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antítese do silêncio
Pintora carioca, que morreu nesta semana, deixa legado de pinturas vibrantes e que eram críticas
aos rumos do Brasil
28.dez.2019 às 2h00
EDIÇÃO IMPRESSA
Raphael Fonseca
A artista morreu no último dia 23, no Rio de Janeiro, aos 76 anos. Sua morte só foi
divulgada nesta sexta (27) sem informações sobre a causa.
Nascida em 1943, ela foi aluna de Ivan Serpano Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro entre 1964 e 1968. Nesse momento cheio de turbulências decorrentes da
ditadura, a instituição era espaço de grande experimentação nas artes visuais e tinha
como alguns de seus alunos nomes como Antonio Dias, Cildo Meireles e Rubens
Gerchman.
Wanda era das poucas artistas mulheres que frequentavam essas aulas e, aos poucos,
ganhava atenção de público e crítica participando de exposições icônicas como a 1ª
Bienal da Bahia (1967), o Salão da Bússola (1969), a 11ª Bienal de São Paulo (1971) e
diversas edições do Panorama da Arte Brasileira (1970, 1972 e 1973).
Alguns objetos contribuem com a leitura: chaleira, garfo, faca e pratos nos fazem
suspeitar que se trata de uma cozinha. Sobre esse cenário tão associado às mulheres,
porém, um corpo parece se impor —de quem são as pernas? Seria a imagem um sonho
ou haveria qualquer caráter performático por trás da composição?
Wanda pede que corpo e olhar estejam atentos ao que se passa nessas cenas; da
mesma maneira que os objetos só existem em relação ao sujeito, é necessário que o
público se envolva com essas imagens —seja quanto a sua forma, seja quanto ao seu
lastro cultural.
Já uma série posterior, “Bueiros”, de 1970, chama a atenção pelo seu caráter
igualmente experimental. É composta por objetos de madeira que imitam diversos
tipos de bueiros de rua —dos gradeados feitos para escoar a chuva até os grandes de
esgoto que escondem o que há por baixo.
Eis que a obra da artista saía da esfera doméstica e se dirigia à rua: seria “silêncio” a
palavra mais adequada para se dirigir à sua pesquisa?
Seu compromisso com a pintura e com a cor foi constante nas cinco décadas de
carreira e sempre em diálogo com os limites entre a imitação e a abstração —vide seu
interesse posterior em formas que remetem a portas, janelas, escadas, grades e sólidos.
Recentemente, em sua última individual com trabalhos inéditos, em 2015, a artista
apresentou séries de trabalhos dedicados à gestualidade e a temas florais.
A produção de Wanda é essencial não só para se refletir sobre artistas mulheres, mas
para compreender a produção pictórica no país. Questões caras ao período militar,
como a noção de privacidade, domesticidade e espaço público são fulcrais para sua
poética. Por todas essas razões, a obra da artista é essencial para a história da arte não
só no Brasil, mas no nível global.
Raphael Fonseca é curador do MAC Niterói e pesquisador nas áreas de história da arte, crítica,
curadoria e educação