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mais-sentido-a-arte

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 184, 01 de Agosto | 2005

Prática Pedagógica

Recriar dá mais sentido à


arte
Nas aulas de Artes, ao usar como referência obras de
artistas famosos, o ideal é estimular seus alunos a recriá-
las. Além de imprimir uma marca pessoal ao trabalho,
eles vão entender melhor o sentido da arte
Bia Reis

Buscar inspiração em
pinturas e esculturas
famosas para criar uma
obra é comum entre os
artistas plásticos. A prática
também tornou-se
corriqueira nas aulas de
Artes como forma de
aprofundar o estudo de
determinado autor. A
princípio, pode parecer
Mulher no Espelho, de Picasso (acima): a
tela inspiradora e a
que fazer um trabalho
releitura feita por alunos de 4ª série da parecido com a peça
Escola Verde Que Te original seja uma releitura.
Quero Verde, em São Vicente (SP). Foto:
Valéria Pimentel Engano: para realizá-la de
verdade, o aluno deve
personalizar sua produção
e ter a intenção de transmitir uma nova mensagem com ela.

Os artistas usam essa técnica desde a antiguidade: depois da conquista das


cidades-estado gregas pelo Império Romano, pintores e escultores de ambos
os povos incorporaram elementos às suas obras. "Nas artes plásticas ou na
música, reler é vivenciar um certo trabalho e produzir outro com base nele,
com um novo propósito", afirma Laima Leyton, coordenadora do núcleo
educativo do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
A educadora Marisa Szpigel, que trabalha com formação de professores em
São Paulo, acredita que o principal benefício dessa atividade é desmitificar o
processo de criação: "Inspiração não vem do nada. Num mundo tão saturado
de motivações, os estudantes aprendem que é possível produzir algo
diferente usando outras obras como referência".

Aluno imprime marca pessoal em sua produção

A releitura é indicada a turmas a partir da 4ª série, quando a garotada já


adquiriu maturidade nas suas produções. Quem teve aulas de Artes
regularmente já fez muitos desenhos de observação, produziu bastante,
aprendeu a usar diversas técnicas e a utilizar a memória visual. "Com a
prática, a criança vai desenvolvendo uma marca pessoal, que será impressa
nas releituras que fizer", explica Marisa.

Marca pessoal, nesse caso, nada mais é do que as preferências que o


estudante coloca em seus trabalhos. Pode ser o predomínio de certas cores -
ou a ausência delas -, um traço ou um elemento visual. No começo, você
ajuda cada um a analisar o próprio trabalho para identificar essas
características.

O ideal é que esse exercício seja uma das várias etapas de um projeto de
artes, que inclua a contextualização da vida do artista e de sua obra. Essas
informações ajudam a turma a compreender o que acontecia no mundo na
época. Mas atenção à forma de trabalhar a biografia, que não pode se
restringir a dados, como data e local de nascimento e morte, nem ter uma
dimensão maior do que a produção do artista. "Ela deve ser abordada de
maneira que os alunos possam acompanhar a evolução da história da arte e
entender fatos e idéias que influenciaram o artista e suas criações", alerta
Laima.

Releitura pode ser feita em diversas linguagens

Um equívoco comum em atividades de releitura é achar que a produção do


aluno precisa ser feita na mesma linguagem da obra que a inspirou. Uma tela
pode se transformar em uma escultura, por exemplo. A passagem de uma
para outra técnica pode ser positiva por dar maior liberdade de criação.

Valéria Pimentel, coordenadora do ensino de Artes de 1ª à 4ª série da Escola


Verde Que Te Quero Verde, em São Vicente (SP), faz questão de enfatizar para
os alunos a importância de escolher linguagens diversas. No ano passado,
eles realizaram um trabalho sobre as obras de Pablo Picasso (1881-1973). As
turmas começaram discutindo o processo criativo do artista espanhol e as
modalidades com que ele trabalhou (pintura, desenho, escultura, cerâmica e
fotografia). Na hora da releitura, algumas pinturas viraram colagens, e outras,
esculturas, feitas dos mais diversos materiais.

Inspirada em Monalisa, turma trabalha o sorriso

O professor Robson Xavier da Costa, chefe do Departamento de Artes Visuais


da Universidade Federal da Paraíba, mostrou a alunos de 6ª série quanta arte
foi feita com base na tela Monalisa, de Leonardo da Vinci (1452-1519). No ano
passado, quando deu aulas no Colégio Marista Pio X, de João Pessoa, ele
levou para a classe L.H.O.O.Q., de Marcel Duchamp (1887-1968), em que a
obra-prima do mestre renascentista recebe bigode e cavanhaque, e outras de
artistas anônimos em que a musa aparece em trajes rurais ou futuristas.

A turma ficou intrigada com o sorriso e foi


pesquisar como ele aparece em obras atuais.
Foi o gancho para conhecer um artista
regional, Sérgio Lucena, que explora o riso
sarcástico em sua produção. Os alunos fizeram
as próprias "Giocondas" e tentaram explicar o
sorriso dela: a modelo não teria dentes!

Atividades desse tipo, no entanto, não


precisam ter como base uma tela tão famosa
quanto a de Da Vinci. Qualquer pintura ou
escultura pode ser relida. Você define o artista
que melhor se encaixe no projeto pedagógico
da escola para aquele ano. "Mas a escolha da
Releitura de Auto-retrato, de
Picasso. Foto: Valéria Pimentel obra deve ser da criança, pois criação envolve
liberdade", afirma Rosa Iavelberg, professora
da Faculdade de Educação da Universidade de
São Paulo. Uma das releituras dos alunos de Robson sobre a Monalisa
envolveu uma outra arte: o teatro. A turma se fantasiou como a musa de Da
Vinci e tentou imitar seu sorriso.

A avaliação de um trabalho de releitura não deve ser feita pela comparação


do produto final com o original. Valéria Pimentel, por exemplo, adota auto-
avaliações bimestrais e, no início de cada período, coloca para a turma quais
parâmetros serão analisados. Dessa forma, ela pode avaliar se os alunos
sabem definir uma releitura de acordo com os conceitos ensinados; se
conseguem identificar, apreciar e interpretar releituras; e se são capazes de
justificar a obra escolhida e a mensagem que desejam passar com a
atividade.

Quer saber mais?

Escola Verde que te Quero Verde, R. Pero Corrêa, 533, 11320-140, São Vicente, SP, tel. (13) 3468-9370

Robson Costa, robsonxcosta@yahoo.com.br


Bibliografia
A Imagem no Ensino da Arte, Ana Mae Tavares Bastos Barbosa, 134 págs., Ed. Perspectiva, tel. (11) 3885-8388, 31
reais

Para Gostar de Aprender Arte, Rosa Iavelberg, 126 págs, Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 34 reais

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