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Plano de trabalho para seleção de professor visitante apresentado ao

Programa de Pós-Graduação em Museologia da Universidade Federal da Bahia

Candidato: Aristoteles Barcelos Neto (University of East Anglia)

Introdução

O presente plano de trabalho tem dois objetivos principais. O primeiro consiste em contribuir
para o fortalecimento e diversificação das atividades de docência, pesquisa e extensão do
Programa de Pós-Graduação em Museologia (PPGMuseu), bem como promover o intercâmbio
internacional com a Sainsbury Research Unit for the Arts of Africa, Oceania and the Americas
(SRU) da University of East Anglia (UEA) www.sru.ac.uk. O segundo objetivo consiste em apoiar
o Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA em seu plano de gestão de coleções etnográficas
e no cumprimento de seu papel social junto aos povos aos Wauja e Kamayurá, fortemente
representados em seu acervo, e aos povos indígenas da Bahia.

Um dos meus projetos de pesquisa em curso, Upper Xingu Material Culture in the Past, Present
and Future: Collaborative Documentation of a Multiethnic Tradition in Brazilian Amazonia, tem
o MAE-UFBA como instituição parceira. Esse projeto, dedicado à pesquisa da cultura material
wauja e kuikuro, é financiado pelo Endangered Material Knowledge Programme do British
Museum www.emkp.org, e teve seu início no MAE-UFBA em março de 2020. Antecede a esse
projeto um longo histórico de colaboração com o Museu, sendo o mais recente o workshop
que ofereci à sua equipe, em 2019, como preparação para a visita dos pesquisadores Kamayurá
no âmbito do projeto Arquivo Kamayurá, financiado pelo Itaú Cultural.
www.itaucultural.org.br/secoes/rumos/uma-jornada-em-busca-de-reconstruir-a-sabedoria-
dos-kamayura O outro projeto de pesquisa, intitulado Instrumentos musicais indígenas do Alto
Xingu: uma abordagem visual, de caráter individual, iniciado em 2018, investiga
comparativamente materiais wauja e kamayurá. A primeira etapa desse projeto, concluída em
2020, fez uma original contribuição ao conhecimento de um raro instrumento musical comum
à esses dois povos https://www.scielo.br/pdf/bgoeldi/v15n3/1981-8122-bgoeldi-15-3-
e20190092.pdf A UFBA (MAE e FFCH) tem um importante acervo Kamayurá, que inclui
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aerofones livres e imagens e notas de seus rituais feitas por Prof. Pedro Agostinho na década
de 1960. Esses instrumentos musicais são também objeto desse projeto de pesquisa, que
poderá, através da investigação desse acervo, expandir seu conhecimento.

A SRU é uma unidade de pesquisa multidisciplinar – antropologia, arqueologia, museologia e


história da arte – para a África, Oceania e Américas. Criada em 1988, sua estrutura e modelo
de atuação são baseados nos departamentos de pesquisa do British Museum e do
Metropolitan Museum of Art. Além da pesquisa, a SRU se dedica ao ensino de graduação e
pós-graduação – onde eu orientei/coorientei 50 dissertações de mestrado e 13 teses de
doutorado – e oferece anualmente duas bolsas de visiting fellow, para as quais os docentes do
PPGMuseu podem se candidatar a fim de dar continuidade ao proposto intercâmbio
internacional. Suas expertises em museologia social e patrimônios culturais são de interesse
tanto da SRU quanto de outros departamentos da Faculty of Arts and Humanities da UEA, onde
também funciona um já bastante estabelecido programa de pós-graduação em patrimônio
cultural e museologia.

As duas disciplinas que pretendo ministrar no PPGMuseu – As artes dos povos indígenas da
América do Sul: panorama teórico e Coleções museológicas indígenas e processos curatoriais:
questões contemporâneas – permitirão diversificar as áreas de cobertura temática,
metodológica e teórica do Programa. Ambas disciplinas, por serem de caráter interdisciplinar,
podem também ser de interesse de alunos dos Programas de Pós-Graduação em Antropologia,
em Artes Visuais e em Estudos Étnicos e Africanos da UFBA, podendo, se for o caso, ser
oferecidas com códigos de matrícula para os alunos desses programas. A segunda disciplina é
uma versão aprofundada do curso que ministrarei neste ano para o Museu de Arte de São
Paulo (MASP), seguindo uma colaboração iniciada em 2017
https://masp.org.br/seminarios/historias-indigenas no âmbito das preparações para sua
grande exposição sobre artes e histórias indígenas a ser inaugurada em 2023 sob curadoria
principal da antropóloga guarani Sandra Benites. A contração como professor visitante me
permitiria transferir esse conhecimento aos alunos da UFBA.

Como atividade de extensão proponho ministrar no MAE-UFBA um curso de capacitação


museológica especificamente para indígenas. A duração e formato do curso serão definidos
com o diretor e corpo técnico do Museu.
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1. Primeiro semestre

1.1 Atividade docente

Disciplina optativa de pós-graduação – As artes dos povos indígenas da América do Sul:


panorama teórico. Curso interdisciplinar, de caráter teórico e de interesse para
museólogos, antropólogos, historiadores da arte e artistas plásticos, dedicado ao
estudo etnográfico e histórico das expressões visuais e musicais dos povos indígenas
da América do Sul, com ênfase sobre os Andes Centrais e Meridionais, Alto Xingu,
Noroeste Amazônico, Guianas e Amazônia Ocidental. Serão revisadas as contribuições
teóricas dos últimos 25 anos, incluindo simbolismo iconográfico, ontologia dos objetos,
intersemioticidade, cosmografia (espacialização, morfologia e composição), agência,
materialidade, imagens quiméricas, e estéticas da produção e da predação.

1.2 Atividade de apoio à processo museológico

Apoio ao projeto de qualificação e disseminação das coleções etnográficas do MAE-


UFBA. Mediação, articulação e coordenação entre as Associações Culturais do Povo
Wauja, o MAE-UFBA, MAE-UFPR e o MAE-USP para elaboração de plano de
transferência digital e de salvaguarda compartilhada das coleções wauja do MAE-UFBA,
MAE-UFPR e do MAE-USP. Essas três instituições são as principais guardiãs de
documentos para a história wauja no Brasil, portanto seria mais eficiente que o esforço
fosse realizado do modo conjunto e integrado. A transferência digital e a salvaguarda
compartilhada tem sido estratégias valiosas nos processos de descolonização dos
museus. Todas as atividades serão realizadas em colaboração direta com o diretor do
MAE-UFBA e seu corpo técnico.

1.3 Atividade de pesquisa

Continuação do projeto Upper Xingu Material Culture in the Past, Present and Future:
Collaborative Documentation of a Multiethnic Tradition in Brazilian Amazonia,
financiado pelo Endangered Material Knowledge Programme do British Musuem.
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Descrição do projeto

O Alto Xingu é uma das principais áreas de megadiversidade ecológica e cultural do


mundo. A região é habitada por 16 povos indígenas de origens distintas, 11 dos quais
formam um único sistema cultural plurilíngue e multiétnico, somando cerca de 6 mil
pessoas. Aí estão presentes falantes dos 4 principais agrupamentos linguísticos das
Terras Baixas da América do Sul. Nosso projeto contempla dois desses povos – os
Kuikuro (família carib) e os Wauja (família arawak) – com os quais temos experiência
de pesquisa, documentação e produção cultural compartilhada há mais de 20 anos.
Com o avanço da agroindústria de soja no Mato Grosso, assiste-se a uma rápida
mudança ambiental e cultural na região, que vem afetando a disponibilidade de
matéria-prima e a transmissão intergeracional do conhecimento indígena. Nossos
objetivos são a) documentar intensivamente duas grandes categorias da cultura
material local: a cerâmica e os trançados; b) estudar coleções museológicas no Brasil e
no exterior; c) produzir um banco de dados multimedia, associando conhecimentos
práticos (saber-fazer e modos de usar), cartografia de recursos naturais e metadiscurso
sobre os artefatos (narrativas, categorias, denominações etc.); d) revalorizar e
estimular a transmissão desse conhecimento entre as gerações; e) propor ações de
proteção a esse conhecimento em nível nacional e internacional, bem como das fontes
de matéria-prima necessárias à sua manutenção. Assim como em projetos anteriores,
trabalharemos em parceria com as comunidades indígenas, estimulando o
protagonismo indígena, por meio da formação de pesquisadores locais e valorização
dos ‘mestres’ desse conhecimento, mulheres e homens considerados especialistas na
produção artefatual.

Os objetivos do projeto são: 1) apoiar os Kuikuro e os Wauja a realizarem pesquisa e


documentação intensivas sobre sua cultural material com o objetivo de promover sua
valorização junto as gerações mais jovens; 2) apoiá-los na criação de um banco de
dados digital sobre sua cultura material passada e presente de forma a constituir um
instrumento durável de salvaguarda desse conhecimento; 3) apoiá-los na produção de
materiais didáticos que possam servir à educação patrimonial na comunidade e nas
escolas das aldeias; 4) apoiá-los na qualificação de coleções abrigadas em Museus no
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Brasil e no exterior, a fim de oferecer uma documentação consistente que expresse


integralmente a riqueza cultural indígena; 5) fornecer amplo acesso digital para as
comunidades em questão aos artefatos coletados do final do século XIX ao final do
século XX, criando um compartilhamento ético entre coletores e produtores; 6) treinar
membros da comunidade para que possam progressivamente assumir
autonomamente as funções de pesquisa e documentação; 7) produzir publicações
científicas de caráter interdisciplinar em escalas temporais e espaciais diversas, que
dêem conta dos aspectos sincrônicos e diacrônicos, locais e regionais, da produção
material no Alto Xingu; 8) estimular a continuidade da produção fílmica já em curso dos
cineastas indígenas, como forma de divulgação ampla do trabalho técnico de
documentação.

O Alto Xingu é um dos poucos sistemas plurilíngues e multiétnicos da região, sendo


composto pelos principais agrupamentos linguísticos das Terras Baixas da América do
Sul. É também uma das poucas áreas da Amazônia onde há um acúmulo de
conhecimento científico de mais de 100 anos, o que faculta uma visão de média
duração. O Alto Xingu, ademais, é das poucas áreas em que existe uma continuidade
cultural atestada de mais de mil anos na região, permitindo uma visada de longa
duração graças aos estudos arqueológicos. Por fim, é uma região caracterizada por uma
extraordinária riqueza artefatual, em todos os campos da vida social. Em outras
palavras, trata-se de um lugar único para a realização de uma pesquisa interdisciplinar
inovadora. Nossa equipe está perfeitamente capacitada a dar conta desse desafio
científico, graças à nossa larga experiência de pesquisas interdisciplinares e de
documentação compartilhada com as comunidades locais. Nosso trabalho terá forte
impacto no que toca 1) às metodologias de pesquisa e documentação; 2) às discussões
éticas sobre o trabalho com comunidades minoritárias; 3) à descrição e análise de
cultura material associando escalas temporais e espaciais diversas; 4) à integração
densa entre materialidade, gestualidade e discurso, em face do caráter interdisciplinar
de nossa equipe; 5) aos estudos sobre processos de mudança sociocultural por meio
da análise de evidências materiais; 6) às discussões sobre arte e estética não-ocidentais
de uma perspectiva pós-simbólica, isto é, preocupada sobretudo com seus efeitos
sobre o mundo vivido. O projeto tem ainda uma importância adicional para os Wauja
frente aos órgãos federais responsáveis pelas políticas públicas para salvaguarda do
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patrimônio cultural. Os Wauja têm especial interesse em obter junto ao Instituto do


Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) a titulação da sua cerâmica como
patrimônio cultural imaterial do Brasil semelhante ao modelo aplicado às bonecas de
cerâmica dos Karajá (ritxòkó, titulado em 2012) ou seja, como forma de expressão e
como saber-fazer.

Nesse projeto, que envolve instituições no Brasil, Reino Unido, Estados Unidos e
Alemanha e que tem como coordenador geral o Prof. Dr. Carlos Fausto (Museu
Nacional-UFRJ), sou responsável pela coordenação da parte museológica e, juntamente
com mais dois pesquisadores wauja, pela documentação aprofundada da cerâmica
wauja, a qual será registrada, com a participação de mestras ceramistas, nos seguintes
produtos:
• 1 filme etnográfico de média metragem sobre o ressurgimento das panelas
gigantes kamalupo weke;
• 5 filmes etnográficos de curta metragem sobre processos técnicos, morfologia
e decoração gráfica da cerâmica;
• 3 sessões de vídeo sobre as técnicas de fazer as panelas (1 sobre as panelas
grandes para mingau, 1 sobre os torradores de beiju, 1 sobre panelinhas para
crianças);
• 3 sessões de áudio (em wauja) explicando sobre a cerâmica (1 sobre mito de
origem da cerâmica, 1 sobre as plantas para tintura, 1 sobre os depósitos de
barro);
• 80 fotografias comentadas de panelas (45 de museus, 35 da aldeia);
• 1 artigo científico original sobre o grafismo na cerâmica wauja (10.000 palavras,
37 ilustrações).

A primeira etapa desse projeto teve início no MAE-UFBA, em março de 2020, com a
participação de Piratá Waurá e Kagapakumã Waurá, jovens pesquisadores wauja, e foi
concluída antes do fechamento do Museu devido a pandemia de covid-19. O projeto
foi interrompido de entre abril de 2020 e janeiro de 2021. Novo cronograma foi
proposto e a data para sua conclusão é junho de 2023.
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2. Segundo semestre

2.1 Atividade docente

Disciplina optativa de pós-graduação – Coleções museológicas indígenas e processos


curatoriais: questões contemporâneas. Curso interdisciplinar de caráter teórico e de
interesse para antropólogos, museólogos, historiadores da arte e artistas plásticos. A
partir de um conjunto de casos da Amazônia brasileira (wauja, kamayurá e huni kuin) e
peruana (shipibo-conibo, bora e witoto), o curso pretende oferecer subsídios para a
análise dos potenciais do colecionamento, como método científico, e das coleções,
como material empírico, para o aprofundamento conceitual das artes indígenas e como
fontes documentais para etnografias e histórias indígenas. O curso aborda diferentes
expressões específicas dos seis povos indígenas mencionados acima que foram
interesse de pesquisas e processos curatoriais nas últimas cinco décadas. Serão
contempladas coleções de museus no Brasil, Peru, Portugal, Estados Unidos e França.
As últimas sessões do curso serão dedicadas a questões contemporâneas sobre as artes
amazônicas: contestações da dicotomia arte/artesanato e do sistema ocidental de arte,
internacionalização e artivismo.

2.2 Atividade de apoio à processo museológico

Continuação da atividade mencionada em 1.2

2.3 Atividade de pesquisa

Continuação da atividade mencionada em 1.3

2.4 Atividade de extensão

Curso teórico de capacitação museológica de 30 horas especificamente elaborado para


indígenas do sul e extremo sul da Bahia. O curso será realizado em Porto Seguro em
colaboração com Júlio César Chaves, técnico superior da UFSB, que desenvolve
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pesquisa de doutorado sobre processos museológicos indígenas nessas regiões da


Bahia, e Dra Mara Lúcia Vasconcelos e Celina Rosa Santana, técnicas superiores do
MAE-UFBA. O curso tem objetivo de introduzir conceitos fundamentais para a gestão e
preservação de acervos museológicos, incluindo técnicas de documentação e
preservação de informações.

3. Cronograma

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
2022 2022 2022 2022 2022 2022 2022 2022 2022 2022 2022 2022
Atividades de x x x x x x x x x x x
docência,
incluindo sua
preparação
Atividades junto x x x x x x
ao MAE-UFBA
Atividades de x x x x x x x x x x x x
pesquisa
Atividade de x x
extensão,
incluindo sua
preparação

Salvador, 16 de janeiro de 2021

Dr Aristoteles Barcelos Neto


Associate Professor in the Arts of the Americas
Course Director
Sainsbury Research Unit for the Arts of Africa, Oceania and the Americas
University of East Anglia
Norwich, NR4 7TJ
United Kingdom

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