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Pigmentos naturais e Pré-história: uma experiência didático-poética

Karol Luan Sales Oliveira1


Anderson Gabriel Lacerda Felix2
Leona Vitoria Sampaio da Conceição3
Resumo

Este artigo apresenta e discute o projeto de pintura com pigmentos naturais e


questões sobre arte pré-histórica desenvolvido com alunos da Escola de
Ensino Médio em Tempo Integral Alaíde Silva Santos. O início se deu com a
elaboração dos pigmentos a partir da trituração de rochas coletadas na
chapada do Araripe, após essa etapa, passou-se a produção das tintas e
experimentação em exercícios iniciais de pintura como realização de paleta e
gradação tonal. Seguiu-se o estudo da arte pré-histórica e dos povos pré-
colombianos, com foco nos grafismos presentes em regiões do Brasil, como
Serra da Capivara, no Piauí, e a cultura marajoara, da ilha do Marajó, no Pará.
O objetivo principal é propiciar aos estudantes a possibilidade de
experimentação da pintura com pigmentos naturais de fácil acesso e produção
pelos próprios estudantes, e fortalecer os conhecimentos da história da arte
pré-histórica brasileira, problematizando certas visões sobre os povos pré-
colombianos no discurso historiográfico.

Palavras-chaves: Pigmento, Arte Pré-histórica, Pintura.

Summary

This article presents and discusses the painting project with natural pigments
and questions about prehistoric art developed with students from the Alaíde
Silva Santos Full-Time High School. The beginning took place with the
elaboration of pigments from the crushing of rocks collected in the Araripe
plateau, after this stage, the production of paints and experimentation in initial
painting exercises such as creating a palette and tonal gradation took place.
This was followed by the study of prehistoric art and pre-Columbian peoples,
focusing on graphics present in regions of Brazil, such as Serra da Capivara, in
Piauí, and the Marajoara culture, on the island of Marajó, in Pará. The main
objective is to provide students with the possibility of experimenting with
painting with natural pigments that are easily accessible and produced by the
students themselves, and to strengthen knowledge of the history of Brazilian
prehistoric art, problematizing certain views about pre-Columbian peoples in
historiographical discourse.

Key-words: Pigment, Prehistoric art, Painting.

1. INTRODUÇÃO

A história da arte é profundamente entrelaçada com a busca contínua por


meios de expressão visual. Desde os tempos mais longínquos, a humanidade
tem explorado diversas maneiras de criar cores para representar ideias,
emoções e narrativas. Uma das descobertas mais fundamentais nesse
caminho foi a descoberta dos pigmentos, substâncias que, quando aplicadas a
uma superfície, proporcionam uma vasta gama de cores e tonalidades. Como
nos conta Barnett, Miller & Pearce(2016):

os pintores pré-históricos usavam os pigmentos disponíveis


nas proximidades de suas casas. Eram os chamados
pigmentos de terra, fuligem da queima de gordura animal e
carvão do fogo. As cores eram ocre amarelo, ocre vermelho e
preto. A água era o agente aglutinante e permitia que o
pigmento fosse borrifado pela boca ou pintado na superfície
usando os dedos como pincéis.

A origem dos pigmentos remonta a eras antigas, quando nossos ancestrais


buscavam cores em seu ambiente natural. A obtenção de pigmentos era
frequentemente um processo complexo e muitas vezes envolvia a trituração de
minerais, rochas e materiais orgânicos. Um exemplo notável dessa prática é o
uso do carvão, que pode ser usado como pigmento que proporciona o preto, e
certas rochas argilosas, que oferecem tonalidades amarelas e avermelhadas.
As culturas antigas exploraram seu ambiente para identificar recursos
pigmentares locais, o que levou ao desenvolvimento de uma paleta
diversificada de cores de acordo com os recursos presentes em cada região.

Na pré-história, os seres humanos usavam pigmentos naturais para criar


pinturas rupestres, decorar com grafismos objetos e artefatos, rochas e outras
superfícies. Essas pinturas eram uma expressão artística e cultural essencial
para essas sociedades antigas, embora seu significado original em seu
contexto tenha se perdido ao longo do tempo. Os artistas desenhavam e
pintavam usando pigmentos que eram misturados com água ou outros líquidos
para criar tintas. Essas tintas eram então aplicadas em paredes de cavernas,
rochas ou em objetos para representar cenas da vida cotidiana, animais, rituais
e narrativas.

Inicialmente, foi discutido com os estudantes a história dos pigmentos e


apresentadas imagens da arte rupestre presentes no Brasil. Logo, seguimos
para a primeira etapa de elaboração dos pigmentos, com a seleção de rochas
com capacidade pigmentar, e sua trituração manual, até que as partículas se
assemelhassem ao pó. Em seguida, foi produzido as primeiras tintas, usando
cola branca como aglutinante.
Processo Inicial de produção de pigmento (Outubro, 2023)
Foi produzido também, de maneira manual por cada estudante, o diário
de bordo, usado para registrar as cores, exercícios e as iconografias presentes
na arte pré-histórica estudada. Partimos então para o primeiro exercício prático,
a elaboração de uma paleta de cores e de gradação tonal entre o tom mais
claro até o mais escuro. É importante destacar que cada estudante possuía um
grau diferente de experiência e prática com a pintura, seguindo cada um ritmo
particular de experimentação com as tintas. Considero, como professor, que é
importante respeitar o tempo e desenvolvimento de cada estudante com um
determinado meio expressivo. É interessante perceber a curiosidade e um
certo espanto inicial dos estudantes sobre como as tintas e pigmentos são
produzidos, pois se usam materiais familiares, do cotidiano, que poucos
percebiam como propícios para sua utilidade na pintura.

Estudantes com seus diários de bordo (Outubro, 2023)

Apesar das dificuldades de diferentes ordens para possibilitar experiências


práticas de Artes nas escolas de ensino médio, é essencial que esta prática
esteja presente, pois é uma condição fundamental para que a aprendizagem
artística aconteça de forma sólida, permitindo ao estudante tenha mais domínio
e consciência sobre o seu processo de aprendizagem na disciplina.
Pigmentos produzidos pelos estudantes (Outubro, 2023)

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para Fusari e Ferraz “é o conhecimento da arte e sua elaboração que


deverá mobilizar contidamente o nosso caminhar com a formação estética e
artística junto a crianças e jovens na escola” (2009, pág. 37). Dessa forma, nos
alinhamos com a visão da educação que enfatiza a importância da
experimentação, da prática artística e do aprendizado por meio da ação. A
experimentação com a criação de pigmentos naturais e a produção de tintas
proporciona uma abordagem prática e tangível para a compreensão dos
processos artísticos e sua história.

Como nos fala Barbosa:

A contextualização sendo a condição epistemológica básica de


nosso momento histórico, como a maioria dos teóricos da
educação comprovam, não poderia ser vista apenas como um dos
lados ou dos vértices do processo de aprendizagem. O fazer arte
exige contextualização, a qual é conscientização do que foi feito,
assim como qualquer leitura como processo de significação existe
a contextualização para ultrapassar a mera apreensão do objeto.
(2009, pág. 33)

O fazer arte exige uma profunda contextualização, pois a criação


artística muitas vezes é uma resposta a questões culturais, sociais e históricas.
Um artista muitas vezes incorpora elementos do seu contexto cultural em sua
obra, e um espectador pode sentir a necessidade de entendimento desse
contexto para apreciar mais plenamente a arte. Desse modo, a atividade
prática foi essencial para contextualizar aos estudantes a história da arte pré-
histórica brasileira. Ao estudar e explorar os grafismos de culturas pré-
colombianas, o projeto buscou apresentar a riqueza da herança artística do
Brasil pré-colombiano e a diversidade cultural que existiu antes da chegada dos
europeus. Isso contribui para uma compreensão mais completa e crítica da
história e da cultura brasileira, pois como comenta Proust:

Os leigos costumam acreditar que a arte pré-histórica existiu apenas


na Europa ocidental; muitos livros didáticos reforçam essa crença ao
mencionar somente as grutas pintadas de Altamira, na Espanha, ou
de Lascaux, na Fraca. No entanto, essa opinião é completamente
errada(..); ocorrências possivelmente muito antigas estão sendo
analisadas também na América do Sul e Austrália. (2007, pág.10)

Além disso, o projeto buscou também possibilitar a autoexpressão como


uma maneira de se apropriar das formas estudadas. Os estudantes foram
incentivados a experimentar, a tomar decisões criativas e a explorar novas
maneiras de comunicar suas ideias e sentimentos. Aprenderam que a arte não
existe no vácuo; ela é moldada pelo contexto cultural, histórico e social em que
foi criada. Esse entendimento permite uma apreciação mais profunda e
significativa da arte, uma vez que vai além da mera apreensão visual.
3. Metodologia

A pesquisa qualitativa é uma abordagem valiosa para explorar em


profundidade as experiências e percepções dos estudantes. Essa metodologia
se concentra em compreender as nuances e motivações subjacentes a essa
experiências, ao invés de simplesmente quantificá-las.

Adotamos um diário de bordo para documentar as experiências práticas e


os estudos da arte pré-colombiana. Seguiu-se também a produção poética dos
estudantes. Os diários oferecem uma visão única do pensamento e experiência
dos estudantes ao longo do projeto, registrando suas percepções pessoais,
curiosidades e realizações. Esses diários funcionam como um espelho das
experiências individuais e contribuiram para a riqueza da pesquisa.

A pesquisa bibliográfica desempenha um papel fundamental no projeto,


fornecendo uma base teórica sólida para a compreensão da história da arte
pré-histórica brasileira e das culturas pré-colombianas. Ela permite que os
estudantes e pesquisadores aprofundassem seu conhecimento sobre os povos
e as manifestações artísticas que estudadas no projeto. Além disso, a
pesquisa bibliográfica ajuda a contextualizar as atividades práticas, ligando-as
a uma narrativa histórica e cultural mais ampla.

4. Discussão e Análise dos resultados

Um dos principais objetivos deste projeto foi propiciar um novo olhar para a
arte pré-histórica brasileira pelos estudantes, à medida que eles exploram
pigmentos naturais e técnicas de pintura. Esse processo aprofundou sua
compreensão da criação artística, enriquecendo seu repertório artístico e
impulsionando a criatividade. Os estudantes adquiriram uma apreciação
contextualizada da arte, conectando-a ao seu ambiente cultural, história e
identidade. Isso pode levar a uma maior valorização da diversidade cultural e
uma compreensão mais profunda da riqueza das tradições artísticas da nossa
cultura.

A visão eurocentrista da arte pré-histórica há muito tempo dominou a


narrativa histórica, concentrando-se nas icônicas pinturas rupestres da Europa
Ocidental, como as encontradas em Altamira, na Espanha, e Lascaux, na
Franca. No entanto, essa perspectiva limitada não reflete a diversidade e a
riqueza das expressões artísticas pré-históricas em todo o mundo. É
fundamental superar essa visão estreita e reconhecer a importância de
considerar a arte de outros lugares e culturas, como a do Brasil, dentro dos
currículos das escolas. Ao fazer isso, expandimos nossa compreensão da
história da arte e reconhecemos a existência de tradições artísticas igualmente
valiosas e antigas, como as representadas pelas culturas pré-colombianas
brasileiras. Essa abordagem mais aberta e inclusiva não apenas amplia nossa
apreciação da arte e da cultura, mas também promove o respeito pela
diversidade cultural e a valorização das contribuições de diferentes povos para
a herança artística em um panorama global.

A prática de criar pigmentos naturais a partir de rochas vai além do aspecto


artístico, com um profundo impacto na consciência ambiental dos estudantes. À
medida que eles se envolvem nesse processo, começam a perceber a íntima
ligação entre a arte, a natureza e a cultura. A trituração de rochas para obter
pigmentos naturais é um lembrete tangível de como a arte, ao longo da história,
frequentemente esteve intrinsecamente relacionada ao ambiente em que foi
criada. Isso ressalta a importância de reconhecer que a arte não é apenas uma
manifestação cultural, mas também um reflexo da interação entre a
humanidade e seu entorno natural.

Outro resultado importante a destacar é a participação ativa dos estudantes


em seu próprio aprendizado, à medida que tomam decisões criativas,
experimentam e exploram suas próprias ideias. Isso pode promover um senso
de responsabilidade e autonomia, capacitando os estudantes a se envolverem
ativamente em seu processo educativo.

5. Considerações Finais

Este projeto, que combina a prática da arte com a contextualização histórica


e cultural, demonstrou ser uma ferramenta poderosa para propiciar a
aprendizagem dos estudantes e promover uma compreensão mais significativa
da arte e da cultura. Os resultados alcançados destacam a importância de
oferecer oportunidades práticas e, permitindo que os estudantes
experimentem, explorem e criem, em vez de apenas acumular informações de
maneira passiva. Esta abordagem não apenas nutre habilidades artísticas, mas
também desenvolve a criatividade, o pensamento crítico e uma apreciação
mais abrangente da diversidade cultural.

A ênfase na contextualização e na conexão com a história da arte pré-


histórica brasileira e culturas pré-colombianas enriquece a experiência
educacional, promovendo uma visão menos eurocêntrica da arte. Ao desafiar
esta visão e valorizar a arte de diferentes lugares e culturas, este projeto
contribui para a promoção do respeito pela diversidade cultural e a valorização
das contribuições de diferentes povos para o patrimônio artístico.

A prática de criar pigmentos naturais a partir de rochas não apenas


enriquece a experiência artística, mas também incentiva a compreensão da
relação intrincada entre a arte, a natureza e a cultura. Isso não só promove
uma apreciação mais profunda do ambiente natural, mas também instiga o
compromisso dos estudantes com a preservação do patrimônio natural e
cultural, preparando-os para serem cidadãos conscientes e responsáveis. Em
resumo, este projeto procurou propiciar aos estudantes uma visão mais
abrangente das nossas tradições culturais e culturalmente conscientes das
complexidades sociais e políticas que atravessam nossa arte e cultura.
6. Bibliografia

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. São Paulo: 9 ed., Editora
Perspectiva, 2009.

BARNETT J. R., MILLER, S., & PEARCE, E. (2006). Colour and art: A brief
history of pigments. Optics & Laser Technology, 38(4-6), 445-453.

FUSARI, Maria F. de Rezendo e; FERRAZ, Maria Heloísa C. de Toledo.


Metodologia do Ensino de Arte: fundamentos e proposições. São Paulo: Editora
Cortez, 2009.

PROUS, André. Arte Pré-histórica do Brasil. Belo Horizonte: Editora C/Arte,


2007.
1
Licenciado em Artes Visuais, professor de Artes da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Alaíde Silva Santos.

2
Aluno do primeiro ano da Artes da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Alaíde Silva Santos.

3
Aluna do primeiro ano da Artes da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Alaíde Silva Santos.

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