —
Preciso retirar a Srta. Taylor e sua prima da casa.
— Elas estão juntando seus pertences?
— Não, a Srta. Taylor está na carruagem de Pierre na rua dos
fundos esperando por mim. Você precisa entrar no quarto delas e
arrumar uma bolsa com roupas para uma semana para cada uma.
Antes disso, pretendo retirá-las de Paris.
— Devo preocupar-me, milorde? Estamos em perigo?
— Talvez, ainda não tenho certeza. Mas se elas ficarem aqui,
certamente correrão risco. Vá, eu manterei os olhos em Finley.
Enquanto vigiava o visconde e garantia que ele não fosse
avisado que algo acontecera no jardim, Anthony localizou Pierre
fazendo o mesmo — espreitando o alvo. Com um movimento de
cabeça, chamou o colega para perto e se aproveitou da privacidade
da passagem dos garçons para pedir que ele tomasse uma
providência. Alguém devia retirar Gretha Hawthorne da casa e não
seria o marquês a fazer isso.
Uma das vantagens em trabalhar com o amigo era que ele não
fazia perguntas antes de agir. Assim que recebeu o pedido, pôs-se a
procurar a prima de Rosamund — o que ele faria para retirá-la da
casa era problema de Pierre. Ele também sabia que qualquer
evacuação aconteceria pela carruagem que ficava localizada
estrategicamente e com um cocheiro treinado. Aquela era uma
operação excitante. Se não fosse pelo medo súbito e inesperado de
que algo ruim acontecesse a Rosamund, ele estaria festejando a
movimentação.
Meia hora depois, seu valete o cutucou por trás, chamando-o.
Ele se esgueirou pelas pilastras e paredes decoradas até se enfiar
em outra das passagens dos criados para encontrar Monty
segurando uma bolsa de couro.
— Providenciei o que me foi pedido, milorde. O que faço agora?
— Vamos sair, Monty. Vá para a carruagem que já estou
chegando.
Aquela era a primeira vez que ele e Pierre faziam uma
evacuação. Mantinham sempre um veículo de fuga, mas nunca
precisavam usá-lo, porque não costumavam envolver-se em
missões arriscadas. Havia outros destacados para as ações que
representavam risco real de morte, porém, aquela os pegou de
surpresa.
Duas coisas o preocupavam quando tomou a decisão de sair da
casa. A primeira era que Rondale tentasse algo contra Rosamund
outra vez. Se o barão chegasse perto dela, ele o mataria daquela
vez e não pretendia ter que desovar um corpo no rio. A segunda era
que o maldito estivesse envolvido com Finley e contasse que ela
estava os espiando. Mesmo que falassem em alemão e que ela
fosse, para todos os efeitos, uma moça tola, o visconde poderia
decidir eliminá-la.
Passando pelas partes mais escuras da casa e do jardim,
Anthony chegou até onde o esperavam. Monty estava na parte de
cima da carruagem com o cocheiro, e Pierre já aguardava com as
duas mulheres. Ao entrar, sentou-se de frente para Rosamund já
que Gretha estava ao lado dela.
— Os senhores estão nos sequestrando? — a prima perguntou.
— Devo informar que minha família não é rica.
— Isso não é um sequestro, Srta. Hawthorne. — Pierre bateu no
teto e a carruagem saiu, o mais silenciosamente possível, pelas
ruas da cidade. — É um salvamento.
— E do que estamos sendo salvas?
— Meu amigo Granville ainda não me contou.
Rosamund estava muda ainda, olhando para fora e com o braço
pendurado na tipoia. Ninguém notou porque ela estava quase
recostada na lateral da carruagem, mas Anthony sabia que ela
sentia dor e estava muito assustada. Quis segurá-la em seus
braços, mas ali, naquela confusão do momento, não conseguiu.
Levou uma das mãos até ela e acariciou-a na face. Quando os olhos
dela pousaram sobre os seus, estavam turvados por lágrimas.
— Houve um incidente no jardim. — o marquês disse sem olhar
para ninguém mais. — O Barão Rondale tentou violar a Srta. Taylor.
Gretha levou a mão à boca para esconder uma interjeição de
horror.
— Pelos céus, Rose, eu não fazia ideia… você sumiu da festa,
pensei que estivesse com… com…
— Comigo? — Anthony riu.
— Sim, milorde, com o senhor.
— Bem, se ela estivesse comigo não estaria ferida nem vocês
estariam expostas. Algo aconteceu e não era mais seguro permitir
que ficassem na casa. O visconde está aliado ao barão para
arruinar a Srta. Taylor e forçar um casamento entre eles.
A notícia atingiu Gretha mais uma vez, emudecendo-a.
— Imagino que mais coisas tenham acontecido para justificar
uma evacuação completa. — Pierre insistiu. — O que não está
contando, Granville?
— A Srta. Taylor inadvertidamente ouviu uma conversa suspeita
e perigosa entre o visconde e alguns homens. Se ele souber que ela
estava lá, pode decidir que deve eliminá-la.
— Eliminar? O senhor quer dizer matar?
— Sim, Srta. Hawthorne. Matar. A Srta. Taylor corre risco, por
isso, esta fuga é um salvamento.
— Para aonde vamos, Anthony? — Rosamund perguntou.
A voz dela estava um pouco embargada e ele odiava que
qualquer coisa desagradável tivesse acontecido com ela a ponto de
abalá-la tanto.
— A um lugar seguro que Pierre mantém nos arredores de Paris.
— Um esconderijo? — Ela riu, finalmente, e ele sentiu alívio por
ver um sorriso nas sombras. — Isso é excitante.
Ela continuou a sorrir e segurou sua mão com os dedos firmes.
Anthony não sabia se já experimentara algo como aquela sensação,
mas ele chegou à conclusão que mataria e morreria por aquela
mulher que estava ali na sua frente.
Ela quase não sentia dor quando chegaram ao destino, uma casa
grande de dois andares, porém bem mais modesta que a mansão
do Visconde Tinsdale. Ninguém os esperava, não havia criados
naquele horário e a casa estava às escuras. O valete do Marquês
de Granville e o cocheiro entraram e começaram a acender
lamparinas. Anthony e Pierre — ela não conseguia mais o ver como
Sr. Prescott depois de compartilharem tantos momentos intrigantes
— ajudaram-nas a descer da carruagem e as conduziram para
dentro com algumas bolsas de couro.
Quase tudo que ela tinha ficou na casa do visconde, e
Rosamund não sabia se recuperaria o que perdeu. Não parecia
importante se ela estava em segurança, mas não esperava que sua
estada em Paris conduzisse a uma situação tão extravagante
quanto aquela.
Todos se reuniram em uma sala grande, mobiliada e cheia de
sofás, livros e objetos de decoração. Monty serviu uma dose de
brandy para as mulheres e entregou uma taça pequena para cada
uma.
— Beba, só dessa vez. — Anthony aproximou-se dela. — Vai
ajudar quando eu for consertar seu braço.
— O que houve? — Gretha perguntou. A prima ainda não
percebera que ela estava ferida. — Como isso aconteceu?
— Eu lutei com aquele homem horroroso quando ele tentou me
beijar à força.
— Vou resolver isso em um minuto, mas acho que agora
precisamos descansar. Já é tarde. Pierre ficará aqui ou voltará para
casa?
— Voltarei, assim evitamos muitas alterações de rotina.
Os homens se despediram com movimentos de cabeça, como se
houvesse alguma comunicação secreta entre eles, e Pierre saiu
pelos fundos. Anthony e o valete apagaram as lamparinas
novamente e, segurando apenas uma, foram levar as mulheres até
seus quartos. Eram muitos quartos no andar superior, Rosamund
contou três portas apenas de um lado do corredor. Para uma casa
modesta, aquela era bem satisfatória. O marquês abriu uma porta e
indicou que Gretha deveria entrar. Desejou-lhe boa noite e, ao invés
de abrir a porta seguinte para acomodar Rose, levou-a até o outro
lado do corredor.
Ele a empurrou para dentro do quarto e colocou a lamparina
sobre uma mesa. O espaço era também satisfatório, tinha uma
cama grande, janelões cobertos por cortinas pesadas, uma cômoda,
lareira, mesa e cadeiras. Um sofá pequeno completava a decoração
desprovida de obras de arte ou quadros. As paredes eram cobertas
por papel de parede claro, com pequenas flores em tons rosados.
Ajoelhando-se em frente à lareira, Anthony começou a acender o
fogo.
— Seu valete não fará isso por você?
— Monty está bastante ocupado hoje e ele já ajudou bastante.
Creio que sou capaz de cuidar de uma lareira.
Ah! Ele era bem capaz. Rosamund tinha a impressão
equivocada de que todos os membros da aristocracia eram
preguiçosos e não sabiam fazer nenhum trabalho, mas o marquês a
surpreendia todo dia. Além de preparar ótimos sanduíches, costurar
ferimentos e preparar fugas teatrais, ele também acendia a lareira
sem nem mesmo sujar a camisa branca com fuligem.
Sentindo algum incômodo, ela se sentou na beirada da cama.
Não sabia ainda se aquele quarto era dela ou dele, se ela podia
sentir-se confortável naquela cama ou se ele a levaria para outro
lugar depois. Esperava que não precisasse sair dali, na verdade,
esperava que Anthony também ficasse com ela. Estava assustada e
ainda um pouco em choque pelo que acontecera a poucas horas no
jardim do Visconde Tinsdale, e não desejava dormir sozinha em um
lugar desconhecido.
Diria isso para ele, mas a forma como Anthony se levantou e
caminhou em sua direção sugeria que ele não pretendia deixá-la.
Como já fizera outras vezes, o marquês tirou o paletó e o acomodou
no encosto de uma cadeira para depois dobrar as mangas da
camisa duas vezes até expor os dois antebraços. Aproximou-se dela
com cautela, retirou o braço da tipoia e segurou-o nas mãos.
— Dói?
— Não muito.
— Preciso colocá-lo no lugar, mas há roupa demais. Vou abrir
seu vestido. Você me permite, Rosamund?
Ela achou que ele não precisaria mais pedir para despi-la. Eles
já haviam compartilhado tanta intimidade que era como se nenhum
segredo permanecesse entre eles. Ainda assim, gostou que ele
tivesse o cuidado de preocupar-se com ela a ponto de não fazer
nada sem que ela soubesse ou autorizasse. Rose assentiu com um
movimento silencioso e ele fez a mágica dos libertinos: abriu botões
e soltou laços com tanta habilidade que ela quase não percebeu.
Devagar, ele se acomodou atrás dela, ajoelhando-se no colchão
e apoiando suas costas em uma das pernas. As mãos dele a
seguraram com firmeza e ele desceu a cabeça até beijá-la no
pescoço.
— Vai doer, mas é só na hora. Passa logo. Feche os olhos,
Rose.
Ela fez o que ele pediu e ouviu um estalo seguido de uma dor
horrível que a impulsionou a soltar um grito capaz de acordar todo o
quarteirão. Como ele prometeu, logo passou e ela se sentiu tola por
gritar. Pela posição que estava, Anthony deslizou as pernas para a
sua lateral, puxou-a para mais perto e acomodou-a quase em seu
colo. Rosamund recostou as costas no peito ainda coberto dele e
relaxou — a sensação era boa, de segurança e conforto.
— Você é muito habilidoso, milorde. Como aprendeu a fazer
isso?
— Sempre fui um menino muito indisciplinado. — Ele riu,
passando os braços ao seu redor e a aconchegando em um abraço.
— Tive pelo menos duas fraturas e várias lesões menores. Meu pai
quase me enviou para uma escola interna antes da época, mas ele
não prestava tanta atenção assim na gente para se importar.
Contanto que eu estivesse vivo…
— Onde ocorreram as fraturas?
— Uma foi na perna, um pouco abaixo do joelho, causada por
um coice de cavalo. Outra foi no braço.
Anthony apontou para o braço esquerdo, mas ela não via
nenhuma cicatriz nem nada que indicasse que aquela estrutura
belíssima tivesse sofrido algum dano. Rosamund passou os dedos
nos pelos escuros que cobriam o antebraço exposto, como se
estivesse explorando uma nova textura. Ele abriu a mão para
permitir que ela continuasse a desbravá-lo, dando espaço para que
ela delineasse cada dedo, cada veia que saltava por baixo da pele,
cada estrutura óssea que fosse possível traçar.
Todos os homens eram iguais — ossos, músculos, tendões,
veias, pele e pelos. Ela vira vários desenhos e esculturas que
representavam a magnitude humana, mas, ainda assim, aquele que
estava ali com ela, despertava-lhe coisas que Rosamund não sabia
ser capaz de sentir.
— Você está se sentindo melhor? — ele perguntou, sussurrando
em seus ouvidos.
— Estou bem. Pode ser efeito do Brandy?
— Talvez, mas você bebeu só uma pequena taça. Vamos dormir,
Rose? Deixe-me colocá-la na cama.
— Não. — Ela virou o pescoço para olhar para ele. — Fique na
cama comigo. Não me deixe sozinha, Anthony.
— Quer que eu chame sua prima? Ela pode…
— Eu quero você.
Oh, céus! Rosamund esperava que as palavras que estavam
saindo de sua boca pudessem ser atribuídas ao licor, mas duvidava.
Gretha era uma boa companhia, porém, não eram os braços dela
que Rose queria sentir ao seu redor, nem a voz dela que desejava
ouvir. O episódio com o barão a deixou muito assustada e ainda não
tivera tempo para entender tudo que lhe acontecera.
Foi agredida, atacada, quase violada, depois precisou ser
retirada da casa onde estava e perdeu parte de seus pertences. De
repente, tudo a atingiu como uma onda e ela convulsionou em
lágrimas nos braços de Anthony. Ele a abraçou mais forte e a
manteve junto a seu peito, enquanto ela se permitia chorar um
pouco.
Anthony não se lembrava de ter tanta vontade de matar alguém
quanto ele tinha naquele momento. Enquanto consolava uma
Rosamund infeliz e assustada em seu colo, imaginava todas as
formas pelas quais poderia fazer Rondale pagar pelo que fizera a
ela. Poderia esmurrá-lo até que sua face ficasse irreconhecível, ou
torturá-lo cortando suas partes masculinas para que ele nunca mais
produzisse um herdeiro ou conseguisse se deitar com uma mulher.
A ideia era fascinante, desde que causasse ao homem a maior dor
possível.
Depois que as lágrimas dela reduziram, o marquês terminou de
despi-la em completo silêncio e a deitou sobre os travesseiros.
Arrancou parte das suas roupas e deitou-se ali com ela para
descobrir que, desde que conheceu Rosamund Taylor, não
conseguira dizer não para ela nenhuma vez. Tudo que ela lhe pedia
ele dava, e queria dar também o que ela não pedia. Abraçado a ela
na madrugada fria de Paris, conformou-se de que estava mais
afetado por aquela mulher do que era esperado, e que não
conseguiria permitir que ela se casasse com qualquer nobre falido
que fosse fazê-la infeliz.
Ele não era o que ela queria ou precisava, mas poderia ajudá-la
a conseguir o casamento dos sonhos.
Acabou adormecendo ali mesmo enquanto sonhava em
assassinar o barão e sentia os efeitos do corpo feminino colado ao
seu. Acordou confuso, sem entender como conseguia misturar seu
desejo por vingança com a não satisfação sexual que fazia seu
membro pulsar incomodado dentro das ceroulas. Havia luz do dia no
quarto e cheiro de café que o compeliram a se sentar e abrir os
olhos, mesmo que preferisse continuar dormindo.
Rosamund estava vestida com sua camisa branca — e apenas a
sua camisa branca — e rabiscava alguma coisa em um bloco de
papel. Uma das bolsas dela estava aberta e revirada, mas ele
suspeitou que ela não se sentia confortável para vestir nada, ainda.
Havia uma bandeja com café e bolinhos sobre a mesinha.
— Bom dia. — Ela ergueu os olhos e o surpreendeu espiando-a.
— Dormi demais?
— Não sei, você tinha algum compromisso matinal? Seu criado
não disse nada quando trouxe o desjejum.
— Você recebeu Monty assim? — Anthony quase saltou da
cama ao imaginá-la abrindo a porta estando nua.
— Claro que não, eu estava enrolada no lençol. Ele é muito
discreto, não me dirigiu o olhar nem uma vez, mas já sabia que você
estaria aqui no quarto comigo.
— Monty sabe um pouco demais. O que está fazendo?
— Desenhando você. Ultimamente é tudo que consigo fazer.
Afastando a preguiça, Anthony colocou os pés para fora da
cama, levantou-se e lavou o rosto na água fria do lavatório. O susto
fizera seu corpo voltar ao normal, então ele caminhou até a mesinha
e serviu-se de café. Mastigando um bolinho, deu a volta para
observar o desenho.
— Como consegue fazer isso de cabeça? Sem precisar de
modelo? Pensei que precisaria que eu posasse para um novo
trabalho.
— Eu decoro o que gosto. Isso significa que eu decorei você,
porque se eu fechar os olhos minhas mãos continuarão guiando o
lápis. Mas eu prefiro usar modelos, sim, eles é que nem sempre
estão disponíveis.
Ela lhe sorriu e continuou a desenhar, absorvida por sua
inspiração. Anthony não quis perturbá-la, continuou comendo e
descobriu que Monty também deixara roupas para que ele vestisse
e não precisasse sair do quarto com as mesmas da noite anterior.
Não parecia fazer diferença mais, a casa inteira saberia que ele e
Rosamund dormiram no mesmo quarto e era irrelevante se fizeram
sexo ou não. Ele não se importava mais tanto quanto ela parecia
não ligar para qualquer reputação que tivesse antes.
Bem, eles estavam em Paris. Ninguém de Londres sabia o que
ela fez ou deixou de fazer na capital francesa. Talvez ainda desse
para salvar alguma coisa. As fofocas só cruzavam mares se alguém
se dispusesse a levá-las na bagagem.
Vestiu as calças e a camisa e estava decidido a sair do quarto
quando percebeu que Rosamund olhava fixamente para ele.
— Aconteceu alguma coisa? — Ele passou a mão pelo corpo. —
A roupa está rasgada?
— Não. Estou observando seus movimentos para poder
continuar meu desenho.
O marquês virou-se para ela.
— Quer que eu fique em alguma posição específica, como no
ateliê? Afinal, ainda tenho uma promessa a cumprir.
— Talvez seja desconfortável.
— Teste-me.
Ele não deveria provocá-la. Depois de uma noite de sono,
Rosamund parecia agitada e cheia de energia, o que poderia ser
muito perigoso para suas intenções de sair daquele quarto e
descobrir quais foram os danos que a saída repentina da casa de
Finley causara.
— Sente-se naquela cadeira. — Rose apontou para uma
poltrona de couro marrom e madeira. — E coloque uma das pernas
por sobre o braço dela e o seu braço atrás da cabeça.
Anthony tentou reproduzir as instruções, mas ela achou mais
prudente levantar-se e ajeitá-lo como pretendia. A posição não era
desconfortável como ela achava, pelo contrário, ele poderia ficar por
horas daquele jeito se pudesse admirá-la perambulando sem roupas
pelo quarto. Demonstrando um desprendimento que ele
desconhecia nela, Rosamund levou as mãos aos botões da camisa
dele e os abriu.
— Você está me desenhando assim? — ele fingiu assombro. —
Sem camisa?
— Eu quis desenhá-lo sem outras peças de roupa também. —
Ela corou da própria indecência. — Mas achei que seria difícil, eu
ainda não tive muitas oportunidades de… quero dizer, eu ainda não
consegui memorizar certas partes. E você não está sem camisa, eu
apenas a abri.
Ele deu uma risada alta enquanto ela ficava vermelha ao falar
aquele tipo de perversão para ele. Anthony poderia despir-se ali
mesmo e deixar que ela tomasse conhecimento de qualquer parte
sua, mas ele tinha o compromisso de que não tocaria nela sem que
ela pedisse — e o marquês não descumpria promessas.
— Não acha que vão estranhar você chegando em casa com
dois retratos meus?
— Ninguém vê minhas pinturas. — Ela suspirou e voltou para
onde estava o bloco de papel. — Eu tenho vários cadernos de
desenhos a carvão, alguns a cera, inúmeras telas a óleo e todas
ficam escondidas no meu quarto de vestir. Tem mais arte do que
vestidos lá, mas ninguém sabe.
— Você se envergonha de seus quadros?
— Eu tenho muito orgulho deles. — Os olhos dela cintilaram à
luz do dia que penetrava por uma janela aberta. — Mas minha
família não se importa, minhas amigas não acham interessante,
então eu prefiro mantê-las só para mim.
Malditos fossem aqueles que faziam aquela mulher talentosa
não se sentir bem com seu próprio talento. Qual era o problema com
os ingleses que não valorizavam nada que era belo, nada que era
bom? Anthony era jovem, mas conhecia muitos países e não
imaginava um lugar mais atrasado do que a Inglaterra em suas
convenções sociais.
— Então faça esse retrato para mim. Dê o seu melhor e me
venda o trabalho.
— Eu jamais venderia seu retrato para você mesmo! — Ela deu
uma risada, finalmente. Anthony adorava-a ainda mais quando ria.
— E por que você iria querer um retrato seu em uma pose tão
indecente?
— Eu sou indecente, portanto combina comigo.
— Pensarei em sua oferta. Agora, fique quieto, ou não terminarei
este desenho hoje.
Ele a obedeceu, mas manteve-se encarando-a enquanto ela
trabalhava. Rosamund estava sentada em um sofá e a todo minuto
erguia o olhar, observava-o e voltava para o bloco. O lápis
trabalhava com agilidade e ela se mantinha muito concentrada. Por
vários minutos ele permaneceu de olhos cravados em tudo que ela
fazia e se pegou desejando arrancar aqueles papéis das mãos dela
para beijá-la, sem, contudo, encontrar coragem para fazê-lo.
Era inédito, mas Anthony Eckley, o mais famoso libertino vivo de
toda a Europa, escolheu admirar o trabalho artístico de uma dama
ao invés de levá-la para a cama.
Toda vez que ela erguia a cabeça, os olhares se cruzavam. No
início, ela sorria e prosseguia. Depois de meia hora, a expressão
dela mudou. A velocidade do lápis acelerou e Anthony percebeu que
ela inspirava profundamente. Mais quinze minutos e ela deixou o
bloco por sobre o sofá. Rosamund o encarava como se tivesse fome
e Anthony reconhecia aquele olhar.
Aquela era a expressão de quem desistiu de lutar e estava
pronta para se entregar.
Capítulo décimo nono
P ,
Rosamund já estava acostumada a lidar com cada uma delas. A
excitação causada pela energia que movia seu corpo durante o
processo de produzir um quadro era desejada, fazia com que ela
sentisse prazer em pintar, em desenhar, em criar sua arte. Mas
daquela vez estava tudo muito diferente. A excitação não vinha do
ato de desenhar, mas do que estava sendo desenhado.
A cada passada do lápis no papel, a cada traço novo que ela
riscava ou cada linha que ela reforçava, seus pensamentos se
embolavam com seus sentimentos. Talvez ela estivesse ainda em
choque por ter sido agredida na noite anterior, ou talvez ela nunca
tivesse enxergado a vida com tanta clareza. Toda vez que ela
encarava o homem à sua frente, ela tinha mais certeza de que o
queria.
Ela queria Anthony Eckley de qualquer jeito. Se ele não seria seu
marido, ela ainda assim desejava se lembrar dele, queria as
memórias que só ele poderia proporcionar, entregar-se a ele, tornar-
se dele e somente dele. Se ela estava disposta a um casamento
sem paixão e a aceitar um marido que mal a tocasse, queria pelo
menos a certeza de que, uma vez em sua vida, ela foi adorada por
alguém.
Não era uma decisão impulsiva, ela teve semanas para pensar
nela. Ao colocar seu bloco de desenho com a arte pela metade
sobre o sofá, Rosamund tinha certeza do que queria e do que
precisaria fazer para conseguir. Com os olhos fixos nos de Anthony,
que parecia um pouco confuso com a súbita interrupção do trabalho,
ela deu alguns passos para frente e o fez mudar a posição na
cadeira. Depois passou as duas pernas pelos braços de madeira,
sentou-se no colo dele e o beijou.
A princípio Anthony não entendeu o que ela pretendia, mas ele
não precisou de muito tempo para segurá-la nos braços e assumir o
controle da situação. Quando a língua dele tocou a dela, Rosamund
gemeu sem sentir vergonha de seu próprio prazer, levou as duas
mãos até os botões da camisa que vestia e abriu um a um para, em
seguida, segurar os botões que mantinham a calça dele no lugar.
Isso fez com que o marquês interrompesse o beijo e a fitasse com
curiosidade.
— Rose, se você for por este caminho…
Ela o silenciou com um dedo na frente dos lábios.
— Shhhh. Não fale, apenas faça amor comigo, Anthony.
Não seria preciso pedir duas vezes, ela sabia, e a resposta que
ele lhe deu foi melhor do que qualquer discurso. O marquês a beijou
outra vez e, com destreza, levantou-se da cadeira, segurando-a nos
braços para depositá-la na cama. Era o meio da manhã e
certamente todos na casa poderiam ouvir o que estivessem fazendo
ali — se alguém se aproximasse da porta ou usasse o quarto
vizinho ouviria suspiros, gemidos e o barulho dos corpos
entrelaçados. Rosamund não se importava mais.
Anthony retirou a camisa antes de deitar-se com ela e retomar o
beijo. Daquela vez, ele não iria se conter e ela estava mais que
ansiosa por isso. Queria senti-lo por inteiro, sem barreiras, queria
que o mestre da sedução a exaurisse com tudo que ele sabia fazer.
O beijo desceu para seu queixo, seu pescoço, seu colo e a língua
dele serpenteou até seus seios.
Ele ergueu os olhos para encará-la antes de lamber a
protuberância dos mamilos e capturá-los com os lábios. O maldito
iria provocá-la, porque ele podia, e porque sabia que ela ansiava por
isso. Sem tirar os olhos dela, ele acariciou, reverenciou e apertou
seus seios com as duas mãos enquanto os sugava lentamente. Era
tão bom que parecia quase uma tortura.
Ansiosa, ela levou as mãos outra vez até as calças dele,
querendo libertá-lo das roupas.
— Calma, Rose. — Anthony voltou a beijá-la nos lábios. — Você
precisa estar pronta para mim, antes.
— E eu não estou?
Uma das mãos dele desceu por sua barriga até tocá-la em sua
intimidade. Acariciou os pelos e levou um dedo até o feixe de nervos
que estava pulsando de desejo, deslizou para a sua abertura e a
penetrou. Rosamund arfou ante a intrusão bem-vinda, porém ainda
não experimentada. Ela o queria ali, exatamente ali, e não entendia
como seu corpo parecia saber tão bem o que deveria ser feito.
— Por Deus! Está mais que pronta. — Ele a beijou outra vez. —
Você sabe o que vai acontecer, Rose?
— Não, eu não sei. Eu imagino.
— Permita-me mostrar.
Anthony desceu os beijos novamente para o pescoço, seios e
abdômen enquanto seu indicador realizava movimentos de ir e vir
em sua intimidade. Logo a boca dele estava entre suas pernas e ele
lambia e sugava o lugar onde antes acariciava. Ele a beijara ali,
noutro dia, mas foi diferente. Diferente porque havia uma promessa
de que ele não ultrapassaria alguns limites e naquele momento não
havia limites. Rosamund não queria pensar em um depois, em
consequências, ela queria senti-lo, recebê-lo e memorizá-lo em suas
digitais.
Os carinhos eram lânguidos, mas intensos. Os olhos dele a
observavam e ela não se sentiu envergonhada, apenas desejada.
Calor subiu por seu ventre e logo ela estava pronta para entregar-se
às sensações do êxtase, mas ele parou.
Antes que a frustração pudesse dominá-la, Anthony ergueu o
tronco e, ajoelhado entre suas pernas, abriu os botões da calça.
Rosamund também já o vira nu, antes, e tocara toda aquela
masculinidade gloriosa que se exibia diante dela — ainda assim, era
diferente. Sem precisar levantar-se ele se livrou da peça de roupa e
deitou-se sobre ela, apoiando o peso do corpo sobre os cotovelos.
O encontro dos lábios foi intenso e o encontro das línguas
aconteceu no momento em que Anthony se posicionou em sua
entrada. Ela sentiu uma súbita onda de pânico por temer que aquele
homem grande não fosse caber dentro dela ou que ele não a fosse
achar aceitável. Até aquele instante, ele sinalizou de todas as
formas que ela era linda e que a desejava, mas Rosamund não
entendia a mecânica do ato sexual. Ela achou, por muitos anos, que
ele servia apenas para a reprodução.
Aquelas sensações, aquele desejo irracional e a ânsia de ser
possuída, arrebatada e exaurida eram algo que ela jamais imaginou
ser possível.
— Podemos parar, se você quiser.
Ele sentiu seu medo e se manteve imóvel. Rosamund sentia a
presença do membro rígido pressionando suavemente sua entrada
e uma urgência em mover-se na direção dele. Sem saber que
palavras usar para se expressar, decidiu deixar que seu corpo
mostrasse a ele o que queria, e ergueu os quadris para recebê-lo.
Anthony gemeu baixo e a penetrou mais. Levou uma das mãos até
seu botão intumescido e o acariciou enquanto movia a pélvis para
cima e para baixo, forçando-a um pouco mais a cada vez.
Rosamund foi surpreendida por uma confusão de sensações que
a desorientaram de imediato. Havia o prazer do toque e a dor da
invasão, havia o desejo de se aproximar e a necessidade de se
afastar. Ela queria mais de Anthony, ao mesmo tempo que sentia
compulsão por empurrá-lo para longe. Logo as duas mãos dele
deslizaram para as laterais de seus quadris e ele a penetrou por
completo.
Ela soltou um gemido alto que foi abafado em um beijo calmo.
As mãos dela também se posicionaram nos quadris dele, cravando
as unhas na pele firme das coxas masculinas. Depois de alguns
segundos sem se mover, apenas a explorando com a língua,
Anthony se retirou parcialmente e voltou a penetrá-la. Sem parar de
beijá-la, retomou as carícias em seu centro de prazer para afogá-la
em seus próprios sentidos.
Ele não queria machucá-la, mas sabia que não havia fórmula para
evitar a dor, apenas amenizá-la. Os beijos, as carícias íntimas e os
movimentos suaves e lentos serviam para permitir que Rose se
acostumasse à sua presença dentro dela.
E, céus! Ele não sabia o quanto queria estar dentro dela até
estar, até segurá-la nos braços e possuí-la. Foi necessária toda a
sua perícia em satisfazer mulheres na cama para não ser dominado
pela loucura do desejo, porém aquele era o momento dela, não
dele. Precisava garantir que ela teria a melhor experiência ao decidir
entregar-se para ele, apenas não estava preparado para se envolver
tanto com o momento.
Com movimentos lentos e firmes, ele moveu os quadris para
frente e para trás na posição que garantiria maior conforto para
Rose. Ela se erguia ao encontro dele e fazia com que ficasse difícil
segurar a vontade de penetrá-la profundamente uma, duas, três
vezes e não parar até chegar ao êxtase. Mas Anthony sabia ser
persistente. Circulava com o polegar o clitóris que despontava
inchado na feminilidade dela, enquanto arremetia contra ela até que
os corpos se fundissem.
Aos poucos, Rose começou a relaxar e a ceder. Acariciava-o nas
costas, descia as mãos para o traseiro e as coxas e arrancava dele
os mesmos gemidos de prazer. Ele sabia que ela estava perto do
clímax, sentia os músculos internos se contraírem e apertá-lo com
mais força.
— Goze. — sussurrou no ouvido dela, que arqueou as costas
quando ele a tocou com mais intensidade. — Goze para mim, Rose.
Ela gemeu e ele a beijou sem parar de se mover nem de
estimulá-la em seu centro. Desceu uma trilha de beijos molhados
pelo pescoço e colo suados e se retirou completamente de dentro
dela, fazendo-a abrir os olhos e o olhar. Os beijos continuaram
descendo até o ventre e sua boca capturar o clitóris entre os lábios.
— Anthony.
Seu nome saiu como uma súplica que ele atenderia. Sugou-a
com vigor até senti-la trêmula e voltou a penetrá-la, daquela vez
com movimentos mais fortes e profundos. Sem conseguir controlar
ou resistir aos estímulos, Rosamund se desfez em um orgasmo
intenso, contraindo-se ao seu redor e quase o levando à loucura.
Por mais que ele quisesse prolongar o momento, não
conseguiria. Havia algo de irresistível em vê-la tremer em suas
mãos murmurando seu nome, algo que o fazia querer acompanhá-
la. Entregando-se aos espasmos do prazer de Rosamund, Anthony
deu vazão ao seu desejo e estocou implacável contra ela até chegar
a sentir a iminência do orgasmo, então se retirou para espalhar sua
semente por sobre os lençóis em espasmos alucinados.
Anthony a segurou nos braços, virou-se com ela na cama e, sem
se afastar um centímetro, acomodou-se nos travesseiros com a
mulher sobre seu peito. Percebeu que Rosamund cabia
perfeitamente em seu abraço.
— Você está bem?
Ele perguntou, notando-a muito silenciosa e quieta por sobre si.
Imaginou que ela estivesse dormindo, mas sentiu-a acariciando seu
peito.
— Estou reunindo forças. — Rose ergueu a face e o fitou com
um sorriso. — Sinto como se tivesse sido atropelada por uma
carruagem.
— Dói em algum lugar?
— Não sinto dor alguma. — Ela beijou-o no queixo. — Mas
parece-me que o ato de fazer amor é um pouco exaustivo.
— Se for bem feito, sim. — Ele riu.
— O senhor quer cumprimentos, milorde?
— Não, meu amor. — Ele a beijou na cabeça. — Quero apenas
que tenha sido memorável para você.
Rosamund se ergueu e apoiou-se em seu peito com os
cotovelos. Fitou-o com uma expressão indistinguível, mas com um
sorriso nos lábios.
— Eu me lembrarei de você para sempre. — Esticando-se,
beijou-o nos lábios. — Não importa com quem me case nem que
vida eu leve, você me proporcionou experiências inesquecíveis.
As palavras dela eram perfeitas, talvez tudo que ele sempre
esperasse ouvir de suas amantes, mas o atingiram como navalhas
sendo atiradas por um cego. Acertaram-no em vários lugares,
arrancando pedaços e mutilando-o. Enquanto Rosamund se
aconchegava em seus braços outra vez, ele queria gritar que ela
não se casaria com ninguém, que a única vida que poderia levar
seria ao lado dele, mas não encontrou voz suficiente.
O que estava acontecendo com ele? Nunca foi difícil conversar
com uma mulher, nem havia complicações nos momentos pós-sexo.
Claro que ele não costumava permanecer com elas em sua cama,
nem se importava tanto assim em ser lembrado por nenhuma. Não
fazia questão que o desejassem novamente, não se preocupava se
sairiam dali e retornariam para um marido ruim na arte do amor ou
se casariam com alguém que amassem.
Mas ouvir Rosamund dizer que ele seria uma memória, uma
lembrança que levaria consigo quando se casasse, doeu. Ele não
desejava ser o agora que se tornaria passado, queria ser o presente
e o futuro, ser o homem para quem ela dedicasse todos os olhares,
o amante para cuja cama ela retornasse toda noite.
Batidas à porta o distraíram de seus pensamentos. Anthony
estava tão atordoado que levou segundos para entender que
deveria puxar o lençol por sobre eles e proteger Rose dos olhares
de quem fosse.
— Milorde?
A voz era de Monty, o que o deixou aliviado — mesmo que ainda
sofrendo os efeitos das realizações que acabara de fazer.
— Entre, Monty. O que está havendo?
A porta se abriu parcialmente e o criado colocou a cabeça para
dentro sem, no entanto, olhar para onde eles estavam.
— Lamento importuná-los, mas o Sr. Prescott chegou e pediu
que o chamasse. Devo preparar um banho para a Srta. Taylor?
— Sim, faça isso. Peça a Pierre que nos espere e prepare-nos
um banho.
O valete fechou a porta e Rosamund afastou o lençol para
encará-lo com uma expressão de susto, horror, rendição e humor.
Ela deixava transparecer tantas emoções em um simples olhar que
era até difícil entendê-la.
— Vamos tomar banho?
— Fazer amor não é apenas exaustivo, também deixa alguns
traços.
Ela deu uma risada, ergueu a cabeça e o beijou. Era um toque
de lábios suave e delicado, mas Anthony ainda tinha fome. Ele
ainda a desejava, ainda a queria, ainda esperava possuí-la pelo
menos mais uma vez, e o beijo se tornou molhado demais. Apesar
de saber que ela estava dolorida e incapaz de recebê-lo outra vez
em tão pouco tempo, ele a manteria debaixo de seu corpo por mais
alguns minutos.
O L G ,
encheu-a de água, deixou uma roupa impecavelmente passada para
seu patrão e saiu sem sequer notá-la no quarto. Claro que ele a
notara, Rosamund sabia que era impossível não ser vista naquela
cama, mas ele agiu como se ela não estivesse ali. Anthony tinha
razão em elogiar a discrição do criado.
O marquês a colocou dentro da banheira, enrolou-se em um
roupão e saiu do quarto, deixando-a solitária pela primeira vez
desde que chegaram à casa. A água estava quente, o cheiro de
sabão era delicioso e ela sentia seus músculos trêmulos. Era como
se Anthony ainda tivesse as mãos sobre ela, como se a boca dele
permanecesse em todos os lugares impróprios onde estivera
poucos minutos antes. Eles tinham acabado de fazer amor —
daquela vez sem nenhuma restrição e nem sequer tinham tempo
para se recuperar.
Bem, ela suspeitava que ele não precisasse de nada daquilo,
que um homem como Lorde Granville estivesse acostumado a fazer
amor várias vezes durante uma noite. Era o que ouvia pelas línguas
fofoqueiras de Londres, apesar de descobrir que a maior parte do
que se falavam sobre ele era mentira. A única verdade era que ele
era um amante fenomenal.
Rose deitou a cabeça na borda da banheira e deixou que suas
mãos deslizassem por seu corpo enquanto pensava nele. Acabou
se tocando em lugares que nunca tocara, imaginando se
conseguiria reproduzir as sensações causadas por ele. De olhos
fechados e extraindo o máximo de sua mente imaginativa, descobriu
ser possível sentir prazer em seu toque, mas não seria a mesma
coisa.
— Não pare.
A voz de Anthony a surpreendeu, fazendo-a abrir os olhos.
— Você me assustou!
— Desculpe-me, mas eu entrei e a encontrei tão entretida
consigo mesma que não resisti a observar.
Ele estava parado a menos de um metro da banheira, já vestindo
calças e com uma toalha pendurada no ombro. Tinha os cabelos
úmidos e a protuberância em sua virilha indicava que estava se
divertindo ao espioná-la.
— Já tomou banho? Pensei que entraria aqui, comigo.
— A banheira é pequena e, se eu entrasse, acabaríamos não
saindo mais desse quarto hoje.
— Parece uma ótima ideia não sair do quarto.
— Se você quiser, posso mandar Pierre embora, pedir que ele
leve sua prima, trancar essa porta e esconder a chave.
— Céus, não! — Ela riu, e rir era muito natural com ele. Tivera
uma experiência ruim na noite anterior, deveria estar se sentindo
mal, mas Anthony lhe fazia bem. A presença ele era como uma
sombra fresca depois de uma caminhada ao sol. — Mas não me
oponho se, à noite…
— Cristo, Rose, não me provoque. — Ele abriu uma toalha e
indicou que ela deveria se levantar. — Eu precisarei sair, mas vocês
estão seguras na casa.
— Eu também preciso sair. Tenho aulas à tarde.
Rosamund enrolou-se na toalha e saiu da banheira, molhando o
piso de madeira. Seus vestidos não estavam passados e não
deveria haver ninguém que pudesse fazer isso para ela, então
escolheu um cujo tecido não parecesse tão amarrotado: um
conjunto de saia e casaco verdes.
— Você não deveria ir. — Ele se aproximou e ajudou-a a se
secar. — Vou descobrir se Finley suspeita de algo, se Rondale
contou qualquer coisa que possa levá-los a nós. Aqui você está
segura, Rose, mas no ateliê…
— Eu vim aqui para pintar, Anthony. Não vou ser intimidada por
ninguém. Nem mesmo meu pai me impediu, por que eu deixaria de
comparecer a uma aula?
Enquanto falava, Rose começou a se vestir. Anthony se
aproximou dela e a ajudou com os laços do espartilho.
— Eu não posso protegê-la lá, Rosamund. — Ele beijou seu
ombro depois de terminar de ajustar o espartilho. — E se Finley
tentar fazer algo?
Ela se virou e o encontrou com a expressão transtornada.
Anthony estava dividido entre a autoridade e a razão, entre dizer
que ela não podia fazer o que queria e permitir que tomasse suas
próprias decisões. As duas opções pareciam afetá-lo e ela não
sabia o que o faria mais mal. Como homem, ele poderia mandá-la
ficar em casa, até mesmo trancá-la ali, porém ele não era esse tipo
de homem.
— Ninguém sabe que estou tendo aulas com Madame Beaury-
Saurel. Eu só contei a você. Todos pensam que eu estava me
encontrando com um francês com quem me casaria, então eu não
corro risco.
Anthony a abraçou. Ele a segurou nos braços e beijou-a nos
cabelos, soltando-a em seguida. Rosamund não entendeu bem o
que aquele abraço significava.
— Eu confio em você, Rose. Mas volte para a casa se sentir que
qualquer coisa estranha está acontecendo.
— Tudo bem. Eu serei cuidadosa.
O marquês deixou o quarto depois de se despedir sem palavras.
Rosamund sentou-se na frente do espelho e sorriu, melancólica. As
memórias de Paris seriam ótimas, confusas, dariam a ela muitas
histórias para contar — apesar de não poder contá-las a ninguém.
A , A
manter ao lado de Rosamund. Quis pedir que ela não fosse ao ateliê
porque algo estranho estava acontecendo, quis dizer que ela não se
casaria com outro homem que não fosse ele. Claro que estava
ficando louco — ele nunca dizia a ninguém o que fazer e estava
decidido a não se casar, ao menos era a certeza que tinha antes de
desembarcar em Paris.
Claro que a missão seria mais complicada do que parecia. Eddy
sempre o metia em confusão porque o objeto de investigação era
sempre diferente do que ele informava. O Duque de Clarence e
Avondale dissimulava o problema para que parecesse menos grave
e, com isso, convencer seus espiões a se envolverem em situações
arriscadas.
Só que o risco não estava em Finley. Tudo parecia muito mais
perigoso por causa de Rosamund Taylor. Ela invadiu sua
investigação, intrometeu-se em suas noites, descobriu seus
segredos e, naquele momento, estava roubando sua razão. Anthony
não conseguia se concentrar em nada porque ela ocupava cada
canto obscuro de seus pensamentos.
— Você está prestando atenção no que digo?
Pierre passou a mão à frente de seus olhos, fazendo com que
piscasse assustado. Não, ele não estava prestando atenção e teria
que confessar isso.
— Lamento, Pierre. Estou sendo atrapalhado por questões
pessoais.
— Rosamund Taylor? — O amigo arriscou e acertou em cheio.
— Eu creio que meus sentimentos estejam confusos e estou
sendo consumido por isso.
— Que sentimentos confusos estão roubando sua
concentração?
Anthony respirou fundo. Talvez ele precisasse de meia hora só
para começar uma lista.
— Não consigo parar de pensar nela e não consigo parar de
desejá-la. Quando estou próximo a ela não consigo prestar atenção
ao meu redor, tudo se resume a ela. Estou tão desorientado que
hoje de manhã fizemos amor e eu nem mesmo lembrei de usar
proteção.
A última frase foi quase sussurrada, dita em uma voz baixa que
representava toda a sua vergonha. Um homem como ele não podia
ter seu controle tomado daquela forma.
— E por que o maior libertino da Inglaterra cometeu esse erro
terrível? — Pierre estava debochando dele, apesar de a pergunta
ser legítima. — Você provavelmente nunca se deitou com uma
mulher sem proteção.
— Nunca, desde os dezesseis anos. E veja, eu já me deitei com
tantas mulheres que, se houvesse um livro que tomasse nota desse
feito, eu certamente estaria entre um dos primeiros lugares. —
Anthony esfregou as mãos, nervoso, e bebeu outro gole de
Bourbon. — Mas eu estava completamente anestesiado pelo
momento. Posso me reinventar em desculpas, mas a verdade é que
eu a amo e perder-me nela foi natural.
— Por Deus, Granville, finalmente! — Pierre ergueu as mãos
para o alto e fez um alvoroço desnecessário. — Mas não entendo
por que está tão transtornado. Se você a ama, case-se com ela!
— E se ela não quiser se casar comigo?
— Essa possibilidade é ridícula. Por que ela não iria querer se
tornar a Marquesa de Granville e viver em um palácio na Inglaterra?
— Você tem razão. — Anthony bebeu o restante do Bourbon e
bateu o copo na mesa, pedindo mais. Acabaria bêbado se não
retomasse o controle de sua vida. — Quando encerrarmos essa
etapa da investigação, eu me encontrarei com Rose e a pedirei em
casamento. Se ela me rejeitar…
— Ela não o rejeitará. — O amigo tomou dele o copo que a
garçonete acabara de servir. — Pare de sentir pena de si mesmo e
de beber. Parece-me que é correta a teoria de que homens perdem
neurônios quando amam.
Céus! Anthony odiava que todo mundo tivesse tomado a decisão
de intrometer-se em seus assuntos pessoais. O amigo não
costumava ser tão falastrão e não dedicava esforços a discursar
sobre amores, paixões ou casamentos.
Anthony não sabia dizer como aquele sentimento romântico
estúpido cresceu dentro dele, nem o que faria exatamente a
respeito, já que não queria tomar decisões por impulso. Ao mesmo
tempo, não podia se manter inerte. Quanto mais tempo Rosamund
passasse decidida a se casar com outro, menos ele poderia
convencê-la a se casar com ele. Porque não havia outra solução,
mulheres como aquela não serviam de amantes e ele não a
degradaria àquele ponto. Ele a queria ao seu lado, como sua
marquesa, comandando sua casa, sua vida e tendo seus filhos.
Antes que a epifania nocauteasse o marquês com realizações
óbvias, o homem que esperavam chegou. Caminhava lentamente e
com confiança, uma demonstração de que era um bom agente em
treinamento. Se estivesse agitado e correndo pelas ruas, chamaria
atenção desnecessária sobre si. Jovem, com uns vinte e um anos
aproximados, sentou-se à mesa dos cavalheiros e pediu um drinque
para si. Também era bom em fingir.
— Diga. — Pierre não estava paciente. O jovem retirou um bloco
de notas do bolso do colete e começou a ler seus apontamentos.
— Sei de vários fatos isolados, nada muito concreto sobre os
eventos que me reportaram. O Barão Rondale escreveu uma carta
para Londres e mandou entregar para o Sr. Phillip Taylor. O
Visconde Tinsdale saiu no meio da manhã e não retornou, mas os
criados estão acostumados às suas longas ausências. Acham que
ele tem uma amante fixa em Paris e usa a casa da tia como
disfarce. O casal Rottschild está passeando pela cidade desde cedo
e parece alheio a eventuais crises. Lady Bachour, a mulher
Thompson e Gretha Hawthorne foram passear e retornaram à casa
de tarde, mas saíram novamente logo em seguida. Aliás, sobre
Gretha Hawthorne, algumas criadas dizem que ela passou a noite
fora, outras que saiu cedo. Ouvi inclusive que ela é a amante
parisiense do tal visconde, porém descartei a hipótese porque ela é
inglesa.
O homem falou devagar e pausadamente, mas Anthony não
entendeu muita coisa depois que mencionou uma carta para Phillip
Taylor — o pai de Rosamund. O maldito barão com certeza
inventara alguma mentira sobre o que acontecera em Paris para
forçar um casamento com ela. Também não conseguiu compreender
o que Gretha, a prima, estava fazendo naquele relatório. Amante
parisiense de Finley? Ela esteve na casa?
— Jean, você tem certeza que ouviu o nome de Gretha
Hawthorne sendo pronunciado pelos criados?
— Absoluta, monsieur. — O jovem balançou a cabeça, orgulhoso
de sua memória e de seu trabalho.
— Tem algo errado. — Anthony não se conformou. — Gretha
estava com Rosamund. Por que ela teria ido até à casa do visconde
sabendo do que aconteceu?
— Ela poderia estar envolvida? — Pierre suspeitou. — E se for
realmente amante de Finley?
— Não. Eu posso ter ficado um pouco menos atento e bastante
mais estúpido depois que me apaixonei, mas Gretha não está do
outro lado. Eu fiz uma boa leitura dela antes mesmo de Rose
envolver-se na investigação.
— Então sim. Algo está errado. Se Jean tem certeza que ela
esteve na casa hoje, é porque não tem noção da gravidade da
situação, ou porque foi lá descobrir alguma coisa.
— Maldição. — Anthony bateu a mão em punhos na mesa e
balançou a cabeça para os lados. — Rose deve estar inventando de
investigar por conta própria. Ela é curiosa, ousada e não aprendeu a
obedecer, Pierre. Como ela é alvo, deve ter se aliado à prima para
tentar descobrir alguma coisa que considere que nós não
conseguiríamos. Precisamos ir ao ateliê.
Ele levantou, agitado, e pegou a carteira para pagar a conta das
horas de espera. Pierre levantou-se e o segurou pelo braço, olhando
ao redor e temendo que atraíssem muita atenção desnecessária.
— Acalme-se. O visconde sabe onde ela está?
— Como eu posso saber? Ela diz que não, mas Finley é mais
esperto do que pensamos.
Sim, ele era e custava a Anthony reconhecer que o alvo era
inteligente. Quando aceitou a missão, tinha certeza que Finley seria
fácil de resolver porque ele era um completo idiota, mas descobriu
que o homem apenas fingia sua imbecilidade. Quanto mais
menosprezado fosse, menos crédito lhe dariam.
Sem nem agradecer a Jean e deixando francos demais de
gorjeta, ele correu até a rua, encontrou um carro de aluguel e pediu
que lhe alugassem os cavalos. O cocheiro não gostou da ideia e
disse que seus animais estavam mais acostumados a puxar o
cabriolé, mas o marquês não estava mais paciente. Toda a sua
calma reflexiva se esvaiu durante o tempo que esperou para
descobrir que, apesar de todos os esforços, Rosamund poderia
estar em risco — e a missão também. Oferecendo uma quantia
obscena em francos, decidiu comprar os cavalos.
Convencido pelo poder do dinheiro, o cocheiro soltou os animais
e os entregou ao marquês. Nenhum dos dois estava selado, mas
Anthony não precisava de selas, ele queria apenas chegar até o
ateliê de Madame Beaury-Saurel o mais rápido que pudesse.
Montado no pelo, galopou a toda velocidade pelas ruas de Paris
arriscando sua vida e a de outras pessoas com quem cruzou sem
sequer prestar atenção no que fazia.
Ele sabia que a paixão cegava e anuviava o raciocínio. Sabia
que incluir Rosamund em sua investigação poderia colocá-la em
risco e apaixonar-se por ela o faria priorizá-la em detrimento da
missão. Não importava, já estava feito e só restava conter os danos.
Atrás de si vinha Pierre, que também não se intimidou por
montar sem os equipamentos adequados. Os dois homens
pareciam selvagens em perseguição à caça e ninguém teve
coragem de sequer abordá-los. Ao avistar o ateliê de arte, Anthony
jogou o cavalo para cima do passeio de pedestres e quase entrou
com montaria e tudo dentro do prédio. Pessoas gritaram e
blasfemaram e a pintora saiu para ver o que acontecia.
— Monsieur Eckley, o que está acontecendo?
— Madame, não tenho tempo para explicar agora. Preciso falar
com a Srta. Taylor.
— Ela saiu mais cedo.
Não. Anthony chacoalhou os ombros e sacudiu a cabeça já
enxergando um cenário ruim.
— Sozinha ou com sua acompanhante?
— Ela estava sozinha. Uma mulher de uniforme veio trazer-lhe
um bilhete e ela pediu que eu a dispensasse para que pudesse
tratar de algum assunto pessoal. Pareceu urgente, então não
questionei. Há algo errado?
Havia. Anthony tinha certeza que sim, porém, não conseguira
ainda imaginar o quê. Seu instinto dizia que Rosamund estava em
perigo e os fatos conspiravam para que tivesse razão.
— Ainda não sei, madame. Obrigado.
Novamente em movimento, o marquês continuou pelas ruas de
Paris na direção da casa do Visconde Tinsdale.
R . O
Anthony, nem Pierre, nem ninguém recebeu nenhuma notícia de seu
paradeiro. Jean voltou a manter vigília sobre a casa do visconde,
mas não reportou nenhum movimento relativo à presença dela.
Também não se tinha notícias nem de Finley, nem de Rondale,
indicando que, sim, ela fora raptada pelos dois safardanas.
O Marquês de Granville não estava acostumado a não agir. Ele
tinha paciência, sabia esperar a hora certa, conseguia controlar
seus ímpetos, mas não sabia ficar sem fazer nada. A agonia da
incerteza o deixou ainda mais fora de si, e ele já tinha bebido quase
uma garrafa inteira de conhaque enquanto girava pela sala, com a
mesma roupa da manhã, blasfemando contra tudo e todos.
— Eu não deveria tê-la deixado sair — resmungou —, deveria tê-
la trancado no quarto.
— Não foi culpa sua, Granville. — Pierre repetiu a mesma coisa
que vinha dizendo por mais de uma hora. — Precisamos descobrir
onde Finley está. Vamos colocar os homens na rua.
— Que homens? — O marquês parou de girar e chutou um vaso
de cerâmica cheio de flores. O artefato se espatifou no chão,
derramou água por todo lado e espalhou as flores pelo piso de
madeira. — Eu não vim preparado para uma operação de guerra,
maldição! Nem verba eu tenho.
— Você não precisa de verba e temos como conseguir gente
agora, neste minuto! — Pierre se levantou e agarrou-o pelos
ombros. — Deixe de se lamuriar, vamos arrumar alguns caras que
possam obter informações sobre uma dama sequestrada. Ninguém
age sem deixar rastros, sabe disso.
O amigo tinha razão. Anthony não, já tinha parado de agir
racionalmente desde a manhã — o que não lhe servia para nada.
Se quisesse recuperar Rosamund precisava usar o cérebro e não o
coração, precisava pensar como um espião e não como um bobo
apaixonado. Passando as mãos pelos cabelos e ajeitando-os,
Anthony se recompôs.
— Certo, Pierre. Vamos à guerra. Ela está em algum lugar de
Paris e eu vou descobrir onde.
— É assim que se fala, meu amigo.
Ele descobriria. Não acreditava que Rondale tivesse escrito uma
carta para o pai de Rosamund e depois a arrastaria para fora da
cidade — provavelmente convencê-la a se casar com ele era parte
do plano. Talvez fosse esse o único motivo do sequestro, mas
Anthony duvidava. Era certo que aquela operação toda tinha o dedo
do visconde e que ele se aproveitara que Gretha estivera com sua
tia para segui-la ou obrigá-la a falar sobre Rose. O homem era mais
esperto do que parecia, era desconfiado e estava prestes a cometer
um grande crime. Até que as armas fossem despachadas, ele não
arriscaria ser pego.
Saíram a cavalo, daquela vez com os animais selados, até dois
dos pontos onde encontrariam alguns mercenários dispostos a
arrancar informações sujando as mãos. Não pretendiam envolver
nenhum homem da Coroa Britânica para não colocar bons agentes
em risco, usariam apenas caçadores de recompensas que viviam
pelo perigo. Um deles, já conhecido da dupla, era Etienne, o
cocheiro. Acostumado a prestar serviços de fuga, retirada e atuar
como informante de Pierre, ele também sabia como descobrir o que
estava oculto na cidade.
Eles o encontraram na Chérie, uma casa de conveniências
masculinas que também servia de esconderijo para os mais
afamados caçadores. Era uma construção escura, de tijolos úmidos
e permeados de lodo, localizada no coração de Paris, o 1º
Arrondissement. Uma lamparina envolvida em tecido azul tornava o
lugar reconhecível por quem o procurasse e ficava sempre acesa,
pendurada em uma posição estratégica próxima ao letreiro.
Anthony não pretendia barganhar, então colocou suas cartas —
o dinheiro — sobre a mesa. Etienne sorriu ao examinar a quantia.
— O que preciso fazer?
— Queremos saber onde está George Finley. Ele deve estar
acompanhado de um homem e duas mulheres e provavelmente em
alguma região pouco habitada, mas não muito distante. Seria difícil
viajar longas distâncias com duas vítimas de sequestro e ele não
poderia ir de trem.
— Sequestro? — Etienne enfiou as moedas de volta na bolsa de
couro. — É um resgate?
— Eu vou resgatá-las. — Anthony admitiu. — Se quiser vir
conosco, há mais de onde saíram essas.
— Tudo bem, monsieur Eckley. Creio que consiga descobrir
alguma coisa amanhã.
— Não. — O marquês impediu que o homem se levantasse. —
Tem que ser agora. Acorde quem precisar, use os recursos que
necessitar, mas eu quero saber onde encontrar essas pessoas
agora.
Pierre assentiu, indicando que ele ratificava as palavras do
amigo. O mercenário enfiou a bolsa de couro em um de seus bolsos
do casaco e concordou.
— Tudo bem. Retornarei em uma hora, sintam-se em casa.
Uma hora não era tempo demais, porém, Anthony não
conseguiria ficar esperando sentado. Já bebera tudo que podia,
então conseguiu cigarros e saiu à rua para fumar. Aproveitou mais
tempo ocioso para reviver sua epifania do amor recém-descoberto e
da decisão de se casar assim que chegasse a Londres. Por muito
tempo usou a desculpa de que não se casaria por não conseguir ser
fiel e ela lhe pareceu muito sincera. Sua mãe sofreu, ele não
pretendia infligir o mesmo a outra mulher. Ele as amava muito para
ser tão leviano e feri-las deliberadamente.
O que lhe faltava era a mulher certa, aquela que abriria seu
peito, entraria em seu coração, sapatearia sobre ele e o faria dela. E
Anthony não imaginava que precisaria apenas de umas míseras
semanas para que isso acontecesse. Tragou e exalou uma baforada
de fumaça enquanto olhava para o céu parisiense. Soprava uma
brisa fria, estaria ela com frio? Ele esperava que Finley ao menos
estivesse cuidando das mulheres e que não as ferisse, ou teria que
matá-lo — e Anthony Eckley nunca sequer cogitara matar alguém.
Mas ele acabaria com a vida de quem encostasse em um fio de
cabelo de Rosamund. Sentou-se em um degrau de escada imundo
e esperou até que o cigarro se exaurisse em sua mão e ele
decidisse acender outro para não fumar. Uma hora e meia e cinco
cigarros depois, Etienne retornou arrastando um homem pelo
colarinho. O infeliz estava mais bêbado do que um gambá e quase
não conseguia ficar de pé, mas, ainda assim, foi apresentado como
quem sabia a informação que desejavam.
Pierre juntou-se a eles na calçada. Àquela altura e com a
justificativa de que Rosamund fora raptada para que Rondale
pudesse arruiná-la, não importava mais o sigilo.
— Ele sabe onde encontrar as mulheres. — Etienne afirmou. —
Diga a eles o que me disse.
— Eu dirigi uma carruagem. — Um soluço interrompeu a frase.
— Tinha dois homens e duas mulheres, uma delas estava dormindo.
O homem a carregava no colo. — Outro soluço e o homem tossiu
algumas vezes para, em seguida, cuspir um bolo marrom de saliva
no chão. — Eles me pagaram em dinheiro e me mandaram
esquecer, mas seu amigo garantiu que me pagaria o dobro para eu
lembrar.
— Até o triplo. — Anthony confirmou. — Mas precisa ser uma
lembrança muito boa. Sabe para onde foram?
— Eles estão em Suresnes, perto do Forte do Monte Valerián.
— Você os levou até lá?
— Não, até metade do caminho. — O homem tossiu mais. —
Mas ouvi dizerem para aonde iam quando negociaram com outro
cocheiro.
— Eles devem ter mentido para enganá-lo. — Pierre disse para
Etienne, demonstrando não acreditar na versão do ébrio. —
Podemos perder tempo indo até Suresnes, que é muito longe.
— O cocheiro é meu amigo. Ele leva vocês lá. Pelo triplo.
Anthony enfiou a mão em outro bolso e arrancou mais um saco
de moedas. Abriu-o e espalhou o dinheiro nas mãos abertas do
miserável que exibiu um sorriso com dentes faltando.
— Onde encontramos seu amigo?
— Está em casa com a mulher e as crianças.
— Leve-nos até ele. — Pierre segurou-o pelo casaco e o
arrastou pela rua. — Indique o caminho.
— Calma, monsieur.
Outro soluço e logo o homem estava vomitando no meio do
pavimento. Anthony não tinha tempo para aquelas tolices, mas
aquela era a melhor pista que conseguiriam. Se Suresnes não fosse
área demais para desbravar, já estaria galopando até lá.
Depois de parcialmente recomposto, o homem foi colocado
sobre um cavalo arranjado por Etienne e, conduzido por Pierre,
passou a indicar onde ficava a casa do tal amigo que poderia levá-
los até o esconderijo de Finley. Assim que estivessem com a
localização de Rosamund, o marquês conseguiria algumas armas
para levar consigo e garantir que, se houvesse um confronto, o
visconde não saísse vivo dele.
O
, mas não era Finley.
Quando Anthony se projetou na direção dele, recebeu um golpe
pelas costas que o fez tropeçar e quase cair. Virou-se e encontrou o
visconde segurando um atiçador de fogo e vindo raivoso para cima
de dele. Como não parecia armado com nenhuma pistola, Anthony
jogou-se de costas no chão e impulsionou as pernas para frente a
fim de atingi-lo.
Com o impacto, o visconde cambaleou para trás, mas não
abandonou sua arma. Voltou a girar o atiçador, cuja ponta era
afiada, para acertar Anthony e acabou rasgando seu colete.
— Não adianta lutar, vocês estão cercados — o marquês
provocou. — Achava mesmo que eu viria sozinho, Finley? Que eu
seria burro a ponto de não trazer um esquadrão comigo? Há
homens em suas saídas, Rondale está preso e você só sairá daqui
amarrado ou morto.
— Se me matar nunca mais saberá onde ela está. — O visconde
o atacou novamente, desferindo golpes certeiros de quem sabia
lutar. Como Anthony era esgrimista, estava acostumado a esquivar-
se daquele tipo de investida. — Vai arriscar perder sua preciosa
amante, Granville?
— Ela não é minha amante, seu canalha. — Anthony girou o
quadril e, com um chute lateral, atingiu o atiçador e o fez voar para
longe. O objeto caiu a metros deles. — Ela é a mulher que eu amo e
em breve será a Marquesa de Granville.
O visconde deu uma gargalhada sonora e avançou. Anthony
atracou-se com ele e os dois passaram a trocar socos no chão de
terra. Monty apareceu vindo de dentro da casa e correu até o
homem ferido pelo tiro do marquês, sendo seguido por Pierre. Os
mercenários ficaram na dúvida se deveriam interferir na luta, mas
Etienne os orientou a esperar. Não deixariam Finley escapar, mas
permitiriam que Anthony tivesse sua vingança.
Seu adversário não era ruim de briga. O visconde sabia se virar
com as mãos. Subestimou-os, sim, mas foi capaz de lutar de igual
para igual com o marquês. Desferiu alguns socos que o atingiram no
nariz e no queixo, mas logo Anthony estava por sobre ele. Antes de
desmaiar pela força dos punhos que o esmurravam a face, Finley
conseguiu alcançar uma faca que ficava em suas costas e voltou
para a briga.
Acertou o braço de Anthony, fazendo um corte profundo o
suficiente para que seus golpes perdessem força. Isso fez com que
ele invertesse a posição e agarrasse o pescoço de Finley por trás,
impedindo-o de respirar. O visconde tentou esfaqueá-lo outras
vezes, acertou seu flanco, mas já estava enfraquecido pela falta de
ar e o corte foi bastante superficial.
Antes que o matasse, Anthony pediu que viessem amarrá-lo.
— Acho que já se divertiram o bastante. Prendam-no e o tirem
da minha frente. Façam-no dizer onde está a Srta. Taylor.
— As criadas disseram que ela fugiu, milorde. — Monty se
aproximou, arrastando o ferido sobre um tecido grosso. — Todas
estavam muito agitadas e nervosas, mas disseram que viram duas
mulheres pulando a janela e correndo para a floresta.
Anthony levantou-se e passou as mãos empoeiradas pelas
calças. Suas roupas estavam arruinadas, havia sangue vertendo de
seu braço e a exaustão da noite sem dormir começava a cobrar seu
preço, mas ele só descansaria depois que a encontrasse. Rasgou
um pedaço da camisa e amarrou no braço para fazê-lo parar de
sangrar, recusando-se a voltar para dentro da casa e se limpar.
— Vou procurá-las. — afirmou. — Cuidem do homem ferido e
garantam que esses dois vilões sejam deportados para Londres
dentro do sigilo esperado.
— Granville, deixe-me fazer isso. — Pierre tentou dissuadi-lo.
— Não. Elas devem estar assustadas ou perdidas, não sabemos
onde essas árvores terminarão.
O amigo balançou a cabeça, mas não insistiu. Anthony
costumava ser teimoso quando nenhuma vida dependia dele, então
seria duas vezes mais naquele momento. Disparou em uma corrida
pela área descampada até chegar ao pequeno bosque que era
formado por árvores compactas que impediam a luz solar de
penetrar profundamente. O interior era escuro e gelado e ele já
estava sentindo seus dedos dormentes, mas isso não o impediu.
Afastando a folhagem densa, ele deu alguns passos para dentro
sem conseguir ver muito. Seguiu uma, duas, quatro árvores e
estava prestes a começar a gritar pelas mulheres quando um galho
pesado o atingiu e ele caiu de costas no chão. Era uma maldita
armadilha, mas o que o surpreendeu mesmo foi ver Rosamund pular
sobre ele como uma gata selvagem. Ela estava despenteada, com o
vestido rasgado e faltava uma sapatilha, mas jogou-se em cima dele
raivosa e batendo em seu peito até perceber que ele não era o
inimigo.
— Anthony?
G G , 30 1889.
Sua filha,
Rosamund Eckley
Epílogo #2
Vila de Thanet, outubro de 1899
R
, o que seria exposto na nova vernissage.
Seria a sua segunda, daquela vez em Londres, em uma prestigiosa
galeria. Até aquele momento ela costumava enviar seus quadros
para que galerias parisienses a expusessem, mas não eram
mostras exclusivas. Estava tão excitada que por vezes tinha
dificuldades em dormir - algo que pouco lhe acontecia depois que se
casou.
Estranhou o silêncio. Com três crianças, a casa vivia em
constante algazarra - principalmente quando a bebê chorava. O
relógio marcava nove horas, talvez fosse aquilo - estavam todos
dormindo.
Ainda assim foi conferir. Entrou no quarto de Phillip, seu
primogênito, e ele dormia com uma pequena lamparina acesa. Seu
pequeno herdeiro sempre teve medo do escuro. Ela garantiu que
estivesse coberto e foi até o quarto das meninas. Matilda e Diana
também dormiam — a babá acabara de colocar a bebê no berço.
Restava-lhe descobrir onde estava o marido. Com passos
silenciosos ela entrou na suíte principal e a encontrou vazia mas
iluminada. Havia lamparinas acesas e um bilhete sobre a cama
ainda arrumada. A nota continha apenas uma palavra:
Biblioteca.
Tatiana Mareto
Agradecimentos