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OS CERAMISTAS TUPIGUARANI
- Os Ceramistas Tupiguarani
Os Ceramistas Tupiguarani -
OS CERAMISTAS TUPIGUARANI
Volume 1
Apresentação
André Prous
· Considerações sobre a distribuição das sociedades tribais de filiação lingüística tupi-guarani no Estado de São
Paulo
Maria Cristina Mineiro Scatamacchia
- Os Ceramistas Tupiguarani
APRESENTAÇÃO
Esta obra coletiva nasceu quase de um acaso. Em 1998, estava terminando um longo ciclo de pesquisas de campo
no Vale do Rio Peruaçu. Depois de trabalhar muitos anos preferencialmente sítios em abrigos, mergulhado nos vestígios
deixados pelas populações mais antigas do Brasil central, analisando tecnologia lítica e arte rupestre, senti o desejo
de iniciar o estudo de novos grupos, abordar um passado menos remoto, enfim, descobrir outros horizontes. Estava na
hora de apresentar novos projetos de pesquisa a agências de fomento, quer ao CNPq, no Brasil, quer ao Ministère des
Affaires Etrangères, na França e, desta forma, abrir uma nova frente em minha vida profissional. Foi neste momento
que Alenice Baeta, minha colaboradora de longa data, encarregou-se do salvamento da área a ser inundada pela usina
hidroelétrica de Aimorés, no baixo Vale do Rio Doce. As primeiras prospecções localizaram quase exclusivamente
sítios tupiguarani.
A. Baeta propôs então uma parceria entre sua equipe e o Setor de Arqueologia da UFMG. Desta forma, enquanto
ela se responsabilizaria particularmente pelas áreas que seriam inundadas, os pesquisadores da UFMG poderiam
estudar os sítios da mesma região que não se encontravam diretamente ameaçados. Um intercâmbio permanente
de informações, de pessoas nas escavações e de pesquisadores em laboratório tornaria possível um estudo regional
integrado, cujos resultados poderiam ser mais abrangentes que os de um “salvamento” da zona ameaçada.
Desta proposta nasceu a idéia de elaborar um projeto (submetido ao CNPq e ao Ministério des Affaires
Etrangères) para estudar os Tupiguarani no estado de Minas Gerais, onde esta cultura pré-histórica tinha sido quase que
completamente deixada de lado nas pesquisas depois das pesquisas pioneiras do IAB no início dos anos 1970 (a parte
alguns trabalhos rápidos, como os de L. Kneip, interrompidos pelo falecimentos desta pesquisadora). Ao mesmo tempo,
a equipe de arqueologia da UFJF iniciava pesquisas em sítios desta tradição na região de Juiz de Fora, o que nos levou
a prever uma colaboração entre nossas duas Instituições.
O primeiro trabalho de campo da equipe da UFMG foi realizado no município de Conceição dos Ouros, em
dezembro de 2001, a convite da Prefeitura Municipal, através de Paulo Araújo de Almeida. Ao analisar o material
de um enterramento já escavado anteriormente nesta cidade por F. Lopes de Paula (IEPHA – MG), tivemos a surpresa
de observar desenhos - de uma complexidade e de uma qualidade absolutamente inesperadas - que decoravam uma
das vasilha da estrutura funerária. Passamos muito tempo tentando copiar os grafismos e fiquei persuadido de que,
encontrando-se, entre os habitantes desta região isolada do epicentro tupiguarani, uma pintora de tamanha capacidade,
deveria haver muitas outras no resto do país. Voltaram à minha memória as palavras de Jean de Léry, louvando no
século XVI as desenhistas tupinambá e decidi empenhar-me em resgatar este tesouro de cuja existência não podia
duvidar.
Pouco depois, tendo sido convidado por Tania Andrade Lima para compor uma banca no Museu Nacional,
conversei com esta pesquisadora a respeito do meu projeto. Com sua generosa colaboração, pude aproveitar os intervalos
entre as sessões da banca para analisar algumas das vasilhas então em exposição. Minhas suposições revelaram-se
certas: ao se dedicar preferencialmente a estudar os fragmentos provenientes de escavações, os arqueólogos tinham
deixado em segundo plano a riqueza de composição dos desenhos tupiguarani. Não que os pesquisadores gaúchos
(particularmente P. I. Schmitz, F. La Salvia e J. J. Brochado) não tivessem já observado os desenhos presentes nos
numerosos cambuchi do Brasil meridional, mas aqueles do litoral carioca que eu estava decifrando apresentavam uma
complexidade e uma qualidade bem superior. Mais tarde, soube que M. C. Scamattachia também tinha-se interessado
em analisar estes grafismos, mas sua tentativa não tinha ido adiante.
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Não me parecia haver sentido em estudar a pintura independentemente dos outros vestígios; eu não tinha,
porém, competência e muito menos recursos para estudar a cultura tupiguarani em todos seus aspectos e em toda sua
extensão geográfica. Desta forma, um projeto começou a tomar forma durante minhas conversas com a Dra. Andrade
Lima: porque não tentar congregar todos os estudiosos da cultura tupiguarani e elaborar conjuntamente uma obra que
permitisse a um mesmo tempo fazer um balanço dos conhecimentos atuais e abrir novas perspectivas?
No mês de junho seguinte, aproveitando o convite feito pelo Prof. Alexandre Felizola Diniz para ministrar um
curso em Aracaju, estudei as cerâmicas e os fragmentos pintados de várias coleções nordestinas de Sergipe, do Rio
Grande do Norte e da Bahia. O interesse e a boa vontade dos responsáveis pelos acervos, assim como a certeza de que
eu não conseguiria levantar todas as coleções do país levaram-me a pensar na elaboração de um catálogo coletivo das
vasilhas pintadas – e, na medida do possível, dos fragmentos mais característicos – com a participação dos curadores
das coleções ou de pessoas designadas por eles. As minhas viagens (ao MARSUL – RS, em dezembro de 2002 e ao
Rio de Janeiro, onde pude ter acesso irrestrito às coleções do IAB, do Museu Nacional – inclusive ao material inédito
escavado por A. Buarque - e da minha colaboradora L. Panachuk (que visitou várias coleções do estado de Santa
Catarina) permitiram amadurecer os procedimentos e elaborar um roteiro descritivo. T. Andrade Lima proporcionou
o levantamento da coleção tupiguarani e a realização por F. e W. Crancio de decalques das peças pintadas do Museu
Nacional. A colaboração decisiva de todos os que contatamos evidenciou a possibilidade de se levar adiante um
projeto coletivo, através do qual pensamos homenagear o grande especialista da cultura tupiguarani: José Proenza
Brochado.
Tendo aceito T. Andrade Lima meu convite para uma colaboração que levaria à co-edição de um livro sobre
os ceramistas Tupiguarani, formalizamos a proposta de uma publicação conjunta, convidando um grande número de
pesquisadores – inicialmente brasileiros e, mais tarde, uruguaios e argentinos. Uns foram encarregados de apresentar
uma síntese regional da cerâmica tupiguarani; outros, de tratar tão somente aspectos específicos desta cultura, enquanto
outros, ainda, foram encarregados de preparar um catálogo do material sob sua guarda ou facilmente acessível.
No XII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, realizado em São Paulo em setembro de 2003,
coordenamos ambos um simpósio, durante o qual um grande número de comunicações sobre a cerâmica tupiguarani
foi apresentado pelos nossos primeiros colaboradores; outros colegas ofereceram sua própria participação, reforçando o
grupo original. Desta forma, apesar de alguns sub-projetos iniciais não terem sido realizados, outros foram acrescentados,
levando ao resultado que ora apresentamos ao público.
Além da satisfação de ter contribuído para expandir os conhecimentos sobre os possíveis ancestrais diretos dos
indígenas que receberam os europeus na orla da Terra Brasilis e de ter aberto novas sendas de investigação, temos a
felicidade de ter reencontrado nossos colegas de longa data, desfrutado da sua confiança e da sua generosidade; de
ter encontrado, também, arqueólogos mais jovens que, esperamos, levarão adiante o trabalho que iniciamos. Espero
que estes três volumes cuja abertura é feita por mim e o fechamento T. Andrade Lima, possam mostrar à nova leva
de pesquisadores que é possível e frutífero trabalhar em conjunto, apesar das distâncias – sejam elas geográficas, de
orientação teórica ou de geração.
A todas e a todos, meus mais sinceros agradecimentos.
André Prous.
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Homenagem a um mestre , vida e obra
Os editores dedicam esta obra a José Proença Justiniano Brochado, pela sua
inestimável contribuição ao estudo dos ceramistas tupiguarani
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- Os Ceramistas Tupiguarani
José Proenza Brochado: vida acadêmica a Arquelogia Tupi
Francisco Silva Noelli
Universidade Estadual de Maringá
Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História
As disciplinas científicas são construídas graças às idéias e ao trabalho de muitos indivíduos. Alguns, por suas
peculiaridades e feitos, têm sua biografia acadêmica investigada e divulgada, como aqui é o caso do arqueólogo
brasileiro José Joaquim Justiniano Proenza Brochado, autor de uma obra relevante e de uma excelente síntese,
recentemente considerada como a “mais genial” sobre a Arqueologia Brasileira, “capaz de prover quadros orgânicos,
mesmo que provisórios, da história pré-colonial” (Funari, Neves e Podgorny, 1999:1).
Apesar de inúmeras razões para falar da pessoa antes do cientista, de quem sou amigo e colaborador há mais
de quinze anos, farei dessa curta biografia um resumo da sua vida profissional, visando, como sugere Eric Hobsbawn
(1991:41), um “meio de esclarecer alguma questão mais abrangente, que vai muito além da estória particular”. A
questão escolhida para esclarecer aqui é a diferença fundamental da abordagem que Brochado desenvolveu para
pesquisar o passado da cultura material dos povos Tupi, incluindo seus processos de dispersão geográfica, distinta da
abordagem empregada na famosa Tradição Tupiguarani, tema central deste livro.
Iniciarei com uma síntese dos 40 anos da vida acadêmica de Brochado. Depois comentarei suas principais idéias
dedicadas à dispersão geográfica e à cultura material dos povos Tupi. A fonte da biografia é essencialmente a obra do
homenageado, mas também aproveitei inúmeras informações e declarações ouvidas diretamente dele.
Brochado nasceu na cidade de Rio Grande, estado do Rio Grande do Sul, em 7 de março de 1936. Iniciou na
Arqueologia por acaso, em 1958, como amador, integrando o Centro Excursionista Rondon, fundado em 1942 por
jovens estudantes do Colégio Estadual Lemos Jr. para explorar a bela e arenosa região de Rio Grande (Brochado, 1962,
1969c; Almeida, 1993). Além de ter companheiros interessados no passado indígena e de viver num município com
rico patrimônio arqueológico (atualmente com 105 sítios registrados), Brochado frequentava assiduamente a Biblioteca
Riograndense, instituição com grande acervo de livros e periódicos sobre Arqueologia e Etnologia publicados do final
do século 19 aos meados do século 20 (onde também leu Literatura e História Grega e Romana em inglês, francês,
espanhol e italiano desde jovem).
Ao ingressar na universidade, Brochado já era servidor público federal, datilógrafo do Departamento Nacional de
Portos e Vias Navegáveis (DNPV), onde trabalhou dos 20 aos 29 anos. Nesse período, como autodidata em busca de
subsídios científicos para suas atividades amadoras, leu na Biblioteca Riograndense obras de Arqueologia e Etnologia
sobre o Brasil, Argentina e Uruguai e outros lugares, com foco direcionado para a Região Sul do Brasil. O resultado
das leituras apareceu na monografia Arqueologia descritiva das jazidas páleo-etnográficas da Região Sul do Brasil,
concluída em 1961 e impressa no ano seguinte, em edição limitada, pela Faculdade Católica Sul-Riograndense de
Pelotas, atual PUC de Pelotas (Brochado, 1962).
Em 1960, ingressou no curso de História da Faculdade Católica de Pelotas, mantendo seu trabalho no DNPV e
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viajando 100 km diariamente para estudar. No início de 1962 foi para Porto Alegre, ingressando na Universidade do
Rio Grande do Sul, atual Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para continuar a graduação, e transferindo-se
para o escritório do DNPV na capital gaúcha, onde trabalhou até 1967. A experiência de campo e o conhecimento
da bibliografia, aliadas a uma eloquência erudita e descontraída, atraíram a atenção do jovem catedrático, então um
arqueólogo amador em via de profissionalização, Pedro Inácio Schmitz, que promoveu Brochado, ainda graduando, a
instrutor de ensino da cátedra de Etnologia.
Após a formatura em 1963, foi contratado como auxiliar de ensino da cátedra de Etnologia, com dedicação
parcial (12 horas/semanais) para lecionar Etnologia Indígena e Antropologia Cultural, incluindo temas de Arqueologia
(Brochado, com. pessoal; Lewgoy, 1997:247; Teixeira, 1997:281). Em paralelo às aulas na URGS, devido ao baixo
salário do cargo, Brochado acumulou outros empregos como docente e no DNPV. Entre 1966 e 1967 esteve vinculado
ao Museu Estadual de Ciências Naturais do Rio Grande do Sul, para desenvolver pesquisas. Entre 1964 e 1968, lecionou
no ensino secundário, no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, a melhor escola pública de Porto Alegre na época. De
1965 a 1971 lecionou em faculdades privadas. Com a reforma do ensino em 1971 e com a expansão das vagas
docentes, Brochado passou ter apenas um emprego, como professor assistente no regime de dedicação exclusiva no
Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para lecionar no curso de Ciências
Sociais e, após 1985, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, até aposentar-se em 1991 como professor
adjunto. Em 1992, ingressou no corpo docente do Departamento de História da Pontíficia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (PUCRS), para lecionar Arqueologia, Pré-História Geral, da América e do Brasil na graduação e
na pós-graduação em História, até retirar-se do magistério em 1999, após 36 anos de dedicação. Sua relação com a
PUCRS começou antes de 1992, particularmente com o Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas (CEPA), então
coordenado pelo arqueólogo e irmão marista, prof. Guilherme Naue. Ali, sem vínculo empregatício, foi consultor e
reponsável pelo trabalho de laboratório de projetos isolados de arqueologia por contrato de 1985 a 1991.
Seu treinamento formal ocorreu nas décadas de 1960 e 1970, em diversos cursos, sob a orientação pesquisadores
renomados e, na maioria das vezes, foi colega de vários personagens que se destacaram na Arqueologia Brasileira e
Sul Americana. Em 1962 foi convidado por José Loureiro Fernandes, da Universidade do Paraná (atual UFPR), para o
curso de extensão “Arqueologia Pré-Histórica”, ministrado por Annette Laming-Emperaire, seu primeiro treinamento
científico em técnicas de campo e escavação, no sambaqui do Toral e no abrigo sob rocha Wobeto no Estado do
Paraná (Meneses, 1970; Chmyz, 2000). A partir de 1965 (até 1970), recebeu outro treinamento de técnicas de campo
e laboratório no Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas – PRONAPA, coordenado por Clifford Evans e Betty
Meggers. Entre 1966 e 1969 participou de dois cursos de especialização, para formação complementar em Arqueologia
e Antropologia, ministrados por Pedro I. Schmitz, na Faculdade de Filosofia de São Leopoldo, Rio Grande do Sul (atual
UNISINOS), complementados por pesquisas de campo. Entre 1972 e 1973, cursou outra especialização, orientado
por Eduardo Mário Cigliano, na Universidad Nacional de La Plata, na Argentina. Finalmente, entre 1977 e 1981, sob
orientação de Donald W. Lathrap, fez o doutorado na University of Illinois at Urbana-Champaign, Estados Unidos,
estando entre os primeiros brasileiros com o título de doutor em Arqueologia (Ph.D. in Anthropology).
Sua carreira de pesquisador universitário teve progressão acelerada. Seus primeiros passos foram em 1962, sob
a orientação de Schmitz, embora também um arqueólogo amador em busca de formação profissional, então autor de
três artigos (Schmitz, 1957, 1958, 1959), que aquele momento tinha sua educação formal em Arqueologia restrita a
um curso de curta duração na Universidad de Córdoba, Argentina. Juntos, entre 1964 e 1975, realizaram pesquisas
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em sítios isolados e projetos de maior envergadura em diversas áreas do Rio Grande do Sul e Goiás: 1) litoral norte
do Rio Grande do Sul (1965-1967); 2) Rio Grande e Pelotas (1966); 3) médio rio Jacuí (1973); 4) sudoeste de Goiás
(1974). Da colaboração resultaram apresentações em congressos e publicações (Brochado e Schmitz, 1976; Schmitz
e Brochado 1971-1972, [1972] 1981a, 1981b, 1982; Schmitz, Brochado e Barth, 1973; Schmitz et al, 1967, 1970a,
1970b). Brochado recorda que em 1962-63, acompanhou Schmitz em atividades de campo no município de Novo
Hamburgo.
Brochado integrou, entre o final de 1965 e 1970 o PRONAPA, onde avançou como pesquisador, recebendo
bolsa do CNPq, equipamentos, veículo e custeios anuais para executar projetos exploratórios no Rio Grande do Sul: 1)
vale do rio Ijuí; 2) vale do médio Jacuí; 3) vale do rio Ibicuí Mirim; 4) banhado do Colégio, rio Camaquã. Entre 1973 e
1974, após retornar da Argentina, voltou ao médio rio Jacuí junto com Schmitz, parcialmente financiados pelo CNPq
e IPHAN. Os resultados destas atividades também foram levados a congressos e publicados (Brochado, 1969a, 1969b,
1969c, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975; Brochado et al, 1969; PRONAPA, 1970; Brochado, Lazzaroto e Steinmetz,
1969; Schmitz, Rogge e Arnt, 2000).
A elaboração das publicações também resultou dos seus estudos complementares de formação acadêmica e
dos contatos nos congressos, nos quais teve a oportunidade de trocar informações e debater diversos temas. Durante
o PRONAPA participou de seminários nacionais e internacionais, com destaque para os ocorridos em Buenos Aires
(1966), Belém (1968), Lima (1970) e Washington (1973), onde aprofundou a troca de informações e realizou estudos
comparados dos materiais arqueológicos de diversas regiões do Brasil, da Argentina e do Uruguai, principalmente
sobre cerâmica. Também colaborou na elaboração da “Terminologia arqueológica brasileira para a cerâmica” (Chmyz,
1976:120), que estabeleceu linguagem e conceitos padronizados para descrever cerâmicas arqueológicas no Brasil,
sobretudo as indígenas, que são usados até hoje.
Sua trajetória científica mudou a partir de 1973, após a conclusão da especialização na Argentina e o contato
com as idéias de Donald Lathrap (figura 1), distanciando-se momentaneamente da prática de campo e voltando-se
para a busca de uma nova interpretação para as questões que mais lhe interessavam, pois Brochado entendia que era
preciso levantar novos problemas. Seu projeto seguinte foi bibliográfico e iniciou em 1974, com o objetivo de investigar
a adaptação ecológica dos Guarani no Rio Grande do Sul e o consumo da mandioca na américa do Sul (Brochado,
1977, [1975] 1981c). Merece destaque seu livro Alimentação na floresta tropical, cuja análise sistemática sobre a
agricultura, os equipamentos e os modos de consumir a mandioca no continente influenciou diversas interpretações
sobre a subsistência dos povos agricultores estudados pelos arqueólogos brasileiros na década de 1980. Também
interessava-se pela busca de novas explicações sobre a distribuição dos povos ceramistas no leste da América do Sul,
sobretudo os Tupi (Brochado, 1975, 1980a). Em 1975, Brochado começou a elaborar o projeto de doutorado, iniciado
em 1977, com uma bolsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) e, posteriormente, da CAPES.
Como veremos adiante, essa nova fase desencadeou mudanças importantes em Brochado, ampliando seus
conhecimentos e renovando suas interpretações sobre os processos de criação cultural relacionados com a cerâmica
e, secundariamente, com a agricultura no leste da América do Sul. Das novas pesquisas resultaram vários estudos
relevantes de impacto teórico e empírico em nível internacional (Brochado, 1980b, 1984, 1989, 1991a, 1991b;
Brochado e Lathrap, 1980). Seu mestrado foi concluíndo em 1980, com a dissertação Social ecology of the Marajoara
Culture; e o doutorado foi concluído em 1984, com a tese An Ecological Model of the Spread of Pottery and Agriculture
into Eastern South America.
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José Brochado (esquerda) e Donald Lathrap (c. 1980)
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De volta ao Brasil, Brochado iniciou uma pesquisa para ampliar o conhecimento sobre a cerâmica Guarani,
que se estende até o presente. A primeira etapa dos estudos (1985-1989) foi desenvolvida em parceria com Fernando
La Salvia, então vinculado à PUCRS, e incluiu alunos de graduação. Este trabalho resultou do projeto de arqueologia
por contrato no alto rio Uruguai, coordenado por La Salvia e Guilherme Naue, onde Brochado atuou no Rio Grande
do Sul e Santa Catarina (sob a coordenação de Marilandi Goulart, da UFSC). Encarregado do laboratório, Brochado
procurava novos critérios para a análise morfológica das vasilhas, a partir de medidas encontradas em coleções de
vasilhas inteiras (La Salvia e Brochado, 1986). O objetivo era verificar se havia padrões nas formas das vasilhas,
abandonar o método Ford e a análise centrada apenas na descrição de antiplástico, de tratamento de superfície e outros
aspectos mensuráveis no fragmento cerâmico. O principal resultado foi o livro Cerâmica Guarani (La Salvia e Brochado,
1989), com uma abordagem voltada para a compreensão da forma e dos aspectos funcionais das vasilhas dentro de
uma perspectiva histórica e etnográfica, que trouxe avanços relevantes à compreensão dos contextos arqueológicos e
culturais Guarani.
Com a descoberta das informações taxonômicas e funcionais sobre as vasilhas Guarani no dicionário seiscentista
de Antonio Ruiz de Montoya (1639), Brochado encontrou a chave para a compreensão definitiva da morfologia e
dos padrões construtivos das vasilhas. Foi o passo decisivo para iniciar o estudo dos aspectos funcionais (até então
ignorados) e de categorias êmicas (até então desconhecidas), dando continuidade às suas pesquisas sobre a alimentação
e uso das vasilhas. O trabalho incluiu levantamento nas fontes históricas para buscar dados sobre os contextos em que
as vasilhas eram produzidas e usadas, e deu espaço para o treinamento de estudantes que somaram aos projetos em
desenvolvimento, com destaque para Gislene Monticelli, a aluna (depois colega e colaboradora) mais importante nessa
etapa da vida acadêmica de Brochado. Esta pesquisa levou Brochado a identificar: 1) tipologia de formas; 2) classes
funcionais de vasilhas; 3) padrões nas regras de construção; 4) proporções de tamanho em cada classe; 5) relações entre
classes e tratamentos de superfície (Brochado, Monticelli e Neumann, 1990; Brochado e Monticelli, 1994; Monticelli,
1996). Em que pese o avanço desta abordagem, a maioria dos trabalhos publicados no Brasil após 1989, relacionados
com a cerâmica Guarani, prosseguiram com o método Ford.
Em 1986 Brochado continuou a orientar alunos de iniciação científica e especialização com bolsas do CNPq
e FAPERGS, tanto para integrar partes de suas pesquisas com La Salvia, quanto para acolher interesses diversos dos
alunos que lhe procuravam como orientador. Antes de 1986, especialmente entre 1967 e 1976, também orientou
iniciação científica, mas apenas um tornou-se arqueólogo, Sérgio Leite, técnico e pesquisador do Museu Antropológico
do Rio Grande do Sul. Dentre os que tiveram seus interesses pessoais contemplados, posso citar eu mesmo e vários
outros, com destaque para aqueles que acabaram produzindo publicações em parceria com Brochado (Brochado
e Noelli, 1992, 2002; Noelli e Brochado, 1998; Brochado e Lima, 1994). No meu caso, entre 1987-1990 (estágio
voluntário e iniciação científica) e 1993-1994 (bolsa recém-mestre), sempre como bolsa da FAPERGS, fui orientado por
Brochado em pesquisas sobre o contexto das atividades cotidianas dos Guarani, com objetivo de estudar a função das
vasilhas cerâmicas e outros artefatos, a produção de alimentos, especialmente os agrícolas, aprofundando as temáticas
pesquisadas por Brochado após 1975 (Noelli, 1992a, 1992b, 1993, 1994, 1995, 1996a, 1996b, 1997, 1998a, 1998b,
1998c, 1999a, 1999b, 2000a, 2000b, 2000c, 2001; Noelli e Landa, 1991, 1993, Noelli e Dias, 1995; Noelli e Soares,
1997a, 1997b, Montardo e Noelli, 1995; Landa e Noelli, 1997; Noelli e Silva, 1997; Noelli e Brochado, 1998; Noelli,
Trindade e Simão, 2001; Noelli et al, 2002; Noelli et al, 2003).
De acordo com Brochado, foi Maria Cristina Mineiro Scatamacchia, do MAE-USP, quem gentilmente lhe apresentou aquelas informações
históricas. Contudo, Brochado teve o mérito e a percepção ímpar de reconhecer naquela fonte os elementos etnográficos que levariam ao con-
texto cultural da elaboração e do uso das vasilhas, que passaram despercebidos por gerações de pesquisadores que leram Montoya.
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Após ingressar no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS (1985) e no Curso de Mestrado
e Doutorado em História Ibero-Americana da PUCRS (1992), Brochado orientou diversas dissertações (Côrrea, 1989;
Monticelli, 1995; Montardo, 1995; Peixoto, 1995; Landa, 1995; Jacobus, 1996; Schaan, 1996; Assis, 1996; Soares,
1996; Reis, 1996; Barbosa, 1999). Não fui orientado por Brochado, porque ingressei no curso antes da PUCRS contratá-
lo, mas discuti intensamente o trabalho com ele (Noelli, 1993). Vários alunos de mestrado e doutorado que não eram
seus orientandos também recorreram intensamente aos seus conselhos. Com a sua aposentadoria involuntária, várias
orientações de mestrado e doutorado em andamento foram transferidas para outros professores no final de 1999.
Entre 1997 e 2001, principalmente em parceria com Gislene Monticelli, Brochado foi consultor de projetos de
arqueologia por contrato no Rio Grande do Sul, produzindo relatórios e abrindo espaço para a iniciação científica.
Em todos os projetos foi consultor ou responsável pelo laboratório, especialmente pela análise da cerâmica, onde
desenvolveu, testou e aperfeiçou o seu método de análise (ver relatórios nas referências bibliográficas). Sua publicação
mais recente foi um longo verbete sobre os povos Tupi, no volume 7 da Encyclopedia of Prehistory (Brochado e Noelli,
2002). Atualmente há dois trabalhos em fase de elaboração, um livro sobre a alimentação Guarani (Noelli e Brochado,
m.s.) e uma atualização da metodologia de análise da cerâmica Guarani (Brochado, Monticelli e Noelli, m.s.).
Conhecer a origem, os processos históricos e culturais do Homo sapiens e das suas populações específicas é
objetivo comum da Arqueologia em todo o mundo. No Brasil a primeira pesquisa relevante desta temática foi na década
de 1830, quando Karl von Martius formulou sua hipótese sobre a origem e a dispersão geográfica dos Tupi, atraindo
gerações de estudiosos que ampliaram e revisaram a temática, com destaque para Karl von den Steinen, Ladislau Neto,
Hermann von Ihering, Erland Nordenskjöld, Alfred Métraux, Aryon Rodrigues, Clifford Evans, Betty Meggers e Donald
Lathrap. Brochado encerra a eminente lista, impondo-se como o divisor de águas para a compreensão da expansão
Tupi (cf. história das pesquisas em Noelli, 1996a, 1998a). O resultado destes estudos mostra que a gênese cultural Tupi
constitui-se de elementos Amazônicos, conservados na dispersão pelo leste da América do Sul.
Considero que a história da pesquisa sobre a origem e a expansão Tupi divide-se em cinco partes até 1984.
A primeira foi a percepção da unidade lingüística dos povos Tupi, descoberta por Martius ([1839] 1867), delineada
por von den Steinen (1886) e sistematizada por Rivet ([1924] 1952) e Loukotka (1935, 1939, 1950). A segunda foi a
abordagem etnológica da cultura material de Erland Nordenskjöld (1924, 1930) e, principalmente, Alfred Métraux
(1928), que deram massa à estrutura reconhecida na 1ª etapa e introduziram a teoria do difusionismo e do histórico-
culturalismo para explicar as semelhanças entre os povos Tupi. A terceira foi a revisão lingüística de Aryon Rodrigues
(1958, 1964, 1984-85), que demonstrou as relações genéticas entre as línguas da família Tupi-guarani e das demais
famílias Tupi, que são aperfeiçoadas até o presente (Moore e Storto, 2002). A quarta, iniciada no final do século 19, é
a incorporação das informações arqueológicas por Ladislau Neto e Herman von Ihering. Mais tarde foi introduzida a
abordagem difusionista, como objetivo de marcar e datar os pontos geográficos das “rotas de migração”, estabelecer
Fui orientado (agosto de 1990 a fevereiro de 1993), como bolsista do CNPq, pela Profa. Dra. Paula Caleffi Giorgis, que me deu inteira liberdade
para desenvolver a pesquisa de mestrado.
Brochado não incluiu estudos de organização social, embora tenha usado como inspiração as idéias de Branislava Susnik (1975) sobre os
processos sociais e políticos na expansão dos Tupi-guarani. A inclusão destes estudos serão necessários em futuro próximo, pois a renovação de
grande impacto liderada por Eduardo Viveiros de Castro e colegas (1986, 2002; Viveiros de Castro e Cunha, 1993; Fausto, 2001) é indispensável
para introduzir a questão das diferenças entre os Tupi. Recentemente a obra de Susnik foi analisada em detalhe por Oliveira (2002).
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conjuntos regionais e horizontes arqueológicos, inicialmente liderada por Clifford Evans e Betty Meggers, extendendo-
se até o presente sob a perspectiva da Tradição Tupiguarani (inclui dados anteriores a 1965). A quinta é a hipótese de
Lathrap (1970a, 1970b) sobre a pressão demográfica como razão da saída da Amazônia, principal ponto de partida de
Brochado.
A tese de doutorado de Brochado é marcada por uma preocupação distinta daquela que moveu Meggers, Evans
e seus discípulos brasileiros, sendo o trabalho em que reuniu/repensou/recolocou as explicações das cinco partes
enumeradas acima, e criou uma proposição e uma abordagem distinta do modelo da Tradição Tupiguarani. Explicar esta
distinção é fundamental neste livro, aproveitando a oportunidade para demarcar claramente as diferenças científicas.
A Tradição Tupiguarani
O princípio norteador da Tradição Tupiguarani não tem por objetivo estabelecer a continuidade entre contextos
arqueológicos e culturais, seguindo o pressuposto “tratar a cultura de uma maneira artificialmente separada dos seres
humanos”, enunciado por Meggers (1955:129). Com outra perspectiva e na direção oposta, Brochado (1984:1) começa
sua tese de doutorado com a antítese de Meggers, escrevendo que “se não forem estabelecidas relações entre as
manifestações arqueológicas e as populações que as produziram, o mais importante terá se perdido”.
Brochado propôs seu modelo a partir da: 1) distribuição geográfica histórica dos falantes Tupi; 2) relação genética
entre as línguas do tronco Tupi; 3) distribuição geográfica das cerâmicas arqueológicas da Tradição Policroma Amazônica
(TPA); 4) distribuição geográfica e temporal das datações das cerâmicas da TPA. Distanciou-se da postura adotada pelos
idealizadores do PRONAPA na medida em que não restringiu seus horizontes a uma análise dos dados arqueológicos
propositalmente dissociados dos contextos culturais. Agindo ao contrário, em busca da associação, o foco de Brochado
era procurar estabelecer a continuidade entre o contexto arqueológico e o contexto cultural.
Seguindo a proposta histórico-cultural de Willey e Phillips (1958), a estratégia operacional do PRONAPA foi
pragmática em 1965, para contornar a insipiência dos pesquisadores brasileiros e o escasso conhecimento arqueológico
do Brasil. O PRONAPA formou um campo científico (Funari, 1994; Roosevelt, 1995) e implantou novas categorias
explicativas, livres da arraigada tradição de partir de aspectos etnográficos para abordar os registros arqueológicos.
Reduzir o escopo da metodologia e adotar uma abordagem exploratória sumária, foi a alternativa de Evans e Meggers
para evitar complicações e cumprir o objetivo de revelar rotas de difusão da cerâmica em 5 anos (1965-1970). O
pragmatismo mostrou-se acertado, permitindo rápida cobertura de vasta região, localizando e pesquisando mais de
1.500 sítios sob único critério. O resultado da exploração foi positivo, com o reconhecimento de conjuntos de registros
arqueológicos chamados de tradição e das articulações espaço-temporais que revelaram a existência de distintos
horizontes arqueológicos. Simpatizantes prontamente adotaram o método e ampliaram a área explorada, numa prática
empregada até hoje no Brasil e países sul-americanos.
O uso do conceito de tradição foi estratégico e trazia a metodologia da vanguarda da Arqueologia norte-americana,
pouco antes de ser suplantada pela Nova Arqueologia (que levou cerca de 15 anos para chegar ao Brasil). A meta era
revelar a extensão geográfica, a profundidade temporal e o desenvolvimento cultural das tradições, configurando
um período que na história da Arqueologia Americana ficou conhecido como “histórico-classificatório” (Willey e
Sabloff, 1980). O embasamento teórico do PRONAPA foi o difusionism o europeu, com maior visibilidade que o neo-
evolucionismo norte-americano, do qual apropriou-se apenas de conceitos chaves (horizonte, tradição e fase) para
orientar as pesquisas, deixando de lado a ênfase na classificação evolutiva das sociedades.
Para o PRONAPA, tradição era um “grupo de elementos ou técnicas, com persistências temporal” (Terminologia,
1966, 1976:145), uma adaptação simplificada do conceito original de Willey e Phillips (1958:37): “tradição arqueológica
Os Ceramistas Tupiguarani - 15
é uma continuidade temporal, representada por configurações continuadas de tecnologias individuais ou outros sistemas
de formas relacionadas”.
Tradição reúne unidades menores, locais ou regionais, chamadas de fase. Para o PRONAPA, fase é “qualquer
complexo de cerâmica, lítico, padrões de habitação, etc., relacionado no tempo e no espaço, num ou mais sítios”
(Terminologia, 1966, 1976:131). Também foi uma simplificação de Willey e Phillips (1958:22), para quem fase
configurava como:
“uma unidade arqueológica, que possui traços suficientemente característicos para distinguí-la de
todas as outras unidades concebidas do mesmo modo, quer da mesma, quer de outras culturas ou
civilização (ou tradições), limitada espacialmente à ordem de grandeza de uma localidade ou região
cronologicamente limitada a um espaço de tempo relativamente breve”.
Para rotular os registros arqueológicos dos Tupi, mas evitando qualquer relação com a etnologia e a lingüística
(Brochado et al, 1969e:10), o Programa criou em 1969 o conceito “tradição Tupiguarani”, sem o hífen que caracteriza
o conceito etnológico Tupi-guarani tradicionalmente usado no meio americanista desde sua proposição em 1886 por
Karl von den Steinen (Noelli, 1996a:12). “Tradição Tupiguarani” foi uma ferramenta de fácil aplicação, especialmente
projetada para classificar fragmentos cerâmicos, sendo um ícone do PRONAPA:
“Tradição Tupiguarani. Uma tradição cultural caracterizada principalmente por cerâmica policrômica
(vermelho e ou preto sobre engobo branco e ou vermelho), corrugada e escovada, por enterramentos
secundários em urnas, machados de pedra polida, e, pelo uso de tembetás”. (Terminologia, 1969:8,
1976:146)
Considerando a variação na freqüência dos registros arqueológicos das fases, “baseada primariamente sobre
evidência cerâmica” (Brochado et al, 1969e:20), em 1969 a tradição Tupiguarani foi dividida em 3 subtradições:
pintada, corrugada e escovada. Por exemplo:
“Subtradição Pintada. Uma variedade da Tradição Tupiguarani, caracterizada, no seu conjunto
cerâmico, pela predominância da decoração pintada sobre as decorações corrugada e escovada.
(Terminologia, 1969:7)”.
As demais subtradições tiveram definição idêntica, considerando o predomínio do corrugado ou do escovado.
Estas classificações e a descrição da cerâmica ainda são praticadas sob a forma original da Terminologia arqueológica
brasileira para a cerâmica, mas, eventualmente, como se pode ver em alguns capítulos deste livro, são acrescentadas
novas definições e propostas de análise.
Está claro que a função da tradição Tupiguarani é descrever, datar, posicionar no espaço e classificar certos
registros arqueológicos, caracterizando-se como uma clássica abordagem exploratória (Neves, 1988). Seu maior mérito,
no espírito histórico-cultural, foi contribuir na definição das rotas de difusão da cerâmica e identificar os tipos de
ambientes ocupados (Evans, 1967; Evans e Meggers, 1965; Meggers e Evans, 1973, 1978), sem o propósito de resgatar
os processos históricos e sociológicos das sociedades. A importância desta abordagem foi demonstrar que no imenso
território, “apesar das fases componentes desta tradição [Tupiguarani] divergirem na presença, freqüência relativa e
combinação de traços [da cerâmica], todas mostram a mesma cultura geral” (Brochado et al, 1969e:18). Tão importante
quanto a unificação metodológica, foi a comparação sistemática dos registros arqueológicos de regiões diferentes,
incluindo outros países da América do Sul onde Evans, Meggers e colaboradores trabalhavam (Meggers, 1985, 1992).
A larga escala da área estudada e a comparação revelaram que a extensão geográfica da Tradição Tupiguarani era
maior que a imaginada antes de 1965 (Outes, 1917; Lothrop, 1932; Howard, 1947, 1948; Watson, 1947; Willey, 1949;
Menghín, 1957; Silva e Meggers, 1963; Meggers, 1963; Evans e Meggers, 1965).
16 - Os Ceramistas Tupiguarani
Os dados rotulados como Tradição Tupiguarani, embora necessitem de relativização e calibrações diversas,
sempre servirão como ponto de partida para pesquisas com outras abordagens. Mesmo que a abordagem do PRONAPA
não possibilite com toda a plenitude uma interpretação processual, pós-processual ou de outra vertente mais recente,
constitui um legado que não pode ser ignorado e que serve como referência empírica sobre os conjuntos de registros
arqueológicos de ampla distribuição geográfica. Creio que é antropologicamente correto ter à disposição mapas de
sítios Tupiguarani, ao invés de apenas registros sem rótulo que não se pode analisar e interpretar, a exemplo dos
chamados sítios cerâmicos ou lito-cerâmicos, como se constata atualmente em muitas publicações, dissertações,
teses, relatórios e no banco de dados do IPHAN, a maioria da década de 1990, que impedem de se estabelecer a
relação, mesmo que provisória, de continuidade entre contexto arqueológico e cultural.
Em que pese o fato de Brochado (1984:29) ter passado a opor-se a metologia do PRONAPA, ele sempre defendeu
a necessidade de aproveitar os dados gerados sob a interpretação pronapiana. É preciso lembrar que antes de rever seus
conceitos e posições em meados da década de 1970, Brochado seguiu o Programa de modo diligente e exemplar entre
1966 e 1973, sendo um dos membros mais destacados cientificamente. Tanto, que há pouco tempo foi considerado por
Pedro I. Schmitz, como o autor da “melhor síntese dos resultados” do PRONAPA (Silva et al., 2002:293). Esta síntese
foi publicada em duas partes, originalmente integrantes do trabalho de conclusão da especialização de La Plata. Uma
parte é o artigo Migraciones que difundieron la Tradición Tupiguarani (Brochado, 1973b), a primeira publicação do
Programa a cumprir a meta de definir as rotas de difusão da cerâmica Tupiguarani. Ela mostra a distribuição geográfica
da Tradição Tupiguarani e demarca rotas da difusão cerâmica (figura 2), numa versão utilizada até hoje por alguns
arqueólogos que trabalham com os conceitos de subtradição pintada, corrugada e escovada. A outra parte está no
artigo Desarrollo de la tradición cerámica Tupiguarani (A.D. 500-1800) (Brochado 1973c, 1981a), que cumpriu com
diligência o outro objetivo pronapiano, de compreender a escolha dos ambientes pela Tradição Tupiguarani.
Apesar de ter feito a melhor síntese do PRONAPA e ter dedicado sua tese a Clifford Evans, a quem devota
grande admiração, os novos rumos intelectuais de Brochado depois de 1973 resultaram em diferenças que afastaram
os pronapianos. O fato dele ter ido para o doutorado com Donald Lathrap acrescentou ingredientes políticos às
diferenças científicas, pois Lathrap era o grande rival de Meggers e Evans, cujos duelos acadêmicos foram notórios
na década de 1970 e contribuíram para polarizar grupos na comunidade americanista.
A mudança de Brochado surgiu da necessidade de alcançar uma teoria mais ampla, que considerasse elementos
antropológicos, históricos, sociológicos e biológicos, indo além da abordagem exploratória limitada à localização,
descrição, classificação de fragmentos e da reprodução das teorias do determinismo ecológico. Na direção dos avanços
da Arqueologia Internacional, Brochado queria conhecer os processos históricos e culturais das sociedades e suas
estratégias econômicas e ecológicas, de uma forma que o projeto de Meggers e Evans não pretendeu alcançar.
Brochado teve em Donald Lathrap o incentivo para investigar e desenvolver modelos de continuidade entre
os contextos arqueológicos e culturais dos Tupi, depois extendidos para outras culturas. Ele conheceu as idéias de
Lathrap em 1973, no livro The Upper Amazon, achando exemplo e inspiração para mergulhar definitivamente no rico
e controverso ambiente americanista. Distanciando-se da bonomia e da empiria pronapiana, Brochado foi às fontes
primárias da arqueologia, da etnologia, da história e da lingüística histórica comparada, crendo que o debate sobre as
diferenças fariam a Arqueologia brasileira avançar (com. pes. Brochado).
A partir daqui, em razão do espaço, centrarei a narrativa em duas das linhas de pesquisa de Brochado, sobre
Os Ceramistas Tupiguarani - 17
a origem e os processos de dispersão geográfica dos Tupi e a relação entre a forma e a funcionalidade da cerâmica
Guarani e Tupinambá.
Foram as teorias de Lathrap sobre a origem da cerâmica Tupi que atraíram Brochado, por representarem uma
perspectiva oposta em vários aspectos às teorias de Meggers (cf. relato de Carneiro, 1995, sobre as críticas à Meggers
nas décadas de 1960 e 1970). Lathrap propunha a Amazônia central como “berço de socidades complexas e foco da
difusão cultural” (Viveiros de Castro, 2002:329). O pilar da teoria de Lathrap é a hipótese de que o aumento contínuo
da pressão demográfica no centro da Amazônia resultou num permanente e centrífugo exôdo populacional em várias
direções, atingindo áreas distantes e dispersando artefatos e práticas agrícolas criados no interior da Amazônia (figura
3). A inspiração difusionista é notória nesta teoria, especialmente por considerar o uso do rio Amazonas e dos seus
afluentes e várzeas como caminho principal da difusão da cerâmica e como fornecedor do suporte alimentício que
possibilitou o crescimento demográfico.
18 - Os Ceramistas Tupiguarani
Modelo das expansões, conforme Lathrap (1970)
Lathrap buscava uma alternativa humanista ao modelo padrão do determinismo ecológico de Julian Steward,
que na versão de Meggers (1954, 1971) propunha as limitações ambientais como motor das migrações (posteriormente
ela agregou os efeitos climáticos [seca] sobre a vegetação como motor da dispersão Tupi-guarani: Meggers, 1975,
1977, 1979, 1994; Meggers e Evans, 1973, 1978). Enquanto Lathrap acreditava que as relações sociais e a criatividade
humana para adaptar-se ao ambiente geraram a diferenciação cultural, Meggers apostava que a diferenciação resultou
do empobrecimento cultural imposto pela floresta tropical. Meggers desenvolveu o modelo padrão e ainda defende a
origem extra-continental e andina da cultura e da complexidade social (Meggers, 2000), considerando que o ingresso
na floresta tropical simplificou gradativamente as características andinas até atingir níveis mais baixos, tal como a
hipótese degeneracionista de Martius em meados do século 19 (Noelli, 1996a, 1998a).
A interpretação de Lathrap sobre as seqüências de desenvolvimento da cerâmica sul americana e a sua busca por
modelos de continuidade entre contexto arqueológico e cultural, foram motivos adicionais que atraíram Brochado, que
se tornou um parceiro importante de Lathrap na pesquisa sobre a criação e difusão da cerâmica na América do Sul.
Em última instância, ambos procuravam a trajetória do desenvolvimento tecnólogico e artístico, da “sucessiva criação,
separação, evolução e ramificação de estilos e tradições cerâmicas” (Brochado, 1989:69). Este objetivo foi cumprido
Os Ceramistas Tupiguarani - 19
em parceira na síntese Amazonia (Brochado e Lathrap, 1980), monografia ainda inédita de 131 laudas datilografadas,
onde apresentam uma interpretação da referida trajetória. Por outro lado, na tese, Brochado desenvolveu o modelo de
continuidade entre o contexto arqueológico e cultural Tupi sugerido por Lathrap (1968, 1970a, 1970b), demonstrando
os elementos necessários para relacionar a Tradição Tupiguarani com as populações Guarani e Tupinambá, e consolidar
novas rotas de expansão.
A colaboração entre Brochado e Lathrap também privilegiou dois aspectos que não integravam a perspectiva
do PRONAPA. Primeiro, a verificação da continuidade entre o contexto arqueológico e o cultural, especialmente
fora da Amazônia. Segundo, a criação de uma explicação arqueológica mais completa para a origem e a expansão
Tupi, orientada por modelos lingüísticos, considerados a melhor alternativa face às lacunas da Arqueologia brasileira.
Ao contrário da maioria dos arqueólogos brasileiros, que raramente utilizaram dados lingüísticos em suas pesquisas,
Brochado atribui grande peso a estas informações, sempre que possível considerando-os simétricos aos registros
arqueológicos, fortemente inspirado por Lathrap.
É importante comentar as idéias de Lathrap que influenciaram Brochado, que não foi um simples reprodutor, mas
um parceiro que contribuiu de modo relevante para desenvolvê-las.
A análise comparada das evidências cerâmicas arqueológicas da América do Sul conhecidas até 1969,
especialmente na região amazônica, e das informações botânicas relativas à agricultura, levou Lathrap à especulação
de que a Tradição Policroma Amazônica (TPA) foi criada pelos proto-Tupi, também responsáveis pela sua difusão a
partir do médio Amazonas (que então chamou de Tupi-guarani, baseado em Aryon Rodrigues, 1958). Considerando
a Amazônia Central a “terra natal” da TPA, Lathrap sugeriu a hipótese de que ali as datações eram mais antigas que
outras regiões da América do Sul (Lathrap, 1970a). Por outro lado, procurando as relações entre as tradições e estilos
cerâmicos, Lathrap sugeriu que a TPA seria uma derivação/transformação recente de um ramo da Tradição Barrancóide
(TB ou Tradição Incisa e Modelada), representada pela subtradição Guarita, com a substituição gradual dos modelados
e das incisões em linha larga por pintura policroma, mantendo inicialmente os motivos decorativos típicos da TB
tardia e as suas formas mais simples. Depois a pintura aparece progressivamente diferenciada nos campos decorativos,
retendo a característica dos motivos em voluta (Lathrap, 1970a:156; Brochado, 1984:319-320; Brochado e Lathrap,
1980). Posteriormente, desenvolvendo estas hipóteses, Brochado sugeriu que as variações da TPA ocorreram junto com
as derivações genéticas que resultaram nas diferentes línguas do tronco Tupi.
O modelo comparativo de Lathrap estabeleceu parâmetros para a referida seqüência “criação, separação, evolução
e ramificação de estilos e tradições cerâmicas”, partindo do pressuposto da origem unilinear da cerâmica sul americana.
Lathrap baseou-se em exemplos de outros continentes, considerando necessário equalizar o modelo arqueológico
com o lingüístico para ampliar a compreensão das seqüências que corresponderiam às mudanças culturais. Com esta
solução Lathrap explicou a seqüência que resultou na diferenciação da TB para a TPA e, posteriormente, da TPA para
a subtradição Guarita, sugerindo que as mudanças arqueológicas teriam paralelo com a deriva genética da língua
ancestral que teria gerado o proto-Aruák e o proto-Tupi (Lathrap supôs que os proto-Aruák criaram a TB). Amparou-
se em Noble (1965), sobre a origem comum proto-Aruák e proto-Tupi, e em Rodrigues (1958), sobre as derivações
genéticas da família Tupi-guarani, concluindo ser “provável que o proto-aruák-tupi-guarani sejam aparentados, e é
certo que eram pelo menos muito afins, em época imediatamente anterior à sua dispersão” (Lathrap, 1970a:76).
Apesar de ainda não ter sido publicada, a versão datilografada de Amazonia sempre circulou e foi muito citada pelos especialistas daquela
região.
Quinze anos após a publicação de The Upper Amazon e um ano após Brochado defender sua tese, Rodrigues (1985) invalidou a hipótese de
Noble e demonstrou que o proto-Karib seria a proto-língua geneticamente mais próximo do proto-Tupi. De acordo com Rodrigues, o proto-Aruak
não apresenta parentesco genético com o proto-Tupi.
20 - Os Ceramistas Tupiguarani
A influência dos lingüístas é notória, mas existe um gap entre os centros de origem Tupi de Lathrap e de Rodrigues.
O último sugeriu o sudoeste da Amazônia, atual Estado de Rondônia, baseado no princípio da lingüística histórica de
que a área de concentração do maior número de famílias lingüísticas filiadas a um tronco lingüístico tem mais chance
de ser a região de origem. Lathrap, imaginando que o centro da Amazônia reunia as condições mais favoráveis para
a criação tecnológica, para as descobertas botânicas e que seria um caminho natural de difusão, levantou a hipótese
de que a região da foz do rio Madeira seria a “terra natal dos Tupi”. Todavia, a hipótese de Rodrigues continua atual
e, talvez, a mais correta, pois agora entende-se como mais provável que as famílias lingüísticas de fora de Rondônia
saíram, ao invés das situadas dentro serem de outra região (Moore e Storto, 2002:80). Em que pese a necessidade de
testes, ajustes e pesquisas, esta hipótese possui mais consistência que a hipótese original de Martius ([1839] 1867) sobre
a origem Tupi no Paraguai, também pensado como a região por onde os ancestrais dos Tupi vieram dos Andes. Contudo,
o Paraguai e a Bolívia não apresentam as seqüências arqueológicas com os atributos que compõem a cerâmica Tupi,
nem as línguas da família Tupi-guarani de origem às demais línguas Tupi (Rodrigues, 1964, 1984-85, 2000).
É importante ressaltar que o recurso à lingüística histórica para pensar a origem Tupi foi a alternativa encontrada
por Lathrap para superar as lacunas arqueológicas na Amazônia central (que ainda persistem, apesar dos lentos
avanços naquela imensidão geográfica). Independentemente da margem de erro, o papel da hipótese lingüística é
apontar balizas consistentes na ausência dos dados arqueológicos, necessárias para calibrar uma aproximação “mais
correta” da área de origem. A hipótese que estas evidências sugerem, indica como muito provável que a origem foi
em algum lugar do quadrante sudoeste da Amazônia meridional. Ao sugerir o médio Amazonas e a foz do Madeira,
Lathrap tinha consciência do caráter provisório da sua hipótese, passível de teste e correção (Brochado, com. pessoal,
1987). As primeiras pesquisas de alto nível no médio Amazonas (Hackenberger, Neves e Petersen, 1998), mostram
que a seqüência pensada por Lathrap e Brochado é mais recente (ca. 900 D.C.) e possui cortes abruptos ao invés do
desenvolvimento gradual TB → TPA → Guarita → Miracangüera. É provável que a seqüência cerâmica seja diferente
da originalmente proposta, estando em aberto a relação proto-Tupi → TPA e a seqüência que resultou nas variações da
TPA, cujos elos remotos de ligação com as seqüências que lhe deram origem ainda são precariamente conhecidos.
É provável que a origem seja em outra parte da Amazônia, mas onde? A hipótese de que a TPA foi concebida pelos proto-
Tupi ainda não foi testada/comprovada e carece de base empírica, em que pese as cerâmicas Guarani e Tupinambá
terem elementos decorativos que são evidência concreta da sua ligação com a TPA. Contudo, resta esperar por uma
pesquisa de comparação estatística dos atributos das cerâmicas policromas do leste da América do Sul, para verificar
a(s) seqüência(s) de desenvolvimento e dispersão geográfica e aperfeiçoar o modelo proposto por Brochado e Lathrap
na monografia Amazonia.
A questão da antigüidade da origem do proto-Tupi não foi resolvida arqueologicamente por Lathrap e Brochado,
mas eles apontaram um caminho consistente para refletir sobre o tema. A falta de informações da Amazônia central
reduziu a precisão deste aspecto da pesquisa deles, levando-os a usar as sugestões dos lingüístas como uma alternativa
às tradicionais especulações deterministas despidas de dados. Eles passaram a usar como referência a seqüência
cronológica, os processos de formação das línguas como indicador do surgimentos das populações e as reconstruções
de vocabulários das proto-línguas que eram índice positivo da presença de traços culturais, co mo a cerâmica, as
plantas e outros itens da cultura material.
Rodrigues (1964) sugeriu que a origem do proto-Tupi foi 5.000 A.P. e que, um dos seus desdobramentos
originou o proto-Tupi-Guarani ao redor de 2.500 A.P. Estas datas sugeriram a Lathrap e Brochado que as seqüências de
desenvolvimento da cerâmica seriam mais antigas que as poucas datações conhecidas para a TPA no médio Amazonas
no final da década de 1970. Em todo caso, eles restringiram-se a sugerir que a origem ocorreu a partir de 500 A.C.
Os Ceramistas Tupiguarani - 21
(Lathrap, 1970a:156; Brochado, 1984:319-320, 1989:73), correspondendo aos 2.500 A.P. estabelecidos por Rodrigues.
Contudo, as datações obtidas fora da Amazônia, mais os avanços da lingüística e da etnobiologia mostram que a
origem dos Tupi é tão antiga como sugeriu Rodrigues, bem como a cerâmica e a agricultura os acompanhou desde o
princípio.
Por outro lado, Meggers e Evans (1973:57) e aqueles que lhes seguiram, defenderam a posição de que os falantes
do proto-Tupi não eram agricultores, sugerindo que a antigüidade da separação proposta por Rodrigues começou
“quando os falantes eram ainda pré-agricultores e ainda não fabricavam cerâmica”. Contudo, a manutenção desta
posição é uma generalização que não considera o contexto de todos os dados e hipóteses conhecidos sobre os Tupi
até o presente.
As descobertas posteriores a 1973 confirmaram a teoria de Lathrap e Brochado e debelaram a teoria de Meggers
e Evans. As datações recuaram para origem da cerâmica na Amazônia para 8.000 A.P. (Roosevelt et al, 1992). Para a
agricultura existem datações próximas de 10.000 A.P. (Piperno e Pearshall, 1998; Stothert et al., 2003), a exemplo do
caeté, das abóboras, da cabaça, da araruta e da batata-doce. A mandioca e o amendoim já alcançam 8.400 A.P.; as
favas chegam a 5.000 A.P. e o milho deverá alcançar 5.300 A.P. na Amazônia (com várias datas a partir de 7.000 A.P.
na costa do Equador). Estas decobertas tornam acertadas as reconstruções de Rodrigues (1988), tanto para as plantas de
agricultura quanto para a cerâmica (o vocábulo panela atesta que a cerâmica integra a tralha doméstica desde o proto-
Tupi). Uma amostragem parcial demonstra que a taxonomia e a função das vasilhas são constantes em várias línguas
Tupi (Tabela 1):
O conjunto de todos os dados conhecidos pela Arqueologia e por outras disciplinas sugerem que a origem dos Tupi e dos Tupi-Guarani pode
ser ainda mais antiga que a hipótese de Aryon Rodrigues.
22 - Os Ceramistas Tupiguarani
Os dados desta tabela, por mais incompleta que se encontre, mostram padrões inquívocos de semelhança
que reforçam reconstruções como a de Aryon Rodrigues e os princípios da lingüística histórica, indicando que este
fenômeno explica-se pela antigüidade da presença da cerâmica no proto-Tupi, ao invés da difusão tardia. E se as
vasilhas já existiam com estas funções, como é provável, a agricultura já estava presente, uma vez que as vasilhas
foram projetadas para cumprir funções específicas, especialmente a talha e o copo usados para o consumo do cauim.
A desconfiança comumente demonstrada pelos arqueólogos diante destes dados deveria ser arrrefecida, pois eles são
um ponto de partida muito mais consistente que as tradicionais concepções brasileira arraigadas apenas em idéias
despidas de fundamentação empírica.
Outra frente de trabalho reforça a teoria de Rodrigues e abre um novo leque de possibilidades. A ecologia
histórica dos povos Tupi-guarani, na linha de pesquisa dos “aspectos culturalmente construídos da ecologia” realizada
por William Balée (1995, 2000; Balée e Moore, 1991, 1999), com densos estudos comparados, revela a persistência e
a manutenção do conhecimento etnobotânico tradicional desde, pelo menos, o proto-Tupi-guarani.
As datações arqueológicas de fora da Amazônia contribuem para reforçar as teorias de Lathrap e Rodrigues,
indicando que dentro da Amazônia serão encontradas datas mais antigas. Deve-se pensar que “dentro da Amazônia”
não significa somente o centro e, deixando de lado os determinismos, tampouco apenas junto às várzeas e grandes rios.
Outras áreas e ambientes precisam ser analisados no futuro. Em todo caso, a posição das evidências arqueológicas,
lingüísticas e históricas, predominantemente encontradas ao sul do rio Amazonas, tornam esta imensa área a principal
candidata onde se localizará um dia a “terra natal” dos proto-Tupi.
O PRONAPA e outros projetos revelaram um denso mapa arqueológico Tupi fora da Amazônia, nas Regiões
Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, incluindo o nordeste da Argentina, Paraguai Oriental, partes do
Uruguai e Peru Oriental. Estas regiões incluem os extremos da expansão Tupi e diversas datações confirmam que
antigüidade do proto-Tupi e do proto Tupi-guarani é um fato, não apenas uma hipótese. O conjunto de datas (Brochado,
1984; Buarque, 1995; Martín, 1997; Etchevarne, 2000; Oliveira e Viana, 2000; Morais, 2000; Noelli, 2000; Pärssinen,
2003), mostra que áreas próximas dos extremos da expansão estavam ocupadas por falantes das línguas Tupi-guarani
(Guarani e Tupinambá) há pelo menos 1.000 A.P. (p. ex.: Piauí, Rio de Janeiro, médio rio Uruguai, médio rio Paraná)
e, em alguns pontos, há mais de 1.500 A.P. (Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Departamento de Chuquisaca,
Bolívia). Este horizonte mostra que a hipótese dos 2.500 anos de antigüidade do proto-Tupi-guarani são corretos, mas
indica que podem ser mais antigos. O mesmo princípio serve à antigüidade do proto-Tupi, estimada em 5.000 anos.
Se os Tupi levaram a cerâmica policroma aos extremos da sua expansão há 1.500 anos, também é muito provável que
ela possui datas mais antigas quando se aproxima da possível zona de origem, não sendo descabidos os 4 ou 5.000
anos. Então, além da necessidade de se obter mais datações, outro problema está completamente em aberto, que é a
velocidade da expansão dos Tupi.
A explicação da distribução geográfica dos povos Tupi é baseada, a partir de Martius, no princípio de que eles
se irradiaram a partir de uma região de origem comum. Desde então, o grande desafio foi descobrir as rotas dessa
irradição, explicadas como fenômenos de migração, difusão e expansão (Cf história das pesquisas In: Noelli, 1996a,
1998a, 1999b).
A primeira contribuição de Brochado nesta temática foi a síntese Migraciones que difundieron la Tradición
Tupiguarani (Brochado, 1973b), uma complexa análise descritiva que cumpriu com excelência o objetivo do PRONAPA
de conhecer as “rotas migratórias” da cerâmica dos Tupi. A importância deste trabalho e dos resultados do PRONAPA
Os Ceramistas Tupiguarani - 23
para história da pesquisa sobre os Tupi, reside no fato de que pela primeira vez se apresentou uma base arqueológica,
incluindo a cronologia com 14C, para um campo onde havia predominado a informação histórica e etnológica.
A base do trabalho foi a elaboração do mapa da distribuição dos sítios com as fases Tupiguarani, interpretado a
partir do método de seriação (Ford, 1962; Meggers e Evans, 1970). Com a análise da distribuição de 52 datas por 14C e
outras por termoluminescência, foi possível estabelecer o sentido das “rotas migratórias”. Além disso, Brochado incluiu
uma análise comparada do tratamento da superfície das cerâmicas, para descrever com maior precisão a “evolução da
tradição ceramista Tupiguarani”. Brochado (1973b:10) seguiu Métraux (1927, 1928), considerando que ele “descreveu
rotas muito semelhantes às que propomos aqui partindo dos dados arqueológicos” (figura 3). Em parte, isto explica o
uso do Paraguai como a região onde partiram as migrações:
“Uma das migrações dirigiu-se primeiramente ao leste, até a costa atlântica, de onde uma parte
subiu para o norte até a desembocadura do Amazonas, remontando este rio e seus tributários, e
outra desceu até o sul pela costa. Outra rota havia descido pelo Paraná até o rio da Prata. (Brochado,
1973b:10)”
Embora não cite no artigo, Brochado também seguiu o modelo de Meggers (1963), em que a rota de difusão da
cerâmica policroma tinha quase o mesmo sentido sugerido por Métraux, saindo do Paraguai em direção ao litoral sul-
brasileiro, de onde ia para o norte. A figura 4 ilustra o sentido da rota de difusão proposto por Meggers, e representa o
modelo clássico da difusão das cerâmicas a partir dos Andes.
Vale a pena destacar dois aspectos do modelo. Primeiro, que ele foi concebido sem considerar relações com
outras tradições ceramistas e que sua interpretação estava de acordo com a concepção arraigada da origem andina e
paraguaia dos Tupi. Segundo, que a sua interpretação estava implicitamente alinhada com as idéias degeneracionistas
de que a cultura entrava em decadência e ficava gradativamente mais simples dentro da floresta tropical. A interpretação
de uma contínua transição dos tratamentos Pintado → Corrugado → Escovado, de acordo com a clássica teoria de
Julian Steward (via Betty Meggers), imaginava que ocorreu um processo de simplificação de cerâmicas originalmente
sofisticadas (pintadas) que foram introduzidas no Paraguai através dos Andes bolivianos.
Considerando a cronologia das fases que constituíam as subtradições Pintada, Corrugada e Escovada, Brochado
sugeriu que houve uma involução dentro da Tradição Tupiguarani (de fato, uso o conceito “evolução”). A subtradição
Pintada seria a mais antiga, seguida da Corrugada e da Escovada, que se propagariam por “ondas migratórias”. As
datações mais antigas estavam no sul, e as mais recentes ao norte, concordando com o modelo original de Meggers
e Métraux. Além disso, o resultado da seriação também concordava com as datas (Brochado, 1973b:14-15). As datas
levaram Brochado a interpretar que houveram “distintas velocidades de dispersão e distintos momentos de partida”
desde “um centro comum”. As datas lhe permitiram interpretar que o intervalo entre as partidas não foi muito grande
e, para explicar a dispersão por uma área tão vasta, propor que a “velocidade de propagação teve de ser muito alta”.
Na subtradição Pintada o intervalo seria “mais lento”, de 300 e 400 anos, enquanto que nas demais subtradições
o intervalo seria menor, com cerca de 200 anos, “sugerindo uma migração explosiva”. É interessante mostrar que
Brochado (1973b:15) procurou, ao contrário dos demais pronapianos, explicar que;
“a transmissão de uma tradição ceramista através deste espaço imenso, sem a intervenção de
portadores humanos, isto é, sem a hipótese de uma migração, implicaria forçozamente na existência,
ao longo de todo o percorrido, de povos ainda sem cerâmica ou, com uma cerâmica rudimentar, mas
num nível tecnológico suficente para recebê-la e que estivessem dispostos a aceitá-la imediatamente
e a transmití-la sem demora ao grupos seguintes, sempre copiando-a o mais fielmente possível. Não
há nenhum fundamento para sustentar esta hipótese, posto que o ímpeto migratório dos grupos de
fala Tupi-Guarani [...]” é bastante conhecido”.
24 - Os Ceramistas Tupiguarani
Figura 3: Mapa das “migrações Tupiguarani”
Os Ceramistas Tupiguarani - 25
Esta citação resume uma idéia que seria
desenvolvida mais tarde por Brochado, quando repensou
os modelos difusionistas tradicionais e distanciou-se do
ideário do PRONAPA. Com base nas fontes históricas e
na densidade regional de sítios arqueológicos, Brochado
(1989:80) sugeriu que o processo de colonização
dos Tupi seria como um “enxameamento”, onde os
movimentos “não eram exatamente migrações, no
sentido de que as regiões de onde saíram não ficaram
vazias, pelo contrário, as populações continuavam
crescendo até o ponto de obrigar a saída de novas vagas
humanas”. Estava se baseando no princípio de que o
sistema social dos Tupi, especialmente dos povos Tupi-
guarani, “só eram efetivos para manter a coesão até um
certo tamanho da população, o que facilitava a saída
de famílias extensas, as quais se afastavam para formar
novos grupos locais”.
O conhecimento sistemático e aprofundado das
fontes coloniais abriu um novo horizonte para Brochado,
que percebeu a extensão geográfica e demográfica
dos Guarani e Tupinambá ao tempo da chegada dos
europeus. De forma que pôde superar o modelo padrão
do determinismo ecológico, que considerava apenas a
existência de populações isoladas e pequenas vivendo
nos ambientes ecologicamente limitados da floresta
tropical. Com a percepção do padrão Tupi-guarani
Figura 4: Rotas de difusão da cerâmica policroma, segundo de colonização e de grande densidades espalhadas
Meggers (1963) em redes regionais, distingüindo-se da hipótese da
migração, Brochado foi um dos pioneiros da revisão da
História Indígena que floresceu na década de 1990 e
que hoje está em franco desenvolvimento em todo o continente.
Estas idéias propostas na tese de doutorado contribuíram decisivamente para a revisão do modelo de 1973. A redefinição
da região de origem foi fundamental para o estabelecimento das rotas de expansão. Vimos que a proposição da Amazônia
como “terra natal” foi baseada em elementos arqueológicos e lingüísticos consistentes, ao passo que a proposição do Paraguai
não possuía nenhum dado empiricamente demonstrável, salvo a opinião de Martius e daqueles que lhe seguiram.
As subtradições também foram descartadas por Brochado, que demonstrou que os tratamentos de superfície
da cerâmica Guarani são, de fato, relativos a funcionalidade ou, eventualmente, devidos a ausência de matérias-
primas (La Salvia e Brochado, 1989; Brochado, Monticelli e Neuman, 1990; Brochado e Monticelli, 1996; Brochado,
comunicação pessoal, 1990). A principal justificativa que motivou Brochado a desenvolver uma nova abordagem,
deve-se ao fato de que o método Ford está restrito apenas a uma avaliação serializada da ausência ou da presença dos
tratamentos de superfície e do antiplástico, sem ter interesse pela relação que estes tratamentos tem com a forma e com
a função das vasilhas e sem ter o objetivo de investigar o contexto arqueológico.
26 - Os Ceramistas Tupiguarani
A consideração da funcionalidade e do contexto cultural, como veremos adiante, levaram Brochado à percepção
de que diferentes tratamentos de superfície da cerâmica eram variantes do estilo tecnológico e de funcionalidades
diferenciadas, longe de resultarem de processos de evolução [ou involução] no âmbito da cultura Tupi como sugeriam
os modelos gerais de seriação de Ford (1962) e Meggers e Evans (1970). As conclusões de Brochado resultaram de
20 anos de estudos sobre a função das vasilhas cerâmicas, associados ao uso das plantas de agricultura e aos seus
contextos culturais, enquanto que a maioria dos que trabalhavam com a Tradição Tupiguarani passaram este mesmo
tempo apenas reproduzindo o método Ford. Tal como demonstram os lingüístas e os estudiosos da ecologia histórica
no âmbito da família Tupi-guarani, Brochado sugere que se deve testar a hipótese de que as vasilhas possuem o mesmo
estilo tecnológico e servem às mesmas funções desde pelo menos o proto-Tupi-guarani. Também sugere, detalhando e
aperfeiçoando as idéias de Lathrap, que o desenvolvimento tecnológico da TPA teria ocorrido no proto-Tupi ou, mesmo
antes, em razão da necessidade de criar os artefatos necessários para processar alimentos oriundos da agricultura e de
definir o cardápio padrão dos Tupi (Brochado, comunicação pessoal, 1990).
A proposição do novo modelo das rotas de expansão do Tupi tem como ponto de partida o sudoeste da Amazônia
(Brochado, 1984). O mapa de distribuição dos sítios arqueológicos estava montado desde 1973, mas foi revisto e
atualizado pelas novas perspectivas e com os dados disponíveis até 1983. O estabelecimento da continuidade entre
os contextos arqueológicos e culturais, relacionando e sobrepondo criteriosamente mapas arqueológicos e históricos,
resultou em duas direções principais a partir da região de origem amazônica (figura 5).
Uma foi relativa aos falantes da língua Guarani, situados no Brasil meridional, Estados de Mato Grosso do Sul,
oeste de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; no Paraguai oriental, no nordeste da Argentina e em
partes do Uruguai. A falta de pesquisas impôs uma lacuna considerável, relativa ao Mato Grosso, Goiás e Rondônia. O
caminho principal da rota de expansão em direção ao sul teria começo na bacia do rio Madeira, descendo pela bacia
do rio Paraguai, passando para a bacia do Paraná no Mato Grosso do Sul, de onde iria para a Região do Sul do Brasil,
Argentina e Uruguai.
A outra foi relativa ao falantes da língua Tupinambá, situados ao longo da costa atlântica e das bacias dos rios que
desaguam no oceano, sobretudo nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil. A grande lacuna situa-se na região do baixo
Amazonas, e da sua foz até o litoral piauiense. Em todo caso, Brochado considerou as evidências registradas na bacia
do Xingu, no interior do Piauí, de outros estados nordestinos e de Minas Gerais.
Brochado não realizou, por falta de dados, a análise das rotas de expansão dos povos falantes das demais línguas
do tronco Tupi, num total de 58, deixando para o futuro a integralização e revisão do modelo da expansão dos Tupi.
Finalmente, uma outra contribuição relevante de Brochado (1984, 1989) e que precisa ser testada, é a noção
de redes regionais. Tanto os Guarani quanto os Tupinambá, como se constata nas fontes coloniais, formavam redes
regionais interligando os assentamentos em larga escala geográfica. A vizinhança destas redes ligava, nos casos Guarani
e Tupinambá, lugares tão longínquos quanto a foz do Rio da Prata, o litoral do Rio Grande do Sul, o litoral do Rio
Grande do Sul, o interior de Minas Gerais, de Goiás e São Paulo (Noelli, 2004). É muito provável que o fluxo de pessoas,
coisas e idéias no interior das redes foi a justificativa principal das semelhanças dos registros arqueológicos, do sistema
tecnológico da cerâmica e, conforme os cronistas e burocratas coloniais, das sociedades, da língua e da cultura.
A contribuição de Brochado neste tema é relevante. Ele abandonou o método Ford e os pressupostos de Meggers
e Evans, valorizando a forma, os tratamentos de superfície, a funcionalidade, os contextos arqueológico e cultural, as
informações históricas, etnográficas e lingüísticas disponíveis. Inicialmente pesquisou as técnicas e utensílios usados
Os Ceramistas Tupiguarani - 27
Figura 5: Rotas de expansão dos povos Tupi, conforme Brochado (1984)
28 - Os Ceramistas Tupiguarani
no processamento da mandioca, em termos continentais (Brochado, 1977). Depois pesquisou nas fontes históricas a
função das vasilhas entre os Tupinambá (Brochado, [1980] 1991). Por fim, realizou uma série de estudos nas fontes
históricas sobre os Guarani, percebendo com mais clareza e detalhe, em razão das semelhanças com os Tupinambá,
um padrão cultural comum. A similaridade levou-o à pesquisa sobre as vasilhas inteiras e à constatação da existência
de um sistema tecnológico que ditava o padrão das formas (La Salvia e Brochado, 1986, 1989; Brochado, Monticelli e
Neuman, 1990; Brochado e Monticelli, 1996; Brochado e Noelli, 1998). A metodologia criada por Brochado apareceu
no livro Cerâmica Guarani, escrito em parceria com Fernando La Salvia em 1989.
O PRONAPA, como vimos acima, havia concluído que a cerâmica Tupi demonstrava ser confeccionada sob
“uma cultura geral”. Mas limitou-se à descrição do tratamento de superfície e à seriação das porcentagens encontradas
nas amostras sem ter interesse no contexto cultural e nas vasilhas inteiras, salvo alguns pesquisadores que fizeram uma
classificação prévia de tipos de formas inteiras, como Chmyz (1977) e Schmitz (p. ex.: Schmitz et al., 1990).
No caso Guarani, Brochado conseguiu revelar um complexo conjunto de normas que orientavam a elaboração
das vasilhas e demonstrar que havia classes específicas para funções determinadas. Tive a oportunidade de mostrar
(Noelli, 2000a) que estas classes, ao menos em termos taxonômicos-funcionais, estão ordenadas sob um padrão comum
para as línguas da família Tupi-guarani (cf. acima a tabela 1).
Brochado abriu uma nova perspectiva para compreender e explicar o fato de a cerâmica Guarani possuir um
estilo tecnológico padronizado sob regras rigorosas, reproduzidas ao longo de quase 2 mil anos em uma área tão vasta.
Sua perspectiva é similar àquela que encontramos em Dobres y Hoffman (1994:211), que entendem que tecnologia
significa não “apenas o meio material de fazer artefatos, mas é um fenômeno cultural dinâmico devido à ação social, à
visão de mundo e à reprodução social”. Brochado e La Salvia (1989:165), sugeriram que o estudo da cerâmica “deve
preocupar-se com o contexto cultural. Embora partindo de fragmentos, não devemos encará-los somente como tal, mas
como documentos explícitos de um tipo de comportamento em função de diversas variáveis”.
Além disso, outra mensagem de “Cerâmica Guarani” é pioneira na arqueologia brasileira. É a idéia da contínua
transmissão de informações e comunicação entre as pessoas como fator que explica a semelhança e a padronização
da cerâmica, tal como sugeriram Schiffer e Skibo (1987:595), como “um corpus de artefatos, comportamentos e
conhecimentos transmitidos de geração a geração, e utilizados nos processos de transformação e utilização do mundo
material”. Esta noção é de fundamental importância para a compreensão do estilo tecnológico da cerâmica e para
abrir o caminho para o emprego de dados lingüísticos e históricos nas analogias em relação ao contexto arqueológico.
Neste aspecto, Brochado pensava como Reedy e Reedy (1994:304), que o estilo tecnológico é “a maneira pelo qual
os indivíduos fazem o seu trabalho, incluindo as escolhas feitas por eles no que refere aos materiais e técnicas de
produção”. Também seria bom recordar, com Hegmon (1992), que estilo refere-se a um determinado modo de fazer
algo ou alguma coisa, e que este modo de fazer encerra escolhas determinadas entre várias alternativas.
A compreensão dos padrões que dão forma às vasilhas Guarani foi percebida através da forma dos segmentos,
observando-se da base para a borda, que compõem suas paredes. Segundo Brochado e La Salvia (1989:116),
“Tem-se a impressão que as ceramistas Guarani concebiam as vasilhas como um empilhamento de
zonas ou segmentos horizontais bem demarcados. A partir dessa identificação é que desenvolvemos
um sistema para a descrição das vasilhas, baseados na divisão de segmentos ideais”
Dessa forma eles estabeleceram um critério mensurável, baseado na geometria, afastando-se das simplificações
usuais (e ainda vigentes) que levam a reducionismo e erro significativo na reconstrução das formas a partir de fragmentos
de borda. Foram medidas cerca de 150 vasilhas inteiras e milhares de fragmentos, permitindo a conclusão de que as
tentativas tradicionais de descrever a cerâmica comparando-a diretamente com sólidos geométricos não era a mais
apropriada, exceto as tigelas em forma de calota de esfera. Brochado e La Salvia (1989:166), concluíram que “não
Os Ceramistas Tupiguarani - 29
existem vasilhas cuja forma se aproxime sequer suficientemente de esferas, cones, elipsóides, etc., para justificar a
comparação”. Para superar esta deficiência propuseram um método para a descrição e análise dos “segmentos de
formas das vasilhas Guarani” (Brochado e La Salvia, 1989:117-119), devendo-se:
“considerar que a produção Guarani está dentro de uma possibilidade de arranjos de segmentos
conhecidos e, uma vez identificados e isolados, poderemos, talvez, estabelecer a ‘a lei da produção
das vasilhas’ : o que era possível e o que não era permitido (grifo meu)”
Considerando as formas das vasilhas e a taxonomia Guarani, Brochado reconheceu 6 classes principais: 1)
yapepó (panela); 2) cambuchi (cántaro ou talha); 3) ñaetá (caçarola); 4) ñaé (prato); 5) cambuchí caguabã (copo ou
taça); 6) ñamopyú (torrador). A forma destas classes possui variações segundo uma ordem de combinações de segmentos
(“unidades padrão de formas definidas que sobrepostas, darão o contorno da vasilha”, Cf. La Salvia e Brochado,
1989:116). Para a nomenclatura, Brochado e La Salvia seguiram Sheppard (1956), definindo três classes estruturais com
onze divisões de formas:
1. não restringidas, as quais podem apresentar contornos: 1) simples; 2) compostos; 3) infletidos; 4) complexos;
2. restringidas: 5) simples; e dependentes, com contorno: 6) infletido; 7) composto; 8) complexo;
3. restringidas independentes com contorno: 9) infletido; 10) composto; 11) complexo.
Os pratos, copos/taças, caçarolas e torradores são mais freqüentes na classe 1 e as panelas e talhas pertencem
as classes 2 e 3. A base das vasilhas é principalmente cônica, arredondada ou plana, ocorrendo em todas as classes.
O tratamento da superfície é dividido em cinco técnicas principais, que às vezes estão combinadas: 1) alisado; 2)
corrugado; 3) ungulado; 4) pintado; 5) escovado. O alisado é mais comum nas vasilhas que não vão diretamente ao
fogo, como os pratos, copos e talhas. O corrugado é mais comum nas vasilhas que vão ao fogo, como as panelas,
caçarolas e torradores, mas também ocorrem nas talhas e pratos. O ungulado é mais comum nas vasilhas de tamanho
menor, especialmente nos pratos (eventualmente estão misturadas aos outros tipos de tratamentos). O pintado (preto
ou marrom e vermelho sobre engobo branco) é comum nas vasilhas que não vão ao fogo, como as talhas e os copos,
usadas para servir e tomar as bebidas fermentadas alcoólicas. O escovado é usado como o corrugado. Ainda se
conhece a incisão, os estampados, os acanalados, os nodulados e os roletados. É provável que, algumas vezes, a falta
de matérias corantes para o pintado obrigou à opção por outros tratamentos de superfície, como em certas amostras de
talhas corrugadas, alisadas ou escovadas.
As classes possuem tamanhos distintos, preliminarmente divididos em grandes, médios e pequenos, mas feitos
sempre com uma regra de proporção para a forma do corpo. As panelas e talhas podem ter até um metro de altura e
conter até cerca de 100 litros, sendo as maiores vasilhas Guarani. As caçarolas também chegam a diâmetros de 60/70
cm por 25 cm de altura, e contêm até 10/12 litros. Uma panela pode conter 10 ou 100 litros, mas a sua forma altera-
se apenas na proporção maior ou menor (Brochado, Neumann e Monticelli, 1990). Parece que o tamanho da vasilha
varia com o contexto e com seu dono: 1) a panela maior se usava para fazer o cozido da família extensa; a menor
para a família nuclear; 2) o prato pequeno seria individual e o grande, coletivo; 3) o copo pequeno seria individual e
30 - Os Ceramistas Tupiguarani
o grande, um aparato de prestígio pessoal (os Guarani valorizavam o grande bebedor, que às vezes poderia ser chefe,
líder religioso, conselheiro, guerreiro, etc).
Ainda não são conhecidas todas as funções das vasilhas e nem se completou o sistema de classificação, que necesita
de novos estudos estatísticos e complemento da análise química dos restos orgánicos encontrados nos fragmentos e
nas vasilhas inteiras. Os tamanhos médios, as miniaturas, as formas intermediárias e os tipos fora do comum ainda não
possuem classificações e funções seguramente definidas, que aguardam a continuidade das pesquisas.
Considerações finais
A vida acadêmica de Brochado teve três fases importantes. Primeiro temos a transição da prática amadora para
a formação acadêmica. O amador autodidata que elaborou uma monografia supreendente, se comparada aos textos
brasileiros publicados no começo da década de 1960, que mudou de cidade em busca de uma formação melhor e
acaba aceito pelo jovem catedrático e passa a lecionar na melhor instituição da sua região. A seguir a possibilidade
de ir mais adiante, com a oferta de uma posição como pesquisador de um grande projeto liderado por dois eminentes
arqueólogos, na melhor oportunidade de pesquisa da época. Depois, mudando novamente o rumo, passando a
pesquisar e militar no campo do “adversário”, em um momento em que a polarização marcava a vida acadêmica e
política no Brasil.
As mudanças intelectuais, totalmente gravadas nas suas publicações, são a demonstração da mais genuína
vocação científica, da contínua busca pelo aperfeiçoamento, da marca indelével de um pesquisador de ponta.
O seu maior feito foi transcender o contexto paroquial que dominava o meio acadêmico brasileiro nas décadas
de 70 e 80, deixando fluir para o texto uma série de hipóteses e teorias à frente do seu tempo, à margem das
perspectivas dominantes. Brochado teve o mérito de rever e reordenar o que já existia, de propor um novo quadro
orgânico para os processos que resultaram nas sociedades ceramistas do leste da América do Sul, e de introduzir
uma perspectiva que procurava os meios para estabelecer a continuidade entre os contextos arqueológicos e
culturais. Mesmo que novas pesquisas modifiquem profundamente suas proposições, com requer o avanço da
Ciência, Brochado entra para a História da Arqueologia como uma personagem que elaborou uma sólida teoria
do processo de ocupação do leste da América do Sul pelas sociedades ceramistas, e que contribuiu decisivamente
para o desenvolvimento de métodos para a compreensão dos estilos tecnológicos e da funcionalidade das
cerâmicas Guarani e Tupinambá. Estes dois feitos, dentre os vários temas que ele pesquisou e obteve resultados
em sua longa carreira, deixariam qualquer arqueólogo profissional com o sentimento do dever cumprido.
Agradecimentos: A André Prous e Tania Andrade Lima pelo convite para redigir a biografia, pela leitura atenta
e sugestões. Gislene Monticelli, Fabíola Andréa Silva, Jorge Eremites Oliveira, Lúcio Menezes Ferreira, Pedro Paulo
Funari, José Henrique Rollo Gonçalves, Ana Paula Simão, Amílcar D’ávila de Mello, Eurides Roque de Oliveira e Jane
Aparecida Trindade, contribuíram generosamente para o aperfeiçoamento do texto. O conteúdo, evidentemente, é de
inteira responsabilidade do autor.
Os Ceramistas Tupiguarani - 31
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38 - Os Ceramistas Tupiguarani
A TRADIÇÃO TUPIGUARANI NA AMAZÔNIA
Edithe Pereira
Maura Imazio da Silveira
Maria Christina Leal F. Rodrigues
Cíntia Jalles de C. de Araújo Costa
Christiane Lopes Machado
A presença da Tradição Tupiguarani na Amazônia foi identificada inicialmente a partir do estudo de coleções
arqueológicas provenientes de algumas regiões no sul e sudeste do Pará e confirmada, posteriormente, através de
pesquisas sistemáticas na região de Carajás.
As coleções que possibilitaram a identificação da Tradição Tupiguarani na Amazônia foram formadas por
pesquisadores durante viagens cujos objetivos não estavam relacionados diretamente com a investigação arqueológica.
Naturalmente, esta forma de coleta implicou em algumas restrições no plano interpretativo, mas permitiu, por outro
lado, a primeira identificação desta tradição ceramista na Amazônia.
A coleção formada por Protásio Frikel em 1963 corresponde a 3.749 fragmentos cerâmicos e alguns artefatos
líticos coletados em diversos locais com terra preta na região do alto Itacaiúnas, na região sudeste do Pará. Esse
material foi analisado por Figueiredo (1965) que identificou três tipos cerâmicos - Itacaiúnas Simples, Caiteté Simples
e Itacaiúnas Corrugado. Estes tipos compartilhavam o mesmo tempero - areia fina misturada com fragmentos de rocha
(quartzo e feldespato) - e a mesma técnica de manufatura, o enroscamento (acordelamento). A variação dos tipos
simples estava relacionada com a espessura da cerâmica. Entre os artefatos líticos que compõe esta coleção destaca-se
lâmina de machado, raspador e quebra-coco.
Figueiredo (id.ibid.) apoiado nos relatos de cronistas, em informações históricas e do próprio Protásio Frikel sobre
os ocupantes da região, considerou que os fabricantes da cerâmica analisada eram possivelmente de origem Tupi e que
ocuparam a região do alto Itacaiúnas após 1500 em conseqüência da expansão portuguesa. Ele considerou ainda que os
locais onde a cerâmica foi coletada deveriam ser áreas de moradia cuja ocupação se deu, possivelmente, uma única vez.
Simões (1972), baseado no estudo de Figueiredo (1965) inclui no seu Índice das Fases Arqueológicas Brasileiras
a Fase Itacaiúnas como pertencente a Tradição ceramista Tupiguarani.
Em 1969, uma outra coleção de artefatos arqueológicos foi formada por uma equipe de geólogos do Instituto de
Desenvolvimento Econômico e Social do Pará (IDESP) durante uma viagem para pesquisar carvão mineral na área do rio
Fresco, no sul do Pará. Esta coleção, proveniente do sítio PA-RF-1: Mangueiras é composta por 250 fragmentos cerâmicos,
um pequeno vaso, doze artefatos líticos e algumas lascas em rocha e foi analisada por Simões, Corrêa e Machado (1973)
que classificaram o material como pertencente a fase Carapanã. Segundo estes autores, esta fase possui uma série de
semelhanças técnicas e decorativas com a fase Itacaiúnas pertencente à tradição ceramista Tupiguarani. No entanto, essa
fase apresenta também, embora em menor quantidade, algumas características da tradição Incisa Ponteada.
Os Ceramistas Tupiguarani - 39
Simões et al. (id. ibid) mencionam ainda três coleções arqueológicas cujas características apresentam afinidades
com a tradição Tupiguarani. Duas foram formadas em 1959 por Moreira Netto e são provenientes da região de São
Félix do Xingu e do rio Fresco, enquanto a terceira é resultado de uma coleta de superfície no Castanhal do Cumaru, no
rio Pau d’Arco (afluente do rio Araguaia pela margem esquerda). Esta última, segundo Simões et al. (id. Ibid), apresenta
características que lhe permitem vinculá-la sem dúvida à tradição Tupiguarani. O mesmo não ocorrendo com as fases
Itacaiúnas e Carapanã que apresentam características da tradição Tupiguarani, mas também algumas características da
tradição Incisa Ponteada.
As primeiras pesquisas sistemáticas na região sudeste do Pará – onde a presença da tradição Tupiguarani já era
conhecida – foram realizadas inicialmente entre os anos de 1976-1978 no âmbito do Programa Nacional de Pesquisas
Arqueológicas na Bacia Amazônica (PRONAPABA) e a partir de 1977 o apoio veio por parte das Centrais Elétricas do
Norte (ELETRONORTE) visto que os trabalhos foram direcionados para o salvamento de sítios arqueológicos localizados
na área de inundação da UHE-Tucuruí (Araújo Costa, 1983; Simões e Araújo Costa, 1987).
Os resultados desta pesquisa foram divulgados inicialmente através da dissertação de mestrado de Araújo Costa
(1983) sobre o salvamento arqueológico na área da UHE-Tucuruí, no baixo rio Tocantins. Em 1986, Simões publicou os
primeiros resultados da pesquisa realizada na bacia do rio Itacaiúnas (afluente do rio Tocantins pela margem esquerda)
no âmbito do projeto de salvamento de sítios arqueológicos ameaçados de destruição pelas atividades de mineração
da Companhia Vale do Rio Doce na região de Carajás, no sudeste do Pará.
De acordo com Araújo Costa (id. ibid), a cerâmica da região do baixo Tocantins apresenta certas características
que são típicas tanto da tradição Tupiguarani como das tradições amazônicas, particularmente, a Incisa Ponteada e a
Policroma. No entanto, a autora salienta que o pequeno número de atributos amazônicos reconhecidos no material
analisado dificultou identificar a qual dessas tradições o material do baixo Tocantins estaria filiado. A identificação
do material relacionado à tradição Tupiguarani parece ser mais clara e seu enquadramento na subtradição Pintada
decorre, segundo a autora, pelo predomínio, entre os fragmentos decorados, da pintura (vermelha e pintura policroma),
da datação em torno de 1.000 A.D. e da baixa freqüência de decoração corrugada.
Em 1987, Simões e Araújo Costa publicam novos resultados da pesquisa no baixo rio Tocantins desta vez para o
trecho entre as cidades de Marabá e Nazaré dos Patos. Foram trinta e sete sítios pesquisados que evidenciaram um material
cerâmico cujas características permitiram agrupá-lo em três fases, Tauari, Tucuruí e Tauá. Desta feita, o material aparece
relacionado as tradições Incisa Ponteada e Tupiguarani. Nesta área, os sítios localizados mais ao sul apresentam cerâmica
com alguns traços da tradição Tupiguarani enquanto aqueles, situados mais ao norte, a cerâmica apresenta alguns traços
típicos da tradição Incisa Ponteada (ibid.). Segundo os autores, esta situação poderia refletir “a possibilidade de ter servido
esta área geográfica como um centro aculturativo ou de miscigenação de influências e/ou técnicas ceramistas oriundas
de leste, sul e oeste do Brasil”. A pesquisa realizada por Mário Simões e Fernanda Araújo Costa região de Tucuruí, foi
sintetizada e apresentada com muitas ilustrações em 1992 por Eurico Miller (Eletronorte, 1992).
Na bacia do rio Itacaiúnas as primeiras pesquisas arqueológicas sistemáticas tiveram início em 1983 através
do Projeto Carajás/Arqueologia. Entre os anos de 1983 e 1986 foram cadastrados 38 sítios cerâmicos no baixo curso
dos rios Parauapebas e Itacaiúnas que, de acordo com Simões (1986), correspondem a locais de moradia. Estes sítios
estão situados próximos aos rios em áreas cuja terra preta apresentava espessura média 30 cm o que sugeria uma certa
permanência no local. As características consideradas para a cerâmica desses sítios – notadamente o antiplástico e a
decoração – apresentam traços comuns à fase Itacaiúnas que, por sua vez, apresenta uma série de características comuns
com a Tradição Tupiguarani. De acordo com Simões (id. Ibid.) as datações obtidas para os sítios do rio Itacaiúnas podem
40 - Os Ceramistas Tupiguarani
ser agrupadas em 3 períodos: o mais antigo corresponde as datações de A.D. 280±80 e A.D. 390±85, o intermediário
apresenta 4 datações que vão de A D. 1025±55 a A.D. 1170±60; o mais recente com datações de A.D. 1420±55 e
A.D. 1510±60.
No final da década de 1980 a pesquisa arqueológica na região de Carajás se estende para além da área ribeirinha,
onde a tradição Tupiguarani está presente - e alcança as encostas das Serras de Carajás em cujas grutas se preservaram
vestígios da presença humana de mais de 8.000 B.P. (Lopes, 1988; Silveira, 1994; Magalhães, 1994, 1998). A região de
Carajás passa a ser conhecida então por apresentar dois períodos culturais distintos da ocupação humana pré-histórica,
um pré-cerâmico e outro cerâmico.
Estudos preliminares realizados em quatro sítios arqueológicos na região da Serra das Andorinhas no baixo
rio Araguaia permitiram caracterizar a cerâmica encontrada como pertencente à tradição Tupiguarani (Kern et al.,
1992). Foram analisados 169 fragmentos cerâmicos dos quais a maioria – 128 – não apresenta decoração, esta só foi
identificada em 41 fragmentos onde se observa o corrugado, o vermelho, o digitado, o entalhado e o pintado (preto,
branco e vermelho). O antiplástico utilizado foi fundamentalmente a areia (com grãos de quartzo leitoso e hialino)
apresentando também lamínulas de mica (muscovita).
Em 2000, Pereira (2001) realiza prospecção arqueológica na região de Conceição do Araguaia no sul do Pará e
identifica oito sítios cerâmicos. Foi coletada uma pequena amostra do material arqueológico encontrado na superfície
de cada sítio e totalizando 65 fragmentos cerâmicos. A maioria do material corresponde à cerâmica simples e os
poucos fragmentos decorados apresentam corrugado, ponteado, escovado e inciso ponteado. Apesar da pequena
amostra coletada foi possível identificar a presença de traços típicos da cerâmica Tupiguarani nesta região.
A partir de 2000, uma série de empreendimentos minerários começa a ser desenvolvido na região sudeste do Pará
e, em conseqüência, levantamentos e salvamentos de sítios arqueológicos são realizados para fins de licenciamento
ambiental conforme estabelecido por lei. Estes estudos têm permitido ampliar o número de sítios arqueológicos
conhecidos na região bem como trazer a luz novas informações sobre a ocupação pré-histórica desta parte da Amazônia
marcada, como visto nos parágrafos anteriores, pela presença da Tradição ceramista Tupiguarani (Figura 1).
Neste contexto, o Museu Paraense Emílio Goeldi é responsável atualmente pelas pesquisas arqueológicas
desenvolvidas em duas áreas localizadas no sudeste do Pará – a Serra do Sossego e a Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri,
que integram a região de Carajás (Figura 2). Estas pesquisas ainda estão em andamento, mas seus primeiros resultados
oferecem novas informações sobre a presença da Tradição Tupiguarani na Amazônia.
A presença da Tradição Tupiguarani na região da Serra do Sossego, Canaã dos Carajás (PA)
Os estudos arqueológicos na região da Serra do Sossego tiveram início em 2000 através do levantamento do
potencial arqueológico da região que seria afetada pela exploração de minério de cobre (Magalhães, 2001). O Projeto
Sossego – nome pelo qual este empreendimento ficou conhecido – está localizado no município de Canaã dos Carajás,
no sudeste do Pará.
As jazidas minerais do Projeto Sossego estão inseridas no contexto da Província Mineral de Carajás que compõe,
de acordo com a classificação dos Grandes Domínios Paisagísticos Brasileiros proposta por Ab’Saber (1977), o Domínio
das Terras Baixas Florestadas da Amazônia, nas proximidades da faixa de transição para o Domínio dos Cerrados
(Brandt, 2000). Na área de influência do empreendimento, os principais cursos d’água são os rio Parauapebas (afluente
pela margem direita do rio Itacaiúnas) e seus afluentes Sossego e Sequeirinho.
Os Ceramistas Tupiguarani - 41
Na área de influência direta do Projeto Sossego foram identificados seis sítios arqueológicos e sete ocorrências.
A maioria dos sítios documentados revelou um alto grau de interferência humana recente (cultivo, gado, garimpo) o
que acabou por limitar a obtenção de determinadas informações, como por exemplo, a estratigrafia dos sítios. Nestes
sítios, cuja conservação estava comprometida, o material arqueológico coletado – notadamente fragmentos cerâmicos,
totalizou uma amostra de mais de seis mil fragmentos cuja análise permitiu identificar as características da cerâmica
arqueológica daquela área.
A maioria dos fragmentos cerâmicos coletados nestes sítios não possui decoração (92,3%). Os fragmentos
decorados correspondem a 7,6% do total (513 fragmentos) e neles as decorações predominantes são o vermelho (48%),
o corrugado (32%) e o inciso (8.2%). Outras decorações como aplicado, raspado, acanalado, ungulado e associação
destas decorações com vermelho ocorrem em quantidade pouco expressiva. Os antiplásticos predominantes são a areia
e a rocha triturada, outros antiplásticos foram registrados, mas em quantidade pouco significativa (Pereira, 2003).
A partir da reconstituição das bordas foi possível identificar nos sítios da região a presença de tigelas, pratos,
vasos, panelas e alguidares. No sítio PA-AT-274: Estrada foram identificados diversos vasilhames conforme se observa
na figura 3. Deste sítio também são provenientes uma lâmina de machado polida e um vasilhame cujos fragmentos
permitiram a sua restauração (figura 4).
Dentre os sítios identificados na área de influência direta do Projeto Sossego apenas um se destaca por estar
parcialmente em ótimo estado de conservação. Trata-se do sítio PA-AT-247: Domingos, cuja extremidade sul foi
atingida pela construção de uma estrada destinada a ligar a área do empreendimento à sede do município de Canaã
dos Carajás. A pesquisa de salvamento teve início em 2003 e ainda está em andamento sendo, portanto preliminares
os resultados aqui apresentados.
O sítio PA-AT-247: Domingos está localizado margem direita do rio Parauapebas em área plana e suavemente
elevada em relação ao rio, com terra preta abrangendo uma extensão de cerca de 400 x 300 metros. A área conservada
em boas condições e na qual a pesquisa vem sendo desenvolvida corresponde a parte centro-norte do sítio e que
ocupa cerca de 50% da área total. Nesta área observou-se a existência de várias manchas de terra escura sem que
fosse possível delimitá-las com precisão. Nestas manchas a camada de terra preta não ultrapassa 35 cm de espessura e
o material arqueológico (cerâmico e lítico) encontra-se normalmente associado a ela.
A exceção fica por conta dos vasilhames cerâmicos inteiros que se encontram, via de regra, enterrados sempre
abaixo da camada de terra preta. O solo misturado, claramente observado no perfil das escavações (figura 5) evidencia
a remoção intencional de terra para que o objeto pudesse ser enterrado abaixo da área de ocupação do sítio. Até
o momento foram encontrados treze vasilhames inteiros ou semi-inteiros. Dentre eles apenas um, até o momento,
corresponde comprovadamente a urna funerária. Nela foram encontrados restos esqueletais de um indivíduo com
idade aproximada de três anos. A peça apresentava uma tampa com diâmetro menor que a urna parecendo ter sido
reaproveitada para este fim. Uma pequena lâmina de machado polida foi encontrada ao lado da ossada configurando
acompanhamento funerário (Pereira, 2003a).
Até o momento já foram encontradas in situ quatro lâminas de machado inteiras e duas fragmentadas. Dois
almofarizes foram encontrados, um estava na superfície quebrado ao meio enquanto o outro foi evidenciado durantes
as escavações. Associado a esse último estava uma mão-de-pilão e uma grande quantidade de sementes.
Considera-se Ocorrência os locais onde o material arqueológico ocorre em pouca quantidade e sem evidência clara de contexto arqueológi-
co.
Parte destes vasilhames foi encontrada a partir do levantamento geofísico com magnetômetro realizado na área do sítio sob a responsabilidade
do Dr. José Gouvêa Luiz do Departamento de Geofísica da Universidade Federal do Pará.
A análise dos restos esqueletais foi feita pela Dra. Sheila Maria Ferraz Mendonça de Souza da FIOCRUZ/Escola nacional de Saúde Pública.
42 - Os Ceramistas Tupiguarani
A identificação de algumas características recorrentes no sítio PA-AT-247: Domingos configuram-se como bastante
significativas para o entendimento da ocupação do espaço intra-sítio. Destacam-se entre elas as marcas de esteio, as
concentrações de fragmentos cerâmicos situadas normalmente próximas aos limites do sítio (possíveis lixeiras) e as
áreas onde, apesar da ausência de terra preta e de fragmentos cerâmicos, encontram-se concentrações de vasilhames
inteiros enterrados (Figura 6). Até o momento, as datações obtidas através de termoluminescência para o sítio Domingos
permitem situá-lo entre 1.300±130 e 530± 55 A.P.
As características da cerâmica arqueológica da região da Serra do Sossego, particularmente nos aspectos
relacionadas à sua manufatura (acordelamento), antiplástico (areia e rocha triturada), decoração (corrugado, ungulado,
vermelho, inciso) e forma dos vasilhames (Figuras 4 e 7) permitem considerá-la como pertencente à Tradição ceramista
Tupiguarani. Corroboram para esta relação às datações obtidas até o momento através de termoluminescência tanto
para o sítio Domingos como para outros sítios da região como por exemplo o PA-AT-244: Pista de Pouso (710+- 70
e 590 +- 60 A.P), PA-AT-274: Estrada (540 +- 55 e 260 +- 25 A.P.) e PA-AT-252: Sequeirinho (670 +- 70 e 520 +- 55 A.P) que
permitem encaixá-los na mesma faixa temporal dos sítios do período cerâmico da região de Carajás (Lopes et al. 1988)
e que estão associados a Tradição Tupiguarani através da fase Itacaiúnas.
As pesquisas arqueológicas na Serra do Sossego estão concentradas atualmente no salvamento do sítio PA-
AT-247: Domingos e contam com a colaboração de especialistas em palinologia, botânica, geofísica, pedologia e
antropologia física. Situado em uma região que, nos últimos vinte anos, foi intensamente ocupada e onde atividades
agrícolas, pecuárias e de garimpo provocaram a destruição de uma parte importante do patrimônio arqueológico, o
sítio Domingos surge como um lugar privilegiado para o estudo intra-sítio de uma aldeia pré-histórica relacionada com
a Tradição Tupiguarani no sul do Pará. A pesquisa neste sítio ainda está em andamento.
Em 2003 tiveram início as pesquisas arqueológicas na região da Floresta Nacional Tapirapé-Aquieri, situada
no município de Marabá, no sudeste do Pará. Além do objetivo de gerar conhecimentos estas pesquisas estão sendo
desenvolvidas em virtude da necessidade de obtenção das licenças ambientais para a exploração de minério de cobre
realizada através do Projeto Salobo. Apresentaremos a seguir os resultados preliminares das pesquisas realizadas nessa
área.
A área do Projeto Salobo está inserida na Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri (FLONATA) distante aproximadamente
600 km ao sul de Belém (capital do Estado do Pará) e integra, por extensão, a chamada “região de Carajás” (figura 2).
A maior parte dessa região é drenada pela rede hidrográfica do rio Itacaiúnas, que desemboca na margem esquerda do
rio Tocantins, em Marabá, e que tem no rio Parauapebas um dos seus principais afluentes. Na área do projeto Salobo
destacam-se os igarapés Salobo, Mirim e Cinzento (Silveira et al., 2003).
São marcantes duas estações distintas: uma chuvosa e outra seca. Os meses mais secos são de julho a setembro,
e os de maior pluviosidade de dezembro a março. Entre os meses de novembro e julho o nível das águas dos rios
eleva-se, permitindo a navegação de pequenas embarcações, entre agosto e outubro os rios baixam, expondo extensas
várzeas utilizadas para cultivo pela população ribeirinha que habita a região. A principal cobertura da região é do tipo
floresta tropical pluvial, com variações locais, a maioria obedecendo ao relevo acidentado (Silveira et al., 2003).
As áreas investigadas até o momento resultaram na descoberta de quatorze locais com vestígios arqueológicos,
Pesquisa realizada pelos Projetos de Levantamento e Salvamento Arqueológico na área do Projeto Salobo, iniciados em 2003 e 2004 respecti-
vamente – através de convênios entre o Museu Paraense EmílioGoeldi, a Salobo Metais e a Fundação para o Desenvolvimento da Amazônia.
Os Ceramistas Tupiguarani - 43
sendo nove sítios e cinco ocorrências, estando todos relacionados ao período cerâmico. As ocorrências, após
investigações adicionais, poderão ser definidas como sítios arqueológicos. Os sítios arqueológicos estão situados ao
longo dos igarapés Salobo e Mirim, preferencialmente nos meandros dos igarapés e/ou entre grotas. Observou-se
ainda, a ocorrência de sítios próximos uns aos outros, localizados em margens opostas dos cursos d´água constituindo-
se, possivelmente, em um padrão de ocupação.
Até o momento foram identificados dois tipos de sítios arqueológicos:
a) sítios cerâmicos de pequenas dimensões, pouca profundidade e baixa densidade de material arqueológico,
podendo ser considerados como sítios acampamento ou de habitação temporária;
b) sítios cerâmicos com grande quantidade de material cerâmico, sendo também encontrados material lítico
lascado e polido, e verificada a ocorrência de diversos polidores às margens dos igarapés. Foram identificados como
sítios de habitação, com terra preta e/ou solo marrom escuro com até 60cm de profundidade. Alguns deles apresentam
manchas de terra preta arqueológica (TPA) que correspondem, provavelmente, às áreas de cabanas.
No material cerâmico analisado identificou-se o acordelamento como principal método de manufatura. A pasta
utilizada para sua confecção apresenta, predominantemente, a rocha triturada como antiplástico. A decoração, muito
mais plástica do que pintada, apresenta características tipicamente Tupiguarani tais como: corrugado, espatulado,
inciso, escovado, raspado, ungulado ponteado, roletado e impresso (Silveira e Jalles, 2004). Foram encontrados, ainda,
durante as escavações dois apliques cerâmicos zoomorfos (figuras 8 e 9), um em sítio habitação e outro em sítio
acampamento.
Nos dois tipos de sítios foi registrada a presença de estruturas, tais como buracos de esteio e estaca e fogueiras. O
material lítico lascado é constituído de modo geral, por lascas e raspadores de quartzo, quartzito e silexito. O material
lítico polido está representado por diversas lâminas de machados (formas e tamanhos variados) e cavadores. Foram
coletados ainda adornos líticos inteiros (figura 10) e em fase de produção (figura 11).
O material coletado até o momento, pelas características apresentadas, está relacionado à tradição cultural
arqueológica Tupiguarani. As pesquisas nesta área foram iniciadas há pouco tempo e certamente trarão novas
informações que contribuirão para ampliar o conhecimento sobre a presença da Tradição Tupiguarani na Amazônia.
44 - Os Ceramistas Tupiguarani
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– análise tipológica de Material cerâmico e Lítico proveniente das prospecções arqueológicas de 2003. Novembro/2004. Belém/PA. 57 p. il. Inédito.
SIMÕES, Mário F., ARAÚJO COSTA, Fernanda. Pesquisas arqueológicas no baixo rio Tocantins (Pará). Revista de Arqueologia, v. 4, n.1. 1987. p. 11-27.
SIMÕES, Mário F., CORRÊA, Conceição G., MACHADO, Ana Lúcia C. 1973. Achados Arqueológicos no baixo rio Fresco (Pará). In: O Museu Goeldi no
Ano do Sesquicentenário. Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi. 20:113-142, il.
SIMÕES, Mário Ferreira. Índice das Fases Arqueológicas Brasileira (1950-1971). Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi, 18, 75 p. il.
Belém, 1972.
SIMÕES, Mário Ferreira. Salvamento Arqueológico. IN: Carajás: Desafio Político, Ecologia e Desenvolvimento. ALMEIDA JR, José Maria Gonçalves (org.).
Brasiliense; (Brasília – DF); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. São Paulo, 1986.
Os Ceramistas Tupiguarani - 45
Figura 1 – Área de ocorrência da Tradição Tupiguarani na Amazônia.
46 - Os Ceramistas Tupiguarani
Figura 2 – Localização da área dos projetos Serra do Sossego e Salobo.
Os Ceramistas Tupiguarani - 47
Figura 3 – Tipos de vasilhames identificados no sítio PA-AT-274: Estrada a partir do estudo de fragmentos de bordas.
48 - Os Ceramistas Tupiguarani
Figura 4 – Peça restaurada proveniente do sítio PA-AT-274: Estrada.
Os Ceramistas Tupiguarani - 49
Foto: Edithe Pereira
Figura 5 – Os vasilhames cerâmicos inteiros são encontrados abaixo da camada de ocupação (terra preta)
no sítio PA-AT-247: Domingos.
50 - Os Ceramistas Tupiguarani
Foto: Edithe Pereira
Figura 6 – Conjunto de vasilhames cerâmicos detectados através de prospecção geofísica em área de solo claro
no sítio PA-AT-247: Domingos.
Os Ceramistas Tupiguarani - 51
Foto: Edithe Pereira
Figura 7 – Vasilhame cerâmico com decoração corrugada encontrado no sítio PA-AT-247: Domingos.
52 - Os Ceramistas Tupiguarani
fotos: João Aires
Figura 8 – Aplique zoomorfo encontrado em um sítio habitação Figura 9 – Aplique zoomorfo encontrado em um sítio
acampamento
Os Ceramistas Tupiguarani - 53
Figura 10 - Pingente lítico Figura 11 - Contas líticas
54 - Os Ceramistas Tupiguarani
Recipientes cerâmicos de grupos Tupi, no Nordeste Brasileiro.
Marcos Albuquerque
Coord. do Lab. de Arqueologia da UFPE
Pesquisador do CNPq
Depois de atravessarem dois terços da cidade e seguir por uma estrada que subia e descia
o terreno ondulado que outrora fora coberto de mata, o professor de Arqueologia acompanhado
de três estagiários finalmente chega a um pequeno sítio na periferia da cidade. O que os
trouxera ali foi a curiosidade do proprietário do sítio que soubera que ao se cavar o solo para
implantar as estacas de uma cerca os trabalhadores haviam se deparado com o inusitado;
o instrumento batera em um material mais sólido, mas que cedera às investidas da enxada.
Haviam encontrado um grande pote de barro, que se espatifara. No primeiro momento, a
grande esperança, seria uma botija? Desânimo! Apenas terra escura e um outro potezinho,
também sem ‘nada’, e que fora jogado longe, quebrando-se. “ Parece que havia também alguns
fragmentos de ossos, mas nada importante, nada que valesse a pena.” Travava-se de mais uma
‘urna’ tupiguarani, encontrada e destituída de seu contexto.
Temos aí uma situação por demais repetida em todo o Brasil, e possivelmente mais além.
Serve como exemplo para se assinalar que esta tem sido o modo mais comum como foram
conhecidas as formas inteiras ou reconstituíveis dos recipientes cerâmicos: achados fortuitos.
Como caracterizar, como apresentar uma síntese dos recipientes desta cerâmica, que aos olhos treinados pode
ser reconhecida à distância? Pela decoração, embora muitos recipientes não mostrem decoração? Pela forma? Pela
tecnologia usada no fabrico?
Muito provavelmente seja a forma o primeiro elemento que chama a atenção, seguindo-se de imediato a
decoração, a técnica que se espelha através da textura, da coloração. Seria o conjunto de tais características que
levariam a se identificar aquela cerâmica. Mas o fundamental seria caracterizar-se quem as fabricou, quem as usou,
como as usou.
Qualquer que seja a tendência teórica ou metodológica do pesquisador em arqueologia, a identificação dos
artefatos tem sido o ponto de partida buscado. Identificação que passa, da função, ao uso à da distribuição.
Muitos dos aspectos teóricos que tratam de uma correlação entre a forma e a função nesta cerâmica, foram
tratados por diferentes autores e sistematizados por Brochado, Scatamachia e outros.
O presente estudo foi possível graças a colaboração de colegas que selecionaram e fotografaram o material em suas regiões de atuação:
Luiz Dutra Souza Neto, que selecionou e fotografou peças do Museu Câmara Cascudo, no Rio Grande do Norte; Deusdédit Leite Filho, que
selecionou, descreveu e fotografou peças do Maranhão; Francisco Veloso, arquiteto da 4ª SR IPHAN, que selecionou e fotografou peças do
Ceará; e Cláudia Alves que selecionou peças do NEA. O Prof.Vicente Alves, conhecedor da História do Araripe, foi o responsável pelo apoio
logístico de nossa equipe e colaborador incansável na localização dos sítios na Região. A todos agradeço pela inestimável colaboração.
BROCHADO, Jose Proenza. Alimentação na Floresta Tropical. Porto Alegre, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,Universidade
Federal do Rio Grande do Sul,197, 103p.,il.
SCATAMACCHIA, Maria Cristina Mineiro.Tentativa de caracterização da Tradição Tupiguarani. São Paulo, Dissertação apresentada ao Curso
de Mestrado Antropologia Social da Faculdade de Filosofia, Letra e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1981, 301 p, il.
Os Ceramistas Tupiguarani - 55
Do mesmo modo que a avaliação inicial de sua distribuição, da ocorrência até então conhecida daquela cerâmica
levou a correlacioná-la inicialmente com o que Steward caracterizou como ‘cultivadores de floresta tropical’.
Amplamente dispersa no Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, foi ainda identificada no Norte e mais recentemente
no Centro-Oeste do País.
No Nordeste, onde ecossistemas extremos (sob o controle da umidade) coexistem com fronteiras muito próximas,
a dispersão Tupiguarani, com complexas aldeias localizadas em meio ao semi-árido, levou Albuquerque e Lucena a
questionarem a estrita associação com o modelo dos ‘cultivadores de floresta tropical’.
A convergência de algumas características mais freqüentes em determinadas regiões conduziu Scatamacchia a
propor uma subdivisão daquela tradição cultural Tupiguarani, em Guarani, mais ao sul, e Tupinambá, mais a norte.
Embora os sítios arqueológicos com presença de cerâmica conhecida inicialmente como Tupiguarani sejam
referidos há mais de 40 anos, em vários pontos o Nordeste, certamente ainda não foi possível construir-se uma síntese
regional relacionada àquelas ocupações. Algumas tentativas têm abordado a questão por vieses que privilegiam
enfoques ou aspectos específicos, constituindo-se nos alicerces da construção do conhecimento acerca daqueles
grupos que certamente chegaram a contactar com os colonizadores europeus.
Por outro lado, a tarefa de elaborar uma síntese abrangendo o conjunto das formas dos recipientes Tupiguarani
que ocorrem no Nordeste, a nosso ver, vai bem mais além do que um trabalho de compilação, de mapear a distribuição
geográfica da ocorrência de formas ou comentar cada uma delas e suas variações. O estado atual dos estudos já
desenvolvidos acerca da cerâmica tupiguarani exige uma abordagem mais detalhada, que leve em consideração não
apenas questões de distribuição geográfica mas sobretudo de distribuição espaço/temporal. Esta observação, que a
primeira vista pode parecer desprovida de maior importância, até porque é uma abordagem inerente à Arqueologia,
no caso específico dos sítios da tradição Tupiguarani se reveste de uma certa peculiaridade. O posicionamento
proto-histórico da tradição, e certamente histórico de alguns de seus sítios, impõe a necessidade de um refinamento
cronológico que permita discernir entre a tradição nativa em si e as resultantes da aculturação decorrente do contato.
Por outro lado, a própria distribuição espacial dos sítios pode, nos casos dos assentamentos do período histórico, ser
fruto do contato intercultural com os colonizadores. Os padres missionários não apenas interferiam no que concerne
à escolha do local para as aldeias, como freqüentemente promoviam a junção de mais de um grupo em um mesmo
local. Tais ‘aldeias’, constituídas por diferentes grupos tribais, sob a orientação de padres, nem sempre apresentavam
uma organização espacial fundamentalmente distinta de aldeias nativas. Mantinham-se os materiais e as técnicas de
construção, assim, no contexto arqueológico bem poderiam ser identificadas como aldeias nativas.
A identificação arqueológica, seja de um grupo, seja de uma tradição cultural se faz, em primeira instância,
através da identificação de seus sítios, dos elementos materiais produzidos ou utilizados.
No Nordeste do Brasil a presença de cerâmica tupiguarani tem sido identificada em assentamentos localizados em
distintos ecossistemas. Embora se tenha insistentemente buscado, não foi possível, até o momento, reunir características
peculiares que possam ser associadas a um determinado ecossistema definido. Características comuns que se restrinjam
a uma determinada região fisiográfica. Na região, os sítios arqueológicos que apresentam este tipo de cerâmica se
LOWlE, Robert H.. The Tropical Forest; An introduction. Handbooks of South American Indians, Julian H. Steward, ed., v. 3, p. 1-56. Smith-
sonian Institution, Bul. 143. Washington: Bureau of American Ethnology, 1948.
ALBUQUERQUE, Marcos; LUCENA, Veleda. Agricultura Tropical Pré-histórica (um sistema de floresta úmida ou que integra o semi-árido?).
Revista Ciência e Trópico. Recife, 19 (1): 7-33, 1990.
SCATAMACCHIA, Maria Cristina Mineiro. A tradição policrômica no leste da América do Sul evidenciada pela ocupação Guarani e Tupi-
nambá: fontes arqueológicas e etno-históricas Tese de Doutoramento em Antropologia Social (arqueologia) apresentado ao Departamento de
Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, USP, SP, 310p,1990.
56 - Os Ceramistas Tupiguarani
distribuem em áreas que refletem distintos ecossistemas. São conhecidos sítios arqueológicos relacionados a:
a) Comunidades que viveram em regiões alagadiças bem próximas ao mar, cercadas pelos manguezais, próximo
às restingas;
b) Comunidades que se assentaram (ainda que temporariamente) entre as dunas litorâneas, móveis, desprovidas
de vegetação arbórea, ainda que pontilhadas a distâncias por pequenas lagoas de água doce;
c) Grupos que habitavam as matas litorâneas, muito próximas ao mar;
d) Grupos sediados nas matas úmidas interioranas, distantes centenas de quilômetros do mar;
e) Grupos que habitavam as matas secas;
f) Grupos que habitavam terras semi-áridas do sertão;
g) Grupos que habitavam as ilhas do São Francisco;
h) Grupos que habitavam a vertente mais seca da Chapada do Araripe;
i) E ainda os que habitavam as altas serras que se destacam da paisagem plana e rebaixada, onde domina o
semi-árido. Ali, a brusca mudança de altitude traz consigo (ou preserva consigo) as densas matas. São os
brejos de altitude, que na realidade representam ‘ilhas’ de vegetação florestal em meio à caatinga.
Tal diversidade de ambientes levou, como foi mencionado anteriormente, a questionamentos relacionados à
associação inicial da tradição cultural Tupiguarani aos ‘cultivadores de floresta tropical’ descritos por Stweard.
Um outro aspecto também considerado para entender-se tal amplitude de ambientes, foi a possível relação com a
pressão exercida pelos colonizadores (guerras, apresamentos) sobre os grupos que os teria compelido a deixar as matas
litorâneas, fugindo para o sertão. É bem verdade que tais fatos estão relatados na documentação histórica. Mas, a
complexidade dos sítios arqueológicos identificados em áreas que não são de ‘floresta tropical’ parece não refletir uma
sociedade sob impacto, dizimada pelas guerras ou de uma população ‘corrida’ para fugir ao apresamento. Ao contrário,
os sítios localizados no semi-árido refletem uma sociedade numerosa, complexa, com uma tralha abundante.
Um outro aspecto que tem sido considerado quanto à distribuição, no Nordeste, dos sítios arqueológicos em que
se apresenta a cerâmica Tupiguarani, é a amplitude temporal daquelas ocorrências. A extensão territorial daquelas
ocupações, a complexidade e elaboração de sua cerâmica, a pelo menos aparente uniformidade de muitas de suas
características, não parecem poder se associar a um curto espaço de tempo. O tamanho das aldeias, refletindo a
densidade demográfica, também sinaliza no sentido de uma sociedade estabilizada em termos de sua economia.
Mas, uma séria questão se põe, em termos do resgate arqueológico: a par de casos punctuais, em que foram
localizados recipientes em profundidade, via de regra decorrentes de achados fortuitos, a grande maioria dos sítios
arqueológicos com cerâmica tupiguarani é superficial.
Tal situação traz repercussões no se refere à estratigrafia, à identificação da cronologia do material intra-sítio.
Ainda, grande parte dos sítios está localizada em um posicionamento topográfico favorável à erosão, o que
contribui para expor à superfície os fragmentos cerâmicos, para colocá-los em um contexto onde as chances de
mascaramento das datações são evidentes, tanto para as datações com base no C14, quanto naquelas fundamentadas
pela fotoluminescência. Esta exposição prejudica ainda mesmo as datações por termoluminescência, uma vez
que a região, devido ao sistema global de circulação atmosférica tende, na atualidade, a receber cargas radioativas
provenientes de eventos distantes.
Eventuais sepultamentos em ‘urnas funerárias’, que poderiam permitir datações mais confiáveis, como foi referido,
em sua maioria, decorre de achados fortuitos, quase sempre não relacionados com sítios de habitação do grupo (ou
cujo relacionamento com sítios-habitação não é conhecido).
Op. Cit.
Os Ceramistas Tupiguarani - 57
Assim, um grande problema que se tem enfrentado no estudo, na sistematização do tupiguarani é a questão da
datação dos sítios. Problemas que decorrem de:
a) A falta de estratigrafia para uma datação relativa das formas.
b) A intensa oxidação da matéria orgânica (para o C14.) associada à superficialidade de grande parte dos
sítios relatados.
c) A prática cultural (até os dias atuais) das queimadas para o cultivo que mascaram datações por
termoluminescência e por C14.
d) Ausência de restos humanos em muitas das ‘urnas’ relatadas, ou mesmo a perda de tais vestígios face o
caráter fortuito de grande parte dos achados.
A maior parte das datações obtidas (um número reduzido, considerando-se a quantidade de ocorrências
registradas) situam-se entre 700 e 300 anos antes do presente, uma faixa em torno da proto-história. A mais antiga
datação obtida, muito distanciada da média das datações da área, foi temporariamente desconsiderada, até que outros
dados venham a confirmá-la ou negá-la definitivamente.
Do mesmo modo que as características do assentamento não permitem estabelecer-se padrões de aldeias
associados a ecossistemas, tampouco as datações informam quanto a uma possível associação entre tempo e espaço
ocupado. O quadro abaixo exemplifica a questão.
Mata úmida (<40km do litoral) PE 94-Cm 2130 +/- 400 -580 -180 220 AC (temporariamente desconsiderada)
Mata úmida (<40km do litoral) PE 95-Cm 785 +/- 150 1015 1165 1315 Certamente antes do contato
Mata úmida (<40km do litoral) PE 93-Cm 510 +/- 150 1290 1440 1590 Possivelmente antes, mas talvez pós-contato.
Brejo de altitude PE 123-Pja 510 +/- 150 1290 1440 1590 Possivelmente antes, mas talvez pós-contato.
Mata úmida litorânea (junto à praia) PE 13-Ln 1516 Contato inicial com portugueses
Mata úmida (<40km do litoral) PE 86-Cm 225 +/- 150 1575 1725 1875 Pós-contato.
Mata úmida (<40km do litoral) PE 107-Cm 150 +/- 150 1650 1800 1950 Pós-contato.
Por outro lado, em um sítio litorâneo do período histórico, foi possível constatar o contato intercultural
abrangendo colonos europeus do século XVI (datado através do tipo de faiança encontrada) e nativos que se utilizavam
da chamada cerâmica tupiguarani. Tem-se deste modo registrada a presença no Nordeste dos portadores daquela
ALBUQUERQUE, Marcos. Subsídios ao estudo arqueológico dos primeiros contatos entre os portugueses e os indígenas da Tradição Tupigua-
rani no Nordeste do Brasil. CLIO, Revista do Curso de Mestrado em História, Recife, (5): 105-116, 1982.
58 - Os Ceramistas Tupiguarani
tradição, durante o período inicial do contato com os colonizadores europeus. Grupo estabelecido no litoral antes
do contato.
Por quanto tempo mais teria a tradição se mantido, ou mesmo resistido ao contato. No estudo das formas de
sítios deste período em diante, há que se considerar a possibilidade de influências culturais decorrentes do contato com
colonizadores. Portugueses em sua maioria, mas ainda franceses e também holandeses. A exceção dos franceses que
parece, até então pouco teriam buscado interferir no sistema religioso, portugueses e holandeses atuaram fortemente
no sentido catequético. Aspecto que geraria uma ampla gama de alterações no conjunto do sistema nativo. A ação
religiosa que desde cedo permeou o contato interétnico, com seus rituais místicos, possivelmente exercia uma forte
atração entre os nativos.
Durante uma forte seca havida em 1583, muitos grupos nativos aproximaram-se, ‘desceram’ até á Vila de
Olinda. Passada a seca, a maioria dos nativos retornou às suas aldeias, outros, no entanto permaneceriam entre os
colonizadores. Havia entre eles um, Mitagaia, de grande nome entre os índios, que confiou um de seus filhos ao Padre
Reitor do Colégio dos Jesuítas, “que logo aprendeu a falar português, e ajudar à missa e a ler, escrever e contar”.
Os contatos interculturais promoveram, muitas vezes, a cooptação de nativos ora com portugueses, ora com
holandeses; cooptação que os conduzia a guerras entre grupos nativos, a participar das guerras dos brancos contra os
nativos e das guerras entre os brancos.
Na convivência com os brancos, segundo os relatos, grandes aldeias conhecidas dos colonizadores que com eles
negociavam, participavam de guerras, atendiam a chamados para destruir outras aldeias. Muitos mesmo trabalhavam
em engenhos de açúcar, nas minas de salitre, nos currais de gado, e ainda promovendo a pesca, seja em rios, seja nos
‘currais’ nas praias rasas.
A iconografia relativa ao Nordeste, da primeira metade do século XVII, é rica em muitos detalhes que envolvem
a participação dos indígenas na sociedade colonial, tanto urbana quanto rural; nas atividades produtivas e na
participação bélica. A análise dos detalhes das iluminuras é particularmente rico em mostrar as relações culturais
interétnicas.
A associação entre os poderes temporais e religiosos não está presente apenas na colonização portuguesa. A
associação entre religiosos e militares se mostra também nas missões que os holandeses calvinistas administravam,
e está bem representada em uma das iluminuras da planta das capitanias da Paraíba e Rio Grande do Norte.
Embora os detalhes reproduzidos pelo autor permitam identificarem-se etnias, sexo, status, tipos de armas e até
mesmo tipos de vegetais como a bananeira, não existe sequer uma representação específica da tralha doméstica. Os
recipientes cerâmicos não estão ali representados e os volumes transportados pelas mulheres indígenas apresentam o
aspecto comum como são representados os fardos em outras diferentes situações e por diferentes etnias. Por outro
lado, o modo de transporte (sobre a cabeça), sem os suportes trançados, difere das expectativas. Tais suportes, são
freqüentemente referidos nos relatos, e sua persistência temporal chega aos dias atuais.
Esta iconografia apresentando as mulheres acompanhando seus familiares na guerra traz à luz um elemento
possivelmente fundamental para a longa participação indígena no conflito entre os brancos (luso-brasileiros e
holandeses). Segundo a documentação histórica, na tradição dos nativos do litoral, cabia às mulheres o transporte
da tralha, dos suprimentos secos. Embora coubesse aos homens provir de carne o grupo, com a caça, não
transportavam, como os soldados dos brancos, seus próprios suprimentos. Deste modo a estruturação social se
mantinha, ao contrário da experiência que se tentou na implantação das oficinas de salitre.
Os Ceramistas Tupiguarani - 59
No início do século XVIII recomen-
dava-se que “a oficina não deve ser com
índios, porque a lembrança da ociosidade
com que todos vivem nas suas aldeias dos
filhos, mulheres e parentes que nelas deixaram
os incapacita para qualquer trabalho, nem
se acha meio para impedir com eficácia as
ausências que ordinariamente fazem das
minas, retirando-se tão ocultos...”10.
Também os hábitos alimentares eram
um fator que se alegava dificultar o emprego
de mão e obra indígena nas minas do sertão:
“... no distrito das minas em que não se
Ilustração 1 - Detalhe da ilusivação de Franz Post no mapa da Paraíba e Rio logram as plantas de mandioca, produzem
Grande do Norte do conjunto cartográfico de George Marcgrave 1634. Inserto com fertilidade milho, feijão e abóbora,
na obra “História dos Feitos Recentes Praticados Durante 8 anos no Brasil”, com estes mantimentos que era bom para os
Gaspar Barleus. Ed. Fundação Cultural da Cidade de Recife 1980, reprodução negros não podem passar, nem acomodar-
Facisimilar das gravuras que ilustram a 1ª edição. 1647. se os índios que se criaram, e sustentaram
sempre com farinhas.”11. Se o sertão das
minas de salitre não se mostrava propício
ao cultivo da mandioca para a farinha, tal
condição não pode ser estendida a todo o
semi-árido. Do mesmo modo que não se
pode atribuir uma incompatibilidade entre
os Tupi e as condições de semi-aridez.
Uma outra iluminura mostra a
participação indígena no transporte fluvial
e marítimo de cabotagem. Suas canoas
a remo atendiam tanto à pesca quanto ao
transporte.
Também ali estão representados os
‘volumes’ transportados sobre as cabeças
das mulheres.
É interessante ainda se observar as
atividades em um engenho de açúcar, em
Pernambuco do século XVII, em uma iluminura
de um mapa holandês (Ilustração 3).
Ilustração 2 - Holandeses e índios no Rio Grande do Norte. Detalhe do Forte dos
Reis Magos pelos holandeses denominados de Von Ceulen, no Rio Grande do 10 Carta de Inácio de Morais Sarmento, Ouvidor
Norte. Desenho Franz Post. Inserto na obra História dos Feitos Recentemente Geral, e Provedor da Fazenda Real,e do Salitre,
Praticados Durante Oito Anos no Brasil, de Gaspar Barleus. Ed. Fund. Cult. datada de 2 de outubro de 1702. AHU - PE Caixa 11
Cidade do Recife. Recife 1980. Rep. Fac-similar das gravuras que ilustram a 1ª pág 75/78
edição de 1647. 11 Idem.
60 - Os Ceramistas Tupiguarani
Ali bem se pode observar a divisão étnica do trabalho. Divisão étnica, mas sobretudo relacionada às habilidades
associadas à experiência cultural e também à segurança, no que concerne aos segredos do fabrico do açúcar.
Estão retratadas atividades ligadas ao fabrico do açúcar, com o ‘mestre de açúcar’, um branco; os negros no
serviço do preparo e cozimento do caldo e plantio da cana.
Acima, vê-se o plantio da mandioca, os raladores e a prensa, atividades nitidamente exercidas por nativos do
Brasil. Observa-se ainda a ausência de mulheres nesta representação, ainda que as atividades de plantio entre os
índios da costa, tenham sempre sido referidas como atividades femininas. Por outro lado, associado aos raladores,
observa-se um pote, provavelmente uma vasilha cerâmica, cuja forma sugere ser da tradição tupiguarani.
Ainda nesta iluminura há a representação de
recipientes, associados às atividades do fabrico do açúcar.
Poderia se tratar de recipientes cerâmicos, mas,
as proporções do recipiente deixam dúvidas quanto à
compatibilidade ergométrica para um elemento cerâmico.
Entretanto, bem se pode observar o uso de um suporte,
provavelmente um trançado que parte de um apoio na base
e sobe cingindo o recipiente.
As alças, caso associadas à vasilha e não ao trançado,
serviriam de guia para manter a posição do trançado, e não
de suporte em si.
O peso que se pode inferir, transportado em tais
recipientes (o caldo para cozimento), e a oscilação
produzida pelo caminhar certamente deixariam suas marcas
na cerâmica, o que poderia vir a ser observado na análise
arqueológica.
Embora não conheçamos na região formas inteiras
da cerâmica Tupiguarani que possam ser associadas ao
trabalho nos engenhos de açúcar, sabe-se do empenho
dos padres em redirecionar o conhecimento tecnológico
nativo, no sentido de utilizar aquela mão de obra nas
olarias.
Por outro lado, em meio aos fragmentos coletados
em sítio Tupiguarani, um fragmento chama a atenção
neste sentido. As características da pasta, do cozimento,
do tratamento das superfícies, permitem caracterizá-lo
como Tupiguarani. A forma, reconstituída hipoteticamente
(Ilustração 5) com base em fragmentos de base e de bojo das
cercanias, pode não representar a sua verdadeira forma, mas
não diferiria de outras formas conhecidas através de técnica
semelhante. A forma reconstituída mostra semelhanças
Ilustração 3 – Detalhe de uma ilustração acerca das atividades com as formas representadas na iconografia. Também as
em um engenho de açúcar. Do plantio de cana ao fabrico e proporções são comparáveis, embora a capacidade difira.
transporte do açúcar. Outros usos, talvez. Vale salientar que no fragmento coletado
Os Ceramistas Tupiguarani - 61
não foram identificadas marcas que pudessem ser associadas ao atrito contínuo de um
suporte.
Por outro lado, ainda o contato intercultural conduziu vários nativos à Europa, às
cortes da Europa, às cidades, aos luxos das grandes festas em que eram apresentados.
Muitos não voltaram, outros retornaram às suas aldeias para contar aos seus acerca do
poderio dos brancos.
A influência dos contatos se fazia sentir
entre os índios mesmo no modo de vestir pois,
“Quando Cristóvão de Gouveia chegou, o chefe
(indígena) Mitagaia visitou-o vestido de damasco,
com passamanes de oiro e sua espada na cinta.”
Nisto seguiam na falta de senso alguns europeus
para com o uso de vestimentas tão desconfortáveis
sob o sol dos trópicos.
Na Paraíba os holandeses que haviam
Ilustração 4 - Porção conhecida da conquistado a simpatia dos nativos, “... chegaram
peça, a partir da qual se procedeu mesmo a levar da Paraíba, um pequeno grupo de
a reconstituição virtual. índios brasileiros para a Holanda: Paraupaba, André Ilustração 5 - Reconstituição da for-
Francisco, Pedro Poty e outros mais. A viagem com o ma a partir do fragmento. A linha que
holandês Bondewing Hendrikszon, representou para cinge a peça demarca o limite entre a
esses indígenas um verdadeiro pacto de honra. porção conhecida (junto a borda) e a
No retorno ao Brasil, aqueles nativos que parte hipotetizada.
haviam estado na Holanda, passaram a comandar
tropas de indígenas, ainda que sob a supervisão
de holandeses.”12. E foram tais tropas que encetaram em 1645 o ataque a Cunhaú, no
Rio Grande do Norte. Ali a população luso brasileira, que correra a esconder-se na
igreja, foi impiedosamente massacrada, mutilada.
Tais observações têm por objetivo reforçar a intensa participação de nativos no
Ilustração 6 - Detalhe de imagem conjunto da sociedade que se forjava nos dois primeiros séculos da colonização e a
anterior, focando a forma da conseqüente aculturação.
vasilia Sabe-se, por outro lado que os nativos que estabeleceram os primeiros contatos
com o colonizador no litoral de Pernambuco (Feitoria de Cristóvão Jaques – 1516)
faziam uso de cerâmica, conhecida arqueologicamente como da tradição cultural Tupiguarani. Cerâmica que durante
algum tempo foi abundante no assentamento colonial, possivelmente tendo servido de recipiente, de contentor de
alimentos usados nas trocas. Embora não se disponha de elementos que sugiram alterações na forma da cerâmica em
decorrência deste contato, um elemento da decoração poderia revelar a influencia do contato na produção oleira.
12 Antônio Paraupaba, que acabava de voltar da Holanda, assegurou aos Supremos Conselheiros que o pensamento do Conselho dos XIX era
que “holandês algum os governasse, mas que viessem a escolher entre os seus um chefe”; o conselho com habilidade obteve que escolhessem
não um chefe único, mas três regentes, um para cada capitania, para governá-los, os quais deliberariam com a assistência do “commandeur”
Listry : Gen. Missive ao Conselho dos XIX, datada do Recife, 27 de junho de 1645. MELLO, José Antonio Gonsalves de. Tempo dos Flamen-
gos: influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil, Recife, Coleção Pernambucana, vol. XV, 2a. edição, Secreta-
ria de Educação e Cultura de Pernambuco, 1978.
62 - Os Ceramistas Tupiguarani
É bem verdade que pode se tratar de mero paralelismo cultural, afinal se
trata de um conjunto simples de hemi circunferências. Mas, na verdade, tal
motivo não se mostrou freqüente em outros sítios da Região, como acontece
com grande parte dos motivos conhecidos.
Certamente, exceto por questões ritualísticas, a decoração se constitui
em um elemento dentro da tecnologia ceramista, dos que permitem mais
facilmente alterações. Alterações nas formas das vasilhas, requerem, muitas
vezes, um conjunto de ajustes na técnica de fabrico, o que não se dá na
alteração de motivos decorativos.
Mas o sincretismo
não se deu apenas com
a adoção de padrões
decorativos europeus pela
cerâmica nativa. Cerâmicas
tecnologicamente associadas
aos padrões coloniais foram
decoradas com motivos
nitidamente relacionados à
cerâmica tupiguarani.
Tem-se deste modo
que a cerâmica chamada
Tupiguarani apresenta no
Ilustração 7 - Acima, fragmentos de
cerâmica Tupiguarani com pintura Nordeste um posicionamento
vermelha sobre engobe branco. Abai- cronológico proto-histórico
e histórico. Entretanto, as Ilustração 8 – Proveniência: aterro do Recife
xo fragmento de faiança grossa, por- Antigo (Av. Alfredo Lisboa). Foto Maricélia
tuguesa, comum em sítios históricos dificuldades decorrentes
Milanês.
do Nordeste, do século XVI em diante. da falta de datações parece
Foto Maricélia Milanês. ter prejudicado uma maior
ênfase na avaliação de tais relacionamentos culturais no sentido de sua influência
sobre as formas e a decoração daquela cerâmica nos diferentes sítios.
No litoral do Nordeste a ocupação agrícola das terras começou muito cedo, ainda na primeira metade do século
inicial da colonização. O desmatamento extensivo, o cultivo intensivo das terras, o uso, ano após ano, século após
século de arados e enxadas, no mínimo contribuiu para a quebra de recipientes, para a intensa fragmentação da
cerâmica indígena. Coincidentemente ou não, sítios litorâneos, nas restingas e em ilhas cercadas por manguezais,
onde praticamente não se plantou cana, ali foram encontrados fragmentos maiores, que permitem tentar-se a
reconstituição.
Em locais onde a ocupação colonial foi bem mais tardia, e cuja exploração econômica histórica conduziu a
baixos índices de densidade demográfica, à exploração mais pecuária que agrícola, ali também foram registrados
fragmentos de maior tamanho, ainda que em sítios superficiais.
No conjunto, tem-se que um número relativamente reduzido de peças inteiras foi até o momento resgatada.
Grande parte do material arqueológico resgatado corresponde a fragmentos de peças.
A ‘colagem’ de fragmentos tem permitido algumas reconstituições, mas certamente a maior parte das formas
Os Ceramistas Tupiguarani - 63
conhecidas foi virtualmente
reconstituída. Certamente a associação
das duas técnicas torna confiável a
reconstituição e mais confortável sua
utilização pelo pesquisador para efeitos
comparativos. Sua visualização,
quando associada à peça original
permite ao leitor ‘não iniciado’, uma
melhor compreensão sem perda do
‘encanto’ da relíquia.
Considerando que a grande
maioria do material coletado está
constituído de fragmentos que
não oferecem a possibilidade de
reconstituição por colagem das partes,
outros recursos tem sido buscados de
modo a tornar a reconstituição virtual
mais confiável.
A reconstituição virtual de
formas de recipientes, a partir do perfil
da vasilha, com o uso de programas
Ilustração 9 - Fragmentos colados permitem uma segura reconstituição virtual da
peça. O uso da reconstituição virtual permite uma leitura mais fácil aos interessados gráficos, se torna cada dia mais fácil e
no assunto, além dos especialistas. mais rápidos os cálculos de capacidade
de contenção de cada uma das
peças. Soma-se a tais facilidades, a
capacidade dos programas disponíveis
em apresentar uma visão dos diferentes ângulos que se pretenda analisar. Entretanto, um problema que se apresenta, e
que independe do uso ou não da reconstituição computadorizada, é a questão do tamanho dos fragmentos encontrados.
Têm sido recuperados fragmentos que abrangem parte da borda e do bojo; mais raramente aqueles que chegam a
insinuar a forma da base. Certamente o conjunto dos fragmentos de base que integram a amostra, permite conhecer-
se a gama de variação dos vasilhames do sítio. Entretanto uma das características da cerâmica tupiguarani, suas formas
multiflexionadas e multiangulares, representa um fator que dificulta muitas vezes uma reconstituição mais acurada,
mais fidedigna.
Um outro aspecto que tem sido mencionado por Albuquerque13, quanto às dificuldades para a reconstituição
virtual (mormente quando relacionada a pequenos fragmentos de cerâmica), é o contorno da abertura de algumas
formas freqüentes no Nordeste. Grande parte das reconstituições têm sido possíveis quando a abertura do recipiente
é de forma circular. Nestes casos é possível recuperar-se matemática ou graficamente o diâmetro da peça.
Entretanto, nos casos das formas quadrangulares e elípticas, a maior parte dos fragmentos não permite, até o
momento, seja através de cálculos, seja através de ábacos, recompor-se as proporções, as dimensões da abertura.
13 ALBUQUERQUE, Marcos. Recomposição da forma em cerâmica Tupiguarani. CLIO - Série Arqueológica, Revista do Curso de
Mestrado em História da UFPE, número extraordinário dedicado aos Anais do I Simpósio de Pré-história do Nordeste Brasileiro, Recife, (4);
121-122, 1991.
64 - Os Ceramistas Tupiguarani
Ilustração 10 - Reconstituição hipotética de diferen-
tes aberturas de recipientes elípticos e circulares,
com trechos coincidentes da curvatura.
Ilustração 13- Formas reconstituídas a partir de fragmentos. Origem Chapada do Araripe (PE).
66 - Os Ceramistas Tupiguarani
praticamente planas, em sua maioria apresentam bordas reforçadas
externamente. Ocorre ainda, com menor freqüência, bordas reforçadas
externa e internamente.
Por outro lado, as tigelas de borda simples, diretas, em sua maioria
apresentam base arredondada e mostram uma ampla gama de variação de
tamanho.
Formas simples, comuns em diferentes culturas, inclusive entre a
cerâmica dos colonizadores, se apresentam em diferentes tamanhos, sendo
freqüentes aquelas com 10 a 12 centímetros de diâmetro. Seriam de uso
individual, como as tigelinhas de mingau ou de açaí, ou serviriam para o
preparo de meizinhas, chás, infusões?
Algumas peças inteiras, ou pelo menos cujos fragmentos permitem
uma reconstituição segura do conjunto, são conhecidas na Região.
As peças inteiras, como foi mencionado, em sua maioria, não resultam
de uma escavação arqueológica, mas são fruto de achados fortuitos. E,
ao contrário do que aconteceu no caso relatado no início, nem sempre
um arqueólogo é chamado para avaliar o achado in loco. Em grande Ilustração 14 - Forma reconstituída a
parte dos casos, sequer tem sido possível aos arqueólogos revisitar a área partir de fragmentos. Origem Chapada
de tais achados. Os achados se deram em desmontes de barreiras, em do Araripe (PE).
construções de estradas, ações que alteraram inteiramente o local, que
destruíram quaisquer outros indícios que por ventura pudessem estar associados.
Entretanto, tais achados fortuitos, via de regra, têm entre si um denominador comum: provavelmente a maioria
de tais achados se encontravam abaixo da superfície do solo, ao contrário dos incontáveis fragmentos que restaram à
superfície. Certamente o fato de estarem à subsuperfície contribuiu para que as peças se mantivessem inteiras. Outras
peças inteiras poderiam ter sido deixadas à superfície à época da ocupação e terem sido quebradas, intencionalmente
ou não, pelas sucessivas ocupações do terreno ao longo dos séculos. Mas as questões que se põem são: por que
algumas peças se encontravam sob a superfície? Seria decorrente de uma sobreposição natural de sedimento? Teriam
sido enterradas? Por que? Quais formas são mais freqüentes entre as peças inteiras (enterradas), por que? Onde teriam
sido deixadas ou escondidas (enterradas) em relação à habitação?
Dois tipos funcionais parecem predominar entre as formas resgatadas inteiras e que se encontravam na
subsuperfície: potes introvertidos (comumente associados a urnas funerárias) e tigelas. Embora sejam mais comuns
as referências à presença de restos humanos em recipientes capazes apenas de conter sepultamentos secundários,
existem registros da presença de restos humanos em grandes recipientes capazes por suas dimensões de terem servido
a inumação primária. Por outro lado, como chamou atenção Albuquerque15, recipientes cerâmicos de tais dimensões
certamente não foram elaborados em um dia. Sua manufatura, queima e resfriamento teria ocupado vários dias. Um
tempo talvez maior que aquele possível de ser mantido exposto um cadáver, sobretudo em um clima tropical. Pelo
menos muito inconveniente, a despeito de possíveis e elaborados rituais funerários como aquele descrito, no qual o
morto, besuntado de mel, era coberto por plumas.
É possível que o uso do sepultamento primário em urnas estivesse restrito a eventuais circunstâncias ou
personalidades, e que envolvesse uma prévia preparação dos objetos rituais.
15 Op cit.
Os Ceramistas Tupiguarani - 67
Tal hipótese entretanto, não se coaduna com a
observação de que tais ‘urnas’, sistematicamente, se
mostram quebradas abaixo da borda ou à altura do
ombro.
Esta mesma observação é freqüente em ‘urnas’
associadas a sepultamentos secundários. Esta prática
talvez seja decorrente da necessidade de ampliar a
abertura do recipiente para a deposição dos despojos.
Um recipiente já existente, possivelmente em uso em
outra função. Na realidade tais formas associadas a
sepultamentos não divergem daquelas reconstituídas
a partir de seus fragmentos, cuja função é atribuída à
contenção de líquidos.
Um outro aspecto a ser ainda considerado é a
presença freqüente de uma outra vasilha cobrindo a
abertura da ‘urna’. As dimensões desta segunda peça
não sugerem que tenha sido especialmente fabricada
como opérculo da primeira. Antes representa uma Ilustração 15 – Observe-se que os bordos da vasilha foram removidos.
tigela, semelhante a tantas outras reconstituídas, seja Foto Francisco Veloso
Os Ceramistas Tupiguarani - 69
Um outro tipo de conjunto tem sido ainda referido, que parece não envolver práticas funerárias. Entre eles
chama especial atenção aquele localizado no Maranhão. O conjunto envolvendo 6 peças, inclui uma forma, ao que
parece até então não descrita na região.
“Trata-se de um achado fortuito efetuado por operários em uma área de ocupação de moradia popular. A vasilha
maior, que continha as outras três, foi danificada e não apresentava decoração.”17
Um outro tipo de associação observada diz respeito às formas quadrangulares e as bases aplanadas. Grande
parte das formas inteiras observadas revela que as formas quadrangulares apresentam-se proporcionalmente com altura
menor que as formas circulares, suas bases tendem a ser planas, como se pode observar no conjunto da ilustração
18.
Naquele conjunto acima se tem uma vista de topo (que mostra o perímetro quadrangular) e abaixo a mesma peça
vista lateralmente, quando se pode observar a base aplanada.
Da mesma coleção do Ceará, tem-se formas que tendem à circular, proporcionalmente mais profundas, cujas
bases não se mostram aplanadas (figura 19).
Os Ceramistas Tupiguarani - 71
Recipiente de cerâmica tupiguarani fragmentado, em forma
ovalada, carenada, com base arredondada. Apresenta decoração
pintada. Não apresenta borda, que poderia ter sido removida para
facilitar o encaixe de outro recipiente como opérculo. Acreditou-
se tratar, o conjunto, de uma urna funerária coberta, porém não
apresentou vestígios de conteúdo. Medidas aproximadas (internas):
eixo maior = 58cm; eixo menor = 45,5cm; profundidade = > 66cm
(incompleta). Origem PE 0159 Jb (achado fortuito).
72 - Os Ceramistas Tupiguarani
As tigelas quadrangulares, de base aplanada parecem constituir o
grupo de maior incidência, pelo menos entre as peças inteiras que foram
resgatadas.
Os Ceramistas Tupiguarani - 73
Fragmento de panela de cerâmica tupiguarani (8
fragmentos colados) sem decoração, com borda reforçada,
não circular. A porção resgatada não apresenta base.
Um outro tipo de peça foi ainda registrado em sítio arqueológico superficial na Chapada do Araripe. Trata-se de
um fragmento de vasilha provavelmente de bojo duplo.
O fato de se tratar de um sítio onde o material arqueológico se encontra exposto à superfície, e mais, a área ter
sido cultivada, permite levantar-se algumas dúvidas quanto a real associação de peças que poderiam ser consideradas
intrusivas. Entretanto as características de pasta e de cozimento da peça permitem associá-la ao material arqueológico
Tupiguarani do sítio.
Um outro aspecto, que no caso é relevante considerar, é a característica peculiar da vegetação florestal
remanescente nas escarpas dos anfiteatros escavados pela erosão regressiva que se impõe na área. Andrade Lima18,
que teve a oportunidade de estudar a composição florística das matas remanescentes (meados do século XX) na Serra
da Ibiapaba, observou um notável paralelismo entre as espécies daquelas matas e as espécies comuns na Floresta
Amazônica. Segundo a teoria então desenvolvida dos movimentos de avanço e recuo das áreas nucleares, durante
18 LIMA, Dardano de A..Contribuição ao estudo do paralelismo da flora amazônico-nordestina. Boletim Técnico n.19. Recife,Instituto de
Pesquisas Agronômicas de Pernambuco,1966, 30p.
76 - Os Ceramistas Tupiguarani
o altitermal (ca 5.000BP)19 uma grande área florestada se estendia da Amazônia à costa Leste. Uniam-se as Florestas
Amazônica e Atlântica, principalmente ao longo do litoral, mas com um significativo avanço para o interior, através da
Serra da Ibiapaba. Alterações climáticas posteriores teriam promovido o recuo das áreas florestadas, e a Ibiapaba teria
se constituído em um remanescente florestal, uma ‘ilha’ vegetacional, um brejo de altitude.
A Serra da Ibiapaba ao longo dos limites dos Estados do Piauí e Ceará, com o nome de Serra Grande, continua
até a Chapada do Araripe, fronteira com Pernambuco. O movimento tectônico (muito anterior ao altitermal de
5.000BP) que promoveu a elevação do Araripe, direcionou através da inclinação das camadas, as águas que caem
sobre a Chapada para as terras do Juazeiro do Norte (Ceará). Assim, a face pernambucana da Chapada é bem mais
seca que a do Ceará. Tais observações são mostradas no sentido de lembrar a possibilidade de que o ‘corredor’ de
vegetação poderá ter-se mantido até períodos muito mais recentes e ter servido de via de contato entre grupos do
Norte e do Nordeste. Saliente-se ainda os sucessivos esforços feitos pelos colonizadores europeus para assenhorear-
se da Serra Grande, para submeter o grande contingente das populações nativas daquela área. Foram muitas as
tentativas mal sucedidas, experimentadas por padres e leigos, por soldados e aventureiros que buscaram submeter
aquelas populações, no século XVI.
As terras da vertente pernambucana da Chapada do Araripe, tiveram uma ocupação colonial também tardia,
a partir dos currais do São Francisco. Aquelas terras são freqüentemente referidas como ocupadas pelos tapuias,
denominação genérica de grupos de um tronco lingüístico não tupi. Ainda nas cercanias daquela chapada as terras
são designadas pelo nome de Cariri. Os Cariri (incluídos entre tapuias) no início do contato com os portugueses
ocupavam uma grande extensão territorial da Bahia para o norte; posteriormente teriam se concentrado nos sertões de
Pernambuco e mais tarde ocupado parte dos sertões da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará. Tais informações
etnográficas trazem novas questões quanto à presença de sítios arqueológicos tupiguarani na área.
A datação de 340 +- 150 BP posiciona em uma faixa cronológica entre o período imediatamente anterior ao contato
com os colonizadores europeus, o período dos intensos conflitos e dizimações, até a época da retomada das grandes
missões religiosas (após a expulsão dos holandeses) e sua transformação em vilas no período pombalino. Foram anos
de grandes atribulações, de mudanças intensas que envolveram não apenas alterações no modo de vida dos grupos
como dizimações, sucessões, coalescência forçada de grupos, imigrações. Neste quadro, onde se posicionam os
grandes sítios arqueológicos tupiguarani datados neste período? Como conciliar as informações da documentação
histórica com os grandes sítios arqueológicos com cerâmica tupiguarani localizados na Chapada do Araripe? Estas são
questões que o estudo das formas dos vasilhames tupiguarani nos diferentes fácies fisiográficos pode vir a contribuir
para melhor elucidar.
Por sua natureza de característica essencial20 na feitura da cerâmica, as formas dos vasilhames assumem um
caráter de maior permanência no tempo e no espaço. Assim, as variações em termos de recursos disponíveis, bem
podem se refletir no uso dos recipientes, na proporção entre as formas da vasilhame. Por outro lado, seu estudo em
detalhe poderá vir a contribuir no traçado dos contatos e de suas influiências, sejam contatos intertribais sejam contatos
interétnicos.
19 De acordo com a curva apresentada para o setor ao norte de Salvador (BA), tem-se que entre 7.100 BP e aproximadamente 4.000 BP, o
nível do mar manteve-se acima do atual. Cf. SUGUIU, Kenitiro et alii 1985 – Flutuações do Nível Relativo do Mar Durante o Quaternário
Superior ao Longo do Litoral Brasileiro e suas implicações na Sedimentação Costeira. Ver. Brasileira de Geociência, 15(4): 273-286
20 SHEPARD, Anna O. Ceramics for the archaeologist. Washington, Carnegie Institution of Washington, 1963, 414 p., il.
Os Ceramistas Tupiguarani - 77
78 - Os Ceramistas Tupiguarani
Características da Tradição Tupiguarani no Sudeste do Brasil
Ondemar Dias (*)
Lílian Panachuk (**)
Introdução
Pode parecer desnecessária uma reabordagem da Tradição Tupiguarani, tema aparentemente esgotado de tão
conhecido e motivo de algumas dezenas de publicações ao longo dos anos. Os trabalhos da última década somente
teriam acrescentado novos detalhes, sem que fossem modificadas, no entanto, as sua linhas mestras. A própria evolução
desses estudos, no entanto, permitiu que fossem elaboradas novas questões que enriqueceram o conhecimento e
esclareceram peculiaridades deste complexo cultural.
Acontece, porém, que a penetração mais profunda e pontual em diversos aspectos daquela vasta Tradição acabou
por demonstrar que o tema está muito longe do seu esgotamento e que a aceitação de algumas perspectivas generalizadas
não se sustentam mais em função do avanço da pesquisa. Torna-se necessário, então, repensar-se o assunto de forma
a contextualizá-lo frente aos novos postulados. Parece-nos sem dúvida que é de todo útil, como primeiro passo, a
organização de sínteses que focalizem aqueles aspectos comprovados pelas pesquisas e que sumarizam os traços
culturais dominantes em cada região, aos quais se somam as novas perspectivas, constituindo plataformas de manejo
utilizáveis pelos interessados e sobre as quais se possa construir um novo esboço. É evidente, no entanto, que este
“novo esboço” representará somente uma outra perspectiva periódica da realidade, que só terá aceitação enquanto uma
determinada maioria de pesquisadores concordar com a sua validade, aliás como tudo o mais nas ciências sociais.
Nossa contribuição para este estudo se centraliza na abordagem daqueles traços que emergiram como os mais
comuns, ou repetidos, e que, como tal, podem neste momento representar as tendências identificáveis de comportamento
que, afinal, caracterizam aquela Tradição no Sudeste brasileiro, onde este autor e sua companheira de publicação
atuam mais decididamente e onde, portanto, se encontram mais capacitados para colaborar na formulação deste
quadro geral, com a experiência adquirida em muitos anos de pesquisas.
Colocações iniciais
Não vamos discutir aqui profundamente a questão, ainda focal, das origens deste grupo humano que a maioria
dos arqueólogos considera vinculado a um único e grande ramo cultural, denominado, desde a década de sessenta do
século passado como “Tupiguarani”, neologismo que atraiu a oposição de diversos pesquisadores ao correr do tempo,
mas que foi proposto pelos seus criadores somente como um referencial (vide Brochado et alii, 1969). Considerava-se,
então, que tal tradição (exclusivamente arqueológica) deveria englobar os povos dominantes encontrados ao longo do
litoral brasileiro na época do descobrimento pelos portugueses, povos estes que apesar de apresentarem diferenciações
dialetais e de se estenderem do rio da Prata ao Amazonas, podiam se comunicar verbalmente entre si, compreendendo-se
(*) Diretor Presidente do Instituto de Arqueologia Brasileira
(**) Coloboradora do Setor de Arqueologia do Museu de História Natural e Jardim Botânico/Universidade Federal de Minas Gerais e Mestranda
da Universidade de São Paulo
Os Ceramistas Tupiguarani - 79
mutuamente. Compartilhavam além disso, uma organização social próxima, um artesanato assemelhado em suas formas
e decorações - no qual se destacava a cerâmica, uma rica tradição oral mal conservada pelos europeus, conhecimentos
agrícolas compartilhados, além de usos diversos em comum, como mitos e festividades, entre eles aqueles relativos ao
tratamento dos mortos, estes, os mais importantes para os arqueólogos, por se conservarem materialmente, enquanto a
maioria dos demais ou foi assimilado ou desapareceu.
Dentro de tal grupo, a guerra funcionava como um elemento fundamental para a localização do homem no seu
“status” social e como elemento incentivador de disputa territorial, posse de prisioneiros e prática de canibalismo.
Sendo cada grupo organizado em torno de aldeias auto-suficientes, cercadas por uma grande área vital, praticavam
a agricultura de derrubada e queima, o cultivo de diversos tubérculos e folhas, complementando sua dieta com a
caça, a pesca e a coleta. Guerreiros e expansionistas, encontravam-se em plena fase de conquista da terra, num
processo iniciado centenas de anos antes. Em diversos pontos do território, como no litoral Sudeste, povos mais antigos
conseguiram opor tenaz resistência, preservando bolsões de tradições diferentes em pleno domínio Tupiguarani, como,
por exemplo, os “Goitacá” no Estado do Rio de Janeiro. Além disso, certos setores ou compartimentos geográficos-
ambientais pareceram não atrair a sua atenção, sendo este grupo raro nas regiões das serras mais altas, ou nos locais
onde o cultivo da mandioca seria dificultado por fatores naturais.
Aceita-se como mais viável sua origem amazônica, sobretudo em função dos estudos de grotocronologia levados
a efeito no século findo, mas não há igual unanimidade quanto aos seus caminhos de difusão.
Uma hipótese mais antiga propõe o que o deslocamento tenha ocorrido pelo interior do país, por pequenos
grupos que subiram os rios tributários do rio Amazonas, de onde teriam acessado os formadores da bacia platina e
alcançado o litoral, nos limites entre as regiões fisiográficas atuais do Sul com o Sudeste, em especial nas alturas da
bacia do rio Tietê. Ali teriam se dividido em dois ramos, um se dirigindo para o Sul e outro para o Norte.
Discordando parcialmente desta rota, Brochado propôs uma alternativa, sugerindo que uma leva poderia ter
seguido aquele caminho, originando os povos Guaranis do Sul, enquanto outra, em separado, atingia a foz do Amazonas,
de onde teria se deslocado pelo litoral em sentido Norte-Sul, dando origem aos Tupis (1984). Esta posição é defendida
também por Schmitz, para explicar o povoamento do Brasil meridional (1999:288). Posteriormente, desprezando a
primeira leva, e mudando o nome da Tradição para “Pintada” ou “Policroma”, Brochado propôs que todo o movimento
ter-se-ia procedido pela rota litorânea Norte-Sul (1991).
Os defensores da primeira hipótese costumam identificar tais povos como vinculados à uma única Tradição
original, que se dividiu em duas sub-tradições: aquela que viajou em direção ao Sul, seria denominada de “Corrugada”,
enquanto que a outra, que viajou para o Norte, seria identificada como “Pintada”, enfatizando o padrão decorativo
mais comum em cada ramo. Podem também, considerando ter sido a unidade proposta muito antiga (a “Tupiguarani”),
entendê-los como formadores de duas Tradições específicas, a “Guarani” ao Sul e a “Tupi” ao Norte. Neste caso, a
ênfase se fez sobre a versão histórica e/ou antropológica, de base lingüística e se aproximando, portanto, da primeira
proposta de Brochado (1984). Mantém, no entanto, a idéia de uma origem única, uma espécie de “Macro-Tradição”
que se manteve unificada até a região do rio Tietê.
Os defensores da segunda hipótese, estruturada a partir da proposta mais recente de Brochado, preferem destacar
a decoração policroma ou pintada, rastreando-a desde a Amazônia até o rio da Prata, como seu elemento identificador
ou diagnóstico. Neste caso, onde quer que grupos humanos praticassem este tipo de decoração, teriam sido eles
vinculados à uma única e à mesma Tradição da qual, na verdade, os “Tupi”, “Guarani” ou “Tupiguarani” seriam,
somente, grupos integrados.
A este respeito já expressamos nosso ponto de vista anteriormente (Dias Junior, 1994/5) considerando tal
80 - Os Ceramistas Tupiguarani
perspectiva extraordinariamente difusionista, por se basear em um único traço (ainda que de importância cultural),
desprezando inúmeros outros de igual ou maior relevância, entre eles até mesmo a morfologia do vasilhame, as demais
decorações, as práticas funerárias, os padrões de adaptação, a utensilagem preservada, etc.
Naquela oportunidade apresentamos uma listagem de datações publicadas vinculadas à Tradição Tupi (Tupinambá
ou Sub-tradição Pintada), que apontam claramente sua maior antiguidade no Sul, sendo cada vez mais recentes para
o Norte, mas também este fator, o cronológico, parece não ter sido considerado como de relevância pelos defensores
daquela posição, que continuam preferindo simplificar o processo e se agruparem em torno de um único e dominante
traço morfológico. Diríamos, realmente com certo exagero, que é quase que a “tirania da pintura”, e da beleza da
policromia, que enfeitiçou seus fiéis seguidores.
Na verdade, apesar de entendermos como um único macro-grupo, e neste caso, na nossa área de estudos,
vinculado seja à Sub-tradição Pintada, ou à Tradição Tupi ou, ainda “Tupinambá”, não importando muito o apelido,
o fato é que nem mesmo dois sítios apresentam materiais iguais. Cada grupo social, mesmo aqueles que constituíam
uma única aldeia, possui elementos peculiares, próprios, manifestações individualizadas, seja em nível pessoal, seja
em nível grupal. O que os une são as tendências repetidas, os percentuais de ocorrências deste ou daquele tipo
- seja de decoração, de forma, de ritual, de localização das casas e aldeias ou do aproveitamento do espaço -, que
normalmente só podem ser visualizados e entendidos se estudados em suas micro-diferenciações e observados sob o
critério comparativo, com a devida ênfase nas semelhanças e nas diferenças de cada um em seu contexto global. Um
conjunto de elementos que obviamente variam no tempo e no espaço, mas que tem para uni-los diversos padrões que
se repetem e se manifestam ora de forma sutil, ora bem explícita.
Nossos estudos, iniciados em 1961 e que se estendem até o presente, sempre partiram da análise comparada
de todo o material recolhido em cada sítio, seja internamente, seja entre os sítios de uma mesma região fisiográfica.
Foi este estudo comparado entre sítios que proporcionou uma visão abrangente, onde pudemos identificar grupos
que se aproximavam pelas suas semelhanças e onde, obviamente, as diferenças eram menos significativas, formando
unidades médias que denominamos “fases”. Estas se distinguiam de outros grupos, ou de outras fases, pelas diferenças
notadas entre elas, apesar dos fatores semelhantes que as vinculam a uma mesma Tradição, e que podiam, mesmo,
ocupar áreas contíguas e até habitar antigos sítios abandonados por seus antecessores.
Ainda que, para muitos, as fases sejam somente unidades classificatórias, entendemo-las como representações
arqueológicas de sociedades - no caso dos Tupiguarani, tribais -, que ocuparam espaços próximos, durante um
tempo não muito longo e que se relacionaram com o meio, e entre si, de forma culturalmente compartilhada, e
que são materializadas pelos elementos materiais preservados. Neste caso, as fases tanto podem resultar dos restos
culturais deixados por mais de um grupo humano que compartilhou sistemas, usos e costumes comuns e que interferiu
tecnologicamente no meio segundo conceitos, comportamentos ou modos de longa duração transmitidos através de
gerações (a Tradição), como até mesmo um único grupo tribal se deslocando através do tempo em uma área vital
ampla e que tanto pode reocupar sítios anteriormente habitados por eles, quanto outros pontos ocupados por povos
diferentes. Estuda-se, mesmo, hoje, quais os elementos que podem ser detetados nos dados analisados, e sobretudo nas
micro-diferenciações culturais, que permitam diferenciar um tipo de fase do outro.
Neste momento, e deixando esta discussão de lado, por mais instigante que seja ela, vamos sumarizar o quadro
da ocupação Tupiguarani do Sudeste, nas áreas ocupadas pelos territórios do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Os textos que se seguem, ainda que de autores diferentes, e respeitando, inclusive abordagens diferenciadas, se
complementam e fornecem ao interessado, um quadro atualizado do que se conhece atualmente sobre esta importante
tradição cultural na nossa região.
Os Ceramistas Tupiguarani - 81
Figura 1, feita por A. Carvalho, do MHNJB/UFMG
82 - Os Ceramistas Tupiguarani
O Litoral Sudeste (Rio de Janeiro)
Caracterização Regional
O primeiro grupo de sítios que pesquisamos (1964/5), apresentando similaridades suficientes para identifica-los
como pertencentes a uma única fase, ocupava terrenos baixos localizados na orla dos rios que deságuam nas baías
da Guanabara ou na de Sepetiba. A maioria deles assentados sobre pequenos tesos, ilhados no “apicum”, numa área
rica em recursos marinhos, próxima ao Oceano e aos cursos dágua orlados de mangues. As datações mais antigas
os encaixaram em um passado relativamente remoto, em termos desta Tradição. Trata-se da fase Guaratiba, (Dias
Junior, 1967) cujas datações variam de 1.650 a 800 anos passados. As datas mais antigas foram obtidas por Crâncio
(1987:173) para o sítio do Zé Espinho, não pesquisado por nós (um sambaqui reocupado pelos Tupis). Alguns dos
sítios do lugar foram escavados por Beltrão, que os entendia como acampamentos sazonais para a coleta de mariscos,
proposta perfeitamente viável, aliás. Aquela autora também associou à fase, sítios da Ilha do Governador, lugar que,
com suas praias de baía, águas mornas e orla marítima com manguezais, possui meio ambiente coerente com aquele
em que se localizam os primeiros sítios da fase (Beltrão 1969). Um sítio abordado por nós, naquela mesma ilha, sobre
o qual se ergueu o “engenho Velho”, um dos mais antigos do Rio, já funcional nos anos finais do século XVI, forneceu
a nossa data mais antiga, em torno do século nono da nossa Era.
Os sítios desta fase são peculiares e não muito extensos, pois embora variem, suas dimensões são inferiores,
no geral, aos mil metros quadrados. Aparentemente, nunca se estendeu muito no espaço, ainda que os seus pontos
extremos, entre Guaratiba e Pacobaíba ultrapassem os 50 quilômetros em linha reta.
É possível que um sepultamento em urna localizado por Salles Cunha, na ilha do Governador se vincule a esta
mesma fase, de resto pobre em evidências do tipo (1960). Em relação à decoração predominante na cerâmica, há certo
equilíbrio entre as peças pintadas, bi ou policromas, decoradas com os motivos que se tornariam padrões para a região
e o corrugado, também no estilo regional próprio, isto é, com variação na mesma peça, conforme descreveremos
adiante com mais detalhes.
Segue-se-lhe a fase Sernambitiba (Dias Junior, 1968), esta aparentemente a mais extensa e de intensa ocupação
da Tradição em nossa área. Dominou parte do espaço da fase Guaratiba, mas diferentemente da anterior, seus sítios
estão localizados preferencialmente em terrenos arenosos, desde as praias de mar aberto ou lagunares, aos terrenos
em meia encosta, sobre as colinas “em meia laranja” da Baixada da Guanabara. Sua área de dispersão ultrapassa a da
anterior, desde a região de Sepetiba até a baía Formosa, em Rio das Ostras, sempre ocupando terrenos areno-argilosos
colinares, próximos a pequenos córregos e excelentes para o cultivo do aipim, do amendoim, etc.
É a fase mais conhecida, cujos sítios, em especial na região dos Lagos fluminenses, vem sendo intensamente
pesquisados ao longo dos anos, por nós, na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia, por Kneip (1978) na “Venda
Grande” ou por Buarque (1996 e 1999) no “Morro Grande”, ambos em Araruama.
Seus sepultamentos caracterizam os padrões regionais e a eles retornaremos adiante. Ainda que os motivos
decorativos se aproximem muito da fase anterior, há um ligeiro predomínio da pintura sobre o corrugado. Sítios grandes,
podem alcançar mais de 3.000 m.2 de extensão. Acreditávamos fosse mais recente do que a fase Guaratiba, pois dela
possuímos uma datação que a situa no século XIV, mas uma outra mais recente recuou em 1.100 anos a sua duração
(Buarque, 1999). A vastidão cronológica desta e da fase Guaratiba remete, sem dúvida, à necessidade de novos estudos.
Do centro ao Norte do Estado se localizam as demais fases reconhecidas por nós. Sítios isolados (campos de
urnas) foram encontrados em Macaé, mas não conhecemos qualquer descrição para os mesmos, a não ser notícias
esparsas e não publicadas cientificamente.
Os Ceramistas Tupiguarani - 83
Figura 2, feita por A. Carvalho, do MHNJB/UFMG
84 - Os Ceramistas Tupiguarani
Dois sítios localizados nas proximidades da Lagoa Feia, em seu extremo meridional e outros dois situados na
margem direita do rio Itabapoana. constituíram a fase que recebeu o nome daquele rio (Dias Junior:1969). São sítios
superficiais, de acampamento, em terrenos de antiga floresta, sobre o imenso mar de morros do interior (mas ainda
assim, bem distantes da Serra do Mar) ou nas proximidades da foz daquele rio divisor dos Estados do Rio de Janeiro e
Espírito Santo. São de reduzidas dimensões, sem estratigrafia, em torno dos 300 metros quadrados, mas um deles atinge
marcas bem maiores (cerca de 3.000 m2). O material recolhido é de confecção pouco cuidada, além do mais muito
erodido, onde (talvez por isto mesmo) a decoração pintada é reduzida e o escovado, junto com o ungulado, tornam-se
tão populares quanto o corrugado. Não possuímos datação para ela, mas aparenta ser recente e pode até mesmo se
vincular aos grupos que, derrotados no litoral, se internaram pela região após a conquista européia.
A fase Itaocara, composta por cinco sítios pequenos, que é ainda menos rica em material pintado, também
ocupa a morraria do interior, normalmente sobre elevações de cota em torno dos 50 metros, sobretudo nas vertentes
mais protegidas dos ventos dominantes e localizadas nas proximidades do rio Paraíba, em seu médio curso. Os sítios
se assentam nas cercanias das margens, nas fraldas dos morros vizinhos e até sobre uma pedreira de gneis, em São
Sebastião do Paraíba. São aldeias de ocupação reduzida, sem estratigrafia, sobre terrenos posteriormente revirados
pelos arados. Predomina a decoração plástica e, nela, as peças com corrugações simples, ungulações, acanalado, etc.
Como fator diferencial, é relativamente grande o número de peças carimbadas (Dias Junior:1969).
A fase Ipuca, com quatro sítios, é também muito interessante, por ocupar uma área extensa em São Fidélis, com
cerca de 7.000 m2, por nós registrada como “sítio do Horto” (Dias Junior:1969). Este local foi pesquisado também
pela equipe do Centro Brasileiro de Arqueologia (CBA) que o denominou “Sítio dos Coroados”, isto porque ocupa
o espaço de uma antiga redução jesuítica que deu origem à cidade. Apesar das divergências, entre os historiadores,
aparentemente os “Coroados” não eram Tupis, contrariando o farto material que ali exumamos. O local atesta uma
ocupação intensa, com uma camada espessa que forneceu rico material com características peculiares.
Os demais sítios se encontram muito espalhados. Dois deles em ilhas do rio e um último na bacia do rio Muriaé.
A fase se caracteriza por possuir decoração tipicamente Tupiguarani, ao lado do polido-estriado, mas aplicada sobre
vasilhame cuja tecnologia de fabrico, tipo de queima, espessura das paredes e até morfologia, os aproxima muito
mais do material característico da Tradição Una, em especial da vizinha fase Mucuri. Sem dúvida, tecnologicamente
representa uma fusão de traços de origens tradicionais diferentes.
A pintura é muito restrita (cerca de 1% do material), predominando as peças com decoração plástica, como o
polido-estriado, o ungulado, o corrugado complicado, etc.
Característica Gerais
a Tradição Tupiguarani no Rio de Janeiro
Alguns traços emergem destes estudos, muitos deles reforçados pelos elementos publicados por outros
pesquisadores. Ainda que nem sempre figurem na bibliografia os dados quantitativos necessários para um estudo
comparativo seguro, pode-se garimpar informes e estabelecer correlações que seguirão válidas, pelo menos enquanto
novos informes não as desmentirem.
Entenda-se, pois, que esta caracterização, apesar de vir sendo constituída ao longo dos últimos quarenta anos,
é sempre relativa aos dados disponibilizados e acessíveis, sendo passível de reformulação em função do avanço da
pesquisa.
Um primeiro elemento se coloca em destaque. Pelo menos no que tange às nossas observações, os artesãos desta
Tradição, neste trecho do país, apesar de darem uma ênfase especial à decoração pintada do vasilhame, não a aplicou
Os Ceramistas Tupiguarani - 85
Figura 3, feita por A. Carvalho, do MHNJB/UFMG
86 - Os Ceramistas Tupiguarani
em maior quantidade de peças do que uma outra qualquer decoração plástica “concorrente”. Esta tanto podia ser o
corrugado, como o escovado e até mesmo o polido estriado. Para nós é a ênfase, a tipologia e as funções do vasilhame
pintado que a caracteriza, assim como os seus intricados padrões decorativos, motivos de estudo profundo de colegas
que deverão ser também divulgados neste Volume.
Segundo: Observamos também que a pintura foi, na maioria esmagadora das vezes, aplicada na face interna
de tigelas, pratos, assadores e até mesmo de vasos de boca ampliada, atingindo, no máximo, como limite, a região
sub-labial ou parte externa da borda. Muito recentemente localizamos um conjunto de peças no qual três urnas, com
ombros largos, foram pintadas na face externa. Tratava-se, no entanto de um sítio histórico ocupado a partir do final do
século XVI, onde foram reunidos índios arrebanhados após a conquista, inclusive com a vinda de “Carijós” do Sul.
As peças fragmentadas foram enterradas no início da ocupação do sítio, de forma que podem se tratar de peças
produzidas por povos alógenos, destoando, inclusive das demais de produção local (ver Dias Junior, 2003).
Apesar de termos interpretado, inicialmente, que tal conjunto seria exótico à região, uma vez concluídos os estudos
de laboratório e organizado o gráfico da sua seqüência seriada, uma nova hipótese está se configurando, ou seja, de que
se trata realmente de uma re-ocupação do sitio “Aldeia Velha III”, em Itaboraí. Este material indicaria a existência de um
grupo humano da Tradição Tupi (Tupinambá ou sub-Tradição Pintada), com características mais próximas dos Guarani do
Sul (sub-Tradição Corrugada), que ali fixou sua aldeia antes da chegada dos colonizadores europeus. Se novas pesquisas,
sobretudo acompanhadas de datações absolutas, confirmarem a hipótese, teríamos ali a confirmação de um momento,
muito antigo, em que as características das duas Tradições ainda se encontravam associadas.
Terceiro: Em relação às peças corrugadas também há uma constante. Normalmente o corrugado complicado
foi aplicado em peças grandes, ou urnas periformes (ou hiperbólicas com carena). Sua evolução numa mesma peça
também se repete, quase que como uma marca registrada. Começando bem marcado na borda, torna-se cada vez
mais baixo (ou plano), menos ondulado em direção ao corpo da peça e produzido pelo uso de espátulas. Em geral, do
meio para o fundo do vasilhame, transforma-se num mero raspado, com traços longos, verticalizados. No fundo restam
resquícios que somente lembram o corrugado. Normalmente, no entanto, são eles lisos.
Aliás, de uma maneira geral, as peças corrugadas são produzidas pelo uso constante de espátulas, sendo raros os
corrugados digitados, bem diferentes, portanto, das especiais peças do tipo comuns no Sul do país.
Quarto: Mesmo que não possamos estender esta observação para todos os sítios pesquisados por terceiros, e
baseados, portanto e em especial, nas nossas próprias observações, constatamos que o percentual de peças decoradas
é aqui normalmente inferior a 30% do total do material recolhido, sendo muito raras as exceções (considerando-se que
as coletas de campo tenham sido completas e não selecionadas).
A ocorrência citada, do sítio Aldeia Velha III de Itaboraí, apresenta predomínio da pintura sobre todo o resto,
daí nossa tendência a aproximá-la, pelo menos neste ponto, da Tradição do Sul. Aquela, no entanto, não apresenta a
riqueza, nem o detalhamento pictórico, da pintura aqui registrada.
Quinto: No que diz respeito às formas, podem elas apresentar o uso peculiar de vasos com bordas cambadas, ou
duplamente cambadas, como a peça símbolo do IAB, menores do que as urnas periformes, sendo poucas as peças com
ombros bem marcados. As urnas com ombro e pescoço, comuns no Sul do país sempre foram muito raras na região. Mais
uma vez, o material do sítio de Itaboraí se constitui exceção, com peças exibindo ombro ombros e ombros duplos.
Sexto: Talvez a mais visível peculiaridade desta Tradição no Sudeste (algo que parece também se estender para
o Nordeste) seja a variabilidade do desenho das bocas das vasilhas produzidas. Ainda que as urnas grandes e as peças
pequenas sejam basicamente circulares, farto material de dimensões medianas pode apresentá-las elípticas, ovóides,
retangulares ou quadrangulares (sempre com os ângulos suavizados, arredondados). Tem-se a impressão de que a
grande inventividade na produção de perfis de formas encontradas no grupo Sul desta Tradição, foi aqui substituída
Os Ceramistas Tupiguarani - 87
pela variação neste tópico específico da morfologia. Também a repetida aplicação de reforços externos nas bordas, ou
o uso constante de bordas expandidas encontrados nas tigelas (circulares, elípticas ou de qualquer forma de boca) pode
constituir um traço diagnóstico a mais.
Sétimo: Os enterramentos. Nós exumamos perto de meia dúzia deles em sítios vinculados à fase Sernambitiba, o
mais preservado no “sítio D.Laura” em Belford Roxo. Outros menos completos foram escavados no “sítio da Baixada”,
também naquele município; na Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia e no “sítio do Marco”, no Piaí, periferia da
cidade do Rio de Janeiro. Buarque (op.cit.) descreve mais três deles, escavado no sítio Morro Grande, de forma que é
possível detectarmos um padrão repetido.
A urna principal (urna 1), onde jaziam os ossos, é normalmente de formato periforme, corrugada espatulada e
pode assumir um considerável tamanho (as maiores da Tradição na área), com bocas circulares, variando de 42 a 65
cm de diâmetro (normalmente cerca de metade da altura da peça, mas podendo chegar a 95% dela). Sobre ela era
depositada uma grande tigela rasa, profusamente decorada na face interna, borda reforçada ou expandida, fechando a
boca da principal e tendo um diâmetro coincidente com aquela, ou ligeiramente maior. É o que a maioria dos autores
chama de “tampa” (urna 2), cuja proporção aumenta bastante, com bocas que ultrapassam a altura da vasilha em até
275%. Algumas vezes (como no sítio D.Laura) ela era protegida por outra tigela, esta mais funda, que, na maior parte
das vezes, possui uma carena na borda, sendo também corrugada (urna 3). Esta peça pode envolver inteiramente a
peça pintada. Ambas com bocas circulares. Nesta última, como é mais funda, a proporção diâmetro de boca/altura
costuma não ultrapassar os 135%. Sobre ela eram colocadas tigelas menores, com bocas elípticas, ou outras, em
número variado; três no sítio D.Laura, duas na Base Aérea e até quatro no Morro Grande. Como são as mais rasas,
aquela proporção pode chegar a 450%.
Provavelmente tais peças fizessem parte do ritual, desde o momento do sepultamento primário, sendo bem possível
fossem produzidas especialmente para o enterramento (ver testemunho do padre Manoel da Nóbrega, ed.1931).
Em outras oportunidades, em especial quando da deposição de jovens, usava-se vasilhame utilitário ou até
mesmo parcialmente fragmentado, como observamos em sepultamento no interior de Minas Gerais, no sítio “Mata
das Garças”, onde, apesar disso, duas tigelas pintadas foram colocadas sobre a pequena peça principal. Naquela
região observamos também, em dois enterramentos exumados na “Fazenda dos Óleos”, no município de Três Pontas,
que os acompanhamentos de tigelas pintadas foram colocados ao redor da urna principal, aparentemente em cova
especialmente aberta para isto. Estes traços se referem, no entanto, à fase Belvedere, localizada por nós em Minas
Gerais e que não incluímos neste estudo, a não ser para comparação (ver, Dias & Carvalho, 1975).
Outros elementos, de menor monta, e ainda em análise poderão vir também um dia a caracterizar melhor a
Tradição Tupi em nossa região. Por hora, estes sete fatores peculiares, sobre os quais a repetição da ocorrência permite
entender como diagnósticos identificadores, servem para o propósito do texto, conformando um esboço válido, cuja
segurança deriva da soma de trabalhos de campo e laboratório, nossos e de colegas, que permitiram sua definição.
Conclusão
Uma das críticas que recebemos ao estabelecer as fases citadas é de que acabaríamos identificando mais
unidades arqueológicas do que sociedades tribais na região. Nada mais fácil de refutar. Basta que consultemos os
textos contemporâneos da conquista, para constatarmos a intensidade do povoamento Tupi na área, com muito mais
aldeias identificadas do que sítios pesquisados, ou fases reconhecidas. Jean de Léry, por exemplo, inventaria doze
delas em torno da Guanabara, mais seis para o interior (ed.1960:99). Anchieta, nos “Autos de São Lourenço” se refere
a outras dezoito, número sem dúvida muito inferior às mais de 160 delas devastadas por Mem de Sá na Bahia, segundo
88 - Os Ceramistas Tupiguarani
sua “De Gestis Mendi de Saa” (ed.,1906:34). Muitas outras aparecem nas crônicas da conquista de Cabo Frio; nas
peregrinações de Knivet, ao terminar o século XVI, na correspondência dos jesuítas ou nos inúmeros documentos de
demarcações de terras de sesmarias.
Frente a este quadro, voltamos à questão inicial, concluindo que ainda estamos longe do dia em que os
pesquisadores poderão, de fato, considerar este assunto esgotado. Mal podemos delimitar, por exemplo, e com alguma
segurança, o território de domínio desta Tradição por aqui. De um lado observamos que adentrou, no Norte, área tida
como Goitacá - em termos arqueológicos, zona da Tradição Una, em Campos -, alcançando a região de Vitória, no
Espírito Santo; de outro nos surpreende o fato de nunca termos registrado traços de sua presença no Sul do Estado, esta
sim área historicamente reconhecida como Tupi, apesar dos anos de pesquisa ali desenvolvidos. O rio Paraíba segue
aceito como limite da sua expansão interiorana, pela falta de descobertas similares na sua margem mineira.
Considerando, ainda, que os testemunhos históricos acima citados se referem a dezenas de aldeias, e que todos
eles a uma estreita faixa de tempo, no máximo recuando aos inícios do século do descobrimento; que povos da
Tradição já se encontravam por aqui há quase dois milênios, e que, portanto, a presença desta gente forçosamente
deixou disseminados pelo campo milhares de evidências sequer conhecidas, quanto mais pesquisadas, concluímos
que, sem dúvida, falta ainda muito, mas muito mesmo, para que possamos parar de nos preocupar em construir um
quadro válido desta riquíssima cultura, parte integrante e fundamental da nossa etnia.
Entendamos, pois, que esta síntese não almeja nada além do propósito para o qual se destina, isto é, o de servir
como elemento base, como simples alicerce ou como a plataforma de manejo que nos referimos no início, sobre a qual
dados mais profundos e idéias mais complexas possam ser lançados.
No território do atual estado de Minas Gerais a atenção dada aos sítios Tupiguarani sempre foi menor que
aquela dispensada às demais tradições ceramistas, Una e Sapucaí.
Os poucos sítios Tupiguarani conhecidos estão dispersos em um grande espaço territorial que inclui áreas pontuais
na bacia do Rio Grande, Paranaíba, São Francisco, Velhas, Jequitinhonha, Mucuri, Doce e Parnaíba do Sul (Figura 5).
Com o início das pesquisas nestas regiões, até então pouco exploradas, o papel das populações ceramistas Tupiguarani
na pré-história recente vem sendo reconhecido.
Pretendemos apresentar uma compilação do material Tupiguarani situado em Minas Gerais marcando suas
particularidades e semelhanças dentro do cenário da região sudeste. Para tanto, utilizaremos, como guia, os vales dos
rios, começando no sul do estado, na bacia do rio Grande, para prosseguirmos desde o interior, na bacia do Parnaíba,
até nos aproximarmos do litoral, passando pelo rio São Francisco, das Velhas, Jequitinhonha, Mucuri, Doce e Paraíba
do Sul.
Vale do Sapucaí
Entre 1970 e 1975 a equipe do Instituto de Arqueologia Brasileira identificou um conjunto de quatro sítios
localizados nos municípios de Alfenas e Santa Rita do Sapucaí. Estes sítios estão situados em elevações suaves (cota
Os Ceramistas Tupiguarani - 89
Figura 4, feita por A. Carvalho, do MHNJB/UFMG
90 - Os Ceramistas Tupiguarani
de 50 metros), distantes, no máximo, 250 m das margens do Rio Sapucaí e seus afluentes (Dias: 1974; Dias, Cheuiche
& Carvalho: 1975). Em geral os sítios apresentam extensão variando entre 5.000 e 10.000 m2 e pacote ocupacional
superficial (tendo, em média, 30 cm de profundidade e, em casos de enterramento, 80 cm).
O material soma 1.233 cacos cerâmicos, dentre os quais 66% não apresenta decoração, 12% apresenta decoração
pintada (inclui cacos com banho vermelho, e com engobo branco com padrões pintados em vermelho ou preto) e 22% tem
algum tipo de decoração plástica. Os padrões decorativos plásticos mais comuns são as variações de corrugados e o ungulado
(7% e 6%, respectivamente), o escovado e o inciso aparecem com menor força (4 e 2%) e outras expressões de decorações
plásticas são ainda mais raras, como o digitado, entalhado, polido-estriado, ponteado e raspado (menos de 1%).
A análise da seriação feita por Dias, Cheuiche & Carvalho (1975) indica, entre os fragmentos sem decoração,
uma tendência de aumento do tempero com grãos finos de quartzo, ao mesmo tempo em que há um decréscimo do
tempero com grãos grossos de quartzo e do tempero argiloso. Entre os fragmentos decorados, os corrugados apresentam
uma curva de popularidade ‘naviforme’ mais nítida, ocorrendo o mesmo com os ungulados, de forma mais tímida. A
decoração escovada tende a aumentar na medida em que os demais tipos plásticos diminuem. Os fragmentos pintados
aparecem de forma irregular na seriação, embora esta modalidade decorativa seja popular. Este conjunto material foi
reunido na fase Belvedere e atribuída, pelos autores citados, dentro do contexto dos anos 70, à Subtradição Corrugada.
As duas datações disponíveis são de 520 +- 90 A.P. e 720 +- 150 A.P.
Ainda no final dos anos 70, outros dez sítios foram identificados pela equipe do IAB, nos municípios de
Paraguaçu, Fama e Carmo do Rio Claro, e foram analisados pelo instituto (Comunicação pessoal, Dias: 2003). Este
conjunto de sítios apresenta características semelhantes à fase Belvedere no que toca sua localização e os aspectos
técnico-morfológicos da cerâmica. Do total do material cerâmico (1.079 cacos), 60% não apresenta decoração, 24%
apresenta decoração plástica e 16% pintada. Entre o total de cacos decorados (423 cacos), 40% apresenta decoração
pintada, 20% decoração ungulada, 14% corrugada, outras decorações plásticas não atingem 1% (inciso, digitado,
acanalado, ponteado). A seriação mostra uma curva de popularidade ‘naviforme’ expressiva para os cacos pintados.
A freqüência de fragmentos corrugados aumenta na medida em que há uma diminuição dos demais tipos plásticos
menos expressivos, citados anteriormente (inciso, acanalado, digitado, ponteado). A decoração ungulada é constante
e expressiva no gráfico, embora não apresente uma curva de popularidade clara.
Além deste material cerâmico, dois sepultamentos secundários, ambos em urna carenada corrugada-espatulada,
foram exumados nos municípios de Santa Rita do Sacupaí e Alfenas dentro do contexto da fase Belvedere. Um deles
sem acompanhamento e com ossos completamente deteriorados, outro contendo fragmentos esqueletais de criança
com cerca de 7 anos. Este último traz algumas particularidades: a urna estava quebrada e havia fragmentos de outro
pote que “preenchiam” o vazio da quebra, protegendo o interior da urna; uma tigela pintada foi emborcada na boca
da urna, servindo como tampa (Dias, Cheuiche & Carvalho, 1975:9-10).
Na mesma região do vale do Rio Sapucaí, no município de Conceição dos Ouros, foram exumadas duas
estruturas funerárias no decênio de 90 pela equipe do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em uma
das estruturas apareceram duas urnas piriformes com decoração plástica; uma delas com decoração espatulada e
incisa, a outra com decoração corrugada e espatulada. Outras duas tigelas, uma com belíssima decoração pintada na
face interna, e outra com lábio serrilhado, completavam o sepultamento. A outra estrutura funerária envolvia uma urna
piriforme com decoração plástica zonada entre o espatulado, o digitado e o ungulado; e uma tigela com decoração
incisa, que servia de tampa à urna.
V – Vale do Mucuri
Para esta região não dispomos de dados bibliográficos, no entanto foram localizadas, no acervo do MHNJB/
UFMG, duas peças provenientes dos municípios de Carlos Chagas e Teófilo Otoni.
Os Ceramistas Tupiguarani - 95
Do primeiro conhecemos uma modelagem figurativa associada a sítio Tupiguarani e, do segundo uma vasilha
elíptica duplamente cambada com decoração ungulada.
Características gerais:
a Tradição Tupiguarani em Minas Gerais
No atual estado de Minas Gerais foram localizados, até o presente momento, mais de 50 sítios arqueológicos
atribuídos à Tradição Tupiguarani, com material cerâmico computado em mais de 24 mil cacos cerâmicos analisados.
Os Ceramistas Tupiguarani - 97
A extensão média dos sítios está entre 5 e 15.000 m2² e o pacote ocupacional gira em torno de 20 cm, e, em
caso de enterramento pode chegar a 1 m de profundidade. A maioria dos sítios conhecidos estão localizados em meia
encosta de colina suave, havendo casos de ocupação de topos de morros abruptos (Bacia do Rio Doce, Parnaíba do
Sul) e mesmo de cavernas e abrigos nas regiões cásrticas ocupadas (Bacia do Rio São Francisco e Rio das Velhas).
Em relação ao material cerâmico a técnica de manufatura utilizada foi o acordelado para a construção do pote.
Encontramos casos pontuais de utilização da técnica da modelagem em apliques figurativos, alças e instrumentos
diversos como trempes e contas de colar. Estas modelagens ocorrem na bacia do rio Grande (município de Andrelândia),
Parnaíba do Sul (São João Nepomuceno), Doce (Ituêta e Mutum) e no Mucuri (Carlos Chagas).
A textura geral do material é regular, com dureza variando entre 3 e 3,5 na escala Mohs e queima redutora central.
O tratamento de superfície varia em relação à morfologia e ao tratamento decorativo que será dado ao vasilhame.
Notamos que há maior investimento de regularização e acabamento da superfície quando o pote irá receber padrões
pintados. Isto pode culminar com a preparação superficial através da barbotina (Bacia do Rio Paranaíba e Rio Doce).
Em termos quantitativos parece haver uma constância percentual entre os tipos nas diversas regiões analisadas
(Figura 6). Em relação à bacia do Rio Doce (Fig. 6a) a pequena diferença quantitativa marca também uma grande
diferença na ocupação da paisagem, sítios de topo de morro e em meia encosta de colina suave. Já na Bacia do Rio
Grande parece haver uma continuidade entre um grupo de sítios e outro (Fig. 6b). Quando à Bacia do Rio Paranaíba
e do São Francisco há uma maior quantidade de fragmentos cerâmicos decorados (Fig. 6c/6d). Seria fruto somente de
uma maior preservação?
Quando analisamos o material por região notamos que nas regiões Oeste e Norte do estado de Minas Gerais,
onde a ocupação Tupiguarani parece ter sido rápida, o material decorado é mais abundante que nas regiões Sul e Leste,
onde teriam tido uma estadia mais estável e duradoura (Figura 7).
Acreditamos que esta ocupação se relacione ao que conhecemos como Tupinambá, visto que é muito mais
semelhante às formas e decoração típicas do litoral, embora tenha, em alguns casos, elementos Guarani. A implantação
de forma tão esparsa e rara neste território tão amplo nos leva a aventar a possibilidade de que tal grupo tenha
encontrado certa dificuldade em ocupar o espaço, tal como foi sugerido por Schmitz & Barbosa para a ocupação
do estado de Goiás. Em geral a ocupação desta área parece se relacionar a uma ocupação mais recente, de contato
indireto com o colonizador branco.
Parece ter havido pouca implantação deste grupo ceramista na região do vale do rio São Francisco e do rio das
Velhas, em uma evitação de áreas cársticas em geral. O mesmo ocorre na região do rio Araguari no Triângulo mineiro
(vale do Paranaíba).
As regiões graníticas com resíduos de Mata Atlântica como no vale do rio Grande e Rio Doce parece terem
sido alvo de ocupações mais estáveis e intensas, é justamente nestas regiões onde aparece o maior número de sítios
conhecidos. A região do rio Doce, inclusive, guarda certas semelhanças com a fase Cricaré da Tradição Tupiguarani
definida por Perota para o norte do Espírito Santo, no vale do mesmo rio. Nos sítios destas duas regiões aparecem
blocos de pedra e as bolas de argila modeladas que o autor associa ao processo de queima da cerâmica. Nesta região,
embora não contemos com datações suficientes, a diferença de localização dos sítios (em meia encosta e topo de
morro) pode implicar em dois momentos distintos de ocupação. Neste sentido os sítios de meia encosta de colina suave
poderiam estar relacionados a uma ocupação mais antiga, anterior ao colonizador europeu. Enquanto os sítios de topo
podem ter ligação com um processo migratório diferenciado preocupado em evitar o contato com o branco. Mas, a
ausência de datações e a degradação de vários sítios nos impede de inferir algo mais preciso.
Na região da Zona da Mata, na bacia do rio Parnaíba do Sul os sítios, em geral, apresentam mancha de terra preta
e possíveis estruturas de queima de cerâmica, o que nos remete ao que conhecemos na região do Rio de Janeiro.
98 - Os Ceramistas Tupiguarani
Figura 6, feita por A. Carvalho, do MHNJB/UFMG
Os Ceramistas Tupiguarani - 99
A região Nordeste de Minas Gerais, nas bacias do rio Jequitinhonha e Mucuri, é pouco conhecida até o presente
momento para inferirmos qualquer ocupação pois nossas informações são esparsas.
Conclusão Geral
O texto aqui apresentado deve ser entendido como uma contribuição dos autores à tarefa de melhor caracterizar
a Tradição Tupiguarani na Região Sudeste do Brasil e fornecer subsídios para que a mesma se torne cada vez melhor
definida em território nacional.
Existe uma falsa segurança em relação a esta Tradição, o que leva muitos autores a simplesmente identificar como
vinculados a ela, sítios em que faltam elementos diagnósticos básicos. Para tanto se valem da ocorrência de decorações
que, apesar de típicas, não são exclusivas da Tradição, como a pintura, o corrugado ou mesmo o escovado, técnicas
ou padrões comuns ao acervo de muitas outras Tradições. Por outro lado, também a morfologia do seu vasilhame, de
tão típicos, já serviram para identificar como Tupiguarani, sítios com cerâmica exclusivamente simples, sem qualquer
tipo de decoração.
Tais erros são mais raros quando se trata de material vinculado a qualquer outra das grandes Tradições Arqueológicas
Brasileiras, que – para serem devidamente identificadas – exigem detalhamentos muito mais profundos, como a clara
identificação da tecnologia de fabrico, morfologia do vasilhame, decorações dominantes e – num nível mais amplo – a
Introdução
A proposta deste artigo é fazer algumas considerações sobre a posição que ocupa o território que constitui hoje o
estado de São Paulo, na distribuição espacial das sociedades tribais de filiação lingüística tupi-guarani e portadores da
tradição ceramista homônima. Estaremos considerando dentro da tradição ceramista a divisão entre Guarani e Tupi,
identificada tanto no contexto histórico como no arqueológico. Estes grupos, que dominavam a costa do Brasil no
momento da chegada dos europeus, tiveram os seus hábitos e costumes descritos desde o primeiro documento oficial,
que foi a carta de Pero Vaz de Caminha. Todas as crônicas e relatos de viagem do século XVI descrevem e comentam
sobre eles, de maneira mais genérica ou detalhada, sendo que estas informações serviram de base para a elaboração da
imagem sobre estes povoadores. São exatamente estes relatos que mencionam pela primeira vez a diferença observada
entre as populações situadas entre o norte e o sul do atual Estado de São Paulo.
A pesquisa arqueológica realizada com uma perspectiva cientifica e sistemática identificou na década de 60 a
presença de uma tradição cerâmica com ocorrência espacial semelhante àquela descrita na documentação textual,
iniciando assim as primeiras considerações sobre a distribuição espacial e cronológica destes grupos (PRONAPA,
1969)
O desenvolvimento de estudos sobre o tema levou a uma melhor identificação das diferenças existentes dentro
do quadro que foi inicialmente definido de maneira homogênea (Brochado, 1984; Scatamacchia, 1981, 1990), com
a proposta de uma terminologia funcional baseada nas informações etnológicas (Noelli,1993; Soares,1997). Neste
sentido, iniciamos um programa de pesquisa arqueológica no litoral sul de São Paulo, tendo como hipótese de trabalho
a região ter sido uma área de fronteira entre Tupi e Guarani (Scatamacchia, 1990).
A compreensão deste problema ainda está longe de ter sido atingida, mas parece importante no momento analisar
alguns dados existentes que permitem, inclusive uma reflexão sobre a própria noção de área de fronteira.
A sistematização e a apresentação dos dados etno-históricos e arqueológicos sobre a questão pretendem contribuir
para um melhor equacionamento do problema e para uma avaliação da documentação disponível.
O litoral de São Paulo possui informações textuais contidas em obras gerais e em algumas específicas, sendo que
em quase todas elas as citações são coincidentes.
O relato mais significativo, referente ao litoral norte de São Paulo, foi feito por Hans Staden, que aprisionado
pelos Tupinambá, por volta de 1554, permanece entre eles por nove meses e meio, podendo acompanhar um amplo
ciclo de atividades do grupo. É a primeira descrição detalhada dos usos e costumes de alguém que conviveu dia a dia
com os indígenas.
O comentário feito no texto sobre o povoamento menciona a fronteira cultura que pode ser observada:
“Os portugueses que aí moram são amigos de uma tribu de selvagens brasileiros, os tupiniquins, cuja região se
estende em oitenta milhas para o interior da terra e quarenta ao longo da costa. Ao norte e ao sul habitavam inimigos
desta tribu. Os inimigos ao sul são os carijós, os do norte chamam-se de tupinambás” (Staden ,1972:.72).
Gabriel Soares de Souza, no Tratado Descritivo do Brasil , de 1587, dá uma descrição semelhante sobre o
povoamento da costa: “Já fica dito como os tamoios são fronteiros de outro gentil, que se chamam guaianeses, os quais
tem sua demarcação ao longo da costa por Angra dos Reis, e daí até o rio de Cananéia, onde ficam vizinhando com
outra casta de gentios, que se chamam carijós. Estes guaianases têm continuamente guerra com os tamoios, de uma
banda, e com os carijós de outra, e matam-se uns aos outros cruelmente....”(1587,1971:115)
Informação semelhante pode ser encontrada na obra de Fernão Cardim:
“outra nação se chama carijó; habitam além de San Vicente como oitenta leguas, contrário aos tupiniquins de
San Vicente.....”( 1601,1978:123)
Outras fontes poderiam ser mencionadas comprovando uma posição que parece clara : de Cananéia para o sul
estavam localizados os carijós, e de Angra dos Reis para o norte, os tupinambás e tamoios. Entre estas duas nações
estavam os tupiniquins, cujos limites não estão bem definidos em virtude da pouca informação existente sobre esta
área, principalmente para aquela que vai de Itanhaen até Cananéia.
A provável existência de um limite entre Tupi e Guarani aparece em outras obras, sendo que algumas regiões são
apontadas como área limítrofe. Para Metraux (1949) , “ The Guarani were especially munerous in the Paraná and in the
Province of Guairá. There were also countless settlements along the tributaries of Paraná river, the boudary between the
Tupanakin and Guarani being approximately the Tiete river. The Guarani extend south to the province of Tape” (op.cit:70).
Este mesmo aspecto é mencionado por Ayrosa (1967) quando se refere à hipótese de Recalde. “ Traçando uma
linha reta, diz este ilustre autor, entre Iquitos, do rio Maranhão, no Peru e a cidade de São Paulo, teremos ao sul a “
raça” Guarani, que preferiu a zona temperada e, ao norte , a “ raça” Tupi, que preferiu a zona tórrida”.
O padre Anchieta, que por tanto tempo esteve junto com os Tupi de São Paulo, comenta esta distinção. ‘Alem
Estamos desenvolvendo alguns trabalhos que visam a uniformização da descrição, análise e classificação cerâmica , tanto no que se refere à
decoração( Marois, Scatamacchia e Duran, 1994) como á forma ( Scatamacchia, Fonseca e Pilon, 2003).
Esta noção de divisão entre os grupos indígenas que habitavam a costa está presente em quase todos os autores que descrevem a região . Alguns
autores mencionam o rio Tiête e o Paranapanema como limites. O que parece relevante é que esta fronteira cultural estaria situada em São Paulo,
e o rio Ribeira seria a linha divisória no litoral.
106 - Os Ceramistas Tupiguarani
destes, há outra casta de índios grandemente disseminada por toda parte (a qual chamam carijós) em nada diferente
destes no alimento, no modo de viver e na língua, todavia muito mais mansos e mais propensos às cousas divinas...”
(1954:48).
Examinado estas colocações podemos observar que a posição do Estado de São Paulo sempre foi apontada como
sendo a área de limite.Vamos verificar do ponto de vista arqueológico quais são os achados e como a região pode ser
caracterizada.
O contexto arqueológico
As formas reconstituídas a partir de fragmentos não foram consideradas. Aqueles fragmentos cujo tamanho permite visualizar a forma do
objeto, foram computados no contexto geral.
Os Ceramistas Tupiguarani - 107
No litoral sul, no baixo vale do rio Ribeira, Krone (1914) já tinha mencionado achados casuais de material
cerâmico, assim como urnas com enterramento. A própria cidade de Iguape foi construído sobre uma antiga aldeia
indígena, fato comprovado pela ocorrência em várias ruas do perímetro urbano de fragmentos cerâmicos e outros
artefatos de origem indígena. Em todo baixo curso do rio Ribeira foi possível identificar sítios cerâmicos, junto aos
principais afluentes. Os sítios relacionados a estes grupos podem ser encontrados da cidade de Eldorado, rio abaixo.
Os sítios estão localizados em pequenas elevações junto aos afluentes principais e quando estão ao longo do Mar
Pequeno, situam-se próximos às formações cristalinas do baixo vale. Como ainda não foram realizadas escavações
extensivas na área, e em apenas um dos sítios foi possível detectar as manchas de antigas habitações, de forma elíptica
e com 9 m no seu diâmetro maior. Nos outros, o material foi evidenciado como conseqüência de atividades antrópicas
e o trabalho foi realizado em condições de salvamento.
Os sítios localizados ao longo do Mar Pequeno apresentam evidências de contato com o europeu, pela presença
de metal, contas de vidro além de traços de aculturação na cerâmica.
A presença destes grupos no litoral central é marcada por vestígios isolados em Peruíbe (Pereira Jr, 1968) e por
um sítio sobre dunas em Praia grande (Myasaki,1977).
No litoral norte, o sítio Itaguá (Uchoa, Scatamacchia e Garcia, 1984) foi um sítio escavado de maneira extensiva
e apresenta características de assentamento semelhantes àquelas mencionadas anteriormente. Possui um componente
de ocupação, tendo material europeu associado.
Podemos colocar como uma característica do litoral paulista a presença de grandes pratos e tigelas, com pintura
interna em preto e vermelho sobre engobio branco, com boca redonda oval e quadrangular. Os grandes vasos, com
evidência de re-utilização como urnas também estão presentes, com decoração pintada e corrugada.
As datas obtidas para o litoral foram realizadas em dois sítios, que indicam uma ocupação contemporânea à
chegada do elemento europeu. Este fato pode ser confirmado pela existência de materiais estranhos à cultura indígena,
como contas de vidro e peças metálicas.
Estas colocações são apenas considerações sobre o material que existe publicado, mas temos consciência que
este quadro apresentado está longe de corresponder à realidade. Uma busca sistemática de acervo depositado em
pequenas instituições e com particulares é uma tarefa que necessita ser feita com urgência para a formulação de um
panorama mais próximo da realidade.
O sentido de fronteira entre as sociedades tribais
A análise da cerâmica como um meio de identificar as diferenças regionais
Cultura material-lingua e etnia
O panorama no interior pode ser visto examinando os principais rios que cortam o estado e sobre os quais
existem informações mais consistentes: o Paraíba, o Paranapanema, o Tietê e o Mogi-Guaçu. Em relação a outros rios,
com o Aguapeí e o Feio, existem informações pontuais (Miller,1972). Os rios Paraná e Grande cujas bacias limitam o
oeste e norte do estado também não apresentam uma correlação cultural clara entre as ocorrências evidenciadas e o
seu papel de divisor de águas e de populações.
O rio Paraíba constitui um corredor natural de comunicação entre diferentes regiões e foi utilizado como tal
em vários momentos históricos. A informação mais antiga sobre a presença de grupos Tupi nesta região é o relato de
Knivet, que comenta nesta área a presença dos tamoios refugiados do litoral depois das lutas que culminaram com a
expulsão definitiva dos franceses do Rio de Janeiro. Examinando o mapa elaborado por Reis (1974), construído a partir
Foram pesquisados principalmente os afluentes da margem direita, sendo que apenas um sítio foi na margem esquerda, apenas na localidade
do Jipovura foram realizadas prospecções.
Estamos trabalhando nesta direção mais ainda não temos a avaliação e a síntese das análises realizadas. Ac
108 - Os Ceramistas Tupiguarani
Exemplo de formas cerâmicas identificadas no litoral de São Paulo
11 Existe um material disperso que ainda não foi possível reunir, em decorrên-
cia da perda de documentação, mudança de instituição e dificuldade de acesso
dentro dos próprios estabelecimentos
12 De acordo com a documentação textual, este aldeamento teria sido consoli-
Formas identificadas na cidade de São Paulo (Pereira
dado com a chegada de 1500 indios vindo de Cananéia , conduzidos pelo padre
Jr ,1967) João de Almeida em 1609.
118 - Os Ceramistas Tupiguarani
Padrões decorativos pintados identificados na capital e entorno ( Pereira Jr.,1967; Scatamacchia
e Franchi, 2004)
de Arqueologia e Etnologia). Esta autora menciona algumas características dos sítios encontrados, sendo que
aqueles localizados no baixo vale do Tietê, entre os rios Paraná, Tietê e São José dos Dourados apresentam grande
homogeneidade no que concerne ao material lítico e cerâmico. Aqueles localizados na mesma área do baixo vale ,
mais a leste apresentam características distintas, como por exemplo, uma maior variedade de técnicas de decoração
do material cerâmico.
A identificação de uma outra tradição ceramista, Aratu-Sapucaí, entre o rio Tietê e o rio Grande, constitui um
fator importante para o entendimento da distribuição e relação destas culturas.
As datas obtidas no âmbito deste projeto são as mais antigas desta tradição para o estado, sendo que existe
uma de 232 AC, que no momento é difícil discutir, devido à escassez de informações sobre o sítio e o material, como
também pela ausência de outras pesquisas nas proximidades.
No vale do rio Mogi-Guaçu, as evidências são abundantes, sendo de Godoy (1946) as primeiras informações
sobre os sítios localizados perto da Cachoeira das Emas, no município de Pirassununga. Este autor documentou com
precisão os padrões decorativos encontrados na cerâmica, tanto nas peças completas como nos fragmentos.
O sítio Cachoeira de Cima ( Franco de Godoy), situado neste vale, forneceu uma datação de C14 de 1550 BP, o
120 - Os Ceramistas Tupiguarani
que o colocaria em torno de 400 da nossa era, fazendo desta ocupação esta ocupação uma das mais antigas para o
estado de São Paulo ( Pallestrini, 1981/82, 1983)
Caldarelli ( 1983) indica a presença de quatro sítios localizados no médio Mogi-Guaçu, com o mesmo padrão
verificado em outras regiões, isto é, em vertentes de colinas suaves, tendo obtido para o sítio Bom Retiro a data de 924
BP.
No vale do rio Pardo foram identificadas, juntamente com as evidências Tupi, outras relacionadas com a tradição
Aratu ( Caldarelli e Neves, 1981).
Padrões decorativos pintados encontrados na região do vale do médio rio Grande/ rio Mogi-Guaçu
(Godoy,1946;Caldarelli, 1983)
122 - Os Ceramistas Tupiguarani
Formas e padrões decorativos pintados da região do rio Grande /rio Pardo
(Pereira Jr.,1957; Dias e outros, 1975)
Analisando o mapa com a distribuição da presença de grupos de filiação lingüística tupi-guarani e portadores
da tradição ceramista homônima, podemos perceber informações pontuais e poucas áreas com extensa cobertura de
pesquisa. Apesar disto, algumas considerações podem ser feitas no sentido de contribuir para a compreenssão deste
estado como sendo uma área de fronteira entre tradições culturais.
Vários projetos de enfoque acadêmico e outros relacionados à arqueologia de contrato e salvamento foram
desenvolvidos nesta última década, alterando um pouco o panorama levantado anteriormente ( Scatamacchia, 1990).
A presença de outras tradições ceramistas desconhecidas ou pouco percebidas no estado, começa a ser
esboçada dentro de um quadro mais claro sobre o processo de ocupação destes grupos e a sua relação com os Tupi
e Guarani.
No litoral, onde as informações etno-históricas são abundantes e ricas para o século XVI, o registro arqueológico
sofreu uma intensa destruição, cuja dimensão não temos condições de precisar no momento. As informações existentes
para toda a costa paulista são pontuais, com um sítio estudado no litoral norte, achado isolado ou proveniente de
intervenções de salvamento no centro. No litoral sul, esta situação está sendo alterada, com o desenvolvimento do
Programa Arqueológico do Baixo Vale do Ribeira, de caráter regional e multidisciplinar, que engloba a pesquisa das
sociedades tribais13.
A nossa proposta (Scatamacchia, 1990) de examinar a distribuição da cerâmica de tradição tupiguarani, pensando
em duas subtradições : Tupi e Guarani, sistematizando os traços característicos de cada região para estabelecer os
elementos diagnósticos de diferenciação, não pode ainda ser completada. Mas, isto não significa que não houve um
avanço na questão.
O conhecimento sobre o processo de ocupação do litoral continua ainda baseado nas fontes etno-históricas,
sendo que os dados arqueológicos estão sendo ampliados lentamente. As informações dadas por Cmyz (2002) reforça
uma posição que estamos começando a definir no litoral sul. Isto é, uma ampliação para o litoral dos parâmetros
mencionados, com uma delimitação que vai além do litoral sul de São Paulo, e uma reflexão sobre o conceito de área
de fronteira e de limite.
No interior do estado, algumas regiões, como o vale do Paranapanema, as pesquisas realizadas identificam a
tradição ceramista evidenciada com os Guarani, definindo a posição da bacia deste rio no quadro da distribuição
destes grupos no leste americano. Entretanto, a ausência de conhecimento de uma ampla região, entre a calha deste rio
e a do rio Tietê, impedem que o Paranapanema possa ser indicado com segurança, como o limite norte da subtradição
Guarani.
A diferenciação apontada para o rio Tietê entre o médio e baixo curso, ainda não podem ser tomada como
definitiva para indicar este rio como o grande divisor no interior.
A presença de outras tradições ceramistas, Itararé no médio e alto Ribeira, Aratu no vale do Paraíba e no norte
paulista, precisa ser melhor caracterizada,assim como a correlação temporal e espacial destes grupos com os portadores
da tradição tupiguarani.
As datações absolutas existentes, não são seqüências e não possibilitam a construção de um quadro cronológico
e o estabelecimento da movimentação destes grupos.
Estamos conscientes que as informações aqui apresentadas não representam a totalidade dos dados existentes,
13 Entretanto, a proposta inicial de caracterização da região como fronteira cultural entre Tupi e Guarani, não pode ser ainda concluída, pois a
situação de risco que se encontrava o patrimônio arqueológico, impôs a implantação de um programa de extensão para garantir as conservação
dos sítios.
124 - Os Ceramistas Tupiguarani
mas são os disponíveis e representam uma situação que pode ser tomada como representativa do conhecimento atual
sobre o tema.
A conceituação de área de fronteira ou de limite, pode apresentar uma caracterização particular para cada
região, fato que pode ser confirmado pela análise de vários estudos de caso onde diferentes grupos compartilham
um território ( Green e Perlman, 1985). No nosso caso, estamos na verdade procurando compreender e caracterizar
uma situação que tem sido apontada tanto na documentação textual, como na arqueológica. Quando pensamos em
fronteira podemos ter como registro material a mudança brusca de traços culturais ou a mescla deles. Neste último caso
a situação seria de uma área atípica em relação à caracterização dos grupos envolvidos.
O problema de fronteira em arqueologia envolve e definição de tipo e padrão, isto é tipologia de artefatos e
padrão de assentamento. No momento, os tipos de artefatos estão definidos de maneira mais precisa do que os
assentamentos, sobre os quais possuímos apenas aspectos referentes ao aspecto macro.
As noções de fronteira e limite são usadas para estudar processos culturais que envolvem o compartilhamento de
território por diferentes grupos sociais, isto é, a maneira e porque as sociedades entram em contato.
Os estudos de fronteira14 estão relacionados com as áreas periféricas de sociedades particulares, e as características
dos grupos que ocuparam o espaço, sendo que o estudo de limite examina as interações que ocorrem nestas sociedades
periféricas (Green e Perlman, 1985). Isto quer dizer que estaremos considerando não todo o contingente da sub-tradição
Guarani com o da sub-tradição Tupi, mas apenas aqueles grupos situados na periferia das duas áreas de distribuição.
No nosso caso o estudo de fronteiras está intimamente relacionado com as causas de expansão política e
econômica a novos ambientes e o efeito em relação aos sistemas ecológicos. A delimitação e o respeito das áreas de
fronteiras deve ter como suporte as regras do próprio sistema tribal, assim como a limitação do sistema tecnológico.
Pensando nas áreas limites, a troca é um fator de análise do grau de interação, que pode ser observada no contexto
arqueológico através da presença de traços culturais estranhos ao padrão local ou evidências de aculturação.
No caso dos Tupi, a guerra, as festas e o ritual antropofágico, relatadas nas crônicas, permitem algumas inferências
sobre a existência de mecanismos de manutenção do sistema tribal, demarcação de território e sua manutenção.
A heterogeneidade dos sítios e a falta de uma cronologia abrangente mostram a dificuldade na demarcação das
áreas no interior. Mas o que parece importante são as diferenças apontadas, tanto em relação às sub-tradições Tupi e
Guarani, como em relação às outras tradições ceramistas, que confirmam São Paulo como área de fronteira cultural.
Acho que neste momento podemos propor algumas reflexões sobre as possíveis fronteiras. A primeira delas
se refere a uma mudança no olhar para estas divisórias, que sempre foram colocadas como linhas retas separando
territórios. A segunda, a necessidade de uma identificação cultural e cronológica dos grupos que estavam na periferia
destas áreas de fronteira e o tipo de interação.
Para o litoral, podemos propor uma mudança no panorama tradicionalmente aceito, de Cananéia ser o limite sul
dos Tupiniquim, sendo entendido que nela estavam os Carijós. Tendo como base informações etno-históricos de 1555
e dados arqueológicos provenientes da baía de Paranaguá, podemos fazer uma nova leitura, de que os carijós estavam
ao sul de Cananéia, pelo menos nesta data.
A descrição feita na carta de João Sanches, piloto-mor da armada de Sanabria neste período ao rei da Espanha:
....Na altura de vinte e cinco graus, trinta léguas da vila de São Vicente, está um bom que se chama Cananéia; está
14 Do ponto de vista teórico estamos desenvolvendo algumas considerações sobre o tema para servir de suporte para o projeto que estamos
desenvolvendo no baixo vale do Ribeira, cuja discussão não cabe neste artigo.
Os Ceramistas Tupiguarani - 125
Mapa de distribuição das evidências relacionadas à ocupação dos grupos portadores das sub-tradições Tupi e Guarani. Em laranja
as áreas relacionadas à ocupação dos grupos portadores da sub-tradição Tupi e em amarelo os da sub-tradição Guarani. A falta
de informação sobre a área entre a bacia do Paranapanema e Tiete, não permite estabelecer o limite entre estas duas tradições. É
importante salientar o aspecto hipotético deste mapa, baseado em alguns pontos e estendendo para a região a mesma ocupação. Este
panorama deverá mudar com a inserção das outras tradições ceramistas que foram identificadas no estado, mas que ainda estão
restritas a poucos pontos.
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Parte dos ambientes que caracterizam a região Centro-Oeste, com coberturas residuais de florestas ou de matas
ciliares em contato com o Cerrado, embora intensamente alterados pelo modelo de ocupação extensiva determinada
pela agropecuária, constitui-se na área onde estão os territórios atuais de populações indígenas filiadas à família
lingüística Tupi-Guarani. A maior concentração dessas sociedades ocorre na porção meridional de Mato Grosso do Sul
e, em menor escala, em Mato Grosso e Goiás.
As paisagens do sul-amazônico e do Brasil Central sofreram significativas transformações em decorrência do
período de aridez efetivado entre 3.500 e 1.500 anos A.P. (identificado no Alto Paraná, por Stevaux, Souza Filho &
Jabur: 1997). Nesse quadro natural, as condições paleoambientais adversas, para povos cuja economia dependia do
manejo vegetal, provavelmente influenciaram na expansão de parte dos povos dessa família lingüística do sudoeste
amazônico para o centro-sul brasileiro, isso na busca por melhores terras para a prática agrícola.
Findo esse período de aridez, o retorno às condições de biostasia favoreceu a pedogênese e a efetiva ocupação
humana indígena dos distintos ambientes fluviais que permeavam os interflúvios cobertos por cerrados e cerradões e
acima de tudo as áreas revestidas pela da Floresta Estacional Semidecidual.
A complexidade dos processos culturais pretéritos que se desenvolveram nos ambientes de mata contígua ao
Cerrado e Cerradão, nos Estados de Mato Grosso e Goiás, pode ser ilustrada ao se referenciar a ocorrência de cerâmica
policrômica ou corrugada, em quantidade restrita, em sítios que continham vestígios das tradições cerâmicas Uru ou
Aratu.
No presente, a etnografia registra, nos Estados do Centro-Oeste, a presença das seguintes comunidades indígenas
falantes de línguas da família Tupi-Guarani: Guarani, em Mato Grosso do Sul; Apiaká, Kamayurá, Kayabi e Tapirapé,
em Mato Grosso e Ava-canoeiro, no vale do rio Tocantins, em Goiás. Outras famílias do tronco Tupi encontradas em
Mato Grosso são Juruna, Cinta-Larga, Zoró e Aweti.
A história da arqueografia sobre o oriente sul-americano registra e associa milhares de sítios arqueológicos, que
apresentam vestígios cerâmicos com determinadas características comuns às comunidades indígenas que, em geral,
no período pré-colonial, teriam sido falantes de línguas vinculadas ao tronco Tupi. O pressuposto desse pensamento
foi produto de uma associação direta entre a geografia etnográfica/lingüística dessa região após a localização e
a plotagem desses sítios. Descrições etnográficas resgatadas indiretamente pela Etno-história, mesmo sem terem
sido submetidas a uma crítica criteriosa, também forneceram fortes subsídios a esse modelo classificatório de sítios
arqueológicos, que terminou por englobar todos esses sítios em uma única tradição arqueológica, denominada
Tupiguarani (Prous, 1992). Alguns autores estenderam essa classificação para unidades socioculturais como um todo,
indo além da análise da cultura material, isto é, vendo a cerâmica arqueológica como um elemento demarcador de
fronteiras etno-lingüísticas.
No Brasil Central, os dados arqueológicos demonstram claramente a presença de vestígios cerâmicos
1 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/DHD/CCHS - Museu de Arqueologia - Pesquisadora do MCT/CNPq.
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/CPAQ/DHI/LPA - Museu de Arqueologia - Professor Titular em Arqueologia Pré-Histórica / Pes-
quisador do MCT/CNPq.
Os Ceramistas Tupiguarani - 131
com características da chamada tradição Tupiguarani entre os séculos XIV e XV, quando já estava configurado o
restabelecimento das condições ambientais tropicais e, conseqüentemente, a multiplicação dos recursos alimentares.
Essa referência cronológica foi registrada em Goiás, Mato Grosso (Schmitz e Barbosa, 1985; Wust, 1983) e em Mato
Grosso do Sul (Chmyz, 1974; Kashimoto e Martins, 2000).
Esse modo de olhar o passado indígena pré-colonial, por ser demasiadamente generalizante, gerou controvérsias
na comunidade científica, o que resultou em críticas e correções desse modelo. Alguns autores, após uma análise
mais exigente, perceberam as variações existentes nas características definidoras dessa tradição cerâmica como, por
exemplo, o fundo cônico que reproduz a forma da cuia utilizada para tomar o mate, hábito típico e exclusivo dos índios
da bacia platina, e que poderiam ser determinadas por distintas conjunturas espaciais e/ou temporais. Na tentativa de
explicar e adotar procedimentos classificatórios mais precisos, os críticos sugeriram uma subdivisão desse universo
empírico em duas subtradições: a Tupinambá e a Guarani.
A divisão da tradição Policrômica Amazônica em subtradições Guarani e Tupinambá foi elaborada por Brochado
(1984), na qual os sítios guaranis apresentam a predominância de recipientes de cerâmica com a superfície externa
corrugada, com vasilhas (tigelas de beber, tigelas, panelas e talhas) com fundo predominantemente cônico; por outro lado,
entre as vasilhas tupinambás, predominam as com formato esférico ou em meia calota, sendo raras as com fundo cônico.
As tigelas para beber, encontradas nos sítios guaranis e tupinambás, se diferenciam ainda, respectivamente, por possuírem
pintura externa, boca redonda e fundo cônico ou pintura interna, boca quadrangulóide e fundo semi-esférico.
Cabe observar que, conforme La Salvia e Brochado (1989) e Noelli (1999/2000), as vasilhas guaranis (com base
nas do Guairá descritas por Montoya, 1875) possuíam, como funções principais, preparar ou servir alimentos, podendo
também ser empregadas como urnas funerárias: yapepó (panelas), cambuchí (talha para fermentar bebidas alcoólicas,
armazenar e servir), cambuchí caguaba (copo para caium), ñaé e ñaembé (pratos). As vasilhas com tratamento de
superfície digital eram levadas ao fogo, o que não acontecia com as peças com pintura na superfície externa.
Nessa perspectiva, na revisão crítica elaborada por Soares (2001/2002), a Arqueologia Guarani é caracterizada,
basicamente, em função dos seguintes elementos: vasilhas cerâmicas com bocas de contorno redondo ou arredondado,
com formas predominantemente fundas; as bases são, em geral, cônicas nas vasilhas médias/grandes, ou arredondadas
nas vasilhas pequenas: os cambuchí caguaba e os cambuchí possuem bordas com delineamento extrovertido e com
ombros, com pintura externa, acima do diâmetro máximo; os ñaembé ou ñaembiru podem apresentar pinturas internas;
poucos pratos rasos e assadores (rasos ou planos); ausência de um padrão geomorfológico de implantação.
Nesse aspecto, há que se considerar que, apesar da visível preferência que os povos da subtradição Guarani
tinham pelos ambientes florestados, de topografia elevada e próximos de corpos d’água perenes, a ampla dispersão
dessa subtradição em sentido latitudinal, para os distintos ambientes subtropicais, deve ter implicado diferenciadas
adaptações no tocante à seleção de locais de estabelecimento, de acordo com as variações encontradas na cobertura
vegetal e geomorfologia locais, o que não implica a inexistência de um padrão, mas sim a flexibilidade desse padrão.
As observações realizadas em Mato Grosso do Sul indicam a manutenção de uma opção das populações da subtradição
Guarani por assentamentos em ambientes florestados ou de mata de encosta, com solos férteis e próximos a canais
fluviais.
A partir da retrocitada caracterização da Arqueologia Guarani, Soares (2001-2002), com razão, afirma que o
Guarani lingüístico pode não corresponder necessariamente ao Guarani étnico ou ainda ao produtor da cerâmica da
subtradição Guarani, pois as fontes que inspiraram esse pensamento foram os dicionários etnográficos, produzidos por
cronistas tais como o do padre jesuíta Montoya (1876) - (Arte, bocabulário, Tesoro y Catecismo de la Lengva Guarani) -
nos séculos coloniais. Não que essas fontes sejam dispensáveis, ao contrário, porém, sem as devidas ressalvas impostas
por uma rigorosa crítica etno-histórica, corre-se o risco de exportar e generalizar características que seriam específicas,
132 - Os Ceramistas Tupiguarani
no caso as descritas no dicionário de Montoya, dos índios do Guairá para toda a grande área de dispersão dos sítios
com cerâmica da subtradição Guarani, na bacia Platina, escondendo assim as parcialidades étnicas e as comunidades
indígenas guaranizadas. Esse enfoque acabou levando também a Arqueologia a cometer um grande equívoco ao
atribuir a designação subtradição Guarani para toda a cerâmica encontrada na bacia Platina e litoral sul do Brasil,
como se todos esses sítios integrassem uma única realidade sociocultural.
Todavia, mesmo com as restrições apontadas por Soares (op. cit), isto é, as fontes da Etno-história são pontuais,
aleatórias, não necessariamente válidas e são ideológicas as fontes produzidas por jesuítas coloniais (veja-se, por
exemplo, a documentação apresentada nos volumes da Coleção de Angelis, Bandeirantes e Jesuítas no Guairá e
Bandeirantes e Jesuítas no Itatim, ou ainda nas Cartas Ânuas), bem como as fontes primárias produzidas por cronistas
coloniais como Cabeça de Vaca, Ulrich Schmidel e outros, são literalmente indispensáveis para a compreensão dos
contextos arqueológicos de contato, pois, se essas fontes são imprecisas e incompletas, como aliás não poderia deixar
de ser, o que é dedutível, considerando-se as restrições elencadas acima pela crítica externa às fontes primárias, não
será nenhum sítio ou conjunto de sítios arqueológicos que apresentará um potencial empírico maior e mais preciso que
as fontes primárias manipuladas pela Etno-história. É muito pouco provável que a Arqueologia dos contextos indígenas
pré-coloniais venha, algum dia, a produzir análises e explicações com a mesma abrangência que a Etno-história
consegue para os horizontes de contato e para o que isso ilumina, indiretamente, nos sítios dos séculos imediatamente
anteriores a 1500.
Os mapeamentos etno-lingüísticos atuais permitem identificar diversos dialetos associados a subdivisões étnicas
entre os índios falantes do Guarani, no presente e no passado pós-descobrimento, tais como os Pãy Taviterã, Ñuara,
Kaiowá, Kário, Ñandeva, Mbyá entre outros. Considerando-se que isso indica um passado multiétnico, tal omissão
classificatória levaria à construção arqueológica de um Guarani frankenstein (Soares, op. cit), como foi exposto, uma
simplificação generalizante que também a Etno-história, muitas vezes, reproduz. Porém, a cartografia histórica, após a
devida crítica científica, quando mapeia os povos indígenas da bacia Platina, nos primeiros séculos do período colonial,
demonstra uma quase exata superposição entre as áreas etno-lingüísticas e os locais de ocorrências da cerâmica
arqueológica da subtradição Guarani, como é evidente, por exemplo, no que se observou em Mato Grosso do Sul e
conforme demonstram os dados arqueológicos apresentados neste texto.
Mais recentemente, ambos os modelos (Tradição Tupiguarani e subtradições) foram colocados em cheque por
uma forma de pensar denominada na literatura científica desconstrução da Arqueologia Tupiguarani, Tupinambá e
Guarani (Soares, 2001/2002; Funari, 1999; Schiavetto, 2003). Esse novo olhar para o passado arqueológico, ao fornecer
críticas às fontes e às metodologias de pesquisa empregadas pelas vertentes apontadas nos parágrafos acima, mostrou
a fragilidade explicativa e interpretativa desses modelos e rejeitou os resultados conclusivos por eles apresentados.
Para essa vertente crítica, a produção de cerâmica é um elemento (dado científico) circunscrito apenas ao campo da
análise da cultura material, e que, portanto, deve ser vista apenas enquanto um comportamento tecnológico, não sendo
necessariamente um referencial identitário, comportamento que pode ser compartilhado por comunidades étnica e
lingüisticamente distintas. Nesse sentido, as variações tecnológicas parciais da cerâmica da subtradição Guarani seriam
explicadas dessa forma. Ou seja, para esse modelo de análise, a história da tecnologia da cerâmica arqueológica não
deve ser confundida obrigatoriamente com a história etno-cultural-lingüística, sem considerar que é o que em certos
casos ocorre. Mesmo adotando-se o ponto de vista da desconstrução, ainda permaneceria sem resposta quem foram
então os produtores desses vestígios arqueológicos. Quem seriam então, se é que existiram, os Guarani arqueológicos?
Se estes não existiram, quem produziu essa cerâmica? Quem seriam e de onde teriam vindo os antepassados dos índios
observados nos primeiros anos do contato colonial? Se não há, em vários casos, um vínculo direto entre a cerâmica,
a língua e a etnia, como explicar que grande parte dos horizontes indígenas etnograficamente reconhecidos, costuma
Os Ceramistas Tupiguarani - 133
não apresentar discordâncias? Por exemplo, a cerâmica Terena, em Mato Grosso do Sul, só é feita pelos Terena, e
assim por diante em relação à grande parte das etnias indígenas, mesmo que sejam vizinhas e muito próximas. É
verdade que nem sempre traços da cultura material são marcadores de identidade étnica, mas isso não quer dizer que
se deva, a priori, refugar esses indícios, pois em vários casos eles são estes marcadores. Enfim, como não há verdade
absoluta, também não há modelo absoluto. Tem razão Soares (op. cit.) ao afirmar que a questão está aberta e só o
aprofundamento da pesquisa arqueológica ajudará a encontrar melhores respostas.
Discutir qual desses enfoques melhor se adapta à compreensão, parcial que seja, da realidade empírica da
distribuição espacial da cerâmica da subtradição Guarani, coletada em algumas áreas de Mato Grosso do Sul, é o
que se pretende, se possível no momento, por meio da análise dos dados até agora disponibilizados pelas escavações
arqueológicas aí realizadas.
A rigor, no sentido étnico, nunca existiu uma unidade étnica autodenominada Guarani. Esse termo é próprio da
linguagem técnico-científica para designar uma língua indígena e não um ou mais povos indígenas.
Mato Grosso do Sul é o Estado brasileiro que sedia o maior contingente populacional de indígenas falantes de
dialetos integrantes da língua Guarani. Estima-se que, somados, hoje, os índios Kaiowá, Ñandeva e Mbya sejam mais
de vinte e cinco mil pessoas. Informações fornecidas pela Etno-história permitem estimar que, no século XVI, os índios
falantes do Guarani, em Mato Grosso do Sul, eram algumas centenas de milhares. Esses índios estavam agrupados em
pelo menos dois grandes guarás: o do Guairá, no sudeste do Estado, sobretudo nas margens do alto curso do rio Paraná
e em suas sub-bacias, destacando-se a do rio Ivinhema; e o guará dos Itatim, compreendido na mesopotâmia entre os
rios Miranda e Aquidauana, nas áreas não-inundáveis do Pantanal.
A partir da segunda metade do século XVI, o recrutamento compulsório de mão-de-obra indígena, por meio
do sistema das encomiendas, imposto pelos colonos castelhano-paraguaios instalados em Ciudad Real de Guairá,
Ontiveros e Santiago de Xerez, cidades coloniais espanholas, fundadas no século XVI, na bacia do alto curso do rio
Paraná, entre os atuais Estados de Mato Grosso do Sul e Paraná, provocaram o primeiro grande impacto demográfico
sobre a população Guarani sul-mato-grossense do Guairá.
As sucessivas investidas bandeirantes luso-paulistas, na primeira metade do século XVII, concomitante à
ação missionária jesuíta na zona meridional do Pantanal, provocaram um grande êxodo dos índios Guarani do
guará do Itatim, expulsando-os para o sul do rio Apa. Após esses eventos, os Guarani do Itatim abandonaram
definitivamente o Pantanal de Mato Grosso do Sul e instalaram-se, na maioria, no norte do Paraguai. Aqueles
índios que não quiseram se submeter às determinações dos missionários, bem como não aceitaram subjugar-se ao
sistema encomendero assuncenho, procuraram refúgios ambientais territorializando as áreas de florestas úmidas que
cobriam as escarpas da serra e do planalto de Maracaju. Segundo alguns autores, essas migrações provocaram um
fenômeno de etnogênese do qual teriam se originado as atuais comunidades Kaiowá instaladas nos municípios sul-
mato-grossenses de Dourados, Maracaju, Caarapó, Ponta Porã, entre outros, fato que, por enquanto não encontrou
embasamento na Arqueologia, pois as fontes etno-históricas indicam que essa área já era ocupada por índios falantes
do Guarani, pelo menos desde o final do século XVI. Hoje, em todo o Pantanal sul-mato-grossense não existe
nenhuma comunidade de índios Guarani.
Afirmar que, em um mesmo espaço ou paisagem, uma associação histórico/cultural entre algumas sociedades
arqueológicas pré-coloniais desaparecidas, como as observadas e registradas pela Etno-história em Mato Grosso do Sul,
e as atuais comunidades indígenas ocupantes do mesmo espaço pretérito, em alguns casos, é perfeitamente possível,
tendo em vista que as evidências empíricas coletadas neste Estado confirmam. De uma maneira geral é o que se pode
afirmar sobre a imemorialidade espacial de algumas comunidades indígenas Guarani de Mato Grosso do Sul, como
é o caso das comunidades instaladas no vale do rio Iguatemi, por exemplo. Porém, isso é apenas uma abordagem
134 - Os Ceramistas Tupiguarani
generalizante, pois pouco explica sobre os processos etno-históricos, endógenos e exógenos, vividos por esses indígenas
ao longo dos últimos séculos.
Assim, do ponto de vista da Arqueologia e da Etno-história, entre outras, uma grande questão fica sem resposta
e exige que seja pesquisada, isto é, quando e por que os atuais índios Guarani de Mato Grosso do Sul deixaram de
confeccionar cerâmica ?
Datações arqueológicas obtidas a partir de amostras coletadas na margem sul-mato-grossense do rio Paraná,
no baixo curso do Ivinhema, na atual reserva dos índios Kadiwéu, ou ainda na margem do córrego Lalima, pequeno
afluente do rio Miranda, são evidências incontestes da produção de cerâmica arqueológica, Tupiguarani ou Guarani
em Mato Grosso do Sul, nos séculos XVI, XVII e XVIII, as quais, estratigraficamente, atestam as seqüências ocupacionais
a partir de horizontes deposicionais pré-coloniais. Veja-se, por exemplo, o caso do sítio Lagoa do Custódio 1, em
Anaurilândia. Nesse sítio, as datações de amostras de cerâmica da subtradição Guarani evidenciam que as primeiras
ocupações vêm desde 1200 anos atrás e seguem consecutivamente até 350 anos A.P. Nesse sítio, algumas datações
radiocarbônicas confirmam essa cronologia.
Durante as escavações realizadas em vinte e quatro sítios, no âmbito do Projeto Arqueológico Porto Primavera/
MS, sobretudo no trecho do rio Paraná compreendido entre os rios Ivinhema e Pardo, nos pacotes crono-estratigráficos
analisados não ocorreram vestígios materiais que indicassem outro padrão tecnotipológico/decorativo além do Guarani
(só foram registradas ocorrências de fragmentos cerâmicos com características tecnológicas/tipológicas/decorativas da
subtradição Guarani), isso compreendendo um intervalo de, aproximadamente oitocentos anos antes do século XVIII,
quando o assédio bandeirante provocou o desaparecimento quase completo de índios falantes do Guarani das margens
do rio Paraná e do baixo curso de seus afluentes. Esse quadro é bem demonstrado pela Etno-história e pela Arqueologia, as
quais não se baseiam apenas na cerâmica, mas também em outros indícios culturais tais como tembetá, machados polidos,
mitos, plumária, cestaria etc, reencontrados, com similitude nos contextos indígenas Guarani coloniais dos Estados do sul
do Brasil, aliás, inconfundíveis com os vestígios de cultura material de outros grupos étnico-lingüísticos limítrofes como os
Jê (Kaingang, Xokleng, Kaiapó-meridional, Oti e Ofaié), ou ainda, no Pantanal sul-mato-grossense, Guaná e Guaikuru.
Tendo-se em vista a fragilidade de uma automática correlação entre a cultura material e sociedades indígenas,
Soares (op. cit.) lembra que os dados arqueológicos ainda são as principais fontes para a Arqueologia Guarani,
necessitando-se, na sua interpretação, a conjugação dos dados relativos às mudanças ambientais, variações espaciais
e cronológicas. Dessa forma, permanecem as possibilidades de análises acerca da contemporaneidade das vasilhas da
subtradição Guarani, troca/comércio, etc.
Cabem ainda algumas observações gerais acerca das manifestações, nos Estados de Mato Grosso e Goiás, de
cerâmica policrômica e corrugada, tradicionalmente denominada Tupiguarani.
A presença de cerâmica Tupiguarani, intrusiva nos sítios Uru e Aratu dos séculos XIV e XV foi registrada nos vales
dos rios Araguaia e Paranaíba (Schmitz e Barbosa, 1985) e também nos sítios Aratu/Sapucaí dos rios Claro e Verdinho
(Wust, 1983). Os sítios a céu aberto localizados nas bacias do Araguaia e Paranaíba apresentavam cerâmica temperada
com cacos moídos ou, em menor quantidade, minerais ou cariapé; as superfícies das vasilhas – pratos, tigelas, panelas
e jarros – eram lisas ou eram decoradas com pintura vermelha e/ou preta sobre engobo branco. Fragmentos cerâmicos
com pintura vermelha sobre engobo branco ou decoração incisa também foram coletados em uma estrutura de
sepultamento de sítio da tradição Uru, do século VIII, implantado na média vertente do vale do ribeirão Sangradouro,
afluente do rio das Mortes/bacia do Araguaia (Kashimoto, 2003).
Pesquisa de salvamento arqueológico realizada na margem direita do reservatório da Usina Hidrelétrica Eng. Sérgio Motta (contratos CESP/
FAPEC).
Os Ceramistas Tupiguarani - 135
Em Goiás e no alto curso do rio Vermelho foram identificadas (segundo Robrahn, 1996) vasilhas rasas com
bordas reforçadas, vasos globulares e grandes jarros com ombros; as peças possuíam bases convexas ou planas. A
pintura decorativa era em vermelho, marrom ou preto sobre engobo branco. Algumas peças apresentavam superfícies
incisas ou em restrita quantidade e corrugadas. Enfim, nenhuma dessas realidades arqueológicas pode ser atribuída a
índios falantes do Guarani ou seus antepassados pré-coloniais.
A seguir, apresentam-se os dados relativos às pesquisas em sítios com cerâmica da tradição Tupiguarani em Mato
Grosso do Sul e sua interface com manifestações arqueológicas diversificadas no sentido latitudinal.
Na porção meridional de Mato Grosso do Sul, tanto no contexto da outrora região do Itatim, na bacia do Paraguai,
quanto no planalto de Maracaju e no vale do Paraná localizam-se sítios arqueológicos com cerâmica da tradição
Tupiguarani (mapa 1). Tais sítios são portadores de fragmentos de recipientes cerâmicos, com pintura policrômica e/ou
impressão digital/ungueal e corrugada. A Etno-história desses locais e outros vestígios, tais como tembetá, lâminas de
machado polidas, artefatos líticos lascados e polidores de sulco somam-se para caracterizar, na sua maior parte, essas
ocupações como sendo filiadas à subtradição Guarani.
Uma estrutura funerária, por exemplo, foi localizada em um sítio na área da Reserva Kadiwéu, a qual era
composta por um yapepó com superfície externa escovada, borda em ombro corrugada; um cambuchí e dois cambuchí
caguaba (prancha 1; a, b, c, d). Os três recipientes possuíam as bordas em ombro, com marcas residuais de decoração
policrômica. Amostras dessa cerâmica foram datadas em, aproximadamente, 520 anos A.P. evidenciando, portanto, a
presença de índios Itatim nessa porção do Pantanal, anteriormente à chegada dos Kadiwéu no século XVIII.
A ocorrência de vestígios cerâmicos da subtradição Guarani, no Pantanal, na área norte do guará dos Itatim, se
estendeu aos sítios implantados nas proximidades de nascentes fluviais, na região do maciço do Urucum, em Corumbá
(Peixoto, 1998). As peças cerâmicas desses sítios foram confeccionadas com argila temperada com antiplástico
composto por areia e cerâmica moída, confeccionadas empregando-se a técnica acordelada, cuja queima estava
incompleta, sendo as superfícies com decoração pintada ou plástica.
Fragmentos com pintura policrômica também foram localizados no planalto maracajuano, na porção mesial
de Mato Grosso do Sul, especificamente em um abrigo sob rocha registrado como sítio Maracaju 1 (21º46’27”S
55º23’22”W), cujo nível cerâmico foi datado em 610 +- 50 anos A.P. (C14; GIF-8330) e 830 +- 80 anos A.P. (TL/Instituto
de Física da USP) (Martins, 2003). Esse sítio insere-se no conjunto dos relevos escarpados da borda oeste da Bacia
Sedimentar do Paraná onde, atualmente nas proximidades, estão instaladas algumas comunidades de índios Kaiowá.
O vale do rio Paraná, no sudeste de Mato Grosso do Sul, foi intensamente ocupado pelos Guarani ceramistas etno-
históricos do Guairá. O povoamento arqueológico do rio Samambaia, tributário desse canal principal, foi inicialmente
registrado por Chmyz (1974). No sítio MS-IV-01, esse autor evidenciou trinta urnas funerárias, várias delas com ossos
e alguns tembetá de cristal de rocha ou de resina, tampadas com recipientes cerâmicos. As datações por ele obtidas
foram: 475 +- 45 (SI 1017), 260 +- 70 (SI 1016), 180 +- 60 (SI 1018), 110 +- 60 (SI 1019). A decoração cerâmica dos quatro
sítios localizados nesse rio, por esse autor, apresentava decoração pintada (vermelho, vermelho e preto, vermelho e
marrom, ou preto sobre engobo branco), corrugada, escovada, incisa, ponteada, entalhada, marcada com malha, bem
como ungulada, serrungulada e roletada.
No trecho da margem direita do rio Paraná balizado pelas desembocaduras dos rios Paranapanema e Tietê,
afluentes da margem oposta desse rio principal, foram identificados 26 sítios, nos quais foram localizados fragmentos
de cerâmica com decoração predominantemente policrômica e/ou corrugada (mapa 2); as datações desses sítios
136 - Os Ceramistas Tupiguarani
Mapa 1: Tradição Tupiguarani em Mato Grosso do Sul.
Os Ceramistas Tupiguarani - 137
Mapa 2: Sítios Tupiguarani na
margem direita do rio Paraná, entre
Três Lagoas e Anaurilândia/MS.
Prancha 1: Urna funerária evidenciada na área da Reserva Kadiwéu, tampada por cambuchí (a). O destaque
refere-se à superfície escovada e corrugada na borda (b). O conjunto funerário também incluía dois Cambuchí
caguaba (c, d).
Os Ceramistas Tupiguarani - 139
referenciaram o intervalo entre os séculos VIII e XVII (Kashimoto e Martins, 2004). É sobre essa área da bacia do
alto Paraná, que alguns pesquisadores opinam ser a área provável de transição entre os territórios arqueológicos da
subtradição cerâmica Guarani, ao sul, e Tupi, portanto não pertencente à subtradição Guarani, ao norte: a fronteira
dessas ocupações, no sentido latitudinal, seria o curso do rio Paranapanema, segundo Schmitz (1997), enquanto
Métraux (1949, apud. Scatamacchia, 1990) conferiu essa fronteira à latitude do rio Tietê. Brochado (1989) considerou
que, depois de quase mil anos, os movimentos migratórios Tupinambá e Guarani, no entorno do planalto central e do
meridional, convergiram numa fronteira ativa situada, em parte, ao longo do rio Tietê.
Nesse aspecto, o que parece ser o mais provável, pelas evidências arqueológicas coletadas durante os trabalhos
do Projeto Arqueológico Porto Primavera/MS, é que essa área de transição estende-se pelo intervalo entre os rios Tietê
e Pardo, a qual é também uma nítida zona de tensão ecológica entre o Cerrado e a Floresta Estacional Semidecidual
aluvial.
O conhecimento etno-histórico registra que o vale do Tietê era território Kayapó e, mais ao sul, situavam-se os
Kaingang, Oti e os Guarani, segundo Curt Nimuendaju (IBGE, 1987). Novas pesquisas arqueológicas na área poderão
ampliar o entendimento das ocupações pretéritas nesses relevos colinares da margem esquerda do rio Paraná.
A cerca de 130 km a sudoeste do rio Tietê, especificamente na faixa latitudinal de 21º30”, a bacia do rio Pardo
constituía-se na zona limítrofe entre o Meridional Setentrional da Floresta Estacional Semidecidual e o Ecossistema
do Cerrado. Esses ambientes eram os preferenciais, respectivamente, dos Guarani e dos Kayapó Meridionais (Martins,
2002; Ataídes, 1998). Curt Nimuendaju (IBGE, 1987) registrou, pontualmente, a presença Guarani na margem direita do
rio Paraná defronte à foz do rio Tietê, fato que amplia as perspectivas de análise dos vestígios cerâmicos policrômicos
encontrados no sítio Córrego Moeda 1, situado não muito distante dali, em Três Lagoas/MS. No final do século XIX,
quando já não mais existiam índios Guarani ceramistas ou Kayapó Meridionais na vertente oeste da bacia do Paraná
(MS), a margem desse rio foi ocupada pelos Ofaié. Até o momento, não foram identificados vestígios arqueológicos
referentes a esses assentamentos dos Ofaié, o que se explica em função da alta mobilidade em busca de refúgios
provisórios imposta pelas perseguições sistemáticas dos genericamente denominados bugreiros.
Apresenta-se a seguir uma exposição geral dos dados coletados no Alto Paraná conforme a variação latitudinal
das ocorrências de cerâmica Tupiguarani, bem como à luz da cronologia das diferentes camadas do solo, evidenciadas
nas escavações do Projeto Arqueológico Porto Primavera/ MS.
As pesquisas realizadas até o momento indicam que o povoamento do Alto Paraná foi iniciado por bandos de
caçadores-coletores referenciados, até o momento, pelas datações 6090 +- 60 (Beta 218205), 6020 +- 60 (Gif 12019),
5900 +- 70 (Beta 236614), 4230 +- 75 (Gif 11218), respectivamente nos sítios/profundidades Rio Baía 1 (220 cm), Ilha
Comprida 10, Brasilândia 8 (260-270 cm) e Lagoa do Custódio 1 (135 cm).
Nessa área marginal do rio Paraná, a geomorfologia caracteriza-se pela planície de inundação e por terraços
fluviais. Nos pontos mais elevados do terreno, tangenciados por lagoas e cursos fluviais, foram identificados diversos
sítios arqueológicos com cerâmica Tupiguarani (mapa 2).
Pela área do baixo curso das sub-bacias do Amambaí e Ivinhema, estendia-se o território do guará do Guairá,
posteriormente transformado em cenário etno-histórico colonial, como província jesuítica. O guará do Guairá deve
corresponder às ocupações da subtradição Guarani, datada entre os séculos XIV e o período de contato no XVI,
contexto evidenciado pela intensa ocorrência de cerâmica arqueológica da subtradição Guarani (mapa/imagem 3). Essa
presença é diagnosticada na área pela ocorrência dos elementos característicos dessa subtradição: peças cerâmicas
140 - Os Ceramistas Tupiguarani
Mapa-imagem 3: Sítios da subtradição Guarani na margem direita do rio Paraná, entre Bataiporã e Itaquiraí/MS.
O panorama da ocupação de povos filiados à subtradição Guarani no alto curso do rio Paraná estende-se por
cerca de 1300 anos, certamente com distintas manifestações socioculturais que daí desapareceram face ao início da
ocupação colonial.
O sítio Lagoa do Custódio 1 constituía-se numa referência dessa paisagem cultural na sub-bacia do baixo curso
do Ivinhema: a abertura de uma trincheira (T1) nesse sítio, com 50 m de extensão, mostrou a sucessão cronológica de
ocupações da subtradição Guarani. As camadas superficiais foram parcialmente afetadas pela atividade de extração
de madeira que aí se desenvolveu na década de 1970; entretanto, o conjunto de datações de 30 amostras cerâmicas
coletadas em diversos níveis, entre 00 e 50 cm de profundidade, indica uma seqüência de ocupações datadas entre
350 +- 40 anos A.P. (Fatec136) e 1200 +- 150 anos A.P. (Fatec148).
Os horizontes cerâmicos arqueológicos no segmento do rio Paraná, aqui analisados, apresentaram datas mais
144 - Os Ceramistas Tupiguarani
a
Prancha 2: Vasilhas cerâmicas evidenciadas no sítio Brasilândia 3 (a, b) e no sítio Ribeirão Quiterói 1 (c – detalhe
da superfície corrugada).
Os Ceramistas Tupiguarani - 145
510
+50
Beta
218207
Superfíce 00-10
Córrego Moeda 1 - MD1 (20º57’42”S51º46’51”W) 350 +- Fatec 87 430 +- 64 Fatec 86 700 +- 75 Fatec88
Tabela 3: Sítios Tupiguarani não filiados à subtradição Guarani e datações referenciais na margem direita do
alto Paraná/sub-bacia do Verde
A observação das vasilhas cerâmicas arqueológicas identificadas na bacia do Paraná e Paranapanema (Laming &
Emperaire, 1959; Blasi, 1967; Chmyz, 1974, 1976, 1977, 1980; Pallestrini, 1978, 1984, 1988; Kunzli, 1987; Faccio,
1992; Kashimoto, 1992, 1997) converge para a perspectiva elaborada por Noelli (1999-2000) que, após analisar as
coleções do sul do Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina, concluiu pela prescritividade Guarani: apesar da incorporação
de comunidades indígenas guaranizadas e de novos elementos culturais exógenos nas sociedades da subtradição
Guarani, em geral, o conjunto característico da cultura material dos mesmos foi mantido, com poucas variações,
reproduzindo a sua cerâmica com manutenção de seu padrão tecnológico e funcional.
A reprodução do repertório cerâmico da subtradição Guarani, mesmo nos contatos interculturais, não exclui
a existência de eventuais variações no seu interior. A continuidade das pesquisas arqueológicas poderá vislumbrar a
possibilidade de identificação de diferenças no interior dessa subtradição e proporcionar uma maior aproximação da
interpretação arqueológica à complexidade do quadro paleoetnográfico.
As coletas extensivas e escavações sistemáticas realizadas na margem direita do Alto Paraná permitem
traçar considerações acerca da cultura material dessas ocupações situadas entre 240 e 1600 anos A.P. Observou-
se a predominância, com freqüência superior a 90%, da técnica acordelada em relação à modelada, da queima
incompleta e do tratamento de superfície por alisamento. Dentre o conjunto de fragmentos coletados, destacaram-se,
4 O termo Tupiguarani não-guarani é aqui aplicado para diferenciar esses sítios, com restrita ocorrência de cerâmica corrugada ou policrômica,
em ambientes de tensão entre a floresta aluvial e o Cerrado, com relação àqueles das florestas aluviais dos ambientes meriodionais, portadores
de numerosas peças cerâmicas típicas daquelas descritas por Montoya, denominados como subtradição Guarani. Não se pretende propor uma
nomenclatura, mas sim frisar a distinção entre os sítios e, por correlação, das características de ocupação.
Agradecemos ao CNPq, FUNDECT-MS, CESP, bem como as diversas colaborações recebidas para a elaboração do
presente trabalho e, em especial, a dos Professores Paulo Robson de Souza (fotografias), Neli Guimarães Silva (desenhos)
e Ayr Trevisanelli Salles (cartografia).
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1. Resumo
A tradição ceramista Tupiguarani tem sua origem na Amazônia. Alcançou o sul do Brasil no primeiro século
após o nascimento de Cristo e resistiu até o século XIX, não sem antes entrar em contato com culturas já estabelecidas
regionalmente e, finalmente, com o europeu. No três estados meridionais do Brasil, Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul, não ocuparam o planalto acima de 600m e, no último deles, os campos da metade sul. Inicialmente
habitaram a calha ou várzea dos grandes rios, após os locais elevados mais próximos e, finalmente, afastaram-se para
junto de pequenos cursos d’água e vertentes, sempre em áreas planas onde havia floresta (subtropical, atlântica, em
galeria) ou arbustiva litorânea.
Os sítios são caracterizados por manchas de terra escura, circulares ou elípticas, o maior número e as maiores
são mais antigas, variando, respectivamente, desde oito até isoladas, de 30m a 4m de diâmetro, alinhadas, ocupando
áreas desde 250.000m2 até menos de 10m2 .
Aspectos gerais predominantes: a técnica de confecção é o acordelado, antiplástico arenoso (areia fina e grossa
- mal distribuída na pasta), argiloso (hematita) e cerâmica triturada; apresenta fendas nos roletes, bolhas de ar, mau
cozimento ou incompleto; a fratura é irregular e a dureza varia entre 3 e 4.
O tratamento da superfície interna mostra um alisamento mediano. A superfície externa, além do simples com
bom alisamento, possui os vários tipos decorativos plasticamente, destacando-se o corrugado, corrugado-ungulado,
ungulado, escovado, engobe vermelho e pintado de vermelho e/ou preto sobre branco na face externa ou/e interna e,
ainda, técnicas associadas. As formas características são as esféricas, semi-esféricas, meia-calota, elipsóides horizontais,
carenadas, cônicas e as compostas; contornos simples, inflectidos, compostos e complexos; o tamanho varia desde
pequeníssimas vasilhas de 4cm até grandes urnas com 95cm de boca, a média girando entre 16 e 32cm; a espessura
das paredes oscila entre 3 e 37mm com a média entre 8 e 12mm. Observa-se uma relação entre a espessura das
paredes e o tamanho das vasilhas. Predominam as bases e lábios arredondados.
Ainda em cerâmica ocorrem cachimbos modelados, afiadores-em-canaleta sobre fragmentos de vasilhas e outras
peças.
O material lítico associado é composto de lâminas de machado polidas, afiadores-em-canaleta, lascas, batedores,
polidores, matéria corante, talhadores, raspadores, tembetás, placas peitorais, etc. Material ósseo: pontas, contas-de-
colar, anzóis; dente: contas-de-colar; conchífero: contas-de-colar e pingentes; tembetás de resina.
Os vestígios fitofaunísticos são de mamíferos, aves, peixes e moluscos uni e bivalves. Também foram registrados
ossos humanos.
Os enterramentos são primários, dentro de grandes urnas com tampas, e, posteriormente, secundários, isto é,
diretos no solo, estendidos, e, após, retirados os ossos e colocados em vasilhas com tampas e enterrados novamente.
Os dados obtidos foram através de coletas superficiais sistemáticas, cortes experimentais, raras escavações e
coleções.
Coordenador do Laboratório de Ensino e Pesquisas em Antropologia e Arqueologia (LEPAN), do Departamento de Biblioteconomia e História
(DBH) da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG); Professor Titular das disciplinas de História Antiga I, Arqueologia Geral e His-
tória Pré-Colonial do Rio Grande do Sul, do Curso de História da FURG.
Os Ceramistas Tupiguarani - 161
162 - Os Ceramistas Tupiguarani
2. Introdução
Fomos convidados para participar, juntamente com outros colegas, de um trabalho maior, ou seja, apresentar um
panorama da tradição ceramista Tupiguarani no território brasileiro. Coube-nos a região sul do Brasil, os estados do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Para alcançar os objetivos, foram estudadas cerca de 50 cinqüenta fases da
Tradição ceramista Tupiguarani, subtradições Pintada, Corrugada e Escovada, utilizando as publicações do PRONAPA,
ou aquelas de autores que seguiram a mesma metodologia e objetivos o que, aliás, representa a grande maioria. Da
mesma forma recorreu-se a outros artigos sem aquela metodologia, referentes a projetos ou a sítios isolados, os quais,
conseqüentemente, alcançaram outros resultados. Finalmente, analisamos publicações relativas às coleções particulares
e institucionais ou as estudamos diretamente. A falta de uniformidade, não só das diferentes linhas de pesquisa ou de
objetivos, refletida nos diversos autores, dificultou a tarefa. Por exemplo, poucos pesquisadores apresentam todos os
itens da metodologia utilizada para a análise cerâmica: manufatura, pasta, tratamento da superfície e formas, cada um
com as suas respectivas subdivisões. Da mesma forma não são especificados os tipos de sítios ou sua implantação na
paisagem ou, ainda, os métodos e técnicas da recuperação das amostras. Os trabalhos e respectivos autores utilizados
constam na Bibliografia.
Outra dificuldade que encontramos, para uma apresentação padronizada dos resultados, são as grandes mudanças
temporais e espaciais que a tradição Tupiguarani apresenta. Revelando-as, buscou-se oferecer a informação disponível
além de uma melhor compreensão da realidade.
Foi elaborada uma tabela com todas as divisões desejadas pela coordenação do Projeto. A ordem recorrida, com
os respectivos itens, foram os seguintes: região, fase ou sítio(s) ou coleção, tipologia do sítio, implantação na paisagem,
métodos e técnicas utilizadas, cronologia, tecnologia de confecção, antiplástico, tratamento interno e externo da
superfície, cozimento, pintura, formas (abertura, espessura das paredes, relação espessura-tamanho da vasilha, forma,
contorno, borda, lábio, base, apêndice); outros objetos de cerâmica. Como complemento foi adicionado o material
lítico, ósseo-dente, conchífero, resina, vestígios fitofaunísticos, outras ocorrências, além das formas de enterramento.
A obtenção das informações, no campo, foram, basicamente, através de coletas superficiais sistemáticas e cortes
experimentais e ainda, em bem menor escala, de escavações amplas e, excepcionalmente, de coleções. Quando esta
última situação ocorrer será indicado.
a) Os sítios - Os tipos de sítios são de habitação, cemitério ou acampamento. Os primeiros, na sua grande maioria,
são caracterizados por manchas de terra escura que variam da coloração cinza à preta. Os cemitérios encontram-se no
interior do próprio sítio, a poucos metros das casas (nestes casos seria habitação e cemitério) ou nas proximidades, nesta
ordem de ocorrência. No Paraná os sítios habitação e cemitério são mais freqüentes do que nos outros estados. Numa
fase, desta último estado, também é registrada a ocorrência de urnas com ossos humanos no interior das habitações. Os
enterramentos, em geral, apresentam urnas com tampa, ossos e oferendas no seu interior – adiante serão apresentados
mais detalhes de formas de sepultamentos. Alguns locais foram considerados acampamentos em virtude dos poucos
indícios materiais encontrados, como por exemplo, fragmentos de cerâmica e lítico.
Os sítios mais antigos estão localizados nas várzeas planas dos grandes rios ou seus afluentes mais importantes
(Paraná – Paranapanema (Tibagi, Pirapó), Ivaí, Piquiri, Iguaçu; Uruguai – Pelotas, Passo Fundo, da Várzea, Ijuí, Ibicuí;
Jacuí – Vacacaí, Pardo, Taquari, Caí, Sinos), em locais planos, junto a confluência de arroios e o rio principal, próximo de
corredeiras e, inclusive, insulares. No nordeste de duas ilhas, do Junco e Chico Manoel, no Guaíba, Rio Grande do Sul,
Os Ceramistas Tupiguarani - 163
localizamos um sítio em cada uma delas. Geralmente são lugares inatingíveis pelas cheias. As áreas de concentração
dos sítios correspondem ao médio rio, onde ele corre mais ou menos encaixado e se localizam as várzeas com menor
incidência de cheias. Quando estas ocorrem, em geral no inverno, depositam um húmus fertilizante, excelente para
o cultivo. A jusante são áreas baixas, facilmente inundáveis em larga faixa de ambas as margens, impraticáveis à
horticultura. A montante as várzeas vão estreitando-se cada vez mais, até o seu total desaparecimento. Com o passar
do tempo, os grupos, paulatinamente, vão se afastando destas várzeas para a proximidade de cursos d’água menores
até as vertentes, além de lugares mais elevados nas encostas e topo das coxilhas. Distanciam-se em mais de 10km do
rio principal ou de seus afluentes. Certas características permanecem, como por exemplo, habitar áreas planas e em
ambientes florestais. Acima de 600m do nível do mar, no planalto, e em região de campos, no extremo sul-sudeste-
sudoeste, não são encontrados vestígios da tradição Tupiguarani. Na última região a exceção são: 1. as matas-em-galeria
do rio Uruguai, Camaquã, Jaguarão, e alguns locais elevados da serra do sudeste; 2. a mata atlântica do litoral marinho
norte do Rio Grande de Sul até o Paraná; 3. a vegetação arbustiva da planície costeira central e lagunar (Patos e Mirim)
do Rio Grande do Sul. Neste último caso a posição dos sítios é na barreira-lagunar III, no seu limite com a IV, e são do
tipo erodido sobre dunas. Os vestígios da tradição Tupiguarani também ocupam as partes mais altas dos sambaquis. Em
períodos mais recentes ainda, passam a ocupar abrigos e cavernas no médio rio Pardo e alto Camaquã.
b) A cerâmica - A técnica de confecção das vasilhas é o acordelado, utilizando roletes sobrepostos, com uma
base discoidal modelada ou em espiral desde a base. Pode-se observar, em vários fragmentos, o positivo e o negativo
dos roletes. A técnica do modelado é mais observada no Paraná, normalmente, em pequeninos recipientes. Em alguns
sítios de 3 fases do Paraná ocorre o uso do torno de oleiro (torneado), nítido contato com o europeu.
Produziam desde grandes urnas até diminutas vasilhas. A função maior era utilitária, seguida da funerária não
descartando a ritualística, especialmente para as pintadas. Aquelas menores, próximas ao limite inferior (4cm de boca
e altura), poderiam representar atividades lúdicas ou aprendizado das meninas, futuras ceramistas.
Os antiplásticos, normalmente mal distribuídos na pasta, são arenosos, compostos por areia fina, areia média
e grossa, nesta ordem de freqüência, formada por grãos arredondados, raramente angulosos, de quartzo, sílex, em
número bem menor de cristal-de-rocha, oscilando entre 0,2 e 9,0mm. A média dos grãos mais presentes são aqueles
com menos de 2,0mm, sendo esporádicos os que apresentam medidas maiores. Acompanham grãos de hematita,
especialmente nos antiplásticos argilo-arenosos e argilosos, que atingem 12,0mm, a maior parte ao redor e com menos
de 4mm. Grãos de basalto também ocorrem, em duas fases do rio Uruguai, no tipo areia grossa. Outros antiplásticos
são o cerâmica triturada ou moída, com grãos angulosos de até 7,0mm, bolas de argila cujo limite máximo atinge
aproximadamente 3,0mm, carvão vegetal com fragmentos de até 4,0mm e apenas uma fase com mica. Estes “outros
antiplásticos” são característicos do Paraná.
A fratura é irregular com alguns casos de regularidade. São observadas bolhas de ar e fendas nos roletes. O
cozimento é incompleto, em atmosfera oxidante (fogueira aberta), apresentando um núcleo escuro entre paredes claras
de fina espessura (0,4 a 3,0mm). Acontece, também, o cozimento em apenas uma das paredes, externa ou interna.
Em raros casos a cocção chega a ser mediana e até boa ou completa. Esta última ocorrência poderia estar indicando
Os Ceramistas Tupiguarani - 165
contato com o europeu. Notam-se manchas de tonalidades variadas na parede externa, desde as escuras até as claras.
Realizado em fogueiras ao ar livre, este fato é indicativo de cozimento mal controlado, isto é, o material recebendo
maior ou menor incidência de oxigênio e fumaça.
Tratamento de superfície interno apresenta um bom, mediano e mau alisamento, nesta ordem de freqüência.
Quando é registrada decoração pintada interna ela, além de ocupar toda a superfície é composta por traços
curvilíneos. A pintura, a exemplo daquela que ocorre na face externa, é constituída por linhas vermelhas ou pretas
ou, ainda, tonalidades de alaranjado, marrom, pardacento sobre um engobe branco e, ainda, somente um engobe
vermelho.
Externamente o alisamento é bom e denominado, quando sem decoração, de tipo simples, sempre presente em
todos os sítios, também quantitativamente. As cinco decorações plásticas mais freqüentes e em ordem quantitativa,
cobrindo toda a superfície da peça, são a corrugada, corrugada-ungulada, ungulada, escovada e pintada externamente.
A pintura se estende até a carena, seguindo-se sem decoração (simples). Também freqüentes, mas em quantidade
limitada de fragmentos, temos a pintada internamente (descrito acima), engobe vermelho em uma ou em ambas as
faces e as técnicas associadas, em geral uma das plásticas anteriores na face externa e engobe vermelho ou pintada na
interna. Técnicas associadas mais raras: corrugada-ungulada e escovada, corrugada e escovada, corrugada e ungulada,
escovada e ungulada, roletada e ungulada, marcada com tecido e ungulada; pintada internamente e engobe vermelho
externo e vice-versa. Outros tipos de decoração, pela ordem de ocorrência: incisa, serrungulada, ponteada, entalhada,
nodulada, digitungulada, pinçada, roletada, ungulada tangente, corrugada-espatulada, pintada com os dedos (engobe
166 - Os Ceramistas Tupiguarani
vermelho), marcada com tecido, marcada com malha, cestaria impressa, pintada em ambas as faces, pintada de branco
ou preto sobre engobe vermelho, acanalada, canelada, raspada, digitada, perfurada, carimbada, lábio entalhado,
estriada, gravada, aplicada, as três últimas em apenas uma fase ou área. Observa-se uma maior variedade de tipos
decorativos no Paraná. No Rio Grande do Sul, esta maior diversidade é registrada apenas nas regiões do Alto Uruguai e
do médio Jacuí, particularmente vários dos outros tipos de decoração (acima). Esta constatação reveste-se, também, de
um aspecto temporal, isto é, acompanham os períodos mais antigos. Daí se explica o parcial ou total desaparecimento
de vários tipos decorativos nas outras áreas do leste, sul e sudeste do estado, como por exemplo, o serrungulado,
branco sobre vermelho, roletado, digitungulado, nodulado, pinçado, inciso, ponteado. No corrugado são observadas,
igualmente, diferenças temporais. O mais acentuado ou profundo é mais popular nos sítios mais antigos, aplanando ou
ficando mais tênue com o passar do tempo chegando,inclusive, a dificultar sua classificação.
Da mesma forma o surgimento do escovado é somente em fases mais recentes ou no final das seriações de fases
mais antigas. Ele parece estar vinculado ao contato com o europeu, particularmente ao jesuíta espanhol. Lembramos
que a decoração escovada é popular nas missões jesuíticas da primeira fase, ampliando sua freqüência na segunda
fase missioneira (Sete Povos). Miller atribui datas mais recentes para o engobe vermelho que, a exemplo do escovado,
é popular no período missioneiro.
São relativamente populares os cachimbos, confeccionados utilizando a técnica do modelado. A maioria aparece
em coleções particulares pois, a exemplo de outras peças, são facilmente identificados. Os tipos existentes são o
tubular, fornilho, angular e monitor (Basile Becker & Schmitz, 1969).
Afiadores-em-canaleta sobre fragmentos de vasilhas apresentam uma grande freqüência nos sítios litorâneos,
motivado pela ausência de rochas. Nas outras áreas possuem uma pequeníssima popularidade, substituídos pelo
arenito (ver Material lítico).
Registrados em alguns locais e em pequena quantidade temos as contas-de-colar mais ou menos esféricas, com
perfuração central; suportes de panelas em cerâmica maciça, cônicos, cilíndricos ou plano-convexos, sem e com
decoração acanalada ou serrungulada; roletes cilíndricos (pingente ?) ou cordéis de pasta com possibilidade das
extremidades se encontrarem amassadas ou apontadas; massas de argila, forma irregular, algumas com impressões
digitais ou vegetais, neste caso ramos, varas, madeira (taipa ? casas barreadas ?); discos perfurados; peças de uso
desconhecido: cilindro com entalhe circundante e chocalho ou maracá(?), cada uma em fase distinta do Paraná.
Cachimbo antropomorfo, telha goiva, colher, castiçal e carimbo, encontrados também no Paraná, estão a indicar
contato com o europeu, os dois primeiros vinculados à redução jesuítica de Loreto e o segundo ao sítio histórico de
Ciudad Real do Guairá.
d) Material lítico – Abundante, variado e mais elaborado nos sítios mais antigos ou na parte inferior das seriações,
vai, paulatinamente, desaparecendo nos mais recentes. Espacialmente corresponde às várzeas dos maiores rios e seus
principais afluentes – a mesma constatação para o material cerâmico. Entre as peças líticas mais características da
tradição destacamos as lâminas de machado polidas, petalóides, em basalto, raramente com gargalo que pode ser
picoteado, os afiadores-em-canaleta em arenito e as lascas, em calcedônia ou quartzo, utilizadas para cortar, raspar,
perfurar. Destacamos, também, os batedores, polidores, alisadores, talhadores, objetos de adorno (placas peitorais,
pingentes, contas-de-colar – num sítio, no alto rio Uruguai, constataram 360 contas de coloração azul, verde e branca),
tembetás de cristal de rocha ou quartzo leitoso, cilíndricos, em forma de “T” (foram encontrados até 8 num local no alto
rio Uruguai) e, mais raro, curvos. No vale do rio Pardo, Rio Grande do Sul, verificou-se uma narigüeira, em cristal-de-
rocha, cilíndrica e curva. Outros instrumentos: percutores, pedras com depressão semi-esférica polida (“quebra-coco”),
núcleos e, num segundo plano, polidas, as mãos de pilão, fragmento de mó, martelos com entalhe para encabar, ponta
cilíndrica de uso desconhecido, disco (inconcluso ?) e triturador (esférico); buril em apenas um sítio no Paraná. Em
fases localizadas no centro e no sul do Rio Grande do Sul e, portanto, contíguas as áreas de campo, foram encontradas
bolas de boleadeira com sulco circundante e, em um sítio apenas, lenticular ou pedra de funda. Adotadas pela tradição
Tupiguarani, na sua ergologia, são peças originalmente das tradições Umbu e Vieira. Ocorrem, também, nas reduções
jesuíticas espanholas. Outro instrumento obtido em sítio Tupiguarani, de uma fase no centro do estado, é o itaizá ou itaiçá.
Além desta ocorrência, foram encontrados 15 na redução jesuítica de Jesus Maria (1633-1636), no vale do rio Pardo,
pertencente à fase Reduções, transicional entre as tradições Tupiguarani e Neobrasileira (Iberoindígena). Esta peça incaica
foi introduzida pelos padres jesuítas espanhóis no período missioneiro da primeira fase no estado (1626-1641).
Em riachos afluentes do rio Ivaí localizaram-se blocos de diabásio com sulcos alisadores e, no rio Paranapanema,
blocos fixos de arenito metamorfizado com sinais de polimento, cada ocorrência associada a uma fase.
e) Material ósseo e dente - Os instrumentos mais comuns em osso são as pontas, seguindo-se as contas-de-
colar, anzóis e peças de uso desconhecido; em dente apenas contas-de-colar.
170 - Os Ceramistas Tupiguarani
f) Material conchífero - Contas-de-colar e pingentes, alguns inconclusos, são as únicas peças neste tipo de
matéria-prima. São em geral recortadas na forma discoidal, retangular, triangular ou pequenas univalves marinhas com
o ápice recortado.
g) Resina – Em 4 fases no Paraná foram registrados tembetás inteiros e fragmentados de resina, um deles em
forma de “T”, e, numa destas 4 fases, ainda, bolas da mesma matéria-prima.
h) Vestígios fitofaunísticos - Nas manchas de terra escura de sítios da tradição Tupiguarani, especialmente
naqueles localizados nas várzeas dos grandes e médios rios, são abundantes os vestígios fitofaunísticos. Observa-se
variação deste tipo de material na proporção da alteração do meio ambiente, como por exemplo, sítios do interior e do
litoral marinho. Da mesma forma nota-se que eram utilizados os recursos oferecidos em maior ou menor abundância.
São representados por ossos e dentes de mamíferos (cervídeos, canídeos, marsupiais, tatus, porco-do-mato, roedores),
lagartos, tartarugas, aves, peixes e conchas, particularmente gastrópodes e bivalves de água doce, fluviais ou lacustres,
e marinhos.
j) Outras ocorrências - No interior de urnas, relativamente grandes, foram registrados, além de ossos e dentes
humanos de adultos e de crianças, as seguintes peças: isoladas ou, com maior freqüência, associadas entre si: recipientes
menores com tamanho, forma e decoração variadas, lâminas de machado polidas, tembetás (até 3) de cristal-de-rocha
e resina, afiador-em-canaleta, cachimbos (até 3), polidores, disco de prata com perfuração e contas de colar cilíndricas
(e esféricas ?) de vidro. Os dois últimos registros indicam contato direto ou indireto com o europeu. O contato direto é
comprovado quando constatada, na superfície do(s) sítio(s), além do material característico autóctone, alguns objetos
exóticos de metal (pregos, cravos, cunhas, botões, etc.), vidro (contas-de-colar, garrafas), louça (faiança, vidrada ou
esmaltada), cerâmica colonial de vasilhas, tijelas, cachimbos, telhas, etc. Estes materiais devem estar, preferencialmente,
acompanhados de algum tipo indicativo de um processo de aculturação, por exemplo, na cerâmica, formas (pratos,
bases planas e em pedestal) e/ou técnicas (uso do torno e do forno) exóticas e decoração e/ou antiplástico local. Caso
isto não ocorra podemos estar lidando com um simples caso de sobreposição.
Os enterramentos em urnas (funerárias) foram primários ou secundários. Nos primários, o indivíduo logo ao morrer
era flectido e colocado no interior de grandes urnas com tampa. Estas, igualmente de cerâmica, eram emborcadas sobre
a urna e apoiadas interna ou externamente. Numa fase do Paraná ocorreu um caso de indivíduo acocorado e, sobre o
crânio, uma vasilha rasa emborcada. No mesmo estado foram registradas 30 urnas num sítio.
O sepultamento primário, diretamente em urnas, é mais antigo, daí somente ser encontrado no rio Paraná e seus
grandes afluentes, Alto Uruguai e médio Jacuí. No Paraná a pesquisa proporcionou: 1. dois indivíduos numa urna; 2.
um crânio no fundo de uma urna e ossos longos ao redor; 3. pequenos recipientes no interior e fora de uma urna; 4.
urnas com tampas rasas; 5. algumas urnas sem fundo.
Nas demais áreas e, portanto, com datações mais recentes, acontecem os enterramentos secundários: o indivíduo
era colocado diretamente no solo e, com o passar do tempo, exumavam-no e depositavam seus ossos dentro de uma
urna com tampa. Mais recentemente, ainda, retiravam e colocavam somente alguns ossos dentro de uma urna com
tampa. Na planície costeira central realizaram, em três locais pelo menos, o enterramento secundário apenas do
crânio. Devido a estas mudanças, o tamanho das urnas vai diminuindo gradativamente.
Quando encontrados enterramentos diretamente no solo, completos, são considerados primários, uma vez não
haver certeza de sua posterior inumação. Exemplos destas formas de sepultamentos foram descobertos no Paraná,
isto é, diretos no solo, semiflectidos, com grandes fragmentos de recipientes sobre a cabeça, um tembetá ao lado da
mandíbula e, aos pés, uma lâmina de machado polida, afiadores-em-canaleta e corante. No litoral norte do Rio Grande
do Sul, Eurico Miller (informação pessoal) encontrou enterramento direto no solo, estendido em decúbito dorsal, com
vasilhas ou fragmentos destas sobre o crânio e junto aos pés.
A diminuição do tamanho das vasilhas, particularmente as utilizadas para enterramento (urnas), pode estar
relacionada à redução do tamanho das habitações e aldeias e, conseqüentemente, da população. Este decréscimo
populacional redundaria no equivalente tamanho das vasilhas confeccionadas, primordialmente, com a finalidade de
preparar e conter bebidas (talhas) e, da mesma forma, nas festas para as beberagens do grupo.
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Resumen
Se presenta un breve resumen de las investigaciones arqueológicas llevadas a cabo en Argentina, referidas a
la denominada “Tradición Tupiguaraní”; el estado actual de las mismas y las perspectivas para el futuro inmediato.
Un rápido análisis de la bibliografía existente, revela que estos estudios tuvieron en términos generales un carácter
esporádico y se concentraron básicamente en el estudio de la alfarería. En la última década del siglo pasado y en
los primeros años del presente, nuevos estudios de campo emprendidos en las provincias argentinas de Misiones,
Corrientes y Buenos Aires, han comenzado a aportar nuevos datos sobre la arqueología de estas poblaciones, con un
renovado interés por los aspectos relacionados con el estilo de vida, el proceso de colonización de nuevos espacios, su
relación con las poblaciones locales y el estudio de la variabilidad de esta gran unidad arqueológica.
Introducción
Desde que Muñiz (1818) efectuara las pioneras observaciones arqueológicas sobre un cementerio compuesto
por urnas funerarias “labradas como escama de pez” sobre el río Paycarabí en el Delta bonaerense, los estudios
arqueológicos correspondientes a la macrounidad arqueológica “Tradición Tupiguaraní” (que abreviaremos aquí como
“TTG”) o “Sub-Tradición Guaraní” (Brochado 1984, 1989; Schmitz et al. 1990; Soares 1998, 1999), ha tenido un
desarrollo escaso y discontinuo en nuestro país (Burmeister 1872; Ambrosetti 1895; Torres 1911; Outes 1917, 1918;
Maldonado Bruzzone 1931; Lothrop 1932; Vignati 1941; Cigliano 1968; Cigliano et al. 1971; Caggiano y Prado 1991;
Rodríguez 1994, 1996 y en prensa a y b; Sempé 1999; Sempé y Caggiano 1995; Rizzo y Shimko 2003; Caggiano et
al. 2003; Loponte y Acosta 2003-2005, 2005; Bogan 2005; Capparelli 2006; Mucciolo 2005). Por otro lado, a pesar
de que su registro se encuentra a lo largo de aproximadamente 1500 km dentro del territorio argentino, es notable la
concentración de observaciones arqueológicas en los extremos septentrionales y meridionales de su distribución, las
cuales a su vez, enfatizaron los análisis estilísticos y tipológicos de la alfarería y secundariamente aspectos relacionados
con la funebria. Esto ha generado un desequilibrio evidente entre la información disponible sobre la alfarería guaraní
y el estilo de vida de los grupos humanos que la produjeron.
A partir de 2002, los estudios arqueológicos se reactivaron en el Delta del Paraná, gracias a la reexcavación y
análisis de los materiales procedentes de los sitios Arroyo Fredes (Loponte y Acosta 2003-2005, 2005; Mucciolo 2005)
y Arenal Central (Bogan 2005; Capparelli 2006).
Este trabajo pretende, precisamente, efectuar una pequeña revisión de la genéricamente denominada arqueología
guaraní en nuestro país. Para ello, hemos estructurado este artículo en tres partes. La primera de ellas se refiere muy
sucintamente a los antecedentes de las investigaciones en Argentina. Como sucede con todo resumen, hay una selección
bibliográfica, ya que existe una gran cantidad de trabajos que abordan marginalmente la cuestión guaraní. Enfatizamos
Instituto Nacional de Antropología y Pensamiento Latinoamericano -INAPL-, Tres de Febrero 1370, Buenos Aires Argentina. dloponte@
fibertel.com.ar, acosta@mail.retina.ar
Os Ceramistas Tupiguarani - 179
aquí los resultados de las investigaciones en un sector del extremo meridional de la distribución de la TTG, que
corresponde al humedal del Paraná inferior. Luego presentamos una breve reseña de las investigaciones que se llevan
a cabo actualmente en esta última área, para luego finalmente abordar algunas perspectivas que se abren en estos
estudios. Debemos aclarar que por razones de espacio, hemos dejado de lado las investigaciones referentes a los sitios
históricos, que se llevan adelante o se han desarrollado en diferentes puntos del nordeste argentino, particularmente
en la provincia de Misiones.
Algunos antecedentes
Las excavaciones que Ambrosetti (1895) efectuara en Misiones permitieron detectar sin ambiguedad la
existencia de inhumaciones en urnas dentro de la cuenca argentina del Paraná, adscriptas por aquel autor, a los grupos
históricamente denominados Guaraníes. Unos años después, Torres (1911) y Outes (1917, 1918) identificaron alfarería
similar en diferentes puntos del Delta inferior del Paraná y en la isla Martín García, conectando de alguna manera, el
registro entre estos dos puntos de la cuenca. A principios de los años ’20, Pablo Gaggero llevó adelante excavaciones
de cierta extensión en el sitio Arroyo Fredes (Delta inferior del Paraná). En forma consecutiva, en 1925, excavó el sitio
“Arroyo Malo”, a orillas del Arroyo Guayracá (o Malo), a pocos km de distancia del primero. En ambos sitios recuperó
inhumaciones en urnas que fueron depositadas en el Museo de Ciencias Naturales de la Plata. Si bien Gaggero no
publicó los resultados de sus excavaciones, estas sentaron el precedente para los trabajos que Samuel Lothrop (1932)
efectuó en Arroyo Malo durante 1928, y que constituyeron la base más sólida sobre la cual se asentó el conocimiento
de la arqueología guaraní en el Delta del Paraná por más de 70 años. En base a los materiales recuperados en Ao. Malo,
Lothrop observó las estrechas similitudes tecnológicas y estilísticas de la alfarería con aquella publicada por Ambrosetti
(1895) y la recuperada por Torres (1911) y Outes (1917, 1918) en diferentes puntos del Delta, vinculándolos con los
grupos etnográficamente conocidos como Guaraníes. Esta última relación estaba sustentada, según Lothrop, por las
estrechas relaciones estilísticas y tipológicas de la alfarería con las vasijas manufacturadas por los Guaraníes históricos
y contemporáneos de Brasil y los grupos Chiriguanos de principios del siglo XX, además de la equivalencia observada
entre los patrones de inhumación del registro arqueológico y los grupos histórica o etnográficamente observados
(Lothrop 1932: 127).
Según las descripciones de Lothrop, es factible considerar que las inhumaciones de Ao. Malo, todas de carácter
secundario, estaban acompañadas por un pequeño ajuar, compuesto de otras urnas más pequeñas que contendrían
restos de alimentos, pigmentos y artefactos líticos. Lothrop también describió lo que denominó “entierros sobre tiestos”,
que probablemente correspondan a urnas funerarias colapsadas, aunque desestimara explícitamente esta posibilidad
en algunos casos puntuales.
El acabado de la superficie de la alfarería en Ao. Malo tendría una relación directa con los tamaños de las vasijas.
En efecto, Lothrop observó que la cerámica corrugada pertenecía mayoritariamente a grandes vasijas, mientras que
los fragmentos ungiculados procedían de recipientes más pequeños, aunque con algunas excepciones. La alfarería
monocroma roja, muy abundante en el sitio, presenta mayor variabilidad tipológica. En términos generales, las grandes
vasijas de esta variedad habrían sido empleadas finalmente como urnas funerarias, complementadas con un pequeño
recipiente corrugado como tapa. Asimismo Lothrop menciona la relativa abundancia de fragmentos policromos,
señalando la pérdida del color negro en la mayoría de las piezas, debido a su propia inestabilidad. En Ao. Malo
también se recuperaron fragmentos de bolas de boleadora, lascas sin formatizar que según Lothrop podrían provenir
de guijarros del río Uruguay, y pequeñas hachas confeccionadas sobre los mismos.
Es importante consignar que el sector excavado de Ao. Malo corresponde mayoritaria o totalmente a un área
180 - Os Ceramistas Tupiguarani
de enterratorios, y por lo tanto, el registro y las tendencias observadas son aquellas vinculadas particularmente con
actividades específicas relacionadas con el tratamiento de la muerte. El hallazgo de cuentas de vidrio, ubicó a este sitio
en el período de contacto hispano-indígena.
En forma casi contemporánea a los trabajos de Lothrop en el Delta, Maldonado Bruzzone (1931) recolectó una
gran cantidad de fragmentos cerámicos en las inmediaciones de Punta Lara (cerca de la actual ciudad de La Plata, sector
medio del Río de la Plata). Este autor observó la notable similitud de la alfarería bicolor recolectada con la recuperada
en la isla Martín García, atribuyendo su producción a grupos de pertenencia guaraní. Posteriormente Vignati (1941),
dio a conocer con mayor detalle la composición anatómica de dos paquetes funerarios que se encontraban en urnas
guaraníes, una de ellas recuperada en el sitio Arroyo Fredes y la segunda proveniente de Arroyo Malo, obtenidas en
las excavaciones efectuadas por Gaggero. La selección de huesos observada en estos paquetes funerarios incluye
tanto huesos del esqueleto apendicular como axial, aunque se observa una preferencia por estos últimos. En ambos
paquetes hay huesos de párvulos incluidos con aquellos pertenecientes a adultos, de forma que deben ser consideradas
inhumaciones secundarias múltiples, una conducta que parece observarse en diferentes puntos de la cuenca (ver más
abajo).
Aproximadamente treinta años más tarde, Cigliano (1968) publicó algunos resultados de sus investigaciones
en la isla Martín García, en el sitio que denominó “El Arbolito”. Este autor efectuó una somera descripción de la
cerámica recuperada, además de obtener el primer fechado sobre un sitio de este tipo, correspondiente a un fogón,
cuya antigüedad fue fijada en 405 ± 35 años 14C AP (GrN 5146). Cigliano y colaboradores adscribieron este sitio,
como otros localizados un poco más al norte en el río Uruguay inferior y de los cuales también se dispone de poca
información (“Isla del Medio” e “Isla de Los Lobos), como “Fase Guaraní Tardío” (Cigliano 1968, Cigliano et al. 1971).
Con los trabajos de Cigliano y colaboradores, se cumplen los primeros cien años desde que Burmeister señalara la
existencia de conjuntos alfareros tupiguaraníes en el área del Paraná medio. El resultado de ese siglo de investigaciones
permitieron determinar la presencia de estos grupos en diversos sectores del nordeste argentino, estableciendo el
punto más austral de su expansión en el sector medio del Río de la Plata. Asimismo, la notable similitud estilística de
la alfarería recuperada en distintos puntos del nordeste de Argentina y del sur de Brasil, sugirió a los investigadores
el escaso desarrollo de conductas de innovación estilística. De igual forma, se documentaron prácticas funerarias
similares a través de un vasto espacio dentro del sub-continente. La cronología post-hispánica de Ao. Malo y el fechado
del sitio El Arbolito, llevaron a considerar entre los arqueólogos locales, que el arribo de estos grupos canoeros debía
ubicarse en un período muy próximo al descubrimiento del Río de la Plata por parte de Europa.
Con posterioridad a los trabajos de Cigliano, dos áreas comenzaron a ser investigadas con cierta sistematicidad:
las provincias de Misiones y Corrientes. Los estudios arqueológicos en la primera de ellas han enfatizado los análisis
estilísticos de la alfarería, las técnicas de manufactura y secundariamente, las prácticas mortuorias (Sempé 1999, Sempé
y Caggiano 1995, Rizzo y Shimko 2003). Estas últimas autoras observaron en base a los materiales recuperados en los
sitios denominados Corpus y Puerto Victoria, que el tratamiento de la superficie tendría una significativa correlación con
el diámetro de los recipientes cerámicos. Los más pequeños estarían constituidos por vasijas que presentan decoración
ungiculada, seguidos por un mayor tamaño de los recipientes pintados, siendo los corrugados los que poseen el
mayor diámetro de boca. Estas observaciones son coincidentes con aquellas efectuadas por Lothrop (1932) en base a
materiales arqueológicos de Ao. Malo. Asimismo, las autoras consideran que gran parte de la alfarería lisa corresponde
a vasijas que presentan pintura zonal adscripta al borde, de forma que la alfarería enteramente lisa no superaría el
20% del total del conjunto recuperado. La cerámica pintada más común posee bicromía (líneas geométricas rojas
sobre fondo blanco zonal). La alfarería policroma y monocolor es más escasa (Rizzo y Shimko 2003: 124, 125).
Lamentablemente no hay en la mayoría de estas investigaciones, una descripción detallada de la composición de los
Os Ceramistas Tupiguarani - 181
paquetes funerarios; sin embargo es interesante remarcar que estas autoras señalan la presencia de una pequeña urna
que contenía fragmentos de un cráneo, adyacente a la urna funeraria principal. Aún no se han publicado fechados de
estos sitios, aunque Sempé (1996), menciona la obtención de un fechado radiocarbónico, correspondiente a un sitio
en el área de Panambí (Misiones), cuya antigüedad fue fijada en “1030 AD”.
En la provincia de Corrientes, Jorge Rodríguez excavó diferentes sitios atribuidos a esta macrounidad arqueológica,
ubicados en el Dpto. de Ituzaingó (cuenca del río Paraná), que fueron denominados “Entidad Yaciretá IV” (Rodríguez
1996). En un breve resumen, Rodríguez menciona la existencia de al menos siete diferentes sitios “y varios en la isla
Apipé” (Rodríguez 1996: 45). Si bien no existe un análisis detallado del registro recuperado, es interesante señalar
la existencia de un enterratorio primario flexionado en urna (Rodríguez 1996: 45). Los fechados radiocarbónicos
disponibles ubican a los depósitos arqueológicos respectivos entre 330 ± 50 y 684 ± 170 años 14C AP . Un fechado
de 1261 ± 140 años 14C AP espera ser confirmado mediante el análisis de nuevas muestras (Rodríguez com. pers.).
Sin embargo, esta fecha es empleada para determinar la posición cronológica de esta macrounidad en el Paraná
medio-superior (Rodríguez, en prensa a). Otro sector investigado por este autor corresponde al área noroeste del
sistema Iberá, también en la provincia de Corrientes. Aquí los sitios pertenecientes a la “Tradición Tupiguaraní” fueron
englobados como “Tipo Cultural Taraguí II” (Rodríguez, en prensa b). Este autor menciona la existencia de cinco sitios
arqueológicos, cuya extensión máxima es de 7000 m2. El nivel arqueológicamente fértil oscila entre 20 y 80 cm. Las
inhumaciones detectadas consisten en enterratorios secundarios en urnas, que pueden tener el esqueleto con cierto
grado de completitud, o solo algunos huesos, incluyendo el cráneo. Como sucede en el caso de los paquetes funerarios
estudiados por Vignati (1941) procedentes del Delta del Paraná, las urnas pueden contener restos óseos de más de
un individuo, aunque no hay una descripción pormenorizada de los huesos seleccionados. Asimismo, Rodríguez
menciona la posible existencia de vasijas con ajuar, adyacentes a la urna funeraria. Los artefactos líticos son escasos y
prácticamente no existen instrumentos retocados. De igual manera, los instrumentos óseos son poco numerosos. Los
artefactos obtenidos mediante picado y/o pulido, por el contrario, son abundantes (elementos de molienda, hachas,
tembetás y cuentas) (Rodríguez, en prensa b). Si bien los análisis faunísticos se hallan en curso (Rodríguez, com. pers.,
2004), las actividades de caza habrían incluido una gran diversidad de especies, tanto terrestres como acuáticas.
Otra línea de investigación que actualmente se encuentra en desarrollo, se concentra en el análisis de la cerámica
procedente de viejas excavaciones y/o de colecciones museísticas. Estos trabajos analizan los aspectos tipológicos y
estilísticos (Caggiano y Prado 1991, Sempé y Caggiano 1995, Caggiano et al. 2003), incluyendo en algunos casos vasijas
procedentes de diferentes partes del territorio argentino, sur de Brasil y Paraguay. El objetivo de las mismas, entre otros
aspectos, es generar herramientas de clasificación que permitan a los investigadores determinar la tipología original
de las vasijas en función de los fragmentos recuperados en las excavaciones arqueológicas. Asimismo, estos trabajos
están orientados a determinar la recurrencia o variabilidad de “los trazos morfológicos y decorativos, asociados a
determinadas regiones (Caggiano et al. 2003: 49). Dado que estos estudios se encuentran actualmente en desarrollo, es
esperable que en el futuro generen más información que permita mejorar nuestra comprensión acerca de la estructura
tipológica y estilística de la alfarería tupiguaraní y su variación en la cuenca.
En términos generales, esta reciente etapa de investigaciones ha permitido ampliar el conocimiento sobre algunos
aspectos referidos a la manufactura de la alfarería y una mejor comprensión de la dispersión de esta macrounidad
arqueológica dentro del territorio argentino. En este sentido, uno de los aspectos más notorios es la ausencia del registro
de la TTG existente en un sector del Paraná medio, correspondiente principalmente a la provincia de Entre Ríos,
situación que ha sido relacionada a la competencia por el espacio con grupos locales (Rodríguez 1994, 2004).
Recientemente, Capparelli y colaboradores ha retomado las investigaciones en la Isla Martín García, en el sitio
denominado Arenal central, un sitio ubicado en el sector interno de la isla y que no corresponde al sitio denominado
182 - Os Ceramistas Tupiguarani
por Cigliano (1968) como El Arbolito. Los trabajos en curso identificaron un amplio sector de ocupación incluido dentro
de un horizonte de suelo desarrollado a partir de un sustrato arenoso, correspondiente a las dunas locales. Además
de abundantes restos de alfarería corrugada, ungiculada y menor cantidad de cerámica policroma, se efectuaron
hallazgos notables, como cabezales de hachas manufacturados sobre guijarros fluviales y un anzuelo confeccionado
en hueso (Capparelli ms.). El análisis faunístico identificó la presencia de Characiformes, Siluriformes, Hydrochaeris
hydrochaeris, Myocastor coypus, Cavia aperea, Blastocerus dichotomus y Ozotoceros bezoarticus. La presencia de este
último permite sostener la existencia de un rango de acción que incluyó el sector continental, probablemente la costa
del Río de la Plata de la R.O.U, que dista aproximadamente 3,5 km de la isla (Bogan 2005).
El humedal del Paraná inferior (HPI) está integrado por el Delta del Paraná (que corresponde a un sector insular)
y diferentes sectores continentales, como el área de praderas inundables del sudeste de la provincia de Entre Ríos y los
Bajíos Ribereños. A pesar de que se considera que el HPI habría sido un sector con una densa población guaraní (cf.
Rodríguez 2004), solo se conocen con certeza la existencia de 5 sitios arqueológicos que pueden relacionarse con la
misma. Estos son Arroyo Malo (Lothrop 1932), Arroyo Largo (Torres
1911 y datos inéditos), Arroyo Fredes (Vignati 1941; Loponte y Acosta
2003-2005, 2005), Kirpach (Acosta y Loponte 2006) y Martín García
(Outes 1917, 1918; Cigliano 1968; Cigliano et al. 1971; Bogan 2005;
Capparelli 2006) (ver figura 1).
En 2002 comenzamos los trabajos de campo del sitio Arroyo
Fredes, sobre el que se han cumplido dos campañas de excavación.
Si bien el material se encuentra aún bajo proceso de análisis, algunos
resultados ya han sido dados a conocer (Loponte y Acosta 2003-
2005; 2005; Mucciolo 2005). El albardón, que se conoce histórica y
localmente como “los plátanos”, es excepcional en el área, debido
a que muy raramente es anegado por las inundaciones de mayor
magnitud que afectan al complejo deltaico.
El depósito arqueológico que corresponde a la TTG, de
aproximadamente 10.000 m2 de superficie, se formó, tal vez, por
una sola ocupación en lo que probablemente era una isla arenosa
en el espejo del Río de la Plata, adyacente al frente de avance del
Delta, que hoy quedó integrada dentro del complejo insular. Los
materiales arqueológicos se encuentran dentro del horizonte de suelo
Fig. 1. Arroyo Fredes. Distribución porcentual actual, que presenta un potencia que oscila entre 25 y 35 cm, sin que
de las técnicas de acabado de la superficie se observen picos diferenciales de densidad de hallazgos a lo largo
externa de la alfarería. del espesor del mismo. Se han efectuado numerosos ensamblajes
El sitio El Arblito que excavara Cigliano probablemente es un sitio diferente del sitio Arenal Central reconocido por Capparelli (Capparelli
com. pers.).
Un pequeño sector del albardón fue utilizado en tiempos históricos para efectuar inhumaciones directas, que no tienen relación con la ocupa-
ción guaraní (ver Loponte y Acosta 2003-2005)
Os Ceramistas Tupiguarani - 183
con tiestos procedentes de diferentes profundidades de este suelo orgánico, si bien las tareas de remontaje aún no han
concluido.
Un fechado (AMS) realizado sobre un fragmento de una diáfisis de un hueso largo, perteneciente a uno de los
individuos inhumados en una urna funeraria recuperada por Gaggero, arrojó un antigüedad de 690 ± 70 años 14C
AP [556 - 820 años cal. AP, (δ13C -16,72 ‰) (±2σ)] (UGA 10789); este fechado radiocarbónico constituye el segundo
disponible para esta macrounidad arqueológica en el sector más meridional de su distribución y ciertamente el primero
que posee un 95% de probabilidad de situar a estos grupos en el Delta del Paraná en el período prehispánico. Por otro
lado, es total la ausencia de elementos europeos y fauna exótica asociados al depósito de la TTG.
La composición del conjunto alfarero, analizado un lote 1858 fragmentos cerámicos procedentes de las unidades
de excavación 6 y 7 (UE6 y UE7) (ver figura 2), muestra una distribución relativamente homogénea entre tres técnicas
de acabado principales de la superficie: corrugado (34%), pintura monocromática (25%) (preferentemente roja aunque
escasos hay ejemplares blancos) y lisa sin decoración (36%).
La alfarería policroma es escasa (<2%). Uno de los aspectos más notables de la misma es que los pocos motivos
geométricos presentes en Arroyo Fredes son idénticos a los reportados en otros conjuntos alfareros atribuidos a esta
macrounidad, recuperados en distintas partes del sistema Paraná-Plata y la cuenca del Jacui (Ambrosetti 1895, Badano
1940, Brochado 1989, Lothrop 1932, Maldonado Bruzzone 1931, Outes 1918, Rizzo y Shimko 2003, Schmitz et al.
1990, Serrano 1939, Soares com. pers., Vignati 1941; Capparelli com. pers.) (ver figs. 3, 4 y 5).
La pasta empleada para la manufactura de alfarería muestra agregados de tiestos molidos con diferente grado de
selección, que raramente quedan expuestos en la superficie de los tiestos. Los cortes delgados efectuados en tiestos
corrugados, pintados (rojo), policromos y lisos, permitieron determinar además la presencia de cuarzo subredondeado,
mica, trizas y anfíboles, sin que se observe una diferencia notoria en el empleo de pastas distintas según el tratamiento
final de la superficie de los recipientes, aunque el nivel de muestreo al respecto es aún muy pequeño. Lothrop (1932),
en base a muestras de mano, también consignó el uso de pastas similares independientemente del tipo recipiente
considerado.
Contrariamente a lo observado en Ao. Malo, los artefactos líticos son relativamente abundantes. La materia
prima lítica utilizada consiste principalmente en rocas silíceas, provenientes mayoritariamente de guijarros fluviales
que probablemente fueron obtenidos en el valle del río Uruguay. También se detectó el empleo de arenitas cuarzosas
186 - Os Ceramistas Tupiguarani
de la Fm Iruzaingó. El desbaste de los núcleos se produjo con dos y tres elementos. La talla bipolar empleada buscó
maximizar la reducción de los pequeños núcleos. Los artefactos líticos recuperados consisten en lascas de filo natural,
peculiaridad ya advertida por Outes (1918) y Lothrop (1932). También se recuperó una punta de proyectil, de limbo
triangular isósceles y de base ligeramente escotada, confeccionada sobre una roca de sílice blanca y opaca (figura 6).
El conjunto faunístico se encuentra en un excelente estado de conservación, lo cual sugiere un proceso de
enterramiento rápido. Aproximadamente el 80% del mismo presenta un estado de meteorización 0-1 y una baja
incidencia de marcas de carnívoros y roedores. La correlación entre la densidad mineral ósea y los valores %MAU de
B. dichotomus no es significativa (rS=0.08, p> 0.05) (Mucciolo 2005), situación que apunta a una buena integridad
tafonómica del conjunto óseo. La recuperación de endocarpos completos de Syagrus romanzoffiana y abundantes
restos de vértebras de Actinopterygii, que poseen baja densidad mineral ósea (Musali et al. 2003), son también buenos
indicadores parciales de integridad tafonómica del depósito.
En un primer momento se analizaron 957 restos procedentes de algunos sectores de las UE6 y UE7 (Loponte y
2001). Los elementos óseos de este cérvido se encuentran intensamente fragmentados. Los tamaños dimensionales de
los especimenes óseos sugieren que fueron hervidos con el fin de extraerles los nutrientes (Mucciolo 2005), con el fin
de maximizar la tasa de retorno.
Los análisis isotópicos efectuados sobre cuatro individuos inhumados en urnas (dos procedentes de Arroyo
Fredes y dos recuperados en Arroyo Malo) han comenzado a aportar información sobre las dietas isotópicas de la
población respectiva (Loponte y Acosta 2003-2005, 2005). Los datos δ13C muestran dietas influenciadas por el consumo
de grupos funcionales C4, que dado el contexto arqueológico, debe corresponder a la ingesta de maíz. El promedio de
estos 4 individuos señala un valor de δ13Cco -15,5 ± 0,78‰, alejado del promedio de los cazadores-recolectores locales
(δ13Cco -19,08 ± 1,18‰; nc = 7) (Acosta y Loponte 2002; Loponte 2006) (ver figura 8).
De los 4 individuos sepultados en urnas, solo se ha podido obtener el valor del espaciamiento de las fuentes de
carbono en dos de ellos. Las lecturas obtenidas sugieren una dieta con un importante contenido carnívoro de la dieta,
si se toman en cuenta los valores locales de la cadena trófica (el intervalo δ13C apatita-colágeno es del orden de 5‰ en
los dos individuos procedentes de Ao. Malo, frente a un valor cercano a 7‰ de los cazadores-recolectores y ~9,5‰ de
las presas herbívoras locales) (ver figura 9)
Lamentablemente las muestras procedentes de Ao. Malo carecen de los valores C/N, de forma que estos datos deben ser tomados prudente-
mente.
Os Ceramistas Tupiguarani - 189
Figura 9. Valores del espaciamiento de las fuentes de C en la cadena trófica local. Humedal del Paraná inferior (1100 -680 años
14C AP) (datos tomados de la figura 8 y de Loponte 2006).
Análisis de las inclusiones presentes en los cálculos dentales de algunos dientes procedentes de Arroyo Fredes y
Arroyo Malo, han permitido determinar la presencia de restos tisulares conservados y fitolitos de afinidad graminoide
y arecoide (Zucol y Loponte 2005). Si bien estos estudios aún requieren validación del método, particularmente de los
procesos de contaminación de la matriz donde están incluidos los fitolitos (tártaro), los hallazgos son coherentes con
la presencia de S. romanzoffiana y el consumo de maíz.
Otros hallazgos interesantes lo constituyen pequeñas láminas de metal, una posible cuenta circular del mismo
material y un artefacto de cobre, que posee un 10% de estaño y antimonio (Tulio 2003). Este muestra formatización
por frotado y repujado.
190 - Os Ceramistas Tupiguarani
Discusión
Es difícil presentar un cuadro que permita sintetizar el estado actual de la “arqueología guaraní” prehispánica,
y más aún, puntualizar los temas de discusión, debido precisamente, a la falta de los mismos dentro del ámbito de la
arqueología argentina.
Uno de los inconvenientes más evidentes que han detenido estos estudios en Argentina, es falta de equipos de
investigación que se ocuparan de esta gran unidad arqueológica. Afortunadamente, hemos visto que en la actualidad
se llevan a cabo investigaciones de campo en tres provincias diferentes (Misiones, Corrientes y Buenos Aires). Por lo
tanto, es probable que en los próximos años se disponga de una mayor cantidad de información que además estimule
el intercambio de la misma de una forma más dinámica. También es esperable que se sumen nuevos equipos de
investigación en un futuro próximo, dado que el nordeste argentino es un espacio extremadamente extenso para los
pocos investigadores activos que se encuentran trabajando. Otro punto aún pendiente es la integración de información
y de proyectos de investigación conjuntos con los colegas de Brasil y Uruguay, que necesariamente dinamizarán la
circulación de la información y ayudará a tener una perspectiva macroregional, indispensable para comprender y
caracterizar el proceso de expansión de estos grupos.
A nivel del registro puntual, uno de los aspectos más notables de la arqueología guaraní es el tamaño de los
depósitos arqueológicos involucrados. En este sentido, la representatividad de los conjuntos recuperados en pequeñas
excavaciones, muestreos localizados o recolecciones de superficie, puede ser muy baja respecto al registro promedio
del sitio. Si bien esto también sucede con sitios pequeños de los cazadores-recolectores locales, el problema aquí
es claramente más agudo. Como un ejemplo evidente de esta situación, podemos señalar la importante cantidad de
alfarería policroma y baja densidad de artefactos líticos que Lothrop menciona haber recuperado en Arroyo Malo, en
un sector de enterratorios, frente a frecuencias diferentes de ambos rasgos en Arroyo Fredes. Si bien los loci comparados
implican diferentes actividades, esto no siempre es tenido en cuenta cuando se utiliza el registro de Ao. Malo con fines
comparativos. Las discrepancias sugeridas por Rodríguez (en prensa b) entre los diferentes fechados radiocarbónicos
obtenidos en distintos loci de un mismo sitio, podrían deberse a procesos de formación complejos, que pueden ser
comunes en estos grandes depósitos. Un caso que de alguna forma es equivalente fue registrado en Ao. Fredes, donde
un sector del albardón se empleó en tiempos históricos para efectuar inhumaciones primarias directas (Loponte y
Acosta 2003-2005). Si bien aquí estos enterratorios pudieron ser diferenciados sin inconvenientes, otros rasgos del
registro, integrados en los palimpsestos, pueden ser más complejos de identificar.
Otro aspecto relacionado con la representatividad de las muestras en Ao. Fredes, puede ser la relativamente
escasa cantidad de restos de peces recuperados en las UE6 y UE7 (Loponte y Acosta 2003-2005; Mucciolo 2005 y este
trabajo). Aquí se puede descartar que su ausencia se relacione con la conservación diferencial, ya que por ejemplo,
las vértebras de los peces, que tienen muy baja densidad mineral ósea (cf. Musali et al. 2003), constituyen el elemento
anatómico mejor representado dentro del conjunto ictioarqueológico.
Desde el punto de vista de la dinámica del pasado, la interacción de estos grupos con las poblaciones aborígenes
locales es uno de los aspectos más interesantes que plantea el estudio de esta metapoblación, aspecto que ha sido poco
explorado desde el registro arqueológico del área. En el Delta del Paraná, los Guaraníes se establecieron en un área
que poseía probablemente, una numerosa y diversa población de cazadores-recolectores, que en algunos casos, tal vez
practicaran la horticultura de pequeña escala o de una forma esporádica (Loponte 2006). Sin embargo, es notable (con
los tamaños de muestra disponibles actualmente) la ausencia de artefactos pertenecientes a la TTG en los depósitos
Estas ihumaciones presentaban diferencias sustanciales con las inhumaciones guaraníes, ya que consistían en entierros primarios di-
rectos sin asociación alguna con alfarería guaraní. También se había considerado un valor de δ13C como marcador dietario diferencial, pero este
valor carece de validez, ya que no fue efectivamente medido (ver Loponte y Acosta 2004).
Os Ceramistas Tupiguarani - 191
arqueológicamente contemporáneos generados por cazadores-recolectores y viceversa. También es oportuno señalar
dentro de este contexto el desarrollo de redes de abastecimiento de rocas de fractura concoidal distintas, ya que los
cazadores-recolectores emplearon preferentemente calizas silicificadas, cuarcitas y calcedonias (Loponte 2006; Loponte
et al. 2006). Las discontinuidades del registro sugieren la inexistencia o baja intensidad de actividades de intercambio
entre ambas poblaciones, debido a tal vez a límites sociales (cf. Lipo et al. 1997). A pesar de que los nichos respectivos
pudieron ser parcialmente diferentes, probablemente se encontraban en conflicto, ya que los grupos locales parecen
haber desarrollado conductas de defensa activa del territorio antes del inicio de la fase de colonización guaraní del
área (~<1 ka), por lo que las poblaciones locales y las inmigrantes, sin relaciones de parentezco y de alianzas previas,
pudieron constituirse en competidores absolutos (cf. Hassell 1988). En este sentido, son notables las referencias de los
cronistas europeos del siglo XVI sobre el estado de beligerancia existente entre los Guaraníes y el resto de las poblaciones
locales en el humedal del Paraná inferior (Loponte 2006; Loponte et al. 2006). Tal vez, un efecto de esta situación haya
sido parcialmente responsable del patrón de asentamiento básicamente insular en el extremo meridional del HPI de los
grupos inmigrantes, aunque aquí también pudieron haber gravitado concurrentemente factores selectivos, relacionados
con los requerimientos de los cultivos y/o con la escasa profundidad temporal de la ocupación guaraní, aspectos que
aún no han sido adecuadamente explorados. Desde el punto de vista histórico, hay claras referencias a la existencia de
algunas islas del Delta que llevan nombres de jefes guaraníes, donde se encontraban sus campos de cultivo estivales
(cf. Fernández de Oviedo y Valdés 1944). Esta situación de hipotética adueñación del espacio productivo, implicaba
probablemente la exclusión de su uso para las poblaciones de cazadores-recolectores locales.
Otro de los ejes temáticos no desarrollados en Argentina es el uso de la alfarería y su significado en la economía
de esta macrounidad arqueológica. Más allá de las interesantes referencias etnográficas sobre los diferentes usos de los
distintos tipos de recipientes (i.e. Bordin Toccheto 1998), es notable la ausencia de análisis isotópicos o de los ácidos
grasos residuales que permitan discutir el empleo efectivo de la alfarería arqueológica (cf. Charters et al. 1993, Dudd
y Evershed 1999, Morton y Schwarcz 1988). En el HPI existe un solo antecedente al respecto, pero relacionada con
cerámica de cazadores-recolectores (Pérez y Cañardo 2002), línea de trabajo que sin duda se ampliará en el futuro, y
que podrá articularse con la más información tipológica y tecnológica de la alfarería guaraní.
Si bien existe cierto consenso respecto a que la TTG se encuentra enmarcada dentro de determinados límites
ecológicos en Argentina, particularmente a lo largo de los corredores biológicos de los ríos Paraná y Uruguay, esto no
implica considerar que la variabilidad arqueológica haya sido insignificante. Por ejemplo, es notable como la situación
insular del sitio Arroyo Fredes está condicionando, en parte, la composición faunística de la muestra obtenida. En efecto,
no se han recuperado especies propias del sector continental como venado de las pampas (Ozotoceros bezoarticus),
ñandú (Rhea americana) o guanaco (Lama guanicoe), todas especies reconocidas en los sitios continentales del HPI
(sector norbonaerense) generados por cazadores-recolectores. Por otro lado, dado que existe una significativa variación
clinal entre la fauna de Misiones y la que se encuentra en el Río de la Plata (Ringuelet 1961), es esperable reconocer
una sustancial variabilidad en las presas obtenidas a lo largo de la cuenca. En este sentido, si bien no hay un análisis
detallado, se observan notables diferencias entre el contexto faunístico de Arroyo Fredes y la fauna recuperada en
sitios ubicados en la provincia de Corrientes (Rodríguez en prensa b). De la misma forma, existen referencias históricas
que sugieren la falta de determinados cultivos entre los guaraníes del Delta del Paraná, debido a un clima más frío
que en los sectores más septentrionales (Fernández de Oviedo 1944). Este aspecto, prácticamente no explorado en la
arqueología local, pudo haber incentivado un aumento de las actividades cinegéticas en el sector más meridional de
la distribución sub-continental de estos grupos. Existen además otras propiedades que circunscriben la capacidad del
Delta del Paraná para la agricultura, referidos a la disponibilidad muy limitada de superficies emergidas no anegables y
sustratos adecuados (cf. Bonfils 1962). Estas diferencias ambientales deben estar generando variabilidad ya no solo en la
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subsistencia, sino en el registro arqueológico en general, incluida la manufactura de alfarería, los sistemas de armas y el
equipo de procesamiento de materiales en general. Por ello, algunas recopilaciones de información histórica sobre los
tipos de plantas cultivadas y silvestres consumidas por los grupos guaraníes históricos para sectores más septentrionales
(i.e. Noelli 1993), no tienen por ahora, gran utilidad en el extremo meridional de la distribución de la TTG.
Si bien es razonable considerar, como hipótesis, un esquema de organización equivalente constituido por
jerarquías organizacionales diferentes (Guará – Tekohá – Teii) (Noelli 1993; Soares 1998; Schmidt Dias 2003), estamos
muy lejos de contrastar arqueológicamente la misma, como también algunos de los valores demográficos asociados
a este esquema organizativo, indicados para el período histórico y descriptos para sectores más septentrionales. En
consecuencia, tampoco pueden ser trasladadas directamente al humedal del Paraná inferior, las magnitudes territoriales
asignadas a las diferentes unidades de organización espacial (amundá, cog y caa), que constituyen además, conceptos
ante todo de utilidad etnográfica. Dado que carecemos aquí de la enorme cantidad de información histórica que existe
para diferentes regiones de Brasil, nuestra aproximación es básicamente arqueológica, y solo muy prudentemente
podemos generar hipótesis a partir de datos etnográficos obtenidos en otros sectores de Sudamérica, con ambientes
sociales y ecológicos muy diferentes. Una de las hipótesis que se generan desde lo etnográfico y que podemos explorar
con el registro, por ejemplo, es que la producción de cerámica policroma tendría cierta relación con las actividades de
alianza y las frecuencias de los contactos entre diferentes unidades de asentamiento locales (Soares, com. pers.). Si esto
fuera así, además de los factores estocásticos del muestreo, otros sucesos como la fase de ocupación del espacio, el
éxito obtenido en la colonización y la densidad demográfica resultante estarían condicionando su producción. Desde
esta perspectiva, podríamos comenzar a discutir las frecuencias de este tipo de alfarería en diferentes escalas espaciales
sub-continentales y su relación con las fases de colonización y ocupación efectiva del espacio (ver conceptos en
Borrero 1994-1995).
El reconocimiento de la existencia de la variabilidad multicausal tiene algunas consecuencias importantes para
la práctica de la arqueología guaraní. Una de ellas es que el uso de “fases”, comunes en la arqueología del litoral,
definidas además con muy bajos niveles de muestreo, no explican el registro arqueológico, introducen un gran número
de problemas, y decididamente, no parecen la mejor solución para describir un registro aún poco conocido.
También se ignora si la dispersión de la TTG es relativamente continua a lo largo del río Uruguay. Si este fuera
el caso, es posible pensar en un proceso de migración mediante una lenta ocupación del espacio (cf. Brochado 1984,
1989); Este mecanismo habría generado una mayor variabilidad cultural en toda la cuenca fluvial, dada la oportunidad
para el desarrollo de mecanismos de divergencia evolutiva. Si bien esto es posible, debemos pensar que las costas del
río Uruguay no eran espacios vacíos durante la última fase del Holoceno reciente, sino todo lo contrario (Serrano 1939;
Rodríguez en prensa a), por lo cual, este proceso de expansión no parece ser el más apropiado. De forma inversa,
otros autores plantean una “migración rápida” (Métraux 1928; Serrano 1939), por medio de la cual, estos grupos solo
habrían ocupado algunos puntos de la costa e islas del río Uruguay, que a modo de corredor fluvial (cf. Rizzo y Shimko
2003), habría conectado la densa población guaraní de Misiones (colonizada por estos grupos tal vez a partir de 1500
años 14C AP) con el Delta del Paraná, a donde llegaron probablemente alrededor de 800 ± 100 años 14C AP, dejando
vastos sectores intermedios sin colonizar. Esta táctica de ocupación del espacio, facilita y mantiene el conservadurismo
estilístico entre determinados puntos extremos de una distribución (cf. Boyd y Richerson 1985, Shenan 2000) durante
una fase de expansión y crecimiento (cf. Fix 1999), como parece que debemos situar a la TTG durante la fase final
del Holoceno reciente en las cuencas del Paraná y Uruguay. Esto nos permite, además, conceptualizar a los diferentes
grupos humanos intervinientes en estos movimientos como una metapoblación (en el sentido de Levins 1969; ver
también Hanski 1999). Estos grupos con cierto aislamiento geográfico, pero con algún nivel de flujo génico entre ellos,
debieron estar luego sometidos a procesos diversificación, aunque el corto período de separación no habría favorecido
Os Ceramistas Tupiguarani - 193
sustancialmente los procesos de evolución divergente. Sin embargo, dada la enorme extensión subcontinental de la
misma, es poco defendible sugerir la existencia de una evolución ortogénica en toda su distribución, sino precisamente
todo lo contrario. Por ello, el reconocimiento de esta variabilidad es una cuestión de escala. Predictivamente, puede
sostenerse el aumento de la variabilidad estilística y la importancia de los mecanismos de divergencia evolutiva a
medida que aumentamos la escala geográfica de la comparación, y es aquí donde los estudios integrados, aplicando
herramientas metodológicas adecuadas, tienen sin duda un aspecto central en esta discusión. De la misma manera,
dado que la dispersión tupiguaraní hacia el sector meridional del sub-continente implicó el movimiento de un gran
número de individuos, y que existe un numeroso registro bioantropológico asociado, disponemos de una posibilidad
única para abordar cuestiones relacionadas con el aporte génico de las poblaciones locales y aspectos microevolutivos
y coevolutivos entre variabilidad cultural y genética (Boyd y Richerson 1989, Cavalli-Sforza et al. 1982, Laland et al.
1995).
Perspectivas
Esta breve reseña, que intenta abarcar casi 130 años de arqueología prehispánica tupiguaraní en Argentina, deja
un balance negativo. Basta comparar el conocimiento alcanzado hoy en día de otras unidades arqueológicas que fueron
contemporáneamente identificadas en el noroeste de Argentina para notar el relativo estancamiento que tuvieron estos
estudios. Esta situación, que no se debió a la falta de un registro arqueológico adecuado para su estudio, no implica dejar
de reconocer el esfuerzo de los investigadores que tímidamente durante el siglo XIX y sobre todo, durante el siglo XX,
comenzaron a estudiar los “rastros de la cultura guaraní” en nuestro país, en un ambiente natural donde en general, se
debe luchar contra la mala accesibilidad de los sitios arqueológicos, dificultad que afortunadamente los ha conservado
en gran parte hasta nuestros días. Sin embargo, las expectativas para el futuro inmediato son sustancialmente mejores.
La capacidad analítica de la arqueología hoy se ha expandido de una forma notable y disponemos de una creciente
cantidad de arqueólogos que se interesan por estos estudios. Si comparamos la actividad que se efectuó en este campo
de trabajo en los últimos 50 años en Argentina, solo podemos ser optimistas.
La arqueología guaraní constituye una de las mejores oportunidades para el desarrollo de proyectos arqueológicos
sudamericanos de carácter internacional. Aquí también somos optimistas, dado que el ritmo de integración económica
y cultural de los últimos años entre nuestros países ha sido notablemente intenso, particularmente si comparamos la
última década frente a la mayor parte del siglo pasado. Este libro, claramente, es un ejemplo ello.
Agradecimientos
Queremos agradecer a Tania Andrade Lima y André Prous su invitación a escribir este artículo. También queremos
hacer extensivo este agradecimiento a André Soares, un gran colega y sobre todo, un gran amigo, que nos ha tenido
una comprensión infinita. Antonia Rizzo, nos ha proporcionado bibliografía, conocimientos y por sobre todas las cosas,
un gran afecto. Esta pequeña reseña esta dedicada a los investigadores que como ella, han hecho posible que hoy día
podamos mirar hacia atrás y discutir un registro arqueológico tupiguaraní en Argentina.