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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“Júlio de Mesquita Filho”


FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO
CURSO DE DESIGN
HABILITAÇÃO EM PROJETO DO PRODUTO

Do barro à prata: joias baseadas


na cultura marajoara

1
Alessandra Palma Amélio

Projeto de Conclusão de Curso de Design com


habilitação em Projeto de Produto, apresentado ao
departamento de Design sob orientação
da professora Drª Paula da Cruz Landin
e coorientadora profª Drª Maria Antonia Benutti.

Bauru, 2012.
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PROJETO DE CONCLUSÃO DE CURSO apresentado para a obtenção
do título de Bacharel em Design, Projeto de Produto da Universidade Estadual
Paulista – Unesp, pela comissão de avaliação composta pelos seguintes:

Paula da Cruz Landin


Orientadora
Professora do Departamento de Design / FAAC

Maria Antonia Benutti 3


Coorientadora / Banca
Professora do Departamento de Artes e Representação Gráfica / FAAC

José Carlos Plácido da Silva


Banca
Professor do Departamento de Design / FAAC
4
5

“A cultura é o que permanece no homem,


quando ele de tudo se esqueceu!”

Henriot E.
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Dedicatória
Dedico este trabalho em memória do meu querido avô José Roberto Amélio, de quem ganhei
minha primeira joia e que tanto me inspirou!

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Agradecimentos
Agradeço a Deus!

Aos meus pais, pelo amor, educação, apoio, por tudo que me deram ao longo da vida. Também
aos meus irmãos, pela companhia e incentivo.

Aos professores da Unesp pelo acolhimento nesses anos de graduação.

À profª Toninha, pelas aulas de Design de Joias, pelo seu estímulo, sua incrível arte em ensinar e
a oportunidade que me fez adquirir conhecimentos para a realização deste projeto.

À profª Paula Landin por tudo que ensinou nos anos de graduação e por ter aceito ser a
orientadora deste projeto.

Às minhas queridas amigas da república “Slowmotion”, Mariana e Pamela, por terem aparecido 9
juntas na minha vida e terem sido verdadeiras irmãs desde o período em que estivemos juntas.

À Maísa, pela amizade e por fazer a correção gramatical do presente relatório.

Às amigas da república “Armazén”, Ana Paula e Renata que me acalmaram nos momentos difíceis
do projeto.

Agradeço também ao curso de Design da UNESP pela oportunidade de tê-lo cursado e estar
realizando este trabalho, pelas experiências boas que tive durante o período de graduação e que
levarei pelo resto da vida!
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Resumo
Este trabalho refere-se ao desenvolvimento de uma coleção de joias inspiradas nos desenhos e
grafismos presentes na cerâmica marajoara. Esse povo indígena da ilha de Marajó, no Pará nos
deixou um legado cultural rico em grafismos e ideogramas que se destacaram frente à outros
grupos indígenas do Brasil pela sua complexidade estética.
Como metodologia empregada, o projeto teve estudo histórico e iconográfico da cultura
marajoara e análise de similares de designers de joias da atualidade.

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Índice
15. Introdução - Escolha do Tema 65. Referências Bibliográficas

16. O Projeto 67. Índice de fotos


16. Histórico - A Civilização Marajoara
18. Cerâmicas
18. Análise Iconográfica
22. Urnas Funerárias - Igaçabas
28. Utensílios Marajoara
32. Estatuetas
33. Tangas

35. Análise de Similares

38. Primeiro Processo Criativo 13


40. Primeiro Conjunto - Sketchs

44. Segundo Processo Criativo


46. Segundo Conjunto - Sketchs

50. Terceiro Processo Criativo


52. Terceiro Conjunto - Sketchs

54. A Joalheria Artesanal - Um breve relato


54. A Confecção

61. O Projeto em Execução

64. Considerações Finais


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Introdução
Dentre os povos indígenas que habitaram o Brasil, uma das civilizações de maior destaque
foram os povos marajoaras.
Viveram na ilha de Marajó, Pará, por um período de 800 anos. Se destacaram por suas ricas
cerâmicas de valor estético e técnico, assim como seu desenvolvimento na engenharia com a
construção de grandes terraços para contenção das cheias.

A Escolha do Tema
A escolha do tema deve-se ao fato do meu apreço pela história do Brasil. A nacionalidade é um
tema que me conquistou, porém por ser um tema abrangente foquei na civilização característica 15
do Pará, os marajoaras. A estética em sua arte é muito autêntica e isso foi algo que me atraiu
para que eu usasse esse tema em meu projeto.
O projeto uniu parte da história brasileira com o design de joias, (e todo o processo de criação
de um produto).
O Projeto
Histórico - A Civilização Marajora
Os Marajoaras foram um dos povos indígenas O povo marajoara encontra-se na 5ª posição
que ganharam destaque frente a outras culturas em ordem cronológica em relação à “fase
existentes no Brasil e que através de suas cerâmica”. Foi o auge da civilização indígena
cerâmicas e grafismos nos deixaram um legado amazônica que se destacou frente às outras
cultural rico e complexo estudado até os dias civilizações e viveram por volta de 400 d.C. a
de hoje. A região amazônica teve diferentes 1250 d.C. na Ilha de Marajó, estado do Pará.
povos indígenas que foram se desenvolvendo Antes da era cristã a população indígena vivia
em determinados períodos. dispersa pela ilha, em pequenos grupos e com
Os pesquisadores diferenciam as tribos modos de vida simples e a autoridade máxima
que existiram pelos períodos em que se era o chefe do grupo familiar.
desenvolveram e pelas cerâmicas que Após a era cristã a população teve um rápido
16 produziram, cada qual com aspectos e crescimento, os grupos aumentaram e vieram
características próprias que são definidos populações de outras localidades agregando-
como “fases cerâmicas”. Segundo um estudo se aos índios já existentes na ilha. O modo
arqueológico feito por Meggers e Evans (1957), de vida se modificou, passou do trabalho
existiram seis fases de cerâmica na Ilha de doméstico para uma organização sociopolítica
Marajó, como ilustram as figuras 9 e 10, sendo e com divisão do trabalho.
elas: Ananatuba, Mangueiras, Acauã, Formiga,
Marajoara e Aruã.
Entre o término de uma “fase cerâmica” e o
começo de outra, as populações tiveram fases
contemporâneas, como mostra a fig. 11. Com
isso por mais que tenham sido diferentes
culturalmente elas possuíam coisas em comum,
pois de alguma forma tinham algum grau de
relacionamento, fosse em casamentos ou em
guerras.
Fig. 01 - Mapa fluvial da Ilha de Marajó

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Fig. 03 - Tabela cronológica das fases cerâmicas da Ilha de
Marajó. Fonte: Schaan, Denise Pahl, De tesos e Igaçabas, de Fig. 02 - Mapa político do extremo norte do Brasil
índios e portugueses: arqueologia e história da Ilha de Marajó.
Uma das características que ganhou destaque As cerâmicas que resistiram ao tempo são as
pelo desenvolvimento de engenharia foi a únicas fontes que os pesquisadores têm para
elaboração de aterros para conter as cheias da decifrar o mundo dessa civilização extinta.
ilha. Os tesos chegavam a ter de 3 a 12 m de Sobraram poucas peças devido aos grandes
altura, eram grandes plataformas e sua base era saques, à ação do tempo e dos animais. As
construída com argila queimada e completada peças que restam estão espalhadas em museus
com areia. Todos os anos acrescentavam-se dos Estados Unidos, Brasil e Europa, porém as
mais areia como forma de dar manutenção que restaram são muito poucas em relação ao
periódica aos aterros. que existiu.
Na arte, destacaram-se com suas cerâmicas
bem elaboradas, tanto em aspectos de
qualidade técnica de fabricação como em
qualidade de expressão.

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Cerâmicas Análise Iconográfica
A maioria das peças de cerâmica eram objetos Para o desenvolvimento deste trabalho
de uso utilitário, porém existiam também as foram buscadas muitas fotos e desenhos. As
peças decorativas, usadas apenas em rituais ou fotos fazem parte da coleção de Tom Wildi,
momentos festivos. A matéria-prima básica era arqueólogo e colecionador responsável
a argila, normalmente acrescida de cascalhos, pelo importante trabalho de arqueologia da
pedaços de ossos e cinzas, pois isso as tornava cerâmica marajoara. Fotos do Museu Nacional
mais resistentes para o trabalho e para o uso. da Universidade Federal do Rio de Janeiro e
Depois de prontas, as peças iam para grandes também parte da coleção marajoara do Museu
fornos onde secavam até virarem cerâmicas. Paraense Emilio Goeldi. Os desenhos foram
Para o acabamento muitas peças ganhavam parte da pesquisa realizada por Denise Pahl
cores como preto (que provinha do jenipapo Schaan para sua dissertação de mestrado em
ou carvão mineral) e o vermelho (que retiravam 2007, bem como outros textos e pesquisas
do urucum); também faziam uso da cor branca. realizadas para o Museu Emilio Goeldi, em
Algumas tribos chegavam a utilizar um tipo de Belém-PA.
verniz para impermeabilizá-las.
As cerâmicas marajoara são ricamente detalhadas
pelos seus grafismos. Os temas abordados
nos desenhos são a mitologia indígena, lendas
com animais venenosos, (cobras, escorpiões,
jacarés), pois estes normalmente ilustravam as
histórias mitológicas. Os desenhos têm aspectos
labirínticos, são formados por grafismos
geométricos muito bem concatenados. A
zoomorfização e antropomorfização são
frequentes nas cerâmicas.
Normalmente encontram-se em um mesmo
objeto desenhos naturalistas misturados com
figuras geométricas (os grafismos como mostra
a fig. 12). Estes não são figuras aleatórias como Fig. 04 - Urna funerária. Peça do Museu
muitos pensaram durante um bom tempo, Nacional, aquarela de Manoel Pestana.
mas sim um complemento dos desenhos
naturalistas. Para os pesquisadores os grafismos compartilhados existe o uso recorrente de 19
são ideogramas cheios de significação, os índios figuras de cobras, fig. 13 e 14, de diversos
não conheciam a escrita, porém os desenhos estilos e em diversos objetos. Elas são
serviam de inspiração para a comunicação entre representadas de maneira naturalista e
eles, uma forma de conservar valores e crenças também gráfica, pictórica, assim como
de sua sociedade. As peças podem ser estudas outros animais também eram representados.
de duas formas: como objeto de uso utilitário e Por vezes os animais eram representados
artístico ou como veículo de comunicação social por inteiro, outras, apenas por partes (corpo,
e cultural. rabo, cabeça, pele...). A utilização da cobra
Um exemplo para isso são as igaçabas: urnas para decorar vários objetos nos indica que
funerárias onde os índios enterravam seus esse ser era muito importante para aquele
mortos. Nesta peça a decoração e os grafismos se povo, provavelmente por povoar o imaginário
referiam aos aspectos de personalidade de quem com lendas e mitos. Para os Tukano, que
estava sendo enterrado, se era criança, adulto ou povoaram o noroeste amazônico, contam
idoso, homem ou mulher, classe social, etc. Nos que dentro da mitologia seus antepassados
estudos da cerâmica marajoara como forma de chegaram dentro do corpo de uma cobra -
comunicação visual de significados socialmente canoa, com função de povoar o mundo.
A cobra os largou ao longo do rio, nos lugares
que ainda hoje habitam. A cobra é ainda
considerada a mãe de todos os peixes, o que
remete à relação muito íntima que existe entre
a crença de suas origens e uma subsistência
baseada na pesca.

20
Fig. 05 - Vaso representando a cobra.
Desenho de Tom Wildi (1897 -1984)
Fig. 06 - Exemplos de desenhos de cobras
Além de desenhos místicos, lendários e da encontradas na cerâmica marajoara.
Desenho de Denise Schaan, 2007.
vida cotidiana, há vários estudos feitos com
a finalidade de se entender a origem dos
Muito usual entre os marajoaras é a redução de
traços indígenas, como o estudo feito por
uma representação realista a traços mínimos,
Reichel-Dolmatoff (1976), na tribo indígena
algumas vezes é difícil identificar de onde
Tukano. A ingestão de uma substância gera
surgiram e o que significam. Com base em
alucinações responsáveis por formar na retina
estudos realizados por Denise Schaan, temos
dos olhos padrões e formas (as mesmas em
na fig. 15 o desenho em diversas fases para
qualquer pessoa), e estes padrões estão
entendermos sua simplificação.
presentes em vários desenhos de tribos
ameríndias diferentes, o que leva a se pensar
erroneamente que seria uma linguagem única
entre as diferentes tribos.
A tabela, fig. 15, mostra a simplificação de um
escorpião e fig. 16, simplificação da serpente,
até atingir sua forma mais básica, tornando-
se apenas um ícone. Não se sabe o porquê
da simplificação de desenhos, porém por
mais difícil que seja entender os grafismos
e decifrá-los o resultado final sempre é uma
composição harmoniosa e rica.

Fig. 07 - Exemplos de desenhos de


simplificação do escorpião. Desenho de
Denise Schaan, 2007.

21

Fig. 08 - Simplificação da serpente. Estudos


de Denise Schaan, 2007.
Urnas funerárias
- Igaçabas -
Sabe-se que um dos principais ritos em tribos
indígenas é o rito da hora da morte. Costumava
ser um ato solene, verdadeiro rito de passagem
e as igaçabas foram o principal utensílio para
este evento.
Acreditavam que a alma da pessoa estava
concentrada apenas nos ossos por isso
enterravam seus mortos sem a carne.
Normalmente esperavam o que o corpo secasse
ao sol para facilitar a retirada da carne. Depois
22 que os ossos estavam limpos, eram pintados
de vermelho e aí sim prontos para irem para as
igaçabas. Dentro das urnas iam além dos ossos,
objetos pessoais, roupas, ou algum utensílio de
importância para aquela pessoa. Os grafismos
da urna se referiam à vida e à personalidade
do morto. O objeto funerário era tão pessoal
que nunca foi encontrado nenhuma cerâmica
Fig. 09 - Variadas unidades mínimas de
decorada parecida com a outra.
significação. Estudos de Denise Schaan, Além das urnas decoradas haviam as sem
2007. decoração. Como se sabe, as sociedades
humanas tendem a reproduzir no contexto
Nas decorações sempre existe um elemento funerário as relações sociais que mantinham
principal com significados místicos e/ em vida, então concluiu-se que aquela era uma
ou culturais e uma série de elementos sociedade hierárquica que até na hora da morte
geométricos que compõem a peça e auxiliam havia uma diferenciação social.
na complementação do desenho, são as As urnas (e outros objetos utilitários) possuíam
unidades mínimas de significação.
algumas características de acabamento, tais
como:
-Excisão: alto relevo, feitos através de camadas
de cerâmica.
-Incisão: baixo relevo, adquiridos através de
escavações sobre a peça.

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Fig. 11 - Urna funerária da Museu Nacional
UFRJ.
Esta igaçaba, fig. 20, tem excisões em vermelho
sobre fundo branco. É a representação da
figura humana como elemento principal.
Possui detalhes geométricos que por se
repetirem parecem labirintos. Esta peça
Fig. 10 - Urna funerária da coleção Tom
Wildi
encontra-se em bom estado de conservação.
Pelo fato de ser bem elaborada talvez fosse
Esta urna funerária, fig. 18, é a representação destinada a alguém com algum prestígio
estilizada do corpo feminino com formas excisas. social.
Possui olhos, braços e mãos, além do triângulo
pubiano e do útero, representado pelo triângulo
e pela circunferência desenhada em vermelho. O
corpo da peça apresenta desenhos geométricos
que simbolizam as pinturas corporais.
24
Fig. 12 - Igaçaba do Museu Nacional Paraense Emilio Goeldi

Urna funerária, fig. 20, decorada com apliques é feminina, quando o sexo era identificado,
modelados (excisões) e pintura vermelha e indicando que a matrilinearidade era a maneira
preta sobre engobo branco. Acervo Museu como se organizava o grau de parentesco.
Paraense Emílio Goeldi, ilustração e livro Esta igaçaba acima congrega características de
Unkmown Amazon, editado por C. McEwan, uma coruja e do gênero feminino, representado
Cristina Barreto e Eduardo Neves. Londres: pela vagina e o útero, que neste caso está
British Museum Press, 2001. grávido.

No geral, as urnas funerárias (igaçabas) da


cultura marajoara trazem a representação da
figura humana em destaque associada sempre
a algum animal como a cobra, o escorpião,
lagarto, jacaré. Normalmente a figura humana
25

Fig. 14 - Urna funerária/ Coleção Museu


Fig. 13 - Coleção do Museu do Forte,
Paraense Emílio Goeldi
Belém/ Urna funerária Arari

Igaçaba zoomórfica, fig. 21, excisão Urna com excisões sobre engobo vermelho,
vermelha sobre fundo branco, a fig. 22. A base da peça possui pintura cinza
imagem ao centro tem apliques envolvendo os detalhes em relevo, apêndices
no formato de um lagarto, possui zoomorfos.
cabeça, membros e apêndices.
26
Fig. 16 - Coleção do Museu Paraense
Emílio Goeldi

Fig. 15 - Urna funerária/ Coleção do Igaçaba com decoração incisa traços em cinza
Museu Paraense Emílio Goeldi sobre engobo branco, fig. 24. Possui alguns
retoques em pintura vermelha.
Esta urna, fig. 23, tem incisões em vermelho
sobre engobo branco e base sem decoração.
Seu desenho é uma textura geométrica em
zig-zag.
Esta igaçaba é uma representação feminina,
mais especificamente a sua visão frontal, fig.
25. As duas excisões na parte inferior são
pequenas pernas, a incisão ao centro entre
as pernas sugere o triângulo pubiano, já no
centro, na altura dos braços, temos outra
excisão, trata-se da cabeça do urubu-rei
circundada por um grafismo que representa
uma serpente. A parte superior da cerâmica,
região da testa temos um formato em “T”
e logo abaixo temos os olhos que são dois
escorpiões. A peça em si é bem diferenciada,
assemelha-se mais com uma escultura do
que com uma urna funerária.

27

Fig. 17 - Coleção do Museu Paraense


Emílio Goeldi
Utensílios Marajoara
Além das conhecidas urnas funerárias, os
vasos, pratos e tigelas foram muito utilizados
pelos índios. Normalmente eram usados em
cerimônias sempre com a finalidade de servir
alimentos. A grande quantidade de utensílios
encontrados nos sítios arqueológicos sugere
que as festas uniam muitas pessoas, talvez até
de outros lugares, tribos diferentes, etc.

28

Fig. 18 - Urna funerária/ Coleção do


Museu Nacional UFRJ

Esta igaçaba, fig. 26, é ricamente preenchida


de grafismos. Os desenhos geométricos bem
concatenados fazem com que o desenho
visto de uma certa distância seja confundido
com um labirinto. As representações são
seres híbridos: zoomorfos e antropomorfos.
Em suas laterais e sua borda possui detalhes Fig. 19 - Vaso decorado/ Coleção
excisos que enriquecem a peça. Museu Nacional UFRJ
Este vaso possui excisões em vermelho, com Este vaso possui pintura preta sobre fundo
detalhes em preto fig. 27. Visto de uma certa branco, fig. 28. A predominância da cor preta
distância a parte frontal do vaso, notamos um sobre a peça faz com que ao fundo se inverta
rosto humano que ao centro se encontra o parecendo que a cor branca seja apenas um
nariz. Analisando de perto, este rosto é a junção detalhe em fundo preto. As linhas sinuosas se
de duas serpentes se encontrando pela cauda. repetindo ao longo do vaso dão a ideia de
Como sabemos a serpente é um animal mítico movimento, ondas, e o formato arredondado
muito difundido na cultura marajoara. Ao fundo passa ainda mais a ideia de se guardar água.
da peça temos uma composição labiríntica com É uma peça diferenciada.
formas geométricas.

29

Fig. 21 - Prato decorado/ Coleção


Museu Paraense Emílio Goeldi

Prato marajoara da tribo Arari, fig. 29. (Arari é


um lago situado no centro da Ilha de Marajó).
Fig. 20 - Vaso globular / Coleção Museu
Possui excisões em vermelho, ao centro da
Nacional UFRJ peça existe a figura simétrica que divide a
peça ao meio, aparenta ser um “H” estilizado
com variadas formas geométricas ao redor.
Tigela rasa com motivo decorado em marrom
sobre engobo branco. No centro da cerâmica a
presenta um ”H” espiralado, fig. 31.

Fig. 22 - Tigela decorada / Coleção


Museu Paraense Emílio Goeldi

Tigela com decoração em pintura sobre


a cerâmica, sem excisões ou incisões, fig.
30. Figuras pretas sobre engobo branco na
parte interna e na lateral externa. Possui um
30 desenho central maior com ramificações nas
laterais da cerâmica.

Fig. 24 Tigela rasa decorada / Coleção


Tom Wildi

Tigela rasa com decoração preta na parte


interior, representação antropomorfa onde no
lugar da cabeça existe um tridente, fig. 32. Já
na parte externa há excisões representando um
escorpião.

Fig. 23 - Tigela decorada / Coleção


Museu Paraense Emílio Goeldi
31

Fig. 25 Tigela rasa decorada / Museu


Nacional UFRJ
Fig. 26 e 27 Fragmentos de tigela decorada
Coleção Tom Wildi
Tigela rasa decorada com tinta preta e vermelha
sobre engobo branco fig. 34. Seus grafismos Detalhes de cerâmica decorada incisões e
geométricos apresentam aspectos labirínticos. excisões.
Nas bordas da peça encontram-se excisões que
representam serpentes e alternadamente rosto
humano. Na maioria das peças analisadas os
grafismos costumam ser simétricos.
Estatuetas
As estatuetas marajoaras eram populares por Possuem em geral formas arredondadas
serem usadas em rituais. Muitas peças foram com atributos femininos: seios, triângulos e
encontradas com uma ruptura na região do retângulos pubianos. Podem ter tamanhos e
pescoço, sugerindo a ideia de ação ritualística. decorações variadas e seu aspecto é fálico, o
Também eram usadas como maracás, pois que remete à uma síntese entre o feminino e o
algumas delas possuíam pedrinhas no interior masculino.
fazendo com que produzisse algum som
quando chacoalhada.

32

Fig. 30 Detalhes da fig. 29


Fig. 29
Fig. 28
Fig. 28,29 e 30 Estatuetas / Coleção Museu Paraense Emílio Goeldi

A fig. 36 é uma estatueta antropomorfa com motivos em vermelho sobre engobo branco, possui
seios em relevo e membros atrofiados.
A fig. 37 é também antropomorfa com pintura vermelha e preta sobre o branco. Possui desenhos
que sugerem serpentes em volta do corpo e olhos em formato de escorpião. O suporte possui
um formato falomorfo, porém apresenta atributos femininos como seios e região pubiana.
Tangas
As tangas foram utensílios muito populares que sugere que eram feitas de acordo com a
entre as populações marajoara e seu uso personalidade da pessoa, assim como as urnas
era predominantemente feminino. Também funerárias.
conhecidas como “tapa-sexo”, elas apresentam Um aspecto muito importante analisado
um formato triangular, côncavo e normalmente nos marajoaras é que as cerâmicas em
eram feitas de cerâmica; com furos na geral (as urnas funerárias, as tangas e as
extremidade por onde passavam cordões estatuetas com atributos femininos) são
para serem ajustados ao corpo. Usadas em evidências arqueológicas que denotam grande
cerimônias e também como vestimenta, foram participação feminina na sociedade marajoara.
encontradas em aterros-cemitérios em variados
formatos, o que leva a crer que eram feitas
sob medida. As decorações não se repetem, o

33

Fig. 31 Tangas decoradas / Coleção


Museu Nacional UFRJ
Essas peças possuem um grafismo central
(fig. 39), uma faixa que nunca se repete com
elementos laterais que apresentam repetições
de padrões. Na faixa superior, a pintura tem
formas mais retas e traços preenchidos,
coloridos por preto ou vermelho ou ambos.
E a parte inferior é formada por desenhos
geométricos labirínticos.
Algumas tangas são mais simples, apenas
vermelhas e sem nenhuma decoração.

Fig. 33 Tangas decoradas/ Coleção Museu


Paraense Emílio Goeldi
34
Os estudos e análises das cerâmicas indígenas
serão retomados em um capítulo futuro, onde
serão mostradas as fases de criação das peças.

Fig. 32 Tangas decoradas/ Coleção Museu


Paraense Emílio Goeldi
Análise de Similares
Atualmente existe em Belém – PA um pólo Organização Social (OS) qualificada pelo
joalheiro. O local é conhecido como Espaço Governo do Estado do Pará em maio de 2007. A
José Liberto, um Museu de Gemas que foi OS mantém vínculo com a Secretaria de Estado
inaugurado em 2002. Seu acervo possui por de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia
volta de 4.000 peças, cinco salas para visitação, (Sedect) e também é responsável pela gestão
além das gemas paraenses. O acervo abriga do Programa de Desenvolvimento do Setor de
peças/cerâmica marajoara e tapajônica. Gemas e Metais Preciosos do Estado do Pará,
Muiraquitãs milenares, materiais orgânicos mantido pelo governo estadual, promovendo
e obras de arte da natureza (como tronco ações de qualificação para designers,
fossilizado), podem ser vistos no museu. Na ourives, lapidários, artesãos e produtores de
quinta sala, todos os elementos históricos, embalagens artesanais, além de capacitar os
míticos e minerais são reunidos em coleções profissionais vinculados ao Polo Joalheiro em
de joias. O Museu de Gemas é vinculado ao áreas como comercialização e conquista de
Sistema Integrado de Museus e Memoriais, novos mercados para a joia paraense. 35
gerenciado pelo governo do Pará, por meio A seguir, as figuras 42, 43, 44, 45, 46, 47 e
da Secretaria de Cultura (Secult). O Espaço 48, são exemplos de joias produzidas no
São José Liberto é administrado pelo Instituto Espaço José Liberto. Joias com o tema de
de Gemas e Joias da Amazônia (Igama), inspiração marajoara.

Fig. 35 Colar
“Grafismo em Tela”,
Fig. 34 Anel “Evolução” de em ouro e quartzo
ouro e quartzo fumê com fumê em três tons.
grafismo marajoara. Da Das designers
designer Leila Salame Marcilene Rodriguese
Leila Salame
Fig. 38 Coleção “Anima
Mundi” – Espaço José Liberto

Fig. 36 Colar em ouro e


Fig. 37 Colar em ouro e
quartzo fumê. Da designer
36 Leila Salame
quartzo fumê. Da designer
Leila Salame

Fig. 39 Coleção “Anima Fig. 40 Coleção “Anima Fig. 41 Coleção “Anima


Mundi” – Espaço José Liberto Mundi” – Espaço José Liberto Mundi” – Espaço José Liberto
Fig. 42 Pingente “Sorte Fig. 43 Anel “Sorte Fig. 44 Pingente de prata. Fig. 45 Pingente de prata e
Marajoara”, em prata e Marajoara”, em prata e Fabricado por Hanna Mariah Joias pigmentação com pó de argila
esmalte. Designer esmalte. Designer
Julia Mendes Julia Mendes

37

Fig. 47 Pulseira em
prata e couro

Fig. 46 Pingente em prata e


casca de coco

Fig. 48 Pulseira em
prata e coco
Primeiro Processo Criativo
No processo criativo foram feitas análises das fotos de resquícios de cerâmica marajoara e seus
principais símbolos e características. Também houve uma pesquisa de similares que auxiliou no
processo. Durante a fase da criação, foi utilizado em alguns desenhos o processo da simplificação
do grafismo (como nos estudos realizados por Denise Schaan), onde observa-se a representação
realista, sua redução à traços mínimos, e posterior simplificação dos mesmos. Desta forma
desenvolveu-se a criação das peças.

38

Fig. 21 - Prato decorado/ Coleção Fig. 26 Fragmento de tigela


Museu Paraense Emílio Goeldi - decorada Coleção Tom Wildi
ver pág. 31 - - ver pág. 33 -

Fig. 25 Tigela rasa decorada / Museu


Nacional UFRJ - ver pág. 33 -

Fig. 32 Tangas decoradas


Coleção Museu Paraense
Emílio Goeldi - ver pág. 36 -
Fig. 49 - Tigela decorada
Coleção Museu Paraense
Emílio Goeldi - vista frontal
Fig. 22 - Tigela decorada da fig. 30
Coleção Museu Paraense Fig. 23 - Tigela decorada
Emílio Goeldi - ver pág. 32 - Coleção Museu Paraense
Emílio Goeldi - ver pág. 32 -

As figuras 25, 21, 26, 32, 22, 49 e 23 são vasilhames/ tigelas. A figura 26 é um pedaço de urna
funerária e a figura 32 é uma tanga feminina. Os grafismos dessas peças possuem em comum 39
desenhos geométricos (mais que orgânicos), são labirínticos formados por traços retos e
angulares, têm quinas e dobras.
Primeiro Conjunto - Sketchs
Seguem rascunhos do desenvolvimento do primeiro conjunto. Colar segmentado com desenhos
característicos.

40

Fig. 50 Fig. 51
Esboço 1 Esboço 2
Utilização da unidade simplificada (como se fosse um pequeno degrau). Com este grafismo
simplificado foram desenvolvidas várias ideias.

41

Fig. 52
Esboço 3
“Brincando” com módulos (a unidade simplificada).

42

Fig. 53
Esboço 4
Após o estudo dos formatos geométricos (das cerâmicas acima), chegou-se ao desenho final
do primeiro conjunto da coleção. Levou-se em consideração o traço mínimo (uma unidade que
aparece várias vezes em algumas peças), um “pequeno degrau”, como ilustra a figura 62.

Unidade mínima
de significação

43

Fig. 55
Esboço 6

Fig. 54 A fig. 62 e 63 foram as escolhidas para a produção.


Esboço 5
Para o desenvolvimento desse conjunto (fig. 62 O anel do conjunto também sofreu alteração
e 63) foram utilizados três tipos de metais. A estética. O aspecto pesado deu lugar a algo
prata, o cobre e o latão. A prata foi escolhida mais simples, pois o colar e os brincos têm
para se obter um contraste de cores, já que o desenho leve e o anel não possuia a mesma
latão e o bronze foram utilizados apenas para linguagem. Foram feitos dois anéis, são mais
os detalhes. As cores avermelhada, (bronze) simples e possuem a possibilidade de encaixe.
e dourada (latão) auxiliam no destaque das Foram criados a partir do brinco, que nada
formas geométricas. Também pensou-se em mais é do que o brinco dividido ao meio, (na
usar três tipos de coloração para remeter às parte que difere os metais). Essa alteração
cores das cerâmicas que possuíam colorações possibilitou uma melhor harmonia entre as
diferentes conforme o pigmento usado. peças do conjunto.

Segundo Processo Criativo


44 O processo de desenvolvimento dos desenhos segue o mesmo método do primeiro conjunto:
análise de fotos das cerâmicas, análise de similares e esboço dos desenhos. A seguir, algumas
fotos que serviram de inspiração para o segundo conjunto.

Fig. 04 - Urna funerária. Peça do Museu


Nacional, aquarela de Manoel Pestana
- ver pág. 21 -
Fig. 31 Tangas decoradas / Coleção
Museu Nacional UFRJ - ver pág. 35 -
Fig. 10 - Urna funerária da coleção Tom
Wildi - ver pág. 25 -

Essas figuras possuem em comum o caracol 45


característico das cerâmicas marajoara. Por
vezes os grafismos são de uma geometria de
traços retos, no entanto também apresentam
traços bem orgânicos como caracóis, estes
muitas vezes servem para representar cobras
ou as suas extremidades que são muito retratas
nas cerâmicas.
Levando em consideração o caracol como traço
marcante nessas fotos, foram desenvolvidos
desenhos que o remetessem, tentando buscar
um traço leve e característico.

Fig. 64 Formas mínimas de


significação. Estudos de
Denise Schaan
Segundo Conjunto - Sketchs
As propostas iniciais misturam o caracol com o formato triangular. Formas geométricas como
círculos, quadrados e triângulos aparecem bastante nos grafismos indígenas.

46

Fig. 56
Esboço 7
A primeira proposta mistura madeira, prata e ametista. O colar é segmentado para dar movimento
à peça.

47

Fig. 57
Esboço 8
Mais esboços: o desenvolvimento da segunda proposta foca o caracol por si só, sem o triângulo.
Inicialmente foi pensado em um formato de colar que remetesse aos colares indígenas, (cheios
de segmentação).

48

Fig. 58
Esboço 9
Mais esboços: o desenvolvimento da segunda proposta foca o caracol por si só, sem o triângulo.
Inicialmente foi pensado em um formato de colar que remetesse aos colares indígenas, (cheios
de segmentação).

Para o desenvolvimento dessa peça


foram usados três metais: a prata, latão
e ouro. A prata é usada em grande
parte, e os detalhes foram feitos em
ouro e latão. Os detalhes feitos têm
o propósito de lembrar a pintura nas
cerâmicas, suas excisões e incisões
(detalhes em alto relevo e baixo
relevo). A pérola faz composição com
os metais, apesar de o conjunto ter um
formato robusto, conseguiu-se obter
uma composição harmônica. 49

Fig. 59 / Esboço 10
Peça escolhida para a
produção do 2° conjunto
Terceiro Processo Criativo
A seguir algumas fotos que serviram de inspiração para o terceiro conjunto.

Fig. 60 - Coleção Museu


Paraense Emílio Goeldi
Vasilhame Grande

50

Fig. 13 - Coleção do Museu do Forte,


Belém/ Urna funerária Arari
- ver pág. 27 -

Fig. 61 - Formas
mínimas de
significação Estudo do
Jacaré – Pesquisa de
Denise Schaan
Fig. 21 - Prato decorado/ Coleção
Fig. 23 - Tigela decorada
Museu Paraense Emílio Goeldi -
Coleção Museu Paraense
ver pág. 31 -
Emílio Goeldi - ver pág. 32 -

51
Essas figuras estudadas apresentam grafismos mais sutil do que a igaçaba zoomórfica.
labirínticos, caracóis (interessante, pois Focado na unidade mínima de significação,
lembram muito um “rococó primitivo” com a fig. 70 é a representação do lagarto e/ou
suas formas espiraladas e riqueza em detalhes). jacaré passando da forma complexa até sua
A fig. 21 é uma igaçaba zoomórfica, a imagem forma mais simples. Analisando essas figuras
ao centro tem apliques no formato de um e cruzando suas características (“rococó
lagarto (ou jacaré), possui cabeça, membros primitivo”, formas espiraladas e apêndices)
e apêndices. As fig. 29 e 31 apresentam algo houve o desenvolvimento do terceiro conjunto
em comum com a fig. 21, possuem desenhos da coleção.
que aparentam membros, mas de uma forma
Terceiro Conjunto - Sketchs

52

Fig. 62
Esboço 11
53
Fig. 63
Esboço 12
Peça escolhida apra a
produção do 3° conjunto

Neste último conjunto o resultado foi metal para obter-se um resultado mais rústico
satisfatório já no esboço das primeiras peças. e irregular fazendo referência ao barro, que
No desenvolvimento desta última peça foi apesar de ter sido bem moldado nas mãos
usada a desmaterialização da forma inicial do indígenas, é normalmente irregular. Cada
lagarto/ jacaré com um incremento das formas peça é única, não se repete e o acabamento
orgânicas. queimado faz com que a peça tenha essa
Para a produção desse conjunto foram usados característica, pois nenhuma será igual à outra,
a prata como metal e o couro para o colar. O mesmo sendo feito em grande escala.
acabamento foi feito com queimaduras do
A Joalheria Artesanal – Um breve relato
A fabricação das peças aqui relatadas foi feita manuais. O trabalho do ourives requer técnica,
pelo método da joalheria artesanal, ela é fruto precisão e paciência. Por se tratar de um
da habilidade de um mestre, o ourives, que a trabalho artesanal é gasto tempo na execução
partir de um desenho (o projeto inicial), produz de uma única peça, por isso além do valor dos
a peça acabada. Para a execução, utiliza-se uma materiais usados e do design, há o valor da
bancada de ourives, ferramentas e laminadoras mão de obra.

A confecção
Para a confecção de uma joia é necessário A prata foi o metal utilizado neste projeto. Isso
preparar a liga metálica (da prata ou do ouro). deve-se ao seu custo mais baixo que o ouro.
54 Em joalheria, a liga mais utilizada para o ouro A prata pura é comprada através de peso,
é a de 18 quilates (ou 750 milésimas). O ouro gramas ou quilos, em “grãos” que se
(18 quilates), costuma ser uma liga composta assemelham à grãos de feijão (como mostra a
por cobre e uma parcela de prata. Já para a liga fig. 71 ).
de prata, os componentes são a prata, o cobre
e o fundente. De acordo com as proporções
utilizadas de metal a cor e dureza serão
diferentes.

Fig. 64
Prata em grãos
A prata não é utilizada em sua forma pura, como já dito,
e isso deve-se ao fato de ser muito maleável, podendo
entortar e até mesmo se quebrar com facilidade.
Para o seu uso é feito o cálculo da liga, onde deve-se
adicionar cobre ou latão para buscar menos maleabilidade
e assim maior resistência do metal para a produção da
joia.
Após o cálculo da liga, o metal prata + cobre/latão é
colocado no cadinho, que é um recipiente de cerâmica
esmaltada, muito resistente à temperatura (como mostra
a fig. 73).

55

Fig. 65
Prata e ouro
em grãos

Fig. 66
Maçarico
derretendo o metal

Fig. 67
Detalhe do maçarico
O cadinho é aquecido com um maçarico, fundindo
todo o metal e formando a prata ligada. Este metal
fundido líquido é derramado em uma forma de aço,
iniciando o processo de laminação da prata. Após a
fundição, o metal formado deve ser colocado em uma
solução de água com sal de rutênio para a limpeza
e posteriormente deverá ser recozido. O recozimento
nada mais é do que aquecer a prata ou outro metal
o bastante para ficar maleável, porém não muito para
não fundir.
Este recozimento é feito diversas vezes no processo
todo de fabricação da joia, sempre é necessário
recozer quando percebemos que o metal está muito
rígido e não propício para o manuseio. Após a limpeza
e recozimento do metal, deve-se passar a barra de
Fig. 68 metal fundido no laminador.
56 Metal já derretido Este processo fará com que a prata (ou outro metal)
comece a “tomar forma” de chapa ou fio e seja
utilizado para o início da formação da joia.

O laminador (bastante parecido com a máquina de


fazer macarrão), tem a parte lisa, para quando se quer
fazer chapa de metal, e a parte ranhurada para se fazer
fio (fig. 76).

Fig. 69
Laminador
Fig. 70
Detalhe do laminador
para fazer fios

57
Fig. 71
Detalhe do laminador
para fazer chapas de metal
A espessura da chapa e do fio podem ser regulados. Normalmente
usa-se a chapa de anel/aliança com 1,5mm de espessura; chapas
para cravação de pedras são usados com 0,8mm de espessura.

Além da fabricação de joias feitas com lâminas de prata e/ou


fios, um processo muito recorrente é o de cera perdida. Cria-se
uma escultura de cera, nesse processo é necessário cortar na
serra, limar para retirar as partes mais grossas e por último lixar
com lixas de diversas numerações até atingir o formato final.
A utilizada nesse processo é uma mistura de parafina, cera de
carnaúba e cera de polietileno. A mistura desses três elementos
formam um produto consistente, que permite esculpir com
detalhes e que não é quebradiço.
Neste trabalho houve uma peça feita por cera perdida, as
figuras 72, 73 e 74 ilustram parte do processo.

Fig. 72
Cera preparada para moldar
o anel que será esculpido

58

Fig. 73
Processo de corte da cera
na serra-fita para eliminar
os excessos de material

Fig. 74
Com a retifica é feito os
últimos ajustes de retirada
de cera interna do anel
O peso do metal é dez vezes mais que o da Depois do material preparado (fundição,
cera, portanto é necessário que a cera esteja laminação), chega a hora de começar a dar
com 1,7 gramas, (no final) para se obter um anel forma aos anéis, brincos e colares.
de aproximadamente 17 gramas, (na prata). O Este processo de fazer a joia acontece em uma
peso da cera será conforme o modelo do anel, mesa de trabalho, que é chamada de bancada.
não necessariamente será de 17 gramas. Alguns instrumentos são necessários para
Após a escultura ficar pronta, ela é colocada o manuseio e a fabricação da peça. (Aqui
dentro de alguma caixa ou buraco e preenche- não encontram-se todos, mas alguns mais
se o espaço com concreto ou material conhecidos).
semelhante, deixando, contudo, um buraco
entre a escultura de cera e o ar. Em seguida,
aquece-se essa forma e a cera evapora,
deixando o molde da escultura. Por fim, coloca-
se a prata no molde, quando a prata esfria,
quebra-se a fôrma e a escultura está pronta.
Normalmente a peça ainda sofre polimento.
59

Fig. 76
Martelo e tribulé

Tribulé é um instrumento cônico


com medidas que serve para
obter medidas de anéis.

Fig. 75
Bancada
Fig. 78 Paquímetro

Fig. 77 Serra-fita, para cortar cera e metais


O paquímetro auxilia na medição
das espessuras do metal.

60

Fig. 79 Medidor de dedo


Fig. 80 Fieira
O projeto em execução
Algumas peças foram fotografadas em seu processo inicial de produção.

61

Fig. 82 Lâmina de prata já


Fig. 81 Lâmina de prata recortada para a confecção
recortada confeção dos brincos
do colar

Na fig. 88 a chapa de prata está pronta e preparada para ser recortada com a serra. Após o
recorte haverá necessidade de polimento.

A seguir, algumas peças em seu processo inicial. Na fig. 90 a prata está desenhada e sem
polimento. Houve a necessidade de desenhar sobre a peça pois ela terá um detalhe em baixo
relevo que será feito com a retifica.
62

Fig. 84 Peça quase pronta, Fig. 85 Comparação com o


com o detalhe em baixo desenho do projeto (brinco)
relevo, (já tem polimento e
Fig. 83 Lâmina de prata
acréscimo da pérola)
desenhada, confecção
do brinco
Fig. 87 Pingente do colar

63

Até o fechamento do relatório não


foram concluídas pelo ourives todas as
peças deste projeto. Mas em sua maioria
o método de fabricação foi o recorte em
Fig. 86 Comparação com o chapa de metal e seu polimento para
desenho do projeto (colar) chegar ao acabamento desejado. Houve
também a fabricação de um anel por
cera perdida. Algumas peças passaram
por maçarico depois de prontas para
se obter um efeito rústico (esfolado),
conforme o conceito estudado para
aquela determinada peça.
Considerações Finais
Ser neta de relojoeiro me fez ter um olhar mais iniciais, as pesquisas de similares, os processos
atencioso para relógios e para as joias, porém da produção e que culminam por fim em
nunca passou mais do que uma admiração. Já um trabalho com bom desenvolvimento. As
na faculdade, as aulas de design de joias da ideias se tornam mais concisas e claras com
professora Dr ª Maria Antônia Benutti, fizeram um embasamento teórico de pesquisa, mas
com que eu resgatasse essa admiração pelo é importante ressaltar que cada etapa do
mundo da joalheria e me levasse a escolha desenvolvimento foi muito importante para
deste trabalho de joias para a conclusão do que o projeto ganhasse sua forma final.
meu curso de graduação. Através deste trabalho adquiri um pouco de
O desenvolvimento deste projeto é a união do conhecimento sobre a joalheria artesanal,
design de joias com a história (parte da história (conhecimento básico, uma vez que o processo
brasileira). O resgate de um pouco da cultura de aprendizagem da ourivesaria é contínuo).
nacional, os seus aspectos históricos e até As peças foram executadas por um ourives
64 místicos impulsionaram a concretização deste particular, tive apenas noções teóricas da
projeto, aliado ao design o resultado foi o execução.
esperado. Obteve-se ao longo deste trabalho a O projeto em si foi bem satisfatório, uma junção
vivência de como se planeja um novo produto, do que foi aprendido nas aulas de design
(neste caso, as joias). O passo a passo de de joias com os processos de um projeto de
como surgem as ideias, que começam pela produto (aulas de Projeto), resultando em
pesquisa, a busca pelo conceito, os rascunhos peças únicas que atenderam a proposta inicial.
Referências Bibliográficas
Livros
AMORIN, Lilian B. 2010. Museu Paraense Emílio Goeldi - Cerâmica Marajoara: a comunicação
do silêncio. Belém 2010.

CODINA, Carles 2000. A Joalharia. Editorial Estampa, 2000.

GOLA, Eliana 2008. A Joia: História e Design. Editora Senac, 2008.

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presente. Goiania, v. 5, n.1, p. 99-117, jan./jun. 2007.

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SCHANN, Denise P. 1997. A linguagem iconográfica da cerâmica Marajoara. Um estudo da
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http://usp-br.academia.edu/CristianaBarreto/Papers/799835/Arte_e_arqueologia_na_
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http://www.viafanzine.jor.br/arqueologia4.ht
Acesso: 22/08/2012
Índice de fotos
Fig. 01 - foto reproduzida do site: http://www.defesabr.com/MB/mb_novas_frotas.htm)
(9/09/2012)

Fig. 02 - foto reproduzida do site: Google Maps (9/09/2012)

Fig. 03 - foto reproduzida do texto: Schaan, Denise Pahl, De tesos e Igaçabas, de índios e
portugueses: arqueologia e história da Ilha de Marajó.

Fig. 04, 05, 06, 07, 08, 09, 12, 56, 62 - fotos reproduzidas do texto de Denise Pahl Schann. A
arte da cerâmica marajoara: encontros entre passado e o presente. Goiania, v. 5, n.1, p. 99-
117, jan./jun. 2007.

Fig. 10 - foto reproduzida do site: http://noticias.ufsc.br/2008/07/08/galeria-de-arte-da-ufsc-


recebe-exposicao-%C2%B4museu-19682008-%E2%80%93-o-acervo-em-destaque-2/ 67
Acesso: 10/09/2012

Fig. 11, 25 - foto reproduzida do site: http://www.museunacional.ufrj.br/MuseuNacional/


arqueologia/ARQUEOBRA/VASILHAME.htm
Acesso:26/08/2012

Fig. 17 - foto reproduzida do texto: SCHANN, Denise P. 1997. A linguagem iconográfica


da cerâmica Marajoara. Um estudo da arte pré-histórica na ilah do Marajó, Brasil (400-
1300AD). Coleção Arqueologia n. 3. Porto Alegre: Edipucrs.

Fig. 18, 19, 20, 25,- fotos reproduzidas do site: http://www.museunacional.ufrj.br/


MuseuNacional/arqueologia/ARQUEOBRA/VASILHAME.htm
Acesso: 26/08/2012
Fig. 13, 14, 15, 16, 21, 22, 23, 24, 28, 29, 30, 32, 33, 49, 61 - fotos reproduzidas do texto
de AMORIN, Lilian B. 2010. Museu Paraense Emílio Goeldi - Cerâmica Marajoara: a
comunicação do silêncio. Belém 2010.

Fig. 26, 27, 31 - fotos reproduzidas do site: http://www.micaeltattoo.com.br/marajoara-


ceramica-ornamentais-m.asp
Acesso: 09/08/2012

Fig. 34 - foto reproduzida do site: http://www.infojoia.com.br/news_portal/noticia_7578


(02/10/2012)

Fig. 35 - foto reproduzida do site: http://joiasrenataguimaraes.blogspot.com.br/2010/11/joia-


do-para-na-china.html (02/10/2012)

Fig. 36, 37, 38, 39, - fotos reproduzidas do site: http://blog.saojoseliberto.com.br/ (02/10/2012)
68 Fig. 40, 41 - fotos reproduzidas do site: http://blog.saojoseliberto.com.br/2010/12/colecao-
anima-mundi-retrata-em-joias-o.html) (20/10/2012)

Fig. 42, 43 - fotos reproduzidas do site: http://belem.olx.com.br/pictures/joias-da-amazonia-


iid-206075183 (02/10/2012)

Fig. 44 - foto reproduzida do site: http://hannamariahjoias.blogspot.com.br/ (02/10/2012)

Fig. 45 - foto reproduzida do site: http://joiartmiro.blogspot.com.br/2010/04/pingente-


mandala-marajoara.html (20/10/2012)

Fig. 46- foto reproduzida do site: http://joiartmiro.blogspot.com.br/2010/04/pingente-mandala-


marajoara.html (20/10/2012)

Fig. 47 - foto reproduzida do site: http://joiartmiro.blogspot.com.br/2010/04/pingente-


mandala-marajoara.html (20/10/2012)
Fig. 48 - foto reproduzida do site: http://joiartmiro.blogspot.com.br/2010/04/pingente-mandala-
marajoara.html (20/10/2012)

Fig. 50, 51, 52, 53, 54, 55, 57, 58, 59, 60, 63, 64 - Esboços

Fig. 65, 67, 68, 85, 86 - fotos reproduzidas do site: http://www.giovannafusco.com.


br/2012/03/processo-de-fabricacao-de-joias-em_02.html
Acesso: 02/11/12

Fig. 66, 69, 71, 72, 74, 80- fotos reproduzidas do livro: CODINA, Carles 2000. A Joalharia.
Editorial Estampa, 2000.

Fig. 70, 71, 78 - fotos reproduzidas do livro do Google


Acesso: 28/10/2012

69

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