Você está na página 1de 8

Endereço da página:

https://novaescola.org.br/conteudo/1509/o-que-
ensinar-em-arte

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 220, 01 de Março | 2009

Planejamento

O que ensinar em Arte


O ensino da área se consolida nas escolas sobre o tripé
apreciação, produção e reflexão
Beatriz Santomauro

Durante muitos anos, o ensino de Arte se


resumiu a tarefas pouco criativas e
marcadamente repetitivas. Desvalorizadas na
grade curricular, as aulas dificilmente tinham
continuidade ao longo do ano letivo. "As
atividades iam desde ligar pontos até copiar
formas geométricas. A criança não era
considerada uma produtora e, por isso, cabia
ao professor dirigir seu trabalho e demonstrar
o que deveria ser feito", afirma Rosa Iavelberg,
diretora do Centro Universitário Maria
Antonia, em São Paulo, e co-autora dos
REFLETIR O professor deve analisar
temas Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)
já aprofundados, como o frevo e o enredo sobre a disciplina.
de uma peça teatral. Foto: Eduardo
Queiroga
Nas últimas duas décadas, essa situação vem
mudando nas escolas brasileiras. Hoje, a
tendência que guia a área é a chamada
sociointeracionista, que prega a mistura de produção, reflexão e apreciação
de obras artísticas. Como defendem os próprios PCNs, é papel da escola
"ensinar a produção histórica e social da arte e, ao mesmo tempo, garantir ao
aluno a liberdade de imaginar e edificar propostas artísticas pessoais ou
grupais com base em intenções próprias."

Infelizmente, ainda há professores trabalhando na chamada metodologia


tradicional, que supervaloriza os exercícios mecânicos e as cópias por
acreditar que a repetição é capaz de garantir que os alunos "fixem modelos".
Sob essa ótica, o mais importante é o produto final (e ele é mais bem avaliado
quanto mais próximo for do original). É por isso que, além de desenhos pré-
preparados, tantas crianças tenham sido obrigadas ao longo dos tempos a
apenas memorizar textos teatrais e partituras de música para se apresentar
em datas comemorativas - sem falar no treino exaustivo e mecânico de
habilidades manuais em atividades de tecelagem e bordado.

Só nos anos 1960, com o surgimento do movimento da Escola Nova, ideias


modernizadoras começaram a influenciar as aulas de Arte. Na época, a
proposta era romper totalmente com o jeito anterior de trabalhar. Segundo
esse modelo, batizado de escola espontaneísta (ou livre expressão), os
professores forneciam materiais, espaço e estrutura para as turmas criarem
e não interferiam durante a produção dos estudantes. Tudo para permitir
que a arte surgisse naturalmente nos estudantes, de dentro para fora e sem
orientações que pudessem atrapalhar esse processo. "Achava-se que a
criança tinha uma arte própria e o adulto não deveria interferir", lembra Rosa.

A evolução dos conceitos que orientam as aulas

Alguns anos mais tarde, novas concepções


foram sendo construídas, abrindo espaço para
a consolidação da perspectiva
sociointeracionista, a mais indicada pelos
especialistas hoje por permitir que crianças e
jovens não apenas conheçam as
manifestações culturais da humanidade e da
sociedade em que estão inseridas, mas
também soltem a imaginação e desenvolvam a
criatividade, utilizando todos os equipamentos
e ferramentas à sua disposição.
APRECIAR Assistir a diferentes
Na década de 1990, duas importantes
apresentações
inovações pavimentaram o caminho para o
e comparar obras ajuda a ampliar o
repertório. modelo atual: na Espanha, Fernando
Foto: Daniel Aratangy
Hernández defendeu o estudo da chamada
cultura visual (muito além das artes visuais
clássicas, era necessário, segundo ele,
trabalhar com videoclipes, internet, histórias em quadrinhos, objetos
populares e da cultura de massa, rótulos e outdoors nas salas de aula).

No Brasil, Ana Mae Barbosa formulou a metodologia da proposta triangular


(inspirada em ideias norte-americanas e inglesas, recuperou conteúdos e
objetivos que tinham sido abandonados pela escola espontaneísta). Ela
mostrou que o professor deveria usar o seguinte tripé em classe: o fazer
artístico, a história da arte e a leitura de obras

Esse tripé original é considerado uma "matriz" dos eixos de aprendizagem


que dominam o ensino atualmente: a produção, a apreciação artística e a
reflexão. O "novo" tripé ajuda a desmanchar alguns dos mitos que rondam as
salas de Arte nas escolas brasileiras, como a confusão entre a necessidade de
ter muito material e estrutura para obter uma resposta "de qualidade" dos
alunos (leia mais no quadro abaixo).

Na perspectiva sociointeracionista, o fazer artístico (produção) permite que o


aluno exercite e explore diversas formas de expressão. A análise das
produções (apreciação) é o caminho para estabelecer ligações com o que já
sabe e o pensar sobre a história daquele objeto de estudo (reflexão) é a
forma de compreender os períodos e modelos produtivos.

Mitos pedagógicos no ensino de Arte

Reprodução e releitura
Mostrar uma obra de arte, discutir suas características e pedir que cada aluno
faça o mesmo desenho no caderno não é propor uma releitura. Isso é
reprodução ou cópia. Na releitura, parte-se de uma obra para criar outro
trabalho (ou seja, o estudante transforma e interpreta).

Sem material, não dá


Qualidade não é quantidade. "Um trabalho que garanta uma aprendizagem
significativa para os alunos não depende de riqueza de material, mas de
conteúdo, estratégia e propostas que ofereçam oportunidades de
participação", argumenta Karen Greif Amar, da Escola da Vila, em São Paulo.

Arte estimula criatividade


A Arte desenvolve a criatividade - e outras habilidades - se os conteúdos são
aprendidos. Mas o mesmo ocorre quando o aluno levanta uma hipótese na
aula de Ciências ou pensa numa estratégia para um problema em
Matemática. A criatividade independe da disciplina.

As quatro grandes linguagens artísticas: dança, artes visuais, teatro e


música

Segundo os PCNs, as aulas de Arte devem contemplar atividades de quatro


linguagens: dança, artes visuais, teatro e música. As diferentes manifestações
culturais (das mais clássicas às mais vanguardistas) merecem ser analisadas
como resultado de um conjunto de valores e uma maneira de os seres
humanos interagirem com o mundo em que vivem (ou viveram). No dia a dia,
a prática tem de combinar simultaneamente os três eixos citados
anteriormente para que todos os estudantes avancem ( leia no quadro abaixo
entrevista com uma professora que faz isso em sua escola, no interior de São
Paulo).

"Esses três momentos não são estanques. Mesmo que o trabalho dê ênfase
mais para um agora e mais para outro daqui a pouco, é importante que fique
claro que todos são interligados, fazem parte de um processo", diz Marisa
Szpigel, coordenadora de Arte na Escola da Vila, em São Paulo. Segundo ela, é
interessante variar as maneiras de estudar os conteúdos e programar as
atividades ao longo do ano. "Assim como na prática artística há um pensar
fazendo e um fazer pensando, quando ensinamos, a ação mobiliza para a
reflexão e a reflexão transforma a ação."

3 perguntas a Maria José Falcão

Professora de 6º e 9º anos do Ensino


Fundamental e dos três anos do Ensino Médio
na EE Adherbal de Paula Ferreira, em
Itapetininga, a 174 quilômetros de São Paulo.

Qual foi o modelo de ensino que guiou a sua


Maria José Falcão
formação?
Sou formada há 22 anos em Artes Plásticas.
Aprendi a ensinar pelas ideias que eram de vanguarda na época. Mas até
hoje são poucos os que aplicam isso na prática. O contato com a obra de arte
é primordial, além da produção e da contextualização. Sei que é essencial
fazer a apreciação das obras e também do trabalho dos estudantes.

Como foi seu início na carreira?


Todos os meus colegas ensinavam da maneira tradicional. As aulas eram
reduzidas à preparação de atividades em datas comemorativas e à pintura de
desenhos mimeografados. O que eu aprendi na faculdade estava distante do
que eu via na escola.

Foi fácil mudar essa mentalidade na unidade de ensino?


Aos poucos, mostrei que era importante promover a criação feita pelos
estudantes, o contato com outras obras e o estudo do contexto da produção.
Fui malvista, mas hoje outras pessoas da equipe de docentes compartilham
minhas propostas.

Produção é chance para o aluno desenvolver percurso próprio

A etapa da produção é a oportunidade de o


aluno testar, conhecer e escolher diferentes
cores, formatos, gestos, movimentos corporais
e sons. É o momento de mostrar suas
escolhas, mudar de ideia, decidir novamente.
"O estudante deve ter a chance de
experimentar com diferentes formas e
procedimentos para desenvolver um percurso
próprio", diz Rosa Iavelberg. "O caminho é
favorecer a criação com propostas instigantes.
Assim, a produção dialoga com diferentes
referências e alimenta a poética pessoal", diz
PRODUZIR Os alunos devem
experimentar Mirian Celeste Martins, do programa de pós-
novas técnicas, como grafitar e fotografar
graduação em Educação, Arte e História da
uma cena. Foto: Leo Drumond
Cultura da Universidade Mackenzie, na capital
paulista.

Durante as atividades de apreciação, a turma aumenta o repertório. Ao


ampliar a variedade de produções que conhece e analisar, o aluno estabelece
ligações com o que já sabe e "constrói conhecimentos", como diz Marisa
Szpigel. Essa parte do trabalho é feita em visitas a instituições culturais,
teatros e espaços para shows e outras apresentações artísticas que permitam
desenvolver o pensamento crítico e perceber como a arte afeta cada um.

Já a fase da reflexão é uma espécie de complemento da apreciação. A


diferença é sutil: ela tem lugar quando o estudante analisa o que viu e ouviu.
Sabendo que aquele objeto artístico foi criado em determinado contexto e
que faz parte de uma história, torna-se capaz de entender os significados
atribuídos a ele. Daí a importância das discussões em classe (e da leitura de
críticas e resenhas) para todos observarem que há outras maneiras de
entender a arte. Registros escritos também favorecem a expressão de ideias.

Compreender esse percurso é essencial para permitir que os estudantes


cresçam cada vez mais (confira as expectativas de aprendizagem definidas
pela prefeitura de São Paulo). Mas, mais do que seguir cegamente uma ou
outra perspectiva de ensino, o que realmente importa é ser coerente com as
propostas de trabalho e com as atividades passadas para a turma durante
todo o ano. "Há professores que fazem um ótimo trabalho de livre expressão,
por exemplo. O problema é quando não há uma intencionalidade clara",
destaca Marisa.

Linha do tempo do ensino de Arte no Brasil

1816 Durante o governo de dom João VI, chega ao Rio de Janeiro a Missão
Artística Francesa e é criada a Academia Imperial de Belas Artes. Seguindo
modelos europeus, é instalado oficialmente o ensino de Arte nas escolas.

1900 Até o início do século 20, o ensino do desenho é visto como uma
preparação para o trabalho em fábricas e serviços artesanais. São valorizados
o traço, a repetição de modelos e o desenho geométrico.

1922 Apesar da efervescência das manifestações da Semana de Arte


Moderna, o ensino segue as tendências da escola tradicional, que defende a
necessidade de copiar modelos para treinar habilidades manuais.

1930 O compositor Heitor Villa-Lobos, no governo de Getúlio Vargas, institui o


projeto de canto orfeônico nas escolas. São formados corais, que se
desenvolvem pela memorização de letras de músicas de caráter folclórico e
cívico.
1935 O escritor Mario de Andrade, então diretor do Departamento de Cultura
do município de São Paulo, promove um concurso de desenho para crianças
com tema livre. O ganhador recebe uma quantia em dinheiro.

1948 É criada no Rio de Janeiro a primeira "Escolinha de Arte", com a intenção


de propor atividades para o aluno desenvolver a autoexpressão e a prática.
Em 1971, chega a 32 o número de instituições particulares desse tipo no país.

1960 As experimentações que marcam a sociedade, como o movimento da


bossa nova, influenciam o ensino de Arte nas escolas de todo o país. É a
época da tendência da livre expressão se expandir pelas redes de ensino.

1971 Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a


Educação Artística (que inclui artes plásticas, educação musical e artes
cênicas) passa a fazer parte do currículo escolar do Ensino Fundamental e
Médio.

1973 Criação dos primeiros cursos de licenciatura em Arte, com dois anos de
duração e voltados à formação de professores capazes de lecionar música,
teatro, artes visuais, desenho, dança e desenho geométrico.

1989 Desde 1982 desenvolvendopesquisas sobre três ideias (fazer, ler


imagens e estudar a história da arte), Ana Mae Barbosa cria a proposta
triangular, que inova ao colocar obras como referência para os alunos.

1996 A LDB passa a considerar a Arte como disciplina obrigatória da


Educação Básica. Os Parâmetros Curriculares Nacionais definem que ela é
composta de quatro linguagens: artes visuais, dança, música e teatro.

Fonte: Parâmetros Curriculares Nacionais / Metodologia do Ensino da Arte, Maria Heloísa C. de T. Ferraz e Maria. F.
de Rezende e Fusari / Para gostar de aprender Arte: Sala de aula e formação de professores, Rosa Iavelberg

Metodologias mais comuns no ensino de Arte

O ensino de Arte passou por muitas transformações ao longo da história.


Confira as principais tendências da área.

TRADICIONAL
Unânime na maneira de ensinar desde o fim do século 19 até a década de
1950. Ainda está presente em muitas escolas.
Foco Aprendizado de técnicas e desenvolvimento de habilidades manuais,
coordenação motora e precisão de movimentos para o preparo de um
produto final.
Estratégia de ensino Repetição de atividades, cópia de modelos e
memorização. O professor adota a postura de transmissor do conhecimento.
Ao aluno, basta absorver o que é ensinado sem espaço para a contestação. A
turma era bem avaliada quando conseguia reproduzir com rigor as obras de
artistas consagrados.

LIVRE EXPRESSÃO
Nasceu por volta de 1960 sob a influência das ideias do movimento da Escola
Nova.
Foco O que importa não é o resultado, mas o processo e, principalmente, a
experiência. Há a valorização do desenvolvimento criador e da iniciativa do
aluno durante as atividades em classe.
Estratégia de ensino Desenho livre e uso variado de materiais. Não há certo
ou errado na maneira de fazer de cada estudante. Ao professor, não cabe
corrigir ou orientar os trabalhos nem mesmo utilizar outras produções
artísticas para influenciar a turma. A ideia é que o estudante exponha suas
inspirações internas.

SOCIOINTERACIONISTA
É a tendência atual para o ensino da disciplina. A ideia de considerar a relação
da cultura com os conhecimentos do aluno e as produções artísticas surgiu
na década de 1980.
Foco Favorecer a formação do aluno por meio do ensino das quatro
linguagens de Arte: dança, artes visuais, música e teatro.
Estratégia de ensino A experiência do aluno e o saber trazido de fora da
escola são considerados importantes e o professor deve fazer a
intermediação entre eles. O ensino é baseado em três eixos interligados:
produção (fazer e desenvolver um percurso de criação), apreciação
(interpretar obras artísticas) e reflexão sobre a arte (contextualizar e
pesquisar). Apesar dessa divisão, não deve haver uma ordem rígida ou uma
priorização desses elementos ao longo do ano letivo.

Expectativas de aprendizagem em Arte do 1º ao 9º ano

As orientações curriculares da prefeitura de São Paulo recomendam, entre


outros itens, que ao fim do 5º ano os alunos sejam capazes de:

- Reconhecer em seres, objetos e paisagens naturais e artificiais


características expressivas das artes visuais e musicais.
- Reconhecer diferentes ritmos musicais.
- Experimentar, selecionar e utilizar diversos suportes, materiais e técnicas
artísticas.
- Criar manifestações e produções das artes visuais, partindo de estímulos
diversos.
- Manipular objetos e explorar espaços variados a fim de conhecer sua forma,
textura, temperatura, dimensão etc., interessando-se em agir sobre eles.
- Criar diferentes gestos com base em danças vivenciadas, compreendendo a
possibilidade de transformação da expressão corporal.
- Improvisar cenas teatrais com os colegas, integrando-se com eles, sabendo
ouvir e esperar a hora de falar.
- Compreender que as manifestações e produções culturais fazem parte do
patrimônio cultural das pessoas.

O documento prevê ainda que os estudantes, ao fim do 9º ano, saibam:

- Perceber as pequenas variações dos elementos da linguagem visual, tais


como tons e semitons das cores, as diferenças de textura e forma etc.
- Valorizar o(s) autor(es) dos objetos culturais, intérpretes das músicas e
canções apreciadas, conhecendo sua biografia e suas principais obras.
- Produzir objetos culturais visuais, individualmente e em grupo, utilizando
suportes, materiais e técnicas variados.
- Reconhecer diferentes ritmos musicais.
- Apreciar peças teatrais da comunidade e pertencentes ao contexto jovem
- Criar e construir cenas que contenham enredo/história/conflito dramático,
personagens/diálogos, local e ação dramática definidos.

Quer saber mais?

CONTATOS
EE Adherbal de Paula Ferreira, Av. Peixoto Gomide, 126, 18200-160, Itapetininga, SP, tel. (15) 3271-0418
Marisa Szpigel
Mirian Celeste Martins
Rosa Iavelberg

BIBLIOGRAFIA
A Educação do Olhar no Ensino das Artes, Analice Dutra Pillar (org.), 208 págs., Ed. Mediação, tel. (51) 3330-8105,
39 reais
Desenho Cultivado da Criança: Prática e Formação de Educadores, Rosa Iavelberg, 112 págs., Ed. Zouk, tel. (51)
3024-7554, 23 reais
Didática de Ensino de Arte: a Língua do Mundo, Mirian Celeste Martins e outros, 200 págs., Ed. FTD, tel. (11) 3611-
3055, 76,50 reais
Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte, Ana Mae Barbosa (org.), 184 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-9616,
31 reais
Metodologia do Ensino da Arte, Maria Heloísa C. de T. Ferraz e Maria F. de Rezende e Fusari, 136 págs., Ed.
Cortez, 38 reais
Para Gostar de Aprender Arte: Sala de Aula e Formação de Professores , Rosa Iavelberg, 128 págs., Ed. Artmed,
tel. 0800-703-3444, 42 reais

INTERNET
Expectativas de aprendizagem elaboradas pela prefeitura de São Paulo para o Ciclo I do Ensino Fundamental.

Você também pode gostar