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UNIVERSIDADE DE SAO PAULO

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MUSEU PAULISTA

Di retor - Prof. Dr. Setembrino Petri


Conselho Administrativo - Prof. Dr. Eduardo d'Oliveira Franc;:a, Prof.
Dr. Egon Schaden e Profa. Dra. Luciana Pallestrini

FUNDO DE PESQUISAS DO MUSEU PAULISTA

Presidente - Prof. Dr. Setembrino Petri


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COlECAO MUSEU PAULISTA

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Série de Etnologia
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·· Série Ensaios

Di retor da Colec;:ao - Prof. Dr. Setembrino Petri

Enderec;:o - COLECAO MUSEU PAULISTA


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BRASIL

As idéias e conceitos emitidos sao de responsabilidade dos autores.


SONIA FERRARO DORTA

r
PARfKO

Etnografia de um artefato plumário

COLECÍO MUSEO PIULISTI


ETNOLOGll
VOL. 4

EDICAO DO FUNDO DE PESQUISAS DO MUSEU PAULISTA


DA
UNIVERSIDADE DE SAO PAULO

SAO PAULO
1981
Ternos o prazer de apresentar este volume 4 da Série de Etnología
da Cole~iio Museu Paulista, com o qual colocamos ao alcance do público
os resultados da pesquisa realizada por Sonia Ferraro Dorta, do Setor de
Etnologia do Museu Paulista.
Aprovado co~ distin9ao e louvor como disserta9ao de mestrado junto
ao Departamento de Ciencias Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciencias Humanas da Universidade de Sao Paulo, o estudo focaliza as
inter-rela~óes da cultura material com a organiza9ao social dos Bororo de
Mato Grosso, através da análíse morfológica, estética e de conteúdo simbólico
de um diadema de penas. As pesquisas foram desenvolvidas em quatro
aldeias do médio e baixo rio Sao Louren90 e com o acervo do Museu
Regional Dom Bosco de Campo Grande, MS. Trata-se de contribui9ao
valiosa para a escassa bibliografia sobre a cultura material de sociedades
tribais brasileiras, principalmente por apontar as potencialidades .de investi-
ga~oes do genero.

Setembrino Petri
Diretor da Colefiio

5-
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

SONIA FERRARO DORTA

PARIKO
ETNOGRAFIA DE UM ARTEFATO PLUMÁRIO

-7-

Armando Aurélío e Letícia; meus país

Sílvio Coelho dos Santos e Oswaldo Rodrigues


Cabral (in memoriam)

a.os quais devo a motiva~áo para a Antro-



pología

· -9-
AGR.APECIMENTOS

Este trabalho foi originalmente apresentado e aprovado, em 1978,


como disserta~ao de mestrado junto a Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciencias Humanas da Universidade de Sao Paulo.
Sua realiza~ao contou com a colaborac;ao de diversas pessoas, as
quais desejo . externar meus agradecimentos:
A minha mestra, Thekla Hartmann, pela incansável orientac;ao, apoio
e paciencia e por ter-me mostrado o colorido mundo dos bóe, e aos que
me ensinaram a nele penetrar: Hugo (in memoriam), Raimundo~ José
Carlos, José Upe, Rita, Justino, Joaquinzinho, Tereza Jussani, Coqueiro,
B.entinho e, em especial, Ukewái.
A todos os bóe, pela hospitalidade com que me receberam, proporcio-
nando-me a alegria de seu convívio.
As professoras Maria Manuela Cameiro da Cunha e Lux Boelitz
Vidal, componentes da banca de defesa; pelas valiosas e objetivas sugestoes,
as quais foram parcialmente incorporadas ao texto.
Ao Drydem, meu marido, pela compreensao e bondade que me
. . . nas horas difíceis e pela dedica~ao com que datilografou os
dispensou
ong1na1s.
De modo especial, agrade~o a municipalidade de Urussanga, Estado
de Santa Catarina, na ilustre pessoa do Senhor Prefeito, Roberval Francisco
Píloto, e ·a Camara de Vereadores, que tao bem entenderam o alcance
desta iniciativa contribuindo com recursos parciais para a produ~ao dos
fotolitos em cores.
A todos os que, de urna ou de outra maneira, e com imensa boa
vontade, proporcionaram-me igualmente inestimável contribui~ao: Angelo
Jayme Venturelli, Beulah Coe-Teixeira, Cleide Costa, Cleómenes Nunes
da Cunha e família, Delcio Montanhini, Desidério Aytai, Hélio Ferraz de
Almeida Camargo, Heraldo Antonio Britski, J oao Baptista Borges Pereira,
Miyoko Makino, Neusa Maria Bloemer, Renate Brigitte Viertler, Roberto
Miguel Damús, Selma Erlich, Therezinha Blachessen, Vera· Penteado Coelho,
Giselda e Genésio Mazon.

- 11 -
INTRODU~ÁO

A cultura material dos índios brasileiros pode ser considerada tema


de pouca relevancia entre os especialistas em Etnologia do Brasil. Tal
fato pode ser verificado pelos trabalhos publicados ao longo dos anos de
desenvolvimento da Etnologia no país.
Além de quantitativamente inferiores em rela~ao a temas como mudan~a
cultural, parentesco, economía, mitología, religiao, etc., os estudos que
se preocuparam acidental ou especificamente com as expressoes materiais
da cultura abo.rdaram-nas sobretudo do ponto de vista de seus aspectos
físicos (tipologias, técnicas de manufatura, forma, materia~~), acrescidos de
algumas referencias concernen~es ao uso de pe~as e ao sexo do confeccio-
nador. O papel social do artefato foi negligenciado, oom pouquíssimas
exce~oes.

Aproximadamente, até fins da década de 60 sao raros os estudos


que procuram vincular os artefatos as sociedades que os confeccionam,
que os usam, que os detem. Há urna tendencia a isolar as dimensoes
materiais e sociais da cultura, quando, na realidade, a correla~áo com o
contexto é necessária para que o artefato atinja seu pleno sjgnificado.
A cultura material, desse modo, é vista essencialmente em seus aspectos
estáticos, nao havendo preocupa~ao em esgotar todas as potencialidades
oferecidas pelos artefatos para a con1preensao da realidade~ contex~ual ou
de, pelo__.menos, parte dela.
Pouco a pouco, porém, os etnólogos vao tomando consciencia das
possibilidades apresentadas pelos artefatos para a compreensao de institui-
~oes sociais e de outros problemas, tais como os de caráter etnohistórico,
na medida em que as diferentes cole~oes etnográficas ou diferentes objetos
repr~sentam distintos generos de vida, sendo assim repletos de conteúdos
culturais. E, mesmo aqueles que, por diferentes razoes náo puderam
ainda efetuar seus trabalhos sobre cultura material em termos exaustivos,
já refletem essa tendencia em estudar os artefatos v~culados a cultura
.. da qual sao parte inerente. Ternos, entáo, estudos mais substanciais, em
que o objeto .material de análise é visto, nao apenas em seus aspectos
morfológicos, mas também em termos de seus aspectos sócio-culturais.
Além disso, aparece agora um número maior de pesquisadores interessados
em cultura material.
Observa-se, pois, que estudos mais significativos sobre os artefatos
e aqueles que se referem mais íntimamente a conexáo entre cultura material
e o contexto social total ou a difererites esferas desse contexto sao tendencias
recentes na Etnología brasileira, nao só por parte de especialistas nacionais,
como também dos de outros países.
..
- 13 ---
Sao trabalhos de pesquisa conjugadas, ora de acervos de museus e nados com esta atividade na zona -rur~l no Estado de Goiás (município
referencias bibliográficas, ora de cole~oes museológicas, pesquisa de campo de Hidrolandia).
e bibliografia~ ora de pesquisa de campo complementada por material
bibliográfico, havendo ainda os que se baseiam ·em dados bibliográficos Taveira (1978), analisando a cestaria Karajá, focaliza-a em termos
sornen te. de seu conteúdo técnico e sócio-cultural.
Por exemplo, Newton (1974) parte do estudo das redes usadas por o presente trabalho pretende mostrar o dinamismo inerente a cultura
dois grupos Timbira, Krikati e Pukobye, para estabelecer as fronteiras material num contexto social específico. Tendo como objeto de análise
sociais entre as aludidas tribos. Em trabalho anterior (1971 ), excelente, um artefato plumário, o paríko, diadema de penas, ele procura revelar
sobre quatro categorias de artefatos de algodao dos Timbira Orientais, algumas das conexóes existentes entre este tipo de adorno e outras esferas
particularmente dos Krikati, já havia demonstrado a importancia da cultura do comportamento social dos bororó, grupo Macro-Je do planalto oriental
material para pesquisas de caráter etnohistórico. Também Hartmann (1976), de Mato Grosso.
em artigo publicado na Revista do Museu Paulista, discute as potenciali-
dades oferecidas por objetos de cultura material para estudos do mesmo A. plumária constituí urna das categorías mais expressivas da cultura
genero. Com esse intuito, compara urna colec;ao de 32 artefatos bororo material 'de grupos indíg.enas brasileiros, porém nao tem sido estud~da em
~a aldeia do Pirigara (grupo dos Utúgo kúri-dóge), com artefatos congerieres sua especificidade pelos especialistas em Etnología no Brasil.. Na literatura
provenientes da aldeia de Merúri (grupo dos Orári mogo-dóge) e constantes etnológica· ela figura amiúde em ca(áter puramente descritivo, constando
na Enciclopédia Bororo, vol. l. do elenco da cultura material em monograf1as ou em estudos diretamente
Os alemaes Zerries e Hartmann possuem urna série de estudos sobre
relacionados as manifestac;oes materiais' das diversas culturas, ªº lado de
outras categorías, como ceramica, tran~ado, armas, etc.
diferentes artefatos de índios sul-americanos em geral ou explicitamente -
de índios brasileiros, com base principalmente ero acervos de museus A plumária indígena brasileira, .como objeto de investiga~ao, tem início,
europeus. Urna característica comum aos dois autores, vigente em alguns em 1957, com os trabalhos pioneiros de Darcy e Berta G. Ribeiro que,
desses trabalhos, é a busca da correlac;ao entre os artefatos e o contexto neste domjnio, passaram a ser fontes básicas e indispensáveis.
sobrenatural (Zerries, 1973, 1973/1974, 1977, 1977a; Hartmann, 1967,
1975). Bastante sugestivo é outro trabalho de Hartmann (1976), onde A arte plumária dos índio~ Kaapor é um estudo circunstanciado sobre
comenta práticas relativas ao nascimento e a morte entre os Karajá, a o significado da plumária no contexto cultural Urubu, grupo Tupi do
partir da observac;ao de suas bonecas de argila. . Maranhao. O trabalho divide-se em duas partes. Na primeira, de cunho
Aytai (1967 / i 968) focaliza o complexo de flautas rituais dos propriamente etnológico, os Autores preocupam-se com as rela~óes entre
N ambikuara, discorrendo sobre aspectos materiais e musicais e sobre sua a plumária e outras esferas do comportamento social, analisando a aquisi~ao
associac;ao, pelo mito, com a origem das plantas· úteis e a agricultura. da matéria-prima, os procedimentos técnicos, a utilizac;ao dos adornos
plumários através do ciclo de vida, a importancia da plumária no mito e
Chiara (1970), ao estudar as bonecas de argila, considera, além dos f azendo urna previsap dos efeitos do contato com o branca sobre a
aspectos técnicos, o seu duplo papel (brinquedo e objeto de comércio) na plumária Urubu. Na segunda parte, de caráter descritivo, é feita urna
sociedade Karajá. análise estética e tecnológica dos artefa tos, a partir · de duas cole~óes
Os tipos de cestas Kaingang estudados por Kindell ( 1971) sao abor- etnográficas dos acervos do Museu do Indio e do, Museu Nacional do
dados, visando nao só suas características de ordem física, mas também Rio de J aneiro. '
as transformac;oes acorridas, no uso e na func;ao, dado o processo acultura-
tivo sofrido pelo grupo. Os autores, porém, nao se restringem a análise do material Urubu,
aventando, na introduc;ao, urna classifica~ao estilística da plumária indígena
Van Velthem (1976) · analisa motivos de desenhos da cestaria dos brasileira, utilizando fundamentalmente o critério da natureza do suporte
Wayana-Aparaí, encarando-os como representac;oes gráficas do mito. dos arranjos de pénas. Associando a plumária aos tranc;ados, eles estabe-
lecem urna primeira grande família estilística, caracterizada pela. tendencia
HeatQ e Chiara (1977), num trabalho conjunto entre um especialista a utiliza~ao de penas longas sobre arma~óes rígidas e, por isso, de efeito
em arcos e urna etnóloga, ao examinarem arcos e flechas de índios hrasileiros, espetaculoso, representada, principalmente por algumas tribos do norte
nao se limitaram apenas em analisá-los em seus aspectos físicos (materiais, do Amazonas, os Bororo, os Tapirapé e os Karajá. E, associando a
técnicas, formas, eficiencia), correlacionando-os também ao contexto da plumária aos tecidos, urna .segunda famíHa distingue-se pelo uso de ·penas
organiza<;ao social, economía, mitos e ritos. de menores dimensoes, pela sutileza da_s nuances cromáticas e pelo reduzido
Em sua · pesquisa sobre tecelagem artesanal, García (1977) aborda tamanho de seu produto. Nesta familia estariam alguns grupos Tupi,
exaustivamente o aspecto material e também alguns aspectos sociais relacio- particularmente os Urubu e os Munduruku.

-14- -15 -

A par de seu pioneirismo, as Bases para uma classifica~iio dos adornos Van Velthem (1975) faz um estudo museográfico da plumaria dos
plumários dos índios do Brasil (1957), de Berta G. Ribeiro, vieram sanar índios Tukano dos rios Negro-Uaupés e afluentes. Com base nas cole<;óes
a lacuna aiftda vigente de urna terminología adequada e uniforme para plumárias da década de 30, constantes dos acervos do Museu Nacional
artefatos e técnicas plumárias. do Río de Janeiro e Museu Paraense Emílio Goeldi, de Belém, analisa
A partir das cole<;oes de 74 tribos plumistas representadas no Museu morfologicamente os artefatos (processamento técnico, aspectos formais,
Nacional, das quais selecionou doze para análise mais exaustiva, comple- matéria-prima), preocupando-se também com o problema da identifica<;ao
mentando os dados coin ·cole<;oes do Museu do Indio e com a pesquisa de um estilo Tukano, segundo as linhas de análise de Schoepf.
•.
bibliográfica~ a Autora estabeleceu urna tipología dos adornos (cabe<;a,
\

tronco, membros) e das técnicas de ·confec<;ao (amarra<;ao e colagem), \


com a concomitante nomenclatura. Constituí-se na única análise de caráter Numa aprecia9ao sumária do conjunto dos trabalhos sistemáticos sobre
geral para o Brasil, sendo por isso urna obra de referencia indispensável. plumária indígena brasileira, é lícito dizer que, embota restritos a ·área
Nela se baseia a parte tecnológica do presente trabalho, no que se refere amazónica (exceto o trabalho de Berta Ribeiro) e numericamente limitados,
a procedimentos técnicos e nomenclatura. todos sao de grande expressividade para o conhecimento das produ96es
Somente após onze anos da publica<;ao das obras dos Ribeiro aparecem artísticas plumárias dos grupos tribais, constituindo-se em auxílio valioso
outros' poucos trabalhos sistemáticos sobre a plumária de grupos tribais para estudos desse genero.
específicos.
Costa e Monteiro (1968/1969) preocuparam-se com o problema das
diferentes op<;6es estéticas, através da análise comparativa dos adornos Quanto aos Bororo, a volumosa literatura apresenta informa<;oes sumá-
plumários, . caracterizados .por fieiras de penas, entre os Kayabi e as tribos rias e dispersas a respeito da cultura material do grupo, e particularmente ·
altoxinguanas. Desse modo, chegaram a caracteriza<;ao de elementos estilís- da plumária, excetuando-se Albisetti e Venturelli (1962), ponto de partida
ticos diferenciadores entre as culturas analisadas, com base no estudo de básico ·e indispensável para estudos mais amplos. Frie e Radin (1906)
39 artefatos do acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro. e Colbacchini e Albisetti (1942) apresentam um quadro geral da cultura
mate.ria! bororo-.
Schoepf (1971a}, em seu excelente trabalho sobre as plumárias
Kayapó, Wayana e Urubu, realiza urna compara<;ao parcial das cole<;oes
adquiridas pelo Museu de Etnografía de Genebra, entre 1965 e 1968.
Faz, portanto, um estudo num espa<;o-tempo determinado, objetivando A plumária bororo é produto de urna atividade epiinentemente masculi-
nao só a análise material e técnica das citadas cole<;6es, como a caracteri- na .e cerimonial. Caracteriza-se pelo emprego de penas de variadas cores
za<;ao dos componentes estilísticos próprios a cada urna das produ<;oes e dimensoes, combinadas harmoniosamente entre si e com outros elementos
artísticas abordad.as. Tendo como principais critérios de anáHse, de um (metal, cabelo humano, madrepérola, couro de mamíferos, folíolo de
lado, a matéria-prima e os procedimentos técnicos e, de outro, a execu<;ao, palmeiras, espinho de ouri<;o, linha de algodao).- As penas, muitas vezes,
chega ele, segundo suas palavras, a urna primeira caracteriza<;ao dos estilos, sao associadas a arma96es fei~as de varetas, f asquias de taquara, tran9ados.
através do inventário dos componentes estilísticos dominantes para cada e cordéis, que variara de aoordo com o tipo de artefato e a regiao do
um dos grupos. carpo a que será aplicado, · no caso de adorno corporal. De um modo
Na parte . referente a análise técnica, no que concerne as técnicas geral, a plumária bororo apresen ta mareante tendencia para a ·utiliza9ao
de amarra<;ao e colagem de penas, Schoepf adota a terminología proposta de penas longas e para elaboradas combina9oes de materiais diversos, o
por Berta Ribeiro, acrescentando, porém, novos elementos quanto aos que lhe cria · efeitos de. grande beleza.
procedimentos de confec<;ao. lnclui também nessa parte as técnicas de Tal atividade plumária, porém, nao se restringe a confec9ao de
transforma<;ao da matéria-prima, vistas em dois planos~ o do cromatismo adorno.s corporais (ex.: diademas, coroas, grampos da cabeleira, viseiras,
e o da forma das penas. O primeiro refere-se aos métodos de colora<;ao narigueiras, colares, labretes, adornos para o occipício, capacetes, braceletes,
artificial da plumagem e o segundo a altera<;ao da morfología original das bra9adeiras); vamos encontrar a pena também aplicada diretamente sobre
penas, pelas "técnicas de corte". o carpo humano e sobre outras superfícies (ex.: armas, instrumentos, ~usic~is,
/

Acompanha o·- artigo um catálogo ilustrado de conjuntos de artefato's tran9ados, brinquedos, cranio e ossos de defuntos e objetos de uso estnta-
plumários das tres culturas. estudadas. mente cerimonial, como zunidores e cilindros de talos de caeté e buriti).
Algumas das sugestoes contidas nas anális·es material e estilística de A confec9ao e o uso do artefato plumário nao oocdecem apenas a
Schoepf, especialmente aquelas referentes ao quadro da gama cromática padroes estéticos; incidem sobre eles imperativos de diversas ordens.
e ao plano das combina9oes cromáticas, foram utilizadas no presente estudo. Assim, por exemplo, existem diferen<;as mareantes quanto ao húmero e

·- 1 6 - -17-
típos de adornos usados por ambos os sexos durante o ciclo cerimonial: as inter-rela<;oes entre o artefato e- as u~idades soc1a1s (clás, sub-clás e
diademas, coroas, grampos da cabeleira, brincos, labretes, narigueiras, iedága-máge), envolvidas na trama de sua execu<;áo, enquanto elemento
viseiras, colafes, _bra9adeiras e pulseiras sao comumente usados pelos identificador da unidade possuidora.
hornens; as mulheres só é permitido enfeitar-se com certos adornos do
occipício, capacetes dé plumas, coroas de peles de aves e algumas variedades Tem, pois, o presente trabalho, urna dupla preocupa<;áo: a análise
de brincos. Somente em casos excepcionais elas se ornam com adornos formal da estrutura do paríko e a busca de seu significado simbólico.
masculinos (em certas dan<;as funerárias, por exemplo). Mais importante O termo simboliza<;áo é empregado no sentido que lhe confere Boas
ainda é que a matéria-prima (aves e penas), os padroes de confec<;áo e (1942:80), que distingue duas características de representa<;áo na arte
os próprios _artefatos acabados cingem-se a no<;ao de patrimonio das primitiva: a perspectiva e a apresenta<;áo das partes essenciais em combi-
un_idades sociais da tribo e a no<;.ao da sua diferencia<;áo dentro de cada na<;áo. Estas partes essenciais sao consideradas símbolos do objeto, o
urna dessas unidades. Daí a utiliza<;ao e circula9áo de penas e artefatos que leva Boas a chamar este método de simbólico. Nele se acham represen-
9bedecerem determinados padróes reguladores da conduta, que perrneiam tados os tra<;os que se considerara essenciais e permanentes, nao havendo
toda a atividade. esfor<;o algum por parte do artista em reproduzir o que efetivamente
v1u em um dado momento.
Cada um dos diversos artefatos P?SSUI as insígnias das respe~tivas
unidades sociais e suas sUbdivisóes. Estas insígnias variam de acordo Para fins de análise, o paríko é entáo caracterizado em termos estrutu-
com sua localiza<;ao nos diferentes artefatos, materiais empregados, combi- rais (na medida em que se constitui em pat_rimónio e emblema de determi-
na<;óes de cores e com as atividades naturais e sobrenaturais e que sao nados grupos) e em termos culturais (n~ medida em que se constitui em
igualmente- parcelas configuradoras dos diversos patrimonios. Elas sao, expressáo de padr6es estéticos).
assim, altamente relevantes para a compreensao do significado da plumária,
por transmitirem urna linguagem cheia de conteúdos culturais. Do mesmo A sociedade e cultura bororo se prestara particularm~nte bem para
modo, o emprego de penas coladas diretamente sobre o corpo varia ern essa tentativa, pois os Bororo constituem um grupo segmentado em me-
fun<;ao da unidade social do portador. tades, clás e outras unidades configuradoras de seu universo social.
A sociedade bororo é dividida em duas metades, Eceráe (*) e Tugarége,
A pena, porém, entre os bororo, nao é somente tmpregada nas
formadas, cada urna, respectivamente, por um aglomerado de quatro clas:
categorías até agora apontadas. Ela é importante tambérn por sua conota<;áo
os Baádo Jebáge Cobugíwu (os construtores da·aldeia de cima), os Bokodóri-
mágica: penas de diferentes aves e morfologi~s podem causar e curar
Eceráe (os tatus-canastra), os Kíe (as antas) e os Baádo Jebáge Cebegíwu
doen~as, tanto quanto apressar a morte de um moribundo.
(os construtores da aldeia de baixo) da metade Eceráe,· os lwagúdu-dóge
Observa-se, pois, que no contexto bororo, penas e produtos da ativi<;lade (as gralhas), os Aróroe (as larvas), os Apiborége (os donos do acuri) e os
plumária ultrapassam o nível material para abranger esferas mais amplas, Páiwoe (os bugios) da metade Tugarége.
convertendo-se em campos simbólicos por , excelencia. Os clás, por sua vez, estáo fragmentados em sub-clás. De acordo
''
com Levak (1971:123-124), cada clá é dividido ·e m dois sub-clás, designados
por diferentes termos. Alguns sao considerados Cobugíwu (rio acima,
leste), outros Cebegíwu (rio abaixo, oeste). Simultaneamente, alguns
Quando iniciei a pesquisa ·entre os Bororo, objetivava ilustrar o
sao chamados Coréuge (sing. Coréu), os Pretos, ou Kujaguréuge (siqg.
conteúdo social, cerimonial e simbólico de urna determinada categoria de
Kujaguréu), os Vermelhos.
cultura material e a arte plumária pareceu-me urna categoria especialmente
adequada, já que expressa concretamente urna concep~ao de mundo. Entre os sub-clas, o relacionamento é visto como sendo aquele entre
irmaos mais velhos e irmaos mais novos. Um dos sub-clás é chamado
Entretanto, já nos primeiros momentos da pesquisa sistemática, pude
Etumána-máge (irmáos mais velhos), que também é designado por Coréu
observar que a arté plumária entre os Bororo apresentava tal extensáo e
e Kuriréu (grande). O outro sub-clá é chamado Etuvíe-máge (irmaos mais
-complexidade que nao seria possível abordar todos os artefatos dentro
novos), Kujaguréu ou Kuguriréu (pequeno).
do contexto amplo a que ·eu visava. Resolví restringir-me .inicialmente ao
paríko, diadema de penas cerimonial, o mais representativo dos artefatos Levak salienta, contudo, que esta divisáo nao coincide obrigatoriamente
plumários do grupo, para estudo detalhado, sem perder de vista as
possibilidades de estender posteriormente os resultados obtidos pára toda
a
com a primeira, em Cobugíwu e Cebegíwu, relacionada posi~áo geográfica
dos sub-clas de acordo com o curso do rio.
a arte plumária bororo. Pretendo, além de esgotar as potencialidades de
caráter físico do paríko, analisar possibilidades de conexáo entre este
tipo- de adorno de cabe~a e seu contexto social específico, focalizando (*) Vide nota 1, p. 29.

- 18 - - .19
O termo Bóe-eiadadawúge (os do meio) que indicaría (segundo outras oeste, há urna área circular chamada aíje muga, ligada ao bororo pelo
fontes bibliográficas que se referem a divisao tríptica dos clas) outro aíje réa, caminho da almas.
sub-cla situado entre os de cima e os de baixo, nao consta da lista das
unidades sociais apresentadas por Levak (p. 121 ), conforme ele próprio O modelo ideal de aldeia, na página seguinte, obtido de um de
observou. meus informantes, ilustra a segmenta~ao da sociedade bororo. Este modelo
foi elaborado em termos ideais e é aquele que realmente existe na
A título de informac;ao, gostaria de mencionar que no modelo de consciencia bororo, independentemente da situac;ao concreta, real, de deter-
aldeia do presente trabalho, a categoria Bóe-eiadadawúge só consta no minada aldeia num momento dado. Gostaria de observar que precisa
cla Bokodóri Eceráe. ser encarado como um dos possíveis modelos, em vista da grande variedade
Segundo Viertler (1976 e 1976a), um aglomerado de iedága-máge de modelos, segundo as aldeias, informantes e época de coleta. Estas
(sing. iedága) configura os sub-clas e os clas, e, por conseguinte, a aldeia. divergencias podem ser verificadas tanto através da pesquisa empírica,
I edága é urna categoría de referencia lógica na consciencia bororo, corno das fontes bibliográficas. ·
possuindo conotac;oes amplas: "ao ver dos Boror.o, em especial os de Este modelo foi escolhido por condensar as unidades sociais anterior-
Córrego Grande, Sangradouro e Merúri, a estabilidade de seu sistema social mente citadas, propiciando, assim, urna visao global da segmenta~ao da
repousa sobre as unidades de referencia denominadas ied.ága-máge, forma sociedade bororo.
lingüística que, além de certos parentes (por ex. o pai do pai, o pai , Os clas caracterizam-se por um patrimonio específico de bens, formado
da mae, o irmao da mae, o pai do cónjuge e diversos outros) designa por um conjunto de ornamentos, espíritos, cantos, dan~as, artefatos utilitários
também títulos, grandes chefes do passado, heróis lendários, ancestrais, de uso imediato, animais e vegetais, sobre os quais possuem o direito de
animais, vegetais, direitos a certas danc;as e cantos, nominadores ... " . primazia de descoberta e de propriedade, mas nem sempre de uso.
(Viertler, 1976a:2).
(Colbacchini, 1925:6; Colbacchini e Albisetti, 1942:33; Albisetti e Ventu-
Segundo a definic;ao acima, continua Viertler, "podemos observar relli, 1962:104-107; Cracker, 1967:121-122; Levak, 1971:2). "Cada cla
que, além de urna categoría de parentesco, ele ( = iedága) se associa a possui um conjunto de espécies naturais, animadas e inanimadas, chamadas
um campo semantico complexo, configurado por urna série de conceitos aróe ou iedága-máge, configurando seu patrimonio de cantos, dan~as,
Bororo visando a articulac;ao lógica entre cultura material, mitología, fauna enfeites, armas e demais objetos, além de nomes pessoais e primazias
e flora regionais, mecanismos de solidariedade social, vida económica e sobre determinadas matérias-primas" (Viertler, 1976:23).
muitas outras esferas. O Iedága constituí assim a síntese dos movimentos
lógicos entre os diversos níveis do cosmos Bororo" (lbidem, 1976a:5). A partir de dados constantes no presente trabalho (vide capítulo 111)
" ... Os Bóe E-wa ou modelo da aldeia certa dá acesso a todos os Bóe e restritos as espécies clanicas aqui analisadas (diademas e matéria-prima,
(os bororo) vivos e presentes, mortos ou ausentes devidamente cuidados principalmente), gostaria de, a título de sugesta~, observar que realmente
(alimentados e enfeitados em vida, vingados e enfeitados na morte). Tais urna razoável parcela dessas espécies fluem através dos respectivos clás,
. cuidados sistematizados pelas prestac;oes e contraprestac;oes de servic;os diferenciadas na maioria das vezes em termos de tamanho, sexo, cor,
entre os · representantes de Iedága-máge de partidos diversos torna os qualidade, mas out.ras estao restritas a iedága-máge específicos <lestes clas.
Iedága-máge um aglomerado :de entidades imortais, mais do que meras Assim, determinadas espécies clanicas podem ser vistas associadas a unidade
categorías sociológicas, verdadeiros pontos de referencia para o pensamento social mais ampla, o cla, enquanto outras, antes de serem associadas a
e a ac;ao dos Bororo" (Ibidem, 1976a:8). Neste trabalho, o termo iedága essa unidade social maior, precisam ser relacionadas diretamente aos
é usado no sentido de chefes ancestrais. A associac;ao dos membros do iedága-máge que a configuram, pois eles mesmos possuem patrimonio
cla aos diversos iedága-máge é feita a partir da cerimónia de nominac;áo próprio (vide também Viertler, 1976:89; 1976a:6-7; 1978:62).
(Ibídem, 1978:63). Por outro lado, observa-se também que o modo de dispar ou representar
as espécies clanicas que fluem entre os clas, bem como aquelas inerentes
Em termos ideais, a aldeia bororo, de forma circular, é construída
sobre um declive, ligeiramente inclinado para oeste, nas proximidades de a determinados iedága-máge, varia de acordo com o grau de prestígio
um curso d'água e de urna floresta (Colbacchini, 1942:33). As choupanas sub-clanico e clanico de dado iedága. Pois, "os títulos concebidos sob a
correspondentes aos sub-clas e cHis, distribuídas na periferia, circundam forma circular, configurando um modelo ideal de aldeia, se ordenam
urna grande ·choupana central, a casa-dos-homens, junto a qua! está o hierarquicamente entre si, pois sao associados a enfeites de penas, dan~as,
bororo, ou pátio da aldeia. O curso do Sol divide o círculo das casas
cantos, fun~6es cerimoniais, nomes pessoais e matérias-primas de maior
nas duas metades: urna ao norte, formada pelas casas Eceráe e outra ao ou menor qualidade; peso, idade, beleza e influencia'' (Viertler, .1978:62).
'
sul, composta pelas casas Tugarége. O mesmo eixo divide a casa-dos-homens Os conceitos emitidos referentes a organiza~~º social, baseados na
em dois setores: um ao sul, ocupado pelos homens Eceráe e outro ao bibliografia citada, foram abordados apenas na medida em que se tomaram
norte, ocupado pelos homens Tugarége. Fora do círculo das casas, a necessários para a compreensao do presente estudo.

- 20 - - 21 -
O trabalho de pesquisa realizou-se em tres etapas.
Inicialmente, fiz o levantamento e descric;ao dos diademas existentes
no acervo do Museu Regional Dom Bosco, de Campo Grande, Estado de
Mato Grosso do Sul. As informa96es referentes a cada diadema, em
"""'O; .. número de 33, constantes do fichário do Museu, depois de confrontadas

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A pesquisa de campo com vistas a coleta de material teve início
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na margem esquerda do rio Vermelho, .afluente do Sao Lourenc;o (Pobóre)
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e urna na Missao Salesiana "Sagrado Corfü;ao de Jesus", no planalto a
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dades de um estudo comparativo do paríko entre as quatro aldeias visitadas,
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pesquisa _na aldeia de Pobóre e a rápida p{irmanencia na aldeia do
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1- Pirigára (7 días).
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encerrando, assim, a fase de levantamento de dados.
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Em campo, a pesquisa foi efetuada através da observa9ao direta e do
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o " uso de informantes. Procedeu-se ao levantamento dos diademas existentes
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nas aldeias, procurando-se obter todos os dados relativos ao número de
diademas por casa, data de confec9ao, nome e filia9ao clanica do paríko
w e do confeccionador e outras informa9oes pertinentes. Se1ecionaram-se
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a:
w .informantes e confeccionadores, de idades, proveniencias e filiac;ao clanicas
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w diferentes, com o intuito de observar nao apenas os aspectos tecnológicos
da confec9ao e do significado sócio-cultural do paríko, mas também para
elucidar eventuais variantes nestes aspectos.
Além do levantamento dos diademas efetivamente existentes nas
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aldeias, foram obtidas descri9óes verbais de paríko fomecidas pelos índios,
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com detalhes relativos aos elementos constitutivos e as implica<;óes sociais
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ce referentes a obten9ao da matéria-prima e a representac;ao de espécies
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clanicas através do jogo desses materiais.

Os dados obtidos foram sistematizados por me10 do fichamento do


material. As fichas foram subdivididas em dois grupos: 1) as referentes
.as características materiais de cada artefato, com o respectivo desenho
(frente e verso, quando possível) e, de· acordo com as possibilidades,
jnforma96es de cunho social ; 2) fichas por assunto. Os dados coletados
foram ainda reunidos em pastas, cada pasta referente a um informante
e seu Jugar (aldeia) de ongem .

- 22- 23 -
Urna terceira etapa consistiu na pesquisa bibliográfica sobre o grupo, de várias ordens que se manifestam nas diversas aldeias bororo em
sobre cultura material e, em especial, sobre a arte plumária, principalmente rela9ao a manufatura e interpreta9ao do paríko e abordo o problema das
nos aspect~ tecnológicos e terminológicos. suas possibilidades de sobrevivencia enguanto veículo de comunica9ao.
Encontram-se sob a forma de apendices o inventário das PC9ªS estuda-
das, o quadro das denomina96es indígenas das retrizes, a discussao dos
Para fins de estudo foram levantados 129 artefatos, dos quais 50 termos bororo relativos as penas-de-contorno, assim como um glossário de
existentes no Museu Regional Dom Bos<::o e nas aldeias e 79 obtidos por termos indígenas e outro de termos técnicos empregados no trabalho.
informa90es verbais de vários índios. Do 1.0 grupo foram levantados
33 diademas no Museu Regional, em fevereiro de 1971, correspondentes
as décadas de 50 e 60; urna pe9a na aldeia do Pirigára, 3 na de Córrego
Grande em julho de 1971 e 13 pe9as existentes na aldeia de Merúri, Tenho consciencia de que o presente trabalho apresenta falhas e
das quais 4 computadas em 1971 e 9 em 1973. Do 2.0 grupo foram lacunas. Assim, meus dados nao sao suficientes para apresentar o circuito
computados 25 artefatos na aldeia do Pirigára em 1971, 13 na de Córrego completo da matéria-prima, aspecto da plumária bororo cuja importancia
Grande em 1971 e 41 em Merúri, em 1971 e 1973. Para a análise apenas se revelou depois de encerrada a pesquisa de campo. Dificuldades
foram utilizados somente 108 diademas, pois 21 constituíam repeti96es com a identifica<;ao zoológica de certas espécies clanicas representadas no
de exemplares já conhecidos. Os primeiros sao vistos como variedades paríko - as larvas de lepidópteros e os himenópteros do genero Bombus,
em termos das especificidades internas dos atributos que compoem um por exemplo - foram superadas precariamente através do recurso aos
paríko, tais como os materiais, a forma e as cores. diferentes padr6es de colora9ao.
A identifica9ao das aves, penas e cores, o estudo da nomenclatura
e reconhecimento anatómico das aves foram conduzidos sob a orienta9áo
do Dr. Hélio Ferraz de Almeida Camargo, da Se9áo de Omitologia do Ao nível de reda<;ao foram usadas certas abreviaturas por razoes de
Museu de Zoologia da Universidade de Sao Paulo. Beulah Coe-Teixeira, economía de espa90 e de facilitar a leitura. Assim, as siglas MRDB
do Instituto de Botanica, da Secretaria da Agricultura do Estado de
(Museu Regional Dom Bosco de Campo Grande, Mato Grosso do Sul)
Sao Paulo, na ocasiao comissionada no Museu Paulista da Universidade
e EB (Enciclopédia Bororo) e as seguintes denomiria<;oes clanicas:
de Sao Paulo, procedeu a identifica9ao do material botanico e fez as
ilustra96es técnicas necessárias.

Baádo Jebáge Cobugíwu - BJ Cob


Bokodóri Eceráe - BokEc
O presente trabalho divide-se em tres capítulos. O primeiro concen- Kíe - Kíe
tra-se na descri9ao técnica das diversas fases de manufatura de um Baádo Jebáge Cebegíwu - BJCeb
paríko, através de um paríko-padrao, tido como um artefato que reúna Iwagúdu-dóge - Iwa
em si as características técnicas e estruturais de um grupo da mesma Aróroe - Ar
natureza. Sao abordadas também as varia9oes de ordem tecnológica. Apiborége - Apib
Paralelamente ao processamento técnico sao observados detalhes referentes Páiwoe - Pw
a origem da matéria-prima e a gama cromática, abordando-se finalmente
o problema da forma. ·
No segundo capítulo estudo, combase na compara9ao dos 108 diademas, As denomina90es subclanicas também foram abreviadas, usando-se
os componentes plumários do paríko - as tres fieiras de penas e a penugem Cob para Cobugíwu, Ceb para Cebegíwu e Kuj para Kujaguréu. E muitas
da primeira fieira - procurando associá-los aos iedága-máge e aos clas. vezes me referi a arara vermelha e a arara canindé, usando, respectiva-
mente, ar. verm. e ar. can.; e também a palavra variedade usando vard.
O paríko como insígnia e propriedade de iedága-máge e de clás
é examinado no capítulo 111, onde me preocupei fundamentalmente com
o problema da identifica9ao dos diademas, tendo como ponto de partida
as unidades sociais que .sobre eles possuem direitos de propriedade.
Finalizando, procuro sintetizar as características de ordem técnica,
estética e de conteúdo cultural do paríko.' Discuto também as diferen~as·

- 24- - 25 -
CAPÍTULO I

MATÉRIA-PRIMA

TÉCNICAS DE CONFEC(;ÁO DE UM PARlKO

De confec9ao e uso masculinos por excelencia, o paríko, diadema


de penas cerimonial dos bororo, é um ornamento de cabe<;a em forma
de semi-círculo, usado na altura do vértex com os atilhos amarrados no
occipício. É composto de tres fieiras de penas justapostas, formando
camadas sucessivas.

"Paríko nao é nome de ninguém; é nome próprio de paríko.


Nao chamam ele por causa de bicho, pau, nao" (José Carlos,
Merúri, 1973).

Pelas suas grandes dimensoes, pelas combina<;oes cromáticas de suas


variantes e pela perfei<;ao do acabamento, o paríko é expressao de um
senso estético aprimorado.
As vá rias partes componentes do adorno recebem denomina<;oes dife-
rentes. O esquema, a seguir, as reproduz, segundo informa<;ao e tradu<;ao
do informante bororo José Carlos, de Merúri (janeiro/fevereiro, .1973).

- 27 -
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
r
1 . a) paríko { óto
pon ta
l. a) paríko óto
2. parfko o-iága
b) paríko óto-akfri b) paríko {pon
óto
ta {akíri
penugem
.,
o-taga
2. paríko
{ penas da cauda
,
3. paríko { paru
base {kejéwu ou páru-jíwu
tá com ele

4. paríko
{ ókua
boca { bu
bigode

5. paríko { ira
,
nervura

As aves que fornecem penas sao:

1 .ª fieira:

arara vermelha, arara verde "nabúre" (1) Ara chloroptera


arara canindé "kuído" Ara ararauna
ararauna, arara preta,
arara azul "kudóro" Anodorhynchus hyacinthinus
araracanga, ararapiranga,
arara vermelha "cibáe" Ara macao
pomba parari "metúgu" Zenaida auriculata
pato selvagem "turubári" Cairina moschata
urubu (vard.) ,,bái'' Cathartes urubu
gaviáo-da-fuma9a castanho "keágu"
gaviao-da-fuma9a (vard.) "céje"

2 .a f'1.e1ra:
.

papagaio-verdadeiro "koráo, réko" Amazona aestiva


pa pagaio-cornetei ro "kuritága" Amazona amazonica
gralha-do-campo "keáokeáo" Cyanocorar cristatella
3. paríko páru-kejéwu ga viáo-de-penacho,
ou páru-jfwu apacanin, urutaurana "kurugúgwa" Spizaetus ornatus
paváozinho-do-pará "boroíbe" Eurypiga helias
gaviaozinho "barúgi"
anu branco, anuzinho "pógo" Guira-guira
1apu "ciwábo" Ostinops decumanus
4. paríko ókua bú arara vermelha, arara verde "nabúre" Ara chloroptera
arara canindé "kuido" Ara ararauna

( 1) A grafia das palavras indígenas obedece, na medida do possível, a Enciclopédia


Bororo, de Cesar Albisetti e Ángelo Jayme Venturetli.

- 28 - - 29 -
Marrom Bone brown ( 13"' m) Guira-guira. Retrizes
ararauna, arara preta, Bureo magnirostris. Retrizes
arara azul "kudóro" A11odorhinchus hyacinthinus Blackish brown ( ( 1) l ""m)
"turubári" Blackish brown ( ( 1) l ""m) Spizaetus ornatus. Retrizes
pato setvagem Cairina moschata Eurypiga hefias. Retrizes
gaviao-real 'laróe ecéba" Harpía harpyja M'ahogany red (7k)
Clove brown ( 17"'m ) Nomanyx dominicas. Retrizes
mutum "kúje" Crax fasciolata
tt , •
ce¡e I
( ?) Vard. de gaviao-da-fuma9a. Retrizes
gaviao-da-fuma9a (vard.)
~

Falconideus
"keágu" (? ) Gaviao-da-fuma9a castanho. Retrizes
gaviao-da-fuma9a castanho
canea, paturi "cinadatáo" Nomanyx dominicus (?) Gaviaozinho. Retrizes
vard. de ave "tuiutorógo"
" .,,
,,Ort
anu preto Crotophaga ani Sooty black ( l "'"m) Eurypiga helios. Retrizes
gaviao-requinta "bakugúma" Preto
Blackish mouse gray ( 15"'"m) Harpya Harpyja. Retrizes
gaviao-carijó, indaié "k-urugugwa
, , ''
ro}!u Buteo magnirostris Chaetura black ( 17""m) Harpya Harpyja. Retrizes
pomba parari "mettÍJ?ti'' Zenaída auriculata Blackish mouse gray ( 15""'m ) Spizaetus or11atus. Topete
Blackish green-gray ( 3 5""'m) Cairina moschata. Retrizes
3.ª fieira: Fuscous-bl ack ( 13""m ) Crax fasciolata. Penas-de-contorno
Plumbeous-black ( 49"'"m ) Crotophaga ani. Retrizes
Textura Cathartes urubu. Penas-de-contorno
arara vermelha, arara verde "nabúre" Ara chloroptera Ave oao identificada. Retrizes
"kúje" Textura
mutum Crax fasciolata
urubu (vard.) ''bái" Cathartes urubu
Bra nco White Cyanocorax cristatella. Retrizes
Whüe ( 67"'") Spizaetus ornatus. Retrizes
A gama cromática advinda da utilizac;ao das espécies ornitológicas Whit~ (67 '"") Crax fasciolata. Penas-de-contorno
acima citadas pode ser traduzida, grosso modo, na relac;ao abaixo White ( 67""') Eurypiga helias. Retrizes
White Cairina mosclwta. Tectrizes superiores.
discriminada <2>. Penugem
White Zenaida auriculata. Penugem
Nessa tentativa de determinar a incidencia cromática, procurou-se Cathartes urubu. Penugem
White (67""' )
observar as cores fundamentais ou as nuances preponderantes conforme (?) Vard. de gaviao-da-fuma9a. Retrizes.
o tipo de colora¡;ao das penas, dada a complexidade cromática que Penugem
apresentam. (?) Gaviao-da-fu ma9a castanho. Retrizes.
Penugem
Onde nao foi possível acrescentar a tonalidade, mencionou-se somente
a cor c~rrespondente, como pode ser verificado no tocante ao gaviaozinho, Amazona aestiva. Retrizes
Verde Javel green (27i)
ao gav1ao-da-fumac;a castanho, a urna variedade de gaviao-da-fumac;a, ao Spinach green (29 m) Amazona aestiva. Retrizes
tuiutorógo, ave nao identificada, ·e ao urubu. Prende-se isso ao fato da Javel green (27i ) Amazona amazonica. Retrizes
impossibilidade de análise dessas aves, sendo a cor das quatro primeiras Spinach green (29m) Amazona amazonica. Retrizes
baseada em informac;oes verbais dos índios.
Vermelh o Carmine (li) A mazona aes t iva. Retrizes
Scarlet (5) Amazona amazonica. Retrizes
COR TONALIDAD E ESPÉCIE ORNITOLóGICA Spectrum red ( 1 ) Ara chloroptera. Penas-de-contorno
Coral red (5') Ara chloroptera. Tectrizes inferiores
Carmine (Ji) Ara chloroptera. Retrizes
Scarlet red ( 3) Ara macao. Retrizes
Be je Pale olive-buff (21 "'f) Guira-guira. Retrizes (C3)
Garnet brown (3k) Ara macao. Retrizes
Hair brown (17""i) Buteo magnirostris. Retrizes
Chaetura drab (15""'m) Harpya Harpyja. Retrizes
Fuscous ( 13 ""k) Harpya Harpyja. Retrizes Azul Berlin blue ( 47rn) Ara chforoptera. Retrízes
(?) Gaviaozinho. Retrizes Cendre blue (43b) Ara chloroptera. Penas-de-contorno
Blanc's blue (47'k) Ara ararauna. Penas-de-contorno
Prussian blue (49m ) Ara ararauna. Retrizes
(2) A gama cromática foi baseada em Ridgway, Robert - Color standards and Cyanine blue (5 lm) Ara ararauna . Retrizes
color nomenclature, Washington, D . C. , 1912. Dusky blue (49* m ) Cyanocorax cristatella. Retrizes
Anodorhyncus hyacinthinus. Retrizes
(3) A nome~clatura da plumagem obedece a orientac;ao dada pelo Dr. Hélio Ferraz Indulin blue (5 1*m)
de Alme1da Camargo, do Museu de Zoología da USP. Retrizes sao as penas
caudais. Tectrizes inferiores sao as que se localizam debaixo das asas e Amarelo Ara ararauna. Penas-de-contorno
Cadmium yellow ( 17)
Tectrizes superiores sao as localizadas sobre as asas. Penas-de-contorno designam, Ara ararauna . Tectrizes inferiores
de .modo geral, as penas que cobrem o corpo, exceto cauda e asas. Penugem Light cadmium (19)
Lemon chrome (2 1) Ostinops decumanus. Retrizes
designa o frouxel do abdomen dos patos, gavióes e filhotes de aves.

31
- 30-
Bicolores Azul/ branco Cyanocorax cristatella. Retrizes
Marrom/ branco Spizaetus ornatus. Retrizes MEDIDAS DO DIADEMA-PADRAO
Marrom/ beje Guira-guira. Retrizes
Preto/ beje Harpya Harpyja. Retrizes 1 . F echado no plano:
Marrom/ beje Buteo magnirostris. Retrizes
Altura maior: 50,0 cm
Multicores Mar rom/ branco/ preto Eurypiga helias. Retrizes Altura menor: 36,5 cm
Verde/ vermelho Amazona aestiva. Retrizes Largura da base: 50,0
Yerde/ vermelho
cm
Amazona amazonica. Retrizes
Parte mais larga: 58,0 cm

2. Aberto:
Para efeito de descri~ao,
foi escolhido como diadema-padráo o
Kurugúgwa o-iága padúre páru kejéwu paríko (diadema com retrizes de
Envergadura: 72,0 cm
gaviao-de-penacho), feíto por Ukewái, índio bororo da aldeia de Merúri <4 >. Curvatura total: 172,0 cm
As características <leste paríko sao as seguintes: ,

Entre dois arcos <5 >, fincados no solo a urna distancia de 66 cm um


- a primeira camada de penas irradiantes, visível em ambas as faces, do outro, Ukewái estende um cordel grosso, de fibras sedosas de tucum-do-
é composta por retrizes de. arara vermelha (Ara chloroptera) e de arara cerrado ( Astrocaryum humile) <6 >, de aproximadamente 3 mm de espessura,
canindé (Ara ararauna), dispostas em semi-círculo decrescente a partir a urna altura de 56 cm do chao. Daqui em <liante, esse cordel será
do centro. As retrizes tem as partes terminais aparadas, previdas de chamado cordel-base.
empluma~ao arminhada obtida pela colagem de penugem branca de pato O ·cordel-amarrilho, de linha preta de algodáo, destinado a amarracáo
selvagem (Cairina moschata); dos cálamos das penas, é a seguir untado com cerol <7 >, com a finalidade
de torná-lo mais forte e proporcionar urna amarracao mais firme e segura.
- a segunda camada, de revestimento, constituí-se de urna série
de retrizes de papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) entremeada com (5) A sustenta~ao nao é necessariamente composta por arcos; varas de qualquer
espécie sao comumente usadas. "Qualquer pau, pauzinho, taboca" (José Carlos,
outras de papagaio-corneteiro (Amazona amazonica), interrompida a inter- Merúri, 1973).
valos regulares por tres retrizes de gaviáo-de-penacho (Spizaetus ornatus); (6 ) As fibras sedosas do tucum-do-cerrado (Astrocaryum humile) sao as que propor-
cionam, segundo o informante, o mais resistente de todos os cordéis. Entretanto,
podem também ser usadas as fibras do tucum-da-mata (Astrocaryum sp.), e do
- segue-se, finalmente, urna terceira camada de penas-de-contorno broto de burlti (Mauritia sp.). .
vermelhas. Sao aparadas na parte terminal e re\'estem as anteriores, ou (7) Berágu = bé, escremento; rágu (?) [exsuda~áo de certa planta] (EB-1:268) é
a denomina~ao indígena dada a resina escura de uma árvore do cerrado,
seja, ocultam os cálamos das retrizes de arara e papagaio. usada pelos bororo como cerol para tornar firmes e consistentes as linhas e
ataduras. A prepara~ao do cerol é feita exclusivamente pelos homens, proces-
sando-se do seguinte modo: o índio molha urna tabuinha de madeira, coloca
As tres fieiras sao inseridas num suporte flexível, feito de nervuras sobre ela os pedacinhos de resina e passa urna chama incandescente por cima,
a urna distancia de um dedo. A resina amolece e o índio come~a a amassá-la.
de folíolo de urna fronde da palmeira babacu (Orbignya speciosa), recober- Aquecimento e amassamento alternam-se até que tudo fique uniforme. Depois
tas por tiras de folíolo da mesma planta. Das extremidades do suporte dá urna forma elíptica chata a massa e a deixa secar sobre urna folha molhada;
quando fria, fica dura e quebradi~a. Junta, a seguir, a cera riiarrom das
pendem as pontas dos dois cordéis-base mais espessos, no comprimento abelhas bureruroe, jati (Trigona sp.) e otowarai (?). Também é usada a cera
adequado para amarrar o ornamento a cabe~a. · As tres fieiras de penas preta das abelhas biedoge, mumbuca (M elipona sp.), ou gigodoge, bijuí (Melipona
sao fortemente presas ao suporte por um cordel de fibras sedosas de sp.). Depois de bem amassada a cera com a resina, através de amassamento
e aquecimentQ sucessivos, o índio raspa tres paus carbonizados sobre a massa, o
tucum-do-cerrado (Astrocaryum humile). suficiente para ela perder a tonalidade avermelhada e ficar bem preta, fechando-a
sobre si mesma, como em massa folhada. Forma-se, <leste modo, um bolo
chato elipsoidal que se deixa esfriar sobre urna tabuinha mplhada, para nao
grudar. Fria, fica dura, permitindo, porém, encerar a linha. Os paus carbonizados
( 4) Este ítem reproduz o desenvolvimento do trabalho de confec~áo de um paríko, usados foram de taenagodu, pseudo-quina (Strychnos pseudo-quina), embora
tal como f oi realizado pelo bororo Ukewái. A observa~áo foi feíta durante antigamente, segundo o fabricante, fosse usado o carváo que se forma na
a estada em campo em janeiro/fevereiro de 1973 . ceramica preta quando vai ao fogo (informa~ao pessoal de Thekla Hartmann,
com base nos dados recolhidos em 1963) .

- 32- - 33 -
Feito isso, Ukewái inicia a confec~ao do ornamento, come~ando pera.
amarra~áo da,., parte córnea sobressalente das barbas das retrizes (cálamo
ou canháo) de arara ao longo do cordel-base. Para isso, o índio corta
em angulo reto o umbigo inferior do cálamo e com um corte longitudinal o
divide em duas partes, o que permite maior flexibilidade a dobradura dos
cálamos sobre o cordel-base. Este processo é repetido cada vez que
amarra urna pena.
Assim procede a fixa~ao das retrizes, com a página ventral das penas
voltadas para si, a com~ar pelo meio, constituído por urna das duas
retrizes centrais da arara vermelha, nabúre, que será tomada como ponto
de referencia.
A técnica de amarra~ao é a seguinte: dobrado o cálamo sobre o
cordel-base, Ukewái enrola o amarilho, de baixo para cima, em todo o
comprimento da dobradura e, bem junto ao cordel, dá um nó em la~ada
(fig. 1).
Depois de atada a primeira pena, continua a amarra~áo das retrizes
centrais, urna a esquerda, outra a direita, alternadamente, perfazendo um
total de sete.
Seguindo a mesma técnica, continua a amarra~áo selecionando agora
as primeiras retrizes laterais; no momento, porém, em que inicia a fixa~ao
das segundas retrizes laterais, muda a dire~ao, atando-as, bem como as
terceiras, quartas e as quintas, isto é, as da extremidade da cauda, num
único sentido: primeiramente, todas do lado esquerdo e a seguir as do
lado direito, finalizando a fieira de retrizes de araras.
Cada cálamo é amarrado e devidamente manuseado para que a pena
ocupe seu respectivo lugar no cordel e, a partir d~ entáo, ele nao é
mais trabalhado. Ukewái só usa os dedos para essa tarefa, habilidosa e
a
cuidadosamente, devido frágilidade do material, já por natureza perecível.
O amarrilho das penas, por sua vez, é descontínuo, isto é, sempre seccionado
após a atadura de cada pena na fieira.
Importante é notar que a disposi~ao das penas da cauda da ave se
repete no ornamento quando o índio coloca no meio as penas centrais e,
decrescendo em ambos os lados, termina por fixar as extremas, ou seja,
as iága-bápe (iága, cauda; bápe, dedo mínimo) as retrize~ das extremidades
como os dedos mínimos" (Albisetti e Venturelli, 1962:726) es>.

"O paríko que estamos fazendo seria de urna iága de kuído


FIGURA 1 - T~CNICA DE AMARRACAO DAS PENAS DA
com duas nabúre de cada lado, se tivesse bastante nabúre como
PRIMEIRA E SEGUNDA FIEIRAS
nao tem, tudo é salteado." (Ukewái, Merúri, 1973) (fig. 2).

(8) Atualmente, porém, dada a carencia de araras, nao é possível tal rigidez na
escolha das penas; desse modo, ao fazer o ornamento, o índio as vai substituindo
pelas que tiver a disposii;áo, tendo o cuidado de chamar a aten9áo para a troca,
tanto da espécie de ave como da pena a ser utilizada, diminuindo através ·do
corte da parte terminal da pena o comprimento da mesma, ou aumentando
a altura pela inser\:aO de um pedacinho de pau no cálamo para conseguir o
semi-círculo decrescente.

- 34- - 35 -
De fato, Ukewái intercala urna pena ou até tres e quatro grupos de
, ~
k UI'd o penas de cad.~ espécie, em vez de seguir a ordem contida na informa<;ao
.
nabúre acima; mas o desvio a regra, atualmente, é perfeitamente aceitável, dáda
nabúre
.
'
. kuído a pouca disponibilidade da matéria-prima necessária .
. -. kuído
BAPE-DÓGE : kuído Para verificar se a pena é adequada, isto é, a rigidez ou flexibilidade
(quartas e quintas retrizes '
:,.. kuído das barbas, o índio sempr·e examina sua parte basal (Ukewái falou-me
latera is) ;. nabúre em "costas" da pena) na página ventral. Fazendo isto, ele verific~ se as
, kuído
-.. nabúre partes médias, denominadas " barriga", ficarao bem juntas ("encostadas'';
... kuído
segundo Ukewái) quando as penas forem arrumadas na fieira .
-, nabúre
J .
~

nabúre Para a passagem do "fio-guia'', cuja finalidade é manter as penas


.
. kuído
da fieira eqüidistantes e no mesmo plano, há toda urna prepara<;ao, a
·• nabúre
, nabúre come\'.ar pela fric\'.ao de cerol na linha de algodao a ser utilizada. Depois,
. : kuído Ukewái tira a fieira de penas longas das varas ·e cqloca-a deitada em
MANORÉU-GE - .
~

nabúr e
linha reta, com a página ventral das penas voltadas para si, sobre urna
(primeiras, segundas e ter- ;. kuíd o
ceiras retrizes laterais) . - kuído bandeja tran<;ada do tipo kodo o-kora que também é utilizada como esteira
·• kuíd o e sobre a qual esteve sentado durante todo o período de confec<;ao.
· kuído
.....
.. -,,. ku ído Com o auxílio de urna agulha de metal, na qual enfiou o cordel, inicia
~
., k uído a passagem do fío-guia através das raques. ·
,.. k uído
.
.
'
kuído Esta passagem é feita sem dar nós, do seguinte modo: passa o fio
kuído sob a parte lateral direita da pena, a partir da pena da extremidade direita
'
kuído
da fieira, até a central, em sentido ascendente; desta, continua a passagem,
~

. kuído
0-BURÚGO ' . .

~
kuído agora ero sentido descendente, até a pena da extremidade esquerda, passando
~ . nabúre o fío sob a parte lateral esquerda da pena (fig. 3) (9').
(retrizes centrais) 7
. kuído
7

,.. nabúre A medida que passa ~ fio-guia, o índio puxa-o com as maos para
.,. kuído
. 7 k uído que as penas fiquem bem unidas, de modo · que urna parte lateral das
.,. ku ído barbas fique sobre a outra e o fio nao apare~a; paulatinamente, vai
• ku1'do ajeitando a fieira para que esta fique num quase semi-círculo. ··
MANORl:U-GE ' ;. kuído
,..· kuído
(primeiras, segundas e ter- ' - ; kuíd o A altura do fío-guia, a partir do cordel-base, é de aproximadamente
ceiras retrizes laterais) ·,.. 'kuído quatro centímetros para as extremidades e quatorze centímetros para o
,- nabúre centro (fig. 4) .
- .. nabúre
~ kuído
, kuído
Terminada a passagem do fio-guia, a que chamarei "costura", as
~ nabúre penas que compoem ·o primeiro cordel já estao bem unidas urnas as outras,
, kuído na posil;ao quase definitiva (fig. 5).
,,. nabúre
. kuído Depois, com as maos, auxiliadas por um minúsculo pauzinho (também
,,. nabúre pode ser usado um pedacinho de nervura de palmeira), de ponta afilada,
BAPE-DÓGE , kuído
(quartas e quintas retrizes , nabúre ipó rógu, Ukewái cuidadosam·ente ajeita as penas, puxando nas raques
' '
laterais)
~ nabúre por onde passou o fio, já colocando cada pena no seu devido lugar na
-' kuído
,- kuído
fieira; isto é feíto para que o cordel fique em semi-círculo e na medida
;. nabúre
~ kuído (9) Olhando-se a fieira pela página ventral das penas, nessa posi9ao, a costura é.
, kuído iniciada pela direita; porém, quando se vira a fieira para a página dorsal das
penas, a costura fica como se fosse iniciada pela esquerda. Interessante é verifi-
car que, apesar de se levar em considera9ao essencialmente a página ventral das
penas, Ukewái, ao passar o fio-guia, tinha em mente a página dorsal das penas.
FIGURA 2 - COMBINACAO DAS RETRIZES DA PRIMEIRA FIEIRA Daí, para ele, a costura ser da esquerda para a direita, ou seja, no kána kaaboréu
jaaf(uai. no rumo da direita (tradu9ao do informante).

- 36- - 37 -
o

...
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-
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.~ <.::1
1
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o-
o
1
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o o
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LL
o
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<
~D.
e<
<
a:
M ::::>
< ....
_,
a:
::> <
-o
LL

- 38 - - . 39 -
exata da circunferencia da cabe~a. Trabalha ainda com a página ventral
o da pena voltada para si e come<;a a "arruma~ao" pela mesma pena onde
1
iniciou a costura.
Enquanto trabalha, Ukewái mantém longas conversas comigo, recor-
dando com saudade intensa o que antigamente acontecia: naquela época
fazia-se o primeiro cordel do paríko muito mais extenso, "ia até a cintura";
as penas-de-contorno, miúdas e numerosas, eram presas num cordel indepen-
dente, ao contrário do que ocorre boje, quando os índios já prendem as
plumazinhas no cordel da segunda fieira de penas, o que inegavelmente
lhes facilita o trabalho. Como se verá mais adiante (pp. 43-47), Ukewái
prontifica-se a demonstrar a confec<;ao tradicional dessa camada, apesar
de ser muito trabalhosa. E diz mais: "o paríko que estamos fazendo é
. kuriréu (grande); tem também o biagaréu (o pequeno)" .
~
ce:
~ Em tempos passados, a técnica para costura era diferente: 1n1c1ava-se
--
&; do centro para a direita e posteriormente do centro para a esquerda
~
<(
(olhando-se o paríko pela página ventral das penas), sendo o fio-guia preso
. e num talo de aproximadamente 6,5 cm de comprimento, de nervura de
o
z folíolo de baba<;u ou acuri, a guisa de agulha; assim preso, era enfiado
~ entre . . as raques de modo a fazer a volta sobre a face inferior delas,
ce: atravessando-as e voltando em sentido oposto sobre si (fig. 6).
'UJ
~ '
o
- ·- ··- - - ·• • "'><..._._ ___._ _.~~ j--
_____ (/) .O paríko páru jíwu,. isto é, a segunda fieira de penas, é a camada

- ~
<(
(/)
<(
z
principal e identificadora do ornamento. Ela nao possui a suntuosidade
da primeira, mas a supera em importancia, por relacionar-se estreitamente
com o grupo de indivíduos que, por direito, tem a sua propriedade,
w
~
constituindo o diadema num patrimonio essencialmente particular desse
~ grupo, do qual nenhum membro de outro grupo pode compartilhar, salvo
e
o
~
em situa~6es muito especiaís.
(,)
w O cordel-base usado nessa fieira já é bem mais fino que o anterior
~

~ (espessura: 1 mm) e a matéria-prima adequada sempre foi a seda de


1 buriti, conforme afirma Ukewái. Aqui, o índio repete o m_esmo procedi-
LO
<( mento técnico anterior, apesar de tratar-se de penas de tres espécies de
ce: aves diferentes entre si: o papagaio-verdadeiro, o papagaio-cometeiro e o
~
(!>
gaviao-de-penacho.
A prepara<;ao dos cálamos das penas, a linha utilizada ·e a técnica
/ de amarra<;ao em nada diferem do trabalho da primeira fieira, apesar do
• \ grau diferente de rigidez dos cálamos das retrizes das aves empregadas:
os de papagaio mais maleáveis e .leves do que os do gaviáo-de-penacho.
Por outro lado, a técnica se modifica na medida em que esta igualdade
inicial se afrouxa, quando o índio passa a manusear as penas com as
páginas dorsais voltadas para si; a distancia entre as varas se restringe a
51 cm e a altura em que o índio amarra o cordel-base a partir do solo
¿ diminui para 55 cm.
'
,
-
~/
A primeira pena amarrada é urna retriz central de papagaio-verdadeiro
no meio do cordel. Porém, segundo as regras tribais, como diz Ukewái,
a ordem de precedencia· na amarra~ao das penas nao estava carreta, pois a
primeira pena a ser amarrada deveria ser urna 1. ª retriz lateral de gaviáo-de-

-40- -41-
penacho. O fato de eu ainda nao possuí-la, levou-o a proceder deste
modo <10 ). Ukewái insiste em justificar, pela carencia, a escolha de determinadas
penas para ocuparem um lugar que a elas nao competia no cordel· ao
Continua amarrando alternadamente urna retriz de papagaio-verdadeiro colocar urna 5.ª retriz lateral entre as 1.tls e 2.ªs laterais, o que m~itas
a esquerda e urna a direita, entremeando-as com retrizes de papagaio-come- vezes acontece, comenta:
teiro, que substituem plenamente, por sua grande semelhanc;a, a outra
espécie quando em falta. Depois de ter fixado cerca de onze retrizes de
cada lado, prossegue at'é o fin~l da fieira, amarrando primeiramente todas "porque a iága-bápe (5.ª retriz lateral) é grande e ajuda dar a
do lado direito e intercalando entre elas urna retriz lateral de gaviao-de- volta certa no páru-jíwu. Tudo com esses bororo é assim. Eu
penacho. A operac;ao é repetida para o lado esquerdo. sou menor, kujaguréu e lá tem um preto, coréu, maior. Se este
nao sabe, eu que entro no lugar dele se eu sei dirigir, cantar,
Ao inquiri-lo sobre a razao da ordem adotada na amarrac;áo das· danc;ar. Toda a vida é assim'' (Merúri, 1973).
penas, responde-me que assim procedía (de início de modo alternado e a
seguir numa só direc;ao), porque as penas estavam desiguais; se houvesse
todas as penas suficientes, isto é, de tres a quatro caudas de papagaio- Esta ·observa<;ao é expressiva, na medida em que transmite os padroes
verdadeiro, amarra-las-ia no cordel alternadamente, seguindo a ordem eulturais subjacentes a tais substituic;-óes, pois transparecem na linguagem
esquerda-direita até o final. das penas as justificac;óes vigentes para as substitui~oes na ordem social <12).
A passagem do fio-guia, "costura", é exatamente igual a primeira
" Alguns costumam mesmo com todas as penas certas, fazer fieira. Agora, porém, o índio nao tem a preocupa<;ao de esconder o fio
tudo dum lado primeiro e depois do outro, porque se acostuma- entre as barbas das penas, pois as suas páginas ventrais nao apareceráo,
ram, mas tá errado" (Ukewái, Merúri, 1973) <11 >. urna vez que este cordel, mais tarde, será justaposto ao primeiro; desse
modo, só ficarao visíveis as páginas dorsais das penas.

Segundo Ukewái, as tres retrizes de gaviao-de-penacho obrigatoria- Grande cuidado é agora despendido para que as tres retrizes de
mente devem ocupar as seguintes posic;oes: urna no centro do páru-jíwu, gaviao-de-penacho fiquem sobre as de papagaio-verdadeiro e papagaio-cor-
ou seja, de modo que fique no alto da cabec;a e duas laterais, altura a neteiro, conseguindo-se isto pelo manuseio das barbas das penas do gaviao,
dos parietais. com o auxilio de urna agulha de metal; com esta, Ukewái passa as barbas
das penas da ave de grande porte sobre as barbas das penas das aves
de pequeno porte.
- A coexistencia de elementos de origem distinta persiste em todo o
trabalho do artista, quando ele usa as penas, cordéis, pauzinhos tradicionais
e, em certo momento o metal, a linha de algodao industrializada, o facao
e a tesoura. Mas os elementos alienígenas, que facilitam o seu labor, nao
diminuem o valor atribuído ao artefato simbólica e esteticamente; sao dois
mundos que por ora se integram na busca de um produto de rara beleza.
Para a confee'<;ao da terceira fieira de , penas necessária a um paríko,
a última camada superposta, paríko ókua bu, a distancia entre as varas é
(10) Cumpre-m~ aqui fazer urna observa¡;áo: a escassez de penas foi urna constante de 70 cm e a altura para amarrar o cordel, a partir do chao, é diminuída
antes e durante todo o trabalho de confec¡;áo. O índio nao dispunha de
tempo para obte-las, pois seu trabalho junto a Missáo, de que depende sua para 50 cm.
sobrevivencia, tinha prioridade e limitava seu tempo Jivre. Encarreguei-me
de consegui-las junto aos demais ~ndios que participaram da última expedi~ao
de ca¡;a em julho de 1972, tarefa morosa e difícil dada a relutancia dos ( 12) Cada indivíduo bororo pertence a determinado subgrupo clanico coro direitos,
donos em vende-las. A carencia de penas criou outro problema: nao pude deveres e fun¡;óes específicas. Com o crescente decréschno populacional
adquirir todas as penas es~ruturalmente adequadas a posi~áo que deveriam pos-contato, certos subgrupos já desapareceram ou, existindo, em alguns deles
ocupar na fieira. Ressalte-se ainda que na amarra~áo de todas as fieiras o número de representantes é relativamente pequeno para o desempenho das
persistiu o problema, mas a habilidade do artista conseguiu superá-lo, quando, fun~óes; acrescente-se o fato de que os mais jovens comumente desconhecem
medindo e calculando pena por pena, trouxe a tona o formato e as dimensóes as tradi~óes e outros nao levaram adiante o aprendizado com os velhos.
tradicionalmente estabelecidas. Ele fazia "arranjos" para que a escassez da As lacunas do lugar q_ue compete a cada um sao assim preenchidas substituin-
matéria-prima nao alterasse completamente o produto. do-se os que nao sabem pelos que sabem para que os cerimoniais e a própria
(11 ) Nao conseguí maiores informa~óes a respeito. sociedade subsistam.

-42- - 43 -
A matéria-prima difere daquela até agora utilizada, tanto por suas
dimensoes, qqflnto por sua flexibilidade: sao penas-de-contorno, as que
recobrem o corpo das aves. Sua manipulac;ao exige cuidados especiais.
As penas mais adequadas para esta fieira sao as que cobrem o peito
(moróra bó) e o ventre (peebáru bó) da arara, sendo em seu conjunto
chamadas ókea bu (ókea, frente; bu, plumagem) <13 >. Na confecc;ao do
presente paríko foram também usadas órea kudáwu, tectriz inferior, por ser
insuficiente a quantidade das penas adequadas.
Trabalhando com a página dorsal das penas voltada para si, o índio
inicia a amarrac;ao, nao mals pela pena central, mas pela extremidade no
sentido esquerda-direita, ininterruptamente (Diagrama 1).
Aquí nao é necessário toda urna técnica de preparac;ao dos cálamos,
pois sao flexíveis dadas as suas pequenas dimensóes. Ukewái apenas os
dobra (para a página ventral), usando dois, um sobre o outro e, conse-
qüentemente, duas penas (podem também ser usadas tres) de maneira
que a maior e mais larga fique sobre a menor e mais estreita. Entao,
com os dois cálamos sobrepostos procede a amarrac;ao; o cordel-base,
em oposic;ao aos anteriormente usados, é a própria linha de algodao sobre FIGURA 6 - Tt:CNICA USADA NO PASSADO, PARA A "COSTURA"
o qual passou cerol, akígu bekuru, e que também é utilizada para amarrar;
isto engendra um cordel consideravelmente menor em espessura.
A técnica de amarrac;ao continua a mesma, mas agora ela é 'feita
em sentido inverso (fig. 7). A explicac;ao foi dada nos seguintes termos:
como a forc;a do cálamo das retrizes, iága, fica embaixo, o nó em lac;ada,
nó simples, é dado em cima (bem junto ao cordel) e como a forc;a do
cálamo das penas-de-contorno, bu, se encontra em cima, o nó é dado
embaixo, "no pé", conforme Ukewái, ou seja, no início da raque.
A medida que amarra, colocando as penas para isso a certa distancia
das já fixadas, o índio vai unindo os cálamos o máximo possível para
que as barbas, por sua vez, fiquem bem unidas também.
Terminada esta amarrac;ao, Ukewái pega a segunda fieira e, com a
página dorsal das penas voltada para si, amarra as extremidades do cordel-
base nas varas, de modo que o cordel da segunda fieira fique por baixo
do cordel da terceira; feíto isso, com os dedos das duas maos, empurra
cuidadosamente ao longo do cordel os cálamos das penas-de-contorno
vermelhas, colocando-os entre os cálamos das retrizes da segunda fieira,
alternadamente, de modo a ficar um cálamo de pena-de-contorno entre
dois de retrizes. Assim procedendo, a terceira fieira passa a ser um remate
da segunda, mas nesse mome_nto ele ainda nao prende definitivamente um
cordel sobre outro. Porque, sem esse cordel assim ajeitado,

(13) Informa~ao prestada por Ukewái; na Enciclopédia Bororo, vol. I, p. 727, FIGURA 7 - Tt:CNICA DE AMARRACAO DAS PENAS DA TERCEIRA FIEIRA
ókea b6 refere-se apenas a. plumagem do peito.

-44- - 45 -
"fica sendo um hornero ou urna mulher de luto. (ou seja, com
" DIAGRAMA 1 os cabelos crescidos em desordem, sem franja aparada, partidos
ao meio, S.T .F.D.).. Se nao tem bu dizem que o paríko tá
DIRECAO DO TRABALHO DE MANUFATURA adorando com o dono; por isso, nao podem faltar. Tem que
botar bu, pois lembra os novos, os filhos que tem o cabelo
cortado aqui" (apontando a franja bem aparada na testa) <14 >.

PRIMEIRA FIEIRA Desamarra as fieiras das varas e, deixando de lado a flexibilidade e


fragilidade das penas, passa a lidar com a rigidez das palmeiras.

alternadas O manuseio das penas é interrompido para a confecc;ao dos acessórios


1
que serao mais tarde utilizados, quando da elabora<;ao das últimas etapas
do adorno: 1) o cordel para a jun<;ao das fieiras de penas ao suporte flexível
y ~
seqüencia inínterrupta
I '\.. 4 seqüencia ininterrupta
e 2) a prepara<;ao das nervuras de palmeira para a f abrica<;ao do próprio
suporte:
3 ( ~----~> -~
lateral 1 lateral
esquerda central díreíta
1) a matéria-prima utilizada para este cordel sao as fibras sedosas do
tucum-do-cerrado (Astrocaryum humile). Ukewái ressalta que, exceto as
fibras sedosas dos folíolos de broto de palmeira buriti (Mauritia sp), que
produzem cordoes de fraca resistencia, qualquer outro tipo de seda é bom
para essa finalidade. Tecnicamente, a fiac;ao é feita do seguinte modo: o
SEGUNDA FIEIRA
índio pega urna quantidade equivalente a aproximadamente seis fiozinhos
da seda, divide-os em duas partes, segurando-os unidos por uma·extremidade
alternadas com a mao esquerda; a seguir, sobre a coxa, enrola com a palma da mao
1 direita urna das porc;oes, enrola depois a outra e as une, torcendo-as juntas.
A parte do fio que fica mais comprida e que, portanto, nao foi ainda
torcida, é virada em sentido ·COntrário; depOÍS, junta a outra parte restante
mais curta dois ou tres fiozinhos, de modo a comec;ar todo o processo
seqüencia ininterrupta 3 / "'- 2 seqüencia ininterrupta
{ ~----__. --\~)
novamente; essa terceira porc;ao acrescentada é que permite que se prolongue
o fio, no comprimento desejado;
esquerda 11 direita
2) depois de separar várias nervuras de folíolos da palmeira babac;u
(Orbignya speciosa), Ukewái raspa-as longitudinalmente com o objetivo de
tirar o irúre (limo, fungo (?)) que nelas está incrustrado; se nao fizer isso,
as nervuras escorregadias dificultam a montagem do suporte flexível.
TERCE/RA FIEIRA

Sempre sentado sobre a esteira-bandeja, sobre a qual também coloca


horizontalmente a 1.ª fieira de retrizes de araras, volta-se novamente as

(14) Nao conseguí apurar o significado de "adorando'' nesta ob~erva!YáO de Ukewái;


no entanto, eta é expressiva, na medida em que, como anteriormente já foi
feito, denota o vínculo estreito entre o social e o ergológico. TaJvez a
esquerda direita expressáo "adorando", dado o profundo relacionamento entre paríko/morte
se refira a enlutado, ou seja, o paríko com o 3.0 cordel desordenado lembra
a tristeza do luto, como os cabelos desordenados de seu dono.

- 46- - 47 -
penas; tendo a fieira de penas assim deitada, com as páginas ventrais das
penas voltadas para si, manuseia as barbas e alguns cálamos novamente FIGURA 8 - CONFEC<;AO DO SUPORTE
~ '
para convencer-se de que cada pena está ocupando a sua posi9ao na
estrutura da fieira, assim como cada bóe, desde o nascimento, está destinado
a urna posi9ao na complexa rede de rela9óes sociais tradicionalmente sancio-
nada na estrutura da sociedade bororo. Nesse manuseio, coloca o cordel
em semi-círculo para calcular a circunferencia da cabe9a.

Depois, volta as varas fincadas no solo (já nao sao mais dois arc9s),
amarrando aí as extremidades do cordel-base da l.ª fieira; sobre esta, depois
de assim fixada, colocou a 1. ª fieira, para verificar se ambas estao no a)
mesmo comprimento, tendo em vista a circunferencia da cabe9a.

Em seguida, desatando o cordel-base da 1.ª fieira, fixa nas varas,


pelas extremidades do respectivo cordel, a 2. ª fieira com as páginas dorsais
das penas voltadas para si. Dando um nó em la9ada, prende as extremidades
da 3. ª fieira sobre a 2. ª para que todas as penas da 3.ª fiquem sobre as
da 2.ª fieira.

Finda a jun9ao das duas fieiras, elas permanecem entre as varas,


com o aspecto de urna só fi~ira de duas camadas. Por esse motivo, para
maior clareza, daqui em <liante falarei sornente em 2.ª fieira, subentenden-
do-se que as duas agora estao definitivamente unidas por justaposi9ao.
b)
A seguir, o índio amarra nas varas as extremidades do cordel-base
da l.ª fieira, de modo que esta fique sob a 2.ª, repetindo o processo já
feito com esta e a 3.ª fieira, mas aqui coloca cada cálamo das penas da
2. ª fieira entre dois cálamos da l.ª· As retrizes menores revestem assim
os cálamos das retrizes maiores, que ficam ocultas pelo verde-folha e
verde-abacate das penas de papagaio.

O passo seguinte é a confec9ao do paríko íra, isto é, do suporte flexí'Vel


que sustentará as penas. Unta um folíolo de broto de baba9u (Orbignya .1
speciosa) com pasta de urucu, a fim de lhe dar urna colora9ao alaranjada,
cortando-o a seguir em sentido longitudinal, f orma.n do tiras de aproximada- e)
mente 1,5 cm de largura. Das nervuras anteriormente preparadas, escolhe
vinte, dividindo-as em quatro feixes iguais. Pega dois <lestes e inicia o 1 '
1

trabalho de arma9ao, tai como é ilustrado na fig. 8, come9ando por urna 1~( 1, '
das duas partes que compóem o suporte (fig. 8a); junta os feixes, um sobre 0\

o outro, para que assim unidos formem um só (fig. 8b). Sobre o feixe
assim formado sao enroladas as tiras de folíolo de baba9u (fig. 8c). Dado
o comprimento necessáfio, corta as pontas formadas pelas nervuras restantes
nas duas extremidades. A primeira parte do suporte adquire o asp·ecto
ilustrado na fig. 8d.

Segundo Raimundo, a matéria-prima usada boje por todos .os clás, d)


indistintamente, para a manufatura do suporte flexível, provém da palmeira
noído, baba9u (Or:bignya speciosa).

- 4.8 - 49-
" ... sempre todo mundo usa noído,· antigamertte era usado por diversas vezes o cordel-arremate e dá urna lac;ada. Depois, repete o
ciró-do-brejo, podódja íku e amarrava íra e penas ao mesmo procedimento do centro para a extremidade direita, mas o arremate tipo
tempo; chamava de burejóre ciratówu paríko" (Raimundo, Me- caseado é feito agora em sentido inverso (fig. 9b).
rúri, 1973) <15 >.
A medida que assim procede, dá dentadas na porc;ao do suporte onde
trabalha, para que o arremate fique bem atado e seguro.
O índio reinicia o trabalho com os dois feixes de nervuras restantes,
de acordo com a mesma técnica, formando assim as duas partes compo- Finda a junc;ao, tira a pec;a das varas e a coloca sobre a esteira-
nentes da armac;ao flexível. bandeja, aquela que foi usada durante toda a confecc;ao e sobre a qual
Ukewái volta-se agora para as fieiras de penas que permaneceram também está ainda sentado. Nesta posic;ao, Ukewái prende o suporte, íra,
ao centro com o pé direito e, com as maos, dobra-o pela esquerda; a
fixadas entre as varas, passando a atá-las por meio de nós a espa~os
seguir, prende o centro com o pé esquerdo e dobra, com as maos, o lado
.i:egulares, usando para isso linha de algodao preta, previamente encerada
direito para, <leste modo, formar o semi-círculo (fig. 10).
com ·cerol. Urna vez unidas, desata das varas as extremidades do cordel-base
da 2. ª fieira, amarrando-as na extremidade da 1. ª fieira presa as varas. A pec;a está praticamente concluída, faltando o acabamento, o qual
As duas partes da armac;ao sao colocadas simultaneamente sobre os se traduz principalmente por um constante "cortar". Colocando o suporte
cardéis das fieiras pendentes, urna em cada lado, e presas provisoriamente semi-circular sobre um pedac;o de pau, usando martelo e faca, Ukewái
a estes com as extremidades do cordel-base da 2. ª fieira, desatado das corta as partes excedentes das extremidades do suporte para que o mesmo
extremidades da l.ª fieira; ~ssim, as fieiras ficam comprimidas entre as fique na mesma altura do l.º cordel-base. Corta também as extremidades
duas partes do suporte. Isto marca o início da fixac;ao das fieiras de do fio-guia da 1. ª e 2. ª fieiras. Depois, com urna tesoura, apara, cortando
penas ao suporte flexível. horizontalmente, as partes terminais das penas-de-contorno da 3.ª fieira
para que todas as peninhas fiquem da mesma altura; procedimento identico
Para a fixa<;ao propriamente dita, porém, há necessidade de instru- faz em relac;ao as retrizes de araras da 1.ª fieira, para que as ·penas da
mental mais elaborado. Entao, novamente ele deixa de lado as varas e roda raiada fiquem proporcionais quando abertas em semi-círculo.
· cardéis e se preocupa com a icíra óto (icíra, nervura; óto, ponta), isto é,
a agulha que puxará o cordel para a ligadura dos dois conjuntos.
A agulha é feita de um pedacinho da nervura de um folíolo de "Se ficar do jeito que tá (sem apara<;ao, S.T.F.D.), fica como
acuri (Atta/ea speciosa = Orbignya speciosa (?)). Quando pronta, conver- o meu dente quebrado aqui, ali" (Merúri, 1973).
te-se numa hastezinha fina, de 16 cm de comprimento, agu<;ada em
urna das pontas e com um corte longitudinal de cerca de 2,5 cm na
outra, onde é encaixado o cordel de jun~ao feíto de fibras sedosas de Passa depois resina, kido gúru <16 > nas partes terminais das retrizes de
tucum-do-cerrado (Astrocaryum humile); este, por sua vez, é' fixado com araras, tanto na página ventral quanto na dorsal, ali colando penugem de
linha de algodao encerada, por enrolamento, da base da abertura até o pato selvagem, ajudado por sua mulher, Eleonora. É nesse momento que
meio, onde é preso com um nó em lac;ada. a pe<;a está concluída.
De posse do instrumental necessário, o índio reinicia o trabalho de As extremidades do l.º e 2.0 cardéis permanecem sobressaindo do
jun<;ao, do centro para a extremidade esquerda: com a página dorsal suporte. e, . se converterao nos atilhos que permitirao amarrar o adorno
das penas voltada para si, tendo toda a extensao do cordel a ser usado ao occ1p1c10.
presa na agulha, ele passa esta ao redor das superfícies dos conjuntos
ligados provisoriamente e dá um arremate tipo caseado a espac;os de 1 cm O paríko confeccionado por Ukewái é um ornamento feíto essencial-
ou pouco menos. A por<;ao do cordel nao usada é amarrada na vara do mente pelas técnicas de transforma<;ao e amarra<;ao; o corte horizontal no
lado direito, sendo posteriormente usada para o arremate do centro para ápice das penas, o amarrado e os nós o caracterizam, num flagrante
a direita (fig. 9a). contraste com a empluma<;ao arminhada, única técnica de colagem
empregada <17 ).
Terminado o arremate na extremidade esquerda, Ukewái desata da
vara o 2. 0 cordel-base, que era o elemento de liga<;ao provisório, enrola
(16) A resina utilizada é retirada de um arbusto da família das Burseráceas, que,
( 15) Na Enciclopédia Bororo, vol. I, p. 881, consta o seguinte: "Podója: Cipó-uru- na denominac;ao vulgar é conhecida por almecegueira. Kído-gúru ( kído,
bamba. É a palmeira jacitara (Desmoncus gen.) que fornece ótima matéria- resina; gúru, líquido -. resina pastosa) é a denomina~íio indígena (cf. EB-1:718).
prima para amarraduras quando é oportunamente livrada dos acúleos pepetrantes (17) No levantamento dos diversos exemplares de paríko, encontrei outra técnica
que a revestem. É de pouca utilidade aos bororo". de colagem usada em muitos <lestes ornamentos, o mosaico de plumas.

-50- - 51
- ·- ~···
.
. . ..- --· .. .
'j)
FIGURA 9 - FIXACAO DAS FIEIRAS FIGURA 10 - SEOU~NCIA QUE 1LUSTRA O MODO

DE PENAS NO SUPORTE COMO~ DADA FLEXIBILIDADE AO SUPORTE

~~~ 1 97Ef!i~
1

a)

~'tJ3~-~--•e~
' /
.
1 cm

b)

- 52- - 53 -
Há variantes nesse procedimento técnico us1. Se, por um lado, José
Carlos nao foi tao meticuloso e hábil ao executar o ornamento, ao contrário
de Ukewái que se esmerava em faze-lo, procurando ainda retratar o
máximo possível a técnica tradicional sem que eu o levasse a isso, por
outro, ele se dignificou ao proceder segundo os moldes antigos no tocante
a pompa-que envolve a confecc;ao propriamente dita. Sentia-se a atmosfera Tugarége
solene em que se desenrolavam os preparativos para o trabalho de manu-
fatura. Era como se José Carlos se preocupasse mais com o aparato
exterior e Ukewái penetrasse mais a fundo ao se ater as minúcias de
confecc;ao.
Ukewái, pelo fato de eu ser "civilizada", fez o paríko em sua própria N
casa. José Carlos, nao. Ao raiar o dia, eu passava por sua casa; ele
pegava um báku <19», aí colocando todo o material necessário: penas, cerol,
Eceráe
resina, linha de algodao, facao, tesoura, fibras de palmeiras e cordéis.
Em seguida, íamos para o bái mána gejéwu, a casa-dos-homens. Esse
percurso era feito todos os dias, nao simplesmente por José Carlos nao
querer trabalhar em sua casa, mas porque o baíto <20 > é o local cultural-
mente estabelecido para tal mister.
O bái mána gejéwu é o núcleo de reuniao dos homens, é o espa<;o LADO TUGARÉGE:
masculino por excelencia, onde, além das outras atividades, os homens
maduros e os iniciados fazem seus objetos de uso cerimonial e cotidiano. 1. José Carlos (Páiwoe Tóri Búgo) fazparíko
2. Joaozinho (Aróroe Máno Kuriréu) . - descansa
Dentro da choupana, a impressao que se tem é que, além das suas duas 3. Antonio Grude (Iwagúdu-dóge Bakúfe Gajejéwu, Butóre Agádu, Tadúgo) aplaina madeira
grandes divisóes que correspondem a cada um dos dois grupos de que se
compóe a aldeia, ela é retalhada em espac;os mínimos que correspondem
LADO ECERÁE:
a cada indivíduo que ali trabalha. Ainda mais, essa distribui<;ao espacial
nao é somente baseada em critérios clanicos, mas aparentemente 4. Joao Caio (Baádo febdge Ceb. Bakoro Kúdu) faz c.ordel
os objetos a serem confeccionados determinam o lugar a ser ocupado 5. Roberto (Baádo febáge Ceb. Bakoro Kúdu) faz pente
6. Antonio Colbacchini (Kíe Tóru Báru) faz peitoral e arco
pelo co,nfeccionador.
Durante os dias que passei lá dentro, observei urna constancia nas
posic;óes ocupadas e, num dia determinado, o quadro ·era este:

( 18) Em Merúri encontram-se representantes de duas aldeias (os naturais do lugar E, como para corroborar minhas pnme1ras impressóes, José Carlos
e os vindos recentemente do Paraíso). Com o intuito de verificar possíveis falou:
diferen~as, tanto de ordem técnica como formal e simbólica, e, naturalmente,
sem deixar de levar em considera~áo as características individualizadoras do
próprio artista, resolví observar dois confeccionadores que representassem os
dois grupos em questáo. Oeste modo, José Carlos aparece aqui como represen- "Paríko é só nesse lugar. A coisa grande que faz é sempre aqui
tante do segundo; o ornamento feíto é outra varia~áo do tipo, diferindo, mesmo. Agora, arco, buke (rede de pescar), flecha, akígu (fio
portanto, no tocante a distribui~áo e cor das penas do anterior, mas isso de algodao, qualquer objeto ou tecido de algodáo) é espalhado"
escapa aos meus objetivos neste capítulo, já que é problema a ser ventilado (Merúri, 1973).
mais tarde. Limito-me aqui a questé>es de procedimento técnico.
( 19) Báku sao tran~ados de fibras ou brotos de palmeiras que servem como
bandejas e abanicos; grandes e pequenos, sao feítos pelas mulheres. A pe~a
em questáo foi confeccionada em broto de acuri (Atta/ea speciosa = Orbignya De fato, diariamente, ele se sentava de pernas cruzadas, ombros eretos,
speciosa (?)) por Mariona, mulher de José Carlos. sobre urna esteira, no centro da casa, a direita do esteio central, no espa<;o
(20) O índio normalmente se refere a casa-dos-homens, denominando-a Baíto, reservado aos elementos Tugarége; o lado esquerd~ ao esteio central é
apesar da EB, vol. 1, pp. 445-448, denominá-la Bái mána gejéwu. domínio dos paríko-dóge Eceráe:

-54- 55 -
(

A mencionada dificuldade em obter penas exatamente adequadas


levantou o problema da insuficiencia de cálamos de comprimento apropriad~
para a amarrac;ao, que a capacidade inventiva do artista conseguiu superar
mas de maneira diferente do primeiro confeccionador: José Carlos cort~
o umbigo . inferior do cálamo curto e aí introduz um filete de taquarinha
Tugarége conseguindo, por meio desse artifício, o comprimento exigido para ~
dobradura. Isso acarreta urna pequena · alterac;ao a mais na amarrac;ao:
,quando se trata de cálamos assim adaptados, o índio passa o cordel-amar-
[!] rilho, em sentido longitudinal, sobre a parte do cálamo dobrada diretamente
sobre o cordel-base, prendendo o pedac;o de fio passado entre o polegar
[TI N e o indicador da mao esqu·e rda e simultaneamente iniciando a amaqac;ao
por enrolamento horizontal com a rnao direita (fig. 1lb).

Eceráe Se bem que José Carlos nao se atenha a ordem tradicional de fixac;ao
-das penas, alternando-as urna a urna no sentido esquerda-direita, ele se
aproxima mais do padrao do que Ukewá;i, pois desde as centrais até as
extremas ele nunca trabalha num único sentido: as vezes prende urna
pena a esquerda e outra a direita; ora prende grupos de duas oÚ tres penas
a esquerda e outro conjunto a direita e, nao raro, ata-os em sentido contrário.

1. Lugar de confec9ao de paríko Tugarége. Por outro lado, ele nao tem o cuidado de já prender cada pena na
posic;ao definitiva na primeira ·fieira, juntando-as no centro do cordel.
2. Lugar de confec9ao de paríko Eceráe.
Só quando termina a fixac;ao de todas as penas é que as vai movendo para
ambos os lados, á fim de iniciar o processo de formac;ao do ornamento.
Urna vez acomodado;, armava as varas e colocava o báku em primeiro :f: entao que o índio comec;a a preocüpar-se com a .idéia de forma.
plano; assim, ~ disposic;ao dos elementos envolvidos na confecc;ao do José Carlos passa o fio-guia, a partir do cordel-base, a urna altura
adorno era diariamente a mesma: báku - varas - confeccionador, como . de 5 cm nas partes laterais, culminando em 1O cm na pena central. Nao
se também eles e~tivessem ·sujeitos a urna ordenac;ao espacial fixa por passa cerol, berágu, na linha como o fez Ukewái, pois, segundo ele, o
tradic;ao. cordel ou é vermelho ou branca: nunca preto <21 >. '
O báku, porém, nao é apena.s o repositório c;la matéria-prima tal Na execuc;ao do 2.0 cordel, ·a medida que. prendia as retrizes de
como se apresenta n~ natureza, mas também dela, quando já elaborada, papagaio,. Ukewái atava também as penas de gaviao-de-penacho exatamente
pois aí sao colocadas as partes constituintes do ornamento a medida que no lugar a elas reservado. Ao contrário, somente depoif de atar todas as
va·o sendo terminadas. retrizes de papagaios <22 > é que José Carlos calcula o centro da fieira e aí
A primeira variac;ao a ser notada na confecc;ao do adorno é que prende tres retrizes de gaviao-carijó; a seguir, deixando um espac;o de
José Carlos nao usa dois ateos para a sustentac;ao da fieira, mas sim 9 cm, prende mais tres retrizes da mesma ave de cada lado. A distancia
duas varas colhidas ao acaso no chao da casa-dos-homens. A distancia entre as varas é de. 68. cm e a altura do cordel-base, a ·p artir do solo,
entre elas é de 85 cm e a altura do cordel amarrado nas varas é de 65 cm é de 58 cm.
a partir do chao.
J á o cordel, de 2 mm de espessura, é ·de fibras sedosas de buriti "Para as koráo~iága nao tem canta, nao tem-lei. Se tem bastante,-
(~auritia sp.), diferenciando-se tanto quanto a espessura e a m~téria-prirna
bota bastante. ·Se tem muito koráo-iága é puro koráo. Se nao
tem, mistura com kuritága-iága, nao é problema. Se tem pouco .
daquele usado por Ukewái.
koráo-iága, bota pouco. Mistura, porque é igual, é companheiro"
Embora a preparac;ao dos cálamos seja feita por processo identico (José Carlos, 1973).
ao de Ukewái, e a primeira pena amarrada do mesmo tipo, a técnica de
amarrac;ao, se bem que seja ·a mesma, er\volvendo enrolamento e lac;adá (21) Apesar de também usar agulha de metal, disse José Carlos que antigamente
(conforme p. 33, em Ukewái) é feita em sentido inverso: o início se dá a linha eTa puxada por um estilete de osso de anta, veado ou queixada
(Merúri, 1973). .
rente ao cordel-base e a lac;ada a 1,0 ou 1,5 cm do umbigo inferior do (22) Na 2.ª fíeira de penas, José Carlos usou as.~·retrízes do papagaiO.verdadeiro,
cálamo (fig. 11 a). do papagaio-corneteiro e do gaviáo-carijó.

- 56- 57 - ·
'
Para a 3.ª fieira, José Carlos nao teve o mesmo esmero de Ukewái;
pode~se mesmo dizer que ele relegou a tradic;ao a segundo plano para
"· enfatizar aspectos práticos. Assim, nao usou um 3.0 cordel, mas aproveitou
o próprio cordel da 2-.ª fieira para prender a última camada de revestimento
do ornamento, composta de penas-de-contorno vermelhas de arara vermelha.
Fica, entao, preso entre as varas, o 2.0 cordel-base da 2. ª fieira com as
páginas dorsais das retrizes voltadas para o confeccionador. Em seguida,
o índio afasta para os lados duas retrizes que estáo no meio da fieira e
a) no váo assim formado prende uro tufo de tres peninhas com as páginas
ventrais voltadas para si. Para amarrá-lo, usa o mesmo procedimento
técnico anteriormente utilizado . para as penas maiores: passa os cálamos
sobre o cordel-base, dobrando-os para as páginas ventrais das penas-de-
contorno; tendo já o tufo preso, vira-o de modo que fique em posic;ao
vertical sobre o cordel-base (figs. 12a e 12b). ,
1
Assim procede sucessivamente até preencher todos os espac;os vazios.
% Depois, vai unindo lado a lado os cálamos das retrizes maiores com os
das penas-de-contorno para que fiquem bem juntos uns e outros.

1 .
A seguir, apara as partes terminais das penas-de-contorno para
FIGURA 11 - Tl:CNICA DE AMARRACAO INVERSA A DA FIGURA 1
c~~scerem em· direc;ao ao centro do adorno, o que, segundo o índio,
J/
1
confere equilíbrio estético a pec;a. Feita a aparac;ao, inverte a posic;ao das
1 penas-de-contorno que ficando com as páginas dorsais para fora cobrem
os cálamos das retrizes maiores.
1
1
1• o Se na preparac;ao do suporte flexível os dois índios usaram processos
1 identicos e a mesma matéria-prima, apesar de José Carlos · cortar as
extremidades excedentes do suporte no ·áto de confecc;ao das partes compo-
nentes e Ukewái só faze-lo na fase de acabamento (conforme pp. 50-51),
na junc;ao das fieiras eles se diferenciam um pouco quanto ao local de
1nser~o de elemento artificial n·o cálamo para amarra~o das penas 1 cm junc;ao e quanto a um detalhe técnico: enquanto Ukewái une as fieiras
quando presas entre as varas, José Carlos as reúne deitadas sobre a esteira.
No tocante a junc;ao .propriamente dita, José Carlos também coloca a
2. ª fieira sobre a 1.ª, amarrando-as em ambas as extremidades do cordel.-
base . por meio de um nó em la~ada com um cord~l encerado, e, além
disso, dando nós, de espac;o em espac;o, em toda a extensao dos cardéis
b) atados.
Observa-se igualmente urna pequena diferenc;a na precedencia das
fases do trabalh<;>: Ukewái primeiro junta as fieiras para depois preparar
o suporte flexível. José Carlos faz o inverso.
A jun~ao das fieiras ao suporte é outro fator de diferencia~ao. José
Carlos também a executa fora das varas, sobre a esteira e assim
. .,
trabalhará
até o. acabamento final. Pega as duas partes componentes do suporte, Jª
prontas, colocando-as em fon~~ de angulo agudo; a seguir, prende-as numa
das extremidades por enrolamento, rematando por um nó em lac;ada
(fig. 13a). Encaixa depois as fieiras unidas dentro do angulo formado e
prende as extremidades do suporte por erirolamento e nó (fig. 13b). Com
um cordel de buriti enceraao amarra, entao, por nós a espa~os regulares,

·- 58 - - 59 ..;.._
o FIGURA 13 - FIXACAO DAS FIEIRAS DE PENAS NO SUPORTE

(segundo José Carlos)

a)

m -:
-- '-.
o

_J
1 cm

b) ~~~ : ií .. -
.. ~~ i
~~~~~ --
~~~......_.,__~~~~~...__~
-~~~~
...........~- ···

FIGURA 12 - CONFECCAO DA TERCEIRA FfEIRA

(segundo José Carlos)

o
b) [ 5cm

e)

~
)
1 1 1 1 1 1 R 1 1 1 1 1
~ 1 1 1 1 1 1
'1
'
-
1

' ~ t
~ ~-o 1 s3F f f"* t fF 1 1
'
-60- - 61 -
toda a extensao dos dois elementos unidos, enrolando provisoriamente as
extremidades dos cordéis das fieiras nas duas pontas do suporte (fig. 13c). FIGURA 14 - MODELOS FORMAIS DO PARÍKO SEMI - CIRCULAR

Na fixac;ao" propriamente dita, José Carlos também procede por arre-


mate tipo caseado, mas usa cordel de fibras sedosas de buriti, puxado
por urna agulha de metal. Enrola fortemente o cordel na extremidade
direita do suporte, dando imediatamente o primeiro remate, no sentido
direita-esquerda ininterruptamente, ao contrário de Ukewái (conforme
pp. 50-51). Finda a jun9ao, enrola fortemente o restante do cordel-arremate
na extremidade esquerda, entremeando a ponta do cordel entre os fios
en rolados.
Com um pauzinho, ípo, ele ajeita as barbas das penas da 2.ª fieira
para -que fiquem uniformes. Depois, desp·rende das extremidades do
suporte os cordéis-base das duas fieiras provisoriamente enrolados, pren-
dendo o da 2.ª fieira ao da l.ª fieira de modo que permanec;a um só
cordel, que se converterá no único atilho que amarrará o adorno no
occipício. Aqui, a diferenc;a reside no fato de Ukewái deixar pendentes
os dois cordéis, conforme os padroes de confecc;ao tradicionalmente
sancionados.

A fauna e a flora circundantes, nao apenas fornecem os alimentos e Akurára: pacu (família: Characidae; sub-fami-
os materiais indispensáveis a fabrica9ao de artefatos, mas muitas vezes lia: Myleinae ; genero: Metynnis )
lhes propiciam modelos de fabrica9ao, como no caso do paríko, em que
a relac;ao natureza e cultura se manifesta de forma patente, tanto nos
aspecto~ formais quanto simbólicos.
Atu meriréu áro: folha do brejo
A folha-do-brejo, átu meriréu áro e a folha-da-lagoa, anábo aruréu
sao os vegetais dos quais os bororo extraíram as f armas dos diademas
(Raimundo, Merúri, 1973), as quais sao comuns a todos os cHis Tugarége
e Eceráe, exceto aos Bokodóri Eceráe Cebegíwu ou a todos os Bokodóri
Eceráe <~ >. Estes nao se inspiraram nos vegetais, mas no reino animal, pois
seus diademas sao curtos e largos, refletindo a morfologia do peixe pacu
(provavelmente da Família Characidas, Sub-família Myleinae, Genero
M etynnis): daí a denominac;ao paríko akurararéu, ou seja, diadema de penas
semelhante ao pacu <24> (fig. 14). E, para isso, utilizavam-se antigamente
da araracanga cibáe (Ara macao ); hoje, cortam 3 a 4 cm da parte terminal
das retrizes das tres espécies de arara aind~ existentes em seu território
(Ukewái, Merúri, 1973) para obterem o mesmo efeito formal, típico do
akurararéu.
Kaígu e Cibáe E-iári Pijíwu, dos Bokodóri Eceráe Cobugíwu sao os
únicos possuidores de um diadema de maiores propor9óes do que o

( 23) A primeira possibilidade (Bokodóri Eceráe Cebegíwu) <leve-se a informa9ao


obtida através de Ukewái em 1971 , se bem que em outras vezes, na mesma
Anábo aruréu: folha da lagoa
Q >
ocasiao, também tenha se referido só a segunda (Bokodóri Eceráe). Já José
Carlos, em 1973, referiu-se unicamente a segunda.
(24) Akurára, pacu ; r~u . suf. semelhante (EB-1:415).

- 62- - 63 -
akurararéu: o pari.ko cibáe e-iári ou paríko 6-ia coréu. Assim, escapam
a regra do cla para se aproximarem mais dos outros aglomerados nos
aspectos exteriores do ornamento.

"Agora, esse paríko nao é akurára, porque foi encontrado numa


pedra com bápo rógu 'aurogumaréu (pequeno maracá), íka rá
urugumairéu (instrumento musical de sopro semelhante a flauta),
tudo vermelho dentro do Cibáe E-iári <26 >. Essa pedra Cibáe
E-iári ainda existe" (Ukewái, Merúri, 1971 ). FIGURA 15

Já os Ar6roe, além de disporem seus diademas como as folhas a FORMA DO PARfKO UKIGAR~U
semelhan<;a dos outros cHis, possuem também outro formato que lhes é
típico, onde as retrizes de arara tem o aspecto de chifres: o paríko ukigaréu
[paríko, diadema de penas; u, ele; kigaréu, o cornudo - diadema de
penas cornudo (EB-1,:410, 414, 418; Ukewái, Merúri, 1971)], que a
Enciclopédia Bororo apresenta como outro tipo de paríko. Composto por
duas ou tres fieiras de penas, as retrizes, geralmente as centrais, mais
longas e mais belas, sao amarra~as em pequenos grupos, comumente 3
grupos de 3 ou 2 retrizes. Colocadas a intervalos iguais aos lados e no
centro da fieira que lhes serve de base, as retrizes de ·a rara sobressaem
d~s retrizes menores como se fossem longos chifres (fig. 15).

a
Associada forma está a dimensáo, pois se verifica que a grandeza
ou pequenez do ornamento varia conforme a forma que lhe foi imposta
pelos modelos oferecidos pela natureza. Oeste modo, o paríko feito a
imagem das folhas é sempre maior do que aquele feito segundo os caracteres
do peixe.

"R.aríko aturuaréu (grande) é de BJ Cob, BJ . Ceb, todos os


Tugárége, Kiéde. , Bodok6ri Eceráe que é akurára, pequeno"
(Ukewái, ·Merúri, 1971).

"Paríko de BokodÓri Eceráe tem outra moda, dele todo é


pequeno, paríko akurararéu, porque Bokodóri Eceráe tem arara
também. Nao é só Tugarége que tem, por isso o paríko dele
tá separado do outro. Bokod6ri Eceráe nao ganhou akiró porqúe
já tinha a cibáe. Pena de cibáe nao é comprida como de arara
comprida. Tem cibáe kujaguréu, coréu, ekuréu como arara
mesmo. ~ arara mesmo, só que é pequena" (José Carlos,
Merúri, 1973).

Mas, a associa~ao fonna/dimensao, excluindo-se os BokodórJ Eceráe,


possui, a meu ver, importancia apenas acidental, porque o que realmente

(25) Cibáe E-iári = cibáe, araracangas; e, (d.) elas; iári, toca (toca das araracangas) .
. Éa designa~·ªº de um morro que. se sffua entre o curso superior do rio Itiquira
e o do rio Correntes, onde as araras constróem seus ninhos (EB-1:537) .
- 65 -
~ 64-
é relevante para as vari'a~oes observadas entre os paríko-d6ge analisados é
o que se pode inferir das tres fieiras de penas componentes do artefato,
ou duas, em alguns casos, que, em seu conjunto, quando já sobrepostas
no artefato acabado, expressam ~s diferenéia~oes clanicas, permitindo a CAPITULO 11
identifiea9ao de cada ornamento de acordo com as diversas subdivisoes
grupats. ANALISE DOS ELEMENTOS COMPONENTES

"Paríko grande só de Baitogogo e Baiporo, antigamente. Hoje·,


pode ser pequeno, mas pela pintura já sabe que é kuriréu <26 >.
O que manda é a pintura do paríko,· pode ser pequeno, mas As divisoes clanicas, que, por direito, possuem paríko no seu ·acervo
tendo a pintura de Boróge, por exemplo, sabe que Boróge é material, dispoem a matéria-prima de acordo com determinados padroes
grande" (José Carlos, Merúri, 1973). que lhes sao inerentes, advindo da'Í urna gama de varia~oes relativamente
grande.
Cada fieira de penas possui características peculiares, condicionadas
a a
espécie de pássaro e morfologia e disposi9áo das penas associadas ou
náo a outros materiais que, diluindo-se nlima combina~ao sutil de cores
e formas, propicia a cada artefato urna individualidade que torna único. o
Estas diferen9as ep.contiadas a partir dos 108 paríko-dóge analisados,
e formadas basicamente por um intrincado jogo de pássaros e cores, vao
converter-se num elemento de diferencia~áo social, como veremos mais
·: adiante, pois permitem, pelo seu conteúdo, identifica! ·os diversos .clás
e iedága-máge possuidores. O paríko é, assim, insígnia e código. Como
insígnia, perpetua o clá (e iedága) e, como código, funciona como transmis-
sor de mensagem a respeito da posi~ao social de seus possuidores e
portadores; <leste modo, ao mesmo tempo que é parte integrante da
indumentária cerimonial, é um identificador social por excelencia.
Neste-sentido, um conjunto de elementos sáo combinados e integrados
na confec9ao de um paríko, de acordo com as seguintes características:

a) natureza e combina~ao das retrizes da l.ª fieira;


b) presen~ae natureza da penugem e o espae;o ocupado por esta
quando colada as retrizes da l.ª fieira; ·
1

e) natureza e com~inae;ao das penas, combina9ao de cores e uso


constante de outros materiais na 2. ª fieira;
d) natureza, presen~a e cor das penas-de-contornó da 3.ª fieira.

Na montagem da 1.ª fieira sao utilizadas todas as retrizes da cauda


das araras necessárias a sua confec~ao. Além disso, quando da amarra~ao
das retrizes em fieira, o princípio que r;ege a sua disposie;ao é aquele da
disposi~ao das retrizes da cauda nas espécies vivas ~27 >.

(26) Quando se referiu aquí a kuriréu, o informante nao pensava simplesmente


no .tamanho do diadema, mas salientou a importancia de sua unidade possuidora. . (27) Vide capítulo l., p. 34.

.__ 66 - - 67
"As iága, do jeito que tá'· nos bichinho, tá aqui também (no Através de informa<;oes predominantemente verbais, computaram-se
paríko)" (Coqueiro, Merúri, 1971). 22 combina<;oes de retrizes em paríko-dóge antigos e atuais. A maior
" freqüencia registrou-se par~ ·o uso con~unto de arara _vermelha + arara
canindé (14 tipos de comb1na9ao), seguido de arara vermelha + ararauna
Ao pergunt.ar a José Carlos qual o significado da disposi<;ao da (6 tipos). A ocorrencia do uso conjunto de penas das tres espécies de
1. ª fieira a semelhan<;a da cauda da arara, respondeu: arara somente foi registrada numa única combina<;ao, o mesmo se dando
em rela<;ao as penas de arara ca~indé + ararauna (quadro 1).
"Rabo de arara é por causa de ficar mais bonito e prático.' Anligamen~e,na l.ª fieira, os .ín~ios. n.ao alternavam .na?úre ,<ar~ra
É só prá ser bonito, grande e redondo a_
s sim" (Merúri, 1973). vermelha) e kuzdo (arara amarela) 1nd1scnm1nadamente; boje ISSO e fettO
porque faltam as penas. Trabalhava-se com urna pena de nabúre ladeada
por duas de kuído, sucedendo-se alternadamente urna retriz de nabfÍ,re
Na cauda . da arara, as retrizes centrais, em número de duas, sao 'e on_tra de kuído em ambos os lados a partir do centro; ou entao, ao lado
as mais longas e de aspecto fusiforme mais acentuado. Partindo destas, das tres penas centrais de nabúre colocavam-se seis de ku~flo-, seguindo-se
para ambos os lados, as penas, embora possuindo aspectos morfológicos tres penas de nabúre ladeadas por tres de kuído, em ambos os lados,
semelhantes (fusiforme, tendendo a um formato que oscila entre oblongo alternancia que cóntinuava até as extremidades da fieira. Ainda podia-se
e oboval)~ diminuem de t.amanho em dire<;ao as extremidades laterais prender cinco penas de nabúre no centro, flanqueando-as por cinco ·penas
apostas. Essa disposi<;ao das penas confere a cauda aberta da arara viva de kuído, segµindo-se alternadamente cinco de nabúre e cinco de kuído.
o aspecto semi-circular.
Foi esse momento, parece-me, que os bóe transpuseram para o paríko. "Sendo 1-1.:1-1-l-1 é misturado, é kujaguréu, menor; sendo
O conjunto de penas que compoem o centro da l.ª feira do paríko 3-3-3-3-3-3 ou 5-5-5-5-5-5 nao é misturado, é paríko d~ maior,
·sao retrizes centrais da cauda de araras. Depois, em ambos os lados da coréu, preto" (Ukewái,., Merúri, 1973).
fieira sao amarradas por96es de retrizes de igual morfología e dimensoes
as da cauda das araras. Assim, itnediatamente as centrais, sao colocadas,
em seqüencia decrescerite em dir~ao as extremidades apostas, quantidades "Se fosse. marigúdu (antigamente) era tudo 2-2-2 nas iága.
determinadas de r..ª 5 , 2.ª 5 , 3.as, 4.ª8 é 5.ª5 retrizes laterais até completar Também 3-3-3. Prá mim vale igual. T€m muito kudóro, ,Pºe
o. semi-círculo. 2-2-2 se nao tiver, póe .desse jeito. Se fosse tudo nabure/
kudó;o fica 1-1-1 tudo ·no meio até a ponta" (José Carlos,
Dispostas · simetricamente em seqüencia ininterrupta, s~io usadas na Merúri, 1973).
l.ª fieira:

~· ' . A cor amarela (que na retriz é dada pela página ventral da ye~a
i:etrizes de arara vermelha: p.e nas azuis com nuances vermelhas e
da arara canindé) é estratégica (ou fundamental) na questao d~ alte~an_:1a
p'enas inteiramente azuis ·com página ventral vermelha;
das cores na 1.a fieira, sendo assim critério relevante de d1ferenc1a<;ao;
retrizes de ararauna, azul es~uras na página dorsal e- pretas na Amarelo, na m~ntalidade l;>ororo, e
sinónimo de ~istura e .º que e
ventral; misturado é coisa de gente pequena. É essa cor, ass1m, que .va1, perm,ear
as diferencia<;oes de combina<;ao e disposi<;ao de cores entre os z~dag~-mage,
retrizes .de arara canindé, azuis, com página ventral amarela. de acordo com ~ grau ·de dignidade e prestigio do iedága possu1dor de
determinado modelo de paríko «2s>.
Podem ainda ser usadas, dispostas alternadamente, retrizes de ararau-
na + arara vermelha, retriz.es de arara vermelha + arara canindé ou O nosso conceito de cor náo deve ser o mesmo que o .d?s Bororo. É P?ssível
(28)
retrizes de ararauna + arara vermelha + arara canindé, o que engendra pensar ( embora no momento eu náo tenha dados suficientes para elucidar a
diferentes combina<;óes. questáo totalmente) que "cor" para eles seja algo assoéiado a algum out~o
elemento. Assim por exemplo, a palavra "amarelo" é por nós emprega ª
O uso exclusivo de urna espécie ornitológica é prerrogativa dos para designar · penas
' dessa cor pertencentes a qualquer ave, ao passo que . para
_
um bor.oro é diferente o "amarelo" da arara canindé (usado em associa~ao
iedág(l-máge de ,maior dignldade (Bakor.o Kúdu, Arúa, Baitogogo, Akarúio com penas de outras cores) do "amarelo" do japu. Embora os borO(O usem
Boróge, Kaígu, Kí Bakororo). A alternancia- de duas ou tres espécies se ·
o mesmo termo, · .
ekuréu, para designar - de urna. óu
esta cor, .as conota~oes · outra
dispersa entre todos os iedága-máge grandes e pequenos da aldeia. dessas penas sao diferentes (vide também pp. 237 e 241-242).

68 - 69 -
"O maior poe 3 nabúre e 3 kuído. Agora, o maior de tudo
poe só vermelho" (Ukewái, Merúri, 1971).

"Ouem é pequeninho mesmo que mistura (que usa determinada


•ccS
ccS
..... combina~ao de amarelo, STFD) nas iága e
no páru-jiwu ·...
·-·- CI)
.....
ll...
amarelo fala que é pequeno" (Ukewái, Merúri, 1971).
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mistura:
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c.. - cd - 2 5 Os maiores~
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1 1 3 2 3 2 3 2 3 2 Porém, sáo menores
N penas penas penas penas penas penas penas do que 1 e 2.
; ~ cd- N N N M - - V ' \ - ll"lt--- -q- > _ > 11"1 M N - C. N - >-

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Os bem pequenos.

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c.. -
1
Depreende-se entao dois princípios que fundamentam as diferencia-
~óes vigentes nessa fieira, em se tratando de alternancia: o espa~o ocupado
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
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~

ü cd- - N N M . . , . _ V ' I _ V'lt--- "'t > - > V'IMN - C. N - r;:1.,- pela ·c or e a cor propriamente dita.
~ cd -
o Mas, querendo discriminar as p~as por possuidores, ter-se-á de levar
ü
cd
em considera~ao nao um ou outro princípio de maneira estanque, porém
e simultaneamente, urna vez que nao se opóem, mas se completam. E, se
::s
cd
a..... aos pequenos é vedado o · uso do que nao é misturado,. aos grandes é
cd permitido prescrutar nos domínios dos primeiros, pois eles podem manipular
+ a mistura, isto é, a cor amarela, o que é ·demonstrado pelas pe~as analisadas.
cd

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..e:
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Q) O critério mistura/ nao mistura, extensivo aos outros clas, parece nao

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se aplicar ao cla dos Kíe, onde a cor por excelencia é a preta (dada pela
página ventral da retriz da ararauna), combinada ou nao com ·a vermelha
~ cd ~ .....
Q) Q)
..... cd cd
.....
..... ..... - (dada pela página ventral da retriz da arara vermelha), pois: 3 pretas -
> <IS > c.. cd cd
a
cd
< +cd 11 11 11 +
.....
cd 3 vermelhas - 3 pretas - 3 vermelhas - 3 pretas, ou 5 pretas - 5
+ + vermelhas - 5 pretas - 5 vermelhas - 5 pretas, segundo Ukewái de
-...8
cd

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Merúri, é de gente grande e 1 preta - 1 vermelha - 1 pieta - 1 vermelha
.....
Q) o
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cd - 1 preta é de gente menor, mas nao .é misturado. Nenhuma referencia
foi feita a mistura nas raras vezes onde aparece a cor amarela entre os
> (,) (,)
cd cd cd ro
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cd
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.....
.....
cd
Kíe, pois o amarelo é irrelevante aos Kíe, tanto em Merúri qu~to em
..... .....
a
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cd
.........
cd
.........
N
cd
.........
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" 't
Córrego Grande, constando sornen te em paríko de Jé Kigaduréu e Baadojeba ·

- 71-
- 70 -
Kudóro (Córrego Grande e Merúri) e de Tóru Báru (Merúri), isto é, .
iedága-máge de menor prestígio desta divisao clanica. Se para as retrizes há toda urna problemática envolvendo alternancia
de espécies de aves, e conseqüentemente de cores, na penugem branca,
" akíri, colada as suas partes terminais depois de cortadas horizontalmente
Quanto ao Pirigára, as informa96es nao me permitem ter certeza, mas
eventualmente haveria outros critérios de diferencia9ao, além dos já cons- quando em fieira, nunca há alternancia: sao sempre usadas ou penugem
tantes, pois Kí Bakororo, iedága de maior dignidade entre os Kíe, aparece de pato selvagem, ou de urubu, ou de pomba parari, ou de urna variedade
com vermelho e amarelo, bem como preto e amarelo nas retrizes. de gaviao-da-fuma<;a, ou de gaviao-da-fuma<;a-castanho.
Hoje, porém, com os recursos da fauna ornitológica escassos, coloca-se Das espécies de aves acima apontadas, a penugem do pato selvagem
a seguinte questao: até que ponto poder-se-á considerar esse critério é a única habitualmente empregada por todos os clas, sendo as restantes
diferencial, urna vez que nao há possibilidade de se seguir rigidamente restritas a clas específicos (quadro 2).
os padroes ideais?
Pelo próprio quadro das combina<;oes (quadro 1) e pela análise dos "Turubári akíri quem cuida é Páiwoe, é dele o de peito mais
paríko-dóge das décadas de 50 e 60 do Museu Regional Dom Bosco, bem cómprido; de peito mais curto é de Bokodóri Eceráe. Kiede
como pela observa<;ao daqueles correspondentes a década de 70, distribuídos tem bái e usa. Usa turubári também. Kíe ocupa a carne, pena.
pelas a1deias, verifica-se, atualmente, a impossibilidade do bororo manter Tem paríko que tem kiogo agíri e outros nao. Kíe ganhou
o caráter simétrico na distribui<;aó das retrizes, embora sua importancia turubári akíri de Páiwoe e é prá todo mundo ocupá. Nao é
seja enfatizada verbalmente pelo informante. A assimetria é patente: a móri, a mesma coisa nonógo, kidogúru" <29 > (Raimundo, Merúri,
harmonía resultante, por exemplo, da combina<;ao 3-2-3-2-3 tradicional, 1973).
cedeu lugar a 6-5-8-3-1 ou qualquer outro "arranjo momentaneo'', imposto
pela disponibilidade da matéria-prima.
Porém, toda a incongruencia ideal/ real nao termina aqui: no Pirigára, Comumente encontramos duas possibilidades de dispor a penugem
por exemplo, a inexistencia da arara canindé e a constante presen<;a da -através da técnica da "empluma<;ao arminhada": a) pode ser colada em
arara una fez com que esta última espécie substituísse a primeira ·no tocante todas as retrizes, em seqüencia ininterrupta, ou seja, de urna a outra
as retrizes da l.ª fieira. Na minha amostra de paríko-dóge da aldeia do extremidade do semi-círculo (fig. 16a). Este modo de dispor é encontrado
Pirigára, isto é perceptível pelo paríko n.0 043 . Mas, subjacente as eventuais na maioria dos exemplares das · diversas aldeias e seu uso é comum a
substitui96es, está a consciencia bororo a despertar a aten<;ao do pesqu1sador todos os clas, embora haja casos de paríko onde a penugem está ausente;
para as transforma<;oes, urna vez que as informa<;oes sao ~empre pautadas b) pode ser colada sornente em determinados conjuntos de retrizes do
por urna expressao: "é assim, mas nao deveria ser assim". Isso se estende semi-círculo e, 'nesse caso, constata-se varia~6es intra e inter-aldeias: a
para todas as aldeias, pois, se nao encontramos substitui96es nas retrizes · partir da base do semi-círculo até a urna aJtura correspondente a· oito
da 1.ª fieira~ elas existem na 2. ª fieira, o que será ventilado mais adiante. (sete, em alguns casos) ou dez (doze, em otitros) retrizes, em ambos os
lados (Córrego Grande e Merúri) (figs. 16b e 16c), ou, igualmente a partir
Por outro lado, corrobora-se o que já foi anteriormente afirmado na da ·base, em tres ou quatro retrizes em ambos os lados e em quatro
descri<;ao técnica da manufatura do artefato, ou seja, para os bororo sao retrizes no ápice do semi-círculo (Pirigára) (figs. 16d e 16e). Esta segunda
realmente as páginas ventrais os elementos identificadores da cor das possibilidade de disposi<;ao é prerrogativa do cla dos Kíe e, apesar das
retrizes. varia~6es entre aldeias, recebe a mesma denomina~ao Kí (anta), bía (orelha),
Desse modo, e também de acordo com o ponto de vista do bororo óto (ponta), ak,íri (penugem branca), expressando o mesmo significado, isto
quanto a combina<;ao de retrizes, transportando-se a 1.a fieira ªº plano é, " ponta branca da orelha da anta".
do · cromatismo, teremos, na sua face posterior, duas possibilidades de Urna terceira possibilidade de disposi<;ao da penugem está restrita
aspecto cromático: a) apresenta-se inteiramente preta, vermelha ou amarela aos Aróroe, condicionada a forma de seus paríko-dóge ukigareúge, pois
e b) formando campos cromáticos distintos em vermelho-preto, vermelho- ela é cola~a aos conjuntos de retrizes eqüidistantes da 1.ª fieira que se
amarelo-preto e vermelho-amarelo, de larguras variáveis, segundo o número assemelham a chifres (fig. 17).
de retrizes de cada espécie em combina<;ao. Por outro lado, vista da
face anterior, caracteriza-se pela monocromia, através das várias tonalidades Quando utilizada, a penugem branca é o elemento de remate do
de azul das páginas dorsais das retrizes. artefato, pois, imediatamente a colagem, ternos o produto acabado. Mas,
- ao mesmo tempo em que. se converte no acabamento do artefat?, . se
As retrizes que compoem a l.ª fieira sao comumente · aparadas no encarada do ponto de vista puramente estético, a penugem o hm1ta,
ápice pela técnica do '.'corte horizontal", o mesmo acontecendo na 2. ª e
3.ª fieiras, quaisquer que sejam as características estruturais das penas:
(29) Nonógo = designa~ao. de duas vanedades de urucu: Bixa orellana e Bira sp.

-72- - 73 -
QUADRO 2
.,
USO DA PENUGEM

ALDEIA
AVES CLAS/ IEDÁGA-MAGE CóRREGO
MERúRI PIRIGARA
GRANDE

........ pato-selvagem, "turubári" Todos X X X


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1

urubu (vard.), "bái" Kíe - X X

pomba-parári, "metúgu" Baádo Jebáge Cobugíwu: - X X


Jerígi Otojíwu

gaviao-da-fumaca (vard.), "céje" lwagúdudóge:


Aróia Kuriréu, Jakómea - X
Atugódu Jéba

gaviiio-da-fuma~a castanho, "Keágu" Iwagúdudóge: Tadúgo - X

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que a simboliza~ao das especies naturais e de seus aróe, propriedades
inalienáveis das respectivas divisoes clanicas, torna-se patente e inteligível.
É aí, principalmente, onde o. mundo físico e espiritual e a imagina~ao
e habilidade do artista se fundem para exteriorizar um universo cultural
concreto.
Nesta fieira as varia~oes entre os diyersos exemplares se assentam
na espécie de pássaro utilizada, na morfología das penas, nas combina~oes
cromáticas e conseqüentes nuances de colorido, no uso de lascas de taquara
revestidas por um tran~ado de acúleos brancos de ouri~o com linha preta
de algodao uu revestidas também de penas e, num elemento de origem
hum·ana: os cabelos dos paríko-dóge dos Bokodóri Eceráe.
Mas, para perceber as diferen~as é necessário ater-se as minúcias de
confec~ao, dado o caráter' individualizador e matemático até, do intrincado
Figura 17 - Disposi~ao da penugem no pariko-uldgaréu. jogo de matéria-prima e cores.
Por isso, para analisar a ·2. ª fieira, necessário se toma estabelecer
critérios que, dadas as minúcias, nao podem ser rígidos para todos os
acentuando a forma e separando-a do espa~o circundante, além de se casos, ficando pois estes sujeitos a matéria-prima usada nos diversos
converter num elemento integrante do campo decorativo, margeando 0 conjuntos de exemplares adiante discriminados.
resplendor das retrizes.
Em sua· composi~ao há sempre urna série de lascas de taquara revestidas
por mosaico de penas ou penas de urna dada espécie de pássaro, as
"Akíri tá no paríko só prá ficar ma1s bonito, mais nada''
(Ukewái, Merúri, 1973). vezes duas, que predominam na fieira, as quais chamarei de elementos
dominantes; esta série pode ser interrompida por elementos contrastantes,
numericamente inferiores, ou seja, por unidades ou grupos de lascas
Porém, a penugem nao só limita ou decora; aparece também como revestidas de penas ou penas de outra espécie, dispostos no centro ou a
um elemento de oposi~ao. Ela se opoe a rigidez das nervuras e folíolos espa~os eqüidistantes, aos quais chamarei eleme'!tos de destaque. _Pode
das palmeiras, da _variedade de retrizes e do amarrado dos nós. É como ocorrer também seqüencia sem interrup~áo, ass1m como altema~ao de
se a tenue penugem, através de sua sutile~a, viesse atenuar a brutalidade penas e penas e lascas.
expressa pela multiplicidade dos diversos atributos de textura mais espessa.
É primordialmente a conjuga~áo dos elementos dominantes +
elemen-
tos de destaque, com enfase nos destaques, que, traduzida em linguagem
. A linguagem visual dos elementos que formam a 2.ª fieira, segundo simbólica, individualiza cada variedade de paríko, convertendo-a em
os informantes, é a mais significativa para a associa~ao de um paríko a insígnia clanica.
unidade social possuidora.

"Ciwábo (japu) é de todo mundo; koráo (papagaio-verdadeiro~


"Sempre no paríko ten1 que olhar no páru-jíwu e na iága. ·Mas é de to-dos, mas o que poe no meio do paríko, com aquele e
mais interessante é o páru-jíwu, que é o principal" (Ukewái, que troca" (Hugo, Córrego Grande, 1971).
Merúri, 1971).

Para se conhecer um paríko é necessário observá-lo no todo, Hugo, nesta informa~ao, está justamente enfatizando o caráter indivi- ·
dualizador dos elementos de destaque, quando a 2.ª fieira é formada po~
" . .. mas o que manda é o páru-jíwu" (José Carlos, Merúri, urna seqüencia de penas ou de outros elementos que servem de base a
1973). proeminencia de outras penas ou de outros elementos contrast~ntes~ que
se sobressaem. Exemplificando, as retrizes de japu e de papaga10 sa~ ~e
uso comum na 2.a fieira dos paríko-dóge de diversas unidades soc1a1s,
É através da 2. ª fieira que fundamentalmente se distÍnguem as servindo, assim. de substrato, vamos dizer, a 3 retrizes eqüidistantes de
varia~5es de paríko e se desvenda o que o adorno quer expressar. B aí gaviáo, a urna ,retriz central de gaviáo ou a tres grupos de 3 lascas de
- 76- - 77-
taquara revestidas, que sao espécies clanicas inerentes a unidade social outra de genero diferente. Teríamos, entáo, um exemplar com a~ caracte-
possuidora de urna ou outra combina<;áo de 2. ª fieira no paríko. rísticas seguintes: urna série de retrizes maculadas de duas tonalidades de
" verde, algumas com nuances vermelhas de papagaio-verdadeiro, misturadas
Caracteriza-se a 2. ª fieira por seu caráter compósito, ori seja, pela com retrizes maculadas de duas tonalidades de verde, algumas com nuances
diversidade de materiais utilizados na sua confec<;áo: penas estruturalmente vermelhas de papagaio-corneteiro, aparadas na parte terminal; esta série
diferentes - retrizes, penas-de-contorno, tectrizes inferiores e superiores de apresenta-se interrompida por tres grupos eqüidistantes de quatro r~trizes
várias espécies de aves - lascas de taquara, acúleos de ouri<;o, linha de azulao/branco, também aparadas, de gralha-do-campo. Segundo infor-
algodao, cabelo humano, carapa<;a de caracol. mantes, na realidade, só deveria ser usado aqui o papagaio-verdadeiro; a
Para an.álise, sua composi<;áo foi reduzida a quatro grupos .de varia<;<>es., intercala<;áo com papagaio-corneteiro é devido a falta da l. a espécie e,
cujo critério classificatório baseia-se primordialmente na matéria-prima e sendo as penas semelhantes, o efeito é praticamente o mesmo. A combina<;áo
suas diferentes combina<;oes: de tres espécies só foi observada quando da utiliza<;ao das duas espécies do
genero Amazona, o que comprova a explica<_;áo dos informantes.
O quadro 3, a seguir, elaborado a partir das variá~eis maté~ia-prima,
1) retrizes: quando basicamente formada por penas caudais, combina-
das as vezes com outro tipo de pena; sao usadas preferencialmente retrizes combina<_;ao e disposi<;ao de penas, pretende m~strar clara e suc1~tamente
modo de estrutura<;ao dos elementos envolv1dos na consecu~ao desta
de pequenas dimens6es, nao se-excluindo, porém, a possibilidade da eventual 0
presen<;a de retrizes maiores; categoría e as unidades sociais que se utilizam dessa estrutura<;ao.
Por elementos dominantes entendem-se as aves, cujas retrizes predomi-
~)tectrizes: quando formada por tectrizes inferiores ou superiores, nam na composü;ao da fieira. Elementos d~ d~staq~e denominam-s~ .as
combinadas ou nao com outras penas de constitui<;áo morfológica diferente; retrizes das aves que, combinadas com as pnme1ras, 1nterrompem a sene,
sobressaindo na fieira.
3) mistas: quando formada pela combina<;áo de retrizes ou tectrizes Os elementos de destaque interrompem a série formada pelos dominan-
inferiores com lascas de taquara revestidas. Este grupo pode ser subdividido
tes, dispostos do seguinte modo:
em: penas + lascas, quando a fieira é formada por urna série de retrizes
ou tectrizes interrompidas por lascas, e lascas + penas, quando ocorrer o
contrário; 3 de 1: tres retrizes eqüidistantes;
3 de 3: tres grupos eqüidistantes de tres retrize~;
4) lasc:as: quando formada unicamente por lascas de- taquara com 3 de 4: tres grupos eqüidistantes de quatro retnzes;
revestimento. 3 de 6-5-6: tres grupos eqüidistantes de 6-5-6 rettizes.

Na categoría retrizes foram levantadas 31 varia<;oes de composi<;áo Centro:


dos 44 exemplares computados, verificando-se que, exceto quando as' penas
estao dispostas em seqüencia sem interrup<;ao, onde é usada urna espécie, 1 urna retriz central;
sao sempre combin~das duas espécies de aves, com predominancia de 2 duas retrizes centrais~
urna e, naturalmente, da cor correspondente. Quando nao alteradas em 4 um . grupo central de quatro retrizes;
número aproximadamente iguais, a predominancia é bastante nítida. Ternos 5 um grupo central de cinco retrizes.
assim, por exemplo, urna série de retrizes maculadas de duas tonalidades
de verde, algumas com nuances vermelhas de papagaio-verdadeiro, aparadas
na parte terminal, interrompida a intervalos regulares por 3 grupos de Pode ocorrer também:
3 retrizes preto/marrom-alaranjado/branco de paváozinho-do-pará, onde
predominam as retrizes verdes de papagaio. Noutro exemplar, a 2.ª fieira é Alterna<;ao:
constituída por urna série de retrizes amarelas de japu, interrompida, revezamento em série de duas ou tres espécies ornitológicas,
a espa<;os eqüidistantes, por 3 retrizes vermelhas de arara vermelha, cortadas havendo ou nao a ocorrencia de elementos de destaque.
na parte média, onde a cor dominante é a amarela, servindo de base a
eqüidistancia em vermelho.
Série:
Pode acontecer, conforme foi observado, a combina<;áo de tres espécies, seqüéncia sem interrup<;ao de urna espécie ornitológica
quando os índios misturam papagaio-verdadeiro, papagaio-corneteiro e (figura 18).

- 78 - - 79 -
RETRIZES

QUADRO REFERENTE AS COMBINACOES DE FIEIRAS EM RELACAO AOS IEDAGA- MAGE

QUADRO 3

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- 82 - - 83
A presenc;a da penugem branca de pato selvagem na tabela referente
" ao grupo de retrizes é a meu ver justificável, pois, embora estruturalmente
diferentes enquanto matéria-prima, a penugem aparece como um elemento
I de complementac;áo das retrizes quando em série, formando urna variedade
FIGURA 18 - COMPOSICAO DA SEGUNDA FIEIRA
de paríko.
NO GRUPO DE VARIEDADES RETRIZES

Em síntese, as alternativas para a composic;áo da fieira de retrizes


ALTERNA9AO expressam-se nos seguintes termos:

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composi~ao variedades

a) Retrizes + grupos de retrizes (3 grupos) 8


(1 grupo) 2

b) Retrizes + urna retriz 2


duas retri.zes 1

e) Retrizes + tres unidades de retriz 7


ALTERNACÁO COM DESTAQUE d) Série de retrizes ( sem alten;ia~ao) 9
( com alterna~io) 2

Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .,• . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . 31

Pode-se inferir daí que há um relativo equilíbrio na manipulac;ao das


combinac;oes, urna vez que nao há ·urna tendencia mareante em direc;áo a
utilizac;áo de urna alternativa, exceto se compararmos as alternativas a,
e e d com b.
Há urna tendencia nítida para a utilizac;áo das retrizes das duas
espécies de papagaio (14 variedades) e concomitantemente urna predomi-
nancia do verde, o que nao ocorre na plumária Kayapó, Wayana e Urubu
SÉRIE (Schoepf, 1971:22-23) e Tukano (van Velthem, 1975:13).
As retrizes de papagaios podem aparecer dominando completamente
na fieira ou em seqüencia interrompida pelos elementos de destaque. Na
primeii:a possibilidade observam-se duas variedades: com ou sem emplu-
mac;ao arminhada.
Na realidade, urna série de retrizes de urna ou duas espécies de
papagaio, tendo penugem colada em suas partes terminais é diferente de
urna série da(s) mesma(s) espécie(s) sem emplumac;ao arminhada, se consi-
derada, nao só do aspecto físico, mas também do social, pois a presen~a
ou ausencia da penugem denota a fiHac;ao clanica do respectivo paríko.
Exemplo: sem penugem nas partes terminais das retrizes pertence ao cla
dos Ar6roe, do lado Tugarége; .com ela, pertence aos Baádo Jebáge Cebe-
gíwu, do lado E ceráe.

- 84- - 85 -
" . .. se nao tem nenhuma pintura no meio dele pode ser Baádo composi ~áo variedades
Jéba ou pode ser Aroréde, só que de Baádo Jéba tem turubári
akír{ na ponta do koráo" (José Carlos, Merúri, 1973). + retrizes
a ) Tectrizes super iores (3 grupos) 1
b) Tectrizes inferiores + 3 unidades de retriz 2
O que caracteriza a segunda possibilidade é a tendencia a combinar e) Série de tectrizes inferiores ( sem alterna~áo ) 1
retrizes de papagaio com retrizes de outra espécie de penas bicolores (13 ( com alterna9áo) 1
variedades) de tonalidades contrastantes, como as várias espécies de gavióes
(8 variedades) e a gralha-do-campo (5 variedades), que no plano do Total . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
cromatismo formam campos bem delimitados, onde as retrizes verdes de
fundo multicor do papagaio opoem-se as retrizes estriadas marrom/ beje .
e marrom/ branco dos gavioes e ao branco/ azulao da gralha. O mesmo Por outro lado, o quadro 4 na página seguinte, elaborado como o
ocorre em rela<;ao a combina<;ao com urna cor fundamental, no caso, a antecedente (pp. 80-83) pretende, do mesmo modo, mostrar a estrutura<;ao
retriz da arara vermelha e o marrom/branco/preto do pavaozinho-do-pará, dos elementos componentes desse grupo.
gerando a combina<;ao de penas multicores.
O que caracteriza a fieira de penas dentro do conjunto de tectrizes
Campos cromáticos distintos podem ser observados, por outro lado, é a predominancia da série de tectrizes inferiores, quer de arara vermelha,
através da combina<;ao da retriz monocroma do japu com outras espécies quer de arara canindé com ou sem alterna<;ao, dominando na fieira; somente
de tonalidades sombrias ou ofuscantes, gerando os pares de oposi<;oes numa variedade consta o uso de tectrizes superiores de pato selvagem, o
amarelo-preto, amarelo-vermelho, amarelo-marrom/ beje, amarelo-preto / qual, em certo momento, converte-se em destaque, através de suas retrizes.
marrom/ beje e amarelo-marrom/ branco. O gaviao-de-penacho só é utilizado como elemento de destaque e dentro
de urna única alternativa de composi<;ao, ou seja, aparece, entre a multipli-
Já quando em série, exceto quando as retrizes sao complementadas
cidade de tectrizes, como tres retrizes eqüidistantes.
por penugem branca, o espectro cromático se apresenta uniforme, somente
se observando contraste em rela<;ao a 1.ª fieira. Transportando-se ao plano do cromatismo, a utiliza<;ao em grande
escala de penas monocromas vermelhas, amarelas, brancas e pretas (exce-
De modo geral, opondo-se as espécies ornitológicas em combina<;ao, ~ao as de gaviao-de-penacho) de somente tres espécies de aves nao propicia
no plano do cromatismo obtém-se os seguintes componentes: tanta policromia como se pode observar em rela<;ao as outras categorias,
apesar das combina<;oes.
contraste entre penas de fundo multicor e penas bicolores (ex.: . Os contrastes sao obtidos por oposi<;ao de vermelho/amarelo, preto/
verde/ vermelho - branco/azul); branco, vermelho-marrom/beje e vermelho / amarelo-marrom/beje.
contraste entre penas de fundo multicor e urna cor fundamental · · Do conjunto de varia<;6es obtém-se, entao, os componentes que, nesse
(ex.: verde/ vermelho - vermelho); plano, caracterizam a categoria tectrizes:
contraste de cores fundamentais (penas monocromas) (ex.: amarelo
- vermelho) ; contraste entre cores fundamentais (ex.: vermelho/ amarelo);
contraste de penas multicores (ex. : verde/ vermelh0t - preto/ mar- contraste entre cores fundamentais e penas bicolores (ex.: verme-
rom/ branco; lho ·- marrom/ beje), (vermelho/ amarelo - marrom/ beje);
contraste entre urna cor fundamental e penas multicores (ex.: ama- unifonnidade cromática (monocromia) (ex.: vermelho).
relo - preto/ marrom/ branco).
Os grupos de variedades m istas e lascas seráo . analisados simulta-
Somam apenas 1O os exemplares computados na categoria tectrizes, neamente. E isso porq~e, em ambos os conjuntos, as lascas como elementos
observando-se 5 variedades, o que propicia urna representatividade menor de destaque que se sobressaem de séries de I.ascas ou séries de penas,
se comparada aos outros grupos de variedades. ocupam posi<;ao privilegiada nas duas composi<;oes de fieira.
As alternativas para a sua composi<;áo podem ser sintetizadas no Para analisar a 2.ª fieira do conjunto de paríko:..dóge, em cuja compo-
quadro seguinte e na figura 19: si<;ao entram lascas de taquara (Kadom ega, em Merúri e Córrego Grande e

86 - - 87 -
TECTRIZES
QUADRO REFERENTE AS COMBINACOES DE FIEIRAS EM RELACAO AOS IEDAGA-MAGE
QUADRO 4

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Observa~o - Apesár de também valerem aqui os critérios utilizados para a tabela referente ao grupo
de variedades "retrizes", é necessária a seguinte observa~o: 3 de 4-5-4 refere-se a 3 grupos eqüidistan-
tes de 4-5-4 retrizes.

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caatichíra no Pirigára), foram computados 75 exemplares num total de As lascas apresentam tres variedades de formas:. retangulares, triangu-
72 variedades, das quais 38 se referem a séries exclusivamente de lascas
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lares e cilíndricas. As duas primeiras sao encontradas em grande quantidade
e 34 a séries de lascas em combina9ao com penas. de exemplares. As retangulares sao largamente utilizadas por todos os clas,
sendo as triangulares utilizadas em menor escala e somente pelos lwagúdu-
Segundo Ukewái (Merúri, 1971, 1973), com exce9ao do cla dos dóge, Páiwoe, Kíe, Baádo Jebáge Cobugíwuge e Baádo Jebáge Cebegíwúge.
Apiborége, todos os clas utilizam lascas de taquara na 2.ª fieira. Porém, A forma cilíndrica aparece representada num só · exemplar como elemento
é possível que esta afirma9ao só se aplique as aldeias de Merúri e Córrego de destaque numa série de lascas predominantes no Piodúdu ímo paríko,
Grande, já que para a do Pirigára encontrei urna variedade feita somente simbolizando o ninho do beija-flor e pertencente a Jakómea Atugódu Jéba,
de lascas, o Kuído ímo paríko, pertencente a BJ Boroge, um iedága Apibo- um iedága lwagúdudogédu Cebegiwu. ·
regédo Coréu.
De modo geral, as lascas de taquara medem aproximadamente 9 a
14 cm de comprimento por 1,0 a 2,5 cm de largura, nao havendo, por
"Bokodóri Eceráe, Baádo Jéba Cobugíwu e Baádo Jeba Cebegí- · outro lado, uniformidade nas dimensoes das lascas utilizadas por um iedága
wu ocupam kadomega. Iwagúdu dóge, Aroréde, Páiwoe ocupa específico. Assim, por exemplo, as lascas em alguns pariko-dóge de Ki
menos kadomega, sempre 3-3-3. Apiborége só .que nao ocupa, Bakororo podem medir 13 x 1,3 cm, 14 x 2,0 cm, 12 x 1,5 cm; de
nem em alguns enfeites porque nao pode, porque ele é o Bakoro Kúdu medem 9,5 x 2,0 cm, 11 x 1,5 cm, 12 x 2,5 cm. Há
guerreiro e nao tem sossego. Todo o dia só ca9a a guerra. casos em que iedága-máge de mesmo cla possuem lascas de identicas
Aróia Kuriréu, Birimódo, Kurugúgwa também. Todos os quatro dimensoes, como Aróia Kuriréu e Butóre Agádu do cla dos Iwagúdu-dóge,
sao guerreiros" (Ukewái, Merúri, 1973). na aldeia do Pirigára.
Tanto na categoría lascas como em mistas, as lascas sao revestidas
"Apiborége bota koráo porque nao ocupam kadomega. Nao por penas-de-contorno, através da técnica do mosaico de penas, por pe-
podem ocupar porque quase nao teµi nabúre bú. Tem mais, só nugem, pela técnica de empluma9ao arminhada ou por um tran9ado de
de kurugúgwa, aróe ecéba. O koráo, com licen~a de Baitogogo acúleos brancos de ouri90-caixeiro com linha preta de algod~o. Conforme
usam. Só no paríko. Kadomega entra aquí: Baádo Jéba Cebe- a variedade de paríko, madeixas de cabelos e carapa9a de caracol aparecem
gíwu, Baádo Jéba Cobugíwu, Kíe, Bokodóri Eceráe; os Tugarége respectivamente como elementos de complementa<;ao ou de sobreposi<;ao do ·
também, só nao Apiborége. Os outros ocupam porque tem revestimento, urna vez que se apresentam respectivamente pendentes das
bastante nabúre bú, kuído bú, kúje bó, kúje peebáru" (Ukewái, lascas ou justapostas ao revestimento de penas.
Merúri, 1971).
Qualquer que seja o motivo a ser representado, há cinco possibilidades
de colora9ao no revestimento das lascas quando se tratam de penas:
Essas informa~oes obtidas de um mesmo informante em diferentes vermelho (arara vermelha); azul (duas tonalidades: arara vermelha e arara
períodos permitem-me entrever duas razoes para que o cla dos Apiborége canindé); preto (mutum macho); bran~o (pato selvagem, pomba parari,
nao utilize séries de lascas em seus paríko-dóge: a primeira estaría ligada mutum macho); amarelo-laranja (arara canindé).
diretamente a explica~oes que se poderia buscar nos mitos a respeito das O que particulariza cada variedade nos dois grupos é justamente ?
fa<;anhas dos iedága-máge. o tempo gasto nas lides guerreiras nao permi- jogo de oposi<;oes cromáticas advindo das espécies •omitológicas em comb1-
tia que os Apiborége se preocupassem com as minúcias e sutilezas da na9ao. Ternos, enta.o, por exemplo, sobre urna base de lascas totalmente
técnica do mosaico de penas, que desde a prepara<;áo da base de colagem, amarela, lascas que se destacam por oposi<;ao do preto, vermelho e amarelo,
no caso as lascas de taquara, o corte das miúdas penas-de-contorno até a ou urna base multicor de penas verde/ vermelho de papagaio contrapondo-se
colagem propriamente dita, exige' maior dispendio de energia e tempo do a lascas revestidas por oposi<;ao do branco, azul e vermelho, que aparecem
que a prepara~ao de penas maiores e o amarrado dos nós; a segunda, como destaques na fieira.
estaría ligada ao circuito da matéria-prima, pois supoe a obten<;ao do
material através de "doa96es" (anagódu) intra e inter-clanicas da mesma Quando revestidas pelo tran<;ado de acúleos brancos de ouri<;o-caixeiro
metade ou por trocas entre os clas de metades diversas, já que se refere e linha preta de algodao, íve:..óto, a particularidade se concentra no desenho
diretamente a quantidade e qualidade do material adequado em disponibili- geométrico do motivo a ser simbolizado, nas cores e na disposi<;ao e
dade entre os clas, no caso as penas-de-contorno de arara vermelha, arara combina9ao das listas que intercalam e limitam o desenho. O espectro
canindé e mutum macho. Sao, pois, afirma<;6es que a meu ver, se nao cromático branco/preto do tran<;ado íve-óto nunca aparece sozinho, salvo
solucionam de imediato a questao levantada pelo pesquisador, sao altamente urna exce9ao, pois as listas o delimitam em vermelho ou vermelho e
sugestivas no sentido de suscitar outras indaga~oes e por isso mesmo· branco e as penas dominantes que lhe servem de base ou sao amarelas
passíveis de um estudo mais profundo. (japu), ou vermelhas (arara vermelha) ou vermelhas/amarelas (arara

- 90 -91-
vermelha, arara canindé). Assim, o íve-óto, quando em destaque na delimitadas que variam em fun~ao do espa~ ocupado pelas cores em
2.ª fieira está ,sempre associado e em contraste com as penas amarelas contraste e em fun~o do número; e) campos · tran~ados em desenhos
e vermelhas. geométricos combinados com listas que variam em fun~áo do motivo
expresso no revestimento e em fun~ao da cor e número das listas- que
Quando revestidas totalmente em mosaico, as lascas que predominam, delimitam os campos; d) revestimento total das lascas em monocromia;
consistindo no substrato das lascas que sobressaem pela mistura de colorido e) revestimento total das lascas em monQcromia com destaque central por
na fieira, sao sempre inteiramente vermelhas, pretas ou amarelo-laranja. oposi~ao de · outra cor.
Daí o jogo de oposi~6es cromáticas que, se encarado do ponto de vista
do cromatismo, resulta nos componentes seguintes: Os quadros 5 a 12 (pp. 142-148) sao urna tentativa de sintetizar a
conjuga~ao e a estrutura~ao dos elementos que compoem as fieiras dos
dois grupos de variedades; mistas e lascas, em associa~ao com os clas e
para lascas iedága-máge possuidores de cada particularidade de combina~ao .
Para consultá-los, há necessidade de se utilizar os códigos de:
contraste entre lascas monocromas (ex.: vermelho - preto);
contraste entre lascas monocromas, de um lado, e bicolores e - clas
tricolores de outro (ex.: vermelho - vermelho/azul; vermelho - - grupo de variedades
vermelho/ preto/ amarelo);
aves
contraste entre lascas bicolores (ex.: vermelho/ amarelo - branco/ - representa~ao (vide pp. 99-141)
vermelho);
uniformidade cromática (ex.: vermelho). O código de aves e o de representa~ao devem ser consultados simul-
taneamente.
Isso me leva a afirmar que as oposi~oes cromáticas vigentes nas No código- de representa~áo aparece, ao lado de cada desenho, o
lascas saq sempre entre cores fundamentais. A cor branca da penugem correspondente significado das espécies clanicas aí arraladas ou a indica~áo
aparece na maioria das variedades como um elemento de delimita~ao ·de outros diferentes mecanismos de identifica~ao das variedades; sob cada
entre a 2.ª e 1.ª fieiras ou entre as próprias lascas. lasca ou sob cada conven~ao referente as aves e respectivas penas, indica-se
o modo como se estruturam na fieira quando estes elementos forem
destaques; a esquerda destes indicam-se os elementos dominantes por meio
para mistas, de desenho quando se tratar do grupo lascas e pela indicac;ao da conven~ao
constante no código de aves quando se tratar do ·grupo de variedades mistas.
Por meio do código de representa~ao também se pretende mostrar o jogo
contraste entre penas monocromas de um lado e lascas monocro- de oposic;oes cromáticas do revestimento ~~s lascas.
mas, bicolores e tricolores de outro (ex.: amarelo - vermelho;
amarelo - vermelho/ preto; amarelo - vermelho/ preto/ amarelo); Por elementos dominantes entenda-se as lascas, retrizes oµ tectrizes
qu_e predominam na fieira. Elementos de destaque sao as lascas º'!- penas
contraste entre penas multicores de um lado e lascas bicolores ou que . sobressaem na fi~ira, interrompendo a série de elementos dominantes.
tricolores ~e outro (ex.: verde/ vermelho - branco/ vermelho; A interrup~áo pelos elementos de destaque se dá do seguinte modo:
verde/ vermelho - branco/ vermelho/ azul);
contraste entre penas e lascas monocromas (.ex.: amarelo - ver- 3 de 1 3 penas eqüidistantes;
melho).
3 de 3 3 grupos eqüidistantes de 3 lascas ou 3 penas;
3 de 4 3 grupos eqüidistantes de 4 lascas ou 4 penas;
A simbolizat;ao das espécies naturais e sobrenaturais e outros diferentes
mecanismos (a disposi~ao cromática e o lugar ocupado por determinada 3-1-3-1-3 =
3 grupos eqüidistantes de 3 lascas, apresentando o grupo
cor na lasca), associados aos clas, expressam-se no revestimento das lascas, central urna pena de cada lado;
'
por meio de: a) listas, que variam de acordo com a cor, número ·e 3 de 1-7-1 = 3 grupos de 7 penas, estando cada grupo entre duas
dimensao; b) campos cromáticos distintos, formando áreas cromáticas bem lascas.

-92- -93 -
Centro:
l - 1 lasca central lascas + penas
"
3 3 lascas centrais Alternafiio com destaque
4 4 lascas ou penas centrais - lascas + 3 unidades de penas 3
- lascas + grupos de penas (3 grupos) 1
5 5 lascas centrais (1 grupo ) 1
1-1-1 -- 1 pena entre duas lascas
Sub·total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Como nos gr_upo_s de ~ariedades anteriormente abordados, aqui também Total ... .... •. . . . . . . ..... .... ... ... . . ... . . ...... .. . ...... ... .. . . 34
o~orre a alterna<;ao, 1sto e, revezamento em série de lascas de cromatismo
diferente ou pe.nas e lascas, e séri~s, isto é, seqüencia sem interrup<;ao
de lascas revestidas por mosaico de penas (figuras 20, 21 e 22).
Ao dividir a 2. ª fieira de penas em quatro grupos básicos., usando
As alt~rnativas ~ara a c_omposi<;áo da 2. ª fieira no grupo de variedades primordialmente o critério de matéria-prima e suas combina<;óes, outra
lascas e mzstas, advem, po1s, da conjuga<;áo de elementos conforme os inten<;áo nao houve do que usar um recurso analítico que permitisse
quadros abaixo: esgotar as potencialidades físicas do artefato nessa fieira, possibilitando ao
leitor, paulatinamente, observar um todo composto por urna multiplicidade
para 1ascas : de elementos.

composi~ao variedades
A escassez da fauna ornitológica, a semelhan<;a da 1.ª fieira, também
a) Alternafiio com destaque para a 2.ª fieira acarretou substitui<;óes de matéria-prima, mas que ao
- lascas + grupos de lascas (3 grupos) 10 ver dos índios nao interferem, aquí, nem no efeito estético, nem no conteúdo
(1 grupo ) 2 cultural expresso quando da fieira acabada. lsto porque a espécie ornito-
- lascas + 1 lasca
1 lógica ou a própria pena substitutas tem nao só a tonalidade semelhante
b ) Alternafiio sem destaque a original, mas ambas provem do mesmo cla fornecedor da espécie ou
- de unidade de determinada pena, exce~ao _feíta a urna substitui<;ao de 1.ª fieira num
1
- de grupos paríko da aldeia do Pirigára, onde a arara canindé (Páiwoe) foi substituída
2
c) Série pela ararauna (Kíe).
22
Assim ternos, na 2.ª fieira, retrizes pretas de pato selvagem, (Páiwoe)
Total . . .. . . . . . . . .. .. .. .. . . . . ... . . .. . . . . . . ... . .. .. .. .. .. . . .. .. .. 38 substituindo tectrizes superiores pretas da mesma espécie ornitológica,
como no paríko n.0 033, dos Bokodóri Eceráe Cebegíwuge; lascas revestidas
para mistas: de penas-de-contorno amarelo-laranja (Páiwoe) substituindo retrizes ainare-
las de japu (Páiwoe) no paríko n. 0 036 dos Baádo Jebáge Cebegíwu;
retrizes multicores de papagaio-corneteiro (Páiwoe) substituindo retrizes
penas + lascas de papagaio-verdadeiro (Páiwoe) no paríko-padrao descrito no primeiro
capítulo, n. 0 011 , dos Apiborége e no n. 0 014 dos Baádo Jebáge Cebe-
variedades gíwu; neste último, também o gaviao-carijó pode ser substituído pelo
a) Alternariio com destaque
gaviáozinho.
- penas + grupos de lascas (3 grupos) 17
(1 grupo ) 10
- penas + 1 lasca "Para os koráo iága nao tem conta, nao tem lei. Se tem
1 bastante, bota bastante; se tem muito koráo iága é puro koráo;
b) Alternafiio sem destaque
se nao tem, mistura com kuritága iága, nao é problema. Se
- de grupo
1 tem pouco , koráo iága, bota· pouco. Mistura porque é igual, é
companheiro. Koráo e kuritágq sao de Páiwoe'' (José Carlos,
....................................................... 29
Merúri, 1973).

-94- - 95
"Só Baádo Jebáge Cebe,gíwu poe kurugúgwa róga (gaviao-ca- Pela análise das características morfológicas das tres fieiras de penas
rijó) no paríko; com puro barúgi (gaviaozitiho) é desse mesmo que, unidas, vao redundar num artefato de grande efeito cénico, fica
Baádo lebáge Cebegíwu. BQrúg¡ também é do Jerígi Otojíwu patente que a complexidade dos elemento%) envolvidos em sua confecc;ao
(Baádo Jeb-áge Cobugíwu), m~s nao usa assim no paríko. é de tal ordem que o pesquisador nao pode ater-se somente aos domínios
Kurugúgoe Etoiagáre faz assim, mas se nao tem kurugúgwa róg-u puramente ergológicos e estéticos, mas ir mais além, relacionando-os coro
poe barúgi, assim como em falta de ciwábo iága (retriz de japu) outras esferas do comportamento social, ou seja, outros domínios da
cultura. Este ínter-relacionar-se foi verificado pelo próprio material, através
p0e kadomega com kuído bú (lascas de iaquara revestidas de
do trabalho de campo, onde pude constatar que a confecc;ao de um paríko
penas-de-contorno de arara canindé) no paríko. Vale a mesma
nao apenas envolve um perfeito domínio das técnicas e um profundo
coisa" (José Carlos, Merúri, 1973).
conhecimento dos materiais, mas també1n um intensa rede de relac;oes sociais
abrangendo os homens associados aos iedága-máge, que configuram os
"Se nao tem kurugúgwa rógu bota barúgi. O certo mesmQ é sub-clas e os clas. Esta rede de rela96es transparece no inter-relacionar-se
kurugúgwa rógu" (José Carlos, Merúri; 1973). dos homens envolvidos pelo paríko, tanto na obtenc;ao e uso de matérias-
primas provenientes de determinadas espécies clanicas, quanto na trama
que envolve a simboliza9ao de 9utras espécies clanicas, que sao colocadas
Alénr do atributo textura, outros, como a cor e as características no paríko, para transmitir, pela sua linguagem, a posi9ao social das unidades
morfológicas e estruturais das penas-de-contorno, sao essenciais .a manufa~ possuidoras. Isto é o que fundamentalmente transparece no problema da
tura da 3.ª fiejra. identificac;ao social de um paríko.

Nem todos os exemplares analisados possuem, porém, essa fieira, Em vista disso, eu sugeriría que a c~rga de sentidos sócio-culturais
ausencia esta que parece conyergir aos Eceráe, já que nao se apresenta atribuída ao paríko, na verdade, sobrepuja os valores estéticos nele envolvi-
dos. E a beleza, entao, se bem que importante, nao seria propriamente o
ein determinados paríko-dóge dos Baádo J eb.áge Cobugiwúge, dos Baddo
elemento fundamental, mas um elemento de complementac;ao do conteúdo
Jebáge Cebegiwúge e dos Bokodóri Eceráe,. sendo seu uso mais generalizado
expresso pelo intrincado jogo de pássaros e cores.
entre os Tugarége, pois a ausencia se restringe a poucos paríko-dóge dos
. Aróroe Cebegiwúge e dos lwagúdu-dóge Cebegiwúge, nas aldeias de Córrego
Grande e Merúri. Na aldeia do Pirigára, por outro lado, dos 25 paríko-dóge
analisados_somente um, de Akarúio Bokodóri, um Baádo Jebádo Cobugiwu,
possui a 3.ª fieira. ·
Qu~do presente, há comumente duas op~óes para a sua utiliza~áo,
em meio a profusao de pássaros e cores, em Merúri e Córrego Qtande:
as penas.- de-contomo vermelhas da arara verll\elha e as ·pret~ do mutum
macho, disposta&· em fieira, sem. alte.rnancia. A mesma disposi~ao é verificada
no Pirigára onde ainda há o · acréscimo das penas-de-contorno prelas
originárias do urubu, segundo .informa~óes, verbais. Há urna exce~ao em
Merúri. . O pan'ko n.0 023 dos Bokodóri Eceráe aparece com a 3.ª fieira
amarelo-ouro, composta de penas-de-contorno de arara· canindé.

As penas-de-contorno estruturalmente mais adequadas para essa fieira


sao as do ventre, peebáru bó, do peito, moróra b6, da parte posterior do
pesco~o, itoréu bó e tectrizes superiores, kána kúje; neste último c~so,
somente sao usadas as de maiores dimensóes (Bentinho e Ukewái, Menífi,
1973).

Deve-se, porém, ,aqui, ·:fazer-se . urna .r~ssalva: já ·q ue as penas-de-


contorno que recobretn o ventre do mutum sao brancas penugentas, natural-
mente elas sao exc.luídas desta classifica~ao, pois, como vimos, . somente
as penas pretas estao dentre as_que caracterizam essa fieira.

- 96 ---.., - 97
-
p

CóDIGO DE CLÁS

A Baádo Jebáge Cobugiwúge

B Bokodóri Eceráe

e Kíe

D Baádo Jebáge Cebegiwúge

E Aróroe

F lwagúdu-dóge

G Apiborége

H Páiwoe

CóDIGO DE GRUPO DE VARIEDADES

X grupo lascas

Y grupo mistas

- 99 ---
,.

CóDIGO DE AVES

- 101 -
PAPAGA/0- VERDADEI RO (RETRIZES)

D
.,,
JAPU (RETRIZES)

CANCA (RETRIZES)

......
o
tv
a ANU BRANCO (RETRIZES)

a ANU PRETO (RETRIZES)

~ ARARA VERMELHA (TECTRIZES INFERIORES)

G ARARA CANINDÉ (TECTRIZES INFERIORES)

GA V/AD-DE-PENACHO (RETR/ZES)

GA V/AD- DE-PENACHO (TOPETE OU PENACHO)

' GA V/AD-DE-PENACHO (PENAS-DE-CONTORNO DO PESC090)

......
o
Vl
GAVIAO- REAL (RETRIZES)

PATO SEL VAGEM (PENUGEM)

OBSERVA9AO - OS CÓDIGOS REFERENTES AD GAVIAO- DE-PENACHO (TO-


PETE E PENAS-DE-CONTORNO DO PESC090), AD GA V/AD- REAL (RETRIZES) E
AD PATO SEL VAGEM (PENUGEM) FOGEM AD ESQUEMA GERAL, A FIM DE FACI-
LITAR A COMPREENSAO DO ºCÓDIGO DE REPRESENTA9AO".
CóDIGO DE REPRESENTACAO

- 105 -
Grande lambari, meteoduréu kuriréu : peixe.
Representa<;ao da pigmenta<;ao da regiao dorso-
-lateral do corpo (informante Merú ri ).
A1x ,

(3 de 4)
1--'
o
°'

Lambari, m eteoduréu: peixe. Representa<;;ao da


pigmentac;ao da regiao dorso-lateral do corpo
(informante Merúri ).
A2y

(5 - centro)

a) bakaráia (informante Merúri) . ~egundo Cra-


cker (1967:22, Appendix, Table 4) , significa
ocelote: mamífero.
A3y
b) Lambari pequeninho, m eteoduréu kugurigadu-
réu : peixe (informantes Merúri e Córrego Gran-
de).

(~de 4)
.....
o
....:a

Grande lambari, meteoduréu kuriréu : peixe.


Representa{fao da pigmenta~ao da-regiao dorso-
A4y -lateral do corpo (informantes Merúri e Córrego
Grande).

(3 - centro)
Lambari, meteoduréu: peixe. Representat;:ao da
pigmentat;:ao da regiao dorso-lateral do corpo
(informante Merúri).
A5y
:.>

(3 de 4)
-
o
00 •
4

Lambari, meteoduréu: peixe. Representa~ao da ·


pigmenta~ao da regiao dorso-lateral do corpo

A6y (informante Córrego Grande).

(3 de 3)

Bakaráia (informante Pirigára). Segundo Crocker


(1967:22, Appendix, Table 4), significa ocelote:
A7y mamífero.

(3 de 3)

-
o
\D

Bakaráia {informante Pirigára). Segundo Crocker


A8y (1967:22, Appendix, Table 4), significa ocelote:
mamífero.

(3 de 3)
Bakaráia (informantes Merúri e Córrego Grande).
Segundo Crocker (1967:22, Appendi x, T able 4 ),
significa ocelote: mamífero. '
A9y "

(3 de 4)
-
o

a) bakaráia (informantes Merúri e Córrego Gran-


de). Segundo Crocker (1967:22, Appendix,
Table 4), significa ocelote: mamífero.
A10y
b) lambari pequeninho, meteoduréu kugurigadu-
réu : peixe. Representa<;ao da pigmenta<;ao dor-
so-lateral do corpo (informante Merúri ).

(3 de 4)

. ~
...
!!!!!!!~~~~~~:::::¡¡¡i;.6!.............................................................................~~~~_...; -
~ -~
1

O informante somente forneceu indica~oes refe-


rentes as cores das lascas, enfatizando a cor ver-
melha: "O vermelho no meio é importante" (in-
A11y formante Merúri) .

(4 - centro)

.......
.......
.......

Lambari, meteoduréu : peixe (informante Córre-


go Grande).
·A12y

(3 de 3)
lambari, meteoduréu : peixe. Representac;ao da
pigmentac;ao dorso-lateral do carpo (informante
Córrego Grande).
A13y .,

........
(3 de 3)
........
N

O elemento identificador é a cor da lasca com


enfase na madeixa de cabelo humano (informantes
B1x Córrego Grande e Pirigára).

(série)

ldem ao anterior (informante Merúri).

B2x

-( .;.)
(série)

A identifica~o clanica se restringe a primeira


fieira (informante Merúri).

B3y

(4 - centro)
A identificac;:ao é dada pela- cor da lasca e pela
posic;:ao das retrizes de cor preta (informante
Merúri).
.,
B4y

-
~
(4 - centro)

A identificac;:ao é dada pela posic;:ao das cores,


com enfase na cor amarela (informantes Merúri
e Córrego Grande) ..
B5x

(3 de 4)

A enfase na identificat;:ao é dada pelo uso das


tres retrizes em destaque (informante Merúri).

B6y

--
l.
Vl
(3 de 1}

A identif icat;:ao é dada pela posit;:ao das cores,


com enfase na cor amarela e nos cabelos humanos
(informantes Merúri e Córrego Grande).
B7x

(série)
A identificac;ao é dada pela posic;ao das cores, com
enfa~ na cor amarela (informante Pirigára).

,
B8x

--
O\
(série)

ldem ao anterior (informante Pirigára).

89x

(série)

A identificac;ao é dada pela combinac;ao cromática


da lasca, com enfase nas tres retrizes ·(informante
Merúri).
B10y

-
.......
-J
(3 de 1)

A identificac;ao é dada pela disposic;ao das cores na


lasca (informante Merúri).

B11x

(série)
Sol ao poente em época de queimada das ror;as
(informante Merúri).

C1x
..,

..... (3 de 4)
.....
00

Méri lokuregaréu (? ) "por causa do preto do


meio" (informante Merúri).

Colbacchini e Albisetti ( 1942 :441): méri fokú-


C2x rea = raio de sol.

(série)

Méri /okuregaréu (? ) "pinta do Sol". (informante


Merúri).

Colbacchini e Albisetti ( 1942:441): Méri /okú-


C3x
rea = raio de sol.

{série)

-
.....
\D

A identifica~ao é dada pela cor e disposi~ao das


lascas (informante Pirigára).

C4x

(3 de 4-3-4)
(? ) (informante Pirigára}.

C5x '!J

-
N
o
(série)

(? }, Kiógo meriréu: ave. Segundo o informante,


C6x pássaro vermelho e preto, mais específicamente:
cabe<;a vermelha, perna vermelha, corpo preto (in-
formante Pirigára).

(série)

Sol listado (? ), méri /okuregaréu (informante


Merúri).

C7y Colbacchini e Albisetti (1942:441): Méri /okú-


rea = raio de sol.

(4 - centro)
.......
N
.......

Diadema preto, parlk o éoréu.

C8x

(alterna<;ao)
Corujao, kúgo : ave (informante Merúri) .

. 01
X
,,

(série)
.....
N
N

(?) (informante Pirigára).

D2y

(3 de 1)

Representa~ao momentanea do So 1 ao poente


em época de queimada de ro~a ("Metade do
rosto é preto" - informante Merúri).
D3x

(série)
.....
N
V.>

Mamangabas pretas, mekúgoe e-péva akaduréu


~oréu: inseto. Listas pretas da regiao abdomi-
nal (informante Merúri).
D4x

(3 de 4)
a
Énfase dada cor do revestimento das lascas
(informante Pirigára).
D5x
.,

-
tv
~
(série)

Mamangabas vermelhas, mekúgoe e-péva aka-


duréu kujaguréu : inseto. Listas vermelhas da
regiao abdominal (informa nte Merúri).
D6y

(3 de 3)

Paríko com motivo ornamental semelhante ao


do espírito Méri (informante Córrego Grande).

D7y

-
tv
O\
(4 - centro)

Mamangabas amarelas, mekúgoe e-péva akadu-


r éu ekuréu: inseto. Representac;:ao das listas
vermelhas da regiao abdominal (informante
ºªv Merúri) .

(3 - centro)
Mamangabas amarelas, mekúgoe e-péva akadu-
réu ekuréu: inseto. Representa<;:ao das listas
D9y amarelas da regiao abdomi nal (informante
.,,
Merúri).

(3 de 4)
.......
N

°'

Borboleta, mekágo : inseto (informante Merú-


ri).

D10x

(4 - centro) ·

Par íko com motivo ornamental semelhante ao


do espírito Méri (informac;ao do_MRDB).

D11x

1 (alterna<;:ao)
.......

~
Parlko do Aróe. Pelas características, provavel-
mente se trate do mesmo motivo do diadema
anterior (informa<;:ao do MRDB) .
D12x

(alterna<;:ao)
Mamangabas, mekúgoe: inseto (informante
Pirigára).

"
D13x

(série)
-
N
00

(?).

D14x

(serie)

Larva de lepidóptero, aróro coréu. Larva com


motivos ornamentais pretos no abdomen.

E1x

(3 de 4)
.......
N
\O

A identifica~ao é dada pela cor da lasca e


principalmente pelo uso de carapa~a de
caracol (informante Córrego Grande).
E2x

(3 de 3)
Cobra coral, aróri bakorororéu: réptil (infor-
mante Pirigára).

E3x .,

-
w
o
(série)

Arara vermelha, nabúre: ave (informante Pi-


rigára).
E4x

(série)

Espirito, monstro aquático, aije ("nao é como


ai¡e nao, mas já pos nome" - informante Me-
E5y
rúri).

--
w
( 1-1-1 - centro)

Larva de lepidóptero, aróro ekuréu. Larva com


motivos ornamentais amarelos no abdomen
E6x ~ informante Merúri) .

( 1 - centro)
A identificac;ao é dada pela disposic;ao das cores
da lasca, com enfase na cor preta ( informac;ao
do l\r1RDB).
E7x .,,

(série)
~
w
N

A identificac;ao é dada pela posic;ao das cores


das lascas, com enfase na cor vermelha (infor-
mante Córrego Grande).
ESX

(série)

Larva de lepidóptero, aróro ekuréu. Larva com


E9x motivos ornamentais-amarelos no abdomen
(informac;ao do MRDB).

(3 de 3)

~
w
w

ti
Espírito, Jakómea (femea) (informante Piri-
gára).

F1x

(série)
(?). '!I

F2y

-
w
.¡::...
(3 de 1-7-1)

Espírito, Jakómea (informante Córrego Gran-


de).

F3y

(4 - centro)

V
Espírito, Jakómea (informante Córrego
Grande) .

F4y

-
w
v. (3 de 4)

Pintura somática denominada kidoréu kujagu-


réu, sanha<;o vermelho, usada na dan<;a funerária
Arároe aróe ( EB, I :127 - informante Pirigára) .
F5y

Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai


www.etnolinguistica.org
Ninho de beija-flor (informante Merúri).
11

F6x

-°'
w
(3 - centro)

u
Espírito, Jakómf!a (informante Merú-
ri) .

F7y

(3 de 4)

Pi.n tura somática denominada kidoréu 'éoréu,


sanhac;o-escuro, usada na danc;a funerária Ará-
f By roe aróe (EB, /:127 - informante Córrego
Grande

(a 1ternac;ao)

-
w
.....J
V
Espírito, Jakómea (informac;ao do
MRDB).

f 9x

(3 de 4)
"
Espírito, Jakómea (informantes Pirigára e
Córrego Grande).
,
F10y

(4 - centro)
~
w
00

·1

Espírito, Íakómea (macho) (informante Pi-


rigára).
F11x

(série)

Espírito, lakómea (informante Córrego


Grande).

F12y

(3 de 4)
~

w

Sanha<;o, kidoréu: ave (informante Pirigára).


F13y

(3 de 3)
Arara canindé, kuldo: ave {informante Piri-
gára). .,
G1x

{série)
.......
.¡:,..
o

Gaviao-de-penacho, kurugúgwa: ave (infor-


mante Merúri).
G2y

(1 - centro)

Araruna, kudóro: ave (informante Merúri).

H1x

(3 de 4)

.......
.¡:,..
.......

Araruna (?).

H2y

(3 - centro)
LASCAS / MISTAS
CUADROS REFERENTES AS COMBINA<;OES DE FIEIRAS EM RELA<;AO AOS IEDÁGA-MÁGE

CUADRO 5

')

CLA A

Número do paríko 037 038 039 040 041 042 043 044 045 046 047 048 049

Código de represen-
ta~ao

-
~
tJ
1edága-máge

Mamuiáwuge Ecéba
Alx

+
A2y

+
A3y A4y

+
A5y

+
A6y

+
A7y

+
A8y

+
A9y A10y A11y A12y A13y

Jerígi Otojíwu + + +

Akarúio Bokodóri + + + +

.
.
Bokwarébo +

x - grupo lascas
y - grupo mistas

Observa~ao - As letras maiúsculas correspondem ao cla e os números que a elas seguem representa~ao expressa no a
· paríko. As letras minúsculas após os números correspondem ao grupo de variedades (ver códigos de representa~ao,
de clas e de grupo de variedades).

CUADRO 6

1::
CLA B

Número do par íko 050 051 052 053 054 055 056 057 058 059 060

Código de repre·
senta~ao B4y B5x B6y B7x BSX B9x B10y B11x
B1x B2x B3y
ledága-máge
.
.
Kaígu + + + +

-
~
w
Jorúbo

Aro Giaréu
.
+

Bokodóri Báru +
'

Baráme +
-
Aromére + + + + + +

fno Kúri + +
~

Kuogóre Pijíwu +

Tugóe +
OUADRO 7

.,
CLA e

Número do paríko 061 062 063 064 065 066 067 068

Código de represen-
taf;:ao

·-
~
~
ledága-máge
C1x C2x C3x C4x C5x C6x C7y cax

Kí Bakororo + + + + + + +

Jé Kigaduréu +

Baadojéba Kudóro +

Kíe (todos) +

OUADRO 8

CLA D

Número do i>aríko 069 070 071 072 073 074 075 076 077 078 079 080 081 082

Código de represen-
ta~o
D1x D2y D3x D4x D5x D6y D7y D8v D9y D10x D11x D12x D13x D14x
ledága-máge

Bakoro Kúdu - + + + + + + + + + +

.
-
~
~ Kuduréu

lpáre E~éba
+ + +

+ +

Kiedu Merédu +

Arúa + + + + + +
-
Noapaiepa + \
+

Evirrga + +

E~eráe Ekenáwo +

Mekúgo Kúri · +
CUADRO 9

-
CLA E
..,

Número do paríko 083 084 085 086 087 088 089 090 091

Código de represen-

-°'
tacao E1x E2x E3x E4x E5y E6x E7x E8x E9x
~ 1edága-máge

..
Baitogogo ( Kaboréu) + + + + + +

Birimódu +

Máno Kuriréu + + +

Motojéba +

CUADRO 10

CLA F

Número do paríko 092 093 094 095 096 097 098 099 100 101 102 103 104

Código de repre-
_,

-
sentacao
F1x F2y F3y F4y F5y F6x F7y F8y F9x F10y F11x F12y F13y
~ ledága-máge
....J

Butóre Agádu + + + + +
y
"'
Jakómea Atugódu Jéba + + +

. Tadúgo + +

Aróia Kuriréu + + +
OUADRO 11 OUADRO 12 ':>

CLA - G CLA H ·

- - 105
Número do J>aríko 106 Número do paríko
'
107 108

-
~
00
Código de repre-
senta~o
Glx • G2y·
Código de repre-
senta<;ao
Hlx H2y
ledága-máge 1edága-máge

(Baadojéba) Boróge + Meríri Kuriréu +

"
Kurugúgwa Coréu + Meríri Báru +

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FIGURA 21 - COMPOSICAO DA SEGUNDA FIEIRA
NO GRUPO DE VARIEDADES MISTAS
PENAS + LASCAS

ALTERNACAO

ALTERNACAO COM DESTAQUE

FIGURA 22 - COMPOSICAO DA SEGUNDA FIEIRA


NO GRUPO DE VARIEDADES MISTAS

LASCAS + PENAS

ALTERNACAO

ALTERNACAO COM·DESTAQUE

ALTERNACAO SEM DESTAQUE

- 150 - - 151 -
n

CAPITULO 111

A IDENTIFICA<;AO SOCIAL DE UM PARIKO

Os diversos clas que compoem a aldeia possuem, cada um, um


patrimonio específico de paríko-dóge com características peculiares e que
nao podem ser éonfeccionados por outro cla, salvo em situa96es especiais
e mediante prévia autoriza<;ao.
Mas, os direitos de confec<;ao e propriedade de urna determinada
variedade de paríko, por outro lado, devem ser vistos num primeiro momen-
to, nao ao nível do cla, mas ao nível de unidades menores que lhe sao
implícitas, tais como os iedága-máge e sub-cliis. Isto porque as espécies
clanicas naturais e sobrenaturais sao comumente retalhadas entre essas
unidades .em termos de exclusividade sobre urna espécie ou em termos de
diferentes aspectos de urna espécie, como a cor, o sexo e o tamanho, bem
como o uso de diferentes quantidades de penas de determinada espécie
ornitológica.
Devido a esta divisao interna do patrimonio clanico, as, diversas
variedades sao primeiramente distribuídas entre os iedága-máge para depois
configurarem o l?atrimónio de paríko-dóge de cada sub-da e cla.
Por isso, preocupar-me-ei aqui com a identifica<;ao de um paríko,
tomando como ponto de referencia essa unidade .menor, o iedága, j.á que
a confec<;ao de um paríko se inicia com ele.
Como a linguagem obtida da trama que envolve pássaros, espíritos,
mamíferos, peixes e insetos expressa a posi<;ao social de cada iedága,
procurou-se, na medida do possível, associar cada variedade ao grau
hierárquico do iedaga dentro do sub-cla e cla, pois é isso, fundamentalmente,
o que o paríko transmite.
Filiados a sub-clas e clas, os eidága-máge utilizam suas espécies e
suas cores de acordo com determinados padr6es, formas típicas de conduta,
que lhe sao inerentes.
Assim, os iedága-máge do s~b-cla dos Pretos, os mais importantes e
influentes, estao associados as cores preta, preta/vermelha e muita intensi-
dade de vermelho; os iedága-máge do sub-cla dos Vermelhos, menos
importantes e influentes, sao associados ao vermelho em menor intensidade
e a combina<;ao vermeljio/amarelo. Porém, quando o preto e o vermelho.
estao em oposi<;ao, o preto é muito mais do que o vermelho que, por
sua vez, em oposi<;ao ao amarelo é mais valorizado e por isso também
muito usado pelos iedága-máge graúdos.

- 153 -
Muitas vezes acorre urna variedade de paríko fluir através do_ clá, A "pintura" converte-se no código transmissor de mensagens a respeito
dispersando-se f,!ntre os iedága-máge pretos e v~rmelhos, qu: ~or is~o ?ode~ da posic;ao social dos possuidores porque ela é feita essencialmente através
confeccioná-la mediante a aquiescéncia da un1dade sub-clan1ca (iedaga), a dos elementos de destaque e, quando em série, por penas ou composic;óes
qual a variedade está associada. cromáticas peculiares, usando-se as penas de aves, a simboliza<;ao de
espécies clanicas ou determinadas combina<;óes cromáticas que lhe sao
Nesses casos, os informantes expressavam-se em explicac;óes desse exclusivas, ou sobre as quais receberam o privilégio de representa<;ao.
tipo: a variedade a é propriedade do i~dága x, mas ~ambém pode ser de Mas, bá outros critérios: o da disposic;ao da penugem, o da combina<;ao
y e z. O x autoriza os outros a usufruuem desta vanedade. das retrizes e o das espécies ornitológicas da 1.ª fieira que, em certas
Para maior clareza, introduzi entao na minha abordagem a expressao variedades de paríko, se convertem em critérios relevantes de identifica<;ao
iedága-referéncia, que se refere a unidade que por direito possui a prerroga- tanto quanto a 2. ª fieira, podendo, conforme o caso, até serem encarados
tiva de confecc;ao e a propriedade de urna variedade, para enfatizar justa- como critérios principais. Exemplo disso ternos em paríko-dóge dos Kíe,
mente a associac;ao da variedade com o verdadeiro possuidor, já que ela dos Bokodóri Eceráe, dos Aróroe e dos Páiwoe.
pode fluir pelos caminhos abertos no próprio cla, podendo desse modo
José Carlos, um paiwoédu, disse-me que para eu poder identificar o
estar associada a um aglomerado de iedága-máge.
Kurugúgwa kugúri eto-iága padú-re páru kejéwu paríko (n. 0 014), de
Como, entre os bororo, um iedága pode possuir vários nomes, ocorre Kurugúgwa Etoiagáre, um Baádo J~bádo Cebegiwúdo, eu teria de observá-lo
também a identificac;ao de um paríko a uin antropónimo que nao aquele por inteiro, "mas o que manda é o páru-jíwu", is to é, a segunda fieira. Eu
sobre o qual se baseia esse trabalho. · Esse fato causa urna certa confusao teria de verificar se a 2. ª fieira era composta por retrizes de papagaio-
no problema da identificac;ao, mas, na medida do possível, procuréi esclare- verdadeiro, koráo, e tres grupos de trés penas de gaviao-carijó, kurugúgwa:..
ce-la no decorrer da abordagem. rógu, mas também poderiam ser tres grupos de quatro penas desta ave
Outras vezes, um paríko pode estar identificado a vários iedága-máge que é espécie clanica de Kurugúgwa Etoiagáre. Verificaría se havia 3.ª fieira,
de prestígios diversos no mesmo cla ou de clas diferentes. Essa multiplici- AUe é o caso <leste paríko, porque os paríko-dóge que nao possuem 3.ª fieira
dade de identificac;óes talvez possa ser procurada na dinamica inerente a ~ao de clas que nao tém direito a 3.ª fieira. Isto porque
plumária. Pois, a plumária é um processo dinamico, nao é algo estático,
é um jogo, onde contam muito as relac;óes sociais do momento.
"só Baádo Jéba Cebegíwu póe kurugúgwa-rógu no paríko; com
As categorías de identificac;ao parecem, assim, nao obedecer a princí- puro barúgi é desse mesmo, BJ Ceb. Quando Kurugúgwa Etoia-
pios e lógica formais, encontrando-se as oscilac;óes no jogo social dos gáre faz esse paríko, pensa no kurugúgwa kugúri ( kurugúgwa-
homens envolvidos pelo paríko. rógu) que é de BJ Ceb. Nao é de akiró, nao. Ele nao ganhou,
As múltiplas identificac;óes sao parte, pois, duma lógica social, cujos é dele mesmo e nao deu nenhuma pena prá ninguém. Koráo
elementos estao incompletos. Razao pela qual, limito-me a propor pistas é akiró, ganhou de Meríri Báru (Páiwoe); bú é akiró, ganhou de
que devern ser aprofundadas em campo. Máno .Kuriréu (Aróroe); eto-iága é akiró: nabúre, ganhou de
Máno Kuriréu e kuído, ganho\l de Meríri Báru" (Merúri, 1973).
Segundo os informantes, a identificac;ao de um paríko entre os iedága-
máge de mesmo cla ou dos clas provém dos quatro elementos plumários:
1) o akíri, penubem branc~ colada as retriz~s; 2) as retrizes da l.ª feira Raimundo, um Kiédu Coréu Baádojéba Kudóro, disse-me que para se
vistas pelas páginas ventrais, isto é, pelo verso da fieira; 3) a 2.ª fieira, · identificar o Paríko kudóro ou Paríko coréu,. do qual é o possuidor, os
na sua trama de representac;óes, oposic;óes e inversóes de cores; e 4) a 3.ª passos seriam os seguintes:
fieira pela sua presenc;a ou ausencia e pela sua cor.
Atados por rígidos nós ou colados com pegajosas resinas, na forma 1.0 : "olhar no akíri". Verificar se a disposic;ao da penugem é
de um adorno específico, esses elementos expressam, numa colorida lingua- em forma de kí bía óto akíri (ponta branca da orelha da
gem, nao só a posic;ao social de seus possuidores e portadores, mas também anta), sendo a penugem colada em 7 ou 8 retrizes de
os direitos de propriedade e uso de determinadas matérias-primas. a.mbos os lados do sem),..círculo;
Até aquí foi enfaticamente salientado ser a 2.ª fieira o critério principal
de identificac;ao. E realmente é, pois é nela que está a "pintura" caracterís- 2. 0 : "tudo koráo no páru-jíwu", ou seja, a 2.ª fieira formada
tica, marca indelével das unidades possuidoras através do tempo. somente por retrizes de papagaio-verdadeiro;

- 154 - - 155 --'-


VERSO
FRENTE

- 156 - - 157 -
3. 0 : "kudóro eto-iága misturadas com nabúre eto-iága, ou com . Esta informa9ao de José Carlos é expressiva, na medida em que
kuído eto-iága e nabúre eto-iága", isto é, retrizes de ararau- sugere que a denomina9ao indígena do paríko é indício do local de identifi-
na alternadas com retrizes de arara vermelha, ou retrizes ca9ao. Porém, nao possuo elementos suficientes para comprovar tal
de ararauna alternadas com retrizes de arara vermelha e afirma9ao. O material por mim coletado, até agora, sugere a identifica9ao
arara canindé, na 1. ª fieira; o detalhe principal a ser in~ependentemente de se enfatizar ou nao na denomina~ao o · elemento
observado a qui, sao as tres retrizes centrais da 1.ª fieira, páru-jíwu, se bem que na maioria dos exemplares há coincidencia da
que deve ser de ararauna; denomina9ao do diadema com o lugar de identifica9ao. Por exemplo, os
paríko-dóge denominados Paríko akurararéu (curtos e largos como o pacu)
dos Bo~o~óri Eceráe sao imediatamente identificados pela forma que adquire
4. 0 : "o ókua bú com nabúre bú", isto é, a 3.ª fieira de penas-
a 1. ª fleira, mas alguns deles, com o mesmo aspecto, sao identificados
de-contomo vermelhas de arara vermelha.
pela linguagem expressa na 2. ª fieira, como o Paríko páru ó-ia ekuréu
(n. 0 054) e o Áe padú-re páru jíwu paríko (n.0 050). O Paríko páru coréu,
E finalizou, dizendo: também denominado Paríko kúgo (n. 0 069) dos Baádo jebáge Cebegíwu
é identificado com enfase na 2.ª fieira. Igualmente o Paríko bóro (n.º 084)
dos Aróroe, o Paríko kidoréu (n.0 099) dos Iwagúdu-dóge, o Paríko ó-ia
"Ninguém mais usa kudóro-iága no paríko, só Kiéde. Kudóro córe pobéwu (n. 0 063) dos Kíe. J á, o Paríko ukigaréu dos A róroe identifi-
é Kiéde. Koráo é de Baitogogo, Aróroe, Baádo Jéba e Páiwoe. ca-se imediatamente pelo aspecto da 1.ª fieira.
O koráo aroréde tem cabe9a daquela amarela bem no meio; o
koráo baádojéba tem um pequeno amarelo na testa; ao redor O Paríko-u-ruguréu (n. 0 047) é composto de urna 1. ª fieira coro 3
dos olhos é amarelo também. Koráo paiwoéde tem azul na retrizes vermelhas alternadas com 3 retrizes amarelas, sendo as centrais
cabe9a. Koráo, todos ocupam." vermelhas; urna 2.ª fieira de retrizes de japu, em cujo centro há 4 lascas
revestidas de penas-de-contorno vermelhas e urna 3. ª fieira de penas-de-
contorno vermelhas. E identificado pela zona central do paríko, onde as
Entao perguntei: quem deu ordem aos Kiéde para usarem koráo? lascas yermelhas devem coincidir com as 3 retrizes vermelhas do centro
da l.ª fieira. Ukewái diz ser de Akarúio Bokodóri, um Baádo Jebádo
Cobugíwu Bakoro Cerádo.
"Kí Bakororo, Kiédu Kuriréu, Coréu, nasceu primeiro, antes
dos Tugarége ele nasceu. Por isso ele ocupa muita coisa do O paríko Kudóroe e-iári (n. 0 052) dos Bokodóri Eceráe Cobugíwu, é
Tugarége também. Baitogogo que deu ordem prá Kí Bakororo identificado pelas espécies ·ornitológicas da 1.ª fieira, segundo Ukewái:
usar o koráo; esse, nao tem diferen9a nenhuma. Esse Baádo
Jéba também usa. Baitogogo foi quem viu primeiro o koráo
e deu de gra9a, sem receber nada. Mas Baitogogo já recebeu "Kudóroe e-iári quer dizer iága tudo com kud6ro, pouco nabúre.
muita coisa também, jí pagíwo, quer dizer, ele recebeu esse Esse paríko nao fala do páru-jíwu, só das iága" (Merúri, 1971).
outro e passou outro prá lá'' (Merúri, 1973).
Antes, porém, de iniciar-se a discussao referente as variedades peculiares
. José Carlos, inodówu de Raimundo, que é "encarregado" (zela por, aos diversos iedága-máge, necessário se torna tecer algumas considera<;oes.
cuida, conserva) do paríko, o qual é guardado em sua casa, disse-me que
o paríko que estou abordando nao era seu, mas sim de Kiéde. Visto de No passado, a copiosa avifauna circundante permitía aos bororo
frente, o paríko poderia ser identificado através da disposi9ao da penugem; capturar as espécies ornitológicas nec'essárias a montagem ideal das fieiras
olhado pelo verso, as retrizes de ararauna serviriam de indicador. Denomi- do paríko.
nado Paríko kudóro ou Paríko coréu, possuía, segundo o informante, urna Com a · reduc;ao do território de cac;a, no contato crescente com a
alterna9ao de retrizes vermelhas, pretas e amarelas das tres espécies de sociedade abrangente, reduziram-se também as possibilidades de obtenc;ao
arara usadas pelos bororo, porque era paríko de Baádo jéba Kudóro, um do material adequado a urna perfeita estrutura9ao das fieiras, de suma
Ki!~u Coréu, _menos importante e influente do que Kí Bakororo, o chefe importancia no ambito da vida bororo, já que o paríko se associa nao só
max1mo do cla. a padr6es de ordem estética, mas sobretudo a padroes de conduta humana,
quando expressa urna linguagem cheia de conteúdos culturais ao funcionar
"Esse paríko é só Paríko coréu, porque o que manda nao é o como um código de diferencia9ao social.
páru-jíwu (2. ª fieira), mas as kudóro iága e o turubári akíri
como orelha de kí. Se fosse Paríko páru-jíwu coréu, a pintura Buscando harmonizar estas duas realidades boje antagónicas, de um
(o distintivo clanico) estaria no páru-jíwu" (Merúri, 1973). lado a escassez da matéria-prima e de outro os padroes de confecc;ao

- 158 - - 159 -
1

impostes por tradic;ao, os b6e tentam fazer "arranjos" que lhes permitam os grandes tendem a utilizar tres retrizes vermelhas, enquanto os pequenos
continuar confeccionando diademas, com urna pe~da mínima de sentidos utilizam urna, com excec;ao dos Kíe que se caracterizam pelo uso de
. "
retri.zes pretas.
cultura1s.
O problema da escassez da matéria-prima adequada concentra-se princi- Mas pode ocorrer também o centro amarelo ou a existencia dessa
palmente nas duas maiores fieiras do paríko: a l.ª e a 2.ª. tendencia.
Em relac;ao a 2. ª fieira, os b6e procuram resolver o impasse ao Em vista disso, na discussao que segue, tentei associar as proporc;oes
substituírem os materiais certos por outros materiais com características cromáticas ideais aos iedága-máge, a título de informac;ao, quando nao foi
cromáticas semelhantes, o que, ao ver do índio, nao altera o conteúdo da possível verificá-las através dos paríko-d6ge em análise. Tal abordagem
fieira que continua com a mesma carga de sentidos culturais (cf. pp. 95-96). fundamenta-se na preocupa<;áo dos próprios informantes face as incon-
gruencias entre o ideal e o real, pois sempie enfatizavam, confórme já foi
A soluc;ao para a 1. ª fieira se reveste duma complexidade maior, frisado: "é assim, mas nao deveria ser assim".
dado usarem semente tres espécies de arara para a sua confeq;ao.
Por isso, salvo algumas excec;oes, atualmente é quase impossível
distinguir-se entre os iedága-máge que podem e que nao podem manipular
a "mistura'', urna vez que a confecc;ao da fieira está sujeita a disponibilidade Foram os Tugarége os primeiros detentores dos enfeites e, por conse-
do material adequado num momento dado. Desse modo, é difícil seguir-se guinte, de paríko-dóge, doando~os depois aos Eceráe em troca do direito
aqueles padroes de confeq;ao ideais que especificavam as espécies ornito- de escolherem suas esposas (EB-11:127-137; Colbacchini, 1925:194-201;
lógicas a serem combinadas, o uso exclusivo de urna espécie, as penas Colbacchini e Albisetti, 1942:201-206; Ukewái, Merúri, 1973).
estruturalmente adequadas e a área a ser abrangida pelas cores em contraste, ·com os enfeites, os clás Eceráe receberam também, através dessa troca, .
de acordo com o grau de prestígio social dos iedága-máge graúdos e miúdos. akir6, o direito ao uso de cerlas matérias-primas das espécies clanicas dos
A soluc;ao adotada foi entao aquela de confeccionar a 1.ª fieira tendo Tugarége. Mas, no decorrer do processo da troca, os Eceráe nao foram
em vista a disponibilidade de retr.izes, procurando-se, apesar disso, quando adquirindo semente o material ·bruto, nesse caso específico as penas das
da combinac;ao de duas ou tres espécies ornitológicas, usar as cores estipu- espécies ornitológicas e outros materiais adequados. Adquiriram também
ladas para cada um. Por meio <leste artifício, pelo menos, a combinac;ao o direito a representac;áo formal ·de certas espécies clanicas, muitas. das
das cores continua do modo certo, embora haja oscilac;oes referentes a quais reproduzidas em seus artefatos plumáríos e particularmente no Pflríko
área abrangida pelas cores. Assim, os iedága-máge que tradicionalmente .(EB-11:363-379). Por exemplo, o kúgo, corujáo e bakaráia, ocelote, dos
utilizam a combinac;ao vermelho/ amarelo e vermelho/ preto continuam Aróroe, representados respectivamente em parfko-dóge dos BJ Cebe BJ Cob.
utilizando combinac;ao identica, sem considerar as respectivas proporc;oes;
O akiró se processa entre iedága-máge específi~os de metades opostas
o mesmo ocorre com as combinac;oes de retrizes pretas/vermelhas/amarelas.
através das trilhas abertas pelas estradas denominadas awára, que estabele-
No caso dos iedága-máge que, além de combinarem duas espécies cem as rela<;oes formais entre diferentes clás de diferentes metades.
de arara possuem a prerrogativa do uso de urna espécie, há urna tendencia
a colocar urna quantidade significativamente maior de retrizes da espécie
certa, sendo as !acunas preenchidas pela outra espécie em disponibilidade. "Páiwoe é dono da kuído, mas só Arúa que usa no paríko (que
tero a prerrogativa do uso de urna espécie omitoló~ica . na
Simultaneamente a essa tendencia circunstancial, vigora ainda um 1. ª fieira, no caso as retrizes da arara canindé); porque e akir6.
esforc;o por parte do índio na obtenc;ao da espécie necessária, principalmente Exemplo: eu iµoio numa casa em frente a sua. A gente nao se
nos paríko-dóge, onde a monocromia da l.ª fieira é essencial, como, por conhece, nunca se falou. Entao, eu penso: vou levar essa PC:Oª
exemplo, na confecc;ao das duas variedades réplicas dos paríko-dóge de aqui prá ela. Daí abro a. estrada, awára, até sua casa, é akzró.
Méri e Ári, os irmaos heróis, de propriedade dos BJ Ceb. A senhora me dando outra coisa ou nao, é akiró. Aí a gente
lsso acarreta urna mesclagem, por assim dizer, indefinida das cores fica sempre amigo, mas já tem outro que nao pode ir n.a minha
casa ou na sua por ~sa estrada ... " (José Carlos, Merún, 1973).
adequadas, dificultando a identificac;ao de um paríko pelas retrizes da
1. ª fieira e acentuando mais ainda a importancia da 2. ª fieira como o
elemento de identificac;ao mais significativo. "Ciwábo é Páiw~e, mas as penas Arúa usa, todos os Eceráe
Em meio a indefinic;ao de propo·rc;oes cromáticas existe ainda a usam. Deram as·p.enas pro Eceráe faze o enfeite, entao ~~ pe~as
tendencia a conservar determinadas proporc;oes no centro da fieira, de é akiró ... Akir6 .porque Páiwoe que' recebeu o ciwábo prune1ro:
acorde com a importancia do tedága na vida da aldeia. Por exemplo, Viu que nao tem nada que serve, pos o ciwábo no báku, at

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levou prá Arúa e Bakoro Kúdu e Kí Bakororo. O que nao A distribui~ao da matéria-prima de uso comum no paríko, circula,
rec~beu esse akiró foi Bokodóri Eceráe, mas tem jeito de pegar entre os clas Tugarége em termos de "doa~oes" , anagódu, nao implicando
as peninhas desse guacho'' (Raimundo, Merúri, 1973). pois, no akiró, que se caracteriza pela reciprocidade entre as metades.

Segundo os informantes, dentre os clas da metade Eceráe, os Bokodóri "Páiwoe e Baitogogo (Aróroe) sao sócios; ganha urna coisa é
Eceráe nao receberam as penas através do akiró, ou se as receberam foi pros dois. lwagúdu-dóge e Apiborége também sao sócios de
urna parcela mínima, porque foram eles que cnaram os pássaros, sen do, Aróroe, porque sao Tugarége" (José Carlos, Merúri, 1973).
entao, praticamente, auto-suficientes.
"Nabúre iága é prá todo o mundo ocupá. "b do Baitogogo, é
" Tudo dos Bokodóri Eceráe é deles; nabúre, kuído, kuru- ele quem toma conta. Todos os Eceráe receberam um bocado.
gúgwa-iága, nao é akiró. Eles mataram um anciao deles e Tugarége recebeu, .mas nao é akiro" (Raimundo, Merúri, 1973)..
queimaram. Aí, que aparecen nabúre, ·kuído, kurugúgwa. Nabúre
e kuído chama cibáe. Entao q-µe eles, os Bokodóri Eceráe sao "Nabúre bú, kuído bú, eto-iága, nao é akiró entre os Tugaré--
em particular aróe, porque tudo eles tem. Eles fazem os seus ge . .. " (Ukewái, Merúri, 1973).
enfeites com o seu próprio material. Os outros Eceráe ganharam
tudo de akiró dos Tugarége. Alí qúe nabúre bú, kuído bú, Porém, nem toda a matéria-prima utilizada no paríko provém das
todos os enfeites é akiró prá BJ Cob, BJ Ceb e Kíe" (Ukewái, espécies clanicas que fluem através dos clas por akiró ou "doa~oes". Sao
Merúri, 1973). usadas tambéin aquelas que, urna vez adquiridas, nao foram distribuídas,
passando a se constituir em posse exclusiva dos descobridores <80 > como o
gaviao-da-fuma~a castanho dos Iwagúdu-dóge e o gaviao-requinta dos
O Kiogoáro padú-re páru jíwu paríko de Akarúio Bokodóri.
A.róroe.

"é todo vermelho, por causa do Baitogogo que deu áro prá por Dentro dos clás, a divisáo da inatéria-prima é feita em termos das
no paríko, deu as iága também. Tudo é akiró aqui. BJ Ceb e propriedades dos iedága-máge mais importantes que, por serem irmaos
BJ Cob, tudo é akiró. Prá Kiéde, Iwagúdu-dóge que dá muito mais velhos, mais ricos e influentes, recebem as por~óes maiores e melhores .
akiró; tem menos akiró de Baitogogo e Akarúio Boróge. Mais como as penas melhores e tnais belas. Os iedága-máge menos importantes
akiró dado por Baitogogo e Akarúio Boróge é prá Bokodóri e menores, por respeito, entregam aos etumána-máge o melhor ficando
Eceráe, BJ Ceb e BJ Cob. Bokodóri Eceráe quase nao tem com os peda~os menores, com a "mistura'', com as penas menos belas.
akiró, porque é assim: voces mataram o seu iedága e jógaram
dentro do fogo. Do fogo levantou cibáe, kurugúgwa, ciwábo.
Aí quase nao ocupa akiró dos Tugarége. Tem penugem, pena, " ... Tem esse lápis. Baitogogo corta o peda~o maior e Máno
íve, tem tudo aqui" (Ukewái, Merúri, 1971). Kuriréu fica com o peda~o menor. Se Máno Kuriréu acha
alguma coisa, dá o maior pro Baitogogo porque ele é maior e
Máno Kuriréu fica com o menor".
"Paríko de Bokodóri Eceráe tem outra moda, dele todo é
pequeno, akurára, porque Bokodóri Eceráe tem arara também.
Nao é só Tugarége que tem. Por isso, o paríko dele tá separado " ... Por exemplo: os Bókodóri. Tem o grande Kaígu, que tem
do outro. Bokodóri Eceráe nao ganhou akiró, porque já tinha tudo. No paríko tem as penas mais bonitas. (Nesse momento,
a cibáe . .. " (José Carlos, Merúri, 1973). o informante pegou urna pena de kurugúgwa para exemplificar).
O grande entao, tem cinco listas. Vem outro Bokodóri,, pega
o que sobrou e fica com quatro listas; vem o outro, pega, fica
Os Tugarége sao, portanto, os <loadores de enfeites e de penas, e de com tres, o outro, com duas listas, o outro com uma. E tem
determinadas espécies clanicas representadas nos paríko-dóge dos iedága- aquele que chegou por último e nao ganhou nada" (José Carlos,
máge do outro lado. Porém, de certas espécies ornitológicas integrantes Merúri, 1973).
do akiró, os clas Tugarége retiveram para si também o direito ao uso,
além de continuarem com os direitos de prim.azia de descoberta e de (30) A aquisi~ao de um elemento por determinada unidade social está ligada a
propriedade sobre elas. Deste modo, o próprio dono a utiliza na maioria direitos de primazia de descoberta e produ~ao ou a direitos formalmente
das vezes. cedidos, para todo o sempre, por pessoa da unidade possuidora de origem
(vide Crocker, 1976:169, nota 7 e EB-1:104-105).

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Pelos diferentes mecanismos de obten<;ao é que certas espécies ornito- 2.ª f . - retrizes de japu + 5 lascas retangulares, centrais,
lógicas fluem ~e um para outros clas, enquanto outras ficam restritas a revestidas: 2 inteiramente vermelhas ladeando 3 de
clas específicos. Desse modo, a arara vermelha, a arara canindé, o papagaio íve-6to, sendo estas no meio e na extremidade supe-
verdadeiro, o pato selvagem, o mutum e o japu sao de uso comum entre rior, respectivamente 2 listas e 1 lista vermelhas
os clas da aldeia, ao passo que a gralha-do-campo, por exemplo, é espécie (íve-6to = lambari - A2y).
restrita áos Iwagúdu-d6ge, o gaviao-carijó aos BJ Ceb e a ararauna aos Kíe.
3.ª f. - vermelha - arara vermelha.
E, pois, a dinamica de obten<;ao, circula<;ao e utiliza<;ao da matéria-
prima que permite aos iedága-máge e respectivos clas, certos conjuntos de n.0 040: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
paríko-d6ge que lhe sao típicos e sobre os quais possuem direitos de penugem de pato ao redor do semi-círculo.
propriedade.
2.ª f. retrizes de japu + 3 lascas triangulares, centrais,
Seguem-se quadros da composi<;ao plumária do conjunto de paríko-d6ge revestidas de íve-6to, tendo cada urna, no centro
de cada cla, distribuídos entre os iedága-máge possuidores. Após cada e na extremidade superior, urna lista vermelha
quadro, discutem-se, por cla, as peculiaridades de cada variedade de um
iedága, na busc~ dos elementos codificadores que permitem as identifica<;oes
(íve-6to = grande lambari - A4y).
soc1a1s. 3. ª f. - verme] ha - arara vermelha.

n.0 047: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé, alter-


BAADO JEBAGE COBUGIWOGE nadas de 3 a 3;
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
2. ª f. retrizes de japu + 4 lascas triangulares, centrais,
Akarúio Bokod6ri revestidas de vermelho, com urna lista central branca
de penas de pomba-carijó (Al ly), coincidindo com
as 3 retrizes centrais vermelhas.
n.0 012: 1.ªf. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
3.ª f. - vermelha - arara vermelha.
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.

2.ª f. retrizes de japu + 3 retrizes eqüidistantes de gaviáo- n.0 048: l.ª f. arara vermelha + arara canindé;
de-penacho. penug~m de pato selvagem ao redor do semi-círculo.

3. ª f. - vermelha - arara vermelha. 2. ª f. retrizes de japu + 3 grupos de 3 lascas retangulares


revestidas de íve-6to, tendo cada uma nas extremi-
n.0 033: l.ª f. - ,retrizes de· arara vermelha; midades e no centro urna lista vermelha.
- penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. 3.ª ·f. - vermelha - arara vermelha (íve-6to = lambari -
2. ª f. tectrizes inferiores de arara vermelha. A12y).

3.ª f. ausente.
Mamuiáwuge Ecéba
n. 0 035: 1 ~ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
- penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo~ n. 0 032: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé, alter-
2.ª f. tectrizes inferiores de arara vermelha + 3 retrizes nadas urna a urna;
eqüidistantes de gaviao-de-penacho_. - penugem de pato ao redor do semi-círculo.

3.ª f. - ausente. 2. a f. série alternada de tectrizes inferiores vennelhas e


amarelas, respectivamente de arara vermelha e arara
canindé.
n·.0 038: 1.ªf. retrizes de ~rara vermelhaJ
penugem de pato selvagem ao redor do semi..:cfrculo. 3.ª f. - vermelha. - arara vermelha.

- 164- 1_65
n. 0 036: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé; dades e no centro urna lista vermelha; dos lados do
I' - penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. grupo central há urna retriz de gaviao-de-penacho
(íve-óto = ocelote - A 7y).
2. ª f. alterna~ao de tectrizes inferiores vermelhas de arara
vermelha e amarelas de arara canindé + 3 retrizes 3.ª f. - ausente.
eqüidistantes de gaviao-de-penacho.
n. 0 044: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé, alter-
3.ª f. ausente. nadas duas a duas;
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
n.0 037: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé, alterna-
das 2 a 2; 2. ª f. tectrizes inferiores de arara vermelha e tectrizes
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. inferiores de arara canin dé + 3 grupos de 3 lascas
retangulares revestidas de íve-óto, tendo cada lasca
2.ª f. lascas retangulares amarelas + 3 grupos de 4 lascas urna lista vermelha nas extremidades e no centro; em
revestidas de íve-óto, tendo todas urna lista vermelha cada lado do grupo central· há urna retriz de gaviao-
no meio e na extremidade superior (íve;..óto = lam- d~-penacho (íve-óto = ocelote - A8y). •
bari - Alx).
3.ª f. vermelha . - arara vermelha. n. 0 049: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
- penugem de pato ao redor do semi-círculo.
n. 0 038: - ldem Akarúío Bokodórí. 2.ª f. tectrízes inferiores de arara vermelha e arara canin-
dé + 3 grupos de 3 lascas retangulares inteiramente
n. 0 040: Idem A.karúio Bokodórj . revestidas de íve-óto (íve-óto = lambari - A13y).

n. 0 041 : l.ª f. retrizes de arara vermelha (em maior quantidade) e


arara canindé;
Bokwarébo
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
2.ª f. tectrizes inferiores de arara vermelha + 3 grupos n. 0 038: - idem Akarúio Bokodóri.
de 4 lascas retangulares revestidas cada urna de
íve-óto com urna lista vermelha nas duas extremi-
Jerígi Otogíwu
dades e duas listas vermelhas no meio (íve-óto = J

lambari - A5y).
n.0 032: - idem Mamuiáwuge Ec.éba;
3.ª f. ausente.

n. 0 042: l.ª f. retrizes de arara verm~lha + ·arara canindé; n.0 039: 1.ª f. - retrizes de arara vermelha + arar~ canindé, alter-
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. nadas 2 ,a 2;
penugem· de pato em toda a v:olta do semi-círculo.
2.ª f. tectrizes inferiores de arara vermelha, alternadas com
tectrizes inferiore~ de arara amarela + 3 grupos de 2.ª f. japu + 3 grupos de 4 lascas retangulares revestidas
3 lascas retangulares revestidas de íve-óto, tendo de íve-óto, tendo cada lasca, no centro e nas extre-
cada urna 3 listas vermelhas nas extremidades e no midades, urna lista verrnelha (penas de arara venne-
centro (A6y). lha) · entre duas brancas (penas de pomba-carijó)
(íve-óto = ocelote, pequeno lambari - A3y).
3.ª f. ausente.
3.ª f. vermelha ~ arara vermeiba.
n. 0 043: l.ª f. retrizes de arara vermelha e ararauna;
penugern de pato selvagem ·a o redor do semi-círculo. n. 0 045: l.ªf. retrizes de arara vermelha + arara canindé, alter-
nadas urna a urna; r
2.ª f. retrizes de japu + 3 grupos de 3 lascas retangulares penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
revestídas de íve-óto, tendo cada urna nas extremi-

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Os BJ Cob obtiveram as penas de japu e arara canindé e o espinho
2.ª f . japu + 3 grupos de 4 lascas retangulares revestidas de ourü;o, íve-óto, dos Páiwoe; as penas de arara vermelha e as brancas da
de íve-óto, tendo cada urna no centro e nas extre- pomba-carijó dos Aróroe e as retrizes de gaviao-de-penacho dos Apiborége,
midades urna lista branca (penas de pornba-carijó) por intermédio de Akarúio Boróge.
entre duas verrnelhas (penas de arara vennelha)
(íve-óto = lambari pequeninho - A9y). A karúio Bokodóri, imána, mais rico e influente, divide com os irmaos
menores de seu cla a matéria-prima recebida pelas trocas de akiró e a
3.ª f. - vermelha - arara vermelha. representa~ao das espécies a eles associadas. Ele retém para si, porém,
as retrizes e tectrizes vermelhas, pois a abundancia de vermelho é o que
no 046: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé; lhe denota senioridade. Assim, na 1. ª fieira, em termos ideais, ele deve
· - penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. usar só retrizes vennelhas (n°s 033 e 038), ou retrizes vermelhas alternadas
'
corn amarelas numa proporc;ao de 3 a 3 (n.0 047), 5 a 5, ou 3 a 1, de
2. a f . _ japu + 3 grupos de 4 _lascas retangulares revestidas modo que a área ocupada pelo vermelho seja bem maior do que a ocupada
de íve-óto, tendo cada ·lasca, no centro e nas extre- pelo amarelo (Ukewái, Merúri, 1971). Por isso mesmo, lhe pertence o
midades, urna lista branca (penas de pomba-carijó) Paríko uruguréu (o vermelho) (n. 0 047), onde a zona central vermelha da
entre 2 vermelhas (penas de arara vermelha) (íve- 2. ª fieira (4 lascas triangulares vennelhas com urna lista central branca de
penas de pomba-carijó) deve coincidir com as retrizes vennelhas do centro
óto bakaráia, ocelote - AlOy).
da l.ª fieira.

Urna das particularidades dos· paríko-dóge dos Baádo Je~áge Cob~gíwu, "f: o maior, por isso, muito vermelho. Akarúio Bokodóri tá
nas tres aldeias é o uso constante, na 2. ª fieira, das retnzes de Japu e carregado de akiró, entao jogou prá Mamuiáwuge Ecéba e
das tectrizes inferiores de arara vermelha e arara canindé dominando na Jerígi Otojíwu. Todas as coisas aqui é preto e vermelho" (Uke-
fieira, em oposi~ao aos destaques, consti!uídos. P?r lascas ~evestidas por
.wái, Merúri, 1971).
um tran~ado de acúleos brancos de oun~o-ca1xeiro com hnha preta de
algodao, o denominado íve-ót~. Quand? revestidas por est~ !ran~ado, .ª
representa~ao se refere ao peixe lamban ou ao ocelote, especie~ n.atura1s A EB-1:418, por outro lado, filia aos Aróroe Cebegíwu o paríko
expressas através do paríko: da primeira, os BJ c_ob . P<?ssuem d1re1!?s de denominado paríko u-ru,uréu, apreseqtando este diferente composi~ao de
propriedade ,e uso; da segunda, possuem .s?mente o due1to de uso, Jª ./que 2.ª fieira, pois esta é foJ:llilada por urna série de lascas. revestidas de penas
é espécie clanica dos Aróroe, que perm1tuam aos BJ Cob representa-la, vermelhas. Nao há men~ao a 1.ª fieira.
pelo akiró. Outras particularida~~s existe'?. na utiliza~ao das penas-de-
contomo do ventre da pomba-can10, que ong1nam a cor branca empregada Ukewái salienta qu' Akarúio Bokodóri "nao ocupa íve; só ocupa no
nas lascas da 2.ª fieira, no uso· do akíri, acentuando a forma dos paríko-dóge Kiogoáro (adorno para o~cipício). Pro paríko nao tem íve suficiente; ganhou
grandes dos BJ Cob, pois, segundo Ukewái (1971), "os paríko-dóge dos só um pouquinho prá por no Kiogoáro" (Merúri," 1971). Porém, Hugo, de
BJ Cob sao todos atururéu (grandes)"; na ausencia da 3.ª fieira, quando Córrego Grande e informa~oes do MRDB filiam a Akarúio Bokodóri os
a 2. a é formada por urna série de tectrizes inferiores. paríko-dóge n. 08 033, 040 e 048 onde aparece o íve-óto, destacando-se
no ~marelo do japu; nos dois primeiros, ele divide os direitos de usar o
Há urna diferen~a de conteúdo na 2. ª fieira, se compararmos as modelo, nao só em termos de conjunto mas também de conteúdo, com
aldeias de Córrego Grande e Merúri· com a do Pirigára: enqua~t~ nas du~s Mamuiáwuge ·Ecéba, pois o motivo expresso no tran~ado de íve-óto é o
primeiras o gaviao-de-penacho está completamente ausente, na ~lttma ald~t~ peixe lambari, característica das representa~oes dos paríko-dóge de Ma-
ele é urna constante, aparecendo tanto em paríko de Akaruio Bokodori muiáwuge Ecéba.
(n.os 012 e 035), como nos de Mamuiáwuge Ecéba (n.ºª 036, 043 .e 044).
Também, semente na aldeia do Pirigára aparecem os BJ Cob confeccionando Mas, o que é peculiar a Akarúio Bokodóri na 2.ª fieira é o uso de
a 2.ª fieira exclusivamente de retrizes (n.0 012). tectrizes inferiores vermelhas dominando completament~ na fieira, sem um
destaque qualquer (Merúri, Córrego Grande), ou servindo de b3$e a tres
Porém nas tres aldeias, os paríko-dóge dos Bl Cob se caracterizam, retrizes de gaviao-de-penacho (Pirigára). E quando a 2.ª fieira é formada
' . ./

na 2.a fieira, pelo uso de penas misturadas com lascas, Ja que sornente por lascas e penas, o tran~ado íve-óto do revestimento das lascas aparece
em um, no de n.o 03 7, aparece urna série intei ra de lascas. lsto me sempre combinado com "retrizes de japu.
leva a supor que em termos ideais enquadra'm.-se unicamente no .grupo O que distingue Mamuiáwuge Ecé/;).a de seu imána é a utiliza~ao da
de variedades mistas, pois, segundo os informantes, as lascas na van_e dade cor amarela em maior abundancia nos seus paríko-dóge.
acima estao substituindo retrizes de japu que sao difíceis de se obter.
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"Mamuiáwuge-Ecéba é misturado Kujaguréu/ ekuréu, porque
Mamuiáwuge Ecéba é menor que Akarúio Bokodóri. :Os maiores Córrego Grande. Justiné>, do Pirigára, por outro lado, se referiu a ocelote
nao misturam porque sao os maiores encarregados das coisas; podendo-se aqui verificar mais urna diferen~a entre os paríko-dóge da~
receberam mais akiró. Os menores que receberam menos, mistu- aldeias.
r'am. Daí que Akarúio Bokodóri é vermelho e preto. Mamuiá-
wuge Ecéba mistura todas as cores ... " (Ukewái, Merúri, 1971).. Jerígi Otojíwu, em certo sentido, emprega retrizes amarelas e vermelhas
na propor~ao ·de Mamuiáwuge Ecéba, pois a l.ª fieira aparece tanto na
"O que é nabúre áro e kuído é Enogujéba" (Hugo, Córrego propor~ao 1 a 1 e 2 a 2, como numa "mistura" maior.
Grande, 1971).
; Na 2.ª fieira, ; c<:>mo penas dominantes .ele só .usa as retrizes de japu.
Po~em, ~ caracten~tica mareante que o diferencia de seus dois irmaos
Vejamos, pois, quais as características dos paríko-dóge-de Mamuiáwuge mat?res e o revesttmento das lascas; primeiro, pelo motivo representado
Ecéba: na primeira fieira é o uso de maior quantidade de retrizes amarelas, no ive-óto,· segundo, pelas cores das listas de penas-de-contorno.
se comparado a Akarúio Bokodóri, pois nao utiliza somente o vermelho;
nao f oi ,possível verificar com seguran~a a propor~ao de amarelo em Segundo . alguns informantes, tanto em Córrego Grande como em
rela~ao ao vermelho, mas há paríko-dóge em que a propor~ao é de 1-1-1 Merúri, a espécie natural representada pelos tran~ados de íve nos paríko-
e de 2-2-2, mas com autoriza~ao de Akarúio Bokodóri ele poderia empregar dóge de lerígi Otojíwu é o baka.ráia, ocelote, espécie clanica dos Aróroe
a combina~o 3 a 3, pois sao irmaos, e Mamuiáwuge Ecéba é o 2.0 na que os BJ Cob representam em seus paríko-dóge. Mas, segundo Ukewái
hierarqui'! do cla, segundo os Informantes. Ao ver de Ukewái, Mamuiáwuge o peixfnho lambari, meteoduréu, é a espécie representada tanto e~
Ecéba pode utilizar 1-1-1, a "mistura", porque ele é pequeno (visto em Mamuiáwuge Ecéba, quanto em J erígi Otojíwu. Só que o primeiro representa
rela~ao ao imána, porém é grande em rela~ao aos iedága-máge miúdos da o meteoduréu kuriréu (grande lambari) e o segundo o meteoduréu kuguri-
aldeia). Deve-se observar que no pan1co n. 0 032 (MRDB 1802), de gaduréu (lambari pequeninho), "mais miúdo do que Mamuláwuge Ecéba".
Mamuiáwuge Ecéba, aparecem retrizes vermelhas em maior quantidade,_
mas os informantes me falaram nao ser possível. Fica a dúvida; na segunda
fieira tectrizes inferiores vermelhas e amarelas, quer misturadas con1 lascas "O peixinho nao foi akiró. Mamuiáwuge Ecéba que encontrou
revestidas de íve-óto ou nao, os identificam. Quando estas aparecem com e falou com Akarúio Bokodóri, dizendo ter encontrado urna
retrizes de japu, ele divide os direitos de propriedade do paríko com coisa para enfeite. Aí foi junto os dois mais Jerígi Otojíwu
Akarúio Bokodóri, em Córrego Grande e Merúri.. No Pirigára, nao. Também ao lugar onde foi encontrado. Mamuiáwuge Ecéba nao sabia
no Pirigára, ·q uer com japu ou com tectrizes amarelas e vermelhas, as como fazer e Akarúio Bokodóri disse: - voce tem íve,· entáo
lascas de íve sao colocadas entre duas retrizes centrais (burúgo) de gaviao. fica com meteoduréu kuriréu prá botar ~o paríko, kiogoáro,
No pan1co n.0 '041, da aldeia de Merúri, onde-Mamuiáwuge Ecéba aparece ikána gajejéwu (bra~adeira), oiagaréboe (grampos da cabeleira)
com urna série de tectrizes vermelhas dominando as lascas de íve-óto, a e também boeíga (arco); Jerígi Otojíwu bota no ikána gajejéwu,
diferen~a entre ele e seu imána é a disposi~ao do íve-óto, que na variedade kiogoáro, enogodáwu (labrete), paríko, boeíga meteoduréu kugu-
acima apresenta-se revestindo as lascas em duas áreas delimitadas por rigaduréu, pois também tem íve. ~ akiró prá ele, né? Ele que
quatro Iistas vermelhas: urna em cada extremidade e duas no centro. é encarregado" (Merúri, .1971).
Segundo as informa~óes de Merúri, Akarúio Bokodóri nao usa íve, o que
contradiz as informa~óes de Hµgo (Córrego Grande) e do MRDB. Verifi-
ca-se entao que quando Akarúio Bokodóri aparece com íve, este está sempre Bentinho de Merúri, certa vez também se referiu a meteoduréu kuriréu
combinado com retrizes de japu, as quais estao associadas aos grandes para Mamuiáwuge Ecéba.
iedága-máge, pois sao as mais valorizadas socialmente em todas as aldeias,
ao contrário de Mamuiáwuge Ecéba que se caracteriza principalmente pela Porém os informantes sao unanimes em afirmar que as listinhas brancas
presen~a do tran~ado de íve-óto combinado com tectrizes inferiores de de penas de pomba-carijó, alternadas com as listinhas vermelhas, é o que
araras. diferencia Jerígi Otojíwu, terceiro iedága na hierarquía clanica. Pois a
~ de se ressaltar que o uso de íve-óto se concentra em Mamuiáwuge a combina~ao branco/ vermelho em rela~ao ao vermelho é menos valorizada
e indica "gente" menor.
Ecéba. Quando revestidas por este tran~ado, as lascas sempre .aparecem
com listas vermelhas; somente no de n. 0 049, o íve nao está intercalado
com listas.
"De Mamuiáwuge EcéQa o íve ·é meteoduréu, mais miúdo e as
A espécie representada através do tran~ado de íve-óto é o peixe lambari penas sao vermelhas; de Jerígi Otojíwu o íve é bakaráia, mais
(José Carlos, Grude, Hugo) ou grande lambari (Ukewái), para Merúri e grande e as penas sao vermelhas mais brancas" .(José Carlos,
Merúri, 1973).
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Em vista dessas informa~oes, é necessário fazer algumas observa~oes 2.ª f. retrizes de japu + retrizes vermelhas de arara-canga.
referentes as lisias brancas constantes no revestimento das lascas da 2.ª fieira
da variedade de pariko n.0 039, de Mamuiáwuge Ecéba. Nesta variedade, 3.ª f . amarela - arara canindé.
as lascas sao revestidas por duas áreas do tran~ado íve-óto, cujo motivo
é o grande lambari. Essas áreas sao delimitadas por listinhas brancas e
n. 0 029: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
vermelhas, distribuídas do seguinte modo: tres no centro e tres em cada - penugem ausente.
extremidade das lascas, ficando urna listinha vermelha entre duas brancas. 2.ª f. retrizes de japu + 3 retrizes eqüidistantes de anu
branco.
Os paríko-dóge de J erígi Otojíwu (n.05 045 e 046) possuem as lascas
da 2.ª fieira revestidas de íve-óto, simbolizando o pequeno lambari ou o 3.ª f. vermelha - arara vermelha.
ocelote. As áreas abrangidas pelo tran9ado sao delimitadas igualmente por
nove listas, brancas e vermelhas, distribuindo-se tres em cada extremidade n.0 034: idem /no Kúri.
e tres no centro das lascas, de m,odo que fique urna listinha branca entre
duas vermelhas. Como vimos, a combina9ao de listas vermelhas e brancas n. 0 050: l.ª f. - retrizes · de arara vermelha + arara canindé +
constitui urna das principais características que permite identificar Jerígi arara una;
Otojíwu. - penugem ausente.
Poderla entao ocorrer a seguinte indaga9ao: apesar dos motivos simbo- 2.ª f. série de lascas retangulares revestidas de penas ver-
lizados serem diferentes, como distinguir a primeira vista os dois iedága- melhas; da extremidade superior de cada lasca
máge quando existir coincidencia cromática? pendem madeixas de cabelos humanos (Blx).
Nesses casos há necessidade de se considerar nao s6 combina9óes 3.ª f. - ausente.
cromáticas, mas também a posi9ao ocupada por determinada cor. Pois,
apesar de Mamuiáwuge Ecéba e Jerígi Otojíwu utilizarem listas brancas e n. 0 051: 1. ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé, alter..
vermelhas, o primeiro, mais importante, aparece com as vermelhas ocupando nando-se 3 penas de arara vermelha com 2 de
o centro do conjunto de listinhas, ocorrendo o inverso com o segundo. arara canindé;
Vemos, entao, que a posi9ao do vermelho, nao s6 a quantidade, varia em penugem ausente.
fun9ao do grau de importancia de cada iedága. 2. ª f. série de lascas retanguiares revestidas de penas
Apesar de a combina9ao branco/ vermelho nao ser comum para amarelo-ouro da base até o centro deste, até a
Mamuiáwuge Ecéba, que se caracteriza pelo uso de Iistinhas vermelhas extre~idade s~perior da lasca, onde estao presas
(conjuntos eqüidistantes de urna ou duas listinhas) e ser típica para Jerígi made1xas de cabelos humanos; o revestimento é de
Otojíwu, é preciso que se considere essas m~núcias no problema das penas vermelhas (B2x).
identifica9óes. 3. ª f. ausente.
O pan'ko n.0 038, atribuído a Akarúio Bokodóri e Mamuiáwuge Ecébá,
foi identificado por um informante em Merúri como de Bokwarébo. n. 0 052: l.ª f. 3 retrizes de ararauna alternadas com 2 de arara
vermelha; no centro da fieira há 3 retrizes centrais
(vurúgo) de ararauna;
"A diferen9a entre este paríko e o de Mamuiáwuge Ecéba é penugem ausente.
que ele tem urna kadoméga vermelha em cada um dos lados 2.ª f. retrizes de japu + 4 lascas <;entrais vermelhas (B3y);
do íve" (José Carlos, 1973).
3. ª f. - ausente.

BOKODORI ECERAE COBUGIWúGE n. 0 .053: l.ª f. - 5 retrizes de arara vermelha, alternadas com 1
de arara canindé;
- penugem ao redor do semi-círculo.
Kaigu
2. ª f. - série de lascas retangulares vermelhas + retrizes
pretas de canea no centro da fieira (B4y).
n. 0 02~: l.ª f. - ret.dzes de arara vermelha + arara canindé: a alter- 3.ª f. - vermelha - arar~ vermelha.
na~ao é na propor~ao de 3 vermelhas para 1 amarela;
penugem ausente. n.0 057: .- · idem Aro Giaré.u.

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BOKODóRI ECERAE CEBEGIWOGE
BOKODóRI ECERAE BOE E-IADADAWOGE

Aromére
Áro Giaréu
n.0 054: - idem Áro Giaréu.
n.0 054: l.ª f. retrizes de arara vermelha;
penugem ausente. n.0 056: l.ª f. - 2 retrizes de arara vermelha. alternadas com 2
2.ª f. série ele lascas retangulares vermelhas com exce~ao retrizes de arara canindé;
de 3 grupos de 4 lascas revestidas de penas amare- - penugem ausente.
lo-ouro na regiao central formando 3 retangulos 2.ª f. série. de lascas retangulares revestidas de penas
eqüidistantes (B5x). vermelhas da base até o centro; deste, até a extre-
3.ª f. - ausente. midade superior das.lascas d~ onde pendem madeixas
de cabelos humanos, o revestimento é amarelo-ouro
(B7x).
Bokodóri Báru 3. ª f. ausente.

n.0 055: 1.ª f . - retrizes de arara vermelha + arara canindé; n.0 057: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
- penugem ausente. penugem ao redor do semi-círculo.

2.ª f. série de lascas retangulares vermelhas com madeixas 2.ª f. __. série de lascas retangulares revestidas de penas
de cabelos humanos pendendo das extremidades amarelo-ouro em 1/ 3, na área central; as áreas
superiores + 3 retrizes eqüidistantes, de anu branco restantes, superior e inferior, sao revestidas de penas
(B6y). vermelhas (B8x).

3.ª f . - vermelha - arara vermelha. 3.ª f. ausente.

n. 0 058: l.ª f. retrizes de aqua vermelha + retrizes de arara


Tugóe ~anindé;
- · penugem ao redor do semi-círculo.
n. 0 060: - idem /no Kúri. 2.ª f. série ·de lascas revestidas de penas vermelhas ·da
base até o ter~o superior; este, é revestido de penas
amarelo-ouro (B9x).
Jorúbo
3.ª f. - ausente.

n. 0 050: - idem Kaígu. n.0 059: l.ª f. - 2 retrizes vermelhas alternadas e 2 amarelas;
- penugem ausente.
Baráme 2. ª f. - série de lascas revestidas + 3 retrizes de anu branco.
As lascas sao revestidas em vermelho da base até
o centro; <leste, para a extremidade superior, onde
n.0 050: - idem Kaígu. estao presas madeixas de cabelos humanos, o reves-
timento é amarelo-ouro (B 1Oy).
Kuogóre Pijíwu 3.ª f. - ausente.

0
n.0 060: - idem /no Kúri.
n. 060: - idem !no Kúri.
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!no Kúri
nao; éram só acinzentados. Depois Bokodóri Eceráe fez aquilo
aí, saiu a pena como é hoje: preto/ branco/ preto/ branco. Quem
n. 0 034: a) l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé; queimou bem foi a nabúre que saiu pena vermelha. Quem nao
penugem de pato selvagem ao redor do semi- queimou bem foi ku_ído, fo1 kudóro que saiu amarelo, preto,
círculo. bace (garc;a) que sa1u branco, pato. Antes · disso, nao tinha
nenhum passarinho" (Raimundo, Merúri, 1973).
2.ª f. tectrizes superiores de pato selvagem intercaladas
por 3 grupos de retrizes da mesma ave.
Foi a infrac;ao de Arogiareúdo, urna mulher dos Bokodóri Eceráe
3. ª f. - vermelha - arara vermelha. que, movida pela curiosidade, foi espiar os homens do mesmo cla atarefado~
em fazer colares na cibáe e-iári (casa-dos-homens feita de retrizes de
b) l.ªf. retrizes de arara canindé (em .maior quantidade), araracangas), es~ac;o vedado as mu!heres. Tendo notado sua imprudencia,
de arara vermelha e ararauna; os homens, che1os de vergonha, f1zeram urna grande fogueira e nela se
penugem branca de pato selvagem ao redor do atiraram, saindo como aves (EB-11:533-563).
semi-círculo.
Por outro lado, nao é comum usarem o akíri ao redor do semi-círculo
2.ª f. 3 zonas pretas de tectrizes de pato selvagem, da 1. ª fieira, porque, segundo Ukewái, eles possuem cabelos humanos.
alternadas com 2 brancas da mesma ave (na "Bokodóri Eceráe nao usa akíri, na ponta do paríko, porque já tem áe'
EB-1:418-419, consta ~erem penas pretas de (cabelos humanos)".
mutum alternadas com penas brancas de pato
selvagem) . Os parí~o-dóge dos Bokodóri Eceráe caracterizam-se, sobretudo, pelo
uso de made1xas de cabelos humanos pendendo das lascas revestidas de
3.ª f. - vermelha - arara vermelha. penas; pela ausencia geral da penugem colada as retrizes da 1. a fieira,
pois só ocorre emplumac;ao arminhada nos paríko-dóge n.os 053 (Kaígu
n.0 056: idem Aromére. - Merúri), 057, 058 (Aromére - Pirigára) e 034 (lno Kúri - Merúri);
pela utilizac;ao do anu branco e da araracanga (esta atualmente substituída
por arara vermelha) como destaques na 2.ª fieira; pela forma curta e
n.0 060: 1. ª f. - retrizes de arara ver.melha + arara canindé;
larga a semelhanc;a do pacu, sobretudo os Bokodóri Eceráe Cebegíwu.
penugem ausente. E pelª constante ausencia da 3.ª fieira, já que esta só aparece nos n. 08 023,
2. a f. série de lascas retangulares revestidas de penas 029, 053 (Kaigu), 055 (Bokodóri Báru) e 034 (/no Kúri). É de se observar
vermelhas da base até metade do comprimento; que a 3.ª fieira é usada nos paríko-dóge quando na composic;ao da 2.ª fieira
deste, para a extr~midade superior o revestimento entram retrizes quer dominando, quer sob a forma de destaques.
é de penas amarelo-ouro (B 1 lx). Os cabelos humanos que os Bok. Ec. usam no paríko originaram-se
3.ª f. - ausente. dos escalpos da "tribo inimiga" (EB-1:746) dos Koróge, levados como
troféus de guerra a aldeia bororo por Akarúio Boróge (Apib.) e sua mulher
Arogiareúdo (Bok. Ec.) que com eles lutaram em represália a morte de
Os Bokodóri Eceráe receberam urna quantia insignificante de penas Barógo Bororo, filho de Kurugúgwa, irmao de Boróge.
das aves dos Tugarége, pois eles criaram os pássaros e por isso possuem Vencidos os Koróge, Akarúio Boróge e Arogiareúdo voltaram a
um patrimonio considerável de -penas para fazerem seus enfeites. aldeia bóe.

" ... Bokodóri Eceráe que fizeram todos os passarinhos, kuído, " ... Entao chegou na aldeia e falou com a mulher. Entao
nabúre, kurugúgwa, aróe ecéba, kudóro, koráo, bace, todos. chamou um homem, o filho dessa mulher e mostrou o cabelo.
Bokodóri Eceráe juntou lenha prá fazer um fogo grande só prá Aí juntou tudo esses bororo, os orarimogodóge. Mostrou esse
sair pena vermelha, azul, branco. Aí os Bokodóri entraram lá cabelo a eles, bem no centro do bororo (pátio da aldeia). Entao
dentro e saíram voando. Um como arara, outro como gaviao. falou: - Meus filhos dessa aldeia, agora voces vao dividir esse
Quem entrou primeiro foi cibáio que aquele é tudo vermelho, cabelo, mas o encarregado é minha mulher, esse meu filho
tudo, tudo; nao tem outra cor. Entra no fogo e já sai voando. também ( = os Bok. Ec.)! Entao pensaram o que fazer do
Sai preta, vermelho, amarelo, pintado. Gaviao nao 'era assim cabelo. Á ro Giaréu falou entao com Bokodóri Báru, Aromére,
falou com eles tudinho: - Entao vamos fazer assim: o Sr. faz.
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Entao eu mesmo vou fazer assim: - Vou por kadoméga no vermelho ao misturá-lo com as retrizes bicolores brancas/ pretas do anu
meu paríko todo vermelho e a ponta é cabelo, ao redor do meu branco. Por isso, "aqui já é misturado, porque tero as tres p6go-iága,
pa;íko. Entao falou com Aromére, seu irmao: - Voce f~~ esse é menor ... " (Ukewái, Merúri, 1971).
assim: bó kujaguréu, ekuréu e cabelo, tudo na ponta. Bokodon
Báru, em vez de ficar com todo o cabelo nao foi - ficou com A rogiaréu só utiliza retrizes vermelhas. Na 2. ª fieira caracteriza-se
pouquinho, por isso o paríko nao é todo de áe nas kadoméga; por lascas vermelhas coro tres retangulos eqüidistantes amarelo-ouro, que
Áro Giaréu dividiu um pouquinho de cabelos prá um, pra aparecem suspensos no meio do :vermelho, como tres pontos amarelos
outro .. . " .. . "A ro Giaréu é um novo nome de Kaígu" (Ukewái, perdidos na profusao do vermelho. Assim, pela linguagem do paríko ele
Merúri, 1971). também é um dos iedága-máge mais importantes entre os Bok. Ec., embora
este paríko (n.0 054) tenha sido identificado igualmente a Aromére e Tugóe,
dos Bok. Ec. menos importantes. Tereza Jussani, de Merúri, disse ser
Por outro lado, os Bokodóri Eceráe fazem diademas de aspecto seme- este paríko de "Bokodóri Eceráe pertinho do grande. O outro, n.º 060,
lhante aos caracteres morfológicos do pacu por autoriza9ao dos Apiborége, é bem do meio. Mas esse daqui tá perto do grande", isto é, pertence ao
que possuem os direitos de propriedade sobr~ o peixe. ,, Assill}, . por ·meio iedága, cujo lugar no círculo da aldeia está logo abaixo do primeiro
dos paríko-dóge, eles só representam o animal que e especie natural Bokod6ri Eceráe grandao que .é Kaígu (S. Paulo, 1977).
associada aos Apiborége.
Por outro lado, Ukewái diz serem Arogiaréu e Kaígu -o mesmo iedága.
Ao se analisar artefato por artefato em rela~ao as unidades possuidoras, Do mesmo modo, o n. 0 050 que em Merúri e Córrego Grande pertence
0 que se tem a destacar é o seguinte: f'aígu, <;:obugíwu, o BokodóriaE:e:áe a Kaígu, foi dado no Pirigára como de Jorúbo, um Bok. Ec. Boiakogúdu,
mais importante, sempre ocupa urna area. mai,,o r ?~ veri,,nelh~ na 1. f1e1ra, dos menos influentes. E o n. 0 051 identificado em Merúri como de
quando combinado com o amarelo. Devena ate utilizar so retnzes vermelhas, Kaígu, Hugo, de Córrego Grande," o atribuí a Baráme, também um Bok Ec.
no paríko n.º 050, conforme Hugo da aldeia de Córrego Grande. Também sem influencia alguma.
emprega apenas retrizes pretas e _verll}elhas (n. 0 !>52), cores qu~ .expressam
a posi~ao elevada que ocupa nao so em rela~ao aos Bokodori, mas ~m Vemos assim muitas oscilac;oes nas interpretac;óes indígenas que talvez
rela~ao aos outros iedága-máge, menos importantes, do círculo da alde1a. possam ser atribuídas as rela9oes sociais vigentes na aldéia num momento
Em termos ideais só a ele estariam reservadas retrizes de cibáe, a ave dado.
. '
por excelencia dos Bokodóri Ecerá~. Os pr?~rios B~kod6ri auto-?~no- Os paríko-d6ge akurarareúge sao específicos aos Bok. Ec. Cebegíwuge
minam-se Cibáe Eceráe (sexo masculino) e Cibae Ecerare (sexo femin1no) se partirmos da amostra de doze variedades concementes aos Bokodóri.
(EB-1:537). No paríko n. 0 053, segundo Ukewái, as lascas da 2.ª fi~ira, Caracterizam Aromére e !no Kúri, iedága-máge_menos influentes em rela~o
combinadas com retrizes pretas de canea, sao vermelhas porque a cibáe a Kaígu (sao seus irmaos menores) mas de influencia maior se comparados
é vermelha. Na 2. ª fieira, quando do grupo de variedades mistas ou aos outros Bokodóri Ec. Segundo alguns informantes, embora distanciados
retriz-es, somente Kaígu aparece com retri~es de japu como element~s na localiza9ao do círculo da aldeia, Kaígu e Aromére sao os iedága-ináge
dominantes, combinados com retrizes centrais de arara verm~lha (substi- de maior proximidade no relacionamento social.
tuindo a araracanga) ou com as de anu branco.
Os paríko-dóge do grupo de variedades lascas e atribuídos a Kaígu
serao analisados mais adiante, juntamente com os Bok. Ec. Ceb. para "Bokodóri Eceráe é especial. :E: aróe. Nao falta nada. Tem
tudo com ele. Kaígu é o maior e é coréu, é preto. Assim, Kaígu
melhor compreensao. nao ocupa os treos dos outros Bok. Ec., só de Aromére e este
Bokodóri Báru, segundo José Carlos (Merúri), em termos da hierarquía ocupa de Kaígu. Ex.: se Aromére quer passear, ele vai direta-
clanica, é igual a Kaígu, "um nao. ~ maior .do que o outr?", ~as de acor~o mente ao Kaígu, nao entrando nos outros Bok. Ec. que moram
coro Ukewái "é menor do que Kaigu, ma1or um pouqu1nh? (em relayao entre os dois. Aromére corta todos os outros Bok. Ec. e entra
aos outros Bokod6ri Eceráe). Se avaliado do ponto de vista do pariko, na casa do irmao Kaígu e este faz o mesmo com Aromére.
ele pode ser colocado entre os Bokodóri graúdos, pois na 2. ª fieira utiliza Quem manda é Kaígu; nao estando este, Aromére fica em seu
como dominantes lascas vermelhas + áe, com tres retrizes de anu branco. lugar. Nao estando nenhum dos dois, um dos Bok. Ec. que
Mas ele é menor em rela9áo a Kaígu, pois, enquanto o primeiro usa moram entre eles é que manda" (Ukewái, Merúri, 1971).
japu + anu branco - o japu é prerrogativa dos grandes iedága-máge da
aldeia e o anu branco como destaque é marca dos Bok. Ec. - o segun<jo,
ao ver do índio, dilui a grandiosidade expressa pelas lasca~ ~ermelhas. ao Na l.ª fieira Aromére utiliza , maior quantidade de retrizes amarelas,.
misturá-las coro anu branco. · Além do mais, enquanto Kaigu emprega mas é pela 2. ª fieira, através das lascas, que se. pode perceber mais clara-
lascas vermelhas "purinhas" + áe, Bokod6ri Báru altera a "pureza" do mente a diferenc;a entre Kaígu e A romére.

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Nesse sentido, o que se tem a destacar é a posi~ao ocupada pela cor a este, o amarelo se situa entre o vermelho e ambos possuem aproximada-
vermelha nas ~ascas. Somente Kaígu, por ser o mais rico e o mais influente, mente a mesma denomina~ao: Paríko pára óia ekuréu, o proveniente do
emprega lascas inteiramente vermelhas dominando por completo na fieira MRDB, n. 0 054 e Paríko óia ekuréu, o da aldeia do Pirigára, n.º 057.
(n. 0 050). Aromére nunca utiliza somente o vermelho. E quando o vermelho
se encontra em oposi9ao ao amarelo é a posi9ao da cor vermelha o critério aOu~ra observa~ao a ser feita é que o paríko n. 0 023 (Kaígu) possui
essencial de identifica9ao. Kaígu, porque é grande, e nao é misturado, no a 3. feua de penas-de-contorno amarelo-ouro de arara canindé conver-
revestimento das lascas ocupa o vermelho da metade para a extremidade tendo-se na única variedade com tal característica, mas segundo' Ukewái
superior da lasca, ficando a cor amarela na área situada entre a metade e "puse~ram kuído~bu po~que cibá~ iága ~ ~uito vermelha e as iága de nabúr;
a . extremidade inferior. Com Aromére, o menos importante, aquele que tambem; mas 1sto nao tem importancia porque nao diferencia nada"
" mistura", acontece a inversao no revestimento. Assim, nas lascas de (Merúri, 1971).
seus paríko-dóge (exceto o n. 0 057 da aldeia d_o Pirigára) o vermelho
abrange a área da metade até a extremidade inferior da lasca e o amarelo
a da metade para a extremidade superior. ~, entao, justamente essa KfE CEBEGIWúGE COREúGE
inversao que, complementada ou nao pelas madeixas de cabelos humanos,
identifica os diademas dos_, dois iedága-máge em rela<;ao ao grupo de .
variedades lascas (n.05 051, 056, 058 e 060).
Kí Bakororo

"Kaígu, é preto, Coréu. Nao ocupa os trens dos outros Bokodori. n. 0 028: l.ª f. retrizes de ararauna + retrizes de arara canindé
Só do Aromére, pois sao irmaos. Paríko no páru-jíwu é ponta
(~entro: 3 retrizes de ararauna);
vermelha e amarelo o resto. Nao sao misturados os enfeites;
penugem de pato selvagem, assitn distribuídas: em
se quiser misturar, usa os de Aromére. Aromére, Kujaguréu,
quatro retrizes do centro e em quatro retrizes em
Kuguriréu, paríko ponta amarela no páru-jiwu e vermelho o
ambos os lados do semi-círculo. ,
resto. As cores dos enfeites sao misturadas. Os enfeites sao
misturados" (Ukewái, Merúri, 1973). ·2,ª f. retrizes de japu + 3 grupos eqüidistantes de 3 penas
pretas de tuiutorógo. .
"Kaígu, Cobugíwu, Coréu é preto. Nao ocupa os trens dos 3.ª f. ausente.
Bokodóri que moram entre ele e Aromére; pariko, ponta verme-
lha. Aromére, Kuguriréu, é misturado, paríko, ponta amarela"
(Coqueiro, Merúri, 1973). n. 0 061: 1. ª f. 3 retrizes de ararauna, alternadas com 3 retrizes de
arara vermelha (centro: 3 retrizes de ar~rauna);
penugem de urubu, a partir da base até urna altura
Somente /no Kúri "mexe" com tectrizes superiores de pato (n. 0 034), de 8 retrizes em ambos os lados do semi-círculo.
pois "Bokodóri também tem pato" (Raimundo, Merúri, 1973). Em vista
disso ele é facilmente identificado entre as variedades de seus parceiros. 2. ª f. - lascas triangulares vermelhas + 3 grupos de 4 lascas
pretas com urna listinha vermelha no centro de cada
Mas manipula também a mistura (n. 0 060) do mesmo modo que Aromére,
lasca (Clx).
e nao usa áe, segundo alguns informantes. ~ de se observar, no entanto,
que o n.0 056 atribuído a Aromére foi identificado como de !no Kúri 3.ª f. - vermelha - arara vermelha.
por Hugo de Córrego Grande.
Segundo Raimundo, Kaígu deu o Paríko akurararéu (n. 0 060) a !no n.0 062: l.ª f. 3 retrizes de arara vermelha, alternadas com 2 de
Kúri, "porque tá misturado amarelo e vermelho, entao deu". (Merúri, ararauna (centro: 3 retrizes de arara vermelha);
1973). Por outro lado, esta mesma variedade foi identificada como de penugem de urubu, a partir da base até urna altura
Kuogóre Pijíwu por José Carlos, de Merúri. de 7 retrizes em ambos os lados do semi-círculo.
1

2. ª f. - série de lascas triangulares revestidas de preto; em


A aldeia do Pirigára, em rela~ao as de Merúri e Córrego Grande
cada urna h.á duas listas horizontais vermelhas eqüi-
difere pelo uso do akíri · em seus dois paríko-dóge e pela varia<;ao de
distantes do centro, de maneira que este fique preto
disposi<;ao da área abrangida pelas cores em contraste nos n. 08 057 e 058
(C2x). ·
atribuídos a Aromére. Ainda em rela~ao ao n.0 057, a característica das
lascas corresponderla mais ao n:0 054 de Arogiaréu, pois semelhantemente 3.ª f. - vermelha - arara vermelha.

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n. 0 063: l.ª f. - retrizes de arara canindé + ararauna; 2.ª f. retrizes .de japu + 4 lascas retangulares, centrais,
somente urn conjunto de retrizes, a partir da base, revestidas de penas vermelhas com duas listas hori-
ern ambos os lados do semi-círculo, possui penugem zontais pretas eqüidistantes do centro de cada urna
de pato selvagem colada em suas partes terminais. (C7y).
2.ª f. - série de lascas retangulares revestidas de penas ver- 3. ª f. ausente.
rnelhas, com a regiao central constituída por tres
listinhas assim distribuídas: preta-vermelha-preta n. 0 068: - ídem Baádo Jéba Kudóro .
(C3x).
3. a f. preta - mutum. Baádo Jéba Kudóro

n. 0 064: l.ª f. retrizes de ararauna; n. 0 025: l.ª f. retrizes de arara vermelha + ararauna + arara
penugem de pato selvagern ou urubu em 4 retrizes canindé, as 3 retri_zes centrais sao de ararauna;
centrais e ern 3 retrizes laterais nos dais lados - penugem de pato selvagem até urna altura de 13
do semi-círculo. retrizes, em ambos os lados do semi-círculo.
2.ª f. - série de lascas retangulares revestidas de penas 2. ª f. - série de retrizes de papagaio verdadeiro.
vermelhas + -3 grupos eqüidistantes de 3 lascas
3. ª f. - vermelha - arara vermelha.
revestidas dtt penas pretas (C4x).
3. ª f. - ausente. n. 0 068: 1. ª f. - retrizes de .arara canindé + arara vermelha + ara-
ra una (em maior quantidade);
n .0 065: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara caniiidé; - penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
penugem de 'pato selvagem nas 4 retrizes centrais 2. ª f. série de trés lascas retangulares inteiramente reves-
e em 4 laterais em ambos os lados do semi-círculo. tidas de penas vermelhas alternadas com tres lascas
revestidas de preto (C8x).
2. ª f. - série de lascas retangulares revestidas de íve-óto
em 1/3 do comprimento, na área central; as partes 3 ~ ª f. - preta - rnutum.
restantes superior e. inferior sao de penas vermelhas
(CSx).
Jakoráre
3. ª f. ausente.
n.o 007: 1.a f. - retr.izes de arara vermelha + arara canindé, alter-
n. 0 066: l.ª f. re.trizes de arara vermelha + ararauna; nadas urna a urna;
- penugem de pato selvagem em 4 retrizes centrais e - penugern de urubu, a partir da base, até urna altura
em 4 retrizes laterais em ambos os lados do semi- de 6 retrizes de ambos os lados do semi-círculo. ___.
círculo.
2.ª f. - papagaio verdadeiro + 3 grupos eqüidistantes de
2. ª f. - série de lascas retangulares revestidas por penas 3 retrizes de pavaozinho-do-pará.
pretas em 2/4 da área central; as partes restantes, 3.ª f. - vermelha - arara vermelha.
superior e inferior, sao revesJidas de penas vermelhas
(C6x). Obs.: A 2. ª fieira também pode ser coinposta por
uma série de retrizes de pavaozinho-do-pará (Ukewái;
3.ª f . ausente. 1973).

n. 0 067: l.ª f. 3 retrizes de ararauna alternadas com 3 retrizes de Auraréu


arara vermelha, sendo as 3 centrais. de ararauna;
penugem somente num conjunto de retrizes, da base
até urna altura de 6 retrizes, em ambos os lados n.0 008: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé; ;

do semi-círculo. - penugem de pato ~elvagem, a partir da base ate

- 182 - - 183 -
urna altura de 14 retrizes em ambos os lados do que no nível do signifiéado cultural ambas as disposi<;oes possuem o
semi-círculo. mesmo .sentido.
2.ª f. retrizes de japu + 3 grupos de 4 retrízes de paváo- De todas as variedades, sornente urna, n. 0 068, apresen ta penugem
zinho-do-pará. colada em todas as retrizes do semi-círculo.
3.ª f. - preta - mutum. Apesar da penugem do urubu ser a matéria-prima por excelencia
para a emplumac;ao arminhada entre os Kíe, observara-se também varieda-
Jé Kigaduréu des com penugem de pato selvagem (n. 05 028, 063, 065, 066, 025, 068,
008 e 009).

n. 0 009: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé; "Kiede só póe bai akíri, porque basta a eles; nao precisa botar
penugem de pato selvagem, a partir da base, somente turubári" (Ukewái, Merúri, 1971).
num conjunto de retrizes em ambos os lados do
semi-círculo.
Exceto Jé Kigaduréu, categoría de referencia da qual nao possuo
2.ª f. retrizes de japu + 4 retrizes de pavaozinho-do-pará elementos para situar no universo Kíe, todas as variedades de paríko
no centro da fieira. levantadas concentram-se no sub-cla dos Kíe Cebegíwu, Coréuge, ou seja,
3.ª f. preta - mutum. os Kíe Pretos, mais importantes e influentes.
Os Kíe fazem seus diademas com matéria-prima recebida dos Tugarége,
n. 008:
0
idem Auraréu. como as retrizes de japu (Páiwoe), as penas-de-contorno de arara vermelha
(Aróroe) e de mutum (Iwagúdu-dóge), a penugem de pato selvagem, retrizes
n. 0 068: idem Baádo léba Kudóro. de papagaio-verdadeiro (Páiwoe), de arara vermelha (Aróroe) e de ara~a
canindé (Páiwoe). Porém, o que particulariza suas variedades sao as
retrizes de ararauna da l.ª fieira, as de pavaozinho-do-pará e de tuiutorógo,
O prinieiro elemento facilmente distinguível nos paríko-dóge dos Kíe elementos de destaque na 2. ª fieira, e a penugem de urubu ou pato
é o modo como dispoem a penu_gem colada as retrizes da 1.ª fieira. selvagem a delimitar o diadema dos Kie do espac;o circundante pela~
pontas brancas das orelhas das antas. E jogando com as penas de
A penugem nao é colada em todas as retrizes do semi-círculo, mas espécies ornitológicas associadas aos .clas de lado diverso, eles representam
somente em determinados conjuntos; com isso, os Kíe querem expressar nas lascas o Sol ao poente em época de queimada das roc;as, quando
a ponta branca da orelha da anta (cf. p. 73 e 155), mamífero íntimamente a fumac;a negra passando sobre o Sol, deixa-o listado como as e_strias
relacionado ao cla (Kíe = as antas). pretas próximas aos olhos de certas aves, como as araras.
Ao identificar um paríko com essa característica, Tereza Jussani,
de Merúri, assim se expressou:
"Méri (Sol, tempo astro.nómico) é as vezes Kiéde, as vezes
Baádo Jéba" (Ukewái, Merúri, 1971) . .
"Kiede kuriréu; Kí Bakororo, porque a ponta da otelha da anta
é branquinha. Nao pode ter akíri de jeito nenhum. Te¡µ que Na 3.ª fieira, os Kíe empregam tanto a cor preta como a vermelha.
ser simples. Nao pode ter penugem na pon ta dele. . Kiede nao
pode ter penugem. Pode ter Kúje peebáru só na falta dele, só Kí Bakororo, o grande iedága, é identificado em seus paríko-dóge
esse" (Sao Paulo, 1977). pela predominancia da cor preta quer na 1.ª como na 2.ª fieira, bem
como por oposic;óes cromáticas em preto e vermelho.

Comparando-se os paríko-dóge dos Kíe nas tres aldeias constatam-se


diferenc;as na disposic;ao: enquanto em Merúri e Córrego Grande a penugem "Kí Bakororo é o grande; por isso, toma o maior, que é preto,
é colada, a partir da base do semi-círculo, em ambos os lados, até unta tudo preto, acha bom, bonito aquele" (José Carlos, Merúri,
altura que varia de 6 a 14 retrizes, na aldeia do Pirigára ela é colada em 1973).
3 ou 4 retrizes laterais e em 4 retrizes no ápice do semi-círculo (cf. p .. 73
e fi~. 16). Constituem-se, porém, somente em diferenc;as morfológicas, já Na 1.ª fieira

__.:... 184 - - 185 -


"só vai Kudóro iága. As vezes póe nabúre iága e kudóro iága No de n. 0 067 (Merúri), enquadrado no grupo de variedades mistas,
quando nao quer fazer tudo. Mas uso do Kí Bakororo é tudo igualmente o ámarelo do japu também domina na fieira, em oposi~áo ao
preto, nas flechas, enfeite, tudo" (Hugo, Córrego Grande, 1971 ). vermelho listado de preto do Sol ao poente nas quatro lascas centrais,
revestidas inteiramente de vermelho com duas listinhas pretas na regiao
central. Essas características na 2. ª fieira, aliadas a altema~áo de tres
Em termos ideais, as op«.;6es de composi~áo da 1. ª fieira para retrizes vermelhas com tres pretas, sendo as centrais pretas na 1. ª fieira,
Ki Bakororo seriam 5 retrizes pretas alternadas com 5 vermelhas, ou mais a penugem expressando a ponta da orelha de Kí, sintetizam, num
3 retrizes pretas alternadas com 3 vermelhas ou urna série de retrizes só diadema, as cores e os significad~s peculiares ao mais rico, . preto e
pretas, podendo usar também a combina~áo de seus pares de menos influente dos Kíe. Segundo José Carlos de Merúri, "esse é o verdadeiro
influencia no clá que é a alterna~áo de urna retriz preta com urna vermelha Kiéde: Kí Bakororo".
(Merúri e Córrego Grande). No Pirigára, sua escolha pode residir numa
retriz preta alternada com urna vermelha, ou numa retriz amarela alternada Segundo os informantes, Baádo Jéba Kudóro diferencia-se de Kí
com urna retriz preta. Essa combina~ao nao aparece nas outras aldeias, Bakororo por utilizar na 1. ª fieira só retrizes pretas e vermelhas ou pretas,
exceto no de n.0 063, do acervo do MRDB, constando na ficha descritiva vermelhas e amarelas com o centro preto, alternadas urna a urna. No
ser proveniente de Merúri, com data de coleta de 1953. Informa-se aí paríko n. 0 025 (a), segundo José Carlos, a enfase na identifica~áo é dada
nao ser a variedade prerrogativa de Kí Bakororo, mas extensiva a todos pela l.ª fieira e o akíri "como orelha de kí"; mas, segundo Raimundo,
os Kie. Porém, ao mostrar o desenho deste pariko a tres informantes de todos os elementos sao importantes. Apesar das divergencias, por meio
tres diferentes aldeias - Pobóre, Córrego Grande e Merúri - eles pronta- dessa variedade, Baádo Jéba Kudóro é facilmente distinguível entre todos
mente o identificaram como de Ki Bakororo. Suponho, porém, que tenham os Kíe, já que somente ele dispóe retrizes de papagaio-verdadeiro em
dado enfase a disposi~áo da penugem, a 3.ª fieira que é preta, e principal· série sem destaque na 2.ª fieira, combinadas com o vermelho da 3.ª fieira.
mente a linguagem da 2.ª fieira que expressa o Sol listado ao poente, Já no de n.0 068 (MRDB 2450), urna vez que há penugem colada
característica de Kí Bakororo. Acrescente-se ainda que o elemento amarelo, em todas as retrizes do semi-círculo na 1.ª fieira, o elemento a s~~
atualmente, nessas tres aldeias, só aparece combinado simU:ltaneamente ao considerado é o uso das tres espécies omitol<.Sgicas acima apontadas, pois
preto e ao vermelho, comQ op9áo a Baádo Jéba Kudóro, o segundo pela disposi~áo da penugem ele nao se distingue dos outros clas. Mas
iedága Coréu na hierarquía clanica. enquanto Hugo afirma ser essa disposi~ao correta nesse caso, outros
Atualmente, se pela falta de matéria-prima adequada nao houver informantes dizem que assim é errado, pois deveria ser orelha de Kí.
possibilidade de serem usadas na 1.ª fieira as propor.9óes cromáticas Quanto a 2.ª fieira, Baádo Jéba Kud6ro é o único que utiliza lascas
citadas ou ao menos de manter a combina~áo vermelho/ preto pelo uso monocromas em preto e vermelho, alternadas respectivamente numa propor-
-de ararauna e da arara vermelha, haverá ainda urna alternativa para ~áo de 3 para 4, combinadas com o preto d~ 3.ª fieira.
reconhecimento, através das tres retrizes centrais da fieira: sao empregadas
tres retrizes pretas de ararauna. Acrescente-se que no de n. 0 065 (Pirigára) Porém, essa mesma variedade foi atribuída a Kí Bakororo por
a 1.ª fieira é constituída de retrizes de arara vermelha e arara canindé. Kanajó, da aldeia de Córrego Grande, ao passo que Ukewái a identificou
com Tóro Jokúre, com urna ressalva: a l.ª fieira deveria ser preta e
Na 2.ª fieira, nas tres aldeias, Kí Bakororo destaca-se pelo uso vermelha.
abundante de lascas revestidas. Mas, enquanto em Merúri e Córrego
Grande elas expressam, pelo seu conteúdo, méri, o Sol, com listas, as
Jakoráre e A uraréu dividem entre si as retrizes tricolores do pavao-
tres variedades da aldeia do Pirigára revelara diferentes conteúdos: no zinho·do-pará, espécie clanica dos Kíe. O que varia, porém, é a quantidade
de n.0 064 a enfase é dada principalmente a ponta branca da orelha de retrizes utilizadas e a espécie ornitológica dominante na fieira.
da anta e ao espectro cromático das lascas e o de n.0 065 é identificado Tanto Jakoráre como A uraréu combinara retrizes de arara vermelha
pelo uso do íve-6to, cujo desenho é formado por linhas interrompidas e de arara canindé na 1.ª fieirá, empregando, desse modo, a "mistura",
entre duas áreas vermelhas. Nao possuo dados referentes ao emprego que nao é comum entre os Kíe. Como as duas variedades provem
do íve-óto entre os Kíe na aldeia do Pirigára, mas é um detalhe que de Merúri, onde a ararauna é de difícil obten~ao, e dadas as substitui~óes
gostaria de observar, já que para Merúri e Córrego Grande o tran«;ado de matéria·prima em vista da atual escassez de certas espécies ornitológicas,
de ive-óto é característica dos BJ. Cob. Já no de n.0 066, as lascas a identifica~ao clanica da 1.ª fieira seria possível unicamente pela disposi~áo
revestidas simbolizam o kiogo meriréu (pássaro vermelho e preto), espécie da penugem. E esta, por si só, como vimos, é urna característica mareante
natural associada a Kí Bakororo na aldeia do Pirigára. Também somente entre os Kíe.
nessa aldeia Kí Bakororo possui urna variedade unicamente de retrizes,
onde as pretas d9 tuiutorógo (Kie) destacam-se entre a dominancia das Ambos usam como destaque na 2. ª fieira as retrizes de pavaozinho-
amarelas do japu. · do-pará, elemento essencial para identifica~áo. Mas, enquantc» no Jakoráre

- 186 - - 187 -
cabem 3 grupos de 3 retrizes dessa espécie combinados com papaga10 n. 0 070: l.ªf. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
verdadeiro, Auraréu emprega 3 grupos de 4, que se destacam em meio a penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
retrizes de japtf. O primeiro tem a 3.ª fieira vermelha e o segundo preta.
Sao estes elementos que distinguem as duas variedades entre as unidades 2.ª f. série de lascas retangulares revestidas de penas
possuidoras, podendo ainda Jakoráre utilizar a 2.ª fieira inteiramente de pretas com as extremidades inferior e superior de
retrizes de pavaozinho-do-pará (Ukewái, Merúri, 1973). penas brancas penugentas (mutum); e-sta série é
interrompida por 3 retrizes eqüidistantes de gaviáo-
Hugo de Córrego Grande atribuí a Jé Kigaduréu urna variedade de de-penacho (D2y).
paríko com as mesmas características dos acima analisados na 1.a fieira.
Na 2.ª, tem igualmente retrizes de japu como Auraréu, mas urna proporc;ao 3.ª f. - ausente.
menor de retrizes de pavaozinho-do-pará, já que o destaque é formado
por 4 retrizes no centro da fieira. A 3.ª. fieira é preta. Também o de n. 0 071: l.ª f. - 3 retrizes de arara vermelha, alternadas com urna
n. 0 008 que Raimundo de Merúri identifica a Auraréu e o de n.º 068, de arara canindé (centro: 3 vermelhas);
que é identificado a Baádo Jéba ,Kudóro, Hugo atribuí a Jé Kigaduréu. ·- penugem ausente. ·
Nao possuo elementos que possam esclarecer essas discrepancias, principal- 2. a f. - série de lascas retangulares vermelhas com urna lista
mente em relac;ao a Auraiéu, porém dados como estes eventualmente horizontal preta no centro (D3x).
poderiam dar pistas da trama de relac;ües dos iedága-máge ou dos clas
envolvidos pelo paríko. 3.ª f. - vermelha - arara vermelha.

n.o 072: 1. ª f. - 3 retrizes de arara vermelha alternadas com 3 retri-


zes de arara canindé (centro: 3 vermelhas);
BAADO JEBAGE CEBEGIWúGE - penugem ausente.
2.ª f. série de lascas triangulares vermelhas + 3 gr.u pos
de 4 lascas pretas, tendo, cada urna, duas listas
Bakoro Kúdu horizontais vermelhas eqüidistantes do centro (D4x).
3.ª f. - vermelha - arara vermelha.
n. 0 014: - ídem Kurugúgwa Etoiagáre.
n. 0 073: l.ª f. - arara vermelha + arara canindé (centro: 2 verme-
n .0 025: idem Arúa. lhas e 2 amarelas);
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
n.0 030: idem .Kurugúgwa Etoiagáre. 2.ª f. - série de lascas retangulares inteiramente revestidas
de penas vermelhas (DSx).
n.0 031 : ídem Arúa. 3.ª f. ausente.

n.0 032: vide em BJ Cob: Mamuiáwuge Ecéba. n.0 074: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé;
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
n. 0 069: 1.ª f. - 3 retrizes de arara vermelha, alternadas com 3
retrizes de arara canindé (centro: 3 vermelhas); 2. ª f. - retrizes de japu + 3 grupos de 3 lascas revestidas
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. de penas vermelhas, tendo cada urna na parte central
5 listas horizontais assim distribuídas: preta/ amare-
2. ª f. série de lascas retanguiares revestidas de penas pretas la/ vermelha/amarela/preta (D6y).
com as extremidades inferiores e superiores de penas 3.ª f. - vermelha - arara vermelha.
brancas penugentas (Dl x).
3.ª f. - ausente. n.0 075: 1.ª f. retrizes de arara vermelha;
- penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
Obs.: um dos exemplares deste paríko, constante
d.o acervo do MRDB (n. 0 1417), só possui retrizes 2. a f. retrizes de japu + 4 lascas retangulares centrais
de arara canindé na l.ª fieira. vermelhas (D7y).

- 188 - - 189 -
3.ª f. - vermelha - arara vermelha. 2.ª f. série de lascas revestidas em vermelho e amare-
lo-ouro, alternadas urna_ a urna (D12x).
n.º 076: " - ídem Ocá Kuduréu.
3. ª f. - ausente.
n.0 079: - ídem Arúa.
n. 0 081: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé,
n. 080:
0 - ídem Arúa. alternadas duas a duas;
penugem de pato selvagem ao redor do semi-
círculo.
A rúa
2.ª f. série de lascas retangulares revestidas em verme-
n. 0 025(a): l.ª f. - retrizes de arara canindé; lho e amarelo-ouro, assim distribuídas: em 2/ 4
penugem de pato selvagem ao redor do semi- da área central há urna alternancia de 3 listas
círculo. horizoritais amarelo-ouro com 2 vermelhas, sendo
as partes restantes, superior e inferior, vermelhas
2.ª f. série de retrizes de papagaio-verdadeíro. (D13x).
3.ª f. vermelha - arara vennelha.
3.ª f. - ausente.
n.0 027: 1.ª f . - retrizes de arara canindé;
- penugem ausente. n.0 082: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé;
penugem de pato selvagem ao redor do semi-
2.ª f. - série de retrizes de japu. círculo.
3.ª f. - vermelha - arara vermelha. 2.ª f. - série de lascas retangulares revestidas de penas
verde-azuladas (arara vermelha) da base até o
n. 0 031: 1. ª f. - retrizes de .arara ~eonelha + arara canindé; centro; deste até a extremidade superior o
penugem de pato selvagem ao redor do semi- revestimento é de penas vermelhas (D14x).
círculo.
3.ª f. - ausente.
2.ª f. série de retrizes de papagaio-verdadeiro com
penugem nas partes terminais das penas.
3.ª f. vermelha - arara vermelha. Kurugúgoe Etoiagáre

n.0 069: idem Bakoro Kúdu. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
n. 0 014: l.ª f. -
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
n.0 076: idem Ocá Kuduréu.
2.ª f. retrizes de papagaio-verdadeiro e papagaio-corne-
n. 0 079: l. a f. retrizes de arara vermelha(8) + arara canindé; teiro + 3 grupos eqüidistantes de 3 retrizes de
penugem de pato selvagem ao redor do semi-
.- .. ,
gav1ao-can10.
círculo.
3.ª f. vermelha - arara vermelha.
2. ª f. - série de lascas retangulares revestidas, alternan-
do-se 7 de penas amarelo-ouro com 6 de penas
n.º 015: l.ª f. - arara vermelha + arara canindé; ,
vermelhas (Dt lx). - penugem de pato selvagem ao redor do semi-circulo.
3.ª f. - ausente.
2.ª f. - série alternada de 5 retrizes de papagaio-verdadeiro
n. 0 080: 1.ª f. - retrizes de arara canindé; com 2 retrizes de gaviao-carijó até o centro d~_fieira,
onde esta0 fixadas 3 retrizes do mesmo gav1ao.
penugem de pato selvagem ao redor do semi-
círculo. 3.ª f. vermelha - arara vermelha.

- 190 - - 191 -
n. 0 016: l .ª f. - arara vermelha + arara canindé; Kiédu Merédu
penugem ausente.
2.ª f. - série de retrizes de gaviaozinho. n.0 078: l.ª f . 3 ret1izes de arara vermelha alternadas com 3 retri-
3.ª f. - vermelha - arara vermelha. zes de arara canindé;
penugem ausente.

Ocá Kuduréu 2.ª f. série de lascas triangulares revestidas em vermelho,


em cujo centro há 4 lascas revestidas de preto com
urna lista horizontal central vermelha (Dl Ox).
n. 0 031: ídem Arúa.
3. ª f. - vermelha - arara vermelha.
n. 0 069:
0
ídem. Bakoro Kúdu.
Eviríga
n.0 074: idem · Bakoro Kúdu.
n. 0 079: - idem Arúa.
n. 0 076: 1.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. n·.o 080: - idem Arúa.
2.ª f. retrizes de japu + 3 lascas retangulares centrais
revestidas em vermelho, tendo no meio urna lista
Eceráe Ekenáwu
horizontal amarela entre 2 pretas (D8y).
3.ª f. - vermelha - arara vermelha.
n. 0 080: - idem Arúa.

Noapaiepa
Mekúgo Kúri

n. 0 025: - idem Arúa.


n.0 074: - idem Bakoro Kúdu.
n. 0 031: idem Arúa.
"Os paríko que foram prá Baádo Jéba era deles ( Aróroe),·
n.0 069: ídem Bakoro Kúdu. esparramaram prá estes por akiró e Aróroe ficou com menos.
Baádo Jéba era bem pobre. Foram os Tugarége que enriquece-
n .0 076: - idem Ocá Kuduréu . ram eles, pois nao tinham nada. Tudo de Baádo Jéba é akir6:
nao tem nada" (Hugo, Córrego Grande, 1971 ).

1pár_e Ecéba
Bakoro Kúdu, chefe clanico dos BJ Ceb e o mais importante dos
chefes tradicionais dos bóe recebeu dos Aróroe, através de seu filho Baito-
n.0 077: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé, alter- gogo, nao só os enfeites, parcelas configuradoras de seu patrimonio material11
nadas urna a urna; mas também, por seu intermédio, as matérias-primas de espécies clanicas
- penugem ausente. dos Tugarége, dividindo-as entre ele e os iedága-máge menos ricos e
influentes de seu cla.
2.ª f. retrizes de japu + 3 grupos de 4 lascas revestidas
de penas pretas com 2 listas horizontais amarelo- Em vista disso, os BJ Ceb usam as retrizes do japu (Pw), as penas-
ouro eqüidistantes do centro (D9y). de-contorno do mutum (Iwa) e as retrizes e penas-de-contorno da arara
vermelha (Ar) e da arara canindé (Pw) obtendo com as retrizes das araras
3.ª f. vermelha - arara vermelha. combina~oes cromáticas identificadoras do cla ou iedága, ou, jogando
.
as penas de tal modo que venham a configurar suas propnas especies
.
,com
n. 0 079: - idem Arúa. clanicas, tais como as mamangabas, mekúgoe epéva ek{lduréu (Bombus

- 192 - - 193 -
gen. EB-1:514), e o Sol, méri, ou ainda representando as espécies associadas Bakoro Kúdu, imána (irmao mais velho), ficou com Méri, <loando Ári
a outros clas, tal como o kúgu, corujao, que é dos Páiwoe. a seu irmao menor, Arúa, . ficando os BJ Ceb com direitos de primazia
f'

Além das penas de espécies associadas aos outros clas de metade sobre os aróe. Em vista disso, os dois paríko-d6ge nao sao akiró (Hugo
Ukewái, Raimundo). '
opo~ta, eles usa~ aquelas que se o~iginam de aves das quais possuem os
d1re1tos de propnedade e uso: o Korao ou réko, um papagaio, o kurugúgwa- No · que se refere aos elementos componentes das 21 variedades de
rógu, g~viao-carij~, e o barúgi (gaviaozinho). Estas aves sao representadas paríko dos BJ C eb, 7 nao possuem 3. ª fieira e 6 nao possuem penugem
por me10 das retnzes; as mamangabas e o Sol através de lascas revestidas colada as retrizes da 1.a fieira.
sempre na 2. ª fieira. '
Essas espécies naturais entre os BJ Ceb figuram nos pariko-dóge de Pela descric;ao de cad.a varie~ade de paríko e a respectiva identifica~ao,
seus respectivos donos, no caso, um iedága específico - ou podem ser pode-se observar que mu1tas vanedades possuem um iedága como ponto
de referencia, mas sao atribuídas também a um conjunto de iedága-máge
retalhadas entre diversos iedága-máge que representam diferentes aspectos
de maior ou menor prestígio social no cla, ou a um grupo restrito.
destas espécies, como as variac;óes de cor e sexo.
Deste modo, A rúa e Kurugúgwa Etoiagáre que na partilha clanica Raimundo diz que a unidade possuidora dos enfeites é Bakoro Kúdu,
receberam respectivamente o papagaio e os pequenos gavióes, represen- que os divide entre os irmaos menores, discriminando-lhes também as cores.
tam-nos, eles mesmos, em seus pariko-dóge. J á as mamangabas (Bombus
gen.), foram repartidas entre Bakoro Kúdu que simboliza as mamangabas
pretas e vermelhas e Ocá Kuduréu, Arúa e lpáre Ecéba, que fazem o "Bakoro Kúdu é tudo vermelho. Aróe Eceráe dele é tudo
mesmo com as amarelas. No pariko, a especificac;ao da mamangaba é vermelho. Oiagar~boe (grampos da cabeleira) é todo vermélho,
dada pela cor da lista central no revestimento das lascas de taquara da paríko também; enogodáwu (labrete), cigúi bíri (brinco de pele de
2.ª fieira . tucano), meríri (metal) . Usa qualquer pena; sendo vermelho,
entáo é ele mesmo. Nao é misturado. Ele ganhou o vermelho;
Diríamos, entao, que os iedága-máge estao associados a diferentes tem pretinho no meio. Entáo ele divide as cores e as outras
padróes de colorac;áo dos himenópteros do genero Bombus. cores ele dá prá Ocá Kuduréu, ·Arúa, prá náo ocupar dele,
senao fica atrapalhado. Além disso, mekúgoe ep¿va akaduréu
Das penas recebidas dos Tugarége e divididas internamente no cla preto-amarelo-vermelho-amarelo-preto é dele e póe no paríko.
Bakoro Kúdu reteve para si as penas-de-contorno pretas e brancas penu~ Os enfeites ele divide pros mais pequenos, mas tudo é dele"
~enta~ do kúge ceréu, mutum macho, que ganhou de A róia Kuriréu, um
(Merúri, 1973).
iwa~~du-d,..og_edo graúd?.. Com elas, Bak~ro Kúdu simboliza o kúgu, corujáo,
especie clan1ca dos Pan·voe, do qua! so recebeu direitos de representá-lo,
como o fez em seu Pariko kúgu ceréu (n. 0 069). Os paríko~dóge de Bakoro Kúdu, nas retrizes da 1.ª fieira, distinguem-se
das variedades dos outros iedága-máge menos influentes do clá,. pela
abundancia do vermelho, ao menos em termos ideais. Pelos paríko-dóge
"A ave (kúje ceréu) é do Aróia Kuriréu, já fez o ókwa bú e o
páru-jíwu assim prá tratar de Paríko kugu ceréu, dar nome ao n. 05 069, 071 e 072 pode-se verificar sempre urna propor~ao maior de
pariko. Nao é akiró pro Bakoro Kúdu, mas foi dado de grac;a. retrizes vermelhas em rela~ao as amarelas.
Aróia Kuriréu mandou o outro por no pariko, mas é de grac;a, Nas lascas da 2.ª fieira caracteriza-se pela presen~a do preto e do
nao é nada nao" (Raimundo, Merúri, 1973). vermelho, quer por meio de oposi~óes cromáticas ou monocromia. ·
,
O branco é usado somente no Paríko kúgu ceréu, e o amarelo numa
Ukewái, porém, diz que Bakoro Kúdu é o dono do kúgu.
lasca, mas na qual a co~ que o identifica é a vermelha central. Quando
Dentre os paríko-dóge dos BJ Ceb estao as duas variedades mais essas lascas sao combinadas com retrizes, estas constitue.m-se nas amarelas
valorizadas entre os bóe: o Méri imo paríko e o Ári ímo paríko, respectiva- do japu.
mente de retrizes vermelhas e de retrizes amarelas na l.ª fieira. Sao Quando presente, a 3.ª fieira é sempre vermelha.
estes os paríko-dóge cingidos pelos Méri-dóge, os irmaos heróis civilizadores
Méri (o mais velho) e Ári (o mais novo), quando pela primeira ve~ Nos paríko-dóge enquadrados no grupo de variedades retrizes, na
contactaram comos bóe e Bakoro Kúdu apoderou-se deles (EB-11:931-943 2. ª fieira, n. os 025, 030 e 031, nao há men~áo a Bakoro Kúdu como
-~ ~p~ri~ao dos espíritos Méri e Ári; 945-971 - Aparic;ao dos espíritos iedága-referencia, constando ele como um dos usufruidores, talvez devido
men-doge segundo outra versao). ao fato de ter distribuído as penas do gaviaozinho a outro iedága de

- 194 - 195
menor importancia. Já do grupo de lascas, ele possui cinco variedades primeira vista semelhante, essa analogía desaparece quando analis-ados
e do mistas, dois. em detalhes o paríko acima e o de n.0 063 de Kí Bakororo, que seriam
f'
aparentemente iguais por repersentarem o mesmo motivo ern s~qü~D:cia
Interessante é observar que lhe foi atribuído por Kanajó, de Córrego ininterrupta de lascas revestidas com as mesmas cor~s ~a 2. f1~~ª·
Grande, o paríko n.0 032, enquadrado na categoria tectrizes e pertencente Bakoro Kúdu usa retrizes de arara vermelha + arara can1nde na l.ª f1e1ra
aos BJ Cob Bakoro Cerádo. Isso, porém, parece estranho ao pesquisador e simboliza o Sol por meio de lascas triangulares vermelhas com urna
urna vez que, segundo os outros informantes, nenhum BJ Ceb usa tectrizes listinha preta central, enquanto Kí Bakororo utiliza ret.rizes de ararauna +
inferiores em seus paríko-dóge. arara vermelha na 1.ª fieira e simboliza o Sol por meto de lascas retangu-
O paríko n. 0 069, o Paríko kúgu ceréu, foi identificado explícitamente lares vermelhas, só que com duas lis!inhas preta~ eqüidis.tantes d.o .ce~tro
a Bakoro Kúdu por meus informantes ·principais e, além de Raimundo, de cada lasca. Estas peculiaridades e que perm1tem, po1s, as d1stin~oes.
também Ukewái falou que as lascas simbolizam o "kúgu, corujao que
Bakoro Kúdu é dono absoluto do mekúgoe epéva ekaduréu coréu,
fica no mato; tem um branco na cabe~a e na barriga. Bakoro Kúdu é
dono do kúgu". Por outro lado, a l.ª fieira caracteriza-se pelas tres a mamangaba preta, a qual repr~senta através das .lasca~ que se ~estacam
retrizes centrais vermelhas, seguidas, por alterna~ao de tres amarelas e da dominancia vermelha, no panko n.0 072. A s1mbohza~ao reside nu1n
tres vermelhas, o que, em termos ideais, é prerrogativa dos grandes revestimento inteiramente preto com duas listas horizontais vermelhas
iedága-máge. eqüidistantes do ponto central da lasca que permanece preto, resultando
daí urna regiao listada em vermelho-preto-vermelho, semelhantemente as
Os dois exemplares desta variedade existentes no acervo do MRDB, listas do abdomen do himenóptero.
n. 0 s 3131 e 1417, datados de 1957 e 1952, provenientes respectivamente
de Merúri e Guiratinga, denominam-se Paríko páru coréu (diadema corn
"~ coréu, devido ao preto do meio. Dono do bicho é Baádo
plumas pretas na base) e foram identific_ados a Arúa por Joao e José
Jéba, que ocupa esse aquí. Dono do coréu é Bakoro Kúdu"
Maria, de Sangradouro. Possuem estes urna 2.ª fieira exatamente igual ao
exemplar de Merúri, em 1973. O de n.0 3131 tem igualmente retrizes (Ukewái, Merúri, 1971).
amarelas e vermelhas na l.ª fieira, mas o de n.0 1417 só apresenta aí
retrizes amarelas. A 1. ª fieira, inteiramente de retrizes amarelas, é restrita Pelo paríko n.º 074, Bakoro Kúdu simboliza o mekúgoe ep~~a ekadu-
a Arúa no Ari ímo paríko (Hugo, Raimundo, José Carlos, Ukewái, Joaquin- réu kujaguréu nas lascas revestidas em vermelho com urna reg1ao central
zinho); urna 2. ª fieira com tais características pe.rtence a Bakoro Kúdu de listas horizontais alternadas em preto-amarelo-vermelho-amarelo-preto,
(Ukewái e Raimundo). Deste modo, a título de sugestao, eu <liria que o sendo, portanto, a lista central vermelha; es~es elementos sobressaem du.!11ª
n. º 1417 nao está corretamente confeccionado, tal vez por falta de arara base inteiramente amarela de retrizes de 1apu. Co?t~~o, Bakoro Kud~
vermelha na ocasiao, ou talvez por ter sido feito especialmente para o nao usufrui sozinho das mamangabas vermelhas, d1v1d1ndo~as com Oca
Museu e nao para uso, o que muitas vezes implica em desleixo na confec~ao. Kuduréu · (José Carlos) e Mekugo Kúri (Ukewái) ...~om res~~1to a Mekugo
A razao de sua identifica~ao a Arúa talvez relacione-se as características Kúri há contradi~ao entre a informa~ao de Ukewa1 que o fiha aos BJ Ceb
da l.ª fieira. Já o de n. 0 3131 pertence a Bakoro Kúdu, podendo, e a ~onstante na EB-11: 1.238, que o localiza entre os · BJ Cob Cob.
entretanto, os direitos de confec~ao e uso diluir-se entre os outros iedága-
máge, já que além de Arúa, foi · identificada com Ocá Kuduréu (José A riqueza e influencia de Bakoro Kúdu, nao só em re~a~ao ao ~lá,
Carlos, Merúri; Joaquinzinho, Pobóre) e Noapaiepa (Hugo, Kanajó, Dolor, mas a aldeia inteira, está mais urna vez expressa pelo Méri zmo par~ko,
Córrego Grande). ' n.º 075, pois ele é o detentor por ·excelencia da 1.ª fieira de. retnzes
inteiramente vermelhas, que é o principal elemento que caractenza esta
O de n. 0 070, da aldeia do Pirigára, identificado a Bakoro Kúdu, variedade de paríko. Alguns informantes inclusive restringem a Bakor~
é composto, na 2.ª fieira, por uqia série de ·lascas revestidas igualmente Kúdu o direito de utilizar as retrizes vermelhas da arara vermelha (Ukewá1,
por penas-de-contorno brancas e pretas de mutum (sem especifica~ao do Raimundo, Hugo).
sexo), variando porém os espa~os ocupados pelas cores. Além disso, é
acrescido de urn componente: as tres retrizes eqüidistantes de gaviao-de-
penacho, que se destacarn interrompendo a série de lascas. O gaviao ''Arorede (Baitogogo) deu o Méri ímo paríko todo verm~lho
nao é usado nos paríko-dóge dos BJ Ceb, nem em Merúri, nem em Córrego pro Bakoro Kiídu, mas só prá ele; entao o paríko é c?m iága
Grande. só de nabúre e o páru-iíw": também vermelho" (Ra1mundo,
Merúri, 1973).
No paríko n. 0 071, Bakoro Kúdu simboliza o Sol listado do poente
por meio de urna série de lascas triangulares, revestidas em vermelho corn
urna listinha preta na 2. ª fieira, como nos paríko-dóge de Kí Bakororo; Segundo Hugo e Raimundo: a 2. ª fieira dessa variedade é. composta
"o Sol é as veze~ Kiéde, as vezes Baádo Jéba" (Ukewái). Mas, se a por retrizes amarelas de japu com a regiao central vermelha, sendo a

- 1-96 - - 197
3. ~ fieira ve~elha; essas .caract~rísticas se coad unam com a informa~áo Em rela~ao a aldeia, A rúa é um dos iedága-máge ma1s importantes,
ac1ma, de Ra1mundo, po1s, mu1tas vezes, quando o índio se refere a urna vez que está entre os que . possuem a prerrogativa de utiliza9ao de
intensidad': da ,cor, na. realida?e está se re~erindo a regiáo central, pois urna única espécie ornitológica na 1 .ª fieira.
o centro e a area ma1s valonzada do pariko, como a área central da
aldeia é o espa90 social por excelencia do mundo bororo. Em outros paríko-dóge, onde se reúnem duas espécies, Arúa é ideal-
mente vinculado a categoria daqueles que combinam retrizes vermelhas e
O paríko n.º 079, n.º 4121 do acervo do MRDB, denominado Méri amarelas numa proporc;ao respectivamente de 3-2-3-2, 2-2-2-2, o que,
ímo paríko, f~s~ui características ~iferentes daquelas dadas por meus infor- conforme Ukewái, "nao é misturado, masé menor do que Akarúio Bokodóri
mantes: a 1. .f1e1ra apresenta 8 retnzes de arara vermelha ' sendo as restantes e Bakoro Kúdu".
somente retnzes amarelas. A 2.ª fieira é formada por alternancfa de
grupos de lascas revestidas em vermelho e amarelo, estando ausente a As possibilidades de composi9ao de 2.ª fieira para Arúa sáo: no
3.ª fieira. Este diadema provém de Merúri, coletado em 1960, tendo-o grupo de variedades retrizes, o uso das penas caudais multicores do
identificado os bororo Joáo e José Maria de Sangradouro, como de Arúa. papagaio dos BJ Ceb, do qual ele é a unidade possuidora, e retrizes de
japu. Pode-se facilmente distingui-lo, porque só Arúa emprega essas penas
, . Gostaria, por isso, de f azer algumas observa96es: ao que parece, os em seqüencia ininterrupta em seus paríko-dóge. As retrizes de papagaio,
1nd1os de Sangradouro ao procederem a identifica9áo, consideraram as por outro lado, podem ainda, ser completadas pela colagem de penugem
caract.erísticas fís.icas do diadema, já que por elas, na realidade, nao em suas partes terminais (n. 0 031); no grupo de variedades lascas, os
podena ser assoc1ado a Bakoro Kúdu, dada a profusáo do amarelo tanto pedac;os de taquarinha sao encobertos por penas-de-contorno vermelhas ou
?ª ,l.ª como na 2.ª fi~iras; nao levaram em considera9áo a denom'ina9áo amarelas, caracterizando-se assim pela monocromia (n. 05 079 e 080); por
1nd1gena (da qual na ficha do Museu náo consta o nome do informante) contrastes dessas cores, através do recurso a disposi9ao das penas em listas
o ~ue os lev~u. a atribuir o dia~ema a um BJ Ceb menor do que Bakor~ horizontais na regiao central das lascas (n. 0 081), ou, ainda, por oposic;áo
Kud~. !sso e 1mp?rtan~e mencionar porque, em campo, quando mostrei do vermelho ao azul, revestindo-se a base em duas áreas identicas (n. 0 082).
aos 1nd1os a refenda ficha com o desenho do paríko, enumerando os
elementos componentes, meus informantes nao o identificaram a Bakoro Nesse conjunto de variedades o elemento preto somente é empregadp
Kúdu, mas sim a Arúa, lpáre Ecéba ou Eviríga, iedága-máge de menor na simbolizac;áo do mekúgoe epéva ekaduréu ekuréu, mamangaba amarela,
influencia do que o primeiro. Porém, se eu nao o mostrasse, perguntando onde as lascas destaques, no centro das retrizes de japu, sao revestidas
apenas quem dos BJ Ceb possuía o Méri lmo, todos seriam unanimes em em vermelho, tendo na área central tres listinhas na seguinte ordem:
afirmar Bakoro Kúdu. preto-amarelo-preto (n. 0 076). Esta variedade, porém, se bem que atribuída
a Arúa por alguns informantes (Raimundo, Dolor, Kadagáre), apresenta-se
Em vista do exposto e apesar da denomina9ao indígena no inventário esparramada entre os BJ Ceb, pois outros a atribuíram a Ocá Kuduréu
. de.parí~o-dóge (~p~ndice 1) esta variedade consta como pertencente a Arúa, (José Carlos, Coqueiro, Joaquinzinho) e Noapaiepa (Upe, Kanajó), estenden-
po1s a 1n~o.ngruen~,1ª entre. denomina9áo e características componentes foi do-se até a Bakoro Kúdu (Hugo) em Córrego Grande, Merúri .e Pobóre.
bem exphc1tada, Jª a partir da identifica9ao da ficha do Museu. Na aldeia do Pirigára essa mamangaba é representada por listinhas vermelhas
e amarelas, no caso do n. 0 081, sendo identificada unicamente a Arúa;
Na aldeia do Pirigára, Bakoro Kúdu é identificado pela abundancia aqui também, diferentemente das outras aldeias, há a inclusao da cor azul
da cor vermelha presente na 2.ª fieira, de acordo com a variedade n.º 073. das penas-de-contorno ventrais da arara vermelha .
. Arúa é o det.e ntor das retrizes amarelas, por meio das quais expressa Os informantes concordam ser o A ri ímo paríko formado por retrizes
o diadema de Ári (n. 05 025 e 027; também o n.0 080). A monocromia amarelas na l.ª fieira e por penas-de-contorno vermelhas na 3.ª fieira.
obtida através das retrizes amarelas da arara canindé, porém, nao implica Surgem divergencias, porém, quanto ao material da 2.ª fieira: Hugo (Córrego
no extremo inverso, isto é, em completa "mistura" em rela9áo a cor Grande) diz que é composta por urna série de retrizes multicores de
vermelha, das retrizes integrantes de diademas de Bakoro Kúdu, a qual papagaio-verdadeiro (n. 0 025), enquanto que para Ukewái (Merúri), ela é
expressa a posi9ao social do iedága de ma_ior dignidade da aldeia. O amarelo, composta por retrizes amarelas de japu (n.0 027).
aqui, denota a posi9áo de Arúa, isto é, como o segundo iedága na
hierarquía clanica, o qual, por ser menor do que Bakoro Kúdu, ficou O n. 0 080 (MRDB s/ n. 0 ) denominado Aróe e-ímo -paríko, identificado
com o amarelo como Ári, que por ser irmáo mais novo de Méri ganhou a Arúa, possui, como os antecedentes, a l.ª fieira formada por retrizes
o paríko amarelo. ' amarelas. Na 2.ª fieira ele nao é composto por retrizes, mas por urna
alternac;ao de urna lasca vermelha com urna lasca amarela, estando ausente
a 3.ª fieira.
"Méri faz tudo vermelho, entáo disse ao irmao prá fazer amarelo" Dadas essas informac;oes contraditórias, torna-se difícil estabelecer o
(Ukewái, Merúri, 1971). · modelo do Ári ímo. Apesar disso, convém observar que cada urna delas

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exprime urna coerencia interna, j.á que, tanto o uso de séries de retrizes Joaquinzinho com ele assoc1aram, também é estendido a Bakoro Kúdu,
de papagaio e,, de japu e de alternancia de lascas vermelhas e amarelas está A rúa e l+./oapaiepa.
associado a A rúa. Noapaiepa, iedága pequeno, menor do que Ocá Kuduréu (Viertler,
1976: 187), igualmente só usufrui dos modelos dos BJ Ceb mais importantes
A Dos .B J Ceb, Kurugúg?e Etoi~gáre, terceiro iedága na hierarquía

do que ele (n.05 025, 031, 069, Q76), nao tendo ambos o direito de lidar
clan1ca (V1ertler! .1976: 190), e o manipulador das retrizes dos gavioezinhos,
usadas .na 2. ª fleua, como elementos de destaque em meio as retrizes de com as mamangabas pretas e vennelhas, por serem miúdos no ambito do clá.
, .
papaga10, ou em sene. Segundo Ukewái, lpáre Ecéba é irmao menor de Arúa <31 >. Por isso,
ele pode lidar com a mamangaba amarela, a qual simboliza na 2. ª fieira
por meio de tres grupos de quatro lascas revestidas em preto com duas
"Só BJ Ceb poe kurugúgWa rógu no paríko. Com puro barúgi Jistinhas amarelas eqüidistantes do centro de cada urna delas, destacando-se
é desse mesmo BJ Ceb." das retrizes de japu (n. 0 077) <3 2 >. Mas, como lpáre Ecéba é miúdo, as
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Quando Kurugúgoe Etoiagáre faz esse paríko, pensa no kuru- retrizes da 1. ª fieira devem ser vermelhas e amarelas alternadas urna a urna.
gúgwa kugúre, que é de BJ Ceb. Nao é de akiró nao· ele nao Pode também usufruir da variedade n. 0 079 de Arúa que, sendo irmao
, ' mais poderoso, pode autorizar o pequeno a representar suas espécies.
ganhou, e dele mesmo e nao deu nenhuma pena prá ninguém.
Koráo é akiró: ganbou de M eríri Báru; bú é akiró: ganhou de Kiédu Merédu é um BJ pequeno que no .círculo da aldeia se localiza
Máno Kuriréu (Ar.); iágas é akiró: nabúre, ganhou de Máno no limite- com os Kíe (Ukewái, 1973). Possµi somente urna variedade de
Kuriréu e kuído ganhou de Meríri Báru" (José Carlos, 1973). paríko, o n.0 078, onde,. na 2.ª fiefr~ simboliza um bichinho, o mekágo,
através ·das quatro lascas centrais:
Os paríko-dóge de Kurugúgoe Etoiagáre estao assim unicamente enqua-
drados no grupo de variedades retrizes.
"kadoméga vem da borboleta, mas fica diferente da borboleta.
J º.~an~o com as penas do papagaio-verdadeiro e do gaviao-carijó ou Esse bichinho é mekágo, que é de Kíédu Merédu" (Ukewái,
do gav1aoz1nho, Kurugúgoe Etoiagáre sobréssai nao só entre os BJ mas 1973).
entre todos os Bóe. Caracteriza-se, desse modo, pelo uso da alte~ancia
d~ .retrizes d~ papagaio-ver~adeiro e retrizes de gaviao-carijó (n.0 015), da
se~1e de . retnzes de. _papa~~~o-verdadeiro interrompida por tres grupos de
As característiéas dessa variedade sao as seguintes: na 1. ª fieira, tres
tres retn.zes ~e gav1ao-can10 (n.0 o.14), empregando, as vezes, tres grupos retrizes amarelas alternadas com tres vermelhas; na 2. ª fieira, urna série
d: qu~tro retnzes, e p~~"ap~es~n~ar diademas em que as penas do gaviaozinho de lascas triangulares vermelhas, no centro das quais há quatro lascas
sao dispostas em sequenc1a 1n1nterrup~a (n.o 016). revestidas de preto com urna listinha central vermelha; a 3.ª fieira é
vermelha.
A s_ fichas do MRDB dizem que os destaques das pe~as n.os 2588 e
24.5 8 .sao formados por retrizes de gavioes-caracaraí pequenos, sendo o Parece haver aí urna certa contradi~ao em Ukewái, porque, sendo
prn~etro pertencente a Bakoro Kúdu e usado também pelo sub-cla dos um iedága pequeno, de restrita influencia na vida da aldeia, Kiédu Merédu
¿pzb Ceb e Ar Ceb; o segundo, é dado como de Arúa. Todos os meus nao teria direito a propor~ao de retrizes ac~ma descritas na 1.a fieira,
informantes, porém, atribuíram estes paríko-dóge (n.os 015 e 016) a a
nem concentra~ao das cores preta e vermelha, prerrogativa dos grandes
Kurugúgoe Etoiagáre e identificaram as penas como de gaviáo-carijó ou iedága-máge. Por outro lado, talvez ele possa combinar preto e vermelho,
em sua falta, de gaviaozinho. urna vez que a lasca preta só possui urna listinha_vermelha, o que o toma
diferente de Pakoro Kúdu; este ao simbolizar a mamangaba preta, usa duas
Hugo, de Córrego Grande (1971) foi até mais longe, localizando listinhas vermelhas. O critério do número de listas - e talvez seja este
Kurugúgoe Etoiagáre no círculo de iedága-máge: "Kurugúgoe Etoiagáre o caso, aqui - se para os Eceráe nao fica bem explícito, para os Tugarége
mora em cima do Bakoro Kúdu." Pelo modelo de aldeia de Ukewál é um critério diferencial claramente definido, como veremos mais adiante.
ele t.all?bém se situa próximo a Bakoro Kúdu. ~ de supor-se que ess~
prox1m1dade tenha levado os informantes do MRDB a atribuírem o n. 0 015
a Bakoro Kúdu. (31) De acordo com a EB-II:1215 e III:173, Ipáre Ecéba e Bakoro Kúdu seriam
o mesmo iedága. ·
Ocá. Kuduréu dos BJ .Ceb menos importantes, nao detém urna varie- (32) Considero esta variedade um problema a ser esclarecido em pesquisas futu.ras,
dade soz1nho. Os de n. os 031, 069 e 07 4, com ele identificados, possuem pois a composi~áo e as cores ,da 2.ª fieira (retrizes de japu + lascas reve~tld,!'8
c?mo eidága-máge-referencia, respectivamente, Arúa e Bakoro Kúdu. Inclu- de preto com duas listinhas amarelas e urna preta central) sugerem assoc1a~ao
. s1ve o de n.0 076, a mamangaba amarela, que Coqueiro, José Carlos e com iedága importante.

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Há ainda urna observa~ao a fazer: na EB-11:1227, Kiédu Merédu sobre as quais, em todo o comprimento, estáo coladas
consta como um dos antropónimos de Kí Bakororo, o Kíe Cebegiwúdo placas ovais de carapa~a de caracol, a semelhan~a
de maior importancia e um dos iedága-máge de maior influencia na aldeia. de correntes.
Pois bem: exceto pela falta de retrizes de ararauna na l.ª fieira, o modo 3.ª f. - vermelha - arara vermelha.
pelo qual sao revestidas e combinadas as lascas da 2. ª fieira nesta variedade,
leva-me a sugerir, em concordancia com a EB-11, que o artefato se identifica n. 0 085: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé;
mais aos Kíe do que aos BJ Ceb e a supor que tenha havido urna certa - penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
confusao por parte do informante. Permanece, porém, a dúvida e a sugestao, 2. ª f. série de lascas retangulares revestidas de penas ver-
baseadas estas na trama de colorido vigente nos paríko-dóge dos iedága- melhas e pretas, assim distribuídas: em 4 / 6 da área
1náge graúdos e miúdos. central há urna alternancia de 9 listas horizontais
Eviríga, Mekúgu Kúri e Eceráe Ekenáwu nao possuem a prerrogativa pretas e 8 vermelhas, sendo as . partes restantes,
superior e inferior, vermelhas (E3x).
de manipularem sozinhos as espécies naturais dos BJ Ceb, já que as
variedades a eles associadas tem como unidades possuidoras os iedága-máge 3. ª-f. - ausente.
' influentes, quais sejan1: com Eviríga foram identificados por José Carlos
os diademas de n. 05 079 e 080 -que tem como iedága-referencia Arúa; a n.0 086: l.ª f. - retrizes de arara vermelha;
M ekúgu Kúri, Ukewái também correlacionou o n. 0 074 de Bakoro Kúdu - penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
e a Eceráe Ekenáwu Hugo vinculou o n.0 080 de Arúa.
2.ª f. - série de lascas retangulares revestidas de penas pretas
De acordo com a EB-11:1211, Eviríga é um outro nome dado a no ter~o inferior; os 2/3 restantes sao . revestidos
Kurugúgoe Etoiagáre, e Mekúgu Kúri está arrolado entre os BJ Cob de penas vermelhas (E4x).
(EB-11:1238). Pela mesma fonte, como já foi frisado, Kiédu Merédu seria 3. ª f. - ausente.
um dos nomes de Kí Bakororo e lpáre Ecéba de Bakoro Kúdu.
Tomando por base as informa<;oes da Enciclopédia, eu diria que, em n.0 087: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
certos casos, a multiplicidade de identifica<;6es adviria da própria multiplici- penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
dade de antropónimos dos iedága-máge, podendo o informante identificar 2.ª f. série de retrizes de papagaio-verdadeiro, em cujo
determinado paríko ora utilizando -um, ora outro nome referente a um centro há urna retriz central de gaviao real cortada
só iedága. na parte média; esta pena está colocada entre duas
lascas retangulares revestidas de penas vennelhas
(E5y).
AROROE COBUGIWúGE COREúGE
3.a f. - vermelha - arara vermelha.

Baitogogo
AROROE CEBEGIWúGE KUJAGUREúGE

n. 0 083: l.ª f. - retrizes de arara vermelha;


- penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. Máno Kuriréu
série de lascas retangulares vermelhas, interrompida
por 3 grupos de 4 lascas revestidas por 7 listas
horizontais vermelhas alternadas com 7 pretas (Elx). n.º 001: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé;
- penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
2.ª f. - retrizes de papagaio-verd3(feiro + 3 retrizes eqüidis-
3.ª f. preta - mutum.
tantes de gaviao-requinta.
n. 0 084: l.ª f. retrizes de arara vermelha; 3.a f. - vermelha - arara vennelha.
penugen1 de pato selvagem ao redor do semi-círculo..
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n.º 026~ l.a f. - retri;zes de arara vermelha + arara canindé;
2.ª f. série de lascas retangulares vermelhas, interrompida 1 - penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
por 3 grupos eqüidistantes de 3 lascas vermelhas,

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2.ª f. série de retrizes de papagaio-verdadeiro alternadas espécies clanicas, mas também de certas espécies dos outros clas, da
com retrizes de papagaio-corneteiro. mesma metade, que sao con1partilhadas entre os Tugarége.
"
3.ª f. vermelha - arara vermelha. A arara vermelha, fartamente distribuída pela aldeia, tem nos Aróroe
a unidade possuidora, a qual nao só deu, mas guardou também para si o
n.0 088: l.ª f. - retrizes de arara vermelha; direito de uso. Já o gaviao requinta, usado por Máno Kuriréu, é urna das
- penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. características identificadoras em seus paríko-dóge, como o sao igualmente
série de lascas retangulares vermelhas tendo ao centro a simboliza~ao de larvas de lepidópteros, repartidas entre os iedága-máge
2.ª f.
de acordo com os di-f{!rentes padróes de colora~ao, e a de um tipo de
urna lasca revestida de penas vermelhas e amarelas
formando listas horizontais alternadas, senda 11 ver- cobra-coral preta e vermelha. Empregam também o japu, a arara canindé,
melhas e 1O amarelo-ouro (E6x). a penugem do pato selvagem, o papagaio-corneteiro e o papagaio-verdadeiro
(Páiwoe); o mutum (lwa), o gaviao-de-penacho e o gaviao-real (Apiborége),
3.ª f. vermelha - arara vermelha. observando-se que as espécies ornitológicas mais utilizadas sao as perten-
' Centes aos Páiwoe. Apesar de donos de um papagaio com urna mancha
n .0 089: l .ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé; \ amarela na cabe~a, provavelmente o papagaio-curraleiro (Amazona xantops),
penugem de pato selvagém ao redor do semi-círculo. associado a Máno !(.uriréu, um iedága Kujaguréu, os Aróroe combinam em
seus paríko-dóge os papagaios dos Páiwoe. ·
2.ª f. série de lascas retangulares revestidas de penas ver-
melhas da base até a metade; desta, até o ápice, o Os Aróroe nao somente fazem seus diademas caracterizados p~lo semi-
revestimento é de penas pretas (E7x). círculo de retrizes na 1.ª fieira, como também notabilizam-se como .detenta-
res dos paríko-dóge ukigareúge, os paríkos cqrnudos, cujas retrizes montadas
3.ª f. ausente. em pequenos grupos eqüidistantes na 1.ª fieira, tem o aspecto de chifres
(cf. p. 64). Dada a impossibilidade de análise das características técnicas
n. 0 090: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé; do paríko-ukigaréu, os diademas de · tal ordem que tive oportunidade de
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. observar, nao foram arralados na numera~ao constante deste trabalho.
Como porém, do ponto de vista social, no ambito da aldeia, ele circula
2.ª f. série de lascas retangulares revestidas de penas
e atua exatamente como os demais, farei algumas considera~óes baseadas
pretas da base até a metade; desta até a extremidade em quatro exemplares: tres provenientes do MRDB e um obtido por
superior, o revestimento é de penas vermelhas (E8x).
informa~óes verbais de Ukewái.
3.ª f. - ausente.
O n.0 2594 do MRDB é assim constituído: na l.ª fieira, tres grupos
-de 3-4-3 retrizes, respectivamente laterais-centrais-laterais, com penugem
Motojéba de pato selvagem colada .nas partes terniinais; cada grupo em frente as
retrizes de arara tem urna retriz de gaviao-de-penacho. Na 2. ª fieira uma
série de retrizes de japu; na 3.ª fieira urna série de penas-de-contorno
n. 0 091 : l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé; vermelhas de arara vermelha. O paríko, obtido por informa~óes de Ukewái
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. é exatamente o mesmo. Tanto Ukewái quanto a ficha do Museu dao.
2.ª f. série de lascas retangulares revestidas de penas como unidade possuidora Baitogogo.
amarelo-ouro; esta série é interrompida por 3 grupos O n. 0 2094 é farmado por urna fieira de retrizes de japn, da qual
eqüidistantes de 3 lascas revestidas por 5 listas sobressaem, a espa~os eqüidistantes, cinco grupos de duas retrizes de arara
horizontais de penas pretas alternadas com 4 listas vermelha, encimadas por penugem de pato selvagem, assim distribuídas:
de penas amarelo-ouro, tendo em ambas as extre- dois grupos na base das retrizes de japu, dois mais acima, em ª1!11?ºs os
midades urna lista um pouco mais larga de penas lados da fieira, e um grupo central; justaposta a esta, há urna f1etra de
vermelhas (E9x). penas-de-contorno vermelhas de arara verme!hª: Tanto as, informa~óes da
3.ª f. - vermelha - arara vei:melha. ficha do Museu quanto os informantes o atnbuuam tambem a Baitogogo.

As penas concernentes aos Aróroe provem, nao só do conjunto de "Tem deles que nao tem kurugúgwa iága no pé dele, mas é do
espécies ornitológicas~ parcelas configuradoras do patrimonio de suas mesmo" (Rugo, Córrego Grande, 1971).

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Os informantes, todavia, salientaram nao estar tecnicamente correto, suas espécies clanicas ou um aspecto de determinada espécie difundida
porque há um excesso de retrizes de arara vermelha; na realidade, deveriam pelos iedága-máge do cla, como por exemplo, o aspecto cromático das
ser somente tres grupos, sendo considerados excessivos os grupos localizados larvas de lepidóptero, denominadas aróroe.
na base da fieira de retrizes de japu.
No paríko n. 0 083, através de listinhas horizontais largas e espac;adas,
Joaquinzinho, um Aroréde do Pobóre, disse, porém, que este paríko pretas e vermelhas, Baitogogo simboliza a ar6ro coréu, larva preta, que,
foi feito somente com a finalidade de vender ao civilizado, nao sendo de por ser preta, é dele, já que é o iedága de maior prestígio no cla.
uso corrente entre os bóe.
As retrizes de japu usadas sozinhas em série ou combinadas com "Aróro coréu atúgo é de Baitogogo; kadoméga listada representa
retrizes centrais de gaviao-de-penacho caracterizamos paríko-dóge ukigareú- urna aróro. Povo fala que aróro na cabec;a é preto, entao o fim
ge de Baitogogo, o grande iedága coréu, o mais importante dos Aróroe, das kadoméga é preto" (Ukewái, .Merúri, 1971 ).
pois o Paríko ukigaréu dos Aróroe kujaguréuge menos importantes só é
composto por retrizes de papagaio-verdadeiro.
O paríko bóro (bóro = pequeno caracol; n.0 084), que se distingue
pela monocromia em vermelho nas retrizes, pela peculiaridade da série
"Baitogogo viu Kurugúgwa voando. Aí disse: - u, u, u! Oh! de lascas da 2.ª fieira e pela cor da 3.ª fieira é o típico paríko de
Kurugúgwa ó-burúgo (retriz central do gaviao-de-penacho), podía Baitogogo. Na 2.ª fieira, a ·marca indelével de Baitogogo é dada pelos
descer prá mim prá por no meu paríko. E repentinamente a 3 grupos eqüidistantes de 3 lascas revestidas em vermelho sobre as quais
iága ó-burúgo soltou do gaviao. Aí ó-burúgo caiu no centro há urna corrente de fragmentos ovoidais de carapac;a de caracol.
do barro branco. E nome do barro branco é nodbo. Aí ele
pegou e pos, ele, no Paríko-ukigaréu . . Aí Baitogogo bota kuru-
gúgwa iága ó-burúgo no paríko. . . Baitogogo viu só o rabo do "Esse é o puro dele (puro =nao foi dado por akir6). Todos
ciwábo. Aí falou: - como é que vou fazer! Esse aqui tá eles na frente, nos lados usam. Nao tem akiró. Eles botaram
bonito. Pensou, pensou e disse: - vou fazer paríko de ciwábo muito fora, fizeram muito akiró deles" (Hugo, Córrego Grande,
eto-iága; o nome vai ser Paríko ukigaréu" (Ukewái, Merúri, 1971).
1971 ).
Pelo levantamento da cultura material na EB, observa-se que a carapac;a
O Paríko ukigaréu n.0 2449 dos Aróroe Ceb, Kujaguréuge, foi identifi- do bóro é empregada tanto em artefatos dos Aróroe (EB-1:494, arcos;
cado a Máno Kuriréu ou Motojéba e caracteriza-se por possuir urna fieira 423, brincos) como dos BJ Cebe BJ Cob (EB-1:376, labretes; .312-313,
de retrizes de papagaio-verdadeiro da qual sobressaem, a intervalos regula- cintos). Por informac;oes de Hugo, sua presenc;a é também verificada no
res, cinco grupos de tres retrizes de arara vermelha com penugem nas paríko, enfatizando o índio que a utilizac;ao do bóro no diadema está
partes terminais, na seguinte distribuic;ao: um grupo na base da fieira de restrito aos Aróroe, nao sendo dado a nenhuma outra unidade social o
retrizes de papagaio, um grupo mais acima deste, nos lados da fieira, e direito do uso de tal espécie em artefatos desse genero. Por isso, o
um grupo central; justaposta a esta, há urna fieira de penas-de-contorno paríko n. 0 084 é "puro". Nos quadros das espécies clanicas dados por
vermelhas de arara vermelha. Tal como o diadema anterior e de acordo Viertler (1976:259-267) e Crocker (1967, Apendix Table 4:22-25), o bóro
com meus informantes, os grupos de retrizes da base da fieira principal aparece no patrimonio de espécies cJanicas dos Aróroe e BJ Cob. Na
sao supérfluos. Enciclopédia Bororo (vol. 1: 106), no elenco dos seres primaciais dos das,
o bóro consta da relac;ao dos Aróroe. Já na p. 515, é dado como primacial
Tanto no paríko ukigaréu como no paríko ·semi-circular, Baitogogo do sub-da dos Baádo Jebáge Cebegíwu Cebegíwu. Como direitos de
notabiliza-se pelo uso abundante de retrizes vermelhas da arara vermelha, primazia e direitos de uso muitas vezes nao se complementem, evidente-
sobre a qual tem direitos de primazia de descoberta. Isso podemos observar mente a carapac;a do bóro pode ser manipulada por ambos os clas, se
através de seus paríko-dóge (n. 05 2094, 2594, MRDB; n. 05 083, 084, 086) bem que em diferentes tipos de artefatos.
anteriormente descritos. E na combinac;ao de retrizes amarelas e vermelhas,
em termos ideais devem predominar as vermelhas, o que nao foi possível Pelo paríko e pela informac;ao de Hugo, o bóro ocupa papel proemi-
verificar pelas suas duas variedades formadas pela conjugac;ao de penas de nente em meio aos Aróroe, pois a carapac;a é integrada como elemento
arara vermelha e arara canindé na l.ª fieira (n.os 085 e 087). de destaque num paríko que nao foi dado por A kiró, e comumente o
elemento de destaque no paríko é o elemento sobre o qual o cla que o
_ Na 2. ª fieira, os paríko-dóge de Baítogogo caracterizam-se pela oposi- utiliza possui direitos de primaiia. Sendo assim, ao que parece, Baitogogo,
c;ao d_as cores fundamentais pretas e vermelhas, por meio das quais simboliza ao doar o bóro, ou talvez somente o uso da carapac;a, retendo para si os

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direitos de propriedade da espécie, teria condicionado sua utiliza~ao a passando por isso a ser espécie clanica dos- Aróroe (EB-11:119-125). Na
determinados tipos de artefatos, entre os Baádo Jebáge, ficando os Aróroe cultura material bororo, nao. s~ os zunidores de madeira o representam
também com o" ./Jóro para ser empregado em outros espécimes. Daí, (EB-1:20-23), mas, segundo Ra1mun~o de Merúri, também o paríko que
eventualmente também urna das razóes da redistribui9ao (Viertler, 1976:84) tem em Baitogogo o detentor.
do bóro feita pelos Baádo lebáge a seus cunhados Aróroe, pois a transa9áo
da matéria-prima é feíta entre cunhados das duas metades. Ao adquirir . Pelo elenco das esp~cies clanicas vigentes na bibliografía e por
o bóro, o cunhado Baádo Jéba, o receptor, fica com a sua parte, mas informa~oes de campo, o gaviáo-real é espécie dos Apiborége (EB-1:106·
entrega a outra por9áo a que tem direito o doador Aróroe e que nao Crocker, 1967, Apendix Table 4:23; Viertler, 1976: 263; Ukewái, Raimundo'
foi dada por akiró, para colocá-la em seus arcos, em seus brincos e no J~sé Carlos, Hugo). Na distribui9áo cerimonial das retrizes do gaviao-reai
seu p9ríko
_,,
bóro. fe1ta pelos Apiborége, elas sao repartidas entre os BJ Cob, BJ Ceb, Kíe
e Iwa (EB-1: 109-110), entre os Bl Ceb e Kíe '(Viertler, 1976:83), nao
No paríko n.0 085, da aldeia do Pirigára, a série de lascas revestidas constando Baitogogo como receptor de tal tipo de pena, que se constituí
por meio de listas horizontais pretas e vermelhas, largas e espa9adas, tendo em elemento de destaque na fieira.
as extremidades constituídas por faixas mais largas vermelhas simboliza a
aróri bakorororéu, cobra coral pintada com as cores do herói Bakororo Como nao possuo elementos referentes a lógica subjacente ao circuito
(EB-1:75). total da matéria-prima, nao sei a que fato atribuir a retriz de gaviao-real
como destaque em paríko de Baitogogo; mas, a título de sugestao, eu
Bakororo constituí-se num nome que foi acrescido ao de Baitogogo, levantaría o problema. Urna possível solu9ao talvez pudesse ser pensada
depois de sua inorte, quando foi chefiar o reino dos mortos localizado a em termos da redistribui9ao da matéria-prima dos Eceráe aos Tugarége
Ocidente (EB-11: 142 e 1191). (Viertler, 1976:84), mas para determinada matéria-prima gostaria de observar
Oeste modo, o aspecto cromático da pintura somática de Bakororo que . a redistribui9áo parece ser feíta somente entre <loadores e receptores
(EB-11: ilustra9áo, 138), que é o de certa cobra-coral (Erythrolampus sp.), .de clas específicos.
.
espécie clanica de Baitogogo é imortalizado na terra através de seu paríko. . Máno Kuriréu, Ceb, Kujaguréu, a semelhan~a de Baitogogo, usa em
A arara vermelha, cujas penas Baitogogo distribuiu fartamente entre seu paríko n.0 088 somente retrizes vermelhas ·na l.ª feira. Mas, como
todos os clás, deixa sua marca como espécie clanica do grande iedága no é menor do que o grande Baitogogo, a ele coube a larva amarela, aróro
paríko n. 0 086, o Nabúre ímo paríko da aldeia do Pirigára. ekuréu, estando portanto associado a urna larva de lepidóptero de padrao
de colora~ao diferente daquela de Baitogogo.
, . A nabúre é simb.olizada pelo seu carpo vermelho e bico preto na
~ene de lascas revestidas em vermelho e preto na 2. ª fieira, a qual,
Assim, na 2. ª fieira, a larva é simbolizada por meio de urna lasca
Juntamente com as retrizes vermeJhas da 1. ª fieira, expressam a arara, central revestida por listas horizontais estreitas e bem ligadas, numa
propor~áo de 11 vermelhas para 1O amarelas, que se destaca da série de
que por ser vermelha e por isso, bonita, é das espécies ornitológicas mais
valorizadas entre os bóe (José Carlos, Merúri, 1973). lascas vermelhas. ·
Além de estar associado a larva amarela, a Máno Kuriréu compete
Na aldeia do Pirigára, para os Aróroe, foram somente computados
representá-la por meio de listas mais estreitas do que as de Baitogogo,
estes dois paríko-dóge identificados a Baitogogo.
#
pois é um iedága de menor prestígio no clá. Deste .modo, a largura das
Interessante é notar que, se por um lado, no Pirigára bá também listas aparece aqui como um elemento identificador.
a utiliza9ao das opo.si96es em preto e vermelho no revestimento das lascas,
por outro, estas cores estao simbolizando espécies clanicas do patrimonio
dos Aróroe, como a cobra e a arara vermelha, que nao sao representadas "Máno Kuriréu é o dono da aróro ekuréu,· o paríko é dele,
nas demais aldeias. A aldeia do Pirigára joga, entao, com ou~ras espécies por causa do aróro. Ar6ro ekuréu tem a cabe9a vermelha"
?}sponíveis no cla para. . ~und~mentalmente transmitir a mesma mensagem, (Ukewái, Merúri, 1971).
Jª que o aspecto cromattco e o mesmo daquele de Baitogogo nas outras.
aldeias.
Exceto o de n. 0 088, todos os outros paríko-d6ge de Máno Kuriréu
O paríko n.0 087, denominado Paríko aíje, caracteriza-se, na 2. a fieira sao confeccionados através da alternancia de retrizes vermelhas e amarelas
por urna série de retrizes multicores de papagaio verdadeiro, no centr~ na 1.ª fieira.
da qual há urna metade de retriz central de gaviáo-real entre duas lascas Na 2. ª fieira, tanto no ukigaréu quanto no paríko semi-circular, o
revestidas de penas vermelhas. O aíje é um monstro aquático misterioso uso de retrizes de papagaios ém série ou dominancia caracteriza Máno
espírito terrífico arebatado de Rubúgu, do da dos Páiwoe, por Baitogogo: Kuriréu no grupo de variedades retrizes.
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No de n.0 001, sobrepondo-se as retrizes multicores de papagaio- pretas, ficando M áno Kuriréu com lascas de extremidades superiores
verdadeiro, há t,res retrizes bicolores de gaviáo-requinta, as quais nao sao vermelhas, pois é um iedága Kujaguréu de menor influencia no cla. lsto
empregadas pelos outros Aróroe. lsto porque o gaviao é espécie que porque, nessa modalidade de disposi~ao do revestimento, quando preto e
identifica Máno Kuriréu entre seus irmaos maiores e menores. ~ermelho estao em oposi~ao, o preto é mais do que o vermelho e por
1sso deve ocupar o alto, como acontece com o vermelho em rela~ao ao
O de n.0 026 já nao possui qualquer destaque, sendo empregada amarelo nos paríko-dóge dos Bokodóri Eceráe.
somente a alternancia de retrizes de papagaio-verdadeiro e papagaio-cor-
neteiro. Motojéba, dos Aróroe Cebegiwúge Kujaguréuge, _é quem representa
em seu paríko a aróro, que, segundo a Enciclopédia Bororo (vol. 1:175),
constituí-se no principal símbolo do cla. Aí consta o seguinte: aróro -
"Se nao tem nenhuma pintura no meio dele, pode . ser Baádo
Jéba ou pode ser Aroréde. Só que de Baádo Jéba tem turubári "larva do lepidóptero esfingídeo Pseudosphynx tetrio. Tem a cab~
akíri na ponta do koráo" (José Carlós, Merúri, 1973). vermelha e o corpo listado de faixas amarelas e pretas. :a o principal
símbolo do clá dos Aróroe".

Esta informa~áo de José Carlos é expressiva, na medida em que O paríko n.0 091 (MRDB 3130), por informa~5es. da ficha do Museu,
sugere pistas para a identifica~ao clanica em paríko-dóge compostos basi- tem em Motojéb~ a unidade possuidora caracterizando-se na l.ª fieira pela
camente pelos mesmos elementos, tanto na l.ª como na 2.ª fieira .(vide alternancia de retrizes vermelhas e amarelas e, no conjunto da 2. a fieira;
o n. 0 031 dos Baádo Jebáge Ceb.). Além do mais', o informante enfatiza por urna série de lascas amarelas interrompida por 3 grupos eqüidistantes
a 2. ª fieira como principal elemento identificador para os dois casos. de 3 lascas, simbolizando a larva; nestes grupos entáo, o revestimento das
lascas é feito por listas horizontais vermelhas . nas extremidades inferior
Gostaria de observar, porém, que nao se confunda o n.0 025, de e superior, delimitando urna alternancia de 5 listas pretas 'e 4 amarelas.
Baádo lé.ba Arúa com o de Máno Kuriréu, n.0 026, objeto da presente Pela denomina~ao indígena do paríko, constante na mesma ficha, trata-se
ª
análise, ambos formados na 2. fieira por retrizes de papagaio, sem da larva amarela, já que se denomina "Aróro atúgo ekuréu, padú~re páru
qualquer outro complemento que possibilite a distin~ao, pois a diferen~a jíwu paríko ( vard. de larva pintura amarelo permanencia ter . base ele
primordial reside na l.ª fieira: o Arúa é forinado somente por retrizes aquele diadema de penas, isto é, diadema de penas, cuja base apresenta
amarelas, enquanto o de Máno Kuriréu se compoe de retrizes vermelhas motivos omamentais, imitando os anéis coloridos de urna variedade de
e amarelas, sendo, pois, esse elemento o que se deve levar sobretudo em larva)".
considera~ao. ·
Segundo os informantes, a aróro ekuréu, simbolizada por lasca revesti-
O paríko n. 0 089 (MRDB 1941 ), na ficha. do Museu consta como de da de vermelho e amarelo (n.0 088) é associada a Máno Kuriréu, o
Bl Ce~ Bóe Arúa. Meus informante~, porém, apesar de associarem a -segundo iedága de influencia na hierarquia clanica.
di(erentes iedága-máge, foram unanimes em atribuí-lo aos Aróroe.
Em vista disso, possivelmente Máno Kuriréu tenha dividido os direitos
Constituído, na 2.ª fieira, por urna série de lascas , revestidas na de uso da espécie com Motojéba, ficando a l.arva amarela como um dos
metade inferior por penas vermelhas e na metade superior por penas elementos identificadores dos paríko-dóge nao só de Máno Kuriréu, mas
pretas, foi identific~do com Máno Kuriréu (José Carlos, Merúri; Kanajó, também do respectivo sub-cla.
Córrego Grande)~ com Baitogogo (Joaquinzinho, Pobóre) e com Birimódu
(Hugo, Córrego Grande), este por alguns considerado iedága coréu, Mas ainda perdura urna dúvida advinda da Iinguagem do paríko:
localizado entre os Aróroe Cobugiwúge, por outros Kujaguréu e situado embora Máno Kuriréu use como elementos dominantes lascas vermelhas
entre os Aróroe Cebegiwúge no círculo da aldeia. e Motojéba lascas amarelas, porque este é que simboliza a larva por meio
· O de n. 0 090, que tem em Máno Kuriréu a unidade possuidora, é de listas mais largas e espa~adas com inclusáo do elemé~to preto e nao
formado igualménte por urna série. de lascas revestidas nas cores preta e o primeiro que a representa por listas fininhas vermelhas e amarelas?
vermelha, mas colocadas em posic;áo inversa as das lascas do ·paríko n. 0 089.
Isto porque, além da largura das listas, o preto, vermelho e amarelo
Partind.o-se do mesmo princípio que rege as diferenciac;oes em alguns em oposic;áo transmitem no plano social urna posi~áo mais elevada do
paríko-dóge dos Bokodóri Eceráe, qual seja o da inversáo das mesmas que a oposic;áo do vermelho/amar.elo dispostos em listas finas. A nao ser que
cores nas., lascas, caracterizando as variedades de Kaígu (n.0 051) e Aromére Máno , Kuriréu e Motojéba sejam dois antropónimos referentes ao mesmo
(n.º 056), parece provável que o n.º,089 possa ser atribuído, na verdade~ iedága (EB-11: 1178), que representaría a larva amarela por espectros
aos Aróroe Coréuge, já que as lascas possuem as extremidades superiores cromáticos diversos.

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IWAGúDU.:.DóGE .COREúGE de largura), assim distribuídas: 7 vermelhas altema-
nadas com 6 amarelas; em ·volta de cada lasca está
colada penugem branca de pato selvagem (Fl Oy).
Tadúgo 3.ª f. - ausente.

n. 0 005: l.ª f. 4 retrizes de arara vermelha, alternadas com 4 Ar6ia Kuriréu .


retrizes de arara canindé;
penugem de gaviao-da-fuma~a castanho ao redor
do semi-círculo. n. 0 002: l.ª f. retrizes de arara vermeIba + arara canindé;
penugem ausente.
2. ª f. - série de retrizes de papagaio verdadeiro + 3 grupos ,
eqüidistantes de 3 retrii:es de gaviao-da-fuma~a 2.ª f. retrizes de papagaio verdadeiro + 3 retrizes eqüidis-
castanho. tantes de gaviao-da-fuma~a (vard.), céje.
3.ª f. vermelha - arara vermelha. 3.ª f. - vermelha - arara vermelha.

n. 0 006: l.ª f. 4 retrizes de arara vermelha, alternadas com 4 n.0 003: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé;
retrizes de arara canindé; penugem ausente.
- penugem de gaviao-da-fuma~ castanho ao redor
do semi-círculo. 2. ª f. retrizes de papagaio-verdadeiro + 2 retrizes. centrais
de gaviao-da-fuma~a (vard.), céje.
2.ª f. série de retrizes de gaviao-da-fuma~a castanho.
3.ª f. - ausente.
3.ª f. vermelha - arara vermelha.
n.º 004: 1.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé;
n. 018: l.ª f. -
0 retrizes de arara vermelha + arara canindé; - penugem ausente.
penugem auserite.
2. ª f. - seqüencia ininterrupta de urna vard. de gaviao-da-
2.ª f. - série de retrizes de papagaio-verdadeiro e papagaio fuma~a (céje).
corneteiro + 3 grupos eqüidistantes de 4 retrizes
de gralha-do-campo. 3.ª f. - ausente.

3.ª f. vermelha - arara vermelha~ n.0 017: l.ª f. - · 2 retrizes de arara vermelha alternadas com 2 retri-
zes de arara canindé;
n. 0 100: l.ª f. - retrizes .de arara vermelha; penugem ausente.
penugem ausente.
2. a f. retrizes de papagaio-verdadeiro + 3 grupos ·eqüidis-
2. ª f. série de lascas retangulares revestidas de penas ver- tantes de 3 penas de gralha-do-campo.
melb as, interrompida, a intervalos regulares, por 3
grupos de 4 lascas revestidas de penas vermelhas 3.ª f. vermelha - ai:ara vermelha.
e amarelo-ouro formando listas retangulares largas
e espa~adas, numa propor~ao de 8 vermelhas alter- n.0 018: - ídem Tadúgo.
nadas com 7 amarelas (F9x).
3.ª f. ausente. n. 0 019: l.ª f. - 3 retrizes de arara vermelha, alternadas com 3
retrizes de arara canindé;
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
n. 0 101: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
penugem ausente. 2.ª f. retrizes de papagaio verdadeiro + 3 grupos eqüidis-
tantes de 6-5-6 retrizes de gralha-do-campo.
2.ª f. retrizes de japu + 4 lascas centrais revestidas, for-
mando listas horizontais largas e espa~adas (2 cm 3.ª f. ·- vermelha - arara vermelha.

- 212 - - 213 -
n.0 022: l.ª f. 2 retrizes de arara vermelha, alternadas com 2 2.ª f. - retrizes de papagaio verdadeiró ~m cujo centro há 5
retrizes de arara canindé; retrizes de gralha-do-campo.
penugem ausente. 3. ª f. ausente.
2. ª f. série de retrizes de gralha-do-éampo.
n.0 092: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé '· .
3.ª f. - vern:ielha - arara vermelba. penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
2. ª f. - série de lascas retangulares revestidas de penas ver-
n. 0 102: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé; melhas · e· amarelo-ouro, assim distribuídas: -em 7 /9
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. do comprimento há urna alternancia de 1O listas
horizontais, finas, amarelo-ouro e 9 vennelhas, sendo
2.ª f. série de lascas retangulares revestidas de penas as partes restantes, superior e inferior, vermelhas.
vermelhas e amarelo-ouro, assim distribuídas: em
4 / 6 na área central, há urna alternancia de 7 listas 3.ª f. ausente.
horizontais estreitas amarelas e 6 vermelhas, sendo
as partes restantes; inferior e superior, vermelhas n. 0 093: J.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
(Fl lx). - penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
3.ª f. ausente. 2.ª f. - série de lascas retangulares amarelo-ouro, interrom-
pida por 3 grupos de 7 retrizes de anu preto;
retrizes de arara vermelha + arara canindé; delimitando cada grupo de retrizes há 2 lascas reves-
n. 0 103: l.ª f.
/ tidas de penugem branca de· pato selvagem (F2y).
penugem ausente.
retrizes de japu + 3 grupos eqüidistantes de 4. lascas 3.ª f. - ·preta - mutum.
2.ª f.
revestidas de penas vermelhas e amarelo-ouro for-
mando listas horizontais estreitas, assim distiibuídas: n. 0 094: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé;
9 vermelhas alternadas com 8 amarelas; em volta - penugem ausente.
de cada lasca está colada penugem de pato selvagem 2. ª f. retrizes de japu + 4 lascas centrais, revestidas de
(F12y). penas vermelhas e amarelas, formando finas listas
ausente. horizontais, assim distribuídas: 13 vermelhas alterna-
3.ª f. nadas com 12 amarelas; ao redor de cada lasca está
colada penugem de pato selvagem (F3y).
n. 0 104: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
penugem de pato selvagem ao redor do semi..círculo. 3.ª f. ausente.
2.ª f. retrizes de papagaio verdadeiro + 3 grupos eqüidis- n. 0 095: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé;
'tantes de tres lascas revestidas de penas vermelhas
- penugem ausente.
(F13y).
2;ª f. - retrizes de japu + 3 grupos, eqüidistantes de 4 las-
3.ª f. ausente. cas revestidas de penas vermelhas e amarelas for-
do finas listas horizontais, alternadas ná seguinte
distribuic;ao: 13 vermelhas e 12 amarelas (F4y).
IWAGúDU-DóGE KUJAGUREOOE 3.ª -f. ausente.

n.0 096: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé;


Bútóre Agádu - penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
2. ª f. - retrizes de papagaio verdadeiro + 3 grupos eqüidis-
n.0 020: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé, alter- tantes d~ 3 lascas retangulares · revestidas de penas
nadas urna a urna; ·vermelhas; nas bordas laterais de cada grupo está
penugem ausente. colada penugelll branca de pato selvagem (F5y).

- 214
3.ª f. - ausente. na l.ª fieira, em algumas variedades complementadas por pen.ugem de pato
selvagem (Páiwoe).
Na 2.ª fieira usam retrizes de japu, retrizes de papagaio-verdadeiro
Jakómea Atug6du Jéba
e de papagaio-corneteiro (Páiwoe), as penas-de-contorno da arara vermelha
e da arara . canindé, bem como a penugem do pato selvagem.
n.º 097: l.ª f . - retrizes de arara vermelha + arara canindé, alter-
nadas urna a urna; Nessa fieira, as _retrizes, em série, sao usadas como elementos domi-
- penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. nantes, formando o substrato para os elementos de destaque, constituídos
por espécies ornitológicas de seu próprio patrimonio clanico; as minúsculas
2. a f. série de lascas triangulares, revestidas de pena.s penas e a penugem, por outro lado, formam os componentes cromáticos
vermelhas, tendo ao centro urna lista horizontal que permitem aos lwa simbolizarem outras espécies, como espíritos e
amarelo-ouro·' esta série é interrompida, no. centro, certas aves, pinturas somáticas e o ninho do beija-flor, em suas lascas
por 3 taquarinhas cilíndricas e finas, tendo cada revestidas de penas.
urna na base, no meio e na extremidade superior,
dois anéis de penas superpostos, o primeiro branco - Os /wagúdu-dóge Coréuge, os pretos e grandes, retem para o seu
e o segundo vermelho (F6x). sub-cla as espécies ornitológicas em disponibilidade no patrimonio clanico,
cujas retrizes se convertem em insígnias: o gaviao-da-fuma~a castanho,
3.ª f. - vermelha - arara verm~lha. prerrogativa de Tadúgo, o chefe máximo do clá, o céje, urna variedade
de gaviáo-da-fuma~a, prerrogativa de Ar6ia Kuriréu, seu irmáo menor, e a
n.º 098: 1 .ªf. - retrizes de arara vermelha + arara canindé, alter- gralha-do-campo, de -µso comum.
nadas urna a urna;
penugem ausente. Os lwagúdu-d6gé Kujaguréuge, os vermelhos, menores, nao usam
retrizes em seus destaques na 2. ª fieira (exc'eto um paríko ~e But6re Agádu),
2. á f. retrizes de papagaio verdadeiro + 3 grupos eqüidis- mas dividem comos Coréuge, seus irmaos maiores, o uso de outras espécies
tantes de 4 lascas revestidas de penas vermelhas e clanicas simbolizadas nas lascas e usufruídas pelo clá.
amarelas, formando finíssimas listas horizontais
alternadas na seguinte _distribui~ao: 23 vermelhas e Mas,_<loadores por excelencia das penas-de-contorno pretas e brancas
22 amarelas (F7y). penugentas do mutum, por akiró aos Eceráe e por afinidade de metade
aos Tugarége, os lwagúdu-dóge nao as utilizam em seus paríko-dóge, ao
3. a f. - vermelha - arara vermelha. menos pela amostra de que disponho. Deste modo, eles possuem sobre
esta espécie ornitológica os direitos d~ primazia de descoberta e propriedade,
n.º 099: l.ª f. - retrizes de arara verrnelha + arara canindé, alter- m~s as respectiva$ penas adequadas ao paríko foram distribuídas aos
. nadas urna a urna; outros clas.
- penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
Ao contrário dos outros eidága-máge de cada aglomerado clamco da
2.ª f. - série de 2 retrizes de japu alternadas colil 2 lascas aldeia, para os quais a posi~áo hierárquica que ocupam dentro e através
retangulares completamente revestidas de penugem dos clás é dada no revestimento das lascas da 2. ª fieira basicamente pela
de pato selvagem (F8y). linguagem expressa através das cores amarela, vermelha, preta e branca,
3.ª f. - vermelha - arara vermelha. entre os lwagúdu-dóge, a hierarquia transparece fundamentalmente através
das oposi~oes. em vermelho e amarelo dispostas em listas. Pois o essencial
reside na área ocupada pelas cores. Exemplificando, a simboliza~ao do
n. 0 021:· l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé; espírito Jakómea, espécie clanica representada nos paríko-dóge, tanto de
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
iedága-máge do sub-cla dos pretos como dos vermelhos, é feita por meio
2.ª f. série formada por um grupo alternado de retrizes de listas que variam em largura . e número de um para outro. Os pretos
de papagaio verdadeiro com-·um grupo de retrizes simbolizam o Jakómea imédu (Jakómea macho) por meio de listas mais
de gralha-do-campo. largas e conseqüentemente ~m menor quantidade e os vermelhos, associados
3.ª f. - vermelha - arara vermelha. a Jakómea arédu (lakómea femea) por listas mais estreitas e em maior
quantidade numa superfície de iguais dimensóes para os dois sub-clas.
Os Iwagúdu-d6ge, como todos os Tugarége, utilizam em seu~ paríko-
dóge as penas obtidas de seus irmaos de metade, seus "sócios" (J ose Carlos, Porém, dentro do próprio: sub-cla nao há equivalencia: entre os
Merúri, 1973)~ retrizes de arara vermelha (Ar6roe) e arara canindé (PáiwoeJ iedága-máge pretos, Tadúgo, o chefe de maior influencia no clá, o irmáo

- 216 - - ., 217
maior, simboliza o espírito por listas largas, enquanto Aróia Kuriréu o kiógo agíri na ponta prá saber de Iwagúdu-dóge. . . Eles tem
faz por meio de listas mais estreitas em rela~ao a Tadúgo; entre os kiógo agíri, nao poem no paríko."
vermelhos, Batóre Agádu usa listas mais estreitas em rela~áo aos dois
primeiros, mas mais largas se comparado a Jakómea Atugódu Jéba, o
irmáo menor dos tres que, · por isso, apresenta finíssimas listas numa Na prática, porém, obserya-se tanto a ausencia quanto a presen~a
quantidade bem maior. da penugem. Da amostra de 24 variedades de pariko-dóge do cla, 13 nao
Jakómea, um espírito das águas, é um dos elementos identificadores possuem empluma~ao arminhada e 11 a possuem. A ausencia se restringe
por excelencia dos paríko-dóge d~ lwagúdu-dóge. Existe, porém, certa as aldeias de Córrego Grande e Merúri, pois na aldeia do Pirigára as varie-
disparidade com referencia ao iedága possuidor do espírito entre os infor- dades levantadas a apresentam, se bem que se tefiram somente a dois
mantes. Justino, da aldeia do Pirigara, atribui os direitos de propriedade iedága-máge: Aróia Kuriréu e Butóre Agádu.
sobre o Jakómea imédu a Aróia -Kuriréu e sobre lakómea Arédu a Butóre Nem todos o~ paríko-dóge do cla possuem também 3.ª fieira, estando
Agádu (1971). Ukewái, (Merúri, 1971), sem fazer referencia a diferen~as esta ausente em 11 variedades. Das 13 variedades que a exibem, em do;ze
de sexo, associa Jakómea a Jakómea Atugódu Jéba, num primeiro momento; é vermelha e em urna preta, com a ressalva de que esta últitna variedade
depois, faz a distin~áo quando .menciona um espírito preto e outro vermelho, f oi feita especialmente para comércio com o elemento branco_.
pois geralmente preto coincide com macho e vermelho com femea:
Em termos ideais, T adúgo deveria usar na 1.ª fieira, urna propor~ao.
igual de retrizes vermelhas e amarelas (n.0 s 005 e 006), uma propor~ao
"Jakómea como se fosse urna alma é um aróe, mas fica dentro maior de vermelhas, ou só vermelhas (n. 0 100).
d'água. O povo trata aróe Jakómea, que é de lwagúdu-dóge,
Jakómea A tugódu Jéba". Na 2.ª feira, a espécie ornitológica que o notabiliza no grupo de
variedades retrizes, é o gaviao-da-fuma~a castanho. Suas retrizes sao
usadas combinadas com retrizes de papagaio-verdadeiro (n.0 005) ou em
"Esse aróe Jakómea apresentou-se para Iwagúdu-dóge, para série, dominando completamente na fieira (n. 0 006).
cla de lwagúdu-dóge. Entio o Iwagúdu-dóge falou prá aróe
lakómea: - Quemé o Sr~? - Nao sou nada, sou aróe Jak6mea- Além disso, a estreita associa~ao entre Tadúgo e o gaviao-da-fuma~a
dóge. Entao, os dois Iwagúdu falaram assim: - assim como castanho pode ser observada através de outro componente do . paríko: o
voces se apresentaram prá nós, nós vamos nos chamar de akíri. Pois nas duas variedades com empluma~ao arminhada, esta é feita
Jakómea. Eram dois Jakómea e dois iwúri (irmaos mais velhos). com a penugem ·do citado gaviao, o que nao ocorre nos paríko;.dóge dos
iadúgo ficou com o preto e Jakómea Atugódu léba com o demais iedága-máge.
Vern1elho. Voltaram na aldeia, contaram o caso, prá turma,
todos os Eceráe e Tugarége. E Bakoro Kúdu falou prá Jakómea A gralha-do-campo, por outro lado, constitui insígnia do sub-cli dos
Atugódu Jéba: - Voce viu Jakómea kujaguréu, inas é prá Iwagúdu-dóge pretos, já que Tadúgo e Aróia Kuriréu dividem entre si o
mim, vou ficar com ele! f(í Bakororo, fez o mesmo com Tadúgo. o direito ao uso das retrizes bicolores branco/azul dessa espécie.
Entao, quando falaram assim, Jakómea Atugódu Jéba -e Tadúgo
disseram: - Nós nao vamos entregar prá voces! Ex.: Jakómea Nos · paríko-dóge de T adúgo, as retrizes de gralha apareceni combi-
Atugódu léba falou pro Bakoro Kúdu: - Nao dou o aróe, nadas com papagaios (r~trizes), destacando-se por meio de 3 grupos eqüi-
mas voce fica o encarregado de representá-lo. O mesmo distantes de 4 retrizes (n. 0 018 - MRDB 2589). E de acordo com ano-
aconteceu com Tadúgo e Kí Bakororo. Entao: - Jakómea ta~oes da ficha descrita do MRDB, o ideal seria uma série de retrizes de
Atugódu Jéba é o dono e Bakoro Kúdu é o encarrregado". gralha-do-campo, dominando completamente na fieira.
O paríko n.0 100, proveniente de Merúri, do grupo de variedades
Teoricamente, os paríko-dóge dos Iwagúdu-dóge nao devem possuir
lascas, constitui-se numa das variedades mais características de Tadúgo:
empluma~ao arminhada na roda raiada das retrizes da 1.ª fieira.
primeiro, pela utiliza~ao de urna l.ª fieira inteiramente vermelha; segundo,
Ao perguntar a Raimundo, em Merúri (1973), a razao de alguns pela linguagem da 2.ª fieira: série de lascas inteiramente vennelhas, inter-
paríko-dóge possuírem penugem colada nas partes terminais das retrizes rompida, a espa~os regulares, por 3 grupos de 4 lascas cm vermelbo e
e outros nao, ele responden: amarelo, simbolizando o aróe Jakómea por meio de _listas largas. Sornan-
do-se os dois componentes: muito vermelho + listas ·largas e espa~adas,
representando a espécie clanic~, teremos entao um paríko associado .a
"Prá nao ficar igual. Prá saber de qual cla é aquele paríko ... "'Tadúgo, já que essa propor~ao de vermelho é prerrogativa dos grandes
Aquele que, está lá em casa, que é de Arqia Kuriréu, nao poe iedága-ináge e as listas largas sao associadas aQs chefes máximos dos clis.

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No paríko n. 0 101 de Tadúgo, proveniente de Córrego Grande, o Entao, já que a 2. ª fieira constituí um problema para as respectivas
aróe Jakómea é simbolizado por 4 lascas centrais interrompendo urna série vincula<;óes, necessário se torna recorrer a l.ª fieira para, através da lin-
de retrizes de fapu. Igualmente vermelhas e amarelas, as listas, segundo o guagem expressa pelo jogo das cores, associar cada variedade a seu res-
informante, possuem dois centímetros de largura, tendo o revestimento pectivo iedága. Na impossibilidade, a identifica<;ao permanecerá a nível
das lascas mais um componente. Este constituí-se na penugem colada ao de sub-cla.
redor de ~ada lasca que forma o grupo, convertendo-se numa peculiaridade
dos paríko-dóge dos Jwagúdu-dóge da aldeia do Córrego Grande, já que O espírito Jakómea, na aldeia do Pirigára, é simbolizado por série
pode ser observado nao só na variedade de Tadúgo, mas é extensivo a de lascas ( n. 0 102) . As- lascas sao revestidas por listas vermelhas e ama-
A róia Kuriréu e Butóre Agádu. Além do mais, a inclusao <leste elemento relas, de 0,5 cm, com as extremidades vermelhas ocupando urna área de
nao s~ verifica nas outras aldeias. aproximadamente 2 cm. As listas que compóem o corpo da lasca sao, por-
tanto, mais estreitas do que aquelas que revestem as lascas dos paríko-dóge
Aróia Kuriréu, do sub-cla dos pretos, irmao menor de Tadúgo, é o de Tadúgo. Apesar de eu nao poder indicar com a mesma precisao a
2. 0 iedága na hierarquía clanica. Razao pela qual, em termos ideais, as largura das faixas que reyestem as lascas do paríko de Aróia Kuriréu na
retrizes da 1.ª fieira do paríko devem ser compostas tendo em vista urna ·aldeia de Córrego Grande (n.0 103), é possível afirmar, pelo seu número,
propor9ao menor de vermelho em rela9ao ao chefe máximo do cla. Mas, serem um pouco mais estreitas (talvez 1,5 cm), em rela9ao ao do chefe
Aróia Kuriréu nao é dos menos importantes no ambito da aldeia; ao con- do cla. Aquí, as lascas nao sao montadas em série, mas em tres grupos de
trário, a ele nao está associada a 'mistura' originada da alterna~ao de urna quatro, com penugem das bordas sobressaindo-se da monocromia amarela
retriz vermelha com urna amarela, que é combina~ao de gente pequena. das retrizes de japu.
Por isso, utiliza vermelho e amarelo em propor9óes iguais (n. 0 s 017, 019,
022) , ou urna propor9ao maior de vermelho em rela9ao aos iedága-máge de Nao só o aróe Jakómea, mas também outra espécie do patrimonio dos
menor prestígio na aldeia. lwagúdu-dóge é simbolizada em paríko da aldeia do Pirigára. Trata-se do
sanha<;o (Tanafra cyanopet~ra), espécie ornitológica que identifica Ar.óia_
Dentre os Iwagúdu-dóge, semente Aróia Kuriréu emprega na 2.ª fieira Kuriréu por meio de 3 grupos eqüidistantes de 3 lascas inteiramente ver-
as retrizes do céje, urna variedade de gaviao-da-fuma9a, do qual é a uni- melhas' destacando-se na série multicolorida das retrizes de . papagaio-ver-
dade possuidora, tomando-se essa espécie ornitológica, por isso, um ele- dadeiro (n. 0 104).
mento particularizador dos paríko-dó~e deste iedága.
Dos Jwagúdu-dóge vermelhos, Butóre Agádu é o irmaó maior. Como,
O céje especifica os paríko-dóge de A,róia Kuriréu, compondo o ele- ao nível do cla, ele está entre os pequenos, ocupando a 3.ª posi<;áo hie-
mento de destaque quando suas retrizes sao combinadas com as de papa- rárquica, na l.ª fieira idealn1ente deve empregar menos vermelho do que
gaio-verdadeiro (n. 0 s 002 e 003), ou quando sao usadas em série, domi- seus irmaos maiores, sendo também usuário da 'mistura' do vermelho e
nando completamente na fieira (n. 0 004). amarelo. E a ·ele cou~eram retrizes de gralha-do-campo para a 2.ª fieira,
Da gralha-do-canipo, da qual possui igualmente direitos de proprie- mas em quantidade menor.
dade, Ar6ia Kuriréu nao emprega habitualmente as retrizes sozinho, já Sua posi~ao na esfera clanica transparece, num primeiro momento,
que o direito ao uso se estende igualmente a Tadúgo. Como este, Aróia pelo paríko n.0 020, composto unicamente por retrizes, para depois afir-
Kuriréu apresenta a combina~ao de retrizes de gralha-do-campo com as mar-se pela linguagem das lascas.
de papagaio-verdadeiro dispostas em 3 grupos eqüidistantes (n. 0 s 017,
O18, O19), ou seqüencia ininterrupta ( n.0 022). O paríko n.0 020 é composto na 1. ª fieira por penas caudais verme-
lhas e amarelas alternadas urna a urna; na 2.ª fieira por retrizes de papa-
Tendo em vista que os dois iedága-máge utilizam as mesmas espécies gaio-verdadeiro, largamente difundidas no cla; como destaque, no centr~
ornitológicas em combina~ao com as retrizes de gralha, dispostas segundo da fieira, ele só, porém, utiliza cinco retrizes de gralha-do-campo, quantl-
os mesmos critérios, ou seja, em tres grupos eqüidistantes e em série, dade a que teve direito na partilha clanica.
toma-se difícil a identifica~ao exclusivamente pela 2. ª fieira. É como se
nesse momento houvesse urna fusao dos dois iedága-máge: as retrizes de
gralha-do-campo dispostas do mesmo modo, para os dois, transformam-se "Butóre Agádu ocupa o paríko de Tadúgo. Póe keáo-keáo no
em insígnias, nao de um iedága, mas de um sub-cla. Um caminho a se- páru-jíwu, só cinco, no centro, misturado com koráo. Um~
guir seria verificar o número de retrizes empregado pelos dois, mas mesmo ó burúgo mais duas monoréu iága e 1-1-1-1, sem turubári
assim o problema se apresenta difuso, pois ambos podem usá-las, tanto akíri. Tadúgo dá licen<;a" (Ukewái, Merúri, 1973).
compondo urna fieira, como em tres grupos de quatro (n.0 018). ·E de
acordo com essa mesma lógica de distribui~ao, Tadúgo eventualmente usa-
ría tres grupos de 3 ou tres . grupos de 6-5-6 retrizes, quantidades vigentes Por meio das lascas revestidas, Butóre Agádu simboliza, ·na 2.ª fieira,
em paríko-dóge de Aróia Kuriréu (n.0 s 017 e 019). Jakómea arédu, associado a seu sub-cla. Assim, a representa<;ao do aróe

220 - 221 -
·chamando toda a aldeia, comec;ou perguntar pelos maiores. Aí
é feita por listas vermelhas e amarelas, mas as listas sao finas, pois expri-
chamaram o piodúdu, o Kí Bakororo que chamou. Piodúdu
mem o espírito femea, menor e menos vistoso do que o espírito macho.
" veio com brinco de barádu e kiogoáro que no meio tinha um
A 2. ª fieira com a característica acima faz parte do paríko n.0 092, barádu. Chegou e disse a todo mundo: - esse paríko é meu.
da aldeia do Pirigára. E composta por urna série de lascas de dirnensoes Prá voces saberem, eu pus o meu barádu aqui no centro. Quando
iguais as da 2.ª fieira do diadema de Aróia Kuriréu, quais sejam, 13,5 cm aconteceu isso o piodúdu já era do Iwagúdu-dóge" (Ukewái,
de comprimento por 1,0 de largura. Só que o número de listas é em Merúri~ 1971).
quantidade maior e sua largura, de 0,5 cm nas lascas dos paríko-dóge de
seu irmao maior, diminui para 0,2 cm nas lascas usadas por Butóre Agádu.
O paríko do beija-flor, associado a Jakómea Atugódu Jéba é· o de n. 0
Pelo paríko n. 0 096, da aldeia do Pirigára, Butóre Agádu transpoe 097. Caracteriza-se na 1.ª fieira pela alternancia de urna retriz amarela
para a 2. ª fieira a pintura corporal denominada Kidoréu kujaguréu, sa- com urna vermelha e pela 3.ª fieira vermelha; na 2.ª, por urna série de lascas
nhac;o vermelho, que é usada na danc;a funerária Arároe Aróe, privativa triangulares revestidas de penas vermelha~ com urna faixa amarela no
dos Iwagúdu-dóge (EB-1:127-128). A transposic;ao é feita, revestindo-se as meio, tendo tres finíssimos segmentos cilíndricos de taquarinha no centro
lascas inteiramente de penas vermelhas e colando-se penugem branca de da fieira; revestidos de penas vermelhas, estes segmentos de taquara pos-
pato selvagem nas bordas laterais, em todo o comprimento, exatamente suem nas duas extremidades e no centro dois anéis superpostos brancas e
como as faixas duplas de pasta vermelha de urucu, entremeadas com penu- vermelhos. Sao estes anéis que constituem o ninho do beija-flor, simboli-
gem, que subindo de ambos os pés, percorrendo paralelamente o corpo zado no centro do paríko.
e transpondo os ombros, vao terminar nos calcanhares dos danc;arinos.
Estas lascas que constituem a insígnia do iedága e do cla sao combinadas No paríko n.0 098, a l.ª fieira se compoe igualmente de retrizes·
com retrizes de papagaio:..verdadeiro. vermelhas e amarelas alternadas urna a urna. A 2.ª é formada por retrizes
de papagaio-verdadeiro, dentre as quais· sobressaem tres grupos de 4 lascas
Esta variedade, porém, nao deve ser confundida com a de n. 0 104 revestidas por finíssirnas-listas vermelhas. e amarelas alternadas; estas cons-
de Aróia Kuriréu, apesar da 2.ª fieira de ambas ser composta por 3 grupos tituem-se nos destaques, simbolizando o Aróe Jakómea. Como é um iedága
de 3 lascas vermelhas combinadas com retrizes de papagaio-verdadeiro.._ pequeninho, Jakómea Atugódu léba é quem reveste as lascas com as
listas mais finas entre os Iwagúdu-dóge.
A primeira diferenc;a entre as duas fieiras reside no fato das .lascas
vermelhas de Butóre Agádu estarem complementadas pela penugem das Em Merúri, a diferenc;a do grau de prestíg~o entre Tadúgo e Jakómea
bordas laterais, elemento ausente nas de Aróia Kuriréu; a segunda, refe- Atugódu Jéba 'transparece' claramente no paríko n.0 100 do prirneiro e
re-se ao motivo da simbolizac;ao: enquanto Butóre Agádu transpóe para o no n.º 098 do segundo iedága, quando, por meio das mencionadas varie-
paríko a pintura corporal inspirada no sanhac;o vermelho, Aróia Kuriréu dades, simbolizam a mesma espécie clanica.
representa o sanhac;o enquanto espécie viva, já que simboliza a ave em si,
a qual, como a pintura, é urna parcela do patrimonio clanico. As distin~oes come~am já na l.ª fieira: Tadúgo emprega · somente
retrizes vermelhas, ao passo que Jakómea A tugódu Jéba utiliza vermelhas
Jakómea Atugódu Jéba é o iedága vermelho de menor influencia no e amarelas alternadas urna a urna, apesar de em ambos a penugem das ·
cla. Por isso, seus paríko-dóge caracterizam-se, na 1.ª fieira, pelo uso retrizes estar ausente. Depois, na 2.ª fieira, Tadúgo combina urna série
constante da alternancia de urna retriz vermelha com urna amarela. Na de lascas vermelhas rnais 3 grupos de 4 lascas revestidas de penas verme-
2.ª fieira, ele nao possui paríko do grupo de variedades retrizes, mas por lhas e amarelas, formando listas alternadas largas e espac;adas, na propor-
meio de lasca~ pode manipular as espécies do cla. Suas tres variedades de ~ao de 8 vermelhas para 7 amarelas. Jakómea Atugódu léba nao usa a
paríko provem da aldeia de Merúri, nao tendo sido a ele associada ne- dominancia por meio de lascas vermelhas, mas pelas retrizes multicores do
nhuma das variedades nas outras aldeias. papagaio-verdadeiro, onde predomina a cor verde. Ele serve-se igual-
mente de 3 grupos de 4 lascas, revestidas de penas vermelhas e a~arel~s,
Jakómea Atugódu Jéba tem a prerrogativa de confeccionar o modelo porém formando 23 finíssimas listas vermelb as e 22 amarelas. Ambos nao
do paríko que o piodúdu, beija-flor (espécie clanica), deixou no pátio da
possuem 3. ª fieira.
aldeia. Daí denominar-se "Piodúdu ímo paríko" (paríko do beija-flor).
No paríko n. 0 099, denominado Paríko kidoréu, o motivo simbolizado
na 2.ª fieira é a pintura somática denominada kidoréu coréu, sanha~o escuro
"O piodúdu póe o ninho dele aqui mesmo (nas 3 taquarinhas e igualmente usada na danc;a funerária Arároe ,Aróe (EB-1: 127-128).
cilíndricas do centro da 2. a· fieira). Por causa do píodúdu póe o
barádu (ninho) dele na ponta, no meio e no fim. O passarinho
deixou aí no bororo o paríko dele, já feito, de mostra prá todo "Kidoréu quer- dizei que inventou de tirar a pintura do peito"
mundo. ·veio Ki Bakororo e perguntou de quem era o paríko e (Ukewái,, Merúri, 1971).

- 222 - - 223
Mas, contrariamente ao paríko n. 0 096 de Butóre Agádu, proveniente tários, porque atualmente a combina~ao ideal torna-se um pouco difícil
da aldeia do Pirigára, a transposi~ao do motivo da pintura corporal para devido a escassez da matéria-prima originária da fauna ornitológica.
este paríko é 'feita, nao em termos da reprodu~ao exata da pintura, mas
através das listas de penugem branca que entremeiam e delimitam as faixas A 2.ª fieira, específicamente, tero rela~ao direta coro o sub-clá dos
pintadas nos carpos dos dan~arinos. pretos, enquanto do ponto de vista da .matéria-pri~a, mas é justamente
por aí que, a meu ver, esse paríko nada transmite: primeiro, porque as
A pintura sanha~o escuro é igual a sanha~o vermelho, variando so- retrizes de gralha em meio as de papagaio, sao usadas pelos Iwagúdu-dóge
mente a cor das f aixas duplas pintadas, que é preta, de pasta de carvao. em tres grupos eqüidistantes ou por meio de um grupo central; segundo,
Foi este tipo de pintura corporal que Ukewái desenhou em meu caderno porque além de estarem combinadas ero seqüencia alternada, composi~áo
de campo. de fieira nao observada entre os lwagúdu-dóge, as retrizes de gralha, espé-
cie ornitológica do patrimonio do referido cla, nao ocupam a regiáo cen-
O Paríko kidoréu caracteriza-se na 1. ª fieira pela alternancia de urna tral da 2.ª fieira, o que seria de esperar. O centro é ocupado por retrizes
retriz vermelha e urna amarela, e, na 3.ª, pela cor vermelha. Na 2.ª, por de papagaio-cometeiro, espécie c!anica dos Páiwoe; terceiro, a alternancia
urna série alternada de duas retrizes de japu e duas lascas triangulares de retrizes de papagaio e gralha se verifica por grupos de cinco propor~oes
completamente revestidas de penugem branca. Estas lascas éonstituem-s~ diferentes (4-3-4-4-6-5-7-5-6-4-4-3-4), quando o ideal seriam duas propor-
entao, numa transposi~ao parcial da pintura corporal, já que elas sao as ~oes, por exemplo, 5 retrizes de papagaio e 2 de gralha.
listas de penugem branca que entremeiam as duplas faixas pretas da pin-
tura que corre através dos corpos dos dan~arinos da Arároe Aróe. Ressalte-se a característica bororo, segundo a qual, tendo-se o centro
como ponto de referencia, alterna-se o mesmo número de retrizes nos dois
É interessante observar que Jakómea Atugódu Jéba é o único iedága lados da fieira. ·
que usa lascas triangulares entre os Iwagúdu-dóge, e o único da aldeia
que aproveita a forma cilíndrica das taquarinhas como componente da A 3.ª fieira está dentro dos padróes de colorac;ao e a penugem de
2. ª fieira nos paríko-dóge. pato selvagem colada no ápice das retrizes da 1. ª fieira é técnica habitual-
mente empregada entre os bororo.
:E: de se ressaltar também que na simboliza~ao do aróe Jakómea nao
há um critério único para o espa~o ocupado pela cor e para o ·n úmero de Acrescente-se ainda que, no conjunto, tecnicamente este pariko deixa
listas nas tres aldeias: em todas elas há diferentes grada~óes para a lar- muito a desejar.
gura das mesmas de acordo coro o grau de prestígio e influencia do iedága
no cla.
APIBOR:E:GE CEBEGIWúGE COReUGE
O paríko n. 0 093, proveniente da aldeia de Merúri, segundo os infor-
mantes, pos~ui características de Butóre Agádu, mas como foi feíto por
Miguelao, em 1973, especialmente para· comércio, eu o excluo duma aná- Akarúio Boróge
Jise detalhada," já que nao possuo eleinentos para isso.
A exclusáo se deve ao fato do bororo geralmente nao fazer paríko n.0 010: l.ª f. 3 retrizes de arara vermelha, alternadas com 2 re-
coro características estritamente originais para comércio, devido a fun~ao trizes de arara canindé. No centro da fieira há duas
soci_al do diadema E nao tendo eµ oportunidade de sanar a dúvida em retrizes vermelhas ladeadas por urna amarela;
campo, o que pretendo fazer na seqüencia de meus estudos sobre plumária penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
bororo, esquivo-me de qualquer interpr~ta~ao. Por outro lado, sua inclusao,
agora, na rela~ao dos diademas encontrados, objetiva somente registrar 2.ª f. - série de retrizes de papagaio-verdadeiro, interrom-
pida a intervalos regulares, por 3 retrizes mais
~ma variedade que constituí um problema a ser investigado.
. longas, de gaviao-de-penacho; justapostas a estas,
na f ace posterior do diadema, estao igualme~te~ 3
· Pela mesma razao também registrei o de -n. 021, mandado da aldeia
0

de Merúri especialmente para venda. Porém, com respeito a este, talvez retrizes do mesmo .gaviao, de e~trutura morfolog1ca
eu possa hipoteticamente fazer algumas considerac;óes. identica a da face anterior.
A matéria-prima, tanto da l.ª como da 2.ª e 3.ª fieiras é sem dúvida 3. a f. - vermelha - arara vermelha.
associada aos Iwagúdu-dóge.
n.0 011: - idem Kurugúgwa Coréu.
A 1.ª fieira possui somente 18 retrizes vermelhas, sendo as restantes
todas amarelas, coro o 'c entro arriarelo. A retriz central do paríko é comu-
mente vermelha, mas coro referencia a essa fieira abstenho-me de comen-
n.º 105: l.ª f. -
-
retrizes 'de arara vermelha + arara canindé;
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.

- 224 - - 225 -
2.ª f. - série de lascas retangulares revestidas de penas - penugem de pato selvage·m ao redor do semi-círculo.
pretas no ter~o inferior; os 2/3 restantes sao reves- 2.ª f. série de retrizes de papagaio-verdadeiro, em cujo
tidos de penas amarelo-ouro (G lx). centro há urna retriz de gaviao-de-penacho.
3.ª f. ausente. 3.ª f. vermelha - arara vermelha.

Kurugúgwa Coréu n. 0 011: - . idem Kurugúgwa Coréu.

n. 0 011: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé; _Ds Apiborége confeccionam cinco variedades de paríko. Para con-
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. feccioná-las utilizam, dentre as espécies clanicas dos Tugarége, penas da
arara vermelha, dos Aróroe; do papagaio-verdadeiro, do papagaio-corne-
2.ª f. série (e retrizes de papagaio-verdadeiro, interrom- teiro e da arara canindé dos Pá.iwoe; <lestes, receberam também a penugem
pida por 3 retrizes eqüidistantes, mais longas, de do pato selvagem para ser colada no ápice das retrizes · da 1. ª fieira de
gaviao-de-penacho.
seus diademas. E, dos· Iwagúdu-dóge, ganharam as penas-de-contorno do
3.ª f. - vermelha - arara vermelha. mutum. Das suas próprias espécies clanicas eles somente empregam o
Obs.: por informa~oes verbais de Ukewái (1971), gaviao-de-penacho.
as retrizes deveriam estar alternadas numa pro- As retrizes dos papagaios compoem os elementos dominantes da 2. a
por9ao de 3 vermelhas para 2 amarelas. Porém a fieira em tres variedades, nas quais os elementos de destaque sao formados
mesma variedade confeccionada em Merúri, · em · por retrizes do seu gaviao. As penas pretas do mutum, por outro ·lado,
1973, nao obedece a esse critério, devido a carencia revestem as lascas presentes numa variedade ·de diadema da aldeia do
de arara vermelha; pelo mesmo motivo, na 2.ª fiei- Pirigára.
ra estao misturadas retrizes de papagaio-verdadeiro
e papagaio-corneteiro. Em vista disso, os paríko-dóge d.os Apiborége caracterizam-se, na· 2.ª
fieira, por séries de retrizes de papagaio~ interrompidas por retrizes de
n.0 106: l.ª f. retrlzes de arara vermelha + arara canindé, alter- gaviao-de-penacho, já que urna fieira inteira de retrizes de gaviao vai ser
nadas urna a urna (centro: 3 vermelhas); encontrada, como a de lascas, numa só variedade. ,
- ·penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. De todas as retrizes que compoem a cauda do gaviao-de-penacho, so-
2.ª f. - série de retrizes laterais de gaviao-de-penacho em mente as 5. ªs retrizes laterais sao usadas c~mo insígnias clanicas nos
cujo centro há urna retriz central da mesma ave; as paríko-dóge dos Apiborége. Isto porque as 5.ªs laterais sao a parcela de
primeiras sao cortadas na parte terminal -e a se- retrizes que recebem os Apiborége na partilha cerimonial das penas do
gunda na parte médüt. Sobre a parte basal da retriz kurugúgwa, o gaviao-de-penacho.
central há urna lasca retangular revestida de tres
penas-de-contorno sobrepostas oriundas do pesco- O kurugúgwa é espécie. clanica dos Apiborége, que sobre o animal
~º do gaviao-de-penacho; a pena que cobre a área
possuem direitos de primazia de descoberta e de propriedade. Mas, como
superior da lasca é •cortada na parte média. Preso o seu abate objetiva recompensar a morte de um defunto Bokodóri Eceráe,
a extremidade superior da lasca está o topete ou urna vez morto, o kurugúgwa é entr~gue a este último cla. Por isso, sua
penacho da ave (G2y). carne nao é consumida e a distribui9ao de seus restos imperecíveis, tais
como as penas, envolve cuidados especiais.
3.ª f. - · vermelha - arara vermelha.
Raimundo (1973) assim relatou o ritual que envolve a matan~a do
kurugúgwa: abatida a ave, o ca~ador a entrega a Kaígu, chefe máximo dos
APIBORÉGE COBUGIWúGE KUJAGUMUGE Bokodóri Eceráe que, ao recebe-la, faz um batarúdu ( ora~ao, discurso,
EB-1:265).
Depois seguem-se cantos, mas antes do início dos cantos, Kaígu con-
Apúi.Eteba voca Akarúio Boróge, chefe máximo dos Apiborége, que é a unidade
possuidora do. gaviao e, por isso, irá .depená-lo .
n. 0 013: l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé, alter- ...e\ depena~ao come~a pelas penas da cauda, as retrizes. Logo em
nadas urna a urna; seguida sao arrancadas as penas-de-contorno que recobrem o p~sco~o;

- 226 _._ - , 227 -


depois, as remiges e as tectrizes inferiores. A seguir, o topete ou penacho, Na divisao- do patrimonio entre os iedága-máge do cla, -o 'sub-cla dos
que sao as duas peninhas pretas, em forma de chifres, da cabe~a dos Jtpiborége Coréuge, os pretos, mais importantes, ficaram com o kurugúgwa
gavioes e as demais penas-de-contorno que revestem o corpo e a penugem. coréu, o gaviáo-de-penacho preto, macho, cujas penas sao escuras, de
aspecto cromático acentuado ,e mais belas do que as penas do kurugúgwa
Ato contínuo, há a distr~bui~ao das penas, a come~ar pelas retrizes: tororéu, o gaviao-de-penacho branco (femea?), menos valorizado_, pois é
menor, ·de penas menos ~scuras e mais feio do que o primeiro.
duas l.ªs retrizes laterais para Kaígu; Porque mais influentes e importantes, sao também os Apiborége
duas 2. ªs retrizes laterais para Kaígu,· pretos que empregam maior quantidade de retrizes do gaviáo em seus
duas 3.ªs retrizes laterais p_a ra Aromére; paríko-dóge, enquanto os Apiborége vermelhos usam a parcela mínima.
duas 4,ªs retrizes laterais para !no Kúrt~· Mas, a estipula~ao do núm~ro de pen~s do gaviáo a serem usadas
duas 5.ªs retrizes laterais para Akarúio Boróge,· pelos Apiborége nao fica a nível de sub-cla, }á . a varia<;ao r~side na quan-
duas retrizes centrais para Akarúio Bokodóri ou Mamuiáwuge Ecéba, tidade de retrizes a que tem direito cada iedága para a confec~áo do
ou Bakoro Kúdu ou Arúa. paríko. A quantidade· de penas caudais está diretamente relacionada ao
grau de influencia e prestígio clanico do iedága. Isso é perfeitamente visível
quando a 2. ª fieira é montada pela combina<;ao de retrizes de papagaios,
Algumas remiges sao distribuídas aos Baádo Jébage Cobugiwúge: dominando na fieira, com retrizes do gaviáo-de-penacho como destaques:
quatro menores, páru rógu, para Bokuarébo; duas 2. ªs remiges· primárias Boróge, o chefe máxinió do clá, o irmao mais velho, tem direito a seis
para Akarúio Bokodóri; duas 4.ªs remiges primárias para Mamuiáwuge retrizes do gaviao (n;º 010); Kurugúgwa Coréu, o segundo em ordem
-.Ecéba. As outras reniiges sao distribuídas para qualquer um. de importancia, tres (n.0 011) e a Apúi Ecéba, o de menor influencia,
compete urna retriz apenas (n.0 013).
As penas-de-contorno do pesco90, as tectrizes inferiores e o penacho
ficam com A-karúio Boróge e as dema~s penas-de-contorno e a penugem Segundo Ukewái (1971) o ieddga Kurugúgwa Coréu também pode
ficam com Kaígu. fazer a 2. ª fieira completamente de retrizes do gaviao, tendo na base da
pena central urna lasca revestida de tres penas-de-contorno do pesco~o,
Porém, caso os Bokodóri Eceráe queiram confeccionar a coroa de complementada pelo penacho. Esse jogo de retrizes e lasca simboliza o
penas de gaviao-de-penacho, também denominada kurugúgwa (EB-1:401- gaviao-de-penacho enquanto espécie ornitológica viva. Assim, por esse
403), nem as retrizes centrais, nem as remiges nem o topete sao distribuídos artifício, os Apiborége imortalizam o seu gaviao através do próprio paríko.
aos outros iedága-máge receptores de penas, porque sao essas penas que
comporao a coroa. A carne é entregue a Akarúto Boróge, sendo enterrada Inquirido da razao d·e ser o gaviao-de-penacho simbolizado em paríko
pelos Apiborége. de Kurugúgwa e nao de Akarúio Boróge, o chefe máximo, que por isso
leria direito as coisas melhores e mais belas, Ukewái respondeu:
Na variante,. da distribui9ao das penas do kurugúgwa (Ukewái, 1973),
quando a ave e morta para muga káe (retribui9ao para um Bokodóri
Eceráe morto), os Bokodóri Eceráe sao os receptores das remiges, do "Boróge que falou com Kurugúgwa: - É, tens o paríko tá
topete e de todas as rettizes, exceto as duas quintas laterais que ficam com mais bonito que o meu. Agora, eu estou sendo menor do que
Akarúio Boróge. E é Akarúio Boróge e nao ,Kaígu que tem direito a o Sr. Aí Kurugúgwa falou: - Nao! Mas é assim porque eu
penugem . . sou o dono do kurugúgwa coréu, entáo eu fac;o assim. Eu sou
Kurugúgwa,_ entao vou por todas as minhas iágas nos meus
Somente quando o kurugúgwa nao é morto para muga káe, Akarúio paríko. Vou por meu kíga (penacho) no pé da iága ó burúgo
Boróge fica com o penacho e os iedága-máge Baádo Jébage recebeu as no páru-kejéwu. O Sr. fica diferente de mim, porque o Sr.
retrizes centrais.
ocupa 3 (frente e verso) no seu paríko. Só porque Boróge achou
Os receptores de penas, por sua vez, oferecem como móri,. ao ca~ador bonito o paríko dele, deu essa resposta. Boróge falou: - tá
do kurugúgwa, flechas do tipo butúie, cuidadosamente ornamentadas na bom. Aí chegou o · irmao deles, Apúi Ecéba e falou: - voces
por9ao da baste que fica entre as asas. dois sao iguais um do outro; eu que sou menorzinho do que
voces. Entao, meu paríko fica só urna kurugúgwa no centro.
Pelas informac;oes de Raimundo e Ukewái, observa-se, portanto, que Aí Boróge -d1sse: - Nao! Voce nao é menor de nós. Somos
é ~a distribuic;ao das penas do gaviao-de-penacho que se originam as todos iguais, mas seus enfeites mais delicados do que o nosso.
retnzes usadas como insígnias ·nos paríko-dóge dos Apiborége, os possui- Porque o Sr. é miu.dinho, mas é igual a nós. Porque seus trens
dores dos ·gavioes; é mais delicado· do que o nosso. Essa conversa foi pa.rticular,

- 228 229 -
sem ninguém escutar. Boróge falou: - Kurugúgwa, entao o Na aldeia do Pirigára só foi computada urna variedade de paríko para
Sr. toma conta do coréu e nosso irmao toma conta do menor, os Apiborége. Ao contrário daquelas das outras aldeias, esta nao é formada,
mei<f branco, o kurugúgwa tororéu; esse é pintado, mas é mais na 2. ª fieira, por penas caudais e nao possui as retrizes insígnias do gaviao.
miúdo que o coréu. Boróge falou: - Kurugúgwa Coréu, o Sr. Atribuída a Akarúio Boróge, é formada por urna série de lascas revestidas
pega na mao do Kaígu para kurugúgwa coréu (es se é um de penas de contorno amarelo-ouro . de arara canindé e pretas de mutum;
akiró do kurugúgwa pro Kaígu). Falou pro Apúi Ecéba: - O constituí-se num modelo totalmente diverso daqueles das outras aldeias,
Sr. pega na máo do Aromére por esse tororéu. Kurugúgwa nao só pela estrutura da fieira, mas também pela cor amarela que ocupa
pergunta pro Boróge: - Como o Sr. vai fazer com o aróe . a parte superior da lasca, pois amarelo nessa posic;ao é critério de identi-
ecéba-dóg.e (gavi6es reais)? Boróge: - espera um pouco. En- ficac;áo de paríko de iedága menos importante e influente.
tao, os dois ficaram quietos e ele disse: - eu vou pegar na
máo de Bakoro Kúdu com aróe-ecéba coréu. Entao ele falo u Por ser irmáo menor de Akarúio Boróge, Kurugúgwa Coréu ideal-
com esse kurugúgwa tororéu: - o Sr. pega Akarúio Bokodóri mente emprega menos vermelho do que o primeiro. Mas, como a nível do
por aróe ecéba tororéu, menor. Entáo, tá tudo liquidado. clá ele é dos graúdos, as retrizes vermelhas devem aparecer, na 1.ª fieira,
Kurugúgwa Coréu pegou o Kaígu com esse kurugúgwa coréu numa quantidade maior do que as retrizes amarelas. A proporc;ao ideal
(é um jogo funeral isso que tá contando). Depois, Kurugúgwa para ele seriam tres retrizes centrais vermelhas com o restante da fieira
pergúntou ao Boróge qual era o paríko que ia por na cabec;a. constituído por urna vermelha e urna amarela (n.0 106). Porém, dado os
Se esse kurugúgwa ou se fosse qualquer um. Boróge respondeu lac;os fraternos, com a devida autorizac;áo, ele pode lidar com o número de
que ele nao podia. Podía por paríko dele mesmo na cabec;a penas estipulado ao seu irmáo maior. Daí o seu paríko n. 0 011, ser feito
do Kaígu. Entao Boróge falou pro Kurugúgwa: - assim que com tres retrizes vermelhas alternadas com tres retrizes amarelas na 1.ª
voces vao fazer! Boróge falou com Apúi Ecéba pegar o paríko fieira.
dele mesmo, Boróge, com tres kurugúgwa na frente e atrás (n.0 Na 2. ª fieira, combinadas com as de papagaio, a ele couberam tres
010). O do Apúi Ecéba mesmo, com urna kurugúgwa (n. 0 retrizes do gaviao (n.0 011), podendo usar também a série de retrizes para
013), nao está declarado; por isso que nóis nao pois no Museu" simbolizar a espécie ornitológica identificadora de seu clá (n. 0 106).
(Merúri, 1971).
Apúi Ecéba, o irmáo menorzinho, o Apiborége Vermelho, caracte-
Todos os paríko-dóge dos Apiborége tem a primeira fieira confec- rizava-se na 1. ª fieira pela "mistura" das retrizes vermelhas e _amarelas.
cionada com retrizes amarelas e vermelhas encimadas por flocos de penu- Em termos ideais, o centro é constituído por urna retriz vermelha, a partir
gem branca; mas a 3.ª, sempre vermelha, só está presente nas variedades de da qual há a alternancia de urna amarela e urna vermelha para totalizar a
Merúri .e Córrego Grande, pois o paríko da aldeia do Pirigára (n.0 105) nao fieira.
a possu1.
Na 2.ª fieira, sobressaindo das retrizes de papagaio, ele só tem-direito
Dada a sua posi~ao privilegiada no ambito do clá, os paríko-d6ge de a urna retriz de gaviao. Porém, devido a natureza dos la~os fraternos, tam-
Akarúio Bor6ge caracterizam-se, na l.ª fieira, em termos ideais, por maior bém Apúi Ecéba pode usufruir do paríko n.0 011, as_sociado aos irmaos
quantidade de retrizes vermelhas, já que pertence a categoría dos grandes maiores de seu· clá. Assim, os Apiborége Coréuge e Kujaguréuge fundem-
iedága-máge, os que nao "misturam". Em vista disso, a alternancia de tres se· pelo paríko, que, deste modo, representa o cla.
ou cinco retrizes vermelhas com tres ou cinco amarelas, e tres retrizes
vermelhas alternadas com duas ou urna amarela singulariza seus diademas.
Na 2.ª, como já foi frisado, em meio as retrizes de papagaio-verda- PAIWOE CEBEGIWU COMU
deiro, ele detém o maior número de retrizes de gaviao, pois usa tres na
frente e tres no verso da fieira.
Mas, ele pode usufruir também das variedades de Kurugúgwa Coréu, M eríri Kuriréu
principalmente daquela com a mesma combina~ao omtológica na fieira e
onde estao colocadas somente tres retrizes de gaviao-de-penacho.
n.0 024: l.ª f . retrizes de arara vermelha + arara canindé;
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo.
"Akarúio Boróge (Coréu) e Kurugúgwa Coréu sao irmaos: um
'
só uso. Akarúio Boróge é o maior: nao estando, quem dirige é 2.'1 f: .,...._ série de :retrizes de papagaio-verdadeiro, no centro
Kurugúgwa Coréu. Nao estando Kurugúgwa Coréu, quem dirige .)
da qual há 3 / 5 de urna retriz central, de arara
é Apúi Ecéba" (Ukewái, Merúri, 1973). vermelha, encimada por um floco de penugem

-- 230 - - 231 _,.


branca; esta retriz, que foi cortad_a . na parte basal, Os Páiwoe sao os <loadores por excelencia de matérias-primas indis-
está sobreposta a 2. ª e 1.a fieiras, ficando em pensáveis a confecc;ao do paríko. Eles fornecem a toda a aldeia as penas
destaque na regiao central do diadema. morfologicamente adequadas de espécies ornitológicas que se constituem
em parcelas configuradoras da estruturac;ao das fieiras dos paríko-dóge
3.ª f. vermelha - , arara vermelha. dos di~ersos clas: a arara canindé, o papagaio verdadeii'o, o papagaio
comete1ro, o pato selvagem e o japu. Sao eles tarnbém os donos do
n. 0 107: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé; alter- ouric;o-caixeiro do qual os BJ Cob usam os acúleos tranc;ados com fios
nadas tres a tres; de algodao
, . pretos,, com
. os quais revestem suas lascas na simbolizac;ao de
penugem de pato selvagem .ao redor do semi-círculo. suas propnas especies.
Hoje é u_~ada linha de origem industrial, mas, originariamente, eram
2. ª f. série de lascas triangulares revestidas de penas ver- também os Páiwoe que possibilitavam aos bóe o uso do algodao, com o
melhas de arara vermelha, interrompida por 3 gru- qual faziam seus fios usados nos paríko-dóge para a amarrac;ao das penas,
pos de 4 lascas revestidas de penas vermelhas de para o tranc;ado de íve-óto e para reforc;ar a colagem das penas-de-contorno
de arara vermelha e azuis de arara canindé farman- utilizadas no revestimento das lascas. ·
do 5 lisias alternadas na regiao central das lascas:
3 azuis e 2 vermelhas, senda a lista do meio, azul Apesar da auto-suficiencia em matéria de penas, os Páiwoe somente
(Hlx). confec.ciona1n quatro variedades de paríko, distribuídas entre Meríri Kuriréu
·do sub-cla dos Coréuge e Meríri Báru do sub-cla dos Kujaguréuge, . de
3.ª f. - vermelha - arara vermelha. acordo com os informantes de Merú.ri e Córreg~ Grande.
Para essas variedádes, dentre as espécies alheias ao seu patrimonio
clanico, eles utilizam as retrízes e penas-de-contorno da · arara vermelha
PAIWOE COBOGIWU KUJAGURE:U (Aróroe) e as penas-de-contorno pretas do mutum (lwa). Das suas espécies,
os Páiwoe aproveitam a arara canindé, os papagaios e o pato selvagem.
O japu, a espécie ornitológica mais apreciada nas aldeias bóe e da qual
possuem os direitos. de primazia de descoberta e de propriedade, nao
Meríri Báru
consta em suas variedades, constituindo-se assim os Páiwoe no único
cla que nao empr~ga a monocromia amarela das retrizes desta ave em
seus paríko-dóge.
n. 0 025(b): l.ª f. - retrizes de arara vermelha + arara canindé, enci-
madas por flacos de penugem branca; no centro da
fi~ira, sobreposta a retriz central está 3/ 5 do com- "Paiwoede , é encarregado do ciwábo e nao botou; fez com
primento de urna retriz central de arara . canindé, koráo, mas com o ¡jaríko" (Ukewái, Merúri, 1971)~
a qual f oi cortada na parte basal. Esta retriz é igual-
mente encimada por um floco· ,de penugem branca. ' fBunao sei, essa parte devia ocupar ciwábo também e nao
ocupou nao. Eles sao ciwábo, fizeram akiró dele; tá ocupando só
2.ª f. série de-·retrizes de papagaio-verdadeiro. koráo" (Hugo, Córrego Grande, 1971).
preta - mutum.
De fato, nos paríko-dóge n.05 024 e 025(b) ·e n.0 108, onde a 2.ª fieira
n. 0 108: l.ª f. retrizes de arara vermelha + arara canindé; é feita de retrizes, é usado o koráo, papagaio verdadeirq, tanto como
penugem de pato selvagem ao redor do semi-círculo. elemento dominante, como em série, preenchendo completamente a fieira.
Urna das particularidades dos paríko-dóge dos Páiwoe encontra-se
2.ª f. série de retrizes de papagaio-verdadeiro no centro na 1.ª fieira, através de um longo pedac;o de retriz central de arara,
da qual há 3 lascas revestidas de penas-de-.c ontomo sobreposto a outra retriz central, que normalmente é colocada no centro
vermelhas de arara vermelha e azuis de arara ca- da fieira. Esse pedac;o de retriz acrescido a 1.ª fieira forma o paríko
nindé formando listas horizontais alternadas, verme- ukigaréu dos Páiwoe. Diferentemente dos paríko-dóge ukigaréuge dos
lhas e azuis. Em volta de cada lasca está colada Aróroe, é formado por urna seqüencia ininterrupta de retrizes na l.ª fieira
_periugem branca de pato selvagem (H2y). que, acrescida do elemento s'obreposto, continua com o formato semi-
3~ª f. - vermelha - arara vermelha. circular, comum a todos os paríko-dóge dos bóe.

- 232 - - 233 -
~'Baitogogo fez um paríko-ukigaréu, eles fizeram esse aquí prá "Meríri Kuriréu inventou de botar a pinta da kud6ra no paríko
ficar diferente; todo viadáwu (brinco) também é assim, ukigaréu" (é kudóro, mas nos paríko trocaram para kudóra),· azul da
(Ukewái, Merúri, . 1971). kadoméga foi trocado, tudo é akiró. Troca com Kí Bakororo.
Foi trocado a pinta só, porque pena ele nao trocou. Diz que
O elemento ukigaréu só está present_e, porém, nos paríko-dóge enqua- Meríri Kuriréu é o maior encarregado de trem dos Páiwoe,
drados no grupo de variedades retrit.es, na 2.ª fieira (n.0 s 024 e 025(b)), nao tem mistura" (Ukewái, Merúri, 1971).
onde esta é formada por urna série de retrizes de papagaio e a ideµtifica~ao.
clanica e sub-clanica é dada pelo elemento ukigaréu da 1.ª fieira: a retriz Máno Kuriréu faz .seu paríko ukigaréu empregando a arara eanindé,
justaposta sendo de arara vermelha, o paríko é propriedade dos Páiwoe espécie do patrimonio de seu cla, como retriz sobreposta ao .centro da
Coréuge, mais importantes e influentes; caso ela seja de arara canindé, alternancia de retrizes vermelhas e amarelas na 1.ª fieira do paríko
o paríko é associado aos Páiwoe Kujaguréuge, de menor prestígio no n. 0 025(b). Na 2.ª ele usa, como seu irmao maior, retrizes de .papagaio-
ambito da aldeia, pois o vermelho, como se sabe, é sempre associado verdadeiro mas a 3.ª fieira caracteriza-se por penas-de-contorno pretas.
aos grandes iedága-máge o amarelo aos pequenos.
Os elementos que diferenciam seu Paríko ukigaréu. daquele de seu
Há um paríko ukigaréu feíto com as características peculiares ao irmao, sao principalmente a retriz sobreposta, que é amarela, e a 3.ª fieira
ukigaréu dos Aróroe no MRDB, sob n.0 1363, constando na ficha museoló- que é preta, já que a propo~ao ideal de mistura de retrizes vermelhas
gica como dos Páiwoe. Possui este urna fieira de retrizes de papagaio e amarelas nao pode ser verificada por ser urna variedade recente (1973)
verdadeiro, da qual sobressaem, justapostas a partir da base, tres grupos e a 1. ª fieira estar condicionada as espécies ornitológicas ainda em disponi-
eqüidistantes de duas longas retrizes de arara vermelha encimadas por bilidade, devido a redu~ao da fauna ornitológica. Dos dois elementos
flocos de penugem branca, sendo a fieira de arremate de penas-de-contorn.O · identificadores, porém, de acordo com Coqueiro, de Merúri, a enfase para
_vermelhas. Kanajó de Córrego Grande e Joaquinzinho do Pobóre o atribuí- a identifica~ao deve ser dada a por~ao de retriz central sobreposta de
ram igualmente aos Páiwoe, mas José Carlos de Merúri o vinculou a arara canindé.
·-,\1áno Kuriréu, por ser o ukigaréu dos Aróroe feíto diferentemente daqueles
dos Páiwoe. Como a 1. ª fieira de retrizes dos paríko-dóge é formada com a
mesma ordena~ao da-s retrizes da cauda das aves, Coqueiro (Merúri, 1973)
~eríri Kuriréu por ser maior do que Meríri Báru retém para seu ao se referir específicamente a esta variedade, enfatizou: "as iága, do jeito
uso, em termos ideais, maior quantidade de retrizes vermelhas, deixando que tá nos bichinho, tá aqui também". Ao referir-se a cor da 3.ª fieira,
a seu irmao menor urna por~ao menor de vermelho. Ambos, porém, associou o preto da fieira ao bico da arara canindé: "ókuwa bú é preto,
confeccionam a 1. ª fieira pela alternancia de retrizes vermelhas e amarelas. pra dizer a boca da arara amarela, kuído, que é preta".
No paríko n. 0 024, o peda~o de retriz usado por sobreposi~ao é de As informa~oes de Coqueiro sao cheias de sentido, na medida em
arara ·vermelha, com retrizes de papagaio verdadeiro na 2. ª fieira e que sugerem que por esta vari~dade os Páiwoe indicam seus direitos de
penas-de-contorno vermelhas na 3. ª fieira. primazia e propriedade sobre a arara canindé, cujas ·penas foram larga-
mente difundidas pela aldeia, já que sao usadas por todos os clas no paríko.
Segundo Ukewái, - foi Meríri Kuriréu o inventor do paríko ukigaréu.
dos Páiwoe. Na 2.ª fieira do paríko n. 0 108, de Máno Kuriréu, as tres lascas
retangulares centrais que sobressaem das retrizes de papagaio-verdadeiro
sao inteiramente revestidas de penas azuis e vermelhas, formando listas
"Meríri Kuriréu inventou de botar a ó burúgo no centro da horizontais alternadas, ainda acrescidas de outro componente: a penugem
cauda do papaga.io" (Merúri, 1971). branca colada nas bordas.
Comparando-se as lascas destaques do paríko acima com as presentes
Na 2.ª fieira do paríko n.0 107, Meríri Kuriréu representa a kudóro, na variedade-de Meríri Kuriréu (n.0 107), verifica-se que embora apresentem
colora~ao identica no revestimento, os dois iedága-máge diferem nos
ararauna, espécie clanica dos Kíe, dos quais recebeu o direito de represen-
ta9ao. A kudóro é simbolizad~ pelas lascas triangulares revestidas em seguintes pontos: na forma dada as lascas, no número usado na composi~ao
vermelho com a regiao central formada por 3 listas horizontais azuis da fieira e no modo de disporem as cores. Além do mais, a própria
alternadas com 2 vermelhas que formam os elementós de destaque, sobres- estrutura da fieira é diferente: a de Máno Kuriréu pertenee ao grupo de
saindo da fieira de lascas inteiramente vermelhas e com as quais estao variedades mistas, enquanto a de Meríri Kuriréu ao grupo de variedades
combinadas. lascas. .
A pesar das. diferen~as entre os iedága-máge, ambos reúnem em seus
A 3. ª fieira é vermelha. diademas as características que individualizam o cla pelo j9go das mesmas
234 - 23~
espécies ornitológicas, das mesmas cores e dos mesmos sentidos: na l.ª b) Técnicas de amarra~iío: fieira de penas sobre cordel-base; utiliza~ao
fieira, o elemento ukigaréu; na 2. ª fieira, a presenc;a constante das retrizes de fio-guia, cordel-amarrilho e cordel-arremate.
do papagaio-verdadeiro e da_ oposic;ao do vermelho e azul nas lascas que
constituem os elementos de destaque. c) Técnicas de colagem: emplumac;ao arminhada e mosaico de penas.
A cor azul, obtida das penas-de-contorno de arara canindé, em
oposic;ao a vermelha ou a amarela, é a característica fundamental para
identificac;ao dos artefatos plumários da cultura material dos Páiwoe. No plano estético, o pariko se enquadra na categoría dos adornos de
beleza ímpar no ambito da plumária bororo, caracterizada pelo esplendor
Selecionaádo a oposic;ao vermelho/ azul para simbolizar a kudóra, os e suntuosidade, associando penas com armac;oes rijas.
Páiwoe sobressaem dos outros clas que jogam basicamente com as mesmas
cores - vermelho, amarelo, preto, branco - para representarem suas O emprego de cores contrastantes em camadas sucessivas, monocro-
diferentes espécies, pelo menos nas aldeias de Córrego Grande e Merúri. mas e policromas delimitam cada fieira, observando-se nitidamente o
.N a aldeia do Pirigára o elemento azul é identificado aos BJ Ceb (vide término de urna e o início da seguinte. As cores, pois, delimitam cada
paríko n. 0 082). Os informantes locais nao registraram os Páiwoe no fieira, enquanto a penugem branca colada ao ápice das retrizes da 1.ª
modelo de aldeia colhido no Piri_g ára e também nao se referiram a delimita o diadema do espac;o que o ro.deia, acenttiando-lhe a forma.
paríko-dóge Páiwoe. Ternos, entao, por exemplo, urna fieira vermelha que se opoe a urna
fieira amarela que, por sua vez, ·se opoe a urna fieira azul, que comple-
Com relac;ao a 3.ª fieira, os Páiwoe a confeccionam em vermelho e mentada pelo branco da penugem se opüe a um espac;o sem cor. O mesmo
preto, inclusive sugerindo Raimundo (Merúri, 1973) ser este cla o detentar se observa na estrutur~~ao inteira da fieira, através da 2.ª, onde no
da cor preta para essa fieira: revestimento das lascas há a preocupac;ao com a delimita~ao da área
abrangida pelas cores.
"No ókuwa bú, só Páiwoe poe kúje bó. Kúje peebáru todos Das aves usadas no pariko, a arara vermelha e a arara canindé sao
podem usar. Mexeu aquele negócio de preto, bota mesmo". as que contribuem coma maior parcela de nuances cromáticas (tomando-se
como referencia urna só espécie ornitológica), pelas tonalidades de vermelho
da primeira e de amarelo da segunda.
Isso, porém, nao pode ser corroborado pela minha amostra de
paríko-dóge, já que, além dos Páiwoe, os Kíe e os Aróroe confeccionam O amarelo das penas da arara canindé, por outro lado, nao pode
a 3.ª fieira na cor preta, originária das penas-de-contorno pretas que ser confubdido com a tonalidade do amarelo do japu, pois além de
revestem parte do corpo dos mutuns. diferentes na escala cromática, sao completamente distintas no plano social.
O mesmo acontece em rela~ao as tonalidades de azul das ·penas-de-contorno
da arara vermelha e da arara canindé.

CONCLUSOES Os contrastes sao obtidos, porém, nao só pelo emprego de cores


de várias espécies ornitológicas ou de diferentes tonalidades de urna
mesma espécie, combinadas de modo sui generis, mas também pelo uso
de penas morfológica e estruturalmente diferentes na composi~ao das
Modalidades de procedimento técnico, mais a exteriorizac;ao de impulsos fieiras, como as longas retrizes e as minúsculas penas-de-oont.orno. ·
estéticos sao associados na procura de um produto, o paríko, que, além
de transmitir urna forma de beleza, expressa relac;óes de urna cultura com Na simetría das fieiras ternos outra característica do plano estético.
o .meio ambiente, através da fauna e da flora (aspectos formais, matéria- O caráter simétrico constituí-se mesmo numa preocupac;ao constante do
pn~~' simbolizac;ao de espécies), in~ormando também sobre manifestac;oes
plumista, que, para isso, quando necessário, lan~a máo de um rec':1rs<;>:
soc1a1s: relac;óes entre grupos, entre indivíduos, processos (troca), posic;óes a técnica do corte horizontal, ou seja, a aparac;a9 das partes term1na1s
sociais (hierarquía clanica), comportamentos e atitudes. das penas. Este caráter: porém, nao fica restrito ao aspecto exterior,
pois no revestimento interno das lascas da 2.ª fieira as áreas abrangidas
No plano estritamente técnico, o paríko ·caracteriza-se por técnicas de pelas cores correm ao longo da fieira harmoniosamente nas mesmas
transformac;ao, amarrac;ao e colagem de penas: proporc;oes.
Schoepf (1971:36 e 38), a~ relacionar o inventário dos componen!es
a) Técnicas de ,transformafdo: corte horizontal na parte terminal das estilísticos dominantes na plumária Kayapo, estende tres as plumár1as
penas; inserc;ao de um elemento artificial no canhao (p. 57). Karajá e Bororo:

~ 236- - 237 -
- "contraste de cores fundamentais: vermelho-amarelo ou verme- Nas tres aldeias estudadas, a penugem colada ao ápice das retrizes
lho-azul; da l.ª fieira ocorre em todos os diademas dos Bl Cob, Kíe, Ar, Pw e Apib.
" Apresenta-se ausente em algumas variedades dos BJ Ceb, dos lwa (clá
que teoricamente nao deve usá-la) e na maioria daquelas associadas aos
contraste de urna cor fundamental e de urh · elemento multicor;
Bok Ec.
importancia das formas com contornos bem delimitados." A nível de clá e iedága-máge, os elementos diferenciadores da 2.ª fieira
podem ser sintetizados no seguinte:

Caso nos detenhamos na análise do cromatisrno das fieiras do paríko


e em seu aspecto formal, veremos que ele em si, tomado apenas como para clii: as espécies clanicas e o uso de combina~oes cromáticas
urna das manifesta~oes do sentimento estético que transparece em todo determipadas.
um conjunto de artefatos plumários, possui todos os componentes acima para iedága-máge: o emprego exclusivo de urna espécie ornitológica
apontados. do cla; um número previamente estipulado de certa espécie que
Ademais, usando as palavras de Wolffin, o paríko comporia urna flui pelo clá; as combina<;oes sui generis de espécies ornitológicas
"unidade múltipla", considerada como "um todo articulado em que cada alheias ao clá (menos comum); o uso exclusivo da simboliza<;áo
parte, permanecendo distinta, tem sua linguagem própria, e nao deixa de urna espécie clanica; a representa<;ao de urna espécie clanica
entretanto de se harmonizar com o conjunto, de proclamar o que a diversificada em tamanho, cor e motivo geométrico; a presen~a
prende a totalidade formal" (apud Costa e Monteiro: 136). ou ausencia de determinados componentes omamentais e as
combinar;oes de penas, penas e lascas e lascas.
Como produto artístico, possuindo urna forma característica, o
paríko ultrapassa o nível puramente estético, pela sua associa~áo a um signifi-
cado. Por isso, já no momento do término de sua confec<;áo ele está Um quadro geral dos elementos usados como destaques ou em série,
.interpretado (Boas:94) e contém em si urna grande carga de' valores caracterizadores dos clás, na mesma fieira, poderia ser assim representado< 83 >:
emotivos. Pois, como vimos, ele é um código que comunica visualmente
o grau de prestígio e influencia de seus possuidores na vida da aldeia e
quando vergado sobre as cabe<;as, abrindo-se em leque, o de seus portadores, BJ Cob:
todos representantes dos diversos iedága-máge, pretos e vermelhos, grandes pomba-parari
e pequenos, irmáos mais velhos e irmaos mais novos, que configuram a lambari
aldeia, distribuídos pelos clas. bakaráia
arara vermelha (tectrizes inferiores)
E para que ele venha a ser um veículo de comunica<;ao cultural há, arara c~nindé (tectrizes inferiores)
no plano social, todo um jogo de rela<;oes dos membros pertencentes gaviao-de-penacho (obs.: somente para a aldeia do
aos diversos iedága-máge, intra-cla, inter-cla de mesma metade e de metades Pirigára).
opostas, através da obten<;ao da matéria-prima e das estipula<;-Oes culturais
concernentes ao .modo de representar as espécies inerentes a um iedága
Bok Ec:
ou a um clá.
pato selvagem (tectrizes superiores)
Apesar de possível em teoría, hoje em termos concretos é acentuada- anu branca
mente difícil decifrar a linguagem da l.ª fieira, já ·que, salvo algumas canea
exce~oes, ela nao é mais montada nas combina<;oes e propor<;5es ideais, cabelos humanos
em meio a escassez de material. Em vista disso, conforme já foi mostrado,
obs.: embora fuja aos objetivos deste quadro, deve ser
além da tendencia de ao menos continuar com o uso das cores certas, dada aten~áo a posi<;ao das cores no revestimento
há a tendencia em continuar com a enfase em dire<;ao ao centro da fieira.
nas lascas, no caso de duas cores (vermelho e
Assim, os iedága-máge pretos e grandes tendem a usar tres retrizes
amarelo) em oposi<;ao.
vermelhas, enquanto os vermelhos e pequenos ficam com urna retriz
vermelha no centro da fieira. Por outro lado, a penugem branca colada
ao ápice das retrizes continua a transmitir a mesma significa<;áo, urna (33) Observe-se que náo foi considerado se a espécie representada é de proJ!rieda~e
vez que por ser difícil obter-se penugem da espécie certa, generalizou-se do cli ou se sobre ela o cla possui somente o direito de representa~ao, pots
para todos os clás o uso da penugem branca do pato selvagem, ave estes detalhes foram abordados no Capítulo 111. Tambérh nao foi considerada a
de freqüencia maior. forma de representa~áo.

- 238 - - 239
Kíe: pavaozinho-do-pará a tendencia é colocar _um destes ocupando o espac;o central da fieira; o
tuiutorógo (?) mesmo acontece em relac;ao a posi~ao ocupada por um grupo ou urna
(\ papagaio-verdadeiro (obs.: somente se visto em relac;ao unidade.
com a 1. ª fieira e com a disposic;ao da penugem)
Sol ao poente A dificuldade observada em se visualizar, atualmente, a linguagem
kiógo meriréu (?) expressa na 1.ª fieira, nao ocorre ainda na 2. ª, a mais significativa.
Além das substituic;~es de material que nao .invalidam . o seu coµte.údo,
.-
Bl Ceb: gav1ao-canJO
.. ,, verifica-se que os membrós associados a cada iedága possuem várias opc;oes
gaviáozinho para confeccioná-la, o que pode ser observado pelo número de variedades
. de diadema computadas aos diversos iedága-máge e aos clas. Por outro
1apu lado, há urna tendencia em se montar urna variedade onde a 2.a fieira
papagaio-verdadeiro
pato selvagem (penugem) englobe urna quantidade maior do material em disponibilidade, como,
por exemplo, o. uso constante _das variedades onde entram retrizes de
corujao
papag~ios.
Méri
Ári A 3.ª· fieira subsiste como elemento identificador, já que, quando .
borboleta, mekágo presente, nelas sao usadas penas-de-contorno, de fácil obtenc;ao.
Sol ao poente
Nao só modalidades de dispar as espécies clanicas refletem a hie(arquia
dos clas; também o ~romatismo ocupa um papel essencial. Pela linguagem
Ar: gaviao-requinta
. das cores das duas maiores fieiras do paríko pode-se chegar a algumas
papagaio-verdadeiro
conclusóes ne.sse sentido. - ·
papagaio-cometeiro
gaviao-real Na l.ª fieira, o preto está associado estritamente aos Kíe. Nesse
aíje, monstro aquático cla, o iedága mais importante dos Coréuge é--que possui a prerrogativa do
larvas de· lepidópteros uso de urna fieira preta ou preta/vermelha, enquanto os menos importantes
carapac;a de caraco1 do m~smo sub-cHi utilizam comumente preto/yermelho, sendo o preto em
arara vermelha · menor' quantidade, e preto/vermelho/amarelo.
cobra coral
A cor vermelha é associada aos iedága-máge de maior , prestígio na
Iwa: gaviao-da"-fuma<;a castanho aldeia (corresponderia a valorizac;ao dó preto na 2. ª fieira - vide abaixo), ·
céje (variedade de gaviáo-da-fumac;a) enquanto vermelho/amarelo combinadas em proporc;óes · diferentes · sao
gralha-do..;campo associadas aos gr~ndes e pequenos.
espírito Jakóm.ea Pela 2.ª fieira, geralmente os iedága-máge grandes e pretos estao
pintura somática denominada sanhac;o-vermelho associados ao preto e ao vermelho. Porém, quando o preto e o vermelho
ninho de beija-flor estao em oposi<;áo, o preto em si, urna maior q'Qantidade de preto, · ou a
pintura somática denominada sanha<;o-escuro posi<;ao central do preto, indica urna posic;ao mais elevada do iedága-máge
sanhac;o no sub-cla; o mesmo acorre quando da combina<;áo preto-vermelho em
rela<;áo as combina~óes preto-amarelo, vermelho-branco e vermelho-amarelo.
· Apib: gaviao-de-penacho
arara vermelha Quando vermelho e amarelo estao em oposic;ao, o vermelho ~m · si,
papagaio-verdadeiro urna maior quantidade de vermelho e o vermelho ocupando um espac;o
arara una central ou apical, está associado aos iedága-máge pretos, mais importantes,
que usam mais vermelho, enquanto os iedága-máge vermelhos menos
obs.: os Páiwoe notabilizam-se pelo uso do elemento importantes, usam mais amarelo. O mesmo ocorre com o vermelho em
azul no revestimento das lascas. relac;ao ao branco.
·É preciso observar que a tonalidade de amarelo que é relacio!lada
Nessa amostragem de diademas referente as décadas de 50 a 70, aos iedága-máge vermelhos é a proveniente das penas da arara can1ndé,
observa-se que na disposic;ao das espécies clanicas usadas como elementos menos valorizadas ·do que as do japu, porque o amarelo do jap~ ~
de destaque na 2. ª fieira em tres _.grupos ou tres unidades eqüidistantes, bonito, é "bom'~, é "coisa" de gente grande; o amarelo da arara can1nde

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nao é tao bonito, é "ruim", é "coisa" de gente pequena (Ukewái, José • soc1a1s. E, como código, atinge sua plena expressao quando envergado
Carlos, Merúri, 1973). no tempo cerimonial. Pois o paríko é aróe, coisa bonita, coisa importante.
,.
Por isso, tem que ser feíto no meio do baíto (Ukewái e José Carlos,
No plano das compara~oes, por precárias que sejam, as aldeias de Merúri, 1973).
Córrego Grande e Merúri podem ser consideradas urna uni~ade no modo
de lidar com o paríko, diferenciando-se delas o Pirigára. Nesta aldeia O envolvimento entre pessoas e grupos em rela~ao ao paríko, nao
há diferen~as: só no que se refere ao processo de confecc;ao, mas também na esfera
das significa~oes me fazem crer que, se encarado do ponto de vista
puramente técnico e .estético, nao se esgotam as potencialidades do artefato
1 . na estrutura do paríko: para o estudo de seu conteúdo cultural. Visto como parte inerente a·
- falta em geral a 3.ª fieira. configura9ao de um sistema, o paríko pressupoe duas etapas simultaneas
para o seu estudo: urna, a das propriedades físicas, externas; outra, a do
2 . Na distribui~ao dos componentes: uso cultural. E isto provavelmente possa se estender a outros tantos
estudos sobre cultura material.
para representar a ponta da orelha da anta nos diademas Kíe,
a penugem no ápice das retrizes da 1.ª fieira tem outra
disposi~ao.

3. Nas insígnias clanicas:


os paríko-dóge de Mamuiáwuge Ecéba sao associados a baka-
ráia nos tran~ados de íve-óto;
retrizes de gaviáo-de-penacho sao acrescidas eín paríko-dóge
de BJ Cob;
o pássaro kiógo meriréu, do patrimonio clanico dos Kíe, é
representado nos destaques da 2 ..ª fieira;
a arara canindé, espécie clanica dos Páiwoe é simbolizada na
2. ª fieira em paríko de Apiborége.

4 . Na simboliza~·ao das espécies clanicas:


sao empregadas as mesmas cores, mas as áreas que elas
abrangem sao dispostas diferentemente na superfície das lascas.
Verifica-se isto em especial nos diademas de Kíe, Bok Ec e
lwa;
- o tranc;ado íve-óto ocorre em paríko de Kíe;
- o uso de série de lascas de taquara na 2. ª fieira de paríko de
Apiborége.

5 . Nas cores:
a cor azul é empregada em diadema de BJ Ceb,·
a combina9áo preto/amarelo é utilizada na 2.ª fieira de paríko
de Apiborége.

Apesar das diferen~as de caráter morfológico, o parfko, nas tres


aldeias, possui o mesmo sentido: o de cQdificar e perpetuar unidades

- 242- - 243

GLOSSARIO DE TERMOS ttCNICOS

1 . Cordel-base: cordel estendido horizontalment~ que sustenta a fleira


de penas.

2 . Fieira de penas sobre cordel-base: fixac;áo de urna série de penas, em


sentido horizontal,. ao longo do cordel-base.

3. Cordel-amarrilho: cordel que amarra, em forma de alc;a, o cálamo


dobrado das penas sobre o cordel-base.

4. Fio-guia: cor~el trespassado através das raques ou entre as b~rbas, a


meia altura das penas, preso ou nao com um nó e · destinado a manter
as penas eqüidistantes e no mesmo plano.

5 . Nomenclatura das partes da pena:

parte terminal

interna
lateral
~-Hf:HTI~~----- externa

parte média

página dorsal
raque ~----- página ventral

parte basal

umbigo superior

cálamo

- 245
6. Mosaico de penas: conjunto de penas-de-contorno coladas a urna super-
fície. Os bororo, além de passarem a resina colante em toda a
extensáo tta pena, amarram, por enrolamento, cada cálamo das penas
embricadas, usando como superfícies peles de animais, taquarinhas e GLOSSÁRIO DE TERMOS INDlGENAS
madeira.

7 . Emplumafao arminhada: colagem de penugem, em geral branca e


obtida de filhotes de aves, em diversas superfícies, tais como tecidos, AK.lRI ou AG1RI == penugem
taquarinhas, tran~ados, penas maiores, folhas secas, líber ou o corpo AKIRO = "troca cerimonial, presente" (Viertler, 1976:275), troca
humano.
AKURARARÉUGE = plural de akurararéu
8 . Cordel-arremate: cordel que fixa o conjunto das fieiras de penas ao ANAGODU = posse, recebimento, lucro, obten~áo, ganho (EB-1:72)
suporte flexível.
ARI = espírito, herói mítico. Lua
9. Técnica-de-corte horizontal: apara~áo das partes terminais das penas, ARO = tectriz inferior
quando montadas em fieiras, através do corte em sentido horizontal.
AROE == designa~ao de "defunto, ancestral, ca~a abatida, coisa bonita"
(Viertler, 1976:275); das espécies naturais e sobrenaturais associadas
aos clás, de alma, "de cada membro do clá dos Bokodóri Eceráe, de
cada membro da tribo Bororo, de cada representa~áo fúnebre ou nao,
de cada ator de urna representa~ao qualquer; de qualquer monstro
lendário" (EB-1: 100)
BAADO JÉBA CEBEG1WU ou BAÁDO JEBADO CEBEGIWúDO -
sing. de BAADO JEBAGE CEBEGIWúGE (EB-1:192-193)
• Bó, Bú = penas-de-contorno das aves
BóE == índios Bororo
EKURÉU = amarelo(a). Plural: ekuréuge
IAGA. == cauda, retriz (pena da cauda). Plural: eto-iága
IMÉDU = homem. Plural: íme
IMEJ~RA == chefe
INODOWU = cunhado (marido da inná e/ ou homens casados com
mulheres do clá de Ego)
IORUBADAMGE = plural da iorubadáre: cunhado, parceiro, compa-
nheiro
KANA KOJE tectriz superior
·Kt == anta
KIÉDU = singular de Kie
KIOGO == ave
KlúGU AGfRI = penugem de ave (EB-1:730)
KUGURIRÉU :=: pequeno

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AP~NDICE 1

RELAC.AO DOS ARTEFATOS ANALISADOS

n.0 do data da n.0 de


denominafiio indígena proveniencia e fonte de informafáo·
pariko in/ormafiio exemp1ares

001 Bakugúma o-iága padúre páru kejéwu paríko Informante/ Merúri (Raimundo) 1973 1
002 Céje o-iága padú-re páru kejéwu paríko Ipformante/ Merúri ( Raimundo) 1973 1
003 (?) Informante/Córrego Grande (Rugo) 1971 1
004 (?) Informante/Córrego Grande (Hugo) 1971 1
005 Keágu o-iága padú-re páru kejéwu paríko lnformante/Merúri (Ukewái) 1971 1
006 Keágu o-iága padú-re páru kejéwu paríko In.f ormante/Merúri (Ukewái) 1971 1
007 Boroíbe o-iága padú-re páru kejéwu paríko lnformante/Merúri (Ukewái) 1971 l
008 Boroíbe o-iága padú-re páru kejéwu paríko Aldeia Merúri ( *) lnforms./ Córrego
N
~ Grande (Hugo)/Merúri (Raimundo) 1973/1971 2
\O 1
009 (?) Informante/Córrego Grande (Hugo) 1971
I· 010 Kur1i1gúgwa oiagáre póbe páru kejéwu paríko Aldeia de Merúri ( *) Informantes/Merúri
( Raimundo, Ukewái) / Córrego Grande
(Hugo) 1973 1
011 Kurugúgoe eto-iága pádu páru jíwu paríko MRDB-1360 (Méruri/1953) 1971 3
Aldeia de Merúri (*) 1973
Informs./ Merúri (Ukewái, Raimundo) 1971
012 (?) Informante/ Pirigára (Justino) 1971 1
013 Apúi Ecéba lm<> paríko Informante/Merúri (Ukewái) 1971 l.
014 ~urugúgwa kugúre eto-iága padú-re páru Aldeia de Merúri (*) Informante/Merúri
kejéwu paríko (José Carlos) 1973 1
015 Kurugúgoe éto-iága pádu páru jíwu paríko MRDB-2588 (Merúri/1956) 1971 2
Informs./Córrego Grande (Hugo)/Merúri
(José Car!os) 1971

( *) = pe~as efetivamente exis,tentes nas aldeias


·1

AP~NDICE 1

RELACAO DOS ARTEFATOS ANALISADOS

n.0 do data da n.0 de


denominafiio indígena proveniencia e f onte de informafiío informafiio
pariko exemplares
,

Obs.: As informa~óes constantes no Museu


referem-se a gaviáo caracaraí (Milvago chi-
mango), mas ambos os informantes disseram
tratar-se de kurugúgwa rógu, gaviáo-carijó
(BuJeo magnirostris) ·
016 Kurugúgoe Kugúre eto-iága padú-re páru MRDB-2452 (Méruri/ 1955) 1971 2
jíwu paríko Informante/ Córrego Grande
Idem observa~áo acima
N 0.17 . Keáokeáo iága padú-re páru }íwu paríko_ Informante/Méruri (Ukewái) 1971 1
v. 1973
o 1971 1
'O l8 lwagúdu o-iága padú-re páru jíwu paríko MRDB-2589 (Méruri/ 1956)
019 Keáokeáo-dóge eto-iága padú-re páru jíwu paríko Aldeia de Merúri ( •) Informantes/ Merúri
(Ukewái e Raimundo) 1973 1
020 Keáokeáo o-iága padú-re páru kejéwu paríko Informante/Merúri (Ukewái) 1971 1
021 (?) Informante/ Merúri (J ussani) 1977 1
022 Keáokeáo o-iága auáde padú-re páru kejéwu paríko Informante/ Merúri (Ukewái) 1971 1
023 Cibáe ímo paríko Informante/ Merúri (Ukewái) 1971 1
024 Paríko ukigaréu Informante/ Merúri (Ukewái) 1971 2
Aldeia de Córrego Grande ( *)
Informante (Hugo) 1971
025 Koráwoe eto-iága pádu páru jíwu paríkó MRDB-1348 (Merúri/1953) 1971 1
025(b) Paríko ukigaréu Aldeia de Merúri ( • )
Informante/Merúri (José .Carlos)
025(a) Paríko kudóro Aldeia de Merúri ( •) 1973 1
Informante/ Merúri (José Carlos) 1
026 (?) Aldeia de Merúri ( * ) . 1
Informante/Merúri (José e .a rios)

..

AP~NDICE 1

RELACAO DOS ARTEFATOS ANALISADOS

n. 0 ..do
denominafiio indígena proveniencia e fonte de informafáo data da n.0 de
pariko
informafáo exemplares

027 Á ri ímo paríko Informante/ Merúri ( Ukewái)


028 1971 l'
Ciwábo o-iága pádu páru jíwu paríko Informante/Pirigára (Justino, Rita) 1971 1
029 Pógo o-iága padú-re páru jíwu paríko Informante/Merúri (Raimundo) .J973 1
030 Kurugúgoe kugúre eto-iága padú-re páru
jíwu paríko · Informante/Merúri (Ukewái) 1971 1
031 Koráwoe eto-iága óto akiriréu páru jíwu paríko MRDB-4995 (Merúri/1960) 1971 6
4048 (Merúri/ 1960)
3133 (Merúri/1957)
N Informantes/Merúri (Ukewái, José Carlos) 1973
U\
...... lnformantes/Pirigára (Justino, Rita) 197 1
Informante/Córrego Grande ' (Hugo) 1971
0~2 Bóe áro pádu páru jíwu paríko MRDB-1802 (Merúri, 1952) 1971 5
4047 (Merúri, 1960) 1971
Kiógo áro padú-re páru jíwu paríko okóre puíwu lnformante/Merúri (Ukewái) 1971
lnformante/Córrego Grande (Hugo) 1971
Aldeia de Córrego Grande(*) 1971
033 Kiógo áro padú-re páru jíwu paríko ln(ormante/ Merúri (Ukewái) 1971 1
034 Turubáre e-kána ao pádu páru jíwu paríko MRDB-992 (Merúri/1952) 1971 2
Aldeia de Merúri ( *) (Ukewái) 1973
035 (?) Informante/Pirigára (Justino, Rita)
036 1971 1
(?) Informante/Pirigára (Justino, Rita) 1971
037 1
Meteoduréu kuriréu padú-re páru kejéwu paríko Aldeia de Merúri ( • )
lnformante/Merúri (Bentinho) 1973 1
038 MeJeoduréu pada-re páru kejéwu paríko MRDB-s/n. Informante/Merúri (José Carlos) 1971 1
039 !ve óto padú-re 6-ia jíwu paríko Informantes/Merúri (Ukewái, José 1971. 1
Carios) /Córrego Grande (Hugo) 1973
040 /ve óto padú 6-ia páru jíwu paríko MRDB-2448 (Merúri/ 1955) 1971 1
041 (?) Aldeia de Merúri ( •) 1973 1
AP~NDICE 1

RELA(A.O DOS ARTEFATOS ANALISADOS

n.0 do
denominafáo indígena proveniencia e f onte de informafáo data da n.0 de
pariko informafáo exemplares
..
042 (?) Aldeia de Córrego Grande (*) 1971 1
043 . (?) Aldeia do Pirigára ("' )
lnformante/Pirigára (Justino) 1971 1
044 (?) Informantes/Pirigára (Justino, Rita) 1971 1
045 Meteoduréu kugurigaduréu padú-re páru
kejéwu paríko Informante/ Merúri (Ukewái) 1971 1
046 Paríko íve MRDB-s/n. Informantes/Córrego Grande
(Kanajó, Hugo) 1971 1
047 Paríko u-ruguréu Informante/ Merúri (Ukewái) 1971 1
N 048 (?) lnformante/Córrego Grande (Hugo) 1971 1
U\
N 049 (?) lnformante/Córrego Grande (Hugo) 1971 1
050 Áe padúre páru jíwu paríko MRDB-4045 (Merúri/1960) 1971 2
Informante/Córrego Grande (Hugo) 1971
Bóe-tá pádu páru jíwu paríko lnformantes/Pirigára (Justino, Rita) 1971
051 Paríko akurára Informante/ Merúri (Ukewái) 1971 1
Informante/Córrego Grande (Hugo) 1971
052 Paríko kudoroe-iári Informante/ Merúri (Ukewái) 1971 1
053 Paríko cibáe-iári Informante/ Merúri (Ukewái) 1971 1
054 Paríko páru 6-ia ekuréu MRDB-2590 (Sangradouro/ 1956) 1971 1
Informante/Merúri (José Carlos) 1971
055 Pógo o-iága padú-re oiagíwu paríko Informante/ Merúri ( Ukewái) 1971 1
056 Paríko akurararéu Informantes/ Merúri (U kewái) /C<:)rrego
Grande (Hugo) 197.1 1
057 Paríko ó-ia ekuréu Informantes/Pirigára (Justino, Rita) 1971 1
058 Paríko éto ekuréu Informantes/Pirigára (Justino, Rita) 1971 1
059 (?) Informante/Merúri (Ukewái) · 1971 1
060 Paríko akurararéu MRDB-2593 (Merúri/ 1953) e 1971 l
Informante/Merúri (Raimundo) 1973
·'

AP~NDICE 1

RELA<;.AO DOS ARTEFATOS ANALISADOS

n.0 .do
pariko denominafáo indígena proveniencia e f onte de inforn:afáo data da n.0 de
informafáo exemplares
061 Méri túgo bú u-rúgo padú-re ó-ia kejéwu paríko Informante/Merúri (Ukewái)
062 Méri jokuregaréu 1971 1
Informante/Merúri (Ukewái) 1971 1
063 Paríko ó-ia có-re pobéwu MRDB-1758 (Merúri/1953) 1971 1
(?) 1'1formante/ Córrego Grande (Hugo)
Méri jokuregaréu Informante/Merúri (José Carlos)
064 Kí bija óto akíri pádu óto jíwu paríko Informantes/Pirigára (Justino, Rita)
065 1971 1
/ve óto pádu páru jíwu paríko Informantes/Pirigára (Justino, Rita) 1971
066 Paríko kiogo meriréu 1
Informantes/ Pirigára ( J ustino, Rita) 1971 1
067 Méri jokuregaréu padú-re páru jíwu paríko Informante/Merúri (José Carlos)
N 068 Paríko coréu 1973 1
U\ MRDB-2450 (Merúri/1955) 1971 1
e.u Méri jokuregaréü Informante/Merúri (Ukewái) 1971
(?) Informante/ Córrego Grande (Hugo) 1971
069 Paríko páru coréu MRDB-3131 (Merúri/1957) 1971 3
1417 (Merúri/1952) 1971
Informantes/ Merúri (Ukewái, Raimundo) /
Paríko kúgo Córrego Grande (Hugo)
070 1971
(?) Informantes/ Pirigára ( J ustino, Rita)
071 Méri jokóia coréu 1971 1
Informante/Merúri (Ukewái) 1971 1
072 Mekúgoe e-péva akaduréu coréu padú-re páru
kejéwu paríko Informante/Merúri (Ukewái)
073 1971 1
(?) Informantes/Pirigára (Justino, Rita) 1971 1
074 Mekúgoe e-péva akaduréu kujaguréu padú-re
páru jíwu paríko Aldeia de· Merúri ("' ) 1973 1
075 M éri ímo paríko Informante/Córrego Grande (Hugo) 1971
076 1
Mekúgoe e-péva akaduréu ekuréu padúre ó-ia
jíwu paríko MRDB-1359 (Merúri/1953) 1971
077 1
Mekúgoe e-péva akaduréu ekuréu padú-re. páru
jíwu paríko Informante/Merúri (Ukewái) 1971 1
AP~NDICE 1

RELA(;ÁO D OS ARTEFATOS ANALISADOS

n.0 do data da n.0 de


denominafáo indígena proveniencia e fonte de in/ormafáo informafáo exemplares
pariko

078 Paríko ó-ia Informante/Merúri (Ukewái) 1971 1


079 M éri ímo paríko MRDB-4121 (Merúri/1960) 1971 1
080 Aróe e-ímo paríko MRDB-5920 (1964) 1971 1
081 Mekúgoe e-péva akádu pádu páru jíwu paríkB Informantes/ Pirigára ( J ustino, Rita) 1971 1
082 · (?) - Informantes/Pirigára (Justino, Rita) 1971 1
083 Aróro coréu atúgo padú-re páru kejéwu paríko Informante/Merúri (Ukewái) 1971 1
084 Pariko ·bóro Inform~te/Córrego Grande (Hugo) 1971 1
085 Aróri atúgo pádu páru jíw.u paríko Informañ.tes/Pirigára (Justino, Rita) 1
1 Informantes/Pirigára (Justino, Rita )
086 Nabúre ímo paríko 1
N 087 Paríko aíje Informante/Merúri (Raimundo) 1
e.A
~ 088 A róro atúgo padú-re páru kejéwu paríko Informante/Merúri (Ukewái) 1971 1
089 Paríko páru ókwa coréu MRDB-1941 (Merúri/1952) 1971 1
Informantes/Merúri (José c ·a rlos)/Córrego 1973
Grande (Hugo) 1971
090 (?) Informante/Córrego Grande (Hugo) 1971 1
091 Aróro atúgo ekuréu padú-re páru jíwu paríko MRDB-3130 (Merúri/ 1957) 1971 1
092 Jakómea atúgo pádu páru jíwu paríko Informantes/ Pirigára (Justino, Rita) 1971 1
093 . Paríko kidoréu Aldeia de Mcrúri ( • ) 1973 1
Informante/Merúri (Ukewái)
094 . (?) Informante/ Córrego Grande (Hugo) 1971 1
095 (?) Informante/Córrego Grande (Hugo) 1971 1
. 096 Kidoréu kujaguréu pádu páru jíwu paríko Informantes/ Pirigára (J ustino, Rita) 1971 1
097 Piodúdu ímo paríko Informante/Merúri (Ukewái) 1971 1
098 Jakómea atúgo padú-re páru kejéwú paríko Informante/Merúri (Ukewái) 1971 1
099 Paríko kidoréu . Informante/Merúri (Ukewái) 1971 1
100 Jakómea atúgo padú-re páru jíwu páríko . MRDB-2592(Merúri/1956) 1971 1
101 (?) Informante/Córrcgo Grande (Hugo) 1971 1.
102 Jakómea atúgo pádu páru jíwu paríko Informante/ Pirigára ( J ustino) 1971 1

AP~NDICE 1

RELA<;;.AO DOS ARTEFATOS ANALISADOS

n.0 </.o
páriko denominaráo indígena proveniéncia e fonte de in/ormaráo data da n.0 de
informafilo exemplares
103 (?) lnformante/Córrego Grande (Hugo)
104 Kidor~u pádu páru jíwu paríko 1971 1
fnformantes/ Pirigára (Justino, Rita). 1971 1
105 K uído ímo paríko Informantes/Pirigára (Justino, Rita)
106 K(;Jrugúgwa o-iága padú-re páru jíwu paríko 1971 1
Informante/Merúri (Ukewái) 1971 1
107 Paríko kud6ra Informaote/Merúri (Ukewái)
108 ' (?) 1971 1
lnformante/Córrego Grande (Hugo) 1971 1

tv Total de variedades: 108


Ut
Ut
Total de exemplares: 129
.,

Af.'e,NDICE 2
DENOMJNACÁO DAS RETRIZES

fonte de local RETRIZES


infQrma~io e data central l.ª lateral 2.ª lateral . 3.ª lateral 4.ª lateral · 5.ª láteral
,•

EB-1:726 1962 burúgo iága manoréu iága mánoréu iága bápe iága . bápe iága bápe
kujetówu kujetowú kujetówµ
mekíwu
Joaquinzínho Pobóre/71 ó burúgo iága manoréu iága manoréu iá_ga jéke iága jéke iága bápe
kuriréu biagaréu kujetówu
Ukewái Merúri/71 ó burúgo iága manor:!u iága manoréu iága manotéu iága· manor~u iága .bápe
kuritéu kur-iréu bfágaréu biagaréu fógu
jéketówu
b! ~erúri/73 ,, 6 bu,.úgo iága iága_manoréu iága manoréu !ága manoréu iága báp-e iága bápe
.....J boiadadawúge kuriréu giagaréu . biagaréu kujetówu iága jéke
iága manoréu , iága manoréu iága·bápe iága et-uvíe
kuriréu uvíe biagaréu u . mana rógu
kujetówu ·iága jéke
u mana
Bentinho ·Merúri/Tl ó ' burúgo iága manoréu iága jéke iága jéke iága jéke iága bápe
Merúri/73 ó burúgo iága manoréu iága manoréu iága·-m(lnoréu iága manor:éu iága bápe
kuriréu kudawúge kudawúge kudawúge
iága manoréu iága manoréu iága manoréu iága jéke
biagaréu biagaréu giagaré11
iága manoréu iága manoréu iága manoréu iága et-uvíe
· uvíé uvíe uvíe eroguréu
R~undo: Merúri/73 ó burúgo iága manoréu iága · iéke iága j'éke iága bápe iága bápe
Coquelro Merúri/71 ó burúgo iága manoréu iága manoréu iága jéke iága jéke iága bápe
kurir~u biagaréu · kujetówu
Observafoes: Hugo (Có'rrego Grande,. 1971), referindo-se a jéke nao se expressou
em termos da nomenclatura das penas, mas como denomina~ao secundária
1 De acordo com a EB (1:726), as retñzes centrais sao denominadas dos paríko~dóge dos Kíe, já que cada variedade do artefato possui denomi-
burúgo. ["bu, plumagem; u (d) ela; rúgo, resplendor (penas mais belas de na~o própria, baseando-se ele em termos da disposi~ao da penugcm
colada nas retrizes.
todas). Par de retrizes centrais"].
De acordo com vários informantes, a palavra para designar as retrizes
centrais é igualmente burúgo, porém acrescida da partícula ó, que con!o~e "Todos os Kí Bakororo e Jé Kigaduréu usam turubári akiri
a grafía, possui sete conota~oes diferentes (EB-1:823); portanto, os 1nd1os num peda~o (1 / 3) nos dois lados; é kí bía óto akíri (orelha
sempre se referem a ó burúgo: da anta). Todos os Kí Bakororo e Jé Kigaduréu tem que ser
assim. Fala paríko jéke".

"Meio, que tá redondo, o que tá no meio da iá~a é qu_: c~ama ó: Nao me foi possível conseguir á etimología da palavra a fim de
Nóis fala o-iága boiadadáwu,. que tá no me10. Pra nao fala auxiliar na solu~ao do problema que continua confuso. ' Segundo Kadagáre
boíadadáwu, nóis fala ó burúgo." (José Carlos, Merúri, 1973). (Córrego Grande, 1973), jéke é pena pequeninha, o que me levaría a
supor que fosse sornente a 5. ª retriz lateral, inversamente aos informantes
"A primeira iága, que aquele é pena primeira; sempre fica no anteriormente citados que, além des ta retriz, ampliam alguns · também a
meio, aquele coisa é primeiro" (Raimundo, Merúri, 1973). denomina~ao para retrizes maiores.

Obs.: Talvez o informante se refira aqui a primeira pena "Jéke' é pena também, pena de arara. Só do rabo. :E aquela
amarrada, quando da, manufatura de um pariko, que é pequenininha, pena curtinha. Comprida é óia".
urna retriz central no meio da fieira.
Já Xuabore (Córrego Grande, 1973) assim se expressou:
"Como o esteio no meio da ·casa, bái mána gejéwu ípo boiada-
dáwu, com essa pena é a mesma coisa: chama iága boiadadáwu" "/éke é canto; iága-jéke, pena do rabo".
(Ukewái, Merúri, 1973). . .
O problema, desse modo, continua em aberto, levando, porém, essa
2. iága manoréu: o vocábulo máno, além de designar urna marantácea última, formula~ao, a outra indaga~ao: jéke nao seria urna denomina~ao
dos brejos, caeté ou piriri (EB-1:781), cujas folhas sao arredondadas na. dada a·5. ª retriz lateral no produto manufaturado, ou se.ia~ depois do
extremidade, designa também o cilindro feit6 ·com os talos d~ mesma paríko acabado?
planta e usado, sempre em número de dois e em ~uas dim~ns?es d1feren~s,
em jogos e representa~oes (EB-1:781). O suf1xo réu 1nd1ca pos.se ~u
semelhan~a (EB-1:901). Daí manoréu ser, segundo parece, a denom!na~ao
das retrizes cuja morfologia é semelhante a da folha do caet~.. N.a
(EB-1:726), consta porém o seguinte: "iága manoréu == máno, c1hndro
de taos de caeté; réu, suf. semelhante (par de retrizes com a ponta
arredondada como um cilindro de talos de caeté) . .. "

3 . iága jéke: pela nol'llencÍatura das retrizes, obtida por ~ários .inf?r-
mantes, verifica-se a denomina~ao iága-jéke as 3.ª8 e 4.ª 8 later~~s (Joaqu1~­
zinho, 1971), as 3.ªs e 4.ªs (Coqueiro, 1971), as 2.as (Ukewa1, 1971), as
3.ªs, 4.as e s.as (Ukewái, 1973), as 2.ª 8 , 3.ªs e 4.ª8 (Bentinho, 1971, as
5.as (Bentinho, 1973), as 2.as e 3.as (Raimundo, 1973), denoinina~ao esta
nao constante nas explica~oes referentes a nomenclatura das partes de urna
ave na Enciclopédia Bororo (1:726-727), onde a~ pp .. 687 e 728 aparece
como
.
urna variedade de ave, tendo a palavra a grafia. jéki.

- 258 -
- 259 -
AP~NDICE 3

SIGNIFICADO DOS TERMOS·: Bú e Bó (PENA-DE-CONTORNO) (*)

"Kuido e nabúre é bú; kúje, (Jarig6go, todos os outros pássaros é b6"


(Hugo, Córrego Grande, 1971).

· . "Só kúje é bó. Os outros, tem bú e bó: tem ·dia que .41óis fala bú,
outro bú. Nabúre mesmo nóis fala b6, kúje bú" (José Carlos, Metúri, 1973)..

°'Bú é penas da frente, bó é penas das costas. Á penugem inteira é


éwo. Por exemplo, nabúr~ éwo. Kúje, todo ele é éwo (todas as penas),
bó é u~a pena" (Ukewái, Merúri, 1973).

"Quando quer pena de arara tudo junto, sem escolha é bú. Se quer
urna que falta, eu ·quero nabúre áo bó" (nabure == arara vermelha; áo -
cabe~a; bó = pena-de-contorno) (Bentinho, Merúri, 1973).

"Bó = vart. bú: Plumagem das aves, penugem, carapa~a dura de


animais e insetos, revestimento" (EB-I:278).

"Bú = vart. b6: Pelo que reveste a epiderme de animais e homens,


indistintamente~ exceto de felídeos; plumagem, revestimento ... " (EB-1:519) .

.•, ' •''

.
(*) SCgundo informantes e Enciclopédia- Bororo.
. .. .
• <

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- Boe E-wa: alguns comentários sobre a organiz~ao social das 8 . Confecc;ao do suporte .... . ........... . ; .. ... . . 49
Bororo Orientais, manuscrito, 1976a. · 9. Fixa~ao ·das fieiras de penas no suporte .......... . 52
' - O estudo de parentesco e as práticas de nomina~áo entre os 1O. Seqüencia que ilustra o modo como é dada flexibilidade
· índios Bororo. Revista :de Antropologia, 21 :61-68, l.ª parte. ao suporte .................................. . 53
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11 . Técnica de amarrac;áo inversa a da figura 1 ...... l • 58
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65. Geburststag von Helmut Petri. Koln/ Wien, 1973.
13. Fixac;ao das fieiras de penas no suporte (segundo José
- Holzgeschnitzte Menschen leben. Ein Mythologem und seine Carlos) ....... .... .... .. . . . .. ........... .. . . 61
kultische entsprechungen. Ein Beitrag zum Phanomen der antro-
14 . Modelos formais do paríko semi-circular .......... . 63
pomorphen Holzschnitzerei im naturvolkischen Südamerika. Pai-
deuma, pp. 365-443, Band XIX/ XX. Wiesbaden, 1973/ 74. 15 . F onna do pariko Ukigaréu .. . . .. . .... ... .. ..... . 65
- Drei alte, figürlich verzierte Holztrompeten aus Brasilien in 16 . Disposi~ao da penugem no paríko semi-circular . .. . 75
den Museen zu Kopenhagen, Leiden und Oxford. Ethnologische
Zeitschrift, Zürich 1, pp. '17-89, 1977. 17 . Disposic;ao da penugem no paríko ukigaréu .... : .. . 76

- Die Bedeutung des Federschmuckers des südamerikanischen 18 . Composi~áo da segunda fieira no grupo de variedades
Schamanen und dessen Beziehung zur Vogelwelt. Paideuma; retnzes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
23:277-313. 'Wiesbaden, 1977a. 19 . Composic;áo da segunda fieira no grupo de variedades
tectrizes . . . . . . . . . . . . . . . . . .· . . . -. . . . . . . . . . . . . .. . . 89
20. Composi~áo da segunda fieira no grupo de variedades
lascas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149

- 266 - - 267 -
21 . Composic;ao da segµnda fieira no grupo de variedades
mi~ta s (penas + lascas) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150

22. Composic;ao da segunda fieira no grupo de variedades


mistas (lascas + penas) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 INDICE GERAL

Quadros
Introduc;ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . 13
1 . Combinac;ao de retrizes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 Capítulo 1 - Matéria-prima e técnicas de conf~cc;ao de um paríko .. 27
1li;
2. Uso da penugem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
Capítulo 11 - Análise dos .elementos componentes .. ... ...... _. . . 67
3. Retrizes - combinac;6es de fieir~s em re~ac;ao aos iedá-
.
ga-máge . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
Capítulo 111 - A identificac;ao social de um paríko . . . . . . . . . . . . . .. 153
4 . Tectrizes - combinac;ao das fieiras em relac;ao aos
· d a/ga-ma/ge .... .. .... ... ..... ... ........... .
ie 88 Conclusóes .. . ............ .. ...................... . .. .... . 236
5 . a 12 . Lascas/Mistas - combinac;óes de fieiras em
relac;ao aos iedága-máge . . . . . . .... ... . ........ . . 142 Glossário de termos técnicos ...... . ....................... . 245

Glossário de termos indíg~nas ... : . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 247


Modelo de aldeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Apendice 1 - Relac;ao dos artefatos analisados . . . . . . . . . . . . . . . . 249
Códigos
Apendice 2 - Denominac;ao das retrizes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257

1 . Código de clas e de grupo de variedades .. . . .. . . ... · 99 Apendice 3 - Significado dos termos Bú ·e Bó (pena-de-contorno) . . 261
2. Código de aves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Bibliografía . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263
3 . Código de representac;ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
Indice das Ilustrac;oes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267

...

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<

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