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Diferenças sexuais não se importam com ideologias

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23 de setembro de 2023

Livro mostra que certas atitudes e percepções são diferentes entre homens e mulheres
não por meros contextos e pedagogias

Pedro Henrique Alves


- 23 set 2023 18:20

O próprios hormônios e estruturas cerebrais de cada sexo assim programam os indivíduos | Foto:
Foto: Divulgação/iStock

Muito do debate atual sobre diferenças ‒ ou igualdades de ‒ gênero está pautado em


ideologias e militâncias. Ainda que eu acredite que tenha sido o progressismo histérico
que tenha causado essa peleja disfuncional e sem nenhuma base científica séria, a
resposta conservadora também não vem sendo dotada de maior cientificidade e razão
quando, na volúpia de condenar as proposições absurdas do progressismo nesse
campo, ela se vale de dogmas religiosos como chicote e de um senso comum correto,
porém, por vezes, exposto de forma banal e até violenta.

A ideologia de gênero ‒ ou teoria de gênero, como queiram ‒, carrega em seu âmago a


ideologia. Isso quem diz e mostra é sua principal teorizadora, Judith Butler. Em seu
famoso livro Problemas de gênero, vincula de forma radical a pesquisa e problemática de

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gênero às causas identitárias e às filosofias parciais advindas da Escola de Frankfurt e
de outras escolas de ideias agregadas.

Os seus teóricos mais proeminentes parecem deliberadamente dispensar o empirismo


científico para se agarrarem à maleabilidade daquilo que eles definem como cultura e
contexto. Desse modo ‒ e me desculpem os trocadilhos a seguir ‒, estudar de forma
séria a problemática de gênero, hoje, tornou-se um problema muito maior do que a
própria problemática de gênero.

Onde fincar convicções e se balizar se nem mesmo a mais factual das percepções, se
nem mesmo a realidade mais patente, está a salvo da desintegração causada pelas
ideologias relativistas? Se não há certezas fundamentais a que se agarrar, quem tem a
melhor retórica vence no momento, mas vencer, nesse caso, não é garantia de verdade.
Eis, pois, o imbróglio moderno que reveste esse debate.

Tirar a ciência dos diretórios partidários e dos conchavos ideológicos é de uma


urgência cabal.

Assim sendo, a única forma de estudar as diferenças de gênero trata-se de se apoiar em


estudos fundamentados, empíricos, desvinculados de conclusões pré-concebidas ou de
apoios a pesquisas que prescrevem os resultados esperados a fim de endossar
narrativas. Restabelecer, então, o princípio básico de que podemos perceber a realidade
e que a realidade pode ser percebida sem que nenhum ideólogo de ocasião se
apresente como tradutor do óbvio, alquimista do evidente, é o ponto de partida. Tirar a
ciência dos diretórios partidários e dos conchavos ideológicos é de uma urgência cabal.

É isso que se propõe Leonard Sax em Por que gênero importa?; lançado em 2019 pela
LVM editora, sob o ótimo trabalho de tradução de Paulo Polzonoff, o livro já foi
recomendado por grandes nomes tanto no exterior como no Brasil. O autor é formado
em biologia pelo MIT e doutor pela Universidade da Pensilvânia em psicologia clínica.
Ele se especializou em educação familiar e acredita piamente que a educação deveria
tratar as diferenças sexuais como parceiras para o desenvolvimento integral e
responsável dos indivíduos, e não o contrário. Os contextos sociais e familiares deveriam
facilitar os desenvolvimentos psíquicos e biológicos dos indivíduos, e não atrapalhar ou
confundir.

Mulheres e homens são diferentes não porque querem, não porque assim foram
instruídos e doutrinados, mas são assim num aspecto mais basal e profundo, num
terreno estruturante que vem antes da própria política e apreensão contextual.

O que o autor faz, assim, é mostrar que, ao contrário do que o mainstream afirma ‒
incluam-se aqui as grandes universidades e muitos respeitados órgãos científicos
supostamente independentes ‒, existe sim uma vasta literatura científica que apoia não
somente a percepção comum e óbvia das diferenças inatas entre os sexos feminino e
masculino, como tais pesquisas sérias, muitas vezes, colocam os desenvolvimentos
cerebrais e psicológicos em linhas paralelas, sem jamais se cruzarem.

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Sax mostra-nos que certas atitudes e percepções são diferentes entre homens e
mulheres não por meros contextos e pedagogias, mas porque os próprios hormônios e
estruturas cerebrais de cada sexo assim programam os indivíduos. Mulheres e homens
são diferentes não porque querem, não porque assim foram instruídos e doutrinados,
mas são assim num aspecto mais basal e profundo, num terreno estruturante que vem
antes da própria política e apreensão contextual. A suas constituições biológicas os
prepararam para agir, pensar e conjecturar de formas diversas ‒ e não há nenhum
problema nisso, afirma o psicólogo.

Dessa maneira, a distinção alargada e propositalmente confusa que o progressismo faz


entre sexo biológico e gênero percebido é lentamente desmontado no percurso do livro.
Essa distonia atualmente pregada como normalidade, mostra o autor, é um disparate
sem base científica.

Ao ler Por que gênero importa?, entretanto, percebemos que não se trata de uma obra
combativa, isto é, uma resposta pública e afrontosa ao movimento identitarista. É, na
verdade, de uma busca por explicitar de forma clara que as diferenças entre os sexos
não são como o mainstream tenta fazer crer hoje: uma questão de contexto e política, de
dominação e sujeição, as diferenças entre os sexos são profundas, arraigadas,
constituintes e, se trabalhadas de forma sadia e equilibrada, elas são necessárias e
excelentes para a sociedade.

É óbvio que um livro desses, que emprega uma linguagem acessível e apresenta textos
científicos que raramente chegariam ao conhecimento do homem comum, acaba
naturalmente por se tornar uma obra de apoio aos conservadores que combatem ‒ aí
sim ‒, no campo do debate público, as histerias progressistas de gênero. Mas não é seu
intuito declarado.

O próprio The New York Times classificou o livro como “um guia lúcido” sobre as
diferenças cerebrais entre os sexos.

O livro, dessa forma, tem um tom ponderado, escrito sobre uma estrutura científica e
acadêmica robusta que fez até mesmo progressistas sinceros se renderem às suas
conclusões. E, mesmo quando criticado por Mark Liberman, linguista americano formado
na mesma Universidade da Pensilvânia, pelas afirmações sobre as diferenças de
audição e visão, além das conexões cerebrais geradas por emoções em ambos os
sexos, Sax respondeu prontamente e, na segunda edição americana de Por que gênero
importa?, de 2017, reconhecendo que suas afirmações na 1ª edição de 2005 estavam
desatualizadas e imprecisas, reestruturou suas referências e, com acréscimos de dois
apêndices intitulados Diferenças de sexo na audição e Diferenças de sexo na visão,
respondeu a cada crítica de Libermam.

É difícil se tornar alheio à exposição de Sax ao finalizar a leitura, e, talvez, por isso,
tenha sido elogiado até mesmo por progressistas menos radicais. O próprio The New
York Times classificou o livro como “um guia lúcido” sobre as diferenças cerebrais entre
os sexos. A obra parece se justificar, assim, não como uma espada de combate, mas

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como um pressuposto para o conhecimento psicológico dos sexos, dando ao homem e à
mulher comuns um entendimento seguro e estruturado das diferenças inatas de cada
sexo, auxiliando assim os indivíduos no trato comum do dia a dia, na pedagogia familiar
e nos relacionamentos conjugais. Saber que somos estruturalmente diferentes pode nos
ajudar a compreender melhor cada ponto de vista, tomada de ação e reações
sentimentais de nossos parceiros e amigos.

Não tenho a ilusão de que o autor não tenha lá seus motivos políticos e convicções
ideológicas por de trás da obra, entretanto, fato é que não foi a sensação que ele deixou
ao encerrá-la. O livro é isento de rancores militantes e de cutucadas políticas ‒ ainda que
o faça indiretamente sempre que desmonta uma narrativa identitarista simplista e
confusa. Retirando, assim, de forma vigorosa, ainda que educada, o véu ideológico e
perturbado colocado por militantes progressistas durante anos sobre a temática de
gênero, Sax fez um dos favores mais urgentes ao debate contemporâneo: mostrou que o
fato ainda é fato, que a percepção da realidade ainda goza de fundamentos científicos,
pois ainda há ciência que se importa com a verdade para além da ideologia.

4/4

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