Você está na página 1de 422

O Marquês que me Amava

Série Os Eckleys - Livro Um


Tatiana Mareto
O MARQUÊS QUE ME AMAVA @ 2021. Todos os direitos reservados. Obra protegida
pela Lei 9.610 de 1998 (Lei de Direitos Autorais).

É proibida a reprodução gratuita ou a comercialização desta obra sem autorização


expressa da autora.

É proibida a reprodução parcial da obra, mesmo que de forma gratuita, sem a indicação
dos créditos autorais.

Essa uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera
coincidência.

Plágio é crime. Crie, não copie.

Capa: Tatiana Mareto

Edição e diagramação: Tatiana Mareto

Revisão: Narjara Pedroso

Para saber mais sobre a autora, visite

http://tatianamaretoromances.com

Created with Vellum


Às minhas leitoras e amigas Nariane e Daiane, pelo apoio
incondicional durante a elaboração desse livro.
Contents

Alerta de gatilhos

Prólogo
Capítulo primeiro
Capítulo segundo
Capítulo terceiro
Capítulo quarto
Capítulo quinto
Capítulo sexto
Capítulo sétimo
Capítulo oitavo
Capítulo nono
Capítulo décimo
Capítulo décimo primeiro
Capítulo décimo segundo
Capítulo décimo terceiro
Capítulo décimo quarto
Capítulo décimo quinto
Capítulo décimo sexto
Capítulo décimo sétimo
Capítulo décimo oitavo
Capítulo décimo nono
Capítulo vigésimo
Capítulo vigésimo primeiro
Capítulo vigésimo segundo
Capítulo vigésimo terceiro
Epílogo #1
Epílogo #2

Nota da autora
Agradecimentos
Sobre a autora
Notes
Prólogo
Alerta de gatilhos

Olá, leitoras!
Antes de começarmos, preciso informar que esse livro possui
alguns gatilhos que podem ser desconfortáveis para pessoas
sensíveis ao tema.
A história tem gatilhos para
- Assédio sexual e
- Violência (descrição gráfica)
O livro é um romance entre pessoas adultas que fazem sexo e,
por isso, contém muitas cenas eróticas descritivas.
Se você entende que esses gatilhos e temas não são obstáculo
para sua leitura, então seja bem-vinda ao mundo dos Eckleys!
Prólogo
Londres, 1889

A E :
mulheres e jogar cartas, e não era por causa de nenhuma delas que
fora convidado para a residência do Duque de Clarence e Avondale 1
naquela tarde.
Apesar de estar sentado em uma mesa de carteado, junto a
outros figurões da aristocracia britânica, bebendo do melhor uísque
e equilibrando uma pilha de fichas à sua frente, o Marquês de
Granville suspeitava que sua presença naquele evento tinha outros
propósitos. Quando um criado discretamente o convocou para o
escritório do duque, suas suspeitas se transformaram em certezas.
O duque estava de costas para a porta de entrada, remexendo
em seus livros quando o convidado entrou. O criado pigarreou e
anunciou a chegada do Marquês de Granville, retirando-se em
seguida.
— Sente-se. Você gosta de ler, Anthony?
— O Kama Sutra sim, mas não o considero exatamente uma
leitura.
Com uma risada sonora, Albert Victor Christian Edward virou-se
e acendeu um charuto na vela que iluminava precariamente a mesa.
Toda a residência Clarence e Avondale era escura e sombria, assim
como as histórias sobre o seu dono.
— É por essa sua honestidade que te considero um dos meus
melhores amigos! E tem quem pense que bons agentes são
dissimulados.
Anthony cruzou as pernas e fitou seu interlocutor por alguns
instantes. Havia muito mistério envolvendo o filho do príncipe e
muitas fofocas se espalhavam pela Inglaterra. Poucas pessoas
entendiam a função do jovem herdeiro ao trono britânico e ele
estava entre elas. Eram quase da mesma idade, estudaram juntos e
compartilharam o mesmo segredo por anos.
— Mas não é por ela que me trouxe aqui hoje. Diga, Eddy, qual é
o problema? Duvido que seja dinheiro, já que seu pai não deixa de
prover sua boa vida.
— Preciso de você. Sua Rainha precisa de você.
— Estou aposentado. — O marquês se levantou e serviu-se de
um copo de uísque. — Sou um marquês agora, minha forma de
servir à Coroa mudou.
— Espiões nunca se aposentam, Tony. Há uma missão perfeita
para você e esperamos que aceite o encargo.
— Missões, espiões, encargos. Não estamos nem mesmo
próximos de uma guerra, por que diabos precisamos disso?
O duque aceitou o drinque que lhe fora servido e encarou por
algum tempo o líquido âmbar tremeluzindo à luz da vela até voltar-
se para o amigo com a expressão mais sombria do que de costume.
— Conhecimento é poder, meu caro amigo. As pessoas
escondem segredos e conhecê-los nos dá poder. Força. Vantagem.
A espionagem nunca acabará ou ficará fora de moda, sempre
haverá quem pague bem por informações que possam evitar ou
iniciar guerras.
— Por que eu?
Anthony sabia que não adiantava discutir com Albert quando ele
tomava uma decisão. Se o duque o queria naquela missão, fosse
qual fosse ele teria que acatar as ordens de seu superior. Apesar da
proximidade das idades, o duque era o neto da rainha e havia
poucas pessoas com mais poder e influência na Inglaterra inteira.
— Porque você é um marquês, é um libertino reconhecido
internacionalmente e adora festejos. O nosso homem é um
perdulário mulherengo e ninguém melhor do que um Eckley para se
aproximar dele.
— Eu o conheço?
— Sim, mas só saberá o nome dele depois, como de costume.
— O que preciso investigar?
— Sabia que não me arrependeria de tê-lo escolhido. — Albert
sorriu e tragou o charuto. — Ele é suspeito de dois crimes graves:
assassinato e traição. Segundo informantes, nosso alvo tem
contrabandeado informações da coroa para países estrangeiros, em
especial a França, e eliminou alguns adversários que cruzaram seu
caminho.
— Onde ele está, agora?
— Paris. Veja como sou seu bom amigo, ainda pretendo enviá-lo
para a cidade da devassidão, o paraíso dos libertinos. Você, melhor
do que eu, sabe como são as mulheres francesas.
— Sei e já provei praticamente todas elas. Não há mais novidade
para mim em Paris, mas não irei para me divertir e Vossa Alteza
sabe que, quando estou trabalhando, concentro-me integralmente
no serviço.
— Perfeitamente, meu amigo. — O duque ergueu o copo de
uísque em um brinde solitário. — E é também por isso que é ideal
para o encargo. Você o aceita?
— Mande para mim as coordenadas. Seja preciso, Eddy, pois
não tenho tempo para desperdiçar. Ainda preciso convencer meus
irmãos inúteis a cuidarem do marquesado enquanto estou fora.
Capítulo primeiro

P ,
lacaio misterioso. Nunca era o mesmo homem que carregava as
correspondências de Eddy — o Duque de Clarence e Avondale —,
cujo apelido era mais conhecido que seu título. Havia um nome e
uma orientação estampados na carta: queime-a.
O nome era a identidade do alvo: o herdeiro do Marquês de
Berkshire, atual Visconde Tinsdale, também conhecido por Lorde
Finley. Anthony entendeu por que fora convocado pelo duque.
Apenas um marquês ou um título mais elevado tinha o mesmo
trânsito de outro marquês. E não havia duques espiões além do
próprio Eddy, ele sabia.
Depois chegou outro bilhete, que também deveria ser queimado
logo após ser lido, e explicava como a missão funcionaria. Anthony
Eckley seria convidado para ficar hospedado na casa do visconde
durante uma estada em Paris e aproveitaria sua estadia para
encontrar provas da traição. Como Eddy conseguiria que o visconde
fizesse aquele convite sem levantar suspeitas era algo que o
marquês ignorava, mas ele nunca fazia perguntas além do que
deveria. O duque sempre conseguia o que queria.
Anthony só achou difícil acreditar que Finley fosse um assassino
cruel. Traidor? Talvez, mas assassino? O homem era um completo
inútil, incapaz até de se casar e prover um herdeiro para quando
precisasse. Como tinha apenas irmãs, havia o risco de o
marquesado mudar de linha familiar quando seu pai falecesse, o
que não parecia preocupar o mandrião.
Mas Eddy era um homem difícil. Se decidira que Finley era um
objeto de interesse da coroa, então caberia a alguém investigar. E
por isso estava lá o Marquês de Granville desembarcando em Paris
para uma temporada na corte francesa alimentando sua fama de
libertino perdulário.
Ele não era perdulário. Apesar de o pai ter criado os filhos
dando-lhes tudo que queriam sem nenhum esforço, Anthony sabia
de onde vinha o dinheiro. Não era de uma caixa mágica como
Nicholas, o irmão mais novo, pensava quando criança, mas do
trabalho. Mesmo sendo um nobre de linhagem refinada, ele era
afeito ao trabalho e sabia que o marquesado Granville não pereceu
apenas por causa da mente estratégica de seu pai e pelo seu
esforço assim que assumira o título, dois anos atrás.
Já libertino... aquela era uma fama à qual fazia jus e da qual se
orgulhava. Todos os Eckleys estavam se tornando exímios
sedutores e colecionavam mulheres em suas camas como os
aventureiros colecionavam milhas viajadas. Os amigos
desbravavam continentes, ele explorava o corpo feminino. Desde
muito jovem, Anthony aprendeu a dar e extrair prazer de todo toque,
suspiro e suor.
— Chegamos, milorde.
Monty colocou a cabeça para dentro da carruagem assim que
ela parou. O valete era o único criado que Anthony carregava de um
lado e para o outro, aquele que sabia tudo sobre ele e que não
revelaria a sua identidade secreta a ninguém. O empregado perfeito
— tinha apenas uma expressão facial, nunca fazia fofoca a não ser
que fosse solicitado e não possuía vícios.
A porta da carruagem se abriu para um palacete no Trocadéro,
uma das mais prestigiosas localizações da 16º Arrondissement 1. Ele
sabia que parte francesa da família de Finley era rica, não
imaginava que fosse tanto. A casa tinha dois andares, colunas de
mármore na entrada, uma magnífica porta de madeira entalhada e
janelas no estilo das catedrais.
— Parece-me que o senhor terá muito trabalho, milorde. —
Monty pegou as duas malas que estavam na parte de cima da
carruagem. — A casa parece ter tantos cômodos quanto um ano
tem dias.
— Não me diga. Descarregue minhas coisas e mande um
mensageiro dar notícias de minha chegada a Pierre. Não poderei
perder tempo.
O criado assentiu e Anthony subiu as escadas para ser recebido
na porta principal por um mordomo vestido a caráter e uma trupe de
empregados. Aparentemente o anfitrião estava ocupado e pediu que
os convidados se dirigissem até o salão de eventos para serem
entretidos com comida e bebida. Ele não estaria sozinho ali, Finley
estava com a casa cheia de gente por causa da Exposition
Universelle 2.
Quando soube, Anthony suspeitou que fosse proposital. Talvez
todas as pessoas que Finley estivesse hospedando ali foram
inseridas meticulosamente pela mente ardilosa de Eddy, pois o
duque sabia que uma residência vazia era mais difícil de se
investigar. Quanto mais gente pela casa, mais oportunidades de se
enfiar em um aposento Anthony teria. Se fosse pego, poderia alegar
que estava procurando sossego ou a oportunidade de fumar um
charuto. Ele tinha um personagem que adorava interpretar e sua
libertinagem era um disfarce que o ajudava a sair de situações
difíceis.
Alguns convidados do visconde já estavam na casa. Lady
Bachour, sua tia preferida — que se casara com um francês e
enviuvara um ano atrás —, um casal inglês, os Thompson, e dois
barões que costumavam puxar o saco de Finley. Anthony conhecia
todos e não tinha vontade de socializar com ninguém, porém pegou
uma taça de champanhe e se aproximou dos nobres. Ao menos
poderia ostentar seu título, coisa que raramente fazia, mas que
servia bem para manter homens como aqueles em seus devidos
lugares.
Estava se obrigando a ouvir o Barão Rondale falar sobre um
acidente com um navio que vinha de Nova Iorque quando ela
chegou. Eram duas mulheres, todavia ele percebeu apenas uma,
mesmo que ela estivesse se esforçando para não ser notada. Vestia
um conjunto cinza e branco, roupas simples, porém com aparência
de bem-feitas, e cabelos presos no alto da cabeça. Ela parecia tão
comum que não chamaria a atenção de ninguém se não fossem
seus olhos.
Anthony conhecia olhos como aqueles, eles eram observadores
e inteligentes. Ela segurava uma bolsa na frente do corpo e tentava
passar despercebida, porém seu olhar investigou cada centímetro
da sala antes mesmo da mulher se sentar em uma poltrona próxima
à lareira, onde estava Lady Bachour. Cumprimentou a senhora mais
velha e se serviu de uma xícara de chá, mas não parou de prestar
atenção ao seu entorno nenhuma vez.
De mulheres, ele entendia, e aquela ali era do tipo que o atraía.
Estava prestes a se aproximar e se apresentar quando o visconde
chegou fazendo algum estardalhaço.
— Olá, meus queridos amigos! Desculpem-me por não os
receber, estive envolvido com uma questão de negócios até agora.
Espero que estejam comendo e bebendo meu melhor Bourbon!
Ele gesticulava e falava alto, parecendo um personagem ainda
mais caricato do que qualquer um já interpretado nos teatros
londrinos. Não era à toa que Eddy desconfiava dele, qualquer
pessoa que agisse de forma tão afetada despertaria a desconfiança
de um bom espião.
Depois de cumprimentar a todos pessoalmente, Finley
agradeceu novamente por aceitarem o convite e pediu que os
criados mostrassem os quartos de cada um, indicando que aquela
pequena reunião estava encerrada. A mulher misteriosa
desapareceu atrás de uma criada de uniforme e ele permaneceu
curioso sobre quem ela era e o que fazia ali. Talvez sua estadia na
casa do visconde não fosse tão desagradável no final.

— A cidade não está maravilhosa? — Rosamund Taylor girou no


próprio eixo, fazendo as saias se erguerem um pouco. — Eu nunca
vi nada assim.
— Creio que seja porque nunca estivemos em Paris. — Gretha,
a prima que lhe servia de dama de companhia, tentava acompanhar
seus passos com muito esforço.
Rosamund parou, ficou de frente para sua acompanhante e
sorriu, abrindo os braços no meio da praça.
— E sinto-me muito feliz que tenha decidido vir agora. Não
poderia morrer antes de ver tudo isso.
— Ou casar-se.
— Daria no mesmo, não? Casar-me com um dos janotas que
meu pai insiste em me apresentar ou morrer, é tudo a mesma coisa.
— O casamento não é tão ruim assim, minha prima.
— Então por que nunca se casou, Gretha?
A mulher não conseguiu responder. As duas haviam
desembarcado em Paris naquele dia, na intenção de participar da
Exposition Universelle. Rosamund Taylor era uma jovem aventureira
e muito artística que também pretendia ter algumas aulas com
Amélie Beaury-Saurel, quem decidira selecionar alguns alunos
durante o período da exposição. Seria uma viagem perfeita e de
grandes expectativas senão por um detalhe: Rose estava mentindo
para sua família.
O pai, que não possuía sangue aristocrata, mas era arrogante
como todos eles, insistia em casá-la com um nobre qualquer. Como
era plebeia, Rosamund não conquistava nenhum bom título —
apenas aqueles que estavam afundados em dívidas e sonhavam
com seu magnífico dote para resolver problemas financeiros.
Restavam para ela baronetes ou barões, todos mais velhos e
desejosos de uma esposa jovem e bonita. Conformada com seu
destino, tudo que ela queria era poder visitar a exposição e
experimentar algumas aventuras antes de se submeter aos desejos
do pai e se casar com o nobre falido que ele escolhesse. Como não
foi atendida, decidiu mentir.
Por semanas, Rosamund forjou correspondências com um nobre
francês. O homem, que a família conhecera em um evento festivo
na residência do Duque de Clarence e Avondale, demonstrou
simpatia por Rose e foi o suficiente para que ela o usasse para fingir
um interesse romântico por meio de cartas falsificadas. Como seu
pai acreditava que a filha era uma jovem ingênua e incapaz de
qualquer ato de inteligência, não foi difícil mentir e convencê-lo de
que um conde desejava desposá-la, não sem, antes, apresentá-la
para a família. A farsa era perfeita, já que o pai era doente e não
poderia fazer uma longa viagem até a França, por isso, coube à
jovem Rose, com sua prima Gretha como acompanhante, ir em
busca do casamento na efervescente Paris.
Não que a prima compactuasse com suas mentiras — Gretha
estava sendo paga. A prima era sua amiga e elas costumavam
compartilhar segredo, mas Rosamund queria voar e acabou se
vendo na posição de pagar por companhia e garantir ajuda e
silêncio.
A mentira se complicou um pouco quando o pai insistiu em
hospedá-la com um nobre com quem fazia negócios — uma pessoa
que Rose não apreciava muito. Mais pessoas precisaram ser
envolvidas na trama, que estava parecendo uma bola de neve. Mas
ali, girando por Paris logo após sua chegada, ainda zonza com a
mudança de ares, ela teve certeza de que faria tudo outra vez.
— O que fará quando não retornar noiva para Londres? —
Gretha mudou de assunto, aproveitando que Rosamund se distraíra
com a paisagem.
— Direi que fui rejeitada pelo conde. Ainda poderei passar algum
tempo livre de cortejos graças ao meu coração partido.
— Essa é uma brincadeira muito arriscada, Rose. Sua reputação
estará manchada.
— Não é brincadeira! Trata-se da minha felicidade. Sei que devo
me casar e atender aos desejos de meu pai, estou conformada com
isso, mas não lhe custaria nada me conceder essas poucas
semanas de liberdade. O que poderia me acontecer durante esse
tempo em Paris, Gretha? Diga-me, que mal há em querer aprimorar
minha arte?
— Mulheres inteligentes não conseguem bons maridos.
Aquela era uma verdade reconhecida pela maioria das mulheres
e com a qual Rose não se importava. Ela sabia fingir burrice da
mesma forma que conseguira enganar o pai — era boa em
dissimular. Talvez desse para o teatro também, mas sua paixão era
a pintura. A sociedade acreditava que todas as artistas eram
mulheres de vida fácil ou assim se tornariam, então sua família
jamais a incentivou. Todas as obras que pintou estavam escondidas
e Rose nunca pôde estudar com nenhum mestre, portanto, aquela
era a sua chance.
— Gretha, Madame Beaury-Saurel escolherá amanhã suas
pupilas, portanto não quero saber de maridos e casamentos
enquanto estiver por aqui. Preciso entrar naquele ateliê e dar o meu
melhor, devo concentrar-me apenas no meu desenho. Depois que
retornar a Londres, enfrentarei meu destino. Aqui, em Paris, quero
me deixar ser conduzida pela arte. Você consegue sentir?
Consegue ouvir? A cidade conversa conosco!
— Imagino que ela não queira falar comigo. — Gretha deu uma
risadinha. — O que faremos até amanhã, então?
— Oras, o que todos os artistas fazem: iremos a cafés!
Por certo que Gretha sabia que aquela era uma decisão
problemática. Primeiro, porque elas não eram artistas, ao menos
não consagradas ou que tiveram obras reconhecidas. Segundo,
porque damas honradas e castas como elas não deveriam
frequentar aqueles espaços sem a presença de um homem que as
acompanhasse. Era tolerado que elas fossem às compras, a
eventos de caridade ou chás, mas não a lugares onde serviam
bebida alcoólica e incentivavam a embriaguez. Mas, como lembrou
Rosamund, antes que a prima pudesse protestar, elas estavam na
França, um país muito mais liberal do que a Inglaterra. Mesmo que
as mulheres continuassem sendo objetos à disposição masculina,
elas eram, ao menos, objetos móveis que podiam se locomover de
um lugar para o outro.
Caminharam com suas sombrinhas pela movimentada Saint-
Germain de Prés até que Rose subitamente parou em frente ao Les
Deux Magots. O cheiro de café e baunilha se misturava com outro,
adocicado e muito enjoativo, que a deixou um pouco zonza depois
de uma inspiração mais profunda. O que a fizera parar foi a
constatação que, dentro daquele lugar elegante que aparentava
atrair frequentadores interessados em uma boba bebida, estava o
poeta Paul Verlaine. Ela o lera diversas vezes nas aulas de francês
e, sendo uma péssima aluna, investigara também a biografia do
autor das belas palavras.
— Aqui, Gretha. — Rose apressou-se para convencer a prima de
que aquele era o lugar que elas estavam procurando. — Esse é um
café de artistas.
— Céus! Rose, conseguirá mesmo ficar aqui com esse cheiro
nauseante?
— Há outras mulheres, parece um lugar de respeito e é
frequentado por poetas. Vamos sentar e comer torta com creme,
preciso de um doce.
As duas escolheram uma mesa próxima à porta e que lhes
permitia respirar ar vindo da rua, que não era muito puro, pois a toda
hora passavam fumantes com suas baforadas de fumaça que
deixavam até a mais cheirosa das flores com odor fétido. Pediram
uma torta do dia com chá e se puseram a observar os
frequentadores do café enquanto Rose procurava por mais rostos
conhecidos.
Na mesa com o poeta Verlaine estavam outros dois homens e
eles conversavam animadamente. Um deles era outro poeta,
Mallarmé, e o outro era jovem e não parecia francês, tinha sotaque
e estava embriagando os colegas. Era bonito, tinha feições
masculinas bem marcantes, cabelos escuros e lisos bem penteados
e olhos profundos. Seu sorriso com dentes perfeitos era emoldurado
por lábios grossos e Rose já o conhecera. Sim, ele estivera na casa
do Visconde Tinsdale naquela manhã, ela o reconheceria em
qualquer lugar com aquele queixo quadrado e aquela sombra de
barba que o tornava ainda mais viril.
Então mais um dos convidados de Lorde Finley apreciava a vida
entre os artistas — para estar entre Verlaine e Mallarmé, ele não
poderia ser ignorante em arte.
Rose retirou de dentro de sua bolsa um bloco de folhas brancas
e um lápis preto e apoiou-os na mesa, rabiscando alguns traços.
— O que está fazendo? — Gretha dobrou-se por sobre a mesa
para ver os esboços. — Está desenhando… alguém?
— Sim, ele.
Com um movimento de cabeça, Rosamund indicou o lado da
mesa dos beberrões. Gretha arregalou os olhos em assombro.
— Que horror! Isso é muito indecente. Você o conhece?
— Indecente seria se ele estivesse nu. — Ela deu uma risadinha
contida. — Ele está hospedado com Lorde Finley, não se lembra de
tê-lo visto hoje?
— Não. Você o conhece, então.
— Não fomos apresentados, Gretha! Apenas gostei dos traços
dele, achei que daria um bom retrato. Talvez, se eu conseguir fazer
um rascunho, eu possa produzir um bom trabalho depois.
— Rose, você não pode pintar um homem qualquer que viu duas
vezes!
— Claro que posso! pensa que a inspiração dos grandes
pintores vem de onde, Gretha? Do acaso! Dizem que Da Vinci
pintou a esposa de um vizinho e fez dela sua bela Monalisa, então
esse estranho desconhecido pode muito bem ser o muso de uma
grande obra de arte.
— Quem é Monalisa?
— É uma das pinturas mais expressivas que já estudei. Eu
adoraria fazer uma versão dela, mas acredito que meu modelo não
combine com longas madeixas lisas.
Ambas riram e a falta de moderação das gargalhadas fez com
que Gretha se encolhesse de vergonha ao perceber que alguns
frequentadores olhavam para ela.
— Bem, ele é muito bonito. Não se parece com os franceses.
— Acha os franceses feios?
— Não, não! — Gretha cobriu a boca em horror pela equivocada
interpretação de sua frase. — Ao contrário, acho-os bonitos. Mas
esse homem tem uma postura muito aristocrática, não acha? Ele
deve ser nobre, será que é um barão?
Sim, ela achava que ele era diferente e fora exatamente aquela
postura que chamara a sua atenção. Tendo sido criada para casar-
se com nobres, ela os reconhecia em qualquer lugar — e aquele ali
não era um barão. Havia algo de diferente na forma como eles se
sentavam, falavam ou seguravam um copo de… qualquer bebida
esquisita de cor indefinida. Rose assustou-se ao se pegar muito
distraída encarando o homem e deitou os olhos sobre seu desenho,
tentando finalizar os traços com toda fidelidade que conseguiria.
Era uma empreitada simples se ele, depois de alguns minutos,
não se virasse para ela. Os olhos do homem misterioso eram muito
mais profundos do que ela podia imaginar — escuros, densos,
sombrios. Havia algo ali, um mistério que clamava por ser
desvelado. Em um momento inusitado, o lápis caiu de sua mão e
rolou pelo chão do café, parando no pé da atendente que vinha
trazendo as tortas. O papel voou para o lado e ela precisou se
esticar para pegá-lo, o que acabou amassando o desenho. Um
pouco constrangida por sua reação exagerada diante da intensidade
daquele olhar, Rose dobrou o esboço e o enfiou novamente na
bolsa.
O constrangimento foi ainda maior porque ele se levantou e, com
um movimento ágil e elegante, pegou o lápis do chão para devolvê-
lo. Não sem antes parar para cumprimentar a mulher que carregava
a bandeja de comida como se fossem velhos amigos.
— Oh! Anthony, que gentil. — A garçonete sorriu sem se
preocupar em esconder seu deslumbramento pelo homem cujo
primeiro nome ela conhecia. — É bom revê-lo.
— Sabe que sempre que posso venho a Paris, minha querida. —
Ele pegou a mão livre dela e beijou. A garçonete não usava luvas
então aquele foi um beijo bastante escandaloso e molhado.
Rosamund pode ver os lábios dele esquentando e saboreando a
pele da mulher, que corou com o carinho recebido. O que era aquilo,
afinal? Quem era aquele homem? — Vou adorar revê-la depois que
terminar seu turno de trabalho.
Ele entregou à garçonete um papelzinho, que ela tratou de enfiar
no meio do decote, e virou-se para a mesa onde Rosamund e
Gretha o observavam estupefatas.
— Creio que isso seja seu, mademoiselle.
O desconhecido sorriu ao interpelá-las. Gretha quase se
engasgou com o chá quente que levara à boca — a voz dele era
capaz de causar efeitos inesperados nas pessoas.
— Obrigada, senhor.
— Já nos conhecemos, não? Eu vi as senhoritas na casa do
Visconde Tinsdale.
— Sim, estamos hospedadas lá. Imagino que o senhor também
esteja e que seremos formalmente apresentados durante o jantar. —
Rose enfiou também o lápis dentro da bolsa.
— Marquês de Granville. — Ele fez uma reverência dobrando o
tronco e não pareceu se importar em se apresentar para uma
mulher. Talvez na França aquele comportamento fosse tolerado,
mas Rosamund não estava acostumada a tanta liberalidade. —
Bem, senhoritas, se me dão licença, preciso retornar para meus
amigos.
Ele virou de costas e voltou para sua cadeira, deixando as
mulheres um pouco atordoadas com sua presença. Rosamund teve
certeza de que aquele seria o mais lindo retrato que ela pintaria em
toda a sua curta carreira artística e que teria muita inspiração para
usar no ateliê de Madame Beaury-Saurel.

Anthony voltou até Verlaine e Mallarmé apenas por seu senso de


responsabilidade, porque a dama que o observava e parecia
deslocada naquele café era uma atividade muito mais interessante
do que dois poetas bêbados. Quando a viu na casa de Finley não
imaginou que poderia reencontrá-la em um café. Enganou-se ao
achar que ela fosse introvertida, pelo contrário, ela falava com
desenvoltura e se sentava sozinha em um estabelecimento de
reputação duvidosa. Bem, não estava sozinha, havia uma
acompanhante com ela, mas, ainda assim, eram duas mulheres.
Ela era definitivamente inglesa e não corria nenhuma gota de
sangue nobre em suas veias. Ele aprendera a farejar a nobreza
mesmo à distância e aquela mulher era uma plebeia rica e com
bons contatos, considerando onde estava hospedada. Por sua
aparência era jovem e não casada, ou seja, uma virgem. Poderia
ser viúva, mas não acreditou que fosse — ela se espantou quando
ele se apresentou e mulheres viúvas eram menos melindrosas. Seu
pai deveria ser um homem influente e a sua presença na casa de
Finley era um favor.
Fosse quem fosse, ele não estava em Paris para brincar.
Esforços de sedução tomariam dele um tempo que não tinha,
portanto, era melhor concentrar-se em Finley e satisfazer-se com as
cortesãs. Isso não o impediu de manter um olhar sobre ela durante
o tempo que estiveram ali, observando-a de longe e se deleitando
com a peculiaridade da jovem dama cujo nome ainda não sabia —
mas que logo descobriria. Havia algo nela que não era apenas
beleza e o atraía irresistivelmente.
Despediu-se dos colegas, apesar de crer que nenhum dos dois
estava consciente o suficiente para compreendê-lo, assim que seu
contato chegou. Pierre Prescott era um amigo de longa data, filho de
mãe francesa e pai inglês, criado nos dois países e leal a apenas
um deles. Seu pai foi preso e torturado durante as guerras
napoleônicas e isso foi o suficiente para que decidisse um lado.
Fazia um perigoso jogo de espionagem para a Coroa Britânica
sendo cidadão parisiense e Anthony não tivera notícias dele, desde
que se aposentou.
— Granville. — O amigo estendeu a mão para um cumprimento.
— É sempre um prazer revê-lo!
Anthony indicou uma mesa mais afastada para ocuparem e
dispensou a garçonete que se aproximava.
— Igualmente, meu caro. Você recebeu algum pacote?
— Dois, ambos destruídos a esse momento. Serei seu apoio na
cidade e suspeito que já sabia.
— Como eu estou infiltrado na casa, farei buscas locais. Preciso
contar com sua companhia para eventos externos que o alvo
participe e onde provavelmente encontrará seus contatos. Se ele for
tudo que se suspeita, não será tolo de receber traidores em sua
casa cheia de convidados.
Eles conversavam em baixa voz e prestando atenção ao
entorno, mas o Les Deux Magots era seguro — um dos poucos
lugares que confiavam.
— Pensei que tivesse aposentado. — Pierre disse, por fim. —
Será divertido trabalhar com você novamente, Granville.
— Dizem que pessoas como nós nunca aposentam, apenas
mudam de disfarce. Investigue e descubra para onde nosso alvo vai
durante sua estadia aqui na cidade. Lembre-se de nunca entrar em
contato comigo. Meu criado estará todo dia de manhã passeando
pelo Arco, mande qualquer mensagem por ele.
O amigo concordou, levantou-se e saiu. Anthony permaneceu na
mesa por algum tempo, acendeu um charuto, fumou e pagou a
conta, a dele e a dos dois poetas seus amigos, já que sabia que
eles consumiam todo o dinheiro que ganhavam em absinto.
Retornou para a casa do visconde planejando trancar-se em seu
quarto e analisar as possibilidades da noite — porque ele não podia
perder nenhuma sem investigar cada canto daquela casa.
Capítulo segundo

OV T
P . Rosamund não estava animada
em participar dele, não queria levar horas se arrumando para comer
com pessoas que nem conhecia e precisava descansar para o dia
seguinte. Ninguém na casa sabia que ela estava planejando
frequentar o ateliê de pintura da maior artista da França, então
precisava da mente sã e do espírito leve para se inspirar e enganar.
Foi convencida por Gretha de que fingir indisposição para
permanecer no quarto era falta de educação e que não adiantava
estar na casa de um homem rico se não fosse para usufruir da
riqueza dele.
A prima tinha razão, por isso Rose se banhou, escolheu um
vestido laranja e branco com babados e prendeu os cabelos com
presilhas de ouro e pedras — as que sua mãe dizia que seriam
ideais para conquistar um tolo como pretendente. Não estava
pensando em tolos, nem em pretendentes. Não havia realmente um
homem que fosse desposá-la em Paris, mas ela sabia que
precisava estar bem vestida no jantar de um visconde. Quando
desceu as escadas, com Gretha ao seu lado, confirmou que tinha
razão.
Os convidados de Lorde Finley eram poucos, porém todos muito
finos e elegantes. Sua tia, uma mulher já por volta dos sessenta
anos e que esbanjava arrogância e falta de bom senso, o Barão
Rondale, um nobre falido com quem seu pai já pensara em casá-la,
o Barão Rottschild com sua esposa e outro casal que ela não
conhecia. As mulheres não pareciam acessíveis, todas exatamente
como as damas das temporadas: esnobes e sorridentes, prontas
para falar do clima e se amontoarem sobre o título de seus maridos.
Os homens eram desagradáveis. Mesmo casados, pareciam lobos
famintos que olhavam para toda mulher solteira como um cordeiro
pronto para o abate.
Menos ele. O Marquês de Granville, quem ela conhecia como o
libertino dos libertinos. Mal acreditou que o homem que a inspirara
era o mais notório devasso de Londres. Por mais que Rose
soubesse o quanto ele era volúvel e indecente, não conseguia evitar
que seus olhos fossem atraídos para ele. Havia algo que a fazia
desejar pintá-lo e que quase a impulsionava a pedir que ele posasse
para ela. Claro que jamais faria aquilo. Primeiro, porque era
indecoroso pedir qualquer coisa parecida para um homem com
quem não fosse casada, segundo, porque Lorde Granville
certamente encararia o pedido como um convite para a sua cama.
Mas ele estava tão elegante com um traje completo de noite e
gravata preta que Rosamund precisou que Gretha a cutucasse nas
costelas para parar de encará-lo.
— Ele vai perceber que você está olhando. — a prima rosnou no
ouvido dela — seja mais discreta, sabe a fama que ele tem.
Sim, ela sabia. Depois que o mais belo conjunto de olhos-nariz-
boca-queixo que ela já vira se apresentou naquele café da Saint-
Germain de Prés, ela se recordou precisamente de quem era o
Marquês de Granville, e do quanto ele carregava uma faixa de “não
se envolva comigo” pregada no colete. Nenhuma mulher recatada
se aproximava dele, e nenhuma virgem que quisesse manter a
virgindade ficava sozinha no mesmo cômodo que ele. Aliás, dizia-se
que ele era capaz de seduzir uma mulher em apenas uma dança,
então era aconselhado que também não dançassem com o
marquês.
— Não seja tola, Gretha. Ele não está prestando atenção em
mim, nem lembra que eu existo. Já deve ter se esquecido de que
me viu no café.
O mordomo chamou os convidados para o salão de jantar e o
movimento a distraiu. O primeiro a entrar foi Lorde Granville, pois
ele detinha o título mais elevado. Estavam na França, mas todos ali
eram ingleses e não abandonariam os costumes apenas por
estarem temporariamente em outro país. Depois entrou o anfitrião
com sua tia, os barões, o casal e, por fim, ela e Gretha. Para seu
azar ou desgraça, seu lugar na mesa era ao lado do marquês.
Ela não precisava olhar para ele se não quisesse, pois, o
anfitrião ficava do outro lado. Bastava suportar uma refeição ao lado
do libertino, isso não acabaria com sua reputação. Eles eram os
solteiros da mesa, por isso foram reunidos. Talvez no dia seguinte
ela estivesse ao lado de Rondale.
A perspectiva de se sentar ao lado do barão não a animou. De
frente para ela, Rondale colocava o guardanapo de tecido
pendurado no colarinho e afiava o bigode com os dedos, parecendo
uma caricatura malfeita dos jornais de fofoca. Ela pouco o conhecia
das temporadas fracassadas que frequentara e das tentativas
frustradas de seu pai em aproximá-los quando ele pedira para
cortejá-la, meses atrás. Rosamund recusou e seu pai a ouviu, não a
obrigando a nada.
Ele tinha alergias que o deixavam fungando e um nariz curvado
que o tornava uma imagem nada inspiradora. Sem contar que ele
era pegajoso, já tentara colocar as mãos sobre ela e precisou ser
afastado.
A entrada foi servida e não era nada que Rosamund
conhecesse. Ela falava três idiomas com fluência, entendia outros
dois e se considerava bem-educada, mas a cozinha francesa não
era especialidade de nenhuma cozinheira que tenha passado por
sua casa.
— Isso é sopa. — A voz do marquês ecoou próxima de seu
ouvido esquerdo. — Langue D’oiseaux, uma delícia.
Ela levou uma colherada até a boca, tomando cuidado para não
exagerar na quantidade e não permitir que o caldo vermelho sujasse
seus lábios. Manteve os olhos no alimento quando o respondeu:
— Eu reconheci, apenas esperava porque parecia muito quente.
Rosamund não era orgulhosa, porém não desejava que ele
soubesse acerca de sua ignorância sobre a culinária parisiense.
— Claro, senhorita. Agora que estamos jantando lado a lado,
creio que possa ser agraciado com o seu nome.
— Srta. Taylor! — Lorde Finley falou, quase gritou,
interrompendo a conversa que se estabelecera antes. — Vejo que já
está interagindo com Granville. Vou poupar constrangimentos e
apresentá-los. Marquês de Granville, Rosamund Taylor, filha ainda
solteira de Phillip Taylor, um de meus maiores parceiros comerciais.
A vontade de desaparecer por baixo da mesa foi enorme. Lorde
Finley era um homem desagradável e grosseiro a ponto de perturbar
até mesmo o marquês, que ficou sutilmente irritado. Rosamund
notou que ele segurava a colher com força demais e exibia um
sorriso falso. E tinha um perfil bonito. Muito bonito.
A comida continuou a ser servida, com os criados trocando cada
prato depois de um tempo determinado. Já estavam no quarto tipo
de carne quando o marquês se dirigiu a ela novamente. A conversa
na mesa era enfadonha, com os homens conversando sobre
cavalos e usando metáforas sexuais horríveis. Ela e Gretha eram
solteiras, o que tornava o assunto também inadequado.
— O que traz a senhorita a Paris? — ele perguntou e olhou para
ela.
Rose nunca recebera um contato visual tão incisivo vindo de um
homem e quase entendeu como aquele conseguia seduzir mulheres
tão facilmente. Era difícil não se perder na profundidade de seus
olhos.
— Estou comprometida com um conde francês. — A mentira
teria que continuar sendo contada. — Vim conhecer sua família e
meu pai não pode me acompanhar por ser um homem doente.
— Qual conde?
— Creio que não nos conheçamos o suficiente para isso,
milorde.
— Não imaginei que o nome de seu noivo fosse um segredo,
senhorita.
— Não é, mas prefiro continuar o jantar em silêncio.
Na verdade, ela preferia conversar. O marquês poderia ser um
exímio sedutor e muito perigoso, mas ele ainda não dissera nada
desagradável e parecia incomodado com a conversa de seus
colegas — o que dizia boas coisas sobre ele. Ainda assim, não
queria que ele percebesse que se interessava por ele ou dar
esperanças ao homem — mesmo que ele fosse gentil, Rose não
seria mais uma em sua lista de conquistas.
— Não pretendi ofendê-la — o marquês disse.
Rosamund não quis olhar para ele, mas seu pescoço virou
involuntariamente e o homem estava com os olhos cravados nela.
Sentiu-se como o próprio jantar, como a carne que estava sendo
destroçada no prato que ele comia. Ainda assim, havia uma doçura
naquele olhar que a desarmou, a impediu de sentir medo ou desejar
sair correndo da mesa. Não, homens não eram doces, homens
como aquele eram predadores. Ela não acreditava que poderia
confiar neles.
— Eu apenas não costumo falar enquanto como. — Ela não quis
parecer indelicada ou grosseira. — Espero que esteja tudo bem,
milorde.
— Claro, senhorita.
Ele voltou a se concentrar na comida e ela não conseguiu mais
parar de prestar atenção em Lorde Granville. O que havia nele de
tão interessante? Enquanto cortava o alimento, os olhos mantinham-
se conectados a quase tudo ao redor. Porque ele erguia a
sobrancelha algumas vezes e não controlava um sorriso curto, ela
suspeitou que também estivesse ouvindo tudo que falavam. O
marquês não desligava um segundo dos eventos que aconteciam e
isso, provavelmente, a incluía observando-o sem muita discrição.
Como precisava de muita inspiração para surpreender e agradar
a Madame Beaury-Saurel no dia seguinte, ela não podia reclamar
daquele momento de interação durante o jantar. Mesmo que tenha
sido esquisito, Rose foi para a cama com o coração palpitando, as
mãos trêmulas e um estranho calor subindo por suas pernas até
uma parte peculiar de seu corpo. Não sabia o que era, porém
esperava que servisse para que ela produzisse o melhor retrato de
sua vida.

O primeiro cômodo que chamou a atenção de Anthony foi o


escritório. Quando os homens foram chamados para um vinho do
porto e um charuto depois do jantar, reuniram-se todos em um
amplo espaço cheio de quinquilharias, móveis escuros e decoração
de gosto duvidoso na parede. Era um escritório excêntrico e perfeito
para esconder segredos.
Foi por isso que retornou ao mesmo lugar depois que todos se
recolheram em seus aposentos. Esperou as portas se fecharem, os
criados apagarem o fogo das lareiras do andar de baixo e desceu,
descalço, até onde iniciaria sua investigação. Com uma pequena
vela, inspecionou a mesa de Finley, as gavetas e dois outros
espaços onde alguém guardaria documentos.
Não achou nada porque era óbvio demais. A não ser que Finley
subestimasse a inteligência de todas as pessoas que o cercavam,
ele não esconderia papéis que o implicassem em crimes capitais tão
à vista. Maldição!
Ele poderia ter continuado investigando, porém, um barulho o fez
esconder-se e esperar. Alguém decidira transitar pela casa — o que
indicava que ele precisava encerrar a noite. Depois que os passos
silenciaram, Anthony subiu as escadas, pé ante pé, e entrou em seu
quarto.
Bem, ele tentou. Tão logo girou a fechadura ouviu ruído de
madeira rangendo e a claridade débil de uma lamparina de mão. Os
olhos azuis de Rosamund Taylor refletiram a luz e ela parecia
assustada.
— Milorde?
— Srta. Taylor. — Cumprimentou-a, sem saber o que fazer. A
mulher vestia um robe lilás de seda que cobria até os dedos de seus
pés e tinha os longos cabelos escuros caindo em cascatas por seu
ombro. Estava linda. — Aconteceu algo?
— Ouvi barulho. Foi o senhor?
— Imagino que sim. Estou vindo da rua.
Ela o olhou de baixo até em cima. Descalço, com a bainha da
calça dobrada até os tornozelos, camisa com dois botões abertos,
cabelo um pouco desfeito em razão da busca por pistas. Anthony
estava a imagem perfeita de alguém que estivera sendo cuidado por
uma mulher.
— Ah! Compreendo. Tenha uma boa noite, milorde.
O marquês tratou de fechar-se imediatamente após proferir um
boa noite apressado. Aquela mulher parecia estar em todos os
lugares, ela era onipresente. Precisava tomar mais cuidado se
quisesse continuar com sua missão sem despertar suspeitas,
porque a Srta. Taylor podia ser ingênua, mas não era cega.
Que pensasse que ele estava seduzindo meretrizes na rua, por
enquanto.
No dia seguinte acordou mais cedo do que gostaria. Por preferir
a vida noturna, Anthony quase sempre se levantava depois das dez
ou onze da manhã, mas mudara de hábitos desde que assumira o
marquesado. Homens fechavam negócios no café da manhã ou até
antes, então ele aprendera a ser comedido. Mas passara quase a
noite toda em claro e preferia dormir um pouco além das oito, se o
movimento do andar de baixo e da rua o permitissem.
Não permitiram.
— Bom dia, milorde. Devo preparar seu banho? — Monty entrou
em seu quarto carregando um terno marrom perfeitamente passado
e camisas brancas engomadas. — Há apenas dois banheiros neste
andar e precisamos aproveitar enquanto ninguém os está usando.
— Céus, Monty. Deixe-me dormir um pouco mais.
— Lamento, acho que não devo. O Sr. Prescott me enviou
notícias.
Anthony se sentou na cama e aceitou o chá com pó para dor de
cabeça. Monty sempre sabia o que ele precisava.
— Certo, diga-me o que devo saber. E descubra se há um
chuveiro nesses banheiros, se eu mergulhar em uma banheira temo
adormecer na água.
— O chuveiro é rudimentar, porém funcional. Fica no banheiro do
outro lado do corredor, porém todos já se levantaram e saíram para
visitar a exposição. O Sr. Prescott pediu que o encontrasse no lugar
de sempre.
A eficiência de Monty nem o impressionava mais. Segurando um
roupão de banho, Anthony cruzou toda a extensão da casa para
espantar o sono e o mal-estar que sentia pela conjugação de
absinto com os amigos poetas, vinho no jantar, vinho do porto na
sobremesa e quase nenhuma hora de sono.
Depois de uma chuveirada revigorante, enrolou-se no roupão e
saiu apressado pelo corredor para retornar ao seu quarto e sair ao
encontro de Pierre quando teve seu caminho cruzado por
Rosamund Taylor outra vez. Como estavam em um espaço
reduzido, ele caminhava com pressa e ela olhava para baixo, a
trombada foi inevitável.
Anthony usou seus reflexos rápidos para segurá-la e aquele não
foi um movimento seguro. Ele vestia apenas um tecido atoalhado
preso em seu corpo por um laço mal feito e ela veio parar
inteiramente em seus braços, obrigando-o a sentir o cheiro e as
formas femininas que usualmente o entorpeciam.
— Oh!
Ela soltou uma interjeição e emudeceu, imediatamente, assim
que se percebeu em uma situação crítica. Se os vissem ali, a
reputação dela estaria arruinada sem chance de reparação.
— Srta. Taylor, há algum motivo para que nos encontremos
tantas vezes? A senhorita está me perseguindo?
— Perseguindo? — Ela se debateu e ele a soltou, permitindo
que se recompusesse. — Milorde, eu estava indo até meu quarto. O
que o senhor está fazendo nessa parte do corredor vestindo... não
vestindo... oh!
Rosamund virou-se de costas para ele ao perceber que o roupão
se deslocara um pouco e exibia partes de sua perna e peito que
nunca deveriam ser vistos por uma dama casta. Anthony não se
importava com sua nudez ou que vissem seu corpo nu. Ele tinha
orgulho de tê-lo esculpido com muito esforço físico dedicado aos
esportes e outras atividades. Mas não parecia que a Srta. Taylor
compartilhava do mesmo orgulho.
— Fui tomar um banho, senhorita. Sou um homem asseado e
minha noite foi bastante atribulada.
— Não preciso de detalhes. Milorde poderia me deixar passar?
Anthony se divertiu ao vê-la se encolher e ofereceu apenas um
espaço diminuto para que seguisse seu trajeto, obrigando-a a
esbarrar nele. Mulheres pudicas eram sempre divertidas, mas ele
precisava se lembrar de que não estava ali para brincar com elas.
Vestiu a roupa que Monty lhe preparara e saiu atrás de seu
contato francês sem comer nada. Pierre não era reconhecido por
sua paciência, então precisaria correr. Pegou um veículo de aluguel
até o Arco do Triunfo e esperou que a informação que o amigo
tivesse valesse toda aquela confusão.

Rose ainda tremia quando chegou ao ateliê, acompanhada por


Gretha , que não sabia nada a respeito de suas últimas interações
com o libertino dos libertinos. Fora obrigada a concordar que as
coincidências estavam exageradas. Encontro em cafés, conversas
furtivas durante o jantar e trombadas acidentais em corredores
podiam ser situações possíveis em semanas, meses de
convivência, não todas em um dia.
Isso sem contar que ela o pegara chegando de madrugada em
seu quarto, visivelmente desfeito e possivelmente alcoolizado. Tudo
indicava que estivera com uma mulher, mas ela não precisava tê-lo
interceptado. Sua curiosidade ainda a colocaria em situações mais
desagradáveis.
— Você está bem? — Gretha a interpelou enquanto montava o
cavalete para uma tela em branco. — Está branca como cera de
vela.
— Considerando que cera é amarelada, sua comparação está
incorreta.
— Não seja arrogante. Está passando mal, nervosa por causa da
seleção?
Ela deveria estar nervosa, porém não era a seleção de Madame
Beaury-Saurel que a perturbava e sim a memória recente das partes
expostas do corpo de Lorde Granville. Só um devasso andava de
roupão pelos corredores de uma casa onde estavam hospedadas
mulheres solteiras, mas ela não podia negar que aquela interação
lhe ofereceu significativo material de trabalho. Não era apenas o
rosto quadrado do marquês que a fascinava, o vislumbre de seu
peito viril a deixou desorientada.
— Um pouco nervosa, porém farei dar certo.
Havia dez candidatas para cinco vagas e a artista esperava algo
inovador e de boa técnica. Afinal, ela queria mentorear talentos e
não ensinar a novatas.
— Onde devo esperar?
— Vá passear pela cidade, Gretha. Há muitas coisas para ver e
comprar por aqui.
— Tudo bem, esperarei em um café lendo um livro.
Rose quis dizer "por favor, faça isso", mas apenas sorriu e
assentiu. Ela adorava a prima, que era a acompanhante perfeita
para a ocasião, mas achava-a muito tediosa. Qualquer tentativa de
diversão por parte de Gretha era uma vitória a ser comemorada.
Quando Madame Beaury-Saurel chegou, explicou rapidamente o
que esperava de suas pupilas e disse que faria a seleção das cinco
pelo que apresentassem ali, naquela tarde. Todas sacaram seus
pincéis, como se fossem armas em um duelo, e começaram a pintar
objetos que já haviam arrumado à frente de suas telas, e ela não
tinha nada.
Tinha, mas sua memória estava tão vívida que valia mais do que
os esboços que fizera à noite. Ela pintaria Lorde Granville e já sabia
como seria o retrato, mas o encontro da manhã baralhou suas ideias
e a deixou integralmente sensações. Quase quinze minutos se
passaram quando Rose deu a primeira pincelada na tela e não
parou mais.
Em determinado momento, fechou os olhos e sentiu como se ele
estivesse ali, como se não fosse indecente pensar nele ao seu lado
e com as mãos em lugares inapropriados. Rose precisava se livrar
dele, do efeito que ele causava nela, mas a inspiração que ele
fornecia era tudo que ela precisava. Quando Madame Beaury-
Saurel se aproximou e espiou o que fazia, ela teve certeza de que
aquele homem que a confundia também era um tipo de muso.
— Você não tem modelo.
— Tenho, madame, mas ele não está presente.
— Então esse homem existe?
— Sim, ele é um lorde inglês. Fiz alguns esboços, mas…
A artista sorriu e colocou uma mão sobre o seu ombro. Rose
respirou fundo e entendeu que ela não precisava falar mais nada,
que sua futura mentora entendia como o processo se dava. Ele lhe
era irresistível e não havia como explicar aquele fenômeno.
E foi o maldito Marquês de Granville que lhe concedeu seu maior
sonho. Depois de uma longa tarde em que ela não almoçou e quase
não bebeu água, o retrato foi escolhido por Madame Beaury-Saurel
como o melhor trabalho e, com isso, Rosamund teria a chance de
passar três semanas sendo uma das pupilas da maior pintora
francesa da atualidade. Por um instante nada mais importou além
daquela notícia e tudo que ela queria era ter com quem
compartilhar, mas não havia quem se interessasse por seus sonhos
tanto quanto ela. Não havia quem sequer a perguntasse.
Quando saiu do ateliê e encontrou Gretha, a prima estava tão
absorvida em sua leitura que nem mesmo a viu chegar.
— Fui escolhida. — Rose disse, sentando-se. Estava
emocionalmente exaurida e faminta, além de exausta por passar
muitas horas em pé. — Depois de amanhã começamos a mentoria.
— Essa é uma boa notícia, pelo menos terá algumas boas
memórias quando sua mentira for descoberta.
— Por que tem certeza de que minha mentira será descoberta?
Gretha levantou-se, ajeitou o vestido com as duas mãos
enluvadas e guardou o livro em sua bolsa.
— Porque você mente mal e porque sua história é inconsistente.
Como pretende chegar com essas mãos sujas de tinta e não ser
descoberta?
— Não sendo notada, Gretha. — Ela também se levantou e se
preparou para ir até à casa. Não seria naquela hora que conseguiria
comer. — Sei passar despercebida, as pessoas só costumam notar
mulheres como eu se envolvidas em um escândalo.
As duas mulheres pegaram um cabriolé de volta para a
residência do Visconde Tinsdale. Por sorte elas tinham dinheiro
suficiente para não precisar andar a pé. Rose tinha dinheiro
suficiente para comprar seu próprio transporte, mas mulheres como
ela não tinham veículos, apenas usufruíam deles. Como ela
esperava, não havia ninguém pela casa, por isso ninguém as viu
entrar e subir para seus quartos. Uma criada a ajudou a retirar as
roupas e preparou um banho rápido para que relaxasse enquanto
esperariam pelo jantar. Infelizmente Rosamund não acreditava ser
capaz de esperar, ela morreria de fome até lá. O relógio marcava
ainda cinco e meia, se estivessem em Londres ela poderia tomar um
chá com biscoitos ou bolinhos.
Mas ali não havia chá. Ela perguntou por comida e a criada disse
que o jantar seria servido às oito e saiu. Como ela não estava
acostumada a insistir ou a pedir nada incisivamente, decidiu
esperar, uma decisão que durou menos de meia hora. Girando pelo
quarto, Rose entendeu que seu estômago não pararia de reclamar e
que ela iria desmaiar de fome se não tomasse uma providência.
Claro que ela não chamaria a criada novamente e insistiria no
chá. Sua especialidade era esgueirar-se pelos lugares, então foi o
que fez. Saiu de seu quarto e foi até à cozinha procurar quem
pudesse lhe dar alguns biscoitos ou um sanduíche. Ouviu a voz de
sua mãe ecoar em seus ouvidos que uma dama jamais iria até a
cozinha de uma casa, que ela sempre tocaria a sineta e chamaria os
criados para servi-la, apenas decidiu ignorar. A rebeldia era uma
forma intrigante de liberdade.
Capítulo terceiro

O F
. Essa era a única informação que Pierre tinha para lhe
passar e Anthony quase esbofeteou o amigo por tê-lo acordado e
feito sair às pressas para nada. Mas, como estava desperto e
precisando de alguma atividade masculina para o dia, decidiu levar
a luta para um lugar mais civilizado — o ringue.
— Não sei esgrima como você. — Pierre reclamou ao ser quase
arrastado para o centro de esgrima de Monsieur Garnier. — Será
um massacre.
— Sem lamentações, esse é um esporte de cavalheiros. Posso
te derrotar, mas não esmurrarei sua cara como em um ringue de
boxe.
— Falando em boxe, haverá uma luta em alguns dias e ouvi
dizer que seu alvo encontrará o contato dele nesse evento.
Anthony parou o que fazia e encarou Pierre com descrença.
— E você decidiu que essa não é uma informação importante e
que poderia me ser falada enquanto estou segurando uma espada?
— Não seja dramático, ao menos é uma boa informação.
Sim, era melhor do que saber que o contato era jovem. Havia
milhares de jovens com potencial na cidade de Paris, qualquer um
poderia ser um espião coletando segredos para usar contra a
Inglaterra em um momento de fragilidade. Se havia a possibilidade
de que se encontrassem naquela luta, mesmo que Anthony não
conseguisse ouvir a conversa, ele descobriria a identidade do
contato.
Isso não impediu que o marquês obrigasse Pierre a praticar com
ele durante quase toda a tarde. Depois do encontro com a Srta.
Taylor, ele precisava se exercitar, mesmo que fosse daquela forma.
Várias partidas simuladas e diversas vitórias depois, despediu-se do
amigo e retornou para a casa onde se hospedara. Suado, não
trocou suas calças, apenas vestiu a camisa e colocou o sobretudo
por cima. Ao ser deixado em seu destino, dirigiu-se à porta dos
fundos e por lá entrou, na expectativa de não ser visto por ninguém
além dos criados.
Mas ele deveria esperar que cruzaria com a Srta. Taylor pelo
caminho. Ao passar pela cozinha encontrou-a sentada na frente de
um prato de biscoitos e um bule de chá, agindo como se estivesse
há dias sem comer. Aquela era uma mulher bastante incomum.
Além de sua presença confrontando-o desde que chegara a Paris,
sem que ele compreendesse por que isso acontecia e já
desconfiando que ela poderia ter sido contratada para vigiá-lo, ela
também não agia como uma dama comum. Sabia que ela não era
nobre, mas era bem-nascida e bem criada, o que a colocaria há pelo
menos dez metros de distância de qualquer cozinha. Mulheres como
aquela geriam as suas casas, tratavam com governantas e não
pisavam na cozinha a não ser que houvesse um incêndio. Nem
assim, elas correriam para bem longe do fogo.
Como ela não o notou de imediato, Anthony sentou-se à frente
dela e a assustou.
— E nos encontramos novamente, senhorita. Assaltando a
comida antes do jantar?
A pobre mulher quase deixou cair a xícara que segurava quando
o percebeu ali. O marquês não estava exatamente apresentável, o
que o tornava tão peculiar quanto ela. Para ele, no entanto, não
havia consequências em ser diferente, as pessoas o consideravam
excêntrico.
— Milorde. — Rosamund Taylor se engasgou. — Estou faminta e
não aguentarei esperar até o jantar. O que houve com o senhor?
Parece que saiu de uma luta com porcos e perdeu.
— Por que não pediu que uma criada lhe preparasse uma
refeição? — Ele ignorou a pergunta provocativa.
— Perguntei por comida e uma delas disse o horário do jantar.
Como não quis esperar, desci até aqui e confisquei esses biscoitos
de nata. Estão deliciosos, quer?
Aquele aparente ato de rebeldia fez com que Anthony sorrisse.
Mesmo que ela fosse fina e educada, estava disposta a ir atrás do
que queria. Ele se levantou, retirou o sobretudo, dobrou as mangas
da camisa já encardida de suor nos cotovelos e começou a remexer
os armários da cozinha de Finley. Esperava que o chef não
aparecesse e o expulsasse aos gritos.
— O que está fazendo, milorde?
A voz de Rosamund saiu esganiçada. Anthony virou-se
novamente para ela e percebeu que o encarava com os olhos azuis
arregalados.
— Vou lhe preparar um sanduíche, senhorita. Esses biscoitinhos
não servem para alimentar uma pessoa.
— E pretende fazer isso usando apenas suas roupas de baixo?
Anthony deu uma gargalhada.
— São minhas calças de esgrima. Eu não pretendia cruzar com
ninguém até chegar ao meu quarto, por isso as mantive. Nunca viu
um homem vestido para o esporte, senhorita?
— Já assisti homens lutando, sim, porém eles estavam mais
distantes de mim.
Ótimo, ela estava assustada com o que via. Ele preferia que
estivesse extasiada, seduzida e excitada, porém a Srta. Taylor não
estava disponível para suas brincadeiras. Isso não o impedia de
divertir-se em provocar nela um rubor nas bochechas que a deixava
ridiculamente sensual.
Ignorando o pudor e o decoro, porque ele raramente se
preocupava em respeitá-los, Anthony cortou pão, colocou fatias de
carne temperada, presunto e folhas de vegetais frescos, besuntou
tudo de mostarda e colocou na frente de Rosamund. Depois,
remexeu também as garrafas de vinho que foram selecionadas para
o jantar, escolheu um branco e o abriu, servindo duas taças.
— Não bebo — ela disse, ao notar que uma das taças era para
ela.
— É vinho branco, mulheres podem beber.
— Eu sei, mas não consumo nenhum tipo de bebida com álcool.
Não gosto da sensação de ter meus sentidos privados.
— Entendo. — O marquês se sentou novamente e pegou
metade do sanduíche para si. — Coma, aposto que está uma
delícia.
Ela obedeceu. Anthony prestou atenção nas mãos dela — dedos
longos, unhas bem lixadas e estranhamente manchadas de azul.
— Não sabia que fazer sanduíches era parte das habilidades de
um marquês. Nem sequer poderia imaginar que um homem como
milorde pisaria em uma cozinha.
Ela estava com a boca meio cheia quando falou, ainda
mastigando uma bocada de pão. Anthony não sabia o que fazia com
o deslumbramento que sentia pela simplicidade de Rosamund
Taylor. Tudo nela o estava fascinando, inclusive os gestos mais
corriqueiros que raramente atraíam a sua atenção.
— Venho de uma família de libertinos e estamos acostumados a
chegar em casa de madrugada, famintos. Entramos pelos fundos e
já permanecemos por lá. Estou habituado a preparar refeições
rápidas e que saciam o corpo e confortam a mente.
— E o senhor não se importa em me contar isso.
— Senhorita, pensei que já tivesse me reconhecido. Homens
como eu não possuem pudores.
As bochechas dela coraram outra vez, mas Rosamund estava
sorrindo enquanto mastigava outra mordida do sanduíche. O chef
apareceu falando francês e reclamando da invasão em sua cozinha,
mas Anthony explicou estar treinando e mostrou sua vestimenta, o
que espantou pelo menos três criadas que acompanhavam o chef.
Resmungando e dizendo que odiava ingleses, o homem decidiu
deixá-los terminar de comer, mas não interrompeu os preparativos
do jantar.
Assim que terminou seu sanduíche, Rosamund se levantou, fez
uma reverência e saiu, deixando o marquês com um inusitado
incômodo em sua virilha. Era a primeira vez que ele ficava duro em
uma interação tão inocente com uma mulher.

As coisas estavam fora de controle. Rosamund achava que o mais


grave que lhe poderia acontecer seria descobrirem sua mentira, mas
não estava preparada para Anthony Eckley. Apenas dois dias em
Paris e o homem parecia estar em todos os lugares nos quais ela
também estava. Um devasso pervertido que se exibia com poucas
roupas e calças justas que marcavam seu traseiro. Meu Deus! Ela
estava pensando no traseiro dele e aquilo era a coisa mais
indecente que ela já fizera na vida.
Conseguiu chegar ao seu quarto e fechar a porta sem que
ninguém a visse e notasse sua desorientação. O peito subia e
descia em uma respiração acelerada e irregular, e o coração estava
disparado sem que ela entendesse que reação era aquela de seu
corpo. Decidiu que não desceria para o jantar, já que o sanduíche
que o marquês preparou a manteria alimentada por um tempo.
Inventou uma indisposição e convenceu Gretha de que sentia dores
de cabeça para poder jantar uma sopa no quarto e não precisar
enfrentar outra vez aquele homem que a desconcertava. Malditos
fossem os libertinos.
No dia seguinte ela não teria nada para fazer na cidade, o que
lhe daria tempo para visitar a exposição. Queria conhecer os
pavilhões dos países, visitar a Torre e outros lugares que a
impregnariam de cultura. Manter a inspiração elevada fazia dela
uma artista melhor e Rosamund não queria desapontar sua mentora
pintando quadros sem vida. Gretha não estava tão animada quanto
ela em perambular por Paris, mas isso não a impediu de arrastar a
prima por museus e exposições de arte. Passaram o dia fora,
almoçaram em um café — sem poetas ou marqueses, daquela vez
—, e só retornaram para a casa do visconde às seis da tarde.
Rose desceu para jantar pensando em encontrar Lorde
Granville. Mesmo que uma voz interior a alertasse dos perigos em
nem sequer conversar com o homem mais sedutor da Inglaterra, ela
a ignorava completamente naquele instante porque sentiu falta de
vê-lo durante o dia. Seu pai ficaria feliz se ela aparecesse noiva de
um marquês ao invés de um conde francês de uma monarquia
derrubada, porém, ela sabia bem que aquele marquês não seria um
bom marido. Primeiro, porque era notório que ele não se casaria, ao
menos assim diziam as fofocas. Segundo, ele era especialista em
arruinar mulheres e abandoná-las.
Frustrou-se ao não o encontrar. Lorde Finley foi o primeiro a
entrar no salão de jantar e quem conduziu todas as conversas
durante as quase três horas em que ficaram à mesa, falando sem
parar sobre negócios e outras atividades masculinas que em nada
interessavam às mulheres. Lady Bachour tentou iniciar um assunto
menos fatigante, sem sucesso — o sobrinho estava insuportável
naquela noite.
— Pelos céus! Pensei que a inquisição tinha acabado. — Gretha
jogou-se na cama de Rosamund, reclamando. — Estou tão
entediada que acharia divertido bordar e coser.
— Amanhã nos divertiremos mais. Você estará por sua conta por
algum tempo, não terá que me fazer companhia. Poderá até mesmo
terminar de ler seu livro, não é empolgante?
— Eu posso ler meu livro quando quiser, Rose. — A prima fez
uma careta. — Mas sim, vou gostar de passear. A exposição é mais
bonita do que pensei.
— Viu? A cidade conversa conosco. Ouça o que ela tem a dizer.
Rosamund dava bons conselhos, apenas não os seguia. Ouviu a
cidade, mas não ouviu a razão. Talvez fosse porque ela não era
muito racional, mas sua impulsividade sempre lhe metia em
confusão e aquela noite não foi diferente. Sem conseguir dormir,
agitada pela expectativa de sua primeira aula com Madame Beaury-
Saurel e um pouco curiosa por saber onde estava o lorde libertino,
ela decidiu descer para pegar um copo de leite morno. Afinal, a
cozinha já não lhe era mais um mistério.
Enrolou-se em seu roupão e, de meias, cruzou um corredor,
desceu escadas e parou subitamente ao pisar no salão. A casa
estava em completa escuridão e não havia ninguém por ali, ou ao
menos era o que ela pensava. Um ruído chamou a sua atenção e a
fez apagar a vela para investigar.
Não era uma investigação, mas a curiosidade a impulsionou.
Rose apurou os ouvidos e seguiu sua intuição até a biblioteca para
encontrar a porta entreaberta. Lá dentro estava Lorde Granville
remexendo nos livros. Havia uma fraca luz acesa sobre uma mesa e
ele retirava um livro da prateleira, folheava e devolvia. Não estava
lendo nada, mas procurando alguma coisa.
Ela quis se anunciar e perguntar o que ele fazia, porém se
refreou. A parca claridade demonstrava que ele estava com a
camisa para fora da calça, o colete aberto, as mangas dobradas e o
cabelo despenteado. Por favor, que ele não esteja acompanhado e
que uma mulher não saia de baixo daquela mesa.
O leite morno não faria mais nenhum efeito. Rosamund afastou-
se da porta e voltou para o quarto com a cabeça fervilhando de
curiosidade e teorias. O marquês tinha algum segredo e ela
descobriria qual era. Teria mais noites para espiá-lo.
O problema: Rose não era paciente. Por dois dias ela frequentou
o ateliê de pintura e desceu na calada da noite para ver o que fazia
Lorde Granville — que ainda folheava todos os livros da enorme
biblioteca. Ela até mesmo tentou reproduzir as buscas que ele fazia,
durante uma tarde, mas não imaginava o que o marquês queria. A
vontade de descobrir o segredo que o fazia remexer nas coisas do
visconde a estava deixando em agonia, isso somado à ausência de
Lorde Granville durante o dia, ela não o via mais, nem esbarrava
com ele pelos cantos da casa, o que deveria lhe trazer alívio, mas
não trouxe. Era difícil admitir que também estava agoniada para ver
o homem de quem deveria manter distância. Rose esperava
encontrá-lo em algum momento, porém, isso só acontecia durante
as madrugadas. Disposta a confrontá-lo naquela noite para
interrogar sobre todo o mistério que o envolvia, ela vestiu um roupão
mais agasalhado e discreto e seguiu os sons que indicavam que o
marquês estava em sua busca noturna.
O que Rose não esperava era que ele também planejava
surpreendê-la. Ao colocar a cabeça na abertura da porta, ela foi
agarrada pelas mãos firmes do marquês, puxada para dentro da
biblioteca e jogada ao chão. Ele cresceu por sobre ela e a prendeu
com as costas contra o piso.
— Srta. Taylor? — Ele estava genuinamente surpreso por ser ela
debaixo daquele corpanzil viril. — O que diabos a senhorita está
fazendo?
Rose não conseguiu falar, aturdida pelo susto de ser
interceptada, imobilizada e atirada ao chão como um saco de
batatas. Precisou respirar fundo e piscar algumas vezes para
retomar sua dignidade e enfrentar seu agressor.
— Eu é que pergunto. Por que está me atacando, milorde?
— A senhorita estava me espreitando.
— Eu vim buscar um copo de leite morno.
— Na biblioteca?
O marquês se levantou e ofereceu a mão para ajudá-la. O fuzuê
desalinhou suas roupas e quase expôs partes suas que ninguém
deveria ver, mas tudo aconteceu no máximo de silêncio possível.
Ela não imaginava como, mas Lorde Granville agia como um
fantasma.
— Certo, o senhor me pegou. Eu tenho acompanhado sua
expedição noturna pela casa do visconde e quero saber do que se
trata.
— A senhorita tem acompanhado? — Ele estreitou os olhos e a
fitou. — Há quanto tempo?
— Desde nossa primeira noite aqui. Vamos, diga-me o que está
acontecendo ou farei um escândalo e acordarei todos nesta casa.

Anthony passou as duas mãos pelos cabelos desgrenhados e


encarou mais uma vez a Srta. Taylor. No escuro da biblioteca ela
parecia um bicho acuado durante a caça, pronto para usar suas
garras para defender-se do seu agressor.
— Se a senhorita gritar vai arruinar-se. O que estaria fazendo na
biblioteca comigo?
— Vim buscar um copo de leite e o senhor me agarrou.
— Não foi o que aconteceu e não acreditarão.
— O senhor quer arriscar, milorde?
A mulher cruzou os braços na frente do corpo, puxando o roupão
consigo como se pudesse se cobrir mais. Não havia quase nada
dela à mostra além de parte do seu pescoço e as duas mãos. Com
um pouco de criatividade Anthony podia ver os pulsos femininos e
as veias pulsando ali, indicando que ela estava nervosa.
— Srta. Taylor, preciso que esqueça o que viu aqui e volte para o
seu quarto. Ninguém se beneficiará de um escândalo.
Apesar de parecer estar morrendo de medo, ela também
estreitou os olhos e deu dois passos na direção dele. Depois exibiu
um sorriso vencedor, um daqueles que ele adoraria desfazer com
um beijo lascivo.
— Meu pai sonha em me casar com um nobre. Se houver um
escândalo, pode ter certeza de que não serei eu a prejudicada.
— Deveria saber que não me caso com as mulheres que arruíno.
— Anthony também cruzou os braços no peito. Estaria ele com
medo dela? Porque a mulher era mais assustadora do que parecia.
— Pergunto outra vez, o senhor quer arriscar?
Não, ele não queria, porque ele nunca enfrentou um adversário
como aquela maluca. Enfrentou assassinos, ladrões e mercenários,
disparou contra eles e mandou alguns para a forca ou para a prisão
perpétua, mas nada o preparou para a petulância de Rosamund
Taylor. Se ela gritasse e esperneasse ele poderia agarrá-la, arrastá-
la para algum lugar e desaparecer com ela até que tudo se
resolvesse, mas chamaria muita atenção e aquele não era o seu
modus operandi. Anthony não costumava sequestrar ou torturar
pessoas, havia outras pessoas para aquela função. Poderia
entregá-la para Eddy e deixar que ele se resolvesse com ela, ou
chamar Pierre e dar uma ordem que tudo ficaria resolvido.
Também não queria fazer mal a ela, nem a arruinar. Por motivos
que desconhecia, ele não desejava acabar com a vida de uma
mulher tão fascinante. Restavam-lhe poucas opções que não ceder
ao que ela exigia: contar a verdade. Talvez a Srta. Taylor se
satisfizesse com alguma verdade.
— Venha comigo.
Ele a segurou pela mão e a arrastou pela casa. Fez com que
subisse as escadas e a empurrou para dentro de seu quarto. Claro
que era uma ideia horrível trancar-se com uma mulher que não
defloraria, principalmente porque ele já estabelecera que a
desejava. Bem, Anthony Eckley desejava muitas mulheres, aquela
não o abalava além do esperado. Seu quarto era o único lugar
seguro para conversarem às duas horas da manhã, se
continuassem na biblioteca seriam surpreendidos por alguém e ela
estaria irremediavelmente arruinada. Ali eles não seriam
importunados, porque a única pessoa que entrava era Monty. O
valete sabia guardar segredos.
Rosamund quis protestar assim que ele fechou a porta, mas
acabou dando muitos passos para trás e colidiu com a parede,
fazendo um baque surdo ecoar pelo cômodo. Para tranquilizá-la ele
acendeu duas lamparinas e clareou um pouco mais o ambiente —
antes só havia o fogo alaranjado da lareira. Depois sentou-se em
uma poltrona bem distante de onde ela estava e cruzou as pernas.
Estava descalço e sua falta de vestimenta também incomodava a
Srta. Taylor, mas não havia muito o que ele pudesse fazer quanto
àquilo.
— O que estamos fazendo aqui?
Ela perguntou.
— Viemos conversar. A senhorita disse que desejava saber o
que eu estava fazendo e posso afirmar que é grave o suficiente para
que eu tenha considerado raptá-la para que se silenciasse.
Os olhos arregalados dela quase o fizeram rir. Quase. Anthony
ainda não era sádico a ponto de se divertir com o sofrimento alheio
— com exceção de algumas pessoas cuja dor ele certamente
adoraria presenciar.
— E por que milorde não fez isso? Me raptar, quero dizer?
— É uma excelente pergunta, Srta. Taylor. Antes que me
arrependa, direi o que posso e a senhorita terá que se contentar
com isso. Estou conduzindo uma investigação importante nessa
casa. Há suspeitas de que um traidor da Coroa está entre nós e
preciso de provas.
Talvez ela continuasse com medo, mas a confissão fez com que
Rosamund se desarmasse e se aproximasse. Sentou-se na cama
sem perceber e ajeitou novamente o roupão para garantir que ele
estivesse no lugar.
— O senhor é um espião? Um agente da Coroa? Está aqui a
mando da Rainha?
— Estou conduzindo uma investigação. — ele repetiu. — Isso é
suficiente?
— Isso é excitante! — Ela se aproximou mais. — Que tipo de
provas procura?
— Documentos, cartas, qualquer coisa que represente segredos
sendo vendidos para inimigos.
— A guerra já não acabou?
Aquela fora a mesma pergunta que fizera a Eddy antes de se
envolver naquela confusão de missão. Anthony sorriu.
— Guerras nunca acabam, senhorita, apenas hibernam. Temos
uma tensão constante entre países e informação é um bem precioso
e vendido a preços exorbitantes.
— Quero ajudá-lo a procurar.
Foi a vez de ele arregalar seus olhos em surpresa. Quase nada
o surpreendia, porque Anthony não costumava esperar nada de
ninguém ou nenhuma situação, mas aquela mulher não parava de
lhe causar espanto. A ridícula ideia de que ela pudesse ajudá-lo
quase o fez cair na gargalhada e o risco de passar várias noites na
presença da Srta. Taylor era uma tentação que ele precisaria evitar.
Ela era mais perigosa do que Finley.
— Isso está fora de cogitação. Contei-lhe a verdade para que se
mantenha afastada de mim e de meu trabalho. Tente passar suas
noites dormindo, senhorita.
— Tenho dificuldades para dormir, estou sempre muito ansiosa e
cheia de ideias. Já passei noites inteiras pintando ou desenhando e
não tive sono depois, durante o dia.
Ele não resistiu e deu uma risada baixa. Levantou-se, pegou
uma garrafa de conhaque de dentro da cômoda e bebeu um gole no
gargalo porque não havia copos no quarto.
— Talvez a senhorita precise de ajuda para dormir. Eu poderia
mostrar coisas que lhe fariam adormecer como um bebê.
— Milorde conhece drogas para o sono? Ou seriam chás?
— Nada disso, senhorita. — Anthony dobrou o corpo e se
aproximou dela como se fosse sussurrar algo importante.
Rosamund não se afastou nem saiu correndo de medo, ela estava
curiosa demais para se assustar. — São técnicas de sedução. Eu a
deixaria tão exausta que a senhorita não iria conseguir manter os
olhos abertos.
Foi o suficiente para que ela se levantasse e voltasse a se
encostar na parede.
Por que era tão divertido provocá-la?
— Não desejo esse tipo de ajuda, obrigada. Mas quero participar
de suas investigações.
— Não.
— Por que não? Posso ser útil, essa casa é muito grande.
— Ainda assim, a resposta é não. Esse trabalho é muito
perigoso, portanto, prefiro que a senhorita se mantenha longe.
Aquela conversa precisava se encerrar. Ele estava bebendo
conhaque, trancado em um quarto com uma mulher vestindo roupas
de dormir e em abstinência há alguns dias. Seu corpo ansiava por
alívio e por perder-se em curvas femininas e ela servia
perfeitamente para aquele fim. Se a Srta. Taylor desejasse manter
sua virtude intacta, então ela tinha que sair daquele quarto.
Imediatamente. Anthony abriu a porta e espiou pelo corredor. Estava
tudo escuro e silencioso, o que significava que não a veriam sair.
— Vá, senhorita. Não olhe para trás, apenas siga até seu quarto.
— Mas eu…
— Vá.
Ele indicou a porta e ela assentiu, obedecendo. Anthony
esperava que ela não fosse nada parecida com sua prima Caroline,
porque senão ele estaria em apuros.
Capítulo quarto

E
A E . Ele podia ser um marquês, mas Rosamund não
era do tipo que obedecia em silêncio. Havia batalhas que ela sabia
que não venceria e algumas lutas que decidia abandonar, mas
envolver-se em uma investigação oficial era algo intrigante demais
para desistir. Na próxima noite procuraria Lorde Granville mais uma
vez e não o deixaria afugentá-la.
Mal acreditou quando acordou depois das dez da manhã. Era a
primeira vez em Paris que conseguia dormir mais que uma ou duas
horas. Seu corpo estava descansado e ainda assim ela quase
perdeu a hora para sua aula com Madame Beaury-Saurel. Gretha
entrou barulhenta no quarto, dizendo que o café da manhã já havia
sido retirado e que conseguira uma bandeja de bolinhos e chá para
ela, e Rose quis dizer para a prima que estava muito excitada e que
não era por causa da oportunidade de estudar arte. Não fazia
sentido algum intrometer-se nos assuntos de um homem que ela
mal conhecia, principalmente se ele não a desejava por perto, ainda
assim, Rose estava decidida a tomar parte naquela investigação.
Nem passou por sua cabeça que Lorde Granville estivesse
mentindo ou dizendo qualquer coisa na intenção de amedrontá-la e
afastá-la. Rosamund era, além de impulsiva, sensitiva. Ela percebia
mentira e verdade nas pessoas e aquele homem estava sendo
sincero quando dizia haver documentos importantes escondidos
naquela casa. Por isso, ela fez naquela noite o mesmo
procedimento da noite anterior: enrolou-se em um roupão e,
descalça para não fazer ruído no piso de madeira, desceu as
escadas para encontrar o marquês.
Ele estava ainda na biblioteca. Cansado e desfeito como nas
outras vezes em que o encontrou, o que levou Rosamund a pensar
o que ele fazia durante o dia. Será que dormia enquanto ela estava
no ateliê? Onde havia jantado por três noites seguidas? Sentiu um
calafrio e fechou mais o roupão ao imaginar que ele poderia estar
com uma amante ou em um cabaré com meretrizes. Afinal, ele não
era um libertino devasso e sem vergonha que seduzia todas as
mulheres que passavam por sua frente?
— Boa noite, milorde. — Rose se anunciou assim que entrou e
recostou novamente à porta. — Me mostre onde já procurou.
O marquês pareceu incrédulo ao vê-la. Passou as mãos pelos
cabelos, desalinhando-os — um movimento que fazia com
frequência — e a encarou com os olhos escuros e assustadores.
Rose não sabia se tinha mais medo do que ele poderia fazer com
ela ou do que ela estava sentindo perto dele. Sabia que precisava
desprezar Anthony Eckley e entendia todos os motivos para isso,
apenas não conseguia mais permanecer indiferente à presença
dele.
— Srta. Taylor, volte para seu quarto.
— Não voltarei. Posso me sentar aqui nesse sofá e assistir sua
busca ou pode me dizer o que fazer e aceitar minha ajuda.
— A senhorita é impossível! — ele rosnou, provavelmente
aborrecido por não poder gritar com ela. — Não a quero se
intrometendo no meu trabalho.
— Deixe-me ser útil. Hoje fiquei tão agitada por causa dessa
descoberta que mal consegui me concentrar nos meus afazeres. Se
eu não participar vou continuar assim, curiosa. O senhor quer
atrapalhar meus planos e me fazer voltar frustrada para Londres?
Ele bufou e pegou uma pilha de livros na estante, colocando-a
sobre a mesa próxima de si.
— O seu noivo não gostará disso.
— Não estou noiva.
— E o conde francês?
— Estamos nos conhecendo melhor, é isso.
— Procure nestes livros. — Ele indicou a pilha que acabara de
separar da estante. — Fique em silêncio, fale comigo apenas se
encontrar alguma coisa. Se for uma flor seca, uma carta de amor ou
um desenho erótico, não me interessa. Bem, o desenho me
interessa, sim.
— As pessoas colocam desenhos indecentes dentro de obras
literárias? — Ela se aproximou e começou a folhear alguns livros,
um pouco preocupada com o que encontraria naquela investigação.
— Que tipo de gente faria isso?
— Gente que não quer ter suas perversões descobertas.
— Como o senhor?
— Eu não me importo que conheçam as minhas, senhorita. Se
quiser, posso dar uma demonstração delas aqui, agora, nesse sofá
que está aí atrás. Agora, a não ser que seja para me pedir isso, não
converse comigo.
O fluxo de sangue que correu para suas bochechas deve tê-la
feito corar apesar da escuridão. O marquês conseguiu o que queria,
deixou-a tão horrorizada que perdeu a voz. Ao mesmo tempo, não
conseguiu parar de pensar no tipo de coisa que aquele homem
poderia mostrar a ela. Rose era absolutamente ingênua sobre o
relacionamento de homens e mulheres. Ela se dedicava a estudar
arte e pintura, a produzir quadros escondida de todos, a frequentar
bailes e eventos sociais e a aprender a ser uma excelente esposa,
algum dia. Mulheres não aprendiam nada sobre homens e, ao que
ela considerava, eles também não sabiam nada sobre mulheres.
Sua mãe nunca conversava sobre nada e a única vez que ouvira
falar do que pessoas casadas faziam foi ao espiar as empregadas
fofocando, mas Rose não entendeu nada.
Era dito que mulheres não gostavam de ser procuradas por seus
maridos e ela queria saber por que era tão desagradável interagir de
maneira mais íntima com o homem com quem se casaria. Seria
muito ruim receber um homem em sua cama? O libertino dos
libertinos era ansiado e desejado por muitas, o que ele poderia fazer
de diferente dos outros?
Rosamund percebeu-se folheando o mesmo livro pela terceira
vez e estava sendo encarada pelo homem de seus pensamentos.
Constrangida, colocou aquele livro por sobre a mesa e pegou outro
da pilha. Ele riu. O maldito riu e voltou a se concentrar no que fazia.
Céus, ela estava encrencada. Além de se envolver em coisas que
não deveria se envolver, ainda estava ridiculamente fascinada por
um libertino. Um homem que, apesar das bobagens sedutoras que
dizia, não lhe daria um casamento, a segurança de uma vida estável
e filhos.

Anthony teve vontade de jogar a Srta. Taylor sobre os ombros e


devolvê-la ao seu quarto, mas desistiu ao perceber que isso traria
mais aporrinhações do que benefícios. Se ela não queria obedecê-
lo, então que não obedecesse. Afinal, o marquês não costumava dar
ordens e tolher a decisão das mulheres. Bem, ele era um marquês,
ele sempre dava ordens a todos, mas não era de seu feitio
determinar o que mulheres podiam ou não podiam fazer. Se a Srta.
Taylor queria ficar ali folheando livros empoeirados no escuro, não a
impediria. Talvez fosse até mesmo útil contar com um par extra de
mãos, já que Pierre não estava disposto a invadir a casa para ajudá-
lo.
Havia um problema maior com que se preocupar: ela era uma
distração. Vestida em roupas de dormir, descalça, com os cabelos
soltos e as mãos desnudas, a mulher era um pouco mais tentadora
do que uma peste deveria ser. Anthony preferia que ela não lhe
fosse atraente de forma alguma, porém, era muito difícil encontrar
uma dama que não o atraísse. Aquela maldição da libertinagem que
recaíra sobre os Eckleys às vezes era inoportuna, e ele se pegou
desejando a Srta. Taylor naquela noite.
Não, ele a desejou antes daquela noite e realmente pretendeu
que ela quisesse conhecer suas perversões. Enquanto remexia
naqueles livros, seu corpo dava sinais de incômodo sempre que ela
respirava, suspirava, virava uma página ou erguia o olhar para ver o
que ele fazia.
— O senhor é um marquês. — Ela pontuou o óbvio. — Por que
está envolvido nesse tipo de trabalho?
Pelo visto obedecer não era algo que a Srta. Taylor fazia com
frequência. Conversar com ela apenas agravaria o problema da
atração, então Anthony permaneceu em silêncio e fingiu ignorá-la —
o que também não foi possível. A mulher se levantou de onde
estava e pegou alguns livros da pilha, levando-os até a estante e até
onde ele estava. A proximidade do corpo feminino aguçou seus
sentidos e o fez suspirar. Livrar-se da tentação sem se livrar dela
não seria possível.
— Quando comecei, eu ainda não era marquês, apenas um
jovem inconsequente em busca de aventuras. Sem contar,
senhorita, que a maior parte dos homens de confiança da Coroa são
seus servos — os nobres.
— Isso é intrigante! Pensei que o serviço de espionagem fosse
feito por homens estudados, porém descartáveis.
Ele deu uma risada.
— A senhorita pensou sobre o serviço de espionagem? Que
mulher ao menos sabe que esse tipo de coisa existe?
— Ora, milorde, não sou idiota. Estava equivocada, confesso,
porém sempre soube que havia espiões espalhados por todo canto,
apenas pensei que eles estivessem fora de combate.
— Isso não é um combate, senhorita. É trabalho de inteligência e
acho que estamos perdendo tempo conversando.
— Ou perdendo tempo nesta biblioteca. Temos centenas de
livros para inspecionar, vamos levar noites inteiras fazendo isso.
Eles levariam, a não ser que também trabalhassem durante o
dia. Todos achariam estranho se Anthony revirasse uma biblioteca
atrás de livros. Ele era leitor, mas a intelectualidade não fazia bem à
sua fama de devassidão, então não permitia que muita gente
soubesse que gostava de romances e ficção. Mas ninguém se
espantaria se uma mulher como Rosamund Taylor passasse horas
devorando alguns títulos e a insistência dela acabou lhe fornecendo
o que precisava: mais tempo.
— A não ser que a senhorita esteja disposta a investigar durante
o dia.
— E como eu faria isso?
— Vindo à biblioteca para procurar livros, oras. — O marquês
sorriu. — Mulheres não são conhecidas por seu interesse em
romances?
Pela forma como ela o encarou, talvez nem todas. Ainda assim,
ninguém ali a conhecia o suficiente para saber de suas preferências
e isso a afastaria das madrugadas com ele.
— Parece uma boa ideia, milorde. Porém, tenho compromissos
vespertinos e não poderei dedicar todas as tardes a essa tarefa.
— Qualquer tempo que puder dedicar será útil, senhorita.
Ela sorriu e exibiu belos dentes, indicando que tinha a higiene
bucal em dia. Talvez escovasse os dentes com regularidade, o que
tornaria a experiência de beijá-la mais agradável. Ele não a beijaria,
mas gostou de imaginar como seria. Rosamund tinha lábios
grossos, mais cheios do que costumava ver nas mulheres, e era um
pouco mais alta do que a média, o que proporcionaria um encaixe
perfeito em seus braços.
Os seios dela eram volumosos, despontavam por baixo da roupa
e o provocavam a olhar para eles. Anthony adoraria acariciá-los
enquanto saboreasse aquela boca macia, fustigá-los até que os
mamilos estivessem túrgidos e, então, desceria os beijos até eles e
os provaria, também.
— Milorde?
A voz suave o despertou de um sonho. Anthony percebeu que
tivera uma breve fantasia com Rosamund enquanto estavam ali e
que estivera paralisado por minutos enquanto sua mente o conduzia
pelas curvas do corpo dela. Esperou sinceramente que ela fosse
mais ingênua do que parecia e não notasse o volume de sua ereção
que ansiava por pular de dentro das calças. A escuridão era sua
salvação, afinal.
— Estou exausto, senhorita. Creio que não será produtivo
continuarmos. Suba, eu irei em seguida. Não podemos ser vistos
juntos, a ruína causada por minha companhia é irreversível.
Ela assentiu e deixou a biblioteca. O marquês esperou até que
fosse seguro sair, enclausurou-se em seu quarto e despiu-se para
dormir sem conseguir livrar-se do desejo súbito que o arrebatou. A
abstinência estava cobrando um preço alto — Anthony raramente
passava uma noite sem uma mulher em sua cama. Em Paris ele
estava muito concentrado em suas tarefas e Rosamund parecia
muito disponível em roupas de seda, sem espartilho ou anáguas
que atrapalhassem sua imaginação.
Olhou-se no espelho, nu e excitado, e desistiu de se vestir outra
vez e sair em busca de alguém para satisfazê-lo. Jogou-se na cama,
enfiou a cabeça nos travesseiros e maldisse toda uma geração de
reis, rainhas, deuses e deusas que criavam regras que impediam as
mulheres de se lançarem aos prazeres carnais como faziam os
homens. Precisando dormir e ciente de que não conseguiria fazer
aquilo enquanto não encontrasse alívio, ele fechou os olhos,
segurou seu membro pulsante com firmeza e se entregou à fantasia
da maciez dos seios rosados de Rosamund Taylor.

Depois de mais uma noite conturbada, Rosamund forçou-se a


acordar mais cedo e fingir normalidade. Se ela continuasse a perder
a hora e agir como uma mulher sonolenta, alguém desconfiaria de
suas peripécias noturnas — nem mesmo Gretha era tão pouco
observadora.
— Você precisa cuidar mais da aparência. — a prima disparou
enquanto tomavam o desjejum com as mulheres no salão de chá.
Ela falou baixo, mas Lady Bachour apurou os ouvidos e se
interessou pelo assunto. — Veja essas olheiras, parece que não tem
uma boa noite de sono há dias.
Ela não tinha. Quando não esteve com o marquês, sonhara com
ele. Maldito fosse.
— Sabe que não sou de dormir muito e ando bastante ansiosa,
mas tem razão.
— Dizem que as francesas possuem cremes maravilhosos. —
Lady Bachour se intrometeu. — Posso pedir que meu George
descubra, ele tem o péssimo hábito de envolver-se com mulheres
sem reputação e essas parecem sempre saber de tudo sobre
beleza. Hoje mesmo ele irá a uma reunião de negócios, mas acho
que está mentindo.
— Homens adoram inventar desculpas para fingir que não estão
indo atrás de meretrizes. — A esposa do Barão Rottschild suspirou.
As duas mulheres se envolveram rapidamente em um debate
sobre a infidelidade masculina, mas Rosamund se interessou mais
sobre a possível mentira do visconde. Se o homem escondia seu
destino era porque havia algo secreto nele. Alegando precisar ir ao
banheiro atender a um chamado da natureza, ela saiu do salão e
esgueirou-se pela casa até o escritório de Lorde Finley, que estava
com a porta entreaberta. Não havia ninguém dentro nem por perto e
ela sabia que os homens ainda estavam comendo no salão matinal.
Entrou sorrateira e espiou por sobre a mesa. Havia um bilhete
aberto, recentemente lido, com uma poesia ruim escrita. Ou o
visconde estava desenvolvendo dotes artísticos, ou aquela era uma
mensagem codificada.
Lembrou-se do pedido de Lorde Granville: investigue durante o
dia e pouparemos tempo. Se havia um traidor sob aquele mesmo
teto, ela queria contribuir para que o pegassem. Pegou um papel
sobre a mesa e copiou a mensagem com uma letra horrível, enfiou
dentro do decote e saiu do escritório com os nervos alterados. Era a
primeira vez que ela fazia algo daquele tipo, que se intrometia na
privacidade de alguém com a intenção de fazer intrigas. Não, não
era intriga, nem fofoca, ela tinha uma missão e deveria se sentir
importante — afinal, quando uma mulher como ela iria participar da
investigação de um espião?
Rosamund precisava entregar aquele bilhete para o marquês e
não sabia como. Duvidava que ele estivesse no desjejum porque
não o via na casa durante o dia e precisaria ir para suas aulas
depois de algum tempo — acompanhada. Livrar-se de Gretha era
fundamental para que pudesse procurar por Lorde Granville, então
ela daria um jeito de fazer a prima desaparecer. Colocou seu plano
em ação quando se encontraram no quarto e estavam para se
aprontar para sair.
— Gretha, hoje você não precisa me acompanhar. — Rose
disparou antes que desistisse — sei que anda entediada por me
seguir e precisar passar horas esperando em um café.
— Mas é claro que preciso acompanhá-la, é para isso que vim.
— Sei disso, mas estarei no ateliê. Lá só há mulheres, Madame
Beaury-Saurel não recebe homens como alunos, portanto estarei
segura e minha reputação não poderá ser maculada. Sua presença,
por mais que querida, não é necessária.
A prima pensou. Rose não imaginava o que ela faria com uma
tarde inteira livre, principalmente porque ela não acompanhava as
sessões de aula, ou seja, ela já tinha as tardes livres. Não
importava, desde que Gretha não estivesse em seu encalço, nem
houvesse grande risco de se esbarrarem pela cidade.
— Tudo bem, acho que tem razão. Como explicará sair sem que
eu vá?
— De novo, minha prima querida, para que eu precise dar
satisfações é necessário que me notem. Ao que tudo indica, depois
do desjejum ninguém nos percebe nesta casa ou nesta cidade
inteira. A sensação de liberdade não é incrível?
Gretha não estava acostumada com liberdade, nem ela mesma.
O máximo que faziam sozinhas, em Londres, eram coisas que os
homens consideravam inofensivas: chás, eventos de caridade para
arrecadação de fundos para orfanatos, compras. O papel feminino
era limitado e elas foram criadas daquela forma, acostumadas a
considerarem-se livres se tivessem como circular no mundo que os
homens construíram para as acomodar.
Sair sozinha por Paris, investigar traidores e arriscar-se ser pega
de camisola com o maior libertino da Europa era uma excitação
além de qualquer expectativa para Rose. Foi por isso que ela saiu
em disparada tão logo teve a oportunidade e pegou um veículo de
aluguel na direção do Les Deux Magots. Suspeitava que encontraria
o marquês ali, já que ele estivera muito confortável no café dias
atrás e se mostrava como um homem de sistemas.

— Você está com uma aparência péssima.


Pierre disparou no instante em que viu Lorde Granville chegando
ao Les Deux Magots. Daquela vez ele não teria tempo para entreter
Verlaine, que já tinha perdido a batalha para o absinto e sequer o
notara.
— Tive uma noite de pouco sono. Aliás, todas as noites têm sido
assim. A casa de Finley é enorme e estou tendo muito trabalho nas
investigações.
— Quem sabe hoje não descobrimos algo mais interessante
sobre o contato francês dele? Sem contar que não há nada mais
capaz de acabar com o sono de um homem do que uma boa luta de
boxe.
— Tem certeza de que ele estará lá? Porque eu estou
hospedado com o homem e quase não o vejo. Pelo visto, aquele
mandrião tem uma vida atribulada quando está na França.
— Ele estará. Vamos, coma alguma coisa.
Para fugir de Rosamund Taylor, o marquês não fizera o desjejum
com os convidados de Finley. Esperou em seu quarto até que a
refeição terminasse, pediu que Monty avisasse a todos sobre uma
pequena indisposição matinal e escapou da casa pela porta dos
fundos.
Anthony nunca fugira de mulher alguma e isso colocava a Srta.
Taylor em uma posição de destaque. Com ela, ele agia diferente do
seu normal e isso o intrigava e o irritava na mesma proporção. Pediu
à garçonete que trouxesse um sanduíche de carneiro e macarons,
além de um bule com café preto. Estava faminto e talvez não tivesse
tempo de almoçar. Ouvia Pierre falar sobre seus empreendimentos
imobiliários e mastigava uma fatia de carne quando ela entrou
esbaforida, olhando para trás como se estivesse fugindo de alguém
e sozinha.
Céus! O que aquela mulher aprontara?
— Milorde, que bom que o encontrei. — Rosamund aproximou-
se da mesa e apoiou-se nela, indicando que estivera correndo. —
Tenho algo a respeito de…
Ela parou de falar e olhou para Pierre com uma expressão de
susto — não o vira ali e estava prestes a revelar qualquer coisa que
não pretendia conversar em público.
— Senhorita, o que está fazendo aqui? Como me encontrou?
— Eu gostaria de lhe falar. Podemos?
Anthony olhou ao redor. Era um lugar público e frequentado por
mulheres, eles estavam em Paris e não havia nenhuma infração
social aparente em pedir que Rosamund se sentasse com eles. Ela
era desconhecida ali, podia ser uma mulher casada e um deles ser
o marido, ou viúva. Não era seu hábito preocupar-se com a honra
aparente das mulheres, ele comumente não se importava em
desvirtuá-las, então o marquês não entendeu por que hesitou
naquele momento.
— Sente-se, senhorita. — Ele indicou uma cadeira. — O que é
tão urgente que a está afligindo?
— Trata-se de um assunto particular.
— Esse é Pierre Prescott, meu contato na cidade. Se o assunto
for sobre nossos encontros noturnos, ele pode participar.
Pierre deu uma risada e fez uma mesura, levantando-se para
puxar a cadeira que acomodaria Rosamund. Ela também olhou ao
redor, fazendo uma análise sobre as consequências de se sentar
sozinha com dois homens. Depois, levou a mão até os botões de
seu decote e retirou de lá um papel dobrado.
— Encontrei isso sobre a mesa de Lorde Finley.
Anthony pegou o papel, um pouco fascinado pelo momento.
Não, ele estava muito fascinado e intimidado por Rosamund Taylor:
uma jovem dama sem sangue aristocrático, comum e
aparentemente recatada demais para seu gosto, que, de repente, se
envolveu em suas investigações e agia com uma inteligência que
ele raramente via desenvolvida em mulheres como ela.
Sim, mulheres eram inteligentes. Talvez mais que os homens.
Mas elas escondiam seus talentos intelectuais ou os resumiam a
tarefas quotidianas e banais porque a sociedade lhes contou que os
homens não gostavam quando elas sabiam demais. Anthony não
era um desses homens, a inteligência o estava deslumbrando.
— É uma poesia — Anthony disse, examinando o papel — ruim.
— Estava escrita em um bilhete recentemente lido sobre a mesa
do visconde. Ou ele tem admiradores que mandam poesias, está
desenvolvendo talentos artísticos ou, ainda, é uma mensagem.
— É uma mensagem. — Pierre pegou o bilhete das mãos do
marquês e o examinou. — Provavelmente refere-se ao encontro que
ocorrerá hoje à tarde.
— Que encontro?
Pierre encarou Anthony com uma expressão que perguntava o
que estava acontecendo. Ele não estava interessado em explicar
nada ao amigo, mas a presença de Rosamund não lhe deixou
alternativa.
— Finley terá um encontro com seu contato hoje à tarde, em
uma luta de boxe. — O marquês explicou a ela. — Pierre, a Srta.
Taylor tem me ajudado a fazer buscas na casa.
— Ah! Compreendo.
O amigo tinha um sorriso matreiro que sugeria mais explicações
em momento oportuno.
— Então iremos a essa luta?
A pergunta fez com que Anthony se engasgasse com o café.
— Não iremos. — ele disse, mesmo com a boca cheia. — Eu e
Pierre resolveremos isso. Esse não é um evento para mulheres
como a senhorita.
— E o que seria uma mulher como eu, milorde?
— Honrada e casta. As mulheres que frequentam esse tipo de
evento são cortesãs ou meretrizes. É um lugar onde homens como
eu levam mulheres como as que eu geralmente me envolvo.
Rosamund cruzou os braços e franziu o cenho, assumindo uma
expressão reflexiva por alguns segundos. Contou alguma coisa nas
mãos e manteve a face rígida e tensa enquanto parecia tomar uma
decisão importante.
— Posso fingir ser uma dessas mulheres.
Os olhos dele se arregalaram em horror. Ela era uma criatura
impossível.
— Senhorita, esqueça. Não a levarei e não arriscarei uma
investigação porque decidiu brincar de espionagem. Mantenha seu
foco em seja lá o que a trouxe a Paris. Se seu noivo souber, ele me
confrontará e eu não estou interessado em problemas com homens
enfurecidos.
Ela não ficou satisfeita com a resposta e ele não estava disposto
a retroceder. Pierre continuou a assistir o silêncio eloquente dos dois
enquanto o marquês continuava calmamente sua refeição e a Srta.
Taylor mantinha os braços cruzados e os olhos comprimidos de
irritação. Não havia nada que Anthony pudesse fazer, aquela não
era uma atividade para uma jovem inexperiente. Ele não podia
ocupar-se de descobrir os segredos de Finley enquanto tomava
conta de Rosamund.
Pedindo licença, mas ainda enfurecida, ela se levantou e saiu do
Les Deux Magots pisando firme. Ah, como ele adorava mulheres
raivosas! Pena que aquela não era para si.
Capítulo quinto

E .S
“R , ”, ou “Rose, não faça aquilo”, ela assentia e
obedecia. Por isso, sentiu-se ainda mais ousada quando decidiu que
iria à tal luta e que não se deixaria intimidar pela arrogância do
marquês. Sabendo que teria que dar muitas explicações mentirosas
para Gretha e que estaria provavelmente com sua integridade física
em risco, Rosamund terminou a sua aula com Madame Beaury-
Saurel, pegou um cabriolé de aluguel e pediu que a deixasse no
endereço do local aonde precisaria ir, que não foi difícil de obter.
Aparentemente, aquele era um grande evento na cidade dos
grandes eventos.
O cocheiro a levou até um barracão na Chanoinesse, um lugar
onde ela jamais imaginaria que poderia haver uma luta. Com tanta
gente circulando, bares e cafés, Rosamund surpreendeu-se que
uma das construções amplas e cheias de janelas abrigasse homens
seminus socando uns aos outros. Para sua sorte, era um lugar
aberto — não se precisava de convites para entrar, e ninguém
perguntou o que uma dama sozinha fazia pelas redondezas. Ela
precisava aproveitar aqueles dias em Paris, nunca mais teria tanta
autonomia quando voltasse a Londres.
Não viu ninguém conhecido assim que entrou. O lugar estava
cheio e era composto de duas arquibancadas e um ringue no meio,
onde dois homens já se aqueciam para começar a disputa. Eles
usavam apenas calças marrons, estavam despidos da cintura para
cima e eram uma excelente fonte de estudos de anatomia. A artista
dentro dela a dominou e Rosamund retirou seu bloco de desenhos
para traçar alguns esboços dos músculos e ossos se movendo para
lá e para cá.
Levou uma ou duas trombadas e decidiu afastar-se da multidão.
Homens gritavam o nome de seus favoritos, apontadores recolhiam
dinheiro de apostas e mulheres agiam de forma pouco decorosa,
aquele era exatamente o tipo de ambiente que ela deveria evitar.
Rosamund recostou-se em uma parede e ficou na ponta dos pés
para conseguir ver o ringue mesmo com as cabeças e chapéus à
sua frente. Que tipo de homem não tira o chapéu em um evento?
Depois de rabiscar um bíceps, duas mãos em punhos e os
tendões do pescoço, ela guardou seu bloco e decidiu procurar Lorde
Granville. Se ele a visse, ficaria irritado e ela estava desejando isso.
Aparentemente, provocá-lo era sua nova diversão naquela viagem.
Seus olhos encontraram a figura bonachona de Lorde Finley
conversando com um homem que acabara de interpelá-lo. Se o
marquês e seu amigo estavam ali por causa de alguém, deveria ser
ele. Afinal, foi no escritório dele que ela encontrou o bilhete
misterioso e por ele que o marquês decidira ir até aquela exibição
de boxe. Era razoável que o espião estivesse escondido bem
debaixo do nariz do investigado, levantaria menos suspeitas, mas
era assustador pensar que o visconde fosse um homem perigoso,
mas ela acreditava em Anthony Eckley. Não sabia o porquê.
Os dois desceram da arquibancada e caminharam para os
fundos do barracão, para onde Rose os seguiu. Tentando misturar-
se na multidão para não ser notada, ela se aproximou o suficiente
para ver que eles pararam em um lugar com aparência de
privacidade e continuaram a conversa. Se ela fosse um pouco mais
furtiva conseguiria ficar mais perto e ouvir o que falavam.
Não conseguiu. Foi dominada por braços fortes e arrastada para
um lugar com pouca iluminação e cheiro de mofo. Estava preparada
para gritar e espernear, já imaginando que precisava fugir do seu
captor quando mãos masculinas abafaram seu protesto e ela se viu
com o nariz enfiado no peito de Anthony Eckley. Seu coração
disparou pela proximidade.
— Não grite. — ele murmurou, ela assentiu e ele a soltou. — O
que diabos faz aqui, Srta. Taylor?
— Eu vim ajudar.
— Céus! Eu não preciso de ajuda! Mandei ficar fora disso, onde
você fez curso para dama perfeita não ensinaram a obedecer?
— Ensinaram e eu decidi não aprender.
A boca dele se abriu e permaneceu muda em assombro e
admiração. Rosamund não tinha certeza se ele estava prestes a
estrangulá-la ou beijá-la e desejou sinceramente que fosse a
primeira opção. Se ele a beijasse, ela não conseguiria fingir que não
se importava.
Apesar da ausência de perigo, ela permaneceu grudada ao peito
dele e ele manteve um dos braços envolvendo-a pela cintura. Os
dois corpos estavam próximos demais e ela conseguia sentir a
firmeza da estrutura do marquês. Ele era um nobre de título elevado
que tinha o corpo de um trabalhador braçal. Rosamund suspeitou
que os músculos dele estivessem tão em forma quanto o dos
lutadores do ringue, cuja performance ela abandonou. O cheiro
masculino de colônia, tabaco e Bourbon fez com que ela não mais
sentisse o mofo e a umidade. Com o indicador na frente dos lábios,
o marquês pediu silêncio. Ele estava ali ouvindo a conversa de
alguém, provavelmente de Lorde Finley.
Ela teve certeza de que seria uma péssima espiã, porque não
entendeu nada do que falavam. Era possível ouvir a voz do
visconde, cujo timbre ela nunca confundiria, e de outros dois
homens, mas eles discutiam sobre entregas, sacos de batatas e
especiarias. Parecia uma transação comercial e não uma
conspiração contra a Coroa. Mesmo que falassem em francês, ela
conhecia bem demais o idioma para sentir-se tão confusa. A rigidez
do corpo de Lorde Granville, no entanto, indicava que ele estava
concentrado acompanhando o assunto.
De repente as vozes ficaram mais altas e o marquês enrijeceu
mais. Ela ergueu os olhos e viu que ele analisava os arredores
enquanto as vozes aumentavam, até que a segurou pelo queixo e a
fez olhar para ele.
— A senhorita já foi beijada? — ele disparou.
— Eu…
— Diga logo, ou terei de agir contra meus princípios. Foi ou não?
— Sim, já, mas não entendo o que isso possa…
— Então feche os olhos, Srta. Taylor.
Rosamund não quis desobedecer daquela vez e cerrou as
pálpebras imaginando que algo muito ruim aconteceria. Eles seriam
descobertos e toda a missão estaria acabada, assim como suas
vidas. Os traidores os pegariam e os torturariam e descartariam
seus corpos no oceano, garantindo que nunca fossem encontrados.
O marquês lhe ordenara a fechar os olhos para que não visse o que
aconteceria, poupando-a do horror.
Mas estava enganada. Ela não teve nem tempo de rezar por sua
alma, foi arrebatada pelos lábios macios e quentes de Lorde
Granville sobre os dela.
Seu corpo estremeceu e se tornou rígido como uma estaca de
madeira. As mãos dele acariciaram suas costas e ele a puxou mais
para perto, fazendo com que ela sentisse toda a firmeza dos
músculos que o constituíam. No início foi como um dos beijos que
ela trocara com algum pretendente mais ousado, até que as vozes
se afastaram tanto que ela não mais pôde ouvi-las, e o marquês
aprofundou o beijo.
Com um polegar ele acariciou a maciez de seu lábio inferior e a
fez abrir-se para ele. Com a língua ele a explorou devagar, fazendo
com que suspirasse e soltasse um gemido constrangedor.
Rosamund nunca gemia, ela nunca demonstrara nenhum tipo de
prazer no contato com um homem até aquele momento. Anthony
apoiou sua cabeça com uma mão espalmada, acariciou seus
cabelos com os dedos, desceu a boca até seu maxilar e voltou,
sorvendo cada respiração dela como se fosse uma fonte vital.
E então eles se desencaixaram, deixando-a com uma sensação
estranha de vazio e frio.

Ele a beijou. Mesmo que tenha sido para salvar-lhes a pele, já que o
visconde e seus contatos poderiam vê-los ali e não havia nenhuma
desculpa que explicasse Anthony Eckley em um canto escuro — a
não ser que estivesse com uma mulher. Rosamund Taylor foi uma
conveniência e beijá-la foi necessário para que ninguém se
importasse com eles ali. Mas ele não precisava continuar com ela
em seus braços depois que o perigo passou. Ela já tinha sido
beijada, ele precisou se certificar disso antes de roubar-lhe um
primeiro beijo que causaria muitas memórias depois, mas parecia
tão inexperiente e crua que não resistiu em ensinar-lhe alguma
coisa.
Estúpido! Uma voz interna, a qual Anthony nunca dera muita
atenção, gritou em seus ouvidos. Rosamund estava flácida em seus
braços, encarando-o com os olhos de vidro assombrados e ele não
tinha nada para dizer a ela. Nada que uma mulher entendesse como
justificativa para um beijo.
— Estamos seguros, agora.
Foi o que conseguiu falar depois de um minuto inteiro com a
testa apoiada na dela e outro, encarando-a como se tivesse feito a
melhor coisa errada de sua vida. Não era nada demais, não deveria
ser, ele estava acostumado a beijar mulheres como se fosse um
esporte.
— Estávamos em risco, antes?
— Sim, eles poderiam nos ver.
— E beijar-me foi um disfarce?
— Eu disse que a senhorita não deveria vir, não disse?
— Bem, milorde, se eu não estivesse aqui, quem seria seu álibi?
Anthony deu uma risada baixa e a arrastou para a luz. Ela tinha
as bochechas rosadas e a boca inchada, indícios de que fora
beijada. Pior, indícios de que gostara do beijo. Isto, sim, era um
problema com o qual ele não saberia lidar. Preferia que Rosamund o
estapeasse e saísse indignada dali, que ela não fosse espirituosa o
suficiente para entender o que ele fizera e ainda se achar importante
porque servira de disfarce. Como ele se livraria daquela mulher?
— Ao menos conseguiu entender algo da conversa? — ela
insistiu enquanto ele estava atordoado. — Porque parecia que
falavam de uma carga de batatas.
— Não entendi quase nada, mas o importante é que saibamos
onde a carga será entregue.
— Salpêtrière. — ela repetiu o que ouviram. — Mas, por que eles
entregariam batatas em um hospital? Comida para os doentes?
— Não. Não serão batatas. Seja no que for que Finley estiver
envolvido, ele usará um lugar que ninguém deseja frequentar e onde
ninguém suspeitaria que ele estivesse para fazer negócios escusos.
Ou tem alguém de lá envolvido. Preciso avisar Pierre.
Com dois passos largos, Anthony afastou-se de Rosamund na
direção das arquibancadas, mas, na mesma velocidade, entendeu
que não poderia deixá-la ali. Ela não pertencia àquele lugar e,
apesar de se considerar destemida, ela era apenas uma jovem
impetuosa em busca de aventuras que decidira envolver-se no
trabalho dele. Virou-se, segurou-a pela mão e arrastou-a consigo,
garantindo que estivesse ao menos protegida por uma companhia
masculina. Em uma coisa ela tinha razão, ali ninguém a conhecia e
sua reputação não sofreria danos.
As mãos dela estavam trêmulas ainda que ela não demonstrasse
temor. Anthony puxou-a para o seu lado e fez com que caminhasse
debaixo de seu braço, demonstrando uma intimidade que eles não
tinham, mas que era essencial para demarcar um território — todos
os homens dali saberiam que ela lhe pertencia. Não que ele
quisesse, apenas não via opções para protegê-la.
— A senhorita não precisa levar o que aconteceu a sério. — ele
disse, imaginando que o beijo pudesse tê-la perturbado. Afinal, a
mulher estava comprometida com outro. — Primeiro, não deveria ter
vindo. Mas, como veio, entendeu que precisamos atuar às vezes
para conseguirmos nossos objetivos.
— Não levei a sério.
— Seu noivo jamais saberá.
— Ele não é meu noivo.
Anthony parou de súbito e se virou para ela. Estavam
espremidos na multidão, porém não conversavam nada que não
pudesse ser ouvido.
— Por que desconfio que a senhorita está inventando essa
história de noivo? Quem é o conde Francês com quem a senhorita
está comprometida?
— Isso não é de sua conta.
— Sim, é. A partir do momento que enfiei a minha língua em sua
boca e estou arriscando um homem vir atrás de mim para me
arrancar os órgãos, preciso saber quem enfrentarei em uma
eventual disputa.
— Milorde não enfrentará ninguém já que ninguém saberá.
— O nome, senhorita. Se não me disser, descobrirei de alguma
forma.
— Conde D’Anjour.
Ela quase sussurrou a informação e uma risada explodiu do
peito de Anthony sem que ele conseguisse controlar. Algumas
pessoas olharam curiosas e logo voltaram a ignorar quando viram
que ninguém morreu ou iniciou uma briga. Rosamund se assustou,
mas logo percebeu que ele estava debochando dela e o encarou
com irritação.
— Agora tenho certeza de que a senhorita está mentindo.
— Como pode ter certeza apenas por saber o nome de meu
prometido? Ele não é casado, por que não poderia…
— Rose. — Ele perdeu a compostura e chamou-a pelo apelido.
Bem, eles acabaram de compartilhar um beijo que foi tanto uma
desculpa para não serem vistos quanto um momento de extrema
intimidade. — D’Anjour é uma pessoa ótima, porém ele tem outras
preferências.
— Outras preferências?
Ela o fitou com os olhos franzidos e então se deu conta do que
ele dizia. Anthony conhecia o conde há algum tempo, eles
compartilharam bons momentos de orgias e devassidão, mas nunca
com os mesmos parceiros. Enquanto o marquês era um franco
adorador das mulheres, D’Anjour gostava mais da companhia
masculina. Ao menos Rosamund Taylor não era tão ingênua quanto
ele pensava, já que compreendera, sem muito esforço, o que aquilo
significava.
— Eu não fazia ideia. — ela confessou com a voz tão baixa que
pareceu apenas um eco daquela jovem estridente que o
acompanhava.
— Isso não é uma coisa que se saia revelando por aí, senhorita.
Nenhum homem da sociedade pode deixar que saibam que… bem,
a senhorita entendeu.
Inteligente ela era, não tão ingênua também, mas a conversa
deixou a Srta. Taylor nervosa. Aquilo expunha uma mentira que ela
havia engendrado e ele não sabia por que motivos. Talvez ela
precisasse saber que ele não a exporia realmente.
Antes que conseguisse dizer mais alguma coisa, foi interceptado
por Julienne Delacroix. Deslumbrante, loira e usando um vestido
vermelho que nem sua prima Caroline teria a ousadia de vestir, ela
se aproximou e ignorou a presença de Rosamund. Colocou uma das
mãos na lapela do casaco de Anthony e sorriu.
— Milorde. — Como uma gata, Julienne ronronou. — Que sorte
encontrá-lo por aqui.
— Srta. Delacroix. — Ele fez uma reverência, segurou-lhe a mão
que estava em sua lapela e beijou aqueles dedos desnudos. — É
sempre um prazer revê-la.
— Fiquei sabendo que estava de volta a Paris e quase me
magoei porque não me avisou. Está hospedado no Le Maurice?
— Não dessa vez, estou com amigos. Se me dá licença,
senhorita, preciso encontrar-me com alguns amigos. Estou atrasado
para uma jogatina.
Por sua experiência, se não encerrasse aquela conversa, ela
acabaria com algumas obscenidades sendo proferidas em algum
lugar escuro daquele barracão. Ele conhecia aquela dama. Ela
nunca queria nada além de sexo e, infelizmente, Anthony estava
sem tempo. Evitou desviar o olhar para a mulher trêmula que estava
ao seu lado e tentou manter alguma dignidade ao recusar qualquer
convite que estava implícito no olhar ferino de Julienne, que sorriu
mesmo insatisfeita com a rejeição. Ela certamente esperava que ele
a convidasse para algum tempo a sós e, para isso, deveria saber
onde ele estava hospedado. Talvez também esperasse que ele
agisse mais como ele mesmo, sedutor e irreverente, mas Anthony
não podia. Aquilo deveria preocupá-lo, já que o Marquês de
Granville sempre tinha tempo ou disposição para mulheres. Mesmo
que fosse um encontro rápido entre duas colunas, em um beco
escuro ou no reservado de um banheiro, ele nunca precisava de
desculpas para dispensar uma dama.
— Ela é sua amiga?
A voz ainda frouxa e esganiçada de Rosamund o fez realizar que
fora ela, muito provavelmente, que o fizera afastar-se de Julienne.
Ele sentiu o desconforto dela e não quis prolongar uma situação de
conflito. Se havia algo que Anthony detestava era mulheres
brigando ou disputando-o.
— Sim.
— Pareceu bastante íntima.
— Ela é. — Ele suspirou. — Creio que a senhorita saiba o
suficiente sobre quem eu sou e que fama tenho, portanto, não há
necessidade de meias-palavras ou fingimentos.
— Tenho a sensação de que não sei nada sobre o senhor,
milorde. — Ela baixou o olhar e enfrentou o chão por algum tempo.
— Mas imagino que a sua fama não seja falsa.
— Não, ela não é. Agora vamos sair daqui.

Qualquer sensação desagradável que Rosamund estivesse sentindo


não tinha nada a ver com Lorde Granville sendo tocado intimamente
por outra mulher, ou por ele ter correspondido ao toque. Claro que
não. Isso implicaria que ela se importava com ele, e Rosamund não
se importava o suficiente. Eles estavam atuando, como bem sabia, e
era apenas isso. Se queria participar, tinha que aprender como o
jogo funcionava.
Mas ela estava já com sua cabeça doendo e seu coração
disparado. Ele descobrira tão facilmente sua mentira, rira e ela não
sabia bem o quanto sua estadia em Paris estava ameaçada. Se o
marquês quisesse se livrar dela, bastaria expor que seu noivado era
uma farsa. E havia aquela dormência em seus lábios, uma moleza
em suas pernas e tremedeira em suas mãos que a confundiam. Ela
era forte e muito resistente, por que parecia que tinha sido
atropelada por uma carruagem em alta velocidade?
E, quando pensava que sairia daquele barracão abafado e
preenchido de vozes ensurdecedoras de uma vez por todas, sentiu
as mãos de alguém segurarem-na o braço. Logo seu corpo
sacolejou pelo agarre abrupto e o cheiro de álcool irritou suas
narinas.
— Olá, doçura.
Uma voz masculina ecoou em seus ouvidos em francês.
Rosamund fechou os olhos, sem ao menos querer olhar para a face
do homem que a segurava. Por um descuido, depois que o marquês
se encontrou com a tal Srta. Delacroix, eles se afastaram alguns
centímetros e isso foi suficiente para que alguém se achasse no
direito de reivindicá-la como uma das meretrizes daquele lugar.
— Largue-me. — ela sibilou. — Sou uma dama, não estou à sua
disposição.
O homem deu uma gargalhada fétida. Ela podia jurar que ele
não tinha todos os dentes na boca.
— Claro que é uma dama, doçura. Todas são. Por que não vem
comigo e me mostra como é ser uma dama de verdade?
— Afaste-se!
Rosamund foi mais contundente, mas o homem parecia
embriagado e a segurou mais perto, passando o braço por sua
cintura. Talvez ela pudesse vomitar de desespero e nojo, mas não
teve nem mesmo tempo de entrar em pânico. Seu agressor soltou-a,
de repente, e cambaleou para trás, caindo ao chão alguns poucos
metros depois, no instante em que ela se viu sendo puxada de
encontro à parede de músculos firmes que compunha o peitoral de
Lorde Granville. Ele a segurou com um braço e a manteve em uma
zona de proteção por alguns segundos até que ela começasse a
respirar outra vez.
— Você está bem? — ele perguntou com uma voz grave e
preocupada. Você. Não Srta. Taylor, não senhorita, apenas você.
Era uma informalidade da qual deveria reclamar e ainda assim
sentiu-se confortável com ela. Enfiou o nariz no casaco dele e
balançou a cabeça para cima e para baixo, indicando uma resposta
positiva. — Nunca mais chegue perto dela. — Ele estava então
falando com o agressor. — Se a vir pelas ruas de Paris, mude de
direção. Se eu souber que se aproximou da Srta. Taylor novamente,
não será apenas com meus punhos que terá que lidar.
O marquês a manteve em seus braços enquanto saía com ela do
barracão. Como era tola, achando que poderia meter-se em um
lugar como aquele e sair ilesa, ou não causar problemas. Primeiro,
intrometeu-se na investigação e acabou beijada. Depois, teve que
lidar com a intimidade das amantes de Lorde Granville e com o bafo
horroroso de um patife em seu pescoço. Ela estremeceu. Se o
marquês não a protegesse, ela teria que usar de uma força que não
tinha para se soltar do maldito que a agarrara. Tola!
Ela não viu bem como chegaram à rua, menos ainda quando
entraram em uma carruagem. A situação estava fora de seu
controle, se a vissem sozinha com o marquês, naquelas condições,
sua reputação estaria destruída. Ele estava mais consciente da
situação em que se encontravam e pediu que o cocheiro desse uma
volta pela cidade. Retirou um lenço do paletó e lhe entregou,
fazendo com que percebesse que estava chorando.
— Desculpe-me, eu não deveria ter permitido que ficasse atrás
de mim.
— Não foi culpa sua. — Ela limpou as lágrimas intrusas. —
Aquele homem pensou que eu fosse uma…
— A maioria ali é. — Anthony sorriu e pegou o lenço de volta.
Enrolou-o em um dedo e passou no canto dos olhos dela.
Rosamund não esperava aquele cuidado vindo de um notório
sedutor. — Por isso eu disse que lá não era lugar para a senhorita.
— Lamento, deveria tê-lo ouvido. Porém, eu estava tão animada
em participar de algo grande. Sei que sou mulher, mas estou
exausta de parecer uma decoração ou de acharem que minha única
qualidade é saber caminhar em linha reta sem derrubar um livro da
cabeça. Por isso vim para Paris e menti sobre o noivado, porque
queria aprender a pintar com Madame Beaury-Saurel.
— Pintar?
— Sim, eu sou uma artista. — Ela enfiou o rosto nas mãos. —
Sei que a imagem que fazem de artistas mulheres não é muito
digna, porém…
— Rose. — Ele usou seu apelido outra vez e ela sentiu um
calafrio na espinha. A voz dele era grave e parecia vir das
profundezas de uma alma escondida, como se houvesse alguém
preso dentro do corpo do libertino. Alguém que desejasse sair de
vez em quando. — Pare de se explicar. Eu não estou fazendo
perguntas, nem julgando você. Não faço isso, nenhum Eckley faz.
Entendo sua ânsia por esse algo mais, eu também tenho. A
diferença é que eu posso fazer o que quiser da minha vida sem ser
criticado por isso, enquanto você, não. Seu segredo está seguro
comigo. Ninguém saberá o que sei.
Oh! Por essa ela também não esperava.
— Pensei que o senhor aproveitaria a oportunidade para livrar-se
de mim.
— Confesso que fiquei tentado. — Lorde Granville deu uma
risada. — Mas seria chantagem e não gosto da opção. Se a
senhorita quer viver essa aventura, como diz, então, que seja. Mas
estará ao meu lado para que eu possa protegê-la. Só assim
aceitarei sua companhia.
— Minha companhia? — Os olhos dela brilharam em um lampejo
de emoção. — Posso ser sua parceira?
— Não é para tanto. Companhia parece uma boa definição. Já
que não posso evitá-la, prefiro mantê-la por perto antes que se meta
em mais confusão.
Capítulo sexto

G —
quase desenhando um círculo sobre o tapete vermelho decorado
com arabescos marrons — e esbravejava. Rosamund suspeitava
que ainda não vira a prima tão fora de si.
— Você desapareceu! São quase sete horas, Rose! O jantar está
para ser servido e você chegou agora da rua, desacompanhada, de
uma aula que acabou há três horas!
— Eu tive um contratempo. — Rosamund tentou contemporizar
enquanto abria os botões do vestido. Ela precisava se lavar depois
do desagradável momento vivido no barracão. — Mas estou aqui,
não estou?
— Que contratempo?
— Não posso dizer.
— Como não pode? Você me dispensou de propósito hoje?
Livrou-se de mim para… não sei o que foi fazer. Aliás, esta cidade
está lhe fazendo mal, Rose. Veja seu comportamento, o que seu pai
diria?
Ah! O pai já teria lhe dado uma surra com o cinto e a trancado
permanentemente no quarto, como fazia quando ela era criança. Se
Rose não fosse a única esperança de ele entrar para a aristocracia,
também a mandaria para um convento onde as freiras fizessem voto
de silêncio para que ela nunca mais o desobedecesse. A mãe teria
um ataque apoplético e os irmãos a pressionariam para que ela
revelasse com que homem estava, porque uma mulher só se
perderia do rumo por causa de um homem.
Bem, ela não podia negar que havia um fundo de razão nisso.
Lorde Granville estava envolvido na sua escapada, porém, não era
por causa dele que Rose se enfiara em uma enrascada e se
atrasara para voltar. Ela estava atrás de aventura, sim. Precisava
confessar para si mesma que os longos anos sendo uma filha
perfeita e atendendo a todos os desejos do pai e da mãe a estavam
exaurindo, e a iminência de seu casamento com alguém que ela
nem mesmo conhecia — porque eram esses os planos de seu pai
— a deixaram um pouco desorientada. A mentira para ir a Paris foi o
começo de uma sucessão de loucuras que Rosamund estava
disposta a fazer para ter alguma história a contar — algo além de
dizer que fizera compras e organizara chás por toda a sua vida.
Para algumas mulheres, casar-se bem e viver com segurança
era bom e suficiente. Rosamund descobriu que, para ela, não era.
— Gretha, acalme-se. — Rosamund parou em frente à prima e a
fez parar de girar. — Olhe para mim. Estou intacta e garanto que
minha virtude também está. Você sabia que eu não estava agindo
corretamente quando aceitou me acompanhar, não precisa agir
como se estivesse surpresa por minha insubordinação.
— O problema é que, quando seu pai descobrir, eu serei
culpabilizada. Sou sua acompanhante, meu dever é…
— Você não é uma empregada com deveres, é minha prima!
Estou pagando a você para estar comigo, mas isso é apenas um
incentivo. — Ela passou as mãos pelos braços agitados de Gretha.
— Somos amigas antes de tudo e preciso que você confie que
tomarei as melhores decisões para minha vida.
A prima não pareceu muito convencida, mas assentiu e a ajudou
a despir-se para lavar a sujeira do dia.
— Você está fedendo a tabaco e outras coisas que não sei
nomear. — reclamou — não vai mesmo me dizer onde esteve?
— Fui a uma luta de boxe. — Rose entendeu que poderia revelar
alguma coisa para aplacar a desconfiança sobre si. — Precisava
estudar anatomia humana e não tinha muitos livros à disposição.
— Uma luta? — Gretha arregalou os olhos. — Para ver homens
sem camisa? Céus! Isso é muito escandaloso.
— Tranquilize-se. Ninguém me conhece por aqui e eu estava
acompanhada de Lorde Granville.
— Claro, vou me tranquilizar. O marquês libertino é uma ótima
companhia para damas de respeito. Você enlouqueceu, Rose.
Ela desistiu de convencer Gretha sobre a inocência de suas
atitudes porque nem ela mesma estava convencida. Enquanto sua
parte racional tinha certeza de que ela deveria manter uma distância
segura daquele homem, suas outras partes dançavam o Can Can
quando o viam e sonhavam em sair correndo atrás dele. Deixou que
a prima continuasse a reclamar e criticar enquanto usava uma
banheira portátil para se limpar. Ela tomaria um banho completo se
pudesse, mas deixaria para fazer isso antes de dormir. Disputar o
banheiro com os outros hóspedes era um pouco cansativo.
O marquês estava no jantar. Ele manteve uma postura
indiferente em relação a ela enquanto conversava com o Barão
Rottschild e sua esposa e fingia se importar com o que diziam, mas
ela pôde sentir por duas vezes a intensidade daquele olhar sobre
ela. Uma, quando conversava com Lady Bachour sobre uma visita
que as mulheres planejavam ao Louvre, e outra quando foi
interceptada pelo Barão Rondale. Ela estava farta de homens
pegajosos por um dia, mas não podia simplesmente dispensar o
barão sem um motivo adequado ou passaria por arrogante.
Gretha também a observava e deve ter tido um ataque quando
Lorde Granville deixou o que fazia e se aproximou. Ele olhava
Rondale de cima — Anthony era alto, muito mais alto do que o
diminuto barão, e com uma expressão de que poderia pulverizá-lo
com um estalar de dedos. Era uma presença marcante e um pouco
intimidante, ela precisava concordar. Sua consciência da presença
dele estava cada vez mais apurada.
— Rondale, imagino que você tenha algo para fazer em algum
lugar.
— Na verdade, não tenho…
— Tenho certeza de que tem. — O marquês o interrompeu,
colocou uma mão no ombro do barão e o girou cento e oitenta
graus. — Não queremos que deixe seus compromissos esperando.
Ela imaginou que o barão não entendeu nada, porém não
discutiu com o marquês e se afastou.
— O que acabou de acontecer aqui?
— Ele a estava importunando.
— Milorde, não creio que precise se preocupar tanto comigo. Sei
dispensar um homem inconveniente e Rondale é apenas isso. Ele é
quase inofensivo.
Anthony Eckley assentiu e não insistiu em dizer que ela
precisava da proteção de um homem forte e viril como ele. Por
sorte. Ela nem sequer deveria pensar nele como viril, mas as
manifestações daquela masculinidade estavam por toda parte que
ela olhava. O marquês exalava potência em sua voz, em seu cheiro
e nas calças muito justas que vestia — o que deveria ser uma
agressão à moda, porém, ficavam exuberantes nele.
— Hoje não faremos nenhuma busca. A senhorita já teve muita
aventura por hoje. Amanhã interceptaremos a carga.
— Oh! — Ela arregalou os olhos e escondeu sua excitação
bebericando sua limonada. — Isso deve ser perigoso.
— Espero que não. Pierre irá conosco.
Rose gostaria de conversar mais, porém, foram interrompidos
pelo mordomo que anunciou o jantar. Lorde Granville ofereceu a ela
o braço e foi a primeira vez que uma Taylor precedeu a todos em um
jantar. Apesar de tudo, seu pai ficaria bastante orgulhoso se
soubesse daquilo, contanto que ela se casasse com o marquês em
questão — o que jamais aconteceria.

Claro que ele teria problemas. Pierre o mandaria desfazer a


promessa. Leonard o chamaria de estúpido. Caroline riria da sua
cara. Monty franziria uma sobrancelha, balançaria a cabeça e lhe
daria as costas. Qualquer pessoa que o conhecesse saberia que
aquela ideia de manter Rosamund Taylor por perto era uma grande
burrice. Talvez, se ele não tivesse ficado excitado com ela desde o
início, ou se o beijo usado como artimanha para disfarce não tivesse
sido tão arrebatador, ele pudesse considerá-la um bom acréscimo à
casa. Mas o marquês precisou fingir que não se afetara tanto por ela
enquanto seu corpo inteiro gritava “pegue-a nos braços e a leve
para seu quarto”.
Durante o jantar ele desejou tocá-la. A conversa com Rosamund
era fácil e ele poderia ignorar todos os outros da mesa. Não o faria
para não demonstrar interesse demais na mulher com quem não
pretendia assumir nenhum compromisso. Afinal, aos olhos de todos,
ela tinha encontros acompanhados com um francês e estava
comprometida com ele. Depois do jantar, desejou retroceder e dizer
que passaria a noite investigando no escritório de Finley. Se fizesse
isso, acabaria seduzindo a Srta. Taylor em algum momento e aquilo
podia sair totalmente de seu controle. Tinha que manter o foco e
garantir que sua missão não fosse um enorme fracasso.
Decisões tomadas, ele passou o dia que se seguiu arquitetando
com Pierre a interceptação da carga de batatas. Se Eddy estivesse
certo, as batatas se transformariam em algo bastante interessante.
Enquanto o dia transcorria, ele dividia sua atenção ao plano — que
era simples demais para ser considerado um plano —, e na Srta.
Taylor. Ela dissera que era uma artista, ela mentira para aprender a
pintar, ela se envolvera com toda aquela loucura de espionagem e
cada vez o intrigava mais. Não era apenas sua beleza singular e
seus olhos — quase transparentes de tão azuis —, mas tudo que a
envolvia era interessante.
E ele estava pensando demais nela quando dispensou o amigo e
combinou de se encontrarem mais tarde. Se a entrega da carga
seria à meia-noite no Salpêtrière, eles estariam esperando nos
arredores. Duvidavam que os homens entrassem no hospital e, se
isso acontecesse, fariam o mesmo. Não contou que pretendia levar
consigo uma participante extra, porque sabia que Pierre tentaria
dissuadi-lo. Ao ver-se sozinho às três horas, decidiu que faria algo
ainda mais tolo do que envolver a Srta. Taylor na investigação, iria
até ela no ateliê de Madame Beaury-Saurel.
A culpa era dela por dizer-lhe onde encontrá-la. Se Rosamund
Taylor não se abrisse com ele naquela carruagem, se ela não
confessasse que mentira para aprender a pintar e que tinha aulas
com uma das maiores pintoras da França, quiçá da Europa, ele
jamais saberia e não cairia em tentação. Era por isso que as belas
mãos dela estiveram manchadas e ele ficara tão fascinado com os
dedos longos e as unhas bem cortadas. Aquelas mãos manejavam
pincéis e criavam figuras e ele estava interessado em saber que tipo
de arte ela produzia.
Assim que entrou no ateliê, foi recebido pela própria Madame
Beaury-Saurel. A artista lhe sorria e não parecia disposta a deixar
que ele entrasse.
— Estamos em aula, monsieur. Se desejar visitar a exposição,
ou comprar algum quadro, terá que esperar.
— Na verdade, vim pela Srta. Rosamund Taylor. Ela é uma de
suas pupilas, não é?
— Ah, sim! A Srta. Taylor. Muito talentosa e… — A pintora
interrompeu-se e passou alguns segundos olhando para Anthony
como se acabasse de ter um vislumbre de algo, e sorriu. — Por
favor, venha comigo.
A senhora o conduziu por um salão cheio de pinturas e móveis e
com o cheiro nauseante da tinta. O espaço era bastante arejado e
com muitos janelões que permitiam a entrada de luz solar e de ar
fresco, ainda assim era difícil respirar. Anthony poderia ficar zonzo
se não estivesse acostumado com cheiros piores. Em outro cômodo
havia cinco mulheres, todas atrás de cavaletes com telas e
expressões concentradas em seus trabalhos.
— O senhor pode aguardar aqui? Anunciarei sua chegada.
Anthony recostou no batente da grande porta que ligava os dois
espaços e esperou. Com os braços cruzados no peito, observou a
Srta. Taylor em sua tarefa. Os raios de luz do fim do dia penetravam
pelos vidros e iluminavam seus cabelos escuros que refletiam como
ébano. Ele não sabia que cor tinham. Eram castanhos ou pretos?
Algumas mechas rebeldes caíam do coque preso no alto da cabeça,
indicando que ela já estava a algum tempo sem ajeitar seu
penteado. Havia um avental de pano todo manchado de tinta sobre
suas roupas e ela tinha um vinco no meio das sobrancelhas que lhe
conferia um charme especial.
Quando Madame Beaury-Saurel se aproximou dela e disse algo,
Rosamund Taylor ergueu a cabeça e o viu ali. Mesmo naquela
distância, ele pode notar que as bochechas dela coraram com um
rubor intenso, parecendo envergonhada de sua própria mentora. Ela
rapidamente saiu detrás do cavalete e, limpando as mãos no
avental, aproximou-se de Anthony com uma expressão confusa e
assustada ao mesmo tempo.
— Aconteceu algo, milorde?
— Não. Apenas terminei cedo meu compromisso e decidi
passear pela cidade quando me lembrei que a senhorita estaria
estudando pintura nesse mesmo instante.
Ela ficou desconcertada com a presença dele, ali. As pupilas de
Madame Beaury-Saurel continuavam absortas em seus trabalhos e
a própria artista circulava entre elas dando orientações e fazendo
observações. Aquele era um lugar de estudo e ele se sentiu
novamente nos ambientes universitários.
— Eu saio em meia hora. Minha prima vem me encontrar.
— Posso esperar para acompanhá-las até em casa?
— Imagino que seria uma honra?
Ele deu uma risada baixa. Ela ainda sabia ser debochada.
— Posso ver o que está pintando?
— Não. — ela apressou-se em dizer e ficou ainda mais nervosa,
esfregando as mãos umas nas outras e no avental. — Não pode.
Está inacabado, não costumo mostrar meus trabalhos antes de
terminá-los.
— Tudo bem, aguardarei aqui.
Por algum motivo, Anthony suspeitou que ela estava ainda mais
perturbada porque ele demonstrou interesse em sua arte. No dia
anterior, quando Rosamund contou que pintava, ela brilhou. Seus
olhos reluziram, ela gostava realmente do que fazia a ponto de
mentir, enganar, colocar sua reputação em risco e irradiar luz
apenas ao falar sobre o assunto. Mas não queria mostrar a ele.
O marquês ficou desapontado. Esperava que ela gostasse dele
de alguma forma. Depois de tudo, enganara-se acreditando haver
uma conexão qualquer entre eles, mesmo que fosse perigosa
demais e que ele não desejasse incentivá-la. Manteve-se recostado
no batente e com os braços cruzados enquanto a esperava,
garantindo que seu sorriso sarcástico no rosto não deixasse
transparecer sua aparente frustração.
Eram quase quatro horas quando a prima chegou. Gretha. Ela
carregava um livro, e tinha um sorriso de quem estivera fazendo
coisas escondidas, mas ele desapareceu assim que viu Anthony ali.
Ele fez um movimento com a cabeça em cumprimento.
— Milorde. — Ela se aproximou. — Não esperava ver o senhor
por aqui.
Talvez nem ele.
— Sou um apreciador da arte. Pretendo adquirir um quadro da
maior pintora da França.
Era mentira, mas uma boa desculpa. Apesar de sua intenção
inicial de acompanhar a Srta. Taylor, era melhor que não o fizesse.
Contar a Gretha o motivo de estar ali implicava, primeiro, revelar
segredos de Rosamund e, segundo, admitir alguns sentimentos que
ele recusava sentir. Claro que aquela mulher pensaria que ele
estava se insinuando para sua prima, e isso poderia comprometer o
que ela pensava de Rosamund, porém, era mais seguro que
suspeitar que eles estavam envolvidos de outra forma.
— Entendo. Logo a aula deve acabar, vim encontrar minha
prima.
Ele fingiu alguma surpresa para parecer que ainda não notara a
Srta. Taylor ali quando, na verdade, não parara de olhar para ela,
nada discretamente. Quando Madame Beaury-Saurel encerrou a
aula e dispensou suas pupilas, Rosamund tratou de se afastar de
sua tela, vindo na direção deles para impedir que se aproximassem.
Fez uma reverência para o marquês e saiu arrastando Gretha
consigo como se ela não pudesse vê-los conversando.
O ateliê ficou vazio, restando apenas a artista. Anthony suspirou
e decidiu que compraria um quadro, afinal. Ele não estava fingindo
apreciar arte, ele realmente gostava de pinturas, esculturas e outros
artefatos. Estava para receber um belo vaso de seu contato de
negócios na Índia, que lhe prometera uma experiência única com o
artefato. Mas a sua permanência ali tinha outro motivo: ele queria
distrair Madame Beaury-Saurel para espiar o que sua nova
companheira de aventura estava pintando. Pediu para ver alguns
dos mais recentes trabalhos e, quando foi conduzido até o salão de
exposições, passou pelos trabalhos das alunas e olhou um por um.
Mesmo que ele não tivesse decorado a posição em que
Rosamund estava, saberia qual era o quadro dela. Ela era muito
talentosa, não precisou de mais do que cinco segundos para
perceber. Traços bem feitos, cores bem distribuídas, mas o que lhe
chamou a atenção era o que estava sendo pintado: ele mesmo.

Ela quase foi pega. Não entendeu o que o marquês estava fazendo
no ateliê e não permaneceu para interrogá-lo, mesmo que ele
estivesse disposto a acompanhá-las. Apressou-se em sair dali com
Gretha antes que as coisas se descontrolassem completamente.
Precisou fingir que não o vira ali até o final da aula e manteve uma
expressão de tédio durante todo o jantar, agradecendo porque a
colocaram afastada de Lorde Granville, mais precisamente ao lado
do Barão Rondale, mais uma vez. Se ela não tivesse contado ao
visconde e sua tia que estava comprometida com um francês,
poderia achar que havia um complô para que o barão a cortejasse.
Enquanto comia e balançava a cabeça para as tolices do
homem, pôde sentir o olhar do marquês sobre si. O maldito nem
sequer se preocupava em disfarçar. O que pensariam dela se
imaginassem que o maior dos libertinos a colocara na lista de
territórios a conquistar? Ela sabia que não era nada disso, mas
outras pessoas desconfiariam de sua virtude, porque não podiam
saber que aquele homem era, também, um espião secreto da
Coroa.
Mas ele havia prometido que iriam interceptar a carga de batatas
do visconde naquela noite e ainda não falara nada sobre o assunto.
O jantar acabou, os homens se recolheram para tomar vinho do
porto e fumar, as mulheres falaram sobre arte e revoluções
femininas durante o chá e tudo que ela conseguia fazer era olhar
para o relógio por sobre a lareira. Quanto mais o tempo passava,
mais nervosa Rosamund ficava. Se o marquês não lhe dera
nenhuma coordenada, como fariam para se encontrar e sair para o
hospital?
Só se ele estivesse planejando enrolá-la e ir sem ela. Já
trancada em seu quarto ela imaginou que toda aquela conversa na
carruagem fora para afastá-la e que a promessa de a levar consigo
era apenas para convencê-la a não aparecer de surpresa em
nenhum lugar outra vez. Como era burra! Devia saber que não se
podia confiar em homens e que marqueses libertinos eram os
piores! Ela girou pelo quarto, nervosa, ouvindo passos pela casa,
portas abrindo e os convidados se recolhendo em seus aposentos.
Talvez devesse agir outra vez e ir atrás dele. Bateria à porta do
quarto de Lorde Granville e despejaria suas descobertas sobre ele,
não permitindo que continuasse a enganá-la.
Era isso. Rosamund arrancou a roupa que vestia, colocou uma
saia cinza-chumbo de tecido grosso, uma camisa preta e um casaco
xadrez — todas as peças escuras que a manteriam quase invisível
na escuridão —, calçou botas de caminhada e, confirmando que o
corredor estava vazio, marchou até a porta que sabia ser do quarto
do marquês.
Claro que ela tentou ser silenciosa, mas a irritação crescia dentro
de si, e a fazia expirar raivosa como um touro em um cabresto.
Bateu de leve na porta uma vez e não obteve resposta. Bateu outra
vez, e mais uma, mas não havia ruído vindo do quarto. Ele não
estava ali, já deveria ter saído e a deixado para trás.
A porta, no entanto, estava aberta. Rosamund tentou a
maçaneta e a madeira rangeu baixinho, permitindo que visse que
havia luz no quarto. Ela colocou a cabeça para dentro e precisou de
todo autocontrole que desenvolvera ao longo dos anos para não
soltar um grito histérico. O marquês estava ali. De costas para ela,
enrolado em uma tolha que o cobria abaixo da cintura e acima dos
joelhos. Ele tinha músculos por todo o corpo e ela precisava afastar-
se, fechar aquela porta e fingir que nunca o vira com tão pouca
roupa. Não, ele estava sem roupas, o que era ainda pior.
Mas ela não se afastou, nem fechou a porta. Arriscando ser pega
ali, Rosamund não conseguiu se mover e nenhuma parte racional
de seu cérebro estava funcionando mais. A fascinação que aquele
espécime masculino exercia sobre ela atingira finalmente limites
impossíveis, e tudo que ela conseguiu fazer foi olhá-lo soltar a
toalha, que jazeu abandonada no chão, e vestir uma ceroula.
A peça de roupa era clara e justa. Marcava as formas esculpidas
do marquês e ela sentiu como se continuasse a vê-lo nu. Também
não houve alívio quando ele vestiu calças pretas por cima — porque
Rosamund gostaria que ele não tivesse se coberto.
— Já se divertiu o suficiente, Srta. Taylor?
A voz dele tinha uma nota de bom humor que a atingiu no
estômago. Então ele sabia que ela estava ali? Sem saber como
manter o mínimo de dignidade, Rosamund entrou no quarto e
fechou a porta atrás dela. Seu coração estava disparado e batia
forte como o tambor de uma orquestra sinfônica.
— O senhor é mesmo tudo o que dizem.
Ele se virou. Estava sem camisa, com os cabelos úmidos e
despenteados, e os pés descalços. Sorria como um predador que
estava prestes a capturar a caça e brincar com ela antes de devorá-
la. Seu peito, contra o qual ela estivera protegida no dia anterior, era
permeado de fios escuros que desciam pela barriga e se escondiam
por baixo da calça. Rosamund sentiu a boca seca. O que ela estava
fazendo? Entrara na toca do leão, entregara-se de bandeja para o
libertino e não teria como sair dali se ele não quisesse.
— E o que dizem sobre mim, Rose?
— Que é um despudorado, sem-vergonha e indecente. — ela
disparou.
— E o que você quer com esse homem indecente?
Lá estava ele demonstrando intimidade novamente. Com mais
dois passos à frente, o marquês estava tão próximo que ela podia
sentir o frescor de sua pele limpa.
— Vim protestar porque milorde iria sair sem me levar quando
prometeu que me levaria. — Ela ergueu os olhos, desafiadora. —
Você disse que eu poderia acompanhá-lo e estava me deixando
para trás!
Ela também abandonou as formalidades e o enfrentou. O sorriso
dele se transformou em uma risada baixa e ele estendeu a mão
para a frente. Rosamund fechou os olhos, certa de que ele a
agarraria ali mesmo e não deixaria sobrar nada de sua honra. O
toque, temido e ansiado, não veio. Ela abriu os olhos novamente e
viu que Lorde Granville pegara uma camisa que estava pendura
atrás dela e já estava vestindo-a.
— Eu não a deixaria, Rose. Estava me preparando para sair,
quando fosse a hora eu a chamaria. Por que está com tanto medo
de mim se veio até aqui me confrontar?
— Não estou com medo. Mas sou impulsiva, como já deve ter
percebido, e não pensei muito bem quando me tranquei aqui nesse
quarto com milorde. Quero dizer, se você quiser me desonrar…
— Preste atenção. — Já com a camisa abotoada, o marquês
segurou-a pelo queixo e a fez olhar diretamente para ele. O escuro
de seus olhos parecia noite líquida. — Eu sou um libertino, eu
seduzo mulheres, eu faço com elas todas as coisas que você já
ouviu que eu faço. Mas nunca, entenda, nunca sem que elas
consintam. Todas as mulheres que estiveram comigo até hoje o
fizeram porque queriam. Eu não tocarei em um fio de seus cabelos
se assim você não quiser, Rose.
Eles estavam muito perto outra vez ou ainda não haviam se
afastado o suficiente. As batidas de seu coração estavam
insuportavelmente altas. Aquela confissão não era o que ela
esperava — para Rosamund, aquele homem era apenas um safado
que não respeitava mulheres. Imaginar que esteve errada sobre ele
a deixou ainda mais nervosa.
— Você me beijou.
— Foi preciso. Não acontecerá novamente até que seja de sua
vontade.
— Então será nunca.
— Que seja nunca.
A boca de Lorde Granville estava a centímetros da sua. Em
algum momento ele dobrou o corpo para falar mais perto de seu
ouvido e ela se projetou para a frente de forma que eles estavam
bastante perto de fazer o que disseram que nunca fariam. Ela
passou a língua pelos lábios, repentinamente secos demais, e ele
piscou lentamente. Ficaram naquela posição por um minuto inteiro e
o marquês não se moveu para tomar nenhuma atitude, indicando
que sua promessa seria cumprida: ele não tocaria nela, a não ser
que ela pedisse.
— Estamos atrasados. Pierre nos espera.
Capítulo sétimo

E . A
tempo de estudar todas as rotas de fuga e passagens por onde não
seriam indevidamente perturbados e sabia os caminhos que
precisaria percorrer até chegar à rua. Como prometido a ela, não
tocou em Rosamund, nem mesmo segurou-a pela mão para garantir
que ela o seguisse. Se ela queria acompanhá-los naquela pequena
missão, deveria manter-se alerta e prestar atenção. Uma carruagem
preta, sem qualquer caracterização, conduzida por cavalos pretos e
um homem de chapéu preto e casaco esperava por eles na quadra
seguinte. Pierre era bastante dramático, mas Anthony gostava do
teatro.
— O que diabos está havendo aqui? — O francês não
demonstrou nenhum constrangimento em soltar imprecações na
frente de uma mulher.
— A Srta. Taylor vem conosco. Ela está nos ajudando.
— Ajudando como?
— Conversaremos depois, Pierre.
— Amanhã. — O francês conferiu seu relógio de bolso antes de
dar a ordem para que a carruagem saísse. — Vocês estão
atrasados.
— E você marcou conosco dez minutos mais cedo porque sabia
que nos atrasaríamos. Vamos?
Pierre assentiu e bateu no teto da carruagem, indicando que
deveriam seguir. Rosamund estava silenciosa desde que ele a
confrontara em seu quarto, mas era até melhor que ela percebesse
o quanto de risco estava correndo ao permanecer em sua
companhia. Provavelmente, depois daquela interceptação, ela
nunca mais iria querer olhar nos olhos de Anthony — o que seria
bom para todos os envolvidos.
Depois que se descobriu sendo o muso do retrato que ela
pintava, a vontade de seduzi-la se amplificou. Ele não sabia
exatamente o que significava ser admirado por alguém a ponto de
se tornar um retrato, mas suspeitava que ela até pudesse aceitar
alguma de suas investidas. Havia dois problemas, no entanto. O
primeiro, ele estava em uma missão e precisava cumpri-la. O
segundo, ela era uma mulher que queria se casar e cumprir os
desejos de seu pai, por mais loucos que fossem. Mesmo que ela
não tivesse dito uma palavra sobre isso, Anthony já descobrira com
as criadas que fofocavam. Se ele a levasse para a cama, ficaria
satisfeito e ela também, mas arruinaria qualquer chance que aquela
mulher tivesse de um bom casamento.
Então, manteria distância. Ao prometer que não a tocaria sem
que ela pedisse, estava colocando um limite intransponível. Ela não
pediria, ele não avançaria, todos ficariam tranquilos e voltariam para
Londres sem maiores prejuízos.
Quando chegaram a Salpêtrière, a rua estava escura o suficiente
para garantir o sigilo de eventuais encontros que acontecessem por
ali. O hospital não ficava em uma região prestigiosa, nenhum deles
ficava, o que significa que o governo não gastava nada além do
necessário para manter as ruas transitáveis. Postes com lâmpadas
a gás ou a óleo eram um enorme desperdício de dinheiro em locais
como aquele. A carruagem em que estavam não mantinha
iluminação, fazendo com que tudo ficasse bastante escuro, dentro e
fora.
Era meia-noite em ponto quando um homem parou na porta do
hospital. Não dava para ver quem era, mas logo outro juntou-se a
ele e os dois conversaram alguma coisa.
— É agora. — Pierre abriu uma das portas da carruagem. —
Vamos, Granville.
— Você ficará aqui. — Anthony olhou para Rosamund. Ela não
parecia apavorada como deveria. — Já retornamos.
— Não quero ficar. É escuro e não ajudarei em nada.
— Ajudará observando qualquer coisa fora do comum e depois
reportando para mim. Entenda, Rose, que a sua inexperiência pode
colocá-la em risco ou atrapalhar a interceptação.
Ela balançou a cabeça, mesmo contrariada. Ele não estava
mentindo, já vira homens com pouca bagagem se envolverem em
situações problemáticas por lhes faltar experiência em combate.
Não que eles pretendessem fazer nada perigoso, mas não desejava
perder a concentração por preocupar-se com o bem-estar dela.
Os dois homens entraram no hospital e eles os seguiram pelo
lado de fora até uma janela que pudesse lhes dar acesso. Entraram
em silêncio em uma sala que parecia um depósito e tinha
venezianas que davam para o corredor de onde vinha alguma luz.
Aproximaram-se e subiram em uma mesa que dava altura a permitir
pouca visão para o lugar onde os homens conversavam.
O plano era esperar que Finley chegasse e interceptar a
transação, fosse o que fosse. Para não serem reconhecidos,
permaneceram nas sombras e com as golas dos casacos para cima,
também enrolaram um xale no rosto. Os dois homens conversavam
em francês e discutiram sobre o valor da negociação. Um deles
achava que deveriam pedir mais dinheiro e outro acreditava que já
tinham o suficiente. Em suas mãos havia um envelope e
provavelmente eles entregariam alguma informação a troco de
alguns francos.
Anthony ficou intrigado. Se Finley era um traidor da Coroa, por
que estaria comprando informações? Ele não poderia ser um agente
duplo, Eddy teria avisado se ele jogasse nos dois lados. Ainda
assim, algo não parecia encaixar na desconfiança do duque e ele
precisaria descobrir quais eram as peças faltando.
Finley chegou pouco tempo depois e se juntou à dupla — o
sotaque e a voz afetada o entregaram. O homem que queria mais
dinheiro disse que não entregaria a carga enquanto não recebesse
mais, o outro escondeu o envelope atrás das costas e uma
discussão se iniciou. Pierre se levantou para ouvir melhor a
conversa e colou os ouvidos nas venezianas. Sons metálicos
precederam a gritos, uma voz feminina disse que aquela era uma
casa de enfermos e que o Senhor os amaldiçoaria. E então vieram
os tiros.
O Duque de Clarence e Avondale tinha razão. Finley era um
assassino frio e cruel que acabara de matar três pessoas dentro de
um hospital. Os dois homens que negociavam com ele e a freira que
os interrompeu, todos alvejados com um tiro cada um. Depois de
limpar a pistola com um lenço, o visconde guardou-a no casaco,
pegou o envelope que estava manchado de sangue e conferiu o
conteúdo. Foi quando Pierre se desequilibrou e derrubou uma
prateleira na qual estavam apoiados — uma prateleira cheia de
vidros.
Os estilhaços atingiram os dois e fizeram barulho capaz de
revelá-los ali.
— Quem está aí?
O visconde puxou novamente a pistola e eles decidiram escapar.
Poderiam matá-lo de onde estavam, pegar o conteúdo do envelope
e dar a missão como encerrada, porém desconfiavam que havia
algo errado em suas suspeitas iniciais. Finley não estava vendendo
informações para aqueles homens, então o que comprava deles?
Voltaram pela mesma janela por onde entraram enquanto outras
pessoas apareciam, alertadas pelos tiros. Ao avistá-los, o cocheiro
colocou a carruagem em movimento e os alcançou em seguida.
— O que aconteceu? — Rosamund perguntou ao vê-los pular
para dentro da carruagem em movimento. — Conseguiram pegar a
carga?
— Não. — Pierre confessou, aborrecido. — Parece que nosso
amigo visconde é mais esperto do que pensávamos e não gosta de
deixar testemunhas.
— Eu ouvi um estampido, foi um tiro? — Ela arregalou os olhos
azuis e eles pareciam mais pálidos sob a fraca luz da rua. —
Alguém se feriu?
— Ele matou três pessoas. — Anthony também confessou. — E
provavelmente fará parecer que tentaram assaltar o Salpêtrière para
que a polícia francesa não desconfie de nada.
— Oh, meu Deus! Ele é um assassino! Estamos hospedados na
casa de um assassino! Eu não posso… — E então ela parou de
falar subitamente, olhando ainda mais horrorizada para Anthony. O
movimento da carruagem ficou mais lento à medida que eles se
afastavam do hospital e a iluminação ficava mais forte. — Você está
ferido!
Rosamund levou a mão até o casaco dele e o puxou. Havia
sangue tingindo a camisa branca e um corte deselegante no colete.
O casaco também estava arruinado e úmido. Por causa da agitação
da fuga, Anthony não percebeu que, talvez os vidros da prateleira
derrubada por Pierre ou talvez a janela quebrada por onde
passaram, lhe causaram um ferimento.
— Não deve ser nada. — Ele levou a mão até a lateral do corpo.
— Nem estou sentindo.
— Tem muito sangue aqui, não pode não ser nada.
— Levarei vocês para minha casa. — Pierre decidiu. — Lá
chamaremos um médico.
— É desnecessário.
O amigo bateu novamente no teto da carruagem e o cocheiro
mudou de rumo, virando à direita. A guinada fez com que ele
finalmente sentisse alguma coisa. Havia um pedaço de vidro em seu
abdômen . De repente, a dor se tornou insuportável.

Não era a primeira vez que ela lidava com ferimentos, mas
Rosamund não estava habituada a tratar de homens adultos depois
que eles se machucavam ao tentar investigar um assassino. Depois
de ajudar o Sr. Prescott a arrastar o marquês da carruagem e de
entrarem pela porta dos fundos para não criarem alarde na
vizinhança, eles estavam no meio de uma sala grande, iluminada e
aquecida por uma lareira com fogo alto. Todas as cortinas foram
fechadas e Lorde Granville foi depositado em um sofá de tecido
estampado.
Com a expressão pálida, ele parecia em choque. Sangue ainda
vertia do ferimento que estava escondido por debaixo de um monte
de tecido.
— Precisamos de um médico. Ele levou um tiro. — ela disparou,
puxando o casaco e vendo em detalhes que o colete estava
dilacerado.
— Não pode ter sido, não atiraram em nossa direção.
— Então ajude-me a tirar as roupas dele, vamos fazer parar de
sangrar e examinar.
Eles tentaram retirar o casaco e o marquês se sentou,
afastando-os com os braços.
— Eu não estou inválido. Afastem-se.
Homens feridos eram sempre criaturas difíceis de lidar. Porque
Rosamund sabia disso, deixou que ele retirasse o casaco por si só e
se enrolasse tentando abrir os botões do colete. Depois que ele
rosnou bastante e seus dedos não conseguiram terminar a tarefa,
ela a assumiu se ajoelhando ao lado do sofá. Forçou o torso do
marquês para trás e o obrigou a deitar-se em algumas almofadas
enquanto afastava o colete e abria a camisa ensanguentada. Seu
pulso esbarrou em algo pontudo que a arranhou e ela desconfiou
que havia estilhaços no ferimento.
— O senhor poderia buscar uma bacia com água limpa, tecidos
e a caixa de primeiros socorros? E uma garrafa de Bourbon.
— Qualquer coisa para não precisar lidar com Granville.
Ninguém precisa saber que sou fraco com sangue.
O Sr. Prescott saiu da sala e Rosamund terminou com os botões
da camisa. Na lateral de Lorde Granville, um pouco abaixo das
costelas, havia uma laceração com um pedaço de vidro dentro. Ela
precisava removê-lo, e ele precisava de um médico.
— Pedirei ao seu amigo que chame um cirurgião. — ela disse,
levantando-se, mas o marquês segurou-a pelo pulso.
— Não preciso de um médico.
— Você tem um ferimento que requer pontos.
— Eu sei costurar.
Claro que ele sabia. O maior libertino, que também era um
espião da coroa e parecia fazer qualquer coisa com bastante
habilidade, também tinha que saber costurar feridas. Talvez ele
pudesse restaurar a vida de pequenos pássaros ou caminhar por
sobre as águas. Rosamund riu de sua comparação, mas logo
reassumiu a expressão rígida de quem não cederia para um sabe-
tudo.
— Milorde, seus dedos estão trêmulos. Se não conseguiu abrir
seu colete, como pensa que cuidará deste machucado? Aliás, como
isso se deu?
— Algum acidente durante nossa fuga, não consigo pensar
agora. — Ele deitou a cabeça para trás, demonstrando dor e
exaustão. — Apenas me dê os materiais e eu me viro.
Homem teimoso. Como o Sr. Prescott acabara de retornar com o
que ela pedira que trouxesse, Rosamund decidiu ignorar o marquês.
Não chamaria o médico se isso o incomodava tanto, mas também
não permitiria que ele se furasse com uma agulha se mal podia
manter os olhos abertos. Pegou um pedaço farto de tecido dobrado,
mergulhou na água da bacia e passou pelo ferimento com cuidado,
evitando o pedaço de vidro. Depois que o excesso de sangue saiu
ela pôde ver que não era um estilhaço muito grande, dando-lhe
coragem para arrancá-lo.
Com um puxão, o vidro saiu em suas mãos e ela precisou
pressionar o ferimento. Lorde Granville gemeu de dor e o Sr.
Prescott desapareceu da sala. Rosamund pegou outro pedaço de
pano, umedeceu-o e descartou o anterior, intensificando a pressão
para que o sangramento diminuísse.
— Você sabe o que está fazendo?
Ele perguntou assim que ela se levantou e encheu um pequeno
copo com uma dose de Bourbon e lhe entregou.
— Tenho três irmãos, dois mais novos. Eles aprontavam muito e
chegavam em casa arranhados, cortados ou rasgados. Adivinhe
quem eles obrigavam a cuidar de suas feridas para que nosso pai
não percebesse?
O marquês olhou para ela com surpresa e desconfiança e
bebeu, em um gole, o que lhe fora oferecido. Ela serviu outra dose e
o fez beber mais.
— Embebedar-me faz parte do tratamento?
— Considerando que enfiarei uma agulha em sua barriga, sim. O
senhor precisa estar calmo e o álcool é sempre um bom amigo
nessas situações.
Com uma risada tensa, ele bebeu a segunda dose e Rosamund
o ajudou a se erguer para que pudesse terminar de retirar o colete,
a camisa e o cinto da calça. Ela precisava de espaço para não
deixar uma cicatriz muito horrenda na pele lisa e bem tratada do
marquês. Apesar de aquela nudez parcial ser intimidante, ela estava
tranquila. Ajoelhou-se outra vez ao lado do sofá, derrubou um pouco
do Bourbon para limpar o local, deu o cinto para o marquês morder
e costurou, com pontos pequenos, todo o ferimento.
Ele gemeu e quase mastigou o couro que estava em sua boca,
mas resistiu firme. Homens como aquele não admitiam fraqueza,
nem dor facilmente. Rosamund pegou a bacia, os panos
ensanguentados, a caixa de primeiros socorros e saiu da sala onde
estava, procurando o Sr. Prescott. Encontrou-o girando pelo saguão
enquanto segurava um copo vazio.
— Ele está bem, mas precisa descansar. Talvez seja prudente
que fique aqui.
— Claro, eu o levarei para um dos quartos no primeiro andar. E a
senhorita? Devo mandar levá-la para casa?
Rosamund olhou para um relógio de pé que fazia um tique-taque
abafado e suspirou ao perceber que passava das duas da manhã.
Ela estaria em grandes apuros se fosse descoberta. Gretha já não
confiava mais nela e um escândalo era tudo que não precisava
naquele instante.
— Não gostaria de ser um estorvo, mas sim, preciso retornar. Ao
contrário do que possa parecer, eu e Lorde Granville…
— Sem julgamentos nesta casa, senhorita. — O francês sorriu.
— Meu cocheiro pode conduzi-la até os fundos da casa do
visconde, porém preciso que tome cuidado. Hoje nós o vimos matar
três pessoas sem hesitar.
Aquela informação a estava assombrando desde que fugiram do
local da missão. Não havia o que fazer a não ser fingir que ignorava
que seu anfitrião pudesse ser um assassino. Como ela não lhe era
uma ameaça, imaginava que Lorde Finley não fosse se importar
muito com o que fazia ou não fazia — mesmo porque ele não fazia
um bom trabalho prestando atenção nela enquanto estavam em
Paris.
— Serei cuidadosa.
O Sr. Prescott assentiu e deu a ordem para que ela fosse levada
em segurança. Rosamund tinha dúvidas se conseguiria dormir
depois daquela agitação toda, porém, precisava ao menos fingir,
para o bem de sua reputação.

Anthony acordou sem saber onde estava. Precisou de alguns


minutos para se recordar da noite anterior e de que fora levado
ferido para a casa de Pierre. Seu corpo repousava em uma cama
macia e sobre uma mancha vermelha. Ao abrir os olhos entendeu
que era dia, que estava em algum quarto e que o ferimento ainda
doía bastante.
Seus planos deram errado. Ele precisava escrever para Eddy
reportando os eventos da noite anterior e confirmando que havia
algo além da simples venda de informações. Também tinha que
descobrir o que fora negociado naquela noite para entender em que
Finley estava metido.
— Oh! Você acordou.
A voz de Rosamund penetrou em seus ouvidos e em dois
segundos ela estava ao seu lado na cama.
— Srta. Taylor, o que está fazendo aqui? Por que eu continuo
perguntando isso? Já deveria ter admitido que você está em todos
os lugares.
Ela vestia roupas claras, adequadas para o dia, mas discretas,
como se estivesse tentando passar despercebida pelos lugares. Os
cabelos continuavam presos no alto da cabeça e ele desejou
arrancar-lhe os grampos e vê-los caindo pelos ombros dela como
em uma cascata escura. Como se ele não fosse perigoso e não
estivesse pensando as mais variadas indecências sobre ela,
Rosamund sentou-se ao seu lado na cama.
— Fiquei preocupada, vim ver como estava. Deixe-me avaliar o
ferimento.
A mulher esticou a mão sem luvas e o tocou no abdômen. Ele
acabara de acordar, estava ainda confuso, vulnerável e incapaz de
controlar as reações de seu corpo ao toque dela.
— Você abandonou de vez a sua reputação? Decidiu arruinar-se
em definitivo? — Anthony segurou a mão dela entre as suas.
— Não abandonei, mas eu não consegui evitar. Fiquei muito
agitada com nossa missão ontem, e não consegui dormir direito
pensando em tudo. Também fiquei pensando no senhor, milorde, e
isso é bastante inconveniente. Por isso escapei. Disse a Gretha que
estava indisposta e fugi pela janela.
— Pela janela? — Ele quase se engasgou ao imaginá-la
escapando daquela forma. — Você poderia ter se machucado, seu
quarto fica no segundo andar!
— Meu vestido sofreu alguma avaria, mas conseguirei reparar
antes que notem. Vamos, deixe-me ver o ferimento.
Ele notou que ainda segurava a mão dela e que acariciava a
pele lisa com seu polegar. Deitou novamente e a observou passar
um pano limpo sobre seu corpo e depositar uma compressa de
qualquer coisa com cheiro forte sobre o corte. Anthony não
conseguiu prestar atenção em mais nada que não aquela expressão
concentrada no rosto dela, a mesma que percebera quando a vira
pintar.
Ela o estava pintando antes. Era como se ele fosse a sua tela
em branco e ela estivesse, naquele momento, produzindo sua obra-
prima. O que levou uma mulher como aquela, tão fora de seu
alcance, a se interessar por ele a ponto de torná-lo seu muso, ele
não sabia. Também não sabia por que ela estava ali, desafiando as
convenções sociais às quais dizia respeitar, sentada na cama de um
caçador que usava apenas as roupas de baixo.
Sem pensar muito nas consequências, Anthony levou a mão até
ela e segurou entre os dedos uma mecha de cabelo que deslizara
do coque para depois colocá-la atrás da orelha feminina e delicada.
— Pierre sabe que está aqui?
— Foi ele quem me deixou entrar. — Ela fingiu que não
estremeceu com o toque íntimo demais. — O senhor acha que
invadi a casa de seu amigo também?
— Anthony. Depois de tudo que passamos, por que você ainda
me chama por títulos e pronomes?
Não houve resposta. Rosamund continuou olhando para o
ferimento e cuidando dele, que terminou enfaixado por uma
bandagem limpa. Provocá-la era uma péssima ideia, mas ele não
resistiria por muito tempo. Não ganhou sua fama de libertino sendo
comedido ou cuidadoso.
— O que está acontecendo? — Ela ergueu finalmente o olhar e o
fitou. Anthony estava com o corpo apoiado nos cotovelos e ainda
vestia apenas suas roupas de baixo. — O que estamos fazendo?
— Nesse momento imagino que você esteja praticando algum
tipo de tortura para me fazer sofrer.
— Falo sério. — Rosamund sorriu. — Eu não deveria estar aqui,
deveria? Eu não sei por que vim.
— Tenho certeza que não. Por que não pensou nisso antes de
vir? Aliás, aquela porta está fechada?
— Sim, eu imaginei que seria melhor se não fôssemos
interrompidos. Céus! Eu perco completamente o decoro quando
estou ao seu lado. — Ela se levantou de súbito e virou de costas,
olhando para uma das janelas abertas. — Nunca agi assim, mesmo
me considerando uma mulher de arroubos. Como você faz isso?
Anthony sentou-se na cama. Aquela estava para começar a ser
uma conversa interessante.
— O que eu faço exatamente?
— Isto. — Ela se virou novamente e os olhos azuis brilhavam
como se Rose estivesse realizando uma descoberta incrível. —
Você é comumente acusado de enfeitiçar mulheres.
— Acusado? — O marquês deu uma gargalhada. — Claro, eu
provavelmente sou conhecido como uma espécie de demônio ou
enviado do diabo para muitos dos ferrenhos defensores da moral e
dos costumes. Por que não seria praticante de magia, não é
mesmo? Você está enfeitiçada por mim, Rose?
Rosamund sentou-se ao lado dele no colchão e a conversa
tornou-se perigosa.
— Não. — Ela respondeu sem qualquer determinação. —
Certamente que não. Mas, ainda assim, é como se…
As mãos dela foram parar em sua face. Com os longos e
delicados dedos, Rosamund traçou as linhas de seu maxilar, do
nariz e chegou aos lábios onde os polegares repousaram. Ele se
sentiu estudado e analisado como se fosse um esqueleto em um
laboratório de anatomia, daqueles que os estudantes de medicina
usavam para compreender a estrutura do corpo humano.
— Rose. — Anthony decidiu que eles deveriam se afastar. — O
que você está fazendo?
— Suas linhas são fascinantes, sabia? — Ela pareceu não ouvir
o que ele disse. — Desde a primeira vez em que o vi eu o considerei
pintável.
— Pintável. — Ele riu, sem coragem de impedir a exploração
dela. Os dedos de artista já desciam pelas saliências em seu
pescoço, desbravando tendões e músculos. — Por isso você está
fazendo um retrato meu?
— Oh! Você sabe? — Ela se afastou e escondeu o rosto entre as
mãos. — Isto é constrangedor.
— Sinto-me lisonjeado. Ainda assim, preciso alertá-la para que
se afaste de mim. Sei que prometi aceitar sua companhia nessa
investigação, mas há dois problemas: ela ficou perigosa demais e
você está se arriscando demais. Se descobrirem que anda em
minha companhia, você…
— Não estamos fazendo nada errado. — Rose o olhou
novamente. — Por que devo me envergonhar?
— Minha querida, você sabe melhor do que eu que a sociedade
não se importa com o que fazemos e sim com o que parece que
fazemos. Se você está fechada em um quarto comigo você está
arruinada e isso é irremediável. Sou o lorde mais libertino da
Inglaterra e já destruí mais possibilidades de casamento do que
você pode imaginar.
Ela sabia disso. Todos os músculos faciais de Rose tencionaram
e ela se levantou, caminhando em direção à porta. Sim, ela deveria
ir embora e deixá-lo. Eles deveriam voltar a resumir seu
relacionamento a meros encontros formais na casa de Finley,
porque eles nunca deveriam ter passado disso. Não haveria outra
noite em claro procurando papéis, nem outra excursão pelos cantos
escuros de Paris.
Mas ela não abriu a porta e saiu. Ela segurou a maçaneta por
alguns segundos, suspirou e fez a pergunta mais absurda, algo que
ele jamais imaginaria que ela fosse perguntar.
— Se eu fosse uma de suas conquistas e você estivesse
empenhado em me seduzir, o que faria comigo, se estivéssemos
sozinhos dentro de um quarto como este?
Capítulo oitavo

S , L G . A ,
lugar, desde que ela entrara no quarto e o vira dormindo sem
camisa e com a expressão serena como se não estivesse envolvido
com um assassino, ela acabou presa no encantamento que ele fazia
para garantir que todas as mulheres lhe dissessem sim. Porque
tinha que ser magia, ela não agiria assim se não fosse algo místico
que lhe tivesse retirado completamente o juízo.
Ela estava de costas, todavia sentiu quando ele se aproximou.
Virou-se de súbito e quase trombou com a figura magnífica do
marquês que, sem roupas, era ainda mais perturbadora do que
quando estava vestida. Não havia para onde olhar. Qualquer parte
dele era capaz de causar nela uma combustão espontânea.
— Você quer saber o que eu faria?
Ah! Ela queria. Desde que o conhecera queria descobrir por que
aquele homem era considerado o melhor e o pior, um deus e um
demônio. Parte disso era por causa de sua aparência física
impressionante, seu porte aristocrático, suas roupas perfeitamente
talhadas e seu olhar que seria capaz de provocar uma pessoa a
matar ou morrer. Mas ela sabia que não era tudo. Havia mais, havia
algo secreto que ela não teria como descobrir se não perguntasse.
— Sim. Hipoteticamente, claro.
— Pois bem. Eu hipoteticamente começaria retirando os
grampos do seu cabelo, um a um, e assistiria cada mecha
despencar desse penteado imperfeito por sobre seus ombros. — Ele
levou a mão até os cabelos dela e os tocou, mas não fez nada além
disso. — Depois, eu a viraria de costas e abriria cada um dos botões
do seu vestido. — Granville fez como disse que faria, porém não
retirou nenhum botão de sua casa, apenas passou os dedos por
sobre eles. — E, depois que seu vestido estivesse frouxo,
trabalharia nos laços do seu espartilho.
O polegar direito dele traçou uma linha de baixo para cima em
sua coluna e a fez arfar. Por Cristo! Rose não conseguia nem
controlar a respiração. Ele mal a estava tocando e ela sentia como
se estivesse nua em sua frente. O marquês a virou de frente outra
vez e os dois corpos quase se chocaram.
— Então eu a beijaria. — A boca dele estava quase em sua
orelha e ela pode sentir o hálito quente em seu pescoço. — Bem
lentamente para que você não se assustasse enquanto eu estivesse
tocando seus seios desnudos.
Rosamund arregalou os olhos. Não conseguiu evitar, o choque
por ouvir as palavras indecentes saindo da boca dele foi imediato,
mas não se comparou ao que viria a seguir. Mantendo o rosto
próximo ao dela e os lábios a centímetros da pele de seu pescoço,
Anthony deslizou as costas das mãos pela frente do vestido,
fazendo com que roçassem de leve em seus mamilos. Ela soltou um
gemido involuntário e corou no mesmo instante.
— Sim, você reagiria exatamente assim. — Ele se divertiu com o
constrangimento dela. — E permitiria que eu a segurasse em meus
braços e a conduzisse para aquela cama, onde eu a deitaria de
costas e terminaria de retirar o vestido. É suficiente para você ou
quer saber também o que eu faria depois?
Era suficiente, deveria ser, mas ela não conseguiu dizer para que
ele parasse. Rosamund nunca se sentira daquela forma antes. Seu
coração estava acelerado, sua respiração sôfrega e seus músculos
mal conseguiam mantê-la de pé. Talvez os ossos estivessem
flácidos como pudim e ela teve medo de desabar no chão e escorrer
pelo assoalho. Por entre suas pernas algo ardia, forçando-a a
comprimir as coxas para procurar algum alívio.
— Certo, entendo. — O marquês riu outra vez. — Retirar um
vestido não é nada demais, ainda sobram tantas peças que fico
exausto só de pensar. Mas é puro deleite desembrulhar uma dama
como se ela fosse um presente, Rose. Eu retiraria o espartilho, a
chemise, as calçolas, as meias e a deixaria nua para minha
apreciação. Também arrancaria minhas roupas, afinal você tem o
direito de me apreciar também, não tem?
Rose fez que sim, movendo a cabeça para cima e para baixo.
Não foi um movimento inteligente porque, ao se permitir descer os
olhos, ela pôde ver que ele estava adorando aquela encenação. Por
baixo das ceroulas que vestia despontava a expressão da excitação
de Lorde Granville. Ela era ingênua, tola e quase nada sabia sobre a
relação entre homens e mulheres, mas tinha bastante noção do que
ficava escondido por dentro das calças dele.
— Eu voltaria a beijá-la, mas não apenas na boca. Beijaria seu
pescoço — ele roçou os lábios no pescoço dela —, seus seios —
subiu novamente a mão e deslizou-a outra vez pelos mamilos que já
respondiam ao toque —, e sua barriga, até encontrar o que estaria
procurando. Você sabe o que seria, Rose?
Daquela vez ela disse que não, porque era verdade. Não
imaginava o que ele iria querer beijar abaixo da barriga dela — as
coxas, talvez?
— Você parece apavorada. Tem certeza de que eu devo
continuar?
O silêncio era suficiente para fazê-lo prosseguir. Anthony, então,
segurou uma das mãos dela e conduziu-a até as saias farfalhantes
do vestido, fazendo-a tocar-se por entre as pernas. Rosamund
gemeu de surpresa.
— O que eu procuro está aqui, Rose. Você consegue sentir
apenas pelo som da minha voz, não consegue? — A mão dela
escorregou e a dele permaneceu, causando um incêndio em sua
pele, mesmo por cima de camadas e mais camadas de tecido. —
Você sente que também quer que eu a toque?
Ela sentia tudo e estava prestes a pedir que ele abandonasse as
palavras e colocasse em prática o que dizia quando ouviu batidas
na porta do quarto.
— Granville? — o Sr. Prescott chamou e Rosamund quase
soltou um grito de pavor.
— Agora não. — Anthony disse em uma voz firme e resoluta
mesmo sem mover um centímetro sequer para distanciar-se dela. —
Seja o que for pode esperar, Pierre.
A porta permaneceu fechada e ela piscou várias vezes tentando
desanuviar a vista que estava turva pelo turbilhão de emoções.
Sensações físicas inéditas, medo e carência disputavam espaço
dentro de Rose, e quase a impediram de perceber que Lorde
Granville continuava com a mão posicionada naquele lugar entre
suas pernas e que ela projetara o corpo sutilmente para frente
ansiando por mais contato.
— Milorde.
Ela balbuciou sem saber o que diria.
— Anthony. — o marquês insistiu. — É suficiente agora, Rose?
Não. Seria suficiente se ele a segurasse e impedisse que ela
derretesse ali mesmo, que ele a deitasse e fizesse a sua cabeça
parar de girar. Ela não poderia pedir isso a ele porque acabara de
ter uma mostra clara de que não sairia a mesma dos seus braços
dele.

O afastamento dela foi como se tivessem arrancado com os dentes


cada ponto de seu ferimento — doeu —, mas foi a melhor coisa que
aconteceu naquela manhã. Anthony não sabia onde estava com a
cabeça quando decidiu sucumbir àquele jogo. Ele nunca jogava
para perder ao mesmo tempo que não poderia vencer. Talvez
tivesse servido para assustar a Srta. Taylor, porém ele não tinha
aquela expectativa. Por mais apavorada que ela parecesse, a
mulher mantinha uma pose impressionante.
Ela saiu do quarto com a dignidade que não lhe havia restado.
Anthony estava seminu e excitado, o que o fez esconder-se
parcialmente quando o amigo entrou no quarto, acompanhado de
um criado e roupas limpas — as dele estavam certamente
imprestáveis em razão do incidente da noite anterior.
Vestido e recomposto, encontrou Rosamund novamente no
salão, na frente de um bule de chá e um prato de bolinhos, biscoitos
e sanduíches. Mesmo que ela estivesse sentada com a postura de
uma rainha e bebericando chá com uma tranquilidade inabalável, o
rubor permanecia nas bochechas dela.
— Aonde vai? — ela perguntou assim que o percebeu se
aproximar.
— Preciso reportar os eventos ao meu contato na Inglaterra. Vou
reunir-me com Pierre e escrever uma carta codificada.
Poderia ser uma troça e Anthony esperava que Rose assim
pensasse, mas era verdade. Eddy deveria ser informado e eles
precisavam encontrar aqueles documentos que estavam com Finley.
Ela se levantou, passou as mãos para ajeitar as saias cor de
creme e se aproximou. O marquês não sabia se a admirava por
ainda ter coragem de chegar perto dele ou se a achava louca.
— Você precisa repousar para evitar que os pontos se rompam.
Há algo que eu possa fazer para ajudar?
— Sim. Voltar para a casa do visconde e fingir que nunca se
envolveu nisto.
Nem com ele. Era o melhor para todos que Rosamund
retornasse para sua aventura de fingir um noivado para pintar.
— Lamento, isso não posso fazer. Estou envolvida demais. —
Ela piscou, os longos cílios emoldurando os olhos que expressavam
determinação e agonia, e esticou a mão para tocá-lo. Arrependeu-se
em seguida e recolheu a mão. — Tenho aula em algumas horas,
preciso ir para fingir que melhorei milagrosamente. De noite
continuarei a busca.
Rosamund não disse mais nada, nem se despediu, apenas fez
uma mesura e saiu. Cada vez ele entendia menos e admirava mais
aquela mulher, porque ela agia da forma oposta à qual se esperava.
Depois de alguns minutos olhando para a porta e confirmando
que ela não faria uma aparição surpresa com alguma novidade
inusitada, Anthony pôde isolar-se com Pierre para discutir os
próximos passos. Escreveu um bilhete para Eddy, que seria
entregue por um dos homens do parceiro francês, e ambos
decidiram que continuariam investigando, porém, com foco nos
papéis que o visconde obteve. Enquanto Pierre tentaria descobrir
coisas por fora da casa, o marquês faria mais buscas na mansão de
Finley.
Eram movimentos mais arriscados depois da confirmação de que
o homem era capaz de matar sem remorso — ao menos ele não
aparentou hesitar antes de matar uma freira inocente.
Já Anthony era um pouco mais afetado pelo infortúnio de alguns.
Ele planejou ir até o hospital onde tudo aconteceu e fazer uma
doação generosa, mas precisava garantir que essa doação lhe
ajudasse também a obter informações. Retornou para a casa onde
estava hospedado já no final do dia, sentindo muita dor e precisando
esconder o sangramento de sua ferida.
— Estava preocupado. — Monty o recebeu no quarto e se
assustou ao ver a camisa com uma mancha avermelhada. — Pelo
que vejo não foi sem motivo. Devo chamar um médico?
— Preciso apenas de um banho, Monty. Não quero cruzar o
corredor e arriscar encontrar-me com alguém, veja se consegue
uma banheira para que eu me lave aqui mesmo.
— Perfeitamente, milorde. A Srta. Taylor deixou um recado, caso
retornasse. Não compreendi no início, mas agora imagino do que se
trata.
— Que recado?
— Ela entregou-me uma lata com cheiro forte e disse que o
senhor deve aplicar sobre os pontos. Deixei-a sobre sua mesa de
cabeceira.
Anthony olhou para a pequena latinha dourada e imaginou como
Rosamund fez para consegui-la sem causar alarde. Deve ter fingido
algo e pedido aos empregados ou passado em uma botica, o que a
tornava também uma boa atriz.
Fez um gesto indicando que Monty deveria providenciar seu
banho para que pudesse descansar. Teria tempo de repousar até o
jantar, como deveria ter feito, e também antes de sair pela casa de
madrugada em busca de algo que ele sequer sabia se estaria
guardado ali.
Ele acabou adormecendo com a camisa aberta e o ferimento
exposto. Acordou sentindo frio, com o fogo da lareira baixo,
indicando que muito tempo se passara. Anthony tateou em busca do
relógio que ficava sobre a mesa de cabeceira e se assustou ao ver
que era quase meia-noite.
Era cedo para sair e tarde para planejar qualquer coisa. Ficara
sem saber se Finley estaria em casa, ou se tinha compromissos, o
que direcionaria seus movimentos de acordo com o risco que o
visconde ofereceria. Também deixou de jantar e estava morrendo de
fome sem possibilidade de visitar a cozinha — não era interessante
que ele fosse visto acordado a não ser que o pegassem.
Imaginando as variáveis para a noite, Anthony esperou o tempo
passar. Por volta das duas horas a casa estava em total silêncio,
não havia luz nem sinal de pessoas perambulando pelos corredores
e salões. Calçando meias grossas e vestindo apenas calça e
camisa, ele deslizou pelo assoalho de madeira até chegar ao
escritório de Finley, a parte mais perigosa da casa: se ele fosse
pego ali, não teria desculpas.
Mas lá estava, novamente, Rosamund Taylor em seu caminho.
Com um robe de flanela e pés calçando chinelos de tecido, ela tinha
uma pequena vela acesa por sobre uma mesa, remexia em uma
gaveta e o estava esperando.

— Você demorou. — Ela ergueu os olhos e parou o que estava


fazendo quando o viu entrar. — Separei um lanche, mas o chá deve
ter esfriado um pouco.
Anthony olhou para o lado e viu uma bandeja com chá e um
sanduíche.
— Como conseguiu isso?
— Disse para uma das criadas que eu costumo acordar de
madrugada com fome e tenho medo de descer para pegar um copo
de leite na cozinha. Na hora ela se ofereceu para preparar algo, mas
temo que seja pouco para alimentar um homem do seu tamanho.
Como ele estava com bastante fome, talvez fosse, sim, pouco.
Mas, era melhor do que não comer nada. Anthony pegou o
sanduíche e deu uma mordida, deliciando-se com o molho
encorpado e que escorreu um pouco pelos cantos da boca.
Rosamund se aproximou e lhe serviu uma xícara de chá, que estava
apenas morno, mas muito bem preparado.
Ele comeu tudo sem conseguir reagir adequadamente ao
cuidado que Rosamund teve com ele. Ela seria uma excelente
esposa, um dia, e seu marido seria um homem de sorte. Sabia
costurar feridas, pintar e se preocupava com o bem-estar das
pessoas, mas, o que mais chamou a sua atenção foi que tudo isso
parecia natural para ela. Ser envolvida e passional era parte da
essência de Rosamund e ele a admirou por isso.
— Obrigado. — Anthony disse, depois de limpar a boca com o
guardanapo de linho que envolvia o sanduíche. — Eu adormeci e
perdi a hora, acho que levei a sério as suas orientações sobre
repousar.
Rosamund riu e arrumou todas as coisas que ele bagunçara
enquanto comia.
— Duvido. Mas fique tranquilo, eu estava fazendo buscas
enquanto esperava.
— Achou alguma coisa?
— Só documentos de negócios, coisas que meu pai costuma
guardar em seu escritório. Não vi nada suspeito.
— Imagino que Finley disfarce para que nada pareça suspeito.
Como aquela poesia ruim que você encontrou, o documento de
ontem deve estar escondido debaixo de nossos narizes. Vamos
procurar qualquer coisa que possa ter informações que não batem
ou que esteja manchado de sangue.
Com uma estremecida, Rose voltou a revirar gavetas. Ele
gostava de assustá-la. Antes, imaginava que a afastaria e ficaria
livre da presença da Srta. Taylor, mas acabou descobrindo que ela
não iria embora — e isso o deixou ainda mais satisfeito.
Eles reviraram boa parte do escritório de Finley e não
encontraram nada. O homem nem mesmo guardava muitos
contratos ali, já que aquela não era sua casa principal. Tudo que
ocupava as gavetas eram uns poucos papéis com algumas
anotações e livros velhos com entrada e saída de dinheiro. Talvez
algo ali representasse uma negociação ilícita com algum informante,
porém era coisa antiga demais para ser relevante. Por volta das
quatro da manhã, ele estava prestes a desistir, considerando todo o
tempo perdido com aquela empreitada e o fracasso que sua missão
tinha se tornado se não fosse por um motivo. Não parecia certo
considerar fracasso uma investigação que o tivesse conduzido à
intrigante Srta. Taylor.
Em determinado momento da busca, ela parou de segurar o
roupão para mantê-lo firmemente fechado e relaxou, permitindo que
o tecido se amoldasse ao seu corpo e revelasse tudo que Anthony
adorava ver. Ela era uma mulher com belas curvas e seios tão fartos
que ele não conseguia parar de admirá-los. O marquês duvidava
que já tivesse se demorado tanto apenas observando uma dama, se
ele já prestara atenção o suficiente em uma mulher vestida
enquanto se controlava para não cruzar o escritório, tomá-la em
seus braços e fazer com ela o que dissera que faria durante o dia.
Era seu costume despi-las antes que pudessem dizer sim duas
vezes, então toda a sua interação com a Srta. Taylor era diferente.
Sem contar que ela era espirituosa, impetuosa, petulante e tinha
uma língua bastante afiada. A princípio ela o tratou como todas que
o rejeitavam, mas passara a lidar com ele como sua prima Caroline.
Por vezes, ele achava que as duas tinham suas semelhanças, mas
elas eram totalmente diferentes. Rosamund era uma dama, uma
mulher criada dentro das rígidas convenções da aristocracia mesmo
que não pertencesse a ela. Apesar disso, ela era inteligente e
sagaz, e foi quem desistiu primeiro naquela noite.
— Não há nada aqui. — Ela se jogou em uma poltrona, tomando
cuidado para não fazer barulho. — Eliminamos a biblioteca e o
escritório, ainda assim nada impede que ele tenha colocado os
novos documentos em algum lugar que já procuramos, o que nos
faria ter que procurar de novo. Como você consegue fazer isso?
— Confesso que Finley tem sido desafiador. Eu o subestimei,
julguei-o pela forma como se porta entre seus pares e não pelo
homem que ele realmente é.
— Então continuaremos passando as madrugadas em claro
procurando documentos?
— Sim, mas também faremos investigações durante o dia.
Apenas não pretendo mais envolvê-la, é muito perigoso. Concentre-
se em achar o que precisamos nesta casa, você concorda?
Ela assentiu e ele ficou aliviado. Era arriscado carregar a Srta.
Taylor consigo durante o dia, não era apenas a reputação dela que
poderia ser arruinada se eles fossem vistos juntos. E ainda estava
começando a ficar difícil concentrar-se no que tinha que fazer com
ela por perto.
— Então vamos subir. Estou bastante cansada e preciso
continuar fingindo para minha prima que passo as noites em meu
quarto dormindo.
Rosamund levantou-se, ajeitou o roupão e fez uma reverência
breve, deixando o escritório em seguida. Anthony jogou a cabeça
para trás e blasfemou baixinho. Não entendia por que tomara a
decisão de não seduzir aquela mulher quando cada fibra do seu
corpo gritava que ele a desejava. Mas, teria de ser daquela forma. O
marquês se importava com ela de uma maneira diferente que se
importava com suas outras conquistas.
Capítulo nono

P . E
praticamente não se viam durante o dia. Rosamund acordava e o
marquês estava tomando o desjejum com os homens, no almoço ele
não aparecia e os jantares passaram a ser muito desagradáveis
desde que o anfitrião passara a colocá-la sentada ao lado do Barão
Rondale. Havia claramente uma intenção de provocar uma
aproximação, o que ela considerou muito desrespeitoso. Afinal, para
todos os fins, Rosamund Taylor estava comprometida com um
conde e passava as tardes com a família dele, então não era correto
que o visconde permitisse que outro homem tentasse cortejá-la.
Ainda mais Rondale, um homem que já fora previamente
rejeitado por ela. Pensou em falar isso para Lorde Finley, ou para
sua tia, mas desistiu. Estava com medo dele, um pouco apavorada
com o que descobrira e preferia apenas sorrir e fingir ser uma tola.
Mas, depois que todos se recolhiam, ela tinha o Marquês de
Granville integralmente para si. No início ela relutou, consciente de
que estava apenas interessada na aventura do perigo, na ideia de
participar de algo importante antes de sucumbir aos desejos de
casamento de seu pai. Com o passar dos dias e noites, entendeu
que era mais que isso. Ela também estava interessada nele, no
homem que a fascinara desde a primeira olhada e que se mostrara
diferente da fama que carregava. Rose não se enganava, ela tinha
certeza de que Lorde Granville era um libertino de primeira, mas ele
não era só isso. Reduzi-lo à sua libertinagem era ocultar todas as
camadas daquele homem que sabia conversar sobre tudo, que
trabalhava como espião e que a tratava com muito mais respeito
que o arrogante Rondale.
A cada noite com ele, Rose aprendia um pouco mais sobre o
marquês, sobre seus irmãos, sobre a prima que ele adorava como
se fosse a irmã que nunca teve, sobre os negócios do marquesado,
sobre a própria profissão de agente da Coroa em períodos de paz.
Ela contava um pouco sobre si também, mesmo que se
considerasse desinteressante na presença dele. O homem era
ainda muito jovem para ter tanta experiência de vida.
E lá estava ela, vestindo-se para um encontro noturno que não
poderia ser chamado de encontro. Começou usando camisolas e
robes mais resistentes e que escondiam suas formas, até baixar a
guarda e trocar para seus conjuntos de seda — que eram bastante
escandalosos para usar na presença de um homem.
Não podia usar roupas comuns, se a vissem perambulando de
madrugada, ela não poderia estar com saias, anáguas e espartilho
— nenhuma mulher dormia assim. Sentada em frente à penteadeira
com pouca iluminação e escovando os cabelos para prendê-los,
Rosamund se perguntou o que estava fazendo, o que pretendia com
aquela interação. O marquês não era um bom investimento. Apesar
de rico e próspero, ele não seria um marido, não lhe ofereceria nem
a segurança do casamento, nem deixaria seu pai satisfeito. Caso se
interessasse por ela, seria apenas para alguns momentos de prazer
tórrido e nada mais.
Rose não podia pensar naquela hipótese porque estava
começando a gostar dela.
Levantou-se e saiu de seu quarto em busca de seu destino —
que não era nem a biblioteca, nem o escritório, nem outro salão do
interminável primeiro andar da casa do visconde. Rosamund cruzou
o corredor e parou à frente da porta de Lorde Granville. Deu duas
batidas curtas e suaves e girou a maçaneta. Há algum tempo
descobrira que ele não trancava a porta e aproveitou-se para
surpreendê-lo. Daquela vez esperava que fosse encontrar o
marquês vestido — o que ela pretendia era apenas retirar os pontos
do ferimento dele.
Bastou colocar os dois pés dentro do quarto para ser agarrada e
puxada contra uma superfície sólida e quente, que contrastou com o
frio de uma lâmina em seu pescoço. Aquela era a terceira vez que
ela o surpreendia e que ele a imobilizava.
— Rose? — A voz grave e baixa do marquês fez cócegas em
seus ouvidos.
— Sou eu. — Ela levou a mão até o punho fechado dele. —
Creio que seja de conhecimento geral que não lhe ofereço riscos.
Anthony a soltou e fechou a porta, girando a chave. Era para
evitar que entrassem e a vissem, mas Rosamund sentiu um arrepio
percorrer o corpo. Apesar de todas as situações escandalosas que
eles já experimentaram juntos, era a primeira vez que ficava
trancada realmente com ele em algum lugar.
— O que aconteceu? — Preocupado, ele não se lembrou do
decoro ao passar as mãos pelos braços dela à procura de algo
errado. — Alguém te viu? Estão andando pela casa?
— Não! Não aconteceu nada, eu vim retirar os seus pontos.
Ele franziu uma sobrancelha e a encarou ainda confuso,
fazendo-a dar uma risadinha, que precisou abafar na manga do
robe. Ergueu uma caixinha que carregava consigo, contendo seu kit
de costura e uma pequena lupa que usaria para cumprir sua tarefa.
— Não seria melhor fazer isso durante o dia? Com luz e essas
coisas?
— Seria, mas é um pouco difícil conseguir um momento como
este durante o dia, não acha? Esta é a única ocasião em que
ficamos sozinhos.
Um breve silêncio pairou entre eles. Anthony balançou a cabeça
para cima e para baixo, fechou as cortinas das duas janelas de seu
quarto, depois acendeu uma lamparina ao lado de sua cama. O
quarto ficou com uma iluminação branda, porém suficiente.
Rosamund sentiu seu coração acelerar ao vê-lo abrindo os botões
da camisa branca que vestia e retirando-a, como se estivesse
fazendo aquilo de propósito para exibir-se. Por fim, o marquês se
deitou e indicou que ela deveria se aproximar.
A cama estava desfeita. Havia lençóis e travesseiros espalhados
por sobre ela e parecia aconchegante. Ao sentar-se na beirada do
colchão para examinar o ferimento, ela pôde sentir o aroma
masculino que exalava dos tecidos.
— Você com certeza sabe o que está fazendo, não sabe? — ele
perguntou ao vê-la abrir seu kit e retirar uma pequena tesoura de
dentro. — Quero dizer, se soube costurar…
— Eu sei o que estou fazendo. — Ela riu e usou a lupa para
conferir que todos os pontos estavam bem cicatrizados. — Agora
pegue a lamparina e mantenha próxima do ferimento para garantir
que eu veja o que estou fazendo.
Ele obedeceu. Com cuidado, Rose segurou e cortou cada um
dos cinco pequenos pontos que dera antes. Logo em seguida
verificou que o corte, que foi superficial, já estava bem fechado.
— É apenas isso?
— Você agora precisa manter o ferimento limpo, coberto e usar
uma pomada. Não infeccionou, vamos garantir que continue assim.
Rosamund manteve a mão sobre o abdômen dele mesmo depois
de ter terminado o que fazia. Ela tocava a pele com as pontas dos
dedos e pressionava de leve, satisfazendo-se com a firmeza do
tecido humano e a quentura que dele emanava. O marquês era tão
quente que poderia fornecer calor para mantê-la aquecida durante
uma noite fria de inverno — e aquele pensamento era muito, muito
indecente. Porque, na fantasia de Rose, eles estavam abraçados
sobre aquela cama e ela não usava mais seu robe. Ainda havia
roupas entre eles, porém ela não sabia se durariam muito tempo.
Tudo aconteceu depois daquela manhã na casa do Sr. Prescott.
Desde então, ela não conseguia mais parar de pensar no que ele
realmente seria capaz de fazer com uma mulher para que tantas
delirassem apenas ao ouvir o nome dele. Anthony Eckley era a
perdição das damas de boa reputação e precisava haver algum
motivo para isso — se não era magia ou feitiço, se ele não praticava
bruxaria, o que era? — As palavras dele ardiam em seus ouvidos e
ela não conseguia parar de pensar nelas. Não ajudava que eles
ficassem sozinhos todas as noites, e ajudava menos ainda que
estivessem trancados naquele quarto. Era grave também que ela
estivesse um pouco encantada pelo marquês ao percebê-lo como
uma pessoa boa, gentil, educada e protetora.
Oh, céus! Rosamund quase podia acreditar que estava um
pouco apaixonada por aquele homem. Que desperdício!
— Algo mais que eu possa fazer por você, Rose?
Aquela pergunta retirou-a do transe, mas não a fez recolher as
mãos. O marquês a fitava curioso e com uma intensidade matadora
em seus olhos. Rose percebeu que ele tinha apagado a lamparina e
a colocado de volta sobre a mesinha de cabeceira. Eles estavam
iluminados apenas pela luz alaranjada do fogo da lareira e por uma
lamparina menor que ficava sobre uma cômoda. Ela decidiu arriscar.
— Há algum tempo penso na sua fama. — As palavras saíram
baixas e ele se aproximou para ouvir. — No início eu o desprezei ao
saber quem era, mas depois descobri que você não merece meu
desprezo. Ainda assim, é um libertino e a maior parte das mulheres
que conheci desmaiam ao ouvir seu nome. Por que faz isso?
— Por que elas desmaiam?
— Por que as seduz? Você não poupa nem mulheres casadas.
A mão do marquês deslizou por sobre a dela e a segurou. Os
dedos de Anthony começaram a desenhar pequenos círculos em
sua pele e Rosamund precisou ajeitar o corpo para não derreter ali
sobre aqueles lençóis.
— Há bastante engano sobre mim e eu não faço questão de
desmentir os boatos. Ajuda se acreditarem que a culpa é minha.
Acontece que sim, Rose, eu sou um sedutor, um apaixonado por
mulheres e pelo prazer que a junção de nossos corpos pode
provocar. Mas eu as seduzo tanto quanto elas me seduzem. Toda
vez que levei uma mulher para uma cama e fiz amor com ela foi
porque ela quis e estava ciente das consequências. Muitas delas
não se importavam tanto assim com suas virgindades, preferiam
vivenciar a experiência transcendental do prazer físico. Outras eram,
sim, casadas, mas estavam infelizes com seus maridos. Você sabe
que muitas mulheres se casam sem amor e nunca chegam a amar
ou ser amadas, o que torna os momentos de intimidade entre o
casal uma fórmula física para produzir filhos.
— O senhor acha isso certo?
— Não estou fazendo julgamento de valor.
Ele disse tudo aquilo sem olhar para Rose, mantendo os olhos
fixos nos desenhos que traçava em sua mão para, depois, erguê-la
até os lábios e beijá-la. Rosamund soltou outra vez aquele gemido
indecoroso, mas não demonstrou a mesma vergonha. Por algum
motivo ela entendeu o que Anthony quis dizer e imaginou que sabia
por que as mulheres o adoravam. Ele não era um devasso que as
levava para a perdição, ele era um guia que as conduzia ao
caminho do êxtase.
E ela nem mesmo tinha ideia do que isso significava.
— Entendo. — A voz dela continuava baixa. — Eu considerava
que essa intimidade deveria ser reservada para as pessoas
casadas.
— Por pura convenção. Nossos corpos estão prontos desde
agora, por que precisamos desse detalhe?
Nossos corpos estão prontos. Rosamund só entendeu o que
aquilo significava quando deixou seu olhar vagar e percebeu a
vívida excitação do marquês, aprisionada dentro de suas calças
pretas impecáveis. Aquilo era por causa dela? Poderia o
pensamento dele estar nela assim como o dela estava gritando por
ele?
Foi então que sua impetuosidade a impulsionou a tomar uma
atitude corajosa e tola. Rose ergueu novamente os olhos, esticou o
corpo na direção de Anthony e colou seus lábios nos dele.

Ela tinha a boca macia e cheirava a jasmins. Anthony não sabia se


eram suas roupas de dormir ou o sabão que usava para se banhar,
mas o cheiro o arrebatou e quase o derrubou quando ela — aquela
mulher incrível e inconsequente — o beijou.
Os lábios de Rosamund colidiram contra os seus e os braços
dela envolveram seu pescoço para indicar que ela queria aquela
proximidade com ele, que não era um daqueles beijos de
pretendentes tímidos em bailes da temporada. Ainda bem, porque
ele não era um pretendente, muito menos tímido, e ele queria beijá-
la outra vez há dias. Ele quis beijá-la cada hora de cada dia desde
que se beijaram pela primeira vez, mesmo que soubesse que isso
seria sua perdição.
Mas Anthony não seria capaz de recusá-la. Resisti-la, talvez,
afastá-la, dificilmente. Ao sentir a entrega e o corpo feminino se
aproximando do seu, ele segurou-a pela nuca e assumiu o controle
da situação. Se Rosamund queria um beijo, ela receberia o seu
melhor.
Ela gemeu baixinho quando ele passou a língua pelos lábios
entreabertos e amoleceu em seus braços. Não havia nenhuma
tensão que indicasse resistência, Rose estava abandonada aos
carinhos que ele fazia com uma das mãos nas costas e os dedos
enfiados em seus cabelos. Também se entregou quando ele
aprofundou o beijo e a penetrou com a língua, saboreando cada
pedaço que havia para explorar daquela boca deliciosa.
Anthony não costumava ser racional em situações como aquela,
então ele esqueceu que tinham de investigar, ignorou que ela era
uma senhorita casta e apenas deu vazão ao que sentia. Fez um
movimento lento com o corpo e aproveitou a posição em que
estavam para deitar Rosamund com as costas no colchão. Ela não
protestou nem indicou que desaprovava sua ação, apenas gemeu
outra vez quando ele acomodou o corpo sobre o dela.
No final, Rose era toda macia. Anthony correu a mão pela lateral
do corpo dela e afastou o robe. Talvez fosse a primeira vez que ele
se deitava com uma mulher vestida e isso nem o estava
incomodando. A seda que os separava era tão fina que ele podia
sentir cada curva do corpo dela e o tremor dos músculos quando ele
a tocava com uma carícia diferente.
Ele desceu a boca até o queixo feminino e passou a língua pelo
pescoço dela, arrancando outro gemido abafado. Rose tinha a
respiração acelerada e isso fez com que seu peito subisse e
atraísse a atenção de Anthony. Desde que a viu, aqueles seios o
provocavam e, então, estavam ao alcance de seu toque e de seu
beijo.
Cada resposta silenciosa dela informava até onde ele podia ir.
Anthony abriu os olhos para admirá-la sentindo prazer apenas com
a fricção dos corpos ainda vestidos e o trabalho de sua boca na pele
que estava descoberta. Ele desceu os lábios até encontrar o decote
da camisola, que ainda era muito alto para permitir que ele tivesse
acesso ao que desejava. Se abrisse os botões, iria assustá-la, então
decidiu inovar: continuou a beijá-la por cima da seda até que sua
boca roçasse nos mamilos, e eles já respondiam à excitação que ela
sentia.
Rosamund arqueou as costas e estremeceu assim que ele
mordiscou sua pele coberta.
— Anthony.
Ela gemeu seu nome como em uma oração.
— Sim, minha querida? Devo parar?
Por favor não me peça para parar, ele repetiu várias vezes em
silêncio, e ela não pediu. Rose abriu os braços e segurou os lençóis,
fornecendo a ele espaço para prosseguir. Mesmo preferindo ser
tocado, Anthony entendia que mulheres criadas como ela não se
sentiam à vontade para agir em momentos de intimidade. Não
importava, se ela permitisse, ele ensinaria tudo que precisava saber.
— Você pode me tocar. — Ele ergueu a cabeça e a fitou. —
Pode fazer o que quiser.
Ela exibiu um sorriso tímido nos olhos semiabertos e, devagar,
levou as mãos aos cabelos dele. Os dedos penetraram nos fios
grossos e o toque dela era delicado e urgente, suave e intenso
como devem ser as pinceladas de um artista, e ele descobriu que
também ansiava por ela, por senti-la explorando-o.
Anthony voltou a beijá-la, subindo para a boca vermelha e
inchada e descendo pelo pescoço até abocanhar os seios outra vez.
Com as duas mãos ele os segurou, massageou e acariciou, sempre
por cima da camisola e sem abrir nenhum botão. Os mamilos
estavam túrgidos quando ele colocou um na boca e lambeu.
Cristo! Ela tinha o cheiro e o sabor do céu. Ele desejou que não
houvesse nenhuma barreira entre ambos para sentir também a
textura daquela pele macia entre seus dedos. Em êxtase, Anthony
ajeitou os quadris e pressionou contra ela, fazendo com que sua
ereção se acomodasse entre as pernas de Rosamund.
Aquela era uma posição perfeita. Com uma mão ele seria capaz
de abrir suas calças, retirar seu membro e erguer a camisola dela
até permitir-se possuí-la por completo. Não era seu estilo fazer amor
às pressas com uma mulher, mas o desejo que o impulsionava era
urgente demais.
E então ele fez algo que jamais imaginou que faria na cama com
uma dama em seus braços, ele a beijou uma última vez e se jogou
de costas no colchão.
— Ah! Rose, o que você está fazendo comigo? — Anthony riu.
— Eu não entendo o que está dizendo. Quem me enfeitiçou e
tirou o juízo foi o milorde.
Apoiado em um cotovelo, ele se voltou para ela e observou.
Rosamund continuava de costas e com a respiração agitada porque
seu corpo não estava satisfeito. Ele poderia — deveria — colocar
fim àquela agonia sem lhe destruir as possibilidades de um
casamento decente, mas para aonde iria depois disso? Desde que a
vira, ele a desejou e ansiou para que ela fosse uma das mulheres
que se enredariam em sua sedução, mas não esperava que Rose
fosse determinada e tivesse planos tão definidos.
Claro que isso só o fez adorá-la ainda mais. Anthony estava, a
cada dia, mais encantado pela Srta. Taylor. Sentia falta dela durante
o dia e esperava que a noite chegasse para conversarem. Justo ele,
que nunca apenas conversava com as damas — o diálogo era
importante, mas um prelúdio para o sexo.
Com ela, não teria sexo. Suas partes masculinas estavam
doloridas e discordando da decisão, mas ele não podia tomar
daquela mulher fascinante as chances de conseguir o que planejara
para seu futuro.
— Não é feitiço. — Ele passou os dedos pelos cabelos dela e
retirou algumas mechas teimosas que se desprenderam do
penteado. — Isso que você está sentindo é perfeitamente humano:
desejo, minha querida. Mas, agora, você deveria voltar para seu
quarto e dormir. Não recomendo que levemos adiante nossa busca
pela casa nessas condições.
— Como eu poderia dormir estando assim tão eufórica? — Ela
se virou e o encarou. — Mas, imagino que tenha razão, afinal
milorde não conseguiria lidar com uma mulher como eu
atrapalhando seu trabalho.
— Uma mulher como você?
— Sim. Está claro que este desejo que eu sinto não é
correspondido, afinal você está me mandando embora.
Anthony riu. Ele quase gargalhou e precisou se controlar para
não acordar todo aquele andar. Era ridículo que Rosamund
pensasse que ele não a desejasse. De onde a mulher tirou aquela
ideia?
— Rose, você está enganada. Eu disse para retornar ao seu
quarto porque, se continuar aqui, é provável que eu não consiga
responder por meus atos. Não é possível que considere que eu não
esteja afetado por sua presença.
— Bem, eu não sou como as mulheres elegantes, arrojadas e
belas que você conhece. Vi a Srta. Delacroix, não pense que não
entendi o que ela quis dizer com aquela conversa.
Céus, então ela se achava menos bonita ou desejável que
Julienne Delacroix e isso a estava perturbando naquele momento.
Claro, ele era o homem vivo mais devasso da Europa e a estava
mandando sair de sua cama. O que mais Rosamund pensaria?
Anthony precisava fazer algo. Sem dizer nada, segurou uma das
mãos dela e conduziu até sua ereção, fazendo-a arregalar os olhos
em surpresa e se perder nas palavras. Para sua sorte, os dedos
dela se amoldaram à sua masculinidade tesa e se mantiveram ali,
quase o levando à loucura.
— Você sabe o que é isto?
Ela balançou a cabeça positivamente. Bom, era bom que ela
soubesse.
— Isto, Rose, é a demonstração de que eu estou louco por você.
Mesmo durante esta conversa nada excitante, continuo duro como
pedra e só de sentir você me tocando sou capaz de explodir.

Ela mal podia acreditar que tudo aquilo fosse por causa dela, mas
parecia que sim. Seus conhecimentos de anatomia não lhe
permitiram imaginar que um homem pudesse ser tão avantajado ali,
naquela região, como era Lorde Granville. Rose não sabia nem
mesmo se podia tocar ou segurar o volume que enchia sua mão,
sabia apenas que era quente e rijo como ferro.
— Se você me deseja e eu o desejo, por que devemos nos
separar agora? Não há nada que possamos fazer para aplacar esse
sentimento? Não conseguirei dormir assim, ansiando para que me
beije outra vez.
O marquês sorriu e fez o que ela implicitamente pediu.
Empurrou-a contra o colchão e deitou a boca sobre a dela,
assaltando-a com os lábios macios e quentes e fazendo com que
ela se movesse por baixo dele para ampliar o contato dos corpos.
Rosamund se percebeu querendo mais do que o beijo, querendo
que as mãos dele deslizassem por sobre a seda e incendiassem
sua pele. Quando se desencaixaram, ela precisou de alguns
minutos para conseguir abrir os olhos e o encarar. O beijo não
serviu para o que esperava, ela ainda o queria. Queria mais.
— Satisfeita, agora?
O maldito perguntou, porém, o divertimento na voz dele indicou
que estava zombando dela. Sua decepção deveria ser perceptível.
— Não.
— Eu posso beijá-la até o raiar do dia se assim quiser, mas
suspeito que, quando você sair por essa porta, continuará
insatisfeita.
— Então me dê o que é preciso para que me satisfazer.
Oh, céus! O que ela estava pedindo? Aquele libertino não tinha
nenhum pudor e pedir a ele qualquer coisa era dar abertura para
que ele fizesse tudo. Rosamund não estava preparada para tudo,
ela nem mesmo sabia o que tudo significava. Queria parar de sentir
vontade de colocar as mãos nele o tempo todo em que estavam
juntos e não ansiar por um sorriso ou olhar sempre que não
estavam. Queria não mais pensar no marquês quando estivesse em
suas aulas de pintura porque, mesmo que ele fosse seu muso e sua
inspiração, ele a distraía. Queria ir para a cama, depois que
passavam a noite procurando agulha em palheiro no meio dos
documentos do visconde, e conseguir dormir.
Ela não sabia como fazer parar aquele jorro de sentimentos,
emoções e sensações que a atordoavam. Não estava acostumada a
sentir tanto. Rosamund era pura emoção, sim, mas nunca estivera
tão descontrolada. Desde que conhecera Lorde Granville, sua vida
estava de cabeça para baixo e tudo que ela queria era voltar aos
eixos. Talvez não fosse possível.
Anthony a observou por alguns segundos e ela pode ver de novo
aquele brilho sombrio em seu olhar sempre lúdico. Ele estava para
tomar uma decisão complicada, para fazer algo do que talvez fosse
se arrepender e Rose já percebera que isso o deixava sério e
distante. Com movimentos lentos, ele enfiou os dedos em seus
cabelos, arrancou os grampos, soltou os cachos castanhos, que se
esparramaram por sobre seu pescoço e colo, e levou a boca até a
sua. Beijou-a devagar com lábios molhados e língua, fazendo-a
quase derreter em seus braços. Depois, deslizou os dedos pelo
braço dela, segurou a mão e a conduziu novamente a seu membro
rígido.
— Mantenha-a aí.
Ele sussurrou, entre os dentes, enquanto descia a boca para seu
pescoço. Rosamund fechou os olhos e seus dedos mais uma vez se
amoldaram ao volume da excitação que pulsava em sua mão.
Anthony soltou um gemido baixo, ao senti-la segurando-o, e aquilo a
fez sentir-se incrível. Tanto poderosa por extrair qualquer reação
daquele homem quanto vulnerável porque sabia que ele a tinha
rendida. Não havia nada que ele pudesse fazer para o que ela não
quisesse dizer sim.
Foi assim que ele deslizou os dedos mais para baixo,
percorrendo suas coxas e joelho por cima da seda até segurar a
barra de sua camisola e erguer, até expor-lhe as panturrilhas. Rose
engoliu o ar. Não soube se foi porque ele a tocava por baixo da
camisola ou porque ele distribuía beijos intermitentes em sua boca,
em seu queixo e seu colo, fazendo com que respirar ficasse muito
difícil. Anthony subiu as carícias novamente e, com a ponta dos
dedos, traçou alguns círculos na parte interna de sua coxa até tocar
no meio de suas pernas. O ar desapareceu de seus pulmões.
— Confie em mim.
As palavras chegaram no mesmo momento em que ele passou
os dedos por entre os cachos que cobriam a sua feminilidade e a
abriu como se afastasse as pétalas de uma flor. Ela gemeu e se
contorceu em contato com a mão dele. Aquele certamente não era o
movimento de uma dama decente, mas estar na cama de um
homem que não era seu marido também não era. Rose já
ultrapassara todas as barreiras do decoro por apenas conversar
com Lorde Granville, deixar-se tocar intimamente por ele era o
bônus que recebia por ser travessa.
Um bônus. O prazer irradiou por cada nervo e músculo, até os
que ela não conhecia e não sabia que existiam, e a fez soltar um
gemido que Anthony abafou em outro beijo. As carícias começaram
suaves e lentas, todas concentradas em um determinado ponto de
sua intimidade, e se tornaram ritmadas e intensas. Ele deslizou um
dedo para a sua abertura e a fez arfar, mas manteve o olhar que
dizia: confie. Seu corpo reagia a cada beijo, a cada círculo que o
polegar dele desenhava em sua feminilidade, e ela nem mesmo
conseguiu notar que repetia nele o carinho que recebia.
— Rose.
Anthony murmurou em seu ouvido com uma voz gutural que
indicava que ele também extraía prazer do que estavam fazendo.
Ela queria olhar para ele, manter os olhos abertos e entender o que
acontecia, mas era arrebatada por ondas cada vez mais fortes que a
derrubavam sempre que tentava se levantar. Até que ela desistiu de
lutar contra o mar de sensações e seu corpo foi carregado por um
êxtase que não era nada como nenhuma coisa que ela já tivesse
sentido antes.
Ele a segurou em seus braços enquanto ela ainda se
recuperava. Rose aninhou-se no peito despido do marquês e sorveu
o cheiro de suor e colônia masculina que ele exalava. Quis dizer
alguma coisa, qualquer coisa, mas as palavras não vieram. Fechou
os olhos novamente e tentou aproveitar o calor que a aquecia antes
que a loucura do que acabara de fazer lhe atingisse como uma bala
de canhão.
Capítulo décimo

A
F , então fingiu para si que aquele momento
de devassidão com a Srta. Taylor fora um acidente. Ela precisava
dormir e ele tinha que se livrar dela, então fez o que foi preciso para
expulsá-la de sua cama. A mesma desculpa que usou quando a
beijou em um canto escuro naquele barracão da Chanoinesse. Foi
uma medida eficaz, já que Rosamund relaxou e ele conseguiu
convencê-la a voltar para seu quarto sem maiores delongas.
Mas era mentira, uma das mais deslavadas que ele já contara e
o ludibriado era ele próprio. O único acidente acontecera dentro de
suas calças, já que ele não conseguiu se controlar e, enquanto
acariciava a mulher em seus braços, entregou-se ao orgasmo
fulminante que ela causou com um simples toque de mão. Ele
estava vulnerável, e Anthony Eckley nunca ficava vulnerável. Ela o
afetava e o desorientava, o que era péssimo para o trabalho. Havia
uma solução: levá-la para a cama, contudo ele teve a chance e lhe
faltou a coragem de deflorá-la — outro sintoma de que algo estava
errado.
Ela queria. Ela o quis, ela pediu por ele, mas tudo que Anthony
conseguiu dar foi uma parcela do prazer que poderiam compartilhar.
Não conseguiu arruinar as chances dela de um bom casamento no
futuro, porque era o que aconteceria.
Irritado, ele adormeceu pensando que precisava manter-se longe
de Rosamund Taylor para o bem dela e que a faria compreender
isso. Não teve nenhum sonho estranho nem acordou excitado de
madrugada. Seu corpo estava satisfeito o suficiente para lhe garantir
uma boa noite de sono e decidiu tirar uma folga naquele dia.
Precisava passear pela cidade, gastar dinheiro e frequentar alguns
lugares de reputação duvidosa para garantir que sua fama não
sofresse nenhum arranhão. E não fugiria da Srta. Taylor daquela
vez. Desceu para o desjejum com os irritantes convidados de Finley
na expectativa de conseguir alguma informação útil.
Também gostaria de vê-la para mostrar que não estava
intimidado, que nada intimidava o lorde libertino, mas as mulheres já
estavam recolhidas ao salão de chá, o que significava que ele só
deveria ir até lá se fosse para salvá-las de um incêndio.
— Bom tê-lo conosco, Granville. — Rottschild disse assim que o
viu entrar no salão onde os homens costumavam comer. — Pensei
que passava todas as noites em bordéis e cabarés.
— Todas, não. Em algumas eu trago o cabaré para casa.
O barão deu uma gargalhada e o outro homem que o
acompanhava, o Sr. Thompson, se engasgou com a obscenidade.
Ele era um burguês amigo de Finley, e era hábito entre os plebeus a
fidelidade para com suas esposas — o oposto do que acontecia na
nobreza.
— Quando eu era jovem como você também esgotava minha
quota de beldades em minha cama. Hoje em dia ando muito
cansado para isso.
A conversa fútil foi interrompida pela chegada do Barão Rondale
e do anfitrião. Um criado serviu café e chá e colocou travessas com
sanduíches, peixe defumado e torta de carne sobre a mesa. Mesmo
na França, Finley parecia manter seus hábitos britânicos durante as
refeições. Os homens começaram uma conversa desagradável
sobre mulheres que seduziram no passado e prosseguiram para
mulheres do presente. Tirando os dois casados, nenhum dos outros
três parecia interessado em contrair matrimônio tão cedo. Nada ali
seria aproveitável para a investigação em andamento, mas Anthony
acabou intrigado quando o assunto passou a ser Rosamund.
— Sei que a Srta. Taylor está enamorada de um francês, mas
ainda pretendo me casar com ela. — Rondale disse.
— Você parece muito empolgado com uma mulher que o
rejeitou, meu caro. — Rottschild desdenhou. — A Srta. Taylor já não
disse não à sua proposta?
— Ela era mais jovem e eu não fiz a aproximação que deveria.
Agora que posso contar com o apoio de nosso anfitrião, imagino que
as coisas sejam diferentes.
— Não imagine, faça acontecer. — Finley disparou. — Eu me
comprometerei com o pai dela para salvar seu baronato falido, mas
o homem é sentimental e ouve o que a filha deseja. Se a Srta.
Taylor não concordar em se casar com você, Rondale, talvez meus
esforços sejam inúteis.
Então aquele era o motivo pelo qual o barão andava se sentando
ao lado de Rosamund e agindo tão cortês quando ela estava
presente. Não era da conta de Anthony, ele não se importava se ela
se casasse com Rondale ou qualquer outro nobre que estivesse
precisando de um dote. Ainda assim, ouvi-los falando dela o irritou.
Por pouco não deixou escapar alguma troça com a reputação do
barão ou se colocou no páreo para seduzi-la. As palavras quase
saíram de sua boca, precisaram ser engolidas de volta com os
pãezinhos de mel que devorava.
— Talvez, se pudéssemos provocar um pequeno escândalo, ela
se veja compelida a aceitar meu pedido.
— Um escândalo? Na minha casa? Eu ficarei com fama de
péssimo anfitrião, não sei se gosto da ideia.
— Não precisa acontecer aqui. Podemos aproveitar que a
acompanhante da Srta. Taylor parece bastante avoada e usar isso a
meu favor. Basta que nos encontrem sozinhos em algum lugar
fechado, em uma posição, digamos, não muito decorosa.
— Rondale, você é uma pessoa horrorosa. — Finley deu outra
gargalhada. — Tudo bem, se precisar vamos conseguir uma
situação em que a pobre Srta. Taylor esteja em desonra e você
precise salvar a reputação dela.
Daquela vez não foram apenas as palavras, Anthony precisou de
um esforço descomunal para não arrancar Rondale e Finley de suas
cadeiras, cada um com uma mão, e chacoalhá-los até que
perdessem a consciência. A ideia de que pudessem armar um
flagrante para arruinar a reputação de Rosamund — a mesma que
ele vinha tentando proteger desde que se conheceram — deixou-o
furioso e ele adoraria socar alguém apenas para deixar clara a sua
fúria.
— Vocês são repugnantes. — o marquês disparou. — Precisam
planejar esse tipo de engodo para conseguir um casamento? A Srta.
Taylor não merece ser enganada desta forma.
— Isso não é assunto seu, Granville. Eu a escolhi como esposa,
então vou me casar com ela.
— A mulher não o quer, Rondale! Isso não é indicativo o
suficiente para se afastar? Céus, eu teria vergonha de me humilhar
dessa forma.
— Nem todos têm a sua facilidade de envolver as damas, meu
caro. — Rottschild se intrometeu. — Alguns precisam de outros
artifícios para conseguir uma boa esposa.
— E minha esposa ideal é a Srta. Taylor. Preciso do dinheiro que
vem com ela para saldar minhas finanças. Tentei negociar com o
pai, mas ele exige que ela me aceite, então farei de uma forma que
ela seja obrigada a me aceitar.
Anthony pressionou as têmporas para se acalmar e não voar por
sobre a mesa e apertar o pescoço de Rondale até que ele não
conseguisse mais respirar. Sua irritação naquele momento era
incompatível com um assunto que, como fora dito, não lhe dizia
respeito. Sabia desde o início que a Srta. Taylor se casaria com um
nobre de interesse de seu pai, portanto se não fosse Rondale, seria
outro.
Mas teria que ser alguém que ela escolhesse. Alguém que a
fizesse suspirar, por quem ela se apaixonasse e desejasse
compartilhar a cama. Por Deus! O simples pensamento de que ela
fosse, em algum momento, dividir a cama com outro homem que
não ele o atordoou. Não tinha o direito de se sentir assim, mas
sentia. Precisava fazer algo sobre isso e queria começar
amassando Rondale até que ele parecesse massa de pão
fermentada.
Ao invés disso, levantou-se, pediu licença e saiu da sala sem
terminar de comer. Se continuasse ali, acabaria colocando seu
disfarce e sua missão em risco, além de provocar um assassino.
Precisava contar a Rosamund o que ouvira e protegê-la daqueles
abutres, mesmo que isso implicasse não a proteger dele mesmo.

Se prestassem atenção nela, diriam que Rosamund estava na


iminência de ter uma convulsão ou precisava usar o banheiro. Ela
não conseguia ficar sentada na poltrona, não parava de ajeitar a
saia com as mãos, suas pernas balançavam e quase derrubou as
louças da mesa por mais de uma vez. Tanta agitação não seria
justificativa nem se estivesse sentada sobre um formigueiro. Depois
de dormir como um bebê e acordar sobressaltada de um sonho
indecente com o Marquês de Granville, Rose não conseguiu mais
sossegar. Seu corpo estava quente e nem o banho da manhã a fez
se sentir melhor. Sentia como se os lugares que ele tocou na noite
anterior estivessem marcados, incandescentes, e como se nada que
ela fizesse fosse capaz de fazer desaparecer a sensação de que ele
estivera ali.
— Está acontecendo uma temporada de apresentações de Can
Can no Le Chat Noir. — Lady Bachour disse e sua voz muito
estridente incomodou os ouvidos de Rose, que estavam sensíveis.
Ela inteira estava sensível. — Bastante escandaloso para nós,
inglesas, mas imperdível para uma experiência parisiense completa.
— Le Chat Noir não é aquele lugar onde as mulheres dançam
exibindo as calçolas? — Gretha se mostrou curiosa.
— Sim, mas há outros lugares assim. O Can Can é uma dança
muito popular na cidade, vocês adorarão! Já pedi ao meu sobrinho
que nos acompanhe, o que acham? Vamos?
— Isso não seria uma mancha em nossa reputação? Milady é
viúva, a Sra. Thompson é casada, mas eu e Rose somos solteiras e
ir a um local desses não poderia fazer com que pensassem que
somos… devassas?
— Estaremos acompanhadas dos homens. — Lady Bachour deu
uma risada alta. — Não se preocupem, meu George é uma
companhia muito agradável. Teremos uma noite excelente.
Ela não desejava ir a um cabaré, mas apreciaria um pouco mais
de arte em sua vida. Adorava concertos e peças de teatro, o
problema era a companhia. Preferia não sair acompanhada de
Lorde Finley, mesmo que ele estivesse com sua tia e em um
momento de descontração — Rose não era capaz de ignorar o que
sabia a respeito do homem. E ela seria privada de participar das
buscas com Anthony.
Pensar nele, ouvir o nome dele ecoar em sua cabeça fez com
que tremores percorressem seu corpo. Aquilo era ridículo. Ela não
podia reagir como se o marquês estivesse o tempo todo
sussurrando em seus ouvidos.
Mas sentia. Ela adormeceu ainda com a sensação das mãos
dele sobre ela, entre suas pernas, e dos lábios umedecendo os
seus, a língua explorando-a com avidez. Acordou como se nem um
minuto tivesse se passado desde que saíra da cama do marquês.
As roupas arranharam sua pele sensível, mesmo que o tecido fosse
macio e estivesse limpo. Sua cabeça girava e ela precisou de algum
autocontrole para não flutuar até o quarto de Anthony e pedir que
ele a abraçasse.
Rose sabia que um abraço não a faria achar-se menos exposta,
em carne viva, mas o calor e a segurança dos braços dele já seria
suficiente para que se sentisse melhor. Ela não deveria tê-lo beijado,
não deveria ter pedido que ele a satisfizesse, não deveria ter se
entregado — ainda queria entregar-se mais.
— Será um prazer acompanhá-la, Lady Bachour. — Rosamund
aceitou o convite, ciente de que seria falta de educação recusar sem
um bom motivo. Sua especialidade era fingir ser perfeita, então
mantinha os sentimentos represados em algum lugar escondido
dentro de si. Gretha torceu o nariz apesar de estar curiosa. Fingir
estar sempre escandalizada era o comportamento que se esperava
de damas recatadas. — A que horas é o espetáculo? Preciso
organizar meus compromissos do dia.
— Iremos amanhã, esteja pronta às nove.
A conversa das mulheres dispersou logo em seguida. A
Baronesa Rottschild juntou-se a elas e serviu-se de chá. Ela tinha o
rosto corado e uma expressão de satisfação que Rosamund já vira
nela própria. Era a primeira vez que via a baronesa como uma
mulher que estivesse saciada.
Para corroborar com suas suspeitas, Lady Bachour decidiu ser
indiscreta e ignorar a presença das solteiras para fazer insinuações
sobre a vida íntima de Lady Rottschild.
— Evelyn, você me parece muito bem, hoje. Considerando a
hora que desceu para o desjejum imagino que seu marido tenha
decidido cuidar de você essa noite.
A Sra. Thompson quase cuspiu o chá que levara à boca, mas
deu uma risada nervosa. Gretha não entendeu o que significava a
afirmação da viúva e ela, Rosamund, suspeitou que elas estivessem
falando das relações humanas mais primitivas.
— Céus, Harriet! — A baronesa corou. — Isso não é algo que se
comente na frente de duas damas solteiras.
— Não sejamos tão puritanas assim, estamos entre mulheres. —
A senhora viúva mordiscou um bolinho. — As senhoritas Taylor e
Hawthorne se casarão algum dia e é bom que elas saibam o que
esperar de um marido. Eles podem até ser uns completos imbecis,
mas devem saber satisfazer uma mulher.
— Muitos deles só nos querem para ter filhos. — Lady Rottschild
disse. — O meu não é um bom exemplo, mas não posso dizer que
ele não saiba o que está fazendo.
— Desculpe-me, milady, mas… — Rose debruçou-se sobre os
joelhos para aproximar-se da baronesa na intenção de não precisar
falar muito alto — por que diz que seu marido não é um exemplo?
— Ah! Stephen sempre foi mulherengo. Nosso casamento foi
tradicionalmente arranjado, porém, foi o que eu esperava. Ele era
bonito, educado e disposto a me oferecer tudo que uma dama
poderia desejar. Um barão, mas tinha prestígio assim mesmo por
sua saúde financeira. Contudo, não posso dizer que não desejei
matá-lo algumas vezes em que soube de suas indiscrições com
meretrizes.
— E milady não se importa com isso?
— Ah! Minha querida Srta. Taylor, nenhuma mulher na nobreza
se importa. — Lady Bachour se intrometeu. A Sra. Thompson ficou
ainda mais vermelha. — Desde que eles nos mantenham bem e
sejam gentis e amorosos quando nos procurem, por que devemos
nos importar com quantas mulheres eles se deitam?
— Eu me importo. — A Sra. Thompson disparou. — Meu marido
me é fiel e eu não aceitaria que ele se deitasse com outras.
— Vocês, plebeus, casam-se por amor. — Lady Bachour
desdenhou. — Imagino que o sentimento atrapalhe o discernimento.
Ah! ele atrapalhava, sim. Mas Rosamund interessou-se mais
pelo combinado de casar-se por amor e não admitir que o marido
fosse um depravado.
— Creio, Sra. Thompson, que o amor seja superestimado. —
Lady Rottschild disse.
— Eu não acho. — Rosamund se intrometeu. — Gostaria de
casar-me por amor. A intimidade entre o casal não ficaria mais
agradável se assim fosse?
— Não aceitaria que outro homem me tocasse. — A Sra.
Thompson estabeleceu. — E só aceitaria ser tocada pelo homem
que eu amo. Se eu não o desejar, como posso aceitá-lo em minha
cama?
As duas ladies torceram os narizes desprezando o romantismo
da Sra. Thompson. As duas por certo atribuíam aquela visão
monogâmica ao fato de ela não pertencer à aristocracia, mas
Rosamund também não pertencia.
— Talvez eu também não aceitasse de bom grado a ideia de ter
um homem que nem mesmo gosto fazendo coisas indecentes
comigo.
Gretha surpreendeu a todas se posicionando e um burburinho
começou com todas falando ao mesmo tempo sobre suas
impressões acerca da fidelidade e do amor. Rosamund permaneceu
pensativa. Ela concordava com o casamento por amor, mesmo que
aquele não fosse seu destino. No fundo ela queria se casar com o
homem que amasse. Mas como conjugar o desejo de seu pai com o
seu?
Talvez, se ela pelo menos soubesse como identificar esse
sentimento. Rosamund passou tanto tempo apaixonada apenas
pelas artes que não reconhecia o mesmo nas pessoas. Ela gostava,
respeitava e convivia com muita gente, mas nem sequer podia
passar muito tempo com um homem para considerar-se interessada
nele. A não ser naquela viagem.
— Sra. Thompson, como se descobriu apaixonada por seu
marido?
Todas viraram e olharam para ela como se a pergunta fosse
absurda.
— Eu me lembro que foi gradual. — A mulher sorriu ao
responder. — Nós nos conhecemos casualmente em um evento
realizado por amigos em comum. Eu era muito jovem e não estava,
ainda, procurando um marido, apesar da minha família acreditar que
mulheres sempre estavam procurando maridos. Robert era um
homem jovem, mas muito inteligente e dedicado às suas causas.
Toda vez que ele falava, eu me sentia tão envolvida por suas
palavras que não queria parar de ouvi-las. Percebi que gostava de
ficar perto dele, que sua aparência física me agradava até o ponto
em que ele me beijou e eu tive certeza de que o amava.
Nem mesmo as aristocratas conseguiram ficar imunes à
narrativa entusiasmada da Sra. Thompson. Gretha suspirou e
Rosamund sentiu um aperto em sua garganta. Se aqueles eram
sintomas de paixão, ela já sabia que os sentia. O problema era
começar a não saber o que fazer com eles.
A conversa prosseguiu por mais um pouco e as mulheres
dispersaram logo em seguida com um reforço, por parte de Lady
Bachour, para que se lembrassem do espetáculo no cabaré.
Rosamund não conseguiu deixar de pensar se o marquês também
iria. Eles não se falavam mais durante o dia, guardando os
momentos de interação para as noites em claro revirando
documentos, então ela teria que esperar. Duvidava que ele fosse
perder outra noite de buscas para divertir-se em um espetáculo
profano, mas isso era exatamente o que se esperava do maior
libertino. Ainda muito agitada para conseguir se concentrar em suas
tarefas, Rosamund deixou o salão de chá das damas na intenção de
vestir-se e passear pela cidade, até ter seus planos frustrados por
ele.
Recostado com o ombro no papel de parede adamascado,
Anthony Eckley parecia parte da decoração do suntuoso hall do
Visconde Tinsdale. Trajava um terno preto com gravata da mesma
cor e, por dentro, colete xadrez. Ela quis se enganar mentindo que
prestava atenção nos detalhes de todos os homens com quem
interagia e que aquele ali não tinha nada de especial. Mas, assim
que ele sorriu, Rosamund não podia imaginar um absurdo maior.
Nada em Anthony era comum. Ele era um conjunto preparado para
causar o maior impacto possível.
E ela sofreu aquele impacto.
— Lady Bachour. — o marquês cumprimentou a mais velha e
aproximou-se de Rosamund como um gato. — Srta. Taylor.
Ele não era obrigado a cumprimentar todas as mulheres
presentes, mas não o fazer indicou que ele tinha um objetivo. A Sra.
Thompson e Lady Bachour se afastaram e Gretha manteve-se no
hall como um soldado em vigília.
— Milorde. — Ela entregou a mão para ele cumprimentar. O
olhar intenso de Anthony a atordoou. — Posso fazer algo pelo
senhor?
— Sim, diga-me a que horas começa e termina a sua aula.
— Começamos à uma e terminamos às quatro. Pensei que o
senhor já tivesse descoberto isso.
Ousada, Rosamund deu um passo na direção dele e os colocou
em uma proximidade suspeita. Gretha acabaria descobrindo que
havia algo ali, mas ela tentaria convencer a prima de que era um
absurdo sequer imaginar que ela pudesse se interessar pelo
libertino.
— Precisamos conversar. — ela disse corajosa.
— Precisamos, não aqui. Prometa-me uma coisa: não saia nem
fique sozinha com nenhum homem dessa casa. Tenha sempre sua
prima com você, esteja atenta.
— Isso inclui milorde?
— Não. — Ele sorriu e exibiu os dentes perfeitos. — Isso não me
incluiu. Prometa, Rose.
— Prometo. Vai me explicar o que está havendo?
— Sim, no momento adequado. Agora é melhor você se afastar
de mim ou logo teremos que lidar com suspeitas.
Anthony levou a mão dela até a boca e beijou seus dedos como
ela o vira fazer antes, e a sensação foi inebriante. Lábios macios e
quentes como os que ela sentiu sobre sua boca, na noite anterior,
fizeram com que as memórias se avivassem.
Como ele pretendia que ela se afastasse se a puxava para perto
o tempo todo? Quando o marquês soltou sua mão, ela estava
trêmula e Rose precisou fingir um pouco mais. Fingir que ele não a
afetava para conseguir sair dali com Gretha e para se lembrar das
palavras dele: não saia nem fique sozinha com nenhum homem da
casa. Parecia um pedido inútil, já que ela não faria isso em
nenhuma hipótese. Não se colocaria voluntariamente em uma
posição escandalosa com homem nenhum.
Menos, talvez, se o homem em questão fosse Lorde Granville.
Com ele, todos os limites já haviam sido ultrapassados.
Capítulo décimo primeiro

O
. Todas as mulheres ali eram como ela, artistas, e não
havia marqueses sedutores com olhares capazes de desarmar um
exército. Rosamund sentiu-se mais calma e controlada segurando
um pincel e vestindo um avental sujo enquanto dava os últimos
retoques no seu retrato de Lorde Granville.
O quadro estava acima do seu padrão de qualidade. Rosamund
sabia que ainda não fizera um retrato com detalhes tão precisos e
todas as suas colegas elogiavam o progresso do trabalho,
principalmente porque ela não tinha um modelo. Mal sabiam o
quanto já havia decorado os traços, as quinas e as sombras do
marquês.
Sua sensação de segurança foi abalada pela chegada do
homem que povoava seus pensamentos e sonhos. Uma hora depois
do início da aula ele surgiu no ateliê de Madame Beaury-Saurel
como se fosse o dono do lugar. A artista nem mesmo o interpelou,
apenas o cumprimentou à distância enquanto conversava com uma
das pupilas.
Anthony recostou o ombro em uma coluna próxima de onde
Rose estava e permaneceu ali, em silêncio, por mais de cinco
minutos. Ela tentou fazer um retoque pelo menos dez vezes até
desistir e encará-lo.
— O que está fazendo aqui? — ela rosnou, saindo de trás do
cavalete e limpando a mão com um pano. — Homens não são bem-
vindos durante as aulas.
— Não são? Bem, espero que Madame Beaury-Saurel faça uma
exceção para o modelo do seu retrato, não estou com fundos
suficientes para comprar outro quadro.
— Outro?
— Na primeira vez que estive aqui, precisei levar a cabo minha
desculpa e Pierre ganhou um novo adorno para sua casa. Hoje
pretendo dizer a verdade, eu vim por você.
Céus, ele não podia falar daquela forma. Não depois de tê-la
beijado tão intimamente na noite anterior e enquanto ela ainda
guardava as sensações de ter as mãos dele sobre seu corpo.
— Não posso sair, preciso terminar o quadro.
— Então termine, eu espero.
— Creio que você aí seja distração demais.
Anthony deu uma risada baixa e olhou para o chão. Quando
ergueu os olhos e a encarou, havia malícia estampada na
expressão mais canalha que ela já vira. Rose estava em grandes
apuros com aquele homem.
— E se eu posar para você? Coloque-me na posição do retrato e
me use para seus propósitos.
Rosamund quase se engasgou sozinha ao pensar em colocá-lo
em qualquer posição que pudesse usar. Ela nem sequer poderia se
imaginar usando Lorde Granville, mas a ideia a deixou zonza e
agitada. Enquanto pensava se deveria ou não aceitar a proposta do
marquês, ele foi até Madame Beaury-Saurel, conversou alguma
coisa com ela e retornou com um sorriso devasso no rosto.
— O que disse a ela?
— Pedi autorização para permanecer no ateliê para fins
artísticos. Ela agradeceu minha boa vontade e isto significa que
estou livre para que faça de mim o que quiser, Rose.
Ele realmente precisava parar de falar coisas como aquela.
— Tudo bem, vamos fazer isto. — ela decidiu — no retrato você
está de pé e... bem, você está sem o paletó.
Sem hesitar, o marquês abriu os botões do seu paletó e o retirou,
pendurando-o nas costas de uma cadeira empoeirada que estava
por ali.
— Devo retirar algo mais?
— Por favor, não. — ela disparou, nervosa. Não pretendia dizer
aquilo em voz alta, mas também não conseguiu resistir. — Agora
vire o pescoço para o lado e olhe para baixo.
Porque ele não entendeu o que deveria fazer, Rose precisou se
aproximar e colocá-lo na posição esperada. Anthony fitou seus pés
por alguns instantes e então olhou-a outra vez, fazendo aquele
movimento que a desorientava toda vez.
— Consegue ficar assim?
Ele assentiu com um sorriso e ela retornou para seu cavalete. A
imagem em sua cabeça era vívida e suficiente, mas tê-lo à sua
frente tornava muito mais fácil reproduzir os detalhes na pintura.
Havia coisas que ela não podia colocar na ponta do pincel porque
eram suas percepções sobre o marquês — e qualquer pessoa que
visse o quadro desconfiaria que ela nutria algum sentimento confuso
por ele.
Era algo nos olhos escuros, que guardavam mistérios que a
impulsionavam a desvendar. Também havia algo no sorriso, que
carregava devassidão e timidez e dizia mais coisas do que as
próprias palavras. E havia algo muito intrigante na forma como ele
olhava para ela, como se Anthony também não soubesse o que
fazer quando estavam juntos.
Rosamund tinha certeza de que ele sabia, mas só faria se ela
pedisse.
Um bom modelo mantinha-se parado e foi o que Anthony fez.
Por uma hora ele quase nem respirou, só sorriu de vez em quando e
a provocou com sua presença singular. Graças a ele ali ela
conseguiu terminar o trabalho e ficou até mesmo orgulhosa de sua
obra de arte. Bem, orgulhosa ela já estava desde que começara a
pintá-la.
— Posso ver?
Anthony se aproximou ao vê-la apoiar o pincel sobre a paleta.
Olhando ao redor, Rosamund viu que tanto sua mentora quanto
suas colegas de classe estavam também ansiosas para ver a
conclusão do retrato, então não havia muito o que fazer. Retirou o
avental, passou um pano úmido por suas mãos manchadas e virou
o cavalete para todas pudessem admirar o quadro.
Por mais que ela admirasse suas próprias criações, Rosamund
não era daquelas que esperava elogios. Poucas pessoas chegaram
a ver suas pinturas, a família não a apoiava e muitas das amigas
achavam que aquela arte deveria servir apenas para conquistar
maridos. Ela tinha ambições maiores. Desejou expor seus quadros,
produzi-los para enfeitar as casas de outras pessoas. Queria sua
assinatura neles, como fazia Madame Beaury-Saurel. Não almejava
riquezas ou fama, apenas não queria mais se esconder.
Porém, aquele trabalho ficou digno de elogios e ela esperou que
eles viessem tanto da mulher cujo trabalho admirava quanto do
homem que lhe serviu de inspiração.
A expressão de Rosamund era similar a dos irmãos mais novos do
marquês quando ansiavam pela aprovação do pai ou pela sua.
Como era muito mais velho que eles, Anthony exercia uma função
paterna eventualmente, principalmente porque o pai passava muito
tempo fora por causa de seus compromissos. Contudo, ele
conseguia ver a diferença: ali estava uma mulher ansiosa pela
opinião sincera do homem que ela provavelmente admirava.
Não que Anthony acreditasse que ela admirasse quem ele era,
mas a performance do sedutor. Em toda a sua vida, ele agiu para
que as mulheres se encantassem por seu sorriso, sua lábia e seu
corpo. Estava acostumado a ser desejado e cobiçado, e era isso
que Rosamund sentia por ele.
— Imagino que eu nunca fui retratado com tanta fidelidade antes.
— Ele sorriu porque pode agradá-la sem mentir. O trabalho era
belíssimo. — Você fez tudo isso de cabeça?
— Sim, mas duvido que seja seu melhor retrato. E o tradicional
quadro que fizeram quando assumiu o marquesado?
— Ele não chega aos pés deste. — Anthony se aproximou da
tela para melhor examinar os detalhes. — Nenhum dos quadros
expostos na Granville House consegue passar emoção.
— E esse consegue? O que sente quando o vê?
— Sinto que estou distraído, pensando em algo importante que
preciso resolver, mas preciso estar nesse evento tedioso do qual
não quero participar.
O rosto de Rose iluminou-se em um sorriso largo. Madame
Beaury-Saurel concordou com a avaliação, assentindo sem
palavras.
— Você está adivinhando. Não pode saber o que estava
pensando apenas ao olhar a pintura.
— Pois eu tenho certeza que estou de corpo presente e alma
ausente nesse exato momento. E há uma festa ao meu redor. Não,
é um evento apenas de cavalheiros, pois estou sem paletó. Está
muito bom, Rose.
Ela baixou os olhos. Estaria envergonhada? Anthony não
imaginava que a Srta. Taylor pudesse sentir vergonha de nada, já
que ela, apesar da castidade, não teve um ataque apoplético nem
ao vê-lo nu.
— Mademoiselle Taylor, não parece educado deixar um homem
como Monsieur Eckley esperando. Como concluiu seu trabalho de
hoje, pode acompanhá-lo se assim precisar.
A mentora se aproximou deles e Rosamund a fitou surpresa, não
esperando que fosse ser dispensada. Mal sabia ela que Anthony
conseguia o que queria apenas com um sorriso sedutor.
— Agradeço, madame. Preciso resolver alguns assuntos e a
ajuda da Srta. Taylor será muito bem-vinda.
— Certamente. Quando sua acompanhante chegar,
mademoiselle Taylor, eu aviso que já foi para a sua residência.
Rosamund concordou e ajeitou suas coisas para sair, mas
Anthony suspeitou que ela não gostou que decidissem o que fazer
por ela. Vestiu o paletó, ofereceu o braço para que ela segurasse e
deixaram o ateliê para as ruas ainda ensolaradas do outono
parisiense. Soprava um ar fresco e muitas pessoas perambulavam
pelos espaços conhecidos da exposição. Sem delongas, ele
chamou um cabriolé de aluguel para conduzi-los até o destino
pretendido.
— Você vai me explicar o que foi tudo isso? — Ela questionou
assim que se acomodou ao lado dele no diminuto espaço do
cabriolé. — Aparecer no ateliê, exibir-se para minhas colegas de
classe e me sequestrar antes do final da aula?
— Eu não estava me exibindo para suas colegas. — Anthony riu.
— Se estivesse não teria mantido minha camisa fechada, Rose.
Quis apenas ajudá-la. E não estou te sequestrando, não é um rapto
se você me segue voluntariamente.
— Aonde estamos indo?
— Salpêtrière.
Ela ficou tensa ao seu lado e Anthony percebeu. Levou a mão
até a dela e segurou os dedos, agora enluvados, entre os seus.
— Por que estamos retornando a esse lugar? Faz parte da
investigação?
— Não vamos lá investigar.
— Você está econômico com as palavras. — Rose reclamou. —
Parece que está me escondendo algo.
— O que queria conversar? — Anthony mudou de assunto. —
Há privacidade suficiente agora, já que duvido que o cocheiro fale
inglês.
Um momento de silêncio se seguiu à pergunta. Rosamund o
encarava e, de súbito, passou a olhar a paisagem cinza dos prédios
e construções, puxando a mão que ele segurava.
— O que aconteceu ontem, imagino que devamos falar sobre
isso.
— Se você quiser.
— Não sei se quero, nem se devo. Não estou acostumada a
esse tipo de interação com alguém. Tudo em relação a você é uma
novidade, milorde. — Os olhos dela estavam então sobre ele outra
vez. — Infelizmente preciso confessar que, mesmo depois de uma
ótima noite de sono, algo que não experimento há dias, fiquei mais
agitada do que antes.
Ele deu uma risada e pegou a mão dela outra vez, abrindo com
destreza os dois botões que mantinham a luva no lugar para depois
retirá-la.
— A sua sinceridade é uma das coisas mais interessantes sobre
você. — Anthony abriu a mão dela e levou a palma até a boca para
beijá-la. — Eu ficaria bastante ofendido se não se sentisse assim,
Srta. Taylor. A grande questão é o que a senhorita fará quanto a
isso.
Não era uma pergunta e ela não ofereceria nenhuma resposta.
Ele sabia que jogos de sedução deveriam estar fora da sua lista de
atividades em Paris e não foi por sua vontade que aquela mulher
cruzou seu caminho, porém, ali estava ela e o marquês não sabia
como livrar-se dela. Ele nem mesmo queria e, depois de saber que
os ratos da casa estavam tramando para desonrá-la e forçá-la a um
casamento com um homem que ela já rejeitara antes, sentiu-se no
dever moral de protegê-la.
Claro que o objetivo não era apenas protegê-la, mas evitar que
ela fosse arruinada por outro que não ele. Se alguém exporia a Srta.
Taylor em um escândalo, esse alguém seria o Marquês de Granville.
— Por que você me disse para não ficar sozinha com nenhum
homem da casa? — Por sorte ela também achou prudente mudar de
assunto. Se tivesse que falar sobre a noite passada, Anthony
acabaria dizendo que desejava repeti-la. — Apesar de meu
comportamento atual, não costumo fazer esse tipo de coisa.
— Eu participei de uma conversa entre Finley e Rondale. Parece
que eles estão pretendendo provocar um escândalo para que se
sinta compelida a se casar com o barão.
A notícia a chocou. Rosamund recolheu as mãos, recolocou a
luva e passou os dedos pelos cabelos, ajeitando qualquer
imperfeição em seu penteado. Não fez nenhum comentário, apenas
voltou a olhar para a paisagem e se manteve em silêncio enquanto
o veículo os levava ao hospital. Em determinado momento ele
percebeu que uma lágrima escorria dos olhos dela e descia
traçando suas bochechas avermelhadas pelo ar frio da cidade.
Ela estava chateada a ponto de chorar e isso o corroeu por
dentro. Anthony poderia dizer que estava envolvido o suficiente para
se importar com os sentimentos dela e a vontade de encher a cara
engomada de Rondale de socos se intensificou.
— Por que eles se dariam ao trabalho? — Ela também notou a
lágrima e tratou de secá-la com as costas da mão. — Depois que
meu pai descobrir tudo que andei fazendo em Paris, ele me casará
com qualquer um que quiser. Basta que Rondale peça.
Outra lágrima rolou pela face dela, e mais uma. Anthony retirou
um lenço do bolso interno do paletó e levou a mão até o queixo
dela, fazendo com que olhasse para si.
— Rose, preste atenção. Esses homens não possuem honra
alguma. Seu pai pode descobrir suas mentiras, mas há outros com
quem poderá se casar. Rondale não é uma opção. De qualquer
forma, estarei por perto. Eles não conseguirão levar adiante esse
plano porque eu não permitirei.
Com um movimento de cabeça ela assentiu e recostou no
banco. A curta viagem não demorou a encerrar e logo eles
chegaram ao destino sem que outra palavra fosse trocada entre
eles.

O vislumbre da construção do hospital Salpêtrière durante o dia fez


com que os ossos de Rosamund estalassem. Apenas saber que
voltariam ao lugar a deixou nervosa, mas não havia nenhuma
missão que poderia dar errado, nem perigo naquele momento.
Anthony garantiu que iriam apenas conversar. Segurando o braço
dele com força em excesso e quase nenhum decoro, ela o
acompanhou pelo portão de entrada até o corredor principal. Havia
um cheiro muito forte de álcool e iodo, porém, nenhum doente
deveria ficar por ali. Por sua experiência em fazer trabalho para a
caridade, os doentes ficavam na parte mais interna e escondida dos
hospitais.
O marquês pediu para falar com o diretor e eles foram guiados
por uma jovem freira até um corredor mais amplo e cheio de portas.
— Preciso entrar sozinho. Você entende, não entende?
Rose apenas balançou a cabeça para cima e para baixo dizendo
que sim, ela entendia. Mulheres não participavam de determinadas
reuniões e ela suspeitou que fosse uma das ocasiões. Não desejava
ficar sozinha ali naquele lugar, nem entendia por que Lorde Granville
a levara se não precisava de sua ajuda, porém, lembrou-se do que
ele dissera dias antes. Talvez fosse exatamente por ser mulher que
ela estivesse ali — porque não estranhariam se ela fuxicasse ou
fofocasse. Depois que a porta se fechou e as mulheres ficaram do
outro lado, a jovem freira fez menção de se afastar e Rosamund
decidiu conversar.
— Fiquei sabendo que houve um assalto aqui. É verdade?
— Oh! Sim, é verdade. Foi uma tragédia, mademoiselle. — A
moça voltou a se aproximar. — Os bandidos mataram uma de
nossas irmãs.
— Que horrível. — Rose fingiu a comoção como se estivesse
sabendo da notícia naquele instante, levando a mão à boca e
arregalando os olhos em espanto. — O que poderiam roubar em um
hospital?
— Acho que procuravam um dos nossos pacientes. —
sussurrando, a jovem dobrou o corpo na direção de Rose. —
Recebemos alguns baleados e um deles estava envolvido com o
tráfico de armas ilegais. Foi o que ouvi o diretor conversando, e
parece que esse homem sumiu depois do assalto. Deus
misericordioso, se não foi ele o ladrão!
A informação parecia suficiente e a freira estava bastante
assustada para continuar. Rose achou melhor perguntar sobre o
prédio e sobre a história enquanto esperava, mas não demorou
muito para que Lorde Granville se juntasse a elas. A porta do
escritório se abriu e ele saiu, acompanhado de um homem de
bigodes que parecia muito alto e elegante. Os dois conversaram
algo em francês, apertaram as mãos e se aproximaram. A freira
aproveitou a oportunidade para ir embora e Anthony ofereceu o
braço para que Rosamund o segurasse, guiando-a para fora do
prédio.
Ainda era cedo, o sol tímido iluminava os prédios e tornava o
entardecer poético. Ao invés de chamar um veículo de aluguel, o
marquês se pôs a caminhar na direção do Sena. Por algum tempo
ele não disse nada, apenas repousou os dedos sobre os dela.
Rosamund não o conhecia o suficiente, mas teve certeza que ele
esperava que ela iniciasse a conversa ou dissesse o que pensava
antes de começar a falar qualquer coisa. Nunca um homem esteve
disposto a ouvi-la.
Os homens sempre a trataram como uma incapaz ou um meio
para um fim. Queriam-na pelo dinheiro que vinha com ela, ansiavam
pelo dote que seu pai oferecia para quem a levasse em matrimônio.
Apesar disso, o pai era rigoroso com as escolhas e a ouvia sempre,
permitindo que, até aquele momento, ela recusasse todos os
pretendentes horríveis que apareceram. Talvez o que afastasse
Rosamund do casamento não fosse nenhuma aversão à instituição
em si, mas aos motivos que levavam os cavalheiros a escolhê-la
como esposa. Era possível que ela preferisse alguém que se
interessasse por ela, por quem ela era ao invés de desejá-la apenas
por seu dote.
Aquele ali ao seu lado parecia o tipo certo. Por que tinha que ser
justo um libertino que via o casamento como uma doença
contagiosa?
— Por que fomos ao hospital? Diga a verdade.
— O que descobriu enquanto esteve conversando com a jovem?
— Nunca lhe disseram que não devemos responder uma
pergunta com outra pergunta?
— Diga-me, Rose. Ela contou alguma coisa?
— Sim, disse que um dos pacientes desapareceu depois do
incidente que chamaram de assalto e que ele estava envolvido com
tráfico de armas. Eu nem sabia que isso existia, o que significa?
Anthony enrijeceu sua postura e comprimiu seus dedos entre a
dobra do cotovelo. Olhou ao redor, como que garantindo que
ninguém os observava, e continuou a andar até pararem em um
café na margem do rio. Era um lugar movimentado e muito
romântico — mesmo que o romance estivesse fora de contexto.
Sentaram-se e ele pediu que servissem tortas e café.
— Eu suspeitava que Finley estivesse comprando algo, não
vendendo informações. Por que armas, não sei. Esse traficante
deve ser um dos assassinados.
— O que faremos? O diretor deu alguma pista?
— Não pretendia nada dele. Meu objetivo era que você
conversasse e obtivesse informações, como aconteceu. O diretor foi
meu disfarce, mas serviu para que eu fizesse uma boa doação para
o hospital.
— Isso foi gentil da sua parte. Ou também é um disfarce?
— Não é um disfarce.
Uma jovem usando avental com babados trouxe a bandeja com
os pedidos. Anthony lhe sorriu e a moça quase derreteu ali na
calçada, mas não se portou como uma das conquistas do marquês.
Serviu-lhes torta de creme com frutas e café preto para ele, mas chá
para ela. Rose não percebeu quando ele pediu tudo aquilo, nem
mesmo imaginava que ele soubesse que ela preferia chá ou gostava
de torta de creme. Tinha que ser coincidência.
— Como você sabia que eu conseguiria essas informações?
Ela tinha muitas perguntas e queria todas as respostas.
Bebericou o chá, que estava perfeitamente adoçado, e suspirou.
Gretha provavelmente a mataria naquela noite.
— Você não é a única observadora. Eu suspeitei que você não
perderia uma oportunidade se a visse e arrisquei.
— Infelizmente não consegui nada muito útil.
— Pelo contrário. Saber que Finley pode estar interessado em
armas muda tudo e nos faz mudar a forma de pensar a
investigação. Você foi fenomenal, Rose.
O marquês levou as duas mãos até as dela e as segurou. Não
estavam usando luvas naquele momento e o vento frio do Sena
soprava sobre eles, mas Anthony tinha a pele quente como brasa. O
contato não foi breve e acabou com um longo olhar trocado. O que
ela estava pensando em envolver-se tanto com um homem como
Lorde Granville? O grande problema era que Rose não seria mais
capaz de evitar. Ela estava irremediavelmente atraída para ele e por
ele.
Capítulo décimo segundo

—E - .— ,
que estavam em silêncio, apenas comendo.
Precisava desesperadamente encontrar algum assunto que o
fizesse parar de olhar para ela, para a boca vermelha do creme de
morangos e para as mechas de cabelo de que se desprendiam do
penteado que ela sempre usava. Anthony precisava de qualquer
coisa para não colocar fim à distância entre eles, tomá-la nos braços
e beijá-la. Não que ele tenha acertado na escolha das palavras,
porém ninguém podia acusá-lo de não tentar.
— Proteger? — Rosamund livrou as mãos e comeu outra fatia da
torta. Até o ato de mastigar era sensual quando realizado por ela.
Anthony nunca imaginou que uma mulher pudesse seduzi-lo
tentando não o fazer. — De Lorde Finley?
— Também. Não deixarei que Rondale leve seus planos adiante
nem que Finley faça nada para feri-la. Você confia em mim?
— Por incrível que pareça, nunca vi tanta sinceridade nos olhos
de alguém como vejo nos seus.
Ela lhe sorriu enquanto levava a xícara de chá até a boca. O
marquês estava sentado em um café de frente para uma das
maiores belezas que ele já vira e toda a sua atenção estava
concentrada em Rosamund Taylor. O Sena não tinha a menor
chance comparado a ela. Nada naquele rio magnífico que atraía os
românticos e casais apaixonados era mais belo do que a mulher
sentada ao seu lado, e ele não entendia aquele sentimento. Quem o
conhecia sabia que Anthony era um apaixonado, ele sempre
deixava suas emoções um pouco à flor da pele demais, mas nunca
as direcionava para nenhuma mulher em específico. Ele amava
todas ao mesmo tempo.
Suspeitava que com Rosamund as coisas fossem diferentes. Ela
tinha o dom de exauri-lo, todos os seus pensamentos iam na
direção dela. A hipótese o assustava e o fascinava ao mesmo
tempo. Por anos ele aprendeu como desafiar seus limites e como
ultrapassá-los, só se sentia completo e pleno se fosse além do que
era esperado. Anthony não temia o desconhecido, ele flertava com o
mistério e o que não podia prever. Então, sentimentos diferentes
também não o assustavam, apenas o desorientavam. Como ele
nunca estivera naquela posição, não sabia como agir e era perigoso
demais lançar-se em uma aventura exatamente naquele momento.
Mas o seu desejo de proteger e manter Rosamund segura era
um indício de que não havia volta do caminho que escolhera.
— Você foi convidada para ir ao Le Chat Noir amanhã?
Ele perguntou, por fim.
— Sim, por Lady Bachour. Lorde Finley ficou de nos
acompanhar, agora precisarei inventar alguma indisposição para
recusar. Vão pensar que sou uma mulher doente.
— Não recuse. Eu também as acompanharei. Ninguém achará
estranho que um Eckley decida ir a um cabaré.
— Por que está fazendo isso? Por que se importa? Toda hora a
oportunidade de livrar-se de mim aparece e você não a aproveita.
Eram ótimas perguntas para as quais Anthony não tinha
respostas. Poderia dizer que gostava dela, seria verdade e faria
sentido, mas também seria muito precipitado. Sabia que gostar não
era um sentimento exagerado, ele gostava de muitas pessoas e
muitas coisas. Gostar de Rose era aceitável. Ainda assim, ele temia
que ela tivesse a impressão errada se ele se revelasse demais.
— Quer que eu me livre de você, Rose?
— Não. — ela respondeu sem hesitar. — Porém, gosto de
compreender as coisas que acontecem ao meu redor. Gosto de
saber os porquês.
— Neste caso, eu lamento frustrá-la. Contra todo bom senso e
razão, tudo que sei é que, apesar de nosso início conturbado, você
se tornou uma parceira valiosa.
Ela sorriu outra vez.
— Gostaria de retornar para casa. Minha prima deve estar
escrevendo uma carta desesperada para meu pai neste instante.
— Eu a levarei de volta. — Anthony levantou-se e ofereceu a
mão para Rosamund. A atendente se aproximou para receber os
valores pela conta e recolher a louça. — Não se preocupe com sua
prima, posso conversar com ela.
— Não sei o que poderia dizer para acalmá-la, mas agradeço a
intenção.
Anthony quis dizer que ela não deveria se preocupar, que
cuidaria de tudo. Sim, ele sempre cuidava de tudo. Cuidou da casa
na ausência do pai, cuidou dos irmãos e da prima, cuidou de
negócios como foi criado para fazer. A vida de um homem como ele
era de responsabilidades. Tomar decisões e assumir consequências
era parte do processo e ele nunca se furtara a nada disso.
Ele queria fazer aquilo por Rose também, mesmo que ela não
estivesse sob seus cuidados. Finley era um criminoso perigoso e
aquela mulher não tinha ninguém para protegê-la durante sua
estada fora do país. Talvez ela não precisasse de proteção, Rose
era capaz de tomar suas decisões e cuidar de si, mas a sociedade
esperava outra coisa — esperava que um homem estivesse ao lado
dela.
Mesmo que ele não fosse vê-la mais depois que retornassem a
Londres, estava decidido a permanecer com ela em Paris se ela
assim quisesse. Chamou um carro de aluguel, ajudou-a a subir e
acomodou-se ao lado dela no assento, tendo muita certeza em suas
convicções e um pouco de dúvida em suas reações. Mesmo que
fizessem todo o trajeto até a casa do visconde em um veículo
aberto, ele manteve a mão sobre a dela e as pernas roçando nas
dela. Rosamund não o repeliu, ao contrário, em determinado
momento, ele pôde jurar que ela acariciou seu braço. Céus! Ele
estava perdido.

Um dia se passara sem que ele tivesse dirigido uma palavra à Srta.
Taylor. Decidiu dar a ela algum tempo de folga e a si mesmo algum
tempo de paz, mas sentiu falta da voz, do cheiro e da presença
dela. O banho morno que acabara de tomar não fez o efeito que
Anthony esperava. Ele continuava estranhamente silencioso e
pensativo enquanto se vestia para o jantar. O dia não saiu como
planejava. Não conseguiu mais pistas sobre onde se deslindaria a
transação de armas do visconde e não achou nada interessante nos
lugares que andou procurando. Estava apostando suas fichas
naquela noite no Le Chat Noir, já que Finley não parecia perder
tempo com nada que não estivesse envolvido em seus negócios.
Monty pigarreou e chamou a sua atenção.
— Milorde, faz alguns dias que o Sr. Prescott não dá notícias.
— Temos nos falado pessoalmente. — Anthony terminou de
abotoar os punhos da camisa. Mesmo que seu valete estivesse ali
do lado ele insistia em fazer determinadas tarefas sozinho. — Hoje
nos encontramos durante o dia. O que tem ouvido por aí, Monty? O
que dizem os criados?
— Parece que o anfitrião chegou sujo de sangue certa noite e as
criadas acham que ele abusou de alguma mulher. Estão todas com
medo dele.
— Deixe que o temam, estarão mais seguras assim. Diga-me,
estou adequadamente vestido para um cabaré?
O marquês girou em seu eixo e exibiu o conjunto de noite
impecável. Apesar de usar quase sempre ternos pretos, ele preferia
gravatas com alguma cor. A escolhida daquela noite era vermelha,
escura como sangue coagulado, e o colete tinha tons de marrom,
cinza e vinho. Com os cabelos penteados para o lado e a barba
feita, ele parecia exatamente o aristocrata indolente que pretendia
encenar.
— Entendo ser adequado até mesmo para um encontro com a
Rainha, milorde. Haverá alguma dama em especial se apresentando
hoje à noite?
— Por que suspeita que uma mulher tenha influenciado a
escolha das minhas roupas?
— Porque trabalho com o senhor há mais de uma década,
milorde. O senhor cuida da aparência, mas, quando está envolvido
em seus… er, jogos, fica muito mais vaidoso.
Anthony olhou-se por mais algum tempo no espelho. Ele não
estava envolvido em jogo algum, mas talvez o criado tivesse razão:
havia uma mulher. Estaria ele se vestindo para agradar a exigente
Srta. Taylor em seu gosto por homens peculiares?
— Você pode tirar o restante da noite de folga, Monty. Depois do
jantar, acompanharei as mulheres da casa a um passeio pelo Le
Chat Noir e Deus sabe a que horas voltarei.
— Tenho certeza que voltará, milorde.
O valete pediu licença com um movimento de cabeça e se retirou
do quarto. Anthony não demorou muito mais, assim que garantiu
que seu anel com o brasão da família estava em seu dedo e que
não havia nem um fio de linha fora do lugar, desceu para o salão
onde aconteceria o jantar. Apesar de tê-lo frequentado por muitos
dias desde que chegara a Paris, naquela noite decidiu que agiria
diferente. Precisava demarcar seu território. Os homens da casa
queriam importunar a Srta. Taylor e teriam que passar por sobre ele
para conseguir. Não importava a vida oculta do visconde ou a sua
própria, nenhum deles chegaria perto de Rosamund ou ele lhes
arrancaria as tripas e penduraria no quintal para secarem ao sol.
Ao descer as escadas, encontrou-a já conversando com a
esposa de Rottschild e sua prima Gretha. Foi a primeira vez que ele
a viu trajada para um evento noturno e o impacto da surpresa quase
o derrubou nos últimos degraus. Rose usava um conjunto vinho feito
de crepe, composto de saia, casaco e uma blusa preta por baixo. Os
cabelos continuavam mal presos, um pouco frouxos com mechas
caindo pela lateral do rosto dela. Ao vê-lo se aproximar, ela sorriu e
seu coração disparou.
— Lady Rottschild. — Anthony cumprimentou a mulher casada
primeiro. — Senhoritas.
Gretha tinha um vinco no meio dos olhos enquanto encarava o
marquês e ele chegou a pensar que ela fosse atacá-lo, assassiná-lo
e esconder o corpo. Manteve a pose de conquistador, segurou a
mão que ela não lhe ofereceu e beijou-lhe os dedos. Se aquele
gesto não derretesse o gelo que envolvia cada fibra do corpo
daquela mulher, ele não sabia mais o que fazer. Suas técnicas mais
elaboradas eram guardadas para as damas que ele pretendia
seduzir, não para as primas que ele pretendia afastar. Depois,
segurou a mão de Rosamund e repetiu o cumprimento, mas daquela
vez fez questão de dedicar uma atenção especial ao beijo. As mãos
dela estavam nuas e frias, e seus lábios quentes a fizeram
estremecer um pouco, quase imperceptivelmente para que alguém
notasse, mas ele não deixou passar.
Quando o mordomo anunciou o jantar servido, Anthony assumiu
sua precedência e ofereceu o braço para que ela o acompanhasse.
Surpreendeu Gretha oferecendo o outro braço para ela, que aceitou
depois de alguma hesitação. Provocá-la era quase tão divertido
quanto provocar Rosamund, mas seus objetivos eram diferentes
com cada uma das primas. Uma ele queria em sua cama, apesar de
saber que não deveria querer. A outra ele queria distante, permitindo
que ele decidisse o quanto valeria arriscar tudo e levar a primeira
para a sua cama. Ao ver que os criados direcionavam as mulheres
para um lado da mesa e ele para outro, Anthony decidiu intervir
outra vez. Chamou o mordomo e estabeleceu que ele se sentaria ao
lado da Srta. Taylor e não importava o que tivesse dito o anfitrião.
Aquele sentimento de posse era novo. Ele não costumava agir
como um leão cuidando de sua família, nunca foi possessivo com
mulheres nem sequer cogitou pedir alguma exclusividade a elas. Se
um homem as importunava, Anthony não intervinha se não
houvesse violência — porque mulheres sabiam se defender, sabiam
seus limites, sabiam até onde queriam ir. Com Rosamund era
diferente. Seus olhos vagaram até Rondale, que acabava de entrar
no salão de jantar, e a expressão dele ao ver que não se sentaria ao
lado da Srta. Taylor o fez sorrir. Era um sorriso predatório, que
indicava que ele fora o responsável pela frustração dos planos do
barão.
Ela pode não ser minha, mas só será sua se ela quiser.
— As pessoas vão perceber. — Rosamund murmurou depois
que o jantar começou a ser servido. Finley falava sobre decoração
com Rottschild e sua tia, e a voz dele era tão estridente que
ninguém conseguia prestar atenção em mais nada. — Você foi
muito incisivo agora, e se julgarem que deseja me cortejar?
— Sou o Marquês de Granville. Quem me conhece sabe que
cortejar mulheres é minha especialidade.
— Então você não se importa em ser associado a mim dessa
forma?
Quem deveria se preocupar ou se importar seria ela. Afinal,
Rosamund Taylor, a pudica única filha de um rico burguês inglês
gostaria de ser associada ao lorde libertino, ao homem mais
devasso da Inglaterra? Anthony tinha certeza que um cortejo
público, desde que resguardado o decoro, não macularia a honra
dela, então aquela demonstração de poder e força não a
prejudicaria. Mas ela poderia não pensar da mesma forma.
— Não, eu não me importo.
Talvez ele estivesse enganado, mas ela sorriu e suas dúvidas
logo desapareceram. Ela pareceu satisfeita pela possibilidade de ser
cortejada publicamente por ele e Anthony não estava preparado
para lidar com aquilo.

Pare de sonhar, Rose. Pare agora!


A voz interior que ela quase sempre ignorava estava gritando e
causando um fuzuê em sua cabeça. Uma comitiva composta pelo
marquês, pelo visconde, por Lady Bachour, o casal Thompson, o
Barão Rondale, ela e Gretha seguiam para um dos mais famosos
cabarés de Paris, o Le Chat Noir. O objetivo era assistir uma
apresentação de Can Can, mas Rose suspeitava que Lorde
Granville não estava ali para ver dançarinas exibirem suas calçolas,
o que significava que Lorde Finley também não estaria. Primeiro, ela
quis se irritar por ele não contar que ir ao cabaré fazia parte da
missão, mas Anthony estava diferente naquela noite. Ele esteve
desaparecido o dia inteiro e Rose não sabia o que fazer depois da
conversa que tiveram no jantar.
Porque ela estava fantasiando. O Marquês de Granville não se
interessava por moças como ela. Talvez ela pudesse ser uma
distração, uma ajuda, mais um corpo em sua cama, mas seria só
isso. Não havia cortejo, não havia nenhuma intenção real por parte
dele que justificasse aquele deslumbramento. Ele foi até o ateliê?
Ele se interessava pelo que ela pintava? Ele a levava para passeios,
oferecia torta de creme e rosnava para os homens que sorriam para
ela como um cão de guarda? Ele a olhava como se só ela existisse
no mundo e ninguém mais importasse? Sim, mas nada daquilo
significava o que ela queria. Claro que não significava.
O Le Chat Noir era menor do que Rosamund esperava — nada
como um teatro ou uma casa de espetáculos londrina —,
assemelhava-se mais a um bar. Havia outras mulheres, todas
vestidas com elegância e acompanhadas de cavalheiros. A
decoração era carregada de pinturas e estátuas. O ambiente não a
fazia recordar da experiência no barracão da luta de boxe, o que
sugeria que ali as damas não eram “do tipo do marquês”. Ela
detestou aquela comparação no instante que a fez. O que tornava
as mulheres respeitáveis não era a profissão que exerciam, mas a
atitude dos homens para com elas. Homens não respeitavam
mulheres, apenas outros homens.
Depois de entrarem no cabaré, foram conduzidos a uma mesa
grande e que acomodava a todos, mas os assentos eram apertados
e Rose se viu quase sentada sobre o marquês — porque ele não
saía do seu encalço. Gretha, que acabou à sua frente na mesa, a
olhava como se uma catástrofe estivesse prestes a acontecer e ela
nem sequer tinha como dizer que estava tudo bem. Era bem
provável que Gretha estivesse certa. O visconde, com sua mania de
tomar as decisões, pediu que lhes servissem Bourbon e champanhe
para as mulheres.
— Traga um Citron Pressé. — Anthony disse ao jovem que lhes
servia antes de ele se afastar. — Não faça muito ácido.
— Vai recusar um drinque, Granville? — o Barão Rondale
provocou, atento a tudo que o marquês fazia. Eles estavam em um
claro estranhamento masculino que Rosamund pouco compreendia.
— Diferente de você, Rondale, eu presto atenção ao meu redor.
A Srta. Taylor não bebe, a limonada é para ela.
Toda a mesa demonstrou surpresa e Rose sentiu todo o sangue
do seu corpo ser bombeado para suas bochechas. Ela deu um
sorriso constrangido sem saber como ser o centro das atenções
quando ela nunca era notada. Não, ninguém sabia que ela não
bebia porque as pessoas não a percebiam além do necessário. O
barão podia querer casar-se com ela, mas não a conhecia
minimamente.
Um pequeno palco se acendeu no mesmo momento em que as
bebidas foram servidas. O espetáculo foi anunciado e um grupo de
músicos começou a tocar o Galope Infernal. Rosamund adorava
Offenbach e a animação daquela composição a deixou excitada.
Lamparinas foram apagadas e apenas o palco era iluminado, tendo
logo sido preenchido por mulheres com vestidos indecentes. Elas
dançavam e levantavam as pernas e giravam as saias e o efeito era
belo. Pessoas batiam palmas no ritmo da música e as dançarinas
fizeram três apresentações para, depois, serem ovacionadas pela
plateia.
Rosamund adorava espetáculos e aplaudiu com entusiasmo.
Gretha, apesar da carranca que portava com frequência, também
gostou e chegou a sorrir. Depois que as lamparinas foram
novamente acesas e os músicos passaram a tocar composições
mais simples e menos energéticas, Lorde Finley se levantou com a
desculpa de que vira um conhecido e saiu da mesa. Ela estava
certa, havia algo acontecendo naquela noite. Ao ver o visconde se
mexer, Anthony logo inventou uma razão para se levantar também.
Antes de se afastar, olhou para Rose com uma expressão que a
comandava a ficar naquela mesa ou ele não responderia por si. Ela
podia ser péssima em obedecer, mas entendia bem o que ele dizia
sem precisar de palavras.
Ficar ali significava ter que interagir com o assunto tedioso de
Lady Bachour, que só sabia falar dos cachorros que tinha na casa
de campo em Hampshire e que só visitava uma vez ao ano, ou lidar
com os olhares indecentes do Barão Rondale, ou ainda, com a
reprovação muda de sua prima. Rosamund não sabia dizer quando
tudo ao seu redor se tornou desinteressante ou quando nem mesmo
falar sobre museus e quadros famosos conseguia atrair a sua
atenção. O frenesi da investigação e do mistério a seduziram de tal
forma que nada mais tinha graça, só descobrir provas, ouvir
conversas secretas e se esgueirar com o marquês por cantos
escuros.
Ela não se contentaria com o tédio. Deixou que seus olhos
acompanhassem o movimento do marquês enquanto fingia que
ouvia o falatório da mulher mais velha e percebeu quando o
visconde começou a conversar com alguém. Ninguém veria a troca
de bilhetes que ela viu. Os homens foram bastante discretos, mas
Rose estava atenta. Anthony também viu, ela sabia, mas foi
interceptado por alguém que o reconheceu e começou a puxar
assunto.
A distância e o barulho do ambiente impediam que ela ouvisse
qualquer coisa que não fosse Lady Bachour. Quando Lorde Finley
escapou por uma porta e o marquês quis segui-lo e teve dificuldade
em livrar-se do conhecido que tagarelava, ela decidiu agir. Estava
fora de si. As pessoas da mesa poderiam percebê-la e interrogá-la,
mas pareceu uma boa ideia levantar com uma taça do champanhe
que não bebia e se aproximar de Anthony.
Ele não a viu chegando e isso ampliou o impacto de seu plano.
Sentindo-se confiante, Rose aproximou-se e, com mãos firmes,
jogou o conteúdo da taça sobre o marquês. O líquido borbulhante
espirrou por seu paletó e calças, também molhando o rosto dele. O
homem inconveniente com quem conversava ficou horrorizado, mas
não pareceu surpreso.
— Seu patife! Quero que arda no inferno. — Rosamund disse
antes de afastar-se e deixar a taça com um atendente que passava.
Na mesa, ninguém a notara, apenas Gretha. Não tinha jeito, ela
precisaria explicar alguma coisa para a prima, logo.
Capítulo décimo terceiro

N M G ,
quando ele estava embriagado. Ainda assim, apesar de ver
Rosamund se aproximando e de saber que ela viria até ele, Anthony
não estava preparado para tomar um banho de champanhe — e ele
nem sabia o que fizera de errado. Quando uma mulher jogava todo
o conteúdo de uma taça de bebida na cara de um homem, ela
estava muito irritada com o cavalheiro em questão. E, apesar de ele
estar longe de ser um cavalheiro, não achava que tivesse feito nada
que justificasse aquela reação.
Os olhos azuis dela estavam furiosos e os lábios comprimidos.
Rosamund não disse mais nada além de uma ofensa, mandou-o
para o inferno e saiu marchando na direção do reservado feminino.
— Parece-me que alguma de suas conquistas não ficou
satisfeita.
François provocou. O irritante francês, que era parceiro de
negócios de seu pai, o estava impedindo de ir atrás de Finley e
parecia não haver desculpa boa o suficiente para livrar-se do
homem.
— E o pior é não saber no que desagradei. — Anthony deu uma
risada cínica. — Preciso limpar isso antes que manche meu colete
novo.
— Vá, homem. Evite cruzar com ela de novo, nunca se sabe o
que mais essas mulheres vão querer atirar em nós.
— Que não seja uma bala!
Anthony se despediu com um movimento de cabeça e caminhou
para o banheiro. Já havia perdido a pista do visconde, estava com o
casaco ensopado e cheirando a uva doce, mas o que o incomodava
naquele momento era o que levara Rosamund a fazer aquilo. Não
se lembrava de tê-la magoado, não fez nenhum gesto impensado
naquela noite, ela não demonstrou nenhuma insatisfação, antes,
então o que poderia ser? Se ele tivesse novamente cruzado com
Julienne Delacroix ou outra de suas ex-amantes francesas, poderia
entender que ela poderia ter ficado com ciúmes — e se sentiria
lisonjeado.
Com a cabeça fervilhando de hipóteses, ele se trancou no
reservado masculino e retirou o paletó no instante em que ouviu
vozes. Não havia mais ninguém ali com ele, o espaço foi feito para
apenas uma pessoa usar e era muito bem equipado, mas as
paredes do cabaré eram mais finas do que pareciam. Anthony olhou
ao seu redor e percebeu uma pequena janela que estava meio
aberta e dava para o beco atrás do edifício, e era dali que vinha o
burburinho. Ele se aproximou e apurou os ouvidos e descobriu que
era Finley com outro homem e eles falavam em inglês.
Um sorriso involuntário brotou nos lábios do marquês. Ela não
estava brava com ele nem irritada, nem com ciúmes. Rosamund
planejou tudo para que ele pudesse ter uma boa desculpa para se
afastar de François, e era bem provável que ela suspeitasse que ele
conseguiria ouvir Finley do banheiro. Aquilo significava que ela
esteve prestando atenção neles durante todo o tempo e que
arriscou que questionassem seu recato para ajudá-lo na
investigação.
Ele se sentou em uma cadeira e ouviu. Retirou o colete, dobrou
as mangas da camisa e afrouxou o nó da gravata enquanto a
conversa, em voz baixa, discutia sobre a entrega de armas
contrabandeadas para a África e a América do Sul. Então a suspeita
levantada pela freira no Salpêtrière era verdadeira. Anthony fechou
os olhos e esperou até que os homens terminassem sua discussão,
se afastassem e não restasse nenhum ruído que colocasse em risco
sua saída do banheiro. Vestiu o paletó ainda molhado e retornou
para o cabaré. Sua aparência desleixada sugeria que estivera em
alguma atividade durante o tempo que esteve fora — com uma
mulher e em um canto escuro, de preferência. Confirmou que Rose
estava de volta à mesa e tranquilizou-se.
Recostou no balcão, pegou um papel empapado do bolso de seu
colete e uma caneta e escreveu uma única palavra. A tinta borrou
ao entrar em contato com a umidade do papel, que estava se
esfacelando, mas Anthony o deixou debaixo de um recipiente onde
guardavam gorjetas para os atendentes. Colocou uma boa quantia
em dinheiro na caixa e sugeriu ao barman que não deixasse
ninguém tirar o bilhete dali. Poderiam vê-lo, lê-lo, mas não o retirar.
Depois aproximou-se da mesa onde estavam todos novamente,
inclusive Finley.
— Senhores, senhoras, senhoritas. — O marquês fez uma
mesura fingindo embriaguez. — Lamento precisar deixá-los, mas
tenho alguns compromissos urgentes pedindo a minha atenção.
— Compromissos às dez da noite, Granville? — Rondale
provocou.
— Minhas melhores horas começam agora.
Anthony sorriu, deu dois tapinhas no ombro do barão e saiu
cambaleando pelas mesas. Quando já estava em lugar seguro, de
onde não podiam vê-lo, parou de fingir e saiu por uma porta lateral.
Precisava voltar para casa e redigir outra carta para Eddy o mais
rapidamente possível. Além de explicar que estiveram enganados
sobre o visconde, precisava informar que haveria uma entrega de
armas contrabandeadas no Port de l’Arsenal em alguns dias e que
deveriam interceptá-la.
Não podia fazer nada daquilo ainda, precisava manter o controle
e esperar. No dia seguinte daria um jeito de comunicar ao duque o
que estava realmente acontecendo e diria que não tinha provas,
mas que conseguiria alguma coisa que pudessem usar contra
Finley. Se desse um movimento em falso poderia ser pego e isso
não seria bom para ninguém. Ele era o único que detinha a
informação do tráfico de armas e precisava tomar cuidado até que
ela estivesse segura em mãos confiáveis.
Outras coisas ocupavam o pensamento de Anthony naquele
momento e eram coisas cujo domínio ele não possuía. Se a missão
parecia caminhar para um deslinde em breve, mesmo que não da
forma que esperava, a sua relação com Rosamund Taylor estava
fora de controle. Alguma coisa desencaixou dentro dele naquela
noite ao perceber que ela era sagaz, destemida e incrivelmente
corajosa. Isso, somado a todas as outras qualidades que já
observara nela, o deixaram com a certeza de que ele estava um
pouco encantado por Rose a ponto de tomar decisões irracionais.

A partida prematura de Lorde Granville fez com que todos na mesa


fofocassem sobre a sua libertinagem. Era claro que o marquês
estava enrabichado por uma dama qualquer e a levara para uma
alcova. A noite, para ele, terminaria com ela em uma cama de hotel
barato. Lorde Finley disse que conhecia bem o tipo e o Barão
Rondale desdenhou afirmando que, em algum momento, ele
morreria de sífilis. Logo iniciou-se uma discussão sobre os males
das doenças do sexo, mesmo em uma mesa com mulheres
solteiras, que a fez desejar beber álcool o suficiente para embriagar-
se e não precisar ouvir nada. Gretha mantinha os olhos arregalados
de horror, provavelmente desejando a mesma coisa que ela.
Certa de que não seria notada mais uma vez, Rosamund
levantou-se e caminhou até o bar. Se a vissem, diria que estava
pedindo outra limonada francesa, mas tinha certeza que só
precisaria dar satisfações à prima e só o faria no dia seguinte. Parou
de frente para o balcão e o observou, procurou algo que esperava
estar ali e encontrou: um papel escrito com tinta borrada. Ela não
conhecia a letra de Anthony, mas soube, no instante em que se
aproximou do bilhete, que vinha dele. Tinha uma palavra escrita que
indicava um lugar, um chamado e um convite.

Biblioteca

O coração dela pulou uma batida, talvez duas. Não podia fazer
como o marquês e sair do cabaré, estava presa ali com as pessoas
com quem dividia a mesa, sem escape e sem ter como retornar para
a casa e atender àquela convocação. Ainda assim, ela não
conseguiu evitar sentir como se um panapaná estivesse dentro de
seu estômago, fazendo-a sentir um fervilhar borbulhante de
sensações desconhecidas, mas esperadas.
Algo estava para acontecer. Ele descobriu o que fazia o visconde
e queria compartilhar com ela. Era perigoso e era excitante e quase
a fez sair correndo pelas ruas de Paris, mas Rosamund aprendeu
por muitos anos como era ser uma dama, como era se portar diante
de qualquer situação. Mesmo sem origem nobre, sua mãe garantiu
que sua educação não devesse a nenhuma filha da aristocracia e,
mesmo que ela nunca tivesse sido aceita por nenhuma delas, seu
comportamento era irretocável.
Voltou à mesa, sentou-se e envolveu-se em uma conversa com
Lady Bachour e a Sra. Thompson, ignorando a falta de educação e
decoro dos homens presentes. Ignorando, mais precisamente, os
olhares de Rondale sobre ela. Precisava lembrar-se do pedido de
Anthony, mas acreditava que, se ele foi embora era porque não a
considerava em risco.
Por que ela confiava sua integridade física ao marquês, não
sabia.
Era meia-noite quando o grupo decidiu retornar para casa. O
mordomo ainda esperava com lamparinas acesas para receber os
anfitriões e convidados. Não havia sinais de Lorde Granville, porém,
Rosamund não esperava que ele estivesse ali na biblioteca fumando
um charuto enquanto a aguardava. Como um fantasma, o marquês
apareceria quando tudo estivesse escuro e todos recolhidos em
seus quartos.
— Precisamos conversar. — Gretha a interpelou na escada. —
Venha até meu quarto.
— Agora? É muito tarde, vamos dormir e amanhã conversamos.
— Não, Rose, tem que ser agora.
Pela forma como a prima a olhava, Rosamund soube que
precisava ir com ela. Se insistisse era capaz de Gretha aparecer na
biblioteca e flagrá-la com Anthony, o que seria um desastre.
Qualquer explicação que precisasse dar naquele momento seria
bem mais simples do que se fosse pega em uma conversa
misteriosa com o libertino.
Depois que se trancaram no quarto, a prima acendeu uma
lamparina, cruzou os braços e a encarou com uma expressão de
escrutínio.
— Comece se explicando. Quero saber, sem mais mentiras, qual
a causa desse seu comportamento e o quanto o Marquês de
Granville está envolvido com isso.
Ah! Se ela pudesse saber! Tudo naqueles dias em Paris estava
conectado ao marquês, mesmo que ela não tivesse planejado nada.
Rosamund não pôde hesitar muito ou a prima desconfiaria, então
ela contou o que poderia contar: uma mentira. Mais uma.
— Lorde Granville está me cortejando.
Gretha arregalou os olhos em espanto. Descruzou os braços, foi
até a cômoda que guarnecia o quarto e serviu um copo de água,
que bebeu em dois goles longos.
— Cortejando.
— Sim. Um marquês não pode demonstrar interesse por mim?
— Pode, mas esse marquês só tem um interesse, Rose. Você
sabe do que ele gosta, o homem é um hedonista.
— Ele é. Mas Lorde Granville tem sido respeitoso comigo e até
um devasso como ele um dia irá se casar, não é mesmo? Afinal, o
homem precisa prover um herdeiro para o marquesado.
— Ele está iludindo você. — Gretha se aproximou dela e
segurou-a nas duas mãos. — Rose, se esse homem a desgraçar,
nenhum outro vai tomá-la como esposa. Sei que sempre agiu com o
coração e que você é uma pessoa boa, que não costuma ver a
maldade nas ações dos outros. Mas tome cuidado, não seja
imprudente com o libertino.
Rosamund sentiu um nó impedindo que o ar passasse por sua
garganta. Seu coração estava disparado porque sua prima tinha
razão. Gretha a conhecia há anos e havia o risco real de que
Anthony a desgraçasse de forma permanente, o que a impediria de
casar-se no futuro.
Ao mesmo tempo, Rose quis dizer que talvez ela não quisesse
se casar tanto assim. Que os desígnios de seu pai para ela não
eram seus desejos, que o casamento era uma convenção que ela
aceitou, mas não tinha certeza de que desejava. Não, ela queria se
casar, ela chegava a sonhar que teria filhos e não agiria como as
mulheres nobres, não relegaria os pequenos aos cuidados de
babás. Queria participar da educação e do crescimento das
crianças, queria ser mãe.
Mas nos seus sonhos nunca havia um marido. Ela se conformou
com a ideia de que se casaria com qualquer um e que esse homem
nem mesmo estaria presente em sua vida, que seria para sempre
reclusa no campo ou no litoral.
Uma coisa que Rose tinha certeza, no entanto, era que aqueles
dias em Paris estavam lhe fazendo bem, faziam-na sentir-se viva.
Rosamund podia pintar, podia fazer o que quisesse e podia
experimentar a liberdade.
— Serei prudente. — Ela soltou uma mão e levou à face da
prima. — Prometo a você, Gretha, que não prejudicarei o meu futuro
por causa de Lorde Granville.
As duas se abraçaram e ela se sentiu culpada por despertar
aquela preocupação na prima. Não queria que ninguém sofresse por
suas escolhas.
— Vamos dormir. Amanhã eu a levarei para visitar a torre, já foi
até ela?
— Não, mas já comecei a ouvir a cidade.
Rosamund caminhou comedida até seu quarto. Não havia ruídos
pela casa nem luz pelo corredor. Abriu sua porta, fez barulho para
indicar que girava a chave, retirou as sapatilhas e saiu outra vez,
procurando indícios de que alguém poderia ainda estar acordado ou
perambulando pela casa.
Pé ante pé, desceu as escadas e circulou pelas áreas comuns. A
porta da biblioteca estava entreaberta e a visão a fez perder o ar
outra vez. Rose não sabia por que estava tão nervosa ou por que
confiava no marquês, mas saber que ele estava ali deu-lhe certeza
que era seguro, e ela foi até onde combinaram.
Ele estava lá, de pé, próximo da janela cujas cortinas estavam
abertas, olhando para o lado de fora. A cidade ainda estava
acordada e era possível ouvir barulho de cavalos e carruagens
passando na rua em frente. A casa de Lorde Finley ficava em uma
região movimentada, significando que eles ficavam comumente
acobertados pelo manto da noite e da ruidosa Paris.
Era impossível surpreendê-lo, ela deveria saber. Anthony se
virou assim que ela passou pela porta e a fechou. Sua gravata
estava solta, pendurada nos ombros, e o colete aberto. Não havia
sinais do paletó e pelo menos três botões da camisa estavam fora
de suas casas. Ele segurava um copo de Bourbon em uma das
mãos e não trocara de roupas — provavelmente ainda cheirava a
champanhe.
— Você sabia? — A voz baixa preencheu a biblioteca inteira. Ela
deu dois passos para frente na intenção de ouvi-lo melhor. — Sabia
que ele estaria ao meu alcance se eu fosse ao banheiro?
— Eu suspeitava.
— Certo. E sabia que eu precisava de ajuda com François.
— Isso não foi uma pergunta.
— Responda assim mesmo.
— Sim. Você estava claramente desejando livrar-se dele, por
isso decidi interferir.
Anthony bebeu o restante do seu drinque e apoiou o copo sobre
uma mesinha. Olhou-a por cinco segundos, cruzou a biblioteca,
segurou-a nos braços e a beijou.
Ele desejou beijá-la desde que se beijaram pela última vez — o que
não havia muito tempo. Quando Rosamund entrou na biblioteca,
Anthony suspeitou que poderia passar horas, um dia inteiro
beijando-a que não se cansaria nem sentiria sede ou fome. Assim
que seus lábios deitaram sobre os dela, teve certeza de que não
saberia mais ficar sem o sabor e a maciez da Srta. Taylor — o que
era uma completa loucura, considerando que os dois tinham planos
bem distintos para o futuro.
Mas era impossível negar que, sim, talvez ele estivesse um
pouco apaixonado por ela. O sentimento não lhe era novo. Anthony
era um homem de paixões fortes e intensas e que costumavam
durar semanas, no máximo. Ele amava suas mulheres, porém não
podia dizer que o que sentia por Rosamund fosse igual. A paixão
que ele conhecia estava ligada ao desejo físico, ao ato de fazer
amor.
Com Rose não havia esse grau de envolvimento, apesar do
desejo pulsar dentro dele desde que se viram pela primeira vez,
talvez não com tanta intensidade, mas Anthony notou aquela
centelha que poderia levá-los a um incêndio. Ainda assim, o que o
seduziu não foi vê-la nua nem saborear seus seios. Ele estava
fascinado por ela. A voz, a inteligência, o espírito aventureiro e a
sagacidade. Por mais mulheres que já tivessem passado por sua
cama, nenhuma era sequer parecida com ela.
Então ele não resistiu quando descobriu que aquela pequena
dama imprudente e audaciosa estivera arriscando sua reputação
para ajudá-lo na investigação. Não havia temor de envolver-se com
Rosamund que o fizesse ficar longe dela naquela noite.
Ela se alvoroçou ao ser assaltada por ele, mas logo se rendeu
aos carinhos. Rose era familiar e uma novidade, era um pecado que
ele já conhecia, mas que ainda ansiava cometer. Seus braços se
amoldaram às formas dela no instante em que os lábios se abriram
para recebê-lo.
A biblioteca era um lugar ruim para dar vazão aos seus
sentimentos, mas era a segurança de que ele não ultrapassaria as
barreiras que não deveria ultrapassar, como jogar a mulher sobre
um sofá e possuí-la.
— O que farei com você, Srta. Taylor?
Ele verbalizou a pergunta que estava em sua cabeça há dias. O
que faria com ela, já que não podia fazer o que queria? Rose estava
ofegante em seus braços e eles tinham as testas coladas.
— Eu não tenho objeções que continue o que estava fazendo.
As bochechas vermelhas indicavam que ela estava
envergonhada ou exausta do exercício de beijar. Anthony deu uma
risada baixa e a puxou para mais perto, erguendo-a parcialmente do
chão.
— Então você quer ser beijada? Por mim?
Os lábios dela se ergueram sutilmente e ela passou os dois
braços ao redor do seu pescoço antes de levar seus lábios até ele.
Ela não apenas queria ser beijada, Rosamund estava disposta a
tomar a iniciativa para ter o que desejava.
Anthony perdeu um pouco do controle do qual se orgulhava de
possuir. Segurou-a pela nuca, forçou a boca contra a dela, deixou
sua língua deslizar para saboreá-la de fora para dentro, levou as
duas mãos até os quadris e puxou Rosamund para cima,
pressionando-a contra sua dureza. Ela gemeu e correspondeu ao
beijo movendo-se para enlaçá-lo com as pernas.
Sabia que mesmo mulheres inexperientes eram capazes de uma
boa performance se estivessem excitadas o suficiente. Anthony não
costumava impedi-las ou restringi-las na paixão, por isso cambaleou
até o sofá que estava atrás de si até sentar-se, um pouco
desajeitado, para acomodar Rosamund em seu colo sem que os
lábios desencaixassem. Apesar da saia e das muitas camadas de
tecido que vestia por baixo, ela abriu os joelhos e se sentou por
sobre as pernas dele. Era uma posição escandalosa, indecente e
que não lhe custaria nem um minuto para arruiná-la por completo.
Os dedos delicados e ávidos dela percorreram e se cravaram em
seus cabelos quando ele subiu os carinhos dos quadris para a
lateral dos seios femininos.
As camisolas davam a ele mais acesso, mas Anthony nunca se
sentiu desafiado por um espartilho, antes. Ele não deveria, mas
queria fartar-se daqueles seios há bastante tempo, e não pretendia
que nenhum tecido estivesse entre eles e sua boca daquela vez.
Aproveitando-se da posição, abriu alguns botões da blusa de
babados que a cobria até o pescoço. Rose arfou ao sentir que ele
roçava os dedos por sua chemise e deslizava para afrouxar os laços
do espartilho.
— Anthony…
— Rose?
Ela riu, afastou-se um centímetro dele, inspirou uma grande
quantidade de ar e ergueu os olhos azuis para encará-lo. Havia uma
súplica nada velada no olhar que pedia algum indício de que ela
poderia confiar nele, mesmo que Anthony não soubesse o que
aquilo significava. Mulheres confiavam nele para lhes dar prazer
sem limites, mas não era exatamente aquilo que pedia a Srta.
Taylor. Ela queria a certeza de que não estava cometendo o maior
erro de sua vida, e essa ele não podia lhe dar.
— Você não tem objeções quanto aos beijos. — ele confirmou e
ela assentiu com um movimento de cabeça. — Quais são suas
objeções?
— Eu não saberia por onde começar a listá-las. Eu não sei… —
Ela baixou o olhar, envergonhada. — Não sei o que acontece.
— Sabe. — Anthony a fez erguer a cabeça segurando-a pelo
queixo. — Ao menos um pouco. Sabe que sente prazer aqui — ele
desceu uma mão e a tocou por entre as pernas, por sobre a saia —
e sabe que eu sinto prazer aqui — pegou a mão dela e a fez sentir
seu membro rígido outra vez. — Eventualmente, essas duas partes
se encontram e o prazer é incomparável. Mas imagino que você
saiba que é assim que se produzem os filhos e que se dá adeus à
virgindade.
— Talvez eu tenha objeções quanto a isso. Eu…
Ele entendia. Lordes costumavam exigir mulheres virgens, claro.
A virgindade era sacrossanta na sociedade britânica e uma
exigência para quase todos os casamentos — apenas mulheres
viúvas poderiam casar depois de defloradas sem serem rejeitadas
por seus maridos e rotuladas pela sociedade. Anthony sabia, no
entanto, que a maioria dos nobres só precisava de duas garantias:
que a dama casadoira tivesse um dote obsceno e que não estivesse
grávida de outro homem. Alguns até aceitariam mulheres grávidas
de outros se fosse possível confirmar que a criança a nascer seria
uma menina. Nobres falidos faziam qualquer coisa para salvar sua
honra e seu patrimônio perante a sociedade, inclusive aceitar
mulheres já violadas.
Mas ele não diria aquilo a Rose. Não havia forma de explicar a
ela aquela situação sem parecer que se tratava de um artifício para
reivindicá-la para si e depois abandoná-la. Sem precisar entender
melhor o que deixava Rosamund apreensiva — ela demonstrava
querer entregar-se a ele, mas sabia das consequências disso —,
Anthony voltou a beijá-la. Manteve as saias dela no lugar, cobrindo a
maior parte das pernas e todas as partes pudendas, e só voltou a
afrouxar o espartilho quando ela relaxou em seus braços. Aquela
mulher confiava nele e ele queria merecer a confiança dela.
À medida que o beijo ficava mais demorado e molhado, ela se
mostrava mais suscetível aos carinhos que ele fazia por baixo da
blusa. Anthony traçou com os dedos pelas partes descobertas,
afastou o espartilho, estimulou os mamilos com os polegares e a fez
gemer e se movimentar na direção dele para receber mais.
— Se nós formos para o seu quarto, poderemos fazer como da
outra vez?
A pergunta o fez parar com a mão sobre os seios fartos que
saltavam para fora da chemise.
— Você quer ir para o meu quarto? Não tem medo de se trancar
na jaula com o leão?
— Já estive nessa jaula antes. Sei que não me fará mal.
— Não deveria ter tanta certeza assim.
— Entendo. Eu estou confusa e talvez exausta. Deve ser por
isso que abandonei o decoro e o juízo aqui, em seus braços. Sinto
muito.
Rosamund levantou-se já fechando os botões de sua blusa e
dando passos para trás para se afastar dele. Céus! Como as coisas
podiam dar tão errado um segundo depois de parecerem tão certas?
Anthony precisava parar de pensar, era por excesso de raciocínio
que seu relacionamento com Rose estava complicado. Aquela era
uma situação na qual importavam os sentidos e os desejos, não o
que a cabeça de cima dizia — por mais estúpido que aquilo
parecesse.
Ele se colocou de pé em um instante e chegou até ela,
segurando-a pelas mãos.
— Se você continua pensando que meu receio refere-se a não
desejar você, Rose, está enganada. Eu estou além do meu controle
para me impedir de colocá-la sobre meu ombro e jogá-la em minha
cama. Por isso disse que não deveria acreditar tanto em mim, não
estou acostumado a ficar tão próximo de mulheres que não se
entregam totalmente para mim.
— E eu não estou acostumada a ficar tão próxima de homem
algum. Você me desorienta, milorde. Eu quero coisas que uma
dama casta não deveria querer, anseio por ser tocada em lugares
que eu não imaginava que pudessem produzir tanto calor e agora
mesmo tudo que preciso é que você me abrace e passe a noite
comigo, mesmo que seja só isso.
Ela desabafou, um tom mais alto do que seria devido, já que era
madrugada e eles podiam ser ouvidos. Os sons da cidade
desvaneciam a cada instante e conversar na biblioteca ficava mais
perigoso com o passar das horas e o avançar da noite. Não havia
decisão certa a se tomar, então ele respirou fundo e assentiu. Sem
dizer nenhuma palavra, deixou a biblioteca e subiu as escadas na
direção de seu quarto.
Capítulo décimo quarto

Q
sorte no instante em que Lorde Granville lhe deu as costas e saiu.
Rosamund não era qualquer mulher, ela sabia que ele a estava
autorizando a ir até ele. Depois de cinco minutos, ela cruzou toda a
distância que a separava da porta de madeira do quarto de Anthony
e entrou. Não bateu, não se anunciou, apenas entrou. Só havia a luz
da lareira para garantir o calor do quarto e todas as janelas tinham
as cortinas fechadas. Ele estava de pé no meio do quarto, de costas
para ela, retirando o colete. A peça de roupa caiu ao chão e foi
seguida pela gravata, que já não estava presa no pescoço do
marquês há algum tempo. Quando Anthony se virou, ele tinha os
olhos escuros como a noite sem estrelas e os lábios comprimidos
em uma linha fina. Os botões da camisa estavam abertos e os pés
descalços. Como ele conseguira retirar tanto de suas roupas em
menos de dez minutos ela não fazia ideia.
Rose estava cercada pelo predador. Aquele homem encarando-a
era um animal selvagem rondando sua presa, mas ela foi até ele
voluntariamente.
— Você está cheirando a champanhe. — ela constatou ao
aproximar-se perigosamente do marquês.
— Talvez eu devesse me lavar. Você pode esperar aqui se
quiser.
Passando por ela, Anthony pegou um roupão pendurado próximo
da porta e saiu. Rosamund olhou ao redor e se sentou na beirada
da cama. Precisava ir embora e ele estava lhe dando outra chance
de fugir, ficar ali implicava deitar-se com ele e permitir mais
intimidade, mas não era isso que a estava preocupando. Seu temor
não era que o marquês pudesse usar seu corpo ou vê-la sem
roupas, era que ele atingisse seu coração pelo caminho. Aquele
homem admirável, bem-humorado e inteligente também era
respeitador e ela já não conseguia mais ver defeitos que
desabonassem Lorde Granville. Se ela pudesse, se casaria com ele
no dia seguinte e não seria pelo título, mas porque queria passar
muito mais tempo conhecendo-o e desvendando-o, além de
suspeitar que ele não a impediria de pintar e exercer sua arte.
Só que ele não queria se casar, ela não sabia o motivo e estava
se perdendo por um caminho sem volta que a levaria à ruína.
A porta do quarto se abriu mais uma vez e ele entrou. Os
cabelos estavam úmidos, mas não molhados, indicando que
Anthony não tomara um banho completo. Não era possível fazê-lo
sem acordar toda a residência, portanto ele se lavou com água fria
do encanamento. Assim que entrou, descartou o roupão atoalhado
pelo chão e ficou diante dela em quase toda a sua exuberância.
Tudo que o marquês vestia eram suas ceroulas, justas o suficiente
para delinear todas as formas masculinas que deveriam ficar
ocultas.
— Vai se deitar assim? — ele perguntou, e um pequeno sorriso
se formou nos lábios perfeitos.
— Eu não tenho roupa de dormir. Não aqui.
— Você não precisa de roupas.
O sorriso aumentou e Anthony se aproximou dela, que levantou
em um sobressalto. Com movimentos lentos, ele levou os dedos aos
seus cabelos e retirou os grampos que prendiam o penteado já há
muito desfeito, permitindo que as mechas caíssem em cascata por
seus ombros. Depois, terminou de abrir a blusa e a retirou,
descobrindo o colo e os braços dela. Rosamund sentiu um calafrio
lhe percorrer, mas ele não interrompeu o que fazia, abriu os botões
da saia e também a fez cair ao chão. Usando anágua e calçolas, ela
não estava nem perto da nudez, porém sentia-se menos protegida
do que quando mantinha suas roupas. Isso não impediu Anthony de
desfazer o laço das anáguas e descartá-las junto ao espartilho.
Logo, tudo que cobria o corpo de Rose era sua chemise, suas
calçolas e as meias pretas de seda que vestira para a ocasião. Ele
se afastou moveu a cabeça para cima e para baixo em
concordância.
— Você é linda. Desde que nos conhecemos eu sonho com suas
curvas e desejo conhecê-las. Perder-me nelas.
Todo o sangue de seu corpo subiu para as bochechas e elas
arderam pela simples constatação de que Anthony Eckley a
desejava de alguma forma.
— Não sou como a maioria das damas que possuem cinturas
finas e seios pequenos.
— Todos os corpos femininos são lindos, cada um à sua
maneira. Você me permite ver o seu, Rose?
— Ver? Quer dizer, despir-me?
Ele assentiu e ela não sabia mais se estava assustada com as
palavras indecorosas ou ansiosa para atender qualquer pedido que
ele fizesse. Mesmo que não se sentisse corajosa, ela não disse não.
Aproximou-se dele com um passo e abriu um botão da chemise,
indicando que ele deveria fazer o restante. Anthony soltou uma
imprecação e devastou a trilha de botões que mantinha sua roupa
íntima no lugar para, em seguida, desamarrar cada laço da calçola.
Ajoelhou-se à sua frente, ergueu-lhe uma perna e enrolou a meia
com mãos habilidosas. Fez o mesmo com a outra perna e só então
desceu a calçola pelos quadris. Naquela posição ele estava olhando
diretamente para sua feminilidade exposta e nunca ninguém se
aproximou dela com tanta intimidade. Nem ela mesma costumava
olhar para suas partes femininas, mas elas estavam estranhamente
quentes e úmidas.
Anthony ergueu-se e fez cair a chemise. Todas as roupas
estavam espalhadas pelo chão, mas isso não era importante. A
forma como ele a olhava, sim.
— Eu posso tocá-la, além de admirá-la?
— Depende. Milorde ficará vestido?
— Para minha sanidade e para sua segurança, é melhor que
haja alguma barreira entre nós, minha querida. Mas eu não tenho
forças para impedi-la se quiser realizar alguma investigação por sua
conta.
— Lembro-me de você dizer que uma dama a quem tentasse
seduzir teria o direito de admirá-lo também.
— Então creio que eu precise manter minha palavra, não é
mesmo?
Rosamund quis rir e seus lábios se esticaram. Ah! Ela adoraria
investigar e explorar o Marques de Granville, principalmente porque
seus olhos não conseguiam parar de imaginar o que estava por
baixo daquelas ceroulas que parecia desesperado para se libertar.
Ela sabia que eram as mesmas partes masculinas que tocara antes,
mas como elas eram? Que formato e, que Deus a perdoasse, que
textura tinham?
— Se você pode admirar e tocar, desejo fazer o mesmo.
Como se dissesse “seja feita a vossa vontade”, Anthony atendeu
o pedido de Rose sem hesitar. Abriu os dois botões da ceroula e a
deixou cair aos seus pés. Em menos de dois segundos ele ficou
completamente nu à frente dela e, mesmo que a luz no quarto fosse
muito fraca e ela enxergasse quase que somente sombras, ainda
assim a visão era impressionante. Ela o vira por partes — o torso,
os braços, o traseiro e as costas —, assim como o tocara em partes.
Aquela era a primeira vez que ela o via por inteiro. Na verdade, era
a primeira vez que Rosamund via qualquer homem por inteiro e ela
nunca imaginou que Michelangelo errara ao estabelecer as
proporções de Davi.
O Marquês de Granville era um homem grande, largo e viril. Não
demonstrou nenhuma vergonha ou constrangimento em despir-se
para ela, mas Rose sabia que ele era um devasso. Ela também não
estava morrendo de constrangimento ou tendo uma apoplexia por
estar nua sozinha com um homem. Naquele momento Rose
entendeu para que serviam as roupas e porque elas cobriam tanto
das pessoas — se as mulheres se acostumassem a ver homens
como aquele, não se sentiriam motivadas a guardar a castidade.
Entendeu também que o marquês a desinibia por completo. Ela
não tinha mais pudores na presença dele e a intimidade que
compartilhavam ninguém poderia nunca saber. Rose teve uma
súbita preocupação de que jamais compartilharia algo assim com
seu próprio marido. Ou que ela não conseguiria mais se casar, pois,
não esperava conseguir ter vontade de estar com outro homem.
Anthony se aproximou dela. Deu dois passos curtos e eles
estavam tão perto que ela ouvia o coração dele bater no peito e o
ruído da respiração ofegante. Com uma das mãos ele tocou os
cabelos dela que caíam por sobre os ombros e desceu
acompanhando os fios até afagar-lhe os seios. Ela arfou. Como que
uma noite tão tumultuada se tornou ainda mais caótica?
— Rose. Eu quero fazer amor com você.
O coração dela retumbou dentro do peito. Ela duvidava ter
entendido corretamente a afirmação, porque não acreditava que
eles pudessem fazer aquilo sem que ela saísse arruinada daquele
quarto. Não que ela já não estivesse.
— Anthony, eu não sei como.
— Você pode confiar em mim? Como fez na outra noite? Confia
que eu saberei o que fazer?
Ela confiou a ele a sua vida, diante das situações que viveram
em Paris. Sem palavras, assentiu e permitiu que ele a tomasse nos
braços e a beijasse. Os lábios se tocaram em dissonância — ela
estava agitada e nervosa enquanto ele estava calmo. Os
movimentos do marquês eram comedidos e cadenciados,
planejados para garantir que ela não se assustasse e se sentisse
confortável.
O beijo era lento e molhado. As línguas se encontraram e o
toque aveludado com sabor de Bourbon a deixou parcialmente
embriagada. Por um momento, ela pensou que pudesse se dissolver
nos braços firmes que a envolveram e no contato do calor do corpo
rígido de Lorde Granville.
Ele a levou para a cama, suspendendo-a do chão e depositou-a
sobre os colchões macios. Ela já esteve naquela posição antes, mas
estava vestida e não havia uma promessa de que eles fossem fazer
amor. Ela entendia o que era, mas ignorava tudo que representava.
Com gestos elegantes como um felino, Anthony subiu na cama e
acomodou-se por sobre ela.
Rose sentiu todo o peso do corpanzil masculino e o calor que
irradiava da pele de Anthony quando ele a envolveu e voltou a beijá-
la. Por sua sorte a conversa pausou, já que ela duvidava ser capaz
de falar alguma coisa enquanto ele descia a boca para seu pescoço
e traçava uma linha sinuosa até seus seios. Usando a língua para
lavar sua sanidade embora, Anthony lambeu os mamilos e os
sugou.
As sensações eram inesperadas e confusas. Ao mesmo tempo
que se sentia atordoada, cada toque dele a levava a um novo grau
de excitação. Era indecente e delicioso a ponto de fazê-la querer
mais.
— Eu quis beijá-los desde a primeira vez na biblioteca. —
confessou.
— Espero não ter se desapontado. — Ela gemeu no instante em
que ele passou a língua pela aréola e mordiscou o mamilo.
— Sinceramente, não esperava que fossem tão deliciosos.
Sem pudor, Anthony desceu os beijos para a barriga dela até
que seus dedos roçassem nos pelos que cobriam sua feminilidade.
Ela sabia o quanto era prazeroso ser tocada ali, ele lhe mostrou
duas noites atrás. Aparentemente o prazer causava a mesma
dependência do ópio, já que ela não se demorou a retornar para a
cama do marquês. Sempre com movimentos lentos e planejados,
ele passou os dedos por sua abertura e a abriu como se ela fosse
uma flor na primavera. Antes que ela pudesse se envergonhar da
forma como Anthony admirava suas partes íntimas, ele desceu outra
vez a boca sobre ela e a beijou. Ali, em seu centro feminino, onde
ela mais queria recebê-lo.
O contato da boca quente fez com que ela arqueasse as costas
e gemesse. Rose quis perguntar o que ele fazia beijando-a em
lugares tão impróprios, mas o marquês era o mestre da sedução.
Ele a acariciou com a boca e a língua, com suavidade e força, até
que uma sensação irresistível crescesse em seu baixo ventre a
ponto de fazê-la querer gritar. Ela não entendia a necessidade de
vocalizar seu desejo, mas não podia. Reprimiu cada gemido e cada
murmúrio enquanto seu corpo convulsionava de prazer, até que a
boca dele voltou para a dela.

Ele não queria ser arrogante ao pensar que dominava a arte de


fazer amor, mas Anthony a dominava com certa destreza. Eram
anos de treinamento e jamais deixara uma mulher insatisfeita. Sua
preocupação era primeiro com o prazer delas, depois com o seu.
Ouviu seu pai dizer mais de uma vez que, no jogo da sedução,
satisfazer era tão importante quanto estar satisfeito. Era uma pena
que o pai não tivesse a mesma preocupação para com a mãe,
porém ele sabia que o antigo Marquês de Granville era reconhecido
como um homem que sabia encantar as mulheres.
Não sabia como uma noite de intrigas e descobertas terminou
com Rosamund Taylor nua sobre seus lençóis, porém não pretendia
gastar tempo tentando entender o inexplicável. Ela o desejava e o
sentimento era recíproco, por isso, ofereceu a ela o que podia: sua
devoção. Infelizmente ela não poderia saciá-lo a não ser que lhe
oferecesse algo muito mais valioso: a virtude. Seu corpo inteiro
pulsava de excitação quando se acomodou entre os lençóis e
aninhou o corpo flácido e trêmulo de Rose em seus braços,
permitindo que ela se refizesse do orgasmo. Ela o abraçou e
afundou o rosto em seu peito, permanecendo quase imóvel por
alguns minutos até reagir novamente e beijá-lo ali.
Céus! Anthony preferia que ela fechasse os olhos e
adormecesse. Sua ereção estava dolorida e, a não ser que ele se
tocasse e arriscasse escandalizá-la, precisaria reprimir sua libido.
Tê-la parcialmente sobre si, acariciando-o com mãos delicadas e
beijando-o com aquela boca macia não ajudava em nada sua
decisão de não a deflorar.
— Isso é fazer amor?
Rose ergueu os olhos preguiçosos e o fitou. Havia dúvida e júbilo
em sua expressão — por sorte ela não estava assustada nem
parecia arrependida.
— É uma forma. Existem várias, os indianos escreveram um livro
inteiro descrevendo-as e enaltecendo a prática do amor sexual.
Você ficaria surpresa se o conhecesse.
— Imagino que você já o tenha lido.
— Eu quase já o decorei, minha querida.
Anthony beijou-a na testa e ela deu uma risada, voltando a deitar
a cabeça em seu peito. Eles estavam cobertos por um lençol e o dia
não tardaria a chegar, o que tornava a permanência da Srta. Taylor
naquele quarto muito perigosa. Bem, não havia mais saída, a
reputação dela estava mais do que em risco — alguém descobriria
que ela esteve ali e que eles ficaram muito mais sozinhos do que
era permitido a uma mulher solteira.
— Então me diga, algo está faltando, não está?
— Faltando? — A preocupação o fez assustar-se. Um Eckley
nunca permitia que nada faltasse às suas amantes.
— Sim, estou com essa sensação. — Ela o beijou mais uma vez.
— Imagino que o homem deva ficar tão satisfeito no amor quanto a
mulher, mas eu não o vi se satisfazer.
Oh, Deus! Ela o estava encarando com os longos cílios
emoldurando os olhos brilhantes e, mesmo na pouca luz, ele podia
notar o quanto ela era curiosa e queria aprender. Aquela conversa o
levaria a uma combustão espontânea. Se ele ousasse descrever o
que ela poderia ou deveria fazer com ele, chegaria ao orgasmo sem
sequer ser tocado.
— Eu estou satisfeito. Dar prazer a você me deixou muito bem.
— Você sentiu prazer?
— Senti.
— Como eu?
— Rose, você é uma mulher audaciosa e entusiasmada, mas
também é inocente demais para lidar com tudo de uma vez. Eu
estou satisfeito por vê-la saciada.
— Não me parece que esteja. — dizendo aquilo, ela deslizou
uma das mãos por baixo do lençol como se desenhasse traços de
tinta em sua pele até que os dedos tocaram-no em sua intimidade.
Ele fechou os olhos e mordeu os lábios para evitar pedir que ela
fosse além, mas ela foi assim mesmo. Com pequenos toques
hesitantes, ela acariciou os pelos escuros de sua masculinidade e
toda a sua extensão, indo da base à ponta. Acostumado a durar
horas naquela posição, a segurar seu prazer por uma noite inteira,
Anthony sentiu-se como um jovem virgem sendo tocado pela
primeira vez. Aquela mulher o estava devastando. — Ensine-me a
tocá-lo como você me toca.
Ah, sim! Ele ensinaria. Incapaz de dizer-lhe não, o marquês
retirou os lençóis e expôs a sua nudez para que ela a apreciasse
mais uma vez. Rosamund sentou-se sobre os joelhos, curiosa e
intrigada com a anatomia masculina — com as partes que ela
provavelmente não conhecera antes. Com cuidado, ela levou a mão
até ele e o envolveu entre os dedos, testando a pressão que podia
exercer em seu membro rijo. Ele não conseguiu reprimir um gemido
e ela o soltou.
— Estou machucando-o. Desculpe-me.
— Não, Rose. — Anthony segurou a mão dela e colocou de volta
em sua ereção. — Imagino que você possa fazer o que quiser que
não me machucará.
Com um pouco mais de coragem, ela o segurou mais uma vez e
acariciou. Passou o polegar pela cabeça e demonstrou fascinação
pela umidade que se acumulava ali. Era a ingenuidade dela,
somada à ânsia de conhecer mais sobre o corpo humano, que
quase o levou à loucura. Anthony fechou os olhos e agarrou os
lençóis com força assim que ela adivinhou a forma como deveria
estimulá-lo. Ela fazia devagar, subindo e descendo as mãos por
toda a sua extensão, mas era suficiente.
— É macio e rígido ao mesmo tempo. — ela constatou, sem
parar de mover as mãos. — E parece tão sensível da mesma forma
que é forte. Não entendo o fascínio que você exerce sobre mim,
milorde. Não sou eu mesma quando estamos juntos.
— Rose... — Ele gemeu. Não resistiria muito se ela continuasse
a acariciá-lo daquela forma.
— Você gosta?
Que pergunta ridícula de se fazer em um momento daqueles. Ele
nem conseguiu responder porque ela segurou sua mão e colocou
por sobre a dela, pedindo implicitamente que a mostrasse como
fazer. Se havia uma coisa que Anthony jamais se recusaria seria a
ensinar uma mulher sobre o ato sexual, então ele sucumbiu. Moveu
as duas mãos em conjunto com as dela em um ritmo consistente até
entregar-se por completo ao êxtase.

Eles dormiram nos braços um do outro, nus entre os lençóis,


compartilhando o calor depois de se satisfazerem mutuamente. Não
fora a primeira vez que Anthony se deitou com uma mulher sem
realizar o ato sexual em sua completude, mas era bastante
incomum que ele permanecesse com ela em sua cama. Depois que
limpou a bagunça que fizeram, Rosamund deitou por sobre seu
peito e adormeceu, e ele não teve coragem de acordá-la. Era quase
manhã e qualquer movimento de tirá-la de seu quarto seria
arriscado demais, então precisou tomar uma decisão inusitada.
Assim que o dia raiou e Monty entrou em seu quarto, com a
discrição que lhe era peculiar, Anthony pediu que ele agisse para
assegurar que a reputação da Srta. Taylor sofresse o menor dano
possível.
— O que devo fazer, milorde?
O criado já estava acostumado a cobrir os rastros de seu patrão,
mas aquela vez era diferente, os dois sabiam.
— Ache uma criada, de preferência a que costuma atender a
Srta. Taylor, e a faça mentir. Pague a quantia que for necessária
para comprar o empenho dela em manter a história que ela contará:
a Srta. Taylor teve uma indisposição e muita dor de cabeça, por isso
não sairá de seu quarto. Ela não deve sair falando, apenas contar a
quem perguntar.
— E a prima? A jovem Srta. Hawthorne parece-me um pouco
difícil de ludibriar, como devo proceder?
Anthony não sabia o que fazer com o soldado que acompanhava
Rosamund. Não sabia como ela estava lidando com as mentiras que
contava para que pudessem sair juntos e investigar durante o dia.
Duvidava que a prima fosse concordar em manter distância do
quarto, então, talvez ela fosse um caso perdido.
— Monty, a mentira permanecerá para a Srta. Hawthorne. A
criada deve dizer que Rose está indisposta. Se ela ousar entrar no
quarto da prima para conferir, você interferirá e me chamará.
— Devo permanecer de babá por quanto tempo?
— Pelo tempo que for seguro, até que eu consiga devolver Rose
em segurança para seu quarto.
— Compreendo, milorde. Mas, se me permite dizer, o senhor
ultrapassou um limite dessa vez. Essa era uma dama que tinha um
futuro se casando com alguém que escolhesse e o senhor tratou de
arruinar todas essas chances a troco de uma noite de devassidão.
Seus esforços são louváveis, mas não serão suficientes.
Maldito fosse aquele valete que sabia mais dele do que ele
mesmo. Anthony não se arrependia, no entanto. Por mais
imprudente que ele tivesse sido, a decisão de passar a noite ali fora
de ambos e Rosamund não parecia incapaz de escolher suas
batalhas.
— A Srta. Taylor não veio obrigada, Monty. Agora vá, faça o que
mandei.
O criado assentiu e se retirou do quarto. Eles conversaram em
voz baixa para garantir que não importunassem o sono de Rose
porque, mesmo que o quarto fosse grande, não havia divisórias
entre seus ambientes. Depois de tomar as providências para que ela
pudesse ser restituída a seu quarto em segurança, Anthony retornou
para a cama e aconchegou-se no corpo feminino adormecido. Por
mais que ele quisesse que ela estivesse com sua reputação a salvo,
não estava pronto ainda para afastar-se dela.
Capítulo décimo quinto

E . S
fosse habituada aos vícios masculinos, como beber, poderia dizer
que estivera embriagada e não podia responder por seus atos, mas
Rosamund não bebia nem costumava responsabilizar outrem pelos
erros que cometia. Ao sentir-se nos braços de Anthony Eckley, no
entanto, não conseguiu considerar suas últimas decisões como
erradas.
— Bom dia.
A voz masculina era grave e suave em seus ouvidos. Ele tinha o
mesmo cheiro da noite anterior, indicando que não despertara antes
dela e isso significava que Rose estava muito encrencada. Ainda
assim, ela não pulou da cama em desespero, apenas espreguiçou-
se esticando os membros e aceitou o beijo nos cabelos que ele lhe
dera.
— Por favor, diga que estamos em uma cena de Romeu e Julieta
e que não há uma cotovia cantando do lado de fora da janela, mas
um belo rouxinol.
Uma risada fez com que ela erguesse os olhos e encontrasse os
de Anthony. Ele tinha os lábios esticados em um sorriso e olheiras
da noite pouco dormida. A luz que entrava pelas cortinas ainda
fechadas era o indicador de que sim, era dia e que talvez um final
trágico Shakespeariano estivesse esperando por ela em algum
momento.
— É a cotovia, o arauto da manhã; não foi o rouxinol. — Ele a
encarou e recitou: — Olha, querida, para aquelas estrias invejosas
que cortam pelas nuvens do nascente. As candeias da noite se
apagaram; sobre a ponta dos pés o alegre dia se põe, no pico das
montanhas úmidas.
Rosamund deu uma gargalhada e se ergueu, apoiando o corpo
nos cotovelos, por sobre o peito masculino.
— Milorde não me parece um homem romântico que conhece as
falas de Romeu e Julieta. Estou deveras surpresa e de uma forma
positiva.
— Eu gosto de ler, mesmo que não propague essa informação
pelos quatro ventos. Libertinos não costumam prezar pela erudição.
E pare de me chamar de lorde, Rose, creio que já ultrapassamos
barreiras demais para formalidades.
— Não é formalidade, é diversão. — Ela beijou-lhe a pele
exposta e deixou que os dedos percorressem o torso masculino até
encontrarem a pequena cicatriz que ficara depois do acidente na
interceptação malsucedida da carga. — Mas eu preciso me levantar.
Não serei morta se não fugir para Mântua, porém serei o assunto
principal de todas as rodas de fofocas de Londres se não conseguir
explicar como desapareci de meu quarto.
— É tarde demais. Passa das nove da manhã, mas eu imagino
que tenha conseguido reparar os danos. Se você fugir pela janela
outra vez pode até conseguir enganar sua prima Gretha e dizer que
escapou para um passeio matutino.
— O que você fez?
Ela se sentou, curiosa, e puxou os lençóis para cobri-la. Apesar
do desprendimento na presença do marquês, Rosamund não estava
confortável em exibir-se nua para ele à luz do dia. Na noite anterior
estava tudo escuro e seu corpo não passava de sombras com
movimento, mas naquele momento a claridade era quase incômoda.
Não queria ser vista em suas imperfeições pelo homem mais
perfeito que conhecia.
— Pedi que Monty tomasse algumas providências. Para todos na
casa, você está indisposta. Uma criada tratou de espalhar a notícia.
— Céus, você envolveu os criados?
— Por uma boa quantia em dinheiro eles fazem tudo com muita
discrição.
— Parece-me que está acostumado a precisar que cubram seus
rastros.
— Estou. — ele confessou, passando uma das mãos pelos
cabelos que caíam por sobre seus ombros. — Monty cuida de mim e
não julga nem faz questionamentos. É tão eficiente que
providenciou até o que eu não pedi, mas imaginou que pudéssemos
precisar.
Anthony apontou para uma cadeira e lá estava um vestido limpo
e passado para que ela vestisse. Rosamund sentiu-se
envergonhada por precisar de uma operação tão delicada para
esconder o que fizera. Ela não sabia se queria esconder, não sabia
por que não podia sentir-se um pouco apaixonada por um homem e
demonstrar essa paixão. Ela não era comprometida com ninguém e
seu comportamento não era considerado infidelidade. Não havia um
noivo nem uma pessoa para quem jurara manter-se fiel diante de
um padre.
Bem, para alguns ela estava comprometida com um francês, era
verdade, mas era apenas um compromisso preliminar. Tanto ela
quanto ele podia desfazê-lo a qualquer momento sem maiores
prejuízos. Se a mentira fosse mantida, Rose poderia dizer que
houve uma perda de interesse por parte dele e nenhum orgulho
sairia ferido.
— Sinto-me uma criminosa. — Ela deitou outra vez, desabando
sobre os travesseiros. — Sei que descumpri pelo menos todas as
regras de decoro esperadas para uma dama e me entreguei à
devassidão e à indecência dos prazeres mundanos, mas não quero
acreditar que fiz nada errado. Não é como se eu fosse me deitar
com todo homem que encontro por aí.
— O que a fez se deitar comigo, então? Mesmo que, você sabe,
não tenhamos feito amor em sua totalidade.
Anthony deitou-se ao seu lado e apoiou a cabeça sobre um
braço em uma postura que ela considerou muito máscula.
— Eu gosto de você. — Ela baixou os olhos, incapaz de encará-
lo ao dizer aquilo. — Eu senti coisas com você que nunca senti com
ninguém mais e quis experimentar além. Imagino que seja assim
quando gostamos de alguém, não?
— Sim, é assim quando gostamos de alguém.
Ele se virou sobre ela e a imprensou contra o colchão. Beijou-a
nos lábios e acariciou seus cabelos de uma forma que não a fez
explodir de desejo, mas que a aqueceu por dentro. Ele estava sendo
carinhoso e terno, e Rosamund ainda não tinha visto aquele lado
dele.
— Anthony, qual é sua objeção quanto ao casamento?
A pergunta o fez rir e afastar-se ao mesmo tempo. Deitou-se de
costas e encarou o teto por longos segundos antes de formular uma
resposta, provavelmente certo de que qualquer uma a magoaria.
Não que Rose esperasse se casar com ele quando se trancou
naquele quarto ou estivesse planejando envolvê-lo em um
escândalo para forçá-lo ao casamento, ela apenas tinha curiosidade
sobre os motivos que levavam as pessoas a dizerem que o Marquês
de Granville não se casaria.
— Eu sou o irmão mais velho. Minha diferença de idade para
meus irmãos é grande, minha mãe perdeu dois bebês antes de ter
Leonard. Isso significa que eu vivi mais tempo com meus pais e vi o
que um homem como eu pode fazer com uma esposa.
— Não sei se entendo.
— Sou como meu pai. — Ele se virou para ela outra vez. — Um
libertino. Amo todas as mulheres e elas me adoram. Não sou como
os devassos que você conhece, eu não as uso, nem as magoo,
Rosamund. Eu lembro do nome delas, eu mando felicitações
quando elas se casam ou têm filhos. Mas eu também sei que não
conseguirei dedicar-me a uma esposa como ela merece.
— Ainda não sei se entendo. Se você é tão passional, então
quando se casar vai…
— Os Eckleys não são fiéis. — o marquês disparou,
interrompendo-a. — Nenhum Eckley até hoje foi, mas a minha mãe
não superou a infidelidade de meu pai. Eu a vi sofrer, definhar, se
tornar uma mulher fria e distante porque ele não a amava com
exclusividade. Jamais terei coragem de impor à minha esposa esse
mesmo fardo.
Oh! Rosamund não esperava que ele fosse se abrir, revelar
aquele segredo tão íntimo para ela. Queria saber, claro, estava
curiosa para entender por que ele não seria o nobre com título que
pediria sua mão ao pai e realizaria todos os desejos de sua família
de uma vez. Ainda assim, esperava que ele dissesse algo diferente,
menos sofrido. Um jovem que vira sua mãe atormentada pelas
amantes do marido tinha péssimas impressões sobre o casamento,
parecia bastante sincero.
Mas ele era agora um homem adulto. Não podia mesmo
acreditar naquela bobagem de que “nenhum Eckley era fiel”. Ela não
acreditava.
— Eu sinto muito. — Ela levou uma mão até o rosto dele e o
acariciou. — Porém, você está enganado. Não existe um destino
traçado para a infidelidade nem ela está no sangue da sua família.
— Você não pode saber, Rose.
— Posso, porque isso é improvável. Talvez você não queira
admitir que seu pai não amava a sua mãe acima da vida de
perdição que ele levava, que ele tenha se casado com ela apenas
para atender às exigências sociais e prover herdeiros para o
marquesado.
Ela também não acreditou que falara tudo aquilo para ele. Sim, o
marquês era um perigo, porque ele tirava sua inibição e seus filtros
sociais. Tudo que aprendera a não fazer não se aplicava quando
estava com Anthony. Pensou que, depois de despejar sua opinião
sem que ela fosse solicitada, iria ser expulsa da cama ou que ele
ficaria aborrecido com ela, mas surpreendeu-se outra vez.
Com uma expressão perturbada, porém gentil, Anthony a
segurou nos braços e a beijou, daquela vez com mais intensidade.
Rosamund sentiu sua masculinidade enrijecer por baixo do lençol e
aproximar-se perigosamente do vão entre suas pernas. Ela se
pegou desejando que ele fosse além.
— Eu também gosto de você, Rosamund Taylor. E é por isso que
eu não posso desposá-la. Se eu a machucasse, jamais me
perdoaria.
— Então não me machuque.
Pela forma como ele a olhou, o assunto estava encerrado
mesmo que nenhum argumento saísse vencedor. Anthony não
pretendia ceder, ela não imaginava meios de persuadi-lo a ver as
coisas como ela via. Se ele não estava disposto a magoar os
sentimentos de uma esposa, isso já significava que ele não a trairia
— a não ser que fosse um combinado do qual ela aceitasse.
— Pedirei que Monty providencie um banho e comida. Você só
sairá deste quarto pronta para enfrentar sua prima.
— Gretha?
— Infelizmente não conseguimos fazer com que ela acreditasse
na nossa mentira.
Aquele sim era um desafio para o qual Rosamund não estava
preparada, ainda. Não conseguiria mentir mais uma vez, acabaria
contando a verdade e isso faria com que a prima a detestasse ou a
rejeitasse. Talvez conseguisse que não falasse para seu pai, que
mantivesse seu segredo, mas ela duvidava que Gretha fosse
respeitá-la depois de descobrir sua falha.
Não que ela considerasse uma falha. Olhando para Anthony, que
se levantou e caminhou completamente nu até a janela para abrir as
cortinas, Rose não conseguiu se arrepender em nenhum instante de
nada que tenha feito em Paris.

— Você sabe que é um imbecil, não sabe?


Pierre despejou sobre ele depois que recebeu todas as
informações da noite anterior. Passava de meio-dia e eles estavam
no Les Deux Magots para o almoço — o marquês precisava com
urgência informar a Eddy sobre os planos de Finley. Precisou
afastar-se de Rosamund com a promessa de que depois
conversariam mais. Ela tinha que resolver suas questões com a
prima e ele com sua missão. Pretendia pegá-la no ateliê depois da
aula e descobrir se ela se safara de ter a reputação arruinada.
E suspeitava que ela iria querer, afinal, saber o que mais ele
descobrira. Mas, primeiro, precisava lidar com o amigo que o
criticava por ter sido imprudente.
— Por favor, Pierre. Ela não é a primeira mulher na minha cama.
— Mas é a primeira por quem realmente está apaixonado.
— Você está louco. — Anthony bebeu o restante do Bourbon e
pediu outro à garçonete. — Eu tenho apreço pela Srta. Taylor, mas é
só isso.
— Além de imbecil, é burro. — O francês deu uma risada. —
Granville, eu o conheço há muitos anos. Talvez mais do que muitos
anos, portanto não tente me enganar. Sei que sentimentos o
assustam e você talvez não saiba lidar com eles, mas não imaginei
que fosse cego, surdo e mudo a ponto de nem os perceber.
— Sentimentos não me assustam, Pierre! Eu os declaro
frequentemente para diversas pessoas.
— Sentimentos profundos, meu amigo. Certamente não estou
falando de desejo, mas sei que o problema com seus pais o deixou
com cicatrizes.
— Você está divagando. Meus pais nada têm a ver com isso e
eu não estou apaixonado pela Srta. Taylor.
— Não vou lhe dar lições, meu amigo, mas a Srta. Taylor será
seu calcanhar de Aquiles nessa missão. Cuidado para não a
machucar e não se machucar pelo caminho, pois o nosso alvo se
mostrou um vilão um pouco mais perigoso do que esperávamos.
Era verdade. Se Finley fosse um traidor, eles saberiam como
lidar com ele. Estavam acostumados a traidores, os espiões
cuidavam deles há décadas e não se intimidavam por vendedores
de segredos. Traficantes de armas eram outro tipo. Homens como
Finley fomentavam conflitos armados nas colônias e ex-colônias,
provocando a morte de muitas pessoas e outras guerras. Faziam
com que o armamento militar chegasse às mãos de guerrilheiros
que depunham governos e causavam caos em comunidades mais
empobrecidas.
Era perigoso continuar nas investigações sem um plano mais
elaborado, porém eles não tinham muito tempo. Se Finley tinha
documentos com ele, as armas já deveriam estar a caminho. Eles
precisavam encontrar os malditos documentos ou interceptar o
maldito contrabando.
No meio disso tudo estava Rosamund. Anthony suspeitava que,
se explicasse os riscos para ela e pedisse que se afastasse, ela
compreenderia. Ainda assim, Pierre tinha razão, ele tinha
sentimentos complexos por aquela mulher. Não era como com as
outras, Rose era como nada que ele conhecera antes. Ela o deixou
vulnerável e isso colocava todos em risco. Precisava retomar o foco
na missão, não em passar as noites seduzindo a Srta. Taylor.
Aquela decisão não o impediu de passar a tarde rodando pela
cidade até dar a hora de encontrar-se com ela no ateliê. Não queria
chegar muito cedo para não a atrapalhar, nem tarde demais para
arriscar perder a hora. Por volta das quatro da tarde, Anthony entrou
no estúdio de Madame Beaury-Saurel e dirigiu-se direto para onde
as aulas aconteciam. A artista o viu chegar, mas não o impediu —
ele provavelmente recebeu o direito de estar ali por ser o muso
inspirador de uma de suas pupilas.
Apesar de autorizado, ele não seria adulado. As mulheres
continuaram concentradas em seus cavaletes a ponto de sequer o
perceberem, com exceção dela. Rosamund o viu assim que ele
entrou e ergueu um olhar para cumprimentá-lo em silêncio.
— Fique à vontade, Sr. Eckley. — Madame Beaury-Saurel o
interpelou de longe. — Temos chá, biscoitos e uma cadeira logo ali
no canto.
Ele assentiu com a cabeça, agradecendo a recepção. A França
era divertida, eles não gostavam da nobreza e trataram de decapitar
e expulsar seus próprios nobres. Os que permaneceram não tinham
nenhum prestígio e viviam com medo de perderem a cabeça e mais
uma revolução ou guerra. Ele não se importava que ignorassem seu
título — Anthony era orgulhoso dele, mas já tinha viajado o
suficiente para aceitar que não era definido por ele.
Rosamund estava um caos completo naquela tarde. Os cabelos
alvoroçados pelo esforço ou pela imprecisão do penteado
desprendiam dos grampos e lhe conferiam um aspecto desleixado e
lindo. Havia tinta azul e laranja em sua face, pequenos pontos aqui
e ali, e as mãos também estavam manchadas. Ela olhava para a
tela como se estivesse produzindo uma obra-prima que ficaria
exposta na mais prestigiosa das galerias — e talvez estivesse.
Ele não resistiu e se aproximou. Rodeou o cavalete e chegou por
trás dela, posicionando-se de forma a poder ver o que estava sendo
criado. Não era o retrato de mais ninguém, pelo que sentiu alívio.
Não desejava que ela tivesse outra inspiração, outro homem que
capturasse sua atenção naquela cidade cheia de belezas. Que Rose
pintasse paisagens, flores e crianças brincando.
— O que isso vai se tornar?
A mistura de tons sugeria uma paisagem, mas ele não era tão
versado em arte para compreendê-la antes de estar pendurada nos
museus ou salões.
— Sinceramente, não sei. O esboço era do Rio Sena, mais ou
menos a visão que tive quando visitamos aquele café. Mas acabei
me distraindo muitas vezes e o resultado está um bocado diferente
do que deveria.
— Por que se distraiu?
Ela virou para ele empunhando um pincel sujo de tinta roxa e
com uma expressão de incredulidade, como se a pergunta que lhe
tivesse feito fosse absurda.
— Pelo mesmo motivo que tudo tem acontecido nesses dias em
Paris, o senhor.
Apesar do tom ríspido de voz, Rosamund não estava irritada ou
zangada, apenas constatando um fato. Anthony sorriu, dividido entre
sentir-se importante por ocupar um grande espaço nos
pensamentos dela ou arrepender-se de permitir que ela se
envolvesse tanto. Não que ele pudesse impedir que Rosamund
fizesse qualquer coisa. Ela era bastante determinada quando queria
algo.
Mas ele poderia tê-la poupado, mostrando-se um homem
horrível e sem-vergonha para assustá-la. Ou ele fez isso e, ainda
assim, ela quis estar ao seu lado.
— Lamento se estou perturbando suas aulas.
— O que veio fazer aqui?
— Saber se conversou com sua prima e convidá-la para um café
assim que sua aula acabar. Gostaria de compartilhar as descobertas
sobre nosso alvo.
Os olhos dela cintilaram em antecipação pela possibilidade de
continuar envolvida na investigação.
— Conversei com Gretha. Agora ela me considera uma mulher
perdida e arruinada e decretou que só me casarei com velhos
decrépitos e falidos, mas não vai contar nada a meu pai.
— Disse a ela a verdade?
— Não saberia continuar mentindo. Agora dê-me licença, preciso
tentar recuperar esse trabalho ou Madame Beaury-Saurel pensará
que errou ao me escolher.
Ele desceu a cabeça e beijou-a na testa antes de retornar para
seu lugar — no bendito canto onde havia chá, biscoitos e uma
cadeira. Sentou-se e esperou enquanto observava o talento de
Rosamund Taylor dar vida a um monte de tintas.

Ele estava muito distraído do seu entorno, atento apenas aos


movimentos delicados e precisos de Rosamund quando Gretha
Hawthorne chegou. A prima, que parecia um general de guerra,
estreitou os olhos e fez uma expressão de que poderia matá-lo
enquanto se aproximava. Parou perto dele e cruzou os braços no
peito, encarando-o com fúria.
— Olá, Srta. Hawthorne.
— Lorde Granville. Não pense que pode me enganar com esse
sorriso sedutor, eu não sou afoita como minha prima.
Anthony cruzou as pernas e ampliou o sorriso.
— Não quero enganá-la, senhorita. Sei que Rose contou sobre
nós, apenas espero que não a julgue. Se há alguém para culpar,
que seja eu.
— Claro que é o senhor. — Gretha rosnou. — Mas Rose está
muito encantada para ver que o senhor irá arruiná-la
completamente. Se milorde tem alguma consideração por ela,
deveria se afastar.
Sim, ele deveria. Tinha certeza disso, tomara a decisão de fazê-
lo muitas vezes desde que conheceu Rosamund Taylor. Ainda
assim, não teve forças para afastá-la quando ela não demonstrava
nenhuma vontade de se manter distante. Se ela queria a sua
companhia, assim como ele queria a dela, por que privá-la disso?
— Srta. Hawthorne, estou bastante alerta sobre os riscos que
Rosamund corre ao meu lado e em minha cama. Porém, ela é
adulta, e imagino poder tomar decisões por si. Não a raptei ou a
enganei para que passasse a noite em meu quarto, esse foi o
desejo dela.
— E o senhor a deixaria fazer o que quer mesmo estando
errada?
— Talvez não caiba a mim decidir por ela.
Era o que ele acreditava, o que sempre acreditou. Não era por
ser um libertino que Anthony desprezava as mulheres, ele as
considerava bastante capazes de pensar. Nem toda mulher queria
um homem interferindo em suas decisões e nenhuma delas
realmente precisava de um.
Gretha, no entanto, pareceu discordar. Talvez ela fosse muito
rígida, moldada pelas convenções sociais, ou talvez não gostasse
dele e o achasse uma influência ruim. Talvez ela estivesse certa.
— O que o senhor está fazendo aqui, afinal?
— Eu levarei Rosamund para um passeio pela cidade.
— Uma corte formal? Em público? — Os olhos dela brilharam
pela possibilidade.
Anthony sorriu ao descobrir que estava enganado, ou quase.
Mesmo que a prima não gostasse dele, sabia o quanto seu título
poderia ser sedutor.
— Nada formal, senhorita. Mas sim, em público. Sei que esse
comportamento da plebe é bastante reprovado pela nobreza, mas
pensei que não tivessem sangue azul.
— Não temos. Porém, é inadequado que sejam vistos juntos
sem acompanhante.
— Venha conosco, então.
— Eu?
— Por que não? Tem medo de descobrir que não sou um
monstro horrível como a senhorita acredita que eu seja?
Ele se divertia em provocar e sabia que Gretha estava lutando
internamente com os motivos para recusar o convite. Madame
Beaury-Saurel encerrou a aula, agradeceu às suas pupilas e
Rosamund levou alguns segundos analisando seu trabalho. Ela não
parecia satisfeita e recebeu algumas palavras de incentivo da
mestra antes de se afastar e caminhar na direção deles. Anthony
colocou-se de pé assim que ela se aproximou com uma expressão
de dignidade e o cumprimentou com uma mesura.
Anthony queria beijá-la. Não parecia aceitável que se
cumprimentassem — depois de uma noite de prazer — com
formalidades sociais. Ainda assim, era como deveria ser e ele
apenas segurou a mão dela e levou aos lábios, despejando nos
dedos ainda manchados a luxúria que era reservada a outras
partes.
— Lorde Granville, não esperava o senhor por aqui. — Ela fingiu.
— Estava pela cidade e decidi passar por aqui. Está com fome,
senhorita?
Os lábios dela se abriram em um sorriso largo e malicioso.
— Sim, eu comeria uma torta com chá.
— Há chá com biscoitos aqui. — Gretha indicou.
— Ela disse torta, senhorita. E eu sei onde vende a melhor torta
de Paris. As senhoritas me acompanham?
Rosamund segurou o braço dele antes que oferecesse.
— Não vejo por que vocês dois precisem de acompanhante. — a
prima resmungou. — Apenas tome cuidado, Rose.
— Eu sempre sou cuidadosa.
Aquela era uma mentira deslavada, mas Anthony divertiu-se ao
ver Rosamund contá-la. Ele adorava-a transgressora e ousada,
adorava a mulher que desafiava e se impunha sobre as
convenções. E, por certo, preferia que Gretha não os
acompanhasse.
O marquês não tinha muita certeza do que queria com aquela
excursão. Um pouco do que Pierre dissera o afetara, mas ele não
podia se deixar iludir — mesmo que se apaixonasse por Rosamund,
não seria um bom marido e não iria querer que ela perdesse a
oportunidade de fazer um casamento decente.
— Aonde vamos? — Rose perguntou quando percebeu que não
tomariam um veículo.
— Ao Café de Flore. Você adoraria saber que lá também é um
ambiente tradicional entre artistas franceses.
— Contanto que tenha a torta que me prometeu, já estou
satisfeita.
Aquela era uma característica marcante dela, satisfazer-se com
quase tudo. Rosamund não colocava dificuldades em tudo nem
reclamava sempre. Mesmo tendo que enfrentar o enfadonho
Rondale, ela o tratava com educação e cortesia. E estava disposta a
sacrificar seus sentimentos, fossem quais fossem, para atender aos
desejos de seu pai em casar-se com um lorde apenas para que eles
pudessem ascender para a nobreza.
Anthony quis dizer a ela que aquilo era uma grande bobagem,
um pensamento antigo que não condizia mais com a Inglaterra do
final do século. A nobreza ainda gozava de grande prestígio social,
mas não tinha mais quase nenhum poder econômico — todo nas
mãos da burguesia. O pai de Rosamund talvez tivesse mais poder
do que ele próprio, um marquês que sabia administrar seus
negócios. Havia ducados completamente falidos, condes e
viscondes precisando desesperadamente negociar seus filhos e
filhas por dinheiro.
Mas não teve coragem de criticar o homem diante de sua filha,
que demonstrava ao menos apreço pelo pai. Talvez, em algum
momento, pudesse contar a ela suas opiniões sobre aquele projeto
de casar-se com um nobre para ser infeliz ao lado de alguém que
ela não amaria, ou que não a trataria bem. Porém, que direito ele
tinha de sentir ciúme e interferir?
Não, não eram ciúme. Ele ouviu as vozes de Pierre e Monty,
ambos em uníssono, dizendo que sentia ciúme da Srta. Taylor e por
isso conjecturava sobre o casamento dela, algo que não deveria lhe
importar. Mas Anthony não era ciumento, ele nem sequer sabia qual
era a sensação.
No caminho para o Café de Flore, encontraram uma
apresentação de rua. Parecia um pequeno festival: pessoas
aglomeradas ao redor de artistas que faziam malabarismos, mágica,
engoliam fogo e outras estripulias em troca de algumas moedas. Ao
ver a comoção Rosamund soltou-se dele e correu na direção das
performances, enfiando-se por entre as pessoas que aplaudiam e
recompensavam financeiramente os artistas.
A tão desconhecida sensação cutucou-o por dentro e o fez
irromper atrás dela. Na última vez que Rosamund meteu-se em
multidões desacompanhada, ela foi atacada por um patife e, caso
outro tentasse tocá-la novamente, Anthony acabaria causando mais
tumulto do que o engolidor de fogo. Não importava que nada ali
indicasse perigo, seus sentidos estavam todos voltados para
proteger Rosamund, e isso significava ter que dar razão às vozes
inexistentes do amigo e do criado que ainda ecoavam em seu
ouvido.
Você está apaixonado pela Srta. Taylor.
Capítulo décimo sexto

E
. Londres tinha várias, mas todas aconteciam em bairros pouco
favorecidos e envolviam pessoas com quem seus pais não a
deixariam confraternizar. Eles nem sequer a deixariam frequentar
tais bairros, então Rosamund não ia a tavernas, bares, teatros ou
outros eventos em lugares como Whitechapel ou St. Giles. Foi por
isso que ela decidiu aproveitar quando viu que havia um festival no
caminho para a torta prometida por Lorde Granville.
Não notou que se soltou dele, também demorou a notar que ele
se colocou ao seu lado pouco tempo depois. Manteve uma mão
protetora em suas costas e olhava por cima de sua cabeça para
todos os lados, menos para as apresentações. Apesar da
proximidade, Anthony manteve uma distância respeitosa,
encostando nela o mínimo necessário. Em público ele não agia
como o devasso que era, e isso a confundia. Era por não querer que
pensassem que ele a cortejava, ou porque preferia preservá-la?
Claro que a segunda opção, já que o marquês não a cortejava.
Ele não deu nenhum indício de que queria qualquer envolvimento
com ela além do que já tinham compartilhado, mesmo que tivesse
aparecido no ateliê e a convidado para um passeio.
— Eles são tão talentosos! — Rosamund disse, depois que se
afastaram um pouco da multidão. — Ah! Eu adoro o clima
parisiense. Tanta arte e tantas festividades!
— Londres também é bastante festiva. — ele completou.
— Sim, mas eu apenas frequento as festividades enfadonhas da
nobreza ou dos endinheirados como minha família. Gosto de teatro
e ópera, milorde, mas também gosto de coisas mais simples e
humanas.
— E ópera não é humana, Srta. Taylor?
— O senhor me entendeu, não coloque palavras na minha boca.
— Realmente, há coisas melhores para fazer com essa boca
linda.
Ela quase parou de respirar e se engasgou enquanto o maldito
libertino ao seu lado deu uma risada e apertou seus dedos que
repousavam no braço dele. Anthony parecia gostar de vê-la irritada
ou falando bobagens e perversões. Rosamund ainda não encontrara
ninguém que a fizesse ser tão autêntica e que derrubasse todas as
barreiras que construíra para ser uma dama perfeita da sociedade.
Chegaram ao Café de Flore e ele pediu que servissem a torta do
dia — seria uma surpresa — e café. Ela se sentou de frente para ele
desejando sentar-se ao lado, mas nem mesmo depois do
casamento homens e mulheres costumavam demonstrar tanta
intimidade. Apesar disso, depois de tirar as luvas Anthony segurou
suas mãos entre as dele.
— Você está bem, Rose?
A pergunta a surpreendeu. Esperava que ele fosse começar
falando da investigação, mas ele demonstrou preocupação com ela
— mesmo que não julgasse necessária. A resposta não veio fácil:
ela estava bem, porém confusa. Queria abrir-se com ele e dizer
todas as verdades de seu coração, mas sabia que isso o assustaria
e faria com que o marquês a abandonasse. Rosamund queria que
suas memórias de Paris fossem todas perfeitas.
— Estou um pouco faminta e talvez cansada. Minha cabeça já
doeu bastante, creio que seja porque Gretha está muito aborrecida
comigo.
— Sua prima superará. — Ele levou os dedos dela à boca e os
beijou, fazendo com que calor subisse por seus braços. — Você
quer saber o que descobri ontem quando fui me limpar do banho de
champanhe?
— Sim, eu anseio por isso.
— Confirmei que nosso alvo está traficando armas, não
informações.
Ele disse a frase com calma e em baixa voz, mas o fato de dizê-
la indicava que estavam em lugar seguro.
— E isso é possivelmente pior?
— Sim, e também mais perigoso. Tentarei conseguir alguma
prova do que descobrimos, mas precisamos parar de investigá-lo
ostensivamente. Descobri onde será a entrega e talvez haja outra
interceptação, por isso preciso pedir que se afaste. Não a quero se
arriscando dessa forma.
— Mas, Anthony, se ele é mais perigoso do que pensávamos,
então temos que agir! Posso continuar procurando documentos na
casa. Com cautela, claro, porém não podemos…
— Rose. — Ele virou a mão dela e beijou a palma. Se pretendia
distraí-la, estava fazendo um trabalho excelente. Rapidamente, a
imagem daqueles lábios percorrendo todo o seu corpo a fizeram
estremecer. — É perigoso demais. Eu e Pierre cuidaremos disso.
— Voltará para Londres?
— Não, enquanto não tiver a prova.
Ela assentiu com um movimento brusco de cabeça no momento
em que uma atendente de avental com babados trouxe a comida
que pediram. Sorrindo para Anthony, ela esbarrou propositalmente
nele e encostou-se de forma a provocar um contato inadequado.
Rosamund sentiu vontade de brigar com a mulher, mas era claro
que o marquês conhecia de forma íntima todas as empregadas dos
cafés parisienses.
— Outra conquista sua?
— Isabelle é filha do dono. — Ele pigarreou. — Faz algum tempo
que não venho a Paris, elas estão apenas me cumprimentando.
— Sei. Além da notícia sobre encerrarmos nossas investigações,
há algo mais que tenha motivado esta reunião?
— O que você está pintando agora?
Rosamund olhou para sua torta cheia de creme com chocolate e
morango e suspirou. Deveria ser o rio Sena, mas não se parecia
nem com um rio. Ela tinha uma memória excelente e sabia bem
como pintar paisagens, porém, estava falhando em concentrar-se.
Madame Beaury-Saurel a incentivava, dizia que o talento dela
poderia estar direcionado para retratos, mas Rosamund sabia que o
problema com sua pintura tinha nome e sobrenome: Anthony
Eckley.
— Qualquer coisa que seja uma paisagem. Preciso aprender
outras técnicas e estou me aproveitando de minha mentora. O
problema é que gosto de pintar pessoas.
— Então pinte pessoas, oras. Você não precisa ser ótima em
tudo, Rose.
Ele tinha razão, a própria Madame Beaury-Saurel lhe dissera
aquilo, porém, Rosamund estava acostumada a ser perfeita ou a
fingir perfeição sempre. Era o que esperavam de uma dama da
sociedade, então ela precisava ser. Só por ele achar que não, já o
tornava o melhor homem dentre os aristocratas.
Foi então que ela pensou em uma forma de não encerrarem o
contato. Com o fim da participação dela nas investigações, ela
suspeitava que eles não teriam mais momentos sozinhos, que não
se encontrariam mais pela madrugada e não estava preparada para
afastar-se de Anthony. Sabia que precisava, apenas não queria.
Não ainda.
— Você poderia posar para mim outra vez?
— Preciso posar? Você disse que tem boa memória.
— Se eu estiver olhando para o que vou pintar, consigo ir mais
rápido.
— Certo, eu poso para você, Rosamund Taylor. Onde vamos
fazer isso, no ateliê?
Não, Lorde Granville. Para um homem tão esperto, ele dava
muito crédito à inocência dela. Por certo Rose não desejava pintá-lo
no ateliê, porque ela não pretendia pintá-lo vestido.
— Em seu quarto. O meu não é nada discreto, empregadas
entram e saem o tempo todo e o seu parece guardado por seu
valete.
— Durante o dia?
— O melhor horário para pintar é com o sol da manhã. E à tarde
e tenho aulas. Milorde tem as manhãs disponíveis para mim?
Pela forma como ele sorriu ela entendeu que sim, ele teria para
ela todo tempo que quisesse. Rosamund só precisava ter certeza
que estava pronta para aguentar as consequências de continuar
envolvida com o marquês. Quanto mais tempo eles passassem
juntos, mais risco corria a sua virgindade.

Anthony nunca servira de modelo antes e não entendeu o que


pretendia a Srta. Taylor com aquela proposta. Gostou da ideia de
passar tempo com ela, mais tempo, e não quis negar que estivesse
mais envolvido do que esperava quando o passeio por Paris
acabou. Dentro de um cabriolé alugado, que era apertado o
suficiente para fazer com que as pernas dele ficassem em contato
com as dela, eles retornavam para a casa do Visconde Tinsdale
depois de uma tarde agradável, e cada vez ficava mais satisfatório
estar ao lado dela.
Isso dava a Pierre a vantagem de estar certo. Não a voz
inexistente em sua cabeça, mas a conversa que tiveram mais cedo,
em que ele dizia que Rosamund poderia levá-lo a escorregar na
missão. Ele não queria pensar que poderia deixar que seus
sentimentos por ela estragassem tudo e, ainda, a colocassem em
risco. A possibilidade o assustava.
Assim que chegaram, ele se despediu de Rosamund com um
aceno e prometeu, no olhar, que se encontrariam mais tarde durante
o jantar. Apesar de achar que era seguro para ela ficar em casa, não
permitiria que Rondale continuasse insistindo em um cortejo
indesejado. Se o barão se aproximasse dela de forma inadequada,
sentiria o peso de seu punho.
Monty o aguardava no quarto com um conjunto de noite
completo — um pouco exagerado para um jantar entre os Finley.
— Vamos receber Carnot 1 essa noite e não fui comunicado? —
ele desdenhou, despindo o paletó e o colete.
— O visconde convidou alguns figurões franceses para jantar.
Nós, criados, fomos instruídos a informar nossos patrões.
— Certo. Tomarei um banho, garanta que ninguém me
importune.
O valete exibiu um sorriso cheio de deboche, o que era
esperado, e o acompanhou até o banheiro do corredor, que era uma
das maravilhas do mundo moderno. Um encanamento excelente,
com água aquecida e uma banheira grande e larga, além de um
chuveiro bastante eficiente. Os da Granville House eram tão bons
quanto aquele, já que Anthony tratou de reformar todos os
banheiros quando assumiu o marquesado — ele adorava
encanamentos e detestava banhos frios, assim como detestava o
processo de aquecer água em lareiras ou fogões.
Sabendo que Monty ficaria de guarda na porta para que ninguém
o importunasse, Anthony decidiu encher a banheira e mergulhar em
alguns sais de banho. Despiu-se por completo enquanto esperava e
desejou que pudesse compartilhar o momento com alguém. Por
motivos que ele não conseguia racionalizar, imaginou que o banho
seria mais apreciável se Rosamund estivesse nele.
Pensar nela o deixava excitado e pouco racional, então Anthony
tratou de espantar as memórias das mãos da Srta. Taylor sobre seu
corpo e se concentrou na próxima fase da investigação. Ele cercaria
a próxima transação de Finley, descobriria o local da entrega ou
transporte das armas e faria uma interceptação.
Entrou na banheira cheia, deitou a cabeça para trás e relaxou
por alguns instantes, permitindo-se apenas descansar. Quando a
água começou a esfriar, pegou uma esponja e começou a se
esfregar.
Um burburinho de vozes do lado de fora chamou a sua atenção.
— O banheiro está ocupado, senhorita. Lorde Granville está se
preparando para o jantar.
— Oh! Claro. Importa-se de me avisar quando ele terminar?
— Farei com prazer, senhorita.
Anthony reconheceria aquela voz em qualquer lugar. Parecia
uma maldição que a Srta. Taylor estivesse em todo lugar, até
mesmo quando tentava não pensar nela.
— Monty! — ele chamou em alta voz. — Deixe-a entrar. Já estou
terminando de me lavar.
— Claro, milorde.
Ele fechou os olhos e imaginou Monty pigarreando e, com sua
expressão de que não aguentava mais seu lorde incorrigível,
chamando Rosamund para que ela entrasse. Talvez ela achasse a
oferta indecorosa e absurda, mas não havia nada a esconder entre
eles. A nudez não era mais um obstáculo, eles já se viram sem
roupas, antes.
A porta se abriu e ela colocou a cabeça para dentro, espiando.
Apostar na curiosidade de Rosamund Taylor era apostar para
vencer.
— Você está vestido?
— Estou dentro da banheira, Rose. Entre, feche a porta e
espere, eu não vou me demorar.
Ela fez como ele comandou, recostando-se na madeira.
Segurava uma toalha de linho dobrada nos braços, uma caixa e
vestia um roupão de banho com chinelos. Mesmo estando coberta
dos tornozelos até o pescoço, ela era linda. Anthony desejou que
ela entrasse na banheira com ele, mas não disse nada. Se isso
acontecesse, eles não tomariam banho, afinal.
— Por que adora me constranger?
— Não foi essa a minha intenção. Você tem vergonha em me ver
assim?
Rose balançou a cabeça negando.
— Tem razão, estou sendo tola. Vou preparar minhas coisas.
Aproximando-se da bancada da pia, ela abriu a caixa e começou
a tirar objetos de dentro. Ele terminou de se esfregar, levantou-se e
saiu da banheira enrolando-se em uma toalha.
— O que tem aí?
— Sabão, sais de banho e colônia. — Ela se virou e trombou em
seu corpo ainda molhado, batendo o nariz em seu peito. Ergueu o
olhar e fitou seu sorriso por alguns instantes até sorrir também. —
Meu Deus, milorde! A sua presença é perturbadora.
O sorriso aumentou e ele levou a mão até a face dela,
acariciando-a na bochecha.
— Devo confessar o mesmo. Eu fico bastante perturbado
quando você está por perto.
— Lamento incomodá-lo em seu banho.
— Eu não. Você quer ajuda com o seu?
Rose arregalou os olhos e soltou uma risada nervosa.
— Pelos céus, não! Se começarmos esse jogo mais uma vez,
não vamos parar.
Foi a vez dele assentir. Ela era mais esperta do que se esperava
e tinha razão. Por mais que Anthony quisesse esfregá-la com uma
esponja e depois com a língua, ele não sabia se conseguiria fazer
isso sem entrar na banheira com ela.
— Vejo você no jantar, Rose.
Ele levou a boca até ela e a beijou, sendo recebido com
retribuição. Aquele era o comportamento de duas pessoas casadas,
de um casal com intimidade o suficiente para compartilhar aquele
tipo de carinho. A realização o deixou um pouco assustado,
contudo, Anthony precisava começar a enfrentar seus sentimentos
pela Srta. Taylor.

O jantar seria formal demais. Isso não a intimidava, mas Rose já


estava se acostumando com o ambiente mais familiar e simples dos
dias em Paris. Cresceu acostumada com pompa e refeições que
duravam até cinco horas e eram compostas de vinte pratos, e
acabou descobrindo que preferia a informalidade de conversas
amigáveis e a proximidade de mesas menores. Enquanto se olhava
no espelho e esperava que uma criada penteasse seu cabelo,
imaginava se encontraria Anthony ao descer e como ele se
comportaria com ela.
Ela conseguiu tomar banho, mas pensou no toque dele o tempo
todo. Ao mesmo tempo, quis que ele tivesse ficado ali para
simplesmente conversarem sobre alguma coisa — qualquer coisa
—, já que ninguém costumava conversar com ela. As mulheres da
casa estavam muito envolvidas com assuntos das casadas ou
frivolidades e, quando falavam sobre arte, era apenas
superficialmente. Os homens a achavam um adorno, mas Anthony a
ouvia e não a tratava como uma tola.
A porta de seu quarto se abriu e Gretha entrou. Vestia azul-
escuro, um conjunto elegante com botões encapados e babado
ornamentado de branco, mas portava uma carranca que assustaria
até o mais corajoso dos soldados.
— Pode deixar que eu termino.
Ela disse para a criada, dispensando-a. A jovem fez uma mesura
e deixou o quarto.
— Devo me preocupar com você se sentando atrás de mim com
um ferro quente?
Gretha não sorriu nem mudou de expressão.
— Diga-me uma coisa, Rose. Você pretende se casar com o
Marquês de Granville?
— Já tivemos essa conversa antes.
— Não tivemos. — Gretha ajeitou uma mecha com o ferro
quente e prendeu mais alguns grampos no coque. — Você me disse
que ele a estava cortejando, passou a noite no quarto dele e ele a
levou para um passeio hoje. Vocês estão nitidamente próximos
demais e isso já gerou algum falatório pela casa. A Sra. Thompson
acha que você está encantada por ele e Lady Bachour acha que ela
está errada. Lady Rottschild suspirou dizendo que qualquer mulher
ficaria encantada por ele. Você não passa nenhum tempo conosco,
mas sempre está com ele ao seu redor. Sabe que o burburinho
poderá virar fofoca e, quando retornarmos a Londres, chegará aos
ouvidos de todos.
— Eu e Anthony não vamos nos casar. — Havia verdade
naquela frase, mas Rosamund sentiu-se triste ao proferi-la. —
Mesmo tendo passado a noite no quarto dele, eu não fui deflorada.
— Não foi?
— Não. Ao contrário do que se pensa, ele é um dos homens
mais respeitadores que conheço. Nunca tentou tirar vantagem de
mim.
— Vocês se beijaram? Ah, que pergunta tola, claro que sim!
Vocês fizeram mais do que se beijar?
— Fizemos. Não me peça detalhes, por favor.
— Por Deus, não! — A prima arregalou os olhos. — Mas diga-
me, você descobriu por que todas as mulheres se derretem por ele?
— Sim, eu descobri.
Gretha sentou-se ao lado de Rosamund e suspirou. O penteado
estava perfeito, porém, elegante demais para um simples jantar. Ela
se sentia digna da realeza naquele vestido Burgundy e com aquelas
pérolas penduradas no pescoço. Eram as pérolas que sua mãe
considerava ideais para fisgar um marido — segundo ela, nenhum
homem resistia àquele colar.
— Eu lamento por minha intransigência. Tenho medo que ele a
arruíne e você não possa mais atingir seu sonho.
— O sonho do casamento na nobreza é de meu pai. Eu aceitaria
um homem que me amasse, apenas.
— Mesmo se ele fosse pobre?
— Meu dote permitiria que tivéssemos uma vida boa. Mas não
penso em nada disso, estou pronta para aceitar meu destino. Só
que Anthony… ah! Gretha, ele é irresistível. Decidi permitir-me
algumas boas memórias.
A prima a tocou na face e sorriu. Rosamund se surpreendeu, era
o primeiro sorriso que via desde que chegaram à capital francesa.
— Não a importunarei mais com minha rabugice. Confiarei que
saberá tomar as melhores decisões para você. Se quiser continuar
se divertindo com o marquês, faça-o.
Mesmo que não precisasse da aprovação de ninguém, Rose
gostou de recebê-la. Era melhor se pudesse continuar vivendo
aqueles dias sem precisar mentir para a família. Ela omitiria e se
esconderia pelos cantos, fingiria ser uma mulher recatada quando já
estava sentindo as chamas do inferno em seus pés, mas saberia
que, para Gretha, poderia dizer a verdade.
Em algum momento a verdade a libertaria. Por enquanto, ela
viveria no pecado.

Havia gente demais no salão de Finley e isso já fez com que


Anthony desconfiasse que alguma coisa aconteceria naquela casa,
naquela noite. Desde que chegaram a Paris, o visconde não
estabelecera um contato ou fizera um evento sem ter algo planejado
por trás. Tudo fazia ou parecia fazer parte do plano. As pessoas
estavam vestidas com elegância exagerada para um simples jantar
e havia um quarteto de cordas tocando. Como esteve o dia fora, não
percebeu que decoraram e prepararam todo o salão principal da
casa para uma recepção de estilo.
— O que está havendo hoje?
Perguntou para um criado ao pegar uma taça de champanhe de
uma bandeja.
— O Visconde Tinsdale está dando uma recepção para alguns
amigos, senhor.
— Parece-me muito rebuscado para “alguns amigos”.
— Talvez sejam muitos amigos, senhor.
O criado voltou a circular e Anthony não se satisfez com a
resposta. Eram mais do que amigos, havia pelo menos cinquenta
pessoas naquele salão. Ele precisava de Pierre.
Foi até os fundos da casa e encontrou Monty jogando cartas com
outros criados que aguardavam, paramentados, a necessidade de
atuarem. Ao vê-lo, o valete se levantou e o seguiu até a despensa.
Uma ajudante de cozinha reclamou da presença deles ali, mas
Monty disse alguma coisa que a acalmou.
— Preciso que vá ao Sr. Prescott, diga a ele para se vestir e vir
até aqui.
— Agora, milorde?
— Imediatamente, Monty. Pegue um carro de aluguel e seja
breve.
O criado suspirou em desânimo, mas saiu para cumprir a ordem
que lhe fora dada. Anthony não podia se ausentar, tinha que prestar
atenção em tudo. Ele não acreditava que Finley fosse trazer as
negociações para dentro de sua casa, mas parecia que o visconde
não iria parar de surpreendê-lo.
Retornou para o salão e encontrou Rosamund ao lado de sua
prima Gretha conversando com o casal Rottschild, que também
estavam sobressaltados pela magnitude do jantar. Ele não tinha sido
o único não avisado, afinal. Anthony aproximou-se do grupo de
pessoas e os cumprimentou.
Rose estava linda com um vestido escuro que realçava a cor de
seus olhos. Era a primeira oportunidade que tinha para a ver vestida
para bailes e eventos noturnos e imaginava que seria a última.
Quando retornassem a Londres, seguiriam suas vidas e não
cruzariam seus caminhos. Ao vê-lo, ela exibiu um sorriso tímido e
controlado que o fez desejar beijá-la. Bem, Anthony desejava beijá-
la a cada segundo do dia desde que a beijara pela primeira vez,
então aquilo não lhe era novidade.
Não puderam engajar em uma conversa civilizada. Logo após os
cumprimentos, Rondale apareceu e se meteu entre Rosamund e
Gretha, fazendo com que as mulheres se afastassem para não
serem inadvertidamente tocadas por ele. As mãos de Anthony se
fecharam em punhos — ele provavelmente socaria o nariz do barão
se ele continuasse a agir como um imbecil.
— Fomos todos surpreendidos por nosso anfitrião, hoje? —
Rondale perguntou. — Se meu valete não tivesse me alertado, eu
desceria com um traje comum.
— Imagino que o visconde não achou necessário nos informar
com antecedência sobre o jantar, já que estamos hospedados aqui.
— disse Rottschild.
— Mas poderíamos ter outros compromissos. — Rosamund
destacou. — A cidade está fervendo de espetáculos e mostras
artísticas, então qualquer um de nós poderia ter tomado um rumo
diferente hoje.
— Finley não se importa com nossa presença. — Rondale
serviu-se de uma taça de champanhe e bebeu metade em um gole.
— Ele convidou alguns figurões alemães e italianos que estão na
cidade, parece que fará negócios bastante rentáveis com eles.
— Bem, se ele se importa conosco não é relevante, já que
teremos música e dança sem precisar sair — a baronesa disse.
— Se houver dança, Srta. Taylor, gostaria de ter a honra de sua
primeira valsa.
Anthony precisou segurar-se para não agarrar Rondale pelo
colarinho engomado e atirá-lo para longe dali. O homem era
insolente e inconveniente. Rosamund não deu nenhum indício de
que aceitava suas investidas e, mesmo assim, ele insistia em
importuná-la. Ele esperava que não estivesse enganado em relação
a ela, porque seu juízo estava comprometido e sua boca não estava
tão controlada quanto seus punhos.
— Se houver dança, Rondale, todas as da Srta. Taylor
pertencem a mim.
O barão se virou para ele com uma expressão de horror e
dúvida.
— O que milorde disse?
— Exatamente o que você ouviu.
— Lorde Rondale. — Rosamund olhou com uma expressão
assassina para Anthony, mas sorriu para o barão. — O que o
marquês está dizendo é que, antes de o senhor chegar, eu já havia
prometido a ele minha primeira dança.
— Todas as suas danças. — Anthony reforçou.
— Não pretendo dançar muito. Estou exausta hoje.
— Minha querida, você não acha que seu noivo não gostará de
saber que prometeu mais de uma dança ao mesmo cavalheiro? — A
baronesa perguntou discretamente, na voz mais baixa que pode
fazer.
— Ele ficaria muito aborrecido, milady, porém ele rompeu nosso
compromisso há dois dias. Aparentemente a família dele não me
acha boa o suficiente para tornar-me sua esposa.
Ela era uma atriz fenomenal. Os olhos brilharam como se fosse
chorar, fazendo com que tanto Rottschild quanto Rondale retirassem
seus lenços e oferecessem a ela. Se Anthony não soubesse que
tudo não passava de uma encenação, teria feito o mesmo.
— Oh! Lamento muito ouvir isso. — Lady Rottschild colocou uma
mão no ombro de Rose, em consolo. — Mas talvez seja melhor.
Assim você pode se envolver com um nobre inglês, um homem de
mais estirpe.
— Talvez essa seja a sua oportunidade também, Granville. —
Rottschild o provocou. — Aproveite seu encantamento pela dama e
corteje-a.
— Não estou encantado pela dama.
— Ele não está encantado por mim.
Os dois disseram ao mesmo tempo, e Gretha deu uma risada.
Gretha — a mulher mais ranzinza e mal-humorada que ele já
conhecera em toda a sua curta vida — riu de seu infortúnio em
tentar convencer as pessoas de que nada sentia por Rosamund
Taylor.
— Bem, eu não costumo me enganar. — O barão sorriu. — Acho
que esse jantar veio bem a calhar para alguns interesses
casamenteiros.
Anthony gostaria de continuar refutando o argumento de
Rottschild, mas o mordomo anunciou a chegada de novos
convidados, todos com nomes estrangeiros e complicados — os
alemães. Aquele não era um idioma que o marquês dominasse, o
que seria um grande problema para interceptar uma conversa. Logo
em seguida chegou Pierre Prescott com a gravata mal amarrada e
os cabelos ainda úmidos de um banho tomado às pressas. Por
sorte, ele morava próximo dali.
A comoção dispersou a conversa e fez com que Rosamund se
aproximasse dele. Eles ficaram lado a lado e talvez o barão
estivesse certo. Anthony poderia aproveitar aquela festa para
cortejar a Srta. Taylor. Mesmo que eles não fossem se casar,
poderiam apenas flertar publicamente em um jantar qualquer em
uma noite em Paris.
Capítulo décimo sétimo

E
Anthony e observou o movimento de convidados chegando. Não
sabia onde estava o visconde e suspeitava que a chegada súbita do
Sr. Prescott tivesse o dedo do marquês envolvido.
— Não vai haver dança, vai?
— Não sei, mas você não dançará com Rondale.
— E se eu quiser?
Anthony virou-se para ela com a confusão estampada em seu
rosto.
— Você quer?
— Pare de responder uma pergunta com outra, milorde. Se eu
quiser dançar com o barão, o senhor me impedirá?
— Claro que não. — Ele voltou a olhar para frente. O Sr. Prescott
vinha na direção deles. — Nunca a atrapalharia se estivesse
interessada em Rondale, porém preciso avisá-la que ele quer
apenas o seu dote.
— Todos os nobres que se aproximam de mim querem apenas o
meu dote.
— Por Deus, Rose! Você quer casar com Rondale?
Ela não suportou e caiu na risada. Precisava manter a pose e
agir como uma dama, porém, eles estavam em Paris, e nenhuma
mulher ali guardava os trejeitos afetados da aristocracia britânica.
Ela poderia dar uma gargalhada audível o suficiente para
constrangê-la que ninguém se importaria.
— De jeito algum, eu prefiro morrer solteira. Mas eu precisava
saber se respeitaria minhas escolhas.
— Eu jamais desrespeitaria você, mesmo que sua escolha fosse
equivocada.
O Sr. Prescott interrompeu a conversa. Ela estava mais que
satisfeita em saber que ele, mesmo tendo objeções quanto ao
barão, não a impediria de fazer o que desejasse. Aquela era uma
experiência nova para Rosamund, que se acostumou a fazer o que
mandavam e era proibida de quase tudo. Cada hora que passava
fazia com que o marquês se tornasse o candidato ideal a marido.
Depois dos cumprimentos de praxe, o Sr. Prescott serviu-se de
Bourbon e juntou-se a eles em definitivo.
— Estamos esperando alguma coisa?
— Talvez. Desconfio que ele tenha armado esse espetáculo para
nos entreter e poder fazer seus negócios.
— Mas a entrega já não foi programada? Por que ele precisaria
de mais encontros arriscados para tomar decisões que já foram
tomadas?
— Algo pode ter dado errado ou pode ter precisado mudar?
Ela respondeu mesmo sem achar que poderia interromper a
conversa dos homens. Preparou-se para ser repreendida, mas o Sr.
Prescott coçou o queixo e refletiu por alguns segundos.
— Pode ser. Vamos manter nossa atenção no anfitrião.
— Chamei-o por isso. Preciso garantir que a Srta. Taylor não
seja molestada por um pretendente inconveniente que não aceita a
rejeição que sofreu, então tenho duas missões hoje à noite.
— Você não precisa garantir nada. — ela interferiu outra vez. —
Se Rondale se aproximar de mim, darei um jeito de lidar com ele.
O marquês fez uma careta e resmungou alguma coisa
ininteligível. Pela risada do Sr. Prescott, ela imaginava que o
comportamento de Anthony estivesse atípico. Gostou de despertar
qualquer coisa nele — quer fosse desejo, alegria ou fúria, ela
gostava quando ele sentia algo ao seu lado.
O mordomo circulou pelos convidados informando que não
haveria jantar formal e que uma mesa com iguarias estava
disponível para quem quisesse se servir. As portas laterais da casa
estavam abertas, permitindo que os convidados fossem para os
jardins e caminhassem pelos caminhos de pedra, por entre arbustos
de flores. Estava frio, ventava um pouco e a noite não estava das
mais agradáveis para o ar livre, mesmo assim a oferta era
tentadora.
Com a movimentação de pessoas por entre dois salões, aquele
em que eles estavam ficou menos cheio. Foi quando ela viu Lorde
Finley descendo as escadas, tentando ser discreto para que
ninguém o notasse se ele não quisesse. Ninguém o anunciou, então
ele poderia passar quase despercebido por seus convidados já que
havia muita gente na casa.
Anthony também o percebeu e ela o sentiu hesitar. Queria
planejar uma forma de aproximar-se do visconde sem ser visto, mas
não queria sair do lado dela. Aquilo era ridículo.
— Eu não irei a lugar algum e prometo não dançar com o barão.
— Ela segurou no braço dele e acariciou-o por cima do casaco. —
Faça o que precisa fazer, saberei me cuidar.
Ele assentiu, porém, a música começou a tocar em algum lugar.
Portas duplas se abriram e eles puderam ver um salão de baile
ornamentado, onde o quarteto de cordas estava então posicionado
tocando composições tradicionais. Começaram com uma valsa
vienense, uma das preferidas de Rosamund.
— Farei tudo que precisar depois que me conceder uma dança,
Srta. Taylor.
Alguns casais formados já caminhavam para o salão. Anthony
lhe estendeu a mão para que ela aceitasse e o acompanhasse.
Rosamund gostava de valsar e não se importaria em passar algum
tempo nos braços do marquês. Não vendo motivos para recusar,
segurou a mão enluvada de Lorde Granville e o seguiu na direção
da música.

Ela sabia que todas as residências dos nobres tinham salões de


baile, mas não esperava que conseguissem decorar um espaço tão
grande como aquele com tanta rapidez. Os lustres espalhados pelo
teto estavam acesos e a iluminação era quase tão boa quanto a luz
do sol. As paredes eram ornamentadas com papel adamascado em
tons de amarelo e azul-claro e havia flores em grandes vasos de
cerâmica perto das janelas.
O quarteto de cordas tocava uma das maiores composições de
Johann Strauss, o Danúbio Azul. Era uma das composições
favoritas de Rosamund e ela se sentiu flutuando ao ser conduzida
para o círculo onde estavam os outros dançarinos. Além de adorar
valsar, ela estava nos braços do homem que implodiu todas as suas
bases prévias.
Suas mãos tremiam e ela se preocupou se não pisaria no pé de
Anthony por estar nervosa em ser vista dançando com ele. Sentiu-
se como quando foi ao seu primeiro baile da aristocracia em uma
espécie de debute que lhe foi concedido porque seu pai era muito
rico e muito influente em Londres. Ela estava preocupada em não se
sentir aceita, em não ser perfeita o suficiente e ali, naquele
momento, ao lado do homem mais magnífico que ela já conhecera,
o mesmo medo a dominou.
O marquês não parecia afetado por nada. Ele tinha classe e
elegância que servia para os dois.
— Você está com frio? — Ele sussurrou um pouco próximo
demais do ouvido dela.
— Não, apenas um pouco tensa. As pessoas estão olhando para
nós.
— Duvido que estejam. Não estamos atraindo a atenção de
ninguém, minha querida.
— Você não faz ideia do quanto sua presença é marcante,
milorde.
Ele deu uma risada e se aproximou mais dela, beijando-a na
bochecha. Foi o ato mais ousado e escandaloso que ela já imaginou
que pudessem fazer com ela, mas era tudo que ela queria naquele
momento.
— Se tiver alguém nos olhando agora, saberá que você é minha.
A garganta dela travou e seus lábios secaram. Ela tropeçou no
sapato de Anthony e quase caiu por sobre ele, que precisou segurá-
la para que não desabasse no chão. Suas bochechas estavam
vermelhas pelo fluxo de sangue que correu para lá.
— Eu sou?
— Aqui eu espero que pensem que seja.
Rosamund sentiu um frio gelado em sua espinha mesmo que
estivesse nos braços mais quentes que existiam. Ele agia como se
não apenas a desejasse, mas como se pretendesse tomá-la para si.
Ela queria ser tomada por ele, se entregar a ele, ser a única em
seus pensamentos. Havia uma voz que gritava para ela dizendo
que, se não se afastasse daquele homem o mais rapidamente
possível, ela se machucaria gravemente.
A prudência nunca foi sua melhor qualidade. Rosamund preferiu
continuar a valsa com os olhos intensos do marquês por sobre ela e
sonhar que não havia nada que os pudesse separar. Por uma
música, eles foram um casal e ela se sentiu a mais desejada das
debutantes. Quando a valsa acabou e ele beijou sua mão em
despedida, Rose sentiu um vazio inesperado, como se algo muito
ruim estivesse para acontecer.

Sem poder fazer nada para ajudar e oprimida pelos sentimentos


estranhos, Rosamund encontrou no ar frio da noite uma boa
companhia. Pessoas iam e vinham do jardim, conversavam
sentadas em bancos de pedra até que o clima do outono as fizesse
voltar para dentro da casa. Ninguém ficava muito tempo parado ali,
e isso dava a ela alguma privacidade — a oportunidade de não ser
interpelada por Gretha nem pelas outras mulheres da casa.
Apertou o xale ao redor do ombro e transitou sozinha pelos
caminhos verdes, cheios de flores e iluminados por um cordão de
pequenas luzes amarelas que tornavam o passeio romântico.
Rosamund sorriu, imaginando que romance não era bem o que ela
procurava ali — ela queria se livrar dele, parar de pensar no
marquês e de sonhar com o impossível. Mas o trajeto das luzinhas
era tentador e a hipnotizou a ponto de fazê-la vagar sem prestar
atenção no quanto se afastava da casa principal.
Quando ela percebeu uma construção de pedras de três andares
e com luzes acesas nas janelas, Rosamund sentiu-se confusa. Não
sabia se aquela era outra casa e estava perdida, ou se era a mesma
casa e ela dera a volta pelo lado de fora. Olhou ao redor e não havia
ninguém. A música e o burburinho de pessoas estavam baixo,
indicando que se afastara bastante de onde deveria estar.
O movimento era arriscado, mas ela se aproximou das janelas
iluminadas. Novas vozes se fizeram ouvir, vozes masculinas que
conversavam em um idioma bastante complicado. Era um dos que
ela aprendeu apenas um pouco, mas que poderia entender se
prestasse bastante atenção. Pé ante pé, Rosamund foi atraída pelo
som até parar debaixo da janela e poder ouvir o que diziam.
Um dos homens era sem dúvida o Visconde Tinsdale. Outros
três homens debatiam sobre uma mudança de lugar. Policiais
arriscavam a operação. Houve algum vazamento de informações e
o risco era desnecessário. Rosamund entendeu que falavam da
entrega das armas, aquela que Anthony descobriu quando se
escondeu no banheiro no Le Chat Noir e que seria importante se
descobrisse qualquer alteração nos planos.
Ele a mandou se afastar, disse que era perigoso e que cuidaria
de tudo. Mas ela não chegou até ali de propósito, então sair
correndo não era uma opção. Também não tinha tempo de sair e
buscar pelo marquês, ela nem sequer sabia onde ele estava.
Permaneceu meio escondida por alguns arbustos de flores,
tremendo de frio, mas traduzindo parcialmente a conversa.
Os homens falaram o nome do novo porto por onde pretendiam
escoar as armas. Ela esperava que seu cérebro guardasse aquela
informação depois que saísse dali, já que o nervosismo a havia
dominado por completo. Depois de algum tempo, as luzes se
apagaram, as vozes cessaram e ela se sentiu segura para se
mover. Antes que conseguisse colocar seu plano de voltar para o
baile em prática, uma porta se abriu quase ao seu lado.
— Srta. Taylor?
Não. Não podia ser o Barão Rondale, mas era a voz dele que a
interpelava. Ela cometera um erro terrível em não notar aquela porta
ali e não ouvira o barão participando da conversa. Mas, pelo tempo
que ele demorara para interceptá-la, tinha que estar ali no mesmo
momento que os outros.
— Milorde, o senhor também veio passear pelo jardim?
O sorriso do barão era de quem tinha uma vitória a comemorar.
Rosamund lembrou-se do alerta de Anthony: não fique sozinha com
nenhum homem da casa, eles queriam armar um escândalo para
comprometê-la. Aquela não era uma situação provocada por eles,
porém cabia perfeitamente no plano. Não havia ninguém ao redor,
mas a qualquer momento poderia aparecer e encontrá-los em uma
posição comprometedora.
Não, isso não aconteceria. Ela mataria aquele homem antes que
ele a comprometesse. Não aceitaria casar-se com quem precisasse
de um expediente tão vil para conquistá-la.
— A noite está muito bonita para se perder dentro de casa. E a
senhorita, o que faz sozinha por aqui?
— Ah! Vim seguindo a trilha de luzes. Elas são hipnotizantes, o
senhor não acha?
Rondale colocou-se ao lado dela quando Rosamund tentava
retornar. A proximidade do barão a deixou nervosa e agitada, mas
ela se manteve plácida como fora instruída a agir sempre. Plena
como uma dama deveria ser.
— São muito bonitas, mas não mais do que a senhorita.
— Os olhos de milorde com certeza estão confusos pela
escuridão.
— Não, eu não estou confuso. — Rondale segurou-a pelo braço
e impediu que continuasse prosseguindo. — Srta. Taylor, eu a acho
um diamante raro, uma joia. Sua beleza ofusca qualquer outra e não
desejo outra coisa que não me casar com a senhorita.
Rosamund respirou fundo. Ela sabia que ele mentia, o barão
nunca a achou um diamante ou qualquer coisa parecida. Ele a
queria por seu dote, pelo dinheiro que ela representava. Não era um
segredo que ele estava falido e que os credores já tinham ordenado
cobranças tanto judiciais quanto por vias menos ortodoxas. Um
casamento com ela representaria todas as suas dívidas saldadas, o
que era o mais desejável para qualquer homem como ele.
— Lorde Rondale, eu sinto muito. — Ela tentou se soltar, mas as
mãos dele permaneceram segurando-a pelo cotovelo. —
Infelizmente, meu desejo é casar-me com alguém por quem eu
tenha interesse romântico.
Ele deu uma risada e apertou-a com mais força.
— Ah! Senhorita… por que mulheres da plebe sempre nutrem
essas ideias tolas? Interesse romântico? Espero que não esteja
pensando que conseguirá isso de Granville. O homem não vai nem
mesmo se casar, quanto mais com uma dama sem estirpe como a
senhorita.
Aquilo era demais. Sim, ela esperava tudo isso de Anthony
Eckley, o devasso libertino, e sabia o quanto estava iludida por nem
sequer imaginar que ele poderia lhe oferecer amor, paixão,
romance. Mas ela não aceitaria ser chamada de tola por um homem
como Rondale nem seria ofendida por sua origem plebeia. Sua
família tinha muito mais força em Londres do que qualquer um
daqueles barões e ela tinha certeza que o marquês não a
desprezaria por isso. Os motivos que o impediam de se casar eram
outros — quase ridículos, mas nada tinham a ver com a falta de
sangue azul em suas veias.
— Largue-me, milorde. Eu pretendo retornar para os festejos.
— Diga-me, o que Granville tem feito por você que eu também
não possa fazer? Ele a beijou? Ele a levou para a cama?
— Eu não tenho que lhe dar satisfações! — ela esbravejou —
minha rejeição à sua proposta de casamento anterior nada teve a
ver com Lorde Granville e uma nova rejeição seguiria o mesmo
rumo. Não se ofenda, milorde, mas não tenho afeição pelo senhor.
— Talvez possamos resolver isso de alguma forma.
Ele disse aquilo e a puxou para perto, fazendo com que seu
corpo colidisse com o dele. Ao contrário de Anthony, o barão
cheirava como quem não gostava de se lavar nem usar colônias
masculinas. O hálito quente dele a fez sentir repulsa e Rosamund
tentou se desvencilhar dos braços de Rondale, mas não conseguiu.
— Solte-me! — Ela bateu com os dois punhos no peito dele, mas
o homem segurou um de seus braços e o torceu, levando-o até as
costas. — Solte-me, milorde, o senhor está me machucando.
— Prometo não a machucar se parar de lutar, senhorita.
Nada a faria parar de lutar. Rosamund se retorceu um pouco
mais até ouvir um estalo em seus ossos. A dor instantânea paralisou
seu braço preso nas costas e ela soltou um choramingo alto que
indicava sua frustração por manter-se cativa e não conseguir livrar-
se de seu agressor. Mesmo assim, ela continuou esperneando
quando ele levou a boca por sobre a dela e tentou descer uma das
mãos para seu traseiro.
De olhos fechados, ela esperou pelo pior. Talvez pudesse
vomitar de horror, já que não conseguia evitar que o barão a
beijasse, mas tudo acabou sem que ela sentisse o desprazer dos
lábios dele nos dela. Num segundo, seu corpo estava preso pelas
garras do Barão Rondale e no outro estava caindo ao chão pela
libertação súbita.
Ela abriu os olhos para enxergar a figura magnífica de Anthony
segurando o barão pelo colarinho com uma das mãos e socando-o
no meio do nariz com a outra. Lorde Rondale caiu sentado entre
alguns arbustos e seu nariz sangrava.
— Rose. — Anthony virou-se para ela. — Ele machucou você?
— Não…
— Diga a verdade.
— Não consigo mexer meu braço. Acho que ele o quebrou.
O marquês soltou um urro que poderia muito bem ser confundido
com o ataque de um leão e levantou o Barão Rondale do chão para
socá-lo outra vez. Os punhos de Anthony acertaram uma, duas, três
vezes a face do barão até que ele estivesse desacordado no meio
das flores. Havia tanto sangue que ela pensou que o homem
estivesse morto. Anthony o observou por alguns minutos, com os
braços estendidos e as mãos ainda em punhos, até confirmar que o
barão não se levantaria. Depois virou-se para ela e ajoelhou-se ao
seu lado.
— Consegue levantar?
— Sim, eu consigo.
— Está doendo? — Ele a segurou pela cintura e a firmou,
ajudando-a a se erguer. — Qual dos dois braços está machucado?
— O esquerdo. Não sinto dor, mas ele está paralisado.
Anthony passou as mãos pelo corpo dela procurando algum
outro sinal de lesão. Segurou-a pela face e a virou para a luz em
busca de sangue ou outro sinal de violência. Não havia nenhum.
Rosamund estava enojada, assustada e com o coração disparado,
mas não havia outros ferimentos. Ao segurar o seu braço
machucado ele suspirou de alívio.
— Não parece quebrado, apenas deslocado. Já me aconteceu
bastante durante os treinos de luta.
— O senhor luta. — Ela riu. — Claro, por que eu imaginaria que
um homem como você não lutaria? Boxe?
— Boxe, esgrima e muitas outras modalidades. Aprendi a lutar
ainda garoto, nas Índias, quando fui para lá com meu pai. Um
homem como eu, senhorita, precisa de exercícios físicos
constantes. Venha comigo, eu sei como resolver isso.
— Anthony. — Ela o parou antes que a segurasse nos braços e
a retirasse dali. — Temos um problema. Eu ouvi uma conversa do
visconde e eu desconfio que Rondale estava com ele. Ele me viu
aqui, ele deve suspeitar que eu espreitei alguma coisa.
— O que eles conversaram?
— Estava em alemão, então só peguei algumas frases. Tinha a
ver com uma mudança na negociação, eles transferiram o porto.
O marquês deu uma risada, passou os braços ao redor de sua
cintura e a levantou do chão. Ela sentiu uma vertigem imediata, mas
logo deitou a cabeça no ombro dele e o envolveu com o braço
direito para conseguir se equilibrar. Estar naquele abraço era tudo
que ela precisava naquele momento para sentir-se segura.
— Eu deveria imaginar que uma mulher como você saberia falar
alemão.
Foi a vez de ela dar uma risada nervosa.
— Estou com medo.
— Vamos tirar você daqui. Providenciarei que você e sua prima
sejam retiradas desta casa imediatamente.
— No meio de um baile?
— Quanto mais tumulto, mais fácil para a evacuação.
Com passos determinados, Anthony marchou por outro caminho
que ela ainda não conhecia e a levou para fora da residência do
visconde, na direção de uma carruagem preta. Cumprimentou o
cocheiro e a colocou sentada lá dentro, arrancou a gravata do
pescoço e improvisou uma tipoia em seu braço esquerdo, que
estava pendurado na lateral do corpo.
— Fique aqui. Não abra essa porta, não saia, não fale. Se notar
algum movimento estranho, Etienne irá embora, portanto não
estranhe se a carruagem se mover.
Capítulo décimo oitavo

S , A
Rosamund. Como prometeu a ela, todas as valsas e quadrilhas
seriam dele, mas aquela não era uma opção. O maldito traficante de
armas que respondia por Visconde Tinsdale estava perambulando
por aquela festa com algum estrangeiro para negociar a guerra nas
colônias e ele precisava descobrir por quê. Se a entrega da carga já
estava marcada, não havia motivos para mais negociações. O que
indicava que eles estavam mudando os planos.
Sem se envolver com Pierre, pois eles não podiam ser vistos
como amigos, o marquês ouviu o burburinho dos convidados e
perguntou aos criados onde poderia encontrar seu alvo. Alguns
disseram que ele ainda não havia aparecido no próprio evento,
outros disseram que estava no escritório. A casa tinha mais de cem
cômodos e pelo menos três escritórios em posições opostas,
distantes demais para que ele pudesse cobri-los sem arriscar perder
o rastro.
Era como procurar agulha em um palheiro. Segurando um copo
de Bourbon nas mãos, Anthony saiu perambulando pelos corredores
daquela mansão enquanto apurava os ouvidos para captar qualquer
conversa suspeita até que, já desanimando e achando que se
enganara sobre haver uma transação acontecendo na casa,
percebeu movimento no jardim e foi investigar.
Anthony não saberia dizer como se controlou para não matar
Rondale, mas, ao vê-lo agarrado à Srta. Taylor enquanto ela se
debatia para soltar-se dele, voou furioso para cima do barão e fez o
que desejava há dias: arrebentou-o com socos. Não foi o suficiente,
sua vontade era bater tanto no maldito que ele não pudesse ser
reconhecido nem depois que os ferimentos curassem. Não o fez
para não assustar Rosamund e porque ela precisava dele.
O problema era que, depois daquilo, não podiam mais continuar
na casa. Se eles saíssem, Finley descobriria que eles sabiam de
algo, mas, se eles ficassem, ela estaria em risco. Se o barão não
estivesse envolvido nos crimes do visconde, ele seria um perigo
para a virtude de Rosamund, mas, se estivesse, então a vida dela
estaria em risco.
— Monty. — Ele encontrou o criado parado como uma estátua
observando o movimento. — Você viu o visconde?
— Ele está entre seus convidados, milorde.
Era possível ver Finley realmente envolvido com as conversas
espalhafatosas de um grupo de cavalheiros. Anthony suspeitou que
seu valete estivesse prestando atenção específica no homem para
poder lhe prestar informações, mas precisava de outro tipo de ajuda.
— Temos que fazer uma evacuação. — falou em baixa voz. —
Preciso retirar a Srta. Taylor e sua prima da casa.
— Elas estão juntando seus pertences?
— Não, a Srta. Taylor está na carruagem de Pierre na rua dos
fundos esperando por mim. Você precisa entrar no quarto delas e
arrumar uma bolsa com roupas para uma semana para cada uma.
Antes disso, pretendo retirá-las de Paris.
— Devo preocupar-me, milorde? Estamos em perigo?
— Talvez, ainda não tenho certeza. Mas se elas ficarem aqui,
certamente correrão risco. Vá, eu manterei os olhos em Finley.
Enquanto vigiava o visconde e garantia que ele não fosse
avisado que algo acontecera no jardim, Anthony localizou Pierre
fazendo o mesmo — espreitando o alvo. Com um movimento de
cabeça, chamou o colega para perto e se aproveitou da privacidade
da passagem dos garçons para pedir que ele tomasse uma
providência. Alguém devia retirar Gretha Hawthorne da casa e não
seria o marquês a fazer isso.
Uma das vantagens em trabalhar com o amigo era que ele não
fazia perguntas antes de agir. Assim que recebeu o pedido, pôs-se a
procurar a prima de Rosamund — o que ele faria para retirá-la da
casa era problema de Pierre. Ele também sabia que qualquer
evacuação aconteceria pela carruagem que ficava localizada
estrategicamente e com um cocheiro treinado. Aquela era uma
operação excitante. Se não fosse pelo medo súbito e inesperado de
que algo ruim acontecesse a Rosamund, ele estaria festejando a
movimentação.
Meia hora depois, seu valete o cutucou por trás, chamando-o.
Ele se esgueirou pelas pilastras e paredes decoradas até se enfiar
em outra das passagens dos criados para encontrar Monty
segurando uma bolsa de couro.
— Providenciei o que me foi pedido, milorde. O que faço agora?
— Vamos sair, Monty. Vá para a carruagem que já estou
chegando.
Aquela era a primeira vez que ele e Pierre faziam uma
evacuação. Mantinham sempre um veículo de fuga, mas nunca
precisavam usá-lo, porque não costumavam envolver-se em
missões arriscadas. Havia outros destacados para as ações que
representavam risco real de morte, porém, aquela os pegou de
surpresa.
Duas coisas o preocupavam quando tomou a decisão de sair da
casa. A primeira era que Rondale tentasse algo contra Rosamund
outra vez. Se o barão chegasse perto dela, ele o mataria daquela
vez e não pretendia ter que desovar um corpo no rio. A segunda era
que o maldito estivesse envolvido com Finley e contasse que ela
estava os espiando. Mesmo que falassem em alemão e que ela
fosse, para todos os efeitos, uma moça tola, o visconde poderia
decidir eliminá-la.
Passando pelas partes mais escuras da casa e do jardim,
Anthony chegou até onde o esperavam. Monty estava na parte de
cima da carruagem com o cocheiro, e Pierre já aguardava com as
duas mulheres. Ao entrar, sentou-se de frente para Rosamund já
que Gretha estava ao lado dela.
— Os senhores estão nos sequestrando? — a prima perguntou.
— Devo informar que minha família não é rica.
— Isso não é um sequestro, Srta. Hawthorne. — Pierre bateu no
teto e a carruagem saiu, o mais silenciosamente possível, pelas
ruas da cidade. — É um salvamento.
— E do que estamos sendo salvas?
— Meu amigo Granville ainda não me contou.
Rosamund estava muda ainda, olhando para fora e com o braço
pendurado na tipoia. Ninguém notou porque ela estava quase
recostada na lateral da carruagem, mas Anthony sabia que ela
sentia dor e estava muito assustada. Quis segurá-la em seus
braços, mas ali, naquela confusão do momento, não conseguiu.
Levou uma das mãos até ela e acariciou-a na face. Quando os olhos
dela pousaram sobre os seus, estavam turvados por lágrimas.
— Houve um incidente no jardim. — o marquês disse sem olhar
para ninguém mais. — O Barão Rondale tentou violar a Srta. Taylor.
Gretha levou a mão à boca para esconder uma interjeição de
horror.
— Pelos céus, Rose, eu não fazia ideia… você sumiu da festa,
pensei que estivesse com… com…
— Comigo? — Anthony riu.
— Sim, milorde, com o senhor.
— Bem, se ela estivesse comigo não estaria ferida nem vocês
estariam expostas. Algo aconteceu e não era mais seguro permitir
que ficassem na casa. O visconde está aliado ao barão para
arruinar a Srta. Taylor e forçar um casamento entre eles.
A notícia atingiu Gretha mais uma vez, emudecendo-a.
— Imagino que mais coisas tenham acontecido para justificar
uma evacuação completa. — Pierre insistiu. — O que não está
contando, Granville?
— A Srta. Taylor inadvertidamente ouviu uma conversa suspeita
e perigosa entre o visconde e alguns homens. Se ele souber que ela
estava lá, pode decidir que deve eliminá-la.
— Eliminar? O senhor quer dizer matar?
— Sim, Srta. Hawthorne. Matar. A Srta. Taylor corre risco, por
isso, esta fuga é um salvamento.
— Para aonde vamos, Anthony? — Rosamund perguntou.
A voz dela estava um pouco embargada e ele odiava que
qualquer coisa desagradável tivesse acontecido com ela a ponto de
abalá-la tanto.
— A um lugar seguro que Pierre mantém nos arredores de Paris.
— Um esconderijo? — Ela riu, finalmente, e ele sentiu alívio por
ver um sorriso nas sombras. — Isso é excitante.
Ela continuou a sorrir e segurou sua mão com os dedos firmes.
Anthony não sabia se já experimentara algo como aquela sensação,
mas ele chegou à conclusão que mataria e morreria por aquela
mulher que estava ali na sua frente.

Ela quase não sentia dor quando chegaram ao destino, uma casa
grande de dois andares, porém bem mais modesta que a mansão
do Visconde Tinsdale. Ninguém os esperava, não havia criados
naquele horário e a casa estava às escuras. O valete do Marquês
de Granville e o cocheiro entraram e começaram a acender
lamparinas. Anthony e Pierre — ela não conseguia mais o ver como
Sr. Prescott depois de compartilharem tantos momentos intrigantes
— ajudaram-nas a descer da carruagem e as conduziram para
dentro com algumas bolsas de couro.
Quase tudo que ela tinha ficou na casa do visconde, e
Rosamund não sabia se recuperaria o que perdeu. Não parecia
importante se ela estava em segurança, mas não esperava que sua
estada em Paris conduzisse a uma situação tão extravagante
quanto aquela.
Todos se reuniram em uma sala grande, mobiliada e cheia de
sofás, livros e objetos de decoração. Monty serviu uma dose de
brandy para as mulheres e entregou uma taça pequena para cada
uma.
— Beba, só dessa vez. — Anthony aproximou-se dela. — Vai
ajudar quando eu for consertar seu braço.
— O que houve? — Gretha perguntou. A prima ainda não
percebera que ela estava ferida. — Como isso aconteceu?
— Eu lutei com aquele homem horroroso quando ele tentou me
beijar à força.
— Vou resolver isso em um minuto, mas acho que agora
precisamos descansar. Já é tarde. Pierre ficará aqui ou voltará para
casa?
— Voltarei, assim evitamos muitas alterações de rotina.
Os homens se despediram com movimentos de cabeça, como se
houvesse alguma comunicação secreta entre eles, e Pierre saiu
pelos fundos. Anthony e o valete apagaram as lamparinas
novamente e, segurando apenas uma, foram levar as mulheres até
seus quartos. Eram muitos quartos no andar superior, Rosamund
contou três portas apenas de um lado do corredor. Para uma casa
modesta, aquela era bem satisfatória. O marquês abriu uma porta e
indicou que Gretha deveria entrar. Desejou-lhe boa noite e, ao invés
de abrir a porta seguinte para acomodar Rose, levou-a até o outro
lado do corredor.
Ele a empurrou para dentro do quarto e colocou a lamparina
sobre uma mesa. O espaço era também satisfatório, tinha uma
cama grande, janelões cobertos por cortinas pesadas, uma cômoda,
lareira, mesa e cadeiras. Um sofá pequeno completava a decoração
desprovida de obras de arte ou quadros. As paredes eram cobertas
por papel de parede claro, com pequenas flores em tons rosados.
Ajoelhando-se em frente à lareira, Anthony começou a acender o
fogo.
— Seu valete não fará isso por você?
— Monty está bastante ocupado hoje e ele já ajudou bastante.
Creio que sou capaz de cuidar de uma lareira.
Ah! Ele era bem capaz. Rosamund tinha a impressão
equivocada de que todos os membros da aristocracia eram
preguiçosos e não sabiam fazer nenhum trabalho, mas o marquês a
surpreendia todo dia. Além de preparar ótimos sanduíches, costurar
ferimentos e preparar fugas teatrais, ele também acendia a lareira
sem nem mesmo sujar a camisa branca com fuligem.
Sentindo algum incômodo, ela se sentou na beirada da cama.
Não sabia ainda se aquele quarto era dela ou dele, se ela podia
sentir-se confortável naquela cama ou se ele a levaria para outro
lugar depois. Esperava que não precisasse sair dali, na verdade,
esperava que Anthony também ficasse com ela. Estava assustada e
ainda um pouco em choque pelo que acontecera a poucas horas no
jardim do Visconde Tinsdale, e não desejava dormir sozinha em um
lugar desconhecido.
Diria isso para ele, mas a forma como Anthony se levantou e
caminhou em sua direção sugeria que ele não pretendia deixá-la.
Como já fizera outras vezes, o marquês tirou o paletó e o acomodou
no encosto de uma cadeira para depois dobrar as mangas da
camisa duas vezes até expor os dois antebraços. Aproximou-se dela
com cautela, retirou o braço da tipoia e segurou-o nas mãos.
— Dói?
— Não muito.
— Preciso colocá-lo no lugar, mas há roupa demais. Vou abrir
seu vestido. Você me permite, Rosamund?
Ela achou que ele não precisaria mais pedir para despi-la. Eles
já haviam compartilhado tanta intimidade que era como se nenhum
segredo permanecesse entre eles. Ainda assim, gostou que ele
tivesse o cuidado de preocupar-se com ela a ponto de não fazer
nada sem que ela soubesse ou autorizasse. Rose assentiu com um
movimento silencioso e ele fez a mágica dos libertinos: abriu botões
e soltou laços com tanta habilidade que ela quase não percebeu.
Devagar, ele se acomodou atrás dela, ajoelhando-se no colchão
e apoiando suas costas em uma das pernas. As mãos dele a
seguraram com firmeza e ele desceu a cabeça até beijá-la no
pescoço.
— Vai doer, mas é só na hora. Passa logo. Feche os olhos,
Rose.
Ela fez o que ele pediu e ouviu um estalo seguido de uma dor
horrível que a impulsionou a soltar um grito capaz de acordar todo o
quarteirão. Como ele prometeu, logo passou e ela se sentiu tola por
gritar. Pela posição que estava, Anthony deslizou as pernas para a
sua lateral, puxou-a para mais perto e acomodou-a quase em seu
colo. Rosamund recostou as costas no peito ainda coberto dele e
relaxou — a sensação era boa, de segurança e conforto.
— Você é muito habilidoso, milorde. Como aprendeu a fazer
isso?
— Sempre fui um menino muito indisciplinado. — Ele riu,
passando os braços ao seu redor e a aconchegando em um abraço.
— Tive pelo menos duas fraturas e várias lesões menores. Meu pai
quase me enviou para uma escola interna antes da época, mas ele
não prestava tanta atenção assim na gente para se importar.
Contanto que eu estivesse vivo…
— Onde ocorreram as fraturas?
— Uma foi na perna, um pouco abaixo do joelho, causada por
um coice de cavalo. Outra foi no braço.
Anthony apontou para o braço esquerdo, mas ela não via
nenhuma cicatriz nem nada que indicasse que aquela estrutura
belíssima tivesse sofrido algum dano. Rosamund passou os dedos
nos pelos escuros que cobriam o antebraço exposto, como se
estivesse explorando uma nova textura. Ele abriu a mão para
permitir que ela continuasse a desbravá-lo, dando espaço para que
ela delineasse cada dedo, cada veia que saltava por baixo da pele,
cada estrutura óssea que fosse possível traçar.
Todos os homens eram iguais — ossos, músculos, tendões,
veias, pele e pelos. Ela vira vários desenhos e esculturas que
representavam a magnitude humana, mas, ainda assim, aquele que
estava ali com ela, despertava-lhe coisas que Rosamund não sabia
ser capaz de sentir.
— Você está se sentindo melhor? — ele perguntou, sussurrando
em seus ouvidos.
— Estou bem. Pode ser efeito do Brandy?
— Talvez, mas você bebeu só uma pequena taça. Vamos dormir,
Rose? Deixe-me colocá-la na cama.
— Não. — Ela virou o pescoço para olhar para ele. — Fique na
cama comigo. Não me deixe sozinha, Anthony.
— Quer que eu chame sua prima? Ela pode…
— Eu quero você.
Oh, céus! Rosamund esperava que as palavras que estavam
saindo de sua boca pudessem ser atribuídas ao licor, mas duvidava.
Gretha era uma boa companhia, porém, não eram os braços dela
que Rose queria sentir ao seu redor, nem a voz dela que desejava
ouvir. O episódio com o barão a deixou muito assustada e ainda não
tivera tempo para entender tudo que lhe acontecera.
Foi agredida, atacada, quase violada, depois precisou ser
retirada da casa onde estava e perdeu parte de seus pertences. De
repente, tudo a atingiu como uma onda e ela convulsionou em
lágrimas nos braços de Anthony. Ele a abraçou mais forte e a
manteve junto a seu peito, enquanto ela se permitia chorar um
pouco.
Anthony não se lembrava de ter tanta vontade de matar alguém
quanto ele tinha naquele momento. Enquanto consolava uma
Rosamund infeliz e assustada em seu colo, imaginava todas as
formas pelas quais poderia fazer Rondale pagar pelo que fizera a
ela. Poderia esmurrá-lo até que sua face ficasse irreconhecível, ou
torturá-lo cortando suas partes masculinas para que ele nunca mais
produzisse um herdeiro ou conseguisse se deitar com uma mulher.
A ideia era fascinante, desde que causasse ao homem a maior dor
possível.
Depois que as lágrimas dela reduziram, o marquês terminou de
despi-la em completo silêncio e a deitou sobre os travesseiros.
Arrancou parte das suas roupas e deitou-se ali com ela para
descobrir que, desde que conheceu Rosamund Taylor, não
conseguira dizer não para ela nenhuma vez. Tudo que ela lhe pedia
ele dava, e queria dar também o que ela não pedia. Abraçado a ela
na madrugada fria de Paris, conformou-se de que estava mais
afetado por aquela mulher do que era esperado, e que não
conseguiria permitir que ela se casasse com qualquer nobre falido
que fosse fazê-la infeliz.
Ele não era o que ela queria ou precisava, mas poderia ajudá-la
a conseguir o casamento dos sonhos.
Acabou adormecendo ali mesmo enquanto sonhava em
assassinar o barão e sentia os efeitos do corpo feminino colado ao
seu. Acordou confuso, sem entender como conseguia misturar seu
desejo por vingança com a não satisfação sexual que fazia seu
membro pulsar incomodado dentro das ceroulas. Havia luz do dia no
quarto e cheiro de café que o compeliram a se sentar e abrir os
olhos, mesmo que preferisse continuar dormindo.
Rosamund estava vestida com sua camisa branca — e apenas a
sua camisa branca — e rabiscava alguma coisa em um bloco de
papel. Uma das bolsas dela estava aberta e revirada, mas ele
suspeitou que ela não se sentia confortável para vestir nada, ainda.
Havia uma bandeja com café e bolinhos sobre a mesinha.
— Bom dia. — Ela ergueu os olhos e o surpreendeu espiando-a.
— Dormi demais?
— Não sei, você tinha algum compromisso matinal? Seu criado
não disse nada quando trouxe o desjejum.
— Você recebeu Monty assim? — Anthony quase saltou da
cama ao imaginá-la abrindo a porta estando nua.
— Claro que não, eu estava enrolada no lençol. Ele é muito
discreto, não me dirigiu o olhar nem uma vez, mas já sabia que você
estaria aqui no quarto comigo.
— Monty sabe um pouco demais. O que está fazendo?
— Desenhando você. Ultimamente é tudo que consigo fazer.
Afastando a preguiça, Anthony colocou os pés para fora da
cama, levantou-se e lavou o rosto na água fria do lavatório. O susto
fizera seu corpo voltar ao normal, então ele caminhou até a mesinha
e serviu-se de café. Mastigando um bolinho, deu a volta para
observar o desenho.
— Como consegue fazer isso de cabeça? Sem precisar de
modelo? Pensei que precisaria que eu posasse para um novo
trabalho.
— Eu decoro o que gosto. Isso significa que eu decorei você,
porque se eu fechar os olhos minhas mãos continuarão guiando o
lápis. Mas eu prefiro usar modelos, sim, eles é que nem sempre
estão disponíveis.
Ela lhe sorriu e continuou a desenhar, absorvida por sua
inspiração. Anthony não quis perturbá-la, continuou comendo e
descobriu que Monty também deixara roupas para que ele vestisse
e não precisasse sair do quarto com as mesmas da noite anterior.
Não parecia fazer diferença mais, a casa inteira saberia que ele e
Rosamund dormiram no mesmo quarto e era irrelevante se fizeram
sexo ou não. Ele não se importava mais tanto quanto ela parecia
não ligar para qualquer reputação que tivesse antes.
Bem, eles estavam em Paris. Ninguém de Londres sabia o que
ela fez ou deixou de fazer na capital francesa. Talvez ainda desse
para salvar alguma coisa. As fofocas só cruzavam mares se alguém
se dispusesse a levá-las na bagagem.
Vestiu as calças e a camisa e estava decidido a sair do quarto
quando percebeu que Rosamund olhava fixamente para ele.
— Aconteceu alguma coisa? — Ele passou a mão pelo corpo. —
A roupa está rasgada?
— Não. Estou observando seus movimentos para poder
continuar meu desenho.
O marquês virou-se para ela.
— Quer que eu fique em alguma posição específica, como no
ateliê? Afinal, ainda tenho uma promessa a cumprir.
— Talvez seja desconfortável.
— Teste-me.
Ele não deveria provocá-la. Depois de uma noite de sono,
Rosamund parecia agitada e cheia de energia, o que poderia ser
muito perigoso para suas intenções de sair daquele quarto e
descobrir quais foram os danos que a saída repentina da casa de
Finley causara.
— Sente-se naquela cadeira. — Rose apontou para uma
poltrona de couro marrom e madeira. — E coloque uma das pernas
por sobre o braço dela e o seu braço atrás da cabeça.
Anthony tentou reproduzir as instruções, mas ela achou mais
prudente levantar-se e ajeitá-lo como pretendia. A posição não era
desconfortável como ela achava, pelo contrário, ele poderia ficar por
horas daquele jeito se pudesse admirá-la perambulando sem roupas
pelo quarto. Demonstrando um desprendimento que ele
desconhecia nela, Rosamund levou as mãos aos botões da camisa
dele e os abriu.
— Você está me desenhando assim? — ele fingiu assombro. —
Sem camisa?
— Eu quis desenhá-lo sem outras peças de roupa também. —
Ela corou da própria indecência. — Mas achei que seria difícil, eu
ainda não tive muitas oportunidades de… quero dizer, eu ainda não
consegui memorizar certas partes. E você não está sem camisa, eu
apenas a abri.
Ele deu uma risada alta enquanto ela ficava vermelha ao falar
aquele tipo de perversão para ele. Anthony poderia despir-se ali
mesmo e deixar que ela tomasse conhecimento de qualquer parte
sua, mas ele tinha o compromisso de que não tocaria nela sem que
ela pedisse — e o marquês não descumpria promessas.
— Não acha que vão estranhar você chegando em casa com
dois retratos meus?
— Ninguém vê minhas pinturas. — Ela suspirou e voltou para
onde estava o bloco de papel. — Eu tenho vários cadernos de
desenhos a carvão, alguns a cera, inúmeras telas a óleo e todas
ficam escondidas no meu quarto de vestir. Tem mais arte do que
vestidos lá, mas ninguém sabe.
— Você se envergonha de seus quadros?
— Eu tenho muito orgulho deles. — Os olhos dela cintilaram à
luz do dia que penetrava por uma janela aberta. — Mas minha
família não se importa, minhas amigas não acham interessante,
então eu prefiro mantê-las só para mim.
Malditos fossem aqueles que faziam aquela mulher talentosa
não se sentir bem com seu próprio talento. Qual era o problema com
os ingleses que não valorizavam nada que era belo, nada que era
bom? Anthony era jovem, mas conhecia muitos países e não
imaginava um lugar mais atrasado do que a Inglaterra em suas
convenções sociais.
— Então faça esse retrato para mim. Dê o seu melhor e me
venda o trabalho.
— Eu jamais venderia seu retrato para você mesmo! — Ela deu
uma risada, finalmente. Anthony adorava-a ainda mais quando ria.
— E por que você iria querer um retrato seu em uma pose tão
indecente?
— Eu sou indecente, portanto combina comigo.
— Pensarei em sua oferta. Agora, fique quieto, ou não terminarei
este desenho hoje.
Ele a obedeceu, mas manteve-se encarando-a enquanto ela
trabalhava. Rosamund estava sentada em um sofá e a todo minuto
erguia o olhar, observava-o e voltava para o bloco. O lápis
trabalhava com agilidade e ela se mantinha muito concentrada. Por
vários minutos ele permaneceu de olhos cravados em tudo que ela
fazia e se pegou desejando arrancar aqueles papéis das mãos dela
para beijá-la, sem, contudo, encontrar coragem para fazê-lo.
Era inédito, mas Anthony Eckley, o mais famoso libertino vivo de
toda a Europa, escolheu admirar o trabalho artístico de uma dama
ao invés de levá-la para a cama.
Toda vez que ela erguia a cabeça, os olhares se cruzavam. No
início, ela sorria e prosseguia. Depois de meia hora, a expressão
dela mudou. A velocidade do lápis acelerou e Anthony percebeu que
ela inspirava profundamente. Mais quinze minutos e ela deixou o
bloco por sobre o sofá. Rosamund o encarava como se tivesse fome
e Anthony reconhecia aquele olhar.
Aquela era a expressão de quem desistiu de lutar e estava
pronta para se entregar.
Capítulo décimo nono

P ,
Rosamund já estava acostumada a lidar com cada uma delas. A
excitação causada pela energia que movia seu corpo durante o
processo de produzir um quadro era desejada, fazia com que ela
sentisse prazer em pintar, em desenhar, em criar sua arte. Mas
daquela vez estava tudo muito diferente. A excitação não vinha do
ato de desenhar, mas do que estava sendo desenhado.
A cada passada do lápis no papel, a cada traço novo que ela
riscava ou cada linha que ela reforçava, seus pensamentos se
embolavam com seus sentimentos. Talvez ela estivesse ainda em
choque por ter sido agredida na noite anterior, ou talvez ela nunca
tivesse enxergado a vida com tanta clareza. Toda vez que ela
encarava o homem à sua frente, ela tinha mais certeza de que o
queria.
Ela queria Anthony Eckley de qualquer jeito. Se ele não seria seu
marido, ela ainda assim desejava se lembrar dele, queria as
memórias que só ele poderia proporcionar, entregar-se a ele, tornar-
se dele e somente dele. Se ela estava disposta a um casamento
sem paixão e a aceitar um marido que mal a tocasse, queria pelo
menos a certeza de que, uma vez em sua vida, ela foi adorada por
alguém.
Não era uma decisão impulsiva, ela teve semanas para pensar
nela. Ao colocar seu bloco de desenho com a arte pela metade
sobre o sofá, Rosamund tinha certeza do que queria e do que
precisaria fazer para conseguir. Com os olhos fixos nos de Anthony,
que parecia um pouco confuso com a súbita interrupção do trabalho,
ela deu alguns passos para frente e o fez mudar a posição na
cadeira. Depois passou as duas pernas pelos braços de madeira,
sentou-se no colo dele e o beijou.
A princípio Anthony não entendeu o que ela pretendia, mas ele
não precisou de muito tempo para segurá-la nos braços e assumir o
controle da situação. Quando a língua dele tocou a dela, Rosamund
gemeu sem sentir vergonha de seu próprio prazer, levou as duas
mãos até os botões da camisa que vestia e abriu um a um para, em
seguida, segurar os botões que mantinham a calça dele no lugar.
Isso fez com que o marquês interrompesse o beijo e a fitasse com
curiosidade.
— Rose, se você for por este caminho…
Ela o silenciou com um dedo na frente dos lábios.
— Shhhh. Não fale, apenas faça amor comigo, Anthony.
Não seria preciso pedir duas vezes, ela sabia, e a resposta que
ele lhe deu foi melhor do que qualquer discurso. O marquês a beijou
outra vez e, com destreza, levantou-se da cadeira, segurando-a nos
braços para depositá-la na cama. Era o meio da manhã e
certamente todos na casa poderiam ouvir o que estivessem fazendo
ali — se alguém se aproximasse da porta ou usasse o quarto
vizinho ouviria suspiros, gemidos e o barulho dos corpos
entrelaçados. Rosamund não se importava mais.
Anthony retirou a camisa antes de deitar-se com ela e retomar o
beijo. Daquela vez, ele não iria se conter e ela estava mais que
ansiosa por isso. Queria senti-lo por inteiro, sem barreiras, queria
que o mestre da sedução a exaurisse com tudo que ele sabia fazer.
O beijo desceu para seu queixo, seu pescoço, seu colo e a língua
dele serpenteou até seus seios.
Ele ergueu os olhos para encará-la antes de lamber a
protuberância dos mamilos e capturá-los com os lábios. O maldito
iria provocá-la, porque ele podia, e porque sabia que ela ansiava por
isso. Sem tirar os olhos dela, ele acariciou, reverenciou e apertou
seus seios com as duas mãos enquanto os sugava lentamente. Era
tão bom que parecia quase uma tortura.
Ansiosa, ela levou as mãos outra vez até as calças dele,
querendo libertá-lo das roupas.
— Calma, Rose. — Anthony voltou a beijá-la nos lábios. — Você
precisa estar pronta para mim, antes.
— E eu não estou?
Uma das mãos dele desceu por sua barriga até tocá-la em sua
intimidade. Acariciou os pelos e levou um dedo até o feixe de nervos
que estava pulsando de desejo, deslizou para a sua abertura e a
penetrou. Rosamund arfou ante a intrusão bem-vinda, porém ainda
não experimentada. Ela o queria ali, exatamente ali, e não entendia
como seu corpo parecia saber tão bem o que deveria ser feito.
— Por Deus! Está mais que pronta. — Ele a beijou outra vez. —
Você sabe o que vai acontecer, Rose?
— Não, eu não sei. Eu imagino.
— Permita-me mostrar.
Anthony desceu os beijos novamente para o pescoço, seios e
abdômen enquanto seu indicador realizava movimentos de ir e vir
em sua intimidade. Logo a boca dele estava entre suas pernas e ele
lambia e sugava o lugar onde antes acariciava. Ele a beijara ali,
noutro dia, mas foi diferente. Diferente porque havia uma promessa
de que ele não ultrapassaria alguns limites e naquele momento não
havia limites. Rosamund não queria pensar em um depois, em
consequências, ela queria senti-lo, recebê-lo e memorizá-lo em suas
digitais.
Os carinhos eram lânguidos, mas intensos. Os olhos dele a
observavam e ela não se sentiu envergonhada, apenas desejada.
Calor subiu por seu ventre e logo ela estava pronta para entregar-se
às sensações do êxtase, mas ele parou.
Antes que a frustração pudesse dominá-la, Anthony ergueu o
tronco e, ajoelhado entre suas pernas, abriu os botões da calça.
Rosamund também já o vira nu, antes, e tocara toda aquela
masculinidade gloriosa que se exibia diante dela — ainda assim, era
diferente. Sem precisar levantar-se ele se livrou da peça de roupa e
deitou-se sobre ela, apoiando o peso do corpo sobre os cotovelos.
O encontro dos lábios foi intenso e o encontro das línguas
aconteceu no momento em que Anthony se posicionou em sua
entrada. Ela sentiu uma súbita onda de pânico por temer que aquele
homem grande não fosse caber dentro dela ou que ele não a fosse
achar aceitável. Até aquele instante, ele sinalizou de todas as
formas que ela era linda e que a desejava, mas Rosamund não
entendia a mecânica do ato sexual. Ela achou, por muitos anos, que
ele servia apenas para a reprodução.
Aquelas sensações, aquele desejo irracional e a ânsia de ser
possuída, arrebatada e exaurida eram algo que ela jamais imaginou
ser possível.
— Podemos parar, se você quiser.
Ele sentiu seu medo e se manteve imóvel. Rosamund sentia a
presença do membro rígido pressionando suavemente sua entrada
e uma urgência em mover-se na direção dele. Sem saber que
palavras usar para se expressar, decidiu deixar que seu corpo
mostrasse a ele o que queria, e ergueu os quadris para recebê-lo.
Anthony gemeu baixo e a penetrou mais. Levou uma das mãos até
seu botão intumescido e o acariciou enquanto movia a pélvis para
cima e para baixo, forçando-a um pouco mais a cada vez.
Rosamund foi surpreendida por uma confusão de sensações que
a desorientaram de imediato. Havia o prazer do toque e a dor da
invasão, havia o desejo de se aproximar e a necessidade de se
afastar. Ela queria mais de Anthony, ao mesmo tempo que sentia
compulsão por empurrá-lo para longe. Logo as duas mãos dele
deslizaram para as laterais de seus quadris e ele a penetrou por
completo.
Ela soltou um gemido alto que foi abafado em um beijo calmo.
As mãos dela também se posicionaram nos quadris dele, cravando
as unhas na pele firme das coxas masculinas. Depois de alguns
segundos sem se mover, apenas a explorando com a língua,
Anthony se retirou parcialmente e voltou a penetrá-la. Sem parar de
beijá-la, retomou as carícias em seu centro de prazer para afogá-la
em seus próprios sentidos.

Ele não queria machucá-la, mas sabia que não havia fórmula para
evitar a dor, apenas amenizá-la. Os beijos, as carícias íntimas e os
movimentos suaves e lentos serviam para permitir que Rose se
acostumasse à sua presença dentro dela.
E, céus! Ele não sabia o quanto queria estar dentro dela até
estar, até segurá-la nos braços e possuí-la. Foi necessária toda a
sua perícia em satisfazer mulheres na cama para não ser dominado
pela loucura do desejo, porém aquele era o momento dela, não
dele. Precisava garantir que ela teria a melhor experiência ao decidir
entregar-se para ele, apenas não estava preparado para se envolver
tanto com o momento.
Com movimentos lentos e firmes, ele moveu os quadris para
frente e para trás na posição que garantiria maior conforto para
Rose. Ela se erguia ao encontro dele e fazia com que ficasse difícil
segurar a vontade de penetrá-la profundamente uma, duas, três
vezes e não parar até chegar ao êxtase. Mas Anthony sabia ser
persistente. Circulava com o polegar o clitóris que despontava
inchado na feminilidade dela, enquanto arremetia contra ela até que
os corpos se fundissem.
Aos poucos, Rose começou a relaxar e a ceder. Acariciava-o nas
costas, descia as mãos para o traseiro e as coxas e arrancava dele
os mesmos gemidos de prazer. Ele sabia que ela estava perto do
clímax, sentia os músculos internos se contraírem e apertá-lo com
mais força.
— Goze. — sussurrou no ouvido dela, que arqueou as costas
quando ele a tocou com mais intensidade. — Goze para mim, Rose.
Ela gemeu e ele a beijou sem parar de se mover nem de
estimulá-la em seu centro. Desceu uma trilha de beijos molhados
pelo pescoço e colo suados e se retirou completamente de dentro
dela, fazendo-a abrir os olhos e o olhar. Os beijos continuaram
descendo até o ventre e sua boca capturar o clitóris entre os lábios.
— Anthony.
Seu nome saiu como uma súplica que ele atenderia. Sugou-a
com vigor até senti-la trêmula e voltou a penetrá-la, daquela vez
com movimentos mais fortes e profundos. Sem conseguir controlar
ou resistir aos estímulos, Rosamund se desfez em um orgasmo
intenso, contraindo-se ao seu redor e quase o levando à loucura.
Por mais que ele quisesse prolongar o momento, não
conseguiria. Havia algo de irresistível em vê-la tremer em suas
mãos murmurando seu nome, algo que o fazia querer acompanhá-
la. Entregando-se aos espasmos do prazer de Rosamund, Anthony
deu vazão ao seu desejo e estocou implacável contra ela até chegar
a sentir a iminência do orgasmo, então se retirou para espalhar sua
semente por sobre os lençóis em espasmos alucinados.
Anthony a segurou nos braços, virou-se com ela na cama e, sem
se afastar um centímetro, acomodou-se nos travesseiros com a
mulher sobre seu peito. Percebeu que Rosamund cabia
perfeitamente em seu abraço.
— Você está bem?
Ele perguntou, notando-a muito silenciosa e quieta por sobre si.
Imaginou que ela estivesse dormindo, mas sentiu-a acariciando seu
peito.
— Estou reunindo forças. — Rose ergueu a face e o fitou com
um sorriso. — Sinto como se tivesse sido atropelada por uma
carruagem.
— Dói em algum lugar?
— Não sinto dor alguma. — Ela beijou-o no queixo. — Mas
parece-me que o ato de fazer amor é um pouco exaustivo.
— Se for bem feito, sim. — Ele riu.
— O senhor quer cumprimentos, milorde?
— Não, meu amor. — Ele a beijou na cabeça. — Quero apenas
que tenha sido memorável para você.
Rosamund se ergueu e apoiou-se em seu peito com os
cotovelos. Fitou-o com uma expressão indistinguível, mas com um
sorriso nos lábios.
— Eu me lembrarei de você para sempre. — Esticando-se,
beijou-o nos lábios. — Não importa com quem me case nem que
vida eu leve, você me proporcionou experiências inesquecíveis.
As palavras dela eram perfeitas, talvez tudo que ele sempre
esperasse ouvir de suas amantes, mas o atingiram como navalhas
sendo atiradas por um cego. Acertaram-no em vários lugares,
arrancando pedaços e mutilando-o. Enquanto Rosamund se
aconchegava em seus braços outra vez, ele queria gritar que ela
não se casaria com ninguém, que a única vida que poderia levar
seria ao lado dele, mas não encontrou voz suficiente.
O que estava acontecendo com ele? Nunca foi difícil conversar
com uma mulher, nem havia complicações nos momentos pós-sexo.
Claro que ele não costumava permanecer com elas em sua cama,
nem se importava tanto assim em ser lembrado por nenhuma. Não
fazia questão que o desejassem novamente, não se preocupava se
sairiam dali e retornariam para um marido ruim na arte do amor ou
se casariam com alguém que amassem.
Mas ouvir Rosamund dizer que ele seria uma memória, uma
lembrança que levaria consigo quando se casasse, doeu. Ele não
desejava ser o agora que se tornaria passado, queria ser o presente
e o futuro, ser o homem para quem ela dedicasse todos os olhares,
o amante para cuja cama ela retornasse toda noite.
Batidas à porta o distraíram de seus pensamentos. Anthony
estava tão atordoado que levou segundos para entender que
deveria puxar o lençol por sobre eles e proteger Rose dos olhares
de quem fosse.
— Milorde?
A voz era de Monty, o que o deixou aliviado — mesmo que ainda
sofrendo os efeitos das realizações que acabara de fazer.
— Entre, Monty. O que está havendo?
A porta se abriu parcialmente e o criado colocou a cabeça para
dentro sem, no entanto, olhar para onde eles estavam.
— Lamento importuná-los, mas o Sr. Prescott chegou e pediu
que o chamasse. Devo preparar um banho para a Srta. Taylor?
— Sim, faça isso. Peça a Pierre que nos espere e prepare-nos
um banho.
O valete fechou a porta e Rosamund afastou o lençol para
encará-lo com uma expressão de susto, horror, rendição e humor.
Ela deixava transparecer tantas emoções em um simples olhar que
era até difícil entendê-la.
— Vamos tomar banho?
— Fazer amor não é apenas exaustivo, também deixa alguns
traços.
Ela deu uma risada, ergueu a cabeça e o beijou. Era um toque
de lábios suave e delicado, mas Anthony ainda tinha fome. Ele
ainda a desejava, ainda a queria, ainda esperava possuí-la pelo
menos mais uma vez, e o beijo se tornou molhado demais. Apesar
de saber que ela estava dolorida e incapaz de recebê-lo outra vez
em tão pouco tempo, ele a manteria debaixo de seu corpo por mais
alguns minutos.

O Barão Rondale tinha um olho roxo, quase fechado, e um nariz,


provavelmente, quebrado. Sua aparência era horrível e ele não
tivera coragem de olhar-se no espelho. Pediu que seu valete
descrevesse os danos e desse sua impressão sobre quão horríveis
estavam — o suficiente para assustar criancinhas. E o suficiente
também para motivá-lo a se vingar. Granville podia ser um maldito
marquês, mas não ficaria impune por tê-lo agredido daquela forma.
Tudo por causa da maldita Srta. Taylor. Rondale não suspeitava
que o marquês estivesse precisando de dinheiro, então não
entendia por que o homem o impediu de desonrar a mulher com
quem pretendia se casar. Mas ele queria uma reparação e precisava
da ajuda do visconde para isso. Depois de ditar uma carta que foi
escrita pelo criado, recebeu o amigo em seus aposentos para
contar-lhe o que acontecera.
— Por Deus, Rondale, você está horroroso! — Finley exclamou.
— O que diabos aconteceu?
— Granville.
— O que você fez para apanhar do Marquês de Granville?
— Por que pensa que fiz alguma coisa?
— Porque Anthony Eckley é um libertino, um indecente
mulherengo, mas também é um molenga. Ele não ergue a mão para
ninguém a não ser que seja provocado. Conte-me.
Rondale relatou brevemente os eventos da noite anterior —
desde o momento em que viu a Srta. Taylor no jardim até quando foi
esmurrado pelo homem e deixado à própria sorte.
— Você é um idiota, eu disse para não fazer nada precipitado.
Por que nunca me ouve, Rondale? — o visconde disse, girando pelo
quarto. — Mas, diga novamente, onde estava a Srta. Taylor?
— No jardim, perto da fonte do cupido.
— E você a encontrou sozinha por ali? O que ela fazia?
— Parecia distraída, como se tivesse procurando alguma coisa.
— Acredita que ela estava ali para um encontro secreto com
Granville?
— Não sei, ele demorou a aparecer. Talvez tenha se atrasado?
— Pode ser. Diga-me, Rondale, você achou que a Srta. Taylor se
surpreendeu com sua chegada? Ou ela se frustrou?
— Ela se surpreendeu, não me esperava.
O visconde rodou mais um pouco até parar e recostar-se na
janela. Olhou para fora por alguns minutos e chamou uma criada
para quem pediu que fosse até o quarto do marquês e da Srta.
Taylor. A criada retornou com uma expressão confusa.
— Nenhum dos dois está lá, milorde. As camas estão
arrumadas, mas os quartos estão bagunçados.
— Quem cuidou dos quartos hoje?
— Foi Brigitte, milorde.
— Peça que ela venha aqui imediatamente.
A criada saiu correndo pelos corredores para atender ao patrão e
Rondale entendeu que a preocupação de Finley restava sobre um
possível escândalo envolvendo Granville e a Srta. Taylor. Se isso
acontecesse os seus planos de casamento estariam frustrados —
isso se o marquês fosse um homem de honra, o que não parecia.
— Milorde pensa que eles estão tendo um caso?
— Eu tenho certeza que estão tendo um caso! Granville
defenderia qualquer mulher de uma agressão, mas ele não apenas
defendeu a Srta. Taylor, ele acabou com você, Rondale. Seus
ferimentos indicam uma fúria desmedida, o marquês está envolvido
com Rosamund Taylor. Porém eu suspeito que esse envolvimento
seja um pouco mais profundo do que transparece, que ele tenha se
iniciado antes da vinda deles para Paris.
Rondale não entendeu. A criada Brigitte chegou esbaforida para
atender ao chamado do visconde e contou que nenhuma das camas
fora mexida durante a noite, assim como a da Srta. Hawthorne. As
duas mulheres também não solicitaram nenhuma ajuda na noite
anterior, nem durante a manhã. Explicou que não arrumou os
quartos porque esperava que elas fossem retornar de uma
caminhada ou passeio pela cidade.
A criada foi dispensada com um movimento de mãos e Finley
voltou a girar para lá e para cá deixando Rondale um pouco zonzo.
— Eles são amantes? — o barão perguntou, enfim. — Essa é
sua suspeita?
— Não, seu idiota. Será que é uma espécie de castigo eu ser o
único inteligente dentre meus amigos? É claro que são amantes.
Mas não é isso que me preocupa. Eles fugiram da casa depois do
que houve no jardim, não porque você a beijou à força, mas, porque
ela estava me espionando.
— Confesso que não entendi.
— Não vê, Rondale? — Finley segurou-o pelos ombros e
sacolejou. — Eles sabem sobre o carregamento! Ela ouviu nossa
conversa! E, se eles estão juntos nessa, isso também significa que
Granville é um maldito espião!
A revelação deixou o barão ainda mais confuso. Parecia claro
que Finley estava louco, o marquês não poderia ser um espião,
afinal ele era um nobre de alto título e cheio de responsabilidades
que não permitiriam que ele fosse um agente da Coroa britânica. E
a Srta. Taylor era uma jovem ingênua e muito tola. Que Granville a
tivesse seduzido, era bastante razoável de se acreditar, mas ela
também não poderia ser uma espiã. Era um absurdo pensar em
qualquer situação que envolvesse aquelas duas pessoas em uma
investigação que teria o contrabando que eles planejaram como
objeto.
— Não é possível. Ela estava apenas passeando pelo jardim, eu
a vi e a acossei. Granville apareceu para me atrapalhar e eu vou me
vingar por isso, mas não é nada além disso, milorde.
— Pare com esse formalismo, seu tonto. Eu tenho certeza de
que não é só isso. Precisamos nos reunir e decidir o que fazer. Se
eles sabem, nós temos que impedir que obtenham provas e que nos
atrapalhem. Minhas suspeitas quase nunca falham, eu sabia que
havia algo de estranho na vinda da Srta. Taylor para Paris.
— Sabia?
— Ela não tinha noivo francês algum. A história me soou mal
desde o início e aquele pai dela está tão deslumbrado para ver a
filha casada que ficou cego. Mandei que a seguissem e ela estava
frequentando um ateliê de arte. Pensei que pudesse ser uma
reunião secreta de mulheres revolucionárias, mas era apenas
pintura, mesmo, então deixei para lá. Agora sei que ela e Granville
estão mancomunados.
O visconde falava sem parar, as palavras se atropelando e
fazendo com que Rondale não entendesse quase nada do que era
dito. Era absurdo que se suspeitasse que aquela mulher simplória
era uma espiã. A única possibilidade ali era de que a Srta. Taylor
ouviu sem querer a conversa entre eles.
— O que faremos?
— Ainda não sei, mas preciso atrair Granville e neutralizá-lo.
Ninguém pode atrapalhar essa negociação, todos os meus
investimentos estão empenhados nessas armas, Rondale! Vamos
descobrir onde encontrá-los.
Capítulo vigésimo

O L G ,
encheu-a de água, deixou uma roupa impecavelmente passada para
seu patrão e saiu sem sequer notá-la no quarto. Claro que ele a
notara, Rosamund sabia que era impossível não ser vista naquela
cama, mas ele agiu como se ela não estivesse ali. Anthony tinha
razão em elogiar a discrição do criado.
O marquês a colocou dentro da banheira, enrolou-se em um
roupão e saiu do quarto, deixando-a solitária pela primeira vez
desde que chegaram à casa. A água estava quente, o cheiro de
sabão era delicioso e ela sentia seus músculos trêmulos. Era como
se Anthony ainda tivesse as mãos sobre ela, como se a boca dele
permanecesse em todos os lugares impróprios onde estivera
poucos minutos antes. Eles tinham acabado de fazer amor —
daquela vez sem nenhuma restrição e nem sequer tinham tempo
para se recuperar.
Bem, ela suspeitava que ele não precisasse de nada daquilo,
que um homem como Lorde Granville estivesse acostumado a fazer
amor várias vezes durante uma noite. Era o que ouvia pelas línguas
fofoqueiras de Londres, apesar de descobrir que a maior parte do
que se falavam sobre ele era mentira. A única verdade era que ele
era um amante fenomenal.
Rose deitou a cabeça na borda da banheira e deixou que suas
mãos deslizassem por seu corpo enquanto pensava nele. Acabou
se tocando em lugares que nunca tocara, imaginando se
conseguiria reproduzir as sensações causadas por ele. De olhos
fechados e extraindo o máximo de sua mente imaginativa, descobriu
ser possível sentir prazer em seu toque, mas não seria a mesma
coisa.
— Não pare.
A voz de Anthony a surpreendeu, fazendo-a abrir os olhos.
— Você me assustou!
— Desculpe-me, mas eu entrei e a encontrei tão entretida
consigo mesma que não resisti a observar.
Ele estava parado a menos de um metro da banheira, já vestindo
calças e com uma toalha pendurada no ombro. Tinha os cabelos
úmidos e a protuberância em sua virilha indicava que estava se
divertindo ao espioná-la.
— Já tomou banho? Pensei que entraria aqui, comigo.
— A banheira é pequena e, se eu entrasse, acabaríamos não
saindo mais desse quarto hoje.
— Parece uma ótima ideia não sair do quarto.
— Se você quiser, posso mandar Pierre embora, pedir que ele
leve sua prima, trancar essa porta e esconder a chave.
— Céus, não! — Ela riu, e rir era muito natural com ele. Tivera
uma experiência ruim na noite anterior, deveria estar se sentindo
mal, mas Anthony lhe fazia bem. A presença ele era como uma
sombra fresca depois de uma caminhada ao sol. — Mas não me
oponho se, à noite…
— Cristo, Rose, não me provoque. — Ele abriu uma toalha e
indicou que ela deveria se levantar. — Eu precisarei sair, mas vocês
estão seguras na casa.
— Eu também preciso sair. Tenho aulas à tarde.
Rosamund enrolou-se na toalha e saiu da banheira, molhando o
piso de madeira. Seus vestidos não estavam passados e não
deveria haver ninguém que pudesse fazer isso para ela, então
escolheu um cujo tecido não parecesse tão amarrotado: um
conjunto de saia e casaco verdes.
— Você não deveria ir. — Ele se aproximou e ajudou-a a se
secar. — Vou descobrir se Finley suspeita de algo, se Rondale
contou qualquer coisa que possa levá-los a nós. Aqui você está
segura, Rose, mas no ateliê…
— Eu vim aqui para pintar, Anthony. Não vou ser intimidada por
ninguém. Nem mesmo meu pai me impediu, por que eu deixaria de
comparecer a uma aula?
Enquanto falava, Rose começou a se vestir. Anthony se
aproximou dela e a ajudou com os laços do espartilho.
— Eu não posso protegê-la lá, Rosamund. — Ele beijou seu
ombro depois de terminar de ajustar o espartilho. — E se Finley
tentar fazer algo?
Ela se virou e o encontrou com a expressão transtornada.
Anthony estava dividido entre a autoridade e a razão, entre dizer
que ela não podia fazer o que queria e permitir que tomasse suas
próprias decisões. As duas opções pareciam afetá-lo e ela não
sabia o que o faria mais mal. Como homem, ele poderia mandá-la
ficar em casa, até mesmo trancá-la ali, porém ele não era esse tipo
de homem.
— Ninguém sabe que estou tendo aulas com Madame Beaury-
Saurel. Eu só contei a você. Todos pensam que eu estava me
encontrando com um francês com quem me casaria, então eu não
corro risco.
Anthony a abraçou. Ele a segurou nos braços e beijou-a nos
cabelos, soltando-a em seguida. Rosamund não entendeu bem o
que aquele abraço significava.
— Eu confio em você, Rose. Mas volte para a casa se sentir que
qualquer coisa estranha está acontecendo.
— Tudo bem. Eu serei cuidadosa.
O marquês deixou o quarto depois de se despedir sem palavras.
Rosamund sentou-se na frente do espelho e sorriu, melancólica. As
memórias de Paris seriam ótimas, confusas, dariam a ela muitas
histórias para contar — apesar de não poder contá-las a ninguém.

Gretha estava sentada na única sala da casa quando o homem


anunciado por Sr. Prescott entrou. Com um traje elegante e um
sorriso devastador, ela teve certeza de que se tratava de outro
libertino. Se era amigo do Marquês de Granville, não poderia ser
diferente.
Ela não deveria ficar sozinha com ele, mas já quase não se
importava mais com nada daquilo. Paris estava sendo uma
experiência desafiadora Ela se viu livre demais, sem ninguém para
fiscalizá-la ou interrogá-la para saber sobre cada minuto de seu dia.
Rosamund era uma companhia horrível que a deixava sozinha o
tempo todo e isso acabou viciando-a na solidão.
Não que estivesse realmente sozinha. Gretha vivia cercada de
pessoas, mas nenhuma delas demonstrava o menor interesse nela.
O Sr. Prescott, no entanto, olhou-a com uma expressão devassa
antes de servir-se de um copo de Bourbon.
— Eu não mordo, senhorita.
A voz masculina a fez sobressaltar-se e deixar o livro que fingia
ler desde que ele chegara. O Sr. Prescott estava com o ombro
recostado na parede enquanto bebia pequenos goles do drinque em
sua mão.
— Imagino que não, mas não fomos formalmente apresentados.
— Não seja por isso. — O homem caminhou em sua direção. —
Pierre Prescott ao seu dispor.
Ele fez uma mesura, segurou a mão dela — que não se
lembrava ter estendido para ele — e beijou. Por estar dentro de
casa, Gretha não usava luvas então o toque dos lábios dele na pele
nua a assustou. Era a primeira vez que um homem ousava uma
aproximação tão indecorosa.
— Gretha Hawthorne.
— É um prazer, senhorita. Conseguiu dormir satisfatoriamente à
noite?
— Meus aposentos são agradáveis, apesar de ainda não
compreender os pormenores do que nos trouxe aqui, nem o motivo
pelo qual perdi mais da metade dos meus vestidos.
— Imagino que sua prima possa lhe explicar.
O Sr. Prescott se afastou dela assim que passos foram ouvidos e
o marquês apareceu na sala. Ele estava deslumbrante, vestindo
traje de dia com a barba feita e aparência impecável. Sua
expressão, no entanto, não era a de um homem tranquilo. Suas
mãos estavam agitadas e ele aparentava ansiedade. Gretha
acostumara-se a observar e algo estava tirando o sossego de Lorde
Granville.
— Precisamos sair. — Ele falou para o Sr. Prescott. — Temos
que investigar os danos de ontem.
— Você tem algum contato lá dentro?
— Monty me passou dois nomes. Precisamos aproveitar o
horário que os criados preparam o almoço, vamos.
Os dois homens saíram sem se despedir. Dez minutos depois,
ela ouviu Rosamund descer as escadas. Usava um vestido meio
amarrotado e tinha os cabelos arranjados em um penteado malfeito,
mas também um sorriso bobo nos lábios. A prima olhou ao redor,
ainda tentando se orientar nos espaços desconhecidos, e a viu
sentada próxima à lareira.
— Estamos sozinhas?
Ela se aproximou lentamente como se tivesse medo ou
vergonha. Gretha imaginava que nenhum dos dois, mas Rosamund
foi treinada a agir como esperavam dela. Se uma dama, depois de
se entregar ao pecado, aparecia em público, deveria estar
envergonhada. Mesmo que não tivesse certeza do que estava
acontecendo entre Rose e o marquês, tinha que ser algo que
justificasse os dois dormindo no mesmo quarto e aquele rosado nas
bochechas dela.
Gretha não sabia se concordava com as atitudes da prima desde
que ela decidira mentir para seus pais em Londres, mas não podia
negar que Rosamund estava mais feliz e mais bonita.
— Seu marquês e o amigo loiro dele saíram. O criado está por
aí, mas ele é como um fantasma, nunca sabemos quando pode
surgir. Tem comida sobre o aparador.
Rosamund sorriu e preparou um prato para si com biscoitos e
chá. O desjejum não era farto como o da casa do Visconde
Tinsdale, porém suficiente. Como Gretha não tinha pais ricos, ela
estava acostumada a lugares e serviços bem mais modestos.
— Agora preciso que você me explique tudo. — Gretha
continuou a conversa, tentando aparentar calma. — O que foi que
você ouviu que nos colocou em tanto risco assim?
A prima demorou a responder, um pouco distraída olhando ao
redor. Ela estava acostumada a ver Rosamund sempre atenta ao
que as cercava, mas daquela vez era o contrário — olhava para
todo canto, mas agia como se não enxergasse nada.
— Nosso anfitrião, o Visconde Tinsdale, está envolvido em
crimes capitais, incluindo assassinato e tráfico de armas. — Rose
respondeu, por fim. Os olhos ainda vagavam para a janela, para o
lado de fora, para a porta. — E o barão provavelmente também faz
parte dessa organização criminosa, por isso o marquês entendeu
que eu estava em risco.
— E o que faremos agora? Devemos voltar a Londres e as
autoridades precisam ser avisadas!
Mais uma vez, Rosamund não respondeu logo. Olhava para a
porta, mastigava e bebericava o chá, bem menos agitada do que era
costume.
— Não avisaremos ninguém. Anthony tomará as providências
necessárias.
— Você está esperando por ele?
A mudança de assunto fez com que Rosamund suspirasse. Ela
ajeitou as saias com as duas mãos, deixou o prato de comida sobre
uma mesinha e encarou Gretha com uma expressão de quem tinha
um problema de solução impossível.
— Estou apaixonada por Lorde Granville. — ela disparou. Não
era uma informação imprevisível, na verdade, não era nem mesmo
uma novidade para Gretha. Apenas Rose parecia alheia ao que seu
coração gritava. — Muito, muito apaixonada. Eu não vou conseguir
cumprir o desejo do meu pai, Gretha. Não posso me casar com
outro homem, não conseguirei deixar ninguém mais tocar em mim
como ele me toca.
Ah! Ela sabia que isso aconteceria. Rosamund era passional
demais para aceitar um casamento por conveniência com alguém
por quem não nutrisse nenhum afeto e era impulsiva demais para
evitar apaixonar-se pelo homem errado. Lorde Granville não tinha
nenhum dos requisitos para ser considerado o homem certo — a
não ser o título, a riqueza, a beleza e, aparentemente, a capacidade
de encantar Rosamund. Talvez Gretha estivesse equivocada e ele
não fosse tão errado, afinal.
— Pretende morrer solteira? — ela arriscou, provocando a prima.
— Não. Quero dizer, talvez. Pode ser que a ideia de ir para um
convento seja sedutora. Lá eu poderei pintar, não é mesmo?
— Rose, você já pensou em dizer ao marquês como se sente?
A prima arregalou os olhos em surpresa diante da pergunta que
parecia mais uma ofensa.
— Claro que não. Por que eu abriria meu coração e diria que o
amo? Anthony garantiu que não se casará e que não será fiel, caso
se case, e eu também não saberia dividi-lo com outra. Ah! Gretha,
eu acho que sou muito exigente, não sou?
— Nenhuma mulher quer dividir o marido com outra. — Ela
moveu os ombros constatando o óbvio. — As aristocratas aceitam
porque não amam seus maridos, assim como eles não as amam.
Agora, se você o ama, precisa falar. Não pode ter certeza de que ele
não sente o mesmo. E se Lorde Granville também estiver
apaixonado?

Rosamund deu uma risada estridente e nervosa. Monty, que parecia


viver escondido nas sombras, apareceu no salão e, ao ver que não
havia nenhum movimento fora do comum, desapareceu outra vez.
Por que ela decidiu falar para Gretha sobre seus sentimentos? Além
da prima ser uma mulher bastante fria e nunca ouvir seu coração,
ela resolvia todos os problemas com objetividade demais.
Como se fosse fácil chegar para Anthony e dizer que o amava.
Ela mesma estava surpresa sobre como esse sentimento surgiu
dentro dela, cresceu até o ponto de transbordar e a impulsionou a
querer cada vez mais e a dar cada vez mais. Não esperava
apaixonar-se pelo homem mais indecente de Londres, pelo libertino
protagonista das lendas que contavam às virgens durante os bailes
de temporada. Mantenham-se longe dele, era o alerta que ela
decidiu ignorar naqueles dias de Paris e que passou a entender ao
não conseguir evitar se jogar nos braços dele.
Mas a paixão estava ali, cutucando-a o tempo todo e fazendo
com que ela não quisesse sair de perto de Anthony. Naquele
instante, precisava saber onde ele estava, mesmo que isso
parecesse um pouco desesperado. Bebeu um último gole de chá e
exibiu um sorriso falso para a prima já cansada de esperar uma
resposta.
— Imagine se o Marquês de Granville vai se apaixonar por mim,
Gretha! — Outra risada nervosa se seguiu.
— Você jamais saberá se não perguntar. Mas entendo que esteja
com medo, eu também estaria se fosse comigo.
— Não estou com medo e posso lidar com esse sentimento,
você verá. Iremos até o ateliê de Madame Beaury-Saurel hoje
porque tenho que finalizar uma paisagem. E, à noite, eu falarei com
ele sobre o que sinto.
— Contará que está apaixonada?
— Contarei.
Gretha deu uma risada sabendo que ela estava mentindo
descaradamente porque estava morrendo de medo, mas não falou
nada. Terminaram o desjejum e, como ainda era cedo para as aulas,
decidiram passear pelos arredores e descobrir onde estavam. Monty
as interrogou antes que saíssem e se manifestou contrário à ideia,
mas nenhuma das duas estava disposta a ser prisioneira. Se o
visconde estivesse planejando fazer algo contra elas e as
descobrisse na casa, não faria diferença estarem ali ou
perambulando pela vizinhança.
Elas estavam em St. Denis, longe o bastante das áreas que se
acostumaram a frequentar durante a estada em Paris. Não havia por
ali a efervescência da Exposition Universeille, mas o dia a dia
comum de uma cidade industrial que não parava de crescer.
Rosamund e Gretha eram bastante familiarizadas com ambientes
como aqueles, já que seus pais eram comerciários. Acabou
tornando-se divertido andar pelas ruas e observar todo o movimento
de crianças, mulheres e animais, além de pessoas com roupas mais
simples e casas de tamanhos muito mais modestos que a do
visconde.
Almoçaram em um pequeno bistrô e seguiram de carro alugado
para o ateliê. Gretha manteve-se silenciosa e conversou apenas
sobre assuntos inocentes, como o clima, as construções e as cores
da cidade e algum comportamento escandaloso que presenciara.
Rose não imaginava como ela poderia ainda se chocar com o
escândalo estando ao seu lado.
— Você acha que conseguiremos recuperar as nossas coisas
que ficaram na casa? Aliás, acha que já sabem que
desaparecemos? — Gretha perguntou assim que chegaram ao
destino.
— Imagino que Anthony tenha providenciado alguma cobertura
para nossa ausência. Não sei se descobrirão imediatamente, mas
fico curiosa para descobrir.
— Posso aproveitar o tempo para me encontrar com as
mulheres. Sei onde elas estarão agora à tarde, Lady Bachour
convidou Lady Rottschild para um clube feminino.
— Se elas já souberem de nosso sumiço, poderão desconfiar.
Mas imagino que o visconde não contaria a verdade para nenhuma
delas, então é possível que você consiga inventar uma desculpa.
— Certo, farei isso. Encontrarei com as mulheres e descobrirei o
que sabem.
Despediram-se quando a mentora chamou as alunas para
iniciarem os trabalhos do dia. Rosamund já sabia que estava fadada
a falhar. Não conseguiu terminar o quadro. A técnica estava boa,
bem executada, mas a paisagem não tinha vida, não tinha alma.
Faltava a paixão que ela comumente despejava em seus trabalhos
— naquele não tinha, porque ela não conseguia parar de pensar em
Anthony e em tudo que acontecera. Pensou em Gretha conversando
com as mulheres, se ela descobriria alguma coisa útil, e depois se
lembrou de que a prima não era perspicaz e poderia não atuar muito
bem, deixando transparecer alguma coisa que era segredo.
Teve medo de que Anthony e Pierre se envolvessem em algo
perigoso e que ela perdesse o homem que amava antes que
pudesse se declarar a ele. Também pensou que não sabia se teria
coragem de se declarar, porque sabia que seria rejeitada — o
marquês não queria se casar com ela, não importava o quanto
estivessem se divertindo.
E com tantas perturbações atrapalhando sua inspiração, ela mal
conseguiu fazer com que o Sena parecesse um rio. Madame
Beaury-Saurel desistiu de dizer palavras que a fizessem se sentir
melhor e passou a dar suaves tapinhas em seu ombro, o que
indicava que, sim, o trabalho estava menos que mediano, estava
aquém do esperado para uma de suas pupilas preferidas durante a
seleção.
Por volta de três e meia, ela estava quase desistindo quando
uma mulher entrou esbaforida no ateliê. Rosamund a reconheceu da
casa do Visconde Tinsdale, era uma das criadas que costumava
cuidar dos quartos.
— Pois não, mademoiselle? — A mentora recebeu a jovem, que
tinha uma expressão nervosa.
— Preciso falar com a Srta. Taylor. Ela está aqui?
— Sim, vou chamá-la.
Rosamund deixou o cavalete ao ouvir a conversa e limpou as
mãos no avental. A jovem tinha um papel que segurava apertado
nas mãos e o olhar disperso que vagava por todo o ateliê.
— O que está havendo? — Rose se aproximou.
— Srta. Taylor, a sua prima pediu que entregasse um recado. Ela
disse que é importante e pediu para encontrá-la no lugar que está
escrito aqui.
A jovem criada entregou o bilhete. Era a letra de Gretha e
indicava um dos cafés que elas frequentaram próximo à casa onde
estavam hospedadas. A nota não informava muita coisa, apenas
dizia que ela descobrira algo importante sobre “o assunto” e que só
podiam conversar pessoalmente. Claro que qualquer coisa sobre
“aquele assunto” só poderia ser dita face a face, então Rosamund
tratou de pedir a Madame Beaury-Saurel que a dispensasse para
encontrar-se com a prima.
— Você sabe se ela está sozinha? — Perguntou à criada.
— Não, mademoiselle. Ela esteve na casa, disse onde encontrá-
la e pediu que eu entregasse o recado. Estava conversando com
Lady Rottschild.
Tudo parecia bastante legítimo e coerente. Gretha não era de se
envolver em problemas que não lhe diziam respeito, mas não se
omitiria quando a situação reclamasse intervenção. Por que ela teria
ido à casa sabendo dos riscos, Rosamund precisava descobrir. Por
isso, despediu-se da sua mentora e alugou um carro para chegar
mais rápido até o lugar de encontro.
A criada a acompanhou, afinal, iriam para a mesma direção.
Enquanto o cabriolé seguia pelas ruas de Paris, Rosamund tentava
imaginar o que a prima poderia ter descoberto. Será que a baronesa
sabia de algo? Será que a conversa das mulheres fez com que ela
desconfiasse de algo e quisesse discutir o assunto? Será que era
mais uma informação perigosa para adicionar risco à estada delas
na França? Eram muitas conjecturas para distraí-la e mal percebeu
quando o cocheiro indicou que estavam chegando.
— Leve-a até o endereço que indicar.
Ela pediu ao homem, dando algumas moedas extras pelo trajeto
a mais. Desceu em frente ao café e guardou sua carteira dentro da
bolsa, quando foi puxada pelo braço. Rosamund tentou se soltar e
descobrir quem era seu captor, mas uma mão colocou um pano com
cheiro forte na frente de seu nariz e tudo ficou escuro até sua
consciência se perder.
Capítulo vigésimo primeiro

A , A
manter ao lado de Rosamund. Quis pedir que ela não fosse ao ateliê
porque algo estranho estava acontecendo, quis dizer que ela não se
casaria com outro homem que não fosse ele. Claro que estava
ficando louco — ele nunca dizia a ninguém o que fazer e estava
decidido a não se casar, ao menos era a certeza que tinha antes de
desembarcar em Paris.
Claro que a missão seria mais complicada do que parecia. Eddy
sempre o metia em confusão porque o objeto de investigação era
sempre diferente do que ele informava. O Duque de Clarence e
Avondale dissimulava o problema para que parecesse menos grave
e, com isso, convencer seus espiões a se envolverem em situações
arriscadas.
Só que o risco não estava em Finley. Tudo parecia muito mais
perigoso por causa de Rosamund Taylor. Ela invadiu sua
investigação, intrometeu-se em suas noites, descobriu seus
segredos e, naquele momento, estava roubando sua razão. Anthony
não conseguia se concentrar em nada porque ela ocupava cada
canto obscuro de seus pensamentos.
— Você está prestando atenção no que digo?
Pierre passou a mão à frente de seus olhos, fazendo com que
piscasse assustado. Não, ele não estava prestando atenção e teria
que confessar isso.
— Lamento, Pierre. Estou sendo atrapalhado por questões
pessoais.
— Rosamund Taylor? — O amigo arriscou e acertou em cheio.
— Eu creio que meus sentimentos estejam confusos e estou
sendo consumido por isso.
— Que sentimentos confusos estão roubando sua
concentração?
Anthony respirou fundo. Talvez ele precisasse de meia hora só
para começar uma lista.
— Não consigo parar de pensar nela e não consigo parar de
desejá-la. Quando estou próximo a ela não consigo prestar atenção
ao meu redor, tudo se resume a ela. Estou tão desorientado que
hoje de manhã fizemos amor e eu nem mesmo lembrei de usar
proteção.
A última frase foi quase sussurrada, dita em uma voz baixa que
representava toda a sua vergonha. Um homem como ele não podia
ter seu controle tomado daquela forma.
— E por que o maior libertino da Inglaterra cometeu esse erro
terrível? — Pierre estava debochando dele, apesar de a pergunta
ser legítima. — Você provavelmente nunca se deitou com uma
mulher sem proteção.
— Nunca, desde os dezesseis anos. E veja, eu já me deitei com
tantas mulheres que, se houvesse um livro que tomasse nota desse
feito, eu certamente estaria entre um dos primeiros lugares. —
Anthony esfregou as mãos, nervoso, e bebeu outro gole de
Bourbon. — Mas eu estava completamente anestesiado pelo
momento. Posso me reinventar em desculpas, mas a verdade é que
eu a amo e perder-me nela foi natural.
— Por Deus, Granville, finalmente! — Pierre ergueu as mãos
para o alto e fez um alvoroço desnecessário. — Mas não entendo
por que está tão transtornado. Se você a ama, case-se com ela!
— E se ela não quiser se casar comigo?
— Essa possibilidade é ridícula. Por que ela não iria querer se
tornar a Marquesa de Granville e viver em um palácio na Inglaterra?
— Você tem razão. — Anthony bebeu o restante do Bourbon e
bateu o copo na mesa, pedindo mais. Acabaria bêbado se não
retomasse o controle de sua vida. — Quando encerrarmos essa
etapa da investigação, eu me encontrarei com Rose e a pedirei em
casamento. Se ela me rejeitar…
— Ela não o rejeitará. — O amigo tomou dele o copo que a
garçonete acabara de servir. — Pare de sentir pena de si mesmo e
de beber. Parece-me que é correta a teoria de que homens perdem
neurônios quando amam.
Céus! Anthony odiava que todo mundo tivesse tomado a decisão
de intrometer-se em seus assuntos pessoais. O amigo não
costumava ser tão falastrão e não dedicava esforços a discursar
sobre amores, paixões ou casamentos.
Anthony não sabia dizer como aquele sentimento romântico
estúpido cresceu dentro dele, nem o que faria exatamente a
respeito, já que não queria tomar decisões por impulso. Ao mesmo
tempo, não podia se manter inerte. Quanto mais tempo Rosamund
passasse decidida a se casar com outro, menos ele poderia
convencê-la a se casar com ele. Porque não havia outra solução,
mulheres como aquela não serviam de amantes e ele não a
degradaria àquele ponto. Ele a queria ao seu lado, como sua
marquesa, comandando sua casa, sua vida e tendo seus filhos.
Antes que a epifania nocauteasse o marquês com realizações
óbvias, o homem que esperavam chegou. Caminhava lentamente e
com confiança, uma demonstração de que era um bom agente em
treinamento. Se estivesse agitado e correndo pelas ruas, chamaria
atenção desnecessária sobre si. Jovem, com uns vinte e um anos
aproximados, sentou-se à mesa dos cavalheiros e pediu um drinque
para si. Também era bom em fingir.
— Diga. — Pierre não estava paciente. O jovem retirou um bloco
de notas do bolso do colete e começou a ler seus apontamentos.
— Sei de vários fatos isolados, nada muito concreto sobre os
eventos que me reportaram. O Barão Rondale escreveu uma carta
para Londres e mandou entregar para o Sr. Phillip Taylor. O
Visconde Tinsdale saiu no meio da manhã e não retornou, mas os
criados estão acostumados às suas longas ausências. Acham que
ele tem uma amante fixa em Paris e usa a casa da tia como
disfarce. O casal Rottschild está passeando pela cidade desde cedo
e parece alheio a eventuais crises. Lady Bachour, a mulher
Thompson e Gretha Hawthorne foram passear e retornaram à casa
de tarde, mas saíram novamente logo em seguida. Aliás, sobre
Gretha Hawthorne, algumas criadas dizem que ela passou a noite
fora, outras que saiu cedo. Ouvi inclusive que ela é a amante
parisiense do tal visconde, porém descartei a hipótese porque ela é
inglesa.
O homem falou devagar e pausadamente, mas Anthony não
entendeu muita coisa depois que mencionou uma carta para Phillip
Taylor — o pai de Rosamund. O maldito barão com certeza
inventara alguma mentira sobre o que acontecera em Paris para
forçar um casamento com ela. Também não conseguiu compreender
o que Gretha, a prima, estava fazendo naquele relatório. Amante
parisiense de Finley? Ela esteve na casa?
— Jean, você tem certeza que ouviu o nome de Gretha
Hawthorne sendo pronunciado pelos criados?
— Absoluta, monsieur. — O jovem balançou a cabeça, orgulhoso
de sua memória e de seu trabalho.
— Tem algo errado. — Anthony não se conformou. — Gretha
estava com Rosamund. Por que ela teria ido até à casa do visconde
sabendo do que aconteceu?
— Ela poderia estar envolvida? — Pierre suspeitou. — E se for
realmente amante de Finley?
— Não. Eu posso ter ficado um pouco menos atento e bastante
mais estúpido depois que me apaixonei, mas Gretha não está do
outro lado. Eu fiz uma boa leitura dela antes mesmo de Rose
envolver-se na investigação.
— Então sim. Algo está errado. Se Jean tem certeza que ela
esteve na casa hoje, é porque não tem noção da gravidade da
situação, ou porque foi lá descobrir alguma coisa.
— Maldição. — Anthony bateu a mão em punhos na mesa e
balançou a cabeça para os lados. — Rose deve estar inventando de
investigar por conta própria. Ela é curiosa, ousada e não aprendeu a
obedecer, Pierre. Como ela é alvo, deve ter se aliado à prima para
tentar descobrir alguma coisa que considere que nós não
conseguiríamos. Precisamos ir ao ateliê.
Ele levantou, agitado, e pegou a carteira para pagar a conta das
horas de espera. Pierre levantou-se e o segurou pelo braço, olhando
ao redor e temendo que atraíssem muita atenção desnecessária.
— Acalme-se. O visconde sabe onde ela está?
— Como eu posso saber? Ela diz que não, mas Finley é mais
esperto do que pensamos.
Sim, ele era e custava a Anthony reconhecer que o alvo era
inteligente. Quando aceitou a missão, tinha certeza que Finley seria
fácil de resolver porque ele era um completo idiota, mas descobriu
que o homem apenas fingia sua imbecilidade. Quanto mais
menosprezado fosse, menos crédito lhe dariam.
Sem nem agradecer a Jean e deixando francos demais de
gorjeta, ele correu até a rua, encontrou um carro de aluguel e pediu
que lhe alugassem os cavalos. O cocheiro não gostou da ideia e
disse que seus animais estavam mais acostumados a puxar o
cabriolé, mas o marquês não estava mais paciente. Toda a sua
calma reflexiva se esvaiu durante o tempo que esperou para
descobrir que, apesar de todos os esforços, Rosamund poderia
estar em risco — e a missão também. Oferecendo uma quantia
obscena em francos, decidiu comprar os cavalos.
Convencido pelo poder do dinheiro, o cocheiro soltou os animais
e os entregou ao marquês. Nenhum dos dois estava selado, mas
Anthony não precisava de selas, ele queria apenas chegar até o
ateliê de Madame Beaury-Saurel o mais rápido que pudesse.
Montado no pelo, galopou a toda velocidade pelas ruas de Paris
arriscando sua vida e a de outras pessoas com quem cruzou sem
sequer prestar atenção no que fazia.
Ele sabia que a paixão cegava e anuviava o raciocínio. Sabia
que incluir Rosamund em sua investigação poderia colocá-la em
risco e apaixonar-se por ela o faria priorizá-la em detrimento da
missão. Não importava, já estava feito e só restava conter os danos.
Atrás de si vinha Pierre, que também não se intimidou por
montar sem os equipamentos adequados. Os dois homens
pareciam selvagens em perseguição à caça e ninguém teve
coragem de sequer abordá-los. Ao avistar o ateliê de arte, Anthony
jogou o cavalo para cima do passeio de pedestres e quase entrou
com montaria e tudo dentro do prédio. Pessoas gritaram e
blasfemaram e a pintora saiu para ver o que acontecia.
— Monsieur Eckley, o que está acontecendo?
— Madame, não tenho tempo para explicar agora. Preciso falar
com a Srta. Taylor.
— Ela saiu mais cedo.
Não. Anthony chacoalhou os ombros e sacudiu a cabeça já
enxergando um cenário ruim.
— Sozinha ou com sua acompanhante?
— Ela estava sozinha. Uma mulher de uniforme veio trazer-lhe
um bilhete e ela pediu que eu a dispensasse para que pudesse
tratar de algum assunto pessoal. Pareceu urgente, então não
questionei. Há algo errado?
Havia. Anthony tinha certeza que sim, porém, não conseguira
ainda imaginar o quê. Seu instinto dizia que Rosamund estava em
perigo e os fatos conspiravam para que tivesse razão.
— Ainda não sei, madame. Obrigado.
Novamente em movimento, o marquês continuou pelas ruas de
Paris na direção da casa do Visconde Tinsdale.

A casa de Finley nunca esteve tão longe. Quando chegou, Anthony


estava tão nervoso que saltou do cavalo antes que o animal parasse
de galopar, caindo no passeio de pedestres e batendo de mau jeito
no chão de pedras. Não era algo que ele costumava fazer,
tampouco a primeira vez — o marquês já tivera sua quota de
atividades perigosas na vida. Não bateu à porta, chutou-a com o pé
e fez com que se abrisse ao partir o trinco. Dois criados chegaram
assustados com o barulho e arregalaram os olhos ao ver a porta
arrombada e o marquês parado no meio da sala como se fosse um
animal selvagem enfurecido.
— Onde ela está? — perguntou.
A missão ainda era secreta, mas seu ódio pelo visconde estava
latente, pulsando em suas veias e transpirando por seus poros. Não
se importava em esconder sua sanha assassina. Se ele visse Finley
em sua frente, ele o atacaria. Sabia que algo tinha sido feito com
Rosamund, seus instintos nunca falhavam.
— Monsieur, não sei de quem está falando. — um dos criados
balbuciou.
— A Srta. Taylor. Onde ela está?
— Não sabemos, monsieur.
— Então consiga alguém que saiba. Quem está na casa?
— No momento ninguém, todos…
Anthony deu alguns passos e se aproximou do criado. Ele não
pretendia fazer nada contra o homem, só que não ficaria esperando
de boa vontade. Olhou-o de cima e rangeu os dentes antes de
interrompê-lo.
— Descubra alguém que saiba da Srta. Taylor.
Os homens saíram e começou um alvoroço entre a criadagem.
Anthony subiu as escadas, dois degraus de vez, e abriu a porta de
cada quarto com força desproporcional. Não notou que Pierre se
juntara a ele e não se importou em encontrar alguém em situação
indecorosa. Já frequentara os mais diversos tipos de
estabelecimentos que vendiam o pecado, nada que ele pudesse ver
em uma casa como aquelas o afetaria.
Como o criado dissera, todos os quartos estavam vazios — e
eram mais de vinte, só no segundo andar. Ainda havia muitos outros
cômodos para procurar e ele não terminaria de colocar a casa
abaixo antes de meia-noite, porém um burburinho de vozes
femininas fez com que ele descesse correndo de volta para o salão.
Lady Bachour e a baronesa Rottschild chegavam da rua com
algumas criadas e já começavam a interrogar sobre o que estava
acontecendo na casa.
— Eu estou acontecendo — Anthony interpelou as duas
mulheres. Pierre chegou logo depois, tentando acompanhá-lo. —
Quero saber onde está Rosamund.
— Não a vi hoje. — A baronesa respondeu. — Por que o senhor
está tão transtornado, milorde?
— Quem as senhoras viram hoje? E não testem a minha
paciência, eu não costumo ter nenhuma quando estou de mau-
humor.
Lady Bachour abanou-se com o leque e a baronesa levou a mão
ao peito, ambas horrorizadas com a atitude grosseira dele. Era bom
que se assustassem e melhor ainda que o temessem. Anthony não
pretendia ser popular naquele momento, precisava apenas
encontrar Rosamund.
— Estivemos com a Srta. Hawthorne, mas ela disse que
precisava resolver alguns assuntos e nos deixou no clube. — Disse
a baronesa.
— Ela ficou bastante preocupada quando falamos que o barão
escrevera para o pai da Srta. Taylor pedindo a mão da filha em
casamento e dizendo que alguma coisa aconteceu, que a arruinaria
caso o casamento não se realizasse. — Lady Bachour explicou. —
Sinceramente, eu também fiquei perturbada com o que Trixie me
contou. Não sabia que os criados fofocavam tanto!
— Realmente, é um absurdo que comentem sobre coisas
privadas de seus patrões! — Lady Rottschild emendou. — Mas
imagino que tipo de coisa tenha acontecido para arruinar a Srta.
Taylor. Sei que ela estava em busca de um título, mas será que
chegou ao ponto de seduzir o barão para…
— Senhoras. — Anthony rosnou. Ele precisou trincar os dentes e
respirar profundamente para não quebrar alguma coisa ou a face de
alguém com seus punhos. — Recomendo que não sigam por este
caminho. A reputação da Srta. Taylor é ilibada e Rondale é um
canalha. Ele está armando casar-se com ela para receber um dote e
eu preciso saber para onde ele possa tê-la levado.
— Oh! — A baronesa levou a mão à boca em espanto. — Acha
que o barão a raptou?
— Lady Bachour, onde seu sobrinho tem casas nas redondezas?
— Pierre perguntou, já cansado do falatório feminino.
— Meu sobrinho? Não sei o que George possa…
Anthony interrompeu-as outra vez. Chegou tão perto da velha
senhora que precisou de um minuto para garantir que não a
agarraria pelo vestido e a obrigaria a falar. Ele não era aquele tipo
de homem, também, jamais feriria alguém inocente de propósito,
nem teria coragem de tocar em uma mulher para agredi-la. Por mais
fútil e tola que fosse Lady Bachour, ela não tinha culpa pelos erros
do sobrinho.
Mas ele estava, sim, transtornado. A baronesa tinha razão.
— Onde, milady?
A voz dele saiu baixa e gutural, como se um monstro estivesse
prestes a se libertar. Anthony não sabia se já sentira aquilo alguma
vez — uma agitação nervosa, um aperto no peito e uma fúria
incontrolável que o fazia querer arrebentar todas as paredes e
móveis daquela casa. Precisou de todo o seu autocontrole para não
gritar, não atacar, não bater em ninguém.
Pierre colocou um braço entre ele e Lady Bachour e o afastou,
interferindo. Sorriu para as duas mulheres e tentou assumir a
conversa.
— Imaginamos que o Barão Rondale tenha levado a Srta. Taylor
para algum lugar, e que a tenha raptado com ajuda. A não ser que
seja seu marido o envolvido, Lady Rottschild, só pode ter sido o
visconde.
— Meu marido não compactuaria jamais com um absurdo
desses! — A baronesa pareceu ofendida. — Sem contar que
Stephen estava certo de que seria Lorde Granville a desonrar a
Srta. Taylor. Ele já os estava vendo casados e chegou a apostar
com o Sr. Thompson.
— Isso não quer dizer que George tem participação em um
rapto! — Foi a vez de Lady Bachour reclamar. — Ele é um homem
muito bom.
— Então ajude-nos a inocentá-lo de uma acusação tão grave. —
Pierre usou sua lábia para acalmar os ânimos. — Quando o pai da
Srta. Taylor souber que a filha teve sua integridade física colocada
em risco, não aceitará apenas um casamento como reparação. Isso
pode afetar os negócios de Lorde Finley.
A senhora pensou, abanando seu leque, por um ou dois minutos.
Anthony estava prestes a sair daquela casa e descobrir as
informações por si próprio, mas o amigo o manteve no lugar com
uma mão estratégica sobre seu ombro. O que parecia servir para
acalmá-lo era, na verdade, uma forma de segurá-lo.
— O senhor tem razão. Mas meu sobrinho não tem propriedades
na França, essa é a nossa única casa.
— A senhora tem certeza? Ele não poderia ter adquirido
propriedades sem o seu conhecimento?
— Poderia, mas por que faria isso? George é quase como um
filho, nós compartilhamos tudo.
Pierre agradeceu às senhoras e arrastou Anthony para fora da
casa. O marquês não estava satisfeito com a resposta e certamente
permaneceria ali investigando ou extorquindo informações à força, o
que seria péssimo para o sigilo da investigação e das suas próprias
identidades. Até aquele momento estavam se aproveitando da
loucura do Barão Rondale para encobrir os verdadeiros motivos de
estarem ali — os crimes cometidos por Finley —, porém não podiam
permitir que desconfiassem de nada disso.
E Anthony estava fora de si, mas não tinha certeza se Rose fora
raptada. Era uma suspeita, mas ele teria que aguardar e ver se ela
retornava para casa. Não seria fácil, mas ele esperaria até
anoitecer. Se ela não aparecesse, ele colocaria fogo em Paris.

— O que vamos fazer com elas?


O Barão Rondale perguntou e Rosamund sentiu náusea ao ouvir
a voz dele. Sentia-se tonta e não conseguia enxergar direito, mas
estava com as mãos amarradas e tinha um pedaço de tecido em
sua boca impedindo-a de falar. Quis cuspi-lo, mas não conseguiu —
era um pedaço grande demais que já começara a causar-lhe dor no
maxilar.
Não sabia onde estava, nem como chegara ali. Lembrava de ter
ido ao encontro de Gretha e ter sido atacada e drogada no meio da
rua. Eles a sequestraram e Rondale estava mesmo envolvido nos
crimes cometidos pelo visconde.
— Primeiro, vamos atrair Granville para nossa armadilha. Assim
que ele for eliminado, você se casa com essa daqui e resolve seu
problema financeiro.
— E a outra?
— Eliminaremos também. Não posso ter testemunhas. Só
deixarei que se case com a filha do Taylor porque não estou
interessado em emprestar-lhe mais dinheiro, Rondale, mas preciso
que saiba manter sua mulher silenciada.
Os homens conversavam em algum lugar próximo dela. Depois
de piscar algumas vezes, Rosamund pôde ver que estava sentada
em uma cadeira e tinha mãos e pés amarrados. Do seu lado estava
Gretha na mesma condição, mas a prima parecia em choque. Os
olhos arregalados não miravam lugar algum, e a expressão
assustada parecia congelada na face lívida dela. Rosamund quis
gritar e começou a se debater. Mas, tudo que conseguiu foi derrubar
a cadeira e cair de lado no chão.
Sentiu uma fisgada na cabeça ao bater no piso de madeira, mas
não era nada que a preocupasse. O corpulento visconde caminhou
até ela e a examinou, cutucando-a com a ponta de seu sapato.
— Não seja tola, Srta. Taylor. Só vai conseguir se machucar
tentando fugir. Fique tranquila que logo, logo enviaremos ao seu
amante as coordenadas e ele virá ao seu encontro.
Rose quis gritar outra vez e fez isso. Soltou o ar de seus
pulmões com tanta força que um som agoniado saiu de sua
garganta — alto, potente e longo, indicando a sua frustração por ter
sido atraída para uma armação que colocaria Anthony em perigo.
Não, ela colocara todos em perigo por ter sido imprudente, mas não
podia culpar-se. Os responsáveis eram aqueles homens horríveis
que a mantinham cativa.
O visconde desdenhou de seu desespero, agarrou-a pelos
cabelos e a ergueu do chão, colocando a cadeira em pé novamente.
A dor da agressão não era nada comparada com a dor que ela
sentia no peito por não conseguir se soltar, mas ela daria um jeito de
escapar. Era pequena, ágil e talvez continuasse invisível quando os
homens as deixassem a sós.
— Quanto tempo vamos esperar? — Rondale prosseguiu sua
inquirição, demonstrando que estava longe de ser o cérebro da
dupla.
— Amanhã contatarei o marquês. Ele precisa desesperar-se
antes de vir até ela, assim estará vulnerável.
— Mas Finley, você está apostando que Granville se importa
tanto com a mulher para arriscar vir até ela.
— Claro que estou, imbecil. — O visconde deu um tapa no
pescoço do barão, que já tinha a face totalmente deformada da
surra que levou na noite anterior. — Granville fará qualquer coisa
para salvá-la, tenho certeza.
Talvez ela tivesse um trunfo, Lorde Finley parecia muito certo de
que Anthony colocaria tudo em risco por ela, mas isso não
aconteceria. Primeiro, porque o marquês teria de amá-la para
justificar uma atitude tão impensada e, segundo, porque ele não
agia por impulso. Mesmo que, em uma hipótese louca que fazia seu
coração disparar apenas por considerá-la, Anthony Eckley a
amasse, ele não faria nada sem planejar, e ela sabia que ele não
apostaria para perder.
Rosamund confortou-se com aquela constatação, mas nem
tanto. Se qualquer coisa desse errado, alguém poderia sair
seriamente ferido, pois, o visconde era um assassino. Talvez nem o
barão tivesse ideia do quanto o homem com quem estava lidando
era perigoso. Não havia nada que ela pudesse fazer a não ser
esperar e tentar se soltar.
Os dois homens saíram do quarto onde estavam presas e
fecharam a porta. Ela ouviu o clique de uma fechadura e logo o
silêncio. Quase silêncio, porque havia um ruído intenso de pássaros
cantando e insetos, o que significava que estavam afastados da
cidade. Era noite, estava tudo escuro e não havia muitas lamparinas
acesas. Ela respirou fundo, se concentrou e se arrastou, com
cadeira e tudo, para a janela que ficou aberta. Por mais espertos
que fossem os homens, eles não imaginaram que ela poderia fazer
qualquer coisa com uma janela que estava no terceiro andar de uma
casa e que dava para uma área descampada sem qualquer sinal
civilizatório.
Por certo, amarrada ela não conseguiria fugir. Rosamund poderia
tentar se soltar, soltar Gretha, e não seria impossível descer por
aquela janela. Havia algumas saliências na estrutura da casa que
permitiam agarrar e também um cano de calefação que passava por
toda a lateral da casa. Estaria muito quente, ou não, pois a casa
deveria estar vazia, o que era uma vantagem.
Para ter calefação e encanamento interno, a casa deveria ser do
visconde — talvez uma propriedade de campo. Não podia ser muito
longe, pois, não teria dado tempo de chegar ali em menos de um dia
— pela ausência de luz natural, a noite já deveria estar alta, mas
isso significava que não demoraria para que Anthony as alcançasse
quando descobrisse o lugar.
Ela não sabia se queria que ele a encontrasse. Por um instante,
desejou sentar-se quieta e esperar que fosse resgatada por seu
cavaleiro de armadura brilhante — tudo que Anthony Eckley não
era, mas poderia se tornar. Ao mesmo tempo, estava consumida
pelo medo. Se ela morresse, iria em paz sabendo que conheceu a
plenitude de um dos sentimentos mais nobres da humanidade, mas
e se ele morresse por ela? Se algo acontecesse a ele por causa
dela?
Rosamund não superaria.
Sem poder falar ou conversar, com Gretha ainda em estado
catatônico, não havia muito o que fazer. Rose fechou os olhos e
começou a forçar as mãos contra a cadeira na tentativa de afrouxar
o nó ou ceder as cordas.
Capítulo vigésimo segundo

R . O
Anthony, nem Pierre, nem ninguém recebeu nenhuma notícia de seu
paradeiro. Jean voltou a manter vigília sobre a casa do visconde,
mas não reportou nenhum movimento relativo à presença dela.
Também não se tinha notícias nem de Finley, nem de Rondale,
indicando que, sim, ela fora raptada pelos dois safardanas.
O Marquês de Granville não estava acostumado a não agir. Ele
tinha paciência, sabia esperar a hora certa, conseguia controlar
seus ímpetos, mas não sabia ficar sem fazer nada. A agonia da
incerteza o deixou ainda mais fora de si, e ele já tinha bebido quase
uma garrafa inteira de conhaque enquanto girava pela sala, com a
mesma roupa da manhã, blasfemando contra tudo e todos.
— Eu não deveria tê-la deixado sair — resmungou —, deveria tê-
la trancado no quarto.
— Não foi culpa sua, Granville. — Pierre repetiu a mesma coisa
que vinha dizendo por mais de uma hora. — Precisamos descobrir
onde Finley está. Vamos colocar os homens na rua.
— Que homens? — O marquês parou de girar e chutou um vaso
de cerâmica cheio de flores. O artefato se espatifou no chão,
derramou água por todo lado e espalhou as flores pelo piso de
madeira. — Eu não vim preparado para uma operação de guerra,
maldição! Nem verba eu tenho.
— Você não precisa de verba e temos como conseguir gente
agora, neste minuto! — Pierre se levantou e agarrou-o pelos
ombros. — Deixe de se lamuriar, vamos arrumar alguns caras que
possam obter informações sobre uma dama sequestrada. Ninguém
age sem deixar rastros, sabe disso.
O amigo tinha razão. Anthony não, já tinha parado de agir
racionalmente desde a manhã — o que não lhe servia para nada.
Se quisesse recuperar Rosamund precisava usar o cérebro e não o
coração, precisava pensar como um espião e não como um bobo
apaixonado. Passando as mãos pelos cabelos e ajeitando-os,
Anthony se recompôs.
— Certo, Pierre. Vamos à guerra. Ela está em algum lugar de
Paris e eu vou descobrir onde.
— É assim que se fala, meu amigo.
Ele descobriria. Não acreditava que Rondale tivesse escrito uma
carta para o pai de Rosamund e depois a arrastaria para fora da
cidade — provavelmente convencê-la a se casar com ele era parte
do plano. Talvez fosse esse o único motivo do sequestro, mas
Anthony duvidava. Era certo que aquela operação toda tinha o dedo
do visconde e que ele se aproveitara que Gretha estivera com sua
tia para segui-la ou obrigá-la a falar sobre Rose. O homem era mais
esperto do que parecia, era desconfiado e estava prestes a cometer
um grande crime. Até que as armas fossem despachadas, ele não
arriscaria ser pego.
Saíram a cavalo, daquela vez com os animais selados, até dois
dos pontos onde encontrariam alguns mercenários dispostos a
arrancar informações sujando as mãos. Não pretendiam envolver
nenhum homem da Coroa Britânica para não colocar bons agentes
em risco, usariam apenas caçadores de recompensas que viviam
pelo perigo. Um deles, já conhecido da dupla, era Etienne, o
cocheiro. Acostumado a prestar serviços de fuga, retirada e atuar
como informante de Pierre, ele também sabia como descobrir o que
estava oculto na cidade.
Eles o encontraram na Chérie, uma casa de conveniências
masculinas que também servia de esconderijo para os mais
afamados caçadores. Era uma construção escura, de tijolos úmidos
e permeados de lodo, localizada no coração de Paris, o 1º
Arrondissement. Uma lamparina envolvida em tecido azul tornava o
lugar reconhecível por quem o procurasse e ficava sempre acesa,
pendurada em uma posição estratégica próxima ao letreiro.
Anthony não pretendia barganhar, então colocou suas cartas —
o dinheiro — sobre a mesa. Etienne sorriu ao examinar a quantia.
— O que preciso fazer?
— Queremos saber onde está George Finley. Ele deve estar
acompanhado de um homem e duas mulheres e provavelmente em
alguma região pouco habitada, mas não muito distante. Seria difícil
viajar longas distâncias com duas vítimas de sequestro e ele não
poderia ir de trem.
— Sequestro? — Etienne enfiou as moedas de volta na bolsa de
couro. — É um resgate?
— Eu vou resgatá-las. — Anthony admitiu. — Se quiser vir
conosco, há mais de onde saíram essas.
— Tudo bem, monsieur Eckley. Creio que consiga descobrir
alguma coisa amanhã.
— Não. — O marquês impediu que o homem se levantasse. —
Tem que ser agora. Acorde quem precisar, use os recursos que
necessitar, mas eu quero saber onde encontrar essas pessoas
agora.
Pierre assentiu, indicando que ele ratificava as palavras do
amigo. O mercenário enfiou a bolsa de couro em um de seus bolsos
do casaco e concordou.
— Tudo bem. Retornarei em uma hora, sintam-se em casa.
Uma hora não era tempo demais, porém, Anthony não
conseguiria ficar esperando sentado. Já bebera tudo que podia,
então conseguiu cigarros e saiu à rua para fumar. Aproveitou mais
tempo ocioso para reviver sua epifania do amor recém-descoberto e
da decisão de se casar assim que chegasse a Londres. Por muito
tempo usou a desculpa de que não se casaria por não conseguir ser
fiel e ela lhe pareceu muito sincera. Sua mãe sofreu, ele não
pretendia infligir o mesmo a outra mulher. Ele as amava muito para
ser tão leviano e feri-las deliberadamente.
O que lhe faltava era a mulher certa, aquela que abriria seu
peito, entraria em seu coração, sapatearia sobre ele e o faria dela. E
Anthony não imaginava que precisaria apenas de umas míseras
semanas para que isso acontecesse. Tragou e exalou uma baforada
de fumaça enquanto olhava para o céu parisiense. Soprava uma
brisa fria, estaria ela com frio? Ele esperava que Finley ao menos
estivesse cuidando das mulheres e que não as ferisse, ou teria que
matá-lo — e Anthony Eckley nunca sequer cogitara matar alguém.
Mas ele acabaria com a vida de quem encostasse em um fio de
cabelo de Rosamund. Sentou-se em um degrau de escada imundo
e esperou até que o cigarro se exaurisse em sua mão e ele
decidisse acender outro para não fumar. Uma hora e meia e cinco
cigarros depois, Etienne retornou arrastando um homem pelo
colarinho. O infeliz estava mais bêbado do que um gambá e quase
não conseguia ficar de pé, mas, ainda assim, foi apresentado como
quem sabia a informação que desejavam.
Pierre juntou-se a eles na calçada. Àquela altura e com a
justificativa de que Rosamund fora raptada para que Rondale
pudesse arruiná-la, não importava mais o sigilo.
— Ele sabe onde encontrar as mulheres. — Etienne afirmou. —
Diga a eles o que me disse.
— Eu dirigi uma carruagem. — Um soluço interrompeu a frase.
— Tinha dois homens e duas mulheres, uma delas estava dormindo.
O homem a carregava no colo. — Outro soluço e o homem tossiu
algumas vezes para, em seguida, cuspir um bolo marrom de saliva
no chão. — Eles me pagaram em dinheiro e me mandaram
esquecer, mas seu amigo garantiu que me pagaria o dobro para eu
lembrar.
— Até o triplo. — Anthony confirmou. — Mas precisa ser uma
lembrança muito boa. Sabe para onde foram?
— Eles estão em Suresnes, perto do Forte do Monte Valerián.
— Você os levou até lá?
— Não, até metade do caminho. — O homem tossiu mais. —
Mas ouvi dizerem para aonde iam quando negociaram com outro
cocheiro.
— Eles devem ter mentido para enganá-lo. — Pierre disse para
Etienne, demonstrando não acreditar na versão do ébrio. —
Podemos perder tempo indo até Suresnes, que é muito longe.
— O cocheiro é meu amigo. Ele leva vocês lá. Pelo triplo.
Anthony enfiou a mão em outro bolso e arrancou mais um saco
de moedas. Abriu-o e espalhou o dinheiro nas mãos abertas do
miserável que exibiu um sorriso com dentes faltando.
— Onde encontramos seu amigo?
— Está em casa com a mulher e as crianças.
— Leve-nos até ele. — Pierre segurou-o pelo casaco e o
arrastou pela rua. — Indique o caminho.
— Calma, monsieur.
Outro soluço e logo o homem estava vomitando no meio do
pavimento. Anthony não tinha tempo para aquelas tolices, mas
aquela era a melhor pista que conseguiriam. Se Suresnes não fosse
área demais para desbravar, já estaria galopando até lá.
Depois de parcialmente recomposto, o homem foi colocado
sobre um cavalo arranjado por Etienne e, conduzido por Pierre,
passou a indicar onde ficava a casa do tal amigo que poderia levá-
los até o esconderijo de Finley. Assim que estivessem com a
localização de Rosamund, o marquês conseguiria algumas armas
para levar consigo e garantir que, se houvesse um confronto, o
visconde não saísse vivo dele.

Depois que descobriu um pequeno prego se desprendendo da


cadeira, ela passou a noite toda arrastando o braço para cima e
para baixo, para um lado e para o outro. A queda fez com que a
madeira afrouxasse e parte do encosto cedeu, expondo o prego.
Tentando usá-lo para cortar a corda ou ao menos afrouxá-la,
Rosamund quase conseguiu uma lesão nos ombros. A exaustão
tentou impedi-la, mas não ficaria ali parada esperando para servir de
isca para que atraíssem Anthony para uma emboscada.
Raios dourados de luz cortavam o céu quando ela finalmente
conseguiu atingir seu objetivo. Seus esforços fizeram a cadeira
ceder completamente e com isso ela conseguiu se soltar, mesmo
sem se desamarrar. Passou os dois braços para a frente e alcançou
os pés, desfazendo os nós e podendo se levantar. Arrancou o pano
da boca, que estava dolorida por passar tanto tempo aberta, e foi
até Gretha. A prima, que continuava catatônica por horas, virou-se
assustada para a ver.
— Shhhh.
Rose pediu silêncio e arrancou o pano da boca da prima,
também. Os olhos de Gretha se encheram de lágrimas, mas ela não
disse uma palavra nem emitiu nenhum som enquanto também era
desamarrada. Estava ainda muito escuro para que saíssem pela
janela, mas não podiam retardar a fuga. Era provável que os
homens estivessem dormindo e, quando acordassem, perceberiam
o movimento.
Debruçando sobre o parapeito da janela, Rosamund analisou a
rota que precisavam seguir. Havia uma pequena árvore próxima que
poderia servir para que pulassem nela e descessem, mas as roupas
femininas atrapalhavam muito os movimentos. O cano da calefação
era uma saída e a outra era uma abençoada treliça cheia de flores
que subia por toda a lateral da casa, que ela não vira antes por
causa da escuridão. Havia espinhos por todos os lados e não seria
fácil agarrar-se àquela planta de aparência assustadora, mas
qualquer coisa era melhor do que ficar presa com o visconde e o
barão.
— Precisamos descer. — Rose sussurrou no ouvido da prima. —
Eu vou e você me segue.
— Não. — Gretha balançou freneticamente a cabeça para os
lados. — Não consigo.
— Claro que consegue. Se ficarmos aqui vamos morrer, é o que
deseja?
A prima arregalou os olhos e negou mais uma vez, concordando
com os argumentos de fuga. Rosamund debruçou-se outra vez e
analisou que havia apenas duas janelas naquele andar e que
nenhuma delas ficava perto da treliça, o que impediria que alguém
as alcançasse pelo mesmo caminho. O visconde realmente a tirava
como uma tola inapta, pois o quarto que ocupavam permitia muitas
formas de escapar. Testando a aderência de suas sapatilhas, ela se
pendurou na janela e, com um pequeno impulso, jogou-se na treliça.
Os espinhos perfuraram sua pele em vários lugares e a dor foi
lancinante, mas ela resistiu à vontade de gritar. Agarrou-se aos
ramos e foi descendo pé ante pé, apoiando-se na estrutura de
madeira. Gretha olhava assustada pela janela e Rosamund acenou,
chamando-a, enquanto descia. A prima tentou subir na janela uma,
duas, três vezes e quase caiu. Ela precisaria retornar para ajudá-la,
mas não conseguiria, as plantas se desprenderam da madeira e
Rose se viu desabando em direção ao chão.
Terceiro andar. A queda foi rápida e dolorida, deixando-a coberta
por flores e espinhos. A treliça manteve-se no lugar, agora sem
nada que atrapalhasse Gretha, que tentou pela quarta vez subir na
janela e conseguiu. Rose se levantou, afastou a vegetação de si e
avaliou seus movimentos — não havia nenhuma lesão que a
impedisse de sair correndo dali.
A cada minuto a luz do dia ficava mais forte e elas ficavam mais
expostas. Era bom, porque conseguiam enxergar o que faziam, mas
qualquer um poderia vê-las descendo pela parede externa. O
caminho mais seguro era a pequena floresta que crescia ao redor
da casa, onde poderiam esconder-se entre as árvores e tentar
desaparecer. Quando Gretha tocou o chão, no entanto, ouviram
barulhos dentro da casa e uma janela se abriu no primeiro andar.
As duas depararam-se com uma mulher que começou a gritar ao
vê-las. Não dava tempo para repensar o plano — que ela mal
elaborou — nem para explicar o que faziam ali. Talvez a mulher
estivesse sendo paga para gritar e dar o alerta da fuga, então
Rosamund simplesmente agarrou Gretha pela mão e disparou em
direção às árvores.
Quanto tempo eles precisavam para planejar um resgate? Um dia,
dois, talvez. Aquele foi planejado em menos de duas horas. Tão
logo chegaram à casa do amigo do cocheiro embriagado que lhes
prestara as primeiras informações sobre o paradeiro do grupo,
arrancaram o homem da cama e o convenceram, com dinheiro, a
ajudá-los. Os cinco homens cavalgaram até a casa onde estavam
inicialmente escondidos para traçar um breve plano e pegar armas.
Ao chegarem, Monty os esperava aflito.
— O que descobriram, milorde?
— Finley as levou. As duas. Como você já sabe que algo
aconteceu e que eu estaria procurando informações?
— Minha função é saber. — O valete desabotoou seu casaco e o
retirou, pendurando-o em um cabide na entrada da casa. — Agora
estou pronto para acompanhá-los.
— Você não pode ir, é perigoso. — Anthony decidiu. — Nem ele
irá. — Apontou para o bêbado. — Precisamos de homens sóbrios e
que não se incomodem em causar muita dor.
— Não vamos matar ninguém. — Pierre tentou contemporizar. —
Mas pode haver algum conflito mais grave.
— Fale por si. Eu não prometerei nada se Finley se meter no
meu caminho.
— Tenho certeza que há um papel para todos nessa, er,
operação, milorde. — Monty insistiu. — Sou rápido, discreto e
consigo encontrar passagens onde elas não existem. Há um cavalo
para mim amarrado ao lado da casa.
— Vamos levá-lo. — Pierre colocou uma mão no ombro do
criado. — Precisamos de número, eles são apenas dois. Tenho mais
três capangas que encontraremos no caminho, todos do grupo de
Etienne. Seremos oito, a superioridade numérica parece suficiente.
— Como saberemos que o homem nos espera sozinho? —
Etienne não estava convencido.
— Não saberemos, estamos apostando que ele me subestime.
— Anthony também retirou o casaco e dobrou as mangas da
camisa. — Está frio e vamos cavalgar durante a noite, estejam
preparados e aquecidos.
— E por que tirou o casaco? — o informante, que sabia para
onde iriam, perguntou.
— Ele limita meus movimentos. Prefiro o frio à imobilidade, então
estou preparado.
Pierre colocou um livro grosso sobre a mesa e chamou os
homens para se aproximarem. Pegou algumas peças de um jogo de
xadrez que enfeitava uma estante e montou um cenário improvisado
para estabelecer um plano.
— Não sabemos como é a casa, mas, pela breve descrição que
tivemos, é uma residência comum e não um forte militar. Deve ter
uma entrada pelos fundos — ele posicionou um peão em um dos
lados do livro — e uma entrada principal. — Outro peão foi colocado
no lado oposto. — Devemos ter duas frentes, uma vinda de cada
lado para surpreendê-los e não sermos surpreendidos.
— E nas laterais? — Perguntou Etienne.
— Casas como essas não costumam ter saídas laterais, apenas
janelas. Pelo que nosso amigo cocheiro disse, o jardim fica na parte
da frente e há uma área verde envolvendo a construção, mas temos
que fazer uma aproximação ampla.
Outros peões foram arrumados em um arco ao lado dos
primeiros, indicando que eles deveriam estabelecer uma formação
quase militar. Anthony olhou para os soldados que dispunham e
nenhum deles parecia capaz de cumprir uma missão muito
elaborada. Monty estava velho, mas era silencioso e sorrateiro.
Etienne era corpulento e exercia força bruta, mas não tinha muito
cérebro. O cocheiro era um homem franzino, em cuja boca faltavam
dentes, e que talvez nunca tivesse empunhado uma pistola na vida.
Ele e Pierre estavam acostumados a missões, mas não faziam a
parte violenta — sempre se mantiveram na estratégia.
Teriam de servir. Os outros três mercenários que Pierre
conseguiria seriam como Etienne, na melhor das hipóteses, e era
possível estabelecer uma organização de trabalho mesmo com
aquele material humano.
— Eu fico à frente, pois Finley e Rondale me esperam. Etienne e
um dos homens ficarão comigo. Monty manterá os olhos nas laterais
e nas janelas enquanto se esgueirar para dentro da casa, lá ele
procurará as mulheres. Pierre, o cocheiro e os outros dois homens
avançam por trás e garantem que ninguém fugirá.
— O que devo fazer se encontrá-las, milorde?
— Saia com elas da casa e vá embora, Monty. Não importa o
que esteja acontecendo, se encontrar Rosamund, mantenha-a a
salvo.
O valete assentiu e os homens se ajeitaram para partir. Havia
cavalos para todos e Monty providenciou mantas escuras para
cobri-los durante a cavalgada — o que os aqueceria e os manteria
ocultos na escuridão. Pierre e Anthony distribuíram algumas pistolas
e a comitiva partiu.
Era meio da madrugada, os cascos batiam com força no
calçamento e incomodavam o silêncio da noite parisiense. Como
levariam horas para chegar a Suresnes, perderiam a proteção da
noite e seriam facilmente vistos ao longe. Anthony esperava que
Finley não os aguardasse, que o subestimasse a ponto de não
prever que ele se lançaria em um resgate imediato. Talvez o maldito
não fizesse ideia do quanto ele estaria disposto a se sacrificar por
Rosamund.
Depois de recolherem os homens prometidos por Pierre, os
cavaleiros seguiram sem parar até chegarem nas proximidades do
Forte do Monte Valerián. O líder da comitiva parou seu cavalo
enquanto a manhã ainda começava a chegar e apontou uma
construção localizada mais acima, em uma elevação do terreno.
Uma bela casa cercada de vegetação e com paredes sólidas de
pedra. A partir dali eles assumiram as formações estabelecidas,
então o grupo se separou.
Quanto mais próximo da entrada, mais Anthony assumia um lado
desconhecido e se conectava com as sombras dentro de si. Passara
a vida sorrindo, fazendo as pessoas rirem e sendo debochado e
irônico com as adversidades, mas nunca enfrentou nada como
aquilo. Sua vida estava em risco, a daqueles homens, e a da mulher
que amava. Talvez ele fizesse coisas que preferisse não fazer e
coletasse algumas memórias que preferia não ter, mas não se
deixaria abalar. Escondeu os sentimentos confusos e intensos em
um lugar seguro em seu peito e guiou seu cavalo para a porta de
entrada da casa.
— George Finley! — o marquês chamou. O sol já começava a
subir no céu e a luz do dia refletia nas figuras cansadas, porém
dispostas, dos homens que se aproximavam. — Saia e venha falar
comigo.
Esperaram por alguns minutos e ninguém respondeu. Era
possível ouvir algum alvoroço dentro da casa que não fora causado
pela chegada de Monty e Anthony estava decidido a entrar quando
a porta se abriu e Rondale saiu. O barão tinha uma expressão
amedrontada e estava provavelmente sendo obrigado a adentrar na
arena e enfrentar os leões — aquele era o preço que se pagava
pelo envolvimento com criminosos covardes.
— Você chegou cedo, Granville. — A voz trêmula mal foi ouvida,
mesmo no silêncio da manhã. — Nós o esperávamos para o
almoço.
— Traga-a para mim. Vocês estão cercados, serão presos e
julgados e você sabe qual é a pena para o crime que cometeram.
Se me devolver Rosamund agora, eu posso falar em seu favor na
corte.
— Sinto muito, isso não será possível. Ela é minha esposa
agora.
Rondale puxou uma pistola de sua cintura e Anthony desceu do
cavalo. Etienne o acompanhou.
— Mesmo que vocês tenham se casado em poucas horas, o que
é impossível, isso não importará quando eu matá-lo. — O marquês
deu alguns passos para frente e o barão armou o gatilho. Os braços
dele tremiam pelo peso da arma, ele parecia nunca ter empunhado
uma. — Vamos, Rondale, atire. Você sabe que eu não cairei sem
lutar.
Um disparo ecoou no vazio. A bala passou alguns milímetros de
Anthony, arrancando um pedaço de sua camisa e ferindo-o de
raspão no ombro. Não era mais que um arranhão e aquela pistola
possuía apenas uma bala. O barão teria que carregá-la novamente,
mas não teria tempo. Com alguns passos a mais, Anthony agarrou-o
pelo colarinho e o ergueu do chão.
— Onde ela está?
As palavras saíram gritadas, cuspidas, arranhando a garganta.
Rondale tremia tanto que era difícil segurá-lo.
— Eu disse a Finley que você não viria buscá-la, mas ele tinha
razão. Ele só não imaginava que você fosse nos descobrir tão cedo.
— Não tenho tempo a perder com você. — O marquês
arremessou o barão ao chão, jogando-o aos pés de Etienne. —
Amarre-o e garanta que ele não tenha como se soltar nem se matar.
Eu só ficarei satisfeito quando esse animal for devidamente julgado.
Com um chute na porta — o que estava se tornando a sua
especialidade —, Anthony entrou na casa com a mão em sua
pistola. Manteve-a engatilhada, mas não havia ninguém à vista,
apenas o mesmo alvoroço de vozes femininas e passos arrastados
para lá e para cá. Gritou por Finley mais duas vezes e não obteve
resposta, até que a voz de Pierre ecoou pelos corredores.
— Granville, ele está fugindo para a floresta.
Maldição! Se havia algo que Anthony não permitiria seria que o
miserável fugisse. Correu para a lateral da casa, passou por cima de
móveis, pulou uma janela e avistou o visconde sobre um cavalo. Se
ele se embrenhasse por entre as árvores eles o perderiam e
enquanto Finley estivesse vivo, o marquês não descansaria. Algo
precisava ser feito imediatamente.
Sem pensar em consequências, Anthony mirou e atirou. O
cavalo empinou ao ouvir o estampido e o visconde caiu ao chão.
Capítulo vigésimo terceiro

O
, mas não era Finley.
Quando Anthony se projetou na direção dele, recebeu um golpe
pelas costas que o fez tropeçar e quase cair. Virou-se e encontrou o
visconde segurando um atiçador de fogo e vindo raivoso para cima
de dele. Como não parecia armado com nenhuma pistola, Anthony
jogou-se de costas no chão e impulsionou as pernas para frente a
fim de atingi-lo.
Com o impacto, o visconde cambaleou para trás, mas não
abandonou sua arma. Voltou a girar o atiçador, cuja ponta era
afiada, para acertar Anthony e acabou rasgando seu colete.
— Não adianta lutar, vocês estão cercados — o marquês
provocou. — Achava mesmo que eu viria sozinho, Finley? Que eu
seria burro a ponto de não trazer um esquadrão comigo? Há
homens em suas saídas, Rondale está preso e você só sairá daqui
amarrado ou morto.
— Se me matar nunca mais saberá onde ela está. — O visconde
o atacou novamente, desferindo golpes certeiros de quem sabia
lutar. Como Anthony era esgrimista, estava acostumado a esquivar-
se daquele tipo de investida. — Vai arriscar perder sua preciosa
amante, Granville?
— Ela não é minha amante, seu canalha. — Anthony girou o
quadril e, com um chute lateral, atingiu o atiçador e o fez voar para
longe. O objeto caiu a metros deles. — Ela é a mulher que eu amo e
em breve será a Marquesa de Granville.
O visconde deu uma gargalhada sonora e avançou. Anthony
atracou-se com ele e os dois passaram a trocar socos no chão de
terra. Monty apareceu vindo de dentro da casa e correu até o
homem ferido pelo tiro do marquês, sendo seguido por Pierre. Os
mercenários ficaram na dúvida se deveriam interferir na luta, mas
Etienne os orientou a esperar. Não deixariam Finley escapar, mas
permitiriam que Anthony tivesse sua vingança.
Seu adversário não era ruim de briga. O visconde sabia se virar
com as mãos. Subestimou-os, sim, mas foi capaz de lutar de igual
para igual com o marquês. Desferiu alguns socos que o atingiram no
nariz e no queixo, mas logo Anthony estava por sobre ele. Antes de
desmaiar pela força dos punhos que o esmurravam a face, Finley
conseguiu alcançar uma faca que ficava em suas costas e voltou
para a briga.
Acertou o braço de Anthony, fazendo um corte profundo o
suficiente para que seus golpes perdessem força. Isso fez com que
ele invertesse a posição e agarrasse o pescoço de Finley por trás,
impedindo-o de respirar. O visconde tentou esfaqueá-lo outras
vezes, acertou seu flanco, mas já estava enfraquecido pela falta de
ar e o corte foi bastante superficial.
Antes que o matasse, Anthony pediu que viessem amarrá-lo.
— Acho que já se divertiram o bastante. Prendam-no e o tirem
da minha frente. Façam-no dizer onde está a Srta. Taylor.
— As criadas disseram que ela fugiu, milorde. — Monty se
aproximou, arrastando o ferido sobre um tecido grosso. — Todas
estavam muito agitadas e nervosas, mas disseram que viram duas
mulheres pulando a janela e correndo para a floresta.
Anthony levantou-se e passou as mãos empoeiradas pelas
calças. Suas roupas estavam arruinadas, havia sangue vertendo de
seu braço e a exaustão da noite sem dormir começava a cobrar seu
preço, mas ele só descansaria depois que a encontrasse. Rasgou
um pedaço da camisa e amarrou no braço para fazê-lo parar de
sangrar, recusando-se a voltar para dentro da casa e se limpar.
— Vou procurá-las. — afirmou. — Cuidem do homem ferido e
garantam que esses dois vilões sejam deportados para Londres
dentro do sigilo esperado.
— Granville, deixe-me fazer isso. — Pierre tentou dissuadi-lo.
— Não. Elas devem estar assustadas ou perdidas, não sabemos
onde essas árvores terminarão.
O amigo balançou a cabeça, mas não insistiu. Anthony
costumava ser teimoso quando nenhuma vida dependia dele, então
seria duas vezes mais naquele momento. Disparou em uma corrida
pela área descampada até chegar ao pequeno bosque que era
formado por árvores compactas que impediam a luz solar de
penetrar profundamente. O interior era escuro e gelado e ele já
estava sentindo seus dedos dormentes, mas isso não o impediu.
Afastando a folhagem densa, ele deu alguns passos para dentro
sem conseguir ver muito. Seguiu uma, duas, quatro árvores e
estava prestes a começar a gritar pelas mulheres quando um galho
pesado o atingiu e ele caiu de costas no chão. Era uma maldita
armadilha, mas o que o surpreendeu mesmo foi ver Rosamund pular
sobre ele como uma gata selvagem. Ela estava despenteada, com o
vestido rasgado e faltava uma sapatilha, mas jogou-se em cima dele
raivosa e batendo em seu peito até perceber que ele não era o
inimigo.
— Anthony?

A decisão de não penetrar demais na floresta foi arriscada, mas


nenhuma das duas mulheres tinha condições físicas e mentais de
se embrenhar entre árvores sem saber para aonde iriam. Gretha
estava muito assustada e mal conseguia ficar de pé por causa dos
tremores de seu corpo. Rosamund decidiu montar uma armadilha
para, caso viessem atrás dela, poder se defender. Se um daqueles
dois patifes chegasse ela os derrubaria e pularia em cima e bateria
até que perdessem a consciência. Não tinha força mas aprendera
com os irmãos quando eles iam caçar. Nem sempre a força é que
indica a vitória em uma luta.
Então, quando elas ouviram passos pelo bosque, abraçaram-se
e esperaram. Assim que a armadilha funcionou e o corpo de alguém
foi ao chão, Rose pegou duas pedras úmidas e pulou sobre quem
ousasse persegui-las, até perceber que o homem que estava
atacando era aquele que esperava para salvá-las.
— Por Deus, Rose, sou eu!
Ela não sabia se sorria, se chorava ou se gritava, então o
abraçou. Jogou as pedras para o lado e atirou-se nos braços do
marquês, que a envolveu em um abraço apertado, mesmo ainda
deitado no chão frio.
— Calma, meu amor, está tudo bem. — Ele beijou-a nos
cabelos. — Finley e Rondale estão presos. Vocês não correm mais
perigo.
Anthony sentou-se e acomodou-a no colo, passando a mão
espalmada em suas costas em um movimento calmante.
— Ele queria matar você. — Rosamund afastou-se e o olhou. Os
cabelos dele estavam desgrenhados, a gravata frouxa, a camisa
desfeita e rasgada em várias partes. Havia muito sangue em um
curativo improvisado no braço esquerdo e uma pequena lesão no
ombro. — E quase conseguiu, pelo visto.
— Troféus. Todo guerreiro tem cicatrizes. — Ele sorriu. — Onde
está sua prima?
— Morrendo de medo. Gretha, venha! A armadilha atingiu
Anthony, eles vieram nos resgatar.
A prima saiu do arbusto onde se escondia e quase desmaiou de
alívio ao ver o marquês segurando Rosamund em seus braços. Caiu
de joelhos no chão e começou a agradecer sem parar, quase
entoando uma oração.
— Como nos acharam? Eles mandariam um bilhete hoje,
então…
— Eu não parei de procurá-la desde ontem à tarde. — Anthony
passou uma mão empoeirada e encardida pelas mechas de cabelo
que desprenderam de seu penteado. — Céus! Eu tive medo de
nunca mais a ver.
— Não pense que se livrará de mim tão facilmente, milorde.
Ele deu uma risada alta, talvez estridente demais para o
momento de tensão que experimentavam, e a beijou. Em um minuto
ela estava batendo nele com pedras e no minuto seguinte ele estava
com a boca sobre a dela, devorando-a com lábios urgentes que
carregavam todo o desespero das últimas horas. Rosamund
retribuiu na mesma medida — ela também estivera desesperada.
Deixou que seus braços o envolvessem e que a proximidade do
corpo dele afastasse a sensação de perda que a oprimia.
O bosque foi invadido por homens. Monty, o criado, e outros dois
desconhecidos que seguiram o rastro do marquês e os
encontraram, estavam apenas a alguns metros dentro do bosque. O
movimento fez com que o beijo se rompesse e eles se afastassem.
— Eu amo você. — Anthony disse, como se as palavras
precisassem sair de dentro dele. Como se fosse impossível
continuar mantendo-as por mais tempo e aquele fosse o melhor
lugar para uma declaração. — Case-se comigo. Não precisa
continuar procurando seu lorde falido para atender aos desejos de
seu pai, eu sou um lorde e tenho muito dinheiro. Seja minha esposa,
Rose. Seja minha, apenas.
Oh! Ela quase engasgou com as emoções que tentaram sair por
sua garganta, talvez assim como as dele. Ficou em silêncio por
segundos tentando acreditar no que ele dizia e evitar uma reação
exagerada que poderia variar entre uma gargalhada histérica ou um
choro compulsivo. Ainda sem conseguir dizer nada, levou as duas
mãos à face ansiosa dele, segurou-a e depositou um beijo leve nos
lábios feridos.
— Eu o amo. Não me importa que tenha muito dinheiro. Tudo
que eu quero é ser sua para sempre, Anthony.
— Então fique comigo.
— Para sempre.
Ele a beijou outra vez e se levantou com ela no colo. Parecia
impossível que aquele homem ferido conseguisse se mover com
aparente facilidade enquanto a segurava nos braços e a beijava
como se o mundo ao redor não existisse e ela fosse a cura para
suas chagas.
Depois de alguns passos, ele precisou colocá-la no chão. Rose
percebeu que aquele corpo magnífico não suportou o cansaço e os
ferimentos e sucumbiu à fraqueza. Com um sorriso que pretendia
acalmá-la e garantir que estava tudo bem, ele se apoiou no criado
que já estava ao lado e todos caminharam para a luz novamente.
— Eles ficarão detidos em minha casa. Tenho um porão adequado
para isso.
Pierre entrou quarto adentro sem se importar com qualquer
privacidade. Estavam de volta a St. Denis, a casa que servira de
esconderijo por uma noite, e Anthony cedera para permitir que um
cirurgião avaliasse a lesão em seu braço. Era apenas um corte, mas
Rosamund o fizera prometer que um médico iria tratá-lo daquela
vez. Não queria indispor-se com sua noiva logo depois que ela
aceitou se casar com ele, então aceitou que Monty conseguisse
alguém com diploma e uma maleta de remédios.
Tudo saiu melhor do que planejaram. Finley, apesar de esperto,
desdenhava da inteligência alheia e isso era sinal de burrice. Depois
de alguns contatos com agentes infiltrados e homens de apoio, eles
conseguiram transportar os dois criminosos para a casa de Pierre e
uma carruagem foi pegá-los em Suresnes. Os mercenários foram
pagos e os cavalos excedentes foram conduzidos amarrados junto
ao veículo.
— Acha que Eddy mandará buscá-los ou deveremos enviá-los?
— o marquês perguntou enquanto tentava se distrair dos pontos
doloridos que o cirurgião dava.
Rosamund estava sentada na cama ao seu lado — eles já
tinham se banhado, vestido roupas limpas e Monty estava
providenciando alguma comida. Gretha, ainda muito assustada,
também estava no quarto.
— Imagino que eu serei orientado a conduzi-los até Londres.
Vou providenciar também uma busca pelas armas, mas, se não as
acharmos, sabe que seremos compelidos a testemunhar. — Pierre
respondeu.
— Se for para garantir que aqueles dois apodreçam nas prisões
mais imundas da Inglaterra, comparecerei à corte amanhã mesmo.
— Eles ficarão presos? — Rose perguntou, segurando sua mão
direita entre as dela e entrelaçando os dedos. — Por muito tempo?
— Para o resto das vidas deles. — Ele beijou-a na testa. — Nem
Finley, nem Rondale ameaçarão vocês duas. Nunca mais.
— Eu tive medo que eles fizessem algo a você. — Rosamund
acariciou-o na face. — O visconde parecia tão certo de que você
chegaria como um louco para me resgatar e eu só queria que agisse
como um homem sem coração.
Anthony deu uma gargalhada. Aquela era a sensação que ele
queria manter ao lado dela, a de sempre ter um motivo para rir. O
marquês gostava da alegria e de festejar a vida e ter consigo uma
mulher que apreciava o mesmo era revigorante.
— Eles não nos esperavam àquela hora. Rondale confessou que
Finley enviaria um pedido de resgate, indicando quando e onde
deveríamos nos encontrar. Os tolos não achavam que eu os
encontraria, Rose. Tem horas que adoro ser subestimado.
— Tive dúvidas também que você fosse. Pensei que não
arriscaria a missão.
— Eu não a arrisquei. — Anthony olhou diretamente nos olhos
dela para que a mulher não duvidasse de suas palavras. — Mas eu
nunca deixarei que nada lhe aconteça, sempre estarei por perto
para protegê-la e garantir que ninguém a incomode, meu amor.
A certeza fez com que ela relaxasse e deitasse recostada em
seu peito. Exausta, logo estava dormindo em seu colo enquanto o
médico preparava o curativo e orientava que ele deveria trocá-lo
todos os dias e não o molhar.
— Pierre, poderia acompanhar a Srta. Hawthorne até o quarto
dela? Imagino que todos precisemos descansar um pouco.
Gretha colocou-se de pé com a coluna ereta e olhou para Pierre
como se ele fosse uma criatura com chifres e asas de morcego. O
amigo deu uma risada e ofereceu a ela sua mão.
— Acalme-se, senhorita. Eu vou deixá-la lá e não passarei da
porta, posso garantir.
Ela não pareceu muito conformada, mas aceitou a companhia.
Depois que eles saíram e fecharam a porta, Anthony acomodou-se
na cama com Rosamund adormecida sobre si, puxou as cobertas e
recostou nos travesseiros. A respiração dela ressonava em seu
peito e acompanhava as batidas de seu coração. Pouco mais de um
dia antes, ele estava com Rose naquela mesma cama, porém, com
menos avarias e roupas, decidindo que ela nunca mais olharia para
outro homem como olhava para ele.
Tudo começou quando uma jovem intrometida o pegou na
biblioteca e não aceitou ficar de fora das investigações. Anthony
jurou que se arrependeria de aceitá-la se envolvendo em todas as
suas atividades e que logo teria que se livrar dela. Estava
enganado, completamente enganado. Aquela fora a melhor decisão
que já tomara em sua vida.
Fechou os olhos e adormeceu com a certeza do dever cumprido.

A viagem para Paris acabou antes do que ela pretendia. Anthony


disse que poderiam continuar na cidade pelo tempo que ela
quisesse e que ela não precisava interromper o final de suas aulas
com Madame Beaury-Saurel, porém, Rosamund só queria voltar
para casa. Queria colocar um fim àquela jornada maravilhosa,
tumultuada e que lhe rendeu as melhores memórias e começar a
viver sua nova vida.
Havia a carta que Rondale escrevera para seu pai, repleta de
mentiras a seu respeito, e a necessidade de limpar sua reputação
diante de sua família. E ela não queria passar mais nem um dia ao
lado de Anthony sem ser chamada de esposa.
No dia seguinte ao evento que culminou com a prisão dos
criminosos — tudo sem envolver as autoridades oficiais da França
—, eles retornaram à casa de Lady Bachour, pegaram o restante
dos seus pertences e os de Gretha, arrumaram todas as malas e
voltaram para a Inglaterra. Pierre não pôde acompanhá-los porque
precisava aguardar as orientações vindas de seus superiores.
Precisaram inventar uma desculpa para Lady Bachour — Lorde
Finley não tinha participado do sequestro de Rosamund e eles não
sabiam onde ele estava. O Barão Rondale foi preso e deportado
para ser julgado pela Coroa Britânica. Como as mulheres não
sabiam muito bem sobre os trâmites da justiça, acreditaram que
tudo se desenrolaria como falado, principalmente porque Anthony
pagara a um dos mercenários para vestir uma farda da polícia
francesa e mentir.
Assim que desembarcaram na estação Victoria, depois de uma
longa viagem de trem, que sucedeu uma longa viagem de balsa,
Rosamund tinha seus sentimentos confusos. Respirar o ar londrino
fez com que seus pulmões expandissem e contraíssem ao mesmo
tempo. Segurando o braço de Anthony e apertando-o com força,
não queria separar-se do homem que mudara a sua vida, mas era o
que aconteceria. Dali em diante, ela seria levada para casa, as
fofocas causadas por Rondale seriam desmentidas, caso a carta já
tivesse sido entregue, e o marquês pediria sua mão em casamento.
Haveria os trâmites legais e eles se casariam em alguma cerimônia
grandiosa, como era o tradicional para a aristocracia e o sonho de
seus pais.
— Preciso resolver um assunto. — Anthony segurou a mão dela
entre as suas e beijou os dedos enluvados. — Espere-me aqui que
já retorno.
O olhar dedicado a ela era de segurança, sempre. Desde que se
conheceram ela sabia que podia confiar naqueles olhos, no homem
por trás deles. Mesmo com a história fantástica e razoavelmente
pouco crível do marquês, Rose não duvidou dele um só minuto
enquanto estiveram aprontando por Paris.
Por isso ela sabia que ele “já retornaria”. Então, ela se sentou
em um banco da estação e esperou enquanto Anthony se afastava.
Ele tinha o porte aristocrático mais elegante que ela já vira. O
caminhar dele era imponente e causava impacto e ela acabou
deixando que seus olhos repousassem no movimento dos músculos
do quadril e das coxas. Mesmo vestido, ele tinha o traseiro mais
bonito da humanidade.
Céus! Ela iria para o inferno sem chance de redenção.
Gretha sentou-se ao lado dela e segurou sua mão. A prima ainda
não estava recuperada do sequestro e não conseguiu falar sobre
como fora capturada pelos malfeitores. Quase não falou uma
palavra desde o resgate e mantinha as pessoas próximas o máximo
possível. Rosamund nunca percebera o quanto ela era frágil e temia
que ficasse com marcas permanentes — algo que só o tempo diria.
As duas permaneceram ali em silêncio e sob a guarda de Monty,
que também estava se mostrando protetor em demasia. Anthony
retornou pouco depois e a fez se levantar, puxando-a pelas mãos.
Depositou sobre suas luvas dois papéis e a encarou com uma
expressão típica dos meninos arteiros.
— O que é isso? — ela perguntou sabendo que era o que ele
esperava que fizesse.
— Passagens para Gretna Green. O próximo trem sai em meia
hora.
— Escócia? Por que iríamos para lá imediatamente após
desembarcarmos em casa?
Anthony sorriu, e ela viu malícia naquele sorriso típico de um
libertino.
— Porque assim poderíamos nos casar antes que você desista e
evitará que eu continue arruinando sua reputação, já que nada me
fará passar outra noite longe de você, Rose.
Ela fechou os olhos e suspirou — era alívio. Não havia
possibilidade de desistir de ficar com ele e Rose não via o momento
em que pudesse chamá-lo de marido, porque ela, sim, temia que o
libertino mudasse de ideia sobre se tornar um homem de família.
Claro que sua mãe teria um ataque do coração, porque não vira
a filha casar com um marquês, nem pudera organizar um
casamento digno da nobreza. Isso quase a deixava mais tentada
ainda a aceitar a proposta dele.
— Imagino que tenha sido uma péssima ideia. Claro que você
desejará um casamento tradicional e uma festa elegante, cheia de
convidados. — Anthony pegou os bilhetes de trem das mãos dela.
— Não tem problema, apenas estou ansioso. Você me transformou
em um homem pouco paciente, Rose.
— Pare com isso. — Ela pegou os bilhetes outra vez. — Eu não
ligo para festas elegantes e convidados, só quero que você me
abrace e diga que me ama. Vamos para a Escócia, vamos nos
casar. Como faremos com Gretha? Alguém precisa levá-la para
casa.
— Monty se encarregará disso.
O valete ergueu as sobrancelhas em surpresa ao ver seu nome
mencionado.
— Certamente, milorde. Conduzirei a Srta. Hawthorne em
segurança até sua residência.
Os dois homens acertaram seus compromissos com um
movimento de cabeça.
— Vamos sozinhos para Gretna Green? — Rose sussurrou para
que ninguém ouvisse, apenas ele.
— Você quer outra companhia na sua lua de mel?
Malditos fossem os libertinos! Eles nunca mudavam. Bem, o seu
não mudaria e ela esperava que aquele comportamento indecente
permanecesse nele para sempre. Sabia que ele lhe seria fiel,
porque acreditava que ele era sincero quando dizia que a amava.
Ela também o amava e isso era o que precisava para que se
bastassem.
Ela apenas desejava que ele continuasse a sorrir com aqueles
lábios marotos e aquela expressão devassa que a fazia sentir calor
em todos os cantos do corpo. Queria que ele lhe sussurrasse
indecências e a tocasse de forma inapropriada, mesmo quando
estivessem em público, que ele mantivesse o espírito pelo qual se
apaixonou.
— Creio que você será distração suficiente. — Ela ergueu as
mãos e ajeitou o nó da gravata dele, ousando uma aproximação
mais íntima do que seria adequada, já que estavam de volta a
Londres.
— Posso afirmar que sim. Monty, cuide de tudo durante minha
ausência. Escreverei para meus irmãos quando chegar à Escócia.
Colocando a mão dela na dobra de seu cotovelo, Anthony
caminhou na direção do embarque para Gretna Green, a cidade dos
casais desesperados. Quando retornassem à Inglaterra, ela seria
Lady Granville, uma marquesa, e realizaria seus sonhos todos de
uma vez. Casada com um lorde, o homem que escolhera, e que lhe
permitira continuar com sua arte.
Sem se preocupar com o decoro, ela recostou a cabeça no
ombro do seu marquês e o acompanhou para o destino que selaria
o resto de suas vidas.
Epílogo #1

G G , 30 1889.

Querida mãe e querido pai,


Espero que não estejam aborrecidos pela decisão que tomei. Até
esta carta chegar a vocês, Gretha já deve ter contado sobre minha
vinda para Gretna Green e sobre meu casamento com o Marquês
de Granville.
Anthony é tudo que eu sempre sonhei para mim. Por anos me
conformei com meu desígnio de casar-me com um lorde e satisfazer
os desejos do pai, e soube que isso me conduziria a um casamento
estéril. Não esperava amor porque a aristocracia se casa como faz
negócios.
Estudei tudo que uma dama perfeita precisa aprender e escondi
todos os traços de mim que poderiam me afastar do propósito de
conquistar um marido nobre. Portei-me como uma verdadeira lady e,
apesar de o meu sangue não ser azul, transitei facilmente na alta
sociedade. Fui também desprezada pelas damas de berço e me
transformei em um prêmio para os nobres falidos.
Ainda assim, tudo que eu queria era fazer vocês felizes, mesmo
que isso custasse parte da minha alegria. Por isso decidi dar a mim
mesma uma última chance de criar algumas memórias, de
aperfeiçoar o meu talento e então eu estaria pronta para me tornar a
esposa de um lorde como era para ser.
Ir para Paris foi um sonho realizado e preciso contar que menti.
Nunca houve um pretendente da aristocracia francesa interessado
em mim, utilizei-me desse artifício para que me permitissem viajar.
Dentro de mim havia a certeza de que nada de mal me aconteceria
e de que estaria de volta em breve.
E então aconteceu, eu o conheci. Sabia que ele era nobre, que
era rico e que não precisava do meu dote. Também era bonito e
muito, muito libertino. A fama dele era terrível e, mesmo assim,
acabei atraída por ele. Sabe a verdade, mãe? Anthony não é nada
do que contam nos salões de baile e clubes femininos. Ele é gentil,
educado, impetuoso e muito respeitador.
Ele me conquistou aos poucos. Não gostei dele no início porque
carregava as histórias que me contavam, mas o libertino dos
libertinos tratou de derrubá-las uma a uma. Quando percebi,
Anthony já fazia parte da minha vida e eu não acreditava mais no
meu destino.
Talvez eu tenha tido sorte. Pude amar um homem que espero
satisfazer seus padrões, pai. Anthony é um aristocrata respeitado
apesar de não gostar muito de suas regras e convenções. Ele
também me ama e me quer não pelo meu dote, mas por quem eu
sou.
Não se chateiem com Gretha. Ela foi minha amiga fiel e corajosa
até o fim. Tudo que fiz foi de minha responsabilidade, mas acabou
muito bem. Não me arrependo de nada.
Em breve estaremos de volta a Londres. Decidimos chegar
casados até vocês, porque não podemos mais viver separados e
por razões que prefiro explicar pessoalmente. Mas, eu queria muito
que soubessem antes, que apresentarei a vocês meu marido, o
homem que amo, um marquês. O marquês que também me ama.

Sua filha,
Rosamund Eckley
Epílogo #2
Vila de Thanet, outubro de 1899

R
, o que seria exposto na nova vernissage.
Seria a sua segunda, daquela vez em Londres, em uma prestigiosa
galeria. Até aquele momento ela costumava enviar seus quadros
para que galerias parisienses a expusessem, mas não eram
mostras exclusivas. Estava tão excitada que por vezes tinha
dificuldades em dormir - algo que pouco lhe acontecia depois que se
casou.
Estranhou o silêncio. Com três crianças, a casa vivia em
constante algazarra - principalmente quando a bebê chorava. O
relógio marcava nove horas, talvez fosse aquilo - estavam todos
dormindo.
Ainda assim foi conferir. Entrou no quarto de Phillip, seu
primogênito, e ele dormia com uma pequena lamparina acesa. Seu
pequeno herdeiro sempre teve medo do escuro. Ela garantiu que
estivesse coberto e foi até o quarto das meninas. Matilda e Diana
também dormiam — a babá acabara de colocar a bebê no berço.
Restava-lhe descobrir onde estava o marido. Com passos
silenciosos ela entrou na suíte principal e a encontrou vazia mas
iluminada. Havia lamparinas acesas e um bilhete sobre a cama
ainda arrumada. A nota continha apenas uma palavra:

Biblioteca.

Ela deu uma gargalhada. Memórias de dias intrigantes,


excitantes e que transbordavam paixão a inundaram e ela não
conseguiu ficar indiferente à menção a Paris. Quando decidiu ir até
a cidade se valendo de uma mentira mal contada não esperava que
fosse encontrar o marido de seus sonhos e o amor de sua vida.
Tirou a roupa do dia, vestiu um roupão por sobre a chemise e
desceu as escadas sem fazer ruídos. A casa estava estranhamente
escura e sem qualquer sinal dos criados. O que aquele homem
estava aprontando?
Encontrou a porta da biblioteca entreaberta e colocou a cabeça
para dentro. Soltou uma interjeição de susto ao ver o espaço
tomado por flores de todos os tipos e iluminado por dezenas de
velas. Ela nunca se julgou uma mulher romântica e, apesar de
sempre agir como se estivesse profundamente apaixonado por ela,
Anthony também não se mostrava como um homem romântico. Mas
aquela biblioteca era o que os livros proibidos descreviam como o
romance perfeito.
Ele estava sentado em uma cadeira e ela reconheceu
imediatamente o cenário que pretendia reproduzir. Usando calças
justas marrons e uma camisa branca com os botões abertos,
Anthony estava na mesma pose que ela começara a desenhar. O
bloco de desenhos estava sobre o sofá mas, com aquela iluminação
era não seria capaz de finalizar seu trabalho.
Dez anos se passaram e ela ainda não conseguira concluir
aquele desenho.
— Entre, Rose. — A voz grave e masculina a atingiu. — E feche
a porta.
Ela obedeceu, algo que não costumava fazer muito. Não, Rose
era um pouco indisciplinada e muito independente, mas adorava
obedecer às ordens indecentes do marido — e ela sabia que,
naquele momento, ele tinha planos depravados para a noite. Passou
por ele, sentou-se no sofá, que ficava próximo à lareira e abriu o seu
bloco de desenho.
O homem à sua frente estava dez anos mais velho e ela o
amava dez vezes mais. Poderia dizer também que ele estava dez
vezes mais bonito, já que a cada dia que passava Anthony ganhava
mais potência e virilidade - ao menos ela tinha essa sensação.
Ajustando a visão à iluminação das velas ela rabiscou mais alguns
traços até que sua curiosidade a impediu de prosseguir.
— A que tudo isso se deve? Você decidiu que posar para mim
antes de dormirmos seria uma boa ideia?
Anthony se levantou e caminhou até ela. Aquele era o andar de
um felino e os olhos dele continham aquela exata carga de
devassidão e mistério que a seduzia. Rose não conseguia evitar
sentir um arrepio na coluna e um calor subindo-lhe pelas pernas
sempre que ele a encarava daquele jeito. Segurou-a pela mão e a
fez erguer-se do sofá, abandonando mais uma vez o desenho à
própria sorte.
— Hoje faz dez anos que tomei a melhor decisão da minha vida
e decidi comemorar. — Ele passou as mãos pelos cabelos mal
presos dela. — Percebi que nunca fizemos amor em uma biblioteca
e pretendo corrigir essa falha terrível.
Ela esticou os lábios para rir mas foi capturada por um beijo
molhado e quente, do tipo que a fazia sentir os joelhos amolecerem.
Por sua sorte, Anthony sempre a segurava com as duas mãos
espalmadas nas costas e a mantinha firme junto a seu peito sólido.
Rose envolveu-o com os dois braços ao redor do pescoço e
aprofundou o beijo.
— Nosso aniversário de casamento é em alguns dias. — Rose
interrompeu o beijo. Ela ainda não compreendera muito bem a
celebração.
— Não foi esse o dia em que tomei a melhor decisão da minha
vida. — Anthony sorriu, descendo a boca para beijá-la no pescoço.
Seria difícil conversar com as mãos dele retirando seu roupão e
abrindo os botões da camisola, mas Rose duvidava que o marido
pretendesse conversar. — Nosso casamento foi uma consequência
dessa decisão.
— Você precisará ser mais claro do que isso, meu marido.
Anthony afastou-se alguns centímetros e a olhou diretamente
nos olhos.
— Eu era muito feliz e satisfeito com meus arranjos antes, Rose,
mas você me fez perceber que não era suficiente. Faltava alguma
coisa que só descobri o que era ao conhecê-la. — Ele segurou sua
face entre as duas mãos. — A melhor decisão que já tomei foi a de
assumir que a amava e que jamais deixaria que outro homem a
tocasse como eu toco.
Céus, ela retiraria imediatamente qualquer menção à falta de
romantismo de Anthony Eckley. O marquês podia falar pouco de
amor mas, quando abria a boca era para fazer seu coração disparar.
Sem esperar que ela se engajasse em uma discussão, ele a
beijou outra vez e terminou de livrá-la da camisola. Era comum que
Rose ficasse nua antes mesmo que ele retirasse as botas, porque o
marquês sempre a despia sem que ela sequer notasse. Sem que as
bocas se desencaixassem, ele a conduziu até o tapete que ficava à
frente da lareira e que estava confortavelmente arrumado como se
fosse um ninho. Almofadas, travesseiros e cobertas garantiam que
eles tivessem maciez e calor o suficiente para passarem a noite, se
quisessem.
Não seria surpresa para nenhum criado de Rhode Port se eles
dormissem na biblioteca depois de uma noite de luxúria. Aquele
poderia ser um cômodo ainda imaculado, porém ela arriscava dizer
que era o único. Até mesmo no jardim, por entre as flores e
arbustos, eles já haviam feito amor. Quem servia ao maior ex
libertino de Londres conhecia sua face devassa e geralmente era
Monty quem sempre o encontrava de manhã.
Anthony a deitou no tapete e deslizou os lábios para baixo,
traçando as linhas de seu corpo com a língua. Aquela era uma
habilidade que ele parecia desenvolver melhor a cada dia. Enquanto
a desbravava e garantia que, mesmo depois de muitos anos de
casados e três crianças, ele ainda a desejava da mesma forma, o
marido mantinha contato visual sem desprender os olhos dela
nenhum minuto. Logo estava entre suas pernas acariciando-a em
sua feminilidade com as pontas dos dedos.
Rose apoiou-se nos cotovelos para vê-lo melhor. Anthony deu
uma risada e um beijo em seu centro pulsante.
— Você já sabe o que faço aqui em baixo, meu amor. Não me
diga que ainda se surpreende?
— Nada em você me surpreende. — Ela também riu. — Já me
acostumei com o fato de que cada vez que nos amamos tem
alguma coisa diferente acontecendo. Mas às vezes eu gosto de ver
você. Gosto de observar.
O marido engatinhou para cima e a beijou. A ideia de ela assisti-
lo saboreando-a o excitava e ela queria ver tudo, daquela vez. Para
satisfazê-la Anthony percorreu novamente o caminho, parando para
dedicar atenção aos seios. Ele adorava apertá-los, massageá-los e
tocá-los, mas adorava ainda mais colocá-los na boca e sugá-los. E
Rose adorava que ele adorasse.
Foi um exercício de controle manter os olhos sobre ele. A cada
sugada e cada mordiscada nos mamilos ela sentia ondas de prazer
que irradiavam até o feixe de nervos entre suas pernas e seus
braços amoleciam. Era mais fácil deitar, fechar os olhos e se
entregar, mas ela seria ousada naquela noite. Anthony por fim
chegou até suas coxas, beijou a parte interna de cada uma, sua
virilha e passou a língua em sua feminilidade.
Céus, ele era bom. Mas não estava planejando mais do mesmo
— o que já a deixaria nos céus — daquela vez. Anthony alcançou
alguma coisa que estava próxima à lareira e se ergueu, ajoelhando-
se de frente para ela e acomodando suas pernas sobre as dele.
— Tire. — Rose disse e apontou para as calças dele. — Eu
quero ver você, também.
Ele riu, aquele sorriso malicioso e indecente que antecedia a
algo muito devasso, se levantou e retirou as calças para retornar à
mesma posição. Rose pôde ver que ele segurava uma latinha nas
mãos e que estava besuntando os dedos no que tinha ali. Antes que
ela perguntasse qualquer coisa, ele passou os dedos oleosos pela
pele sensível da virilha dela até atingir sua abertura. Ardia e
queimava.
— Veio da Índia para mim. — Ele respondeu a uma pergunta não
feita. — Para nós. Esse calor aumenta o prazer do toque, você não
acha?
Aumentava, ah como aumentava. Cada vez que ele deslizava os
dedos por ela era como se uma onda grande de êxtase a
alcançasse. Rosamund o observava acariciando os lábios, abrindo-
os e esfregando os dois polegares em seu centro, e em seguida
penetrando-a com o indicador. Os dedos dele eram habilidosos e
rápidos e uma coisa realmente nova foi adicionada ao momento -
ele a acariciou em seu traseiro.
Ela sentiu algo diferente mas confiava tanto nele que não se
sobressaltou nem achou que fosse algo errado. Anthony encontrara
uma nova área de prazer para brincar mesmo que Rose tivesse
certeza de que era impossível sentir prazer por ali. Como era tola.
Ele deslizava suas mãos e dedos para cima e para baixo,
massageava suas coxas, seu traseiro e sua feminilidade ao mesmo
tempo, penetrando-a com dois, três dedos enquanto fazia carícias
naquela parte que nunca fora antes por ele tocada.
O prazer iria derrubá-la e fazê-la soltar gemidos e gritos de
êxtase, Rose sabia.
— Você também quer brincar? — Ele perguntou, indicando que a
latinha estava ao seu lado.
— Eu não alcanço você.
Talvez ela devesse ter dedicado mais tempo lendo aquele
bendito livro do qual Anthony tanto falava, porque ele sabia muito
bem como ela o alcançaria. Com dois movimentos distintos, seu
marido ajeitou-se ao seu lado e, de lado, deixou sua virilidade
disponível ao seu alcance enquanto continuava a tocá-la por entre
as pernas. Rose adorava ficar tão próxima do membro masculino
em sua glória e não resistiu: ao invés de usar o óleo perfumado que
esquentava, decidiu beijá-lo.
Anthony soltou uma imprecação quando ela encostou os lábios
na cabeça do membro e depois passou a língua por sua extensão.
Sendo esposa de um devasso ela aprendeu muitas coisas, mas
sempre se sentia poderosa quando o fazia gemer. A posição não
era incômoda e a permitia acariciá-lo enquanto beijava e sugava
como o próprio Kama Sutra a ensinara.
Quanto mais ela conseguia engoli-lo, mas Anthony gemia e a
acariciava em seu centro de prazer até que Rose não resistiu e se
entregou. O orgasmo não veio em ondas como sempre, chegou
mais próximo de um terremoto que a fez cair sem rumo enquanto
toda a Terra chacoalhava. Sem dar a ela tempo para se recuperar
do êxtase, ele se virou novamente, puxou as costas dela de
encontro ao peito e deslizou-se para dentro dela.
A intrusão era sempre bem-vinda e, pelo calor do óleo e com os
espasmos do orgasmo, ela sentiu como se fosse desabar do
precipício outra vez. Anthony não foi gentil nem delicado, ele
investiu com força contra ela, segurando-a nos braços e acariciando
seus seios enquanto beijava-a no pescoço. Rosamund viu estrelas,
uma constelação inteira que brilhava à frente de seus olhos quando
ele voltou a circular seu clitóris e a conduziu a mais um ápice,
daquela vez dentro dela.
Anthony manteve-a naquele abraço e permaneceu dentro dela
enquanto os corpos descansavam do clímax.
— Nossa comemoração de casamento também será assim? —
Ela perguntou, sonolenta.
— A não ser que você queira escandalizar os convidados,
imagino que devamos usar roupas. — Ele murmurou em seus
ouvidos. — Mas eu estou cheio de novos brinquedos que chegaram
recentemente.
— Por Deus, seus amigos são todos depravados como você?
Ele deu uma risada e a virou em seus braços, fazendo-a olhar
para si. Beijou-a na boca e a apertou firme, mantendo-a enlaçada
pelas pernas.
— A maioria não chega aos meus pés, meu amor. Quem
encomenda as novidades sou eu, eles costumam nem saber para
que servem.
Rose afundou o nariz no peito masculino e sorveu o aroma de
suor e colônia que provocava reconhecimento. Poderia permanecer
ali para sempre. Mesmo depois de tanto tempo, ele ainda lhe
proporcionava segurança, cuidado, proteção, carinho e muita
satisfação.
— Eu amo você. — Ela sentiu a necessidade de dizer, mesmo
que não fosse novidade alguma o quanto a Marquesa de Granville
era louca pelo seu marquês. — Eu sempre vou amá-lo.
Anthony a beijou outra vez e a língua dele tocou a dela com
suavidade, fazendo as partes dormentes dentro dela se excitarem
novamente. Pelo visto, nenhum dos dois iria dormir aquela noite.
Nota da autora

Olá, minhas leitoras.


Iniciar uma nova série é sempre um desafio, ainda mais quando
a decisão foi a de fazer livros em cenários diversos da série anterior
e um menor entrelaçamento entre os irmãos.
Nossa história se passa em Paris, em um período muito especial
para a história da cidade: o ano da Exposição Universal, um dos
maiores eventos culturais da Europa e o ano de inauguração da
Torre Eiffel.
Todos os cenários descritos no livro são reais: os cafés existem,
as regiões e bairros também. Os poetas, Paul Verlaine e Stephane
Mallarmé, também são pessoas reais com uma história importante
para a França e frequentavam o Les Deux Magots, o café na Saint-
Germain de Prés. A mentora de Rosamund, Madame Beaury-Saurel
também existiu de verdade, mas não posso afirmar que esteve
selecionando pupilas naquele período.
A inspiração para Anthony, nosso marquês espião, veio do meu
amor pelos filmes de James Bond. Eu assisti todos os mais antigos
e sou fã de filmes de espionagem mais rocambolescos, com cenas
de ação surreais e mocinhos que terminam de eliminar um exército
sem nem despentear os cabelos.
O próprio título da história é inspirado em um dos meus filmes
preferidos do famoso 007 - O Espião que me Amava.
Espero que vocês tenham gostado da história e que estejam
bastante ansiosas para a continuação da série. Cada novo livro é
elaborado com muito carinho e é fruto de muitos estudos, pesquisas
e uma dedicação de horas e mais horas para escrita, edição,
revisão e diagramação.
Fiquem agora com um presentinho meu para vocês - o prólogo
do livro dois da série.
Beijo grande!

Tatiana Mareto
Agradecimentos

Eu não poderia ter escrito e finalizado esse livro sem algumas


pessoas importantes que me ajudaram muito.
Minhas amigas Karina Heid e Sarah Summers, que tornam
tudo no universo literário mais divertido. Quando eu queria gritar, me
esgoelar e desabafar, elas sempre estiveram dispostas a me ouvir e
abrir uma garrafa de espumante rosé!
Agradeço também a minha revisora, Narjara Pedroso, que
dedicou tanto esforço para fazer com que esse livro fosse entregue
com a qualidade que vocês, leitoras, merecem.
Para minhas leitoras, em especial aquelas que me seguem
aonde quer que eu vá e que apostaram em mim para escrever
romances de época. Cada vez que eu vejo vocês tão envolvidas
com a história e tão satisfeitas pelo que entrego a cada capítulo,
sinto-me com mais vigor e vontade de escrever sempre mais e
melhor.
Escrever para mim é diversão e terapia. Vocês fazem parte disso
comigo.
Sobre a autora

Tatiana Mareto é sagitariana, gosta de se comunicar, adora transformar sentimentos em


palavras. Mora em Cachoeiro de Itapemirim, é professora e advogada e começou a
escrever aos doze anos, sendo autora de diversos textos não acabados, muitas poesias
não publicadas e alguns originais empoeirados. Inspira-se com música e tem uma trilha
sonora para todos os capítulos – das suas histórias e da sua vida. Se apaixona com
facilidade pelos próprios personagens e coleciona crushes literários.
Notes
Prólogo
1 O Duque de Clarence e Avondale é um duque Real, o neto da Rainha Victória e que
viveu realmente durante aquela época. Não, não posso afirmar que ele era um espião, mas
havia muita fofoca sobre a sua misteriosa vida.
Capítulo primeiro
1 Arrondissement é o nome dado às regiões de Paris. Optei por não traduzir, mas é o
equivalente a um bairro, em termos de Brasil.
2 Um dos mais prestigiosos eventos culturais do século, que aconteceu exatamente em
1889, na cidade de Paris. Ofereço mais informações no blog em
tatianamaretoescritora.com
Capítulo décimo sexto
1 Marie François Said Carnot era o presidente da França naquela época. O país europeu
não era mais uma monarquia.
Prólogo
Londres, 1894
O choro de uma criança rompeu o silêncio pesado e ruidoso da
casa. Robert levantou-se da cadeira imediatamente, quase derrubou
uma garrafa inteira de uísque e subiu as escadas correndo, pulando
os degraus de dois em dois. Uma mulher de cabelos grisalhos e
usando um avental ensanguentado saiu do quarto principal
carregando um embrulho nas mãos.
Era um embrulho barulhento. O bebê gritava e se mexia e Robert
teve medo de se aproximar. Ele sabia que era seu filho mas não
sabia o que esperar.
— É uma menina, senhor.
A mulher, alheia aos seus temores, depositou a criatura chorona
nos braços que ele não se lembrava de estender e Robert
finalmente olhou para a sua filha. Ela era enrugada, estava
ensanguentada e coberta por uma camada de qualquer coisa
grudenta. Era o primeiro bebê que via. Não acompanhou o
nascimento dos irmãos mais novos nem do sobrinho, não ligava
muito para crianças e preferia não estar na companhia delas. Mas
aquela ali era sua. Parte sua, parte da mulher que ele amava.
— Como ela está?
— O bebê está ótimo. — A mulher respondeu, retirando o
avental todo vermelho. — Já Lady Bradford… o médico está
tentando, senhor, mas ela perdeu muito sangue e continua
sangrando. Nunca vi nada assim.
Voltando para o quarto, a mulher o deixou ali. Quase não havia
iluminação no corredor e as portas estavam todas fechadas. Era
tarde, a cidade dormia e ele não sabia o que fazer. Tinha malditos
vinte e três anos e oito deles foram dedicados à libertinagem sem
limites. Robert seguia a tradição dos Eckleys de iniciar cedo a vida
sexual e não mais parar. Desde muito jovem ele colecionava
mulheres em sua cama.
Honrava o sobrenome Eckley até conhecer Adelia. Robert não
sabia quem ela era quando a viu na soirée do Conde de Kingston,
então aproximou-se e usou seus melhores artifícios para seduzi-la.
Foi somente depois que estavam embolados em sua cama que
descobriu tratar-se de Lady Bradford, a esposa do conde.
Ela era casada, o que não evitou que se apaixonasse. Eles se
apaixonaram, Robert sabia que ela também o amava quando
aceitou viver aquele romance proibido e muito arriscado. Quem
conhecia Bradford sabia que ele era um homem ruim, violento,
abusivo e vingativo. Se descobrisse o caso poderia matá-lo - mas
eles desafiaram todos os riscos para ficar juntos até que Adelia
engravidou.
Robert não sabia dizer como aconteceu, mas ele não usou
proteção todas as vezes. Usavam os métodos mais tradicionais de
prevenção mas ele deveria saber que a semente de um Eckley era
forte e o suficiente e se encontrasse um solo fértil, iria germinar.
Adelia era um solo fértil, ela proveu dois filhos homens para o
conde. Ele deveria saber que aquelas barreiras que criaram não
seriam suficientes. Seu pai não teve mais filhos porque a mãe não o
recebeu mais na cama dela, e tudo indicava que os filhos seguiriam
o mesmo caminho.
O temor de que Bradford matasse Adelia fez com que Robert
invadisse a casa do conde - mas ele fez pior do que matá-la para
aquela sociedade hipócrita: expulsou a esposa de casa e prometeu
arruiná-la definitivamente se ela contasse para qualquer um o que
acontecera. Para Robert, aquela era a solução definitiva para seus
problemas. Fugiriam juntos e viveriam felizes seu grande amor -
planos que nunca saíram do papel porque a gravidez apresentou
muitos riscos em seu desenvolvimento.
Adelia sangrava com frequência e precisou ficar acamada em
Londres. Ele a escondeu em sua casa, manteve-a segura e
protegida das fofocas até que ela entrou em trabalho de parto - e
sua vida virou de cabeça para baixo. Lá estava ele segurando um
bebê nos braços e sem conseguir respirar na expectativa que sua
mulher sobrevivesse.
— Senhor Eckley. — O médico chamou seu nome pela terceira
vez. Robert ergueu a cabeça e percebeu que estava há muito tempo
parado ali e que sua filha voltara a chorar. — O senhor está bem?
— Adelia?
— O senhor deveria me acompanhar, vamos conversar.
O médico colocou a mão em seu ombro mas Robert rejeitou o
contato, movendo-se bruscamente. A bebê chorou mais e uma
criada apareceu para pegá-la, o que também foi negado. Como um
animal selvagem protegendo sua prole, ele não permitiria que o
afastassem de sua filha.
— Não vou a lugar nenhum. Diga-me, como está Adelia?
— Ela não resistiu, senhor. Fizemos de tudo, mas o sangramento
não pôde ser contido. Eu sinto muito.
As palavras entraram em seus ouvidos mas não fizeram morada.
Robert não entendeu o que lhe disseram e sua expressão de dúvida
e incredulidade fizeram com que o médico insistisse em conduzi-lo
para outro lugar.
— Venha comigo, senhor, vamos conversar. A parteira está
cuidando do corpo.
— Corpo? — Aquela palavra o despertou. — Corpo? O senhor
está falando da minha mulher, doutor! Minha mulher! Eu quero vê-la.
A filha precisa dela, eu preciso vê-la.
— O senhor não pode entrar no quarto, não se trata de uma
visão agradável, eu recomendo…
Robert ignorou avisos, ignorou que tinha uma recém-nascida nos
braços, ignorou a prudência e entrou quarto adentro empurrando a
porta com os ombros. Duas mulheres ajeitavam uma coberta por
sobre uma poça de sangue e, no meio daquele vermelho todo,
estava Adelia. Pálida, contrastando com a cor em seus lençóis.
Ajoelhando-se ao lado da cama, ele colocou a bebê no braço da
mãe, mas o membro não tinha vida para segurar a criança. As
mulheres se afastaram quando ele se aproximou e passaram a
apenas observar.
— Acorde. — Robert sacudiu os ombros de Adelia. — Acorde,
meu amor. Sua filha está chorando e você ainda não a viu. Ela é…
bem, ela é perfeita como você. Ainda não vi os olhos, mas aposto
que são verdes como os seus. Vamos, abra os olhos e segure-a.
Não houve nenhuma reação. O silêncio do quarto era tão intenso
que não se podia ouvir ninguém sequer respirar. Apenas a bebê
gritava, berrava, agitada e nervosa pelo movimento inesperado para
alguém que acabara de nascer. Robert sacudiu Adelia outra vez,
sacudiu tanto que o corpo exangue caiu para o lado.
— Senhor, ela está morta. — A parteira por fim falou. — É
pecado profanar os mortos.
Sim, ela estava morta. A palavra ecoava dolorida nos ouvidos
dele, que se levantou com a filha novamente nos braços e saiu,
arrastando os pés, até o andar de baixo. Seu valete se aproximou e,
sem ter certeza ainda do que acontecera, se ofereceu para segurar
a criança. Robert olhou para a menina que gemia e se contorcia em
seus braços e a acomodou próxima ao peito até que ela se calou.
— Adelia se foi. — Robert disse, a voz apenas um murmúrio. —
Ela nunca verá a filha crescer.
— Eu lamento muito, senhor. Pedirei a Dorothy que venha cuidar
da criança.
— Não. — Ele colocou um braço para impedir que o valete se
aproximasse mais. — Ninguém toca nela. Ela fica comigo.
— Mas ela precisa ser lavada, vestida e alimentada, senhor.
Precisamos deixar que as mulheres cuidem disso.
O criado tinha razão, era claro, mas Robert não estava
raciocinando. Sua mente se recusava a compreender os eventos
que se iniciaram no dia anterior e culminaram com todo aquele
horror sangrento que se transformara seu quarto.
— E precisamos decidir o que fazer com Lady Bradford, senhor.
Robert olhou para o valete e se considerou incapaz de tomar
qualquer decisão naquele momento. Ele precisava beber, talvez
duas garrafas inteiras de uísque e estaria pronto para dizer o que
fazer. Anestesiado pelo álcool ele seria capaz de dar ordens e
cumprir suas funções.
Reticente, entregou a filha para Dorothy e a criada subiu
novamente as escadas. A bebê logo estava chorando de novo e ele
não podia continuar sequer ouvindo aquele lamento. Enfiou-se em
seu escritório e abriu a porta de vidro do bar. Havia dezenas de
garrafas de licores, conhaques e uísques, os mais finos e saborosos
da Inglaterra. E tudo que ele queria fazer era quebrar uma por uma.
Munido do atiçador de fogo, Robert estilhaçou quase todas as
garrafas de seu bar, com exceção de três. Aquelas seriam suas
companhias durante a noite e as outras não tinha qualquer utilidade.
Quanto mais ele batia nas garrafas mais ele queria bater e o acesso
de fúria também se dirigiu aos móveis e aos objetos de arte. Depois
de meia hora não sobrou nenhum vaso inteiro, nenhum quadro na
parede, nenhum vidro que não estivesse quebrado. Tudo se
transformou na forma em que estava seu coração — em pedaços.
Robert não ouviu a porta do escritório se abrir nem percebeu o
valete se aproximar. Quando o homem o tocou no ombro e o
chamou, ele saltou assustado da cadeira e percebeu o que fizera.
Não que se importasse - todas aquelas coisas eram substituíveis.
Uma das garrafas já tinha sido inteiramente consumida e ele estava
com as roupas desfeitas e os cabelos desalinhados.
— Senhor, precisamos decidir o que fazer com Lady Bachour.
Ela precisa ser velada e enterrada adequadamente.
Claro que ela precisava, mas as coisas não podiam ser feitas
como deveriam. Bradford tinha que saber que a mulher estava
morta e, se ele não queria um escândalo antes, Robert lhe daria a
maior das humilhações públicas. Contaria a todos que o conde
maldito era o assassino de sua esposa e que, por causa dele, ela
estava morta.
Não, ele não faria nada daquilo. Por mais ódio que tivesse do
conde, Robert sabia bem quem era o assassino de Adelia - ele
mesmo. Se não tivesse sido imprudente e a engravidado, se não
tivesse agido como um tolo apaixonado, se a tivesse dispensado,
ela estaria viva. Robert fez escolhas ruins que levaram ao que
acabara de acontecer - e ele teria que arcar com as consequências
de seus próprios atos.
— Onde está minha filha?
— Dorothy está com ela. A esposa de um primo dela teve bebê
há pouco e veio amamentar a menina. Ela está dormindo.
Cambaleando, Robert se arrastou para fora do escritório e foi até
o quarto que estava preparado para ser o berçário. A casa dele era
pequena, era uma casa de solteiro mas ele não planejava ficar ali
por muito tempo. Quando a criança estivesse forte para viajar, eles
fugiriam de Londres para a Escócia. Seus advogados já haviam
providenciado a compra de uma propriedade em uma vila isolada
nas Terras Altas, em Loch Maree, e eles se refugiariam ali. Daquele
jeito, Bradford nunca mais poderia colocar as mãos em Adelia nem
em sua filha.
Ele entrou no quarto e assustou a babá. Aproximou-se do berço
e colocou a mão encardida sobre o cobertor de sua filha,
acariciando-a nas costas.
Bradford não podia saber que ela sobrevivera. A angústia fez
com que Robert saísse correndo do quarto e descesse as escadas
para cair de joelhos no meio da sala. O ar lhe faltava e o valete, que
o acompanhava para lá e para cá mais perdido do que tudo, pensou
que estivesse morrendo.
— Devo chamar o doutor?
— Não. Precisamos planejar um funeral. Dois caixões, um para
Adelia e outro para a menina.
O homem arregalou os olhos e o encarou assombrado.
— Senhor, mas a menina…
— É uma farsa, Silas. — Robert ergueu-se. — O maldito não
pode saber que ela está viva. Aquele canalha vingativo pode querer
reivindicar a menina e não haverá nada que eu possa fazer. Ela
precisa ter morrido junto com a mãe. Temos que garantir que ele
acredite que as duas morreram.
— Mas ela é sua filha, senhor. Ele sabia, tanto que expulsou
Lady Bradford de casa.
— Eu sei, mas a lei está do lado dele. Como marido, qualquer
criança que sua esposa tenha é filha dele a não ser que ele a
renegue. Se o patife quiser a menina, ele pode se utilizar de todos
os meios para consegui-la e nem meu irmão marquês vai conseguir
fazer alguma coisa para impedir.
— Por que ele iria querê-la?
— Por vingança! Para depois dar a ela uma vida maldita e
miserável e me ver sofrer por tê-lo tomado a esposa! — Robert
esbravejou. — Diabos, eu preciso vomitar.
Antes que o criado conseguisse um balde ou vasilhame, ele
correu para o banheiro e despejou o conteúdo de seu estômago no
vaso sanitário. A náusea fora causada pela perda, pela dor, pela
agonia e pelo uísque - mas Robert não podia sucumbir ao luto, não
ainda.
— Silas! — gritou para o criado enquanto lavava o rosto. — Vá
providenciar os caixões. Preciso que elas sejam enterradas assim
que amanhecer. Vamos avisar ao Conde de Kingston sobre o
infortúnio de sua perda. Acorde o capelão para podermos
encomendar os corpos e que ele não faça perguntas!
— Sim, senhor. Providenciarei o que me pede. Algo mais?
— Não, eu irei até o médico. Preciso de dois atestados de óbito.
— O senhor não está em condições de sair.
— Tenho que resolver isso agora, Silas. — Robert garantiu, na
frente do espelho, que sua aparência estivesse satisfatória e saiu do
banheiro. — Não posso esperar até me sentir melhor, eu não vou
me sentir melhor!
— Senhor…
— Faça o que mandei. — Ele empurrou o criado para que saísse
de seu caminho. — Pegarei o cavalo e irei até o médico. Garanta
que o capelão esteja aqui para o enterro.
— Permita que Wilbur o acompanhe.
— Certo, mande-o selar os animais.
Enquanto o valete corria para um lado e para o outro para
atender aos desmandos do patrão, Robert sentou-se novamente em
seu escritório destruído e pegou papel e caneta para escrever duas
cartas. Uma seria entregue aos seus irmãos e outra ao maldito
Bradford. Seus irmãos não sabiam sobre Adelia nem sobre o bebê,
não tinham nenhuma noção do que estava acontecendo. Ele deixou
todos de fora porque não queria ninguém se intrometendo nem
dizendo o que deveria ser feito ou não feito. E, naquele momento,
eles também não podiam saber de nada.
Se espalhasse a notícia, temia que alguém mais descobrisse.
Segredos não continuavam secretos quando duas pessoas os
compartilhavam. Por mais que os irmãos fossem apoiá-lo, e essa
certeza Robert tinha, alguma fofoca poderia acontecer e Bradford
não podia, em nenhuma hipótese, saber que a menina sobreviveu.
Ele diria a eles que faria uma de suas longas viagens pelos
continentes longínquos e que aportaria nas Índias em algum
momento. Depois tomaria novas decisões, quando os riscos fossem
menores.
E Bradford, o canalha receberia a notícia da morte — de seu
próprio punho — e teria que providenciar o enterro de ambas.
Robert contaria que Adelia e a bebê morreram no parto e o
convidaria para conferir o atestado de óbito. Como o conde era um
maldito arrogante, duvidava que ele fosse se interessar até mesmo
pela causa da morte — só inventaria uma história para a sociedade,
enterraria a mulher, esconderia a morte da criança e procuraria
outra esposa.
As cartas escritas e seladas foram entregues ao valete com
orientações de que deveriam ser entregues apenas depois do
enterro. Robert estava pronto para buscar a última etapa de seu
plano, o médico.
Silas estava certo em dizer que ele não tinha condições de sair
de casa, a bebedeira e o desespero de ter acabado de perder a
mulher que amava o esmagavam como se fossem os punhos
gigantes de Deus. Ainda assim, algo precisava ser feito e o conde
não ficaria com sua menina. Ele manteria o plano e fugiriam para a
Escócia assim que pudessem. Robert criaria sua pequena como a
mãe desejaria que ela fosse criada e nada o impediria.
Galopou pelas ruas de Londres à toda velocidade, pretendendo
chegar logo à casa do médico. Não havia muito tempo que o
homem deixara sua residência, ainda deveria estar se preparando
para dormir ou no primeiro sono. Não importava, ele arrancaria até a
Rainha da cama para garantir que conseguisse os malditos
atestados.
O criado Wilbur, que cuidava dos jardins e dos animais, seguia
atrás mas não conseguia acompanhá-lo. Robert visão estava
anuviada pelo álcool e pelas lágrimas que não percebia rolando por
sua face. A cabeça doía, tanto pela bebedeira quanto pelo
sofrimento. Londres nunca pareceu tão escura e vazia, tão solitária
e silenciosa. Os ouvidos zumbiam com os gritos de Adelia, as vozes
das parteiras, o choro de sua filha e ele acelerou batendo com os
tornozelos no flanco do cavalo. O animal correu até assustar-se com
alguma coisa - um objeto, um estampido, uma pessoa que cruzava
o caminho, e empinou.
Robert foi derrubado do cavalo e arremessado contra um poste
de iluminação, onde bateu a cabeça e caiu ao chão, desacordado.
No deserto da madrugada, ninguém ousou abrir uma janela ou
espiar o ocorrido, qualquer um temeria ser ação de criminosos e
optaria por não se envolver. O criado que o seguia freou
abruptamente ao ver o acidente e, confirmando que o patrão ainda
respirava, colocou-o por sobre o lombo do cavalo e retornou para a
casa.
Um Duque para Chamar de Meu

Uma mãe em fuga para salvar seus filhos.


Elizabeth Collingworth está deixando Londres com seus dois
filhos pequenos, tentando escapar dos riscos de uma epidemia.
Durante a fuga, recebe a ajuda de Lady Agatha Trowsdale, uma
jovem dama aristocrática que se compadece da situação e acolhe a
família em sua carruagem.
O Duque de Shaftesbury precisa escolher uma esposa.
Aiden Trowsdale precisa se casar para garantir um herdeiro para
o ducado e auxiliar sua irmã em sua aventura pela sociedade, mas
acaba decidindo contratar outra governanta para administrar os
criados e a casa. Suas opções são poucas até que seu uma linda
dama de cabelos dourados cruza seu caminho e desmaia em seus
braços.
Mas ela não é uma dama.
Ela parece a solução de seus problemas e se transforma em
outra tormenta em sua vida. Certo de que homens em sua posição
não se casam por amor, o duque precisará escolher entre seu dever
e seu coração.

Baixe o livro na Amazon


Um Conde para Curar meu Coração

Agatha Trowsdale guarda um segredo terrível.


Depois de uma longa viagem para as Américas, a jovem irmã do
Duque de Shaftesbury retorna para Londres com um segredo que
pode destruir a sua vida. Tudo que ela quer é se manter longe dos
eventos da temporada, mas seu irmão insiste que precisa retornar
para a sociedade e se casar.
Ele foi abandonado por sua noiva.
Edward McFadden, o Conde de Cornwall, está arrasado com um
noivado rompido e decide casar-se por conveniência. É mais seguro
negociar uma esposa do que ser humilhado novamente.
Depois do reencontro, um escândalo.
Nos jardins da Trowsdale House, Edward e Agatha se envolvem
em um escândalo de proporções inimagináveis e só há uma opção
para contê-lo: casarem-se. Logo descobrem que parece impossível
não sucumbirem ao desejo e à paixão — mas o segredo que ela
carrega será capaz de destruir tudo que construíram.
Baixe o livro na Amazon
Uma noite para seduzir uma libertina

Ele vai se casar e precisa aprender sobre sedução.


Isaac McFadden é um cavalheiro de reputação irretocável que se
mantém virgem à espera do casamento. Ao decidir cortejar uma
dama italiana para estabelecer uma família, descobre que sua
inexperiência pode atrapalhá-lo no processo.
Ela é uma libertina sem respeito pelas regras sociais.
Caroline Eckley é livre, não guardou sua castidade, não deseja
se casar e prefere passar as noites nos clubes de cavalheiros. Foi
criada entre homens que a ensinaram a não admitir restrições — e
pretende ensinar outras mulheres a pensarem como ela.
Uma proposta irrecusável abalará seu mundo perfeito.
Quando Isaac pede que Caroline o ajude, ela precisa fugir das
investidas românticas do homem mais lindo, encantador e cobiçado
de Londres. Em um jogo de gato e rato, eles se estranham e se
entendem em uma sequência de eventos que a levará a confrontar
seus projetos de vida.
Baixe o livro na Amazon
Uma Lady para me dar um Coração

O fantasma de um amor impossível.


Na sua terceira temporada, Wilhelmina McFadden sabe que não
conquistou um pretendente porque todos os homens que se
aproximam dela querem apenas seu dote. Fechada para o amor
desde uma desilusão do passado, ela deseja se casar apenas com
quem lhe ofereça algo interessante em troca.
Um homem querendo ascender socialmente.
Grant Sawbridge tem tudo que um homem pode desejar, menos
o sangue azul. Rico, poderoso e conhecido como “homem sem
coração”, ele anseia por desposar uma mulher nobre e, assim,
forçar sua aceitação na sociedade que ainda valoriza mais o
nascimento do que o caráter.
Um plano quase perfeito.
Depois de um escândalo abalar a família McFadden, Sawbridge
faz uma oferta a Wilhelmina: casar-se com ele para silenciar as
fofocas e ela poderá ter a retribuição que deseja. O que ele não
esperava era que sua jovem esposa fosse descobrir que havia um
coração em seu peito apenas para esmagá-lo em seguida.

Baixe o livro na Amazon!


Uma Donzela para redimir um Canalha

Ele precisa provar a sua inocência.


Acusado de assassinato, Nathaniel McFadden quer impar o seu
nome. Para isso ele traça um plano que consiste em deixar Nova
Iorque e sair em uma jornada em busca do irmão ferido.
Ela precisa fugir de um casamento horrível.
Prometida a um marquês muito mais velho, Lucille Smith quer
ser arruinada e procura o famigerado Nathaniel para ajudá-la.
Quando ele recusa, ela decide fugir e se esconde na carroça do
homem ao descobrir que ele sairá da cidade.
Dois destinos unidos pelo acaso.
Juntos em uma jornada em busca do que desejam, a donzela
persegue sua ruína e o canalha, a sua redenção. Mas, depois de
enfrentarem capangas, criminosos, policiais e noivos determinados
para atingir seus objetivos, eles seriam capazes de dizer adeus e
assumirem suas novas vidas?
Baixe o livro na Amazon!
Uma Princesa para Desafiar o meu Destino

Uma princesa com o destino traçado.


Hurit está predestinada a substituir o xamã de sua tribo. Desde
os doze anos a visão consolidou sua conexão com os deuses.
Quando um homem branco é encontrado quase morto no território
de sua tribo, ela descobre que estava equivocada sobre a
mensagem enviada por eles.
Um homem querendo mostrar seu potencial.
Emile McFadden seguiu o irmão até os Estados Unidos porque
queria viver aventuras. Depois de uma infância doente e uma
juventude reclusa por sua saúde fragilizada, ele só queria que todos
percebessem que se tornou um homem — mas acaba envolvido em
um crime que culmina com seu corpo alvejado e boiando no oceano
Atlântico.
Um final surpreendente.
Uma Princesa para Desafiar o meu Destino encerra a série
Amores em Kent com a história do amor impossível entre um nobre
inglês e uma princesa nativa americana, que decidiram desafiar tudo
e todos para viverem o seu felizes para sempre.

Baixe o livro na Amazon!

Você também pode gostar