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Rev. do M useu de A rqueologia e Etnologia, São Paulo, 9: 312-314, 1999.

ARQUEOLOGIA E EDUCAÇÃO:
O “PASSADO EXCLUÍDO” DO BRASIL

Esta nota visa divulgar alguns trabalhos que Tais razões são verdadeiras para casos no mun­
estão sendo realizados, já há algum tempo, intro­ do inteiro e, no Brasil, não parece ser de outra ma­
duzindo o estudo do Brasil pré-cabralino no coti­ neira. A presente nota divulga um trabalho alterna­
diano de crianças e adolescentes, por meio da cha­ tivo que vem sendo realizado com crianças e adoles­
mada educação “informal” . Antes, porém, é opor­ centes do ensino fundamental e médio, inserindo
tuno chamar a atenção para a existência de um “pas­ no cotidiano escolar a questão do “outro” Tal ques­
sado excluído” do currículo de ensino brasileiro, tão é abordada tendo como principal instrumento
apontando brevemente quais são suas principais de aprendizagem a cultura material (tanto etnográ­
conseqüências. Por fim, o maior objetivo será mos­ fica quanto arqueológica) de culturas “diferentes”
trar um caminho que deveria ser comum aos pes­ que viveram e ainda vivem em nosso país.
quisadores da Arqueologia Brasileira: a divulgação Vindo de encontro à necessidade de divulgar
de seus trabalhos para além dos limites acadêmicos, esta face excluída do passado brasileiro, o CEIMAM
proporcionando uma proveitosa união entre a edu­ (Centro de Estudos Indígenas “Miguel A. Menén-
cação (formal e informal) e os trabalhos arqueológi­ dez”) realiza, desde o seu nascimento em 1982, ati­
cos. vidades pedagógicas voltadas para um maior co­
M ackenzie e Stone definiram o “passado ex­ nhecimento do passado pré-colonial brasileiro.
cluído” num sentido duplo, podendo encerrar tanto Concebido como Projeto de Referência, o CEI­
um “passado pré-histórico, que é realmente ex­ M A M 1é um centro inter-unidades e interdeparta­
cluído do currículo ao redor do mundo ” quanto mental da Universidade Estadual Paulista - UNESP.
“o passado recusado ou omitido de muitos indí­ É coordenado pela antropóloga ProP. DP. Sílvia
genas, minorias ou grupos oprimidos” (Macken­ M aria S. de Carvalho e conta com a participação
zie & Stone 1990: 2). de alunos de graduação, principalmente de Ciên­
Gestada no Congresso Arqueológico M undi­ cias Sociais, e pós-graduação (Sociologia, Histó­
al, realizado em 1986 em Southampton, Inglater­ ria, Arqueologia, Lingüística, entre outros), além
ra, a obra de Mackenzie & Stone (1990) reúne traba­ de pesquisadores de diversas áreas do conhecimen­
lhos de autores do mundo inteiro, que demonstram to, numa perspectiva interdisciplinar, interessados
como o passado é encarado e ensinado nos seus em desenvolver estudos e atividades ligadas à pro­
países de origem: trabalhos feitos em pontos dife­ blemática indígena, de forma que as questões emer­
rentes do mundo, mas que, no entanto, demons­ gentes possam ser debatidas entre os próprios mem­
tram uma uniformidade nos currículos escolares bros do centro e a comunidade local, atendendo, as­
quando se trata de ensinar o passado. sim, a perspectiva acadêmica: ensino, pesquisa e
Em trabalho anterior, M ackenzie e Stone extensão comunitária.
(1989) sugeriram quatro grandes razões para exis­
tir um “passado excluído” na educação. Em primei­
ro lugar, os currículos escolares já estão completa­
(1) Enquanto centro de pesquisa, tem com o objetivo “es­
mente preenchidos, não sobrando espaço para um tudar a adaptação original das comunidades indígenas ao
novo assunto. Em segundo, é ressaltada a própria meio, a racionalidade dos seus sistem as adaptativos (de
falta de conhecimento dos professores, adicionada caça-coleta e de horticultura de floresta) e o sucesso dos
à carência de material apropriado. Terceiro, estudar m esm os na obtenção dos m eios de subsistência sem p ro ­
o passado é geralmente visto como exótico, não vocar desequilíbrios ecológicos. E studar os problem as
decorrentes do contato do índio com o não-índio, fa c e a
tendo relação nenhuma com a sociedade atual. Em
sua integração à sociedade nacional. Suprindo, assim, a
quarto lugar, mas não menos verdadeiro, aspectos fa lta de estudos sistem áticos das sociedades indígenas e
do passado podem ser excluídos por razões políti­ visando a form ação de fu tu ro s pesquisadores ” (Regim ento
cas e ideológicas. Interno, capítulo II, artigo 2o).

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O trabalho com alunos do ensino fundamental coleção de fragmentos cerâmicos de sítios da Ama­
e médio é desenvolvido por meio de eventos, sen­ zônia brasileira. Além destes, conta ainda com um
do as principais atividades: acervo fotográfico auxiliar.
1) Palestras: ex-alunos e professores do CEI- As diversas exposições realizadas têm a fina­
MAM abordam, em palestras, discussões relevantes lidade de apresentar ao público um pouco da his­
sobre os indígenas atuais, não deixando de fazer re­ tória do índio brasileiro através de sua produção
ferência ao passado desses povos, tão pouco conhe­ material. As exposições de artefatos arqueológi­
cido e geralmente mostrado ao público de forma dis­ cos, que despertam maior curiosidade nas crian­
torcida. Aliado a esta atividade, conta, também, com ças e no público leigo em geral, exibem as provas
um trabalho de orientação e assessoria temática para de uma remota existência dos índios no Brasil, fa­
continuidade das discussões nas escolas envolvidas. zendo nascer um a visão crítica da história geral­
Em importante trabalho especialmente volta­ mente contada nos livros didáticos.
do para professores, Neves argumenta que “é uma Com o conjunto de recursos didáticos apon­
verdade estabelecida para a maioria dos brasileiros tados, procura-se mostrar a diversidade cultural
que a história do país fo i inaugurada em 22 de abril existente em nosso país, semeando entre crianças
de 1.500. O que aconteceu antes disso, domínio da e adolescentes a idéia de respeito pelo diferente. E
'pré-história', seria um pouco vago e na verdade intuito, também, fazer brotar uma postura crítica
irrelevante para o posterior desenvolvimento do nos indivíduos quanto às idéias que são passadas
Brasil, m erecendo p o ucas p á ginas nos livros pelos meios de comunicação social (filmes, dese­
didáticos ’’(Neves 1995:171). O autor ainda ressal­ nhos, músicas, propagandas, jornais e revistas), em
ta o uso do termo “descobrimento” para designar a relação aos povos indígenas.
ocupação européia, mostrando o preconceito com Dentre os principais projetos comunitários, é
relação à história dos povos indígenas do Brasil. a “Am eríndia” realizada anualmente no mês de
Nas palestras, as discussões seguem o propó­ abril, um dos mais significativos. Ao ser posto em
sito de desmistificar esta noção que nos é passada prática, por meio de atividades múltiplas (pales­
do índio como subjugado e atualmente “acultura- tras, mesas-redondas, discussões com lideranças
d o \ bem como mostrar quão ultrapassada é a idéia indígenas e profissionais das mais diferentes áre­
de não haver uma pré-história brasileira que mere­ as, exposições temáticas, etc.), conduz todos os
ça destaque nos currículos escolares. níveis da formação educacional escolar, além da
2) Exibição de Audiovisuais: o CEIMAM tam­ comunidade local, a debater e entrar em contato
bém conta com o auxílio de um acervo de vídeos e com a problemática social indígena.
slides educativos sobre a história e a atualidade in­ Trabalhos como o do Centro de Estudos Indí­
dígenas, que colaboram para ilustrar as diferentes dis­ genas2 são de grande importância para a propaga­
cussões. ção de um maior conhecimento sobre os índios bra­
3) Exposições Temáticas temporárias e iti­ sileiros e sua história, tanto antes do “descobri­
nerantes: o CEIMAM conta com um acervo Etno­ mento” do Brasil, quantoríia atualidade.
gráfico e Arqueológico com mais de 600 peças, Apesar da falta de verbas para este tipo de ati­
divididas em Acervo Etnográfico (cerâmica, ces­ vidade, instituições como o CEIMAM, atualmente
taria/trançados, cordões e tecidos, adorno plumário, preocupadas com o caráter pedagógico que traba­
instrumentos musicais, armas, objetos rituais, má­ lhos acadêmicos possam ter, persistem no objetivo
gicos e lúdicos, utensílios e implementos de madei­ de transm itir ao grande público os resultados de
ra), de povos indígenas de todas as partes do país, seus mais recentes trabalhos. É neste sentido que os
e Acervo Arqueológico, com uma coleção de arte­ arqueólogos têm muito a contribuir para a educa­
fatos líticos (lascados e polidos) e cerâmica de sí­ ção formal e informal, com suas descobertas arqueo­
tios do Estado de São Paulo, além de uma pequena lógicas e teorizações acerca da cultura material.

(2) Além das atividades destacadas, o CEIM A M edita o


boletim intitulado ‘T e rra Indígena”, atualm ente com o i­
tenta núm eros já publicados.

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Robson A. Rodrigues*
Solange Nunes de Oliveira**

R ecebido para publicação em 28 de janeiro de 1999.

(*) M useu de A rqueologia e E tnologia da U niversidade


de São Paulo. M estrando em Arqueologia, bolsista FAPESP
e membro do CEIMAM .
(**) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da UNICAMP.
M estranda em H istória Social do T rabalho, bolsista do
CNPq e membro do CEIMAM .

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